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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


HEART OF VENOM / Jennifer Estep
HEART OF VENOM / Jennifer Estep

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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O aguardado nono romance da imensamente popular série Elemental Assassin traz Gin Blanco em uma missão perigosa para resgatar um amigo.
Quando um terror do passado ameaça a amiga de Gin e a cuidadora de corpos, Sophia, Gin não pensar em nada além de protegê-la, mesmo que isso signifique entrar diretamente na armadilha de um assassino. Enquanto isso, o difícil romance entre Gin e Owen chega a um ponto decisivo – eles podem se unir e reacender o amor? Ou será que as coisas que Gin foi forçada a fazer em sua linha de trabalho como a assassina mortal, a Aranha, os manterá separados para sempre? Assumindo, isto é, que ela sobreviva por tempo suficiente para descobrir...

 


 


Capítulo 1

— O que você está falando sobre eu não poder ir?

Inclinei a cabeça para indicar a carga pesada balançando entre nós. — Você realmente quer falar sobre isso agora?

— Não consigo pensar em um momento melhor — respondeu ele, então deixou a metade da sua carga cair no chão.

Larguei a minha metade da carga, coloquei as mãos nos quadris e revirei os olhos pelo tom petulante na voz do meu irmão adotivo. — Você não pode ir porque é um dia de meninas no salão. Nenhum rapaz é permitido. Isso inclui você.

Finnegan Lane bufou, endireitou-se até a altura total de um metro e oitenta, e ajustou cuidadosamente a cara gravata de seda atada em volta do pescoço. — Sim, mas não sou qualquer cara.

Mais revirar de olhos da minha parte, mas Finn me ignorou. Seu ego era praticamente à prova de balas e meus olhares zombeteiros não chegariam a arranhar sua própria arrogância.

— Além disso — continuou ele —, um dia de spa seria mais prazeroso para mim do que para você.

— É verdade — concordei. — Particularmente, eu não me importo com o brilho das minhas unhas ou quão bem arrumado está o meu cabelo.

Finn estendeu as unhas bem cuidadas, estudando-as com um olhar crítico, antes de levantar e gentilmente acariciar os cabelos cor de noz. — Minhas unhas estão boas, mas eu poderia precisar de um corte. Não gostaria de adquirir nenhuma ponta dupla.

— Oh, não — murmurei —, nós não queremos um horror como esse.

Com seu cabelo artisticamente estilizado, terno de grife e sapatos brilhando, Finn parecia ter acabado de sair das páginas de alguma conceituada revista de moda. Adicione a isso seus olhos verdes escuros, feições esculpidas e corpo tonificado e musculoso, e ele era tão bonito quanto qualquer estrela de cinema. A única coisa que arruinava seu visual elegante e polido era o sangue espalhado por toda a camisa branca e paletó cinza – e o corpo deitado aos seus pés.

— Vamos — eu disse. — Esse cara não está ficando mais leve.

Nós dois estávamos no beco atrás do Pork Pit, o restaurante de churrasco que eu conduzia no centro da cidade de Ashland. Uma série de velhas lixeiras de metal amassadas se encontrava em ambos os lados da porta dos fundos do restaurante, cheirando a cominho, pimenta-caiena, pimenta-do-reino e outras especiarias que eu usava para cozinhar, junto com todos os restos de comida e outros lixos que estragaram lá fora no calor de julho. Uma a brisa assobiava entre as partes de trás dos edifícios, trazendo algum alívio temporário da pegajosa umidade e farfalhando vários sacos de papel branco amassados com o logotipo do porco da Pork Pit jogados no chão do beco.

Ignorei os ruídos baixos e ásperos dos sacos e me concentrei no som das pedras ao meu redor.

As ações, pensamentos e sentimentos das pessoas duram mais e têm mais impacto do que a maioria das pessoas percebe, uma vez que todas essas ações e sentimentos ressoam como vibrações emocionais nas pedras ao redor deles. Como uma Elemental de Pedra, eu tenho magia que me permite ouvir e interpretar todos os sussurros do elemento ao meu redor, desde uma britadeira perfurando brutalmente uma fundação de concreto, a chuva e neve lentamente desgastando uma placa na estrada, ou a lamúria coletiva de passageiros correndo em um prédio de escritórios, esperando que seus chefes não gritem por estarem atrasados novamente.

Atrás de mim, a parede de tijolos do Pork Pit soltou suspiros baixos, lentos e satisfeitos, assim como os clientes faziam após terminar um sanduíche de churrasco quente e gorduroso, feijões cozidos e todos os outros pratos sulistas que eu servia diariamente. Algumas notas afiadas de violência trilhavam aqui e ali no tijolo, mas eram tão familiares para mim quanto os suspiros, e não me preocupei com elas. Esta não era a primeira pessoa que eu precisei matar dentro do restaurante, e não seria a última.

— Vamos — repeti. — Tivemos nosso intervalo de movimentação do corpo. Você pega os ombros dele novamente, e eu pegarei os pés. Eu quero colocar esse cara naquela lixeira no beco ao lado antes que alguém nos veja.

— Lixeira? Você fala do refrigerador que Sophia trouxe apenas para que você pudesse manter corpos congelados perto do restaurante com pelo menos um pouco de negação plausível{1} — Finn me corrigiu.

Dei de ombros. — Foi ideia dela, não minha. Mas desde que ela é quem se livra da maioria dos corpos, era uma necessidade dela.

— E por que Sophia não está aqui esta noite para nos ajudar com esse cara?

Encolhi os ombros novamente. — Porque havia algum festival de filmes de James Bond que ela queria ir, então ela tirou a noite de folga. Agora vamos. Chega de enrolar. Vamos.

— Por que eu tenho que agarrar os ombros? — Finn resmungou novamente. — É aí que está todo o sangue.

Eu olhei para seu paletó e camisa arruinados. — Neste momento, eu não acho que isso importe muito, não é?

Finn olhou para as manchas vermelhas em seu peito. — Não, eu suponho que não.

Ele resmungou e soltou alguns suspiros, mas finalmente se abaixou e segurou os ombros do morto enquanto eu agarrava os tornozelos. Até agora, nós tiramos o cara da parte da frente do Pork Pit, e levamos para a parte de trás do restaurante e do lado de fora. Desta vez, nós lentamente nos afastamos da porta dos fundos do Pit e descemos o beco.

Finn e eu havíamos mudado corpos de lugar antes, mas o fato de que esse cara morto era um gigante de dois metros de altura com uma constituição forte e musculosa fez dele um pouco mais pesado do que a maioria, e paramos no final do beco para outra pausa. Limpei o suor da minha testa e olhei para o cara morto.

Meia hora atrás, o gigante estava sentado em uma cabine no restaurante, comendo um cheeseburger duplo de bacon, batata-frita e um grande pedaço de torta de maçã, e conversando com o amigo que ele trouxe. Os dois gigantes eram meus últimos clientes, e eu estava esperando eles saírem para fechar o restaurante. O primeiro cara pagou a conta e saiu sem incidentes, mas o segundo foi até a caixa registradora e me entregou algumas notas de um dólar. Eu contei todas, e no segundo que meus olhos caíram para a caixa registradora, ele deu um soco em mim com seu punho enorme.

Por favor. Como se ninguém tivesse tentado esse truque antes.

Mas esses eram os riscos do trabalho de uma assassina. Sim, eu, Gin Blanco. Proprietária de um restaurante durante o dia. Notória assassina, a Aranha, à noite. Bem, na verdade, era mais como se eu fosse a Aranha o tempo todo agora. Desde que eu matei Mab Monroe, a poderosa Elemental de Fogo que possuía boa parte do crime em Ashland, todo mundo que era alguém no submundo estava procurando por mim. Eu era um curinga na estrutura de poder da cidade, e muitas pessoas achavam que organizar meu assassinato provaria sua coragem para todos os outros. O gigante desta noite era apenas o mais recente de uma longa fila de pessoas que comeram em meu restaurante com a intenção de me matar logo depois de limpar o último pedaço de molho de churrasco em seus pratos.

Desde que Finn estava sentado em um banquinho perto da caixa registradora, ele puxou uma arma debaixo de seu paletó e tentou colocar um par de balas no outro homem, mas o gigante afastou a arma de Finn. Os dois estavam lutando quando contornei o balcão, tirei uma das minhas facas de silverstone, e repetidamente enfiei a lâmina nas costas, nos lados e no peito do gigante, até que ele estivesse morto. Daí o sangue que havia espalhado em Finn – e em mim também, embora a minha camiseta preta de mangas compridas e jeans escuros escondesse a maior parte dele.

— Tudo bem — disse Finn. — Vamos arrastar esse cara pelo resto do caminho. Preciso ir para casa e me limpar antes do meu encontro com Bria hoje à noite.

Eu acabara de começar a me abaixar e segurar os tornozelos do gigante novamente quando um murmúrio de desconforto percorreu a parede de pedra ao meu lado – um sussurro sombrio, cheio de intenção maliciosa.

Parei e examinei o beco à nossa frente. O refrigerador enferrujado de Sophia ficava no outro extremo, com várias lixeiras e latas de lixo menores ao lado, como soldados de lata alinhados contra as paredes. Já passava das oito horas, e o pouco que restava do crepúsculo lavanda estava sendo rapidamente engolido pelas sombras que subiam pelas paredes. Outra brisa passou pelo beco, trazendo os aromas de repolho cozido, frango grelhado e molho picante de amendoim do restaurante tailandês do outro quarteirão.

Finn notou minha hesitação. — O que está errado?

Continuei explorando as sombras. — Eu acho que nós temos companhia.

Ele ajustou a gravata novamente, mas seus olhos passavam para a esquerda e para a direita, assim como os meus. — Alguma pista de quem poderia ser?

Dei de ombros. — Provavelmente o companheiro de jantar do nosso amigo morto.

Finn sacudiu a cabeça. — Mas ele saiu antes que o gigante te atacasse. Mesmo que eles fossem parceiros, uma vez que ele percebesse o que aconteceu com seu amigo, o segundo cara teria fugido daqui o mais rápido que pudesse, caso tivesse o menor fragmento de bom senso...

Um pouco de brilho prateado saiu de trás de uma lixeira à minha direita. Eu avancei e joguei meu corpo em cima de Finn, forçando-nos ao chão.

Crack! Crack! Crack!

As balas voaram sobre nossas cabeças, mas eu ainda peguei minha magia de Pedra e a usei para endurecer minha pele em uma concha impenetrável. Também tentei cobrir tanto do corpo de Finn quanto possível com o meu. Eu poderia ser à prova de balas enquanto usasse minha magia, mas ele não era.

Passos surgiu no beco atrás de mim, indicando que nosso atacante se sentia ousado e confiante o suficiente para se mover em nossa direção. Então...

Crack! Crack! Crack!

Mais balas passaram pelo beco. O cara deve ter ajustado a sua mira, porque eu senti os três projéteis baterem nas minhas costas antes de se perderem na penumbra. Eles teriam acertado meu coração, me matando, e talvez Finn também, se eu não estivesse usando meu poder de pedra. Meu corpo estremeceu com o impacto das balas; depois deixei meus membros ficarem absolutamente frouxos e quietos enquanto me esparramava sobre Finn, como se estivesse tão morta quanto o gigante deitado ao nosso lado.

Eu olhei para Finn, que me deu um piscar de olhos, me dizendo que ele estava bem. Senti a mão dele se esticar e depois cair da minha cintura, assumindo um peso leve e delicado. Finn levantou a mão novamente e eu envolvi meus dedos ao redor dele. Quando puxou a mão, ele me deixou segurando a faca que havia pegado das minhas costas. Deslizei a arma parcialmente na manga, escondendo-a de vista, então fechei os olhos e esperei... Apenas esperei meu inimigo chegar perto o suficiente.

Mais passos se arrastaram no beco, seguidos pelo som áspero e rouco de alguém respirando pela boca. Eu abri meus olhos. Um par de botas cobertas de lama estava plantada bem ao lado do meu rosto. Enquanto eu observava, uma das botas recuou e eu sabia o que viria a seguir.

Com certeza, um segundo depois, a bota do gigante bateu em minhas costelas.

Apesar de estar usando minha magia de Pedra, o golpe ainda doeu, como levar uma bolada rápida no peito, mas mantive meu corpo solto e flexível, como se eu não pudesse sentir isso.

Ainda assim, a força do golpe me derrubou parcialmente de Finn, que grunhiu quando meu cotovelo cavou em seu ombro.

Silêncio. Então...

— Abra seus olhos, menino bonito, ou eu colocarei uma bala no seu crânio — ameaçou o homem armado.

Finn suspirou e eu o vi abrir os olhos e lentamente levantar as mãos. — Tudo bem, tudo bem, você me pegou. Eu ainda estou vivo.

— Eu não me importo com você — o gigante estalou. — Ela está morta? Ou ela está fingindo?

— É claro que ela está morta — Finn retrucou, mantendo as mãos levantadas para que o gigante pudesse dar uma olhada melhor nas manchas de sangue em suas roupas. — Você não vê o sangue em cima de nós dois? Eu tenho sorte que as balas pararam dentro dela em vez de sair e entrar em mim. — Ele estremeceu. — E agora, eu acho que vou vomitar. Então você pode, por favor, apenas rolá-la de mim ou algo assim? Não suporto a visão de sangue.

Se isso não me entregasse, eu teria bufado. Finn não tinha mais problemas com sangue do que eu. Ele simplesmente não gostava de tê-lo espalhado em um de seus preciosos ternos criados pela Fiona Fine.

— Mas você é o parceiro dela — o gigante disse. — Todo mundo sabe disso. Não deveria estar mais aborrecido por ela estar morta?

— Na verdade, eu sou mais como o capanga dela — Finn corrigiu. — Quanto a estar chateado por ela estar morta, bem, ela não é exatamente o tipo de mulher a quem você diz não, se você entende o que quero dizer. Confie em mim. Estou feliz que ela tenha morrido. Emocionado. Em êxtase, até mesmo.

Silêncio. Então...

O gigante chutou minhas costelas novamente. Mais uma vez, fingi não conseguir sentir o golpe brutal e agudo. O gigante continuou com seus ataques, enfiando o pé em minhas costelas, minha canela e até meu ombro. Pensei que ele poderia se inclinar e pressionar a arma contra a minha nuca, puxar o gatilho e tentar colocar um par de balas na minha cabeça, só para ter certeza de que eu estava morta. Mas pela primeira vez, minha sorte durou, e ele não deu o passo final. Talvez estivesse sem balas. Ou talvez ele simplesmente não fosse tão inteligente. De qualquer forma, depois de mais três minutos de confusão e pedidos petulantes de Finn para tirar meu corpo de cima dele, o gigante pareceu comprar meu engodo.

— Eu fiz isso — o cara finalmente disse. — Eu fiz isso! Eu matei a Aranha! Woo-hoo!

Ok, eu pensei que o woo-hoo no final era um pouco demais, mas deixei o gigante aproveitar seu momento de vitória.

Seria a última coisa que ele faria.

— Tudo bem, tudo bem — Finn reclamou novamente. — Agora, você pode, por favor, tirá-la de cima de mim? Sério, cara, eu estou a três segundos de vomitar aqui. Eu sei que você não quer isso em sua bota. — Ele começou a fazer sons de asfixia.

— Tudo bem, tudo bem — o outro homem murmurou. — Apenas pare de se lamentar.

O gigante estendeu a mão, agarrou meu ombro e me virou.

Eu me levantei e o apunhalei no peito por sua consideração.

O gigante gritou de surpresa e virou para o lado, fazendo minha faca deslizar por suas costelas em vez de cortar seu coração. Ele cambaleou para trás e minha faca se soltou de seu peito, sangue jorrando por toda parte. O gigante trouxe seu revólver entre nós e puxou o gatilho.

Clique.

Vazio. Bem, muito ruim para ele. Fatal para ele, na verdade.

Eu me levantei, ergui minha faca e me joguei para frente, mas o gigante antecipou o movimento. Ele pegou meu braço. Dada a sua enorme força, foi fácil para ele me impedir de mergulhar minha faca em seu peito pela segunda vez. Então eu levantei minha mão livre, curvei meus dedos e agarrei seu rosto. O gigante soltou meu braço e esticou o pescoço para trás, tentando proteger os olhos dos meus dedos indiscretos.

— Gin! Abaixe-se! — Ouvi Finn gritar atrás de mim.

Imediatamente parei meu ataque ao gigante e caí no chão.

Crack! Crack! Crack! Crack!

Balas perfuraram o ar onde eu estava, e o familiar cheiro de pólvora misturava-se com o fedor de lixo no beco. Um segundo depois, o corpo do gigante caiu no chão com um baque surdo.

Com a faca ainda na minha mão, eu me levantei e corri até ele, mas não havia necessidade. Finn havia colocado algumas balas no olho direito do gigante e no cérebro dele. Seu corpo já havia se desligado; ele não estava se mexendo.

Eu me virei para olhar para Finn, que tinha a arma cerrada em uma mão. Com a outra mão, ele tirava um pedaço de repolho da manga do paletó. Ele jogou o repolho para o lado com uma expressão enojada e se aproximou de mim.

— Você está bem? — perguntei.

Finn assentiu. — Você?

Eu assenti e cuidadosamente toquei minha lateral. — Terei algumas contusões de onde ele chutou minhas costelas, mas vou até a Jo-Jo a caminho de casa e peço a ela para me consertar. Não se preocupe.

— Falando de Jo-Jo, eu ainda digo que eu deveria ir à festinha de vocês — disse Finn. — Especialmente depois que eu fui tão útil aqui esta noite.

Estreitei meus olhos. — Você começa com isso de novo, e eu lidarei com três corpos em vez de apenas dois.

Finn me deu um olhar ferido, mas depois de um momento, ele suspirou e guardou a sua arma no coldre. — Bem, pelo menos este já está na metade do caminho para o refrigerador — resmungou ele.

Eu sorri para ele. — Veja? Não somos nada se não eficientes.

Finn murmurou algumas palavras escolhidas em voz baixa, mas se abaixou e pegou os ombros do gigante e eu agarrei os seus tornozelos. Nós levamos os dois homens até o refrigerador para esperar por Sophia e suas habilidades de descarte de corpo.

Não era o primeiro despejo de corpo que fazíamos – e certamente não o último.


Capítulo 2

 

Dois dias depois, no sábado, os gigantes mortos ainda estavam no refrigerador, mas eu me encontrava em um lugar muito mais agradável e mais caloroso: um salão de beleza.

O salão ocupava a metade de trás de uma antiga casa de fazenda, e a área tinha uma sensação caseira e acolhedora, embora confusa. Vidros de esmalte e batom estavam em um balcão, junto com frascos de tinturas de cabelo, shampoo e condicionador. Aninhados entre as banheiras e garrafas, havia pincéis, pentes, bobes, rolos, tesouras, e todos os outros itens que você poderia pensar que iria desembaraçar, suavizar, arrumar, enrolar, trançar ou cortar o cabelo. Pilhas de revistas de beleza cobriam as mesinhas espalhadas aqui e ali no cômodo, os modelos radiantes nas capas lisas e lustrosas, como se aprovassem todos os tratamentos de beleza que poderiam ser obtidos aqui.

Eu relaxava em uma das cadeiras de salão vermelho-cereja quando algo quente, molhado e um pouco áspero tocou meu pé. Eu me inclinei para um lado, e Rosco, o basset hound de Jo-Jo, lambeu meus dedos novamente, então me deu um olhar esperançoso. Estendi meu pé e o esfreguei. Rosco soltou um alto e satisfeito suspiro e desmoronou em uma poça enrugada de pele preta e marrom, perfeitamente feliz em me deixar esfregar sua barriga redonda pelo tempo que eu quisesse.

— Fique quieta, querida — Jo-Jo arrastou enquanto passava outra camada de esmalte nas minhas unhas. — Estou quase terminando.

Rosco e o salão eram o orgulho e a alegria de Jolene Jo-Jo Deveraux, a anã Elemental do Ar que me curava toda vez que eu era golpeada, esfaqueada, espancada ou magicamente até a morte como a Aranha. Dada a minha atual notoriedade no submundo de Ashland e a legião de pretensos assassinos que me atacavam, eu estava aqui mais dias do que não. Então, novamente, eu estaria aqui de qualquer maneira, já que Jo-Jo era uma figura materna para mim e parte da minha enorme família.

Como estávamos tendo um dia de garotas no salão, eu renunciei as minhas costumeiras mangas compridas, jeans e botas em favor de uma blusa vermelha, short branco e um par de sandálias pretas que foram imediatamente chutadas para um canto quando cheguei uma hora antes. Jo-Jo, no entanto, gostava de se vestir, e ela usava um de seus mais lindos vestidos cor-de-rosa, junto com seu costumeiro colar de pérolas. Seu cabelo loiro-branco estava enrolado, sua maquiagem suave e discreta teria envergonhado qualquer rainha da beleza, e seus pés descalços mostravam a perfeita pedicure framboesa que ela acabara de dar a si mesma.

— Sabe, você realmente não precisa fazer minhas unhas — eu disse. — Você deveria estar relaxando hoje também.

Jo-Jo levantou a cabeça e me deu um olhar divertido. Linhas de riso se espalharam pelos cantos de seus olhos claros e quase sem cor. — Você fez toda a comida, querida. Isso é mais trabalho do que isso aqui. Além disso, gosto de te mimar, Gin. Você não separa tempo suficiente para si mesma. Especialmente não nos dias atuais.

— Eu sei, eu sei — eu disse. — Mas é uma pena que você esteja deixando minhas unhas tão arrumadas e bonitas quando elas provavelmente estarão lascadas a essa hora amanhã. Ou provavelmente antes de eu sair daqui hoje. Eu nunca pareço ser capaz de manter o esmalte por muito tempo.

Levantei minha mão. Jo-Jo pintou minhas unhas curtas com um vermelho profundo e escuro, o qual era definitivamente a minha cor. Se nada mais, ajudaria a esconder o sangue que seguramente mancharia minhas mãos na próxima vez que algum idiota tentasse me matar.

— Bem, eu tenho que concordar com Jo-Jo — uma voz leve e melodiosa entrou na conversa. — Prefiro ter sua comida a uma manicure qualquer dia. Essa torta de mousse de chocolate é de morrer, Gin.

Olhei para a minha direita, onde minha irmãzinha cavava seu garfo em um pedaço da dita torta. Assim como eu, a detetive Bria Coolidge vestira-se hoje de camiseta azul-clara, bermuda cinza e sandálias marrons, embora ainda estivesse bonita, com cabelos loiros, pele rosada e olhos azuis centáurea. Mas só porque Bria estava fora de serviço não significava que ela não estivesse armada. Eu sabia que sua arma e seu distintivo dourado de detetive estavam enfiados na enorme bolsa de palha que ela trouxe, assim como minhas facas estavam dispostas na mesa do bufê ao alcance fácil.

Bria deu outra grande mordida na torta e soltou o mesmo suspiro de satisfação que Rosco soltara um minuto atrás. — O que você fez além da torta? — perguntou ela, seus olhos indo de um prato coberto na mesa para o próximo.

— Bem, desde que são apenas meninas hoje, decidi fazer tudo — respondi. — Há a torta de mousse de chocolate que você está desfrutando atualmente, junto com algumas trufas de chocolate, biscoitos com gotas de chocolate e morangos, kiwis, abacaxis e mangas com chocolate amargo e ao leite.

Bria deu um sorriso irônico para mim. — Estou sentindo um tema de chocolate.

Retornei seu sorriso com um dos meus. — Você pode dizer isso. Mas também há comida de verdade, para o caso de nos cansarmos da sobremesa. Além disso, Roslyn está trazendo alguns legumes frescos de seu jardim.

Jo-Jo olhou para o relógio na parede, que tinha a forma de uma nuvem inchada, sua runa e o símbolo da sua magia de Ar. — Onde está Roslyn?

Roslyn Phillips, outra de nossas amigas, também deveria vir ao salão hoje, junto com Sophia Deveraux, irmã mais nova de Jo-Jo.

Bria acenou com o garfo no ar. — Ela me ligou esta manhã e disse que estaria um pouco atrasada, que deveríamos prosseguir e começar sem ela.

— E você foi para a comida primeiro. Você está pegando alguns dos maus hábitos de Finn — provoquei. — Como foi o seu encontro com ele na outra noite?

O rubor de fogo de Bria me contou tudo que eu precisava saber. — Eu invoco a quinta ementa — murmurou ela, e deu outra mordida na torta.

— Bem, quando você terminar com isso, venha aqui, querida, e me diga a cor que você quer em suas unhas — disse Jo-Jo.

Minha irmã assentiu, mas seus olhos estavam fixos no suporte de bolo que estava cheio com as frutas banhadas em chocolate. Bria voltou sua atenção para o bufê enquanto Jo-Jo tampava o esmalte que ela tinha usado nas minhas unhas. Ela havia começado a se inclinar para colocar o frasco em uma bandeja com os outros quando ela fez uma pausa e franziu a testa. Ela olhou para os frascos de esmalte, mas seus olhos estavam nublados e desfocados, como se não estivesse realmente vendo, como se ela não estivesse realmente vendo o que estava na frente dela.

— Jo-Jo? — chamei. — Algo está errado?

A anã usava sua magia para curar feridas, mas seu poder também lhe deu um pouco de premonição, como fazia com a maioria dos Elementais do Ar. Enquanto as pedras sussurravam para mim todas as coisas que as pessoas fizeram em certo local, a brisa assobiava no ouvido de Jo-Jo sobre todas as coisas que as pessoas poderiam fazer no futuro.

Jo-Jo balançou a cabeça, fazendo seus suaves e flexíveis cachos saltarem antes de se acomodarem no lugar. O olhar vago e nublado desapareceu de seus olhos, embora ela tenha colocado a mão contra a têmpora direita e começado a massagear um ponto ali, como se de repente ela tivesse uma dor de cabeça.

— Não posso exatamente entender isso — disse ela. — Eu apenas... Tive um mau pressentimento nestes últimos dias. Na verdade, já faz mais do que alguns dias. Mais como desde aquela bagunça no Briartop algumas semanas atrás.

Eu fiz uma careta. Jo-Jo estava sendo gentil. Bagunça não descrevia adequadamente o que aconteceu no museu de arte Briartop, quando uma gigante implacável chamada Clementine Barker decidiu usar sua equipe de subordinados para roubar a exposição em homenagem a Mab Monroe – e tentar me matar.

Claro, eu matei a velha Clem e sua família de gângsteres, mas minhas vitórias tiveram um preço: Jillian Delancey, a mulher inocente que morreu porque teve a má sorte, estúpida e fatal de estar usando o mesmo vestido que eu usava naquela noite, fazendo com que um dos homens de Clementine a confundisse comigo e atirasse nela.

Jo-Jo notou que eu estava franzindo a testa, e se inclinando, deu um tapinha na minha mão. — Não se preocupe, querida. Provavelmente não é nada. Às vezes eu tenho esses pressentimentos onde parece que algo ruim vai acontecer a qualquer momento. Na maioria das vezes, acaba por ser nada mais do que um pouco de azia. — Apesar de suas palavras, seus olhos ficaram novamente turvos e perturbados mais uma vez. — Eu vou apenas... Ficarei contente quando Sophia estiver aqui.

Como Roslyn, Sophia estava um pouco atrasada esta manhã, desde que queria se livrar dos dois gigantes mortos no refrigerador. Eu dera a todos os funcionários do restaurante o dia de folga com pagamento, para que Sophia e eu pudéssemos aproveitar nosso tempo no salão, e eu disse a Sophia que os corpos dos gigantes poderiam esperar outro dia, ou pelo menos até depois do nosso encontro no salão, mas ela insistiu que iria se desfazer deles esta manhã. Ou talvez estivesse simplesmente sendo prática. As probabilidades eram de que alguém mais me atacaria no Pork Pit em algum momento nos próximos dias, e, bem, aquele refrigerador só poderia conter alguns corpos. Como foi, Finn e eu tivemos que empacotar os dois gigantes como pedaços de quebra-cabeças, apenas para que pudéssemos fechar a tampa.

Sophia havia eliminado dezenas de corpos para mim e para meu mentor, Fletcher Lane, antes de eu ter assumido o negócio de assassinato do velho homem. Ela podia lidar com dois gigantes com os olhos vendados e uma mão amarrada atrás das costas. Mas Jo-Jo parecia tão preocupada que eu peguei a mão dela e dei um aperto suave, com cuidado para não manchar o esmalte que ela passou nas minhas unhas.

— Você quer que eu ligue para Sophia e veja onde ela está?

Jo-Jo sacudiu a cabeça. — Não, tudo bem. Como eu disse, provavelmente é só azia. Acho que tomei café de chicória demais feito por Finn esta manhã. Aquela coisa arrancará seus dentes da boca de tão forte que é.

Ela me deu um sorriso alegre, pegou a bandeja de plástico, colocou no colo e começou a vasculhar os muitos frascos de esmalte. Jo-Jo levantou primeiro uma cor de rosa, depois outro, tentando achar um que ela achava que Bria poderia gostar, mas as cores alegres fizeram pouco para iluminar meu humor.

Talvez fosse o jeito que as sobrancelhas esculpidas de Jo-Jo estavam franzidas em preocupação, ou talvez fosse a rapidez com que seu sorriso deu lugar a um franzir de testa quando ela pensou que eu não estava mais olhando. Eu não podia ver o futuro como ela, mas Jo-Jo esteve certa sobre muitas coisas no passado para que eu descartasse seu medo como nada mais do que uma sobrecarga de cafeína. Se ela achava que algo sinistro estava se formando no horizonte, então sem dúvida, o vento estava soprando nuvens de tempestade em nossa direção agora.

 

* * *

 

Apesar do meu desconforto, a próxima meia hora passou em um borrão de conversa alegre e boa comida. Jo-Jo abriu uma das portas na parede do fundo do salão, e Rosco se levantou obedientemente e saiu lentamente para fazer seu negócio de cachorro. Bria finalmente terminou sua torta e se sentou no meu lugar na cadeira do salão para que Jo-Jo pudesse fazer as unhas dela enquanto esperávamos que Roslyn e Sophia chegassem.

Eu andei até a mesa do bufê, empilhando meu prato e pegando um pouco de tudo. A salada de frango frito com mini rolinhos de pão. As batatas fritas salgadas, crocantes e caseiras. E então, é claro, a torta de mousse, que derreteu na minha língua, com um rico sabor pecaminoso, decadente e delicioso, como se eu estivesse comendo uma leve e espumosa nuvem de chocolate delicioso. Eu havia levantado cedo naquela manhã para fazer tudo isso, mas valeu a pena. Cozinhar era uma paixão, uma chance de mostrar às pessoas com quem eu me importava exatamente o quanto eu as amava – e um jeito de lidar com o que me incomodava.

Como a morte de Jillian Delancey.

Não pela primeira vez, o rosto de Jillian surgiu diante dos meus olhos. Cabelos castanhos escuros, olhos escuros, enorme sorriso. Tudo se foi por minha causa, por causa da sorte que parecia se deliciar em brincar comigo uma e outra vez.

— O que você está pensando, Gin? — perguntou Bria, andando até mim e acenando suas unhas rosa morango no ar para ajudar a secá-las.

Desviei o olhar da parte da parede que eu estava olhando sem rumo para o prato de comida que coloquei na mesa. — Estou pensando que eu deveria ter colocado um pouco mais de sal kosher nas batatas fritas.

Bria balançou a cabeça, fazendo seus cabelos loiros brilharem como fios de ouro na luz do sol entrando através das janelas. — Não, você não está. Você está pensando em outra coisa, algo importante. O que aconteceu no Briartop? Ou é em Owen?

Fiz uma careta com a menção de Owen Grayson, meu, bem, eu não sabia exatamente o que Owen e eu éramos nesses dias. Não estávamos juntos, mas também não estávamos tão distantes quanto antes. Owen levou Jillian à festa de Mab no museu. Ela era amiga dele e colega de trabalho, e queria ser mais, embora Owen tivesse me dito que ele não pensava nela assim. De qualquer maneira, Jillian acabou morta por minha causa – a segunda mulher associada com Owen a encontrar esse destino em questão de semanas.

Bria pôs a mão no meu braço. — Você sabe que pode falar comigo, certo? Sobre qualquer coisa?

Assenti. Eu sabia disso, embora sempre me surpreendesse. Depois de anos pensando que Bria estava morta, ela reapareceu em minha vida alguns meses atrás. Não era fácil, ela sendo uma policial e eu uma assassina, mas nós estávamos fazendo funcionar, e estávamos mais próximas agora do que nunca.

— Eu sei, e aprecio isso. O que posso dizer? Eu gosto de pensar na minha comida.

Bria riu, mas então seu rosto ficou sério, como se ela quisesse me perguntar algo. Ela começou a brincar com o pingente de silverstone em volta da garganta. Uma prímula, o símbolo da beleza, sua runa.

Observá-la mexer com seu colar fez meus dedos se enroscarem nas palmas das minhas mãos, tocando as cicatrizes em minha pele, um pequeno círculo de cada lado, cada marca cercada por oito raios finos. O mesmo símbolo também estava estampado no meio do anel de silverstone que eu usava no dedo indicador direito. Minha runa, uma runa de aranha, o símbolo da paciência – e tantas outras coisas para mim.

Isso também tinha sido um colar, até que Mab usou sua magia de Fogo para superaquecer o silverstone e derreter o pingente em minhas mãos, sua maneira eficaz e brutal de me torturar e me marcar mais do que qualquer um de nós sabia na época.

— Gin? — perguntou Bria.

Afastei minhas memórias. — Eu sinto muito. Estive fora por um minuto. Havia algo que você queria me perguntar?

Bria respirou fundo, mas antes ela que pudesse me dizer o que estava em sua mente, o som da porta da frente se abrindo de repente a interrompeu. Um momento depois, passos soaram. Eu reconheci o passo forte como pertencente a Sophia, mas o estranho era que não soava como se ela estivesse andando normalmente. Em vez disso, uma série de arranhões raspava o piso de madeira, como se Sophia estivesse puxando um dos pés, mas movendo-se rapidamente ao mesmo tempo. Antes que eu pudesse decifrar por que ela andava assim, ela apareceu na entrada do salão.

Jo-Jo pode ser uma doce dama sulista com seus vestidos rosa, esmaltes e pérolas, mas Sophia tinha um estilo diferente: gótico. Hoje, como de costume, ela usava preto da cabeça aos pés – botas, jeans e camiseta com um grande par de lábios carmesins enrugados. Um colar de couro carmesim cravejado com silverstone rodeava sua garganta, e seu batom era de um preto suave que combinava com seu cabelo.

Normalmente, eu achava o estilo gótico de Sophia sombrio, mas também legal, peculiar e descolado. O problema agora é que suas roupas pretas me impediram de perceber o sangue em seu braço e perna por vários segundos cruciais.

— Sophia? — perguntei.

Seus olhos negros encontraram os meus, e vi algo que eu nunca vi antes: medo.

— Corra — falou Sophia, sua voz baixa e quebrada.

Então ela desmoronou sem outra palavra.


Capítulo 3

 

— Sophia? — chamou Jo-Jo. — Sophia!

Jo-Jo deixou cair o frasco de esmalte que ela estava segurando. O vidro se espatifou no chão, salpicando o líquido rosa morango brilhante em todos os lugares, mas Jo-Jo não percebeu enquanto passava correndo por nós, até onde Sophia estava. Bria e eu começamos a avançar também, mas demos apenas dois passos quando a porta da frente se abriu novamente, como se alguém a tivesse chutado violentamente e a lançado voando contra a parede. Um segundo depois, soaram mais passos, vários conjuntos, todos pesados, barulhentos e determinados, todos se dirigindo em nossa direção.

Qualquer que fosse o problema em que Sophia havia entrado, a seguiu para casa.

Bria e eu nos entreolhamos, então nós duas nos lançamos em direção à mesa do bufê. Bria foi para a arma na bolsa de palha debaixo da mesa, enquanto eu pegava minhas facas de silverstone em cima da mesa. Mas antes de alcançarmos às nossas armas, seis homens invadiram o salão, todos carregando armas.

Dois dos homens agarraram Jo-Jo e a puxaram para longe de Sophia. A anã tentou revidar, mas os homens eram fortes, e eles facilmente a levantaram e a prenderam contra a parede mais próxima. Mais dois homens estavam em cima de Sophia, apontando suas armas para ela enquanto outro deu um passo à frente, enfiou a mão no cabelo dourado de Bria, e a puxou contra seu corpo. O sexto homem agarrou meu braço esquerdo e olhou para mim, mas não me arrastou para longe da mesa do bufê. Seu primeiro erro... E o último.

Se fosse apenas eu, teria ido imediatamente ao ataque, agarrando minhas facas e usando-as para cortar os homens até que não restassem mais nada a não ser pedaços sangrentos. Mas eu não podia fazer isso, não quando eles apontavam armas para Bria, Jo-Jo e Sophia. Minha magia de Pedra evitaria que eu levasse um tiro no peito, mas o poder de gelo de Bria e o de ar das irmãs Deveraux não o faria. Não, eu tinha que ser esperta sobre as coisas e esperar o momento certo para atacar. Talvez eu até mantivesse um dos homens por tempo suficiente para questioná-lo. Porque eu queria saber para quem esses bastardos trabalhavam e quem os enviou atrás de mim. Essa era a única razão pela qual eu pude pensar em por que eles invadiriam o salão de Jo-Jo: porque eles sabiam que a Aranha estava aqui, e seu chefe queria a minha cabeça como um prêmio.

Olhei friamente para os homens. Eles eram de diferentes formas, tamanhos e cores, mas eram todos fortes, elegantes e bronzeados, como se passassem muito tempo ao ar livre. Meu olhar caiu para as mãos, as quais eram ásperas, bronzeadas e calejadas. Quem quer que fossem eles, estavam acostumados ao trabalho físico pesado, o que parecia estar em desacordo com a formalidade de suas roupas. Todos usavam ternos marrons antiquados, junto com camisas brancas engomadas, pesadas botas marrons e chapéus fedoras marrons combinando. Todos juntos me lembraram de algum tipo de gangue Roaring Twenties{2}, do tipo que contrabandeava bebida ilegal durante a Lei Seca{3}.

Meu olhar foi para a arma que o homem que me segurava havia empurrado na minha lateral, um revólver antiquado. O tipo de arma de mão grande e robusta, que colocaria um buraco de bom tamanho em qualquer um – anão, gigante, vampiro, Elemental. Eles não estavam brincando quando se tratava de suas armas. Bom para eles.

Ruim para eles que usaram as armas para invadir o salão de Jo-Jo. Uma coisa era me atacar no Pork Pit ou até na casa de Fletcher. Eu esperava isso atualmente. Mas meus amigos, minha família, estavam fora dos limites – ponto final. Talvez eu deixasse um dos homens viver por tempo suficiente para rastejar de volta até o seu chefe para dizer isso a ele. Ou talvez eu entregasse a mensagem pessoalmente – junto com os corpos dos homens.

Um dos caras de pé sobre Sophia se virou e gritou por cima do ombro. — Nós as temos, chefe! Tudo está limpo agora!

Então o chefe também estava aqui. Bom. Isso me pouparia o esforço de rastreá-lo mais tarde ou deixar algum de seus homens vivos.

Dessa vez, em vez de bater na parede, a porta da frente da casa se abriu lentamente. Soaram mais passos – lentos, deliberados e cautelosos – e outro homem atravessou a entrada e entrou no salão.

Ele tinha um metro e oitenta de altura e seu corpo era tão denso que parecia ter sido esculpido em granito. Seus músculos moviam com cada respiração que ele tomava, enquanto seu peito largo parecia duro o suficiente do outro lado da sala. Ele não era alto o suficiente para ser considerado um gigante, e seu corpo tinha a construção robusta e entroncada que estava associada aos anões. A menos que eu tivesse falhado em meu palpite, ele tinha o sangue de ambas as raças em sua árvore genealógica, dando a ele o melhor dos dois mundos, o tamanho de um gigante e a musculatura resistente de um anão.

Ao contrário dos outros homens, ele estava vestindo um elegante terno cinza com um par de suspensórios vermelhos que espreitavam debaixo de seu paletó. Um chapéu cinza com uma pluma vermelha e fofa enfiada na aba, lançando em seu rosto uma sombra sinistra. Suavemente, ele tirou o chapéu, revelando cabelos finos e negros que foram penteados para trás em uma tentativa vã de esconder uma careca florescente. Seus olhos eram castanhos escuros e sua pele era morena escura. Linhas franziam a testa e sulcavam sua boca, mas eu não conseguia ter uma noção real da sua idade. Ele poderia ter cinquenta anos. Ele poderia ter cento e cinquenta anos, ou mais, dependendo de quanto sangue de anão ele pudesse ter.

Mas a coisa mais perturbadora era o fato de que ele exalava magia.

Dezenas de bolhas pequenas, quentes e invisíveis começaram a explodir contra a minha pele no segundo em que o homem entrou no salão, como fósforos sendo acesos perto e depois esfaqueados nos meus braços nus. A sensação irritante e ardente me dizia que ele provavelmente era muito forte em seu poder de Fogo, dada a forma como as bolhas quentes continuavam aparecendo e estalando contra a minha carne. Cerrei meus dentes para evitar grunhir com a sensação horrível de sua magia.

O líder examinou seus homens. Ele assentiu, aparentemente satisfeito com a forma como eles tomaram o controle da situação. Então ele deu um passo para o lado e percebi que não estava sozinho. Uma mulher o seguira até o salão.

A mulher usava um vestido vermelho antigo que poderia ter saído diretamente de algum filme de gangster, com um par de saltos de gatinho{4} preto de couro envernizado. Seu cabelo preto estava enrolado em ondas contra seu crânio, e um fino par de presilhas de diamante brilhavam em seus cabelos escuros. Ela tinha os olhos e pele morena como o líder, e era óbvio que eles eram parentes, embora parecesse um pouco mais jovem. Seu corpo também era mais alto e muito mais magro do que o dele, como se ela tivesse conseguido mais do gigante do que o sangue dos anões da árvore genealógica. Além disso, ela emitia o mesmo tipo de magia de Fogo que o líder, e seu poder aparentemente ainda mais forte do que o dele.

A mulher olhou primeiramente para Sophia, depois para Jo-Jo. Ela nem se incomodou em olhar para Bria ou para mim. Seu olhar voltou para Sophia e ficou lá, e ela sorriu, seus dentes brancos como papel contra os lábios escarlates.

Enquanto isso, o líder alisava muito mais o cabelo preto e colocava um sorriso agradável no rosto, como se estivesse passado para uma visita cortês. Ele deu um passo à frente e uma coisa curiosa aconteceu. Em vez de ir até mim e dizer que finalmente iria matar a Aranha, ele também me ignorou completamente e se moveu na direção de Jo-Jo.

Ele parou bem na frente dela e sorriu ainda mais, revelando uma fileira de perfeitos dentes brancos. — Sra. Deveraux, que prazer vê-la novamente. Já faz muito, muito tempo. — Sua voz era fria e culta, mas eu pude detectar uma leve vibração nela, como se ele tivesse algum sotaque caipira que se esforçava para esconder.

— Não o suficiente — rosnou Jo-Jo. — Eu sei por que você está aqui, e você, seus homens, e essa sua irmã distorcida, podem dar o fora da minha casa.

Ele suspirou e balançou a cabeça, como se essa reação violenta o entristecesse. — Eu pensei que os últimos cinquenta anos ou mais poderiam ter deixado você mais razoável, mas eu posso ver que não é o caso.

Jo-Jo não se incomodou em responder. Em vez disso, ela cuspiu na cara dele.

Todos congelaram, exceto Jo-Jo, que cuspiu no rosto do líder novamente. Ela começou a fazer uma terceira vez, mas um dos homens que a segurava empurrou a arma ainda mais para a lateral dela e acionou o gatilho. Jo-Jo parou de cuspir, mas levantou a cabeça e deu ao líder um olhar que era totalmente de ódio mortal.

Jo-Jo se orgulhava de suas maneiras, e me chocou vê-la fazer algo tão grosseiro, tão violento e fora de sua personalidade. Bria ergueu as sobrancelhas para mim, tão surpresa quanto eu, mas balancei a cabeça um pouquinho em resposta. Eu não sabia quem era o homem ou porque Jo-Jo olhava para ele desse jeito. Mas uma coisa estava clara. Isso não era sobre mim, mas eu acabaria com isso.

A mulher do vestido vermelho se aproximou e levantou a mão para que ficasse nivelada com o rosto de Jo-Jo. Ela esfregou o polegar e o indicador juntos, e brasas sibilavam entre as pontas dos dedos como se estivesse segurando um diamante. Mais e mais daquelas bolhas invisíveis estalaram contra a minha pele quando a mulher alcançou ainda mais de sua magia de Fogo.

— Deixe-me matá-la — a mulher falou em uma voz que era ainda mais pronunciada do que a do líder. — Ou, pelo menos tirar um dos olhos dela. Ela merece isso por insultar você assim.

— Não, Hazel — disse o líder, tirando um lenço de seda cinza do bolso da calça e usando o tecido para limpar o cuspe do rosto. — Deixe-a em paz por agora.

Hazel lhe lançou um olhar azedo, mas relutantemente soltou sua magia, abaixou a mão e afastou-se da Jo-Jo.

O homem guardou o lenço na calça. Ele retirou a mão e um pedacinho de papel saiu do bolso e foi para o chão. Ele não pareceu notar, no entanto. Então novamente, era provavelmente apenas um pouco de lixo. Assim como ele.

— Você terá que me perdoar. Eu teria estado aqui mais cedo, mas estive ocupado nestes últimos meses. Os negócios estão crescendo desde a morte da senhora Monroe, como eu tenho certeza que você pode imaginar.

Negócios? De que tipo de negócio ele falava? E o que isso tem a ver com Mab?

Ele fez uma pausa, como se esperasse que Jo-Jo respondesse, mas ela continuou em silêncio.

— De qualquer forma — continuou ele —, finalmente consegui me preparar e voltar para Ashland. Eu tenho tentado fazer isso por um tempo agora. Desde que soube que nosso amigo em comum, o senhor Lane, falecera no ano passado. Uma vergonha ele ter sido torturado até a morte.

Eu fiz uma careta. O assassinato de Fletcher não era segredo, mas havia algo de sinistro na maneira como o líder falava sobre ele, como se a morte do velho fosse algo que ele esperasse por um longo, longo tempo. Ele disse que conheceu Jo-Jo cerca de cinquenta anos atrás. Teria conhecido Fletcher naquela época também? Os dois foram inimigos todos esses anos?

Ainda mais ódio queimou nos olhos de Jo-Jo, fazendo parecer que ela tinha dois pedaços de quartzo branco brilhando em seu rosto. — Você não é meu amigo, Harley Grimes. Você nunca foi, e nunca será. Assim, saia da minha casa. Você não foi bem-vindo naquela época, e com certeza não é bem-vindo agora.

Mantive meu rosto em branco, mas minha mente estava pensando na identidade do homem. Harley Grimes. Eu já tinha ouvido esse nome antes, quando Jo-Jo me contou como ele sequestrou e torturou Sophia anos atrás. Grimes até forçou Sophia a respirar fogo elemental, arruinando suas cordas vocais.

Meu olhar se voltou para Sophia, que ainda estava deitada no chão. Ela me encarou de volta e, mais uma vez, vi o medo em seus olhos – medo não apenas por si mesma, mas por todos nós. Ela sabia do que Harley Grimes era capaz de fazer melhor do que qualquer outra pessoa.

Assim, voltei minha atenção para os homens que nos cercavam, procurando por quaisquer pontos fracos que eu pudesse explorar. Alguns segundos de desatenção, um tremor na mão de uma arma, algo, qualquer coisa, que daria abertura para atacar – ou pelo menos me deixaria entre Grimes e todos os outros.

Grimes sorriu novamente e soltou uma risada suave e sinistra. — Claro que te deixarei em paz, Sra. Deveraux. Eu não sou um monstro, afinal. Além disso, finalmente consegui o que eu queria... O que você e o Sr. Lane tiraram de mim todos aqueles anos atrás.

Ele se afastou de Jo-Jo e apontou a cabeça para os dois homens que guardavam Sophia. Eles se aproximaram e levantaram a anã gótica. Sophia fez uma careta e apertou a mão na coxa esquerda. Sangue havia encharcado sua calça jeans preta e mais sangue escorria do ferimento de bala no braço esquerdo, que aparecia por baixo da manga da camiseta. Grimes, Hazel e seus homens devem ter atacado em algum lugar, talvez no beco atrás do Pork Pit, e colocaram algumas balas nela, tentando subjugá-la para que pudessem sequestrá-la. Sophia deve ter conseguido escapar e veio avisar à Jo-Jo. Mas Grimes sabia exatamente aonde ela iria, e a seguiu para terminar o que havia começado.

— Oh, Sophia — ronronou Grimes. — Como eu senti sua falta.

Ele estendeu a mão, como se fosse acariciar a bochecha dela, mas Sophia estalou, tentando morder os dedos dele. Grimes afastou a mão no último segundo, seu rosto cheio de descrença, como se não entendesse por que ela não aceitaria o toque dele após ele lhe dar um tiro e ameaçar sua irmã. Ele a observou por um momento, depois, casualmente, estendeu a mão e lhe deu um tapa no rosto.

O estalo agudo reverberou pela sala como um estrondo de trovão e o impacto forte e brutal fez Sophia cambalear para trás, junto com os dois homens que a seguravam. Oh, sim. Grimes definitivamente era forte, graças ao seu sangue gigante e anão.

Mas, pior ainda, ele colocou um pouco de sua magia de Fogo no golpe, e as chamas brilharam entre eles enquanto a sua pele tocou a dela. O fedor de carne queimada encheu o salão. Depois de um momento, Sophia levantou lentamente a cabeça. A marca da mão de Grimes foi queimada em sua bochecha esquerda como uma marca.

Ainda mais magia de Fogo cintilou em seus olhos, fazendo-os queimar um marrom escuro e perigoso. — Eu esperava que pudéssemos começar em termos melhores desta vez, mas vou gostar de ensiná-la a se comportar ao meu redor mais uma vez. Parece que você esqueceu.

As narinas de Sophia queimavam de raiva, mas essa era a única resposta dela.

O homem que segurava meu braço estremeceu diante da ameaça de Grimes, como se tivesse recebido a ira de seu líder no passado. Ele estava tão ocupado olhando para Grimes que não percebeu quando levei minha mão direita para trás, alcançando a mesa do bufê. Meus dedos deslizaram pela superfície lisa até que senti algo frio, duro e metálico. Eu me estiquei um pouco mais, passando a ponta do dedo na borda do metal e arrastando-o na minha direção.

Minha mão se fechou em torno da minha faca um segundo depois. Aumentei meu aperto, sentindo a runa de aranha no cabo pressionar contra a cicatriz maior e combinando na minha palma. Owen fizera essa faca para mim, e eu ia gostar de colocá-la em bom uso em Grimes, Hazel, e seu bando de criminosos.

— Deixa-a em paz, Grimes — falou Jo-Jo rispidamente. — Sophia não pertence a você. Ela nunca pertenceu, e ela nunca pertencerá.

Grimes se virou para encará-la novamente. — Parece que você esqueceu algo também, Sra. Deveraux. Que eu pego o que quero e o que eu quiser será meu. E sinto a falta de Sophia há muito tempo agora.

— Você não sairá daqui com ela — rosnou Jo-Jo novamente. — Não enquanto eu ainda estiver respirando.

Grimes a observou por um longo momento. — Bem, eu tenho que admirar seus instintos protetores, se nada mais. Mas este problema tem uma solução muito simples, muito fácil.

— E o que seria isso? — perguntou Jo-Jo.

Ele sorriu, exibindo seus dentes perfeitos novamente. Eu sabia o que ele ia fazer, mas antes que eu pudesse me mover, antes que pudesse reagir, antes que eu pudesse detê-lo, Grimes colocou a mão no paletó, tirou uma arma e atirou no peito de Jo-Jo.


Capítulo 4

 

A bala acertando o corpo de Jo-Jo a soltou dos homens que a seguravam. Ela ofegou de dor, e sua cabeça bateu contra a parede, mas ela não caiu.

Então Grimes atirou nela novamente.

Dessa vez, os pés descalços de Jo-Jo deslizaram e ela caiu no chão do salão de beleza.

Bria, Sophia e eu avançamos, lutando para nos livrar dos homens que nos seguravam, mas uma bola de magia do Fogo ganhou vida na mão de Hazel. Ela se virou no meio do salão, rindo, a saia de seu vestido vermelho ondulando ao redor dela como ondas de sangue.

— Dê-me uma razão — disse ela, sorrindo para todas nós por sua vez, sua magia fazendo seus olhos brilharem com uma luz sombria e sádica. — Qualquer razão, absolutamente.

Olhei para Sophia, mas ela balançou a cabeça para mim. Ela não queria que Bria ou eu levasse um tiro – ou pior, que Hazel fizesse o que queria. Eu cerrei meus dentes em frustração, mas parei de lutar. Eu tinha a minha família para pensar, e havia muito perigo de Hazel queimar Bria ou Sophia até a morte antes que eu pudesse matá-la. Sem mencionar o fato de que Grimes e o resto de seus homens poderiam começar a atirar em nós a qualquer momento.

Sophia percebeu que eu parei de lutar – por enquanto – e ela apontou cuidadosamente o dedo indicador direito para Jo-Jo, então ergueu as sobrancelhas negras para mim em uma pergunta silenciosa. Ela queria que eu salvasse sua irmã mais velha, não importando o que acontecesse com ela nesse meio tempo. Sophia estava disposta a se sacrificar pelo resto de nós. Ela sabia que quanto mais cedo Grimes e seus homens saíssem com ela, mais cedo Bria e eu poderíamos ajudar Jo-Jo. Meu coração apertou com força, mas acenei para ela, dizendo a ela que eu entendi.

Grimes olhou para Jo-Jo, seu rosto perfeitamente calmo e composto. Ela estava caída contra a parede, a saia sobre os joelhos, as pernas estendidas em um ângulo estranho. Sua respiração saía ofegante, dolorosa e entrecortada, e suas mãos apertavam com força as duas feridas de bala no peito. Sangue escorria entre os seus dedos, escorrendo e pintando rosas vermelhas feias em seu lindo vestido rosa. Manchas escarlates também cobriam as pérolas brancas em torno de sua garganta.

Eu esperava que ela pudesse usar sua magia Ar e se curar com ela, mas percebi que não sabia se ela poderia realmente fazer isso. Mesmo que pudesse, talvez a dor fosse simplesmente grande demais para que ela pudesse concentrar-se em sua magia, ou talvez usar seu poder de Ar agora minaria a pouca força - e vida - que ela tinha.

Quando Grimes teve certeza de que Jo-Jo não se levantaria, ele gesticulou para alguns de seus homens. — Vocês quatro, fiquem para trás e assegurem-se de que a Sra. Deveraux morra, e depois nos sigam no segundo carro. Estou cansado de vê-la viva.

O olhar dele focou em mim, depois em Bria, e ele sorriu de novo. — Não há pressa, no entanto. Eu tenho o que queria, então levem alguns minutos para se divertirem com essas duas, se quiserem. Só tenham certeza de que elas não serão capazes de falar com ninguém sobre isso depois do ocorrido.

Os quatro homens soltaram risos sombrios e encantados com a ideia de estuprar e matar Bria e eu, mas eles não eram tão frios e sinistros quanto a raiva negra batendo no meu coração. Ignorei os homens e olhei para Bria. Os olhos azuis da minha irmã brilhavam de raiva. Balancei a cabeça para ela, e ela acenou. Nós sabíamos o que precisávamos fazer agora.

Grimes recolocou a arma sob o paletó, então, galantemente, posicionou o chapéu de feltro na cabeça. Ele inclinou-se e zombeteiramente estendeu o chapéu para Jo-Jo. Ela olhou para ele o melhor que pôde, mas seus olhos estavam vítreos e levemente desfocados de dor.

— Eu diria até nos encontrarmos novamente, mas nós dois sabemos que isso não acontecerá — disse Grimes. — Mas não se preocupe, Sra. Deveraux. Eu cuidarei muito bem de Sophia para você. Assim como eu fiz antes. Na verdade, pretendo dar a ela toda a minha atenção nos próximos dias e semanas. Afinal de contas, temos muito tempo perdido para compensar.

Jo-Jo fez um som estrangulado, mas Grimes já havia lhe dado as costas.

Ele atravessou a porta do salão e apontou o dedo para os dois homens ainda segurando Sophia, que aumentaram o aperto nela e começaram a arrastá-la para a porta. Hazel ficou de lado, observando, aquela bola de fogo mágica ainda queimando em suas mãos.

Mas Sophia não iria sem uma briga. Ela agarrou-se a um lado do batente da porta, segurando com uma mão e estendendo a outra para sua irmã.

— Jo-Jo! — murmurou ela, um lamento queixoso em seu tom rouco e baixo que eu nunca ouvi antes. — Jo-Jo!

— Sophia! — gritou Jo-Jo, esticando uma mão e estendendo para ela.

Os dois homens tinham as mãos ao redor da cintura de Sophia, tentando arrastá-la, mas a anã era mais forte do que eles, e ela poderia ter se mantido para sempre – se a madeira não tivesse quebrado.

Em um segundo, Sophia estava pendurada na porta. No seguinte, a madeira se estilhaçou em um longo do fragmento, fazendo-a voar para o corredor com os homens. Eles aterrissaram em um emaranhado de braços e pernas, os homens gritando e Sophia rosnando.

— Agora, agora. Não vamos ter nada disso — disse Hazel.

Entrando no corredor, ela agarrou Sophia pelos cabelos, puxou-a para cima e bateu a bola de magia de Fogo nas costas dela. Sophia gritou, mas depois de um momento, as chamas lambendo sua camiseta foram apagadas. Sophia tinha magia de Ar, assim como Jo-Jo, e ela estava usando seu poder para afastar o Fogo de Hazel.

Mas não funcionou.

Assim que as chamas desapareceram, mais Fogo ganhou vida na palma de Hazel, e ela empurrou nas costas de Sophia, fazendo-a gritar mais uma vez. Isso deu aos dois homens com quem ela lutava uma chance de voltar para ela e começar a arrastá-la pelo corredor.

Sophia lutou contra eles, lutou contra eles com toda a força e magia que tinha, mas não foi o suficiente. Não com Hazel queimando uma e outra vez e rindo todo o maldito tempo. Quanto mais Sophia lutava, mais magia a Elemental de Fogo usava nela, e mais ela gargalhava de alegria, até que suas risadas leves e divertidas ecoavam por toda a casa.

Cadela sádica.

Por mais que fosse difícil e doloroso, eu afastei o som dos gritos de agonia de Sophia da minha mente e me concentrei nos quatro homens que ficaram no salão. Eles não estavam nem um pouco preocupados com a batalha elemental no corredor. Os dois homens que estavam guardando Jo-Jo começaram a chutar a anã, aumentando os ferimentos dela, enquanto os dois homens segurando Bria e eu decidiram ouvir o conselho de Grimes e ter algum divertimento conosco.

O homem que me guardava aumentou seu aperto no meu braço, seus dedos cavando na minha pele. — Não se preocupe, querida — disse ele, olhando para mim. — Eu te tratarei muito bem.

— Sério? — eu disse. — É isso mesmo?

Ele me puxou contra seu corpo. — Oh sim. Eu a tratarei tão bem que você estará implorando por mais.

Eu sorri friamente para o rosto dele, em seguida, tirei minha mão direita de trás de mim e apunhalei-o na garganta com minha faca. Puxei a arma tão brutalmente quanto a dirigi e segui meu primeiro golpe fatal com outro soco furioso em seu coração. Ele estava morto antes de cair no chão.

Ele não seria o único, no entanto, não por muito tempo.

Empurrei o homemmorto para longe, peguei outra faca na mesa do bufê atrás de mim e segui para o homem com Bria. Ele ficou tão surpreso com o que aconteceu com seu amigo que ficou boquiaberto comigo. Não percebeu que Bria abaixou a mão para o lado ou a luz branca azulada que tremeluzia na palma da mão enquanto ela alcançava sua magia de Gelo.

Bria enfiou o cotovelo na lateral do sujeito, fazendo-o grunhir, soltá-la e cambalear para trás. Mas ela não queria deixá-lo ir embora. Em vez disso, ela se virou, agarrou o paletó dele, puxou-o para frente e enfiou a mão no rosto dele com um movimento suave.

Então ela soltou sua magia sobre ele.

O brilho branco azulado de seu poder de Gelo se intensificou, brilhando como uma estrela, uma sensação de frio explodindo pelo salão, mais frio que qualquer dia de inverno. Um segundo depois, a luz desapareceu e Bria soltou o homem. Ele bateu no chão, com toda a cabeça envolta em dois centímetros de gelo elemental. Se ele já não estivesse morto pelo extremo e súbito congelamento, ele sufocaria em breve. Eu já me virava para os dois homens chutando Jo-Jo, mas fiz uma anotação mental para dizer a Bria o quanto fiquei impressionada com sua criatividade – e crueldade – daquela exibição de seu poder. Eu teria que me lembrar desse truque em particular.

Os dois últimos homens finalmente perceberam que Bria e eu estávamos lutando. Um pouco mais espertos e rápidos do que seus amigos, eles levantaram suas armas e dispararam contra nós.

Crack! Crack!

Bria e eu mergulhamos para se esconder atrás de duas das cadeiras do salão. As balas acertaram as cadeiras, enviando tufos de tecido branco e fofo para o ar como neve. Bria conseguiu pegar sua bolsa de palha na confusão, e rapidamente a derrubou e agarrou a arma escondida. Ela segurou a arma com a mão direita enquanto outra bola de gelo elemental pulsava em sua palma da mão esquerda.

Crack! Crack! Crack!

Os homens continuaram atirando em nós.

— Vá! — gritou Bria. — Pegue Sophia! Eu vou te cobrir!

Eu odiava deixá-la no meio de uma briga, mas ela estava certa. Nós precisávamos salvar Sophia.

Eu assenti para Bria. — Agora! — gritei.

Nós duas nos levantamos de trás das cadeiras do salão. Os homens levantaram suas armas para atirar em nós novamente, mas Bria recuou e jogou a magia de Gelo na direção deles, fazendo com que se abaixassem para sair do caminho da explosão gelada. Ela seguiu levantando sua própria arma e disparando contra os homens enquanto eu corria pela porta.

Hazel e os outros dois homens já tinham conseguido arrastar Sophia para fora. Facas na mão, eu corri pela casa e saí correndo pela porta da frente aberta. Pulei da varanda e atravessei o gramado, meus pés descalços esmagando a grama.

Uma grande van branca estava na entrada da garagem, estacionada em um ângulo aleatório atrás do clássico conversível de Sophia e um sedan bege que não reconheci. Hazel já havia entrado no assento do motorista da van e ligara o motor. Sophia ainda lutava com os dois homens na parte de trás do veículo enquanto Grimes olhava, aparentemente não querendo deixar seu terno ou suas mãos sujas. Não me incomodei em gritar para os homens soltarem Sophia. Eles fariam isso assim que eu os matasse – e Grimes e Hazel também.

Grimes deve ter me visto correndo na direção dele com o canto do olho, porque ele virou minha direção. Ele franziu a testa e me considerou por um momento, como se estivesse surpreso por eu ter conseguido passar por seus homens e sair.

Então ele jogou uma magia de Fogo em mim.

As chamas riscaram o ar, parecendo queimar mais e mais intensamente conforme se aproximavam do gramado. Eu não tinha tempo para abaixar, não se eu quisesse salvar Sophia, então usei minha magia de Pedra para endurecer minha pele enquanto o Fogo elemental me envolvia.

A força escaldante do calor me deteve, e foi necessária toda a minha concentração para manter meu próprio poder para que não fosse incinerada. Grimes não era tão forte quanto Mab, mas sua magia ainda carregava uma grande força.

Eu não queria desperdiçar segundos preciosos caindo no chão e rolando para sufocar as chamas, então, sendo um dos raros elementais que foi presenteado com não uma, mas duas magias, desta vez eu peguei o meu poder de Gelo. Enviei uma explosão de magia e usei meu poder frio para apagar o fogo tentando queimar minha pele. As chamas imediatamente congelaram em estranhas formas retorcidas, arranharam meu corpo e mergulharam no chão, como gelo caindo de um telhado. O gelo frio sibilou quando entrou em contato com as brasas quentes e a grama fumegante sob os pés. Eu corri novamente.

Aparentemente impaciente com a falta de progresso de seus homens, Grimes agora lutava com Sophia. Ele não se incomodou em olhar para mim para ver se eu ainda estava de pé. Ele parecia confiante o suficiente em sua magia para acreditar que uma explosão de fogo era suficiente para me matar. Idiota.

Grimes agarrou Sophia e bateu a cabeça dela na lateral da van. Ela continuou lutando contra ele, então ele bateu a cabeça dela no metal novamente, forte o suficiente para fazer um corte. Ela desabou no chão, inconsciente. Grimes facilmente a pegou e a jogou na parte de trás da van.

— Pare! — gritei, tentando distraí-lo o tempo suficiente para chegar até Sophia. — Pare!

Ele olhou por cima do ombro para mim e franziu a testa novamente, como se eu fosse algum inseto incômodo que ele já havia golpeado para longe. Ele gesticulou para seus homens, e eles se moveram da calçada para a beira do gramado em frente a casa. Fui em direção a Grimes, mas seus homens se colocaram entre nós dois, e eu não tinha escolha a não ser passar por eles para chegar até ele.

Então apertei minhas facas e me lancei na luta.

Os homens pegaram suas armas, mas não lhes dei a chance de atirar. Cortei a mão com arma do homem à minha direita, então girei e fiz a mesma coisa para o segundo homem. Ambos grunhiram de dor e surpresa, mas estalaram as mãos, prontos para me baterem até a morte. Eu não me importei. Eu andava de um lado para outro entre eles, girando de um lado para o outro, cortando o primeiro homem, depois o segundo, até que eles pareciam um par de piñatas, apenas com sangue e tripas saindo em vez de doces.

Finalmente consegui matar um dos homens na minha frente. O outro seguiu um momento depois, me dando um caminho limpo para a van e para a Sophia presa lá dentro.

— Sophia! — gritei, correndo em direção ao veículo. — Sophia!

Hazel engatou a van e fez um retorno em U no meio do gramado de Jo-Jo. Os pneus atiraram grama e sujeira, e a van derrapou, mas Hazel conseguiu controlá-la. Ela me deu um sorriso maligno antes de acelerar.

Larguei minhas facas e corri atrás da van, me jogando para frente, tentando usar minha velocidade e movimento para segurar uma das maçanetas da porta traseira, mas não fui rápida o suficiente para pegar o veículo, e meus dedos perderam as alças por vários centímetros.

Eu caí de cara no chão.

Minha magia de Pedra suavizou a queda, mas eu ainda sentia o impacto contundente através de todo o meu corpo. Ainda assim, afastei a dor, rolei para frente e me levantei. Eu não estava desistindo...

Mas cheguei tarde demais.

A van passou pela entrada da garagem, guinchou por uma curva à direita, e saiu correndo de vista... Levando a minha amiga junto.


Capítulo 5

 

Respirei fundo e comecei a correr novamente. Talvez eu pudesse pegá-los antes que eles saíssem do bairro...

— Gin!

Eu parei e virei. Bria estava na varanda da frente, coberta de sangue.

— É Jo-Jo! — gritou ela novamente. — Entre aqui! Rápido!

Olhei por cima do ombro. Neste ponto, a van foi embora. Eu não consegui pegar Grimes e Hazel, e não consegui salvar Sophia.

Não consegui salvá-la.

— Gin! — gritou Bria novamente. Meu coração queimava de raiva, culpa e vergonha, mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso agora. Então eu respirei outra vez, peguei minhas facas de onde caíram na calçada e voltei correndo para a casa.

Uma vez que Bria percebeu que eu ia até ela, ela voltou correndo para dentro. O medo torceu meu estômago em nós apertados e dolorosos, e me obriguei a me mover ainda mais rápido. Pulei para a varanda, corri pelo corredor e entrei no salão. Bria já estava agachada ao lado de Jo-Jo. Rosco também estava lá, com a cabeça peluda descansando no colo da anã. Ele deve ter voltado para dentro enquanto eu perseguia Sophia. Ele soltou um gemido baixo e melancólico quando me viu, implorando para que eu ajudasse a dona que ele tanto amava.

Jo-Jo estava no mesmo lugar de antes, encostada na parede, com a cabeça pendendo para um lado, os olhos claros abertos, sangue por todo o peito.

O medo, a culpa e o pesar rugiram para a vida dentro do meu peito, borbulhando como lava prestes a entrar em erupção de um vulcão. Minhas facas escorregaram dos meus dedos dormentes e caíram no chão. Eu me inclinei pela dor cruel e lancinante, pelo pensamento de que Jo-Jo havia partido, morta, assassinada – que eu falhei com ela assim como fracassei com Fletcher quando não fui capaz de salvá-lo de ser torturado até a morte dentro do Pork Pit.

Então Jo-Jo virou a cabeça lentamente em minha direção e olhou para mim, seus olhos brilhantes e nublados com dor, confusão e medo... Por sua irmã.

— Sophia... — sussurrou Jo-Jo, sua voz baixa e fraca. — Grimes...

Alívio me inundou; tão afiado, frio e agridoce que me tirou o fôlego. Meus joelhos se dobraram e eu me ajoelhei no chão ao lado dela.

— Não se preocupe com isso agora — eu finalmente disse em um tom áspero e embargado. — Apenas tente relaxar.

Olhei para as feridas de Jo-Jo, e meu alívio desapareceu, substituído mais uma vez por aquela mescla de medo, culpa e dor. Grimes atirou nela duas vezes, e ele fez as duas balas contarem. Dois feios buracos marcavam a carne dela, perto do coração. Cada um fatal. A única razão pela qual Jo-Jo ainda estava viva era que ela era uma anã, e seus músculos densos impediram que as balas rasgassem seu coração. Mas ela estava sangrando com cada respiração superficial que tomava, e não demoraria muito até que sangrasse completamente.

Bria trouxe uma toalha que ela agarrara de algum lugar e pressionou contra as feridas de Jo-Jo, tentando estancar a perda de sangue. Eu me levantei, passei por cima dos homens mortos e comecei a vasculhar todas as bandejas de plástico cor-de-rosa no balcão, derrubando garrafas de shampoo, tubos de batom e sacos de bobes de esponja rosa da superfície em meu frenesi apressado e desesperado para encontrar algo que ajudaria Jo-Jo. Finalmente, meus dedos se fecharam sobre uma pequena lata de metal, com uma runa de nuvem inchada pintada em branco na parte superior e delineada em um azul profundo e vibrante.

Tirei a tampa da lata e caí ao lado de Jo-Jo novamente. — Aqui — eu disse a Bria. — Isso vai ajudar.

Ela afastou a toalha das feridas, pegou Rosco e o tirou do caminho. Peguei uma das minhas facas do chão e usei para cortar o vestido de Jo-Jo, para que pudesse ter melhor acesso aos ferimentos. Então mergulhei meus dedos ensanguentados na lata, que estava cheia de uma pomada clara que tinha um aroma doce e suave de baunilha. Inclinei-me e passei cuidadosamente a substância por todo o peito de Jo-Jo, tentando não causar mais dor do que o absolutamente necessário, mas ela ainda estremecia com o roçar de meus dedos contra sua pele.

Os Elementais de Ar não só podiam curar as pessoas com sua magia, mas eles também podiam imbuir coisas como loções, líquidos e cremes com seus poderes, como Jo-Jo fizera com essa lata de pomada. Agora eu estava esperando que ela tivesse colocado o suficiente de sua magia de cura na pomada transparente para ajudar a salvá-la.

Eu prendi a respiração enquanto a pomada aderia lentamente na sua pele. Ela não juntou as bordas pretas e esfarrapadas dos buracos, mas diminuiu e finalmente parou a perda de sangue – por enquanto. Os ferimentos de Jo-Jo eram profundos e sérios, e não demoraria muito para que a magia do Ar na pomada desaparecesse e as feridas começassem a sangrar novamente, e isso se uma das balas não continuasse sua jornada até o coração dela nesse meio tempo.

Mais uma vez, aquele medo quente e agonizante de que eu a perderia aumentou dentro de mim, mas eu implacavelmente o esmaguei, focando no que precisávamos fazer para salvá-la.

— Temos que levá-la a um curandeiro, para outro Elemental do Ar — eu disse. — Agora mesmo.

— Mas quem? — perguntou Bria.

Rosco voltou para o lado de Jo-Jo e choramingou novamente, como se estivesse fazendo a mesma pergunta.

Quem? Os Elementais do Ar não eram tão raros, mas eles também não cresciam exatamente em árvores. Sem considerar o fato de que nem todo Elemental do Ar usava seu poder para curar. Alguns, como Sophia, o usava para destruir, rasgar a pele e os ossos e devolver as moléculas ao nada. Meu coração apertou novamente ao pensar em Sophia e o que ela poderia estar experimentando nas mãos de Grimes agora, mas afastei aqueles sentimentos doentios e culpados. Primeiro, eu precisava salvar Jo-Jo. Então eu poderia ir atrás de Sophia e derramar toda a minha fria ira sobre Harley Grimes pelo que ele fez com as irmãs Deveraux.

Jo-Jo tossiu, como se estivesse tentando dizer alguma coisa. Inclinei-me para mais perto para poder ouvir o que ela estava me dizendo.

— Coop... — ela finalmente sussurrou —... Er.

Levei um momento para colocar as sílabas juntas. — Cooper?

A cabeça de Jo-Jo pendeu para o lado, o que eu tomei como um sim.

Bria franziu a testa. — Cooper? Cooper Stills? Você acha que ele pode curá-la?

Cooper era amigo especial de Jo-Jo. Bem, eu suspeitava que eles fossem um pouco mais que amigos, mas isso não importava agora. Apenas o fato de que ele tinha magia de ar. Cooper era um ferreiro por profissão, então eu não sabia quão bom ele era em curar. Ainda assim, eu sabia que ele faria o máximo para salvar Jo-Jo, de qualquer maneira que ele pudesse.

 

* * *

 

Com mais ou menos um metro e meio, Jo-Jo era alta para uma anã, e era pesada por causa de seu físico corpulento. Todos os músculos grossos e fortes a salvaram de ser imediatamente morta pelas balas de Grimes, mas eles não estavam fazendo nenhum favor a ela agora, porque Bria e eu não tínhamos a força nos braços para movê-la tão rapidamente quanto precisávamos. Tudo o que realmente podíamos fazer era seguir cuidadosamente adiante com ela alguns passos de cada vez – tempo que Jo-Jo não tinha.

Desde que Bria tinha os ombros de Jo-Jo e eu tinha seus tornozelos, fiz uma careta, pensando em como Finn e eu havíamos movido os corpos dos gigantes alguns dias antes, atrás do Pork Pit. E agora aqui estava eu, fazendo exatamente a mesma coisa com Jo-Jo. Foi uma das sensações de ironia mais cruéis e mais doentias que já experimentei.

E outra coisa pela qual eu ia matar Harley Grimes.

— Não chegaremos a lugar nenhum assim — Bria finalmente disse. — Ponha ela no chão. Eu tenho uma ideia.

Mordi o lábio, querendo gritar com o atraso, e ela notou minha hesitação. Rosco soltou outro gemido, espelhando minha frustração.

— Confie em mim — disse ela.

Eu assenti e nós lentamente abaixamos Jo-Jo para o chão salpicado de sangue. Uma vez que isso foi feito, Bria se moveu na frente da anã, como se ela fosse sair do salão pelo corredor, embora tenha acabado se agachando ao lado dos pés descalços de Jo-Jo. Ela colocou as mãos no chão, e a luz branca azulada de sua magia vazou de debaixo das palmas das mãos. Uma explosão de poder encheu o salão e rolou por toda a casa, e minha própria magia de Gelo se agitou em resposta à sensação bem-vinda e familiar do poder frio e gelado da minha irmã. Um segundo depois, a luz e a sensação da sua magia desapareceram.

— Pronto — disse ela, ficando de pé. — Talvez isso ajude a tornar mais fácil movê-la.

Olhei para o corredor, que agora se assemelhava a algum tipo de caverna de cristal. Minha irmã usou sua magia para cobrir o chão do salão até a porta da frente com uma polegada de gelo elemental.

— Podemos arrastá-la ao longo do gelo mais fácil e mais rápido do que podemos carregá-la — explicou Bria.

Fiz uma careta novamente com o pensamento, mas depois eu assenti. — Você está certa. Não é bonito, mas acho que funcionará.

Voltamos para Jo-Jo, nós a pegamos novamente e nos arrastamos para frente até que ela estivesse no corredor. Então nós a colocamos na pista de gelo. Os cristais frios queimaram as solas dos meus pés descalços, mas não me importei. Tudo o que importava era salvar Jo-Jo. Bria e eu nos inclinamos, cada uma agarrando uma perna de Jo-Jo.

Então a puxamos pelo gelo.

Bria estava certa. Com a superfície lisa, fomos capazes de nos mover mais rápido do que se ainda estivéssemos tentando carregar Jo-Jo. Rosco trotou ao nosso lado, suas unhas pretas cavando no gelo por tração.

Ainda estávamos cautelosas, porém, tentando não a empurrar mais do que o necessário. Eu odiava fazer isso com Jo-Jo, arrastá-la como se ela fosse apenas outro corpo que eu precisava eliminar, mas não tínhamos escolha, não se quiséssemos levá-la para Cooper antes que fosse tarde demais.

Jo-Jo não emitiu um som o tempo todo, embora eu soubesse quanta dor ela deveria estar sentindo, não apenas de suas feridas, mas também com o pensamento do que Grimes faria com Sophia. Em vez disso, ela fixou o olhar no teto. As nuvens pintadas ali combinavam com a névoa branca que enchia os seus olhos.

Mas o que fez meu estômago apertar foi a mancha escarlate deixada no gelo, como longas e finas garras tentando arrancar os cristais. Eu não sabia dizer se as manchas eram do sangue que cobria as roupas de Jo-Jo ou se suas feridas começaram a sangrar de novo. Não importava muito, já que eu não conseguiria fazer nada sobre isso, de qualquer maneira.

Nenhuma maldita coisa.

Jo-Jo não ia morrer, eu jurei. Eu não deixaria isso acontecer. Eu já perdi minha mãe; minha irmã mais velha, Annabella; e Fletcher. Eu não perderia Jo-Jo também. Não assim, e não por causa de um sujeito distorcido, sujo e podre como Harley Grimes.

Quando chegamos ao fim do corredor, Bria se abaixou e enviou outra onda de cristais de gelo, cobrindo a varanda da frente.

Nós tínhamos puxado Jo-Jo para a varanda e começado a pegá-la novamente para carregá-la escada abaixo quando um carro parou na entrada da garagem na frente da casa. Fiquei tensa, pensando que talvez Grimes e Hazel tivessem voltado atrás de seus homens, afinal, ou talvez até de Bria e eu. Mas depois de um momento, reconheci o Audi prateado e percebi a quem ele pertencia.

Uma mulher abriu a porta do lado do motorista, desceu e deu a volta no carro. Como Bria e eu, ela estava vestida com uma camiseta preta, bermuda cáqui e sandálias pretas de tiras, mas as roupas simples pareciam melhorar o volume generoso de seus seios, suas pernas tonificadas e todas as curvas exuberantese encantadoras. Ela empurrou os óculos de sol na cabeça para segurar o cabelo preto. O sol brilhante iluminou a cor rica de sua pele e olhos caramelos, realçando ainda mais sua beleza.

Roslyn Phillips nos deu um aceno feliz e se dirigiu para a varanda, de alguma forma não notou os homens mortos deitados na grama à sua esquerda.

— O que vocês estão fazendo aqui fora? — perguntou ela. — Pensei que vocês estariam no salão, onde está fresco...

Então ela finalmente percebeu o sangue em Bria e eu, e o fato de que Jo-Jo estava deitada na varanda entre nós. O sorriso escorregou do seu rosto, os olhos se arregalaram, e a boca abriu em surpresa e crescente horror.

— Gin? — perguntou Roslyn numa voz hesitante.

— Abra a porta do carro! — gritei para ela. — Agora!

Roslyn não fez nenhuma pergunta, e se apressou ao redor do carro, abria a porta traseira do passageiro e tirando a cesta de legumes que estava ali. Tomates, pimentões, pepinos e mais caíram do recipiente e rolaram pela calçada. Uma vez feito isso, ela correu para a varanda. Bria e eu começamos a nos inclinar para pegar os ombros e tornozelos de Jo-Jo novamente, mas Roslyn nos afastou.

— Não se preocupem — disse Roslyn. — Eu a tenho.

Ela se agachou e pegou Jo-Jo, como se a anã não pesasse mais do que uma criança pequena. Foi bizarro, ver a esbelta Roslyn segurando a corpulenta Jo-Jo nos braços, mas não era totalmente inesperado. Roslyn não era uma Elemental, não como Bria e eu éramos, mas ela era algo ainda melhor nessa situação: um vampiro.

Meus olhos se estreitaram. — Você tem bebido o sangue de Xavier.

Como todos os vampiros, Roslyn precisava beber sangue para viver, mas ela tirava mais do que apenas vitaminas e nutrientes dele. Dependendo do sangue de quem ela bebia, um vampiro poderia absorver tudo, desde a magia Elemental de Fogo até a resistência de um anão, de um copo gelado de O-negativo. Mesmo o velho sangue humano regular era suficiente para dar à maioria dos vampiros sentidos aprimorados e força acima da média. Uma vez que Xavier, o companheiro de Roslyn, era um gigante, simplesmente fazia sentido que ela fosse forte o suficiente para pegar Jo-Jo.

Roslyn assentiu. — Xavier diz que beber o sangue dele faz com que ele se sinta melhor comigo trabalhando no clube até tão tarde. Ele acha que se eu tiver a força dele, ou pelo menos uma parte dela, então é a melhor alternativa para ele nas noites quando ele está trabalhando na batida policial com Bria.

— Lembre-me de agradecê-lo por isso — murmurei.

Roslyn rapidamente carregou Jo-Jo até seu carro e manobrou-a para o banco de trás enquanto Bria voltava correndo para dentro da casa. Subi ao lado de Jo-Jo e Rosco espremeu-se no chão, cobrindo meus pés descalços com o corpo quente e rechonchudo. Alguns segundos depois, Bria reapareceu e sentou no banco do passageiro da frente, com os braços cheios de toalhas.

— Para onde? — perguntou Roslyn, entrando no banco do motorista.

— A casa de Cooper Stills — eu disse. — Comece indo para o norte. Vou lhe dar instruções à medida que avançamos.

— Entendido.

Peguei a mão ensanguentada de Jo-Jo quando Roslyn engatou o carro, recuou, virou e saiu da entrada da garagem.


Capítulo 6

 

Enquanto nós corríamos em direção à casa de Cooper, Bria me passou as toalhas que ela pegou do salão. Usei a toalha para manter uma pressão firme nas feridas de Jo-Jo, que começaram a sangrar de novo, apesar da pomada de cura que eu havia usado nelas.

— Quem fez isso? — perguntou Roslyn, virando seu carro suavemente em uma curva acentuada. — E por quê?

Bria balançou a cabeça. — Não sei. Nós estávamos no salão, comendo e conversando, quando esses caras invadiram a casa. Aparentemente, eles seguiram Sophia até lá. Eles a levaram e atiraram em Jo-Jo. Gin e eu matamos alguns dos homens no salão... — ela olhou por cima do ombro para mim.

— E eu acabei com mais dois do lado de fora da casa — eu disse, terminando a história. — Mas eles ainda conseguiram levar Sophia.

Roslyn me olhou no espelho retrovisor. — Gin?

— O nome dele é Harley Grimes — rosnei. — E ele é um homem morto, porra.

Eu não disse mais nada, mas Roslyn e Bria trocaram um olhar. Elas ouviram a vingança na minha voz, e sabiam exatamente o que isso significava.

Ao som do nome de Grimes, Jo-Jo soltou um gemido baixo e debilmente se debateu contra mim. Coloquei a mão ensanguentada na testa dela e afastei algumas mechas de seu cabelo, tentando acalmá-la. Apesar da violência sofrida, seus cachos loiro-brancos ainda estavam tão perfeitos e macios como sempre, exceto pelas gotas de sangue em seu rosto.

— Shh — eu disse. — Tudo bem. Não tente conversar. Estamos a caminho de Cooper agora. Ele poderá curar você.

Pelo menos, essa era minha esperança. A única coisa que eu já ouvi falar de Cooper fazendo com sua magia era usar isso para ajudá-lo a construir armas, esculturas e fontes na sua forja de ferreiro. Mas ele tinha magia de Ar, e era a melhor chance de Jo-Jo sair dessa viva.

A única chance dela.

Jo-Jo soltou outro gemido baixo, mas as nuvens que ainda flutuavam através de seus olhos lentamente se separaram e ela concentrou seu olhar em mim.

— Gri... Grimes... — sussurrou ela. — Isso foi... Ele. Ele finalmente... Voltou...

Alisei outro dos seus muitos cachos, este duro e emaranhado com sangue. — Shh. Não se preocupe. Eu me lembro do que você me contou sobre Grimes. Vou te instalar no Cooper, e depois vou trazer Sophia de volta. Acredite em mim quando eu lhe digo que Grimes desejará ter ficado longe.

— Pro... Promete? — murmurou Jo-Jo, sua voz soando estranhamente como a de Sophia.

Eu me abaixei para que ela pudesse ver a fria determinação em meu olhar cinza invernal. — Prometo.

Jo-Jo assentiu, e seus olhos se fecharam, como se aquela única palavra tivesse resolvido todos os seus problemas, incluindo as balas no peito dela.

Roslyn percorria as estradas cheias de curvas com toda a habilidade e velocidade de um piloto de carro de corrida, e nós chegamos à Cooper mais rápido do que eu pensava. Ainda bem, pois cada minuto, cada segundo, contava para Jo-Jo... E Sophia também.

Roslyn saiu da estrada e virou o carro para uma estrada, que na verdade era pouco mais do que uma pista de terra que parecia levar a lugar nenhum. Roslyn diminuiu a velocidade, subindo a colina, mas o carro ainda balançava de um lado para o outro. Eu agarrei Jo-Jo e tentei impedir que ela mexesse muito. Rosco choramingou aos meus pés. Ele também não gostava da montanha-russa.

Finalmente, Roslyn fez uma curva e uma enorme casa apareceu à vista. Era uma estrutura bonita, feita de pedra lisa e cinza e com um telhado preto em A. Para minha surpresa, um carro estava estacionado em frente a casa, um Audi prateado que poderia ter sido um gêmeo do carro em que estávamos. Aparentemente, Cooper tinha um visitante. Estranho, dado o quão longe nas montanhas nós estávamos e quanto o anão gostava de sua privacidade. Mas eu não me importava com quem estava aqui ou o que veriam eles, desde que Cooper conseguisse curar Jo-Jo.

Roslyn estacionou o carro. Assim que o veículo parou, ela, Bria e eu estávamos em movimento, abrindo nossas portas e tirando Jo-Jo do banco de trás o mais rápido e gentilmente que podíamos. Bria e eu entregamos Jo-Jo à Roslyn, para que a vampira pudesse levá-la até a casa.

— Vamos — eu disse. — Cooper provavelmente estará por aqui. A forja dele está ali.

Bria e eu lideramos o caminho, com Roslyn atrás de nós, segurando Jo-Jo nos braços. Rosco trotou ao lado da vampira, suas pernas grossas se agitando para acompanhá-la, ficando o mais próximo possível de Jo-Jo.

— Cooper! — gritei. — Cooper! Nós precisamos de você!

Nós contornamos a esquina da casa e entramos no quintal. Uma série de pedras largas e achatadas, feita da mesma pedra cinza que a da casa, tinha sido colocada na grama, formando um caminho. O caminho de pedra dava do pátio até uma grande forja, que também era feita de rocha cinzenta.

Mas a forja estava escura e vazia. Dois homens estavam sentados em cadeiras de ferro forjado no pátio, bebendo copos de chá gelado do jarro alto que estava na mesa com tampo de vidro entre eles. Um dos homens era alto e de aparência forte, com olhos azuis penetrantes e cabelos loiros penteados para trás em um rabo de cavalo. Ele usava um terno caro e impecável, que aumentava a sua boa aparência. O outro homem era um anão, vestindo uma camisa de algodão cinza e calças combinando, ambos enegrecidos pelas brasas e cinzas que dispararam das incontáveis chamas em sua forja. Seu cabelo era de um prateado suave e brilhante, mesclado com mechas pretas, enquanto seus olhos eram de uma cor enferrujada incomum.

Phillip Kincaid e Cooper Stills nos encararam. Os dois homens congelaram, com as bocas abertas e os copos na metade do caminho até os lábios.

— Gin? — Cooper finalmente disse, baixando o chá gelado para a mesa.

— Olá, Cooper — eu disse em uma voz sombria. — Jo-Jo precisa da sua ajuda.

 

* * *

 

Cooper nos conduziu através de uma casa repleta de ferramentas, esboços e pedaços de metal até uma cozinha. Uma mesa longa e retangular dividia o cômodo. Também estava cheia de esboços, junto com lápis, borrachas, réguas e várias peças de vitrais azuis, vermelhos e verdes. Cooper se lançou para frente, estendeu seu braço e empurrou tudo da superfície de madeira para o chão no final. Eu estremeci com o barulho, estrondos, e vidro quebrando, mas a bagunça não era importante agora... Jo-Jo era.

— Coloque-a aqui — disse ele.

Roslyn colocou gentilmente Jo-Jo na mesa e arrumou seus braços e pernas para que ela estivesse tão confortável quanto possível.

Jo-Jo se mexeu e abriu os olhos. — Cooper? — murmurou ela.

Ele se inclinou para que ela pudesse vê-lo e apertou a mão dela. — Estou bem aqui, boneca. Não se preocupe com nada agora.

Jo-Jo assentiu e seus olhos se fecharam novamente. Cooper olhou para ela mais um momento, depois passou a mão pelo cabelo, fazendo-o ficar tão arrepiado como se tivesse colocado o dedo em uma tomada. Ele soltou um suspiro e foi até a pia para lavar as mãos. Ele as enxugou rapidamente, depois se moveu para o lado de Jo-Jo novamente. Cooper hesitou, então pegou a mão dela mais uma vez, espalhando sangue em seus próprios dedos limpos.

— O que há de errado? — perguntei.

— Eu não... Eu não sei por onde começar — ele admitiu.

Um punho duro de medo envolveu meu coração. Se Cooper não pudesse curar Jo-Jo, então ela estaria morta. Não havia tempo para encontrar outro Elemental do Ar para curá-la, não considerando o quanto as feridas eram ruins e quanto sangue ela já tinha perdido. Mas gritar com Cooper não ajudaria; então eu engoli meu medo e frustração e me forcei a ficar calma e focada.

— Você já fez isso antes, usou sua magia para curar?

Cooper balançou a cabeça. — Não exatamente. Curei alguns cortes e contusões para Eva, Owen e Phillip quando eles eram mais jovens. Mas nada... Nada assim. — Ele franziu a testa. — Apesar... É estranho. Jo-Jo e eu temos falado sobre a nossa magia um pouco ultimamente. Eu tenho dito a ela como eu uso minha magia de Ar para ajudar a superaquecer o fogo em minha forja, fazendo as chamas queimarem o máximo que puderem pelo maior tempo possível para que eu possa obter resultados melhores e mais rápidos quando estou trabalhando com vários metais.

— E Jo-Jo? — perguntou Bria. — O que ela te disse?

— Principalmente sobre como ela usa sua magia para curar — respondeu Cooper. — Tive um corte na minha mão no outro dia, e ela falou sobre o poder dela enquanto o usava para me curar.

Jo-Jo havia dito que ela sentia como se algo ruim estivesse para acontecer há semanas. Eu me perguntei se aquela sensação de pavor incluía a suspeita de que ela poderia se machucar, se era por isso que ela começara a mostrar a Cooper como ela usava sua magia de Ar.

— Você pode fazer isso, Coop — disse Phillip em uma voz encorajadora, batendo palmas nas costas dele. — Eu sei que você pode.

Ele não acrescentou que Cooper simplesmente precisava descobrir uma maneira de fazer sua magia funcionar para Jo-Jo sobreviver. Todos sabiamos disso.

Um pouco da preocupação e incertezas foram eliminadas das feições de Cooper com o voto de confiança. Ele deu a Phillip uma piscadela agradecida. Depois apertou mais a mão de Jo-Jo e inclinou-se.

— Bem — murmurou Cooper. — Aqui vamos nós. Pronto ou não.

Seus olhos começaram a brilhar como cobre enquanto ele pegava sua magia Ar.

Eu apenas esperava que fosse suficiente.


Capítulo 7

 

O poder de Ar de Cooper encheu a cozinha, bagunçando meu cabelo e deslizando por meus braços nus antes de avançar para Jo-Jo.

Embora a magia dele não fosse dirigida a mim, ainda parecia haver dúzias de gotinhas invisíveis em minha pele, e cerrei os dentes para não grunhir diante da sensação desconfortável. Dois elementos sempre se complementavam, como Ar e Fogo, e dois elementos sempre se opunham, como Fogo e Gelo. Com a magia do Ar de Cooper sendo a antítese do meu próprio poder de Pedra, isso simplesmente parecia errado para mim, como unhas riscando um quadro-negro deixavam os outros loucos. Bria fez uma careta também. Ela não gostava da sensação da magia do Ar de Cooper mais do que eu.

Por muito tempo, tudo o que eu estava ciente eram das incômodas picadas da magia de Cooper, o brilho acobreado de seus olhos, e o constante tique-taque dos ponteiros do relógio na parede. Um após o outro, os minutos se passaram, mas estávamos todos congelados no lugar, sem ousar mover-nos ou até mesmo falar por medo de quebrar a concentração de Cooper.

Fiquei logo atrás do anão enquanto Bria e Roslyn estavam do outro lado da mesa perto da pia. Phillip encostou-se a um armário cheio de pratos incompatíveis no canto, com os braços cruzados sobre o peito musculoso, a mandíbula cerrada com tanta força que pude ver os músculos se destacando em seu pescoço. Rosco estava deitado aos pés de Phillip, a cabeça manchada de sangue descansando em um dos sapatos de couro preto de Phillip.

Ainda assim, enquanto olhava para Jo-Jo, não pude deixar de pensar em outro lugar, outra hora, e em outra mulher deitada muito quieta...

A anã era totalmente esquisita.

Esse foi o pensamento que continuou correndo em minha mente enquanto Sophia fechava o Pork Pit para a noite. Fletcher havia me deixado em seu restaurante uma hora atrás, afirmando que ele tinha alguns negócios para cuidar.

Em outras palavras, ele precisava ir matar alguém.

Era isso que Fletcher fazia como o assassino Homem de Lata, e era isso que ele me ensinaria a fazer também. Não tinha ficado com Fletcher há muito tempo, apenas alguns meses, mas ele já me mostrou muitas maneiras de me defender. Ele disse que eu estava fazendo um bom progresso, dominando o básico. Eu realmente não achava que era tão difícil. Tudo o que você precisava fazer era acertar seu inimigo com força e tempo suficientes, e ele acabaria caindo. Tudo o que Fletcher estava realmente me ensinando a fazer era encontrar esses pontos fracos e explorá-los ao máximo.

Fiquei desapontada por ele ter tido um trabalho, especialmente desde que ele me prometeu que começaria a me mostrar como lutar com armas em breve, incluindo facas. Era nisso em que eu estava interessada, já que Fletcher usava facas de Silverstone na maioria de seus trabalhos, e eu queria ser igual a ele. Eu estava esperando que isso fosse finalmente acontecer esta noite, mas não foi assim.

Então, estava eu aqui, sentada atrás do balcão, meus livros escolares espalhados na minha frente, embora eu já tivesse terminado meu dever de casa, assistindo Sophia esfregar o chão. O último cliente havia saído há trinta minutos, e Sophia pegara um rádio que Fletcher mantinha em um espaço abaixo da caixa registradora e o ligou. O rádio estava sintonizado em alguma estação antiga, e ela girou os quadris ao tempo da música agitada e animada enquanto empurrava o esfregão molhado através das faixas desbotadas de porco azul e rosa no chão, e depois embaixo das cabines de vinil na frente das janelas.

Sophia estava completamente vestida de preto, de suas botas até a calça jeans e a camiseta de mangas compridas. Até o batom dela era preto. A única cor nela era a sorridente caveira de pirata branca no meio da sua camiseta, que exibia chamas carmesins saindo das órbitas dos olhos.

Alguém levou o visual Gótico um pouco sério demais, se você me perguntasse. Oh sim. Ela era totalmente esquisita.

— Então — eu disse quando a música terminou e alguns comerciais chatos começaram. — O que você e Jo-Jo gostam de fazer à noite para se divertir? Cozinhar? Assistir TV? Jogar jogos de tabuleiro?

Desde que Fletcher estava em um trabalho, eu iria para casa com Sophia e passaria a noite na casa de Jo-Jo.

Sophia soltou um suspiro suave com a minha pergunta. Revirei meus olhos. Ok, ok, então as anãs provavelmente eram um pouco velhas demais para jogos de tabuleiro, mas eu estava apenas tentando puxar conversa. Não era como se eu soubesse muito sobre elas, especialmente sobre Sophia. Claro, ela trabalhava no Pork Pit, mas ela nunca parecia prestar muita atenção em mim, exceto para me pegar e me tirar do caminho sempre que eu ficava entre ela e os fogões. Literalmente, Sophia colocava as mãos sob as minhas axilas, me levantava no ar, me carregava ao redor do balcão e me colocava em um banquinho, como se eu fosse um garoto idiota que não sabia sobre não tocar num fogão quente ou colocar minha mão na fritadeira francesa quando a gordura dentro dela estava borbulhando. Tanto faz. Eu tinha treze anos, não era uma completa idiota.

— Você não fala muito, não é? — perguntei.

Sophia me olhou com o canto do olho, mas nem se dignou a me responder com um grunhido desta vez. Ela continuou limpando como se eu não tivesse dito nenhuma palavra.

Eu bufei, deixando-a saber o quanto ela me aborreceu, mas desisti de tentar falar com ela. Em vez disso, abri o livro de contos de fadas que Fletcher havia me dado e comecei a ler.

Vinte minutos depois, havia terminado as duas primeiras histórias. Por que gigantes e bruxas sempre conseguiram esse tratamento injusto? Eles estavam apenas se defendendo de crianças malcriadas que queriam roubar suas coisas e comer suas propriedades. Se alguém tentasse roubar minha galinha dos ovos de ouro ou comer um pedaço da minha casa de gengibre, bem, eu soltaria alguns dos meus novos e perversos movimentos de autodefesa e mostraria a eles o que era o quê. E assim faria todo mundo em Ashland. Ninguém tinha amabilidade com ladrões nesta cidade, especialmente as pessoas em Southtown.

Pensar sobre casas de gengibre fez meu estômago roncar, então eu deslizei do meu banco e fui até o suporte de bolo posicionado no meio do balcão. Eu ajudei Fletcher a fazer alguns biscoitos de açúcar mais cedo. Restavam apenas cinco, e eu sabia que ele não se importaria se eu os comesse.

Levantei o tampo de vidro, coloquei-o de lado e peguei um dos biscoitos. A mistura açucarada e amanteigada derreteu na minha língua, trazendo consigo o sabor forte e doce do extrato de amêndoa, que acrescentou um sabor extra a massa. Suspirei de contentamento e estendi a mão para outro...

O sino da porta da frente soou, sinalizando que tínhamos um cliente. Rapidamente eu mastiguei e engoli o resto do meu biscoito, depois limpei as migalhas de minhas mãos, pronta para dizer a pessoa que o restaurante estava fechado.

Mas não havia necessidade, já que Jo-Jo entrou.

A anã vestia um longo casaco rosa, e suas pérolas espreitavam por baixo do colarinho. Luvas da mesma cor de algodão-doce que seu casaco cobria as mãos, e um chapéu felpudo combinando estava empoleirado em sua cabeça, escondendo a maioria de seus cachos loiro-brancos de vista.

Ao som da campainha da porta, Sophia saiu do banheiro que ela estava limpando. — Problema? — murmurou ela.

Jo-Jo balançou a cabeça. — Preciso pegar Finn. O garoto está em uma festa em Southtown. Aparentemente, decidiu flertar com a namorada do cara que o levou, e agora ele não tem uma carona para casa.

Sophia bufou. Eu também. Com Finn, quase sempre havia alguma garota envolvida.

— De qualquer forma, eu pensei em passar e ver se você precisava de alguma coisa antes que eu fosse.

Sophia balançou a cabeça. Jo-Jo virou seu olhar claro para mim.

— E você, Gin? — perguntou ela. — Tenho que ir até a mercearia no caminho de casa. Que tal comprar um pouco daquela bala de hortelã que você tanto gosta, já que passará a noite conosco?

— Claro — eu disse em uma voz suave e hesitante. — Se não for muito incômodo.

— Nenhum incômodo, querida.

Jo-Jo sorriu para mim, fazendo as linhas de riso em torno de sua boca se aprofundarem e fazendo seu rosto parecer muito mais caloroso e convidativo. Eu me encontrei sorrindo para ela. Jo-Jo era uma daquelas pessoas que você não poderia deixar de gostar.

Sophia, nem tanto. Especialmente desde que ela estava franzindo a testa para mim novamente. Ela provavelmente não gostou de Jo-Jo trazer um doce para mim. Então, novamente, Sophia parecia não gostar de nada sobre mim.

Bem, o sentimento era definitivamente mútuo.

— Na verdade, antes que eu me esqueça, Finn disse que ele deixou o casaco na parte de trás do restaurante — disse Jo-Jo. — Me pediu para levá-lo para ele. Gin, você pode ir buscar para mim, por favor?

— Claro.

Empurrei as portas duplas e fui para os fundos. Levei mais tempo para encontrar o casaco do que deveria, mas, novamente, eu não sabia por que estava em um dos freezers, para começar. Talvez Finn estivesse lá curtindo uma das garçonetes de idade universitária. Você acharia que aquelas garotas tinham idade o suficiente para saber melhor, mas todas riam sempre que viam Finn. Eu não entendia por quê.

Peguei o casaco dele, que estava gelado e coberto de gelo, e me dirigi para frente do restaurante...

— Você não aprova o que Fletcher está fazendo com Gin — ouvi Jo-Jo dizer.

Eu congelei, minha mão contra uma das portas duplas. Um bom empurrão, e ela iria se abrir, e eu poderia entrar na parte da frente da loja com as irmãs. Mas em vez disso, eu me vi deixando-a fechada e olhando através da pequena janela redonda no topo.

Jo-Jo e Sophia estavam no meio do restaurante na mesma posição de antes. Mesmo sabendo que eu não deveria me esconder das anãs, permaneci perfeitamente imóvel. Um velho hábito de viver nas ruas e tentar me tornar o mais invisível possível para todas as grandes e más pessoas por aí.

— Por que você não gosta da ideia dele treinando-a? — perguntou Jo-Jo, embora Sophia não tenha respondido a primeira pergunta ainda. — Ele quer apenas ensiná-la a se defender. Do jeito que ele ensinou a você.

Silêncio.

— Muito jovem — disse Sophia finalmente, em sua voz sinistra e quebrada. — Muito inocente. Muito suave.

Suave? Muito suave? Eu fervi. Eu não era suave. Não mais. Não desde que minha família foi assassinada e, especialmente, não desde que eu estava morando nas ruas. Eu vi coisas, fiz coisas que não podiam ser vistas ou desfeitas. Como comer lixo regularmente, vasculhar lixeiras em busca de jornais suficientes para me manter aquecida à noite, e fugir dos vampiros cafetões para que eles não tentassem me forçar a ser uma de suas garotas. Então, se havia uma coisa que eu não era, era suave.

— Bem, acho que vamos ver — disse Jo-Jo. — Agora, onde está Gin com o casaco de Finn...

— Bem aqui — eu disse, finalmente empurrando as portas para o outro lado.

Entreguei o casaco Jo-Jo.

— Obrigada, querida. Eu verei vocês duas em casa. Jo-Jo piscou para mim, então saiu.

Eu me virei para Sophia, mas ela já havia desaparecido de volta ao banheiro para terminar a limpeza. Claro que ela tinha. Qualquer coisa seria melhor do que ter que falar comigo.

Eu havia começado a voltar para o balcão e comer outro biscoito quando o sino soou na porta. Jo-Jo deve ter esquecido algo.

Mas não era Jo-Jo. Em vez disso, um magro garoto loiro, cuja altura sugeria que ele tinha mais ou menos a minha idade, entrou correndo no restaurante e se abaixou atrás de uma das cabines. Ele ficou assim por alguns segundos antes de levantar lentamente, espiando por cima da mesa, e olhando através das janelas para a rua.

— Posso, uh, ajudá-lo? — perguntei.

Ele girou ao redor ao som da minha voz, e foi quando eu vi todo o sangue nele. Seu rosto parecia ter recebido uma martelada de alguém. Cada parte, do queixo, das bochechas até a testa estava machucada e inchada. Ambos os seus lábios estavam abertos e pingando sangue por todo o chão que Sophia acabara de limpar. Um par de óculos grudou no nariz, embora os aros estivessem tortos, provavelmente pelo punho de quem quer que tinha acertado seu rosto tantas vezes. Mas talvez o pior de tudo, fossem várias queimaduras vermelhas e irritadas que salpicavam seu pescoço, como se alguém tivesse acendido um maço inteiro de cigarros e depois os apagasse um a um em sua pele. Mais queimaduras de cigarro estragavam seus braços magros, mas aquelas pareciam mais velhas, já que haviam cicatrizado.

Sophia também ouviu o sino e entrou na parte da frente da loja. Ela viu a criança e franziu a testa. — Desculpa. Está fechado...

O garoto virou a cabeça em sua direção. Sophia piscou, tão surpresa pelo seu rosto machucado quanto eu.

— Por favor, não me chute para fora! — disse ele, lutando para ficar de pé. — Você tem que me ajudar! Eles estão atrás de mim!

— Quem? — perguntou ela.

— Dois gigantes — disse o garoto, seus olhos azuis arregalados e assustados por trás dos óculos. — Tudo que fiz foi roubá-los enquanto eles fumavam no beco. Eu juro. E só porque eu precisava de algum dinheiro para comida. Eles só tinham, tipo, vinte dólares, mas um dos gigantes me perseguiu e me agarrou, de qualquer maneira. Ele teria arrancado meus olhos com seus cigarros estúpidos se eu não tivesse dado uma joelhada nas bolas dele e corrido. Ele não se importava com o dinheiro. Não realmente. Ele só queria me machucar. Sabe? Ambos machucaram. Por favor, por favor, deixe-me esconder aqui por alguns minutos.

Sophia olhou para o garoto, observando o rosto machucado, o sangue escorrendo pelo queixo e as velhas roupas esfarrapadas que cobriam seu corpo. Seu olhar permaneceu nas queimaduras em seu pescoço. Seus lábios se achataram em uma linha dura e fina, e uma faísca de raiva queimou em seus olhos negros.

— Ok — murmurou ela.

Ele piscou. — Ok?

Ela assentiu com a cabeça. — Você está seguro aqui.

Ela estendeu a mão e gentilmente a colocou no ombro magro do garoto. Ele era tão magro que sua clavícula se projetava contra o topo de sua camiseta surrada. O garoto se encolheu com o toque de Sophia e sua boca se virou, como se de repente ficasse triste por algum motivo.

— Gin, pegue um pano. Limpar.

Eu sabia que era para o garoto lavar o sangue de seu rosto, mas eu olhei para a anã, imaginando a mudança repentina nela. Eu nunca vi Sophia passar de tão rude e zangada a tão triste, tudo em questão de um minuto.

Mas fui para o fundo, peguei um pano de prato limpo e molhei-o com água morna. Quando voltei, Sophia tinha sentado o garoto em uma das mesas e colocado o resto dos biscoitos de açúcar em um prato para ele comer, e ele engoliu tudo o mais rápido que podia. Aborrecimento jorrou através de mim, mas ele parecia precisar das calorias mais do que eu, então dei de ombros. Além disso, eu sabia exatamente como era sentir fome.

Entreguei o pano a Sophia e ela conseguiu fazer com que a criança parasse de comer biscoitos por tempo suficiente para que pudesse enxugar o rosto dele. Mais uma vez, olhei para Sophia, surpresa com quão terna ela estava sendo e com os cuidados que ela tomava ao lidar com ele. Ela certamente não era gentil comigo sempre que me pegava e me tirava do caminho. Então, novamente, eu não parecia ter acabado de ter meu rosto passado por um liquidificador também.

— Mais — disse ela um minuto depois, estendendo o pano para mim.

O garoto usou a calmaria para colocar outro biscoito na boca.

Revirei os olhos pelo comando dela, mas peguei o pano sujo, entrei na parte de trás, troquei por um novo e limpo e encharquei-o com água morna. Eu havia começado a empurrar as portas duplas para voltar para frente da loja quando o sino da porta da frente soou... E dois gigantes entraram no restaurante.

— Lá está ele! — gritou um dos homens, apontando o dedo para o garoto. — Seu pequeno ladrãozinho sujo!

Sophia levantou, entrando na frente do garoto e tentando protegê-lo, mas o primeiro gigante ficou furioso, e bateu nela, conduzindo-a até o outro lado do restaurante.

Eu ofeguei, minha mão estrangulando o pano quente que eu ainda segurava.

O menino soltou um guincho assustado. Levantou para correr, mas o segundo gigante agarrou-o pela parte de trás do pescoço e enfiou o punho nas costelas dele. O menino caiu como uma pedra no chão.

Sophia soltou um berro de raiva ao ver isso. Primeiro ela bateu um punho, depois o outro, no queixo do gigante, empurrando-o para trás. E não parou por aí. Ela jogou soco após soco no gigante, conduzindo seus punhos, dedos e até mesmo os cotovelos no peito, garganta e virilha.

Minha boca se abriu um pouco mais com seu ataque rápido, brutal e eficiente. Eu sabia que Sophia era forte – afinal, ela era uma anã – mas eu não fazia ideia de que ela também era uma fodona. Eu me perguntei se isso era resultado do treinamento que Jo-Jo disse que Fletcher havia dado a ela.

Sophia deu outro soco no gigante, mas desta vez ele conseguiu pegar a mão dela. Ele apertou seus dedos, e ouvi seus ossos quebrarem com a pressão brutal. Sophia grunhiu de dor e o gigante bateu com o punho no rosto dela. Ela cambaleou para trás, as pernas saindo de debaixo dela e sua cabeça batendo contra o balcão. Ela também caiu no chão, inconsciente.

O gigante pairou sobre ela, mas quando um minuto se passou e ela não se mexeu, ele olhou por cima do ombro para o seu colega.

— O que fazemos agora, Mason? — perguntou ele.

O gigante que atingiu o rosto do menino, Mason, sorriu para ele. — Eu digo que nós vemos o quanto tem na caixa registradora, pegamos tudo que pudermos na parte de trás do restaurante, e depois jogamos seus corpos do lado de fora enquanto saímos pela porta dos fundos. O que você diz, Zeke?

O outro gigante devolveu o sorriso maligno de seu amigo com um próprio. — Soa como um plano para mim.

Mason agarrou a perna do garoto e o arrastou até onde Sophia estava deitada, enquanto Zeke deu a volta no balcão e começou a abrir a caixa registradora.

Mantive minha posição atrás da porta e tentei pensar em como poderia pará-los.

Porque eu ia pará-los.

Claro, Sophia pode não ser minha pessoa favorita, mas ela era irmã de Jo-Jo, e Jo-Jo a amava muito. Além disso, eu não podia deixar os homens a matarem, muito menos uma criança que eles já haviam espancado e torturado, sem tentar detê-los. Isso iria contra tudo o que Fletcher estava me ensinando sobre como me proteger, e, especialmente, proteger as pessoas com quem eu me importava.

Através da janela da porta, eu arrisquei outro olhar para a frente da loja, mas os homens ainda estavam ocupados com a caixa registradora. Meu olhar continuou voltando para seus punhos maciços. Não havia como eu ser páreo para a força deles. Não, eu precisava de uma arma se quisesse ter alguma chance de derrubá-los... Eu precisava de uma faca.

Afastei-me da porta e corri para o depósito onde Fletcher guardava as facas extras, imaginando se eu poderia realmente fazer isso. Eu realmente poderia salvar Sophia, ou se acabaria sendo espancada até a morte junto com ela e o garoto...

Um baque suave me tirou das minhas memórias.

Em um segundo, eu estava correndo pelo restaurante naquela noite há muito tempo. No seguinte, eu estava de volta à cozinha de Cooper, o fedor do sangue de Jo-Jo saturando o ar como o pior tipo de perfume.

Cooper se abaixou e pegou algo pequeno e de metal da mesa. Ele o estendeu para que todos pudessem ver a bala ensanguentada que ele tirou do peito de Jo-Jo.

— Uma já foi — murmurou ele, colocando-a na mesa. — Outra agora.

Poucos minutos depois, outro baque soou quando Cooper usou sua magia para puxar a segunda bala de Jo-Jo.

— Agora vem a parte mais difícil — murmurou ele.

Cooper alcançou ainda mais de sua magia de Ar, tanto que uma forte e constante brisa soprava pela cozinha, levantando os desenhos que ele havia jogado no chão e rodopiando-os ao redor como um tornado. Cooper soltou a mão de Jo-Jo e entendeu a palma da mão sobre o peito dela, logo acima dos dois buracos de bala, sua mão e dedos brilhavam em uma rica e quente cor de bronze.

Lentamente, muito, muito devagar, ele começou a mover a mão para frente e para trás sobre as feridas. E lentamente, muito, muito devagar, os feios buracos negros na pele de Jo-Jo começaram a se contrair e fechar. Vários minutos depois, seus ferimentos haviam sido completamente fechados.

Se Jo-Jo estivesse curando alguém, a pele dele ou dela teria se suavizado, como se essa pessoa nunca tivesse sido baleada em primeiro lugar. Mas as marcas no peito de Jo-Jo continuavam vermelhas e inchadas, como duas bolhas grandes e irritadas em sua pele. Cooper se esforçou e se esforçou com sua magia, fazendo com que mais e mais correntes de ar passassem pela cozinha, mas ele não conseguia fazer as feridas desaparecerem. Talvez não conseguisse descobrir como fazer isso, ou talvez esse nível de delicadeza estivesse simplesmente além dele.

Finalmente, Cooper soltou sua magia.

— Pronto — disse ele, soltando um suspiro e limpando o brilho de suor da testa. — Isso é o melhor que eu posso fazer.

— Ela vai viver? — perguntei em voz baixa.

Ele continuou olhando para ela, exaustão e incerteza gravando linhas profundas em seu rosto. — Eu tirei as balas, mas ela perdeu muito sangue, e havia muito dano dentro dela que eu não sabia como consertar. Que eu estava com medo de tentar consertar, no caso de acabar piorando tudo em vez de ajudar. Então eu não sei. Eu só... Não sei.

Ele recuou e cambaleou quando seus pés deslizaram. Ele teria caído no chão se Phillip não tivesse se adiantado e o agarrado. Roslyn correu para pegar o outro braço de Cooper, e juntos, levaram-no para o escritório, para que ele pudesse se sentar e descansar. Ele usou toda a sua magia de Ar, toda a sua grande força anã, tentando curar Jo-Jo – e ainda pode não ter sido suficiente para salvá-la.

Bria se aproximou e deu um aperto solidário em meu braço antes de seguir os outros até o escritório, deixando-me sozinha com Jo-Jo. Bem, Rosco e eu. O basset hound levantou, aproximou-se e sentou ao lado da mesa, guardando sua dona mais uma vez. Normalmente, o cachorro passava a maior parte do tempo cochilando em sua cesta no salão, apenas se dignando a se levantar para guloseimas e esfregar a barriga. Eu não conseguia me lembrar de vê-lo tão ativo. Então, novamente, isso era tudo menos um dia comum.

No escritório, o baixo murmúrio de vozes soou. Sem dúvida, Bria estava contando a Cooper e Phillip o que havia acontecido no salão.

Cuidadosamente peguei a mão de Jo-Jo. Normalmente, ela tinha as mãos mais suaves, quentes e gentis do que qualquer pessoa que eu conhecia, mas agora, sua pele estava fria e úmida ao toque. Ainda assim, sua respiração vinha com tranquilidade, seu peito subindo e descendo em um ritmo lento, mas constante. Deslizei meus dedos contra o pulso, procurando por seu batimento. Também era lento, mas estável. A dor forte e tensão que havia lhe franzido a testa havia desaparecido, e suas feições estavam calmas e relaxadas.

Inclinei-me e coloquei minha boca perto de sua orelha. — Descanse, querida. Porque agora que você está segura, vou trazer Sophia de volta e matar Harley Grimes para sempre.

Eu não sabia se Jo-Jo podia me ouvir ou não, mas fiz minha promessa para ela, e eu a manteria, não importa o que.

Mas eu não poderia fazê-lo aqui esperando que ela acordasse. Ela não iria querer isso, de qualquer maneira. Não, ela quereria que eu fosse atrás de Sophia assim que pudesse.

Então me inclinei e beijei a bochecha ensanguentada de Jo-Jo, depois a deixei.


Capítulo 8

 

 

Rosco ficou na cozinha com Jo-Jo enquanto eu me dirigia para o escritório. Cooper estava esparramado sobre um sofá surrado, listrado e marrom, o qual viu dias melhores. Ele deve ter passado a mão pelo cabelo, porque as mechas grisalhas{5} estavam para cima sobre a testa.

— Ela parece descansar confortavelmente — falei. — Obrigada.

Cooper assentiu, e um pouco da tensão saiu de seu corpo, fazendo-o afundar ainda mais nas almofadas do sofá. Ele se importava com Jo-Jo também. Todos nós.

A porta do pátio se abriu e Roslyn entrou, segurando um copo de chá gelado. Ela deve ter pegado do jarro deixado na mesa do lado de fora. Ela entregou a bebida para Cooper e ele tomou um longo gole. Ele colocou o copo em uma mesa ao lado de seu cotovelo e recostou-se contra o sofá mais uma vez.

— Agora o quê? — perguntou Phillip, em pé na frente da TV.

— Agora eu vou resgatar Sophia.

Ele assentiu. — Bria disse que Harley Grimes e Jo-Jo se conhecem?

— Sim — eu disse. — Ele, Sophia e Jo-Jo têm uma história juntos. Se você puder chamar assim.

— Que tipo de história? — perguntou Cooper.

— Grimes sequestrou Sophia anos atrás. Ele a espancou, a torturou com sua magia de Fogo – inclusive arruinando a voz dela – e então fez um monte de coisas indescritíveis antes de Jo-Jo contratar Fletcher para resgatar Sophia. E quando Fletcher fez isso, ele se certificou de que Grimes soubesse que se incomodasse Sophia e Jo-Jo novamente, ele desejaria não ter incomodado.

— Mas Fletcher está morto — apontou Bria.

— Eu sei. Grimes deve ter descoberto sobre a morte dele e percebeu que a barra estava limpa. Por isso ele veio ao salão hoje, e é por isso que ele levou Sophia novamente.

Ninguém falou por um momento.

— Eu ouvi falar de Grimes — disse Phillip. — Mora em alguma montanha acima de Ashland, junto com um bando de seus homens.

Phillip Kincaid era mais do que apenas um rostinho bonito. Ele também era o proprietário do barco cassino Delta Queen e um dos principais chefes do submundo da cidade. Então Phillip conhecia praticamente todo mundo que estava envolvido em qualquer coisa ilegal em Ashland.

Eu fixei meu olhar nele. — Diga-me tudo o que você sabe sobre Grimes.

Ele deu de ombros. — Não muito. Só que ele vive na floresta, em algum tipo de acampamento em Bone Mountain. Grimes e seus homens vendem armas dentro e fora da cidade, oferecem seus serviços como músculos, coisas parecidas. Alguém também me disse que eles até mesmo fazem o seu próprio moonshine{6}, se embebedam, vêm rugindo em Ashland de vez em quando, e rasgam a merda, apesar de algumas tentativas desanimadas da polícia para detê-los. Grimes não apenas foge da lei, tanto quanto coloca balas em qualquer um que chega perto demais de seu acampamento e de suas operações.

Agora que Phillip os mencionou, percebi que havia ouvido algumas das mesmas histórias sobre uma gangue fabricante de moonshine ede contrabando de armas assentada no topo de uma das montanhas. Só não percebi que era Grimes e sua equipe. As armas devem ter sido o misterioso negócio sobre o qual ele se referia anteriormente. Aquele que estava crescendo desde que eu matei Mab. Sim, eu poderia imaginar que muita gente do submundo havia comprado muitas armas em seus esforços para matar uns aos outros nos últimos meses.

Bom saber, mas eu precisava de mais informações se quisesse ter alguma chance de resgatar Sophia, como onde estava exatamente esse acampamento. Eu tinha a sensação de que encontraria todas essas informações e muito mais na casa de Fletcher. O velho guardava arquivos sobre todos os que não faziam o bem em Ashland, e Harley Grimes certamente estaria no topo da lista de observação de Fletcher, considerando o que ele fizera às irmãs Deveraux há tantos anos atrás.

— Obrigada pela informação, Phillip. Eu aprecio isso, mas cuidarei disso a partir daqui.

Comecei a ir em direção à porta do pátio, mas Bria se moveu para bloquear o meu caminho.

— O que você fará agora? — perguntou ela.

Encolhi os ombros. — O que eu faço melhor. Matar Grimes, Hazel e todos os outros que ficarem entre Sophia e eu.

Bria ergueu o queixo. — Tudo bem. Mas eu vou com você.

— Não, você não vai.

Ela bateu as mãos em seus quadris em desafio. — Sim, eu vou... — Bria estremeceu de repente e levou a mão ao seu estômago, como se tivesse puxado um músculo.

Meus olhos se estreitaram. — O que você tem? Você está ferida?

Ela fez uma careta, mas não me respondeu.

— Bria...

Ela suspirou e levantou a camiseta. Um hematoma grande e desagradável em forma de punho enegreceu o lado à esquerda de seu umbigo. — Enquanto você estava atrás de Sophia, um dos caras no salão bateu em mim algumas vezes antes de eu colocar algumas balas no peito dele. Não é grande coisa.

— Oh, não — cortei —, provavelmente apenas algumas costelas quebradas pela aparência disso.

— Não acho que elas estejam quebradas — disse ela, em uma voz defensiva. — Elas não estavam nem me incomodando até poucos minutos atrás.

— Isso é porque a adrenalina ainda não acabou completamente. Acredite, mesmo que não estejam quebradas, elas logo ficarão doloridas. Agora, venha aqui e sente-se.

Bria resmungou, mas me deixou guiá-la até uma poltrona azul no canto e afundou-se nela. Ela estremeceu novamente. Se esse movimento simples doía, não demoraria muito para que seu corpo machucado se enrijece mais, e ela não seria capaz de fazer nada sem sentir a dor da luta.

— Você ficará aqui — eu disse. — Você não está em condições de lutar, especialmente contra alguém como Grimes.

O rosto de Bria se fechou com determinação, e ela abriu a boca para argumentar, mas eu cortei.

— Por favor? — pedi em voz baixa. — Sophia já se foi, e quase perdi Jo-Jo. Não quero perder você também.

Seus lábios se achataram em uma linha fina, mas ela relutantemente assentiu. Isso só me dizia o quanto ela já estava sofrendo. — Tudo bem, tudo bem — disse ela. — O que você quer que eu faça?

— Ligue para Finn e diga a ele o que aconteceu, então fique aqui e vigie Jo-Jo. Eu não acho que Grimes virá atrás dela novamente, mas também não tenho certeza.

Bria assentiu e apertou minha mão. — Apenas me prometa que você será cuidadosa.

Apertei de volta. — Eu prometo.

— Eu ficarei também — se ofereceu Roslyn. — E ligarei para Xavier para avisar o que está acontecendo.

— Obrigada. E eu preciso de mais um favor de você.

— Pode pedir.

Olhei para Roslyn. — Posso pegar o seu carro emprestado?

Ela colocou a mão no bolso do short, tirou as chaves e as jogou para mim. — Só se você prometer passar por cima do bastardo que levou Sophia.

Eu sorri. — Considere isso feito.

Eu não disse a Roslyn que atropelar Harley Grimes com o carro dela era bom demais, rápido demais, e uma morte misericordiosa para ele. Ah não. Eu daria ao Sr. Grimes minha atenção pessoal... Estilo Aranha.

 

* * *

 

Os outros concordaram em ficar ali, permanecer de olho em Jo-Jo e guardar o forte para o caso de Grimes ou qualquer um de seus homens aparecerem na casa de Cooper. Não acreditava que eles fariam isso, mas eu não tinha pensado que homens armados iriam invadir o salão esta manhã também.

Eu saí, mas não estava sozinha. Phillip me seguiu. Ele me acompanhou a passos largos enquanto eu saía do pátio e começava a andar pela casa.

— O que você quer, Phillip?

— Eu quero ir com você.

Parei e o encarei. — Não vai acontecer. Jo-Jo não está fora de perigo, Cooper está exausto, e Bria está ferida. Alguém precisa ficar aqui e ajudar Roslyn com eles, e esse alguém será você.

— E você precisa de alguém para cuidar de suas costas — respondeu Phillip. — Olhe para você. Você está uma bagunça ensanguentada agora. Inferno, você não tem nem sapatos.

Eu olhei para baixo, meus dedos enrolando na grama macia. Ele estava certo. Eu estava tão focada em tirar Jo-Jo do salão que sequer parei para pegar minhas sandálias ao sair. Dei de ombros e comecei a andar de novo.

— O que você acha que fará? — continuou Phillip, movendo-se comigo. — Pegar algumas facas, ir até o acampamento de Grimes e matá-lo?

— É exatamente isso o que eu farei — eu disse. — Só que não serei tão legal a ponto de matá-lo. Não, depois que chegar lá, eu planejo talhar Harley Grimes como um peru de Ação de Graças e deixar pedaços dele por toda a montanha para os urubus encontrarem. Se eles puderem aguentar o gosto dele.

Phillip não piscou um olho para a fria promessa de violência em minha voz. — Não posso dizer que eu desaprovo, mas Grimes é um cara mau, muito mau, Gin. Ele é alguém que até eu pensaria duas vezes antes de enfrentar. Não lhe contei metade das coisas que ouvi sobre ele.

— Como o quê?

— Bem, para começar, ele é implacável.

— E eu não sou?

Phillip ignorou meu comentário sarcástico. — Grimes mata qualquer um que tente, de alguma forma, interromper seu negócio de contrabando de armas. A própria Mab costumava conseguir dele as armas para seus gigantes e até pagava o que Grimes pedia por elas. Algumas das gangues de Southtown fizeram movimentos contra ele no passado, mas ele matou todos eles e seus familiares. Mães, irmãs, irmãos, primos. Ele hesitou. — Aparentemente, Grimes também se considera um homem de mulheres. E se ele vê uma dama que goste...

— Ele a leva — terminei. — Não importa quem fique em seu caminho. Sim, eu já sabia disso. Tive uma visão geral do Sr. Grimes fazendo isso no salão.

Sophia! Jo-Jo! Sophia! Jo-Jo!

Os gritos das irmãs Deveraux ecoaram em minha cabeça, e a lembrança de Sophia agarrada naquela porta, estendendo a mão para Jo-Jo, surgiu em minha mente, bloqueando todo o resto. Eu pisquei e a imagem desapareceu. Mas deixou em seu lugar o meu desejo sombrio de acabar com a miserável existência de Harley Grimes. Mais uma vez, aquela raiva fria e negra pulsou pelo meu corpo, batendo como uma canção sinistra no mesmo ritmo que o meu coração.

Contornei a frente da casa, fui até o carro de Roslyn e abri a porta do lado do motorista.

— Gin?

Eu me virei para encarar Phillip. A preocupação obscureceu seus olhos azuis, e suas sobrancelhas douradas estavam franzidas, como se ainda estivesse tentando pensar em alguma maneira de me dissuadir disso. Suas mãos estavam enroladas em punhos, e eu tive a nítida impressão de que ele estava pensando em me impedir de partir. Mas nada menos que a morte me pararia, e se eu tivesse que machucar Phillip para fazer o meu ponto, bem, eu não gostaria disso, mas faria, assim como eu fizera tantas outras coisas terríveis ao longo dos anos.

Phillip deve ter percebido meus pensamentos, porque se obrigou a afrouxar os punhos e recuar, embora sua mandíbula ainda estivesse tão apertada que fazia suas maçãs do rosto se destacarem como flechas empurrando contra sua pele.

Phillip e eu não éramos amigos, não exatamente, mas ele estava tentando cuidar de mim do jeito dele. Então eu decidi aliviar a mente dele, por assim dizer.

— Você está esquecendo uma coisa, Phillip.

— O que?

— Harley Grimes pode ser um cara mau, realmente mau, mas acontece de eu ser muito, muito pior. E esse bastardo machucou minha família pela segunda vez. Ele não vai apenas pagar por isso – ele vai morrer por isso. Acredite quando eu digo que nada do que você fizer ou disser me impedirá de ir até o acampamento dele e matar alguém e qualquer coisa que olhe para mim.

Os lábios de Phillip apertaram com frustração. — Bem, se você não me deixará ir com você, pelo menos me deixe chamar Owen.

— De jeito nenhum. Absolutamente não. Isso não tem nada a ver com ele.

Phillip bufou. — Você está envolvida nisso, o que significa que ele também está. Ele nunca me perdoará se eu deixar você sair e se matar. Ele ama você, Gin. Ele sempre amou, apesar do que aconteceu com Salina.

O que aconteceu foi que eu matei a ex-noiva de Owen, Salina Dubois, embora ele tenha pedido para eu não fazê-lo. Claro, Salina estava tentando me matar e a um monte de outras pessoas na época, mas Owen ainda tinha dificuldade em lidar com a morte dela, especialmente desde que foi pela minha mão. É desnecessário dizer que nosso relacionamento não era exatamente um mar de rosas desde então.

Ainda assim, Owen e eu não estávamos tão distantes como estiverámos. Desde que nos vimos no museu Briartop, ele foi ao Pork Pit algumas vezes para almoçar. Nós ainda estávamos dançando ao redor um do outro, no entanto, ainda tentando descobrir como, ou mesmo se poderíamos avançar. Isso era frustrante, mas eu não queria que Owen se envolvesse nisso.

— Gin? — perguntou Phillip. — Você ouviu o que eu disse?

— Owen e Salina não têm nada a ver com isso — retruquei. — Jo-Jo e Sophia são minha família, e ninguém – nenhum maldito idiota – machuca minha família. Nunca. Mesmo que elas não fossem minha família, eu ainda não deixaria ninguém com Harley Grimes. Não depois do que eu o vi fazer esta manhã.

Phillip hesitou novamente, como se quisesse me dizer outra coisa, mas eu não deixei.

— Olha — eu disse. — A melhor coisa que você pode fazer por mim agora é cuidar de Cooper. Certifique-se de que ele está descansando e recuperando sua força. Não sei quão bem a magia dele funcionou em Jo-Jo, e se é necessário tentar curá-la novamente. Ele sabe que você acredita nele. Isso lhe dará mais confiança de que ele pode salvar Jo-Jo caso ela piore. E também estou pedindo para você acreditar em mim. Porque não ganhei minha reputação como a Aranha por acaso.

— Eu sei — disse Phillip. — Mas você não deveria ter que fazer isso sozinha.

Dei-lhe um sorriso sombrio. — Eu aprecio a preocupação, mas no final, estamos todos sozinhos – especialmente eu.

— Apenas... Tenha cuidado, ok, Gin? Não quero levar um chute no traseiro de Owen por causa de você.

— Ora, Philly — falei, usando o apelido de infância de Eva Grayson para ele. — Quase parece que você se importa.

— Com você? — bufou ele novamente. — Nunca.

— É bom saber. Agora, se você me der licença, eu tenho um encontro com o diabo que simplesmente não pode esperar.

Entrei no carro de Roslyn, fechei a porta e liguei o motor. Phillip acenou para mim, me dando adeus ou talvez até me desejando boa sorte. Acenei de volta, em seguida, pisei no acelerador e saí pela entrada da garagem.


Capítulo 9

 

Dirigi o carro de Roslyn até a casa de Jo-Jo. Eu teria ligado para Finn e dito a ele o que estava acontecendo, mas deixei meu celular no salão, junto com minhas facas. A primeira vez, pelo que eu lembro que esqueci minhas armas e as deixei para trás em anos.

Enquanto os quilômetros passavam, tentei me lembrar de tudo que Jo-Jo me contara sobre Grimes. Não foi muito. Ele sequestrou Sophia, levou-a para o acampamento e fez coisas terríveis com ela antes de Jo-Jo contratar Fletcher para resgatá-la. O velho salvara Sophia, e ele e Grimes lutaram até imobilizá-lo, mas Fletcher não conseguiu terminar o trabalho e matá-lo. Ainda assim, Grimes manteve sua distância das irmãs Deveraux desde então, com a ameaça de morte de Fletcher. Fim da história.

Eu definitivamente tenho que passar pela casa de Fletcher e ver o que mais eu poderia desenterrar. Apesar do que eu disse a Phillip, apesar da minha raiva e do quão dolorosamente consciente eu estava do quanto Sophia provavelmente estava sofrendo nesse segundo, eu não correria para o acampamento de Grimes às cegas. Não, eu queria estar a mais preparada possível quando o atacasse. Eu teria que estar para tirar Sophia viva de lá.

Dirigi ainda mais rápido do que Roslyn, então não demorou muito para chegar à casa de Jo-Jo. Apesar dos tiros anteriores e dos flashes de violência elemental, nenhum carro de polícia estava na entrada da garagem. A casa estava em um terreno mais alto e se afastava da estrada muito mais do que as outras no bairro, então você realmente tinha que olhar para notar algo fora do comum. Além disso, os tiros não eram incomuns em Ashland, nem mesmo aqui no subúrbio. Quando eles irrompiam, a maioria das pessoas se apressava para trancar as portas e pegar suas próprias armas, em vez de chamar os policiais, a maioria dos quais levaria seu encantador tempo para responder.

De longe, a casa de Jo-Jo parecia a mesma de sempre. Uma casa de três andares, branca, assentada no topo de uma colina, um gramado ao redor em dela como a saia ondulada de um vestido verde. Foi só quando saí do carro e cheguei mais perto que pude ver o estrago que Grimes, Hazel e seus homens fizeram.

A porta da frente, deixada aberta, tinha uma marca lamacenta de bota plantada no meio dela, e uma poça de água do Gelo elemental derretido de Bria cobria o corredor, encharcando meus pés descalços. Uma longa peça lascada de madeira flutuava na água como a prancha de um navio naufragado, a parte da entrada que Sophia arrancou em sua tentativa desesperada de ficar com Jo-Jo.

O interior do salão não estava melhor. Os homens que Bria e eu matamos ficaram onde tinham caído, com sangue acumulado sob seus corpos, seus olhos cegos fixos no teto. Vasculhei os bolsos deles, revirando as carteiras em busca de pistas sobre Grimes, mas tudo que encontrei foram carteiras de motorista, cartões de crédito e alguns recibos de bar amassados. Nada de útil. Joguei a última carteira de lado em desgosto.

Mas a pior parte não era a água, os corpos ou a porta chutada. Não, a pior parte era o sangue que se espalhou contra uma das paredes. Porque eu sabia que era o sangue de Jo-Jo, que não fui capaz de protegê-la desse horror em sua própria casa, que eu estava parada enquanto ela era baleada e Sophia sequestrada. Se eu pudesse, teria matado os homens novamente por destruir o salão de Jo-Jo. Porque era mais que um negócio... Era um santuário. Mais de uma vez eu apareci na varanda da frente de Jo-Jo tarde da noite, coberta de sangue e hematomas. E todas às vezes – todas às vezes – ela me recebeu de braços abertos e me curou sem perguntas. Mais do que isso, ela me fez sentir desejada, protegida, amada. Eu sempre me senti segura aqui – até hoje.

Harley Grimes viveria o suficiente para se arrepender do momento em que ele decidiu vir atrás das irmãs Deveraux novamente.

Minhas facas ainda estavam onde eu as deixara, duas no chão e três na mesa do bufê com toda a comida. A torta de mousse de chocolate, os sanduíches de frango, as frutas com cobertura de chocolate. Tudo estragado agora e coberto de moscas zumbindo famintas, as quais invadiram a casa junto com o calor. Mais lembranças tristes de quão terrivelmente errado foi o dia.

Agarrei minhas facas, deslizando uma em seu lugar habitual contra as minhas costas antes de enfiar as outras nos bolsos do meu short. Olhei ao redor, me perguntando se tinha esquecido de algo, e vi um pedaço de papel no chão ao lado da cesta de Rosco no canto. Eu peguei o papel e o desdobrei.

Uma imagem de Jo-Jo sentada nos degraus do museu Briartop me encarou.

Reconheci a foto como uma que foi publicada no jornal há algumas semanas, uma das quais tiradas pelos fotógrafos da mídia depois do assalto fracassado de Clementine naquela noite. O resto da história foi cuidadosamente cortado da foto, junto com as outras pessoas, deixando apenas a imagem de Jo-Jo. O papel havia sido dobrado em um pequeno quadrado, e as bordas estavam suaves e gastas, como se Grimes estivesse carregando-o no bolso por um tempo.

Essa deve ter sido a coisa que finalmente reacendeu completamente seu interesse por Sophia, ainda mais do que a morte de Fletcher. A razão pela qual Jo-Jo foi baleada.

Minha surpresa rapidamente desapareceu, mas um sentimento doentio e nauseante permaneceu no meu estômago. Porque Jo-Jo não teria sequer estado no museu se não fosse por mim, se eu não tivesse pedido a ela que viesse e curasse Phillip depois de Clementine ter atirado nele.

Minha culpa – era minha culpa que Grimes tivesse vindo atrás das irmãs Deveraux novamente. Eu colocara Jo-Jo no centro das atenções, mesmo sem querer, e agora ela e Sophia pagavam o preço terrível por isso.

Meus dedos se enrolaram ao redor do recorte, esmagando o jornal em uma pequena bola. Não pela primeira vez, amaldiçoei Clementine Barker e depois Jonah McAllister, que a contratou em primeiro lugar. McAllister não poderia ter percebido que essa seria uma das consequências de suas ações, mas eu sabia que ele gostaria disso. Realmente. Havia poucas coisas que o advogado traiçoeiro gostava mais do que causar problemas para mim e meus amigos.

Deixei-me amaldiçoar McAllister por um momento antes de lançar o jornal amassado para o lado. Meus olhos examinaram o salão arruinado pela última vez, mas não havia mais nada para ver ou fazer aqui, então peguei minhas sandálias do canto e as coloquei.

Eu havia acabado de sair quando meu celular tocou.

Um som alto, dissonante e inesperado que me fez virar, uma faca na mão, pronta para matar o que estivesse fazendo aquele barulho. Mas após perceber que era só o meu celular, o qual eu deixei na mesa de bufê, deixei tocar até ir para o correio de voz. Eu peguei e comecei a colocá-lo no meu bolso quando ele começou a tocar novamente. Eu tinha uma suspeita de quem estava ligando e que ele não pararia até que eu atendesse.

— O quê? — rosnei no receptor.

— Finalmente! — Finn praticamente gritou no meu ouvido. — Aí está você! Estive ligando para você!

— Sim, bem, eu tenho estado um pouco ocupada, no caso de você não ter ouvido.

— Acabei de falar com Bria alguns minutos atrás — disse Finn. — Diga-me o que aconteceu.

Rapidamente o preenchi com tudo o que havia acontecido. Enquanto eu falava, saí do salão e caminhei pelo corredor, minhas sandálias chapinhando pelas poças de água. Entrei na varanda, parando para fechar a porta. Ou pelo menos eu tentei. Suas dobradiças se soltaram do batente e não fecharam completamente. Outra coisa que Grimes quebrou – e algo que ele iria pagar.

Quando terminei, Finn ficou em silêncio por um momento. Então ele soltou com uma sequência muito longa, muito alta, muito imaginativa de maldições, as quais rapidamente se transformaram em um manifesto furioso sobre como Grimes deveria ser brutalmente torturado, costurado novamente, e então torturado novamente por tudo que ele fizera para Jo-Jo e Sophia.

— Bem — eu disse quando Finn finalmente se acalmou o suficiente para me deixar falar. — É tudo isso. Na verdade, estou entrando no carro agora mesmo para que isso aconteça.

— Estou na reunião da Montanha Cipreste com um cliente, mas posso sair agora e chegar aí em algumas horas — disse Finn. — Então podemos ir atrás de Sophia juntos.

— Não há tempo. Preciso alcançá-la o mais rápido possível. Não há como dizer o que Grimes fará com ela.

Eu não disse a ele que talvez já fosse tarde demais. Finn sabia disso tão bem quanto eu.

— Você não pode ir atrás de Grimes sozinha — disse Finn. — Quem sabe quantos homens ele tem nessa montanha? No mínimo, você estará em desvantagem.

— Eu posso, e vou. Não me importo com quantos homens fodidos ele tem. Eu matarei cada um deles, se é isso que preciso fazer; você deveria saber disso.

— Eu sei disso. Também sei que você está chateada, mas ir até lá sozinha não é uma jogada inteligente — disse Finn. — Você também sabe disso, lá no fundo. Você não está pensando claramente agora, porque está com muita raiva.

Sophia! Jo-Jo! Sophia! Jo-Jo!

Os gritos das irmãs ecoaram em minha cabeça novamente, e mais uma vez todas as imagens, todas as terríveis memórias do dia me dominaram. Sophia tropeçando no salão, nos dizendo para fugir. Jo-Jo estendendo a mão em direção a irmã. Sophia segurando o batente da porta com toda a força. As manchas do sangue de Jo-Jo na lâmina de Gelo elemental de Bria. A agonia em seus olhos ao pensar em Sophia nas garras de Grimes. O toque frio da mão de Jo-Jo na casa de Cooper.

Finn estava certo. Eu estava com raiva. Mas também estava decidida. E esperar simplesmente não era uma opção, não importa quão perigoso seria fazer isso sozinha.

— Meu pensamento está claro como cristal — retruquei. — Salve Sophia. Mate Grimes. É bem simples. Salve seu fôlego, Finn.

— Gin, espere...

Eu desliguei. O telefone começou a tocar um segundo depois. Sem dúvida, Finn pensou que poderia me fazer mudar de ideia sobre isso. Ele deveria saber melhor.


Capítulo 10

 

 

Com meu telefone desligado e jogado no banco do passageiro do carro de Roslyn, saí do salão de Jo-Jo e dirigi-me para a casa de Fletcher, minha casa agora. Subi a estrada, fazendo os pneus cuspirem em todas as direções, cheguei até o topo da colina e estacionei.

A estrutura decrépita parecia um pouco estranha, já que exibia uma mistura de ripas brancas, tijolos marrons e pedras cinzentas, tudo coberto por um telhado de zinco. Mas para mim, eu estava simplesmente em casa. À direita da casa, o pátio se estendia antes de dar abruptamente em uma série de penhascos irregulares. À esquerda, as árvores formavam uma linha sólida de verde, cinza e marrom.

Saí do carro e fui para a varanda da frente. Normalmente, eu levava um momento para estender a mão com a minha magia e ouvir as pedras ao meu redor, no caso de alguém ter decidido ficar à espreita para emboscar a Aranha em casa. Mas hoje eu nem me incomodei. Se alguém estivesse lá fora, então hoje era o dia mais azarado de sua vida, porque o idiota seria meu aquecimento para Harley Grimes.

Mas quando abri a pesada porta de granito preto atravessada por espessas veias de silverstone, nada parecia fora do comum no chilrear dos pássaros nas árvores ou no farfalhar dos coelhos no mato. Bom. Eu não queria que mais nada me atrasasse e me impedisse de chegar a Sophia o mais rápido possível.

Eu entrei, fechei a porta e fui direto para o escritório de Fletcher. Eu odiava demorar até um segundo, mas precisava de mais informações antes de ir atrás de Grimes, e este era o único lugar que eu tinha certeza de conseguir isso.

Uma grande árvore de bordo sombreava essa parte da casa, e mesmo com o sol do dia, o escritório de Fletcher estava tão escuro que tive que acender as luzes para ver o que estava fazendo. A sala estava uma bagunça, com papéis, canetas e pastas empilhadas por toda parte, desde a escrivaninha no fundo, as estantes de livros contra as paredes, até os armários de arquivos que se encontravam nos dois lados da porta. Mas havia um método para a loucura de Fletcher, e eu lentamente estava descobrindo o sistema dele.

Na verdade, eu passei mais e mais tempo em seu escritório nas últimas semanas, tentando encontrar algo sobre o misterioso M. M. Monroe, o parente há muito perdido que o testamento de Mab listara como herdeiro de todas as posses terrenas. Não tive qualquer sorte até agora, mas passar pelos arquivos finalmente me levou a arrumar o escritório do velho homem. Pelo menos um pouco. Deixei a maioria de suas coisas onde Fletcher as tinha mantido, no entanto. De certa forma, isso me fez sentir como se ele ainda estivesse aqui, ainda me guiando, mesmo que estivesse morto desde o outono passado.

Não encontrara nenhuma informação sobre Grimes, Hazel e seus homens, mas deveria haver algo aqui. Fletcher e Grimes quase se mataram por Sophia, e o velho fez Grimes ficar longe em sua montanha desde então. Além do mais, Fletcher gostava de ficar de olho em todos que não faziam o bem em Ashland, e não havia como ele não ter rastreado Grimes ao longo dos anos, especialmente se ele achasse que Grimes poderia ser uma ameaça para as irmãs Deveraux algum dia.

Comecei com os armários de arquivo ao lado da porta, folheando todas as pastas. Nenhum arquivo sobre Grimes. Fui até as estantes de livros, revirando os itens em todas as prateleiras. Nenhum arquivo. Fui até a escrivaninha, vasculhando todos os papéis da superfície danificada e depois todos os papéis das várias gavetas. Ainda sem arquivo.

Frustrada, bati a última gaveta na mesa, depois virei a cadeira de Fletcher para frente e para trás, fazendo as rodas gemerem. Estudei cada parte do escritório, me perguntando se havia algo que eu tivesse perdido, qualquer lugar possível que Fletcher poderia ter escondido alguma informação sobre Grimes que eu havia esquecido.

E foi quando eu notei o adesivo em uma das estantes de livros.

Era um adesivo pequeno, preso no canto inferior direito da estante, a poucos metros de distância da escrivaninha. Estranho que Fletcher colocasse um adesivo na madeira lá embaixo, onde ninguém poderia notá-lo. Mas o que ainda era mais estranho era o adesivo em si: duas foices brancas cruzavam sobre um coração vermelho, tudo sobre um fundo preto. Não era o estilo de Fletcher...

Mas era definitivamente o de Sophia.

Com o coração acelerado, ajoelhei-me e passei as mãos por toda a estante, procurando um compartimento secreto, mas não havia um. A estante era apenas uma estante, madeira maciça de cima a baixo. Confusa, eu balancei em meus calcanhares, imaginando onde o arquivo poderia estar, já que não estava realmente em uma das prateleiras.

Então eu me lembrei de algo que Fletcher sempre dizia: Simples é melhor. Soltei uma risada, me inclinei e estendi a mão embaixo da estante de livros. Um segundo depois, meus dedos se fecharam em torno de uma pasta e a puxei. Ao contrário das pastas de manilha que Fletcher usava para todo o resto, esta era preta e tinha apenas Sophia rabiscado em tinta prateada. Sentei-me no chão, inclinei-me contra a mesa e abri-a.

Olá, Gin. Se você está lendo isso, então eu estou morto, mas Harley Grimes não está.

Reconheci a caligrafia do velho, e o fluxo e cadência distintas de suas palavras fizeram sentir como se ele estivesse sentado ao meu lado, lentamente, cuidadosamente, calmamente analisando a informação comigo.

Se Harley Grimes tem algum tipo de coração, então é um coração venenoso – frio, cruel e deliciado com o sofrimento dos outros. Sophia não foi a primeira garota que ele pegou, e certamente não foi a última...

Fletcher passou a detalhar tudo o que Jo-Jo me contou. Como Grimes vira Sophia, a quis e a sequestrara. Como Jo-Jo contatou Fletcher e contratou-o como o Homem de Lata para resgatar Sophia. A jornada de Fletcher até a Bone Mountain onde Grimes mantinha seu acampamento. As táticas de guerrilha que ele usou para apanhar os homens de Grimes, um por um. E finalmente, sua última batalha com Grimes.

Eu já havia matado Horace e Henry, os irmãos mais velhos de Grimes, e feri Hazel, sua irmã mais nova, e consegui enganar o próprio Grimes a usar toda a sua magia de Fogo antes de finalmente confrontá-lo face a face.

Nós lutamos. Ele usou seus punhos. Eu tinha minhas facas. Foi uma longa e dura batalha, mas eu estava derrotando-o e me aproximando para matá-lo quando Hazel se aproximou de mim e me acertou com um tiro de pistola. Eu esfaqueei Grimes no peito, mas ele fugiu, e eu sabia que a ferida não o mataria – mas a minha sim caso eu não conseguisse chegar a Jo-Jo a tempo.

Então eu fui embora. Eu me arrependo daquilo. Deveria ter ficado e terminado o trabalho, ainda que eu tivesse morrido lá na montanha com Grimes. Pelo menos eu saberia que Sophia e Jo-Jo estariam a salvo dele para sempre...

Fletcher continuou descrevendo como ele e Sophia se ajudaram para descerem a montanha e como voltaram para o carro e depois para a casa de Jo-Jo, para que ela pudesse curar os dois. Ele também revelou algumas outras escaramuças que teve com Grimes ao longo dos anos, mas até então, ele tinha outras coisas para pensar – como Mab e eu.

Mas o arquivo continha outras coisas úteis, incluindo um mapa da montanha onde Grimes fez sua casa e esboços detalhados do próprio acampamento. Aparentemente, Fletcher viajara até lá todos os anos para ver o que Grimes estava fazendo. Sua última viagem foi em maio do ano passado, vários meses antes de sua morte. Isso significava que o mapa e os esboços tinham mais de um ano, mas teriam que servir. Além disso, dado o terno antiquado que eu o vi usando mais cedo e o fato de que os mapas de Fletcher não variavam muito de ano para ano, Grimes não me pareceu o tipo de mudar muito sobre sua casa ou suas operações.

Ainda assim, enquanto eu lia todas as informações, quase parecia que faltava algo. Alguma lacuna na narrativa, alguma pequena informação que Fletcher decidiu não incluir, por qualquer motivo. Em certos momentos, quase parecia que alguém estivera com Fletcher e Sophia na montanha, ajudando-os, para que ele pudesse fazer o que fez. Pela minha vida, no entanto, eu não conseguia imaginar quem teria sido ou por que o velho deixaria o envolvimento dessa pessoa fora do arquivo. Não consegui decifrar isso, então segui em frente.

Finalmente, cheguei à última coisa no arquivo, uma carta endereçada a mim. Com as mãos trêmulas, desdobrei a única folha de papel.

 

Grimes não deixará Sophia ir pela segunda vez. E ele não merece viver depois do que ele fez com ela e tantos outros ao longo dos anos. Termine o que comecei. Mate-o, Gin. Por Sophia, por Jo-Jo... E por mim também.

Tenha cuidado.

Amor,

Fletcher

 

Essas foram as últimas palavras no arquivo, e passei meus dedos por elas. O papel estava liso, mas tocá-lo acalmou um pouco da minha raiva e preocupação, e me fez sentir como se Fletcher estivesse olhando por mim.

— Considere isso feito — murmurei.

O velho não respondeu, é claro, e o silêncio da casa absorveu minhas palavras sussurradas, mas eu sabia que ele teria aprovado o que eu ia fazer. Como eu havia dito a Finn, meu plano era simples.

Salvar Sophia. Matar Grimes. Apunhalar até morte qualquer um que entrasse no meu caminho.

 

* * *

 

Tomei banho por tempo suficiente para lavar o sangue de mim. Em seguida, preparei-me para a minha missão de resgate.

Botas de caminhada pretas com biqueira de aço reforçado, jeans azul escuro e uma camiseta justa vermelha apertada por baixo da camisa verde escura de mangas compridas. Em poucos minutos, eu tinha me transformado de passar um dia de verão no salão para enfrentar um trabalho perigoso na floresta como a Aranha. Apesar de estar trinta e dois graus do lado de fora, eu também coloquei um colete cinza forrado com silverstone. Eu vi quão bem armados e rápidos no gatilho eram Grimes e seus homens, e o metal mágico no colete pararia qualquer bala que viesse em minha direção, junto com a absorção de qualquer magia de Grimes e Hazel, caso tivessem a chance de usá-la em mim.

Também me certifiquei de que eu tinha muitas facas. Uma em cada manga, uma nas minhas costas, outras em cada bota. Meu habitual arsenal de cinco pontas, que eu complementei colocando mais algumas facas nos vários bolsos na frente do meu colete. Eu tinha a sensação de que precisaria de cada uma das armas antes que tudo isso tivesse acabado

Quando eu estava devidamente equipada, desci para a sala. Era um cômodo confortável e no qual eu passava muito tempo, mas passei pelo mobiliário gasto e fui até a lareira. Estendi a mão no interior da chaminé e peguei uma mochila preta que eu guardava para caso de emergências – por exemplo, aquela.

Abri o zíper da mochila, que continha mais facas, um par de pistolas, silenciadores e muita munição. Certificando-me de que as armas estavam funcionando, eu inventariei os outros itens dentro. Cordas de escalada, alguns pacotes de comida desidratada, uma garrafa de água, algumas ferramentas pequenas, uma lanterna elétrica, um par de binóculos, fósforos impermeáveis, um par de latas da pomada de cura de Jo-Jo. Tudo o que eu precisaria para subir a montanha até o acampamento de Grimes, resgatar Sophia e voltar.

Joguei a pasta de informações de Fletcher no topo da mochila e a fechei. Levantei a mochila no ombro e comecei a sair da sala, mas um cintilar de silvestone chamou minha atenção. Eu parei e olhei para a cornija acima da lareira.

Uma série de desenhos emoldurados estava apoiada lá, as runas da minha família, mortos e vivos. Um floco de neve e uma trepadeira de hera para minha mãe, Eira, e minha irmã mais velha, Annabella. A runa primrose de Bria. O porco de neon do letreiro do Pork Pit que eu desenhei em homenagem a Fletcher. Um martelo, a runa de Owen, representando força, perseverança e trabalho duro.

Os desenhos eram os mesmos de sempre, mas havia novos acréscimos na cornija: dois colares de silverstone, um floco de neve e uma trepadeira de hera. As runas da minha mãe e da Annabella. Coloquei os colares ao lado dos desenhos correspondentes, de modo que os dois flocos de neve e as duas trepadeiras de hera descansavam um no lado do outro.

Por anos, eu pensei que os colares tinham sido perdidos para sempre, enterrados nos escombros da nossa mansão na noite em que Mab havia assassinado minha mãe e Annabella. Mas Mab tinha as runas o tempo todo, e elas estavam em exposição no Briartop, junto com todos os outros tesouros da Elemental de Fogo. Pelo menos, até Owen roubá-los do museu e devolvê-los para mim, algo que me tocou mais do que ele imaginava. Provavelmente mais do que qualquer um imaginava.

Estendi a mão e toquei primeiro um colar de runa, depois o outro, meus dedos passando por cima do metal liso, duro e frio. Já perdi muitas pessoas com quem eu me importava. Eu não perderia Sophia também. Não importava o que eu tivesse que fazer, ou que eu teria que sofrer, ou o que precisaria sacrificar para recuperá-la.

Olhei para todos os desenhos e colares, fixando as runas na minha mente, deixando-as lembrar-me exatamente por quem e por que eu estava lutando – e matando.

Então deixei o escritório e os símbolos da minha família para trás.

 

* * *

 

Eu quase cheguei à porta da frente da casa quando o telefone no corredor começou a tocar. Pensei em atender, mas decidi não fazê-lo. Era provavelmente Finn novamente, tentando me convencer a esperar por ele.

Olhei para o relógio na parede. Mais de duas horas se passaram desde que os homens invadiram o salão, e Grimes e Hazel provavelmente já estavam de volta à montanha, pensando que ninguém iria atrás de Sophia. Eu já tinha gasto bastante tempo indo ao salão e depois voltando para casa. Viagens necessárias, mas cada minuto que passava era outro que Sophia passava com Grimes, outro que ele podia estar torturando-a.

Então passei direto pelo telefone tocando. Foi só quando eu estava do lado de fora e saí da varanda da frente que percebi que eu não estava sozinha. Outro carro estava na entrada da garagem, com um homem encostado nele: Owen Grayson.

Owen usava o mesmo tipo de roupa que eu – botas marrons, calças marrons e camiseta preta. Seus braços estavam cruzados sobre o peito musculoso enquanto o sol brilhante trazia reflexos azulados em seu cabelo preto e grosso. Ele estava tão bonito como sempre. Ou talvez eu apenas pensasse assim porque sabia que ele não era meu, não mais. Não há semanas agora. E ele provavelmente nunca seria novamente.

— Owen? — perguntei, parando brevemente com a visão dele. — O que você está fazendo aqui?

Em vez de me responder, ele colocou a mão no carro e pegou uma mochila preta que era estranhamente similar à minha. Ele fechou a porta do carro e caminhou em minha direção. Uma série de tinidos me alcançou enquanto o que estivesse na bolsa dele se movia para frente e para trás. Os sons de armas de fogo, facas e outras peças de metal se chocando eram tão familiares para mim quanto uma canção de ninar – e muito mais reconfortante.

Owen parou na minha frente e colocou a mochila no ombro. Seu olhar encontrou o meu, seus olhos violetas escuros, sombrios e sérios. — Estou aqui para ajudar.


Capítulo 11

 

As palavras apenas... Falharam comigo.

Por um momento, fiquei completamente sem palavras. De todas as pessoas que poderiam se oferecer para me ajudar com algo assim, eu não pensava que Owen seria uma delas. Não mais. Não após eu ter matado seu primeiro amor. Mas aqui estava ele, de qualquer maneira, apesar de tudo que aconteceu entre nós. E isso era... Bom. E parecia... Certo.

— Phillip ligou e me contou o que aconteceu — disse Owen. — Tentei ligar para você, mas seu telefone continuou indo direto para o correio de voz, então liguei para Finn. Ele disse que estava voltando para Ashland, mas que não estaria aqui por algumas horas, e que você estava determinada a ir atrás desse Grimes imediatamente. Então eu vim para ajudar.

Raiva chiou no meu peito, mas eu não podia culpar Phillip e Finn por suas ações. Como Phillip havia dito, eles estavam apenas tentando se certificar de que eu não saísse e me matasse no meio da floresta. Eu teria feito a mesma coisa se eles, Bria, ou qualquer outra pessoa com quem eu me importava, estivesse compelido e determinado a ir atrás de um criminoso perigoso sozinho. Bem, na verdade, eu provavelmente teria amarrado-os e ido no lugar deles.

Ainda assim, Owen e eu... Nós não estávamos exatamente juntos atualmente. Claro, eu o tirei do cofre e de Clementine e seus gigantes no museu Briartop, mas eu não queria que ele pensasse que me devia algo por isso, porque ele não devia. Nenhuma maldita coisa. Eu teria lutado mil vezes com Clementine por ele, mesmo agora, depois que ele quebrou meu coração. Porque é isso que você faz pelas pessoas que ama. Você luta por elas, não importa o que aconteça – e não importa o quão terrivelmente eles te machucaram.

— Você não precisa ir comigo — eu disse. — Não é a sua luta.

— Sim, é — respondeu Owen. — Eu me importo com Jo-Jo e Sophia também. Mais importante, eu me preocupo com você, Gin. Eu sei o quanto isso deve estar te machucando agora.

Essa era a única coisa em Owen que constantemente me surpreendia e me assustava, o quão bem ele conseguia enxergar além da minha máscara de indiferença e descobria minhas verdadeiras e soterradas emoções.

Ainda assim, eu mantive a máscara no lugar enquanto olhava para ele, tentando ver se ele realmente falava sério. Mas seus olhos estavam claros, sua postura ereta, sua mandíbula apertada e determinada. Ele parecia o antigo Owen, antes de Salina ter causado tanto estrago em nós.

Mas havia algo mais espreitando em seu rosto, uma apreensão que eu não vi antes. Quase parecia que ele estava prendendo a respiração e esperando o pior. Como se eu estivesse prestes a dizer ou fazer algo que o machucaria tanto que ele jamais se recuperaria. Mas eu não sabia o que poderia ser isso.

— Você não me deve nada, se é disso que se trata — eu disse, lutando para não mostrar nada do que realmente sentia. — Não pelo que aconteceu no Briartop e nem por Salina também.

Owen fez a última coisa que eu esperava: ele sorriu. Um sorriso enorme, grande e bonito que iluminou todo o seu rosto. — Eu sabia que você ia dizer isso.

— Tudo bem — eu disse; não muito certa de onde ele queria chegar. — Mas isso não torna menos verdade.

Owen assentiu. Então soltou um suspiro e levantou os olhos para os meus. — Olha — disse ele. — Eu tenho sido um idiota sobre muitas coisas – muitas coisas. Você, eu, e especialmente Salina e tudo o que aconteceu com ela. Mas não estou sendo um idiota sobre isso. Finn disse que você disse a ele que Sophia estava ferida. Pelo menos, você precisará de ajuda para tirá-la da montanha. No pior dos casos, bem, nós dois sabemos o quão ruim isso poderia ser. E nós dois sabemos que esse Harley Grimes não deixará você sair com ela.

— Não. Mas, novamente, eu não planejei pedir a permissão dele.

O sorriso de Owen aumentou. — Eu não imaginei que você faria.

Sua voz assumiu um tom malicioso, provocante, e eu me encontrei sorrindo para ele, apesar da seriedade da nossa discussão.

— O que posso dizer? Eu sou um pouco teimosa — brinquei.

— Teimosa é uma maneira de colocar isso — arrastou ele. — Teimosa como uma mula é outra.

— Isso soa como algo que Jo-Jo diria.

As palavras escaparam antes que eu pudesse detê-las, limpando o sorriso do meu rosto e apagando a brincadeira fácil entre Owen e eu. Uma sombra me envolveu mais uma vez ao pensar em Jo-Jo e como ela estava deitada na mesa da cozinha de Cooper, ainda lutando por sua vida. O sorriso de Owen desapareceu também, como se ele compartilhasse meus pensamentos sombrios. Ele provavelmente fez. Sem dúvida, Phillip dissera a ele quanto sangue Jo-Jo havia perdido e quão duro Cooper teve que trabalhar simplesmente para estabilizá-la.

— Ouça, eu vou com você, quer você queira ou não — Owen disse finalmente, em uma voz calma e determinada. — E não por causa de Salina ou Briartop, ou qualquer coisa assim.

— Então por quê?

— Porque passei muito tempo ultimamente sem cobrir suas costas, e você precisa disso hoje mais do que nunca.

Nossos olhares se encontraram, cinza em violeta, com tantas emoções, tantas memórias, tantas palavras faladas e não ditas fluindo entre nós. Mais uma vez, olhei para Owen – realmente o olhei – como se pudesse olhar através de seus olhos e ver todos os segredos profundos e sombrios de seu coração e alma ocultos por baixo. Tentando determinar se ele realmente falava sério. Mas seus olhos permaneciam claros, sua postura firme e sua mandíbula tão apertada quanto antes. Eu não senti nenhuma dor nele. Nenhuma raiva, nenhuma culpa, nenhuma acusação de qualquer tipo. Apenas a determinação silenciosa de ficar ao meu lado através disso, não importando quão ruim já fosse e não importando quão pior nós dois sabíamos que ficaria.

Ainda assim, eu decidi dar a ele uma última chance de desistir.

— Acho que você não entende o que farei agora — falei. — Porque Harley Grimes é pura maldade, e eu terei que ser assim também para resgatar Sophia. Violenta. Perversa. Vingativa. Com nenhuma misericórdia, e com certeza, nenhuma será dada. Nem para Grimes, nem para seus homens, nem para quem entrar no meu caminho.

— Eu sei — respondeu Owen em voz baixa. — Eu sei, e não me importo. Não mais. Você fará o que precisa ser feito para salvar Sophia. Eu estarei lá com você a cada passo do caminho. Não importa o que. Prometo.

Suas palavras me tocaram mais do que ele imaginava. Porque era isso que eu queria que ele dissesse desde que tudo correra terrivelmente errado com Salina. Que ele entendia por que eu a matei, mesmo quando ele pediu que eu não fizesse. Porque simplesmente precisava ser feito antes que ela machucasse alguém com quem Owen se importasse, incluindo ele mesmo. Ao matar Salina, eu estava tentando proteger Owen de, bem, Owen. E mais importante, de ser responsável pela morte de alguém que ele uma vez amou.

Eu carregava esse fardo todos os dias, desde que não fui capaz de salvar Fletcher de ser torturado até a morte dentro do Pork Pit, então eu sabia quão pesado, quão cansativo era. Agora, parecia que Owen queria retribuir o favor indo comigo na cova de Harley Grimes e ajudando Sophia e eu da maneira que ele pudesse.

— Confie em mim, Gin — disse Owen. — Por favor.

Foi esse suave, por favor, que me fez concordar. Porque eu podia ver o quanto ele estava tentando e quão sério ele falava.

— Tudo bem — eu disse. — Tudo bem. Você ganhou. Se você está tão compelido e determinado a ir comigo, então vamos nos mover. Temos um longo caminho a percorrer antes de chegarmos ao acampamento de Grimes.

Após outro momento de silêncio, nós carregamos nossos equipamentos novamente. Owen começou a voltar para o carro dele, mas eu balancei a cabeça e gesticulei para que ele me seguisse até o veículo de Roslyn.

— Este aqui já tem sangue dentro. Não há razão para estragar mais nenhum hoje.

Owen abriu a porta de trás, parando por um momento para olhar as manchas que se formavam nos assentos de couro. Ele deixou sua mochila cair no chão, em cima de uma das toalhas ensanguentadas que eu usei nas feridas de Jo-Jo. Coloquei minha bolsa ao lado da dele, então deslizei para o banco do motorista. Um minuto depois, saímos da garagem.

Enquanto dirigia, contei a Owen tudo o que sabia e suspeitava sobre Grimes. Enquanto eu falava, ele se inclinou para o banco de trás, abriu o zíper da minha mochila, pegou o arquivo de Fletcher sobre Grimes e começou a ler.

Owen franziu a testa. — O nome parece familiar. Por que você acha que Grimes veio atrás de Sophia novamente depois de todos esses anos?

Aquele recorte de jornal de Jo-Jo passou pela minha cabeça. Culpa torceu meu estômago, mas dei de ombros. — Provavelmente por pura maldade. Fletcher a tirou dele, e Grimes não gostou. Então ele finalmente decidiu fazer algo sobre isso. O covarde só esperou até que Fletcher estivesse morto para fazer sua jogada.

— Você acha que ele sabe sobre você? — perguntou Owen. — Que Fletcher treinou você?

Pensei no jeito que Grimes jogara tão casualmente sua magia de Fogo em mim, e então se afastou, tão certo de que as chamas me assariam onde eu estava.

— Acho que não. Caso contrário, ele teria trazido mais homens, pelo menos, e não teria me deixado sozinha com os que ele trouxe.

Owen assentiu, depois hesitou. — Eu não disse isso ainda, mas deveria ter dito. Fico feliz que você esteja bem, Gin.

Eu assenti, mantendo meus olhos na estrada e meu rosto em branco, não o deixando ver o quanto suas palavras significavam para mim, o quanto elas sempre significariam para mim.

Deixei os subúrbios para trás e serpenteei por Northtown, a parte alta, rica e chique de Ashland, onde morava a elite rica, social e mágica. Passamos por mansão após mansão, todas com jardins de bom gosto, tão exuberantes e verdes quanto podiam, apesar do sol escaldante de verão que se abatia sobre eles. Eu dirigi rápido, e logo deixamos as propriedades imaculadas para trás e começamos a subir pelas montanhas acima de Ashland.

Nossa rota nos levou pela Country Daze, uma antiga loja de propriedade de um amigo de Fletcher. Vários carros estavam estacionados no lote de cascalho que ficava em frente à loja. Mas não foi isso que chamou minha atenção – o homem que estava ao lado do sinal de pare que o fez.

Ele era um homem mais velho, com um pouco de cabelo branco fino que se erguia, como se desafiando a umidade do dia. Apesar do calor, ele usava botas marrons, calças azuis e uma camisa de trabalho de algodão de manga comprida azulada, e sua pele escura e lisa sugeria sua herança Cherokee.

Uma velha bolsa marrom estava aos seus pés. Mas a coisa mais interessante sobre Warren T. Fox era o rifle que ele casualmente colocara em seu ombro, como se fosse perfeitamente normal estar de pé ao lado da estrada segurando uma arma. Bem, esta era Ashland. Eu teria ficado mais surpresa se ele não tivesse uma arma.

Warren olhou para o nosso carro quando se aproximou dele. Ele deve ter visto Owen e eu, porque pegou sua mochila, endireitou-se e começou a andar em nossa direção, com o rifle e tudo mais.

— O que ele está fazendo? — perguntei. — Finn fez algum movimento em Violet que eu não saiba e Warren vai finalmente matá-lo por isso?

Violet era a neta universitária de Warren e a melhor amiga de Eva Grayson, a irmã de Owen. Finn gostava de flertar com Violet tanto quanto ele fazia com todas as outras mulheres que cruzavam seu caminho, apesar de seu envolvimento com Bria.

Owen mudou de posição em seu assento. — Depois que Finn me ligou, eu fiz algumas ligações.

— Para Warren? Por quê?

— Porque ninguém conhece essas montanhas melhor do que ele — disse Owen. — Warren me contou mais de uma história sobre suas aventuras de caminhadas e caça, e pensei que nós poderíamos precisar da ajuda dele para encontrar o acampamento de Grimes.

Foi uma ideia inteligente, algo que eu deveria ter pensado primeiro. Claro, eu tinha os mapas de Fletcher do acampamento de Grimes, mas não havia nada como conhecimento em primeira mão. Por mais que eu quisesse de dizer a Owen que não precisávamos de Warren, eu não poderia. Eu não gostava de colocar Warren em perigo, mas Owen estava certo. Se Warren conhecia a área ao redor do esconderijo nas montanhas de Grimes, isso nos dava uma chance ainda maior de encontrar e resgatar Sophia o mais rápido possível. Além disso, até eu não tinha vontade de me envolver com um velho enfurecido como Warren T. Fox.

Então abaixei a janela, diminuí a velocidade e parei no meio da estrada. Warren andou para o meu lado do carro e se inclinou para que pudesse espiar dentro do carro.

— Estou procurando por um guia — eu disse lentamente. — Ou talvez um amigo de caça, dependendo do seu ponto de vista. Sabe onde eu poderia encontrar alguém assim?

Um sorriso enrugou seu rosto, adicionando mais camadas de rugas em suas feições. — Eu acho que eu conheço o cara certo para você, Gin. — Seu sorriso desapareceu. — Eu só queria que as circunstâncias fossem diferentes.

— Eu também, Warren. Eu também.

Destravei o carro e Warren abriu a porta de trás. Ele parou por um momento, olhando para todo o sangue manchando o banco de trás, assim como Owen. Warren limpou a garganta, como se a visão o ofendesse, ou talvez fosse porque sabia que era o sangue de Jo-Jo. Mas ele entrou de qualquer maneira e fechou a porta.

— Como está Jo-Jo? — perguntou ele, em sua voz baixa e preocupada.

— Aguentando – por enquanto. Eu acho que ter Sophia lá quando ela acordar fará toda a diferença.

Ele assentiu. — Isso acontecerá. Então, por que você não para de ficar de bobeira no meio da estrada e vamos com isso.

— Bem, Warren — eu disse novamente. — Achei que você nunca pediria.

Voltei a engatar o carro, avancei e fiz uma curva no sinal de pare, indo ainda mais fundo nas montanhas e chegando muito mais perto do acampamento de Grimes – e Sophia.


Capítulo 12

 

 

Mais uma vez eu recapitulei os eventos da manhã no salão. Warren ouviu minha história, acenando com a cabeça aqui e ali.

Quando terminei, acrescentei. — Owen diz que você gosta de fazer caminhadas e caçar nas montanhas, e que talvez conheça a área ao redor do acampamento de Grimes.

Os lábios de Warren enrugaram-se como se tivesse mordido um limão. — É mais do que apenas um talvez conheça. Eu já estive lá.

Meus olhos foram para o espelho retrovisor. Warren olhou para mim, sua boca ainda torcida naquela expressão azeda.

— Quando? — perguntei.

— Na última vez que Grimes sequestrou Sophia.

De repente, percebi o que estava faltando nos escritos de Fletcher sobre sua batalha com Grimes: aquela terceira pessoa misteriosa que ele tentou tanto não mencionar.

— Você... Você ajudou Fletcher a resgatar Sophia todos aqueles anos atrás? Eu pensei que você e Fletcher se desentenderam por causa de uma mulher quando eram jovens e que vocês dois não se falaram depois disso.

Warren olhou para mim no espelho mais um momento antes de virar a cabeça e olhar pela janela. — Bem, isso pode ser um pouco exagerado. Fletcher e eu costumávamos ir caçar nas montanhas o tempo todo quando éramos jovens. Depois que ele partiu e se mudou para a cidade eu continuei sem ele.

— Então, quando Jo-Jo o contratou para trazer Sophia de volta, Fletcher precisou de você para guiá-lo.

— Na verdade, Jo-Jo entrou na minha loja um dia, coberta de lama e chorando muito. Eu nunca a tinha visto, então perguntei o que estava errado, e nós começamos a conversar. Ela me contou que Grimes havia raptado Sophia e como ela estava na floresta tentando encontrar sua irmã sem sorte. — Warren limpou a garganta. — Então eu disse a ela sobre Fletcher ser o homem de lata.

Eu poderia imaginar tudo em minha mente. Jo-Jo tropeçando em Country Daze, Warren se sentando com ela, Jo-Jo soluçando ao contar sua história, Warren percebendo que ela tinha um problema que só seu antigo amigo poderia resolver...

O pneu direito atingiu um buraco na lateral da estrada, tirando-me das minhas reflexões. Virei o volante, afastando o carro da perigosa curva. A estrada se endireitou por várias centenas de metros, então eu olhei para Warren no espelho retrovisor novamente.

— Foi assim que os dois se conheceram? Por sua causa?

Warren assentiu. Seus olhos escuros encontraram os meus no espelho novamente. — Eu sabia que ele poderia ajudá-la, que provavelmente ele era o único que poderia ajudá-la. Mesmo naquela época, Harley Grimes tinha a reputação de ser malvado, cruel e um maluco filho da puta.

— Meio gigante, meio anão e totalmente malvado, — murmurei, repetindo o que Jo-Jo me dissera sobre Grimes.

Warren assentiu concordando. — Mas eu não achava que Fletcher pediria minha ajuda também. A princípio, recusei, mas depois Jo-Jo voltou à loja e implorou para que eu o levasse até lá. Não pude recusar então – ou agora.

— Obrigada, Warren — eu disse em uma voz suave. — Por tudo.

— Bah — disse ele, acenando com a mão. — Não me agradeça até que tudo termine, Sophia esteja de volta onde ela pertence, e que o bastardo Grimes esteja finalmente morto.

Ele olhou pela janela novamente, seus olhos distantes, seus lábios apertados, as linhas em seu rosto mais profundas com memórias antigas, velhas mágoas, velhas tristezas. Eu me perguntei o que Warren estava vendo, o que estava lembrando, o que estava sentindo. Se ele estava revivendo a viagem que fizera com Fletcher há muito tempo, ou se pensava no perigo que enfrentaria pela segunda vez.

De qualquer forma, não havia nada para eu fazer além de continuar dirigindo e esperar que eu pudesse fazer com que todos nós voltássemos da montanha depois que resgatássemos Sophia.

 

* * *

 

Warren me direcionou para um dos muitos mirantes nas estreitas e sinuosas estradas desta seção das Montanhas Apalaches. Ao contrário dos outros que passamos, os quais eram pequenos buracos escavados entre a estrada e a borda da montanha, esse mirante era na verdade um parque com um terreno pavimentado. Parei o carro de Roslyn em frente a uma placa na grama que dizia, Reserva Natural de Bone Mountain.

Olhei através do para-brisa para a placa de madeira e percebi que talvez eu não estivesse em uma área tão desconhecida quanto eu pensava.

— Há algo errado? — perguntou Owen, notando meu olhar para a placa.

Balancei a cabeça. — Não, nada está errado. Mas eu já estive aqui. Eu deveria ter lembrado quando ouvi o nome pela primeira vez. Fletcher me trouxe aqui anos atrás. Não para o parque, mas para esta montanha.

Não acrescentei que o velho me trouxera aqui apenas para me abandonar durante nossa caminhada, só para ver se eu tinha força e inteligência para descer a montanha sozinha. Um dos muitos testes que ele me deu nos últimos anos. Eu me perguntei quanto eu seria testada hoje. Não importava muito. Como eu disse a Finn e a todos os outros: Harley Grimes era um homem morto. Ele só não sabia ainda.

— Gin? — perguntou Owen. — Você está bem?

Balancei a cabeça para limpar as memórias. — Sim. Vamos nos mover. Quero ver Sophia e o acampamento de de Grimes o mais rápido possível.

Owen, Warren e eu pegamos nossos equipamentos, trancamos o carro e subimos uma série de degraus íngremes e estreitos que levavam do estacionamento até o topo de um cume que se curvava e se projetava como uma meia-lua. Algumas mesas de piquenique de fibra de vidro azuis e verdes empoleiravam-se na grama, junto com um par de latas de lixo amassadas. Uma parede de pedra de um metro de altura marcava a borda da grama e separava as mesas da queda íngreme abaixo. O cume oferecia uma visão abrangente do aglomerado de montanhas que nos rodeavam. Árvores e rochas se estendiam até onde os olhos podiam ver, como faixas verde e cinza desenrolando em todas as direções, coroadas pelo escuro e vívido azul do céu e o ardente laranja do pôr do sol acima.

O carro de Roslyn era o único veículo no estacionamento, e ninguém estava almoçando nas mesas de piquenique, esticando as pernas depois de ficarem trancados no carro, ou passeando com o cachorro pela grama para uma pausa rápida. Bom. Eu não queria que ninguém nos visse, especialmente com Owen e eu parecendo soldados de algum filme de ação, Warren, nosso ajudante grisalho e com um rifle. Além disso, se alguém nos visse, sempre havia a chance de que a notícia chegasse a Grimes de que estávamos chegando.

Warren apontou para a direita, e percebi que o parque tinha mais do que mesas de piquenique e um belo mirante. Várias placas de madeira em forma de flechas estavam empilhadas em cima umas das outras, onde o gramado dava lugar às árvores. Três caminhos curtos começaram nas placas, depois curvaram em três direções diferentes para o dossel verde e marrom da floresta além.

— A trilha leste leva ao próximo topo — disse Warren. — É aí que está o acampamento de Grimes. Pelo que me lembro, Grimes e seus homens costumam usar esse pequeno parque como ponto de encontro. A maioria das pessoas sabe que é melhor não parar aqui, dia ou noite.

— Deixe-me adivinhar — eu disse. — Grimes e seus homens trazem as armas, e outras pessoas aparecem com malas cheias de dinheiro.

Warren assentiu. — Dinheiro, ouro, até diamantes de vez em quando. Fletcher me contou que encontrou um velho cofre e um estoque de objetos de valor em uma das dependências do acampamento de Grimes. Ele disse também que alguns dos homens de Grimes enterravam caixas de metal cheias de dinheiro e armas na floresta ao redor do acampamento.

Isso não me surpreendeu. Muitas pessoas em Ashland não confiavam nos bancos – por um bom motivo. Às vezes, as pessoas que trabalhavam para as instituições financeiras eram ainda mais desonestas do que os criminosos que dominavam a cidade. Finn era um excelente exemplo disso, dado seu trabalho como banqueiro de investimento. Ele não roubava seus clientes, mas adorava esconder seus passos e enganar o governo sobre o dinheiro dos impostos que seus clientes deviam. E ele era incrivelmente bom nisso; Finn poderia ser melhor do que um esquilo armazenando nozes para o inverno.

E Grimes não era o único com lotes de dinheiro e armas escondidos aqui e ali. Eu possuía dinheiro, facas, roupas e outros suprimentos em toda Ashland. Na casa de Fletcher. Na casa de Bria. No apartamento de Finn. Atrás de um freezer na parte de trás do Pork Pit. No escritório de Roslyn, em sua boate, Northern Aggression. Em um banheiro, no prédio de inglês da Faculdade Comunitária de Ashland, onde eu tive muitas aulas. Até mesmo em uma lareira na mansão de Owen.

Olhei para Owen, que estava quieto enquanto Warren e eu conversávamos. Não tinha pensado em pegar a mochila que eu deixara na casa dele alguns meses atrás. Mas isso aconteceu antes que Salina tivesse entrado em nossas vidas. Eu me perguntei se ele ainda tinha minhas coisas ou se as jogou fora.

A última opção fez meu coração tremer de dor, mas ignorei e foquei nas placas e trilhas. — Vamos lá. Precisamos nos mexer.

Deslizei minha mochila sobre meus ombros e me dirigi para a trilha leste. Owen e Warren fizeram o mesmo com o equipamento deles, depois me seguiram.

 

* * *

 

Comigo na liderança, nós caminhamos uma boa distância em silêncio, com apenas os sons da floresta ao redor. O alto e alegre chilrear das aves nas árvores, o zumbido baixo e preguiçoso de abelhas e outros insetos, o afiado farfalhar de lagartos, sapos e outros bichos no meio das folhas secas.

Esta era uma linda parte da floresta, e se tivéssemos saído para uma caminhada de verão, eu teria levado o meu tempo e desfrutado do cenário. O solo marrom escuro da floresta dava lugar ao verde exuberante e vibrante das folhas, e os ramos arqueados das árvores se estendiam até o céu sem nuvens. O denso dossel dava à floresta sombras inconstantes, o que proporcionava algum bem-vindo alívio do calor de julho, embora a umidade fosse mais espessa e opressiva do que nunca. Apesar da sombra, o suor escorria do meu pescoço e das minhas costas, fazendo minhas roupas grudarem na minha pele como se fossem pedaços de fita encharcada. Eu poderia ter usado minha magia de Gelo para me ajudar a refrescar, mas não queria desperdiçar meu poder desse jeito. Não quando tinha a sensação de que eu precisaria de toda a minha força para enfrentar Grimes.

A combinação de sangue gigante e anão fazia com que ele fosse forte o suficiente, mas adicione sua magia de fogo, e você tinha um inimigo realmente perigoso. Sem mencionar o fato de que Hazel tinha o mesmo tipo de força e poder de fogo que seu irmão, e muita alegria maliciosa em usar sua magia para machucar outras pessoas.

Mas o que mais me preocupava era Sophia. Ela foi baleada pelo menos duas vezes antes de tropeçar no salão, e depois foi queimada pelo fogo de Hazel quando foi arrastada. Eu não sabia quantas lesões Hazel e Grimes poderiam ter infligido a ela enquanto isso, ou quanto sangue ela poderia ter perdido.

Então, havia uma chance muito real de que Sophia não estivesse bem o suficiente para deixar a montanha sozinha. Como ela tinha um corpo ainda mais musculoso que o de Jo-Jo, ela pesava mais, e seria ainda mais difícil movê-la. Mas se tivéssemos que carregá-la da montanha, que assim seja.

Depois de cerca de meia hora seguindo a trilha, nós três paramos. Tomamos um pouco de água, e então eu tirei os mapas da área que estavam no arquivo de Fletcher e os mostrei para Warren e Owen.

Warren bateu com o dedo em um dos mapas e apontou para frente. — O limite da propriedade de Grimes, pelo menos o que ele gosta de considerar como sua propriedade, começa a mais ou menos três quilômetros acima da trilha, além da próxima grande curva.

Olhei para a curva afiada, onde a trilha fazia certo desvio e desaparecia atrás de um monte de carvalhos. — Ele terá guardas postados em torno do perímetro?

Warren bateu outro ponto no mapa. — Não muito abaixo daqui, mas definitivamente mais acima na trilha. Há outro caminho, bem mais parecido com uma trilha de veados, que corre paralela à trilha principal. Nós podemos seguir essa. Ela leva a uma cordilheira com vista para todo o acampamento de Grimes. Podemos nos orientar lá e decidir aonde irmos a seguir.

E ver se Sophia ainda está viva.

Ele não disse as palavras, mas todos nós sabíamos que era uma possibilidade, que Sophia já poderia estar morta. Que talvez tudo o que Grimes queria era sequestrá-la para que pudesse torturá-la até a morte.

Owen deve ter visto a preocupação no meu rosto, porque ele deu um aperto no meu braço. — Nós vamos encontrá-la, e vamos tirá-la de lá. Jo-Jo pode consertar o resto. Isso é o que você sempre diz, certo?

— Certo.

Repeti a palavra para ele, mas minha voz soou fraca e vazia, mesmo para mim. Porque havia algumas feridas, algumas mágoas, algumas tristezas que até mesmo a magia de Ar de Jo-Jo simplesmente não conseguia consertar, e Sophia as tinha desde a primeira vez que Grimes a levou. Sua voz rouca e débil, a tristeza que brilhava em seus olhos negros, a maneira como às vezes ficava tensa quando um novo cliente entrava no Pork Pit. E agora seu pior pesadelo, seu medo mais profundo e sombrio, havia ganhado vida e tudo estava acontecendo com ela de novo. Sophia mal sobreviveu ao que Grimes lhe fizera na primeira vez. Eu não sabia o que – se alguma coisa – restaria dela depois dessa nova rodada de horrores.

— Gin? — chamou Owen em voz baixa.

— Vamos lá. Vamos encontrar essa trilha que Warren falou. Quanto mais cedo pusermos os olhos em Sophia, mais cedo poderemos recuperá-la.

Owen apertou meu braço. Então pegou sua mochila enquanto Warren içava seu rifle no ombro novamente. Juntos, nós três começamos a subir a trilha.

Nós só havíamos percorrido uns quinze metros quando um homem contornou a curva à nossa frente.

Usava botas e calças marrons, uma camisa branca de mangas curtas e uma camisa, e um chapéu marrom antiquado que combinava exatamente com os que os homens de Grimes usavam quando invadiram o salão de Jo-Jo. Ele também tinha o mesmo tipo de revólver grande e antiquado preso ao seu lado, assim como eles. Tudo isso o marcou como um dos homens de Grimes – e tão bom quanto morto.

O homem nos viu ao mesmo tempo em que o vimos, e ele parou no meio da trilha. Seus olhos se arregalaram de surpresa, e sua mão caiu para a arma em seu cinto. Os dedos do homem se fecharam em volta do punho de seu revólver, mas ele não o tirou imediatamente e começou a atirar em nós.

Seu primeiro erro – e o último.


Capítulo 13

 

Ao invés de pegar uma faca, avançar e matar o homem onde ele estava, eu mantive minhas mãos para os lados, dei-lhe um sorriso brilhante e amigável, e lentamente caminhei em direção a ele.

— Oh, graças a Deus! Finalmente, vemos outro andarilho aqui no meio do nada. Você pode nos ajudar? Porque meus amigos e eu estamos totalmente perdidos.

Apontei meu polegar por cima do meu ombro para Owen e Warren. Durante todo o tempo, porém, continuei me aproximando cada vez mais do homem. Ele manteve os olhos fixos em mim, seu olhar desconfiado passando sobre minhas roupas, como se estivesse se perguntando por que eu vestia jeans e mangas compridas quando estava trinta e dois graus, mas ele ainda não fez um movimento para sacar sua arma. Mesmo se ele fizesse, não importaria muito. O silverstone no meu colete pegaria as balas que ele atirasse em minha direção.

Eu me aproximei ainda mais dele. O cara deve ter decidido que eu não era uma ameaça tão grande – apesar das roupas escuras – porque ele se inclinou para o lado, tentando ver melhor Owen e Warren na trilha atrás de mim.

Ele franziu a testa, e então seus olhos se arregalaram novamente. Ele deve ter visto o rifle de Warren e finalmente percebido que não éramos andarilhos perdidos afinal de contas.

Mas já era tarde demais.

Enquanto o cara se atrapalhava com sua arma, eu dei um passo à frente e bati meu punho no rosto dele. Sua cabeça foi para trás e eu lhe dei um soco no estômago. Segui os dois primeiros golpes com golpes fortes e brutais em seu peito, estômago e virilha.

Depois das últimas horas me preocupando com a minha família, dirigindo por toda Ashland, e reunindo suprimentos e informações, foi bom finalmente agir, finalmente fazer algo que realmente me faria chegar perto de Sophia.

Então continuei batendo nele, repetidas vezes, acertando meus punhos em seu corpo com golpes rápidos, precisos e debilitantes. Ele estava inclinando de um lado para o outro e prestes a cair quando eu finalmente peguei o braço dele, virei meu corpo para o dele e o joguei por cima do ombro e no chão.

Ele rolou de um lado para o outro na trilha, tossindo, cuspindo e tentando sugar o máximo de oxigênio possível, desde que eu havia esmurrado todo o ar de seus pulmões. Eu puxei uma faca e coloquei contra a garganta dele antes que ele soubesse o que estava acontecendo, ou pudesse até pensar em pegar sua arma novamente.

Ele congelou, sua boca escancarada como um peixe enquanto olhava para mim.

— Se você fizer um som, um som de merda, eu vou cortar sua garganta e deixar sua miserável carcaça aqui para os corvos pegarem — rosnei.

Ele bufou, como se não acreditasse que eu realmente cumpriria a minha ameaça, então eu o cortei com a minha faca. Ele assobiou de dor e surpresa, então o cortei novamente, desta vez um pouco mais profundo.

— O que eu disse sobre fazer um som?

O cara finalmente percebeu que eu era tão cruel, sem coração e louca como eu dizia ser, e engoliu o grito que subia em sua garganta. A dor encheu seus olhos castanhos, junto com medo. Bom. Isso tornaria tudo mais fácil.

— Gin? — perguntou Warren. — O que você está fazendo?

— Há uma fita adesiva na minha mochila — eu disse, não respondendo realmente a pergunta dele. Ele descobriria em breve. — Entregue para mim, por favor.

Owen se adiantou e caminhou ao meu redor. Um zíper soou, e ele colocou a mão na mochila, que ainda estava em minhas costas, e vasculhou os itens dentro. Um momento depois, ele fechou o zíper e me entregou a fita adesiva. Ele não disse uma palavra o tempo todo. Bom. Eu não queria que ele dissesse. Não queria que nada me distraísse do que eu precisava fazer agora.

Mantive meus olhos no cara no chão. — Se você fizer um som que eu não goste, um pequeno grunhido ou peido, vou cortar sua garganta mais rápido do que você pode piscar.

O cara começou a concordar, mas pensou melhor quando minha faca beijou sua garganta novamente. Ele engoliu em seco, seu pomo de adão raspando contra a lâmina.

Warren manteve seu rifle apontado no homem enquanto eu envolvia a fita em volta das mãos e dos pés do sujeito, amarrando-o para que ele não pudesse fugir.

Quando o cara estava preso e não mais uma ameaça, Owen me ajudou a levantá-lo e colocá-lo em pé. Nesse ponto, o cara estava atirando punhais em mim com os olhos, mas ignorei seus olhares sombrios. Ele não tinha ideia de quanto mais ele me odiaria antes que tudo isso fosse dito e feito.

— Como você provavelmente já adivinhou, nós não somos andarilhos — eu disse. — Estamos aqui para resgatar a mulher que Grimes sequestrou esta manhã. Nós a queremos de volta, e você nos ajudará com isso.

O cara bufou novamente. Casualmente passei minha faca em seu braço esquerdo. Sua boca se abriu e começou a gritar de dor, mas eu lentamente balancei a lâmina ensanguentada na frente dos olhos dele.

— Nenhum som. Lembra-se?

Ele estremeceu, mas segurou o grito e assentiu lentamente.

Virei a faca, de modo que eu estivesse segurando-a pela lâmina, então levantei a arma onde ele podia vê-la, junto com a runa de aranha estampada no cabo. — Agora, me diga, você já ouviu falar da Aranha?

O olhar do cara passou por cima de mim novamente, observando minhas roupas escuras, seu sangue na minha faca, e a expressão calma e fria no meu rosto. Seus olhos se arregalaram novamente, e ele acenou muito mais rápido desta vez.

— Bom. Então posso supor que não preciso explicar exatamente quem eu sou e o que faço?

Outro aceno de cabeça, este ainda mais rápido e mais entusiasmado. Às vezes era bom ser notória e temida.

— Bem, este é o seu dia de sorte, porque você consegue me ver em carne e osso. Mas, mais importante, você pode ser útil. Você quer ser útil, não é?

A essa altura, a cabeça do cara subia e descia mais rápido do que eu podia falar, e o resto do seu corpo tremia com os movimentos rápidos e bruscos.

— Excelente. Porque agora vamos dar um passeio pela floresta. — Olhei para Warren. — Onde está essa outra trilha que você estava falando?

Ele apontou para o oeste.

— Lidere o caminho, então.

Warren assentiu, saiu da trilha principal e entrou na floresta. Owen parou por um momento para tirar uma arma da mochila e depois o seguiu. Coloquei um pedaço de fita adesiva sobre a boca do meu prisioneiro, para que ele não gritasse por seus amigos e desse a nossa posição. Então eu gesticulei na direção das árvores.

— Mova-se.

O cara hesitou.

— Ande ou morra – a escolha é sua.

Talvez fosse a ameaça de violência, ou talvez fosse o frio absoluto em meus olhos, mas o cara se arrastou para frente e lentamente seguiu atrás de Owen. Eu mantive minha faca na mão e pronta para o caso dele ter alguma ideia estúpida, então me dirigi para a floresta atrás dos outros.

 

* * *

 

Nós deixamos a trilha principal para trás e caminhamos para o oeste por cerca de vinte minutos. A paisagem ficou mais acidentada quanto mais avançávamos, à medida que as espessas árvores e o solo fértil davam lugar a pontos mais altos e abertos, feitos de folhas de calcário e outras pedras. Eu estendi a mão para minha magia, ouvindo as rochas, mas elas apenas murmuravam sonolentas do sol ardente que as esquentava lentamente e as tempestades que assobiavam sobre as montanhas, trazendo um pouco de chuva fria antes de novamente dar lugar rapidamente ao brutal sol quente.

Eu sempre gostei de caminhar com Fletcher nas montanhas. Era um deleite especial, estar cercada por muito do meu próprio elemento, esses cumes íngremes, platôs planos e paisagens rochosas com as quais eu me sentia tão familiarizada. Eu também teria gostado desse passeio, se não fosse pelas circunstâncias horríveis que me trouxeram aqui.

Warren diminuiu a velocidade e finalmente parou. Ele gesticulou para o topo da cordilheira rochosa que nós estávamos subindo.

— O acampamento de Grimes está a cerca de uma hora além desse cume — disse ele. — Mas vamos começar a encontrar as armadilhas que ele montou em todo o perímetro em breve. Talvez até mais guardas. Então imaginei que você poderia parar e fazer o que for que fará com aquele cara antes de irmos mais longe.

Olhei para Warren e ele me encarou, sua expressão cuidadosamente desprovida de emoção. Ele sabia exatamente o que eu planejava fazer, assim como Owen, que também tinha um olhar vazio no rosto. O único que não sabia era o homem de Grimes. Sua cabeça continuava girando de um lado para o outro entre nós.

— Obrigada por me avisar. Vocês podem querer dar um passeio por alguns minutos.

Warren bufou e agitou a mão para mim. — Bah, eu vi mais sangue e violência na minha vida do que você, Gin. Então não tente me poupar.

— Eu também vou ficar — disse Owen, em uma voz calma.

Olhei para os dois novamente, mas seus ombros estavam retos, suas bocas fixas em linhas planas e determinadas. Eles sabiam o que eu ia fazer agora, o que eu precisava fazer para ter a melhor chance possível de salvar Sophia.

— Tudo bem — eu disse. — Mas não diga que não avisei.

Eu me virei para o meu prisioneiro e arranquei a fita adesiva de sua boca. O cara sibilou de dor, mas esse foi o único som que ele fez. Ele aprendeu, pelo menos.

— Finalmente chegou a hora de você ser útil — eu disse lentamente. — Conte-me sobre o acampamento de Grimes e o que ele fez com a mulher que ele sequestrou esta manhã, aquela com o cabelo e roupas pretas.

O cara balançou a cabeça. — Eu não vou dizer nada a você, nenhuma maldita coisa.

— Claro que você vai — respondi com uma voz agradável. — Todo mundo fala eventualmente. Até eu. A única questão é quanto tenho que ferir primeiro. E acredite em mim quando digo que sou muito, muito boa em infligir quantidades maciças de dor nas pessoas em um período de tempo muito curto.

Ele me lançou um olhar mal-humorado. — Você acha que eu tenho medo de você? Por favor. Você não poderia ser a Aranha. Aquela cadela cruel teria me matado no segundo que me viu. E não me arrastado até a metade da montanha.

— Você está certo — respondi. — Então talvez eu deva continuar com as coisas. Não quero desapontar meus fãs.

Tirei minha mochila e coloquei-a nas pedras. Então comecei a rolar os ombros e balançar os braços de um lado para o outro, preparando-me para o que estava por vir. Eu até fiz um par de agachamentos, apenas por diversão. Sim, isso foi um show mais do que qualquer outra coisa, mas às vezes um pequeno show era tudo que você precisava para ter alguém fazendo as coisas do seu jeito.

Mas o cara ficou quieto durante a minha rotina de aquecimento, então decidi aumentar a aposta segurando uma segunda faca e virando-me para ele.

Ele soltou uma forte risada. — Oh, olha, ela tem outra faca. O que você acha que vai fazer, querida? Cortar-me como um bife para o jantar?

Chutei o joelho direito do sujeito e ele caiu desajeitadamente nas pedras. Antes que ele pudesse gritar de dor, eu acertei minha bota em suas costelas, expulsando o ar de seus pulmões novamente.

E não parei por aí.

De novo e de novo, eu o chutei nas costelas, no peito e no estômago, até que ele entendeu a mensagem. Ele gemeu e balançou de um lado para o outro, tentando encontrar alguma posição onde seu corpo não doesse, mas não havia uma. Eu garanti isso.

Quando seus gemidos finalmente morreram, eu montei sobre ele e cruzei minhas lâminas sobre sua garganta. — Agora, docinho, eu vou mostrar exatamente o que pretendo fazer com minhas facas – a menos que você comece a falar.

O cara olhou para mim, ainda desafiador. — Vá para o inferno. Você não conseguirá nada de mim. Estou mais assustado com o que o Sr. Grimes fará comigo do que com uma cadela com um par de facas.

— Seu erro, docinho.

— Por quê?

Eu me inclinei para que ele pudesse ver exatamente o quão frio e vazio meus olhos estavam. — Porque o Sr. Grimes não está aqui agora – mas eu estou.

Antes que ele pudesse protestar, eu recoloquei o pedaço de fita adesiva sobre a boca dele.

E então eu comecei a cortá-lo.

Usei cortes pequenos e rasos no começo. Um corte aqui, uma fatia fina ali. Pouco mais que cortes de papel, na verdade. Mas quanto mais eu trabalhava nele, mais fundo eu penetrava, lentamente, cortando seu pescoço, seus braços e os grossos músculos de seu peito.

Eu particularmente não gostava de torturar pessoas. Na verdade, ia contra tudo o que Fletcher havia me ensinado sobre ser uma assassina. Sem filhos, sem animais de estimação, sem tortura. Mas a vida de Sophia estava em risco, e não havia nada que me impediria de resgatá-la, nem mesmo o código de honra de Fletcher.

Owen e Warren estavam a poucos metros de distância, observando a coisa toda. Cada corte que eu fazia, todo sangue que jorrava das feridas do cara, cada grito abafado que ele soltava através da fita sobre a boca enquanto eu cavava minhas lâminas mais e mais profundamente em sua carne tenra. Eles não disseram uma palavra, e não tentaram interferir. Mesmo se quisessem, Owen e Warren não poderiam ter me parado. Não de fazer o que fosse necessário para salvar Sophia. Nem mesmo disto.

O cara se contorcia no chão, tentando me empurrar, mas eu cavei meus joelhos em seu peito e usei meu peso para segurá-lo no lugar.

E então eu o cortei um pouco mais.

Isso continuou por cerca de três minutos, antes que o cara começasse a balançar a cabeça para cima e para baixo, como se estivesse tentando gritar, Sim! Sim! Sim! Eu estou pronto para falar!

Balancei de volta em meus calcanhares e o examinei friamente. — Eu vou tirar a fita da sua boca agora. É melhor você estar pronto para me contar tudo o que eu quero saber. Porque se isso é um truque e você até pensar em gritar, então enterro minha faca tão fundo em sua garganta que você não soltará nenhum pio antes de morrer. Entendeu?

O cara assentiu furiosamente, sua cabeça se movendo ainda mais rápido do que antes.

Eu me inclinei e tirei a fita da boca dele. — Agora, onde está a mulher que Grimes levou? O que ele planeja fazer com ela?

— Ela... Ela está no acampamento! — falou ele. — É cerca de uma hora de distância, assim como o velho disse!

— Ela ainda está viva? — Eu necessitava fazer a pergunta, mesmo que meu coração estivesse tão duro e pesado quanto um tijolo no meu peito, temendo a resposta.

— Sim! Sim, ela ainda está viva! — disse o cara, as palavras saindo de sua boca uma após a outra. — Grimes a quer para ele! Ele disse para nós nem pensar em tocá-la!

Não precisei fazer mais perguntas, porque o cara começou a balbuciar tudo sobre Sophia, Grimes e o acampamento. Ele me contou tudo o que eu queria saber e algumas coisas que eu não queria. Aparentemente, em seu tempo livre, Grimes gostava de andar por Ashland, especialmente ao redor da faculdade comunitária. Uma vez que ele via uma garota de quem gostava, ele a pegava da rua, saindo de um dos estacionamentos, ou mesmo saindo do campus e a trazia para o acampamento na montanha, e não a deixava ir até que estivesse morta pela tortura, estupro e abuso que ele a sujeitava. Ocasionalmente, Grimes ficava entediado com uma garota antes de matá-la, e ele a entregava ao resto de seus homens como recompensa por seu serviço leal. A menina sempre morria muito rápido depois disso.

A coisa toda me deixou doente, mas combinava com a informação no arquivo de Fletcher.

Mas o que foi especialmente revelador foi que Grimes não era o único em cena. Hazel adorava torturar as garotas ainda mais do que Grimes, espancá-las, repreendê-las e marcá-las com magia de Fogo repetidamente, sem outro motivo além do fato de que ela podia. Às vezes era ela quem saía e trazia um homem jovem que chamou sua atenção para encontrar o mesmo triste destino das garotas raptadas.

— Quantos homens Grimes têm? — perguntei. — Onde eles estão posionados? Que tipo de armas tem? Algum deles tem magia elemental?

O sujeito hesitou, então o cortei novamente para encorajá-lo a continuar falando. Depois de mais alguns cortes com minha faca, ele cantou como um canário.

De acordo com meu novo melhor amigo, Grimes atualmente tinha cerca de três dúzias de homens trabalhando para ele – uma mistura de anões, gigantes, vampiros e humanos, todos armados com pistolas, facas e quaisquer outras armas que eles pudessem fazer ou roubar. Mas Grimes e Hazel eram os únicos com magia Elemental. Alguns guardas patrulhavam o perímetro do acampamento, mas Grimes contava com sua reputação implacável para manter a maioria das pessoas longe, junto com as armadilhas que cercavam seu acampamento.

Aparentemente, meu cara era um recruta relativamente novo e foi enviado para fazer uma varredura através do parque e se certificar de que ninguém estava por perto, onde não deveria estar, e que ninguém havia rastreado Sophia para Bone Mountain.

— Grimes disse que uma mulher tentou detê-lo — balbuciou o cara. — Uma garota que teve sorte e levou alguns de nossos caras. Ele disse que uma vez que tivesse a anã sob controle, ele iria atrás da outra garota – e que lhe ensinaria uma lição que ela não esqueceria.

— Bem, Grimes não precisa se preocupar em me encontrar — eu disse. — Porque eu vou encontrá-lo primeiro. Mais alguma coisa que você queira adicionar?

O cara não disse nada, então eu casualmente girei minhas facas em minhas mãos para motivá-lo mais uma vez.

— É isso aí! É isso! — gaguejou ele novamente. — Isso é tudo que eu sei. Eu juro! Eu juro! Eu não mentiria, não para você. — Ele olhou para as facas em minhas mãos – facas manchadas de um vermelho brilhante e lustroso com o sangue dele. Ele estremeceu, mas uma luz desesperada e esperançosa ainda brilhava em seus olhos, apesar do que eu fiz para ele. — Então... Eu fui útil, certo? Quero dizer, realmente, realmente muito útil. Eu te disse praticamente tudo o que há para saber sobre Grimes e sua operação.

— Oh, sim. Você cantou seu doce coração para mim.

Não acrescentei que isso tinha sid uma conclusão precipitada. Poucas pessoas poderiam resistir a mais do que alguns minutos de tortura, até eu.

— Então... Você... Você me deixará viver, certo? — perguntou o cara.

Atrás de mim, Owen e Warren permaneceram imóveis e silenciosos. Eles não disseram uma palavra enquanto eu cortava e questionava o cara, e não falaram agora. Não teria feito a eles – ou ele – nada de bom. Porque eu tinha uma promessa a manter para Jo-Jo e Sophia... E Fletcher também.

— Você disse que trabalha para o Grimes há seis meses?

O cara assentiu.

— Diga-me — perguntei. — De todas aquelas pobres mulheres que Grimes sequestrou e trouxe para o acampamento dele no tempo que você esteve lá, exatamente quantas delas você estuprou e torturou junto com os outros?

Ele estremeceu, como se eu o tivesse pegado com a mão em um pote de biscoitos ao falar sobre a terrível brutalização de tantas vítimas inocentes. — Hum... Bem... Veja... — a voz dele sumiu, e ele me deu um sorriso tímido, seguido por um encolher de ombros, como se dissesse que ele era apenas um dos caras.

— Sim — eu disse. — Foi isso que eu pensei.

Mergulhei minha faca no coração dele. O cara abriu a boca para finalmente soltar um bom e longo grito, junto com todos os outros que ele esteve segurando enquanto eu o cortava. Mas eu neguei a ele até essa misericórdia. Arranquei a lâmina de seu peito e cortei sua garganta antes que ele conseguisse emitir um único som. Ele sangrou rapidamente depois disso, o que foi uma morte muito mais misericordiosa do que a sua gangue havia dado a todos aqueles jovens, mulheres e homens.

Quando tive certeza que ele estava morto, eu limpei minhas facas na perna da calça dele, então fiquei de pé. Warren e Owen ficaram em silêncio.

Warren finalmente se virou para um lado e cuspiu nas pedras. — Esse é um dos homens de Grimes que não vamos ter que nos preocupar em ficar entre nós e Sophia.

Bem, eu suponho que era uma maneira de ver as coisas, em vez do frio e duro fato que eu acabara de torturar e matar um homem. Warren acenou para mim, depois pegou o fuzil e a mochila e começou a subir o cume.

E, finalmente, apesar de temer, virei-me para encarar Owen.

Esperava ver a censura estampada em todas as suas feições, junto com desgosto, desaprovação e desapontamento. Mas não encontrei nenhuma dessas coisas. Em vez disso, Owen olhou para mim, seu olhar violeta firme no meu olhar cinza. Não havia julgamento em seus olhos, nem desconfiança, nem mágoa, nem dor ou raiva.

Em vez disso, ele endireitou os ombros e encarou a verdade da situação de frente, exatamente como eu. Porque o outro fato frio e duro era que Harley Grimes não era o único que tinha um coração venenoso. Eu também tinha.

Owen havia acabado de me ver no meu momento mais violento, mais cruel, mais vingativo, e não estava enojado com minhas ações, e não estava se afastando de mim por causa delas. Eu me perguntei sobre a mudança nele. Talvez ele só se sentisse assim porque esse era um estranho aleatório que jazia morto aos meus pés e não alguém que ele amara.

Não Salina.

— Warren está certo — falou Owen finalmente. — Um a menos. E boa viagem.

Ele acenou para mim, em seguida, colocou a mochila no ombro, virou-se e seguiu Warren.

Se a situação fosse diferente, se tivéssemos mais tempo, eu poderia chamá-lo e perguntaria se ele realmente falava sério sobre tudo o que eu tinha feito. Mas Sophia estava esperando, e não era hora de ser egoísta e pensar em Owen e eu, e no que estava ou não acontecendo entre nós. Não quando Sophia estava em perigo, e especialmente quando ela podia estar sentindo tanta dor agora por causa de Grimes.

Então coloquei minhas facas nas minhas mangas, peguei minha mochila e segui Owen e Warren até o topo.


Capítulo 14

 

Caminhamos por cerca de trinta minutos quando nos deparamos com a primeira armadilha.

Eu só percebi porque a armadilha estava emanando a mais fraca magia. Eu estava examinando a floresta, uma faca na minha mão, à procura dos homens de Grimes. Dei um passo à frente, e bolhas quentes e invisíveis, começaram a estalar contra a minha pele.

— Parem — eu disse. — Ninguém se mexe.

Warren e Owen congelaram.

Depois de um momento, Owen franziu a testa. — Isto é... Magia de fogo?

Owen tinha um talento elementar para o metal, que era um desdobramento do meu próprio poder de Pedra, então ele podia sentir magia assim como eu.

— Sim — eu disse. — Eu também sinto isso. Agora, vamos ver se podemos descobrir de onde ela vem.

Nós olhamos para a floresta ao nosso redor, olhando as árvores, folhas, pedras, até a sujeira sob nossos pés.

— Lá — disse Warren.

Ele apontou para um álamo delgado a cerca de três metros à frente na trilha que estávamos seguindo. Demorei alguns segundos para perceber que uma pequena runa tinha sido queimada no tronco da árvore a alguns centímetros do chão, um pequeno círculo cercado por várias dúzias de raios ondulados. Um raio de sol, o símbolo do Fogo.

Runas eram mais do que símbolos familiares ou logotipos chamativos de negócios. Elementais também poderiam imbuir runas com sua magia e levá-las a executar funções específicas. Muita gente usava o símbolo raio de sol para fios mágicos de viagem e armadilhas.

Warren se ajoelhou, colocou seu fuzil e mochila de lado, e cuidadosamente rastejou para frente. — O que temos aqui?

Ele colocou o dedo sob algo e gentilmente o puxou para que Owen e eu pudéssemos ver a fina e translúcida linha de pesca pendurada na altura do tornozelo, entre o álamo e outra árvore no lado oposto da trilha. A extremidade esquerda da linha estava enrolada em torno de uma estaca de madeira que foi fincada no chão, enquanto a extremidade direita estava apenas presa à árvore com fita adesiva, bem em cima da runa raio de sol. Assim que você atravessasse a linha de pesca, a fita arrancaria a runa, e o sol romperia e explodiria com Fogo elemental. Simples, mas eficaz.

Warren tirou um canivete e cortou cuidadosamente a parte da linha que estava presa a estaca, desabilitando a armadilha.

— Pelo que eu me lembro, vamos nos deparar com mais do que algumas delas. Melhor abrir caminho agora — ele disse —, enquanto não estamos sendo perseguidos.

— Concordo — eu disse. — Mas vamos também deixar algumas delas intactas. Não queremos que os homens de Grimes percebam que todas as armadilhas foram desarmadas e que estranhos estão perto do acampamento. Eles provavelmente sabem onde estão as armadilhas, mas se tivermos sorte, eles podem se esquecer delas na pressa de chegar até nós. E não seria apenas uma vergonha se eles tropeçassem nelas e tivessem um rosto cheio de Fogo elemental em vez de nós?

— Sorrateiro. — O rosto de Warren se enrugou em um sorriso diabólico. — Fletcher teria feito exatamente a mesma coisa.

Eu sorri para ele. — Eu sei.

Warren estava certo. Encontramos mais algumas armadilhas depois disso. A maioria estava a dezenas, senão centenas de metros de distância, mas algumas foram agrupadas tão perto que se tropeçasse em uma, você acionaria mais três em rápida sucessão. Você nem perceberia o que estava acontecendo até que vários jatos de Fogo elemental o atingissem de todos os lados e o queimassem até virar cinzas no local. Eu tive que admirar a astúcia de Grimes, pelo menos.

Mas nem todas as armadilhas eram mágicas. De fato, muitos eram dispositivos simples e grosseiros. Mais linhas de pesca na altura do tornozelo entre duas árvores que enviariam um tronco espinhoso balançando na direção de alguém. Armadilhas de laços escondidas sob pilhas de folhas secas que o transportaria para o ar quando você pisasse nelas. Até mesmo um buraco de dois metros de profundidade forrado com estacas de madeira pontiagudas e afiadas, com um corpo no fundo dela.

Uma vez, o corpo foi uma mulher jovem, a julgar por sua forma esbelta e pelo vestido lilás claro que ela usava. Ela correu diretamente para dentro do buraco, o qual estava escondido atrás de um arbusto, e caíra de barriga para baixo nas estacas, uma das quais atravessou todo o corpo e saiu em suas costas. Como se ela fosse um pedaço de carne espetada em um churrasquinho. Realmente, isso é tudo o que ela era agora.

Eu não sabia há quanto tempo ela estava morta, mas o fedor de carne podre flutuava para fora do buraco, revirando meu estômago. O sol brilhante apenas intensificava o cheiro pútrido, fazendo-o tremular como ondas de calor. Moscas infestavam toda a mulher, e pedaços de sua carne estavam esfarrapados, onde os corvos e outros pássaros carniceiros comeram e arranharam sua pele com seus bicos e garras. Outros animais também a mordiscaram, a julgar pelos pedaços de osso que espiavam aqui e ali entre o resto de sua pele em decomposição.

Ao redor dela, as pedras no fundo do poço alternavam-se entre gritos com todo o terror, medo e a agonia que a garota havia sofrido, e risos com a malícia astuta e obscura das pessoas – monstros – que fizeram essa coisa horrível com ela. Ambos os sons me deixaram enjoada.

Eu me perguntei se ela era uma das universitárias que Grimes havia sequestrado, quanto tempo ele a torturou, e se essa morte terrível foi sua recompensa por finalmente escapar dele. Bem, pelo menos a coitada não estava mais sofrendo – mas eu garantiria que Grimes sofresse. Por ela e por todos os outros com quem ele fez isso.

Owen olhou para o corpo. — Eva tem uma camisa da mesma cor. Ela usou no outro dia, quando foi para a aula.

Warren e eu não respondemos. Sabíamos que a nossa era uma cidade escura, perigosa e violenta, mas isso – o que Grimes fazia com essas garotas – era cruel, até mesmo para os padrões de Ashland.

Owen balançou a cabeça, como se aquele simples movimento pudesse afastar seus pensamentos perturbadores e a visão horrível diante de nós. Ele se abaixou e estudou o chão ao redor da armadilha. — Há muitas impressões de pegadas aqui. Devemos estar chegando perto do acampamento.

— Perto o suficiente. — Warren cuspiu no chão novamente. — Perto o suficiente.

Não havia nada que pudéssemos fazer pela mulher, então a deixamos onde estava, empalada no fundo do poço. Talvez quando tudo isso acabasse eu voltaria e lhe daria um enterro apropriado.

Nós andamos por mais dez minutos antes de Warren colocar um dedo nos lábios e se agachar. Ele colocou o rifle e mochila ao lado e lentamente começou a avançar. Owen e eu aumentamos nosso aperto em nossas próprias armas e mochilas, abaixamos e o seguimos. Nós rastejamos até o topo de um cume de pedra, depois nos abaixamos e deslizamos para frente, para que pudéssemos espiar sobre a borda das rochas.

O acampamento de Harley Grimes estava abaixo de nós.

 

* * *

 

Este cume em particular mengulhava em uma encosta íngreme e rochosa que corria por cerca de sessenta metros antes de se aplanar e se espalhar em uma clareira no meio da floresta. O acampamento parecia ter cerca de oitocentos metros de largura de oeste a leste, e também com a mesma profundidade de norte a sul, antes que as árvores voltassem a tomar o lugar do outro lado da clareira.

Um grande edifício retangular estava empoleirado no extremo oeste do acampamento, e a estrutura cinzenta de blocos de concreto tinha o aspecto baixo e prático de um quartel. Pelo que eu me lembrava do arquivo de Fletcher, era onde ficava a maioria dos homens de Grimes, cada um com seu próprio pequeno catre, como se fossem militares em vez de uma maldosa gangue na montanha. Outro prédio à direita era feito dos mesmos blocos de concreto, embora fosse um quadrado muito menor. O vapor escapava de um par de canos de metal no telhado. Respirei fundo e senti um cheiro de carne e algum tipo de verdura cozida. A versão de Grimes de uma cozinha ou refeitório.

Minhas suspeitas foram confirmadas alguns segundos depois, quando dois homens saíram pelas portas duplas que ficavam na frente do prédio. Ambos carregavam copos de lata e pratos de comida que levavam para algumas mesas de madeira colocadas entre a cozinha e o quartel. Como o resto dos homens de Grimes, eles usavam ternos antiquados, e tiraram um tempo para tirar os chapéus e os casacos antes de se sentarem para comer. Murmúrios da sua conversa subiram a cordilheira, mas as palavras eram indistinguíveis, então examinei o resto da área, comparando com os mapas no arquivo de Fletcher.

Não parecia ter mudado muito desde a última vez que o velho estivera aqui para espiar Grimes. Mais alguns prédios de blocos de concreto pontilhavam a paisagem, alguns usados para guardar as armas que Grimes vendia, enquanto outros abrigavam o dinheiro, o ouro e os objetos de valor que ele pegava em troca delas. Pelo menos uma dúzia de homens movia-se dentro e fora das estruturas, cortando lenha, transportando caixas aqui e ali, e fazendo quaisquer outras tarefas que lhes foram atribuídas. Eu até mesmo vi dois caras mexerem em um calhambeque enferrujado estacionado ao lado da cozinha, como se eles estivessem tentando fazer o carro antigo voltar à vida.

Na extremidade leste do acampamento havia outro prédio maior feito de madeira cinza, com fiação de cobre saindo dos lados e dos fundos como os espinhos de um porco-espinho. Mais vapor derivava daquela área, e eu respirei novamente. Desta vez, senti um cheiro azedo. Sem dúvida, esse era o lugar onde Grimes e seus homens preparavam o moonshine da montanha. Não me surpreendeu que eles fizessem sua própria bebida. Na verdade, parecia encaixar-se perfeitamente com a mentalidade de gangster de Grimes, e eu estava disposta a apostar que o seu moonshine caseiro era uma coisa forte, o melhor para exasperar seus homens quando eles iam para Ashland em uma de suas bebedeiras.

Mas era a estrutura no centro do acampamento, bem diante de nós, que chamava minha atenção, uma casa de fazenda de três andares. Ao contrário das outras estruturas planas e sem graça, era um edifício bonito, com um design elegante e arejado. A tinta branca brilhava como uma pérola ao sol do meio-dia, enquanto as janelas de vidro cintilavam como diamantes ao lado das persianas pretas. Um alpendre em torno da frente da casa, cercado por um amplo quintal gramado e uma cerca branca. Uma variedade de rosas cor de rosa, vermelhas e brancas entrelaçavam nas ripas da cerca, suas pétalas delicadas e grossas videiras verdes proporcionando respingos vívidos da cor do verão.

Se não fosse pela aparência simples, sombria e deprimente do resto do acampamento, eu teria pensado que a casa era um belo refúgio na montanha. Mas quanto mais eu olhava para a estrutura, mais alguma coisa sobre isso me incomodava, como se eu a tivesse visto em algum lugar antes.

Três andares, estilo colonial, tinta branca, varanda da frente. Meu estômago se revirou de forma incômoda...

— É somente eu, ou aquela casa meio que parece a de Jo-Jo? — sussurrou Owen.

— Não é só você — respondi em voz baixa. — Eu me pergunto quando Grimes construiu isso.

De acordo com os mapas de Fletcher, havia uma casa naquele ponto da última vez que ele esteve aqui, mas ele a esboçou como uma estrutura muito menor, e ele não havia feito qualquer menção a ela ser parecida com a de Jo-Jo. Esse não era o tipo de coisa que ele teria esquecido.

— Certamente não estava aqui na última vez que Fletcher e eu estivemos — concordou Warren. — Mas isso foi há uns cinquenta anos. É definitivamente nova – na verdade, não parece ter mais do que alguns meses. Veja como a tinta ainda está fresca? E quão vazio é o quintal em alguns lugares?

— Você acha... Acha que ele a construiu para Sophia? — perguntou Owen.

Era exatamente o que eu pensava, que a obsessão doentia de Grimes com ela o levara a fazer aquilo. Eu me perguntei há quanto tempo ele planejava sequestrar Sophia novamente, e quando ele começou a construir a casa. Se Warren estava certo, e a estrutura só foi terminada há alguns meses, então Grimes deve ter começado a construí-la assim que soube que Fletcher havia morrido no outono passado.

Continuei examinando a clareira, memorizando a localização de todos os prédios em minha mente e assistindo os homens fazerem suas tarefas. Ninguém olhou para o cume e ninguém percebeu que estávamos observando-os. Sem dúvida, eles se sentiam perfeitamente seguros e protegidos em seu acampamento nas montanhas. Bem, isso mudaria – e logo.

Eu estava prestes a dizer aos outros para recuarmos da borda do cume quando a porta da frente da casa da fazenda se abriu. Guardei os mapas, e remexi na minha mochila, pegando meu par de binóculos, e os levantei até os olhos para poder dar uma olhada melhor nas coisas.

Harley Grimes saiu para a varanda da frente e depois desceu os degraus até o quintal. Ele tinha trocado o seu terno cinza por um novo, um off-white. Um chapéu combinando, com uma pena preta presa na aba, estava em sua cabeça, e eu podia ver o brilho de seus sapatos negros daqui. Mais uma vez ele estava vestido como um gangster saído diretamente da época da Lei Seca. De acordo com o arquivo de Fletcher, foi quando Grimes cresceu. Aparentemente ele gostava de se agarrar à sua juventude. Isso, ou ele apenas gostava de sua aparência para combinar com sua ocupação.

A porta se abriu novamente e uma mulher saiu. Ela hesitou, depois seguiu Grimes pela varanda e saiu para o quintal. Eu a reconheci, mas essa pessoa era exatamente o oposto da que eu conhecia.

Ela usava um vestido branco de mangas curtas com pequenas rosas cor-de-rosa – em vez de seus jeans e camiseta pretos habituais.

Uma fita preta estava presa em volta da cintura e saltos de couro preto lhe davam mais alguns centímetros de altura – em vez de suas velhas botas pretas surradas.

Seu cabelo preto estava preso em um rabo de cavalo alto amarrado com uma longa fita branca – em vez das mechas coloridas e gliter que normalmente usava em seu cabelo.

Batom rosa claro cobria os lábios – em vez das cores mais escuras e ousadas que ela normalmente usava.

Grimes estendeu o braço. A mulher hesitou de novo, depois deu um passo à frente e o pegou.

Sophia.


Capítulo 15

 

 

Eu pisquei, e então pisquei de novo, imaginando se realmente estava vendo o que achava que estava. Mas as imagens não mudaram, não importava o quanto eu ajustei o foco nos binóculos ou quão forte eu olhei através das lentes.

Sophia com Grimes, usando um vestido, arrumada como uma amante de gangster de algum filme antigo. Era bizarro vê-la assim, parecendo tão diferente e nada parecida com a habitual sombria e destemida gótica. Estava errado. Apenas... Errado.

Após alguns segundos, abaixei o binóculo e o passei para Owen.

— Aquela é Sophia? — perguntou ele, olhando através das lentes. — O que ela está fazendo? Por que está usando um vestido? E por que não está tentando se afastar dele?

— Olhe atrás deles — disse Warren, usando o binóculo que ele tirou de sua mochila. — Lá na varanda.

Eu estava tão chocada com a aparência de Sophia que não notei que três homens também saíram da casa atrás dela – e que todos eles tinham armas nas mãos.

— Sem dúvida, Grimes os mandou atirar nela, mas não matar, caso ela saia da linha — eu disse. — Ela ainda está ferida, no entanto. Vê como ela está mancando?

Sophia favorecia sua perna direita a cada passo que dava, arrastando a esquerda de forma desajeitada. Seu braço esquerdo também estava pendurado ao lado do corpo, e uma de suas bochechas estava vermelha de onde Grimes bateu e a queimou no salão. Não vi nenhum sangue nela, então Grimes deve ter pelo menos enfaixado suas feridas. Bem, isso era algo, embora ele ainda fosse sofrer por tudo o que fez com ela e com Jo-Jo.

Owen me devolveu o binóculo, e eu me concentrei em Sophia novamente. Grimes a levou pelo pátio, arrastando-a até a cerca e apontando as rosas para ela. Sophia mancou ao lado dele o melhor que pôde. Mas através dos binóculos, eu pude ver exatamente como a expressão dela era fria, dura e uniforme, e o modo como seus olhos negros ficavam correndo, procurando desesperadamente uma fuga.

Mas não havia nenhum lugar para ela ir.

Mesmo que ela pudesse ter fugido de Grimes, não havia nada além de um espaço limpo à sua volta, o que tornaria fácil demais para um dos homens na varanda darem um passo à frente, mirar e colocar um tiro nas costas dela.

Ainda assim, ela tentou.

Sophia esperou até que Grimes virou a cabeça e levantou o braço bom, dando-lhe um soco no rosto, fazendo com que o elegante chapéu branco voasse da cabeça dele. Ela segurou-o, girou-o e passou o braço ao redor da garganta dele, usando Grimes como um escudo entre ela e os caras com armas na varanda. Ela também tirou o revólver de Grimes do coldre no cinto dele, apertou o gatilho e segurou a arma na cabeça dele.

Sophia não disse uma palavra, mas não precisou. Seu significado era cristalino. Se algum dos homens a seguisse, ela atiraria em Grimes na cabeça com sua própria arma. Eu pensei que ela deveria ir em frente e fazer isso de qualquer maneira.

Aparentemente, Sophia teve a mesma ideia, porque ela puxou o gatilho.

Clique.

Clique. Clique.

Clique.

Eu podia ouvir exatamente como o revólver estava vazio todo o caminho até aqui no cume.

— Sério, Sophia — falou Grimes lentamente, sua voz subindo até a nossa localização. — Você acha realmente que eu manteria uma arma carregada em qualquer lugar que você pudesse colocar suas mãos, agora, não é?

Sophia rosnou e acertou a arma na lateral da cabeça dele. Ela empurrou Grimes para frente, então se virou e correu o mais rápido que podia com sua perna machucada.

Sophia não havia dado dez passos antes de uma bola de Fogo elemental passar pelo ar e acertar suas costas.

Em um segundo, Sophia estava mancando pelo jardim o mais rápido possível. No seguinte, ela caía no chão, rolando na terra e tentando sufocar as chamas que chamuscavam sua pele.

Hazel saiu da lateral da casa, onde deveria estar esperando por Sophia fazer uma fuga. Ela havia trocado o vestido vermelho que usara no salão naquela manhã por um vestido similar, do mesmo tom de off-white que o terno de Grimes. Ela parou no jardim tempo suficiente para ajudar Grimes a se levantar e recuperar o chapéu branco. Então ela foi até Sophia, que estava de costas no chão. Hazel deu um sorriso maligno e começou a chutá-la.

Thwack.

Thwack. Thwack.

Thwack.

De novo e de novo, Hazel chutou o corpo de Sophia. Sophia grunhiu a cada golpe, mas não deu a Hazel a satisfação de gritar. Ainda assim, cada pontapé cruel que Hazel infligiu nela era como uma faca cortando meu próprio coração.

— Warren — perguntei entre os dentes cerrados. — Por favor, me diga que você pode atirar naquela cadela daqui.

Ele balançou a cabeça. — Eu poderia, mas você sabe que isso dará a nossa posição. No segundo em que eu atirar, Grimes saberá que estamos aqui e tudo estará acabado.

— Tudo bem, então. Eu cuidarei disso.

Comecei a ficar de pé, mas Owen agarrou meu braço.

— Pare — disse ele. — Pare e pense por um segundo. Warren está certo. Precisamos nos apegar ao elemento surpresa enquanto pudermos. Ir para lá agora é suicídio. Nós todos sabemos disso. Os homens de Grimes vão te derrubar antes de chegar ao meio da clareira. Ou pior, eles vão te capturar junto com Sophia.

— Eu sei — eu disse, sufocando as palavras. — Mas não posso ficar aqui e não fazer nada. Não enquanto eles a estão machucando...

— Chega! — a voz de Harley Grimes ecoou pela clareira enquanto ele caminhava. — Isso é suficiente!

Thwack.

Hazel deu mais um chute forte em Sophia, maldoso e brutal, então recuou relutantemente.

Eu prendi a respiração, esperando para ver quão seriamente ferida Sophia estava. Mas depois de alguns segundos, ela rolou para o lado direito e, em seguida, se levantou lentamente. Levou mais alguns segundos para se colocar em pé. Sujeira, folhas e grama mancharam a saia de seu vestido branco, enquanto as costas estavam queimadas do Fogo elemental de Hazel. Seu cabelo se soltou do rabo de cavalo, e a fita branca estava caída no chão. Sophia tirou as mechas negras do rosto, deixando uma marca de sangue em cima da queimadura que já estava lá, e fixou o olhar frio em Hazel.

— Covarde — ela murmurou. — Isso nem sequer fez cócegas.

Raiva manchou o rosto de Hazel, e ela começou a avançar, os punhos cerrados, prontos para acertar Sophia mais uma vez. Mas Grimes segurou seu braço, parando a irmã.

— Eu disse que é suficiente, Hazel.

Ela colocou as mãos nos quadris e encarou seu irmão. — Você não vai deixa-la escapar com isso, vai? — exigiu Hazel. — Eu lhe disse que ela tentaria algo assim. Ela teria colocado uma bala na sua cabeça se pudesse. Você deveria apenas matá-la. Eu nunca entendi o seu fascínio por ela. Ela sempre deu mais problemas do que vale.

— Sophia sempre foi muito esperta — disse Grimes. — Essa é uma das qualidades que mais admiro nela.

Grimes avançou. Ele estendeu a mão, como se fosse acariciar a bochecha de Sophia, mas ela se afastou e curvou os lábios para ele em desgosto. Grimes a observou por um momento, depois lhe deu um tapa no rosto, como ele fez no salão. Ele era muito mais forte que Hazel, e o golpe brutal fez Sophia voltar ao chão novamente.

— Mas você está certa, irmã — disse Grimes, em uma voz calma e fria. — Sophia precisa ser punida por insolência, e eu sei exatamente como fazer isso.

Ele apontou para os homens que ainda estavam na varanda. Eles correram para a clareira. Dois deles agarraram os braços de Sophia e a levantaram, enquanto o terceiro mantinha a arma apontada para ela.

— Tragam-na — disse Grimes.

Ele girou nos calcanhares e foi para o lado leste do acampamento. Os homens forçaram Sophia a segui-lo enquanto Hazel seguia na retaguarda.

Olhei para Warren. — Você sabe onde eles estão levando-a?

Ele assentiu; seu rosto fechado, sombrio e perturbado. — Tenho uma boa ideia. E se estou certo, então é o mesmo lugar miserável de onde Fletcher e eu a resgatamos antes.

Warren se arrastou para longe da beirada, levantou, colocou a mochila por cima do ombro, segurou o rifle na frente do corpo e se afastou.

 

* * *

 

Os pinheiros que se agarravam ao cume nos protegeram de olhares indiscretos enquanto Warren levava Owen e eu pelo topo da cordilheira. Com todo mundo focado em Sophia e seu iminente castigo, ninguém nos notou correndo pelo caminho paralelo bem acima de suas cabeças.

Tiros soaram pelo acampamento, três explosões de três, para nove tiros no total. Eles devem ter uma espécie de sinal, porque mais homens apareceram na clareira abaixo. Eles deixaram o que faziam, saíram dos vários prédios e caminharam atrás de Grimes, Hazel, Sophia e seus guardas. A cada novo homem meu coração parecia afundar um pouco mais, porque cada um deles tornaria muito mais difícil salvar Sophia de qualquer coisa terrível que Grimes tivesse em mente para ela.

Warren, Owen e eu nos movíamos o mais rápido que podíamos, mas ainda estávamos indo devagar, subindo e descendo a cordilheira, tendo que parar para contornar ou escalar as pedras e árvores caídas que esporadicamente bloquearam o caminho.

Finalmente, depois de dez minutos, deixamos as pedras para trás e mergulhamos de volta na floresta. Warren não seguiu um caminho definido, mas nos levou através de uma brecha nas árvores atrás da outra, ainda mantendo um olho nas armadilhas e circulando para o extremo leste do acampamento.

Nós não fomos longe quando o fedor de morte me atingiu.

Em um momento, tudo que eu podia sentir era meu próprio suor enquanto o sol de julho me assava em minhas roupas compridas e colete de silverstone. No próximo, o fedor de carne putrefata e apodrecida me atingiu como um soco no nariz, forçando o caminho pela minha boca e garganta e sufocando-me de dentro para fora. Atrás de mim, Owen soltou uma tosse estrangulada, tão enojado com o horrível cheiro quanto eu. Warren parou o tempo suficiente para puxar um lenço azul do bolso, amarrá-lo no pescoço e usar o pano para cobrir o nariz e o rosto o melhor possível antes de avançar novamente.

Três minutos depois, Warren parou, abaixou-se e gesticulou para Owen e eu fazermos o mesmo. Juntos, chegamos até a borda da linha de árvores e espiamos através da tela de folhas, galhos e arbustos.

Outra clareira estava diante de nós, muito menor do que o local onde os edifícios estavam localizados, e apenas algumas centenas de metros de ponta a ponta e de cima a baixo. No extremo oeste, uma trilha estreita curvava-se numa curva acentuada antes de desaparecer entre as árvores e voltar para o acampamento principal.

Grimes já estava aqui, junto com Sophia, Hazel e o resto de seus homens. Várias lápides desgastadas e apagadas pelo tempo pontilhavam a paisagem, como margaridas marrons e cinzentas desbotadas que haviam brotado da cama de folhas mortas, galhos e ervas. Mas Grimes ignorou as lápides e caminhou para frente, até ficar à beira do que parecia uma vala com cerca de dois metros de profundidade e quatro metros quadrados. Se houvesse alguma água nela, teria sido um fosso genuíno. A princípio, pensei que talvez fosse outra armadilha e que houvesse estacas afiadas alinhadas no fundo.

Eu estava certa, e estava errada.

Porque era um buraco. Só não que havia estacas no fundo. Havia corpos.


Capítulo 16

 

 

Owen, Warren e eu estávamos em ligeira elevação, e nosso ponto de observação mais elevado me permitiu ver dentro do buraco. Deveria ter perto de vinte corpos, talvez mais, todos em vários estágios de decomposição. Daí o fedor esmagador.

Os corpos deviam ter sido jogados na vala e deixados onde estavam, porque todos estavam esparramados uns sobre os outros, enroscados numa pilha desajeitada de braços e pernas. Eu vi alguns corpos vestindo ternos marrons, provavelmente alguns dos homens de Grimes que o irritaram e pagaram o preço por isso. Mas a maioria das vítimas parecia ser mulher, a julgar pelos pedaços de tecido azul, rosa, roxo e verde que eu espiei entre os membros quebrados, ensanguentados e apodrecendo.

Uma nuvem de moscas se agitava sobre o buraco, e por um momento, seus zumbidos famintos foram os únicos sons.

Finalmente, Hazel se adiantou. — Você sabe o que fazer. Então pode ir — disse ela com alegre malícia.

Então ela agarrou o braço ferido de Sophia e a empurrou para o buraco.

Sophia pousou desajeitadamente em seu lado esquerdo e soltou um suspiro afiado de dor. Lentamente, ela ficou de pé. Embora ela estivesse de pé sobre os piores tipos de coisas imagináveis, coberta com os mais terríveis tipos de coisas imagináveis, moscas zumbindo no ar à sua volta, os homens assoviando e berrando para ela, Sophia ainda assim endireitou os ombros, levantou o queixo e olhou para Hazel com um olhar assassino.

Foi uma das coisas mais corajosas que eu já testemunhei.

Eu vi muitos horrores na minha vida. Vi e fiz alguns deles eu mesma. Sangue, tripas, gritos, lágrimas, terror, tortura, assassinato. Mas não sei se teria sido capaz de fazer o mesmo no lugar da Sophia – encarar meus inimigos com tanta graça, bravura e equilíbrio. Não conheço ninguém que teria. Naquele momento, eu admirei, respeitei e amei Sophia mais do que nunca, e de novo, prometi fazer o que fosse necessário para salvá-la desse pesadelo para sempre.

Um dos homens de Grimes se adiantou e entregou a Hazel uma pá, a qual ela jogou na direção de Sophia. A pá deslizou através de um par de corpos, espalhando as moscas por alguns segundos, antes de finalmente parar a poucos metros de distância dela.

— Você sabe o que fazer — repetiu Hazel. — Pegue e comece a cavar.

— Sim, Sophia — disse Grimes, apontando para o buraco. — Por favor, comece a cavar. Como você pode ver, precisamos de mais espaço. Tenho estado muito... descontente com as pessoas ultimamente.

Eu fiz uma careta. Sophia havia feito isso antes? Enterrado corpos em um buraco? Quando? Na primeira vez que Grimes a pegou? Eu olhei para Warren, que me deu um aceno sombrio, confirmando minhas piores suspeitas. Meu coração se apertou. Pobre Sophia. De todas as coisas que Grimes fez com ela naquela época, de todas as coisas que ele poderia fazer com ela agora, eu nunca pensei que seria algo assim.

Porque isso era o que Sophia fazia por mim. Ela se livrava de todos os corpos que eu deixava para trás como a Aranha. Nunca perguntei para onde ela os levava ou o que fazia com eles, embora eu pudesse imaginar. Deixando-os nos pontos mais distantes como a Ashland Rock Quarry. Levando-os para o rio Aneirin para flutuar correnteza abaixo. Enterrando-os em túmulos nos bosques.

Foi neste... Foi neste fosso que Sophia aprendeu a dispor de corpos primeiramente? Tinha que ser. Mas se assim for, por que ela se livrava de corpos para mim agora? Por que ela se livrara deles para Fletcher por todos esses anos? Por que continuar fazendo algo que tivesse a lembrasse de todos os horrores ela que sofreu nas mãos de Grimes?

Culpa e vergonha se juntaram ao choque e desgosto em meu coração. Todos esses anos eu não pensei duas vezes sobre Sophia limpar a minha bagunça, ou o peso que poderia ter sobre ela. Mas agora que eu vi isso, presenciei essa visão horrível do passado dela, me senti enjoada por pensar que eu havia pedido para ela fazer o mesmo de novo e de novo ao longo dos anos. Não, eu nem perguntei; eu apenas assumi que ela faria isso.

De certa forma, isso me fez pior que Grimes, Hazel e seus homens. Porque eu deveria cuidar de Sophia, não sujeitá-la a algo assim. Eu poderia não me beneficiar da dor dela, mas eu fizera o mesmo.

Sophia olhou para a pá que Hazel jogou para ela, então devagar, cuidadosamente, deliberadamente cruzou os braços sobre o peito.

— Pegue, Sophia — disse Grimes, em uma voz suave, mas mortal. — Você somente será punida ainda mais se não fizer.

Sophia olhou para ele, mostrando seu desafio, mas depois de mais alguns segundos, seus ombros caíram em derrota. Ela soltou um suspiro cansado, inclinou-se e pegou a pá. Ela se arrastou até o lado oposto do buraco, tão longe de Grimes, Hazel e seus homens quanto conseguiu, enfiou a pá na terra e começou a cavar, alargando a vala.

Por alguns segundos, os únicos sons foram a constante raspagem da pá de Sophia na terra e o suave som de esmagamento dos corpos, vermes e mais sob os pés dela.

Mas aparentemente não bastava que Sophia já tivesse sido baleada e chutada, e agora estivesse cavando no meio da morte. Grimes e Hazel decidiram torturá-la com sua magia de Fogo também.

Os dois irmãos chamaram seu poder, e as chamas se acenderam nas pontas dos dedos, dançando para frente e para trás como borboletas de lava derretida na suave brisa de verão. A magia deles se movia em harmonia perfeita, as chamas ondulando no tempo e até queimando na mesma intensidade. Então, juntos, eles lançaram a sua magia. As mãos de Sophia se apertaram ao redor da pá e ela parou de cavar, sabendo o que viria a seguir, mas não se agachou nem tentou sair do caminho. Em vez disso, ficou ali ereta e alta, enquanto duas bolas de Fogo elemental voavam e explodiam no buraco, uma de cada lado dela.

O calor escaldante das explosões idênticas soprou para Sophia, derrubando-a sobre os corpos novamente. Eu podia sentir a intensidade do Fogo elemental por todo o caminho onde estávamos na floresta, e podia imaginar quão doloroso deve ter sido para ela estar tão perto disso.

Mais uma vez, Sophia lentamente se levantou e cambaleou para trás. A pele do rosto, pescoço, mãos e braços avermelhada devido a explosão, embora eu não pudesse dizer se era apenas temporário pelo calor ou se a pele dela estava muito queimada.

Mas talvez a pior parte fosse que os cadáveres debaixo de seus pés, na verdade, incendiaram – pelo menos, as roupas deles. Fumaça oleosa fervia dos tecidos rasgados e ensanguentados que ainda se agarravam aos membros do corpo, aumentando o horrível fedor do ar.

Sophia olhou por cima do ombro para os dois torturadores. Hazel gargalhou e jogou outra bola de sua magia de Fogo no barranco perto da anã, as chamas explodindo e atingindo ainda mais os corpos. Mais fumaça horrível borbulhava em volta dela, até que pairou sobre o poço como o mais sujo tipo de neblina. Depois de outro momento, Sophia virou e voltou a cavar, as chamas da magia de Hazel lambendo-a e os mortos ao seu redor.

Os homens que tinham vindo assistir olhavam com prazer através de toda aquela coisa horrível. Alguns até mesmo levantaram seus revólveres no ar e dispararam alguns tiros. Os sons agudos soaram pela clareira, pontuados pelo riso zombeteiro dos homens. Hazel brincou com a multidão, segurando a longa saia branca para um lado e elegantemente se curvando para os homens antes de enviar pequenas rajadas de fogo diretamente para as costas de Sophia. Não o suficiente para matar a anã, mas mais do que o suficiente para machucá-la. Grimes tirou o chapéu branco da testa, como se quisesse uma visão ainda melhor. Então ele simplesmente ficou parado ali e observou a coisa toda, seus lábios se curvaram em um sorrisinho sinistro.

O calor abrasador do Fogo elemental. O cheiro fétido e podre dos corpos inchados e decompostos. O aroma acre de carne queimada. Os insetos zumbindo no ar, famintos por qualquer sangue e ossos que pudessem encontrar. Hazel atacando. Os homens zombando. Grimes sorrindo.

E Sophia no meio de tudo isso, vestida como uma bonita e manchada boneca de porcelana, como se estivesse tomando chá em algum jardim de verão em vez de cavando em uma vala comum.

Foi uma das coisas mais perturbadoras, uma das coisas mais repugnantes, uma das mais cruéis formas de tortura que eu já vi – e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso.

Mais de uma vez, eu comecei a avançar, determinada a abrir caminho até Sophia, não importando quão suicida fosse. Mas em todas as vezes, Owen colocou a mão no meu braço e me impediu de ceder à minha terrível fúria assassina. Ainda que eu não quisesse nada além de pular das árvores e cortar qualquer pessoa que eu visse, eu não podia. Havia muitos homens entre ela e eu, para não mencionar Grimes e Hazel, e o maldito poder de fogo deles. Eles me derrubariam com suas armas e magia antes que eu pudesse chegar perto de Sophia, muito menos resgatá-la.

Além disso, eu também precisava pensar em Owen e Warren. Eles vieram comigo por vontade própria, mas eu ainda era responsável por eles. Eu poderia muito bem arriscar a minha vida, mas não a deles.

Então eu me agachei lá na floresta, e assisti a tortura de alguém que eu amava.

Mais do que isso, eu memorizei isto – cada grito alegre, cada crepitar, tiro e chiado de carne morta fumegante, todo cheiro horrível que escorria pelo ar, cada silvo de dor que escapava dos lábios queimados e cheios de bolhas de Sophia.

Oh, sim, eu assisti, e memorizei cada ato sujo, cada coisa horrível, cada pedaço de agonia que Sophia estava suportando. Um por um, abracei todos os terrores sádicos e a raiva fria, negra e interminável que os acompanhava.

— O que você quer fazer, Gin? — perguntou Owen.

Hazel lançou outra explosão de magia de Fogo nas costas de Sophia, fazendo com que Grimes e o resto dos homens voltassem a rir. A força fez com que a anã agarrasse a pá e se curvasse de dor, mas depois de alguns segundos, ela se endireitou e começou a cavar novamente.

— No segundo em que houver uma abertura, nós resgatamos Sophia e a tiramos daqui. E enquanto estamos nisso, acabamos com esses bastardos ao longo do caminho — eu disse, com minha voz pingando com todo o veneno no meu coração. — Cada um deles. Nenhum sobrevivente – e absolutamente nenhuma piedade.


Capítulo 17

 

Eventualmente, Hazel se cansou de seu jogo horrível e parou de jogar sua magia de Fogo em Sophia. Mas os corpos continuaram ardendo, e eu não sei como Sophia não vomitou com o fedor horrível – ou desmoronou completamente.

— Temos alguns negócios para atender no acampamento. Vocês cinco, fiquem aqui e observem-na — ordenou Grimes a alguns de seus homens. — Ela é uma coisa inteligente. Não a deixe fora de sua vista e não se aproxime dela, não importa o que aconteça. Ela matou mais de um homem com uma pá.

Sophia girou a pá nas mãos e deu aos homens na margem um sorriso sombrio e cheio de dentes. Mais do que um estremeceu e desviou o olhar. Ninguém queria ter seu crânio rachado, e eles não queriam acabar no buraco com todos os outros corpos. Mas os homens fizeram o que Grimes ordenou, puxando suas armas e alinhando-se na margem de terra à sua frente, certificando-se de manter-se bem longe da borda do buraco.

Sophia estudou-os, considerando suas opções, procurando qualquer sinal de fraqueza, exatamente como eu teria feito. Mas os homens tinham o terreno alto e as armas, e ela sabia disso. Então Sophia encolheu os ombros e voltou para sua escavação, apunhalando a pá na terra negra, depois jogando a terra em arcos afiados e raivosos. Eu me perguntei se ela estava imaginando que a terra era Grimes e Hazel. Eu teria feito isso.

— Bom — disse Grimes, em uma voz satisfeita. — Você decidiu se comportar. Viu? Já estamos fazendo progresso. Voltarei assim que puder, querida. Então vamos ter um bom jantar e conversar sobre o nosso futuro aqui juntos.

Sophia se manteve de costas para Grimes, então ele não podia ver o desgosto em seu rosto, e continuou cavando, como se não tivesse ouvido ele.

Mas ela não foi a única que não gostou de suas palavras. O ciúme franziu o rosto de Hazel, e ela deu a seu irmão um olhar incrédulo. Algumas chamas acenderam nas pontas dos dedos, insinuando ainda mais sua raiva, mas Hazel rapidamente enrolou a mão em um punho apertado, sufocando o fogo antes que alguém percebesse. Aparentemente, Hazel não gostou que Grimes planejasse dedicar muito do seu tempo e atenção para Sophia. Eu imaginei que Hazel gostava de brincar de rainha da montanha, dado que não vi outra mulher em todo o acampamento.

Sempre um cavalheiro, Grimes estendeu o braço para sua irmã. Hazel o pegou e lançou a Sophia um olhar triunfante, mas a anã a ignorou. Juntos, os irmãos saíram de perto do buraco e voltaram em direção à parte principal do acampamento, juntamente com o resto de seus homens. Os cinco que Grimes tinha mandado ficar para trás se encostaram a algumas das lápides mais resistentes.

Passsou um minuto, depois outro e depois outro. Ainda assim, eu esperei, me perguntando se isso poderia ser algum tipo de truque, se Grimes e, especialmente Hazel, poderiam se esconder na floresta para que pudessem torturar Sophia um pouco mais caso ela tentasse fugir novamente. Mas cinco minutos se passaram e eles não reapareceram. Talvez eles realmente tivessem algum outro negócio para cuidar, afinal. Eu me perguntava o que era tão importante que Grimes deixaria Sophia por isso, especialmente quando tinha acabado de capturá-la novamente.

— Como você quer fazer isso? — sussurrou Owen.

Eu olhei para os homens de Grimes, que estavam parados quase paralelos à nossa posição nas árvores, antes de estudar a paisagem ao nosso redor. Porque isso não era apenas sobre matar os homens na minha frente; isso era também sobre ter certeza que tiraríamos Sophia de Grimes para sempre.

Finalmente, eu me voltei para Warren. — Qual é o caminho mais rápido de volta a montanha até o carro?

Ele puxou a bandana azul de seu nariz para que pudesse me responder. — Da mesma forma que subimos.

— Não há outros atalhos? Nenhuma forma de podermos chegar lá mais rápido?

Ele balançou a cabeça.

— E Grimes e seus homens? Há outra trilha que eles poderiam seguir para nos pegar e nos cercar?

Warren sacudiu a cabeça novamente. — Não em uma trilha direta, não, embora eles possam sempre atravessar pela floresta.

Eu assenti. Não era o ideal, mas não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso.

— E como você quer tirar esses caras que a vigiam? — perguntou Owen.

Abri o zíper da mochila, tirei um dos silenciadores do lado de dentro e levantei-o onde ele pudesse vê-lo.

— Silenciosamente — eu disse, passando o metal para ele. — Vou abordá-los de frente enquanto você se esgueira por trás. Devemos ser capazes de matá-los antes que eles percebam que estão cercados. Mas aconteça o que acontecer, nós não podemos deixá-los disparar. Essa é a minha principal preocupação, que eles sinalizem para Grimes, e ele perceba que estamos aqui para resgatar Sophia.

— Esse é um grande risco a tomar — disse Owen, enroscando o silenciador no final de sua arma.

Soltei um suspiro. — Eu sei, mas vamos ter que arriscar. Esta é a nossa melhor e mais rápida chance de chegar perto dela. Pode ser nossa única chance. Quero tirar Sophia daqui antes que Grimes e Hazel possam fazer qualquer outra coisa para ela.

O rosto de Owen endureceu e a raiva brilhou em seus olhos violeta, a mesma raiva que senti. Ele assentiu.

— E eu? — perguntou Warren. — O que você quer que eu faça?

— Você fica aqui e dá um pouco de cobertura para nós caso as coisas derem errado — eu disse. — Eu gostaria de matar esses caras e fugir antes que Grimes perceba o que aconteceu, mas Owen está certo, e provavelmente não teremos essa sorte. Então, se o pior acontecer, nós matamos o máximo que pudermos daqui, então levamos Sophia para a segurança.

Warren deu um tapinha no rifle. — Entendido.

Eu olhei para ele, então Owen, me perguntando se eu estava prestes a nos matar. Se eles tiveram o mesmo pensamento, eles não mostraram. Suas mãos enrolaram em torno de suas armas e seus olhares estavam firmes, determinados e nivelados com os meus.

— Certo — eu disse. — Aqui está o que vamos fazer.

 

* * *

 

Olhei para Owen, que se movera cerca de dez metros para a esquerda de onde eu me agachava na borda das árvores. Ele assentiu, e joguei uma pedra no alto. Ela aterrissou na floresta do outro lado da clareira, colidindo com o mato além do buraco. Os homens estavam conversando entre si, mas suas cabeças estalaram naquela direção, e eles se endireitaram e se afastaram das lápides em que estavam encostados. Alguns deles ergueram as armas e deram alguns passos hesitantes, como se estivessem pensando em investigar o barulho, embora ainda se mantivessem afastados da beira do buraco e fora do alcance de Sophia.

Enquanto os homens debatiam o que ouviram e se era algum tipo de animal, Owen usou a distração deles para sair correndo da floresta atrás deles. Eu joguei outra pedra no mesmo sentido de antes. Também despencou no mato, impedindo os homens de perceber Owen entrando na floresta do outro lado da clareira.

Sophia percebeu, entretanto.

Ela olhou por cima do ombro no momento certo para ver Owen desaparecer nas árvores. Ela congelou e arregalou os olhos, e eu quase podia ver as rodas girando em sua mente enquanto ela se perguntava se realmente havia visto o que achava que viu.

— O que você está olhando? — murmurou um dos homens. — Volta para o trabalho. Essa vala não vai se cavar sozinha.

Sophia deu de ombros e voltou a cavar, mas continuava virando a cabeça de um lado para o outro, olhando para as árvores que margeavam a clareira. Ela sabia que algo estava acontecendo. Bom.

Depois de mais alguns minutos, os homens se acomodaram novamente, tendo decidido que provavelmente algum animal passara pela floresta, afinal de contas.

Não um animal – a Aranha. Mas logo descobririam isso.

— Hora do show — sussurrei para Warren.

Ele assentiu, ajoelhou-se e ergueu o rifle para o ombro, mirando nos homens.

Deslizei minha faca na minha manga e puxei meu colete para baixo, de modo que ele cobrisse o máximo possível do meu peito, desci a colina e saí para a clareira. Mantive meu passo firme e uniforme, caminhando como se estivesse em uma caminhada agradável e silenciosa no bosque, em vez de deliberadamente me dirigindo a um bando de psicopatas sádicos com armas.

— Com licença — gritei. — Yoo-hoo. Olá, alguém aqui.

Desta vez, todas as cabeças dos homens viraram em minha direção. Eu sorri e dei a eles um aceno brilhante, alegre e feliz. Suas bocas ficaram ainda mais abertas, como se nunca tivessem visto uma mulher antes. Então seus olhos se estreitaram com cautela, e levantaram as armas, apontando-as para o meu peito.

— Pare aí, senhora! — latiu um dos homens, pisando na frente dos outros.

Eu continuei acenando e andando na direção deles, como se suas armas não me preocupassem, de modo que todos os olhos inimigos permanecessem em mim. E funcionou. Os homens não perceberam que Sophia começou a rastejar pelo buraco em direção ao barranco onde eles estavam – ou que Owen escorregou para fora da floresta atrás deles.

Mantive meu sorriso firmemente fixo em meu rosto enquanto me aproximava do grupo.

O homem na frente afastou e acionou o gatilho do seu revólver. — Eu disse pare. Eu falo sério, senhora.

— Uau, agora, meninos — falei, fazendo o que ele pediu e fingindo surpresa. — Espere aí um segundo. Não há necessidade de ficar violento. Estou apenas um pouco perdida aqui na floresta, e queria saber se vocês poderiam me ajudar. Como eu volto para a trilha Bone Mountain daqui? Porque eu, tipo, perdi totalmente meu mapa na floresta. Em um segundo, eu o tinha. O próximo – poof! – o vento o enviou direto sobre um dos cumes.

O líder franziu a testa, seus olhos examinando a floresta atrás de mim. — Você está aqui sozinha? Só você?

— Sim, apenas euzinha — eu disse, tornando minha voz ainda mais doce e desamparada. — Totalmente sozinha.

O homem baixou a arma, o polegar batendo contra o punho enquanto tentava descobrir se eu falava a verdade. Aparentemente, ele não estava preocupado com uma mulher solitária, porque guardou a sua arma no coldre.

— Vocês ouviram isso, rapazes? — disse ele, olhando por cima do ombro para seus amigos. — Esta pobre mocinha está perdida. Sorte dela que ela entrou em nosso acampamento, hein?

Ele soltou uma risada sombria, e todos os homens se juntaram em sua risada, sem dúvida salivando sobre todas as coisas horríveis que eles queriam fazer comigo. Eles não estariam rindo em mais um minuto, dois no máximo.

Mantive o sorriso vazio no meu rosto e me aproximei ainda mais deles. — Então, vocês podem me ajudar a descobrir como voltar para a trilha? Porque eu tenho que dizer, parece que tenho andado por aí em círculos para sempre.

O homem curvou o dedo para mim. — Claro, querida. Venha até aqui, e nós vamos ajudá-la.

Eu fui até ele, meu rosto com toda a inocência de olhos arregalados, mesmo enquanto sutilmente espalmava uma faca e a escondia na minha lateral. Owen rastejou em direção ao homem na parte de trás, enquanto Sophia se aproximava um pouco mais da lateral do buraco e erguia a pá sobre o ombro, como se estivesse dando um tempo.

O líder estendeu as mãos para os lados, como se me recebesse de braços abertos. Eu parei na frente dele e dei-lhe outro sorriso. Ele pulou para frente, prendeu meus braços e puxou-me contra ele, esfregando seu corpo contra o meu.

— Hey! — gritei em uma voz impotente e surpresa. — O que você está fazendo? Tire suas mãos de mim, idiota!

— Oh, eu colocarei mais do que minhas mãos em você em um minuto. Vá em frente e grite tão alto quanto quiser, querida — zombou o homem no meu rosto, seu hálito cheirando a bebida azeda. — Nós gostamos mais quando elas gritam, não é, meninos?

— Sério? — ronronei. — Isso é engraçado, porque eu estava pensando exatamente a mesma coisa sobre você. Não, isso não é verdade. Eu realmente gosto mais quando vocês simplesmente morrem.

Levantei minha mão esquerda e acertei minha faca na garganta dele. Ele morreu com um gorgolejo sufocante, espalhando sangue por toda a minha mão, rosto e roupas, mas não me importei. Porque as gotas quentes e pegajosas me diziam que eu estava finalmente fazendo algo para ajudar Sophia – como matar esses bastardos onde eles estavam.

Empurrei o líder moribundo para longe, dei um passo à frente, espalmei uma segunda faca e acertei ambas as lâminas no peito do próximo homem. A essa altura, os outros perceberam que eu não era a pequena e inocente Bambi que parecia ser, e eles levantaram suas armas mais uma vez.

Mas Owen e Sophia não lhes deram a chance de atirar em mim. Owen colocou a pistola contra a parte de trás da cabeça do homem à sua frente e puxou o gatilho duas vezes. Graças ao silenciador que eu lhe dei, a arma mal fez um som, e o homem estava morto antes de cair no chão. Enquanto isso, Sophia puxou a pá do ombro e bateu nos joelhos do cara mais próximo, fazendo-o gemer de dor. Ele caiu no buraco, e Sophia bateu a pá contra a cabeça dele, quebrando seu crânio com um crack satisfatório.

Isso deixou um homem em pé. Ele olhou para seus amigos caídos, com os olhos arregalados de confusão e medo, imaginando como todos morreram tão rapidamente. Ele respirou fundo para gritar, mas minha faca na sua garganta interrompeu essa preocupação.

Menos de um minuto depois de ter começado, tudo acabou, e os cinco homens de Grimes jaziam mortos aos nossos pés. Um bom começo, mas não o suficiente. Nenhum pouco suficiente.

Eu andei até a borda do buraco, me abaixei e estendi a mão. Sophia apertou-a e a puxei da vala. De perto, o fedor era ainda mais pútrido e avassalador, os corpos mais ensanguentados e mais podres do que eu imaginava. Como ela conseguiu suportar isso? Tanto agora como naquela época?

Sophia cambaleou e eu a segurei até que ela estivesse firme em seus pés. Owen se afastou para um lado, cobrindo a nossa retaguarda.

Fuligem e cinzas caíam do vestido outrora branco de Sophia, que estava pendurado em farrapos queimados nas costas, enquanto os saltos foram perdidos. Seu cabelo preto era uma bagunça chamuscada e emaranhada, enquanto o sangue encharcava as bandagens brancas que foram colocadas sobre as feridas de bala no braço e na coxa esquerda. Mas a pior parte era sua pele, que estava vermelha, crua e empolada, das pontas dos dedos até os braços. Sua garganta e rosto estavam tão vermelhos e brilhantes quanto um tomate maduro, suas bochechas inchadas das queimaduras, de modo que pareciam estourar caso você as olhasse com muita força.

Cada parte dela deveria doer. Mas ela ainda estava de pé, ainda respirando, ainda inteira. Tudo poderia ser consertado – pelo menos fora.

— Jo-Jo? — raspou Sophia, em sua voz grossa.

— Cooper a curou — eu disse. — Pelo menos, ele tentou. Não sei quão bem ele fez. Talvez ele saiba mais sobre como ela está quando voltarmos para a casa dele.

A preocupação brilhou nos olhos negros de Sophia, mas ela assentiu.

Então a anã fez algo que nunca fizera em todos os anos que eu a conheci: colocou os braços ao meu redor e me abraçou apertado.

— Obrigada — ela sussurrou em meu ouvido.

Eu a teria abraçado se não achasse que isso teria lhe causado ainda mais dor. — Você é mais que bem-vinda. Agora vamos. Vamos sair daqui.

Sophia assentiu e se afastou. Ela se inclinou, pegou a pá e usou-a como uma espécie de bengala. Juntas, com Owen, nos dirigimos para a floresta e nossa rota de fuga.


Capítulo 18

 

 

Warren saiu das árvores e nos encontrou na beira da floresta, ainda segurando o rifle.

— Alguma coisa? — perguntei.

Ele balançou a cabeça. — Nem um pio até agora. Eu não acho que alguém no acampamento tenha ouvido o que aconteceu aqui, mas não demorará muito para que Grimes ou alguns de seus homens venham conferir os outros. Precisamos desaparecer na floresta antes que eles nos vejam...

Era como se as palavras dele tivessem invocado toda a sorte caprichosa que eu esperava desde que pusemos os pés em Bone Mountain pela primeira vez, porque um dos homens de Grimes escolheu esse exato momento para correr até a clareira.

— Ei — gritou ele, ainda correndo e acenando para alguém atrás dele. — Vá buscar o Stewie e venha me ajudar. O Sr. Grimes mudou de ideia. Ele quer que a mulher seja levada de volta...

Ele se virou e parou de repente ao ver Owen, Sophia, Warren e eu parados ao lado da clareira. Seu olhar se moveu para os cadáveres de seus companheiros espalhados entre as lápides gastas. O cara respirou fundo, mas ele fez a coisa inteligente e não se aproximou de nós. Em vez disso, ele fez algo muito, muito pior: ele puxou a arma do coldre no cinto e disparou três tiros rápidos no ar.

Eu xinguei e comecei a avançar, pronta para matá-lo, mas Warren chegou nele primeiro. O velho ergueu o rifle até o ombro e colocou uma bala na testa do outro homem.

Mas os sons agudos e initerruptos do revólver e do rifle ecoaram em torno da clareira, depois retumbaram entre as árvores e se estenderam para o acampamento principal. Gritos se ergueram à distância, indicando que Grimes, Hazel e todos os outros descenderiam na área em questão de minutos, se não mais cedo.

— O que você quer fazer, Gin? — perguntou Owen. — Fazer uma barricada aqui?

Balancei a cabeça. — Não. Há muitos deles. Eles podem facilmente flanquear a gente, e eles têm mais armas do que nós. Agora nós corremos.

 

* * *

 

Sophia correu, mas depois de alguns metros ela parou e chiou de dor, apesar da pá que usava para se sustentar. Um pouco de sangue escorreu pela sua perna nua.

— Quão ruim é esse ferimento de bala na sua coxa? — perguntei.

— Apenas enfaixado — ela disse asperamente. — Não curado.

Isso era o que eu temia, mas não havia nada a ser feito sobre isso. Então coloquei um braço sob o ombro de Sophia, tomando um pouco do seu peso. Juntas, nos dirigimos para as árvores.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Nós nem sequer chegamos à floresta antes que mais dois homens de Grimes corressem para a clareira, com as armas atirando em nós.

— Você carrega Sophia! — gritou Owen, erguendo a própria arma para disparar em resposta. — Warren e eu vamos cobrir vocês!

— Faça isso! — gritei. — Mas fique perto de nós! Não podemos nos dar ao luxo de nos separar!

Owen assentiu, e ele e Warren soltaram mais uma saraivada de tiros. Suas armas seriam mais eficazes do que minhas facas a esta distância, embora tudo o que eu quisesse era me virar e atirar nos homens de Grimes.

Juntas, Sophia e eu mancamos para dentro da floresta e recuamos pelo caminho tênue que Warren havia feito antes, quando nos levou até o buraco.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Balas zuniram pela floresta ao nosso redor enquanto os homens de Grimes disparavam outra rodada de tiros. Eles puseram seu arsenal de armas em bom uso, porque as balas atingiram as árvores, cortaram as folhas, levantaram maços de terra e retiniram nas pedras.

Eu me coloquei na lateral da trilha de onde as balas vinham, protegendo Sophia tanto quanto eu poderia, mas não alcancei minha magia de pedra para endurecer minha pele. Eu precisava guardar meu poder para qualquer outra coisa que eu tinha em mente, então tudo que eu podia fazer era torcer para que Sophia e eu não levássemos um tiro e que Owen e Warren também não.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Owen e Warren devolveram fogo, e vários uivos de dor soaram quando as balas atingiram o alvo. Eles tinham a vantagem de usar as árvores como uma proteção, enquanto os homens de Grimes ainda estavam na clareira e atirando cegamente na floresta. Ainda assim, um deles poderia facilmente acertar um tiro de sorte em qualquer um de nós.

Sophia mancou o mais rápido que pôde, mas isso era lento, especialmente desde que estávamos subindo até o topo da cordilheira que Warren, Owen, e eu usamos como um ponto de observação para espionar o acampamento mais cedo. Ainda assim, nós nos arrastamos e nos movemos o mais rápido que podíamos. Isso era tudo que podíamos fazer. Atrás de nós, eu podia ouvir o rangido e o estalar dos passos de Owen e Warren através das folhas secas quando eles pararam e começaram a disparar, depois subindo a trilha, parando para recarregar, depois recomeçando, antes de repetir todo o processo.

Sophia e eu estávamos na metade do caminho quando um homem saiu da floresta na nossa frente.

Aparentemente, ele não achava que chegaria realmente à nossa frente, porque parecia surpreso com a nossa presença. Ele superou isso bem rápido, no entanto. Ele pegou a arma e mirou em nós.

Crack! Crack!

Eu me virei de costas para o homem, e as balas perfuraram meu colete de silverstone com toda a força de uma britadeira. O impacto me fez cambalear para frente, e perdi meu controle sobre Sophia, que desabou no chão, sua pá voando de suas mãos.

Crack! Crack!

O cara colocou mais duas balas nas minhas costas, as quais pegaram meu colete novamente. Eu espalmei uma faca, girei e a joguei nele. A lâmina afundou em sua traqueia. Ele arranhou a lâmina, depois estupidamente a tirou, essencialmente cortando sua própria garganta. Ele balançou a arma com uma mão enquanto a faca ensanguentada balançava na outra.

— Isso é meu — assobiei, correndo e arrancando a faca da sua mão, empurrando-o para longe.

Deixando escapar um chiado alto e assobiado, ele tropeçou na beirada da trilha e rolou pela encosta da floresta.

Nesse ponto, Owen e Warren alcançaram Sophia e eu. Meus olhos se fixaram em Warren, que mancava e se apoiava em seu rifle como Sophia esteve fazendo com a pá. Ele estava favorecendo sua perna direita, e meu olhar caiu para sua coxa esquerda – e o sangue escorrendo do burraco de bala ali.

— Warren? — perguntei.

Ele acenou com a mão para mim. — Eu vou viver. Vamos embora!

Owen se lançou para frente, colocou o ombro sob o de Sophia e ajudou-a a ficar de pé. Ela pegou a pá para usar como uma bengala mais uma vez. Nós quatro começamos a subir a trilha, comigo na frente, Sophia e Warren mancando atrás de mim e Owen na retaguarda, cobrindo a retaguarda.

Outro homem saiu da floresta à nossa frente, mas fui capaz de enfiar minha faca em seu peito antes mesmo que ele percebesse o que estava acontecendo. Eu o tirei da trilha também, e continuamos subindo, indo tão rápido quanto Sophia e Warren podiam.

Mas não foi rápido o suficiente, nem de perto o suficiente.

Através do verde das árvores, vi mais homens de Grimes correndo pela colina e convergindo em nossa posição. Logo, um número suficiente deles chegaria à nossa frente, cortando nossa rota de fuga, e mais deles se aglomerariam sobre nós por trás. Nós seríamos pegos, presos no meio da teia da morte, e então seríamos executados, simples assim.

Eu não podia deixar isso acontecer – não para os outros – e eu sabia o que deveria fazer agora. Talvez eu soubesse que chegaria a isso.

Esperei até chegarmos ao topo da cordilheira rochosa, corremos até a borda e arriscamos uma rápida olhada abaixo. Contei cerca de uma dúzia de homens, todos com armas de fogo, na clareira do acampamento principal. Alguns deles corriam para o leste, onde estava a vala e onde começamos nossa fuga. Alguns outros olhavam para o cume, mirando suas armas e esperando que aparecêssemos, embora estivéssemos fora do alcance de seus revólveres daqui. Alguns dos mais espertos corriam em direção ao extremo oeste do acampamento, provavelmente para outro caminho que os levaria a esse local.

Não vi Grimes nem Hazel, mas sabia que eles estavam em algum lugar procurando por nós, especialmente Grimes. Ele não deixaria Sophia escapar pela segunda vez.

Tudo o que vi só me deixou mais determinada a me certificar de que os outros saíssem da montanha – mesmo que eu não fizesse isso.

— Tirem Sophia daqui! — gritei, afastando-me da borda do cume e acenando para os outros passarem por mim. — Vão! Eu vou segurá-los!

Sophia parou. — Não — ela disse asperamente —, não. Muito perigoso.

— Alguém tem que atrasá-los, e eu farei isso. Fiz uma promessa para Jo-Jo de que te salvaria, e vou mantê-la. Você não gostaria de me tornar uma mentirosa agora, não é mesmo? — sorri, tentando mostrar a ela que eu sabia o que estava fazendo – e o que isso me custaria.

Sophia não disse nada, mas o medo encheu seus olhos, medo por mim e do que Grimes e Hazel fariam comigo se eu fosse capturada. Mas isso era algo que eu não poderia me deixar pensar agora. Caso contrário, eu não seria capaz de fazer o que precisava ser feito para salvar minha família.

— Ela está certa — disse Warren, rasgando a bandana em sua garganta e usando-a para fazer uma bandagem em sua perna. — Agora, vamos lá. Vou arrastá-la se for preciso, mas nós dois sabemos que não temos esse tipo de tempo agora.

Warren não conseguiria arrastar ninguém, não com aquela bala na perna, mas era teimoso o bastante para tentar, e Sophia sabia disso. Ela também percebeu que ele estava certo.

Sophia me deu mais um olhar triste antes de passar o braço por Warren. Aproximando-se um do outro, os dois atravessaram lentamente a encosta, entraram na trilha do outro lado e desapareceram na floresta.

Tirei a mochila dos meus ombros e deixei cair aos meus pés, junto com a faca que eu estive segurando. Espalmei minha segunda faca, tirando a outra da parte de trás das minhas costas e as duas das laterais das minhas botas. Peguei algumas armas da mochila e as coloquei nas rochas. Então enfiei todas as cinco facas dentro da mochila, fechei o zíper e entreguei a Owen.

— Aqui — eu disse. — Pegue isso. Não quero que Grimes ponha suas mãos sujas nos mapas de Fletcher ou nas facas que você fez para mim. Não se preocupe. Eu tenho mais armas no meu colete.

— Não — disse ele, em uma voz baixa, estrangulada e angustiada —, não me dê suas facas. Não desista. Não se atreva a desistir.

— Eu não vou desistir. Estou sendo realista.

Mais gritos ecoaram através das árvores, junto com mais alguns tiros, como se para pontuar minhas palavras.

— Eu quero ficar com você — disse Owen, suas palavras quase um grunhido. — Eu quero lutar com você e estar do seu lado até o fim, não importa o que seja isso.

— Eu sei — eu disse, a minha voz tão calma quanto a dele estava violenta. — Mas você não pode. Warren e Sophia estão feridos e nunca saírão da montanha sem ajuda – sua ajuda. Os homens de Grimes vão pegá-los e arrastá-los de volta para cá. Ele os usará como vantagem contra nós e todos nós estaremos mortos. Então eu quero que você vá, Owen. Preciso que você vá. Por favor. Por Sophia e Warren – e especialmente por mim.

Owen fechou os olhos por um momento, seu corpo estremecendo, como se seu coração estivesse rasgando em dois enquanto percebia a verdade das minhas palavras e o que ambos precisávamos fazer agora. Então ele abriu-os, agarrou meu braço e me puxou para perto de seu corpo.

— O que quer que aconteça, você sobrevive — rosnou ele. — Eu voltarei para você assim que Sophia estiver segura. Prometo.

Determinação teimosa brilhou em seus olhos violeta, fazendo-os queimar tão brilhantemente quanto estrelas de ametista, e meu coração se encheu de amor por ele. Apesar de tudo o que aconteceu entre nós e todas as maneiras que nos machucamos, eu ainda o amava. Eu o amaria enquanto vivesse.

Eu só não sabia quanto tempo mais seria.

Porque eu não achava que sobreviveria a essa luta. Grimes e Hazel tinham armas demais, homens demais, magia demais, e eu estava completamente sem tempo – e opções.

Este único momento precioso poderia ser tudo o que me restava.

Então, segurei a bochecha de Owen com uma mão e passei meus dedos ensanguentados sobre seu rosto, alisando sua expressão preocupada e tentando memorizar suas feições. Eu olhei em seus olhos, deixando-o ver o quanto eu me importava com ele, o quanto o amava. Então passei meus braços em volta do seu pescoço e levei meus lábios nos dele, querendo sentir seus braços ao meu redor apenas mais uma vez.

Ele retornou meu beijo com igual fervor, envolvendo seus braços ainda mais apertados ao meu redor. Emoções explodiram dentro de mim, uma após a outra – calor, desejo, necessidade, querer, amor. Por um momento, me entreguei completamente a ela, aquela onda quente, incessante de emoções, que ameaçava me puxar para baixo e me afogar com sua intensidade.

Crack! Crack! Crack!

Outra rodada de tiros explodiu, mais perto desta vez, destruindo o momento, e nosso beijo terminou tão rápido quanto começou, embora as emoções permanecessem, brilhando através do meu corpo como raios de eletricidade, sacudindo cada parte de mim e me fazendo sentir mais viva do que nunca.

Owen se inclinou e tocou sua testa na minha, ainda olhando nos meus olhos. — Sobreviva — sussurrou ele. — Prometa.

— Eu prometo — sussurrei, mesmo sabendo que as palavras eram uma mentira vazia. Então me afastei dele. — Agora vá. Antes que seja tarde demais para todos nós.

Seus olhos encontraram os meus, violeta e cinza, e as emoções rugiram sobre mim novamente, ainda mais fortes do que antes – calor, desejo, necessidade, querer, amor. Elas me fizeram querer lutar, elas me fizeram querer sobreviver – por ele, por nós – mesmo que houvesse uma pequena chance disso, na melhor das hipóteses. Ainda assim, agarrei-me àqueles sentimentos, àquelas emoções, àquelas sacudidas alucinantes, e acrescentei-as à raiva fria e negra batendo em meu coração, cristalizando minha determinação em protegê-lo e aos outros, não importando o que acontecesse.

Owen assentiu, colocou minha mochila nos ombros, e começou a recuar até o cume. Ele manteve seu olhar no meu o tempo todo. Muito cedo, porém, ele alcançou as árvores do outro lado. Eu sorri, tentando tranquilizá-lo.

Ele retribuiu meu sorriso, embora a agonia ainda ardesse em seus olhos ao pensar em me deixar para trás. Mas Warren não conseguiria tirar Sophia da montanha sozinho, não antes que os homens de Grimes os alcançassem, e nós sabíamos disso.

— Vá — disse a ele. — Agora.

Owen me deu mais um olhar solene e ansioso antes de se virar e desaparecer nas árvores. Eu oobservei ir, imaginando se algum dia o veria novamente.

Eu esperava que sim.

Mas a esperança era uma emoção inútil nessa situação, então a coloquei de lado e prendi bem dentro de mim, junto com todos os meus outros sentimentos suaves, onde eles ficariam seguros e fora do caminho do que estava acontecendo. Em vez disso, abracei a escuridão em meu coração até não restar nada, a não ser a raiva gelada para matar cada pessoa que estivesse ao meu alcance.

Até que eu não fosse mais nada a não ser a Aranha novamente.

Então abri o bolso meu colete, peguei uma das minhas facas extra de silverstone, e fui enfrentar meus inimigos.


Capítulo 19

 

 

Quando tive certeza de que Owen, Warren e Sophia tinham uma boa vantagem sobre os homens de Grimes, eu sai à vista no topo da cordilheira, minha faca na mão, certificando-me de que todos na clareira abaixo pudessem me ver.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Algumas balas acertaram inofensivamente o cume mais abaixo na encosta. A maioria dos homens parecia estar armada com revólveres, então eles ainda não estavam ao alcance, mas avançaram, subindo e descendo as rochas, tentando corrigir isso. Eu fiquei lá e os deixei vir.

Meu olhar examinou os homens, e contei pelo menos uma dúzia na minha direção, cada um armado com pelo menos uma arma. Provavelmente havia mais deles nas extremidades leste e oeste do acampamento, avançando pela floresta e correndo em direção à minha posição, mas eles não seriam um fator agora.

Doze para um. Não era ruim, em vista.

— Isso é para você, Fletcher — eu disse. — Espero que eu te deixe orgulhoso.

Crack!

Crack! Crack!

Mais balas atingiram as rochas, embora estivessem se aproximando lentamente da marca. Ainda assim, esperei. Até que finalmente – crack! – uma bala atingiu a pedra aos meus pés.

Sorri. Agora isso estava definitivamente perto o suficiente. Ainda assim, esperei até que a maioria dos homens subisse mais alguns metros antes de me agachar e levantar a mão.

Uma luz prateada acendeu na palma da minha mão, centralizada na minha cicatriz de runa de aranha enquanto eu pegava a magia de Gelo fluindo dentro das minhas veias. Estudei o círculo brilhante e oito raios finos de silverstone marcados na minha pele, observando o brilho da magia crescer e crescer enquanto eu agarrava mais e mais do meu poder. Eu me perguntei se esta seria a última vez que eu veria minha própria runa.

Bem, se fosse, eu faria valer a pena.

Alcancei a rocha mais próxima. A pedra fumegou e crepitou com frio, como se eu estivesse queimando runas com a marca gelada da minha mão. De certa forma, eu supus que estava. Demorou menos de um minuto para os cristais frios começarem a se espalhar pela minha palma, envolvendo a rocha que eu estava tocando, depois fluiu para a próxima pedra escarpada e a seguinte e a seguinte.

Jo-Jo sempre me disse isso, que eu era uma das elementais mais fortes que ela já viu, e provei isso para mim mesma quando fiquei cara a cara com Mab e seu Fogo e sobrevivi à luta. Por isso, foi fácil cobrir as rochas ao meu redor com uma polegada de Gelo elemental. O que não foi tão fácil foi empurrar meu poder sobre toda a cordilheira, e depois ainda mais longe na floresta além das rochas.

Mas eu tinha um plano para isso também: o anel de runa de aranha de silverstone na minha mão direita, aquele que Bria havia me dado. Alcancei a magia alojada no metal, adicionando-a ao poder de Gelo que já fluía de mim. A razão pela qual silverstone era tão apreciado era que o metal tinha uma propriedade especial, a capacidade de absorver e armazenar todas as formas de magia. É por isso que tantos elementais usavam anéis, colares e relógios feitos de silverstone, então eles poderiam ter um impulso extra de poder quando precisassem, digamos, para um duelo elemental.

Tantas pessoas tentaram me matar nos últimos meses, que eu colocava um pouco do meu poder de Pedra e Gelo no meu anel todas as manhãs quando eu me levantava e todas as noites antes de ir para cama. Como resultado, o anel guardava mais da minha magia do que nunca, e eu pretendia aproveitar cada pedaço dela.

Era um risco usar toda a minha magia desse jeito, mas eu queria dar a Warren, Owen e Sophia a melhor chance possível de sair da montanha e voltar para o carro de Roslyn. Percebi que transformar o cume inteiro em um campo de Gelo elemental era a melhor maneira de fazer isso.

Continuei alcançando e alcançando minha magia, observando os cristais de gelo saltarem de uma rocha e de um pedaço de terra para a próxima, empurrados pelo meu poder de Pedra, como soldados marchando para a batalha. Abaixo de mim, os homens começaram a gritar quando o Gelo se aproximou e depois passou correndo como uma onda de cristal frio. Alguns não foram rápidos o bastante para soltar os seus apoios no cume, e suas mãos congelaram nas rochas e ficaram presas pela espessa camada de gelo. Eu esperava que seus dedos apodrecessem, ficassem pretos e caíssem pelo congelamento. Isso castigaria esses bastardos por todas as coisas horríveis que fizeram.

As pessoas pensavam que os assassinos eram maus, mas pelo menos a minha violência estava contida principalmente em meus alvos e quaisquer guarda-costas que eles empregassem. Grimes e seus homens machucaram todos que já cruzaram o caminho deles, quer merecessem ou não, como todas aquelas pobres universitárias que sequestraram e trouxeram aqui ao longo dos anos. E Hazel, bem, ela gostava de usar sua magia de Fogo pela pequena emoção sádica que isso lhe dava. Eu me perguntei quantas pessoas estavam inocentemente caminhando pela floresta quando tropeçaram no acampamento, para nunca mais deixá-lo.

O pensamento fez a raiva sombria surgir em mim mais uma vez, e mergulhei ainda mais fundo dentro de mim. Só me levou um momento para liberar outra explosão de poder frio, este ainda mais forte do que antes. O resto do cume congelou, e os cristais continuaram avançando, espalhando-se na floresta além da clareira abaixo, até que as pedras, árvores, grama, e folhas brilhavam como vidro polido.

Ainda assim, apesar do Gelo elemental, um homem conseguiu escalar todo o caminho até o topo do cume. Ele parou de escalar o cume. Em vez disso, ele segurou as pedras frias e escorregadias com uma mão enquanto levantava a arma na outra mão para atirar em mim.

Antes que pudesse puxar o gatilho, eu me levantei e chutei a cara dele, esmagando minha bota em seu nariz. O golpe afiado fez seu corpo se arquear para trás e ele perdeu o controle sobre as pedras escorregadias. De ponta a ponta, ele despencou para a clareira abaixo. Eu esperava que ele acertasse alguns de seus amigos no caminho e os derrubasse também, mas eu o chutei com muita força, e ele caiu das pedras.

Snap.

Ouvi seu pescoço quebrar mesmo da distância de onde eu estava. Sorri novamente. Um a menos. Muito mais para ir.

Eu me agachei novamente no cume, enviando onda após onda de magia de Gelo para as rochas, árvores e grama abaixo. Suor frio encharcava minhas roupas, meus pulmões queimavam, e minha cabeça começou a girar pelo esforço de se concentrar tanto e tão intensamente, pela vontade que era necessária para forçar toda a minha magia em todas as direções ao mesmo tempo.

O vapor subiu do Gelo encobrindo o cume, a floresta e a clareira abaixo em uma névoa fria e sinistra. Bem, isso deveria dar aos meus amigos um pouco mais de cobertura enquanto eles desciam a montanha.

Ainda assim, apesar dos meus melhores esforços, não foi o suficiente.

Se fosse um dia nublado, minha criação cristalina poderia ter durado um pouco mais, mas o sol de julho já atingia o cume e lentamente o aquecia novamente. Fiz o gelo mais grosso que pude, mas não demoraria muito para que ele se derretesse. Mas eu fiz tudo o que pude para ajudar Sophia, Owen e Warren a escapar. O resto dependia deles.

Então soltei o remanescente do meu poder de Gelo. Meu anel de runa de aranha estava completamente vazio de magia. Eu tinha um pouco de poder de Pedra sobrando, mas isso não me faria muito bem agora, a menos que eu quisesse usá-lo para endurecer minha pele, me proteger das balas que ainda vinham em minha direção, e correr para as florestas.

Mas eu não ia correr. Eu poderia ter dado a Sophia e aos outros uma boa vantagem, mas as lesões dela, combinadas com as de Warren, fariam a fuga deles lenta. Eu ainda precisava dar a Grimes, Hazel e seus homens outra coisa para focar por pelo menos um pouco mais de tempo: eu.

Deslizei a faca na minha manga, peguei as armas de onde as coloquei nas pedras, e esperei que os homens de Grimes viessem.

 

* * *

 

Após ver o que aconteceu com seu amigo com o pescoço quebrado, os homens de Grimes pararam de tentar subir nas pedras congeladas para me alcançar. Mas tiveram a mesma dificuldade para voltar a descer, e vários deslizaram do cume e caíram no chão. Gemidos, lamentos e choros agudos se aproximaram de mim, junto com o estalido afiado e satisfatório dos ossos quebrando. Meu Gelo elemental não tinha matado mais nenhum dos homens, mas coloquei pelo menos alguns deles fora de campo. Difícil pensar em perseguir alguém quando seu próprio fêmur estava exposto como um pirulito jorrando seu próprio sangue.

Eu olhei friamente para um homem que estava chorando, balançando para frente e para trás, e segurando a perna. Eu podia ver o branco de seu osso de onde eu estava. Ele não se levantaria sem um Elemental de Ar para curá-lo. Mesmo assim, o processo de ser curado seria tão excruciante quanto à própria perna quebrada. Eles deveriam apenas atirar nele. Seria mais gentil...

Crack!

Uma bala zuniu nas rochas à minha direita, e percebi que um homem já havia feito à trilha através da mata e até o lado da cordilheira.

Crack! Crack!

Pena que ele tinha uma mira ruim. As balas atingiram as rochas ao meu redor, mas nenhuma delas chegou perto de me acertar.

Eu me abaixei atrás de uma pedra, então corri e me lancei pelo ar. O homem levantou a arma, mas eu acertei seu corpo antes que ele pudesse puxar o gatilho, e nós dois caímos no chão. Eu fui a única que se levantou.

Passos rangeram através das folhas na trilha à minha direita, e gritos subiram daquela direção, como um bando de cães perseguindo sua presa.

— Aqui em cima!

— Lá está ela!

— Pegue aquela cadela!

Os homens saíram correndo da floresta e se dirigiram para mim. Eu levantei as armas em minhas mãos e mirei.

Sophia. Jo-Jo. Fletcher.

Esse era o mantra que eu entoava em minha cabeça enquanto disparava tiro após tiro, mirando cuidadosamente em cada pessoa que estivesse ao alcance de minhas armas e tentando fazer com que cada bala valesse. Homem após homem caiu, parando aos meus pés com buracos em suas cabeças, pescoços e peitos, mas logo minhas armas clicaram vazias. Joguei-as fora, espalmei a faca que eu colocara na minha manga e peguei outra do meu colete. Mais adequadamente armada, eu rodopiei as armas em minhas mãos e dei um passo adiante.

Sophia. Jo-Jo. Fletcher.

Virei primeiro para um lado, depois para o outro, cortando cada homem que ficava dentro do alcance do meu braço e faca, tentando fazer cada corte e apunhalada o mais devastador possível. Sangue espirrava em todo lugar, em mim e especialmente nas pedras. Abaixo dos meus pés, a pedra começou a cantar uma melodia sombria sobre toda a morte que eu estava causando, e me vi alegremente cantando alto junto com ela, apesar de ser a única pessoa que podia ouvir o coro cruel.

Eu cantei, mas os homens gritaram, os sons cortando o ar conforme as minhas facas cortavam a carne deles, os ecos altos e agudos reverberando em torno do cume e, em seguida, sacudindo as árvores e a floresta além. Eu esperava que Sophia pudesse ouvir o terror desses bastardos. Esperava que isso colocasse o mesmo sorriso duro e impiedoso em sua face como colocou na minha.

Sophia. Jo-Jo. Fletcher.

O tempo deixou de ter algum significado. Havia apenas inimigos para cortar, um após o outro, de maneira tão rápida, brutal e eficiente quanto possível, antes de passar para o próximo homem em pé. Esfaqueei braços, pernas e peitos. Dirigi minhas lâminas em gargantas e arranquei-as novamente. Até perfurei minha faca no olho de um homem. Seus gritos estavam entre os mais altos e mais satisfatórios.

Aquele homem caiu, e eu virei para enfrentar o meu próximo adversário... E percebi que Grimes e Hazel estavam atrás de mim, ladeado por vários outros de sua gangue.

O olhar de Grimes examinou seus homens mortos aos meus pés, em seguida, olhou para mim. Sua expressão era indecifrável, mas eu sabia exatamente como eu parecia. Fios de cabelos castanhos escuros caindo do meu rabo de cavalo e grudados no meu rosto suado, coberta de sangue no pescoço. Ainda mais sangue espirrou nos meus braços e mãos, com ainda mais encharcado em meu colete e o resto das minhas roupas. Até minhas meias estavam sujas de sangue, e minhas botas deixaram para trás um intrincado padrão de manchas marrons nas rochas cinzentas, como se eu tivesse traçado uma complicada rotina de dança de novo e de novo.

— Quem diabos é você? — perguntou Hazel.

Sorri abertamente. — Seu pior maldito pesadelo.

Os homens atrás de Grimes e Hazel se mexeram desconfortavelmente em seus pés. Seus líderes podem não ter medo de mim, mas eles tinham – e com razão.

Apontei para os homens mortos ao meu redor. — Sabe, você realmente deveria conseguir ajuda melhor. Todos os seus meninos são bons para a prática de alvo.

— Peguem-na — ordenou Grimes, em uma voz fria. — Viva.

Sorri ainda mais e girei minhas facas, espirando gotas de sangue das extremidades das lâminas. — Por favor — rosnei, olhando para os homens atrás dele. — Dê um passo à frente e morra.

Ninguém fez um movimento em minha direção. Soltei uma risada sombria e feliz, em seguida, estalei minha língua. — É difícil encontrar uma boa ajuda hoje em dia.

— Agora! — gritou Grimes, sua fachada calma finalmente quebrando.

Aparentemente, os homens de Grimes tinham mais medo dele do que de mim, porque eles avançaram. Tolos. Levantei minhas facas de novo e avancei para encontrá-los. Primeiro, eu cuidaria dos homens de Grimes, depois Hazel e o grande homem...

— Agora, Hazel — ouvi Grimes dizer.

Um segundo depois, milhares de bolhas quentes e invisíveis roçaram minha pele. Tive tempo o suficiente para agarrar o homem na minha frente, virá-lo e usá-lo como um escudo antes de uma bola de Fogo elemental explodir em nós.

As chamas explodiram no peito do homem, queimando suas roupas e imediatamente virando a metade do seu corpo em uma bagunça carbonizada e cheia de bolhas. Ele começou a gritar e não parou, então o empurrei e dei um passo em direção a Grimes e Hazel, que estavam de mãos dadas, como se combinando sua magia.

Isso foi tudo que eu vi antes de outra explosão de Fogo elemental vir na minha direção.

Depois outra, depois outra.

Consegui desviar das duas primeiras bolas, mas não da terceira, que bateu no meu ombro como um martelo incandescente e me girou. Antes que eu pudesse me mexer, antes que pudesse reagir, uma quarta explosão de fogo me atingiu na parte de trás.

Desta vez, eu gritei.

Porque eu estava quase sem magia, e não tinha como impedir o Fogo elemental de me queimar. O silverstone em meu colete aqueceu enquanto absorvia o pior das chamas, mas não absorveu bastante da magia, nem o suficiente.

Os homens que me atacavam recuaram enquanto começavam a gritar e a tentar escapar das chamas que saltaram do meu corpo para o deles. O fedor e o chiado da minha própria carne queimada encheram meu nariz, e fumaça subiu das minhas roupas, misturando-se com a névoa remanescente do meu Gelo elemental. O calor e a dor eram tão intensos que eu não sabia dizer qual era qual, e antes que pudesse descobrir onde e quem atacar, um soco me atingiu por entre as chamas, atingindo meu crânio.

Misericordiosamente, o mundo ficou escuro depois disso.


Capítulo 20

 

 

O sol me acordou.

Ele entrou pela janela aberta, tão doce e inocente quanto poderia ser, aquecendo tudo o que tocava com seus suaves raios dourados. Do lado de fora, os pássaros emitiam notas altas e alegres, acompanhados pelo zumbido grave e baixo de zangões e outros insetos.

Abri meus olhos. Uma pintura de nuvens fofas flutuando em um céu de verão cobria o teto acima da minha cabeça, como sempre faziam quando eu acordava na casa de Jo-Jo após uma luta mortal. Por um momento, eu relaxei, embora uma parte de mim se perguntasse por que eu estava deitada no chão duro de madeira em vez de na cama ao meu lado. Mas quanto mais eu olhava para o teto, mais parecia que havia algo ligeiramente – estranho nisso. Como se a pintura não fosse a mesma que eu vi tantas vezes antes.

Uma suave brisa de verão entrava pela janela, bagunçando as lindas e delicadas cortinas de renda – e trazendo o fedor da morte junto com ela. E finalmente percebi que não estava na casa de Jo-Jo afinal; eu estava na falsa, a substituta de Harley Grimes.

Mas em vez de levantar, deitei no chão e analisei a situação, tentando fazer o resto da confusão desaparecer da minha mente. Eu ainda usava as mesmas roupas ensanguentadas de antes, embora pudesse sentir a brisa dançando sobre as partes nuas em meus braços e pernas de onde o Fogo elemental de Grimes e Hazel queimara através do tecido. O suave beijo do vento fez as queimaduras e bolhas que marcaram minha pele começarem a pulsar com dor, e precisei cerrar meus dentes contra a sensação. Mais cortes e hematomas pontilharam meu corpo, aumentando minha exaustão dolorida. Eu lutei bem, mas isso deixou sua marca em mim.

Uma vez que percebi que estava mais ou menos inteira, eu me concentrei em minha magia. Meu anel de runa de aranha ainda estava vazio, e estaria até eu preenchê-lo de novo, mas estar inconsciente deu ao meu corpo uma chance de regenerar um pouco o meu poder, embora ainda fosse pouco mais que sobras dentro de mim, não o suficiente para me deixar de igual para igual com Grimes e Hazel, e com qualquer esperança de vencer – ou sobreviver.

Virei no chão e coloquei a mão no meu peito, verificando-o. Eu ainda usava um colete de silverstone, e a frente estava praticamente intacta. Então, novamente, Grimes e Hazel colocaram a maior parte do seu poder de Fogo nas minhas costas. Mas todos os meus suprimentos foram retirados dos bolsos do colete, incluindo minhas facas extras. Não era surpreendente. Suponho que deveria estar grata por terem deixado minhas roupas, queimadas e sujas como estavam, em vez de me despir e me enfiar em algum tipo de vestido de verão e saltos como fizeram com Sophia. Na verdade, eu me perguntei por que eles me deixaram viver em primeiro lugar. Eles deviam ter agarrado uma das minhas facas e cortado minha garganta enquanto eu ainda estava inconsciente...

— Ah, bom — ronronou uma voz. — Você está finalmente acordada.

Levantei minha cabeça para ver Hazel na porta, junto com três homens, todos com armas apontadas para mim.

Hazel me deu um sorriso maligno, então estendeu a mão. O Fogo Elemental brilhou em suas mãos, balançando para frente e para trás como lanternas dançando ao vento. Ainda que ela não estivesse ativamente me queimando com as chamas, eu ainda podia sentir o calor intenso explodindo e roçando minha pele já queimada, aumentando o meu sofrimento. A sensação fez um rosnado subir no fundo da minha garganta, mas eu engoli.

— Harley quer ver você — ela ronronou novamente. — Agora, você virá quietamente, ou preciso ... incentivá-la?

As chamas em seus dedos queimaram um pouco mais brilhantes e quentes em antecipação. Elas combinavam com a crueldade bruxuleante em seus olhos escuros.

Sentei-me e imediatamente tive que pousar a mão no chão para não cair de costas. Depois de um momento, minha cabeça parou de girar, mas não de doer. Quem me deu um soco, fez um excelente trabalho, a julgar pela dor que irradiava do meu queixo e latejava na minha têmpora direita. Lentamente, muito, muito devagar, ajoelhei e depois fiquei de pé. A mudança na elevação fez minha cabeça girar muito mais, e balancei de um lado ao outro até que as manchas brancas se afastaram da minha visão e encontrei meu equilíbrio. Isso tudo para não mencionar como todo simples movimento fazia minha pele queimada doer, e como cada deslocamento de minhas roupas queimadas ameaçava estourar as bolhas cobrindo meus braços, pernas e costas.

Tanto que eu gostaria de atacar Hazel, derrubando-a no chão e a estrangulado até a morte com asminhas próprias mãos, mas eu não tinha energia para isso agora. Além disso, ela e Grimes me mantiveram viva por um motivo, e eu queria saber o que era.

— Acho que vou com a primeira opção — eu finalmente disse quando consegui abrir a boca sem sibilar com dor.

Hazel fez beicinho, obviamente desapontada pela minha cooperação, mas ela enrolou a mão em um punho apertado, apagando as chamas e fazendo com que nuvens de fumaça resultante se movessem em direção ao teto.

— Vamos lá, então — retrucou. — Ninguém mantém Harley esperando – ou eu.

Novamente me perguntei por que eles se incomodaram em me deixar viver, mas supus que logo descobriria.

Hazel girou nos saltos altos e saiu de vista pela porta. Os três homens com as armas se afastaram pelo corredor, o suficiente para eu deixar o quarto e andar atrás dela, depois seguiram com suas armas apontadas para minhas costas. Pensei em virar e pegar uma das suas armas, mas no final achei melhor não. Eu poderia ter matado os três homens, mas eles provavelmente teriam conseguido colocar algumas balas em mim, aumentando meus problemas. Sem mencionar o fato de que Hazel ficaria muito satisfeita em me queimar com sua magia de Fogo, a qual eu tinha pouca habilidade para defender, enquanto meu poder ainda estava tão escasso. Então, decidi ir junto com eles – por enquanto.

Descemos as escadas e mais uma vez fui surpreendida por uma sensação sinistra de déjà vu. A casa de Grimes era quase uma réplica exata da de Jo-Jo, por dentro e por fora. A planta baixa, a construção e a estrutura eram idênticas, até a madeira de cerejeira escura usada nas escadas e os arabescos esculpidos na grade que corria ao lado deles. Até as paredes eram pintadas com os mesmos tons suaves de rosa, azul e branco, como na casa de Jo-Jo.

Fiquei imaginando como Grimes conseguira combinar tudo exatamente. Ele deve ter estado dentro da casa de Jo-Jo em algum momento. Mas quando? Eu pensei nisso. A única vez que as irmãs saíram recentemente foi quando elas vieram até Blue Marsh para me ajudar com um vampiro particularmente desagradável alguns meses atrás. Talvez Grimes tenha entrado na casa das irmãs sem que elas percebessem; essa era a única explicação que eu conseguia pensar.

As únicas coisas diferentes eram as fotos na parede ao lado das escadas. Em vez de fotos de Jo-Jo, Sophia, Finn, Fletcher, ou até mesmo de mim, fotos de Harley Grimes cobriam a parede. A maioria das fotos tinha o aspecto marrom, desbotado e velho de daguerreótipos{7}, e quase todas mostravam Grimes tocando seu chapéu, segurando uma jarra de vidro, ou segurando um par de revólveres sobre o peito, como se realmente fosse algum contrabandista romântico posando para câmera, em vez de um psicopata doente que gostava de sequestrar e torturar pessoas.

Outras fotos mostravam Hazel nas mesmas poses, junto com uma dela em um cume alto, olhando para longe, como se fosse a rainha de tudo o que ela observava, um conjunto de alfinetes de diamante cintilando como uma espécie de coroa em seu cabelo preto ondulado. Havia até alguns retratos de família de Grimes e Hazel com dois outros homens que se pareciam com eles. Provavelmente Horace e Henry, os irmãos que Fletcher havia matado.

Mas havia uma foto em particular que me fez parar com um pé no ar: uma foto de Sophia.

Estava na metade da parede, bem no meio de um aglomerado de fotos de Grimes com suas armas, e parecia ter sido tirada com uma velha câmera Polaroid. No começo, eu não tinha certeza de que era Sophia. Ela parecia tão jovem na foto, e usava outro vestido branco estampado com pequenas flores vermelhas. Seu cabelo preto era muito mais comprido, e estava amarrado em uma linda trança que caía sobre o ombro direito, mas ela olhava para a câmera com a mesma expressão assassina que eu tinha visto antes no buraco.

A foto deve ter sido tirada na primeira vez que Grimes raptou Sophia, o que significava que ele a manteve todos esses anos. Assim que avistei, notei mais fotos da minha amiga. Elas se alinhavam na parte inferior da parede, levando de volta ao primeiro.

Todas essas fotos pareciam ter sido tiradas à distância e mostravam uma jovem Sophia em vários lugares: no gramado da casa de Jo-Jo, na varanda da frente de Country Daze, sentada em uma biblioteca, lendo um livro. Essas fotos devem ter sido tiradas antes de Grimes a sequestrar pela primeira vez. Porque em todas elas, ela parecia relaxada e feliz e ostentava uma variedade de roupas em um arco-íris de cores – jeans branco, tops vermelhos, short cáqui.

Nenhuma das fotos mostrava Sophia em suas roupas escuras de gótica. Eu me perguntei se ela adotou o estilo após seu primeiro encontro com Grimes. Eu nunca iria querer ver outro vestido, fita ou salto alto de novo também, se eu fosse ela.

A intensidade da obsessão de Grimes com ela fez a coisa toda pior e me lembrou de que precisava encontrar uma maneira de matá-lo antes de morrer aqui na montanha. Caso contrário, Sophia e Jo-Jo nunca estariam seguras.

— Vamos lá — rosnou Hazel do fundo da escada, percebendo que eu havia parado para olhar as fotos. — Continue andando.

Um dos homens atrás de mim enfiou a arma nas minhas costas, me encorajando. Eu olhei para a primeira foto de Sophia no vestido branco por mais um segundo antes de me arrastar pelo resto do caminho descendo as escadas.

Não fiquei muito surpresa quando Hazel me levou para a parte de trás da casa. Eu me preparei e atravessei a porta atrás dela, esperando encontrar algum tipo de réplica distorcida do salão de Jo-Jo, mas a área era completamente diferente. Em vez de pentes, bobes e secadores de cabelo, Grimes montara um antigo escritório e sala de visitas luxuosos e antiquados no espaço.

Uma escrivaninha antiga adornada com latão ficava no meio da sala, perto da parede dos fundos, com uma variedade de cadeiras de couro dispostas na frente dela. Um lugar perfeito para Grimes manter a corte e o pontificado sobre seus homens. Todos os assentos eram de um verde escuro, exceto o que estava atrás da mesa. Era o mesmo vermelho-cereja vibrante que as cadeiras do salão de beleza em Jo-Jo.

Um conjunto de portas duplas à esquerda da mesa levava ao que parecia um pátio de pedra e depois a um pátio cercado. Grimes estava no pátio, a alguns metros das portas abertas. Ele vestia um terno suave, este em um azul bebê claro, e um chapéu azul com uma pena combinando presa na aba dele. Eu me perguntei quantos desses ternos antiquados ele tinha pendurado em seus armários e em quantas cores diferentes.

Mas o mais surpreendente era que Grimes não estava sozinho. Alguém estava no pátio com ele. Eu não pude ver quem era, ou mesmo se era um homem ou uma mulher. Um pouco de tecido preto mal era visível na borda de uma das portas, me dizendo que a pessoa estava usando algum tipo de calça escura, mas isso era tudo. As mãos de Grimes estavam erguidas e ele gesticulava. Pedaços de conversa entraram pela porta aberta até mim.

—... Um pequeno problema... Nada que eu não possa resolver... O envio não será atrasado...

Então a outra pessoa: — As armas não eram as melhores... Isso iria... Chateou-me.

Eu ainda não sabia se o estranho era um homem ou uma mulher. Eu estava longe demais, e a voz era muito semelhante a um murmúrio baixo e rouco.

Eu achava que Grimes atacaria a pessoa misteriosa por seu tom insolente e ameaça não tão velada, mas o sorriso agradável no rosto dele ficou tenso. Seus lábios se afastaram para mostrar ainda mais seus dentes perfeitos, como se estivesse rangendo seus molares para manter a expressão firmemente no lugar. Depois de um momento, ele assentiu. — É claro.

Fiz uma careta, imaginando quem era essa pessoa que poderia intimidar Grimes com apenas algumas palavras, especialmente desde que eu, com minhas facas e o assassinato de seus homens, não parecia ter tido muito impacto. Tentei me mover para um lado, para que pudesse dar uma olhada melhor em seu misterioso convidado, mas uma mão áspera no meu ombro e uma arma empurrada contra a minha coluna me fez parar.

A resposta de Grimes deve ter satisfeito a outra pessoa, porque ele ou ela não disse mais nada. Grimes tirou o chapéu da cabeça e fez uma reverência baixa e elegante, mas não consegui ver se a outra pessoa devolveu o gesto com um aceno educado. Grimes se virou, como se observasse alguém andar pelo quintal. Um segundo depois, algo rangeu, como um portão sendo aberto. Então... Silêncio.

Grimes ajustou o chapéu em sua cabeça novamente, então entrou no escritório e fechou as portas duplas.

Hazel olhou para seu irmão. — Bem?

— Houve um pouco de... Preocupação com todo o barulho e comoção, e claro, deixamos o cliente esperando aqui na casa por muito tempo enquanto lidávamos com a situação — disse Grimes. — Tudo o que fiz foi pedir desculpas profusamente, além de oferecer um desconto por toda a preocupação, espera e dificuldade, então eu acho que consegui salvar o negócio.

Hazel cruzou os braços sobre o peito. — Eu lhe disse que deveríamos ter esperado até depois que isso se acertasse para você ir atrás daquela cadela Deveraux arrogante novamente.

Grimes deu a sua irmã um olhar frio e arrepiante. — E eu lhe disse que queria Sophia de volta o mais rápido possível – de volta para cá, onde ela pertence.

As narinas de Hazel se alargaram, e sua mandíbula apertou, mas ela não discutiu mais com o irmão. Ainda assim, era óbvio que ela não tinha amor por Sophia. Eu me perguntava por que – bem, além do fato óbvio de que ela era uma cadela sádica. Hazel ficou com ciúmes porque Grimes ainda era tão obcecado com Sophia todos esses anos? Porque ele aparentemente passou meses construindo uma réplica da casa de Jo-Jo para ela morar? Porque ele decidiu trazê-la para lá, apesar do fato de que isso poderia colocar em risco algum grande negócio de armas que o irmão e a irmã planejaram? Ou talvez tenha sido uma combinação de tudo isso e muito mais. Grimes trazendo Sophia para cá, mesmo como sua vítima, ameaçaria a quantidade de tempo que ele tinha para Hazel. Talvez fosse por isso que ela gostava tanto de torturar as pessoas, especialmente as moças que Grimes sequestrava e trazia para cá. Talvez Hazel não quisesse qualquer tipo de competição pela atenção de seu irmão – ou alguém que substituísse seu reinado na montanha.

— Além disso — disse Grimes —, não é minha culpa que nosso convidado ficou esperando. É dela.

Ele apontou um dedo acusador em minha direção. Todos os olhos se voltaram para mim, e dei a todos um sorriso convencido.

— Bem, se eu soubesse que tínhamos companhia, não teria incomodado em matar seus homens em cima do cume — eu disse. — Teria vindo direto para cá e mostrado aos seus convidados exatamente o quão hospitaleira eu poderia ser – juntamente com o resto de vocês.

Hazel deu um passo à frente e me deu um soco.

Dor explodiu em minha mandíbula, fazendo todas as terminações nervosas pulsarem em agonia mais uma vez. Estrelas brancas explodiram em minha visão novamente, e balancei em meus pés, mas não dei a ela a satisfação de tropeçar. Em vez disso, eu pisquei as manchas, olhei para ela e lentamente girei minha cabeça de um lado ao outro.

— Obrigada — disse lentamente. — Meu pescoço está me matando o dia todo, mas isso me ajudou.

Hazel começou a atacar-me novamente, mas Grimes interrompeu.

— Agora não — disse ele, —, você logo terá a sua chance. Eu preciso de alguma informação dela primeiro.

— Tudo bem — murmurou Hazel, em um tom soturno. — Nós faremos isso como de costume.

Eu me perguntava como era o costume, mas como provavelmente envolvia minha morte, comigo gritando, sangrando e torturada, não pensei muito nisso. Eu descobriria em breve.

Grimes se aproximou e sentou-se atrás de sua mesa, inclinando-se contra sua cadeira de couro vermelho-cereja. Hazel se aproximou e se empoleirou no canto da madeira. Ela também mudou de roupa, em algum momento quando eu estava inconsciente, e agora usava outro vestido no mesmo azul bebê, como o casaco e o chapéu de Grimes. Ela também colocou alguns alfinetes de diamante diferentes, com a forma de coraçõezinhos, em seus cabelos ondulados pretos, embora seus lábios ainda fossem os mesmos carmesins de antes.

De um jeito bizarro, os dois pareciam duas metades de um todo, yin e yang, com Grimes sendo forte e atarracado e Hazel tão alta e esguia.

Hazel arrumou a saia longa do vestido em volta dela, como se fosse uma doce dama sulista pronta para receber uma visita, ao invés de parecer a psicopata cruel e assassina que era. Ela deu um sorriso zombeteiro. Eu a ignorei e foquei em Grimes. Apesar de quão cruel era Hazel, era ele quem estava no comando – até mesmo dela.

Grimes tirou o chapéu da testa, apoiou os cotovelos na mesa e juntou as mãos, dando-me um olhar pensativo por cima dos dedos entrelaçados. — É assim que isso vai funcionar — disse ele. — Você responderá às minhas perguntas com rapidez e honestidade assim que eu as perguntar. Ou haverá consequências.

— Que tipo de consequências?

Ele me deu um sorriso curto. — Vou deixar Hazel usar sua magia de fogo em você novamente.

— Oh, sim — ronronou Hazel, deliciada. — E Harley não me impedirá desta vez, como ele fez no cume.

Joguei minha cabeça para trás e ri da ameaça dela.

Fumaça saiu de entre os punhos cerrados de Hazel, e seus olhos castanhos escureceram com a fúria de sua magia de Fogo. Ela não gostou de ser zombada por mim. Que pena.

Passou um minuto, depois outro, e continuei rindo. Finalmente, quando minhas costelas começaram a doer mais do que já doíam, eu deixei a última risada fria e sem alegria morrer em meus lábios.

— Oh, docinho — disse lentamente. — Fui assada, tostada e torturada por alguns dos elementos mais fortes e mais cruéis que esse canto do mundo já viu. Sem mencionar todos os vampiros, gigantes, anões e pessoas comuns que me tocaram ao longo dos anos. Inferno, eu enfrentei a Mab fodida Monroe e vivi para contar a história. Sim, você é forte em sua magia de Fogo, e assim é seu irmão, mas você não é nada comparada com Mab. Nada. Então eu pararia de me gabar e me dar tapinhas nas costas. Você não ganhou. Você não ganhou nada, especialmente não o meu medo.

Manchas vermelhas de raiva floresceram como rosas nas bochechas de Hazel, e mais fumaça ferveu de seus punhos, ainda mais negra do que antes. Se ela fosse uma personagem de desenho animado, nuvens de vapor combinando teriam saído de suas orelhas naquele momento.

— Cuidado, cuidado — zombei. — Você não gostaria de chamuscar esse seu lindo vestido. Oh, espere. Isso mesmo. Você só gosta de fazer isso com outras mulheres. Ou você tira a roupa de todas os jovens que sequestra antes de matá-los também?

Fúria brilhou em seus olhos novamente, mas ela lentamente abriu as mãos, saiu do canto da mesa e se levantou.

— A faça começar a falar, Harley — rosnou Hazel. — Agora mesmo. Ou eu vou.

Acenei minha mão queimada, machucada e ensanguentada para ela. — Oh, não há necessidade de se preocupar, agora, docinho. Não tenho nenhum problema em dizer por que estou aqui.

— E por que você está aqui, exatamente? — perguntou Grimes.

Eu olhei para ele. — Estou aqui porque Fletcher Lane me enviou.

Aparentemente, essa não era a resposta que ele esperava, porque as mãos de Grimes saíram da mesa e foram para o colo dele. Seus olhos se estreitaram, mas não antes de eu ver um lampejo de emoção nas frias profundezas marrons: medo.

— Você se lembra do Sr. Lane, não é? — continuei, zombando dele com sua própria afeição por discursos formais. — Ele é o homem que salvou Sophia de você antes.

— Ele é o homem que tomou Sophia de mim antes — rosnou Grimes. — Um dos meus maiores arrependimentos na vida é não ter matado ele anos atrás.

— Engraçado, porque Fletcher sentia exatamente o mesmo sobre você — eu disse. — Ele não te matou na época, mas acredite em mim quando eu lhe digo que pretendo corrigir isso agora.

Grimes me deu um olhar divertido. — Você sabe quantas pessoas tentaram – e falharam - me matar ao longo dos anos? Você não é a primeira pessoa a subir na minha montanha com algumas armas e facas para tentar me matar. Suponho que você viu o buraco. Aquele não foi o primeiro já cavado ao redor do cemitério da minha família, e não será o último.

— Talvez seus outros atacantes não estivessem motivados o suficiente — retruquei. — Acredite em mim quando digo que isso não será um problema para mim. Estou aqui para matá-lo, e tudo mais.

Atrás de mim, os três homens com as armas mudaram de posição, fazendo com que as tábuas do assoalho rangessem e gemessem sob o peso deles. Com o canto do olho, vi os dois homens à minha direita trocarem um olhar nervoso. Eles pareciam muito mais preocupados com a minha ameaça do que Grimes. Então, novamente, eu já matei um monte de amigos deles, e ainda era cedo.

Mas Grimes teve uma reação diferente de seus lacaios. Ele me ignorou completamente. Em vez disso, girou em sua cadeira e pegou uma garrafa de líquido claro em uma mesa atrás dele. Grimes destampou a garrafa, e vapores cáusticos do que quer que estivesse lá dentro agrediu meu nariz. Um pouco do seu moonshine da montanha, eu imaginei, engarrafado em cristal chique. Estricnina{8} da montanha, a partir do cheiro forte. Isso não apenas faria crescer cabelo no seu peito; queimaria ele também. E provavelmente levaria uma boa parte do seu esôfago junto com ele.

Grimes se serviu com dois dedos da bebida alcoólica em um copo de cristal, depois girou para me encarar novamente. Uma vez que ele tomou alguns goles da infusão, colocou o copo de lado e abriu um porta-retratos de prata no lado direito da mesa. Ele estudou a foto por um momento, depois fixou a moldura em um ângulo. A mesma foto de Sophia carrancuda que eu vi na parede perto da escada espiou para mim.

— Eu sabia que Sophia era minha desde o primeiro momento que a vi — disse Grimes. — Hazel e eu estávamos saindo em busca de suprimentos numa pequena loja rural da montanha. Sophia estava lá com a sua irmã.

Um choque passou por mim. Country Daze – ele deveria estar falando sobre o Country Daze, a loja de Warren. Não é de se admirar que o velho fosse tão insistente em vir com Owen e eu. Warren provavelmente achava que Grimes vira Sophia pela primeira vez em sua loja, e se sentia tão culpado quanto eu me sentia pela foto de Jo-Jo no jornal ter levado Grimes de volta a ela e a Sophia todos esses anos depois. E especialmente por deixar Sophia dispor de tantos corpos para mim ao longo dos anos.

— Claro, eu tentei fazer a coisa certa e cortejá-la corretamente — continuou Grimes, ainda encarando a imagem de Sophia, seus olhos distantes e sonhadores com memórias. — Mas a Sra. Deveraux não aceitou nada disso. Ela pensou que eu era uma má influência para Sophia. Ela deveria ter se mantido fora das coisas que não eram da conta dela. Mas isso não será um problema agora, será?

Pensei em como casualmente Grimes atirara em Jo-Jo no salão e em como ela estava fria, pálida e sem vida, deitada na mesa da cozinha de Cooper. Ela poderia ter piorado. Poderia ter precisado de mais magia de cura do que Cooper tinha para dar.

Ela poderia ter morrido no tempo que eu estava aqui na montanha.

Meu coração apertou com o pensamento, doendo mais do que qualquer um dos meus ferimentos, mas mantive meu rosto calmo, como se falássemos sobre o clima, em vez de um ataque brutal contra alguém que eu amava.

— Oh, não sei — respondi. — Jo-Jo é mais forte do que você pensa. Ela é dura de roer. Ela pode simplesmente surpreender você – de novo.

— O que você quer dizer com de novo? — perguntou Hazel.

Meu olhar cortou para ela. — Quem você acha que contratou Fletcher, em primeiro lugar? Jo-Jo queria a irmã de volta e decidiu fazer o que fosse necessário para que isso acontecesse.

— Sim, vamos voltar ao Sr. Lane — disse Grimes, recostando-se na cadeira e entrelaçando as mãos novamente. — Estou interessado em por que você disse que ele a enviou, desde que eu sei que ele está morto há meses.

Sua voz e palavras eram casuais, mas, mais uma vez, um pouco de desconforto apareceu no rosto dele. O que quer que Fletcher tenha feito a Grimes todos aqueles anos atrás, por mais que o velho o tivesse machucado, por mais que o velho tenha chegado perto de matá-lo, isso deixara uma impressão duradoura. Bom. Eu queria que Grimes tivesse medo. Eu queria que ele suasse, se preocupasse, e pensasse. Mas, acima de tudo, eu queria que ele sofresse pelo maior tempo possível antes que eu acabasse com ele.

Embora não tivesse ideia de como eu iria conseguir isso agora.

— Oh, você está certo — concordei. — Fletcher foi assassinado no outono passado.

Meu olhar caiu para o chão, mas eu não estava vendo a madeira reluzente e imaculada. Em vez disso, faixas de porco azul e rosa, salpicadas de sangue, encheram minha visão, junto com uma figura encurvada e arruinada, que teve a carne arrancada de seus ossos com magia de Ar. Fletcher. Mais memórias surgiram na minha mente daquela horrível e terrível noite, quando percebi que o trabalho para o qual eu fui enviada era uma armadilha, e que eu estava muito atrasada para salvar Fletcher de ser torturado até a morte dentro do Pork Pit.

Mas afastei as memórias e as emoções para o fundo do meu coração negro e as enterrei com uma camada de raiva fria e gelada, assim como fiz com a dor dos meus ferimentos. Porque agora não era a hora de mostrar qualquer tipo de fraqueza.

— Se Lane está morto, então por que você está aqui? — perguntou Hazel.

— Porque ele me treinou — respondi em uma voz que era ainda mais maliciosa do que a dela.

— Quem é você? — perguntou Grimes.

— Meu nome é Gin, como o licor.

Ambos me deram olhares vazios, aparentemente não entendendo a piada. Ninguém apreciava a ironia hoje em dia.

Suspirei. — Meu nome é Gin Blanco — respondi. — Mas vocês provavelmente me conhecem por outro nome: a Aranha.

Os três homens atrás de mim sugaram uma respiração coletiva. Eles se moveram de novo, afastando-se de mim e fazendo as tábuas do assoalho ranger com seus movimentos rápidos e apressados. Bem, era bom que minha reputação me precedesse. Talvez quando chegasse a hora de matar Grimes e Hazel, esses idiotas se encolhessem e fugissem em vez de ficar no meu caminho. Um bom pensamento, mas não depositaria minhas esperanças e sonhos nisso.

Mas, mais uma vez, o irmão e a irmã pareciam completamente despreocupados com o meu apelido.

— A Aranha? — zombou Hazel. — Sério? Você é a grande e má vadia que matou Mab Monroe? Eu não acredito.

Dei de ombros. — Acredite ou não. Não importa muito para mim.

— Você está mentindo — disse Grimes. — A Aranha nunca viria aqui. Ela nunca perderia seu tempo em alguma missão de resgate mal-sucedida.

— Oh, eu não diria que foi tão mal-sucedida, vendo como estou aqui e Sophia não — sorri —, vocês não a pegaram, não é?

Um músculo se contraiu na bochecha de Grimes, mas ele deu de ombros, como se o fato de eu ter roubado Sophia debaixo de seu nariz não tivesse consequência. — Esta não é a primeira vez que Sophia escapou. Logo ela voltará onde ela pertence.

Hazel soltou um bufo irônico, depois revirou os olhos. — Tudo o que você fez nos últimos meses foi conversar e falar sobre Sophia Deveraux. Não sei o que você acha tão fascinante nela. Ela é apenas anã. Nem mesmo uma muito bonita, além disso. Você viu aquelas roupas cafonas que ela vestia? Sem mencionar o horrível colar de pregos que usava. Você poderia fazer melhor, Harley. Muito melhor. No mínimo, podemos encontrar uma universitária que vai se arrumar bem melhor do que Sophia Deveraux jamais poderia.

Pelo brilho maligno nos olhos dela, o que ela realmente queria dizer era uma pobre garota que Hazel teria mais facilidade em torturar, e muito mais fácil de quebrar. Não me surpreenderia se Hazel tivesse ainda mais prazer em usar sua magia de Fogo em suas vítimas do que Grimes. Puta sádica.

Grimes a estudou por um momento, como se estivesse considerando suas palavras, e um sorriso esperançoso curvou seus lábios carmesins. Grimes levantou e deu a volta na mesa, e Hazel se virou para encontrá-lo. Estendeu as mãos, pegando a dele...

Grimes lhe deu um tapa no rosto dela sem pena.

Hazel saiu cambaleando, batendo nas portas do escritório com força suficiente para fazer o vidro chocalhar nas vidraças. Ela se virou, com a boca aberta em surpresa, uma mão pressionada contra sua bochecha, como se não pudesse acreditar na crescente mancha vermelha ali – e o fato de que Grimes a acertara, sua própria irmã, tão casualmente quanto ele acertaria qualquer outra pessoa.

— Sophia é minha — grunhiu Grimes, seus olhos castanhos escurecendo com fúria, como se a resposta à pergunta de Hazel fosse óbvia. — Ela é a única mulher que já conheci e que é forte o suficiente para ser minha. Ela é a única que nunca foi intimidada por mim ou recuou. Todas as outras que vieram aqui ao longo dos anos têm sido criaturas fracas e tolas, chorando para ir para casa, se encolhendo por pequenas coisas, implorando por misericórdia, até eu entregá-las aos meus homens apenas para me livrar de seus choramingos incessantes. Cada uma delas me desagradou, me decepcionou com sua fraqueza. Mas Sophia nunca o fez.

Fletcher dissera em seu arquivo que Grimes era doente e louco, mas eu começava a perceber o quanto distorcido ele realmente era. Harley Grimes imaginou-se o rei desta pequena montanha, e pegava o que e quem ele quisesse, trazia para cá e esperava que o servissem de qualquer forma que julgasse adequado. E quando alguém o desagradava, quando ela chorava, gritava e soluçava pela terrível tortura que ele lhe infligia, então a culpa era dela e, era enviada para os seus homens para sofrer ainda mais.

— Você está certo — eu disse. — Sophia é forte. Ela certamente é mais forte que você, seu filho da puta doente. E enquanto eu estiver viva, você nunca mais colocará uma mão nela novamente, nem mesmo um dedo fodido.

Grimes deu um passo ameaçador em minha direção. Apertei minhas mãos em punhos, me preparando para o que estava por vir. Porque assim que ele estivesse ao alcance do meu braço, eu daria um passo à frente, pegaria o revólver do coldre em sua cintura e atiraria nele à queima-roupa, no peito com ele – mesmo sabendo que morreria na tentativa.

Ou os homens atrás de mim colocariam algumas balas no meu crânio, ou Hazel me queimaria com sua magia Fogo. E, claro, sempre havia a possibilidade de que a arma de Grimes estivesse sem balas, do jeito que esteve quando Sophia tentou atirar nele. Mas eu não me importava. Eu bateria nele até a morte com a coisa caso precisasse. Tudo o que importava era garantir que Sophia e Jo-Jo estivessem a salvo de Harley Grimes para sempre. E se eu tivesse que sacrificar minha vida para salvar a delas, bem, era algo que eu estava feliz em fazer. Por elas e por Fletcher também.

Mas Grimes me atrapalhou, mesmo sem perceber, porque ele parou e ajeitou a camisa, obviamente tentando controlar seu temperamento. Suas mãos foram para um punho, depois o outro, puxando-os para baixo. Como toque final, ele tocou a aba do chapéu azul bebê e depois a pena combinando presa ali, como se certificando de que o chapéu ainda estava firmemente preso em sua cabeça, a pluma de pavão perfeitamente em exibição. Quando ergueu os olhos para os meus novamente, ele estava frio, calmo e no controle novamente.

Grimes me deu um sorriso agradável, do tipo que um tubarão daria a um peixe antes de quebrar a pequena criatura em dois com seus muitos dentes. — Bem, então, Srta. Blanco, ou quem diabos você realmente seja, é uma boa coisa que você não viverá por muito mais tempo, não é?

Abri minha boca para dizer a ele exatamente o que eu pensava sobre ele, na esperança de distraí-lo tempo o suficiente para avançar, pegar sua arma e acabar com ele. Mas Grimes estalou os dedos, e dois dos que estavam atrás de mim deram um passo à frente e agarraram meus braços, enquanto o terceiro enfiava a arma nas minhas costas novamente.

— Leve-a para o local de costume — ordenou ele. — E chame os homens. Todos nós podemos nos divertir um pouco antes de voltarmos a Ashland para encontrar Sophia e trazê-la de volta para cá, onde ela pertence.


Capítulo 21

 

 

Grimes deu as costas para mim, me dispensando de seus pensamentos, pelo menos por enquanto, e caminhou para trás de sua mesa, colocando-se fora de alcance de qualquer investida desesperada que eu pudesse fazer.

Hazel foi até Grimes e colocou uma mão possessiva em seu ombro. Ela sorriu para mim. — Não se preocupe, agora, docinho — arrastou ela, usando o mesmo tom de zombaria que eu usara anteriormente. — Nós estaremos com você em poucos minutos.

Não havia nada que eu pudesse fazer além de cerrar os dentes em frustração quando os três homens me forçaram a sair do escritório. Todo o tempo, porém, eu estava pensando em distâncias e ângulos, e como eu poderia matá-los e depois enfrentar Grimes e Hazel.

Mas os três homens não me deram nenhuma oportunidade de causar problemas. Os dois primeiros guardas mantiveram suas mãos presas em meus braços, seus olhos em mim o tempo todo, enquanto o terceiro cara ficou para trás, com a arma erguida e pronto para me encher de balas se eu estremecesse engraçado.

Eles me arrastaram pelo longo corredor, para fora da porta da frente, descendo os degraus da varanda, e pelo pátio. Pensei que eles poderiam se virar e ir em direção ao buraco, então eu poderia me juntar às outras pobres almas que estavam lá, mas ao invés disso, eles me forçaram a andar em frente. Quando chegamos ao meio da clareira, eles pararam. Os dois homens que seguravam meus braços me puxaram para frente e para trás por um minuto, até que eu estava em um pedaço particular de terra suavizado pelos passos de tantas pessoas ao longo dos anos. Então aqueles dois e o terceiro cara fizeram uma coisa muito curiosa: eles lentamente se afastaram de mim.

O último cara com a arma ergueu a arma para o alto e disparou nove tiros, três rajadas de três em rápida sucessão. Esse deve ter sido o sinal de Grimes para se reunir novamente, porque os homens começaram a sair do quartel, da cozinha e de outros prédios.

E todos eles tinham armas.

A maioria carregava armas, rifles longos e potentes, que poderiam derrubar um inimigo a cem passos,e os punhos de madeira brilhavam como bronze polido ao sol da tarde. Outros mantinham grandes revólveres antiquados, que eles lentamente faziam girar e girar em seus dedos, como se fossem cowboys do velho oeste, preparando-se para um confronto no meio-dia. Alguns seguravam facas, alguns tinham armas simples e grosseiras como as estacas afiadas que eu vi anteriormente na floresta.

Meu olhar foi do rosto de um homem para outro. Todos sorriram, seus olhos se iluminaram com o pensamento de minha iminente tortura, o que quer que fosse. Ninguém olhou para o outro lado e ninguém teve uma centelha de compaixão, incerteza ou desconforto em seu rosto. Nenhuma surpresa, dada a quantidade de seus amigos que eu já havia matado. Fiquei levemente surpresa por eles não terem trazido o alcatrão, penas e forquilhas, junto com suas outras armas. Parecia algo que Grimes gostaria, dada a sua aparente fascinação pelo passado.

Os homens não falavam, mas um sentimento coletivo de antecipação e excitação ondulava através deles, como se fosse um show que eles testemunharam muitas vezes antes e estavam ansiosos para ver repetido. Um cara até tirou um isqueiro prateado do bolso e acendeu um cigarro com ele, como se isso fosse um intervalo para fumar antes do início do evento principal. Ele ficava estalando a tampa para cima e para baixo, pronto para continuar com as coisas.

Fiquei imaginando quantas pessoas ficaram no mesmo lugar, enfrentando a turba de Grimes. Será que todos esses gângsteres levantariam suas armas e atirariam ao mesmo tempo? Eles atirariam em massa? Ou todos se jogariam em mim, me lançariam ao chão e me machucariam? Não há como saber, até eles decidirem atacar.

Eu matei cerca de uma dúzia de homens no cume, mas havia mais uma dúzia ao meu redor agora. Meu olhar percorreu a multidão novamente, desta vez procurando por qualquer sinal de fraqueza, qualquer falha no círculo que pudesse ser grande o suficiente para eu lutar, de qualquer maneira que eu pudesse escapar e viver para matar outro dia. Ou pelo menos voltar para Grimes e matá-lo antes de eu morrer.

Mas não havia nada – nem fraqueza, nem lacuna, nem esperança de fuga.

Então endireitei minha coluna, olhei para os homens e me preparei para minha execução iminente.

 

* * *

 

Não tive que esperar muito.

Eu só estava no ringue de homens por cerca de dois minutos quando a porta da frente da casa se abriu, e apareceram Grimes e Hazel. Hazel tinha o braço ligado ao dele e Grimes escoltou-a escada abaixo, atravessando o jardim e saindo para a clareira em uma demonstração de galanteria tão completa quanto qualquer cavalheiro sulista antiquado jamais poderia ter conseguido.

Os homens se separaram o suficiente para permitir que Grimes e Hazel se juntassem ao ringue. Mais uma vez, o chefão estava fora do meu alcance, mas engoli minha frustração. Eu não pude matar Grimes, mas também não pude sobreviver, apesar de prometer a Owen que eu faria. Eu sabia que as palavras eram provavelmente uma mentira quando as dissera, mas pelo menos eu esperava destruir Grimes antes de encontrar meu próprio fim. Agora eu achava que nem isso aconteceria.

Meu coração se apertou ao pensar em Owen, e eu me concentrei no aperto no meu peito, imaginando isso como uma batida e deixando-me firme.

Viva, viva, viva, viva...

Eu quase podia ouvir a voz de Owen sussurrando repetidas vezes isso para mim, e agarrei essa determinação até que não houvesse espaço para mais nada. Sem dúvida, sem hesitação, sem medo. Apenas o desejo de fazer o que precisava ser feito para sobreviver a isso.

Porque se eu não pudesse matar Grimes agora, isso significava que eu precisava viver para tentar novamente outro dia.

O Elemental de Fogo tirou o chapéu de sua cabeça e curvou-se para a multidão, antes de endireitar e gesticular para mim com seu chapéu fedora. — Permitam-me apresentar a Srta. Blanco — disse ele, em voz alta e retumbante. — Pelo menos, esse é o nome que ela diz ser o dela. Mas nós não prestamos muita atenção em nomes aqui, não é, meninos?

Os homens riram. Vários molharam seus lábios enquanto olhavam para mim, enquanto outros lentamente me olhavam de cima a baixo, seus olhares lascivos tentando ver meus seios através do colete encharcado de sangue que eu usava.

— Agora, todos nós sabemos o que fazemos com as pessoas que decidimos trazer para o nosso acampamento ou aquelas que vagam aqui por acidente — continuou Grimes. — Nós lhes damos uma escolha. Eles podem ficar, ou podem ir.

Uma escolha? Eu duvidava seriamente disso, mas não tinha ideia do que ele estava tagarelando.

— Normalmente, essa escolha envolve apenas alguns de vocês, já que é uma recompensa para aqueles que trabalharam mais duramente nas últimas semanas. Mas acho que todos vocês concordarão que as – travessuras da Srta. Blanco – ganharam um tipo especial de punição.

Todos os homens gritavam e assobiavam, e seus gritos altos subiam em uma onda crescente de violência iminente. O cara com o isqueiro clicou e segurou como se estivesse em um show de rock, enquanto alguns dos outros disparavam suas armas para o ar ou batiam os pés, como se fossem touros prestes a me atacar. Eu realmente deveria estar usando uma capa vermelha. Era a minha cor, afinal de contas.

Grimes levantou as mãos e a comoção lentamente se acalmou. — Agora, todos vocês sabem quantos homens bons nós perdemos hoje por causa da Srta. Blanco e seus amigos.

A multidão ficou sóbria com isso, e olhares de raiva e acusação me atingiram de todos os lados.

— Tenha certeza de que vamos rastrear as outras pessoas responsáveis pelo ataque ao nosso acampamento, e lidaremos com elas de acordo. Mas, enquanto isso há a questão do que fazer com a Srta. Blanco.

Grimes olhou para cada um deles. — Bem, rapazes? O que devemos fazer com ela?

Um coro de gritos irrompeu da multidão.

— Mate-a!

— Atire na cadela onde ela está!

— Jogue-a no buraco!

Naturalmente, esse último pedido veio de Hazel.

Grimes sorriu e levou a mão ao ouvido, como se estivesse ouvindo cada grito rouco e assassino e os considerasse com todo o cuidado. Pelo arquivo de Fletcher e o que eu tinha visto, eu pensava que Grimes era apenas mais um cara mau, apenas outro bandido do submundo, apenas outro Elemental que usava sua magia para manter seus subordinados na linha. Mas eu precisava admitir que ele tinha certo carisma, uma certa maneira de tocar uma multidão, uma certa força cruel que os outros poderiam admirar e se unir. Eu não tinha dúvidas de que seus homens o temiam, mas também o respeitavam.

Após alguns minutos, ele ergueu as mãos e os homens se aquietaram mais uma vez. — Bem, essas são boas ideias, mas tenho uma que eu acho que vocês gostarão ainda mais — disse Grimes. — Como sabem alguns de vocês, a Srta. Blanco aqui afirma ser a Aranha, a assassina mais temida de toda Ashland.

Dessa vez, risadas e bufos irônicos ondulavam entre os homens.

— Agora, duvido que ela esteja dizendo a verdade — continuou Grimes. — Mas digamos que seja ela. Eu sei o quanto vocês gostam de caçar, e eu diria que esta é uma excelente oportunidade para ir contra o melhor dos melhores. Vocês não acham?

Mais gritos e assobios. Mais pés pisoteando e sorrisos lascivos. Mais dedos esfregando os canhões de armas e os punhos de facas, coçando para usar as armas em mim.

— Agora, todos nós sofremos uma perda terrível aqui hoje — disse Grimes, quando os homens caíram em silêncio novamente. — Esta mulher tirou nossos irmãos de armas de nós. Homens bons e excelentes soldados. Ela veio aqui, esgueirou-se pelas sombras e matou-os, como um caçador que atira no cervo por esporte. Então eu digo que nós devemos dar a ela um gostinho de seu próprio remédio e mostrar a ela como é sentir-se caçado, para variar.

Grimes fixou seu olhar no meu. Seus olhos brilhavam como um castanho brilhante, quase dourado, não de qualquer magia de Fogo que ele estivesse abraçando, mas pela força e segurança de suas próprias convicções malucas.

— Eu gosto de pensar em mim como um homem esportivo, Srta. Blanco — disse Grimes. — E as regras desse jogo são bem simples. Você tem uma vantagem de cinco minutos. Depois disso, está aberta a temporada de caça – a você.

Quando não respondi aos seus insultos ou mostrei qualquer lampejo de medo, Grimes virou para seus homens novamente.

— Traga-a de volta morta, e serão ricamente recompensados — disse Grimes. — Ou, se preferir, traga-a viva, e, bem, o homem que a trazer pode ficar com ela por uma hora antes de jogá-la no buraco e acabar com ela.

Desta vez, as batidas e gritos foram tão altos que você provavelmente poderia ouvi-los na próxima montanha. Aparentemente, os garotos de Grimes eram todos sobre a emoção da perseguição. Tolos.

— Agora, sendo o esportista que sou, vou avisá-los de que não vou machucar a Srta. Blanco, de maneira alguma — disse Grimes. — Alguns de vocês a viram lutar no cume, então já sabem exatamente quão perigosa ela é.

Nenhuma arma, nenhum suprimento, e um corpo cheio de dores e sofrimentos. Nah. Eu não estava deficiente, absolutamente.

— Oh, sim, ela poderia ter sido difícil no cume — Hazel entrou na conversa, inclinando o quadril para o lado e fazendo uma pose. — Mas isso era quando ela tinha um par de facas. Eu acho que os garotos não terão tantos problemas com ela desta vez. Vocês não concordam?

Os homens rugiram de tanto rir. Eles não notaram Grimes arqueando uma sobrancelha negra para Hazel e ela se encolhendo e rapidamente inclinando a cabeça em desculpas. Aparentemente, o grandalhão não gostava de ninguém roubando o seu tempo.

Então é por isso que ele me deixou manter minhas roupas, botas e colete – então eu proporcionaria mais uma briga e daria aos seus homens um show melhor. Do jeito que as coisas estavam agora, ou eu seria abatida na floresta como um cervo ou arrastada para cá e estuprada antes de ser assada como um porco na cova por Hazel.

Lembrei-me da mulher morta que Owen, Warren e eu encontramos na armadilha cheia de estacas naquela manhã. Eu me perguntei se esta era a mesma escolha que ela recebera: ficar aqui e viver uma vida curta, repleta de torturas, ou tentar fugir e morrer.

Essa raiva sombria cresceu em mim de novo, e deixei o frio penetrar cada parte do meu ser, deixei-a cobrir todas as dores no meu corpo, deixei-a preencher o espaço oco onde usei tanto da minha magia, deixei-a congelar tudo o que poderia me distrair do que deveria ser feito agora. Aí sim. Abracei a raiva até que era a única coisa passando pelo meu corpo – junto com a vontade de sobreviver.

O primeiro erro de Grimes foi não me matar enquanto eu estava inconsciente no cume. O segundo foi esse ridículo esporte sangrento. Mas seu terceiro e mais notório foi o fato de que ele estava me dando uma chance, por menor que fosse – porque eu a aproveitaria ao máximo.

Enquanto os homens aplaudiam e Grimes sorria diante da adoração que vinha em sua direção, eu olhei para o círculo, espretei os tolos e examinei o acampamento, observando todos os prédios e a floresta além, comparando onde eu estava com os mapas de Fletcher que eu havia estudado antes.

Após um momento, um sorriso cruel curvou meus lábios. Se Grimes e seus meninos queriam um show, eu ficaria mais do que feliz em dar-lhes alguns fogos de artifício que nunca esqueceriam.

As batidas e gritos finalmente diminuíram, e Grimes verificou o relógio em seu pulso. — Seu tempo começa agora, Srta. Blanco — disse ele.

— Se eu fosse você — disse Hazel, dando-me um sorriso maligno —, eu começaria a correr, cadela.

Hazel não havia sequer terminado de falar antes que eu começasse a me mover. Mas em vez de romper imediatamente o círculo dos homens, concentrei-me em um alvo em particular: o cara com o isqueiro.

Ele havia fechado a tampa e estava prestes a colocar o aparelho no bolso quando enfiei os dedos na garganta dele, e tirei o isqueiro da sua mão. Ele caiu no chão, ofegando. Pulei sobre o corpo dele e comecei a correr em direção ao extremo leste do acampamento.

— Hey! Ela bateu em Bert!

— Ela não deveria fazer isso!

Gritos furiosos se levantaram atrás de mim, mas eu os desliguei.

O mais inteligente seria ter começado a subir o cume rochoso, e então encontrar o caminho que Warren, Owen, e eu usamos para chegar aqui. Mas eu não sabia se tinha força para uma subida rápida e extenuante, dadas as queimaduras e bolhas em minhas mãos, braços, pernas e costas. Agora, tudo que eu podia fazer era suportar a dor.

E só porque Sophia não estava aqui, não significava que ela e os outros estavam fora da montanha ainda. Eu não sabia quanto tempo passou enquanto estive inconsciente – talvez um par de horas, sem dúvida – mas eu ainda queria dar a eles o máximo de tempo possível para fugir, então me dirigi à direção oposta de onde havíamos nos aproximado do acampamento de Grimes. Além disso, havia algo mais que eu queria fazer antes de me dirigir para a floresta, mais uma surpresinha que eu queria acrescentar ao show do Sr. Grimes.

Em vez de seguir pelo caminho que levava ao buraco ou mergulhar na floresta, eu desviei para a esquerda, direto para o prédio que abrigava o moonshine que Grimes e seus homens faziam.

— Ei! — outro grito veio atrás de mim. — Você não pode fazer isso! Você deveria correr para a floresta!

Eu sorri. Eles queriam jogar comigo, mas não gostaram do fato de que eu não estava fazendo o que eles queriam de mim, o que eles esperavam de mim. Bem, eu não era uma pobre universitária que foi espancada e estava muito assustada e correndo às cegas. Eu era uma assassina, e mostraria a eles exatamente como a Aranha jogava esse tipo de jogo distorcido.

Pulei para a varanda da frente, abri a porta e entrei no prédio. O interior foi quebrado de modo que era um grande espaço aberto. Três alambiques de cobre foram instalados no meio da área, com canos de diferentes comprimentos dispostos na frente deles, como se estivessem no processo de serem conectados. Uma mesa encostada à parede esquerda estava coberta com mais canos, junto com ferramentas e trapos.

Meu olhar foi para a parede da direita, que estava coberta de prateleiras e, mais importante, garrafas de moonshine. Centenas de garrafas de vidro de várias formas e tamanhos revestiam as prateleiras de madeira, todas seladas com tampas de latão brilhantes. A luz do sol entrando pelas janelas fazia o líquido brilhar como ouro branco. Bem, eu estava prestes a mudar isso.

Corri, peguei uma garrafa de moonshine e abri a tampa. Vapores cáusticos assaltaram meu nariz, aumentando o cheiro quente e azedo da bebida no ar e me fazendo tossir. Ainda assim, empurrei meu ombro nas prateleiras o mais forte que pude, fazendo várias dezenas de garrafas tremerem, cair no chão e quebrarem. A parte interna do meu nariz parecia pegar fogo, mas não me importei. Nesse momento, combinava com as dores e machucados que passavam pelo resto de mim.

Rapidamente passei pelo vidro quebrado e me movi para o lado oposto das prateleiras. Empurrei meu ombro neste lado também, fazendo com que mais garrafas caíssem no chão. Poças de líquido começaram a se espalhar pelo chão em direção aos alambiques, canos e suprimentos.

Quando eu tinha certeza de que havia derramado o suficiente para o que eu tinha em mente, eu fui para uma porta na parede dos fundos. Também inclinei a garrafa aberta de moonshine na minha mão, deixando o líquido escorrer um pouco de cada vez. Quando a garrafa estava vazia, eu a joguei fora e dei os últimos passos até a porta.

Grimes imaginou que ele estava dando vantagem aos seus homens, tirando minhas facas, mas ele não sabia que eu não precisava de armas, ou que a coisa mais simples poderia ser a mais perigosa em certas situações – como o isqueiro que eu ainda segurava.

Um dos homens de Grimes apareceu na porta. Seus olhos se fixaram no metal brilhando na minha mão.

— Não! — gritou ele, percebendo o que eu estava prestes a fazer. — Pare...

Sorri novamente, acendi isqueiro, e joguei a chama bruxuleante no chão.

WHOOSH!

A coisa sobre o moonshine da montanha que o tornava tão irresistível para algumas pessoas era o alto teor alcoólico. Eu cheirei os vapores por apenas um minuto, e já me sentia tonta. No meu caso, eu não estava procurando por uma bebedeira tanto quanto uma queimadura, e consegui uma.

Levou apenas um segundo para o fogo atravessar a trilha de álcool que eu criara no chão e passar pelas poças de licor. Não demoraria muito para que as chamas fizessem com que mais garrafas de vidro se quebrassem, o que aumentaria ainda mais o combustível para o fogo. Sorri para o calor das chamas, mesmo quando o cara na porta se virou e correu. Isso deveria manter pelo menos alguns dos homens de Grimes ocupados e fora da caçada. Caso contrário, todo o acampamento poderia ficar em chamas – e isso não seria apenas uma vergonha.

Gritos surgiram da frente do prédio enquanto a fumaça subia e o fogo começava a se aproximar das janelas. As chamas cintilantes vermelha-alaranjadas fizeram os alambiques brilharem com um cobre vibrante.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Eu me abaixei, pensando que os idiotas do lado de fora estavam atirando no prédio, mas eram apenas as garrafas de vidro se quebrando. Mais moonshine derramou no chão, e as chamas aumentaram.

— Queime, baby, queime — murmurei, encorajando o fogo uma última vez antes de virar e sair correndo pela porta dos fundos.


Capítulo 22

 

 

Vários alambiques funcionavam no quintal atrás do prédio, mas eles eram muito grandes e pesados para mim tombá-los e aumentar o caos, então eu corri por eles, meus olhos fixos na floresta à frente.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Balas acertaram os alambiques de metal e canos, e desviaram para dentro das árvores. Aparentemente, meus cinco minutos já estavam terminados. Ou talvez eu tivesse perdido minha ridícula vantagem ao não cumprir as regras.

Aparentemente, não ficaram tantos homens de Grimes quanto eu pensava que ficariam para lutar contra o fogo, porque mais gritos se erguiam atrás de mim.

— Lá está ela!

— Pegue-a!

— Pegue aquela puta!

Pulei sobre a cerca branca na borda do quintal e corri para a floresta. Apesar do fato de que homens com armas estarem me perseguindo, eu ainda me obriguei a desacelerar e observar onde colocava meus pés, para que eu não fosse vítima de uma das armadilhas ao redor do acampamento. Eu não tinha vontade de escapar grupo de caça apenas para obter um rosto cheio de Fogo elemental de uma runa raio de sol gravada em uma das árvores.

Mas a coisa boa sobre surpresas desagradáveis como armadilhas era que elas podiam funcionar dos dois lados – como me ajudar a diminuir o rebanho assassino trovejando pela floresta atrás de mim.

Eu corri pela floresta o mais rápido que pude, procurando por qualquer coisa que pudesse me derrubar – ou pelo menos ferir um dos meus perseguidores. Mais balas estalavam através das árvores e folhas ao meu redor, mas elas não estavam tão próximas quanto antes, significando que eu tinha conseguido colocar uma pequena distância entre meus possíveis assassinos e eu.

Com o canto do meu olho, eu notei o sol brilhando em algo perto do chão da floresta, e virei naquela direção. Mesmo sabendo que estava lá, ainda demorei alguns segundos para identificar a linha de pesca. A armadilha era idêntica a primeira que Warren havia desarmado anteriormente. Uma ponta da linha colada em uma runa queimada no tronco de uma árvore, a linha atravessando o caminho no nível do tornozelo, depois a outra extremidade enrolada em uma pequena estaca enterrada no chão.

Talvez a Senhora Sorte tivesse finalmente decidido sorrir para mim, porque essa armadilha em particular estava realmente escondida por um arbusto espesso de rododendros. Eu saí do caminho e me agachei atrás do arbusto, certificando-me que eu estava tão escondida quanto pudesse pelos ramos arqueados e folhas verdes e lustrosas. Então peguei a linha de pescar e esperei... Apenas esperei

Dez... Vinte... Trinta... Quarenta e cinco... Sessenta... Eu contei os segundos na minha cabeça enquanto ouvia por sons de perseguição. Finalmente, depois de cerca de três minutos, dois homens atravessaram a floresta em minha direção, com rifles nas mãos. Eu olhei através dos galhos para eles.

— Você a viu?

— Onde ela foi?

— Nós precisamos encontrá-la!

Eles gritaram de um para o outro enquanto se moviam pela floresta. Grimes os treinara bem. Os dois homens ficaram a vista um do outro em todos os momentos para que pudessem observar as costas um do outro, e eles estavam próximos o suficiente para não sentirem eu me escondendo em uma moita de arbustos entre os dois.

Lentamente, eles se aproximaram da minha posição. Eu fiquei quieta e silenciosa, meus dedos empolados e ensanguentados se curvaram ao redor da fina linha de pesca, como se eu fosse uma aranha pendurada em um pedaço da minha própria teia.

— Cuidado — disse um dos homens ao se aproximarem de mim. — Você sabe que esta seção está cheia de armadilhas.

— Que tipo? — perguntou o outro homem. — Poços, armadilhas ou fogo?

— Fogo, eu acho — respondeu o primeiro homem. — Mas você não quer tropeçar em nenhum delas.

O outro homem acenou e começou a se mover para frente novamente, seus olhos varrendo a floresta enquanto seu amigo observava a paisagem ao redor deles. Os homens estavam a quatro metros de mim... Três metros... Dois... Um e meio... Um... Meio...

— Pare — disse o primeiro cara. — Vejo uma linha de pesca. Tenha cuidado...

Eu sorri e puxei a linha, puxando a fita adesiva do raio de sol. A runa se acendeu no tronco no lado oposto do caminho, queimando um vermelho furioso em advertência.

— O que...

Isso foi tudo que o primeiro cara disse antes de uma bola de Fogo elemental explodir em cima dele. Ele desabou em um montão chamuscado, gritando e arranhando as chamas que derretiam sua pele, cabelos e olhos.

O segundo homem olhou para seu amigo, como se não pudesse acreditar que o outro homem tivesse sido descuidado o suficiente para realmente tropeçar na armadilha. Eu fiquei de pé. Um ramo crepitou sob o meu pé, mas não me importei. O homem deu a volta bem a tempo de eu bater com o punho no peito dele. Ele deu um passo para trás, e puxei o rifle de suas mãos, virei-o e atirei na garganta dele com sua própria arma. Ele estava morto antes de cair no chão da floresta...

A sensação de bolhas quentes e invisíveis surgindo contra a minha pele foi o único aviso que eu tive de que não estava sozinha. Eu me joguei no chão.

Uma bola de fogo elemental bateu na árvore acima de mim, me inundando com faíscas quentes e lascas de madeira. Outra rajada de magia varreu o ar. Peguei o cara em quem eu havia atirado e o rolei para que ele estivesse em cima de mim. Um segundo depois, outra bola de fogo atingiu a árvore alguns metros acima da minha cabeça. As chamas tomaram conta do corpo do homem, queimando suas roupas e deixando nada para trás, além de pele chamuscada, cinzenta e escamosa. A quantidade de fogo o teria matado se ele já não estivesse morto.

O cheiro de carne queimada encheu meu nariz, junto com nuvens nocivas de fumaça. Eu tossi e empurrei o corpo queimado de cima de mim. Com o rifle ainda na minha mão, eu cambaleei e arrisquei um olhar através das árvores. Não vi mais homens me perseguindo. Eles provavelmente estavam ocupados apagando o fogo que eu havia começado. Não, desta vez, Grimes e Hazel estavam me caçando.

Grimes estava carregando um rifle, que ele levantou para o ombro e apontou na minha direção. Mas eu não estava tão preocupada com ele quanto estava com Hazel, que me deu um sorriso cruel enquanto Fogo elemental ganhava vida em sua mão. Eu poderia desviar as balas por muito mais tempo do que eu poderia me esquivar da magia.

Mesmo enquanto Hazel recuava sua mão para jogar seu poder em mim, eu disparei alguns disparos aleatórios com meu próprio rifle, então me virei e comecei a correr novamente.

WHOOSH!

O Fogo bateu no local onde eu estava, e o calor da explosão beliscou minhas costas como um bando de lobos famintos, embora eu estivesse a três metros de distância e me movendo rápido. Hazel não estava se segurando. Ela não queria me levar viva ao acampamento. Ela só me queria morta.

O sentimento era mútuo.

Mas com a minha magia ainda tão baixa, não havia como eu poder ir de igual para igual com ela. E com Grimes ao lado dela, eu não podia esperar me esconder na floresta, me esgueirar e atirar nela pelas costas também. Isso significava fugir e voltar para lutar outro dia. Eu não estava envergonhada pela minha retirada, no entanto. Eu tirei Sophia daqui, então mantive essa promessa para Jo-Jo. Agora eu só precisava encontrar uma maneira de manter aquela que eu fiz para Owen de sobreviver a isto.

Então eu corri e corri pela floresta, com bola após bola de Fogo elemental rasgando as árvores, arbustos e pedras ao meu redor. Se Hazel não fosse cuidadosa, ela incendiaria toda a montanha com sua magia. Ou talvez fosse o que ela queria, para que eu ficasse presa no meio de um furioso incêndio florestal. Morte era morte, afinal. Eu não achava que Hazel seria muito exigente sobre como ela conseguiria a minha morte.

De qualquer forma, não havia nada que eu pudesse fazer, além de continuar correndo. Eu precisava colocar tanta distância entre eles e eu o mais rápido que pudesse, sendo assim, eu não tinha tempo para ser cautelosa, ir devagar, e procurar por armadilhas, não se eu não quisesse que Hazel me assasse onde eu estava. Então precisei esperar que eu não colocasse meu pé em uma armadilha, soltasse um pouco de linha de pesca, ou tropeçasse em um dos poços cheios de estacas.

Pela primeira vez, minha sorte durou, e não encontrei mais nenhuma armadilha, mas ainda não conseguia escapar de Grimes e Hazel.

A luta no salão, levar Jo-Jo até Cooper, subir a montanha com Owen e Warren, matar os guardas no buraco, usar minha magia de Gelo para congelar as pedras no cume, lutar contra os homens de Grimes, sentir o Fogo dele e Hazel batendo no meu corpo. Tudo isso me afetou.

Era uma coisa ficar sem magia, mas ainda mais preocupante era a sensação de borracha em minhas pernas, o suor escorrendo pelo meu rosto e a pontanda constante do meu lado enquanto eu tentava sugar ar quente e úmido do verão o suficiente para manter um pé na frente do outro.

Estava prestes a virar e tentar fazer algum tipo de posição desesperada contra Grimes e Hazel quando avistei uma grande abertura nas árvores à frente. Eu há muito tempo perdi a noção de onde eu estava na montanha, mas talvez eu tenha conseguido tropeçar em algum tipo de estrada de acesso a serviços florestais. Poderia até haver um carro por perto que eu pudesse acenar ou fazer uma ligação direta, se fosse o caso...

Quando saí das árvores, imediatamente tive que parar. A abertura diante de mim não era uma estrada. Era um precipício.

Parei a tempo de me impedir de mergulhar na beirada. Eu olhei para baixo e lembrei-me de algo importante nos mapas de Fletcher que eu havia esquecido: o rio corria através da Bone Mountain.

O rio Aneirin se contorcia e girava através de Ashland e das Montanhas Apalaches que circundavam a cidade. Eu não sabia se era o próprio rio ou um dos muitos riachos que alimentavam o rio. Chamar de riacho era um pouco de eufemismo, dado que a água tinha pelo menos nove metros de largura e era branca e espumosa com corredeiras.

Ah, sim, lembrei-me de ter visto o rio nos mapas da montanha de Fletcher. Eu só não fazia ideia de que estava tão perto dele... E não tinha ideia de como atravessá-lo.

Porque eu não estava em cima de nenhum cume velho; era um penhasco genuíno, com uma queda vertical de trezentos metros na água abaixo. Não é exatamente o seu mergulho normal no verão. Ainda assim, eu poderia considerar isso caso não estivesse tão fraca com a minha magia. Mas eu não podia arriscar. Agora não. Teria que encontrar algum outro caminho para sair da montanha...

Crack!

Enquanto eu estava boquiaberta pelas corredeiras abaixo, Grimes e Hazel fecharam a distância entre nós. O primeiro tiro acertou a parte de trás do meu ombro esquerdo e me girou.

Crack! Crack!

As próximas duas balas bateram na frente do meu colete, fazendo-me cambalear para trás.

Um dos meus pés escorregou das pedras, e precisei balançar meus braços para trás e para frente para evitar cair o resto do caminho para o lado. Finalmente, consegui recuperar o equilíbrio e sair da borda, embora provavelmente não devesse ter me incomodado, já que Grimes e Hazel se aproximaram lentamente de mim. Ele ainda segurava o seu rifle, enquanto outra bola de Fogo elemental tremulava na mão dela. Não havia como disparar com o meu próprio rifle sem que ambos descarregassem primeiro.

— Bem, bem, bem — falou Grimes, em voz triunfante. — Parece que nós encurralamos uma pequena raposa irritante e traquina.

Em vez de responder, olhei por cima do meu ombro para as rochas e corredeiras no desfiladeiro abaixo.

— Oh, agora, não seja assim, Srta. Blanco — disse Grimes, pegando a minha linha de pensamento. — Nós caçamos você simples e justo. O mínimo que você pode fazer é voltar para o acampamento conosco e aguentar sua parte do acordo.

— Por quê? — rosnei. — Então eu posso ser estuprada, torturada e assassinada?

— Claro — Hazel entrou na conversa. — Essa é sua punição por todas as coisas ruins que você fez. Além disso, você pula, você morre. Simples assim.

— Eu volto com você, eu morro de qualquer maneira — respondi.

Grimes encolheu os ombros. — Não imediatamente. Quem sabe? Você pode ser capaz de escapar – eventualmente.

Era provavelmente a mesma linha que ele usava sempre que encurralava alguém na floresta assim. Oh, volte para o acampamento, eu podia apenas ouvi-lo dizer com aquele sotaque suave, meloso e sinistro dele. É melhor do que morrer aqui no meio da floresta. Quem sabe? Você poderia sobreviver, afinal de contas.

Mas isso não era nada além de uma mentira suja. Tinha sido uma mentira para todas as pessoas antes de mim, e seria para mim também. Porque Grimes e Hazel não tinham intenção de me deixar viver. Não, eu entreteria a eles e seus meninos por alguns dias – se tanto tempo – e então eles me descartariam no buraco, junto com todos os outros.

— Além disso — continuou Grimes, pensando que eu estava vacilando —, estou começando a admirar você, Srta. Blanco. Você é forte, assim como você disse que Sophia era. E admiro os fortes.

Ele não admirava pessoas fortes; ele queria quebrá-las para se sentir mais forte. Foi isso que ele tentou fazer com Sophia todos esses anos atrás: quebrar o espírito dela, quebrar suas forças, quebrar sua vontade de viver, para sobreviver a todos os horrores que ele fizera a ela. Mas ele não quebrou Sophia, e ele não me quebraria também.

— Vamos, agora — disse ele, sua voz adquirindo uma nota suave e arrogante. — Se você voltar com a gente em silêncio, eu a manterei para mim. Nenhum dos meus homens tocará em você. Eu prometo isso.

A boca de Hazel se abriu por um momento antes de todo o seu rosto se apertar com raiva e ciúme. O Fogo cintilando em sua mão se fundiu em uma bola de lava que escorria entre suas mãos e salpicava sobre as rochas a seus pés, fazendo com que a pedra gritasse em agonia.

Mas Grimes não percebeu. Ele só tinha olhos para mim. Depois de um momento, ele lambeu os lábios, como seus homens fizeram no acampamento, e seu olhar subiu e desceu pelo meu corpo. Sem dúvida, o bastardo estava pensando em como eu ficaria em um lindo vestido branco com meu cabelo em uma doce trança.

Bem, ele nunca iria descobrir.

Meus únicos arrependimentos eram que eu não teria a chance de dizer aos meus amigos e família o quanto eu os amava e que não seria capaz de deter Grimes de uma vez por todas.

Pensei em Owen e em como ele me beijara no alto da cordilheira. Houve uma promessa desesperada naquele beijo, uma que dizia que ainda havia uma chance de que as coisas pudessem melhorar entre nós, uma que me manteve passando por tudo isso. Exatamente quando parecia que finalmente viramos uma esquina, nós estávamos prestes a ser separados novamente, para sempre.

Mas Owen entenderia. Ele viu o buraco. Ele viu o que Grimes e Hazel fizeram para Sophia. Ele entenderia porque eu tinha que fazer isso. Eu apenas desejava... Eu só queria poder vê-lo mais uma vez.

Mas os desejos eram para tolos. As pessoas tomavam suas próprias decisões, suas próprias vidas, seus próprios destinos. Era isso que Fletcher sempre dizia, e certamente era verdade neste caso.

Sinto muito, Owen. Sinto muito. Gostaria de ter conseguido manter minha promessa para você.

Lentamente, levantei o rifle para o meu lado, deitei-o no chão e chutei-o para longe, enviando-o por cima das pedras. Então eu me endireitei, mantendo minhas duas mãos ao meu lado. Grimes sorriu com alegria sádica e faminta, pensando que eu estava finalmente me rendendo, que eu finalmente estava enfraquecendo, que estava finalmente desistindo.

Seu sorriso durou até que eu comecei a andar de costas em direção à borda do penhasco.

— Não seja estúpida — advertiu Grimes. — Você nunca sobreviverá a uma queda assim.

— Provavelmente não — concordei —, mas também não tenho interesse em ser seu brinquedinho de tortura. Prefiro minhas chances com o rio e as rochas. Simples assim.

Antes que ele pudesse reagir, e ainda pensando em Owen, eu me virei e me joguei do penhasco.


Capítulo 23

 

 

Era como se eu tivesse um par de blocos de cimento amarrados nas minhas botas. Foi assim que a gravidade me derrubou. O penhasco passou pelo meu rosto em uma mistura de cinzas e verdes, e o vento tocou meu cabelo e gritou em meus ouvidos.

Enquanto caía em direção às rochas, rio e corredeiras, eu agarrei a pouca magia de Pedra que eu tinha armazenada e a usei para endurecer o meu corpo o máximo que pude. Eu alcancei, forcei e agarrei todos aqueles minúsculos pedaços de poder, tentando tecer as sobras na minha concha sólida usual, mas eu não sabia se seria suficiente. Se não, pelo menos o fim seria rápido.

Bati na água um segundo depois.

O impacto tirou todo o ar dos meus pulmões e me puxou para baixo da superfície. Por um momento, ficou tudo frio, molhado e escuro, e pensei que estava morta.

Mas então aquele instinto incontestável, determinado e inegável de sobreviver, viver, cresceu dentro de mim, e percebi que a pressão em meus pulmões doía demais para eu estar morta.

Levou vários chutes fortes e firmes antes que eu conseguisse voltar à superfície. Mesmo assim, tudo o que consegui fazer foi engolir uma respiração rápida antes que a correnteza me arrastasse para baixo novamente.

Pulei no rio Aneirin duas vezes antes. Uma vez de uma varanda no Ashland Opera House depois de um ataque fracassado. Então novamente, de um trem em movimento, a fim de escapar de Elektra LaFleur, uma assassina com magia elemental elétrica. Mas esta era uma experiência muito mais brutal do que qualquer uma dessas aventuras anteriores. Em ambos os casos, a água só queria me arrastar para baixo, para baixo, para baixo. Mas agora ela queria me puxar para todo lado, me arremessar contra as pedras, me chupar, me empurrar para cima e repetir todo o processo repetidamente, até que minha mente estivesse girando tanto quanto meu corpo.

Rapidamente exauri o que restava da minha magia de Pedra, e minha pele voltou à sua textura normal. Isso significava que eu sentia cada puxão e empurrão da água, cada batida do meu corpo contra uma rocha meio submersa ou uma árvore caída retorcida, cada golpe de uma pedra afiada na minha pele. Ainda bem que estas não eram águas infestadas de tubarões, ou eu teria sido o bufê deles, por quanto o sangue parecia fluir de dezenas de pequenos cortes e arranhões que cruzavam meu corpo. Ainda assim, eu ri do pensamento. Pelo menos, eu tentei. Tudo o que eu realmente acabei fazendo foi engolir mais água.

Apenas quando eu estava prestes a ceder e deixar a água me levar para sempre, as correntezas avançaram, fluindo ainda mais rápido do que antes, como se estivessem se aproximando de algum grand finale. Tudo o que faltava era uma música bombástica, barulhenta e estrondosa para acompanhar a onda constante. Pisquei através das gotas de água que ardiam nos meus olhos. Por que havia tanto azul? Quase parecia que o rio fluía para o céu...

Mal tive tempo de respirar fundo antes de mergulhar sobre a cachoeira.

Não era uma queda terrivelmente íngreme, talvez nove metros, mas a força da queda me surpreendeu, e minha mente ficou em branco. Então meu corpo bateu contra o fundo, tirando-me do meu torpor perigoso. Ainda assim, foi preciso toda a energia que eu tinha para chutar minhas pernas, erguer minhas mãos, e finalmente romper a superfície mais uma vez.

Eu pisquei cansada e olhei ao redor, imaginando que novo desafio me aguardava. Mas a queda d'água deve ter sido o fim das corredeiras, porque o rio formava uma piscina grande e tranquila antes de sair lentamente do outro lado do desfiladeiro arborizado em que eu estava.

O barranco lamacento ficava a apenas quinze metros de distância, mas levou muito mais tempo do que deveria para eu ir nessa direção. Neste momento, eu não tinha forças nem para usar meus braços para me empurrar pela água. Tudo o que eu pude fazer foi chutar fracamente, como um filhote de cachorro que estava apenas com a cabeça para fora.

Eventualmente, porém, cheguei ao barranco. Tentei ficar de pé, mas minhas pernas continuaram escorregando. Então eu caí de joelhos e deslizei através da lama, enviando respingos em todas as direções. Eu me livrei da maior parte da água, embora ainda lambesse meus tornozelos, trazendo um pouco de leve dor a cada onda lenta e fria.

O sol batia na minha cabeça, fritando meu couro cabeludo, mas mesmo esse calor parecia distante e vago. Finalmente, eu não consegui ir mais longe. Não importava o quanto eu tentasse, meus braços e pernas não cooperavam, e fiquei lá, ofegando em meio à lama, pedras e galhos mortos formando uma espécie de cerca de madeira na margem.

Eu me certifiquei de que meu rosto estivesse fora da água o melhor que pude. Então a escuridão aumentou em minha mente novamente, e desta vez não tentei lutar contra ela, quando ela apagou todo o resto.

 

* * *

 

Sophia estava em apuros.

Esse foi o pensamento que zumbiu em minha mente enquanto eu corria em direção ao depósito, pegava uma faca de cozinha de cima da mesa, e voltava correndo para as portas duplas que levavam à frente do restaurante. Espiei através de uma das janelas, mas os dois gigantes estavam com a cabeça abaixada, contando o dinheiro da caixa registradora. Abri uma das portas apenas o suficiente para eu escorregar para frente da loja, então fui na ponta dos pés até o final do balcão e me agachei lá, fora da vista dos nossos atacantes.

Eu me arrastei até o canto do balcão e espreitei em volta. O garoto loiro ainda estava em frente ao balcão onde Mason o largara, com os braços e pernas finos esticados em ângulos estranhos. Assim como a Sophia. Eu não percebi isso antes, mas ela tinha cortado a cabeça ao bater contra o balcão, e o sangue tinha escorrido pela lateral do rosto dela, se acumulando no chão. Por um momento, eu pensei que ela estava morta, que eu estava atrasada para salvá-la, que eu havia falhado com ela.

Mas eu me obriguei a olhar para ela, e vi que seu peito subia e descia em um ritmo constante. Algumas das tensões no meu peito diminuíram. Enquanto ela ainda estivesse respirando, Jo-Jo poderia consertar o resto. Era isso que Fletcher sempre dizia quando ele chegava em casa com uma facada, um tiro ou algum outro ferimento que ele recebera como o Homem de Lata.

Os gigantes terminaram de contar o dinheiro, dividiram as entre eles e contornaram o balcão, de modo que se aproximavam de Sophia e do menino novamente. Pensei que eles poderiam pegar Sophia e levá-la para a parte de trás do restaurante. É isso que eles falaram antes – levá-la para os fundos para matá-la. O garoto também.

Mas em vez de tentar movê-la, o outro gigante, Zeke, ficou de joelhos no chão. Ele olhou para Sophia, mesmo que ela não pudesse vê-lo, então começou a desafivelar o cinto.

— Vamos — rosnou o outro homem, Mason. — Pare de brincar. Não há tempo para isso. Além disso, alguém poderia passar e olhar nas janelas a qualquer segundo.

Não é provável, dada a hora tardia. Além disso, o restaurante não ficava muito longe de Southtown. Algumas noites, as prostitutas vampiras e seus cafetões vagavam nessa direção, então a rua lá fora não era exatamente um bom lugar para ficar depois do anoitecer. Ainda assim, prendi a respiração, esperando que a possibilidade fosse suficiente para fazer o gigante deixar Sophia em paz.

— Deixe-os olhar — zombou Zeke. — Não me importo.

— Bem, eu sim — respondeu Mason. — Então vamos levá-los para trás, fora de vista, antes que alguém nos veja. Ganhamos uma boa quantia da caixa registradora. Vamos ver se há um cofre lá atrás, depois os matamos e saímos.

Zeke bufou. — De jeito nenhum. Eu digo para nos divertimos um pouco com essa cadela antes de matá-la.

— E eu digo que não pretendo ser preso pela polícia por causa disso...

Enquanto os homens continuavam discutindo, eu saí do canto do balcão e corri para frente, me escondendo atrás de uma mesa e algumas cadeiras. Neste momento, eu estava a cerca de quatro metros de distância dos homens. Eu poderia atravessar o restaurante em poucos passos e estar em cima deles antes que eles percebessem o que estava acontecendo.

Minha mão tremeu um pouco, mas me obriguei a apertar ainda mais os meus dedos ao redor do cabo da faca. A sensação do cabo de aço liso cavando em minha pele fria me estabilizou. Respirei fundo. Eu poderia fazer isso. Eu faria isso. Era para isso que Fletcher estava me treinando, para que eu pudesse me proteger e as pessoas com quem eu me importava. Eu não sabia se isso incluía alguma criança aleatória, muito menos Sophia, mas Fletcher e Jo-Jo amavam-na, e eu os amava. E isso era tudo o que realmente importava para mim.

— Tudo bem, tudo bem — murmurou Zeke. — Olha para ela. Ela não é uma grande beleza. Prefiro ter o dinheiro da caixa registradora a ela, de qualquer maneira.

— Vamos, então — repetiu Mason. — Pare de choramingar e me ajude a carregá-la. Ela parece pesada.

Zeke revirou os olhos, mas recolocou o cinto e ficou de pé. Então os dois homens se inclinaram. Mason agarrou os tornozelos de Sophia enquanto Zeke segurava seus ombros.

— No três — disse Mason. — Um dois...

Não esperei pelo três. Em vez disso, levantei-me de trás da mesa e corri pelo restaurante. Os gigantes estavam tão concentrados em Sophia que nunca me viram chegando.

Enfiei minha faca no lado direito de Mason. Ele gritou de dor e surpresa, mas não havia nada que eu pudesse fazer para mantê-lo quieto, então puxei a faca e acertei-a no outro lado dele. A faca não era tão afiada quanto eu pensava que seria, mas continuei torcendo e torcendo em seus músculos, cortando seus ligamentos e tendões. O sangue espalhou-se por toda a faixa de porco azul e rosa no chão, deixando-a vermelho-ferrugem.

Mason se jogou de cara no chão e começou a rastejar para frente, tentando se afastar de mim. Desta vez, mergulhei a faca nas costas dele. Usei meu peso para empurrar a lâmina o mais profundamente possível. Eu devo ter acertado algo vital, porque ele soltou um grito sufocado que rapidamente morreu em um gorgolejo rouco. Ele arqueou as costas uma vez, depois caiu para frente no chão, morto.

— Sua cadelinha! — rugiu Zeke. — Você pagará por isso!

Antes que eu pudesse sair de cima do cara morto, Zeke deu um passo à frente, enfiou a mão no meu cabelo e me puxou. Desta vez, grunhi de dor e surpresa. Ele me segurou na frente dele e me deu uma sacudida maldosa. Então começou a me bater.

Uma vez, duas vezes, três vezes, o gigante me deu um soco. Minha cabeça estalou de um lado para o outro e meu mundo girou repetidamente pelos golpes. Como toque final, ele bateu com o punho no meu estômago. Ele soltou meu cabelo e eu caí como uma pedra no chão.

Zeke era forte, mesmo para um gigante, e os golpes doíam tanto que eu estava tendo problemas para lutar contra as manchas pretas que nadavam na borda da minha visão. Mas eu me obriguei a focar e fiquei acordada. Porque se ele me derrubasse, provavelmente me estupraria e me mataria no local – se não decidisse ir em frente e simplesmente me espancar até a morte.

Então afastei as manchas pretas e foquei na respiração. Levei um momento para perceber que eu havia conseguido segurar a faca enquanto ele me batia, e apertei o punho brilhante de prata, pronta para usá-la no segundo que eu conseguisse uma chance.

Mas Zeke não me deu uma. Ele estava furioso agora, e recuou a bota para me chutar nas costelas. Eu mal consegui alcançar a minha magia de Pedra a tempo de impedi-lo de quebrar o meu peito com o golpe maldoso. E ele não parou. De novo e de novo, ele me atacou.

Deitei lá e deixei-o bater em mim, segurando a faca na minha mão e tentando escondê-la o máximo possível. Eu realmente não tinha outra opção. Eu precisava da faca para matá-lo, e se ele percebesse que eu ainda a tinha, ele a chutaria para longe da minha mão e continuaria me batendo até que eu ficasse sem magia. Então ele faria o mesmo com a Sophia e o garoto, e eu não poderia deixar isso acontecer.

Finalmente, depois de cerca de três minutos de chutes, Zeke ficou sem energia. Ele me deu mais um chute violento para o lado.

— Isso te ensinará, sua putinha — rosnou novamente.

Fiquei deitada no chão, como se ele tivesse me derrubado com seu ataque. Zeke finalmente voltou para Sophia, que não se mexeu o tempo todo. Ele focou seu olhar furioso nela por um momento antes de se virar para o garoto.

— Quanto a vocês dois — rosnou ele —, vocês estão se transformando em mais problemas do que valem. E agora tenho que carregar você sozinha.

Zeke continuou resmungando ao se inclinar e agarrar os ombros de Sophia novamente. Então ele começou a arrastá-la pelo balcão e pelo corredor. Mas ele não a levaria a lugar nenhum. Não se eu pudesse evitar.

Esperei até que ele chegasse ao final do balcão e tentasse descobrir alguma maneira de manter as portas duplas abertas por tempo suficiente para empurrar Sophia para o outro lado. Então me levantei e corri atrás dele. Cada movimento, cada respiração doía, mas coloquei minha mão contra minhas costelas, agarrei minha faca ainda mais forte, e corri atrás de Zeke o mais rápido que pude. Para minha sorte, ele estava tendo dificuldade com o peso morto de Sophia e as portas, então estava se movendo devagar.

Ele só conseguiu apoiá-la contra o lado do balcão quando eu passei em seu lado cego e enfiei minha faca nas costas dele. Mas ele era ainda maior e mais forte que seu parceiro, e seus socos me enfraqueceram. Então a faca não afundou tão profundamente em seus músculos. Eu a puxei, mas antes que eu pudesse esfaquear novamente, ele se virou e me deu um soco no peito.

Dessa vez, eu caí no chão e não voltei a levantar. Doía demais para fazer isso.

Zeke se aproximou de mim. — Você é uma putinha determinada, não é? Acho que alguém deveria te ensinar algumas maneiras. — Ele estendeu a mão para mim, e desta vez eu sabia que ele não pararia de bater até que eu estivesse morta. Mas o pensamento não me fez sentir pavor. Se alguma coisa, eu tive uma sensação de paz. Pelo menos, desta vez, eu tentei fazer algo. Pelo menos, desta vez, eu tentei ajudar, em vez de me encolher no topo da escada e ver Mamãe e Annabella desaparecerem em bolas de Fogo elemental. Isso era algo, eu suponho...

Uma mão segurou o tornozelo de Zeke e o puxou para baixo. Eu pisquei e levei um momento para descobrir o que havia acontecido. Sophia finalmente acordara.

Zeke colocou os antebraços na frente dele, amortecendo a queda, mas ele ainda caiu sobre as mãos e os joelhos. Sophia ficou de pé, depois se jogou nas costas dele, empurrando-o no chão. Ele se arqueou, tentando tirá-la de cima dele, mas ela bateu nas mãos dele, agarrou a cabeça dele e bateu na porta do forno de um dos fogões. O gigante continuou lutando, mas Sophia manteve a mão na cabeça dele, batendo-a – de novo e de novo e de novo – até que o metal amassou.

Thwack. Thwack. Thwack.

Ela manteve um ritmo constante e furioso, arremessando a cabeça dele contra a porta do forno, como se quisesse fazê-lo atravessar o metal, cada golpe parecendo um pouco mais forte e mais brutal do que o anterior.

Finalmente, depois da sexta ou sétima vez, alguma coisa rangeu e o fedor acobreado de sangue encheu o restaurante. O gigante parou de lutar, e seus gritos abafados desapareceram por completo, embora seus braços e pernas continuassem se contorcendo com pequenos espasmos desarticulados.

Sophia recostou-se e rolou de cima dele, respirando com dificuldade. Ela tirou o cabelo preto dos olhos, deixando para trás uma mancha escura no rosto – sangue.

Nesse momento, consegui me ajoelhar, embora tivesse a faca apoiada no chão – enquanto usava-a para me ajudar a apoiar. Sophia notou que eu a observava e fez uma careta, abaixando a mão, como se pudesse esconder o fato de que ela quebrara no crânio de um homem com as próprias mãos contra o fogão favorito de Fletcher, não menos. Então seus olhos negros passaram por mim, e ela percebeu a faca que eu ainda segurava e o sangue que me cobria também.

Sophia virou a cabeça, procurando pelo outro gigante. Seus olhos se arregalaram, depois se estreitaram quando ele não apareceu, e ela percebeu que eu o matara.

— Não mais suave — eu disse com minha voz saindo em um chiado rouco que não soava tão diferente do dela.

Sophia olhou para mim, seus olhos escuros quase tristes. — Não — ela disse asperamente —, não é mais suave.

Um gemido baixo soou na frente do balcão. Levei um segundo para perceber que era o garoto. Parecia que ele estava acordando.

Sophia ficou de pé. Levou um momento para encontrar seu equilíbrio, mas uma vez que encontrou, ela se inclinou e estendeu a mão para mim. Eu peguei, e ela gentilmente me puxou para cima. Passei um braço em volta das minhas costelas doloridas. Sophia gentilmente colocou o braço em volta do meu ombro magro. Juntas, apoiando-se uma na outra, passamos pelo balcão e fomos até o garoto...

O resto da memória desapareceu abruptamente. A princípio, fiquei imaginando por que, mas depois percebi o que havia me despertado do meu sonho.

Alguém estava me arrastando pela lama.


Capítulo 24

 

 

Aparentemente, consegui me aproximar o suficiente do barranco para não me afogar. E agora alguém colocava as mãos sob meus ombros e me puxava pelo resto do caminho para fora da água.

Eu ataquei com meus punhos e pernas, tentando fazê-lo me soltar. Mas em vez de ser largada, senti um corpo deslizar ao lado do meu na lama, e um par de braços ao meu redor, segurando-me perto. Continuei lutando, continuei chutando, mas eu estava fraca, e ele era mais forte do que eu.

Depois de um momento, percebi que não estava sendo machucada, que quem quer que estava me segurando me deixou bater nele com minhas mãos. Respirei, e um aroma rico e familiar encheu meu nariz, penetrando os últimos fragmentos do sonho e minha viagem desarticulada pelas corredeiras.

Deixei escapar um suspiro. — Owen? — perguntei em voz baixa e hesitante.

Ele se aproximou ainda mais, e senti sua mão deslizar suavemente pelo meu cabelo emaranhado. — Sou eu — sussurrou ele. — Sou eu, Gin.

Finalmente consegui abrir os olhos, e me encontrei olhando para seus brilhantes e lindos olhos violetas. Estendi a mão e tracei meus dedos sobre seu rosto, mais uma vez tentando suavizar as linhas de preocupação que marcavam suas feições robustas. Ele não estremeceu, e não se afastou; apesar dos meus dedos estarem tão frios quanto lasca de gelo, e eu deixar manchas de sangue e lama em cima dele. Em vez disso, ele pegou a minha mão e pressionou um beijo suave na minha palma, bem no meio da minha cicatriz de runa de aranha.

— Eu tenho você, Gin — disse Owen. — Apenas descanse, querida. Eu tenho você agora. Nada acontecerá com você. Eu juro.

Assenti e relaxei muito mais. Eu sabia que Owen manteria sua promessa, assim como eu mantive a minha para ele, apesar de todas as probabilidades. Mas antes que eu pudesse falar, antes que pudesse agradecê-lo por vir atrás de mim, a escuridão aumentou novamente em minha mente, engolindo todo o resto.

 

* * *

 

As coisas foram desarticuladas depois disso.

Todas as vezes que abria meus olhos, eu recebia um flash de algo diferente. Owen me pegando e me carregando pela floresta. Levando-me para algum tipo de afloramento rochoso protegido. Deitando-me em um saco de dormir. Fazendo-me beber um pouco de água. Tirando meu colete. Cuidadosamente puxando minhas roupas de onde elas estavam presas aos meus braços e pernas.

Ele amaldiçoou. No início, eu me perguntei por que, mas então percebi que ele deve ter visto o ferimento de tiro no meu ombro, as queimaduras no meu corpo, e todos os outros ferimentos que eu sofri. Eu queria dizer a ele que estava tudo bem, que eles não doíam muito, que passei por pior, mas eu adormeci novamente.

As únicas coisas que eu lembrei depois disso foram o suave e doce aroma de baunilha e algumas agulhas esculpindo aqui e ali no meu ombro, braços, costas e pernas. Owen deve ter trazido um pouco da pomada de cura de Jo-Jo com ele. Essa foi a única razão pela qual eu pude pensar em por que a dor das minhas lesões diminuía lentamente...

Não sei quanto tempo passou antes que eu acordasse novamente. Por um longo tempo, eu flutuei naquela escuridão pacífica. Então, de repente, eu estalei acordada.

Eu estava deitada de lado em cima de um saco de dormir. Um pequeno fogo crepitava na minha frente, a fumaça subia pela plataforma de rochas e depois desaparecia no céu noturno. Owen sentou-se em frente ao fogo, atiçando as chamas com um pedaço de pau. Fiquei lá e observei o jogo de luz e sombra no rosto dele. Ele realmente fez isso. Ele realmente voltou por mim, assim como ele disse que faria. Eu não conseguia acreditar, mas significava o mundo para mim.

Se fosse Finn, ou mesmo Bria, eu não teria ficado tão surpresa. Mas Owen e eu estávamos em um terreno tão instável ultimamente. Ainda assim, apesar de tudo que aconteceu entre nós, ele voltou por mim. Mesmo que tenha sido perigoso. Mesmo que fosse mais fácil não fazer isso. Mesmo que ele pudesse ter sido capturado, torturado e morto por Grimes e seus homens.

Apesar de tudo isso, ele ainda voltou por mim.

Owen deve ter percebido que eu estava olhando para ele, porque se virou na minha direção e sorriu – um grande sorriso largo e lindo, o qual me disse como ele estava feliz por eu estar finalmente acordada.

Ele começou a se levantar e se aproximar de mim, mas acenei para ele.

— Como você está se sentindo? — perguntou.

Eu sentei e estremeci, com uma centena de dores e pontadas no meu corpo. — Como se eu fosse um coelho muito pequeno que foi atacado por um cão muito grande e muito zangado. Lembre-me de nunca fazer rafting em corredeiras. Pelo menos, não sem uma balsa de verdade.

Ele riu, e o som me envolveu como um abraço caloroso e acolhedor.

Olhei para o céu; estava escuro, exceto por algumas estrelas cintilando longe, muito longe. — Que horas são?

Owen ergueu o relógio para a luz do fogo. — Logo depois da meia-noite.

Eu fui ao precipício em algum momento da tarde. Eu me perguntei se Grimes e seus homens estavam procurando por mim, ou se assumiram que eu fui jogada contra as rochas e tenha me afogado nas corredeiras. De qualquer forma, não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso hoje à noite.

Eu olhei ao redor do acampamento que ele tinha feito, mas não vi nenhum sinal do equipamento de outra pessoa.

— Eu voltei sozinho — disse Owen, notando o meu olhar curioso. — Finn ainda não tinha conseguido voltar de sua viagem, e Bria queria vir comigo. Phillip também. Mas não dei a eles a chance. Eu saí enquanto eles cuidavam dos outros. Eu não queria perder um segundo antes de voltar para você.

— Sophia? Warren?

— Ambos seguros na casa de Cooper — respondeu ele. — Demorou, mas consegui tirá-los da montanha e sem problemas. Tudo o que você fez com Grimes e seus homens os impediu de nos perseguir.

Assenti. Eu contaria a ele como eu havia congelado o cume mais tarde. Agora veio a pergunta que eu estava temendo a resposta. — E Jo-Jo?

— Ela está muito melhor — disse Owen. — Cooper conseguiu descansar e reabastecer sua magia enquanto fomos atrás de Sophia. Quando ele acordou, Jo-Jo estava acordada também, e ela o ajudou a usar sua magia de Ar para curá-la ainda mais. Ela não está cem por cento, mas deve ficar bem em poucos dias. Cooper ainda tinha magia suficiente para curar o pior dos ferimentos de Sophia. E de Warren também.

Soltei um suspiro. Warren, Sophia e Jo-Jo estavam seguros e em recuperação – por enquanto.

Pensei no que Grimes dissera, em como ele iria atrás de Sophia novamente. Ele não pararia até que a arrastasse de volta para o seu louco acampamento. Ele iria procurá-la mais cedo, em vez de mais tarde, especialmente dada a bagunça que eu fiz. Mas Grimes nunca colocaria as mãos em Sophia novamente, eu jurei. Porque da próxima vez que eu visse o bastardo, eu acabaria com ele.

— E você? — perguntou Owen. — O que aconteceu?

Disse a ele tudo o que eu fiz para os homens de Grimes e tudo o que Grimes e Hazel disseram para mim.

Owen escutou em silêncio. Então, depois de um momento, ele sorriu. — Você realmente ateou fogo em sua fábrica de moonshine? Eu adoraria ter visto o olhar no rosto dele ao perceber o que você fez.

— Foi bastante impressionante — eu disse, sorrindo para ele. — Pelo menos, o que eu vi foi. Eu esperava que as chamas se espalhassem e queimassem todo o acampamento até o chão, mas isso provavelmente era desejar demais.

— Provavelmente — concordou ele. — Homens como Grimes sempre parecem ter nove vidas.

— Então eu acho que é uma coisa boa que eu também.

Owen retribuiu meu sorriso por um momento, mas a expressão rapidamente deslizou de seu rosto, e sua feição ficou séria mais uma vez. Ele olhou para mim antes de seu olhar cair para o fogo. Ele começou a mexer as chamas com o pau novamente. Eu me perguntava o que ele estava pensando, mas decidi não perguntar. Ele me contaria em seu próprio tempo, e havia outras coisas que eu queria saber agora.

— Como você me encontrou?

— Bem, quando voltei ao cume, eu não vi você em lugar nenhum no acampamento. Tudo o que vi foi um edifício destruído e alguns caras apagando os restos fumegantes de um incêndio. Então voltei para o buraco e as lápides. Eu não sabia o que estava acontecendo ou onde você estava, mas finalmente consegui me aproximar e escutar alguns dos homens do Grimes. Eles falavam sobre como você pulou do cume e caiu no rio. Então eu peguei os mapas de Fletcher, desde que os trouxe de volta comigo, e tentei descobrir onde você poderia ter chegado rio abaixo.

Um pedaço de madeira no fogo estalou, fazendo com que algumas faíscas subissem no ar como vaga-lumes. Owen as observou queimar antes de continuar a sua história.

— Caminhei ao redor da montanha até chegar ao rio, depois segui rio abaixo por alguns quilômetros. Eu estava procurando por você, mas também estava usando minha magia. Apenas esperava que você ainda tivesse o seu colete de silverstone.

— Então você usou seu talento elemental para o metal para ver se podia sentir alguma coisa na área.

Ele assentiu. — E eu finalmente senti. Vi você meio submersa na água no canyon e tirei você de lá. Depois disso, bem, aqui estamos nós. — Ele estendeu as mãos para os dois lados, apontando para o fogo e para a floresta a céu aberto.

Sua história me tocou. — Você enfrentou todo esse problema por mim?

— Eu faria tudo isso e muito mais por você — disse ele. — Eu faria qualquer coisa por você, Gin.

Eu olhei para ele, espantada com o súbito fervor em sua voz. — Owen?

Ele hesitou. No começo, eu pensei que ele não ia dizer mais nada, mas então ele endireitou os ombros, levantou o queixo e me olhou diretamente nos olhos. — Sinto muito — disse ele finalmente.

— Por quê?

— Por tudo — respondeu Owen. — Mas especialmente pela maneira que eu te tratei depois que você matou Salina. Foi estúpido e indesculpável da minha parte.

Pensei em tudo que ele disse na casa de Fletcher, quando ele me disse que me ajudaria a resgatar Sophia. — Essa é uma daquelas coisas sobre as quais você tem sido uma idiota?

Ele me deu um sorriso triste. — Uma de muitas. Não é óbvio?

— O que mudou?

— Eu mudei — respondeu ele. — Eu finalmente amadureci. Finalmente entendi. E finalmente percebi o quanto eu te amo.

Eu pisquei, surpresa com as palavras dele – palavras que eu nunca pensei que o ouviria dizer novamente. Esperança floresceu em meu coração, de que ele estava realmente falando sério, que finalmente estivéssemos lidando com nossos problemas e fazendo algum progresso real, mas acalmei aquela cálida e suave esperança com uma fria e lógica razão.

— Mas você também amava Salina — eu disse em um tom suave. — Você ficou... Chateado quando a matei.

Owen fez uma careta. — Isso é para não dizer o mínimo, você não acha? Eu virei as costas para você. Fiz a mesma coisa que Donovan Caine fez com você, embora eu tenha feito uma promessa de que nunca a machucaria como ele a machucou, que nunca te menosprezaria, e que eu particularmente nunca te julgaria por ser a Aranha. Mas fiz tudo isso de qualquer jeito, assim como ele. Como eu disse, sou uma idiota.

Dei de ombros. A reação de Owen doera, mas não foi inesperada. Sempre era difícil ver alguém que você amava morrer, mesmo quando ela não era a pessoa que você pensava que fosse, mesmo quando ela machucava as outras pessoas com quem você se importava.

— Você estava apenas tentando me proteger de Salina — disse Owen. — De ter que lidar com ela, de ter que matá-la. Porque esse é o tipo de pessoa que você é, Gin. Você cuida das pessoas que ama, não importa o quê. Eu acho que é o que eu mais amo em você.

As palavras pairaram no ar entre nós, parecendo tão insubstanciais quanto a fumaça se curvando do fogo. Por um momento, o único som foi o alegre crepitar das chamas. Eu não disse nada, mas o deixei ver a dúvida em meus olhos – dúvida de que ele realmente falasse sério.

Owen jogou o galho para perto do fogo, aproximou-se, agachou-se na minha frente e pegou as minhas mãos.

— Eu te amo — disse ele. — Eu sempre amarei você. Às vezes me assusta o quanto eu te amo. Nunca amarei ninguém do jeito que eu te amo.

Não pude deixar de fazer a pergunta. — Nem mesmo Salina?

— Especialmente Salina — disse Owen. — Eu era criança quando a conheci, quando a amei. Era jovem e estava cego para o tipo de pessoa que ela realmente era. Eu amava quem eu achava que ela era, quem eu queria que ela fosse, não quem ela realmente era.

— Mas você ainda não gostou do fato de ter a matado. Então o que mudou?

Seus lábios se curvaram em uma expressão sem humor. — Eu. Foi uma coisa pequena, na verdade. Eu saí para beber uma noite com Phillip no Northern Aggression. Nós entramos... Em alguns problemas, mas conseguimos nos livrar disso.

— Então, o que aconteceu?

— Levei Phillip ao Delta Queen, e ele disse algo sobre como a luta em que nós nos metemos foi como nos bons e velhos tempos. Ele sorriu e eu vi o garoto magricela que ele fora naquela época. E finalmente percebi quanto tempo Salina me custou com ele e com Cooper também. Tempo que eu nunca poderei ter de volta. Como ela arruinou a confiança de Eva em mim. Como ela feriu as pessoas com quem eu me importava uma e outra vez. Eu já sabia de tudo, claro, mas quando ele disse isso, me fez perceber que eu não queria perder mais tempo, especialmente com você. Que eu precisava parar de me sentir arrependido e culpado por não ter conseguido proteger Eva, Phillip, Cooper e você de Salina, que o que eu realmente precisava fazer era consertar as coisas entre todos os outros e eu.

Ele olhou para mim. — Eu vim aqui hoje para ajudá-la a resgatar Sophia porque era a coisa certa a fazer. Mas também vim porque pretendo passar o resto da minha vida compensando o quanto te magoei... Se você me deixar.

— E há quanto tempo você se sente assim? — sussurrei, com meu coração apertando dolorosamente no meu peito.

— Eu sempre soube disso — disse Owen. — Eu sabia o quanto eu te amava na noite em que você matou Salina, então eu não teria que matar. Eu sabia disso no museu Briartop, quando você invadiu aquele cofre para me resgatar. E eu sabia disso de novo hoje, quando você se sacrificou para que eu pudesse levar Sophia e Warren para a segurança. As pessoas que você gosta... Você os ama completamente, não importa o quê. E é assim que eu me sinto em relação a você também. Eu era muito covarde para admitir isso para qualquer um antes. Sequer para mim, e especialmente, para você.

Permaneci lá, digerindo as palavras dele. Por um longo tempo, Owen segurou minhas mãos e esperou – apenas esperou. Finalmente, ele falou de novo.

— Eu sei que não mereço isso — disse ele. — Não depois de tudo que eu fiz você passar, mas quero tentar novamente. Quero uma segunda chance, Gin. Por favor.

Estas eram as palavras que eu desejava ouvir, que eu desejava que ele me dissesse por semanas agora. E se ele as dissesse para mim quando eu estava enfrentando todos aqueles homens no cume ou Grimes e Hazel no penhasco, eu teria dito sim sem hesitação.

Mas palavras significavam uma coisa no meio de uma batalha de vida ou morte, e às vezes completamente outra depois que a luta terminava.

Ele me machucar tanto minou toda a confiança que eu tinha nele, em nós – e especialmente nele, para não me machucar do jeito que Donovan machucara. Eu amava Owen, me abrira para ele, e ele ainda tinha me machucado. Tive muito tempo para pensar nas últimas semanas em que nós ficamos separados. Talvez muito tempo para pensar, para se preocupar, imaginar e obcecar. Porque quando tudo foi dito e feito, eu não sabia se queria passar por isso novamente, nem queria o mesmo por ele. Owen não foi a primeira pessoa que quebrou meu coração, mas foi ele quem causou o maior dano.

Talvez ele não fosse o único aqui que era um covarde.

— Gin?

— Não sei — eu finalmente disse em uma voz suave. — Você... Você partiu meu coração, Owen.

— Eu sei — disse ele, com o rosto apertado de culpa. — Eu sei o quanto te machuquei. Mas te prometo isso, Gin, eu passarei o resto da minha vida compensando você. E se você precisar de algum tempo para confiar em mim de novo, me amar novamente, então tudo bem. Dias, semanas, meses, anos. Eu não me importo. Porque vou esperar por você. Eu esperaria para sempre por você.

Todo o amor que eu tinha por ele brotou dentro de mim, apagando todo o resto – exceto por um pequeno e teimoso sussurro de dúvida na parte mais profunda, escura e negra do meu coração. Eu quase disse que sim, mas recuei no último momento possível.

Porque não pude ignorar aquele pequeno sussurro e todo o medo e receio que isso trouxe junto com ele. Porque eu ainda lembrava como foi perder Owen. Porque não queria passar por esse tipo de desgosto novamente. E isso poderia acontecer facilmente. Porque eu era a Aranha, para melhor ou pior, e sempre serei a Aranha. Sempre haveria algum tipo de problema vindo em minha direção, alguém me mirando, alguém querendo me matar, e seria muito fácil para Owen e eu acabarmos voltando para onde estávamos depois que eu matei Salina.

— Não sei — sussurrei. — Eu só... Simplesmente não sei.

Owen me deu um pequeno sorriso compreensivo, embora eu pudesse ver a decepção no rosto dele. — E tudo bem também.

Não falamos por um momento.

— Vamos lá — disse ele. Sua voz rouca de emoção. — Deite-se novamente. Foi um dia longo e ainda temos que sair de manhã. Você precisa descansar.

Ele me abraçou, e juntos, nos deitamos no saco de dormir e encaramos o fogo. Seu aroma rico e metálico mais uma vez encheu meu nariz, misturando-se agradavelmente à fumaça da madeira, e o calor do seu corpo envolveu o meu, afastando o último do meu frio persistente.

Pensei em tudo o que Owen havia dito e todas as emoções que eu vi em seus olhos – calor, desejo, necessidade, querer, amor e esperança. Tanta esperança. Algumas horas atrás eu pensei que nunca mais o veria, e teria feito qualquer coisa para ter tido mais um momento com ele. Agora, aqui estava Owen, proclamando seu amor por mim, e de repente eu não pude deixá-lo voltar ao meu coração.

Eu poderia enfrentar um psicopata como Harley Grimes em qualquer dia da semana, mas pedir-me para abrir e arriscar meu coração, eu me transformava naquela garotinha assustada, zangada e solitária que havia perdido sua família e prometera nunca deixar ninguém chegar perto demais.

Não havia talvez nisso. Eu era definitivamente uma covarde.

Esta noite, pelo menos.


Capítulo 25

 

Um respingo de luz do sol no meu rosto me acordou cedo na manhã seguinte.

Olhei contra o brilho dourado quente. O fogo estava extinguindo, mas Owen deve ter me coberto com o saco de dormir em algum momento durante a noite, porque o tecido estava enfiado em volta de mim, me fazendo sentir como uma múmia.

Embora eu pudesse facilmente voltar a dormir, soltei um canto do saco de dormir, joguei o material para o lado e sentei-me. Pisquei algumas vezes, tentando me livrar dos últimos resquícios letárgicos de sono.

— Owen? — chamei.

Ele não respondeu, e finalmente percebi que ele não estava à vista. Nem dormindo atrás de mim, nem agachado sobre os restos do fogo, nem esticando as pernas andando na frente do afloramento rochoso que eu ainda estava deitada.

Por um momento, eu fiquei confusa, me perguntando se talvez eu apenas tivesse sonhado que ele estava aqui na noite anterior, mas então eu vi a mochila dele, e percebi que ele deveria estar por perto, em algum lugar. Talvez ele quisesse pegar um pouco de água fresca do rio, então teríamos algo para beber em nossa caminhada de volta para o estacionamento. De qualquer maneira, eu precisava responder ao chamado da natureza, por assim dizer, então eu fiquei de pé... E desejei não ter ficado.

Eu estava machucada, ferida e dolorida da cabeça aos pés. Azuis, verdes, roxos e amarelos floresceram como flores durante a noite em meus braços, manchando minha pele dos meus ombros até as pontas dos meus dedos. Dada a rigidez dos meus músculos, imaginei que tinha ainda mais hematomas nas costas, no peito e nas pernas, sem mencionar as queimaduras e bolhas da magia de Fogo de Grimes e Hazel, que produziam uma dor forte e latejante.

Rolar rio abaixo não foi a minha melhor ideia, mas me afastara de Grimes, o que realmente importava. Toquei cuidadosamente o curativo sobre o ferimento de tiro no meu ombro. Para minha sorte, a bala entrou e saiu, e Owen esfregara bastante pomada curativa de Jo-Jo nele. A ferida doía ao toque, mas não estava sangrando, e não tinha a sensação quente e dolorosa de infecção. Talvez se Coooper estivesse bem, eu faria com que ele me curasse quando chegássemos a casa dele.

Porque quanto mais cedo eu estivesse melhor, mais cedo eu poderia matar Harley Grimes, Hazel, e todas as outras pessoas nesta maldita montanha.

Com aquele pensamento alegre em mente, eu cambaleei para longe do nosso acampamento, encontrei um lugar privado atrás de uma entrada e fiz meus negócios de dama. Quando terminei, voltei ao acampamento, mas não me agachei sob as pedras e me enrolei no saco de dormir. Em vez disso, fiquei junto aos restos do fogo e fiz alguns alongamentos lentos e cuidadosos, tentando soltar meus músculos rígidos e doloridos e levar um pouco de sangue para eles. Porque ainda era uma longa caminhada pela montanha, e ainda poderíamos encontrar mais alguns dos homens de Grimes...

Thwack.

O som característico de carne batendo contra carne me fez parar no meio do caminho.

— Onde diabos ela está? — a voz rosnou.

Silêncio. Então...

Thwack

— Eu fiz uma pergunta — rosnou o homem novamente, sua voz muito mais alta e mais zangada do que antes. — Sugiro que você me responda.

— Esqueça — rosnou Owen. — Não direi nada a você.

Aparentemente, os homens de Grimes vieram atrás de mim afinal... E encontraram Owen em vez disso.

Examinei o chão ao redor do nosso acampamento, procurando por um item muito específico, mas tudo que eu vi foi a mochila de Owen, um par de latas vazias de pomada, e vários panos amassados e sujos que ele usou para tirar um pouco do sangue e da sujeira de mim. Sem armas.

— Vamos, vamos — murmurei, caindo de joelhos e rastejando em torno do círculo de fogo. — Onde você colocou, Owen? Onde você colocou...

Com o canto do olho, vi um pedaço de tecido cinza saindo do saco de dormir. Estendi minha mão, agarrei a borda do tecido e puxei meu colete para a luz. Parecia bem desgastado, assim como eu. A coisa toda estava coberta de manchas de sangue, lama e grama, enquanto cortes irregulares cruzavam o material cinza, expondo o brilhante silverstone por baixo. Mas eu o coloquei de qualquer maneira, ainda que o movimento causasse ainda mais dor desenrolar através dos meus músculos, especialmente os dois buracos no meu ombro esquerdo, e ondular pelos meus braços.

Fechei o colete ensanguentado no peito e corri para o círculo de fogo. A maior parte da madeira foi queimada, mas vi uma vara que não tinha sido consumida pelas chamas, aquela que Owen esteve usando para aumentar o fogo na noite anterior. Tinha cerca de trinta centímetros de comprimento e largura de três dos meus dedos. A ponta não era tão afiada quanto eu gostaria, mas eu já usara algo pior do que isso antes. Também peguei uma das pedras do próprio círculo de fogo e a coloquei em minhas mãos. Lisas, redondas e pesadas.

Com armas perfeitas em minhas mãos, fiquei de pé e me dirigi para os sons de Owen e seus atacantes.

 

* * *

 

Encontrei-os cerca de dois minutos depois. Eles eram definitivamente homens de Grimes – três caras armados, vestidos com botas marrons, ternos antiquados e fedoras. Dois deles seguraram Owen contra uma árvore, enquanto o terceiro usava seus punhos nele. Devem ter surpreendido Owen quando ele voltava do rio, porque vi algumas garrafas cheias de água que foram chutadas para um lado da árvore.

Se eles tivessem andado quatro metros a mais para o oeste, teriam descoberto facilmente nosso acampamento. Eles poderiam até ter vindo atrás de nós enquanto dormíamos esta manhã e colocado algumas balas em nossas cabeças onde estávamos deitados. Uma pena eles não terem colocado, porque eles não deixariam este local.

O cara dirigiu seu punho no rosto de Owen, em seguida, o acertou com uma brutal combinação de jab-direto{9}em suas costelas. Owen sibilou com dor, mas não deu ao cara a satisfação de gritar.

— Eu vou perguntar de novo, onde está a mulher? — perguntou o líder. — Diga-nos onde ela está, e poderemos deixá-lo viver.

A essa altura, o rosto de Owen estava machucado e ensanguentado, mas ele deu ao cara um sorriso arrogante. — Isso é tudo que você tem? Minha irmã pode bater mais do que isso.

— Um cara espertinho, hein? — rosnou o líder. — Faça do seu jeito. Ela não pode ter ido longe. Não após um mergulho daquele. Nós vamos encontrá-la sozinhos. Quem sabe? Talvez nos divertimos um pouco com ela antes de arrastá-la para Grimes. Talvez até deixemos você assistir.

Os homens riram. Owen avançou, mas os dois homens eram mais fortes do que ele, e eles o seguraram com força.

O líder riu do esforço de Owen, depois recuou o punho para outro golpe. Eu ergui a pedra em uma das minhas mãos e o galho de madeira na outra, posicionando-os, então saí para onde eles podiam me ver.

— Vocês estão procurando por mim? — eu disse lentamente. — Bem, aqui estou eu.

Antes que pudessem reagir, eu joguei a pedra da fogueira no líder. A pedra atravessou o ar e o golpeou na cabeça, como uma bola de beisebol, deixando uma mancha de sangue para trás. Enquanto ele se afastava de Owen, eu já estava correndo.

Um dos homens segurando Owen se virou para mim e tirou a arma do coldre no cinto. Enfiei o galho na mão dele, derrubando a arma. O cara rosnou e se lançou para mim, mas eu me aproximei e dei uma cabeçada no rosto dele, esmagando o nariz com a minha testa. No segundo em que ele recuou, levantei meu galho e enfiei-o em sua garganta. Não afundou completamente, não como uma das minhas facas teria feito, mas causou dano suficiente, especialmente quando o puxei. O cara caiu no chão, ofegando, e eu caí em cima de suas costas. Enterrei seu rosto na terra e folhas até que ele parou de lutar, e eu sabia que ele estava morto.

Owen havia escapado do último homem, tirou a arma do sujeito do coldre e atirou no peito dele três vezes com ela, derrubando-o.

Isso deixou o líder, que finalmente parou de cambalear como um bêbado. Ele ficou boquiaberto com Owen e eu, e recuou, como se fosse virar e correr. Peguei a arma do segundo homem do chão e um par de balas resolveu o problema.

Fiquei de pé e examinei a floresta, para o caso de haver mais homens de Grimes à espreita, que pudessem vir correndo por causa dos tiros. Mas um minuto se passou, e depois outro, sem sinais ou sons de alguém vindo em nossa direção. Esses três devem ter sido os únicos que estavam na área. Então caminhei até Owen, que tinha as mãos nos joelhos, tentando recuperar o fôlego.

— Você está bem?

Ele limpou um pouco de sangue do rosto, estremeceu e se endireitou. — Sim. Entretanto, eu agora acho que sei como você se sentiu sendo jogada no rio ontem.

Sorri com seu humor negro, mas continuei olhando e ouvindo à floresta ao nosso redor. Só porque ninguém apareceu imediatamente não significa que eles não vinham na nossa direção.

— Vamos lá — eu disse. — Não sei sobre você, mas eu estou pronta para sair desta maldita montanha.

— Eu não poderia concordar mais — brincou Owen.


Capítulo 26

 

Arrumamos nossas coisas e saímos. Owen insistiu em carregar sua mochila e todas as coisas que ele trouxe. Ele se ofereceu para me carregar também, mas recusei. Eu poderia estar ferida, mas nós faríamos um melhor tempo com os dois andando. Então, ao invés disso, ele encontrou um galho alto e robusto que eu poderia usar como bengala para me ajudar a mancar mais rápido.

Para minha surpresa, nós voltamos para o estacionamento no sopé da Bone Mountain sem nenhum problema. Nós nos agachamos nas árvores e observamos o carro de Roslyn por vários minutos, mas ninguém esperava para nos emboscar. Ainda assim, fiz Owen verificar debaixo do capô para ver se um dos homens de Grimes havia plantado uma bomba lá, apenas no caso. Mas o carro estava limpo e, trinta minutos depois, Owen havia parado o veículo do lado de fora da casa de Cooper.

Alguns carros estavam reunidos na entrada da garagem agora, virados para fora e formando uma sólida barricada de metal em frente a casa. Reconheci o Aston Martin de Finn, o sedan da Bria, e o Audi de Phillip. A caminhonete cinzenta e amassada deveria pertencer a Warren, dado o rifle no suporte de armas preso à janela de trás.

Owen e eu saímos do carro e nos arrastamos para a casa. Nesse momento, ele arrastava a mochila pelo chão com uma mão enquanto eu tinha minhas duas mãos em volta da minha bengala, apesar das lascas cravando nas palmas das minhas mãos. Nenhum de nós estava na melhor forma de nossas vidas, mas voltamos vivos.

Alguns murmúrios suaves de conversa soaram quando nos dirigimos para o lado da casa e entramos no quintal. Os outros estavam sentados em volta da mesa do lado de fora, quase como se esperassem que nós aparecêssemos. Finn de terno e gravata perfeitos, Phillip usando a mesma coisa, os dois parecendo tão frescos quanto pinguins de portas de geladeira, apesar do calor escaldante da tarde. Bria em sua calça jeans e camisa de botão de sempre, seu distintivo e sua arma, ambos presos ao cinto de couro preto. Eva usando shorts e uma regata. Roslyn em um elegante vestido sem mangas.

Estavam todos se inclinando em direção à mesa e conversando em voz baixa, com Finn conduzindo a conversa, a julgar pelo jeito selvagem que ele estava gesticulando. Ele foi o primeiro a identificar Owen e eu, e parou em meio à sentença para nos observar.

Eu sorri. — Querido, estamos em casa.

Os outros ficaram de pé. Eva correu e deu um longo abraço apertado em Owen, enquanto Phillip bateu nas costas dele e quase mandou ele e Eva para o chão. Bria se aproximou e me abraçou, junto com Roslyn, e então as duas deram um passo para o lado para que Finn pudesse entrar em ação.

Ele parou na minha frente, cruzou os braços sobre o peito e me deu um olhar crítico, seus olhos verdes estavam tão afiados e brilhantes quanto esmeralda em seu rosto bonito. — Você parece um inferno — disse ele finalmente.

Meu sorriso aumentou. — Você deveria ver os outros caras.

Finn suspirou e abriu os braços. — Vamos lá, venha, você sabe que quer me abraçar e espalhar sangue, lama, sujeira, e quem sabe o que mais por todo o meu novo terno.

— Bem, eu pensei que você nunca pediria — eu disse lentamente.

Entrei em seus braços, e Finn me abraçou cuidadosamente, consciente dos meus ferimentos.

Depois de um momento, ele recuou e bufou naquele seu jeito altivo e superior. — Eu lhe disse para esperar por mim. Você não estaria tão mal se tivesse feito isso. — Seu tom era áspero e rouco, mas eu ainda podia ouvir a preocupação em sua voz.

— Eu sei — eu disse, acariciando seu ombro e tentando acalmar seu ego e sua preocupação. — Da próxima vez, eu definitivamente esperarei por você.

— Eu vou te cobrar isso — ele avisou.

— Eu sei que você vai.

Finn me abraçou novamente, e então todos trocaram de lugar. Eva gentilmente colocou os braços em volta do meu pescoço, enquanto Phillip aguardava. Bria e Roslyn abraçaram Owen, enquanto Finn foi até ele e deu-lhe uma palmada no ombro.

— Eu pensei ter dito para você cuidar de Gin — disse Finn. — Não trazê-la de volta meio morta.

Suas palavras e seu rosto podem ter sido sérios como pedra fria, mas seu tom era leve com alívio por eu ter voltado.

Após um momento, Owen sorriu. — Bem, eu tentei, mas você conhece Gin — disse ele. — Ela só teve que matar mais alguns caras antes de finalmente sairmos.

Finn retornou o sorriso dele. — Isso eu sei.

Owen ficou do lado de fora no pátio para contar aos outros sobre tudo o que aconteceu na montanha, mas eu abri a porta e entrei na casa. Eu não tive que ir muito longe, porque estavam todos sentados na sala... Cooper, Warren, Sophia e Jo-Jo.

Cooper e Warren estavam esparramados sobre duas poltronas combinadas, balançando para frente e para trás e fazendo as molas rangerem. Dei a ambos os cumprimentos respeitosos, então voltei minha atenção para Sophia e Jo-Jo.

As irmãs sentaram lado a lado no sofá de listras marrons, os dedos entrelaçados, e Rosco estava aos seus pés, tirando uma soneca. Parecia que todos os ferimentos foram curados. Eu não vi sangue em nenhum delas, sem hematomas, sem queimaduras, nada que indicasse todas as coisas terríveis que aconteceram nos últimos dois dias.

Sophia estava mais uma vez em seus jeans e botas pretas. Uma camiseta preta com uma foto de um coração partido e sangrento esticava-se sobre o peito. Ela parecia com o seu jeito habitual, até o batom preto que dividia seu rosto. Mas eu não conseguia tirar a imagem da foto que vi na casa de Grimes da minha cabeça, a de uma jovem Sophia usando um vestido branco. Eu me perguntei como ela era antes dele a levar todos aqueles anos atrás. Se ela era uma garota doce do Sul como Jo-Jo ou algo completamente diferente.

Eu não tinha como saber, então me concentrei em Jo-Jo. Ela também usava seu vestido rosa e suas pérolas de sempre, mas seu rosto estava sem maquiagem, seus cabelos loiros pendiam frouxamente ao redor de seus ombros, e suas rugas estavam mais pronunciadas do que eu lembrava. Pela primeira vez desde que eu a conheci, Jo-Jo parecia pálida, magra e cansada, não como a força brilhante, vibrante e alegre da natureza que ela normalmente era. Suponho que isso era de se esperar, já que ela quase morreu por causa das balas de Grimes, mas ver seu olhar tão abatido e derrotado fez meu coração doer do mesmo jeito.

Jo-Jo lutou para se levantar das almofadas macias, mas eu fui até ela em vez disso. Caí de joelhos, inclinei-me e dei-lhe um abraço gentil e cuidadoso, não querendo desfazer nada da magia que Cooper havia trabalhado nela. Jo-Jo estendeu a mão e acariciou minhas costas, apesar do sangue, sujeira e fuligem que me cobriam, e parecia que eu podia sentir cada um de seus ossos, tão delicados e frágeis como um pássaro sob as pontas dos meus dedos.

Eu a abracei até que consegui piscar de volta as lágrimas escaldantes que ameaçavam vazar dos meus olhos. — Como você está? — perguntei; finalmente me afastando.

— Melhor, agora que você está aqui, querida — disse Jo-Jo.

Eu olhei para Sophia. — E você?

— Tudo bem — ela mentiu, embora não pudesse esconder o brilho da dor em seus olhos.

— Grimes? — perguntou Jo-Jo.

— Não está morto – ainda.

Ela olhou para Sophia, e elas apertaram as mãos novamente, ainda mais forte do que antes. Elas estavam pensando a mesma coisa que eu, que não demoraria muito para que Grimes voltasse atrás dela novamente. Mas eu tinha um plano para isso, um que deveria cuidar dele, Hazel, e o resto de seus homens para sempre.

Cooper parou de balançar na cadeira, inclinou-se e limpou a garganta. — Eu odeio ser rude, mas você parece, hum, cansada, Gin.

— Cansada? — bufou Warren. — O que ele realmente quer dizer é que você parece uma sobrevivente de um desses filmes de zumbi, e quase tão morta quanto uma dessas criaturas.

Cooper deu uma olhada cortante para Warren, depois voltou sua atenção para mim. — Você gostaria que eu, você sabe? — gesticulou com as mãos.

— Curar-me?

Ele estremeceu. — Se você quiser chamar assim. Eu ainda sinto que estou me atrapalhando com a minha magia, mais do que qualquer outra coisa.

Jo-Jo deu-lhe um sorriso suave. — Você fez muito bem com Sophia e eu. Você pegará o jeito. Praticar em Gin será bom para você.

Cooper sorriu para ela, e seu peito duro inflou com seu elogio.

Bem, eu não sabia como me sentia sobre ser um boneco de teste para a magia de Ar de Cooper, mas Jo-Jo estava obviamente muito fraca para me curar, e eu não tinha outras opções agora. Não se quisesse estar cem por cento quando Grimes, Hazel e o que sobrou de seus malfeitores viessem bater à minha porta. Em um dia, talvez dois, no máximo, Grimes encontraria os corpos dos três homens que ele enviara para procurar por mim ao longo do rio, e perceberia que eu sobrevivi, afinal de contas. Ele iria quer sua vingança por eu ter a audácia de escapar de suas garras malignas, para não mencionar toda a morte e destruição que causei a seus homens e seu acampamento. Grimes poderia ter destruído o salão de Jo-Jo, mas eu o retribuí com o que fiz no seu refúgio na montanha. Ele não seria capaz de deixar isso passar, não se quisesse ficar com os homens que ainda lhe restava.

Além disso, eu vi o olhar de antecipação em seus olhos no penhasco. Ele iria querer sua vingança, mas, mais do que isso, ele iria querer me quebrar, como fez com todas as outras pobres mulheres e homens que ele havia sequestrado, torturado e assassinado. Grimes queria me ouvir gritar, chorar e implorar por misericórdia. E no segundo que eu fizesse, ele perderia o interesse em mim e me jogaria de lado para Hazel e seus homens, assim como fizera com todos os outros. É por isso que ele ainda estava tão obcecado por Sophia todos esses anos, porque ele simplesmente não conseguia entender como alguém poderia ser mais forte do que ele.

Bem, deixe o filho da puta vir. Eu gostaria de mostrar a ele exatamente o quanto ele estava errado antes de matá-lo.

— Gin? — perguntou Cooper, interrompendo minhas reflexões sombrias e assassinas. — Você está pronta?

— Sim, eu estou pronta.

Warren se levantou e eu me sentei na cadeira dele. Cooper deslizou sua poltrona reclinável para perto da minha, depois estendeu a mão e pegou a minha. Seus dedos pareciam ásperos e calejados, embora sua pele estivesse agradavelmente quente, como se o calor de todas as fogueiras em sua forja tivesse encharcado seu corpo ao longo dos anos. Um momento depois, seus olhos começaram a brilhar em uma cor de cobre brilhante e familiar, e a sensação espinhosa de sua magia de Ar soprava pelo aposento.

Coooper não era tão habilidoso em sua magia quanto Jo-Jo, não desse jeito, pelo menos, então demorou muito mais tempo para me curar do que teria levado, e doeu muito mais. A magia de Jo-Jo sempre pareceu como agulhas cutucando minha pele, desconfortável, mas suportável. Mas a magia de Ar de Cooper era muito mais profunda e muito mais intensa, como se minhas próprias facas estivessem esfaqueando meu corpo, cortando meus músculos e depois, casualmente, prendendo tudo de novo.

Ainda assim, eu apertei meu queixo, rangi os dentes e esperei que ele não notasse como eu limpava minha mão livre e suada em meus jeans arruinados, e cavava minhas unhas na runa de aranha na minha mão para tentar tirar a minha mente da dor fresca e desajeitada que corria pelo meu corpo. Cooper estava me fazendo um favor, então eu não podia reclamar. E não faria isso, porque isso machucaria os sentimentos dele. Além disso, eu passei por coisas piores – muito piores.

Dez minutos depois, Cooper soltou sua magia Ar e soltou minha mão. O brilho de cobre deixou seus olhos, e ele caiu contra a poltrona, fazendo a cadeira ranger fracamente.

— Pronto — disse ele, soando tão cansado quanto eu me sentia. — Acho que é o melhor que eu posso fazer agora.

Caí na minha cadeira também e fiz um balanço do meu corpo. O ferimento a bala no meu ombro estava completamente curado, junto com as queimaduras em meus braços, costas e pernas, já que essas eram as áreas em que Cooper concentrara a maior parte de sua magia. Cortes e arranhões ainda pontilhavam meu corpo, junto com o arco-íris de contusões, mas todas as feridas abertas se fecharam, e o pior dos azuis e dos roxos pútridos mudou para verdes de cura e amarelos não tão doentios. Eu não estava na melhor forma da minha vida, mas Cooper conseguiu me deixar inteira novamente.

Ele olhou para mim com olhos ansiosos, então afastei meu cansaço, me levantei e me estiquei de um lado ao outro, como um gato acordando de um cochilo longo e satisfatório. Meus músculos doíam em protesto, mas ignorei as pontadas de desconforto. Valeu a pena ver o rosto de Cooper se enrugar e brilhar com orgulho.

— Bem, obrigada, Cooper — eu disse. — Eu me sinto bem e magnífica agora. Se tiver alguma magia sobrando, você pode querer sair e verificar Owen. Alguns dos homens de Grimes agarraram-no e bateram muito nele.

Cooper assentiu, levantou e saiu apressado, a exaustão aparentemente desaparecida.

Warren olhou para Jo-Jo, depois para Sophia e depois para mim. Sem uma palavra, ele se levantou e seguiu Cooper, fechando a porta. Um minuto depois, outra rajada da magia de Ar de Cooper se espalhou pelo cômodo, embora parecesse muito mais fraca, dada a distância e a porta entre nós.

Afundei-me na cadeira, tentando mais uma vez não deixar minha exaustão aparecer, e encarei as irmãs Deveraux. Ambas me olhavam com olhos sombrios. Rosco continuou cochilando em seus pés.

— Diga-nos o que aconteceu — Jo-Jo finalmente disse em uma voz suave.

Tomei fôlego e comecei a minha história com a luta no salão. Rapidamente segui para minha viagem com Owen e Warren subindo a montanha, nosso resgate de Sophia do buraco, e minha resistência no topo da cordilheira contra Grimes, Hazel e seus homens. Depois disso, tudo o que restou para contar foi minha corrida pela floresta, meu mergulho no penhasco, meu passeio pelas corredeiras e, finalmente, Owen me encontrando e me tirando do rio.

Tentei poupá-las do pior possível, passando por cima de muitos detalhes, mantendo minha voz otimista, e tentando parecer mais uma grande aventura do que uma luta brutal pela minha vida. Não mencionei todas as coisas doentias e distorcidas que Grimes me disse sobre Sophia, as fotos que ele tinha dela, ou como a casa dele era uma réplica sinistra da casa de Jo-Jo, por dentro e por fora. Claro, Sophia sabia de algumas coisas, já que ela esteve na casa também, mas percebi que aqueles eram seus segredos para contar, não os meus.

— Sinto muito, querida — disse Jo-Jo, as lágrimas escorrendo por suas bochechas como minúsculos rios de cristal quando finalmente terminei minha história. — Sinto muito que você teve que passar por tudo isso por nossa causa.

Dei de ombros. Lutar pela minha vida contra psicopatas malvados com vinganças pessoais não era nada novo. Na verdade, isso se tornou bastante rotineiro nos últimos meses. Mundano mesmo. O ataque de Grimes acabou chegando um pouco mais perto de casa do que alguns dos outros.

— Eu gostaria que Fletcher tivesse matado aquele desgraçado todos aqueles anos atrás — disse Jo-Jo, em uma voz sombria. — Eu queria que eu o tivesse matado todos aqueles anos atrás.

Sophia apertou a mão dela, mas o movimento não confortou Jo-Jo. Se qualquer coisa, ele fez com que ainda mais lágrimas caíssem de seus olhos, escorressem por sua face, e gotejassem em seu vestido. Ela soltou um pequeno guincho e apertou o punho contra a boca, como se isso pudesse conter sua dor.

Em todos os anos em que a conheci, pude contar em uma mão o número de vezes que eu vi Jo-Jo chorar, e a maioria delas foi antes, durante e depois do funeral de Fletcher. Meu coração doía por ela, mas eu não sabia o que fazer. Não sabia o que dizer ou como consolá-la diante de suas lágrimas, seu corpo trêmulo e a preocupação em seus olhos claros.

— Não pense nisso agora — eu disse. — Sophia e eu conseguimos voltar, e estamos a salvo agora. Uma vez que Cooper pegar o jeito de sua magia, ele pode terminar de curá-la, e então todos nós voltaremos a...

Mordi meu lábio, engasgando com minhas próprias palavras. Eu começara a dizer normal, mas não era a coisa certa a dizer, porque nós não voltaríamos a isso por um longo tempo, se é que alguma vez faríamos. Nunca fui uma pessoa que ameniza as coisas, mas agora, eu queria aliviar a mente de Jo-Jo mais do que qualquer outra coisa. Se eu pudesse entrar dentro dela, retirar sua mágoa, e colocar dentro do meu próprio coração, eu faria – e, também, da Sophia.

— Não acabou — disse Jo-Jo, finalmente enxugando as lágrimas. — Longe disso.

— Não — respondi —, não acabou.

— Ele nunca vai parar — disse Jo-Jo. — Agora não. Não depois que você tirou Sophia dele novamente. Não depois que você o envergonhou. Ele terá que vir atrás de você para manter o resto de seus homens e Hazel também. Mas, mais do que isso, ele vai querer vir atrás de você. Ele vai querer te ensinar uma lição.

— Eu sei — eu disse. — Sei que ele virá atrás de mim, que ele virá atrás de todos nós.

— Agora o quê? — perguntou Sophia, com sua voz ainda mais dura do que antes, e cheia de preocupação.

Eu me inclinei e olhei para Sophia, então Jo-Jo, deixando-as ver a determinação em meus olhos cinzas – e a fria, fria promessa de morte.

— Nós o deixamos vir até nós — eu disse. — E então nós o matamos.


Capítulo 27

 

 

Cooper terminou de curar Owen, e todos nós prosseguimos para as coisas que precisávamos fazer. Finn e Phillip saíram para ver o que conseguiam desenterrar sobre Grimes de seus vários contatos no submundo, e descobrir se alguém ouvira um sussurro do que acontecera na montanha. Bria foi até a delegacia para fazer o mesmo. Roslyn foi com ela, assim ela poderia contar a Xavier tudo que aconteceu. Sophia ajudou a levar Jo-Jo para um dos quartos no andar de cima, para que ambas pudessem descansar um pouco. Finalmente, Rosco acordou e as seguiu, estalando as unhas das patas contra o chão, e Cooper foi para seu próprio quarto descansar.

Enquanto isso, eu tomei um banho longo e quente, espalhei um pouco mais da pomada curativa de Jo-Jo nas minhas feridas persistentes e vesti uma bermuda e uma camiseta que Bria deixara na casa de Cooper para mim. Voltei ao andar de baixo e encontrei Owen no escritório, olhando pela porta de vidro para o quintal. Ele também tomou banho e se trocou, e parecia tão bonito como sempre em uma camiseta preta e short caqui.

Ele se virou ao som dos meus pés descalços batendo suavemente contra o chão. — Você parece mais com o seu velho eu.

— Você também.

Ele assentiu. — Eu estava esperando você terminar o banho para dizer que vou ao Country Daze com Warren e Eva. Eles estão me esperando na caminhonete. Warren quer checar Violet e ter certeza de que ele está lá, no caso de algum dos homens de Grimes entrar na loja pedindo suprimentos.

Assenti. — Apenas tome cuidado.

— Nós vamos. — Ele hesitou, em seguida apontou para uma caixa na mesa de café que eu não havia notado antes. O topo da caixa estava aberto, revelando uma camada de espuma preta e minhas cinco facas de silverstone brilhando lá dentro. As que Owen fizera para mim, as que continham minha magia, as que eu dera a ele no cume.

As que eu nunca pensei que veria de novo.

— Achei que você poderia querer isso de volta — disse Owen, em voz baixa. — Especialmente se Grimes, de alguma forma, rastrear Sophia e Jo-Jo até aqui.

Eu não chorei quando Jo-Jo foi baleada e Sophia havia sido sequestrada. Quando vi Sophia sendo torturada. Quando Grimes e Hazel jogaram sua magia de Fogo em mim. Quando seus homens me perseguiram pela floresta como um animal. Sequer chorei quando pulei daquele penhasco, sabendo que provavelmente morreria da queda.

Mas a simples visão das minhas facas e das runas de aranha cintilando nos punhos fez minha garganta fechar, e foi díficil segurar as lágrimas quentes que se acumularam em meus olhos. Avancei, sentei-me na frente da mesa, no chão, e passei meus dedos pelas lâminas, deixando a sensação fria e suave das armas me aterrarem e me ajudar a recuperar o controle das minhas emoções.

— Obrigada — eu finalmente consegui sussurrar, ainda debruçada sobre as facas e olhando para elas em vez dele. — Por mantê-las seguras para mim.

— Você é bem-vinda, — Owen disse, com sua própria voz rouca e áspera. — Mas você nunca as dê para mim novamente dessa maneira.

Assenti, com o nó na minha garganta me impedindo de falar.

— Eu encontrei isso também.

Sua mão apareceu no meu cotovelo, e percebi que ele segurava uma pedra pequena, uma com a minha runa de aranha cauterizada na pedra.

A pedra lisa e redonda era cinza-clara, com minha runa gravada em prata, um pouco mais escuro, quase como uma marca. Eu sabia que se comparasse com a cicatriz na palma da mão seria uma combinação perfeita.

— Eu a encontrei no topo da cordilheira do acampamento de Grimes — disse Owen. — Estava apenas ali, junto com todos os corpos dos homens. Pelo que você me disse, eu acho que esta é a primeira pedra que você tocou, aquela com a qual você começou a construir todo aquele Gelo elemental.

Eu assenti e a peguei. A pedra era surpreendentemente leve na minha mão e me senti um pouco fria, como se ela tivesse absorvido um pouco da minha magia de Gelo. Talvez a pedra tivesse um pouco de silverstone passando por ela. Depois de um momento, coloquei-a na mesa, bem ao lado do estojo de facas. Eu ainda não falei, no entanto. Não poderia.

— Eu voltarei logo — ele prometeu.

Owen tocou meu ombro, dando-lhe um aperto suave. Então ele abriu a porta e saiu. Um minuto depois, um motor ressoou na frente da casa antes que o som lentamente desaparecesse.

Estremeci, estendi a mão para o estojo e tirei uma das minhas facas. O metal parecia frio ao toque, dada a magia do Gelo e da Pedra armazenada no interior do silverstone. Esfreguei o polegar sobre a runa da aranha estampada no punho, aquele pequeno círculo cercado por oito raios finos.

Quando me senti calma o suficiente, peguei outra faca no estojo e levantei. Então comecei a girar as armas, girando as lâminas de metal ao redor, lançando-as no ar e pegando-as enquanto elas despencavam de volta a terra.

Mais rápido e mais rápido, mais e mais alto, eu joguei as facas, até as lâminas parecerem flutuar através do ar como nuvens finas de prata. Meu olhar estava fixo nos pedaços de metal afiado, mas minha mente estava focada em algo completamente diferente: a melhor maneira de matar Harley Grimes.

Foi algo que Fletcher me ensinou a fazer. Manter minhas mãos ocupadas enquanto deixo minha mente vagar. Eu me movi de um lado do escritório ao outro, o tempo todo fazendo malabarismos com facas, pensando em ângulos, abordagens, e quando Grimes poderia mostrar seu rosto em Ashland.

E quando passei por tudo isso, quando eu tinha um plano que achava que iria funcionar, joguei a faca no ar pela última vez, peguei-a e girei-a em minhas mãos. Ta-da.

Guardei uma das facas contra as minhas costas, confortada pelo peso sólido e familiar dela lá. Então deslizei a outra em sua fenda no estojo e me dirigi à cozinha. No entanto, deixei o estojo aberto na mesa.

Eu logo usaria as facas em breve novamente.

 

* * *

 

Apesar do meu malabarismo, minhas emoções ainda estavam cruas e muito perto da superfície para o meu gosto, então passei as próximas horas entregando-me ao meu próprio tipo de terapia: cozinhar.

Invadi a geladeira e os armários de Cooper, retirando farinha, açúcar, sal, pimenta e todos os outros ingredientes que eu precisava. Então eu fui trabalhar. Misturando, mexendo, medindo, picando, esmagando, salteando, fritando, assando, torrando. Os movimentos familiares acalmaram algo profundo dentro de mim e perdi-me rapidamente nos ritmos de cozinhar. O cheiro de manteiga derretida, açúcar, queijo e mais saiu do forno e flutuou das panelas e frigideiras borbulhando no fogão, e tudo mais desapareceu, exceto pelo tique-taque do cronômetro no balcão, a contagem regressiva dos segundos, até que meus vários pratos estivessem prontos para sair do forno.

Imaginei que todos nós poderíamos precisar de alguma comida de conforto, então preparei um suculento jantar de presunto defumado, macarrão com queijo cheddar picante, uma salada de verão crocante de pepinos e tomates, purê de batatas feitas com leite, creme azedo e polvilhadas generosamente com coentro. Para sobremesa, havia biscoitos amanteigados leves como o ar recheados com algumas conservas de morango que Jo-Jo havia feito para Cooper.

Atraídos pelos cheiros de dar água na boca, Jo-Jo, Sophia e Cooper desceram as escadas, e nós quatro jantamos juntos, com Rosco sentado a nossos pés e olhando em antecipação para os restos que iam para ele. Owen voltou também, dizendo que Warren, Violet e Eva estavam todos a salvo na Country Daze. Eventualmente, Jo-Jo e Sophia voltaram ao andar de cima para tentar descansar um pouco, levando Rosco com elas, enquanto Cooper relaxava em uma de suas poltronas e ligava a televisão no escritório.

Owen preparou um prato de comida para ele e sentamos no pátio do lado de fora enquanto ele comia, tomando um gole do gelado chá doce que eu fiz para acompanhar a refeição. A essa altura, já era tarde e o sol descia lentamente atrás das montanhas. O calor opressivo do dia finalmente havia se rompido, e a mata além do limite do pátio começava a ganhar vida com a agitação, o farfalhar e a tagarelice de vários animais.

Owen raspava o último vestígio do seu purê de batatas quando um carro surgiu pelo cascalho na estrada em frente da casa. Ele ficou tenso, mas balancei a cabeça, dizendo a ele que estava tudo bem. Reconheci o ruído suave do Aston Martin de Finn.

Alguns minutos depois, meu irmão adotivo andou pela casa, seguido por Phillip. Os dois devem ter voltado juntos. Eles se sentaram conosco à mesa e eu servi um pouco de chá gelado para eles.

Finn cheirou o ar como um cão de caça. — Eu sinto cheiro de presunto? — perguntou em uma voz sonhadora. — Batatas e biscoitos e macarrão com queijo?

Atirei meu dedo e polegar para ele. — Isso mesmo.

Finn suspirou em antecipação. Ele e Phillip entraram, prepararam pratos e trouxeram tudo para o pátio. Na verdade, Finn carregou três pratos para fora, mas decidi não provocá-lo sobre isso. Esperei ele terminar seu primeiro de quatro biscoitos antes de começar os negócios.

— Então, o que você descobriu? — perguntei.

— Aparentemente, você colocou o medo da morte em pelo menos um par de homens de Grimes — disse Finn, a boca cheia de macarrão com queijo. — Porque não consegui um, nem dois, mas três relatórios diferentes dos homens de Grimes, bêbados e disparando suas bocas sobre o que aconteceu em alguns dos bares mais miseráveis em Southtown. Dada à forma como as notícias correm nessa parte da cidade, eu diria que hoje todo o submundo sabe que alguém alegando ser a Aranha foi até o acampamento de Grimes e devastou uma grande parte dele. Aparentemente, os homens falando sobre você nos bares, abandonaram a operação de Grimes. Eles não queriam arriscar que você voltasse e matasse o que sobrou deles.

— E qual foi a reação às notícias? — perguntei.

Phillip terminou de mastigar um pedaço de presunto e apontou o garfo para mim. — Pelo que ouvi, Grimes já prometeu retribuição, assim que descobrir quem é a mulher que finge ser a Aranha.

Eu bufei. A única vez que minha reputação como a Aranha poderia ter feito alguém pensar duas vezes sobre mexer comigo, meu inimigo sequer acreditava que eu era a Aranha, para começar. Ah, a ironia. Torcendo o nariz para mim mais uma vez.

— E a pessoa que eu vi na casa dos Grimes? Aquele comprando todas as armas?

Finn encolheu os ombros. — Não consegui descobrir nada sobre quem era.

— Eu também não — Phillip entrou na conversa. — Quem quer que seja, ou para quem esteja trabalhando, eles estão se mantendo fora do radar, junto com o que eles ou os seus empregadores precisam de todas essas armas.

— As armas e quem as queiram, não importa, de qualquer maneira — eu disse. — Matar Grimes é o importante.

— Quantos homens você acha que ele ainda tem? — perguntou Owen.

Pensei em todos que matei na cordilheira e na floresta, junto com os primeiros homens no salão de beleza e os últimos que estavam batendo em Owen. — Se ele tiver uma dúzia de homens, eu diria que é uma estimativa generosa. Depois da carnificina que eu causei no acampamento dele, não me surpreenderia se houvesse mais desertores, como Finn diz que já existem. Mas é com Grimes e Hazel e a magia de Fogo deles que estou preocupada. Eles são realmente perigosos.

— Quão fortes eles são? — perguntou Phillip.

— Fortes o suficiente — respondi. — Eu realmente acho que Hazel pode ser um pouco mais poderosa que Grimes, mas ambos têm magia de Fogo mais que suficiente para ser preocupante, até para mim.

Não acrescentei que era a alegria doentia e sádica que eles tinham em usar sua magia que os transformavam em inimigos verdadeiramente perigosos e impiedosos.

Então, novamente, eu também.

— Então, o que você quer fazer? — perguntou Finn. — Conseguir algumas armas, voltar ao acampamento deles e acabar com eles?

Balancei a cabeça. — Não, Fletcher fez isso, e quase morreu lá em cima. E eu também. Não, acho que é hora de Grimes jogar em nosso território – e em nossos termos.

Finn olhou para mim. Após um momento, ele suspirou. — Eu conheço esse olhar. O que você planeja fazer, Gin? E o quanto isso arruinará meu guarda-roupa?

Eu sorri.

 

* * *

 

Owen, Finn, Phillip e eu traçamos uma estratégia. Uma vez que nós tínhamos tudo combinado, liguei para Bria e a informei. Finn, Phillip e Owen foram para casa passar a noite, mas eu decidi ficar na casa do Cooper. Eu não achava que Grimes pudesse encontrar Jo-Jo e Sophia lá, mas não iria me arriscar.

Cooper me ofereceu a cama dele, mas eu recusei e me aninhei no sofá do escritório. Consegui continuar por muito mais tempo do que deveria, e assim que me deitei, minha exaustão me pegou mais uma vez. Desta vez, eu não tentei lutar contra isso e caí em um sono escuro e sem sonhos.

Acordei tarde naquela noite. No começo, eu não sabia o que me despertou, já que eu geralmente dormia por várias horas logo após ser curada, enquanto minha mente tentava acompanhar e percebia que meu corpo estava inteiro de novo. Mas depois de um momento, uma série de roncos suaves e estrondosos encheu meus ouvidos. Olhei para baixo. Rosco se esparramara no chão ao lado do sofá, suas pernas gordas e grossas se contorcendo em seu sono.

Eu me aconcheguei novamente na ranhura do sofá gasto, mas, por mais que tentasse, não consegui voltar a dormir. Após dar um soco no travesseiro e não conseguindo me sentir confortável pela quinta vez, eu levantei, e abrindo a porta do pátio, saí.

Era uma noite clara e sem nuvens, as estrelas parecendo quase próximas o suficiente para tocar, como pequenas e brilhantes maçãs penduradas no veludo negro do céu. A lua cheia deu a tudo um claro tom prateado, das folhas de grama no quintal para as ferramentas penduradas na forja de Cooper até as folhas na floresta. As pedras de rio do pátio sob meus pés ainda estavam quentes do calor do dia, e resmungavam sonolentas do sol escaldante que as esquentara por horas e fariam a mesma coisa de novo amanhã.

Aparentemente, eu não era a única que não conseguia dormir, porque outra figura estava mais longe: Sophia.

Ela ainda usava jeans e camiseta pretos, o que só deixava sua pele mais pálida. Seu rosto brilhava como um fantasma ao luar – pálido, etéreo e eterno. Seus pés estavam nus, assim como os de Jo-Jo sempre estavam.

Saí do pátio e deliberadamente raspei os pés descalços pela grama, avisando-a que eu estava atrás dela. Sophia olhou por cima do ombro e grunhiu.

— Não conseguiu dormir? — perguntei, movendo-me para ficar ao lado dela.

Ela balançou a cabeça.

— Eu também não.

Nós olhamos para a floresta prateada. Em algum lugar escondido nas árvores, uma coruja soltou uma série de assovios enquanto alguns grilos gorjeavam em resposta. Uma brisa soprou pelo quintal, trazendo consigo o cheiro forte e penetrante das cebolas selvagens que nasceram no meio da grama.

Sophia se abaixou e arrancou uma margarida, uma das várias que brotaram no quintal. Ela lentamente, cuidadosamente, silenciosamente começou a puxar as pétalas da flor, em seguida, as folhas, até que despiu tudo. Ela jogou o caule ao lado e pegou outro.

Ficamos assim por um tempo, com Sophia arrancando e descartando uma margarida atrás da outra, até que ela passou por um lote inteiro delas. Não perguntei o que ela estava pensando. Era fácil perceber que ela estava se lembrando de tudo o que aconteceu nos últimos dias – e todos os horrores que Grimes havia feito com ela e Jo-Jo mais uma vez.

Quando Sophia terminou com sua última margarida, ela jogou a haste à distância, embora permanecesse agachada na grama.

— Obrigada — murmurou finalmente, sua voz parecendo mais quebrada do que nunca. — Por salvar Jo-Jo. Por vir atrás de mim.

— Não precisa agradecer — eu disse. — Meu único arrependimento é não ter acabado com Grimes enquanto estava lá. Hazel também.

Sophia não respondeu. Comecei a perguntar se ela queria falar sobre isso, mas segurei minha língua. Apesar de todos aqueles velhos e sábios conselhos, falar nem sempre ajudava. Não realmente. Tudo o que fazia era arrastar todas as suas emoções turbulentas, confusas e sujas para a luz, para alguém ver. Além disso, voz rouca ou não, Sophia nunca gostara muito de conversar. Então fiquei parada ao lado dela, imóvel e quieta, mostrando a ela que eu estava aqui ao seu lado e que ficaria aqui enquanto ela quisesse.

Para minha surpresa, depois de alguns minutos, ela começou a falar.

— Na primeira vez que ele me sequestrou, eu estava com tanto medo — disse Sophia. — Grimes vinha fazendo ameaças por semanas, tentando fazer Jo-Jo deixar que ele me cortejasse, mas nós duas podíamos dizer que havia algo errado com ele. Dizem que os animais podem farejar o mal. Bem, eu podia sentir isso nele. Mas no final, não importou, porque ele me sequestrou e me arrastou para aquela maldita montanha de qualquer maneira. Você pode imaginar o que aconteceu a seguir.

Tortura, espancamentos, estupro. Jo-Jo me contou um pouco, sobre como Grimes forçou Sophia a respirar Fogo elemental, arruinando a voz dela. Sem dúvida, isso acontecera no buraco, quando ele e Hazel a torturavam. Então eu não precisava que ela preenchesse os detalhes horríveis. Tinha sido horrível, mais do que qualquer pessoa deveria ter que suportar, mas Sophia suportara.

— Foi irônico Grimes me levar para o buraco novamente — continuou Sophia. — Porque aquele é o único lugar que eu tinha um momento de paz dele ele e Hazel. Eles me arrastavam para lá e me obrigavam a escavar dos lados, tornando-o cada vez maior, para que pudessem depositar mais corpos em cima dos que já estavam lá. Mas eu não me importava. Porque após se divertirem comigo, eles iam e faziam outras coisas. Tudo o que eu precisava fazer era continuar cavando, e os guardas me deixavam em paz. Todos aqueles corpos se mexendo, rolando e esmagando sob meus pés, eles me lembravam de que eu ainda estava viva, e eles me ajudaram a continuar, mesmo quando tudo que eu queria fazer era apenas desistir, deitar e morrer. Mas eu vi o que aconteceu com as outras mulheres que imploravam a Grimes por misericórdia, homens também, e eu sabia que não podia fazer isso. Não se eu quisesse viver. Eu sabia que deveria manter minha boca fechada, aguentar e permanecer viva por mim mesma – e por Jo-Jo também.

Eu poderia ter dito a ela o quanto estava arrependida por tudo o que ela sofreu naquela época e novamente nos últimos dias, mas fiquei quieta. Porque essa era a história de Sophia, e eu tinha a sensação de que se a interrompesse agora, ela nunca mais voltaria a contá-la. E eu queria saber tudo.

— Perdi a noção de quanto tempo eu estive no acampamento de Grimes, e quase desisti de qualquer esperança de escapar — disse Sophia, a voz ainda baixa. — Até o dia em que um dos homens dele desapareceu.

— Quando Fletcher veio por você — sussurrei.

Ela assentiu, puxou um trevo da grama e começou a arrancar as folhas. — Grimes não pensou muito no desaparecimento do cara no início, apenas que ele provavelmente havia se embebedado e caído de um penhasco, ou talvez até se afogado no rio. Mas então outro cara desapareceu no dia seguinte. Então outro no próximo. E Grimes e seus homens começaram a encontrar os corpos, todos com as gargantas cortadas ou facadas em seus peitos, e todos deixados a céu aberto, quase como se alguém tivesse declarado guerra contra eles.

Ela parou por tempo suficiente para pegar outro trevo e começar a trabalhar nele. — Então um dia eu estava cavando no buraco quando vi um homem entre as árvores. Ele se aproximou o suficiente para sussurrar que seu nome era Fletcher e que Jo-Jo o enviara para me resgatar. Warren também estava lá. Fletcher me disse que Warren e ele matariam Grimes e me tirariam de lá.

— Mas não funcionou desse jeito — eu disse, tendo uma ideia de onde a história estava indo.

Sophia balançou a cabeça. — Grimes descobriu que Fletcher estava realmente lá por mim. Ele, Hazel, Horace e Henry, seus outros irmãos, armaram uma armadilha, e Fletcher entrou direto nela. Ele conseguiu matar Henry e Horace, feriu Hazel, e até conseguiu que Grimes usasse toda a sua magia de Fogo. Fletcher e Grimes lutaram, mas Hazel atirou nele, e Fletcher estava ferido e fraco demais para acabar com Grimes. Nesse ponto, eu não me importava se Grimes fosse morto. Eu só queria sair da montanha e ir embora. Então convenci Fletcher a sair, e Warren e eu conseguimos arrastá-lo montanha abaixo até onde estava o carro dele. Nós três voltamos para Jo-Jo, e ela o curou.

Desta vez, ela pegou uma folha de grama e começou a rasgá-la em tiras mais finas. — Depois disso, Grimes manteve distância, mas eu estava sempre preocupada que ele voltaria algum dia, então Fletcher me ensinou a lutar, e em troca eu o ajudei a se livrar dos corpos que deixava para trás como o Homem de Lata. Eu percebi que era mais do que uma troca justa.

Então é por isso que Sophia descartou todos esses corpos para Fletcher. Mais uma vez, meu coração se retorceu com o erro, com o pensamento dela fazendo algo repetidamente que a lembrava de Grimes e tudo o que ela sofreu nas mãos dele.

— Fletcher nunca me pediu para fazer isso — disse ela, pegando meus pensamentos. — Ele nunca pediu para que eu me livrasse do primeiro corpo. Mas Grimes me ensinou a cavar covas, e era a única maneira que eu poderia pensar em pagar a Fletcher.

— E eu? — sussurrei. — Por que você continuou fazendo isso por mim? Por que não parar, pelo menos, quando Fletcher morreu?

— Porque Fletcher amava você e a treinou à sua própria imagem. E porque eu devo tudo a ele. Não apenas porque ele me afastou de Grimes. Foram todos os anos de paz que ele me deu depois.

Outro pensamento me ocorreu. — É por isso que você começou a trabalhar no Pork Pit, não é? Então Fletcher poderia ficar de olho em você. Assim ele poderia protegê-la de Grimes, caso ele viesse atrás de você novamente.

Sophia assentiu novamente. — E Fletcher manteve a promessa dele, até o dia em que ele morreu. Ele era um bom homem assim.

Ela não disse o que nós duas estávamos pensando: que Fletcher foi embora agora. Que ele não estava por perto para protegê-la de Grimes.

Mas eu estava.

Eu fiz uma promessa para o velho no escritório dele, e foi a mesma que eu fiz para Sophia e Jo-Jo, embora eu não tenha dito em voz alta para elas, ainda que elas não tenham percebido ainda.

— Não se preocupe com Harley Grimes — eu disse, estendendo a mão e colocando-a no ombro dela, da mesma forma que Owen havia feito comigo quando me devolveu minhas facas mais cedo. — Eu vou me certificar que o desgraçado nunca machuque você ou qualquer outra pessoa, nunca mais. Eu vou terminar o que Fletcher começou, e vou matá-lo para sempre dessa vez. Eu prometo a você, Sophia.

Ela assentiu, mas os músculos grossos em seu ombro se tensionaram sob a minha mão, e a tensão em seu rosto não diminuiu. Depois de um momento ela se arrastou para frente, mantendo-se curvada e se afastando de mim, e pegando outro caule de margarida. Deixei minha mão cair do ombro dela, mas não a segui.

Em vez disso, fiquei lá com ela, no escuro da noite, enquanto ela colhia flores e mais flores, como se ela pudesse arrancar todas as memórias ruins tão facilmente quanto podia separar as pétalas delicadas dos caules.

Mas ela não podia, e nós duas sabíamos disso.


Capítulo 28

 

 

Na manhã seguinte, fui ao Pork Pit e abri o restaurante na hora certa, como de costume.

Apesar de estar sendo caçada por um par de psicopatas Elementares de Fogo, eu ainda tinha uma churrascaria para comandar. Além disso, Grimes estava procurando uma mulher que disse que seu nome era Gin Blanco, e todos sabiam que o Pork Pit era meu. Eu só queria saber quanto tempo levaria para ele perceber que eu realmente era a Aranha e vir aqui para me confrontar.

A única coisa que faltava no restaurante era Sophia. Ela ainda estava escondida na casa de Cooper, junto com Jo-Jo. Eu disse às irmãs para irem com calma e descansar, que nada aconteceria hoje. Que eu tinha Finn procurando algumas pistas e estava formulando um plano sobre a melhor maneira de lidar com Grimes.

Eu não disse a elas que já havia combinado tudo com Finn, Owen, Phillip e Bria. Eu não queria que Sophia e Jo-Jo participassem do meu esquema, e não as queria em nenhum lugar perto de mim, não quando eu estava esperando Grimes dar o primeiro passo. Elas já o enfrentaram duas vezes, o que era vezes demais. Eu lidaria com as coisas daqui, como prometi a Fletcher. Eu não queria que Sophia e Jo-Jo pusessem os olhos em Grimes novamente – pelo menos não até depois de eu matá-lo.

Eu não achava que as irmãs realmente acreditaram em mim, mas elas relutantemente concordaram em ficar lá, especialmente porque nenhuma delas estava cem por cento. Apesar de Cooper ter continuado a usar sua magia nela, Jo-Jo ainda estava fraca, e Sophia, bem, Sophia foi baleada, sequestrada e torturada. Ela precisava de algum tempo para se recuperar disso, e de todas as feridas graves que sofreu por dentro, aquelas que nenhuma magia poderia curar.

Eu me senti um pouco melancólica entrando no restaurante e não vendo Sophia atrás do balcão, cortando seus pãezinhos caseiros para os sanduíches do dia, ou fazendo um grande pote do molho secreto de Fletcher no fogão. Mas era bom que ela não estivesse aqui. Se estivesse, tudo que eu faria seria me preocupar com ela, e eu não podia me dar ao luxo de fazer isso. Eu não podia me dar ao luxo de me distrair por um momento, não quando Grimes e Hazel estavam vindo atrás de mim.

Então fiz o meu exame habitual do restaurante em busca de bombas, runas explosivas e quaisquer outras surpresas desagradáveis que alguém poderia ter plantado nas portas, dentro da loja, ou até mesmo nos banheiros, durante a noite. Quando fiquei satisfeita por ninguém ter entrado no restaurante quando não deveria, eu virei a placa na porta da frente para Aberto, amarrei um avental de trabalho azul por cima das minhas roupas, e liguei os aparelhos para começar a cozinhar.

Os garçons apareceram meia hora depois. Alguns ficaram surpresos quando eu disse a eles que Sophia não estaria lá no resto da semana, mas ninguém me disse nada sobre isso. Eles estavam muito preocupados com o que eu poderia fazer com eles, como a Aranha, para me dar qualquer palpite sobre trabalhar um pouco mais duro, por termos uma pessoa a menos.

Mas o dia passou em silêncio. Eu cozinhei, servi as mesas, cozinhei um pouco mais, e até consegui ler alguns capítulos de Dr. No, de Ian Fleming, que eu estava lendo para uma aula de literatura de espionagem que eu começaria no Ashland Community College em algumas semanas.

As pessoas iam e vinham, entrando e saindo do restaurante num ritmo regular, familiar e reconfortante. Ninguém entrou no Pork Pit que não deveria, e ninguém tentou me matar. Ao todo, foi um dia bastante chato.

Contudo, eu sabia que não duraria. E estava ansiosa para mostrar a Grimes que eu era realmente e verdadeiramente a Aranha.

 

* * *

 

Os homens de Grimes apareceram no Pork Pit pouco antes do meio-dia no dia seguinte.

Oh, eles tentaram esconder quem eles eram, trocando seus costumeiros ternos antiquados em favor de jeans, botas e camisas de caubói , com botões de pérola. Mas as roupas deles eram óbvias, a julgar pela aparência rígida e áspera de suas camisas, pelos vincos afiados em seus jeans e pelo fato de que não havia nem uma partícula de sujeira em suas botas elegantes. Além disso, um deles trouxe seu fedora marrom para o restaurante e o jogou na cabine ao lado dele, um chapéu exatamente igual ao que todos os homens de Grimes usaram.

Para todos os efeitos, os dois homens pareciam caubóis que chegaram ao restaurante em busca de uma boa, quente e gordurosa refeição. Mas os olhos deles rastrearam todos os meus movimentos, e eles prestaram mais atenção em mim do que à comida deles. Pena. A torta de morango e pêssego estava excelente naquele dia.

Ou eles estavam aqui para me matar e provar quão fodôes eles eram para o resto do submundo de Ashland, ou estavam me observando por ordens de Grimes. Uma vez que eles não tentaram me matar na frente da caixa registradora ou ficaram à espera e me atacaram no beco quando tirei o lixo, isso significava que eles provavelmente estavam em uma missão de reconhecimento.

Os dois caras ficaram no restaurante por mais de duas horas, pedindo uma segunda rodada de tudo, incluindo a torta. Eu esperava que eles tivessem desfrutado da última refeição.

Enquanto os homens finalmente, lentamente, terminavam suas segundas porções de torta, eu sentei no meu tamborete atrás da caixa registradora, tirei meu celular do bolso da calça jeans e liguei para Finn.

— Finnegan Lane, sempre à sua disposição — respondeu em tom animado.

— Será esta noite.

— Tem certeza? — perguntou.

Abri meu livro na página que havia marcado antes com um recibo de cartão crédito, como se minha conversa com Finn fosse tão casual que eu pudesse ler algumas páginas e conversar com ele ao mesmo tempo. Com o canto do olho, pude ver um dos homens empurrando uma fatia de torta em sua boca e olhando para mim.

— Tenho certeza. Avise os outros. Vou manter o cronograma que nós fizemos.

— Entendido.

Finn desligou, e eu também. Agora tudo o que resta a fazer era esperar e ver exatamente quando Grimes atacaria.

 

* * *

 

Os homens terminaram a refeição, pagaram e saíram. Eles não disseram nada para mim, e não se aproximaram de mim na caixa registradora, em vez disso, deixaram mais dinheiro do que o suficiente na mesa para cobrir o que haviam pedido. Larguei o troco no pote de gorjeta para os garçons compartilharem.

Mas, aparentemente, Grimes não se contentou em saber onde eu estava, porque dez minutos depois que o primeiro par de falsos caubóis deixou o Pork Pit, outro grupo tomou o lugar deles. As mesmas camisas engomadas, os mesmos jeans enrugados, as mesmas botas impecáveis. Suas roupas combinavam exatamente com as usadas pelo primeiro, e esses dois seguiram a mesma rotina. Pedindo muita comida, demorando-se em tudo, não pagando até duas horas mais tarde.

Depois que eles finalmente saíram, um terceiro par entrou dez minutos depois, como um relógio, para enxaguar e repetir todo o processo novamente.

Bem, Grimes era definitivamente meticuloso. Eu precisava reconhecer isso. Ele conseguiu manter pelo menos dois conjuntos de olhos em mim a maior parte do dia. Eu me perguntei se ele realmente achava que eu era idiota o suficiente para levá-lo até Sophia e Jo-Jo, e que eu não previ que ele viria atrás de mim em primeiro lugar.

— As pessoas certamente devem estar com fome hoje — comentou Catalina Vasquez, uma das minhas garçonetes, enquanto pegava um jarro de água do balcão atrás de mim. — Porque aqueles caras que acabaram de chegar pediram uma carga de comida. Essa é a terceira mesa que eu servi hoje e que queriam praticamente tudo no cardápio.

— Deve ser o calor — falei. — Nada aumenta mais o apetite das pessoas como estar ao ar livre, subindo e descendo montanhas, cavando sepulturas, coisas assim.

Catalina perdeu completamente o sarcasmo em minhas palavras. Ela me deu um olhar perplexo, como se eu estivesse falando bobagem. Talvez o comentário sobre as sepulturas fosse um pouco exagerado. Mas depois de um momento, ela encolheu os ombros e se aproximou para encher os copos de água dos observadores.

Virei outra página do livro, completamente despreocupada com os olhares furiosos e zangados que vinham em minha direção – e a violência que certamente aconteceria antes do dia acabar.

 

* * *

 

Segui minhas rotinas habituais, e as horas passaram, até que finalmente era hora de fechar o restaurante à noite. Depois que Catalina e o resto dos garçons saíram pelos fundos, eu tranquei a porta, depois fui para frente da loja para desligar todos os aparelhos.

Quando tudo estava desligado, apaguei as luzes, saí pela porta da frente. E a tranquei também. Então enfiei as mãos nos bolsos da calça jeans, assobiei uma melodia animada e, lentamente, caminhei até o próximo quarteirão, onde havia estacionado meu carro na rua.

O Pork Pit não ficava tão longe de Southtown, a parte de Ashland, que era o lar de prostitutas, cafetões, gangues e outras pessoas desesperadas e perigosas. Duas prostitutas vampiras deixaram seus locais de caça a poucos quarteirões de distância e vagavam por aqui, procurando clientes. As blusas de lantejoulas mal cobriam os seios, enquanto as saias de quinze centímetros de comprimento se agarravam ao topo das coxas. Elas estavam usando menos do que o normal, devido ao calor sufocante.

As duas prostitutas pelas quais passei me deram respeitosos acenos de cabeça e fizeram questão de ficar fora do meu caminho. Até mesmo o cafetão delas, que estava escondido atrás de uma lixeira no beco, se curvou mais quando me viu. A palavra se espalhou sobre este quarteirão e os arredores, sobre quem eu era e quão muito morto eu poderia deixá-los.

A deferência de todos os outros para mim fez os dois idiotas que me seguiam se destacar muito mais.

Eram os dois homens que entraram primeiro no restaurante hoje, ainda vestindo suas camisas de botão de pérola, jeans e botas de caubói. Eles andavam cerca de quatro metros atrás de mim. Como já passava das sete, todos os motoristas saíram do centro para o trabalho noturno nos subúrbios, e não havia aquele tráfego de pedestres na calçada ou muitos veículos na rua.

Bem, exceto pelas duas prostitutas vampiras e os motoristas que desaceleravam para dar uma olhada nelas. Um homem tocou em um toot toot de sua buzina. As prostitutas inclinaram os quadris para o lado e acenaram para ele, convidando-o a dar uma olhada mais de perto em tudo que tinham para oferecer.

Além da ação limitada, a área estava praticamente deserta, e eu teria que ser cega para não perceber quão interessados os dois caubóis estavam em mim. Talvez Grimes não tivesse treinado seus meninos como eu pensava. Ou talvez ele estivesse usando tudo o que tinha, dado quantos eu matei no acampamento.

De qualquer forma, cheguei ao meu carro, entrei, liguei o motor e saí. Eu olhei no espelho retrovisor. Os dois homens estavam entrando em seu próprio carro, o qual estava estacionado no final do quarteirão. Então diminuí a velocidade e parei no semáforo, embora pudesse ter facilmente passado direto por ele. Eu não queria que os idiotas me perdessem. Poderia levar horas para eles me encontrarem novamente, e isso simplesmente não funcionaria, especialmente desde que eu queria Grimes morto antes do pôr do sol.

Quando a luz mudou, os homens estavam se afastando do meio-fio e subindo a rua atrás de mim. Atravessei o cruzamento e dirigi até a casa de Fletcher como se eu não tivesse uma preocupação no mundo – e não percebi que alguém estava me seguindo.

E eles fizeram um trabalho ruim também. Em vez de ficarem a uma distância segura, os homens correram até estarem bem no meu parachoque traseiro, depois recuaram abruptamente. Quando perceberam que se afastaram demais e corriam o risco de me perder no trânsito do centro da cidade, eles se aproximaram do meu parachoque novamente. E foi esse aproximar e recuar, aproximar e recuar, todo o caminho até a casa de Fletcher. Eu revirei meus olhos. Boa ajuda era realmente difícil de encontrar hoje em dia.

Mas cheguei em casa sem eles me atrapalharem e entrei na garagem. Tirei o pé do acelerador, indo para frente, mas os homens não me seguiram como achei que poderiam fazer. Em vez disso, eles seguiram pela estrada, como se fossem para algum lugar completamente diferente.

Suspirei. Eu realmente queria continuar com o negócio de matá-los e confrontar o chefe deles. Mas as coisas boas vinham para aqueles que esperavam, e eu era muito, muito boa em esperar.

Então eu dirigi meu carro até a entrada da garagem, estacionei, e fui para dentro da casa para me preparar para os meus visitantes não tao inesperados. Não demoraria muito.

 

* * *

 

Meia hora depois, eu estava sentada em uma cadeira de balanço na varanda da frente, bebendo uma limonada com amora, quando Harley Grimes finalmente fez seu movimento.

Em um minuto, eu estava sozinha, tomando minha bebida e perguntando-me por quanto tempo teria de me sentar ali, antes de Grimes e Hazel morderem a isca que eu estava tão atenciosamente balançando na frente deles – eu. No minuto seguinte, ouvi um carro começar a rugir na entrada de cascalho. Então outro. Em seguida, outro. Três veículos no total, subindo a colina o mais rápido que podiam, era como se achassem que eu correria assim que os ouvisse e percebesse quem eles eram.

Eu não correria, não esta noite.

Os carros deixaram a estrada e derraparam até parar no quintal, perto da borda das árvores, cuspindo terra e cascalho por toda parte, e cortando qualquer fuga que eu pudesse ter pensado em fazer pela floresta. Homens saíram dos veículos um segundo depois. Armas puxadas, eles se espalharam na minha frente. Havia apenas oito deles, que era o que eu esperava. Reconheci seis como os observadores do Pork Pit, embora eles tivessem trocado suas roupas de caubói por seus ternos, botas e alforjes tradicionais e antiquados. Mas não importava muito o que eles usavam. Porque cada um deles estava morto – eles só não sabiam disso ainda.

Finalmente, mais duas figuras saíram do último carro: Hazel e Harley Grimes.

Hazel marchou para se juntar aos homens agrupados no gramado, mas Grimes permaneceu no carro, olhando para a casa de Fletcher. Eu me perguntei se ele estava pensando em construir uma versão semelhante e distorcida na montanha. Bem, ele não teria a chance.

Coloquei um pé no corrimão, inclinei minha cadeira de balanço um pouco mais para trás, e tomei outro longo gole da minha limonada, completamente despreocupada com todas as armas apontadas para mim.

Finalmente, Grimes se aproximou e se juntou a Hazel e seus homens, em pé no meio deles. Ele também estava vestindo outro terno antiquado, este um preto que era tão escuro quanto sua alma. Seu chapéu também era preto, com uma pena branca empoleirada na aba, como de costume. Hazel usava um vestido branco com uma fita preta na cintura. Mais alfinetes de diamantes brilhavam em seu cabelo preto ondulado, este conjunto em forma de pequenas rosas. Eu me perguntei se o irmão e a irmã tinham roupas fúnebres combinando. Eu esperava que sim. Eles precisariam delas em breve.

Sempre educado, Grimes ergueu o chapéu por um momento antes de baixar a cabeça para mim. — Srta. Blanco — disse ele. — Por favor, me perdoe por minha descrença durante nossos encontros anteriores no meu acampamento. De acordo com tudo que meus homens ouviram, você é de fato quem diz ser, a Aranha.

— Bem, já era hora de você descobrir isso — eu disse, e tomei outro gole da minha bebida. — Eu teria pensado que todos aqueles cadáveres que deixei em sua casa teriam lhe dado pistas para esse simples fato. Mas eu acho que você está apenas um pouco lento na absorção.

— E vejo que você pegou a mesma insolência que Sophia — murmurou Grimes. — Mas Hazel pode rapidamente curar você disso.

Hazel sorriu para mim, Fogo elemental piscando em seus olhos em antecipação pela luta que viria. Ela estava ansiosa para me torturar com sua magia novamente. Bom. Porque eu estava ansiosa para cortar a garganta dela.

O olhar de Grimes percorreu o quintal novamente antes de examinar a frente da casa, tentando ver se havia alguma luz acesa dentro ou qualquer indício de movimento através das janelas. — Onde está Sophia? Pensei que ela estaria aqui com você, dado quão... Protetora você tem sido dela.

— Você também pode esquecer sobre Sophia, porque ela está em um lugar onde você nunca, nunca vai encontrá-la.

Grimes me deu um sorriso curto. — Eu duvido disso, vendo quão facilmente eu te encontrei. Eu tive meus homens observando você o dia todo naquele restaurante que você tem no centro da cidade.

Retornei seu sorriso com um ainda mais frio. — Você acha que eu não sabia disso? Você realmente não deveria ter vestido todos eles como caubóis. Ou, pelo menos, você deveria ter certeza de que as roupas deles não eram tão obviamente novas.

Grimes me estudou, tentando descobrir se eu estava dizendo a verdade. — Se você sabia que eles estavam lá, que estavam te observando, então por que você não tentou escapar deles?

— Porque não tenho medo deles – ou de você. Você é um homenzinho mesquinho e insignificante que se satisfaz machucando os outros. Se eu corresse toda vez que um deles entrasse no restaurante, bem, eu nunca estaria aberta para negócios.

Sua carranca se aprofundou, e a raiva brilhou em seus olhos. Ele não gostava de ouvir a verdade sobre si mesmo. Que pena.

Tomando o último gole da minha limonada, coloquei o copo no corrimão, me levantei e saí da varanda. Caminhei pelo pátio e parei a uns seis metros de Grimes e Hazel. Eles ficaram no meio dos oito capangas que trouxeram junto com eles. Não exatamente a posição em que eu os queria, mas eles estavam aqui, e isso era tudo o que realmente importava.

— Você deveria mandar seus homens embora — eu disse. — A menos que você queira que eles morram no fogo cruzado. Todos nós sabemos que isso é entre você, Hazel e eu.

Grimes me deu um olhar divertido. — Você realmente acha que pode vencer Hazel e eu e nossa combinação de magia de Fogo? É por isso que você deixou meus homens te seguirem? Porque você tem alguma noção fantasiosa de nos derrotar em um duelo elemental como você fez com Mab Monroe?

Dei de ombros. — Não senti vontade de caminhar até sua montanha estúpida novamente. Além do mais, achei que era hora de você vir a Ashland e ver como fazemos as coisas aqui na cidade grande.

Grimes olhou para a casa e para a clareira novamente, e seus lábios se curvaram em um sorriso zombeteiro. — Você fala sobre viver aqui sozinha, nessa casa decadente? Prefiro meu acampamento. Você também vai amar lá, com o tempo, Gin. Eu apenas sei que você vai.

Mais uma vez, aquele olhar ganancioso e lascivo flamejou em seus olhos, e seu olhar oleoso e lascivo subiu e desceu pelo meu corpo, tentando ver minhas curvas através da calça jeans, camiseta preta de mangas compridas, e colete preto correspondente que eu estava usando.

Dei a ele um olhar uniforme. — Eu disse isso antes e direi de novo. Eu prefiro estar morta a ser um dos seus brinquedos. Eu consegui sobreviver à montanha. Eu sobreviverei a você, sua irmã distorcida, e o que sobrou de seu pequeno exército também.

— Sua puta estúpida — rosnou Hazel. — Você acha que pode derrotar todos nós sozinha?

— Bem, docinho — eu disse, — Quem disse que eu estou sozinha?

Ela olhou para mim, e eu sorri para ela. Grimes franziu o cenho com as minhas palavras, mas foi Hazel quem finalmente percebeu o que eu estava fazendo e por que eu deixei que eles me seguissem para casa. Ela amaldiçoou, e uma bola de Fogo elemental brilhou para a vida em sua mão.

Um sinal perfeito, se alguma vez houve um.


Capítulo 29

 

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Tiros dispararam da floresta à esquerda da casa. A primeira onda de tiros derrubou dois dos homens de Grimes. Os outros viram seus amigos caídos no chão, depois se abaixaram e se arrastaram para trás de seus carros a fim de se proteger. Eles levantaram suas próprias armas e começaram a atirar para as árvores de onde vinham as balas, mas não me incomodei em me esquivar ou correr para me esconder. As balas não eram para mim. Eu deixei Grimes e seus homens me seguirem até a casa Fletcher para que pudesse atraí-los para minha própria armadilha, para minha própria teia de morte, e Grimes foi arrogante o suficiente para cair nela.

Enquanto eu estava sentada na varanda bebendo limonada, Finn, Bria, Owen e Phillip estavam se posicionando na floresta, prontos para atacar Grimes, Hazel e seus homens quando eles aparecessem.

Crack!

Crack! Crack!

Crack!

Meus amigos dispararam mais uma chuva de balas contra os bandidos, quebrando os pára-brisas e amassando as portas do carro em que eles estavam agachados atrás. Mas mantive meus olhos fixos em Grimes e Hazel, que olhavam para mim, tão despreocupados com as balas quanto eu. Fiquei onde estava, porque era o momento que eu estava esperando, a minha chance de finalmente matá-los.

Por Sophia, por Jo-Jo e por Fletcher.

— O que você fez? — cuspiu Hazel.

— Apenas me certifiquei de que vocês recebam o que tão ricamente merecem — falei cinicamente para ela.

Hazel gritou de raiva, e as chamas crepitantes em sua palma se intensificaram. Eu fiquei tensa, pensando que ela poderia arremessar sua bola de Fogo elemental em mim, mas ao invés disso, ela se virou e a jogou na floresta. O fogo atingiu uma árvore e explodiu, enviando chamas para o ar e lambendo as folhas e grama no chão.

À distância, eu pude ouvir Finn gritando com Bria e os outros para cuidarem do Fogo. Ele sabia tão bem quanto eu que eles não podiam se dar ao luxo de deixar as chamas escaparem do controle, ou toda a cordilheira poderia queimar, junto com a casa de Fletcher – e então todos nós estaríamos mortos.

Hazel riu com prazer sombrio ao perceber que as chamas estavam se espalhando. Bria deixou o local de observação na floresta para correr até a árvore em chamas. Os homens de Grimes atiraram contra ela, mas Finn e os outros lançaram outra rodada de tiros para cobri-la. Uma luz branco-azulada se acendeu na mão de Bria, e ela lançou uma explosão de magia de Gelo que rapidamente transformou as chamas em pingentes de gelo grossos e retorcidos.

A risada de Hazel se interrompeu. Outra bola de Fogo apareceu em sua mão, e ela recuou, pronta para jogá-la em Bria e queimar minha irmã onde ela estava. Eu espalmei minhas facas e avancei para ela, determinada a impedir que isso acontecesse.

Hazel me viu saindo do canto do olho dela. Ela esperou até que eu estivesse ao alcance, então girou na minha direção e empurrou a mão – e as chamas cintilando nas pontas dos dedos – na minha cara.

Tive tempo suficiente para pegar minha magia de Pedra e usá-la para endurecer minha pele, cabeça, cabelos e olhos, antes que o calor me engolisse, fazendo-me sentir como se estivesse em pé ao lado de uma lareira aberta. Hazel não era tão forte quanto Mab, mas ainda era uma Elemental poderosa à sua maneira, e levei um momento para parar e apagar as chamas de seu poder com a minha própria magia de Pedra. Fumaça subiu do meu corpo, e fagulhas e cinzas caíram das minhas roupas.

Os olhos de Hazel se estreitaram. — Então é verdade. Você tem magia de Pedra, junto com todo aquele Gelo que você jogou no cume.

— Você realmente deveria ter escutado os rumores — silvei. — Porque agora eu vou matar você, assim como eu fiz com todos os outros antes de você. Assim como eu farei com todos os outros depois de você, que forem estúpidos o suficiente para mexerem comigo e com os meus amigos.

Outra bola de Fogo apareceu na mão de Hazel. — Não se eu matar você primeiro, cadela.

Em vez de responder, eu me joguei nela.

Eu esfaqueei com minhas facas, tentando acabar com Hazel de uma vez por todas, mas ela pegou ainda mais magia, transformando seus punhos em duas tochas flamejantes. Toda vez que eu girava para ela, ela empurrava as chamas de sua magia para o meu rosto, me fazendo recuar. Então eu peguei minha magia de Pedra, usei para me endurecer e fui atrás dela novamente.

Hazel percebeu que eu ia atrás dela através das chamas, e se aproximou para me encontrar.

Golpe-golpe-golpe.

Whoosh!

Golpe-golpe-golpe.

Whoosh!

Toda vez que eu a golpeava com minhas facas, Hazel pegava ainda mais de sua magia e a jogava na minha direção. Como não queria me queimar viva na hora, eu mantive distância.

Por fim, fiquei enjoada do jogo de Hazel e atravessei as chamas na direção dela. Uma facada no coração dela, e se esqueceria de usar seu poder de Fogo em mim. Ela esqueceria tudo, exceto do quanto eu a machuquei.

E eu queria machucá-la.

Mas Hazel era uma lutadora tão boa quanto eu. Forte, rápida, decisiva, implacável. Toda vez que eu atacava com uma faca, ela conseguia bloquear o golpe. Ela socou com o punho, chamas saindo dentre seus dedos, e me fez abaixar para o lado. Voltei para a esquerda com uma faca, mas ela já estava lá, antecipando o golpe.

Golpe.

Soco.

Golpe-golpe.

Soco-soco-soco.

E assim por diante, com nenhuma de nós capaz de fazer qualquer dano real a outra. Tudo o que fazíamos era desgastar uma a outra e usar toda a nossa magia no processo.

Com o canto do olho, pude ver Grimes nos observando enquanto nos movíamos em círculos pelo pátio. De vez em quando, ele se virava e lançava uma bola de fogo no bosque, forçando Bria a usar o seu poder de Gelo para contê-lo, e mantendo os outros presos lá embaixo, mas principalmente, ele me observava lutar Hazel.

Sim, ele era do tipo que gostava de assistir. Eu me perguntei se essa era outra maneira de conseguir sua emoção, além de torturar as pessoas em seu buraco da morte ou caçá-las como veados na floresta. Eu esperava que ele gostasse do show, porque ele conseguiria um lugar na primeira fila para a segunda rodada. Eu o mataria assim que terminasse com Hazel.

Desliguei Grimes da minha mente e concentrei toda a minha atenção em Hazel mais uma vez. De um lado para outro, nós lutamos, levantando poeira, sujeira, grama, cascalho e tudo o mais que estava sob os pés, como se estivéssemos no centro de alguma tempestade de poeira.

Finalmente, eu vi uma abertura e a peguei. Levantei minhas duas facas e fui para matar. Hazel pegou uma das minhas mãos, depois a outra. Nós balançamos para frente e para trás, tentando empurrar as lâminas para qualquer lugar que ela pudesse ir, e facilmente usando sua mistura de força gigante e anã para me manter a distância.

— O que você fará agora? — As chamas de sua magia lambendo minha pele, tentando quebrar a casca protetora do meu poder de Pedra.

— Que tal isso? — assobiei para ela.

Dei uma cabeçada na cadela o mais forte que pude.

Eu acertei o nariz, o osso quebrando como cereal sob a minha testa. Snap, crackle, pop. Pela primeira vez, um dos meus golpes realmente pareceu ter um impacto. Hazel cambaleou para longe, sangue jorrando por todo o rosto, seus olhos revirando. O Fogo dançando em seus dedos diminuiu para um nível administrável. Girei as facas em minhas mãos e fui atrás dela, pressionando a minha vantagem.

Lasca.

Lufada.

Acertei a faca no braço direito de Hazel, fazendo-a gritar com dor. Eu me abaixei, e seu punho flamejante passou bem na frente do meu rosto.

Lasca.

Lufada, lufada.

Um corte no braço esquerdo dessa vez, seguido por um corte no estômago. Hazel balançou para frente, ainda olhando para mim, mas eu facilmente me esquivei de seus golpes.

Lasca.

Lufada.

Um golpe mais profundo e brutal entrou e deslizou de sua clavícula antes que minha faca se soltasse de seu corpo. Hazel gritou e cambaleou para frente novamente, mas desviei de seu golpe desajeitado.

Ela sacudiu o resto de seu torpor e se moveu para bloquear o meu próximo ataque. Levantei minhas facas como se fosse tentar esfaqueá-la novamente, mas era uma farsa para disfarçar minha real intenção. Hazel se aproximou para pegar meus braços de novo, mas me abaixei e ataquei com o meu pé, varrendo suas pernas debaixo dela. Ela soltou um grito de surpresa ao cair, e sua cabeça bateu contra o solo.

Antes que ela pudesse se recuperar, eu me joguei em cima dela. Levantei minha faca, pronta para mergulhá-la no coração negro e venenoso de Hazel...

Uma explosão de Fogo me tirou de cima dela.

Eu estava tão focada em Hazel que me esqueci de Grimes durante a luta. Ele parecia ter gostado de assistir duas garotas lutando, mas aparentemente ele desenhou uma linha sobre eu realmente matar sua irmã. Tentei me levantar, mas outra onda de Fogo tomou conta de mim, ainda mais quente e mais brutal do que antes. Respirei fundo de surpresa, e pude sentir as chamas tentando forçar o caminho pela minha garganta, mas consegui usar minha magia de Pedra para bloquear o ataque.

Dessa vez, era eu quem estava atordoada, mas levantei de qualquer maneira e virei para enfrentar meus inimigos.

Crack!

Crack! Crack!

À distância, Finn, Phillip e Owen ainda disparavam contra o que restava dos homens de Grimes, enquanto Bria trabalhava para conter as rajadas de Fogo que Grimes enviara em seu caminho. Mas afastei todos os pensamentos de meus amigos e das chamas ainda lambendo a borda da floresta. Eu não podia me dar ao luxo de ser distraída por qualquer coisa agora, ou estaria morta.

O que ainda era uma possibilidade nítida.

Era um risco, enfrentar dois elementais ao mesmo tempo, mas era uma oportunidade que eu precisava aceitar. Eu não queria Sophia e Jo-Jo envolvidas nessa luta, mas a verdade é que eu não queria Finn, Bria, Owen ou Phillip também. É por isso que insisti que eles ficassem na floresta, ao invés de Bria e Owen ficarem lado a lado comigo e usar suas magias, como eles queriam. Eu senti o quanto Grimes e Hazel eram fortes em sua magia no cume, e não queria que os outros fossem torturados com ela caso as coisas dessem errado. Dessa forma, mesmo que os dois usassem a combinação do poder deles para me matar, meus amigos ainda teriam a chance de atirar neles da floresta. Eu disse a Finn, especialmente, para matar Grimes – ainda que ele tivesse que me sacrificar para fazê-lo.

E parecia que isso iria finalmente acontecer.

— Não tem que ser assim — disse Grimes. — Diga-me onde está Sophia e deixo você viver, Gin. Você e Sophia. Você pode vir comigo, ficar comigo. Vocês são fortes. Vocês duas precisam de alguém que pode lidar com essa força, domar, moldar – alguém como eu.

Ele estava tão focado em mim que não viu o olhar maligno que Hazel atirou nele. Ela se certificaria de que eu não viveria uma semana caso eu fosse estúpida o suficiente para aceitar a oferta de Grimes.

— É melhor você me matar agora — murmurei, com minha voz áspera e crua do Fogo elemental que eu inalei. — Porque você nunca me terá, e eu nunca vou parar de pensar em maneiras de te matar. E, mais cedo ou mais tarde, eu vou conseguir.

Grimes sacudiu a cabeça, como se minhas ameaças de morte o entristecessem profundamente. — Como você deseja, então.

Ele estendeu a mão para o lado. No começo, me perguntei por que, mas então Hazel se aproximou e entrelaçou seus dedos com os dele. Ela me deu outro sorriso maligno, feliz por seu irmão ter chegado até ela. Magia de Fogo assobiou, faíscou e crepitou onde suas mãos se encontraram, e as chamas cresceram e cresceram. Grimes e Hazel levantaram as mãos livres. Chamas explodiram lá também, queimando tão forte e brilhante quanto fogueiras idênticas. Mais uma vez, a magia deles estava perfeitamente em sincronia, fluindo e vazando no tempo, yin e yang reunidos. Ou mal e mais mal, neste caso.

Separadamente, cada um deles era um Elemental forte. Mas juntos, a magia combinada rivalizava com a de Mab. Inferno, eles poderiam até ter superado ela. Eu me tornei mais forte desde que lutei com Mab, mas a intensidade da magia deles me fez rosnar e cerrar meus dentes como um cão raivoso. Eu alcancei minha magia de Pedra e usei-a para endurecer minha pele mais uma vez.

Grimes e Hazel estenderam os braços. Eles deixaram o Fogo construir e construir.

Então eles o jogaram em mim – todas as suas forças, todo o seu poder, todo o seu ódio.

Onda após onda de calor escaldante, fumegante e incrível bateu em meu corpo. Cerrei meus dentes com mais força para não gritar. Tudo o que eu podia fazer era usar meu poder para bloquear a força combinada deles. Tentei alcançá-los, tentei chegar perto o suficiente para cortar apenas um deles com minhas facas, mas toda vez que eu conseguia cambalear para frente a poucos metros, outra onda de magia de Fogo me enviava para trás. Mas continuei tentando, continuei lutando, continuei avançando, embora tudo o que eu realmente estivesse fazendo fosse arrastar meus calcanhares na grama queimando sob os pés. Tudo que eu precisava era separá-los, impedi-los de compartilhar a magia deles e jogar a força combinada disso em mim, e então eu poderia matá-los.

Pelo menos, foi o que eu disse a mim mesma, apesar de saber que isso não era verdade.

Porque eu já havia usado uma quantidade razoável da minha magia lutando com Hazel, e não tinha o suficiente armazenado para parar os dois. Mesmo com o poder que eu coloquei de volta no meu anel de aranha durante os últimos dois dias e o que estava nas facas em minhas mãos, eu ainda ficaria sem magia antes deles. Então o Fogo elemental deles iria me banhar e me reduzir a fuligem e cinzas fumegantes no local.

E não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso.

— Gin! — Pensei ter ouvido Owen gritar. — Espere! Eu estou indo!

Crack! Crack! Crack! Crack!

Meus amigos dispararam ainda mais tiros, mas o que sobrou dos homens de Grimes devolveu o fogo deles, mantendo-os a distância. Eles não me alcançariam a tempo, e todos nós sabíamos disso. Ainda assim, eu aguentaria o máximo que pudesse. Porque se eu não conseguisse matar Grimes e Hazel, então talvez eles pudessem. Porque, magia ou não, se Finn e os outros os enchessem com balas suficientes, então a magia deles diminuiria, e Finn poderia avançar e terminar o trabalho...

Através da fumaça e das chamas, eu vi uma figura bater em Grimes e Hazel, e percebi que era Owen.

Ele se jogou no irmão e na irmã, e os três caíram como pinos derrubados por uma bola de boliche. Mesmo que ele tivesse quebrado a concentração deles, Grimes e Hazel estavam segurando a magia, e as chamas caíram sobre Owen, como se ele fosse o pavio no centro de uma vela acesa. Seus gritos roucos ecoaram por todo o cume.

— Owen! — gritei, cambaleando em direção a ele. — Owen!

Os três rolavam na grama, mas eles finalmente pararam. A cabeça de Grimes bateu contra o chão, atordoando-o, mas Hazel se posicionou em cima de Owen. Ela levantou a mão para trás e reuniu magia de Fogo novamente.

Avancei através das chamas, enfiei meus dedos em seu cabelo, e a puxei de cima dele. Eu a joguei para o lado o mais forte que pude, arrancando fios de cabelo preto pelas raízes. Hazel gritou de dor, mas não dei tempo para ela se recuperar. Ela bateu no chão, e um segundo depois eu estava em cima dela. Hazel alcançou seu Fogo, jogando-o no meu rosto.

Eu ignorei as chamas que queimaram minha pele, ergui minha faca, e a enterrei até o cabo no coração negro e ardente da cadela.

Hazel arqueou as costas e soltou um grito horripilante. Tirei a faca e a coloquei no peito dela novamente, torcendo-a, torcendo-a e torcendo-a para dentro. Os músculos rasgaram, os tendões estalaram, e uma das costelas quebrou sob o meu ataque brutal. Hazel bateu em mim, seus golpes ficando cada vez mais fracos com cada segundo que passava, o Fogo em seus dedos dando lugar a fagulhas vermelhas e laranjas fumegantes. Tirei a faca do seu peito de novo.

E desta vez, eu cortei sua garganta com a lâmina.

Sangue esguichou da ferida, respingando em mim, tão quente quanto as chamas ainda lambendo minha pele. Os gritos de Hazel se reduziram a gemidos gorgolejantes, então foram sufocados por completo. Ela olhou para mim, o brilho, o Fogo cintilante em seus olhos lentamente, teimosamente escurecendo e entorpecendo conforme a morte se apoderava dela. Sua cabeça pendeu para o lado, e as últimas chamas dançando nas pontas dos dedos desapareceram na fumaça. Depois de um momento, até mesmo isso flutuou no céu noturno e se dissipou.

Quando eu tinha certeza que ela estava morta, rastejei até onde Owen estava deitado de costas na grama. Profundas, escuras, feias queimaduras vermelhas e com bolhas cobriam cada parte dele que eu podia ver – seu peito, mãos, braços e rosto. Suas sobrancelhas foram chamuscadas, e seu couro cabeludo brilhava em um rosa bebê em lugares onde seu cabelo preto foi queimado. A bile subiu na minha garganta com seus ferimentos devastadores.

— Gin — murmurou.

— Tudo bem — sussurrei, tentando não deixá-lo ver como eu estava preocupada. — Você ficará bem...

Uma sombra caiu sobre mim, apagando o sol da tarde. Eu olhei para cima. Harley Grimes havia saído do seu torpor e agora estava em cima de mim, mais Fogo se acumulando na palma da sua mão. Ele recuou o braço, pronto para jogá-lo em mim, pronto para acabar comigo. Eu alcancei a pequena quantidade de magia que eu tinha e pairei sobre Owen, determinada a protegê-lo tanto quanto eu pudesse...

Uma figura escura vestida toda de preto bateu em Grimes por trás. Sophia.

Sophia? O que diabos ela estava fazendo aqui?

Eu pisquei e pisquei, imaginando se meus olhos e as nuvens de fumaça que enchiam o quintal estavam me enganando, mas era ela. Sophia estava aqui e estava lutando contra Grimes.

Com uma mão, Sophia enterrou o rosto de Grimes na terra. Com a outra, ela soltou uma série de golpes brutais em seus rins.

Grimes conseguiu erguer a cabeça e soltar uma gargalhada encantada. — Oh, Sophia — ronronou. — Ainda tentando me matar depois de todos esses anos. Quando você vai aprender?

Grimes estendeu uma mão e atacou Sophia com sua magia de Fogo. Ela grunhiu com a dor e rolou para longe dele, sufocando as chamas queimando suas roupas e pele. Um momento depois, ambos estavam de pé novamente, punhos cerrados, olhando um para o outro.

Meu olhar passou rapidamente por eles. O conversível clássico de Sophia estava na calçada atrás dos veículos que os homens de Grimes conduziram até aqui. Eu não ouvi o carro parar com toda a comoção. Mas ela não era a única que veio. Jo-Jo estava encostada na lateral do carro, segurando o braço de Cooper para se apoiar. Eu não havia dito a eles o que estava acontecendo hoje à noite, mas eles devem ter percebido isso sozinhos. Isso, ou Finn havia dito a eles.

Finn, Bria e Phillip vieram correndo, tendo finalmente despachado o último homem de Grimes. Finn mirou em Grimes. Ele olhou para mim, mas balancei a cabeça. Finn assentiu e abaixou a arma.

Grimes olhou para Finn, Bria e Phillip, depois para Owen e eu, e finalmente para Cooper, Jo-Jo e Sophia. Pela primeira vez, ele pareceu perceber que estava sozinho e que Hazel e o resto de seus homens estavam mortos.

Mas isso não o perturbou nem o preocupou. Em vez disso, ele alcançou sua magia de Fogo mais uma vez, mais do que nunca, até que seus olhos queimaram como ouro líquido escuro com seu próprio poder, e chamas acenderam e estalaram como fogos de artifício explodindo em seus dedos.

— Venha comigo agora, Sophia — pediu ele. — E eu não matarei seus amigos.

Outra maldita mentira, e todos nós sabíamos disso.

Sophia balançou a cabeça. — Não. Você não matará ninguém.

Grimes jogou a cabeça para trás e riu – uma risada selvagem, alta e maluca, que nos dizia o quão enlouquecido ele estava. Seu plano de me caçar, encontrar Sophia e arrastar nós duas de volta para sua montanha se desfez completamente, e Grimes estava se desfazendo junto com ele.

— Sério? E quem me impedirá, você? — zombou. — Por favor. Você não é forte o suficiente para me impedir. Você nunca foi. É por isso que você teve que contratar aquele assassino para protegê-la todos esses anos. Porque você não é forte o suficiente para me matar sozinha.

Sophia deu de ombros. — Talvez não naquela época. Mas sou forte o suficiente agora.

Jo-Jo mancou para frente, ajudada por Cooper, e foi ficar ao lado de sua irmã.

— Nós duas somos — disse Jo-Jo, em uma voz clara e afiada. — Meu único arrependimento é não termos feito isso anos atrás.

Grimes jogou a cabeça para trás e riu novamente. Finalmente, quando percebeu que ele era o único que achava engraçado, ele olhou para Jo-Jo com puro ódio em seus olhos. — Você não vai me matar. Você não tem magia suficiente para me matar. Nenhuma de vocês tem. Nenhuma de vocês é forte o suficiente.

Jo-Jo deu-lhe um sorriso doce. — Essa é a coisa engraçada sobre o Fogo — disse ela. — Não importa o quão forte seja, simplesmente não pode sobreviver sem Ar – e você também não.

Ela alcançou a magia do Ar, os olhos brilhando um branco leitoso. Mas em vez de explodir Grimes com ele, Jo-Jo fez algo ainda mais inteligente e sorrateiro. Ela sugou todo o oxigênio para longe dele.

As chamas que queimavam em sua mão foram imediatamente apagadas. Grimes olhou para sua mão com descrença, depois começou a estalar os dedos, como se tentasse acender um isqueiro. Ele alcançou e alcançou sua magia, mas sem todo aquele precioso oxigênio, não conseguiu que nenhuma faísca ganhasse vida.

Jo-Jo olhou para Sophia, e as irmãs acenaram uma para a outra. Sophia aproximou-se dele devagar.

— Tudo bem — resmungou Grimes, finalmente desistindo de seu poder. — Não preciso de magia para colocá-la em seu lugar, Sophia. Nunca precisei.

Ele soltou um rugido alto e investiu contra ela.

E então eles dançaram.

Apesar de todos os anos que eu a conhecia, não vi Sophia lutar tantas vezes. Mas ela era tão eficiente e brutal com seus golpes quanto eu. Mais do que isso, ela estava motivada por todas as coisas que sofreu nas mãos de Grimes.

Por um tempo, Grimes conseguiu bloquear seus golpes, e tudo o que eles fizeram foi trocar soco após soco. Mas Sophia o desgastou lentamente. Ele perdeu um golpe, e ela o golpeou no meio do corpo. Ele perdeu o próximo, e ela bateu a mão no esterno, quebrando uma costela, a julgar pelo jeito que ele de repente começou a ofegar por ar.

Grimes atacou, balançando, balançando, balançando, mas Sophia afastou seus golpes um depois do outro. Ele chegou ao limite, e ela bateu com a bota em um dos joelhos dele. Ele uivou de dor, mas antes que pudesse tropeçar para fora do alcance, ela apertou as mãos em seus braços e colocou a bota em seu outro joelho. O estalo de seus ossos sacudiu o pátio inteiro.

Sophia o soltou e Grimes caiu no chão como um bloco de cimento. Foi quando todos nós soubemos que havia acabado.

Sophia posicionou-se em cima de Grimes e começou a bater nele, repetidas vezes, como se estivesse batendo num saco de areia na academia.

Thwack-thwack-thwack-thwack.

Ela esmurrou o peito dele, concentrando-se nas costelas e expulsando todo o ar dos pulmões, de modo que ele não podia nem gritar com o que estava sendo feito com ele – assim como ela não foi capaz de gritar depois que ele destruiu suas cordas vocais fazendo-a respirar o Fogo elemental.

Jo-Jo. Cooper. Finn. Bria. Phillip. Todos ficaram parados ali e viram Sophia espancar Grimes até a morte, enquanto eu me encolhia no chão ao lado de Owen. Ninguém disse uma palavra, embora Bria estremecesse com a brutalidade que Sophia desencadeou. Mas ela não esteve no acampamento. Ela não viu o buraco, então não entendia completamente a depravação dele.

Mas eu vi. Mais importante, eu entendi a resposta de Sophia e por que ela precisava fazer isso sozinha.

Eu queria poupar ela e Jo-Jo de enfrentar Grimes novamente, mas elas vieram de qualquer maneira, porque elas precisavam de um fechamento. Elas precisavam ajudar a derrotá-lo. E acima de tudo, elas precisavam saber que o pesadelo estava realmente, finalmente acabado.

Thwack-thwack-thwack-thwack.

E Sophia estava certificando-se de que isso acontecesse a cada golpe que dava.

Eventualmente, Cooper ajudou Jo-Jo a ir até Owen. Os dois anões sentaram-se na terra queimada, pegaram as mãos de Owen e alcançaram a magia do Ar, curando as horríveis queimaduras no corpo dele. Então eles usaram seu poder para me curar também. Finn, Phillip e Bria moveram-se silenciosamente pelo quintal, com as armas ainda desembainhadas, verificando os homens de Grimes para se certificar de que estavam todos mortos.

Levantei e fui ficar perto de Sophia. E fiquei ali, observando-a, apoiando-a, através da coisa toda.

Eu não sabia exatamente quando Harley Grimes morreu. Em um momento, ele ainda procurava respirar. Então no seguinte, percebi que seus olhos estavam focados em Sophia, mas que ele não a via mais.

Sophia continuou batendo em Grimes muito tempo depois que ele morreu, mas eu não disse nada, e não tentei segurá-la. Ela merecia todo o tempo que ela precisava, por tudo que ele fizera para ela e Jo-Jo.

Finalmente, no entanto, seus golpes diminuíram, crepitaram, então pararam completamente. Sophia recostou-se em seus calcanhares, respirando com dificuldade, coberta de mais sangue do que eu já tivera em mim. Seus braços estavam completamente cobertos com ele, e ele pingava das pontas dos dedos como lágrimas escarlates.

Eu olhei para Grimes – pelo menos, o que restava dele. Não era bonito. Sophia usara sua força de anão ao máximo. O rosto dele era uma bagunça ensanguentada e esmagada; o peito afundou; e os joelhos estavam esparramados em ângulos estranhos e impossíveis, onde Sophia os quebrara. Se eu não soubesse que era o corpo de um homem, eu teria pensado que ele não era mais do que um animal atropelado, inchado, sangrando, e apodrecendo ao lado de alguma estrada rural.

Entrei na frente de Sophia, onde ela pudesse me ver, então estendi a mão, que ainda estava coberta pelo sangue de Hazel. Depois de um momento, ela pegou e me deixou levantá-la. Ela começou a soltar, mas aumentei meu aperto em sua mão.

— Não está vivo — eu disse. — Não mais.

Sophia olhou para mim com uma expressão sombria. Mas depois de um momento, ela sorriu, seu sorriso mais largo, mais feliz e mais brilhante que eu me lembrava de ver.

— Não — disse ela, asperamente —, morto – finalmente.


Capítulo 30

 

 

Passamos o resto da noite limpando a bagunça.

Ou melhor, Sophia limpou.

Um a um, ela arrumou os corpos de Grimes, Hazel e seus homens no porta-malas de seu clássico conversível. Quando esse estava cheio, ela colocou os outros no carro de Roslyn que eu estive dirigindo, já que era uma causa perdida. Mas, em vez de usar a magia do Ar para tirar e dissolver o sangue como normalmente faria, Sophia deixou as manchas onde estavam. O tempo logo cuidaria delas. Além disso, este não era o primeiro sangue derramado na frente da casa de Fletcher, e certamente não seria o último.

Ainda assim, enquanto observava seu trabalho, pensei no que ela me contara na casa de Cooper, sobre como estar com os corpos na cova era a única paz que ela havia conseguido enquanto era prisioneira de Grimes. Eu me perguntei o que ela pensava agora que o dele era um dos corpos que ela estava descartando, mas não perguntei. Todos nós tínhamos nossos próprios demônios, e Harley Grimes era um dos de Sophia, para lidar do seu próprio jeito e tempo. Além disso, pela primeira vez, eu gostei da ironia da situação.

Ainda assim, fui até Sophia, que tinha uma fita métrica, tentando determinar quantos corpos ela poderia enfiar no porta-malas do carro de Roslyn. Coloquei minha mão em seu braço. Ela parou de medir e olhou para mim.

— Tem certeza de que quer fazer isso? — perguntei em voz baixa. — Posso me livrar dos corpos. Você não teria que fazer mais isso. Não para mim. Eu não quero mais que você faça isso.

Sophia olhou para mim, seus olhos negros pensativos. — É quem eu sou — murmurou. — É o que eu faço. Para Fletcher – e para você também.

— Mas você não deveria ter que limpar minha bagunça — protestei. — Não quando eu sei do que te lembra. Não quando eu sei o quanto isso te machuca.

Sophia apunhalou o dedo em seu coração. — Minha escolha. Não sua.

— Mas...

Ela estendeu a mão e segurou minha bochecha com sua mão ensanguentada. — Sem mas. Eu te amo, Gin. E é assim que eu mostro isso.

Então ela sorriu, e tive um vislumbre da garota que ela foi uma vez, antes de Grimes, antes do buraco, antes de tudo.

— Não suave — soprou Sophia. — Nenhuma de nós. Não mais. Nunca mais.

Eu pisquei, surpresa por ela ter se lembrado da conversa que tivemos no Pork Pit há muito tempo, após termos lutado contra aqueles dois gigantes. Mas ela estava certa. Nós definitivamente não éramos isso. Quebradas, talvez. Mas não suave.

— Ok? — murmurou ela, seus olhos negros procurando os meus.

— Ok.

Eu não gostava disso, e sempre me sentiria culpada por isso, mas era a escolha dela, assim como sempre foi. Sophia deu um tapinha na minha bochecha. Então pegou outro corpo, colocou-o no porta-malas do carro de Roslyn e se abaixou para pegar o próximo.

E foi isso.

— Gin! — gritou Finn. — Venha aqui e olhe para isto!

Antes de Sophia começar a empacotar os corpos nos carros, Finn vasculhou rapidamente os bolsos dos homens, incluindo os de Hazel e Grimes. Quando percebeu que eles não tinham nada muito interessante com eles, Finn recolheu as chaves dos carros e começou a verificar os veículos, um por um.

Agora, ele havia alcançado o último carro, o de Grimes e Hazel. Ele estava ao lado do porta-malas aberto, junto com Bria. Ambos tinham expressões sombrias.

— Eu pensei que você gostaria de ver isso — apontou Finn para o porta-malas aberto, em seguida, foi para um lado. Duas caixas forradas de espuma estavam dentro do espaço, todas com suas tampas articuladas abertas para revelar o grupo de armas. Rifles, espingardas, revólveres e até armas semi-automáticas. Era uma grande variedade. Outra caixa continha embalagens com balas.

— Há mais armas e mais munição nos porta-malas dos outros dois carros — disse Finn, sua voz mais grave do que eu ouvira em muito tempo.

— Então, Grimes ia entregar algumas armas para alguém — eu disse. — E daí? Nós já sabíamos disso. Lembra-se, eu te falei sobre a pessoa que esteve na casa dele. Este é provavelmente o pedido.

Finn e Bria se entreolharam, e então Bria se inclinou para o porta-malas e fechou lentamente a tampa de uma das caixas. Uma pequena nota amarela estava presa no topo do plástico. Um nome estava rabiscado no papel: M. M. Monroe.

Minha boca se abriu, mas nenhuma palavra saiu. Eu pisquei e pisquei, mas o nome no papel não mudou. De qualquer forma, parecia ainda maior, como se as letras negras fossem algo como uma runa exalando fumaça com Fogo elemental e prestes a explodir na minha cara.

— Também não pensamos muito nas armas, até descobrirmos isso — disse Bria em uma voz uniforme.

— A mesma nota está em todas as caixas em todos os carros — acrescentou Finn.

Mais uma vez eu me perguntava sobre a pessoa que eu vi na casa de Grimes. Ainda não sabia se era um homem ou uma mulher, mas agora eu tinha uma preocupação muito mais urgente. Teria sido o misterioso M. M. Monroe? Ou um empregado contratado por M. M. Monroe para lidar com Grimes? Poderia facilmente ser um ou outro, ou alguma terceira opção que eu ainda não havia considerado. Eu não tinha como saber qual era, apenas que significava problemas.

Deixei escapar uma maldição longa, alta e cruel. Pela primeira e única vez, eu desejei que Harley Grimes ainda estivesse vivo, então eu poderia questioná-lo.

Mas ele estava morto, junto com Hazel e o resto de seus homens, o que significava que não havia mais ninguém para me dar qualquer informação sobre M. M. Monroe, quem ele ou ela era, e o que ele ou ela queria com tantas armas de Grimes.

Finn e Bria me observavam andar de um lado para o outro na frente do porta-malas. Finalmente, Finn falou.

— Bem — arrastou ele. — Eu acho que seu plano para trazer M. M. Monroe até Ashland fucionou.

— E acho que sabemos que essa pessoa não está aqui para nada de bom — acrescentou Bria. — Há apenas uma razão pela qual você compra tantas armas, pelo menos em Ashland.

— Sim — eu disse. — Porque você planeja começar seu próprio pequeno empreendimento criminoso. Ou não tão pequeno, neste caso.

— Parece que o M. M. planeja seguir os passos de Mab, afinal de contas — disse Finn.

Parei de andar. — Por favor, me diga que há alguma maneira de você rastrear essas armas até quem as encomendou.

Finn encolheu os ombros. — Eu posso tentar, mas não será fácil. Grimes não me parece o tipo de cara que guardava registros meticulosos.

— Sim — disse Bria. — E as armas que eu já vi, todas convenientemente têm seus números de série raspados, então não posso rastreá-las no sistema dessa forma.

Segurei outra rodada de maldições. Não era culpa deles que tivéssemos acabado de matar nossa melhor – e única – chance de descobrir mais sobre M. M. Monroe.

Quando olhei para as armas, não pude deixar de pensar que havia acabado de trocar um inimigo por outro.

 

* * *

 

Logo depois disso, Finn e Bria saíram, prometendo falar conosco mais tarde, ambos ansiosos para contatar suas fontes e ver se poderiam descobrir alguma coisa sobre as armas e M. M. Monroe.

Eu esperei até que Sophia tivesse guardado o último corpo no carro de Roslyn e entrei na casa com ela, onde encontramos os outros na sala. Phillip estava sentado em uma cadeira no canto, enquanto Jo-Jo e Cooper estavam sentados na mesa de café em frente ao sofá onde Owen estava deitado. Eu me sentei no braço do sofá e assisti Jo-Jo instruir Cooper sobre a melhor forma de usar sua magia para curar as queimaduras no corpo de Owen. Jo-Jo cuidou do pior dos ferimentos no jardim, mas logo a esgotou, deixando Cooper terminar de curar Owen.

— Sinta o Ar ao seu redor — disse Jo-Jo, em uma voz suave e paciente. — Imagine fluir através das feridas de Owen, como uma brisa suave que tira toda a dor.

Cooper segurou a mão de Owen um pouco mais e se inclinou, com os olhos brilhando um cobre brilhante no rosto enrugado.

— Bom — disse Jo-Jo, uma vez que ele seguiu as instruções dela. — Agora, imagine o Ar fluindo através das feridas novamente, desta vez suavizando lentamente todas as queimaduras desagradáveis e juntando todos os cortes e feridas na menor fração. Você precisa fazer isso de novo e de novo, até que as feridas estejam completamente curadas.

Cooper escutou as instruções de Jo-Jo e eu observei enquanto as queimaduras remanescentes no corpo de Owen se tornavam macias e rosadas, depois cicatrizes pálidas, então desapareceram completamente. Eu olhei para Owen com um olhar crítico, mas se não tivesse visto por mim mesma, eu não teria percebido que ele foi queimado por alguns elementais de Fogo. Com Jo-Jo o guiando, Cooper fez um trabalho tão bom em Owen quanto ela. Ele até curou o cabelo e as sobrancelhas de Owen. Nenhum vestígio permaneceu de sua luta com Grimes e Hazel.

Jo-Jo assentiu. — Bom trabalho, Cooper. Ainda podemos fazer de você um curador.

Ele sorriu pelo elogio dela. Jo-Jo sorriu para ele, mas não conseguiu esconder o bocejo cansado que escapou de seus lábios. Cooper avançou e segurou o braço dela. Ele ajudou a anã a sair do cômodo. Sophia seguiu-os e ouvi seus passos lentos e constantes na escada, depois uma das portas dos quartos de hóspedes abriu e fechou. Sophia e Cooper cuidariam para que Jo-Jo estivesse confortável durante a noite, então voltei minha atenção para Owen.

Phillip pigarreou e ficou de pé. — Preciso de um pouco de ar fresco. Todo esse sentimentalismo do pós-guerra é um pouco enjoativo. Vou ligar para você amanhã, Owen.

— Obrigado, Phillip — respondeu Owen.

Eu arqueei uma sobrancelha para Phillip, mas ele sorriu e deixou o escritório. Um momento depois, a porta da frente da casa se abriu, depois fechou.

Quando eu tinha certeza de que estávamos sozinhos, fui até lá e me ajoelhei no chão em frente a Owen. Ele começou a se sentar, mas coloquei uma mão em seu ombro.

— Apenas deite aí e descanse um minuto. Você definitivamente merece isso.

Owen suspirou. — Eu não discutirei sobre isso.

Peguei a mão dele. — Como você está se sentindo? — perguntei, procurando em seu rosto qualquer sinal de desconforto.

Seus lábios se curvaram. — Como o seu churrasco, levemente assado.

Suas palavras me fizeram rir, mas quanto mais eu olhava para ele, mais eu lembrava a forma como ele estava no quintal; queimado, machucado e espancado. A mera memória fez meu coração apertar com dor e medo.

— Você não precisava fazer isso — eu finalmente disse em uma voz suave. — Você não precisava se jogar no meio da minha luta com Grimes e Hazel. Você poderia ter atirado em um deles com sua arma. O que você estava pensando? Eles poderiam facilmente ter te matado...

— Eu não estava pensando em minha arma ou em atirar neles — respondeu Owen. — Eu estava pensando que não consegueria aguentar assistir você morrer, Gin. Que eu faria o que fosse preciso para te salvar.

— Bem, eu aprecio isso, mas sou muito boa em cuidar de mim mesma. — Tentei manter minha voz suave, mas não funcionou. — Mais importante, você não precisa provar nada para mim. Eu sei que você se importa comigo. Isso foi apenas um risco tolo a tomar.

Desta vez, eu não consegui impedir que Owen se levantasse. Ele deslizou do sofá para o chão, de modo que estávamos sentados lado a lado. Então ele se virou para mim.

— É aí que você está errada. Eu tenho que provar algo para você: que estou tão comprometido com você como você está comigo. Que eu faria qualquer coisa por você, qualquer coisa.

Suspirei. — Você não precisa compensar o que aconteceu com Salina. Essa foi uma situação difícil. Uma situação impossível. Eu não vou segurar isso sobre sua cabeça.

Owen soltou um suspiro. — Eu sei que você não vai, porque esse não é o tipo de pessoa que você é. Mas estou segurando sobre minha própria cabeça. Preciso compensar isso. Porque você estava apenas tentando ajudar, apenas tentando me proteger, e Eva, Cooper, Phillip, e eu te decepcionei da pior maneira possível. Passarei o resto da minha vida compensando isso, o que for necesário para você me aceitar de volta. Para desfazer o dano que eu fiz para você – para nós.

Era mais ou menos a mesma coisa que ele me disse naquela noite na floresta, perto do fogo. Seus olhos violeta fixos nos meus, deixando-me ver o quanto ele falava sério e era sincero – e o quanto ele me amava.

Fletcher sempre dizia que palavras bonitas eram boas, mas as ações das pessoas eram importantes no final. Nos últimos dias, Owen escalou uma montanha para me ajudar a resgatar Sophia, me procurou por quilômetros de floresta, me tirou do rio, e me manteve a salvo dos homens do Grimes. Então ele se jogou no meio da minha luta com Grimes e Hazel, sem hesitação, e sem pensar no dano que poderia causar a si mesmo. Eu não pedi a ele para fazer qualquer coisa – nenhuma única coisa – mas ele fizera tudo, de qualquer maneira.

Isso me disse tudo que eu precisava saber, especialmente sobre como ele realmente se sentia sobre mim.

— Eu te perguntei antes na montanha, e perguntarei de novo agora — disse Owen, com seus olhos ainda fixos nos meus. — Podemos tentar de novo, Gin. Por favor?

Meu coração inchou de amor por ele, e desta vez, eu não tentei lutar contra isso, e não estava com medo disso, nem dele, ou mesmo de ter meu coração partido novamente. Eu poderia ter perdido isso de vista na floresta, mas se havia uma coisa que todos os meus anos como a Aranha, todas as batalhas, todos os encontros com a minha própria morte me ensinaram foi isso.

Que isso era o que importava. Este momento agora e todos os que tivermos a sorte de ter depois. Hoje, amanhã, inferno, talvez até para sempre.

Eu. Ele. Nós. Juntos.

Sim, nós teríamos um grande obstáculo à frente, e ainda tínhamos algum trabalho a fazer. Eu precisava aprender a confiar nele completamente de novo. Ele precisava se perdoar pelos crimes de Salina. E nós dois precisávamos aprender como deixar ir e passar pela dor que nós causamos um ao outro, aprender a trabalhar em nossos problemas juntos.

— Gin? — Owen perguntou novamente, seus olhos queimando nos meus.

Inclinei até que minha testa estava tocando a dele. — Sim — sussurrei. — Sim.

Segurei seu rosto em minhas mãos. Owen passou os braços pela minha cintura. Nossos lábios se encontraram em algum lugar no meio.

Foi um lento, lânguido, demorado beijo, um encontro perfeito de lábios, línguas, bocas e respirações. Essa faísca familiar de desejo se acendeu na minha barriga, depois se espalhou pelo resto do meu corpo, mas isso não era sobre ceder a esse desejo. Pelo menos, ainda não. Não, isso era sobre a promessa silenciosa e sincera que nós dois fazíamos um ao outro, para nunca mais aceitar isso, nós, como garantidos.

Finalmente o beijo terminou, embora eu continuasse olhando nos olhos de Owen, pensando em todo o amor que eu vi lá.

Eu me afastei dele, fiquei de pé e estendi minha mão. Ele a pegou.

Levei Owen para um banheiro do outro lado da casa, onde teríamos alguma privacidade. Aquele era o maior banheiro da casa, com dois lavatórios e um chuveiro grande, o qual ocupava quase toda a parede. Fechei e tranquei a porta, depois liguei a água no chuveiro. Nem muito frio, nem muito quente.

Nós dois estaríamos, em breve.

O assobio constante da água era o único som enquanto nos despíamos lentamente. Eu o ajudei a tirar a camisa dele. Ele abriu o zíper do meu colete. Eu desabotoei sua calça jeans. Ele fez o mesmo com a minha. Nossas roupas desapareceram rapidamente, até que ficamos nus diante um do outro. Passei a minha mão em seus ombros largos e musculosos e depois no seu peito. Ele traçou seus dedos pelo meu pescoço, antes de me inclinar e pressionar um beijo suave no oco da minha garganta, fazendo-me tremer.

Eu estendi minha mão novamente. Ele pegou, e o puxei para o chuveiro.

O vapor subiu ao nosso redor enquanto eu pegava o sabonete, ensaboava minhas mãos e passava meus dedos por seu corpo, do nariz levemente torto ao abdômen liso, pernas fortes e todo o caminho para seus pés. Fui devagar e com cuidado, lavando gentilmente todo o sangue e a sujeira de sua batalha com Grimes e Hazel. Owen fizera o mesmo por mim uma vez, e parecia apropriado devolver o gesto. Um novo início, uma lousa limpa, um novo começo, em mais de uma maneira.

Beijei todos os pontos que eu limpei, levemente beliscando algumas das áreas mais sensíveis com meus dentes. Quando trabalhei meu caminho até seu comprimento duro, ele estava mais do que pronto para mim. Eu o beijei, correndo meus lábios e língua ao longo dele.

Owen gemeu. — Se você continuar fazendo isso, este banho será mais curto do que qualquer um de nós deseja.

Eu sorri e continuei com meus cuidados um pouco mais antes de beijar meu caminho de volta para cima de seu corpo.

— Provocadora — murmurou ele, em uma voz rouca, seus olhos violetas brilhando como ametistas.

— E você não ama isso.

Ele sorriu e pegou o shampoo.

Owen me virou de costas para ele e começou a lavar o meu cabelo. Eu gemi com a sensação de seus dedos cavando no meu couro cabeludo. Espuma de sabão caiu em cascata pelo meu corpo, e os dedos de Owen seguiram rapidamente. Ainda atrás de mim, ele segurou meus seios em suas mãos, seus dedos circulando e massageando meus mamilos antes de descerem. Seus dedos emaranharam nos cachos na junção das minhas coxas antes de descer ainda mais. Ele mergulhou os dedos dentro de mim, esfregando círculos lentos e preguiçosos, os quais me faziam tremer de desejo.

Eu arqueei-me contra ele. — Provocador.

— E você não ama isso — sussurrou ele, zombando de mim com minhas próprias palavras.

Ele me acariciou até eu estar tão pronta para ele, como ele estava para mim. Eu me virei para encará-lo e nos movemos juntos, com um pensamento. Nossos lábios se encontraram e se abriram, e nossas línguas acariciaram juntas, lentas e suaves a princípio, depois mais rápidas e mais exigentes à medida que nossa fome aumentava. A água escorreu por nossos corpos, e nossas mãos seguiram o exemplo, deslizando, correndo, acariciando, mesmo quando nossos beijos ficaram mais fortes e mais sérios.

Owen saiu do chuveiro por tempo suficiente para pegar uma camisinha da carteira. Eu tomava pílulas anticoncepcionais, mas sempre usávamos proteção extra.

Ele voltou para o jato quente de água. Eu estendi a mão para ele, mas ele foi mais rápido. Ele me pegou, colocou minhas costas contra a parede, e deslizou dentro de mim com um impulso suave. Eu gemi e envolvi minhas pernas em volta da cintura dele, minhas mãos cavando em seus ombros.

— Agora, isso seria provocação — raspou Owen contra meus lábios.

Ele se retirou, em seguida, entrou em mim novamente, me fazendo gemer mais uma vez.

— Acho que tive provocação o bastante — eu disse, mordendo o meu lábio. — E você?

Ele respondeu empurrando-me em mim novamente, ainda mais fundo do que antes. Minhas unhas cravaram em sua pele. Oh sim. Nós definitivamente cansamos de provocações.

O que começou lento, suave e doce, rapidamente se transformou em algo rápido, forte e perversamente bom. Owen empurrou em mim uma e outra vez, e eu combinei com ele, balançando meus quadris contra os dele. Nossos movimentos eram tão rápidos, tão fortes, tão frenéticos, que minhas costas molhadas deslizavam pela parede do banheiro. Owen grunhiu e me abaixou até o chão, a água batendo em suas costas enquanto ele continuava se movendo dentro de mim, indo mais e mais fundo.

Nós rolamos juntos, e então eu estava no topo. Eu recuei, em seguida, balancei meus quadris para frente em um longo e lento deslizamento, que finalmente nos enviou para a borda. Owen rosnou novamente, ainda mais baixo e mais feroz que antes, e me puxou para baixo em cima dele. Seus lábios encontraram os meus, nós dois sugando o ar da boca um do outro enquanto nos movíamos juntos naquele ritmo perfeito.

E então... Êxtase – êxtase puro e suave que apagou todo o resto.

Eu desmoronei em cima dele. Owen pressionou os lábios na minha têmpora e me puxou para mais perto, me embalando no círculo forte de seus braços. Descansei meu rosto na curva do pescoço dele. Nenhuma palavra era necessária. Não agora.

E nós ficamos assim por muito, muito tempo, a água caindo em cascata ao nosso redor.


Capítulo 31

 

Três dias depois, a notícia se espalhou sobre a terrível descoberta de dezenas de corpos no que parecia ser um pequeno acampamento nas montanhas acima de Ashland. Um casal de aposentados que caminhava pelas Trilhas dos Apalaches aparentemente notou legiões de moscas na clareira no campo de Grimes e foi investigar. Eles provavelmente desejaram terem apenas continuado a andar.

Mas os andarilhos fizeram uma ligação frenética para o serviço florestal, que por sua vez chamou a po-po. Bria e Xavier tiveram sorte – ou azar – o suficiente de serem designados para o caso.

A po-po montou um posto na área das mesas de piquenique na parte inferior da Bone Mountain, que era onde eu estava agora. Bria estava praticamente morando na montanha por dois dias seguidos, e eu trouxe-lhe um pouco de comida do Pork Pit, junto com o suficiente para ela compartilhar com Xavier e seus colegas de uniforme azul. Percebi que era justo, desde que eu havia criado uma boa parte da bagunça com a qual eles estavam lidando agora.

Bria, Xavier e eu estávamos sentados em uma das mesas de piquenique azuis de fibra de vidro, a vários metros de distância de qualquer outra pessoa. Os dois estavam comendo cheeseburgers com todos os ingredientes, junto com batatas fritas crocantes, salada de batata, e alguns biscoitos de chocolate que eu acabara de fazer naquela manhã.

— Temos mais de duas dúzias de corpos na cova — disse Bria, dando uma mordida no hambúrguer e tomando um gole da limonada de framboesa que eu também fiz. — Todos em vários estados de decomposição. Sem mencionar todos os homens que você matou.

Xavier cutucou Bria com o cotovelo. — Conte a ela sobre o legista.

Ela bufou. — Oh, ele está tendo um dia de campo absoluto com tudo isso. Você pensaria que ele é uma criança em uma manhã de Natal, considerando o quão vertigionoso ele está. É como se ele realmente gostasse de trabalhar com pessoas mortas.

Falando do legista, ele também estava fazendo uma pausa e permaneceu na fila de comida com alguns dos outros policiais e técnicos da cena do crime. Ele estendeu o prato e Sophia serviu-lhe feijões cozidos e batatas fritas, e um sanduíche grosso e saudável de carne grelhada. Ele notou que eu o observava. Ele sorriu e me deu um aceno animado antes de se apressar para sentar em uma das mesas.

— Talvez ele apenas goste de todas as horas extras que a cidade tem que pagar a ele e seus assistentes por retirar todos os corpos daqui — murmurei em resposta.

Xavier olhou para mim por cima dos óculos escuros de aviador. O sol do meio-dia batendo na sua cabeça raspada fez sua pele cor de ébano brilhar. — Com todos os corpos que você deixou em torno de Ashland no ano passado, você provavelmente pagou por uma casa de verão para aquele homem.

— Bem, é bom saber que eu tenho um impacto tão positivo em nossa economia local — falei baixinho. — Se não tanto em seus cidadãos.

Tanto Xavier quanto Bria sorriram com meu humor negro. Nós ficamos lá e conversamos sobre outras coisas enquanto eles terminavam de comer. Xavier pediu licença, levantou-se e foi conversar com Sophia, mas Bria ficou na mesa comigo.

Olhei em volta para ter certeza de que ninguém estava ao alcance da voz, então fiz a ela a pergunta que estava em minha mente desde que Finn me mostrara a nota sobre as armas no porta-malas de Grimes.

— Você descobriu mais alguma coisa sobre M. M. Monroe?

Bria sacudiu a cabeça. — Nada. Eu vasculhei a casa principal e o prédio onde Grimes realmente armazenava suas armas, mas não consegui nada. Não havia pedaços de papel com esse nome, nem números de telefone, nem outra indicação de que as armas fossem para M. M. Monroe. Na verdade, eu não encontrei nenhum livro de registro, ou até mesmo um livro antigo de quem comprou armas dele. Diga o que quiser sobre ele, mas Grimes protegia a identidade de seus clientes.

— Finn não conseguiu descobrir nada sobre M. M. também — eu disse. — Ele ainda está horrorizado que Grimes tenha feito tudo cara a cara, e que sequer tinha um computador, muito menos um e-mail.

Bria riu e balançou a cabeça. Então ela se abaixou sob a mesa e vasculhou a mochila que estava carregando com ela do acampamento. Ela tirou algumas toalhas e as entregou para mim.

— Encontrei algumas coisas que eu pensei que você gostaria de ter de volta.

Desenrolei uma das toalhas para encontrar uma faca de silverstone aninhada dentro, uma das armas extras que eu usei para lutar contra os homens no cume. — Obrigada. Estou feliz em vê-las novamente. Facas nunca são demais.

Bria sorriu um pouco, mas então seu rosto ficou sério. — Há outra coisa também.

Desta vez, ela tirou um envelope marrom da mochila e deslizou para mim.

— Também tomei a liberdade de passar pela casa de Grimes e remover todas aquelas fotos assustadoras de Sophia que ele tinha — disse ela, em uma voz suave. — Percebi que ninguém precisava saber sobre Sophia, exceto nós.

Eu assenti e puxei o envelope para o meu lado da mesa. — Eu aprecio isso, e tenho certeza que ela e Jo-Jo também irão.

— Como está Sophia? Eu tenho estado tão ocupada aqui que não tive a chance de ir ao salão e ver ela ou Jo-Jo.

— É difícil dizer com ela. Ela mantém tudo para ela.

Bria me deu um sorriso irônico. — Isso soa como alguém que eu conheço.

Mostrei minha língua para ela, mas não consegui refutar suas palavras, porque elas eram verdadeiras demais. E eu tinha meus próprios pesadelos sobre Grimes e seu acampamento.

Mais do que uma vez nos últimos dias eu sonhei que estava no buraco, segurando a pá de Sophia, e vendo nada além de lápides se erguendo sobre mim. Todas as pedras estavam cobertas com minhas runas de Aranha, desenhadas em meu próprio sangue.

Toda vez eu acordava suando frio, batendo contra os lençóis, ofegando, minha pele formigando como se tivesse sido cortada cem vezes com minhas próprias facas. Eu só podia imaginar o quanto os pesadelos de Sophia eram muito piores.

— Eu acho que Sophia ficará bem — eu disse, finalmente respondendo à pergunta de Bria. — Levará algum tempo, como tudo. A boa notícia é que Jo-Jo finalmente recuperou sua força. Ela olhou para o cabelo no espelho ontem de manhã e quase teve um ataque cardíaco. A próxima coisa que eu sabia era que ela estava gritando para eu ir pegar o carro e levá-la ao salão para que ela pudesse obter as melhores tintas para colocar no cabelo dela.

O sorriso de Bria se alargou. — Ah, as alegrias de ter convidados em casa.

Sophia, Jo-Jo e Rosco ficariam comigo na casa de Fletcher até que pudéssemos consertar o estrago feito na casa dela. Era um pouco estranho tê-los comigo quando tinha sido apenas eu na casa nos últimos meses, mas eu não me importava com a companhia. Na verdade, era muito bom, mesmo que Sophia tenha ficado acordada a noite toda assistindo filmes antigos na TV, Jo-Jo murmurando sob o fato de que eu só tinha um tipo de shampoo e condicionador, e Rosco roçando a porta do escritório de Fletcher, querendo ver o que estava lá e se ele poderia comer alguma coisa.

Uma campainha tocou, sinalizando que a pausa para o almoço acabou e que era hora da última equipe voltar ao acampamento. Xavier mandou Sophia embrulhar seu cheeseburger para viagem enquanto Bria se levantou com relutância e jogou os pratos de papel no lixo antes de virar para mim. Eu também fiquei de pé.

— O dever me chama — disse ela.

— O que acontecerá com o acampamento agora?

Ela encolheu os ombros. — Tem havido alguma conversa pelo serviço florestal de reformar o acampamento e transformá-lo em algum tipo de centro da natureza. Talvez até mesmo estabelecê-lo como um refúgio para as pessoas que caminham pelas montanhas.

— Os caras da guarda florestal realmente acham que as pessoas vão querer ficar em um lugar onde tantos corpos foram encontrados?

Bria deu de ombros novamente. — Tecnicamente, é a terra deles, afinal. Eu acho que eles podem tentar, no mínimo.

Pensar no acampamento de Grimes me fez pensar em outra residência vazia em Ashland: a mansão da Mab. Agora que M. M. Monroe estava de volta a Ashland, ou pelo menos virara sua atenção nessa direção, o mais lógico seria residir ali, já que pertencia a ele ou ela. Mas, até agora, a mansão permaneceu vazia, pelo menos de acordo com os espiões de Finn.

Como Bria, Finn não conseguiu descobrir mais nada sobre M. M. Monroe e o que essa pessoa poderia estar fazendo. Mas, como imaginamos, não poderia ser nada bom, não com M. M. comprando tanta artilharia. Pelo menos, nós frustramos essa parte do esquema. Eu mantive todas as armas e munições que estavam no porta-malas de Grimes e nos outros veículos, movendo-as para o túnel subterrâneo debaixo da casa de Fletcher, por segurança, e a po-po apreendeu todas as armas que encontraram no acampamento. Então M. M. teria que pegar suas armas em outro lugar. Um pequeno inconveniente, mais do que qualquer outra coisa, mas eu esperava que pelo menos desse a Finn tempo suficiente para rastrear essa pessoa e descobrir o que ele ou ela realmente estava fazendo em Ashland.

A campainha soou novamente, dizendo às pessoas para colocarem suas bundas em movimento.

Bria me abraçou e disse que ligaria mais tarde, caso houvesse alguma atualização, ou se ela achasse qualquer outra coisa interessante no acampamento de Grimes. Ela foi falar com Xavier, e então os dois trocaram seus equipamentos e entraram em sintonia com os outros. Bria acenou para mim uma última vez, depois se dirigiu para a floresta.

Mas ela não foi a única. O legista também me deu outro aceno alegre antes de seguir a trilha.

Sorri e acenei. O que eu poderia fazer? Eu começava a gostar daquele cara.

 

* * *

Os estimados membros da po-po se arrastaram de volta ao acampamento de Grimes, deixando Sophia e eu para trás para arrumar as sobras. Colocamos a comida restante nos coolers cheios de gelo que havíamos trazido, depois passamos pela área de piquenique, pegamos os pratos de papel, copos e utensílios usados e jogamos tudo nas latas de lixo.

Estávamos prestes a pegar os coolers e descer os degraus até os nossos carros quando toquei o braço de Sophia e entreguei-lhe o envelope que Bria havia me dado.

— Bria encontrou isso no acampamento de Grimes — falei. — Ela disse que elas estavam em toda a casa dele, e as pegou antes que alguém visse. Eu pensei que você poderia querer.

Os dedos de Sophia enrolaram em volta do envelope, e ela o colocou na mão, como se pesasse mais do que de fato. Ou talvez fosse por causa de todas as lembranças ruins associadas ao que estava dentro.

Sophia se sentou em uma das mesas de piquenique, abriu o envelope e folheou as fotos, mas não me juntei a ela. Essa era a sua dor, não a minha, e imaginei que ela pudesse querer alguns momentos sozinha. Então eu me ocupei passando pela área mais uma vez e me certificando de que não esquecemos nada. De vez em quando, eu olhava para ver como ela estava. A expressão dela era plana enquanto olhava primeiro uma foto, depois a outra, mas eu podia ver a dor brilhando em seus olhos.

Finalmente, após passar por todas elas, Sophia pegou as fotos e o envelope, levantou e foi até uma das latas de lixo. Ela tirou um isqueiro longo e fino do bolso da calça jeans, o que ela usava para acender as latas de sterno{10} que aqueciam os feijões cozidos e outros alimentos. Ela acendeu o isqueiro e segurou-o até a borda de uma das fotos. Ela observou as chamas lamber o papel, depois a jogou na lata de lixo. Fiquei parada, quieta e silenciosa, observando.

Uma a uma, Sophia queimou todas as fotos, até as chamas sumirem do topo da lata de lixo. O cheiro de papel queimado encheu o ar, juntamente com pedaços de cinza.

Finalmente, Sophia chegou até a última foto no envelope, a que usava aquele vestido branco, a qual estava na mesa de Grimes. Ela começou a jogá-la em cima do resto da bagunça em chamas, mas parou. Em vez disso, ela olhou para a foto por um longo tempo, antes de finalmente recolocá-la no envelope.

Sophia me notou observando-a. — Para lembrar — disse ela, asperamente.

Assenti. Eu entendia esse sentimento muito bem. Era por isso que eu tinha tantos desenhos de runas na lareira da casa de Fletcher.

Ficamos lá e observamos o resto das fotos enrolar e queimar, até que não sobrou nada além de cinzas – e as memórias, que não eram tão fáceis de se livrar.


Capítulo 32

 

Pouco mais de uma semana depois que Harley Grimes entrou pela primeira vez na casa de Jo-Jo, encontrei-me de volta ao salão. Só que desta vez, eu não estava fazendo minhas unhas. Em vez disso, era eu quem estava pintando.

Eu recuei, olhando para a parede e me certificando de que não perdi nenhum ponto. Como o salão foi muito danificado durante o ataque de Grimes, Jo-Jo decidiu fazer uma pequena reforma. Isso significava uma nova camada de tinta branca em todos os lugares.

No entanto, nem todo mundo estava feliz por estar no serviço de pintura em vez de ser mimado, como planejamos inicialmente.

— Oh, claro — murmurou Finn, esfregando o pincel na parede a poucos metros de mim. — Agora você me deixa vir. Agora que há trabalho a ser feito e não apenas ficar sentado usando pijama, bebendo mimosas e comendo bombons.

Dei a ele um olhar divertido. — Menos choramingo, mais pintura. Jo-Jo quer reabrir o salão na próxima semana, lembra?

Finn soltou outro bufo, mas se inclinou e começou a trabalhar em torno do batente da porta.

— Bem, eu concordo com Finn — Owen falou do lado oposto do salão, onde ele trabalhava em outra parede. — Eu poderia ter menos pintura e ser mais mimado.

Ao lado dele, Bria bufou. — Homens. E eles acham que somos o sexo frágil. Pelo menos não reclamamos de tudo agora, não é?

Finn se virou e apontou o pincel na direção dela. — Você sabe muito bem que eu não lamento sobre cada pequena coisa. Eu só lamento sobre as coisas importantes, meu próprio conforto sendo a principal entre elas.

Bria bufou novamente. Sorri e voltei para a minha pintura.

Entre nós quatro, não demorou muito para terminar de pintar o salão. Quando terminamos, levei todos para a cozinha. Enquanto eles se acomodavam em volta da mesa, eu remexi nos armários, arrumando pratos, garfos, guardanapos e uma grande faca. Então fui na geladeira e tirei a torta de limão que eu havia feito mais cedo naquela manhã.

Os olhos de Finn se iluminaram. — Você não me disse que havia torta.

— Você teria parado de pintar e vindo aqui.

— Absolutamente — concordou, pegando a faca da mesa e usando-a para cortar a sobremesa. — Por que pintar quando você pode comer torta?

— Bem, posso pensar em algumas coisas melhores do que pintar ou comer torta — disse Owen.

Ele passou os braços pela minha cintura e me puxou contra o seu peito. Aquela velha e familiar eletricidade percorria meu corpo e meu coração vibrava de desejo e amor. Owen deu um beijo na minha nuca antes de se afastar de mim. Com tudo o que aconteceu nos últimos dias, nós não conseguimos passar muito tempo juntos, mas os momentos que compartilhamos foram maravilhosos. Não estávamos fora de risco ainda, mas eu senti que nós finalmente viramos uma esquina e que saímos mais fortes do outro lado.

Eu me virei e bati no nariz dele. — Bem, você terá que me contar tudo sobre essas atividades misteriosas mais tarde. Talvez até me dê uma demonstração.

— Seria o meu prazer — concordou ele, em uma voz rouca.

— O meu também — murmurei. — Mas, por enquanto, seja um bom menino e coma a sua torta.

Owen fez uma careta, mas pegou o prato que eu lhe ofereci. Eu ri.

Uma vez que Bria conseguiu o pedaço dela, eu peguei o que sobrou, junto com mais alguns pratos, garfos e guardanapos, e saí para a varanda da frente, onde Jo-Jo e Sophia estavam.

Jo-Jo estava sentada em uma cadeira de balanço, com uma caixa de papelão marrom cheia de maquiagem, e Rosco roncando num raio de sol a seus pés. Sophia estava sentada nos degraus, seu dedo indicador direito movendo-se para frente e para trás em um padrão firme e deliberado, usando cuidadosamente sua magia Ar para dissolver todo o sangue que havia respingado ali – o sangue de Jo-Jo.

— Você está pronta para fazer uma pausa e comer torta? — perguntei, e coloquei tudo em uma mesa ao lado do cotovelo de Jo-Jo.

Jo-Jo sorriu para mim. — Não sei se já fiz o suficiente para ganhar a minha sobremesa, mas não deixarei passar.

Sorri para ela. — Bom. Porque eu fiz aquela torta de limão que você adora.

Cortei para ela um pedaço grande da sobremesa azeda e ácida. Sophia parou e se juntou a nós, comendo sua própria fatia. Rosco abriu um olho, mas quando percebeu que não iríamos compartilhar, bufou e continuou cochilando aos pés de Jo-Jo.

— Sabe — disse Jo-Jo, após terminar sua fatia, — Acho que Sophia e eu nunca agradecemos por tudo que você fez na montanha, e tudo que você está fazendo aqui agora também.

Estendi a mão e apertei a sua mão macia e quente. — Não há necessidade de agradecimento. Família cuida de família. Simples assim.

— Ainda assim, querida, você foi além — disse Jo-Jo. — Eu não acho que você sabe o quanto isso significa para Sophia e para mim.

— Muito — raspou Sophia. — Muito mesmo.

Estendi a mão e apertei a mão dela também. — Bem, eu não acho que vocês saibam o quanto vocês significam para mim. Eu pegaria Harley Grimes mais uma vez para você – para vocês duas.

Ambos os rostos escureceram com a menção do Elemental de Fogo, e por um momento, eu me perguntei se eu arruinara o dia. Jo-Jo e Sophia não falaram muito sobre Grimes, embora mais de uma vez eu as tivesse ouvido sussurrando tarde da noite na casa de Fletcher.

Mas depois de um momento, Jo-Jo olhou para Sophia. As duas sorriram e o clima suavizou.

— Na verdade, estou feliz por finalmente começarmos a consertar o salão — disse Jo-Jo. — Acabei de receber um novo pedido de maquiagem que estou morrendo de vontade de testar em todos os meus clientes regulares.

Ela se agachou, vasculhou a caixa de papelão que estava aos seus pés, e veio com um frasco de esmalte escarlate, aquele vermelho profundo e vibrante que era a minha cor.

— Chama-se Desejo do Coração. Você não ama essa cor?

— Eu acho que é simplesmente perfeita — eu disse, falando sério. — Quais os outros planos que você tem reservado para o salão além de maquiagem nova?

Jo-Jo sorriu para mim. — Bem, querida, estou feliz que você tenha perguntado, por que...

Eu sentei na minha cadeira de balanço e dei outra mordida na minha torta, deixando as palavras de Jo-Jo me envolverem, aproveitando o dia e estando com algumas das pessoas que eu mais amava no mundo.

O desejo do meu próprio coração.

 

 

 


{1} Negação plausível é um termo criado pela CIA durante o governo de John F. Kennedy para descrever o poder que a instituição tem para negar qualquer envolvimento com escândalos durante a sua administração.
{2} Gangues de 1920.
{3} Durante o período de 1920 a 1933 foi proibida a produção e a venda de bebida alcoolica nos Estados Unidos.
{4} No original Kitten Heels. São sapatos com saltos curtos, finos e medindo entre 3,5 centímetros a 4,75 centímetros de altura. Possuem uma ligeira curva defindo o calcanhar a partir da borga traseira dos sapatos.
{5} No original: salt-and-pepper locks
{6} Licor, especialmente whisky, contrabandeado ou ilicitamente destilado.
{7} O daguerreótipo foi o primeiro processo fotográfico a ser anunciado e comercializado ao grande público. Foi divulgado em 1839, tendo sido substituído por processos mais práticos e baratos apenas no início da década de 1860.
{8} A estricnina é um alcalóide cristalino muito tóxico. Foi muito usado como pesticida, principalmente para matar ratos.
{9} No original “one-two combo”. No boxe significa um combo de jab e direto (tipos de golpes).
{10} Sterno ("calor enlatado") é um combustível feito de álcool desnaturado e gelatinoso. Ele é projetado para ser queimado diretamente da lata. Seus principais usos são na indústria de serviços de alimentação para aquecimento de bufê e em casa, para fondue. Outros usos são para fogões de acampamento e como uma fonte de calor de emergência.

 

 

                                                    Jennifer Estep         

 

 

 

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