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Series & Trilogias Literarias
Londres, 11 de dezembro de 1880
Londres, 15 dezembro de 1880 – a herdeira da ferrovia de New York, Senhorita Georgiana Dumont casou-se com Christopher Anthony Harcourt, Sua Graça, o Duque de Leeds, em uma cerimônia ornamentada na Catedral St. George, em Londres, Inglaterra.
A noiva estava adornada com um vestido de seda e cetim da Casa Parisiense de Charles Frederick Worth, no qual se diz que mais de mil pérolas ornamentavam o corpete e as saias. A cauda de marfim de veludo amassado estendia-se a uns elegantes seis metros atrás da noiva, criando uma visão bastante emocionante para os convidados do casamento, entre os quais estavam alguns dos melhores estadistas da Inglaterra e Pares do Reino, junto com o Príncipe Hans, da Casa de Saxe-Leiswig.
Sua Graça, a Duquesa de Leeds, é uma herdeira vinda da Pensilvânia, que recentemente foi reconhecida pela sociedade de Nova York após a trágica morte de seu tio, o Sr. George Dumont, renomado proprietário da ferrovia Western Star.
Três mil flores de estufa enfeitavam a capela, e a nova duquesa usava um colar de diamante reluzente em volta do pescoço, junto com pérolas orientais tecidas em seus brilhantes cachos castanhos.
O pequeno-almoço de casamento foi assistido por cerca de três centenas de convidados e vangloriou-se tais delícias gastronómicas como espeto verdelhas, Les Salades de homards1, e nada menos que cinco Aspics2.
O único convidado que estava, notavelmente, ausente da celebração parece ser Sua Graça, o Duque de Leeds, que supostamente deixou a festa nupcial mais cedo...
As centenas de convidados estavam reunidos, prestes a desfrutar do café da manhã de casamento que Georgiana escolhera com extremo cuidado - com exceção das ortolãs3, que só foram oferecidas por insistência de seu pai e expressamente contra sua vontade - na casa palaciana que papai havia comprado na rua Curzon com esperanças de tal ocasião.
Por fim, ele e sua nova esposa se livrariam dela - seu motivo de celebração.
E, finalmente, ela estaria livre de sua ira tirânica e do ressentimento mal disfarçado de sua madrasta - seu motivo de celebração.
Seu pai a detestava. Ele não fazia segredo sobre isso. Antes que seu homônimo tio George morresse inesperadamente, deixando a maior parte de sua tremenda fortuna para Georgiana e seu pai em medidas iguais, papai lamentava a quem quisesse ouvir como ela era péssima nas artes femininas. Como nem sabia como remover as manchas de óleo de macassar4 do linho (ela podia), como não conseguia nem mesmo compreender a aritmética simples (ela mantinha todos os seus livros de registro), e como era muito simples para conseguir um marido decente (ela achava que não era feia, mas também não era uma grande beleza).
Mas, o acordo que o tio George tinha feito com ela - mais dinheiro do que jamais poderia ter sonhado que existia em sua vida anterior como uma humilde camponesa da Pensilvânia com um tio rico que ocasionalmente lhe enviava preciosas bonecas de porcelana, canetas elegantes e caixas de doces com gosto de maná do céu - mudou a estratégia do pai. Ele não lamentava mais seus erros para ninguém em sua vizinhança, na esperança de que eles a tirassem de suas mãos por uma pechincha. Em vez disso, sob o olhar atento de sua madrasta, uma nova campanha havia começado.
Ela havia se tornado uma mercadoria valiosa, o meio para garantir a entrada deles em todos os melhores círculos sociais, se ela se casasse bem. Um fazendeiro da Pensilvânia, nouveau riche, e sua nova esposa só poderiam subir até certa altura na elite social de Nova York, independentemente da sua riqueza. Mas um noveau riche, cuja filha se casara com as linhagens mais antigas da aristocracia da Inglaterra, possuía influência.
No último ano, ela suportou aulas rigorosas, ajustes intermináveis, foi testada e repreendida, moldada e transformada no tipo de princesa sobre a qual só tinha lido nas histórias que não tinha permissão de ler quando menina, mas que havia escondido embaixo seu colchão de espiga de milho da mesma forma.
A princesa com a qual ela se parecia agora, vestida com seu vestido marfim, de Paris. Um vestido que custou uma pequena fortuna e que exigiu a ajuda de três criadas para vestir. Um vestido que a fazia se sentir simultaneamente como se tivesse entrado em um conto de fadas e como se não pudesse respirar.
Seu espartilho estava muito apertado.
Mas, realmente, o homem diante dela é que era o problema.
O estranho alto, magro e elegante com quem se casou. O duque de Leeds era mais bonito do que algumas mulheres, embora não no sentido feminino, e isso era uma coisa estranha sobre ele. Sua beleza era masculina, todos os ângulos severos e de rude simetria. Tinha sobrancelhas fortes, um nariz aristocrático, lâminas no lugar das maçãs do rosto, uma mandíbula larga e rígida e os lábios mais perfeitamente esculpidos que já vira em um cavalheiro.
Também era mais indiferente do que um gato desgarrado, possuidor de um temperamento frio e indiferente e, se acreditasse nos seus próprios olhos, estava deixando-a. Essa era a outra coisa estranha sobre ele, além do fato de que havia pedido sua mão e se casou com ela sem nunca falar mais do que algumas frases.
Você se importa com a dança polonesa?
Você está linda hoje, Srta. Dumont.
Você me daria a honra de se casar comigo?
Mandarei meu advogado chegar a um acordo com os advogados do Sr. Dumont.
Este anel pertenceu à minha mãe. Esforce-se para não perdê-lo, Srta. Dumont.
Eu, Christopher Anthony Harcourt, aceito Georgiana Elizabeth Dumont...
Sim, tinha sido quase isso.
Que tipo de homem pretendia deixar sua esposa na manhã de seu casamento, poucas horas depois de seus votos terem sido proferidos? Isso desafiava suas habilidades de lógica e razão, mas, no entanto, Christopher Anthony Harcourt estava diante dela com uma valise cheia e uma expressão de irritação mal disfarçada sobre como ela ousou invadir seu reino encantado.
— O que você está fazendo aqui, Duquesa? — Perguntou-lhe agora.
Ela havia se inserido na solidão do marido no quarto que fora reservado para o uso dele até que partissem como um casal para Leeds House, e de lá - ela havia suposto anteriormente – para a lua de mel. O quarto era enorme e sua madrasta o decorou com uma quantidade alarmante de dourados e fotos de galerias de Londres que disseram que estavam na moda. Georgiana olhou-os com um olhar amargo e não se convenceu.
— Essa é talvez a oitava frase que você já me disse, — ela deixou escapar para o marido. Não era o que queria dizer, e gostaria de poder retirá-las no instante em que saíram de sua boca, pois a lembravam de como era desajeitada. Georgiana pode ter sido uma ingênua camponesa, mas até ela sabia o que se dizia dela.
Os fofoqueiros a chamavam de A Princesa Fingida e A Princesa do Dólar Americano. Eles imprimiram caricaturas dela em um salão de baile, carregando uma foice e plantando mudas na pista de dança. Mostravam-na puxando o Duque de Leeds por cima do ombro e empurrando-o para o altar como uma Atlas5 louca por casamento. Em sua antiga vida, nem sabia que tais publicações existiam. Desde que assumira seu novo papel como membro da elite rica e brilhante de Nova York, ela aprendera todo tipo de lições.
Comportamento. Elocução. Dança. Piano. Pintura. Literatura. Francês. Desapontamento.
O pai dela não poupou despesas depois de decidir que ela finalmente lhe seria útil, dando-lhe a influência que ele não pôde comprar com os fundos do tio George quando ela conseguiu uma tiara.
— Certamente já falei mais de oito frases. — Seu novo e recém marido franziu a testa para ela agora. — Embora eu ouse dizer que estou honrado por você ter tentado documentá-las para a posteridade.
Como ele era pomposo. Ela havia dito a si mesma que se casar com ele iria, pelo menos, removê-la da esfera contaminada de excessos, ganância e maldades de seu pai e de sua madrasta. E ela imaginou que, depois do casamento, Leeds poderia ter um bom relacionamento com ela.
— Você não pretende participar do café da manhã do casamento? — Perguntou ela, embora soubesse a resposta.
Estava escrito em todo o seu semblante. Ele parecia um homem em uma estação de trem, aguardando ansiosamente a chegada de sua carona para outro lugar.
— Lamentavelmente, devo recusar, Duquesa.
Ela desejou que ele a chamasse de Georgiana. Não se sentia como uma duquesa, e não tinha certeza de que iria. Era assim que maridos e esposas conversavam nesta terra estranha para onde ela havia sido enviada? Eles sempre foram tão pretensiosos e controlados?
— Você deve recusar, — ela repetiu, pois não conseguia pensar em nada melhor para dizer. Em sua antiga vida, ela saberia como falar com um homem como este, se ele tivesse entrado em sua cozinha. Em sua nova vida, ela era uma fingida com roupas que custavam mais do que a fazenda de seu pai e tudo o que ela já possuíra juntos.
Ele inclinou a cabeça, muito educado. Sempre tão apropriado e o epítome da masculinidade inglesa. Ele era bonito. Reservado. Um enigma.
— Certamente, Duquesa. Receio que, embora esteja muito satisfeito por agora te ter como minha esposa, um compromisso anterior deve lamentavelmente me tirar do seu lado.
Ela não gostava de acreditar que havia se tornado mimada, mas, naquele momento, tudo em que conseguia pensar era nas Salades de Homards que escolhera pensando nele. Durante uma de suas poucas frases, ele havia confessado o amor pela lagosta. E o prato, quando mencionado a ela pelo chef francês de papai, parecia um ajuste perfeito. Algo para agradar a seu marido.
Por que imaginou que agradá-lo seria o suficiente?
Por que imaginou que ela, uma aspirante deselegante, poderia algum dia satisfazer Christopher Anthony Harcourt, um aristocrata afável nascido num solar no campo, cujas mãos nunca haviam conhecido um dia de trabalho?
E ainda assim, ela não conseguia parar de dizer os sentimentos mais fúteis e humilhantes que se possa imaginar.
— Não quer ficar para a salada com medalhões de lagosta? Eu a solicitei com você em mente, Sua Graça. Está envolto em vinagrete, e me disseram que está na moda no continente.
Como se salada de lagosta importasse para este homem. Não importava que ele quase certamente precisasse desesperadamente de seus fundos. Ele tinha o ar de um homem nascido para uma vida de privilégios e tranquilidade, que considerava o extravagante como um lugar-comum.
— Parece adorável, mas não posso demorar. — Sorriu para ela, mas não foi nada apologético.
Suas mãos se apertaram nas ondas angelicais de seu vestido de noiva, esmagando a seda.
— Você não pode demorar em seu próprio café da manhã de casamento?
Ele olhou-a de volta, sua expressão de irritação fracamente reprimida.
— Não, senhora. Não posso. Devo participar de uma expedição de caça na América e, para minha grande desgraça, os dois planos se sobrepõem da maneira mais desagradável.
Ele não tinha intenção de consumar seu casamento.
Ela olhou-o. Por sua postura rígida, sugerindo o desejo de se retirar imediatamente de sua presença, e por seus olhos azuis faiscantes. Por sua boca firme e intransigente. Como foi tão tola a ponto de esperar um homem diferente em seu casamento do que o que ela tinha visto até agora?
— Você se casou comigo pelo meu dote. — Ela afirmou isso em vez de formular uma pergunta. Claro, suspeitava disso o tempo todo, já que havia rumores de que os cofres dos Leeds estavam vazios e seu dote não era segredo. Mas ele nunca havia falado de dinheiro, e ela supôs que ele desejasse uma esposa e filhos.
— Meu irmão apostou tudo o que não estava vinculado e me deixou com mais credores do que posso contar. — Ele lhe deu outro sorriso brilhante. Mas, não continha calor nem gentileza. — Você, minha querida, é a resposta às minhas orações.
— Parece que meu dote é, — ela corrigiu.
— Estou falido. — Ele não parecia envergonhado de suas motivações mercenárias, e ela detectou, não pela primeira vez, que suas palavras possuíam uma ressonância estranha. Quase um sotaque americano, e certamente não com uma elocução aristocrática adequada. — É de conhecimento comum, senhora. Nunca fui feito para ser o duque. Esses fardos não são meus, embora agora eu deva possuí-los.
Ela procurou em seu semblante um indício de ternura, qualquer sinal de que ele pudesse ter alguma suavidade persistente escondida sob seu exterior rígido. E não encontrou nenhum.
— Não sabia que vocês estavam falidos a tal ponto que se venderiam.
— Para o licitante com lance mais alto. — Zombando, ofereceu-lhe uma reverência simulada.
Sua insinuação a irritou.
— Eu não o licitei.
— Não. — Ele inclinou a cabeça, considerando-a com uma insolência que ela não tinha imaginado que ele fosse capaz nos poucos tête-à-têtes educados que compartilharam. — Seu querido papai me comprou, de cara. Mas embora ele tenha comprado meu nome, você não é minha dona, senhora. Estou saindo agora e não posso dizer quando voltarei.
Ou se pretendia, ela pensava que ele queria dizer.
Havia algo muito sombrio em seu semblante. Algo tão sombrio quanto uma procissão fúnebre. Não era apenas o ressentimento que ele ressoava. Este homem era sombrio, perigoso e amargo. Uma combinação perigosa.
— Se você partir hoje, Sua Graça, você não precisará voltar. — A declaração a deixou em uma pressa repentina, e um rubor em resposta tomou conta de suas bochechas enquanto ele a estudava.
Ele curvou-se novamente, baixo e zombeteiro.
— Como você insiste, Duquesa. Desejo a você um bom dia. — Seus dedos longos e fortes agarraram a alça de sua valise.
— Você não pode querer sair agora. — Mas era um protesto inútil, e ela sabia disso.
— Adeus, Duquesa, — ele disse solenemente, seu novo marido que nunca a tinha beijado além de um beijo na bochecha para selar seus votos. — Cuide-se.
— Por favor, — ela implorou, embora não tivesse certeza do porquê. Autopreservação, talvez? Orgulho? Seus detratores fofoqueiros se deliciariam com algo tão lascivo quanto, o Duque de Leeds a deixando no dia de seu casamento sem nem mesmo participar de um pedaço do banquete preparado em sua homenagem. — Fique, Sua Graça. Pelo menos para o café da manhã do casamento. O que nossos convidados pensarão se você estiver ausente?
Seu rosto permaneceu sem expressão.
— Não dou a mínima para o que nossos hóspedes pensam, senhora. Meu navio espera.
Sem outra palavra, seu marido por três horas inteiras a deixou sozinha, vendo-o abandoná-la. Ele não merecia a salads de homards, ela decidiu depois que a porta se fechou atrás dele.
E também não a merece.
Capítulo 01
Londres, junho de 1881
Seis meses depois de deixar Londres, transbordando com a emoção de uma nova missão, Kit Hargrove, o Duque de Leeds, voltou em desonra. Ele não voltou para legiões de admiradores ou manchetes efusivas no The Times, ou para a gratidão de Sua Majestade. Ele não retornou como um herói; muito pelo contrário, já que sua chegada à costa da Inglaterra havia sido envolvida em segredo. E ele certamente não voltou para os braços amorosos de sua esposa abandonada, que provavelmente nunca se importaria se não o visse novamente.
Ele voltou sozinho, exceto pela companhia dos criados que contratou para a duvidosa tarefa de auxiliá-lo em sua jornada. Voltou incerto se algum dia seria capaz de recuperar o uso adequado da perna esquerda. Incapaz de caminhar sem ajuda até a porta da frente de sua suntuosa residência em Londres.
Voltou e bateu na maldita porta de sua própria casa como se fosse um visitante.
E um gigante com um brilho sinistro no olhar e uma cicatriz feia na bochecha abriu o portal.
— Sua Graça não está em casa, — anunciou severamente, e então fechou a porta.
O diabo o leve.
Kit cerrou os dentes. Ele se sentia fraco e cansado, e estava no último lugar que desejava estar empreendendo a tarefa mais humilhante que sua mente poderia imaginar. Ele se apoiou em sua bengala, exalando quando um novo ataque de dor o atingiu. De todos os dias em que poderia ter a entrada negada em sua própria casa, este não era o dia que teria escolhido.
Ele bateu na porta novamente.
A montanha rude de um homem disfarçado de mordomo reapareceu, carrancudo.
— Te disse. Sua Graça não está em casa. Cai fora.
Kit estava preparado desta vez. Ele pegou o batedor da porta com a palma da mão aberta, embora isso quase lhe custasse o equilíbrio e o que restava de seu orgulho. Ele se firmou e olhou para o bastardo que o impedia de entrar.
— Você sabe quem eu sou? — Demandou.
— Eu me importo? — O bastardo insolente voltou. — Não.
— Você vai se importar quando eu te despedir, — ele rosnou. — Sou o Duque de Leeds. Seu empregador. Agora, conceda-me a entrada imediatamente.
Os olhos da montanha se estreitaram.
— Não estamos esperando o Duque. Ele está no exterior.
— Observe. Ele voltou, — Kit fez um floreio sarcástico.
O idiota não se convenceu.
— Como posso saber se você é quem diz ser?
— Devo convocar a maldita rainha?
— Ludlow, — veio uma alegre voz de contralto com um sotaque que não era muito polido. — Preciso de sua ajuda com Lady Philomena Bigodes. Acho que ela está prestes a dar à luz a uma ninhada de gatinhos.
Certamente aquela doce voz não pertencia a ela. E ela estava conversando com o verme que bloqueou a porta de sua casa como se fosse um senhor.
Atrás da montanha, Kit captou o redemoinho de seda azul-marinho, um vislumbre de uma trança castanha, uma sobrancelha lisa, um grande olho verde. Oh, inferno. Era ela, certo. Ele pode não reconhecer a voz, mas nunca esqueceria aqueles olhos. Verde e dourado com manchas de canela e franjadas com cílios decadentes.
— Sua graça? — Veio sua voz hesitante.
Parece que ela, por outro lado, não o reconheceu.
Quão humilhante.
— Senhora, — ele mordeu fora. — Viajei um oceano. Estou gravemente ferido, cansado e sem o tipo de paciência e compreensão que seria necessário em uma circunstância como esta.
— Afaste-se, Ludlow, — ela ordenou a montanha.
O criado concordou com grande relutância e outra carranca. E lá, ela ficou em seu lugar. Ela era mais adorável do que se lembrava, imbuída de um ar de sofisticação que não possuía da última vez que a vira. Seu cabelo estava trançado como uma cestinha e usado no alto da cabeça. Seu vestido era de seda azul marinho com saias verde-garrafa, renda e fita adornando um corpete, que não podia deixar de chamar a atenção para sua cintura estreita e seios generosos. Mesmo em seu estado enfraquecido, ele sentiu uma labareda inesperada e estranha de consciência enquanto a observava.
— Vossa Graça, — ela disse finalmente, seus lábios rosados muito largos pressionados em uma carranca severa. — Você parece doente.
Bem, inferno. Estava parado, pensando em como ela parecia incrivelmente bonita enquanto ela observava seu corpo magro, pele pálida e bengala. Ele estava um caco e sabia disso. Apoiou-se pesadamente na bengala.
— Fui ferido. Você vai me permitir a entrada ou devo ficar na rua como um maldito comerciante?
Ela piscou, a cor floresceu em suas bochechas.
— Você sofreu um ferimento de caça, Sua Graça?
Atrevida inteligente. Ele lhe deu seu olhar mais arrogante.
— Sim.
Sua esposa deu um passo para trás, permitindo que a porta se abrisse totalmente.
— Entre, então. Suponho que não posso negar sua entrada.
Com a ajuda de seus servos, ele ultrapassou a soleira. Mas o esforço de caminhar até a porta, combinado com o tempo em que foi forçado a esperar, e a dor paralisante que o queimava, o deixou ainda mais fraco. Ele cambaleou, perdendo o equilíbrio, a humilhação o atormentava.
Como ele acabou aqui, neste momento, diante da esposa que ele nunca quis como um maldito inválido, um estranho mordomo assistindo sua desgraça?
Seu olhar percorreu o tamanho dele, indo ainda mais longe.
— Oh, céus. Sua graça está sangrando. Ludlow, prepare meus aposentos para ele, por favor.
Ele olhou para baixo para ver que seu ferimento tinha realmente começado a sangrar mais uma vez, encharcando suas calças. Droga.
— Prepare meus aposentos, — ele comandou a montanha insolente, contradizendo-a.
— Temo que não seja possível, — sua duquesa disse sem um pingo de remorso.
Que diabos?
— Não há mais uma cama em seu quarto, — ela explicou. — É o quarto principal dos cães agora. Mesmo se ainda houvesse uma cama, duvido que você desejasse convalescer lá.
— O quarto dos cachorros, — repetiu, se perguntando se perdeu sua mente junto com o sangue que vazou de seu corpo.
— Sim. Terá que ser no meu quarto infelizmente, ou nada. — Ela se virou para dar ao mordomo um olhar íntimo demais para seu gosto. — Não há como evitar. Você terá que mover Lady Philomena Bigodes para outro lugar para aguardar o nascimento.
Cães e gatos, e uma montanha de mordomo que estava muito familiarizado com sua esposa. E ele não tinha mais uma cama. Claro, esta era precisamente a volta ao lar que deveria ter esperado.
Ludlow parecia como se ela tivesse acabado de lhe pedir para limpar depois que seus camundongos tivessem uma ninhada, os lábios curvados em indisfarçável desgosto. Então, novamente, ela supôs que não podia culpá-lo, seja por sua antipatia pelos liliputianos6 - eles faziam uma bagunça terrível, os pequenos canalhas - ou por sua aversão ao duque.
Georgiana se perguntou se sua expressão combinava com a do mordomo ameaçador quando viu o marido desaparecido: magro, pálido, sangrando.
Ainda bonito como sempre, o piolho.
Suspeitava que ninguém estava menos impressionado com a chegada repentina e inesperada do Duque de Leeds do que ela. O casamento até agora tinha sido marcado por sua ausência e suas decepções, que ela suspeitava ter tudo a ver com o ferimento sangrando em sua coxa. Devo participar de uma expedição de caça na América, ele lhe disse no dia do casamento, antes de desaparecer em uma carruagem com uma valise lotada. Sua última visão dele foi suas costas largas desaparecendo no transporte enquanto ela observava de uma janela.
Uma expedição de caça, meu dedão.
Ela apostaria toda a sua coleção de criaturas perdidas que seu marido estava em uma expedição de um tipo totalmente diferente. Uma que envolvia conspirações de dinamite Feniana, espionagem e, ao que parece, armas. As cartas codificadas que encontrou na biblioteca dele não só foram facilmente decifradas, mas também bastante informativas. Embora tenha ficado um tanto apaziguada ao saber que ele não era tão inútil quanto havia suposto, o tempo e a distância não haviam feito nada para melhorar a profundidade do rancor que ela sentia por ele.
— Para onde você quer que eu mova Lady Philomena Bigodes, Sua Graça? — Ludlow perguntou, interrompendo seus pensamentos girando.
O que era melhor, para que ela não ficasse muito tentada a chutar a bengala de Sua Graça pela pura alegria de vê-lo cair de nádegas no parquet polido.
Ela se concentrou em seu mordomo, uma onda gentil de apreciação correndo por ela. Ele parecia uma fera, com sua forma imponente e sua cicatriz intimidante. Mas uma natureza gentil se escondia sob seu exterior áspero.
— Ela não pode permanecer com Kitty Quixote, então não adianta colocá-los juntos.
— Talvez na sala matutina? — Ludlow forneceu prestativamente. — Ela gosta de tomar sol, e as janelas voltadas para o leste emprestam um ar de alegria.
— Hmm. — Georgiana pensou nisso. Embora todas os quartos, exceto o dela, tivessem sido convertidos em casas improvisadas para os animais vadios que ela começou a cuidar, ela estava relutante em comandar a sala de estar principal e a de entretenimento também. — Pode funcionar temporariamente.
— Perdoe-me por interromper sua cintilante discussão sobre onde você vai colocar alguma criatura estúpida, — disse seu marido esquecido com uma voz composta de icebergs, — mas eu gostaria de descansar um pouco antes de morrer na porra do chão.
Bom Deus.
O olhar de Georgiana se voltou para o duque em choque com sua linguagem vulgar. Ele tinha ficado mais pálido, notou, sua pele um tom mais claro do que as listras de marfim no papel de parede atrás dele. Ainda assim, não estava inclinada a sentir simpatia por este homem.
Ela não gostava dele.
— Talvez você tenha perdido suas maneiras junto com todo aquele sangue, Sua Graça. — Ela sorriu, o estiramento de seus lábios parecendo dolorido. Acima de tudo, não permitiria que ele visse o quanto a afetava, o quanto seu completo desprezo por sua pessoa, bem-estar e sentimentos a magoaram. Quanto esforço agora era necessário para não bater nos ouvidos dele.
— Nunca aleguei tê-las, — ele rangeu, sua expressão incrivelmente impassível para um homem que parecia prestes a desmaiar. — Por favor, faça com que seu gigante cuide de meus pertences e criados, senhora, já que parece que ele não tem noção do que um mordomo adequado faz.
Ela estremeceu. Ludlow, apesar de ser um querido, também possuía um temperamento explosivo. Para não mencionar um desejo de proteção tão longo quanto o rio Tâmisa.
Ele fez uma careta para o duque.
— Quem é você para dar ordens a Sua Graça?
— O maldito marido dela, — Leeds fervilhava. — Seu maldito empregador até que eu encontre seu substituto, o que ocorrerá com muita pressa.
— Foi uma quantidade terrível de sangue, — Georgiana murmurou baixinho.
O olhar de seu marido se voltou para ela, e mesmo em seu estado enfraquecido e ferido, ele possuía um ar de comando que não podia ser negado.
— Não compreendi?
Bem. O que ela poderia fazer? Embora fosse bom para ele que desmaiasse no chão, sua resolução interior enfraqueceu.
— Ludlow, por favor, cuide dos criados e dos baús de Sua Graça. Eu mesma irei acompanhá-lo lá em cima.
As sobrancelhas de Ludlow se ergueram, mas fez o que ela pediu, pois era leal.
— Venha, — ela se dirigiu ao marido, movendo-se em direção a ele para pegá-lo pelo braço como faria com um inválido. Era assim que deveria pensar nele se quisesse manter a compostura. Acima de tudo, não pensaria em quão musculoso era seu braço sob o casaco. Como ele irradiava calor.
Muito calor.
Ela franziu a testa, e colocou a mão na testa dele.
— Leeds, você está febril.
— Não estou com febre. — Ele deu de ombros, livre do toque dela e cambaleou, quase perdendo o equilíbrio no processo. — Nem preciso de sua assistência.
Georgiana se encolheu com a veemência em seu tom, a ressonância singular de desgosto, como se ela estivesse abaixo dele e seu toque de alguma forma adulterasse sua aura ducal impecável. Deveria ter chutado a bengala dele quando a ideia a atingiu pela primeira vez.
Em vez disso, agarrou seu braço novamente. Embora ele fosse muito mais alto do que ela, sua forma afiada com esbelta e musculosa graça, ela tinha a vantagem de não estar gravemente ferida e com febre. Ele não podia escapar dela.
— Escuta aqui você, teimoso idiota, está claro que você verdadeiramente necessita de assistência. Além disso, você está queimando. Sua pele está úmida, seus olhos estão brilhantes, e eu estaria disposta a arriscar um palpite de que seu ferimento está infeccionado. Você vai aceitar minha ajuda, ou vou deixá-lo aqui para apodrecer na entrada como você merece.
Ele a encarou, balançando em seus pés, em silêncio.
Por um momento, ela pensou que tinha ido longe demais em sua veemência.
Mas, então, ele zombou.
— Tendo sido uma americana baixinha que viveu em uma fazenda até que seu papai recebeu sua herança ferroviária, não consigo ver o que a qualifica para fazer as avaliações de um médico. Chame meu médico pessoal, por favor. Desejo que ele trate dos pontos que não seguraram durante o curso de minha jornada até aqui.
Uma americana baixinha que viveu em uma fazenda.
Oh, como seu pé coçava. Ela olhou para a bengala por um breve momento, considerando. Ele era um canalha arrogante. Como ficou impressionada com sua beleza masculina? Uma pragmática como ela deveria saber melhor do que ninguém que um belo exterior poderia ocultar uma profundidade incalculável de feiura que guardava por baixo.
Mas então, ela percebeu que durante o diálogo, a mancha de sangue estragando suas calças triplicou de tamanho.
— Céus, Leeds, você está sangrando mais que um porco massacrado.
De repente, ele caiu para frente em seus braços.
Ela o agarrou, cambaleando para trás sob a força de seu peso, mas conseguindo se manter firme. Porque ela era uma camponesa, como ele a acusou tão desdenhosamente de ser. E porque ela sabia como resistir a qualquer coisa. Sempre soube, e sempre saberia. O Duque de Leeds poderia abandoná-la, insultá-la e desprezá-la o quanto quisesse, mas não podia tirar isso dela.
Capítulo 02
Kit estava pegando fogo.
Algo estava resmungando.
Algo infernalmente pesado estava sobre seu peito, espetando sua pele com meia dúzia de agulhas ou mais, ao mesmo tempo. Cavando, depois retraindo, cavando, então retraindo na mesma tortura sobre sua carne.
Talvez, finalmente tivesse se encontrado nas entranhas do inferno, onde pertencia.
Murmúrios perfuraram seu delírio. Os tons suaves de uma mulher, o estrondo profundo contrastante de um homem. Tentou sacudir a cabeça de um lado para o outro, para limpar a névoa do cérebro, para ouvir a conversa. Mas mover-se parecia impossível. Sua cabeça estava muito pesada. Estava muito fraco. Ele tinha uma cabeça? Talvez esse fosse o obstáculo.
Sim, ele estava morto. A ferida que ele começou a temer, que estava apodrecendo durante sua viagem de volta para a Inglaterra. O bastardo que o traíra e a bala da ameaça invisível do Feniano o haviam matado com uma punição exigente e prolongada. Exatamente como eles gostariam.
E agora, ele queimava nas chamas eternas de sua condenação enquanto tentava escutar um diálogo entre duas forças desconhecidas. Quem era? O diabo contra um anjo? As duas facções guerreiras dentro dele duelando por sua alma imortal?
Ele tinha uma alma? Havia deixado de acreditar nisso há muito tempo.
Mas parece que tinha. Pois como o fogo o engolfando e a criatura rosnando e sibilando infligindo seu tormento rigoroso em seu peito existiriam se ele não tivesse uma? Se não estivesse agora, de fato, no Hades. Precisamente onde pertencia.
Devemos movê-la... Uma ilusão de palavras se estabeleceu em sua consciência. Mantenha-o quieto. Suave, feminino. Tão lindo. Devo contê-lo. Ele encontrou forças para mover o rosto em direção ao som, buscando-o como faria com o sol, mas não conseguiu abrir os olhos.
Melífluo, pacífico. Isso o lembrou de alguém.
Dela. Sua esposa de olhos verdes.
Seu rosto varreu sua mente, branca e adorável, seu cabelo escuro enfatizando sua beleza. Ela não gostou de vê-lo, assim como ele não gostou de vê-la. Vê-la significava que havia perdido. Era um fracasso. Estava quebrado, fraco e ferido.
Patético, realmente.
Ainda bem que ele prendeu a colher na parede7.
Ele se perguntou por um momento louco se ela iria ou não chorar por sua morte. Provavelmente não.
Georgiana.
Ele tentou murmurar o nome dela. Um nome que preferia não pensar ou dizer, pois enchia seu interior com a indesejável podridão da culpa.
Eu estou aqui.
Aquela linda voz, perto de seu ouvido. Falando em sua mente.
Calma, estou aqui.
Ele caiu naquela voz, absorveu-a e pensou que talvez não estivesse morto afinal. Ou se estava, tinha sido milagrosamente poupado e elevado ao céu, onde um anjo o cercava no brilho pacífico de sua calma. A voz dela era tão doce que o fez sofrer.
Mas então os arrepios vieram, destruindo seu corpo, e ele teve certeza de que havia descido ao inferno. Onde ele pensava que estava muito fraco para se mover, não estava muito fraco para ter convulsões em espasmos descontrolados. Seus dentes batiam. Os assobios recomeçaram, assim como os rosnados, junto com a dor do que agora parecia ter se multiplicado em uma centena de pequenas facas cortando sua carne sensibilizada.
O estrondo baixo voltou. A voz masculina.
Você deve deixar este quarto. Permita que outra pessoa cuide de...
Não. Kit tentou formar a palavra, levantar seus braços inúteis e agarrar-se a essa invenção de sua imaginação. A luz rodou diante de seus olhos. Tentou forçá-los a abrir, para vê-la. Seu anjo? A esposa dele? Como eles eram o mesmo?
Mais conversa abafada.
Devo movê-la, Sua Graça.
Não, devo ser eu... Ele é uma besta, mas não quero que ele morra...
A luz se apagou. Em seu lugar veio uma escuridão profunda e duradoura. Estava cansado demais para se mover ou lutar. Cansado demais para fazer a dor parar. Ele sucumbiu, deixando o vazio frio envolver sua mente.
Uma última linha de conversa o alcançou antes que caísse no abismo.
A morte é uma coisa horrível, Vossa Graça.
Georgiana olhou furiosa para Ludlow, um homem que era seu mordomo, sim, mas que também se tornara seu amigo nos últimos meses de solidão em Londres. Ela não se importava que não fosse correto. Não se importava que ele fosse seu criado. Ludlow era um dos melhores homens que ela já conhecera, e ela era descaradamente americana em suas sensibilidades, permanecendo sem medo de fazer amizade com alguém digno do título, independentemente de sua classe social.
Mas nesse assunto - o assunto do suposto falecimento de seu marido febril e acamado - discordava dele com veemência.
— Ele não vai morrer.
— Eu já vi a morte antes, e ele está assumindo esse aspecto. — Como de costume, Ludlow não mediu palavras.
— Ele vai vencer isso, — ela insistiu em um voto sibilante.
— Tenho mais experiência do que você, Duquesa. Confie em mim neste assunto, eu imploro. — Ludlow fez uma pausa, sua expressão grave, simpática. — Você não vai querer estar presente para o fim. É feio. Pútrido. Grotesco. Vá agora e mande chamar o médico. Irei atendê-lo em seu lugar.
Georgiana engoliu em seco contra uma onda de náusea. Sobre a morte, ela soube instintivamente que seu mordomo falava com profunda experiência. Eles nunca haviam discutido sua vida antes de ele vir trabalhar para ela - altamente recomendado, pelo que ela tinha então, e ainda suspeitava até hoje, eram cartas de referência falsificadas.
Sua carranca tinha sido mais pronunciada então, seu afeto geral sombrio como Belzebu. Georgiana olhou para ele e imediatamente viu outro vira-lata digno de seu cuidado. Mesmo que ele não parecesse saber muito sobre os deveres de um mordomo, estava muito familiarizado e franco. Mesmo que ele olhasse e oferecesse sua opinião obstinada a cada passo.
Ela havia aprendido, ao longo dos últimos anos, que amigos eram uma mercadoria preciosa onde e como quer que pudessem ser encontrados, em um mundo onde a maioria das pessoas estava disposta a sorrir para o rosto de alguém com uma adaga escondida nas costas, esperando o momento de ataque.
Ainda assim, ela se recusava a pensar que qualquer criatura sob seus cuidados - fosse um rato ou um marido podre - não sobreviveria. Salvar coisas era o que a fazia se sentir viva. E salvaria o desgraçado cheio de febre na cama diante dela, se fosse a última coisa que fizesse.
— Vou ficar, Ludlow, e é isso. — Ela olhou para o marido, cujo peito trêmulo estava adornado com uma gata branca desajeitada que estava prestes a dar à luz a seus gatinhos, e que não queria se mover de seu poleiro. Os esforços de Georgiana e Ludlow para remover o felino do peito de Leeds resultaram apenas em rosnados, assobios e garras cravadas. — Vou remover Lady Philomena Bigodes, e vou precisar que você a leve para onde você inicialmente sugeriu.
— A sala matutina, — ele acrescentou.
— Sim. — Ela franziu o cenho. — E providencie para que o médico seja chamado, mas não o Dr. Shilling desta vez, por favor. Em vez disso, chame o Dr. Gage.
— Mas Sua Graça, o Dr. Gage é um veterinário.
— Um veterinário, sim. — Ela levantou uma sobrancelha, desafiando Ludlow a contradizê-la. Ela sabia que seu pedido era incomum, mas nos últimos dias, desde sua chegada, Leeds não estivera lúcido. Ela chamou seu médico pessoal como ele solicitou, e nenhuma das ações ou ordens do médico forneceram resultados. Morfina e uma dieta com leite não haviam curado seu marido, e Leeds parecia se distanciar cada vez mais da vida a cada momento que passava. — Ele também é muito habilidoso, como você mesmo viu quando salvou Havisham dos ferimentos que ela sofreu depois de ser atropelada por um carro de aluguel. Confio em seu julgamento.
E ela confiava. Havisham era uma doce e gentil spaniel de raça cruzada - que chegara a eles com ferimentos horríveis que ficaram infeccionados por uma semana - prestes a morrer. O Dr. Gage curou a infecção drenando a ferida e limpando-a com uma solução antisséptica. Havisham agora prosperava e até havia recuperado o uso de suas pernas traseiras, antes aleijadas, por meio dos repetidos tratamentos e aplicações do veterinário.
Sim, o Dr. Gage poderia curar, e essa era uma de suas motivações.
Mas também havia a compreensão preocupante se instalando dentro dela com o peso de uma pedra que a lembrou de que ela não tinha mais nada a perder. As ordens do Dr. Shilling não livraram Leeds da infecção que estava lentamente tomando conta de seu corpo. Os avisos de Ludlow eram muito reais. Se eles não fizessem algo para melhorar as condições de Leeds, logo ele morreria.
A ideia a deixou desolada. Não deveria sentir ternas emoções por um homem que não se importou em abandoná-la no dia de seu casamento, mas não estava em seu desejo o mal. Certamente havia um lado bom nele. Certamente alguém digno se escondeu sob seu exterior severo.
Ou talvez fosse apenas um pensamento fantasioso da parte dela.
— Eu removerei Lady Philomena, — Ludlow cortou, opondo-se a ela depois de tudo.
— Eu vou...
— Você tentou, sem sucesso. — Seus lábios se firmaram em uma carranca proibitiva. — Cuidarei disso, Sua Graça.
Ela se arrependeu de sua decisão de não remover a gata recalcitrante e grávida de seu quarto assim que instalou seu marido ali. Depois que ele perdeu a consciência, a criadagem entrou em uma enxurrada de atividades, e a retirada do gato fugiu de sua mente. Tendo estabelecido um canto confortável do quarto onde Lady P. pudesse observá-la deitada, Georgiana relutou em perturbá-la. Mas hoje, a felina havia inexplicavelmente decidido fazer um ninho para si mesma no peito do duque. As tentativas subsequentes de removê-la se mostraram não apenas infrutíferas, mas também carregadas de rosnados guturais e assobios encorpados.
Enquanto isso, o duque dormia, às vezes inquieto e outras vezes mortalmente quieto, sua respiração superficial, sua palidez cinza e sua pele coberta por um fino brilho de suor. Ele estava delirante, e essa foi a única razão pela qual ele chamou o nome dela antes, o som áspero de sua garganta seca quase irreconhecível. Certamente ele nunca a tinha chamado pelo nome de batismo antes.
Mas ele murmurou com uma necessidade crua. Georgiana. Ela ainda podia ouvir. Isso havia perfurado seu coração. Mais tola ela, pois ninguém conhecia melhor o tipo de homem que o Duque de Leeds era: sem coração, implacável e extremamente frio. Não necessariamente nesta ordem.
Ela tinha se esquecido do arrogante?
Sim, havia isso também.
— Muito bem, — disse com um suspiro. — Você pode remover Lady Philomena. Mas, por favor, se apresse em chamar o Dr. Gage. Desejo que ele venha o mais rápido possível para ajudar o duque.
Ludlow fez uma reverência.
— Claro, Sua Graça. Seria uma honra.
Momento estranho para ele encontrar sua deferência, ela notou.
— Obrigada, Ludlow.
Seu marido se debateu na cama então, e Lady Philomena Bigodes deu um uivo lamentoso de protesto, afundando em suas garras mais profundamente.
— Maldito inferno, — ela murmurou.
Mas Ludlow sempre foi um homem de ação. Ele desceu sobre a gata branca, fofa e gorda com duas mãos enormes. Uma a pegou pela nuca e o outra a ergueu com um golpe hábil. Ele embalou a gata descontente contra seu peito como se ela fosse feita de um cristal delicado.
— Você vê, Sua Graça? — Ludlow levantou uma desafiante sobrancelha numa muito “moda não mordomo’’. — Se você tivesse me permitido pegar esta besta desde o início, você poderia ter se poupado de um grande esforço.
Nunca parava de se surpreender com o quão proficiente ele era com animais teimosos.
— Obrigada. Dr. Gage, por favor.
— Como você manda, Duquesa. — Ele girou nos calcanhares e caminhou em direção à porta, apresentando uma imagem que ela teria sorrido em qualquer outra ocasião - homem forte, largo, enorme e cheio de cicatrizes carregando um gato branco rechonchudo contra o coração.
Quando Ludlow e sua carga desajeitada foram embora, Georgiana foi para o lado do marido. Ele estava imóvel mais uma vez, seu rosto - injustamente bonito, apesar da devastação óbvia de sua doença - em tal repouso que ela segurou a mão sobre seus lábios por um minuto inteiro para se convencer de que ele ainda respirava.
Ele respirava, graças ao Senhor.
Talvez a remoção de Lady Philomena tivesse lhe dado paz. Esperava que sim. Com outro suspiro, mergulhou um pano em uma tigela de água gelada, torcendo o excesso antes de aplicá-lo em sua testa febril. Ela hesitou por um momento, e então abaixou a roupa de cama para inspecionar a extensão do dano que o gato havia causado nele. Um dos criados que ele trouxera da América o ajudara a vestir uma camisa de noite, e ela fez uma anotação para ordenar ao homem que a trocasse diariamente, pois parecia que não tinha sido trocada recentemente.
Uma remoção cuidadosa do decote frouxo de sua roupa revelou uma dispersão de pontos vermelhos estragando seu peito bem esculpido. Ela tentou não olhar. Tentou acalmar o tremor em sua mão enquanto traçava as feridas que o gato tinha deixado nele.
E então, ele disse de novo. O nome dela.
— Georgiana.
Mais gemido do que pergunta ou declaração. Talvez um murmúrio. Como se ela o torturasse ou o assombrasse, ou como se ele precisasse dela. Talvez até os três.
Sua mão nua espalmada sobre seu músculo peitoral. Uma leve camada de pelos escuros no peito salpicou a pele incrivelmente firme. Queimando com febre. Arranhado por uma gata zangada prestes a dar à luz.
— Georgiana.
Ele disse de novo, mais alto desta vez, embora seus olhos permanecessem fechados e estivesse preso nas garras de quaisquer delírios febris que o estivessem dominando nos últimos dias. Naquele momento, ela jurou que o veria bem novamente. Cuidaria dele para recuperá-lo, afugentaria sua infecção da maneira que pudesse. Ela o veria mais uma vez vibrante, bonito e cheio de vida.
Sim, lutaria por ele. Tirou-lhe o pano da testa, mergulhou-o de volta na tigela de água gelada, usou-o para limpar as feridas minúsculas em seu peito e pressionou-o de volta na testa. Ela lutaria por ele para que, quando estivesse totalmente curado, pudesse olhá-lo nos olhos, dizer-lhe que canalha podre e mentiroso ele era e exigir que se divorciasse dela.
Capítulo 03
Escuridão o envolveu. Ele estava fervendo. Boca seca. Corpo tremendo.
Onde estava? Quem era ele?
Por um instante, ele nem conseguiu lembrar seu nome. Seu treinamento surgiu de maneiras estranhas. Havia sido ensinado a suportar a tortura, a não revelar nada, a morrer de boca fechada e salvar a vida de seus irmãos de armas.
Os fatos lhe retornaram, junto com uma lenta explosão de consciência. Ele era Christopher Anthony Harcourt. Duque de Leeds. Agente da Coroa.
O traído agente da Coroa.
Lembranças peneiradas, borradas com a dor, mesclando-se com pesadelos. Ele sentiu novamente o disparo da pistola, a bala atingindo sua carne. A agonia disso. A raiva por ter caído numa armação. Enviado para um prédio abandonado em uma espelunca decadente de Nova York.
E agora nunca obteria suas respostas ou sua retaliação.
Ele estava morrendo.
Ou morto.
Nada sobre o estado em que se encontrava estava certo. A fraqueza, a incapacidade de mover seus membros, a confusão entorpecendo sua mente. Havia esquecido seu próprio maldito nome. Ele não sabia onde estava. Ou por quê. Ou como.
Mais lembranças voltaram. A doce voz de um anjo. O estrondo baixo do diabo. Uma criatura rasgando seu peito. A certeza de que havia descido ao inferno. Sim, talvez estivesse morto, afinal.
No entanto, de alguma forma, a cama envolvendo seu corpo era macia, seus lençóis eram finos contra sua pele. Havia camas no inferno? Afinal, este era o paraíso? Ou uma breve pausa para aumentar seu tormento antes de cair mais uma vez no sofrimento eterno?
O frio, quando veio, foi repentino, machucando-o até os ossos. Seus dentes batiam, espasmos sacudindo seu corpo quando um calafrio o varreu, afastando o calor.
E então a dor queimou sua coxa, trazendo-o das profundezas da escuridão para um quarto cheia de luz. Ele estava vivo. Cristo na cruz, ele estava vivo. E seus olhos estavam abertos, e alguém - algum maldito estranho - estava cortando sua carne com um bisturi.
Um rugido animalesco emergiu de seus pulmões. Um grito primitivo. Desespero, agonia e raiva se misturaram em uma explosão violenta. Mas, ele estava impotente. Não conseguia se libertar ou escapar. Aqui estava a razão pela qual não conseguia mover seus braços e pernas, porque se sentia pesado.
Ele tinha sido amarrado.
Na porra da cama.
— Quem diabos é você? — Murmurou para o estranho que pretendia retalhá-lo como um faisão assado.
O bastardo olhou para ele, seus olhos escuros, sua expressão imperturbável.
— Eu sou o Dr. Gage.
Dr. Gage. Ele não conhecia nenhum Maldito Dr. Gage.
— Não. Toque. Em. Mim. — Ele puxou os pulsos, mas isso só serviu para fazer os nós que o prendiam mais apertados.
— Ele vai precisar do clorofórmio, infelizmente, — o cirurgião anunciou para alguém que Kit não pôde ver. — Você é capaz de ajudar, Sua Graça?
— Claro. — Lá estava a voz suave, ressoando em sua memória. Esse lindo contralto. Esse sotaque americano.
O farfalhar de seda das saias o alertou de sua presença antes que ela aparecesse, uma deusa em um vestido cinza útil. Seu surpreendente olhar verde o queimou. Sua expressão foi atingida. Ela era tão linda. Uma cadela tão dúbia.
— Senhora, — ele rugiu, fora de sua cabeça - não, fora de sua maldita mente - com desespero. — Remova esses laços. Onde diabos está o Dr. Shilling? N-não permita que esse sanguessuga me corte.
Ele não confiava em ninguém. Não a estranha com quem foi forçado a se casar para salvar o ducado da ruína financeira iminente, nem uma única maldita alma da Liga, e certamente não o homem determinado a cortá-lo.
O que diabos estava acontecendo com ele? Por que não conseguia parar de tremer? Por que ele estava tão frio?
— Choque, — disse o suposto médico. — Depressa.
Ela estava ao seu lado então, o anjo de seus sonhos febris, a esposa que ele não queria. E ela cheirava a brisa em um dia de verão impregnado com flores de rosa e lavanda. E o maldito charlatão brandiu seu bisturi mais uma vez. E Kit podia ver o sangue, podia cheirá-lo. Seu sangue. Sua fonte de vida.
Quando ele foi baleado, suas mãos estavam cobertas, encharcadas, quentes e escorregadias. Ele estava convencido de que sangraria até a morte naquele dia. Mas estava errado, pois iria morrer aqui. Na Inglaterra. Sob os auspícios de sua própria desobediente esposa.
— Eu sinto muito, Leeds. — Seu rosto pairou sobre o dele, uma linha pensativa de preocupação dividindo a beleza impecável de sua testa cremosa.
Um pano cobriu seu nariz e boca. Ele tentou prender a respiração, para se abster de inalar o veneno que o deixaria inconsciente e incapaz de se defender.
Mas lá estava ela, mais adorável do que qualquer mulher tinha o direito de ser, possuindo a ousadia de parecer preocupada.
— Respire, Leeds. Você deve superar isso. Por favor.
Ele sufocou um suspiro. Inalando. Dane-se ela. Exalando. Não conseguiu resistir. O escurecimento de seus sentidos o alertou para o fato inescapável de que ele estava prestes a... Maldição, ele pensou novamente.
Ele inalou. Voltou para a escuridão mais uma vez.
As mãos de Georgiana tremeram.
Sua vida anterior, aquela antes de se tornar uma herdeira com seu dote valendo o resgate de um rei, antes de viver na rua mais exclusiva de Nova York, em uma casa grande o suficiente para abranger um condado inteiro, antes de se tornar uma duquesa - aquela vida anterior que seu marido tanto menosprezava - a havia equipado para suportar o estresse e o horror deste dia.
A visão de sangue não a fez desmaiar. Nem o cheiro disso. Nem uma lâmina afiada cortando carne. Ela ajudou a dar à luz bezerros. Teve vacas leiteiras. Havia colhido ovos de galinha, abatido mais galos do que devia. Havia caminhado através de esterco de porco, trabalhado até que suas mãos estivessem ásperas e vermelhas.
Mas nenhuma parte da vida que levara tempo atrás a preparou para ajudar na cirurgia de seu marido. O brilho enlouquecido em seus olhos, a miséria e a desolação a assombravam. Ela não gostava dele, era verdade. Ele não tinha lhe dado motivos para sentir nem um pouco de ternura por ele.
E, no entanto, ele tinha sido tão humano naquele breve momento de lucidez. Tão desesperado, exalando selvageria e determinação para escapar, como um animal enjaulado. O rápido manifestar de sua emoção a surpreendeu. Não era apenas pena, mas algo mais, algo mais forte.
Algo que não queria sentir, não por ele.
Entrelaçou os próprios dedos como se estivesse rezando, obrigando-se a ouvir as palavras do Dr. Gage, enquanto ele limpava e reembalava seus instrumentos. Seu marido ainda estava na cama diante deles, sua pele pálida. O aviso de Ludlow voltou para ela.
Você não vai querer estar presente para o fim.
Maldito Leeds por ser enganador. Por levar um tiro. Por voltar a Londres, sangrando e doente. Por abandoná-la em primeiro lugar.
— Eu apliquei uma solução de bicloreto como antisséptico na ferida e permiti a drenagem, — Dr. Gage estava lhe informando, lembrando-a de que, apesar de suas emoções turbulentas, apesar do tremor de suas mãos, apesar de seu ressentimento para com seu marido, aquele homem dependia dela agora. A instrução do médico foi fundamental. — Voltarei diariamente para trocar o curativo e aplicar mais antisséptico, até ter certeza de que a infecção diminuiu. Felizmente, não há evidências de que a septicemia tenha se instalado, mas os próximos dias serão o verdadeiro teste. Se a condição do duque piorar ainda mais antes de eu retornar amanhã, mande me buscar imediatamente. No momento, temo que ele esteja muito fraco para ser movido, mas se ele sofrer outro contratempo, é imperativo que seja tratado no hospital.
Ela assentiu.
— Claro, Dr. Gage. Obrigada por fazer este atendimento.
— Eu vim por você, Duquesa. — Ele fez uma pausa, erguendo os olhos de sua tarefa para pegar lhe o olhar. — Gostaria de lembrá-la de que sou veterinário e não médico de profissão, e que Sua Graça estaria mais bem servido se fosse visto por alguém cujo campo de estudo seja mais adequado para os de duas pernas do que para as bestas de quatro patas.
Ela pensou no Dr. Shilling de cabelos brancos, que provavelmente supervisionou o bem-estar dos dois últimos duques de Leeds, a julgar por sua idade. Ele não tinha sido incompetente, mas seus métodos pareciam longe de ser progressivos em sua avaliação. E seus instrumentos não pareciam limpos, nem havia dedicado tempo para examinar e limpar a ferida infeccionada do duque.
Georgiana estremeceu.
— Estou mais do que ciente de sua área de especialização, Dr. Gage. Mas acredite em mim, sua clínica é muito mais moderna do que a do médico pessoal de Sua Graça no que diz respeito a infecções. Não me importei com o tratamento dele e, quando a condição do duque piorou, não recorreria a ninguém além de você.
O Dr. Gage terminou de embalar seus instrumentos, sua boca uma linha sombria que indicava seu prognóstico para Leeds melhor do que qualquer outra coisa.
— Esperarei ouvir um relatório seu pela manhã, se houve ou não uma mudança no paciente, e voltarei à tarde para a troca de curativo.
— Claro, obrigada. — Ela inalou. Exalando. Tentou se acalmar. — Ele vai viver, Dr. Gage?
O médico levantou uma sobrancelha, sua expressão impassível.
— Chega um momento, Sua Graça, em que até mesmo um homem da ciência deve reconhecer que não pode ter certeza de tudo.
Essa decididamente não era a garantia que ela procurava.
— Eu compreendo.
A expressão impassível do médico se suavizou, a simpatia brilhando nas profundezas escuras de seus olhos.
— Procure-me se precisar de mim, Sua Graça. No momento, fizemos o melhor que podemos por seu marido. As próximas vinte e quatro horas devem ser um bom indicador.
De alguma forma, isso também não ajudou a amenizar suas preocupações.
— Obrigada, Dr. Gage. Você poderia fazer a gentileza de examinar Lady Philomena antes de partir? Ludlow relata que ela perdeu o apetite.
— Claro. — O Dr. Gage pegou sua bolsa e fez menção de sair do quarto. — Mas não se preocupe com isso, pelo menos, Sua Graça. Uma diminuição acentuada na fome é comum em gatas nos dias anteriores ao parto.
Ela o observou partir, a porta se fechando com uma quietude fúnebre em suas costas, deixando-a sozinha com o duque. O medo se formou como uma bola de chumbo em seu estômago. Ela não gostou da seleção cuidadosa de palavras do Dr. Gage, o que deixou claro que Leeds poderia morrer.
O homem zombeteiro, desbocado, arrogante e bonito que chegou à sua porta - cada pedaço dele um mistério - que parecia tão saudável e vivo apesar de seu ferimento, pode não viver. O julgamento de Ludlow, juntamente com o ar cauteloso do médico, fez sua boca ficar mais seca do que uma calçada de Nova York em um dia escaldante de julho.
Seus olhos se fixaram na forma pálida e imóvel de seu marido. O sedativo o acalmou. Ele não estava mais preso à cama, mas seu corpo grande e musculoso parecia tão forte mesmo em sua imobilidade, seu peito duro e largo, seus ombros delineados por uma clavícula e cordas de músculos talhados. Franzindo a testa, ela o cobriu com as roupas de cama, cobrindo seu corpo de seu olhar curioso.
Ela não gostava dele, lembrou-se mais uma vez.
Nunca gostaria dele.
Claro que tinha pena do homem, assim como teria de qualquer criatura perdida e ferida. Mas, ao contrário de um cachorro perdido ou um gato ferido, ele não era inocente. Foi por meio de suas próprias falsidades que ganhou o ferimento na coxa. Por sua própria tolice em cruzar o Atlântico com uma ferida purulenta que agora estava às portas da morte.
Tudo isso era culpa dele.
Impiedosamente, ela reprimiu a onda indesejada de simpatia. Não sentiria um mínimo de compaixão. Nem preocupação. Todas essas ternas emoções seriam mais bem transmitidas a sua crescente coleção de gatos, cães, ratos e pássaros ocasionais.
E não se esqueça do esquilo bebê.
O pequeno Sir Nutkin foi mais uma surpresa, quando o descobriu nos jardins, há vários dias, tremendo e imóvel, tendo caído do ninho de sua mãe. Claro, ela o pegou e o trouxe para dentro, removendo as pulgas dele ela mesma.
Georgiana pegou um pano embebido em água de lavanda fria e torceu o excesso de volta na tigela. Cumpriria seu dever de garantir que Leeds não morresse. Ela lhe estenderia o mesmo carinho que oferecia a qualquer criatura quebrada que chegasse à sua porta. Mas, além disso, ela não lhe devia nada. Gentilmente, Georgiana colocou o pano em sua testa febril.
Nada mesmo.
Capítulo 04
Kit acordou com a luz do sol fluindo entre as cortinas da janela e o cheiro de lavanda, para achar-se deitado em uma poça de seu próprio suor, lençóis grudados em sua pele, uma pulsação ardente em sua coxa e uma visão muito inesperada.
Sua duquesa. Afundada em uma cadeira ao lado da cama, com a cabeça inclinada para a frente de forma que seu queixo descansasse sobre o peito, seus olhos estavam fechados. O estrondo mais suave de um ronco ronronou de sua garganta como se ela fosse uma gatinha adorável. Perguntou-se há quanto tempo ela estava ao seu lado, quanto tempo esteve inconsciente e perdido para o mundo.
Algo morno deslizou por seu peito ao pensar em sua esposa obedientemente ao seu lado, cuidando dele. Uma parte dela deve gostar dele, pensou, se ela passou a noite em seu leito de doente.
Então, a lucidez mais uma vez recuperou seus sentidos, e se lembrou que ela havia cedido seu quarto a uma matilha de malditos cães. E que provavelmente passara a noite ao lado dele porque não havia outra alternativa disponível, exceto os aposentos dos criados. Como se fosse uma deixa, o som abafado de latidos alcançou seus ouvidos.
Vindo dos aposentos do duque. Seu território. Os latidos eram distintos, diferentes, e ele contou nada menos que quatro. Meu Deus, quantos malditos cachorros tinham lá?
O que foi que a louca garota americana disse quando ele chegou? Que seu quarto foi transformado no quarto principal dos cães? Quarto principal, o que sugeria que havia mais de um.
Com um gemido causado tanto pela lembrança quanto pela dor, ele se mexeu na cama, tentando encontrar uma posição mais confortável. Infelizmente para ele, não havia posição confortável quando se estava fraco como um bebê, com uma bunda confinada em uma cama por muito tempo e uma perna que parecia ter sido fatiada por um açougueiro.
As lembranças voltaram, nebulosas e indistintas. Um homem de olhos e cabelos escuros. Sua esposa segurando um pano sobre o rosto, a constatação de que foi amarrado a uma cama. Condene a mulher para a perdição. Ele havia solicitado o Dr. Shilling, que atendeu seu pai e seu avô antes dele, e ela lhe trouxe uma serra que tinha a intenção de cortá-lo em pedaços.
Escavado.
Bom Deus.
Ele ergueu a cabeça, estendendo a mão para a perna, rezando para encontrá-la intacta. O alívio o inundou em ondas palpáveis quando seu olhar pousou na forma inconfundível de todo o seu membro sob a roupa de cama, ao mesmo tempo que sua palma se conectou com o joelho. Não amputado.
Obrigado, porra.
Uma batida leve soou na porta, e ele fechou os olhos com força enquanto sua esposa se mexia na cadeira. Covarde da parte dele, talvez, mas estava exausto, seu corpo zumbia de dor e sua mente não estava em condições de lutar contra a mulher. Havia também a questão de seu treinamento, tão arraigado que se tornou uma parte de seu corpo, não muito diferente de sua carne e osso. A melhor hora para qualquer espião obter informações - mesmo um espião fracassado, ferido e traído como ele - era quando seus casos acreditavam que não estavam sendo ouvidos.
Manteve a respiração estável, imitando as inspirações profundas do sono, e ouviu quando a porta de seu quarto se abriu e passos pesados e masculinos percorreram o tapete até sua cabeceira.
— Sua Graça, você precisa descansar, — veio o estrondo baixo de uma voz que ele reconheceu.
A montanha insolente fingindo ser seu mordomo.
Muito familiar para o gosto de Kit. Quando diabos um mordomo se preocupava com os detalhes íntimos da vida de sua patroa? Dormir era uma coisa privada, droga, e embora ele nunca tivesse desejado se casar com sua esposa, ela ainda era sua. Deveria ser o único preocupado com o bem-estar dela. Não um assassino impertinente e cheio de cicatrizes disfarçado de criado.
Sua esposa deu um suspiro silencioso.
— Não se preocupe comigo, Ludlow. Posso dormir muito bem nesta cadeira, mas agradeço a sua preocupação. É realmente muito gentil da sua parte, e não pense por um momento que não notei tudo o que você tem feito por Lady Philomena Bigodes. Você é um querido de coração.
Lady Philomena Bigodes. Que denominação ridícula para uma gata.
Você é um querido de coração. Uma coisa ainda mais malditamente ridícula para se dizer ao mordomo.
O que diabos?
Seu tom suave - familiar, quente - irritou alguma parte primitiva de Kit. Ele cerrou a mandíbula e levou todo o esforço de sua força de vontade para permanecer imóvel e fingir estar inconsciente. Uma percepção indesejada emergiu, mancomunada com a memória de rumores que o haviam atingido durante todo o caminho em Nova York a respeito do comportamento de sua duquesa.
Continuando com libertinos, participando de festas escandalosas, correndo com um grupo selvagem. Ele não havia consumado o casamento. Mas era possível - até provável - que outras pessoas tivessem deitado com ela em seu lugar.
Que o maldito mordomo estava comendo sua esposa. Seus dedos apertaram a roupa de cama antes que pudesse se conter. Mas, não conseguiu evitar. Estava fora de si, tão fraco que quase delirava, seu corpo se sentia como se tivesse sido conduzido por um regimento de infantaria inteiro, e sua duquesa estava arrulhando para o mordomo como se fossem dois namorados.
— Respeitosamente, senhora, — o mordomo entoou, — você não pode continuar a descansar em uma cadeira. Não vou permitir isso. Instruí os lacaios a prepararem uma cama para você no quarto de hóspedes ao lado do quarto dos cães.
A mera menção do quarto do cão o fez fumegar silenciosamente.
— Mas é onde temos mantido os gatinhos, — sua duquesa protestou. — Não vou permitir que sejam deslocados.
— Todos os quinze foram transferidos para a biblioteca. — O mordomo não se perturbou.
Quinze? A biblioteca? Sua maldita biblioteca? Cheia de coisas peludas, arranhando e rosnando?
— Mas alguém deve atender ao duque, — sua duquesa protestou a seguir. — Dr. Gage foi rígido em suas ordens. Devemos observar de perto qualquer sinal de que a infecção voltou.
— Eu mesmo me sentarei com ele, Sua Graça.
Ela ficou em silêncio por um instante.
— Ele permaneceu inalterado por dois dias, Ludlow.
— Sua Graça parece... melhor hoje, Sua Graça. — Havia uma qualidade subjacente na voz da montanha que fez Kit hesitar.
O bastardo de alguma forma notou sua falta de controle induzida pela fraqueza?
— Você acha? — Ela perguntou, uma esperança hesitante em seu tom. — Comecei a temer que ele não melhorasse. Que não vá acordar.
O inconfundível barulho de tecido encheu o ar e Kit se perguntou se eles estavam se abraçando. Parte dele queria abrir os olhos e ver a evidência diante dele. Parte dele - uma parte estranha, até então desconhecida - não conseguia suportar.
— Você precisa de descanso, Sua Graça, por favor, — disse o mordomo intrometido e muito familiar. — Vá agora e tente dormir por algumas horas pelo menos. Você tem minha palavra de que não irei sair do lado de Sua Graça até que você volte.
— Ludlow, o que eu faria sem você?
Maldito inferno. A doença guerreou com o resto de seus sentidos frenéticos. Ela estava dormindo com o maldito mordomo. Ele não poderia ter mais certeza. O desejo de vomitar o assaltou.
— Suspeito que você continuaria como sempre fez, Sua Graça.
— Tenho certeza de que você está errado, pois você é inegavelmente insubstituível, Ludlow. — Sua voz rouca mais uma vez assumiu uma ternura que o irritou. — Você vai me chamar se houver uma mudança?
— Claro, Sua Graça.
— Muito bom.
Mais sussurros se seguiram. Ele esperava como o inferno que fosse o som da esposa infiel levantando-se da cadeira para fazer sua saída, e não o som dela abraçando o mordomo.
Para seu eterno alívio, passos e o inegável farfalhar das saias de seda de uma dama encheram o ar em seguida, seguido pelo fechamento de uma porta. Ela foi descansar um pouco, como seu amante havia pedido. O que significava que agora ele estava sozinho com o bastardo que de alguma forma se infiltrou em sua casa e o fez corno ao mesmo tempo.
Disse a si mesmo que não importaria se sua duquesa tivesse encontrado seus prazeres fora das restrições de seu casamento. Quando se casou com ela, foi um ato de desespero. Ele herdou um ducado que nunca quis e que estava cheio de dívidas. Seu irmão mais velho, Richard, havia desperdiçado quase tudo em sua busca por amigos rápidos, cavalos rápidos e mulheres ainda mais rápidas. E então, numa corrida de cavalos, onde estavam bêbados por uma mulher fácil acabou com tudo na forma de um pescoço quebrado. Kit ficou sem família, sem fundos e sem escolha a não ser se casar com a última herdeira americana para agraciar a alta sociedade com os infinitos cofres de seu papai.
Ele se casou para salvar seu futuro, mas também para que pudesse continuar seu trabalho para a Coroa. A Liga era a única parte de sua vida que realmente fora verdadeira para ele. Era tudo, razão pela qual seu fracasso abjeto em Nova York o deixou amargo, abalado e sem objetivo.
— Sua graça se foi agora. — A voz do mordomo era gelo puro.
Condenação.
Ele permaneceu imóvel, continuando sua respiração fingida durante o sono.
— Você se importa em abrir os olhos e me encarar ou prefere deitar-se de costas como o traidor covarde que é? Ainda não matei um inválido, mas ficaria mais do que feliz em torná-lo o primeiro.
Kit ficou frio. Mais frio do que nunca. Ninguém sabia que ele havia sido acusado de trair a Liga. Ninguém sabia que foi forçado a enfrentar a ignomínia de ser enviado de volta a Londres, dispensado de seu dever, excomungado da irmandade que havia estado sua vida inteira.
Ninguém.
Exceto por seu superior, o Duque de Carlisle e a própria Liga. Mas a Liga era uma divisão secreta do Ministério do Interior composta por homens oriundos das famílias mais elitistas da Inglaterra, com o sangue de duques correndo em suas veias, e o imbecil rude que o ameaçava e o acusava em sua própria casa enquanto trabalhava não poderia fazer parte da Liga. Ele não era duque. Ele nem era alguém que Kit já vira antes.
Nada sobre ele era familiar. Ele estava enganado, disse a si mesmo. Delirante depois de tantos dias confinado a um leito de doente, provavelmente drogado com morfina para mantê-lo sedado. Quantos sua esposa disse antes? Dois? Sim, tinha certeza de que era esse o motivo. Ele tinha ouvido mal, talvez tenha imaginado, ele pensou.
Até que sentiu o gume frio de uma lâmina em sua garganta.
Até que ouviu a palavra que mudaria tudo.
— Leprechaun.
Ele abriu os olhos para encontrar a montanha olhando-o carrancuda como se fosse vísceras nas ruas.
— Quem diabos é você? — Ele exigiu, sua voz rouca de desuso e doença, não dando a mínima para a faca pressionada contra seu pescoço com pressão suficiente para cortar se ele se mexesse mesmo que uma polegada.
— O homem que vai te matar se eu não gostar das respostas que você está prestes a me dar.
A declaração foi pronunciada com uma simplicidade tão despreocupada que Kit sabia que seu instinto estava correto. Este filho da puta não era mordomo. Mas Kit não era um duque comum, e esta não era a primeira vez que encarava sua morte certa.
Ele não tinha piscado então, e nem faria agora.
— Mate-me, então. Acabe com isso, com a porra da sua faca na minha garganta. Garanto que minha vida, tal como é, não poderia ser pior. Talvez ir para minha recompensa seja uma bênção.
— Você tem um desejo de morte, Sua Graça? — O sujeito com cicatrizes levantou uma sobrancelha, parado lá em seu casaco preto fino. Parecendo quase um cavalheiro.
Ele não se preocupou em responder. Sua mente girava em torno de maneiras pelas quais ele poderia se livrar dessa situação insustentável antes de lembrar a si mesmo que poderia nem mesmo ter uma razão para isso. Sua falta de propósito, juntamente com o ferimento em sua coxa e a infecção que o havia devastado nos últimos dias, o deixaram um tanto apático.
— Vá para o inferno.
— Ouso dizer que irei. Um dia. — O bastardo pressionou sua lâmina mais profundamente na garganta de Kit. — Você primeiro.
— O que você sabe sobre Leprechaun? — Ele perguntou.
— Você o traiu, — a montanha rosnou.
— Pelo contrário, — respondeu Kit. — Ele me traiu e foi assim que acabei com uma bala na perna.
— E como você acabou desonrado e voltou para Londres em segredo, Sua Graça? — Seu pseudo mordomo, que sabia demais, exigiu.
Ele cerrou os dentes.
— Eu fui traído. Quem diabos é você?
O homem deu um sorriso que fez a cicatriz diabólica em sua bochecha se contrair.
— Ludlow. Seu mordomo. Cuidador de todas as criaturas de Sua Graça. Zelador de Sua Graça.
A ênfase na última declaração foi uma provocação deliberada. Projetado para fazê-lo perder a calma, para fazê-lo revelar mais informações do que gostaria. Como um interrogador experiente, reconheceu o jogo.
E ainda assim, não conseguiu reprimir a justa espada de fúria que mergulhava nele com as palavras. Com a ideia dessa besta cuidando de sua esposa. Intimamente. Não importava que ele a tivesse deixado no dia de seu casamento, partindo para sua missão secreta e altamente volátil em Nova York. Ela ainda era sua.
— Você é um mentiroso, — ele rebateu, preocupado em inventar um estratagema para distrair o homem antes de arrancar a faca de suas mãos. — Faça-me uma pequena gentileza antes de acabar comigo, faria isso, Ludlow? Diga-me: você está dormindo com minha esposa?
O podre rosnou.
— Fale-me sobre o submarino.
O desejo de esmagar seu rosto cresceu à frente da mente de Kit, junto com as perguntas. Como diabos o bastardo sabia tanto?
A facção militante de fenianos que ele tinha se infiltrado na cidade de Nova York, os irlandeses americanos determinados a ganhar o governo interno da Irlanda por meio de qualquer ultraje possível, haviam começado a construir um submarino para ser usado contra um navio transatlântico. Eles pretendiam vencer a resistência inglesa por meio de uma campanha de bombas e violência contra inocentes. O particular interesse deles eram os navios de passageiros que, quando afundados, causariam a maior perda de vidas e sofrimento. Mas a existência do submarino era conhecida apenas por um seleto grupo de homens, Kit incluído.
Ele não tinha certeza de como o homem havia obtido sua informação, e embora Kit possa ter sido excomungado pela Liga, ele nunca divulgaria uma maldita coisa para ninguém. Ele permaneceu fiel a seus juramentos, mesmo que o duque de Carlisle não acreditasse.
Ele zombou.
— Vou te dizer o que devo a você: nada.
— Você tem um monte de bolas para um traidor desgraçado que passou os últimos dias quase em seu leito de morte, — a montanha observou, seu tom tão severo quanto sua expressão.
Kit encontrou o olhar de aço de seu agressor.
— Poderia dizer o mesmo sobre o homem que está aceitando meu dinheiro, indo para a cama com minha esposa, e atualmente está com uma faca na minha garganta.
— Maldito idiota. — Os lábios da montanha se curvaram. — Você não tem vontade de viver?
Ele ergueu uma sobrancelha, fingindo sua melhor atitude despreocupada quando, na verdade, estava cansado até os ossos, se afogando em dor e meio fora de si.
— Se você fosse me matar, você o teria feito. Em vez disso, você esperava que me ameaçar com uma demonstração de força me induziria a revelar informações a você. Informações que não divulgarei a nenhum custo. Portanto, parece que estamos em um impasse. Mas se for do seu agrado assassinar o marido inválido da mulher com quem você está dormindo, então não vou impedi-lo.
— Não se atreva a insultar Sua Graça. — A expressão da montanha escureceu, afiando em ângulos afiados. Seu tamanho desumano combinado com a raiva ardente foi quase o suficiente para fazer Kit estremecer. — Sua Graça é de ouro, embora eu não esperasse que um riquinho que não consegue nem mesmo ser fiel ao seu país entender uma senhora que é boa, gentil e leal. Não a levei para a cama. Ela não me aceitaria se eu tentasse.
— Você tentou, — ele pressionou, movendo sua mão sob as roupas de cama com uma imobilidade agonizante. Aqui estava a distração - e fraqueza - que ele estava procurando. O mordomo que não era mordomo estava apaixonado por sua duquesa. Se ele pudesse tirar o homem de seu curso, poderia desarmá-lo.
A mandíbula da montanha endureceu.
— Eu não tentei.
A mão de Kit estava quase à distância de um ataque agora.
— Você queria, — ele persistiu.
— Quem não gostaria de ir para a cama com uma linda mulher com coração de anjo? — Ludlow rosnou.
— Ela não é sua esposa. — Ele fez uma pausa, sua mão deslizando para a posição. — Nem mesmo é sua igual. Quem diabos é você, afinal?
— Sou o homem que vai acabar com você, — seu oponente rosnou. — Eu faria isso apenas pela alegria de ver você sangrar depois que você insultou Sua Graça de uma forma tão flagrante.
Reunindo a pouca força preciosa que tinha depois de ser devastado por uma doença nos últimos dias, ele atacou com a precisão de raio que era sua marca registrada. Com a mão direita, agarrou o pulso do homem. Com a esquerda, ele deu um golpe, satisfeito quando seu punho acertou aquela mandíbula larga e teimosa. Ludlow cambaleou para trás, o ranger de osso contra osso, juntamente com a força profana de um homem cuja vida estava sendo ameaçada, provando sua ruína. Seus olhos reviraram em sua cabeça. Uma rápida torção de seu pulso e os dedos do bastardo se abriram. A faca caiu na cama.
A montanha caiu para trás.
A surpresa, a força e o ângulo estavam do lado de Kit. Ludlow caiu no chão com um estrondo que não parecia muito diferente de uma montanha real caindo sobre o quarto. Kit lutou para pegar a adaga, cerrando o punho frio e duro na mão antes de tentar se levantar da cama para poder subjugar ainda mais o oponente. Uma onda de tontura o assaltou, sua visão escurecendo por um momento antes que sua necessidade de sobreviver superasse as más condições de seu corpo. De alguma forma, ele se retirou da cama, afundando no chão, ciente de sua perna ferida, a adaga erguida alto.
Seu corpo e mente se fundiram, tornando-se uma máquina. Uma máquina de morte. Ele havia matado antes em defesa de si mesmo, e faria de novo agora. Kit ergueu a faca, com a intenção de cravar a lâmina profundamente no peito de seu agressor inconsciente, para que ele não acordasse e terminasse o que havia começado.
Mas a porta do quarto se abriu antes que ele pudesse afundar a arma, batendo na parede com tanta violência que várias das fotos na parede se moveram. E lá estava ninguém menos que sua esposa, os olhos arregalados de horror.
— Leeds, abaixe sua lâmina imediatamente!
Capítulo 05
Nada poderia ter preparado Georgiana para a visão que a saudou quando parou na soleira de seu quarto ao encontrar seu marido, pálido e desgrenhado, de joelhos, com uma adaga de aparência terrível erguida bem alto, ao lado de um Ludlow inconsciente.
Sua mente agitada captou os fatos de maneira telegráfica apressada.
Leeds estava acordado.
Vivo.
Leeds iria assassinar o mordomo.
O que em nome do céu?
E onde ele conseguiu essa arma?
Ela correu para frente, um grito animalesco emergindo de sua garganta.
— Você está louco, Leeds? Delirante? Meu Deus, abaixe a arma. Você não pode machucar Ludlow!
Ele era um lunático. Fora de sua mente. Talvez a febre tivesse tomado o seu cérebro. Não havia outra explicação para ele ter atacado Ludlow. Ora, Ludlow era o homem mais gentil e doce que ela já conhecera. Ele manteve um exterior duro, mas seu interior era todo suave. Cuidava de seus animais tanto quanto ela. Até dos ratos.
— Dê o fora daqui, — seu marido murmurou.
— Não. — Ela correu pelo espaço que os separava, caindo de joelhos ao lado de Ludlow. — Não vou sair, e você não vai machucá-lo!
— Ele estava tentando me matar, droga. Ele não é quem você pensa. Duvido que seu verdadeiro nome seja Ludlow.
Ela olhou para o marido, que parecia um homem selvagem. Magro, pálido, cabelo em pé, mandíbula sombreada por uma barba escura. Ele estava fraco da cabeça, a mente confusa pela febre. Tinha visto isso acontecer antes, e ela se lembrou daquele momento distante agora, de volta à fazenda com uma das mãos. Ele possuía força suficiente para arrancar a porta de um celeiro de suas dobradiças.
— Você está doente, Leeds, — ela disse calmamente, tentando argumentar enquanto estendia a mão para receber a adaga. — Por favor, me dê a lâmina.
Ludlow gemeu, mexendo-se.
A mandíbula de seu marido apertou.
— Afaste-se, Georgiana. O homem é perigoso, e não há como dizer o que ele fará com você agora que seu segredo foi revelado.
Havia algo perturbador sobre o duque referir-se a ela por seu nome de batismo pela primeira vez enquanto estava consciente. Algo que a fez questionar se um homem fraco da cabeça e com febre poderia parecer tão lúcido. Algo que a fez se perguntar como Leeds, um homem recém-acordado de seu leito de doente - um homem que ela cuidou intimamente nos últimos dois dias - poderia ter sacado a faca em suas mãos.
Ela não tinha visto Ludlow empunhar uma lâmina uma vez?
— Georgiana. — O desespero tingiu a voz do duque. — Saia do quarto e chame a polícia.
Sua mente frenética se apoderou da memória que ela procurava.
Sim, Ludlow havia usado exatamente essa faca para cortar as sobras de sua bainha suja quando ela voltou do resgate particularmente cruel de uma ninhada de filhotes em uma rua oprimida do East End. Ela olhou para a adaga e se lembrou de como ficara chocada com a lâmina longa e afiada. O ponto cortante no final da faca que parecia extremamente afiada. Que estranho, ela tinha pensado, que um mordomo esconderia tal coisa dentro de sua jaqueta.
Tentáculos gelados de pavor floresceram em seu estômago.
Era a faca exata que o duque agora segurava com os nós dos dedos brancos.
Querido Deus. Ludlow, o único homem em quem ela passou a confiar em Londres, tentou matar seu marido acamado sob o pretexto de mandá-la descansar. Seu mordomo grande, forte e de aparência ameaçadora, que ela imaginava possuir um coração caloroso e generoso. O mesmo homem que parecia prestes a recuperar a consciência a qualquer momento. Não havia como um Leeds ferido, que passara os últimos dias lutando contra a febre e a infecção, pudesse se defender quando o gigante furioso acordasse.
Georgiana se levantou e correu para o guarda-roupa, abrindo-o. Ela procurou com dedos ágeis pela recompensa que tão desesperadamente precisava.
— O que diabos você está fazendo, senhora? — Exigiu seu marido por trás dela. — Agora não é hora de juntar enfeites. Há um louco em ação e as autoridades devem ser chamadas.
Claro que ele a imaginaria estúpida o suficiente para se preocupar em resgatar sua melhor camisa quando seu marido estava prestes a lutar até a morte com um homem que o superava em tamanho e saúde. Sem mencionar - quando ele finalmente acordasse - raiva.
Graças a Deus!
Ela encontrou o cano frio e pesado da pistola que carregava em missões de coleta de animais em áreas onde precisava se proteger e extraiu-a de seu esconderijo. Enquanto ela se virava para enfrentar o quadro alarmante que a esperava, Ludlow se mexeu.
Ela apontou o cano para Leeds.
— Fique longe dele.
Os olhos azul-claros do marido se estreitaram.
— Você prefere acreditar na inocência do homem que segurou uma lâmina na minha garganta do que no seu próprio marido?
Georgiana não se incomodou em argumentar que nenhuma de suas ações como marido inspirou qualquer sentimento terno de lealdade para com ele.
— Ele é maior do que você, e você é fraco. Estou cuidando de seus interesses, duque.
Ele a encarou, cauteloso como o espião que ela suspeitava que ele fosse, antes que seu senso de autopreservação aparentemente ganhasse sua batalha interna.
— Como desejar, senhora. — Seu tom zombou dela.
Ela ignorou o golpe, observando enquanto ele lutava para se apoiar na cama mais uma vez. Seus grunhidos de dor enviaram picadas indesejadas de simpatia a seu coração. Mas, qualquer emoção se dissipou quando seu mordomo recuperou a consciência com um rugido não muito diferente de um grito de guerra, lutando para reunir seu grande corpo em uma posição de ataque.
— Não se mova, Ludlow, — ela ordenou, satisfeita que sua voz não continha nenhum sinal de tremor. Sua boca estava seca, terror e confusão e cansaço arranhando-a em conjunto. A existência pacífica que ela criou para si mesma na ausência de seu marido tinha sido violentamente derrubada nos últimos dias, e não sabia em quem confiar ou o que fazer a seguir.
A cabeça de seu mordomo girou. Quando ele a viu, os ângulos rígidos de sua expressão suavizaram.
— Vossa Graça, — ele reconheceu com reverência solene. — Você deveria descansar um pouco.
Para seu crédito, ele obedeceu à ordem dela e não tentou se levantar, mas restou a questão de sua tentativa de assassinar Leeds. Ela levantou uma sobrancelha agora, lançando a ele um olhar fulminante de desprezo.
— Assim como você deveria cuidar do bem-estar de Sua Graça? Em vez disso, soube que você segurou uma lâmina no pescoço dele e ameaçou sua vida.
Ludlow esfregou a mão no queixo roxo.
— Eh, eu não sujaria a minha lâmina com alguém como ele.
— Eu não te dei a chance, seu idiota arrogante, — rosnou Leeds, parecendo como se quisesse se lançar em direção ao mordomo mais uma vez.
Ela manteve a pistola apontada na direção de ambos os homens furiosos.
— Pare com isso, Leeds.
— Você acha que eu não sou capaz de acabar com um bastardo traidor que está doente há dois dias? — Ludlow disparou na direção do duque. — Vocês, riquinhos, são todos iguais. Pensam que ninguém além de vocês é capaz de nada.
— Ludlow, — ela avisou, sentindo de repente como se estivesse castigando um par de alunos rebeldes na sala de aula, em vez de um nobre do reino e um idiota crescido.
Ludlow lançou um olhar arrependido em sua direção.
— Sua Graça, me perdoe. Você não deve ser submetida a absurdos como este. As ações de seu marido quase custaram a vida de um amigo muito próximo. Queria saber o porquê.
Isso soava mais como o Ludlow que ela conhecia, um homem em quem confiara as menores criaturas e a sua própria proteção. Um homem de quem ela gostava, e até admirava. Um homem que, sinceramente, não desejava acreditar que era um assassino de coração frio.
— Explique-se, por favor.
— Você não precisa de explicações desse vira-lata inescrupuloso e mentiroso, — entoou Leeds. — Não pode haver explicações para o assassinato.
— Se eu quisesse você morto, aquela cama estaria encharcada em seu sangue, e você já teria prendido sua colher na parede há muito tempo, — Ludlow sacudiu-se para trás, sua voz soando quase entediada. Ele voltou sua atenção para Georgiana. — Lamentavelmente, não posso revelar toda a extensão da situação para você, Sua Graça, já que fiz um juramento de lealdade e silêncio. Mas basta dizer que a estupidez de seu marido em Nova York levou não apenas àquele ferimento na coxa, mas também ao ferimento doloroso de um homem que é como um irmão para mim.
— Leprechaun não estava lá naquele dia, — Leeds disse antes que ela pudesse falar.
— Claro que estava, — retrucou Ludlow. — A você foi dito ele estaria lá, e ele estava. E qual foi a recompensa dele por confiar em você? Uma bala na têmpora. Graças a Deus ela apenas o roçou e a abundância de sangue levou os bandidos a acreditar que o assassinaram.
— Disseram-me especificamente que ele não estaria presente. — A boca do duque formou uma linha dura e severa. Seus olhos eram pontos frios e brilhantes que pareciam queimar com intensidade.
Georgiana observou a estranha troca se desenrolar com uma mistura de confusão e cautela. Era como se os dois homens estivessem falando em outra língua, quando ambos falavam o inglês da rainha e com uma fluência pronunciada também. Era sua imaginação ou os sotaques de Ludlow se tornaram ainda mais nítidos em sua indignação?
Talvez os dois estivessem mergulhados até os cotovelos nas águas misteriosas da espionagem. Ela se lembrou das cartas suspeitas que encontrou enfiadas em um livro na biblioteca de seu marido após sua partida apressada, todas as quais a levaram a acreditar que Leeds estava indo para uma missão secreta na América em vez da expedição de caça que ele tinha dito.
Suas suspeitas foram confirmadas por sua querida amiga Daisy, cujo próprio marido, o Duque de Trent, estivera envolvido em um ramo secreto do Ministério do Interior voltado para os fenianos e a proteção nacional, embora Trent não vivesse mais uma vida dedicada à sua causa.
— Vocês dois são espiões trabalhando para o Ministério do Interior, — declarou ela de repente, certa de que estava correta. — Desafio qualquer um de vocês a mentir na minha cara e me dizer que estou errada.
Bom Deus.
Kit olhou para sua esposa, a beleza etérea que permitira que sua casa fervilhasse com cães e gatos, e um mordomo assassino. Ou ela era louca, clarividente ou foi abençoada com um talento alarmante para a observação. Pois não havia como ela saber. De jeito nenhum ela teria tido uma vaga ideia da verdade sobre ele.
Claro que não podia contar a verdade a ela, o que, mesmo agora, enquanto ele estava lá, uma casca de seu antigo eu, excomungado da Liga, ele nunca faria. Mas que ela confundisse o criminoso corpulento que ela permitiu em sua maldita casa com um membro da Liga... isso irritou. Isso irritou muito.
Ele a encarou com um olhar frio, mesmo quando uma onda de cansaço o assaltou. Agora não era hora de vacilar ou permitir que seu inimigo levasse vantagem.
— Senhora, talvez seja você quem esteja delirando, pois eu não sou mais um espião do que esse verme que você permitiu que se disfarçasse de mordomo.
— Verme, não é? — O bastardo rosnou de volta para ele, tentando se levantar.
— Não se mova, Ludlow. — O tom da duquesa era afiado, autoritário.
Ela tinha coragem, ele daria muito valor à moça, somado à sua aparência. Mas era o tipo tolo de coragem - o tipo que fazia uma senhora com a mão trêmula apontar uma pistola para dois homens perigosos com capacidade para desarmá-la com facilidade. Além disso, Londres estava repleta de belezas. A beleza dificilmente era genuína.
Além disso, ela tinha uma tendência a olhá-lo, como esperava que ela olhasse para uma pilha de excrementos de cachorro que ela acidentalmente pisou. E ela foi a razão pela qual quase foi massacrado em seu leito de doente. Todas as evidências de sua cascata de falhas.
— Vossa Graça, permita-me explicar, — a montanha falou no silêncio, sua voz bajulando.
Muito familiar para o gosto de Kit.
— Não se atreva a falar com ela, — ele rosnou, apesar do fato de que ficou mais fraco a cada momento, e que a súbita e desumana explosão de força que o capacitou a pegar o sujeito de surpresa e nocauteá-lo se dissipou como uma vela fumaça ao vento.
A montanha olhou por cima do ombro para Kit, os lábios se curvando de nojo. A cicatriz em seu rosto pareceu se contrair.
— E quem é você para falar com Sua Graça? O canalha que a abandonou? O covarde que traiu seu país? Deveria ter te matado apenas por ser um maldito pobre marido.
Kit ansiava por avançar, enterrar o punho no rosto do bastardo mais uma vez, mas a força não estava nele. Sua coxa parecia ter sido atingida por uma lâmina de fogo e suas pernas tremiam como as de um potro recém-nascido. Gotas de suor borbulharam em sua testa, escorrendo pela nuca. Ele se sentia como se pudesse desmaiar ou vomitar suas contas a qualquer momento.
— Se você pudesse ter me matado, eu estaria morto, seu animal maldito, — ele rebateu, desprezo escorrendo de sua voz, pois era a única arma que tinha para empunhar.
Um rugido saiu da garganta de seu oponente.
— Chega, ou irei atirar em vocês dois, — ameaçou sua esposa, e dane-se se ela não parecia nem um pouco intimidada pela confusão que se desenrolava diante dela. O único sinal de que estava nervosa era o sinal claro de sua mão trêmula. — Agora vou perguntar de novo, e espero ouvir algumas respostas desta vez. Em que tipo de operações secretas vocês dois estão envolvidos? Não se preocupem com prevaricação, pois reconheço uma mentira quando a ouço.
— Seu marido é um espião fracassado, — disse Ludlow - se esse fosse mesmo o nome do canalha. — Ele traiu sua fonte e foi ferido por seus esforços. A fonte foi emboscada e quase morta.
Talvez fosse o estado quase delirante de fraqueza em que se encontrava. Talvez fosse estupidez. Ele não tinha certeza. Mas por alguma razão, essas palavras tocaram uma corda dentro dele. Emboscado e quase morto. Ele pensou que Leprechaun tinha sido o único a traí-lo.
Ele perfurou Ludlow com um brilho gelado.
— Quem diabos é você, e de onde vêm suas informações?
Uma batida soou na porta do quarto, hesitante a princípio, e depois com maior força.
Sua duquesa aparentemente imperturbável teve um sobressalto, mas ela nunca tirou seu olhar ou o cano de sua pistola de Kit e Ludlow.
— Sim?
— Com o seu perdão, Sua Graça, — veio uma voz masculina envergonhada do outro lado do portal.
— Vá em frente. O que está errado? — Ela chamou com uma voz anormalmente brilhante, como se estivesse tentando disfarçar seu desconforto atual. Ela era tão formal, tão agradável e seu tom de voz tão melódico que, ao menos que Kit não fosse parte da festa da confusão a frente dele, teria jurado que ela não estava fazendo nada mais cansativo do que ler um livro ou bordar.
— Eu sei que você não deseja ser incomodada, mas Sua Graça, o Duque de Carlisle está lá embaixo. Ele está exigindo uma audiência com o duque e não partirá até que seu pedido seja atendido. — O rapaz parecia terrivelmente jovem, tentando desempenhar seu trabalho adequadamente, mas sem insultar um visitante augusto.
— O Duque de Carlisle. — A duquesa olhou de Kit para Ludlow, e depois de volta para Kit. — Não fui apresentada a ele, embora eu saiba de sua... reputação. Ele é conhecido por algum de vocês?
Kit e a montanha responderam como um.
— Sim.
Seus olhares se chocaram.
Maldito inferno. O que diabos estava acontecendo aqui? Ele desviou o olhar para sua duquesa, que parecia estranhamente composta e requintada para uma dama que tinha passado a noite em uma cadeira e mesmo agora segurava uma pistola apontada para dois homens que eram facilmente duas ou três vezes seu tamanho.
Sua esposa levantou uma sobrancelha.
— Mande-o subir, por favor, — ela pediu.
Capítulo 06
O duque de Carlisle entrou no quarto, dispensando o lacaio que pairava e batendo a porta em suas costas com um ar de comando que Georgiana imaginou ser mais frequentemente projetado por generais nos campos de guerra. Ele era um homem duro e severo, e de alguma forma bem diferente do que ela esperava, dadas as histórias sobre sua reputação, ou a falta dela.
Seus olhos de obsidiana eram tão escuros quanto seu cabelo, e ele era alto, largo e cativante. Embora vestido com a elegância de qualquer cavalheiro em um terno preto sob medida e complementado por um colete cinza, ele possuía uma aura inerente de perigo.
De calamidade quando seu olhar de falcão captou o quadro.
De desconfiança quando seus olhos caíram para a pistola que ela ainda segurava em sua mão.
Os olhos de Georgiana se estreitaram sobre ele. O sentimento era mútuo. Ela nunca travou conhecimento com o Duque de Carlisle, embora já tivesse ouvido falar dele. Ele era um sibarita que dava festas indecentes e hedonistas, que só eram comentadas na sociedade educada. Que assunto ele tinha com o marido dela, ou com Ludlow, aliás? E o que, se é que havia algo, isso tinha a ver com o misterioso negócio de seu marido na América?
— Bom Deus, senhora, — ele retrucou. — Abaixe a arma antes de se machucar.
Quão condescendente. Como esperado. Ela lhe apontou a pistola, detendo-o em seus passos apressados pelo quarto.
— Perdoe-me por ser uma mulher insípida, mas, a menos que esteja enganada, a única pessoa em perigo é aquela que está do outro lado do barril. Isso seria você, Sua Graça.
— Não atire nele, pelo amor de Deus, Georgiana, — ordenou o marido, sua voz assumindo um tom mais fino. Parece que seu ímpeto de força foi minado por sua queda com Ludlow.
Ela olhou para trás, para Leeds, instintivamente, e embora ele tivesse falado em um comando severo, ela não podia negar que alguma parte tola dela gostou do som de seu nome rolando em sua língua inglesa adequada.
Antes que ela pudesse demorar naquele pensamento, a mão do duque de Carlisle agarrou seu pulso e a outra mão removeu suavemente a pistola de sua mão. Ela se voltou para o intruso que a havia desarmado com uma facilidade tão silenciosa e rápida, e soube imediatamente que ele não era o que queria que o mundo acreditasse que era. Aquele ar dominante que ela notou, a maneira habilidosa com que ele tirou sua arma, indicava um homem que estava familiarizado com muito mais do que festas de mau gosto e excessos.
— Quem é você? — Ela lhe perguntou.
Um leve sorriso apareceu em seus lábios enquanto ele enfiava a pistola em sua jaqueta.
— O homem que libertou você de sua arma antes de você fazer algo tolo.
— Um pateta arrogante, — ela traduziu, não impressionada.
Ela estava cansada, exausta até os ossos depois de ter sido bombardeada por um marido que voltou de repente apenas para quase morrer de infecção, um mordomo que não era nada o que parecia, e só o Senhor sabia quantos segredos mais. Sem mencionar as horas que passou sem dormir, tirando não mais do que um cochilo apressado na maldita e desconfortável cadeira ao lado da cama do duque.
O olhar escuro de Carlisle a perfurou como uma espada.
— Não há necessidade de insultos, Sua Graça. Agora, por que você não desce as escadas e se diverte de alguma outra maneira enquanto eu...
— Não, — ela interrompeu, não se importando que ele terminasse a frase que proferiu no mesmo tom que ela teria esperado que ele usasse com uma criança. — Não irei embora. Esta é a minha casa, e esses dois estúpidos -— parou para acenar uma mão mais indignada e indiscutivelmente com estilo na direção de Leeds e Ludlow — são da minha preocupação. Qualquer negócio que você tenha com eles, você também tem comigo. Não irei embora.
— Você pode ir, Georgiana, — disse o marido.
— Saia em sã consciência, Sua Graça, — Ludlow acrescentou. — Alguém deve verificar Lady Philomena Bigodes. A ninhada vai nascer a qualquer momento, e sei que você não gostaria que ela ficasse sozinha em seus momentos de necessidade.
Seu coração se apertou ao pensar na pobre gata entrando em trabalho de parto sem ela ali, mas não havia como evitar. Algo covarde estava acontecendo em sua própria casa e ela pretendia desvendar a verdade.
— Ludlow, asseguro-lhe que todas as tentativas de sua parte de me manipular para ir embora não terão sucesso. Irei ficar.
— Como seu marido, exijo que você vá, — ordenou Leeds, parecendo indignado por ela ter ignorado sua tentativa anterior em favor de responder a Ludlow.
Ela olhou-o também.
— Você é meu marido? Confesso que estou um tanto confusa sobre esse assunto, já que passamos muito mais tempo separados durante nosso casamento do que jamais passamos juntos.
Os lábios de Leeds se contraíram. Ele estava pálido e parecia estar sentindo muita dor e desconforto, mas ela implacavelmente reprimiu qualquer pena que sentia, lembrando-se de que ele havia mentido para ela. Abandonou-a. Que era frio e indiferente, e que mesmo agora, quando ela passara os últimos dias cuidando dele intimamente em seu leito de doente, ele a dispensaria como se fosse uma simples criada.
— Esposa, — ele rosnou, — você se retirará deste quarto imediatamente.
Nada que ele pudesse ter dito poderia tê-la convencido a plantar raízes e ficar mais. O diabo. Se ao menos ela ainda estivesse de posse de sua pistola.
— Embora admire sua coragem, Sua Graça, temo que devo insistir, — o Duque de Carlisle entoou.
Ele realmente imaginava que iria embora porque exigia isso dela? Ela não estava prestes a ir a lugar nenhum, não com dois canalhas que ela não podia mais confiar prestes a derramar o sangue um do outro. (No caso de Ludlow, isto é, porque ela nunca havia confiado em Leeds nem um pouco). E justamente quando ela se deu ao trabalho de cuidar da saúde do duque também.
Ela agraciou Carlisle com um sorriso lento, aquele que ela reservou para se livrar de situações insustentáveis. Ela estava ciente de que era capaz de encantar o sexo oposto e que esse sorriso em particular não costumava deixar de surtir efeito.
— Duque, devo insistir igualmente em permanecer. Você não é conhecido por mim, e meu marido está doente e meu mordomo está... indisposto. Sua chegada é muito inoportuna, assim como sua recusa em ir embora, seguida por sua subsequente exigência de que eu desocupe o mesmo quarto onde tenho atendido todas as necessidades de meu marido nos últimos dias.
Sim, ela pensou consigo mesma, isso seria ótimo. Deixe Carlisle ver que ela não era uma senhorita dócil que se acovardava diante dele ou trotava alegremente para cumprir suas ordens. Ela estava se sentindo bastante satisfeita com a situação, certa de que o homem não poderia discutir sua lógica. Tão certa que foi pega de surpresa quando o Duque de Carlisle caminhou em sua direção.
Ela teve um vislumbre de uma mandíbula rígida e cerrada por um momento, antes que ele se curvasse e a pegasse por cima do ombro como se ela pesasse não mais do que um saco de penas. Seu mundo virou de cabeça para baixo. O fôlego fugiu de seus pulmões quando seu ombro duro e largo se conectou com sua barriga.
Um som estrangulado emergiu dela. O sangue correu para suas bochechas, aquecendo-as. Por um instante, ela não pôde fazer nada mais eficaz do que olhar enquanto o duque de Carlisle girava nos calcanhares e a carregava para fora do quarto. A coragem do homem! Levou apenas cerca de dois de seus passos metódicos, o tapete dançando abaixo dela, antes que ela despertasse, martelando seus punhos em suas costas.
— Ponha-me no chão, seu bárbaro!
— Carlisle, — chamou Leeds fracamente. — Sei que ela está tentando muito, mas não há necessidade de carregá-la.
— Existe toda a necessidade. — A voz de Carlisle era um estrondo sombrio.
— Certamente não há. — Ela o acertou com mais força, mas o homem estava rígido como uma pedra. Seus golpes não fizeram nada para detê-lo quando ele saiu do quarto.
— Senhora, você está prestando um péssimo serviço a si mesma. Se continuar, não posso ser responsabilizado pelas consequências, — alertou.
Como ele ousa? E não era justamente como se Leeds voltasse para casa afinal, depois de todos os meses que ela passou esperando que ele voltasse, ferido e precisando de ajuda, transformando seu adorável mordomo em um lunático, e trazendo duques rudes e arrogantes no meio deles? Claro que era. Se alguma vez ela precisou de um lembrete de que seu marido era um patife lamentável, aqui estava, na forma de um estranho frio e furioso movendo-a como se ela fosse uma peça de xadrez.
Ela bateu com mais força nas costas de Carlisle.
— Você se atreveria a me ameaçar depois de me abordar em minha própria casa? Verdadeiramente? Deveria chamar a polícia e mandá-lo para a prisão.
Ele riu, o som sombrio e sem alegria.
— Ninguém ousaria me arrastar para longe, Sua Graça. Agora seja sensata e permaneça onde está.
Ele a colocou de pé no corredor com uma gentileza que ela não esperava. Com uma reverência superficial, ele se foi desaparecendo no quarto enquanto ela ficava boquiaberta atrás dele. Tardiamente, ela correu para frente, mas o miserável vira-lata bateu a porta do quarto atrás dele e virou a chave.
Ela estava presa. Bloqueada do que quer que estivesse para acontecer dentro de seu próprio quarto. Amaldiçoe os homens lá dentro, um dos quais tinha admirado até esta noite. Ludlow, o traidor, fingindo ser algo que não era. Tudo tinha sido uma encenação, até mesmo o terno cuidado que ele tinha mostrado aos animais? Georgiana esperava que não.
Ela bateu na porta, tentou a maçaneta, embora soubesse que seus esforços eram inúteis. Ela havia sido superada pelo duque de Carlisle. Por enquanto, pelo menos. Porque ela não estava nada além de determinada, e enquanto ela estava no corredor, totalmente frustrada, uma nova tática emergiu.
Um sorriso triunfante floresceu em seus lábios. Claro. Por que ela não pensou em Alice antes? Foi a solução perfeita. Decidida sua próxima formação de batalha, ela se afastou da porta de seu quarto, em busca de um mastim extremamente territorial e intimidador.
— “Permaneça onde você está’’, — ela resmungou para si mesma. — A pura ousadia.
Ninguém poderia dizer a Georgiana para ficar onde foi posta, como se ela fosse um objeto inanimado cuidadosamente colocado sobre uma mesa. O Duque de Carlisle enfrentaria um acerto de contas pelo tratamento que lhe dispensou.
Disso ela tinha certeza. E quem melhor para fazer o ajuste de contas do que Georgiana? Com um pouco de ajuda de seus amigos, é claro.
Maldito inferno.
Kit recostou-se na cama de Georgiana, exausto e tão cansado como se tivesse estado em uma marcha de dez dias pelo maldito deserto. Sua perna latejava. Ele ainda não tinha certeza de ter lutado contra a infecção que o abateu. Na verdade, ainda não tinha certeza se algum dia recuperaria o pleno uso de seu membro, se algum dia voltaria a andar sem o auxílio de uma bengala ou mancando. O bastardo que tentou matá-lo estava a poucos centímetros de distância. Seu oficial superior - ex- oficial superior, graças à sua desgraça - havia maltratado sua esposa, droga.
E ele estava impotente para fazer qualquer coisa sobre o turbilhão que se desenrolava ao seu redor. Não podia defender sua duquesa fisicamente, não conseguia nem reunir forças para se levantar novamente de sua cama. Se aquele mordomo gigante e desajeitado desejasse matá-lo agora, teria uma chance fácil, pois Kit havia gastado toda a energia que seu corpo possuía em sua defesa inicial.
Agora, as coisas estavam indo para os cachorros.
Ele estava indo para os cachorros.
Acerte isso. Ele já tinha. Mas estava determinado a limpar seu nome e reputação, se nada mais. Provaria sua inocência, mesmo se morresse tentando.
Carlisle voltou para o quarto sem a duquesa, trancando a porta atrás dele. Aqui estava o acerto de contas. Kit se preparou. Ele havia pensado, após a excomunhão, que nunca mais falaria com seu superior em qualquer outra função que não a civil. Talvez de passagem em um baile ou na ópera. Certamente não aqui, quando estava fraco e ferido, com o homem que queria acabar com ele como audiência.
Um homem que alegou conhecer o duque de Carlisle também.
Kit fez uma careta. Nenhuma parte do que acontecera a ele nos últimas quinze dias fazia sentido. Nem a armação, nem o ferimento, nem seu subsequente retorno vergonhoso para casa a mando da Liga, nem a aparição repentina de Carlisle, e especialmente não o atentado contra sua vida feito pelo mordomo que não era um mordomo, mas que estava inegavelmente apaixonado por sua maldita esposa.
Uma esposa que ele não quis. Uma esposa que ele não queria. Inferno, Kit não deveria se importar se ela tinha fodido o não-mordomo. O assassino. O...
Sua mente confusa e enevoada pela doença parou com a ideia, os instintos entrando em ação, e teve certeza de que havia acertado em alguma coisa.
Assassino.
Tudo fez sentido.
Ele desafiou Carlisle com um olhar penetrante, mais do que ciente de que estava à mercê dos outros dois homens no quarto. Ele se defenderia até a morte, mas havia apenas um limite para que um homem ferido e enfraquecido pudesse fazer contra uma montanha saudável e o bastardo de coração mais negro que ele já conheceu.
— Você enviou um assassino atrás de mim agora, Carlisle? — Ele demandou. — Diga-me, você exigiu que ele fodesse minha esposa também, ou ele cometeu esse pecado por sua própria vontade?
A montanha se voltou para ele com um rosnado, e Kit se preparou para o ataque inevitável. Nem tinha certeza se se importava mais. Tudo pelo que ele trabalhou - tudo o que importava para ele – lhe foi roubado no dia em que foi baleado.
— Como você ousa falar de Sua Graça de uma forma tão rude? — O não-mordomo exigiu. — Deveria matá-lo apenas por essa ofensa.
— Embainhe sua espada, Ludlow. — A diretiva de Carlisle gotejava com um comando gelado. — Você não pode matar o homem que jurou proteger.
— Proteger. — Kit teria rido se tivesse energia. Do jeito que estava, ele mal conseguia mover a boca para formar palavras coerentes. — Você está se divertindo, Carlisle, ou esta é uma nova forma tortuosa de tortura que você inventou especificamente para aspirantes a traidores dentro de suas próprias fileiras?
— Pássaros presos não cantam, — murmurou o não-mordomo. — Eu nunca iria te matar. Eu queria informações, e você não é exatamente do tipo generoso, é?
Kit reuniu forças para apontar o dedo na direção da montanha, encontrando o olhar de Carlisle o tempo todo.
— Este bastardo colocou uma faca na minha garganta não uma hora atrás. Você não pode me convencer de que ele foi encarregado de me proteger quando esteve aqui em Londres, bancando o namorado da minha maldita esposa enquanto estive em Nova York, arriscando minha vida pela Coroa e pelo país.
Normalmente, o rosto de Carlisle era tão expressivo quanto uma máscara, mas suas sobrancelhas se juntaram em uma carranca atípica.
— Droga, Ludlow. Eu te avisei.
O não-mordomo parecia despreocupado com o desagrado sombrio de Carlisle. Ele era corajoso ou estúpido. Kit não tinha certeza de qual. Ele testemunhou o duque de Carlisle remover a unha do polegar de um homem com o tipo de distanciamento frio que alguém poderia esperar em um jogo de vinte e um.
A montanha encolheu os ombros.
— Eu nem mesmo o roubei. Não me importaria em fazê-lo sangrar um pouco, mas um juramento é um juramento.
— Carlisle, — Kit rosnou, se sentindo cansado, nauseado, esgotado e irritado como o inferno, — se você não está aqui para me torturar, qual é o significado disso? Como você pode ver, não estou bem.
Carlisle acenou com a cabeça, aproximando-se.
— Você levou uma bala na coxa, entendo.
Ele fez a declaração com o mesmo ar desapaixonado que sempre cultivou. O Duque de Carlisle poderia estar falando de assassinato, bombas, tortura ou ferimentos a bala, mas seu tom e maneiras teriam permanecido os mesmos como se estivesse falando do preço do trigo ou do clima. Ele parecia estar igualmente em casa em uma de suas festas licenciosas ou torturando um anarquista.
— Sim, — Kit falou lentamente em uma careta quando uma pontada aguda de dor irradiou de seu ferimento. — Você está ciente dos detalhes. Fui imediatamente demitido do meu cargo e ordenado a regressar a Londres.
Carlisle levantou uma sobrancelha.
— O Escritório tem uma disposição mais fraca do que eu. Eles também têm o hábito de tomar decisões com muita pressa, sem mencionar que ultrapassam seus limites. A Liga é minha. Eu dito quem fica e quem vai.
O não-mordomo emitiu um som perverso de indignação no fundo de sua garganta bárbara.
— Você não pode querer reintegrá-lo?
Embora uma centelha de esperança ganhasse vida, a paciência de Kit diminuiu.
— Antes que este diálogo continue, talvez você possa me esclarecer, Carlisle. Quem diabos é esse gigante homicida?
Carlisle deu um sorriso raro, mostrando uma fileira de dentes brancos e regulares.
— Ele é meu irmão.
O bárbaro em questão grunhiu.
— Meio-irmão.
— Só isso, — Carlisle concordou, seu tom suave. — Meu irmão. Ele também é o homem encarregado de proteger sua duquesa e, com o seu retorno, você também.
Os lábios de Kit se curvaram. Ele não tinha percebido que Carlisle tinha um irmão, e dado que o bastardo estava se fazendo passar por mordomo, a única suposição racional a fazer era que esse irmão havia nascido do lado errado do cobertor. Nenhum segundo filho de um duque seria capaz de imitar um mordomo sem ser detectado.
Mesmo assim, permaneceu indiferente e impressionado.
— Ele parece ter confundido protegê-la com dormir com ela. E por que diabos ela precisa de proteção?
Os lábios de Carlisle se comprimiram.
— Minhas fontes sugeriram a necessidade.
A ambiguidade era um dos pontos fortes de Carlisle. Kit nunca se atreveu a contradizer seu oficial superior antes. Mas ele não era mais seu superior, e Kit não era mais um membro da Liga. O Escritório havia deixado isso bem claro. A menos que Carlisle pretendesse reintegrá-lo como ele sugeriu?
Cristo.
Kit precisava de uma bebida. Ou alguma morfina. Ou algum sono ininterrupto.
Talvez uma pistola para o templo para uma solução final?
Ele olhou para o duque.
— Suas fontes sugeriram a necessidade. Pela foda ou pela proteção?
— Seu estúpido, — a montanha rosnou, avançando em direção a Kit. — Isso é um insulto à Sua Graça!
Mas Carlisle parou seu impulso para frente com uma mão em seu ombro. O próprio Carlisle era um homem grande, e agora que Kit viu os dois, lado a lado, podia ver a semelhança. Exceto pela cicatriz. Ele se perguntou por um breve momento como o bastardo tinha entalhado seu rosto. Um marido zangado?
— Droga, Clay, controle seu temperamento. Leeds, estou optando por atribuir sua atitude rude e acusações infundadas ao fato de que você é um homem doente. — A voz de Carlisle estava fria como gelo no Lago Wenham. — Você parece uma merda, e se o que meu irmão me disse for qualquer indicação, você pode agradecer ao seu criador por ainda estar aqui de alguma forma.
Mas Kit estava cansado até os ossos, o corpo devastado pela dor. Ele temia ter mais uma vez rasgado seus pontos em sua tentativa de se defender do não-mordomo assassino que também era o meio-irmão bastardo de Carlisle. Algo quente e úmido escorreu por sua coxa. E sua mente vacilou. Seus olhos não queriam permanecer abertos. Sua boca parecia ter se transformado em mingau, apesar de se recusar a cooperar e formar uma vogal adequada sem a mais estrita atenção aos detalhes de sua parte.
— Vá para o inferno, — Kit jurou quando ele finalmente conseguiu fazer seus lábios e língua criarem as palavras. — Os dois malditos.
— Oh, Cristo, ele está sangrando?
Os olhos de Kit se fecharam e ele não conseguia abri-los. Ele não tinha certeza de quem havia feito a pergunta. Carlisle? O meio-irmão não mordomo? Não tinha certeza se se importava. A escuridão o acenou. O abismo clamava por ele. Sim, poderia afundar naquela escuridão. Perca-se. Esqueça. Era disso que ele precisava.
Descansar.
Tememos que sua identidade tenha sido comprometida.
Leeds?
Uma tentativa contra sua duquesa...
Porra, isso é muito sangue.
Chame o médico imediatamente.
Jesus, o que é essa cacofonia?
O som de um cachorro latindo. Um cachorro grande.
A voz de sua duquesa, clara e estridente.
Cavalheiros, exijo entrada.
Mais latidos. Mais juramentos. Mais sangue. Ele podia sentir isso o deixando agora. Alguma força invisível bateu em seu ferimento, e doeu como o inferno, mas estava tão perdido que não conseguia nem se defender.
Ele tentou falar.
Tentou abrir os olhos.
Foi uma batalha perdida, e então...
Ele se rendeu.
Para a escuridão.
Capítulo 07
Naquele momento fugaz entre abrir os olhos e sacudir os últimos vestígios do sono, a sensação de ser observada picou a consciência de Georgiana. A luz dourada perfurou suas pálpebras. Era de manhã cedo. O barulho familiar e silencioso de criados começando seus dias alcançou seus ouvidos, e nada parecia errado. Exceto que ela podia sentir, como o fantasma de um toque em sua pele. Alguém estava olhando para ela.
Só poderia haver um alguém. Suas costas doíam de outra noite passada em uma cadeira ao lado da cama do duque. Com um gemido, ela abriu os olhos. Um olhar azul brilhante queimou nela.
Ele havia sobrevivido à perda de sangue e à rodada subsequente de pontos do Dr. Gage.
Obrigada, meu Deus.
A oração desonesta fugiu dela antes que pudesse questionar sua origem ou tentar subjugá-la. Ela não tinha intenção de agradecer por sua sobrevivência.
As palavras enigmáticas de Ludlow retornaram a ela, enviando um arrepio por sua espinha. Seu marido é um espião fracassado. Ele traiu sua fonte e foi ferido por seus esforços. Seria possível que Leeds fosse capaz de tamanha traição? Ele não parecia um traidor para ela, pensou agora.
Ele não estava tão pálido quanto no dia anterior, embora ainda estivesse magro, suas bochechas e mandíbula forte pesadamente cobertas por bigodes. Ela olhou-o, incapaz de falar ou se mover, hipnotizada - e não pela primeira vez em seu breve e agonizante conhecimento - por sua beleza absoluta. Mesmo amarrotado e esfarrapado, barbudo e fraco, ele tirava a sua a respiração.
Mas talvez fosse uma combinação de seu peito largo e nu, que parecia roubar sua atenção com um puxão igual. Ela o havia dado banho na noite anterior, enquanto ele estava mais uma vez subjugado pela morfina, e evitou seu roupão em favor de não tentar mover seu grande corpo sozinha. Em ocasiões anteriores, Ludlow a ajudara. Mas, bem, Ludlow estava decididamente fora de seu favor por causa de suas decepções.
Mesmo que tivessem sido perpetrados em nome de sua defesa. Isso supondo, é claro, que Ludlow e o duque de Carlisle fossem dignos de crédito. Ela não tinha certeza se deveria aceitar uma palavra que qualquer um dos homens dissesse como verdade.
Ela franziu a testa para o peito de Leeds. Quem diria que a forma masculina poderia ser tão atraente? E principalmente quando estava acompanhado por uma personalidade tão terrível?
— Por que você está aqui?
A baixa questão, emitida em uma voz grave e aguda com acusação, a assustou. Provas da dita personalidade terrível, número um.
Ela se endireitou, a mão indo instintivamente para a parte inferior das costas, amassando os nós.
— Eu não compreendi?
Nem seu tom nem seu semblante se suavizaram.
— Por que você está no meu quarto?
Georgiana piscou, arrastando seu olhar de seu admirável peito de volta para seu olhar azul de inverno.
— Este é meu quarto, Leeds.
— Pelo que me lembro, você está abrigando vira-latas em meu quarto, e como eu sou o Duque de Leeds e a casa de Leeds é minha casa, e você tentou quase queimá-la em minha ausência, estou requisitando a suíte da duquesa para eu mesmo. — Ele fez uma pausa, seus olhos percorrendo sua forma. — Nesse caso, você está invadindo onde não é desejada, senhora.
Suas palavras machucaram mais do que deveriam, e ela se odiou pela fraqueza que permitiu ao Duque de Leeds ultrapassar suas defesas com tal facilidade incorrigível. Este homem sempre teve a capacidade de afetá-la, independentemente de quão desesperadamente ela tentava permanecer distante. O mais irritante de tudo era a fonte: não sua atração física inegável, mas o fato de que alguma parte de seu coração tolo e ingênuo ainda queria que ele gostasse dela. Olhar para ela com algo mais do que determinação dura e condescendência glacial.
Para ele olhá-la como se ela fosse uma pessoa digna de sua presença e tempo, em vez de um incômodo nojento ao qual ele foi submetido. Seu imenso dote de trezentas mil libras fora uma necessidade.
Houve pouco namoro, e seu pai tinha ficado muito feliz em se aliviar do fardo de sua única filha. Ela pode ter sido excêntrica, mas também era pragmática. Havia sido vendida por um homem que não a queria para outro homem que também não a queria. Uma troca justa, com apenas seu coração, seu orgulho e sua felicidade sendo perdidos.
Apenas tudo.
Mas ela não ficaria amarga.
Não. Seus animais lhe deram um senso de propósito. Tinha um teto sobre a cabeça, uma casa adorável para morar, vestidos extravagantes - não que precisasse deles - e um meio de ajudar tantas criaturas esquecidas de Londres quanto pudesse.
— Senhora? — Sua voz exigente cortou sua introspecção mais uma vez.
Seus olhos se estreitaram sobre ele, e ela desejou naquele momento que sua aparência externa combinasse com seu interior. Por dentro, ele era escuro, feio e vil.
— Eu tenho cuidado de você, seu idiota ingrato. E você não pode mandar no meu quarto. Eu dei a você. Livremente. Porque você estava ferido e precisava muito de uma cama, enquanto eu enxugava sua testa, dava banho em você, colocava caldo em sua garganta, trocava eu mesma a roupa de cama...
— Você agiu na qualidade de criada. — Seu lábio se curvou. — Eu não lhe exigi isso, senhora. Qualquer outra pessoa teria servido tão bem, se não melhor.
Alguém mais.
Oh. Não. Ele. Não. Tinha. Feito. Isso.
Ela se levantou, ignorando o protesto de seus músculos rígidos, apontando um dedo irado para o ar e não dando a mínima se não era refinado. Se ela não fosse refinada. Ela era uma duquesa americana, abandonada e indesejada, mas ainda tinha um coração.
Ao contrário do homem diante dela.
— Veja aqui, Leeds. — Ela elevou-se sobre ele, saboreando o momento porque era a única vez que seria capaz de fazê-lo. Ele era alto, malditos olhos. — Não sou permutável com ninguém. Sou sua esposa. Quando você chegou aqui sangrando e fraco, com febre, eu cuidei de você. Chamei um médico em quem confiava porque o seu era uma relíquia com instrumentos sujos, e que queria alimentá-lo com uma dieta láctea, e voltar para casa com seu conhaque. Cuidei de você porque, embora não goste de você, não queria que você morresse. Dormi nesta cadeira por cinco noites. Orei por você.
— Você não deveria ter perdido seu tempo ou seu fôlego. — A amargura manchava seu tom.
Ela se encolheu. A indiferença dele a roubou temporariamente de seu ímpeto. Mas ela o recuperou e partiu, inclinando-se para que ele não pudesse olhar para nenhum outro lugar. Para que ela e sua indignação fossem tudo o que ele visse.
— Como você ousa sentir pena de si mesmo? Olhe para você, um duque de uma das famílias mais veneradas da Inglaterra. Observe a opulência ao seu redor. Olhe para mim. Você nunca pronunciou uma única palavra amável em minha direção, e ainda assim eu o tratei com o respeito e cuidado que qualquer criatura ferida neste mundo mereceria.
Ele levantou uma sobrancelha, sua expressão um estudo de arrogância, e ela desejou que soubesse como ele conseguia. Como um homem pode ser tão bonito, tão afável, tão horrível, o tempo todo em seu leito de doente? Isso desafiava a lógica. Desafiava a razão.
— Talvez você tenha me confundido com um de seus vira-latas, Duquesa. — Ele fez uma pausa, seu olhar penetrante e intenso. — Eu não sou uma criatura. Eu sou o Duque de Leeds.
— Estou ciente de quem você é, — ela rangeu. — Ou melhor, quem você afirma ser. Entre você, Ludlow e o Duque de Carlisle, não consigo entender o que é verdade e o que são mentiras inventadas para proteger seus enganos.
— Você realmente tem imaginação, Sua Graça. — Seus lábios se contraíram, evidenciando seu desagrado. — Sente-se, por favor. Sua perturbação é muito inconveniente, e não posso permitir que se aventure por mim como uma espécie de um maldito espectro. Metade de mim está se perguntando quando você vai tentar me espetar com uma lâmina.
Muito impróprio.
Espete-me com uma lâmina.
Ela olhou fixamente. O duque de Leeds era uma proliferação de insultos, zombarias e esnobismo sarcástico. Como ela poderia sobreviver a um casamento com um homem assim até que pudesse obter o divórcio? Afinal, o ferimento dele não a deixou menos determinada a se libertar de sua união insustentável. Ela conseguiu se arrastar pela sujeira e matagais, nas mãos e nos joelhos, sentou-se ao lado dele, cuidou dele, tratou dele, só cuidou de seus melhores interesses...
E ele acordou com raiva, altivo e frio.
Ele acordou com ameaças, exigências e rejeições em seus lábios perfeitamente formados.
Cinco noites em uma cadeira. Dias de preocupação, de esperança, de tentar dar a ele o melhor cuidado que ela pudesse reunir. De fazer tudo o que pudesse para garantir que ele sobreviveria. E ela recebeu seus agradecimentos? Uma palavra gentil? Uma frase de elogio? Mesmo um sorriso?
Não.
Em vez disso, ele deu a ela seu desdém. Em vez disso, ele zombou e a inspecionou com aquele olhar insuportavelmente azul que parecia ver muito.
Ela não se sentou como ele exigiu. Em vez disso, ela disse a primeira frase que veio à sua mente.
— Você, senhor, é um vira-lata miserável.
— Responda-me isso, senhora. — Sua voz profunda caiu uma oitava, ressoando com uma emoção que ela não conseguia definir. — Há quanto tempo o maldito mordomo está esquentando sua cama? Foi no dia em que fui embora? Uma semana depois? Diga.
Georgiana ficou boquiaberta com Leeds, certa de que ele tinha enlouquecido. Estava com febre mais uma vez? Antes que ela pudesse pensar melhor, inclinou-se sobre ele e pressionou a mão em sua testa. Sua pele estava quente, mas naturalmente. Nem quente, nem suado, nem úmido. O que significava que ele não estava com febre. A infecção não havia retornado.
Qual era, então, sua desculpa para tal loucura?
— Não estou com febre, — ele rosnou, seu olhar queimando com uma profundidade que ela achou mais angustiante. Ele afastou a cabeça de seu toque, como se ela o tivesse queimado. — Bem? Você não tem nada a dizer por si mesma?
Ela se imaginou levantando a bacia de água de lavanda que usou para banhar sua testa e derrubando o conteúdo na cabeça dele. Mas reprimiu o instinto com cuidado extra.
— Não vou dignificar sua acusação com uma resposta.
— Você vai me responder, — ele mordeu fora. — Eu entendo que nossa união tem sido... incomum, mas não serei traído por um criado meu. E especialmente por aquele bárbaro. Deus sabe que eu nunca teria me casado com você se não fosse uma necessidade.
Que bom ele lembrá-la.
Ela franziu os lábios, considerando como responder, uma emoção desconcertante a apunhalando. Tristeza? Desapontamento? Dor? Ela não tinha certeza. Ela não esperava nada de Leeds, nem mesmo previra seu ressurgimento de qualquer labirinto secreto para o qual ele havia desaparecido em Nova York.
— Ludlow é o mordomo.
Ou, para ser mais precisa, ela pensara que ele era o mordomo.
Aparentemente, ele era outra coisa, algo mais, algo que permanecia muito envolto em mistério. O Duque de Carlisle ocultou a maior parte da história. Disso ela não tinha dúvidas. Mas os fragmentos que ele revelou sugeriam que Ludlow fora encarregado de proteger a Leeds House, e ela própria incluída. A razão pela qual ele e Leeds estavam brigando era um quebra-cabeça que nem Carlisle nem Ludlow haviam resolvido. Nenhuma palavra havia sido dita sobre o trabalho de seu marido como espião, embora ela não precisasse de ninguém para confirmar suas suspeitas. Elas eram tão boas quanto os fatos. Seu desaparecimento abrupto, seu ferimento, as cartas codificadas que ela havia descoberto e a aura de sigilo, tudo contava a história melhor do que uma confissão.
Quando ela voltou com Alice, pronta para irromper pela porta e permitir que seu mastim batesse em Carlisle, o duque estava apaziguando. Seus olhos permaneceram duros, sua expressão severa, mas suas palavras foram ambíguas e amolecedoras.
Lamento, mas devo reter mais detalhes.
Este é um assunto delicado.
Sua discrição deve ser exercida em todas as coisas.
Esse era o tipo particular de respostas vagas que Carlisle tinha de pronto para ela enquanto esperavam o médico costurar a ferida de Leeds mais uma vez. Para Georgiana, o que Carlisle não disse explicava muito mais do que o que ele disse. E de forma alguma ela aceitou o subterfúgio de Ludlow sem consequências. Ela o considerava um amigo. Tinha imaginado que ele se importava com os desgarrados que ela recebia tanto quanto ela. Mas agora ela perguntava-se. Duvidava.
Ela estava em uma terra estranha. Uma casa estranha. Cercada por pessoas em quem não ousava confiar. Somente seus animais eram confiáveis. Ela não tinha um único amigo além da Duquesa de Trent.
— Sim, ele foi encarregado de imitar um mordomo, — Leeds concordou, sua expressão sombria. — Mas ele não é um verdadeiro mordomo. E ele está muito familiarizado com você. Deste momento em diante, você cessará toda comunicação com ele.
Georgiana procurou o olhar do marido, encontrando-o surpreendentemente aguçado para um homem que havia passado por tudo o que passara nos poucos dias após sua chegada a Londres. Ele a observava agora com um distanciamento frio que ela não gostou.
— Ludlow é o mordomo. Como devo evitar falar com ele?
As sobrancelhas do duque se juntaram em uma carranca cruel.
— Ele não será o mordomo por muito tempo.
— Você não pode dispensá-lo, — ela rebateu, tomando as dores de Ludlow, embora também não confiasse nele. O diabo que ela conhecia, no entanto, parecia uma opção preferível ao diabo que ela não conhecia. Talvez sua preocupação com Lady Philomena Bigodes - que ainda não tivera sua ninhada de gatinhos - fosse um fingimento, mas não havia como negar que o gigante era um homem gentil e paciente com seus animais. E eles confiavam nele. Para Georgiana, isso falou muito.
Claro, Lady Philomena também gostava muito de Leeds.
Portanto, talvez nem todo felino, rato, canino ou esquilo possua uma mente perspicaz, afinal.
Leeds levantou uma sobrancelha arrogante.
— Você cessará todas as relações com ele. Não vou tolerar isso sob meu próprio teto com um criado que está a meu serviço. — Ele fez uma pausa, franzindo a testa. — Aceite isso. Não vou tolerar isso com ninguém.
O homem que estava determinado a acreditar nela era falso? A raiva que exalava sugeria que ele acreditava que ela havia sido infiel ao casamento deles. Ludlow era seu mordomo e amigo. Seus sentimentos por ele eram decididamente platônicos.
Mas Leeds não precisava saber disso.
Todas as preocupações e medos que ela tentou suprimir durante os meses de seu casamento - meses que ele passou em outro país - voltaram, pesados como uma equipe de cavalos de trabalho em seu coração.
Ela o espetou com um olhar perscrutador.
— E quanto a você, duque? Você foi infiel aos nossos votos? É por isso que você suspeita de adultério? Diga-me, Leeds, o que você tem feito na América? Em sua viagem de caça? Não pense que esqueci por um momento o que Ludlow me revelou.
— Ludlow é um porco mentiroso, e você deve desconsiderar cada palavra que ele diz. — Ele fez uma careta. A barba escura cobrindo sua mandíbula o tornava libertino. — Além disso, o que eu estava fazendo na América não é da sua conta.
— Eu sou sua esposa, — ela insistiu. — Naturalmente, é minha preocupação.
— Não. — Seu tom gotejava com desprezo. — Não é. Estou faminto. Você vai pedir uma bandeja ou eu devo?
Ela alisou as saias e endireitou as costas, dando a ele o olhar mais fulminante que ela poderia invocar.
— Peça você. Já sofri o suficiente com sua conversa autoritária.
— Senhora...
— Bom dia, — ela interrompeu, sua voz cortante. Zangada. Ressoando de raiva.
E então, ela girou nos calcanhares e saiu do quarto.
Seu quarto.
Senhor, ela precisava abraçar um cachorro, passar a palma da mão sobre o pelo sedoso, sentir o nariz úmido pressionando sua orelha. Para ouvir aquele suspiro canino bobo de satisfação. Ela fugiu do homem proibitivo com quem se casou, ignorando qualquer protesto que ele fez após a partida dela, e voou para o quarto do cachorro.
O antigo quarto ducal.
Ela abriu a porta e a corpulenta mastim, Alice, saltou para ela primeiro, junto com três corgis e um pug. Miller, Pardoner, Reeve e Knight, respectivamente. Georgiana ergueu as saias de seda e ajoelhou-se no Axminster, de braços abertos. Knight lambeu sua orelha. Alice respirou em seu rosto. Pardoner enfiou um focinho em sua barriga. Miller cheirou a mão dela e Reeve aceitou seu abraço com o braço direito. Ela respirou fundo para se acalmar e absorveu o amor imediato que seus preciosos cães resgatados lhe deram tão livremente.
O Duque de Leeds era um idiota. Deixe-o tocar a sineta para seu próprio sustento. Deixe que ele ferva de raiva. Que fique exatamente como merece: sozinho.
Ela enterrou o nariz na pele macia de Reeve e inalou lavanda e cachorro. Era com isso que ela podia contar, o amor e devoção irrestritos e completamente verdadeiros dos animais que encontrou. Os humanos eram outra questão inteiramente.
De fato, um assunto muito preocupante.
Capítulo 08
Kit não gostava de muitas coisas. Emoção efusiva, peixe defumado, a cor verde em geral, não-mordomos enormes que tentaram matá-lo em particular, sapatos desconfortáveis, banhos frios e ser inválido estavam entre eles.
Mas, depender da misericórdia dos outros estava tendo precedência sobre tudo o mais no momento.
Razão pela qual ele se arrastou de sua cama - ou, para ser mais preciso, da cama de sua duquesa - três dias depois de ter sido costurado pela última vez. Pelo que ele esperava, fosse o tempo final. Ele tinha recebido ordens estritas de permanecer na cama e evitar todas as atividades vigorosas por uma semana.
No entanto, não havia nenhuma maldita maneira dele estar esperando uma semana.
A dor rasgou sua coxa, irradiando para baixo por sua perna. Ele agarrou sua bengala, apoiando-se pesadamente nela, o ar saindo de seus pulmões em uma exalação rápida. Ele estava tão focado em seu movimento para frente, em causar a si mesmo a menor quantidade de dor e dano possível, que ele não ouviu a porta de seu quarto se abrir até que uma voz sarcástica soou em suas costas.
— No terceiro dia, ele ressuscitou.
Kit estremeceu, virando-se para encontrar o não-mordomo olhando para ele, sem remorso em sua blasfêmia. A agonia o atingiu no estômago, a dor tão quente que quase vomitou. Em vez disso, se inclinou para frente, um grunhido soando em sua garganta, um juramento forçado de seus lábios.
— O que diabos você está fazendo aqui?
Ele ia matar o maldito bastardo com as próprias mãos. Assim que conseguisse andar com mais firmeza do que um homem de noventa anos.
O não-mordomo olhou para ele com indisfarçável insolência, parecendo saborear o sofrimento de Kit.
— Vim ver o que Sua Graça deseja para o café da manhã.
— Dei ordens estritas para você não entrar neste quarto, — ele rangeu, fazendo-se dar outro passo agonizante. Sua perna tentou dobrar e ceder. Sua força de vontade era mais forte. Ele não permitiria, droga.
A expressão do não-mordomo era branda, mas o brilho em seus olhos falava de sua alegria pela situação.
— Sua Graça pediu que eu atendesse você esta manhã, pois ela está ocupada com outras coisas.
O fato de o filho da puta ainda estar presente em Leeds House, sustentando a pretensão de ser mordomo, era responsabilidade exclusiva do Duque de Carlisle. Ele dera sua palavra a Kit de que a montanha cairia, que a montanha - seu meio-irmão bastardo, se Carlisle fosse acreditar - era confiável e trabalhava de alguma forma para a Liga e para o Ministério do Interior.
Mas a existência continuada do homem em Leeds House não era a única preocupação de Kit. Cada vez que o não-mordomo pronunciava a frase, Sua Graça, em relação à esposa naquele tom amanteigado que evidenciava sua devoção eterna por ela, o punho de Kit desejava se conectar com os dentes do bastardo.
E fazer cair alguns deles.
Pelo menos três.
O suficiente para fazê-lo parecer um vendedor de mercadorias do East End, que teve uma desgraça e virou mendigo e desrespeitou a lei.
O pensamento o animou quando deu outro passo hesitante para frente, fazendo uma careta quando sua perna tentou ceder mais uma vez. Ele não cairia de joelhos diante do homem que tentou matá-lo, por Deus. Ele sobreviveu a um campo de prisioneiros francês em seus primeiros anos com a Liga durante a Guerra Franco-Prussiana. Poderia e iria sobreviver a quaisquer hostilidades domésticas que se abatessem sobre ele. Este ferimento na perna foi um mero arranhão. Um pequeno obstáculo no longo caminho de sua vida. Ele não permitiria fraqueza.
Sua determinação era mais forte que seu corpo. Sempre foi. Ele deu outro passo, lembrando agora que o não-mordomo não apenas alegou que sua duquesa estava ocupada com outras coisas, mas que estava intimamente ciente de seu paradeiro quando Kit não estava.
Um grunhido emergiu dele enquanto movia sua perna machucada para frente.
— Se você a tocar novamente, vou te estripar como a porra de um peixe, — disse em tom de conversa. Mas estava falando sério.
Ele não queria se casar, era verdade, mas ele tinha, e ela era dele. Em algum ponto, ele precisaria ter um herdeiro com ela e cumprir seu dever para com a linhagem, e ele não teria sua linhagem maculada por uma montanha, não-mordomo bastardo. Agora que ele havia retornado, não podia negar que a noção de cumprir sua obrigação era atraente.
Todas essas inclinações foram auxiliadas, é claro, por sua beleza inegável. E Cristo, ela era fascinante. O suficiente, mesmo para distrair de sua inadequação como sua duquesa e sua tendência perturbadora para encher sua casa com feras. Ele tinha esquecido como a isca dela era magnética. Como seus olhos esmeralda eram vívidos, especialmente quando brilhavam de raiva para ele. Como seu cabelo castanho era brilhante e lustroso. Quão tentador e cheio seu seio, quão estreita sua cintura, quão exuberantes seus lábios...
Maldito inferno. Seu pênis não estava ganhando vida em um momento tão inoportuno como este, vestindo calças de inválido mal ajustadas, mancando pelo quarto de sua esposa, sentindo dor, o homem que estivera dormindo com ela em sua ausência o observando com um olhar indolente. (Não, ele não acreditou nos protestos do piolho dizendo o contrário por um instante.)
— Eu nunca a toquei definitivamente, Sua Graça. — O não-mordomo caminhou em sua direção. — Você insulta gravemente a Duquesa ao sugerir essas bobagens.
Sim, claro que ele negaria o caso. Admitir isso não faria nada de bom para ele. Esconder seu acordo clandestino, no entanto, significava que os dois poderiam continuar.
Fodendo como lebres de março. Debaixo do teto de Kit. Debaixo de seu nariz.
Uma onda assassina explodiu por ele com a noção do não-mordomo beijando os lábios vermelhos de sua esposa. De sua enorme pata em sua garganta cremosa, dele bancando a criada e ajudando-a a se despir...
Droga, essa linha de pensamento não ajudava em nada. Forçou o ressurgimento de seu espião interior, procurando por uma arma em seu oponente, seu olhar percorrendo da jaqueta preta até as calças. Sem caroços suspeitos. Mas isso não significava que ele não tinha uma lâmina escondida na manga, pendurada na cintura ou sob a perna da calça.
— Não dê um passo mais perto, — ele avisou, seu tom forjado de gelo e ferro. — Não confio em você tanto quanto posso derrubá-lo, e embora eu seja um bastardo extremamente forte, você é excessivamente grande. Atrevo-me a dizer que não poderia jogá-lo mais longe do que onde você está atualmente, o que significa que é hora de você parar.
— Você vai cair. — O não-mordomo resmungou algo baixinho que soou suspeitosamente insultante, mas mesmo assim, nunca parou de andar.
— Eu não vou. — Porra! O resto das palavras de Kit morreu quando ele perdeu o equilíbrio no momento em que sua perna machucada falsiou, e ele não pôde compensar com a bengala a tempo de salvar a si mesmo. Ele caiu para a frente...
Sobre uma montanha assassina, que o pegou e o firmou. Que ficou no mesmo nível de Kit e o encarou com uma ferocidade que sugeria que ele não era, nem tinha sido antes, um criado.
— Por que você revelou a identidade do Leprechaun? — Ele demandou.
— Eu não fiz, — Kit rangeu, odiando que este gigante o tivesse visto em seu pior estado, detestando que precisasse aceitar sua ajuda. Deveria ter sido forte o suficiente, determinado o suficiente para continuar por conta própria. Foram apenas seus pensamentos tolos que o tornaram vulnerável a perder o equilíbrio. Sua duquesa o estava levando à distração, isso era evidente.
E como era estranho que uma mulher que ele considerava um meio para um fim, um rosto bonito para ocupar o papel de sua duquesa, um cofre de dinheiro para encher seus esvaziados cofres ducais, alguém que poderia deixar para trás e ignorar em sua perseguição da glória final com a Liga... quão malditamente estranho era que ela agora fosse aquela que o cuidou de sua saúde até curá-lo, e ainda assim o minou em cada passo literal do caminho.
— Quase acredito em você. — A voz do não-mordomo era amarga, tocada por uma sombra de ceticismo.
— Acredite em mim. — Kit encontrou seu olhar. — Sou um homem de palavra. O status de Leprechaun entre os Fenianos é o que me permitiu infiltrá-los com tanta facilidade. Por que eu deveria querer machucar meu próprio maldito informante? O que aconteceu em Nova York foi um erro. Permiti que uma nova fonte me guiasse na direção errada e paguei o preço. — Ele olhou para a perna ferida e fraca para dar ênfase.
— Você foi traído, não foi? — As sobrancelhas do não-mordomo se ergueram, sua voz assumindo um novo timbre. Compreensão? Certeza?
Independentemente da emoção subjacente ao tom do homem, Kit ainda não confiava nele. E, no entanto, teve que admitir que o canalha homicida estava exibindo uma certa quantidade de intelecto e julgamento que ele gostaria de imaginá-lo incapaz.
Nos últimos dias, enquanto esperava seu tempo no leito de doente, Kit se convenceu de que suas suspeitas eram válidas. Não havia outra explicação para o que ocorrera. Alguém o traiu, alimentou-o com informações incorretas para torná-lo vulnerável. Não apenas vulnerável, se fosse brutalmente honesto. Parecia inegável que alguém o queria morto.
— Eu te disse isso. — Ele deu um suspiro cansado de relutância. — Não houve traição, nem deslealdade da minha parte e eu juro pela minha vida que não tinha a menor ideia de que Leprechaun estava na fábrica abandonada naquele dia. Pelo que eu sabia, eu estava sozinho até o primeiro tiro ser disparado.
A expressão de Ludlow se tornou selvagem.
— Leprechaun é como um irmão para mim. Vou caçar o responsável por isso e arrancar seus malditos olhos.
Não importava o quanto Kit não quisesse acreditar que ele poderia ser suscetível a um ardil tão simples, estava ficando claro para ele que sim, e que o onipresente Leprechaun também. Que ele tinha sido um alvo fácil.
E naquele momento, outra coisa lhe ocorreu. Realmente algo preocupante.
— Você foi designado para este posto por Carlisle, não foi?
O não-mordomo inclinou a cabeça.
— De fato, fui. Seu ex-mordomo deixou o posto depois que meu irmão lhe ofereceu incentivo suficiente para se retirar para o campo. Ele partiu com a história de ter herdado de um primo uma grande quantia em dinheiro, permitindo-lhe viver sua vida como quisesse. Ele se despediu em boas condições, recomendando um mordomo de confiança como seu substituto.
Maldito Carlisle. Parte de Kit ficou furiosa, mas outra parte ficou impressionada. As manipulações do homem não conheciam limites.
— Quantos dias depois de ter partido em minha missão em Nova York? — Ele tinha que saber.
— Três. — O não-mordomo estava concentrado. Seu olhar era claro, ausente do desprezo onipresente que lançara na direção de Kit desde o início. Ele fez uma pausa, sua expressão torcendo, como se ele travasse uma luta interior. — Inferno. Eu não deveria te dizer isso, mas eu respeito Sua Graça acima de tudo.
Respeito.
Os lábios de Kit se curvaram. Esse era o eufemismo agora? O homem a queria. Estava tendo ela. A ideia o fez querer vomitar. Fez seu sangue gelar nas veias. Fez sua mão livre apertar em um punho que formigou com a necessidade de esmagar a porra do nariz da montanha.
— Ela é minha esposa, — rosnou, sentindo-se inexplicavelmente possessivo. Quando começou a pensar nela como sua? Quando começou a ver sua boca exuberante e coçar-se para ser quem a reivindicou? Vê-la se mover num quarto e imaginar seus dedos desfazendo uma linha de botões em seu corpete, abrindo seu espartilho, liberando seus seios para ver se enchiam suas mãos como ele suspeitava...
Puta que pariu. Talvez ser um inválido tenha apodrecido seu cérebro. Por que outro motivo ele seria assaltado por tais impulsos indesejados, irracionais e desnecessários? Seu único objetivo era restaurar sua honra e sua posição na Liga. Casou-se com a mulher para salvar o ducado para que pudesse continuar seu trabalho secreto sem o peso da dívida enorme de seu irmão. Não se casou por sua beleza distinta ou sua forma feminina madura.
Manteve aquele curso louco de pensamento abruptamente enquanto suas bolas se apertavam e seu pau escolheu aquele momento para lembrar que ele ainda era um homem, declarado hesitante de corpo fraco ou não. E realmente foi o diabo de uma coisa para alcançar um apoio quando o homem que tentou cortar sua garganta - o mesmo homem que estava dormindo com sua esposa, e com quem ele estava tendo fantasias inoportunas - pairava em seu maldito cotovelo.
O desgosto tomou conta dele, suprimindo a luxúria furiosa. (Muito tempo - desde muito antes de se casar com a duquesa - sem se deitar com uma mulher. Certamente essa era a causa. A mão de um homem só poderia ser suficiente por um período finito de tempo.)
— Ela é minha esposa, — disse de novo, estupidamente, como um menino cujo brinquedo foi levado por outro. Como se ele não estivesse ali inundado por pensamentos lascivos sobre uma senhora de quem nem mesmo gostava. Mas você pode ficar com a moça problemática, ele deve dizer. Ele abriu a boca, mas seus lábios se recusaram a formar qualquer outra palavra, exceto uma. — Minha.
Isso é confuso.
— Estou ciente. — O não-mordomo o olhou com a mesma expressão penetrante e gelada. — Agudamente ciente. Novamente, eu revelo isso a você por um senso de dever para com Sua Graça, que é um anjo sem paralelo na Terra.
Anjo incomparável. Incrivelmente crível.
Os nós dos dedos de Kit coçaram.
— Poupe-me do teatro, Romeu, e me diga o que você quer dizer.
— Houve uma ameaça contra a duquesa. Contra Sua Graça especificamente.
A violência, sombria e selvagem, assolou-o. Seu sangue gelou, e quaisquer imagens que tinha conjurado de espancar o homem até virar uma polpa de sangue se dissiparam com a facilidade de uma luz elétrica iluminando uma sala escura. Um toque de um botão foi o suficiente.
Sua pele eriçada, arrepios em sua pele, e estava infinitamente alerta.
— Uma ameaça?
A montanha prendeu seu olhar.
— Alguém quer a duquesa morta. As fontes de Carlisle sugeriram que era por sua causa. Minha designação aqui foi necessária, já que você estava ocupado na época.
O bastardo fez soar como se Kit tivesse estado enfiado numa prostituta em St. John Wood, em vez de no outro lado do oceano, colocando sua vida em risco por uma missão altamente delicada que envolveu infiltrar nas fileiras dos mais perigosos e sanguinários Fenianos na cidade de Nova York.
Sua mão agarrou o cabo de sua bengala com tanta força que ele jurou que ficaria marcado na palma por dias.
— Diga-me tudo o que você sabe.
O não-mordomo exalou, apertando a boca, as únicas duas histórias contam que a revelação que fizera o perturbou.
— Eu sei muito pouco. Carlisle tem seus passarinhos que cantam e ele não vai revelá-los a ninguém, nem mesmo a mim. Tudo o que sei é que ele recebeu a informação, antes de suas núpcias, de que havia um preço pela cabeça dela e que isso seria cumprido no caso de seu casamento. Carlisle assumiu a ameaça como pertencendo a você, e me colocou aqui para que sua missão em Nova York fosse ininterrupta.
— Há mais, — Kit pressionou quando o homem fez uma pausa, embora fosse desnecessário, na verdade. Ele começou a suspeitar da horrível verdade. De alguma forma, ele precisava ouvir. Para sentir isso se estabelecer em seus ossos.
A montanha inclinou sua cabeça.
— Houve incidentes. Dois homens. Uma mulher. Algumas frutas envenenadas que deixavam um lacaio doente antes que qualquer coisa contaminada chegasse a Sua Graça. Tenho evitado cada uma dessas ocasiões com sucesso.
— Esses homens e mulheres, o que aconteceu com eles? Você conseguiu obter alguma informação? — Perguntou ele, sabendo que o interrogatório era a maior arma de um espião. Se Ludlow estava tangencialmente envolvido na Liga, com certeza ele sabia como extrair informações...
Mas o não-mordomo balançou a cabeça, seus olhos ficando duros e planos, e Kit reconheceu o olhar muito bem antes mesmo de a montanha confirmá-lo.
— Não havia tempo para nenhum deles. Eles vieram à noite, armados, e eu fiz o que era necessário.
Claro. Ele protegeu a esposa de Kit, como Kit deveria ter feito. Como teria feito se tivesse sido informado da situação. A raiva contra seu oficial superior cresceu, dura, feroz e amarga. Como Carlisle esqueceu de lhe dizer que a mulher com quem ele se casou estava em perigo? Que alguém a quisesse tanto morta que enviou uma horda de assassinos atrás dela? Tudo enquanto Carlisle alegremente enviara Kit em uma incumbência de tolo para Nova York, deixando uma inocente com apenas um estranho para proteção.
Então, novamente, teve que admitir que o não-mordomo provou ser um protetor bem-sucedido se ele despachou assassinos em pelo menos três ocasiões diferentes.
Mas quem iria orquestrar um ato tão covarde? Kit tinha certeza de que, pelo menos antes do desastre em Nova York, sua identidade nunca fora comprometida. Como alguém poderia querer machucá-lo? E por que alguém que o conheceu - que o ouviu lamentar seu destino de ter que se casar com uma herdeira americana para salvar suas propriedades familiares - pensaria que matar sua duquesa o impactaria?
Não havia motivação em tudo, exceto... de repente, uma estranha cláusula no contrato de casamento voltou para ele. Aquela que afirmava que se nenhum herdeiro tivesse sido produzido e a morte da duquesa ocorresse no primeiro ano de sua união, o restante do estupendo dote que o tio de sua esposa desejava reservar para ela - trezentas mil libras, para ser preciso, junto com o dinheiro mantido em custódia para seus futuros herdeiros - seria transferido para seu pai.
A compreensão o cortou, e nem um segundo depois veio o peso que o acompanhava de nojo e culpa.
— A ameaça contra a duquesa não tem nada a ver com a Liga ou comigo, não é? — Ele perguntou à montanha, embora soubesse a resposta.
A menos que estivesse enganado, uma nova luz brilhou no olhar de seu inimigo.
— Eu não acredito que tenha. Embora eu não tenha alertado meu irmão sobre o fato, ou ele teria me removido do meu posto.
Deixando Georgiana para ser massacrada. Sim, Carlisle era um bastardo sem coração, e até mesmo seu próprio irmão não se importava em negar. Kit olhou para o não-mordomo com novos olhos. Ele poderia tê-lo respeitado por sua lealdade, se essa fidelidade não fosse devotada à esposa de Kit. Uma esposa que ele deixara de considerar uma responsabilidade indesejada há algum tempo, para falar a verdade.
Mas, precisamente, quando diabos ele começou a pensar na mulher com quem se casou com seu nome de batismo? De alguma forma, era mais íntimo do que cobiçar seu corpo delicioso.
Delicioso?
Condenação.
Com uma sensação de grande desgosto na boca, ele forçou o nome do não-mordomo de seus lábios.
— Ludlow.
— Sua graça? — Embora ele erguesse uma sobrancelha indolente, ele era a imagem de uma civilidade equilibrada.
— Os atentados contra minha esposa, — ele disse, não gostando que as circunstâncias exigissem que ele consultasse o homem que queria Georgiana para si, para cuidar de sua segurança. — Quão recente foi o último?
Tirando a cicatriz, ele poderia facilmente ser confundido com o mordomo que fingia ser. Até que ele abriu a boca, é claro.
— Um mês ou mais antes de sua chegada, Sua Graça. — Ele deu a Kit um meio sorriso afetado que não era nada mordaz e certamente não deferente. — Por quê? Você teme que um assassino encontre o caminho para o quarto onde você está e o confunda com Sua Graça antes de cortar seu lindo rosto? Seria sábio tremer na sua tiara, pois o que vem depois é muito pior do que a dor inicial.
Seu lábio se curvou.
— Primeiro, eu não temo nada. Em segundo lugar, ninguém jamais me confundiria com uma maldita mulher. E, por último, se um assassino encontrasse o caminho para o meu quarto, eu ficaria muito mais preocupado com a longevidade dele do que com a minha. A propósito, como você conseguiu administrar sua cicatriz, meu velho? Você nunca disse quem retalhou seu rosto feio.
O olhar de Ludlow ficou escuro e duro.
— Foda-se.
— Eu deveria despedi-lo por tal insolência. — Kit fez uma pausa, tentando ler seu oponente. — Foi uma mulher, não foi?
O não-mordomo mostrou os dentes em um rosnado primitivo.
— Pergunte ao duque de Carlisle se você pode me despedir, seu idiota sem alma. E pergunte sobre meu rosto novamente, e eu supervisionarei pessoalmente a adição de arsênico ao seu jantar.
— Faça, faça senhor. Não há necessidade de me ameaçar de assassinato. Você tentou isso uma vez e falhou terrivelmente. — Ele fez uma careta, mas seu objetivo principal não era incitar e enfurecer o não-mordomo, independentemente de quão divertido e agradável fosse. Ele queria saber tudo o que havia para aprender sobre os ataques contra sua esposa. — Deste ponto em diante, você vai me entregar relatórios diários sobre as medidas de segurança que estão sendo postas em prática para garantir o bem-estar de Sua Graça. Entendido?
O não-mordomo rosnou.
— Sou mais do que capaz de proteger Sua Graça.
— Quantos homens você contratou para a tarefa de proteger o perímetro? — Perguntou, ignorando os protestos do homem, que significavam menos do que nada para ele. Ele acabara de saber que sua esposa tinha um preço pela cabeça. Essas tentativas foram feitas contra sua vida. Não confiava nos instintos de ninguém como confiava nos seus. E embora não estivesse fisicamente presente ou mesmo ciente das ameaças contra ela antes, ele estava muito bem aqui agora.
— Três, — Ludlow respondeu.
— Suba para uma dúzia, — Kit insistiu. — Não poupe despesas.
O não-mordomo parecia prestes a discutir, mas pareceu se lembrar de seu lugar no último momento.
— Vou aumentar a segurança esta noite.
Excelente. Resolvido o assunto, ele voltou sua atenção para o fato que o incomodava quase tanto quanto as notícias das tentativas contra sua duquesa.
Ele não gostava do caminho em que estava mais do que gostava do caminho que o não-mordomo trilhou atualmente. Porque se o homem tivesse ocultado informações de seu próprio irmão, que por acaso também era o maldito Duque de Carlisle - o bastardo mais cruel e sem coração que já existiu - isso só poderia significar uma coisa.
As suspeitas de Kit sobre os sentimentos da montanha por sua duquesa estavam corretas. O homem estava apaixonado. Não havia outra razão para ele agir como agiu, colocando o bem-estar de Georgiana antes do seu. Ele engoliu em seco, sentindo-se doente novamente.
— Você está apaixonado por ela.
— Eu me importo com ela, — o bastardo teve a ousadia de corrigi-lo, como se isso importasse. — Ela é uma boa mulher. A espécie mais rara. Ela não merece encontrar seu fim na lâmina de um assassino porque seu papai é um degenerado brutal que sacrificaria a vida de sua filha para encher seus cofres ainda mais do que foram enchidos.
Algo primitivo dentro dele não suportava ouvir os protestos de devoção daquele homem pela mulher que deveria ser sua. Não importava que ele nunca tivesse pensado nela nesses termos até que tropeçou no limiar de sua casa em Londres, ferido e à beira de sua própria expiração. Não importava que ela sempre tivesse sido apenas um meio para um fim, uma riqueza com fundos para despejar em seu cofre familiar falido. E, de qualquer maneira, ignorar o fato que de alguma forma queria reivindicá-la agora, por qualquer limite que pudesse administrar.
Se não fosse pela perspicácia de Carlisle e seu irmão, Georgiana teria morrido há muito tempo. Sua luz, sua beleza, o fervor inegável e tenacidade com que ela vibrava - tudo isso teria sido silenciado e vencido para sempre. E Kit percebeu naquele momento não apenas raiva, mas um ciúme ímpio de que ele não era o homem que identificou o perigo, que não fora ele quem a protegera e salvara.
— Vou matar o filho da puta, — Kit rosnou, tudo o que ele conseguiu forçar seus lábios dormentes.
Que o próprio pai de sua esposa teria contratado um bando de assaltantes para matá-la, tudo em nome de adicionar mais moedas à sua riqueza repugnantemente abundante... ora, não era apenas pecaminoso. Era desprezível. Repugnante. Alarmante.
Imperdoável.
Sim, era essa a palavra que procurava.
A montanha encontrou seu olhar com uma intensidade e precisão singulares.
— Você não vai matar ninguém. Eu protejo esta casa, e goste ou não, protejo Sua Graça. Este é o lugar mais seguro para ela, e não há homem em quem você possa confiar mais para o trabalho do que eu. Duvide de mim em todas as outras frentes, como você deseja, mas nisso, não vou vacilar.
Kit rangeu os dentes enquanto contemplava sua resposta. Carlisle escolheu apenas o melhor. Ele era homem o suficiente para aceitar que, se o não-mordomo diante dele fosse cuidar de Georgiana, precisava aceitar a oferta do sujeito.
— Protegerei minha esposa. Você pode ser o segundo guarda pelo tempo que eu achar adequado. E você não vai tocá-la novamente. Não dou a mínima para o que aconteceu antes de eu voltar de Nova York. Deste momento em diante, ela é minha. Estamos entendidos?
A montanha curvou-se e a ação foi respeitosa e zombeteira, a menos que ele errasse seu palpite. E ele achava que não. Deu um passo à frente, com a bengala na mão.
Alguma irritação mesquinha o fez parar.
— Ludlow? No dia em que cheguei, você não sabia que era eu. Como você pode não ter percebido minha chegada iminente, possuindo as informações de que você precisava de Carlisle?
Ele teve a ousadia de sorrir.
— Eu estava esperando por você, Sua Graça.
Quatro dentes, ele decidiu severamente. Esse era o número perfeito para seu punho reivindicar. Todos os da frente, deixando um buraco negro enorme. As mulheres não olhariam para a montanha duas vezes, então.
— Você, senhor, está indo para o inferno, — ele murmurou.
— Tão somente. — O não-mordomo o encarou de volta, sem arrependimento. — Acho que te vejo lá.
Cerrando os dentes, Kit saiu mancando do quarto com dificuldade.
O bastardo tinha razão.
Capítulo 09
Georgiana estava de joelhos na sala matutina quando a porta se abriu com tanta força que bateu no papel de parede cor de porcelana, sacudindo as pinturas penduradas na parede como folhas de outono em uma tempestade de vento.
Lady Philomena Bigodes uivou e lutou para ficar de pé, sibilando. Seus seis gatinhos choramingaram com a perda do alimento e da presença reconfortante de sua mãe. Georgiana estremeceu com o impacto da porta, seu olhar assustado encontrando seu marido pálido e carrancudo apoiado pesadamente em uma bengala.
Seu exigente olhar azul pousou sobre ela.
— Senhora. Precisamos ter uma conversa.
Ela se apressou a passar a mão nos pelos eriçados de Lady Philomena, acalmando o pelo arrepiado.
— Acalme-se agora, senhora P. — Ela manteve a voz baixa e calma, apenas para o benefício do felino temperamental, cuja natureza era arisca, sem duques lunáticos que irrompiam pelas portas e exigiam palavras. — Seus bebês estão com fome.
— Senhora? — Seu tom era insistente e petulante. — Você não tem resposta?
Lady P. sibilou de novo antes de se acomodar novamente com sua ninhada. Georgiana ergueu os olhos para ele, perturbada pelo fato de ele ter saído da cama contra as ordens estritas do Dr. Gage e irritada com sua falta de respeito pela gata e sua ninhada.
Ela ficou de pé, de frente para ele, os lábios comprimidos com seu desagrado.
— Sua Graça, por que você está aqui?
Seu olhar percorreu sua forma, parando em algum lugar perto de seus quadris, que ela sabia que estavam claramente delineados por suas calças sob medida.
— O que diabos você está vestindo?
Mesmo fraco e ferido, sua grande mão segurando a cabeça de sua bengala com tanta força que cada um dos nós dos dedos brilhava em relevo branco através da sala, ele tinha um ar dominante de autoridade ducal. Mas ela não iria se prostrar diante dele. Muito pelo contrário.
Ela ergueu o queixo.
— Se você não se incomodar, Sua Graça, abaixe sua voz. Você está causando perturbações desnecessárias.
Ludlow apareceu então, logo acima do ombro de seu marido, sua expressão sombria. Havia um questionamento em seu rosto, como se se perguntasse se ela desejava que ele removesse a presença inquietante do duque. Ela balançou a cabeça ligeiramente, encontrando os olhos de seu mordomo por um momento antes de jogá-los de volta para Leeds. Embora tivesse certeza de que Ludlow poderia dominar o duque, não desejava testemunhar os dois lutando até a morte.
Um som de irritação emergiu da garganta do duque. Seu lábio se curvou para trás em um rosnado quase selvagem.
— Sei que você está atrás de mim, seu idiota arrogante. A menos que você deseje ser malditamente golpeado com esta bengala, você vai me deixar para falar com minha esposa sozinho.
— Sua graça? — Ludlow persistiu, dirigindo-se a Georgiana.
Ela suspirou. Embora suas verdadeiras intenções - e talvez até mesmo a verdadeira identidade - permanecessem desconhecidas, ele nunca vacilou em sua proteção. Mesmo agora, seu coração se suavizou um pouco em relação a ele.
— Você pode ir, Ludlow.
Ela cruzou a sala, pegando o cotovelo de seu marido para oferecer-lhe assistência enquanto seu mordomo se curvava e obedientemente desaparecia. Leeds se enrijeceu com seu toque, inclinando a cabeça em sua direção de forma que seus rostos estivessem perigosamente próximos. Uma faísca de consciência acendeu em sua barriga.
Que ele prontamente disparou quando abriu a boca.
— Não preciso de sua ajuda, Duquesa. Agora, por favor, faça-me o favor de me dizer exatamente que porra é essa que você está vestindo.
Ela se encolheu, tanto por suas palavras grosseiras quanto por seu tom frígido. O Duque de Leeds não era um inválido agradável. Seu vocabulário era mais adequado para um marinheiro nas docas do que para um par do reino. Ele precisava de ajuda, mas era orgulhoso demais para aceitá-la. E, em geral, ele parecia ter desenvolvido a personalidade de um urso prestes a arrancar o rosto de sua presa.
— Droga, você não tem nada a dizer sobre si mesma? Eu posso ver seus malditos membros. Não é decente andar por aí com um traje tão revelador. — Suas sobrancelhas se juntaram. — Que diabo você pode estar pensando?
Ela encontrou sua língua.
— Estou vestida, Sua Graça. Você gostaria de entrar na sala, ou deseja permanecer na soleira, arejando nosso discurso privado diante dos criados?
— Há um felino dentro, — disse ele com desgosto mal disfarçado. — E um número alarmante de bebês ratos. Jesus, mulher, entendo que você não tem capacidade para controlar seu apetite voraz por criaturas abrigadas, mas certamente até você deveria ver que uma linha deve ser traçada para malditos ratos. Por que aquele gato inútil não está acabando com eles como deveria?
Uma risada escapou dela, pequena a princípio, e então cresceu. Mais alta e mais longa, e ela não conseguia controlar. Ela pressionou a mão sobre a boca em um esforço para reprimi-lo, mas isso só a fez rir mais. Quanto mais ela ria, mais sua alegria dobrava, triplicava e quadruplicava.
— Senhora? — Seu tom era estrangulado.
— Você — ela tentou falar, mas outro coro de risadas irreprimíveis lavou o resto de sua frase. Ele foi tão lacônico. Tão sombrio. Tão desaprovador. E achava que os gatinhos eram ratos. Querido Senhor, era demais. Ele era demais. Ela talvez tivesse perdido a cabeça no passado, mas precisava dessa risada. Por muito tempo, não houve nada em sua vida digno de alegria.
— O que é tão engraçado assim? — Veio sua sibilante demanda.
Franzindo os lábios, ela lutou contra a leviandade, forçando-se a pensar em algo que não era nada engraçado. O rosto de seu pai sempre que a olhava. O enjoo durante a viagem pelo Atlântico. Solidão. Um gatinho com uma perna quebrada. Finalmente, ela se recompôs o suficiente para guiá-lo até a sala matutina e fechar a porta atrás deles, garantindo-lhes um pouco de privacidade.
— Pela segunda maldita vez, eu não preciso de sua ajuda, senhora. — Sua voz não tolerava oposição enquanto tentava arrancar o braço dela e quase perdeu o equilíbrio.
Georgiana passou o braço pela cintura dele, prendendo-o ao corpo. Ela era pequena, ela sabia, mas seu corpo continha uma força silenciosa pela qual era grata agora. Suas pernas eram curtas, mas robustas, e eram a parte de sua anatomia que sempre a magoara mais, mas estava feliz por ser o apoio que seu marido taciturno precisava neste momento.
— Claro que você não precisa da minha ajuda, — ela assegurou enquanto o guiava para um divã próximo, com cuidado para manter sua voz neutra e calma. Afinal, nutrir criaturas feridas e abandonadas era seu dom particular. Do seu ponto de vista, não parecia haver muita diferença entre o Duque de Leeds e um cachorro de rua trazido de um beco. Ambos exigiam gentileza; ambos mostravam os dentes e ameaçavam morder.
— Não me apazigue, — ele rangeu enquanto se abaixava no divã, a respiração sibilando quando dobrou a perna machucada. — Não sou uma de suas criaturas.
Não era a primeira vez que ele a acusava de vê-lo como um de seus animais, nem, ela suspeitava, seria a última. Seu marido era muitas coisas, e um observador astuto era a principal delas. Quase parecia que ele podia sentir seus pensamentos.
— Nunca disse que você era uma das minhas criaturas. — Mas uma criatura, sim, ele certamente era. Só não um que ela pudesse reivindicar como seu. Ela franziu os lábios e olhou-o. Sua palidez não era natural, e para um homem viril de uma forma tão forte e musculosa, parecia sem fôlego por sua jornada desde o quarto até aqui. — O Dr. Gage insistiu que você descanse por pelo menos uma semana. O que você pode estar pensando, invadindo aqui apenas três dias depois que ele lhe costurou pela última vez?
— Eu estava pensando que precisava de uma audiência com minha esposa, mas fui informado de que ela estava ocupada demais para mim. — Ele ergueu uma sobrancelha imperiosa. — Sente-se, senhora. Minha constituição não pode aceitar você elevando-se sobre mim de uma forma tão absurda.
Ela teria se sentado, mas teve grande parte do conteúdo da sala removido para armazenamento, visto que Lady Philomena deitava-se ali. Ludlow estava correto sobre a disposição alegre do quarto. Certamente outros gatos adorariam a luz do sol que entrava pelas janelas tanto quanto Lady P. Ela sabia de pelo menos mais três cães de rua que precisavam de abrigo. Quando alguém estabelecia uma reputação como a dela, novos casos apareciam em intervalos regulares. Não suportava recusar um animal necessitado.
Georgiana franziu o cenho para o marido. Ela supôs que isso o incluía também. Mas isso não significava que ela iria se sentar em uma proximidade desastrosa com ele. Ora, se ela se sentasse ao lado dele, suas coxas estariam se tocando. O divã era compacto e elegante, não era para dois ocupantes.
— Eu prefiro ficar de pé, Sua Graça, — rebateu. — Mas fique tranquilo, pois os ratos são, na verdade, meros gatinhos, mas com um dia de vida.
Mãos, grandes, masculinas e fortes, cercaram seus quadris. Ele chamava sua atenção e, apesar de sua palidez e da barba escura que escondia metade de seu rosto, ela ficou sem fôlego.
Ele a girou e puxou-a para si. Ela jurou que podia sentir seu toque através de todas as camadas de suas roupas de cetim e linho. Seu aperto era tão possessivo, tão forte que causou uma dor entre suas coxas, o tipo que nunca tinha experimentado antes. Quando a sala se tornou tão sufocante? Por que não percebeu antes que o ar estava quente demais para Lady P. e seus gatinhos? Era a luz do sol da manhã entrando pelas janelas do Leste?
— Sente-se, Duquesa. — Ele não perguntou ou implorou enquanto interrompia seus devaneios selvagens. Em vez disso, ordenou e puxou como se seu tempo longe de Londres o tivesse privado de todo o comportamento ducal adequado. Ou talvez tenha sido seu ferimento? De qualquer maneira, o bárbaro nele havia sido libertado, e alguma parte perversa e proibida dela gostou bastante.
Para um homem tão gravemente ferido e minado pela infecção, ele ainda retinha uma quantidade alarmante de força. Georgiana permitiu que a puxasse para o assento ao seu lado contra o seu melhor julgamento, e também em parte porque não queria lutar contra um homem ferido. Parecia um tanto imprudente e totalmente errado.
Seu braço esquerdo permaneceu envolto em sua parte inferior das costas, as mãos ainda presas em seus quadris. Ela baixou as mãos para ele, com a intenção de remover seu aperto. Mas quando inclinou a cabeça para a direita e encontrou seu olhar, ela caiu nele. Não havia outra palavra para isso. Ele estava tão perto e tão fortemente bonito, mesmo em seu estado ferido. Seu olhar baixou para sua boca cheia e sensual por um segundo antes de forçá-lo de volta para a segurança de seus insondáveis olhos azuis.
Querido Deus, estava prestes a fantasiar sobre ele beijando-a. Ele, o Duque de Leeds. O homem que se casou com ela, não se deitou com ela, e desapareceu. O estranho carrancudo e arrogante que reaparecera meio ano depois, sangrando e prestes a morrer. Que a tratava como se ela pertencesse ao andar de baixo, e não ao seu lado. Que a tocou com familiaridade demais, dada sua história estranha. Que estava olhando para os lábios dela agora como se fossem um suntuoso banquete preparado apenas para ele.
Oh céus. Isso simplesmente. Não. Faria.
Pense, Georgiana. Você não deve se distrair com a aparência dele. Ele é um mentiroso. Pegou seu dote e lhe deixou. Ele é frio e insensível. Confundiu os gatinhos com ratos!
Ela limpou a garganta, suas bochechas ficando quentes em seu desconforto.
— O que você deseja discutir, Duque?
— Seu traje é escandaloso. — Ele deslizou o polegar pela costura externa de sua calça, e uma explosão de calor em resposta floresceu em sua barriga contra sua vontade. — O que diabos você está pensando, andando vestida de homem?
Isso foi o suficiente. Ela afastou a mão dele de sua coxa, desconfortavelmente ciente da pulsação úmida e derretida que havia começado entre suas pernas. A reação de seu corpo a ele foi tão indesejada quanto inesperada. Ela rejeitou a reação. Lembre-se, apenas um verdadeiro podre poderia confundir gatinhos adoráveis com ratos.
— Não estou vestida de homem, Duque. Estou apenas usando uma vestimenta que é mais livre e adequada ao meu trabalho com os animais. Funcional, acredito que seja a palavra.
— Ridículo, — ele rebateu, removendo a mão em seu outro quadril e deixando-a se sentindo de alguma forma desolada. — Essa é a palavra que você procurou, que é a única palavra para descrever uma duquesa vestindo calças masculinas. Bom Deus, mulher. Você não tem senso? Abrigando uma ninhada de ratos, vestindo a roupa de um cavalheiro...
— Gatinhos, — ela corrigiu, endireitando-se em sua cadeira e prendendo-o com um olhar feroz. — Eles são gatinhos, seu idiota. E não estou vestida de homem, como qualquer pessoa com um par de olhos pode ver claramente. Não há nada de indecente ou chocante nas minhas calças.
Seus olhos permaneceram tão planos quanto seus lábios.
— Senhora, pense apenas no que acabou de dizer e certamente verá como parece louca.
— Elas são práticas, — ela insistiu. — Não as uso em público. — Sua mente girou então, e se lembrou de um instante, não muito tempo atrás. Oh, céus, não queria fazer-se de mentirosa. — Aham. Pensando melhor, houve o baile a que compareci com a duquesa de Trent, quando nós duas estávamos de calças. Mas aquela era uma ocasião especial, e estávamos tentando atrair seu marido do etéreo, por assim dizer. Tínhamos boas intenções, sabe. É uma história muito longa, e não é minha para contar. — Ela parou, ciente de que cada palavra que dizia apenas cavava o buraco proverbial mais profundo. E também, vendo a maneira estranha e atenta com que ele atualmente a olhava. — Por que você está olhando para mim como se tivesse brotado uma segunda cabeça?
— A Duquesa de Trent? — Ele levantou uma sobrancelha arrogante. — Essa mulher é uma de suas conhecidas? Você sabe que o pai dela estava apoiando os fenianos, não é?
— Claro que sei. — Agora ele queria insultar a única amiga verdadeira de Georgiana? Seus olhos se estreitaram. — Você não ousará dizer uma única palavra desagradável sobre Daisy. Ela é uma mulher maravilhosa e não teve nada a ver com a terrível conspiração de seu pai. Não se atreva a pintá-los com o mesmo pincel.
— Americanos, — disse ele, como se a palavra tivesse deixado um gosto amargo em sua boca. — Suponho que vocês devam ter muitos interesses em comum. Farinhas do mesmo saco e todas aquelas bobagens banais.
As insolentes. Ela reprimiu o desejo de socá-lo no nariz arrogante. Novamente, ele foi ferido, e isso dificilmente parecia justo.
— Daisy é uma heroína pela maneira como ela desvendou um dos enredos fenianos aqui mesmo em Londres. Os jornais a chamam de Duquesa Ousada.
Ele zombou.
— Os jornais costumam ser mais adequados para limpar o traseiro de alguém do que para relatar a verdade. Não deveria ficar surpreso ao saber que você está se curvando para uma mulher tão problemática, mas não posso fingir que estou satisfeito. Minha esposa está me traindo com o maldito mordomo, fazendo companhia a traidores e indo a bailes vestida de homem. E, para que não esqueçamos, essa mesma esposa também arruinou minha casa ao enchê-la de criaturas nojentas.
Sua irritação aumentou. Ele era tão teimoso, tão condescendente, tão... insuportavelmente rude que começou a repensar o cenário de socá-lo no nariz. Manteve a calma com grande esforço.
— Você mancou todo esse caminho para me insultar, Sua Graça?
— Insultá-la? — Duas sobrancelhas escuras se ergueram desta vez, como se ele não pudesse acreditar em sua audácia.
Como se ela estivesse abaixo do insulto.
— Sim. — Antes que ela pudesse pensar melhor, seu dedo indicador apontou para ele, cutucando-o no peito. O peito insuportavelmente duro e quente. — Você questionou minha escolha de moda, meus amigos, minha sanidade e confundiu esses gatinhos lindos e inocentes com vermes.
— Felinos são vermes, — ele respondeu, sua expressão nunca mudando. — Não foi um erro. Ninguém nunca a informou que apontar é desprezível e vulgar? Não, atrevo-me a dizer que não.
Ela ignorou a última pergunta, pois foi um ataque pessoal idiota e indigno de sua resposta, e ele respondeu por si mesmo de qualquer maneira.
— Os gatinhos não se parecem em nada com ratos, Leeds. — Ela olhou-o. — E os felinos são seres maravilhosos, afetuosos e inteligentes. Não são dignos de seu desprezo. Basta olhar para eles. Como você pode ver uma inocência tão doce e suave e não querer torná-los seus?
Ele fez um som estrangulado em sua garganta, mas não estava olhando para os pacotes de pele ronronando. Em vez disso, seu olhar mergulhou mais uma vez em sua boca.
— Você vai pôr fim ao seu romance com o mordomo.
Suas palavras quebraram o encanto de sua proximidade e beleza. Georgiana balançou a cabeça.
— Pode repetir, por favor?
— O maldito mordomo, — ele murmurou, seu olhar brilhante e concentrado no dela. — Você o recebeu em sua cama na minha ausência. Não sou bobo. Você vai acabar com isso. Hoje.
Aqui estava mais uma vez, o espectro de suas acusações. O que foi que ele disse momentos atrás? Ah sim. Minha esposa está me traindo com o maldito mordomo. Tinha ficado tão indignada com as difamações que ele lançara sobre o caráter de Daisy que as palavras não haviam se estabelecido apropriadamente em sua mente.
Mas elas estavam agora, como pesos de chumbo.
Seu marido acreditava que ela estava tendo um caso com Ludlow, quando eles nunca haviam consumado a união. Quão pouco ele sabia dela, se acreditava que ela era capaz de tal deslealdade. Ela pode ter sido abandonada e deixada para trás, sentindo-se indigna e indesejada, mas ela fez votos diante de Deus e do homem. E tinha toda a intenção de mantê-los.
Mesmo que seu marido confundisse gatinhos lindos e inocentes com ratos, em todas as coisas.
Sim, ela o perdoaria por esse erro, embora se reservasse o direito de julgá-lo por isso. Sua crença contínua e totalmente incorreta de que ela tivera relações inadequadas com Ludlow, entretanto, ela não poderia absolver tão facilmente.
A raiva justa a atingiu com a ideia. Como ele ousava sugerir que ela havia sido infiel? Insinuar que ela havia quebrado seus votos de casamento? Ela o cutucou de novo para garantir, com força suficiente para doer.
— Não vou acabar com nada, que é exatamente o que vem acontecendo. Como eu disse anteriormente, Ludlow é o mordomo, e isso é tudo. — É verdade que também havia se tornado seu amigo, mas ela não precisava admitir isso agora, enquanto se entusiasmava com sua tarefa de repreender o homem com quem se casou. — Como você ousa sugerir que algo desagradável ocorreu na sua ausência?
— Vejo a maneira como ele olha para você. — Leeds ficou carrancudo.
— E como é isso? — Ela exigiu. — Como se eu fosse uma mulher? Pelo menos alguém me olhou dessa maneira, porque meu próprio marido com certeza não o fez. Ele tem estado muito preocupado com a caça.
A vermelhidão ganhou vida nas maçãs do rosto salientes do duque, em contraste com o resto de sua pele acinzentada. Suas juntas ainda salientes, brancas e irritadas agarraram a bengala, com suas mãos elegantes e grandes.
— Ele não tem o direito de olhar para você com outra coisa senão desinteresse educado, droga.
Não pela primeira vez, ocorreu-lhe então que era possível que as suspeitas de seu marido pudessem derivar de sua própria consciência culpada. Afinal, ele não havia respondido sua pergunta anterior. O dia do casamento parecia uma eternidade, mas na verdade fazia apenas meio ano. Naquela época, ele estava em outro país, separado dela por um vasto oceano. Ele era um espécime de homem excepcionalmente bonito e musculoso. Ela havia notado a maneira como os olhos das mulheres o seguiam em salões de baile e salas de estar, tanto antes quanto durante seu breve noivado. Ela tinha ouvido os sussurros femininos de apreciação.
E assim era fácil imaginar que as mulheres se jogaram em sua cama. Porque poderiam ter sido dezenas ou mesmo centenas no período antes de ser ferido. O Duque de Leeds era mais bem formado do que qualquer simples mortal tinha o direito de ser, como se todo o seu rosto e corpo tivessem sido feitos pelas mãos de um mestre renascentista.
O mero pensamento de mulheres sem nome e sem rosto aquecendo sua cama, beijando sua boca severa e dando boas-vindas a suas mãos em seus corpos a deixava doente.
— Talvez você esteja se sentindo culpado, Duque. Talvez você saiba que foi mentiroso, e acreditar em mim sendo fiel ajudaria a amenizar a vergonha.
Algo brilhou em seus olhos, um músculo em sua mandíbula se contraindo.
— Não tive tempo de levar ninguém para a cama, Duquesa, mesmo que quisesse.
O alívio perfurou o ciúme ardente que cresceu dentro dela. Um ciúme ridículo, pois não gostava dele. Não desejava transformar seu frio casamento de conveniência em algo real.
Claro que não desejava. O homem era, em uma palavra, horrível. Ponto final. Ora, a fidelidade dele ou a falta dela não significava nada para ela. Mudaria de assunto imediatamente. Pergunte depois pelo seu ferimento.
Mas quando ela abriu a boca, uma torrente de palavras fluiu de sua língua. Nenhuma delas planejada.
— Você permaneceu fiel aos seus votos porque não teve tempo de levar alguém para a cama, — ela repetiu, ouvindo o tom cortante em sua voz.
Lady P. se levantou então, oferecendo um alto miado de protesto. Seus gatinhos choramingavam, procurando o calor de seu corpo e seu alimento. O movimento repentino roubou o interesse de Georgiana por um momento.
— Psiu, Duquesa. Você está perturbando os ratos.
O humor subjacente em sua voz engomada e aristocrática a fez voltar-se para encontrar um sorriso brincando nos cantos de seus lábios. Ora, ele estava gostando disso, o idiota. E a menos que estivesse enganada, algo em seu comportamento havia mudado. Suavizado. Ele tinha se tornado - ousasse ela pensar isso - provocador.
Mais diferente do diabo. Ela franziu a testa para ele, perguntando-se se era sua imaginação fantasiosa ou se era real.
— Eles não são ratos, seu vagabundo, como você bem sabe.
Lady P. passou por Georgiana, recuperando sua atenção. Georgiana curvou-se para oferecer a sua felina favorita uma carícia reconfortante nas costas, e se encontrou segurando o ar quando a gata branca de pelo comprido passou por ela para se esfregar nas calças do duque, ronronando com tanto prazer que rompeu o silêncio do quarto. Muito mais que seus assobios anteriores.
— A coisa está se esfregando em mim, — disse Leeds, soando apenas um pouco menos horrorizado do que provavelmente ficaria se Lady P. fosse um rato de verdade. — Isso vai me morder?
Ninguém mereceria mais.
Olhos azuis se voltaram para os dela, mantendo-a cativa.
— Com o perdão, senhora?
Oh céus. Ela disse isso em voz alta? Piscou e desviou o olhar.
— Lady Philomena está claramente sofrendo de um lapso de discernimento. Mas não, ela não vai te morder.
Embora eu prefira que ela o faça.
— Eu ouvi isso também, — ele rosnou.
Georgiana lançou um olhar furioso em sua direção, certa de que não poderia ter perdido o controle da língua, em duas ocasiões consecutivas, em sua presença inquietante. Então, novamente, talvez esse fosse o cerne de seus problemas. Quando o Duque de Leeds se tornou uma presença que a perturbasse? Embora tivesse se sentido atraída por sua bela aparência e forma, não tinha experimentado a mesma pressa calamitosa e frenética que sentia dentro de seu coração e corpo agora.
Mas ele tinha sido frio e educado, e as interações deles eram acompanhadas, muitas vezes dentro de um salão de baile, e ele se curvava, dançava e sorria com educado desinteresse, mal se envolvendo com ela. Ela também foi atormentada pela distração - a necessidade de escapar da soberania de seu pai.
Leeds olhava-a agora, seu semblante expectante. Ele disse algo? Ah, sim. Ele alegou ter ouvido seu desejo particular de que Lady P. afundasse seus dentinhos afiados em seu calcanhar de Aquiles. O que a adorável, embora temperamental, felina não faria.
Ela suspirou.
— Tenho certeza de que você não ouviu nada, pois eu não falei, Sua Graça.
Lady P. continuou a trabalhar em um frenesi por todas as calças do duque, alheia a seu olhar de horror. Ela ronronou seu deleite, esfregando o rosto contra o osso do tornozelo.
— Bom Deus. — Ele parecia realmente enojado. — Você não consegue tirar essa coisa de mim? Está deixando uma grande quantidade de pelos em seu rastro, e Cristo sabe que outro tipo de peste.
— Lady Philomena não é um 'isso'. — Georgiana abraçou a indignação que a percorria em nome de seus queridos. — Ela é uma gata, Sua Graça.
Ele fez uma careta, recusando-se a olhar para a felina que de alguma forma continuava a adorar completamente a sua personalidade arrogante e mesquinha.
— A criatura tem pulgas? Santo Deus, por favor, diga não.
— Não, Leeds. — Sua paciência se esgotou. — Ela não é uma criatura. Ela é uma gata. Um felino. Ela não tem mais pulgas porque eu a tratei, assim como todos os outros animais que encontro ou que me encontram.
Lá estavam aquelas sobrancelhas novamente, subindo por sua testa alta e ducal. Como a testa de um homem pode ser linda? Ela não sabia, mas era. Apesar de sua terrível bestialidade e de sua aversão aos animais. Foi como se, quando o Senhor o formou, Ele tivesse gastado toda a Sua energia em moldar o rosto masculino afiado do duque, e nada tivesse sobrado para oferecer ao resto de Sua criação. Certamente não é charme. O homem não possuía nenhum.
— Você os tratou?
Ela assentiu.
— Desenvolvi um sabonete de ervas que repele pulgas. Até os ratos são esfregados com ele semanalmente.
Ele parecia ter engolido um verme.
— Ratos? Maldito inferno, mulher, me diga que você não está abrigando ratos aqui?
Bem, é claro que estava. Um ninho foi descoberto nas cozinhas, e Georgiana não foi capaz de permitir que os criados se desfizessem dele. Os bebês eram tão doces, pequenos e inocentes.
— Os Liliputianos? — Ela encolheu os ombros como se não se importasse, esperando que isso o irritasse. — Eles são pequenos em número - apenas oito - e quase não comem nada.
— Você os nomeou.
— Sim. — Georgiana lhe deu seu sorriso mais brilhante. — Nomeei. O que tem a dizer sobre isso, Sua Graça? Acredito que você estava ocupado com outra coisa na época da descoberta da pequena e adorável família de ratos. Você estava na América. Caçando.
Não era como se esperasse que ele confirmasse suas suspeitas, mas ela gostava de exibi-las em todas as ocasiões possíveis.
Sua deserção e decepção a continuavam machucando.
Não deveria, pois eles nunca haviam compartilhado palavras ternas ou promessas um ao outro, além de seus votos matrimoniais. Certamente nunca afirmaram que se amavam. Mas não tinha imaginado que seria deixada com tanta pressa. Não, ela nunca imaginou que trocaria um homem que não a apreciava ou a amava, por outro.
— Ratos são vermes, senhora, — Leeds disse então, dividindo suas reflexões. — Eles não são adoráveis. Não os salvamos, não os alimentamos e nem lhes damos um lar adequado. Não os nomeamos, pelo amor de Deus.
Suas bochechas ficaram quentes. Georgiana estava mais do que ciente de que não era uma duquesa adequada. Na verdade, não era nem mesmo uma esposa adequada, muito menos uma mulher confortável com as expectativas que a sociedade londrina depositava sobre ela. Ela passou a maior parte de sua vida em uma fazenda, apenas para ser arrastada para o mundo cintilante dos novos ricos de Nova York após a morte de seu tio, e de lá para o bastião do velho mundo de Londres.
Mas ela havia mudado desde sua chegada às costas da Inglaterra e nos meses desde o dia de seu casamento.
Antes, ela teria ficado hesitante. Teria se envergonhado de seu amor pelos animais que acolheu. Animais que teriam morrido de fome, sido mortos ou sofrido o tipo de abuso que ela não permitiria que sua mente entretivesse. Mas se tornar a Duquesa de Leeds - em palavras, senão em ações - a mudara. Pela primeira vez em sua vida, ela possuía deduções. Ela possuía o poder de afetar a mudança.
E ela gostou.
Não permitiria que o retorno inesperado de seu marido arruinasse tudo. Mesmo que ele fosse desagradável e francamente rabugento. Sem mencionar que estava sentado em uma proximidade alarmante. Por que seu coração estava batendo forte? Certamente de irritação.
— Alguém os chama de ratos, se quiser, — ela o corrigiu friamente. — Eles são doces e muito inteligentes. Conheça-os e você verá.
— Georgiana.
O nome dela em sua voz escura e deliciosamente profunda rejeitou qualquer outro pensamento. Mesmo seus doces animais deslizaram para os recônditos de sua mente, substituídos por...
Ele.
O olhar dela agarrou-se ao dele, preso.
— Sim?
— Você é a mulher mais ridícula, sem sentido e irritante e...
Claro que ele descobriu que ela era assim. Nenhuma surpresa nisso. Ele era autoritário, arrogante, frio e indiferente, então ela supôs que isso os tornava um par oposto.
— E, — ela incitou quando ele permitiu que sua sequência de insultos parasse.
— E eu quero beijá-la, droga. — Seu anúncio franco a chocou.
Contra sua vontade, agradou-a.
Ela olhou-o, sem nem mesmo piscar. O desejo cresceu dentro dela. Um frisson de algo decididamente perverso percorreu sua espinha. Ela deveria dizer algo. Qualquer coisa. Negue-o. Fique de pé e voe pela sala matutina, longe de seu alcance tentador.
Mas, Georgiana não se mexeu. Não disse uma palavra. Não fez nada, exceto esperar até que, finalmente, o homem que ela chamava de marido colocasse seus lábios nos dela pela primeira vez.
Capítulo 10
A boca macia de Georgiana agarrou-se à de Kit, as mãos indo ao peito dele. As palmas das mãos achatadas, queimando-o através da camisa, pareciam ter a intenção de repeli-lo. Mas em vez disso, ela não ofereceu nenhuma pressão, nenhuma resistência. No lugar disso, seus dedos se curvaram em sua carne, suas unhas o marcando com um prazer doloroso o suficiente para fazer seu pênis se contrair.
Ele não tinha a intenção de beijá-la. Na verdade, enquanto ouvia a conversa absurda dela sobre ratos e sabonete de ervas, ele começou a temer que tivesse se casado com uma mulher louca. Talvez tenha sido sua insistência em não ter traído seus votos com o não-mordomo. Talvez fosse apenas sua beleza inebriante, que rivalizava com sua loucura.
Não conseguia se lembrar de alguma vez ter conhecido uma criatura tão estranha.
Mas sentado perto dela, sua coxa quase pressionando a dela naquelas calças infernais e ridiculamente escandalosas, não foi capaz de desviar o olhar da plenitude de seus lábios vermelhos ou da vibração fascinante de seus olhos verdes.
Pegou-se imaginando como ela ficaria embaixo dele, como ela se sentiria quando a penetrasse, se perguntando se seus mamilos seriam da mesma cor que seus lábios ou se seriam mais claros. Assim que começou a pensar em beijá-la, cada parte de seu corpo parecia clamar por suas atenções primeiro. Até sua garganta - cremosa e elegante - acenou, chamando por seus lábios, língua e dentes.
Mas então, ela disse a coisa mais ridícula de todas.
Ela chamou uma família de ratos de Liliputianos.
E de repente, trocar farpas e perspicácia com ela não era mais atraente. Tudo o que existia era a sua boca. Esses lábios deliciosos. Ele segurou seu queixo, deleitando-se com a maciez acetinada de sua pele, e lambeu a costura de seus lábios. Com um delicioso som de rendição feminina, ela se abriu, e a língua dele deslizou em suas profundidades quentes e aveludadas.
Deus misericordioso.
Ela tinha gosto de morango e bergamota. E doce, como açúcar. Nada jamais teve um gosto melhor, ou mais perfeito e delicioso, do que ela. Uma onda primitiva de luxúria o percorreu com tal violência que quase arrancou a própria boca. Quase, mas ele era incapaz de parar agora que havia começado.
Nem mesmo sua perna dolorida ou sua fraqueza poderiam diminuir a força do desejo que o devastava. Todo o seu ser estava ciente do dela, da maneira como a parte superior de seu corpo se fundia com o dele, do aumento da pressão de suas unhas em seu peito, ao som ofegante de desejo que ela fazia, à maneira desesperada como sugou sua língua mais profundamente, seus lábios moldando-se aos seus.
Tudo o que pensava que sabia sobre si mesmo, sobre ela, sobre sua situação particular quando ele pisou no salão matutino agora estava acabado por sua paixão mútua. Pelas mechas sedosas de seu cabelo enquanto os dedos dele sentiam os fios exuberantes em sua nuca, por seu beijo faminto, pelo trovejar de seu coração, o pênis em suas calças. Em suas malditas calças de inválido, de todas as coisas.
O pensamento serviu como um lembrete amargo de que não estava em forma para fazer amor com ela. Mas não conseguia arrancar sua boca da dela mais do que parar de respirar. Esse beijo, essa mulher, desafiavam a lógica e a razão. Eram tudo que nunca esperou, e tudo que nunca soube que queria.
Até agora.
Até este exato momento.
Ele arrastou a boca sobre seu queixo, através de sua mandíbula, beijando enquanto caminhava. Ele queria investigar cada pedaço de sua pele macia, de trás da orelha até o cotovelo. Ele queria adorá-la com seus lábios e língua, saboreá-la, tocá-la, tomá-la. Ele queria...
Com um rosnado tenso de frustração - sabendo que não poderia tomá-la, não neste estado e não aqui na sala matutina de todos os lugares, mas desejando que pudesse - ele beijou seu pescoço, inalando ali o cheiro inebriante de lavanda, antes de lamber e beliscando um caminho para o oco na base de sua garganta, onde seu pulso bateu em sua língua. Ele absorveu as batidas frenéticas, saboreando o sal e a doçura de sua pele, e soube que ela estava tão afetada por sua inesperada e explosiva química quanto ele.
Sim, ela o queria tanto quanto a queria.
Contra todos os sentidos, comuns ou não. Certamente contra seu melhor julgamento. Acima de tudo, contra seus planos. Uma sequência ininterrupta de dias em um leito de doente lhe disse o que ele deveria fazer, e permanecer em Leeds House, engolir sua desonra e se estabelecer na vida com uma duquesa que parecia não conseguir parar de coletar mamíferos não fazia parte de seus planos. Ele precisava provar sua inocência, restaurar seu nome novamente para seus companheiros, para seus superiores, para o Ministério do Interior.
Isso era temporário, lembrou a si mesmo. Uma pausa fugaz do inferno de...
Todos os pensamentos caindo em sua mente sobrecarregada se dispersaram no instante seguinte, pois uma bola de pelo caiu em seu colo e cravou as garras em suas coxas, errando por pouco o ferimento. Ele afastou a boca de Georgiana, a respiração sibilando por seus lábios apertados, as mãos afundando em uma barriga de gato fortemente arredondada e - Bom Deus - tetas felinas distendidas. Oh, Cristo, a ponta do dedo agora estava molhada? Com leite de gato?
A respiração abandonou seus pulmões em uma corrida rápida. Repugnante! Horrível! Além da porra do limite. Isso era o que era. Os santos preservam qualquer pessoa que aceite os animais como eles são, com sua falta de inibições e total desprezo pelo espaço pessoal. Com seus corpos, peles, garras e desprezo irracional por qualquer um que cruze seus caminhos. Como ousam pensar que podem confiar em qualquer outra criatura, muito menos em um humano?
Certamente não podiam confiar nele.
Podiam?
Não. Ele não gostava de animais. Todos eles. Eram irritantes peludos, fedorentos e rudes. Picadas de pulgas eram lembretes da infância que ele nunca gostou. Criaturas desrespeitosas que o forçaram a se lembrar do que perdeu. O que ele perdeu. O que nunca, jamais saberia. Ele havia sido preparado para sua vida fria e dura. E mesmo isso foi arrancado dele. O que faria de si mesmo agora? Quem poderia ser, sentado aqui, permitindo que um felino nojento e maldito fizesse uma cama com suas malditas coxas? Por que não deixaria de esfregar-se nele? Tinha certeza de que seu pelo nojento estava em toda parte agora.
— Doce Jesus, a coisa está em cima de mim, — conseguiu dizer, segurando-a para que não tentasse subir em seu peito ou machucá-lo ainda mais. A criatura teimosa continuou ronronando, seu corpo macio roncando e vibrando, como se estivesse se divertindo.
A boca de sua esposa se abriu antes que ela rapidamente pressionasse a mão sobre ela. Seu olhar esmeralda era amplo. Chocado. Perturbado. Confuso, a menos que ele errasse seu palpite. Seu beijo a havia confundido, e saber disso o agradou.
Ela piscou uma, duas, três vezes.
— A coisa, Sua Graça?
Algo no uso que ela fez do título o irritou. Embora soubesse que ela tinha feito isso antes sem ele se importar, a maneira como ela o usava agora parecia quase como uma arma. Um objeto verbal pontudo, com a intenção de cutucá-lo.
— A maldita criatura que pariu, — ele elaborou. — A coisa peluda e rugindo em meu colo que está atualmente - inferno, isso dói - perfurando minha pele com suas garras afiadas.
Porra, a besta estava massageando suas coxas, ronronando de prazer, batendo o rosto em seu estômago com um gosto descarado. Ele enrijeceu, as mãos erguendo-se no ar. Ele não sabia se deveria empurrar a besta para o chão, jogá-la longe, jogá-la sobre sua esposa (que amava aquela coisa miserável e não deveria reclamar por lançá-la contra ela) ou... acariciá-la. Era esse o curso de ação que se tomava com tais criaturas?
Deus, ele não poderia acariciar a coisa.
Poderia?
— Lady Philomena Bigodes gostou de você, — sua duquesa disse em seu rico e sedutor tom. A aprovação ressaltou suas palavras, e ele tentou e falhou em não permitir que o endosso fosse direto para seu pênis. — Faça carinho nela, Sua Graça.
Sua ordem ecoou seus pensamentos, e ainda assim ele parou, sua mão pairando sobre as costas da fera branca e fofa, desejando que ela falasse de si mesma, como o degenerado que ele sem dúvida era.
— Acariciá-la? Devo?
— Ela gosta de você, — ela repetiu, sua expressão firme, quase repreendendo em sua honestidade. — Aqui. — Ela agarrou a sua mão, e ele não pôde negar o choque que sentiu quando os dedos dela agarraram os dele, com nada além de pele nua e más intenções entre eles. As más intenções eram todas de sua parte, naturalmente.
Ele resistiu quando ela teria arrastado sua mão sobre as costas do gato branco.
— Não gosto de felinos, duquesa.
Ela se acalmou, uma sobrancelha escura se erguendo.
— Por que não?
Ele engoliu sua náusea, o passado. Eles eram estranhos. Não precisa revelar-se. Na verdade, como ela ousava lhe pedir isso?
— Precisa haver um motivo específico?
O olhar dela, tão brilhante, determinado e inteligente, queimou no dele, procurando, procurando. Lendo, a menos que ele errasse em seu palpite, o que ele preferia manter escondido. Ninguém olhou-o com tanto escrutínio além do Duque de Carlisle, e ele era seu superior e um maldito espião. Alguns homens juraram que Carlisle podia ler mentes.
Kit tinha outras ideias. O homem simplesmente tinha um jeito de examinar as pessoas, de saber em que terra cavar e quando se tornar teimoso, quando se retirar. Um dom melhor e mais maduro do que Kit possuía.
Mas apesar de tudo isso, ainda não entendia por que a mulher com quem se casou estava tentando sondar as profundezas de sua alma com seu vívido olhar verde. Estava tentando fazê-lo cair sob seu feitiço. Para conquistá-lo. Cortejá-lo. Fazer dele seu vassalo.
Ele não faria isso. Para o inferno com isso. Ele abriu a boca...
— Você está certo, Sua Graça, — ela disse, parando qualquer palavra de raiva que ele pudesse ter cuspido em sua direção com sua compreensão calma e fria. — Não precisa haver, como você disse, uma razão particular. Algumas pessoas não gostam de gatos e de sua recusa em se comportar. Outros não gostam de cães e de suas naturezas territoriais, protetoras e curiosas. E, no entanto, alguém que não pode nem mesmo dar a uma criatura o gesto comum de conforto - uma mão na espinha, por exemplo, - me parece um homem que tem uma razão particular.
Seu lábio se curvou em um sorriso de escárnio enquanto a olhava fixamente. Não que quisesse colocá-la em seu lugar. Era que ele tinha que fazer. Ela ultrapassou seus limites, abordando tópicos que ele nunca desejou revisitar.
— Tire isso de mim, — exigiu. — A coisa está a poucos centímetros de afundar suas garras em minha ferida e, se isso acontecer, não posso fazer nenhuma promessa em relação ao bem-estar contínuo da criatura. Em suma, vou assassiná-lo sem um momento de arrependimento.
— Verdadeiramente? — Ela procurou em sua expressão um não sei o quê, franzindo a testa. — Você não quer dizer que machucaria uma gata inocente, a mãe de seis lindos gatinhos?
Ele exalou, carrancudo enquanto a coisa continuava a se sentir em casa em seu colo antes que ele voltasse seu olhar para ela.
— É claro que quero dizer isso. Decididamente, não sou a casa dessa fera. Tampouco desejo que ela continue tentando se sentir confortável com minha maldita pessoa, enquanto me perfura com suas garras em forma de adaga. Eu. Realmente. Não. Gosto. De. Felinos. Estamos entendidos?
— Perfeitamente. — Ela o olhou com desgosto mal disfarçado.
Ela não estava apenas derretendo em seus braços? O que diabos aconteceu para ela ficar contra ele? Por que ele escolheu revelar sua profunda desconfiança e antipatia pelos animais? Seu pai, a razão de sua aversão às criaturas, estava morto há cerca de quinze anos, e ele tinha trinta e três anos. Deveria estar além dessas influências bobas. E ainda assim, não estava. Ele se expôs para a mulher diante dele, e desejou não ter feito isso.
— Perfeitamente, — ele repetiu, não gostando de seu tom de desprezo. Era quase como se ele não fosse mais digno de seu tempo simplesmente porque não estava encantado com um feixe de pelo sibilante e com dentes e garras. Com cheiro de lavanda ou não, ele não poderia gostar da coisa, e não seria levado pela culpa a mudar de ideia. Nem mesmo se sua duquesa que beijava como um anjo e a cortesã mais experiente de um prostíbulo se fundissem em um lindo, perfeito e delicioso amálgama. — Certamente você não pode esperar que todos possuam seu amor singular pelas criaturas, senhora.
— Não é amor, — ela concordou, inclinando a cabeça para considerá-lo de uma forma que ele não poderia gostar. — Mas não pode haver mal nenhum em apreciar, duque.
— O quê? — Ele demandou.
Sua expressão permaneceu cuidadosamente neutra, como se ele não a tivesse beijado loucamente. Como se ambos não estivessem ansiosos por mais. Isso o incomodou, feriu seu orgulho, muito mais do que deveria. Mas ele não se conteve. Se alguma vez algum homem possuiu uma fraqueza, a dele rapidamente se tornou ela.
A sedutora que recusou seus avanços assim que ele não bajulou seu gato. E essa criatura estava atualmente empenhada em usá-lo como um tronco alternativo enquanto afiava as unhas em suas malditas calças. Contanto, que não tocasse seu ferimento, decidiu que permitiria que aquele absurdo continuasse.
Mas, inevitavelmente, o momento chegou. Ele soltou um silvo de dor, tentando desviar as armas do demônio de sua carne sensível e provisoriamente curada.
A coisa não apenas afundou suas garras em sua ferida. Ela o agarrou como um poste que usa para arranhar, esfregou o rosto nele e então se estabeleceu em uma aparência da letra — u— em suas coxas.
— Aprecie a beleza de um ser infinitamente menor e mais frágil se confiando a você, Sua Graça, — ela disse então, sacudindo-o com seu tom, seu olhar sincero e a simplicidade chocante de suas palavras. — Aqui está uma criatura que não precisa confiar em você. Ela está mais vulnerável em seu colo. Você tem facilmente dez vezes o tamanho dela, capaz de lhe infligir grande dano, deixando seus gatinhos sem mãe e sem sustento. E, no entanto, aqui está ela, acreditando em você, confiando o suficiente para se enrolar em seu colo, lhe revelar sua barriga vulnerável. Isso não é um presente?
Maldito inferno.
Ele olhou para a mulher com quem se casou e, naquele momento, percebeu - pela primeira vez - que ela não era nada como ele imaginara que fosse. Não mesmo. Era mais astuta, inteligente e gentil, lembrava um fogo ardente e quente. Se a tocasse, se queimaria.
— Sim, — concordou, sentindo um nó na garganta do qual não gostou. Que não conseguia engolir, independentemente de como tentasse. E a próxima coisa que sabia, sua mão estava sobre o felino, acariciando seu pelo. Suavemente. Lentamente. Tentando a princípio. Mas enquanto a coisa ronronava e arqueava ao seu toque, ele o fez com maior pressão, aplicando uma série de golpes longos e seguros em suas costas. Então, na sua cabeça.
Que diabo, a coisa era realmente cativante, agora que ele se preocupou em olhar para isso como algo mais do que um incômodo. Esfregou a lateral da cara e a coisa rolou no colo mais uma vez, em êxtase.
— Lady Philomena Bigodes sempre gostou de você, — disse sua esposa, parecendo confusa. — Não consigo entender o porquê. Mesmo quando você chegou pela primeira vez e estava de cama, não conseguimos convencê-la a se afastar de sua pessoa.
Breves lampejos de lucidez em meio ao delírio voltaram a ele. A criatura em seu peito. Os sons, as garras. Foi, de todas as coisas, a gata. Lady Philomena Bigodes. Ele se recusou a dizer o nome em voz alta, mas até ele teve que admitir, em particular e nunca para sua duquesa ridícula, é claro, que um apelido real parecia se encaixar no felino branco e fofo.
Mas o — nós — que sua esposa havia pronunciado voltou para ele, e ele franziu a testa. Ele não gostou de Ludlow e sua esposa na mesma frase. Como uma equipe. Como um — nós. Como qualquer coisa, droga.
Ele franziu a testa para ela, distraidamente coçando o gato em seu colo.
— Você permitiu que a coisa atacasse um inválido.
Sua duquesa firmou seus lábios macios e cheios em uma linha comprimida de desagrado.
— Não fizemos nada disso. Lady Philomena gostou de você.
Fragmentos de lembrança lhe retornaram pela primeira vez desde que adoecera. Um anjo de olhos verdes com um contralto alegre. Uma presença reconfortante, tranquilizadora, calmante.
Eu estou aqui.
Calma, estou aqui.
Estava mergulhado na febre, enfraquecido, sofrendo, e estava convencido de que havia descido ao inferno. Mas ela estava lá, ao seu lado. Ela tinha sido o anjo doce e calmante ao lado de sua cama, a solução milagrosa para a qual fora atraído.
Claro, ela não estava sozinha. Sua ameaça felina estava lá, cravando as unhas em seu peito.
E o não-mordomo.
Esse último pensamento fez seu estômago embrulhar.
Tantas coisas clamavam em sua mente, desejando ser ditas. Queria agradecê-la por cuidar dele em seus momentos de fraqueza, pois sabia que não era algo que ela lhe devia. Ele nunca a tratou - ou mesmo, verdade seja dita, a considerou - como sua esposa. Ela tinha sido um meio para um fim. A fortuna que ele teve que se casar para poder viver seus dias. Ele nunca quis ser o maldito Duque de Leeds. Estava satisfeito com seu papel de segundo filho, dedicando-se ao trabalho com a Liga.
Richard mudou tudo com sua morte abrupta e sua situação desesperadora. Ele tinha apostado e desperdiçado tudo ao seu alcance, deixando nada além de dívidas e turbulência em seu rastro. E deixando Kit pagar o preço por seu amor ao vício.
Kit estava baseado no exterior quando a notícia do acidente de Richard chegou até ele. Ele esteve em Nova York, fazendo incursões com os fenianos. A Liga foi, desde que conseguia se lembrar, a força motriz de sua vida. A parte mais importante de cada momento seu. A única razão para acordar de manhã com a esperança de fazer seu dia significar algo.
— Duque? — A voz hesitante de sua esposa interrompeu as reflexões profundas e perturbadas que infectavam sua mente.
Ele os dissipou, desejando que eles e o passado se fossem para sempre, mesmo que soubesse que era uma impossibilidade.
— Me lembro de você, — disse ao invés. — Quando eu estava com febre. Sua voz, seu toque. Você estava lá.
Para mim, queria acrescentar.
Mas, não fez.
Afinal, não adiantava parecer desesperado por suas atenções. E ele com certeza não era - nunca seria - isso. Não seria desesperado por ninguém, e principalmente por ela. Mesmo que ela fosse tão adorável que olhá-la o fizesse doer. Mesmo que fosse mais gentil e doce do que ele jamais havia imaginado, com um coração tão puro quanto a neve recém-caída para acolher não apenas suas criaturas, mas a ele também.
Ocorreu-lhe, então, a compreensão de que ela nunca o tinha julgado. Nunca o havia achado carente ou culpado. Simplesmente estava lá para ele, quando ele não tinha feito o mesmo por ela. Percebeu quando o choque se desenrolou em seu peito que talvez fosse a primeira vez em sua existência que alguém estava lá para ajudá-lo.
Sempre.
— Eu estava lá, — ela concordou baixinho, olhando para ele de uma forma que o fez se sentir como se fosse um quebra-cabeça que ela ansiava por montar. Ele não gostou da sensação. Ele não era o quebra-cabeça de ninguém, por Deus, e tinha todas as expectativas de que ninguém - nem mesmo um anjo irresponsável, perfeito, humilde e lindo como ela - poderia reconstituí-lo em algo que valesse a pena.
— Por quê? — Questionou, a pergunta arrancada dele. Não deveria importar. Ela não deveria importar. E, no entanto, não podia escapar dela mais do que podia escapar do sol. Ela estava em toda parte, incrivelmente brilhante. Amornando. Aquecendo.
Necessária.
Porra.
Não era isso que ele desejava, envolver-se com qualquer mulher, e certamente, não com a perturbadora e enlouquecedora amante das criaturas a sua frente. Ora, mal a conhecia. Nem mesmo gostava dela mais do que gostava do felino em seu colo, não importa o quão alto a coisa estava atualmente ronronando de prazer e independentemente de quão firmemente enfiava o rosto em seu abdômen.
No entanto, aqui estava ele, na encantadora sala matutina dourada, sua esposa ao alcance do braço, um felino aconchegando-se contra ele com confiança absoluta, e uma confusão amarga e abjeta envenenando seus pulmões. Ele achava que não conseguia respirar.
Ela não respondeu sua pergunta, e isso o irritou. Ele lhe perguntou novamente, forçando seus olhos a encontrarem os dele segurando seu queixo entre o polegar e o indicador.
— Por quê, droga?
Ele tentou e falhou abissalmente em resistir a olhar boquiaberto para sua boca, tão exuberante e convidativa, tão pronta para sua reivindicação. Um beijo não foi suficiente. Ela era como um elixir, e ele queria se afogar nela, bebê-la até a última gota. Esperava que o curasse, embora soubesse que ela não poderia.
Suas sobrancelhas se levantaram, sua expressão ficando cautelosa.
— Porque você precisava de mim.
A confissão dela, suave e sincera, fez seu coração bater forte no peito. Fez sua garganta apertar. A nuca formigou com alguma combinação estranha de mal-estar e apreciação. Ridículo.
Estúpido. Ele empurrou qualquer sentimento indesejado para baixo, para baixo, e para baixo. Nas profundezas de tudo o que restou de sua alma. Ele não só não gostava de ficar em dívida com ninguém, como também não conseguia suportar a ideia de que alguém - especialmente ela - o considerasse fraco.
Seu lábio superior se curvou em um rosnado.
— Pelo contrário, duquesa. Eu não precisava de você. Passei toda a minha vida tomando muito cuidado para garantir que não precisasse de ninguém, e não estou prestes a começar com uma jovem camponesa americana que não suporta rejeitar um vira-lata perdido.
Ela olhou para ele, as linhas de seu rosto permanecendo impassíveis. Seus lábios exuberantes se apertaram nos cantos, o único sinal de que ela estava afetada. Ele conheceu um momento de decepção, seguido pela rápida lança da vergonha. O que havia nela que trazia à tona a besta nele? Por que queria perfurar sua armadura infalível de serenidade e cuidado para fazê-la perceber que ela não poderia - não importa quantos animais ela colocasse sob sua asa - salvar cada criatura sem objetivo que encontrava seu caminho até sua porta?
Acima de tudo, ela não poderia salvá-lo.
Quanto mais cedo os dois percebessem isso, melhor para eles.
— Isso é tudo que sou para você, Sua Graça? — Embora sua voz doce estivesse calma, quase fria, um leve tremor a denunciou. — Uma americana ingênua para sentir pena e ser lamentada?
Em seu colo, o felino ridículo continuou suas palhaçadas. Ele olhou para baixo, evitando o brilho de seu olhar esmeralda luminoso, e notou que a coisa havia deixado um rastro desprezível de pelo branco em seu colo. Ele se fortaleceu contra qualquer sentimento piegas dentro dele, que sem dúvida havia sido causado por sua fraqueza. Nunca tinha sido ferido tão gravemente, e só podia concluir que a perda de sangue que sofreu de alguma forma tornou sua mente estragada.
O que estava pensando ao beijá-la? Para suavizar-se em relação a ela mesmo por um instante? Desejá-la, permitir a noção fantasiosa de que ela poderia de alguma forma cuidar dele - ao pensar nisso, estremeceu -, de que ela permanecera ao lado de sua cama porque desejava vê-lo bem? Seu único foco precisava ser restaurar sua reputação e ser reintegrado na Liga.
Meu Deus, tinha que ser o ferimento. Talvez ainda sofresse de infecção? Sua cabeça estava um pouco quente.
Ele se acalmou no ato de acariciar a banshee em seu colo e tentou pegá-la, decidido a removê-la completamente. A coisa cravou suas garras e resistiu. Ele lançou outro olhar de desprezo para sua duquesa, ainda irritado por ter agido com tal precipitação atípica para com ela. Ele era um espião, droga, e já fazia muitos anos. Seu treinamento não permitia trivialidades como emoções. Ele se acreditava totalmente incapaz de fragilidades.
Sua esposa o observava com expectativa, e se lembrou de que ela lhe havia perguntado algo. Ah sim, o que ela era para ele?
Cristo, se ele soubesse.
Mas ele estaria condenado antes que revelasse até mesmo uma partícula de incerteza onde ela estava preocupada. Algo sobre a mulher baixou suas defesas. Ele não tinha como permitir isso. Não agora, quando ele precisava limpar seu nome. Quando ele precisava ser implacável.
Ele apertou a mandíbula.
— Você acha que tenho sentimentos ternos por você, Duquesa? Se for assim, você é de fato a americana ingênua que merece pena.
Ela se encolheu como se ele a tivesse golpeado, e a lança da vergonha dentro dele dobrou de tamanho, até que ele sentiu que havia sido atingido por uma bala de canhão.
— Claro que não, Sua Graça. Eu imagino que você não se importe com ninguém, incluindo você.
Kit inclinou a cabeça, pois não conseguia argumentar. Dar a vida para servir na Liga exigira que colocasse a Coroa e o país a sua frente e de todos os outros, e ele se casou com esse dever primeiro. Isso o forçou a talhar todas as partes tenras remanescentes dele que seu procriador não havia extinto, para se tornar endurecido e insensível. Mas também foi a graça pela qual ele se encontrou. Um segundo filho que nunca foi poupado por nenhuma palavra amável do duque, ser necessário para a Liga, deu a Kit um lugar ao qual pertencer. Uma razão de ser.
— Eu cuido dos meus deveres, — ele disse, tentando mais uma vez arrancar a criatura infernal de seu colo. Sua paciência acabou quando a coisa afundou suas garras mais profundamente, alojando-se através de camadas de calças e pele sensível. A respiração sibilou dele quando chegou perigosamente perto de seu ferimento mais uma vez. — Os pés dessa maldita coisa são feitos de espinhos?
— Acredito que a coisa em questão é um gato, Sua Graça, — ela repreendeu, levantando-se de sua cadeira e se abaixando para recuperar sua besta. — Além disso, tenho autoridade para afirmar que os gatos, de fato, não possuem pés. Em vez disso, têm patas.
— Sim, patas. Só isso, — ele rangeu, olhando para ela apesar de si mesmo.
A cabeça dela estava inclinada, então ele não podia ver suas feições, e maldita seja sua pele, mas mesmo a parte de seu cabelo, liso, cremoso e fino no meio da cabeça, era perfeito. Ele já havia achado o topo da cabeça de uma mulher atraente antes? Já tinha se sentido tão tentado a pressionar os lábios nos fios de seda, para enterrar o nariz e inalar o doce perfume de sua cabeça?
Não, não tinha.
E para piorar a situação, ela aceitou seu mau humor e sua crueldade, permanecendo calma e alegre. Sussurrando palavras suaves para a coisa em seu colo, dando golpes lânguidos em sua cabeça e nas costas até que retraísse suas armas e derretesse em suas mãos.
Bem, foda-me se este não é um dia de estreias sem fim.
Ele estava com ciúmes da maldita gata. De suas mãos sobre ela, acariciando, acalmando e tranquilizando. Seus dedos eram de ossos finos, pequenos e pálidos. Sua única ornamentação eram as alianças de noivado e de casamento que lhe dera. Elas haviam pertencido à sua mãe, mas ele tinha que admitir que combinavam com Georgiana. O rubi vermelho escuro contrastado com safiras e diamantes, de forma que se assemelhava ao desabrochar de uma flor, parecia ter sido feito para sua mão.
As mãos dela não eram de uma duquesa. Não eram mãos macias e intocadas que nunca haviam passado um dia de trabalho além de levantar uma xícara de chá ou acabar com o dinheiro extra na Bond Street. Embora zombasse dela pelos anos em que ela viveu na fazenda de seu pai, aquela época de trabalho duro mostrou-se de uma forma que ele podia apreciar. Isso complementava sua beleza, pois significava que ela não tinha medo de cavar nas trincheiras e fazer o que a vida lhe exigia.
Ele pensou por um breve momento que entendia algum pequeno pedaço dela. O motivo pelo qual ela cuidou de sua cabeceira com tal perseverança estoica estava em suas mãos, em sua história. Sua infância não tinha sido gentil com ela, e ela não tinha medo do lado escondido do mundo.
Ele engoliu em seco, abalado pela compreensão de que ela não era apenas um fardo que ele teria que carregar ou um meio de eliminar as dívidas de seu irmão perdulário. Era uma mulher com um passado que marcou seus dedos e ainda deixou seu coração aberto para as criaturas da rua. Aberto para cuidar dele, o homem que menos merecia sua consideração. Ele sabia tão pouco de sua história, tão pouco dela. O impulso selvagem de conhecê-la o atingiu.
Abruptamente, ela arrancou o gato de seu colo sem luta, quase como se ela tivesse sentido o caminho tumultuado e imprevisível de seus pensamentos.
— Graças a Cristo, — ele murmurou, passando a mão pela coxa para verificar se a coisa o havia ferido. Era hora, ele sabia, de manter alguma distância dela. Para se recompor. Segurando sua bengala, levantou-se. — Se me der licença, senhora, vou deixá-la com seus... inquilinos. Estou saindo para quebrar meu jejum.
— Inquilinos? — Ela ecoou atrás dele, e ele jurou que podia discernir uma nota de humor em sua adorável voz.
Mas ele saiu mancando da sala matutina com toda a dignidade que pôde reunir, determinado a não responder. Determinado a nunca se permitir desmoronar por ela novamente. Seu dever era para com a Liga e com a Coroa. Para restaurar sua reputação e o respeito de seus colegas, para se tornar um agente mais uma vez. Ela não era seu dever. Era uma fraqueza. Uma fraqueza que ele não podia suportar.
Capítulo 11
Georgiana agarrou Lady Philomena Bigodes contra o peito e tentou não ficar rondando enquanto o Dr. Gage conduzia um exame de Leeds. Quase duas semanas se passaram desde a visita inesperada de seu marido à sala matutina. Treze dias desde que ele a beijou.
Ainda podia sentir a impressão de sua boca sobre a dela, quente, firme e exigente. A língua deslizando entre seus lábios, provocando, saboreando e incitando um novo e estranho tipo de fome dentro dela. Era tudo o que ela conseguia pensar, sozinha no quarto que pertencera aos gatinhos que ela resgatou de uma espelunca no East End com a ajuda de Ludlow.
O retorno inesperado de seu marido a forçou a se concentrar em encontrar novos lares para seus desgarrados, e assim fazendo, descobriu que tinha um talento para combinar seus resgatados com humanos. Três dos gatinhos encontraram um lar com Lady Brixton, a Condessa de Aylesford e a Viscondessa Linley, respectivamente, todas amantes de animais de bom coração que estavam mais do que felizes por alguma companhia felina.
Ela tinha um possível lar para um quarto gatinho na casa da Duquesa de Notley, uma colega americana e, como Georgiana, não exatamente sentia-se em casa na sociedade educada de Londres. Por enquanto, os felinos restantes permaneceram na biblioteca, mas um incidente bastante infeliz envolvendo um volume de poesia, as garras de um gatinho travesso e uma grande quantidade de encadernação e papel rasgado significava que o arranjo não poderia durar. Também havia os tapetes sujos e a poltrona manchada...
Ela coçou a cabeça de Lady P. com movimentos distraídos, lançando um olhar para o marido e para o Dr. Gage. Seu marido ocupava a cama. Ele era tão grande, tão masculino, tão chamativo.
Seu rosto era simétrico, cheio de linhas e ângulos rígidos. Seu nariz era um corte perfeito, suas maçãs do rosto altas, seu queixo forte, queixo largo e rígido. Cílios grossos e pretos, que qualquer mulher teria cobiçado, emolduravam seus olhos azuis brilhantes.
E sua boca, os santos a preservem. Seus lábios eram sensuais, um pouco largos demais para um homem, mas mesmo assim, fascinantes. Não achava que poderia olhar para eles novamente sem desejar senti-los se moverem contra os dela. Mesmo enrolados em um sorriso de escárnio, eles eram injustamente convincentes.
Quantas vezes se pegou olhando para os lábios dele desde o beijo? Quantas vezes tinha imaginado sua boca esmagando a dela? Suas bochechas esquentaram e ela enterrou o rosto no pelo de Lady P. Graças a Deus, os gatinhos dormiam alegremente na sala matutina, dando a Georgiana uma desculpa ideal para a distração pegando Lady P. e trazendo-a para o quarto do duque. Simplesmente não seria bom ficar olhando para o marido enquanto o Dr. Gage conduzia seu exame.
Esperar que cada ondulação suave do tecido pudesse proporcionar a ela um vislumbre do peito ou dos membros nus. Ela prendeu o lábio inferior entre os dentes, desejando não ter tido esse pensamento. Seus olhos se voltaram para a cama - sua cama, e a visão de Leeds nela nunca deixou de fazer seu coração tremer desde aquele beijo horrível e maravilhoso - para encontrá-lo ainda vestido, sua boca uma linha dura de desaprovação.
Sempre desaprovação.
Sempre por Georgiana.
Claro que ele seria grosseiro. Era sua natureza. Por que encontrava-se desejando seu beijo apesar de sua animosidade velada? Por que tudo nele era magnético? Ela fizera o possível para manter distância, restringindo as visitas a perguntas educadas sobre o estado de sua recuperação. Por um período de dez minutos - com um animal sempre a acompanhando para se distrair - era tudo o que ela conseguia controlar.
Ela não confiava em si mesma, era verdade. E o Duque de Leeds tinha muitos segredos. Sem mencionar que muitas vezes ele não era nem mesmo agradável ou gentil, que se referia a Lady P. como uma — coisa, — que ele insultou Alice quando o mastim babou em sua perna, que estava sempre resmungando, rosnando ou lançando punhais em Ludlow... Ela suspirou. A lista de razões pelas quais deveria mantê-lo afastado era interminável.
Mas permanecia o fato preocupante de que ele era seu marido, afinal de contas, e estava ligada a ele até que pudesse convencê-lo a conceder-lhe o divórcio de que precisava. Convencê-lo da necessidade deve ser fácil, pois sentiu nele a inquietação nos últimos dias. A menos que o interpretasse mal, ele estava ansioso para retornar à sua expedição de caça.
Tudo o que faltava era que ela arranjasse um amante para permitir a Leeds um processo de divórcio sob a alegação de adultério. Porque a ideia a deixava enjoada, ela não sabia dizer.
— Maldito inferno, você nem mesmo é um médico de verdade, — Leeds retrucou em seu tom mais frio.
A declaração mordaz de seu marido cortou suas reflexões distraídas, e ela puxou seu rosto do pelo de Lady P. para encontrá-lo olhando carrancudo para o Dr. Gage, que havia puxado os lençóis de lado para estudar o ferimento do duque. Para seu crédito, o médico não vacilou nem fez uma pausa em seu trabalho.
— Sou um verdadeiro médico, disso posso assegurar-lhe. — Ele parecia mais divertido do que ofendido.
— Para animais, — Leeds cuspiu, como se a própria palavra fosse abominável, e mal pudesse esperar para arremessá-la de sua língua.
Oh querido, lá foi ela pensando sobre sua língua novamente. Mas parecia tão estranho e delicioso, dentro de sua boca.
Ela engoliu em seco, forçando-se a voltar ao momento e à truculência do marido.
— Leeds, — ela advertiu levemente. — Pare de ser um urso. Dr. Gage é um pioneiro em seu campo.
— O homem acabou de me dizer que é um veterinário, senhora. — Seu olhar bateu no dela, e ela não podia negar o choque que enviou por sua espinha. — Você dispensou o médico de minha família em favor de um homem que é médico de gado e ovelhas. Pareço uma maldita ovelha para você?
O olhar dela percorreu a forma dele, demorando-se na barra nua da coxa cortada pelo músculo que o Dr. Gage revelou para facilitar seu exame. Em seguida, seus olhos viajaram para o V de seu robe, aberto sobre o peito para revelar a carne forte e firme por baixo.
Ela engoliu em seco.
— Não, Sua Graça. Você não se parece nem um pouco com uma ovelha. — Mas, você sim lembra o traseiro de um cavalo. Georgiana mordeu o interior da bochecha para reprimir um sorriso repentino com a ideia. Sua arrogância era uma força da natureza.
Suas sobrancelhas se juntaram.
— Não consigo ver nada de engraçado na situação, senhora.
Hmm. Talvez ela não tivesse reprimido o sorriso com tanto sucesso quanto acreditava.
— Dr. Gage é veterinário, Sua Graça, — ela ofereceu, enviando um sorriso de desculpas na direção do médico. — Um homem muito bom que curou sua ferida de infecção e salvou sua vida.
O duque soltou um bufo deselegante e caiu em silêncio, continuando a encará-la com um olhar quente que fez o calor inundar suas bochechas. Ela olhou-o, não prestes a se encolher sob a força total de seu gelo ducal. Georgiana também podia ser obstinada.
— A ferida está curando para minha satisfação, — declarou o Dr. Gage, interrompendo a batalha de vontades travada entre Georgiana e Leeds. — Sua Graça, se não se importa, você se aproximaria da cabeceira? Desejo lhe mostrar como tratar o ferimento de Sua Graça.
Seu pedido se acomodou em algum lugar baixo em seu estômago, e não sem medo e emoção. Quando o Dr. Gage lhe perguntou, em sua chegada, se um criado estaria atendendo Sua Graça, ela não tinha pensado nas ramificações que sua negação teria. Antes, o médico voltava todos os dias para realizar a tarefa íntima, que exigia não apenas revelar a perna nua do marido, mas também tocá-lo.
Ela engoliu em seco, incerta sobre a sabedoria de aceitar tal tarefa, mas o que poderia fazer a não ser prestar atenção ao Dr. Gage? Quem mais cuidaria do duque? Um criado? Não, ela não podia permitir que uma serva cuidasse dele quando ela podia. Talvez a maioria das duquesas o fizesse, relutaria em sujar as mãos com trabalho. Mas ela não era a maioria das duquesas.
— Claro. — Ela colocou Lady P. no chão com toda a graça que pôde reunir antes de se juntar ao Dr. Gage ao lado da cama de seu marido.
O olhar do duque a encontrou mais uma vez, penetrante. Sua mandíbula rígida falava muito.
— Não há necessidade, — Leeds rangeu. — Eu mesmo devo fazer isso. Tenho duas mãos que ainda não são inúteis.
Georgiana o ignorou, voltando seu olhar para o Dr. Gage.
— Mostre-me o que devo fazer.
— Uma duquesa não... cuida de seu marido. Isso está muito além do limite. — Leeds fez uma expressão dura e firme de desaprovação. — Você não é minha babá.
Era sua imaginação, ou as maçãs salientes do rosto tinham o mais leve tom de vermelho? Ela olhou-o maravilhada. Certamente ele não estava envergonhado? O insuportável Duque de Leeds, espião destemido e devoto zombeteiro?
O Dr. Gage a distraiu, transmitindo rapidamente o conhecimento necessário, mostrando-lhe o que precisaria fazer, enquanto Leeds ficava de mau humor. Era uma tolice se preocupar com o decoro agora, quando ela cuidou dele durante a febre e durante a cirurgia. Ela o tinha visto quase nu. A única razão pela qual ele protestou agora era o orgulho, ou o fato de que não queria que ela o tocasse e o visse tão intimamente.
Seu beijo sugeriu que a primeira opção era o culpado, e não a última. Embora seu subsequente afastamento tenha complicado as coisas.
— Pronto, — disse Gage abruptamente após a conclusão de sua pequena lição. — Lamento ter de me despedir. Antes de sair do consultório, recebi a notícia de que a valiosa cria do Conde de Sheffield entrou em trabalho de parto. Seu último parto foi repleto de problemas, e espero que precise oferecer ajuda mais uma vez. Acredito que você pode terminar de enfaixar a ferida, Sua Graça?
Oh, céus.
Em pouco tempo, ela estaria sozinha com seu marido, tocando sua coxa nua.
Que intrigante. Que alarmante.
Ela engoliu em seco.
— Sim, claro que posso.
— Com certeza, vá, Sr. Grey, — Leeds latiu com selvageria limite. — Para o nascimento do maldito cavalo de Sheffield. Não preciso mais de você aqui, sendo um maldito humano.
Senhor, o homem tinha uma boca perversa e todo o encanto de uma nuvem de tempestade. Ela poderia ter dado uma surra nele por sua indesculpável grosseria, mas também era grata em certo sentido. Isso a distraiu de sua longa perna nua e do pedaço de pele logo acima do osso do quadril. O pedaço proibido de carne que foi revelado por seu robe aberto e as roupas de cama retiradas, apresentavam um ponto que ela não conseguia parar de olhar. Que ela desejava pressionar seus lábios.
Não, isso não funcionaria. Afastou os pensamentos impuros de sua mente. Lembre-se de como ele é horrível, Georgiana. Este é o homem que confundiu gatinhos com ratos. Ele estremece quando Lady P. está perto. Só um rude sem coração seria incapaz de amar um animal doce e dependente que apenas queria amar e nem mesmo o exigia em troca.
Ela forçou sua atenção de volta para o médico.
— Obrigada pelo seu tempo, Dr. Gage. Vou acompanhá-lo para fora.
Duas vozes masculinas soaram simultaneamente, uma educada e calma, a outra rosnando e irada.
— Não há necessidade, Sua Graça.
— Como o inferno que você vai, madame.
O Dr. Gage lavou e secou as mãos na bacia ao lado da cama antes de pegar sua bolsa e oferecer uma meia reverência.
— Eu devo sair sozinho. Felicitações pelo seu retorno à boa saúde e bom humor, Sua Graça.
E então ele saiu do quarto, enquanto Georgiana silenciosamente o aplaudia por sua altivez diante das zombarias do duque. Quando a porta se fechou, ela se virou para encarar Leeds, acertando-o com um olhar penetrante.
— Como você ousa tratar o Dr. Gage tão mal? — Ela exigiu. — Seu tratamento sozinho é o que salvou você da morte certa.
— Ele é um veterinário, senhora. E é tão claro, pois nenhum verdadeiro médico ousaria presumir que uma duquesa cuidaria do maldito ferimento de seu marido como se fosse uma enfermeira em um hospital de campo de batalha. Simplesmente não está feito.
A expressão de desgosto em seu rosto real teria sido motivo para leviandade. Não agora, entretanto, quando ele a irritou tanto com sua intratabilidade.
— Não me importo com o que é feito, nem o Dr. Gage. — Tremendo de irritação, ela derramou água fresca nas mãos e as lavou com sabonete como o médico havia ensinado, antes de secá-las em uma tira limpa de toalha e virar o rosto para Leeds mais uma vez. — Se você não deseja que a infecção se instale novamente, você deixará de ser um ingrato autoritário, pedante, arrogante e totalmente equivocado.
Pronto. Ela bufou de satisfação. Embora normalmente não recorresse ao esporte infantil de xingar, ela não conseguia pensar em nenhum meio melhor - ou mais gratificante - de quebrar a casca grossa e teimosa do duque e forçá-lo a ver a razão.
Lady P. escolheu aquele momento para pousar na cama, anunciando-se com um miado satisfeito. Ela esfregou o rosto com entusiasmo contra as roupas de cama que envolviam os pés do duque.
Um som estrangulado emergiu dele.
— Que diabo essa coisa está fazendo na minha cama? Devo insistir que você a remova imediatamente.
— Ela gosta de você, — rebateu Georgiana, exatamente como fizera em relação a sua arrogância anterior no que dizia respeito a Lady P. Ela voltou sua atenção para a solução antisséptica que precisava aplicar em sua ferida em cura. — Embora não se possa entender o porquê.
— Você disse isso em voz alta, senhora.
Ela começou a aplicar a solução, olhando para ele por apenas um segundo antes de voltar seu olhar para a tarefa diante dela.
— Eu estou ciente.
Assim como estava ciente de quanto ele estava exposto. Agora que o Dr. Gage havia saído do quarto, ver metade da parte inferior da anatomia de seu marido em plena exibição não poderia deixar de ter um efeito sobre ela. Se suas mãos tremiam quando ela terminou com o antisséptico e pegou o linho limpo de que precisava para enrolar a ferida, não havia como evitar.
Apesar de todo seu rosnado, temperamento abismal e total falta de educação, ele ainda era o homem mais bonito que já tinha visto. Ainda era seu marido. E ainda a beijou com uma gentil sedução há tantos dias, (treze, seu corpo traidor a lembrou) que cada parte dela ainda latejava com o desejo de mais.
Lady P. subiu na cama, passando o rosto primeiro pelo tornozelo do duque, depois pelo joelho. Georgiana segurou a língua, divertindo-se com o fato de o felino ter se apaixonado por um homem que abominava não só gatos, mas aparentemente todos os animais em geral.
Ou ele não abominava? Ela se lembrou de como ele quase parecia gostar de acariciar Lady P. naquele dia na sala matutina. Embora suas atenções tenham sido inicialmente relutantes - movimentos desajeitados e hesitantes ao dar tapinhas nas costas da gata - ele cedeu, permitindo que sua guarda baixasse. Ele acariciou Lady P., olhando para ela com uma expressão quase terna no rosto. Ou pelo menos tão próximo da ternura quanto um homem como o Duque de Leeds poderia ter.
Mas ele chamou os animais de — coisas — e — criaturas. Protestou ruidosamente a presença deles, olhou-a com seu nariz aristocrático por não ser capaz de resistir a observar cada perdedor que ela podia encontrar.
— Bem, senhora? Se você insiste em bancar a babá, o mínimo que pode fazer é se apressar.
A voz cáustica dele a tirou de seus devaneios e, com um sobressalto, ela percebeu que estava parada ali como uma idiota, segurando o curativo limpo nas mãos, olhando para o chão. Quando olhou para cima, suas bochechas coraram com uma combinação de embaraço e ressentimento pelo seu temperamento abominável.
Levantar o olhar do chão não teria sido um problema em circunstâncias normais. As circunstâncias, isto é, que não envolviam roupas de cama que haviam ficado tortas pelo movimento de Lady P., que a essa altura já havia se deslocado até o peito do duque. Circunstâncias que não envolviam o desnudamento de dois mamilos masculinos finos e robustos pontilhados com cabelos escuros, além da coxa solitária descoberta. Circunstâncias que não envolviam o duque de Leeds, seminu em sua cama, e uma gata branca fofa enrolada nele.
A visão era de tirar o fôlego e adorável ao mesmo tempo. Ela olhou, incapaz de dizer uma palavra, incapaz de encontrar seu olhar, pois estava cobiçando sua forma e certamente ele sabia disso. Seu coração bateu num ritmo de staccato8, as palmas das mãos ficaram úmidas e uma forte e dolorida pulsação começou entre suas coxas e reverberou para fora, reivindicando seu corpo inteiro com um delicioso senso de possibilidade.
Um pensamento selvagem lhe ocorreu naquele momento. E se o duque não gostasse de animais? E se ele se sentisse incomodado com a adoração de um gato ou cachorro inteiramente por outros motivos? E se ninguém nunca lhe tivesse mostrado gentileza, e ele se escondesse atrás de uma parede falsa de distanciamento arrogante?
Não. Não dê desculpas para sua grosseria. Você só vai perder seu coração ao longo do caminho, e ele vai esmagá-lo sob o salto da bota sem pensar duas vezes.
Impiedosamente, ela cerrou os punhos, cravando as unhas nas palmas das mãos para se distrair. Tais pensamentos sobre Leeds simplesmente não funcionariam. Ele era seu marido, mas também um homem que pouco conhecia, que levava uma vida secreta, que mentiu para ela, a abandonou e voltou como um estranho frio e furioso que precisava de sua ajuda, mas nunca a pediria.
— Senhora, o dia vai se perder enquanto permanecemos aqui, — ele rangeu. — Se você está muito enjoada para enfaixar o ferimento, passe-me as ataduras e eu mesmo o farei como sempre desejei.
Ela deu um passo à frente, erguendo o olhar para cima mais uma vez para descobrir que a mão dele havia se enrolado em torno de Lady P., e ele estava aplicando carícia após carícia distraidamente em suas costas, para deleite da gata. Traidora.
— Claro que não sou muito melindrosa.
— Vou carregar uma cicatriz grande e horrível pelo resto da minha vida e talvez nunca mais ande sem ajuda. A ferida é difícil de ver, eu sei. — Algo mudou em seu tom, então. Não suavizou exatamente, mas baixou de alguma forma. A aspereza e mordida habituais estavam faltando, substituídas por amargura e, a menos que ela estivesse enganada, um traço de desilusão também.
Seu coração, sempre sua fraqueza, cedeu então, e ela caiu em seus olhos, que eram de um azul particular somente dele. Vívidos e brilhantes, porém pálidos e atraentes, não cinza e ainda não um verdadeiro azul escuro, eles eram um tom que era completamente fascinante.
Seu ferimento o envergonhava, ele mancava também.
O conhecimento se estabeleceu em seu coração como uma dor física. Qualquer que fosse a missão secreta do governo em que ele estava, ela tinha que acreditar que era para o bem de todas as pessoas. E que o ferimento que ele sofreu durante seu serviço iria envergonhá-lo para sempre e parecia a maior caricatura de todas, quando ele deveria ter usado com orgulho.
— Leeds, sua cicatriz será um símbolo de coragem em sua pele, um lembrete de sua tenacidade e habilidade de superar tudo e sobreviver. Use-o com orgulho. Não tenha vergonha de sua sobrevivência. Nunca.
Ela teria dito mais, pois seu coração ansiava por aplacar os temores dele, mas ela acalmou a língua. Uma aparência estranha, quase predatória, apareceu em suas feições. Ela não tinha certeza se ele desejava devorá-la ou castigá-la, ou algo infinitamente pior que sua mente pueril não poderia sequer imaginar.
— Você terminou seu monólogo, Duquesa? — Sua voz profunda e sombria estava zombando. Cortante. — Nesse caso, talvez você deva continuar a enfaixar a ferida para que eu possa continuar com meu dia. Tenho negócios a tratar, e a visita de seu charlatão animal junto com sua incapacidade de realizar a tarefa em mãos está gastando o dia.
As arestas afiadas voltaram à sua voz. Ela suprimiu uma sacudida em sua crueldade inata. Tinha imaginado sua fraqueza? Seria apenas porque desejava encontrar o bem nele, que desejava salvá-lo? Talvez, como ele havia sugerido, ela o visse como um de seus desgarrados. Como alguém a ser resgatado.
Mas ele claramente não desejava redenção.
Ela enrijeceu a coluna, firmando a boca em uma carranca própria. Mas ela notou que ele não havia parado de acariciar Lady P., e a felina havia se aninhado em uma massa de pelo branco ronronante e encantada sobre seu peito. Como seu amado mastim Alice, talvez Leeds parecesse e soasse mais cruel do que era.
Independentemente disso, não havia mais tempo para vagar ou ruminar mais. Ela tinha uma tarefa a cumprir, atadura de linho em suas mãos, e ela poderia e faria isso. Iria lhe mostrar que não estava incomodada, nem enojada, e certamente não intimidada de forma alguma.
Ela poderia resistir a seus impulsos infelizes e perversos no que dizia respeito a ele. Tudo que ela precisava fazer era conjurar uma imagem de sua carranca.
— Sua Graça, você é capaz de levantar a perna ligeiramente para que a bandagem possa passar por baixo?
— Um pouco. — Sua perna se ergueu, dobrando o joelho, enquanto ele exalava em uma rajada de ar que indicava a dor que sentia.
— Excelente. — Ela adotou um tom neutro, esperando poder aprender uma lição com o Dr. Gage e permanecer imune ao urso cruel que era o Duque de Leeds. Gentilmente, tentando copiar, ao pé da letra, ao que o médico havia dito, ela enrolou a bandagem ao redor da coxa do duque.
Sua coxa muito grande e deliciosamente musculosa. Deus do céu. Suas bochechas foram de rosa a escarlate, certeza tinha disso. Ela as sentiu como se as chamas de mil fogos tivessem vindo para se alojar nelas, queimando-a diante do olhar vigilante de Leeds. Georgiana nunca tinha imaginado que o membro superior de um homem pudesse ser tão atraente, mas ela não tinha dúvidas sobre isso agora. Exigiu todo o autocontrole para se abster de deslizar os dedos ao longo de sua pele apenas para testar a textura e absorver-lhe o calor.
Qual seria a sensação de deslizar a palma da mão sobre aquela carne quente e masculina? Seguir a linha bem delineada de seus músculos até a parte dele que permaneceu envolta em roupas de cama e robe? Qual seria a sensação de permitir que sua mão encontrasse o comprimento dele? Tendo crescido em uma fazenda, não ignorava esses assuntos, e uma dor constante e pulsante instalou-se dentro dela enquanto contemplava Leeds como um homem.
Não qualquer homem. Como seu marido.
Você não deve! O perigo e a destruição seguirão um caminho tão imprudente, advertiu sua consciência. E com razão. O que poderia estar sonhando para ter pensamentos tão desastrosos e chocantes sobre o Duque de Leeds? Ele era o homem que partira sem comer um pedaço do café da manhã do casamento e, assim como não a merecia naquela época, também não a merece agora.
Ela enrolou o linho uma, duas vezes e na terceira viagem em volta da coxa dele. Ela teve o cuidado, como o Dr. Gage advertiu, de não deixar o curativo muito frouxo ou muito apertado. Enquanto trabalhava, ela prendeu o lábio inferior entre os dentes, concentrando-se nos desejos gêmeos de evitar causar-lhe dor e evitar tocá-lo.
Realmente difícil, pois ela podia sentir o cheiro dele, uma combinação inebriante de sabonete e almíscar, e nada e nenhum homem jamais cheirou tão divino quanto ele naquele momento. Enquanto se dedicava a lhe enfaixar a ferida, estava ciente de que ele a observava com a mesma precisão calma e predatória do falcão que vivera na fazenda de seu pai, onde ela havia crescido. Perseguindo, esperando, julgando, determinando a fraqueza de sua presa para que soubesse o momento certo para atacar. Em mais de uma ocasião, vira aquele falcão carregar um filhote de coelho no bico.
Ela só podia esperar que não se tornasse o mesmo sacrifício para o duque.
— Você está coberta de pelo de gato, senhora, — ele a informou com um som inimitável e augusto de desgosto, mais uma vez interrompendo seus pensamentos e abalando sua concentração.
Ela se acalmou no ato de amarrar a bandagem ao redor de sua coxa pela última vez e olhou para cima, certa de ter ouvido mal. Quando ela voltou sua atenção para ele, seus dedos roçaram a quente e dura carne masculina. O olhar de Georgiana colidiu com o azul vívido no mesmo momento em que a respiração escapou dela em uma exalação chocada.
Leeds sibilou, apertando a mandíbula.
— Puta que pariu, mulher.
Talvez, em seu desconforto por estar tão perto dele, cuidando dele intimamente sem a presença de outra pessoa, ela inadvertidamente machucou sua ferida. Embora tivesse ficado ao lado de sua cama durante grande parte do tempo em Leeds House, essas ocasiões não foram motivo de distração. Ele estava doente, inconsciente, ardendo em febre. E ela estava apavorada, preocupada, determinada a vê-lo passar por tudo isso. Não houve tempo ou lugar para admirar seu corpo e seus músculos bem delineados, nenhum espaço para atração. Nenhum espaço ou lugar para qualquer coisa, exceto tentar assisti-lo durante sua doença e recuperação.
Mas isso, isso era diferente. Em todos os sentidos.
— Oh, céus. — Ela nunca se sentiu mais desajeitada ou inepta em sua vida do que agora, com os olhos dele queimando os dela, os dedos ainda ardendo com a impressão de sua pele. — Machuquei você?
Seus olhos se fecharam.
— Coberta de pelo da maldita gata, — ele murmurou novamente, quase como se lembrando a si mesmo. — Não. Você não me machucou. Você não poderia fazer isso, senhora. Continue, por favor.
Ela olhou para baixo para descobrir que sim, de fato, a seda de seu corpete de cor azul flor de milho apresentava uma infinidade de longas e brancas marcas da Lady P. Mas, ela ficava tão frequentemente coberta com qualquer número de pelos diariamente que havia deixado de notar. Em vez disso, havia se tornado parte de seu guarda-roupa diário. E nunca havia encontrado motivos para se sentir envergonhada por isso. Ela amava seus bichos perdidos.
A julgar pela maneira como Lady P. se acomodava com prazer fascinado no peito do duque, Georgiana não era a única em Leeds House saturada de pelos de felino. Ela ergueu uma sobrancelha, franzindo os lábios.
— E você não está, Sua Graça? Parece-me que Lady Philomena Bigodes se sentiu mais do que em casa com você. Ouso dizer que a mesma quantidade de pelos que foi sacrificada sobre minha pessoa também será deixada sobre a sua.
— Touché. — Seu tom combinava com sua expressão. Carrancuda. Severo. Penetrante. — Essa sua coisa parece sofrer da mesma aflição que você, senhora.
— Você sabe que Lady Philomena Bigodes não é uma coisa, não é? — Não pôde deixar de lhe perguntar, tendo se cansado de sua insistência casual em tratar seus bichos como se fossem inconsequentes e irritantes.
Porque cada um importava. Se não para mais ninguém, importavam para ela.
Eles eram dela, e ela os amava.
— Me recuso a me referir a ela pelo nome ridículo que você escolheu. — Sua voz ainda estava fria, mas tinha adquirido um tom áspero.
— Hmm. — Ela voltou sua atenção para a bandagem, enrolando-a pela última vez e prendendo-a finalmente. Quando virou a colcha sobre ele para que não fosse mais tentada a tocá-lo, o resto de suas palavras voltou para ela. — Lady Philomena e eu sofremos da mesma doença, Leeds?
— Sim. — Ele acariciou a ronronante Lady P., franzindo a testa para ela. — Você e a coisa são boas para mim quando não deveriam ser.
Capítulo 12
Kit não sabia por que diabos disse isso. Desejou que não o tivesse feito, pois isso implicava que ele sabia que era um bundão. O que é claro que era. Sua duquesa, entretanto, não precisava estar ciente disso. Se ele era intratável, rude e arrogante, era porque tinha todos os motivos para ser.
Estava com dor. Não sabia quem o havia traído ou em quem podia confiar. Sua esposa havia enchido sua casa de animais, incluindo aquele que estava amassando seu peito através do robe e ronronando como um dos asseclas de Satanás. Seu mordomo era um assassino apaixonado por sua esposa.
Até o maldito veterinário era suspeito. A maneira como o bastardo olhava para Georgiana não passou despercebida por Kit, e ele não gostou. Não gostava que ela saísse em defesa de Gage ou elogiasse suas virtudes. Ele não tinha certeza do que o tinha enfurecido mais, o fato de ela ter permitido que um charlatão especializado em criaturas cortasse sua pele ou de ela ter olhado para o homem com um olhar que brilhava de clara admiração.
Com essa visão, ele sentiu uma punhalada tão violenta de ciúme que quase se dobrou.
Queria ser o destinatário daquele olhar, mas também estaria condenado se confessasse isso. Ele tinha dito muito mais do que jamais desejou. Mas, não podia fazer nada agora. Suas palavras estavam vivas, pairando no ar pesado entre eles, e não podia chamá-las de volta.
— Todo mundo merece gentileza, — disse ela por fim, quebrando o silêncio que havia caído. — Até você, Leeds.
Até você.
Como se ele fosse de alguma forma deficiente ou indigno, alguém que merecia sua piedade e caridade. Como se fosse uma criança mendiga que ela tivesse jogado um centavo.
Seu lábio se curvou, e ele não conseguiu esconder o gelo de sua voz.
— Obrigado por sua benevolência em estender seu cuidado a uma criatura como eu.
— Não é isso que eu quis dizer. — Ela se afastou, ocupando-se em lavar as mãos mais uma vez para que ele pudesse ver apenas seu perfil.
Mesmo de lado, sua beleza sugou o fôlego de seus pulmões. Ele a estudou, acariciando a criatura que parecia tão encantada por ele, tomando cuidado para evitar a barriga com suas tetas assustadoras. Maldição, se a coisa não estava atualmente crescendo nele. Não diria exatamente que gostava disso, mas sua devoção eterna estava começando a botar abaixo sua oposição.
— O que você quis dizer? — Ele pressionou sua duquesa, sem saber o porquê.
Ele não desejava se enredar com ela. Dia após dia, ele estava se curando, e com isso veio a necessidade inevitável de descobrir quem o havia traído. Para descobrir quem o queria morto. Para determinar quem era o bastardo que orquestrou sua remoção da Liga.
A retribuição seria sua, mas não seria encontrada dentro de um par de olhos esmeralda cintilantes ou entre um par de coxas exuberantes. Nem seria encontrado em uma boca doce e macia, que era o rosa de uma rosa inglesa em uma beldade americana.
Não havia razão para continuar a trocar espadas verbais com ela. Na verdade, ele tinha todos os motivos para mantê-la à distância, dar a sua ferida o tempo necessário para cicatrizar e voltar para a América para que pudesse restaurar sua reputação e exigir sua vingança. Eles poderiam continuar vivendo suas vidas separadas em continentes diferentes, como era a coisa civilizada a fazer. Ele nunca quis o fardo de uma esposa, afinal.
E ainda havia algo sobre ela.
Algo que ele não podia deixar passar.
— Eu quis dizer que você não parece ter muito respeito por si mesmo, — ela disse, se virando para ele enquanto secava as mãos mais uma vez. — Suas ações e palavras não são as de um homem feliz. Mas mesmo um homem que está mais ferido por dentro do que por fora é merecedor de gentileza e preocupação.
— Eu não sou uma de suas criaturas, — ele resmungou, e não foi a primeira vez que fez tal protesto.
— Claro que não. — Seu olhar era direto, estalando no dele. — Se você fosse, eu teria feito você comer na minha mão agora.
Por alguma razão inexplicável, a ideia de comer na mão dela enviou uma nova flecha de puro e derretido calor direto para sua virilha. Seu pênis se contraiu com a imagem mental da delicada mão de Georgiana estendida, sua língua correndo ao longo das marcas suaves de sua palma. O desejo de saboreá-la em todos os lugares o dominou por completo.
Bom Deus.
Tinha que parar com essa loucura.
— Eu nunca vou comer na sua mão, senhora, — respondeu friamente.
— Talvez não. — Ela inclinou a cabeça para o lado, quase como um passarinho, e procurou seu olhar. — Mas começo a acreditar que você é mais de fazer barulho do que morder, Sua Graça.
Ele teria parado de acariciar o gato naquele momento, mas a coisa era tão macia, e trazendo prazer de alguma forma... o acalmou. Sim, foi isso que aconteceu. Acariciar o pelo longo e branco da coisa, e absorver o ronronar de sua euforia, de alguma forma, sugou um pouco do rancor de sua alma.
Maldito inferno.
Ele gostava do felino.
E estava começando a acreditar que gostava de sua esposa também.
Isso não vai dar certo. Nem um pouco disso. Você é um espião de elite. Treinado para aguentar a tortura, para sobreviver à violência, insurreição, traições, para suportar unhas arrancadas e ossos quebrados. Você não ficará fraco por causa da gata e da louca com quem se casou.
Ele não precisava dela. Não a queria. A complicação que ela apresentava poderia sumir por tudo que ele se importasse. Exceto, um calor forte e penetrante começou a formigar em seu peito. Um sentimento, quando ele tinha certeza de que não possuía mais capacidade para eles.
Kit abriu a boca para lhe dizer para pegar seu ridículo pacote de pelos e sair. Mas em vez disso, sua língua traiu sua mente e disse algo completamente diferente.
— Esta coisa não pode ser chamada de Lady Philomena Bigodes, — ele anunciou.
Sua duquesa se aproximou, tão perto que suas saias roçaram a cama e o cheiro inebriante dela - lavanda e frescor - o atingiu com força total. Tão perto que ela se abaixou, estendeu o braço e deu à criatura uma coçada completa na nuca.
— Oh? E como você a chamaria, marido?
Marido.
Quando a doce voz de Georgiana pronunciou a palavra, ela a imbuiu com um tipo de significado diferente. No entanto, ele era isso, não era? Era o homem que havia trocado votos com ela, o homem que lhe dera seu nome. Ela era dele, e algo primitivo dentro dele rugia à superfície agora, exigindo que fizesse algo a respeito.
Ela olhou-o com expectativa, esperando que ele revelasse como chamaria a coisa, se não seu apelido ridículo.
— Eu a chamaria... — Oh, inferno. Como chamaria a coisa amaldiçoada? Ele procurou no seu cérebro, mas foi inútil. Ele não tinha a capacidade de nomear seres peludos. — Lady.
Terrivelmente original, seu idiota.
Ela franziu os lábios, e o desejo de pegar aquele lábio inferior carnudo e exuberante em seus dentes e beliscar o sobrepujou.
— Você percebeu que apenas abreviou o nome dela, não é, Leeds?
Bem, sim, claro que sim, e agora ele se sentia um verdadeiro idiota. Estava realmente sentado aqui em nada além de um robe, com um felino batendo em seu peito, refutando o nome da criatura infernal com a mulher com quem ele não desejara se casar? Um rápido levantamento da situação confirmou que sim, de fato, era esse o caso.
— Philomena é um nome horrível, — informou ele à duquesa como se fosse uma questão da maior importância. — E Bigodes é, bem, redundante. Afinal, qualquer um pode ver que a coisa é um gato. Lady é o suficiente. O resto é uma bobagem feminina.
Suas sobrancelhas se juntaram.
— Bobagem feminina?
Explosão. A mulher diante dele teria sido um general excepcional. Sua capacidade de derrotar seu inimigo e frustrá-lo a cada passo era incomparável. Não tinha dúvidas de que ela poderia ter vencido uma guerra armada com nada mais do que uma carroça cheia de cachorrinhos e gatinhos.
Ela exalava desagrado agora, e ele sabia que havia escolhido a frase errada.
— Sentimentalismo piegas, — corrigiu-se.
Uma sobrancelha escura se arqueou.
— Você pode se achar indiferente e impenetrável, Leeds, mas eu vejo você. Se você fosse tão frio e distante como você quer que eu acredite, você não estaria aqui agora, permitindo que Lady empoleirasse em seu peito, e acariciando-a dessa maneira.
Sim, ele estava acariciando a maldita gata. E a verdade era - poderia admitir para si mesmo, e para ninguém mais - ele realmente tinha prazer em acariciar a coisa. Era suave e tão fácil de satisfazer, e... bem, isso era mais do que o suficiente para ganhar seu favorecimento. Ele não precisava entrar em estupor catalogando internamente as virtudes da coisa. O fato é que a gata gostava dele. Quem diabos sabia o porquê, mas ela gostava, e isso o agradou.
Ele apertou a mandíbula, não gostando do olhar distante que apareceu nos olhos de sua esposa.
— Você gosta dela, — ela adivinhou suavemente.
Corretamente, acabe com ela.
Talvez a loucura da mulher fosse contagiosa e tivesse começado a apodrecer seu cérebro. Essa era a única explicação do porquê deveria estar deitado aqui no quarto dela enquanto o dele era invadido por cães, tão afetado pelo simples toque das pontas dos dedos de sua esposa em sua coxa que seu pênis ficou ereto, quase saltando livre das roupas de cama e de seu cobertor. E isso nem mesmo chegava perto do apego perturbador que começara a nutrir por um felino branco com garras afiadas como um florete e nenhum conceito de espaço pessoal.
O diabo era que não era o único apego que ele começava a nutrir. O outro, ainda mais alarmante, estava rapidamente se tornando um problema. Um grande e terrível problema que crescia a cada minuto que passava na presença de sua duquesa.
— Não gosto do maldito felino, — negou. Mentira, mas necessária. Muito estava em jogo - sua reputação, seu futuro com a Liga, possivelmente até sua vida - e ele não podia se permitir a distração que ela inevitavelmente traria. O desejo que sentia por ela, em conflito com o aborrecimento perpétuo que ela também lhe inspirava, era quente, forte e perigoso. Não poderia ceder a isso novamente. O único caminho que poderia tomar era mantê-la à distância. — Você pode levá-la quando for. A coisa deve voltar aos seus pirralhos agora, ouso dizer, e tenho assuntos urgentes a tratar.
Ele pegou a gata que ronronava e a estendeu para ela enquanto Lady se contorcia em protesto, procurando retornar ao seu lugar de descanso sobre ele. Mas sua duquesa não fez nenhum movimento para aceitar o duvidoso presente do felino se contorcendo.
Em vez disso, ela sorriu, e foi um sorriso magnífico, do tipo que iluminava todo o seu rosto, desde os olhos brilhantes até a boca exuberante. Seu coração batia forte contra o peito. Ele não pôde conter a reação que o percorreu, luxúria e... surpresa. Essa era a única palavra para definir a maneira como ele se sentia aquecido em seu brilho, a verdadeira força de sua beleza atingindo-o no estômago.
Ela não era apenas bonita.
Palavras não faziam lhe justiça.
Como se afastou dela na manhã de seu casamento? O Kit atual desejava revisitar o Kit de sete meses atrás e chutá-lo na bunda. Tinha estado tão envolvido em sua missão, obstinado em seu treinamento e busca de se infiltrar na ameaça feniana. Sua identidade para a missão era a de um americano irlandês que morava no exterior, e ele passava horas todas as noites lendo livros em voz alta para si mesmo com um sotaque americano com um acento irlandês. Havia passado os dias lutando no Devil's Pit, um clube subterrâneo apenas para membros da Liga, aprimorando seu trabalho com os punhos e sua esgrima.
Certamente não havia cortejado Georgiana adequadamente. Estiveram na presença um do outro em algumas ocasiões antes de ele fazer um pedido por ela. Ele a tinha visto em um baile. Dançou com ela uma vez. Ela era quieta, mas adorável, e era a herdeira mais rica do mercado de casamentos. Seu passado era pitoresco, para dizer o mínimo, sua linhagem era de mau gosto, mas ele engoliu seu orgulho e se casou com ela para se salvar da ruína que Richard havia deixado para trás.
Que bastardo insensível ele era. Obstinado e egoísta. A lembrança o atingiu então, dela mimada em seu vestido de casamento de marfim, a cauda mais longa que ele já tinha visto em um vestido arrastando atrás dela, implorando-lhe para ficar para o café da manhã de casamento.
— Não acredito em seus protestos, Leeds. — Sua voz doce, com seu sotaque americano cadenciado que ele não podia deixar de achar atraente, interrompeu sua introspecção tumultuada. — Você gosta de Lady. Admita. Não vou pensar menos de você, prometo.
Ele abriu a boca para dizer que não dava a mínima para o que ela pensava. Mas, olhou para a gata que segurava no ar como uma oferenda. E então, seu olhar vagou faminto de volta para seu rosto, bebendo em seu esplendor. Ela parecia encantada com sua descoberta, e algo desconhecido se moveu dentro dele.
Algo mudou e, onde antes sentia apenas vazio, sentiu um calor transbordante e florescente.
— Muito bem, senhora, — ele admitiu. — A coisa não é tão horrível quanto eu inicialmente supus, mas isso não significa que seus malditos ratos não estejam lá embaixo chorando por seu leite neste exato momento. Nem significa que eu não precise me vestir para o dia e cuidar dos assuntos que me aguardam.
Ela balançou a cabeça, fazendo um som de repreensão com a língua, e o desejo de beijá-la percorreu seu corpo. Queria tomar aquela boca, reivindicá-la com toda a fome de boca aberta queimando dentro dele. Para acariciar sua língua contra sua desaprovação, para transformá-la no mesmo desejo que corria dentro de seu corpo consumindo tudo.
— Isso não vai funcionar, eu temo, Leeds. — Ela franziu os lábios em um gesto que ele achou enlouquecedor e atraente. — Lady não tem ratos, para começar. E, por outro lado, não vou levá-la até que você admita que gosta dela. Nada de tolices ou tentativas de disfarçá-lo.
Ele a olhou boquiaberto, certo de ter ouvido mal.
— Senhora, você se atreve a me dar ordens?
Ela piscou, então apoiou as mãos de ossos finos na cintura de vespa e olhou-o.
— Sim, eu realmente ouso. Você se casou comigo e me abandonou por meio ano e, quando finalmente se dignou a reaparecer, estava prestes a sucumbir a uma infecção de um ferimento que adquiriu de uma maneira que ainda não explicou.
Bem, inferno. Ela certamente o tinha pego. Ele abaixou a gata, que não perdeu tempo em voltar para o peito e se enroscar.
— Senhora, eu entendo que as especificidades de nossa união não têm sido fáceis.
— Fáceis? — Suas sobrancelhas se ergueram em arcos gêmeos elegantes que vincavam a perfeição suave de sua testa. — Você nem consegue dizer meu nome, senhor? Você gostaria que eu continuasse impessoal como uma criada, mas mesmo assim cuidei de você, lavei-o e enfaixei-o, e providenciei para que recebesse o melhor cuidado que poderia pessoalmente providenciar para você. Enquanto isso, você não tem sido nada além de zangado, insensível e rude. Não te devo nada, Leeds. Paguei minha dívida com você com meu dote e minha liberdade. Se você espera que eu faça uma reverência, rasteje para você e tratá-lo como se você fosse meu rei, você pode também retornar para sua expedição de caça no próximo navio com destino à América.
Sua deusa se transformou em uma Górgona9 diante de seus olhos. No entanto, não conseguia desviar o olhar. E de alguma forma, seu fogo rebelde não diminuiu sua atração de forma alguma. Embora isso o tenha transformado em pedra. Em uma parte particular de sua anatomia.
Sua mente girou para dissecar tudo o que ela havia dito, todas as suas demandas, perguntas, toda sua raiva e determinação. Ela o oprimiu e o revigorou, e o mais estranho de tudo foi que só houve um outro momento em sua vida em que se sentiu tão delirantemente vivo, seu corpo vibrando com possibilidade, sangue e vigor. Foi quando se engajou em uma missão para a Liga.
Kit decidiu responder às perguntas dela na ordem em que foram feitas. Ele acariciou o gato, que começou a ronronar descontroladamente mais uma vez.
— Georgiana.
A cor tingiu suas bochechas, o único sinal de que ela havia perdido o controle de si mesma. Fora isso, sua postura e expressão permaneceram imperturbáveis e perfeitas.
— Sim?
— Seu nome, — ele elaborou. — Você gostaria de saber se eu poderia dizer isso. Eu posso.
Ela engoliu em seco, baixando o olhar e - a menos que ele errasse o palpite - pousando em sua boca. Ele sentiu aquele olhar tão visceralmente quanto o roçar de seus lábios macios nos dele.
— E você gosta de Lady Philomena... Lady. Você gosta dela. Admita.
Fazia muitos anos - mais de vinte e cinco - desde que ele se permitiu sentir qualquer emoção por um animal. A crueldade intolerável de seu pai o curou dessa necessidade. E ainda assim, em um mês, sua duquesa e seu felino infernal haviam desmontado as velhas paredes que ele ergueu dentro de si mesmo no dia em que seu pai instruiu o Jardineiro-Chefe a atirar em seu gato malhado de estimação, pela ofensa de usar como banheiro o seu precioso jardim de rosas.
Ele apertou os lábios, não gostando do efeito que Georgiana tinha sobre ele, não gostando do amolecimento desconcertante de si mesmo que parecia tão ruinoso quanto impossível de ficar.
— Quando eu era menino, tinha um gato chamado Bigodes, — surpreendeu-se ao revelar. Ele não falava do gato desde o dia em que o enterrou.
Ela olhou fixamente.
— Certamente você está brincando.
— Nem um pouco. — Seu tom ficou sombrio. — O jardineiro-chefe atirou nele por ordem do meu pai.
Georgiana engasgou-se, seus olhos expressivos brilhando com um brilho de lágrimas.
— Como ele poderia ter sido tão sem coração?
— Era a natureza dele. — Embora isso dificilmente fosse uma desculpa. Kit havia cessado todas as tentativas de dar sentido à crueldade de seu pai há muitos anos. — Você queria saber a razão pela qual eu não gosto de criaturas, e aí está. Você está feliz agora, Georgiana?
Ela parecia chocada.
— Não, não estou, Leeds.
— Kit, — ele rosnou. Ele não podia suportar a visão de sua compaixão nua. Cortou direto em seu coração.
O que havia nela que o distraía? Vivia em um estado perpétuo de meio excitação, meio irritação na presença dela. Nem mesmo a ferida dolorida em sua coxa ou as contínuas tentativas de sua mente racional de controlar o resto dele o afastaram disto.
— Perdão? — Ela pareceu surpresa, pairando ao lado da cama dele, e ele...
Por Deus, estava cansado de ser um maldito inválido.
Ele tirou o gato do peito, colocou-o gentilmente sobre a cama e jogou para trás as roupas de cama. O tempo para um ajuste de contas estava próximo.
— Meu nome — ele disse severamente, — é Kit. Diga.
E então, levantou-se da cama, tomando cuidado para se certificar de que seu robe não se abrisse para revelar sua ereção furiosa, mesmo enquanto ele cuidava de sua perna ferida. Ela o observou, enraizada no tapete, olhos esmeralda enormes, lábios entreabertos.
— Leeds, — ela protestou enquanto ele a perseguia sem sua bengala.
Ele não deu a mínima para a dor na coxa. Para sua claudicação. Algo havia mudado para sempre entre eles. Começou no momento em que ele colocou os olhos nela pela primeira vez e, como um vulcão em erupção, agora fluía, derretido e perigoso, determinado a queimar tudo em seu caminho. Ele não estava saindo deste quarto até que a beijasse.
E até que ele ouvisse seu nome naquela maldita bela voz.
— Kit, — ele repetiu. — Não Leeds. Kit.
Um passo, dois passos, três, quatro, cinco. Ele arrastaria a parte inferior de seu corpo coxo sobre brasas para alcançá-la. Ela recuou no meio do caminho através do quarto. Ele a seguiu, desacelerado pelo ferimento, mas determinado. Ele percorreu um longo caminho nos últimas quinze dias e, embora seu ferimento ainda o atormentasse e exigisse bandagens, ele era forte o suficiente para persegui-la sem sua bengala por esta curta distância. A gata miou seu descontentamento ao fundo, mas a ignorou, concentrado em sua presa. Ele absorveu o rosto de Georgiana com o olhar, imaginou todas as coisas depravadas que poderia fazer ao corpo dela agora que estava finalmente se curando.
Afinal, ela era dele.
Para tomar.
Talvez fosse isso que ele deveria ter feito o tempo todo, em vez de mantê-la à distância. Perseguindo-a. Cortejando-a. Seduzindo-a. Talvez, depois que estivesse suficientemente curado, ir para a cama com ela lhe daria a clareza de que precisava para descobrir a verdade e restaurar sua honra.
Seis, sete, oito, nove... até dezessete.
As costas dela estavam contra a parede agora, o papel adamascado um contraste intenso com a beleza pura e simples de seu rosto. Ele bateu as palmas das mãos na parede ao lado da cabeça dela, alavancando seu peso de forma que sua perna boa e seus braços suportassem o peso. Encaixotando-a, baixou o rosto até que as pontas de seus narizes quase roçassem. A respiração dela era irregular, quente, uma cortina de doçura e desejo sobre sua boca.
— Meu nome é Kit. Quero ouvir você dizer isso, — exigiu.
Seus olhos eram grandes piscinas de esmeralda, ouro e canela dançando em suas profundidades luminosas.
— Você vai se machucar se não tomar cuidado.
Teimosa até o fim, não é? Ele estava familiarizado com a obstinação, tendo passado a vida inteira atormentado pela própria.
— Não dou a mínima para o meu ferimento no momento. Tudo que me importa é o meu nome em seus lábios.
Ele fixou seu olhar em sua boca, encontrando seus lábios entreabertos. A visão de seu lábio inferior carnudo projetando-se como se implorasse para reivindicá-lo enviou outra onda de luxúria diretamente para sua virilha. Ela estava usando um vestido hoje, e ele não sentiu a delineação de suas pernas naquelas calças ridículas enquanto ele se afundava na ondulação macia de suas saias. Como desejava que suas mãos fossem preenchidas com as curvas de dar água na boca de seus quadris, em vez de achatadas nos revestimentos da parede.
— Você realmente quer arriscar abrir sua ferida, Leeds? — Ela perguntou, quebrando seus pensamentos lascivos. — Você está se curando bem. Agora não é hora de correr riscos tolos, senão você se verá acamado por mais duas semanas.
Ela não estava errada, mas ele não queria ouvir protestos ou exortações ao pensamento racional. Queria ser estúpido. Pressionar seu corpo no dela. Tomar seus lábios em uma união esmagadora que os deixasse fracos. Desde seu retorno, ela o havia levado à distração. Tudo sobre ela o fascinava.
Até mesmo suas peculiaridades e sua afinidade ridícula por criaturas grandes e pequenas. A fatia de espaço entre os dentes da frente, a marca de beleza em sua clavícula, o modo de como o seu corpete de fina seda parecia cobrir toda a sua pele, seus sorrisos tortos, sua testa franzida, cada maldita coisa que ele teria visto uma vez como uma imperfeição só serviu para fazê-lo desejá-la mais.
Talvez fosse o fato de haver tão poucas barreiras entre eles, já que ele estava vestido apenas com um robe que poderia se abrir a qualquer momento. Talvez fosse porque tinha ficado tanto tempo sem uma mulher. Ou talvez fosse porque nunca havia consumado seu casamento, e aquela omissão grave iria persegui-lo até que afundasse dentro dela...
Não sabia a razão pela qual estava decidido a arrancar seu nome dos seus lábios rosados e macios. Mas ele estava. Ponto final.
Ele não resistiu em tocá-la. Transferindo seu peso para um braço, ele removeu sua mão livre e traçou seus lábios. Macios e quentes, e tão convidativos. Seu dedo indicador percorreu a costura de seus lábios uma vez antes de mergulhar para traçar aquele suculento lábio inferior. Sua boca se abriu. A umidade beijou a ponta do dedo.
E ele não pôde deixar de pensar em como seria correr os dedos sobre ela com muito mais intimidade. Para levantar suas saias, encontrar a abertura em suas calças e provocar sua carne quente e escorregadia. Ele gemeu e encostou a testa na dela, roçando os narizes. Seus dedos permaneceram em seus lábios, a única barreira que o impedia de beijá-la novamente como cada parte dele clamava por fazer.
Mas ele não faria. Até que ela capitulasse, ele exercitaria cada fragmento remanescente de seu controle. Ela diria seu nome antes que ele tomasse sua boca novamente. Disso, tinha certeza.
— Kit, — ele a lembrou enquanto inalava sua doce e chocada respiração. Colocou em seus pulmões, junto com seu delicado perfume feminino. Lavanda. Mulher. Delicioso. — Diga.
— O que você vai fazer se eu não fizer isso, duque? — Ela levantou uma sobrancelha, desafiando-o.
Mas ela estava sem fôlego. E sob seu dedo questionador, seu lábio permaneceu flexível. Seu polegar deslizou dentro de sua boca, pegando seu lábio inferior e puxando-o para baixo.
— O que você quer que eu faça, Duquesa? Você sabe que é minha, não sabe? O que vai acontecer entre nós é inevitável.
Ela o mordeu, empregando apenas a força suficiente para chamar sua atenção, para fazê-lo doer levemente.
— O que vai acontecer entre nós é que você irá retornar à sua expedição de caça, Sua Graça.
Ela não confiava nele.
Ele cambaleou para trás, estudando-a enquanto a verdade o acertava no peito. E ele não podia culpá-la, não é? Ele viu a união deles como ela deve ver, uma maldita transação após a qual ela foi abandonada. Ela não poderia saber os verdadeiros motivos por trás de sua partida abrupta, mesmo que suspeitasse. O momento estava errado para eles. O perigo do mundo exterior é muito real.
— Aconteça o que acontecer, uma coisa não mudará, — assegurou-lhe, pois era a única promessa que poderia fazer. — Sempre serei seu marido e você sempre será minha esposa. Agora me chame pelo meu nome, maldita seja. Kit. Diga! Posso dizer o seu nome. Por que você não pode pronunciar o meu?
Ela respirou fundo com a sugestão de que ela não confiava em si mesma com tal intimidade.
— Kit, — disse ela de repente, e suas mãos, que estavam livres em seus lados até aquele momento, estavam em seu cabelo, amassando, puxando. Ela puxou o rosto dele, abrindo a boca, e ele gemeu, aceitando seu ataque. Acolhendo isso. — Kit.
— Sim. — Seus lábios se chocaram. Com fome. Morrendo de fome. Boca aberta, línguas procurando e chicoteando, dentes rangendo juntos. Foi a união menos polida e mais excitante de lábios e língua que ele já experimentou.
Ele tinha que tê-la. Precisava estar dentro dela, mas graças à bala Feniana que quase tirou sua vida, isso teria que esperar.
Em vez disso, ele permitiu que o desejo impulsivo que ele poderia compensar governasse sua mente. Ansiava por prová-la. Para afundar sua língua em sua boca. Ele fez isso. Sua língua lambeu a dela, e chupou o néctar em sua boca, comeu em seus lábios. Mordiscando e lambendo. Seus beijos vacilaram entre vorazes, de boca aberta e famintos, para lentos, lânguidos, adoradores. Era uma dicotomia decadente de ataque violento e sedução lenta.
Ele gemeu, ela gemeu, e ele permitiu que seu corpo afundasse no dela, pressionando-a contra a parede. Seu pênis se apertou em sua barriga, a fricção torturante depois de tantas semanas de doença, e sendo incapaz de sentir até mesmo um fiapo de entusiasmo para transar. Seu entusiasmo havia retornado, e se investisse nela agora como um jovem rapaz tonto com o conhecimento que estava prestes a tocar sua primeira boceta, não poderia ser evitado.
Droga. Ela era tão macia e cheirava tão doce, e sua boca era fodidamente deliciosa. Ele poderia saboreá-la como a melhor sobremesa, beijando-a até que seus lábios ficassem dormentes. Ele poderia beijá-la o dia todo.
Mas ele era ganancioso. Morrendo de fome por ela. E ansiava por mais.
Seus dedos encontraram os botões descendo pela frente de seu corpete, elegantemente colocados fora do centro, e os liberou. Ele queria sua pele, queria dispensar todo e qualquer impedimento para sua boca em seus mamilos. O corpete estava aberto. Ele o separou, retirando as mangas de seus braços. Arrancou seus lábios dos dela para beijar sua garganta, enterrando seu rosto na sedução da pele macia. Com uma mão, ele desfez o nó nas costas de seu espartilho, puxando seus cadarços para afrouxá-los. Com a outra, abriu os primeiros fechos na frente da roupa de baixo.
— Kit, — ela disse o nome dele em um suspiro ofegante, e então suas mãos, aquelas mãos que tinham visto tanto trabalho, que tinham calosidades que nem mesmo o tempo e uma vida fácil removeria, desceram pelas costas dele.
O deslizar hábil dessas mãos - hesitantes no início, e depois com maior urgência - fez coisas poderosas com ele. E quando as unhas dela cravaram no tecido de seu robe, ele quase caiu em suas malditas saias ali mesmo. Sufocando um gemido, ele abriu a boca em seu pescoço, chupando. Aqui, ela tinha um gosto tão doce quanto em outros lugares.
— Toque-me, querida. — Seus lábios se moveram contra sua pele enquanto ele lambia, chupava e mordia suavemente. Sua boca trabalhou em conjunto com suas mãos enquanto deslizavam dentro de seu espartilho aberto para cobrir seus seios fartos e pesados através da fina barreira de sua camisa. Seus mamilos, duros como diamantes, cutucaram suas palmas.
O que ele mais desejava era aquelas mãos ásperas pelo trabalho dela agarrando seu pênis, ordenhando-o até que gozasse. Ou sua boca. Puta que pariu, a ideia de seus lábios macios envolvendo sua ereção, engolindo-o pela garganta, sugando-o até secar...
Tinha que parar de pensar nisso, ou passaria aqui e agora, esvaziando as bolas na seda das saias dela. Seus polegares esfregaram círculos preguiçosos sobre seus mamilos, provocando-os, e a batida de seu pulso contra sua boca, juntamente com a rápida ingestão de sua respiração, disse-lhe tudo o que precisava saber.
Ela o queria tanto quanto a queria.
— Georgiana, — murmurou no mergulho hipnotizante onde sua garganta e ombro se encontravam. Como ele falhou em notar o quão cativante aquele espaço sagrado era para uma mulher antes? Ou foi só ela que fez isso?
Ele arrastou a boca ao longo de sua clavícula, inalando sua fragrância, lavanda e rosa e Georgiana. Tão bom. Muito, muito bom. As mãos dela viajaram pela extensão de suas costas, as unhas arranhando para cima e para baixo em cada lado de sua coluna como se ela fosse uma felina e ele fosse seu poste de arranhar.
Ele adorava isto. Ela possuía uma natureza carnal interior, seu anjo, e pretendia explorá-la ao máximo. Quando ele estivesse curado o suficiente para levá-la para a cama sem medo de se machucar novamente, ele os trancaria em um quarto e a foderia por dias. De costas. De joelhos. Inclinada sobre uma cadeira. No chão. Montada nele.
O diabo o leve. Mordiscou sua clavícula mais uma vez antes de beijar um novo caminho para a plenitude de seu seio. Ela era maior do que havia imaginado e era uma descoberta gloriosa de se fazer. Seu espartilho de renda justa e corpetes perfeitamente ajustados escondiam o fato de que ela tinha seios altos e exuberantes que teriam sido a inveja de qualquer cortesã. Quase desproporcionalmente grande em comparação com sua cintura, embora não com a deliciosa maturidade de seus quadris, que ele notou no dia em que ela estava vestida com seu traje ridículo de calça de homem.
A mulher tinha um corpo feito para o pecado. Feito para ele. E pretendia familiarizar-se com isso tão frequentemente quanto possível.
— Kit, eu... — Suas palavras foram sumindo quando os lábios dele encontraram e se fecharam sobre um mamilo pontudo através do tecido fino de sua roupa íntima.
Ele sugou.
— Ah.
Mordida.
— Oh.
Uma mão agarrou o decote de sua camisa com enfeites de fita e renda, puxando-o para baixo até que seus seios estivessem expostos ao seu olhar febril. Ele bebeu na sua visão. Seios cheios, gloriosos e mamilos rosa-rosados pontiagudos o paralisaram. Porra, ela era linda. Mais bonita do que ele merecia.
Queria dizer algo polido, sussurrar palavras doces para ela, cortejá-la. Mas, naquele momento, nada sairia dele, exceto uma maldição.
— Droga, mulher. Você é uma deusa.
— Eu não sou uma deusa, — ela sussurrou, suas bochechas ficando vermelhas, mãos deixando suas costas para flutuar sobre seus seios em um pique de timidez, protegendo-se dele. — Eu sou muito mortal, muito falível.
Ele balançou sua cabeça.
— Não acredito nisso. — Para ele, ela era uma espécie de Prosérpina10, só que ele nunca poderia desistir dela durante metade do ano. Nunca poderia desistir dela, nunca. Nem por um dia. A realização foi preocupante. Chocante. Kit não conseguiu se concentrar nisso por mais um momento. — Não se esconda de mim, amor.
— Isso não pode ser sábio. — Ela manteve as mãos onde estavam, uma espécie de escudo. — Nós nem gostamos um do outro.
— Eu gosto de você, esposa. — Severamente, ele pressionou seu pênis rígido contra ela mais uma vez. — Você pode duvidar?
— Isso não é assim, — ela argumentou. — Isso é rudimentar, tão básico quanto...
Kit a beijou, engolindo quaisquer outros argumentos contrários a seu propósito. Ele tomou sua boca. E foi longo, lento e ardente aquele beijo. Uma promessa de tudo o que ainda estava para acontecer entre eles. Quando ela estava mais uma vez se agarrando a ele, todas as suas preocupações efetivamente esquecidas, ele pegou as mãos dela e as removeu de seus seios.
— Você é a mulher mais gloriosa, linda e perfeita que já vi, e sua beleza brilha de dentro para fora. Não há nada básico ou rudimentar sobre o que sinto por você.
Conforme as palavras fluíram de Kit, elas o surpreenderam. Ele não era dado a sentimentos. Mas, não podia negar o que sentia por ela. A maneira como o fazia sentir. Era raro e consumia tudo, e neste momento de extrema necessidade e verdade desesperada, ele podia reconhecer que nada em sua vida - nenhuma outra mulher, nenhuma outra missão, nenhuma forma de tortura ou internamento, nenhum ferimento - nada o poderia ter preparado para isso.
Para ela.
A expressão de Georgiana se suavizou, e ele sentiu sua determinação vacilar.
— Kit.
— Você me quer? — Ele perguntou. Era tudo o que precisava saber.
Diga sim. Diga desesperadamente. Diga que você não pode passar mais um maldito momento sem sucumbir a este fogo louco queimando entre nós.
Ela mordeu o lábio por um momento, procurando seus olhos.
— Você sabe que eu quero.
Obrigado, porra.
Ele a beijou novamente, rápido e forte. Uma mão agarrou suas saias, juntando-as, levantando-as, e a outra encontrou seu seio, segurando-o. Brincando com seu mamilo. Ele afundou sua língua em sua boca enquanto levantava sua saia o resto do caminho, até sua cintura. Com seu bom quadril, ele prendeu a bainha de suas saias no lugar, deixando nada além de meias frágeis e pernas cobertas por calças em exibição para ele.
Ele a faria se consumir. Lamentavelmente, seria apenas com os dedos, pois sua ferida não permitiria que caísse de joelhos e a adorasse como desejava, e nem permitiria que batesse em seu corpo contra a parede como seu pênis dolorido desejava fazer. Isso teria que ser suficiente.
Kit a beijou em todos os lugares. Lábios, queixo, mandíbula, orelha, garganta. Ela era tão doce. Cada uma de suas exclamações ofegantes o estimulava. Tão responsiva. Tão gloriosa. Beijou a curva nua de seu seio, seus dedos viajando lentamente ao longo de sua coxa. Ele tomou seu mamilo em sua boca, trabalhou sua língua sobre a ponta, lambeu, chupou e esfolou o tenro botão com os dentes até que ela gritou, contorcendo-se contra ele.
Ele a tinha exatamente onde a queria.
Ainda mais alto, seu toque vagou, passando por ilhós e babados, no doce calor feminino. Ela era tão gostosa. Seus dedos encontraram a fenda de suas calças, deslizando através de sua costura. Uma vez, duas vezes. Sua umidade o cobriu, escorrendo em seu polegar. Suspiros suaves e femininos o guiaram enquanto ele circulava sua pérola.
Os quadris dela pularam. Céu. Ela se sentia tão bem. Ele poderia felizmente passar a eternidade bem aqui neste momento, o almíscar de sua excitação perfumando o ar, seus dedos trabalhando em sua boceta lisa, seu mamilo em sua boca, os sons decadentes de seus gritos enchendo seus ouvidos. Era perfeito demais. Ela era perfeita demais. Ele meio que esperava que esse momento se rompesse, para acordar sozinho em sua cama na escuridão, apenas para descobrir que tudo tinha sido um sonho.
Mas não, era real. Ela era real, e nada parecia tão certo ou tão bom. Ele aumentou sua pressão ao som de seus suspiros ofegantes enquanto ficavam mais desesperados. Seu corpo ficou tenso, e ele sabia que ela estava perto de encontrar sua liberação.
— Kit, eu... por favor... oh. — Sua voz rouca quase o desfez.
Ele tomou o outro seio em sua boca, chupando forte o seu mamilo, seus dedos brincando com seu clitóris. Sua respiração veio em rajadas irregulares, seu coração batendo em um ritmo selvagem que ele sentiu contra seus lábios quando soltou seu mamilo para beijar o caminho de volta para sua boca. As unhas dela cravaram em suas costas. Ela estava no precipício.
— Goze para mim, — ele ordenou contra sua boca antes de reivindicá-la mais uma vez em um beijo longo e entorpecente.
E ela o fez, empurrando em sua mão, tremendo e estremecendo enquanto as ondas de seu prazer ondulavam por seu corpo. Ele engoliu seus gritos, alimentou-a com sua língua do jeito que ele desejava dar-lhe seu pênis, levando seu tempo para prolongar sua liberação o maior tempo possível.
Quando seu estremecimento diminuiu, ele interrompeu o beijo. Suas pupilas estavam dilatadas, as manchas de canela em seus olhos mais brilhantes do que nunca, seus lábios completamente inchados e escurecidos por seus beijos. Uma mecha de cabelo havia escapado de sua touca e suas bochechas estavam rosadas. Ela parecia bem amada e saciada, e seu pênis se contraiu diante da gloriosa visão.
Se ele fosse um pintor, a capturaria assim: o rubor de desejo em sua pele cremosa, seus seios fartos em exibição, os lábios entreabertos. Por um instante, pensou que encomendaria esse retrato, e então percebeu que teria que matar qualquer outro homem que a visse assim.
— Oh meu, — ela sussurrou, sua respiração ainda irregular, seu olhar voando para ele e depois para longe.
— Sim, — ele disse sombriamente, pois ele ainda ostentava um pau que era duro como um pedaço de carvão e não podia satisfazer-se da maneira que desejava. — Oh, meu Deus.
A dor lancinante em sua coxa optou por voltar com força naquele momento, lembrando-o de que estava muito tempo em pé. Relutantemente, retirou a mão de dentro dela, permitindo que suas saias voltassem ao lugar.
Corando em um tom furioso de vermelho, ela ajustou sua camisa, cobrindo-se, antes de lutar com seu espartilho. Ele afastou os dedos dela, cerrando os dentes contra um novo ataque de dor.
— Permita-me.
Ela engoliu em seco, seus olhos ainda desviados, mas aceitou sua ajuda. Com movimentos rápidos e eficientes, ele a deixou mais uma vez arrumada. Olhando-a, ninguém teria a menor ideia de que ela acabara de sentir prazer contra uma parede. Mas, ele sabia. Deus, ele sabia.
Ele a beijou novamente, um beijo rápido desta vez para não ficar tentado a levantar suas saias e transar com ela como a besta dentro dele tão desesperadamente desejava fazer. Ele não estava bem o suficiente para tal façanha, e ela também não estava pronta. Sua expressão estava se tornando mais terrível a cada momento, e ele sentiu sua necessidade de fugir.
Talvez tivesse levado as coisas longe demais e rápido demais, mas antes que pudesse oferecer sua garantia, uma batida insistente na porta do quarto perturbou o silêncio, acompanhada pela última voz que ele desejava ouvir.
— Suas Graças?
O maldito não-mordomo.
Ele praguejou quando uma chama visceral de raiva permeou seu ser.
— Vá embora, maldito, — ele gritou para seu recalcitrante doméstico. Carlisle iria pagar por colocá-lo com o gigante intrusivo, de uma forma ou de outra. Jurou. Sua gratidão para com o bastardo por proteger Georgiana em sua ausência tinha um limite.
— A Duquesa está aí dentro? — Ele persistiu, sua voz intrometida abafada pela porta fechada. — Os gatinhos de Lady Philomena estão ficando inquietos esperando seu retorno.
— Claro, pobres queridos. — Ela passou por sob seu braço e escapuliu antes que ele pudesse detê-la, levando o cheiro de lavanda junto com ela. — Só levarei um momento, Ludlow, — ela falou mais alto.
Um grunhido soou de sua garganta com a perda. Sua deserção abrupta doeu, e não apenas porque ela se afastou dele com tanta pressa. Mas porque ela agiu como uma boa cachorrinha, trotando atrás do não-mordomo quando deveria ter dito a ele para ir para o Hades em vez disso.
Aproveitando-se da parede, ele se virou a tempo de encontrar a felina fofa, traidora e branca esperando na porta, como se ela também fosse governada pela fera homicida e desajeitada que afirmava compartilhar sangue com o duque de Carlisle.
— E você, Lady? — Ele resmungou com a coisa, sentindo-se mais descontente do que quando abriu os olhos para uma faca em sua garganta. Deve-se notar que esse pecado também foi cometido pelo não-mordomo.
Claramente, essa intrusão foi menos assassina. Mesmo assim, foi uma sabotagem deliberada, disso ele não tinha dúvidas, e não gostou. Nem um pouco. Tampouco se importou com a maneira como sua duquesa fugia como se o próprio fogo do inferno lambesse seus delicados calcanhares.
Queria que ela permanecesse onde estava e a queria só para ele. Essas percepções eram ruins o suficiente, mas não foi o que o atingiu, como um saco de pedras no peito. Não, essa sensação foi provocada por um tipo totalmente diferente de compreensão. Uma que o aterrorizou e o chocou.
Ele tinha sentimentos por Georgiana. Essa foi a mudança perturbadora dentro de si, o calor que não podia escapar.
Cristo na cruz. Sentimentos! Que patético.
Ele teria mancado atrás dela, mas a repulsa o manteve enraizado no lugar, no meio do caminho através do Axminster, observando-a ir embora. Ele não tinha ideia de como diabos isso tinha acontecido, mas de alguma forma entre seu retorno vergonhoso a Leeds House e este exato momento, o jeito que ele se sentia sobre a mulher que nunca se preocupou em conhecer havia se metamorfoseado.
Ele havia se tornado... não conseguia encontrar a palavra adequada para isso. Apaixonado? Obcecado? Não parecia haver um termo na língua inglesa que pudesse descrever, para sua satisfação, o controle que sua esposa exercia sobre ele. Ela usava calças e estava coberta de pelo de animais. Havia enchido sua casa de criaturas. Contratou um veterinário para cuidar dele, em vez de um médico adequado. As galinhas tinham pedigrees mais nobres do que ela, com nada além do dinheiro da ferrovia de seu tio morto, sua beleza e sua bondade comovente para recomendá-la.
Nada sobre ela deveria deixá-lo tão selvagem e frenético por dentro.
E, no entanto, uma possessividade feroz o dominava sempre que a via. Não conseguia olhar para ela sem pensar em deixá-la nua e reivindicar seu direito. Ele passou a quinzena, desde que a beijou pela primeira vez, em guerra consigo mesmo sobre se ele ousaria fazer isso de novo ou não.
Porque tinha entendido que mais um beijo seria seu ponto de ruptura. Que não seria capaz de lhe resistir até que a tivesse, e tê-la seria uma temeridade quando ele precisava fazer tudo ao seu alcance para descobrir o que tinha dado errado durante sua missão em Nova York.
Georgiana lançou um olhar cauteloso para ele enquanto se preparava para sair do quarto ao lado de sua gata. Ela prendeu o lábio entre os dentes e ele sentiu uma pontada de inveja. Queria morder aquele lábio, droga. Mas então, ela dissipou o pensamento correndo de volta para a cama, pegando algo e girando.
Era sua bengala. A mortificação o queimou, substituindo a luxúria frustrada. Ele estava babando sobre ela como um vira-lata no cio, tornando-se poético sobre a maneira como se sentia, como se fosse um namorado apaixonado, e enquanto isso ela pensava em seu maldito ferimento.
Patético não começa a te descrever. Espontaneamente, as palavras antigas de seu pai lhe retornaram, mais adequadas agora do que eram então, quando ele era apenas um menino.
— Aqui está, Leeds. — Ela lhe estendeu a bengala, sua voz suave. — Você não deveria se mover sem ela.
Ele a arrancou dela com mais força do que o necessário, sentindo-se violento. Odiava ser um inválido, odiava o espectro de seu pai e não queria ter sentimentos por ninguém, muito menos por sua esposa santificada.
— Você não precisava ter se incomodado.
Se suas palavras eram amargas, não havia como evitar. Kit procurou em seu olhar um sinal de pena, mas não encontrou nenhum, apenas compaixão, e isso o fez querer rugir.
— Não desejo que você se machuque novamente, — ela explicou, franzindo a testa. — Você deve tomar cuidado para não fazer muita coisa muito cedo. O Dr. Gage advertiu contra isso.
— O Dr. Gage pode sumir. — As palavras insensíveis o deixaram antes que pudesse pensar melhor.
O não-mordomo escolheu aquele instante para bater à porta e se inserir de novo na situação.
— Sua graça? Há algo errado? Posso ajudar?
— Você pode sumir também, — Kit falou.
O não-mordomo ficou em silêncio, e Kit estava disposto a apostar todo o dote do casamento que recebera em suas núpcias com Georgiana, que exigia todo resquício de controle que o bastardo possuía para não dar uma réplica.
Georgiana inclinou a cabeça para ele, dando-lhe um olhar projetado para castigar que foi tornado menos severo por sua agitação contínua.
— Tente ser civilizado, Leeds. Todos os bebês de Lady abriram os olhos agora, e não acho que você vai mais confundi-los com ratos. Você não vai se vestir para poder descer e dar uma olhada? Depois, você pode encontrar os Liliputianos e comparar, se quiser.
Um sorriso brincou com os cantos de seus lábios, e o desejo de beijá-la novamente cresceu, repentino e forte. Ele o dominou.
— Senhora, eu traço um limite nos ratos.
Seu sorriso irrompeu então, amplo e descarado.
— Mas você nunca conheceu meus ratos, Kit.
Antes que ele pudesse oferecer mais protesto, ela se foi levando a coisa branca e peluda com ela. Como prática geral, ele detestava todos os roedores. Mas a mulher o chamara pelo nome, despedaçara-se tão gloriosamente em seus braços, e dane-se, ele não podia recusar. Primeiro, entretanto, ele precisaria fazer algo a respeito da furiosa ereção que estava envolta em seu robe.
Capítulo 13
Georgiana esperava o marido no salão matutino e, embora tivesse colocado um vestido naquela manhã por causa da visita do Dr. Gage, e seu desejo de pelo menos tentar parecer respeitável, mesmo que não fosse, ela estava sentada no chão. O melhor para permitir que seis gatinhos adoráveis e chorões rastejassem sobre ela com suas garras pegajosas e seus narizes curiosos. E eles rastejaram sobre ela, ficando presos em sua seda e cetim, batendo nas franjas e nas rosas de seda que adornavam suas saias.
Lady deslizou contra sua cintura e Georgiana passou a palma da mão sobre seu pelo macio, não desejando que a mamãe gata se sentisse ignorada. Lady. Sim, estava disposta a usar o nome abreviado aprovado por Leeds para sua felina obstinada.
Pensar nele enviou um calor subindo por ela e um formigamento correspondente de consciência entre suas coxas. A carne que ele tinha dado prazer com tanta habilidade latejava agora com uma lembrança depravada da sensação de seus dedos trabalhando sobre ela, o calor úmido de sua boca em seus mamilos, sua língua em sua boca. O que ele fez com ela...
Foi uma doce agonia. Ela nunca soube que seu corpo era capaz de sensações tão vívidas e deliciosas. Mas Kit havia destrancado aquela porta para sempre, e agora ela desejava passar por ela novamente e novamente.
Céus, estava prestes a explodir em chamas. O que estava pensando, permitindo-se ficar tão empolgada? Sucumbir à tentação potente de seu marido era tolice e desaconselhável. E, no entanto, não conseguia suprimir o desejo crescendo dentro dela mesmo agora.
Com um som abafado de frustração, ela concentrou suas atenções em uma distração mais digna: seus animais. Naquele momento, um gatinho laranja particularmente determinado começou a escalar seu corpete como se ela fosse uma montanha que pudesse conquistar.
Mas nem mesmo a distração do minúsculo aventureiro peludo foi suficiente para impedir que sua mente voltasse inevitavelmente para Kit, e o que tinha acontecido em seu quarto. Apesar de sua mente racional, apesar de sua arrogância, de sua turbulência, e do fato de que ela não ousava confiar nele quando ele ainda escondia a verdade, ela gostava de seus beijos, seu toque conhecedor e carícias perversas. Ela queria mais.
Em seus momentos mais fracos, com a boca dele comendo a dela em uma reivindicação tão potente e carnal, seus dedos arrancando um prazer de seu corpo tão intenso que ela quase chorou, ela queria tudo. Ansiava por um casamento verdadeiro. Pelo peso de seu corpo no dela, o calor de sua pele chamuscando-a como uma marca, sua dureza contra sua suavidade. Mas então, vieram os momentos em que ela saiu de seu magnetismo devastador, momentos como agora, quando podia expulsar a nuvem de luxúria de seu corpo e se concentrar nos fatos.
O gatinho subindo em seu corpete abriu caminho até o decote, afundando suas garras afiadas em sua pele nua. Isso também foi um lembrete oportuno de que não podia se permitir ser vítima de Kit. Um rosto bonito pode esconder uma abundância de pecados. Ele era frio. Perverso. Ele não lhe fez promessas.
E, no entanto, ele também foi o homem que permitiu que Lady se aninhasse em seu peito. Que adorou seu corpo sem se importar com sua própria necessidade de liberação. Que a chamou de deusa.
Não há nada de básico ou rudimentar no que sinto por você.
Qual Leeds era o verdadeiro Leeds? A besta glacial rosnando sentada em seu trono ducal? Ou o amante apaixonado que a segurou em seus braços e disse tudo o que ela desejava ouvir?
Quando a porta do salão se abriu e o objeto de suas reflexões perturbadas entrou mancando na sala, a bengala cerrada em uma das mãos para ajudá-lo a se equilibrar, sua confusão só aumentou. Afinal, ele tinha vindo ver os gatinhos, e isso fez o coração dela ficar quente, estranho e nervoso. O inflexível e insensível duque de Leeds tinha se aventurado à sala matutina porque ela o havia pedido.
Desconcertante.
Seus olhares se encontraram, seu ardente azul brilhante. Sua mandíbula estava rígida, maçãs do rosto marcadas, suas sobrancelhas perfeitas, seus ombros largos. Cada parte dele era impecavelmente masculina. Mas não foi sua aparência que a atraiu para ele, que fez seu pulso acelerar. Foi o fato de que ele estava aqui. Havia se vestido e vindo até ela, e ela não tinha fingimento, timidez ou mesmo defesa que pudesse suportar o impacto de sua presença em seu coração.
— Kit, — ela cumprimentou, oferecendo-lhe um sorriso genuíno. — Venha ver os gatinhos agora que seus olhos se abriram, não é? A diferença vai surpreender, prometo.
Ele levantou uma sobrancelha, fixando um olhar fulminante sobre ela.
— Eles ainda parecem ratos daqui, esposa.
Esposa. Ela se forçou a romper o olhar dele quando a palavra solitária enviou um trinado de algo estranho e delicioso por sua espinha. Gostava demais de ouvir isso em sua voz profunda e seu sotaque aristocrático - que tinha sido quase completamente restaurado após seu tempo na América. A maneira como ele disse foi íntima. Uma carícia.
Isso não funcionaria. Você não gosta dele, lembrou-se severamente. Pense em antes, como foi rude com o Dr. Gage. Pense em como zombou de suas origens. Acima de tudo, não lembre de sua mão dentro de suas calças.
Ela se preocupou em acariciar um gatinho branco com manchas de listras pretas na cabeça e no corpo.
— Talvez sua visão tenha sido afetada por seu ferimento, — sugeriu, mantendo seu tom azedo em um esforço para esconder os sentimentos indesejados que a percorriam na presença dele, apesar de não querê-los. Não fazia nenhuma hora que aquelas mãos longas e elegantes a acariciaram até o clímax, e era realmente difícil fingir que não tinha ocorrido. — Aproxime-se e veja por si mesmo se eles ainda se parecem minimamente com roedores.
Ele fechou a porta atrás de si, e ela continuou a se recusar a olhá-lo, fixando os olhos no gatinho. Embora Kit não tenha dito uma palavra, ela estava mais ciente do que teria preferido sobre cada passo dele pela sala. Até que, finalmente, os sapatos dele se aproximaram de suas saias estendidas, parando um pouco antes da bainha enfeitada com fita e prega.
— Você tem certeza de que o homem montanhoso que tentou me matar não substituiu os gatinhos reais por roedores?
Apertando os lábios, ela relutantemente olhou para cima para encontrá-lo pairando sobre ela, levianamente bonito e parecendo elegante e renovado em suas calças, colete e camisa branca imaculada. Não usava paletó, e ela tinha de admitir que o ar bastante íntimo que ele exalava a atraía. Por um momento, ela poderia esquecer seu início nada auspicioso, esquecer seu tempo longe e suas decepções, e imaginar como poderia ter sido suas vidas.
O que ele poderia ter sido como um verdadeiro marido.
Mas isso era um ponto discutível, não era, quando o homem diante dela, independentemente de quão bonito fosse, e apesar de como seu coração começou a se aquecer, não tinha intenção de ser um verdadeiro marido? Ela começou a sentir uma mudança nele. Uma inquietação cautelosa que era diferente da raiva amarga que ela esperava.
Ele estava se preparando para deixá-la novamente.
Georgiana não era idiota. Todo o tempo que passou na companhia de animais tornou muito mais fácil ler os corações, mentes e motivações dos humanos. Afinal, os humanos não eram tão diferentes dos animais como a maioria teria preferido acreditar.
— Georgiana? — Ele perguntou suavemente.
Ela percebeu tardiamente que estivera olhando para ele. O calor mortificado voou para suas bochechas, mesmo quando ela reconheceu que havia uma qualidade diferente e subjacente em sua voz. Quase uma ternura. Mas, não se atreveu a acreditar nisso.
Nem por um momento.
— Sente-se, sim? — Ela forçou um sorriso brilhante que mal sentiu nos lábios. Seria muito fácil esquecer todos os obstáculos entre eles, a desagradável verdade de sua união. Mas ela não conseguiu. Este homem estava fadado a desapontá-la. A deixá-la novamente.
Ele não era dela, mesmo que soubesse como fazer seu corpo cantar.
Mas ele fez o que ela mandou, deixando-a sem palavras mais uma vez, caminhando até o divã e abaixando seu corpo longo e esguio. Ele apoiou a bengala no joelho e virou as grandes mãos com as palmas para cima, como se estivesse suplicando.
— Aqui você me tem. Obedientemente, estou aqui para testemunhar a transformação de seus ratos. — Ele franziu a testa, a pele lisa entre suas sobrancelhas formando uma ruga que ela desejou, por um momento ridículo, beijar. — Você sempre fica à toa no chão, permitindo que eles subam em você como uma maldita árvore?
Seu desgosto era palpável. Às vezes, o coração de Georgiana doía ao pensar na infância que o Duque de Leeds havia experimentado. Seu próprio pai certamente nunca foi amoroso com ela, supondo que o lembrava muito de sua mãe e de tudo o que ele havia perdido. Mas nos animais da fazenda ela havia encontrado o amor que seu pai negara.
Quem amou Leeds? Certamente não seu pai.
Era por isso que ele insistia em ser tão indiferente, porque era um homem sozinho, porque não suportava a bondade sem questioná-la. Era possível que ninguém antes dela jamais tivesse mostrado isso a ele, e essa compreensão fez seu coração se partir por ele. Só um pouco.
Ela forçou sua mente a parar de pensar assim, para não se permitir ter mais noções fantasiosas sobre o Duque de Leeds.
— Começo a questionar a sua compreensão da língua inglesa. — Ela franziu os lábios, considerando-o. — Você parece confuso com a definição primeiro de roedores, e agora, preguiçosos. Estou apenas sentada aqui, como você pode ver.
— No chão. — Seu lábio se curvou.
Ela supôs que ele não poderia se conter.
— Estar no nível deles me traz alegria. Não quero me empoleirar em um sofá e observá-los de longe. Eu quero amá-los.
Ele a encarou, sua mandíbula endurecendo, seus olhos intensos. Procurando.
— Não é mais seguro assistir de longe?
Georgiana lhe deu um pequeno sorriso de compreensão. Eles eram tão diferentes, ela e ele. Era impossível que o casamento deles pudesse ter esperança de se tornar algo mais, mesmo que ele abandonasse seu trabalho secreto no governo e permanecesse em Londres.
— Mais seguro não significa melhor, Kit. Às vezes, você deve se rebaixar, permitir-se sentir, experimentar a alegria de gatinhos recém-nascidos, ficar coberto de pelos, mergulhar no amor descarado de um cachorro ou no focinho confiante de um gato. Às vezes, você deve esmagar sua seda, sentar-se no chão e permitir que meia dúzia de gatinhos subam em você como uma maldita árvore. Porque vale a pena. O amor deles vale a pena.
Seu olhar se aguçou, o silêncio floresceu na sequência de seu discurso improvisado. O calor subiu para suas bochechas enquanto ele continuava a estudá-la, ela se sentindo como uma borboleta que ficou sem ar em uma jarra apenas para ter sua carcaça presa a um quadro de observação. Por que, oh, por que o Duque de Leeds possuía o poder de afetá-la tanto, de derrubá-la com um olhar mortal? Para matá-la com seu silêncio?
— Minha querida e ingênua duquesa americana, você não percebe que o amor não existe? — Ele perguntou finalmente, os cantos de sua boca sensual se curvando como se a achasse divertida. — Nenhuma dessas criaturas te ama. Eles precisam de comida, um lugar quente para dormir e gostam de ser acariciados. Não muito diferente dos homens, na verdade.
Seu embaraço se transformou em raiva, começando profundamente dentro dela e irradiando para fora em ondas violentas, de forma que desejou ir até ele e dar um tapa em sua arrogante e perfeita bochecha.
— Sua visão do mundo é terrível, — disse ela.
E decepcionante. Talvez ela tivesse imaginado que ele se suavizou. Talvez ele gostasse de brincar com ela, e estava apenas ganhando tempo, se recuperando do ferimento, esperando para desaparecer no éter mais uma vez. Que triste ela ter se permitido ser ligada a um homem que nem mesmo acreditava no amor doce e puro de um animal inocente.
Ele ergueu uma sobrancelha, sem sorrir.
— Minha visão do mundo é realista, Georgiana. Imagino que simplesmente tive mais tempo para me familiarizar com o jeito das coisas do que você.
— Se você acha que eu nunca conheci sofrimento ou traição, você está errado. Vivi uma vida que você nem pode imaginar, nascendo como você nasceu para ter privilégios e poder. Atrevo-me a dizer que tive tanto tempo para me familiarizar com o funcionamento das coisas quanto você. Eu, entretanto, escolho ver o que há de bom na vida pela bênção que ela é. Nem todo mundo é uma nuvem de tempestade sem humor com a arrogância de um deus grego, veja. — Determinação misturada com raiva, e ela cuidadosamente removeu cada gatinho de seu vestido, exceto o gatinho branco com as manchas listradas.
Ele era o seu favorito, com sua ousadia característica e seus miados altos que pareciam sugerir que ele desejava manter uma conversa. Sempre que ele estava perdido na sala - escondido embaixo de um sofá, vagando embaixo de uma cadeira - ela só tinha que ouvir seus miados, e poderia encontrá-lo todas as vezes sem falta. Caminhando até o homem ameaçador sentado do outro lado da sala, ela estendeu o gatinho para ele como se estivesse oferecendo. A expressão do duque mudou de sua costumeira altivez para alarme.
Ele ergueu a mão espalmada, como se para afastar uma praga.
— Eu não quero isso.
— É um ele. — Ela segurou o gatinho se contorcendo, esperando que seu marido cedesse e aceitasse o adorável pacote de pelos.
— É um rato. — Ele franziu a testa. — Por favor, guarde isso para você, senhora.
Ah, então eles haviam voltado à formalidade novamente, certo? Ela mordeu o lábio inferior para conter sua irritação crescente.
— Ele é um gatinho. O nome dele é Sherman, — ela falou como se estivesse falando com alguém que falasse um idioma diferente. E então, ela depositou o gatinho no peito de Kit para que ele não tivesse escolha a não ser levantar as mãos para segurar o felino no lugar, para que as garras de Sherman não estragassem sua camisa e colete.
A visão de suas mãos grandes e masculinas segurando o gatinho com tanta ternura, apesar de toda a sua arrogância, formou um nó na garganta de Georgiana. Na verdade, Leeds embalando o gatinho fez com que coisas estranhas acontecessem em seu interior. Ela se sentiu fraca e febril. E por um breve e louco momento, se perguntou como seria vê-lo segurando seu bebê em seus braços.
Todos os anjos do céu, de onde saiu aquele horrível, horrível e ridículo voo de fantasia? Mais importante, por que isso chegou agora, provocando-a, fazendo-a perceber o quanto ela queria ver isso algum dia?
Este monstro insensível seria um pai horrível, ela se lembrou. Você nem gosta dele. Quase metade de sua conversa consiste em blasfêmia e epítetos. Ele não gosta de gatinhos e acha que o amor é uma ficção.
Isso tudo era verdade, claro. O Duque de Leeds era tão bonito quanto horrível. Ele não tinha quase nada para recomendá-lo, exceto seus beijos transformadores, suas carícias tentadoras sob suas saias e seu rosto bonito.
Por que, então, seu estômago parecia como se tivesse caído direto para seus pés? E de onde surgiu essa sensação indesejada de calor que a envolveu?
A coisa mais estranha de todas aconteceu, então. Em vez de tirar o gatinho agarrado do peito ou exigir que ela o retirasse, o duque acariciou as costas de Sherman, acalmando-o. O gatinho aninhou-se contra aquele toque, e Leeds o fez novamente.
Oh céus, por que ela tinha que achar a visão dele acariciando um gatinho em seu peito diabolicamente largo tão atraente? Por que estava causando palpitações em seu coração?
— Uma escolha estranha de nome, — ele comentou de repente enquanto continuava a acariciar o pelo do gatinho, acalmando-o ainda mais.
Ela se eriçou, agarrando-se a uma desculpa para se distrair do absurdo perturbador que invadia seu corpo.
— Seu homônimo, general William Tecumseh Sherman, não concordaria com o senhor.
Leeds continuou a acariciar o gatinho, mas seu olhar, feroz e perscrutador, fixou-se nela mais uma vez.
— General Sherman?
Georgiana resistiu ao impulso de se contorcer sob seu escrutínio, forçando sua mente ao assunto em questão. Ele não sabia quem era o General Sherman?
— Apenas um general corajoso e célebre durante a grande guerra. — Ela não sabia o que fazer com as mãos, confusa como estava com o olhar dele e com o tratamento gentil que dispensava ao gatinho.
Ele inclinou a cabeça, uma nova luz entrando em seus olhos.
— Certamente você é muito jovem para se lembrar da guerra civil de seu país.
Era aí que ele estava errado. Quando se tratava de guerra, nenhuma idade era jovem demais para se lembrar. Ela devastava e aterrorizava, a guerra roubou, pilhou e matou, e enquanto ela vivesse, nunca esqueceria o som de tiros de canhão ribombando à distância ou o medo de que, a qualquer momento, soldados inimigos pudessem invadir sua casa e tomar tudo o que tinham.
— A fazenda do meu pai ficava na Pensilvânia, a cerca de uma hora de viagem de um local chamado Gettysburg. — As palavras que emergiram de sua própria boca a assustaram. Como prática, ela não falava da guerra. Muitos anos se passaram desde aquela época desesperadora e aterrorizante - uma vida inteira, parecia. Por que, então, ela abriria essa veia diante do insensível Duque de Leeds? Ela não sabia, mas enquanto procurava seu olhar, ela se encontrou querendo descarregar seu passado, querendo que ele a entendesse, só um pouquinho. — Você ouviu falar?
Ele inclinou a cabeça, sua expressão endurecendo em ângulos sombrios e linhas nítidas.
— Eu ouvi.
Claro que ele teria ouvido, supôs, sendo um homem do mundo bem versado. Gettysburg tinha visto três dias mortais de batalha devastadora que nunca seriam esquecidos.
— Eu era apenas uma criança de quatro anos quando a batalha foi travada lá. Jamais esquecerei o som das armas, interminável e estrondoso à distância. Quando ouvi o canhão, entendi pela primeira vez o que realmente é o medo.
— Georgiana. — O tom do duque se tornou áspero com uma emoção que ela não conseguia definir.
Ela olhou para o tapete estampado, longe dele, perdida por um momento na turbulência do passado mais uma vez. Seu pai havia se alistado e eles não sabiam se ele lutou ou não na batalha. Circulavam boatos de que os confederados estavam vencendo, de que varreriam Gettysburg e destruiriam o campo circundante. Ela, sua mãe e seu irmão, que aos oito anos era jovem demais para o alistamento, junto com alguns homens idosos, eram os únicos ocupantes da fazenda. Sua mãe manteve Georgiana e seu irmão no porão até que a notícia da vitória da União finalmente os alcançou.
Palavras não podiam expressar adequadamente o horror daqueles dias. Inevitavelmente, pensar em seu irmão Arthur a enchia de melancolia, pois, como mamãe, ele não estava mais com ela. Mas, não disse nada disso ao homem indecifrável à sua frente, pois havia revelado muito e não desejava dar-lhe mais munição contra ela. Também não queria parecer fraca de forma alguma.
— Eu tinha seis anos quando acabou, velha o suficiente para entender, — ela terminou, erguendo a cabeça para encará-lo. — A guerra era inevitável. Depois que terminou, minha mãe me levou para a cidade de Washington para ver a Grand Review de nosso exército vitorioso, e eu nunca esquecerei aquele dia, avistando o General Sherman à frente de seus homens. Mamãe me segurou nos ombros depois que quase a perdi no meio da multidão.
Ela sumiu em uma memória agridoce, lembrando que era uma das últimas memórias felizes que tinha de sua mãe. Naquele inverno, sua mãe adoeceu e nunca se recuperou. Na primavera seguinte, Georgiana não estava testemunhando um desfile alegre como no ano anterior, mas sim o lançamento do caixão de sua mãe na terra. O de Arthur, a seguiu um mês depois.
— Eu retiro o que disse.
Sua voz profunda a sacudiu de volta ao presente. Ela franziu a testa.
— Como?
— O nome dele. — Leeds continuou a dar golpes lentos e afetuosos em Sherman. Os olhos do gatinho começaram a ficar sonolentos, piscando lentamente. Seu rosto estava pressionado contra o peito do duque. — É excelente.
Ela engoliu em seco contra outra onda de emoção e caiu mais fundo em seu olhar. Tão profundo que nem percebeu que ele havia pegado sua mão até que a puxou. Sua mão esquerda embalava Sherman agora adormecido enquanto a direita segurava a dela.
Georgiana teria se afastado de seu aperto, mas havia algo em seu toque, seus dedos entrelaçados com os dela, a suavidade em torno de sua boca normalmente cínica, que a enredou. Ela não podia soltar. Em vez disso, se pegou agarrada a ele. Nesta frágil esperança de que os breves lampejos de calor que ela viu dentro dele fossem reais, e que eles poderiam um dia ir adiante em algo mais.
Que um dia, poderiam ter um casamento verdadeiro.
Era isso que ela queria? Quando conseguir o divórcio deixou de ser o principal em seus pensamentos e desejos? Seu coração bateu forte. Seu corpo parecia dizer, muito, muito cedo. Mas então, ele deu outro puxão em sua mão, e ela se sentou recatadamente ao seu lado, tomando muito cuidado para que nem mesmo a onda de suas saias tocasse sua coxa vestida com calças.
— Aí está você, — disse ele, um sorriso curvando sua bela boca pela primeira vez desde que entrou no salão matinal. — Precisamente aonde você pertence.
Ao seu lado?
Ela estava segurando sua mão como se eles não fossem estranhos lançados em um casamento que nenhum dos dois queria. Como se nunca tivesse havido mentiras ou mágoas entre eles. Senhor, que idiota ela era por se sentar aqui, aquecendo-se em sua presença como se fosse algo que precisasse.
Sentindo-se irritada e incerta de si mesma, ela retirou a mão da dele.
— Quem é você para decidir a quem pertenço?
Em vez de retirar a mão, ele largou a mão no colo dela. Através das camadas de suas saias, ele encontrou sua coxa e apertou com intenção gentil.
— Seu marido.
Seu toque, íntimo o suficiente para quase roçar o ápice de suas coxas, onde ela ansiava por mais de seus toques, e seu pronunciamento possessivo enviou um choque de necessidade pura e fundida direto para seu núcleo.
Ela teria ofegado em voz alta se não tivesse afundado os dentes no lábio inferior da forma mais cruel, e teria se virado para ele e o beijado se não tivesse desviado o olhar para o chão novamente, onde Lady decidiu se aconchegar em sua cama improvisada e amamentar seus queridos. Eles se aglomeraram ao redor dela instantaneamente, choramingando, rastejando um em cima do outro, tentando obter a melhor colocação.
— Você não tem sido um bom marido, — ela observou antes que pudesse se conter, ainda sem vontade de olhar para ele. A visão de sua masculinidade crua e bela embalando aquele gatinho fofo era demais para sua resistência suportar.
— Talvez eu queira retificar isso.
A respiração disparou de seus pulmões. Ela ficou rígida.
— E se você não puder?
Por mais que se sentisse atraída por ele, também sentia a necessidade de se salvar. Para evitar que seu coração se machucasse. A compreensão horrível e feia a atingiu então, com a força de uma pancada no rosto. Ela poderia amá-lo, se ela se permitisse.
Ela nunca deve se permitir.
— Georgiana.
O nome dela em sua voz sombria e perversa a fez pulsar em lugares que ela não sabia que existiam até hoje. Agarrou um punhado de suas saias de seda, olhando para Lady e seus gatinhos, recusando-se a reconhecer que ele havia falado.
— Georgiana, porra, olhe para mim.
Havia algo em seu tom - talvez um toque de desespero, talvez um de necessidade feroz e consumidora - que a fez ceder. Ela virou a cabeça e encontrou seu olhar, exasperada. Com fome. Confuso.
— O que você quer, Kit?
— Você.
Sua resposta em uma única palavra pousou entre suas coxas como uma pulsação, uma dor veemente, tornou-se um arrepio por sua espinha, fez seu coração bater em dobro, seus lábios se abriram em surpresa e antecipação. Ela sentiu a reverberação de sua confissão em todas as suas partes, formigando dos dedos das mãos aos dedos dos pés.
Ela se recompôs e balançou a cabeça.
— Eu não posso te dar isso.
— Você pode, — ele rebateu. — Desejo ser seu marido mais do que no nome, Georgiana.
— Não. — Ela se recusou a acreditar. Acreditar nele. Isso era mais crueldade da parte dele, uma piada cruel que ele fazia por gostar de vê-la se contorcer. Ou talvez seus motivos fossem mais nefastos, e desejasse ver se poderia torná-la fraca por ele, antes de rejeitá-la e negá-la. — Eu não posso te dar isso, não agora. Talvez nunca.
— Sim, você pode. — Seu olhar azul era brilhante, direto e inabalável sobre o dela. — Estamos indissoluvelmente ligados. É lógico que poderíamos - deveríamos, até - recorrer um ao outro. Para conforto, para consolo, para prazer. O que compartilhamos anteriormente é apenas o começo. Há muito mais.
Prazer. Essa palavra solitária fez coisas perversas com ela, acendendo um fogo que não seria apagado pelo bom senso. Ela não podia desviar o olhar desta vez, não importa o quanto quisesse. Ele estava falando sério. Apesar de todas as suas suspeitas, apesar de seu passado, apesar de sua frieza, ela acreditava nele. Georgiana queria dizer algo significativo, responder na mesma moeda. Mas o medo paralisou sua língua, e ela não conseguia dizer nenhuma das coisas que dançavam em sua mente. Em vez disso, ela buscou segurança.
— Sherman deve ser devolvido a Lady para que ele possa ter sua refeição, — disse a Leeds calmamente.
— Claro. — Ele gentilmente recolheu o gatinho adormecido e o devolveu aos seus braços. O cuidado carinhoso do seu toque a surpreendeu e agradou contra sua vontade. — Pense no que eu disse.
Como se ela pudesse pensar em outra coisa. Quem não iria querer mais das sensações perversas que ele desencadeou dentro dela em seu quarto? Seu corpo ainda zumbia com consciência. Quando ela pegou o gatinho, seus olhos a queimaram. Sem palavras, ela devolveu Sherman para sua mãe, grata pela distração. Ela observou o gatinho se enterrar na pilha de pelos que se mexiam e ronronavam, coçou a cabeça de Lady e se levantou.
— Georgiana, — Kit chamou seu nome novamente, mas ela não conseguia olhá-lo. Ele era sua Medusa agora, e se ela o olhasse novamente, ela se transformaria. Mas não em pedra. Em vez disso, se transformaria em uma ingênua de joelhos fracos e olhos arregalados que estava muito ansiosa para aceitar sua doce sedução.
Não podia render-se. Não mais do que ela já tinha.
Seria uma loucura.
— Acredito que sou necessária em outro lugar agora, e devo me retirar, — ela avisou por cima do ombro como a covarde que era. — Monsieur Cotillon precisa revisar o menu, e a Sra. Drake deseja ter uma palavra comigo sobre... a limpeza dos tapetes na biblioteca. Bom dia, Leeds.
Com isso, ela saiu correndo da sala. Enquanto fugia, ele a chamou.
— Você pode fugir de mim, Georgiana. Mas eu vou te pegar. Além disso, os tapetes da biblioteca foram limpos apenas após a realocação de sua ninhada de gatinhos. Esteja avisada: reconheço a prevaricação quando a ouço.
Droga de homem, por ser tão observador, mas supôs-se que vinha junto com a bagagem de um espião. Ela estremeceu e continuou andando, envolvendo o coração ao longo do caminho.
Capítulo 14
Ele acordou de um sono profundo, o corpo tenso. Anos de treinamento e condicionamento não poderiam ser perdidos completamente em poucos meses de vida civil. Quando estava inconsciente, embalado pelos terrores cheios de sonhos do sono, ele era uma máquina de matar bem afiada, preparada para fazer justiça ao menor som. Um alfinete caiu no tapete. Uma inalação. Um rangido no assoalho. Uma pegada perdida.
E foi assim que soube que não estava sozinho.
Alguém se escondia na escuridão. Ele se forçou a fingir que respirava sonolento enquanto sua mão lentamente deslizava sob o travesseiro. Desde seu retorno a Londres, ele estava esperando por uma emboscada. Senão por Ludlow, que, estranhamente, parecia estar do mesmo lado que ele, então por outro. O bastardo que o traíra não iria parar até que ele estivesse morto. Ou até que Kit acabasse com seu inimigo desconhecido. O que acontecer primeiro.
Kit faria o possível para garantir que não fosse ele próprio. Tinha muito pelo que viver. A vingança seria dele, e o homem que tentou assassiná-lo viveria para pagar por seus pecados.
Talvez este seja o dia.
Uma exalação suave deixou a boca do agressor. Uma tábua do assoalho rangeu quando o intruso se aproximou de sua cama. Seus dedos encontraram o punho frio e duro de sua lâmina. Outra respiração soou, mais perto dessa vez. Foi curto, rápido, superficial, sugerindo um ataque de nervos.
Os olhos de Kit estavam bem ajustados à escuridão, o suficiente para discernir uma figura pairando sobre ele, hesitando, ao que parecia, atolada em falta de coragem ou indecisão. O Kit em que ele se tornara em sua convalescença identificou um momento de compaixão pela sombra, que era com toda a probabilidade um jovem inexperiente encarregado de um trabalho de homem.
Matar não era para os fracos.
Ele deslizou a lâmina debaixo do travesseiro, preparando-se para atacar primeiro. Estar na defensiva o colocaria em grande desvantagem devido à falta de luz. Uma lâmina rápida no estômago seria suficiente para derrubar seu oponente. Seria uma morte prolongada, em vez de um sangramento rápido, mas ele não tinha tempo nem inclinação para ter remorso com alguém prestes a tentar assassiná-lo.
Outro passo aproximou o suposto agressor. Kit ficou tenso, preparando-se para a ação. Seu olhar encontrou seu alvo, onde afundaria sua lâmina para causar o dano ideal. Ele precisaria derrubar o sujeito, pois ainda não estava com todas as forças, e não tinha certeza de como uma batalha até a morte no escuro resultaria para ele de outra forma.
As lâmpadas acenderam repentinamente e uma pistola foi engatilhada. Piscando para a claridade, Kit percebeu - sem um pouco de desgosto - que ele não precisava ter se preocupado com uma luta até a morte. Claramente, seus sentidos de espião estavam muito mais diminuídos do que havia percebido, pois logo atrás de seu suposto assassino estava o não-mordomo, pistola na mão, a luz da lamparina banhando-o em um brilho sobrenatural.
— Largue sua arma, — Ludlow latiu. — Agora.
Maldito esconderijo.
Quão miseravelmente, terrivelmente, horrivelmente deprimente para caralho. Ele não apenas não ouviu ou sentiu a presença de uma terceira pessoa em seu quarto, mas também foi resgatado pelo último maldito homem da cristandade com quem desejaria ficar em dívida. O homem que estava apaixonado por sua esposa.
Quando seus olhos se ajustaram à luz, Kit notou que o intruso era exatamente como ele havia suspeitado, um rapaz de anos indeterminados - não mais do que quinze ou dezesseis - frágil de constituição e pele pálida. Ele segurava uma lâmina de aparência sinistra frouxa em sua mão fina, quase feminina. Mas parecia que preferia largar a coisa e pagar por seus atos do que causar danos com ela.
— Largue a porra da faca, vou acabar com você, — o não-mordomo exigiu, sua voz desprovida de qualquer emoção.
Foi então que Kit teve certeza de que Ludlow, sem dúvida, compartilhava sangue com o duque de Carlisle. O bastardo mais frio, sem emoção e sem alma que ele já conheceu.
— Não mate o rapaz, Ludlow, — Kit estalou. — Você não pode ver que ele tem medo de sua própria maldita sombra?
— Eu não tenho medo de nada, — disse o jovem com um sotaque decididamente da classe trabalhadora, seu queixo tremendo enquanto desviava os olhares entre o não-mordomo e Kit.
— Nesse caso, você é um idiota sem cérebro, — cuspiu Ludlow, — pois se há algo que você deve temer, rapaz, é uma bala alojada no cérebro.
A espinha do rapaz se enrijeceu e Kit percebeu o momento em que ele decidiu tentar o diabo e fazer algo estúpido. Ele tirou a escolha das mãos do rapaz, desferindo um golpe rápido e forte em seu pulso que fez seus dedos se abrirem e a lâmina cair no chão.
— Droga, Leeds, — sibilou o não-mordomo.
Kit o ignorou. Ele não queria que sangue fosse derramado hoje. O que ele queria mais do que tudo eram respostas. Respostas definitivas.
— Qual foi o seu propósito em vir aqui esta noite? — Ele demandou.
— Vai se foder, — o rapaz disse, emburrado.
Ludlow caminhou pelo quarto, olhando tão ferozmente que sua cicatriz assumiu uma qualidade ameaçadora e sinistra. Ele pressionou o cano de sua pistola na cabeça do rapaz.
— Você pode querer reformular sua resposta, seu idiota. Diga-nos por que você veio ou vou acabar com você aqui e agora.
O rapaz fechou os olhos.
— Acabe comigo, então. Qual é a diferença, afinal?
— Seu merdinha, — Ludlow rosnou. — Você tem até a contagem de três para dizer algo que valha a pena antes de exibir uma bala entre os olhos. Um.
— O que quer que você tenha recebido, eu vou quadruplicar, — Kit interrompeu, sentindo que uma tática diferente - além da barbárie de Ludlow - poderia caber a eles. — Dê-me as respostas que procuro e você será amplamente recompensado.
O rapaz cuspiu no chão.
— E você espera que acredite em você? Prometa o mundo, não é, e então me veja atirado na prisão ou no rio por meus esforços.
Ludlow zombou, espetando Kit com um olhar feroz.
— Essa é a diferença entre qualidade e pessoas normais. Você acha que pode comprar ou se safar de qualquer coisa, não é, duque?
— Cavalheiros chiques são todos iguais, — disse o rapaz, com uma expressão surpreendentemente obstinada para um jovem sem armas com uma montanha de homem nas costas e uma pistola pressionada contra o crânio. — Você está sem palavras, não é. Vocês podem ir se foder.
Mas Kit não se intimidou. Ele manteve seu olhar treinado no rapaz, sua mente focada no que ele queria mais do que qualquer outra coisa: respostas.
— Quem você está tentando ajudar, rapaz? Uma mãe? Irmã? Dê-nos as informações de que precisamos e cuidarei para que, seja quem for, ela será ajudada tão bem quanto você.
O rosto do rapaz mudou, sua boca se contraindo em uma linha tênue de indecisão. Até que aparentemente alcançou sua resolução. Ele assentiu.
— Minha irmã. Se você prometer ajudá-la, lhe digo qualquer coisa que quiser saber.
— Diga-nos agora — entoou o não-mordomo, empurrando o rapaz com o cano da pistola.
— Paciência, — disse Kit a Ludlow. — Como você me disse recentemente, pássaros presos não cantam.
— Quanto? — O rapaz exigiu de Kit, seus olhos escuros nunca o deixando, apesar do tratamento áspero do não-mordomo.
— Duzentas libras, — disse Kit.
— Sua vida, — o não-mordomo rosnou ao mesmo tempo.
Maldição, o bastardo parecia determinado a persegui-lo e miná-lo a cada passo do caminho. Ele lançou-lhe um olhar penetrante antes de se voltar para o rapaz.
— Duzentas libras, — repetiu. — Junto com sua promessa de que nunca mais aceitará dinheiro para cometer assassinato. O próximo sujeito que você tentar esfaquear até a morte no meio da noite provavelmente não será tão compreensivo.
Ele estava confiando em seus instintos sobre este assunto. O jovem não tinha a aparência ou o ar de um criminoso de rua experiente. Seus nervos o denunciaram desde o início. Kit acreditava em segundas chances.
Os olhos do rapaz saltaram.
— Não era você que eu deveria encontrar. Era uma fulana.
Georgiana. Claro. O mundo exterior não estava ciente de que os aposentos ducais haviam sido invadidos por uma matilha de caninos, e ninguém saberia que ele agora ocupava os aposentos da duquesa. Seu sangue gelou.
— Você foi enviado aqui para assassinar uma mulher indefesa em sua cama?
— Não fiz perguntas. Moeda é moeda quando você precisa. — O rapaz fez uma pausa e todos os seus maneirismos sugeriram que disse a verdade. Seu olhar não vacilou ou disparou, mas se manteve firme. — Minha irmã está na prisão e preciso que ela saia. Um nobre me ofereceu metade do dinheiro para antes do trabalho, e a outra quando estivesse concluído.
Kit absorveu a informação. Parecia uma prática familiar, nada fora do comum. Mas como poderia conectar o homem que contratou o rapaz ao pai de Georgiana?
— Este nobre, você pode descrevê-lo?
— Sombrio, de olhos maldosos e um sotaque que disse que ele veio de Nova York. Disse que havia muito mais de onde isso veio quando ele me deu a libra. Que ele trabalhou para um pássaro rico, e ela estava apaixonada por ele.
Nova York fazia sentido - estava perto de ser a conexão com o pai de Georgiana que ele precisava. Mas o pássaro rico o derrubou. O homem que contratou o rapaz para cometer assassinato trabalhava para uma mulher rica? Isso dificilmente fazia sentido. E então, havia a questão preocupante do sotaque.
— Seu sotaque. Era irlandês?
— Não poderia dizer. Soa estranho, não como eu já tivesse ouvido antes.
Kit e Ludlow trocaram um olhar. Esse negócio de sotaque foi um desenvolvimento problemático, pois turvou as águas. Se houvesse uma chance de que a pessoa responsável pelos ataques feitos contra Georgiana estivesse de alguma forma relacionada às facções viciosas de fenianos que ele infiltrou...
— Onde você foi encontraria esse suposto nobre depois de cometer o ato hediondo? — Ludlow exigiu, mantendo a pistola apontada para a cabeça do rapaz.
— No beco atrás do Charrington's, — o menino respondeu, citando uma conhecida cervejaria do East End. — Imediatamente após vir de minha tarefa aqui.
Kit ergueu uma sobrancelha para Ludlow, certo de que eles estavam pensando a mesma coisa. Era mais do que provável que o rapaz fosse encontrar seu próprio fim no beco escuro atrás do Charrington's, sangrando nas pedras, em vez de coletar o resto de seu dinheiro de sangue. Pelo menos, agora tinham um lugar para começar, no entanto.
— Parece que vamos para o Charrington's, — Kit anunciou severamente. — Ludlow, leve nosso amigo aqui para outro lugar enquanto eu me visto, por favor.
Os lábios de Ludlow se curvaram, mas ele inclinou a cabeça.
— Qualquer movimento em falso, e ainda estou colocando uma bala em você, — avisou ao garoto em seu caminho para fora do quarto.
Kit jogou longe a roupa de cama e vestiu-se com pressa, tomando o cuidado de se armar com uma pistola, duas facas e sua bengala. Sem dúvida, a pequena lâmina contida em sua extremidade pode ser útil em uma noite como esta.
— O desgraçado vai fugir, — previu o não-mordomo uma hora depois, enquanto esperavam juntos na escuridão atrás da barulhenta cervejaria.
Eles haviam deixado a Leeds House sob o olhar atento de guardas adicionais fornecidos por Carlisle, com dois homens posicionados na porta de Georgiana, e três no perímetro logo abaixo de seu quarto. O guarda adormecido que permitira que o rapaz entrasse pela janela da biblioteca fora dispensado de sua tarefa com o nariz sangrando por sua falta de preocupação com seu dever. Por algum milagre, Georgiana não foi despertada pela repentina comoção da meia-noite na casa - ele a examinou pessoalmente - e pretendia mantê-la sem perturbação e sem medo. Ele tinha toda a intenção de derrotar este inimigo antes que ela soubesse que existia.
— Se ele fugir, não vai receber seu maldito dinheiro, — Kit sussurrou de volta. Ele tinha se assegurado de reter cada centavo do garoto até que a farsa daquela noite tivesse terminado com seu agradecimento final.
— Ele tem metade da recompensa que foi prometida por sua barganha do diabo com o pai de Sua Graça. Se ele fosse inteligente, correria com a moeda no bolso e fugiria direto para o campo. — O tom de Ludlow era azedo. — Você deveria ter me permitido arrepiar suas penas.
— Não entendo sua tendência para as aves — Kit resmungou, irritado com o homem, mas de alguma forma também divertido. Relutantemente, reconheceu que se não fosse pelo amor óbvio do bastardo atrevido por sua própria esposa, realmente gostaria dele. — Além disso, tenho a nítida impressão de que sua noção de penas arrepiadas equivaleria a quebrar uma maldita asa ou um bico.
Era verdade. A montanha era incivilizada, sua afinidade com a violência, aparente. E ainda assim sua esposa falou do diabo como se ele fosse o cordeiro mais gentil. Estava dolorosamente claro que Ludlow era tão terno quanto um urso voraz.
Mas qualquer ciúme queimando nas entranhas de Kit por causa da lealdade de sua duquesa ao não-mordomo esmaeceu quando, finalmente, uma figura alta vestida de preto, usando um chapéu que protegia suas feições, se aproximou do rapaz. Eles não estavam perto o suficiente para discernir o diálogo entre os dois, então Kit fez um gesto para Ludlow segui-lo enquanto se aproximava.
Com entorpecimento meticuloso, eles se moveram mais perto até que a voz do homem alto pudesse ser ouvida acima do barulho da vida noturna que prosperava ao redor deles.
— ...Preciso de confirmação antes de ganhar o resto do que foi prometido. Naturalmente, não posso simplesmente acreditar em sua palavra de que a ação está cumprida. — Não havia como confundir a cadência daquela voz. Kit havia se infiltrado nos círculos mais mercuriais e perigosos de irlandeses americanos em Nova York por meio ano. Ele reconhecia o sotaque de um irlandês que viveu vários anos na extremidade oposta do Atlântico, da mesma forma que sabia que o reflexo no espelho era seu.
Que reviravolta interessante e preocupante isso se apresentou.
— Oh, esfaqueei ela no coração. Sangrou como um porco em tudo, — gabou-se o rapaz. — Assim como você pediu. Agora eu quero o que é devido a mim.
As mãos de Kit cerraram-se em punhos ao lado do corpo com as palavras. Mesmo sabendo que Georgiana estava ilesa e dormindo pacificamente sob forte guarda em Leeds House, ele ansiava por rasgar alguém, membro por membro. Começaria com o bastardo que contratou o moleque de rua para assassinar sua esposa.
Apenas a mão de Ludlow em seu cotovelo o impediu de avançar na escuridão e se lançar contra aquela figura sombria. Seus punhos doíam com a necessidade de se enterrar nos dentes do filho da puta.
— Você vai receber o que lhe é devido, — a figura prometeu em um tom sombrio que quase ecoou os pensamentos de Kit. Ele retirou uma arma de sua jaqueta e apontou para o rapaz, engatilhando-a. — Você não deveria ter sido ganancioso. Mas você foi, e agora terá que pagar o preço.
— Maldito inferno, — Ludlow murmurou ao seu lado. — Devemos atacar.
Eles haviam formulado um plano de batalha. Segurando sua bengala em uma das mãos e uma pistola na outra, ele avançou em uníssono com Ludlow. Ele estava funcionando puramente por instinto agora, sua mente ultrapassando seu corpo. Não havia lugar para fraqueza ou dor. Havia apenas necessidade. A necessidade de agir.
Agora.
O rapaz e o homem alto se viraram para encará-los. Kit leu o medo nos olhos arregalados do rapaz um momento antes do impacto. Por um instante, enquanto ele se lançava para frente, o tempo pareceu parar, movendo-se com entorpecimento nauseante.
Um disparo de pistola ecoou pelo ar. O som de uma bala encontrando seu lar na carne - inegável e muito familiar - o atingiu. Seu corpo se conectou com o do rapaz e eles desabaram. A dor atingiu sua coxa com o impacto, mas ele foi capaz de se mover no último momento, de modo que o lado saudável de seu corpo suportou a maior parte do impacto da força.
Rangendo os dentes, ele ergueu a cabeça para descobrir que Ludlow havia derrubado o outro homem também. Ambos estavam assustadoramente imóveis. A pistola do homem estava levantada, engatilhada, pronta para atirar. Havia a possibilidade de que, por mais capaz que fosse, Ludlow não tivesse conseguido atirar primeiro.
— Ludlow, — ele murmurou enquanto rolava do rapaz e forçava seu corpo que protestava a ficar de pé.
O não-mordomo mudou de posição, e Kit sentiu um alívio tão rápido e furioso que o irritou bastante, mesmo naquele instante de suprema gravidade. Ludlow se ergueu do chão também, piscando enquanto olhava para a figura deitada imóvel nas pedras. Uma inspeção posterior revelou um ferimento a bala em sua cabeça, escorrendo sangue.
Na penumbra, Kit deu um passo à frente, seu olhar viajando sobre o rosto do homem, na esperança de uma explosão de reconhecimento em resposta e não encontrando nenhum. Este homem - o homem morto - não era ninguém com quem já havia cruzado antes.
Ele olhou para o não-mordomo então, a frustração crescendo no instante seguinte, seguindo o alívio que ele estava vivo, e não era o que estava deitado de bruços no beco.
— Você o matou.
O olhar de Ludlow era implacável.
— Era ele ou nós. Não havia escolha.
— Você poderia muito bem ter atirado nele em outro lugar. A mão, por exemplo, — Kit argumentou em uma onda de raiva. — Eu queria respostas e agora teremos os malditos policiais nos atacando.
— Policiais? — O rapaz falou pela primeira vez desde a briga, trazendo o olhar de Kit de volta para ele. Ele estava pálido, de olhos arregalados. — Eu não quero problemas. Vocês, nobres, são loucos para caralho.
Kit tirou a recompensa do rapaz de sua jaqueta, enfiando as notas em seu peito.
— Seu pagamento. Deve ser mais do que suficiente para ajudar na situação de sua irmã. Se souber de mais alguma coisa, se ouvir mais alguma coisa, e se alguém alguma vez se aproximar de você com uma proposta para ferir a Duquesa de Leeds novamente, você me procurará ou sofrerá as consequências. Você sabe onde me encontrar. Estamos entendidos?
O rapaz piscou, fechando os dedos sobre o dinheiro antes de enfiá-lo dentro da jaqueta esfarrapada. Ele acenou com a cabeça, sua pele pálida, e não havia dúvida na mente de Kit de que o magrelo diante dele não poderia ter assassinado um dos liliputianos de Sua Graça, muito menos ela.
Sem dizer uma palavra, o rapaz correu noite adentro, provando que o não-mordomo estava certo.
Um novo tipo de comoção brotou da cervejaria e das ruas circundantes, gritos e berros, uma cacofonia de cavalos e arreios, de risadas femininas estridentes, de gritos masculinos.
— Aqui agora, houve um tiro! Nós temos alguma testemunha?
O tom estridente de um policial solitário ecoou para eles.
Uma nova sensação de urgência o atingiu em cheio no peito, Kit se voltou para o não-mordomo, apenas para encontrar Ludlow remexendo nos bolsos do cadáver, em busca de... objetos de valor? Notas? Pistas?
Kit tinha certeza de que não queria saber.
— Droga, Ludlow, precisamos nos mover.
Ludlow pegou a pistola do cadáver e a enfiou dentro do paletó, movendo-se com uma precisão metódica que sugeria que não era a primeira vez que retirava itens pessoais do corpo de um morto. Um homem que ele acabara de matar, mesmo que fosse uma morte defensiva para proteger a todos.
— Esta é nossa única oportunidade para respostas, — disse o não-mordomo calmamente, fazendo um som de aprovação enquanto extraía alguma correspondência e a escondia em sua jaqueta também. — Ele não tem anéis ou outra ornamentação, e nem um guinéu em sua pessoa. Este bastardo veio aqui para matar esta noite. Sem dúvida.
Os gritos se aproximavam, as luzes dançavam nos tijolos do prédio.
— Quem está aí?
— Ludlow, devemos partir. Não há um momento a perder.
Ludlow se levantou e, juntos, eles conseguiram voltar para a escuridão de onde haviam emergido. Ao chegarem à carruagem que os esperava, Kit se viu diante de várias verdades indesejáveis. Primeiro, ele e o não-mordomo formavam um time danado de bom. Em segundo lugar, respeitava o não-mordomo muito mais do que jamais poderia ter imaginado. Terceiro, que as ameaças enfrentadas por Georgiana eram muito reais, e ele daria qualquer coisa - seus membros, sua visão, sua vida, qualquer coisa que fosse exigida dele - para protegê-la.
O que sentia por ela não desapareceria como ele desejava. Não seria ignorado ou desencorajado. Estava lá, uma coisa pulsante, respirando com vida própria, pulsando sob o limite de cada momento. Ameaçando separá-lo tanto quanto prometia levantá-lo.
Apesar dos anos de treinamento, ele não podia negar que esta noite o havia abalado. Por um momento, o cheiro da pólvora e o barulho da pistola, o som inesquecível da bala acertando o alvo... tudo o levou de volta ao dia em que havia sido emboscado. Ao som de pés em torno dele, a reverberação de armas, o cheiro acre de armas disparadas. O cheiro amargo de sangue.
Mas nem mesmo aqueles flashbacks foram suficientes para paralisar suas entranhas e desarmá-lo com uma sensação generalizada de medo. Sentado nos confortáveis confins de sua carruagem, em meio ao cheiro de couro marroquino recém-encerado, o que mais o apavorava era o fato de Georgiana estar em perigo definitivo.
E era perfeitamente possível que o perigo tivesse sido causado por ele mesmo. Que ele havia levado o mal, o perigo e a escuridão até sua porta. De alguma forma, teria que fazer tudo ao seu alcance para matar cada demônio que tentasse tirá-la dele.
Por que agora que ele a tinha, não podia suportar deixá-la ir.
Jamais.
Capítulo 15
— Quando você vai me dizer o que está errado, Georgiana? — Georgiana emergiu da contemplação taciturna de sua xícara de chá e ergueu os olhos para sua querida amiga Daisy, a duquesa de Trent. Uma herdeira americana que se casou por conveniência com um aristocrata inglês, ela era tão dourada quanto um anjo, surpreendentemente linda, com um coração tão grande quanto o rio Mississippi, e uma veia de lealdade feroz para combinar. Ela e Georgiana criaram um vínculo rápido e fácil, e era uma amizade que guardaria para sempre.
Mas, apesar da irmandade que formaram, ainda não tinha certeza se desejava desabafar todos os problemas que pesavam sobre ela, especialmente que tinha mais um a acrescentar depois da correspondência que recebeu hoje do advogado do tio George. Em apenas dois anos, seu pai e sua madrasta perderam toda a fortuna deixada para seu pai pelo irmão dele.
A Sra. Dumont parece ter desperdiçado uma grande soma... a casa na Quinta Avenida tem sido despojada de qualquer coisa de valor por parte dos credores... É meu dever informar-lhe que o Sr. Dumont pediu acesso aos fundos separados e mantidos em compromisso para os seus futuros herdeiros...
A carta tinha cinco páginas, detalhadas e chocantes. Ela ainda não tinha certeza do que a surpreendia mais, que sua madrasta e seu pai haviam varrido as imensas somas de dinheiro à disposição com tanta pressa, ou que seu pai tentaria tosquiar seus filhos ainda não nascidos sem ela saber.
As revelações indesejadas, juntamente com sua reação igualmente indesejada ao marido, deixaram-na zonza. Sua mente era uma confusão, suas emoções o equivalente a um naufrágio que havia atingido escudos rochosos. Ela passou os últimos dias alternando entre se esconder do marido, esgueirar-se pela casa de Leeds para ter um vislumbre furtivo dele, e consumir o suficiente das tortas de framboesa da cozinheira para que a seda cor de esmeralda e creme de hoje parecesse muito apertado no corpete ao ponto de não passar um fio de cabelo.
Na noite anterior, ela havia adormecido no chão do quarto do cachorro, apenas para acordar ao amanhecer com os beijos encharcados e desleixados de Alice, com os músculos das costas, que ela não sabia que existiam, doloridos. Estava coberta de pelos e baba quando tropeçou em seu quarto como uma sonâmbula.
Sim, as coisas (e ela) estavam horrivelmente... bagunçadas. Não que Georgiana quisesse admitir isso para sua gloriosa e elegante amiga, que parecia ter tido uma noite inteira de sono, etereamente radiante em seu Worth de seda roxa. Sua condição delicada apenas começava a se manifestar na forma de uma barriga um pouco mais cheia, mas ela estava tão bonita como sempre, com uma aura perpétua de felicidade ao seu redor.
Georgiana deu um sorriso brilhante.
— Nada está errado, querida. Estou positivamente emocionada com o retorno de Leeds para casa, em Londres. Não poderia estar mais feliz.
Daisy ergueu uma sobrancelha, parecendo impressionada.
— Querida, você estava olhando para o seu chá como se estivesse pensando em assassiná-lo, e você não tocou em um dos biscoitos de chocolate do chef.
Droga de amiga por ser muito observadora. Quando ela aproveitou o convite de Daisy como um meio de escapar de Kit, e continuar a distância tão necessária que procurava entre eles, ela falhou em ponderar todas as ramificações.
— Meu chá está quente demais.
— Ele está parado há pelo menos meia hora, — observou Daisy.
— Me perdoe, — ela improvisou. — Quis dizer que estava muito morno.
— E os biscoitos, então? Ninguém pode resistir a eles. Eu mesma degustei três, e até Sebastian, que é bastante exigente com suas sobremesas, diz que são uma das melhores coisas que ele já comeu, além de... outras sobremesas, — sua amiga terminou desajeitadamente, suas bochechas em chamas.
Aqui estava mais um problema que ela deveria ter considerado antes de tomar chá com Daisy. Ela e o Duque de Trent estavam loucamente apaixonados um pelo outro. Ela não queria ouvir sobre o que o Duque de Trent fazia com a boca em geral, embora especificamente no que se referia a sua amiga. E ela tinha a sensação de que o rubor nas maçãs do rosto de Daisy significava que o Duque de Trent preferia a esposa aos biscoitos, o que, embora devesse ser, era algo que a deixava constrangida e com inveja.
Sem mencionar um pouco enjoada.
Ela deu a sua amiga um sorriso tenso.
— Embora esteja grata em seu nome por saber sobre a apreciação de Trent por outras sobremesas, também me dá vontade de vomitar sobre os biscoitos de cacau.
Daisy permaneceu corada.
— Não tenho ideia do que você está insinuando. Eu simplesmente esqueci qual sobremesa Sebastian tinha usado como comparação. E, por favor, evite vomitar nos meus biscoitos de cacau, pois seria um desperdício flagrante, e tenho certeza de que tenho espaço para pelo menos mais três.
— Mais três? — Foi a vez de Georgiana levantar uma sobrancelha. — Você normalmente come como um pássaro. Como, em nome de Deus, você poderia consumir seis biscoitos de cacau de uma vez?
Daisy abriu um sorriso e tomou um gole de chá.
— Acho que tenho o apetite aumentado atualmente.
— Sim, suponho que estar grávida fará isso. — Ela reprimiu uma pontada indigna de ciúme com a euforia apaixonada da amiga. Não era como se quisesse ter um filho com Kit. Por que deveria estar cobiçando o contentamento de sua amiga mais querida?
Porque estou me apaixonando pelo meu marido.
A compreensão foi tão repentina quanto indesejada.
Ela a dispensou e pegou um biscoito de chocolate, enfiando metade do doce na boca de uma vez. Foi uma exibição chocante de maneiras horríveis, mas não conseguia se conter. Ela mastigou, engoliu e enfiou a metade restante na boca novamente.
Os olhos de sua amiga estavam arregalados sobre ela.
— Georgiana? Tem certeza de que não há nada errado? Leeds não machucou você, não é? Se ele lhe maltratou, eu mesma vou espancá-lo.
Georgiana mastigou o resto de seu biscoito de chocolate. Ela nem tinha provado, mas queria outro.
— Isso seria um espetáculo, a Duquesa de Trent, redonda com uma criança, tentando espancar o alto e ridiculamente musculoso, Duque de Leeds.
— Em primeiro lugar, não disse nada sobre uma mera tentativa, pois asseguro-lhe que teria sucesso. Quando estou determinada, todos os outros devem ficar fora do meu caminho. — Daisy sorriu, então. — Ele é alto e ridiculamente musculoso, então? Ainda não cruzei com ele.
— Perdão? — Georgiana fez uma pausa no ato de soltar outro biscoito. — Quem disse isso sobre ele?
O sorriso de sua amiga aumentou.
— Você acabou de dizer, minha querida.
— Oh. — Ela franziu o cenho. O homem estava invadindo seus pensamentos. Perturbando suas faculdades. Ora, não conseguia passar uma hora sem pensar na sensação enlouquecedora de sua mão levando-a ao prazer. Sem querer mais e fazendo seu corpo doer com um desejo que só poderia ser saciado por ele.
— Bem? — Daisy perguntou. A atrevida.
— Ele tem o físico de um esportista, — ela resmungou, pegando outro biscoito. — Embora não consiga ver o que significa, ele também é tão bonito que quase dói olhá-lo.
Nas proximidades de seu coração, mas ela sabiamente manteve isso para si mesma.
— Eu vejo. — Sua amiga tomou outro gole delicado de chá. — Acredito que posso ter descoberto o motivo de sua distração.
— Leeds não tem nada a ver com isso, — ela mentiu com a boca cheia de biscoito de chocolate.
Daisy olhou fixamente, com uma expressão vagamente horrorizada. Georgiana só podia suspeitar que a causa era a sua terrível falta de sutilezas. Mas não havia como evitar. Todas as lições de comportamento que aprendeu pareciam ter se dissipado como a escuridão após uma tempestade. Aqui estava ela, sem uma migalha de refinamento, uma camponesa fingindo ser uma duquesa, comendo biscoitos para abafar as emoções indesejadas que se multiplicavam dentro dela.
— Georgiana, você parece... aborrecida — Daisy começou.
Ela engoliu o biscoito, mas era um nó na garganta. Ou talvez isso tenha sido causado por pensamentos sobre Kit. Chá. Ela precisava de chá antes de se engasgar. Explodir o homem. Ela havia se afastado de sua própria casa, e ele ainda a assombrava.
— Muito bem. — Ela fechou os olhos. — Se você quer saber, é Leeds. Seu retorno me deixou perplexa e me confundiu.
Daisy se inclinou para a frente em seu assento.
— Não diga que você está se apaixonando por ele.
Sim, e foi horrível.
— Eu nunca poderia amá-lo, — ela negou, esperando que, se dissesse em voz alta muitas vezes e com convicção suficiente, poderia persuadir seu coração de que isso era certo. — Ele não gosta dos meus animais. É carrancudo como um urso com a hibernação interrompida. É condescendente e rude, e possui uma inclinação abismal para xingar sempre que tem vontade. Você acredita que ele insistiu em se referir aos gatinhos de Lady como ratos?
— Lady? — A sobrancelha de Daisy se enrugou. — Você acolheu mais gatos desde a última vez que conversamos?
— Lady Philomena Bigodes, — ela elaborou, sentindo um rubor tomar conta de suas próprias bochechas agora. — O maldito homem insistiu em abreviar o nome dela.
— Ele parece um demônio. — O tom de sua amiga era divertido quando ela também pegou outro biscoito de cacau. — Não importa que eu mesma tenha dito a você em muitas ocasiões que é um nome terrivelmente bobo para um gato branco. O que mais ele fez?
— Ele me beijou, — ela murmurou. — E não apenas uma vez, nem eram o tipo de beijo que um cavalheiro daria a uma dama. Eles eram ousados e exigentes e não posso dizer que já experimentei algo assim.
E ela amou cada momento feliz deles.
— Oh, Georgiana. — A voz de Daisy era suave, seus olhos brilhando com compreensão. — Você não está se apaixonando por ele, está? Você já está apaixonada.
O pronunciamento de sua amiga foi o equivalente verbal e emocional de um balde de água gelada jogada em seu colo. Ela se levantou de um salto, fazendo sua xícara de chá e pires voar, enquanto suas saias volumosas balançavam com a força de seu movimento apressado. Graças a Deus estava vazia, e o tapete não seria prejudicado pela sua falta de jeito.
— Não estou apaixonada por Christopher Anthony Harcourt, — ela desmentiu, recorrendo ao nome completo para dar ênfase. Como se a especificidade de alguma forma tornasse seu repúdio apaixonado mais perto da verdade. — Não posso estar. Já te disse que ele me deixou antes do café da manhã do casamento?
Daisy assentiu com a cabeça, sua expressão pensativa.
— Apenas uma vez ou um punhado, querida. Você também pode ter mencionado que havia salada de lagosta.
— Porque havia! — Georgiana chorou, e ela não sabia por que, mas todos esses meses depois, ainda importava. — Eu selecionei para ele, e ele não se importou. Deixou-me sem uma palavra, sem cartas, sem um pensamento por seis meses, Daisy. Então reapareceu, sangrando e com febre. Tratei dele até ficar bem. Eu o enfaixei, cuidei dele. Você sabe qual foi a última coisa que ele me disse antes de me deixar no dia do nosso casamento? Não dou a mínima para o que nossos hóspedes pensam, senhora. Meu navio espera.
— Que bestial.
— Precisamente. — Georgiana soltou um suspiro, sentindo a necessidade de andar pela sala. — Ele é uma besta, e eu não gosto dele. Essa fraqueza que tenho por ele... com algum tempo e distância, tenho certeza que passará.
Daisy se levantou e foi até ela, puxando-a para um abraço. Seus cachos dourados fizeram cócegas na bochecha de Georgiana.
— O amor nunca vai embora, minha querida. É teimoso e frustrante, assustador e cansativo, e às vezes pode parecer que vai nos quebrar, mas o amor é o ato mais corajoso e recompensador de todos.
Embora aceitasse o abraço reconfortante de sua amiga, ela permaneceu firme.
— Eu não o amo, Daisy. Ele é o homem mais mesquinho, arrogante, irritante e desagradável de toda a Inglaterra.
Para não mencionar bonito e perverso. Céus, meros pensamentos de sua mão subindo por sua saia, seus dedos mergulhando nela para provocá-la, acariciá-la e trazê-la para seu pináculo... Não. Não iria pensar em nenhuma dessas coisas agora. Talvez se repetisse a frase para si mesma, isso ajudaria em sua busca para removê-lo de seus pensamentos para sempre. Eu não o amo. Eu não o amo. Eu não o amo.
Mas então, ela pensou na maneira como ele a beijou pela primeira vez, com tanta fome e reverência, demorando-se para devorá-la como se ela fosse frágil e deliciosa ao mesmo tempo. Lembrou-se do lento derreter de seu gelo em relação a Lady. Com que delicadeza ele acariciou seu pelo. Como parecia perdido, como se estivesse em conflito consigo mesmo.
Lembrou-se da expressão suave em seu rosto depois que ela revelou suas memórias da guerra, o conforto vital de sua mão sobre a dela. Suas palavras a assombravam. Desejo ser seu marido mais do que no nome, Georgiana. E seu desejo por isso também, desimpedido por todas as suas dúvidas e bom senso. Sua necessidade irracional por ele. Para estar com ele. Para tocá-lo. Beijar sua boca proibitiva.
Aí, finalmente, estava sua resposta, atingindo-a no peito com a força de uma locomotiva.
Eu o amo.
Querido Deus, eu realmente o amo.
Quando aconteceu? E como? Parecia-lhe que seu amor crescera e se desenvolvia lentamente, como as pinceladas de um artista na tela. O que começou como um espaço vazio se transformou a cada passada do pincel, adicionando cores, camadas, sombras, destaques, profundidade. Até que, de repente, a imagem estava completa, e lá estava ela, atordoada e indefesa como sempre, de pé no salão de sua amiga, olhando entorpecida para o revestimento da parede, percebendo que havia se apaixonado por Kit. Kit, o marido de quem ela estava tão decidida a se divorciar. O marido que a havia abandonado uma vez e muito possivelmente o faria de novo na primeira oportunidade que se apresentasse.
Então, veio a pergunta mais pertinente de todas: como ela poderia desfazer isso?
— Georgiana? — A voz preocupada de Daisy penetrou na névoa de confusão que nublava sua mente. — Você está tremendo, minha querida. O que é isso?
Ela se retirou do abraço da amiga, atingida por sua descoberta indesejada. Ela nunca se sentiu mais impotente.
— Eu... ah, droga, Daisy. Isto é horrível.
— O que é horrível? — O olhar de Daisy procurou o dela.
— Eu não quero amá-lo. Deus sabe que não confio nele. — Ela respirou fundo, estremecendo. — Mas, eu amo. Eu amo-o. E isto é precisamente o que é horrível. Eu amo um homem que não acredita no amor.
Mais palavras de Kit ressurgiram dos recônditos de sua mente, desta vez para assombrá-la.
Minha querida e ingênua duquesa americana, você não percebe que o amor não existe?
— Ok, então. Não pode ser tão ruim assim. Como você sabe que ele não acredita no amor? — Daisy deu um tapinha em seu ombro, consolando-a.
— Porque as palavras saíram de sua boca linda e presunçosa. — Ela colocou a mão sobre os lábios antes que sua língua rebelde pudesse dizer mais.
Daisy, que nunca deixou de ver o lado bom de todos ao seu redor, deu um sorriso encorajador.
— Então, você terá que desiludi-lo dessa noção ridícula e falsa. Você tem o maior e mais maravilhoso coração de todos que conheço, Georgiana. Leeds tem a sorte de tê-lo reivindicado. Acredite em mim, senão em outro assunto, se você ama alguém, você deve lutar por esse amor.
Círculo fechado, Georgiana pensou severamente. Haviam retornado mais uma vez, ao amor generoso de Daisy e Trent. Onde estavam os biscoitos de chocolate quando ela mais precisava? Estava com ciúmes e em conflito, e todo o seu ser se sentia como se estivesse em agonia.
— Querida, sei que você e Trent estão perdidamente apaixonados, e estou feliz por você. Mas você deve perceber o quão raro isso é, se não impossível.
Daisy franziu os lábios, assumindo uma expressão determinada.
— Raro talvez, embora nunca impossível. Mas você, minha amiga, merece apenas o melhor. Terei de me encontrar com Leeds pessoalmente para determinar seu valor. Você deve trazê-lo para jantar. Vou mandar um convite. Será uma pequena reunião, ninguém além de nós quatro.
— Não. — A reação de Georgiana foi instantânea. — Tudo que quero é ficar o mais longe possível dele para que essa bobagem de amor inconveniente que está me incomodando seja dissipada.
— Tenho medo de dizer que não vai desaparecer. — Daisy franziu a testa. — Ele só fica mais profundo e maior com o tempo, até que o amor seja tudo que existe e não haja mais espaço para mais nada.
— Com você e Trent, talvez, — ela enfatizou, lançando um olhar de soslaio desejoso para os biscoitos abandonados. Como desejava enfiar um dos doces na boca. Quando voltasse para Leeds House, pediria um prato de tortas de framboesa e uma taça de vinho. Ela se sentiria péssima depois, com uma terrível dor de estômago, mas seria melhor do que procurar Kit e se tornar ainda mais vulnerável.
— Você virá para o jantar, — disse Daisy com um ar de finalidade que não tolerava alegações em contrário. — Eu insisto.
Georgiana suspirou.
— Não acho isso sábio.
Uma batida na porta interrompeu a conversa.
— Botão de ouro? — A voz rica e profunda do outro lado do portal pertencia, inconfundivelmente, ao duque de Trent.
Botão de ouro? O olhar de Georgiana voou para sua amiga, cujas bochechas estavam rosadas pela segunda vez. Mas um sorriso de felicidade descarada curvou seus lábios na próxima respiração, seus olhos brilhando quando ela encolheu os ombros.
— Sim, meu amor? — Ela gritou.
A porta se abriu e o duque entrou, alto e imponente em suas calças pretas e paletó, juntamente com um colete azul marinho e camisa branca impecável. Seus olhos percorreram Georgiana antes de se fixar em Daisy, sua expressão de adoração aberta.
— Como você está se sentindo, querida?
— Estou bem, meu amor, como disse a você há menos de uma hora e como direi a você daqui a uma hora, quando você perguntar. — Daisy sorriu para ele, seu amor refletido em seu olhar também. — Venha tomar chá comigo e com Georgiana, você não quer? O cozinheiro fez seus biscoitos de cacau favoritos e Georgiana está ameaçando vomitá-los, então você deve saborear um antes que estraguem.
Trent lançou um olhar perplexo para Georgiana.
— Esta é uma linguagem feminina codificada na qual sou irremediavelmente inepto, ou você realmente sugeriu que cometeria um pecado tão flagrante contra os biscoitos de cacau do cozinheiro?
Georgiana riu, encantada como sempre com a infinita adulação do duque de Trent por Daisy e seu fácil senso de humor. Não poderia existir um par mais perfeito do que os dois. Daisy, a bela luz de sua beleza morena.
— Não tema, Trent. Seus biscoitos estão seguros. Eu juro.
Mas seu coração não estava.
O lembrete espontâneo disparou por ela como uma flecha. Rápida. Dolorosa. Aterrorizante.
O duque deu um sorriso infantil antes de dar um beijo na testa de Daisy que durou um pouco mais do que o necessário.
— Nesse caso, não adoraria nada mais do que desfrutar de um chá e biscoitos com vocês duas, lindas damas. Na verdade, pensei que você nunca iria perguntar.
Georgiana reprimiu um suspiro de inveja pela doce facilidade doméstica entre Trent e Daisy. Seu coração tolo ousou esperar, por um momento, que um dia ela e Kit pudessem compartilhar o mesmo vínculo de amor. Mas com a mesma rapidez, ela destruiu essa esperança, silenciou-a com outro biscoito de cacau e afogou-o no chá. Pois sabia, sem dúvida, que ela, Kit e o amor simplesmente não existiam.
Capítulo 16
Ela o estava evitando por muito tempo.
Onze dias.
Quase quinze dias.
E ele teve o suficiente.
No primeiro dia, ele esperava ter caminhado com ela. Apesar de todas as suas melhores intenções, independentemente de sua determinação em recuperar sua reputação e seu lugar de direito na Liga, decidiu no dia que a teve contra a parede de seu quarto que a teria a qualquer custo, e certamente apesar do maldito calor que se espalhava por seu peito sempre que a via ou pensava nela.
E distintamente, apesar dos sentimentos temíveis que ela desencadeou nele, uma fraqueza peculiar continuava a enganá-lo.
Afinal, por que não, quando ela era legalmente sua esposa? Apesar de todos os seus esforços para o contrário, ele estava gostando dela. Ela havia mostrado possuir um carinho intrínseco e benevolência que ofuscava seu pedigree menos que nobre. Já não importava o fato de ela ter nascido e sido criada em uma fazenda, e de não se comportar com a altivez glacial que uma duquesa deve exibir. Se qualquer coisa, isso o fez desejá-la mais.
Naquele dia, na sala matutina, ela havia revelado uma parte de si mesma que ele nunca conhecera. O momento de conexão profunda e íntima – no desejo de consumir-se tão gloriosamente - o afetou até os ossos. Mas ela fugiu e não apareceu no jantar naquela noite. Na manhã seguinte, o Dr. Gage reapareceu para fazer um curativo em seu ferimento.
No terceiro dia - e sim, ele tinha contado muito bem os dias porque a mulher o afetava tanto - pensamentos de uma pequena Georgiana de cabelos castanhos encolhendo-se enquanto tiros de canhão trovejavam ao longe atingiram-no no coração com a precisão de uma adaga. Era tudo o que conseguia pensar. Ele acordou coberto de suor e, pela primeira vez, não foi causado por febre, mas sim, pelo pesadelo da jovem Georgiana aprendendo a temer nas sombras de uma guerra brutal.
Ela estava mais uma vez ausente na visita do Dr. Gage, no café da manhã, no almoço, no jantar. Para piorar as coisas, nenhum dos criados, quando questionados, deu qualquer indício de seu paradeiro. Eles a estavam protegendo ou estavam realmente no escuro. Ludlow, bastardo presunçoso que era, não ofereceria nada além de garantias de que ela estava segura e bem protegida em todos os momentos.
No quarto dia, suas suspeitas de que ela estava travando uma campanha intencional para desaparecer se solidificaram. Não havia como confundir suas qualidades fantasmagóricas repentinas. Quando ele pegou sua bengala e caminhou pelos corredores, pôde detectar o cheiro fantasma de lavanda e ainda assim nenhuma Georgiana. Ele apareceu no café da manhã para descobrir que ela havia tido sua refeição antes dele. Outro dia, ele havia chegado cedo apenas para saber que ela havia renunciado à refeição matinal.
Dia cinco chegou, e ele encurralou a maldita montanha mais uma vez e exigiu saber sua localização. Ela estava visitando mais uma vez a duquesa de Trent, ou a Duquesa Ousada, como era conhecida na imprensa. Ele aguardou o retorno de sua esposa apenas para receber uma carta informando que ela estava detida e passaria a noite com a duquesa.
As desculpas pareciam se acumular como flocos de neve no solo de inverno até que os dias se misturaram, e ele chegou à oitava manhã e desenrolou a bandagem, descobrindo que seu ferimento estava curado de maneira favorável. Sua dor havia diminuído consideravelmente, e nenhum sinal de infecção fora descoberto pelo duvidoso Dr. Gage em semanas.
Então veio seu inesperado visitante noturno e a subsequente briga lá no Charrington. Foi um lembrete amargo de que Georgiana estava em perigo. Ele se distraiu dedicando sua mente e tempo à investigação do homem que havia colocado um preço por sua cabeça.
Mas ele e o não-mordomo - após relutantemente se associarem para examinar o conteúdo furtado dos bolsos do bastardo - não encontraram nada que conectasse definitivamente o homem morto ao pai de Georgiana em Nova York. Eles descobriram apenas a pistola e o que parecia ser uma carta de amor que cheirava a perfume enjoativo, junto com um anel que havia sido enfiado em seu envelope. Parecia não haver nenhuma conexão com os fenianos de Nova York, exceto pelo sotaque característico do sujeito.
Toda a vida de Kit se tornou um impasse maldito. Continuou na periferia da Liga, e sua esposa continuou a mantê-lo afastado. Era como se ele tivesse galopado em um círculo perfeito, esperando chegar a um novo destino apenas para perceber que estava exatamente onde havia começado.
Mas hoje era onde tudo terminaria. Estava quebrando o maldito círculo e já passava da hora. Ele estava saudável. Naquela manhã, havia deixado seu quarto sem a bengala e, embora sua perna doesse e não pudesse escapar de sua perna manca, sentia-se mais forte. Fisicamente, estava razoavelmente curado.
Por dentro, ele era um maldito desastre.
Razão pela qual nem mesmo bateu na porta que atualmente protegia sua esposa dele naquela manhã, depois de uma refeição que ela se recusou a comparecer. (Sua Graça levou uma bandeja para seu quarto, a montanha o informou maliciosamente sobre sua pergunta sobre o paradeiro dela.) Foi por isso que ele girou a maçaneta, abriu a porta, cruzou a soleira e fechou-a silenciosamente às suas costas.
Também porque ele ignorou o lacaio que Ludlow havia colocado no final do corredor para guardar o quarto de sua esposa. (A visão disso o irritou muito, pois era um lembrete de que seu não-mordomo não estava apenas apaixonado por sua esposa, mas também a viu muito mais na última semana do que ele.)
O quarto que ela estava mantendo na casa como seu era pequeno. Essa foi a primeira coisa que ele percebeu quando a porta se fechou. Era alegre o suficiente, supôs, com suas paredes de damasco amarelo e sua janela enorme. O sol estava alto, filtrando-se pelas cortinas abertas para iluminar o espaço.
Mas era um quarto de hóspedes, e ela não era uma hóspede. Um estranho calor invadiu seu peito enquanto olhava para a cama, que havia sido feita e alisada com perfeição. Era onde ela dormia, onde deitava a cabeça no travesseiro todas as noites. No entanto, ele não podia deixar de sentir a injustiça inerente disso. Este pequeno e simples aposento de hóspede não era onde ela pertencia como Duquesa de Leeds.
Como sua esposa.
E, droga, era isso que ela era. Mesmo que ela fizesse o possível para fingir que não era.
Um suspiro cortou suas reflexões torturadas. Lá, diante dele, estava uma pequena criada que parecia em nada mais do que um pequeno pardal rechonchudo. Ela apertou a mão contra o coração, parecendo não perceber que essa mão continha um par de calças de sua senhora.
E dane-se se sua boca não ficou seca e seu pênis não se contraiu com a visão daquela confecção de linho e renda branca. Conhecer a pele deliciosa que tocaria foi o suficiente para desfazê-lo...
— Sua graça! — Seu peito se ergueu, seus olhos se arregalando. — Não esperava pelo senhor. Nem, creio eu, Sua Graça. — Ela lançou um olhar preocupado na direção da sala de banho que estava conectada ao quarto.
Abençoe seu pai por sua dedicação à reforma em Leeds House. Cada quarto tinha suas próprias salas de banho. E isso significava que Georgiana estava tomando banho. O que significava que Georgiana estava nua e molhada.
Oh, as possibilidades.
— Você está dispensada, — ele informou a criada.
Ela olhou-o, seu rosto inexpressivo, pois era claro que ela guerreava interiormente entre a lealdade a sua senhora e a lealdade ao homem que era o responsável por seu emprego.
— Sua Graça, temo que Sua Graça tenha sido específica em seu pedido. Devo cuidar de suas roupas durante o dia e não permitir que ninguém a perturbe. A qualquer momento ela vai me chamar para lavar seu cabelo, e preciso atendê-la.
Melhor ainda. Pela primeira vez, os deuses sorriram para ele.
— Você está dispensada, — repetiu. — Na verdade, se você não sair deste quarto imediatamente, eu a verei despedida sem uma carta de recomendação. Fui claro?
— Sim, Sua Graça. — Ela fez uma reverência, colocou as calças na ponta da cama e fugiu.
Se ele não tivesse sido tão singular em sua determinação de finalmente, depois de tantos dias, colocar os olhos em sua esposa, teria se envergonhado de seu comportamento. Na verdade, não despediria a criada, especialmente não por sua óbvia lealdade a sua patroa. Mas o que ele precisava mais do que qualquer coisa no mundo, naquele momento, era finalmente ver sua esposa.
Ele encontrou o caminho para a sala de banho mecanicamente. Abriu a porta. Perdeu o fôlego.
Georgiana estava afundada na banheira, a água beijando seus ombros nus, o topo de seus seios fartos e cremosos em exibição. Seus olhos estavam fechados.
— Maude, estou pronta para que você lave meu cabelo quando estiver pronta, — ela anunciou, mantendo os olhos bem fechados.
Ele engoliu em seco. A visão dela na banheira, nua, reluzente, molhada, tão gloriosa que desafiava a descrição... ele mal podia se mover para atender seu pedido. Ela queria seu cabelo lavado? Para o diabo com a empregada Miranda ou qualquer que seja seu nome. Ele iria lavar o maldito cabelo dela. E então, colocaria seus lábios no pulso de sua garganta, lambendo-a para ver se ela tinha um gosto tão doce quanto se lembrava.
Explique a ela que quis dizer tudo o que disse. Ele queria ser dela. Para ela ser dele. Que tinha se cansado desse jogo que ela jogava. O gato e rato dele havia acabado e era hora de o gato ter seu reinado.
Por enquanto manteve o silêncio, grato por ter largado sua bengala para trás, e pela cadeira que a empregada havia convenientemente colocado atrás da banheira. Teve o cuidado de manter os passos o mais abafado possível para que ela não percebesse que ele substituíra a criada. Felizmente, esta era eficiente e preparada, tendo colocado um pedaço de sabonete na cadeira. Ele o recuperou e se acomodou na cadeira, não sem uma pontada de raiva correspondente na coxa.
Seu glorioso cabelo castanho estava molhado e seu banho cheirava a lavanda. Com o vapor quente subindo e a visão de suas pernas nuas pálidas acenando sob a água, reunir seu controle exigiu um momento.
— Maude? — Hesitação havia se infiltrado em sua voz. — Se você estava ocupada de outra forma, não precisava ter entrado correndo aqui por minha causa. Não sou uma pessoa exigente, como você sabe, e fico mais do que feliz em ficar mais tempo de molho na minha banheira, se isso for ajudá-la a cumprir suas obrigações. Ainda acho uma maravilha tomar banho em uma sala dedicada exclusivamente a esse propósito. Quando eu era menina, tínhamos uma bacia que guardávamos na cozinha perto do fogão a carvão.
Se um halo tivesse se produzido diretamente acima de sua cabeça naquele momento, Kit nem teria piscado. Como era possível que alguém pudesse ser tão modesto, adorável e compassivo? Ela era como um anjo lindo e glorioso enviado para atormentá-lo e distraí-lo de seu verdadeiro propósito.
Hoje em dia, sua vida como espião, sempre fingindo e enganando, sempre a um passo da morte certa, parecia uma vaga memória. Ele já havia sido inflexível em sua crença de que seu trabalho para o Escritório o fazia se sentir vivo, mas, mesmo assim, começou a perceber que aquelas velhas sensações empalideciam em comparação com as emoções e a fome que Georgiana lhe provocava.
Perigoso, isso.
Ele mergulhou o pedaço de sabonete na água e ensaboou nas mãos. Lavanda, laranja e âmbar cinza encheram o ar. Ele inalou, pois cheirava tão bem. A única maneira de cheirar melhor era se estivesse nela. De alguma forma, além de ser uma bela deusa universalmente amada pelo homem e pela besta, também tinha a capacidade de deixar um homem sem cérebro ao inalar seu perfume.
No momento em que seus dedos começaram a massagear o sabonete em seu couro cabeludo, ela enrijeceu.
— Maude?
— Não é a Maude — admitiu ele, pois fora apanhado e preferia muito mais lavar o cabelo como marido do que como criada de sua maldita dama.
Um suspiro saiu dela e ela girou na água, de frente para ele, cruzando os braços sobre o peito. O rosa manchava suas maçãs do rosto. Seus olhos esmeralda brilhavam, seus lábios exuberantes se separaram. Era a criatura mais linda que já tinha visto, com o cabelo solto e molhado, os ombros nus e brilhando acima da água, os seios uma tentação protegida. Até os braços dela, destinados a obstruir sua visão, lhe deram água na boca. Eles eram elegantes, de ossatura fina e macios. Toda aquela pele em exibição fez seu pênis subir à atenção.
— O que diabos você está fazendo aqui, Leeds? — Ela exigiu, seu tom decididamente frio. E arrogante.
Aqui finalmente estava o desdém glacial que se espera de uma duquesa.
Pena que foi dirigido a ele. Ele nunca foi particularmente adepto de ficar na defensiva, e essa falha não foi corrigida com a idade.
Ergueu as mãos cobertas de espuma, como se estivesse suplicando.
— Lavando seu cabelo, senhora. Com que diabo se parece?
— Não te dei permissão para entrar nesta sala. — Suas sobrancelhas se juntaram em uma carranca feroz que de alguma forma só a tornou mais deliciosa. — Nem pedi para você lavar meu cabelo. O que você fez com Maude?
O que ela pensou, que ele havia cometido algum tipo de ato nefasto com a criada? Ele levantou uma sobrancelha, decidindo fazer uma isca. Porque ela merecia depois de uma pergunta como essa.
— Imploro seu perdão, mas a quem você se refere?
— Maude, — ela rangeu. — Minha criada de quarto, seu homem podre.
— Oh, ela. — Ele fingiu compreensão repentina. — Ordenei que o pequeno pardal gordo fosse enforcado, torcido e esquartejado. Temo que você precise encontrar outra criada para ajudá-la a partir de agora.
Ela o encarou por um momento tenso antes de ceder.
— Você realmente se acha engraçado, não é, duque?
— Eu me considero um homem cujas mãos estão cobertas de sabonete. — Ele mexeu os dedos com ênfase. — Se você apenas retornasse a esta extremidade da banheira, eu poderia completar minha tarefa.
Seus olhos se estreitaram.
— Não.
— Não? — Ele ergueu uma sobrancelha. — Seja razoável, senhora. Seu cabelo precisa ser lavado. Tenho os meios para fazer o trabalho. Deslize até aqui, vire-se e me sairei tão bem, senão melhor, do que o pardal teria feito.
— Por favor, pare de se referir a Maude como um pardal. — Seu olhar mordeu o dele, implacável. — Além disso, sou razoável e racional, e é por isso que nunca abordei ninguém enquanto estavam no momento privado de seu banho.
— Você é minha esposa, — ele apontou calmamente, preparado para o argumento dela.
— Apenas no nome, — ela lembrou.
— Um fato que pode ser retificado. — Ele largou o sabonete na cadeira e colocou as mãos na água, mergulhando-as e limpando-as com sabonete antes de voltar sua atenção para as mangas da camisa. Lentamente, enrolou cada uma, expondo seus antebraços. — Isso será corrigido.
Kit não deixou de notar a forma como o olhar dela baixou para os seus braços, demorado e quente, antes de voltar para o seu rosto mais uma vez. Se ele prolongasse o momento para desfrutar de seus olhos verdes arregalados comendo-o, dificilmente poderia ser culpado.
Ele tomou seu tempo, esperando que ela se lembrasse da sensação de suas mãos, separando sua carne, levando-a à distração, brincando com seu clitóris até que ela desmoronasse. Deus sabia que ele não poderia pensar em outra coisa. O calor escorregadio de sua boceta parecia ter sido marcado nele, junto com o doce almíscar de sua excitação, o som ofegante de seus gemidos.
Seu pênis se contraiu, e sabia que deveria acabar com aquele caminho errante de pensamento. Não tinha vindo aqui para seduzi-la, mas para cortejá-la. Por fim, pegou o sabonete de volta.
— Você deseja se impor sobre mim, então? — Ela perguntou, os olhos arregalados.
Isso suprimiu seu ardor. Ele se acalmou, o sabonete em suas mãos.
— É isso que você pensa de mim, Georgiana?
Ela estremeceu, talvez com a raiva aguda de seu tom.
— Leeds...
— Meu nome é Kit, porra, — ele explodiu antes que pudesse se controlar. — Meu nome é Kit, e sou seu maldito marido. Mesmo se fosse meu direito, porém, eu nunca iria forçá-la. E, a menos que eu esteja enganado, não precisaria, embora você tenha feito o possível para garantir que nossos caminhos nunca se cruzassem nestes últimos onze dias. Diga-me, de quem você se esconde, Georgie? De você ou de mim?
Ela engoliu em seco, aparentemente tentando organizar seus pensamentos.
— Georgie?
Ele não tinha a intenção de criar-lhe um apelido, mas, no momento em que deixou seus lábios, soube que estava certo. Seu nome era longo, multi-silábico e frio. Ela era calorosa, apaixonada e enganosamente adorável. Georgie combinava melhor com ela e, agora que ele havia decidido involuntariamente, não conseguia pensar nela como outra coisa. Este nome era só dele, e ela despertou os seus mais ferozes instintos possessivos. Quase um ano atrasado, mas lá estava. Honestidade no seu melhor e no pior.
Ela ainda estava olhando-o como se ele fosse o homem mais peculiar que já tinha visto.
Então, ele deixou escapar:
— Não combina com você.
Ela piscou.
— O que não combina comigo?
— Seu nome, — ele elaborou. — É muito comprido. Muito formal, muito altivo e indiferente. Nem de longe a mulher que conheci desde meu retorno.
— Ainda assim, você mal me conhece, — ela rebateu. — Você está aqui há pouco mais de um mês, Sua Graça. Só posso ser uma estranha para você.
— Kit, — ele a lembrou. Droga, a mulher era irritante. Mas pelo menos, finalmente a encurralou. Ela não podia correr, esconder ou evitá-lo agora. Tinha que permanecer em seu banho, debaixo d'água, para não se revelar.
Era errado ele começar a orar para que a água esfriasse mais cedo ou mais tarde? Fez-se essa pergunta interna, pois tinha uma resposta. Sim, não tinha dúvidas de que era. Mas, era um homem desesperado ultimamente, tomando medidas desesperadas, e se levasse sua duquesa ao ponto de bater os dentes para perceber que precisava repensar sua opinião sobre ele, então que fosse.
Ela o estudou com uma intensidade que roubou seu fôlego.
— Como você pode presumir que sabe o que me convém, Kit?
Gratificação atingiu seu peito e reverberou por todo o seu corpo em ondas quentes e bem-vindas. Ela tinha usado o seu nome, e ele não pôde deixar de torcer para que desta vez, ao contrário de todas as outras anteriores, ela não voltasse mais à formalidade para mantê-lo afastado.
Ele não vacilou. Não piscou. Não respirou, ou desviou os olhos de seu hipnotizante olhar esmeralda enquanto respondia com toda a honestidade que podia extrair de dentro de si mesmo.
— Talvez eu queira me tornar o homem que sabe o que combina com você.
Seus lábios se firmaram em uma linha proibitiva, os olhos brilhando.
— Você perdeu esse direito ao me deixar.
Ela o tinha lá, e o que ele poderia dizer para remediar isso?
A verdade, disse uma voz dentro dele. A tentação de revelar-lhe tudo aumentou, até que teve que apertar a mandíbula para conter as palavras. Ele foi expulso da Liga, mas ainda tinha obrigações para com o Ministério do Interior. Para a segurança dos cidadãos da Inglaterra, que nunca estariam livres do perigo de serem mutilados ou feridos pela campanha da dinamite Feniana, sem que cada conspirador fosse preso e julgado por seus crimes.
Ele olhou-a, perguntando-se quando e como isso tinha acontecido. A primeira vez que ele perdeu o controle e a beijou? Ouvir a história de uma pequena Georgie ouvindo o canhão da guerra? Assistindo a adoração altruísta que ela tinha por seu zoológico? Ele não sabia dizer. Por quase metade de seus anos, sua vida foi devotada a uma causa, mas desde seu retorno, esta pequena e feroz mulher diante dele lentamente e constantemente suplantou isso. Ela era tudo o que ele via, e ele gastava cada respiração em sua presença encantada inventando um meio de chegar de volta.
— Eu a deixei porque tive que fazer, — disse ele por fim, pois não era mentira. Sua missão secreta na cidade de Nova York tornou-se imperativa depois que a Liga descobriu evidências de que os fenianos sediados em Nova York haviam construído um submarino para ser usado em navios de passageiros para o máximo de derramamento de sangue. — Sua água do banho está esfriando, Georgie. Venha aqui e deixe-me lavar seu cabelo agora.
Mas ela não estava disposta a ceder, estendendo a mão pequena, a palma voltada para cima.
— Dê-me o sabonete, por favor, Sua Graça, e eu farei isso sozinha. Tenho bastante experiência nisso como uma jovem camponesa americana.
Ela não precisava ter acrescentado ênfase para que ele se lembrasse de suas próprias palavras insensíveis. Ele reprimiu uma careta ao pensar em como a havia tratado com condescendência ao voltar pela primeira vez, ferido, com dor e com raiva como dois gatos rivais que foram atirados em um barril.
— Mas você é uma bela duquesa americana agora, e seu marido penitente deseja estar a seu serviço. Você não vai permitir-lhe? — Ele prendeu a respiração, esperando sua resposta, e percebeu que a sensação dentro de seu peito - arranhando, agarrando, lutando - era de fome. Fome por ela.
Georgie ergueu o queixo em desafio. Ele não achava que ela estava ciente de que, quando descruzou os braços e estendeu a mão para receber o sabonete, ela também removeu mais uma vez qualquer obstrução entre seu olhar e seus seios fartos e lindos. Seu olhar pairava sobre eles agora, e eles eram tão perfeitos quanto se lembrava, brilhantes, seus lindos mamilos rosados logo abaixo da superfície da água.
— Será que meu marido penitente vai me contar a verdade sobre onde ele esteve durante a maior parte do nosso casamento, e por que voltou para Londres com um ferimento à bala e uma infecção que quase o matou? — Ela exigiu. — Porque se ele não o fizer, então terei muita dificuldade em acreditar em sua contrição.
Maldita mulher por ser teimosa como uma cabra. Adequado, pois ela estava tão apaixonada por todos os animais que cruzavam seu caminho. Ora, era realmente uma maravilha que ele não tivesse um rebanho de cabras em sua biblioteca comendo todos os malditos livros e cagando no Axminster. O sorriso triste que ameaçava curvar seus lábios neste exato momento era a prova de que a mulher o havia confundido.
Talvez sua loucura fosse contagiosa. Certamente estava delicioso. Ela estava deliciosa. E linda. E irritante. E desconcertante. E tudo o que nunca ousou imaginar poderia ser dele, mais do que sempre quis. Mais do que merecia.
— Então? — Ela levantou uma sobrancelha escura, parecendo tão malditamente luxuriante que um raio de necessidade fez seu pênis ficar rígido em suas calças ali mesmo.
Inferno. Ele lambeu os lábios, tentando não olhar para os mamilos. Tentando não se imaginar tirando-a da água, seu corpo nu, brilhante e maduro para sua língua mais uma vez. Quero tanto saboreá-la em todos os lugares que é uma necessidade viva e pulsante dentro de mim. Droga, maldita ela, maldita eu...
Ele também fez o possível para não pensar em levar um daqueles mamilos atrevidos à boca, raspando-os com os dentes. Para abster-se de recordar os sons de endurecimento do pau de quando a excitou. Para abafar a memória de seus gemidos enquanto ele chupava seus seios e trabalhava sua pérola. Acima de tudo, esquecer como ela ensopou sua mão ao gozar.
Puta merda, controle-se, Kit. Ele pigarreou.
— Se eu tivesse liberdade para te contar, contaria, Georgie.
Ela franziu os lábios. Ele pensou em beijá-los.
Droga, todo esse quadro estava se tornando um problema.
— Eu sei o suficiente da verdade para presumir o resto. — Seu olhar era astuto enquanto chamuscava o dele. — Mas, quero ouvir isso de você.
É hora de tentar outra tática. Desviar. Distrair. Ele mergulhou o sabonete na água, umedecendo-o o suficiente para fazer espuma entre as mãos.
— Se você sabe, dificilmente requer elaboração.
— Você me abandonou no dia do nosso casamento. — Uma carranca desfigurou a perfeição de sua testa. — Se alguma situação exigir uma elaboração, com certeza sair do país sem avisar e deixar sua esposa morar sozinha em um novo lar seria essa. Você nem mesmo me apresentou às criadas. Cheguei aqui depois do café da manhã do casamento, sozinha e na chuva torrencial. Foi um presságio.
Quando ela disse isso, ele dificilmente poderia argumentar. Na verdade, não tinha nenhum desejo. Ela estava certa. Ponto final.
— Claro que você merece respostas. Gostaria de poder dar-lhe, Georgie. Se eles fossem meus para entregar livremente, eu o faria. Mas há muito em jogo - a vida de tantos homens bons e milhares de inocentes. Não posso ter aquele sangue em minhas mãos.
Era a maior honestidade que poderia dar a ela, e mesmo isso era demais.
— Você não confia em mim o suficiente para me dizer a verdade, mas espera que eu confie em você? — Ela balançou a cabeça lentamente, mechas de seu cabelo castanho caindo em longos, úmidos e deliciosos tentáculos ao redor de seu rosto. — Por que você está aqui mesmo, Kit? O que você quer de mim?
Ele passou o olhar de volta para a água por um instante, antes que a vergonha o lembrasse de que não deveria estar boquiaberto como se nunca tivesse visto uma mulher nua. Ele tinha, embora admitidamente, a Liga tinha se tornado sua amante em mais maneiras do que em anos recentes. Ele não tinha dormido com uma mulher desde muito antes do dia de seu casamento. Mesmo assim, ele vira e apreciara cada centímetro dos seios deliciosos de sua esposa, onze dias atrás. Certamente deveria ser imune aos seus encantos. Certamente deveria ser capaz de encontrar seu olhar como qualquer cavalheiro. Mas não, não conseguia parar de olhar.
Desvie o olhar dos seios dela, Kit. Você já viu muitos mamilos em sua vida, inclusive os dela. Reúna sua inteligência, cara.
Por que ela tinha que ser tão atraente?
— Estou aqui porque você tem me evitado por quase duas semanas, — ele rosnou, perturbado por ela e por si mesmo em medidas iguais. — E o que quero de você é você, Georgie. Seu corpo, sua mente, seu tempo, sua confiança. Tudo de você.
Seu coração.
Mas não, ele não diria isso em voz alta. Ainda não.
— Não dei permissão para você me chamar de Georgie, — ela disse, sua expressão ficando aflita. — Você mal me conhece, e nem posso começar a conhecê-lo.
— Dê-me a chance que você concederia a qualquer animal perdido. — Seus olhos queimaram os dela com intenção, desejo, desejo nu. — Deixe-me conhecê-la. Deixe-me entrar, Georgie. Comece vindo para este lado da banheira e permitindo que eu termine de lavar seu cabelo. A decisão é sua. Se você disser a palavra, irei embora e nunca mais pretendo entrar em sua sala de banho.
Mesmo enquanto dizia as palavras, ele desejou poder anulá-las. Foi um salto de fé supor que ela não o baniria para sempre. Mas então, sua pequena e feroz duquesa americana fez a coisa mais estranha e surpreendente.
Ela assentiu.
— Muito bem. Eu posso te dar isso. — E então, virou-se e deslizou pela banheira, mais uma vez ao seu alcance.
O alívio caiu sobre ele como uma onda do mar, e em seu rastro, ele se sentiu flutuando, como se o peso mais pesado que já conheceu tivesse sido tirado de seu peito. Ele afundou os dedos em seu cabelo, dominando-se, e pressionou os lábios no topo de sua cabeça, respirando profundamente seu cheiro úmido.
— Obrigado, Georgie.
— Não me faça me arrepender, — ela advertiu.
Sua advertência arrancou outro sorriso dele enquanto ensaboava seu cabelo, os dedos trabalhando em seu couro cabeludo, a gratidão zumbindo por ele.
— Vou me esforçar para não fazer isso, minha querida.
Ele nunca tinha imaginado que algo tão íntimo, mas tão simples, pudesse fazer suas entranhas parecerem tão esquisitas. Ela fez um som evasivo, mas não se afastou, permitindo que ele lavasse seu cabelo antes que ela o mandasse sair do quarto para que pudesse terminar seu banho em paz. Ele fez o que ela mandou, sentindo que havia vencido a batalha. A seguir, a guerra.
Capítulo 17
Georgie.
Ridículo que a abreviação de seu nome a fizesse sentir uma centelha de desejo. Que devesse ressoar em lugares impróprios. Ou causar um formigamento em suas regiões inferiores. Ou aumentar cem vezes mais os sentimentos profundos e complexos que nutria por ele. O homem era horrível.
Irreparável.
Ele não mentiu para ela? A deixou por meses? Ele não voltou com uma personalidade cruel e a boca de um marinheiro?
Sim para todas essas perguntas.
E mesmo assim, quando ele disse o seu nome, ela ficou fraca. E mesmo assim, seu coração tolo ainda insistia em bater como as asas de uma borboleta sempre que estava na presença dele. A emoção indesejada alojada em seu peito, parte dor e parte maravilha que a consumia, se recusava a ir embora. Amor. De todos os homens do mundo por quem poderia ter se apaixonado, por que tinha que ser ele?
— Georgie!
O berro raivoso a alcançou segundos antes de a porta do quarto se abrir. Ela saltou de sua confusão com a comoção, a resposta que ela estava escrevendo ao convite para jantar de Daisy voando para o chão. Sir Nutkin, que estava aninhado na cama improvisada que ela fizera para ele, e cochilava pacificamente, acordou e saltou sobre as patas traseiras. Um ranger alarmante saiu de seu pequeno corpo e sua cauda fofa estremeceu de agitação.
— Calma, amiguinho, — murmurou, passando uma mão calmante sobre seu pelo felpudo.
Leeds entrou no quarto, seu mancar menos pronunciado do que nunca quando a porta se fechou atrás dele. Seu rosto bonito exibia uma expressão perigosa. Sua mandíbula estava cerrada, os olhos brilhando de indignação.
— Você se importaria de explicar o rato que está atualmente fazendo sua casa em meu quarto, senhora?
Oh, céus. Então, foi para lá que seu desaparecido Liliputiano fugiu. De todos os lugares em Leeds House, por que o meliante tinha que escolher o quarto de seu rude marido?
Ela franziu a testa e pegou Sir Nutkin nos braços antes de se levantar da cadeira.
— Não há necessidade de gritar. Como você pode ter certeza de que há um rato em seu quarto? E se realmente houver um rato, como você sabe que é meu?
— Maldito inferno, Georgie. — Ele parou quando estava perto o suficiente para que seu delicioso perfume masculino flutuasse para ela, seu olhar horrorizado mergulhando em Sir Nutkin. — Que diabo é isso?
— Ele não é isso. — Ela levantou uma sobrancelha e deu-lhe seu olhar mais admoestador. — Ele é o Sir Nutkin.
— Senhora, não entendo a sua predileção por roedores. — Uma nota de descrença tingiu seu tom de barítono profundo.
Na verdade, ela não precisava se explicar para aquele homem irritante e arrogante. Mas já que ele havia interrompido seu isolamento, ela se dignaria a detalhar.
— Sir Nutkin é um esquilo que caiu do ninho da mãe e precisava de cuidados. Ele não é um roedor.
— Você não pode querer mantê-lo. A coisa pertence ao ar livre. Nas árvores. — Suas sobrancelhas se ergueram para enfatizar sua perplexidade.
Ela protegeu Sir Nutkin com a mão, como se Leeds pretendesse arrancá-lo de seu seio.
— Ele não precisa de árvores quando me tem.
— Você quer dizer que permite que esta pequena ameaça peluda suba em você? Bom Deus, você realmente é maluca, mulher. Se eu tivesse dúvidas quanto à sua sanidade, elas foram oficialmente dissipadas. Você é uma maldita lunática. — Ele a olhou carrancudo primeiro, depois para o Sir Nutkin, como se esperasse que o esquilo atacasse.
Embora fosse muito mais fácil resistir a ele quando estava carrancudo e repreendendo-a por seus animais, desejou naquele momento que ele tivesse voado para dentro de seu quarto inclinado à sedução.
Ela baniu o pensamento indigno imediatamente.
— Sir Nutkin não me escala, Leeds. Nem minha inteligência está confusa.
— Eu preciso discordar. Você atualmente sustenta uma família de ratos com o nome dos personagens de As Viagens de Gulliver, ou não? — Ele fez uma pausa para dar ênfase antes de prosseguir verbalmente. — E nenhuma dessas pestes miseráveis escapou, durante o qual você se calou sobre seu misterioso paradeiro enquanto a coisa cagava em um dos meus sapatos e mastigava minha correspondência?
Sir Nutkin soltou uma série de chilros naquele momento.
Georgiana o acalmou com um tapinha.
— Não tema o homem zangado, querido. Não vou deixá-lo te machucar.
Seu lábio se curvou.
— Aquela coisa não entende você mais do que o rato usando meu sapato como sua latrina.
— Você tem mais alguma coisa que queira me dizer que não envolva insultos, condescendência ou depreciação? — Ela retribuiu-lhe o olhar com outro. Como poderia amar este homem? O que havia de errado com ela? Como permitiu o vislumbre fugaz de sua vulnerabilidade ontem para convencê-la de que havia nele um lado mais suave e gentil que só precisava ser nutrido?
Ele fechou os olhos por um momento.
— Georgie, nunca lhe ocorreu que você não pode simplesmente levar em conta cada criatura que cruza seu caminho? Eventualmente, a casa será invadida e ninguém - nem mesmo as malditas criadas - terá um lugar para dormir à noite.
Seu tom se suavizou. Ele fechou a distância entre eles. Suspirou.
— Quem os acolherá se eu não fizer? — A pergunta que a perseguia saiu de seus lábios antes que pudesse pensar melhor.
— Alguém. Ninguém. Eu não sei. — Ele suspirou uma segunda vez, o som ao mesmo tempo cansado e exasperado. — Por que você faz isso, Georgie? Por que você pega tantas criaturas quebradas e tenta salvá-las?
Não era uma pergunta que ela desejasse responder, pois isso exigiria introspecção, e isto a levaria a desenterrar memórias dolorosas que preferia esquecer.
— Porque me importo.
Ele balançou a cabeça, estendendo a mão para levantar o queixo dela com uma cutucada gentil do dedo indicador.
— É mais do que isso.
O lugar onde sua pele nua tocava a dela parecia que iria pegar fogo. Ela passou a língua pelos lábios que estavam secos.
— Não me analise, Leeds. Não faço parte de sua missão de espionagem.
— Não tenho mais uma missão. — Sua voz estava oca, a admissão soando arrancada dele contra sua vontade.
Seu reconhecimento de que ela não estava errada sobre suas atividades secretas, de que Ludlow tinha sido sincero quando disse que Leeds era um espião, invadiu-a com um beijo caloroso. Finalmente. Ela se viu inclinada em sua direção, em seu corpo grande e forte, e presença intensa. Ele era como fogo, e ela estava fria até os ossos, faminta para estar o mais perto dele que pudesse para se aquecer.
Avisos soaram em sua mente.
Mas ele ainda é um homem bestial. Você não deve se permitir enfraquecer por ele. Nunca deve deixá-lo saber que ele é o dono do seu coração.
— Você se arrepende do que aconteceu em Nova York, — disse ela, capaz de lê-lo agora, depois de finalmente ter passado algum tempo em sua presença.
— Dediquei metade da minha vida ao serviço. — Ele inclinou a cabeça em um reconhecimento severo. — Tê-lo em pedaços abruptamente tem sido... difícil. Não me adaptei bem, receio.
Enquanto ele falava, seu toque permaneceu sobre ela. Ele abriu a mão, segurando sua mandíbula, seus dedos fortes e grossos espalhando sobre sua garganta. Ela resistiu a um estremecimento de consciência que ansiava por se libertar.
O que esse súbito e gentil impostor fez com o verdadeiro Duque de Leeds, o homem que invadiu este quarto como um turbilhão, rugindo, praguejando e carrancudo? Onde estava o Duque de Leeds com quem havia se acostumado, aquele a quem amava porque seu coração tolo não resistia aos quebrados e necessitados, e aqueles que ninguém mais amaria?
Sua ternura abrupta a desfez muito mais do que sua arrogância jamais poderia, embora parecesse que ela amasse seu latido tanto quanto seu ronronar.
— Por que você fez isso? — Ela lhe perguntou então, antes que sua mente pudesse vagar mais longe do que antes. — Por que assumir algo tão perigoso, quando você é um duque e tem Londres inteira ao seu alcance?
— Nem sempre fui um duque. — Um sorriso autodepreciativo curvou seus lindos lábios. — Eu era o sobressalente. O temido segundo filho. Meu pai me detestava e minha mãe morreu me dando à luz. Eu existia com o único propósito de ser o substituto de meu irmão, caso fosse necessário. Meu trabalho para o Escritório tornou-se o objetivo que eu ansiava.
Ele havia revelado para ela agora uma parte de si mesmo, um fragmento importante e até então desconhecido de seu passado, e ela não perdeu isso. Eles compartilhavam algumas semelhanças, ao que parecia, já que seu pai também não poupava amor por ela, e sua mãe também havia morrido.
Seu coração doeu ao pensar na criança solitária que ele deve ter sido. Criado à sombra de seu irmão, o futuro duque, seu pai proibitivo se recusando a mostrar-lhe o amor que qualquer criança precisava. Não é de admirar que ele fosse tão frio e implacável como homem.
— E agora você não tem propósito? — Ela franziu a testa, tentando entender a complexidade que era seu marido.
— Agora eu tenho você. — Seu polegar traçou um caminho sobre seu lábio inferior.
Ela engoliu em seco, mais abalada do que teria preferido por aquela frase solitária.
— Você sempre me teve. Eu estive aqui, Kit, o tempo todo.
Foi um lembrete amargo de que ele nunca teve tempo para conhecê-la. Para cortejá-la. Nunca se importou com ela. E não a tratou de forma diferente do que seu pai, como se ela fosse um objeto que ele pudesse usar ou descartar à vontade, dependendo do momento, e se ela servia ou não ao seu propósito.
— Estou começando a entender isso. — A expressão dele ficou tão dura que poderia ter sido afiada em mármore quando seu olhar penetrou no dela. — Lamento a forma como o nosso casamento começou. Não posso desfazer o que aconteceu entre nós. Mas posso começar de novo, a partir deste momento.
— Hmm. Claro que você deseja começar agora, e não quando você entrou em meu quarto, gritando comigo sobre meus ratos e o Sir Nutkin. — Ela lhe deu um olhar malicioso.
Meu Deus, ela estava brincando com o Duque de Leeds? O mais mesquinho, aborrecido e grosseiro que ela conhecia? O homem que se casou e a deixou no espaço de um dia?
Sim. Ela estava.
E ele estava sorrindo para ela, um sorriso verdadeiro, que transformava seu belo rosto em algo... mais suave. Quase infantil. Inesperado. Quando ele sorriu daquele jeito fácil e íntimo, a respiração escapou de seus pulmões e seu coração bateu forte em seu peito. Um formigamento estranho e agradável irradiou de entre suas coxas.
— Eu não berro, senhora.
— Me chame de Georgie, — ela sussurrou antes que pudesse se conter.
Seu sorriso se aprofundou, tornando-se conhecedor.
— Georgie. Entende? Combina com você.
Talvez eu queira me tornar o homem que sabe o que combina com você.
Sim, Georgie combinava com ela. Ele tornou-se esse homem. Apesar de seu início nada auspicioso, algo sobre esse homem a chamou de uma forma inesperada e primitiva.
Mas isso não significava que queria que ele soubesse disso. Ela encolheu os ombros.
— Talvez, sim.
Seu polegar percorreu sua bochecha agora em uma longa e lenta carícia.
— Os animais, Georgie. Por que você acha que pode salvar todos eles?
— Porque sei o que é não ter ninguém que se importe. — Lá estava ela, a verdade terrível, e como ela gostaria de poder esquecer, para que ele nunca pudesse entender o quão amarga e solitária sua vida tinha sido até que ela percebeu o amor irrestrito que um animal poderia lhe dar.
— Ninguém se importou com você? — Ele apertou sua mandíbula, seu polegar parando em sua bochecha.
Tarde demais para disfarçar agora. Ela tinha revelado muito.
— Minha mãe importou-se, até morrer. Meu tio, é claro, embora meu pai tenha ficado entre nós. Eu era a filha que o tio George nunca teve, e ele era o pai que eu desejava, em vez do meu.
Seu toque dolorosamente suave, ele arrastou sua carícia de volta para sua garganta.
— Você se vê nos animais, não é, amor?
Foi o termo carinhoso que ele pronunciou com tal fluência que mais uma vez roubou seu fôlego, ou foi a compaixão inesperada brilhando em seu olhar? A reverência de seus dedos percorrendo sua pele nua? Ou pior, ele poderia vê-la, lê-la, entendê-la melhor do que ela se entendia?
Que ele fosse capaz de tal compreensão não deveria surpreendê-la. Ele era um espião. Estudar o mundo e as pessoas ao seu redor seria uma segunda natureza.
Ela engoliu em seco, percebendo a veracidade disso.
— Vejo criaturas solitárias que precisam de amor e um lar, que posso oferecer. Por que negar isso?
— Você não pode salvar todos eles, você sabe. — O toque dele a deixou então, e ela olhou para baixo para ver sua mão se aproximar lentamente de Sir Nutkin, que se aninhava contra ela com olhos escuros e vigilantes.
— Eu posso tentar, — ela disse.
Ele afagou a cabeça do esquilo gentilmente, e Sir Nutkin deu um chilro alegre. Traidor. Ela franziu os lábios, estudando seu resgatado, observando enquanto Kit acariciava suavemente o pelo do mesmo animal que ele recentemente se referiu como um “aquele”.
— Já lhe ocorreu que esta besta pode ser mais feliz lá fora onde pertence do que presa aqui dentro de gesso e madeira? — Kit perguntou, seus olhos fixos nela.
Sim, claro que sim. Ela sabia que não poderia ficar com Sir Nutkin para sempre, mas gostava muito dele.
Ela franziu o cenho.
— Não.
— Há uma árvore além daquela janela. — Ele gesticulou em direção à grande janela à direita dela, que dava para o pátio e para os jardins da Leeds House. — Grande, velha, forte. Ele pode alcançar o galho daqui se abrirmos a janela para ele. Vamos levá-lo lá, abrir a janela, deixar que ele decida por si mesmo.
Georgiana balançou a cabeça.
— Não. Ele está perfeitamente satisfeito aqui comigo. Você não consegue ver?
— Dê a ele uma escolha, Georgie. — Seu tom era suave, bajulador. A gentileza que ele exalava depois de tanta mordida e arrepios a desfez.
— Muito bem. — Ela entraria no jogo, pois sabia o que Sir Nutkin escolheria. Não sabia?
— Venha. — Ele a surpreendeu envolvendo um braço possessivo em volta de sua cintura e guiando-a até a janela.
Com um punhado de passos, eles cruzaram o pequeno quarto. Kit abriu a janela, empurrando-a amplamente. Além, os velhos galhos enrugados da árvore em questão apontavam para cima, adornados com uma espuma de folhas verdes. Sir Nutkin fez uma confusão de sons e se contorceu em seus braços.
— Aqui agora. — Kit tirou o esquilo dela lentamente. — Há um sujeito. Você gostaria de viver nesta linda árvore?
Ela engoliu em seco contra a picada repentina em seus olhos e garganta. O Duque de Leeds falava com o esquilo dela como se tivessem acabado de se sentar para tomar chá. E ele se desculpou por deixá-la no dia do casamento. Imagine essa raridade! Um pedido de desculpas de Leeds - ora, quase não deu para acreditar.
Ela tinha certeza de que seus olhos e ouvidos a enganavam. Contra sua vontade, ela teve que admitir que talvez Sir Nutkin realmente tivesse superado sua necessidade por ela. Ele não era mais um bebê indefeso. E se Kit estivesse certo?
Os galhos da enorme árvore chegavam perto o suficiente da janela para que Kit pudesse inclinar seu corpo alto através da abertura e colocar o esquilo em um galho particularmente grande. Sir Nutkin fez seu som feliz, balançou a cauda e correu para a árvore sem olhar para trás.
Seu coração deu uma pontada ao ver o esquilo que ela criou nas últimas semanas desaparecer entre os ramos frondosos. Bem. Era isso, então. Afinal de contas, seu marido estava certo, embora a magoasse muito pensar nisso. Sob nenhuma circunstância ela se rebaixaria a admitir em voz alta. Ela só podia imaginar como isso aumentaria sua considerável arrogância.
— Suponho que ele se foi. — Ela não conseguiu esconder o tom de desânimo em sua voz quando Leeds fechou a janela.
— Ele está onde pertence. — Ele se voltou para ela, seu olhar impenetrável no seu semblante. — O pequeno vigarista parecia bastante satisfeito, não é?
— Sem dúvida, parecia. — Ela cruzou os braços sobre o peito, abraçando-se, sentindo-se repentinamente desolada. — Todos os homens da minha vida têm uma tendência a me deixar, então por que um esquilo deveria ser diferente dos outros?
Kit se acalmou, sua mandíbula cerrada.
— Já pisamos neste solo cansado antes, Georgie. Meu dever exigia que eu a deixasse.
— No dia do nosso casamento? — Ela não pôde deixar de reclamar, porque a ferida era velha, profunda e amarga e não queria sarar.
Seus olhos brilharam.
— Teria sido melhor no dia seguinte?
— Claro que não.
O braço de Kit deslizou para trás ao redor de sua cintura, puxando-a para seu peito duro e delicioso, e seu aperto possessivo pareceu familiar e correto. Ela se viu apoiada em seu calor, as palmas das mãos espalmadas em seus peitorais. Foi naquele momento particularmente inconveniente que sua mente escolheu recordar como seu peito ficava quando nu, cada pedaço de músculo rígido em seu abdômen. Sua boca ficou seca.
Por que ele tinha que cheirar tão masculino e divino? E por que, oh, por que sua mera presença era tão inebriante? Ela inalou, cativada por sua proximidade, a força silenciosa que ele exalava, a aura de perigo. Até mesmo sua garganta a cativou, a delineação de seu pomo de Adão, o desleixo de seus bigodes de um dia pontilhando sua pele.
Ele abaixou a cabeça até que seus narizes quase roçassem.
— Que tal no dia seguinte?
O que ele estava lhe perguntando? Meu Deus, ela ficou tão enredada que nem conseguia se lembrar. Sentia-se como uma oradora que havia perdido seu lugar e agora estava afundando diante de uma multidão, tentando freneticamente apreender a próxima frase que deveria dizer.
Ela molhou os lábios.
— Que dia seguinte?
— Georgie. A questão é que eu teria que deixá-la de qualquer maneira. Eu tinha a obrigação de cumprir um juramento que fiz muito antes dos votos que troquei com você. Mas isso mudou agora, e talvez eu também. — Ele fechou a última pequena distância entre eles, pressionando sua testa na dela e inalando. — Inferno, parece que eu não sei mais nada, mas uma coisa eu sei é que quero começar de novo. Deixe-me fazer as pazes.
Afaste-o. Proteja seu coração. Não permita que ele o corteje. Acima de tudo, não pense em como seus lábios podem ser persuasivos. Ou sua língua. Ou seus dedos.
Oh, céus.
Era tarde demais. Os fios gêmeos de relutância e cautela dentro dela se romperam. Ela deslizou as mãos sobre o peito dele, enroscou-as no pescoço e puxou sua boca para a dela.
Capítulo 18
Maldito inferno, ela tomou seu fôlego.
Os lábios dela se moveram sob os dele, e ele angulou a boca, abrindo, exigindo. Sua língua traçou a costura, impedindo-o de reivindicá-la como queria, e ela se abriu para ele sem hesitar. Ela tinha gosto de seu chocolate matinal. Doce, inesperado e decadente. Seu lábio inferior cheio empurrou contra o dele. Pegou-o entre os dentes, puxando e beliscando até que um gemido saiu dela. E então, ele beijou e acalmou a picada.
Suas mãos encontraram o mergulho tentador na parte inferior de suas costas antes de viajar mais para baixo. A deliciosa curva de seu generoso traseiro queimou as palmas das mãos através de suas camadas. Ele a puxou mais firmemente, seu pênis duro aninhado na onda de tecido entre suas coxas. Ela era exuberante onde importava, ossatura fina e delicada, e como não a viu como a deusa que ela era quando se casaram? Como não fez tudo ao seu alcance para ficar com ela por uma noite, mesmo que fosse tudo o que ele poderia ter?
O Kit que a segurava em seus braços e tomava sua boca agora não conseguia conciliar isso. Tinha estado tão envolvido na Liga? Tinha estado muito distraído por seu ressentimento? Por que nunca encontrou um tempo para vê-la? Para conhecê-la? Prová-la, fazer seu corpo doer e estremecer, arrancar dela suspiros e gemidos suaves e ofegantes?
É hora de fazer penitência por seus erros passados, em mais de uma maneira. E ele pretendia compensar cada forma como a ofendeu. Kit ainda podia ouvir sua voz rouca dizendo que todo homem em sua vida tinha uma tendência para deixá-la, e o matou perceber que ele tinha sido um. Ela havia se machucado antes dele, e ele aumentou ainda mais essa dor.
O conhecimento o atingiu com uma dor física que rivalizava com a dor em sua coxa.
E então, a beijou como se seu próximo batimento cardíaco dependesse disso, longo e demorado. Profundo e lento. Difícil e rápido. Eles eram uma mistura de corações batendo descontroladamente, mãos errantes, bocas abertas, procurando e línguas emaranhadas. Ele não se cansava disso. Dela.
Queria devorá-la. Consumi-la. Inspirá-la. Queria lamber, beijar e morder cada cremoso marfim e deliciosa faixa rosa de sua pele. Principalmente os pedaços rosa. Queria tirar seu vestido azul marinho, puxar para baixo sua camisa e chupar seus mamilos até que estivessem duros em sua boca como antes, e ela gritasse de necessidade. Ele queria prová-la, passar a língua sobre sua pérola e lambê-la como a mais fina iguaria. Seu pênis queria estar dentro dela. Queria fodê-la tão forte e tão profundamente, e de tantas maneiras diferentes que ela nunca o esqueceria. Para que nenhum outro homem servisse.
Mas ele tinha um ferimento curando na coxa que o lembrou, com uma pontada de desconforto, que não poderia levar as coisas tão longe quanto gostaria, sem mencionar uma maldita consciência que o chamava de todos os tipos de epítetos. Que tipo de homem faria uma mulher tão sensível como Georgie desistir de seu esquilo - mesmo que fosse para o próprio bem da criatura ridícula - e depois tomá-la no chão como se fosse seu dever?
Ele arrancou sua boca da dela, afogando-se nela. Cílios longos e escuros se abriram para revelar a vibração impressionante de seus olhos. Seus lábios estavam manchados com o vermelho escuro de um morango maduro, inchados de seus beijos. Um cacho castanho havia se libertado de seu penteado elegante para permanecer em sua bochecha, e ele o colocou com ternura atrás de sua orelha. Ela era feroz, sua duquesa, mas também era vulnerável. Ela nunca pareceu mais acessível a ele do que agora neste momento, atordoada e quieta, emanando o apelo inato que era só dela.
Porra, ela era linda.
Ele a beijou novamente, porque não resistiu. Não conseguia parar. Nunca poderia ter o suficiente. A primeira vez que suas bocas se encontraram, ele ficou arruinado. Ela era tudo o que ele queria. Tudo em que conseguia pensar. Quando possuiu sua boca, todo o resto sumiu. A Liga, a traição, sua perna... tudo sumiu, deixando-o livre de uma forma que nunca havia sentido.
Ela fez um som suave de necessidade, e ele quase gozou nas calças ali mesmo. Esse miado de gatinho foi sua ruína. Seus braços envolveram a cintura dela, segurando-a com força, e sem interromper o beijo, ele a conduziu através do quarto.
Ele a faria gozar novamente.
Era uma necessidade tão forte quanto respirar. Tudo dentro dele girou, rugiu e inchou. Ele era como os componentes que faziam dinamite. Um movimento errado e ele explodiria.
A necessidade de lhe trazer prazer consumia tudo. Ele a alimentou com beijos, guiando-a enquanto caminhava. Beijo, passo. Beijo, passo. Beijo, língua. Maldição, não a arrastaria para o tapete, independentemente de quanto seu instinto mais básico exigisse. Beijo. Degrau. Degrau. Beijo.
Quando eles finalmente se aproximaram da cama, ele parou seu progresso, percebendo o quão completamente vestidos estavam. E como nada aconteceria como ele desejava, até que as infinitas camadas de tecido e barbatanas entre eles fossem desmontadas. Não era normalmente tão desleixado em sua sedução a uma mulher, mas esta - sua esposa - o tinha tonto.
— Seu vestido, — murmurou contra seus lábios. — Eu quero isso fora.
Ela enrijeceu em seus braços, e ele podia ouvir os avisos disparando em sua mente ágil. Ele a beijou por mais tempo, com mais força, persuadindo-a o melhor que pôde, sem palavras, de que era confiável, de que só pretendia lhe dar prazer. Afinal, eles eram marido e mulher. Qual seria o dano em exercer seus direitos mútuos? Em encontrar consolo e prazer um no outro?
Ele não podia, pela sua maldita vida, entender uma razão pela qual eles deveriam atrasar sua conflagração inevitável por mais um momento. Estava muito atrasado. Ela precisava dele tanto quanto ele precisava dela.
— Leeds, — ela protestou. — Não acho isso sábio.
E então ela se fez mentirosa ao beijá-lo novamente. Fazendo aquele som suave e feminino que nunca falhava em flechar seu caminho diretamente para seu eixo. Sua virilha pulsava e doía, e cada parte dele clamava por mais. Mais dela. Mais de tudo.
Mas ele também estava ciente de que ela era inocente e não havia começado o relacionamento como deveria. Ela tinha todo o direito de dizer-lhe para ir para o diabo, pois era exatamente onde ele pertencia.
Precisava ouvir que ela queria isso - seja lá o que for, seja o que for que se tornaria - tanto quanto ele. Que também sentia a faísca louca que ameaçava consumi-lo sempre que ele a tocava. Que independentemente da pressão sob a qual seu casamento começou, não era tarde demais para eles.
Separou-se dela por um momento, respirando pesadamente, olhando para baixo em seu olhar de pálpebras pesadas.
— Diga-me para parar.
Ela não disse nada, apenas olhou para ele. Seus dedos encontraram o fecho nas costas de seu vestido. Ganchos e colchetes, talvez alguns botões, alguma seda cara. Isso era tudo o que havia entre Kit e o que queria mais do que qualquer outra coisa no mundo.
— Diga-me que você não quer isso, — pediu, beijando-a profundamente mais uma vez antes de se retirar novamente. — Diga-me que você não me quer, e pararei neste exato momento, para nunca importuná-la novamente.
Georgie o surpreendeu profundamente, colocando a mão em sua bochecha.
— Não posso te dizer nenhuma dessas coisas, pois não seriam verdade.
Foi todo o incentivo de que ele precisava. Kit arrancou um punhado de ganchos de suas amarras. Ele a beijou como se estivesse morrendo de fome por ela. Porque estava. Faminto, de boca aberta, áspero. Havia pouca sutileza na maneira como ele inclinou a boca sobre a dela, a maneira como mordeu a plenitude suculenta de seu lábio inferior.
Tecido rasgado. Ele empurrou as mangas e o corpete até a cintura, sem nunca tirar os lábios dos dela. Seus dedos pousaram na pele nua de seus braços. Céu. Ela era tão suave, tão quente, e ele não queria soltá-la.
Para sempre.
Mas então, ela permaneceria vestida, e ele não aceitaria isso. Precisava dela nua. As últimas semanas intermináveis de saudade o consumiram, impelindo-o a continuar. Ele arrastou a boca sobre sua mandíbula, beijou-a até a cavidade abaixo de sua orelha e inalou seu perfume doce e perfeito. Lavanda e mulher, com notas de baunilha e rosa. Os dedos dele encontraram primeiro a anágua, enviando-a ao chão antes de atacar o laço de seu espartilho. Ele abriu o nó, puxou até que se soltou.
— Seu espartilho, — ele sussurrou em seu ouvido, passando a língua sobre a espiral delicada lá até que ela estremeceu contra ele. — Tire.
Ela se moveu, e ele sentiu o arranhar dos nós dos dedos contra seu peito enquanto ela desfazia a linha de fechos até que a roupa de baixo caiu com um baque suave no tapete. Ele correu a boca por sua garganta, beijando seu pulso acelerado. Aqui estava a prova de que ela o queria tanto quanto ele a queria.
Ele pegou a plenitude de suas saias e puxou até que a seda deslizou de seus quadris e pousou em cima de seu espartilho descartado. E então, ele passou as mãos sobre sua forma recém-libertada, memorizando a curva de sua cintura antes de deslizar para os montes exuberantes de seus seios. Mamilos rígidos cutucaram em suas palmas, pedindo sua boca.
Deus, ela era responsiva.
Quando a segurou, ela gemeu e se arqueou. Ele deu-lhe um aperto suave, esfregou os polegares sobre os picos rígidos, satisfeito quando ela ofegou seu nome. Ele chupou seu pescoço, sabendo que deixaria uma marca. Amanhã, no café da manhã, poderia ver a evidência de que aquele momento tinha sido real e não uma invenção de sua imaginação. E qualquer um que a olhasse saberia que ela era dele. Que ele havia feito sua reivindicação como deveria ter feito no dia do casamento.
— Tire sua camisa, amor. — Ele falou a ordem em sua clavícula enquanto a beijava ali. Mesmo essa protuberância óssea era bonita e feita para sua boca adorar.
— Kit. — Sua voz estava ofegante. Incerta. — Eu não tenho nada por baixo.
Ele inclinou a cabeça para encontrar o olhar dela, e sorriu.
— Esse é o ponto, querida. — Ele tocou o decote de renda e fita, permitindo que seu toque perdurasse no vale entre seus seios por um segundo mais do que o necessário, apenas para atormentar os dois. — Agora, tire isso.
Sem palavras desta vez, ela fez o que ele pediu, juntando pedaços de tecido e puxando-os pela cabeça, jogando-os por cima do ombro.
E assim, ela ficou diante dele em nada além de suas calças, meias e sapatos, seus seios gloriosos em exibição. Sua boca ficou seca com a visão erótica que ela apresentou. Seu cabelo estava imaculado, nenhum cacho fora do lugar, enrolado em uma elaborada espiral grega que tinha sido presa em sua coroa. Do pescoço para cima, ela poderia estar enfeitando qualquer sala de estar. Mas, o resto dela era uma sereia pura e genuína.
Seus seios eram perfeitos. Cheios, redondos e cremosos, com belos mamilos rosados nas pontas, da cor de uma rosa inglesa. Enquanto a olhava, um rubor apareceu em suas maçãs do rosto, descendo por sua garganta. Inquieta, ela tentou se proteger do olhar dele com os braços. Expor-se ainda era uma novidade para ela.
Mas ele estendeu a mão, parando o movimento, seus dedos enrolando em torno de seus pulsos em um aperto que era gentil, mas exigente.
— Você é tão linda. Nunca se esconda de mim.
Ele olhou para sua plenitude, permitindo-lhe ver o quão glorioso e fascinante ele achou a visão de seu corpo nu. Pois não foram apenas seus seios que o enredaram. Era a soma dela, partes que não teve tempo de notar em seu último e frenético interlúdio - de seu adorável rosto oval ao pescoço elegante, os braços longos, as mãos que tinham visto sua parte no trabalho na fazenda do papai, à faixa exposta de pele acima de suas calças rendadas, que ainda estavam abotoadas confortavelmente em sua cintura.
Ele poderia remediar isso.
Seus dedos enlaçaram o cós, o polegar sacudindo o botão de seu laço.
— Kit, — ela protestou mais uma vez, seus dedos apertando os dele.
— Georgie. — Ele a beijou, longo, profundo e forte. — Muito bem, vou deixar você fazer isso. Tire suas calças para mim. Quero te ver. Toda você.
Ele também queria prová-la. Para passar a língua em cada lugar secreto e sensível de seu corpo. Mas não queria assustá-la, então sabiamente manteve esse conhecimento para si mesmo.
Ela ainda hesitou, as bochechas coradas, sua indecisão escrita em seu rosto.
— Tire, Georgie. — Ele a beijou de novo, porque não resistiu a possuir aquela boca muito grande. Tão ridículo e completo, e ele não se cansava disso. Sua atração era mais potente do que a mais experiente e cobiçada cortesã, pois ela era ingênua, inocente e linda ao mesmo tempo.
— É justo que você faça o mesmo, — ela ousou dizer quando ele soltou sua boca.
Santo inferno, essa mulher. Ela seria sua ruína se deixasse.
— Justo. — Ele afastou-se, levantando a sobrancelha em desafio, seu olhar nunca oscilando do dela. Tirou a jaqueta, tirou os sapatos, tirou as meias enquanto desabotoava primeiro o colete, depois a camisa. Ele tirou os dois, desabotoou as calças e deixou que também caíssem.
Ele estava diante dela, nu, pois evitava as roupas de baixo desde o ferimento por causa da maneira como o tecido mais apertado tendia a esfolar e irritar sua pele curada. Embora continuasse consciente de sua cicatriz cruel, não fez nenhum esforço para cobri-la agora. Afinal, ela tinha visto isso quando cuidou dele.
— Oh, — foi tudo o que ela disse enquanto seus olhos arregalados o percorriam de cima a baixo. Quando ela se demorou em sua ereção desenfreada - prova de que nem todas as partes dele foram danificadas para sempre - suas sobrancelhas se ergueram, sua boca aberta. Um rubor furioso tomou conta de suas bochechas. — Oh.
Ele reprimiu um sorriso. Seu pênis era grande e sabia disso.
— As calças, Georgie. Tire-as.
Ela hesitou, e seu rubor aumentou.
— Mas você é... meu Deus, Kit. Conheço a mecânica disso, e não vejo como... isto é, parece totalmente impossível para... você sabe.
Ela encerrou seu dilúvio desconexo e embaraçado de palavras em um sussurro.
Cristo, ela era cativante. E tão excitante que perderia a cabeça se não pudesse ver, tocar, saborear e reivindicar tudo dela.
— Remova suas calças, — repetiu, abaixando a cabeça para beijá-la brevemente. — Justo é justo, amor.
— Eu cresci em uma fazenda, Kit. — Ela piscou, seus longos cílios tremulando sobre suas bochechas antes de levantar o rosto para revelar as profundidades brilhantes de seus olhos esmeralda mais uma vez. — Uma americana moradora de fazenda, acredito que foi como você me chamou. E sei como isso deve funcionar. Mas você... não vejo como pode... isso é um erro, eu acho. Você nem se importa comigo, e nem eu me importo com você.
Muito pensamento. Ele franziu a testa e a beijou novamente, querendo apagar a lembrança de sua zombaria cruel de suas memórias e bocas. Gostaria de poder recordar cada palavra amarga que havia pronunciado em sua direção, substituí-las por seduções e carinhos em vez disso. Como ele falhou em saboreá-la pela rara delicadeza que ela era, uma criatura de coração e substância, assim como de beleza?
Seus lábios se moveram sobre os dela, longos e persistentes, lentos e persuasivos, levando seu tempo para mergulhar em sua boca e persuadi-la até que sua língua acariciasse a dele. Certificando-se de lembrá-la de que ela queria isso. Que o queria. E por Deus, ele a queria. Ele nunca quis outra mulher mais.
Sua reação a ela deveria assustá-lo.
Ela era a mulher mais absurda que já conheceu. Ela não nascera com privilégios e não era estranha em sujar ou tornar as mãos ásperas. Acumulou um zoológico ridículo de criaturas em sua casa - gatinhos em sua biblioteca, pelo amor de Deus, cães em seu quarto, um rato que cagou em seu maldito sapato, e ainda assim, também era a mulher que cuidou dele até ficar bem. Que dormia em uma cadeira ao lado da cama. Ela era a mulher que usava o coração na manga, que cuidava dos perdidos e desafortunados que não poderiam ter esperança de sobreviver sem ela.
Era a mulher de quem se afastou no dia em que se casaram, e tudo nele desejava que não tivesse partido. Que ele tivesse ficado e usado as mãos e a boca para aliviar a carranca de seu rosto, a rigidez de sua postura. Ela estava etérea em seu vestido de marfim implorando para que ele não fosse embora, e ele estava tão consumido por sua missão que não se preocupou em notá-la como algo mais do que um impedimento.
Ele a notou agora.
Ele agarrou seus quadris, beijou-a mais profundamente, e tudo que conseguia pensar era uma palavra. Minha.
Sussurrou em sua boca.
— Minha. — Moveu sua boca sobre a dela. — Você é minha, Georgie. Diga que você sabe disso. Diga que você também sente isso, que me quer tanto quanto eu te quero. Isso - nós - não é um erro.
— Kit. — Ela emoldurou seu rosto com as mãos, sua expressão confusa, a pele corada, os olhos vidrados de desejo. — Eu quero te odiar.
Ele apertou seu comprimento rígido nela, deixando-a senti-lo.
— Você me odeia?
Ela engasgou-se com o contato, seu corpo macio derretendo no dele.
— Gostaria de odiá-lo. Antes de você voltar, estava determinada a me divorciar de você por todos os meios necessários.
Sobre seu cadáver morto e inchado.
— Só antes de eu voltar? — Ele tinha que saber.
Um rubor revelador de culpa escureceu suas maçãs do rosto.
— Depois também. Você é o homem mais rude e autoritário que já conheci, para não mencionar o inválido menos agradável.
Ele supôs que não poderia argumentar contra a verdade. Suavidade não existia nele. O velho duque fizera o possível para vê-lo derrotado e a Liga fizera o resto.
— E agora, Georgie?
Decidindo empregar um tipo diferente de persuasão, colocou alguma distância entre eles então, abaixando-se para encontrar a fenda em suas calças. Seus dedos mergulharam sem resistência, encontrando sua boceta quente, escorregadia e deliciosamente pronta para ele.
— Você me odeia agora? — Ele forçou-se a sair.
Sua única resposta foi um gemido baixo e delicioso que enviou uma onda de luxúria diretamente para sua virilha.
A respiração fugiu de seus pulmões. Seu pau ficou mais duro. Ele encontrou o botão de seu sexo, rolou os dedos sobre ele uma, duas, três vezes. Droga, ela estava tão molhada, tudo o que ele queria. Um gemido ronronou de sua garganta, e ela arqueou-se. Ele aumentou a pressão, pressionando outro beijo provocador e prolongado em seus lábios antes de se retirar.
— Você não me respondeu, Georgie. — Sua necessidade sobre ela o deixou sem fôlego.
— Eu... não, não te odeio agora.
A atrevida.
Sem romper o olhar dela, ele levou os dedos brilhantes aos lábios, sugando-os para limpá-los. Foi a primeira vez que sentiu o gosto dela, e ele mal podia esperar para colocar a língua diretamente sobre ela, para trabalhar sua pérola, para beijar, lamber e beliscar, para fazê-la gozar em sua boca e lamber seu néctar.
Porra. Ele precisava dela. Mas também precisava diminuir o ritmo.
— Você gostaria de remover suas calças como uma boa duquesa, ou quer que eu mesmo as arranque?
Ela engoliu em seco, as maçãs do rosto ainda manchadas de vermelho brilhante enquanto tirava os sapatos.
— Você.
Ele hesitou, o jogo de poder entre eles o excitando mais do que poderia ter imaginado.
— Diga, Georgie. Quero ouvir de seus lindos lábios rosados.
Kit tomou sua boca novamente, deixando-a provar a si mesma enquanto ele deslizava a língua em sua boca antes de se retirar.
Georgie estremeceu.
— Eu quero que você as arranque de mim.
Com prazer.
Ela não teve que dizer duas vezes. Com um grunhido, Kit agarrou a abertura da cintura de suas calças e rasgou o tecido em um puxão rápido na frente e outro nas costas. As metades restantes caíram no chão em torno de cada tornozelo.
Mas ele não se importou com as calças destruídas. Tudo o que importava era o fato de que sua esposa estava nua, exceto pelas meias. E disposta. E úmida. E deliciosa. Pronta para ele. Ele tomou sua boca novamente, beijou-a e beijou-a. Guiou-a até a cama, de costas, seus lábios nunca deixando os dela.
Até que caíram, como um só, no colchão. Ele torceu o corpo para absorver o peso do impacto com a perna boa, e Georgie caindo sobre ele. Por abençoado milagre, ela não pousou em sua ferida.
Quando seu comprimento delicioso entrou em contato total com o dele, seu corpo pressionando contra seu pênis rígido, ele não pôde conter o gemido que saiu de seus lábios. E viajou direto para sua boca. Eles ainda não tinham parado de se beijar e ele não queria parar nunca. Poderia beijá-la para sempre. Beijar Georgie o fez se sentir vivo de uma maneira que nunca sentiu antes.
Uma vez, acreditara que precisava do perigo para sentir. Mas nem mesmo os graves perigos que enfrentou durante seu trabalho secreto para o Escritório, podiam se comparar à maneira como mover seus lábios e língua contra os dela o fazia se sentir.
Ele balançou seus quadris nos dela, buscando alívio da dolorosa ereção que estava ostentando desde que ficou bem. Poderia muito bem admitir para si mesmo - ele tinha sido mais atrevido do que um jovem verde que tinha acabado de ter sua primeira mulher, no momento que seu corpo foi curado o suficiente para permitir a excitação.
E sentiu-se atraído por ela desde muito antes disso.
Foi no dia em que informou que havia confiscado seu quarto para seu próprio uso. No mesmo dia, ele ficou horrorizado ao perceber que ela cuidou dele intimamente durante sua doença. Seu orgulho o fez atacar. Mas o resto dele não tinha esquecido o que ela tinha feito. Quantas noites ela havia passado dormindo ao lado da cama dele quando não lhe devia nada? Ele era o homem que a havia deixado e, independentemente das justificativas, era um fato.
Seus dedos estavam em seu cabelo, puxando, as unhas arranhando seu couro cabeludo. Ela gemeu novamente, combinando seus beijos com uma ferocidade que não poderia deixar de acendê-lo. Quando a língua dela deslizou para dentro de sua boca, hesitante no início, mas depois ficando mais ousada, acariciando a dele, ele empurrou contra ela.
Talvez pudesse tomá-la agora, afinal. Seus pontos foram curados de forma limpa, não foram? O tempo de infecção e de abertura mais uma vez certamente havia passado. E se não tivesse?
Bem, ele não deu a mínima. Não com Georgie em cima dele e um colchão acolhedor debaixo. Sua mente parecia de repente como se fosse habitada por um anjo e um demônio, continuamente atirando e oferecendo opiniões contrárias um ao outro.
Seu primeiro pensamento foi que ela poderia montá-lo. Mas ela era inocente... E então, a maldade interior o lembrou de que ela era uma inocente que ele poderia ensinar. De uma forma ou de outra, iria reivindicá-la. Não podia esperar mais um maldito dia. Ele separou seus lábios dos dela, beijou sua mandíbula, sua garganta, murmurando seu nome contra sua pele como uma ladainha.
— Georgie. — Beijo. — Georgie. — Beijo, beijo, beijo até a orelha. Ele colocou os lábios ali na espiral suave, afundou o nariz no perfume sedoso de seu cabelo. — Eu quero estar dentro de você. Quero fazer o que deveria ter feito no dia do nosso casamento. Fazer você minha.
Seus dedos deslizaram entre seus corpos novamente, encontrando o calor macio e úmido dela.
— Oh, Kit.
Ele brincou com sua pérola com golpes firmes, beijou seu caminho para baixo em sua garganta, satisfeito com o novo gemido que arrancou dela, o pulo de seus quadris lhe disse que ela o queria com um desespero que combinava com sua necessidade. Mas não foi o suficiente. Tocá-la não bastava. Tinha que prová-la. Cuidadosamente, atento à sua coxa, ele arrastou seus lábios e seu corpo mais para baixo. Sobre seus seios, sugando um mamilo em sua boca antes de continuar sobre o plano de seu estômago. Ainda mais baixo, até que suas mãos cobriram a plenitude de suas coxas e seus lábios reclamaram o pedaço de pele sedosa acima de seu monte.
Ela gritou, sua voz rouca de desejo enquanto se contorcia embaixo dele.
— O que você está fazendo?
— Dando prazer a você, amor. — Ele acariciou a parte interna das coxas dela, abrindo-as lentamente até que ela estivesse espalhada. A visão dela, rosa e brilhante e, oh, tão bonita, enviou uma nova onda de necessidade direto para seu pênis.
— Mas, Kit, — ela começou a protestar, provavelmente chocada com a intimidade que ele estava prestes a visitá-la.
— Shhh, — ordenou-lhe, e então ele lambeu o botão perfeito e ingurgitado de seu sexo. Direto da fonte, ela tinha um gosto melhor do que quando ele chupou seus sucos de seus dedos. Mais doce, mais escuro, a mistura perfeita de feminilidade crua e desejo almiscarado. Chupou todo o clitóris em sua boca. O verdadeiro maná do céu. Ele nunca conseguia o suficiente.
E ele não iria parar até que ela soubesse, sem dúvida, que era dele.
Querido. Doce. Senhor.
Ela iria quebrar de prazer.
Seu coração iria galopar para fora do peito e se lançar para o céu.
A visão de sua cabeça escura aninhada entre suas coxas, o rosto bonito pressionado contra sua carne mais íntima, foi tão chocante quanto excitante. Ela não conseguia desviar o olhar enquanto a sensação, pura e decadente, disparava através dela, mais brilhante e mais quente que o sol.
Se ela pensava que Kit era hábil com os dedos, agora sabia que seu verdadeiro talento estava em outro lugar. Em seus lábios. Em sua língua perversa, perversa. Ele a lambeu como ela nunca tinha imaginado que um homem faria com uma mulher, banqueteando-se, como se ela fosse um doce que ele nunca poderia consumir o suficiente.
Ela tinha certeza de que era totalmente depravado e errado, que deveria oferecer um protesto virginal. Georgiana abriu a boca, mas tudo o que restou foi um gemido de apreciação. Ela baixou as mãos até a cabeça dele, pensando que talvez devesse afastá-lo. O ato foi tão pessoal, tão lascivo, tão... Ele sugou a parte mais sensível dela novamente, e seus pensamentos se espalharam como um punhado de sementes jogadas ao vento.
Sensação e prazer foi tudo o que restou. Profundo e drogado. Luxuoso e delicioso. Os dedos dela afundaram em seu cabelo, abrindo um caminho, e ficou surpresa ao encontrar os fios tão macios quanto a mais fina seda importada de Paris, grossos e luxuosos. Não tinha imaginado que o cabelo de um homem pudesse ser tão maravilhoso de tocar, mas o de Kit era. Ela se deleitou com o prazer de acariciá-lo enquanto ele a adorava.
Quando ele gentilmente a pegou entre os dentes e a mordeu, ela resistiu, gritando. O clímax que ele lhe deu antes apareceu, e seu corpo se apertou, algo dentro dela se preparando para explodir. Ela estava no limite e descaradamente se torceu e se arqueou contra sua boca, querendo mais, desejando liberação.
— Mmm, — ele cantarolou seu prazer contra ela, sua língua deslizando em golpes rápidos e duros que alternavam com longas e vagarosas lambidas. Os sons úmidos dele sugando-a alcançaram seus ouvidos, e ela não conheceu um grama de vergonha. Ela estava sem mente agora. Desesperada. — Tenha prazer na minha língua, amor. Quero provar você quando gozar.
Amor. Quando ele falou essa palavra em sua hipnotizante e profunda voz, um estranho novo desejo se desenrolou dentro dela. Ele cresceu em magnitude, abrindo-se como uma flor, estourando e incontido.
Ele a chupou novamente, usando seus dentes para desgastar o feixe de nervos sensível escondido dentro de suas dobras. Era tudo o que ela podia suportar. Sua liberação foi repentina e violenta, rasgando-a com a força de um fogo. Ela teve prazer com ele, nele, seu coração batendo forte, êxtase irradiando de seu núcleo em ondas bonitas e constantes. E ele a lambeu ainda, levando-a com a pressa de sua liberação, arrastando-a com estocadas superficiais de sua língua, até que ela estava sem fôlego e sem mente.
E ele se ergueu sobre ela, seu corpo magro devido ao longo tempo de recuperação, mas duro com os músculos que havia construído antes de seu ferimento. Ela teve um momento para apreciar as linhas elegantes de seu torso, a delineação de sua força em blocos e tendões. Como ele era lindo, leonino e gracioso.
Ele cuidou de sua coxa ferida, suportando o impacto de seu peso na perna oposta enquanto se ajoelhava entre as pernas abertas dela. Sua ereção se projetou, dura e impossivelmente grande, e ela não pôde deixar de notar que parecia ter crescido. Quando ele pressionou seu corpo contra o dela, o sentiu pela primeira vez, quente e rígido contra a parte interna de sua coxa, a ponta de seu eixo roçando a protuberância que ainda formigava com a sensação de sua língua e dentes.
Sua boca encontrou seu mamilo, uma de suas mãos amarrada em seu cabelo. Ela se moveu contra ele, abrindo mais as pernas para formar um berço perfeito para seu corpo. O peso dele prendendo-a na cama, o calor de sua pele, a sucção de sua boca... era tudo muito perfeito, muito maravilhoso, incitando um novo turbilhão de desejo. Estar com ele dessa forma parecia uma volta ao lar. Como se a coisa mais natural do mundo fosse ter este homem em cima dela, reivindicando-a com seu toque, marcando-a com a boca.
— Georgie, — ele sussurrou contra seu seio, sacudindo sua língua sobre seu mamilo. — Minha doce e terna Georgie. Te quero tanto que me assusta.
Sua admissão silenciosa a chocou tanto quanto a encorajou. Conhecia a sensação. A maneira como ele a fazia sentir e a maneira como ela se sentia por ele... isso a assustava mais do que qualquer coisa.
Ela capturou seu rosto com as mãos, atraindo-o. Seus olhares se encontraram, o dele queimando, brilhante, com desejo e com outra coisa que ela não conseguia definir.
— Kit, — disse, sem fôlego. — Te quero também. Leve-me.
Amo você, acrescentou interiormente, porque era covarde demais para confessar em voz alta. E porque ainda era muito novo, porque permanecia incerta do que, se alguma coisa, seu amor poderia significar para eles.
Um grunhido saiu dele, e a mão que havia se enterrado em seu cabelo se apertou. Sua trança grega puxou seu couro cabeludo, mas ela saboreou a posse em seu aperto, a força mal controlada que lhe dizia que ele estava tão fora de suas profundezas quanto ela quando se tratava da atração louca que acendeu e queimou entre eles.
Não tinha sido assim durante seu breve noivado.
Nem no dia do casamento.
Mas ele voltou um homem mudado, para descobri-la como uma mulher muito diferente daquela que ele havia deixado para trás. Era quase como se o mundo tivesse conspirado para mantê-los separados até o momento em que ambos pudessem ver o quanto precisavam um do outro.
Até agora, quando estavam pele com pele, e olho no olho, e uma necessidade crescente e avassaladora.
Uma mão permaneceu plantada firmemente em seu cabelo enquanto a outra mergulhou em suas dobras, trabalhando-a como antes. Mas desta vez foi diferente, pois embora ele trabalhasse seus dedos sobre sua umidade, ele se retirou para agarrar seu pênis, alisando seu orvalho sobre si mesmo. E o próximo toque que ela identificou não foram seus dedos, mas a cabeça bulbosa dele.
— Oh, — ela disse com um suspiro enquanto ele esfregava sua dureza espessa sobre suas dobras, usando a ponta para provocar o caroço de carne dentro. Ele se sentia tão bem, tão certo. Mas isso também parecia não ser suficiente. Ela estava vazia e dolorida e desejando ser preenchida. Queria que ele a tomasse.
— Sim, oh. — A boca dele estava na dela então, e o beijo estava reivindicando. Quase bárbaro na forma como seus lábios possuíam os dela. Era duro e suave, dar e receber. A língua dele estava em sua boca, e podia provar a si mesma. Foi ao mesmo tempo excitante e chocante.
Ele interrompeu o beijo, pairando sobre ela, sua boca a poucos centímetros da dela, sua respiração caindo quente e úmida sobre seus lábios.
— Esta é sua última chance, Georgie. Não haverá divórcio depois disso. Nenhum outro homem além de mim. Você é minha para sempre, a partir deste momento.
— Sim. — A palavra solitária foi tudo que ela conseguiu, infundindo toda a veemência nela, todo o amor e desejo reprimido, tudo o que tentou tão duramente esconder dele. E aí estava. Estava dando-lhe todo o poder. O poder de machucá-la. O poder de partir seu coração. O poder de destruí-la.
Mas ela deu livremente, porque não podia mais negar-lhe mais do que podia negar a si mesma. Christopher Anthony Harcourt era tudo o que ela queria. O único homem para ela. O seu coração era dele. Seu corpo era dele. Pareceu-lhe naquele momento que sua própria alma era dele, se ele lhe pedisse. Ela iria segui-lo através do rio Styx.
Ela sugou seus lábios nos dela, seus dedos mais uma vez mergulhando em seu cabelo, as unhas arranhando seu couro cabeludo e depois mais abaixo, em seu pescoço, sobre o plano de suas costas. Seus dedos absorveram a tensão de seus músculos, o recuo de sua espinha. Ela o aprendeu, deleitou-se com sua força silenciosa, as pontas dos dedos roçando cada pedacinho de sua pele nua que puderam encontrar.
Ele ergueu a cabeça por um momento, seu olhar brilhante queimando no dela.
— Georgie.
Ela falhou em administrar uma resposta coerente. Tudo o que surgiu foi.
— Mmm?
— Isso é o que eu deveria ter feito no dia do nosso casamento, — ele disse, e então se moveu contra ela, sua mão deslizando entre eles para guiar seu pênis até sua entrada.
Seus quadris pressionaram os dela, e com um impulso superficial, a ponta dele foi revestida por ela. Outro movimento de seus quadris o levou mais fundo. O prazer se misturou a uma dor aguda e ardente. Ela estava gloriosamente cheia dele, e a sensação era tão nova, tão diferente de tudo que ela já havia imaginado, que as lágrimas se acumularam em seus olhos, acumulando-se em seus cílios.
Ele se acalmou, seu corpo parcialmente dentro dela, esticando-a. Uma carranca franziu sua testa, sua expressão era de intensa concentração. Ela percebeu que ele estava se contendo em seu nome.
— Machuquei você, amor? Disseram-me que há dor na primeira vez e não desejo causar-lhe...
Georgie puxou sua boca de volta para a dela, abafando o resto de suas palavras com o beijo. Não queria ouvir desculpas. Ela não queria hesitação ou controle. Queria selvagem. Queria que ele a tomasse. Sua língua deslizou por seus lábios e ele gemeu em sua boca, seus quadris inclinando-se contra os dela.
Mais queimação, mais alongamento. Mas o prazer começou a superar o desconforto. Testando-se, ela se moveu contra ele, inclinando os quadris, abrindo as pernas. Ele afundou ainda mais dentro dela, e ela pulsou ao redor dele.
Ele arrancou sua boca da dela, beijou seu queixo, sua mandíbula, sua garganta. Seus lábios encontraram seu caminho por cima dela.
— Porra, — ele murmurou em seu ouvido, sua respiração escaldante.
Sua maldição aterrissou dentro dela como uma brasa ardente, acendendo uma chama. Era cru e real, arrancado dele. Prova do efeito que ela teve sobre ele, ela ousou esperar.
— Sim, — ela sussurrou, suas unhas marcando suas costas. Sua pele era tão lisa, tão quente. Os músculos ondulando sob seu toque eram tensos e fortes. — Tome-me, Kit. Por favor, eu preciso... oh. — Ela não sabia do que precisava, não com certeza. Ele era o que ela precisava, mais profundo, mais rápido.
Foi todo o ímpeto que ele precisava. Ele avançou, colocando-se profundamente dentro dela. Ela sentiu um espasmo e um aperto em torno dele, ajustando-se a esta nova e ousada invasão. E então seus dedos estavam sobre ela, brincando, circulando, levando-a ao frenesi. Ela gemeu. Ele se retirou, apenas para deslizar para dentro novamente.
Era tão bom. Muito, muito bom. A dor diminuiu. Em seu lugar estava um prazer abrasador e transcendente. O mundo parecia encolher em torno dela em uma casa de botão minúscula, e tudo o que podia ver, tudo que podia sentir, tudo que conhecia era Kit. Seu corpo, nela, dentro dela. Sua boca na dela, roubando seu fôlego como havia roubado seu coração.
Ele alimentou seus beijos, a língua em sua boca.
Ela murmurou seu nome, seu deleite, seu prazer contra seus lábios repetidas vezes. Ele deslizou para dentro e para fora, seu pau duro e enorme, mas ela não sentia mais dor, apenas o desejo mais delicioso por mais. Mais dele. Mais de seus lábios nela, seu pênis dentro dela. Apenas mais.
E então, ela estava se desfazendo. Seu corpo se apertou em um nó, e ela explodiu em um mar de estrelas, um prazer delicioso lavando-se sobre ela enquanto o beijava, chupava sua língua, seus músculos internos apertavam seu pênis. Ele dirigiu dentro dela enquanto os estremecimentos de seu clímax rugiam por ela.
Justamente quando ela pensou que não aguentaria mais um momento, ele enrijeceu, lavando ainda mais fundo, e arrancou sua boca da dela. Com uma exclamação que era parte maldição, parte seu nome, ele se perdeu dentro dela, sua semente a enchendo em um jato quente e úmido. Agindo por instinto, ela inclinou os quadris, querendo tanto dele quanto podia.
Kit caiu sobre ela, sua respiração pesada, seu corpo mais pesado, mas era um peso bem-vindo. Ela o abraçou, seus corações batendo em conjunto.
Eu amo este homem, pensou consigo mesma. Deus, como amo este homem.
Mesmo que ele não retribuísse seu amor, ela não podia mais esperar que os sentimentos que sentia por ele diminuíssem, e ela sabia disso agora. Soube disso até a medula óssea. Daisy estava certa - o amor não se espalha no vento como um punhado de folhas mortas de outono. Era permanente, verdadeiro e forte, perene.
— Eu estava errado, — ele sussurrou, interrompendo os meandros tumultuosos de sua mente. — Você sempre foi minha. Não apenas a partir deste momento, não apenas a partir do dia do nosso casamento, mas sempre. Você sempre foi feita para mim, Georgie. Sempre.
Seu coração tolo, tolo gritou.
Sim, queria dizer. Eu sou sua. Sempre. Eu te amo.
Coração estúpido, estúpido.
Ela não podia, não queria dizer nenhuma dessas coisas, pois ainda não confiava nele. Seu coração era dele para partir.
Então, em vez disso, ela deu um beijo em sua bochecha alta, saboreando a raspagem de seus bigodes contra seus lábios, e lançou um desafio.
— Eu sou minha, Christopher Anthony Harcourt. Reivindique-me se tiver coragem.
Capítulo 19
A tensão na carruagem era tão forte que Georgie jurou que poderia cortá-la com uma faca e espetá-la com um garfo.
O transporte deles balançou pelas ruas de Londres. Ela já estava acomodada na cidade há muito tempo - um ano, na verdade - e se acostumou com os cheiros (às vezes desagradáveis), o barulho (sempre perturbador, dado o silêncio da fazenda em que foi criada), e o tráfego (não tão barulhento e violento quanto o de Nova York). Mas esta era apenas a segunda vez em que viajou em uma carruagem fechada com o marido.
Eles se sentaram de frente um para o outro, e embora ela tentasse com todas as suas forças focar seu olhar em qualquer coisa que não fosse ele, ele era tudo o que via. Bonito em seu traje de noite, seu cabelo escuro roçando seu pescoço, sua mandíbula bem barbeada, ele aparentava um duque elegante nascido numa mansão. Ela estava perfeitamente ciente de sua educação rudimentar, embora estivesse vestida com um de seus melhores vestidos de noite Worth de seda bordada e cetim, enfeitado com rendas e pérolas, e usando uma pequena fortuna em diamantes nas orelhas e no pescoço.
Seu olhar se chocou com o dela, um pequeno sorriso apareceu nos cantos de sua boca quando ele a pegou olhando.
— Eu passo na prova, querida?
Querida. Ela estremeceu, pois gostava muito dessa palavra carinhosa em seus lábios. Georgiana inspirou profundamente para se acalmar, forçando-se a ficar fria e impenetrável.
— Você parece bem o suficiente.
— Apenas bem o suficiente? Isso não pode ser concebido como um elogio, esposa. — A curva de seus lábios se tornou perversa. — Você não achou defeito na minha aparência antes.
Não, ela não tinha. Nem agora. Ele era o canalha mais atraente vivo, e esse era o problema. Ele ainda não tinha feito nenhuma promessa ou ganhou sua confiança. E ela estava apavorada por ter cometido um erro ao permitir a intimidade entre eles.
Pois não tinha sido apenas uma vez.
Eles cochilaram nos braços um do outro após seu acasalamento ardente naquele dia. Quando acordaram, Kit a atraiu para a grande banheira nos aposentos da duquesa, onde compartilharam um longo e quente banho. Ele a lavou em todos os lugares, seu toque tão reverente que ela não foi capaz de resistir a fazer amor com ele uma segunda vez em sua grande e confortável cama de dossel. Ele foi gentil e doce, levando-a ao auge duas vezes com a boca antes de tomá-la novamente.
Apenas a lembrança do convite para jantar a tinha afastado de seus braços. Com a distância e algumas horas para si mesma, começou a perceber o quão perigosamente estava perto de confessar seu amor por ele. E quando a criada de quarto deu os últimos retoques em sua toalete, ela jurou que seria mais severa com ele esta noite. Iria resistir a ele. Reconhecer e decidir qual deveria ser sua estratégia.
Mas agora, estava em uma carruagem com ele, desconfortavelmente perto, e podia sentir seu perfume masculino picante. E ele estava olhando para ela de uma forma que sugeria que sabia como ela era nua. Porque ele sabia.
Ela corou, muito ciente da nova sensibilidade entre suas coxas, junto com a dor que dizia que ela queria mais.
— É incrivelmente cruel da sua parte aludir a tal coisa quando estamos prestes a chegar à casa do Duque e da Duquesa de Trent. Você não tem boas maneiras?
— Achei que tínhamos estabelecido que não. — Ele piscou.
Georgiana não sabia o que fazer com um Duque de Leeds que era alegre.
— Você tem algo em seu olho, marido?
Seus lábios se contraíram.
— Não. Você tem uma abelha em suas anáguas? Pois certamente parece que trocamos de lugar, e agora você está possuída por minha escuridão enquanto eu captava a sua luz. Maldito inferno, antes que percebamos, vou encantar todos os ratos de Londres e levá-los até nossa porta.
Sua diversão não fez nada para aplacar seu ressentimento.
— Não tenho uma abelha em minhas anáguas, obrigada. Nunca trouxe ratos para a Leeds House, então a comparação está totalmente errada.
— Ainda. — Ele ainda estava sorrindo, o patife.
Ela se viu cativada mais uma vez por sua boca, lembrando a maneira como se movia sobre a dela. Lembrando-se de cada segundo glorioso disso, dando-lhe prazer em outro lugar.
— Com licença?
— Você não trouxe ratos para Leeds House ainda, — ele elaborou. — Dado o seu coração choroso por bestas, não ficaria surpreso se você tentasse arrastar um cavalo e uma carroça para a sala de estar. Ou um grupo de ouriços, ou mesmo um maldito gambá.
— Uma variedade, — ela resmungou, ainda irritada com seu bom humor. — O termo apropriado para uma reunião de ouriços é uma matriz.
— Georgie.
Lá estava ele novamente, seu ridículo apelido para ela, deslizando em seu coração e a deixando fraca. Ela olhou para as mãos fechadas nas saias. Qualquer coisa para evitar olhar para aquela boca linda e aqueles olhos cintilantes.
— Por que você insiste em me chamar assim?
— É o seu nome, não é?
— É uma abreviação do meu nome. — Seus dedos se apertaram e ela não se importou se suas saias estivessem enrugadas quando chegasse para o jantar. — Assim como Lady. Você precisa renomear todos?
— Só aqueles de quem gosto.
Suas palavras calmas a fizeram erguer os olhos de volta para ele. A luz provocante havia fugido de seu olhar e não havia a menor sombra de sorriso em sua boca sensual. Ele parecia sério. Uma onda de calor percorreu seu corpo.
— Você se importa com a Lady? — Ela perguntou, pois ainda não conseguia encontrar como perguntar-lhe diretamente o que ele sentia por ela.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— O felino gosta de mim, e acho isso uma característica bastante cativante. Mas, para ser sincero, é com você que mais me preocupo.
Ela engoliu em seco. Não foi uma declaração de amor. Nem foi uma promessa. Mas era algo mais do que já havia oferecido antes.
— Eu?
Sua expressão ficou intensa, seus olhos nunca se desviando.
— Você, Georgie.
Oh.
Georgiana procurou em sua mente por algo para dizer, mas ele havia roubado completamente a capacidade de pensar com sua admissão inesperada. Aqui estava sua chance de dizer-lhe que se importava com ele também, mas ainda estava com medo de que, se abrisse a boca, anunciasse que havia se apaixonado perdidamente e ridiculamente por ele.
E então, ela não disse nada.
Ele se inclinou no espaço entre eles, plantando suas grandes mãos em sua cintura e deslizando-a para a borda do couro marroquino do banco. As mãos enluvadas dela voaram para os ombros dele, e ela não pôde deixar de admirar sua amplitude e força, mesmo com tantas camadas entre eles.
— Onde você está? — Ele perguntou de repente, assustando-a.
Ela não esperava tal pergunta.
— Bem aqui, é claro.
Ele balançou a cabeça lentamente, e seus rostos estavam tão próximos que seus narizes quase roçaram. Sua respiração aqueceu seus lábios numa antecipação do beijo que ela queria mais do que qualquer outra coisa.
— Você está perdida em algum lugar da sua mente, preocupada. Posso dizer pela forma como a sua sobrancelha direita enruga bem aqui. — Seu dedo indicador, enluvado também, traçou sua testa. — Acontece sempre que você está pensando profundamente.
Acontece? Ela franziu a testa, acolhedora, apesar de toda a inclinação em mantê-lo à distância. O rude e arrogante Duque de Leeds notou uma ruga em sua testa. Ele admitiu se importar com Lady. Pela própria Georgiana.
— Diga-me, — ele pediu quando ela continuou a hesitar, e embora fosse uma ordem, uma preocupação terna ressaltou seu tom.
O suficiente para que ela respondesse o melhor que podia.
— Todo mundo me deixou, Kit. Minha mãe, meu tio George, meu pai, você. Estou cansada de ser aquela que fica para trás. Não aguento mais.
— Esse é outro motivo para todos os animais, não é? — Seu toque roçou sua bochecha antes de se estabelecer em sua mandíbula, seu polegar acariciando suavemente.
Ela odiava que ele pudesse ver através dela, direto do seu coração. Que pudesse entendê-la tão bem, melhor, talvez do que ela mesma se entendia. Seu marido tinha intensidade que ela não tinha imaginado, e era divertido e cativante ao mesmo tempo.
— Os animais precisam de mim.
Antes de Kit, nunca se preocupou em examinar a necessidade motriz dentro dela de coletar animais perdidos. Era simplesmente algo que ela fizera desde a morte da mãe. E em todos os anos desde então, nunca parou.
— Lamento pelo dia do nosso casamento. Eu era um canalha insensível e por isso estarei eternamente em dívida com você. — Seus lábios encontraram os dela em um beijo que era de alguma forma diferente do resto.
Mas ela ouviu o que ele não disse tanto quanto o que ele tinha dito, e inclinou a cabeça para trás, interrompendo o beijo.
— Você está planejando voltar para Nova York, não é?
Seu olhar ficou fechado.
— Georgie, não tenho liberdade para discutir os detalhes do que aconteceu. Mas preciso descobrir quem me traiu e por quê.
Ela empurrou seus ombros, seu coração gelando.
— Você mesmo disse que não tem mais uma missão, mas vai voltar lá e se colocar em perigo. Por que motivo, Kit? Se você não é mais um espião, por que não pode me contar a verdade? Eu sou sua esposa. Você me deve tanto, senão mais.
— Para limpar meu maldito nome, — ele mordeu fora, e mais uma vez ele era o Leeds que ela reconhecia. Frio e duro, amargo e zangado. — Você gostaria de saber por que voltei aqui, ferido e inesperado? Aqui está a verdade, então. Um informante não identificado me forneceu informações imprecisas. Acabei em uma fábrica abandonada onde fui emboscado. Escapei escalando uma janela do segundo andar com um tiro no quadril e quase caí na calçada abaixo. Quando voltei para o casebre onde estava hospedado, quase sangrei até morrer. Meu senhorio me encontrou e me levou a um cirurgião. Quando recuperei a consciência, um agente do Ministério do Interior estava ao meu lado, informando que eu estava sendo afastado do serviço por trair meus irmãos de armas, revelando informações confidenciais a inimigos da Coroa. Essa traição - essa mentira - tem sido minha força motriz desde então. Não vou parar até descobrir quem está por trás disso.
Ela não queria ouvir mais, pois a simples ideia de Kit ser emboscado e ferido, muito menos escalar uma janela, era o suficiente para fazê-la sentir ânsia de vômito. E ele se colocaria de boa vontade em tal perigo novamente. Alguém o queria morto, e isso a deixou gelada, fez sua boca ficar seca e os pelos de seu pescoço arrepiarem.
Mas aqui finalmente estava o mais perto que poderia chegar de obter uma confissão verdadeira dele.
— É exatamente como Ludlow disse, então.
— Não traga aquele homem para isso, — Kit rangeu. — Ele não tem lugar em nenhum diálogo entre você e eu.
— Às vezes confio nele mais do que em você, — ela disse apressada, sua raiva por ele levando o melhor dela. Talvez fosse algo pequeno, mas queria cutucá-lo.
No momento em que pronunciou as palavras, ela desejou poder retirá-las. Pois o ar pairava pesadamente entre eles e alteravam a atmosfera da carruagem. Qualquer sugestão de provocação há muito havia deixado a expressão tensa de seu marido. Seus olhos não brilhavam mais com alegria, mas queimavam de raiva.
— Diga-me isso de novo por sua conta e risco, senhora, — ele avisou, seu tom ficando frio quando a soltou e deslizou de volta contra seu banco.
Ela sentiu sua retirada e a perda de seu toque como um golpe, mas continuou no caminho que havia trilhado, pois a raiva era muito mais confortável do que o amor não correspondido jamais poderia ser.
— O que você vai fazer comigo se eu não ficar quieta, Leeds? Você vai me bater? Trancar-me no meu quarto? E o que exatamente você não deseja ouvir? Que Ludlow tem sido uma presença constante ao meu lado durante todo o meio ano em que você me abandonou e me deixou para apodrecer em Londres? Que tem sido um amigo para mim e uma fonte de consolo? Que me tratou muito melhor do que você, meu suposto marido, sempre tratou?
— Puta que pariu, seu suposto marido? — Suas últimas palavras quase tremeram no ar com sua indignação visceral.
Ela fingiu endireitar a queda de suas saias de seda, evitando seu olhar o tempo todo.
— Você não quer sugerir que você já foi um verdadeiro marido para mim?
— Preciso lembrá-la do que aconteceu hoje cedo, senhora? — Seu tom era sombrio. — Sou um marido tão fiel a você quanto posso ser em todos os sentidos da definição.
Ela sabia, sem se preocupar em olhar, que ele estava com sua carranca habitual. Não deveria estar aliviada por ter colocado uma distância tão necessária entre eles para que ela pudesse se recuperar dessa intensidade repentina? Por que, então, se sentia apenas vazia?
— Aquilo foi um engano, — ela negou, mantendo seu tom tão frio quanto podia administrar quando por dentro era assediada pelo tumulto de todas as emoções concebíveis. — Um que não deve ser repetido.
Saudade, medo, desejo, amor, anseio e confusão colidiram nela, colidindo, quebrando e batendo com o fervor e violência de uma tempestade de verão. Senhor, ela estava uma bagunça. Sucumbir à sua sedução a tinha amarrado em nós, deixando-a com um emaranhado sem esperança. Com um coração que ansiava por ele ainda mais.
Calma, coração. Você só vai nos colocar em mais problemas do que já colocou, ela advertiu.
Um grunhido soou do banco oposto da carruagem, e tão repentinamente quanto ele se afastou dela, as mãos de Kit estavam mais uma vez em sua cintura, puxando-a. Seu rosto bonito pairou diante dela, sua mandíbula rígida.
— Não foi um maldito engano, — ele murmurou, mantendo-a cativa com seu olhar brilhante. — Você sabe disso tão bem quanto eu. E vai acontecer de novo, e de novo, e de novo. Você sabe por quê, Georgie?
Ela só conseguiu sacudir a cabeça, enfeitiçada pelo calor mal contido dele. Pelo poder e pela concentração latente que exalava.
— Não.
— Porque você é minha. — Uma por uma, com intenção lenta e deliberada, ele removeu cada uma de suas luvas, descartando-as no couro de Marrocos ao seu lado. E então, a puxou para mais perto, suas saias ondulando ao redor deles enquanto ele as pegava em seus punhos e as arrastava para cima, levando suas anáguas. O ar beijou seus tornozelos e panturrilhas vestidas com meias. — Negue o quanto quiser, mas não o tornará menos verdadeiro.
— Você está esmagando meu vestido, — ela protestou, irritada consigo mesma por quão ofegante parecia.
— Para o inferno com o seu vestido. — Um sorriso perverso curvou seus lábios por um momento fugaz. — Se eu pudesse, ele estaria em pedaços no chão agora, e você estaria me montando.
Suas palavras chocantes enviaram uma flecha de desejo estremecendo direto para o coração dela. Uma pulsante dor de necessidade floresceu e irradiou por todo seu corpo até que se sentiu como se estivesse tão apertada como uma mola, e como se ela fosse se desfazer à menor provocação. Um sussurro de sua respiração em seus lábios, um toque de relance, um olhar conhecedor.
— Você é indecente, — disse ela, mas sua admoestação não continha nada do ferrão que pretendia infundir. E em vez de escapar de seu aperto como poderia facilmente fazer, ela se inclinou para frente até que seus lábios se tocaram. Era implacável, a atração entre eles. Do jeito que ela o queria. A profundidade de seu amor por ele, que parecia ter adquirido vida própria.
E ela não resistiu. Não conseguiu manter o ressentimento, a frustração e os medos quando ele a olhava daquela forma, como se ela acendesse um fogo que brilhava forte o suficiente dentro dele para evitar mil invernos.
Ele consumiu sua boca, e uma de suas mãos soltou seu punhado de saias para deslizar ao longo de seu joelho. Ainda mais alto, sua carícia viajou, para a parte interna da coxa. Sua língua estava em sua boca, e ele não precisava persuadi-la a abrir as pernas. Ela aceitou o beijo, permitindo que suas coxas se abrissem, e foi a coisa mais natural e deliciosa do mundo quando os dedos dele deslizaram sobre sua costura.
Kit inclinou a cabeça para trás, interrompendo o beijo, seus olhos duros e famintos.
— Você é minha em todos os lugares, Georgie. — Ele pressionou os lábios em sua têmpora. — Aqui. — Então, sua orelha. — Aqui. — Ele beijou sua mandíbula. — Aqui, e aqui, e aqui. — Essa boca mágica encontrou o caminho para sua garganta, onde murmurou em sua pele: — E aqui também.
Ele arrastou os lábios sobre seu decote ousado, que era mais profundo do que a maioria de seus vestidos, e muito mais revelador, mas mostrava seus seios com esplêndido proveito. Ela o tinha usado com ele em mente, é claro. Ela arqueou as costas quando ele beijou a extensão curva de seu seio esquerdo.
Ele parou diretamente acima de seu coração batendo descontroladamente.
— Definitivamente aqui, — ele murmurou em sua pele.
O que aconteceu com sua capacidade de resistir a ele? Por sua necessidade de confundir seus sentimentos complicados e proteger seu coração? Ele beijou o tecido rígido de seu corpete diretamente acima de um mamilo que estava dolorosamente apertado e implorando por sua boca sob seu espartilho.
— Não devemos esquecer aqui. Eu adoro seus mamilos, Georgie. Poderia chupá-los até você gozar. — Seus dentes trabalharam sobre seu corpete, exatamente onde ela mais desejava, além de outro lugar...
Como se lesse sua mente, seus dedos encontraram sua parte que clamava por ele com um desespero que a fez balançar-se, um gemido escapou de seus lábios. Seu polegar rodou sobre sua protuberância em círculos provocantes. Ele beijou seu seio coberto de seda mais uma vez antes de reivindicar sua boca novamente em um beijo devastador e poderoso. Quando seus dedos deslizaram dentro dela, lento e profundo, uma deliciosa lança de prazer irradiou de seu centro. Ela inclinou os quadris, procurando mais. Ele acrescentou outro dedo no seu canal, curvando-o, acariciando um ponto extra-sensível que a deixou ofegante.
— O melhor de tudo, aqui, — ele disse em sua boca, mordendo seu lábio inferior enquanto a trabalhava em um frenesi estúpido. — Cada pedaço deleitável de você é meu.
Era. Ela era.
Dele.
Tudo dela. Principalmente seu coração.
Ela não se preocupou em negar, pois qual era o sentido de continuar a fingir quando ele provou a verdade para os dois? Em vez disso, ela se agarrou a ele e o beijou de volta com uma selvageria que a pegou de surpresa. Suas boas intenções se desvaneceram, e tudo o que restou foi a maneira como ele a fazia sentir, e a maneira como se sentia por ele.
Ela cedeu ao desejo, ao desejo dolorido e delicioso. Um trinado de prazer percorreu seu corpo, como um relâmpago explodindo no céu. Não demorou muito para ela se revelar. Desta vez, a força de seu clímax a pegou de surpresa. Ela empurrou em sua mão, apertando em seus dedos conhecedores, querendo mais, querendo mais forte, mais rápido, apenas querendo. E ele sabia exatamente o que ela precisava, acelerando o passo, ajustando a pressão, até que a enviou ao limite.
Quando a carruagem balançou para parar, ela gozou violentamente, sua liberação estremecendo enquanto ele a acariciava em um crescendo estrondoso. Um jorro de líquido acumulou-se entre suas coxas, ensopando sua mão, e o som úmido de seus dedos deslizando por suas dobras foi tão fascinante quanto seu toque. Ela deveria ter ficado chocada com a vulgaridade disso, com a crueza de seu próprio corpo, mas isso só serviu para prolongar sua libertação.
Ela voltou à realidade em estágios, tornando-se consciente de seus gritos chorosos, da parada do veículo, dos sons da rua movimentada ressoando além das paredes finas que os separavam do mundo exterior. O tilintar de tachas, gritos de motoristas, o arrastar de cascos e o barulho das conversas trouxeram-na de volta à Terra, junto com a batida de advertência na porta da carruagem que lhes anunciou que haviam chegado ao seu destino.
Kit deu outro beijo em seus lábios antes de se afastar dela e discretamente enxugar as mãos em um lenço antes de ajudá-la a arrumar as saias.
— Um tanto amassadas, receio, — foi tudo o que disse enquanto examinava o dano que havia causado à seda e ao cetim.
— Enrugado além do reparo, — ela concordou com uma carranca. — Daisy e Trent vão dar uma olhada em mim e saber.
— Sim. — Um sorriso satisfeito curvou a boca de seu marido, emprestando a sua beleza morena um ar raro de menino. — Eles irão.
E não havia uma migalha de arrependimento em sua voz ou expressão.
Kit percebeu a fumaça antes de ver a caixa. A princípio, disse a si mesmo que estava imaginando a nuvem cinzenta pairando no ar pesado do verão enquanto escoltava Georgie até a casa do duque de Trent. Ele estava tão desconcertado com sua tumultuada - e malditamente deliciosa - viagem de carruagem com sua esposa que, é claro, que suas faculdades não estavam em suas devidas condições de funcionamento. Seu pênis ainda estava duro o suficiente para suspender um balde de carvão, e suas bolas doíam com a necessidade de liberação. Certamente sua mente estava sofrendo de falta de circulação adequada.
Mas à medida que o efeito estupefaciente de fazer a linda mulher ao seu lado gozar em toda a sua mão com tal doce abandono foi gradualmente passando, sua inteligência voltou a ele. E a fumaça ainda pairava no ar, amarga e acre, misturando-se aos cheiros familiares de Londres de esterco de cavalo e fogueiras, misturando-se à névoa constante da noite.
Os pelos em seu pescoço aumentaram enquanto se concentrava na fumaça, seus sentidos de espião retornando. Essa fumaça era fora do comum. Algo estava muito errado aqui.
Dinamite.
Puta que pariu.
Seus olhos pousaram na caixa de madeira de aparência rústica enfiada no canto oposto da residência do Duque de Trent, no mesmo instante em que viu a ponta acesa de um fusível saindo dela. Meu Deus, a coisa foi de repente. Não havia tempo para pensar, apenas para agir. Ele pressionou a palma da mão nas costas de sua esposa e a empurrou para frente, sem se importar com seu conforto, desesperado em sua necessidade de colocar alguma distância entre ela e a bomba que estava prestes a explodir.
— O que em nome do céu, Leeds? Você vai me jogar no chão!
Ele vagamente registrou a exclamação afrontada de Georgie. Sua boca ficou seca com o pensamento dela na sombra de um perigo tão grave. A bomba feniana que explodiu em Salford há poucos meses matou um jovem inocente e destruiu a parede do quartel militar, além de destruir um açougue.
— Tem uma bomba! — Ele gritou, sua voz rouca de medo.
O medo lhe era novo. Nunca conheceu isso antes. A única diferença entre este e outros perigos que enfrentou de cabeça, foi que desta vez o bem-estar da mulher que amava estava em jogo.
Sim, a mulher que amava.
Ele sabia, agora pela verdade nua e crua que era flagrante e irrefutável, neste momento repentino, nas garras da vida e da morte. E isso o apavorou. Tudo isso.
— Uma bomba? — Ela se virou para encará-lo, sua expressão de descrença.
Ele a empurrou novamente, precisando que ela se movesse. Para ficar o mais longe possível da explosão potencial.
— Corra, Georgie! Fique o mais longe possível daqui.
Seus olhos se arregalaram.
— Não sem você.
— Preciso tentar desarmar isso, — ele disse sem preâmbulos. — Não tenho muito tempo. Agora, pelo amor de Cristo, mulher, vá!
— Mas...
— Vá — Ele rugiu, e então girou sobre os calcanhares, correndo para a caixa sem se importar com sua própria segurança ou com a ferida mal curada em sua coxa. O desespero da situação anulou qualquer desconforto que pudesse estar sentindo. Seu corpo inteiro estava dormente, porque tinha que estar. Porque era isso que um soldado da Coroa fazia, ele fez o possível para proteger aqueles que estavam sob seus cuidados.
E realmente não havia como dizer quanto tempo o fusível duraria ou quanto tempo qualquer um deles teria. Dependendo da quantidade de explosivos dentro da coisa, toda a fileira de casas senhoriais poderia ser destruída.
Ele esperava como o inferno que a mulher obstinada o ouvisse. Não suportaria perdê-la. Agora não. Nunca, droga. Ela era tudo, e era tudo em que conseguia pensar enquanto corria para a caixa, que havia começado a se encher de fumaça. O tempo estava acabando.
Ele alcançou a bomba, sem fôlego, meio fora de sua mente. E fez a única coisa que conseguiu pensar em fazer. Preparando-se para o impacto, ele cobriu a cabeça - embora soubesse que não adiantaria em nada daquela proximidade, não tinha o desejo de morrer hoje - e esmagou o pavio aceso sob a sola de seu sapato de noite.
Capítulo 20
Georgie agarrou um punhado de suas saias e correu atrás de Kit, seu coração martelando contra o peito. Em um momento, eles eram um casal comum, caminhando calmamente para o jantar. E no seguinte, foi como se ela tivesse retornado aos dias sombrios da guerra de sua infância. A lembrança de que a vida era preciosa e também caprichosa atingiu-a agora com a força de uma bofetada enquanto perseguia o marido, que era muito mais rápido do que ela com o estorvo de suas saias, mesmo com a ferida cicatrizando.
Ele estava correndo em direção a uma caixa de madeira fumegante que havia sido colocada contra as pedras angulares da casa do Duque de Trent. Parecia bastante inocente, quase como um pequeno baú de viagem que tinha sido inadvertidamente deixado para trás. Apenas a fumaça que saía dele contava a história verdadeira - era uma bomba feniana. Na Belgravia.
Ela correu atrás de Kit, sem fôlego, chamando seu nome contra o vento. Mas o horror e a preocupação dizimaram sua voz, deixando-a pouco mais do que um som áspero e ineficaz que foi facilmente abafado pelo barulho da rua.
— Kit! — Ela chamou, amaldiçoando suas saias pesadas e sua cauda nada prática. — Leeds!
Ele não podia ouvi-la ou a ignorou, pois estava certeiro em seu caminho, não parando até chegar à própria bomba. O que em nome do céu ele estava pensando? Se imaginava invencível?
Ela gritou, correndo para ele, frenética para tirá-lo do caminho do perigo. Como ele pensou que poderia enfrentar um explosivo lançado pelos dinamitadores e viver para ver outro dia?
— Kit! — Ela chamou novamente, sentindo-se como se estivesse presa nas entranhas implacáveis de um pesadelo. Ele tinha que fugir, correr, encontrar segurança em algum lugar. Os jornais foram preenchidos com a história horrível do bombardeio em Salford, o menino morto, a mulher ferida, a destruição... se algo acontecesse com Kit... ela não suportaria... o amava tanto... como ela poderia... não. Ela nem mesmo permitiria que sua mente considerasse tal coisa.
Ele pisou em algo ao lado da caixa e, gradualmente, a fumaça pareceu diminuir quando ela chegou ao lado dele, ofegando, ainda chamando seu nome.
— Kit! O que diabos você está fazendo? Você não se preocupa com a sua segurança?
Suas sobrancelhas se ergueram, rugas marcando sua testa alta, choque brilhando em seu olhar quando ele a pegou pela cintura e a puxou contra ele. Ele deu um beijo fervoroso em seu cabelo. Outro no ouvido dela. Em seguida, na sua mandíbula.
Ela o agarrou, seus braços envolvendo seu pescoço.
— O que diabos você está fazendo, senhora? — Ele exigiu, seu tom proibitivo e frígido. — Você nunca ouve uma maldita palavra do que eu digo?
Não era exatamente a resposta que ela esperava.
Georgiana não se importou. Tudo o que importava para ela era que ele estava vivo e bem, e estava em seus braços. A bomba não explodiu. Ele estava seguro. Ele esteva aqui. E ela estava tão incrivelmente grata que ele pudesse dizer qualquer coisa para ela, independentemente de quão cortante. Ela estava simplesmente grata por seus braços fortes a envolvendo, o calor de seu corpo, a dureza de sua forma musculosa a pressionando.
Ela beijou sua bochecha bem barbeada, inalando profundamente seu amado perfume.
— Você está seguro, graças a Deus. Quando te vi perseguindo a bomba, fiquei apavorada.
— Venha. — Severamente, ele a puxou, guiando-a para longe da caixa de madeira ainda fumegante. — Não é seguro aqui. Droga, Georgie. Por que você acha que lhe disse para correr? Por que você acha que a aconselhei a buscar segurança, para se proteger? Você poderia ter se matado, maldição. O que diabos eu teria feito então?
Enquanto ele falava, suas mãos percorriam sua pessoa. Ela estava vagamente ciente de gritos e comoção em torno deles, enquanto os outros gradualmente se tornavam conscientes da fumaça, da estranha caixa e do cheiro inconfundível de enxofre queimando.
— Não sei, — ela disse estupidamente, parada lá com ele, a menos de três metros de uma bomba que quase rasgou os dois em pedaços. Não pôde deixar de sentir naquele instante que tudo entre eles havia sido alterado para sempre. — O que eu teria feito se tivesse perdido você?
Ela nem mesmo desejava contemplar tal paródia. Ela precisava dele. Muito longe. Tendo acabado de encontrá-lo, não estava preparada para perdê-lo tão rapidamente. Ou nunca, por falar nisso.
As mãos de Kit seguraram seu rosto antes de viajar para baixo, para baixo em sua garganta, roçando seus lados, sua coluna, o alargamento de seus quadris, seus braços para baixo e, finalmente, seus pulsos e mãos. Ele entrelaçou os dedos nos dela, ainda respirando com dificuldade, os olhos escuros e insondáveis.
Ele a puxou para si e a beijou, forte e rápido. Não havia nada gentil ou terno na reivindicação de sua boca. Estava impregnado de desespero, áspero, chocante e profundo. Bem ali na rua, à vista do mundo chique, ele a beijou tão profundamente que ela quase derreteu.
E então ele agarrou seus ombros, empurrando-a para longe, uma carranca escurecendo seu rosto bonito.
— A próxima vez que você fizer algo tão estúpido, vou jogá-la sobre meus joelhos e...
— Meu Deus, Leeds! — O Duque de Trent estava sobre eles como um anjo vingador, e Georgiana não deixou de notar o brilho de uma pistola escondida sob sua jaqueta entreaberta. — Pare de atacar sua duquesa na rua, por favor, e abaixe a voz, a menos que queira que sua afinidade com o castigo corporal manche os sussurros de todas as salas de estar daqui até Nova York. Qual o significado disso?
Ela tinha ficado tão envolvida primeiro com a confusão da descoberta da bomba e depois com o beijo de Kit que não percebeu sua presença. Ela corou, ciente da visão que eles deveriam ter apresentado, beijando-se e repreendendo-se freneticamente em medidas iguais diante da metade de Upper Brook Street.
A expressão de Kit ainda era selvagem, no entanto.
— Agora não é hora para piadas, Trent. Uma maldita bomba foi colocada fora de sua residência. Precisamos chamar Carlisle.
Trent estava ameaçador ao fazer um juramento violento que envergonhou até o vocabulário perverso de Kit.
— Escolte Sua Graça para dentro e avise minha esposa para ficar dentro de casa e fora de problemas, por favor. Vou colocar meus homens nisto imediatamente.
Como se fosse uma deixa, meia dúzia de homens, variando em idade, mas não em ameaça física, os cercou. Ordens eram gritadas acima do barulho, mas Georgiana não conseguia entender nada daquilo. O choque continuou a deixá-la meio entorpecida.
A mudança que se abatera sobre o normalmente afável Duque de Trent a alarmava. Ele nem mesmo pareceu surpreso ao ouvir que uma bomba havia sido colocada virtualmente em sua porta, embora seu semblante estivesse sombrio de raiva. Que tipo de mundo era esse em que viviam? Onde um inimigo invisível tentaria destruir as casas dos inocentes? Kit quase perdera a vida ao cumprir seu dever. Qual seria a próxima?
E quem?
Ela se viu sendo arrastada sem cerimônia para a porta da frente da residência do duque pelo marido, mas sua mente estava muito confusa para formar um protesto. Para seu crédito eterno, o mordomo perenemente elegante não pareceu nem um pouco perturbado pela agitação que irrompeu do lado de fora, junto com gritos de — dinamite — e — bomba.
— Por favor, encaminhe-nos para a duquesa de Trent, — Leeds disse severamente.
— Claro, Suas Graças. — O mordomo permaneceu impassível, como se fosse comum um duque e sua duquesa correrem pela porta depois que uma bomba quase explodiu em pedaços o edifício em que ele estava. — Você é esperado. Siga-me, por favor.
Uma Daisy com ar perturbado correu em sua direção quando entraram, jogando os braços em volta de Georgiana.
— O que está acontecendo, Georgiana? Houve uma grande comoção e Sebastian saiu correndo de casa como um louco.
— Oh Daisy, — Georgiana sussurrou. Uma súbita e sufocante onda de horror a atacou tardiamente. — Houve uma bomba.
Um suspiro saiu da garganta de sua amiga.
— Querido Deus.
— Receio que Deus não tenha nada a ver com isso, — disse Kit severamente. — Senhoras, fiquem dentro de casa, por favor. Trent e eu voltaremos assim que pudermos.
Georgiana se retirou do abraço de Daisy, estendendo a mão para ele, mas ele se virou e saiu da sala.
— Bem-vindo de volta, Leeds.
As palavras eram o que Kit esperava. O que desejava ouvir desde que foi informado de sua excomunhão da Liga.
Mas ouvi-las agora, ditas pelo Duque de Carlisle, com seus olhos escuros e sisudos, não fez nada para amenizar a inquietação ou a crescente sensação de medo que se apoderava dele.
— Eu agradeceria, mas não posso dizer que gratidão pareça o sentimento adequado. — Seu tom era irônico. — Havia quinze quilos de pólvora dentro daquela maldita caixa, Carlisle.
— Se a coisa explodisse, — Trent acrescentou, seu rosto uma máscara de raiva mal disfarçada, — teria destruído a frente da minha casa e possivelmente ferido minha esposa e o bebê. Ou pior.
O silêncio desceu. Nenhum deles queria considerar o que — pior — teria sido. Eles estavam sentados no escritório de Trent, as duquesas próximas em uma sala de estar sob forte guarda enquanto este inevitável encontro de mentes ocorria.
— Tem todas as características do atentado a bomba na residência do senhor prefeito, — Carlisle rangeu, o primeiro a quebrar o silêncio. — Há um anel distinto em ação aqui, e até agora eles conseguiram comprometer a identidade não de um, mas de dois dos meus melhores agentes.
— Você tem um rato em seu meio, — disse Kit sem rodeios. — Alguém está fornecendo informações aos fenianos de dentro das fileiras da Liga. É a única explicação.
— E com certeza não é Leeds, — acrescentou o Duque de Trent. — Não posso tolerar a estupidez que permitiu que Leeds fosse expulso.
Kit ficou surpreso por Trent ter assumido as dores por ele com tanta rapidez. Eles não eram bons amigos, embora, como membros da Liga, muitas vezes se encontrassem nos mesmos círculos.
Carlisle ergueu a mão em sinal de rejeição, quase como se ele acenasse um mosquito problemático.
— O Escritório queria que ele ficasse fora de serviço, esperando uma investigação mais completa sobre a emboscada. Sabia que ele seria restaurado com o tempo.
— Quem foi a fonte deles que deu o meu nome? — Kit exigiu, pois não conseguia afastar a sensação de que de alguma forma todos esses eventos - a emboscada, a traição, os ataques a Georgiana e agora essa bomba - tinham um fio condutor.
— O informante era anônimo, — disse Carlisle.
— Que conveniente, — Trent falou lentamente.
Que coisa irritante. Parecia que para onde quer que se virasse levava a outra parede de tijolos.
— Preciso descobrir quem é o responsável por tudo isso, — ele mordeu. — Não vou parar até que o bastardo esteja no túmulo ou na prisão.
— Nem eu, — Trent acrescentou, seu rosto tão duro e sombrio quanto seu tom.
Carlisle inclinou a cabeça.
— Isso faz três de nós. Senhores, parece que temos algum trabalho a realizar.
— Temos que erradicar alguns traidores como os porcos que eles são, — corrigiu Kit, sentindo o calor pulsante de uma necessidade de violência explodir dentro dele. — E quando conseguirmos isso, Deus os ajude, porque não vai ser bonito.
Se alguém tivesse colocado uma bomba na porta do Duque de Trent, nada impediria a ameaça invisível de fazer o mesmo com os outros. Entre esse perigo recém-descoberto e as tentativas feitas contra Georgie, sua raiva era uma força ilimitada e crescente que ameaçava afundar seu navio e levar todos os outros que ele afundaria. Incluindo Georgie. A ameaça feniana precisava ser interrompida.
— Vamos acabar com isso, — disse o Duque de Trent, sua voz sombria com a promessa de morte certa para seus inimigos. — De uma forma ou de outra, nossas famílias estarão seguras.
Família.
A palavra atingiu Kit direto no estômago como um punho. Ele nunca teve, em toda a sua vida, uma família verdadeira. Ele e seu irmão eram estranhos. Seu pai tinha sido um bastardo frio e insensível. Sua mãe havia morrido ao dar à luz. Agora, pela primeira vez, tinha aquele sentimento de pertencimento e amor que estava procurando sem perceber. Essa necessidade humana básica de aceitação e carinho, de parceria... Georgie acendeu o fogo dentro dele.
Ela era sua família. E ele era dela. Mas ele trouxe o perigo para perto dela repetidamente, e isso o matou com a virulência de uma centena de mortes. Não conseguia se livrar da crença de que era o responsável por todo o perigo que girava ao redor dela.
Ela não merecia isso. Ela era, como o não-mordomo disse uma vez, dourada. Ela iluminou cada sala em que entrou com seus raios, e ele daria qualquer coisa para se aquecer em seu brilho por um maldito minuto.
Mas, ele também faria qualquer coisa para protegê-la. Qualquer coisa. Mesmo que isso o destruísse.
Foi por isso que ele olhou nos olhos do Duque de Carlisle e disse:
— Mande-me de volta para a cidade de Nova York.
Capítulo 21
Os dias seguintes após a descoberta da bomba na casa de Daisy e do Duque de Trent passaram como um borrão monótono. Kit se distanciou dela. Ela passava as horas do dia na sombra de Ludlow e um círculo de homens armados. Passava as noites sozinha, os guardas postados em sua porta e na rua abaixo de suas janelas.
A paixão inebriante despertada na carruagem naquela noite se dissipou como se um balde d'água tivesse sido jogado sobre as chamas. Nas raras ocasiões em que conseguia ver o marido de relance, era sempre fugaz. Seus olhos eram frios, sua expressão reservada. Eles não haviam se envolvido em um único diálogo sem um dos guardas pairando ao seu lado.
Ela esperava que a situação fosse temporária.
Até esta noite, quando uma nova espécie de convulsão se abateu sobre a casa, desde os criados aos guardas. Até Ludlow parecera estranho e reticente durante toda a tarde. Ela jantou sozinha. Novamente. Retirou-se para seu quarto sozinha. Novamente.
E foi então que o motivo da inquietação e agitação simultâneas do dia ocorreu a ela. Kit a estava deixando.
Novamente.
Georgiana havia se despido para a noite e dispensado sua criada de quarto quando percebeu isso. Sua mente estava preocupada demais para dormir. Ela estava andando por toda a extensão de seu quarto, a preocupação e o medo se unindo em uma bola de chumbo que pesava pesadamente em seu estômago, e de repente, a noção facilitou seu caminho em seus pensamentos. Seu coração e sua mente estavam em guerra, e o resultado a apavorou ainda mais do que a dinamite.
Ela não tinha visto uma valise desta vez. Não houve avisos reveladores. Mas ela podia sentir a verdade disso, quase instintivamente, do mesmo jeito. Kit voltaria para a América para lutar sua batalha sombria até a morte.
A última vez que ele a deixou, ela mal o conhecia.
Desta vez, ela o amava.
Ela apertou o cinto de seu penhoir, estudou seu reflexo no espelho por um bom minuto. Seu cabelo estava solto, suas bochechas pálidas. Ela as beliscou, colocou um pouco de vermelhidão nos lábios. Apertou o cinto um pouco mais para enfatizar sua cintura. E então, marchou para fora da porta de seu quarto.
Direto para o peito de um Ludlow surpreso.
— Por que você está do lado de fora da minha porta? — Ela exigiu, irritada com ele por esconder tal segredo dela. Mas, novamente, supôs que era apenas um em um mar de muitos.
Por que todos os homens de sua vida persistiam em abandoná-la, enganá-la ou ambos?
Ele se curvou formalmente, como se ela não estivesse em um estado escandaloso de despir-se diante dele.
— Me perdoe. Estava cuidando de sua segurança e conforto, Sua Graça.
Naturalmente, ela não acreditou em sua resposta inocente, nem se emocionou com sua elegância.
— Você vai me dizer a verdade, Ludlow? — Ela perguntou, a frustração tornando sua voz mais estridente do que pretendia.
— Sempre fui sincero com a senhora, Sua Graça, da melhor maneira que pude, — ele disse cuidadosamente, sua expressão neutra.
Ela o encarou, perguntando-se se alguma vez o conheceu de verdade. Imaginando, de fato, se seria mesmo possível conhecer alguém de verdade.
— Eu sei que ele está indo embora, — ela afirmou friamente desta vez, ao invés de fazer uma pergunta que ele não responderia diretamente. — Estou indo para o quarto dele agora, e se você acha que pode me impedir, você está completamente errado, Ludlow.
Ele curvou-se novamente, sombrio como sempre.
— Eu não sonharia em interferir, Sua Graça.
— Bom, — ela retrucou, antes de girar nos calcanhares e se apressar em direção aos aposentos da duquesa. Em direção aos seus aposentos. Sim, talvez fosse a hora de recuperá-los.
Ela passou por um punhado de homens de aparência rude com protuberâncias do tamanho de pistolas suspeitas em suas jaquetas, desviando o olhar, antes de chegar ao seu destino e bater com força. Para sua surpresa, ela não tinha nem mesmo um fôlego para se recompor antes que a porta se abrisse, e lá estava ele, todo o poder e graciosidade musculosa, vestido com perfeição em um traje de noite preto e uma camisa branca. Ela estremeceu quando caiu em seus olhos vívidos.
— Duquesa, — ele disse formalmente. — O que você precisa?
A pergunta, tão fria e distanciada, enviou uma onda violenta de indignação que a percorreu.
— Você, — ela grunhiu. — Agora.
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Senhora, já é tarde e temo que o seu tempo deixe algo a desejar. Eu tenho...
Ela passou por ele, cortando sua desculpa com sua ação abrupta que falava por si, ela pensou, mais alto do que qualquer palavra poderia. Ela entrou no quarto, não parando até que estivesse na extremidade oposta, e ele não teve escolha a não ser fechar a porta para que não atraíssem uma audiência dos guardas reunidos no corredor.
Georgiana avistou um baú e duas malas no canto do quarto. Lá estava, a confirmação de suas suspeitas e seus piores medos. Ela se acalmou, olhando, relembrando o dia do casamento. Se ela tinha pensado que a última vez doeu, estava errada, pois a dor dentro de seu peito com a simples evidência de sua partida iminente quase a partiu em duas.
Ele realmente a estava deixando.
E ela suportou muito em sua vida. A morte de sua mãe, o ódio de seu pai, um casamento de conveniência com um estranho, mudando-se para outro país onde não conhecia ninguém e não tinha amigos para falar, sendo criticada pela imprensa, mas nenhuma dessas coisas - e nem mesmo a soma combinada - em comparação com a maneira como ela se sentia agora.
Devastada. Oca. Perdida.
— Georgie — disse ele atrás dela, sua voz tão áspera e profunda como ela imaginou que seria se ela ousasse falar. — Por que você está aqui?
Porque te amo.
Porque não posso suportar que você me deixe novamente.
Porque quero que você fique por mim, que lute por mim e comigo. Saber que podemos derrotar isso juntos. Que aconteça o que acontecer, independentemente de quão difícil ou assustador, possamos enfrentar a tempestade juntos.
E mencionei que te amo extremamente, desesperadamente, irrevogavelmente?
Mas, não disse nenhuma dessas coisas, pois eram muito perigosas para falar em voz alta, e ela não era forte o suficiente para aceitar a rejeição de seu amor. Seria melhor, mais fácil se ele não soubesse. Pelo menos, ainda tinha seu orgulho.
Ela engoliu em seco, olhando para o baú e as valises reunidos, incapaz de olhar para ele diretamente.
— Quando você pretendia me dizer que estava me deixando?
— Eu não estou deixando você. — A mão dele, grande e quente, pressionou contra o seu do ombro direito, como se estivesse suplicando.
Pode muito bem ter sido um ferro em brasa por tudo que seu toque a queimou. Ela o sentiu através da fina camada de seda tão potentemente como se a palma da mão dele tivesse estado sobre sua pele nua.
— Como você definiria o baú e as malas embaladas com seus pertences?
— Estou partindo, sim, mas por dever e necessidade. — Sua outra mão estava sobre ela agora, e ele estava tão perto que o calor de seu corpo irradiava para o dela. — Pretendo acabar com o perigo.
Ela arqueou e inclinou a cabeça para trás, desesperada para estar mais perto dele, apesar de sua raiva e frustração. Ele era sua outra metade, a escuridão para sua luz, a dureza para sua suavidade, e não importa o que acontecesse entre eles, independentemente de quanto tempo ia e vinha, sempre o desejaria com um fervor que a abalou.
O cume inconfundível de seu pênis pressionado na fenda de seu traseiro. Uma respiração sibilou dela quando a necessidade, aguda e debilitante, a atingiu por dentro. Muito tempo se passou entre o último momento em que ele esteve dentro dela e agora.
— Eu sou seu dever e necessidade, — ela sussurrou, incapaz de resistir a se esfregar contra ele. A parte que mais doía por ele latejava quando sua ereção se cravava em sua carne.
Sua respiração estava em seu ouvido, quente e úmida.
— Você não deveria estar aqui.
Claro que ele diria isso. Se ela tivesse sido dócil e prestativa, teria permanecido na extremidade oposta do corredor, sozinha. Mas não era isso que ela queria, e embora não tivesse certeza de sua intenção de invadir a santidade de seu quarto, ela estava certa agora. Ela queria este homem. Desesperadamente. E ele a queria.
Ela alcançou atrás dela, os dedos conectando-se com o cabelo grosso e macio. Ela embalou seu crânio, cravou as unhas em seu couro cabeludo e virou a cabeça para encontrar seus lábios. Eles se beijaram, uma rápida junção de bocas. Mas não foi suficiente. Era muito manso, muito morno, e suas palavras ainda a assombravam.
— Por que eu não deveria estar aqui? — Exigiu contra seus lábios firmes. Ele não tinha se barbeado nos últimos dias, e ela estava grata pela abrasão de seus bigodes em sua pele.
— Porque não posso resistir a você, — ele confessou com um gemido. — Não desse jeito. Deus, você cheira tão bem. Você está ainda melhor. Jesus, Georgie. Por que você veio aqui? Tenho tentado ser um cavalheiro, para tornar minha partida mais fácil para você.
— Eu não quero um cavalheiro, — ela negou rapidamente, e enquanto dizia as palavras, sua mão esquerda viajou atrás dela, encaixando entre a curva de seu traseiro e a abertura de suas calças. Ela se sentiu ousada o suficiente para ousar. Para ser má. Dedos procurando e encontrando a forma dele, grossa e longa, através do tecido. Ela o acariciou, apertou, ansiando por mais.
A respiração sibilou de seus pulmões.
— Você não sabe o que quer, senhora. Se você tivesse alguma ideia de como isso é grave...
Ela acariciou seu comprimento, desejando que a barreira de tecido entre eles fosse dissipada. Tocá-lo tão intimamente a fazia doer. A fez querer mais.
— Não me deixe, — disse ela, sem se importar se soava mais como se estivesse implorando do que suplicando. — Por favor, Kit.
Ele suspirou em seu ouvido. Beijou uma vez, duas vezes. Passou a língua pela concha. Enquanto isso, as mãos dele deslizaram de sua cintura. Eles migraram mais alto, deslizando sobre seu abdômen até os seios. Suas mãos, tão grandes e conhecedoras, envolveram-na, seus dedos encontrando seus mamilos através das camadas insignificantes de seu penhoir e camisola. Ele ajustou os mamilos, rolando-os entre seus dedos capazes.
— Oh, — ela disse com um suspiro, aumentando sua pressão em seu pênis, ainda preso, ereto, grosso e cheio, sob suas calças. Desejava tanto que ele estivesse dentro dela.
Seus quadris se sacudiram em seu toque. Aqui, pelo menos, ao fazer amor, eles estavam de acordo. Eles se queriam. O resto - e seu argumento decorrente - poderia esperar. O que ela queria agora mais do que qualquer coisa era este homem ao seu redor, em cima dela, atrás dela, dentro dela. Tão profundamente dentro que parecia que ele nunca iria embora.
Porque não queria que ele fosse. Nem agora, nem nunca. Mas essa era outra batalha para outro dia.
— Droga, — ele rangeu em uma voz baixa que sugeria que ele estava prestes a perder o controle. — Quero te foder tanto que dói.
Ele mordeu a orelha dela, e ela não resistiu a um gemido. Suas palavras cruas se estabeleceram dentro dela com um delicioso trinado. Ela gostava dele perverso. Ela o preferia rude, cru e sem restrições, pois isso despertou uma parte dela que nunca soube que existia até que ele a trouxe à vida.
Com a mão livre, ela desatou o nó que prendia seu penhoir no lugar. Três arrancadas de seus dedos e ele se abriu. Um encolher de ombros, e estava no chão, apenas o tecido fino de sua camisola mantendo sua pele nua longe dele.
— Então faça isso, Kit. — Ela hesitou com a palavra grosseira, nunca a tinha pronunciado antes. Mas se ele disse isso, por que ela não disse? Acariciando-o, ela mergulhou para frente em uma respiração profunda, sua ousadia a levando a novas alturas. — Foda-me.
Ele pegou a mão que estava provocando sua excitação, agarrando-a e puxando-a para longe. Sua língua encontrou o oco sob sua orelha.
— Se você continuar tocando meu pau assim, não vou durar muito.
Sua capacidade de falar a abandonou, e tudo o que deixou sua língua foi um zumbido de satisfação.
— Mmm. — Ela estremeceu quando ele beijou um caminho até a curva onde sua garganta e ombro se encontravam antes de cravar os dentes na carne sensível ali.
Havia algo sobre ele atrás dela, seu corpo grande e poderoso, exigente e faminto em suas costas, que a deixava fraca. Ela nunca havia sentido um desejo tão poderoso antes, um desespero tão faminto. Por conta própria, a mão dela migrou de volta para a deliciosa protuberância que cobria suas calças. A evidência de seu desejo por ela a agradou tanto quanto enviou uma resposta direta para seu núcleo.
— Mulher safada.
Ele enlaçou sua mão novamente, mas desta vez, em vez de meramente removê-la, a guiou ao redor de sua cintura, colocando-a sobre sua barriga, logo acima da carne que implorava por satisfação. Através do tecido de sua camisola, ele mordeu seu ombro. A outra mão deixou seu seio, deslizando pelo abdômen até a coxa, onde seus dedos se fecharam no tecido macio. Lentamente, ele levantou a barra da camisola com babados.
Subiu, das panturrilhas até os joelhos.
— Eu gosto de tocar em você, — ela sussurrou.
Ele fez um som baixo em sua garganta, não parando em seu progresso enquanto subia a saia dela ainda mais alto. O ar da noite beijou suas coxas.
— Se você gosta de tocar tanto, — ele disse, seus lábios de volta na orelha dela, — então talvez você deva se tocar.
Suas bochechas ficaram quentes com a sugestão dele. Certamente ele não poderia querer dizer...
Sua bainha chegava à cintura, deixando toda a parte inferior de seu corpo nua. E então ele guiou a mão dela, incitando-a descendo a suave inclinação de sua barriga e ainda mais abaixo, até que, como um, seus dedos deslizaram dentro das dobras molhadas de seu sexo.
Oh.
Por um momento, o prazer foi tão intenso que ela não conseguiu falar. Ela nunca havia se tocado tão intimamente antes. Mesmo no banho, um pano sempre obscurecia sua mão, mas isso - seus dedos guiando os dela, de modo que o único toque em sua carne fosse a dela - era divino. Depravado, mas divino.
— Por que tão quieta, meu amor? — Sua voz profunda provocou seu ouvido, seus lábios se aninhando enquanto seus dedos trabalhavam com mais firmeza abaixo dela.
Ela queria responder. Para dizer algo irreverente ou ousado. Mas ela não tinha nada. Todo o seu ser estava focado no que ele estava fazendo com ela, no que estava fazendo com que fizesse a si mesma. Como um, eles circundaram a protuberância sensível de carne no centro de suas dobras. Quando seus quadris se arquearam, ele a segurou imóvel para permanecer no local que causou a resposta.
— Você não tem nada a dizer? — Ele mordeu o lóbulo de sua orelha e rolou seus quadris contra ela de forma que seu comprimento de aço a penetrou por trás. — Você está tão molhada que está escorrendo de seus dedos para os meus.
Ainda assim, ela não conseguiu forçar uma palavra coerente a sair de seus lábios. Ela estava enroscada, apertada como uma mola de relógio, a felicidade a inundando tão intensamente que poderia chorar. Juntos, eles a deram prazer mais rápido, mais forte, com golpes seguros e rápidos. E então, ela não conseguiu segurar mais um momento.
Ela estava se desfazendo e subindo ao mesmo tempo. Quando seu clímax chegou, foi rápido e violento, tão profundo e delicioso que podia sentir seu canal se contrair e espasmar. Tão maravilhoso que uma tontura feliz a alcançou, estrelas escuras girando nas bordas de sua visão enquanto ela desabava contra ele, ofegante.
— Quando eu for embora, toque-se assim e pense em mim, — ele disse humildemente. — Pense em mim quando você gozar e lembre-se dos meus dedos nos seus, trazendo você para a liberação.
Os imperativos, emitidos na esteira de tão belo prazer, atingiram-na com o efeito de um balde de água gelada. Ele ainda pretendia ir. A compreensão foi semelhante a uma adaga em seu coração.
— Fique comigo, — ela pediu. — Não vá, Kit. Por favor. Você não pode ver o quanto preciso de você aqui?
— Georgie. — Ele beijou sua garganta novamente, então sua bochecha, enterrando o nariz em sua têmpora e inalando. — Não me peça o que não posso te dar.
Ela enrijeceu, endireitando-se longe de seu corpo aquecido em suas costas. Libertando-se de seu aperto, ela arrancou a bainha de seu alcance, girando para enfrentá-lo.
— Por quê? Por que você precisa me deixar novamente? Diga-me, e não diga dever e necessidade. Desta vez, seja honesto. Você me deve muito.
Ele estendeu a mão para ela, as mãos agarrando sua cintura e puxando-a de volta.
— Eu devo tudo a você, meu amor. É por isso que devo ir.
Meu amor. O carinho tocou seu coração. Ela queria acreditar. Ansiava por acreditar que gostava dela, que talvez um dia pudesse retribuir uma fração de seu amor. Mas se ele se importasse, por que a abandonaria novamente?
Os braços dela envolveram seu pescoço, prendendo-o a ela. Ela procurou seu olhar, tentando encontrar as respostas que procurava e não encontrando nenhuma.
— Você não precisa ir. — Ela rolou na ponta dos pés então, pressionando sua boca na dele.
Seus lábios se moveram contra os dela, seu nome o deixando como uma bênção.
— Georgie.
— Fique, — ela sussurrou contra seus lábios, lambendo a costura que os separava. — Fique. — Ela voou para o canto, então para a curva definida de seu lábio superior, para a camada áspera de bigode. Lá, ela inalou a essência dele, afiada, doce e amada. — Fique.
— Não posso.
— Você pode. — Ela o beijou novamente. — Você deve.
Um grunhido saiu dele, e no momento seguinte, qualquer tentativa de controle que ele tinha se partiu. Ele segurou seu rosto, beijando-a profundamente e com uma profunda emoção que a pegou de surpresa. Naquele momento, ela não tinha certeza do que aconteceria quando o sol nascesse, mas tudo o que tinha certeza era do amor que sentia, queimando dentro dela. Se esta fosse a última noite que eles teriam, então ela não iria desperdiçá-la.
Ela puxou sua jaqueta enquanto retribuía o beijo, abrindo-se para sua língua questionadora. Em seguida, veio seu colete e, finalmente, sua camisa, até que as mãos dela viajaram com lenta apreciação pelos planos cinzelados de suas costas e a musculosa parede de seu peito e abdômen. Quando ela alcançou o fecho de suas calças, ele arrancou sua boca da dela.
— Tire sua camisola, — ele ordenou.
A Georgiana com quem ele se casou teria corado e recusado sua ordem. A mulher que se tornou pegou dois punhados de tecido e puxou-o pela cabeça até ficar nua diante dele.
— Agora você, — ela disse.
Uma emoção a percorreu quando ele obedeceu com movimentos rápidos e fluidos que deixaram seu corpo nu para sua leitura faminta. Ela o bebeu, memorizando a parede áspera de seu peito, a força de seus braços, os músculos tensos de seu abdômen, a visão de seu pênis, ousado, rígido e longo.
Ele a beijou novamente, suas mãos percorrendo seu corpo como se também procurasse prendê-la à memória, de alguma forma imprimir a sensação de sua carne em suas mãos. Ele segurou seus seios, rolou seus mamilos entre o polegar e o indicador, acariciou seu traseiro, seguiu as curvas de sua cintura e quadris. Ela o beijou de volta com todo o fervor dentro dela, com todo o amor e desespero, a raiva e confusão, o desejo e a necessidade.
Seus lábios se separaram. Seu olhar queimou no dela, sua respiração tão dura e irregular.
— Vá para a cama, Georgie.
Sua baixa demanda acendeu uma nova centelha de excitação. Mas ela não queria tornar sua capitulação fácil para ele. Georgiana mordeu seu lábio inferior.
— Talvez você deva pedir com educação, Sua Graça.
Suas bocas se fundiram novamente, e ela se abriu para ele, chupando sua língua, seus dedos afundando em seu cabelo. Uma batalha de vontades travada entre eles enquanto cada um tentava dominar o outro. Se ela não pudesse fazê-lo ficar, ao menos o faria implorar.
— Por favor, — ele sussurrou em sua boca, seus olhos nunca deixando os dela.
O ar entre eles estava pesado, pulsando com emoção e desejo e tanto que ambos não tinham falado. Ela soube naquele momento que não poderia permitir que ele fosse sem revelar a verdade de como se sentia por ele. Se ele não conseguisse voltar para ela... meu Deus, não suportaria terminar o pensamento.
— Kit. — Ela emoldurou seu amado rosto com as mãos, respirou fundo e deu um salto. — Eu te amo.
Ele se acalmou, sua expressão endurecendo, uma intensidade cruzando suas feições e brilhando em seu olhar.
— Diga isso de novo.
— Eu te amo, Christopher Anthony Harcourt, — sussurrou, seu corpo e coração doendo como se fossem um por ele. — Volte para mim. Você me ouve? Volte para mim.
— Puta que pariu, mulher. — Ele a beijou, e desta vez foi diferente de todas as outras, feroz e possessivo, mas também terno. Sua mão encontrou sua nuca enquanto sua boca a adorava, viajando de seus lábios a sua bochecha, seus olhos, sua testa, sua orelha.
— Eu te amo, — ela repetiu quando ele beijou sua garganta. Ela enterrou o rosto nas mechas macias de seu cabelo, inalando profundamente seu perfume masculino. Ele cheirava a sabonete e pinho e ela queria ficar assim para sempre, com os braços em volta dele, seus corpos pressionados juntos, seu amor por ele lavando-a como uma maré quente. — Eu quero que você me prometa, Kit.
— Voltarei, — ele murmurou, esfregando o rosto em sua garganta para que seus bigodes fizessem a mais deliciosa abrasão em sua pele sensível. — Eu prometo, Georgie. Vou voltar para você. Nada nem ninguém vai me manter longe.
Ela o segurou contra ela, desejando que eles nunca tivessem que deixar este quarto.
— Não posso te perder.
— Eu sou seu, — disse ele, pressionando a boca contra ela com uma reverência que partiu seu coração. Segurando seu queixo, deu-lhe um beijo longo e demorado antes de quebrá-lo para olhar para ela, mais solene do que ela já o tinha visto. — Eu te amo, Georgie. Eu te amo mais do que jamais imaginei ser possível. Eu amo a bondade em você, o coração que é grande o suficiente para todos os perdidos de Londres. Até amo a sua maldita gata.
Suas bochechas estavam molhadas de lágrimas. Ela nunca tinha pensado que ele corresponderia ao seu amor.
— Oh, Kit. — As palavras correram para sua língua, mas ela não conseguia entender. Não podia falar além da emoção obstruindo sua garganta.
— Não olhe para mim assim, — ele cortou então, seu tom áspero. — Eu realmente traço o limite para os ratos, senhora.
Seu coração deu uma pontada. Este duque. Este homem teimoso e feroz. Como ela o amava. E ele a amava de volta. Impossível. Improvável. Maravilhoso. Ela se moveu para trás, puxando-o junto com ela, em direção à cama. Unir seu corpo ao dele não demoraria mais. Se ele estava determinado a deixá-la e enfrentar quaisquer perigos que o aguardavam em Nova York, ela estava igualmente determinada a aproveitar ao máximo a noite juntos.
— Venha para a cama comigo, — ela persuadiu.
Ele fez um som baixo em sua garganta, dando-lhe um olhar ardente enquanto ela o puxava junto com ela.
— Se você apenas se lembra, a cama era minha intenção inicial, esposa.
— Sim, marido, mas se você também se lembra, você não pediu gentilmente, — ela brincou, embora não houvesse nada de alegre na situação deles. Ele estava partindo para a América, abandonando-a novamente, e a ameaça desconhecida que o aguardava - a perspectiva de outro ferimento, ou pior - a gelou até os ossos.
— Eu nunca disse ter boas maneiras, — ele disse enquanto caíam na cama como um só.
Ela caiu de costas, suas pernas se abrindo quando seu corpo grande e duro veio sobre o dela. Seu tórax pontilhado de cabelo esfolava seus mamilos excitados, seu pênis, macio e acetinado, quente e rígido, pressionado em sua barriga. Seus lábios se apertaram. Suas mãos errantes viajaram cada centímetro dele que podiam alcançar, sobre o plano ondulante de suas costas, segurando suas nádegas firmes.
Ele se ajustou de forma que sua perna boa o ancorou no colchão antes de abaixar a cabeça para levar um mamilo à boca. Ela soltou um suspiro de satisfação com o puxão delicioso em seu seio seguido por uma mordida lúdica.
— Você é rude e grosseiro, — ela concordou, sem fôlego. Os dedos dela cravaram em suas nádegas, saboreando a firmeza. Aqui estava uma parte dele que ainda tinha que explorar, requintada para seus sentidos. Ela suprimiu o desejo de guiá-lo até sua dolorida entrada. Eles tinham a noite toda, e ela não queria apressar o ato de amor, independentemente do quanto o desejasse.
Ele soltou seu mamilo com um estalo forte.
— E você é enlouquecedora e excêntrica. A única duquesa em Londres que conseguiu transformar uma residência urbana em uma sociedade zoológica em miniatura. — Kit deu um beijo na curva de seu outro seio. — Você me surpreende. — Mais um beijo, e então ele rodou sua língua ao redor de seu mamilo. — E me confunde.
Ela conhecia a sensação. Cada interação entre eles tinha sido uma batalha difícil. Ele era mais obstinado do que uma cabra. Mas quando suas defesas desmoronaram, foi uma bela visão de se ver. Ele sugou e beliscou, sua boca se arrastando ainda mais para baixo, sobre a carne faminta de seu abdômen, e ainda mais para baixo, para as dobras famintas de seu sexo.
As mãos dele se espalharam na parte interna das coxas dela, abrindo-a para ele. Ela sentiu uma onda de umidade em resposta quando seu olhar a queimou, seu rosto bonito tão perto que ela só precisou sacudir os quadris e sua boca deliciosa pousou sobre ela.
— Sua boceta é tão linda, Georgie. — Seu tom era cru, reverente. — Rosa e úmida para mim. Muito molhada. — A língua dele deslizou ao longo de sua costura antes de correr um círculo lento e tortuoso ao redor de sua pérola. Ele ergueu a cabeça então, olhando para ela, e ela nunca tinha visto algo mais erótico do que o lindo rosto de seu marido pairando sobre seu monte, prestes a fazê-la gozar. — Você tem um gosto tão doce. Mais doce que mel. Poderia lambê-la a noite toda.
Ela teria falado, talvez protestado por um senso errado de modéstia, mas ele abaixou a cabeça mais uma vez. Sua língua estava sobre ela, rápida e escorregadia. Era como se todo o seu ser tivesse sido condensado em seu núcleo pulsante. O prazer que ele a fez sentir foi tão intenso que foi tudo o que ela pôde sentir. Não havia espaço para mais nada. Sem respirar. Sem pensar. Sem falar.
Oh.
Sua boca se abriu. A cabeça caiu para trás contra a roupa de cama. Elas eram suaves e cheiravam a ele, e sua língua estava dentro dela agora, empurrando antes de retornar para sua pérola mais uma vez. Ele a chupou em sua boca da mesma forma que fazia com seus mamilos. E então, gentilmente a marcou com os dentes.
Ela estava perto. Tão perto.
E então, seus dedos estavam dentro dela, sondando e profundamente. Sabendo exatamente onde dedilhar, como se ela fosse um instrumento e ele o virtuoso. Que doce bem-aventurança, que tortura divina. Ela queria que ele parasse e queria que nunca acabasse.
Ele a acariciou, mordeu sua pérola e isso foi tudo que precisou. Ela gozou violentamente, uma nova onda de líquido pingando dela. Ainda assim, ele pressionou o rosto mais fundo, inalando, prolongando seu clímax até que ela estava tremendo e saciada, ofegando e olhando para o teto do quarto, seu estuque familiar de rosas e flor-de-lis.
Ele se ergueu sobre ela.
— Nunca se esqueça de que você é minha enquanto eu estiver fora.
— Nunca, — ela concordou. — Sou sua para sempre.
Kit guiou seu pênis até sua entrada, acariciando seu sexo necessitado com a ponta de seu pau.
— E eu sou seu, — disse ele, e então se afundou dentro dela. Um impulso de seus quadris, e ele estava enfiado tão profundamente que uma nova onda de prazer ricocheteou por ela.
Ele choveu beijos em seus seios, sua garganta, sua orelha, lambendo o pedaço de pele diretamente abaixo que a levou à distração, enquanto ele balançava dentro dela, rápido e forte. Eles se moviam juntos, tornando-se selvagens em seu frenesi mútuo. Suas unhas arranharam suas costas. Seus dentes cravaram em seu mamilo. Uma e outra vez, ele se retirou, e então bateu de volta dentro dela.
Algo sobre a fúria de sua paixão a levou ao limite. Outro impulso e ela estava se desfazendo de novo, sua boceta apertando em seu pênis, espasmos começando a disparar por ela em lambidas constantes. Quando ela explodiu, foi quase violento, um grito saindo de sua garganta quando agarrou, arrastando-o mais fundo em seu corpo. Seu corpo enrijeceu, os tendões de sua garganta ficaram tensos, sua mandíbula cerrou quando ele encontrou sua liberação no momento seguinte, e sua semente a encheu.
Kit desabou sobre ela, descansando a cabeça sobre seu coração batendo loucamente. Seus dedos brincaram com as grossas mechas de seu cabelo escuro enquanto os últimos fios de prazer se desenrolavam dentro dela. Naquele silêncio fugaz, sem nada nem ninguém para se interpor entre eles, uma clareza perfeita e ofuscante a atingiu como uma carruagem em fuga.
Ela nunca tinha estado mais feliz do que aqui e agora.
O tempo passou com uma certeza indistinta. Poderia ter se passado horas ou dias, e Georgiana não teria notado a diferença. Tudo o que sabia era que ela e Kit estavam aninhados sob os lençóis completamente amarrotados de sua cama de dossel, segurando-se um no outro como se fossem os únicos passageiros de um navio que afundava continuamente no mar.
Ela apertou-se nele, inalando profundamente enquanto enterrava o rosto em seu peito nu.
— Ainda não entendo por que você deve ir.
Sua mão passou por sua coluna, subindo e descendo novamente em uma carícia que a fez ansiar por mais uma sessão de amor. Uma terceira para adicionar a primeira e a segunda.
— Estou fazendo o meu melhor para protegê-la.
Ela não tinha a intenção de discutir, mas cada parte dela clamava por qualquer meio pelo qual pudesse convencê-lo a ficar. Sua partida iminente pairava no ar entre eles, pesada e indesejada, repleta de pavor.
— Você procura me proteger me abandonando e retornando a mais de suas atribuições secretas na cidade de Nova York? — As unhas dela patinaram sobre seu peito, seguindo a trilha de cabelo que levava diretamente para sua virilha. Ela parou antes que sua mão inquisitiva encontrasse seu pênis, pois então sua habilidade de raciocinar e questionar lhe fugiria mais uma vez. — Perdoe-me se eu não conseguir ver como isso poderia me proteger.
Ela não conseguiu esconder a amargura de sua voz. Pois deitar-se aqui com ele agora, depois de terem compartilhado tanto, depois de terem confessado seu amor um pelo outro, parecia a mesma traição que o dia do casamento deles mil vezes aumentada. Era uma ferida ardente e purulenta dentro dela, mais quente que o sol. Mais desolado que um jardim sem chuva.
— Ameaças foram feitas contra você, Georgie — disse ele então, mergulhando-a em um turbilhão ainda maior de confusão. — Por minha causa, há um preço pela sua cabeça. E, por minha causa, existem fenianos sem nada a perder que sabem quem eu sou, quem você é, que sabem onde nos encontrar e atacar. Não pense por um momento que a bomba que foi lançada na casa de Trent foi uma aberração, ou que não pode acontecer aqui. Pode, e vai, a menos que eu tome uma atitude.
Ela ergueu a cabeça para estudá-lo, abalada por suas revelações.
— Um preço pela minha cabeça? O que você quer dizer?
— Por sua morte, droga. — Sua expressão era sombria, sua mandíbula dura. — Alguém quer você morta, Georgie, e eu sou o culpado por isso. Entre isso e a ameaça feniana, não tenho escolha a não ser agir. A única coisa que tenho a fazer é ir à fonte do perigo e arrancá-la pela raiz. Caso contrário, como qualquer erva daninha enjoativa, ela continuará a crescer novamente.
Alguém a queria morta.
Georgiana engoliu em seco, uma sensação de afundamento na boca do estômago, ao pensar na carta que recebera do advogado do tio George.
É meu dever informar que o Sr. Dumont solicitou acesso aos fundos separados mantidos em custódia para seus futuros herdeiros...
— Sei exatamente quem é que me quer morta, Kit, — disse ela, sentindo-se entorpecida. — Posso poupar você da viagem.
Capítulo 22
Não deveria surpreendê-lo que ela aceitou sua revelação com calma. Afinal, ela se adaptava melhor a um halo do que a uma tiara. Mas ouvi-la dizer as palavras em voz alta o afetou de uma forma para a qual não estava preparado. Ela não podia saber. Não poderia ter a menor ideia de que era seu próprio pai.
Kit iria caçar o bastardo em Nova York e assistir a luz diminuir de seus olhos enquanto a vida fluía dele. Ele já havia matado em nome do dever e não hesitaria em fazê-lo agora para proteger sua mulher. Ele ainda não tinha decidido sobre uma forma de morte, no entanto.
Uma bala na cabeça era muito eficiente e indolor. Muitos cortes superficiais com uma faca... sufocando o fôlego de seu pescoço covarde... afogando-o em uma banheira de sua própria urina... todos esses eram meios de assassinato que Kit havia entretido nos últimos dias.
— Não tenho a menor ideia de quem está tentando machucar você, mas tenha certeza de que irei pessoalmente fazer sua justiça a ele, — cuspiu.
— É meu pai.
Sua frase simples e sábia roubou o fôlego de seus pulmões. Ela sabia.
Claro que sabia. Sua Georgie era muito perspicaz, muito inteligente para ser enganada ou pacificada. Ela havia descoberto por si mesma seu trabalho secreto como espião, quando ele conseguiu preservar seu disfarce por uma maldita década.
Ela balançou a cabeça então, as lágrimas brilhando em seus olhos e tornando-os verdes ainda mais vibrantes.
— Não minta para mim, Kit. Você pode ser capaz de se esconder de seus inimigos e daqueles que não o conhecem o suficiente, mas eu o conheço.
Dane-se tudo. Ele tinha ficado tão enferrujado, um peixe açoitado no chão fora d'água, sem seu manto confortável de espião? Será que não conseguia mais usar subterfúgios com a facilidade que ele já teve? Ou será que não conseguia se esconder da mulher que - impossivelmente - o via no seu pior e o amava apesar de si mesmo?
Ela encostou-se nele nua, e nunca tinha estado mais bonita. Seus sentidos estavam cheios com seu cheiro, suas curvas doces, sua pele macia e cremosa. O som de seus gritos de felicidade quando ela gozou. A umidade que ela gozou em sua língua. Puta que pariu, ele nunca iria querer sair do lado dela. Se tivesse escolha, não faria. Mas ele não tinha nenhuma.
— Kit, — ela cutucou. — Seja honesto comigo. Não sou uma criança e não exijo que você me proteja da verdade, por mais feia e dolorosa que seja. Meu pai nunca cuidou de mim como um pai deve cuidar de seu filho, e estou ciente da cláusula em nosso contrato de casamento que reverte para meu pai a parte de minha fortuna mantida em confiança, junto com quaisquer resíduos, no caso de minha morte no primeiro ano de nossa união, caso eu deixasse de produzir seu herdeiro.
— A falha em produzir um herdeiro é minha culpa. — Ele não tinha a intenção de dizer isso, de revelar tudo a ela, mas a admissão o deixou por conta própria. Desde que soube por Ludlow sobre as tentativas de seu pai contra sua vida, o tratamento egoísta de Kit para com Georgie o perseguia.
Seu dever para com a Liga sempre foi primordial, mas a mulher em seus braços mudou tudo isso. Ele nunca deveria tê-la deixado. Ele deveria ter permanecido, se retirado da Liga, tentado ser o marido que ela merecia. Em vez disso, tinha estado tão preso em sua própria arrogância que falhou com ela. E também falhou consigo mesmo.
Ir para Nova York não salvou a vida de ninguém. Não lhe rendeu nenhum elogio. Passara a maior parte do tempo bebendo uísque irlandês sem nenhum propósito em Nova York, agradando aos diabólicos fenianos que mais tarde o levariam a um prédio de fábrica abandonado e tentariam matá-lo como um porco gordo. Tudo o que conseguiu com seus problemas foi um ferimento à bala e uma viagem através do Atlântico na infâmia.
— Você não deve se culpar pelas falhas morais de meu pai — disse Georgie então, seu tom, assim como sua expressão, resignado. — Eu mesma li a cláusula. Não imagine por um momento que não fiquei debruçada sobre o documento, lendo cada palavra. Posso ser uma camponesa, mas aprendi sozinha a ler e fazer contas quando tinha apenas cinco anos. Desde a morte de meu tio George, devorei vorazmente cada peça da literatura ao meu alcance. Sabia o que dizia o acordo de casamento. Concordei com tudo. Fui tola o suficiente para acreditar que meu pai não queria me machucar, e a culpa por isso é minha e somente minha.
— Georgie. — Seu coração doía como se estivesse se partindo em dois no maldito peito. Ele deslizou os dedos nas ricas mechas de cabelo de sua nuca, segurando-a contra ele quando ela teria se retirado. — Você não pode se culpar.
Seus olhos brilharam com fogo esmeralda.
— Não minta para mim, Kit. Conheço o jeito de homem que meu pai foi e conheço o jeito de homem em que se tornou depois da riqueza. Os dois não são tão díspares, exceto pela crueldade que ele agora possui. Nada o impedirá de alcançar o que deseja. E o que ele quer é mais dinheiro e mais poder, independentemente do custo.
— Mesmo que o custo seja você, — ele concordou baixinho, pois não conseguia mais se conter. Georgie era muito inteligente, muito perspicaz e merecia ouvir a verdade, por mais feia que fosse.
— Mesmo que o custo seja eu. — A admissão pareceu quebrá-la. Ela baixou o olhar para a mão, ainda descansando em seu peito.
— Georgie, — ele tentou novamente, cobrindo a mão dela com a sua, odiando sua dor. Por esta razão precisa, ele estava tentando evitar uma conversa na qual ele lhe revelou as traições horríveis de seu próprio pai. Teria sido muito mais fácil partir sem nunca ter que desnudar sua alma para ela? Sem nunca ter que vê-la sofrer?
Mas ela se recompôs diante de seus olhos, endireitou os ombros como um soldado se preparando para a batalha.
— Quantas vezes meu pai enviou alguém para me matar? — Perguntou, sua voz forte e clara.
Como ele desejou que ela o encarasse. Ansiava por puxá-la para cima dele e abraçá-la, de alguma forma absorver-lhe toda a dor e traição que ela sentia, e experimentá-la para que ela nunca conhecesse outro dia de adversidade, decepção ou dor em sua vida. Ninguém tão bom, doce e gentil quanto Georgie merecia ser tão maltratado.
— Houve várias tentativas, de acordo com Ludlow, — ele admitiu.
— Quantos? — Seu alto rouco continha uma nota de aço que não seria ignorada. Ela era mais dura do que parecia e, embora sangrasse sem parar para proteger seus animais, não se intimidava em ser assertiva e ousada quando isso mais importava.
— Houve cinco tentativas frustradas ao todo. — Aqui estava outra revelação que não queria ter que descarregar. — Quatro antes da minha chegada, e uma desde então.
Georgie apertou os lábios, a fúria dançando em seus olhos.
— Cinco vezes que alguém tentou tirar minha vida, e ninguém pensou em me informar?
— Ludlow estava aqui para defendê-la, — Kit se apressou em lembrá-la. — Ele frustrou as quatro tentativas e, juntos, frustramos a quinta.
As bochechas pálidas de Georgie ganharam vida com uma cor repentina, as sobrancelhas erguendo-se sobre a testa impecável.
— Eu não dou a mínima se Ludlow estava aqui. Ou se vocês dois uniram forças para me proteger de uma quinta tentativa. Isso está decididamente fora de questão. Não serei protegida e não serei enganada. Por que ninguém achou por bem me avisar? Por que você, meu marido, não me disse antes desta noite, apenas quando você está se preparando para me deixar?
Ele ergueu a mão apaziguadora. Quando ela resumiu dessa forma, ele realmente não poderia discutir o ponto com ela.
— Georgie...
—Não ouse ser condescendente comigo agora, Kit — interrompeu Georgie, fervendo de raiva com a violência de suas emoções. — Se preciso me defender, gostaria de saber, maldito seja.
— Eu vou te defender muito bem! — As palavras explodiram dele, vibrando com raiva, ecoando no quarto entre eles. Estavam carregados de seus arrependimentos, cheios de sua fúria por seu pai, repleta de sua necessidade de vingança. Gotejando com o desprezo que sentia por si mesmo por tê-la decepcionado tão completamente. — Deste momento em diante, serei aquele que defenderá você, dane-se tudo. Não Ludlow, e certamente não você. Sou seu marido e cuidarei de sua segurança. Não vou parar até que todas as ameaças a você sejam enterradas, e é por isso que estou indo para Nova York.
Georgie empalideceu, o único sinal externo de que entendia que as palavras dele não eram conversa fiada. Ele pretendia totalmente caçar seus inimigos e remover os perigos que representavam. No entanto, ele considerou necessário.
— Obrigada pelo sentimento, mas desejo me defender, pois sou a única pessoa de confiança que conheço.
A amargura em seu tom devorou seu coração, especialmente depois do que acabaram de compartilhar.
— Georgie, estes não são sentimentos vazios. Eu quero dizer o que digo. — Ele agarrou seus braços com delicadeza, forçando-a a encará-lo. — Desejo te proteger. Juro a você agora que irei para o meu túmulo lutando por você, se for preciso. Você não precisa mais temer. Esperava que não chegasse a esse ponto, mas sou um homem de ação e seu pai é um problema que precisa ser resolvido tanto quanto os fenianos.
— Então, me escute quando digo que sou capaz de me defender, — ela disse, seu tom inabalável. — E se a pessoa responsável pelos ataques contra mim for a mesma que orquestrou sua queda em Nova York?
Ela não estava errada em chegar a tal conclusão, mas a verdade era que não havia um resquício de evidência para sugerir que os dois eventos estavam conectados de alguma forma.
— Você quer sugerir que seu pai também orquestrou a emboscada em Nova York que deixou a mim e meu agente duplo Feniano gravemente feridos?
Era uma teoria intrigante.
Mas também era precisamente isso - uma teoria. Um destroço e um resto surgiram do nada, a não ser os recessos de sua mente criativa, sem nenhum fato para sustentá-los de forma alguma.
Ela assentiu com a cabeça, uma nova luz entrando em seus olhos, e ela não parecia nem um pouco vencida agora. Tinha um olhar brilhante e estava determinada.
— Isso é precisamente o que quero dizer.
— Impossível, — ele respondeu instantaneamente. — Pense no que você está sugerindo. Como diabos seu pai teria a ideia de que eu era um agente da Coroa?
Georgie ficou em silêncio por um instante.
— Suponho que seria muito arrumado, não é? Talvez eu apenas deseje resolver todos os nossos problemas com uma solução finita.
Ele agarrou seu queixo com ternura, erguendo seu rosto. Deus, ela era tão adorável, tão amada. Não sabia como teria forças para se afastar dela.
— Eu vou resolver nossos problemas.
Sendo sua esposa intratável, ela endureceu, hesitando em confiar-lhe seu futuro e segurança.
— Ouça-me, amor. Você tem todo o peso da Liga aqui para protegê-la na minha ausência. Irei pessoalmente garantir que nenhum dano acontecerá com você novamente, enquanto eu viver e respirar.
Ela ficou tensa, seus olhos se arregalando com as últimas palavras que ele havia falado. Ele poderia ter se amaldiçoado por dizer isso em voz alta, mas havia uma possibilidade, por menor que fosse, de que ele não voltasse para ela. Ele não poderia protegê-la do túmulo, mas tinha se assegurado de que todos em quem confiava - e até mesmo o maldito não-mordomo - cuidariam de Georgie não apenas em sua ausência, mas também no caso de sua morte.
— Você diz isso como se não fosse voltar para mim, — ela sussurrou, seus olhos luminosos e penetrantes nos dele.
Ele não conseguia desviar o olhar.
— A vida é um jogo de azar, Georgie amor. Mas pode ter certeza de que mesmo quando eu não estiver aqui, aqueles em quem confio vão cuidar de você e ver se você está bem protegida.
A expressão dela estava arrasada, e arrancou seu coração.
— Deveria estar com raiva de você agora por esconder tal coisa de mim.
— Eu não queria aborrecê-la até que eu mesmo tivesse certeza dos detalhes, e ainda não posso ter certeza. Tenho muitas peças de um quebra-cabeça e nem todas parecem se encaixar, — admitiu. — Tudo o que sei é que farei qualquer coisa ao meu alcance para protegê-la. Eu te amo, Georgie, e vou cruzar um oceano por você cem vezes, cair de joelhos, curvar minha cabeça, lutar até a morte... qualquer coisa que seja exigida de mim para vê-la segura.
Seu rosto se enrugou, as lágrimas brotando em seu olhar esmeralda brilhante enquanto ela acariciava seu rosto.
— Tem certeza de que deve me deixar?
Ele engoliu em seco contra uma onda de emoção, esmagou-a para baixo, para baixo onde pertencia. Pois ele não queria esta partida mais do que ela, e deixá-la para trás, com milhares de quilômetros entre eles, confiando sua segurança nas mãos de outros... era algo que quase não podia suportar. Sua única força motivadora era o fato de que precisava descobrir a verdade e mantê-la segura, e deixá-la era a única maneira que conhecia de realizar essa façanha monumental, mas necessária.
— Temo que devo, — ele disse baixinho, pressionando sua boca na dela uma, duas, três vezes. Deus, ele não poderia - nunca poderia - se cansar de seus doces lábios. — Nunca duvide do meu amor por você, Georgie. Eu voltarei. De uma forma ou de outra, voltarei para você e encerrarei as ameaças contra você. Não vou parar até que você esteja segura.
Sua mão deslizou entre eles, seus dedos se curvando ao redor de seu comprimento. Não demorou nem mesmo meio fôlego para ele endurecer sob seu toque hesitante enquanto ela o agarrava e acariciava.
— Se você precisa me deixar, — ela murmurou, — então o mínimo que você pode fazer é compensar o tempo que estarei sem você.
Em um movimento rápido, ele a pegou e a rolou de costas, prendendo seu corpo delicioso sob o dele. Isso era o que ele precisava, se perder dentro dela. Para amá-la. Seu pênis estava pronto, posicionado em sua boceta. Seus dedos mergulharam em suas dobras, e ela estava molhada. Gotejando. Para ele.
Foda-se, sim.
Ele a beijou, afundou a língua nas profundezas sedosas de sua boca e se afundou dentro dela mais uma vez. Isso teria que durar. Esta marca de sua pele sobre a dele, a sensação quente e apertada de sua vagina dando-lhe as boas-vindas, teria que carregá-lo pelos dias mais sombrios que viriam.
E teria que fazer o que fosse necessário para protegê-la.
Para salvá-la.
Inferno, quem ele estava enganando? Para salvar ambos.
Pouco antes do amanhecer, Georgiana acordou, sacudida do sono por um pesadelo em que assistia Kit navegando para longe dela em um navio que começou a afundar no oceano. Não importa o quanto ela o chamou ou o quão desesperadamente ela tentou alcançá-lo, ele nunca olhou para ela. Ele simplesmente continuou desaparecendo nos mares, até que as águas escuras o engoliram.
Quando ela se esticou sobre a cama para encontrar sua presença reconfortante, para se assegurar de que tudo não passara de um sonho aterrorizante, sua mão se conectou com a roupa de cama fria e amarrotada.
Kit se fora.
Cinco dias depois, Ludlow mostrou a ela um anel que havia sido escondido na pessoa de um homem que esteve por trás do último atentado contra sua vida. Pertencia a sua madrasta, dado a ela pelo pai de Georgiana, e era inconfundível, com um diamante e rubi distinto e uma gravação no lado interior.
Para minha querida, Josephine.
Naquele momento, Georgie soube que ela estava certa e, ao mesmo tempo, muito errada.
Ela olhou para Ludlow, sua mente feita.
— Estou indo para Nova York e você não pode me impedir.
Ele inclinou a cabeça.
— Eu nem sonharia em impedi-la, Sua Graça, mas certamente posso acompanhá-la.
Capítulo 23
Cidade de Nova York
Uma maldita semana.
Esse foi o tempo que Kit levou para localizar a Sra. Robert Dumont. Foi o intervalo de tempo interminável desde que ele deixou a cama de sua esposa adormecida em Londres para começar sua jornada através do Atlântico. Fazia quanto tempo ele tinha visto seu lindo rosto, caído nas profundezas de seus olhos esmeralda, desde a última vez que ele beijou seus doces lábios e se perdeu dentro de seu corpo delicioso. O tempo desde que disse a ela que a amava e agora.
Depois de finalmente encontrar a madrasta de Georgiana, o próximo tempo que ele mediu sua vida foram seis malditas horas.
Esse foi o período de tempo que Kit ficou trancado dentro de uma sala escura, amarrado de costas a uma mesa com nós tão apertados e precisos que escapar era impossível, e suas mãos e pés estavam dormentes. Ele poderia dizer quantas horas se passaram graças aos confiáveis tique-taques de seu relógio de bolso, audível no silêncio assustador de sua tumba atual.
Depois que ele acordou com a cabeça latejando, graças ao bastardo invisível que o espancou por trás no indefinido prédio marrom e vermelho, onde inesperadamente descobriu sua presa, ele teve muito tempo para refletir sobre caprichos como o tempo.
E vida.
E morte.
Ele sobreviveu a muitas missões ao longo dos anos como agente da Coroa. Mas esta era a que mais importava. Das inúmeras missões da Liga ao longo dos anos, o resultado desta missão era o mais importante.
Se ele falhasse, falharia com Georgie.
Georgie.
Doce, inteligente, feroz, adorável e bondosa Georgie.
Durante sua viagem para Nova York, ele estudou todas as informações disponíveis, examinando as evidências de todos os ângulos, e chegou a uma conclusão surpreendente. Sua esposa estava certa.
E se a pessoa responsável pelos ataques contra mim for a mesma que orquestrou sua queda em Nova York? Ela perguntou, e no momento, suas mentes estavam focadas em seu pai. Enquanto seu navio cruzava o mar agitado, a última e mesquinha peça do quebra-cabeça caiu ao seu alcance.
A resposta estava na revelação do rapaz sobre o homem que o contratou para assassinar Georgie em sua cama. Isso 'e trabalhou por um pássaro rico, e ela estava apaixonada por ele.
Na época, ele achou isso desconcertante. Ou que talvez o rapaz ou o homem que o contratou estivessem prevaricando. Talvez até houvesse um intermediário envolvido. Quando todos os sinais apontavam para o pai de Georgie, era uma parte da história fácil de ignorar. Mas enquanto lia e relia as cartas de amor que Ludlow arrancara do bolso do homem morto, ele descobriu que continham segredos codificados.
E teve uma certeza assustadora de que havia uma mulher na vida de Georgie que desejaria seu mal. Uma mulher que escrevera ao amante em Londres dizendo que estava envenenando o marido, que escondera os fundos de que ele precisaria para sua causa, que acabar com o Duque e a Duquesa de Leeds para sempre era a solução final para todos os seus problemas.
Essa pessoa e o autor da carta eram a mesma pessoa. Sua madrasta.
Uma porta se abriu. A sala úmida foi repentinamente iluminada por um raio de luz quando uma figura entrou, carregando uma lanterna. Os pés de botas se aproximaram.
— E o que temos aqui? — O homem perguntou, um ligeiro sotaque ritmando suas palavras. — Poderia ser o poderoso Duque de Leeds, o espião de Sua Majestade?
Kit apertou a mandíbula. Suas horas na escuridão também lhe deram tempo para preparar sua resposta, ou a falta dela. Ele estava pronto agora. Nada o faria se curvar. Ele manteve o silêncio, tornando seu rosto uma máscara inexpressiva.
— Nada a dizer sobre você? — O homem parou a menos de um passo, colocando a lanterna sobre uma mesa.
Embora ele não devesse ter ficado surpreso, um tremor de choque o percorreu antes que pudesse contê-lo. Foi seu informante, o bastardo que o conduziu à sua emboscada. A raiva fria ameaçou dominar seu controle, mas ele lutou de volta.
— Sim, — ele disse lentamente. — Eu sei quem você é. Mas você sabe quem eu sou, Sua Alta e Poderosa Graça?
Kit manteve o silêncio. Havia apenas um número finito de razões para ele estar amarrado a uma maldita mesa, e nenhuma delas era boa. Recusou-se a acreditar que finalmente havia conseguido cair no único arranhão do qual não haveria saída. Mas parecia cada vez mais provável a cada momento.
Quando ele investigou o prédio marrom e vermelho, não esperava encontrá-lo ocupado. Suas fontes relataram que a mulher, que alugou a casa com dinheiro e se apresentou como uma viúva chamada Sra. Montford, não foi vista por vários dias. Seu choque ao encontrá-la dentro foi eclipsado apenas pelo golpe que ele prontamente levou na cabeça.
Ele tinha sido descuidado e tolo, e agora pagaria o preço.
— Meu irmão foi assassinado em um beco de Londres por um duque e um gigante. Pelo menos, foi o que um passarinho me disse. — Os lábios do homem se curvaram. — Você não saberia nada sobre isso, não é?
Puta merda. O que o bastardo fez ao rapaz para fazê-lo cantar?
— Não achei que você gostaria de conversar ainda. — O tom do homem era paternalista, mas continha um fio de aço de violência. Isso era pessoal. — Não tenha medo, senhor alto e poderoso, eu tenho algum incentivo da variedade líquida aqui.
Ele ergueu um jarro acima do rosto de Kit, inclinando o bico diretamente sobre o nariz e a boca. Oh, inferno. A água jorrou suavemente a princípio, com uma pontaria calma. Ele balançou a cabeça de um lado para o outro, prendeu a respiração, mas um homem amarrado só poderia se defender um pouco contra um louco com uma vingança. O filho da puta pretendia afogá-lo.
Lentamente.
Ele inalou água, engasgou-se para respirar. E de algum lugar dentro da casa, um som estranho ecoou, alcançando seus ouvidos. De fato, muito estranho, pois parecia... cachorro latindo.
A passagem de volta através do Atlântico em um navio a vapor, independentemente de quão ornamentadas suas acomodações e quão luxuoso o salão de jantar, quão suntuosa a tarifa ou quão elegante sua cabine, não tinha sido uma viagem agradável para Georgiana. Ela o passou na confusão, presa em um medo paralisante de que ela e Ludlow chegariam tarde demais.
E eles poderiam ter chegado tarde demais. Ela só podia esperar que seu plano maluco funcionasse.
Com a ajuda do Duque de Carlisle e sua obscura rede de agentes da Coroa, eles localizaram o paradeiro de uma Josephine Dumont, atualmente viajando com o nome de Josephine Montford.
Enquanto Georgie esperava o sinal de Ludlow, ela rezou para que Kit não tivesse sido ferido. O Duque de Carlisle havia perdido contato com ele há dois dias, e ninguém sabia onde ele poderia ser encontrado. Se de fato ele pudesse ser encontrado.
Não, ela se recusou a pensar nisso.
Havia apenas uma resolução que ela aceitaria. Apenas uma que consideraria. Ele seria encontrado, e estaria seguro, e ela o arrastaria de volta para Londres, onde Lady o cobriria alegremente com pelo branco, e eles viveriam o resto de seus dias no amor e na felicidade, cercados por seus resgatados.
De sua posição do outro lado da rua, Ludlow deu um aceno brusco finalmente. Georgiana colocou os nós dos dedos na porta e bateu com toda a força. Previsivelmente, ninguém apareceu na porta. Ela bateu com mais força, anunciando-se. Ela precisava conseguir entrar e distrair a madrasta para que a polícia pudesse cercar a casa sem colocar ninguém em perigo.
— Josephine, eu sei que você está aí dentro. É Georgiana. — Ela bateu com mais força. — Josephine! Por favor, preciso falar com você.
A porta se abriu e ali, finalmente, estava sua madrasta. Ela não se parecia com a mulher de olhos brilhantes e elegantemente vestida que Georgiana vira pela última vez antes da partida de seu pai e ela para Nova York. Em vez disso, seu cabelo castanho estava marcado com mechas cinza. Hematomas roxos opacos marcavam a pele sob seus olhos, sugerindo falta de sono, e seu vestido de lã era cinza e normal, sua expressão comprimida.
Seus lábios se curvaram.
— Como você me encontrou aqui?
— Fui para a Quinta Avenida, Josephine, — ela mentiu. — Eu estava procurando por meu pai, mas em vez disso tudo que encontrei foi uma casa sem todos os objetos de valor. Contratei um detetive Pinkerton, e ele me trouxe até você.
Os olhos de sua madrasta se estreitaram.
— Seu pai está morto. Ele nos fez mendigos jogando tudo o que tínhamos, e agora eu não tenho nada além deste teto sobre minha cabeça, protegido com os mesquinhos fundos que eu poderia esconder antes que os credores dele invadissem como abutres para reivindicar tudo.
Georgiana levou a mão ao coração palpitante. Embora ela não tivesse um relacionamento amoroso com seu pai, saber de sua morte ao chegar a Nova York foi um choque. Meu pai está morto porque você o matou, ela desejou dizer, sabendo que era a verdade. Cada palavra de seus lábios é uma mentira desprezível. Mas ela teve que pisar com cuidado, para atuar como se fosse uma atriz nascida no palco. Tudo dependia disso. Ela precisava encontrar Kit, e o tempo estava acabando.
— Josephine, eu sinto muito. Talvez eu possa ajudar. Posso entrar?
Os olhos de Josephine brilharam, uma expressão estranha e predatória cruzou seu rosto por um momento antes de ela afugentá-la e substituí-la por tristeza fingida. Ela segurou a porta aberta e deu um passo para trás.
— Entre, filha querida. Minha casa é sua casa.
Os pelos em seu pescoço eriçaram quando ela cruzou a soleira, sabendo que estava o mais perto que já tinha estado do puro mal. Saber que deveria perseverar. A porta se fechou atrás dela. Ela caminhou mais para dentro da casa, mantendo-se de costas para Josephine o quanto ela ousou, apenas quatro passos. Ela precisava proceder de acordo com o plano, para garantir que Josephine permanecesse perto da porta.
Ela girou, encarando a mulher.
— Eu quero ajudar você, Josephine. Posso fornecer fundos, seja o que for que você precise. Como esposa de meu pai, você não deve ficar sem. Lamento que ele tenha traído você desperdiçando a fortuna do tio George, mas se houver alguma maneira de eu ajudar, é o que desejo.
A mão de Josephine deslizou para dentro de sua saia e ela retirou uma pequena pistola, apontando-a para o coração de Georgiana. Georgiana se acalmou, respirou fundo e ergueu as mãos. Aqui estava a aposta final. Se sua madrasta escolhesse puxar o gatilho aqui e agora, seu plano iria falhar. Mas ainda havia a chance de que Kit pudesse ser salvo, e isso era tudo o que importava.
— Você pode me ajudar morrendo, — Josephine cuspiu, o ódio emanando em ondas tangíveis. — Sua garota estúpida. Você sabe que há meses venho tentando arranjar sua morte? E por meses falhei! Agora, aqui está você, como um cordeirinho gordo na minha sala, vale muito mais para mim morta do que estando viva.
— Receio que não seja verdade, — disse Georgiana. — Talvez você não tenha lido os documentos deixados pelo tio George com o devido cuidado. Eles afirmam claramente que se meu pai falecer antes de mim, no caso de minha morte, todos os bens remanescentes atribuídos a mim reverterão para o estado de Nova York, para serem dispersos em obras de caridade.
Foi um blefe. Mas a chance de a própria Josephine não ter lido os documentos era forte, e Georgiana sentiu que valia o risco.
Josephine ficou pálida.
— Reverter para o estado para caridade? E quanto a mim? Devo ficar sem nada quando seu pai nos levou à falência antes de morrer?
Georgiana continuou a dirigir um olhar implacável para a madrasta.
— Qual é a sua ligação com os fenianos?
Josephine deu uma risada amarga.
— Eu suponho que posso muito bem te dizer agora. Não tenho mais nada a perder, então se você acha que vai sair por esta porta e ir correndo para o chá, você está errada. — Ela fez uma pausa, considerando Georgiana. — Se você quer saber, eu me apaixonei por Jack em Londres. Ele era elegante e jovem, e tudo o que Robert não era. Os parentes de minha mãe vêm da Irlanda, sabe, e quando Jack me contou sobre sua causa, eu sabia que poderia ajudar. Todo aquele dinheiro nas mãos de Robert era um pecado. Ele não precisava disso e certamente não merecia. Ele não me merecia.
— Você está certa, — Georgiana concordou. — Ele não merecia você.
Seu pai tinha sido um homem cruel. Ele negou seu amor a ela toda a sua vida. Ele a tinha usado e menosprezado como lhe agradava. Ele nunca a abraçou ou mostrou sua ternura. Mas ninguém merecia ser assassinado.
— Um pouco de veneno de rato em sua comida todos os dias. — Josephine riu de novo, parecendo perturbada. — Isso foi tudo que precisou. Quase nenhum momento. Ele ficou doente de cama quase todos os dias e era fácil tirar os fundos do banco e doá-los à causa. Isto estava certo. Não me arrependo nem um momento... até que Jack foi morto.
— Por quê? — Georgiana perguntou.
— A causa precisava de dinheiro. Jack precisava disso e eu o amava. Ele me amou. No início, pensei que nossa parte seria suficiente. Mas então, seu pai me disse qual era a sua parte. — Josephine fez uma careta. — Que piada, que erro de julgamento por parte de seu tio estúpido, deixando tanto de sua fortuna para alguma garota tola. Uma noite, seu pai me disse que, se você morresse, o restante do acordo de casamento e todos os fundos designados para seus herdeiros seriam revertidos para ele. O que eu precisava fazer estava claro.
— Meu pai, — ela mordeu fora, porque ela tinha que saber, embora ela não quisesse saber. — Ele foi cúmplice?
Josephine zombou.
— Você não gostaria de acreditar que ele não era? Por que você acha que aprendi sobre os requisitos? Você acha que ele ofereceu isso como conversa fiada?
Georgiana engoliu em seco contra uma onda de náusea.
— Claro. Mas me diga uma coisa, por favor. Como você soube que meu marido estava envolvido no combate aos fenianos?
— Foi surpreendentemente fácil com o dinheiro para molhar as mãos certas. — Josephine zombou. — Os Fenianos Ingleses já suspeitavam de Leeds, e tudo que eu precisava fazer era pagar a um garoto para interceptar sua correspondência e substituí-la por cópias. Eu dei tudo para Jack. Eles sabiam tudo sobre a pequena viagem que ele havia planejado e esperaram até que pudessem se livrar dele. Apenas, o bastardo não morreria.
Georgiana se sentiu mal, mas se obrigou a continuar. Josephine estava em posição. A qualquer momento, Ludlow e a equipe de polícia atacariam.
— Como você pôde fazer isso?
— Oh, olhe para você. — Josephine inclinou a cabeça, considerando-a com uma expressão de desgosto mal disfarçado. — Você é tão...
Mas Georgiana nunca saberia o que sua madrasta estava prestes a dizer, pois, naquele momento, um tiro ecoou. O próprio mundo pareceu explodir quando sua madrasta caiu no chão. No momento seguinte, Ludlow caiu dentro com Alice em seus calcanhares.
O mastim latiu.
— Encontre o duque — Georgiana ordenou a seu cão de confiança. — Encontre-o, Alice!
O nariz de Alice foi para o chão, sua cauda ficando rígida, e ela correu.
A polícia da cidade estava em toda parte, fervilhando. Alice latiu. Ludlow captou seu olhar, assentindo. Algo se passou entre eles, um entendimento em um nível mais profundo que não exigia palavras.
E então, ele acenou com a cabeça.
— Vamos encontrá-lo, Sua Graça.
Kit tossiu e respirou fundo.
Por algum milagre, o suprimento de água do bastardo sádico acabou. E os latidos ficaram mais altos. Mais perto. Junto com os passos. Seu torturador também ouviu a comoção.
— Parece que temos companhia, — seu captor cuspiu. — Que vergonha. Eu queria torturá-lo um pouco mais antes de acabar com você.
O latido ficou mais perto ainda.
E então havia a voz que ele reconheceria em qualquer lugar chamando seu nome. A voz de um anjo. Seu anjo.
— Kit!
O que diabos ela estava fazendo aqui? Ela não sabia do perigo? Pela primeira vez desde que recuperou a consciência horas antes, as emoções que ele havia contido com sucesso o assaltaram.
Pânico.
Medo.
Meu Deus, ele estava indefeso, inútil e incapacitado. O louco determinado a afogá-lo lentamente até a morte estava armado. Não havia nenhuma boa opção disponível para ele, exceto uma.
— Kit! — Sua voz, bonita e clara, soou do outro lado da porta. Um coro de latidos se seguiu.
Doce Jesus, era possível? Ele até reconheceu aquele latido. Alice. Como em nome de tudo que era sagrado?
— Que diabos? — Rosnou o homem.
Kit respirou fundo, estremecendo, e berrou com toda a força.
— Georgie! Caia fora daqui! Proteja-se!
O rosto torto de seu captor pairou sobre o seu, e foi quando ele viu o brilho de uma lâmina perversa, erguida e pronta para atacar.
— Parece que vou mandar você para o inferno um pouco mais cedo do que o planejado.
No momento seguinte, a porta se abriu de repente e um lampejo de pele latindo e rosnando se lançou para dentro da sala. O choque atingiu as feições de seu captor quando a cadela se lançou sobre ele. Ele teve um vislumbre dos dentes afiados do mastim enquanto ela mordia com força o braço do homem.
A faca caiu no chão quando seu captor gritou de dor.
— Boa menina, Alice!
Uma rajada de passos soou, junto com uma onda de vozes. A pequena sala de repente se encheu de corpos em movimento. Policiais, ele percebeu, e... droga, aquele não era o mordomo que ele espionou?
— Abaixe-se!
— Prenda-o!
Mas Kit se concentrou na única voz que queria ouvir e no único rosto que queria ver. De sua esposa. Ela correu em direção a ele, jogando-se sobre ele, cobrindo seu rosto com beijos.
— Kit! — Ela gritou. — Você está machucado? Diga algo.
Obrigado, Cristo. Ele fechou os olhos por um momento enquanto o alívio se desenrolava dentro dele, quente e reconfortante, junto com a onda de amor mais feroz que ele já conheceu. Ela o salvou. Seu anjo vingador, ele emendou, e era apropriado que ela tivesse vindo armada com um de seus amados cães.
Tinha acabado.
Ela estava segura.
— Kit — disse Georgie de novo, o medo colorindo sua voz enquanto chovia beijos em sua testa e nariz. — Você não vai falar, por favor?
— Eu amo você, Georgie — disse ele, abrindo os olhos novamente para encontrar o lindo rosto dela pairando sobre o dele. Ela era tudo que ele podia ver, tudo que ele queria ver. Para sempre.
Um sorriso cegante curvou seus lábios.
— E eu te amo, Kit.
Eles estavam seguros finalmente.
Tudo estava certo em seu mundo.
Epílogo
Londres, 15 de outubro de 1881
O Duque e a Duquesa de Leeds anunciaram a criação de um lar para animais resgatados. Sua Graça, que morou em Nova York, é conhecida como a herdeira da fortuna da Western Star Linha de Trem, e se tornou uma campeã na luta pelas criaturas abandonadas. A casa é amplamente considerada a primeira de seu tipo, com muitos mais a seguir.
New York, 19 de outubro de 1881 - A desonrada, Sra. Josephine Dumont, tendo convalescido de um ferimento a bala, atualmente, aguarda julgamento juntamente com o Sr. Sean McGill pelo assassinato de Mr. Robert Dumont e vários outros encargos que correspondam a cumplicidade aos fenianos. As provas contra a Sra. Dumont e o Sr. McGill são volumosas e devem levar a outras prisões na cidade de Nova York, Londres e Liverpool...
Relatado no The New York Times
Georgiana agarrou-se ao amado calor da mão do marido enquanto ele a guiava pela Leeds House, a caminho da surpresa que ele tinha preparado para ela. Com a venda que ele gentilmente amarrou sobre seus olhos firmemente no lugar, ela não podia ver nada abençoado. Ela se sentia como uma toupeira, tateando o caminho através de uma camada subterrânea.
Uma toupeira bem-amada e estimada, com certeza.
No último ano, ela se tornou esposa e duquesa. Ela havia se apaixonado perdidamente pelo marido, aprendera como era precioso e maravilhoso ter seu amor correspondido em igual e ardente medida. Ela tinha ficado mais forte, mais sábia, tinha aprendido a deixar o passado para trás e avançar para o futuro brilhante que esperava por ela e Kit. E ela tinha acabado de descobrir nas últimas duas semanas que seu amor e seu mundo estavam prestes a crescer para o tamanho de uma criança pequena.
Ela ainda não tinha contado a Kit, mas tinha toda a intenção de fazê-lo hoje, depois da surpresa dele. A mulher que ela era agora, vestida com um corpete azul marinho e calças esvoaçantes - um conjunto que custou uma pequena fortuna, mas que lhe permitiu trabalhar com seus animais com liberdade de movimento - estava feliz. Sua felicidade era uma coisa flutuante e bonita dentro de seu peito que a fazia se sentir simultaneamente como se tivesse entrado em um conto de fadas e como se não pudesse respirar.
Seu espartilho estava apertado, mas não muito apertado.
Na verdade, era seu amor pelo homem ao seu lado que a fazia sentir-se meio tonta.
O estranho alto, magro e elegante com quem se casou e passou a amar. O Duque de Leeds ainda era mais bonito do que a maioria das mulheres, todos os ângulos severos, forte simetria e presença dominante. Ele tinha sobrancelhas fortes, um nariz aristocrático, lâminas no lugar das maçãs do rosto, uma mandíbula larga e rígida, e os lábios mais perfeitamente esculpidos que ela já vira em um cavalheiro.
Ela o amava mais do que jamais imaginou ser possível.
Mesmo assim, ao bater com o joelho em um móvel e depois bater com o cotovelo em outro objeto invisível, sua paciência se esgotou.
— Kit, quando posso remover esta venda? Sou como um morcego, batendo as asas cegamente nas coisas.
— Você tem uma terrível falta de graça, meu amor, — ele concordou, e havia um sorriso em sua voz.
— Seu canalha, — ela disse sem calor, pois adorava sua natureza provocadora. Era muito mais fácil de suportar do que seu mau humor, embora, como sua esposa, ela o amasse tanto quanto o amava quando era bobo.
— Você ama esse canalha, — disse ele rapidamente.
— Claro que amo. — Ela sorriu. — Mas, decididamente não amo bater nos móveis. Quando posso tirar essa venda infernal?
— Na hora certa.
— Eu me sinto terrivelmente nua sem minha habilidade de ver, — ela reclamou, e então corou quando percebeu o que havia dito e como soou perverso.
— Estranho você dizer isso, — ele murmurou em seu ouvido então, seus lábios a roçando enquanto ele falava. — Eu tenho um desejo secreto de ver você com nada além de uma venda, querida.
Ela estremeceu, uma pulsação em resposta começando entre suas coxas. Talvez a venda não fosse uma coisa tão ruim, afinal. Ela fez uma nota mental para enfiá-la no bolso escondido da calça depois que Kit o removesse.
— Você é um homem mau, — disse ela, sem fôlego.
Ele apertou a mão dela.
— Você gosta que eu seja perverso.
— Eu não teria você de outra maneira, — ela admitiu, seguindo onde ele a levou. Ela o seguiria em qualquer lugar, a qualquer hora. Para a lua se ele apenas pedisse a ela.
Felizmente, ele não tinha uma viagem tão longa em mente hoje. Por fim, eles pararam e seus lábios roçaram sua bochecha.
— Você pode remover a venda agora, meu amor.
Ela soltou a mão dele e estendeu a mão para trás, os dedos desfazendo agilmente o nó que prendia o pano no lugar. Eles ficaram juntos na entrada da sala de jantar, uma refeição enorme colocada na mesa comprida. Dois lacaios de libré completo e seu novo mordomo, Pittston, os aguardavam. Ao observar a cena à sua frente, ela enfiou a venda no bolso para usar mais tarde.
Kit estendeu o braço para ela, e ela notou pela segunda vez naquela noite como ele era muito bonito, com seu cabelo escuro bem penteado e uma barba rebelde sombreando seu queixo. Seu coração palpitou como uma borboleta.
— Minha querida duquesa, você me daria a honra de me acompanhar ao nosso café da manhã de casamento feito novamente? — Kit perguntou com um ar formal, como se eles tivessem se cruzado em um salão de baile pela primeira vez e ele a tivesse convidado para um baile.
Ela ainda podia se lembrar da dança (uma polonesa) daquele dia distante, como ele estava afetado, um mundo longe do homem que agora era dono de seu coração. Georgiana colocou a mão na dobra do cotovelo dele.
— Claro, meu querido duque.
Tocada por seu esforço para cortejá-la de uma forma que não fizera na primeira ocasião do café da manhã de casamento, ela não percebeu, até que se sentou, que a variedade de pratos dispostos em esplendor elegante diante dela era quase inteiramente a mesma, até as aspics11 perfeitamente formadas.
— Você recriou nosso café da manhã de casamento, — disse ela, maravilhada ao ver a variedade de pratos que havia escolhido.
— Sem as ortolãs12, — disse ele, um rubor invadindo suas maçãs do rosto salientes. — Eu sei que você não suportaria comê-los mais do que agora.
— Eles foram escolhidos por meu pai, — disse ela.
— Exatamente como eu suspeitava. — O sorriso de Kit era suave, quase infantil em sua ânsia de agradá-la. — Nosso café da manhã de casamento nunca foi para ele. Foi para nós. Mas como eu senti falta, achei que seria apropriado que pudéssemos desfrutar juntos agora, assim como deveríamos ter feito há quase um ano.
Lágrimas picaram seus olhos com seu gesto. Todos os detalhes estavam corretos - cada prato que ela escolhera, desde as entradas quentes até a salada de lagosta, estava preparado esperando por eles, mais como um banquete do que como um evento sóbrio com vários pratos. Ela não poderia ter pedido uma surpresa mais perfeita ou um marido mais perfeito.
— Oh, Kit. Eu te amo muito, homem maravilhoso.
— Eu te amo, minha Georgie. — Ele levantou uma sobrancelha e deu a ela um meio sorriso.
Os criados ofereceram a cada um deles um prato carregado de iguarias, começando pelas entradas frias. Lá estava, finalmente, a salada de lagosta que Georgiana havia pedido com Kit em mente, a mesma salada que ela não estava disposta a comer depois da maneira como ele partiu.
— Les Salades de Homards, — Kit entoou. — A infame salada de lagosta.
Ela ergueu uma garfada como se fosse uma saudação.
— Para você, meu amor.
Ele copiou seu gesto.
— Não, para você, querida, com minhas mais humildes e sinceras desculpas por ser um idiota da primeira vez.
Os dois provaram seus pratos ao mesmo tempo.
E foi... definitivamente não delicioso. Era mole e frio e tinha gosto de mar, encharcado em um molho de vinagre potente demais. Ela mastigou lentamente, esperando que a salada pudesse ter um sabor mais profundo ou uma nota de decadência que surgisse quanto mais tempo se deixasse cair no palato.
Mas, mais uma vez, ela estava condenada a sofrer uma decepção.
Georgiana fez uma careta de desgosto que se dissolveu em um ataque de riso quando percebeu que seu marido tinha uma expressão correspondente de desgosto mal disfarçado.
— Não é muito bom, não é?
— Não, meu amor.
Eles sorriram um para o outro.
— Todo esse tempo me ressenti por você não ter ficado para comer a salada de lagosta, — disse ela em um ataque de riso.
— E não foi nada bom de qualquer maneira, — ele terminou por ela, rindo também.
Quando a leviandade mútua finalmente diminuiu, Georgiana encontrou o olhar cintilante do marido, sentindo uma onda derretida de antecipação percorrê-la com a ternura com que ele a olhava agora.
— Nunca foi sobre o café da manhã do casamento ou o menu que eu preparei ou sobre qualquer um dos pratos que foram servidos.
Ele ficou sério.
— Eu sei, amor.
— Era sobre você. — Ela baixou o garfo para o prato, sem desviar os olhos dos dele. — Sempre foi só sobre você.
— Ficarei feliz em passar o resto de nossas vidas lhe compensando, — prometeu com uma intensidade que não deixou dúvidas sobre a veracidade de suas palavras.
— Oh, Kit, — disse ela com um suspiro, sentindo uma pontada de lágrimas de felicidade e piscando furiosamente para mantê-las afastadas. — Você faz. Seu amor é tudo que preciso.
— É seu, meu amor. — Ele estendeu a mão sobre a mesa, capturando a mão dela com a sua e levando-a aos lábios para dar um beijo reverente em seus dedos. — É seu sempre e para sempre.
— Eu te amo, — ela sussurrou, não se importando com o público. O contentamento a envolveu como um casulo luxuoso.
Eles terminaram o jantar - exceto a infame salada de lagosta, é claro - e quando finalmente chegou a hora de eles se retirarem da mesa, Pittston em vez disso apareceu, impassível e irrepreensível e em todos os sentidos o oposto de Ludlow, com um anúncio.
— Sua Graça, a carruagem foi preparada, como você solicitou.
Kit assentiu.
— Bom homem, Pittston. O que dizer da Lady?
— O felino está abrigado na mala especial de gato de Sua Graça e aguardando sua partida. — Pittston fez uma reverência perfeita e desapareceu.
Georgiana se virou para o marido.
— Para onde, em nome de Deus, podemos ir com a Lady?
Os olhos de Kit brilharam.
— Você verá, minha Georgie.
— Eu deveria saber que você não poderia deixar a coisa em sua gaiola onde ela pertence. — Kit sorriu para Georgie enquanto a carruagem percorria as ruelas de Londres até o destino de sua última surpresa da noite.
Sua esposa deu a ele um olhar que ele reconheceu bem. Ela parecia mais régia do que uma rainha, vestida com suas melhores roupas de noite - Jesus, ele amava a maneira como seus quadris ficavam nas calças que ela usava - uma gata branca fofa e ronronante no colo. Seu coração se apertou só de olhá-la, e ele não conseguia imaginar como diabos um miserável idiota como ele tinha a sorte de chamá-la de sua.
— Primeiro, você sabe tão bem quanto eu que o nome da coisa em questão é Lady. — Ela franziu os lábios daquele jeito que nunca deixava de fazê-lo querer beijá-la. — E, em segundo lugar, agradeço que você se refira ao transporte dela como uma mala de viagem em vez de uma gaiola. Não há nada parecido com uma gaiola nisso.
Além de seu sabonete anti-pulgas de lavanda, sua duquesa também tinha inventado uma mala engenhosa e modificada que apresentava uma parte inferior robusta e uma parte superior aberta emoldurada para que os gatos que nela viajassem pudessem tomar bastante ar fresco. Ela nunca parava de surpreendê-lo, embora gostasse de provocá-la pela reação inevitável que sempre gerava. Georgie em alta indignação fazia seu pau estremecer toda vez.
— É uma invenção maravilhosa, — ele a elogiou suavemente, estendendo a mão para apertar seu joelho, facilmente encontrado dentro da seda libertadora de suas calças.
— Você me inspira, Georgie Leeds.
Um sorriso suave curvou seus lábios generosos.
— Obrigada, meu amor. Você me inspira também. Não posso deixar de pensar que trabalhar com o Escritório para treinar novos agentes será a escolha ideal para você.
Depois do que aconteceu na cidade de Nova York, ele decidiu renunciar à sua comissão na Liga. Georgie - e os filhos que eles teriam juntos - eram seu futuro agora. O Duque de Carlisle, em uma rara demonstração de coração, ofereceu-lhe o posto de treinar novos agentes nas artes físicas, e ele aceitou com gratidão. Era uma maneira de preencher a lacuna entre sua vida antiga e a nova, sem colocar Georgie e sua futura família em risco.
— Espero estar bem preparado para a tarefa, — disse ele simplesmente.
— Disso eu não tenho dúvidas. — Georgiana acariciou o pelo de Lady. — Você acha que Ludlow ficará feliz em seu novo cargo? Pittston é adorável, mas às vezes sinto falta da brusquidão de Ludlow. E Pittston se recusa a cuidar dos liliputianos. Ele diz que eles estão sujos.
Ah, Georgie e seus malditos ratos. Kit há muito desistira de tentar convencê-la a enviá-los para outro lugar. E até ele tinha que admitir que os pequenos mendigos eram fofos. Mas o não-mordomo era um assunto totalmente diferente.
Com o perigo e as ameaças contra Georgie vencidos e Kit retirado da Liga, Ludlow não era mais necessário em seu posto. E, na verdade, ele não era adequado para servir como mordomo. Kit não lamentou ver o homem partir, mas nutria um respeito relutante por ele. E ele estaria para sempre em dívida pelas muitas vezes que salvou Georgie.
De sua parte, Georgie mandou a montanha embora com seu gatinho favorito como presente de despedida, o gatinho de listras brancas e pretas, chamado Sherman. Embora Kit se opusesse à separação de seu amado gatinho, ele não negou a ela a oportunidade de dar ao não-mordomo este presente final.
Desde que fosse o último maldito presente que ela lhe desse.
— Ele será tão feliz quanto em qualquer lugar, eu espero, — Kit respondeu a verdade, pois o homem tinha escuridão dentro dele. Mas o não-mordomo não era mais seu problema, e ele estava feliz por isso.
— Eu gostaria de saber para onde ele está indo, — sua esposa murmurou. — Ele parecia muito sério no dia em que foi embora.
Um som de irritação o deixou.
— Georgie, não estou nem aí para onde o homem foi, contanto que ele não fique mais pensando em você.
— Ele é como um irmão para mim, Kit, — ela protestou. — Você sabe que é o único homem que amo, o único que quero.
Ele sabia disso, mas ainda assim o fez se sentir o bastardo mais sortudo da Inglaterra ao ouvi-la confirmar isso. Quando a carruagem parou, ele sorriu para ela.
— Nunca me canso de ouvir você dizer isso, querida. Agora coloque Lady de volta em sua mala de viagem para que possamos desembarcar sem medo de perdê-la.
Ela sorriu de volta para ele, prendendo Lady na engenhoca com facilidade.
— Você não vai me dizer onde você me trouxe e por que foi necessário que Lady viesse também?
— Você verá, amor. — Algo flutuante deslizou por seu peito quando ele desceu e se virou para pegar a valise dela antes de lhe oferecer a mão. Excitação, ele percebeu. Deus, ele esperava que ela não ficasse desapontada.
Ela desceu, seu olhar curioso deslizando por ele para pousar no edifício de tijolos muito alto em suas costas. Uma carranca perplexa juntou suas sobrancelhas antes de olhar para ele.
— Que lugar é esse, Kit?
Ele sabia o que estava atrás dele. Era um edifício imponente em um bairro elegante. Embora precisasse de alguns reparos, era o local e a estrutura ideal para o que ele tinha em mente.
— Venha para dentro e eu vou te mostrar.
Ele a conduziu pela calçada até o saguão da frente do prédio, acendendo os lampiões a gás para iluminar a sala. Estava vazio, e este, junto com todos os cômodos do prédio, estava em estado de construção.
Kit colocou a valise no chão e soltou Lady, que começou a inspecionar provisoriamente seu novo ambiente.
— Este prédio é seu, Georgie. Sei que não é muito no momento, mas meus funcionários estão ocupados reconfigurando os quartos para que possamos abrigar adequadamente o maior número possível de cães e gatos.
Ela ficou em silêncio, olhando ao redor, e ele não sabia se ela estava satisfeita ou horrorizada com o que ele tinha feito.
— Georgie, amor? — Ele caminhou até ela, tomando-a nos braços. — Fale comigo. O que você acha? Você pode organizar os quartos ao seu gosto, e todo o edifício e sua gestão são exclusivamente seus. Nomeie como quiser. Faça o que quiser com ele.
Finalmente, ela encontrou seu olhar, as lágrimas brilhando em seus olhos esmeralda. Ela pressionou uma mão pequena e macia em sua bochecha.
— Oh, Kit. Você fez tudo isso por mim e nossos animais?
Nossos animais.
Sim, ele gostou muito do som disso. De finalmente ser um time com sua esposa. Juntos, eles eram um.
— Eu fiz isso por nós, — ele disse suavemente. — E também, porque quero meu quarto matinal e meu quarto de volta. Sem falar na biblioteca, que mais uma vez está abrigando um número exagerado de felinos.
Ela riu, e foi o som mais lindo que ele já ouvira.
— Obrigada, meu amor. Isto é perfeito! Perfeitamente maravilhoso, assim como você.
Ele não pôde resistir a esmagar a boca dela sob a sua, beijando-a plena e profundamente. E ela o beijou de volta, dando um suspiro doce de contentamento feminino que ele sentiu em suas bolas.
Esta mulher.
Ela o desfez.
Ela o fez inteiro.
Mas havia mais uma surpresa para esta noite, e era dela. Ele não podia esperar mais um momento para ouvir. Quebrando o beijo, ele a abraçou, pressionando sua testa contra a dela. A mão dele deslizou para a curva suave de seu estômago sob o espartilho, quase imperceptível ainda com sua mudança.
— Quando você estava planejando me contar as boas notícias, minha Georgie? — Ele perguntou ternamente.
Ela se acalmou, olhando para ele para se encontrar presa naquele assustador olhar azul.
— Como você sabia?
— Você não saiu da minha cama por dois meses seguidos, — disse ele com um sorriso malicioso.
Ela corou lindamente, suas bochechas ficando levemente rosadas.
— Nós vamos ter um bebê, Kit. Você está feliz?
Com um grito, ele a ergueu e a girou em um círculo completo. Quando por fim ele a colocou suavemente de volta em seus pés, ele a beijou profundamente e então olhou para a mulher que amava, a mãe de seu filho.
— Estou mais feliz do que mereço, mais feliz do que jamais imaginei ser possível. Eu te amo muito, Georgie. Muito fodidamente.
Ela o beijou novamente antes de se afastar para lhe dar um olhar de repreensão severa.
— Sua Graça, você realmente terá que aprender a moderar sua língua chocante. Do contrário, a primeira palavra de nosso filho será um palavrão.
— Hmm. — Ele a beijou novamente. — Você tem razão, amor. Suponho que teremos de nos ocupar em encontrar outros usos mais eficazes para a minha língua. Você consegue pensar em algum?
Georgie riu.
— Tenho certeza de que posso pensar em alguns...
Quando o duque e a duquesa - com Lady os acompanhando, é claro - finalmente deixaram a visão do futuro Santuário de Animais Leeds, eles estavam de mãos dadas como jovens amantes, seus cabelos e roupas chocantemente despenteados, exibindo sorrisos satisfeitos e combinando.
Scarlett Scott
O melhor da literatura para todos os gostos e idades