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Series & Trilogias Literarias
Londres, 1853
Will olhava a mãe examinar os esforços de sua criada em arrumar seus cabelos, virando a cabeça de um lado para outro, admirando o próprio reflexo. A duquesa lembrou-lhe as borboletas nos jardins de Carrington House. Brilhante e bonita, voando para sempre de uma flor para a outra. Ele ansiava pela sua presença, mas ela estava sempre saindo.
— Isso serve, Ganley, — disse à criada. — Graças aos céus, conseguiu na terceira tentativa. Reze para ter mais cuidado ao estudar os estilos mais recentes. Não posso passar tantas horas, todas as noites, cuidando da minha toilette. Você está dispensada.
A criada, que estava sempre pronta para roubar doces para ele sempre que se aventurava no andar de baixo contra o estrito decreto de seu pai, o duque, fez uma reverência formal. Sua expressão era grave. A repreensão de sua mãe doeu.
— Obrigada, Sua Graça. Vou estudar as revistas de senhoras que Sua Graça me emprestou tão gentilmente esta noite.
— Lembre-se de não dobrar as páginas, Ganley. Não suporto olhar para uma revista que parece ter sido manuseada. A duquesa dirigiu um aceno real à direção de Ganley.
A criada passou por Will segurando as saias, mas ela teve o cuidado de encontrar o seu olhar, e dar uma piscadela que dizia que teria seu doce pronto quando se cruzassem. Ele certamente esperava que fosse um dos bolos de sementes da sra. Rufton. Talvez, até uma torta de requeijão. Seu estômago roncou com antecipação com o pensamento. Seu pai o proibiu de comer doces, dizendo que eles apodreciam a mente e o corpo. Tudo o que foi lhe servido no berçário foram carnes frias e pão duro, a dieta disciplinada condizente com um futuro duque, segundo seu pai.
Will odiava pão e carne fria, mas odiava mais o pai.
— William, querido, — sua mãe disse. — Venha, e me dê um beijo antes que eu saia.
Outro baile, ele supôs. Ou jantar. Ou noite musical. Ou a ópera. Ela estava eternamente indo a algum lugar, e logo estava se despedindo, chamando-o rapidamente antes de sua partida, toda dourada, brilhante e bonita. Ele já sabia ler as horas. Tinha seu próprio relógio de bolso, gravado com um verso em Latim que ainda não decifrara. De acordo com o relógio, ele passava menos de dez minutos com a mãe todos os dias.
Ele não a odiava. Ela não era cruel e nem dura. Nunca lhe disse que era estúpido, pecador ou indigno de ser o herdeiro de um ducado. Não era repressiva ou mandona. Não o forçou a comer carne fria, dormir com apenas um cobertor, e recitar a Bíblia com um tutor que o castigava quando confundia um verso. Mas, também não impediu o pai de fazer todas essas coisas. Tampouco reparava em Will, quando o chamava rapidamente para se juntar a ela enquanto completava sua toillete, apenas para que pudesse desaparecer novamente, tendo comprometido sua obrigação materna.
Não, não a odiava, mas desejava sinceramente que ela se importasse. Perceber que ele era seu filho, e não outro servo para dispensar à vontade, para que pudesse continuar com a próxima rodada de festas.
Obediente, ele cruzou os tapetes macios para chegar até ela, entrando em seu círculo encantado apenas por um momento. Ela se inclinou para beijar sua bochecha. Seu perfume o envolveu com tanta força que ele espirrou.
Ela se afastou, um olhar de horror estragando suas feições enquanto inspecionava seu corpete.
— William, dê uma olhada no que você acabou de fazer. — Seu tom era chocado.
Manchas de sua saliva manchavam a seda e o laço impecáveis de seu vestido rosa.
— Rezo para que me perdoe, mãe, — desculpou-se.
— Agora terei que chamar Ganley de volta e chegarei atrasada ao baile de Featherston, seu menino terrível e descuidado. — Sua voz estava estridente em sua raiva.
Ele estremeceu.
— Sinto muito pela minha imprudência.
— Desculpas não arrumarão o meu vestido. Você entende? — Ela agarrou-lhe pelos ombros, sacudindo-o. — Tome cuidado. Você estragou tudo. Você sempre estraga tudo!
— Eu sinto muito, — disse ele novamente, seus dentes batendo sob a força de sua violência. Pensou, então, no que pretendia dizer a ela, no que planejara o dia todo. — Por favor, mãe. Encontrei um filhote e pretendo mantê-lo, mas meu pai não permitirá. Você pode dizer ao pai para me deixar ficar com o filhote? Eu o chamei Ferdinand.
Ela o largou, fazendo um som de nojo.
— Você estragou meu vestido, e tudo em que pode pensar é em si mesmo. Saia da minha vista. Não tenho mais paciência para você esta tarde.
— Mas, mãe...
— Vá embora! — Gritou, seus olhos escuros de fúria. — Vá, eu disse!
Will fez uma reverência e saiu do quarto. Conhecia melhor do que podia se lembrar quando sua mãe estava de mau humor. Saindo para o berçário, ele foi com a Srta. Greenley. Ele lavou o rosto e atrás das orelhas, e fez suas orações antes de se deitar na cama para um sono inquieto. Quando acordou na manhã seguinte, o filhote estava morto aos pés da sua cama.
01
Inglaterra, 1877
Victoria acordou com inconfundíveis sons de passos se aproximando de sua cama. Estava terrivelmente escuro no seu quarto, e não podia ver uma bendita coisa. Seu coração disparou em um ritmo frenético, ameaçando galopar de seu peito. Enquanto o horror a agitava, ela pegou a arma mais próxima, que acabou por ser o romance que estava lendo mais cedo. Felizmente, este tinha peso suficiente para causar danos. Abençoadamente, loquaz companheiro, este Dickens. Quando o agressor invisível se aproximou de sua cama, ela o atacou precisamente em sua direção.
Pawww. Deu um golpe satisfatório no que esperava ser o rosto do canalha. Como alguém ousava ter a insolência de abordá-la, a condessa de Pembroke, em sua cama? Teria o mundo se transformado completamente num canil?
— Droga, mulher, — veio um rosnado masculino através da escuridão. — Eu acho que você quebrou meu maldito nariz.
Meu Deus, conhecia aquele rosnado, conhecia melhor que sua própria voz. Pouco importava que ela não o ouvia há meses. O timbre aveludado não mudou nada. Nem teve seu efeito indesejado sobre ela.
— Pembroke? — Perguntou, embora não precisasse. — É você?
— Seu como sempre, senhora. — A voz estava agora abafada, embora soasse como escárnio. — Apesar de não ser exatamente o acolhimento que esperava.
— Você não era esperado, — ela apontou, fazendo um esforço concentrado para reprimir a súbita onda de emoção confusa que sua aparição provocou. Não podia permitir que ele visse o quanto a afligia.
— Absurdo. Moro aqui.
— De fato. — Ela cruzou os braços e olhou-o fixamente, buscando a dor e a raiva que ele tinha causado. À luz da lua, podia discernir apenas a sua silhueta larga, e como desejava poder ver mais. — É possível que você tenha estado escondido nas cozinhas com a sra. Rufton nos últimos meses?
— Quando você adquiriu uma língua afiada, minha querida?
Ele pareceu surpreso com a sua ira, o malandro. Esperava ter quebrado o nariz dele. Seria uma punição adequada, uma merecida imperfeição para prejudicar a beleza masculina de seu rosto.
— Pode-se realizar qualquer número de atividades enquanto se está abandonada no campo. — Suspirou. — Você não pode pelo menos acender uma das lâmpadas? Não gosto de estar em desvantagem para o meu inimigo.
— Palavras duras para seu marido. Nem mesmo um comentário gentil ou um beijo de seus lábios adoráveis? Houve um som arrastado quando presumiu que ele tentava acender as lâmpadas de gás.
Que ele estivesse brincando em tal momento de tumulto a enfureceu. Não tinha sentimentos? Nenhum remorso? Nenhum indício de como a derrubou como se ela não fosse melhor do que uma parede de jardim em ruínas, deixando-a cultivar líquenes e musgos em sua vasta propriedade? Ser ignorado era a forma mais grave de insulto, pois mostrava ao mesmo tempo uma incrível falta de compaixão e de sentimento. Ela deve ter significado menos do que nada para ele.
— É mais provável que você receba um beijo da Sra. Morton — ela disse.
— Quem diabos é a Sra. Morton? — A luz voltou à vida, tornando visível o marido ausente.
Ele estava bonito como sempre, o patife podre, com grossos cabelos cor de mogno usados um pouco longos demais, olhos azuis, um pouquinho de bigode que sombreava sua mandíbula forte e ossos altos das bochechas. Um pouco do gelo dentro dela derreteu, apesar de sua firme determinação de permanecer insensível. Ele tinha tido o mesmo efeito sobre ela desde o momento em que o vira pela primeira vez, e eram em partes iguais vertiginosas e irritantes. Não era apenas porque era bonito e charmoso. Havia alguma qualidade indefinida que atraía mulheres, algum magnetismo raro que deixava todas em uma sala cientes dele no instante em que entrava, e isso a irritava em admitir que havia sido vítima do seu carisma também.
Todavia, não mais. Ele ainda roubava o seu fôlego, como havia roubado seu tolo coração. E ela ainda se ressentia por ambos. Parece que pouco mudou, exceto o nível de sua exasperação.
— Sra. Morton é a governanta — explicou-lhe com os dentes cerrados. Ela tomou muito cuidado em levar a manta até o queixo, o melhor para defender-se.
— O que aconteceu com a sra. Grimshaw? — Ele parecia verdadeiramente perplexo. — Não devo tomar conhecimento das mudanças em minha própria casa? Por que diabos o mordomo não me contou?
— Não há mordomo em Carrington House. Como você deve saber, não está aqui há algum tempo. Eu lhe escrevi uma carta explicando que a sra. Grimshaw havia desistido de sua remuneração inesperadamente, e que estávamos precisando de uma substituta. — Ela não conseguiu esconder o desprezo de sua voz. Havia sido instalada em sua casa por meros meses e já a conhecia mais do que ele, que vagou por seus salões e corredores, e pela propriedade por toda a sua vida. Mas, era isso que Pembroke fazia, ela descobriu. Ele se jogou na vida, encantando mulheres, usando sua aparência devastadora em seu favorecimento e ignorando alegremente todas as responsabilidades. — Muito provavelmente, você nunca se dignou a ler.
— Nenhum mordomo? Inferno maldito. — Ele teve a decência de parecer um pouco envergonhado com a revelação. — Receio que meu secretário lide com a maior parte da minha correspondência. Vou chamar sua atenção por não me manter ciente das idas e vindas na propriedade.
— Sim, — ela concordou com fingida doçura, — certamente deveria. Tenho certeza de que não é como se você simplesmente jogasse minhas cartas no lixo no instante em que reconhecesse minha caligrafia.
— Nunca joguei fora nenhuma de suas cartas. — Pembroke franziu o cenho, revelando pequenos sulcos ao lado dos olhos. Certamente a fonte original deles era o riso, pensou, em vez de um desprazer. Um homem de sua natureza passava seus dias em nada além de autoindulgência e pecado.
— Nem respondeu a nenhuma delas. — Nem uma única, abençoada. E ela havia enviado muitas, variando em tom, de educadas a completamente ofendidas. Finalmente, simplesmente parou de escrever, reconhecendo que era um exercício de inutilidade. — Na verdade, acho que você também nunca leu nenhuma delas.
Se a amargura misturava suas palavras, havia uma grande razão para isso. Ela fora bem ensinada por sua mãe a como tratar o marido. Deveria honrá-lo e respeitá-lo acima de tudo. Seus orgulhosos pais, nouveau riche e sem berço o suficiente para a elite dos Knickerbocker em Nova York, fizeram um grande esforço para garantir-lhe um título inglês com sua fortuna. E para eles, essa segurança era motivo de orgulho. O herdeiro do duque de Cranley, o próprio retrato da boa masculinidade inglesa. Sua mãe retornou vitoriosa a Nova York, determinada a conseguir o mesmo para as filhas mais novas.
Victoria fora deixada sozinha, atolada na miséria dos indesejados. Não era mais uma inocente mocinha que acreditava que seu marido se importava se ela respirava ou não. Ele a deslumbrou no salão de baile, e logo a esqueceu no primeiro dia da lua de mel, enquanto voltava para Londres e para incontáveis mulheres escandalosas.
Ele se sentou na beira da cama, e o olhar dela deslizou para as mãos dele. Ela lembrou muito bem como elas fizeram seu corpo se sentir. Mas aquelas mãos a traíram, levando o mesmo prazer proibido a inúmeras outras mulheres no lugar dela. Ele acariciou a linha de sua perna por baixo da manta, e ela se afastou de seu toque.
— Eu tenho saudades de você.
Ela deu uma risada surpresa com esse pronunciamento. Não confiava nele. Nem um pouco.
— Você chegou no meio da noite para me dizer que sentiu minha falta? Certamente pode pensar em algo mais digno de sua lábia do que isso, Pembroke.
Ele deu de ombros como se não tivesse se importado. Talvez não tenha. Afinal, sua vida não passava de uma longa série de bailes, cantoras de ópera e noites encharcadas de uísque. Se ao menos tivesse percebido o tipo de homem que realmente ele era antes de tornar-se sua esposa, teria se poupado de muita dor de cabeça e solidão. Ela estava em um oceano de distância de seus pais e irmãs mais novas, sobrecarregada com o dever de uma mansão grande e negligenciada, e com o conhecimento de que seu marido estava se divertindo com sua vida degenerada na decadente Londres.
— Não fui avisado de que havia regras para entrar na minha própria residência. — Sua mão achou a perna dela novamente e deslizou mais alto, apenas as barreiras da roupa de cama entre eles. Aquela voz era suave, pecaminosa e profunda, lembrando-a de Odisseu e suas sereias. — Eu sei que fui negligente.
Seu toque não lhe passou desapercebido. Ele alcançou a parte interna de sua coxa. Seria tão fácil ceder, permitir que separasse suas pernas, arrancasse as roupas de cama... Ela havia conseguido realizar muitas coisas durante o tempo em Carrington House, mas não tinha sido capaz de tornar-se totalmente resistente à atração ao marido. Mesmo agora, depois de meses de silêncio, enquanto ele a traía com metade das damas de Londres, sua carícia forçou-a a uma rendição indesejada.
Ainda assim, isso não significava que não pudesse lutar contra ele.
Ela deu-lhe um tapa na mão como se fosse um inseto ofensivo.
— Você pode continuar sendo negligente. Não desejo sua companhia agora ou nunca.
Ele deu um sorriso preguiçoso, covinhas enfeitando sua boca esculpida.
— Receio que você esteja prestes a ficar uma quantidade de tempo em minha companhia.
Pembroke era um dos homens mais bonitos que ela já vira em ambos os lados do Atlântico, e a pior parte dessa verdade clara era que ele sabia disso. Ele tinha talento para flertar, por roubar beijos nas penumbras de um baile. Tinha um dom de fazer as mulheres amá-lo. Ele a fez amá-lo, uma vez, embora tivesse feito o seu melhor para enterrar todos os vestígios da emoção indesejável na esteira de sua deserção. Ainda era difícil resistir ao seu charme quando ele se dignou a dobrá-la, mesmo que colecionasse corações da maneira que alguns homens acumulavam livros em uma biblioteca.
— Você voltará a Londres em menos de duas semanas — previu.
— Vou provar que você está errada. — Ele a sobressaltou movendo sua carícia para sua bochecha. Ele nunca, nem mesmo durante o namoro deles, tocou seu rosto. Apenas um golpe lento e deliberado do polegar sobre sua bochecha, seus dedos longos segurando a mandíbula. Quase nada, realmente. Quase nada digno de nota, e ainda assim arranhava o limite cuidadoso que ela criara entre eles.
Ela inclinou a cabeça, cortando o contato.
— O que você quer?
Mas sua mão simplesmente continuou suas viagens suaves para outro lugar. Pela curva da garganta, deslizando para cobrir a base da cabeça. Os olhos dele vasculhavam seu rosto intensamente, como se ela fosse um livro cujo significado de alguma forma lhe escapou.
— Seu cabelo é muito bonito. Já te disse isso?
— Não. — Olhou-o cautelosamente. Houve um tempo em que ela teria recebido bem o elogio, quando ansiava pelo menor gesto. Quando queria ser mais do que a fortuna americana com quem ele se casara. Mas esse tempo terminou. — A bajulação enganosa o levará a tanto quanto viajar em um pônei de uma perna. — Que queria dizer, em nenhum lugar de jeito nenhum.
— O que é uma verdadeira bajulação? — O polegar dele massageou os músculos tensos de seu pescoço em círculos preguiçosos. — Você é adorável. — Sua respiração provocou os lábios dela. Ele se aproximou mais, perto o suficiente para beijá-la, e inclinou-se.
Não. Não permitiria que a influenciasse tão facilmente. Ele não a merecia, o canalha.
— Por favor, não.
Realmente, era muito ruim que ela não tivesse percebido o que ele era, que tivesse sido tão pateticamente ingênua. Ele fez o seu melhor para cortejá-la, como se não fosse sua fortuna que estivesse atrás. Ela sabia diferentemente agora.
— Não, o quê? — Ele chegou ainda mais perto. — Não faça isso? — Pembroke abaixou a boca na dela para um beijo lento e suave. Ele colocou o lábio superior entre os dela, gentilmente a princípio e depois com uma pressão crescente, pegando o lábio inferior entre os dentes e puxando-o. — Ou isso? — Puxou as roupas de cama de suas mãos.
Ela não tinha certeza do que era pior, seus súbitos avanços amorosos depois de tanto tempo em silêncio, ou sua reação traidora. Ele segurou seus seios através do delicado tecido de sua camisola. Uma dor lenta e lânguida deslizou através dela, não importando o quanto tentasse sufocá-la. Cada parte de seu corpo despertou. Ele a apresentou a esse mundo de prazer antes de afastá-la.
— Pembroke, — ela protestou, mas sua voz era vergonhosamente fraca. Amava as mãos dele, sempre amou. O homem terrível sabia o que fazer com o corpo de uma mulher e, embora fosse claramente o resultado de muito conhecimento carnal, ela não podia negar a maneira pela qual esse excesso de conhecimento a fazia sentir. Seus mamilos endureceram.
Ela se forçou a pensar nas mulheres cujos aposentos ele frequentava enquanto esteve ausente. Seus nomes eram uma punhalada para seus sentidos. Lady Lonsdale. A duquesa de Eastwick. Sra. St. Hillaire.
Ele roçou-lhe os lábios novamente, exercendo pressão suficiente para deixá-la faminta por mais. Sabia como beijar, o diabo.
— Você sentiu minha falta? — Sussurrou em sua boca.
Ela engoliu em seco, recusando-se a capitular.
— Nem um pouco.
Afinal, não havia a condessa de Ardmore? Lady Northclyffe também. As fofocas foram mais prolíficas do que uma nevasca de Nova York. A princípio, devorou cada notícia preocupante. Mas tinha sido muito doloroso, e então, interrompeu sua conexão com o mundo exterior, exceto as cartas de sua querida amiga Maggie, em Londres, e de sua família, em Nova York, que continuavam alegremente inconscientes dos pecadilhos do marido.
A boca dele se moveu sobre a dela com crescente insistência. Ele cheirava divinamente. Lady Shillington. A atriz Lillie Longwood. Ela mordeu o lábio dele. Não com força suficiente para sangrá-lo, mas com uma pressão que declarava sua resistência. Ele não podia simplesmente aparecer à noite, com sua boa aparência e seus beijos de derreter ossos, e esperar que ela se curvasse aos seus caprichos. Não, não podia. Ela não era um galho para se curvar ao vento de suas vontades. Era uma mulher. Uma mulher com coração e sentimentos, e que tinha sido curada da ingenuidade com a que se casara.
— Droga! — Ele se afastou um pouco, olhando-a como se fosse uma criatura que ele visse pela primeira vez na natureza. — Você me mordeu.
— Eu mordi? — Ela manteve seu tom leve, despreocupado. — Sinto muito.
— Detecto uma notável falta de sinceridade. — Ele pressionou os dedos na boca antes de olhá-los para inspeção. — Sem sangue, graças a Cristo.
Ela pegou as roupas de cama na mão e as segurou sobre o peito, como se fosse uma armadura.
— Não sonharia em desfigurá-lo. O que pensariam todas as suas amiguinhas?
— Amiguinhas. — Ele olhou-a, sua expressão não revelando nada.
Ele a achava idiota? Bem, talvez não pudesse culpá-lo inteiramente por subestimá-la. Afinal, havia sido enganada por ele antes, e sua própria estupidez ainda a ofendia.
— As mulheres que você tem levado para a cama, — explicou. — Não vou chamá-las de damas. É um título que não merecem, independentemente de suas classes.
— Não tenho amiguinha. Querida, é você que quero.
O pronunciamento ousado enviou uma enxurrada de saudades do tempo passado antes que a reprimisse. Como é que ele poderia tratá-la como se ela não fosse mais importante que uma xícara de chá, e ainda a incendiasse? Felizmente, mesmo que seu corpo e coração fossem traidores, seu bom senso permaneceu.
— Você não pode esperar que eu acredite nesse tipo de coisa.
— Acredite, amor. — Ele apertou-lhe o braço. — Eu vim para você.
Ele viera para Carrington House, sim. Mas suas intenções não eram tão puras como fingiu. Não poderiam ser. Não depois de todo esse tempo, todo esse silêncio. Ela não pôde deixar de se perguntar o porquê, dados os meses intermediários e a falta de notícias, ele aparecia em seu quarto, pronto para seduzi-la como se ela fosse uma de suas prostitutas.
Muito bem, jogaria o jogo dele. Tanto melhor para derrotar seu inimigo.
— Por que, agora?
— Por que não, agora? — E deu-lhe outro beijo enlouquecedor.
Ela rompeu o beijo, as palmas das mãos encontrando os ombros dele, e empurrando.
— Talvez deva repensar sua desfiguração. Não confio em você, Pembroke. Você é um estranho para mim, e certamente não quero seus beijos. Com certeza, há muitas mulheres espalhadas por Londres que estariam ansiosas para recebê-los.
— Não sou tão estranho. Sou seu marido. — Ele deslizou a camisola por cima do ombro. — E acho que seus lábios podem estar me contando uma história, mas seu corpo me conta outra. Você não é tão fria quanto finge, minha garota.
— Você está cinco meses atrasado demais para lembrar que estamos casados, milorde. — Quantas noites ficou deitada sozinha, pensando em seus beijos, em suas mãos, no corpo se juntando ao dela? Demasiadas, para ceder com tanta facilidade, sua consciência a alertou. Ela não queria se tornar sua vítima mais uma vez. — Ou você espera que eu acredite que sofreu um golpe na cabeça e andou vagando por Londres, uma amnésia que lhe deixou sem opção a não ser roubar as calças de todas as mulheres que encontra?
Ele beliscou a curva de seu ombro com os dentes, causando-lhe um arrepio.
— Por causa disso, posso garantir que você está irremediavelmente errada, minha querida. Nunca roubei as calças de nenhuma senhora que eu conhecesse.
Ele não nega seus pecados, mas a tenta com distração e sedução.
— Provavelmente isso é devido a elas não usarem nada, — disse com severa ousadia, sem se importar se o chocou. Que fique chocado. Que fique com raiva. Que ele seja qualquer coisa, menos o patife com quem se casou, todo lindo de rosto e com a sua lábia.
Ele lançou-lhe um olhar divertido enquanto lambia sua pele.
— Você tem o hábito peculiar de espiar por baixo das saias de outras senhoras? Ouso dizer que, se tiveres, posso ficar tentado a assistir.
O homem desagradável. Ela sabia que não poderia chocar alguém com a reputação dele, um homem que pensava que poderia deixar sua esposa juntando poeira no campo enquanto passeava por Londres, apenas para voltar meses depois com mãos rápidas e uma boca pecaminosa.
— Claro que não, seu canalha. — Ela deu de ombros para longe dele. — Se alguém neste quarto gosta de ficar debaixo das saias de outras senhoras, é você.
— Justo. Irei dominar minhas falhas. — Ele parou, capturando o olhar dela. Mesmo depois de tudo o que ele fez, o impacto a deixou sem fôlego. — Eu magoei você.
Pembroke disse isso como se estivesse apenas tomando conhecimento, quase como se o fato de ela possuir sentimentos fosse uma revelação. Talvez ele nunca tivesse pensado nela como uma mulher de carne e osso, com expectativas e emoções. Certamente, teria sido muito mais conveniente para ele dessa maneira.
Claro que ele a magoou. Magoou muito mais do que queria admitir, e muito mais do que admitiria para ele.
— Você me decepcionou, e abusou de mim.
— Sinto muito, querida. — Ele inclinou a cabeça, e beijou o ombro dela novamente.
Ela desejou que o pedido de desculpas não tivesse escapado tão facilmente de sua língua, pois isso apenas enfatizava sua falsidade. Mas ela não era mais a garota com quem ele se casara, ainda era? Estava muito distante da debutante quieta e tímida, que tinha ficado mais aterrorizada sendo a jovem superior de Londres que valia dez mil, do que sendo a frígida de Nova York que valia quatrocentos.
Victoria o deteve novamente.
— Não. Você não deve.
— Ah, mas eu devo. — A boca do marido estava em seu pescoço, beijando uma trilha sobre sua pele nua.
Ela enrijeceu-se. Seu tipo de persuasão era extremamente intoxicante, mas o preço se mostraria caro. Isso era uma característica dele.
— Quando te vi pela última vez, seu tom era bem diferente — lembrou.
— As circunstâncias mudam. — De alguma forma, as roupas de cama haviam se juntado em volta de sua cintura mais uma vez. Ele puxou o tecido de sua camisola, e beijou o caminho até um seio.
— Como podem ter mudado tão rapidamente? — Ela o empurrou, mas ele pegou suas mãos, virando-as para beijá-las. — Você deixou bem claro que não queria uma esposa, e certamente não me queria.
— Eu não fiz isso, — ele zombou. Seus dentes marcaram a linha central sensível da palma da mão dela.
Victoria lembrou-se muito bem da terrível discussão que tiveram antes dele partir para Londres. Suas palavras ainda doíam, mesmo com o tempo que se passou. Casei-me com você porque não tinha outra opção além da penúria. Meu pai exigiu. Eu malditamente nunca quis uma esposa. Cumpri meu dever, e agora vou continuar vivendo minha vida como achar melhor.
O duque de Cranley segurava as cordas da bolsa de Pembroke, ela descobriu depois que as núpcias aconteceram. O duque queria que seu herdeiro se acalmasse, e ele fez o que precisava para garantir que o rebelde Pembroke cumprisse o trato. Cortou sua mesada. Tendo satisfeito a estipulação do velho, Pembroke, mais uma vez, não tinha necessidade de uma esposa indesejada. Ele largou-a no campo, e fingiu que ela não existia.
De alguma forma, tinha sido tola o suficiente para acreditar que era estimada, mas ele tão somente tinha sido bom em manipulação, como também, em conseguir o que queria. Ela implorou para que ele ficasse, e ele olhou-a como se fosse uma peça de mobiliário em seu escritório. Descartável. A lembrança foi como entrar em um banho de água gelada. Ela o empurrou.
— Vá embora, Pembroke.
Ele rolou de costas, seu grande corpo esticado ao lado do dela e deu um suspiro.
—Não posso ir embora. Eu moro aqui.
— Você mora em Londres — ela respondeu.
— Moro onde quer que eu escolha.
Ela supôs que sim. Mas ele escolheu viver o mais longe dela possível. Victoria ajeitou a camisola, e se apoiou no cotovelo para estudá-lo.
— Por que você decidiu voltar para Carrington House? Verdadeiramente?
Ele a trespassou com uma expressão feroz.
— Por que perturbar seu marido com perguntas infames quando ele acabou de voltar para casa? Você não deveria estar muito feliz em me ver?
Victoria o observou, desejando que ele não fosse tão afável, nem tão persuasivo. Nem tão agradável, apesar de seus modos voluptuosos. Seu ar provocante e seus beijos persuasivos eram como vinho. Não se atreveu a beber.
— Não. Ouso dizer que não deveria estar. Se você acha que pode voltar aqui, depois de me ignorar durante todo o nosso casamento, e esperar uma recepção calorosa, você está positivamente fora de si.
— Faz apenas quinze dias ou um pouco mais.
Oh, ele era uma criatura enlouquecedora.
— Faz cinco meses.
— Minha querida. Realmente tudo isso? — O olhar que lhe dirigiu era meio envergonhado.
E então, como um repentino clarão em um quarto escuro, ela se deparou com a verdadeira razão do retorno de seu marido, por sua presença em seu quarto, por seus habilidosos beijos e mãos exploradoras. Seus lábios se apertaram e uma onda de fúria a atingiu com tanta força que seu corpo tremia.
— Você gastou o dinheiro que recebeu no acordo de casamento, não foi?
Ele franziu a testa.
— Claro que não.
Ela não acreditou.
— O duque cortou sua mesada.
— Abaixe sua voz, minha garota. Você terá todos os safados no andar de baixo tagarelando sobre nós.
— Eu não sou sua garota. — Sua indignação aumentou com seu tom blasé. — O único safado nesta casa é você, Pembroke. Agora, deixe-me dormir e encontre seu próprio quarto. Por falar nisso, volte para Londres. Certamente há muitas mulheres esperando por você. Não o quero aqui.
— Ouso dizer que você vai mudar de ideia. Não vamos esticar isto.
Ela rangeu os dentes e pegou o volume de Dickens, segurando-o no alto em promessa ameaçadora.
— Se você não sair imediatamente, darei outra pancada forte no seu nariz com Grandes Expectativas.
Pembroke sentou-se, passando a mão pelos cabelos já desgrenhados.
— Você não faria.
Talvez ela devesse deixar uma mancha preta nos olhos dele enquanto se sentia assim.
— Certamente faria. Agora, saia.
02
bom Deus, isso estava provando ser um desastre total. Havia uma possibilidade muito real de dano corporal nas mãos de sua condessa, que atualmente empunhava um livro de Dickens como se fosse uma espada com a qual pudesse atravessá-lo. Não apenas isso, mas ela achou que pudesse mandar nele, exigindo que deixasse esse quarto que, por direito, era verdadeiramente dele, junto com tudo que havia nele.
Junto com ela.
Jesus, a criatura cuspidora de fogo não era a mulher que deixara no dia seguinte ao casamento. De repente, seu plano parecia muito mais difícil do que supunha, pois tudo fora direto para Hades, no momento que entrou em seu no quarto escuro. A moça quieta que conheceu se transformou em uma guerreira empunhando livros. Talvez estivesse até um pouco louca. Seu nariz ainda doía com a picada de seu golpe inesperado, e achou quase impossível acreditar que ela realmente o tivesse mordido como se fosse um cachorro selvagem.
Claro, que talvez ele não fosse tão diferente de um cão selvagem, porque o mamilo dela o tornara mais duro do que já tinha estado. Embora tivesse feito todos os esforços para afastá-lo, ele não confundiu a reação do corpo dela. Ele também não confundiu a reação do dele ao dela.
Esta noite, a viu de uma maneira que não tinha visto antes. Ele teve um vislumbre de vulnerabilidade em sua expressão desprotegida, antes que ela a afugentasse com desprezo. Mas tinha estado lá, e essa impressão fugaz atingiu-o direto no estômago, enquanto a observava agora. Ela era apenas uma mulher, presa exatamente como ele, mais que um mero peão em sua guerra contra o pai.
A descoberta o abalou de uma maneira que nada mais tinha feito em seus malditos trinta anos de vida. Ela levantou o livro mais alto, como se de alguma forma o ameaçasse, e a ação dissolveu o feitiço que se instalara sobre ele. Deveria ter ficado bem bêbado antes de chegar até ela. Talvez estivesse ficando tão confuso quanto o duque.
— Maldito inferno, mulher, largue o livro, — ordenou. — Vou ignorar o primeiro golpe e até a mordida, mas se você tentar me mutilar novamente, temo que minha paciência com meninas americanas mimadas chegue ao fim.
Mas suas palavras só serviram para irritá-la ainda mais. Suas bochechas ficaram rosadas, seus lábios carnudos se apertando em uma linha sombria. O desejo mais estranho de beijá-los de volta na sua forma natural e flexível o atingiu. Ridículo. Ele não queria essa mulher, essa estranha com uma reluzente cascata de cabelos dourados caindo sobre seus ombros, com seu sotaque de Nova York e o nariz sardento e fofinho. Ele nunca a desejou.
No tempo em que esteve fora, sua mente não voava com frequência para ela. Era verdade o que ela havia dito. Petite souris1, ele pensou quando a viu pela primeira vez em um salão de baile lotado, uma ratinha. Iria brincar um pouco, e depois, abandoná-la. Foi terrivelmente fácil manipulá-la com charme. Mais fácil ainda foi deixá-la e esquecer sua existência, desde que ele se enterrava em todos os tipos de vícios em Londres.
— É mesmo, meu senhor? — Sua voz era gelada como o gelo do lago Wenham. — Que divertido, pois acho que minha paciência com os condes ingleses mimados que nunca souberam o que é um pouco de responsabilidade em suas vidas perdidas também está no fim. Isso significa que você realmente deve ir.
Ela tinha uma coragem, e o traço perverso que sempre o percorria admirava seu bom senso. Mas as palavras dela também tocaram uma veia muito mais sensível dentro dele, a que lutou por anos para aliviar com a distração hedonista. Responsabilidade. Dever. Eram palavras que detestava, palavras que em sua juventude significavam aceitar qualquer abuso que seu pai tivesse escolhido para infligir a ele. É seu dever como herdeiro. Você tem uma responsabilidade. Por um momento, quando o passado ameaçou invadir sua sanidade, jurou que podia sentir a pancada brutal da última bengalada que havia recebido, ouvir o estalo doentio dos ossos. Costelas quebradas eram o diabo de uma coisa.
— Cuidado, querida, — avisou.
Ela o observou, aparentemente avaliando suas opções. O volume de Dickens permaneceu no ar, as bandeiras de sua batalha voando.
— Do que devo tomar cuidado? O que você vai fazer, senhor? Você vai se deitar comigo e depois sair? Você vai me abandonar para apodrecer aqui por um ano? Dez anos?
Ela não tinha noção de quem ele era, de quão baixo e depravado poderia ser. E ela era estupidamente corajosa em zombar dele, de tentar fazer a besta interior rugir para a vida.
— Sou muito maior que você. — Manter o tom foi uma luta. De repente, ele queria agarrá-la pelos ombros e sacudi-la. Isso deveria ter sido fácil. Rápido. Em vez disso, passou a última meia hora tentando deitá-la, e sendo derrotado a cada passo. — Poderia facilmente dobrar-lhe aos meus caprichos, minha querida. Poderia pegar o livro de você. Poderia pegá-la, se eu escolher.
As narinas dela alargaram, a única indicação de que as palavras a afetaram.
— Ah, finalmente o charme fugiu. Não há mais palavras bonitas e mãos exploradoras? Se você me forçar, meu senhor, não tenho escolha. — Ela largou o livro no chão e foi um dos sons mais pesados que ele já ouvira. Então, deitou-se em uma posição reta, os braços apertados ao lado do corpo, ainda como um cadáver, olhando para o teto. — Aqui está, meu senhor. Se lhe agrada pegar o que não estou disposta a dar, então pegue. É seu, afinal. Tudo o que já tive é seu agora.
Droga. Maldita seja, por ser a herdeira que o duque tinha conseguido para reabastecer os cofres da família, por ser mais um dever indesejado impingido a ele, por ser franca e ousada, por levá-lo à tarefa, e fazê-lo sentir-se inferior ao pior tipo de criminoso de East End. Maldita seja por fazê-lo enxergá-la. Por fazê-lo querê-la. Por fazê-lo ver o homem que se tornara.
Ele pegou as roupas de cama e as puxou para o queixo dela, enojado de si mesmo.
— Eu nunca te forçaria.
Ela encontrou o olhar dele, inflexível.
— Não sou mimada. E também, não sou uma garota.
Não, ela não era uma garota. Era muito mulher. Seu corpo era exuberante e cheio em todos os lugares adequados. Seios altos e pesados. Coxas arredondadas, tornozelos bem delineados. Ela cheirava a lírios, e seu cabelo era uma revelação. Livre dos horríveis vestidos de tom pastel que usara durante a temporada, ela era toda mulher. Toda adorável. Talvez fosse antes, e ele estava tão cego pelo ressentimento que não percebeu. Ele não era seu único pretendente, afinal. Mas, era o herdeiro de um ducado e conquistara sua mão.
Sim, ele a ganhou, e depois a deixou. Não é de admirar que ela tenha pensado que ele a devastaria. Jesus, que bastardo ele era. Tinha sido fácil culpá-la quando ela foi um adendo tardio, em vez de uma mulher parada na sua frente, olhando-o com olhos assombrados.
— Minhas desculpas, — deixou escapar, porque não sabia mais o que dizer, e porque tudo o que imaginou - todos os elogios sem sentido e doce bajulação com a qual pretendia manipulá-la - foi vencido pela visão dela deitada na cama, esperando para ser abusada.
Ela olhou-o.
— Por que você voltou?
Por que ele voltou? A resposta era simples. Ele fez um acordo com o diabo, e o diabo havia negado.
— Um indício de responsabilidade, — repetiu as palavras dela enquanto deslizava da cama. Com a formalidade de um pretendente em uma sala de estar, ele se curvou para ela. — Vou deixar você dormir, minha senhora. Até amanhã.
Sem esperar por sua resposta, ele caminhou até o seu quarto, que era ao lado do dela, batendo a porta. Que vá tudo para o inferno. Como imaginou que isso seria fácil? Nada sobre voltar para Carrington Hall e para a esposa que não queria. Ali estava ele, sozinho, em seu quarto que ainda não havia sido preparado, do qual geralmente não gostava mesmo quando lhe haviam arrumado, e que também detestava imensamente quando não o tinham.
O quarto cheirava como se estivesse fechado por algum tempo. As lâmpadas estavam acesas, mas além disso, nada estava arrumado. Seu criado provavelmente ainda estava supervisionando a retirada de suas malas da carruagem lá embaixo, enquanto ele ficou tocando a campainha para obter ajuda.
Suas mãos tremeram. Jesus, ela o deixou nervoso, sua esposa. Ela tinha um nome, é claro. Victoria. Nunca tinha dito seu nome em voz alta, e nunca tinha pensado nisso até aquele momento, com a picada da auto-aversão passando por ele. Quão pouco sabia sobre ela. Com quão pouca atenção a tratou. Ela vinha de uma conhecida família de Nova York, e seu pai fez uma fortuna com ações antes de enviá-la para Londres com um imenso dote. Ela não era ousada como as outras herdeiras americanas. Parecia ser sem graça, com sua preferência por vestidos horrorosos. Adequada e educada, o tipo de mulher que ele procurava evitar em festas e bailes.
O tipo de mulher que alguém poderia abandonar no campo por cinco meses.
Além disso, não conhecia nada dela. Isso não importa, talvez. Sabia que ela cheirava a violetas, e seus cabelos pareciam seda pesada em seus dedos. Ele conhecia as linhas exuberantes de seu corpo. Pensando nela agora, sua pele cremosa e seios cheios, o vislumbre que teve de um mamilo rosa e ereto - fez seu pênis duro novamente. Nada disso fazia sentido - nem sua reação a ela, nem sua transformação, nem um pouco disso. Essa atração estranha e inconveniente que sentia, certamente era o efeito de uma privação de espírito e um retorno ao seu lar ancestral sombrio, e a todos os seus demônios.
Afinal, ele era o conde de Pembroke, célebre mulherengo e perdulário, sem arrependimentos. Preferia mulheres rápidas que usavam cores vivas e decotes baixos, mulheres que jogavam e trocavam de amante como vestidos, e tinham maridos que não se importavam. Seu pai selecionou Victoria para sua esposa por um acordo de casamento de meio milhão de libras. Não é uma quantia a ser espirrada por alguém atualmente. Will recebeu um ultimato – casar-se com a fedelha para restaurar os cofres familiares ou ser completamente deserdado. Ele engoliu seu orgulho e meia garrafa de uísque, e fez um acordo com o diabo. Casou-se com a ratinha americana, e retornou à sua antiga vida mais uma vez. E retornou à sua antiga vida, com o abandono dos verdadeiramente dissolutos.
Até a convocação.
O duque esperava que ele produzisse herdeiros, e não ficou satisfeito ao ver seu augusto decreto tão desprezado. Mas, Will não resistiu a perturbar o velho bastardo com um bom escândalo. Ele permitiu que Maria morasse na casa da cidade, na Belgravia, por dois meses, e ela destruiu várias pinturas caras da família quando ele a informou que seus serviços não seriam mais necessários.
No entanto, só conseguiu levar o pai longe demais. Mais uma vez, o duque ficou enfurecido e, quando enfurecido, lançava ameaças. Jurara levar esse monte mofado de joias da família de volta aos seus cuidados - não que Will particularmente desse a mínima. Carrington House fora negligenciada e praticamente abandonada desde que sua mãe morrera dentro de seus muros, e guardava poucas boas lembranças. Mas, desta vez, o duque prometeu acabar com toda a sua herança, exceto o necessário, e imediatamente cortou todo o acesso a mais fundos até Will cumprir sua obrigação, e fornecer ao ducado um herdeiro adequado.
Um homem sem ganância não era um homem do mundo.
O que significava voltar para a tímida ratinha que era sua esposa, e levá-la para a cama até que a ação fosse bem e verdadeiramente cumprida. Fantasiou com a ingênua que tinha deixado para trás, à sua espera. Ele não tinha previsto precisamente ser atacado por um volume de Dickens, ou ser tão afetado pela visão de sua esposa vestida numa camisola, com cor raivosa em suas bochechas. Ou, ser tão afetado por suas próprias malditas falhas.
Um espirro interrompeu suas reflexões frustradas. Bom Deus, era esse pó que ele espiava em sua cadeira Louis Quinze? Onde diabos estava seu criado, afinal? Com um suspiro de sofrida impaciência, atravessou o quarto e deu ao sino outro puxão forte. Queria sua cama preparada, droga. Ele viajou a noite toda e estava cansado, e sua esposa o expulsara de seu quarto cheiroso e comprovadamente confortável.
Não estava acontecendo nada disso. Ele voltaria para a cama dela antes do final da semana, prometeu. E antes que o mês terminasse, ela estaria grávida, e seu tempo de relutante dever para com o pai e para com o grande ducado dos Cranley chegaria ao fim.
Ele espirrou mais uma vez. Jesus, isso poderia não acontecer tão cedo.
Seu marido tinha voltado.
Saber disso não lhe trouxe conforto, enquanto se acomodava para seu ritual matinal de chocolate e correspondências. Suas mãos estavam instáveis enquanto examinava sua pilha habitual de cartas. Algumas das irmãs. Uma da mãe. Ela ansiava por notícias de casa, mas isso só a deixaria fraca. E não podia se dar ao luxo de ser fraca agora ao encarar Pembroke. Ele voltou para ela, disse-lhe.
Eu poderia facilmente dobrar você aos meus caprichos, minha querida.
Sua voz estava baixa e enganosamente calma quando ele emitiu o aviso. Ela pensou em sua expressão, na de um homem dividido. Algo o trouxe de volta ao seu lado, de volta ao seu quarto. Esse algo não era ela, não importava o quanto ele fingisse que era.
Eu poderia levá-la, se escolhesse.
Ela estremeceu, embora de alguma forma essas palavras não a enchessem de ansiedade ou repulsa. O que era isso que sentia, esse sentimento horrível desenrolando no fundo? Certamente não emoção, ou agitação de seus antigos sentimentos por ele. Certamente não era desejo.
Não. Ele não poderia tê-la. Não permitiria. Ela não era tão fraca, tão dominada pelo jeito dele fazer amor. Victoria avistou a caligrafia familiar de sua querida amiga de infância Maggie, marquesa de Sandhurst, e abriu o envelope. Elas cresceram juntas em Nova York e chegaram às costas da Inglaterra como princesas do dólar, como a imprensa as apelidara. Juntas, navegaram no terreno complexo da educada sociedade inglesa, que muitas vezes, provou ser mais traiçoeira do que a viagem através do Atlântico jamais poderia ter sido.
As palavras de Maggie passavam sob seus olhos agora, embaçadas por uma combinação de raiva e lágrimas. Como ele ousa? Ele já não a tratara mal o suficiente? Um novo ataque de traição a atingiu como uma carruagem em fuga. A carta caiu de seus dedos dormentes e ela puxou a campainha.
Ela mal prestou atenção a sua toillete enquanto se vestia, com a ajuda de sua criada pessoal, em uma velocidade incomum. No momento em que entrou na sala de café da manhã com a carta na mão, ela estava enfurecida.
Pembroke ficou parado à sua entrada. Ele estava irritantemente perfeito, com suas imaculadas roupas bem-feitas. Bonito como sempre. O patife absoluto. Que direito tinha de invadir seu território, de fazer borboletas voarem pelo seu estômago, mesmo que ela o conhecesse como o libertino sem coração que era? Como ele tinha sido tão descarado em procurá-la na noite passada, tocá-la, avisá-la de que ela era dele? Ela nunca seria dele. O que ele fez foi inaceitável.
— Bom dia, minha senhora, — ele cumprimentou com seu charme padrão. Ele mal se parecia com o homem semi-selvagem que tinha visto pouco antes dele se retirar para o próprio quarto na noite passada. Este Pembroke foi recolhido. Refinado. Alegre, até.
Victoria o ignorou e educadamente dispensou Wilton, o mordomo eficiente que ela aprendeu a admirar durante seu tempo na Carrington House. Quando estavam sozinhos, ela caminhou até ele, pressionando a missiva, cuidadosamente redigida por Maggie, em seu peito duro.
— Talvez você queira ler isso.
Ele pegou a carta e passou os olhos no conteúdo.
— A marquesa de Sandhurst é uma maldita intrometida e fofoqueira, — declarou. — Você não deveria conhecê-la.
Isso foi tudo o que ele lhe apresentou? Sem desculpas, sem explicação. Nem mesmo uma tentativa de dissimular. Apenas um insulto para a querida e doce Maggie, enquanto ele era a pior criatura que ela já teve a infelicidade de conhecer. Onde achar o Grandes Expectativas quando alguém precisa de uma arma para bater no canalha que era seu marido? Talvez pudesse jogar o prato dele no colo.
Ela rangeu os dentes.
— Isso é tudo que você tem a dizer por si mesmo?
— Preciso dizer mais? Sinto-me confiante de que minha opinião sobre Lady Sandhurst se justifica.
A arrogância do homem. Ela já teve o suficiente. Para o inferno com o café da manhã no colo dele. Antes que soubesse o que estava acontecendo, ela deu-lhe um tapa. O som satisfatório da palma da mão dela se conectando ao rosto dele ecoou no silêncio.
Ele esfregou a mandíbula, observando-a como um caçador atento à sua presa. O leve desinteresse desapareceu, substituído por algo indefinidamente perigoso.
— Você não acha que está sendo um pouco dramática, minha querida?
— Você permitiu a sua... — Ela fez uma pausa e fechou os olhos, incapaz de dizer a palavra — amante — em voz alta. Amiguinha, ela poderia dizer num arroubo de raiva. Amante era algo muito mais íntimo, pois implicava um status favorecido. Um relacionamento permanente para rivalizar com o próprio casamento, em alguns casos. Sua mãe lhe dissera para nunca reconhecer que tal coisa existia e, durante todo o seu casamento com Pembroke, ela não o fez. Não o fez enquanto sussurros inevitavelmente chegavam até ela. Ela fingiu não perceber, fingiu não se importar. Mas isso já era o suficiente.
— Signora Rosignoli, — ele informou.
Seus olhos se abriram, seu corpo inteiro tremendo de emoção.
— Você se atreve a falar o nome dela?
Pembroke levantou uma sobrancelha autoritária.
— Como você gostaria que eu a chamasse?
Ela tolerara o abandono. Aceitou silenciosamente as fofocas, e as cartas de Maggie sobre o marido continuar com viúvas e esposas solitárias, fingira que cada novo nome não havia marcado outra ferida em seu coração. Mas isso, ela tinha certeza, estava além dos limites. Ele viveu abertamente com uma cortesã, cantora de ópera ou não, e o fez para que todo mundo soubesse. Ele tocou a mulher, beijou-a, permitiu que ela morasse na casa da família há duas semanas. Ontem à noite, ele foi até Victoria, alegando que queria expiar seus pecados. Seria ridículo se a noção dessa signora Rosignoli em sua cama não a deixasse doente. E ainda assim, ele se atreveu a ver tudo com um descuido que a fez querer dar-lhe um tapa mais uma vez.
Ela respirou fundo, seu espartilho beliscando em seus lados.
— Nunca mais fale dela comigo.
Ele encolheu os ombros.
— Será como você deseja.
Uma dor física passou a residir em seu peito. Ela não sabia se deveria chorar ou se enfurecer. Desejou nunca ter consentido em casar-se com ele. Desejou a Deus que tivesse se tornado solteirona, e voltado para a cidade que amava e que sentia tanta saudade. Pelo menos sua vida não fora uma zombaria em Nova York, sem ninguém para machucá-la.
Sua visão ficou escura nas bordas, como se estivesse prestes a desmaiar. Ela precisava sair. Como tinha sido ingênua o suficiente para permitir que ele a beijasse na noite passada? Quão fraca ela estava. Pior, gostara da boca dele, do seu toque.
— Esse casamento se tornou insuportável para mim, — disse às pressas.
Ele calmamente voltou para a mesa como se ela não tivesse dito uma palavra.
— Eu recomendo que você se recomponha e tome café da manhã comigo.
Ele realmente pensou que não haveria consequências para suas ações? Que ela se sentaria e comeria salmão e torradas como se nada tivesse acontecido? Como se não tivesse acabado de descobrir as profundezas de sua depravação e duplicidade? É verdade que ela estava à sua mercê como esposa. Ele poderia continuar como quisesse com todas as cantoras de ópera e mulheres inescrupulosas que gostasse, e poderia mantê-la no campo, usando todo o dinheiro dela para comprar vestidos e enfeites para suas conquistas. Ela não tinha direitos. Na verdade, tinha menos direitos do que uma mulher solteira.
Mas isso não significava que ela se deitasse calmamente para o abate.
— Não ligo para o que você recomenda, Pembroke. Eu posso estar sujeita a seus caprichos, mas saiba que você me dá nojo.
Ele sorriu, mas pouco fez para aliviar os planos duros de sua expressão pensativa.
— Acredito que já refutei sua reivindicação.
Ela ofegou, chocada que até ele se inclinaria a tal nível.
— Como você se atreve?
Pembroke deu outro encolher de ombros.
— Por que se preocupar com o engano?
— Acho que enganar é tudo o que você tem se incomodado, milorde.
— Você está indo longe demais, — ele avisou, finalmente de pé.
Ele se elevou sobre sua diminuta estatura, mas ela não se importou.
— É você quem tem ido longe demais. Não foi cruel o suficiente me descartar como se eu não fosse melhor do que um colete fora de moda? Agora você vem com mentiras, e tenta fazer amor comigo como se realmente tivesse um carinho por mim, quando o tempo todo era uma farsa. Você riu consigo mesmo, pensando que me fez de boba mais uma vez? Diga-me, você cantou com todos os seus amigos como iria para o campo e me faria sua idiota de novo? Você pensou em mim quando estava morando com sua amante?
Ela não precisava de respostas para as perguntas, porque já sabia. Claro que ele não tinha pensado nela. Muito provavelmente, nunca pensou. Ela imaginou uma mulher gloriosamente bonita, com cabelos escuros e uma figura voluptuosa, deitada na cama dele, com repulsa. É claro que sua amante seria arrebatadora. Ela se perguntou se ele teria beijado e acariciado a signora Rosignoli da maneira como a havia tocado na noite anterior.
Pembroke fechou a distância entre eles com um passo zangado e a puxou contra ele, prendendo-a em seus braços.
— Pare com essa bobagem, Victoria. Não vou ouvir outra palavra.
Ela não estava com disposição para ser subjugada. Ela atingiu seu peito com os punhos, querendo bater nele.
— Então, você terá que costurar minha boca fechada, seu desgraçado.
— Ou terei que mantê-la fechada, beijando-a.
Sua boca foi rápida e dura, quase machucando a dela. Irritada como estava, seu corpo ainda respondia a ele, e ela detestava isso e a ele. Seu peito era musculoso e tentador. Ele não viveu uma vida ociosa, não pelo que sentia com o tato. Mas, justamente isso a lembrou o quão pouco sabia dele. Ele vivia separado dela por quase meio ano. A língua dele varreu a costura dos seus lábios então, tentando roubar-lhe e deixá-la irracional.
Mas Victoria estava determinada a não ceder desta vez. Ela o empurrou para longe.
— Fazer amor não é uma cura, Pembroke.
Ele deu um sorriso irônico.
— Talvez seja um sintoma, então.
Ela estudou seus olhos, incapaz de compreender seus pensamentos.
— Um sintoma de quê?
— De ser um safado podre. — Ele pegou suas mãos. — Somos marido e mulher. Não podemos estar sempre em desacordo.
— Suas ações provaram o contrário para mim. — Ela tentou escapar de seu toque, mas ele era persistente e mais forte. — Entendo que você não se importa comigo, e nunca me importei com você. Nunca mais desejo estar na sua presença.
— Victoria. — Ele agarrou sua cintura e a puxou para seu corpo alto e magro, firmando-a. Abaixou a cabeça até os narizes quase baterem. A respiração dele era uma cortina quente e invisível, pairando sobre os lábios dela.
Apesar de sua raiva e desilusão, ela estava sem fôlego, presa em seu olhar ardente.
— Eu acho que te odeio, — ela sussurrou. Ela o odiava tanto pelo que ele havia feito quanto pela maneira como a fazia se sentir. Tonta, confusa, esperançosamente querendo. Como poderia querer um libertino tão insensível? O que ele já havia feito, além de mentir e manipulá-la para se adequar a seus próprios interesses? E, no entanto, a boca dele na dela a deixou vergonhosamente vulnerável.
— Antes que você possa odiar alguém, você deve tê-lo amado primeiro, — disse ele, seus olhos caindo em sua boca.
Ela tentou reprimir a agitação desenfreada do desejo que sua proximidade e olhares quentes produziram.
— Você fala como um homem que aprendeu com a experiência, — observou.
Ele balançou a cabeça devagar.
— Eu nunca amei ninguém.
Ela supôs que não deveria se decepcionar por ter a confirmação final de que ele nunca nutriu um sentimento de ternura por ela. Mas a revelação ainda doía. Certamente ele deve ter amado alguém em algum momento de sua vida?
— Nem a sua mãe?
Sua expressão estava impassível como sempre.
— Minha mãe só teve tempo para bailes e amantes. O que havia para amar?
— Seu pai, o duque, então — sugeriu ela, pensando no homem rígido de cabelos prateados que conhecera apenas algumas vezes. Seu comportamento era irremediavelmente sombrio e desaprovador o tempo todo, lhe parecera.
— Eu nem o odeio, nem o amo. — A linda boca de Pembroke se tornou zombadora. Não sinto nada pelo homem. Meu ódio lhe daria poder, e me recuso a dar-lhe qualquer coisa.
Ela ficou mais uma vez confusa.
— Como você não sente nada? Ele é seu sangue, sua família.
Ele encontrou o seu olhar.
— Família significa pouco para aqueles que a traem facilmente. Ele não inspirou em mim nada além de um desejo de ser o espinho na pata do leão.
Algo deve ter acontecido entre o duque e o marido. Pembroke certamente mentiu quando disse que não sentia nada. Parecia estranho, de fato, que ela estivesse casada com o conde por tantos meses, enquanto grande parte da vida dele permanecesse desconhecida para ela. Ela tinha que acreditar que havia uma razão por trás de sua falta de fé.
Ou talvez esse fosse seu coração querendo acreditar. Focar seus pensamentos se mostrou difícil, enquanto presa no feitiço sedutor de estar em seus braços. Não faria. Ela finalmente encontrou sua força e não podia abandoná-la agora.
Ela reuniu coragem para dizer o que havia decidido.
— Eu não quero mais estar casada com você, Pembroke.
Ele parou, apertando as mãos em sua cintura.
— Desculpe-me, mas não entendi.
Ele parecia genuinamente espantado. Victoria sentiu o calor de suas mãos grandes, mesmo através da seda francesa de seu vestido matutino, das camadas de sua roupa de baixo e da rigidez de seu espartilho. Caros céus, desejou não se sentir tão atraída por ele.
— Não quero mais ser sua esposa, — elaborou, sua voz tão apertada quanto sua cintura.
— Receio que você esteja um pouco atrasada nessa descoberta, minha querida. Estamos irrevogavelmente casados. Consumamos nossa união. Seu olhar a queimava.
— Certamente você não esqueceu? A lei tem requisitos estritos nesses assuntos.
Oh, ele era um oponente mais sagaz do que imaginara. Sabia muito bem que mencionar a consumação do casamento traria consigo um ataque de lembranças. Memórias agradáveis. Ela não tinha nenhuma queixa em seu leito conjugal, além de que seu marido havia desaparecido e escolhido compartilhá-lo com outras. Ela não conseguia esquecer os pecados dele, principalmente depois que ele se mostrava vivendo com aquela mulher.
— Você me abandonou, — ressaltou ela, — e tenho muitas provas de adultério.
— Completa porcaria, — disse ele. — Todo mundo sabe que o divórcio só é concedido quando um dos partidos é um candidato justo ao hospício. Mais importante, como posso ter abandonado você quando voltei?
Era verdade que o divórcio raramente era concedido, principalmente na aristocracia inglesa. De fato, pedir divórcio raramente era requerido por qualquer terrível desgraça que acontecesse. Maridos e esposas podiam fazer o que quisessem em procurar parceiros para a cama, desde que o escândalo não fosse muito grande. Foi a experiência de Victoria, observando o Marlborough House Set, e incluindo o próprio príncipe que transformou o adultério em um esporte. Simplesmente não tinha percebido que estava se casando com um homem que subscreveu a mesma crença. Ela não fez seus votos superficialmente, apesar dos fundamentos financeiros que motivaram a união.
A maneira como ele a segurava nos braços agora não podia influenciá-la. Não deveria influenciá-la.
— Eu quero o divórcio, — disse com força silenciosa.
A boca dele se achatou.
— Absurdo, se não totalmente impossível.
— Você não quer uma esposa, — ela apontou, tentando se afastar de suas mãos sem sucesso.
— Eu quero. — Ele deu um beijo leve em seus lábios. — Voltei para Carrington House porque quero começar de novo.
Ela não queria apreciar o beijo, especialmente agora que a notícia de sua cantora de ópera tornara sua traição muito real. Mas a pura verdade era que ela sabia. Os lábios dele enviaram desejo através dela. Ela o queria em um sentido elementar. Isso não podia negar.
A verdade escapou de seus lábios antes que pudesse segurá-la e se proteger.
— Reze para não me enganar mais. Isso me machuca demais.
Inferno.
Ele não queria machucá-la. Essa era uma nova sensação para ele, cuidar. Normalmente, ele era muito bom em não se importar. Fez disso uma vida, pelo menos. Mas sua esposa vestiu um vestido de seda que mostrava as curvas que ele passou a noite recordando, e seus seios eram uma tentação deliciosa contra seu peito. Seu pênis estava rígido em suas calças, um lembrete de que, apesar dos caprichos da situação deles, ele realmente a queria.
Ainda assim, não foi apenas a luxúria que cortou seu intestino com a admissão dela, foi? Não, era algo mais, algo indefinível, mas poderoso. Ela não estava mordendo ou batendo nele agora. Ela era sincera, seus olhos feridos dizendo mais do que suas palavras podiam. E desta vez, ele não queria usá-la. Não aguentava, na verdade. O mero pensamento o encheu de nojo pela maneira como a tratou.
Não estava preparado para desejá-la tanto. Ou sentir compaixão. A noite passada não tinha sido uma irregularidade, pois agora se sentia tão cru quanto antes. Era inquietante, para dizer o mínimo. Droga, se ele não preferia mais o cheiro dela, do que o de rosa francesa preferido de Maria. Aqui na impetuosa luz da manhã, ele a viu pálida pelo ressentimento e raiva que mancharam todas as suas interações com seu pai.
Ela pediu-lhe não mentisse mais. Mas se lhe dissesse a verdadeira razão de seu retorno, ela o deixaria com certeza, arruinando qualquer chance de ele ter um herdeiro. Ele não podia perder tudo. Não tinha dúvida de que seu pai o deixaria sem um tostão. A mesada era muito insignificante neste momento, meros poucos milhares de libras por ano e Carrington House. Graças ao acordo de casamento orquestrado pelo velho duque avarento, a maior parte do substancial dote de Victoria foi deixada aos cuidados de seu pai, fora de seu alcance. Embora uma quantia estipulada tivesse sido reservada especificamente para Carrington House, ela deveria ser mantida em confiança pelo duque, e distribuída como bem entendesse. Ele estava à mercê de seu pai, assim como havia sido sua vida inteira.
Não admira que ele a tenha magoado. Ela tinha sido mais um edital do duque que foi forçado a obedecer. No dia seguinte ao casamento, estava tão desesperado para fugir, o símbolo de tudo o que odiava em si mesmo, que simplesmente saiu. Mas agora ele a notou, droga. Ela era inteligente e ousada, capaz e gentil. Os criados da Carrington House cantavam seus louvores em todas as oportunidades. Até ele, cego que era, podia ver as mudanças que ela provocara enquanto a deixara para voltar para Londres. Ela tinha sido fiel, e não tinha amantes. Nem uma pitada de escândalo escureceu o nome dela. Na verdade, era um modelo de perfeição. Um adorável modelo que usava o coração na luva, e que transformara facilmente as ruínas da propriedade da família em uma versão brilhante e aprimorada de seu antigo esplendor. Até o tapete era novo.
Mas, para o inferno com tapete. Seus lábios eram dele.
Ele a beijou em vez de admitir. Pareceu mais fácil. Ele era bom em fazer amor - passara anos aprimorando sua arte. Ela tinha gosto de chocolate. Sua boca se abriu finalmente, e ele varreu a boca para dentro, faminto por mais. Deslizou a palma da mão pelas suas costas, a sensação da seda fina contra sua mão viajante o atormentava. Sua outra mão traçou a cintura parecida com a de uma vespa, antes de se demorar sobre o peito.
De repente, seu desejo cresceu de uma chama para um fogo incontrolável. Ele não dormia com uma mulher há algum tempo. Maria o entediara e, se fosse honesto, ele a estava usando apenas como meio de enfurecer o duque. O que sentia por Victoria era de alguma forma novo e incrivelmente potente.
Grunhindo em sua boca, ele a encaminhou para trás até que seu traseiro encostasse na borda da mesa do café. Ele a cercou, tentando, mas não conseguindo encontrar seu traseiro no tecido elaborado na parte de trás de suas saias. Em vez disso, ele a levantou e a colocou sobre a mesa. Ela era terrivelmente pequena em comparação com ele, sua cabeça mal alcançando seu peito. Sua nova posição permitiu-lhe um melhor acesso.
Ele arrastou a boca pela garganta dela, achando-a macia e branca. Uma gola alta e rígida com um pequeno laço impedia-o de explorar o decote como queria. Malditas modas femininas. Ele segurou o peito dela, com ciúmes do espartilho. Seu peito era perfeito, alto, firme e implorando para ser admirado.
— Pembroke. — O murmúrio gutural de Victoria cortou seus pensamentos de paixão, uma interrupção indesejada.
— O que é, minha querida? — Ele lambeu um caminho até o ouvido dela, depois pegou seu lóbulo nos dentes para uma mordida suave.
— Você não pode apagar o que aconteceu com beijos. — Ela colocou as palmas das mãos nos ombros dele.
Ele deixou que ela colocasse algum espaço entre eles, mesmo que seu corpo gritasse com a negação.
— Eu não procuro apagar, — disse-lhe com a maior honestidade que lhe dava desde seu retorno. — Procuro um novo começo. — Porque tinha que conquistá-la ou enfrentar as consequências. Mas talvez, apenas talvez, por outros motivos que não se importasse em examinar também.
— Eu não acho que possa lhe permitir isso, — sussurrou, seu pequeno rosto em forma de coração com uma expressão ferida.
Por que ele nunca notou o verde vívido dos seus olhos? Era como olhar para a grama na primavera, brilhante e preciosa depois de um inverno cruel. Seus lábios estavam vermelhos com os beijos dele, eram volumosos demais para a moda vigente, mais ainda assim convidativos. Seu cabelo dourado tinha sido penteado de um jeito elaborado que ele queria desfazer. Ontem à noite, jurou que seus cachos tinham ido até a cintura. Ela era deslumbrante.
Ele a olhou como se a estivesse vendo pela primeira vez, e talvez estivesse. Petite souris. Não se encaixava - nunca tinha se encaixado. Ela não era nada comum. Não era uma típica beleza inglesa, é verdade. Mas, era adorável de uma maneira toda particular, e ele queria deitá-la com uma necessidade irracional. Talvez fosse porque ela o estava negando. Talvez fosse porque era diferente do que se lembrava, mostrando tanto fogo. Ela era dele, e ainda assim não a merecia. Não sabia por que a queria com um desespero tão inesperado, embora com a dureza insistente de seu pênis, tinha certeza de que não se importava. Quando ele fodia, não era obrigado a pensar. Não precisava se lembrar do quanto tinha sido um bastardo para a mulher em seus braços. O quão assustadoramente era parecido com o pai.
— Me permita, minha querida. Eu sou seu marido — ele a persuadiu, dando-lhe outro beijo profundo. Poderia se perder nela, gastar-se dentro dela, esquecer tudo e todos enquanto fazia seu corpo cantar com prazer.
Ela o beijou de volta, os braços passando pelo pescoço dele. Ela colocou os lábios nos seus com uma urgência sem prática que o prendeu. Pensou que estava ganhando terreno até que ela parou, e separou suas bocas. Os olhos dela estavam arregalados e expressivos.
— Não posso. Você não entende, Pembroke. É muito difícil. — Empurrou-o novamente e ele se moveu, embora a força que ela exercia não fosse suficiente para mover um bebê coelho.
Victoria pulou da mesa, com a respiração visivelmente pesada. Sua expressão era quase indecifrável, mas talvez uma combinação de agonia e saudade. Ele esperava pelo desejo, pelo menos. O resto de sua vida dependia disso.
Talvez até o resto de suas vidas juntos, se é que isso poderia acontecer.
— Vou provar para você, — ele prometeu, embora não tivesse a menor noção de como poderia realizar tal feito. Afinal, não tinha escolha. Nunca teve.
03
victoria pairava na soleira da sala de música, observando as amplas costas de Pembroke enquanto ele tocava. Sons tênues da música do piano foram levados até ela na biblioteca. Animada e vibrante, a música a tirara de seu esconderijo entre as paredes de livros mofados. Ela sabia, é claro, que era ele tocando. Certamente, nenhum servo se atreveria a cometer uma ousadia tão gritante, e certamente não poderia tocar com essa habilidade comprovada pela prática. Mas, ainda assim ela fora até lá, sua curiosidade a atraindo.
O pensamento dele tocando um instrumento, criando a beleza assombrosa de uma melodia, aqueles dedos longos trabalhando sobre as teclas, parecia de alguma forma impossível. Improvável. Pois, nenhum homem podia tocar piano como ele - com uma beleza sem esforço e uma paixão marcante - sem possuir uma alma. E até esse momento, poderia jurar que ele não tinha uma.
Ela pegou as saias na mão. Na verdade, deveria sair antes que ele a visse. Passar um tempo sozinha com Pembroke, descobrira rapidamente, era arriscado para seu recém-descoberto senso de liberdade. Ela percebeu algumas mudanças em si própria desde o seu retorno. Por tudo o que a fazia sentir-se presa no campo, ela adorara sua tarefa de fazer Carrington House brilhar novamente. Até o piano que ele tocava, a sala em que soltava notas tão apaixonadas, tinha sido tristemente negligenciada. Ela tinha agora o piano afinado e tratado na cor de ébano, a sala varrida e reorganizada. O papel de parede manchado, os tapetes gastos e os móveis antiquados, substituídos. O pai dela lhe enviara um belo lote de dinheiro, e ela utilizou esses fundos muito bem.
Sim, ela realmente deveria sair. A música, uma música familiar de Pleyel, estava terminando. A qualquer momento, ele poderia se virar, vê-la, e tentar importuná-la novamente com beijos pecaminosos e um toque errante. Claro que não queria isso. Ela virou-se.
A música parou, o ar parou.
— Espere.
Ignore-o. Apenas vá. Continue caminhando. Ela deu outro passo, a autopreservação nas rédeas.
— Victoria, não vá.
Ela girou antes que pudesse repensar a sabedoria de obedecê-lo. Suas palavras foram parte ordem, parte pedido. Ele não merecia a sua presença. Ela não lhe devia seu tempo. Mas seus olhares se chocaram e se mantiveram, e mesmo com a distância entre eles, algo a fez refazer seus passos, pelo menos de volta a soleira da porta onde havia se demorado.
— O que você quer, meu senhor? — Seria fria com ele. Civilizada, mas não gentil. Acima de tudo, não lhe devia gentileza.
Ele se levantou, e ela percebeu primeiramente o quão informal ele estava vestido. Calças e uma camisa branca por baixo de um colete cor de carvão. Sem jaqueta. Ele parecia estar em casa, e o pensamento produziu um frisson indesejado de emoção que se desenrolava dentro dela.
— Você pretende ficar no corredor, ou se juntará a mim?
Seu sorriso malicioso, provocador e ainda convidativo, enviou-lhe calor.
— Pretendo permanecer onde estou segura.
— Ah. — Ele caminhou em sua direção com o ar ousado de um homem que sabia exatamente a imagem que apresentava. Que sabia exatamente o quanto poderia fazer uma mulher - qualquer mulher - o querer. — Você fala do café da manhã de ontem.
— Falo de suas tentativas de me desviar do meu rumo. — Divórcio. Sim, esse era o seu rumo. Mesmo que tivesse negociado uma espécie de paz aqui, uma certa quantidade de contentamento cultivada por sua natureza diligente, Carrington House não era onde ela pertencia. A Inglaterra não era onde pertencia. Ela também não era sua esposa.
Ele parou quando estava perto o suficiente para que as saias dela roçassem suas calças. Sua expressão era ilegível.
— Seu rumo? Certamente você não pode continuar com esta conversa oca sobre divórcio?
Como ele ousa rejeitar suas preocupações, ele que passou todo o tempo de casado perseguindo outras mulheres até poucos dias atrás? Seus lábios se achataram em uma linha sombria.
— Liberdade não é conversa oca, senhor.
— Liberdade. — Ele pegou o queixo dela entre o polegar e o indicador, levantando-o. — A liberdade é uma invenção americana. É claro que você deve perceber que nenhum de nós, nem você nem eu, somos verdadeiramente livres, Lady Pembroke. Os caprichos da sociedade e as armadilhas do nosso mundo civilizado cuidam disso.
Ela se afastou de suas mãos.
— Que visão sombria do mundo você deve ter.
Ele sorriu com isso, mas não foi um sorriso que levou às profundezas vívidas de seus olhos azuis. Nem foi particularmente agradável.
— Certamente não mais sombrio do que a sua visão de mim, meu coração.
Victoria engoliu em seco. Era apenas sua imaginação, ou ele estava se encostando nela? Suas saias não tinham sido tão completamente esmagadas contra as suas coxas poderosas há apenas um momento, tinham? Ela não se atreveu a olhar para baixo ou desviar o olhar. Ele era um homem estranho e atraente, às vezes charmoso e despreocupado, outras, sombrio e cansado. Talvez o verdadeiro Pembroke pudesse ser encontrado em algum lugar entre os rostos díspares que ele apresentava.
— Você não me deu motivos para vê-lo de outra forma, — disse-lhe.
— Vou me esforçar para mudar isso.
— Não precisa se preocupar.
Ele a olhou, longo e franco, até que as bochechas dela esquentaram.
— Por que você não cruza a soleira? Acho que você não confia em si mesma.
Ela zombou.
— Claro que confio em mim. É em você que não confio. É você quem não merece minha confiança.
— Pode ser que você esteja com medo? — Ele respondeu à pergunta, quase como se estivesse entediado. Mas sua expressão contou uma história bem diferente. Ele tinha um objetivo. Seu objetivo era ela.
— Não seja tolo. — Ela passou por ele, entrando na sala de música, girando em um círculo melodramático antes que pudesse pensar em como isso deve ter parecido bobo. Girando para o Conde de Pembroke? O que, em nome do céu, estava acontecendo com ela? Parou, encarando-o, sem saber o que dizer a seguir. — Aqui estou. Destemida.
— Aqui está você, — ele concordou calmamente, caminhando em sua direção, consumindo o espaço que ela havia colocado tão bruscamente entre eles. Ele a pegou pela cintura, puxando-a repentinamente contra seu corpo alto e duro. — Aqui está você.
As mãos dela se agitaram, as palmas das mãos pressionando os ombros dele, e ela instantaneamente desejou não tê-lo tocado. Ele estava tão quente sob as mangas da camisa. Tão vivo. Seu cheiro pairava sobre ela. Almíscar e sabão de barbear. Ela se forçou a pensar em qualquer outra coisa.
— Você joga muito bem, meu senhor.
— Tinha esquecido como era bom, — ele a assustou, dizendo. As mãos dele espalharam sobre sua cintura em um aperto possessivo. Parte dela gostou disso. A outra parte, ficou horrorizada. — Há algo sobre se perder que é bastante inebriante. — Sua cabeça mergulhou mais baixo, sua respiração ventilando sobre seus lábios.
Oh, céus. Ela jurara que não voltaria a ficar nessa posição, à sua mercê. Como sua bobinha disposta.
— Não sabia que você gostava de piano, — disse estupidamente. Mas era verdade. Não sabia. Esta sala de música tinha significado para ela, não para ele. O fato de estarem juntos agora parecia quase surreal.
— Há muitas coisas que você não sabe sobre mim. — Uma das mãos dele deslizou pelas suas costas emaranhando os cabelos em sua nuca. Seus dedos flexionaram, pegando os fios. — Assim como há muitas coisas que não sei sobre você. Quero te conhecer, Victoria. Eu quero te conhecer.
— É tarde demais para isso. — Mesmo que sua proclamação ousada tenha criado uma pontada em seu coração, que ecoou num pulso de necessidade crescente em outro lugar.
O olhar dele caiu em sua boca, e ela sentiu como um beijo.
— Você tem certeza, minha querida? Não parece tarde demais para mim.
— Parecia tarde demais para mim no momento em que você partiu para Londres, — retrucou, segurando-se rapidamente em sua frustração, em sua raiva. Era o único escudo que tinha, pois, seu corpo estava prestes a ficar mole e flexível, e mais ansioso em suas mãos.
— Estou aqui agora. — Ele pegou a mão dela e a pressionou contra o peito, logo sobre do coração batendo.
Ela tentou se desvencilhar de suas mãos, mas ele recusou-se a permitir o seu recuo, mantendo-a imóvel. Bum, bum, bum, era o coração dele. Um lembrete tão cru que ele era apenas um homem, afinal.
— Você ficará aqui até conseguir o que quer que vieste procurar.
Ele balançou a cabeça devagar.
— Já te disse para o que estou aqui, minha querida. Eu vim por você.
O Senhor deve ter rido quando deu um rosto bonito a um homem tão podre, ela pensou. Aquele rosto era inconstante. Não confiável. Aquele rosto era infiel. Insondável. Ela desviou o olhar, encarando o papel de parede listrado.
— Você me acha uma tola, então. É isso? — Seus olhos voaram de volta para ele, e ela fez outra tentativa fracassada de arrebatar a mão. — Você se diverte me conquistando e me abandonando pela segunda vez?
Ele soltou a mão dela.
— E ainda assim você estava jorrando liberdade e divórcio, minha senhora. Diga-me, qual das alternativas? Você me deseja aqui ou deseja me deixar?
Seu rosto ardeu de vergonha, pois ele estava certo. A verdade era que ela não sabia o que queria, não mais. Não como o marido a encantou, abraçando-a com força. Não quando a boca dele ficou tão perto da dela. Não como cada pedacinho dela clamava por mais. Seu corpo respondia a ele agora como sempre, e sua fraqueza era um demônio.
— Eu quero o divórcio, — disse suavemente. — Quero voltar para Nova York. Você está liberto por mim. Volte para Londres, para sua linda signora.
Sua boca endureceu.
— Eu não quero você em Nova York, droga. Quero você aqui, onde pertence.
Como ele se atreveu a pensar, que o que queria teria alguma consequência para ela?
— Não pertenço aqui. Nunca pertenci.
— Diga-me, o que mudou? Todo esse tempo, ninguém estava lhe segurando aqui contra a sua vontade. Você já deveria ter voltado para Nova York uma dúzia de vezes, e ainda assim ficou. Você redecorou a sala de música e afinou o piano. E aqui está você, nos meus braços.
Não queria pensar nos últimos cinco meses, em como havia agonizado, dividida entre mágoa e raiva, dever e indiferença, medo e indecisão. Saudade e ressentimento.
— Alguém precisava cuidar deste lugar e dessas pessoas.
— Não precisava ter sido você, minha senhora, e ainda assim você permaneceu. — Ele ergueu as mãos entre eles como um suplicante. — Mesmo agora, você pode se afastar de mim a qualquer momento. Não irei te parar. Vá embora.
Que choque terrível e vergonhoso ao perceber que era ela quem o segurava agora, uma mão ainda sobre seu coração que batia constantemente, a outra, no ombro dele. Ele a atraíra para sua trama na verdadeira teia de aranha.
Ela se livrou tão rapidamente como se ele fosse feito de chamas, empurrando-o para longe.
— Não se atreva a brincar comigo. Você ainda não fez o suficiente? Não está satisfeito?
— Vá embora, Victoria. — Sua expressão ficou dura. — Vá embora antes que eu faça algo que iremos nos arrepender.
A velha amargura a cortou.
— Seria apenas mais uma em um vasto oceano de coisas. Continue. Faça o seu pior.
Ele a segurou pelos braços com força, girou-a e a pressionou contra a parede da sala de música. A boca dele desceu sobre a dela, faminta e exigente.
Ele a beijou com a fúria e com o tumulto furioso que o trespassava. Will estava zangado consigo mesmo, zangado com ela, zangado com a posição em que se encontrava. A liberdade não é uma conversa oca, ela disse com seus ingênuos ideais americanos. Não havia liberdade, nem para eles. Nunca haveria. Eles estavam inevitavelmente presos pela união, pelo dever, pelo duque, pela sociedade. Dane-se tudo para o inferno. Maldito seja tudo e todos, menos isso.
Dela.
A língua dele afundou em sua boca, provando, reivindicando, procurando. Ele segurou seu rosto afundando os dedos na nuvem macia dos cabelos. Grampos demais, rolos demais. Ele arrancou os grampos, querendo vê-la com seus cachos longos e brilhantes à luz do dia, pendurados em sua cintura. Ele pegou seu cheio lábio inferior entre os dentes, precisando consumi-la. Ela tinha gosto de bergamota e mel.
Ela o agarrou, e ele não sabia se pretendia afastá-lo ou puxá-lo para mais perto, mas ela não fez nenhum movimento para protestar. Ela o queria, mesmo que seu orgulho ferido não lhe permitisse admitir. Seu cabelo estava solto agora, ondas pesadas escorrendo por seus ombros e costas.
Ele rompeu o beijo e olhou para seu rosto desorientado. O verde de seus olhos era especialmente vívido, sua boca exuberante inchada. Lá. Progresso adequado. Ele testou as mechas rebeldes do cabelo dela, permitindo-se examinar minuciosamente entre os dedos. Com a outra mão, ele pegou o queixo dela, passando a ponta do polegar sobre os lábios entreabertos. As sardas em seu nariz lhe acenaram. Ele as beijou, e apenas se absteve de lambê-las como se fossem pequenos pedaços de açúcar em sua pele.
Jesus, o que havia de errado com ele? Era um depravado? Não deveria estar gostando disso. Não precisava seduzi-la. Tudo o que era esperado, era um herdeiro. Um rápido engate e um bom benefício. Mas, não conseguia parar. Na verdade, não queria parar. Agora, ele estava beijando seu pescoço, mordiscando os cordões sensíveis onde seu pulso dizia que ela estava tão afetada quanto ele.
Alguma escuridão dentro dele o fez querer sacudi-la. Não, ele malditamente não iria parar até que ela estivesse exatamente onde a queria. Ela poderia manter sua raiva por muito tempo. Ele sabia como desmantelar as defesas de qualquer mulher. Ninguém estava imune. Nem mesmo a esposa que virou uma sedutora em seus braços.
Ele chupou-lhe o lóbulo da orelha, encontrou a cavidade atrás da orelha com a língua e provou violetas. Ela gemeu o título dele.
— Pembroke.
Um suspiro. Um apelo estimulante. Nunca ficou tão excitado com o som do seu nome na língua de uma mulher.
— Sim, querida, — murmurou contra a pele dela enquanto dava pequenos beliscões e beijos suaves. Ele pegou suas rendas e saias de seda, arrastando-as para cima. Sua mão viajou da curva do joelho até as ligas, e depois mais alto. — Te avisei para ir embora, mas você não o fez. Agora, tem que pagar o preço.
Ele lambeu-lhe a orelha de novo, o local que a estava deixando louca, exatamente quando afastou suas coxas e encontrou a fenda de suas calças. Carne quente e lisa o recebeu. Ele circulou seu clitóris e trabalhou o nó inchado suavemente no início, e depois com crescente pressão enquanto ela o apertava.
Ela gritou. Ele deslizou um dedo dentro dela. Ah, meu Deus. Ela estava quente e apertada, e de repente ele não podia ser profundo o suficiente, não conseguia ter o que precisava. Tinha que prová-la. Caiu de joelhos, segurando os babados da saia na cintura. Por um momento, pegou seus pequenos tornozelos e panturrilhas bem formadas envoltas em seda, e então, viu apenas a visão erótica de sua mão desaparecendo na abertura de suas calças. Ele introduziu um segundo dedo dentro, curvando-o para intensificar o prazer dela.
— Segure suas saias, — ele ordenou, não querendo ter dificuldades com obstáculos. Todo o seu foco, toda a sua energia estava prestes a ser dedicada a uma tarefa: fazê-la gozar. Era assim que a venceria. Era assim que a quebraria.
— Você deve parar, — ela protestou, mas seu tom era fraco e sem fôlego, e ela não fez nenhum movimento para pará-lo.
— Eu vou colocar minha língua em você, dentro de você. — Ele encontrou o olhar dela, retirando os dedos quase completamente antes de empurrá-los de volta, e trazendo outro gemido dela, outro giro de seus quadris. — Segure suas malditas saias, querida.
Os olhos dela se arregalaram. Ele a chocou com sua ousadia, mas também a intrigou. Não havia dúvida. A mão dela apertou as saias, segurando-as no lugar. Por fim, ele pensou, com a mente meio louca pelo desejo de reivindicá-la. Finalmente.
Ele se retirou dela o tempo suficiente para desabotoar-lhe o cós das calças e puxá-las sobre os quadris. Ele guiou seu joelho esquerdo por cima de seu ombro, pôs as mãos em concha na sua nádega morna, e chupou sua vagina em sua boca. Ela estremeceu, as saias escorregando para descansar na cabeça dele, mas ele não se importou. Sua língua a explorou, conhecendo-a. Passou-a por baixo de seu clitóris e deu-lhe um puxão suave com os dentes. Tão doce. Mais doce que o mel. Mais. Queria mais.
Ele a lambeu e depois pressionou mais fundo, dentro dela. Molhada. Divina. Deliciosa. Esta mulher era dele, de uma maneira que nenhuma outra no mundo jamais seria. Dele, e lhe provaria isso. Ele a marcaria, a levaria mais alto do que ela ousara imaginar. Substituiu a língua pelos dedos, e a chupou novamente. As saias caíram inteiramente sobre sua cabeça, envolvendo-o na escuridão, mas de alguma forma apenas aumentou sua excitação. Havia apenas seu perfume, terroso e floral, os segredos de seu corpo para saborear. Ela o envolveu, e o consumiu.
Seu orgasmo foi repentino e violento quando chegou. Ela estremeceu, apertando os dedos dele, sua umidade pingando calorosamente pela sua mão. Ele não parou de lamber, chupar e empurrar, tirando tudo dela, fazendo com que durasse o máximo possível até que ela se encostasse nele. Com as mãos trêmulas, ele colocou as calças de volta no lugar, abotoando-as novamente antes de sair de debaixo de suas saias. Ele permaneceu de joelhos, a boca escorregadia com a essência dela, forçando-a a encontrar seu olhar.
Ela pressionou a mão na boca, parecendo magoada, como se não pudesse acreditar no que tinha permitido que ele fizesse. Seus olhos esmeralda estavam arregalados. Pela primeira vez desde seu retorno, ela ficou sem palavras. Muito bem. Ele reuniu as extremidades irregulares de seus pensamentos - abaladas pela pura felicidade de trazê-la ao seu auge - e as forçou a uma aparência de ordem.
— Você não irá me parar da próxima vez, Victoria. — As palavras saíram arrancadas, parte promessa, parte aviso. Mas ela tinha que saber quem ele era. Permitir que não se enganasse novamente. — Não vou parar até que eu a tenha debaixo de mim, e deslizarei meu pau tão fundo dentro de você, que você irá se desfazer cem vezes mais forte do que fez com meus dedos e língua.
Suas bochechas ficaram vermelhas. Fazendo um som estrangulado, ela virou-se e fugiu da sala, a porta batendo nas suas costas.
Sim, ele foi depravado. Ainda mais depravado do que jamais imaginara, pois estava gostando do jogo que eles jogavam. Mas, ele gostaria de ganhar ainda mais.
04
Parecia incomumente quente enquanto Victoria passeava pelos jardins, mesmo para o verão, o sol batendo no caminho por onde andava. O perfume inebriante de rosas em flor flutuava até ela. Pensou, com um toque de tristeza, sentiria falta dessa vasta propriedade e de sua beleza do velho mundo. Mas, chegou a hora de partir.
Temia que não pudesse mais ficar em Carrington House, enquanto o marido insistisse em morar lá. Oh, as coisas perversas que fizera ao seu corpo! Sabia que ele era um hedonista, mas quando usou a língua nela provou isso dez vezes. Foi pecaminoso. Vergonhoso.
Maravilhoso.
Ela desfrutou completamente de cada segundo, muito para seu eterno embaraço. Mas Victoria se considerava uma pessoa prática, e não havia sentido em negar a verdade. Gostou do que o marido fez. Tinha se deleitado com isso. Se lhe desse outra oportunidade, duvidava muito que pudesse negar o que ele havia prometido fazer.
Tudo dela. Ela estremeceu agora, apesar do calor do dia, lembrando suas palavras. Não vou parar da próxima vez. Queridos céus, nunca imaginou isto. Ela não gostaria que parasse. Algo claramente confundiu sua mente, mas a parte dela que era racional e razoável ainda permaneceu.
Ela não queria dar-lhe a oportunidade de causar mais mágoa e humilhação. Não podia confiar nele, por mais que ele tivesse desbloqueado todos os mistérios de seu corpo, mostrando-lhe o que ela gostava em um nível elementar. Não. Não podia permitir que a fizesse de boba novamente. Se ele não quisesse voltar para Londres, ela o faria. Foi decidido que os criados já estavam encarregados de fazer as malas para a viagem.
O único problema evidente com sua resolução era que ainda não havia informado Pembroke.
Um peso se instalou em seu coração enquanto andava. Os elaborados jardins de Carrington House foram uma das poucas coisas que deram a sua vida como condessa de Pembroke um senso de propósito. Quando ela chegou, eles estavam terrivelmente precisando de cuidados, apesar do admirável trabalho do chefe de jardinagem da propriedade. O foco dele estava mais voltado para os legumes e frutas frescos cultivados para serem enviados à casa de Londres. Ela teve grande satisfação em admirar a beleza produzida por seus próprios esforços, mas hoje esses esforços estavam perdidos para ela.
O ruído do cascalho a assustou, interrompendo suas reflexões. Virou-se e viu o marido na curva, seguindo em sua direção. Ele usava calças e um casaco liso, sem gravata, quase como se não tivesse terminado de se vestir. Sua expressão era poderosa.
Oh céus. Talvez tivesse de alguma forma percebido seus planos.
Ele não parou até se elevar sobre ela. Seus olhos estalaram, sua boca plana com óbvio descontentamento. — Senhora.
— Bom dia, Pembroke, — cumprimentou, cautelosa. Estava tentando escapar sem que ele percebesse, sem mais oportunidades para fazer o que havia ameaçado.
Ele esboçou um arco abreviado com sua sobrancelha, que parecia estar em desacordo com a tensão pairando no ar entre eles.
— Gostaria de explicar por que fui informado que você está viajando para Londres?
Suas esperanças caíram.
— Não tenho a menor ideia do porquê lhe informaram, pois instruí especificamente aos servos a não fazer isso.
Ele parecia arrogante e pecaminosamente bonito ao mesmo tempo.
— Por que você esconderia isso de mim?
Victoria levou o olhar para um ponto mais seguro por cima do ombro dele. Ele era lindo demais para olhar, e isso só derreteria sua determinação ainda mais. Ela não conseguia parar de pensar em como se sentira com aquela boca bonita em sua carne mais sensível, e nenhuma quantidade de perseverança e de bom senso pareceu diminuir o efeito que ele tinha nela.
Ela corou.
— Eu acho que isso é óbvio.
Ele pegou nas suas mãos, e ela desejou estar usando luvas. Ela deveria, mas como pensou que ficaria sozinha, seria muita cerimônia quando ninguém mais estava prestes a julgá-la. O contato fez sua mente girar.
— Você está fugindo de mim?
— Claro que não — mentiu.
— Olhe para mim. — Ele pegou seu queixo e a forçou a encontrar seu olhar. — Eu estava certo ontem, embora você tenha tentado mentir. Você está com medo, não é?
— Não seja absurdo, — retrucou, irritada por ele ter escolhido agora, entre todos os tempos, para se tornar perspicaz pela primeira vez sobre a união deles. Era muito tarde para ser o marido que ela ansiava. Não era? Sim, claro que era.
— Não acho que estou sendo absurdo, — disse-lhe lentamente, os dedos ainda permanecendo no seu rosto. Seus olhos procuraram os dela. Ele inclinou-se, curvando a cabeça para que ela tivesse certeza de que a beijaria. — De modo nenhum.
E então, como se de repente perdesse o interesse, ele a soltou e se afastou, deixando Victoria desolada e decepcionada no caminho. Imaginou o calor em seu olhar, a sugestão em seu toque? O homem frio diante dela parecia muito em desacordo com o libertino apaixonado que a arrancou das saias, e lhe deu prazer contra a parede da sala de música.
— Noto que você tomou nossos jardins aqui sob seus cuidados, — disse ele, surpreendendo-a com sua mudança de assunto. — Devo dizer que as transformações que realizou são incríveis.
Não esperava que ele se importasse o suficiente para perguntar aos criados sobre ela. Certamente não esperava que elogiasse seus esforços. O calor se desenrolou dentro de sua barriga, mesmo contra a sua vontade.
— Obrigada.
— Soube pelo próprio chefe dos jardineiros que você fez um esforço admirável para restaurar os terrenos ao seu antigo esplendor. — Ele estava de costas para ela enquanto cheirava uma luxuriante flor vermelha. — Presumi que os jardins não tenham sido cuidados adequadamente desde os tempos dos Tudors, pelo menos.
Ele se virou para encará-la mais uma vez, um sorriso provocador nos lábios, uma rosa na mão. Ela se perguntou como ele teria escolhido sem ser picado por um espinho. Mas então, era Pembroke, bonito, elegante e cheio de charme. Se alguém pudesse cair em uma roseira sem arranhar uma única vez, seria ele.
— Não os Tudors, tenho certeza — murmurou, nervosa por estar no centro de sua atenção e elogios. Não era exatamente isso que tentava evitar?
— Talvez eu exagere. — Ele piscou, e fechou a distância entre eles, colocando a rosa para ela cheirar.
Ela inalou profundamente seu perfume glorioso, nunca desviando o olhar.
— As rosas possuem o aroma mais adorável, não acha?
— Não é o mais adorável. — Sua expressão ficou séria. — Prefiro o seu cheiro.
Seu coração deu um salto. Ele notou o seu cheiro? Ou estava apenas continuando sua campanha agressiva de cortejá-la? Decidiu colocá-lo à prova. Ela não era mais tão facilmente conquistada como era antes. Ele já cuidara disso.
— E qual é o meu perfume?
— Raiz de Orris2, — ele respondeu sem hesitar. Ele arrastou as pétalas de seda da rosa em sua garganta nua. — Nunca percebi antes o quanto o achava desejável.
Ele sabia. Ela lambeu os lábios repentinamente secos. Ele estava fazendo coisas más com seus sentidos, fazendo-a querer o que seria melhor não querer.
— Desejável?
Ele assentiu.
— Quase tão desejável quanto você.
Sua boca roçou-lhe muito suavemente, seu lábio inferior deslizando entre os dela. Apenas um sussurro de toque, e, no entanto, continha tanta promessa ardente. Isso era diferente dos beijos que haviam compartilhado antes. Esse beijo deu mais do que tirou.
Ele pegou seu lábio superior cheio entre os dentes. Ela suspirou e o beijo se aprofundou, sua língua deslizando para dentro para provocá-la. Ele cheirava a um rico sabão de barbear. Ela colocou os braços em volta do seu pescoço, encontrando-lhe o corpo duro. Não parecia justo que ele pudesse enfraquecer sua resolução com algumas palavras gentis e um beijo, mas isso não tornava as coisas menos verdadeiras.
Pembroke separou seus lábios dos dela.
— Não quero que você vá, Victoria, — murmurou.
— Também não queria que você fosse embora, — lembrou, sua voz ofegante. — Mas você foi.
— Estou aqui agora. — Ele deu outro beijo lento e enlouquecedor, sua língua mergulhando em sua boca e depois recuando quando ela ansiava por mais. — Venha, vamos dar um passeio, e aproveitar os frutos do seu trabalho.
Ela aceitou o braço que ele ofereceu, e começaram um passeio tranquilo. Ocorreu-lhe que ele a estava levando para longe da casa principal, longe dos olhares curiosos. Pembroke não andava com ela assim desde os dias em que a cortejava, e isso enviou-lhe uma onda de nostalgia agridoce.
Ela lançou-lhe um olhar de soslaio.
— Não ando com um homem pelos jardins há algum tempo.
— Eu supus. — Pigarreou, parecendo pensativo. — Devo agradecer o trabalho que você fez aqui na minha ausência, Victoria. Entendo que você fez muito mais do que apenas supervisionar os jardins. Receio que muitas vezes tenha sido negligente em todos os meus deveres, não apenas em um.
Ela ficou impressionada que ele se incomodou em descobrir o que havia sido feito na Carrington House nos últimos meses. Ela assentiu para impedir o fluxo de prazer que a atravessava. Ele poderia tentá-la com beijos persuasivos e com elogios, mas cinco meses de abandono endureciam a resolução de uma mulher como poucas outras coisas podiam.
— Obrigada, meu senhor. Minha mãe cuidou para que eu tivesse uma cabeça justa para administrar uma família tranquila. Manter livros contábeis sempre foi um hobby estranho para mim.
— No entanto, você não precisava ter. Eu não esperava isso de você.
Seu reconhecimento a deixou confusa. Esperava encontrar o sedutor descarado ou o senhor arrogante. Mas, ele sempre foi um homem de muitas faces. Ela não sabia o que fazer com um Pembroke que não estava desaparecendo e causando escândalo. Um Pembroke que era admirável e apreciável. Um Pembroke, que de alguma forma, queria reconquistá-la. Céus, isso era possível? Ela não conseguia pensar nisso. Não pensaria nisso. O calor do sol invadiu sua mente.
— Eu sou sua esposa, — disse simplesmente. — Era o meu dever.
— Ah, mas não fiz meu dever para com você.
Ela parou e largou o seu braço, encarando-o novamente. Victoria sofrera demais em suas mãos para fingir que não.
— Não, — concordou calmamente, — você não fez.
Sua expressão ficou irônica.
— Tenho pensado em como posso fazer as pazes.
— Suponho que não foi inteiramente sua culpa, — disse ela, sentindo um pouco de pena. — Você não queria uma esposa.
— É verdade que meu pai me obrigou, mas começo a achar que gosto de ter uma esposa. — Ele acariciou sua bochecha. — Não vá para Londres. Fique aqui comigo. Carrington House precisa de você.
Carrington House, dissera, mas não ele. A omissão foi flagrante.
— Elaborei uma lista de alterações que precisam ser feitas aqui. Está nos livros da propriedade. Você pode se sentir livre para usá-lo.
— Não quero uma lista, — ele murmurou, seu tom baixo e íntimo, enviando calor através dela. — Quero você. Diga-me, o que pode estar nesta sua lista?
Ela lutou para manter a compostura.
— Eu recomendo um aumento para os funcionários leais. Atualmente, é difícil manter bons servos.
Ele abaixou a cabeça, seus lábios extremamente perto dos dela.
— Mais o quê?
Ela queria que ele a beijasse, mas se forçou a pensar.
— O telhado na ala leste está vazando há algum tempo. Precisa disponibilizar dinheiro o para seu reparo, pois se você não agir logo, receio que o mesmo esteja em risco de colapso. Entendo que a ala leste é a mansão original, que remonta há vários séculos. Deve ser salvo.
— Mesmo? — Sua boca permaneceu distraidamente perto.
Sua paixão transformara a histórica, a imponente e a admirada Carrington House. Ela fez questão de conhecer todas as suas deficiências, todas as suas falhas e fraquezas, todas as suas cicatrizes e feridas que precisavam ser reparadas. Ela era boa em consertar, figurativamente falando. Em sua família, era a pacificadora entre suas irmãs.
— É a história da sua família, meu senhor, não minha, — disse, tentando não notar a proximidade da boca dele. — Se eu fosse você, faria um grande esforço para preservá-la. Sei que será caro, mas certamente podemos encontrar os meios.
— Certamente.
— Eu acho que você parou de me ouvir. — Ela franziu a testa.
— Claro que estou ouvindo, querida. Continue. Que outras ideias você tem? — A língua dele passou por seu lábio inferior, provando-a como se fosse um doce. Algo a ser saboreado.
Queridos céus. Sua mente ficou subitamente vazia, exceto pela necessidade de sentir a boca dele.
— Não me lembro, — admitiu em um sussurro.
— Vê? — Ele sorriu e deu-lhe um beijo rápido. Você deve ficar. E se eu tiver perguntas sobre sua lista? E se você adicionar mais algumas alterações? E se eu quiser arrebatá-la novamente na sala de música?
Sua pergunta perversa enviou calor viajando através dela, um pulso de resposta entre suas coxas. Ele era muito bom em destruir suas defesas. Realmente muito bom. Ela hesitou, sabendo que se cedesse, ele poderia muito bem comprovar sua perdição. Mas, quando tentou acordar a amargura que por tanto tempo fora sua companheira firme, achou-a estranhamente ausente.
Tenho pensado em como posso fazer as pazes.
Poderia confiar nele, seu belo homem diante dela, que ainda permanecia um mistério? Ousaria confiar que ele quis dizer o que disse? As palavras dele ontem revelaram uma parte dela para si mesma que a confundiu e mortificou ao mesmo tempo. Ela permaneceu em Carrington House, não apenas por dever, mas porque isso significava algo para ela. Porque ele significava algo.
— Eu preciso de você, — disse, finalmente. — Por favor, fique.
Essas três palavras inclinaram a balança dentro dela.
— Vou ficar, — cedeu. — Por alguns dias.
— Você não vai se arrepender, minha querida. — Ele levou a mão dela aos lábios para um beijo prolongado, seu olhar queimando-a.
Ela esperava fervorosamente que ele estivesse certo.
Depois de dar uma volta pelos jardins com Pembroke, Victoria voltou para seu quarto para anunciar sua mudança de planos para sua criada pessoal, Keats, apenas para descobrir que o marido já havia cancelado sua viagem sem o seu conhecimento. Ele tinha muita certeza sobre ela, pensou consigo mesma. Talvez, tenha certeza demais. Era uma preocupação incômoda em sua mente quando se juntou a ele para jantar naquela noite, como havia se tornado rotina.
— Você está absolutamente linda, — ele murmurou, enquanto a escoltava para jantar.
Ela escolhera um de seus melhores vestidos Worth para usar naquela noite, um vestido de noite de seda, cetim e veludo de verde escuro e marfim. O corpete abraçava suas curvas e enfatizava seus seios. Completava-se com uma saia de seda creme e coberta por um tecido de renda francesa artesanal. O vestido era do enxoval, muito diferente dos recatados vestidos tom de pastel que sua mãe havia escolhido antes do casamento. Mamãe não tinha o olhar apurado para moda e, como resultado, Victoria enfrentou sua estreia na sociedade com um guarda-roupa repleto de vestidos inadequados. Ela nunca teve a oportunidade de usar um vestido verdadeiramente bonito. Até agora.
— Você está muito bonito, — disse, admirando a maneira como suas calças e casaco pretos formais abraçavam sua forma impossivelmente alta e forte.
Ele cobriu a mão dela por um momento e piscou o olho, o charmoso flerte mais uma vez. Ela supôs que ele estava acostumado a ouvir elogios do sexo frágil, mas suas palavras de elogio eram raras para ela ouvir, bem distantes, assim como ela estivera no campo. Mesmo antes de seu casamento, no entanto, ela sempre se considerou comum. Havia muitas mulheres com uma beleza muito maior do que ela possuía, mulheres que comandavam o interesse de homens como Pembroke. O pensamento coagiu o brilho quente de apreciação que a inundou.
Ele a sentou e demorou-se segurando em seu cotovelo, seu aroma apimentado brincando com seus sentidos. Ele não vinha ao seu quarto desde a noite em que retornara, e o nó de saudade continuou a crescer, principalmente depois da atuação na sala de música. Ela não queria esse nó. Na verdade, tentou com todas as suas forças desfazer isso.
Ela pisou em terreno perigoso agora. Victoria focou o olhar no ornamento de margaridas e rosas inglesas sobre a mesa, enquanto agradecia a Pembroke por sua escolta.
— De nada — ele disse, sua voz um timbre baixo e aveludado em seu ouvido.
A menos que estivesse enganada, ele hesitou apenas o tempo suficiente para dar uma mordidela rápida no lóbulo de sua orelha antes de se endireitar e rodear a mesa. Sua expressão permaneceu impassível quando se sentou. Ela imaginou o delicioso puxão de seus dentes nela? A sensação peculiar de inquietação percorrendo-a sugeria que não.
Um silêncio constrangedor desceu quando o primeiro prato, uma deliciosa e cheirosa sopa de tartaruga, foi colocada diante deles. Pembroke abruptamente instruiu os criados a deixá-los sozinhos, assustando-a. Ela o olhou com desconfiança, tentando não notar o quão indecentemente atraente ele parecia com seus longos cachos de mogno roçando a gola do casaco, os olhos vivos brilhando naquele rosto bonito demais, sua boca ágil sempre se curvava com uma pitada de safadeza.
— Em todo lugar que olho, parece que encontro outra mudança feita pela linda mão da minha esposa. Você acabou com as perucas empoeiradas — disse quando a porta se fechou, deixando-os completamente sozinhos.
Quando ela chegou à Carrington House, tudo estava ultrapassado e dilapidado. Sabia por experiência que, atualmente, as casas de campo raramente exigiam que os lacaios usassem as perucas tão preferidas pelas gerações anteriores, a menos que fosse a mais formal das ocasiões. Ela estava mais uma vez perdida. Ele sempre parecera muito ocupado sendo negligente para prestar atenção na vestimenta de seus servos.
— Quase ninguém mais exige isso, — ela ofereceu. — Coisas arranhadas e terrivelmente desconfortáveis, disseram-me, são preferíveis ao pó.
— De fato? — Ele levantou uma sobrancelha. — Você tem o hábito de perguntar pelo bem-estar de todos os nossos criados?
— Certamente que não. — Ela corou, tendo dificuldade em se concentrar com seu olhar fixo. — Perguntei à minha criada pessoal, quando pensei na mudança. Parecia tão tolo continuar a prática, a menos que tivéssemos convidados em casa. Você se opõe, meu senhor?
— Por favor, me chame de Will, minha querida. Estamos em termos decididamente íntimos agora, não estamos? Por acaso, não me importo com a ausência das perucas. Sempre parecia que estavam prestes a escorregar de qualquer maneira. — Ele provou sua sopa. — Deliciosa. Terei que cumprimentar a senhora Rufton.
Ela não conhecia muito do Pembroke como o dono de sua propriedade. Mas, pelo que havia recolhido das fofocas do andar de baixo relacionadas a ela pela criada, ele não era do tipo que notava nada em sua casa, a menos que isso afetasse seus próprios prazeres. No entanto, parecia que ele se esforçara bastante para tomar nota das menores mudanças que ela fizera.
Não tinha certeza se era porque ele se interessara por ela, ou se era porque não gostava que ela assumisse as rédeas.
— Esperei bastante tempo para começar a deixar minha marca aqui em Carrington House, — disse, sentindo como se devesse explicar. — Você nunca respondeu as minhas correspondências e, portanto, suponho que tomei seu silêncio como aceitação.
— É claro que você faria. — Ele deu um sorriso que não conseguiu decifrar. — Posso perguntar uma coisa, minha querida?
— Pode. — Ela parou no ato de provar a rica sopa da Sra. Rufton. — Mas não posso prometer uma resposta.
Seu sorriso se aprofundou, e serviu apenas para aumentar o efeito surpreendente de sua boa aparência.
— Todo mundo, da nova governanta à sra. Rufton, e até o muito apropriado Wilton, tem elogiado o quão maravilhosa você é. Percebo que muita coisa mudou e, no entanto, quando cheguei, havia uma quantidade excessiva de poeira em meu quarto. Por quê?
Ela sentiu suas bochechas esquentarem. Nossa! Parecia que as novas habilidades de observação de seu marido se estendiam a todos os assuntos. Estava envergonhada por ele ter notado seu ato infantil de desafio.
— Você não estava enganado. — Ela fez uma pausa. — Instruí a Sra. Morton para dizer às empregadas para não tocarem em seu quarto.
— Sério?
— Não tinha motivos para pensar que você voltaria tão cedo, — acrescentou às pressas. — Mas devo admitir que também esperava que, se você voltasse, recebesse uma recepção muito desagradável.
Ele riu da sua explicação. Pelo menos, pensou, não estava bravo com ela por permitir que o pó crescesse em seu quarto. Deus sabia que isso lhe dera uma quantidade infinita de satisfação, durante os meses de sua ausência, ao imaginá-lo espirrando no quarto.
— Acho que você venceu essa batalha, minha querida. Tenho certeza de que espirrei a noite toda quando cheguei.
Ela compartilhou o seu sorriso, ciente de que estava cada vez mais caindo sob seu potente feitiço.
— Você mereceu, meu senhor.
— Will, — ele a lembrou.
— Will, — disse ela, experimentando o nome de batismo em sua língua. Will parecia adequado. Pembroke tinha sido o marido desonesto que a abandonara. Era como se Will fosse o homem charmoso e perspicaz que tomara seu lugar. Exceto que Will e Pembroke eram o mesmo, desonesto e encantador em uma forma gloriosamente bonita. Aí estava o problema.
Sua expressão ficou séria.
— Confesso que gosto de ouvir meu nome em seus lábios adoráveis.
Ela forçou-se a recordar os terríveis meses em que ele a deixou para brincar com outras mulheres em Londres, para que ela evitasse jogar-se sobre ele na sala de jantar.
— Você mereceu, Will, — disse, antes de voltar sua atenção para a sopa.
— Touché. — Ele ergueu o cálice de vinho em uma falsa saudação. — Mas ainda gosto de ouvi-la dizer meu nome.
Ela olhou-o de volta.
— Tenho certeza de que você se acostumou a ouvi-lo dos lábios de muitas outras senhoras. — A ênfase que colocou na palavra não deixou dúvidas de que não achava que nenhuma delas tivesse sido uma mulher de respeito.
— Devo ser lembrado para sempre dos meus erros do passado?
— Não sou do tipo de discutir sobre definições, mas me lembro que há apenas duas semanas você estava cometendo erros na casa de Belgravia com a signora Rosignoli. Isso dificilmente parece tão distante a ponto de ser considerado passado. — Foi sua vez de levantar uma sobrancelha. — Até que você prove que mudou para sempre, me lembrarei disso, tanto quanto o lembrarei — Acrescentou silenciosamente, para sua própria autopreservação.
— Já disse antes que nunca quis machucá-la, Victoria. — Ele largou a colher. — Minha batalha é com meu pai, não você, e lamento que tenhas sido pega no fogo cruzado.
O reconhecimento parecia genuíno, mas o interesse dele por ela durante o namoro também. Mesmo se estivesse sendo honesto agora, não sabia se seria o suficiente.
— Obrigada, — respondeu simplesmente. — Estou satisfeita que você tenha percebido isso, pelo menos.
— De nada. — Ele a estudou atentamente. — Agora, acho que já cansei dessa conversa durante a sopa. Você também?
A sopa de tartaruga havia esfriado há muito tempo. Ela assentiu, observando cautelosamente quando ele se levantou da mesa e caminhou em sua direção. Parou quando estava ao seu lado, encostando o quadril negligentemente contra a mesa. Ele emoldurou o rosto dela com as mãos grandes.
— Nós dois sabemos que nunca quis ser um marido quando nos casamos, — disse finalmente, com um tom grave.
Seu reconhecimento tinha um ar de profunda sinceridade, muito mais do que seu flerte sem esforço e sorrisos encantadores. Ela procurou seu olhar luminoso, imaginando se podia confiar nele. Pensando se deveria. Ocorreu-lhe que o que havia acontecido no passado não tinha tanto poder sobre sua vida quanto o que poderia acontecer no futuro.
— E agora? — Ela perguntou. — O que você quer agora? — Era a pergunta que parecia importar mais.
Seu olhar se fechou.
— Eu tenho um dever para com você.
Ela franziu a testa, tentando entendê-lo. As mãos dele ainda eram um toque quente e tentador em seu rosto.
— Dever não é querer.
— Às vezes, se torna querer — ele murmurou, abaixando a boca para esmagar a dela.
A fome de seu beijo a pegou completamente de surpresa. Ele deslizou as mãos sobre seus braços, e a levantou. A cadeira dela tombou para trás. Ela agarrou-o pelos ombros, abrindo-se para a sua língua. Suas palavras rodaram em sua mente, confundindo-a ainda mais. Ele estava dizendo que a queria? Ou que ainda a considerava um dever?
Ela não podia ter certeza, mas tudo o que sabia sem dúvida, era que ele estava desfazendo os botões ocultos na parte de trás do corpete. Ele arrastou as mangas com rendas pelos seus braços, puxando o vestido, a camisa e a cobertura do espartilho até a cintura. Os topos cremosos dos seios estavam expostos acima do espartilho de cetim.
Ele se afastou de sua boca para contemplar a carne que havia revelado. Seus olhos estavam quentes, brilhando de luxúria e, a menos que estivesse enganada, apreciação.
— Vermelho?
Corando de novo, ela olhou para o espartilho vermelho extravagante que encomendara em Paris antes de suas núpcias.
— É a minha cor favorita, — disse, um pouco envergonhada por seu capricho.
— Adoro isso. — Ele deu um beijo em cada um dos seios, apoiando-os no tecido e no material do espartilho que ajudavam a manter seu corpo na forma adequada. — Adoraria muito mais se estivesse no chão.
Ela ofegou, a realidade retornando com seu pronunciamento ousado.
— Nós não devemos. Não durante o jantar. O que os servos diriam?
Ele olhou-a, uma expressão perversa no rosto.
— Espero que eles digam que enlouqueci, e receio que não ficariam muito longe do alvo.
— Devo dizer que prefiro o Will louco, ao Pembroke saudável em qualquer dia, — confessou.
O velho Pembroke certamente não teria feito amor com ela durante o jantar. Deus, o que estava pensando, permitindo que a persuadisse a um comportamento tão escandaloso? Já era ruim que ele a teve no café da manhã. Agora, ela estava se despindo durante a sopa.
— Suponho que você esteja certa. — Ele suspirou, e começou a ajeitar o corpete desesperadamente torto. — Não seria bom arruinar a opinião apropriada dos servos sobre nós. Mas temo não poder esperar muito mais por você, minha querida, senão ficarei louco de verdade.
Ele a queria.
Ele queria a mulher tímida com quem se casara por dinheiro. Suas atenções não foram fingidas. Sua paixão abrasadora na sala de música tinha sido real. Seu estômago revirou como uma xícara de chá. Oh céus. Ela não se permitiu nem pensar em compartilhar o leito conjugal com ele novamente. Era tentador demais, perigoso demais para seu coração. Mas, parte dela não se importava. Parte dela ansiava por paixão. Por ele.
As mãos dele eram gentis quando colocaram o vestido sobre os ombros à mostra antes de chegar pelas costas para refazer a procissão oculta de botões.
— Posso ir até você hoje à noite?
O pedido fez seu coração bater a um ritmo selvagem, enquanto a paixão deslizava por seu corpo como mel quente. Fechou os olhos por um momento, incerta sobre qual deveria ser sua resposta. Muito provavelmente, deveria ser um – não - definitivo. E, no entanto, não podia negar que estava atraída por ele como sempre. Que mal poderia haver? Era apenas o coração dela em jogo.
— Sim, — sussurrou. — Você pode.
05
ele já ganhou.
Will permaneceu em seu escritório muito tempo depois do jantar, tomando um conhaque e água com gás, meditando. Finalmente conseguiu o que queria. Seu pênis estava duro como o inferno durante o jantar, mas ele queria dar a Victoria tempo para se preparar para sua visita, então foi para o escritório.
O problema era que, uma vez sozinho, sua consciência se instalara, a mesma que não pensava mais possuir. Ele xingou e entornou mais um pouco de sua bebida, enojado de si mesmo. Retornar ao campo, o transformou em um sentimental. De alguma forma, ao longo do tempo em que estava em Carrington House, passou a gostar da esposa. A admirava por suas habilidades em administrar sua casa e por sua forte vontade. De volta a Londres, não havia considerado o enigma particular em que agora se encontrava tão precariamente atolado.
Ele estava pairando no precipício do sucesso. Em menos de uma semana, havia se empenhado em fazer sua esposa aceitá-lo em sua cama novamente. Deveria estar emocionado. Cristo, deveria tirá-la de suas roupas francesas impertinentes, e deslizar dentro de seu doce buraquinho agora. Ele não deveria estar escondido em seu escritório.
Com seu objetivo final tão próximo, não deveria estar sentindo empatia por sua esposa. Ela era um meio para um fim, um dever necessário. Definitivamente não deveria estar tão dolorosamente atraído. Inferno sangrento, sentir qualquer coisa certamente não fazia parte de seu plano.
No entanto, ele gostava.
Sim, gostava dela. Gostava de sua mente afiada, do jeito que ela franzia os lábios quando pensava em alguma coisa, e do jeito que se mantinha com uma graça tranquila quando entrava em uma sala. Gostava dos olhos dela e dos seus longos e deliciosos cabelos loiros, e bom Deus, amava positivamente ajudar a liberar o que havia de mal de dentro dela.
Este era realmente uma revelação estranha. De todas as mulheres com as quais flertara e deitara-se em sua vida, e era uma lista reconhecidamente longa, poderia dizer honestamente que não havia realmente admirado muitas delas. Talvez nem admirasse nenhuma delas, agora que pensava nisso.
Um enigma de fato, um dos piores tipos. Victoria o estava esperando em seu quarto, disposta e pronta. E, no entanto, aqui ele se demorava em seu escritório com um copo de conhaque, percebendo que nutria uma profundidade alarmante de sentimentos por sua esposa, a mesma mulher que lhe tinha sido impingida, pela qual passara meses se ressentindo, a mulher que pensou que poderia esquecer tão facilmente. Mas, ele não a esqueceria. Não agora. Não ela.
Ele engoliu o restante de seu conhaque e água com gás. Era tolice demorar-se mais como uma virgem inexperiente em sua noite de núpcias. Ele não era virgem, e já tinha tido a noite de núpcias. Mesmo assim, tinha uma sensação incômoda de que, o que o esperava o deixaria mudado para sempre.
Victoria havia dispensado Keats. Ela usava apenas um penhoir de seda e algumas gotas de raiz de íris na garganta e nos pulsos. Will havia lhe dito que ele preferia esse perfume.
Will.
Marido dela.
Parecia tão estranho, tão improvável, que o homem cuja presença aguardava ansiosamente, era o mesmo que havia se casado com ela e a abandonado, o mesmo que ela jurou que nunca perdoaria. Sua mente lhe disse que era candidata ao hospício. Não tinha aprendido nada com os cinco meses de solidão e escândalos em turbilhão, que teve que enfrentar sozinha? Talvez não, pois tudo em que conseguia pensar agora era na maneira devastadora em que ele a olhava durante o jantar. Como se quisesse devorá-la.
Ele a beijara como se fosse um homem faminto, e ela, o banquete. A tocou e a deixou em chamas. Ela o queria muito, queria mais do que tinha desejado na sala de música. Com esse pensamento, uma série de batidas firmes soaram na porta que dividia os quartos.
Apesar de saber que ele a procuraria, ela começou a ficar muito nervosa. Apertou o cinto na cintura e consultou seu reflexo no espelho. Seu cabelo estava solto, uma mecha de cachos até a cintura. A luz da lâmpada estava baixa, banhando o quarto com um brilho quente.
Outra batida interrompeu sua preocupada reflexão. Sua boca ficou seca.
Respirou fundo.
— Entre.
A porta rangeu quando abriu, e ela pensou que deveria pedir a um dos lacaios que a lubrificasse. Então, seu marido encheu a porta, e ela se esqueceu de tudo. Ele usava um robe preto, pés grandes e fortes, calçados com chinelos de pelo de cabra aparecendo pela bainha. Seu rosto ficou quente, e tinha certeza de que estava vermelha como uma maçã madura. Seus olhos viajaram do nó desenhado em sua cintura magra até a visão de seu peito nu. Seus olhares se encontraram quando uma deliciosa maré de saudade tomou conta dela.
— Victoria, — ele murmurou. — Eu tinha medo de que você tivesse adormecido.
Ela engoliu em seco, optando pela leviandade.
— É claro que não consegui dormir, com medo de que outra invasão à meia-noite exigisse a ajuda do Sr. Dickens.
Ele estremeceu.
— Meu nariz ainda está sensível ao toque.
— Você nem ficou com uma cicatriz, — ela retornou, não acreditando nem um pouco.
— Falou com um traço de arrependimento. — Ele mostrou o rosto em questão. — Verdadeiramente, nunca mais será o mesmo.
— Um lembrete vitalício para nunca entrar furtivamente no meu quarto sem ser convidado. — Ela manteve o tom agudo. Oh, o que estava fazendo, trocando farpas com o homem que lhe causara tanta dor no coração nesses meses? Tentou se apegar à lista interminável de mulheres que foram ligadas ao nome dele em escândalo, mas elas começaram a cair como as pétalas de uma rosa na primeira vez em que ele a olhou e realmente a viu como uma mulher.
Talvez ela tivesse revelado a rebeldia de seus pensamentos, pois a expressão dele mudou, o queixo endureceu.
— Você tem certeza de que está pronta para mim esta noite? Eu vou esperar, Victoria.
Não.
Mas, não podia dizer-lhe isso. Não diria isso, pois não queria deixá-lo pensar que ele possuía tanto poder sobre suas emoções.
— Estou pronta. Por favor, entre. — Ela poderia cumprir seu dever - pois era isso o que realmente era, afinal. Não deveria se permitir pensar de outra maneira. Esta noite era dever e prazer unidos.
Ele estava se demorando na soleira da porta, mas com sua insistência, finalmente cruzou a fronteira invisível entre os quartos. A porta chiou novamente. Ele era insuportavelmente bonito. Seu cabelo grosso estava despenteado, como se tivesse passado a mão. Ele estava tão nervoso quanto ela?
Os dois começaram a se mover, encontrando-se no centro do quarto. Ela o olhou, emoldurando seu lindo rosto com as palmas das mãos. Suas bochechas estavam levemente ásperas com a textura dos bigodes que barbeara naquela manhã. Ela gostava do formigamento em sua pele.
Ela procurou os olhos dele, mas não os conseguiu ler.
— Isso não é uma brincadeira para você, é? — De alguma forma, havia uma diferença importante.
Sua expressão ficou tensa, seu sorriso desaparecendo.
— Não é uma brincadeira. Te quero. — Ele guiou a mão dela sobre o robe de seda até o contorno rígido de sua masculinidade, pressionando-se contra ela. — Não há como fingir minha reação.
— Deus do céu. — Ela o tocou, sua mão dura e pesada, e sentiu, como se uma flor desabrochando no calor, se abrisse profundamente dentro dela.
Ele passou os braços pela sua cintura, e a puxou com mais firmeza contra o corpo.
— Faz muito tempo desde que fiz amor com você, esposa.
Victoria perdeu a capacidade de falar. Sem as camadas adequadas de roupas, espartilhos e anáguas entre eles, ela podia sentir sua força e sua masculinidade de uma maneira que nunca sentira antes. Seu corpo, moldado ao dela, era uma experiência nova e sedutora que enviou uma requintada dor ao seu coração.
Ela gostou.
Ele abaixou a boca, dando-lhe um beijo possessivo. Ela se abriu, tocando sua língua, e ele ficou em êxtase. As mãos dela pousaram nos seus ombros, absorvendo sua potência. Um surto de inquietação chutou dentro de seu estômago, saudade estabeleceu-se mais em baixo junto com uma pulsação lânguida.
O beijo se aprofundou. Ele segurou o seu traseiro através de seu penhoir fino, garantindo que seus corpos se tocassem nos lugares certos.
— Finalmente, — ele murmurou, arrancando os lábios dos dela. — Não tenho que lutar com hectares de tecido.
Ela riu, apesar da inebriante mistura de sensações que a colocava em um estado confuso.
— Um vestido cheio de panos está na moda.
— Para o inferno com a moda. Você tem ideia de quantos panos idiotas pisoteei nos bailes? — Ele pegou as pontas do cinto dela e puxou. Sua veste abriu-se, revelando seus seios quase por completo. Mais um puxão e as pontas desmoronaram completamente. Ele passou as palmas das mãos quentes sobre os ombros, arrancando completamente a roupa do corpo dela. — Prefiro você nua.
E nua ela estava. Victoria lutou contra o desejo de se cobrir. Ficou muito quieta, observando por baixo dos cílios, enquanto o olhar quente do marido percorria seu corpo. Esperou, sabendo que não era bonita, que na verdade era pequena e esguia, sem todos os seus ornamentos. Keats era muito hábil em enfeitá-la, mas nesse momento, não tinha essa assistência. Tinha certeza de que ele devia ter visto mulheres mais bonitas, talvez até sua cantora italiana de ópera. O pensamento a fez endurecer.
— Por que a cara tão feroz, minha querida? — Ele traçou seus lábios com um leve toque, passando o dedo pelo seu pescoço até os seios. Circulou seu mamilo em um caminho preguiçoso, que teve o botão enrijecendo e seu corpo doendo por mais. — Você é mais bonita do que eu lembrava.
Ele a achava bonita? Seu olhar se voltou para o rosto dele, procurando em sua expressão o menor indício de insinceridade. Não havia nenhum. Seus olhos eram diretos, sua expressão franca e admirada. Ninguém jamais lhe prestou um elogio tão gentil em sua vida. É verdade que houve uma parte justa de elogios efusivos por um cavalheiro que a olhou e viu a bolsa gorda de seu pai, e não o seu verdadeiro eu. Mas isso era de alguma forma diferente. Era o jeito que ele falara, ou simplesmente porque tinha falado, isso importava muito?
Uma súbita onda de coragem tomou conta dela. Queria vê-lo também. Ela teve um pequeno trabalho com o nó de sua cintura. Seu robe deslizou para o chão em um suave sussurro de som. Ele era de tirar o fôlego. O nó de desejo construído dentro dela cresceu. Ele era esguio, mas musculoso, o peito largo e definido. Mas, o que realmente atraiu a sua atenção não foi o estômago tenso ou as longas e fortes linhas de suas pernas. Não, de fato, era a excitação rígida que se projetava orgulhosamente do ápice de suas coxas.
Deus do céu. Quase engoliu a língua. Certamente não tinha visto isso na noite de núpcias. Corando furiosamente, ela forçou o olhar de volta para o rosto dele. O sorriso em sua boca sensual era positivamente perverso. Talvez ela esteja vagando na água que imaginava estar bem acima de sua cabeça, porque sentiu-se como se estivesse se afogando.
De repente, pareceu que ele sentiu sua súbita preocupação. Ele levantou-lhe o queixo.
— Não se preocupe, minha querida. Vamos tão devagar quanto você quiser.
Não era exatamente a velocidade da união que a preocupava, mas a mecânica disso. Agora, entendia bem a pontada de dor que sentira da última vez. Doeria de novo?
— Você está machucando o seu lábio. — Ele segurou o rosto dela em suas mãos grandes e capazes, e deu um beijo carinhoso no lábio em questão. — Você não deve pensar muito. Apenas sinta.
— Sentir é o que me causa problemas, — não resistiu em apontar. Certamente tinha muitos sentimentos pelo homem afável que estava nu diante dela.
Ele lhe sorriu.
— O que é a vida sem problemas de vez em quando?
Fácil, supôs, para ele dizer. Ele nunca teve que transpor um oceano, sair do mundo que conhecia apenas ser abandonado em um campo com nada além de um bando de empregados como companhia. Mas, manter o ressentimento não poderia ser benéfico à trégua que havia feito com o marido, e ela sabia disso. Talvez ele estivesse certo, afinal. Talvez, devesse confiar nele.
Poderia? Embora estivesse agradável em seu quarto devido ao calor do sol do verão, ela estremeceu.
— Frio? — Ele a pegou nos braços em um movimento sem esforço. — Posso te aquecer.
Ninguém nunca a carregou antes também. Aparentemente, seria uma noite de muitas estreias. Victoria jogou os braços em volta do pescoço dele para segurá-lo, enquanto ele atravessa o quarto em direção à sua cama. Ela aproveitou a oportunidade para estudar seu belo perfil. Sua mandíbula era forte, pontilhada de bigodes escuros devido ao crescimento do dia. Ao contrário de muitos senhores ingleses, ele evitava barba e bigode. Descobriu que realçava a beleza física do seu rosto. Hipnotizada, levantou a mão para sentir novamente a textura áspera da barba por fazer contra a palma da mão. Ele se virou levemente para dar um beijo no seu pulso. Um choque de prazer a atravessou. Você não deve pensar muito, ele dissera. Apenas sinta.
Quão libertador seria fazê-lo com ele. Confiar, se ousasse.
Ele a deitou gentilmente na cama antes de se juntar a ela, sua forma longa esticada ao seu lado. Seus corpos estavam intimamente pressionados por todo o comprimento. Ela era tão pequena que seus pés só alcançavam as panturrilhas dele. Sua excitação se projetou contra o aperto de sua cintura. Victoria manteve-se olhando-o fixamente, quase com medo de que, se desviasse o olhar, se perderia nos mares tempestuosos de emoção tentando levá-la embora.
Ele deslizou um braço possessivo ao seu redor, trazendo-a mais firmemente para mais perto.
— Quero você. — Sua boca estava perto da dela, sua respiração quente e inebriante. O rosnado baixo de sua voz profunda foi diretamente para seu núcleo.
Com um gemido, ela fechou a distância entre eles, beijando-o. Ela se abriu para a língua perversa, provando-o, querendo devorá-lo da maneira que seus beijos ameaçavam consumi-la. Ela passou os braços em volta do pescoço dele, os dedos afundando em seus cabelos escuros. Ele invadiu seus sentidos. Ela o provou, sentindo seu cheiro, tão deliciosamente masculino.
Ele passou uma perna esguia sobre ela, prendendo-a na cama. Agora, estava à sua mercê, e isso fez com que seu desejo deslizasse mais sobre sua pele subitamente aquecida. Cada parte de seu corpo havia ganhado vida. Seus mamilos ansiavam por sua boca e toque, seu núcleo, por sua íntima possessão. Se ele a queria, ela o queria mais, com uma intensidade que a levou quase à loucura.
Seus beijos pararam. Will arrastou a boca pela sua garganta. Ela inclinou a cabeça contra o travesseiro para permitir um melhor acesso. A pressão quente e úmida de seus lábios sobre sua pele sensível foi suficiente para fazê-la se contorcer por mais. Ele gemeu como se também sentisse a mesma atração inegável, sua emoção selvagem, a sensação de prazer avassalador. Ele beijou-lhe o caminho até os seios, segurando com as mãos grandes os montículos que se sentiam como se tivessem milhares de formigas, antes de abaixar a cabeça para chupar um mamilo latejante.
Victoria arqueou-se contra ele, incapaz de parar o gemido que fugia de seus lábios. Ele torturou sua carne alternadamente, sugando e rolando sua língua ao redor do broto rígido. Enquanto fazia a mesma sedução no outro seio, seus dedos saltaram sobre a barriga dela e mergulharam na fenda molhada de seu sexo. Ele provocou o nó sensível demais escondido entre suas dobras, e ela empurrou-se em sua mão experiente. Ele continuava, chupando e esfregando, chupando e esfregando, até que o corpo dela estava se esfregando nele em um ritmo primitivo.
Sua respiração saía em suspiros rápidos, gemidos de paixão presos em sua garganta. Certamente, ela conseguiu pensar através da escuridão de sua mente devassa, que isso era o céu na Terra. Nada poderia ser tão mais incrível. Sentiu-se como se estivesse prestes a entrar em combustão.
E então, ela chegou ao auge, tremendo contra ele, os olhos fechados com força para saborear as sensações incríveis que disparavam através dela. Não havia palavras para isso, exceto...
— Puro prazer, — murmurou, ciente de que ele a havia perturbado tanto com a sua maneira de fazer amor, que ela estava perdendo os sentidos, falando seus pensamentos privados em voz alta.
— Concordo. — Seu marido beijou a curva interna de seu seio, depois passou os dentes delicadamente sobre o mamilo mais uma vez. Seu dedo viajou mais abaixo, afundando dentro dela.
Sua respiração escapou de seus pulmões. Ela queria, – não, precisava - senti-lo dentro dela. Doía por querer mais. Dentro e fora, seu dedo empurrou, mergulhando dentro tão profundamente, que temeu entrar em combustão novamente.
— Está pronta para mim?
Ela assentiu, os olhos ainda fechados.
— Olhe para mim, Victoria.
Assustada com o uso do nome, ela obedeceu, piscando ao encontrar o rosto bonito ainda perigosamente próximo aos seios nus. Seus mamilos estavam rosados, brilhando com a umidade do seu beijo. Ela olhou para baixo, para onde a mão dele pressionava entre suas coxas. O constrangimento a atingiu. Suas saias haviam escondido sua visão sobre ele lhe dando prazer na sala de música. Isto era diferente. Tudo muito lascivo. Ela virou a cabeça, encarando as cortinas fechadas na janela.
Era a janela onde mantinha uma vigília constante nos primeiros dias de seu abandono, esperando vê-lo voltar. Ela nunca contou a ninguém, nem mesmo à Maggie, em alguma das muitas cartas que enviou lamentando sua solidão.
De repente, tudo parecia demais, a mistura de prazer que ele lhe dera, com a terrível dor. Ela endureceu, incerteza a instigando. Mas a paixão permaneceu, acalmando seu corpo traidor enquanto o aguardava, independentemente do passado. Sentia-se confusa.
— Não se afaste de mim. — Seu tom era firme, não permitindo oposição. — Deixe-me lhe dar prazer. Deixe-me fazê-la gostar.
Não escapou à sua atenção que ele falava de prazer e não de amor. Esperava que ele caísse aos seus pés como um pretendente apaixonado? O mesmo homem que lhe disse friamente que não precisava ou que não queria uma esposa? Talvez seu coração estivesse muito frágil para permitir-lhe essa intimidade de tirar o fôlego.
Ele afastou-lhe as pernas e a dominou completamente, sua masculinidade descansando pesadamente contra ela, os joelhos dele de cada lado de seus quadris. Ela não queria olhá-lo, pois, se o fizesse, desistiria. Ficou muito quieta, com os olhos fixos nas cortinas.
— Olhe para mim, — ele insistiu novamente. — Droga, Victoria. Não vou forçar minha própria esposa.
Não precisaria de força, e ela sabia disso. Havia uma nota de frustração em sua voz, talvez até de mágoa. Parecia que ele não a entendia mais do que ela o entendia. Ou a si mesma, nesse caso. Sua determinação vacilou. Seu corpo era um peso bem-vindo, e queria que ele terminasse o que haviam começado. Ela virou-se, assustada que realmente o amasse depois de tudo.
Foi uma descoberta paralisante.
Seu olhar a trespassava, quente e carregado de possibilidades.
— Você me quer ou não, querida? — Quando fez a pergunta, mais uma vez ele brincou com seu clitóris, aplicando a quantidade certa de pressão para enviar mais prazer.
— Se você jurar ficar, — ela deixou escapar. Ela sabia muito bem que pedir algo tão monumental em um momento como esse era injusto. Também sabia que, por lei, não tinha absolutamente nenhum direito de fazer-lhe exigências, esposa ou não. Mesmo se concordasse agora, ele poderia rescindir sua promessa mais tarde, se lhe conviesse. Estava permitindo que ele a visse além de sua fachada, e não tinha certeza se deveria.
Ele parou, interrompendo as ministrações que a deixavam selvagem.
— O quê?
Ele não a ouviu ou simplesmente queria humilhá-la, exigindo que repetisse o pedido? Ela vacilou, capturada pelo seu olhar, e sem saber o que fazer. Finalmente, decidiu continuar.
— Você vai ficar aqui comigo? E se precisar sair, você me levará junto?
Will olhou, sua expressão tão impenetrável quanto seus olhos.
— É isso que você quer de mim?
A mão dele ainda estava entre suas coxas. Seu coração batia rápido.
— Claro. — Era, não era? Sim, tinha que ser. Os últimos dias causaram muitos danos às suas defesas, e não achava que poderia sobreviver incólume a outro abandono. Ela podia controlar tantas coisas em sua vida, mas não realmente as coisas que mais desejava. Não podia evitar seus sentimentos por ele. Enterrá-los, segurando sua raiva, não os havia mudado. Ele a despira esta noite, e ela nunca esteve tão vulnerável.
— Farei o meu melhor por você, — disse ele, com uma nota de honestidade áspera no seu tom. — Eu juro.
Você não deve pensar muito. Apenas sinta.
Ela não tinha certeza de que podia. Sua mente girou mais rápido do que as rodas de uma carruagem. Ele não lhe tinha dado a promessa que queria. O que em nome do céu era o seu melhor? Ousaria acreditar o suficiente para descobrir?
— Tentarei não machucá-la novamente, Victoria, — acrescentou, sua voz suavizando. — Se eu for embora, você será benvinda.
Ela supôs que tinha que ser concessão suficiente, principalmente vinda dele. Ele pairava sobre ela, tão grande e bonito. O tempo para falar acabou. Victoria estendeu a mão, puxando-o mais completamente.
Ele desceu sobre ela, sua boca esmagando-a em outro beijo. Seus seios estavam pressionados firmemente contra ele. Sua masculinidade era dura e espessa, cutucando-a. Ele brincou com o sexo dela, esfregando seu pênis contra a carne lisa, passando rapidamente sobre a parte macia escondida lá.
Ela abriu as pernas, permitindo que a guiasse para que enrolasse as pernas em volta de sua cintura. Então, ele a pressionou com a sua excitação. Instintivamente, ela elevou-se, querendo senti-lo dentro dela. Ele penetrou-a lentamente no começo, apenas mergulhando a ponta. Sem dor desta vez. Apenas prazer. Um prazer abrasador e profundo.
Ela gemeu contra os seus lábios, agarrando seus ombros largos em um esforço para puxá-lo ainda mais perto. De alguma forma, não conseguia ter o suficiente dele.
Ele parou diante do seu gemido, quebrando o beijo para olhá-la, os narizes quase roçando um no outro.
— Tem certeza, querida?
Victoria assentiu, incapaz de falar coerentemente, e deslizou as palmas das mãos pelas costas fortes até as nádegas. Pediu-lhe entrasse mais plenamente, atraindo-o para dentro. Ele obedeceu ao seu pedido silencioso, empurrando profundamente. Se ela achava que o toque dele a deixara louca, não era nada comparado ao ataque de sensações que sentia agora.
Ele começou um ritmo perverso, e ela o acompanhou, erguendo os quadris ansiosamente por mais. Cada impulso construindo a intensidade de seu prazer, levando-a cada vez mais perto do ponto de satisfação mais uma vez. Ele gemia, aumentando sua velocidade enquanto a bombeava, antes de abaixar a cabeça para reivindicar seus lábios em outro beijo. A língua dele varreu sua boca, possessiva e exigente. Quando ele a alcançou entre seus corpos, ela não conseguiu evitar as ondas de felicidade que começaram a dominá-la. Ela estremeceu, desfazendo-se impotente, gritando seu prazer.
O seu clímax pareceu levá-lo à loucura, pois se lançou nela ainda mais rápido, mais duro e mais fundo. Ele arrancou a boca da dela para jogar a cabeça para trás, olhos fechados. A expressão em seu rosto era de puro êxtase. Ela nunca o viu parecer tão desprotegido antes, e observá-lo enquanto tomava seu prazer, a enchia com uma nova sensação de calor.
Em outra série de impulsos, ele endureceu contra ela, um gemido baixinho quase soou como um grunhido saindo de sua garganta. Ela reconheceu outra onda de paixão inebriante quando o jato molhado de sua semente a penetrou. E então, caiu em cima dela completamente, respirando pesadamente. Ele pressionou um beijo reverente no lado de seu pescoço.
Após o clímax, nenhum deles falou. Victoria gentilmente afastou uma mecha de cabelo dele da testa e o segurou, uma sensação tranquila de felicidade se enraizando dentro dela.
06
Will acordou com a estranha presença de sua esposa em sua cama. Ele piscou os olhos quando uma fina nesga de sol passou pela cortina das janelas. Ela estava encolhida contra ele como se fosse um gatinho. Um punhado de longos cachos loiros fez cócegas em seu nariz, enquanto avaliava o quadro diante dele.
Diabo, tome isto. Na verdade, estava no quarto de sua esposa. Ele não voltou para o dele. Nunca, nem uma vez na vida, dormiu a noite inteira com uma mulher. O que, no inferno, era o seu problema? Uma semana no campo, e estava reparando em coisas como poeira, empregadas domésticas e lacaios, e permitiu que a esposa que não queria se jogasse em cima dele e o sufocasse com seus cabelos selvagens. Seu braço direito a envolvia, escorando-a ao seu lado, como se fosse onde pertencia.
Cristo!
Com cuidado para não acordar Victoria, puxou o braço e levantou a mão para tirar os cachos de seu rosto. Cheiravam como seu doce perfume. Droga, se seu pau não endureceu com o cheiro. Ele a queria novamente. Com uma maldição murmurada, soltou seus cachos como se fossem feitos de víboras.
Ele tinha que escapar de suas garras, talvez dar um passeio para clarear a cabeça. Tranquilamente, pegou sua parte da roupa na cama, e sentou-se. Então, cometeu o erro de olhar na direção de sua esposa. Ela ainda estava gloriosamente nua, deitada de lado, de costas para ele. A posição e as coxas pálidas lhe davam uma visão justa do traseiro branco e perfeitamente arredondado. Até suas costas, pequenas e curvadas em um mergulho na cintura estreita, o atraíam. O cabelo dela era uma profusão de mechas douradas emaranhadas no travesseiro dele e no dela.
O travesseiro dele?
É verdade que supunha que tudo na casa era dele, independentemente de ter recebido uma melhoria às custas do acordo de casamento. Mas, certamente não queria adquirir o hábito de pensar que pertencia ao quarto dela, a menos que fosse pelo tipo de paixão que haviam compartilhado na noite anterior. Depois da qual, poderia muito bem sair.
Uma dor lenta e constante passou a residir meticulosamente em seu crânio. O que estava pensando para permitir que ela o convencesse a fazer-lhe promessas? Por Deus, nunca fez uma promessa a nenhuma mulher.
Um sentimento estranho se alojou em seu peito. Culpa. Sua esposa o estava transformando num santo. Ele não teria isso. Nem um pouco disso. Mas seu traseiro doce era certamente uma visão tentadora. Seu pau lembrou-o daquele fato mais uma vez. Que mal havia em se entregar a outro ato de amor? Desejava perder-se dentro de sua umidade, enchê-la com sua semente. Tê-la pesada com seu filho.
Doce Jesus, sua depravação realmente não conhecia limites, pois o pensamento dela carregando seu filho o tornava ainda mais duro. Esta não era a ordem correta das coisas. Algo estava decididamente errado com ele. Fazer amor com ela não era apenas uma tarefa que assumira em nome de restaurar seus fundos por mais tempo. Ele havia perdido de vista o dever e a necessidade. Não era nem um jogo, uma lâmina afiada para cortar o tédio. Era pura loucura.
Inclinou-se, incapaz de conter a loucura, e beijou-a no arco de seu ombro nu. Sacudiu a língua contra sua pele, atormentado pela suave cremosidade, o sabor da doçura misturado com uma pitada de sal. Ela fez um som ofegante e rolou de costas. Não o suficiente para a colcha descobri-la totalmente, deixando um de seus seios generosos o espreitando. O mamilo rosa apontou para cima, duro e pronto para a sua boca. Queria chupá-lo até que ela se soltasse contra ele como na noite anterior.
Ele cedeu à tentação e segurou o peito na palma da mão, amando o modo como o mamilo enrugou e apertou-se. Ela realmente era uma pedra preciosa. Talvez houvesse algo a ser dito, afinal de contas, sobre as senhoras americanas que usavam sedutoras sedas, e batiam no nariz de seus maridos com um bom livro de literatura inglesa.
Will a beijou antes de perder o controle total de sua mente. Ela demorou a acordar, mas depois de um pouco de persuasão, abriu os lábios e suspirou em sua boca. Beijá-la era um prelúdio para algo que queria muito mais do que meros beijos. Incapaz de ajudar a si mesmo, ele empurrou o obstáculo de sua colcha para longe, para poder ficar sobre seu corpo nu. Precisava estar dentro dela. Suas mãos estavam em seus seios, os dedos dela emaranhados nos seus cabelos, e suas pequenas pernas envolvidas em sua cintura.
Ah, que inferno. Se era assim que morar com sua esposa parecia, nunca iria embora. Parecia que havia benefícios em acordar em sua cama. Ele passou os dedos entre seus corpos até a junção de suas coxas, e o prêmio que procurava. Sua vagina já estava lisa e pronta. Ele passou o polegar sobre o nó sensível, do jeito que descobriu que ela gostava. Seu corpo era incrivelmente responsivo, empurrando-se contra ele.
Se ele não a levasse logo, explodiria. Posicionou-se em sua entrada, chovendo beijos sobre sua garganta e empurrou. Todo pensamento lúcido fugiu de sua mente. Todo o mundo se concentrou em se perder em seu corpo delicioso. Por dentro e por fora, ele acariciou, amando os gemidos guturais que seus adoráveis lábios produziam. Ele bombeava em um ritmo acelerado, sabendo pelo ofegar de sua respiração, que ela preferia que seu amor fosse profundo e intenso do jeito que fazia.
Preso no meio do desejo inebriante, quase não ouviu seu meio suspiro, suas palavras meio sussurradas.
— Eu te amo.
Ela o amava? Ouviu-a corretamente? Não poderia ter ouvido, e ela ainda estava atordoada com o sono. Certamente não o amava. Ainda assim, de alguma forma, sua declaração teve o efeito oposto de que deveria, porque de repente, ele estava prestes a chegar ao clímax. Imediatamente. Não aguentou mais. Jogando a cabeça para trás como um guerreiro conquistador, ele derramou sua semente.
Quando finalmente terminou exausto, rolou para o lado e se forçou a sair da cama dela antes de decidir morar lá para sempre. Empatia era uma coisa, culpa outra. Mas essa atração inexplicável e inevitável que sentia estava se tornando totalmente inaceitável. Não podia permitir que isso governasse sua vida. Tinha que lembrar que seu foco principal era salvar- se da ruína financeira, e não bancar o pretendente apaixonado por sua esposa. A própria esposa que o duque escolhera para ele.
— Will?
Sua voz sonolenta o chamou, seu tom questionador. Ele nem sequer a olhou depois de fazerem amor. Tinha medo, por Deus! Atravessou o quarto e recuperou o roupão descartado. Talvez lhe devesse uma explicação por seu comportamento grosseiro desta manhã, mas não a tinha. Ele estava mais bagunçado do que jamais esteve em sua vida reconhecidamente bagunçada.
— Will?
Cristo. Sua voz parecia instável. Ele se virou para olhá-la enquanto enfiava os braços nas mangas e amarrava o cinto na cintura. Ela havia coberto seu belo corpo, e parecia incrivelmente pequena recostada na cabeceira. Seu cabelo ainda era uma auréola de cachos descontrolados em volta do rosto. Ela havia dito que o amava, e ele se envergonhou com sua resposta ao gozar tão rapidamente quanto um rapaz que tinha sua primeira mulher.
Ele não estava destinado a amá-la, e nem ela a ele.
O amor não existia para ninguém além de idiotas e mães orgulhosas.
Victoria esperava sua resposta. Ele limpou a garganta.
— Bom dia, minha querida. — E com nada mais, girou nos calcanhares e saiu do quarto dela, antes de fazer algo ainda mais imprudente, como correr de volta e se juntar à sua esposa deliciosamente amarrotada na cama.
Ela disse que o amava? Depois que a porta que unia os quartos se fechou, Victoria afundou nos travesseiros, mortificada. Estava convencida de que estava no meio de um sonho maravilhoso, superado pelas sensações com que ele a provocara. Tinha sido uma maneira pecaminosa de acordar, com os beijos e carícias apaixonados de seu marido. Não quis dizer essas três palavras em voz alta.
Podia fingir que nunca as tinha dito, e continuar como Will, como se nunca as tivesse ouvido. Mas, ela não era ingênua e sabia que ele a ouvira muito bem. Foi por isso que fugiu na primeira oportunidade.
A reação dele à sua gafe foi esmagadora. Ela lhe disse que o amava, e ele lhe ofereceu nada mais do que um cordial — bom dia — antes de desaparecer. Talvez tivesse cometido um erro grave ao deixá-lo deitar-se em sua cama, pois, ao fazê-lo, também o havia permitido voltar ao seu coração. Se, de fato, ele já o tivesse deixado.
Sua cama ainda cheirava a ele. Relutantemente, ela se levantou e procurou seu penhoir, ainda jogado no tapete grosso. Estranho, mas se sentia mais sozinha agora do que em todos os meses em que ele se fora.
Com um suspiro, foi até a campainha e tocou para Keats. Embora não desejasse nada melhor do que se esconder de Will pelo resto do dia, sabia que isso seria apenas um adiamento infantil do inevitável acerto de contas. Atravessou o quarto enquanto esperava, puxando as cortinas para o lado, para olhar a luz do sol levemente sombria.
Se ele tivesse dito algo mais do que — bom dia.
Will ainda estava se xingando por ser um idiota quando sua esposa entrou na sala para partilharem o café da manhã. Poderia ter oferecido antes um pouco mais do que uma saudação educada, e sabia disso. Ele parou à entrada dela, no ato de servir-se de peixe, bacon, ovos e torradas no aparador.
Ela usava um vestido matinal de um azul vibrante e profundo, com renda francesa aparecendo do alto do decote, e uma saia bordada que foi cortada para revelar mais renda por baixo. Embora o traje fosse bastante modesto, podia visualizar pela seda ondulante, as deliciosas curvas e seios acima de sua elegante cintura de vespa. Quando a viu pela última vez, estava nua, e ele, dentro dela.
Engoliu em seco, desejando que sua excitação instantânea diminuísse.
— Bom dia, — ofereceu através dos lábios repentinamente rígidos. Cristo, ela o estava transformando em um idiota. Ali estava ele, jogando-lhe os mesmos gracejos sem sentido que já haviam colocado uma parede invisível entre eles. Podia sentir o seu afastamento tão certo quanto podia sentir o aroma fresco do bacon.
Como se para provar seu argumento, ela lançou-lhe um olhar que era positivamente frio. Suas expressões estavam imóveis em seu pequeno rosto normalmente expressivo. Em vez de encará-lo, seus olhos estavam fixos em algo na parede oposta da sala de café da manhã. Uma pintura antiga da família, talvez, uma do quarto duque posando com seu cão de caça favorito. Qualquer coisa, menos ele.
Ele a machucou, percebeu, e justamente quando prometeu não fazer. Estremeceu, vendo quando ela permitiu que o mordomo a sentasse em um silêncio igualmente gelado. Embora ela tenha agradecido ao pobre Wilton com um sorriso forçado.
Hora de pagar pela sua falta, decidiu. Terminou de adicionar uma pilha de ovos ao prato.
— Posso colocar um prato para você, minha querida?
Ela ainda se recusava a olhá-lo diretamente, mas se dignou a dar um aceno real.
— Você pode.
O sempre eficiente Wilton apareceu ao seu lado, gentil o suficiente para levar seu prato de volta para a mesa, para que pudesse dedicar sua atenção ao de sua esposa. Ele selecionou uma variedade de carnes, torradas e geleia. Notou que ela nunca tocava seus ovos, mas gostava de marmelada.
Colocou o prato diante dela com um floreio.
— Seu café da manhã, minha senhora.
Ele estava perto o suficiente para sentir o cheiro de seu doce perfume. Suas mechas douradas tinham sido trançadas em um penteado artístico pela sua criada pessoal, as madeixas tão brilhantes que reluziam. Ela recusou-se a se virar em sua direção, deixando-o apenas com seu perfil. Um brinco de safira solitário encostava-se em seu pescoço cremoso. Porra, se ele não estava com ciúmes da bugiganga por sua proximidade com a sua pele macia.
— Obrigada, Pembroke. — Sua voz possuía uma nota subjacente de emoção. — Por favor, aproveite o seu.
Ele estava dispensado.
Ocorreu-lhe que estava demorando como um doente apaixonado em pé ao lado dela. O que diabos estava fazendo, olhando para o belo brinco de sua orelha, pensando em beijar seu pescoço na presença do mordomo? Ele era candidato ao hospício. Sua queda das graças de sua esposa foi completa.
Sentindo-se ainda mais imbecil, sentou-se. Como ela pôde chacoalhá-lo, esse pequeno pedaço de mulher em quem nem sequer pensara até a semana passada? Era ridículo. Embaraçoso. Absurdo.
— Você disse alguma coisa, meu senhor?
Ele fez uma pausa, com uma garfada de ovos no meio do caminho para a boca. Querido Deus. Estava murmurando alto para si mesmo? Reprimiu sua auto-aversão, dando-lhe um sorriso paciente.
— Nada mesmo.
Eles ficaram quietos por um tempo, apenas o baixíssimo som de talheres na fina porcelana. Ficou agradecido pela pausa. A velha sra. Rufton ainda se destacava na culinária, e ele saboreava cada mordida de seus ovos úmidos e cheios de ervas. Sem mencionar o sabor divino do bacon em sua língua. Talvez fizesse o melhor mantendo a boca cheia o tempo todo, calculou.
— Você não me deu ovos — ela murmurou no silêncio.
Ele a olhou para encontrá-la o encarando, direta e avaliativa. Estava testando-o.
— A omissão foi intencional, minha querida. Notei que você nunca toca nessas coisas.
Sua expressão se suavizou.
— Quão atencioso da sua parte.
Bem, ele não era um ogro, pelo amor de Deus. Podia ter sido um canalha desatento nos primeiros meses de união, mas tinha olhos na sua maldita cabeça. Estava começando a ficar ofendido com seu ar distante, e o sentimento era bem-vindo.
Deliberadamente a ignorou, voltando sua atenção para o mordomo que estava de pé em orgulhosa postura.
— Wilton, gostaria de ler minha correspondência enquanto tomo meu café da manhã. Acho que tenho um dia bastante ocupado pela frente.
Ele lançou um olhar de soslaio para sua esposa para avaliar sua reação. Seus lábios carnudos se comprimiram numa carranca. Suas sobrancelhas também estavam unidas. Talvez estivesse se perguntando o que o ocuparia durante o dia, e o levaria para longe de sua companhia. Não é uma coisa favorável, mas ela não precisa saber disso.
Satisfeito, retomou ao café da manhã. Esperava que ela o achasse tão irritante, quanto a achava. Ela ficava quente, e depois fria. Disse-lhe que o amava, então não o olhava mais. Por Deus, estava confuso o suficiente por conta própria, sem ela para atrapalhar ainda mais as coisas.
— Há algo errado, Pembroke?
Sim, droga. Tudo estava errado. Estava elogiando sua esposa e mentindo para ela ao mesmo tempo. Ele levantou uma sobrancelha, e fixou-lhe com o que esperava ser um olhar adequadamente murcho.
— Claro que não, minha querida.
Sabia que não deveria insistir em seu subterfúgio. Infelizmente, o que havia começado como uma necessidade, agora tinha repercussões muito mais terríveis. Não tinha dúvida de que, se ela descobrisse sua motivação para se tornar um marido de verdade, o acertaria na cabeça com O Conto de Duas Cidades. E mais uma vez, voltaria com sua noção insana de divórcio. Ele não queria um divórcio. Gostava muito de ter uma esposa, especialmente uma tão deliciosa quanto Victoria.
O retorno de Wilton com uma bandeja de envelopes de vários tamanhos o salvou de uma conversa indesejada. Cavou neles com o mesmo gosto que aplicou à sua refeição.
A palidez repentina do marido não escapou a Victoria, quando ele examinou uma das cartas. Estava observando-o, consternada por sua repentina falta de interesse nela. Estranho que estivesse tão sintonizada com o humor dele em tão pouco tempo. Talvez ainda mais estranho que estivesse tão acostumada a esperar sua atenção.
Ansiava por perguntar-lhe quem havia escrito e por que aquilo o perturbara. Mas a bandeira branca ainda estava deitada sobre a mesa, e não confiava o suficiente para pegá-la. Dada a reticência dele em seu quarto, não tinha certeza de quão longe poderia empurrá-lo.
Ele olhou-a, pegando seu olhar. O coração dela pulou em um ritmo mais rápido com aqueles olhos azuis fixando-a, brilhantes e procurando. Ele pigarreou, um hábito que começara a notar que acontecia sempre que ficava sem palavras.
— Parece que o duque se dignou a me escrever uma carta, — disse, com um tom severo.
Deve ter havido algo no conteúdo da carta de seu pai que o havia perturbado bastante. Ela prosseguiu com cuidado.
— O que Sua Graça diz?
Will colocou um sorriso forçado nos lábios.
— Nos envia seus cumprimentos.
— Isso é tudo? — Não era precisamente que não acreditasse nele, mas estava desconfiada. A culpa beliscou-a. — A carta parece ser bastante volumosa.
Podia ver que a carta era longa, a grafia escura do duque visível, enquanto Will segurava a carta contra a luz. Achou curioso saber que o duque estava ciente da presença de seu marido no campo. Franziu a testa quando suas dúvidas aumentaram. A menos, é claro, que tivesse sido enviado da casa da Belgravia. Talvez estivesse pensando demais.
Will dobrou a carta com cuidado e enfiou-a dentro do bolso do paletó.
— Ele também fala sobre seus falcões ou algo assim.
Falcões. Ele a achava obtusa? Nenhum homem escreveu uma página inteira cheia de bobagens sobre falcões. Ela continuou, mais convencida do que antes, que ele lhe escondia algo.
— O que te incomodou, então? Talvez você tenha uma forte antipatia pela falcoaria?
— Chateado? — Ele levantou uma sobrancelha imperiosa. — Pelo contrário, minha querida, nunca fui tão feliz.
Ela o considerou por um momento.
— Você não parece feliz para mim.
— Mas estou. O velho miserável e excêntrico também escreve que planeja nos agraciar com sua presença. — Amargura amarrou sua voz.
O duque falara com ela exatamente em duas ocasiões até agora, uma vez em um baile dado em homenagem a seu noivado e uma vez no dia do casamento. Todas as outras comunicações foram realizadas estritamente com seu pai. Victoria tinha sido uma mercadoria trocada, um complemento necessário para o bem dos consagrados cofres da família. Talvez a noção da visita do duque tenha perturbado Will. Deus sabia que ela não concordava com isso. Ele era sufocante e tinha um jeito de olhá-la que a fazia sentir como se tivesse deixado cair uma bola de geleia em seu vestido de seda.
Apesar de suas reservas, era seu dever ser anfitriã do homem. Sua chegada provavelmente levaria a equipe da casa a um alvoroço.
— Quando ele planeja chegar? Vou precisar de tempo para me preparar.
— Daqui a uma quinzena. — Will não poderia ter usado uma expressão mais enojada se tivesse comido um prato de ovos podres, em vez das criações celestiais da cozinheira.
Uma quinzena não os deixava com muito tempo.
Victoria quase deixou cair o garfo. Ela parou, estampando uma expressão agradável no rosto. — Que agradável.
— O que, nesse momento, poderia ser mais terrível que isso. — Ele murmurou o que parecia ser uma rude série de maldições.
— Ele não pode ser tão ruim. — Poderia? Tinha que admitir que, por mais imperturbável que Will parecesse em todos os outros assuntos, quando se tratava do duque, ficava muito afetado. Certamente havia uma boa razão para isso.
— Você verá.
Ela se perguntou novamente o que poderia ter tornado o marido tão frio, tão odioso para com o pai. Talvez ele nunca lhe confie isso. Deus sabia que era adepto de evitar assuntos sérios em favor de outras atividades muito mais atrevidas.
Abruptamente, largou o garfo no prato.
— Acho que perdi meu apetite. Gostaria de dar um passeio a cavalo, minha senhora?
Victoria não tinha, precisamente, simpatia por cavalos. Equitação nunca tinha sido um de seus talentos. Ela hesitou.
— Não tenho certeza se estou com disposição para ser impelida a isso.
Claro, a oportunidade de passar mais tempo com Will era realmente atraente. Queria muito insistir na tentativa de paz entre eles. Talvez o constrangimento da manhã pudesse ser amenizado, pelo menos em parte.
— Por favor, tenha pena de mim, minha querida. Tive uma manhã difícil. — Deu-lhe um sorriso que enviou calor diretamente para o seu coração.
O homem sabia como fazê-la se curvar aos seus caprichos. Ele era perigoso.
— Muito bem, — concordou depois de um pouco de introspecção. — Irei acompanhá-lo.
07
Will lhe dera a égua mais dócil do estábulo. O animal estava tão calmo, de fato, que Victoria teria jurado que dormia em seus cascos, exceto que continuava andando a passos largos em um ritmo extremamente lento. Enquanto isso, Pembroke montava um cavalo tão elegante quanto rápido. Estavam passeando a apenas por alguns minutos, e já estava cansada de ter uma visão dos quartos traseiros da montaria dele.
— Will, — chamou.
Ele parou e voltou-se.
— O que é, minha querida?
— Pensei que tivesse dito que queria que eu o acompanhasse.
Ele franziu o cenho quando ela o alcançou, e controlou seu cavalo lento.
— Você está me acompanhando.
— Não exatamente. — Sua égua começou a farejar um monte de grama, decidindo que era hora de um segundo café da manhã. — Estive olhando suas costas o tempo todo.
— Disseram-me que tenho costas maravilhosamente largas. Pensei que você poderia querer admirá-las.
Seu tom era mortalmente sério. Victoria analisava sua expressão branda, tentando discernir se estava fazendo caso dela. Não saberia dizer. Cada dia com ele era uma experiência totalmente esclarecedora. Finalmente, ele riu, os planos duros de seu belo rosto suavizando. Havia muito mais nele, pensou, do que o estranho que a abandonara em favor de viver a vida de um patife em Londres. Ele continuava a surpreendê-la, e fazia o seu caminho para dentro do seu coração. Maldito, o homem!
— Estou brincando com você, Victoria. — Ele sorriu. — Vocês, americanos, nunca riem?
Um sorriso de resposta surgiu em seus lábios.
— Claro que nós fazemos.
Ele ficou sério.
— Suponho que não lhe dei muitos motivos de leveza. — Ele fez uma pausa, seu olhar tenso sobre o dela. — Vamos desmontar, e dar um passeio.
Sem esperar pela sua resposta, desceu de sua montaria com graça e sem esforço, e estendeu a mão para ajudá-la. Suas mãos circundaram sua cintura ao ajudar-lhe a ir para o chão. Quando seus pés estavam em segurança na grama mais uma vez, ele, entretanto, não a libertou de seu aperto. Em vez disso, suas mãos permaneceram em seu corpo, sua forma alta pressionando a dela, diminuta.
— Você é incrivelmente adorável, — murmurou, abaixando a cabeça na direção da dela.
Ela virou o rosto no último momento, apresentando-lhe a bochecha em vez dos lábios. Ele a beijou da mesma forma, mas seu aperto intensificou-se.
— Estou sendo punido por esta manhã?
Victoria desviou os olhos, para que, mesmo agora, não o deixasse encantá-la para ceder à paixão ardente que havia entre eles. Queria mostrar-lhe que era tão indiferente quanto ele pelos seus encontros. Claro, isso não era verdade, mas suspeitava que não deveria permitir que visse sua mão inteira no jogo que jogavam.
— O que você fez que exige punição? — Perguntou, em vez de responder à sua pergunta.
Ele soltou sua cintura com uma mão e gentilmente tocou seu queixo, forçando-a a olhá-lo mais uma vez. Seu olhar era azul, estalando com fogo sedutor e algo indefinível. Penitência? Ela não podia ter certeza.
— Deixei você com pressa esta manhã, — disse-lhe, humildemente. — Sei que foi uma idiotice. Não posso me desculpar, exceto para dizer-lhe que não quis pronunciar nenhum insulto. Minha mente estava simplesmente sobrecarregada com assuntos mais pesados.
Ela levantou uma sobrancelha.
— Assuntos mais pesados?
Ele limpou a garganta, parecendo pouco à vontade.
— Negócios com as propriedades, — esclareceu com óbvia ambiguidade.
— É mesmo? — Foi a vez dela de levantar uma sobrancelha. — Fiquei com a impressão de que você nunca lidou com questões imobiliárias aqui em Carrington House.
— Diabo, você é uma mulher intrometida, — ele reclamou. — Muito bem, se você deseja saber, fiquei impressionado com a percepção de que não consigo obter o suficiente da minha adorável esposa.
Ela não achava que acreditava nessa explicação mais do que na primeira. Mas, suas palavras enviaram desejo deslizando através de seu corpo devasso da mesma forma.
— De alguma forma, suspeito que você está zombando de mim.
— De forma alguma, minha querida. — Seus olhos escureceram. Ele acariciou sua bochecha novamente. — Não brincaria sobre isso. — Ele traçou um caminho na garganta dela, parando no primeiro botão da blusa de gola alta. — Diabos, você está sempre abotoada.
Victoria riu de sua observação frustrada, parcialmente para dissipar a onda precoce de desejo que a rodeava.
— É a moda atual, você sabe.
— A moda deveria pensar um pouco mais sobre um homem que quer seduzir sua esposa, — resmungou, soltando o botão superior da casa. — Aqui estamos. Só faltam oitocentos.
— Pembroke, — ela protestou, escandalizada por ele estar começando a despi-la no meio do dia, ao ar livre.
— Estamos de volta a Pembroke, não estamos? — Continuou abrindo o corpete. — Vou ter que remediar isso.
Respirando fundo, ela forçou-se a olhar por cima do ombro dele. O cavalo de Will estava começando a perambular. Isso seria a desculpa perfeita para recuperar sua capacidade de resistência.
— Você poderia amarrar nossos cavalos primeiro. Tenho certeza de que a minha égua não andará para muito longe da refeição, mas o seu cavalo, é outra questão.
— Droga. — Com um olhar ofendido, soltou-lhe e caminhou atrás de seu cavalo.
Victoria considerou melhor desfazer o dano que ele causara na sua gola. Rapidamente, fechou o corpete. Observou enquanto ele segurava os dois cavalos antes de voltar. O momento pairava vivo, com sol e possibilidades. Teve que admitir que ele era uma figura arrojada em suas calças de montaria. Era alto, magro e musculoso. A intensidade em seus olhos fez seu coração acelerar.
Ele parou a poucos centímetros dela, dando-lhe um sorriso de menino.
— Agora, onde estávamos? Você se recompôs. Isso é contra as regras.
Ela tentou não sorrir, pois serviria apenas para encorajá-lo.
— Não sabia que havia regras envolvidas.
— Apenas regras da minha criação. — Ele piscou.
— Você não é um concorrente justo, meu senhor.
Ele passou um braço em volta da sua cintura, e a arrastou para seu corpo duro.
— É a primeira vez que você se dá conta desse fato, querida esposa? — Ele abaixou a cabeça, perto o suficiente para beijar.
Oh, ele já a estava tentando novamente, o homem pecador. Melhor evitá-lo de qualquer maneira possível. Sua mente ficou embaçada.
— Talvez deva me dizer quais são as regras antes de eu começar a jogar.
— Devo dizer que sempre preferi o elemento surpresa, — disse antes de tomar sua boca em um beijo esmagador.
Os braços dela envolveram seu pescoço por vontade própria. Ela se abriu para a sua língua, deleitando-se com a maneira sensual com que ele mergulhou dentro de sua boca para provar e provocar. Suas mãos deslizaram pelas costas dela de um jeito possessivo. Sua determinação desmoronou como se fosse um navio sendo arremessado novamente em uma costa rochosa. Ela o queria, e ele sabia exatamente como fazê-la ceder aos próprios desejos.
Victoria apertou-o mais, respirando seu perfume divino. Retribuiu o beijo com todo o fervor que clamava a vida dentro dela. De alguma forma, não importava mais que eles tivessem começado mal a manhã. Tudo o que podia sentir era seu corpo poderoso, seu toque conhecedor, seu beijo reivindicador.
Queridos céus. O que ele fez com ela?
Ele finalmente interrompeu o beijo, emitindo um som abafado na garganta. Sua respiração estava irregular, o espartilho cortava sua cintura, enquanto lutava para recuperar seus sentidos. Ela se agarrou a ele, não querendo que o abraço terminasse. Ele a olhou, seus olhos ferozes, brilhando com desejo nu.
— Estou começando a me arrepender de sugerir cavalgar, em vez de simplesmente voltar ao seu quarto. — Ele suspirou. — Vamos dar um passeio? Se demorarmos mais um minuto, temo que te leve aqui na grama como um garoto de estábulo.
Uma mistura de decepção e alívio a alcançou. Ela pegou o braço dele e começou a andar. Felizmente, ela usava um par de botas, caso contrário, seus sapatos teriam sido arruinados pelo terreno irregular e úmido. Pelo menos, poderia manter sua sanidade quando ele não a estivesse beijando, raciocinou.
— É um dia adorável, — murmurou, optando por um assunto mais seguro. E realmente era. Enquanto acostumava-se ao clima inglês lentamente, estava começando a admirá-lo por sua natureza dramática, muitas vezes inconstante. Tudo parecia muito mais vibrante, mais verde e mais vivo do que Nova York.
— Tempo bom, realmente, — ele concordou, com um tom leve e afável.
Quase ninguém imaginaria que estavam prestes a fazer amor no meio do mato. Mas Victoria sabia, e ainda enviava um fogo furioso através de seu sangue. Tentou se concentrar no cenário, nas árvores e nos campos verdejantes. Ao longe, ovelhas pastavam em um cenário tranquilo. O resultado era bastante pitoresco, mesmo que ela continuasse furtivamente, olhando para o belo perfil de seu marido.
— Aonde você está me levando? — Precisava perguntar. Ele a estava guiando por um caminho que levava a um denso e aparentemente antigo bosque de árvores.
— Para o rio, minha querida. — Ele bateu na mão que descansava na dobra do cotovelo. — Você tem pouquíssima fé em seu marido, não é?
Ela mordeu o lábio, e pensou sobre como responder a essa pergunta em particular. A verdade é que tinha fé e, no entanto, não. Apenas quando confiava, parecia que não deveria fazê-lo. Ele era realmente um enigma.
— Pensando bem, não diga o que está chacoalhando em sua cabeça bonita. — Ele suspirou. — Posso dizer pela sua expressão, que não será nada do que prefira ouvir.
Ela inclinou a cabeça, considerando-o enquanto continuavam a caminhar.
— Não vou dizer, então.
— Bom. — Seu aperto firmou-se. — Diga-me algo que ainda não sei.
Victoria riu.
— Você tem alguma coisa em mente?
— Minha querida garota, como posso ter qualquer coisa em mente, se ainda não sei o que você iria dizer?
Outra explosão de riso lhe escapou. Ele podia ser bastante divertido se quisesse, e seu charme aparecia sem esforço.
— Quais são seus interesses? Era isso que eu queria dizer.
— Hmm. — Ele a olhou, seus olhos dançando com uma alegre luz azul. — E sua família? Quantos irmãos você tem?
Ela apertou os lábios. Ele deveria saber.
— Te disse enquanto me cortejava. Você não se lembra?
Sua expressão ficou nublada.
— Ah sim. Existem cinco de vocês, não é isso?
— Seis, — corrigiu, seu tom azedo. Ele não ouviu uma palavra que ela já disse, ouviu?
— Apenas isso. — Ele limpou a garganta. — Felicitações para sua irmã mais nova.
— Libby tem doze anos, — ressaltou com crueldade.
—Cristo, — ele murmurou, abruptamente interrompendo a caminhada para encará-la e segurar suas mãos. Ele estava falando muito sério enquanto a olhava, seu rosto duro com a beleza masculina. —Tenho uma confissão a fazer, minha querida. Não fui um bom pretendente. Se você estava falando, as chances são grandes de que não a estava ouvindo. Por favor, não me odeie por isso, mas aí está.
Ela já suspeitava disso até agora, mas sua admissão doeu.
— Não te odeio, — disse, — mas devo admitir que não estou terrivelmente impressionada. Sou tão chata assim?
— De jeito nenhum. — Ele apertou os dedos dela, presos como estavam em um grande aperto. — É apenas que eu era muito idiota.
Não havia sentido em salvá-lo da vergonha, ela decidiu. Pela primeira vez em sua vida, ele devia pagar sua dívida.
— Você era.
Ele levou suas mãos aos lábios para um par de beijos que enviaram um desejo que deslizava através dela.
— Perdoe-me, minha querida?
— Suponho que sim, — ela admitiu. — Mas quando eu lhe perguntar a seguir, é melhor você me dizer que sou a filha mais velha de seis.
— Seis filhas? — Ele parecia horrorizado. — Não me diga que teremos somente meninas também. Vou enlouquecer.
A menção de seus futuros filhos enviou um tipo completamente diferente de emoção. Deus do céu. Mesmo que tivesse se reconciliado com o fato de que deveria produzir um herdeiro para a família dele, ela realmente não tinha pensado muito na ideia além disso. Lembrou-se do que fizeram na noite anterior, e mais cedo naquela manhã. Victoria tinha certeza de que estava da cor vermelho cereja.
Ela forçou sua mente a voltar ao tópico em questão. Estava repreendendo-o, não o elogiando, não sonhando acordada com ele.
— Sim, seis meninas, — confirmou. — Tome nota dos nomes delas também, já que você deverá conhecê-las agora. Há Rose, Lillian, Edith, Pearl e Libby.
Enquanto falava seus nomes, ocorreu-lhe o quanto sentia falta delas. Eram todas mais jovens do que ela, mas queridas à sua maneira. Às vezes, Nova York e sua antiga vida lá, ainda lhe acenavam com sua familiaridade acolhedora e o conforto de saber que era amada.
— Certo, — ele interrompeu seus pensamentos. — Roberta, Laura, Edith, Pearl e Louisa. — Seu tom era esperançoso.
— Rose, Lillian e Libby. — Ela lhe deu um tapinha. — Você as encontrará um dia, espero, e então poderá se lembrar dos seus nomes. Tenho certeza de que elas planejam seguir meus passos.
— Deus as ajude, — observou ele, sua voz encharcada de autodepreciação.
— Deus e sua irmã, — disse ela, esforçando-se para aliviar o humor. — Sei navegar pelas águas sociais traiçoeiras deste lado do mundo.
— Graças a Cristo, você é uma alma que perdoa, — ele murmurou. — Deus sabe que não a mereço.
— Não, — ela concedeu, feliz por ele ter notado, mas querendo fazê-lo se contorcer apenas um segundo, — não merece.
Rose, Lillian, Edith, Pearl e Libby. Meu Deus, teria um bando de filhas antes de ter um herdeiro. Se ele gerou mesmo um herdeiro, era isso. Deveria estar convenientemente horrorizado. Mas ao diabo que estava, realmente não dava a mínima. Se Victoria tivesse uma dúzia de filhas, todas ainda seriam filhas deles, de olhos brilhantes e cabelos louros, para serem queridas.
Droga, para o inferno. Estava ficando louco. Ele largou as mãos dela, determinado a retomar a caminhada sem mais sentimentalismo. Deveria saber melhor que teria que criar a família dela, por Deus. Qual era o seu problema? Fazer amor com ela confundiu sua mente? Muito provavelmente, porque seu pênis estava se mexendo apenas por estar ao seu lado.
Pensou que seu desejo louco se dissiparia, mas estava piorando.
O que fazer? Certo, estava tentando mostrar a ela o rio antes que fugisse irremediavelmente. Ele ofereceu-lhe o braço mais uma vez.
— Vamos continuar nossa caminhada, minha querida? Você já viu o rio aqui? É algo para se contemplar.
Lembrou-se de ter mergulhado nele quando menino, nas ocasiões em que sua família se instalara em Carrington House. Eles haviam ido com frequência até a terrível última visita. Sua mãe havia perdido um bebê, outro irmão, e sucumbira pouco tempo depois à febre do parto. Embora, ninguém tivesse certeza de que o pai do natimorto era o duque ou o amante do momento, a morte do bebê confirmou Pembroke como o único herdeiro.
Depois disso, o duque o enviou para Harrow. Carrington House ficou fechada até que tomou posse como adulto. E agora, ele estava aqui, com sua esposa americana, não desejada-e-agora-desejada, ao seu lado. Talvez tivesse esquecido com precisão, o quão poderia ser reconfortante saber que outra alma era sua companheira para toda a vida. Descobriu que gostava bastante do casamento, afinal.
— Você está bem, Will? — Sua voz preocupada cortou suas reflexões perturbadoras. — Seu rosto está subitamente desprovido de cor.
Ele percebeu que estava segurando seu braço com muita força, tão perdido em seus pensamentos tumultuados. Respirou fundo, firmemente, olhando para o rosto doce e em forma de coração de sua esposa. Ela era inefavelmente adorável, seus cabelos habilmente empilhados sob um chapéu jovial, os lábios grossos e exuberantes, os olhos mais verdes do que a grama aos seus pés. Seu pênis subiu contra suas calças de montaria. O que diabos ela fez com ele?
E achou que isso seria um jogo. Inferno, achou que era um jogo que vencera.
— Não tenho certeza se estou bem, — ele se assustou ao revelar. Aparentemente, ela o havia transformado num fracote.
— O que foi? — Ela deslizou um braço ao seu redor, inclinando-se para o seu lado como se ele pudesse, de alguma forma, absorver um pouco de sua força.
Ele não sabia como ela podia ser tão aberta e gentil, depois da maneira bestial que a tratara. Mesmo agora, ele ainda lhe mentia, enquanto ela permanecia inabalável em sua crença de que havia algo bom nele, afinal. Não havia nada de bom nele. Se houvesse, teria dito a verdade naquele momento, e a deixaria escolher deixá-lo como deveria.
Em vez disso, era egoísta demais para deixá-la ir. Colocou um braço em volta de sua cintura apertada, segurando-a como se pudesse mantê-la para sempre, embora soubesse que não tinha o direito.
— O rio é lindo, não é?
Largo, porém, raso, o rio cortava o canto leste das terras da Carington House. Era um dos raros tesouros da propriedade, um lugar que se precisava saber que existia para procurá-lo. Quando garoto, vinha aqui muitas vezes, nunca imaginando que um dia viesse aqui com sua esposa.
— É adorável, — Victoria concordou. — Mas você não respondeu minha pergunta.
Ela era uma mulher pequena e persistente, isso era certo. Ele suspirou, imaginando o quanto deveria revelar. Ninguém nunca se importou o suficiente para perguntar-lhe sobre seu passado.
— Carrington House é onde minha mãe morreu, — compartilhou. — Ela perdeu outro bebê, o quarto ou o quinto, acho. Foi demais da última vez. Pegou uma febre e morreu.
— Sinto muito, Will. — Ela se virou, então, pegando-o em seus braços.
— Ela não era uma mulher gentil, mas era minha mãe. Observá-la murchar e sufocar não foi agradável, apesar de tudo. — Ele a abraçou com força, enterrando o rosto na pele macia e docemente perfumada de seu pescoço. Seu abraço tocou uma parte dele que não sabia que existia, enchendo seu peito de calor e algo indefinidamente estranho. Sentiu-se profundamente conectado a ela naquele momento, de um jeito que nunca conheceu com outra pessoa, e isso o assustou muito. Mas caramba, se ele não saboreava da mesma forma.
— Dói em você estar aqui? — Ela perguntou calmamente.
— Não. — Ele pressionou um beijo na sua garganta. — Não com você, minha querida. Você transformou tudo, ao que parece. — Fez uma pausa, levantando a cabeça para olhá-la. Seus olhares se encontraram, os dela cheios de sinceridade e carinho. Ele reprimiu a pontada de consciência que dizia para confessar-lhe tudo naquele momento. — Até a mim.
Ela estendeu a mão, segurando sua bochecha com a mão pequena, um sorriso iluminando seu rosto, tornando-a ainda mais bonita.
— Obrigada por confiar em mim. Espero poder ajudá-lo a construir novas memórias aqui.
Há pouco tempo, teria dito que não queria construir novas memórias com ela, nem em Carrington House, e nem em outros lugares. Há pouco tempo, se contentara em viver a vida egoísta de quem buscava prazer, dedicado apenas a enfurecer e a envergonhar o duque. Há pouco tempo, este seria o último lugar em que se imaginaria estar, e esse ridículo sentimento de emoção que inchava dentro de seu peito teria sido algo que zombaria e escarneceria.
Algo mudou dentro dele, então. O sol brilhava no céu e os pássaros gorjeavam, e o rio fazia a mesma corrida constante de que se lembrava quando era garoto. Era como se o tempo não tivesse passado, como se nada tivesse mudado em toda a sua vida, nem homem, nem natureza, nem animal. Este dia, no entanto, estava sendo diferente. Tudo estava diferente.
Ela fez isso. Ela, sua esposa americana, que o atacara com um livro na noite de seu retorno, que começara a transformar seu arruinado lar ancestral com sua aguçada inteligência e motivação, mesmo quando ele, insensivelmente, a abandonou. Ela, que possuía um coração generoso e uma determinação que admirava. Sim, era linda, verdade, mas era muito mais do que suas sardas, longos cachos dourados e curvas deliciosas. Era boa, compassiva e misericordiosa. Era gentil, vulnerável, simpática. Tão fácil de esmagar. Ele quase esmagou sua bondade uma vez, jurou nunca mais fazer isso.
Ele não queria uma fuga. Era sua esposa, e não por qualquer outro motivo, que não o modo como o fazia se sentir. Jesus, do jeito que ela o olhava, como se fosse um homem digno de seu amor. Ele era o homem menos digno de toda a Inglaterra. Mas, não pensaria nisso. Ainda não. Não estava disposto a perder o vínculo frágil que os unia.
Ele a puxou para um beijo longo e possessivo.
— Vamos começar a criar novas memórias aqui, Victoria. Agora mesmo.
Um estalo repentino e alto perfurou sua consciência. Não era um trovão. Não era um tiro. Era um galho caindo. Ele segurou Victoria pelos braços e a empurrou, olhando instintivamente para as árvores centenárias perto da margem do rio, procurando ver o que estava ocorrendo. Aconteceu tão rapidamente, que o enorme galho morto caiu do céu em cima deles. Não houve tempo para pensar. Ele a empurrou, esperando que caísse em segurança fora do caminho.
Houve outro estalo quando algo atingiu sua nuca, depois um baque ameaçador. Sua visão ficou preta. Ele caiu de joelhos, derrubado pelo golpe, os braços procurando por ela. Victoria? Onde estava? Não tinha certeza se seus lábios se moviam, se era capaz de falar. O nada rodopiou em torno dele para buscá-lo. Ele caiu no abismo escuro e aberto, seu último pensamento era de que tinha que protegê-la.
08
A cabeça de Victoria latejava com uma violência que enviava pulsos nauseantes de resposta para seu estômago. O que tinha acontecido? Onde ela estava? Seus olhos se abriram para uma luz ofuscante que parecia uma centena de lascas dentro em seus olhos. Sem luz. Era demais. Muita dor.
Havia uma figura pairando ao lado da cama, talvez sentada. Cabeça inclinada. A imagem estava gravada em sua mente. Quem? Como? Cegamente, estendeu a mão, procurando consolo. Conforto. Qualquer coisa. Não se atreveu a abrir os olhos novamente, por medo que essa terrível luz fosse visível.
Onde? Uma mão apertou a dela. Ela se agarrou. Olhos fechados, um gemido em sua boca. Quase que podia ver-se de cima, uma boneca de pano amassada presa e quebrada. Como isso aconteceu? Por quê? Seus lábios estavam secos e rachados. Ela testou a língua que parecia grossa e sem uso. Água. Precisava de água. Quem poderia buscar?
— Mamãe? — Perguntou, segurando a mão. Mas não, não era a mão de sua mãe, era? Esta era grande e forte, os dedos muito longos, a palma muito larga. Seu polegar traçou um caminho. Uma mão estranha. Não era nenhuma que estivesse acostumada. De quem era, então?
— Não é sua mãe, querida.
A voz era familiar. Quente e baixa. Carregada e precisa. A voz de um homem.
— Água. — Não se importava de quem era a voz. Não nesse momento. Sua garganta estava seca. Iria ficar doente. Seus pensamentos eram uma miscelânea correndo furiosamente em sua mente. Pensou ter ouvido o som de um rio. Correndo, borbulhando, então..., outra coisa. Um estrondo chocante. Onde estava no momento do impacto? Algo a atravessou. Seu corpo se partiu em pedaços, e agora ela morreria.
Uma xícara de porcelana, lisa e fria, estava em seus lábios agora. Uma mão gentil a persuadiu, a levantou e a ajudou a inclinar-se para que não se engasgasse. Por um suspiro, ela esqueceu-se de como fazer, mas, em seguida, lembrou-se. A xícara virou um pouco, a água escorrendo em sua boca pronta. Sim. Tão bom. Ela bebeu avidamente. Muito rápido.
A náusea voltou, borbulhando. Muita água, mas era pouco. Ela tentou abrir os olhos novamente. Sua boca abriu. Sem som. Muita luz, ela queria dizer. Fechar as cortinas. E então, quem é você? Onde estou?
Sem respostas, ao que parece. A xícara retornou a sua boca, assim como a mão firme em sua nuca.
— Mantenha os olhos fechados, meu amor, — disse ele. — A escuridão é mais fácil no começo. Beba devagar. A pressa só vai deixar você doente.
Sim, e ela sentia-se doente. Doente e com dor. Doente e confusa. Quem era ele? Quem, aliás, era ela? Nada fazia sentido. Victoria. Sim, esse era seu nome. Ele tinha dito isso ou ela? Outro gole de água. Ela não podia ter certeza. Alguém tinha dito isso.
— Você vai sobreviver a isso, minha corajosa garota americana.
Certamente conhecia o dono daquela voz? Tão familiar. Tão assombrosa. Seus olhos tremeram novamente. A xícara se foi. A mão se foi. Ela sentiu a ausência daquele toque leve como um sopro. Onde? Quem? Como? Respirar doía. Respirar e expirar. Suas costelas doíam. Será que tinham rachado? Parecia que estava debaixo d'água agora. Sua cabeça latejava como se um ferreiro das profundezas do inferno batesse em seu crânio.
— Você deve sobreviver a isso, maldita seja. Você está me ouvindo? — O desespero tingia a voz agora. — Você vai sobreviver a isso.
Ela não sabia se sobreviveria. Seu corpo parecia que se partiria em dois à menor provocação. Um sussurro. Uma respiração. Sua boca se moveu. Queria contar a ele. Quem ele era. Era alguém que amava? Nada faz sentido, exceto o líquido amargo que deslizou em sua boca a seguir. Sim, o delírio fazia sentido.
— Eu preciso muito de você para te perder agora. Lute, minha querida. Você deve lutar.
Quem falaria essas palavras? Teria sido ela? Teria sido a figura ilusória que a vigiava? Um fantasma, talvez? Pior, um demônio? O líquido estava fazendo seu trabalho. Sua mente era uma cacofonia de imagens e pensamentos. Miudezas. Pedaços. O rosto de um homem, bonito e sério. O marido dela. Caros céus, ele estava lá com ela. Algo havia caído sobre eles. Ele não estava com ela? Algo não tinha caído?
— Por favor. — Sua voz agora, fina e fraca. Quem era a figura sombria? Tinha que saber.
Redemoinhos escuros, um deslize lânguido por suas veias. E então, nada.
Will acordou com um sobressalto, a dor nas costas querendo vencer o insistente latejar de sua cabeça. Levou um momento para que seus olhos se ajustassem à luz fraca do quarto e recordasse onde estava e o porquê. Ele adormeceu mantendo vigília ao lado da cama de Victoria, seus dedos emaranhados nos dele. O som horrível do galho quebrando, trouxe-lhe de volta o pânico que sentiu ao chegar, e a encontrar presa sob o galho pesado caído da árvore. Sua pele estava pálida, seus cabelos, vermelhos de sangue. Por um momento aterrorizante, achou que estivesse morta.
Lutou para libertá-la com uma força nascida do desespero. Quando a tomou em seus braços, um profundo alívio derramou-se através dele por encontrá-la respirando e aquecida. Viva, graças a Deus. Ele achou sua assustada montaria, arrastou sua forma flácida para a sela e galopou para casa, seus únicos pensamentos eram para ela. Estava frenético e delirante. Um tolo assustado.
Ele ainda estava, pois desde ontem, ela permanecia virtualmente sem sentidos, quando sofreu o golpe. Como se sentia humilhado. Que idiota! Ele gostava de Victoria, a esposa que pensara em dormir e abandonar. Talvez essa fosse a ideia do céu sobre vingança, por seus pecados, que só percebesse o quanto ela passou a significar, apenas alguns segundos antes de quase ser morta.
Ele apertou seus dedos, inclinando-se sobre ela para afastar da bochecha alguns de seus cabelos soltos. Suas pálpebras tremeram, cílios se mexendo contra suas bochechas pálidas. E então, ele foi pego em seu olhar vívido.
Ela piscou.
— Will?
Graças a Cristo. Seu olhar parecia sonolento, mas lúcido, sem dúvida pelos efeitos colaterais combinados do láudano e de seu golpe na cabeça. Ele saltou para frente em sua cadeira, precisando estar mais perto. Para se assegurar de que ela era real e estava bem. Ele tocou sua bochecha gentilmente.
— Você se lembra de mim, querida?
— Claro. — Sua mão se levantou lentamente para tocar sua cabeça. — Lembro-me de tudo. Por que não me lembraria?
— Você não era a mesma depois do golpe, — disse roucamente.
Ontem houve um breve período, antes de dar-lhe láudano, quando ficou confusa e com muita dor, que ela não o reconheceu, e nem ao seu quarto. Estava se debatendo tão violentamente que o médico temeu que se machucasse. Will não queria recorrer ao láudano, mas parecia a única maneira de acalmá-la, e dar-lhe o resto de que precisava depois de uma queda tão forte.
Ele tinha vergonha de admitir que, por um momento ganancioso e estúpido, depois que ela se acalmou em um sono profundo, pensou em como as coisas seriam mais fáceis entre eles, se ela tivesse esquecido tudo o que havia acontecido. Afinal, lesões na cabeça causavam lapsos de memória. Um golpe para apagar todos os erros que cometera - não teria sido bem arrumado, então? Mas, tão rapidamente quanto o pensamento chegou, foi vencido pelo auto-desgosto. Que tipo de monstro prefere que sua esposa fique gravemente doente a conhecer seus pecados?
Talvez o homem que era antes de voltar para Carrington House fosse um monstro. Mas, não era mais aquele homem, e chegaria o momento em que precisaria desabafar com ela. Despir-se de tudo. Então, ela veria toda a feiura escondida em sua alma podre, ou se afastaria em repulsa ou o perdoaria. De qualquer maneira, era a chance que tinha, e ela era mais do que merecedora disso.
— Minha cabeça, parece que a coloquei embaixo de uma roda de carruagem, — disse, estremecendo.
— Não tenho dúvida. — Suas mãos ainda tremiam ao pensar em quão perto da morte ela havia chegado. Se o galho tivesse mais meros centímetros em qualquer direção, a teria matado. — Você tem muita sorte de ter sofrido apenas uma concussão no cérebro e uns arranhões. É um milagre o galho não ter lhe causado danos muito piores.
Seus lábios carnudos, ainda pálidos, se curvaram parecendo um sorriso.
— Se tivesse, você teria se livrado de uma esposa indesejada.
—Jesus, Victoria. Isso foi uma piada de mau gosto.
Ela deu um pequeno encolher de ombros.
— Talvez um golpe na cabeça perturbe a mente.
Ele acariciou seu queixo levemente.
— O médico me assegurou que se você recuperasse seus sentidos hoje, ficaria bem. — Virou-se para a mesa de cabeceira e sua vasta gama de apetrechos. Emplastros, chá, água, láudano, ataduras. Não tinha permitido que mais ninguém cuidasse dela. Os empregados lhe trouxeram suprimentos e foram embora. Ela era sua esposa, por Deus, e era sua culpa que estivesse de pé, perto das árvores, à beira do rio. Se não estivesse tão envolvido no passado, e em suas próprias memórias e medos, teria notado o ambiente ao redor e poderia ter poupado a ambos muita dor. — Droga, o chá está esfriando. Devo mandar sua criada pessoal buscar outro bule? Você deve estar com sede, querida.
Mas, sua esposa teimosa franziu o cenho. Mesmo em seu estado enfraquecido e angustiado, ela podia demonstrar desaprovação como mais ninguém.
— Você não precisa ficar de acompanhante, Will. Keats pode sentar-se comigo. Você parece que precisa descansar.
— Não. Serei eu ou ninguém. — Ele lhe devia isso. De fato, devia muito a ela, muito mais do que meramente ficar de acompanhante. Mas, por enquanto, isso serviria.
— Will,
— Silêncio, — ele interrompeu. — Sou seu marido. É o meu dever. Você gostaria de tomar um bule de chá ou um pouco de água?
Ela olhou-o, sua expressão indecifrável.
— Água, se você não se incomodar.
Gostaria que pudesse lê-la melhor. Se era a escuridão do quarto ou a confusão de suas emoções, não podia ter certeza, mas algo o havia abalado por sua capacidade de lê-la. Derramou um pouco de água em um copo, e entregou-lhe com cuidado.
— Está com fome? Vou pedir uma tigela de mingau da sra. Rufton.
Ela tomou vários longos e vigorosos goles de água antes de responder.
— Sem mingau, por favor. Detesto isso.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Mingau e ovos, ambos?
— Não tenho como não evitar o que não gosto de comer. — Sua expressão suavizou. — Esqueci de perguntar pelo seu bem-estar. Você não foi atingido pelo galho?
— Eu fui e tenho o diabo de uma dor de cabeça. — Disse esfregando o galo na cabeça com tristeza. — Mas não foi nada comparado a você. Quando cheguei, pensei... — Ele hesitou, ciente de que estava prestes a revelar mais do que desejava.
Ela tomou outro gole profundo de sua água.
— O que você pensou, meu senhor?
— Will. — Ele pegou o copo dela. — Você está bebendo demais, amor. Você não vai querer ficar doente.
— O que você pensou? — Persistiu, seu tom calmo, mas exigente.
Ele encontrou seu olhar.
— Pensei que a tivesse perdido, droga. — Para sua grande mortificação, sua voz tremeu com a afirmação. Diabo o carregue. O conde de Pembroke não chorava. Pelo menos, não derramou uma lágrima em todos os anos desde que encontrou seu filhote morto ao pé da cama. Ferdinand. Estranho como ainda conseguia se lembrar do que sentia com o vira-lata em seus braços, todo ondulado e quente. — Aí está. — Ele colocou o copo na mesa de cabeceira com muita força. O som ecoou no silêncio do quarto, a água escorrendo pela borda e em sua mão. — Você está satisfeita agora?
— Não.
Ele olhou-a bruscamente.
— Senhora, nos últimos dois dias, fui ao inferno e voltei, preocupado com você. Sugiro que você me dê um tempo.
— Um tempo, talvez. — Ela bateu na cama ao seu lado. — Você não vai me abraçar, Will? Estou muito cansada, e não ficarei satisfeita até tê-lo mais perto.
Inferno. Faria qualquer coisa que ela pedisse. Qualquer coisa. Sua mente ainda estava cambaleando de emoção, com tudo o que tinha acontecido. Mas isso, ela em seus braços, podia entender. Gentilmente, tomando cuidado para não empurrá-la, deslizou por baixo da manta e pressionou seu corpo no dela. Ela o aninhou com total confiança e um suspiro.
— Obrigada, Will, — ela murmurou contra seu peito. — Obrigada por me salvar e obrigada por ficar ao meu lado. Você não precisava ter feito isso.
Ele passou um braço em volta da cintura dela, e se a agarrasse com mais força do que pretendia, ficaria difícil para ele. Ela achava que o tinha salvado. Doce Cristo. Mal sabia, que era o contrário. Ele encontrou sua bochecha com os lábios, encostando suavemente.
— Claro que precisava, meu amor. Como você pode pensar o contrário?
Mas ela já havia adormecido.
Victoria não sabia quanto tempo se passara, mas quando acordou, Will já tinha ido. Virou a cabeça dolorida com cuidado, e pressionou o nariz no travesseiro para sentir o cheiro dele. Pimenta e almíscar - o único sinal de que ele esteve lá. Isso, e a pontada em seu coração.
Ele estava preocupado. Seu rosto bonito não refletia seu charme fácil e costumeiro quando ela abriu os olhos pela primeira vez, e encontrou-o ao lado da cama. Ela teve um vislumbre dele sem a máscara que usava normalmente, e parecia assombrado, sua boca em uma linha sombria de preocupação, seus cabelos escuros emaranhados, meias luas roxas sob seus surpreendentes olhos. Ela não confundiu o engasgo em sua voz quando ele falou sobre encontrá-la presa embaixo do galho caído.
— Minha senhora, você está acordada, — disse Keats calorosamente, apressando-se ao seu lado e dissipando suas pesadas reflexões.
Ela estava tão quieta que pensou que estivesse sozinha. Victoria ofereceu à sua criada pessoal o que esperava que fosse um sorriso alegre.
— Keats, você se importaria muito de dizer que horas do dia são?
— É fim de tarde, Lady Pembroke, e se me permite dizer, você está melhor do que nunca desde o acidente. Você deve estar faminta. Gostaria que trouxesse uma bandeja?
— Isso seria ótimo. — Seu estômago roncou como se fosse uma sugestão, e ficou agradavelmente surpresa ao descobrir que o incessante latejar de sua cabeça havia diminuído um pouco. — Sem mingau, no entanto, por favor.
Keats franziu o cenho, sulcos de preocupação entre os olhos da mulher mais velha.
— Minha senhora, lorde Pembroke, nos mandou seguir o conselho do médico estritamente. Receio que seja apenas mingau e chá para a senhora, até que ele diga o contrário. Talvez eu possa trazer um copo de leite quente. Ele não disse nada sobre leite, agora que penso nisso.
Apenas o pensamento de leite quente fez seu estômago revirar.
— Sem leite quente, por favor. Keats, onde está o seu senhor?
— Voltou ao seu quarto para tomar um banho e fazer a barba. O bode teimoso não iria até que eu prometesse que não sairia do seu lado. Ele estava todo ensanguentado e fedorento de lama pela agitação, e se recusava a fazer qualquer coisa a respeito. Ele passou a primeira noite inteira cuidando da senhora. Nem dormiu um pouco, ouso dizer.
Victoria teve que disfarçar um sorriso para Keats, referindo-se a Pembroke como um bode teimoso. Era verdade, é claro, mas era realmente o tipo de coisa que não se deve chamar o empregador. Felizmente, ela possuía, o que alguns considerariam, sensibilidades bastante estranhas. Admirava o pensamento livre e a sinceridade.
Keats pareceu pensar melhor em suas palavras, pois suas bochechas coraram.
— Desculpe, minha senhora. Não deveria ter chamado sua senhoria de um bode teimoso. Não teria feito, se ele não tivesse agido assim.
Victoria não conseguiu reprimir a risada que lhe escapou das desculpas relutantes de Keats. Céus, seu corpo inteiro ainda parecia doer com a força da queda que havia sofrido. Perguntou-se se toda ela era uma contusão cor de ameixa da cabeça aos pés.
— Ele realmente possui uma tenacidade rara, não é, Keats? — Perguntou, com uma alegria rastejando em seu tom.
— É o que ele realmente possui, minha senhora — concordou Keats, mexendo nas roupas de cama, endireitando-as para sua satisfação. — Agora, sim. Mas, se me for permitido ser sincera, tenho que dizer que estou feliz em ver sua tenacidade específica sendo dirigida a uma boa causa, finalmente.
Uma boa causa, finalmente.
Sim, ela também estava.
— Ele realmente ficou ao meu lado por - oh céus, quantos dias se passaram até agora?
— Três dias inteiros, minha senhora, — Keats a surpreendeu, revelando. — Sim, ele ficou.
Três dias. Lembrou-se de Will dizendo que ela estivera inconsciente por dois dias, então isso significava que dormiu mais um dia. Ele nem permaneceu em sua presença por mais de três horas depois seus votos de casamento foram ditos, e ainda assim permaneceu com ela, o calor reconfortante ao seu lado, a mão segurando o copo nos lábios, a voz amada pedindo-lhe para sobreviver.
Lute, minha querida. Você deve lutar.
Isso voltou-lhe agora em fragmentos. Will esteve aqui ao seu lado o tempo todo, a figura sombria nas bordas de seu subconsciente enquanto sentia uma dor tão devastadora. Ele a empurrou, naquele dia, para fora do caminho do galho que caia. Num momento, estava em seus braços, e no seguinte, ouviu um ruído alto e lá estava ela, tonta demais para se mover. Foi empurrada para fora do caminho em que o galho cairia diretamente, mesmo sofrendo um golpe na cabeça no processo.
Nenhuma dessas ações pertencia a um homem egoísta, ou cruel, ou incapaz de emoção. Ele disse-lhe que ela havia mudado tudo, até a ele. Mas isso não era verdade, pois ele havia mudado a si próprio. Algo o trouxe de volta, e ainda não sabia exatamente o que era, mas estava agradecida por isso. Grata por ele.
Seu estômago roncou alto mais uma vez.
— Devo insistir em não ter mingau, por favor, Keats. Apenas um bolinho, talvez, e um pouco de geleia? Sim, isso faria bem.
Keats sorriu.
— Sim, minha senhora. Volto em breve.
Victoria mal esperou que a porta se fechasse, para jogar longe as roupas de cama. Sentia-se muito diferente, mas boa o suficiente para se cansar de mentir como uma inválida. Com um estremecimento e consideravelmente mais esforço do que pensara que o ato exigiria, se arrastou para o lado da cama, seus pés descalços roçando o tapete macio. A comida ajudaria a reabastecer sua força, sabia, mas não estava pronta para ficar esperando na cama. Com outro suspiro, ficou de pé sobre as pernas bambas como um potro recém-nascido. Ela sacudiu a camisola e permaneceu quieta, desejando que a batida brusca em sua cabeça diminuísse o suficiente, para que não tivesse medo de avaliar suas causas.
Sentindo-se mais forte, pensou seriamente, quando forçou um pé na frente do outro. Ah sim. Andando agora. Podia fazer isso. A náusea cedeu como uma onda sendo atraída de volta ao mar. Ela respirou fundo. Mais um passo, e então, outro.
A porta que unia seu quarto ao de Will abriu-se e lá estava ele, mais bonito do que ela já o vira. Ele usava calça lisa e uma camisa branca sem a formalidade de um colete, e os pés estavam descalços, os cabelos escuros caindo úmidos na gola. Seus olhares colidiram. Por um momento inebriante, foi como se todo o mundo exterior estivesse suspenso. Apenas os dois existiam, seus corações batendo em uníssono, seus corpos sintonizados. Ele era seu marido, seu amante. Era o homem que amava, e era um amor profundo, forte e permanente. Ela pensou que já o amava antes, mas seus sentimentos antigos eram insignificantes em comparação com essa nova e abrangente urgência.
— Victoria, o que diabos você pensa que está fazendo? — A irritação em sua voz afastou seus pensamentos obscenos. — Onde, diabos, está sua criada pessoal? Eu disse a ela para não deixar você, droga.
— Estou andando. — Ela estendeu os braços e sorriu, sabendo que devia estar uma visão com a camisola fedorenta, os cabelos que estavam um emaranhado selvagem em volta dos ombros, e um rosto fraco. Mas não se importava. Uma ridícula onda de alegria a percorreu enquanto estava parada diante dele. — Não acredito que já me senti melhor, Will.
— Jesus. — Ele franziu a testa quando fechou a distância entre eles, e colocou as mãos possessivas e firmes na cintura dela. — Keats não lhe deu mais láudano, deu? Eu a proíbo veemente de tomar outra gota desse veneno.
— Nenhum láudano, posso lhe garantir. Minha cabeça está doendo ferozmente.
— Claro que sim. — Ele começou a conduzi-la de volta para a cama da qual ela acabara de se sair sozinha. — Você sofreu uma lesão grave, Victoria. Precisa descansar. Inferno, estou demitindo sua criada pessoal quando ela voltar de onde quer que tenha ido.
— Você não pode demitir Keats. — Ela mediu suas forças e impôs resistência. — Will pare! Não quero ficar deitada. Quero esticar minhas pernas por um momento. Ela está me trazendo bolinhos e geleia a meu pedido.
— Você vai ter mingau até o médico julgar o contrário. — Seus dedos apertaram sua cintura, e mesmo com sua condição, o calor dele, através do linho fino de sua camisola, era suficiente para afetá-la. — Você deve voltar para a cama, queira ou não.
— Não quero. — Seu tom era obstinado, mas não se importava. Estava cheia de emoção, seu amor por ele batendo por dentro com a força de um coração, e ele estava fazendo o possível para miná-lo. — Você está sendo um mandão.
— Um mandão? — Ele parecia genuinamente surpreso. — Bom Deus, mulher. Se devo ser um mandão para impedir que você se machuque mais, circulando em seu maldito quarto, como se estivesse em um passeio no Hyde Park, então o farei. Você tem alguma ideia de como foram esses últimos três dias? Deixo o seu lado por meia hora, e aqui está você, pedindo bolinhos e prestes a desmaiar.
Sua cabeça continuava latejando, mas o brilho de seu espírito continuava inalterado. Ela sorriu.
— Bolinhos sempre serão preferíveis ao mingau, e eu não ia desmaiar.
— Você está instável nos seus pés para quem não está prestes a desmaiar. Precisa reunir suas forças. Não quero que se machuque mais do que já está — rosnou.
Mas, ela não se intimidou.
— Na verdade, nunca me senti melhor. Sua preocupação é equivocada.
Com um suspiro de sofrimento, ele se inclinou e a pegou nos braços em um movimento rápido.
— Você será a minha morte, mulher.
Ela passou os braços em volta do pescoço dele. Bem, se ele queria ser um bárbaro autoritário, então, pelo menos permitiria que se importasse o suficiente para ficar ao lado de sua cama por três dias inteiros.
— Não vejo nenhuma árvore por aqui, não é? — Perguntou, com a língua na bochecha.
— Tudo o que vejo é uma mulher adorável e frustrante que está prestes a se estabelecer com uma tigela morna de mingau, antes que descanse um pouco mais. — Ele deitou-a gentilmente na cama, e fez um ótimo show organizando as cobertas.
Céus, ele se parecia mais com uma mãe galinha do que Keats. Ela pegou-lhe a mão.
— Will.
Ele parou, erguendo a cabeça para olhá-la com aqueles olhos azuis que pareciam ver demais.
— Victoria?
— Gostaria muito de começar de novo, — disse-lhe simplesmente. — Começando hoje. Quero que o passado permaneça onde pertence.
Um belo sorriso transformou suas feições, suavizando as linhas duras de preocupação que enrijeciam sua mandíbula e boca. Ele tocou a bochecha dela com a mão livre, depois esfregou a ponta do polegar sobre o lábio inferior, como se estivesse guardando na memória.
— Eu gostaria disso, querida. Gostaria muito disso.
Ela beijou a ponta do polegar dele.
— Assim como eu.
Keats saiu correndo do quarto, antes que qualquer um deles pudesse dizer mais.
09
O passado não estava destinado a permanecer onde pertencia. Não, de fato, e quando os céus decidiam arrasar um homem sobre as brasas em retribuição por seus pecados, eles escolheram fazê-lo na forma da cantora de ópera petulante que ele ficara por último. O olhar de Will viajou sobre a mulher empoleirada na beira do divã de seda listrado em sua sala de estar. Sua beleza sombria era inconfundível, seu senso de moda estava impecável como sempre. O cheiro enjoativo da água de rosas francesa se agarrava ao ar, e isso o fez querer espirrar.
Qual foi a frase? Ah, sim. As maldições são como galinhas jovens, elas sempre voltam para casa para se esconder. Aqui, então, estava sua maldição. Mas, parecia mais um corvo nesse momento, do que uma galinha jovem.
— Signora Rosignoli, — cumprimentou-a friamente. — Você deve saber que não é bem-vinda em minha casa.
— Amore mio, isso não pode ser verdade. — Ela se levantou e veio em sua direção, com as mãos enluvadas estendidas. — Tenho saudades. Diga que sentiu minha falta.
Ele não tinha sentido sua falta. Mal lhe poupara um pensamento, absorvido como estava em sua esposa, e em seu frágil e recém-descoberto sentimento de felicidade.
— Se você tivesse escrito apenas suas intenções, poderia ter poupado o tempo e as despesas de sua viagem, senhora. Como lhe parece, você deve sair imediatamente.
— Per favore3, não me trate com tanto gelo. — Ela se aproximou, as saias roçando em suas calças, e pôs a mão em seu peito. - Lembre-se do que compartilhamos, senhor. Ti voglio tanto bene4.
Ele parou a mão dela, segurando-a com força, quando esta teria vagado mais abaixo para maiores explorações. - Você deve ir, signora. Providenciarei para que tenha os meios para retornar a Londres imediatamente. Não me procure novamente.
— Mas, meu senhor. — Ela segurou-lhe a mandíbula com a mão livre. — Olhe para mim, e diga que não significo niente, nada. Realmente, não acredito nisso.
— Acredite. — Pegou-lhe o pulso, sua paciência diminuindo. Droga, não queria vê-la de maneira alguma, mas ela se recusou a sair quando Wilton a informou que ele não estava em casa. Ficou chocado que ela viajasse para o campo para vê-lo. Ainda mais chocado porque teve a ousadia de aparecer em Carrington House, e exigir uma audiência com ele. Mais do que tudo, não queria que Victoria, que ainda desceria pela manhã, tivesse algum conhecimento da presença indesejada de Maria. — Você deve sair, Maria. Nosso caso acabou.
— Não, amore mio. — Ela fez beicinho. — Me recuso a acreditar. O que esse lugar velho e sombrio pode guardar para você? Venha para Londres comigo. Farei o que quiser, qualsiasi cosa.
Suas promessas sexuais não mexeram com ele. Sentiu um sentimento de repulsa, tanto por ela quanto por ele.
— A única coisa que quero que você faça é sair. Lady Pembroke está nesta casa, e não terei sua presença a desonrá-la em outro momento.
— Lady Pembroke. — Maria zombou. — Sua esposa não significa nada para mim.
— Ela, malditamente, significa tudo para mim, — retrucou. — Agora, gentilmente, vá embora antes que minha pouca paciência diminua completamente.
— Mascalzone5! — Ela livrou-se de seu aperto. — Disse não ao Duque de Hathaway por você.
— No entanto, agora você está livre para persegui-lo, — observou, secamente.
— Bastardo! Ele já tomou o rouxinol francês como sua amante. — Afastando-se, seguiu em direção a um grande retrato do primeiro duque de Cranley.
Ele a seguiu, interceptando-a antes que ela pudesse causar mais danos à história de sua família. Como pensou em se envolver com uma criatura dessas?
— Droga, Maria, preciso jogá-la por cima do ombro e levá-la para fora daqui, ou você vai com seus próprios pés?
A expressão ameaçadora de Maria acalmou-se repentinamente, quando seu olhar sombrio se iluminou em algo sobre o ombro dele. Um sorriso felino curvou seus lábios vermelhos.
— Bene.
Maria possuía uma verdadeira sede de sangue pela destruição de seus pertences pessoais. Tirar a atenção tão facilmente de sua presa significava apenas uma coisa. Com um sombrio sentimento de inevitabilidade, virou-se para encontrar Victoria na soleira.
Ela usava um vestido matutino de seda marrom avermelhado, com tecido de seda dourado por baixo, e um laço de veludo preso na cintura. Seu cabelo estava preso em uma elaborada trança no topo da cabeça, com uma profusão de cachos caindo pelas costas. Era adorável, um estudo em contraste com a mulher tempestuosa que ele tentava remover da sala de estar e de sua vida.
Sua esposa se conteve com rigidez, a cor escoando de suas bochechas rosadas enquanto observava o quadro que ele e Maria certamente apresentavam. Droga, para o inferno.
— Lady Pembroke — disse, entre os dentes.
Mas ela não conseguiu ouvi-lo ou o ignorou, pois no instante seguinte girou nos calcanhares, e saiu em um redemoinho elegante e silencioso de saias. De alguma forma, seu silêncio era mais ensurdecedor do que qualquer condenação verbal cortante poderia ter sido.
Virou-se para Maria.
— Saia imediatamente, senhora. Você já fez mal o suficiente.
E ele também.
Victoria estava parada na janela de seu quarto, olhando para os vastos acres que se desenrolavam diante da Casa Carrington. Nesta manhã, ela não conseguia reparar em sua beleza de tirar o fôlego. Seus dedos tremiam quando os pressionou contra a boca, tentando, com toda sua determinação, reprimir o soluço que ameaçava sair de sua garganta. Ela não choraria. Não derramou uma única lágrima.
A signora Rosignoli era tão bela quanto imaginara. Talvez ainda mais, com seu cabelo brilhante embaixo de um lindo chapéu, com perfeição, e um vestido de seda azul profundo que enfatizava seus olhos castanhos e sua cintura minúscula. Até sua voz era adorável, embora supusesse que isso não deveria ser uma surpresa. A mulher era uma célebre cantora de ópera, afinal.
Quando Victoria encontrou Will e a mulher elegante e exótica na sala de estar, ficou surpresa. As mãos dele estavam nos braços da mulher. Eles estavam falando baixo, e a conversa era agitada e raivosa. Maldita seja, Maria, ouviu-o dizer. E Victoria sabia. Sabia a identidade da estranha nos braços de seu marido sem precisar perguntar.
Ela percebeu, com dolorosa clareza, que a dúvida e o medo pesavam muito mais do que qualquer galho caindo jamais poderia, e quando aqueles monstros gêmeos batiam numa mulher, eram suficientes para imobilizá-la. As saias de seda e a inegável beleza da signora Rosignoli eram a personificação de suas preocupações. De fato, a Signora era a videira florescente de cada pequena semente de desconfiança, que tinham sido plantadas no fundo do coração de Victoria.
Como era idiota. Que covarde patética. Ela estava na soleira, observando a cena à sua frente, e tantas descomposturas sagazes haviam passado por sua mente. No entanto, não falou uma única palavra. Em vez disso, se virou e correu de volta para seu quarto, para se esconder como se fosse uma empregada de copa que tivesse sido pega pegando uma colher de prata.
A porta de seu quarto sacudiu, indicando que alguém tentava entrar. Ela trancou-se, dando chance para que ele se afastasse de sua amante por tempo suficiente, enquanto tentava se acalmar. Mas, ele a tinha seguido tão de perto, em seus calcanhares, que a surpreendeu.
— Victoria. — Sua voz estava abafada, com um tom inconfundível de desespero.
Não, não respondeu. Não o deixou entrar. Ela se abraçou, os olhos treinados na extensão verde abaixo.
— Vá embora, Pembroke.
— Você se importaria com uma cena? Vou arrombar a maldita porta — ele avisou.
— Se você fizer isso será às próprias custas.
Um estrondo ecoou no silêncio. Talvez fosse a palma da mão batendo contra a porta. Ela ouviu passos abafados. Muito provavelmente, ele estava voltando para o lado de sua amante agora. Maria, ele a chamou. O ciúme era um animal que não perdoava. Isso a fez odiar a mulher na sala de estar abaixo. Saber que Will estava tocando outra mulher com tanta paixão, fazendo com a outra, o que fez com ela... Victoria não aguentaria se ele quisesse continuar com uma amante. Não se importava com o que era esperado da esposa de um conde. Ser uma futura duquesa não a atraía. Ela queria apenas o coração dele, e isso era realmente um bem muito caro.
A porta que unia seus quartos se agitou em seguida. Também estava trancada. Nunca digam que ela não era uma mulher preparada.
— Deixe-me em paz, Pembroke. Volte para sua prostituta.
— Abra esta porta, Victoria. — Era um comando imperioso, que esperava obediência.
Também nunca digam que era uma mulher de obediência.
— Não, — disse, sem virar.
— Abra. A. Droga. Da. Porta.
Mais pancadas se seguiram. Sugerindo veemente determinação. Queridos céus. Esse era o som de madeira lascada? Por fim, ela desviou o olhar da janela, e encontrou a porta se abrindo, e batendo na parede.
Ele entrou na sala, sua expressão dura, mandíbula tensa. Respirando fundo, ficou diante dela, alto, feroz e bonito. O safado. Ela levantou o queixo em desafio e o encarou, a sua coragem achando depois de tudo.
— Você é um grande ator, Pembroke. Primeiro, interpretou o marido arrependido, depois o amante encantador e agora o bruto raivoso. – Sua voz estava desprovida de emoção, e sua bravata a agradou. — Diga-me, qual desses papéis combina melhor com você? Confesso que não me importo particularmente com o bruto raivoso, mas suponho que arruinar portas é preferível a ser um réprobo mentiroso.
Ele a pegou quando ela se afastou dele, puxando-a.
— O único papel que me interessa é o de seu marido.
Ele a achava imbecil? Ela cravou as palmas das mãos no peito dele.
— Você não pode esperar que eu acredite nisso, depois que o encontrei com sua amante na sala de estar.
Ele se recusou a soltá-la, seu olhar fixo no dela como se pudesse fazê-la acreditar nele com a pura vivacidade de seus olhos. Ela desviou o olhar, fixando sua visão na janela mais uma vez.
— Eu não tinha ideia de que ela viria aqui, — disse ele. — Se tivesse mandado uma mensagem, teria deixado bem claro que ela não era bem-vinda, e nunca será novamente. O que você viu fui eu, prestes a jogar um pouco de verdades na orelha dela.
Não há meia hora atrás, o pouco de verdades tinha sido Maria. Não, ele não sairia dessa. Não podia trazer sua amante para a casa deles, e segurá-la nos braços sem que houvesse consequências.
— É claro que você diria isso agora, que foi descoberto.
— Eu diria isso porque é a verdade, droga. Olhe para mim, Victoria.
Ela se recusou a fazê-lo, em parte porque isso machucou muito seu coração, e em parte porque ele se colocou nessa situação.
— Deixe meu quarto. A porta estava trancada por um bom motivo.
— Por favor, olhe para mim. — Seu tom suavizou. — Você me faria implorar? Eu imploro.
Ele caiu de joelhos diante dela, a ação tão inesperada que ela não pôde deixar de voltar-se. Ele se humilhou, olhando para ela com uma expressão que nunca tinha visto antes em seu rosto. Contrição? Desespero? Não podia ter certeza.
— Mendigar não vai ajudar a sua causa, — disse ela sem piedade.
— Então, me diga o que vai ajudar ou ficarei aqui de joelhos diante de você até minhas pernas ficarem dormentes. Não me importo de lhe dizer que sou bastante obstinado quando a situação merece.
Ela desejou que ele fosse perseguido antes de criar todas as feridas que pareciam determinadas a continuar reabrindo.
— Não sei se algo pode ajudar sua causa agora.
Mas seu coração traidor fez com que o visse como parecia, preocupado e com o rosto pálido em pé ao lado da cama. Ele cuidou de sua saúde. Não saiu do lado dela. A quinzena, desde o acidente, foi preenchida com a primeira felicidade real que ela já experimentara em sua vida de casada. No entanto, talvez a felicidade não tivesse a intenção de persistir. Talvez fosse fugaz, o modo de a vida levar uma pessoa a uma falsa sensação de satisfação até que a próxima carruagem fugitiva viesse pela estrada.
Ela queria desviar os olhos dele e dizer-lhe para ir para o inferno de uma vez por todas, mas algo a manteve presa em seu olhar e sua presença. Parte dela queria acreditar nele. Pois certamente, não convidaria sua amante para o mesmo lar que eles compartilhavam, depois de tudo o que havia passado entre eles. Certamente o tempo que passaram juntos significara muito, pelo menos a metade para ele e para ela.
— Acredite em mim quando digo que sinto muito, — continuou como se pudesse sentir sua luta interior. — Sinto muito por abandonar você aqui e por machucá-la. Sinto muito por trair nossos votos de casamento. Nunca me senti tão malditamente arrependido em toda a minha droga de vida.
Não era a primeira vez que ele pedia desculpas, mas ela tinha que admitir, apesar de tudo, que era a primeira vez que o pedido dele parecia... genuíno. Sim genuíno. Seria possível que realmente lamentasse seu comportamento passado? Que o que viu na sala de estar não era de fato um abraço de amante com aquela mulher horrível? Que ele falou a verdade?
— Agradeço o pedido de desculpas, — cedeu. — Mas receio que seja muito pouco, e muito tarde.
Ele pegou as mãos dela, levando-as aos lábios para um beijo.
— Se eu pudesse voltar atrás e desfazer todos os erros que cometi, o faria de todo o coração e pouparia tudo isso. Deixaria de lado minha mesquinha rebelião contra o duque e meu ressentimento, e a teria visto como você realmente é, uma mulher gentil, boa e cegamente adorável. Eu teria sido um marido adequado para você. Juro pela minha vida, Victoria. Mas o fato é que não posso mudar nenhum dos meus erros. Você viu um dos piores deles lá embaixo, na sala de estar. A presença dela aqui é minha culpa, e não vou negar. Mas não, pelo amor de Deus, não acredite que a convidei para vir aqui. Não quero nem preciso de uma amante. Você é tudo que eu quero.
Como ele podia vencer toda a sua determinação, ajoelhando-se diante dela e fazendo-lhe um discurso bonito? Ela olhou-o, sentindo a raiva sair do peito, também a dor e o medo. Porque ele dissera exatamente o que precisava ouvir. Porque era o homem que lhe dera prazer novamente na parede da sala de música, que a agradecera por seu trabalho em Carrington House, o homem que lhe revelara seu passado, que notara sua aversão a ovos e o seu perfume, que salvou sua vida e arriscou a dele no processo. O homem que segurou a mão dela enquanto estava de cama e inconsciente.
Este homem, o homem de joelhos diante dela, que havia feito todas essas coisas, era quem que ela amava. Ela queria confiar nele. Queria acreditar. Deus a ajude, se isso a fez uma tola, então uma idiota maior nunca havia vivido.
— Levante-se, — ordenou.
Ele obedeceu com graça e sem esforço, elevando-se sobre ela mais uma vez.
— Me perdoe, querida. Sinto muito por tudo.
Suas mãos ainda estavam unidas, e ela não fez nenhum movimento para se libertar.
— Diga-me por que devo acreditar em você agora.
— Porque te amo, — ele rosnou. — Jesus, aí está a verdade para você. Não sei quando ou como aconteceu, e certamente nem pensei que existia essa emoção, mas é a única explicação para o que sinto. Cristo, eu sou um tolo apaixonado.
Ele acabou de dizer que se apaixonou por ela? Sua mente atordoada não podia sequer compreender a inversão repentina da situação. Claro, havia a possibilidade de ele apenas dizer as palavras para fazê-la esquecer a visão de sua cantora de ópera em sua sala de estar. Maria. Era um nome que ela nunca poderia, em sã consciência, gostar de novo.
Ela franziu o cenho, mais confusa do que nunca.
— Por que você me diz uma coisa dessas?
— Porque sou um vilão malvado para dobrar você aos meus caprichos, — zombou. — Este não é um romance cheio de sensibilidades, Victoria. Não tenho outro motivo senão que quero você ao meu lado pelo resto da minha vida, e não vou deixar uma prostituta ou meu próprio orgulho atrapalhar isso.
Deus do céu. De repente, sentiu-se desmaiar, como se todo o ar tivesse sido sugado da sala.
— Você me ama?
— Comecei a suspeitar que essa é a estranha sensação que tenho sentido ultimamente. — Ele deu um sorriso auto-depreciativo. — Você está em meus pensamentos noite e dia. Quando a vi ser derrubada por aquele galho, pensei que tivesse te perdido. E soube, então, que nunca quereria te perder. Não consigo imaginar minha vida sem você. Quer se casar comigo, minha querida?
Ela riu, agradecida pelo ressurgimento do infalível senso de humor dele naquele momento pesado.
— Nós já estamos casados, seu bobo.
— Nós estamos mesmo? — Ele a pegou pela cintura, puxando-a. — Como somos afortunados, por enquanto estou livre para te arrebatar.
Um calor de resposta pulsou entre suas coxas. Ela jogou os braços em volta do pescoço dele, e passou os dedos pelos seus cabelos grossos, segurando-o ainda quando seus olhares se encontraram. Antes de ceder ao que ela queria - o que os dois queriam - ela teria a palavra dele.
— Jure que está falando sério, Will. Jure que me ama.
— É claro que quero dizer o que digo. — Ele deu um beijo em sua mão, pegou seu lábio inferior em uma deliciosa mordida. — Eu juro. Te amo, e garanto que você está bem presa comigo agora.
Ela o puxou para outro beijo. Ele gemeu, suas mãos grandes e conhecedoras deslizando para pegar seu traseiro. Muitas camadas de roupas os separavam. Ela ansiava por sua pele quente e macia, seu peito largo contra seus mamilos doloridos, seu pênis dentro dela. Ansiava por ele, e por tudo o que faria.
Ela abriu a boca para o impulso possessivo de sua língua. Só podia seguir seu corpo e seu coração aonde eles a levavam agora, e ela queria Will mais do que respirar. O desejo e a emoção de sua admissão venceram o pensamento prático.
Apenas sinta. Suas palavras mais uma vez retornaram a ela, e mantiveram mais fascínio do que nunca. Talvez ele a estivesse levando para o mal caminho, mas o caminho para a ruína nunca pareceu tão glorioso. Dor e dúvida desapareceram. Seus dedos hábeis encontraram os ganchos do vestido dela, arrancando-os das amarras. Ele desceu o corpete até a cintura. Não foi suficiente, não para nenhum deles. O som do tecido rasgado deveria tê-la aterrorizado, mas de alguma forma teve o efeito oposto. O corpete e as saias se foram, a seda em volta dos tornozelos. Seu espartilho foi o próximo. Tudo o que restava dentro dela era a confiança cega e o impulso animal.
Ela puxou-lhe o cinto da calça. Precisava apagar todas as memórias da terrível Signora. Nunca mais deixaria outra pessoa entre eles, prometeu a si mesma. Nunca mais.
Ele quebrou o beijo, endireitando-se para olhá-la, sua expressão frouxa de paixão.
— Devagar, minha querida. Quero fazer amor com você.
— Sim, — ela sussurrou, necessidade pulsando até seu núcleo. — Por favor, Pembroke.
— Will, — lembrou-a. — Acho que, normalmente, sou Pembroke quando você fica irritada comigo.
— Will. — Quando seus dedos atrapalhados não conseguiram desabotoar os botões da calça dele, ela apertou seu comprimento duro. Ele empurrou-se contra a sua mão, sua respiração difícil. Victoria teve um momento de gratificação por ele parecer tão afetado quanto ela.
— Você ainda está usando muita armadura, minha querida, — ele rosnou, e levou seu espartilho, camisa e calças para longe em um piscar de olhos. Tudo o que ela usava eram meias finas de seda até os joelhos. E então, ele a abraçou e a carregou pelo quarto até a cama.
Quando a deitou, ela estendeu a mão para emoldurar seu lindo rosto entre as palmas das mãos. O leve roçar dos seus bigodes era delicioso na pele hipersensível. Ele fundiu suas bocas em um beijo ardente e de boca aberta, enquanto a puxava na cama depois de tirar a calça, a roupa de baixo e a camisa. Um calor quente e úmido reunia-se entre suas coxas. Ele roçou uma carícia tentadora sobre seus seios, seus polegares brincando com seus mamilos. Ela arqueou-se, chupando sua língua em sua boca, incapaz de obter o suficiente. Ele se afastou para sugar o bico de um seio. Seus dedos foram infalivelmente para o broto dolorido de seu sexo, trabalhando de um lado para o outro até que ela estivesse quase louca.
— Hummm, — murmurou, lambendo o mamilo esticado de seu outro seio enquanto a olhava. — Adoro a maneira como seu corpo me responde, meu amor.
Ele deslizou um dedo dentro dela, então. Ela abriu as pernas ansiosamente, empurrando os quadris para o seu delicioso ritmo. Outro dedo se juntou ao primeiro. Ela gemeu, passando os dedos por seus cabelos sedosos, enquanto ele torturava seus seios sensíveis com a boca.
— Quero você desesperada por mim, — ele sussurrou, sua voz uma profunda e estrondosa sedução.
Caros céus, ela estava, mas ele a tornara incapaz de falar. Gemeu novamente quando ele beijou um caminho sobre a curva de sua barriga. Ele segurou seu traseiro e a inclinou para a boca, olhando-a através de suas curvas pálidas. Os olhos deles se encontraram. Ele chupou a parte da sua vagina em sua boca, trabalhando com a língua e os dentes. A visão dele agradando-a enquanto usava apenas meias, a boca perversa sobre sua carne mais sensível e íntima, era sua ruína. Ela sabia que deveria desviar o olhar, mas não podia. Antes, suas saias o cobriram. Ela não tinha ideia de como seria bom assistir.
O dedo dele afundou profundamente em sua suavidade, enquanto trabalhava sua magia com a boca. Era demais para suportar. Ela sentiu como se estivesse prestes a se quebrar em milhares de minúsculos cacos brilhantes. Ele puxou seu clitóris com seus dentes. Um segundo dedo deslizou para dentro, profundo e angular. Oh, queridos céus. Não aguentaria outro momento. Ela se desfez, estremecendo e gritando, apertando-o com quadris com abandono vergonhoso.
— Sim, isso. — Ela o queria. Era tudo o que queria. Ela estremeceu com o clímax. Ele se levantou mais uma vez, seu corpo poderoso sobre o dela, prendendo-a na cama. Ela queria dar-lhe a mesma satisfação. — Sua vez, — murmurou, colocando as mãos nos ombros dele e guiando-o até a cama para que trocassem de lugar.
Ela encontrou o seu olhar, deleitando-se com o desejo descarado que via refletido em suas profundezas esfumaçadas. Ela não tinha ideia do que estava fazendo, apenas queria lhe dar o mesmo prazer. Seria o seu gesto final de amor. Abaixando a cabeça, tomou o pau rígido em sua boca. Era mais suave do que esperava. Passou a língua para cima e para baixo em seu comprimento, provando-o, enquanto chupava a ponta grossa do seu pênis.
— Cristo, querida, — ele gemeu depois de um tempo. — Você vai me matar.
Ela sorriu, continuando a sugar e a provocar sua excitação. Sabia que estava sendo devassa, mas adorava dar-lhe a mesma felicidade que lhe dera. De repente, ele pegou em seus ombros e a puxou sobre seu corpo. Ela estava sem fôlego quando o pênis dele pressionou aonde mais desejava.
Ele guiou suas pernas para que ela estivesse confortavelmente encaixada contra seu corpo.
— Levante-se um pouco, querida — dirigiu, com as mãos em sua cintura. — Sim, assim.
Com um impulso rápido, estava dentro dela. Ela emitiu uma exclamação assustada. Meu Deus, estava por cima. Não tinha percebido que fazer amor também poderia ser assim. Parecia que tinha muito a aprender.
— Monte em mim, minha garota, — murmurou, ajudando-a em um ritmo delicioso.
Seus cachos soltos caíam como uma cortina ao redor deles. Seus olhares travaram quando ele a penetrou de novo e de novo. Ela descobriu que gostava bastante da sensação de poder que sua posição lhe dava. Inclinando-se, ela o beijou mais uma vez. Suas línguas emaranhadas, bocas seladas enquanto seus corpos balançavam juntos como um.
A paixão caiu sobre ela como ondas em uma praia até que ela não pôde mais resistir à atração da maré. Foi varrida, superada, impotente, sua vagina apertando-o em espasmos após um golpe de libertação. Ele bombeava mais rápido, se movendo mais fundo, até que também se soltou. O jorro quente de sua semente a encheu quando ela caiu em seu peito, completamente gasta.
Os dois ficaram em silêncio por um tempo indeterminado, o único som era de suas respirações igualmente irregulares. Will passou a mão suavemente pelas costas dela em um movimento suave, e deu-lhe um beijo rápido. Tudo havia mudado para eles agora. Mas essa era sua chance final. Ela nunca mais iria querer descobrir que ele tinha sido desonesto, e maldita seja, nunca mais quereria encontrar uma de suas cortesãs na sala de estar.
— Se eu voltar a ver a signora, juro que vou arrancar o cabelo falso da cabeça dela, — avisou-o. — Você descobrirá que não serei misericordiosa a partir de agora, como já fui antes.
Ele riu, os dedos emaranhados nos cabelos dela.
— Agora, isso é algo que quase gostaria de ver. Sua ferocidade é uma das muitas razões pelas quais te amo.
— Diga de novo, — ordenou um suspiro.
— Agora isso é alguma coisa...
— Não, — interrompeu, rindo-se. — A outra parte.
— Eu te amo.
Ela suspirou de novo. Acreditou, acreditou no que eles tinham acabado de compartilhar. Como não acreditaria?
— Também te amo, Will.
Emaranhados nos braços um do outro, foram dormir sem sonhos.
10
Os próximos dois dias se passaram, para Victoria, em um estado de felicidade. Ela e o marido permaneciam as manhãs e as tardes na cama, fazendo amor, até que cada um conhecesse cada centímetro do corpo do outro. Era tudo muito parecido com um sonho do qual ela não tinha intenção de acordar. Sempre.
Mas o idílio deles não queria durar, parecia.
O duque havia chegado e sua primeira ordem de trabalho foi uma audiência com Victoria. A convocação foi uma surpresa para ambos. A luz da tarde se filtrou em seu quarto, enquanto se preparava para a reunião, sem sombra de dúvida, desconfortável. Keats estava dando os retoques finais em seus cabelos.
— Você acha que meu vestido está muito ousado? — Franzindo o cenho para o seu reflexo enquanto fazia a pergunta a Will, que se juntara a ela em seu quarto, igualmente preocupado com o comportamento estranho do pai.
O duque se recusou a cumprimentar qualquer um deles em sua chegada. Em vez disso, exigiu um almoço em seu quarto e uma soneca, nessa ordem específica. Ela e Will haviam se sentido secretamente aliviados com a trégua, mas agora parecia que não ficariam mais tão felizes.
— Eu acho que seu vestido é esplêndido, — Will demorou, encontrando seu olhar no espelho. — E se o velho miserável não gostar, ele pode malditamente ir muito bem para o inferno onde pertence.
— Meu senhor, — ela repreendeu, ciente de que, por mais que respeitasse e confiasse em Keats, eles deveriam pelo menos manter as aparências. O duque era o pai de Will, afinal. — Você não deve falar assim de Sua graça.
Ele encolheu os ombros.
— Não gosto dele, e não me importo com quem saiba.
Ela suspirou, seu nervosismo ameaçando tirar o melhor dela. Talvez, se raciocinasse consigo mesma, e pudesse ganhar o respeito do duque, poderia facilitar o relacionamento conturbado entre pai e filho. Talvez houvesse uma paz entre eles, ou pelo menos uma tentativa de derreter o gelo mútuo.
— Quero fazer tudo da melhor maneira possível por você, — disse ao marido. — Isso não acontecerá, se ele me considerar uma caipira americana rude.
— Não há perigo dele pensar isso, minha querida, — assegurou Will, seu rosto sério. — Nenhum mesmo. Eu desaprovo sua ordem de que você se submeta a ele, você sabe. Você não precisa atendê-lo.
— Você poderia me acompanhar, — salientou, esperançosa por suas aspirações internas de reunir pai e filho em semi-harmonia.
Sua expressão endureceu.
— Não. Dê ao diabo o que lhe é devido. Se é uma audiência com minha esposa que deseja, é uma audiência que receberá. Nunca deixe que ele diga que não nos curvamos a seus caprichos.
Ela desejou poder perguntar-lhe por que ele ficou tão sério e amargo, mas sempre estava ciente da presença de Keats. Em vez disso, continuou suas preparações em silêncio, sentindo como se fosse o cordeiro preparado para o abate. Foi muito desconcertante.
O duque a esperava na sala de estar. Wilton a anunciou com uma severidade que ela supunha ser apenas reservada para funerais. De fato, havia algo muito sombrio em todo o caso, pensou ao entrar na sala.
Depois de passar tanto tempo na presença do marido, ela notou as semelhanças entre Will e o pai de uma só vez. Eles tinham o mesmo cabelo escuro, apesar de cinza polvilhar os fios fortemente untados do duque. Seus olhos eram os mesmos, tão azuis e sondadores. O modo como ele se comportou era mais rígido e ainda lembrava Pembroke, com uma aura de arrogância. O bigode do ancião, no entanto, era bastante pronunciado, tão grande que quase assumiu a aparência de uma pequena criatura.
O efeito era quase risível. Ela segurou uma risadinha inapropriada borbulhando dentro de sua garganta. Caros céus, não poderia subestimar o nobilíssimo homem. Ele segurava muito do seu futuro dentro de suas patas manchadas pela idade.
O duque fez um gesto imperioso, que supôs que deveria ser para sentar-se. Cautelosamente, se abaixou à beira de um sofá particularmente desconfortável. A sala de estar parecia um pouco mais imponente com sua mera presença. Ela mexeu com no caimento do vestido, tentando esconder o nervosismo.
— Lady Pembroke, — disse-lhe formalmente quando também se sentou mais uma vez. — Percebo que você floresceu aqui em Carrington House.
Ela tinha a impressão de que apenas as plantas floresciam, não as pessoas, mas sabiamente manteve essa opinião para si mesma.
— Apenas cumpri meu dever.
— Você não deveria, minha senhora. — Sua voz era severa, implacável.
Sua afirmação a assustou.
— Desculpe-me, Sua Graça? — Ela foi ousada o suficiente para questioná-lo, interpretando um traço de caráter que se resumia a sua orgulhosa herança americana. Havia feito maravilhas na propriedade e com um marido ausente. Como ele se atreve a sugerir que ela, de alguma forma, ficou aquém das suas expectativas?
— Você deve fornecer um herdeiro. — Ele a espetou com um olhar impenetrável. — Você não fez isso.
Meu Deus. Não estava preparada para falar de um assunto tão delicado. Ela nunca se acostumou inteiramente ao inglês e suas noções estranhas. Teve o cuidado de elaborar sua resposta.
— Sua Graça, se você deve ser tão indelicado, então eu também. A culpa disso não me pertence inteiramente.
— Estou bem ciente das deficiências de Pembroke, — rosnou o duque. — É o sangue da mãe que corre em suas veias. Mas isso não é aqui e nem ali. Entendo que ele me obedeceu pela primeira vez em sua vida perdida, e voltou a compartilhar o leito conjugal com você.
Victoria parou. Will havia obedecido ao duque? Seu corpo inteiro ficou tenso como se estivesse se preparando para um golpe. Tornou-se consciente do que acontecia em volta naquele momento - a respiração pesada do duque, os passos fracos de criados além da porta fechada da sala de estar, o tique-taque do relógio dourado. Tique-taque, tique-taque, tique-taque.
Ela finalmente encontrou sua voz.
— Não compreendi, Sua Graça?
— Você me ouviu direito, — ele retrucou. — O conde começou a dividir o leito conjugal com você, como pedi. É meio ano atrasado, mas estou me sentindo feliz por ser melhor tarde do que nunca. Não darei o ducado ao covarde do meu primo, mesmo se Pembroke não tiver um filho. Você cumprirá seu dever até que eu tenha um herdeiro, por Deus.
Sua mente tropeçou em peneirar e entender o que o duque acabara de dizer. Pembroke a procurou por causa de um decreto dado pelo duque? Ele havia obedecido, dissera. Isso significava que tudo que ela e Will haviam compartilhado - todo beijo, todo momento de paixão, toda promessa - haviam sido todos manobrados pelo homem odioso diante dela. Quantas vezes Will lhe dissera que havia retornado um homem mudado, que queria um novo começo, que havia voltado apenas para ela, e somente para ela?
Certamente não poderia ter mentido o tempo todo que passaram juntos?
Ou poderia? Ela apertou os dedos nas têmporas, repentinamente, latejantes. A sala parecia girar ao seu redor. Não sabia se ia desmaiar ou gritar. As palavras de Will voltaram à sua mente como um baralho de cartas.
Victoria, senti sua falta.
Voltei para Carrington House porque quero começar de novo.
Eu te amo.
Tudo tinha sido uma falsidade, uma invenção destinada a convencê-la a permitir que ele desse ao duque um herdeiro necessário? O medo a espetou. Sim, claro que isso era possível. Ele era o mesmo homem que a cortejara e a abandonara, o homem que perseguia as cortesãs, e a ignorava com indiferença praticada. Ela não deveria se surpreender com a revelação do duque. Não deveria ter se apaixonado pela bela aparência, charme e mãos inteligentes de seu marido.
Mas, ela tinha.
— Você parece assustada, minha senhora, — observou o duque. — Por favor, perdoe-me meu discurso simples, mas nunca fui de medir palavras. A pura verdade do problema é que Pembroke precisa de um herdeiro masculino, ou quando ele e eu passarmos nossas heranças, o próximo homem na fila é um idiota do campo inadequado que arruinará as propriedades. Nossa família possui essas terras há séculos. Para elas e para o título, ir para alguém que não seja o legítimo herdeiro seria um sacrilégio.
Ela engoliu em seco, tentando acalmar seu coração loucamente pulsante e amenizar a terrível sensação de traição que a ultrapassava.
— Entendo a necessidade de um herdeiro, Sua Graça. Você disse que Pembroke te obedeceu. Posso ter a ousadia de perguntar o que o senhor quis dizer?
Os olhos do duque se estreitaram no que ela supôs ser suspeita.
— Vamos em frente, vocês americanos. — Ele suspirou, aparentemente desconcertado por sua falta de educação. — Descobri que Pembroke precisa de um impulso para tudo. Ameacei deserdá-lo, a menos que voltasse para você, e cumprisse as obrigações familiares.
Se seu coração fosse um cálice de cristal finamente lapidado, teria sido quebrado em centenas de fragmentos infinitesimais naquele instante. Ela não teve tanta sorte. Seu coração não era um objeto, e doía com uma intensidade que a deixava cega. Ela queria sair da sala de estar. Seus pulmões pareciam não poder mais segurar o ar.
Isso foi muito pior do que o abandono original de Will. Ele dissera que a amava. Mentiras, tudo isso. Ele foi conivente e traiu tudo em nome do dinheiro. Seu estômago acelerou, e ela temeu que se envergonhasse diante do duque.
— Sou levado a acreditar que Pembroke não foi claro quanto a sua motivação para voltar a bancar o marido, — observou o duque com crueldade.
Ela respirou fundo.
— Não, não foi.
— Ah. — Ele fez uma pausa, considerando-a. — Certamente você percebe que tipo de homem ele é, minha querida. Como eu disse, o sangue de sua mãe flui através dele. Ele não é confiável.
Enojou-a que o duque falasse tão francamente e com tanto desdém pelo próprio filho. Claro, parece que Will mereceu, mas achou essa noção desconfortável. Não admira que ele detestasse seu pai. O sentimento parecia ser mútuo.
— Receio que não esteja bem, Vossa Graça. — Ela se levantou, as pernas tremendo sob as camadas do vestido de seda da tarde. — Por favor, dê-me licença?
Ele a observou em um silêncio pedregoso, seu olhar ainda afiado como pinças.
— Seria prudente se você não permitisse que suas sensibilidades femininas impedissem seu bom senso. Pembroke terá um herdeiro porque deve. Não importa como será feito, simplesmente será.
Se estivesse mais perto dele, teria lhe dado um tapa, mas era apenas uma propriedade a ser condenada. Ela foi sacudida até o seu núcleo, desgostosa por Pembroke tanto quanto pelo seu pai. Entendeu a reação dele perante o duque agora melhor do que nunca. O homem era um sapo que menosprezava sua própria carne, e pensava em nada além de seu império em ruínas.
Ela levantou o queixo, forçando-se a ser forte e não permitir que o duque tivesse a última palavra.
— Você está errado nisso, Sua Graça. Não haverá herdeiro, pois Pembroke nunca mais me tocará.
Com isso, se virou e saiu em disparada da sala. O duque a chamou, mas foi ignorado. Ela tinha acabado de ter todas as audiências com o homem horrível que pretendia ter. Na verdade, desejou muito que nunca tivesse posto os olhos nele, e em Pembroke.
Poucos dias atrás, jurou não deixar ninguém se intrometer entre eles novamente. Quão amargamente irônico é que a única pessoa que poderia se colocar entre eles era o mesmo homem que sempre esteve. Pembroke em pessoa.
Foi só depois que estava em segurança do outro lado da porta fechada, que permitiu que as lágrimas que estava escondendo caíssem. Passou correndo pela sra. Morton, cujo rosto redondo e benevolente mostrava claramente sua angústia. Pressionando a mão na boca para reprimir os soluços, correu para a privacidade de seu quarto antes de se humilhar mais.
Mais tarde naquela noite, a batida esperada veio à sua porta. Ela evitou deliberadamente Will e não foi jantar, alegando dor de cabeça. Ele passou a maior parte da tarde cavalgando - sem dúvida uma tentativa de acalmar sua consciência depois de suas infindáveis mentiras. Claro, isso se imaginava, se ele possuísse consciência.
— Você está bem, minha querida? — Ele perguntou do seu quarto, com o tom preocupado.
Ela não respondeu. Náusea agitou seu estômago. Um brilho frio de suor encharcou seu corpo inteiro. Parou de andar, esperando que ele simplesmente fosse embora. Não achava que podia suportar vê-lo agora.
— Victoria?
Antes que pudesse responder, a porta se abriu, revelando o marido. Claro que ele teria uma chave pronta depois da última vez. Ela não tinha pensado nisso. Ele usava um robe, com cinto na cintura, e uma expressão preocupada estragava a beleza masculina de seu rosto.
Era ideia de Deus uma brincadeira cruel, pensou novamente, dando a um homem com um coração negro a aparência de um anjo.
— Qual é o problema? Não se parece com você perder o jantar. — Ele começou a atravessar o quarto, mas ela levantou a mão.
— Não chegue mais perto de mim.
Ele parou, um olhar de surpresa substituindo a angústia.
— O que há de errado, meu amor?
— Não sou seu amor. — Ela respirou fundo, procurando por ar, tentando reunir a força que precisaria para ir para a batalha. A revelação do duque a deixou abalada e fraca.
— O que você está falando? — Ele começou a avançar novamente.
Ela recuou, olhando-o cautelosamente.
— O duque me disse o verdadeiro motivo de você estar aqui em Carrington House. Imagino que você me enviou para encontrá-lo sem temer o que ele faria. Talvez acreditasse que ele defenderia suas traições, mas parece que o que há é uma aversão mútua. Ele me disse que ameaçou cortar a sua herança, se você não me fizesse uma criança. Que você está aqui comigo por obediência a ele. Sei que tudo tem sido uma mentira.
Sua voz falhou na última frase, mas recusou-se a chorar diante dele. Ela apertou os punhos ao lado do corpo, sentindo-se terrivelmente impotente. Ele tentou procurá-la, abraçá-la, mas ela empurrou seu peito, recusando-se a ser abraçada. O seu rosto disse tudo o que precisava saber. Era verdade. Tudo isso. Ele a enganara repetidamente. Eu juro. Eu te amo. Meu Deus, e ele nunca quis dizer uma única palavra. A angústia era quase demais para suportar.
— Victoria, eu posso explicar. — Ele levantou uma mão apaziguadora.
— Não, não pode. Não quero mais ouvir suas falsidades.
— Vim aqui pelas razões erradas, — disse, segurando seus braços para forçá-la a ficar quieta. — Mas fiquei pelas certas. Te amo, mais do que jamais pensei ser possível.
— Você só ama seu próprio ganho, — ela retrucou. — Me solte.
— Acalme-se, amor, — ele ordenou. — Por Deus, você precisa ouvir a razão.
Victoria se afastou de suas mãos.
— Não. Eu não vou te ouvir. Saia agora, ou vou gritar e trazer todos os servos aqui para cima.
— Você não faria. — Ele a alcançou novamente, desta vez pegando suas mãos geladas. — Eu mesmo deveria ter-lhe dito, e peço desculpas. Certamente um mal-entendido não pode apagar tudo o que aconteceu entre nós.
— Não foi um mal-entendido, Pembroke. — Ela procurou o olhar dele, tentando compreender. — Você me enganou desde o primeiro momento em que veio aqui. Disse que estava aqui porque foi negligente como marido, que sentiu minha falta. Até perguntei se você estava aqui porque o duque suspendeu sua mesada, e você negou.
— O que deveria dizer, Victoria? É verdade que o duque me tirou a mesada. É verdade que voltei aqui com a intenção de deitar-me com você, e voltar para Londres na primeira oportunidade. Não tive escolha quando me casei com você. Não tive escolha quando voltei para cá. Pelo menos, foi o que achava e me ressenti por isso. Mas agora, vejo que sempre tive uma escolha. Minha escolha é você.
— Sua escolha é o meu acordo de casamento. Sempre foi e sempre será. — Ela fechou os punhos nas saias para impedir que ele visse o quanto tremiam. — Havia uma razão para o seu retorno, e era para você continuar vivendo sua vida perdida. Deus, não posso acreditar em como fui tola em acreditar em você depois de tudo.
Seu aperto nela firmou-se.
— Não dou a mínima para a minha vida antiga. Tudo isso, tudo o que compartilhamos, foi real, Victoria. Estes últimos quinze dias foram os melhores da minha vida. Não jogue fora agora por causa disso, eu imploro.
— Foi você quem jogou fora. — Amargura misturou sua voz. Não tinha pensado ser possível sentir a profundidade que a partia agora. Ele prometeu não machucá-la novamente, mas ele tinha, e pior do que antes. — Confiei em você, fiz tudo o que uma esposa adequada deveria. Dirigi sua casa, amei você, acreditei quando me disse que a chegada da signora Rosignoli tinha sido um erro. Mesmo quando a peguei em seus braços, ainda permiti que você me convencesse de que tudo era inocente. Que idiota eu era. Você foi até ela depois que fizemos amor?
— Bom Cristo, claro que não, — ele negou. — Você é a única mulher que quero na minha cama, e você sabe disso.
— Não. — Ela balançou a cabeça, lágrimas escorrendo descaradamente em suas bochechas. — Não sei mais nada, pois tudo que pensei que sabia era uma farsa.
Ele a soltou, aparentemente derrotado.
— Não fui um bom marido. Eu sinto muito. Sinto mais do que você imagina. Não a culpo se me odiar, Victoria. Tudo o que peço é que você não me deixe. Não suporto isso.
Ela o olhou, recusando-se a fazer uma promessa que não poderia cumprir, ao contrário dele. Deixá-lo era exatamente o que deveria fazer por si mesma.
— Por favor, saia do meu quarto. Não quero você aqui.
— Muito bem. — Ele ofereceu-lhe um franzir de testa. — Não vou me demorar onde não sou querido. Mas, ouça o que eu disse. Não teria machucado você por nada nesse mundo.
— Eu gostaria de poder acreditar nisso, — ela sussurrou, tanto para si mesma quanto para ele, observando-o enquanto se afastava, deixando-a bem e verdadeiramente sozinha.
No início da manhã seguinte, chamou a atenção de Pembroke que havia um vasto conjunto de baús sendo carregado para sua carruagem. Ainda abalado por seu confronto com Victoria na noite anterior, ele seguiu para a luz cinzenta do amanhecer para saber o que estava acontecendo.
Lacaios entravam e saíam da casa carregando malas pesadas. Sua esposa estava supervisionando o carregamento junto com a sra. Morton. Victoria estava vestida com perfeição como sempre, usando um vestido de seda preto e ameixa até o pescoço, adornado com rendas tingidas e contas jateadas. Sua pequena americana havia se transformado numa verdadeira beleza para rivalizar com qualquer dama inglesa, e ele não a merecia. Ele nunca a mereceu, assim como petite souris nunca foi uma descrição apropriada para ela. Ela era feroz e gentil, boa e confiante. Todas as malditas coisas que ele não era.
Ela o olhou, não se incomodando em oferecer qualquer deferência. Em vez disso, desculpou-se com a governanta e foi até ele pelo caminho de cascalho. Seu chapéu a fazia parecer mais alta. Ele fixou seu olhar na pluma de penas de avestruz apontando para o céu. Cristo. Não podia ser o que pensava que era.
— Estou deixando você, Pembroke.
Ou talvez pudesse ser afinal. Inferno maldito.
O vento soprava muito bem. Raiz de lírio. Seu mero perfume o afetou. Sua mandíbula apertou, seus olhos caindo nos dela. Sua expressão era tensa, seus lábios desenhando uma carranca imperiosa que ele conhecia tão bem. Ela o estava deixando. Para sempre. Seu estômago se apertou, como se tivesse acabado de acordar de porre de uma noitada de uísque, e ele precisasse calcular suas contas.
— Onde você vai?
— Estou voltando para Nova York.
Nova York estava a um oceano de distância. Ele não conseguiu falar quando as implicações de seu anúncio se tornaram claras. Ela não planejava voltar para a Inglaterra. Ela não queria mais ser sua esposa. Jesus, o pensamento o congelou.
— Então, você estará livre para viver a vida sem o ônus de uma esposa, — disse-lhe, interrompendo suas reflexões perturbadas. — Sua família, é claro, ficará com tudo. Só estou levando meu enxoval. Você pode inspecionar os baús, se quiser.
Ele não queria inspecionar os malditos baús. Queria que fossem levados de volta para sua casa, droga.
— O que você está falando, Victoria? Não pode simplesmente fugir para Nova York.
— É claro que posso. — Sua voz era baixa, tingida com uma emoção que não conseguia definir. — Você não me quer de qualquer maneira, e nunca me quis.
— Maldita seja, isso não é verdade. — Ele percebeu que em sua agitação, estava quase gritando, e abaixou o tom. — Não exatamente. Inicialmente, era diferente entre nós. Eu mesmo, estava ressentido com você, e te tratei pior do que um trabalhador do cais. Mas, passei a te admirar. Não posso mudar o que aconteceu no passado, mas posso fazer do futuro o que deveria ser. Quero ser um verdadeiro marido para você, Victoria.
Os olhos dela brilhavam com lágrimas não derramadas.
— Percebi que você não passa de um mentiroso, pronto para contar qualquer história que precise conseguir no momento. Até seu próprio pai diz isso. Mas, não sou mais a sua idiota. Você nem saberia como começar a ser um verdadeiro marido.
Sabia que havia perdido o direito ao respeito dela. O homem que ele tinha sido não teria notado a perda. Na verdade, o homem que se tornou estava bastante enojado com o que tinha sido, estava tão amargurado com seu passado que estava disposto a usar e machucar alguém para se vingar. Ele não culpou sua esposa por sua opinião ruim sobre. Ele a tinha adquirido.
— Nunca afirmei ser um bom homem. Mas, realmente eu amo você.
Ela parou. Ele prendeu a respiração, esperando que seus sentimentos significassem algo.
— Não fale de amor comigo nunca mais, — ela cuspiu, arremessando seu otimismo. — Você não sabe nada disso.
— Você não pertence a Nova York. — Ele apertou os punhos ao lado do corpo, sentindo-se totalmente impotente como nunca tinha estado antes. — Você deve ficar ao meu lado, como minha esposa.
— Não quero mais ser sua esposa, Pembroke. — Ela inclinou o queixo, sua expressão assumindo a teimosia que ele esperava. — Quero voltar para minha verdadeira casa, e desta vez não serei dissuadida.
Diabo, por que ela não queria ouvir? Eles compartilharam uma profunda paixão juntos. Ele a amava. Ela dissera que o amava também. Isso tinha que significar algo. Cristo, mas havia estragado isso.
— Sei que deveria ter lhe dito a verdade, — admitiu. — Sou todo o tipo de bastardo que o duque disse. Na verdade, ouso dizer pior. Mas nunca duvide que te amo, droga.
— Pare. Não diga outra palavra. — Ela balançou a cabeça como se estivesse tentando afastar suas palavras da mente. — Não serei seu peão. Você também pode chorar derrota.
Ele pegou as mãos dela, decidido a não permitir que fugisse. Seus olhares se chocaram. Ele estava tão atraído por ela como sempre.
— Diga-me que você não me ama, e eu vou deixar você ir.
Um longo silêncio se estabeleceu entre eles.
— Eu não te amo, — disse ela finalmente, mas olhando, não para ele, mas por sobre o seu ombro, para a fachada da Carrington House. — Pronto, agora solte-me.
— Não acredito em você.
Ela se afastou de suas mãos como se o toque dele a enojasse.
— Não ligo se acredita ou não. Não importa mais. Desejo-lhe uma vida feliz, Pembroke. Sinceramente, lhe desejo.
Ela se virou e deu-lhe as costas, atravessando o caminho até a sra. Morton. Outra onda de náusea bateu em seu estômago. Ele ia ficar doente e Victoria estava impassível, contrária a ser persuadida. Imaginou que de alguma forma poderia convencê-la a ver a razão, pois ela não podia deixá-lo. Não agora, quando apenas começaram.
Ele girou nos calcanhares e afastou-se antes de se envergonhar, devolvendo o jantar da noite passada na frente da esposa, que o estava deixando, e dos criados que a ajudaram em sua partida. Ele só conseguiu chegar à entrada, antes de perder o controle sobre seu estômago.
Ele simplesmente permitiu que ela se fosse. Victoria voltou-se para um último vislumbre da Carrington House, antes que a carruagem fizesse a curva para seguir o caminho que tornaria impossível vê-la. O imponente edifício permaneceu firme contra um céu cinzento, tão arrogante quanto seu dono. Viu-se pensando em todas as suas torres, seu telhado com vazamentos, e janelas manchadas como as do quarto dela que usava para vigiar. Durante os meses que passou lá, Carrington House realmente começou a fazê-la sentir-se em casa.
Claro, se fosse honesta consigo mesma, reconheceria que não parecia um lar até o retorno de Will. Mas seu retorno fora envolto em mentiras, feito apenas para seu próprio ganho e não por qualquer razão de estar ao seu lado. Ela virou o rosto para a frente, sabendo que não havia sentido em insistir na traição dele. Se o fizesse, isso apenas a devastaria.
Tolamente, esperava que ele fizesse algo dramático, talvez ir atrás dela, impedindo-a de sair. Mas, ele apenas tinha voltado para sua extensa casa de campo, sem olhar para trás. Um final adequado, supôs, para um casamento que havia começado e terminado em decepção. Ele não se importou. Nunca se importou.
Lágrimas ardiam em seus olhos, e ela piscou para longe o máximo que pôde. Sua criada pessoal, Keats, sentou-se à sua frente enquanto a carruagem balançava, um silêncio constrangedor se estendendo entre elas. Sabia que não devia falar abertamente de assuntos particulares com os criados, mas Victoria também percebera que o andar de baixo conhecia muito mais das idas e vindas de seus senhorios, do que os senhores e as damas jamais imaginaram.
— Estou deixando a propriedade dele, — disse a Keats. O que importava o decoro? Já se cansara do mundo estranho da aristocracia inglesa. Ela ansiava por Nova York, por rostos familiares, suas irmãs mais novas, seus pais. Não pertencia a este lugar, e sabia disso agora mais do que nunca.
— Oh, querida, minha senhora. — A gentil Keats parecia genuinamente preocupada. — Eu tinha ouvido sussurros que algo estava errado entre a senhora e seu o senhor, mas não queria acreditar.
— Nem eu. — Ela engoliu um soluço em vez de permitir que este escapasse e a humilhasse ainda mais. — No entanto, receio que ele me deixou sem escolha.
Elas estavam indo para Londres. Ficar mais um dia sob o mesmo teto que ele e o duque seria insuportável. Ela enviou uma mensagem à sua amiga Maggie sobre sua chegada inesperada. Afinal, definitivamente, não queria ficar na casa da Belgravia, onde ele manteve sua amante. Mesmo que só pretendesse demorar alguns dias enquanto planejava retorno para a América, não queria lembretes das indiscrições e do comportamento intolerável do marido.
— Todo mundo no andar de baixo disse que ele mudou muito por sua causa, minha senhora, — ofereceu Keats. — Ele até se interessou pela administração da propriedade, e deu aumentos aos empregados que estavam na Carrington House por cinco anos ou mais. Minha querida mãe sempre disse que o amor é como uma meia que sempre precisa ser cerzida. A senhora tem certeza de que o que aconteceu não pode ser reparado?
Victoria não sabia que ele começara a fazer suas próprias mudanças. O fato de ter se importado o suficiente para recompensar funcionários leais foi um choque. Quando ela sugeriu isso, ele não parecia levar o assunto em consideração. Soube também que ele estava debruçado sobre os livros de contabilidade e examinando os reparos necessários na ala leste.
Mas aprender um senso de responsabilidade por sua terra e seu povo não significava que era um marido fiel e confiável. Embora fosse realmente difícil, ela tinha que manter isso em mente. Pensou na afirmação de sua criada de que o amor era como uma meia, e evocou um sorriso triste.
— Sabe, Keats, realmente acredito que sua mãe estava certa. O amor é como uma meia, mas eventualmente se torna muito desgastada e você simplesmente não pode mais consertá-la. Uma vez que chega a esse ponto, tudo o que se pode fazer é jogar fora.
Se apenas jogar fora seu amor por Will fosse tão fácil quanto isso. Voltou sua atenção para o cenário que passava lentamente, uma confusão de beleza pastoral e um verde luxuriante que se estendia a sua frente. Enquanto a carruagem balançava, as nuvens finalmente se abriram, e desencadearam uma torrente de trovões e chuva.
Will estava se dedicando ao negócio de ficar completamente e meticulosamente acabado. Depois que se envergonhou, vomitando por todo o corredor da frente, seu orgulho não tinha permitido que a perseguisse. Não, em vez disso, encontrou uma garrafa de uísque fino e a drenou até a última gota. Acordou na manhã seguinte, no chão da sala de música com a cabeça dolorida e as costas duras, ainda vestindo as roupas do dia anterior. Afundando-se em desgosto, descobriu uma garrafa de conhaque em seu escritório e começou tudo de novo.
Ele bebeu o conteúdo do copo e olhou com severa intenção os detalhes do cristal. Ela não o queria. Finalmente teve o suficiente, e partiu. Também não podia culpá-la. Droga, deveria ter lhe contado a verdade quando começou a ter sentimentos por ela. Dizer-lhe, e fazer as pazes teria sido muito mais fácil antes que ele permitisse que fosse longe demais. A chegada inesperada de Maria não ajudou em nada, mas não se enganou quanto a isso. O duque estava por trás da partida de Victoria. Que o inferno levasse o maldito velho bastardo e intrometido.
Quando se serviu de seu terceiro copo de conhaque e água com gás, o duque explodiu abruptamente em seu escritório. Seu olhar azul, tão parecido com o de Will, estava frio como sempre, seu rosto uma máscara de desdém.
— Suponho que não deveria me surpreender que você esteja ficando embriagado de novo, — seu pai falou demoradamente, sua voz cheia de condenação.
Era um tom que se acostumara a ouvir do duque, mas não estava disposto a ser assediado. Ele era um barril de pólvora. Mais uma faísca, e explodiria. Ficou rígido, tentando se acalmar antes de responder. Não permitiria que o duque visse o quão profundamente o afetava. Foi precisamente por isso que estava evitando o pai.
— Sua Graça, — disse, inclinando a cabeça, mas se recusando a ficar de pé. — A que devo o prazer de sua ilustre companhia?
— Você me decepcionou a vida inteira, mas isso vai além dos limites. — O duque caminhou pelo tapete, parando na escrivaninha para bater com o punho na superfície polida. — Você tinha um dever em sua existência miserável e, de alguma forma, conseguiu fracassar. Sei que você já dormiu com metade das mulheres fáceis de Londres, e ainda não vai dormir com sua própria condessa.
— Pela primeira vez, estamos completamente de acordo, — reconheceu firmemente. — Minha esposa quer voltar para a América. Você pode ficar com o ouro dela nos seus malditos cofres, mas não terá o seu herdeiro.
— Absurdo. Não haverá divórcio. Não vou permitir. — O duque bateu o punho novamente. — Como deveria saber que você mentiria? Por Deus, você nunca fez nada corretamente. Eu mesmo deveria ter me casado com aquela cortesã americana.
O desejo de dar um soco forte no rosto arrogante de seu pai nunca foi tão forte. Ele ficou de pé, prendendo o duque com um olhar mortal.
— Nunca insulte minha esposa. Se você sequer falar o nome dela mais uma vez, vou te bater como deveria há muito tempo.
O duque também tinha uma grande estatura, mas sua forma musculosa murchou com a idade. Não havia dúvida de que, em uma disputa física, Will seria o vencedor. Seu pai sabia disso. Ele parou, surpresa evidente em sua expressão. Foi a primeira vez que Pembroke enfrentou o pai. O peso que ele carregou toda a sua vida foi retirado. Sentiu-se leve. Liberado.
— Você ousa me ameaçar? — O duque levantou uma sobrancelha imperiosa.
— Ouso muito no motivo de sua preocupação, — assegurou, um novo senso de confiança pairando dentro dele. — Você já causou danos suficientes aqui. Vou corrigir os erros que cometi e, se tenho algo a dizer sobre isso, você terá seu abençoado herdeiro. Mas isso é só porque quero começar uma família com Victoria. Não aceitarei mais intromissão ou desrespeito, nem de você ou de mais ninguém.
— Quem você pensa que é para falar comigo assim? — O duque exigiu, cuspindo.
— Sou seu maldito filho. — Algo que o incomodou por anos retornou naquele momento de rebelião, e tinha que saber. —Enquanto jogamos toda a madeira no fogo, diga-me uma coisa, Sua Graça. Quem matou meu cachorro? Eu era um menino, e meu único conforto no mundo era aquele maldito cachorro.
A expressão do pai nublou-se em confusão descontrolada.
— Cachorro? Não tenho tempo para me preocupar com seus vira-latas, Pembroke.
Tinha sido sua mãe, então. Depois de todos esses anos, tinha a verdade. Ele supôs que não deveria se surpreender, mas a revelação fez sua boca ficar seca. Pensou no garoto de seis anos de idade que havia sido, desejando carinho de uma mulher quebrada e com raiva. Aquele garoto agora era um homem que tratara sua esposa tão mal quanto fora tratado. Como pode, de bom grado e voluntariamente, ter provocado aquela dor em outra pessoa? A vergonha era uma coisa de tirar o fôlego.
Uma nova resolução o venceu. Tinha perdido seu tempo enfurecendo o duque com um escândalo após o outro. Desperdiçou anos com retribuição vazia. Mas a vingança não importava. Ele nunca mudaria seu pai, nunca desfaria os danos do passado. Mas, podia seguir em frente. Podia escolher o amor em vez do ódio. Chegara a hora de se tornar um homem. Teria que reconquistar Victoria. Sem ela, sua vida era uma casca vazia.
Decidido, ele passou por seu pai assustado.
— Para onde, diabo você está indo? — O duque chamou atrás dele, claramente consternado.
— Indo pegar minha esposa, — disse por cima do ombro, sem se preocupar em olhar para o pai. O passado ficaria onde pertencia, e o único futuro que queria era onde estava Victoria. Ele teria que ganhar a confiança dela novamente. Não havia outra maneira de acontecer.
11
Oh, querido.
Victoria ergueu os olhos do livro que estava lendo sem entusiasmo, na alegre sala de estar de Maggie, em Londres. Sua amiga havia acabado de entrar no quarto, em meio a um tumulto de cachos vermelhos e sedas cor de violeta, torcendo as mãos, com o semblante bastante irritado. Nada poderia prejudicar a beleza vibrante de Maggie, Victoria pensou com um pouco de inveja.
Ela fechou o volume no colo, sem se preocupar em marcar a página. Como distração, serviu somente para se mostrar extremamente pobre. Franziu a testa quando a amiga começou a andar pelo chão polido como se tivesse acabado de ter notícias de uma morte na família.
— O que houve, Maggie?
— Perdoe-me, minha querida. — Maggie pressionou a mão na boca, parecendo doente. — Não sei como isso aconteceu.
Victoria ficou de pé na mesma hora, um crescente nó de preocupação no estômago.
— Qual poderia ser o problema? Certamente você não fez nada que exija meu perdão.
— Não fiz, — Maggie apressou-se a assegurá-la, parando os seus movimentos frenéticos. — Mas alguém fez.
— Não aguento mais suspense, Maggie. — Ela se preparou para a notícia. — O que pode ser?
— Pembroke, — Maggie finalmente revelou. Até seu penteado cuidadosamente trabalhado estava se desfazendo em seu fervor. — Acho que ele veio aqui, e está exigindo vê-la.
A emoção deu uma repentina pontada no peito. Nos últimos três dias, vacilou entre raiva e saudade. Esperou sinceramente que ele aparecesse com seu sorriso encantador e beijos derretidos. Na primeira noite em Londres, sonhara que ele a procurava e pedia perdão. Tinha sido tão real que ela acordou e o procurou ao seu lado na cama. Mas, a realidade havia se intrometido com a luz brilhante do amanhecer, e estava sozinha em uma cama estranha, ainda traída e magoada.
Agora ele tinha chegado, justamente quando ela abandonou o último fragmento de esperança que ainda se apegava, a que o amor deles pudesse ser consertado, afinal. Ela apertou a mão em seu coração galopante e imprudente. O que fazer?
— O mordomo disse a ele que não estou em casa? — Perguntou, tentando resolver a confusão de seus sentimentos. Achava que não poderia vê-lo agora sem desmoronar. Ele a tinha machucado muito profundamente.
— Ele disse. — Maggie fez uma careta. — O conde se recusa a sair. Disse que permanecerá até você voltar. Tenho certeza de que nunca ouvi falar de nada tão presunçoso. Nosso pobre mordomo não tem a menor ideia do que fazer, e receio que os nossos empregados não sejam fortes o suficiente para removê-lo com sucesso.
É claro que Will não se curvaria ao costume social. Claro que seria arrogante e exigente, e não iria embora. Um homem razoável, saberia o quanto ela se sentiu traída pela decepção que ele causou, teria misericórdia e lhe daria algum espaço. Um homem razoável não a seguiria até Londres, e invadiria seu porto seguro.
Mas o conde de Pembroke não era um homem razoável. Também não era um homem digno de seu amor. Como ela tinha sido tola por permitir que ele a enganasse, e a usasse de novo, e de novo. Não podia, por sua própria sanidade e bem-estar, permitir que ele encantasse seu caminho de volta a suas boas graças, mais uma vez.
— O que devo fazer, Victoria?
Antes que ela pudesse responder, a porta da sala se abriu com uma explosão. O mordomo de Maggie, com olhar atormentado, tentou anunciar Pembroke enquanto este simplesmente entrava na sala como se pertencesse àquele lugar. Seu olhar prendeu-a, e seu corpo traidor ficou fraco. Ela se levantou numa instável falta de graça, seu livro esquecido deslizou para o chão com um baque que sua mente mal registrou. Cruzando os braços sobre o peito, ela o encarou. Seu estômago apertou, e seu coração parecia uma dor física dentro do peito.
— Ah, suspeitava que você estivesse se escondendo de mim, minha querida—, disse ele, sua voz tão suave quanto a manteiga fresca.
A pobre Maggie parecia estar tendo uma apoplexia. Seu rosto ficou vermelho com sua agitação. Ela correu na direção dele como uma vespa cujo ninho havia sido pisoteado, e pronta para picar.
— Meu senhor, você não pode simplesmente invadir a minha casa.
Ele parou e fez uma reverência, sempre o cavalheiro sofisticado.
— Por favor, aceite minhas desculpas, minha senhora. É simplesmente que estou dominado pelo amor que sinto pela minha esposa, e não suporto passar mais um segundo sem ela. Tenho certeza de que você entende.
Victoria franziu a testa para a maioria de suas impertinentes sutilezas. Ele não a amava. Como poderia, e tratá-la como fez? Estava rígida quando ele caminhou até ela, seus olhos fixos, como se estivesse memorizando a mera visão. Sabia que era uma atuação, e estava decidida a não se deixar afetar.
Maggie estava cuspindo.
— Sua esposa está buscando refúgio da sua presença, meu senhor.
— Estou bem ciente disso. — Ele pegou as mãos de Victoria, e as levou aos lábios para um beijo fervoroso. — E eu não a censuro nem um pouco.
— Você não me censura? — Victoria perguntou, com a testa franzida.
— Você não a censura? — Maggie ecoou.
— De jeito nenhum. — Will ainda segurava suas mãos em um aperto firme, seus olhos intensos nunca se afastando. — Tenho sido um canalha completo. Não a mereço como minha esposa. Eu a abandonei, menti e a machuquei, e por isso nunca me perdoarei. — Ele fez uma pausa. — Mas, também nunca vou me perdoar se a deixar ir, como você vê, ela é a melhor parte da minha vida.
Ela queria acreditar nessas palavras, por mais tola que fosse. Ansiava por acreditar, bem como queria crer nas tantas outras palavras que rolavam de sua língua fácil. Tantas que se precipitaram em promessas sem sentido.
— Você certamente não agiu como se eu fosse, — ela apontou.
— Lady Sandhurst — ele disse, seu olhar nunca deixando o dela. — Você se importaria muito de nos dar um pouco de privacidade?
— Oh, meu Deus. — Maggie parecia sem fôlego. Victoria lançou um olhar para a amiga, e descobriu que estava assistindo a cena se desenrolar com os olhos arregalados. — Suponho que sim, meu senhor. Ou seja, se for aceitável para Victoria.
— Vou ficar bem, — ela garantiu-lhe, mesmo que não tivesse certeza da veracidade de suas próprias palavras. Na verdade, não sabia o que esperar de Will, o que esperar de si mesma. Vê-lo novamente a sacudiu. O que ele disse a sacudiu.
Quando estavam sozinhos, a porta da sala de estar fechada com segurança dos ouvidos curiosos, ele a puxou para seu corpo forte para um abraço. Ela se manteve rígida, os braços ao lado do corpo, enquanto ele a pressionava com força. Ele enterrou o rosto nos cabelos dela em uma inspiração profunda, como se estivesse bebendo seu perfume.
— Por Deus, senti sua falta, — murmurou. — Sei que você não me deve nada, mas, por favor, Victoria, ouça o que tenho a dizer.
— Eu não sei se posso. — Como suas admissões, ele foi completamente honesto, desprovido de qualquer armadilha. Ela nunca tinha sido boa em se preparar-se contra ele.
— Estou te implorando, meu amor. — Ele pressionou um beijo no topo de sua cabeça, segurando-a com tanta ferocidade que era quase doloroso. — Por favor.
Ela amava o jeito que ele a segurava. Não devolver o abraço parecia, de alguma maneira, errado. Teve que se forçar a lembrar a gravidade do que ele havia feito. Ele era um homem em quem não podia confiar, e tinha lhe mostrado isso várias vezes.
Ela procurou sua força interior, e se afastou para olhá-lo.
— Não preciso ouvir nada que você tenha a dizer.
— Você tem direito à sua melhor opinião, mas antes de me recusar, pense sobre isso. — Seu lindo rosto estava tenso com uma emoção que ela não conseguia definir. — O que tenho a ganhar em te procurar agora? Você já deu a minha liberdade. Caso ocorra um divórcio, minha família ficará com o seu dote. Sou jovem o suficiente para casar-me novamente, e tentar um herdeiro para agradar meu pai. Eu não preciso de você, Victoria.
Sua proclamação a assustou. Não era o que esperava ouvir, e tinha que confessar, mesmo que fosse para si mesma, que o que ele dizia possuía um toque de verdade. Se eles se divorciarem, ou talvez anularem sua união, ele estará livre para se casar novamente. Com o tempo, o escândalo diminuiria, e ele era o herdeiro de um duque, afinal. O dinheiro que a família precisava já era deles. Parecia que ele não precisava mais dela.
— Eu não preciso de você, — disse novamente, erguendo seu queixo da maneira que se tornou tão familiar e amada. — Exceto que sem você, minha vida não tem sentido. Eu era um cínico sem rumo, sem pensar no futuro ou em minhas responsabilidades, sem me importar com ninguém, inclusive comigo. E então, fui atrás você no campo. Você estava linda e forte. Transformou Carrington House, conquistou os criados, e eu não me cansava de você. Descobri que tinha casado com uma mulher que tinha uma força impressionante, inteligente e carinhosa, e que de alguma forma, viu o melhor em minha alma ferida quando todo mundo acreditou que não tinha qualidades resgatáveis.
Suas palavras a deixaram abalada, em parte porque tinha medo de acreditar nelas, e porque sabia que ninguém poderia exercer uma performance tão habilidosa. No entanto, havia muitas perguntas que precisavam ser feitas.
— Por que você mentiria para mim? Por que não me diz a verdade?
— Eu estava muito envolvido, — disse sem hesitar, seu olhar nunca vacilando. — Quando percebi o quanto me importava com você, fiquei com muito medo de admitir que não era o bom marido buscando a redenção que você pensava que eu era. Não queria que me odiasse ou me deixasse. Se pudesse voltar atrás e apagar o estrago, dizer-lhe quando iria fazer isso, saiba que o faria. Há pelo menos uma centena de coisas na minha vida que eu faria diferente, com metade da chance. Mas, não posso. Tudo o que posso fazer é prometer fazer melhor no futuro. Dou-lhe essa promessa agora, meu amor.
Era o que precisava ouvir. Mas a inundação de suas revelações foi grande demais. Ela estava sitiada, sua mente tentando entender os detalhes do que ele havia dito, seu coração querendo se jogar imediatamente em seus braços.
— Não posso tomar uma decisão agora, — disse-lhe, tentando desesperadamente controlar seu fugidio senso de autopreservação. — Preciso de tempo, Pembroke, tempo para pensar em tudo o que você disse.
Ele respirou fundo, fechando os olhos por um momento. Ela ficou chocada que ele estivesse demonstrando abertamente tanta profundidade de emoção. Sempre fora cheio de habilidade no amor, sorrisos sensuais e provocações para desviar da seriedade do momento. Ele nunca esteve tão aberto, tão vulnerável.
— Entendo, minha querida. — Ele levou as mãos dela aos lábios para um último beijo prolongado. — Obrigado. Darei todo o tempo que você precisar, mas receio que não possa ficar longe. Voltarei todos os dias até que você encontre a sua resolução.
Voltaria todos os dias? Deus do céu. Sua capacidade de resistir a ele se esgotaria rapidamente, se o visse todos os dias. No entanto, tinha que admitir que uma parte pequena e rebelde queria que isso acontecesse. Não queria nada além de que ele se provasse a ela. Havia se resignado ao fato de que, independentemente do que ele tinha feito, nunca amaria outro homem como o amava
— Muito bem, — ela concordou.
— Até amanhã, meu amor. — Ele hesitou. — Posso te beijar?
Ela não queria nada além de sentir sua boca, mas seu senso comum dizia que não deveria ser tentada.
— Não, — negou, finalmente. — Talvez você não deva.
Ele assentiu.
— Compreendo.
E com uma reverência, se despediu.
— Você vai perdoá-lo?
A pergunta, feita por Maggie durante o café da manhã, deu um susto em Victoria. Ela olhou para o prato e para comida que estava brincando, mas não comendo. Chouriços nunca a atraíram, mas precisava admitir que não teve muito apetite durante a última semana.
— Não tenho certeza, — murmurou. — Muita coisa aconteceu entre nós, e tudo me deixou irremediavelmente confusa, Maggie.
Maggie lhe deu um sorriso de solidariedade.
— Eu sei, minha querida. Você tem que admitir que ele tem sido incrivelmente atencioso. Suas ações parecem ser as de um homem desesperadamente apaixonado. Confesso que estou com ciúmes. Gostaria que Sandhurst me olhasse da maneira que Pembroke te olha. — Suspirou, olhando a movimentada manhã londrina pela janela. — Pensando bem, gostaria que Sandhurst me olhasse de alguma maneira.
Pobre Maggie. O marido, o marquês, estava apaixonado por Lady Billingsley e não fazia segredo disso, mantendo um caso com a mulher, apesar de seu casamento relativamente novo. Victoria só o virá uma vez, e ele fora educado, mas frio. Não parecia ser um homem particularmente gentil, e Maggie certamente merecia um marido melhor.
Victoria forçou-se a pensar no próprio marido. Maggie estava certa. Pembroke vinha todos os dias desde a última sexta-feira, tratando-a com cuidado e educação na presença de Maggie. Ele estava charmoso como sempre, incrivelmente solícito, bonito sem uma falha. Suspeitava que tivesse conquistado a amiga com seu inegável magnetismo. Mas embora sua determinação estivesse enfraquecendo, ela ainda estava mais confusa do que nunca.
Ela sentia falta da vida que haviam começado juntos, isso era irrefutável. É claro que sentia falta de compartilhar sua cama, o incrível prazer que ele lhe dava. Ansiava por seus sorrisos provocadores, seu humor espirituoso. Ainda, escondido dentro dela, havia um coração desesperadamente assustado.
— Estou com medo, — admitiu para a amiga.
— Isso é de se esperar, querida, — disse Maggie. — Mas nada na vida vale a pena se for fácil.
Quando as palavras de sua amiga afundaram em sua mente, o mordomo reapareceu para anunciar a chegada diária de Pembroke. Ele a esperava na sala de estar. Ela respirou fundo.
— Você vem comigo, Maggie?
— Hoje não, eu acho, — disse a amiga com um sorriso malicioso. — É hora de vocês reunirem-se por conta própria.
Talvez Maggie estivesse certa, pensou enquanto se levantava, abandonando o café da manhã que mal comera. O amor valia a pena, e ainda amava Will, apesar de seu passado conturbado. Mas, estava pronta para perdoá-lo? Ela se arriscaria?
Victoria entrou na sala de estar para descobrir que o marido não havia chegado sozinho. Parecia que também trouxera documentos de algum valor. Ele espalhou uma variedade de papéis por toda a mesa Louis Quinze.
— Querida, — a cumprimentou, erguendo os olhos do ato de embaralhar uma pilha de documentos. Ele tinha um ar incomumente severo esta manhã, nenhum sinal de seu provocante sorriso habitual. — Você está linda como sempre nesta manhã.
Ela ficou instantaneamente no limite.
— Obrigada, mas o que, em nome do céu, é tudo isso?
— Documentos legais preparados pelo meu advogado. Venha dar uma olhada. — Ele acenou para a frente. — Espero que eles tenham algum significado para você.
Desconfiada, ela atravessou a sala, e parou ao seu lado. Seu perfume familiar provocou seus sentidos. Não pôde deixar de notar o quão lindo ele parecia. Desejava cair em seus braços, voltar à vida que provisoriamente haviam começado juntos. Forçando-se a controlar seus desejos, olhou para os papéis que ele havia trazido.
Ela passou os olhos rapidamente, não tendo certeza de que os estava lendo corretamente.
— Pode isso ser o que acho que é?
— Renunciei a minha reivindicação sobre o seu acordo de casamento, — ele confirmou. — O restante das parcelas dos fundos que eu receberia, agora foi devolvido integralmente ao duque. Não há mais a ameaça de corte à minha mesada. Eu mesmo cortei as cordas da bolsa.
Poderia ser verdade? Seu coração batia mais rápido quando ela pegou os documentos para uma inspeção mais próxima. Sim, percebeu, era verdade. Ele realmente havia perdido suas posses, a única causa que o havia enviado de volta à Carrington House para cortejá-la em primeiro lugar.
Olhou-o de volta, uma mão pressionada em seu coração furioso.
— Por que você faria uma coisa dessas?
— Para lhe provar que é só você que eu quero. O resto pode ir direto para o maldito inferno, no que me diz respeito. Ele fez uma pausa, sua vulnerabilidade refletida em sua expressão tensa, enquanto passava a mão pelos cabelos escuros.
— Não há nada que possa ficar entre nós agora. Meu pai não tem mais domínio sobre mim. O dinheiro também não. Teria entregado minha herança para ele tão logo fosse possível, mas meu advogado me garantiu que é obrigatório e antigo como as colinas.
O gesto a deixou sem palavras. Ela nunca esperava algo tão drástico da parte dele. Uma onda selvagem de amor a atingiu, forte o suficiente para trazer lágrimas aos olhos. Era demais para processar. Não poderia estar mais impressionada.
— Não diga nada ainda, — continuou ele, franzindo a testa como se acreditasse que ela ainda o rejeitaria. — Precisamos de fundos próprios, mas já pensei nisso. Com a sua ajuda, podemos tornar a propriedade de Carrington House lucrativa o suficiente para viver confortavelmente pelo resto de nossas vidas. Pode não ser a vida com a qual você está acostumada, mas será a nossa.
Deles.
Ela não podia imaginar nada que quisesse mais do que ser livre para amá-lo sem os ônus que causaram estragos em sua união.
— Você tem plena certeza disso, Will?
Seus olhos estavam firmes.
— Nunca tive tanta certeza de nada na minha vida. — Ele fechou a distância entre eles, passando os braços em volta da cintura dela, prendendo-a. —Também enviei uma mensagem para seus pais, convidando-os a se juntarem a nós no campo. Espero que não tenha sido muito abuso da minha parte, mas sugeri que trouxessem suas irmãs Rose, Lillian, Edith, Pearl e Libby.
Ela estendeu a mão para traçar a força de sua mandíbula, um sentimento maravilhoso desabrochava dentro dela.
— Você se lembrou de todos os nomes delas, — murmurou, verdadeiramente tocada pelo gesto, e por ele ter se preocupado em lembrar o nome de cada uma.
Seu sorriso apareceu com força total, então.
— A mulher que eu amo disse que eu deveria saber.
— Oh, Will. — Ela se sentiu subitamente sem peso e sem fôlego ao mesmo tempo. — Eu também te amo.
Ele a segurou mais perto, inclinando a cabeça para baixo, de modo que o nariz quase roçou.
— Obrigado, Cristo. Comecei a temer que você não me desejasse mais.
— Nunca consegui parar de te amar. — Ela deslizou a palma da mão para tocar sua bochecha. — Não importa o quanto tentei.
— Nem eu. Acredite, me apaixonar por minha esposa era a última coisa que queria. — Ele fez uma pausa, seus lábios doloridos para beijá-la, sua respiração, um convite quente em sua boca. — Nem pensei que fosse possível. Mas agora, não suporto viver sem você. Eu te amo tanto que dói demais.
Ela riu do seu pronunciamento doloroso.
— Eu me sinto da mesma maneira, meu amor.
Seu ar provocador voltou.
— Faz uma semana desde que te beijei, e temo que em breve eu pereça com o desejo.
Ela sorriu-lhe.
— Então, o que você está esperando?
— Ah, querida. — Sua boca finalmente reivindicou a dela, o beijo possessivo e profundo. Quando se separaram, ambos estavam sem fôlego. — Case comigo, meu amor?
Ela riu, pressionando outro beijo em seus amados lábios.
— Nós já estamos casados, seu bobo, e eu não poderia estar mais feliz.
Sua expressão ficou perversa.
— Então, vamos para casa em Carrinton House. Mal posso esperar para desfazer todos esses malditos botões.
Suas palavras travessas enviaram desejo através dela. Fazia muito tempo.
— Não gostaria de nada melhor, — disse ela.
E de mãos dadas, eles viajaram para fora da sala de estar, e caminharam juntos em um novo e deslumbrante futuro.
Epílogo
Um ano depois
— Fizemos isso, meu amor. — Will passou o braço pela cintura de Victoria, puxando-a para o seu lado em um abraço apertado. Diante deles estava o resultado do árduo trabalho e determinação mútuos: um novo telhado na ala leste da Carrington House. Ele jamais poderia se imaginar contemplando a velha pilha de pedra onde passou sua juventude, com orgulho ou - ainda mais chocante - com tanta satisfação.
Mas, estava.
E foi tudo por causa dela.
Ela jogou os braços em volta dele e o olhou, seus olhos verdes brilhando o suficiente para rivalizar com a grama do verão. Como era possível que ela estivesse ainda mais adorável agora do que nunca? Um ano de felicidade conjugal a abençoara com um esplendor que nem mesmo o clima sombrio do campo poderia diminuir.
— Você fez isso, Will, — ela o corrigiu gentilmente, — e estou sempre tão orgulhosa de você.
Seu coração apertou em seu peito com os elogios. Ficaria andando como um maldito pavão pelo resto do dia, sabendo que ela estava orgulhosa. Mas, mesmo assim, essa vitória em particular não era só dele. Era deles, destinada a ser compartilhada e saboreada juntos.
Ele pegou seu queixo entre o polegar e o indicador, incapaz de resistir a passar o polegar sobre o lábio inferior inteiro.
— Não, querida, fizemos isso juntos. Sem você e seu pai, eu não poderia ter levantado os fundos para esse empreendimento, e nós sabemos disso. Não há vergonha em agradecer onde é devido.
— Serei eternamente grata pelos meses que passamos em Nova York. — Um sorriso sensual de lembrança apareceu nos cantos de sua boca. — Meu pai estava mais do que feliz em ter você ao seu lado. E fiquei mais do que feliz pelas noites. Afinal, esse tempo precioso foi que nos deu Alistair.
A família grande e barulhenta de Victoria tinha visitado a Casa Carrington como prometido, e durante esse tempo ele desenvolveu uma amizade improvável com o pai dela. O homem era um pouco enigmático, mas era um dos especuladores de ações de maior sucesso em Wall Street. Ele se ofereceu para colocá-lo sob suas asas como um tipo de aprendiz, e Will estava disposto a fazer qualquer coisa, se isso significasse uma fonte estável de renda.
Ele e Victoria fizeram as malas para a América, e passaram vários meses na movimentada cidade de Nova York. Eles se estabeleceram numa casa modesta não muito longe da imensa mansão da família dela na Madison Avenue, e Will se dedicou a aprender a ser um financiador durante o dia. À noite, ele voltava para casa, e para sua doce esposa. Eles fizeram amor em quase todas as salas daquela maldita casa, e em uma dessas noites, o filho deles foi concebido.
Alistair William Dalreith, o visconde de Linton, o futuro conde de Pembroke, e herdeiro do duque de Cranley havia nascido pouco depois do retorno à Inglaterra. O duque escrevera frios parabéns, e um edital para a herança. Will jogou a carta no fogo onde ela pertencia, saboreando a visão do papel escurecendo e se curvando em cinzas.
— Serei eternamente grato por esse período em Nova York também, — disse com honestidade crua. — Você e nosso filho são tudo para mim.
Ela andou na ponta dos pés para pressionar um beijo suave em sua boca, sentindo o que o incomodava sem que ele precisasse transformar a feiura em palavras. Ele compartilhou os detalhes de seu passado, e ela foi amorosa e não o julgou, a luz que afastou a escuridão. Ela tinha gosto de chá e doçura, e queria consumi-la. Não conseguia parar de aprofundar o beijo, inclinando-se sobre seus lábios. Poderia beijá-la cem mil vezes em sua vida, e isso ainda nunca seria suficiente.
Ela se separou primeiro, sem fôlego, olhando-o através dos cílios inferiores.
— O que os servos vão pensar?
— Que estou loucamente apaixonado por minha linda esposa, e que somos ridiculamente felizes. — Sorriu. — Ou talvez Nova York tenha nos roubado todas as nossas maneiras, e nós somos uma causa perdida. De qualquer maneira, não dou a mínima.
Sua expressão ficou pensativa.
— Você acha que algum dia perdoará o duque?
Se alguma vez houve um assunto que esfriou seu ardor mais do que falar de seu pai, Will ainda não tinha ouvido falar.
— Espero que já o tenha perdoado, querida. Tenho que, pelo bem da minha sanidade. Mas não vou esquecer. Um homem não pode escolher a família em que nasceu, mas pode muito bem escolher a família que fará.
Chegara a hora de fechar a porta do passado e de seus fantasmas. Algumas coisas eram imutáveis. Algumas ações não podem ser desfeitas. Mas, poderia construir uma vida com Victoria e Alistair, e todas as filhas e filhos que ainda estavam por vir. Um alqueire inteiro deles, se tivesse algo a dizer sobre isso.
— Oh, Will. — Ela virou-se completamente, e então, seus braços entrelaçaram em torno de seu pescoço. — Estou tão feliz que você me escolheu.
Ele descansou suas testas juntas, saboreando sua conexão, este momento de tranquilidade e pura felicidade.
— E estou tão feliz que você me escolheu, meu amor. Deus sabe que você não deveria ter feito isto depois de tudo o que fiz, mas serei feliz até o fim dos meus dias.
Ela lambeu a costura dos lábios dele, a atrevida.
— Será?
Ele estava rígido em suas calças. Eles não faziam amor desde o nascimento do pequeno Alistair, enquanto ela se recuperava do parto fatigante, mas seu corpo ansiava pelo dela da mesma maneira que o seu coração.
— Sim, querida?
— Este telhado é lindo, e estou tão feliz que você levantou os fundos por conta própria. — Ela o lambeu novamente.
Jesus, ela sabia como levá-lo à distração.
— Sim?
Victoria lançou-lhe um olhar de inocência fingida.
— E Alistair estará cochilando pela próxima hora, pelo menos. Então, realmente acho que talvez devamos fazer melhor uso do nosso tempo do que admirar um telhado. Afinal, estará aqui amanhã.
Ele jogou a cabeça para trás e riu.
— Uma mulher de razão. Deus, eu te amo.
Ela se afastou e sorriu para ele.
— E eu amo você. Agora, se você não se importa, acho que estamos muito atrasados para uma reunião.
Ele estendeu-lhe o braço.
— Você acha que isso vai alarmar os empregados, se sairmos correndo?
Foi a vez de ela rir, o som de alegria e liberdade.
— Como um homem sábio disse recentemente, não dou a mínima.
Scarlett Scott
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