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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


HERDEIRA DE UM SONHO / Carole Mortimer
HERDEIRA DE UM SONHO / Carole Mortimer

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Logan puxou-a com mãos quase ríspidas, tomando posse da boca de Carry num beijo cruel e apaixonado. Quando finalmente levantou a cabeça, ela estava trêmula, segurando-se nele para não cair. "Acho que agora você, como eu, não vai conseguir dormir esta noite.." ele disse, afastando-a bruscamente para sair. Sozinha no apartamento, Carry encostou-se na porta ouvindo o barulho do elevador que o levava embora. Não, não ia chamá-lo de volta, não ia cair em mais uma de suas jogadas sujas, embora todo o seu corpo o desejasse como nunca... Maldita herança que Jeff lhe deixara! Era o poder e a riqueza que ela representava que atraíra Logan, mas Carry definitivamente se recusava a vender assim seus sentimentos...

 

 

 

 

Carry passou mais geléia na torrada. Sabia que já estava na hora de se arrumar para sair, mas fez uma outra xícara de café. Afinal, a viagem de Londres a Berkshire não era assim tão longa.

Desejou não ter que ir, que Jeff não a tivesse colocado nessa situação. Será que já não sofrerá o suficiente nos últimos seis meses? A morte da mãe, a morte do próprio Jeff num acidente de automóvel... e agora tinha que ir conhecer sua família, uma família que nem mesmo a procurara pessoalmente, preferindo entrar em contato com ela através de um advogado.

Detestara James Seymour desde o instante em que entrara naquele escritório empoeirado, forrado de fileiras e fileiras de livros de aparência oficial. A sala parecia um mausoléu e o Sr. Seymour combinava bem com ela! Velho e pedante. Olhara-a do alto de sua pose ao informá-la de que era a única beneficiária do testamento de Jeff.

— Eu?! Mas deve haver algum engano!

O advogado parecia compartilhar da sua opinião e achar que o bom e querido Jeff tinha feito mais uma das suas!

— Garanto-lhe que não há nenhum engano — disse, na sua voz antipática. — Fui advogado do Sr. Spencer por muitos anos e até lavrei o testamento para ele. Caroline Day, Condomínio Hill, nº 28, Londres. É você, não?

— Bem... sim. Mas não quero nada... nada disso — indicou com um gesto vago as folhas na frente do advogado.

Ele a olhou como se fosse meio maluca.

— Três quartos de milhão de libras. Para ser exato, setecentos e sessenta e três mil...

— Oh, sim, vamos ser exatos! — Sua voz soava um tanto aguda. Aquele homem não sabia do que estava falando. Três quartos de milhão de libras! Jeff não era rico, pelo menos, não tão rico. Era incrível, inimaginável!

James Seymour olhou para ela por cima dos seus óculos de aros de ouro.

— Não terminei, senhorita. Também há os trinta e sete por cento das ações da Spencer Plastics.

— Spencer Plastics?

— Srta. Day, nós acabaríamos com isso muito mais rápido, se evitasse me interromper a cada minuto.

— Sim, mas a Spencer Plastics? Desculpe... — resmungou, reparando no ar de desaprovação dos olhos cinzentos e gelados.

Ela devia estar ficando louca. Devia ter desconfiado de que algo muito estranho acontecera ao receber o telefonema do escritório de advocacia, informando-a de que estava sendo aguardada para tratar de um assunto do seu interesse.

— Podemos continuar? — perguntou James Seymour, muito rígido.

— Vá em frente. Quer dizer... por favor. — Corou ao ver seu ar condescendente.

— O Sr. Spencer, Sr. Jeffrey Spencer, deixou-lhe suas ações da companhia da família...

— Quer dizer que Jeff... Jeffrey era parente dos Spencer da Spencer Plastics? — Não havia em toda a Inglaterra quem não tivesse ouvido falar na poderosa família Spencer, sir Charles e lady Spencer, e a irmã de sir Charles, Cicely. Mas, na certa, o Charlie e a Cissy a quem Jeff se referia algumas vezes não seriam...

— Jeffrey Spencer era o irmão mais novo de sir Charles — esclareceu o Sr. Seymour, de modo altivo.

Era o que já adivinhara, o que temia que ele confirmasse. Jeff nunca lhe havia dito, nunca dera nenhuma indicação... Santo Deus, aquela família a engoliria viva, se tivesse o atrevimento de exigir as ações!

— Eu... eles sabem sobre mim? — perguntou, nervosa.

— Acredito que o Sr. Spencer os tenha informado de seu relacionamento.

— Não, não é isso. Eles estão sabendo sobre o testamento de Jeff?

— Sim, estão.

Oh, Deus! Já deviam estar prontos para enforcá-la na primeira árvore. A família Spencer era poderosíssima e dificilmente receberia de braços abertos uma coisinha insignificante igual a ela. Se ao menos Jeff lhe tivesse dito alguma coisa, explicado como devia se comportar!

Sir Charles deseja vê-la — anunciou o advogado.

Oh, claro, e sabia muito bem por quê!

— Quando? — perguntou, não tendo outra saída.

— Neste fim de semana, se for possível.

— Eu... bem, sim. Acho que sim.

— Muito bem. Sir Charles a está esperando. — James Seymour estendeu-lhe um papel timbrado com o endereço. — Será sua hóspede.

Carry arregalou os olhos castanhos. Seus cabelos lisos e louros caindo-lhe nos ombros, a boca rosada, a figura pequenina, a faziam parecer ainda mais jovem do que seus vinte e dois anos.

— Durante o fim de semana? — repetiu, numa vozinha fraca.

— Sim. Sir Charles acha que seria aconselhável a senhorita ficar conhecendo a família. Parece que só um sobrinho não estará lá. — A voz de James Seymour ficou ainda mais gelada, dando a impressão de que ele antipatizava com o tal sobrinho ausente muito mais do que aparentemente antipatizava com ela... se isso fosse possível. — Parece que ele teve que viajar a negócios — explicou, de má vontade.

Bem, para ela, já era o suficiente. Não queria saber de mais nada.

— Por favor, diga a sir Charles que aceito seu convite. Tenho que ir agora...

— Ainda não terminamos, Srta. Day.

— Lamento, mas tenho mesmo que ir. — Levantou-se. — Talvez o senhor possa me mandar uma carta explicando tudo com mais detalhes.

James Seymour olhou-a como se tivesse sido insultado. Estava rígido na poltrona de couro.

— Não é assim que costumo conduzir minhas entrevistas, srta. Day...

— Bem, sinto muito, mas está ficando tarde. Eu telefono outro dia — disse, antes de desaparecer pela porta.

Tudo aquilo parecia um pesadelo. O dinheiro, as ações. Tinha a impressão de que a qualquer momento iria despertar e voltar a ser a mesma Carry Day, sem nenhuma responsabilidade.

Foi isso o que disse mais tarde a Marilyn. Marilyn e o marido Bill eram seus vizinhos no prédio.

— Na certa aquele pedante do Sr. Seymour vai acabar descobrindo que houve algum engano. Tem de haver — gemeu.

Marilyn balançou a cabeça, perplexa.

— Não sei do que você tanto se queixa. Ficou rica, milionária. Não percebeu?

— Claro que percebi. — Carry franziu a testa. — Mas o Sr. Seymour me disse que ainda vai levar vários meses para que tudo esteja em ordem. Além disso, não acho que eu tenha direito a esse dinheiro.

— Jeff quis que fosse assim. É todo o direito de que você precisa.

— Duvido que a família Spencer veja as coisas desse ponto de vista. — Carry fez uma careta.

As duas estavam sentadas na cozinha de Marilyn, tomando chá, enquanto Paul, o bebê, brincava alegremente no chão.

— Pelo que sei, você é mais família de Jeff do que aquele bando de pedantes — comentou Marilyn. — Nenhum deles se dignou a vir para o enterro dele.

— O Sr. Seymour disse que eles não foram informados a tempo. De qualquer modo, eu não gostaria que tivessem vindo — acrescentou, com um nó na garganta. Acho que num enterro só deve ser permitida a presença de pessoas que amaram o morto. Jeff sempre dizia isso.

— E agora, Jeff está dizendo que quer que você fique com a herança, que quer continuar tomando conta de você. — Marilyn sorriu carinhosamente. — Recusá-la seria como recusar seu amor.

Visto assim, ela não tinha escolha senão ir a Berkshire para o fim de semana e fazer o melhor possível, mesmo apavorada. Mas tinha certeza de que ia ser um desastre.

Terminou o café da manhã. Manhã, às onze e meia! Sir Charles e lady Spencer na certa ficariam chocados com tal comportamento. Mas fora a uma festa com amigos na noite anterior, e só havia voltado de madrugada. A ressaca não a ajudaria a enfrentar a família Spencer! Estava sendo esperada para o jantar, tinha dito o Sr. Seymour ao telefone, com a voz ainda mais gelada do que no primeiro encontro.

Depois de um bom banho e uma escovadela vigorosa nos cabelos, Carry estava começando a se sentir um pouco mais desperta, mas havia o problema do que vestir. Chegaria no fim da tarde, com tempo para trocar de roupa. De qualquer forma, teria que trocar. Era o costume dos aristocratas, já estava cansada de ler sobre isso. Oh, Deus, ia fazer papel de tola, tinha certeza. Não estava acostumada a lidar com lordes e grandes damas, e geralmente sentava-se para jantar com a mesma roupa que usara num dia de trabalho!

Depois de muito pensar, escolheu um tailleur preto de corte clássico e uma blusa branca, prendendo o laço no pescoço com um camafeu. Com os cabelos sedosos caindo suavemente nos ombros, toda sua aparência era de uma fria confiança. Só esperava agir do mesmo modo quando chegasse lá!

Logo estava atravessando os últimos subúrbios de Londres e entrando na rodovia. Berkshire era um dos locais preferidos da aristocracia, mas abrigava também o nada aristocrata Parque Safári, muito procurado pela população. Talvez esse fosse um dos assuntos que deveria evitar naquele fim de semana.

O problema era que não fazia a mínima idéia sobre o que conversar! Naturalmente, não passariam o tempo todo falando sobre as ações de Jeff, e Carry achava difícil ter alguma coisa em comum com a família Spencer. A verdade era que mesmo Jeff nada tinha a ver com eles.

Querido Jeff! Carry o amava muito e sua morte havia sido um choque terrível, ainda maior do que o que sentira com a morte da mãe. Afinal, ela estava desenganada há bastante tempo. Já o acidente que matara Jeff deixou-a entorpecida pela dor e ainda a fazia chorar. Piscou com força, enquanto procurava a entrada para Ascot.

Estava seguindo à risca as instruções do Sr. Seymour. O nome da casa não revelava sua localização. Finalmente, viu-se bem no interior, avistando a distância uma imponente mansão estilo Tudor.

Os jardins estavam repletos de flores, apesar do clima do fim de outono. Sem dúvida, alguém cuidava carinhosamente de tudo aquilo. E por que não?, pensou, com cinismo. O dinheiro podia comprar quase tudo, até mesmo um jardim florido em outubro. Oh, Deus, estava mesmo ficando cínica! Mas talvez esse fosse o único meio de conseguir atravessar o fim de semana. Sir Charles iria comê-la viva de qualquer jeito!

Seu velho Ford pareceu deslocado perto do Jaguar e do Rolls Royce estacionados na frente da casa. Assim que desceu, um homem alto, de cabelos grisalhos, veio em sua direção. Devia ter uns cinqüenta e cinco anos, e o corte impecável de suas roupas deixava claro que não podia ser um criado. Seria Sir Charles em pessoa?

Carry fechou os olhos. Oh, Jeff, Jeff... agora ela estava na cova dos leões, e ele é que a colocara ali.

Não combinava com esse tipo de pessoas, nunca devia ter vindo. A casa já era suficiente para deixá-la morta de medo! Não tinha nada de parecido com o pequeno apartamento em que vivera com Jeff nos últimos quatro anos.

O homem não parecia mais acolhedor do que a casa. Aparentemente, estava um pouco surpreso.

— Srta. Day?

Carry pôs a maleta no chão e bateu a porta do carro, esperando que o capo não abrisse, como às vezes acontecia. O capo manteve-se firme no lugar e, com um sorriso aliviado, Carry virou-se para o homem que achava ser Sir Charles Spencer.

— Sim, sou Caroline Day — disse, quase sem respiração.

— E... é um prazer conhecê-la. — Sir Charles mal tocou sua mão.

— Vamos entrar. — Inclinou-se para pegar a maleta e franziu a testa.

— Não fazia idéia que você era... tão jovem — disse, sem rodeios.

Carry teve que se refrear para não dizer que também o imaginava bem mais moço!

— Tenho vinte e dois anos. — Falou como se estivesse se defendendo.

— Minha cara, para mim isso é ser muito jovem.

Talvez, para um homem de cinqüenta anos, mas muitas de suas amigas da mesma idade já estavam casadas e tinham filhos.

— Jeff sempre dizia...

— Jeff? Está se referindo ao meu irmão Jeffrey?

— Ah... sim. Ele sempre dizia que cada um tem a idade que sente.

A boca de Sir Charles se contorceu com desdém.

— A julgar por você Jeff devia mesmo se sentir muito jovem.

Carry não estava gostando nada desse homem, de seu modo de tratá-la ou de como se referia a Jeff. Apesar das diferenças entre eles, que, pelo jeito de Sir Charles, deviam ser muitas, Jeff nunca criticava o irmão, ao contrário, sempre falava dos bons tempos, de quando ele. Charles e Cicely eram crianças.

— Ele era muito divertido — disse Carry, rigidamente, passando pela porta que um criado abria.

— Leve isto ao quarto da srta. Day..— Sir Charles entregou a maleta ao criado como se ela estivesse contaminada. — Venha para a sala de visitas, Srta. Day. Vou apresentá-la à minha esposa e a meu filho. — Tomou a dianteira, abrindo duas pesadas portas de carvalho.

Então, o tal sobrinho viera, afinal. Se fosse tão pedante como o pai, o fim de semana ia ser mesmo uma delícia!

Uma mulher levantou-se assim que eles entraram na sala, movendo-se com uma graça que ressaltava a perfeição de sua figura esbelta. Era muito bonita e, apesar de ser claramente de meia-idade, os cabelos pretos perfeitamente penteados e a maquilagem bem cuidada lhe davam uma aparência bem mais jovem. Seu vestido de seda cinza era uma obra de arte. "Santo Deus!", pensou Carry. "Eu devia ter vestido uma coisa mais chique!"

— Minha esposa, Susan — disse Sir Charles. — Susan, esta é a srta. Day.

O aperto de mão de lady Spencer foi tão rápido quanto o do marido. Seus dedos longos mal tocaram a pele de Carry. Talvez fosse imaginação, mas ela podia jurar que sir Charles enfatizara o "esta" na sua apresentação, como se a srta. Day não fosse exatamente o que esperavam. Talvez não estivessem habituados a descer do pedestal para se misturarem com gente mais simples e trabalhadora.

"Não é de admirar que você tenha fugido desse bando, Jeff”, pensou. "Eles o teriam sufocado com suas atitudes pedantes e maneiras falsamente polidas".

— Por favor, me chamem de Carry — disse, incapaz de agüentar tanta cerimônia. — Todos me chamam assim.

— inclusive Jeff? — perguntou sir Charles, num tom arrastado.

Ela corou, sem saber muito bem por quê.

— Ele nunca me chamou de outra coisa.

— Mas seu nome é Caroline, não? — lady Spencer falou pela primeira vez e seu sotaque era tão britânico que Carry arregalou os olhos. Nunca podia imaginar que alguém realmente falasse assim.

— Sim, é Caroline, mas...

— Então, é assim que a chamaremos — disse, a mulher, num tom definitivo.

— Como quiser — concordou, encolhendo os ombros.

— Aceita uma xícara de chá? — perguntou a outra, languidamente.

— Oh... ahn... sim. Seria ótimo.

Carry ocupou-se em dar uma olhada à sua volta, enquanto lady Spencer tocava a campainha para trazerem o chá. Os quadros, móveis e antiguidades deviam ser genuínos, naturalmente. A sala era exatamente o que os filmes e a televisão mostravam ao apresentar cenas com a aristocracia inglesa, e a moça sentiu como se estivesse participando de uma peça de teatro e esquecido todas as falas.

— Donald está no estúdio dando um telefonema — disse lady Spencer, respondendo a uma pergunta do marido.

— Vou buscá-lo. — Sir Charles não parecia muito satisfeito.

Carry ficou curiosa sobre Donald Spencer, imaginando o que podia haver de tão terrível nele para despertar a antipatia do Sr. Seymour. Talvez fosse um cabeludo contestador.

— Pelo que soube, Jeffrey estava sozinho no carro por ocasião do acidente. — Lady Spencer interrompeu seus pensamentos.

Uma expressão de dor contraiu o rosto de Carry, antes que pudesse se controlar.

— Sim, ele estava sozinho.

Pobre Jeff, sempre tão alegre e divertido, que detestava a solidão e ficou preso nas ferragens por mais de uma hora antes de morrer, com o peito esmagado. Essa morte horrível ainda causava a Carry terríveis pesadelos.

— Sim, sozinho — repetiu asperamente.

— Eu...

As portas se abriram e sir Charles entrou, acompanhado de uma versão mais jovem de si mesmo. Carry olhou para Donald Spencer com interesse. Era bonito como o pai devia ter sido na juventude. A única diferença eram seus cabelos, loiros e lisos como os dela. Talvez houvesse algo mais... uma certa fraqueza na linha do queixo que não existia no pai. Nenhum dos dois tinha qualquer semelhança com Jeff. O Jeff de olhos azuis sorridentes, cabelos revoltos, sempre usando jeans e camisas folgadas. Agora, a idéia do jovem contestador ficava ainda mais cômica. Donald parecia ter sempre se vestido com a mesma elegância rígida e formal de seus pais.

— Este é meu filho Donald — disse sir Charles, desnecessariamente.

O rapaz olhava para ela, perplexo.

— Você não é o que estávamos esperando. — Suas palavras foram recebidas com um ar de desagrado por parte de sir Charles e um olhar de censura de lady Spencer. — Oh, desculpe... — A cor tomou conta de suas faces.

O rapaz estava longe de ser autoconfiante como os pais. Carry olhou-o com simpatia.

— Você também não é o que eu estava esperando — disse, sorrindo.

— Quer dizer que tio Jeffrey falava sobre nós?

O que ela poderia dizer? Não fazia a mínima idéia de que Jeff tinha um sobrinho e nem mesmo de quem era realmente Charlie. Como o sobrinho devia detestar ser chamado assim. E como Jeff devia adorar amolá-lo com o diminutivo! Jeff tratava todas as coisas com um permanente bom humor, que o ajudava a enfrentar qualquer situação.

— Algumas vezes — respondeu, evasiva.

— E você nunca teve curiosidade de conhecer a família? — Lady Spencer parecia ter se encarregado de fazer as perguntas mais diretas.

Carry percebeu a censura e não procurou esconder a irritação.

— Vocês também não — respondeu, com acidez.

A boca da mulher contorceu-se num sorrisinho de desdém.

— Não se pode dizer que você é da família, Caroline.

A moça empalideceu. A alfinetada tinha atingido o alvo.

— É verdade.

Lady Spencer olhou-a de cima.

— Sabe, nós achamos que...

— O chá está chegando, meu bem — sir Charles interrompeu-a ao ver a empregada entrando com o carrinho, parecendo quase agradecido pela interrupção.

— Por favor, sente-se, Caroline — convidou a mulher, pegando a chaleira de prata. — Com muito ou pouco açúcar?

Uma faísca de rebelião iluminou os olhos de Carry. Estava claro que aquela família achava que ela era algo desagradável que repentinamente surgira em suas vidas e não imaginavam que tivesse algum traquejo social.

— Sem açúcar — respondeu, friamente.

— Como queira — respondeu a anfitriã, com um ar ofendido.

Carry afundou no sofá de couro, obrigando lady Spencer a se inclinar para lhe dar a xícara. — Obrigada.

— Sanduíches, Srta. Day? — Donald ofereceu-lhe o prato com delicados quadrados elegantemente dispostos sobre a porcelana.

— Aceito. — Pegou dois pequeninos sanduíches imaginando como alguém podia viver assim, de um modo tão pedante e irreal.

— Estávamos falando sobre o acidente, Caroline — lady Spencer falou de novo, olhando para ela com um ar inquiridor.

Carry engasgou com o chá, e Donald correu em seu auxílio, sentou-se no braço da poltrona tirando-lhe a xícara das mãos.

— Desculpem — murmurou com dificuldade, depois de piscar com força para afastar as lágrimas e engolir em seco até acalmar sua garganta. Por que essa mulher insistia em falar no assunto? Jeff estava morto e nenhuma conversa ou lágrimas derramadas o trariam de volta. Levantou a cabeça, orgulhosa.

— Nós não estávamos falando sobre o acidente, lady Spencer. A senhora é que estava. Na verdade, não tenho nada a dizer sobre isso. Jeff está morto e não há mais o que ser dito.

— Jeff é Jeffrey — explicou sir Charles para a mulher e o filho num tom seco.

— Nunca o chamei de outra forma senão Jeff.

— Compreendo, minha cara. — Ele pareceu querer apaziguá-la. — Não quer subir para descansar um pouco? Parece um tanto pálida.

— É por causa da roupa preta — disse a esposa, com um ar entediado. — O luto sempre faz isso às louras.

— Não coloquei esta roupa porque esteja de luto — protestou Carry, corando.

— Claro que não — lady Spencer falou, num tom ácido. — Não vejo por que usaria luto por Jeff. Afinal, ele a tornou uma jovem muito rica.

— Susan...

— Acho que eu gostaria muito de ir para o quarto agora. — Carry levantou-se bruscamente. — Se me derem licença...

— Donald, acompanhe a srta. Day — ordenou lady Spencer, sem esconder a irritação.

O rapaz levantou-se obediente, abrindo a porta.

Carry saiu sem mais uma palavra. Tinha esperado oposição, até um certo ressentimento por parte da família, mas não imaginava encontrar uma antipatia tão declarada. Se bem que, afinal, por que não? Com seus trinta e sete por cento da indústria, era mesmo uma usurpadora, alguém de fora que ia se intrometer nos assuntos dos Spencer.

— Mamãe às vezes exagera um pouco — Donald falou subitamente, parecendo mais relaxado agora que estava longe dos pais.

Carry olhou-o com novos olhos, vendo o rosto bonito e os olhos azuis e amigáveis. Ele não devia conhecer a mãe, se realmente achava que lady Spencer exagerara ao fazer aquele comentário; de sua parte ela não alimentava ilusões sobre aquela mulher.

A verdade porém não podia ser negada: Jeff a deixara muito rica. Ainda não conseguia acreditar no que James Seymour lhe havia dito, embora a atitude ressentida dos Spencer confirmasse sua informação. Precisaria de algum tempo para se acostumar à nova situação.

— Não faz mal — respondeu a Donald suavemente. — Parece que minha presença aqui foi... uma surpresa para todos.

— Sim. Nunca nos ocorreu que tio Jeffrey... oh, bem, agora já está feito.

— Sim... e terminado.

— Oh, eu não quis dizer... — Donald ficou muito vermelho.

— Claro que não. — Apertou seu braço com simpatia. — Obrigada por ter vindo me mostrar o quarto.

— Foi um prazer. — Ele empurrou a porta antes de virar-se para ela. — Você, na verdade, não é nada do que estávamos esperando.

Carry levantou uma sobrancelha. Já estava ficando curiosa.

— E o que esperavam?

— Ora, alguém mais velha, mais... mais...

— Sofisticada e louca por dinheiro? — Ela entrou no quarto e pôs a bolsa sobre uma mesinha, sem olhar para a beleza da decoração.

— Não...

— Sinto muito por ser tão diferente, Donald. Talvez, se me esforçar um pouco...

— Não, por favor...

— Desculpe. Esse encontro está sendo tão difícil para mim como para vocês. — Tocou a testa dolorida. — Agora, eu gostaria mesmo de descansar um pouco.

— O jantar será às oito. Quer que eu venha buscá-la?

Isso significava que não teria que entrar sozinha na arena dos leões.

— Seria ótimo — aceitou, cheia de gratidão.

Deitou-se assim que se viu sozinha e ficou olhando para o teto ornamentado. Com Jeff ao seu lado, teria enfrentado tudo aquilo com a maior facilidade. Mas se Jeff ainda estivesse vivo, ela nunca teria vindo, nem mesmo lhe permitiriam atravessar a porta de entrada!

"Oh, Jeff, por que você foi fazer isso comigo?"

Começou a chorar, com o rosto escondido no travesseiro.

O sol desaparecia no horizonte quando abriu os olhos. Sentou-se na cama um pouco tonta e afastou os cabelos da testa, tentando lembrar-se de onde estava. Os tons rosados do crepúsculo se infiltravam pelas cortinas leves. Jeff gostava do crepúsculo e do amanhecer, e muitas vezes os dois levantavam muito cedo para ver o sol nascer.

Não dormia bem desde a morte dele. Sentia demais a sua falta e o apartamento estava cheio de lembranças. Talvez fosse melhor se mudar, deixar tudo para trás. Sim, no dia em que estivesse preparada para isso. Ainda era cedo... muito cedo.

Levantou-se, tirou o tailleur amassado e foi pendurá-lo no armário. Ao abrir a porta viu seu vestido, a calça comprida e a blusa cuidadosamente colocados nos cabides. A maleta -estava numa prateleira e os sapatos, arrumados na sapateira. Um rápido exame nas gavetas da camiseira mostrou-lhe suas roupas de baixo e a camisola meticulosamente dobradas. Sentiu-se invadida em sua privacidade. Podia ser rica agora, mas nunca permitiria uma mudança em seu estilo de vida. Sempre cuidara das próprias coisas e não ia deixar um exército de empregadas se intrometer na sua intimidade.

O vestido que levara era de veludo marrom, o que realçava seus olhos e sua pele, dando-lhe um tom dourado. O decote profundo nas costas e a saia reta valorizavam sua figura pequena e elegante.

Carry estava muito atraente quando abriu a porta para Donald, que a examinou da cabeça aos pés, com um ar de aprovação.

Ele, por sua vez, estava extremamente elegante num terno escuro, com uma camisa branca como neve. Parecia tão inofensivo que Carry ficou imaginando por que o advogado lhe dera-a impressão de não gostar dele.

Os pais já estavam na sala quando eles entraram. Lady Spencer, num vestido longo azul-pavão, ostentava ainda mais seus ares de rainha. Sir Charles parecia saído de um anúncio de moda para homens.

O jantar foi tenso, com os quatro tentando conversar educadamente, sem mencionar o motivo da presença de Carry. Ao final da refeição, ela morria de dor de cabeça pelo esforço de parecer descontraída, quando só desejava estar bem longe dali. Não suportava os parentes de Jeff. Talvez, se sua irmã Cissy estivesse ali, as coisas fossem diferentes. Ele sempre falava da irmã com carinho.

O café, tomado na sala de visitas, foi ainda pior. A conversa cessou completamente.

Carry pôs a xícara na bandeja de prata.

— Eu... eu acho que vou me deitar. Estou com dor de cabeça.

— Bobagem — disse lady Spencer, um tanto ríspida. — Ar fresco é o melhor remédio. Donald, leve Caroline para dar uma volta no jardim.

Carry arregalou os olhos. A última coisa que podia querer no momento era ficar sozinha com Donald. Suas têmporas já latejavam.

— Acho melhor eu tomar duas aspirinas e...

— Não. Você bebeu vinho. Ar puro, é disso que precisa. Donald!

Ele parecia tão relutante quanto Carry.

— Eu... naturalmente. Vamos, Caroline?

— Acho que está um pouco frio demais...

— Vá pegar um dos meus agasalhos para Caroline, Charles.

Carry sabia reconhecer quando estava derrotada e obedeceu. Sua anfitriã lhe dava a impressão de manobrar a todos como se fossem marionetes.

O "agasalho" era uma capa de vison, e Carry foi invadida por uma onda de revolta ao sentir o contato da pele nos ombros. Sempre odiara a idéia de se criar e matar animais para satisfazer a vaidade de mulheres ricas. A noite estava fria, mas assim que pôde afastou o vison dos ombros.

— Você vai pegar um resfriado — alertou Donald, enquanto atravessavam o roseiral ao lado da casa.

— Oh, estou bem. — Reprimiu um arrepio, sabendo que o rapaz não entenderia sua aversão pela capa.

— E a dor de cabeça?

— Está passando. — Sorriu ao perceber sinceridade na pergunta. E, milagrosamente, era verdade.

— Você é muito bonita, Caroline.

A observação foi tão surpreendente quanto inesperada. Ninguém naquela família tinha qualquer razão para lhe dizer gentilezas, mas Donald parecia fazer questão de ser delicado. Simpatizou ainda mais com ele por isso.

— Obrigada.

— Não posso compreender... — Donald parou, como arrependido de ter começado.

Carry deu uma risadinha.

— Não pode compreender por que acha que sou bonita? Ou é outra coisa que não entende? — Olhou-o com curiosidade.

— Uma outra coisa.

— O quê? Vamos, fale!

— Eu... você gostava mesmo do tio Jeff?

O aborrecimento fez Carry corar. Mais uma vez, estavam de volta a Jeff.

— Sim, eu gostava dele. Muito.

— Você o amava?

— Era impossível não amar. Você não chegou a conhecê-lo?

— Eu tinha só três anos quando ele saiu de casa.

— E nunca viu seus trabalhos?

— Trabalhos? — Donald ficou intrigado. — Que trabalhos?

Deus, essas pessoas nem mesmo sabiam que Jeff era um artista, um escultor que podia dar vida a um pedaço de argila que lhe caísse nas mãos! Sempre o havia achado o homem menos complicado e mais adorável que conhecia e estava sendo um choque descobrir que mantinha tantos segredos.

— Seu tio era Jeff Thornton.

Donald continuou intrigado.

— Jeff, quem?

— Jeff Thornton — repetiu Carry, com um suspiro. — Houve uma exposição de seus trabalhos há cerca de um ano. Foi muito comentada.

Jeff não chegou a ganhar nenhuma fortuna com ela, mas recebeu o reconhecimento que merecia por seu talento. O modo como lutou e se dedicou para conseguir aquela exposição haviam comovido Carry, que agora o admirava mais ainda ao saber que com o dinheiro que possuía, e a influência da sua família, podia ter conseguido uma centena de mostras. Em vez disso, optara por usar um pseudônimo e enfrentar tudo sozinho.

— Estou certo de que meus pais não sabem disso — disse Donald, pensativo.

— Que ele era um escultor, ou que era bem-sucedido? — brincou Carry.

Ele corou ligeiramente com a reprimenda em sua voz.

— As duas coisas. Eu... bem, tio Jeffrey abandonou a família há muitos anos. Ninguém sabia o que ele andava fazendo. Nosso único contato com ele era através de um advogado.

— James Seymour?

— Sim. Você o conheceu, não?

— Oh, sim. Sem dúvida. Será que podemos voltar para casa agora?

— Claro. Como está a dor de cabeça?

— Já passou. — Mentiu Carry e entregou-lhe a capa assim que entraram na casa. — Quer se desculpar por mim com seus pais? Gostaria de ir direto para a cama.

— Está bem. Boa noite, Caroline.

Ela retribuiu o cumprimento, mas tinha certeza de que a noite não ia ser boa. Falara demais sobre Jeff para os pesadelos não voltarem.

Acordou em pânico durante a madrugada, coberta de suor, as mãos apertadas. Deus, será que nunca se livraria da culpa por Jeff estar indo buscá-la no trabalho porque seu carro estava no mecânico? Ele não passaria por aquela rua naquela noite se não fosse por ela...

Tinha esperado quase duas horas em frente do prédio e terminou por concluir que Jeff se distraíra com o trabalho e esquecera-se dela. Isso era comum. Só ao chegar em casa e encontrar um policial à sua espera é que soube que não poderia brincar com Jeff por sua má memória, que nunca mais poderia brincar com ele...

 

Na manhã seguinte, desceu para o café, abatida e com olheiras. Donald estava sozinho. Puxou uma cadeira para ela.

— Mamãe sempre toma café no quarto — explicou. — E papai foi andar a cavalo.

— Vocês têm cavalos? — perguntou, aliviada por poder conversar com Donald sem a presença dos Spencer. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, a questão de seu envolvimento com os negócios da família viria à tona, mas ainda não se sentia preparada para isso.

— Temos estábulos na parte de trás da propriedade. Você sabe montar?

— Só em motos — brincou.

— Então, eu a levo para dar uma volta de carro daqui a pouco.

— Ora, não é preciso...

— Faço questão. Mamãe não sairá do quarto até a hora do almoço e temos bastante tempo para um passeio. Vou lhe mostrar os arredores.

Ele parecia bastante interessado em agradá-la. Depois de alguma hesitação, Carry foi pegar um casaquinho. O Jaguar já estava à sua espera na frente da casa.

Berkshire era mesmo uma linda região. A maioria das terras ainda era propriedade da Coroa e as restantes pertenciam a gente muito rica. Passaram por casas e jardins magníficos e alguns marcos históricos.

Pararam para tomar uma bebida numa taverna e encontraram-se com vários amigos de Donald, todos tão aristocratas como ele. Claro, mamãe não aprovaria amizade com classes inferiores...

Foi por isso que se surpreendeu ao ouvir o convite de Donald para saírem juntos quando voltassem a Londres.

— Trabalho no escritório central da Spencer — explicou ele. — Poderia ir buscar você, uma noite dessas.

— Mas ainda assim você teria uma longa viagem de volta...

— Temos um apartamento na cidade. Costumo ficar lá às vezes.

E agora, o que devia dizer? Donald Spencer era agradável, se bem que um pouco insípido para seu gosto.

— Não sei...

— Só um jantar, Caroline. — Encorajou-a, segurando sua mão. — Que mal poderia haver?

— Está certo, Donald — concordou, com alguma relutância. — Vou lhe deixar meu telefone. Agora acho que está na hora de irmos. Não quero aborrecer sua mãe chegando tarde para o almoço.

O ar puro da manhã lhe fez bem, e .Carry conseguiu almoçar sem muita tensão. Os Spencer mostraram-se muito agradáveis durante toda a refeição. Ela percebeu que estava se aproximando a hora da conversa sobre o motivo da sua estada naquela casa. Bem, quanto mais cedo, melhor.

— Por que não leva Caroline para ver o roseiral à luz do dia, Donald? — sugeriu lady Spencer, assim que voltaram à sala de visitas.

— Você quer ir? — perguntou, ansioso.

Qualquer coisa seria melhor do que ficar ali com os pais dele.

— Eu adoraria.

Era mesmo um jardim espetacular. Muitas roseiras ainda estavam em flor, encantando com sua perfeição, aroma e cor.

Donald deu uma risada quando Carry perguntou se era sua mãe quem cuidava dos jardins.

— Ora, ela é só de olhar, não de fazer. Prefere organizar festas, chás de caridade, coisas desse tipo.

— Sim, mas...

— Telefone, Sr. Donald. — O mordomo apareceu perto deles como por encanto.

Um ar de irritação passou pelo rosto de Donald.

— Desculpe. Não vou demorar.

— Ficarei muito bem aqui — Carry garantiu.

De fato, era um alívio poder ficar sozinha. Estava achando muito difícil enfrentar aquela situação. Talvez, se lhe tivessem dado tempo para pensar melhor, poderia ter encontrado um meio de evitar um contato direto com aquela família.

Depois de dez minutos, como Donald não voltasse, resolveu entrar de novo na casa. Talvez encontrasse um livro ou uma revista para ler. Ao chegar perto das portas de vidro da sala de visitas que se abriam para o jardim, ouviu a voz dele e hesitou, percebendo que ainda falava no telefone. Logo depois, porém, ouvia com avidez. O assunto da conversa parecia ser ela!

— Por causa de Caroline, meu bem — explicava Donald. — Você sabe que não prefiro ela a você. Deixe de bobagens. Não, não quero casar com ela. Quero casar com você, mas... Não, por favor, não desligue — suplicou, cheio de pânico. — Querida, por favor, tente ser razoável. Isso só significa que teremos que esperar um pouco. Só até o divórcio. Bem, sei que pode levar anos, mas...

Carry voltou ao jardim, deixando-se cair num banco. Então, era por isso que Donald estava sendo tão solícito com ela! Planejavam um casamento. E um divórcio também!

Céus, eles deviam estar desesperados por causa daquelas ações. Qualquer culpa que ainda pudesse sentir por ter recebido a herança de Jeff se desvaneceu naquele momento. Pessoas como os Spencer não mereciam nada do que pertencera a ele. E ela, que tinha vindo disposta a ser gentil com eles porque era a família de Jeff, que até aceitaria entregar as ações a sir Charles, se... Mas agora não seria mais assim.

Sabia que Donald não tinha a maldade, a inteligência para inventar um plano desse. Tinha que ser idéia dos pais. Além disso, estava apaixonado por uma outra mulher.

Ouviu-o desligar depressa quando a mãe chegou.

— Com quem estava falando? — perguntou, autoritária.

— Com um amigo.

— Tem certeza?

— Claro, mamãe. — Ele estava nervoso.

— E onde está Caroline?

— Deixei-a no jardim quando vim atender o telefone.

— E como está se saindo com ela?

— Tudo bem... espero.

— Só espera? Está indo muito devagar, Donald. Se ela não gostar de você, não sei o que seu pai vai dizer... ou fazer. — Havia ameaça em sua voz. — Realmente, não podemos ter alguém desse tipo na Spencer Plastics.

— Mas está pretendendo fazer dela minha esposa!

— Só por pouco tempo, querido.

— Mas...

— Não seja impaciente. Seu pai ficará muito satisfeito se você o ajudar. E não vai durar para sempre. Além disso, tem que admitir que é muito mais bonita do que imaginávamos.

— Bem... sim. Mas...

— Ora, Donald, você concordou quando conversamos sobre o assunto. Agora, vá buscar Caroline. Faz tempo demais que ela está sozinha.

Quando o rapaz a encontrou, Carry, tinha recuperado a compostura. Agora, podia ler a cobiça naqueles rostos. Não era de admirar que ainda não tivessem tocado no assunto das ações... não precisavam. Pretendiam pôr as mãos nelas através de Donald. Só mesmo uma mente distorcida planejaria algo assim!

E imaginarem que ela podia se apaixonar por Donald! Isso era um insulto à sua inteligência.

 

Ao chegar em casa, Carry já estava mais calma, mas não menos decidida a fazer os Spencer pagarem por seu plano calculista.

Convenceu Bill, o marido de Marilyn, a se encarregar do seu caso em relação ao testamento de Jeff. Ele era um bom advogado e não ficaria intimidado na presença de James Seymour.

Com essa preocupação afastada de sua mente, encontrou tempo para aceitar o convite de Donald Spencer. Porém, se ele estava pensando que ela era uma conquista fácil, ia ter uma boa surpresa. A família Spencer conseguira deixá-la furiosa, e agora Donald veria como era bom sair com Caroline Day!

Ele podia ser fraco e um pouco tolo comparado com os pais, mas ela teve que admitir sua determinação. Ou seria medo da família? Fosse o que fosse, Donald não contrariou nenhum dos menores desejos de seus pais.

Durante o mês seguinte, Carry falou as coisas mais malucas, ou fez as coisas mais malucas, obrigando-o a acompanhá-la em tudo. Uma noite, fez Donald tirar os sapatos, enrolar as pernas da calça e entrar com ela na fonte de Trafalgar. Em outra ocasião, levou-o a uma festa estranhíssima e passou uma boa parte do tempo observando suas desesperadas tentativas para escapar de uma artista extrovertida, resolvida a seduzi-lo. E, num domingo, quis ir a um jogo de futebol, divertindo-se enormemente com seu embaraço ao ouvir os palavrões dos torcedores mais inflamados.

Donald agüentou tudo sem reclamar; até mesmo a peça de teatro moderna e cheia de insinuações sobre sexo que Carry insistiu em ver, só porque estava sendo muito comentada.

Porém, como nada conseguia fazê-lo desistir, ela começou a cansar do jogo depois de quatro semanas. Resolveu ter uma conversa séria com ele, depois da festa daquela noite. Sim, pelo menos não teria que suportar outro beijo de boa-noite! Não podia imaginar como Donald conseguira chegar aos vinte e oito anos sem sequer aprender a beijar direito!

Ainda bem que a festa começou a esquentar, pensou Carry, olhando em volta. Os mais velhos já estavam saindo e os jovens pareciam mais à vontade. Até mesmo Donald mostrava mais entusiasmo enquanto dançava com uma loira alta, que se apresentara como amiga da sua família. Pensou em como ele estaria fazendo para se encontrar com a mulher que amava. Afinal, saía com Carry praticamente todas as noites há um mês. Pobre Donald, quando, afinal, descobriria que havia coisas mais interessantes na vida do que tentar agradar aos pais?

Aproveitou a oportunidade para se afastar um pouco da confusão do salão. Viu uma porta meio aberta e entrou, descobrindo-se na paz e tranqüilidade de uma rica biblioteca. As paredes estavam cobertas de livros luxuosamente encadernados. Depois de um instante de hesitação, aproximou-se de uma das estantes e sorriu ao ver seu clássico favorito. Começou a folheá-lo.

— Parece que não sou o único que precisava fugir do barulho — disse uma voz vibrante e masculina.

Carry virou-se, assustada, arregalando os olhos ao ver o homem que interrompera sua solidão. Era alto, com cabelos castanho-escuros e um rosto forte e atraente. O corte perfeito do traje de noite realçava sua figura atlética. Depois de um olhar para aqueles olhos cinzentos, imaginou como não o tinha visto antes... Ele jamais passaria por qualquer lugar sem ser notado.

O homem fechou a porta e atravessou a sala com passos largos e descontraídos. Olhou o livro nas mãos de Carry.

— Jane Eyre. Gosta da história? — Sua voz era vibrante e bem modulada.

— Sim. — Corou, confusa. — Conhece?

Ele sorriu e pareceu ficar mais jovem no mesmo instante. Era um homem mais atraente do que bonito.

— Acho que todo mundo devia ler Jane Eyre pelo menos uma vez na vida.

Carry segurava o livro como se fosse um escudo. Uma sensação estranha parecia avisá-la de que esse homem era perigoso.

— Quer dizer que já leu?

— Duas vezes. Acho que Rochester podia ser um pouco mais carinhoso com Jane. — Ele encolheu os ombros. — Enfim, parece que vocês, mulheres, preferem os durões.

Carry irritou-se com a generalização.

— Ninguém escolhe por quem vai se apaixonar. Nem homens, nem mulheres.

Ele olhou-a com curiosidade por alguns instantes e pareceu gostar do que via.

— É melhor eu me apresentar, antes que comecemos uma briga. Sou Logan Carrington.

— Carry Day.

— Parece que irritei você. — Sorriu. — Não tive a intenção. E então, amigos? — disse, estendendo a mão.

Ela hesitou só por um segundo, antes de colocar a mão na dele.

— Amigos — concordou, rouca.

O toque foi rápido, mas seus dedos ainda pareciam formigar com o contato quando guardou o livro de volta na prateleira. Virou-se para encontrar Logan Carrington ainda olhando para ela.

— Estou com o rosto manchado ou qualquer coisa parecida? — perguntou, desafiadora, pouco acostumada a ser examinada daquela maneira.

Ele sorriu e algumas ruguinhas surgiram nos cantos dos olhos.

— Não é nada disso. Eu só estava pensando por que uma moça bonita como você veio se fechar aqui, enquanto há uma festa acontecendo lá fora.

— Talvez tenha sido pela mesma razão que o fez vir para cá — respondeu Carry, corando ligeiramente com o elogio.

— Duvido. — Ele fez uma careta. — A não ser que você esteja fugindo de alguma secretária.

— Não. — Ela deu uma risada. — Eu sou secretária.

Para desgosto de Marilyn, Carry continuara no emprego porque tinha a sensação de que sua nova fortuna não era mais do que uma bolha de sabão que ia estourar a qualquer instante. Não se arriscaria a perder um bom salário. Tinha sido criada dentro de padrões rígidos em questão de dinheiro, tendo que trabalhar para conseguir o que queria. Levaria meses, senão anos, para se acostumar com a idéia de que estava rica. Além disso, o caso da herança ainda estava em andamento e ela não pretendia contar com uma fortuna que ainda não tinha nas mãos.

— É mesmo? — perguntou Logan Carrington, com interesse.

— E muito bem empregada, obrigada.

— Não diga!

— Sua secretária é incompetente?

— Não. Ao contrário, é ótima.

Logan indicou-lhe uma poltrona e depois sentou-se à sua frente. Carry olhou para ele, intrigada.

— Então, qual é o problema?

— Minha antiga secretária me deixou para ter um bebê. Sua substituta é... bem, ela... ela não é adequada.

O desconforto da sua expressão revelou a natureza do problema.

— Ela está caída por você — adivinhou Carry, com um sorriso divertido.

— Está. — Logan fez uma careta.

— E isso atrapalha? — perguntou, tentando parecer muito séria.

— Não costumo me envolver com minhas secretárias.

— Ah, nesse caso você tem mesmo um problema.

— Está caçoando de mim? — Ele fez um ar desconfiado.

— Eu? — Carry fingiu inocência. — Claro que não!

— Está, sim. — Então, não vai me contar por que está escondida aqui?

— Não estou escondida! Vim procurar um pouco de sossego porque estou entediada e... cansada.

— Cansada? — Logan levantou uma sobrancelha escura.

— Não tenho dormido muito bem ultimamente... e não é pelo motivo que está pensando — acrescentou, rapidamente, ao ver seu olhar especulativo. — Por acaso, faz idéia de como os bebês sofrem quando os dentes começam a nascer?

— Seu bebê?

— Claro que não! Não sou casada.

— Não pensei que isso fosse obrigatório nos dias de hoje.

— Pois, para mim, é. O bebê é da vizinha. E tem passado horas de agonia.

A pobre Marilyn já estava ficando com olheiras depois de dias e noites andando de um lado para o outro com Paul no colo. E Carry ouvia tudo do outro lado. As paredes do prédio estavam longe de ser à prova de som.

— Pensei que hoje em dia houvesse pastas e remédios para esse tipo de coisa — disse Logan.

— E há mesmo, mas não funcionam muito bem. — Estava surpresa. — Como sabe disso? Tem filhos?

— Não sou casado. — Logan usou a mesma resposta, com um ar de malícia.

Pelo menos, ela não estava flertando com um homem casado!

— Sobrinhos, então?

— Não. Sou filho único. Mas eu lhe disse que minha secretária me deixou para ter um bebê.

— E foi ela quem lhe falou sobre esses remédios para a dentição? Que assunto mais estranho para uma conversa!

— Sim, quando eu a avisei das noites que iria passar em claro — explicou ele, com um sorriso.

— Pobrezinha!

— Ora, todas as mães passam por isso, não é? Não dizem que ser mãe é padecer no paraíso?

— Humm, homens! — Carry tentou parecer irritada e soube que falhara ao ouvir a risadinha de Logan. — Essa é uma atitude machista, sabe?

— Você é uma feminista?

Ele fez a palavra parecer quase um insulto. Carry desejou poder responder "sim".

— Não — admitiu, de má vontade. — Confesso que gosto de oportunidades iguais, mas também acho bom ser protegida.

— Você quer tudo, não?

— Claro!

— Bem, como homem, posso lhe dizer que gostamos de proteger. Mas também gosto de uma mulher com opinião. Nós, humanos, somos contraditórios, não acha?

— Estamos discutindo coisas bem estranhas para duas pessoas que acabam de se encontrar.

De repente, ela se deu conta da estranheza da situação. Fazia menos de quinze minutos que conhecera Logan Carrington e estavam conversando como velhos amigos. Depois de quatro meses, era bom encontrar alguém como Jeff, bem-humorado e disposto, a falar sobre qualquer assunto.

— Que tal conversarmos sobre outras coisas estranhas? — ele sugeriu. — O que diria de um jantar na semana que vem?

Ficou tentada... e como! Mas não conhecia o homem, embora se sentisse muito à vontade com ele.

— Preciso voltar à festa — disse, levantando-se.

Logan ergueu-se também, olhando-a com intensidade, muito sério.

— Um jantar, Carry. Por favor.

— Eu... Bem, você pode me telefonar.

— Me dê o número, então.

Carry ficou olhando enquanto Logan escrevia seu número na agenda, usando uma caneta que, sem dúvida, era de ouro. Dava a impressão de ser rico e havia nele um certo ar de autoridade.

Certa de que nunca mais teria notícias dele, e de que Logan nem se lembraria daquele encontro no dia seguinte, observou-o afastar-se em direção a uma ruiva alta e sofisticada. Murmurou alguma coisa no ouvido da moça e pouco depois se despediam e saíam. A mulher era linda e a atitude dele para com ela demonstrava intimidade. Não, aquele homem nem se lembraria dela no dia seguinte. — Mas Carry Day se lembraria dele, com toda certeza!

— Ah, aí está você! — disse Donald. — Procurei-a por todos os cantos.

— Acho que está na hora de irmos, Donald.

— Sim, é justamente o que eu ia propor. Tenho que trabalhar amanhã cedo.

Como imaginava, Donald não ficou contente com a notícia de que não queria mais sair com ele. Também não lhe deu nenhuma explicação para o fato de aceitar suas atenções nas últimas quatro semanas. Os Spencer que se preocupassem! Bill estava cuidando do caso das ações e quando ela comparecesse à reunião de acionistas no mês seguinte terminaria de vez com aquele ridículo plano de casamento.

O telefone tocava quando entrou no apartamento. Carry correu para atender, não querendo perturbar o silêncio. Finalmente, parecia que Marilyn estava conseguindo uma boa noite de sono.

— Sim? — Atendeu, falando baixinho.

— Carry?

Reconheceu imediatamente a voz.

— Meu Deus, Logan, é quase uma da manhã!

— Estou perturbando você? — Sua voz tinha esfriado.

— É muito tarde e...

— Está sozinha?

— Claro que... Logan! — Ficou indignada ao perceber a insinuação.

— Psiu, vai acordar os vizinhos.

— Oh, não. Você já se encarregou disso! — Mas, felizmente, ainda não havia nenhum som vindo do apartamento ao lado.

— Você me disse para telefonar.

— Sim, mas não hoje, no meio da noite...

— Nunca deixe para amanhã o que pode fazer...

— Hoje. O que aconteceu com sua amiga?

— Danielle? Pelo que sei, deve estar em casa, na cama.

— E por que você não está com ela?

— O que a faz pensar que não estou?

— Eu... E está? — Carry corou ao perceber que era a culpada pelo rumo que a conversa estava tomando.

— Não. — Logan deu uma risadinha. — Pode ter certeza de que ela não me deixaria telefonar para outra mulher, se eu estivesse na sua cama! Por falar nisso, onde está seu acompanhante desta noite?

— Acho que a caminho de casa.

— E por que ele não está com você?

— Porque sempre durmo sozinha.

— Sempre?

— Sim!

— E também sempre come sozinha?

— Não...

— Jantar amanhã, então?

Era como fazer frente a um terremoto. Carry rebelou-se contra essa tentativa de mandar em sua vida.

— Amanhã, não. Já tenho um encontro marcado — mentiu.

— Desmarque.

— Claro que não! — levantou a voz.

— Os vizinhos, Carry. — Logan deu uma risadinha. — Que tal um jantar na segunda-feira?

— Eu...

— Terça?

— Eu...

— Quarta?

— Eu ia dizer que segunda está ótimo. — Sim, aceitando o convite para segunda, não pareceria ansiosa demais. — Embora sua agenda pareça ser bem vazia para um homem tão...— Parou, percebendo o que estava a ponto de dizer. Logan Carrington era auto-suficiente demais para precisar de elogios.

— Tão...? — Ele insistiu, suavemente.

— Tão convencido.

Logan deu uma risada.

— Está bem, Carry. Me dê seu endereço e eu a deixarei dormir.

Obedeceu, imaginando se Logan Carrington era assim tão rápido com todas as mulheres. Estava começando a sentir como se lutasse com uma motoniveladora. E chegara a pensar que ele ia se esquecer dela!

Marilyn e Bill passaram o dia na casa da mãe de Bill, de modo que Carry não teve oportunidade de falar sobre Logan Carrington com a amiga. Mas não saberia como explicar o que estava sentindo. Só sabia que ficara imediatamente atraída por ele. E depois da conversa sem graça de Donald, seria bom falar com alguém cheio de vivacidade e inteligência, que a desafiava e divertia ao mesmo tempo.

Em certos aspectos, ele lembrava Jeff. Mas seria um erro querer comparar os dois. Jeff tinha sido muito especial em sua vida, alguém que sempre teria um lugar reservado em seu coração.

 

Já era bem tarde quando chegou do trabalho na segunda-feira porque estivera percorrendo as lojas à procura de um vestido, depois de decidir que não tinha nada para usar naquela noite. Tinha ido ao cabeleireiro na hora do almoço. Não sabia muito bem por que estava se dando a tanto trabalho por Logan Carrington. Talvez fosse por causa da aparência impecável de Danielle. Fosse qual fosse o motivo, o vestido preto lhe daria um ar mais maduro.

Mas esqueceu-se completamente dele quando entrou em casa. Não viu mais nada, a não ser os rostos pálidos e chocados de Bill e Marilyn.

Bill foi ao seu encontro, assim que a ouviu colocar a chave na fechadura.

— Você pode ir falar com Marilyn? — pediu, muito aflito. — Tenho que dar uns telefonemas e não gostaria que ela escutasse. Se ficar distraída...

— O que aconteceu? Alguma coisa com Paul?

— Não, ele está bem. Foi o pai de Marilyn. Teve um enfarte. Está entre a vida e a morte.

— Oh, não!

— Minha sogra telefonou há poucos minutos, mas não conseguiu dizer coisa com coisa. Tenho que ligar para o hospital para saber exatamente o que está acontecendo.

— Vamos! — Carry atirou a caixa com o vestido no sofá e saiu atrás de Bill. — Oh, Marilyn! — Estendeu os braços para a amiga, que chorava desesperadamente.

— Graças a Deus — disse Bill, aliviado. — Ela estava aí parada, sem dizer nada, desde que recebemos o telefonema.

Carry fez um sinal com a cabeça para Bill ir ligar para o hospital.

— Oh, Carry, Carry! — soluçou Marilyn. — Papai tem só cinqüenta e três anos. Ele não é velho!

— Ele não vai morrer, querida. Muita gente se recupera de enfartes.

— Mas essas coisas sempre acontecem de três em três. — Marilyn estava à beira da histeria. — Primeiro, foi sua mãe; depois, Jeff, e agora...

— Ele não vai morrer, Marilyn — repetiu Carry, com firmeza. Depois olhou para Bill, que voltava para a sala. — Alguma notícia? — perguntou baixinho.

— O médico disse que é possível que ele se recupere se conseguir atravessar a noite.

— Possível, só? — perguntou Marilyn, por entre as lágrimas.

— Ele não pode prometer nada, amor. — Bill passou o braço pelos ombros da mulher. — Qualquer médico diria a mesma coisa.

— Preciso ir vê-lo. Tenho que ficar com meu pai! — Marilyn levantou-se, muito agitada.

— Vá com ela — disse Carry, tocando o braço de Bill.

— E Paul?

— Eu cuido dele. Fiquem o tempo que for preciso.

Uma expressão de gratidão tomou contido rosto de Bill.

— Eu... nem sei como agradecer...

— Tome conta de Marilyn.

Estava saindo do quarto de Paul uma hora depois, quando se lembrou de seu encontro com Logan Carrington. Bem, não podia mais ir a lugar nenhum.

O telefone de Logan Carrington não estava em lugar nenhum da lista, o que significava que ele tinha um número especial, não catalogado. Não ia poder avisá-lo, e teria que mandá-lo embora quando ele chegasse, às oito horas.

 

 

Às oito em ponto, Carry ouviu a campainha da sua porta tocar e saiu correndo para o hall social.

Logan, que apertava o botão pela segunda vez, virou-se para ela com uma expressão de desagrado. Carry ainda estava com o jeans e a malha que vestira antes de dar banho em Paul.

— Pensei que você morasse no vinte e oito.

— E morava... quer dizer, moro! Oh, Logan, lamento, mas vamos ter que cancelar nosso encontro! — Mal conseguia falar. Não era de admirar: a aparência dele impressionaria qualquer um.

Estava impecavelmente vestido, com uma aparência avassaladora... seu olhar era arrogante e dominador.

— Por quê?

— Tenho que cuidar de Paul. Sabe, ele...

— Que tal me convidar para entrar, e depois explicar o que está acontecendo? — Havia zombaria em sua voz.

Antes que ela se desse conta da situação, ele estava no meio da sala de Marilyn e Bill, ouvindo-a contar sobre o enfarte e como nem tinha certeza de quando o casal voltaria.

— Já ligou para o hospital? — perguntou, quando Carry terminou.

— Sim. Falei com Bill. Disse que o sogro continua na mesma.

— Bem, ainda é cedo. Você não jantou, espero?

— Não, não tive tempo. Quando eles saíram, Paul ainda não tinha jantado e precisei...

— Está com fome? — interrompeu, com um sorriso.

— Estou morta de fome! — Afinal, deixara de almoçar para ir ao cabeleireiro.

— Então, não vejo por que não podemos jantar aqui — terminou Logan.

— Oh, não sei. Tenho umas duas bistecas na geladeira e...

— Minha querida Carry, eu não estava sugerindo que você cozinhasse.

Posso mandar vir alguma coisa para nós. Vou ligar para o Roberto's...

Carry olhou para ele, espantada. O Roberto's era um dos restaurantes mais finos de Londres, nada parecido com os lugares onde se podia encomendar um jantar pelo telefone.

— Não me importo de cozinhar...

— Nem me fale nisso.

— E nem me fale de telefonar para o Roberto's. Prefiro comida chinesa.

— Verdade?

— Hum. E tem um bom restaurante logo ali na esquina.

— Muito conveniente. E, é claro, vou ter que ir até lá pessoalmente.

— Se não for muito incômodo... — disse Carry, com falsa doçura.

— Muito bem. — Logan sorriu e levantou-se. De repente o apartamento pareceu ficar menor. — Também gosto de comida chinesa.

— Que bom!

— Carry...

— Sim?

— Prefere que eu vá embora?

Ficar sozinha numa noite como essa era a última coisa que ela poderia querer. Desde a morte da mãe, detestava tudo o que se referia a doença e estava nervosa com a perspectiva de Bill ligar a qualquer instante para dar uma má notícia.

— Não — disse, em voz baixa.

— Estou contente. Quer me acompanhar até a porta?

Foi um pedido estranho, considerando-se que a porta não estava a mais do que cinco passos de distância. Mas logo entendeu o porquê: assim que Carry se levantou, Logan aproximou-se dela.

— Pensei muito em você nesses últimos dois dias — disse baixinho, e segurando-lhe delicadamente o queixo. — Você é ainda mais linda do que eu me lembrava — murmurou, antes de seus lábios tocarem os dela num beijo gentil mas insistente. Afastou-se assim que ela começou a corresponder.

Carry olhou para ele, confusa. Será que estava mesmo bonita de jeans e com uma malha grossa e surrada?

— Não vou demorar — ele falou com toda naturalidade. — Tem alguma preferência?

— Carne de porco agridoce.

— Gosto de uma mulher que sabe o que quer. — Deu uma risadinha.

— E você, já sabe o que quer?

— Sim. — Tocou de leve seu rosto. — Não vou demorar.

Carry sabia por experiência que o serviço do restaurante era muito rápido. Aproveitou a ausência de Logan e correu para seu apartamento. Teria ao menos tempo para trocar de blusa e colocar um pouco de maquilagem.

Mal acabara de entrar, quando Logan voltou. Seus olhos se arregalaram quando viu sua nova aparência. Ela ignorou o olhar, tirou a sacola das mãos dele e começou a pôr a mesa.

Logan tirou o paletó. A camisa de voil mostrava seus ombros largos e a cintura estreita. Carry afastou rapidamente o olhar daquele físico poderoso.

— Deixe eu pendurar seu paletó.

Suas mãos se tocaram ligeiramente. Ela se afastou um pouco e corou ao ver o olhar intrigado de Logan.

Comeram em silêncio. Ele havia comprado uma garrafa de vinho para acompanhar a refeição. Carry sorriu. Estava certa de que Logan nunca imaginaria um encontro desse jeito.

— Quer me contar qual foi a piada?

Logan terminara de comer e estava reclinado na cadeira, numa atitude tranqüila.

— Eu... bem, estava pensando que você nunca deve ter passado uma noite como esta.

— Porquê?

— Ora... você... enfim, deve estar acostumado a restaurantes...

— Não passo a vida toda comendo em lugares elegantes.

Carry percebeu que ele se aborrecera com sua observação.

— Desculpe, eu... Paul! — exclamou, com desânimo, ao ouvir o choro agoniado do bebê. — Com licença. — Saiu correndo da sala.

O menino estava em pé no bercinho, com o rosto molhado de lágrimas. Gritava desesperadamente.

— Está tudo bem, querido — disse Carry, pegando-o no colo e afagando seus cachinhos dourados.

Trocou em seguida sua fralda e passou remédio nas gengivas, mas continuavam os gritos por entre soluços sufocados. Ela começava a entrar em pânico, quando Logan abriu a porta do quarto.

— O que há de errado? — perguntou, parecendo completamente deslocado no quartinho infantil.

Carry olhou-o, desconsolada.

— Se eu soubesse...

— Está tudo bem, anime-se! Então, não sabe o que há de errado com ele?

— Não!

— Deixe eu segurá-lo um pouquinho.

Ela apertou o menino contra o peito, num gesto protetor.

— Ele costuma estranhar.

— Não vou machucá-lo.

— Não foi isso que eu disse!

Logan não se preocupou mais em discutir, tomando-lhe cuidadosamente a criança dos braços.

Para surpresa de Carry, Paul parou de chorar quase no mesmo instante, encostando a cabecinha cansada no peito do rapaz.

— O creme para as gengivas vai estragar sua camisa — ela murmurou, um tanto sem graça.

— Não vou chorar por causa disso.

Carry chegou a sentir um nó na garganta, ao ver o modo confiante com que Paul olhava para Logan. Seus olhos azuis de querubim ainda estavam brilhantes de lágrimas, mas tranqüilos.

Ele começou a falar com o bebê e ela corou com suas palavras.

— Então, é você quem anda fazendo Carry passar as noites em claro, hein? Devo confessar que preferiria uma competição mais leal.

— Logan!

Ele riu baixinho.

— Você sabe que ele não pode entender.

— Não, mas eu posso!

— Vá tirar a mesa enquanto eu e Paul vamos ter uma conversa de homem pra homem.

Carry obedeceu.

Para sua surpresa, Logan voltou para a sala menos de dez minutos depois. Assombrou-se:

— Não me diga que fez ele dormir?

— Sim senhora.

— Como conseguiu? Marilyn às vezes passa a noite inteira andando de um lado para outro sem nenhum resultado.

Logan sentou-se e esticou as pernas compridas.

— É porque ele não gosta de ficar sendo carregado de um lado para o outro. Prefere sentar na cadeira de balanço e ficar conversando.

— Oh...

— Sim. Eu disse a ele que não é educado interromper o encontro de um homem com uma mulher bonita e que teria que esperar até ficar mais velho e conseguir sua própria namorada.

— Oh! — Carry ficou vermelha.

— Paul compreendeu perfeitamente. E agora que pegou no sono...

Ela ficou um pouco inquieta ao vê-lo aproximar-se, olhando-a intensamente.

— Há... você quer sobremesa? Tenho frutas frescas em casa e...

— Você — disse Logan, baixinho.

— Eu? — Engoliu em seco.

— Quero você de sobremesa. Ou, pelo menos... — Sorriu de sua expressão de pânico. — Uma parte de você.

Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, Logan já estava sentado a seu lado na poltrona, que não era feita para acomodar duas pessoas. Começou a beijá-la delicadamente no início e, depois, com uma paixão irresistível.

Carry esperava por isso desde aquele primeiro beijo e abraçou-o, pressionando o corpo contra o dele. Os lábios de Logan percorreram seu rosto, seu pescoço, o sulco entre os seios, revelado pela blusa parcialmente desabotoada, voltando à sua boca com avidez.

Ela sentia como se estivessem juntos a vida toda, como se já o tivesse tocado e beijado muitas vezes. Mas a verdade era que ainda mal se conheciam e, lembrando-se disso, Carry afastou-o gentilmente esticando o braço.

Logan soltou-a com relutância, o brilho em seus olhos cinzentos espelhando a paixão que havia nos dela.

— Carry... — gemeu. Seus cabelos,estavam despenteados e a camisa desabotoada, porque ela não conseguira resistir ao desejo de tocá-lo, de sentir-lhe a maciez da pele e o calor do corpo moreno, encorajada por seus murmúrios roucos.

— Por favor, vamos devagar. Eu nem conheço você direito.

— E precisa conhecer?

— Sim.

— Certo. — Ele suspirou. — Acho que também quero saber mais sobre você. Que tal ficarmos mais confortáveis?

Antes que Carry percebesse o que Logan pretendia, já estava sentada em seu colo, os braços fortes envolvendo sua cintura.

Isto é mais confortável? — brincou.

Ele deu um sorrisinho malicioso.

— E não é?

— Para você, talvez...

— Mas não para você?

Ela gostaria de dizer "não", mas sentia-se deliciosamente bem e estava adorando o perfume da loção de barba de Logan. Ele tinha um cheiro limpo e masculino, e sua força a fazia sentir-se pequenina e protegida.

— Você continua saindo com Danielle? — sondou.

Seu interesse pela outra pareceu agradá-lo.

— Isso significa que quer saber se é só mais uma?

— E sou?

— Não. Estou velho demais para lidar com as complicações de ter duas mulheres ao mesmo tempo. No sábado mesmo, eu disse a Danielle que não ia mais vê-la.

— Muito velho? — brincou Carry, com um brilho de malícia nos olhos. — Que idade você tem?

— Trinta e cinco. — Logan deu um gemido. — Não me diga que tem por princípio não sair com homens de mais de trinta.

— Não. Que bobagem!

— Pois eu tenho.

— A regra de nunca sair com homens de mais de trinta? — Carry riu.

— Não, pestinha. De nunca sair com uma mulher de menos de vinte e cinco. E você tem, não é?

— Só um pouquinho.

— E que pouquinho é esse? — perguntou Logan, com uma careta.

— Oh... uns três anos.

— Vinte e dois! — Ele suspirou fechando os olhos.

Carry franziu a testa, percebendo que a idade era importante para ele.

— E isso o perturba?

Logan fez um ar de dúvida, mas logo seus braços a apertaram fortemente. —.Não, não perturba você?

— A mim, não. — Carry aconchegou-se mais a ele.

— Queria que dissesse isso. — Acariciou seu pescoço com os lábios. — O que mais quer saber sobre mim?

— Estou só curiosa...

— Que novidade! Todas as mulheres são curiosas.

Ela fez careta ao ouvir a zombaria.

— Você tem família?

— Infelizmente, sim.

— Não diga isso!

— Desculpe, menina. — Deu uma risadinha. — Tenho mãe, que não está incluída nesse "infelizmente". Pensava nos meus tios e um primo. Minha mãe é um encanto, apesar de andar me cansando com sua mania de casamenteira.

— Talvez ela esteja ansiosa para ter netos. — Carry corou ao falar.

— Sim, deve ser por causa dos netos.

— E você não pretende casar?

Logan respirou fundo e ficou muito sério.

— Acho que terei que casar um dia.

Terá?

— Hum. Bem, vou querer deixar os negócios da família para alguém. Nunca permitirei que caiam nas garras do meu primo.

— Não gosta dele?

— É um cretino!

— Logan! — Carry deu uma risada.

— É verdade. Ele tem sido dominado pelos pais a vida toda.

Como Donald, ela pensou.

— Entendo.

— Com você também é assim? — perguntou Logan, franzindo a testa.

— Não. Um... um amigo. Eu tive uma infância muito feliz, meus pais eram maravilhosos.

— Eram?

— Estão mortos, os dois.

— Deve ser duro.

— Sim. — Suspirou e depois perguntou, num tom mais alegre: — Você falou nos negócios da família. Quais são eles?

— Quer dizer que não sabe? — Fez um ar de ceticismo.

— Claro que não. Carrington... não me diga que são os famosos Cosméticos Carrington?

— Exatamente.

Carry não gostou do modo como ele falou, dando a impressão de que não acreditava que ela não soubesse que era o dono da famosa companhia de produtos de beleza. Céus, talvez nem tivesse falado com ele, se soubesse que era um dos milionários mais comentados de toda a Inglaterra! Agora entendia por que o rosto de Danielle tinha lhe parecido um pouco familiar. Ela era a modelo que estava em todos os anúncios e comerciais de TV, fazendo a publicidade do mais novo perfume Carrington, o Passion.

Então, essa noite com comida chinesa, servindo de babá para uma criança chorona, devia ser ainda muito mais incomum para Logan do que estava imaginando. Carry escapou de seus braços e foi para o outro canto da sala.

Logan ficou a observá-la com seu jeito perturbador, e uma expressão séria no rosto moreno e atraente.

— Você não sabia, não é? — perguntou, em voz baixa.

Ela deu um suspiro.

— Talvez seja um choque para o seu ego, mas a verdade é que eu não sabia.

— Diabos, sinto muito, Carry. Pensei...

— Pensou que eu estava interessada no dono da Carrington e não em você — completou, num tom cansado.

Ele se levantou.

— Agora vejo que estava errado...

— E estava, mesmo! Aprendi com um amigo que a riqueza não faz um homem.

— Ele devia ser muito sabido...

— É verdade, era um homem muito inteligente. — Agora compreendo melhor Jeff. Ele podia ter sido outro Logan Carrington, podia ter facilitado sua vida usando o poder e a influência da fortuna que possuía. Mas soubera ver que havia uma grande diferença entre ter e ser, o que o transformara na pessoa mais maravilhosa do mundo.

— Acho melhor você ir — disse, como se estivesse distante dali.

— Carry...

— Por favor. — Sacudiu a cabeça. — O mesmo amigo também me ensinou que o dinheiro estraga as pessoas. Agora estou inclinada a concordar com ele nisso também.

Logan respirou fundo. Suas narinas tremeram e sua boca transformou-se numa linha fina e tensa.

— Acho que teria sido bem melhor se não tivéssemos nos conhecido. — Pegou o paletó. — Não fazia idéia de que estava me encontrando com uma moça de mente estreita, tão influenciável por opiniões de outras pessoas.

— Eu...

— Volte para os seus amigos. No futuro, vou seguir fielmente minha regra de não me envolver com crianças impressionáveis!

— Logan...

— Adeus, Carry.

Ele bateu a porta com tanta força que Paul acordou, exigindo a atenção dela na meia hora seguinte. Quando saiu do quarto do bebê, deu-se conta de quanto o apartamento parecia vazio e solitário sem a presença de Logan.

Sabia que não o veria mais, que o tinha ofendido. E, por ironia, Logan Carrington nem sabia que agora ela também era rica, que nem sabia o que fazer com todo o dinheiro que havia herdado!

Por volta da meia-noite, recebeu um telefonema de Bill, dizendo que o sogro estava na mesma e que ligaria assim que houvesse alguma novidade. Carry esticou-se no sofá e ficou pensando em Logan. Decidiu que lhe devia uma desculpa. Afinal, tinha sido grosseira, só por causa de uma simples expressão de ceticismo.

Bill chegou em casa às sete e meia e ela ficou feliz em ter alguém para ajudá-la com Paul, que parecia inconsolável. O pobre bebê chorava como se tivesse sido abandonado no meio da rua, mas a chegada do "papa" conseguiu acalmá-lo, e Carry pôde- preparar um mingau com calma, enquanto Bill lhe fazia um relatório da Situação.

— O médico acha que Ted vai sair dessa. Graças a Deus, o pior já passou. O problema agora é que Edith, a mãe de Marilyn, ainda está muito abalada e Marilyn quer ficar com ela por algum tempo. Acho que não temos outra saída.

— É claro, eu entendo. Vou sentir falta de vocês três.

— Espero que não seja por muito tempo. — Bill fez uma careta. — Sei que Ted está doente e que Edith precisa de nós, mas não sei se vou agüentar morar com eles.

— Tenho certeza de que logo vocês estarão de volta — disse Carry, sabendo da discórdia que havia entre Bill e os sogros. — Espero que já estejam aqui no Natal. Será o primeiro de Paul.

— Mas o Natal é daqui a cinco semanas. Será que vamos ter que ficar lá todo esse tempo?

— Espero que não. — Deu uma risadinha.

— Você não teve medo de ficar aqui sozinha ontem à noite? — perguntou Bill, parecendo preocupado.

De repente, Carry ficou muito interessada em dar o mingau a Paul.

— Não, foi tudo bem. — Acho que aquela não era a ocasião de contar que não passara toda a noite sozinha.

— E Paul, se comportou?

— Oh, bem. — Contou o novo meio que descobrira para fazer o bebê dormir.

— Vou dizer isso a Marilyn. Espero que dê certo conosco também. Será que pode fazer o favor de arrumar as coisas de Paul, enquanto faço nossas malas? Acho que ainda tem algum tempo antes de ir se vestir para trabalhar.

— Nossa! — assustou-se Carry. — Até tinha me esquecido!

— Bem, pelo que andei descobrindo da Spencer Plastics, não vai precisar trabalhar nem mais um dia, se não quiser. E mais: tenho que concordar com sua opinião sobre sir Charles. Nunca vi homem mais esnobe. Mas quase caiu aos meus pés, quando soube que eu era o seu advogado. — Bill sorriu. — Você precisava ver meu ar de importância. ,

— Fez muito bem! — Tirou Paul do cadeirão e levou-o para o banheiro. Bill ajudou-a a lavar as mãozinhas e o rosto do bebê.

— Estou fazendo um relatório para você ficar a par de tudo, Carry, mas acho que esse enfarte do Ted vai atrasar um pouco as coisas. Agora que vou ficar tão longe do escritório...

— Não se preocupe, Bill. Ainda temos três semanas até a reunião dos acionistas. Será que até lá o relatório estará pronto?

— Olhe, como só há três acionistas, você, sir Charles e a irmã, podemos pensar num adiamento. Não gostaria de ver você entrando lá sem todas as informações.

— Por mim, quanto mais tempo ficar sem ver a cara de sir Charles, melhor. Se você cuidar da transferência da reunião...

— Pode deixar comigo. Assim será melhor. E, quando for à reunião, eu posso ir junto, como seu assessor.

— Obrigada, Bill. Agora, vamos vestir este mocinho e fazer sua mala. — Beijou a testa de Paul. — Vai ficar com a vovó, boneco.

— Mas não por muito tempo, se Deus quiser — resmungou Bill, entrando no quarto.

Carry procurou animá-lo com um sorriso alegre, mas toda sua falsa alegria sumiu ao vê-lo afastar-se com Paul sentado na cadeirinha no banco de trás do automóvel. Ia se sentir muito solitária sabendo que Marilyn e o marido não estariam no apartamento ao lado se precisasse deles.

Chegou na agência de publicidade em que trabalhava em cima da hora. Teve uma manhã tão cheia que não encontrou tempo para ligar para Logan. A atividade ali às vezes chegava a ser frenética.

— Você está abatida — disse seu chefe, quando ela saiu para almoçar. — Grandes farras?

Já estava habituada a suas brincadeiras e, como sempre, respondeu com uma tirada espirituosa.

Ao voltar do almoço, afundou na cadeira com um suspiro. A noite mal-dormida já começava a se fazer sentir. Mas agora não era hora de desmaiar de exaustão. Seu chefe ainda não chegara e essa seria a ocasião perfeita para ligar para Logan Carrington. Foi fácil encontrar o número da companhia na lista, mas não tão simples falar com Logan. Ele tinha razão: sua secretária era muito competente. Tão competente que se negou terminantemente a passar a ligação para a sala dele, anotando apenas seu nome e telefone.

"E agora?", pensou Carry aborrecida. Bem, se ele estivesse mesmo interessado, perceberia que seu chamado era um sinal de que queria se desculpar.

Não houve qualquer telefonema durante a tarde. À medida que o tempo passava, Carry ficava cada vez mais deprimida. Disse várias vezes a si mesma que era só porque não gostava de estar em maus termos com ninguém, mas no fundo sabia que o verdadeiro motivo não era esse. Logan Carrington a impressionara muito.

Às cinco horas, reuniu toda a coragem e telefonou de novo. A secretária respondeu que Logan não estava no escritório e que tinha lhe dado o recado antes de ele sair.

Então, era isso? Logan sabia que ela havia ligado e não se importara em chamá-la de volta. Não podia fazer mais nada.

Passou o resto da tarde trabalhando com gestos cansados e pesados. Sua exaustão não era mais só física. Gostava de Logan, gostava muito, e imaginava que ele também sentia algo diferente por ela. Estava errada, é claro. Mas ele não precisava desaparecer apenas por uma simples troca de palavras mais ásperas.

— Bem, é isso. — Mike recostou-se na cadeira com um suspiro. — Pode datilografar o relatório amanhã de manhã, Carry.

— Certo. — Mal tinha energia para falar.

— Acho que vai chegar atrasada ao seu encontro por minha causa — disse, olhando para o relógio.

— Não tenho encontro nenhum.

— Claro que tem.

— Não que eu saiba.

— Oh, diabos! — Mike exclamou começando a mexer nos papéis espalhados em sua mesa. — Anotei o recado quando você saiu para almoçar. Desculpe, esqueci completamente.

Ela apanhou o papel e leu, avidamente.

— Aqui só diz oito horas, Roberto's.

— Bem, foi o que o homem disse. — Mike encolheu os ombros. — Parecia estar com pressa e me pediu para lhe dar o recado porque não ia poder ligar de novo.

— Quem é ele, Mike? — perguntou, ansiosa, querendo se certificar ao máximo antes de começar a dar gritos de alegria.

— Ah, pensei que você soubesse e não me preocupei em anotar o nome.

— Oh, Mike, por favor, tente se lembrar. — Havia a possibilidade de estar errada. Não queria comemorar até estar absolutamente segura. E se o recado fosse de Donald?

Mike fez um ar pensativo.

— Hummmm. Parece que começava com um M. Malcolm? Morgan? Não, agora me lembro. — Sorriu. — Logan. Conhece?

— Oh, sim! — Levantou-se de um salto e abraçou-o. — Obrigada, Mike. Oh, muito obrigada! — Logan tinha telefonado. Tinha telefonado!

— Ele é especial, hein?

— Pode vir a ser, admitiu timidamente. — Se a gente parar de discutir.

— Hum, ele me pareceu meio mandão.

— E é.

— E você não é nenhum anjinho, moça. — Mike deu uma risadinha. — Carry, detesto ter que interromper seu êxtase, mas já são quase sete horas e, pelo que me lembro, o Roberto's fica do outro lado da cidade.

— Meu Deus, é mesmo! E ainda tenho que ir para casa para trocar de roupa. Nunca vou chegar a tempo.

— Claro que vai. Agora acalme-se e vá para casa sem correrias. Cuidado com o trânsito. Eu ligo para o Roberto's e digo a esse tal de Logan que você vai chegar um pouco arrasada porque precisou ficar trabalhando até mais tarde.

— Oh, Mike, você faz mesmo isso?

— Claro. Afinal, a culpa foi minha. Agora vamos, dê o fora... e tome cuidado.

— Sim, senhor! — Carry saiu correndo.

O trânsito estava terrível e os faróis pareciam dispostos a lutar contra ela. Parou em vários cruzamentos, tamborilando no volante até o sinal ficar verde. Ao chegar em casa, descobriu que o elevador estava enguiçado e teve que subir os seis andares a pé. Estava saindo do chuveiro, quando o telefone tocou. Era Marilyn, e não pôde deixar de conversar com ela por uns dez minutos, acalmando-a e ouvindo os detalhes da doença de seu pai.

Ao pegar o vestido novo que pretendia usar, viu que estava com uma mancha na saia. Só lhe restava vestir o mesmo que usara na noite em que conhecera Logan. Quando terminou de se arrumar, olhou-se rapidamente no espelho, insatisfeita com sua aparência. Mas já eram oito e quinze, Logan não esperaria para sempre.

Mais uma vez, tudo parecia conspirar contra ela. O elevador, os faróis, a velhinha atravessando a rua sossegadamente como se não tivesse nada melhor a fazer na vida...

Chegou no restaurante em pânico, certa de que Logan já tinha desistido. Eram quase nove horas, e ele não era do tipo de ficar esperando indefinidamente por uma mulher, ainda mais por uma que lhe havia dito alguns desaforos na noite anterior.

O porteiro uniformizado, muito correto e formal, veio recebê-la.

— Posso ajudá-la, senhorita?

— Eu... estou um pouco atrasada, mas acho... acho que o Sr. Carrington deve estar me esperando...

— Sr. Carrington? — Os modos altivos se transformaram em deferência. — Sr. Logan Carrington?

— Sim. Mas como estou...

— É a srta. Day?

— Sim. — Carry arregalou os olhos.

— O Sr. Carrington nos avisou para esperá-la e levá-la ao bar.

O porteiro usava o "nós" como se fosse da realeza, pensou, impressionada com tanta pose.

— Então ele ainda não foi embora? — perguntou, ansiosa.

— O Sr. Carrington? — O homem franziu a testa. — Entendi que iam jantar aqui.

— Oh, e vamos! Mas... Não faz mal. Acho que é melhor eu entrar.

— Claro, srta. Day.

Felizmente, ela estava usando seu melhor vestido. Toda a elite de Londres parecia estar reunida no restaurante. Mulheres cobertas de jóias circulavam pelo saguão acompanhadas de homens elegantemente vestidos, fumando charutos com gestos altivos e seguros.

Quando o. viu, todos os diamantes e exibições de riqueza sumiram como por encanto. Logan levantou-se do bar e veio em sua direção, mais atraente do que nunca.

— Carry! — Estendeu as duas mãos. Havia carinho no seu olhar.

— Logan... Mal conseguiu falar, enfeitiçada, certa de que estava se apaixonando por aquele homem. Corou com a confusão de seus pensamentos. — Desculpe o atraso. Mike me disse que ligaria...

— E ligou.

— Foi um desastre. Ele se esqueceu de me dar o seu recado, o trânsito estava terrível, o elevador parado, Marilyn...

— Psiu. — Logan tocou seus lábios com a ponta dos dedos. — Você chegou, e isso é tudo que importa.

— Sim — concordou, rouca, sabendo que era verdade e imaginando se Logan também estava consciente do encantamento que parecia envolvê-los.

 

Olharam-se nos olhos por um minuto interminável, como se estivessem parados no tempo. Foi Logan que finalmente quebrou o encanto.

— Está pronta para jantar? Ou você gostaria de tomar um aperitivo primeiro? — Falou num tom quase ríspido, talvez tão intrigado quanto Carry pelo que acontecia entre eles. — Acho que devo avisar que já passei uma hora no bar — acrescentou, com um sorriso brincalhão.

Ela deu uma risada e a atmosfera ficou mais leve.

— Então, é melhor jantarmos. Não ficaria bem sermos expulsos de um lugar como este por bebedeira e mau comportamento.

Logan tocou seu braço.

— Não estou bêbado. Pelo menos, não de álcool. Você compreende?

— Sim. — Engoliu em seco, compreendendo perfeitamente.

Logan passou o braço por sua cintura, puxando-a para si.

— Vamos para o restaurante.

Carry o olhava com adoração, enquanto ele escolhia os pratos.

— E como está o pai da sua amiga? — perguntou Logan, assim que o garçom se afastou.

Sua gentileza a enterneceu, Era um homem ocupado, que devia ter um mundo de coisas em que pensar, e ainda assim não se esquecera.

— Bem melhor. Esse foi um dos motivos do meu atraso. Marilyn ligou assim que cheguei em casa e...

Logan riu baixinho e segurou sua mão por cima da mesa.

— Tudo conspirou contra você, não foi?

— Foi. — Carry também sorriu e depois ficou muito séria. — Quero me desculpar por ontem à noite. Sim — insistiu, quando Logan balançou a cabeça.

— Não — disse ele, com firmeza. — Sou eu que tenho que me desculpar. Tenho ouvido tantas críticas de pessoas que me chamam de capitalista e parecem se ressentir por eu ter dinheiro, que acho que exagerei. Descarreguei minha irritação em você.

— Não...

— Sim. E também quero me desculpar por não ter ido buscá-la esta noite. Uma crise de família me obrigou a sair da cidade e só voltei muito tarde.

— Sua mãe?

— Não, ela está bem. Foram os outros, os que só me causam problemas. Vamos mudar de assunto. Fico com raiva só de falar neles.

— E já se conformou em sair com uma moça de vinte e dois anos? — perguntou Carry, com um sorrisinho.

— Agora, eu não a trocaria por nada. — Logan apertou sua mão. — Olhe, também quero me desculpar pela atitude da minha secretária, não passando sua ligação para mim hoje.

— Foi compreensível. Ela não sabia quem eu era e...

— Mas agora já sabe. — Fez uma expressão dura. — De hoje em diante, seus telefonemas serão passados para mim no mesmo instante.

— O que o faz pensar que vou ligar para você outras vezes? — perguntou, num tom brincalhão.

 

— Está intimada! Vai ter que me ligar todos os dias.

O coração de Carry deu um salto de alegria.

— Meu chefe não vai gostar — brincou.

— Nesse caso, ligo eu.

— E do que vamos falar todos os dias?

— Sobre as noites que vamos passar juntos.

— Logan! — Ela deu uma risada. — Não pode me telefonar todos os dias e ainda querer me ver todas as noites.

— Quem disse que não?

— Bem...

— Não vou perder você, Carry — falou com grande seriedade. — Soube que havia algo de diferente em você no primeiro instante em que a vi. Quero explorar esse algo especial em todos os detalhes.

— Será um prazer.

O resto da noite passou numa confusão de encantamento. Conversaram sobre mil coisas. Quando estavam no carro, de volta, já haviam descoberto gostos parecidos em livros e música, e um entusiasmo comum pelo balé.

— Geralmente vou com minha mãe quando ela está na cidade — disse Logan, ao levá-la para casa. — Um dia iremos os três. — Fez um ar pensativo. — A temporada de balé deve começar no mês que vem.

Carry surpreendeu-se ao ouvi-lo falar em levá-la com a mãe. Para um homem da idade de Logan, isso significava que pensava nela com seriedade. Oh, esperava que fosse verdade!

—... acha que assim estará bem? — ele perguntou.

— Hã... desculpe. — Estava tão absorta em seus pensamentos que não ouvira uma só palavra do que ele estava dizendo.

— Dorminhoca! — brincou Logan, com um sorriso carinhoso. — Disse que minha mãe adora O Lago dos Cisnes e que nunca perde uma apresentação. Que tal eu comprar os ingressos?

— Para quando?

— Daqui a algumas semanas. É sempre bom fazer as reservas com antecedência. Por quê?

— Estava só imaginando se ainda estaremos saindo juntos até lá. — Lançou-lhe um olhar brincalhão. — Lembro de um artigo sobre você numa revista, que dizia que suas namoradas só duram em média um mês.

Logan deu uma risadinha maliciosa.

— Agora que estou mais maduro, essa média subiu para dois meses.

— Nesse caso, pode comprar as entradas. Acho que vou ter tempo!

— Não consigo esperar a hora de chegarmos ao seu apartamento — murmurou ele.

— Por quê? Está ansioso para se livrar de mim?

— Não.

— Então... Oh! — Corou enquanto seu olhar a acariciava. — Entendo.

— Mesmo?

— Você gosta de brincar comigo!

— Bem...

— O que é justo é justo. E gosto das suas brincadeiras. Só que dessa vez você está enganada.

— Enganada?

— Vai ficar na minha vida muito mais do que dois meses. — Logan tirou a mão do volante para apertar a dela.

— Será? — perguntou Carry, quase sem fôlego.

— Sabe que é verdade.

— Talvez eu precise... ser convencida.

— Talvez eu pretenda... convencê-la. É por isso que não vejo a hora de chegarmos ao seu apartamento.

Estava corada de excitação, quando Logan estacionou na frente do prédio. Desanimou, porém, ao ver a placa "Não Funciona" pendurada na porta do elevador.

— Eu devia ter imaginado que ninguém viria consertar ainda hoje.

— Preguiçosa! Pense nos coitados que moram nos andares de cima.

— E mesmo. Há quinze andares ao todo. Que horror!

Começaram a subir a escada. Ao chegarem no sexto, Logan parecia disposto a enfrentar o dobro da subida, enquanto Carry estava quase perdendo o fôlego.

— Você está fora de forma — caçoou ele. Tirou a chave das mãos dela, abriu a porta e procurou o interruptor. — Hum, muito bonito — comentou, ao ver a sala bem arrumada e aconchegante.

— Obrigada. — Carry ligou a lareira elétrica, — E não estou fora de forma. Tive um dia exaustivo e já subi e desci duas vezes hoje.

— Então, nada melhor do que descansar — sorriu puxando-a delicadamente para o sofá ao lado dele.

— Quer um pouco de café? Ou uma bebida? Ou...

— Você?

Ela engoliu em seco.

— Não, eu não. Já lhe disse, sempre durmo sozinha.

— E eu ouvi. — Sua voz endureceu. — E respeito seu modo de pensar, Não estava pensando em levá-la para cama. — Logan levantou-se rápido e Carry estendeu a mão para ele.

— Desculpe...

— Sei que tenho má fama. — Começou a andar pela sala. — Mas nunca encontrei ninguém como você. Sabe que nem consegui dormir quando saí daqui ontem? — perguntou, a voz saindo áspera.

— Nem eu.

— E faz tão pouco tempo que a conheço! — Tomou-a nos braços. — Mas nunca senti por outra mulher o que estou sentindo agora. Você percebeu?

— Sim.

Logan franziu a testa e sacudiu a cabeça.

— Não consigo entender.

— E precisa? — Carry tocou de leve seu queixo tenso. Compreendia que devia estar estranhando os próprios sentimentos.

— Há uma semana, eu nem mesmo a conhecia e agora tenho que reconhecer que minha vida era completamente vazia sem você.

— Não era vazia, Logan. Você tinha outros interesses, amigas...

— Sim, muitas amigas. Amigas de sexo. Isso a incomoda?

— Ninguém pode modificar o que já viveu. Para que alimentar sentimentos de culpa, se você vivia feliz?

— Outra citação do seu tal amigo? — perguntou ele, muito sério.

— Por quê?

— São palavras de quem já viveu muito.

— É verdade. Ele era muito mais velho do que eu e o mais sábio, o mais gentil...

— Cuidado, ou vou ficar com ciúme — interrompeu Logan, com um ar severo.

— Não é preciso. Ele está morto e não pode lhe causar nenhum mal.

— Lamento. — Seu pesar foi verdadeiro.

— Eu também. — Mordeu o lábio. — Um dia eu lhe falarei sobre ele.

— A ferida ainda é muito recente, não?

Ela não teria chamado aquilo de ferida. Era uma perda muito profunda. Mas Logan estava certo: ainda era cedo para falar de Jeff sem sofrimento.

— Me dê um beijo — pediu, baixinho.

— É o que pretendo fazer. E muito bem-feito. De fato, estou ansioso por isso.

— É mesmo?

— E você, não está?

Ela não precisava responder. Durante todo o jantar e o trajeto até sua casa, a tensão sensual tinha crescido a cada momento.

Quando seus lábios se encontraram, Carry sentiu-se como se tivesse chegado a um porto seguro depois de uma longa viagem: como se encontrasse sua outra metade.

— Carry, Carry — murmurou Logan, por entre beijos. Acariciou sua nuca e depois soltou o fecho do vestido frente-única. O tecido sedoso deslizou até a cintura dela, expondo seus seios firmes, que começaram a pulsar ao toque daquelas mãos experientes.

— Oh, Logan! — gemeu, quando seus lábios macios começaram uma longa exploração dos bicos rosados e os dedos ligeiros percorreram suas costas numa carícia embriagadora.

— Carry, isso pode ser loucura, mas acho que estou me apaixonando por você.

— Só acha?

— Depois de trinta e cinco anos, não tenho certeza de que seria capaz de reconhecer o amor, mesmo que ele me atingisse no meio da cara. — Falava sem parar de beijá-la, os lábios colados a seu corpo. — Mas sei que nunca me senti atraído assim por ninguém. E que não consigo pensar em mais nada quando estou longe de você.

— Isso é mais do que suficiente. — Carry acariciou suas têmporas, notando carinhosamente alguns fios de cabelos brancos.

Logan levantou a cabeça para olhá-la nos olhos.

— Tem certeza?

— Sim. — Beijou-o no rosto. — Temos tempo, Logan, muito tempo.

— Sim... — Sua boca tomou a dela com ardor renovado.

Carry correspondeu sem reservas. Sabia que aquele era o homem que amava, com quem queria ficar a vida toda.

Tirou o paletó e desabotoou a camisa, até suas peles quentes se encontrarem num longo abraço. Tudo acontecia de um modo tão bonito, tão natural, que ela não tinha nenhum pensamento de negação, só um prazer crescente, um desejo que era quase dor.

Logan estava tão perturbado quanto ela. Estremecia de paixão enquanto beijava seu pescoço e seios, a respiração entrecortada, os quadris pulsando contra os dela.

— Chega. — Afastou-a com um gemido.

— Logan... — Carry tentou puxá-lo para ela.

— Não, querida. — Fechou os olhos, tentando se controlar. — Uma vez na vida vou fazer isso direito. Não sou nenhum santo — disse, passando os dedos pelos cabelos despenteados. — De fato, estou muito longe disso, mas dessa vez não quero apressar as coisas. Como você mesma disse, temos muito tempo.

Carry sentiu-se de repente confusa e envergonhada. Começou a prender o vestido na nuca, mas o fecho se embaraçou, nos cabelos.

— Deixe eu ajudar — Seus dedos a tocaram de um modo impessoal.

Ela tremia. Não era bastante vivida para lidar com tanta facilidade com o desapontamento sexual. Logan a fez virar delicadamente para olhá-la e seus olhos se anuviaram quando viu as lágrimas.

— Querida, não chore. — Abraçou-a com ternura, enquanto acariciava seus cabelos. — Não chore!

— Eu... eu...

— Sei, querida — disse, baixinho. — Sinto muito, mas não quero estragar tudo entre nós. — Tomou seu rosto entre as mãos. — Você me perdoa?

Perdoá-lo por não fazer amor com ela? Devia agradecer por isso! Estivera a ponto de se entregar, completamente perdida em seu amor por esse homem. Mas, ainda assim, não sentia vontade de agradecer. Seu corpo ainda gritava por ele.

— Carry?

— Não há o que perdoar — disse, com um suspiro trêmulo. — Eu devia estar aliviada por você ter dito não...

— Eu não disse não. Só disse ainda não.

— Sim. — Ajeitou a saia do vestido. — Quer um pouco de café agora?

— Não, obrigado. — Logan abotoou a camisa e vestiu o paletó. — Tenho que ir. Almoça comigo amanhã?

— Eu...

— Assim não preciso telefonar e posso ficar contando as horas.

— Não posso sair todos os dias para almoçar e jantar. — Carry sorriu. Sentia-se contente por Logan controlar a situação. Sabia que ele estava certo. — Vou engordar!

— Pode engordar o quanto quiser, que continuará perfeita. — Pegou suas mãos. — Por favor, almoce comigo. Não vou conseguir esperar até a noite para ver você.

— Está bem. — Ela sentia a mesma coisa. — Mas não vamos sair para jantar também, ou acabarei ficando uma bola. Venha para cá de noite, farei alguma coisa leve e...

— Não acho que seja uma boa idéia.

— Oh, Logan!

— Temos que nos encontrar em terreno neutro. Só assim conseguirei agüentar. Podemos ir a uma boate, beber alguma coisa, dançarmos um pouco...

— Dançar?

— Sim. Acho que posso confiar o bastante em mim pelo menos para isso.

— Espero que não — ela brincou.

— Carry... — Deu uma risada. — Você não é de nenhuma ajuda para o meu autocontrole!

— Nem você para o meu!

— Almoço — disse decidido. — Sei onde você trabalha, e vou buscá-la.

Nas duas semanas seguintes, Logan telefonou diariamente, indo apanhá-la todas as noites para uma boate, um teatro ou jantar. Continuou a tratá-la com um charme tranqüilo, que parecia ser seu natural, mantendo um firme controle das emoções.

Em meados da segunda semana, Bill ligou para avisar que tinha conseguido adiar a reunião dos acionistas para depois do Ano-novo.

Sir Charles não gostou muito da idéia — acrescentou, com satisfação.

— Coitadinho! — disse Carry, com ironia.

— Foi o que pensei. — Bill deu uma risada. — E o pobre homem está no maior azedume porque você não quis mais sair com seu filho.

— Graças a Deus!

— Pelo que Marilyn me disse, ele não era exatamente o homem do ano. Mas sir Charles não se conforma de ver seus planos indo por água abaixo.

— Belo plano! Me fazer casar com o filho. Nunca vi nada tão antiquado!

— A propósito, faz três noites que estou tentando ligar para você. O que foi, arranjou um namorado?

— Para falar a verdade, sim.

— Que bom! — Pareceu sinceramente satisfeito. — Temos estado preocupados com você desde a morte de Jeff.

— Sei disso — disse, comovida. — Eu... eu encontrei alguém, Bill, e... bem... ele é maravilhoso.

— Sensacional! Espere até eu contar para Marilyn.

Carry sabia que a amiga ia ficar tão contente como o marido. Piscou para afastar as lágrimas. Não sabia como agradecer por todo o carinho que tinham lhe dado durante a doença da mãe e também depois da morte de Jeff.

— Quando voltarem, farei um jantar para apresentá-lo a vocês.

— Você vai cozinhar? O caso deve ser mesmo muito sério! — brincou Bill.

Carry também riu. Todos que a conheciam sabiam como detestava cozinhar, principalmente depois que ficara sozinha.

— Será uma ocasião especial.

— Tem que ser, mesmo!

— Bill... — Fez um tom de ameaça.

— Está bem, está bem. — Ele deu uma risada. — Olhe, Ted já está se recuperando, embora o processo seja demorado. Mas acho que logo estaremos em casa. Marilyn não agüenta ficar na cozinha com a mãe. E Paul está ficando mimado demais.

— Parece que vocês estão se divertindo.

— Oh, claro!

— Mas é uma boa notícia saber que Ted está melhor.

— Bem, ligo de novo na semana que vem. Pode ser que eu lhe dê o relatório como presente de Natal.

— Obrigada, Bill. E, falando em Natal...

— Acho que ainda não teremos voltado, Carry — disse ele, com pesar. — Quem sabe, você passará com seu amigo.

Ela não se atrevia a sonhar tão alto. Ainda faltavam três semanas, apesar de que a idéia de passar o Natal com Logan a enchesse de uma carinhosa antecipação.

— Pode ser. Mesmo assim, sentirei falta de Paul.

— Obrigado por se lembrar de nós...

— Oh, Bill, não quis dizer isso!

— Eu sei, sua boba. Bem, tenho que desligar. Agora que Marilyn está mais tranqüila, vai telefonar para você um dia desses. Se conseguir encontrá-la em casa!

— Geralmente não saio antes das oito. Como volto do trabalho às seis, vocês têm duas horas.

— Eu estava só brincando, Carry. Mas diga ao seu namorado que é um homem de sorte.

Logan sorriu ao ouvir o recado de Bill naquela noite. — Eu já sabia.

— Lisonjeador!

— Nada disso. E gostarei muito de passar o Natal com você — acrescentou Logan, com sinceridade.

A felicidade iluminou o rosto dela, mas desapareceu pouco depois.

— Você não vai ficar com sua mãe?

— Se ela estiver de volta até lá, passaremos os três juntos.

— Ela está fora? — perguntou Carry, tomando um gole de vinho.

— Está. Ela me ligou hoje de tarde para dizer que ia viajar para se afastar da família.

— É você que anda causando problemas?

— Não. — Deu uma risada. — Minha mãe é sócia do meu tio e ultimamente ele anda perturbando demais. Sou muito ocupado e não encontro tempo para livrar mamãe das maquinações do velho. De qualquer modo, ela resolveu ficar algumas semanas na Suíça, em casa de amigos. É possível que volte para o Natal, mas não tenho certeza.

— Então, isso significa que o balé está cancelado. — Carry escondeu a decepção que sentia. A perspectiva de ser apresentada à mãe de Logan representava a certeza de uma estabilidade naquele relacionamento.

— Não, eu vou levar você! Até já comprei as entradas.

Ela não se importava em ver o balé; o que realmente importava era conhecer a mãe dele.

— Que bom — disse, com um suspiro.

— Não parece muito entusiasmada — comentou, intrigado.

— Mas estou! — Sorriu, afastando a sensação de desapontamento. Que bobagem ficar preocupada com aquilo! Afinal, ele a convidara para passar o Natal com a mãe. Isso tinha um significado ainda maior.

Porém, a sra. Carrington não parecia muito ansiosa para voltar à Inglaterra, e, dois dias antes do Natal, Logan ainda não tinha notícias dela.

— Isso não é fora do comum — explicava a Carry. — Não seria a primeira vez que inventa umas férias inesperadas para se afastar do meu tio. Mas nós dois vamos passar o Natal juntos.

— Na sua casa ou na minha? — perguntou ela, com um olhar cauteloso. Até agora, não tinha tido a oportunidade de conhecer o apartamento de Logan. Estavam mantendo a decisão de só se encontrarem em terreno neutro, mas não poderiam passar o Natal num restaurante ou boate.

Ele riu.

— Agora estamos com um problema, não é? Espero que minha mãe volte logo.

— Eu...

— Logan, querido'. — exclamou uma voz sedutora de mulher. — Que bom ver você de novo! Tem estado sumido ultimamente, querido. O que é; virou um ser anti-social?

Carry levantou a cabeça e deparou com a mulher mais linda que já vira, os cabelos ruivos e encaracolados caindo em cascata sobre seus ombros. Era Danielle, com quem Logan tinha terminado ao conhecê-la.

A modelo era bem alta e usava um vestido decotado que deixava exposta uma grande parte do corpo bem-feito, isso sem qualquer traço de vulgaridade, com muito estilo. Carry ficou surpresa com a dureza dos olhos azuis, que só mudavam de expressão quando se voltavam para Logan.

Ele, que havia se levantado, parecia tenso.

— Não vai nos apresentar, querido? — A modelo virou-se para Carry.

Logan fez as apresentações de má vontade. Obviamente, não estava satisfeito com a interrupção da ex-namorada. Carry teve a impressão de que ele era daqueles homens que, quando terminavam um caso, era para sempre. Estremeceu ao pensar que um dia seu romance podia acabar do mesmo modo.

— Está sozinha, Danielle? — perguntou Logan, educadamente, apesar de haver um tom gelado em sua voz.

— Imagine! David foi buscar meu casaco. Aquele vison que você me deu, querido.

— Sei. — O tom ficou ainda mais gelado.

Carry começou a sentir pena de Danielle, apesar de todo seu charme e beleza. A mulher não se conformava com a separação.

— Você sempre teve um excelente gosto, querido.

— Quase sempre — murmurou Logan.

— E o que Carry faz na vida? — perguntou Danielle, os olhos azuis brilhando como aço. — É sua última... modelo?

Logan manteve a calma.

— Carry é secretária.

— Oh, é mesmo? — Danielle ergueu as sobrancelhas perfeitas. — É uma diferença. Ah, sim, estou me lembrando agora... Jenny não está mais com você. Estranho, nunca imaginei que era do tipo de ficar dando em cima de suas secretárias.

— Carry não é minha secretária, Danielle. — Ele parecia a ponto de esquecer a boa educação,

— Que pena... ela parece eficiente. Você já lhe comprou um casaco de peles?

— Danielle...

— E diamantes. Não se esqueça dos diamantes, querido. Você também tem um excelente gosto para escolher jóias.

— Danielle...

— Estou falando demais, querido?

Logan estava quase explodindo de raiva.

— Só pensei que sua amiguinha... Meu Deus, você é bem jovem, não?

— Danielle olhou para Carry com desprezo. — Oh, bem, acho que sabe o que está fazendo, não é, menina? — Seu olhar voltou-se para Logan. — Só pensei que ela devia ficar sabendo como você age, como gosta da caçada, de fazer tudo para conquistar uma mulher, até ela estar a seus pés... e na sua cama... para depois trocá-la pela primeira novidade que aparece. É assim, não é Logan?

— Acho que você já falou demais...

— Tem razão. — Danielle deu um sorriso brilhante. — Bom apetite. — E afastou-se com um requebrado exagerado dos quadris bem-feitos.

Logan estava furioso, mas Carry, estranhamente, mantinha-se calma.

Pobre Danielle! Ainda devia gostar muito dele para agredi-los daquele modo. Entendia o que devia estar sentindo.

Logan continuava em pé. Seus olhos brilhavam perigosamente e sua boca se transformara numa linha tensa.

— Vamos sair daqui — disse, áspero, pegando a mão dela.

— Mas ainda não jantamos!

— Você está com fome? — perguntou, impaciente.

— Bem, eu... Sim. — Podia parecer prosaico demais, mas era verdade. Carry só tomara um lanche na hora do almoço e seu estômago protestava.

— Comeremos no meu apartamento... Tenho certeza de que minha empregada pode fazer alguma coisa, mesmo sem ser avisada com antecedência.

— Mas, Logan...

— Sei que eu disse que devíamos evitar situações perigosas, mas preciso falar com você e não pode ser aqui. — Passou a mão pelos cabelos escuros. — Quer vir comigo?

Carry não se opôs, satisfeita com a idéia de conhecer o apartamento dele. Também estava contente em ter oportunidade de ficarem sozinhos. Fiel às restrições que tinha se imposto desde aquela noite na casa dela, Logan não permitiria que as carícias entre os dois passassem de um longo beijo de boa-noite.

O apartamento era muito bonito, com uma elegância e estilo que refletiam a personalidade do dono. A sala tinha dois níveis, e as poltronas e o sofá, em tons de marrom e laranja, pareciam afundados no assoalho.

Logan acabara de convidá-la a sentar, quando a empregada apareceu. Era uma senhora de meia-idade que nem piscou ao receber a ordem de preparar um jantar para dois, como se estivesse habituada a essas surpresas.

Quando ficaram sozinhos, ele começou a andar pela sala, dando vazão à sua fúria.

— Deus, eu poderia estrangular aquela mulher!

— Logan, por favor...

— Não faz mal, eu compreendo. Afinal, vocês foram íntimos...

— Danielle comportou-se de uma forma abominável!

— Íntimos demais, infelizmente!

— Vocês tiveram a intimidade que eu gostaria de ter — insistiu, olhando-o diretamente nos olhos. — Compreende, Logan?

— Não!

— Não quer fazer amor comigo? — ela deixou as palavras saírem de sua boca.

Ele veio sentar ao lado dela.

— É o que mais quero. — Acho que morrerei se tiver que esperar muito para ver seu rosto junto ao meu de manhã. Não vejo a hora de poder sair de casa com a lembrança das nossas noites de amor para me sustentar até a volta do trabalho.

O pulso de Carry se acelerou e a cor começou a tomar conta de suas faces.

— É o que também quero.

— Não...

— Mas é a pura verdade!

— Não terminei o que tenho que dizer. — Logan fez uma careta. — O que estou tentando falar, e de muito mau jeito, é que não quero ter só um caso com você. Quero mais, muito mais. Quero-a ao meu lado pelo resto da minha vida, Carry.

— Logan...

Ele respirou fundo.

— Quero me casar com você, querida.

 

— Querida? — Logan a examinava com ansiedade, vendo seus olhos surpresos.

Carry engoliu em seco.

— Mas você não é de casar. Nunca...

— Com você, eu caso. — Segurou suas mãos e começou a acariciá-las, trazendo nova vida aos dedos gelados. — Carry, eu te amo, case comigo.

Falava com tanto empenho, com tanta sinceridade, que ela não pôde mais duvidar.

— Mas nós mal nos conhecemos...

— Soube que a amava no primeiro instante em que a vi. Percebi logo que era tão inteligente quanto bonita. Levei algum tempo para admitir o que sentia, mas, depois desta noite... Não quero mais que você seja vítima de grosserias como as de Danielle. Você é especial, não é uma a mais que quero levar para a cama. Acredita em mim, meu bem?

Ela nunca duvidara de que tinha um significado especial para Logan: as restrições que ele impusera ao relacionamento mostravam que a respeitava. Mas... casamento! Isso nunca lhe ocorrera, nem mesmo nos sonhos mais desvairados.

— Carry?

Ela olhou para seu rosto pálido e tenso, percebendo a inquietação que dominava enquanto esperava pela resposta.

— Logan, eu...

— Pelo amor de Deus, não me recuse. Não faz idéia do quanto preciso de você.

— Só uma tola o recusaria, Logan. — Sorriu. — E acho que não sou nenhuma tola.

— Isso significa que sua resposta é... sim? Tem certeza?

— Não fique tão surpreso! — Os olhos de Carry brilhavam de felicidade. — Eu te amo também, sabe?

— Verdade?

— Claro. — Riu do seu ar de espanto.

— Oh, Carry! — Tomou-a nos braços e começou a beijar seu rosto e pescoço. — Tive medo de que dissesse não.

Carry tocou seu rosto com dedos amorosos.

— Sou sua, Logan. Só sua. Pensei que já soubesse disso.

— Oh, Carry, você é tão jovem e eu...

— O jantar está pronto, senhor... oh! — A sra. Brown estava parada na porta, muito corada. — Desculpe interromper, senhor. — Seu olhar era reprovador.

— Estaremos na sala em dez minutos, sra. Brown — informou Logan.

— Sim, senhor.

— Oh, Logan! — Carry aninhou-se em seus braços. — A pobre mulher ficou escandalizada! .

— Maldita sra. Brown! Agora só tenho dez minutos para demonstrar todo o meu amor.

— Então, é melhor não perder tempo, não é?

— Acho que vou gostar muito de estar casado com você.

— Espero que sim, porque não pretendo dividir você com ninguém.

— Duvido que eu tenha tempo para isso — murmurou Logan, a boca colada em seus cabelos.

— Vou tomar minhas providências.

— Não será preciso. — Tomou seus lábios num beijo exigente e possessivo.

Quando entraram na sala de jantar, dez minutos depois, Carry estava muito corada e recebeu outro olhar de desaprovação da sra. Brown.

— Acho melhor você dizer a ela que vamos nos casar — falou, quando a mulher se afastou. — Assim, talvez pare de me olhar como se fosse mais uma das suas amiguinhas.

— Não. Quero que minha mãe seja a primeira a saber. Não vejo a hora de ela chegar da Suíça.

Era muito tarde quando Logan foi levá-la em casa. Tinham ficado conversando, fazendo planos. Uma coisa ficara bem clara para Carry: ele queria fazê-la sua esposa o mais depressa possível. Não tinha intenção de esperar mais do que até o Ano-novo.

— Você quer entrar? — perguntou, quando chegaram ao seu apartamento.

— E melhor não. Sou muito vulnerável.

— Você?

— Sou, sim, sua danadinha. Agora, corra para dentro, antes que eu mude de idéia.

— Bem que eu gostaria que mudasse. — Fez uma carinha de desapontamento.

— Quero apresentá-la à minha mãe sem culpa — disse Logan, com um ar severo. — Ela não é boba e sabe que tipo de vida tenho levado. Quero que perceba desde o início que com você é diferente.

Carry ficou comovida com aquele desejo de protegê-la. Devolveu o beijo de boa-noite de Logan com um ardor que deixou a ambos quase sem respiração.

— Amanhã à noite? — ele murmurou.

— Oh, sim.

— Será a véspera de Natal. O que será que você vai ganhar de Papai Noel?

— Que tal você?

— Oh, mas eu já sou seu. — Deu uma risadinha. — Tenho estado embrulhado em papel de presente e pronto para ir para a árvore desde que a conheci.

— Bem, você é tudo que quero. Por isso, Papai Noel pode me esquecer este ano.

Carry nunca se sentira tão feliz, tão viva, e mesmo os empurrões das pessoas fazendo as últimas compras de Natal não conseguiram irritá-la. Já tinha escolhido seus presentes com antecedência, comprando um conjunto de colônia e loção após-barba para Logan, mas um futuro marido exigia algo mais especial. Encontrou um lindo par de abotoaduras, que mandou gravar com suas iniciais.

— Parece muito satisfeita — comentou Mike, ao vê-la voltar animada, cheia de pacotes, no intervalo do almoço.

Carry sentiu vontade de contar-lhe o motivo de sua felicidade, mas resolveu respeitar o desejo de Logan, querendo que a mãe fosse a primeira a saber. Teria muito tempo depois do Natal para espalhar a boa nova para todos os amigos.

— E por causa do Natal.

— Seu namorado telefonou há uma meia hora, viu? Dessa vez, não esqueci.

Carry agradeceu com um sorriso e foi ligar para Logan de sua mesa. Audrey Harris passou a chamada para ele no mesmo instante. Carry ficara conhecendo a moça numa das vezes em que fora encontrar-se com Logan no escritório e brincou com ele ao perceber que a secretária o olhava com um ar de adoração.

— Ela é uma tola — dissera ele, mas Carry tinha certeza de que a linda Audrey Harris, com seus cabelos negros e olhos azuis, era uma moça muito inteligente, que não fazia segredo algum da inveja que sentia dela.

— Alô, querida. — Logan interrompeu seus pensamentos. — Tenho uma boa noticia: minha mãe estará de volta esta noite.

— Que maravilha! — Isso significava que não teriam que continuar mantendo o noivado em segredo por muito tempo.

Não pôde deixar de pensar na família Spencer. Ficariam furiosos ao saber que ela ia casar com Logan Carrington, que aliás nunca teria conhecido, se não fosse por Donald. Afinal, ele a levara àquela festa. O pobre Donald ia ouvir o diabo por ter deixado escapar a oportunidade de eles porem as mãos em suas ações!

— Eu queria ver você no almoço — continuou Logan —, mas seu patrão me disse que já tinha saído.

— Fui fazer algumas compras de última hora. — Sorriu, certa de que ele gostaria das abotoaduras.

— Minha mãe quer que passemos o dia de Natal com ela.

— Você já lhe contou?

— Não. — Deu uma risadinha. — Só disse que queria que conhecesse uma amiga. Ela está morrendo de curiosidade.

— Oh, Logan, coitada!

— Ela vai morrer de alegria, quando eu contar que essa amiga vai ser minha esposa. Não podia dar uma notícia dessas pelo telefone. Mais tarde vou buscá-la no aeroporto. Quer ir comigo?

— A que horas?

— Sete e meia.

— Oh, Logan, que pena! Não vou poder. Bill ficou de passar em casa entre sete e oito horas. Não tenho como avisá-lo.

— Hummm... — Logan pareceu pensar por um instante. — Bem, não faz mal. Acho que será melhor mesmo você ficar conhecendo minha mãe amanhã. Provavelmente, ela vai chegar cansada do vôo.

— Vejo você amanhã, então?

— Hoje. Depois de buscar mamãe no aeroporto, vou voltar para Londres.

— Não precisa...

— Não, mesmo? — interrompeu, baixinho.

— Não.

— E se eu quiser?

— Ah, isso é diferente. Se não chegar tarde demais, pode me ajudar a arrumar a árvore.

— Ainda não fez isso? — Pareceu surpreso.

— Na nossa família, temos a tradição de enfeitar a árvore na véspera do Natal.

— Entendo. E isso vai ser uma tradição na nossa família também? — Riu quando Carry ficou em silêncio. — Ei, você está vermelha?

Ela estava, e muito. A perspectiva de ter Logan como marido ainda era tão nova, que a idéia de uma família, com filhos dele, ainda a deixava meio perplexa.

— Carry?

— Acho que você fez isso de propósito.

— Fiz o quê? — brincou Logan.

— Para caçoar de mim, seu monstro.

— A tradição da minha família é dar os presentes na véspera de Natal. Quer receber o seu hoje à noite?

— Depende do que for — respondeu ela, com cautela.

— Está aprendendo, querida. Mas garanto que vai gostar. Eu te amo.

— Eu também — disse Carry, baixinho.

— Não pode falar, heim?

— Não. — Deu uma olhada para Mike, sentado a poucos metros dela. O escritório decididamente não oferecia privacidade.

— Mas eu posso. — Logan estava se divertindo. — Esta noite, quando estivermos sozinhos, vou...

— Comporte-se!

— Ficou vermelhinha de novo?

— Logan...

— Está bem, está bem. Olhe, posso chegar um pouco tarde esta noite, mas irei. E amanhã vamos à casa de minha mãe.

Assim que desligou, Carry arrumou a mesa, despediu-se de Mike e saiu correndo para comprar um presente para a futura sogra. Escolheu uma linda bombonière de cristal e uma caixa de chocolates finos.

Bill chegou às sete e vinte.

— Para você — disse, dando-lhe um presente embrulhado em papel brilhante e colorido.

— E isso é para vocês. — Carry entregou-lhe três pacotes.

— Acho que saímos ganhando nessa troca.

— Espere só até ver o que comprei para você! — Riu ao lembrar das camisetas espalhafatosas que escolhera para Bill. Costumavam trocar presentes engraçados.

— Nem quero imaginar. — Fez uma careta e sentou-se para poder abrir a maleta: — Meu melhor presente é este — disse, estendendo-lhe uma pasta marrom. — O relatório sobre a Spencer Plastics.

— Obrigada. — Carry colocou-o sobre a mesa.

— Ei, nem vai dar uma olhada?

— É Natal, Bill, e...

— E o mundo tem que parar, não é?

— Só por um dia, Bill.

— Um? — Ele gemeu de desgosto. — Parece que os feriados ficam mais compridos a cada ano. Agora, estão inventando de esticar o Natal até o Ano-novo.

— Resmungão!

— Você ficaria do mesmo jeito, se tivesse que passar quatro feriados seguidos na casa da mãe de Marilyn.

— Paciência, Bill. Logo vocês estarão de volta.

— Está muito alegre para alguém que supostamente vai passar o Natal sozinha.

Carry contou-lhe o que estava querendo ouvir, que ia passar o Natal com Logan.

— Quer uma bebida?

— Tem uísque? — perguntou Bill, com um ar esperançoso.

— Puro ou com água?

— Com água, por favor. Humm, ele deve gostar de uísque.

— Como? — perguntou, distraída, enquanto preparava a bebida.

— Esse novo homem na sua vida. Você nunca teve uísque em casa.

— É verdade. — Carry tomou um gole do seu vermute. — Mas ele não costuma vir aqui. Só comprei o uísque porque... porque...

— Para o caso de ele ficar — brincou Bill.

— Sim. — Ficou corada.

— É aquele mesmo homem?

— É.

— Marilyn vai ficar contente.

— Ela já sabe. Falei com ela ontem e disse que ia passar o Natal com ele.

— Então, quer dizer que o meu relatório vai ficar abandonado até depois das festas?

— Oh, pelo menos — confirmou, pensando no casamento logo depois do Ano-novo.

— E eu que passei noites em claro, trabalhando feito um condenado...

— Oh, Bill, você não devia... — A expressão condoída de Carry logo se transformou em reprovação. — Você é impossível! — disse, vendo o sorrisinho do amigo. — Quando vou aprender a não levá-lo a sério?

— Nunca, espero. Eu me divirto com você.

— Obrigada! Sabe que é muito atrevido para um advogado? Tem bastante que aprender com o Sr. Seymour.

— A ética me impede de fazer comentários sobre James Seymour.

— Em outras palavras, você o acha tão pedante como eu, mas seu profissionalismo o impede de concordar comigo.

— Algo parecido.

— Uma resposta típica de advogado: sem comprometimentos.

— Espera-se que os advogados saibam dar esse tipo de resposta. — Bill bebeu o resto do uísque antes de se levantar. — Bem, eu estava aborrecido por não poder convidar você para passar o Natal conosco, mas agora... — Deu uma piscada. — Agora, este Papai Noel tem que ir para casa. Marilyn está mais entusiasmada do que Paul.

— Ele ainda é muito pequeno para entender.

— Ah, mas minha sogra insiste em dizer que ele sabe muito bem o que está acontecendo. — Bill levantou os olhos com um ar de sofrimento. — Avós!

— A sua devia ser igualzinha.

— Talvez. — Deu um suspiro. — Feliz Natal, Carry. E não faça nada que eu não faria!

— O que posso responder a isso? Beije Marilyn e Paul por mim.

— Pode deixar comigo.

Quando Bill saiu, ela começou a arrumar a árvore. Cobriu a lata do pinheiro com papel colorido e foi pegar os enfeites que estavam guardados no armário do quarto de Jeff. Passou alguns minutos ali, sentindo-se junto dele, procurando sua aprovação sobre o homem com quem ia casar. Teve a impressão de experimentar uma atmosfera de carinho e conforto, como se ele estivesse presente. Sim, Jeff ficaria satisfeito com seu casamento com Logan; teria gostado de sua força, de sua autoconfiança. Jeff achava que ninguém devia viver sozinho, que a solidão matava. Carry teve uma sensação de imenso bem-estar.

Nunca se sentira tão feliz em toda sua vida, tão viva, tão ansiosa para anunciar ao mundo o motivo de tanta felicidade. Oh, ia ser um Natal maravilhoso, o mais lindo de todos!

 

 

A sala já estava quase toda decorada quando Logan chegou, um pouco antes das dez.

— Muito adequado para a ocasião! — Deu uma risada, enquanto tirava um pedacinho de papel laminado dos cabelos de Carry, beijando-a levemente no nariz. — Feliz Natal, querida.

— Para você também. Oh; Logan! —Olhou para ele cheia de amor, com os olhos rasos de água, quase incapaz te agüentar tanta felicidade.

Ele entrou, fechou a porta e tomou-a nos braços, sua boca devorando a dela com paixão.

— Senti muito sua falta hoje — murmurou.

— Eu também, querido. — Tremia em seus braços.

— Oh, Deus... — Os olhos de Logan escureceram, enquanto examinava a figura juvenil de Carry. -- Você parece uma menina — disse baixinho, afagando seus cabelos loiro5

— Mas não ajo como menina. — Deu um sorriso provocante.

— Não. — Ele riu e passou-lhe o braço pelos ombros. — Hum, vejo que já começou.

— Sim, mas não mexi na árvore. Veria me ajudar. — Abriu a caixa com as bolas coloridas.

— Depois que ela estiver pronta, posso dar seu presente?

Carry corou ao ver o carinho no olhar dele.

— Sim — respondeu, rouca.

— Muito bem. Então, vamos começar logo.

A árvore estava linda quando terminaram, com as luzes coloridas brilhando por entre o papel laminado.

— Ficou uma beleza, Logan, não imagina o quanto significa ter você aqui comigo. Eu... pensei que ia ficar sozinha e... e... bem, seria a primeira vez. — Baixou o olhar. — Quando criança, eu tinha meus pais; depois, só mamãe; e depois, Jeff.

— O homem que morreu?

— Sim. — Engoliu em seco.

— Ainda sente falta dele?

— Sim... Ele... ele era muito importante para mim.

— Compreendo.

Carry deu um sorriso alegre.

— Chegou a hora dos presentes. Vou até o quarto e...

— Exatamente para onde quero que você vá. — Avançou para ela.

— Logan! Só quis dizer que seus presentes estão lá.

— Eu sei. — Sorriu.

— Quer fazer o favor de se comportar?

— É preciso?

— Não. — Deu um suspiro de derrota e aninhou-se nos braços dele, levantando o rosto num convite.

Logan pareceu ficar tentado.

— Não — disse, afinal, afastando-a. — Não seria uma boa idéia. — Eu estava só brincando. — Fez uma carinha de tristeza.

— Eu não. — Logan afundou numa das poltronas. — Suma daqui.

— Logan Carrington, você...

— Sim? — Fez um ar de inocência fingida.

— Nada. Vou buscar seus presentes.

Logan aproveitou a ausência dela para ir até o automóvel. Carry demorou-se um pouco no quarto e, quando voltou para a sala, encontrou cinco pacotes sobre a mesinha de centro.

— O que é tudo isso?

— Abra e veja.

— Abra o seu primeiro.

Logan mostrou um prazer genuíno ao ver as abotoaduras.

— Teve muito gosto, querida. Agora, abra os seus. Deixe a caixa grande para o fim.

— Estraga-prazeres!

— Vamos, abra.

Os presentes eram simplesmente extravagantes. Uma enorme garrafa de perfume, uma caixa de bombons, uma camisola e um negligê de seda branca mais maravilhosos que Carry já tinha visto.

— Para nossa noite de núpcias —disse ele, baixinho.

— São lindos! — Carry mal podia falar.

— Agora, este. —Logan pegou um pacote chato e quadrado.

Ela o desembrulhou e ficou olhando para a caixa de veludo com olhos arregalados. Seus dedos tremiam, quando abriu o fecho. Dentro, aninhado em seda azul-marinho, estava um lindo colar de ouro e diamantes.

— Para mim? — perguntou, não conseguindo acreditar no que via.

— Para mim é que não é.

— Oh, Logan! — Atirou-se nos braços dele, beijando-o com exuberância. — Eu te amo!

— E eu também, garota. Agora, abra o grande. Acho que vai gostar.

— Mas você já me deu coisas demais!

— Esse vai ser divertido. Vamos, abra.

O enorme elefante de pelúcia cor-de-rosa deixou-a tão encantada que Carry gritou de alegria.

— E perfeito! — Abraçou o brinquedo. — Simplesmente, perfeito!

— Quem lhe disse que é "ele"?

— É ele, sim. — Carry lançou-lhe um sorriso malicioso. — E "ele" vai dormir comigo, até chegar a sua vez.

— E por que não pode ser já? — perguntou Logan, com os olhos escuros de desejo.

— Temos que ir à casa de sua mãe primeiro, lembra?

— E acha que estou pensando na minha mãe agora?

— Logan, que modos são esses? — Fingiu estar chocada. — Cuidado com o que fala na frente do Dumbo!

— Dumbo! Ora, Carry, não me venha com Walt Disney. Você me faz sentir um velho!

— Ora, desculpe. — Mordeu o lábio. — Será que não sou jovem demais para você?

— Quer que eu prove que está enganada?

— Quero — respondeu, com firmeza, tentando parecer ainda mais adulta.

— Quer ser minha?

— Sim.

— Tem certeza?

— Tenho.

— Então, seja feita a sua vontade. — Tirou o elefante das mãos dela e substituiu-o por uma caixinha de jóias.

— O que é isso? Você...

— Abra.

Carry quase perdeu o fôlego ao ver o anel de esmeraldas e brilhantes.

— Deixe eu colocar no seu dedo. — Logan tirou o anel da caixa. — Perfeito — disse, cheio de satisfação, ainda segurando a mão dela. — Gostou?

— Adorei! — Carry olhava espantada para a jóia que devia valer uma pequena fortuna. — Mas eu...

— Como podemos estar noivos sem um anel adequado?

— Eu nem sabia que estávamos noivos!

— Ah, não? Está brincando comigo, menina? — Tomou-a nos braços. — Mas vai ser um noivado curto. Uma ou duas semanas, enquanto cuidamos dos papéis.

— Será que as pessoas não vão ficar chocadas com um casamento tão apressado?

— Não me interessa a opinião de ninguém. Mal posso esperar pelo dia em que você vai prometer me amar, honrar e obedecer.

De repente, Carry sentiu como se estivesse ganhando demais, como se fosse acontecer alguma coisa para lhe roubar toda essa felicidade, e não pôde evitar um estremecimento de apreensão.

— O que foi? — Logan percebeu imediatamente. — Carry?

— Você nunca vai me deixar, não é? — Abraçou-o quase com desespero. — Acho que eu morreria sem você.

— Sua criança tola...

— Não sou criança! É verdade, Logan.

— Não, não acho que seja. E nunca vai me perder, juro. — Seus braços se apertaram mais em torno dela. — Sou o único que perderia não tendo você.

Seus lábios cobriram os dela, e começou a acariciar seus seios. Carry podia sentir sua excitação, e uma onda de fraqueza tomou conta de seu corpo, quando ele deslizou a mão por baixo de sua blusa para tocar a nudez dos seios e acariciar a pele sedosa.

— Quero fazer amor com você — gemeu Logan.

Ela também queria isso com todas as fibras de seu ser. Uma força primitiva os dominava. Queria submeter-se, entregando-se às exigências de Logan, mas conseguiu reunir o pouco de controle que lhe restava para negar-se a continuar.

— Temos que esperar, querido. Temos que esperar.

— Temos? — Logan olhou para ela com os olhos escuros de paixão. — Sim, é verdade. — Suspirou e afastou-se. — Eu não me importo com o que possam pensar. O nosso casamento tem que ser o mais breve possível.

Carry olhou-o, muito séria.

— Não acha que estou sendo... tola? Que sou...

— Não, meu amor. Você não é tola nem criança. Eu estava só brincando.

— Mesmo? — Não estava assim tão certa.

— Claro. — Sorriu. — O que mais adoro em você é essa sua mistura de juventude e maturidade, sua capacidade de encontrar prazer e alegria em todas as coisas da vida.

— Jeff sempre dizia...

— Já estou começando a detestar o som desse nome — interrompeu Logan, com aspereza.

— Não!

— Sim — insistiu, muito sério. — Você está sempre citando o homem. Eu sou aquele que você supostamente devia amar...

— E amo.

— Então, pare de falar nele como se fosse um Deus!

— Desculpe — murmurou, numa voz embargada. — É só que eu o amava muito, sabe, e...

— E ele está morto! Eu estou vivo, lembre-se disso.

— Sim. — Carry engoliu em seco e achou difícil corresponder ao beijo rude de boa-noite.

Deitada na cama naquela noite, foi tomada por incertezas. Oh, não tinha dúvidas quanto a seu amor por Logan, mas sabia que não conhecia muito bem o homem que amava. Como seria sua vida com ele? Chegaria o dia em que conseguiria entendê-lo?

Logan ainda parecia aborrecido, quando veio buscá-la na manhã seguinte, e o trajeto até a casa da mãe dele foi feito em silêncio, enquanto Carry lançava-lhe olhares nervosos. Finalmente, não conseguiu agüentar mais.

— Logan?

— Carry?

Ambos começaram a falar ao mesmo tempo e ela, de um modo brincalhão, convidou-o a falar primeiro.

— Sinto muito, querida.

— Sente?

— Sim. Eu me comportei como um tolo ontem à noite.

Ela não podia negar. Logan ficara com ciúme de um morto. Jeff nunca havia magoado ninguém, e certamente não o faria agora.

— Ainda quer casar comigo? — Logan apertava o volante com força.

— Claro — respondeu, sem hesitar, apoiando a mão na coxa dele.

— Oh, Carry! — Levou o carro para o acostamento e virou-se para olhar para ela. — Tem certeza?

— Nunca tive dúvidas. E você, mudou de idéia?

— Nem por um instante.

Carry suspirou.

— Era tudo que eu precisava saber. Nunca mais vou tocar no nome de Jeff e...

— Não! Jeff foi importante para você e não tenho o direito de impedir que fale nele. — Tomou-a nos braços. — Mas tem que me prometer que não vai falar demais, certo?

— Prometo — disse, feliz, levantando o rosto para receber seu beijo. Logan afastou-se com um suspiro e encostou a testa na dela.

— Devo ter passado a pior noite da minha vida.

— Acho que a minha foi pior.

— Oh, Deus, sou um idiota! Acho que sempre fui possessivo. Talvez seja pelo fato de ser filho único, mas nunca consegui dividir nada que é importante para mim.

— Mas Jeff nunca o teria magoado...

— Por favor, Carry, chega. — Tocou seus lábios com dedos gentis. — É Natal, estamos noivos; portanto, chega de discussões. A última quase me matou — confessou, com dificuldade. — Um dia, quando já estivermos casados, você me contará tudo sobre Jeff, e então talvez eu compreenda por que fala dele com tanto carinho.

Trocaram muitos beijos, até ficarem ofegantes.

— Detesto estragar este momento, querido, mas a que horas sua mãe está nos esperando para o almoço?

— Oh, Deus! Obrigado por me lembrar. — Seu olhar era acariciador, enquanto ligava o motor. — A propósito, o colar está muito bonito.

— As abotoaduras também.

Riam quando entraram na casa da sra. Carrington, meia hora depois. Carry sentia-se segura, protegida pelo amor de Logan. Porém, não pôde evitar que uma onda de timidez a invadisse, com a perspectiva de conhecer a futura sogra a qualquer instante.

— Estou bem? — perguntou, ansiosa.

— Maravilhosa.

— Sério, Logan...

— Sério, Carry. Está linda. Essa coisa sedosa está perfeita.

A "coisa sedosa" era um chemisier estampado que ela usava sob o casaco. O corte clássico e os sapatos de salto muito altos a faziam parecer mais madura e lhe davam confiança.

— Tem certeza?

— Tenho. — Sorriu e pegou sua mão, apertando-a. — Mal posso esperar para ver a cara de minha mãe.

A sra. Carrington levantou-se da poltrona perto da lareira. Usava um vestido de seda que realçava o verde de seus olhos, e os cabelos grisalhos emolduravam o rosto num penteado suave. Não era mais alta do que Carry, apesar da postura ereta lhe dar uma aparência de nobreza.

— Logan! — Cumprimentou o filho com grande carinho, ficando na ponta dos pés para beijá-lo.

Ele puxou Carry, que tinha ficado um passo atrás, sentindo-se muito tímida.

— Mamãe, esta é Carry Day... minha noiva.

A sra. Carrington ficou chocada, surpresa, mas, acima de tudo, muito alegre.

— Bem-vinda à família, querida — disse, cheia de carinho, beijando-a no rosto. — Meu Deus, que bom. Que maravilhoso presente de Natal! Pensei que Logan nunca ia se casar.

Ele passou o braço pela cintura de Carry, num gesto possessivo.

— Foi só eu dar uma olhada para ela e fiquei perdido — explicou, alegremente.

Carry sorriu, imediatamente à vontade.

— Isso pede champanhe! — Os olhos da sra. Carrington brilhavam de entusiasmo. — Logan, chame Kate e mande-a trazer tudo para fazermos um brinde!

— Champanhe ao meio-dia e meia, mamãe? — zombou, tocando a campainha.

— Podia ser até no café da manhã. Oh, mal posso acreditar!

Era a ocasião perfeita para a troca de presentes. Carry deu a bombonière de cristal e recebeu um vidro de perfume francês.

— Não imaginei que a amiga que Logan disse que ia trazer seria minha futura nora, senão teria escolhido algo mais pessoal. — A sra. Carrington afastou-se para colocar a bombonière sobre uma mesa perto da janela. Olhou para a alameda em frente à casa. — Por falar em família...

— Ah, mamãe, não! — Logan deu um gemido e fechou os olhos.

— Logan, você sabe que isso é tradicional. — A sra. Carrington fez um ar aborrecido. — Eles sempre vêm almoçar no Natal.

— Eu sei. — Suspirou de desgosto. — E como detesto essa tradição!

— Meu filho, sei que não gosta deles e não faz segredo disso, mas peço que se comporte, pelo menos desta vez.

Logan juntou-se a Carry no sofá. Seu rosto estava contraído de raiva.

— Oh, Deus, esqueci que eles estariam aqui. Se tivesse me lembrado, nem teria vindo. Que droga!

Carry não estava mais ouvindo. Olhava os recém-chegados com os olhos desmesuradamente abertos. Sir Charles, lady Spencer e Donald estavam entrando na sala.

— Esta... esta é a sua família? — perguntou, com a garganta apertada.

— Infelizmente — respondeu Logan baixinho, de mau humor. — Minha tia, meu tio e o pateta do meu primo.

Carry pensou que ia desmaiar e ficou ainda mais pálida, quando lady Spencer a reconheceu imediatamente.

— Você! — exclamou, com uma expressão horrorizada.

— Santo Deus! — Sir Charles olhava para ela como se não pudesse acreditar.

— Caroline... — Donald não entendia a situação.

Ela levantou-se devagar, quase cambaleando. De repente, o Natal se transformara num pesadelo. Logan também se levantou e passou o braço por sua cintura.

— Já conhecem minha noiva?

— Noiva? — repetiu lady Spencer, numa voz aguda. — Quer dizer que vai casar com esta... esta moça?

— Sim, vou — respondeu ele, com os olhos duros como aço. — E o que têm a ver com isso?

— Logan!

— Lamento, mamãe, mas tia Susan está sendo grosseira com Carry e eu...

— Caroline — corrigiu o tio, cheio de raiva. — Caroline Day.

— Sim. — Logan fez um sinal para a empregada se afastar quando ela chegou com o champanhe. A mulher saiu com um ar intrigado.

— Muito esperto da sua parte, rapaz — disse o tio, irritado. — Você me enganou direitinho. Eu podia jurar que sua falta de interesse naquele dia no meu escritório era real. Não desconfiei de que você ia se apoderar da minha idéia.

— Que idéia? — perguntou Logan, com um suspiro impaciente.

— Ora, casar com Caroline para manter as ações na família.

— Não! — O grito de Carry saiu num gemido. Uma dor terrível tinha tomado conta de seu corpo. — Oh, não, Logan, não!

— Que diabo está acontecendo? Carry...

— Caroline — corrigiu ela, numa voz aguda. — Meu nome é Caroline Day, e você sabia disso todo o tempo. — Afastou-se bruscamente. — Como pôde fazer uma coisa dessas, Logan? Como pôde?

Então, ele também fazia parte do plano! Sempre imaginara que havia uma mente tortuosa por trás daquilo e agora sabia que só podia ser a dele. Claro! Percebendo que Donald estava falhando, entrara em cena para manter as ações na família. Tudo que havia dito era mentira, cada palavra de amor, o noivado... Tirou o anel e o devolveu, surpresa com o próprio controle.

— Não vou precisar mais disso. Logan olhou-a, confuso.

— Vai casar comigo. Você aceitou...

— Sim, e teria casado com você, se sua mãe não convidasse a família para o Natal. Obrigada, sra. Carrington, a senhora me prestou um grande serviço — disse, cheia de amargura, olhando para a mulher com um ar altivo. — Não faz idéia do que me salvou. Tenho certeza de que não estava a par dessa... dessa farsa. — Sua voz suavizou. — Jeff sempre me falou da senhora com muito carinho. — Agora Carry sabia que a mãe de Logan era Cissy, a irmã que Jeff admirava e amava tanto.

— Jeff? — repetiu Logan, áspero. — Quer dizer que esse tal Jeff de quem você vive falando era meu tio Jeffrey?

Carry lançou-lhe um olhar cheio de desdém, sentindo o coração partido pelo modo como ele a enganara; como ainda estava tentando enganar.

— Pode parar de fingir, Logan. Já sei toda a verdade. Não é preciso continuar com o espetáculo.

— Verdade? Mas eu... Você é a mulher que vivia com meu tio?

— Sabe muito bem que sou!

— Acho que você agiu muito mal tentando conseguir o controle da Spencer desse jeito, Logan — disse Donald, com reprovação.

— Cale a boca! — Logan passou a mão pelos cabelos. Parecia estar perdendo a compostura.

— Donald está certo — disse a tia, irritada. — Você agiu de um modo muito insidioso.

— Insidioso! — repetiu Logan, com desdém. — Pelo que entendi, meu querido primo ficaria muito feliz em conseguir o mesmo resultado!

— Ora, não foi isso o combinado? — Donald estava muito vermelho. — Afinal, a idéia foi sua.

— Sim, foi minha. — Logan falou com dificuldade, olhando com tristeza para Carry. — Mas eu não fazia idéia de que a srta. Day era jovem e bonita.

— E logo que a viu, decidiu casar com ela você mesmo — concluiu sir Charles. — Francamente, podia ter nos informado do seu plano.

— E deixar vocês estragarem tudo? Como sempre?

— Como estragaram agora — disse Carry. Cada palavra de Logan estava sendo como uma facada. Seu amor, seu carinho, era tudo mentira. Como devia ter rido de sua rendição, de sua adoração quase infantil por ele.

— Sim. Mas... para quem?

— O que está querendo dizer? — Carry franziu a testa.

— Não diga que não sabe. — Seu tom foi insultuoso.

— Você não vai levar a melhor, Logan — disse sir Charles. — Não permitirei que assuma o controle da Spencer Plastics.

— Nem eu! — exclamou Carry, com veemência. Aquela dor terrível a transformara subitamente numa mulher adulta e fria. Agora, estava decidida a lutar contra aquela família até o último fôlego.

Logan dirigiu-se ao tio, mas seus olhos não se afastaram dela.

— E por que eu ia querer a Spencer? Tenho minha própria companhia.

— Homens como você nunca tem o suficiente! — disse Carry, com desprezo.

— Homens como eu? — repetiu, num tom baixo e perigoso.

— Com sede de poder!

— Francamente, minha cara, não temos necessidade de recorrer a insultos pessoais — lady Spencer interferiu, no seu tom superior.

— Ah, não? Acredite, ainda nem comecei.

— Pelo contrário. — A voz de Logan parecia de gelo. — Já terminou.

— Logan...

— Fique fora disso, mamãe.

— Sim, por favor — Carry falou com ela com gentileza. A mulher estava confusa, sem entender exatamente o que se passava. Agora sabia que Jeff estava certo ao escolhê-la como sua favorita. Cicely Carrington não sabia o que era maldade ou avareza... muito diferente do filho, cheio de crueldade e cobiça. — Lamento que isso tenha acontecido na sua casa. Jeff não gostaria de vê-la magoada.

— Jeff? Está falando de Jeffrey? Do meu irmão?

— Claro, Ciccy — disse sir Charles, com impaciência. — Será que não ouviu uma só palavra do que foi dito?

— Não... não estou compreendendo. O que Jeff tem a ver com Carry e Logan?

— Tudo! — respondeu ele, enfático.

— Oh, Cissy, pelo amor de Deus, preste atenção! — Lady Spencer falou com a cunhada como se ela fosse uma criança retardada. — Caroline é a mulher com quem Jeffrey estava vivendo.

— E onde está essa Caroline?

— Aqui — disse Carry, suavemente.

Cicely Carrington olhou para ela, examinando-a.

— Mas... mas não pode ser!

— Mas sou.

— Não, querida. Conheci...

— Mamãe, eu lhe contarei os detalhes depois — interrompeu Logan, muito tenso.

— Isso significa que você e Carry não vão mais casar? — O desapontamento estava estampado em seu rosto.

— Claro que não!

— Prefiro a morte!

Os dois falaram ao mesmo tempo e com a mesma veemência.

— Tem sorte de não estar morta agora — disse Logan, num tom áspero e frio.

— Não tenho medo de você.

— Devia ter.

— Vou lá em cima pegar minhas coisas e depois irei embora. Feliz Natal para todos. — Carry deixou a sala com a cabeça erguida, esperando até a porta estar fechada para dar vazão às lágrimas.

Estava tão feliz até há pouco, e agora seu mundo tinha se estraçalhado em mil pedaços. Nunca mais teria energia ou força de vontade para juntar de novo.

Vozes alteradas ainda vinham da sala, mostrando que os Spencer continuavam aborrecidos com Logan. Como ele havia sido inteligente! O encontro aparentemente acidental, o afastamento de Danielle, para dar a impressão de que ela era muito especial, o modo como evitara maiores intimidades, fazendo-a ficar ainda mais apaixonada. Oh, sim, tinha caído na armadilha, uma vítima fácil! O preço de tudo isso seria um coração partido e a falta de confiança nas pessoas.

Ainda havia uma última coisa que tinha que verificar. Precisava ler o relatório de Bill. Estava em sua maleta, não quis deixar um documento tão importante no apartamento vazio. Ele lhe daria a última informação de que precisava para poder amaldiçoar o nome de Logan pelo resto da vida.

Sim, lá estava... claramente datilografada. Uma lista dos acionistas da Spencer Plastics. Ela mesma, sir Charles, Cicely Carrington e, sob esse último nome, o do seu procurador, o homem que controlava suas ações: Logan Carrington.

E ela que pensava que o tal "sobrinho" que James Seymour mencionara com desgosto era Donald, o pobre Donald, tão inofensivo!

— Estou contente em ver que,ainda consegue encontrar alguma coisa que a faça sorrir — disse uma voz cheia de desprezo.

Carry virou-se para encontrar-se frente a frente com Logan. Engoliu o nervosismo, decidida a não deixá-lo perceber o quanto a magoara.

— O que você quer?

— Falar com você. O que mais poderia ser?

Entrou no quarto e fechou a porta, parecendo mais ameaçador a cada passo.

 

Carry levantou-se, cheia de desdém.

— Não tenho mais nada para falar com você.

— Pode ser, mas eu tenho. — Seu olhar gelado fixou-se na pasta. — O que é isso?

— Isso? É... Ora, é... Devolva! — gritou Carry, quando ele lhe arrancou o relatório das mãos. — Como se atreve?!

— Será que não aprendeu nada sobre mim durante nosso breve relacionamento, Caroline? — Sua voz pareceu ficar mais dura. — Já devia saber que não tenho paciência com tolos. — Folheou rapidamente o documento. — Vejo que fez suas tarefas direitinho. — Fechou o elástico da pasta e atirou-a sobre a cama. — Mas teria feito melhor negócio ficando com Donald. Ele ainda não tem controle das ações, mas é só uma questão de tempo. Com a morte ou a aposentadoria de meu tio...

Carry estava pálida.

— Não entendo o que está querendo dizer.

— Ah, não? Que santinha! Nunca a deixaria ficar com o controle da Spencer.

— Controle...

— Se tivesse casado comigo, eu ficaria com todas as ações, não você!

— Oh, sei bem disso. Foi um plano muito esperto, executado com muito mais classe e experiência do que Donald poderia.

— Não tente inverter as coisas, Caroline. Eu não fazia idéia de quem você era, até há pouco.

— Não minta!

— Enquanto está claro que você sabia tudo o que precisava saber desde o início. — Logan apontou o relatório.

— Não.

— As provas estão contra você. Sua atuação foi soberba. Aquela timidez que mostrava às vezes... Sim, um toque sutil para aumentar meu interesse. E caí feito um patinho, droga!

— Foi você que fingiu todo o tempo!

— Desista, Caroline! A farsa terminou. Eu não casaria agora, nem que você me desse todas as ações.

— Nunca farei isso!

— Não faz mal. Tente Donald de novo. — O olhar de Logan estava cheio de zombaria. — Tenho certeza de que ele ainda está disposto. Papai e mamãe vão se empenhar para que o filhinho case com você. Claro que terá que esperar mais tempo para assumir o controle do que se tivesse casado comigo; ainda assim, conseguirá seu objetivo.

Carry abria e fechava os punhos, branca de raiva.

— Por que está distorcendo tudo? Por que tenta dar a impressão de que fui eu que tentei enganar você, quando sabe muito bem que tomou o lugar de Donald quando percebeu que ele não ia conseguir? A idéia foi sua em primeiro lugar, não?

— Que idéia? — Logan franziu a testa.

— De alguém casar comigo para...

— Se falar mais uma vez que eu queria o controle da Spencer, juro que lhe dou uma bofetada!

— Vamos, bata! Isso não vai mudar os fatos.

— Os fatos que você está distorcendo. Mas diga só uma coisa: acha que também foi parte do meu plano não querer fazer amor com você?

Carry engoliu em seco e ficou muito corada.

— Achei que você não queria porque... — Parou, embaraçada demais.

— E minha negativa a fez me querer ainda mais, não é?

— Não...

— Oh, sim. — Logan deu um sorriso cheio de desdém. — O resto pode ter sido uma boa atuação. Seu carinho, suas palavras de amor; mas sua reação sexual era bem verdadeira.

— É mentira! Tenho nojo de você!

— É mesmo? — Logan riu e veio em sua direção com passos rápidos. — Que tal testarmos isso?

Os olhos de Carry estavam arregalados de medo, quando ele a abraçou.

— Não! — Começou a bater em seu peito e ombros com os punhos fechados, enquanto ele abaixava a cabeça para tomar seus lábios num beijo dolorido.

O desprezo de Logan por ela era tão tangível, que Carry não correspondeu nem por um segundo. Depois, a selvageria transformou-se em sutil sedução. A boca de Logan começou a saborear a dela e suas mãos experientes percorreram seu corpo, deixando-a trêmula quando se afastou.

— Está com nojo agora? — zombou.

— Eu...

— Não tente mentir de novo, Caroline. Talvez não queira, mas gosta muito do que faço.

Carry umedeceu os lábios num gesto nervoso, sabendo que seria inútil negar.

— E daí? — desafiou.

— E também gostava, quando meu tio a tocava?

Ela se enrijeceu.

— Jeff?

— Sim, Jeff. Meu tio... Um grande filósofo, não?

— Ele valia dez de você!

— Quer dizer então que gostava, quando ele a tocava?

— Não entendo...

— Quanto tempo viveu com ele?

— Quatro anos. Mas o conheci uns dois anos antes disso.

— Tinha uns dezesseis anos na época, então?

— Sim, mas...

— Santo Deus!

Carry fez um ar intrigado.

— O que a minha idade tem a ver com isso?

— Não muito. Só que eu não fazia idéia de que essa aparência de vinte e dois anos escondia uma mulher tão vivida!

— Como?

— E o fato de meu tio ser vinte e três anos mais velho não fez diferença?

— Por que iria...

— Está óbvio que não. — Logan passou a mão pelos cabelos, com irritação. — E pensar que eu me imaginava capaz de fazer um bom julgamento sobre o caráter das pessoas — acrescentou, desgostoso.

Carry estremeceu e levou as mãos ao rosto. Não sabia por que Logan estava dizendo tudo aquilo. Não compreendia metade da conversa.

— Logan, não tente bancar o ingênuo — disse, furiosa. — Ouvi bem o que sir Charles disse. Foi você quem inventou o plano de alguém casar comigo para manter as ações na família.

Ele deu um passo à frente, com uma expressão selvagem.

— Eu avisei...

— Que ia me bater? — Enfrentou-o sem medo. — Bem, vá em frente! Só vai aumentar meu desprezo por você.

— Seu desprezo por mim? E quanto ao meu desprezo por você? Deus, eu pensava que era jovem demais para mim... A idéia de você com meu tio me enoja!

— Jeff e eu? — Carry até perdeu a respiração.

— Sim! Mas diga, Caroline, gostou de ser amante de um homem com idade suficiente para ser seu pai? De dormir com ele, fazer amor com ele?

Estava branca, com a respiração presa na garganta.

— Eu... Você pensa que Jeff e eu...

— Oh, não penso... sei. Toda a família sabia que ele estava vivendo com uma mulher nos últimos quatro anos!

— E ninguém se interessou em saber quem era ela — disse Carry, num tom sem expressão.

— Eu não o via há mais de vinte anos!

— Pois devia ter visto; assim, não seria um canalha tão arrogante. Eu não vivi com seu tio...

— Você mesma já admitiu isso!

— Não do modo que está pensando.

— Ora, não se faça de boba. Você viveu com ele, não foi?

— Sim, mas...

— Mas não dormiram juntos? Invente uma melhor, Caroline!

— Não me chame de Caroline. Sempre fui Carry, todos me chamam de Carry. Sempre!

— Sim, exceto em documentos oficiais, como num testamento. — Logan balançou a cabeça. — Não consigo entender... Com minha experiência, aprendi a não confiar nas mulheres. Mas meu tio foi enganado por uma quase menina. Ele era muito ingênuo ou pouco inteligente?

O sangue tomou conta das faces pálidas de Carry.

— Eu diria que tão inteligente quanto você. — Sua voz estava cheia de desprezo. Não ia dar a Logan a satisfação de saber que a tinha magoado, julgando-a mal... e ao seu tio. Ele que continuasse pensando coisas terríveis sobre Jeff e ela. Seu amor por Logan tinha morrido no instante em que descobrira que estava sendo usada, que seus sentimentos eram falsos.

— Acho que não temos mais nada a conversar — ele falou, num tom distante. — Estou contente em saber que seu plano não deu certo.

— Quem disse? Lembre-se, ainda há Donald. Você e seu tio não parecem estar nos melhores termos — acrescentou ela, com fria zombaria.

— E daí?

— Aposto que sir Charles ainda quer manter as ações na família... na família dele.

— Sua... Oh, Deus, você me enoja.

— Não mais do que você me enoja. Portanto, acho que ambos concordamos que nos livramos de uma boa.

— Sem dúvida.

— Então, vamos deixar tudo como está, certo? — Carry pegou a bolsa e as maletas.

— Deixar como está? Ah, não! Só que, quando nos encontrarmos de novo, será numa mesa de reuniões. E, acredite: você não vai ter as coisas à sua maneira.

— Veremos.

Carry agora estava determinada a lutar, mesmo sabendo que Logan seria um adversário muito mais temível do que sir Charles. Não permitiria, porém, que a memória de Jeff fosse maculada. Nada a chocara mais naquele dia do que a descoberta do que a família pensava dela. Como podiam acreditar que Jeff, Jeff que era do próprio sangue deles, teria ao menos pensado num relacionamento daquele tipo? Um dia, teria o prazer de contar-lhes a verdade, mas ia esperar até demonstrar todo seu desprezo por eles.

— Considere-se avisada. — Logan saiu do quarto com uma atitude tão arrogante como entrara.

Carry estava entorpecida demais para chorar; magoada, confusa... e simplesmente furiosa! Jeff, doce Jeff, como aqueles canalhas podiam pensar mal dele. Por ela, não se importaria, mas por ele...

— Caroline? — Donald Spencer estava parado na porta, hesitante. — Posso entrar?

— Como quiser. Estou mesmo de saída.

— Ah. Bem... eu... quer que eu... que eu a leve para casa?

Sua hesitação a fez ficar com os nervos à flor da pele, mas o fato era que não tinha mesmo como voltar para casa.

— Mas você acaba de chegar!

— Não tem importância.

— Mas é Natal.

— Uma razão a mais para eu levá-la para casa. Há muito pouco transporte público e será difícil conseguir um táxi.

Apesar de saber que Donald tinha razão, Carry hesitou em aceitar qualquer favor daquela família. No entanto, que triunfo seria sair com o primo de Logan para mostrar-lhe que, afinal, ainda havia Donald.

— Caroline?

— Está bem. Desde que possamos sair agora mesmo.

— Sim, claro. — Ele pegou a maleta. — Imediatamente.

Ela desceu a escada de cabeça erguida, com Donald vindo como um cachorrinho atrás, quase deixando cair a maleta, na ânsia de passar na frente para abrir a porta da sala.

Cicely Carrington ainda parecia confusa. Lady Spencer, irritada, e sir Charles, furioso. Ela olhou para Logan retribuindo seu olhar de desprezo. Incrível! Há uma hora, achava que ele era o homem mais maravilhoso do mundo, estava disposta a passar toda a vida com ele, e agora o odiava tanto que faria tudo para se vingar.

O rosto de lady Spencer se iluminou, ao ver a maleta de Carry na mão do filho.

— Está de saída?

— Sim. Donald fez a gentileza de se oferecer para me levar.

— Alguém quer um drinque? — interrompeu Logan, dirigindo-se ao bar. Ninguém respondeu.

Carry ficou observando, com olhos frios, enquanto ele se servia de uma grande dose de uísque e tomava tudo de um só gole.

— Não é um pouco cedo para isso? — perguntou a mãe, aborrecida.

— Há momentos atrás, você estava disposta a fazer um brinde ao meu noivado.

— Mas seria com champanhe!

— Mas, agora, eu prefiro um uísque. — Encheu o copo de novo e bebeu como se fosse água. — Pensei que estivesse de saída, srta. Day.

— E estou. — Carry ficou corada. — Só queria agradecer a sua mãe pela...

— Saia logo!

— Logan! — A sra. Carrington estava chocada. — Nunca vi você agir desse modo...

— Eu ainda não conhecia Caroline, mamãe. Não tenha dúvidas, ela é bastante linda e tentadora para levar um homem à bebida ou ao suicídio. — Seus olhos se escureceram. — Será que a morte do tio Jeffrey foi mesmo um acidente? Ou será que você tinha encontrado um homem mais jovem, Caroline?

Uma onda vermelha de ódio cobriu os olhos dela. Foi questão de um segundo, quando passou, viu as marcas brancas dos seus dedos contrastando com a pele morena do rosto de Logan.

— Vai se arrepender disso — disse ele, com os dentes cerrados.

— Acho que não. — Sua mão ainda formigava com a força do tapa.

— Pronto, Donald?

— Hã... sim. — Lançou um olhar cauteloso para o primo.

— Cuidado, Donald, ela é capaz de comê-lo vivo no café da manhã.

— Bem, pelo menos talvez ele seja convidado a ficar para o café da manhã! — Carry teve a satisfação de ver Logan ficar ainda mais pálido.

— Verei você muito em breve, Logan.

— Pode estar certa.

Carry tremia, quando Donald abriu a porta do Jaguar. Ficaram em silêncio a maior parte da viagem. Ela manteve os olhos na estrada, sentindo-se doente pelo que acontecera, incapaz de falar com alguém, principalmente com uma pessoa tão insípida como Donald.

— Acho que Logan agiu muito mal — disse ele, não conseguindo mais se conter.

— Por quê?

— Bem, enganar você desse jeito...

— Não era o que você pretendia?

— Claro que não!

— Donald, não há mais razão para mentiras.

— Bem... está certo.

— Obrigada. Espero que use de honestidade no futuro. — Apertou as têmporas, num gesto cansado. — Parece que não tem havido muito disso ultimamente.

— Caroline... — Virou-se para ela, parecendo preocupado. — Está muito magoada, não?

— Não, claro que não. — Endireitou os ombros. — Foi só um jogo... um jogo que ambos perdemos.

— Mas você não tem que perder. — Donald hesitou, antes de continuar: — Eu ainda estou aqui.

Carry balançou a cabeça e suspirou:

— A Spencer Plastics vai ter que ficar dividida entre nós três.

— Meu pai não vai gostar nada disso.

A vontade de Carry era dizer que, por ela, sir Charles podia ir para o meio do inferno, mas conseguiu se conter. Sentia-se sem energia para começar uma discussão.

— Por quê?

— Ele quer expandir a Spencer.

— É?

— E Logan não quer.

— Ah...

— Geralmente, ele não vai contra o que meu pai faz na Spencer, mas dessa vez está irredutível. — Donald lançou-lhe um olhar de curiosidade. — Qual seria sua opinião sobre uma expansão?

Carry sentia que precisava se vingar de Logan de alguma maneira, mas não sabia o suficiente sobre a situação.

— Gostaria de ter mais dados, antes de dar uma opinião.

— Tenho certeza de que meu pai ficará feliz em colocá-la a par da situação.

— Vamos esperar um pouco, Donald — disse, irritada.

— Depois das festas, então?

— Talvez.

Ela suspirou aliviada, quando o carro entrou na rua em que morava.

— Obrigada, Donald. — Abriu a porta do automóvel assim que ele parou e desceu. O vento gelado parecia cortar seu corpo.

Ele pegou a maleta no banco de trás.

— Quer que eu suba com você?

— Não!... não, obrigada. Por favor, volte para perto da sua família. Sua tia deve estar esperando. Ligue para mim depois dos feriados, certo?

— Será um prazer.

Carry acenou uma despedida e subiu para seu apartamento. Estava exatamente como o deixara algumas horas antes: a árvore enfeitada, os presentes abertos no chão.

A primeira coisa que fez foi embrulhar de novo todos os presentes que Logan lhe dera, inclusive o colar que se esquecera de devolver. Mandaria tudo de volta assim que fosse possível.

Viveu os dias seguintes como se estivesse andando numa névoa. Passou o tempo todo assistindo à televisão, observando sem interesse os programas comoventes e as mensagens de boas festas.

Entrou muitas vezes no estúdio de Jeff. Ali, sentia-se mais próxima dele. Enquanto estava vivo, esse ideal era sagrado, e continuava como o deixara naquela noite fatídica. Seus trabalhos se espalhavam pelas prateleiras, esperando por uma nova exposição que nunca aconteceria.

Jeff era um artista de grande sensibilidade, capaz de captar nas esculturas o que havia de essencial em cada personalidade. A que Carry mais amava ficava num lugar de destaque ao lado da sua mesa de trabalho, servindo de encorajamento para as horas de menor inspiração. Era a figura de uma mulher, parecendo uma estátua grega. O rosto era lindo, sem dor ou sofrimento, e fazia Carry sentir vontade de chorar só de olhar.

Era sua mãe que estava ali, tão serena, mostrada através dos olhos do homem que a amara e que casara com ela, mesmo sabendo que estava desenganada. Jeff, seu padrasto, perdera toda a vontade de viver quando ela morreu. Carry sabia que ele não havia se suicidado, mas tinha certeza de que aceitara a morte com alegria para poder se juntar à sua amada.

Sua mãe era muito parecida com aquela estátua, só que as rugas de dor a faziam parecer mais velha. Jeff, porém, a amara sem restrições, e nunca deixara de ter esperanças de uma cura, levando-a a vários especialistas, até também se conformar com o inevitável.

Quando ele surgiu em suas vidas, quase seis anos antes, sua mãe tentara desencorajá-lo, por já ter sido muito magoada. Jeff se mantivera irredutível na decisão de casar com ela e praticamente acampou na porta da casa até ter permissão de passar algum tempo com ela. Mas isso ainda não era suficiente para Jeff: queria casamento, e nada mais o satisfaria. Ela desejava aceitar a proposta, mas ficara dividida, achando que não seria justo para Jeff casar com uma mulher que estava às portas da morte. Em desespero, finalmente pediu conselho à filha, que apoiou o romance com alegria.

Os três anos e meio que Jeff e sua mãe estiveram casados foram os mais felizes para todos, mas também os mais tristes. Tornou-se quase um jogo para ele inventar novos meios de alegrar a esposa, especialmente no final, quando ela mal podia sair da cama.

Agora, Carry sabia que a família de Jeff não tinha conhecimento daquele casamento, e não sabia também que era a outra Caroline Day, sua mãe, a mulher com quem ele havia vivido todo aquele tempo.

Iam pagar pela degradação de um amor tão lindo e perfeito. E Logan pagaria mais do que todos.

— Posso entrar?

Carry virou-se, assustada. Bateu o braço no pedestal e derrubou a escultura de sua mãe, que não chegou a cair no chão pois o reflexo de Logan foi mais rápido.

— Eu bati, mas você não atendeu — disse ele, num tom ríspido, olhando a escultura. — A porta estava aberta.

— Sim. — Arrancou a estátua da mão dele e colocou-a de volta no pedestal. — O que quer?

Logan usava um casaco com forro de pele de carneiro que o fazia parecer ainda mais alto e poderoso, e havia alguns flocos de neve em seus cabelos escuros. Carry notou tudo isso num só olhar.

Ele chegou perto da escultura.

— Vim para ver se, por acaso, não a tinha julgado mal — murmurou, parecendo hipnotizado pela figura em mármore. — Agora, sei que estava certo.

Ela também olhou para a escultura, percebendo o que Logan devia estar imaginando... que a modelo era ela! Jeff mostrava sua mãe como a via, com os olhos do amor, ainda bonita, sem nenhuma marca da idade ou do sofrimento.

— Muito boa, não acha? — perguntou, num tom provocador.

— Muito. E muito real. — Tocou um dos seios da estátua.

— Pare com isso! — Carry afastou sua mão com um tapa. — Como se atreve? — Encarou-o com os olhos cheios de lágrimas.

— Não vejo motivo para tanta indignação. Afinal, toquei o original com muito mais intimidade.

— Pode ter tocado meu corpo, Logan Carrington, mas nunca tocou meu verdadeiro eu!

— É mesmo?

— Sim! Depois que se é amada por um perito, todos os outros são amadores.

— Não diga! — Seus olhos brilhavam perigosamente.

— Sabe? Você se parece bastante com Jeff.

Não percebera isso antes, mas de fato havia semelhança entre eles. O mesmo físico poderoso, os cabelos escuros e espessos, o olhar penetrante e inteligente...

— Teria gostado dele — acrescentou, pensativa.

— Duvido. — Logan falou com rispidez e, de repente, franziu a testa. — Esse trabalho me parece conhecido. — Pegou uma das esculturas, em estilo mais moderno. — Thornton, não é?

— Sim.

— Você o conhecia?

— Sim.

— Quer dizer que meu tio não foi o único homem na sua vida?

— Não seja ridículo! Jeff Thornton era o seu tio! Logan arregalou os olhos, surpreso.

— Quer dizer que meu tio fez tudo isso? — perguntou, colocando a estátua de volta na prateleira e fazendo um gesto à sua volta.

— Sim. — Carry foi para a porta, como esperando que ele saísse. Logan percebeu a insinuação e seguiu-a até a sala de visitas.

— Não fazia idéia de que meu tio era tão talentoso.

— Você nunca se importou em saber nada sobre ele.

— Você posou para aquela escultura?

— Não.

— Então, ele deve ter feito de memória. Ela está à venda? Carry empalideceu, percebendo sua intenção.

— Nem toda sua fortuna seria suficiente para comprá-la!

— Eu não ia oferecer tanto. — A boca de Logan contorceu-se de desdém. — E sei que você não precisa de dinheiro. Meu tio lhe deixou uma pequena fortuna, não é?

— Sim.

— Devo dizer que foi uma boa idéia a de continuar vivendo aqui e trabalhando como uma moça comum. De outro modo, eu podia ter desconfiado.

— E foi uma boa idéia a sua não me apresentar a ninguém da família. Assim, eu não fiquei desconfiada.

Logan suspirou.

— Pensei que já tínhamos acabado com os fingimentos.

— Eu acabei... você não!

— Não vou deixar que assuma o controle da Spencer!

— O mesmo vale para você.

— Santo Deus, isso é ridículo. — Logan passou a mão pelos cabelos.

— Tem razão. Pensei que tinha ficado acertado que só nos veríamos de novo na reunião dos acionistas.

— Quando você, sem dúvida, apoiará os planos de tio Charles para expandir a companhia.

— Talvez.

— Então, ficará sem nada. A Spencer Plastics não agüentará um investimento tão grande.

— Ainda não tenho uma opinião formada — disse Carry, com altivez.

— Meu tio Jeffrey era contra. — Logan falou com suavidade.

— Jeff?

— Sim. Ele não compareceu à reunião dos acionistas, como sempre, mas James Seymour o representou. Imagino que você vai se opor também, não?

— Não sei. — Estava começando a ficar inquieta. — Tenho que conversar com sir Charles.

— E Donald? — perguntou Logan, ríspido.

— Talvez.

— Não acha que eu seria um marido melhor do que ele? A cor sumiu e voltou ao rosto de Carry.

— Não. Duvido que possa ser um bom marido para qualquer mulher.

— E se eu me tornasse só seu amante?

— Antes ou depois de eu casar com Donald? — perguntou, com uma calma que estava longe de sentir.

Agora sabia que nem tudo que Logan fizera nas últimas semanas tinha sido fingimento. Seu desejo de possuí-la ainda era uma coisa tangível e seus olhos estavam escuros de paixão. Porém, enganava-se muito, se pensava em ter um caso com ela!

— Isso depende de quando vai ser o casamento — disse, muito sério.

— Oh, não vai demorar muito. — Carry pensava que já sofrerá o suficiente, mas as palavras de Logan foram como facadas.

— Então, vou esperar até depois do casamento.

— E se eu não o quiser?

— Está me desafiando?

— Sim.

— Eu poderia lhe vencer facilmente.

— Por que não tenta? Logan apertou os olhos.

— Você bem que gostaria, não é?

— Não.

— Mentirosa! Já faz quase cinco meses que meu tio morreu. Deve estar sentindo falta de sexo.

Carry mordeu a língua para não responder ao insulto. Queria que Logan continuasse ignorando a verdade.

— Sempre há Donald — falou, devagar.

— Se você for do tipo que gosta de tomar a iniciativa... — Seus olhos estavam cheios de desdém.

— Donald aprende depressa.

— Teria que aprender, claro.

Mais uma vez, ela evitou uma observação mais sarcástica. Estava, cansada, não tinha ânimo para discussões. Como poderia ter amado esse homem um dia?

— Se você já disse o que veio dizer... — Fez um sinal para a porta. Logan olhou-a de alto a baixo.

— E também já vi tudo que queria ver.

— Então, quer fazer o favor de ir embora?

— Com todo prazer.

— Por favor, leve isso. — Apontou-lhe os pacotes com os presentes de Natal.

— Não quero.

— Nem eu!

— Então, jogue no lixo. — Encolheu os ombros, abotoou o casaco e depois fez uma pausa para olhá-la.. — Sabe onde me encontrar, se Donald não for homem suficiente para você.

— Quer fazer o favor de ir embora?

— Sim, eu vou. — Logan falou num tom ríspido e puxou-a com mãos rudes. — Mas, antes, vou tomar providências para você também passar esta noite em claro. — Tomou posse da boca de Carry com crueldade, até conseguir uma reação. Quando finalmente levantou a cabeça, ela estava com as pernas trêmulas e teve que se apoiar nele para não cair. — Sim... Acho que você, agora, como eu, não vai conseguir dormir.

Carry retomou o controle com dificuldade e passou a língua pelos lábios doloridos.

— Só não está conseguindo dormir por causa da sua consciência culpada — ela balbuciou, com raiva.

— Sim, você deve saber. É mestra nisso.

Ela fechou a porta e encostou-se na parede, ouvindo o ruído do elevador. Logan era a última pessoa que podia imaginar que ia ver naquele dia e a surpresa a fizera dizer coisas que não devia.

Foi para o telefone e discou rapidamente, antes de ter tempo de mudar de idéia.

— Donald Spencer, por favor — pediu, assim que o mordomo atendeu. — Donald? Aqui é Caroline. Você sugeriu um encontro. Que tal jantar amanhã? Ótimo — respondeu, com uma falsa alegria que desapareceu no instante em que desligou.

 

— Santo Deus, acho que estamos todos com uma ressaca daquelas! — disse Mike, brincalhão. Felizmente o escritório estava aberto de novo. Mais um dia no apartamento e Carry teria enlouquecido. — Não preciso perguntar se você teve um bom Natal. Pela cara...

Ela sorriu sem responder. Como poderia dizer que passara o pior Natal de sua vida? Continuou conversando com fingida alegria, só recuando nas brincadeiras quando Mike estranhou ela não receber nenhum telefonema de Logan Carrington até a hora do almoço.

— Pensei que fosse almoçar com ele.

— Não. — Carry evitou seu olhar. — Não deu certo.

— Oh!

— Tudo bem, Mike. Já vou sair com um outro esta noite.

— Não perde tempo, hein, menina?

— Oh, não! — Deu uma risada, esperando que Mike não percebesse sua falsidade. Felizmente, o resto do dia foi tão agitado que não houve mais tempo para conversas.

Seu coração deu um salto de alegria, quando voltou para casa no fim da tarde e descobriu que Marilyn e Bill tinham voltado.

— Pensei que fossem ficar fora por meses! — Abraçou Paul e sentiu-se imediatamente melhor. A inocência dele era o bálsamo que precisava para suas feridas.

— Bill não conseguiu agüentar mais — disse Marilyn, com uma careta. — Felizmente, a recuperação de papai foi quase milagrosa. Para falar a verdade, é bom estar em casa de novo.

— É uma alegria ter você de volta!

— Será que estou percebendo um pouco de entusiasmo demais? — Marilyn franziu a testa e olhou fixamente para a amiga.

Carry suspirou e pôs Paul no chão para brincar.

— Sim.

— Logan?

— Logan? — repetiu Bill, vindo da cozinha.

— Sim. — Carry suspirou de novo. — O homem que eu pensava que amava era... era Logan Carrington.

Marilyn continuou com a mesma expressão, mas Bill não escondeu a surpresa.

— Da Carrington Cosméticos?

— É.

— O Carrington que faz parte da Spencer Plastics?

— É.

— Aquele canalha, fi...

— Cuidado com Paul!

— Acho que não estou entendendo — disse Marilyn.

Bill explicou a situação para a esposa, enquanto Carry brincava com Paul.

— Que horrível! — exclamou Marilyn. — Quer dizer que... que ele fez você se apaixonar de propósito?

— É. Parece que os Spencer e Logan não têm escrúpulos, quando se trata de dinheiro.

— Quer que eu vá dar alguns sopapos nele? — perguntou Bill, muito sério.

— Oh, Bill, obrigada. Estou feliz por poder contar com você como meu protetor. De qualquer modo, já estou começando a me vingar. Vou sair com o primo dele esta noite.

— Mas ele também é da família! — Marilyn fez um ar preocupado.

— Sim, mas é inofensivo, um pobre coitado dominado pelos pais. Por falar nisso... Bill, alguém falou alguma coisa sobre a expansão da Spencer. O que acha da idéia?

— Não é boa.

— Não?

— A situação não está para isso. Eles terão que fazer um empréstimo a juros muito altos e não conseguirão qualquer retorno antes de cinco anos, pelo menos. Se você tivesse lido o relatório...

— Mas eu li.

— Então, já sabe que atualmente eles estão tendo um bom lucro.

— Sim.

— Com a expansão, o resultado seria bem diferente. A maior parte dos dividendos teria que ser usada no pagamento do empréstimo. O que foi? — perguntou, ao ver a careta de Carry.

— Logan me disse quase a mesma coisa.

— Bem, está certo. Claro, vocês, milionários, têm dinheiro suficiente para agüentar um baque desses. Mas o fato é que ninguém pode precisar como estará a situação econômica daqui a cinco anos.

— Quer dizer que nada de expansão?

— Eu não aconselharia.

— Logan também é contra — reiterou ela, com relutância.

— E você não quer concordar com ele. — Bill fez um ar compreensivo.

— Não. Também me comprometi a ter uma conversa com sir Charles.

— Não vejo nenhum mal nisso. Pode ser que ele lhe apresente a coisa sob um ângulo diferente. Não custa você ouvir.

— Certo. Bem, agora tenho que ir me vestir para sair com Donald. — Sorriu e acrescentou: — Ele pode ser um idiota, mas pelo menos é um idiota honesto.

— Já é alguma coisa! — Marilyn riu.

Nem a Bill ou a Marilyn, seus melhores e mais íntimos amigos, Carry teve coragem de revelar o quanto ficara profundamente magoada com o que Logan pensava de sua amizade com Jeff. Era algo pessoal demais, uma dor só dela.

A companhia de Donald foi uma surpresa, Agora que não precisava mais fingir que estava loucamente apaixonado, ele se mostrou mais à vontade, apesar da natural timidez.

— Meus pais querem que você vá à festa de Ano-novo da família — disse, ao levá-la para casa.

— Logan estará lá? — perguntou, ficando imediatamente tensa.

Talvez.

— Então, acho melhor eu não ir.

— Ora, Caroline, vá! Logan raramente aparece nas festas da família. Sempre as detestou. De fato, quando voltei para a casa da minha tia no Natal, ele estava completamente bêbedo. Minha mãe ficou muito chocada.

Carry podia imaginar a expressão de lady Spencer. E o motivo da bebedeira de Logan estava claro: seus planos tão cuidadosamente elaborados tinham ido por água abaixo.

— Meu pai acha que vocês poderiam aproveitar a ocasião para ter aquela conversa — acrescentou Donald, como se fosse impossível Carry recusar uma sugestão de sir Charles.

— Está bem. — Sorriu da ingenuidade do rapaz. Era incrível ver alguém com quase trinta anos obedecendo aos pais daquele modo.

Donald virou-se e notou seu olhar.

— Sei o que está pensando. — Suspirou. — Até agora, tenho feito de tudo só para poder viver em paz, mas um dia desses vou virar a mesa e surpreender todos vocês!

A festa de Ano-novo já estava animada, quando chegaram, às nove e meia. Era bem diferente das que Carry freqüentava. Mulheres cobertas de jóias e homens vestidos a rigor, na maioria velhos que davam a impressão de já estarem à beira do terceiro enfarte, conversavam sobre assuntos sérios, enquanto tomavam suas bebidas.

— Champanhe! — anunciou Donald, no seu tom de adolescente, trazendo duas taças.

Carry pegou a bebida e ficou olhando em volta com uma despreocupação estudada. Nenhum sinal de Logan, o que não significava que não viria. Afinal, ainda havia muito tempo até a meia-noite.

— Minha querida Caroline! — Lady Spencer apareceu subitamente a seu lado, acompanhada de um homem alto, de aparência distinta. — Juiz MacCorley, quero apresentá-lo a Caroline Day, uma querida amiga de meu filho — falou, com entusiasmo.

— Muito prazer, minha cara. — O homem apertou sua mão carinhosamente. — Será que isso significa que estou ouvindo sinos de casamento?

— Nunca se sabe, Malcolm, nunca se sabe. Não é, Donald? — Lady Spencer virou-se para o filho, com um sorriso conspirador.

— E claro, mamãe.

— Venha, Malcolm, quero apresentá-lo a outros amigos. — Lady Spencer deu o braço ao juiz. — Só quis que ficasse conhecendo Caroline em primeiro lugar porque... bem, ela é especial.

O sorriso de Carry estava tão fixo que sentiu o rosto dolorido. Quanto fingimento! Imaginava que lady Spencer fosse capaz de maiores sutilezas!

— Mamãe é... Bem, ela... — Donald parecia não encontrar as palavras. — Ela tem grandes esperanças para o meu casamento.

— E a mulher que você ama está à altura dessas... esperanças?

Ele ficou muito corado, e um brilho de cautela surgiu em seus olhos azuis.

— Sabe que gosto de você!

— Eu estava falando da mulher que você ama, Donald — disse Carry, pondo a mão no braço dele, num gesto confortador.

— Eu...

— E não sou eu, não é?

— Não...

Ela gostaria de gritar de triunfo por ter conseguido que Donald fizesse aquela confissão.

— Quer um conselho, meu amigo?

— Eu... — Franziu a testa. — Quero.

— Case com a mulher que ama e esqueça todo o resto.

— Não é assim tão fácil.

— Acredite em mim: é muito mais fácil do que você imagina.

— Boa noite, Donald, Caroline — a voz de Logan gelou no segundo nome. — Bem que imaginei que estariam aqui.

Ela precisou de toda a força de vontade para virar-se. Logan estava soberbo no traje de noite, a camisa muito branca contrastando com sua pele morena.

Carry respirou fundo e respondeu, com toda a confiança que conseguiu:

— Nesse caso, estou surpresa de que você tenha vindo.

Ele não respondeu logo. Começou a despi-la com um olhar insolente, demorando-se no decote generoso do vestido.

— Esta é uma festa de família, srta. Day. E não acho que você já faça parte dela. — Esperou pelo efeito da alfinetada, antes de virar-se para a moça a seu lado. — Vocês dois já conhecem Audrey.

Audrey Harris! Carry mal tinha reconhecido a secretária de Logan no vestido brilhante e com os cabelos presos num penteado ultra-moderno.

Donald franziu a testa.

— Acho que não...

— É a secretária de Logan, querido — disse Carry, num tom carinhoso, acariciando o braço dele, com intimidade. Sentiu um estremecimento de satisfação ao ver os olhos cinzentos se estreitarem, irritados. — Que bom ver você de novo, Audrey — disse, com falsa doçura.

— Como vai, srta. Day. — A moça virou-se para Logan. — Então, não vai me apresentar a pessoas mais interessantes? Você me disse que íamos nos divertir, mas até agora a festa me parece muito maçante. — Lançou a Carry um olhar desafiador.

Ela não podia fingir que estava surpresa em ver Logan com a secretária.

— Tenho a sensação de que já participei dessa peça — disse baixinho lembrando-se de Danielle.

— Foi um pouco diferente — zombou Logan.

Claro que tinha sido diferente. Desta vez, ela era a namorada abandonada. Bem, não podia se queixar!

— Será que podemos ir dar uma volta no jardim de inverno? — perguntou a Donald. — O ar aqui está um pouco... pesado.

A boca de Logan transformou-se numa linha tensa e fina e seus olhos brilharam de raiva.

— Venha, Audrey, quero apresentá-la a algumas daquelas tais pessoas interessantes. — Afastaram-se. Formavam um casal atraente, ambos altos e vistosos, chamando muita atenção.

— Para o jardim de inverno, Donald — lembrou Carry, ao perceber que o rapaz estava imóvel, impressionado com a atitude arrogante do primo.

— Oh, claro — concordou, num tom meio ausente. Pegando-a pelo braço, conduziu-a para os fundos da casa. — Não sei como Logan teve o atrevimento de trazer a secretária. Minha mãe vai ficar furiosa, quando souber quem ela é.

Carry tinha dúvidas de que Logan se importaria com a opinião da tia. Pessoalmente, estava cansada de todo aquele pedantismo, das alfinetadas. Desejou nunca ter concordado em vir, desejou...

— Donald, sua mãe está procurando você.

Carry virou-se de sopetão, ao ouvir a voz de Logan e arregalou os olhos ao ver que estava sozinho. Ele a observava impassível.

— Mamãe? — Donald fez um ar intrigado.

— Sim. Se fosse você, eu sairia correndo.

— Ela quer falar comigo agora?

— Já faz uns dez minutos que está à sua procura — disse Logan, num tom provocador.

— Oh, Deus! — Pareceu assustado. — Caroline...

— Pode ir, Donald. Eu ficarei bem aqui.

— Venha comigo.

— Não, vá sozinho. — Deu-lhe um sorriso vago. Só tinha olhos para Logan.

— Ora, mas...

— Pelo amor de Deus, Donald, vá logo. — Logan falou com grosseria. — Ninguém quer você aqui.

— Olhe aqui, Logan...

— Está tudo bem, Donald — Carry tentou apaziguar. — Estarei com você num minuto.

— Olhe, se não fosse por minha mãe...

— Quer dar o fora daqui, Donald? — A expressão de Logan era simplesmente ameaçadora.

O rapaz saiu, fechando a porta.

Carry lançou um olhar furioso para Logan.

— Você foi grosseiro.

— Tão grosseiro como o jogo que estamos jogando.

— Jogo?

— Bem, ao menos começou como um jogo, apesar de ter se transformado em algo mais sério.

— Não faço idéia do que está falando. — Carry procurou se afastar dele, sentindo a força do magnetismo que parecia atraí-la.

— Não importa quais tenham sido os motivos do nosso primeiro encontro ou do nosso noivado: o fato é que queremos um ao outro agora. Não negue, Carry. Você está usando Donald e eu estou usando Audrey, mas isso não muda a verdade.

Seu coração batia com tanta força que ela pensou que ia ficar surda com o barulho. Mal podia respirar.

— Você conseguiu dormir, depois que a deixei naquela última noite? — perguntou Logan, rouco.

Carry baixou os olhos e ficou em silêncio, mas o rosado das faces a denunciou.

— Vejo que não. — Ele sorriu. — Eu também não.

Não ia se deixar seduzir por aquelas palavras. Tinha que se lembrar de como havia sido usada, deliberadamente, também do que ele e a família pensavam dela e de Jeff.

— Por acaso, isso significa que quer começar nosso caso agora mesmo? — perguntou, num tom de zombaria. — Que não agüenta esperar até eu casar com Donald?

Os dedos que seguraram seu braço pareciam garras de aço.

— Não vai se casar com Donald.

— Não?

— Não!

— Ora, mas eu vou. — Puxou o braço. — E muito bom saber que me deseja, Logan. Mas está muito enganado a meu respeito. Não quero você. Oh, sem dúvida seria um amante incrível, mas estou certa de que não gostaria de se tornar meu amante, só porque faz me lembrar de Jeff, não é?

— Já falou nele demais!

— E já estou cansada desse tipo de cena! — Ficou muito séria. — Você perdeu, por que não aceita a verdade?

— Pelo amor de Deus, esqueça aquelas ações ao menos por um minuto! Estou falando de nós.

— O que havia entre nós está morto.

— Carry...

— Mamãe não estava querendo falar comigo, Logan. — Donald entrou no jardim de inverno com uma expressão mal-humorada. — E a sua... a Srta. Harris está procurando você. A irritação acabou por vencê-lo. Afinal, Logan disse, com um suspiro:

— Certo, estou indo.

Como sempre, Donald parecia alheio aos acontecimentos à sua volta:

— Tia Cissy está melhor? — perguntou, num tom alegre.

— Sua mãe está doente? — Carry virou-se para Logan, preocupada.

— Ela escorregou na neve há alguns dias.

— Oh, sinto muito. — Bem que notara sua ausência. — Ela está bem?

— Um pouco machucada, mas nada sério.

— Papai gostaria de falar com você agora, Carry — disse Donald, ansioso. — Está esperando na biblioteca.

— Uma conversinha de negócios? — perguntou Logan.

— E se for?

— Talvez fosse melhor eu ir também. Sou um dos acionistas da Spencer, lembra?

— Não me esqueci, Sr. Carrington. Mas esta é uma conversa particular.

— Em outras palavras, está me dizendo para ficar com o nariz fora disso?

— Sim!

— Muito bem. — Virou-se e foi até a porta. — Vejo você na quinta-feira, Caroline.

— Quinta-feira?

— Na reunião dos acionistas.

— Oh... Oh, sim.

Assim que Logan se afastou, ela conseguiu recobrar o controle.

— Vamos falar com seu pai, Donald.

— Oh, ele não me quer lá. — O rapaz corou. — Nunca fala de negócios comigo.

— Mas, dessa vez... Não faz mal. — Resolveu não se intrometer nos hábitos da família Spencer.

Sir Charles estava sentado numa poltrona ao lado da lareira. Fumava um charuto com o ar de satisfação. Carry sentiu-se como uma mosca caindo na teia de aranha.

Sir Charles levantou-se, enquanto ela hesitava na porta.

— Entre, Caroline — disse, com um grande sorriso. — Venha, sente-se.

Obedeceu e levou um bom tempo ajeitando a saia na poltrona, procurando se acalmar. Quando olhou para cima, surpreendeu uma expressão de desdém no homem, que ele rapidamente tentou esconder.

— Vamos direto ao assunto — disse ela, num tom duro. — O senhor quer que eu vote a favor da expansão da Spencer Plastics. Por que acha que devo fazer isso?

— Bem... eu... Você é um tanto brusca, minha cara.

— Gosto de ser direta. — Encarou-o com firmeza. — E gosto que as pessoas sejam diretas comigo. Até agora, só ouvi os argumentos contra e quero saber quais são seus argumentos a favor.

Sir Charles começou a explicar. Suas palavras, hesitantes e abruptas, deixaram claro que estava aborrecido em ter que confiar seu ponto de vista a uma coisinha insignificante como Carry. Quando terminou, ela ainda não tinha uma opinião, embora tivesse lido cuidadosamente o relatório de Bill. Não conhecia o suficiente sobre assuntos industriais para isso.

— Confie em mim, minha cara — encorajou sir Charles, vendo-a confusa. — Faz mais de trinta anos que dirijo minha companhia e espero continuar por mais trinta.

— Mas... e Donald?

— Ele não tem jeito, Caroline. Não nasceu para mandar.

Irritou-se com essas palavras. Afinal, o pobre Donald era tratado como um menino idiota. Como podia desenvolver um sentido para os negócios?

— Vou pensar no assunto — disse, levantando-se.

— Não demore muito, minha cara. — Sir Charles também se levantou e bateu a cinza do charuto. — A reunião será dentro de poucos dias. Estou contando com seu apoio.

— Tentarei fazer o melhor possível. — Carry deu-lhe um sorriso frio, sem se comprometer.

— Agora é melhor voltarmos à festa. Falta pouco para a meia-noite. — Ele abriu a porta. — Sempre gostei do começo de um novo ano. É como se fosse uma nova oportunidade de recomeçar para todos. — Sorriu e foi para junto da esposa.

Recomeçar, pensou Carry. Sim, era disso que precisava. Tinha que se afastar de tudo que lembrasse Logan. Resolveu que essa seria sua decisão para o ano que se iniciava. Logo que terminasse aquela reunião de acionistas, sairia para um longo período de férias... O relógio começou a bater a meia-noite.

— Feliz Ano-novo, Carry.

Ela olhou para o rosto do homem que amava, que sempre amaria.

— Feliz Ano-novo, Logan — disse, com a garganta apertada e os olhos cheios de lágrimas. Levantou o rosto e recebeu um beijo suave.

— Não era bem assim que eu imaginava que seria o nosso Ano-novo — disse ele.

— Nem eu. Até os melhores planos podem dar errado.

— Sim. — Logan suspirou.

— Acho que Audrey está esperando pelo seu beijo.

— Claro. — Afastou-se na direção da secretária, que parecia querer fuzilar Carry com seus olhos bonitos.

— Feliz Ano-novo, Caroline! — Donald pegou-a nos braços e plantou-lhe um beijo na boca.

Os minutos seguintes foram cheios de votos de boas-vindas ao novo ano, com muitos beijos e brindes. Quando Carry teve oportunidade de olhar em volta, Logan e Audrey já não estavam mais na festa. Talvez fosse melhor assim. Porém, começou a sentir que sua resolução de Ano-novo já não estava tão forte.

 

Bill acompanhou-a à reunião na quinta-feira. Sua presença lhe dava confiança.

Carry endireitou os ombros ao entrar no prédio. Estava pronta para a batalha. Foram conduzidos à sala de reuniões por uma recepcionista jovem e elegante, que não escondeu a curiosidade por ver estranhos naquele salão.

Sir Charles e Logan já estavam sentados à mesa, quando entraram.

— É a srta. Day, sir Charles — disse a secretária.

— Obrigado, Lena. — Os dois homens levantaram-se ao mesmo tempo. — Por favor, sente-se, Caroline. Sr. Lane...

— Obrigado. — Bill sentou-se ao lado dela e colocou uma pasta à sua frente.

— Acho que não havia necessidade da presença de seu advogado, Caroline — disse sir Charles, num tom de reprovação.

— Bill também é meu conselheiro de negócios.

— Muito bem. Agora, acho melhor começarmos.

— Não fui apresentado ao Sr. Lane — disse Logan.

Carry levantou os olhos rapidamente para ele e sentiu um aperto no coração.

Bill Lane, Logan Carrington.

Bill? — Logan franziu a testa. — Por acaso você é pai de um menininho chamado Paul?

Bill pareceu um pouco chocado com a pergunta inesperada.

— Ora... sou.

— E como vai ele? — O interesse de Logan era real. Havia um sorriso terno em seu rosto. — O coitadinho estava sofrendo com os dentes, quando o vi.

— Acho que o pior já passou — disse Bill, um pouco sem jeito.

— Será que podemos começar, Logan? — perguntou sir Charles, mal-humorado.

— O Sr. Lane tem um menino encantador...

— Mas acho que ele não é assunto desta reunião.

— Não, claro que não. — Logan falou com zombaria. — Vá em frente, Charles.

— Obrigado!

— De nada. Para Carry, a reunião transformara-se numa farsa. Bill, que chegara cheio de ressentimento pelo comportamento de Logan em relação a ela, e com quem contava como seu maior aliado, agora parecia encantado com o outro. Sim, fora uma atitude muito esperta. O advogado agora não era mais do que um pai indulgente e amoroso. Ela mal escutou o início da reunião, achando a discussão muito técnica e cansativa. Nunca seria uma mulher de negócios, tinha plena certeza disso!

— Bem, vamos ao caso da expansão. — Sir Charles sorriu para todos. Acho que não teremos muita discussão, porque nós três já sabemos como vamos votar.

— Carry? — Logan olhou para ela.

— Estou pronta.

— Eu também. — Ele fez um sinal para o tio.

— Será mais fácil dizer quem é contra e quem é a favor. Tanto Carry quanto Logan ficaram em silêncio, e ela notou a confiança de sir Charles esmorecer.

— E então, Caroline? — perguntou, ríspido.

— Comece a votação, Charles — insistiu Logan, com os olhos fixos no rosto dela.

— Caroline...

— Contra — disse Logan, com firmeza.

— Contra — ecoou Carry.

As reações em torno dela foram instantâneas. Sir Charles elevou a voz em protesto. Logan sorriu em aprovação.

— Não compreendo, Caroline, você não pode estar falando a verdade! — Sir Charles estava completamente chocado.

— Mas estou. — Levantou-se para sair. — Se o senhor quiser saber por que, estou certa de que Bill esclarecerá tudo.

— Naturalmente. — Bill percebeu seu pedido de ajuda.

Sir Charles, Sr. Carrington. — Despediu-se deles com um aceno distante de cabeça e saiu da sala de reuniões, tomando a direção do elevador.

Sabia que devia estar com uma aparência muito composta. No entanto era só pose. Suas pernas tremiam.

— Carry?

Logan alcançou-a quando entrava no elevador. Carry apertou o botão muito consciente de sua proximidade. Já notara que ele usava as abotoaduras que lhe dera de presente.

— Por quê?

Ela encolheu os ombros, não fazendo qualquer esforço para fingir que não sabia do que ele estava falando.

— Não seria bom para os interesses da companhia — respondeu, rezando para o elevador chegar logo ao térreo.

— Muito louvável. E que tal me dizer agora qual foi o verdadeiro motivo? Eu poderia ter apostado que você ia ficar ao lado de Charles, só para se vingar de mim.

— Sim, por mim, eu faria isso. — Seus olhos brilhavam. Chegara o momento da revelação. O jogo já tinha ido longe demais. — Mas não era o desejo do meu padrasto. — Falou com voz firme e viu Logan empalidecer. — Não, Jeff não teria aprovado a expansão da Spencer. Você me disse isso e, pelo menos uma vez, acho que falou a verdade. — Saiu do elevador e tomou a direção das portas de vidro, sentindo as pernas pesadas como se fossem de pedra.

 

Logan foi atrás dela.

— Carry! — Segurou seu braço, quando chegaram à calçada. — Pelo amor de Deus, explique suas últimas palavras.

Virou-se, com um olhar desafiador.

— É muito simples, Logan. Ao contrário do que todos vocês parecem pensar, Jeff era meu padrasto e não meu amante.

— Não compreendo.

— Minha mãe foi casada com seu tio. — Outro pensamento lhe ocorreu. — O que, de certo modo, me faz sua prima — acrescentou, com ironia.

— Mas Charles me disse que Jeff estava vivendo com uma mulher chamada Caroline Day!

— E estava... com minha mãe. E ela não era Caroline Day quando estavam juntos. — Fez sinal para um táxi. — Era Caroline Spencer. — Abriu a porta do carro e entrou.

— Você não pode ir embora desse jeito. Não terminei de falar.

— Não há nada mais a dizer.

— Para onde, senhorita? — perguntou o motorista.

— Rua...

— Carry, quero falar com você!

— Já disse que não temos mais nada a conversar.

— Mas...

— Não posso ficar esperando aqui para sempre, moça — disse o motorista. — Estou na entrada de uma garagem.

— Quer fazer o favor de não se meter? — Logan falou com rapidez.

— Desculpe-me por estar vivo — resmungou o homem, virando-se para a frente.

— Carry, saia daí. Vamos a algum lugar para conversar.

— Já lhe disse que não temos mais nada a conversar. — Deu o endereço de sua casa para o motorista. — Adeus, Logan. — Lançou-lhe um olhar gelado e bateu a porta.

— Puxa! — O motorista deu a partida com uma risadinha, olhando Logan pelo retrovisor. — Você é geniosa, hein?

— Sou — respondeu, sem ânimo para conversar.

— Seu marido?

— Não.

— Ele vai voltar. — O homem olhou para trás e deu uma piscadela. — Não vai querer perder uma moça bonita assim!

— Obrigada.

Sabia que Logan não ia voltar, que ela não queria que voltasse. O fato de saber agora que Jeff era seu padrasto podia ter mudado alguma coisa para ele, mas nada mudara para ela. Logan a usara. Nada poderia mudar isso.

 

Marilyn convidou-a para tomar uma xícara de chá, assim que a viu chegar.

— Larguei o pobre Bill sozinho diante da fúria de sir Charles — explicou Carry, com um ar tristonho.

— Não se preocupe. Depois daquele primeiro encontro, quando Bill pensou que ia morrer congelado com os olhares do homem, já se acostumou e está preparado para tudo.

— Espero que sim. — Carry tomou um gole de chá com mãos trêmulas, algo que Marilyn logo percebeu.

— Foi difícil? — perguntou, carinhosamente.

— Não muito — respondeu, com uma careta. — "Exceto aquela última cena com Logan", pensou. Era estranho. Sempre imaginou que ia sentir grande satisfação quando lhe revelasse seu verdadeiro relacionamento com Jeff, mas não sentira nada. Só uma grande sensação de vazio.

Sir Charles... Ei, parece que foi a sua campainha!

— Não ouvi nada.

— Estou acostumada a ouvir todos os barulhinhos por causa de Paul. Marilyn deu uma risada. — Sim, tocou de novo. Deixa que vou ver quem é. Carry, como Marilyn, tinha a certeza de que era Logan.

— Se for ele...

— Direi que você ainda não voltou.

— Obrigada.

Devia saber que Marilyn não era bastante forte para impedir a entrada de Logan!

Ele entrou pisando duro, acompanhado da moça, que parecia muito aflita.

— Quero falar com você, Carry. Podemos ir ao seu apartamento, ou quer ficar aqui mesmo?

Ela ficou em silêncio, Marilyn estava boquiaberta.

— E então? No seu apartamento? — repetiu Logan, ríspido.

— Se insiste. — Levantou-se. — Lamento tudo isso, Marilyn.

— Ora, não faz mal. Mas chame, se precisar de alguma coisa.

— Não pretendo fazer mal a Carry — disse Logan, irritado. — Só quero falar com ela.

Marilyn enfrentou seu olhar gelado.

— Já fez muito mal a ela, no passado.

— Foi mútuo. — Logan deu um suspiro impaciente. — Vamos, Carry?

Ela entrou no apartamento na frente dele e depois fechou a porta.

— O que quer conversar? Logan deu um suspiro e sacudiu a cabeça.

— Sabe que me deu um choque ainda há pouco, ao falar do meu tio. Nenhum de nós fazia idéia de que ele era casado, que tinha uma enteada.

— Isso ficou bem claro.

— Como podíamos imaginar que...

— Pois deviam! — Os olhos dela brilhavam de raiva. — Era um homem maravilhoso, um homem de princípios... não puderam pelo menos acreditar que ele poderia amar uma moça da minha idade? E você? Como pôde pensar que eu seria amante de um homem apenas por interesse? Se me amasse, como dizia...

— Como digo! Ainda te amo. Mesmo quando estava certo de que tinha sido amante do meu tio, continuei te amando. Ainda amo.

A intensidade da sua voz a fez virar-se para ele.

— Nem sabe o significado dessa palavra!

— Sei que amo o suficiente para casar com você. — Enfrentou o olhar dela sem pestanejar.

— Comigo... e com as ações da Spencer.

— Malditas ações!

— Malditas, Logan? E é você quem diz isso, quando estava disposto a fazer qualquer coisa para consegui-las? Oh, não! Para mim, elas não são malditas. Se não fosse por elas, eu ainda estaria acreditando no seu amor, como uma menina ingênua...

— Carry...

— Por favor, saia. Não quero ver você nunca mais.

Por um instante, Logan pareceu disposto a continuar, mas depois suspirou. .— Está bem, eu vou. Mas prometo voltar.

— Se esta tem o mesmo valor que as outras promessas que me fez, sei que nunca mais o verei.

— Essa promessa é tão sincera como as outras que fiz. — Logan tomou-a nos braços e beijou-a com uma paixão sem reservas. Seus olhos estavam escuros, quando a soltou. — Eu te amo, Carry. Um dia, ainda vai se convencer disso.

— Talvez, se você desistir das suas ações na Spencer Plastics.

— Ou você desistir das suas — disse ele, baixinho. — Pense nisso.

Ela levou vários minutos para se recuperar, depois que Logan saiu. Tinha que ir contar a Marilyn o que acontecera.

Bill já estava em casa, quando bateu na porta vizinha.

— Como foi? — perguntou, com um sorriso.

— O que você acha? — Bill fez uma careta. — Sir Charles ficou louco da vida com o seu voto. Deu a impressão de esperar mais lealdade da sua futura nora. — Acrescentou, com um sorriso brincalhão.

— Ele acredita mesmo nisso?

— Acredita. — Bill deu uma risadinha. — Há homens que não sabem aceitar a derrota.

— E verdade... — Marilyn lançou um olhar de curiosidade para Carry. — O Sr. Carrington já foi embora?

— Ele esteve aqui? — perguntou Bill, surpreso,

— Agora mesmo — disse a esposa.

— Bem que achei que ele ia seguir você, Carry. Ficaria muito brava, se eu dissesse que gostei dele?

— Sim! — protestou Marilyn.

— Não. — Carry riu da veemência da amiga. — Ele é um homem muito agradável.

Muito mais do que agradável, pensou, esperando não ter que vê-lo de novo. Detestava ter que admitir que mais uma vez correspondera a seus beijos.

No dia seguinte, Carry recebeu uma visita inesperada: Cicely Carrington. Não conseguiu esconder o espanto ao abrir a porta. Teria Logan pedido à mãe que viesse? Depois notou a atadura no tornozelo da mulher.

— Logan me disse que a senhora tinha se machucado. Por favor, entre e venha sentar-se. Está doendo?

— Oh, não. Não foi nada grave.

Fosse qual fosse o motivo daquela visita, Carry gostava sinceramente dela.

— Quer uma xícara de chá?

— Só se não for muito trabalho. — Afundou numa poltrona, com um suspiro de alívio.

— Claro que não.

Enquanto preparava o chá, Carry ficou imaginando o que a irmã de Jeff teria vindo fazer ali. Se era por causa de Logan, estava perdendo tempo. Nunca mais queria falar dele.

Porém, a sra. Carrington não parecia ter pressa de entrar no assunto e aceitou a xícara com um de seus sorrisos doces e simpáticos.

— É um lindo apartamento — disse, olhando em volta. — Jeff sempre teve muito gosto. Ele ajudou a decorar?

Carry sorriu, lembrando-se do quanto tinham se divertido. Jeff podia ser um artista, mas era um caso perdido quando tinha que lidar com coisas práticas como pintura de paredes.

— Sim, ajudou. Mas sob protesto. A escultura era sua verdadeira arte.

— Sim, Logan me contou como era talentoso. Ele conhece essas coisas. — Falou de modo natural, como se confiasse totalmente no filho, sem exibições ou convencimento.

Carry lembrou-se de como ele reconhecera imediatamente que as peças no estúdio eram obra de Thomton.

— Sim.

— Foi pena eu não ter podido vir antes — disse a sra. Carrington, depois de tomar um gole de chá. — Não sei como fui fazer a bobagem de escorregar no gelo.

— A senhora chegou a quebrar o tornozelo?

— Foi só uma torção, meu bem. O pior foi ter que ficar deitada, dependendo dos outros. Vivo dizendo a Logan que sou independente, e tinha que acontecer uma coisa dessas para me pôr no devido lugar.

— Mas podia ter acontecido a qualquer um, até a ele — disse Carry, num tom duro. A simples menção do nome de Logan a fazia estremecer.

— Não, nunca com Logan.

Desejou que a mulher esclarecesse logo o motivo da sua visita. Não podia ser só uma gentileza social. As menções a Logan e a expectativa a estavam deixando nervosa.

— Deve estar imaginando por que estou aqui, não é?

— Bem... sim.

— Como lhe disse antes, eu teria vindo há mais tempo, se pudesse sair de casa. Mas o que Logan me contou ontem me fez vir para conversar com você.

— É mesmo?

— Sim. Fiquei feliz ao saber que Jeffrey acabou casando com a mulher que amava. Quando Logan levou você lá em casa no Natal, achei que já a conhecia de algum lugar. Mas, como o sobrenome Day não me disse nada, custei a me lembrar. Já faz muito tempo, sabe?

Carry estava totalmente confusa com essas palavras incompreensíveis. A Sra. Carrington não parecia estar falando coisa com coisa. Talvez estivesse tomando remédios demais para a dor.

— Sim — disse, só para agradá-la.

— Afinal, Caroline Day é bem diferente de Caroline Bennett, não?

— Claro. — O interesse de Carry se aguçou ao ouvir o nome de solteira da mãe. Talvez a Sra. Carrington soubesse do que falava.

— Quando a vi no Natal, tive a impressão de estar voltando vinte e cinco anos atrás.

— É mesmo?

— Você não faz a mínima idéia do que estou falando, não é?

— Hã... não.

— Sua mãe e Jeffrey nunca lhe contaram?

— Contaram... o quê?

— Oh, Deus! — A mulher deu um suspiro tristonho. — Pensei... bem, acho que é mais uma mancha negra na nossa família. E só Deus sabe que existem muitas, principalmente no que diz respeito a você!

Carry sentia-se nervosa. Aquela conversa era totalmente inesperada.

— A senhora poderia... poderia me contar? — pediu, rouca.

— Claro, meu bem. Afinal, foi para isso que vim aqui. Há vinte e cinco anos, quando meu irmão Jeffrey tinha só vinte anos e sua mãe, dezoito, ela foi violentamente rejeitada por minha família como uma possível esposa para ele.

A informação foi tão inesperada, que Carry sentiu como se tivesse levado um soco.

— A senhora está dizendo que eles já se conheciam há muito mais do que seis anos?

— Sim. Você ainda nem era nascida, meu bem. Carry afundou na poltrona, muito pálida.

— Eu... Será que a senhora pode contar tudo, por favor?

— Claro. Mas, antes, tome seu chá. Acho que você levou um choque. Acalme-se um pouco.

Fora de fato um choque. Jeff e sua mãe nunca tinham nem mesmo insinuado que já se conheciam antes. Mas isso explicava a juventude da estátua, a determinação de Jeff de casar com ela, apesar de sua doença... muitas, muitas coisas.

Tomou o chá e procurou acalmar-se, para tranqüilizar a Sra. Carrington, que parecia muito aflita. Depois, insistiu em saber mais.

— Ninguém da família Spencer agiu bem naquela época — disse a mulher, tristonha. — Nem mesmo Jeffrey. Mas ele era muito jovem e nosso pai, ainda mais dominador do que Charles.

Carry balançou a cabeça. Também tinha consciência de que os tempos e costumes eram bem diferentes no passado.

— Sua mãe era uma das empregadas da casa de meu pai. Eu já estava casada e tinha Logan. Ele estava com uns dez anos e sentia verdadeira adoração pelo tio.

— Sim, as crianças sentiam algo de especial por Jeff — disse Carry, com dificuldade.

— Ele era maravilhoso. — Lágrimas brilharam nos olhos verdes de Cissy Spencer. — Como eu gostaria de ter sabido de sua morte a tempo para poder ir ao enterro. Morreu logo depois da sua mãe, não foi?

— Três meses depois.

— Como deve ter sido terrível para você, meu bem.

— Sim... Mas a senhora estava falando que minha mãe era empregada...

— Oh, sim. Sinto muito, querida, estou emocionada. Mas lembro-me muito bem da sua mãe. Era muito parecida com você e cheia de vida e energia. Eu e meus irmãos fomos criados com muita formalidade e pouco carinho. Sua mãe trouxe o sol e a alegria de viver à vida de Jeffrey. Ele a amou desde o primeiro instante em que a viu e ela o amava também.

— O que deu errado?

— Meu pai interferiu. Naquela época, ninguém se atrevia a desafiar o pai, e Jeffrey era muito jovem.

— Então, ele desistiu de minha mãe por pressão da família.

— Não foi tão simples assim.

— Mas desistiu dela, não?

— Sim. Entenda, meu bem, papai ameaçou deserdá-lo, atirá-lo na rua da amargura. Jeffrey, que tinha sido criado com conforto e dinheiro, ainda estava na universidade, não trabalhava. Ficou com medo da responsabilidade. Sua mãe deixou o emprego na casa do meu pai e nunca mais a vimos.

— E Jeff?

— Logo percebeu seu erro e procurou sua mãe para enfrentarem juntos o que desse e viesse, mas não a encontrou.

— Ela deve ter ficado muito magoada. — Carry balançou a cabeça, achando difícil acreditar em tudo aquilo. Parecia uma novela antiga.

— Sim, ficou muito magoada, tão magoada que casou com o primeiro homem que lhe ofereceu carinho e amor.

— Mas a senhora não disse que não a viram mais? — perguntou, intrigada com aquelas palavras.

— Nós, não. Mas Jeffrey acabou por encontrá-la. Na época, estava casada com Norman Day e esperando um bebê. Você, meu bem. Admitiu que ainda o amava, mas que sua lealdade agora era toda dedicada ao marido e ao filho que levava no ventre. Dessa vez, foi Jeff que se afastou, jurando que nunca mais voltaria para perturbar sua vida. Ele saiu de casa, foi lutar sozinho, mas nunca se esqueceu de sua mãe.

— Foi tudo tão cruel!

— Sim. — Cicely Carrington suspirou. — Meu pai era um homem difícil. Foi muito duro conosco, incapaz de admitir qualquer falha.

Charles e eu aceitamos seu modo de ser, mas Jeffrey conseguiu se rebelar. Naquela noite, depois de perceber que perdera Caroline para sempre, enfrentou papai com toda a força do seu amor frustrado. Tiveram uma discussão muito feia e, ao vê-lo sair de casa com suas malas, papai teve um ataque do coração antes de poder deserdá-lo, como ameaçara.

— Meu Deus! Quanto sofrimento por causa do amor de duas pessoas!

— Desde então, Jeffrey nunca mais quis saber de nós. — A Sra. Carrington enxugou uma lágrima. — Nunca aceitou um tostão do dinheiro da família ou dos lucros das suas ações...

— E a senhora o censurou por isso? .

— Não, mas senti muita saudade dele. — Sua voz estava trêmula. — Eu gostava muito de Jeffrey. Diga, meu bem, eles foram felizes? Ainda se amavam como antes?

Carry sentiu o quanto sua resposta significava para ela. Respondeu, com sinceridade.

— Sim, muito.

Depois, contou tudo: o modo como Jeff entrara nas suas vidas um ano depois da morte do seu pai, afirmando ser um velho amigo da família. De início, a mãe não quis recebê-lo, mas depois de algumas semanas passou a esperar com ansiedade suas visitas, que foram ficando cada vez mais freqüentes. Carry sabia que ela tinha sido feliz com seu pai, mas também sabia que, com Jeff, havia algo de muito especial. Caroline parecia se iluminar toda vez que o via. E isso também explicava o porquê de sua mãe ter vivido quase quatro anos e meio apesar de os médicos não lhe darem mais de seis meses de vida. O amor de Jeff, a convivência com ele lhe deram uma nova razão para viver.

— Foi lindo—disse, com as lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Deve ter sido. — Cicely Carrington também estava emocionada. — Por isso, quando soube do casamento de Jeffrey com sua mãe, achei que você gostaria de saber o que aconteceu com eles.

— Obrigada.

— Quer dar ao meu filho a mesma oportunidade de conversar, de se explicar? — perguntou a Sra. Carrington, com suavidade.

— Logan?

— Seria uma pena que a história se repetisse.

— Não sou uma empregadinha ingênua, e Logan certamente não é um rapaz de vinte anos!

— Claro que não. — Cicely deu uma risadinha. — Além disso, nunca foi um filho obediente. Desde o início, teve uma personalidade muito forte. Se Jeffrey fosse como ele, nunca desistiria de sua mãe. Logan não quer perdê-la, meu bem.

— Nós dois concordamos em nunca mais nos vermos, Sra. Carrington. E nada aconteceu para me fazer mudar de idéia.

— Logan gosta muito de você, apesar do que possa acreditar.

— E a senhora, no que acredita? — Carry levantou-se e começou a andar de um lado para o outro. — Também acha que eu só o usei para conseguir o controle da Spencer?

— Claro que não!

— Parece muito certa do que diz.

— E estou. Eu gostava de sua mãe e gosto de você. E não importa o que Logan tenha dito no calor do momento. A verdade é que a ama. Posso dizer com toda a honestidade que conheço bem meu filho e que nunca o vi tão desiludido e magoado como ficou no Natal. — Fez uma careta. — E também nunca o vi bêbado daquele jeito. Passou todos os feriados bebendo da manhã à noite. Não sei como consegui agüentar vendo-o tão triste!

— Não ia dar certo — disse Carry, falando num tom carinhoso para não magoar aquela mãe tão preocupada. — Nós nunca mais poderíamos confiar um no outro. — Sabia que Logan a queria, que até podia amá-la, mas que, acima de tudo, queria aquelas ações.

— Tem certeza? — perguntou Cicely Carrington, desapontada.

— Absoluta.

— Oh, bem... — Levantou-se com um suspiro. — Fiz o possível. Esperava tanto que você fosse minha nora! — Acrescentou, quase tímida: — Logan me disse que Jeffrey tinha seu estúdio aqui. Será que posso vê-lo?

— Claro! Venha.

A sra. Carrington ficou no estúdio por mais meia hora, admirando os trabalhos do irmão. Quando se despediu, Carry deu-lhe uma das estátuas, sabendo que Jeff apreciaria esse gesto.

Assim que Cicely Carrington foi embora voltou para o estúdio e pegou a figura de sua mãe. Oh, como Jeff e ela deviam ter se amado! Um amor que havia resistido mais de vinte anos, apesar de viverem separados. Quanto tempo duraria seu amor sem esperança por Logan?

 

O toque do telefone acordou-a na manhã seguinte, tirando-a de um sono inquieto.

Atendeu, sonolenta, ainda com visões de estar enfrentando Logan e sir Charles nas reuniões da Spencer Plastics.

— Srta. Day? — Reconheceu imediatamente o tom pedante de James Seymour.

— Sim. — Ficou completamente desperta no mesmo instante.

— A senhorita pode vir me ver imediatamente? Carry sentou-se na cama, tomada de um pressentimento.

— Há alguma coisa errada?

— É um assunto... muito particular. Não posso falar pelo telefone — disse ele, na sua voz seca, sem emoção.

— A que horas quer que eu esteja aí?

— O mais breve possível.

Havia algo errado, tinha certeza. James Seymour nunca falara diretamente com ela. Nas vezes anteriores sempre escolhera uma hora para a entrevista através da sua secretária. Agora, queria vê-la imediatamente.

Tinha que ser algo sobre o testamento de Jeff. Talvez seu pressentimento se transformasse em realidade. Tudo havia sido um engano. Se era esse o caso, como devia se sentir? Aliviada ou triste? Não sabia. E não sabia nem mesmo por que realmente James Seymour queria vê-la.

Não perdeu mais tempo com hipóteses. Vestiu-se em tempo recorde e tomou um táxi para o escritório do advogado. Quando um homem como ele dizia que era um caso urgente, falava a verdade. Foi imediatamente levada à sua sala.

Mais uma vez, teve que agüentar seu ar de desaprovação, ao examiná-la de alto a baixo, parecendo pouco satisfeito com suas roupas casuais e seus cabelos soltos, um pouco despenteados pelo vento.

— O senhor disse que queria falar comigo. — O tom de Carry era impaciente, ignorando o olhar crítico. Só queria acabar logo com tudo aquilo.

— Sim. Eu... O que vou dizer é... bem, é um pouco difícil...

Por sua expressão evasiva, Carry percebeu que havia algo de muito grave.

— O dinheiro e as ações não são meus. Foi tudo um engano. Certo?

— Já sabia? — O advogado arregalou os olhos. — Ora, srta. Day, então devo protestar. Afinal, tentou me enganar...

— Não costumo enganar ninguém. Só sabia que era bom demais para ser verdade. A quem eles realmente pertencem?

— Bem...

— Mas havia um testamento. O senhor mesmo me mostrou.

— Sim, havia um testamento. — O Sr. Seymour parecia muito pouco à vontade. — Mas, em vista das informações que me foram dadas pelo Sr. Carrington...

— Logan?

— Exatamente. — O advogado pareceu pouco satisfeito. — Há pouco tempo, dois dias para sermos precisos, o Sr. Carrington ficou sabendo que seu tio casou há quatro anos. Fui confirmar isso, assim que falei com ele.

— E...

— O testamento do Sr. Spencer foi lavrado há cinco anos.

— E daí?

— Um casamento revoga um testamento — explicou James Seymour, com um ar muito profissional. — Você não foi adotada pelo Sr. Spencer, não é?

—Claro que não. Eu já estava com dezoito anos quando eles casaram.

— Foi o que pensei. — O advogado balançou a cabeça. — O Sr. Spencer devia ter me informado do casamento. Assim, faríamos um novo testamento. Nas atuais circunstâncias...

— Tudo vai para sir Charles e Cicely — completou Carry.

— Temo que sim... — James Seymour pareceu hesitar. — Há uma outra coisa que deve ser esclarecida.

— Por favor.

— O Sr. Carrington me informou que o nome da sua mãe era o mesmo que o seu, Caroline Day. Penso que, quando o Sr. Spencer fez o testamento, pretendia que ela fosse a beneficiária.

Era lógico, fazia sentido e devia ser verdade. Carry levantou-se para sair.

— Obrigado, Sr. Seymour. Eu... O que mais posso dizer? — Encolheu os ombros, num gesto desanimado.

— Lamento, Srta. Day. — Pareceu verdadeiramente pesaroso. — Pelo menos, há um aspecto bom nisso tudo.

— Sim?

— Felizmente, devido à lentidão da justiça inglesa, você não recebeu nada de todo esse dinheiro.

— E qual a vantagem?

— Bem, não gastou nada. Não deve nada a ninguém. — Deu um sorrisinho.

Carry devolveu o sorriso. Isso era o máximo que James Seymour devia conseguir como piada.

— Sim, é uma vantagem — disse, e estendeu a mão. — Obrigada pela sua gentileza. — Cumprimentaram-se e ela saiu.

Desceu do elevador um pouco triste. Não era mais uma moça rica, sócia de um império financeiro. Seria bom ser quase milionária, evidentemente, mas, de certo modo, era melhor voltar a ser só Carry Day, uma simples secretária. Pelo menos, ninguém ia querer se aproveitar dela... ou acusá-la de querer se aproveitar de alguém!

Logan, afinal, conseguira seu intento. Agora, não seria obrigada a vê-lo cada vez que houvesse uma reunião de acionistas!

Mais uma vez, voltou ao estúdio de Jeff, à procura de conforto e tranqüilidade. Olhou para a estátua da mãe com novos olhos. Jeff não a retratara sem dor, como imaginava. Colocara naquele mármore a moça que ele amava, que conhecera quando tinha só dezoito anos.

— Carry...

Virou-se para ver Logan entrando no estúdio, também olhando para a estátua, parecendo muito bonito e atraente, fazendo-a sentir-se muito viva.

— Ela era muito bonita — disse ele, numa voz vibrante. — Eu posso entender por que razão meu tio a amou a vida inteira, por que esperou por ela.

Voltou as costas para ele.

— O que você faz aqui? Veio se divertir comigo?

Logan estendeu a mão e a fez virar-se. Seus olhos estavam muito sérios.

— Não. Vim para pedir uma coisa.

A boca de Carry contorceu-se num sorriso desagradável. Sua voz saiu áspera.

— Não estou com disposição para perguntas e respostas, Logan.

— Só uma pergunta. Só uma resposta.

— Está bem.

— Quer casar comigo?

Ela levou um susto.

— O que foi que disse? — perguntou, quase engasgada.

Logan pegou-a pelos ombros, olhando bem em seus olhos.

— Quer casar comigo?

— Está falando sério? — Procurou ler a verdade em seu rosto moreno, mas viu só ansiedade.

— Nunca falei tão sério na minha vida.

— Por quê?

— Você disse que não estava com disposição para perguntas e respostas. Já fiz a pergunta e quero a resposta.

— Mas...

— Sim ou não?

Sim, queria casar com ele... mas não, não queria continuar sendo só um peão no jogo. Foi então que a verdade veio ao seu pensamento.

— Vi James Seymour esta manhã.

— Eu sei.

— Ele lhe contou?

— Sim.

— E você ainda quer casar comigo?

— Oh, sim. Por que acha que me dei ao trabalho de afastar aquelas ações de nós? Eu sabia que você nunca casaria comigo, se continuasse com elas. Agora, responda, Carry.

— Mas...

— Sim ou não?

— Sim. Mas...

— Sem "mas". Tomou-a nos braços, apertando-a com força. — Sem "mas" ou "talvez". Eu te amo, quero casar com você... vou casar com você.

— Mas não posso suportar a idéia de que tudo começou como um truque para...

— Só por parte do destino. Agora sei disso. Zombei do tio Charles com uma observação que não imaginava que fosse levada a sério, que esqueci dois minutos depois de fazer, e que caiu sobre mim como uma bomba no dia do Natal. Eu estava querendo caçoar da ganância de Charles quando sugeri que Donald devia casar com a mulher de Jeffrey para as ações continuarem na família. Nunca me importei com a Spencer Plastics; só fiquei como procurador de minha mãe para livrá-la das amolações de Charles. Como você sabe, Jeffrey também nunca ligou para a companhia, e meu tio agia como um rei.

— Jeff só se opôs à expansão.

— Sim. — Logan sorriu. — Agora, Charles vai poder fazer o que quer. E conhecendo sua boa estrela, aposto que o danado vai ter sucesso! Deus, como ele entrou em pânico, ao imaginar que uma mulher sedenta de dinheiro ia se intrometer nos seus negócios! Diabos, eu não sabia o nome da herdeira de Jeffrey, nem estava interessado em saber. Por isso fiquei tão chocado no dia de Natal.

— Mas não era eu, era minha mãe. — Carry estava aninhada nos braços dele, amando cada palavra daquela explicação tão desnecessária agora.

— Como poderíamos saber disso, se Jeffrey nunca contara a ninguém? Se até o esperto do Seymour se enganou, como nós, simples mortais, íamos desconfiar da verdade?

— O Sr. Seymour também não gosta de você — disse Carry, rindo.

— Sei disso. Foi o destino que nos uniu, querida. Será que não entende? Estava escrito que íamos nos encontrar e nos apaixonar.

— Sim, querido.

Acreditava nele agora, sabia que Logan só queria a ela mesma. Seu amor não tinha sido uma mentira, mas uma maravilhosa realidade, uma realidade que a desconfiança quase destruíra.

— Tenho outra novidade que talvez interesse você — murmurou Logan, depois de beijá-la apaixonadamente.

— Qual?

— Donald fugiu para se casar com Lena MacDonnell!

— Donald? Meu Deus! — Não pôde deixar de rir. — Lena... Tenho a impressão de já ter ouvido esse nome.

— Vamos para a sala, e eu lhe contarei tudo. — Sentaram-se no sofá e Logan passou o braço por seus ombros. — Lena é... ou era... a secretária de Charles.

Carry lembrou-se da loira que a levara à sala de reuniões. Parecia muito firme e segura de si mesma.

— Oh, pobre Donald!

— Não sei... — Logan beijou sua testa. — Acho que Lena será capaz de enfrentar Charles e Susan, algo que ele nunca conseguiria fazer. Ela é prática e decidida.

— Mas seu tio não vai ficar furioso? Não vai deserdar o coitado?

— E deixar tudo para mim? — Logan deu uma gargalhada. — Oh, não, ele vai perdoar Donald. Até acabará aceitando Lena como nora, principalmente quando vierem os netos.

Carry deu uma risadinha.

— É engraçado imaginar Donald como pai...

— E eu?

— Você? — Parou, corada. — Bem...

— Oh, querida, nem acredito que está tudo acabado. — Beijou-a apaixonadamente. — Parece que estive vivendo um pesadelo.

— Sua mãe me disse que você andou bebendo muito.

— Hum. — Fez uma careta. — Não podia acreditar que a mulher que eu amava, que alguém como você, fizesse algo desonesto. No entanto, com as provas que tinha, não havia outra explicação.

— Foi muito difícil para mim também...

— Quando você me contou que Jeffrey era seu padrasto e que o nome de sua mãe era o mesmo que o seu, comecei a ter novas esperanças. Levei minha idéia ao Seymour, sabendo que estava jogando a última cartada. Graças a Deus, deu certo!

— E se não desse?

— Eu ia continuar tentando do mesmo jeito. Depois de passado o choque inicial, continuei querendo me casar com você.

— E Audrey?

— Ela me deu o fora. — Logan respondeu, com um ar brincalhão.

— Não acredito!

— É a pura verdade. Ficou com raiva por causa da atenção que dei a você na véspera do Ano-novo. Me acusou de usá-la para provocar ciúmes em você, o que era a pura verdade. Eu não podia nem mesmo olhar para outra mulher, quanto mais tentar namorar. Não conseguia tirar você da cabeça, estava morrendo de paixão.

— Você foi muito grosseiro.

— Eu estava magoado, Carry. — Olhou-a bem nos olhos, e o amor estava estampado neles. — Tinha me apaixonado no primeiro instante que a vi e pensava que você sentisse o mesmo...

— E sinto!

— Não foi o que me pareceu. Afinal, nunca mencionou o dinheiro ou as ações. Depois do Natal, comecei a pensar e achei isso muito estranho.

Carry mordeu o lábio, procurando as palavras certas para explicar seus sentimentos.

— Tem que entender, Logan. Herdar tudo aquilo foi como ganhar na loteria, uma coisa com que se sonha, mas que na verdade nunca achamos que vai acontecer conosco. Desde o início, tinha a sensação de que era um engano. E estava certa.

— Oh, querida, sinto muito. Mas tenho uma idéia do que pode fazer com sua vida. Se estiver interessada, é claro — acrescentou, brincalhão.

— Está me oferecendo o emprego de sua secretária?

— Não, já encontrei uma substituta para Audrey.

— Não diga!

— Uma senhora de cinqüenta anos, muito competente.

— Algumas dessas mulheres mais velhas são...

—Não essa. — Logan deu uma gargalhada. — A Sra. Taylor parece um sargento inspecionando as tropas. Morro de medo dela.

— Assim está melhor — disse Carry, com uma careta exagerada, mostrando sua satisfação. — Agora, o que acha que posso fazer com minha vida?

— Acho que deve casar comigo e me deixar adorá-la. Que deve ser a mãe dos meus filhos. Carry, eu te amo e preciso muito de você. Essa última semana foi...

Os dedos em seus lábios impediram que continuasse.

— Preciso de você também. Pensei que ia morrer de tristeza, quando nos separamos. Sei que não gosta que eu fale de Jeff, mas...

— Isso foi só porque pensava que você o amava. Sou muito possessivo. Pode falar, querida. Ele parece ter sido um homem que eu admiraria.

— Tenho certeza disso — disse Carry, com fervor. — E Jeff teria aprovado nosso amor, nosso casamento.

— Meu amor por você é tão grande quanto o dele por sua mãe. E também vou amar você por toda a vida — ele puxou-a para perto, com força.

Carry soube que ele falava a verdade, que nada poderia separá-los, nunca! Ainda mais depois daquele beijo...

 

 

                                                                  Carole Mortimer

 

 

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