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HIGHLANDER AUDAZ / Jude Deveraux
HIGHLANDER AUDAZ / Jude Deveraux

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Stephen é um guerreiro feroz, destemido e perspicaz, demonstra sua bravura lutando e liderando nos últimos anos o grande exercito do rei inglês nas Terras Baixas, na Escócia. Até que este decide recompensá-lo com uma herdeira das Terras Altas.
Bronwyn MacArran é uma orgulhosa escocesa. Stephen Montgomery um dos odiados ingleses.
Apesar de ser a filha mais nova de um poderoso Laird, morto em combate, é nomeada a nova Laird do clã, devido à instabilidade de seu irmão que seria Laird por direito de sucessão do pai.
Stephen veio para a Escócia como um conquistador, furioso pelo casamento imposto pelo seu rei, entretanto se viu enfeitiçado pela beleza de Bronwyn e foi conquistado.
Ela é uma excelente estrategista e usava como um homem as armas de batalha. Era respeitada e amada pelo seu clã. Seus homens a seguiam com paixão e davam suas vidas por ela.
Mas, enquanto clã lutava contra clã, irmãos cruzavam espadas e o sangue escoava nas montanhas, seu destino foi selado...
Este poderoso guerreiro prometeu domar o orgulho de sua mulher. Lutar por sua honra e seu nome, fazendo do seu amor uma tocha para queimar através das gerações.
Ela tornou-se sua razão de viver... Mas ela ainda o detestaria.
Ela tornou-se sua razão para amar... Mas ela ainda resistiria a ele.
Ela tornou-se sua razão para lutar... E ela ainda o rejeitaria.
Se ele é obstinado... Ela seria muito mais!

 


 


Prólogo

Depois de uma larga noite de viagem, Stephen Montgomery ainda se mantinha muito ereto na sela de seu cavalo. Não queria pensar na noiva que lhe aguardava ao terminar a jornada. A mulher estava lhe esperando fazia três dias. Sua cunhada Judith havia se zangado com ele, quando se inteirou de que não havia se apresentado a suas próprias bodas, sem tomar-se sequer o trabalho de enviar uma mensagem para desculpar-se por seu atraso.

Mas, apesar das palavras e do aborrecimento de Judith e da inegável compreensão de que tinha insultado à sua futura esposa, se mostrara relutante em abandonar as propriedades do rei Henrique devido as atuais circunstancias. Stephen hesitava em deixar o lado de sua cunhada Judith, a bela esposa de seu irmão Gavin, de olhos dourados, que caiu dos degraus da escada e perdeu o bebê que esperava com tanta ânsia. Passou vários dias entre a vida e a morte. Ao recuperar a consciência e inteirar-se de que tinha perdido seu filho, sua primeira reação foi característica: não pensou em si mesmo. Stephen não se lembrava de sua própria data de casamento, nem pensou em sua noiva. Judith, mesmo em sua dor, lembrou Stephen de seus deveres e da escocesa com quem ele iria casar.

Tinham transcorrido três dias, Stephen passou uma mão por seu denso cabelo loiro escuro. Teria preferido ficar junto a Gavin, seu irmão, com quem Judith estava furiosa, pois em realidade sua queda não tinha sido acidental, a não ser culpa da Alice Chatworth, a amante do Gavin.

— Meu lorde. — Stephen abrandou a marcha e se virou para seu escudeiro. — As carroças estão muito atrás de nós, não conseguem acompanhar o ritmo.

Ele balançou a cabeça sem dizer uma palavra e desviou seu cavalo em direção ao estreito riacho que corria pelo acidentado caminho. Desmontou e pôs um joelho em terra para poder molhar o rosto com água para se refrescar.

Havia outro motivo pelo que Stephen ia à contra gosto ao encontro de sua desconhecida noiva. O rei Henrique desejava recompensar aos Montgomery pelos fiéis serviços prestados ao longo de vários anos; por isso tinha dado ao segundo dos irmãos a mão de uma rica herdeira escocesa. Stephen compreendia que era um gesto a agradecer, mas não depois das coisas que escutou falar dela.

Ela era, por direito próprio, o Laird de um clã escocês poderoso.

Stephen estendeu o olhar pela verde pradaria que estava do outro lado do riacho. Malditos escoceses, capazes de albergar a absurda crença de que uma simples mulher tinha a força e a inteligência necessárias para liderar a homens. Seu pai deveria ter escolhido um jovem para seu herdeiro em vez de uma mulher.

Ele fez uma careta quando imaginou que tipo de mulher poderia sugerir a um pai nomeá-la senhora de um clã. Devia ter quarenta anos, pelo menos, o cabelo da cor do aço e um corpo mais musculoso que o dele. Sem dúvida, na noite de bodas fariam queda de braço, batalhando para ver quem montaria quem... e ele perderia.

— Meu lorde. — disse o moço. — Não parece bem, talvez a longa cavalgada o tenha deixado doente.

— Não é a cavalgada o que me revolve o estômago.

Stephen levantou-se lentamente, movendo com facilidade seus poderosos músculos sob as roupas. Era alto, elevando-se sobre seu escudeiro, seu corpo era esbelto e estava endurecido por muitos anos de penoso treinamento extenuante. Seu cabelo era espesso com cachos suados ao longo de seu pescoço, sua mandíbula forte, seus lábios finamente cinzelados. No entanto, agora havia sombras debaixo dos olhos de um azul brilhante.

— Voltemos para nossos cavalos. As carretas podem seguir-nos mais tarde. Não quero seguir adiando minha execução.

— Execução, milorde?

Stephen não respondeu. Ainda faltavam muitas horas para chegar ao horror que lhe aguardava na sólida e temível figura de Bronwyn MacArran.


Capítulo Um

1501

Bronwyn MacArran estava de pé na janela da mansão inglesa, contemplava o pátio abaixo. A janela estava aberta para que entrasse o quente sol do verão. Inclinou ligeiramente para pegar um sopro de ar fresco. Ao fazê-lo, um dos soldados abaixo sorriu para ela sugestivamente.

Recuou dando um passo atrás rapidamente, agarrou a janela e fechou-a com violência. Virou-se furiosa.

— Porcos ingleses! — Bronwyn amaldiçoou em voz baixa. Sua voz era suave, mas o tom trazia os espinhos das urzes e o frio da névoa das Terras Altas.

Ante sua porta soaram fortes passos. Conteve o fôlego, mas o deixou escapar ao ouvir que continuavam sua marcha. Estava prisioneira e permanecia cativa no extremo norte da fronteira da Inglaterra. Prisioneira de homens que sempre odiou, os mesmos homens que agora lhe sorriam e lhe piscavam os olhos como se conhecessem seus pensamentos mais íntimos.

Caminhou até uma pequena mesa no centro do quarto com painéis de carvalho. Agarrou com força a borda da mesa, deixando que a madeira cortasse suas palmas. Ela faria qualquer coisa para impedir aqueles homens de ver como ela se sentia por dentro. Os ingleses eram seus inimigos. Tinha-os visto matar seu pai e seus três chefes. Viu seu irmão quase enlouquecido pela inutilidade de seus intentos de fazer pagar aos ingleses com a mesma moeda. E ela mesma passou a vida ajudando a alimentar e vestir aos membros de seu clã, depois que os ingleses destruíram suas colheitas e incendiaram suas casas.

Um mês atrás tinha sido feita prisioneira. Sorriu ao recordar as feridas que os soldados ingleses receberam pelas mãos dela e de seus homens. Mais tarde, quatro deles morreram.

No final ela foi capturada, por ordem do rei inglês Henry VII. Esse rei dizia querer a paz e, portanto, nomearia a um inglês como chefe do clã MacArran. Acreditava poder obtê-lo pelo mero feito de casar Bronwyn com um de seus cavalheiros.

Sorriu diante da ignorância do rei inglês. Ela era chefe do Clã MacArran, e nenhum homem tiraria seu poder. O estúpido rei achava que seus homens seguiriam um estrangeiro, um inglês, só pelo fato de que seu verdadeiro Laird, era uma mulher. Demonstrava com isso o pouco que Henry sabia dos escoceses!

Um grunhido do Rab a fez voltar-se subitamente. Rab era um galgo irlandês, o maior cão do mundo: corpulento, veloz, forte, de pelagem como aço macio. Seu pai lhe deu o cachorro há quatro anos, quando Jamie voltou de uma viagem à Irlanda. Jamie ordenara que o cão fosse treinado como guardião de sua filha, mas não havia necessidade. Rab e Bronwyn tomaram-se de afeto mutuamente. O galgo demonstrou várias vezes que era capaz de dar a vida por sua amada proprietária.

Bronwyn relaxou os músculos, pois Rab tinha deixado de grunhir; só uma pessoa amiga podia lhe provocar essa reação. Ela levantou a vista, espectadora.

Foi Morag quem entrou. Morag era uma mulher velha, de baixa estatura e membros torcidos, que parecia mais um tronco escuro de madeira do que um ser humano. Seus olhos eram como de vidro negro, cintilante, penetrante, vendo mais de uma pessoa do que o que estava na superfície. Usava com habilidade seu corpo miúdo e ágil com frequência, passando despercebida entre as pessoas que não reparavam nela, sempre com os olhos e os ouvidos bem abertos.

Morag se moveu silenciosamente através do quarto e abriu a janela.

— E bem? — inquiriu Bronwyn impaciente.

— Vi-te fechar a janela. Eles soltaram gargalhadas e disseram que iriam assumir a responsabilidade pela noite de núpcias que você está perdendo.

Bronwyn se afastou da velha dando-lhe as costas.

— Dá-lhes muito de que falar. Deveria manter a cabeça erguida e não lhes emprestar atenção. São meros ingleses; você, em troca, é uma MacArran.

Bronwyn girou em silêncio.

— Não necessito que ninguém me indique o que devo fazer ou não. — Ela retrucou. Rab, captando a inquietação de sua dona, ficou ao seu lado. Ela enterrou os dedos em sua pelagem.

Morag lhe sorriu e a seguiu com a vista enquanto a Laird se movia em direção ao assento da janela. Ela tinha sido colocada nos braços de Morag quando ainda estava molhada do liquido do seu nascimento. Morag tinha segurado o minúsculo bebê enquanto a mãe morria. Foi Morag quem encontrou uma babá para a menina, quem lhe dera o nome de sua avó galesa e a cuidara até os seis anos, depois seu pai assumiu sua educação.

Agora olhava com orgulho a sua pupila, que tinha quase vinte anos. Bronwyn era alta, mais alta que muitos homens, ereta e esbelta como o talo de um junco. Não cobria os cabelos, como as inglesas: deixava-os soltos sobre as costas, como uma rica cascata. Seu cabelo era negro, como as asas de um corvo, tão denso e pesado que o fino pescoço parecia incapaz de suportar seu peso. Usava um vestido de cetim à moda inglesa. Era de cor creme como o gado da Highlander. Um profundo decote quadrado e sutiã apertado; destacando os seios jovens, fartos e firmes de Bronwyn. Ajustava-se como uma segunda pele a sua estreita cintura, para abrir-se logo em amplas dobras. Um bordado de finos fios de ouro rodeava o decote e a cintura, descendendo como cascata pela saia.

— Conto com sua aprovação? — perguntou Bronwyn, áspera, ainda irritada com a discussão sobre o traje inglês. Ela preferia a roupa típica das Highlander, mas Morag a convenceu de que usasse objetos ingleses, a fim de não dar aos inimigos motivos para que rissem dela por sua "vestimenta de bárbaros", como diziam. A anciã emitiu uma gargalhada seca.

— Pensava que nenhum homem te tirará esse vestido esta noite. É uma lástima.

— Um inglês! — Bronwyn sibilou. — Você esquece o passado tão cedo? O vermelho do sangue do meu pai, derramado, sumiu de seus olhos?

— Bem sabe que não. — replicou a anciã, com voz serena.

Bronwyn sentou-se pesadamente junto à janela, deixando fluir ao seu redor o cetim do vestido, e deslizou um dedo pelo desenho do bordado. Esse objeto lhe havia custado muito dinheiro. Valor que teria preferido gastar com seu clã. Mas seu povo não teria gostado que ela passasse vergonha diante dos ingleses; por isso tinha comprado vestidos dignos de qualquer rainha.

Só que esse vestido ia ser seu traje de bodas. Arrancou com violência um pedaço de fio de dourado.

— Quieta! — ordenou Morag — Não danifique o vestido só porque está zangada com um inglês. Talvez tenha tido motivos para atrasar-se e não chegar a tempo para suas próprias bodas.

Bronwyn se levantou rapidamente, fazendo Rab se mover protetoramente para seu lado.

— O que me importa se esse homem não aparece jamais? E mais, que lhe tenham cortado o pescoço e esteja apodrecendo em qualquer vala.

Morag encolheu os ombros.

— Buscaria-lhe outro marido. O que importa se este morre ou não? Quanto mais cedo você casar com seu marido inglês, mais cedo poderemos voltar para as Terras Altas.

— É fácil para você dizer! — acusou Bronwyn. — Não é você que deve casar-se com ele e... e...

Os pequenos olhos negros de Morag dançaram.

— E deitar com ele? É isso que está preocupando você? Se eu pudesse trocar de lugar com você... Acha que Stephen Montgomery notaria a diferença se eu me metesse em sua cama?

— O que sei de Stephen Montgomery, salvo que teve a indecência de me deixar esperando com meu vestido de bodas? Diz que os homens riem de mim. É o homem que me destinaram como marido quem me submete ao ridículo! — Bronwyn olhou a porta de soslaio. — Se entrasse neste momento o apunhalaria com gosto.

Morag sorriu. Jamie MacArran haveria se sentido orgulhoso de sua filha, até prisioneira conservava seu ânimo e sua dignidade. Neste momento permanecia com o queixo erguido e os olhos cintilando adagas de gelo azul-cristalino.

Bronwyn era de uma beleza assombrosa. Seus cabelos eram tão negros como a meia-noite sem lua nas montanhas escocesas. Seus olhos, de um azul intenso como a água de um lago montanhês iluminado pelo sol. O contraste era impressionante. Não era incomum que as pessoas, especialmente os homens, ficassem emudecidos ao vê-la pela primeira vez. Tinha cílios espessos e escuros, sua pele fina e cremosa. O vermelho escuro dos lábios coroava um queixo igual ao de seu pai, forte e de ponta quadrada, com um pequeno furo no centro.

— Se te ocultar neste quarto dirão que é covarde. Que escocês teme às brincadeiras de um inglês?

Bronwyn ergueu as costas e jogou uma olhada ao vestido de cor creme. Esta manhã, ao vestir-se, tinha acreditado fazê-lo para suas bodas. Agora, havia passado muitas horas para a cerimônia de casamento, e seu noivo não apareceu, nem enviou qualquer mensagem de desculpa.

— Me ajude a tirar isto. — disse Bronwyn. Era conveniente manter o vestido em boas condições até as bodas. Se não se celebrava neste dia, celebrar-se-ia em alguma outra data. E talvez com outro homem. A ideia a fez sorrir.

— O que você está planejando? — perguntou Morag, com as mãos na parte de trás do vestido de Bronwyn. — Tem cara de gato que comeu um canário.

— Pergunta muito. Traga-me aquele vestido de brocado verde. Se os ingleses pensam que sou uma noiva chorosa por ser desprezada, logo descobrirão que as escocesas são feitas de um material mais resistente.

Embora estivesse prisioneira pouco mais de um mês, Bronwyn podia circular livremente pela mansão de Sir Thomas Crichton. Podia caminhar pela casa e também pela propriedade, se levasse escolta. A propriedade era fortemente guardada, vigiada constantemente. O rei Henry havia dito ao clã de Bronwyn que se uma tentativa de resgate fosse feita, ela seria executada. Nenhum dano seria feito a ela, mas tinha decidido pôr a um inglês à frente do clã, que recentemente viu a morte de Jamie MacArran, bem como dos seus três chefes. Os escoceses se retiraram, deixando cativa a sua nova Laird, para planejarem o que fariam quando os homens do rei se atrevessem a lhes dar ordens.

Bronwyn desceu lentamente as escadas até o salão do piso baixo. Sabia que os homens de seu clã esperavam com paciência ao redor da propriedade, ocultos na floresta daquela zona, sempre turbulenta, fronteiriça entre a Inglaterra e Escócia.

Por sua parte, pouco lhe importava morrer antes de aceitar ao cão inglês designado para casar-se com ela, mas sua morte podia provocar conflitos dentro do clã. Jamie MacArran, ao designá-la sua sucessora se propunha casá-la com um de seus três chefes, que morreram com seu pai. Ela não podia morrer sem deixar sucessor; sem dúvida alguma, isso originaria uma sangrenta batalha sobre quem seria o próximo Laird.

— Sempre disse que os Montgomery eram homens espertos. — riu um homem, a pouca distância dela; uma grossa tapeçaria a ocultava de sua vista. — Veja como o mais velho se casou com a herdeira de Revedoune. Apenas havia saído do leito de bodas quando alguém assassinou ao sogro e ele herdou o título de conde e as propriedades.

— E agora Stephen segue os passos de seu irmão. Esta Bronwyn, além de ser linda, possui muitos hectares de terras.

— Digam o que quiserem. — disse um terceiro. Sua manga estava vazia, seu braço esquerdo estava faltando. — Mas eu não invejo ao Stephen. Embora a mulher seja estupenda, durante quanto tempo será capaz de apreciá-la? Perdi este braço brigando contra esses demônios da Escócia. Digo-lhes que são humanos só pela metade. Crescem aprendendo só a saquear e roubar. E não brigam como homens, mas sim como animais. São um bando de selvagens toscos.

— E dizem que suas mulheres cheiram mal como o diabo. — Disse o primeiro homem.

— Pois por essa Bronwyn de cabelos negros eu aprenderia a viver apertando meu nariz.

Bronwyn deu um passo à frente, um rosnado feroz em seus lábios. Quando uma mão segurou seu braço, olhou para o rosto de um homem jovem. Ele era bonito, de olhos escuros, uma boca firme. Os olhos dele estavam no mesmo nível que os seus.

— Permita-me, minha senhora. — disse ele em voz baixa.

Ele se aproximou do grupo de homens. Suas pernas fortes estavam envoltas em uma meia apertada, sua jaqueta de veludo destacando a largura de seus ombros.

— Não têm nada que fazer, salvo mexericar como velhas? Falam de coisas das quais nada sabem. — Sua voz era de comando.

Os três homens pareciam assustados.

— Por que Roger, o que há de errado com você? — Um homem perguntou, depois olhou por cima do ombro de Roger e viu Bronwyn, seus olhos brilhando em tormentosa fúria.

— Acho que Stephen deveria vir logo e cuidar de sua propriedade. — Um dos outros homem riu.

— Saiam daqui se não quiserem que desembainhe minha espada! — Ordenou Roger

— Deus me livre do sangue quente dos jovens. — murmurou um, com ar cansado. — Fique com ela. Venham! Lá fora está mais fresco. Ao ar livre há mais espaço para liberar paixões.

Quando os homens se foram, Roger se voltou para o Bronwyn.

— Permita me desculpar por meus compatriotas. Essa rudeza é filha da ignorância, mas não têm más intenções.

Bronwyn o fulminou com o olhar.

— Temo que o ignorante seja você: Eles têm más intenções. Ou acaso assassinar escoceses não é pecado?

— Protesto! Não seja injusta comigo. Matei a poucos homens em minha vida. E nenhum deles era escocês. — O jovem fez uma pausa.

— Posso me apresentar? Eu sou Roger Chatworth. Ele tirou a boina de veludo vermelho para lhe fazer uma profunda reverência.

— E eu sou Bronwyn MacArran, senhor, prisioneira dos ingleses e agora também noiva, descartada.

— Quer caminhar comigo pelo jardim, Lady Bronwyn? Talvez o sol alivie a angústia que Stephen lhe causou.

Ela se virou e caminhou ao lado dele. Pelo menos ele poderia impedir os guardas de lançarem grosseiros gracejos a ela. Uma vez que estavam fora, ela falou novamente.

— Pronuncia você o nome do Montgomery como se lhe conhecesse.

— E você não?

Bronwyn se voltou para ele.

— Desde quando mereço alguma cortesia de seu rei inglês? Meu pai me considerava digna de herdar o titulo de Laird do clã MacArran, mas seu rei não reconhece o titulo sequer para escolher ao meu próprio marido. Não, não vi nunca a esse Stephen Montgomery nem sei nada sobre ele. Em uma manhã me informaram que deveria ser sua esposa. Após, o homem não se dignou sequer a se apresentar a minha presença.

Roger a olhou arqueando uma bela sobrancelha. Sua hostilidade fizeram seus olhos brilharem como diamantes azuis.

— Sem dúvida seu atraso tem que ter um motivo.

— Talvez o motivo seja afirmar sua autoridade sobre todos os escoceses. Quer demonstramos quem manda.

Roger ficou em silêncio por um momento, como se estivesse considerando suas palavras.

— Há quem considere os Montgomery arrogantes.

— Diz você que conhece esse tal Stephen Montgomery. Como é? Não sei se é alto ou baixo, jovem ou velho.

Roger encolheu os ombros como se sua mente estivesse em outro lugar.

— É um homem como qualquer outro. — Parecia resistente a continuar. — Lady Bronwyn, dar-me-ia a honra de cavalgar amanhã pelo parque em minha companhia? Há um riacho que cruza as terras do Sir Thomas. Poderíamos levar algo para comermos lá.

— Não teme que eu atente contra sua vida? Faz mais de um mês que não me permitem pisar na floresta. — Ele sorriu para ela.

— Deve saber que há alguns ingleses de boas maneiras, incapazes, digamos, de abandonar uma mulher no dia de suas bodas.

Bronwyn ficou rígida quando se lembrou da humilhação que Stephen Montgomery lhe causara.

— Eu gostaria de muito cavalgar com você.

Roger Chatworth, sorridente, saudou com a cabeça a um homem que passava junto a eles pelo estreito atalho do jardim. Sua mente trabalhando rápido.

Três horas depois Roger entrou em seu quarto na asa leste da casa do Sir Thomas Crichton. Duas semanas antes tinha vindo à mansão para conversar com Sir Thomas sobre o recrutamento de jovens da área. Sir Thomas, preocupado em excesso com o problema da herdeira escocesa, não podia falar de outra coisa. Agora Roger começava a pensar que o destino lhe levou até ali. Ele chutou o banquinho de apoio debaixo dos pés de seu escudeiro adormecido.

— Tenho uma tarefa para ti — ordenou, enquanto tirava a jaqueta de veludo e a jogava na cama. — Em alguma parte há um velho escocês chamado Angus. Traga-o aqui. Provavelmente o encontre onde a bebida esteja fluindo livremente. E me traga meio tonel de cerveja. Entendeu?

— Sim, meu lorde — respondeu o moço e saiu caminhando de costas, enquanto esfregava os olhos sonolentos.

Angus se apresentou já meio bêbado. Desempenhava alguma função em casa do Sir Thomas, mas em geral fazia pouca coisa, além de beber. Tinha o cabelo sujo e emaranhado, comprido até os ombros, à maneira escocesa. Usava uma larga camisa de linho comprida com cinto, os joelhos e as pernas nuas.

Roger jogou um breve olhar de desgosto a esse aspecto pagão.

— Buscava-me meu lorde? — perguntou Angus, com suave entonação escocesa. Seus olhos seguiram o pequeno tonel de cerveja que o escudeiro estava trazendo para o quarto. Chatworth despediu o moço, serviu-se de uma taça, tomou um gole, sentou-se indicando com um gesto a Angus que fizesse o mesmo. Quando o imundo homem esteve sentado, o cavalheiro ordenou:

— Quero que me fale da Escócia.

Angus levantou suas sobrancelhas desgrenhadas.

— Quer você saber onde se esconde o ouro? Somos um povo pobre, milorde, e...

— Não quero sermões! Guarde as mentiras para outros. Quero saber tudo o que deveria saber um homem para se casar com a Laird de um clã.

Angus olhou fixamente por um momento, depois levou a boca a caneca de cerveja.

— Um epônimo não é?—murmurou em gaélico—Não é fácil fazer-se aceitar pelos membros de um clã.

Roger deu um longo passo até ele para lhe tirar a caneca de cerveja.

— Não pedi sua opinião. Responderá as minhas perguntas ou quer que te jogue a chutes escada abaixo?

Angus olhou para a caneca vazia com olhos desesperados.

— Você teria que converter-se em um MacArran. — Levantou a vista para o Roger. — Caso se refira a esse clã.

Roger deu um breve aceno de cabeça.

— Teria que adotar o nome da Laird do clã para que os homens lhe aceitassem. Teria que vestir-se como escocês ou rirão de você. Deveria amar à terra e aos escoceses.

Roger baixou a cerveja.

— E a mulher, o que devo fazer para possuí-la?

— Bronwyn se preocupa com pouca coisa além de seu povo. Ela teria se matado antes de casar-se com um inglês, mas sabe que isso provocaria guerras dentro do clã. Se você a convencer de que tem boas intenções para com sua gente, ela será sua.

Roger deu ao homem a cerveja.

— Quero saber mais. O que é um clã? Por que foi nomeada Laird a uma mulher? Quais são os inimigos do clã MacArran?

— Falar dá muita sede.

— Beberá tudo o que possa tragar, se me disser o que necessito saber.


Bronwyn se reuniu com o Roger Chatworth cedo pela manhã. Apesar de suas boas intenções, a perspectiva de passear a cavalo pelos bosques a deixou tão excitada que mal pode dormir. Morag a ajudou a se vestir com um suave traje de veludo pardo, sem deixar de pronunciar horrendas advertências sobre aceitar presentes de ingleses.

— Só me interessa o passeio. — repetiu Bronwyn, teimosa.

— Sim, e que bagatela pretenderá esse Chatworth? Bem sabe que vais casar-te com outro.

— Está segura? — perguntou-lhe Bronwyn— Onde está meu noivo, me diga? Quer que passe outro dia inteiro com o vestido de bodas, sentada e esperando-o?

— Seria melhor que sair com um jovem conde de sangue quente.

— Que conde? Roger Chatworth é um conde inglês?

Morag se recusou a responder, mas deu um último puxão no vestido antes de tirá-la a empurrões do quarto.

Montada na sela de seu cavalo, Bronwyn cavalgava com Rab correndo ao seu lado, sentindo-se viva pela primeira vez em muitas semanas.

— A cor rosada voltou para suas bochechas, milady! — comentou Roger, rindo.

Ela sorriu a modo de resposta. O sorriso lhe suavizou o queixo e pôs brilho ao seu olhar. Esporeou ao cavalo a um ritmo mais rápido. Rab, com seus largos saltos, seguia o ritmo do cavalo.

Roger se voltou por um momento para dar uma olhada aos homens que lhes seguiam. Eram três de seus guardas pessoais, dois escudeiros e um cavalo carregado de mantimentos e baixelas. Depois olhou a Bronwyn, que tinha se adiantado. Ao notar que a moça incitava demais seu cavalo, o moço franziu o cenho. Era uma excelente amazona e os bosques, sem dúvida, estavam cheios de homens de seu clã, todos desejosos de ajudá-la a escapar.

Roger levantou uma mão para que seus homens acelerassem a marcha e esporeou a sua montaria.

Bronwyn fez seu cavalo chegar perto de voar. O vento nos cabelos, a sensação de liberdade, eram estimulantes. Quando chegou ao riacho estava indo a toda velocidade. Não estava segura de que o cavalo soubesse saltar, mas o incitou a fazê-lo sem ter em conta o perigo. O animal voou sobre a água como se tivesse asas. Já na outra borda, a moça o freou e se voltou para olhar para trás.

Roger e seus homens estavam se aproximando do riacho.

— Lady Bronwyn! — gritou Roger. — Está bem?

— Certamente. — riu a moça. Logo levou seu cavalo através da água até a margem aonde o cavaleiro a esperava e se inclinou para dar uns tapinhas no pescoço do animal.

— É um bom corcel. Realizou bem o salto.

Roger desmontou e caminhou para ela.

— Deu-me um susto terrível. Poderia ter se ferido.

Ela riu feliz.

— Raramente uma escocesa se ferirá cavalgando.

Roger levantou os braços para ajuda-la a desmontar, mas Rab se interpôs subitamente, mostrando os dentes largos e afiados em um profundo grunhido ameaçador. Roger retrocedeu por instinto.

— Rab! — O cão obedeceu imediatamente à ordem de sua dona e se afastou, mas não desviou de Roger o olhar, com um brilho de advertência.

— Quer me proteger. — explicou a moça —. Não gosta que ninguém me toque.

— No futuro o terei em conta — disse Roger, cauteloso, enquanto lhe ajudava a desmontar. — Talvez você queira descansar depois da cavalgada — sugeriu. Estalou os dedos e seus escudeiros trouxeram duas cadeiras, estofadas de veludo vermelho.

— Minha lady... — ofereceu o cavalheiro.

Ela sorriu, maravilhada pelo contraste daquelas cadeiras com os bosques. Sob seus pés, a relva era como um tapete de veludo. O riacho tocava sua música, e mesmo assim, um dos homens de Roger começou a tocar um alaúde. Ela fechou os olhos durante um instante.

— Está nostálgica, sente saudades de casa milady? — perguntou o cavaleiro.

Ela suspirou.

— Como ninguém poderia imaginar. Só os escoceses das Highlanders sabem o que significa ser escocês.

— Minha avó era escocesa. Talvez isso me qualifique para compreender melhor seus costumes.

Ela levantou bruscamente a cabeça.

— Sua avó! Como se chamava?

— Era uma MacPherson de MacAlpin.

Bronwyn sorriu. Era um prazer ouvir outra vez os nomes familiares.

— MacAlpin. Um bom clã.

— Sim, passei muitas noites escutando relatos nos joelhos de minha avó.

— Que histórias ela lhe contou? — perguntou ela, cautelosa.

— Casou-se com um inglês e com frequência comparava a cultura de ambos os países. Segundo ela, os escoceses eram mais hospitaleiros, os homens não encerravam suas mulheres em um quarto, fingindo que tinham perdido o juízo, como fazem os ingleses. Dizia que os escoceses tratavam suas mulheres como iguais.

— Sim. — concordou Bronwyn em voz baixa — Meu pai me nomeou Laird. — Fez uma pausa. — Como tratava seu avô inglês a essa esposa escocesa?

Roger riu entre dentes, como diante de alguma piada secreta.

— Meu avô passou um tempo na Escócia e reconhecia em minha avó uma mulher inteligente. Valorizou-a toda a vida. Nunca tomou uma decisão sem consultá-la antes.

— E você passou algum tempo com seus avós?

— Quase toda minha vida. Meus pais morreram quando eu era muito pequeno.

— E o que pensa desse modo tão pouco inglês de tratar às mulheres? Agora que é maior, sem dúvida terá aprendido que as mulheres só servem para o leito e para parir filhos.

Roger riu em voz alta.

— Se me passasse semelhante ideia pela cabeça, o fantasma de minha avó puxaria minhas orelhas. Não, — adicionou mais sério — ela queria me casar com a filha de um primo dela, mas minha prometida morreu antes das bodas. Eu cresci chamando a mim mesmo de MacAlpin.

— Como? — exclamou ela, surpreendida.

Roger pareceu desconcertado.

— No contrato matrimonial se estabelecia que eu tomaria o sobrenome de minha esposa para agradar ao seu clã.

— E o que você fez? Mencionei para Sir Thomas que meu marido devia passar a chamar-se MacArran, mas ele disse que era impossível. Que nenhum inglês renunciaria a um sobrenome nobre e antigo por um nome escocês pagão.

Os olhos do Roger desprenderam um brilho furioso.

— É que não compreendem! Estes malditos ingleses acreditam que só seus costumes são os corretos! Mas se até os franceses...

— Os franceses são nossos amigos. — Interrompeu Bronwyn. — Visitam nosso país como nós a França. Eles não destroem nossas colheitas nem roubam o gado, como os ingleses.

— O gado. — Roger sorriu — Que tema tão interessante! Diga-me: os MacGregor seguem criando animais tão gordos?

— O clã MacGregor é nosso inimigo. — Bronwyn respirou profundamente.

— Certo, mas não pensa que um assado de carne dos MacGregor é mais suculento que nenhum outro?

Ela se limitou a lhe olhar fixamente. Os MacGregor e os MacArran eram inimigos durante séculos.

— Claro que as coisas podem ter trocado desde que minha avó, sendo moça, vivia nas terras altas. — Continuou Roger. — Nesses tempos o esporte favorito dos jovens era uma rápida incursão para roubar gado ao luar.

— Nada trocou. — Bronwyn lhe sorriu.

Roger se voltou, estalando os dedos.

— Quer comer algo, milady? Sir Thomas tem um cozinheiro francês e nos preparou um festim. Conhece romãs amadurecidas?

Ela se limitou a sacudir a cabeça, olhando-lhe maravilhada, enquanto os homens descarregavam as cestas e o escudeiro de Roger servia a comida em pratos de prata. Pela primeira vez em sua vida lhe ocorria à ideia de que um inglês podia ser humano, podia e desejava aprender os costumes escoceses. Aceitou uma porção de patê, modelada em forma de rosa, e a pôs em um biscoitinho. Os acontecimentos daquele dia eram toda uma revelação.

— Me diga Lorde Roger. O que você pensa de nosso sistema de clãs?

Roger tirou as migalhas do colete dourado e sorriu internamente. Estava bem preparado para qualquer pregunta.


Bronwyn estava de pé no quarto aonde havia passado tanto tempo durante as últimas quatro semanas. Ainda estava ruborizada e tinha os olhos brilhantes pelo passeio da manhã.

— Não é como outros homens. — explicou a Morag. — Passamos várias horas conversando sem parar. Até sabe algumas palavras em gaélico.

— Nesta zona não é difícil aprender umas quantas. Até alguns homens das terras baixas falam o gaélico.

Para Morag era o pior dos insultos. Para ela, os Lowlanders das terras baixas eram escoceses traidores, mais ingleses que escoceses.

— Como explica então as outras coisas que comentou? Sua avó era escocesa. Se tivesse escutado suas ideias! Disse que ia apresentar uma petição ao rei Henry para que ordenasse o fim das incursões contra nós. Que era o único jeito para conseguir a paz, ao invés de capturar escocesas para casá-las contra sua vontade.

Morag contraiu sua cara escura e enrugada até fazê-la feia como uma casca de noz.

— Esta manhã saiu daqui odiando a todos os ingleses e volta ajoelhada aos pés de um. Só ouviste palavras desse homem. Não viu a ação. O que fez o homem para ganhar sua confiança?

Bronwyn se sentou pesadamente junto à janela.

— Não te dá conta? Só quero o melhor para minha gente. Se for obrigada a me casar com um inglês, ao menos que seja com um que é em parte escocês, tanto por seu sangue como por sua mente.

— Não pode escolher marido! — replicou Morag, feroz. — Não compreende que é um grande prêmio? Os moços são capazes de dizer qualquer coisa para meter-se sob as saias de uma mulher bonita. E se essas saias estão bordadas de pérolas são capazes de matar para consegui-las.

— Insinua que Lorde Roger está mentindo?

— Como quer que eu saiba? Só lhe conheço de vista. Em troca não sei nada do Stephen Montgomery. Acaso não poderia ser filho de uma escocesa? Possivelmente se apresente com um tartan cruzado ao ombro e uma adaga na cintura.

— Não abrigo muitas esperanças. — Suspirou Bronwyn — Se me apresentassem a mil ingleses, nenhum deles entenderia meu clã como Roger Chatworth. — Levantou-se. — Mas tem razão. Devo ser paciente. Talvez esse homem, Montgomery, seja algo único, um homem pormenorizado que acredita nos escoceses.

— Não espere demais. — Advertiu Morag. — Espero que esse Chatworth não tenha te iludido em excesso.


Capítulo Dois

Stephen viajou a todo galope durante o dia inteiro e até a entrada da noite. Quando chegou à casa de Sir Thomas, na fronteira, tinha deixado há muito tempo as carretas e seus servos para trás. Só sua guarda pessoal conseguiu lhe seguir o ritmo. Poucas horas antes, ao encontrar-se com uma tempestade e um rio a ponto de transbordar, o jovem tinha continuado sua cavalgada entre o lodo. O grupo que freou aos cavalos no pátio estava coberto de lama. O ramo de uma árvore tinha golpeado Stephen em um olho; o sangue seco lhe dava um aspecto inchado e grotesco.

Desmontou depressa e jogou as rédeas ao seu exausto escudeiro. A grande mansão estava iluminada por uma grande quantidade de velas; no ar flutuava o som de música.

Stephen se deteve por um momento, ao transpor as portas, para acostumar a vista à luz.

— Stephen! — exclamou Sir Thomas, adiantando-se a seu encontro. — Estávamos preocupados com você! Pela manhã ia enviar um grupo de homens em sua busca.

Um homem se aproximou atrás do cavaleiro idoso, este apresentava características do mal da gota.

— Então este é o noivo perdido. — Sorriu, olhando Stephen de cima a baixo, observando suas roupas imundas e rasgadas. — Nem todos estavam tão preocupados, Sir Thomas.

— Sim. — Riu alguém mais. — O jovem Chatworth parece ter se saído muito bem com a sua tardança.

Sir Thomas pôs uma mão no ombro de Stephen e o guiou em direção a um quarto que dava ao vestíbulo.

— Entre! Entre, meu rapaz. Necessitamos de tempo para conversar.

Aquele era um quarto amplo, com painéis de carvalho esculpido em forma de pregas. Contra uma parede se via uma fila de livros sobre uma larga mesa de cavalete. Completavam o escasso mobiliário quatro poltronas instaladas ante uma grande lareira, onde as chamas baixas ardiam alegremente.

— O que é isso sobre Chatworth? — Perguntou Stephen de imediato.

— Antes de tudo, sente-se. Parece exausto. Quer algo para comer? Vinho?

Stephen tirou o almofadão de uma cadeira de nogueira e se sentou com gratidão.

— Lamento ter chegado tarde. — Disse, tomando o vinho que Sir Thomas lhe oferecia. — Minha cunhada sofreu uma queda e perdeu o bebê que carregava. Esteve a ponto de morrer. Nem sequer pensei na data, quando lembrei já estava com três dias de atraso. Viajei a todo galope até chegar aqui.

Tirou uma parte de barro seco do pescoço e o jogou na lareira. Sir Thomas fez um gesto afirmativo.

— Nota-se por seu aspecto. Se não me tivessem anunciado que te aproximava com o estandarte que apresenta os leopardos dos Montgomery, jamais teria podido te reconhecer. Esse corte que tem no olho é tão mau quanto parece?

Stephen tocou o lugar, distraído.

— É quase tudo sangue seco. Vinha cavalgando muito depressa para que pudesse lamentar ou cuidar do ferimento em meu rosto. — Brincou.

Sir Thomas se sentou, rindo.

— Me alegro em voltar a ver-te. Como estão seus irmãos?

— Gavin se casou com a filha de Robert Revedoune.

— De Revedoune? Há dinheiro nesse enlace.

Stephen, com um sorriso, pensou que o dinheiro era o que menos importava para Gavin com relação a sua esposa.

— Raine segue com suas absurdas ideias sobre o tratamento dos servos.

— E Miles?

Stephen tragou o resto de seu vinho.

— Miles nos presenteou com outro filho bastardo faz apenas uma semana. Com este faz três ou quatro, já perdi a conta. Se meu irmão fosse um semental nos faria ricos.

Sir Thomas, rindo, voltou a encher as duas taças.

Stephen olhou para o homem mais velho quando ele serviu sua bebida novamente. Sir Thomas havia sido amigo de seu pai, uma espécie de tio honorário que lhes levava presentes de suas muitas viagens pelo exterior. Esteve no batismo de Stephen vinte e seis anos atrás.

— Agora que terminamos com isso — disse, com lentidão — talvez queira revelar o que está ocultando.

Sir Thomas riu entre dentes; foi um ruído grave e delicado, que brotava do fundo de sua garganta.

— Conhece-me muito bem. Em realidade não é nada, um simples desagrado sem gravidade. Roger Chatworth tem passado muito tempo com sua noiva. Isso é tudo.

Stephen se levantou lentamente para aproximar-se do fogo. De suas roupas caíam pedaços de barro a cada movimento. Sir Thomas não podia adivinhar o que o nome do Chatworth representava para Stephen. Alice Valence tinha sido durante anos, a amante de seu irmão mais velho. Embora Gavin tenha proposto matrimônio com insistência, ela preferiu desposar o rico Edmund Chatworth. Pouco depois das bodas, Edmund foi assassinado e Alice reapareceu na vida de Gavin, que já estava casado com Judith. Alice era uma mulher traiçoeira, se enfiou na cama de Gavin, aproveitando a sonolência e sua bebedeira, e em seguida fez uma armadilha para que Judith os visse juntos. A jovem esposa de Gavin, em sua tortura, tinha caído pela escada, perdendo o bebê e ficando em grave perigo de vida.

Roger Chatworth era o cunhado de Alice, a mera menção de seu nome fez que ao Stephen chiassem os dentes.

— Sem dúvida há algo mais que isso. — Disse por fim.

— Ontem à noite Bronwyn insinuou que possivelmente preferia casar-se com o Roger e não com alguém que se mostrava tão... descortês.

Stephen, sorridente, voltou para a cadeira.

— E como tomou Roger tudo isso?

— Parece de acordo. Passeia a cavalo com ela todas as manhãs, de noite a acompanha à mesa e passa seu tempo conversando com ela no jardim.

Stephen se bebeu o resto do vinho. Começava a relaxar-se.

— Bem, se sabe que os Chatworth são um grupo de ambiciosos, mas não sabia que fossem até esse ponto. Tem que estar muito faminto para suportar a companhia dessa mulher.

— Suportar? — repetiu Sir Thomas, surpreso.

— Não há motivo para dissimular. Contaram-me que, quando a rodearam, ela lutou como um homem; pior ainda, sei que seu próprio pai a considerava tão homem que a nomeou sucessora. Quase me compadeço do pobre Roger. Casar-se com essa horrível mulher seria seu pior castigo.

Sir Thomas lhe olhava com a boca aberta; pouco a pouco seus olhos começaram a cintilar.

— De maneira que é uma mulher horrível. — murmurou, rindo baixo.

— De que outro modo pode ser? Não esqueça que passei algum tempo na Escócia. Nunca tropecei com gente mais selvagem. Mas o que podia eu dizer ao rei Henry, se ele acreditava me oferecer uma recompensa com esse matrimônio? Se eu me afastar e deixar que Roger fique com ela, estará em dívida comigo para sempre. E então poderei me casar com alguma doce donzela que não me peça emprestado a armadura. — Sorriu. — Sim, acredito que é o que vou fazer.

— Estou de acordo! — afirmou Sir Thomas — Bronwyn é horrível, de verdade. Não duvido que Roger só se interesse por suas terras. Mas embora só seja para estar em situação de dizer ao rei que atuaste com justiça, por que não a conhece? Sujo como está, dar-lhe-á uma olhada e se negará a casar-se contigo.

— Sim. — sorriu Stephen. Seus brancos dentes acentuavam, por contraste, a imundície que trazia. — Assim ambos poderemos revelar a Roger nossa decisão amanhã mesmo. E eu poderei voltar para casa. Sim, Sir Thomas. Estupenda ideia.

Os olhos do ancião tinham um brilho juvenil; pouco faltava para dançar.

— Dá amostras de uma sabedoria muito pouco habitual a sua idade. Espera aqui. Farei que tragam sua prometida pela escada de atrás.

Stephen emitiu um grave assobio.

— Pela escada de atrás... Tem que ser pior do que imaginava.

— Você vai ver meu rapaz, já verá! — disse Sir Thomas, saindo do quarto.


Bronwyn, afundada em uma tina de água quente até o queixo, com os olhos fechados, pensava em voltar para sua pátria com Roger. Ambos compartilhariam a liderança de seu clã. Era uma imagem que evocava com crescente frequência desde alguns dias. Roger era o único inglês que achava compreensível. Cada dia que transcorria parecia saber mais sobre os escoceses.

A entrada de Morag lhe fez abrir os olhos.

— Chegou. — anunciou a mulher.

— Quem? — perguntou Bronwyn, teimosa, embora soubesse exatamente a quem se referia à anciã.

Morag ignorou a pergunta.

— Está conversando com Sir Thomas, mas sem dúvida lhe chamarão dentro de alguns minutos. Anda, saia desta água e se vista. Pode pôr o vestido azul.

A moça recostou a cabeça.

— Não terminei de me banhar e não tenho intenção de descer para ver-lhe só porque se incomodou em aparecer. Se me teve esperando quatro dias inteiros, então talvez eu o faça esperar cinco.

— Você está sendo infantil, como bem sabe. O moço do estábulo disse que os cavalos do homem haviam corrido até perto da morte. É evidente que há tratado de chegar o quanto antes.

— Ou que costuma maltratar a seus animais.

— Olhe que ainda está em idade de receber uma surra! Saia dessa banheira se não quiser que te jogue um balde de água fria sobre sua cabeça.

Antes que Morag pudesse reagir, a porta se abriu com brutalidade, dando entrada a dois guardas.

— Como se atrevem! — chiou Bronwyn, afundando-se um pouco mais na água.

Imediatamente Rab, que estava ao pé da tina, preparou-se para atacar.

Os homens apenas tiveram um vislumbre de Bronwyn antes de serem atingidos e perderem o equilíbrio por cento e vinte quilos de cão, grunhidos de dentes afiados.

Morag agarrou uma fina camisa de linho de Bronwyn, atirou-a para ela. Ela, de pé na tina, a pôs apressadamente sobre o corpo molhado, a bainha tocava a água. Enquanto saía da tina agarrou o tartan de lã que a velha lhe entregava.

— Quieto Rab! — ordenou.

O galgo obedeceu imediatamente e foi ficar ao seu lado.

Os guardas se levantaram lentamente, esfregando seus pulsos e ombros, mordidos por Rab. Não sabiam que o cão só matava sob uma ordem direta de Bronwyn, do contrario a protegia sem causar danos irreparáveis. Os homens tinham visto subir a tina ao quarto da jovem, e haviam tomado as ordens de Sir Thomas como um convite para vê-la no banho, mas agora estava envolta dos pés a cabeça em uma dessas mantas xadrez da Escócia. Não se via sequer o contorno de seu corpo, só seu rosto e seus olhos, brilhantes de humor.

— O que procuram? — perguntou ela, com voz risonha.

— Sir Thomas lhe ordena descer a seu escritório. — respondeu um dos homens, carrancudo. — E se esse cão voltar a...

Ela o cortou secamente.

— Se alguém voltar a entrar em meu quarto sem permissão farei que Rab abra suas gargantas. Vamos. Mostrem o caminho.

Os guardas olharam à moça e ao enorme galgo. Por fim giraram nos calcanhares e Bronwyn os seguiu pela escada, com a cabeça erguida. Não revelaria ante ninguém sua irritação pelo trato que recebia desse tal Stephen Montgomery. Chegava com quatro dias de atraso, depois de ter faltado a suas bodas, e de imediato a fazia se arrastar a sua presença como se fosse uma serva qualquer.

No escritório, Bronwyn passeou o olhar entre Sir Thomas e o homem que estava de pé diante da lareira. Era alto, mas estava incrivelmente sujo. De seu rosto nada podia dizer, salvo que parecia inchado em um lado. Seria uma doença permanente?

De repente um dos guardas viu um modo de vingar a pesada brincadeira sofrida. Pegou uma ponta do comprido tartan e deu à moça um forte empurrão. Ela caiu para frente, enquanto o homem ficava com a manta na mão.

— Parem! — vociferou Sir Thomas — Fora de minha vista! Como te atreve a tratar assim a uma dama? Se ao amanhecer não se encontrar a cinquenta quilômetros da redondeza, farei que te enforquem.

Os dois guardas giraram e abandonaram apressadamente a sala enquanto Sir Thomas se agachava para recuperar o tartan.

Bronwyn ficou aturdida durante um instante, rapidamente se levantou. A fina camisa se aderia a seu corpo úmido, como se estivesse nua. Tratou de cobrir-se com as mãos, até que olhou para Stephen. Já não estava despreocupadamente apoiado contra a lareira, mas sim a olhava fixamente, boquiaberto de incredulidade. Seus olhos muito abertos mostravam o branco ao redor deles, sua boca de tão aberta só faltava aparecer à língua.

Ela franziu os lábios, mas ele nem sequer se deu conta. Só via o que havia do pescoço para baixo. Ela pôs os braços retos ao lado do corpo e o fulminou com o olhar.

O tempo pareceu alargar-se de modo extraordinário até que Sir Thomas lhe colocou brandamente a manta sobre os ombros. Ela se envolveu energicamente no tartan.

— Bom, Stephen, não saúda sua noiva?

Stephen piscou várias vezes antes de recuperar-se. Então caminhou para ela com lentidão. Embora Bronwyn fosse alta, teve que levantar os olhos para olhar para ele. A luz mortiça lhe conferia ainda pior aspecto, pois provocava sombras fantasmagóricas da lama e sangue seco em seu rosto.

Stephen ergueu um dos cachos que lhe tocavam o seio e o apalpou entre os dedos.

— Não se equivoca Sir Thomas? — perguntou em voz baixa, sem apartar os olhos dela — É esta a Laird do Clã MacArran?

Bronwyn deu um passo atrás.

— Tenho língua e cérebro próprios. Não precisa falar como se eu não estivesse aqui. Sou a MacArran de MacArran e jurei odiar a todos os ingleses, sobre tudo aos que insultam a meu clã, e a mim, apresentando-se tarde e sem banhar-se. — Voltou-se para Sir Thomas. — Sinto muito, mas estou muito cansada. Pode me desculpar, mas gostaria de ser dispensada se é que uma pobre prisioneira pode solicitar tão enorme favor.

Sir Thomas franziu o cenho.

— Agora Stephen é seu amo, senhora.

Ela girou para encará-lo com um olhar abrasador. Por fim abandonou o quarto sem sua permissão. O ancião se voltou para Stephen.

— Temo que lhe falte maneiras. Estes escoceses deveriam aplicar mão firme a suas mulheres com mais frequência. Mas apesar de sua língua afiada, ainda opina que é horrível?

Stephen ainda tinha a vista cravada na porta que Bronwyn acabava de sair. Uma imagem dela dançava diante seus olhos, um corpo que só existia em sonhos, cabelo negro e pupilas de safira. Seu queixo havia se erguido para ele até lhe fazer arder com desejo de beijá-la. A moça tinha os seios cheios e duros contra o tecido molhado e aderente, a cintura pequena e firme, os quadris e as coxas redondas, impudicas, tentadoras.

— Stephen!

Stephen esteve a ponto de cair na cadeira.

— Se eu soubesse... — sussurrou. — Se tivesse a menor ideia, teria vindo há várias semanas, quando o rei Henry a me deu em matrimônio.

— Isso significa que conta com sua aprovação.

Stephen passou uma mão pelos olhos.

— Acredito que estou sonhando. Nenhuma mulher pode ter esse aspecto e estar viva. Sou vítima de algum ardil. Planeja você substituir esta mulher pela verdadeira Bronwyn MacArran no dia das bodas?

— Asseguro-te que esta é a verdadeira. Por que acha que me esforço para mantê-la guardada? Meus homens parecem cães a ponto de brigar por ela a qualquer momento. Circulam por aí, repetindo histórias sobre quão traiçoeiros são os escoceses, mas a verdade é que cada um deles se ofereceu generosamente a ocupar seu lugar na cama da moça.

Stephen franziu os lábios.

— Mas você os mantém apartados.

— Não foi fácil.

— E o que aconteceu com o Chatworth? Ocupou meu lugar junto a minha esposa?

Sir Thomas riu entre dentes.

— Parece ciumento, mas faz um instante estava disposto a ceder-lhe. Roger não passou um só momento com ela sem a devida companhia. Ela é uma amazona excelente, o cavaleiro não se atreve a cavalgar sozinho com a moça por medo de que fuja com seus escoceses.

Stephen soprou zombador.

— Antes eu diria que o sobrenome Chatworth tem demasiados inimigos para que ele se atreva a cavalgar sozinho. — Levantou-se. — Deveria mantê-la encerrada no quarto trancado e não lhe permitir cavalgar com nenhum homem.

— Não sou tão velho que possa resistir a um rosto como o de Lady Bronwyn. Basta que ela me peça algo para que eu o dê.

— Agora está sob minha responsabilidade. Ocuparei novamente o quarto sudeste? Você poderia me fazer subir uma tina e algo para comer? Amanhã não voltará a se sentir insultada por minha presença.

Sir Thomas sorriu ante a tranquila segurança de Stephen. Aquilo prometia ser emocionante.


Quando a luz do sol matutino filtrou seus raios do outro lado do quarto, Bronwyn estava de pé junto à mesa, com um pergaminho na mão, o cenho franzindo a testa. Usava um vestido de veludo de cor azul-pavão, com amplas mangas cortadas em certos pontos, pelas aberturas aparecia o forro de seda verde claro. A saia também estava cortada na frente para mostrar a mesma seda.

Voltou-se para o Morag.

— Pede-me que me encontre com ele no jardim.

— Está bastante apresentável.

Bronwyn enrugou a nota na mão. Ainda estava furiosa pelo modo que ele tinha exigido sua presença a noite anterior. E agora, pela manhã, não oferecia explicações nem desculpas por sua conduta ou seu atraso. Limitava-se a exigir que ela fizesse exatamente o que ele desejava. Olhou à criada que aguardava sua resposta.

— Diga ao Lorde Stephen que não vou me encontrar com ele.

— Não vai? Milady não está bem?

— Estou muito bem. Dê minha mensagem como eu disse, então vá para Roger Chatworth e diga que vou encontrá-lo no jardim em dez minutos.

Os olhos da menina se arregalaram, depois saiu do quarto.

— Você faria bem em fazer as pazes com seu marido. — Disse Morag. — Você não ganhará nada, deixando-o zangado.

—-Meu marido! Meu marido! Isso é tudo que ouço. Ele ainda não é meu marido. Eu devo estar pronta para correr quando me chamar depois de ele ter me ignorado todos esses dias? Tenho sido motivo de riso de todos na mansão por causa dele, e mesmo assim tenho que cair aos seus pés como uma esposa obediente no momento em que ele se incomoda em aparecer. Eu quero que ele saiba que o odeio e a todos da sua espécie.

— E o jovem Chatworth, ele é inglês.

— Pelo menos tem sangue escocês. Talvez eu possa levá-lo para as Terras Altas e fazer dele um escocês inteiro. Venha, Rab, temos um compromisso. — Bronwyn sorriu.

— Bom dia, Stephen. – Sir Thomas chamou. Era uma manhã adorável, o sol brilhando, o ar fresco após uma rápida chuva na noite anterior. O aroma de rosas pairava no ar. — Você certamente parece bem melhor do que ontem.

Stephen usava uma jaqueta curta de lã marrom-escura. Ela enfatizava a largura de seus ombros, a espessura de seu peito. Suas pernas estavam envoltas em uma calça que colava em cada curva muscular de suas poderosas coxas. Seus cabelos loiros escuros ondulavam ao longo de seu colarinho, seus olhos brilhavam acima de sua mandíbula forte. Ele era extraordinariamente bonito.

— Ela se recusou a me ver. — Disse sem preâmbulos.

— Eu disse que as maneiras dela são rudes.

Stephen subitamente ergueu a cabeça. Bronwyn vinha na direção deles. À primeira vista não viu Roger ao lado dela. Seu olhar estava voltado unicamente para a escocesa. Seu cabelo pesado caía em cascata nas costas, descoberto. A luz do sol refletia nele, fazendo-o brilhar como pingos de ouro. O vestido azul refletia o azul de seus olhos. Seu queixo era tão obstinado à luz do dia como se mostrara na noite anterior.

— Bom dia. — Roger cumprimentou calmamente enquanto paravam por um momento.

Bronwyn acenou com a cabeça para Sir Thomas, então seus olhos se demoraram em Stephen. Ela não o reconheceu. Seu único pensamento foi que nunca vira um homem com esses olhos. Pareciam ver através dela. Foi com dificuldade que desviou o olhar e prosseguiu sua caminhada.

Quando Stephen dominou-se o suficiente para finalmente perceber que Roger Chatworth caminhava ao lado da mulher com quem ele casaria, rosnou baixo um grunhido e deu um passo à frente.

Sir Thomas segurou-lhe o braço.

— Não vá atrás dele dessa maneira. Tenho certeza que não há nada que Roger deseje mais que uma briga. E, pelo que eu saiba, Bronwyn também.

— Então eu devo dá-la a ambos!

— Stephen! Escute. Você magoou aquela garota. Você se atrasou e não enviou uma mensagem. Ela é uma mulher orgulhosa. Talvez mais orgulhosa do que uma mulher deveria ser. O pai dela sabia disso quando a tornou sua herdeira. Dê-lhe tempo. Leve-a para cavalgar amanhã e converse com ela, pois é uma mulher inteligente.

Stephen relaxou e retirou a mão do punho da espada.

— Conversar com ela? Como eu poderei falar com uma mulher com essa aparência? Na noite passada eu mal consegui dormir porque ela me deixou atormentado. Sim, eu a levarei para cavalgar, mas talvez não o tipo de cavalgada que você está falando.

— Seu casamento está marcado para depois de amanhã. Mantenha a moça virgem até lá.

Stephen deu de ombros.

— Ela é minha e farei com ela o que eu quiser.

Sir Thomas meneou a cabeça ante a arrogância do rapaz.

— Venha, vamos olhar meus novos falcões.

— Minha cunhada, Judith, mostrou a Gavin uma nova isca. Talvez você queira vê-lo.

Assim dizendo, deixaram o jardim e se dirigiram ao estábulo.


Bronwyn, enquanto caminhava com Roger, não deixava de procurar com o olhar o homem que tinha conhecido a noite anterior. O único desconhecido parecia ser o que acompanhava Sir Thomas. Outros eram os de sempre, que a olhavam e a encaravam rindo de modo insultante ao vê-la passar. Mas nenhum deles se parecia com o homem feio e imundo do qual fora arrasta e posta diante dele na noite anterior. Em certa oportunidade jogou uma olhada por cima do ombro, tanto Sir Thomas como seu acompanhante tinham desaparecido. Os olhos do homem não se apagavam de sua mente. Davam-lhe desejo de fugir, mas também impediam de fazê-lo. Piscou para limpar sua visão e virou-se para alguém menos perigoso, Roger, cujos olhos sorriam com bondade e não a alteravam absolutamente.

— Me diga Lorde Roger, o que mais pode me contar sobre Stephen Montgomery? Que é feio já sei.

Roger ficou surpreso. Nunca teria imaginado que uma mulher pudesse considerar feio Stephen Montgomery. Chatworth sorriu.

— Em outros tempos os Montgomery eram ricos, mas sua arrogância desagradou a um rei e ele se apoderou de suas riquezas.

Ela franziu o cenho.

— Por isso agora se casam com mulheres de fortuna.

— As mais enriquecidas que possam achar. — enfatizou-o.

Bronwyn pensou nos homens que tinham morrido com seu pai. Ela teria escolhido um como marido. Desse modo teria se casado com um homem que a amasse, que quisesse algo além de suas terras.

Morag puxava um balde de água do poço, sem apartar a vista do jovem silencioso que se apoiava contra o muro do jardim. Nos últimos dias, a anciã não se afastava muito de sua pupila, embora Bronwyn nunca notasse sua presença. Não gostava do modo como Bronwyn se exibia com esse tal Roger Chatworth. Tampouco gostava de Chatworth. Como podia um homem cortejar uma mulher poucos dias antes que ela se casasse com outro?

Morag tinha escutado os protestos de Bronwyn depois de seu encontro com Stephen Montgomery. Que o homem era um idiota, baboso e lascivo, com quem ela não se casaria jamais, ele era repulsivo e vil.

A anciã deixou o balde de água no chão. Levava quase uma hora observando ao jovem de olhos azuis que não despegava a vista de Bronwyn, enquanto a moça cantava ao compasso do alaúde de Roger. O desconhecido quase não piscava. Apenas ficou de pé a observá-la.

— Então é você quem vai se casar com ela! — disse Morag em voz alta.

Stephen apartou a vista da cena com certa dificuldade. Olhou à velha dos pés a cabeça e sorriu.

— Como sabe?

— Pelo jeito que você está olhando para ela, como se já a possuísse. — pôs-se a rir.

— Ela disse que era feio como nenhum outro. — Os olhos do Stephen cintilaram.

— E você o que pensa?

— O que posso achar? — grunhiu Morag — Mas não pense que vou adular-te.

— Agora que me puseste em meu lugar, talvez queira me dizer quem é. Por seu sotaque adivinho que é escocesa, como minha Bronwyn.

— Sou Morag de MacArran.

— A donzela de Bronwyn?

As costas da anciã ficaram rígidas.

— Conviria aprender que na Escócia somos livres. Faço o que posso para ganhar o pão. Por que não se apresentou para as bodas?

O moço voltou o olhar para Bronwyn.

— Porque minha cunhada estava muito doente. Não pude partir até estar seguro de que sobreviveria.

— E tampouco pôde enviar uma mensagem? — Stephen a olhou com ar culpado.

— Esqueci-me. Estava tão preocupado com Judith que esqueci.

A velha deu um grunhido de risada. Esse alto cavalheiro a estava conquistando.

— Tem que ser um bom homem para se preocupar tanto por outra pessoa que se esquece de seus próprios interesses.

Os olhos de Stephen brilharam.

— Claro que não tinha ideia de como era sua ama.

A mulher voltou a rir.

— É um moço bom e sincero. Tendo em conta que é inglês. Vamos entrar e tomaremos um pouco de uísque ou tem medo de tomar uísque tão cedo?

Stephen lhe ofereceu o braço.

— Talvez consiga te embebedar para que me fale de Bronwyn.

A gargalhada de Morag ressoou pelo jardim.

— Em outros tempos meu jovem, os homens queriam me embebedar por outros motivos.

E caminharam juntos para a mansão.

Aquela risada fez franzir o cenho de Bronwyn. Durante todo esse tempo tinha tido muita consciência de que o homem a olhava com uma fixidez inquietante. Alguns olhares ocasionais lhe permitiram ver que ele denotava desenvoltura, graça, potência e uma força dominada com facilidade. O fato de que Morag conversasse tão intimamente com ele a inquietou ainda mais. A anciã não estava acostumada a entender-se com os homens, muito menos com os ingleses. Como era possível que aquele homem a tivesse conquistado com tanta facilidade?

— Quem é o homem que fala com Morag?

Roger franziu o cenho.

— Não o conhece? É Stephen.

A moça seguiu com o olhar a silhueta que se retirava, oferecendo o braço à enrugada mulher. A cabeça de Morag lhe chegava apenas ao cotovelo.

De repente Bronwyn se sentiu mais insultada ainda. Que tipo de homem era ele, capaz de apenas observar enquanto outro cortejava a sua prometida, sem sequer lhe dirigir a palavra, estando a poucos metros de distância?

— Há algo que a inquiete, Lady Bronwyn? — perguntou Roger, que a observava com atenção.

— Não, — sorriu ela — absolutamente nada. Siga tocando, por favor.


Estava anoitecendo quando Bronwyn se reencontrou com Morag. O sol poente deixava o quarto em penumbra. Rab permanecia junto a sua ama, que penteava seus longos cabelos.

— Então esta tarde recebeu visita. — Comentou, como se não tivesse importância.

A velha encolheu os ombros.

— Conversaram de algo interessante? — O gesto se repetiu.

Bronwyn deixou o pente para aproximar-se de Morag, que estava sentada junto à janela.

— Quer me responder?

— Não seja intrometida e curiosa. Desde quando tenho que prestar conta de minhas conversas particulares?

— Esteve bebendo à tarde de novo, posso sentir o cheiro.

Morag sorriu abertamente.

— Esse moço sabe resistir ao uísque. Aposto que seria capaz de beber com um escocês até lhe fazer cair sob a mesa.

— De quem falas? — acusou Bronwyn.

A outra a olhou com astúcia.

— Caramba, de seu marido, certamente. Sobre qual outro pode me importunar com suas perguntas?

— Pois não estou... — Bronwyn se tranquilizou. — Não é meu marido. Nem sequer se preocupa em me dirigir a palavra, muito menos apresentar-se às bodas.

— De maneira que isso é o que te incomoda. Supus que havia nos visto juntos. Queria chateá-lo passeando com o jovem Chatworth?

Bronwyn não respondeu.

— Já imaginava! Pois fique sabendo que Stephen Montgomery não está habituado a ser desprezado por mulher nenhuma Se decidir casar-se contigo, depois do comportamento que tiveste com o Chatworth, pode te considerar muito afortunada.

— Afortunada! — Bronwyn conseguiu balbuciar. Se Morag pronunciava uma palavra mais, acabaria por lhe retorcer o pescoço. — Vamos, Rab — ordenou.

Abandonou o quarto para descer apressadamente pela escada até o jardim. Fora já estava escuro; a lua brilhava sobre árvores e sebes. Caminhou pelos atalhos e acabou sentando-se em um banco de pedra, frente a um muro baixo. Quanto desejava voltar para sua casa, afastar-se desses estrangeiros, tirar essas roupas estranhas, deixar para trás a esses forasteiros que a olhavam como um prêmio de guerra! De repente Rab se levantou e soltou um rosnado de advertência.

— Quem está aí? — perguntou a moça. Um homem se adiantou.

— Stephen Montgomery! — disse em voz baixa. À luz da lua parecia ainda mais musculoso. — Posso me sentar ao seu lado?

— Por que não? Acaso importa minha opinião quando se trata dos ingleses?

Stephen se sentou ao seu lado, e observou como ela dominava Rab com um simples gesto da mão. Reclinou-se contra a parede, estirando as longas pernas. Bronwyn se afastou para a beirada do banco.

— Se segue te afastando acabará caindo. — Ela ficou rígida.

— Diga o que quer e acabemos logo com isso.

— Não tenho nada para dizer .— respondeu ele, gentil.

— Pois com Morag parecia ter muito sobre o que conversar.

Stephen sorriu. A luz da lua se refletiu em seus dentes brancos e uniformes.

— Essa mulher tratou de me embebedar.

— E teve êxito?

— Quem se criou com três irmãos varões sabe beber.

— Não fizeram mais que beber? Sem conversar?

Stephen guardou silêncio durante um instante.

— Por que te mostra tão hostil comigo? — perguntou ele por fim. Ela se levantou com presteza.

— Pretendia que te recebesse com os braços abertos? Estive seis horas vestida para minhas bodas, esperando que chegasse. Vi toda minha família massacrada pelos ingleses, mas me ordenaram a me casar com um deles. Então me trata como se não existisse. E agora, em vez de pedir desculpas, pergunta-me por que sou hostil.

Voltou-lhe as costas e pôs-se a andar para a mansão, mas ele segurou-a por um braço para fazê-la voltar-se para ele. Bronwyn não estava acostumada a um homem muito mais alto que ela.

— Se te pedir desculpas, aceitaria?

Sua voz era grave e profunda, como prata líquida à luz da lua. Era a primeira vez que a tocava, que estava tão perto dela. Pegou seus pulsos e deslizou as mãos por seus braços, segurando a carne sob a seda e o veludo.

— O rei Henry só quer a paz — disse. — Pensa que, se puser um inglês em meio aos escoceses, eles poderão compreender que não somos tão ruins.

Bronwyn olhou-o. O coração lhe pulsava com força. Queria afastar-se deste homem, mas o corpo não lhe obedecia.

— Sua vaidade é alarmante. A julgar por sua falta de boas maneiras, meus escoceses pensarão que são piores do que temiam.

Stephen riu brandamente, mas era evidente que não o prestava muita atenção. Adiantou a mão esquerda para lhe tocar o pescoço. Bronwyn tratou de liberar-se.

— Não me toque! Não tem direito a me tocar, nem rir de mim!

Stephen não se incomodou em liberá-la.

— É deliciosa. Só penso que, se não houvesse atrasado a nossas bodas, neste mesmo instante poderia te levar a meu quarto. Você não gostaria de esquecer o dia que falta e subir agora mesmo comigo?

Ela lançou uma exclamação de horror e Rab rosnou com ar ameaçador. Enquanto Bronwyn se libertava e afastava-se bruscamente das mãos que a seguravam, Rab se interpôs entre sua proprietária e o homem que a tocava.

— Como te atreve? — protestou ela, apertando os dentes. — Devia ser grato por eu não fazer com que Rab o ataque por me insultar assim.

— O cão sabe apreciar a vida. — Stephen emitiu uma risada estupefata.

Deu um passo mais perto e Rab rosnou mais alto.

— Não te aproxime mais. — advertiu Bronwyn.

Stephen a olhou, desconcertado, e levantou as mãos em um gesto de súplica.

— Não era minha intenção te insultar, Bronwyn. Eu...

— Posso lhe ser útil, Lady Bronwyn? — perguntou Roger Chatworth, surgindo de entre as sombras das sebes.

— Tomaste o costume de espreitar entre as sombras, Chatworth? — perguntou-lhe Stephen.

Roger se mostrava tranquilo e sorridente.

— Prefiro dizer que tomei o costume de socorrer às damas em apuros. — Voltou-se para ela com o braço estendido. — Escolto-a até sua habitação, milady?

— Advirto-lhe, Chatworth...

— Basta! Parem com isso, vocês dois! — protestou Bronwyn, desgostada por essa briga infantil. — Obrigada por sua amabilidade, Roger, mas não necessito melhor escolta que a do Rab. — Voltou-se para Stephen com um olhar de gelo. — Quanto a você meu lorde, agradeço por me oferecer a desculpa necessária para deixar sua desprezível companhia.

Voltou às costas aos homens e Rab a seguiu de perto no trajeto à mansão.

Roger e Stephen a seguiram com a vista durante um longo tempo. Depois, sem olhar-se, partiram em direção distinta.

Bronwyn teve dificuldade para conciliar o sonho. Stephen Montgomery a inquietava profundamente. Sua proximidade era perturbadora, quando ele a tocava parecia impossível pensar corretamente. Era esse o homem que deveria apresentar diante seu clã como líder? Não parecia ter um pingo de seriedade no corpo. Quando conseguiu dormir teve horríveis sonhos. Via os homens de seu clã seguindo a uma bandeira inglesa, um a um caíam massacrados. Stephen Montgomery sustentava em alto o estandarte ignorando a morte dos escoceses, pois insistia em colocar a mão sob o vestido do Bronwyn.

Pela manhã recebeu um convite de Stephen, que não serviu absolutamente para lhe levantar o ânimo. Enrugou na mão a nota em que lhe propunha uma cavalgada e anunciou a Morag que não iria. Mas Morag tinha uma maneira de importunar que sempre fazia alguém fazer o que ela queria. A velha já tinha conseguido que Bronwyn lhe dissesse por que estava tão zangada com Stephen.

— É um jovem saudável, — comentou Morag — e te pediu que passasse a noite com ele. Outros pediram isso, segundo lembro, sem que você se sentisse tão insultada.

Bronwyn guardou silêncio, pensando que os ingleses tinham posto fim a seus dias de risadas e liberdade. A velha não deixou que essa pausa a preocupasse. Desejava algo e não se deteria até ter obtido.

— Pede-te que passe o dia com ele. Depois de tudo, amanhã se celebrará as bodas.

— Como sabe? Ninguém me comunicou a nova data.

— Disse-me isso Stephen, esta manhã. — replicou Morag, impaciente.

— Então, você o viu de novo! O que encontra tão interessante? Até entre os ingleses há melhores.

Morag soprou com desdém.

— Não conheci a nenhum.

— Roger Chatworth é amável, inteligente e tem uma boa dose de sangue escocês.

— Ele disse isso? Talvez quisesse dizer que gosta de uma boa parte de terra escocesa. Acredito que Roger Chatworth adoraria ter a terra que você possui.

Os olhos do Bronwyn emitiram um cintilar furioso.

— Não é isso o que procuram todos estes ingleses? Querer-me-iam embora fosse gorda e velha.

Morag meneou a cabeça, desgostada.

— Primeiro se revolta contra Stephen por seus ardores, depois te queixa de que os homens lhe querem somente por sua riqueza e não por sua pessoa. Dê-lhe uma oportunidade de se redimir. Conversa com ele, passa o dia ao seu lado, pergunte o porquê de seu atraso.

Bronwyn franziu o cenho. Não queria ver Stephen nunca mais. Era-lhe fácil imaginar a Roger cavalgando ao seu lado, mas não podia imaginar Stephen fazendo nada além do que queria independentemente de seus desejos. Olhou a Morag.

— Tratarei de conversar com ele, se ele puder manter suas mãos afastadas tempo suficiente para conversar.

— Acredito que em sua voz há esperança. — Morag gargalhou


Capítulo Três

Apesar da pouca vontade de passar o dia com seu prometido, Bronwyn se vestiu com esmero. Usava um vestido de lã simples, de cor vinho escuro, bordado de pérolas ao redor do profundo decote quadrado. As estreitas mangas mostravam a curva de seu braço.

Desceu as escadas com Rab lhe acompanhando os passos, mantinha cabeça bem alta. Planejava dar a Stephen Montgomery a oportunidade de lhe demonstrar suas boas intenções com respeito a ela e a sua gente. Talvez lhe tivesse julgado precipitadamente, possivelmente ele desejasse o melhor para seu clã. Então lhe perdoaria o atraso das bodas. Depois de tudo, o que importava os inconvenientes pessoais? O que importava era a atitude de Stephen para com seu clã e que eles lhe aceitassem ou não. Ela também queria a paz entre os seus e os ingleses, tanto quanto o rei Henry, já que foram os membros da sua família que haviam sido abatidos.

Deteve-se ao pé da escada para contemplar o ensolarado jardim.

Stephen a esperava, apoiado contra um muro de pedra. Era forçoso admitir que não lhe faltava beleza e que a atraía de uma maneira extraordinária. Mas não podia permitir que seus sentimentos — de amor ou de ódio — se antepusessem às necessidades de seu clã.

— Bom dia! — saudou em voz baixa, ao aproximar-se.

Stephen olhava com ardorosa intensidade. Com gesto automático, tomou um dos cachos que lhe caiam no ombro.

— É costume das escocesas não cobrir os cabelos? — inquiriu, enrolando os fios sedosos no dedo.

— As mulheres costumam deixar os cabelos soltos até que tenha seu primeiro filho. Salvo quando usam um tartan — adicionou, observando-o se por acaso fizesse algum comentário ou demonstrasse sabê-lo.

— O primeiro filho! — sorriu ele. — Vamos ver o que se pode fazer a respeito. — Mostrou o outro extremo do jardim com um gesto da cabeça. — Tenho um par de cavalos preparados. Está pronta?

Ela virou a cabeça para que ele soltasse sua mecha.

— As escocesas sempre estão prontas para montar. — pronunciou, recolheu suas largas saias e caminhou à frente dele, ignorando a risada divertida que a seguia.

Uma bonita égua negra esperava junto ao garanhão de Stephen. A égua pisoteava, entusiasmada pela perspectiva de correr. Antes que Stephen pudesse oferecer sua ajuda, Bronwyn saltou para a sela, amaldiçoando pela centésima vez a moda inglesa das saias largas e pesadas, que resultavam tão incômodas. Por sorte, Stephen não havia selado o animal com uma dessas absurdas selas laterais, como fazia Roger.

Antes que Stephen tivesse montado seu cavalo, a moça açulou à égua. O animal era corajoso e tinha tanto desejo de correr como ela. Bronwyn guiou o cavalo a toda velocidade, em direção ao caminho que Roger lhe mostrara. Inclinava-se para frente, deliciando-se do vento contra o rosto e o pescoço.

De repente detectou um movimento pela extremidade do olho. Ao girar a cabeça viu que Stephen a seguia de perto, ganhando vantagem. Riu a todo pulmão. Nenhum inglês nascido podia derrotar a uma escocesa na sela de um cavalo. Incitou à égua com sua voz e lhe deu uma leve chicotada. A égua se lançou para frente como se tivesse asas. Pelo corpo de Bronwyn circulava uma sensação de poder e exaltação.

Mas ao olhar por cima do ombro comprovou carrancuda, que Stephen estava cada vez mais perto. Para frente o caminho se estreitava, tornando-se muito apertado para dois cavalos ao mesmo tempo. Se Stephen queria passar, teria que sair do caminho e galopar pelo bosque, com o risco de que seu cavalo afundasse a pata em uma toca de coelho ou se chocasse contra uma árvore. Bronwyn guiou à égua para o meio do caminho. Sabia o que faria um escocês ao ver bloqueado seu caminho, mas aos ingleses faltavam coragem e resistência.

A égua corria a todo galope. Stephen já estava muito perto e Bronwyn sorriu triunfalmente ante sua confusão. Foi então que sua égua empinou levemente as patas com um relincho, Bronwyn teve dificuldade para manter-se sobre a sela. O garanhão do Stephen, adestrado para o combate, tinha-lhe mordiscado a garupa ao aproximar-se.

A moça se esforçou em dominar seu animal, amaldiçoando aos ingleses por lhe haver tirado seu próprio cavalo. Essa égua lhe era desconhecida e se mostrava muito menos receptiva as suas ordens.

A égua voltou a relinchar, quando o garanhão mordeu-a uma segunda vez, então, contra os comandos de Bronwyn, a égua sapateou para o lado e Stephen passou como um raio. O olhar que jogou fez que Bronwyn, murmurando um horrendo juramento gaélico, puxasse as rédeas para que a égua voltasse para centro do caminho.

Durante toda a corrida não permitiu que a égua desacelerasse. Tão somente por sua extraordinária habilidade com os cavalos tinha podido controlar a égua quando ela correu para a floresta para se livrar do agressivo garanhão.

Quando ela chegou ao riacho e saltou por cima do arroio, Stephen estava já ali, esperando-a. Tinha desmontado e permanecia tranquilamente de pé, observando seu cavalo beber água.

— Não esteve mal — lhe sorriu. — Tem tendência a puxar a rédea direita um pouco mais forte que a esquerda, mas com um pouco de prática chegará a ser muito boa.

Os olhos de Bronwyn lhe dispararam fogo azul. Prática! Aos quatro anos ganhou o primeiro pônei e aos oito cavalgava com seu pai nas incursões para roubar gado. Cavalgava de noite através das planícies, subindo as rochas da costa marítima. E ele dizia que necessitava prática! Stephen se se pôs a rir.

— Não ponha essa cara. Se por acaso se sente ofendida, direi que é a melhor amazona que vi em minha vida. Poderia dar lições à maioria das inglesas.

— Às inglesas! — conseguiu balbuciar ela. — Poderia dar lições a todos os ingleses, homens incluídos!

— Entretanto acaba de perder uma corrida contra um inglês. Agora desmonta de uma vez e dá uma esfregada a esse cavalo. Não pode deixá-lo suado.

E agora se atrevia a lhe ensinar como se cuida de um cavalo!

Bronwyn lhe olhou com uma careta entre zombadora e depreciativa. Levantou seu chicote e se inclinou para descarregá-la contra ele. Stephen esquivou com facilidade da chicotada e retorceu seu pulso, fazendo com que o chicote caísse ao chão. Bronwyn surpreendida se desequilibrou pelo inesperado movimento e, pelo pesado vestido inglês que envolvia suas pernas, perdeu o estribo e cambaleou para frente. Apesar de Bronwyn ter imediatamente se agarrado à sela, Stephen já tinha rodeado a sua cintura com as mãos e a atraia para si. A moça lutou para se liberar. Por um momento mediram forças, mas o que enfureceu Bronwyn foi que Stephen parecia estar gostando plenamente da humilhação de sua prometida. Brincava com ela, deixando-lhe acreditar que ganhava só para dominá-la de novo.

Por fim riu e, com um poderoso puxão, tirou-a da sela, erguendo-a acima da cabeça.

— Sabia que esse buraquinho de seu queixo se faz mais profundo quando te enfurece?

— Buraquinho! — indignou-se ela, levantando o pé para atacá-lo.

Considerando que tinha os pés a um metro do chão e que seu único apoio eram as mãos de Stephen na sua cintura, o movimento não foi muito prudente. Ele riu outra vez, jogou-a no ar e, enquanto a moça tratava de recuperar o equilíbrio, tomou-a em seus braços para estreitá-la contra si e lhe dar um sonoro beijo na orelha.

— É sempre tão divertida? — perguntou.

Ela se negou a olhá-lo, embora a sustentasse alto, com os braços imobilizados aos lados para evitar que o golpeasse.

— É sempre tão descarado? — replicou. —Alguma vez te ocorre outra coisa que tocar às mulheres?

Stephen esfregou o rosto em sua suave bochecha.

— Cheira bem. Admito que seja a primeira mulher que me afetou deste modo. Mas também é minha primeira esposa. Pela primeira vez tenho uma mulher completamente minha.

Ela se enrijeceu ainda mais em seus braços, se isso fosse fisicamente possível.

— Isso é tudo o que uma mulher é para você? Algo que se possui?

Ele sorriu, balançou a cabeça e colocou-a no chão, sem lhe tirar as mãos dos ombros.

— É obvio. Para que outra coisa serve uma mulher? Anda, arranca um pouco de erva para secar a seu cavalo.

Bronwyn deu-lhe as costas de boa vontade. Eles não se falaram enquanto soltavam seus cavalos e começaram a esfregá-los. Stephen não fez nenhuma tentativa de ajudá-la com a pesada sela, agradando a Bronwyn que teria recusado. Embora fosse mulher, distava muito de ser indefesa como ele parecia pensar.

Quando os animais foram amarrados, voltou-se a olhá-lo.

— Ao menos sabe um pouco de cavalos. — reconheceu-o.

A expressão da moça lhe fez rir. Aproximou-se dela e lhe deslizou uma mão pelo braço, subitamente sério.

— Não comece com isso outra vez, por favor. — ela retrucou, apartando-se com brutalidade. — Não pode pensar em outra coisa?

Os olhos de Stephen cintilavam.

— Quando está perto, não. Acredito que me enfeitiçou. Faria-te outra proposta, mas a última te enfureceu demasiado.

Essa menção da cena do jardim fez que Bronwyn olhasse ao seu redor. Rab tinha se deitado tranquilamente junto ao riacho. Era estranho que não tivesse ameaçado Stephen durante a discussão anterior, considerando que o cão ainda grunhia quando Roger se aproximava muito.

— Onde estão seus homens?

— Com Sir Thomas, suponho.

— Não os necessita para que lhe proteja? O que me diz de meus escoceses? Sabia que esperam no bosque, preparados para me resgatar?

Stephen pegou sua mão para arrastá-la para algumas rochas. Ela tratou de libertar-se, mas não pôde. Ele a obrigou a sentar ao seu lado e deitou-se junto a ela, com a cabeça apoiada nas mãos. Ao parecer, não considerava que suas perguntas mereceriam resposta. Limitava-se a olhar o céu azul por entre as árvores.

— Por que seu pai o nomeou Laird do clã?

Bronwyn lhe olhou fixamente por um momento. Logo sorriu. Isso era exatamente o que queria falar com ele, sobre o que para ela era o mais importante no mundo, seu povo.

— Eu deveria me casar com um dos três melhores homens do meu pai. Qualquer um deles teria sido um excelente Laird. Mas nenhum desses jovens estava dentro dos nove graus de parentesco entre os quais pode escolher-se a um Laird. Meu pai me nomeou sucessora, no entendimento de que eu me casaria com um deles, desta forma o escolhido seria pelo enlace Laird.

— O que se passou com os homens?

Bronwyn torceu a boca, furiosa.

— Mataram eles junto com meu pai. Foram os ingleses!

Stephen não soube como responder, salvo franzindo apenas o cenho.

— Isso significa que quem quer que se case com você deve se tornar o Laird, não?

— Eu sou o Laird de MacArran. — estabeleceu ela com firmeza, enquanto começava a levantar-se. Stephen lhe segurou a mão para obriga-la a seguir sentada.

— Oxalá você parasse de ficar com raiva de mim por mais de um minuto. Como quer que a compreenda se tenta fugir de mim?

— Eu não fujo de você!

Bronwyn afastou a mão, porque ele tinha começado a beijar a ponta dos seus dedos. Obrigou-se a ignorar as sensações que lhe corriam pelo braço até o lóbulo da orelha. Stephen, com um suspiro, voltou a deitar-se.

— Temo que não possa conversar e te olhar ao mesmo tempo. — Fez uma pausa. — Mas seu pai devia ter algum outro parente em condições de herdar.

Bronwyn tratou de tranquilizar-se. Sabia exatamente o que estava dizendo esse estúpido inglês, que qualquer homem teria sido melhor que uma mulher para o posto. Não mencionou seu irmão mais velho, Davey.

— Os escoceses acreditam que as mulheres estão dotadas de inteligência e de caráter. Não esperam somente que possamos ter e criar filhos e nada mais.

Stephen respondeu com um grunhido. Bronwyn teve uma deliciosa visão em que se imaginou esmagando-lhe a cabeça com uma pedra. A ideia a fez sorrir. Rab, como se a compreendesse, levantou sua grande cabeça e olhou para ela com ar interrogador.

Stephen pareceu não entender do mudo diálogo que se produzia ao seu lado.

— Quais seriam meus deveres como Laird?

Ela apertou os dentes e se esforçou por conservar a paciência.

— A Laird de MacArran sou eu, meus homens respondem ao meu comando. Para te obedecer teriam antes que te aceitar.

— Me aceitar? — repetiu ele, girando para olhá-la. Mas o que aparecia por sobre o decote bordado de pérolas lhe distraiu tanto que se viu obrigado a apartar a vista para conservar o comportamento. — Antes de tudo, a questão deveria ser se eu os aceitarei ou não.

— Palavras dignas de um verdadeiro inglês! — zombou ela depreciativa. — Pensa que as circunstâncias de seu nascimento o colocam acima de todos os outros. Pensa que seus costumes e suas ideias lhe fazem superior aos pobres escoceses. Sem dúvida alguma, acredita que somos selvagens e cruéis comparados com seu povo. Mas nós não capturamos as suas mulheres para obrigá-las a casar-se com nossos escoceses. Embora eles sejam melhores maridos que qualquer inglês.

Stephen não se ofendeu por seu arrebatamento. Limitou-se a encolher os ombros.

— Todo homem acredita que sua pátria é a melhor de todas, certamente. Realmente, sei muito pouco sobre a Escócia e seu povo. Passei algum tempo nas Terras Baixas, mas não acredito que se pareça com as Terras Altas.

— Os habitantes das Terras Baixas são mais ingleses que escoceses!

Stephen guardou silêncio por um momento.

— Ao que parece ser Laird de um clã... Perdoe-me, — corrigiu, com uma pequena risada divertida — ser marido de uma Laird implica certas responsabilidades. O que devo fazer para que me aceitem?

Bronwyn relaxou os ombros. Desde que ele mantivesse a vista longe dela, estava em liberdade de lhe observar. Era muito alto, mais que os homens a quem ela conhecia. Seu comprido corpo se estendia ao seu lado, lhe fazendo ter plena consciência de sua proximidade. Apesar do que estava ouvindo, Bronwyn sentia desejo de sentar-se junto a esse homem, contemplar suas pernas fortes, a amplitude de seu peito, os cachos loiros escuro que lhe desciam pelo pescoço. Gostava de comprovar que suas roupas não eram vistosas, a moda inglesa, mas sim de cores apagadas. Tratou de imagina-lo com o tartan escocês, que deixava as pernas descobertas da metade da coxa até debaixo dos joelhos.

— Deve se vestir como os escoceses. — respondeu, com voz serena. — Se não puser uma tartan, os homens terão sempre consciência de que é um dos inimigos.

Stephen franziu o cenho.

— Quer que brinque de correr por ali com as pernas nuas? Dizem que nas Highlanders faz muito frio.

— Claro que se não for bastante homem...

Bronwyn se interrompeu ante o arrogante olhar que estava recebendo.

— Que mais?

— Deve se converter um MacArran, ser MacArran. Os MacGregor serão seus inimigos. Seu sobrenome se tornará MacArran. Será...

— O que! — escandalizou-se Stephen, levantando-se de um salto para erguer-se ante ela em toda sua estatura. — Pretende que troque o sobrenome! Que eu, um homem, tome o sobrenome de minha esposa! — Voltou-lhe as costas. — É o mais absurdo que já ouvi. Sabe quem sou eu? Um Montgomery! Os Montgomery sobreviveram a centenas de guerras, ao comando de muitos reis. Outras famílias surgiram e desapareceram, mas os Montgomery sempre sobreviveram. Minha família possui a mesma terra há mais de quatrocentos anos. — Ele se virou para ela, passou a mão pelo cabelo e adicionou. — E você espera que eu renuncie ao sobrenome Montgomery pelo de minha esposa? — fez uma pausa e riu entre dentes. — Meus irmãos ririam até a morte de mim se me ocorresse fazer algo semelhante.

Bronwyn se levantou lentamente, deixando que aquelas palavras entrassem em sua mente.

— Tem irmãos que poderiam seguir adiante com o sobrenome de sua família. Sabe o que aconteceria se eu levasse para casa um inglês que nem sequer tratasse de compreender nossos costumes? Meus homens lhe matariam e eu teria que escolher outro marido. E sabe os conflitos que isso causaria? Há vários jovens que gostariam de casar-se comigo. Lutariam entre si.

— E o que? Devo renunciar a meu sobrenome para que você possa controlar sua gente? Talvez deva tingir o cabelo ou cortar um braço para agradá-los. Não! Me obedecerão ou se entenderão com isto! — e desembainhou sua longa espada.

Bronwyn olhou para ele atentamente. Esse homem falava de assassinar seu povo, seus amigos, seus parentes, as pessoas cujas vidas ela tinha em suas mãos. Não podia voltar para Escócia com esse louco.

— Não posso me casar contigo. — disse em voz baixa, com os olhos duros e mortalmente sérios.

— Não acredito que possa escolher. — disse ele, embainhando sua espada outra vez. Não tinha a intenção de ficar tão zangado, mas essa mulher precisava saber desde o início quem estava no controle. — Sou inglês e seguirei sendo-o em qualquer lugar que vá. Deveria compreendê-lo, posto que você tampouco parece disposta a mudar seus costumes escoceses.

Ela começava a sentir bastante frio, apesar do dia quente de outono.

— Não é o mesmo. Você teria que viver entre os meus, dia a dia, ano após ano. Não te dá conta de que não lhe aceitarão se anda entre eles com suas finas roupas inglesas e seu antigo sobrenome inglês? Cada vez que o vissem recordariam aos filhos que os ingleses mataram e veriam meu pai, assassinado sendo jovem ainda.

Sua súplica chegou até o coração de Stephen.

— Usarei o traje dos escoceses. Aceito a isso.

De repente, uma cega ira substituiu ao frio que tinha invadido o corpo do Bronwyn.

— Então você aceita usar o tartan e a camisa açafrão! Sem dúvida você gosta da ideia de exibir ante minhas mulheres essas belas e fortes pernas.

Stephen ficou boquiaberto, então sorriu tão amplamente que ameaçou dividir seu rosto ao meio.

— Isso não me tinha ocorrido, mas me alegra que a você sim! — Alargou a perna, flexionando o grande músculo que subia do joelho. — Acredita que suas mulheres estarão de acordo contigo? — perguntou, com um brilho no olhar. — Você ficará ciumenta?

Bronwyn só pôde encará-lo atônita. Este homem não podia falar com seriedade nem por um instante. Brincava e ria dela quando estavam tratando questões de vida ou morte. Recolheu as saias e pôs-se a andar para o riacho.

— Bronwyn! — chamou Stephen. — Espera! Não era minha intenção tomar suas palavras com zombaria. — Imediatamente havia compreendido seu engano. Segurou-a pelo pulso para fazê-la girar para ele. — Por favor, — rogou, com tristeza no olhar — não quis te ofender, mas é tão linda que não posso pensar. Olho seus cabelos e desejo tocá-los. Quero te beijar os olhos. Esse maldito vestido é tão decotado que está prestes a deixar saltar por cima seus encantos e fico louco. Como pretende que fale seriamente sobre as disputas entre escoceses e ingleses?

— Disputas! — resmungou ela. — É mais uma guerra!

— Guerra, o que seja. — Stephen retrucou, com a vista cravada em seus seios, deslizou-lhe as mãos pelos braços. — Por Deus! Não suporto tê-la tão perto e não fazê-la minha. Levo tanto tempo neste estado que já tenho dores.

Ela olhou involuntariamente para baixo e ficou vermelha. Stephen estava sorrindo com os olhos turvos de desejo. Bronwyn franziu os lábios. Que homem tão vil! Era um homem de mente baixa, e ele obviamente pensava que ela compartilhava sua falta de caráter. Lembrou-se de suas mãos explorando-a e, como ele se negava a soltá-la, aplicou-lhe um forte empurrão. Stephen não se moveu, mas o impacto contra esse peito duro fez que Bronwyn perdesse o equilíbrio. Ela não tinha ideia de que estava tão perto da beirada do riacho.

Caiu para trás, enquanto tentava freneticamente agarrar-se a algo, Stephen estendeu a mão para pegá-la, mas mesmo quando tocou seu pulso, ela deu uma palmada. Ele fez um ligeiro encolher de ombros e deu um passo para trás, já que não tinha nenhuma vontade de molhar suas próprias roupas dos respingos que ela ia fazer ao debater-se para se levantar.

As águas desse riacho deviam provir das montanhas da Escócia, a julgar pela frieza que estavam. Bronwyn caiu sentada na água. Seu pesado vestido de lã absorveu o gelo liquido como se estivesse esperando a oportunidade de encharca-la.

Permaneceu imóvel por um momento, um pouco aturdida, e levantou a vista para Stephen. Ele a olhava, sorridente. Uma gota fria escorreu pelo nariz da moça e ficou pendurada na ponta. Rab, ao lado de Stephen começou a latir, com a cauda abanando, encantado pela brincadeira.

— Posso te oferecer ajuda? — perguntou Stephen, alegre.

Bronwyn afastou um cacho negro molhado de sua bochecha. A qualquer momento seus dentes começariam a tocar castanholas, mas preferia arranca-los da boca antes que deixá-lo ver.

— Não, obrigada! — disse, com toda a altivez possível.

Procurou com a vista algo que lhe servisse para recuperar o equilíbrio, mas não havia nada a menos que ela rastejasse até uma rocha alguns metros de distância. Ela nunca rastejaria diante desse homem.

— Vem, Rab! — ordenou.

O cão se apressou a chapinhar na água para aproximar-se de sua dona. Bronwyn enxugou a água do rosto com as mãos, evitando deliberadamente olhar o sorridente Stephen. Colocando as mãos nas costas do cão, começou a levantar-se. O vestido de lã era extremamente pesado e encharcado completamente com água, se tornava impossível. Além disso, as pedras escorregadias sob seus pés eram lisas e difíceis de manter o equilíbrio.

Tinha conseguido levantar-se pela metade, depois de vários minutos de resistência, quando escorregou e seus pés voaram para fora, jogando seu corpo para trás. Rab saltou quando Bronwyn caiu novamente, agora de costas, submergindo por completo. Ela veio à tona ofegante.

O primeiro som que ouviu foi o riso de Stephen, e então, com uma sensação de traição, ouviu o latido de Rab. Um latido que soava suspeitamente como uma risada canina.

— Malditos sejam os dois! — Ela sibilou e agarrou ofendida, a condenada saia aderente e fria.

Stephen balançou a cabeça, depois entrou na água. Antes que ela pudesse falar, se inclinou e a pegou em seus braços. Ela teria dado qualquer coisa para ser capaz de derrubá-lo na água, mas ele pisava com segurança. Quando se inclinou para levantá-la, manteve as pernas retas, usando apenas as costas e evitando o mínimo de contato com a água.

— Eu gostaria que me soltasse. — disse ela, com toda a altivez possível.

Stephen encolheu um ombro e deixou cair os braços. Em um movimento reflexo, para evitar cair de volta na água gelada, Bronwyn ofegou e jogou seus braços em volta de seu pescoço.

— Assim eu gosto muito mais! — riu ele. E a abraçou com tanta força que lhe impediu de mover os braços.

— Acredito nunca ter visto olhos azuis com cabelo negro. Não sabe quanto lamento ter faltado a nossas bodas. — sussurrou enquanto caminhava até a margem com ela, devorando-lhe o rosto com o olhar.

Ela sabia exatamente por que ele estava arrependido, e suas razões não ajudaram seu humor.

— Tenho frio. — Disse secamente. — Me Solte, por favor.

— Eu poderia te aquecer. — assegurou Stephen lhe mordiscando o lóbulo da orelha.

Bronwyn sentiu um arrepio percorrer seu braço. Um arrepio que nada tinha a ver com o vestido molhado que usava. A sensação assustou-a. Ela não gostava disso.

— Por favor, solte-me. — repetiu com suavidade.

Stephen levantou apressadamente a cabeça e a olhou com preocupação.

— Está com frio. Tire o vestido e pode usar minha túnica. Devo construir uma fogueira?

— Prefiro que me solte para que possamos voltar para casa.

Relutantemente, Stephen a colocou na frente dele.

— Está tremendo. — disse enquanto movia suas mãos ao longo de seus braços. — Você ficará doente se não tirar esse vestido.

Ela se afastou dele. O vestido encharcado enroscando em suas pernas, as mangas arrastaram seus braços para baixo. Stephen a olhou com desgosto.

— Essa maldita roupa está tão pesada que mal te permite caminhar. Não entendo por que diabos as mulheres usam essas roupas. É tão pesada que agora duvido que o seu cavalo possa levá-la.

Bronwyn endireitou os ombros, embora o vestido ameaçasse derruba-la outra vez.

— As mulheres! São vocês, ingleses, que impõem essas modas às suas mulheres, em uma tentativa de mantê-las imóveis, já que não são homens suficientes para lidar com mulheres livres. Fiz costurar este vestido para não envergonhar a meu clã. Os ingleses muitas vezes julgam uma pessoa por suas roupas. — Apontou o tecido. — Sabe quanto me custou isto? Eu poderia ter comprado cem cabeças de gado pelo o que esta peça me custou, mas você arruinou.

— Eu? Foi a sua teimosia que arruinou. Igual agora. Está aí, tremendo, porque prefere congelar a fazer o que eu digo. — Dedicou-lhe um sorriso zombador.

— Pelo menos você não é completamente estúpido. Você entende algumas coisas.

Stephen riu entre dentes.

— Ah! Entendo muito mais do que você imagina. — Ele tirou a túnica e estendeu-a para ela. — Se você tem tanto medo de mim, vá para o bosque e troque-se.

— Não te temo! — soprou Bronwyn, sem prestar atenção a roupa que lhe oferecia.

Ela caminhou lentamente, chutando a saia enquanto se movia para a sela no chão. Retirou um tartan Highlander da alforja. Sem incomodar-se em olhar a Stephen, entrou no bosque, seguida por Rab.

Ela tinha muita dificuldade com os laços que estavam na parte de trás do vestido. Quando chegou ao último, sua pele estava quase azul. Ela agarrou o vestido e puxou-o de seus ombros, o último laço se rasgando. Então deixou o vestido cair em um amontoado aos seus pés.

O linho fino de sua camisa e da anágua, antes rígida, estavam tingidas de rosa borgonha, devido a lã cor de vinho. Ela ansiava por remover a roupa interior, mas não se atreveu a fazê-lo com alguém como Stephen Montgomery por perto. Ao pensar, olhou em volta para se certificar de que ele não estava espionando-a, depois tirou a anágua e as meias de seda. Quando tirou tanta roupa quanto ousou, enrolou-se no tartan e caminhou de volta ao riacho.

Stephen não estava à vista.

— Procurando por mim? — perguntou de trás dela.

Ao dar meia volta, Bronwyn encontrou um Stephen muito sorridente, com as roupas molhadas penduradas no braço. Era óbvio que ele estava escondido e a observava se despir. Seus olhos estavam frios enquanto o encarava.

— Acredita que ganhou, não é verdade? Você está tão confiante de que logo eu estarei aos seus pés que se permite me tratar como a um brinquedo de sua propriedade. Mas não sou um brinquedo. E sobre tudo, não sou sua propriedade. Apesar de toda sua vaidade inglesa, sou escocesa e tenho algum poder.

Ela se virou para onde a égua negra estava amarrada. Depois parou e olhou para ele.

— E farei uso do pouco poder que tenho.

Ignorando sua presença, recolheu o tartan até os joelhos, segurou-se na crina do animal e saltou a seu lombo. Ela deu um pontapé de leve na égua e quando passou junto a Stephen já ia a galope.

Ele não tentou impedi-la, mas montou em seu cavalo sem sela e a seguiu. Mandaria alguém mais tarde recolher as selas.

Parecia um longo caminho de volta para a mansão. A espinha dorsal do cavalo batendo no seu traseiro, em pleno galope, parecia apenas uma punição por seu comportamento. Era uma mulher orgulhosa, e ele a tratara mal. Claro que ela o provocava. Bastava a olhar e tinha dificuldade em pensar. Enquanto ela tratava de mediar um dialogo, ele só podia pensar em tê-la em sua cama. Mais tarde, — pensou — depois que estivessem casados e ele a tivesse possuído algumas vezes, seria capaz de olhar para ela sem seu sangue ferver.


Bronwyn estava diante do espelho em seu quarto. Sentia-se muito melhor agora que tomou um banho quente e algum tempo para pensar. Stephen Montgomery não era homem para se tornar seu marido. Se ele antagonizasse seu povo como fazia com ela, seria morto instantaneamente, e então os ingleses cairiam sobre suas cabeças. Ela não se casaria com um homem que certamente causaria guerra, bem como conflitos dentro de seu clã.

Voltou a arrumar os cabelos. Recolheu uma parte em cima da cabeça por trás, deixando o resto solto. Uma criada lhe tinha levado margaridas de outono, recém-cortadas, para que fizesse uma guirlanda, que lhe rodeava a cabeça por trás.

Seu vestido era de seda verde-esmeralda. As mangas de anjo foram revestidas com peles de esquilo cinzento, acentuando o cinza da seda revelada pela abertura na frente da saia em forma de sino.

— Quero estar como nunca. — disse, divisando Morag no espelho. A anciã suspirou.

— Gostaria de pensar que você esta se vestindo para agradar Lorde Stephen, mas acho que não.

— Eu nunca vou me vestir para ele!

— Pelo que sei, o homem só quer te ver despida. — Morag murmurou

Bronwyn não se incomodou em responder, nem se permitiu ficar aborrecida. O que ela precisava fazer afetaria a vida de centenas de pessoas, e ela não poderia entrar nisso estando com raiva.

Sir Thomas estava esperando por ela na biblioteca. Seu sorriso de saudação era cordial, mas reservado. Ele desejava vivamente que pudesse se livrar da bela mulher para que seus homens parassem de brigar por ela.

Bronwyn se sentou e após recusar uma taça de vinho, começou a explicar os motivos da entrevista com o velho cavaleiro. Sabia o verdadeiro motivo pelo qual não podia aceitar Stephen, porque ele se recusava a aceitar os modos dos escoceses. Mas ela planejara uma razão mais inglesa para convencer Sir Thomas.

— Mas minha querida, — disse ele, exasperado — Stephen foi escolhido para você pelo rei Henry.

Bronwyn abaixou a cabeça em tímida submissão.

— E estou disposta a aceitar um marido escolhido para mim pelo rei inglês, mas sou a Laird do clã MacArran, e Stephen Montgomery é apenas um cavaleiro. Eu teria problemas com meus homens se me casasse com ele.

— E você acredita que aceitariam, em troca, Lorde Roger?

— Desde a morte recente de seu irmão, ele é um conde, mais perto do meu posto de Laird.

Sir Thomas fez uma careta. Estava ficando velho demais para esse tipo de coisa. Malditos os escoceses, de qualquer maneira, por permitir que uma mulher pense por si mesma. Nada disso estaria acontecendo se Jamie MacArran não tivesse nomeado sua filha como sua sucessora.

Ele caminhou até a porta e pediu que Stephen e Roger fossem trazidos para ele.

Quando os jovens estavam sentados, um de cada lado de Lady Bronwyn, Sir Thomas contou-lhes o plano de Bronwyn. Observou cuidadosamente os rostos dos homens. Ele viu brilhar os olhos de Roger, desviou o olhar para Stephen que permanecia em silêncio. O único sinal que ele deu que ouviu tudo foi um leve escurecimento de seus olhos. Bronwyn não se moveu, o verde de seu vestido dando aos olhos uma nova profundidade, as margaridas em seus cabelos a fazendo parecer doce e inocente.

Roger foi o primeiro a falar quando Sir Thomas terminou.

— Lady Bronwyn tem razão, seu título deve ser honrado.

Os olhos de Stephen lançaram relâmpagos.

— É lógico que pense assim, já que vai ganhar muito com essa decisão. — Voltou-se para sir Thomas. — O rei passou todo ano me escolhendo uma noiva. Queria recompensar a minha família por lhe ajudar a patrulhar as fronteiras das Terras Baixas.

Bronwyn girou para ele.

— A matar e violar é o que você quer dizer!

— Eu quis dizer o que disse: patrulhar. Nós matamos muito pouco. — Seus olhos se voltaram para seus ombros e sua voz baixou. — E quase nenhum estupro.

Bronwyn se levantou.

— Sir Thomas, você esteve nas Terras Altas. —Ela ignorou o estremecimento que a lembrança provocou no ancião. — Meu povo se sentiria desonrado se eu retornasse com um cavalheiro de inferior hierarquia para impô-lo como Laird. O rei Henry quer a paz. Este homem, — apontou a Stephen — causaria somente mais problema se entrasse nas Highlanders.

Stephen riu quando ficou atrás de Bronwyn e colocou um braço forte ao redor de sua cintura. Ele a abraçou firmemente contra ele.

— Esta não é uma questão de diplomacia, mas sim de raiva feminina. Pedi-lhe que me acompanhasse ao leito antes das bodas e se sentiu insultada.

Sir Thomas sorriu, aliviado. Abriu a boca para falar, mas Roger deu um passo adiante.

— Protesto! Lady Bronwyn não tem que ser descartada com tanta facilidade. O que ela diz tem sentido. — Voltou-se para Stephen. — Teme pôr a prova seus direitos sobre ela?

Stephen arqueou uma sobrancelha.

— Acredito que nenhum Montgomery tenha sido chamado de covarde. O que você tinha em mente?

— Cavalheiros, por favor! — exclamou Sir Thomas. — O rei Henry enviou Lady Bronwyn aqui para um casamento, uma ocasião de festejo.

Bronwyn se soltou do abraço de seu prometido.

— De festejo! Como você pode dizer a palavra quando estou para ser casada com este plebeu, insuportável? Eu juro que vou matá-lo enquanto estiver dormindo na primeira oportunidade que tiver.

Stephen lhe sorriu.

— Desde que seja depois da noite de núpcias, dou-me por satisfeito.

Bronwyn fez uma careta depreciativa.

— Lady Bronwyn! — ordenou o ancião. — Pode nos deixar a sós?

Ela respirou fundo. Dissera o que desejava e já não suportava ficar perto de Stephen. Recolheu as saias com muita graça e saiu do recinto.

— Stephen, — começou Sir Thomas — eu não gostaria de ser a causa de seu assassinato.

— As palavras de uma mulher não são uma ameaça para mim.

— Você diz isso de inocência. — Advertiu o ancião, franzindo o cenho. — Você nunca esteve ao norte da Escócia, nas Highlanders. Não há governo lá, não como nós temos. Os Lairds mandam em seus clãs, e ninguém manda sobre os Lairds. Tudo que Lady Bronwyn tem que fazer é murmurar descontentamento para que qualquer homem, ou mulher, em seu clã estivesse pronto para acabar com sua vida.

— Estou disposto a correr o risco.

Sir Thomas deu um passo adiante e lhe apoiou uma mão no ombro.

— Eu conheci seu pai, fomos amigos e sinto que ele não iria querer que eu mandasse seu filho para uma morte segura.

Stephen afastou-se da mão amigável. Seu rosto se transformou em fúria.

— Quero a essa mulher e você não tem direito de tirá-la de mim. — Girou para Roger, que começara a sorrir. — Nos encontraremos no campo de batalha. Assim veremos quem é mais digno de reclamar a Laird desse clã.

— Aceito! — respondeu-lhe Roger. — Amanhã pela manhã. O vencedor se casará com ela pela tarde e a possuirá pela noite.

— Trato feito!

— Não! — murmurou Sir Thomas. Mas sabia que tinha perdido. Tinha ante si dois jovens de sangue quente. Ele suspirou pesadamente. — Deixe-me, os dois. Preparem seu próprio campo de batalha, não quero ter nada a ver com isso.


Capítulo Quatro

Stephen estava ao lado de seu garanhão, coberto de aço da cabeça aos pés, o sol batendo em sua armadura. Era pesada, mas há muito tempo aprendera a lidar com seu peso.

— Meu lorde, — disse o escudeiro — o sol estará sobre seus olhos.

Stephen assentiu secamente. Ele estava bem ciente do fato.

— Que Chatworth tenha a vantagem que puder, ele vai precisar.

O menino sorriu de orgulho para seu mestre. Tinha levado um longo tempo para vestir Sir Stephen nas camadas de algodão acolchoado e couro que passavam sob as placas de aço.

Stephen montou seu cavalo com facilidade, então se inclinou para pegar sua lança e escudo do menino. Não se deu ao trabalho de olhar para a direita. Sabia que Bronwyn estava ali com a face tão branca quanto o vestido de marfim, bordado de ouro que ela usava. Não lhe levantava o ânimo saber que essa moça queria lhe ver perder, possivelmente até morrer.

Ajustou a longa lança de madeira contra a sua armadura. Ele e Roger não tinham se falado desde ontem à noite, e Sir Thomas tinha sido fiel à sua palavra. Ele fingia não saber sobre a luta. Assim, não havia regras estabelecidas. Tratar-se-ia de uma justa, um combate para ver quem se mantinha mais tempo a cavalo.

O cavalo de guerra de Stephen, um enorme garanhão negro de patas muito peludas, relinchava e pisoteava com impaciência Esses animais eram criados para que tivessem força e resistência em desvantagem da velocidade.

Os homens de Stephen o cercaram, depois se afastaram quando Roger apareceu na extremidade do campo coberto de areia. Uma baixa cerca de madeira dividia o centro.

Stephen baixou o visor do elmo, deixando apenas uma fenda para os olhos, a cabeça completamente coberta. Um jovem ergueu um estandarte, e quando o baixou, os dois nobres cavalgaram um ao encontro do outro, as lanças em riste. Não era um teste de velocidade, mas de força. Somente um homem em boas condições poderia resistir ao golpe da lança que se quebrava contra seu escudo.

Stephen apertou o flanco de seu cavalo com suas poderosas coxas quando a lança de Roger bateu em seu escudo. As lanças se despedaçaram. Stephen freou o cavalo no fim do campo.

— Ele é bom, milorde. — disse um dos homens de Stephen enquanto entregava ao seu mestre uma nova lança. — Cuidado com a ponta da lança dele desta vez. Acho que vai quer deslizar debaixo do seu escudo.

Stephen assentiu secamente e fechou o elmo novamente.

O estandarte foi baixado para começar o segundo enfrentamento. Tudo o que Stephen tinha que fazer era derrubar o oponente de seu cavalo, para que, segundo todas as regras das justas, se tornasse o vencedor. Quando Roger atacou novamente, Stephen deslizou seu escudo mais para baixo e efetivamente impediu Roger de golpeá-lo. Surpreso, Roger não viu a lança de Stephen quando golpeou sua costela. Roger cambaleou na sela e quase caiu com o golpe poderoso, mas conseguiu manter-se no cavalo.

— Está aturdido. — Disse o homem ao lado de Stephen — Golpeie-o outra vez e cairá.

Uma vez mais, o jovem fez um gesto de assentimento antes de baixar o elmo.

Roger concentrou-se em seu ataque e não cuidou de se defender. No momento em que inclinava a lança, Stephen o golpeou outra vez, desta vez muito mais forte do que antes. Roger caiu para trás, em seguida para o lado, aterrissando com força no chão, aos pés do cavalo de Stephen.

Stephen olhou brevemente para o adversário deitado no chão e desviou o olhar para Bronwyn.

Mas Roger Chatworth não era um homem que se desse as costas. Agarrou uma maça que tinha na ponta uma lança, que levava na sela de seu cavalo e correu com ela erguida.

— Stephen! — Alguém gritou.

Stephen reagiu instantaneamente, mas não com bastante rapidez. A maça de Roger bateu com força na coxa esquerda de Stephen. A armadura de aço amassou-se e penetrou em sua carne. O impacto inesperado o fez cambalear, e cair de seu garanhão, agarrado a sela.

Stephen endireitou-se e viu que Roger estava novamente avançando sobre ele, preparado para atacar de novo. Ele rolou para longe, as articulações de aço rangendo em protesto.

Alguém jogou uma maça para ele no momento em que o adversário lhe golpeava o ombro. Stephen gemeu, mas descarregou a arma contra as costelas de Roger, que cambaleou de lado. Stephen o perseguiu, decidido a ganhar a batalha.

O segundo golpe sobre o ombro direito, fez que Roger caísse atordoado. A armadura impedia qualquer ferida mortal, mas a força de cada golpe era deslumbrante.

Roger ficou imóvel, obviamente aturdido. Stephen desembainhou a espada, apoiou o pé no ombro de Roger e tirou-lhe o elmo, segurava a arma apontada para ele com ambas as mãos no punho.

Roger lhe fulminou com o olhar.

— Mate-me e termine com isso! Eu teria matado você.

Stephen lhe olhou fixamente.

— Venci, é suficiente para mim.

Deu um passo para o lado da forma inerte de Roger e tirou a manopla para estender a mão nua ao adversário prostrado.

— Insulta-me! — Roger sibilou, levantando a cabeça e cuspindo na mão oferecida por Stephen. — Vou me lembrar disso.

Stephen limpou a mão na armadura.

— Eu tampouco vou me esquecer disso. — Embainhou a espada e lhe voltou às costas.

Caminhou direto para Bronwyn, que estava de pé ao lado de Morag. Bronwyn estava rígida quando Stephen se aproximou. Ele deteve-se diante dela e lentamente tirou o elmo, jogando-o para Morag, que o pegou com um sorriso.

Bronwyn recuou um passo.

— Não pode escapar de mim novamente. — advertiu Stephen, enquanto segurava seu braço com a mão descoberta. Atraiu-a para si, um único braço do guerreiro tinha mais força do que todo o corpo de Bronwyn. Apertou seu corpo suave contra o aço de sua armadura cujo contanto frio e duro, fizeram Bronwyn ofegar. Mais aço a atingiu quando seus braços rodearam seus ombros

— Agora é minha! — murmurou Stephen, quando seus lábios tocaram os dela.

Não era a primeira vez que Bronwyn beijava um homem, houve vários momentos roubados durante as excursões para roubo de gado.

Mas era a primeira vez que ela experimentava algo mais de um beijo. Era suave e doce, mas ao mesmo tempo estava provocando sensações que ela nunca sentiu antes. Sua boca brincava com a dela, tocando-a, acariciando-a, provocando-a, estimulando-a, mas também saqueando-a. Bronwyn se ergueu-se na ponta dos pés para alcançá-lo melhor, virou a cabeça deixando-a inclinada. Stephen parecia exigir que ela separasse os lábios, e ela o fez. O toque frio e quente da ponta de sua língua na dela emitiu pequenos calafrios por sua espinha. Seu corpo parecia flutuar, e quando sua cabeça se moveu para trás, ele seguiu o movimento dela, segurando-a cativa e aprofundando o beijo.

Abruptamente Stephen afastou-se. Quando Bronwyn abriu os olhos, ele estava sorrindo insolentemente para ela. Percebeu que estava totalmente segura pelos braços dele, já que seu beijo a tinha feito render-se, deixando todo seu peso corporal para ele. Ela se endireitou, deixando que seus próprios pés pudessem sustentá-la novamente.

Stephen ria entre dentes.

— É mais minha do que pensa. — Soltou-a para empurra-la para Morag. — Vá e prepare-se para as bodas... se é que pode esperar tanto.

Bronwyn afastou-se rapidamente. Ela não queria que ele ou qualquer outra pessoa visse seu rosto afogueado ou as lágrimas que se formavam. O que nenhum de seus insultos podia fazer, seu beijo estava conseguindo, fazê-la chorar.

— Por que te zanga? — perguntou-lhe Morag, assim que estavam sozinhas no quarto. — Vais casar-se com um homem forte e bonito. Tentou armar uma estratégia para não casar com ele e acabou forçando-o a ter que combater por você. Demonstrou ser um lutador forte e agressivo. O que mais quer?

— Ele me trata como uma moça de taverna!

— Trata-te como uma mulher. Esse outro, esse Roger, sequer a olha porque está pensando em suas terras. Duvido que saiba que é uma mulher.

— Isso não é certo! É como... Ian!

Morag franziu o cenho ao pensar no jovem morto quando tinha apenas vinte e cinco anos.

— Ian era como um irmão para ti. Vocês se criaram juntos. Se ele tivesse vivido o bastante para desposá-la, provavelmente se sentiria culpado por deitar-se com você. Com certeza se sentiria como se estivesse levando sua irmã para a cama. — Bronwyn fez uma careta.

— Não há nenhuma culpa neste Stephen Montgomery, não saberia o significado da palavra.

— O que está perturbando você? — Morag exigiu tão alto que Rab emitiu um leve latido de preocupação. A anciã fez uma pausa, e as rugas em seu rosto se reorganizaram. Sua voz tornou-se mais discreta. — É devido o que vai acontecer esta noite?

Bronwyn a olhou com expressão tão sombria que Morag soltou uma gargalhada.

— Então você é virgem! Não estava segura. Como o Laird te deixava cavalgar e estar por aí com os moços...

— Eu sempre fui protegida, você sabe disso.

— Às vezes, um jovem não é o melhor protetor da virtude de uma jovem. — A anciã sorriu. — Agora deixe de ter medo. É uma experiência agradável que terá pela frente, e a menos que perca o meu palpite, este Stephen sabe como fazer mais fácil à primeira vez de uma mulher.

Bronwyn caminhou até a janela.

— Suponho que sim. A julgar por seu modo de atuar, acredito que se deitou com metade das mulheres da Inglaterra.

Morag cravou a vista nas costas de sua pupila.

— Tem medo que a inexperiência o desagrade? — Bronwyn virou-se rápido.

— Nenhuma inglesa pálida pode competir com uma escocesa!

Morag riu entre dentes.

— Já está voltando a sua cor. Agora tire este vestido para colocarmos o de bodas. Só faltam algumas horas para ir ao leito.

O rosto de Bronwyn perdeu a cor de novo e, com resignação, começou o longo processo de se trocar.


Stephen estava submerso até o pescoço em uma banheira de água muito quente. Doía-lhe a perna e o ombro pelos golpes recebidos de Roger. Seus olhos estavam fechados quando ouviu a porta se abrir.

— Vá embora! — grunhiu com os olhos fechados, ao ouvir que alguém fechava à porta. — Chamarei quando necessitar!

— E a quem chamará? — inquiriu uma voz familiar, em tom divertido.

Stephen abriu os olhos. Um momento depois estava saltando pelo quarto, nu, pingando água.

— Chris! — riu, enquanto apertava seu amigo contra si.

Christopher Audley lhe devolveu brevemente a saudação, mas depois empurrou Stephen para longe.

— Você está me molhando, e não quero ter que mudar de roupa outra vez para o seu casamento. Eu não o perdi, certo?

Stephen voltou para a tina.

— Sente-se ali onde eu possa te ver. Perdeu peso novamente. Acaso a França te fez mal?

— Sinto-me muito bem. As mulheres da França é que estiveram a ponto de acabar comigo à força de exigências.

Ele colocou uma cadeira junto à tina. Era um homem baixo, magro e moreno, com nariz e queixo pequeno, uma barba curta e bem aparada. Seus olhos eram castanhos e grandes, um pouco parecidos com os de uma corça. Usava seus olhos suaves e expressivos ao máximo, atraindo mulheres para ele. Acenou para o hematoma no ombro de Stephen.

— É uma ferida nova? Não sabia que estava combatendo ultimamente.

Stephen jogou um punhado de água sobre a lesão.

— Tive que combater com Roger Chatworth pela mulher com quem vou me casar.

— Combater por ela? — perguntou Chris, surpreso. — Falei com Gavin antes de vir para cá e ele disse que você estava quase doente com a perspectiva do casamento. — Sorriu. — Vi à esposa de seu irmão. É uma beleza, mas conforme dizem, também é um verdadeiro demônio. Tinha a corte toda em burburinho com suas ações.

Stephen fez um gesto de desprezo.

— Judith é um mar em calma se comparada com Bronwyn.

— Bronwyn é a herdeira com quem vai se casar? Gavin disse que era gorda e feia.

Stephen riu entre dentes, ensaboando as pernas.

— Você não vai acreditar quando vir Bronwyn. Ela tem o cabelo tão preto como a noite mais escura. O sol reluz por seus cabelos deixando-os formosos. Ela tem olhos azuis e um queixo que se sobressai desafiante cada vez que eu falo com ela.

— E o resto de sua pessoa?

Stephen suspirou.

— Estupendo!

Chris riu do tom de Stephen.

— Dois irmãos não poderiam ser tão afortunados como você e Gavin. Mas por que tiveste que combater por ela? Tinha entendido que o rei Henry a entregara para ser sua esposa.

Stephen levantou-se e pegou a toalha que Chris atirou.

— Cheguei às bodas com quatro dias de atraso. Parece que Bronwyn tomou... aversão a mim. Tem a absurda ideia de que se me casar com ela, devo me converter em escocês e até trocar meu nome. Não sei com segurança, mas Chatworth parece lhe haver insinuado que ele faria tudo isso e mais se fosse seu marido.

Chris soprou.

— E lhe acreditou certamente. Roger sempre soube enfeitiçar as mulheres, mas nunca pude confiar nele.

— Lutamos em uma justa por ela, mas quando lhe derrubei do cavalo na terra me atacou pelas costas com uma maça.

— Que bastardo! Sempre me perguntei até que ponto se pareceria com o irmão. Edmund era um homem vil. Suponho que ganhou o combate.

— Enfureceu-me tanto que me atacasse pelas costas que estive a ponto de matá-lo. Em realidade, ele me rogou que o fizesse e se considerou insultado por ter lhe perdoado a vida.

Chris ficou pensativo.

— Converteste-o em seu inimigo. Isso poderia ser perigoso.

Stephen se aproximou da cama, onde estavam suas roupas de bodas.

— Eu não culpo o homem por desejar Bronwyn. Ela faria qualquer homem lutar por ela.

Chris sorriu.

— Nunca te vi agir assim com uma mulher antes.

— É que nunca tinha visto uma mulher como Bronwyn antes. — Fez uma pausa, pois acabava de ouvir uma batida à porta. — Entre! — gritou.

Uma jovem criada entrou com os braços estendidos, um vestido cintilante de tecido prateado sobre eles. Ela olhou fixamente para Stephen, que tinha o peito nu.

— O que aconteceu? — perguntou ele. — Por que não entregou o vestido para Lady Bronwyn?

À moça tremia o lábio inferior. Stephen vestiu a camisa e pegou o vestido da serva.

— Pode contar-me o que aconteceu. — Disse sereno — Conheço Lady Bronwyn e a sua afiada língua. Não te castigarei por repetir o que houver dito.

A moça levantou a vista.

— Encontrei-a no salão, meu lorde, entre muitas pessoas. Entreguei-lhe o vestido e me pareceu que gostava.

— Sim! Continua.

A moça terminou apressadamente:

— Mas quando lhe disse que era milorde que o enviava, para que o usasse nas bodas, devolveu-me outra vez. Disse que já tinha um vestido para as bodas e que jamais usaria este. Oh, meu lorde, foi horrível. Falava em voz muito alta e todo mundo ria.

Stephen pegou o vestido da moça e lhe deu uma moeda de cobre. Assim que ela se foi, Chris se pôs a rir.

— Língua afiada você disse? Parece-me que tem uma adaga na boca.

Stephen, zangado, passou os braços pelas cavas do seu colete.

— Já tive o suficiente disto. É hora de que alguém dê uma lição de boas maneiras a essa dama.

Ele jogou o vestido sobre seu ombro e saiu do quarto, dando passos longos em direção ao grande salão. Tinha tido um monte de problemas para obter esta roupa requintada já que Bronwyn se queixara do seu vestido arruinado depois de cair no rio, e Stephen tentou retribuir-lhe, não que tivesse feito qualquer coisa para fazê-la cair na água, é claro. Foi para a cidade e encontrou o tecido de prata, então pagou quatro mulheres para passarem toda a noite costurando-o. O tecido era de uma lã macia, fina, mesclada com todos os outros fios de trama, e fios de prata. Era pesado e luxuoso. Brilhava mesmo na escuridão dos corredores. Com toda a probabilidade, tinha custado mais do que todos os vestidos que Bronwyn possuía.

No entanto, ela se recusou a usá-lo.

Viu-a logo que entrou no grande salão, sentada em uma cadeira com almofada, com um vestido de cetim marfim. Próximo a ela, um jovem tocava um saltério.

Stephen se sentou entre ambos. Ela lançou um olhar assustado para ele, depois se virou.

— Eu gostaria que usasse este vestido. — Disse ele, em voz baixa. Ela não levantou a vista.

— Já tenho vestido para as bodas.

Alguém, perto do jovem, deixou escapar uma suave risada.

— Outra vez tem problemas com mulheres, Stephen?

Stephen permaneceu imóvel durante um instante. Em seguida levantou Bronwyn de um puxão. Não disse uma palavra, mas sua expressão sombria foi suficiente para mantê-la calada. Fechou os dedos em torno do pulso de Bronwyn e arrastou-a atrás de si. As saias da moça dificultavam caminhar e seus pés se enredavam nelas, esteve a ponto de cair, mas conseguiu recolher as dobras com a mão livre. Sabia que, se caísse, Stephen a levaria arrastada.

Empurrou-a para o interior de seu quarto e fechou a porta com força. Depois jogou o vestido na cama.

— Coloque isto! — ele pediu.

Bronwyn manteve firme, não cedia.

— Não estou as suas ordens e jamais estarei.

Stephen fitou-a com olhos duros e escurecidos.

— Fiz tudo quanto fosse possível para compensar você por meu atraso.

— Seu atraso! — Ela rosnou. — Você acha que é por isso que te odeio? Você realmente sabe tão pouco sobre mim que chegou ao ponto de achar que sou fútil para odiá-lo por ter os modos de um camponês? Quis que você perdesse hoje porque Roger Chatworth seria mais conveniente para meu clã. Meu povo vai te odiar como eu, por causa de sua arrogância, pelo jeito que pensa que possui tudo, que pode ser dono do mundo. Ainda acredita que pode ditar o vestido que eu devo usar para casar.

Stephen deu um passo adiante e fechou os dedos contra a mandíbula da moça, afundando nas bochechas o polegar e o indicador.

— Estou farto de ouvir falar de seu clã e mais farto ainda de que o nome de Chatworth não saia dos seus lábios. Fiz confeccionar este vestido como presente, mas é teimosa demais para aceitá-lo.

Ela tentou libertar a cabeça, mas não conseguiu. Ele intensificou seu aperto, fazendo com que as lágrimas chegassem aos seus olhos.

— É minha esposa, — adicionou — e como tal vai me obedecer. De seu povo não sei nada e só posso lidar com eles quando conhecê-los. Mas sei como as esposas devem agir. Tive muita dificuldade para mandar fazer este vestido de presente e você vai usá-lo

— Não! Não te obedecerei. Sou uma MacArran!

— Maldita seja! — Stephen disse, agarrando seus ombros e começando a sacudi-la. — Esta questão não é entre a Inglaterra e a Escócia, nem entre um Laird e um homem do clã. É entre nós, um homem e uma mulher. Vai usar este vestido porque eu sou seu marido e assim o ordeno.

Deixou de sacudi-la e viu que suas palavras não tinham causado nenhuma impressão. Então se agachou para carregar-lhe no ombro.

— Me solte!

Ele não se incomodou em responder quando a jogou na cama, de bruços.

— Basta! Está me machucando!

— Você me fez coisas piores do que me machucar. — Replicou ele, enquanto seus dedos grandes desabotoavam os diminutos botões que fechavam o vestido de Bronwyn por trás. Suas pernas envolviam seu quadril, montando-a. — Esta noite vou mostrar-lhe as feridas que Roger fez em mim. Mantenha-se quieta ou rasgo este maldito vestido em pedaços.

Imediatamente Bronwyn ficou imóvel. Stephen deu-lhe um olhar de desgosto.

— Ao que parece, obtenho melhores reações de sua parte quando ameaço fazer você perder dinheiro.

— Somos um país pobre não podemos nos permitir o esbanjamento que vejo aqui, na Inglaterra. — Sempre quieta, deixou que Stephen trabalhasse com os botões. — Esta manhã... você combateu bem.

Stephen se interrompeu por um momento antes de recomeçar novamente nos botões.

— Sem dúvida deve ter sido difícil para você reconhecê-lo, considerando que estava esperando que eu fosse morto.

— Eu não queria ninguém morto! Tudo que eu queria era...

— Não me diga! Já sei o que você queria: ao Roger Chatworth.

Foi um momento esquisito. Bronwyn sentia uma estranha intimidade com Stephen, como se o conhecesse de longa data. Não podia explicar por que preferia Roger. Tentara muitas vezes afastá-lo, por certo! Agora era quase agradável ouvir na voz dele essa ponta de ciúme. Deixaria que pensasse que ela gostava de Roger. Poderia fazer-lhe bem.

— Agora, levante-se e vamos tirar o vestido.

Como ela não se moveu, Stephen se inclinou sobre ela e correu seus lábios ao longo de seu pescoço.

— Não vamos esperar até hoje à noite.

Suas palavras e suas caricias fizeram Bronwyn ganhar vida. Ela rapidamente rolou, saindo de baixo dele, ficando de lado. Ela agarrou a frente de seu vestido que caia.

— Eu vou colocar o vestido, mas primeiro você deve sair.

Stephen se recostou sobre um cotovelo.

— Não tenho intenção de sair.

Bronwyn ia discutir, mas compreendeu que não serviria de nada. Além disso, em duas ocasiões ele a vira em roupa íntima molhada. Desta vez, pelo menos, as roupas estavam secas e a ocultariam melhor. Os olhos de Stephen a observavam com fome, e quando ela foi pegar o vestido prateado, ele segurou-o longe dela, de modo que ela teve que se aproximar muito para pega-lo. Stephen teve tempo para depositar um beijo rápido em seu ombro antes que ela se afastasse.

O pesado tecido prateado era belo, e Bronwyn passou a mão, admirada, sobre a saia antes que deslizasse o vestido sobre sua cabeça. O vestido se encaixava perfeitamente, abraçando sua pequena cintura, abrindo-se graciosamente sobre seus quadris. Quando se moldou em seu corpo, olhou para Stephen, atônita. O decote não era o quadrado profundo que estava na moda, mas era alto, cobrindo-a até a base de sua garganta, onde uma pequena fita de renda arrematava.

Stephen encolheu os ombros ante sua perplexidade.

— Preferiria que minha propriedade não estivesse tão à vista dos outros homens.

— Sua propriedade! — exclamou ela. — Planeja sempre escolher tudo na minha vida? Não vou mais escolher minhas próprias roupas?

Ele lançou um gemido.

— Suspeitava que sua doçura não durasse por muito tempo. Agora venha aqui para que eu possa abotoá-lo.

— Posso fazê-lo sozinha.

Ele a deixou lutar um momento antes de puxá-la para si.

— Compreenderá alguma vez que não sou seu inimigo?

— Claro que é meu inimigo. Todos os ingleses são meus inimigos e de meu clã.

Ele puxou-a entre as pernas e começou a abotoar os pequenos botões. Quando terminou, virou-a, segurando-a entre os joelhos.

— Espero te ensinar, com o tempo, que sou algo mais que um inglês. — Deslizou-lhe as mãos pelos braços. — Estou ansioso por que chegue a noite.

Bronwyn tentou afastar-se dele. Stephen suspirou e a soltou. Ele ficou ao lado dela, então pegou sua mão na dele.

— O sacerdote e nossos convidados nos esperam.

Bronwyn relutante pegou sua mão. A palma de Stephen estava quente e seca, calejada por anos de treinamento. O escudeiro de Stephen esperava do lado de fora da porta, estendeu um casaco de veludo pesado para seu amo. Bronwyn observou Stephen, que agradeceu ao menino que o olhava com orgulho, desejando-lhes sorte e felicidade.

Stephen, sorridente, levou os dedos de Bronwyn aos lábios.

— Felicidade. — repetiu. — Você acredita que a felicidade entre nós será possível?

Muitas pessoas esperavam ao pé da escada. Muitos homens e amigos de Sir Thomas. Homens que lutaram contra os Highlanders. Eles não faziam nenhum esforço para esconder sua animosidade em relação aos escoceses. Entre gargalhadas diziam que Stephen "conquistaria" o inimigo naquela noite. Riam da maneira como Bronwyn lutara contra eles depois que mataram seu pai e asseguravam que, se ela demonstrasse metade dessa selvajaria na cama, Stephen estava em apuros.

Ela ergueu a cabeça, dizendo a si mesma que era uma MacArran e devia fazer com que seu clã sentisse orgulho dela. Os ingleses eram um bando grosseiro e fanfarrão de homens, e ela não se rebaixaria ao seu nível, respondendo a seus repugnantes comentários.

Stephen lhe apertou a mão e ela olhou para ele com surpresa. Ele mantinha a expressão solene e a boca apertada em uma linha sombria; um músculo lhe tremia na mandíbula. Ela pensava que ele desfrutaria com os comentários de seus compatriotas, já que ela era a prova de que ele acabava de ganhar um prêmio de guerra. Stephen se voltou para ela e dirigiu-lhe um olhar quase triste, como se quisesse pedir desculpas.

A boda concluiu em muito pouco tempo, nem sequer pareceu uma cerimonia de matrimonio. Frente ao sacerdote, Bronwyn se deu conta de quão sozinha estava. Tinha imaginado seu matrimônio nas terras altas, durante a primavera, quando a terra começasse a ganhar vida. Imaginava-se rodeada de toda sua família, de todos os membros de seu clã, e seu marido teria sido alguém que ela conhecesse.

Voltou-se para olhar Stephen. Estavam ajoelhados, lado a lado, dentro da pequena capela na casa de Sir Thomas. A cabeça de Stephen estava inclinada em reverencia. Como parecia estar distante, remoto! E como ela sabia muito pouco a respeito dele. Haviam crescido em dois mundos diferentes, entre costumes completamente distintos. Durante toda sua vida, ela foi ensinada que tinha direitos e poderes, que seu povo iria recorrer a ela para obter ajuda e conselho. No entanto, esse inglês conhecera apenas uma sociedade onde as mulheres eram ensinadas a costurar e ser uma extensão de seus maridos.

No entanto, Bronwyn estava condenada a compartilhar sua vida com esse homem. Ele já tinha deixado claro que acreditava que ela era sua propriedade, algo que possuía e podia comandar à vontade e esta noite... Os pensamentos da moça se interromperam, porque ela não podia suportar pensar nesta noite. Este homem era um estranho para ela, um estranho total. Ela não sabia nada sobre ele. Não sabia o que ele gostava de comer, se sabia ler ou cantar, que tipo de família tinha. Nada! No entanto, ela estava preste a ir para a cama com ele e compartilhar a experiência mais íntima da sua vida, e todos pareciam pensar que ela deveria apreciá-lo!

Stephen se voltou para olhá-la. Ele tinha consciência de que ela o observava, e isso o agradou. Havia desconcerto e perplexidade em seu rosto adorável. Ele dedicou um pequeno sorriso que quis ser reconfortante, mas a jovem desviou o olhar e voltou a fechar os olhos sobre as mãos cruzadas.

Para Bronwyn o dia pareceu prolongar-se imensamente.

Os convidados não faziam esforço algum em ocultar que só lhes interessava a noite de núpcias. Sentados ao redor das grandes mesas de cavalete, passaram horas comendo e bebendo. E quanto mais bebiam, mais grosseiras se tornavam suas brincadeiras.

Com cada declaração, cada sarcasmo de bêbado, o ódio de Bronwyn pelos ingleses aumentava. Eles não se importaram com o fato de que ela era uma mulher. Para eles, Bronwyn era apenas um troféu para ser apreciado.

Quando Stephen buscou sua mão, ela a retirou e essa ação provocou outra onda de risadas estridentes. Bronwyn não olhava para o marido, mas notou que ele bebia com frequência o forte vinho tinto.

Os raios de sol entravam pelo salão, e dois homens, bêbados, iniciaram uma discussão e começaram a lutar entre si. Ninguém tentou detê-los, pois estavam muito bêbados para se machucarem.

Bronwyn comeu muito pouco e bebeu ainda menos. À medida que a noite se aproximava, ela podia sentir o aperto de suas entranhas. Morag tinha razão: o que a incomodava era o pensamento do que aconteceria hoje à noite. Tentou raciocinar. Disse a si mesma que era uma mulher de coragem. Várias vezes liderou incursões contra o gado dos MacGregor. Era capaz de dormir em meio a uma nevasca, enrolada em seu tartan. Até combateu contra os ingleses ao lado do pai. Mas nada a assustou tanto como a ideia do que ocorreria hoje à noite. Sabia sobre o ato físico da cópula, mas o que a acompanhava? Ela mudaria após a experiência? Este Stephen Montgomery seria seu dono depois de se acasalar, como ele parecia acreditar? Morag disse que a relação de cama era uma experiência agradável, mas Bronwyn tinha visto homens jovens e fortes se transformarem em gelatina porque acreditavam que estavam apaixonados. Ela viu mulheres felizes e desejáveis se tornarem donas de casa gordas e complacentes, depois que um homem deslizou um anel de matrimonio em seu dedo. Algo mais do que apenas acasalamento acontecia em uma cama matrimonial, e ela estava com medo do algo que desconhecia.

Quando Morag se aproximou por trás, para lhe dizer que era hora de se preparar para a cama, ela ficou branca e se suas mãos agarraram as cabeças dos leões esculpidos da cadeira.

Stephen segurou seu braço por um momento.

— Eles estão com ciúmes, por favor, ignore-os. Em breve poderemos fechar a porta e deixá-los fora.

— Prefiro continuar aqui. — Rosnou Bronwyn. Mas seguiu Morag para o quarto.

Morag não falou enquanto desabotoava o vestido prateado. Bronwyn era como uma boneca obediente quando deslizou nua sob as cobertas da cama. Rab se deitou no chão, perto de sua ama.

— Venha, Rab. — gritou Morag. O cão não se moveu. — Bronwyn, manda Rab sair. Ele não vai gostar de estar com você esta noite.

A moça a fulminou com o olhar.

— Teme pelo cão e não por mim? Vejo que todos me abandonaram? Fique, Rab.

— Está sentindo pena de si mesma, só isso. Uma vez terminado você não vai se sentir tão triste.

Interrompeu-se quando a porta abriu bruscamente.

— Saia logo, Morag — disse Stephen, fechando a porta atrás de si. — Ficarão furiosos quando virem que escapei. Mas não os suporto nem um momento mais e não quero que Bronwyn siga suportando grosserias. Malditos sejam!

Morag sorriu e colocou a mão em seu braço.

— É um bom moço. — Inclinou-se para ele para lhe sussurrar: — Cuidado com o cão. — Morag deu um tapinha em seu braço.

Stephen abriu a porta para ela e depois a fechou. Logo se voltou para Bronwyn com um sorriso. Estava sentada na cama, com o cabelo negro caindo em cascata sobre os lençóis, muito pálida, os olhos estavam arregalados e se destacavam em seu rosto. Os dedos que apertavam o lençol contra o queixo estavam brancos pela pressão.

Stephen se deixou cair pesadamente na ponta da cama e tirou os sapatos, depois, a túnica e o gibão. Enquanto desabotoava a camisa, disse:

— Lamento que não houvesse uma atmosfera mais festiva nas bodas. Como a casa do Sir Thomas está tão perto da fronteira, as esposas de seus homens temem visitá-la.

Ele parou quando ouviu os homens batendo na porta.

— Não é justo, Stephen!— Eles gritaram. — Queremos ver a noiva! Você a terá toda a vida!

Stephen levantou-se e se virou para encarar a esposa enquanto desabotoava o cinto de sua espada e uma pequena adaga.

— Eles logo irão. Estão bêbados demais para fazer qualquer coisa.

Despido, deslizou entre os lençóis junto a ela e sorriu ante o olhar vidrado e sério da moça. Estendeu uma mão para lhe tocar a bochecha com suavidade.

— Sou tão formidável que você não pode olhar para mim?

De repente Bronwyn ganhou vida. Pulou da cama e arrastou o lençol com ela. Retrocedeu até apoiar-se contra a parede. Rab assustado veio se colocar diante dela. Ela olhou fixamente para Stephen, deitado na cama. Seu corpo nu, suas pernas musculosas cobertas de pelos claros, parecia estranhamente vulnerável. Seu peito era ainda mais largo do que parecia quando estava vestido. Ela pressionou seu corpo contra a parede.

— Não me toque! — disse, em voz baixa.

Lentamente, e com grande paciência, Stephen jogou as pernas sobre o lado da cama e se levantou. Ela manteve os olhos em seu rosto e pôde ver que ele considerava sua explosão pouco mais do que um contratempo. Ele passou por ela até uma mesa próxima, onde taças e uma jarra de vinho, além de uma tigela de frutas estavam depositadas em uma bandeja. Ele serviu-lhe um pouco de vinho.

— Tome. Beba isto e se tranquilize.

Ela bateu no copo de sua mão, enviando-o voando pelo quarto onde caiu em pedaços no chão.

— Não permitirei que me toque. — repetiu.

— Está nervosa, Bronwyn! Todas as noivas ficam assustadas a primeira vez.

— A primeira vez! — ela rosnou — Acha que esta é minha primeira vez? Já me deitei com metade dos homens de meu clã. Mas não quero que um inglês sujo me toque. Isso é tudo.

Stephen não perdeu o sorriso paciente.

— Eu sei tão bem como você que isso é uma mentira. Não estaria tão assustada se já tivesse se deitado com um homem antes. Por favor, relaxe, você só está piorando as coisas. Além disso, o que você pode fazer?

Ela odiava sua autoconfiança presunçosa de que ela estava desamparada contra ele. Ela odiava tudo nele. Parecia tão confiante. Mesmo nu emanava um sentimento de poder. Bronwyn devolveu o seu sorriso, pois tinha algo que tiraria aquele sorriso de seu rosto.

— Rab! — ordenou. — Ataque!

Stephen se moveu para um lado, mais veloz em seus reflexos que o cão. Enquanto Rab voava em direção a ele, transformado em uma massa de músculos com rosnados e longos dentes afiados, Stephen fechou o punho e descarregou contra a grande cabeça do cão. O voo de Rab mudou imediatamente de direção, ele se chocou violentamente contra a parede, então deslizou ao chão, como um montículo.

— Rab! — Bronwyn gritou e deixou cair o lençol enquanto corria para ele. O cão tentou ficar de pé, mas cambaleou atordoado, voltando a deitar.

— Você o feriu. — exclamou a moça, levantando a vista para o Stephen, que estava de pé diante eles.

Stephen dera uma breve olhada no cão para constatar que estava ileso, então só teve olhos para Bronwyn. Olhava boquiaberto, os seios coroados de rosa e os quadris redondos, cobertos de pele semelhante a cetim marfim.

— Vou matá-lo por isso! — vociferou a moça.

Stephen, aturdido por sua beleza, não a viu pegar a faca que estava na mesa, junto às frutas. Não tinha fio, mas era pontiaguda. Ele viu o brilho um momento antes que afundasse no ombro. Moveu-se para o lado e recebeu um corte na pele.

— Maldição! — disse, levando uma mão à ferida. Subitamente se sentiu muito cansado. O sangue escorria entre seus dedos. Sentou na cama e afastou a mão para examinar o ombro.

— Rasgue um pedaço desse lençol para que eu possa me enfaixar. Vem...

Bronwyn permanecia imóvel, com a faca na mão. Stephen a percorreu com o olhar.

— Obedece! — ordenou.

Observou como ela se ajoelhou para arrancar uma larga tira do lençol. Depois enrolou o resto do lençol em volta dela. Stephen não lhe pediu ajuda para enfaixar o braço. Depois de atar a bandagem, usando uma mão e os dentes, voltou-se para o cão.

— Vem aqui, Rab. — disse em voz baixa.

O cão obedeceu imediatamente. Stephen lhe examinou atentamente a cabeça e não encontrou nenhum dano. Então deu um tapinha no animal, e Rab esfregou a cabeça contra a mão de Stephen.

— Bom garoto, vá até lá e durma como um moço bem educado.

Rab foi até onde Stephen apontou e se deitou.

— Agora Bronwyn, — pronunciou no mesmo tom — venha para a cama.

— Não sou como Rab, que troca de lealdades tão rapidamente.

— Maldita seja! — protestou Stephen.

Stephen deu um longo passo em direção a ela e agarrou seu pulso.

— Você vai me obedecer e vou sentir mais do que possa imaginar por castiga-la.

Coloco-a sobre suas coxas nuas, com o traseiro para cima, e aplicou várias palmadas duras e dolorosas às firmes e redondas nádegas. Quando terminou, cada bochecha das nádegas carregava as impressões de seus dedos, depois a atirou para o outro lado da cama. Ignorou as lágrimas de dor em seus olhos. Deitou-se junto a Bronwyn e cruzou um braço e uma coxa sobre seu corpo.

Stephen ficou imóvel por um momento, sentindo a deliciosa pele de Bronwyn contra a dele, desejava muito fazer amor com ela. Mas estava muito, muito cansado. Pela manhã combatera contra Roger, durante o resto do dia, contra Bronwyn e seu cão. Uma repentina sensação de contentamento o dominou. Bronwyn era dele, para desfrutá-la pelo resto de seus dias. Seus músculos começaram a relaxar.

Bronwyn deitava-se sob Stephen em uma posição rígida, preparada para o que estava por vir. Seu traseiro ardia pela surra e um ou dois soluços escaparam entre as lágrimas. Quando o sentiu relaxar, ouviu a respiração rítmica, que dizia inconfundivelmente, que ele adormeceu, se sentiu aliviada e ressentida. Isso era um insulto. Quis separar-se dele, mas Stephen a retinha de um modo que ameaçava quebrar-lhe as costelas. Quando viu que não havia mais nada que pudesse fazer, começou a relaxar. E quando o fez, descobriu que gostava daquela pele contra a sua. Seu ombro era duro e firme, e ela descansou sua bochecha contra ele. As velas do quarto oscilaram, e ela sorriu sonhadora, enquanto Stephen enterrava seu rosto mais profundo em seu cabelo.


Capítulo Cinco

Pela manhã Stephen despertou muito cedo. Em um princípio só notou a dor e a rigidez do ombro arroxeado e do braço ferido. No quarto tudo era escuridão e silêncio. Só uma leve luz rosada penetrava pela alta janela.

Stephen tomou consciência do cheiro de Bronwyn. Seus grossos cabelos negros estavam enrolados ao redor de seu braço. Sua coxa descansava entre as dele. Ele esqueceu qualquer sentimento de desconforto em um instante. Respirou fundo e lentamente, observando-a. Adormecida e relaxada, seus olhos não gritavam seu ódio. Seu queixo estava abaixado e indefeso, macio e feminino.

Cuidadosamente, moveu sua mão para acariciar o lado de seu rosto. Sua bochecha era lisa como a de um bebê, suavemente arredondada e rosada. Enterrou os dedos em seu cabelo, observando os cachos que se agarravam a seu antebraço como uma roseira subindo por uma treliça. Teve a sensação de tê-la desejado durante toda sua vida. Era a mulher com quem sempre sonhara. Não tinha desejo de apressar seu prazer. Já que esperara tanto, decidiu ter tempo para saboreá-la.

Estava ciente quando Bronwyn abriu os olhos. Não fez movimentos rápidos, não fez nada que a assustasse. Seus olhos, grandes e azuis, iluminando seu rosto, lembraram-no das gazelas no parque de Montgomery. Quando menino Stephen conseguia se aproximar delas sorrateiramente. Então se sentava e observava, depois de algum tempo os animais perderiam o medo deles.

Tocou seu braço, deslizou sua mão para baixo em uma caricia suave para pegar sua mão. Lentamente, levantou-a até os lábios beijando sua palma e, quando colocou um dedo na sua boca, olhou-a nos olhos e sorriu. Ela o fitou com uma expressão de preocupação, como se tivesse medo de que ele tirasse dela algo mais do que sua virgindade. Ele queria tranquilizá-la, mas sabia que com palavras seria impossível, que a única maneira de fazê-la entender era despertar-lhe uma resposta apaixonada.

Mudou de posição para que ambos os braços estivessem livres, e sentiu que ela se enrijecia ao lado dele. Com uma das mãos, reteve as pontas dos dedos na boca, tocando as gemas suaves com os dentes e a língua. Deslizou a outra mão pelo torso dela, rodeando-lhe a cintura, acariciando seu quadril. Seu corpo era firme, os músculos debaixo de sua pele macia e bem torneada, eram bem formados e duros pelo exercício de combate. Ele a sentiu respirar fundo ante a primeira carícia em seu seio. Muito gentilmente deixou seu polegar acariciar o mamilo rosado. Mesmo quando sentiu o botão endurecer sob seu toque, ela ainda não relaxava. Stephen franziu o cenho levemente, percebendo que não estava chegando a lugar algum. Toda sua gentileza a deixou mais tensa.

Deslizou a mão do seio até a coxa. Inclinou a cabeça e beijou-a no pescoço, provocando-a. Deslizou os lábios pelo ombro e desceu até o seio, enquanto sua mão acariciava com suavidade a pele delicada do joelho. Sentiu-a estremecer de prazer, e ele sorriu enquanto se movia para o mamilo esquerdo, as mãos na cintura. Mas franziu o cenho ao ver que ela voltava a ficar tensa.

Afastou-se dela. Ela estava deitada de costas, olhando para ele, maravilhada. Ele acariciou-lhe os fios do cabelo, junto à têmpora. Seu cabelo estava espalhado sobre o travesseiro como uma cachoeira líquida de pérolas negras.

"Ela é diferente das outras mulheres", pensou. "É especial, única."

Sorriu para ela. Com um movimento brusco afastou o lençol que a cobria até os joelhos.

— Não, — sussurrou Bronwyn — por favor.

Suas pernas eram magníficas: longas, esbeltas, curvilíneas. Tinha montado a cavalo toda a sua vida, percorrendo longas distâncias, através de colinas e vales. Eram pernas sensíveis. Stephen compreendeu então que não foi a carícia no seio o que lhe provocara aquele leve estremecimento de prazer, a não ser o contato de sua mão no joelho.

Ele se moveu para os pés da cama, olhando para ela, apreciando sua beleza. Inclinou-se para frente e colocou as mãos em seus tornozelos, em seguida, lentamente, deslizou-as para cima em direção a seus joelhos e coxas. Bronwyn sobressaltou-se, como se alguém a tivesse tocado com uma brasa.

Stephen riu profundamente. O riso brotando de sua garganta. Desceu suas mãos novamente com suavidade. Tomou um de seus pés em sua mão, roçando seus lábios por suas pernas. Beijou-os, passou a língua sobre a curvatura do joelho.

Bronwyn se moveu inquieta sob ele. Pequenos calafrios de prazer percorreram seu corpo, correndo por seus braços, sobre seus ombros. Nunca se sentira assim antes. Nunca tivera essas sensações. Seu corpo tremia, e sua respiração era rápida e desigual.

Stephen virou-a de bruços e colocou a boca na parte de trás do seu joelho. Bronwyn quase caiu da cama, mas a mão de Stephen apoiada nas suas costas a manteve no lugar. Ela escondeu o rosto no travesseiro e gemeu como alguém que sentisse dor. Stephen continuava torturando-a. Suas mãos e sua boca exploraram cada centímetro de suas pernas sensíveis.

Desejava-a tanto que já não podia mais resistir. Virou-a novamente e procurou sua boca. Ele não estava preparado para a força de sua paixão. Bronwyn agarrou-se a ele, seus braços segurando-o em um aperto tenaz. Sua boca parecia querer tirar a essência dele. Sabia o que ela desejava, mas também sabia que ela não sabia.

Quando Bronwyn começou a puxá-lo para o colchão, suas mãos percorrendo freneticamente ao longo de suas costas e braços, ele a empurrou para trás. Deitou-se sobre ela e suas pernas se abriram naturalmente para recebê-lo. Estava pronta para ele.

Seus olhos se arregalaram, e ela ofegou abafando uma exclamação quando ele forçou a penetração a primeira vez. Deslizando na cavidade suave e quente Stephen deteve-se um momento diante da resistência em seu interior. Insistiu com uma só estocada. Ela fechou os olhos, inclinou a cabeça para trás e sorriu.

— Sim! — sussurrou. — Oh, sim.

Stephen pensou que seu coração pararia. A expressão dela, as palavras pronunciadas em tom gutural, era mais excitante do que qualquer poema de amor. Aqui estava uma mulher! Uma mulher que não temia o homem, que podia se igualar a ele em paixão.

Começou a se mover dentro dela, que não hesitou em segui-lo no ritmo do amor. Bronwyn acariciava seu corpo, esfregava a parte interna das coxas nele, até Stephen pensar que ficaria cego pela potência do desejo crescente dentro dele. No entanto, Bronwyn levantava o quadril encontrando-o, rebolando, dando e recebendo. Quando ele finalmente explodiu dentro dela, estremeceu violentamente, a força do clímax ameaçando rasgá-lo.

Caiu sobre Bronwyn, suado, fraco, e estreitou-a tão forte que quase a esmagou.

Bronwyn não se importou em não respirar. Por um instante, pensou que devia estar morta. Ninguém poderia passar pelo que tinha experimentado e viver. Seu corpo inteiro latejava, e sentiu que não poderia dar um passo mesmo que sua vida dependesse disso. Adormeceu com os braços e as pernas enroscados em Stephen.

Ao despertar encontrou com os olhos azuis e divertidos do jovem. O sol se derramava no quarto e em um instante Bronwyn recordou tudo o que ocorrera entre eles e o sangue fluiu quente para o rosto. Era estranho não conseguir recordar as sensações que a levaram a agir de modo tão embaraçoso. Ele tocou-lhe a bochecha, com os olhos cheios de riso.

— Estava certo de que valia a pena lutar por você. — disse.

Ela afastou-se dele. Sentia-se bem. Na verdade, sentia-se melhor, como não se sentia há muito tempo. “Claro!” — pensou. Era porque sabia que ela continuava a mesma. Passou a noite com um homem e não mudou. Ela ainda o odiava. Ele ainda era o inimigo, um fanfarrão insolúvel, detestável e arrogante.

— Isso é tudo que eu sou para você, não é? Para você, eu sou mais uma mulher para aquecer sua cama.

Stephen sorriu com prazer.

— Mais que esquentá-la esteve perto de incendiá-la. — deslizou uma mão pelo seu braço.

— Me solte! — protestou ela com firmeza.

Levantou-se de um salto e agarrou sua bata de veludo verde. Neste momento ouviu uma rápida batida à porta. Morag entrou carregando uma bacia com água quente.

— Ouço os dois brigando desde a escada. — Provocou.

— Certamente você também ouviu outros ruídos. — Disse Stephen, colocando as mãos atrás da cabeça. Morag se virou para lhe sorrir, com o rosto tão enrugado que seus olhos desapareciam.

— Você parece muito contente consigo mesmo. — Comentou, dando uma olhada apreciativa em sua pele bronzeada contra o lençol, os músculos torneados do tórax e dos braços rijos, mesmo quando ele estava relaxado.

— Mais do que contente, eu diria. Não é de se admirar que os escoceses nunca venham para o sul.

Seus olhos percorreram Bronwyn, que jogava labaredas de ódio com o olhar.

Chris Audley apareceu no marco da porta.

— Não podemos ter um pouco de privacidade? — protestou Bronwyn, indo em direção à janela com Rab ao seu lado. Não acariciou o cão, sentia-se traída por ele também, tanto na noite anterior como esta manhã, já que permitira que Stephen... Sua face começou a ficar quente outra vez.

Stephen sorriu para Chris.

— Ela gosta de ficar sozinha comigo.

— O que aconteceu com seu braço? — perguntou Chris, apontando com um gesto de cabeça o curativo coberto de sangue seco. Stephen encolheu os ombros.

— Um inconveniente. E agora, se os dois estiverem satisfeitos de que não nos tenhamos assassinado mutuamente, talvez tenham a bondade de me deixar a sós com minha esposa, para que ela possa cuidar da minha ferida.

Morag e Chris sorriram para ele, deram um breve olhar às costas rígidas de Bronwyn e partiram. Ela girou para enfrentar Stephen.

— Eu espero que você sangre até a morte. — provocou.

— Venha aqui! — disse ele, com doçura e paciência, estendendo as mãos para ela.

Apesar de seus pensamentos, ela obedeceu. Stephen pegou-lhe a mão e a puxou para se sentar na borda da cama ao lado dele. Ele rolou em sua direção, o lençol deslizou para baixo, expondo mais de seu quadril e cintura. Bronwyn desviou o olhar para o rosto do marido. Tinha que controlar o desejo de tocar sua pele.

Stephen segurou ambas as mãos em uma das suas, então tocou sua bochecha com a mão livre.

— Talvez eu te provoque demais. Esta manhã me deste grande prazer. — Ele observou o rubor lento manchar as bochechas de Bronwyn. — E agora o que posso fazer para te agradar, que não seja me jogar pela janela?

— Eu gostaria de voltar para casa. — disse ela, em voz baixa, toda sua saudade soando em sua voz suave. — Quero voltar para casa, para a Highlander na Escócia, para o meu clã.

Ele se inclinou e beijou seus lábios, suave e docemente, como uma chuva de primavera.

— Partiremos hoje mesmo. — prometeu.

Ela sorriu e quis se afastar, mas Stephen reteve suas mãos com firmeza. A expressão de Bronwyn tornou-se fria no mesmo instante.

— Desconfia de mim, não é? — ele olhou a bandagem ensanguentada. — Isto precisa ser limpo e enfaixado adequadamente.

A jovem se afastou dele bruscamente.

— Morag pode fazê-lo, e tenho certeza de que lhe daria um grande prazer, já que ela parece morrer de desejo por você. — Stephen jogou o lençol de lado e levantou-se para estreita-la em seus braços.

— Oxalá fosse ciúme isso que arde em sua voz. Não quero que seja Morag que troque a bandagem, a não ser você. Já que a ferida quem fez foi você, cure-a.

Bronwyn não conseguia se mover, mal podia pensar quando ele a abraçava desta forma. Lembrou-se da sensação de seus lábios na parte de trás de seus joelhos. Afastou-o para longe dela.

— Tudo bem, eu vou fazer. Tenho certeza que será mais rápido se eu cuidar do ferimento do que discutir com você. Então poderemos ir para casa.

Stephen se sentou junto à janela, reclinado contra as almofadas, sem prestar a menor atenção em sua nudez. Esticou o braço para Bronwyn. Sorriu ao ver que ela evitava fitá-lo.

Bronwyn não gostava de sua presunção, de sua autoconfiança, essa segurança de que sua proximidade tivesse algum efeito sobre ela. E pior, odiava a forma como seu belo corpo atraía seus olhos para ele. Ela sorriu perversamente enquanto arrancava o curativo de seu braço. Pedaços de pele e crosta recém-formada se desprenderam bruscamente.

— Maldita seja! — gritou Stephen, saltando do assento. Rodeou o pescoço da esposa com a mão e atraiu-a para si. — Você vai lamentar por isso! Algum dia saberá que cada gota do meu sangue é mais precioso que toda as suas irritações e seus rancores!

— Esse é seu maior desejo? Pois posso te assegurar que não o conseguirá. Casei-me contigo para evitar guerras dentro de meu clã. Não lhe mato porque seu velho rei causaria o sofrimento do meu clã.

Stephen empurrou-a tão violentamente que ela bateu contra a cama.

— Você não vai me matar! — Ele desdenhou. O sangue da ferida reaberta escorria por seu braço. Levantou-se para recolher suas roupas do chão. — Você pensa demais em si mesma. — assegurou, enquanto vestia sua calça. Pôs ao ombro sua camisa e seu colete. Antes de bater a porta atrás de si, ordenou com secura. — Esteja pronta em uma hora.

O quarto parecia estranhamente silencioso quando Stephen se foi, e de alguma forma parecia muito grande e vazio. Ela estava contente, claro, que ele tivesse saído. Por um breve momento, se perguntou quem enfaixaria a ferida em seu braço, mas acabou por dar de ombros. O que ela se importava? Aproximou-se da porta e chamou Morag. Havia muito a fazer em uma hora.

Cavalgaram duro durante todo o dia e parte da noite. Bronwyn sentiu que seu coração e sua mente iluminavam-se à medida que cavalgavam para o norte. Odiava o ruído das carretas de bagagem que os seguiam. Para o senso de economia dos escoceses, a carga daquelas mercadorias era desnecessária. Um escocês levaria o que pudesse carregar nas costas, e um pouco de comida em um alforje. Os ingleses pararam ao meio-dia para uma refeição quente. Bronwyn estava muito impaciente para comer qualquer coisa.

— Sente-se! — ordenou Stephen. — Você deixa meus homens nervosos andando assim de um lado para outro.

— Seus homens! E os meus que me esperam?

— Só posso cuidar de um grupo de homens de cada vez.

— Só pode o que...!

Bronwyn se interrompeu. Entre os homens de Stephen, vários olhavam com interesse. Christopher Audley sorriu para ela, seus olhos brilhando. Bronwyn sabia que ele era um jovem agradável, mas àquela altura ninguém a agradava. Queria sair das malditas Terras Baixas o mais rápido possível.

À noite atravessaram os Montes Grampianos. Eram montanhas baixas intercaladas com largos vales. Assim que atravessaram, o ar pareceu se tornar mais frio, a paisagem mais selvagem, e Bronwyn começou a respirar com mais facilidade. Seus ombros relaxaram, os músculos em seu rosto adquiriram um aspecto menos tenso.

— Bronwyn! — disse Stephen, ao seu lado. — Temos que parar para passar a noite.

— Passar a noite! Mas se...

Compreendeu que de nada serviria discutir. Só Morag sentia o mesmo que ela. Os outros precisavam descansar para poder continuar. Respirou fundo e compreendeu que a proximidade de sua terra a ajudaria a dormir hoje à noite. Então desmontou e retirou seu alforje. Ao menos poderia se livrar das incômodas roupas inglesas.

— O que é isto? — perguntou Stephen, tocando a manta que ela carregava no braço. De repente a lembrança lhe iluminou os olhos. — Era isso o que você vestia na primeira noite que encontrei você?

Ela arrebatou-a e caminhou para a escuridão das árvores. Não era fácil desatar o vestido inglês sozinha, mas estava decidida a se livrar dele. Colocou o pesado vestido de veludo cuidadosamente em uma rocha, então, se despiu completamente. O modo de vestir dos escoceses era simples e ocasionava liberdade de movimento. Deslizou uma camisa de algodão macia pela a cabeça, depois uma camisa de mangas compridas de cor açafrão. As mangas eram franzidas nos ombros e com punhos estreitos. A saia era cortada em amplos vieses, estreita na cintura, mas se alargando o suficiente para permitir correr e montar a cavalo. Era de xadrez com matiz suave de azul como as urzes. Um cinto largo com uma grande fivela de prata rodeava sua cintura pequena. Jogou outra manta xadrez, de seis metros, habilmente sobre os ombros e a fixou com um broche grande. O mesmo broche de prata que passava de mãe para filha há gerações.

— Deixa que te ajude. — disse uma voz atrás dela. Ela se voltou para encarar Stephen.

— Estava me espionando outra vez? — perguntou fria.

— Prefiro dizer que estava protegendo-a. Não se sabe o que pode ocorrer a uma mulher bonita sozinha no bosque.

Ela retrocedeu.

— Acredito que o pior já passou.

Não o queria por perto. Não queria uma repetição do poder que ele demonstrara exercer sobre ela na noite anterior. Voltou-se e correu para o acampamento.

— Não se esqueceu disto? — gritou Stephen, mostrando os sapatos e soltou uma gargalhada ao perceber que ela não olharia para trás.

Bronwyn entrou mancando na tenda que disseram que era de Stephen. Seus homens eram eficientes em fazer um acampamento que se assemelhava a uma pequena cidade. Ela estremeceu quando seu pé tocou a borda do tapete estendido sobre o bom solo escocês. Tinha esquecido que fazia meses que não corria descalça pelo campo aberto. Seus pés ficaram macios, e depois de sua curta corrida, estavam cortados e machucados.

Sentou-se na borda da cama larga e se inclinou para inspecioná-los. Quando a aba da tenda se abriu e Stephen entrou, ela se levantou rapidamente, embora seus pés feridos trouxessem lágrimas de dor aos seus olhos. Stephen jogou seus sapatos em um canto e se sentou na cama.

— Deixe-me vê-los.

— Não tenho ideia do que você está falando. — disse ela, altiva, apartando-se.

— Por que é sempre tão teimosa Bronwyn? Você feriu os pés, eu sei, então venha aqui e deixe-me dar uma olhada.

Ela sabia que mais cedo ou mais tarde teria que cuidar deles. Sentou- se na cama de armar com relutância. Stephen se acocorou com um suspiro de exasperação e pôs os pés de Bronwyn no colo. A moça deitou-se para trás, apoiada nos braços. Stephen, com o cenho franzido, examinou os cortes, um deles bastante profundo. Gritou para que seu escudeiro lhe trouxesse uma bacia de água quente e ataduras limpas.

— Ponha os pés aqui. — indicou, pondo o balde de água no chão.

Ela observou enquanto ele lavava e enxaguava seus pés com ternura e depois os colocava em seu colo para secá-los e enfaixa-los.

— Por que faz isto por mim? — perguntou ela, em voz baixa. — Sou sua inimiga.

— Não, você não é. É você quem luta contra mim, não o contrario. Meu único desejo é viver em paz contigo.

— Como pode haver paz se o sangue de meu pai é uma muralha entre nós dois?

— Bronwyn... — Mas se interrompeu. De nada serviria discutir. Só suas ações a convenceriam de que ele só queria o bem dela e de seu clã. Deu um tapinha na bandagem do pé esquerdo.

— Isso vai segurar você por um momento na cama. — Ela quis se afastar, mas Stephen prendeu seus pés. Seus olhos escureceram enquanto deslizava uma mão pela panturrilha da jovem. — Tem pernas bonitas — sussurrou.

Bronwyn reconheceu sua expressão e quis se afastar, mas ele a hipnotizava e a mantinha cativa mesmo sem empregar força. Suas mãos estavam sob a saia larga. Ela se deitou de costas contra os travesseiros, deixando-se acariciar nas pernas e nas nádegas.

Ele se deitou ao lado dela, puxou-a para seus braços, e começou a beijar seu rosto, o lóbulo de sua orelha, sua boca. Suas mãos habilmente desabotoaram seu broche e a fivela do cinto. Suas roupas escorregaram de seu corpo antes que ela percebesse que estava sendo despida. Stephen se afastou dela por apenas alguns segundos, enquanto descartava suas próprias roupas. Soltou uma risada rouca ao ver que as mãos de Bronwyn procuravam seu corpo e o puxavam para ela.

Apertou sua boca sobre a dela, saboreando a doçura de sua língua.

— Quem sou eu? — Ele sussurrou enquanto corria os dentes ao longo de seu pescoço.

Ela, em vez de responder esfregou as coxas ao longo dele. Seu coração estava acelerado e, apesar da noite fria, um leve brilho de suor começava a se formar em sua pele.

Stephen afundou a mão em seus cabelos.

— Quem sou eu? Quero ouvir você dizer meu nome.

— Stephen. — sussurrou ela. — E eu sou a MacArran.

O jovem riu, com os olhos brilhantes. Nem sequer em meio à paixão ela perdia esse incrível orgulho.

— E eu sou o conquistador de uma MacArran — riu.

— Jamais! — disse com um suspiro gutural, agarrando o cabelo dele e puxando-o com força. A cabeça de Stephen pendeu para trás e Bronwyn cravou os dentes no pescoço do marido. — Quem é o conquistador agora?

Stephen girou com ela colocando-a sentada em cima dele, percorrendo-a com as mãos firmemente.

— Os ingleses perderiam todas as guerras se os inimigos fossem como você. — De repente, ele a ergueu, e lentamente a baixou até sentá-la em seu pênis. Bronwyn afogou uma exclamação de surpresa, imediatamente emitiu um grave gemido de prazer e começou a se mover para cima e para baixo. Stephen permanecia quieto, permitindo que ela controlasse o prazer de ambos. Quando sentiu que sua excitação chegava ao máximo, colocou-a de costas e ela se agarrou a ele com força. Explodiram juntos em um brilho cegante.

Esgotados, adormeceram como estavam, abraçados, com a pele úmida pelo suor e a paixão.

Uma coruja acordou Bronwyn. Ela acordou assustada, com os olhos arregalados e os sentidos em alerta. Stephen estava esparramado meio em cima dela, prendendo-a debaixo dele. Ela franziu o cenho ao recordar a paixão deles. Agora desaparecida e a cabeça novamente governava aquele corpo desobediente.

O piado dessa coruja era muito familiar, ouvira-o muitas vezes ao longo da vida.

— Tam! — sussurrou. Lentamente, empregando mais suavidade da que desejava, afastou os membros pesados de Stephen.

Vestiu-se rapidamente no escuro, sem fazer quase nenhum ruído. Ela encontrou os sapatos onde Stephen os atirara e saiu da tenda. Permaneceu imóvel alguns instantes, escutando, com Rab ao seu lado. Stephen tinha colocado guardas, e eles caminhavam ao redor da borda do acampamento. Bronwyn lançou um olhar de desgosto ao passar perto deles e adentrar no bosque. O xadrez de sua manta e seu cabelo escuro tornava- na quase invisível.

Caminhou rapidamente, a passo seguro, quase sem fazer ruído. De repente, ficou imóvel, percebendo a proximidade de alguém.

— Jamie te ensinou bem. — disse uma voz grave detrás dela. Bronwyn se voltou com um sorriso brilhante.

— Tam! — exclamou um instante antes de jogar-se em seus braços. Ele a estreitou com força, levantando-a do chão.

— Trataram-lhe bem? Está ilesa? — A moça se afastou.

— Deixe-me olhar para você. — disse.

O luar tornou o cabelo de Tam ainda mais prateado do que realmente era. Um homem de estatura média, não mais alto do que Bronwyn, mas de poderosa compleição; um carvalho teria invejado seus braços e torso. Tam era primo de seu pai, e tinha sido seu amigo toda a vida. Um dos filhos de Tam era um dos três homens que ela teria escolhido para ser seu marido. Tam deu uma risada profunda.

— Seus olhos são melhores do que os meus que já estão velhos, não posso dizer, se está bem ou não. Nós queríamos vir por você, mas estávamos com medo de sua segurança.

— Vamos sentar.

—Tem tempo? Ouvi que você tem marido agora.

Ela podia ver a preocupação em seu rosto. Podia ver que havia mais rugas ao redor de seus olhos.

— Sim, eu tenho um marido. — Ela disse quando eles estavam sentados lado a lado em uma rocha. — Ele é inglês.

— Como ele é? Ele planeja ficar na Escócia com você ou voltar para a Inglaterra?

— Como quer que saiba? Ele é um homem arrogante. Tento falar do meu clã, mas ele nunca escuta. Para ele nada é melhor que o método inglês.

Tam tocou sua bochecha. Durante anos tinha pensado nesta garota como sua filha.

— Ele a machucou? — perguntou, em voz baixa.

Bronwyn agradeceu que a escuridão cobrisse seus rubores. Stephen feriu seu orgulho fazendo-a se contorcer sob ele e em cima dele. Bastava que a tocasse para que ela perdesse a cabeça. Mas não podia dizer essas coisas a um homem que era como um segundo pai.

— Não, ele não me machucou, diga, como está o meu clã? Você teve muitos problemas com os MacGregor?

— Não. Tudo esteve tranquilo em sua ausência. Estávamos muito preocupados, embora o rei inglês tivesse prometido que não faria nada a você. - Ele estendeu a mão quando Rab chegou ao seu lado, e deu um tapinha na cabeça grande distraidamente. — Você está me escondendo alguma coisa. Que tipo de homem é esse seu marido?

Bronwyn levantou-se

— Odeio-lhe! Provocará mais problemas do que necessito. Quando lhe disse que devia tratar de fazer-se aceitar por meu clã riu de mim. Viaja com um exército de homens e montanhas de bagagem.

— Nós ouvimos há dias atrás.

— Preocupa-me que sua ignorância e sua estupidez prejudiquem meus homens. Sem dúvida tentará forçá-los a se adaptar aos seus costumes. Alguém enterrará uma adaga nas costelas dele e o rei inglês lançará seus soldados contra meus chefes.

Tam se levantou e pousou as mãos nos ombros da jovem. Eram ombros muito pequenos para o peso da tamanha responsabilidade que ela carregava.

— Talvez não. Talvez possamos tirar alguns pedaços de sua pele para que aprenda a respeitar nossos costumes.

Bronwyn se voltou para lhe sorrir.

— Que bem você me faz. Dizem os ingleses que somos um bando de brutos selvagens. Se lhe ouvissem acabariam de convencer-se.

— De maneira que somos selvagens, não é? — repetiu Tam, provocando-a.

— Sim e opinam que as mulheres são tão ruins quanto os homens.

— Humrum! — grunhiu seu companheiro. — Vamos ver se você se lembra de qualquer coisa que eu lhe ensinei.

Antes que ela pudesse piscar, ele havia puxado sua adaga e a tinha apontado para sua garganta. Passara anos inteiros ensinando-a a se proteger dos homens fortes. Ela se moveu a um lado em um movimento rápido e fluido, mas não o suficiente: a adaga se apertou contra seu pescoço.

De repente, de entre as árvores, um homem voou, literalmente, seus pés sem tocar o chão, como se ele flutuasse pelo ar e caiu contra Tam. Bronwyn saltou para um lado, e Tam lutou para manter o equilíbrio. Ele era um homem maciço, robusto, e sua força estava em sua capacidade de permanecer firme contra qualquer combate corpo a corpo. Bronwyn tinha visto quatro guerreiros fortes e adultos saltarem sobre ele, e Tam permaneceu em pé. O escocês olhou entortando os olhos, cheio de curiosidade. Bronwyn sorriu ao ver que se tratava de Stephen que estava caído no chão de costas. Era um prazer vê-lo deitado. Ele tinha vencido Roger Chatworth, mas Roger era um inglês, formado em regras da cavalaria e desportismo. Tam era um verdadeiro lutador.

Stephen não perdeu tempo contemplando seu assaltante. Tudo o que sabia era que vira aquele homem segurando uma adaga na garganta de sua esposa. Para ele, era suas vidas ou a de Tam. Ele agarrou um pedaço de um tronco do chão, e como Tam se virou com perplexidade para Bronwyn, Stephen golpeou a madeira na parte de trás do joelho do homem grande. Tam emitiu um grave grunhido e caiu para frente. Stephen, de joelhos, enfiou o punho no rosto de Tam e sentiu o nariz do homem rangendo sob os nódulos de seus dedos.

Tam sabia que Stephen não era um desconhecido ou Rab teria dado o aviso, mas quando sentiu seu nariz quebrar, já não se importava quem era seu atacante. Abriu as mãos grandes e procurou a garganta de Stephen.

Stephen sabia que não tinha chance contra a força do homem, mas sua juventude e agilidade compensavam de sobra. Ele esquivou as mãos de Tam, então abaixou e golpeou com ambos os punhos o estômago duro como uma rocha do escocês. Tam não parecia notar os golpes de Stephen. Agarrou-o pelos ombros, levantou-o e bateu contra uma árvore uma vez, duas vezes. Stephen ficou aturdido quando seu corpo atingiu a árvore, mas ergueu as pernas e usou toda sua força para chutar contra o peito de Tam. A força nas pernas de Stephen foi suficiente para fazer Tam parar de esmaga-lo contra a árvore.

Stephen levantou os braços forçando os pulsos de Tam, e a rapidez de sua ação fez Tam soltá-lo. Instantaneamente Tam girou ficando atrás de Stephen, suas mãos gigantes buscando-lhe a garganta outra vez. Stephen tinha apenas alguns segundos para escapar. Jogando as pernas para o ar fez uma perfeita volta se colocando atrás do seu atacante.

Tam ficou agachado por um momento. Um segundo antes seu inimigo estava lá e no seguinte tinha desaparecido. Antes que pudesse piscar, sentiu uma fria lâmina de aço em sua garganta.

— Não se mova, — disse Stephen, ofegando — ou eu vou cortar sua garganta!

— Basta! — gritou Bronwyn — Stephen! Solte-o imediatamente!

— Soltá-lo? — Stephen perguntou. — Ele tentou matar você. E franziu o cenho quando ouviu o riso profundo de Tam.

— Me matar! — burlou-se Bronwyn. — Não conheci nenhum homem mais estúpido em minha vida. Em caso de perigo Rab o teria atacado. Agora guarde essa adaga antes que machuque alguém.

Stephen embainhou lentamente a adaga.

— Esse cachorro maldito estava tão quieto que pensei que estivesse morto.

Ele esfregou a parte de trás da cabeça. Sua espinha parecia que estava quebrada.

— Ele está certo, Bronwyn. — disse Tam. — Ele fez o certo, meu nome é Tam MacArran. — Ele disse enquanto estendia a mão para Stephen. — Onde aprendeste a lutar assim?

Stephen hesitou por um momento antes de tomar a mão do homem. O que realmente queria fazer era pôr Bronwyn sobre seu joelho e dar-lhe umas boas palmadas por chamá-lo de estúpido, quando estava tentando somente protegê-la.

— Stephen Montgomery. — se apresentou, estreitando a mão a Tam. — Tenho um irmão do seu tamanho e descobri que o único modo de derrotá-lo era sendo mais veloz. Um acrobata me ensinou alguns ardis que me resultaram úteis.

— Eu deveria saber isso! — Tam disse, esfregando o nariz. — Eu acho que pode ter quebrado.

— Ah, Tam! — Bronwyn gritou, dando a Stephen um olhar de ódio. — Volte para o acampamento e me deixe cuidar dele.

Tam não se moveu.

— Acredito que deveria pedir permissão a seu marido. Suponho que é seu marido, não?

Stephen sentiu simpatia pelo homem.

— Já tenho cicatrizes que provam isso. — Tam riu entre dentes.

— Vamos. Vejamos se conseguimos encontrar cerveja e eu gostaria de conversar com meus guardas Como no mundo eles não ouviram Bronwyn sair do acampamento? Eu nunca vou saber! Um homem em armadura completa poderia ter feito menos barulho.

— Menos barulho! — Bronwyn disse. — Vocês ingleses são...!

Tam lhe pôs uma mão no ombro para interrompê-la.

— Mesmo que os outros não a ouviram, o seu marido ouviu... Agora vá à frente e pegue um pouco de água quente para que eu possa me lavar. Acho que estou coberto de sangue ressecado. — Fitou Stephen com carinho. — Você tem bastante força nesses punhos.

Stephen sorriu.

— Outro golpe contra essa árvore e teria quebrado a coluna.

— Sim. — reconheceu Tam. — Não tem carne para que amorteça os golpes.

— Hahahaha! — riu Stephen. — Se eu fosse tão gordo quanto você não poderia me mexer.

Os homens sorriram um para o outro e seguiram Bronwyn e Rab para o acampamento.

— Stephen! — exclamou Chris quando chegaram. — Ouvimos barulho de luta, mas demoramos um momento em notar que tinham desaparecido. Pelos pregos de Cristo! O que te aconteceu e quem é este homem?

As tochas foram se acendendo, pois os homens começavam a despertar, alertados pelo tumulto.

— Volte a dormir, Chris. — disse Stephen. — Só peça a alguém que nos traga água quente e abra um barril de cerveja, tudo bem? Entre, Tam.

Tam contemplou o interior da tenda. As paredes estavam revestidas com seda azul pálido, o chão coberto com tapetes do Oriente. Sentou-se numa cadeira de carvalho esculpida.

— Ótimo lugar que você tem aqui — comentou.

— É um desperdício de dinheiro! — Bronwyn provocou. — Há pessoas passando fome e....

— Eu paguei para que me fabricassem esta tenda, e eu suponho que eles compraram comida com o dinheiro. — Replicou Stephen.

Tam passeava a vista entre ambos. Viu aborrecimento e hostilidade em Bronwyn, mas em Stephen só se percebia tolerância e talvez mesmo afeto. Stephen o atacou ao pensar que ele estava ameaçando a sua mulher.

Trouxeram a água quente. Os dois homens se despiram até a cintura para se lavar. Bronwyn apalpou o nariz de Tam e garantiu que não estava fraturado. As costas de Stephen eram uma massa de sangue no locam em que casca de árvore tinha perfurado sua pele.

— Acho que as costas do seu marido precisam de atenção. — observou Tam, em voz baixa.

Bronwyn deu a Stephen um olhar de desdém e deixou a tenda, Rab atrás dela. Tam pegou um pano.

— Sente-se, garoto, e eu cuidarei de suas costas.

Stephen obedeceu. Enquanto lavava com suavidade as feridas, Stephen começou a falar.

— Talvez eu deva pedir desculpas pelas maneiras de minha esposa.

— Não há necessidade. Acredito que sou eu quem deve te pedir desculpas, pois colaborei para que seja como é agora.

Stephen pôs-se a rir.

— Tinha mais motivos para brigar contigo do que imaginava. Diga-me, acredita que algum dia deixará de estar furiosa comigo?

Tam espremeu o pano ensanguentado.

— É difícil dizê-lo. Ela e Davey têm muitos motivos para odiar os ingleses.

— Que Davey?

— O irmão mais velho de Bronwyn.

Stephen girou para Tam.

— Um irmão! Bronwyn tem um irmão varão, mas seu pai a nomeou sua sucessora?

Tam riu entre dentes e empurrou Stephen para que ele pudesse terminar de limpar as costas.

— Os costumes escoceses devem parecer estranhos para você.

Stephen soprou.

— Estranho é uma palavra suave para explicar suas ações. Que tipo de homem era o pai de Bronwyn?

— É melhor que você pergunte sobre seu irmão. Davey era um garoto maluco, nunca foi muito direito desde o dia de seu nascimento. É um rapaz bonito e muito simpático, e sempre conseguia levar as pessoas a fazer o que ele queria. O problema era que nunca parecia saber e determinar o que mais convinha ao clã.

— E Bronwyn sim? Tudo que importa é seu clã e esse maldito cão dela.

Tam sorriu a suas costas.

— Jamie, seu pai, nunca se iludiu quanto à filha. Ela tem um temperamento muito forte e às vezes é excessivamente implacável. — Ignorou o olhar de soslaio que Stephen lhe deu. — Mas é como disse: ama o clã. Coloca-o acima de tudo.

— E por isso foi nomeada chefa em vez de seu irmão.

— Em efeito, mas a coisa não foi tão simples. Acordou com seu pai que se casaria com um homem eleito por ele. Jamie lhe deu a escolher entre três jovens, todos fortes e estáveis. O que Bronwyn precisava para neutralizar seu temperamento explosivo.

Tam jogou o pano na bacia e sentou-se novamente na cadeira. Stephen perguntou, enquanto colocava a camisa:

— E os homens?

— Mataram aos três, junto com Jamie.

Stephen guardou silêncio por um momento. Sabia que os quatro foram mortos pelos ingleses.

— E Bronwyn estava apaixonada por algum deles? Já tinha eleito algum?

Como Tam demorava muito em dar sua resposta, levantou a vista. O escocês parecia ter envelhecido nos últimos minutos. Tam levantou a cabeça e tratou de impor um sorriso a suas fortes feições.

— Eu gosto de pensar que ela tinha eleito, que existia um que ela amava mais. — Aspirou profundamente e olhou ao Stephen nos olhos. — Um dos jovens mortos era meu filho mais velho.

Stephen encarou o homem fixamente. Fazia apenas algumas horas que se conheciam e seu corpo doía por causa da briga com Tam, mas tinha a impressão de conhecê-lo há anos. A mandíbula forte, o nariz largo, os olhos escuros e os longos cabelos grisalhos pareciam familiares. Sentiu a tristeza de Tam com a perda de seu filho progênito.

— E quanto a Davey? — Stephen perguntou. — Ele se afastou a um lado com gentileza para sua irmãzinha assumir o posto?

Tam soprou limpando os olhos.

— Os escoceses nunca fazem nada sem paixão. Davey ameaçou instigar ao clã contra seu pai ao inteirar-se de que Bronwyn seria sua herdeira.

— Sério? O que disse Bronwyn?

Tam levantou uma mão, rindo.

— Ela me disse que você era um homem estúpido, mas não me parece assim. — Stephen deu-lhe um olhar que dizia o que pensava da opinião de Bronwyn sobre ele. — Davey conseguiu que alguns homens o seguissem, — prosseguiu Tam — mas como eles não queriam lutar contra os membros de seu próprio clã, retiraram-se às colinas para viverem exilados.

— E Bronwyn?

— A pobre moça adorava Davey. Como te disse, era um jovem persuasivo. Ela disse a seu pai que se negava a aceitar o que era de Davey por direito. Mas Jamie se limitou a rir e lhe perguntou se estava disposta a ficar de lado e ver a guerra dentro de seu próprio clã.

Stephen se levantou.

— E claro que Bronwyn, certamente, fez o que lhe pareceu melhor para seu clã. — disse, com uma pitada de sarcasmo.

— Em efeito. A garota se mataria se achasse que o clã poderia se beneficiar com sua morte.

— Ou seguiria com vida e sofreria um destino pior que a morte pelo mesmo motivo.

Tam deu-lhe um olhar astuto.

— Sim, faria-o também.

Stephen sorriu.

— Nos acompanhará até a casa de Bronwyn? — Stephen perguntou.

Tam ficou de pé, movendo com lentidão seu grande corpo.

— Eu ficaria honrado.

— Neste caso posso te oferecer um espaço em minha tenda?

Tam arqueou uma sobrancelha.

— Muito luxo para mim. A esta altura de minha vida não necessito que me estraguem. Tenho minha manta. Mas obrigado, de qualquer modo.

Pela primeira vez, Stephen tomou conhecimento da vestimenta de Tam. Ele usava uma camisa com mangas grandes e um longo colete acolchoado que cobria até a metade da coxa. Em seus pés usava sapatos rústicos e grossos de couro, uma pesada meia de lã que chegava somente aos joelhos musculosos que estavam nus. Sobre os ombros vergava um longo e largo tartan. Um cinto grosso e largo estava ao redor do colete sustentando um punhal. Tam ficou em silêncio durante o exame de Stephen, esperando os comentários usuais ente os ingleses.

— Você pode ficar com frio. — disse Stephen.

Tam sorriu.

— Os escoceses não são homens fracos. Vejo você pela manhã. — Dizendo isso, abandonou a tenda. Stephen permaneceu imóvel durante um momento. Depois se aproximou da abertura e emitiu um assobio suave. Rab se aproximou após um instante.

— Bronwyn! — lhe ordenou, em voz baixa.

O cão deu-lhe uma lambida na mão e se dirigiu para a floresta escura, seguido por Stephen.

Bronwyn estava dormindo, envolta firme e confortavelmente em sua manta. Ele sorriu para ela, satisfeito com sua capacidade de dormir no chão frio, duro e úmido. Ele se inclinou e a pegou. Seus olhos se abriram brevemente, mas ele beijou o canto de sua boca e isso pareceu tranquilizá-la. Ela se aconchegou contra ele enquanto a levava de volta para sua tenda e sua cama.


Capítulo Seis

No fim da tarde, do dia seguinte, chegaram ao Castelo Larenston. Bronwyn, impaciente demais para esperar, esporeou o cavalo.

— Vá com ela. — insistiu Tam a Stephen. — Aposto que nunca viu nada parecido com Larenston.

Curioso por ver o lugar que ia converter-se em seu lar, Stephen instigou seu cavalo para que subisse a colina coberta de ervas.

Tam estava certo, nada poderia tê-lo preparado para a visão de Larenston. A colina em que ele se encontrava desembocava bruscamente em um vale largo e profundo onde o gado peludo pastava entre as cabanas dos arrendatários. Uma estrada estreita conduzia através do vale e subia a muralha pelo lado oposto. No topo da muralha havia uma península alta, plana e de pedra vermelha que se projetava para o mar como um enorme punho armado. A península estava ligada ao continente por um pedaço de rocha com a mesma largura da estrada estreita. Os lados caíam em falésias profundas no mar. Guardando a entrada dessa península havia dois enormes portões, cada um com três andares de altura.

O complexo do castelo em si consistia de vários edifícios de pedra e um enorme salão no centro. Não havia muralha que o rodeasse. Não havia necessidade de uma. Os profundos penhascos dando para o mar podiam ser vigiados por alguns poucos homens armados de arcos e flechas.

Bronwyn se voltou para ele, em seus olhos ardia uma luz que ele nunca tinha visto antes.

— Nunca foi tomado. — disse secamente, antes de iniciar a descida para o vale.

Stephen não teria podido dizer como se inteiraram os habitantes de sua chegada, mas de repente todas as portas de cada cabana se abriram e as pessoas correram para ela, os braços abertos.

Stephen colocou seu cavalo a um galope para acompanhá-la, mas guardou distância ao vê-la desmontar apressadamente e começar a abraçar todas as pessoas, homens, mulheres, crianças, até mesmo o ganso gordo de uma criança. A cena lhe comoveu. Até então, a tinha visto como uma mulher caprichosa e zangada. Ela dissera mais de uma vez que o clã era toda sua vida, mas ele não conseguira imaginar seus indivíduos. Bronwyn parecia conhecer todos pessoalmente, chamando cada um por seu nome. Perguntava pelos filhos, pelas doenças de cada um, se havia algo que precisavam.

Stephen se ergueu na sela e olhou ao redor. O solo era pobre. Seu cavalo pateou com o casco e não tirou pouco mais que musgo. No entanto, viu campos semeados. A cevada tinha pouca altura, mas estava fazendo um esforço por crescer. As cabanas eram pequenas e de aspecto muito pobre.

Ocorreu a Stephen que aquelas pessoas equivaliam aos servos de seu irmão. Bronwyn era proprietária da terra e eles a cultivavam. O mesmo que os servos.

Viu que Bronwyn aceitava um pedaço de queijo de uma mulher. Essas pessoas eram seus servos, mas ela os tratava como parte da família. Stephen não conseguia imaginar nenhuma dama que conhecesse tocando um servo e muito menos abraçando um. Eles a chamavam de Bronwyn, não de Lady Bronwyn como era seu direito.

— Tem o cenho franzido, moço. — disse Tam ao seu lado. — Qual de nossos costumes te desagrada?

Stephen tirou o chapéu para passar uma mão pelo cabelo espesso.

— Acredito que tenho muito que aprender. Ao que parece, não sei o que é um clã. Estava convencido de que os membros do clã eram como meus vassalos, que são todos de casas nobres.

Tam o observou um momento.

— Clã é uma palavra gaélica que significa "filhos". — faiscaram-lhe os olhos. — E quanto à nobreza, qualquer escocês pode traçar sua ascendência até um rei escocês.

— Mas a pobreza... — começou Stephen, então parou, com medo de ter ofendido Tam.

Tam apertou os dentes.

— Os ingleses e o solo que Deus nos deu nos tornaram pobres. Mas é melhor aprender que na Escócia o valor de um homem se baseia no que está dentro e não no ouro que tem no bolso.

— Obrigado pelo conselho. Terei-o em conta.

Stephen açulou o cavalo até ficar junto a Bronwyn. Ela lançou-lhe um breve olhar e deu as costas para continuar ouvindo uma anciã que falava de algumas novas tinturas para tecidos.

Um a um, todos foram silenciando para fitá-lo. Suas roupas eram muito diferentes. A maioria dos escoceses não cobria as pernas e não usava meias nem sapatos, enquanto outros calçavam meias curtas como Tam.

Mas os olhos de Stephen estavam fixos sobre as mulheres.

Elas não tinham a tez pálida e protegida de uma dama inglesa, mas um bronzeado dourado dos dias passados fora de casa, ao ar livre. Seus olhos brilhavam, e seus cabelos gloriosos caiam livre até as cinturas estreitas, rodeadas por cinturões.

Stephen desmontou de seu cavalo, pegou a mão de Bronwyn firmemente na esquerda e estendeu a mão direita.

— Permitam que me presente. Sou Stephen Montgomery.

— Um inglês! — disse um homem a pouca distância, com a voz virulenta de ódio.

— Sim, um inglês! — pronunciou Stephen com ênfase. Seus olhos duros sustentaram o olhar do escocês.

— Vamos, deixem-no em paz! — disse Tam. — Atacou-me quando pensou que eu estava ameaçando Bronwyn.

Várias pessoas sorriram para o absurdo desta declaração. Era óbvio quem venceu, já que Tam pesava pelo menos sessenta quilos a mais do que o magro Stephen.

— Ganhou ele. — esclareceu Tam com lentidão. — Esteve a ponto de me quebrar o nariz e pôs uma adaga contra minha garganta.

Todos guardaram silêncio durante um instante, como se não acreditassem em Tam.

— Bem-vindo, Stephen. — disse uma das mulheres bonitas enquanto apertava a mão estendida.

Stephen piscou várias vezes ao ouvir ser chamado por seu nome de batismo, mas acabou sorrindo e começou a apertar mais mãos.

— Não será fácil para você se entender com meus homens. — disse Bronwyn quando cavalgavam juntos pela estrada que ligava a península ao continente. A estrada era tão estreita que só dois cavalos poderiam andar juntos. Stephen lançou um olhar nervoso ao penhasco à sua esquerda, um só movimento em falso e cairia. Bronwyn não parecia perceber o perigo, uma vez que ela tinha percorrido a estrada estreita toda a sua vida.

— Meus homens não são tão fáceis de conquistar como minhas mulheres. — continuou ela, altiva. Olhou para o marido e viu o modo como ele relanceava o olhar em direção ao mar. Com um sorriso, freou bruscamente seu cavalo, em direção ao de Stephen.

O cavalo do Stephen se afastou, intimidado. Quando sentiu que um de seus cascos tocava o vazio junto à estrada, entrou em pânico e se elevou nas patas. Stephen lutou desesperadamente para dominá-lo e evitar que caísse pelo precipício.

— Maldita seja! — Stephen gritou quando teve controle sobre o animal.

Bronwyn soltou uma gargalhada e lhe olhou por cima do ombro.

— Parece que nossos costumes escoceses são ferozes para seu gosto. — Provocou.

Stephen cravou as esporas em seu cavalo. Bronwyn o viu aproximar-se, mas não reagiu com a rapidez suficiente. Stephen a agarrou pela cintura e a puxou para a sela diante dele.

— Me solte! — exigiu ela. — Meus homens estão nos olhando!

— Melhor! Viram também que tratou de me fazer de bobo. Ou esperava que eu caísse pelo precipício?

— Para que o rei Henry enviasse suas tropas contra nós? Não, não desejo a sua morte em solo escocês.

Stephen afogou uma exclamação ante tanta franqueza.

— Possivelmente mereço isso. — Ela ia replicar, mas ele pôs um dedo nos lábios. — Mas não pedi que me fizessem parecer um idiota, então você vai pagar por isso. Quantos outros homens cavalgaram para Larenston com uma MacArran em sua sela?

— Trouxemos muitos mortos, habitualmente assassinados por...

Ele a interrompeu com um beijo.

Bronwyn se agarrou a ele, apesar de ter prometido a si mesma nunca render-se, rodeou-lhe o pescoço com os braços e beijou-o com fome. Ele a estreitou contra si, suas mãos acariciando suas costas. Sentia a pele cálida através da camisa de linho. Decidiu que gostava da moda escocesa. Os grossos tecidos ingleses escondiam a sensação do contato da pele de uma mulher. Stephen foi o primeiro a sair do transe. Ele sentiu que estavam sendo observados. Abriu os olhos, levantou a cabeça ligeiramente, seus lábios ainda sobre os de Bronwyn. Não percebeu que seu cavalo continuou subindo a trilha em direção aos portões de entrada. Vários homens os cercavam, todos solenes, sérios, com os rostos fechados, sem emoção alguma.

— Bronwyn, amor! — disse Stephen, em voz baixa.

Ela reagiu imediatamente e se separou dele, olhando a seus homens.

— Douglas. — sussurrou, deslizando-se para os braços do homem, que a esperava.

Saudou-os um a um, enquanto Stephen desmontava para conduzir seu cavalo através do portão. Levantaram para eles a pesada porta de grade. Os homens não lhe dirigiam a palavra nem o olhavam, mas Stephen tinha perfeita consciência do modo com que o cercavam, solenes, desconfiados. Bronwyn caminhava adiante, rindo com eles, fazendo perguntas e escutando as respostas.

Stephen se sentiu muito afastado de tudo, muito estranho. Os homens que caminhavam ao seu lado desconfiavam dele e ele sentiu sua hostilidade. Estavam vestidos de maneira diferente dos homens do vale. Alguns calçavam sapatos e meias curtas, como Tam. Outros calçavam botas altas que chegavam aos joelhos. Mas todos tinham metade da perna, dos joelhos às coxas, nuas.

Quando o portão foi aberto, passaram por várias construções pequenas no caminho para a casa grande. Stephen reconheceu naquelas construções uma queijaria, uma ferraria, estábulos. Havia ainda um pequeno pomar em uma área. Um lugar como este podia suportar um longo cerco.

O interior da casa era simples e sem adornos. As paredes de pedra estavam úmidas, sem pintura nem revestimento de madeira. As janelas pequenas deixavam entrar pouca luz. Fazia frio dentro do castelo, mais frio ainda que no exterior. Entretanto não havia fogo aceso.

Bronwyn se sentou em uma cadeira sem almofadas.

— Agora, Douglas, conte-me o que está acontecendo.

Stephen ficou de lado observando. Ninguém perguntou por seu conforto ou sugeriu que ela deveria descansar.

— Os MacGregor estiveram fazendo incursões outra vez. Duas noites atrás levaram seis cabeças de gado.

Bronwyn franziu o cenho. Mais adiante se encarregaria dos MacGregor.

— Que problemas houve dentro do clã?

O homem chamado Douglas puxava distraidamente uma mecha do longo cabelo.

— A terra junto ao lago está outra vez em disputa. Robert diz que o salmão é dele, mas Desmond exige que pague pelo que pesca.

— Já cruzaram espadas? — perguntou Bronwyn.

— Ainda não, mas falta pouco. Envio a alguns homens para resolver isto? Um pouco de sangue derramado nos lugares adequados deterá as disputas.

Stephen fez gesto de levantar-se. Ele estava acostumado a tomar decisões desse tipo. A mão de Tam o segurou no braço.

— Não consegue pensar em outra coisa que não seja brandir a espada, Douglas? — ela perguntou furiosa. — Você nunca pensou que esses homens têm motivos para brigar? Robert tem sete filhos para alimentar e Desmond tem uma mulher doente e nenhum filho. Sem dúvida há outro modo de resolver seus problemas.

Os homens olharam com ar de não a compreender. Ela suspirou.

— Diga a Robert que envie dois de seus filhos, o maior e o menor, à casa de Desmond, para que ele os crie. Robert não vai querer se apoderar do peixe que servirá para alimentar seus próprios filhos e a mulher de Desmond deixará de se lamentar por não ter filhos próprios. O que mais aconteceu?

Stephen sorriu ante tanta sabedoria. Provinha do amor e do conhecimento que tinha de seu clã. Era uma maravilha vê-la em seu próprio ambiente. A cada momento que passava ela parecia estar mais viva. Seu queixo já não se projetava em cólera enquanto olhava para as pessoas ao seu redor. Seus ombros continuavam eretos, mas não como se quisesse se defender de golpes e palavras furiosas.

Stephen observou os rostos dos homens ao seu redor. Eles a respeitavam, a escutavam e cada decisão que ela tomava era sábia e respondia aos melhores interesses de seu clã.

— Jamie a ensinou bem. — comentou Tam, em voz baixa.

Stephen assentiu com a cabeça. Este era um lado completamente diferente dela, um que ele nunca imaginara que existisse. Conhecera uma Bronwyn furiosa, impulsiva, cheia de ódio, dada a usar uma adaga e fazer exigências impossíveis. Lembrou-se de rir dela ao vê-la caída no riacho.

De repente sentiu uma rápida onda de ciúmes. Nunca vira essa mulher, que sentava com tanta calma diante de homens e tomava decisões que afetavam suas vidas. Eles conheciam um lado dela que ele jamais imaginou.

Bronwyn se levantou e caminhou em direção à escada que se elevava no outro extremo do salão. Stephen a seguiu. De repente lhe ocorreu que aqueles homens ignoravam as sensações que ela sentia no dorso de seus joelhos. Sorriu para si mesmo e se sentiu um pouco mais tranquilo.


— Olhe para ele. — disse Bronwyn com desgosto.

Era de manhã cedo, o ar de outono avançado estava fresco. Ela olhava para Stephen da janela de sua câmara do terceiro andar. Ele estava no pátio, em companhia de Chris, usando armadura completa. Os escoceses ao seu redor se levantaram e olharam-no em silêncio sombrio.

Estavam casados há duas semanas e durante esse tempo Stephen fazia um grande esforço para treinar os homens de Bronwyn segundo a maneira inglesa de combater. Ela permanecia de lado, deixando que ele instruísse os homens sobre a importância de se protegerem. Stephen se oferecera para comprar armaduras para que treinassem com mais afinco. Mas os escoceses falavam pouco e não pareciam interessados no valioso preço de uma armadura pesada e quente. Pareciam preferir seus trajes de selvagens, que deixavam metade de seus corpos nus. A única concessão que Stephen conseguiu foi o uso da cota de malha sob as mantas.

Bronwyn afastou-se da janela, sorrindo para si mesma.

— Não tem por que estar tão satisfeita consigo mesma. — resmungou Morag. — Esses seus homens deveriam trabalhar um pouco. Passam muito tempo sentados. Stephen os obriga a trabalhar.

Bronwyn não deixava de sorrir.

— É obstinado. Ontem se atreveu a instruir meus homens, dizendo que a Escócia é uma terra intranquila, que ele está tentando ensiná-los a se proteger. Como se não soubéssemos! É por causa dos ingleses que...

Morag levantou a mão para defender-se.

— Pode tratar de enlouquecê-lo com seus incessantes sermões, mas não a mim. O que é que a perturba sobre ele? É a maneira que te faz gritar pelas noites? Envergonha-te sua própria paixão pelo inimigo?

— Não sinto nenhuma...

Mas Bronwyn se interrompeu quando ouviu o clique suave da porta atrás de Morag. Ela se virou e olhou para Stephen.

Ela teve que admitir para si mesma que a incomodava como seu corpo reagia ao menor toque de Stephen Com frequência se via tremendo tão logo o sol começava a se pôr. Tinha muito cuidado de não permitir que Stephen percebesse o que sentia. Nunca tomava a iniciativa em direção a ele ou lhe dava uma palavra de afeto. Afinal, era seu inimigo, era da raça que matou seu pai. Era fácil lembrar que ele era seu inimigo durante o dia. Vestia-se como um inglês, falava como um, pensava como um. A diferença era gritante para Bronwyn e seus homens. Somente à noite, quando ele a tocava, esquecia quem era Stephen e quem era ela.

— Stephen! — chamou Chris enquanto cruzavam o campo de batalha coberto de areia. Detiveram-se a beira da península, contemplando o mar.

— Tem que deixar de trabalhar assim. Não vê que eles não estão interessados no que você está tentando ensinar?

Stephen tirou o elmo. O vento frio soprava seus cabelos molhados de suor. Cada dia, ele estava cada vez mais frustrado com suas tentativas de trabalhar com os homens de Bronwyn. Seus próprios homens treinavam todos os dias, aprendendo a lidar com suas armaduras pesadas e armas. Mas os homens de Bronwyn ficavam de lado e observavam os ingleses como se fossem animais no jardim zoológico do rei Henry.

— Tem que haver um modo de lhes fazer entender! — disse em voz baixa. De repente ouviu um homem correndo em sua direção.

— Meu senhor! — disse um dos seus homens. — Houve um ataque ao gado dos MacArran no norte. Os homens já estão nas selas.

Stephen fez um gesto de assentimento. Agora teria a oportunidade de demonstrar aos escoceses como os cavaleiros ingleses eram bons combatentes. Estava bem acostumado a proteger as terras dos ladrões e dos caçadores.

A pesada armadura de aço dificultava qualquer movimento rápido. O escudeiro esperava com o cavalo, que também usava armadura. Era pesada, reproduzida ao longo de centenas de anos para que pudesse sustentar o peso de um homem com armadura completa. O animal nunca seria requisitado em velocidade, mas devia manter o passo firme nas batalhas mais encarniçadas, obedecendo às ordens que seu amo dava com os joelhos.

Quando Stephen e seus homens acabaram de montar, os escoceses já tinham partido. Stephen fez uma careta e pensou na disciplina necessária que ele teria que aplicar para castigo.

Passariam vários anos antes que Stephen pudesse recordar os acontecimentos dessa noite nos pântanos escoceses, sem experimentar novamente uma sensação de vergonha e perplexidade.

Estava escuro quando ele e seus homens chegaram ao lugar onde os MacGregor tinham roubado o gado. O ruído que faziam enquanto cavalgavam ecoava pelo campo. Suas armaduras ressoavam estridente pelo atrito do metal. Os cascos de seus cavalos pesados trovejavam.

Stephen reprovava a si mesmo por pensar que os MacGregor os encontrariam para um combate corpo a corpo, como os ingleses faziam. Foi com consternação que ele e seus homens sentados na sela de seus cavalos observaram à batalha que se seguiu. Não se parecia com nada que Stephen já vira ou imaginara.

Os escoceses desmontaram de seus cavalos e correram para a floresta, retirando seus tartan de seus ombros e soltando-os no chão, ficando livres para correr somente com suas camisas soltas. Das árvores chegavam gritos, então se ouviu os sons das Claymores escocesas golpeando aço.

Stephen fez gestos a seus homens para que desmontassem e, guiando-se pelo ruído, seguissem aos escoceses entre as árvores. Mas os homens do clã já não estavam ali. A pesada armadura tornava os ingleses muito lentos, e se moviam com muita instabilidade.

Enquanto Stephen olhava ao seu redor, confuso, um dos homens do Bronwyn saiu de entre as sombras.

— Os fizemos fugir. — disse, torcendo a boca com uma careta de zombaria.

— Quantos foram feridos?

— Três feridos, nenhum morto. — comunicou o homem, seco. Imediatamente sorriu. — Os MacArran são muito velozes para qualquer MacGregor. — O homem estava vermelho pela excitação da batalha. — Chamo alguns companheiros para que coloquem você no seu cavalo? — Ele disse enquanto sorria abertamente para Stephen em sua armadura.

— Pedaço de...! — balbuciou Chris. — Cruzaremos espadas agora mesmo.

— Anda, cão inglês. — provocou o do clã. — Eu posso ter sua garganta cortada antes que você possa mover as dobradiças desse caixão de aço.

— Basta! — ordenou Stephen. — Chris afaste sua espada e você, Douglas, cuide dos feridos.

Sua voz soava densa.

— Não pode perdoar tanta insolência. — aduziu Chris. — Como pensa ensiná-los a respeitá-lo?

— Ensinar! — rebateu-lhe Stephen. — O respeito não se impõe, ganha. Vem, voltemos para Larenston. Tenho muito em que pensar.


Bronwyn revirava na cama, esmurrando o travesseiro. Repetia para si mesma que não se importava se Stephen preferia passar a noite em outro lugar. Tampouco se importava que ele passasse com outra. Pensou nas mulheres de seu clã. A filha da Margaret era muito bonita e já escutara os comentários sorridentes de dois homens sobre os bons momentos que passaram com ela. Ela deveria falar com Margaret na parte da manhã! Não era bom ter uma garota como essa por perto.

— Maldição! — protestou em voz alta provocando um rosnado de Rab.

Sentou na cama, deixando cair às cobertas que cobriam seus lindos seios. Fazia frio na cama solitária. Morag lhe contara sobre o roubo de gado, adicionando umas quantas palavras escolhidas sobre os MacGregor. Quando Bronwyn desejou em voz alta que ninguém matasse Stephen, por medo de que sua morte provocasse a vingança do rei inglês contra eles, a anciã se limitou a sorrir.

Não podia deixar de vigiar a porta, franzindo o cenho de vez em quando. Por fim ouviu a porta se abrir e conteve o fôlego. Podia ser Morag trazendo notícias. Deixou escapar o ar ao ver que se tratava de Stephen, trazia o cabelo e a camisa molhados pela água do poço.

Ele não se dignou a olhá-la. Tinha os olhos azuis obscurecidos e uma ruga entre as sobrancelhas. Sentou-se pesadamente na borda da cama e começou a tirar a roupa, não conseguia concentrar-se na tarefa, interrompia o que fazia por longos momentos, perdido em pensamentos.

Bronwyn procurava algo para dizer.

— Tem fome?

Como ele não respondeu, ela se aproximou da cama para se sentar mais perto dele. Tinha o lençol envolto na parte inferior do corpo, deixando o torso nu.

— Eu perguntei se você estava com fome. — repetiu em voz mais alta.

— Humm? — murmurou Stephen, enquanto tirava a bota. — Não sei. Acredito que não.

Bronwyn teve vontade de lhe perguntar o que estava errado, mas é claro que nunca faria algo assim. Não se importava com o inglês.

— Algum de meus homens foi ferido na incursão?

Uma vez mais, Stephen guardou silêncio. Ela empurrou-lhe o ombro.

— Está surdo? Eu fiz uma pergunta.

Stephen se virou como se acabasse de perceber que ela estava lá. Os olhos dele percorreram seu corpo nu, mas não mostrou nenhum interesse quando se levantou e desabotoou seu cinto.

— Não houve nenhum ferimento grave. O braço de um deles precisou ser suturado, nada mais.

— De quem? O braço de quem precisava de pontos?

Stephen moveu a mão em um gesto vago e se deitou na cama, nu. Colocou os braços atrás da cabeça e ficou olhando para o teto, sem fazer menção de tocá-la.

— Do Francis, parece-me. — Respondeu por fim.

Bronwyn continuava sentada e o fitava com o cenho franzido. O que acontecia de errado com ele?

— Assustou-lhe como nossos escoceses combatem inglês? Acaso meus homens lhe pareceram muito fortes para você, ou quem sabe muito velozes?

Para assombro dela, Stephen não mordeu a isca.

— Muito rápido! — o reconheceu muito a sério, ainda observando o teto. — Se moviam com prontidão, rapidez, livremente. Na Inglaterra não sobreviveriam, naturalmente, porque alguns cavaleiros armados poderiam fazer em pedaços a um grupo de cinquenta. Mas aqui...

— Cinquenta! — repetiu Bronwyn. Um instante depois descarregava os dois punhos contra o peito do Stephen. — Não verá jamais, o dia em que um só inglês possa ferir cinquenta escoceses! — ela gritou enquanto batia os punhos contra o duro peito de seu marido.

— Pare com isso, basta! — exclamou Stephen, agarrando os punhos de suas mãos. — Já tenho contusões suficientes sem que você adicione mais algumas.

— Eu vou te dar mais do que contusões. — assegurou, lutando para se libertar.

Os olhos de Stephen se iluminaram Puxou as mãos dela e a atraiu para si até que os seios foram pressionados contra seu tórax.

— Eu gostaria de receber algo mais do que contusões. — disse, com voz rouca, toda a sua atenção finalmente nela. Soltou-lhe uma mão para tocar seu cabelo. — Ao que parece sempre me trará de volta à realidade? — perguntou enquanto tocava sua têmpora. — Acredito que poderia estar preocupado com o pior problema do universo e você conseguiria desviar meus pensamentos para sua pele encantadora, seus olhos, seus lábios. — Enquanto falava ia movendo lentamente os dedos numa doce carícia.

Bronwyn sentiu que seu coração começava a palpitar. A respiração de Stephen era suave e quente. Seu cabelo ainda estava úmido, e um cacho se aderia a sua orelha. Teve desejo de tocar aquele cacho, mas sempre teve o cuidado em não tomar a iniciativa.

— Acaso está preocupado com algum problema grave? — perguntou indiferente, como se não importasse. Stephen acalmou seus dedos e seus olhos capturaram os dela.

— Parece-me perceber certa preocupação em sua voz. — observou em voz baixa.

— Jamais! — assegurou e rolou para longe dele.

Esperava ouvir uma gargalhada divertida, mas quando ele permaneceu em silêncio, Bronwyn sentiu urgência de se voltar e olhar para ele, entretanto continuou dando-lhe as costas. Stephen estava muito calado e depois de um momento Bronwyn ouviu o ritmo calmo e uniforme de sua respiração, que significava que ele estava dormindo. Deitou-se muito, muito quieta, e depois de algum tempo sentiu lágrimas se formarem nos cantos de seus olhos. Havia momentos em que se sentia tão sozinha que não sabia o que fazer. Sua ideia de casamento era de duas pessoas que compartilhavam suas vidas e seu amor. Mas ela estava casada com um inglês!

Stephen virou subitamente e jogou um braço pesado por cima da esposa. Depois a atraiu para si. Bronwyn tentou permanecer rígida e altiva, mas apesar de si mesma acomodou as nádegas contra ele, se aconchegando mais perto.

— Assim não ajuda um homem a dormir. — sussurrou ele, então levantou a cabeça e beijou sua têmpora. — O que é isso? Lágrimas?

— Certamente que não. Entrou algo no meu olho. Isso é tudo.

Ele a virou em seus braços para que ela o encarasse.

— Você está mentindo! — disse, sem rodeios. Examinou seu rosto com os olhos, tocou a fenda em seu queixo. — Você e eu somos desconhecidos. — sussurrou. — Quando vamos ser amigos? Quando partilhará suas coisas comigo? Quando me contará o motivo de suas lágrimas?

— Quando for escocês! — exclamou ela com a maior ferocidade possível.

Mas a proximidade de Stephen fez com que as palavras soassem de um modo estranho, como se fossem uma súplica e não uma exigência impossível.

— Trato feito! — respondeu ele, com muita segurança, quase como se na verdade pudesse transformar-se em um escocês. Ela queria rir dele, dizer-lhe que nunca poderia se tornar um escocês, ou seu amigo. Mas Stephen a puxou ainda mais perto de si e começou a beijá-la. Beijou-a como se tivesse todo o tempo do mundo, preguiçosamente, devagar. Bronwyn sentiu o sangue pulsando através de suas veias. Ela queria abraçar Stephen, mas ele a segurou forte e se manteve afastado de seu corpo para tocar seus seios, acariciar suas costelas e ventre.

Ela arqueou para longe dele, suas pernas entrelaçadas com as dele, suas coxas apertando-se nas dele. A mão de Stephen desviou até suas pernas, e ele sorriu quando sentiu sua respiração entrecortada.

— Minha linda e bela esposa. — sussurrou enquanto passava as unhas levemente pelo tendão na parte de trás do joelho. — Oxalá soubesse como te agradar fora do leito. Vem aqui, Laird do clã MacArran.

Ela se apertou contra o corpo dele, procurou seus lábios, então percorreu com a boca seu pescoço. Sua pele era boa, ligeiramente salgada de suor, firme, mas macia. Tocou com a língua sua orelha, e sentiu um arrepio percorrê-lo. Um riso baixo tomou-a.

Empurrou-a para o colchão e deitou-se sobre ela. Ela se arqueou ao encontro dele, erguendo os quadris. Era escocesa e era igual a ele neste momento. Agora não esperava por seus avanços, ia ao seu encontro calmamente, com tanta paixão quanto ele.

Depois permaneceram unidos, como se fossem um só. Bronwyn abriu os olhos sonolentos e viu um cacho aderido à orelha de Stephen. Era o que quisera tocar um momento antes. Moveu a cabeça e beijou aquela mecha, sentindo o cabelo macio nos lábios. Então se afastou, ruborizada. De algum modo este beijo parecia mais íntimo que o ato de amor.

Stephen sorriu com os olhos fechados, mais adormecido do que acordado, e a estreitou contra si deixando-a quase debaixo dele. Bronwyn mal podia respirar, mas não se importou. Não, respirar era a última coisa em que pensava.


Stephen estava de pé na cabana de um dos arrendatários, esquentava as mãos diante do fogo de turfa. Um vento forte soprava lá fora, fazendo necessário o calor das chamas. Tam estava visitando sua irmã, deixando a casa de Bronwyn por alguns dias. O homem mais velho e musculoso sentava no outro extremo da cabana de pedra, com uma rede de pesca estendida sobre os joelhos nus. Trabalhava os nós, suas mãos grandes puxando os fios rústicos.

— Então você quer que eu ajude você a parecer menos idiota. — disse Tam, sério.

Stephen virou-se. Ainda não estava acostumado com a maneira como os escoceses permaneciam sentados ou de pé, de acordo com seus próprios desejos, em sua presença. Possivelmente estava muito habituado a receber o trato devido a um lorde inglês.

— Eu não expressaria deste modo. — replicou. Mas ao recordar a noite da invasão de gado e do combate entre clãs meneou a cabeça. — Na verdade eu fiz papel de tolo. Parecia um idiota, tanto para meus próprios homens quanto para os escoceses. Eu me senti como se estivesse metido em um ataúde de aço, como disse Douglas.

Tam fez uma pequena pausa enquanto apertava um nó.

— Douglas sempre pensou que deveria ter sido um dos homens escolhidos por Jamie para ser marido de Bronwyn. — Riu entre dentes ante a expressão do Stephen. — Não se preocupe moço. Jamie sabia o que fazia. Douglas nasceu para obedecer, não para ser líder. Bronwyn lhe inspira muito respeito. Não poderia ser seu Senhor.

Stephen se pôs a rir.

— Nenhum homem é forte o suficiente para ser seu senhor.

Tam não comentou essa afirmação, mas sorriu para si mesmo. Morag vigiava de perto o casal e passava seu informe para ele, pois Tam queria se assegurar que Bronwyn não corria perigo nas mãos do inglês. Pelo que Morag dizia, Stephen era o único em perigo de... esgotamento.

Por fim levantou a vista.

— A primeira coisa que você deve fazer é se livrar daquela roupa inglesa.

Stephen assentiu, já esperava esse conselho.

— Depois aprenderá a correr, tanto em distância como em velocidade.

— A correr! Mas se um soldado deve manter-se de pé, firme e lutar!

Tam soprou.

— Nossos costumes são outros. Não sabe ainda? Se não estiver disposto a aprender, não poderei te ajudar em nada.

Com um ar resignado, Stephen concordou.

Uma hora depois, começou a desejar que não tivesse concordado. Ele e Tam estavam de pé, no frio vento do outono, e Stephen nunca se sentira tão nu na vida. Em vez da roupa pesada, acolchoada e quente dos ingleses, usava apenas uma camisa fina e um tartan xadrez preso por cinto. Usava meias de lã e botas altas, mas ainda se sentia como se estivesse nu da cintura para baixo.

Tam lhe deu um tapinha no ombro.

— Vamos, moço. Já te acostumará. Com um pouco mais de cabelo, parecerá como nunca um escocês.

— Este país é muito frio para andar por ai com o traseiro nu. — murmurou Stephen, levantando a manta e a camisa para mostrar a nádega nua.

Tam pôs-se a rir.

— Agora já sabe o que usam os escoceses debaixo do tartan. — De repente ficou sério. — Há uma razão para o nosso traje. O tartan xadrez faz com que um homem se confunda por entre as urzes. É fácil de remover, e rápido de colocar. A Escócia é um país úmido, ninguém pode andar com trajes aderentes e molhados contra a pele, morreria de doença pulmonar se o fizesse. A manta é fresca no verão. No inverno, você se manterá quente esfregando os joelhos. — Seus olhos brilharam. — Além disso, permite que o ar circule livremente por todas as partes mais vitais.

— Isso é inegável. — Disse Stephen.

— Ah, agora sim parece um homem! — exclamou Morag, atrás dele. E observou-lhe descaradamente as pernas. — Vestir toda aquela armadura fez você desenvolver os músculos.

Stephen sorriu para ela.

— Se não estivesse casado pensaria em te fazer uma proposta.

— E eu aceitaria. Embora não gostaria de lutar contra Bronwyn por você.

Stephen a olhou com tristeza.

— Ela me entregaria à primeira mulher que me reclamasse, se pudesse.

— Sempre pode lhe esquentar a cama, não? — observou Morag antes de lhe voltar às costas.

Stephen piscou uma vez. A familiaridade dentro de um clã sempre o assustava. Todos pareciam conhecer os assuntos ou segredos dos outros.

— Estamos perdendo tempo. — disse Tam. — Trata de correr até aquele poste lá em baixo.

Stephen pensou que correr seria fácil. Afinal, até as crianças corriam, e ele estava em boas condições. Mas sentiu que seus pulmões estavam prestes a estourar depois de sua primeira corrida. Demorou vários minutos para acalmar seu coração acelerado e recuperar o fôlego. A palpitação do coração soava como se estivesse prestes a quebrar seus tímpanos.

— Toma, bebe um pouco de água. — disse Tam, lhe oferecendo uma caneca. — Agora que recuperou o fôlego, corra outra vez.

Stephen arqueou uma sobrancelha, incrédulo.

— Anda moço. — insistiu Tam. — Eu correrei contigo. Não permitirá que um velho ganhe, ou vai?

Stephen ofegava em busca de ar.

— A última coisa de que o chamaria seria de velho. — E jogou a caneca no chão. — Venha, vamos.


Capítulo Sete

Bronwyn estava sozinha em pé diante da escada que levava ao alto da velha torre. Tinha os olhos secos e ardorosos, quase inchados pelas lágrimas que não derramava. Na mão apertava, firmemente, uma pesada fivela de prata com uma inscrição gravada: “Para Ennis de James MacArran”.

Uma hora atrás, um dos arrendatários trouxera a fivela para ela. Bronwyn lembrou-se quando seu pai tinha dado as fivelas, todas iguais, aos três jovens que ele escolhera para casar com ela e sucedê-lo. Quase fora uma cerimônia. Havia comida e vinho, dança, e muitas, muitas gargalhadas. Todos brincavam com Bronwyn sobre qual homem ela escolheria para seu marido. Bronwyn tinha flertado, rido e fingido que todos eles eram inúteis em comparação com seu pai.

Tinham estado ali, Ian, filho de Tam. Ian era tão alto quanto ela, mas musculoso como seu pai. Ramsey era loiro, de ombros largos, com uma boca que às vezes deixava Bronwyn nervosa. Ennis tinha sarda e olhos verdes, e cantava tão docemente que podia fazer alguém chorar.

Apertou a fivela do cinto até que cortou sua palma. Agora estavam todos mortos. Ian, o forte, Ramsey, o bonito e Ennis, o doce. Todos mortos e enterrados. Assassinados pelos ingleses!

Ela se virou e subiu correndo as escadas até o último andar. Do molho de chaves que levava consigo, pegou uma e destrancou uma porta de carvalho. A porta pesada rangeu em protesto enquanto balançava em suas dobradiças que necessitava azeitar.

Bronwyn acreditava que estava preparada para entrar na sala, mas não estava. Quase esperava que seu pai a olhasse e sorrisse. Não entrava nesta sala desde sua morte. Tinha medo de enfrentar as recordações que ali estavam.

Entrou na sala e olhou em volta. Havia uma manta jogada em uma cadeira, as beiradas desgastadas e esfarrapadas. Armas penduradas nas paredes de pedra: machados, Claymores, arcos. Tocou a parte desgastada do arco favorito de seu pai. Lentamente caminhou até a cadeira perto da única janela na sala. O couro continha à marca do corpo de Jamie.

Bronwyn se sentou na cadeira, a poeira girando em torno dela. Seu pai veio muitas vezes a este quarto para pensar e ficar sozinho. Não permitia que ninguém entrasse nele, exceto ele próprio e seus dois filhos. Bronwyn tinha aprendido manusear uma flecha da aljava de seu pai.

Passeou a vista entre aqueles objetos familiares e amados e sentiu que a cabeça começava a doer. Agora tudo se fora. Seu pai estava morto, seu irmão tinha se afastado dela com ódio em seu coração, e os jovens bonitos entre os quais ela escolheria um, estavam apodrecendo em uma sepultura em algum lugar.

Agora não havia risadas nem amor em Larenston. O rei inglês a tinha casado com um de seus assassinos, e toda felicidade tinha desaparecido.

"Os ingleses!". pensou. Se achavam serem donos do mundo. Detestava o modo como os homens de Stephen guardavam distância dele, o modo como se inclinavam diante dele e o chamava “meu lorde”. Os ingleses eram frios. Ela tentara por centenas de vezes explicar ao marido os costumes escoceses, mas ele era vaidoso demais para escutar.

Ela sorriu para si mesma. Pelo menos seus homens sabiam quem era o Laird. Eles riam de Stephen por suas costas. Durante toda a manhã, ouviu histórias sobre a invasão interrompida da noite anterior. Como Stephen devia ter parecido ridículo, imobilizado em sua absurda armadura!

Um ruído no pátio chamou-lhe a atenção. Aproximou-se da janela para olhar para baixo.

Demorou em reconhecer Stephen. A princípio só viu um homem bem constituído, com aparência excepcional de autoconfiança. A manta pairava junto às pernas dele garbosamente. Por fim, com uma exclamação indignada, percebeu que era Stephen que andava tão arrogante com o traje escocês, como se tivesse algum direito de vesti-lo.

Vários dos homens de Bronwyn estavam no pátio, ela ficou contente em ver que eles não mostravam nenhuma intenção de cumprimentá-lo por seus esforços. Sabiam reconhecer impostores quando viam um.

Mas o sorriso desapareceu de sua face ao ver que, um após o outro, se aproximavam de Stephen. Ela o viu sorrir e dizer algo. Depois levantou por um instante a ponta de sua manta e ecoaram gargalhadas.

Douglas — o seu Douglas! — deu um passo adiante e estendeu o braço. Stephen o agarrou e ambos engancharam tornozelos e antebraços para iniciar uma luta. Um momento depois o escocês estava esparramado na terra.

Desgostosa observou com nojo a cena abaixo. Bronwyn viu que Stephen desafiava todos os homens, um após o outro. Aspirou bruscamente ao ver que a filha de Margaret se adiantava ondulando provocativamente os quadris. A moça levantava a saia para expor seus tornozelos e teve a audácia de mostrar a Stephen alguns passos das danças tradicionais das Highlanders.

Bronwyn se afastou da janela e saiu do quarto, trancando a porta atrás de si. Havia fúria em cada passo que dava pelas escadas.

Ali estava Stephen, com o cabelo revolto, avermelhado pelo exercício ao ar livre. Tinha os olhos brilhantes. Rodeavam-lhe vários de seus homens, algumas pessoas do clã e várias mulheres bonitas. Ele a olhou como um garoto tentando agradar e lhe exibiu a perna.

— Acha que posso passar por escocês? — brincou.

Bronwyn fulminou-o com o olhar, ignorando a perna musculosa.

— Pode enganar alguns deles, mas continua sendo um inglês para mim e sempre o será. Porque mudou suas roupas não significa que tenha mudado por dentro.

Virou-se e se afastou do grupo. Stephen permaneceu imóvel por um momento, com o cenho franzido. Talvez quisesse que esquecessem que era inglês. Possivelmente...

Tam lhe deu uma palmada no ombro.

— Não te aflija tanto.

Stephen notou então que todos os escoceses estavam sorrindo.

— Apesar de tudo ela é uma boa Laird, ela ainda é uma mulher. — Tam continuou. — Sem dúvida, estava furiosa porque você estava dançando com as mulheres.

Stephen tentou sorrir.

— Oxalá fosse assim. Queria que você tivesse razão

— Por que não vai até ela e a acalma?

Stephen começou a responder, depois parou. Não adiantava dizer a Tam que Bronwyn não aceitava nada que se referisse a ele. Seguiu-a pela escada. Bronwyn estava de pé próximo a um tecelão, dando indicações sobre os fios de uma trama para a nova manta xadrez.

— Stephen, — chamou uma das mulheres — como você está bonito.

A bela moça o olhava quase com lascívia. Ele se voltou para lhe sorrir, mas captou o olhar de Bronwyn, que grunhiu para ele antes de sair do quarto. Ele a alcançou no alto da escada.

— O que há de errado com você? Eu pensei que ficaria satisfeita com minhas roupas. Você disse que eu deveria me tornar um escocês.

— Essa roupa não te fará escocês. — replicou ela, lhe voltando às costas.

Stephen a segurou pelo braço.

— O que acontece? Está zangada por alguma outra coisa?

— Que motivos tenho para estar zangada? — perguntou ela, com a voz cheia de sarcasmo. — Estou casada com meu inimigo. Devo...

Stephen colocou os dedos nos lábios dela.

— Algo está incomodando você. — disse em voz baixa.

Observou a expressão dela, mas Bronwyn baixou o olhar para que ele não visse a dor refletida nele. Stephen deslizou as mãos pelos braços da jovem até tocar-lhe os dedos. Ela apertava um objeto com força na mão esquerda.

— O que você tem aqui? — perguntou com suavidade.

Bronwyn tratou de afastar-se, mas Stephen lhe obrigou a abrir a mão e tomou a fivela. Ao ler a inscrição perguntou:

— Alguém te entregou isto hoje?

Ela assentiu em silêncio.

— Pertencia a seu pai.

Bronwyn manteve a vista baixa. Uma vez mais, só pôde assentir com a cabeça.

— Bronwyn, — disse ele com voz grave e profunda — olhe-me. — colocou a mão suavemente sob o queixo dela e ergueu o rosto. — Desculpe. Sinto-o de verdade.

— O que você sabe? — sibilou, soltando-se com uma sacudida. Amaldiçoava-se silenciosamente por quase acreditar nele, por deixar sua voz e sua proximidade afetá-la.

— Sei o que se sente ao perder o pai além da mãe. — respondeu ele, com paciência. — Te asseguro que sofri tanto quanto você.

— Mas não fui eu quem matou a seu pai!

— Tampouco eu matei ao teu. — Respondeu ele com ferocidade. — Ouça-me, apenas uma vez. Ouça-me como um homem, não como um peão político. Nós estamos casados. Está feito e não há como voltar atrás. Poderíamos ser felizes. Eu sei que poderíamos, se você estivesse disposta a conceder uma oportunidade a este matrimônio.

Ela endureceu a cara; seus olhos se voltaram frios.

— Para que você se gabe diante seus homens de ter a uma escocesa comendo em sua mão? Tratará de conquistar a meus homens e a minhas mulheres para seu lado, como fez hoje?

— Conquistar! — repetiu Stephen. — Maldita seja! Passei o dia todo correndo, literalmente, neste clima frio, com as pernas nuas e o traseiro também, só para te agradar e a esses homens com quem se preocupa tanto. — Empurrou-a. — Vá e deite-se com seu ódio. Será sua companhia gelada durante as noites. — Deu as costas e a abandonou.

Bronwyn permaneceu quieta por um instante, antes de descer lentamente as escadas. Queria confiar nele. Ela precisava de um marido em que pudesse confiar. Mas como poderia? O que aconteceria se suas terras fossem atacadas por ingleses? Poderia Stephen lutar contra seu próprio povo? Ela tinha que reconhecer o modo em que reagia a ele. Seria fácil esquecer suas diferenças e sucumbir aos seus toques doces, sua voz rouca. Mas seus sentidos poderiam estar entorpecidos caso precisasse ser cautelosa e alerta. Não podia permitir semelhante coisa. Não arriscaria a vida de sua gente só para disfrutar um momento de lascívia na cama com um homem que bem podia ser um espião.

Sentou-se no pequeno jardim atrás da casa alta de pedra. Não podia confiar nele. Por tudo o que sabia, suas súplicas para que ela acreditasse nele eram meios de usá-la. Sabia que ele tinha irmãos. Talvez os chamasse ao seu lado uma vez que desfizesse as defesas de Bronwyn. Será que se gabaria para seus irmãos que ela faria o que ele quisesse, que para torná-la flexível, só tinha que beijar a parte de trás de seus joelhos?

Bronwyn se levantou e começou a caminhar rapidamente para a beira da península. O mar batia contra as rochas, e se podia ver por quilômetros além as águas cristalinas da enseada. Era uma grande responsabilidade ser o Laird de um clã. Muitas pessoas buscavam a proteção dela e, se necessário, até mesmo para comida. Trabalhou duro para conhecer o seu povo e compreendê-los. Não podia deixar suas defesas caírem nem por um momento. Assim, quando Stephen a acariciava, abraçava-a, era preciso se proteger contra ele, para não permitir que suas emoções dominassem sua cabeça. Se alguma vez soubesse que podia confiar nele, então poderia perguntar o que estava em seu coração.

— Bronwyn... — voltou-se.

— O que se passa Douglas? — perguntou, olhando ao jovem nos olhos. Viu neles a pergunta não formulada que estava nos olhos de todos os seus homens, não sabiam se podiam confiar ou não em Stephen e esperavam sua observação a respeito dele. E ela também seria observada. Se se equivocava com respeito a ele, todos deixariam de lhe ter confiança.

— Recebi notícia de que os MacGregor planejam outra incursão para esta noite.

Bronwyn assentiu, sabendo que Douglas tinha acesso a um informante.

— Já contou isso a mais alguém?

Douglas fez uma pausa e interpretou corretamente os pensamentos de sua Laird: sabia que se referia a Stephen.

— A ninguém. — Ela direcionou o olhar de volta ao mar.

— Esta noite conduzirei a meus homens e juntos ensinaremos aos MacGregor quem é a Laird MacArran. Não voltarei a ser motivo de riso de ninguém.

Douglas sorriu.

— Será um prazer cavalgar outra vez contigo à frente.

Bronwyn se voltou para encará-lo.

— Não revele a ninguém nossos planos. A ninguém! Entendido?

— Sim, eu entendo. — Douglas se retirou.


A longa mesa de jantar estava repleta de comida. Stephen estava, a princípio, desconfiado da abundância, porque o senso de economia de Bronwyn fazia com que estabelecesse uma mesa mais modesta. Durante o jantar sorria para ele, isso o surpreendeu, pois tinha certeza que ela ficaria zangada depois do que acontecera naquela tarde. Mas talvez Bronwyn tivesse escutado suas palavras, talvez estivesse disposta a dar-lhe uma chance.

Recostou-se na cadeira e passou a mão pela coxa dela. Stephen riu quando ela se sobressaltou.

Bronwyn se voltou para ele, seus olhos suaves e quentes, os lábios entreabertos e Stephen sentiu seu corpo inteiro arder. Inclinou-se para ela.

— Este não é o momento e nem o lugar adequado. — ela ponderou, com uma nota de tristeza na voz.

— Me acompanhe ao quarto, então. — Bronwyn sorriu sedutora.

— Dentro de um momento. Não gostaria de provar a nova bebida que eu preparei? É uma mistura de vinho e suco de frutas com um pouco de especiarias — e entregou-lhe uma taça de prata.

Stephen mal notou o que bebia. Bronwyn nunca tinha olhado para ele como estava fazendo agora, e seu sangue estava começando a ferver. Seus pesados cílios baixaram sobre seus olhos azuis, que brilhavam como uma pérola azulada. A ponta de sua língua rosada tocou o lábio inferior de Stephen, que sentiu arrepios percorrer sua espinha. Então era assim que ela agia quando estava disposta!

Colocou a mão dele sobre a dela e teve que controlar-se para não apertá-la com força suficiente para quebrar os dedos.

— Me acompanhe! — sussurrou com voz rouca.

Antes de chegar ao último degrau se sentia sonolento. Quando chegou à porta de seu quarto, mal conseguia manter os olhos abertos.

— Não sei o que me passa. Algo está errado comigo. — sussurrou, fazendo um esforço para pronunciar as palavras.

— Está cansado, nada de mais. — disse Bronwyn, pormenorizada. — Passou quase todo o dia treinando com Tam, que é capaz de esgotar qualquer pessoa. Deixa que te ajude.

Rodeou-lhe a cintura com um braço e levou-o para a cama. Stephen caiu no colchão, com os membros pesados e inúteis.

— Sinto muito, mas...

— Cala-se! — disse Bronwyn sem elevar a voz. — Descansa. Depois de dormir um momento se sentirá melhor.

Stephen não teve escolha senão obedecê-la. Facilmente adormeceu.

Bronwyn esperou um momento, com o cenho franzido. Temia ter posto muito sonífero em sua taça. Ao vê-lo tão quieto teve um ataque de remorsos. Mas era preciso, ela tinha que ter certeza de que ele não interferisse esta noite. Ela precisava demonstrar aos MacGregor que não podiam roubar o gado dos MacArran impunemente.

Deu meia volta para sair do quarto, então olhou por cima do ombro. Com um suspiro, tirou as botas de Stephen. Ele não se mexia; permanecia imóvel, sem olhar para ela, sem pedir nada. Ela se inclinou para lhe acariciar o cabelo e, seguindo um impulso, deu um beijo suave na testa do jovem. Depois se afastou ruborizada, amaldiçoando-se por tanta estupidez. Que lhe importava o inglês?

Seus homens já estavam sobre as selas e esperando por ela. Bronwyn recolheu a saia e pôs o pé no estribo, montando na sela. Os homens não precisavam de comando verbal enquanto a seguiam pelo estreito caminho que levava ao continente.

O informante de Douglas acertara sobre o suposto ataque ao gado. Bronwyn e seus homens cavalgaram a todo galope durante duas horas. Depois abandonaram os cavalos e caminharam sigilosamente pelos bosques escuros.

Bronwyn foi a primeira a ouvir os passos de um homem. Ela ergueu a mão para deter seus homens, então sinalizou para que se espalhassem. Douglas devia permanecer com ela. Os membros do Clã MacArran, em silêncio, deslizaram entre as árvores e rodearam os ladrões de gado.

Quando percebeu, que de fato, os seus homens tiveram tempo de chegar a seus lugares, Bronwyn abriu a boca e deu o grito agudo de guerra dos MacArran, deixando o gado inquieto. Os MacGregor soltaram as cordas que seguravam e desembainharam suas Claymores. Mas era tarde demais, pois os homens de Bronwyn caíram sobre eles. Tinham descartado suas mantas para que tivessem liberdade para lutar somente com suas camisas soltas. Seus selvagens gritos de guerra ecoavam pelo campo. Bronwyn tirou a saia e ficou apenas com sua camisa e manta, que chegava apenas a seus joelhos. Permaneceu de lado para guiar seus homens e não embaraçá-los com sua fragilidade. Nessas horas amaldiçoava sua falta de força.

— Jarl! — gritou, a tempo de evitar que um de seus homens recebesse um golpe de espada na cabeça.

Correu pelo pasto bem a tempo para desviar a um MacGregor que estava preste de saltar contra outro dos seus homens. O raio do luar capturou o flash de um punhal que estava pouco acima da cabeça de Douglas.

Ela viu que Douglas tinha perdido sua arma.

— Douglas! — gritou e então lhe atirou sua arma. O MacGregor atrás dele se virou para encara-la, e naquele instante Douglas o apunhalou nas costelas. O homem caiu lentamente.

O combate pareceu interromper-se imediatamente. Bronwyn, sentindo uma mudança nos homens, olhou para o homem aos seus pés.

— O Laird MacGregor... — sussurrou — morreu?

— Não! — respondeu Douglas — Só está ferido. Voltará a si em um minuto.

Ela olhou em volta. Os outros MacGregor tinham desaparecido por entre as árvores agora que seu Laird estava caído. Ela se ajoelhou ao lado do homem no chão.

— Me dê minha adaga. — ordenou.

Douglas obedeceu sem hesitação.

— Eu quero que o Laird MacGregor se lembre de mim depois desta noite. Como você acha que ele gostaria de ter minha inicial gravada em sua carne?

— Na bochecha, possivelmente? — sugeriu Douglas ávido.

Bronwyn lhe deu um olhar frio, seus olhos tornaram-se prateados pelo luar.

— Não quero provocar mais guerras, a não ser deixar uma lembrança. Além disso, me disseram que o Laird MacGregor é homem bonito. — Abriu a camisa do homem.

— Ultimamente parece se interessar muito pelos homens bonitos. — comentou Douglas, com amargura.

— Talvez seja você que se preocupa com meus homens. É por ciúmes ou por cobiça? Se encarregue de que meus guerreiros estejam bem e deixa de caprichos infantis.

Douglas lhe voltou às costas afastando-se.

Bronwyn ouvira histórias sobre o Laird MacGregor e sabia como ficaria furioso com uma cicatriz feita pela mulher que o derrotara. Com a ponta da adaga perfurou-lhe a pele e gravou um pequeno B em seu ombro. Assim tinha certeza que se lembraria dela na próxima vez que tentasse roubar gado.

Ao terminar correu ao encontro de seus homens e foram em busca dos cavalos. Era uma experiência embriagadora: sua primeira vitória como Laird de seu clã.

— Para a casa de Tam! — gritou quando montou. — Vamos tirá-lo da cama. Ele vai querer ouvir como o Laird MacGregor leva a marca da Laird MacArran.

E se pôs a rir ao pensar na fúria do homem quando visse o presente que lhe tinha deixado.

De repente os céus se abriram e um dilúvio de água fria caiu sobre eles. Todos envolveram as cabeças com as mantas. Bronwyn pensou na saia quente que abandonara no chão. Relâmpagos brilharam e os cavalos saltavam nervosos diante da luz e do som dos trovões.

Cavalgaram de volta a Larenston ao longo da borda do penhasco que dava para o mar. Não era o caminho mais seguro, mas era o mais rápido e eles sabiam que os MacGregor não os perseguiriam por caminhos perigosos e desconhecidos. De repente, um relâmpago estupendo rasgou o céu e atingiu o chão diretamente na frente de Alexander. O cavalo empinou e pisoteou o chão freneticamente com suas patas dianteiras. Um instante depois, o rugido de um trovão ameaçou derrubar as pedras sobre suas cabeças. O cavalo de Alexander mudou de direção, e seus cascos caíram no vazio, pendurados sobre a borda do penhasco. Por um instante, cavalo e cavaleiro ficaram suspensos, metade em terra, metade no ar. Subitamente eles despencaram. Alex saindo da sela do cavalo. Bronwyn foi a primeira a desmontar. A chuva gelada batia contra seu rosto. Suas pernas estavam azuis com frio.

— Ele se foi! — gritou Douglas. — O mar o tem agora.

Bronwyn se esforçou para ver através da escuridão e da chuva o mar abaixo. Um relâmpago lhe mostrou o corpo do cavalo embaixo, imóvel, deitado sobre as rochas. Mas não havia sinal de Alex.

— Vamos! — gritou Douglas — Não pode fazer nada por ele!

Bronwyn se levantou. Era tão alta quanto Douglas e olhou-o nos olhos.

— Vai me dar ordens? — perguntou. E voltou a olhar para a água. — Segure meus tornozelos para que eu possa ver além da borda do penhasco.

Deitou-se de bruços, enquanto Douglas a agarrava pelos tornozelos. Imediatamente outros dois chegaram ao seu lado para firmar seus braços. Outro pôs as mãos nos ombros de Douglas.

Pouco a pouco Bronwyn foi deslizando sobre a beirada, até que pôde ver toda a rocha do despenhadeiro íngreme. Era assustador ficar pendurada sobre a borda, confiando sua vida às mãos fortes que a sustentavam pelo tornozelo. Seu primeiro impulso foi dizer que não viu nada, mas não podia abandonar Alex se houvesse uma chance de que ainda estivesse vivo. Esperou pacientemente pela próxima explosão de claridade dos relâmpagos, então esquadrinhou a área. Lentamente, moveu a cabeça para ver outra parte do penhasco. Sua posição de cabeça para baixo estava deixando-a tonta, e o medo estava fazendo um nó em seu estômago.

Quando ela girou cabeça pela terceira vez que pensou ter visto algo. Pareceu uma eternidade antes que outros relâmpagos iluminassem novamente o precipício. Bronwyn tinha a sensação de que seu pescoço ia quebrar devido a estar de cabeça para baixo.

O raio do relâmpago iluminou e todas suas dores desapareceram de súbito. À sua esquerda, no meio do despenhadeiro, via o brilho familiar da manta vermelha que Alex preferia. Fez um sinal e os homens a ergueram.

— Alex! Ali embaixo! — ofegou, com a boca cheia de água da chuva. Com impaciência passou o antebraço pelos olhos. — Está em uma borda estreita. Vamos amarrem uma corda em torno de mim. Acho que posso chegar até ele.

— Deixa que eu vá. — pediu Francis.

— É muito musculoso, não há espaço suficiente na borda. Tragam uma corda e a levarei no ombro. Entenderam? — Seus gritos eram acompanhados de gestos de mãos?

Os homens assentiram, e quase imediatamente Bronwyn estava enrolando uma corda para colocar ao redor de seu ombro. Entregou uma extremidade a Douglas.

— Quando puxar duas vezes puxe-o para cima. — Em seguida, amarrou outra corda em sua cintura. — Quando Alex estiver seguro, me subam. — Caminhou a beira do penhasco, sem olhar o vazio que se estendia para baixo, fez uma breve pausa.

— Meu sucessor é Tam. — disse, sem se incomodar em acrescentar que ele seria apenas se ela morresse.

A pesada corda lhe cortava a cintura e, embora os homens a descessem tão devagar e cuidadosamente quanto pudessem, seu corpo bateu contra a parede da rocha várias vezes. Seus joelhos e ombros doíam, e ela podia sentir a pele de suas mãos sendo esfoladas enquanto segurava a corda. “Pense em Alex”. — ela pensava e repetia, — ‘Pense em Alex’.

Passou-se muito tempo até que alcançou a estreita saliência. Havia espaço apenas para ela colocar os pés ao lado do corpo musculoso de Alex. Depois de algumas manobras cuidadosas, conseguiu montar sobre os quadris de Alex.

— Alex! — gritou, por sobre a chuva que fustigava.

O jovem abriu lentamente os olhos e olhou Bronwyn como se fosse um anjo descendido a terra.

— Laird! — sussurrou, fechando os olhos. Sua palavra se perdeu na tempestade.

— Maldito seja, Alex, acorde! — vociferou a moça. Ele voltou a abrir os olhos.

— Está ferido? Pode me ajudar com esta corda?

Alex subitamente ficou consciente de onde estava.

— Minha perna está quebrada, mas acho que ainda posso me mover. Como você chegou aqui?

— Não fale! Limite-se a amarrar os nós!

Bronwyn estava em uma posição precária e havia pouco espaço por onde se movimentar. Curvou-se para frente, mantendo as pernas retas, sem mudar os pés de lugar, e juntamente com Alex passou a corda ao redor do corpo dele. Fizeram uma espécie de rede tosca, a corda passando por entre as pernas dele e lhe rodeando as costas.

— Está preparado? — perguntou ela gritando.

— Vá você primeiro. Eu esperarei.

— Não discuta Alex. É uma ordem.

Bronwyn deu dois fortes puxões na corda e sentiu que esta se esticava a medida que os homens puxavam para cima. Franziu o cenho ao ver que Alex se chocava contra a parede do precipício, machucando a perna ainda mais.

Quando ele estava logo acima de sua cabeça, esmagou-se contra a rocha. A chuva golpeou-a. A parede do penhasco era dura e ameaçadora contra suas costas. De repente, sentiu-se muito sozinha... e muito assustada. Sua preocupação com Alex tinha motivado sua coragem precoce, mas agora havia se dissipado. Alex estava seguro, e ela estava sozinha e assustada. Um pensamento cruzou sua mente: que o lugar onde ela desejava estar naquele momento era no colo de Stephen, sentados diante de um fogo, rodeada pelos braços dele.

Checou a corda que lhe rodeava a cintura, esta se tencionou, sem dar-lhe mais tempo para seguir pensando. Mas enquanto se segurava na corda, com as mãos bem apertadas e os pés envoltos em torno dela para aliviar a pressão na cintura, a imagem de Stephen permaneceu em sua mente.

De alguma forma, não foi nenhuma surpresa que quando chegou ao topo do penhasco encontrou Tam e Stephen puxando-a para cima. Stephen estendeu as mãos e agarrou-a por debaixo dos braços para depositá-la em um lugar seguro. Em seguida a estreitou em um abraço que quase a esmagou, mas Bronwyn desfrutou desta pressão, feliz por não estar mais sozinha. Ele a afastou, segurando-lhe o rosto entre as mãos, e estudou-a. Seus olhos estavam escuros e sombreados. Ela queria dizer alguma coisa, que estava feliz em vê-lo, contente por estar novamente segura, mas a expressão de Stephen, não permitia dizer nenhuma palavra.

Abruptamente, ele moveu as mãos pelos braços dela, então começou uma inspeção impessoal ao longo do seu corpo. Jogou-a de volta contra seus braços e passou-lhe as mãos pelas suas pernas, franzindo o cenho ao dar-se conta dos lugares ensanguentados em seus joelhos. Todos os sentimentos suaves que envolviam Bronwyn a deixaram. Como se atrevia a inspecioná-la de tal maneira diante de seus homens?

— Solte- me! — protestou.

Stephen ignorou-a e olhou para Tam, que estava próximo.

— Vários cortes e algumas contusões, mas parece que nada sério.

Tam, que permanecia agachado, levantou-se com um sinal afirmativo e pareceu rejuvenescer dez anos. Bronwyn deu um chute acertando e lutando contra Stephen.

— Se tiver terminado comigo. — disse altiva — eu gostaria de voltar para casa.

Stephen se voltou para olhá-la. Sua expressão era muito clara: estava furioso. Muito furioso. A chuva diminuiu um pouco e o amanhecer iluminava o céu. Ela se sentou e tentou se afastar dele.

— Preciso ver o Alex.

— Alex já está atendido. — falou Stephen, seco, com os dentes cerrados. Sua mão firmemente apertada sobre seu pulso, e quando se levantou, arrastou-a consigo em direção a seu cavalo.

— Exijo que me solte. — repetiu ela, em voz baixa, já que todos os seus homens estavam perto. Stephen se voltou rapidamente e puxou-a para perto de si.

— Se você disser mais uma palavra, vou levantar esse pedaço de camisa que mal cobre seu traseiro, sobre sua cabeça, e irei dar-lhe umas boas palmadas até deixá-lo arroxeado. Alex está a salvo. Mais seguro do que você está no momento, então não me provoque mais. Entendeu?

Bronwyn ergueu o queixo e o fulminou com o olhar. Mas não queria dar motivos para que ele cumprisse a ameaça. Stephen girou e empurrou-a para um cavalo e, sem esperar que ela montasse, levantou-a e colocou-a na sela, com tanta violência que seus dentes se chocaram. Imediatamente ele montou seu cavalo. Segurou as rédeas do cavalo de Bronwyn.

— Você vai me seguir ou devo levar seu cavalo?

Não suportava ser levada como uma criança malcriada.

— Eu vou segui-lo. — disse, com as costas eretas e a cabeça erguida.

Eles cavalgaram afastados dos homens, pelo atalho do penhasco estreito, e Bronwyn não olhava para trás. Sua humilhação era muito grande. Seus homens a respeitavam, obedecendo-a, mas Stephen tentava reduzi-la a uma criança. Rab corria ao lado dos cavalos, seguindo sua dona como sempre fazia.

Cavalgaram por mais de três horas, e Bronwyn sabia que estavam indo para o limite norte de suas propriedades. A paisagem era montanhosa, selvagem, com muitos riachos a atravessar. Stephen manteve um ritmo lento e constante, sem olhar para ela, mas sentindo quando precisava diminuir a velocidade para espera-la.

Bronwyn estava muito cansada. Não tinha comido desde antes de sair da fortaleza, para deter a incursão de gado durante a noite, e agora isso parecia ter sido dias atrás. Estava com tanta fome que seu estômago doía e parecia como se estivesse devorando a si mesmo. A chuva tinha diminuído para uma garoa fria e molhada, e ela estava gelada até os ossos. Tremeu e espirrou algumas vezes. Suas pernas estavam cortadas e machucadas, e não importava de que lado se virasse, a sela tocava um lugar dolorido. Mas preferia morrer a pedir a Stephen para parar e descansar.

Por volta do meio-dia se detiveram; Bronwyn não pôde evitar um suspiro de alívio. Antes que pudesse desmontar, ele estava ao seu lado, descendo-a da sela. Ela estava muito cansada, faminta e com frio para recordar sequer o ocorrido durante a noite.

Stephen a pôs de pé no chão e se afastou. Era evidente que sua irritação não tinha desaparecido. Quando ele olhou para trás, ela viu sua raiva brilhando em seus olhos.

— Por quê? — perguntou. A maneira que Stephen pronunciou a palavra demonstrava até que ponto se continha para não esbofeteá-la. — Por que me drogou?

Ela tratou de manter os ombros erguidos.

— Os MacGregor estavam planejando outra incursão. Tinha que proteger a propriedade de minha gente.

Ele a olhou com olhos frios e duros.

— Ninguém nunca te disse que é dever de um homem liderar um combate?

Ela encolheu os ombros.

— Isso é o que ensinam na Inglaterra. Na Escócia somos diferentes. Desde os sete anos me ensinaram e a meu irmão, a montar a cavalo e usar uma espada em caso de necessidade.

— E como você não me acreditava capaz de conduzir aos homens, tirou a roupa, — olhou com zombaria a curta saia que a cobria — e os guiou pessoalmente. Você me considera tão pouco homem que se acha melhor que um?

— Ser mais homem ou menos homem! — exclamou ela com nojo dando de ombro. — Isso é tudo pelo que você se interessa. Na última invasão você foi de armadura. Sabe que os MacGregor riram de mim? Disseram que os MacArran tinham uma mulher como Laird e uma coluna de aço como líder. Bom, ontem à noite fiz com que parassem de rir. Gravei um B no ombro do Laird MacGregor.

— Você o que fez? — resmungou Stephen.

— Ouviu o que eu disse! — replicou ela, arrogante.

— Oh, por Deus! — disse passando uma mão pelo cabelo molhado. — Você não entende nada sobre o orgulho de um homem? Levará a vida inteira a marca de uma mulher. Odiará a você e a seu clã.

— Equivoca-te! Além disso, os MacGregor e os MacArran sempre se odiaram.

— A julgar pelo que vejo não é assim. Vocês parecem se provocar uns aos outros. Isto é mais um jogo que uma verdadeira guerra.

— O que sabe você disto? Nada. É inglês — replicou ela, enquanto começava a desencilhar o cavalo.

Ele a deteve com uma mão.

— Quero sua palavra de que não voltará a me drogar.

Ela se afastou bruscamente do seu toque.

— Há momentos em que...

Stephen a agarrou pelos ombros e virou-a para encará-lo.

— Nunca haverá um momento em que você possa controlar minha vida, assim como minha razão O que teria acontecido se houvesse problemas e eu fosse necessário? Estava dormindo tão profundamente que alguém poderia ter derrubado o castelo e eu não acordaria. Não posso viver com alguém que não posso confiar, quero sua promessa.

Bronwyn deu um pequeno sorriso.

— Não posso dá-la.

Stephen a empurrou para longe dele.

— Não colocarei meus homens em perigo por causa dos caprichos de uma garota idiota. — disse em voz baixa.

— Garota! Idiota! Sou a Laird MacArran. Conto com centenas de homens e mulheres que me obedecem e me respeitam.

— E deixam você fazer sua vontade com muita frequência. É inteligente e tem discernimento, mas precisa de experiência para liderar homens em combate. Eu me encarregarei disso.

— Meus homens não lhe seguirão.

— Seguirão, contanto que eu esteja acordado o suficientemente para dar as ordens. — Encarou-a, quando não recebeu resposta. — Pedi sua palavra, agora vou tomar pela força. Se me drogar novamente tirarei esse cão de você.

Bronwyn ficou boquiaberta de estupefação.

— Rab voltará sempre para mim.

— Não, se ele estiver a vários metros abaixo do chão, não poderá fazê-lo.

Ela demorou em captar o sentido dessas palavras.

— Seria capaz de matá-lo? O mataria para conseguir o que deseja?

— Mataria cem cães, cem cavalos para salvar um só homem, sejam os seus ou os meus. Suas vidas estarão em perigo se eu não estiver lá para protegê-los e eu não posso passar a vida pensando que minha própria esposa decidirá se me quer consciente ou adormecido em uma noite qualquer. Expliquei claramente?

— Com muita claridade. Teria prazer matando a meu cão, sem dúvida. Depois de tudo, tirou quase tudo de mim.

Stephen deu-lhe um olhar de exasperação.

— Pelo visto, você só enxerga o que quer ver. Apenas lembre que se você ama esse animal, pensará duas vezes antes de voltar a pôr drogas ou qualquer outra coisa em minha comida.

De repente era demais para Bronwyn. Aquela longa noite chuvosa, o horror de descer por um precipício e a ideia de perder Rab foram demais para ela. Caiu de joelhos no chão encharcado e Rab veio até ela, ficando ao seu lado. Ela abraçou o enorme cão e escondeu o rosto na áspera pelagem molhada.

— Sim, amo-o! — sussurrou. — Vocês, ingleses, me tiraram tudo e você poderia me tirar Rab também. Mataram meu pai e seus três homens de confiança. Mataram todas as minhas possibilidades de ser feliz com um marido que eu pudesse amar. — Levantou a cabeça, com os olhos cheios de lágrimas contidas. — Por que não tira Rab e Tam também? Aproveita e queima minha casa.

Stephen, meneando a cabeça, ofereceu-lhe a mão.

— Está cansada e faminta. Não sabe o que está dizendo.

Ela se levantou sem aceitar seu apoio. De repente Stephen a atraiu para seus braços sem reparar em suas tentativas para se afastar.

— Não te ocorreu pensar que poderia me amar? Se me amasse economizaríamos muitas rixas.

— Como amar a um homem que não posso confiar? — replicou ela, com simplicidade.

Stephen não disse uma palavra, mas a reteve contra si, apoiando a bochecha contra o cabelo molhado de Bronwyn.

— Vamos, — ele disse depois de um tempo — vai chover outra vez e faltam vários quilômetros para chegarmos a um abrigo.

Soltou-a sem voltar a olha-la. Bronwyn teve a passageira ideia de que ele estava triste, mas a descartou imediatamente e montou seu cavalo.


Capítulo Oito

Começava a cair à tarde quando Stephen se deteve frente a uma velha casa de pedra. A parte traseira da cabana terminava ao lado de uma pequena colina; o teto estava coberto por turfa. Tinha recomeçado a chover, justo quando as roupas de Bronwyn começavam a secar.

Ela freou seu cavalo, mas sem desmontar. Estava cansada demais para se mover. Stephen a agarrou pela cintura e praticamente a arrastou ao chão.

— Tem fome? — murmurou, um segundo antes de toma-la nos braços para levá-la ao interior da cabana. A sala de chão de terra batida estava aquecida por um fogo de turfa. Contra a parede havia um banquinho. Stephen a depositou ali.

— Fique aqui enquanto cuido dos cavalos.

Ela estava tão cansada que mal notou quando ele voltou.

— Não fala sempre que os escoceses são gente forte? — brincou ele. Pôs-se a rir ao ver que ela erguia as costas, embora exausta, em vez de continuar apoiada contra a parede. — Venha aqui e veja o que eu tenho.

Abriu uma arca recostada contra uma parede e começou a retirar comida. Havia uma panela quente, cheia de um ensopado de cheiro celestial. Um pão escuro e grosso veio em seguida. Havia peixe e sopa, frutas e verduras.

Bronwyn se sentia como em meio de um sonho. Pouco a pouco abandonou o banquinho para aproximar-se de Stephen. Olhou com apetite cada um dos pratos e lhe seguiu com o olhar vendo como ele depositava a comida. Quando ela pegou um suculento pedaço de carne de porco assado, Stephen puxou o prato para longe dela.

— Há um preço para tudo isso. — disse em voz baixa.

Ela se apartou, com o olhar gélido. Começou a se erguer. Stephen depositou o prato no banquinho.

— Toma! — disse, segurando-a pelos ombros — Não tem senso de humor?

— Quando se trata de um inglês assassino, não. — Replicou ela, rígida.

Ele a atraiu para si.

— Ao menos seja coerente com suas ideias. — Afastou-a um pouco para lhe acariciar a bochecha com o dorso da mão. — O que você acha que eu iria cobrar pela comida?

— Quererá que meus homens e eu lhe juremos fidelidade e que lutemos por você, embora nos obrigue a lutar contra nosso próprio povo. — disse com uma voz sem inflexões.

— Bom Deus! — exclamou Stephen. — Que monstro deve pensar que eu sou? — Olhou-a por um instante com o cenho franzido, logo sorriu. — O custo será muito maior, um beijo, dado por vontade própria. Um beijo que eu não deva arrebatar pela força.

A primeira reação de Bronwyn foi dizer-lhe o que ele poderia fazer com sua comida e seus beijos, em gaélico, é claro, mas tinha certeza de que ele entenderia. Então se interrompeu. Acima de tudo, os escoceses eram práticos. Não podia desperdiçar toda aquela comida.

— Está bem, — sussurrou — te darei um beijo.

Bronwyn inclinou-se para frente, de joelhos, e tocou os lábios de Stephen com os seus. Ele moveu os braços para abraçá-la, mas ela empurrou os braços dele.

— Isto é coisa minha! Meu! — disse possessivamente.

Stephen, sorridente, reclinou-se para trás, apoiado nos cotovelos, e deixou fazer sua vontade.

Os lábios de Bronwyn brincavam com os seus suavemente, tocando-os, provando-os, provocando-os, movendo-se sobre eles. Ela usava os dentes e a ponta da língua para lhe explorar a boca.

Afastou-se o suficiente para olhar para Stephen. Estava chovendo lá fora, e o som suave da água caindo ao solo os fazia sentir-se isolados e especialmente sozinhos. O dourado macio das chamas cintilantes lançavam sombras suaves no belo rosto de Stephen, que tinha os olhos fechados e os lábios ligeiramente afastados, Bronwyn podia sentir seu coração bater com força. Era sua imaginação ou esse homem parecia mais bonito desde a primeira vez que o vira? De repente lhe parecia à perfeição viril.

Mas ele ficou quieto, esperando silenciosamente. Não havia nenhum sinal da excitação que ela estava sentindo. “Nenhum senso de humor!” — Ela pensou e sorriu. — “Vamos ver quanto humor você tem, inglês!”

Stephen abriu os olhos por um instante, no momento em que os lábios de Bronwyn descerem sobre os seus de novo. Desta vez, o beijo não era doce ou gentil, mas com fome. Ela mordeu seus lábios, sugando-os.

Stephen perdeu sua tranquila pose de relaxamento e caiu contra o chão duro. Suas mãos se fecharam ao redor da cintura de Bronwyn, atraindo-a para si. Ela soltou um riso gutural e novamente afastou suas mãos. Obedientemente, deixou-as cair ao seu lado.

Bronwyn afastou a cabeça, os lábios ainda colados aos de Stephen, e ele seguiu seu movimento. Com uma mão atrás da cabeça e os dedos enroscados nos cabelos dele, procurou com a outra mão o joelho de Stephen. Quando começou a movê-lo lentamente para cima, todo o corpo de seu marido estremeceu: vestia o traje escocês e estava nu sob a camisa e a manta. Lentamente, polegada a polegada, ela acariciava a parte interna da coxa. Quando ela o tocou entre as pernas, os olhos de Stephen abriram-se e no momento seguinte tinha deitado Bronwyn de costas com uma perna cruzada sobre ela.

— Não! — protestou ela, empurrando-o. — Um beijo, esse foi o seu preço. — Estava respirando com tanta força que mal podia falar, como se tivesse corrido por quilômetros.

Stephen demorou em recuperar o sentido. Olhava-a com bastante estupidez. Bronwyn permanecia com as mãos contra o peito do marido.

— Prometeu-me que eu poderia comer se te desse um beijo. Eu acredito que o fiz. — Aduziu com toda seriedade.

— Bronwyn! — balbuciou Stephen, como se fosse um homem moribundo.

Ela sorriu com alegria, lhe aplicou um empurrão e se afastou para longe dele.

— Não se poderá dizer que os escoceses não respeitam a palavra dada.

Stephen, com um grunhido queixoso, fechou os olhos um momento.

— Devo ter envelhecido vinte anos desde que te conheci. Me droga pela noite, depois escala e fica pendurada em um precipício, e agora tenta me liquidar, torturando-me. O que mais posso esperar? O cavalete ou você prefere a tortura da água?

Ela riu dele e entregou-lhe um pedaço suculento de porco assado. Já estava comendo, com os lábios vermelhos pelo beijo e brilhantes de gordura. Ela se apoderou de um pedaço de bolo de carne assim que Stephen pegou o porco.

— Como você chegou a este lugar? Quem trouxe a comida? Como você soube do despenhadeiro?

Foi a vez de Stephen rir. Começou a comer, mas sem o entusiasmo de Bronwyn. Ainda não se recuperara das sensações causadas pela mão de Bronwyn entre suas pernas. Tam tinha tido mais do que razão sobre as vantagens do traje escocês.

— Douglas foi em busca de Tam. — disse, disse depois de um momento e em seguida franziu o cenho. — Desejo ensinar seus homens a recorrer a mim. — Disse aborrecido. — Sempre me informo de tudo através de outras pessoas.

Bronwyn tinha as mãos e a boca cheias de comida.

— Douglas estava meramente sendo um filho obediente.

— Que filho? Do que está falando? — Ela piscou para ele.

— Douglas é filho da Tam.

— Mas o filho de Tam não morreu?

Ela pegou um pedaço de pão negro e passava manteiga, enquanto dava-lhe um olhar de desgosto.

— Pode-se ter mais de um filho varão, sabe? Segundo meu pai, Tam estava tratando de criar um clã próprio. Tem doze filhos varões, nada menos, quer dizer, assim era antes que vocês, ingleses, matassem a um.

Stephen levantou uma mão em gesto de defesa.

— Quem são eles?

— Douglas, Alex, Jarl e Francis são mais velhos. Depois há alguns garotos, jovens demais para o combate. E sua nova esposa vai dar à luz a outro qualquer dia destes.

Stephen riu entre dentes, recordando que aos calados se deveriam vigiar.

— Você não respondeu minhas perguntas. — falou Bronwyn, sem deixar de comer. — E por que me trouxeste até aqui?

— Eu pensei que a cavalgada poderia esfriar meu temperamento um pouco e eu não queria que seus homens interferissem. — Ele respondeu, antes de passar às outras perguntas. — Tam tentou me acordar, mas não conseguiu. — Bronwyn ignorou o olhar acusador de Stephen. — Depois Morag me fez engolir uma beberagem asquerosa, que quase me matou. Antes que eu pudesse me recuperar completamente já estávamos a cavalo, galopando pelo atalho do penhasco. Chegamos quando Alex estava sendo puxado para cima. — Stephen deixou a coxa de frango que comia e olhou para ela. — Por que você desceu pelo penhasco? Por que diabos seus homens não a impediram de fazer isso?

Ela deixou o pãozinho que acabava de morder.

— Será que alguma vez entenderá? Eu sou a Laird MacArran. Sou eu quem rejeita ou permite. Meus homens seguem minhas ordens, não eu as suas.

Stephen se levantou para colocar mais turfa no fogo. Sua educação inglesa estava em conflito dentro de si.

— Mas você não é forte. E se Alex estivesse inconsciente e não pudesse te ajudar, você não tem músculos para levantar o peso morto de um homem.

Bronwyn se mostrou paciente, percebendo que ele tentava compreender.

— Desci o penhasco porque sou pequena. Na saliência havia pouco espaço, eu podia me mover ali com mais facilidade que um homem musculoso e grande. Quanto a levantar Alex, não poderia elevá-lo de corpo inteiro, mas sim, passar uma corda sob seu corpo para que ele pudesse ser puxado para cima. Se tivesse percebido que Alex tinha mais possibilidades de salvar-se com a ajuda de outra pessoa, não vacilaria em enviar alguém. Sempre trato de fazer o que for melhor para o meu povo.

— Maldição! — disse Stephen, com ferocidade. De repente a ergueu de um puxão. — Não gosto de ouvir palavras sábias de uma mulher.

Ela piscou, mas tanta franqueza acabou por fazê-la sorrir.

— Não conhece algum bom chefe que use a cabeça em vez dos músculos?

Ele olhou-a fixamente. Depois a apertou entre seus braços, sua mão enterrada em seu cabelo.

— Estava tão furioso. — sussurrou. — Eu não acreditei nos seus homens quando eles me disseram onde você estava. Acredito que não respirei até comprovar que estava bem.

Ela ergueu a cabeça e olhou para ele, examinando sua expressão.

— Se eu tivesse morrido, não duvido que Tam teria entregue algumas das minhas propriedades a você.

— Propriedades! — exclamou ele. E voltou a apertar a cabeça dela contra seu ombro. — Às vezes é estúpida. Deveria te castigar por este insulto. — Ele não a deixava se mexer quando tentava. — Vou atrasar seu jantar. — disse, com voz rouca, enquanto levantava seu rosto para beijá-la com ânsia. Riu pelos seus lábios engordurados. — Hum, acho que precisa de boas maneiras. — lhe disse e se calou, porque ela deslizava os braços ao redor de seu pescoço.

A paixão se renovou em segundos. Ao relembrar os acontecimentos desta manhã e o medo que sentira por ela, suspensa no penhasco, beijou-a com desespero. Segurou o rosto dela entre as mãos, a língua sugando o doce néctar de sua boca. Depois a elevou nos braços para depositá-la junto ao fogo. Passou a despi-la, desabotoou seu cinto, beijou seu ventre. Deslizou sua manta por seus quadris, depois beijou suas pernas, todo o comprimento dourado delas.

— Vem para mim! — sussurrou Bronwyn.

Mas era sua vez de ser o torturador. Ele afastou suas mãos suplicantes, começou a desabotoar sua camisa. Beijou cada pedacinho de pele que estava descoberto e sorriu quando ela arqueou em direção a ele. Fazia calor no quarto, mas o contato da pele quente criava um inferno.

Ele riu quando ela puxou seu cabelo, exigindo que ele viesse para ela. Ele balançou a cabeça vigorosamente, o rosto enterrado em seus seios, o que fez com que suas mãos caíssem, soltando os cabelos de Stephen. Ele se sentou sobre seus calcanhares e olhou para ela. Seu corpo era tão bonito.

Ela abriu os olhos para olhar para ele e se perguntou o que ele estava pensando. Ela observou como ele despiu suas roupas e se deitou ao lado dela. Ela ofegou quando sua pele tocou a dela.

— Stephen! — sussurrou ela. E a palavra soou quase como uma carícia.

— Sim! — murmurou ele, abraçando-a.

Apesar de sua paixão, o ato de amor era lento. Eles tomaram seu tempo um com o outro. Bronwyn empurrou Stephen para trás e se sentou sobre ele para comandar os movimentos rítmicos da paixão. Então, à medida que o desejo de ambos aumentava, cada vez mais rápido, Stephen empurrava Bronwyn para cima e para baixo, se enterrando na profundidade dela. Ao sentir o clímax se aproximar, Stephen rolou Bronwyn para o chão, deitando-a de costa, para os últimos golpes profundos e duros.

Fraco, ele desabou sobre ela, seus lábios contra seu pescoço. Em poucos minutos ambos adormeceram.


Stephen passou duas semanas aprendendo e treinando com os homens de Bronwyn. Aquela desastrosa incursão de gado lhe mostrou a necessidade de aprender a lutar da maneira escocesa. Ele aprendeu a correr, a usar a pesada espada escocesa: Claymore. Já sabia pôr e tirar a manta em segundos. Suas pernas se tornaram curtidas e douradas do sol, e ele nem se importou com o frio quando as primeiras neves chegaram, pois não sentira a diferença.

Quanto a Bronwyn, observava-o com desconfiança, apenas relaxando sua guarda à noite quando estava em seus braços. Stephen mudara tanto nas últimas semanas que parecia que havia se passado um longo tempo desde o roubo de gado em que Bronwyn gravara sua inicial no ombro do inimigo. O primeiro sinal que Lachlan MacGregor deu de sua cólera foi o incêndio das casas de três arrendatários ao norte da propriedade.

— Houve algum ferido? — perguntou Bronwyn com voz débil, ao inteirar-se da notícia.

Tam apontou para um jovem que permanecia de pé entre as ruínas Ele se virou e em sua bochecha havia um L gravado a fogo. Bronwyn levou a mão à boca, horrorizada.

— O Laird MacGregor disse que marcaria todo o clã. Disse que esteve a ponto de morrer pela infecção da ferida que você lhe deu. — continuou Tam.

Bronwyn deu-lhe as costas e se encaminhou para seu cavalo. Stephen a deteve.

— Não se preocupe: não vou espicaçá-la por isso. — disse secamente, ao ver a expressão dela. — Talvez você tenha aprendido alguma coisa com isso, agora é minha vez de resolver o assunto.

— O que está planejando fazer? — perguntou ela.

— Vou tentar me encontrar com o Laird MacGregor e resolver isso de uma vez por todas.

— Encontrar-se com ele! — exclamou a moça. — Te matará! Odeia os ingleses mais do que eu.

— Isso é impossível. — assegurou sarcástico. Montou o cavalo e se afastou das ruínas fumegantes das casas.

Uma hora depois Chris se declarava de acordo com Bronwyn. Os dois homens, tão parecidos ao chegar a Escócia, agora eram muito diferentes na aparência. Chris ainda se vestia segundo o costume inglês: jaqueta grossa de veludo forrada de visom, calções de cetim e meias apertadas de lã. Mas Stephen mudara por completo; até sua pele tinha escurecido. O cabelo, mais longo, se enroscava ao redor das orelhas de uma maneira muito atraente. Suas pernas estavam mais musculosas que nunca pelas corridas diárias com os escoceses.

— Ela tem razão. — Observou Chris. — Você não pode bater à porta do Laird MacGregor pedindo para falar com ele. Ouvi algumas histórias sobre suas façanhas. Teria sorte se ele se limitasse a matar você imediatamente.

— E o que posso fazer? Ficar sentado enquanto incendiam as cabanas e marcam a fogo a minha gente?

Chris lhe olhou fixamente.

— Sua gente? — repetiu, em voz baixa. — Quando você se tornou escocês?

Stephen, sorriu, passou-se uma mão pelo cabelo.

— São pessoas de valor, e eu ficaria orgulhoso de ser um deles. Foi apenas o temperamento de Bronwyn que causou essa confusão. Tenho certeza que pode ser corrigido.

— Você sabia que essa disputa tem acontecido há centenas de anos? Cada um desses clãs está em guerra com o outro, é um lugar bárbaro!

Stephen apenas sorriu para seu amigo. Há alguns meses ele teria dito a mesma coisa.

— Entre e tomemos uma bebida. Ontem recebi uma carta de Gavin e ele quer que eu leve Bronwyn para casa no Natal.

— E ela quererá ir?

Stephen pôs-se a rir.

— Irá, quer queira ou não. E você virá conosco?

— Eu adoraria. Já não suporto mais este frio. Não entendo como você consegue andar por aí seminu.

— Deveria fazer um intento Chris. Dá ao homem uma grande liberdade.

Chris soprou:

— A liberdade de congelar minhas partes delicadas não é exatamente o que desejo. Talvez você possa me dizer onde se pode caçar um pouco. Eu gostaria de pegar alguns de seus homens e os meus e ver se conseguimos um cervo.

— Só se prometer levar também alguns homens de Bronwyn.

Chris emitiu um leve suspiro de zombaria.

— Não sei se devo me sentir insultado com isso ou não. — Mas se interrompeu ante a expressão de Stephen. — Tudo bem, eu vou fazer o que você diz. Se houver algum problema, acho que seria melhor se tivesse alguns de seus homens de pernas nuas perto de mim. — Deu uma palmada no ombro de seu amigo, acrescentando. — Amanhã nos reuniremos para comer carne fresca.

Stephen não voltou a ver Chris com vida.

O sol de inverno estava se pondo quando quatro homens de Bronwyn atravessaram os portões da entrada estreita da península. Suas roupas estavam rasgadas e ensanguentadas. Um homem tinha um corte longo e irregular em sua bochecha.

Stephen estava no campo de treinamento, ouvindo Tam ensiná-lo a usar o machado escocês. Bronwyn os observava a certa distância.

Tam foi o primeiro a ver os homens esfarrapados e feridos. Soltou o machado e se adiantou a toda carreira, seguido de perto por Stephen e Bronwyn.

— O que foi isso, Francis? — exclamou, arrancando o jovem de seu cavalo.

— Os MacGregor! — foi a resposta. — O grupo de caça foi atacado.

Stephen estava em seu cavalo antes que Francis tivesse desmontado. O moço levantou a vista para ele.

— Três quilômetros mais à frente do lago, pela rota Oeste.

Stephen fez um sinal afirmativo e partiu sem reparar que Bronwyn e Tam tentavam acompanhá-lo.

O sol poente brilhava na armadura de Chris, que jazia imóvel no frio solo escocês. Stephen desmontou de um salto e se ajoelhou junto ao amigo para retirar o elmo com ternura. Não desviou o olhar do cadáver do amigo ao ouvir a voz de um dos homens de Chris sobre o ombro.

— Lorde Chris queria demonstrar aos escoceses como nós, os ingleses lutamos. — disse o homem. — Vestiu sua armadura e planejou encontrar-se com o Laird MacGregor cara a cara.

Stephen contemplava aquela silhueta silenciosa. Sabia que a armadura pesada imobilizara seu amigo, permitindo que um MacGregor o cortasse à vontade. Havia locais desprotegidos pela armadura e agora havia vestígios de pancadas e mutilações no aço.

— Eles tentaram salvá-lo.

Pela primeira vez Stephen notou os três escoceses que jaziam junto a Chris. Seus corpos, fortes e jovens, estavam ensanguentados e deformados.

Stephen sentiu que a ira se enchia dentro do peito. Seu amigo! Seu amigo tinha morrido. Ficou de pé e agarrou Bronwyn, pondo-a de frente aos quatro cadáveres.

— Olhe o que conseguiste com sua inconsequência! Olha-os! Conhece-os?

— Sim! — sussurrou ela, enquanto os fitava. Conhecera esses jovens a vida inteira, por toda suas curtas vidas. Desviou o olhar. Stephen lhe pôs as mãos nos seus cabelos, puxando sua cabeça dolorosamente para trás, obrigando-a a olhá-los outra vez.

— Recorda o som de suas vozes? Ouve ainda suas gargalhadas? Eles têm família? — Moveu-lhe a cabeça para que olhasse Chris. — Chris e eu crescemos e fomos educados juntos. Passamos juntos toda a infância.

— Me deixar ir! — pediu ela, desesperada. Stephen a soltou abruptamente.

— Você me drogou para levar seus homens em uma incursão e gravou sua inicial no Laird MacGregor. Ações estúpidas, infantis e agora pagamos por seus atos, não é?

Ela tentou manter a cabeça erguida. Resistia em acreditar que ele tivesse razão. Douglas ergueu sua Claymore. Chegara ao local seguindo Bronwyn e o pai.

— Devemos vingá-los. — disse, em voz alta. — Nós devemos cavalgar agora e lutar contra o MacGregor.

— Sim! — gritou Bronwyn. — Devemos atacar agora mesmo!

Stephen deu um passo adiante e afundou o punho na cara de Douglas. Ele pegou o Claymore pouco antes de Douglas caísse.

— Ouçam-me e me ouçam bem. — disse Stephen com voz calma, mas audível para todos os homens. — Isto será resolvido, mas não com mais sangue sendo derramado. Esta é uma rivalidade inútil, e eu não vou retaliar pela espada, para extrair mais sangue, com vingança. Mais mortes não vão trazer esses homens de volta. — Ele gesticulou para os quatro cadáveres aos seus pés.

— É um covarde. — disse Douglas, enquanto se levantava, esfregando a mandíbula dolorida.

Antes que Stephen pudesse responder, Tam se aproximou de seu filho. Em sua mão estava uma adaga. Ele a segurava apontando para as costelas do filho.

— Pode estar em desacordo com ele, mas não lhe chamará de covarde. — pronunciou com sua voz grave e ressonante. Douglas enfrentou o olhar de seu pai. Por fim fez um gesto afirmativo e se voltou para Stephen.

— Estamos dispostos a segui-lo. — disse, por fim.

— A segui-lo! — gritou Bronwyn. — A Laird MacArran sou eu. Esquecem que ele é inglês?

Tam respondeu por seu filho.

— Não acredito que tenhamos esquecido isso, tanto quanto aprendemos. — Disse calmamente.

Bronwyn não perguntou o que tinham aprendido. Limitou-se a olhá-los na cara. Ela olhou para o rosto de um homem após o outro, e viu que estavam mudando em relação a ela. Teria sido de forma gradual, ou eles também a culpavam pelas mortes daqueles homens? Retrocedeu um passo, sentindo que devia levantar as mãos para se proteger.

— Não! — sussurrou antes de se virar e correr para o cavalo.

Partiu sem se importar aonde ia ou a distância que percorria. As lágrimas turvavam tanto sua visão que mal distinguia o caminho. Cavalgou vários quilômetros, através de colinas e lagos. Nem sequer percebeu que deixara as terras dos MacArran.

— Bronwyn! — gritou alguém, a suas costas.

A princípio, só estimulou seu cavalo a ir mais rápido, afastando-se para longe daquela voz familiar. Só quando o teve ao seu lado reconheceu seu irmão.

— Davey! — sussurrou, puxando as rédeas com brutalidade. O moço lhe sorriu. Era tão alto como Bronwyn, e tinha o cabelo negro de seu pai, mas herdou os olhos pardos maternos. Estava mais magro do que Bronwyn recordava, em seus olhos parecia arder um selvagem fulgor interior.

— Esteve chorando. — observou. — Pelos homens que morreram pelas mãos dos MacGregor?

— Você sabia? — perguntou ela secando as lágrimas com o dorso da mão.

— Ainda é meu clã, apesar do que papai disse. — Por um momento a expressão do moço ficou dura e fria, imediatamente mudou. — Fazia muito tempo que não te via, sente-se comigo e deixe descansar seu cavalo.

De repente seu irmão parecia um velho amigo e Bronwyn se esforçou para lembrar a última vez que o vira: a noite em que James MacArran lhe nomeara sucessora e próxima Laird. Foi um anúncio inesperado e, portanto, doloroso. Todo o clã se reunira e esperava pela proclamação que Davey seria o próximo Laird. James MacArran sempre foi honesto consigo mesmo e especialmente com seus filhos. Ele falou para o clã sobre as qualidades e tendências de seus filhos. Disse que Davey gostava muito de guerrear, que ele se importava mais com a batalha do que com a proteção de seu clã. Disse que Bronwyn tinha o temperamento impulsivo e frequentemente agia antes de pensar. Os dois filhos se sentiram humilhados ante as queixas do pai. Jamie continuou dizendo que Bronwyn podia ser controlada se tivesse um marido ponderado como Ian, Ramsey ou Ennis. Mesmo depois dessa declaração ninguém adivinhou o que Jamie tinha em mente. Quando ele anunciou Bronwyn sua sucessora desde que ela desposasse um dos jovens que ele havia citado, o salão ficara em silêncio. Em seguida, um a um, ergueram os copos para saudá-la. Davey levou alguns minutos para compreender o que estava acontecendo. Quando entendeu, montou e amaldiçoou o pai, chamou- o de traidor e declarou que não era mais seu filho. Chamou os homens que quisessem segui-lo, para deixar o clã para sempre. Doze jovens seguiram Davey naquela noite. Bronwyn não tinha visto seu irmão desde aquela noite. Desde então vários homens foram mortos, incluindo seu pai; ela desposara um inglês. De repente tudo o que Davey dissera há tanto tempo parecia sem importância. Desmontou do cavalo para lhe abraçar.

— Oh, Davey, tudo deu tão errado! — exclamou.

— O inglês?

Ela assentiu contra o ombro ossudo do irmão

— Ele mudou tudo. Hoje meus homens olharam para mim como se eu fosse a intrusa. Eu vi nos olhos deles que pensavam que ele estava certo e eu, errada.

— Quer dizer que ele está virando os homens contra você? - Davey exclamou, afastando-se dela. — Como podem ser tão cegos? Ele tem que ser muito bom ator para fazê-los esquecer da horrível morte de nosso pai. Não têm em conta que foram os ingleses quem mataram ao Laird MacArran? E também ao Ian? Acaso até mesmo Tam esqueceu a morte de seu filho?

— Não sei. — Disse Bronwyn sentando-se em um tronco caído. — Todos os homens parecem confiar nele. Ele se veste como escocês e treina com meus homens. Até mesmo passa o tempo com os arrendatários. Eu os vejo juntos, rindo, e sei que gostam dele.

— Mas o que ele tem feito para ganhar essa confiança, além de beijar as crianças?

Ela colocou as mãos nas têmporas. Tudo o que podia ver eram os quatro corpos mortos no chão. Teria causado suas mortes?

— Tampouco tem feito algo para que desconfiem dele.

Davey soprou.

— É obvio, cuidará muito bem para que não desconfiem. Esperará até que obtenha a confiança de todos antes de trazer para cá os ingleses.

— Que ingleses? Do que falas?

— Não te dá conta? — protestou Davey, com grande paciência. — Diga-me, ele está planejando voltar para a Inglaterra em breve?

— Sim. — reconheceu, surpreendida. — Acredito que está planejando uma visita à Inglaterra comigo, dentro de algumas semanas.

— E então voltará com seus ingleses. Vai ensinar-lhes o quanto aprendeu sobre o modo de combate dos escoceses e teremos muito pouca defesa contra eles.

— Não! — exclamou Bronwyn, levantando-se. — Não o diz a sério, Davey. Ele não é assim. Está acostumado a ser bondoso e sei que se preocupa com meus homens.

Ele a olhou com desagrado.

— Dizem que te faz gritar no leito. Tem medo de lhe perder. Sacrificaria seu clã para continuar sentindo as mãos do inglês sobre seu corpo.

— Não é verdade! Para mim o clã vem sempre em primeiro lugar. — Bronwyn se interrompeu bruscamente. — Tinha esquecido o quanto brigamos. É hora de voltar para casa.

— Não. — Disse Davey, em voz baixa, lhe apoiando uma mão no braço. — Perdoe-me por te incomodar. Sente-se aqui comigo por um tempo, sinto sua falta. Conte-me como está Larenston, você conseguiu parar o vazamento no telhado? Quantos filhos Tam tem agora?

Bronwyn voltou a se sentar, sorrindo. Conversaram durante vários minutos, enquanto a noite se fechava, sobre todos os detalhes cotidianos da vida no clã. Ela soube então que Davey vivia nas colinas, mas o moço se mostrou evasivo sobre sua vida e assim ela respeitou sua privacidade.

— Você gosta de ser Laird? — perguntou ele, amistoso — Os homens obedecem a você?

Ela sorriu.

— Sim. Tratam-me com muito respeito.

— Até agora, nesta manhã, quando se voltaram para seu marido.

— Não comece.

Davey se recostou contra uma árvore.

— É uma vergonha que os MacArran, depois de séculos, vejam-se agora sob o comando de um inglês. Com um pouco de tempo, talvez você tivesse podido afirmar sua própria autoridade, mas não se pode esperar que os homens sigam a uma mulher, principalmente, se houver um homem que se interpõe.

— Não sei o que quer dizer.

— Eu estava apenas sonhando acordado. E se este Stephen for um espião enviado pelo rei Henry? Quando ele tiver a confiança de seus homens, poderia fazer um grande dano à Escócia. Claro, você estaria lá e tentaria fazer com que seus homens a seguissem novamente, mas então, estariam tão acostumados a desobedecer as suas ordens que nem sequer lhe darão atenção.

Ela não conseguiu retrucar. Recordava todas as ocasiões em que seus homens haviam recorrido a Stephen nos últimos tempos, ao contrário de quando retornaram da Inglaterra, seu clã pedia exclusivamente a opinião dela. Davey continuou:

— É uma pena que não tivesse tempo para estar a sós com seu clã. Desse modo eles comprovariam que tem sentido comum e pode guiá-los. Quando ou se, Montgomery te trair, você poderia dirigir ao clã de modo seguro.

Ela não gostava de pensar nas palavras de Davey. Ela causou a morte de seus homens hoje. Sua estupidez e arrogância haviam causado quatro mortes, e Stephen tinha razão em culpá-la. Seus homens tinham razão em voltar-se para ele. Mas e se Stephen fosse um espião? E se ele decidisse usar a confiança dos seus homens contra eles mesmos? Durante gerações, os escoceses haviam odiado os ingleses. Certamente havia uma razão para esse ódio. Por tudo o que ela sabia podia haver centenas de tragédias na vida de Stephen que provocariam seu ódio contra os escoceses. Talvez Davey estivesse certo e Stephen quisesse levá-los a uma matança. Bronwyn levou as mãos à cabeça.

— Não consigo pensar. — sussurrou. — Não sei como ele é, não sei se merece confiança.

— Bronwyn! — disse Davey enquanto tomava as mãos dela. — Você pode não acreditar, mas eu quero o que é melhor para o clã. Eu tive meses inteiros para pensar em tudo isso e chegar a um acordo comigo mesmo e com você. Sei que você é a única que deve ser o Laird, não eu. — Ele colocou um dedo em seus lábios. — Não, deixe-me terminar. Quero ajudar. Quero ter certeza de que ele não é um espião empenhado em acabar com nosso clã.

— Seriamente? A que te refere?

— Vou levá-lo ao meu acampamento, isso é tudo. O inglês não será ferido e enquanto ele estiver fora, você poderia se restabelecer como a verdadeira Laird do Clã MacArran.

— Levá-lo! — Bronwyn se levantou com os olhos faiscando na escuridão da noite.

— Não lhe faremos mal. Eu não seria tolo em prejudicá-lo, o rei Henry declararia guerra ao clã MacArran. Só quero te dar um pouco de tempo.

Ela se afastou dele.

— E o que você ganha com isto? — perguntou friamente.

— Quero voltar para casa — respondeu ele com pesar. — Se fizer por você esta boa ação poderei voltar para casa com honra. Meus homens e eu estamos passando fome, Bronwyn. Não somos camponeses e não temos arrendatários para plantar para nós.

— Sabe bem que pode voltar quando quiser. — observou Bronwyn, em voz baixa.

Ele se levantou de um salto.

— Para que todos riam de mim, dizendo que volto com a cauda entre as pernas? Não! — acalmou-se um pouco. — Se pudéssemos fazer um retorno triunfal salvaríamos a nossa dignidade. Voltaríamos para o Larenston com seu marido inglês e todos estariam agradecidos, até mesmo o rei Henry.

— Mas... Não é possível. Stephen é...

— Pense nisso. Você terá o controle do povo. Eu poderei voltar para casa com honras. Ou talvez você se importe mais com esse inglês do que com seu próprio irmão. — Retrucou com desdém.

— Não, claro que não! Mas se ele sofrer algum dano...

— Não me insulte! Você acha que eu não tenho cérebro? Se eu o machucasse, pense no que o rei faria conosco. Oh, Bronwyn, por favor, considere. Seria tão bom para o clã. Não os confunda mais do que já estão. Não espere até vê-los em um campo de batalha tentando escolher entre a Inglaterra e a Escócia. Deixe-os saberem que são escoceses. Não permita que dividam sua lealdade.

— Por favor, Davey, preciso ir embora.

— Sim. Você deve ir. Pense nisso. Dentro de três dias te esperarei junto à muralha do escarpado, onde caiu Alex.

Ela levantou a vista, surpreendida.

— Sei muito sobre meu clã. — explicou ele. Montou o cavalo e se afastou.

Bronwyn o olhou por alguns minutos até que a escuridão o engoliu. Ela temia voltar para Larenston, temendo enfrentar a morte de seus homens, bem como a raiva de Stephen. Mas a Laird MacArran não podia se dar ao luxo de ser covarde. Ela endireitou seus ombros e montou seu cavalo.


Capítulo Nove

Bronwyn cruzou silenciosamente o pátio. Nos três dias transcorridos da morte de seus homens teve tempo para pensar. As palavras de Davey a perseguiam como um fantasma. A cada instante tinha mais consciência de que seus homens estavam debandando para o lado de Stephen. Era natural que procurassem a liderança de um homem, posto que poucos meses antes seguiam a Jamie MacArran. Mas Bronwyn não confiava em nenhum inglês. Tinha-os por um povo traiçoeiro, brutal e ambicioso. Acaso não conheceu a muitos ingleses durante seu cativeiro na casa de Sir Thomas Crichton?

Quanto a Stephen, a morte de seu amigo o afetara muito. Ele não falava muito e com frequência Bronwyn o surpreendia com o olhar perdido no vazio. Imediatamente após os assassinatos ordenara que começassem os preparativos para a viagem à Inglaterra, dizendo que tinha intenção de devolver o cadáver de Chris para sua família.

Pelas noites, quando estavam sozinhos, permaneciam um junto ao outro, sem conversar, sem contato algum. Bronwyn era assombrada pela visão de seus homens mortos. Perguntava-se como seu pai teria feito para seguir em frente, chegando a um acordo com ele mesmo, quando seus enganos custavam a vida dos homens que ele amava. Um nó se formava em sua garganta, mas a Laird de um clã não devia chorar. Devia ser forte e não temer a solidão. Além de seus remorsos, precisava estudar o pedido de Davey. Conhecia o orgulho de seu irmão e sabia que foi difícil para ele pedir qualquer coisa para ela. Entretanto poderia lhe entregar Stephen? Cobriu os ouvidos com as mãos. Ela queria fazer o que era certo para todos, mas se sentia tão sozinha e tão impotente. O que era certo?

Ela própria selou seu cavalo e deixou a península para encontrar Davey.

Davey a encarou por alguns momentos, seus olhos quentes e penetrantes. Quando Bronwyn olhou para as mãos, tentando colocar seus pensamentos em palavras, ele soube a decisão dela.

— Entendo! — exclamou. Seus olhos tomaram uma expressão inflexível. — Vai ficar com seu amante ao invés do clã. — Olhou para ela sem piscar.

— Sabe que não é assim. — Ela soprou.

— Posso supor, então, que é em mim que você não acredita. Confiava em que me desse uma oportunidade de provar que amadureci e que já não sou esse horrível moço que amaldiçoou a seu pai.

— Eu quero Davey. — ela disse calmamente. — Eu quero fazer o que é certo para todos.

— Para o inferno com o que você quer! — Ele explodiu. — Você só se importa com você, tem medo de que eu volte, teme que os homens me sigam, o verdadeiro Laird MacArran. — Se virou para o seu cavalo.

— Por favor, Davey, não quero que nos separemos assim. Vem para casa, ao menos durante um tempo.

— Para ver, de braços cruzados, como minha irmã ocupa o lugar que é meu por legitimo direito? Não, obrigado. Prefiro ser o rei de meu pobre reino que servo em outro.

Subiu em seu cavalo de um salto, e se afastou como um raio. Bronwyn passou ali um tempo indefinido, com a vista fixa no chão, sentindo-se estúpida e indefesa.

— Quem era aquele? — perguntou Stephen, em voz baixa.

Ela levantou a vista. Não se surpreendia em vê-lo ali. Tantas vezes ele parecia estar perto dela, embora ela não estivesse ciente de sua presença.

— Meu irmão. — respondeu, no mesmo tom.

— Davey? — inquiriu ele com interesse, olhando em direção ao cavalo que se afastava a todo galope.

Ela não respondeu.

— Pediu que voltasse para Larenston? — continuou Stephen. — Você disse a ele que os portões estarão sempre abertos?

— Não precisa me indicar o que devo dizer a meu irmão.

Bronwyn deu-lhe as costas, com os olhos cheios de lágrimas. Ele agarrou seu braço, e abraçou-a.

— Desculpa. Não era essa minha intenção.

Ela se soltou bruscamente, mas o jovem voltou a abraçá-la.

— Equivoquei-me ao te culpar pela morte do Chris. — reconheceu em voz baixa. — Estava tão colérico que precisava desforrar em alguém. Equivoquei-me.

Ela mantinha o rosto apertado contra seu peito. Ansiava que ele a segurasse em seus braços.

— Não, tinha razão! É verdade, eu matei meus homens e seu amigo.

Ele estreitou-a um pouco mais, sentiu o tremor em seu corpo. Seus ombros eram tão pequenos e delicados!

— Não, isso é responsabilidade demais para que você assuma. — Levantou-lhe o queixo. — Me olhe. Se você acredita ou não, estamos juntos nisto, e eu compartilho o fardo da morte dos homens.

— Mas foi minha culpa. — disse ela, desesperando-se. Ele colocou o dedo nos lábios dela, seus olhos examinaram seu rosto.

— É muito jovem. Não tem ainda vinte anos, mas precisa cuidar de centenas de pessoas, até protegê-los de mim, um homem que você acha que poderia ser um espião. — Riu de sua expressão, adicionando. — Estou começando a entendê-la. Agora está pensando que tenho um motivo oculto para falar desta maneira Está pensando que estou planejando algum ato traiçoeiro, e quero que você se acalme e deixá-la em silêncio, aturdida, com minhas palavras melosas.

Ela se afastou.

— Me solte!

Aquelas palavras estavam tão perto da verdade que quase a tinham assustado. Ele riu com gravidade.

— Estou muito perto da verdade? Você quer que eu permaneça um estranho, não é? Alguém que você pode facilmente odiar. Mas não planejo deixá-la sozinha tempo suficiente para esquecer que sou um homem antes de ser um inglês.

— O... o que diz não tem sentido. Tenho que voltar para Larenston.

Ele a ignorou, enquanto se sentava na grama e a puxava para baixo e a obrigou a fazer o mesmo.

— Amanhã partiremos para a Inglaterra. Como você se sente em relação a conhecer minha família?

Ela o encarou fixamente.

— Não pensei sobre isso. — Seus olhos brilharam em fogo azul quando ela se lembrou de seu tempo na casa de Sir Thomas Crichton. — Eu não gosto dos ingleses.

— Não os conhece! — contra-atacou — Stephen Você conheceu apenas a escória, e eu fiquei envergonhado com o meu povo pelo modo como a trataram na casa de Sir Thomas.

— Pois nenhum deles me deixou esperando ante o altar. — Riu entre dentes.

— Não quer me perdoar por isso, não é? Quando você encontrar minha cunhada Judith, talvez me perdoe.

— Como... como ela é? — perguntou Bronwyn, vacilante.

— Linda! Doce, inteligente e bondosa. Administra as propriedades do Gavin com os olhos fechados. O rei Henry ficou cativado por ela, mais de uma vez lhe pediu opinião.

Bronwyn suspirou com dificuldade. Sua respiração presa em sua garganta.

— É bom ouvir que alguém é competente, capaz de cumprir com suas responsabilidades sem equivocar-se. Oxalá que meu pai tivesse uma filha digna do título de Laird.

Stephen a abraçou, rindo, e se deitou no chão úmido.

— Para uma mulher, você é muito capaz como Laird.

Ela piscou.

— Para ser mulher? Isso significa que você acha que nenhuma mulher é capaz de dirigir um clã?

Ele encolheu os ombros.

— Ao menos nenhuma que seja tão jovem e tão bonita. E nenhuma que tenha recebido tão má preparação.

— Má preparação? Preparei-me ao longo de toda minha vida. Sabe que posso ler melhor do que você e sou mais rápida com os números.

Ele riu.

— Para dirigir aos homens precisa algo mais além de ler e ser rápido com os números. — Fitou-lhe um instante. — Como você é bonita! — comentou em voz baixa, inclinando-se para beijá-la.

— Me solte! É um caipira insofrível, ignorante e de mente estreita. — Interrompeu-se porque ele estava acariciando suas pernas.

— Sim. — sussurrou Stephen, contra sua boca. — O que mais?

— Não sei e não me importo. — replicou ela, a voz vindo de muito longe. Ela arqueou o pescoço para trás enquanto ele tocava-a com seus lábios. Apesar da aparente privacidade, Bronwyn e Stephen não estavam sozinhos. Davey MacArran estava na colina acima deles de pé, observava-os.

— A puta se vendeu! — sussurrou. — Ela colocou sua própria luxúria diante das necessidades de seu irmão. — E pensar que Jamie MacArran pensou e a considerou mais digna de ser Laird que eu!

Levantou o punho para o casal. Já lhes ensinaria! Demostraria a toda Escócia quem era o mais poderoso, o verdadeiro Laird do clã MacArran. Cutucou bruscamente seu cavalo e se encaminhou para seu acampamento secreto, oculto nas colinas.


O sol mal tinha levantado quando as carretas puseram-se em marcha pelo caminho íngreme que unia o castelo ao continente. Os homens de Stephen, agora bronzeados e mal distinguíveis dos escoceses de Bronwyn, cavalgavam ao seu lado. Formavam um grupo silencioso e apreensivo quanto aos resultados da viagem. As carretas estavam carregadas de roupas inglesas e os homens de Bronwyn se perguntavam se poderiam comportar-se bem na sociedade da Inglaterra.

Bronwyn tinha suas próprias preocupações. Morag a aconselhou por muito tempo quando a velha ouviu falar do plano de Davey.

— Não pense em confiar nele. — disse ela, apontando para Bronwyn um pequeno dedo ossudo. — Sempre foi astuto, desde menino. Quer apoderar-se de Larenston e não se deterá perante nada para consegui-lo.

Bronwyn defendera o irmão, mas agora recordava as advertências de Morag. Olhou ao redor pela centésima vez.

— Nervosa? — perguntou Stephen ao seu lado. — Não tem por que querida. Tenho certeza que minha família vai gostar de você.

Demorou um minuto para entender do que ele estava falando. Então levantou o nariz, altiva.

— Antes deveria te interessar que eu goste deles, querido. — disse enquanto ela estimulou seu cavalo para se distanciar.

No meio do dourado do crepúsculo, a primeira flecha passou zumbindo junto à orelha esquerda de Bronwyn, que começava a relaxar e esquecer suas apreensões. A princípio não compreendeu o que estava ocorrendo.

— Ataque! — gritou Stephen. Em questão de segundos seus homens formaram um círculo de defesa e prepararam as armas. Os de Bronwyn desmontaram e, depois de tirar as mantas, perderam-se nos bosques. Ela permaneceu estupidamente na sela do cavalo, vendo como um homem após o outro desmontava para o combate.

— Bronwyn! — gritou Stephen. — Galope!

Ela obedeceu por instinto, entre uma chuva de flechas.

Uma roçou-lhe a coxa e seu cavalo relinchou, quando o eixo de uma flecha passou raspando a pele do animal. De repente Bronwyn compreendeu o porquê de seu atordoamento: todas as flechas eram dirigidas contra ela! E um dos arqueiros, o que tinha visto no alto de uma árvore, era um dos homens que tinham abandonado o clã para seguir Davey. Seu próprio irmão estava tentando matá-la!

Baixou a cabeça e instigou seu cavalo. Não havia necessidade de se voltar para olhar, pois sentia o tamborilar dos cascos que a seguiam. Seguiu o cavalo de Stephen que a afastava do ataque das flechas. Pela primeira vez não se perguntava se devia ou não confiar nele.

De repente lançou um grito: seu cavalo caiu sob ela. Antes que o animal pudesse se pôr de joelhos, Stephen tinha voltado com o sua montaria e rodeou a cintura de Bronwyn com um braço, erguendo-a, para posicioná-la diante de si. Ela se retorceu até ficar escarranchada, então dobrou seu torso para ficar quase deitada sobre o pescoço do animal.

Cruzaram a todo galope aquela paragem silvestre, desconhecida. Bronwyn sentia que o grande garanhão de Stephen começava a cansar-se.

De repente Stephen caiu para frente, chocando-se contra as costas de Bronwyn. Ela não teve tempo de pensar antes de agarrar as rédeas e puxá-la bruscamente. O cavalo deixou a estrada e entrou na floresta. Bronwyn sabia que tinha que tirar Stephen da sela do cavalo antes que ele caísse. No bosque era impossível se mover com rapidez, mas talvez dispusesse de alguns minutos antes que a alcançassem.

Freou o cavalo com tanta brutalidade que a brida rasgou a boca do animal. O corpo inerte de Stephen caiu no chão antes que ela pudesse desmontar. Bronwyn desceu de um salto, afogando uma exclamação, Stephen tinha uma mancha de sangue na nuca, onde uma flecha lhe roçara a pele. Não havia muito tempo para pensar, pois os outros cavaleiros já se aproximavam. O chão do bosque estava coberto de folhas secas. Isso lhe deu uma ideia.

Silenciosamente, para que ninguém a ouvisse, conduziu o cavalo pelas rédeas, afastando-o de Stephen. Como não podia se arriscar a dar-lhe uma palmada, cujo ruído seria muito perceptível, tirou o broche e deu uma alfinetada no lombo do animal, que se pôs a correr quase imediatamente. Bronwyn correu para Stephen, caiu de joelhos diante dele e o empurrou contra um tronco caído. O cobriu com braçadas de folhas. O desenho de sua manta se confundia com a folhagem murcha. Ela se deitou ao lado dele e se cobriu também.

Segundos depois eles foram cercados por um grupo de homens zangados, os cavalos pisoteando. Ela segurou Stephen perto dela, sua mão sobre sua boca para o caso de ele acordar e dar algum gemido.

— Maldita seja!

Bronwyn prendeu a respiração. Reconheceria a voz de Davey em qualquer lugar.

— Essa mulher tem sete vistas! Mas penso em lhe tirar as sete. — adicionou com crueldade. — E também a seu marido inglês. Vou mostrar ao rei Henry que na Escócia quem manda são os escoceses.

— Ali vai seu cavalo! — disse outra voz.

— Vamos! — ordenou Davey. — Não podem ter ido longe demais.

Passou um longo momento antes que Bronwyn se movesse. A princípio se sentiu muito aturdida e alterada. Quando o cérebro limpou um pouco agiu com cautela. Queria se assegurar que Davey não deixara ninguém na região. Tinha a esperança de ouvir o ruído de seus próprios homens ao se aproximar, mas quando não apareceram em uma hora, perdeu as ilusões.

Já tinha escurecido por completo quando Stephen, se queixando, fez o primeiro movimento.

— Quieto! — falou, deslizando os dedos pela bochecha do marido. Sentia o braço direito adormecido por haver sustentado seu peso durante tanto tempo.

Lentamente, ouvindo cada som da floresta ao seu redor, ela afastou as folhas. Seus olhos estavam agudos na escuridão, e tinha tido algum tempo para ouvir e analisar os sons dos arredores. Havia um córrego perto deles na parte inferior de um penhasco íngreme. Correu até ele e se ajoelhou para molhar um grande pedaço de linho que arrancou de suas anáguas. Logo retornou para junto de Stephen. Espremeu do linho algumas gotas de água em seus lábios, em seguida, limpou o corte na parte de trás da cabeça. Não parecia grave, mas ela sabia que às vezes um dano sofrido nesta região poderia ter sérias consequências. Era possível que seu cérebro fosse afetado.

Ele abriu os olhos e olhou para ela. O luar tornou seus olhos prateados. Ela se inclinou sobre ele com preocupação.

— Quem sou eu? — perguntou-lhe com suavidade. Stephen respondeu com muita seriedade, como se a pregunta requeresse muitas reflexões.

— Um anjo de olhos azuis que faz da minha vida o céu e o inferno ao mesmo tempo.

Bronwyn gemeu em desgosto, então deixou cair o pano ensanguentado em seu rosto.

— Por desgraça, é o mesmo de sempre.

Stephen esboçou um lamentável sorriso e tentou se levantar. O fato de que ela lhe rodeasse os ombros com um braço para ajudá-lo com toda naturalidade o fez arquear uma sobrancelha.

— Tão mal estão as coisas? — perguntou, esfregando-a têmpora.

— O que você quer dizer? — perguntou ela com suspeita.

— Se você está me ajudando, devemos estar em muito má situação, pior do que eu pensava.

Bronwyn ficou tensa.

— Em vez de te esconder devia deixá-lo para que o encontrem.

— Minha cabeça está me matando, e eu não tenho vontade de discutir. Que diabos você fez com minhas costas? Cravou-me adagas de aço?

— Caiu do cavalo. — Informou ela com certa satisfação. Até na escuridão viu que seu olhar tinha sinais de advertência. — Acredito que deveria começar pelo princípio.

— Nada me agradaria mais. — Replicou Stephen, enquanto esfregava as costas.

Disse-lhe o mais sucinto possível sobre o plano de Davey de raptar Stephen.

— E você aceitou, sem dúvida. — foi o seco comentário.

— Certamente que não!

— Mas se livrar de mim teria resolvido muitos de seus problemas, por que não concordou com seu plano?

— Não sei! — respondeu ela em voz baixa. — Seus argumentos eram muito lógicos.

— Era uma maneira perfeita de te desfazer de mim.

— Não sei! — repetiu ela. — Suponho que no fundo, não confiei nele. Enquanto estávamos escondidos sob as folhas o ouvi dizer que... queria matar nós dois.

— Já suspeitava disso.

— Como te deu conta? — Lhe tocou um cacho negro.

— Só um palpite baseado no número de flechas direcionadas diretamente para você, e na maneira como eles tentaram nos separar dos homens. Está furiosa, não é?

Ela levantou bruscamente a cabeça.

— O que você sentiria se soubesse que um de seus irmãos quer te matar?

Até na escuridão viu que Stephen empalidecia. Olhou-a com horror.

— É uma ideia impossível. — afirmou, dando o assunto por concluído. — Onde estamos?

— Não faço ideia.

— E os homens? Estarão por perto?

— Sou só uma mulher, recorda? Como posso saber de estratégias de guerra?

— Bronwyn! — advertiu ele.

— Não sei onde estamos. Se os homens não nos encontrarem logo voltarão para Larenston. Devemos retornar para lá o quanto antes. — De repente desviou a cabeça para um lado. — Silêncio! Alguém está vindo, temos que nos esconder!

O primeiro impulso de Stephen era enfrentar a quem quer que fosse, mas não tinha mais arma que uma pequena adaga e ignorava quantas pessoas poderia haver ali.

Bronwyn o puxou pela mão para frente. Conduziu-o até o topo do penhasco e mais à frente, até o cume. Ali se sentaram silenciosamente na espessa camada de folhas e observaram os dois homens que se aproximaram. Eram caçadores, não procuravam a Laird desaparecida e seu marido, a não ser alguma presa conveniente.

Stephen fez um gesto, como se quisesse dizer alguma coisa aos homens, mas Bronwyn o deteve. Ele a fitou com surpresa, mas não fez um som. Quando os homens estavam longe, fora da distância de audição, ele se virou para ela:

— Não eram homens do Davey.

— Pior ainda! — replicou ela. — Eram MacGregor.

— Não me diga que conhece pessoalmente a cada um dos MacGregor.

Ela revirou os olhos e meneou a cabeça ante tanta estupidez.

— No chapéu levavam as cores e a insígnia do clã.

Stephen pôs cara de admiração por sua extraordinária visão noturna.

— Acredito saber onde estamos .— adicionou Bronwyn.

Ele se recostou na ribeira com um suspiro.

— Não me diga e me deixe adivinhar. — disse sarcástico. — Estamos no meio das terras dos MacGregor. Sem armas, sem cavalos, sem comida ou ouro. Seu irmão nos persegue e o Laird MacGregor amaria ver nossas cabeças em uma bandeja.

Bronwyn se voltou para estudar seu perfil. De repente deixou escapar um risinho. Seu marido a olhou, atônito, mas acabou por sorrir.

— Desesperador, não?

— Sim! — concordou ela, seus olhos dançando.

— Não é momento para rir.

— Por certo.

— Mas é quase engraçado, não é? — riu ele.

Ela se juntou a sua risada.

— Provavelmente estaremos mortos amanhã, de uma maneira ou de outra.

— E o que você gostaria de fazer em sua última noite sobre a terra? — perguntou ele. Seus olhos azuis refletiam os raios do luar.

— Alguém poderia tropeçar conosco a qualquer momento. — Observou ela, muito séria.

— Hummm... Devemos dar-lhes algo para ver. E se lhe brindamos com um espetáculo?

— Por exemplo?

— Um par de espíritos da floresta, totalmente felizes e nus.

Ela se agarrou à manta.

— Está muito frio, não acha? — Ela disse timidamente.

— Aposto que podemos encontrar uma maneira de nos aquecer. Na verdade, faz muito sentido combinar o calor de nossos corpos.

— Neste caso...

Ela se lançou do chão, aterrissando sobre ele. Stephen afogou um grito de surpresa e pôs-se a rir.

— Acho que deveria ter trazido você para a terra dos MacGregor antes.

— Silêncio, inglês! — ordenou ela, enquanto baixava a cabeça para começar a beija-lo.

Nenhum dos dois lembrou que estavam escondidos no cimo de um penhasco muito inclinado. A paixão, intensificada pelo perigo da situação, os fez esquecer o perigo mais imediato. Bronwyn foi a primeira a se mover. Acabava de se aproximar de Stephen e estava tirando a saia, ele nem se despia, um segundo depois se encontrou rolando pelo lado da colina.

Stephen tentou segurá-la, mas tinha os sentidos nublados pela paixão e não conseguiu segurá-la a tempo. Ao estender muito a mão, caiu logo atrás dela.

Aterrissaram juntos em um enredo de membros nus, iluminados pela lua e uma enxurrada de folhas.

— Está bem? — perguntou Stephen.

— Estarei bem assim que você sair de cima de mim. Está quebrando a minha perna.

Em vez de se afastar, Stephen fez justamente o contrário, cobriu todo o corpo dela.

— Até este momento não tinha se queixado que eu fosse muito pesado para você. — Observou mordiscando sua orelha. Ela fechou os olhos, sorrindo.

— Há momentos em que você não pesa nada.

Ele deslizou os lábios pelo seu pescoço. De repente algo enorme e muito pesado lhe aterrissou nas costas. Stephen caiu um instante sobre Bronwyn, então rapidamente levantou com os braços, protegendo-a.

— Que diabos...?

— Rab! — exclamou Bronwyn escorrendo-se sob seu corpo. — Oh, Rab! — Dizia-o com profunda alegria. Ela enterrou o rosto no pêlo grosseiro do cão. — Meu doce, doce Rab.

Stephen se sentou sobre os calcanhares.

— Isso era tudo que eu precisava! — comentou sarcástico. — Como se minhas costas já não estivessem bastante doloridas.

Rab se afastou de Bronwyn para pular em Stephen. Apesar de suas palavras, Stephen abraçou o cão grande enquanto este lambia seu rosto e tentava sufocá-lo com seu afeto.

— Agora, você não está envergonhado? — Bronwyn riu. — Ele te ama e está muito feliz em vê-lo.

— Gostaria que ele fosse mais considerado e tivesse prestado atenção que estava lhe dando meu amor. Basta, Rab, você vai me sufocar. Aqui garoto. Pegue-o e traga. — Stephen atirou uma vara imaginária, e o cão feliz saiu disparado atrás dele.

— Isso foi terrível. Você sabe que ele vai passar horas procurando por algo que não encontrará. Ele queria nos agradar.

Stephen a segurou pelo pulso.

— Espero que o busque durante toda a noite. Sabe que está linda à luz da lua?

Ela contemplou seu amplo peito, seus fortes ombros.

— Você não é exatamente uma visão desagradável. — Ele a abraçou.

— Continue assim, que não quererei voltar para Larenston. Bem, onde estávamos?

— Na parte em que suas costas doíam e...

Um beijo lhe impediu de seguir falando.

— Venha aqui mulher! — sussurrou Stephen, enquanto a puxava para dentro das folhas.

Eles lutaram juntos, rindo. Havia pedaços de galhos e rochas cutucando sua pele, mas nenhum deles se importava. Stephen começou a fazer cócegas em Bronwyn, e o som de sua risada, era tão incomum para ele, que disparou sua paixão.

— Bronwyn! — sussurrou antes de apertá-la, penetrando-a forte.

Quando alcançaram juntos o clímax, foi de alguma forma diferente das outras vezes. Apesar de suas diferenças, sua situação impossível, fizeram amor como se estivessem livres de qualquer disputa conjugal. Não havia apenas paixão, mas também um sentimento de alegria e diversão.

— Não sabia que tinha tantas cócegas. — sussurrou Stephen, sonolento, estreitando-a contra si.

Rab se aconchegou do outro lado.

— Nem eu. Não deveríamos pegar nossas roupas?

— Daqui a pouco. — Disse Stephen. — Dentro de...

Um grunhido de Rab os despertou muito cedo. Os reflexos de Stephen foram instantâneos. Levantou-se, empurrando Bronwyn para trás de seu corpo. Um homem estava a cinco ou seis metros de distância. Era baixo e forte, de cabelo e olhos pardos. E levava a insígnia dos MacGregor.

— Bom dia. — Saudou cordialmente. — Não era minha intenção incomodar. Vim em busca de água, mas seu cão não me deixa passar.

Stephen ouviu Bronwyn tomar fôlego para falar. Ele se virou e lançou-lhe um olhar de advertência. Ela estava meio enterrada nas folhas, apenas a cabeça e os ombros nus visíveis.

— Bom dia. — Respondeu com a mesma cordialidade, dando a sua voz o forte sotaque escocês. — Venha aqui, Rab. Deixe o bom cavalheiro passar.

— Obrigado, senhor! — disse o homem, caminhando para o riacho.

— Rab, traga a roupa. — Ordenou Stephen e seguiu com o olhar o cão que obedecia. O homem, junto ao riacho, contemplava com curiosidade ao casal nu. — Somos mais ou menos como Adão e Eva, não é? — riu Stephen.

O homem também riu.

— Exatamente o que eu estava pensando. — Levantou-se. — Não vi carroças nem cavalos. Por isso não tinha ideia de que houvesse alguém aqui.

Stephen vestiu a camisa. Depois se envolveu distraidamente na manta e fechou seu largo cinturão. Ambos os homens discretamente se afastaram enquanto Bronwyn se vestia. Ela não falou, mas ficou fascinada pelo sotaque recém-adquirido de Stephen.

— Para falar a verdade — explicou Stephen — só temos a roupa do corpo.

Bronwyn viu que escondia a boina em suas costas para arrancar a insígnia dos MacArran.

— Fomos atacados por ladrões.

— Ladrões! — exclamou o homem. — Em terras dos MacGregor? Ele não vai gostar disso.

— É claro que não — concordou Stephen — sobretudo porque foi um grupo desses repugnantes MacArran. Oh, desculpe, querida! Puxei seu cabelo sem querer. — Adicionou, quando Bronwyn deu um pequeno suspiro de horror.

— Ah, esses MacArran. — Acrescentou o homem. — Nunca houve gente mais desonesta, traiçoeira e covarde sobre a face da terra. Sabem que não faz muito tempo, estiveram a ponto de matar o Laird MacGregor, simplesmente porque o homem estava andando pela terra da mulher? A bruxa o atacou com a adaga e quis mutilá-lo. Dizem que tentou cortar-lhe sua masculinidade. Inveja provavelmente.

Stephen girou Bronwyn para encará-lo para que o homem não pudesse ver seu rosto.

— Deixa que te ajude com esse broche. — disse amigavelmente, com seu forte sotaque escocês.

— Mas se apenas lhe fiz um arranhão. — protestou ela com desgosto.

— Como? — inquiriu o homem. Stephen sorriu.

— Minha esposa me recorda que a última vez lhe fiz um arranhão ao pôr o broche.

O outro riu entre dentes.

— Sou Donald Farquhar, do clã MacGregor.

Stephen sorriu alegremente.

— Eu sou Stephen Graham. E esta é minha esposa, Bronwyn. — Sorriu ao ver a cara da esposa pra ele.

— Bronwyn! — exclamou Donald — É um nome mal favorecido esse. Sabiam que assim se chama essa bruxa da Laird MacArran?

Stephen segurava firmemente os ombros de Bronwyn.

— Não temos culpa do nome que nos dão ao nascermos.

— Não, claro que não. — O visitante observou o cabelo longo e grosso de Bronwyn caindo por suas costas, algumas folhas presas nele. — Qualquer um se dá conta de que sua Bronwyn não é como a outra.

Ela inclinou a cabeça e fingiu beijar a mão de Stephen, na realidade, o que fez foi lhe cravar os dentes para que a soltasse. Então pôde virar-se para Donald com um sorriso.

— E é claro que você já viu a Laird MacArran muitas vezes? — disse com doçura.

— Não, não de perto, mas eu a vi a distância.

— E é feia?

— Oh, sim, grandes ombros como um homem e mais alta do que a maioria de seus homens. E um rosto tão feio que ela o mantém coberto.

Stephen cravou os dedos no ombro dela a maneira de advertência. Ela fez um gesto afirmativo.

— É o que sempre ouvi dizer. Que gosto falar com alguém que a conhece, em certo modo! — disse com muita seriedade. Stephen se inclinou para lhe dar um beijo na orelha.

— Comporte-se ou você vai nos matar. — lhe sussurrou.

Donald lhes dedicou um sorriso radiante.

— Sem dúvida são recém-casados. — comentou feliz. — Se nota pela forma em que se tocam sem cessar.

— Nada te passa despercebido, não é, Donald? — disse Bronwyn.

— Gosto de pensar que sou um homem observador. Lá, no penhasco está nossa carroça. Não gostariam comer conosco? Eu gostaria de lhes apresentar minha esposa, Kirsty.

— Não... — começou Bronwyn. Mas Stephen se plantou diante dela.

— Nós gostaríamos muito. — Respondeu. — Nós não comemos desde o meio-dia de ontem. Talvez você possa nos dar algumas indicações. Desde que nos assaltaram estivemos caminhando sem rumo e acabamos nos perdendo.

— Mas fizeram bom uso do tempo. — riu Donald, olhando significativamente para as folhas.

— Muito certo! — afirmou Stephen, jovial, seu braço firmemente em volta dos ombros de Bronwyn.

— Bom, venham. Um MacGregor sempre recebe de bem a outro MacGregor. — Ele se virou e começou a subir a colina.

— Não faça nada para nos pôr em perigo. — advertiu Stephen enquanto o seguiam.

— Um MacGregor! — murmurou furiosa.

— E um inglês! — adicionou no mesmo tom.

— Não sei dos males qual é o menor.

Stephen sorriu.

— Odeie-me o quanto quiser, mas ele não. Ele tem a comida.

No topo do penhasco, os três se detiveram diante de uma mulher pequena inclinada sobre a fogueira. Era delicada, não maior do que uma criança, seu perfil mostrava um nariz pequeno e uma boca frágil; mostrava uma avançada gravidez: o ventre se sobressaía diante dela como um volumoso monumento. Ia contra todas as forças da lógica que pudesse manter-se em pé sem cair para frente.

Ela se levantou muito facilmente, e virou-se para olhar para as três pessoas que a observavam. Por um momento, olhou só para Donald, e um sorriso de pura adoração iluminou seu rosto. Quando ela se virou e viu Bronwyn, seu rosto mudou. Parecia passar por várias emoções: perplexidade, medo, descrença, até que finalmente ela sorriu.

Stephen e Bronwyn permaneciam imóveis e sem respirar, esperando que a qualquer momento ela denunciasse sua identidade.

— Kirsty! — exclamou Donald, correndo para ela. — Está bem?

Ela colocou a mão no lado de sua barriga grande e olhou para cima em desculpas.

— Lamento haver saudado desse modo, mas é que recebi um forte chute.

Donald levantou a vista com um sorriso.

— É um moço forte! — riu. — Venham se sentar junto ao fogo.

Stephen foi o primeiro a relaxar seus músculos para caminhar para a fogueira. Bronwyn o seguiu lentamente. Ainda não estava segura de não ter detectado a identificação nos olhos de Kirsty. Talvez a mulher pensasse dizer a Donald mais tarde e ambos os atacariam durante a noite.

Donald apresentou-os a sua esposa, e mesmo quando o nome Bronwyn foi dito, ela apenas sorriu. Não era um nome escocês, mas galês, e deveria ter causado comentários.

— Acha que temos comida suficiente? — perguntou Donald. Kirsty sorriu. Ela tinha cabelos loiros escuros e olhos castanhos inocentes. Era difícil para alguém desconfiar dela.

— Nós sempre temos o suficiente para compartilhar. — disse em voz baixa.

Sentaram-se para consumir tortas de cevada e um saboroso guisado de coelho. Ao redor soprava um vento frio. A carroça de Donald, parada ao lado, era pequena, com um refúgio de madeira construído acima: cômoda, mas não para viagens de longa distância.

Depois do café da manhã Stephen propôs sair para caçar com Donald. Bronwyn se levantou imediatamente, sacudindo-as migalhas da saia, com evidente intenção de acompanhá-los.

Stephen se voltou para ela.

— Acredito que deveria ficar com Kirsty — disse com voz serena, carregada de intenção. — O lugar da mulher é junto ao fogo.

Bronwyn sentiu a raiva passar por ela. O que ela sabia de cozinhar? Ela poderia ajudar na caçada. Quando viu a aprovação no rosto de Donald entendeu a atitude de Stephen. Donald poderia começar a suspeitar de uma mulher que pudesse caçar, mas não podia cozinhar. Ela suspirou em resignação.

— Pelo menos teremos Rab como proteção.

— Não, — a contradisse Stephen — acho que vamos precisar dele na caçada.

— Rab! — ordenou ela. — Fique comigo.

O cachorro não parecia disposto a abandonar Bronwyn e não se moveu. Donald riu baixinho.

— Que cão tão bem adestrado tem.

— Meu pai me deu de presente. — informou ela, orgulhosa.

— Seu pai?

— É melhor irmos. — interveio Stephen apressadamente, lançando a Bronwyn um olhar de advertência.

Voltou-lhe as costas e foi se sentar junto ao fogo, perto de Kirsty... sua inimiga.


Capítulo Dez

Bronwyn retorceu algumas fibras de erva entre as mãos. A advertência de Stephen lhe fez cair em conta de que era muito fácil trair-se. Sabia muito pouco da vida que levava uma esposa comum, pois passou toda sua existência entre os homens Sabia montar a cavalo e disparar uma arma, mas cozinhar representava para ela todo um mistério. Também lhe era desconhecida à conversa cotidiana entre mulheres.

— Faz muito que se casou? — perguntou Kirsty.

— Não! — respondeu Bronwyn — e você?

— Cerca de nove meses. — Kirsty sorriu, esfregando o grande ventre. De repente Bronwyn cobrou consciência de que algum dia seu aspecto seria o mesmo. Nunca lhe ocorrera que ela teria de suportar a gravidez.

— O bebê incomoda muito? — perguntou em voz baixa.

— Só de vez em quando. — de repente Kirsty fez uma careta de dor. — Hoje parece pior que de costume. — adicionou sufocada.

— Posso te ajudar em algo? Quer água, um travesseiro, qualquer coisa?

A outra a olhou, seus olhos piscando rapidamente.

— Não, só fale comigo. Faz muito tempo que não tenho a companhia de uma mulher. Diga-me, como é seu marido?

— Stephen? — perguntou Bronwyn, inexpressiva. Kirsty se pôs a rir.

— Não se preocupe comigo, só estou curiosa. Uma mulher nunca conhece um homem até viver com ele.

Bronwyn se mostrou cautelosa.

— Ficou desapontada com Donald?

— Não. Ele era muito tímido antes de nos casarmos, e agora ele é muito gentil, atencioso. Seu Stephen parece um bom homem.

Bronwyn percebeu que nunca tinha pensado em Stephen de outra forma senão sendo um inglês.

— Bom... faz-me rir — disse depois de um tempo. — Me faz rir de mim mesma quando estou muito séria.

Kirsty sorriu, então ela colocou a mão na barriga e inclinou-se para a frente.

— O que acontece? — exclamou Bronwyn, aproximando-se dela.

Kirsty levantou-se lentamente, sua respiração profunda e difícil.

— Por favor, deixa que te ajude. — suplicou Bronwyn, lhe apoiando as mãos no braço. Kirsty a olhou nos olhos.

— É muito bondosa, verdade? — A outra sorriu.

— Não sou bondosa absolutamente, a não ser...

Interrompeu-se, ia dizer que era uma MacArran. O que ela era, separada de seu clã? Kirsty lhe cobriu uma mão com a sua.

— Acredito que você tenta esconder isso, me conte mais sobre você. Assim não pensarei em meus próprios problemas.

— Acredito que deveríamos chamar a alguém. Parece-me que está para dar a luz.

— Por favor! — disse Kirsty, desesperada. — Não amedronte Donald, meu bebê ainda não está pronto, eu não posso ter agora. Donald e eu estamos indo para casa dos meus pais. Minha mãe vai me ajudar no nascimento de meu filho. É apenas algo que eu comi. Já tive essas dores antes.

Bronwyn franziu o cenho e voltou a se sentar no chão.

— Fale-me sobre você. — insistiu Kirsty novamente. Seus olhos estavam vidrados. — Como é viver com um...?

Bronwyn levantou bruscamente a cabeça, mas Kirsty não concluiu com a frase. Dobrou-se pela dor. Um segundo depois Bronwyn a sustentava em seus braços.

— É o bebê! — sussurrou Kirsty. — O bebê vai nascer. Você é a única que pode me ajudar.

Bronwyn só podia olhar horrorizada. Eles estavam no meio do nada, então quem ia ser a parteira? Ela abraçou Kirsty quando outra dor a tomou.

— Rab! — disse em voz baixa. — Vá buscar Stephen. Procure Stephen e traga-o de volta imediatamente.

O cão partiu antes que ela concluísse a frase.

— Entre na carreta, Kirsty. — propôs Bronwyn com suavidade.

Bronwyn era forte, e foi fácil para ela levar a pequena mulher para a carreta. Kirsty se deitou no momento em que outra dor a dobrava em duas. Bronwyn deu um olhar para o bosque. Não havia sinais dos homens. Voltou junto a Kirsty e lhe deu um gole de água. Repetia mentalmente que Stephen saberia o que fazer, sem ter consciência de que, pela primeira vez em sua vida, dependia dele. Sorriu ao ouvir o furioso rugido de Stephen:

— Bronwyn! — gritou Stephen

Desceu da carreta para ir ao seu encontro.

— Que diabos quer o satânico do teu cão? — perguntou ele. — Saltou em cima de mim no momento em que estava apontando contra um veado e quase rasgou minha perna arrastando-me aqui.

Ela apenas sorriu para ele, dizendo:

— Kirsty vai dar a luz.

— Oh, meu Deus! — sussurrou Donald. E correu para a carreta.

— Quando? — perguntou. Stephen.

— Penso que imediatamente.

— Pensa? Não sabe com segurança?

— Como poderia sabê-lo?

— Supõe-se que as mulheres devem saber destas coisas. — gaguejou ele.

— Ensinam-nos isso durante as lições de leitura ou quando praticamos com a espada? — perguntou ela, sarcástica.

— Se quer que dê minha opinião, recebeu uma educação muito pouco adequada para uma menina. Em algum momento sua família tinha que ter ensinado outra coisa além de planejar incursões para roubar gado.

— Maldito seja! — criticou-lhe Bronwyn e interrompeu-se ao ver que Donald descia da carreta, evidentemente preocupado.

— Ela quer você. — disse ele, franzindo a testa. Havia uma linha branca em cada lado de seus lábios. Pegou um pedaço de madeira para o fogo, mas sua mão tremia tanto que a deixou cair.

— A mim? — exclamou Bronwyn. Mas Stephen a empurrou para frente com energia.

— Não há mais ninguém. — ele disse. Ela perdeu a cor.

— Stephen... não sei absolutamente nada de nascimentos de bebês.

Stephen pôs a mão em sua bochecha.

— Está com medo, não é? — Bronwyn olhou suas mãos. — Não deve ser muito diferente de ajudar a uma vaca ou a uma égua.

— A uma égua! — Os olhos da moça desprenderam faíscas, mas logo relaxou. — Fica comigo — disse em voz baixa. — Me Ajude.

Stephen nunca a tinha visto tão vulnerável, tão necessitada de ajuda.

— Como? Os homens não podem presenciar um parto. Possivelmente se ela fosse meu parente...

— Olhe a esse homem! — apontou Bronwyn, assinalando ao Donald com a cabeça. — Só quer que sua esposa saia bem do parto. É o único que lhe importa.

— Bronwyn! — gritou subitamente Kirsty, de dentro da carreta.

— Por favor! — sussurrou ela, apoiando uma mão no peito do Stephen. — Nunca te pedi nada até agora.

— Exceto para mudar meu nome, minha nacionalidade, minha... — Ela voltou às costas e já se afastava, mas seu marido a segurou pelo braço. — Juntos, — sussurrou — pela primeira vez, vamos fazer algo juntos.

Não foi um nascimento fácil. Kirsty era muito pequena, e o bebê era grande. Nenhum dos três sabia muito sobre ter um bebê, e todos concordaram que era uma experiência maravilhosa. Bronwyn e Stephen suavam tanto quanto Kirsty. Quando a cabeça apareceu, eles olharam um para o outro, emocionados e com orgulho. Stephen levantou Kirsty para que ela pudesse ver enquanto Bronwyn segurava a pequena cabeça e gentilmente guiava a saída dos ombros para fora. O resto do bebê pareceu disparar para fora. Bronwyn o agarrou nos braços.

—Nós fizemos isso? — ela sussurrou.

— Conseguimos! — Stephen sorriu de orelha a orelha e deu um beijo sonoro em Kirsty.

— Obrigado! — Kirsty sorriu recostando-se contra o braço de Stephen, completamente exausta, mas muito feliz.

Precisaram de alguns minutos mais para limpar o bebê e sua mãe. Stephen e Bronwyn ficaram contemplando-os; o bebê já procurava o peito, movendo a cabecinha.

— Vamos dizer a Donald que ele tem um filho. — sussurrou Stephen.

Donald estava esperando na frente da carreta, com a cara cheia de terror. Stephen saiu rindo.

— Anime-se e vá dar uma olhada em seu menino!

— É menino! — disse Donald, com voz tremula e subiu na carreta.

Tinha ficado escuro enquanto estavam dentro com Kirsty. O dia brilhante e frio tinha se tornado escuro, e a noite ainda mais fria.

Bronwyn se espreguiçou e bebeu profundamente o ar fresco e limpo. Por alguma razão ela tinha um sentimento de liberdade. De repente, jogou a cabeça para trás, estendeu os braços e começou a girar em círculos.

Stephen rindo, tomou-a nos braços e a elevou no colo.

— Esteve maravilhosa. — Disse, cheio de entusiasmo. — Mostrou-se serena e decidida. Assim facilitou as coisas para Kirsty.

E se interrompeu em seco, quando percebeu que tinha feito uma abertura para Bronwyn para contar a ele sobre sua formação para se tornar a Laird MacArran. Bronwyn sorriu para ele, colocou seus braços ao redor de seu pescoço, e aconchegou seu rosto em seu ombro.

— Obrigada, embora fossem seus conhecimentos os que mais ajudaram. Se eu estivesse sozinha, acredito que teria ficado petrificada assim que aparecesse a cabeça.

Stephen não acreditou nela nem por um momento, mas ajudou a seu orgulho ouvi-la dizer que era de alguma utilidade para ela.

— Está cansada? — perguntou em voz baixa, calmamente, enquanto a abraçava e passava a mão pelos seus cabelos.

— Muito. — confessou ela, muito cômoda e relaxada. Ele a levantou no colo.

— Procuremos algum lugar para dormir.

Levou-a para o fundo do penhasco e a deixou no chão, enquanto tirava distraidamente a manta para estendê-la na terra. Em poucos minutos estavam aconchegados nela, abraçados para conservar o calor e com Rab contra as costas da moça.

— Stephen! — inquiriu Bronwyn, em voz baixa. — O que vamos fazer agora? Ainda não temos como chegar à Inglaterra, e sozinhos seremos reconhecidos.

Stephen permaneceu muito quieto, mas seus pensamentos voavam. Bronwyn nunca perguntou sua opinião antes, e tampouco ficou ao seu lado exatamente como agora, com confiança. Sorriu-lhe, deu-lhe um beijo na testa e lhe apertou um pouco mais contra si, com a sensação de que seu peito se alargava vários centímetros.

— Eu não pensei muito, mas acho que se pudermos, devemos ficar com Kirsty e Donald. — Fez uma pausa. — O que acha?

Assim que as palavras saíram, ele percebeu como havia mudado. Alguns meses atrás ele teria ordenado a sua esposa sobre o que fazer. Agora ele estava pedindo sua opinião. Bronwyn fez um gesto afirmativo.

— Vão para o sul, para a casa dos pais de Kirsty. Se pudéssemos seguir a viagem com eles talvez conseguíssemos comprar alguns cavalos.

— Com o quê? Com nossa beleza? — zombou Stephen. — Não temos uma moeda. Nem sequer podemos pagar a Donald por sua hospitalidade.

— Aos escoceses não se paga a hospitalidade.

— Nem sequer aos MacGregor? — provocou-lhe ele. Bronwyn riu baixinho.

— Enquanto não saiba que somos MacArran. Quanto à comida, você é bom caçador. Melhor que Donald, sem dúvida. No momento só devemos nos preocupar em pagar por um par de cavalos. — Ela suspirou. — É uma lástima que Davey não nos atacasse mais perto da fronteira.

— Por quê?

— Porque nesse caso eu estaria vestida com os malditos trajes ingleses, que estão cobertos de pedras preciosas. Teríamos podido vendê-las.

— Se você estivesse vestida de inglesa, provavelmente não estaria viva e, além disso, não teríamos uma manta quente para enrolar ao nosso redor.

Ela levantou a cabeça para olha-lo.

— Não detestava o traje escocês? Você disse, se eu me lembro corretamente, que o deixava nu a metade de baixo.

— Não seja impertinente. — Protestou ele, com fingida seriedade. — Essa facilidade de se usar a manta tem suas vantagens. Pode-se tirar essa roupa no tempo que um inglês demora em decidir-se a despir-se.

Bronwyn sorriu.

— Ouço orgulho em sua voz? — Ela provocou. — E onde no mundo você conseguiu esse sotaque?

— Não faço ideia do que quer dizer. — brincou ele. — E se a verdade for conhecida, acho que o sotaque veio com a manta.

— Eu gosto! — disse ela suavemente enquanto movia o joelho pela perna nua de Stephen sob a camisa que ele ainda usava. — Como você gostaria de fazer amor com uma parteira, ou você insiste em ter a Laird de um clã.

Stephen pôs uma mão nos cabelos dela.

— Nestes momentos a tomarei como você é. É Bronwyn, uma coisa doce e deliciosa que pode cavalgar como um demônio, salvar a vida de seu marido e ajudar em um parto, tudo em poucas horas.

— Tudo com sua ajuda. — Sussurrou ela, antes de levantar a boca para beijá-lo.

Bronwyn também sentia a estranheza do lugar e do tempo. Deveria estar preocupada com seu clã, mas sabia que Tam estava lá para guiá-los. Talvez seus homens estivessem melhor sem a guerra constante entre ela e Stephen. Neste instante não tinha a menor intenção de brigar com ele. Nunca se sentiu mais suave e feminina. Não tinha decisões a tomar, irritações e nem preocupações pela posição de seu marido. No momento estavam no mesmo lado: caçados igualmente.

— Tem um olhar distante. — comentou ele — Não vai compartilhar seus pensamentos comigo?

— Estava pensando que agora estou feliz. Não tive um pensamento feliz ou até mesmo um momento de silêncio desde a morte de meu pai.

Stephen sorriu ao ver que pela primeira vez, não o acusava dessa morte.

— Venha aqui, querida, e vejamos se posso fazê-la mais feliz.

Levou muito tempo para despi-la. Ambos se retorceram sob a manta, rindo cada vez que um cotovelo se afundava em algum lugar delicado. Era uma luta íntima, rolando, rindo, desfrutando um do outro e de sua liberdade. As mãos de Stephen fizeram que Bronwyn se aquietasse; estava aprendendo os prazeres do amor. Beijou-lhe o rosto, o pescoço, e observou o reflexo da lua em sua pele.

— Stephen. — Sussurrou. Passou as mãos pela cintura e as costelas. A força dele a excitava, a fazia sentir-se pequena e no poder.

— Você é tão linda. — Ele sussurrou.

Ela sorriu e ele soube que a fazia se sentir bonita. Stephen passou as mãos pelo interior de suas coxas, e quando sentiu que ela tremia, a mesma emoção o percorreu.

Stephen se moveu em cima dela lentamente. Bronwyn entregou-se a ele livre e ansiosamente, puxando a cabeça dele para baixo para que seus lábios encontrassem os dela. Quando ela gemeu em voz alta em seu prazer, Stephen beijou-a profundamente. Os gemidos que ela lhe ofertava, o abandono de seu amor, eram excitantes para ele.

Eles fizeram amor lentamente, até que Bronwyn agarrou Stephen, exigindo mais dele. Ela se arqueou para encontrá-lo, e ele explodiu em uma enorme estocada. Ela o abraçou, não o deixando ir, querendo tudo dele. Juntos e ainda ligados pelo ponto de união de seus corpos, adormeceram um nos braços do outro.

Bronwyn foi a primeira a despertar. Stephen a segurava tão perto dele que ela mal podia respirar. Observou-o um momento. Tinha um cacho ao longo da orelha. O quanto mudou nos últimos meses! Nada ficava de sua pálida pele inglesa e nem do cabelo curto e arrumado. ‘Sim, — ela pensou, — quase ninguém o reconheceria como um inglês agora’. Bronwyn se inclinou para beijar aquele cacho, recordando que em outros tempos teria medo de gestos como esse. Essa manhã parecia certo, desperta-lo com um beijo.

Ele sorriu sem abrir os olhos.

— Bom dia! — sussurrou ela.

— Tenho medo de olhar! — comentou brincando, sonhador. — Alguém trocou a minha Bronwyn por uma fada dos bosques? — ela mordeu o lóbulo da orelha dele. — Ai! — abriu os olhos, rindo entre dentes. — Acredito que não te trocaria por fadas de nenhum tipo. — Reconheceu, tratando de abraça-la.

— Oh, nem pense nisso! — protestou ela, afastando-o. — Quero ver o bebê.

— Prefere o bebê? Eu preferiria continuar aqui e fazer o nosso.

Bronwyn rolou para longe dele.

— Não estou segura de querer passar pelo que sofreu Kirsty ontem. Vamos, aposto uma corrida colina acima.

Stephen se vestiu apressadamente, mas uma risada da moça lhe fez girar para ela: Bronwyn, do alto do penhasco, segurava suas botas, que tinha roubado. Ele ordenou a Rab que as trouxesse, e a resistência entre cão e ama lhe deu tempo para subir a colina. Recuperou suas botas e correu só de meias até a carreta.

Quando Bronwyn o alcançou, estava tranquilamente sentado.

— Bom dia! — disse ele como se não a visse há dias. — Você dormiu bem?

Ela soltou uma gargalhada e entrou na carreta para ver Kirsty.

Durante o resto do dia havia pouco tempo para rir ou brincar. Os homens foram caçar, e Bronwyn foi deixada para cuidar de Kirsty e do acampamento. Ficou consternada com a pequena quantidade de alimentos do casal. Havia dois pequenos sacos de aveia e mais algumas coisas. Não queria insultar Kirsty pedindo mais suprimentos, mas esperava que houvesse mais em algum lugar.

Os homens retornaram ao pôr-do-sol com apenas dois coelhos pequenos nas mãos. O suficiente para uma refeição. Bronwyn levou Stephen um pouco distante para lhe dizer.

— Não podemos seguir consumindo suas provisões. Têm muito poucas.

Ele se reclinou contra uma árvore.

— Sei, mas ao mesmo tempo detesto deixá-los sozinhos. Donald mal sabe usar o arco. E os animais desta região desconfiam dos caçadores. Parece-me tão inconveniente deixá-los como seguir com eles.

— Oxalá pudéssemos ajudá-los de algum modo. Toma, bebe isto. — Bronwyn oferecia uma caneca.

— O que é isso?

— Kirsty me ensinou a prepará-lo. É feito com alguns líquens e cerveja fermentada. Diz que cura tudo. Passou o dia preocupada porque você e Donald estavam passando frio.

Stephen sorveu o líquido quente.

— E você se preocupou conosco?

— Pelo Donald, talvez. — Sorriu ela. — Mas eu sabia que você poderia cuidar dos dois.

Stephen ia responder, mas a bebida atraiu sua atenção.

— Isso é realmente bom. Acho que está fazendo a minha cabeça parar de doer. — Ela franziu o cenho.

— Não sabia que sua cabeça estava doendo.

— Não cessou desde que a flecha do seu irmão a rouçou. — Stephen dispensou o assunto. — Acabo de ter uma ideia. Estes líquens foram difíceis de achar?

— De jeito nenhum. — respondeu ela com curiosidade.

Os olhos Stephen brilharam.

— Donald me disse que há um povoado perto daqui, ele quer levar seu filho para ser batizado. Se pudéssemos preparar uma tina desta bebida, talvez pudéssemos vendê-la.

— Que ideia inteligente! — Ela concordou, já fazendo planos.

Passaram o resto da tarde procurando líquens. Eles passaram a noite caçando líquens. Donald pegou o pouco de dinheiro que havia e usou um dos cavalos da carreta para ir a cidade comprar mais cerveja.

Já era tarde quando se envolveram em suas mantas, perto do fogo meio apagado, e adormeceram. Bronwyn se mantinha perto de Stephen, feliz de estar junto a ele sem precisar fazer amor. Essa sensação de intimidade lhe parecia nova e satisfatória.

Muito cedo na manhã seguinte, eles engataram os cavalos à carreta e continuaram a viagem até o povoado situado entre muros. Parecia haver centenas de lojas, bem como pequenas casas dentro das muralhas. O ar era pesado e dificilmente valia a pena respirar. Todo o lugar fez Bronwyn desejar estar ao ar livre. Ela tinha estado em poucas cidades em sua vida. Em vez disso, os comerciantes viajavam para Larenston para vender seus produtos.

Donald puxou a carroça para fora da estreita rua principal, detendo-se na frente de um beco, e desarmou os cavalos. Colocaram em exibição um frasco da bebida que tinham feito, então começaram a chamar as pessoas para comprar. Kirsty e Bronwyn sentaram-se dentro da carroça e escutaram. A voz profunda de Stephen soou sobre todo o barulho do povoado. Fez algumas promessas bastante extraordinárias para a bebida, falava de sua própria experiência, assegurando que a beberagem lhe tinha curado de sua lepra. Mas ninguém comprava bebida. As pessoas fizeram uma pausa e ouviram, mas não ofereceram moedas para comprar o líquido milagroso.

— Possivelmente deveria fazer algumas acrobacias como as que fez ao lutar com Tam. — Brincou Bronwyn.

Stephen ignorou suas provocações, enquanto tentava convencer um jovem a comprar dizendo que a bebida melhoraria sua vida amorosa.

— Talvez você precise de ajuda, mas eu não. — Replicou o moço. A multidão riu e começou a se afastar.

— É hora de que eu faça uma tentativa. — Disse Bronwyn, enquanto desabotoava a camisa.

— Bronwyn! — protestou Kirsty. — Não está planejando fazer algo que deixará Stephen irritado?

Ela sorriu.

— Talvez. Assim estou bastante desejável? — Ela olhou para a curva generosa de seus ombros expostos pela camisa desabotoada.

— Mais que suficiente. Donald arrancaria meus cabelos se me visse sair assim.

— As inglesas usam seus vestidos decotados ao limite da indecência. — respondeu a moça.

— Mas você não é inglesa!

Bronwyn se limitou a sorrir a modo de resposta e desceu pela parte dianteira da carroça, no lado oposto àquele onde operava Stephen.

Ele sorriu surpreso ao ouvir a voz de Bronwyn.

— Isso cura tudo, de furúnculos a sudorese de febres. — Anunciava a jovem.

Stephen notou que a multidão começava a acumular-se do outro lado da carreta.

— Sua esposa é desventurada? — clamava Bronwyn. — Talvez seja tua culpa. Esta bebida te converterá no mais potente dos homens. E como filtro de amor é insuperável.

— Serviria-me para conseguir uma como você? — gritou um homem.

— Só se bebesse todo um tonel. — respondeu Bronwyn instantaneamente.

A multidão riu.

— Acredito que vou tentar. — gritou outro homem.

— Comprarei um pouco para meu marido. — Anunciou uma mulher, pondo-se a correr para o extremo da carroça onde esperavam Donald e Stephen.

Durante um momento Stephen esteve muito ocupado enchendo os recipientes para os aldeãos que aproximavam. Prestava pouca atenção a Bronwyn, embora se orgulhasse de sua maneira de vender e satisfeito que as pessoas gostassem dela. Até riu entre dentes com a ideia de que uma dama escocesa pudesse vender mercadorias com tanto êxito. Foi só quando começou a ouvir o riso baixo e sugestivo dos homens, que realmente, chamou sua atenção. Um dos homens, que esperava com uma taça, voltou-se para seu companheiro.

— Ela quase prometeu encontrar-se comigo junto ao poço da cidade.

Stephen ficou petrificado.

— Não disse que eu também estaria ali? — perguntou, com voz mortífera.

O homem olhou para Stephen, para o desafio no rosto bonito, e recuou.

— Não me culpe, — protestou — foi ela quem teve a ideia.

— Maldita seja! — exclamou Stephen, furioso, enquanto jogava a chaleira dentro da bebida. Que diabos estaria fazendo essa mulher?

Ao rodear o canto da carroça se deteve em seco. Tinha a camisa desabotoada, descobrindo uma boa porção de seus seios altos e firmes. Tirou a manta; a saia se agarrava aos quadris generosos. Andava de um lado para o outro na frente da crescente multidão de pessoas. E o jeito que ela andava! Suas mãos estavam em seus quadris, e seu traseiro ondulava sedutoramente.

Por um momento, ficou chocado, atordoado demais para se mover. Então ele deu dois passos longos em direção a ela. Agarrou seu braço, puxou-a para o beco atrás da carreta.

— O que diabos você acha que está fazendo? — Ele disse entre os dentes cerrados.

— Vendendo o tônico. — disse ela calmamente. — Você e Donald não pareciam estar fazendo um trabalho tão bom, então pensei em ajudar.

Ele soltou o braço dela e com raiva começou a abotoar sua blusa.

— Pois estava se divertindo, não? Olhe como se exibe feito uma mulher qualquer!

Ela olhou para ele e sorriu feliz.

— Está com ciúmes, não é?

— Claro que não! — rosnou-lhe. Mas fez uma pausa. — Diabos! Você tem razão, tenho ciúmes. Esses homens sujos não têm direito a ver o que é meu.

— Oh, Stephen, isso... Não sei o que é, mas eu gosto que tenha ciúmes.

— Você gosta? — exclamou ele, desconcertado. — Pois a próxima eu espero que você dependa de sua memória e não tente provocar-me este sentimento de novo.

Agarrou-a em seus braços e beijou-a ferozmente, vorazmente, possessivamente. Bronwyn respondeu apertando seu corpo contra ele, permitindo essa posse. De repente, uma voz muito potente sacudiu as casas, interrompendo o beijo.

— Onde está a moça que vende o tônico?

Bronwyn se afastou relutantemente, olhando perplexa para Stephen.

— Onde ela está? — Trovejou a voz novamente.

— É o Laird MacGregor. — sussurrou ela. — Não é a primeira vez que o ouço.

Ela se virou para a voz, mas Stephen pegou seu braço.

— Não pode ir ao encontro do Laird MacGregor.

— Por que não? Ele nunca me viu, não sabe quem sou ou como sou e, além disso, como posso me recusar, esta é a terra de MacGregor.

Stephen franziu o cenho, mas a soltou. Qualquer recusa os faria suspeitos.

— Aqui estou! — anunciou a jovem, saindo do beco. Stephen logo atrás dela.

O Laird MacGregor, sem desmontar, olhou-a de uma maneira divertida. Era um homem musculoso e forte, o cabelo grisalho nas têmporas, a mandíbula especialmente forte. Seus olhos eram verdes e vivos acima de um nariz proeminente.

— E quem me busca? — perguntou ela, arrogante. O Laird MacGregor jogou a cabeça atrás, em uma gargalhada.

— Como se não conhecesse seu próprio Laird. — disse. Seus olhos tornaram-se de uma cor verde esmeraldas. Sorriu-lhe com doçura.

— É o mesmo Laird que não conhece os membros de seu próprio clã? — Ela sorriu para ele docemente.

— É descarada, moça. Como te chama?

— Bronwyn! — disse ela, orgulhosa, como se o nome fosse um desafio. — O mesmo que a Laird do clã MacArran.

Stephen apertou os seus ombros a maneira de advertência. Os olhos de MacGregor endureceram.

— Não mencione a essa mulher.

Bronwyn pôs os braços sob os quadris.

— Isso é porque você ainda tem sua marca em seu peito?

De repente se fez um silêncio mortal ao redor. A multidão calava, contendo o fôlego.

— Bronwyn! — sussurrou Stephen, horrorizado com o que ela dissera. Laird MacGregor levantou a mão.

— Não só é descarada, mas também tem coragem. Ninguém se atreveu a mencionar essa noite diante de mim.

— Diga-me o motivo de ficar tão zangado com uma marca tão pequena?

O Laird MacGregor calou. Parecia estar estudando-a e analisando a pergunta.

— Você parece saber muito sobre isso. — De repente pareceu afrouxar sua tensão e sorriu. — Acredito que é uma questão da própria mulher em si. Se tivesse um aspecto parecido com o seu, levaria a marca com orgulho, mas uma bruxa feia como ela não tem direito a marcar o Laird MacGregor.

Bronwyn ia falar, mas Stephen colocou ambas as mãos na cintura dela até deixá-la sem respiração.

— Perdoe a minha esposa. — se desculpou Stephen. — Está acostumada a ser muito falante.

— De fato! — reconheceu o Laird MacGregor, entusiasmado. — Espero que você a mantenha com mão firme.

— Até onde posso. — riu Stephen.

— Eu gosto de uma mulher com caráter — acrescentou o Laird MacGregor. — A tua é bonita e, além disso, tem miolos.

— Eu só gostaria que ela guardasse seus pensamentos para si mesma de vez em quando.

— Isso é algo que poucas mulheres sabem. Bom dia aos dois. — Afastou em seu cavalo.

— Maldito seja! — protestou Bronwyn feroz, quando ela girou para encarar Stephen.

Antes que pudesse continuar falando ele lhe calou. Ao ver que a multidão continuava observando-os, agarrou-a por um braço para levá-la até a lateral da carreta.

— Bronwyn, — continuou paciente — não sabe o que poderia ter feito? Tinha a impressão de que a qualquer momento iria delatar-se como Laird do clã MacArran.

— E se eu o fizesse? — Ela perguntou obstinadamente. — Você o ouviu dizer...

Ele a cortou em seco.

— O que um homem se vangloria diante de uma moça bonita e o que ele deve fazer quando confrontado com uma multidão são duas coisas diferentes. Você considerou Kirsty e Donald, que nos deram refúgio?

Para seu espanto, Bronwyn relaxou, ou melhor, desinflou. O animo parecia deixá-la. Ela se reclinou em seus braços.

— Tem razão, Stephen. Aprenderei alguma vez?

Ele a abraçou firmemente, acariciando seus cabelos. Ele gostava de tê-la encostada nele, mentalmente e fisicamente.

— Será que algum dia serei esperta e inteligente o suficiente para merecer ser a Laird MacArran?

— Sim, meu amor! — sussurrou ele. — O desejo está em você e logo se cumprirá.

— Bronwyn?

Ambos levantaram a vista. Donald estava a poucos passos.

— Kirsty quer saber se estão preparados para ver o sacerdote. Queremos batizar o bebê antes que caia a noite, porque não gostamos de ficar entre muros depois do escurecer.

Stephen sorriu.

— Estamos prontos, é obvio.

Stephen observou Donald, percebendo que algo estava incomodando o jovem calmo e silencioso. E por que se dirigira a Bronwyn primeiro e não a ele? Ocorreu a Stephen que, se Donald estivesse dentro da carroça, poderia tê-los ouvido falar de Bronwyn sendo a Laird MacArran. Se ele soubesse, Stephen podia ver que Donald não pretendia entregá-los ao Laird MacGregor.


A igreja era o maior edifício do povoado, alto e imponente. Dentro guardaram silêncio; o bebê dormia nos braços de Kirsty.

— Posso falar com vocês? — perguntou a mãe, em voz baixa, antes que chegassem ao altar. — Querem ser os padrinhos de meu filho?

Bronwyn a olhou fixamente um momento.

— Conhece-nos tão pouco... — sussurrou.

— Conheço-os mais que suficiente. Sei que os dois tomarão com seriedade sua responsabilidade de padrinhos.

Stephen pegou a mão de Bronwyn.

— Sim, nós seremos os padrinhos, e vamos respeitar e cumprir tudo o que isso significa. Jamais faltará nada ao menino enquanto nós vivermos. — Assegurou.

Kirsty lhes sorriu e se adiantou para o sacerdote, que esperava. Batizaram o bebê com o nome de Rory Stephen. Seu padrinho depois de um olhar assustado sorriu amplamente. Bronwyn não protestou ao ouvi-lo apresentar-se ao sacerdote com o sobrenome de Montgomery. Quando saíram da igreja foi ele quem levou o bebê até a carreta.

— Por que não fazemos um desses? Eu gostaria de um garotinho de cabelo preto e olhos azuis e um buraquinho no queixo. — Sugeriu a Bronwyn.

— Sugere acaso que meu aspecto é mais adequado para um varão que para uma menina? — Brincou ela.

Stephen se pôs a rir.

— Sabe? Estou começando a gostar que agora não passe o tempo todo gritando que sou um inglês.

Ela observou seu cabelo comprido e a desenvoltura com que usava sua manta.

— Você já não se parece muito com um inglês. O que seus irmãos vão dizer, quando virem que o irmão deles se tornou metade escocês?

Ele resmungou.

— Eles vão me aceitar como eu sou, e se eles tiverem algum cérebro vão aprender algumas coisas de nós, os escoceses.

— De nós? — observou ela, detendo-se de repente.

— Venha e pare de olhar para mim como se tivesse duas cabeças.

Ela o seguiu, sem deixar de observá-lo. De repente caiu em si de que Stephen falava agora sempre com sua entonação escocesa, mesmo quando estavam sozinhos. A manta lhe golpeava os joelhos no ângulo justo. Caminhava como se sempre tivesse vivido na Escócia.

Ela sorriu, apertando o passo. Estava muito bonito com o bebê embalado em um braço. Gostou do modo em que deslizou o outro braço pelos seus ombros. Assim voltaram para a carroça: juntos, rindo, felizes.


Capítulo Onze

Durante dois dias viajaram com muita lentidão, Bronwyn tratava de que Kirsty ficasse na carreta, mas ela se limitava a rir. Stephen dizia que Kirsty saía em autodefesa, depois de ter provado algumas das comidas de Bronwyn.

— Este é o pior guisado de coelho que provei em minha vida. — disse Stephen uma noite, aborrecido. — Não tem sabor de nada.

— Coelho? — Bronwyn disse distraidamente. Ela estava segurando o bebê, observando seus olhos seguirem o movimento da luz do sol morrendo em seu broche. — Oh não! — Ela disse quando finalmente percebeu o que Stephen tinha dito. Seu rosto se transformou em um tom rosado. — Os coelhos ainda estão pendurados no lado da carreta. Me...

A risada de Stephen a interrompeu.

— O que aconteceu com a mulher inteligente com a qual me casei?

Bronwyn lhe sorriu com toda confiança.

— Ainda está aqui. Qualquer um pode cozinhar, mas eu posso...

Ela parou e olhou para cima, aturdida.

— Estamos esperand.o — disse Stephen.

— Deixa de chateá-la — protestou Kirsty, serena — Bronwyn, tão linda como você é não precisa saber cozinhar e, além disso, você é corajosa, destemida, tem grande sentido prático e...

Bronwyn se pôs a rir.

— Veja! — disse para Stephen. — Estou feliz que alguém me aprecie.

— Oh, Stephen valoriza você. — Assegurou Kirsty, sorridente. — Na verdade não me lembro de ter visto um casal mais apaixonado que vocês.

Bronwyn afastou o olhar do bebê, sobressaltada. Stephen a contemplava com expressão idiota, como na primeira vez em que o vira.

— Ela é bonita, não é? — Ele disse. — Pena que não saiba cozinhar.

Ele disse isso como se o pensamento estivesse longe, Bronwyn fez uma careta e jogou um torrão de terra em sua cabeça. Ele riu e pareceu voltar ao presente.

— Vai me deixar segurar meu afilhado? Ele passa muito tempo com mulheres. — Riu outra vez ante a réplica da esposa.


No final da noite seguinte, viram a casa dos pais de Kirsty. Era uma casa típica de camponeses, de pedra caiada com um telhado de palha. Havia alguns campos de cevada próximos e algumas ovelhas, bem como gado. Uma formação íngreme da rocha se formava ao longo da parte traseira da cabana.

Os pais de Kirsty saíram para encontrá-los. Seu pai, Harben, era um homem baixo, e nodoso, sem o braço direito. Seu rosto estava obscurecido por longos cabelos grisalhos e uma barba volumosa. Mas o que poderia ser notado à primeira vista era que parecia estar sempre com raiva.

Nesta, a mãe de Kirsty, era uma coisinha pequena e magra, os cabelos grisalhos recolhidos para trás em um coque. Era tão quente quanto Harben era frio. Abraçou o bebê, Kirsty, e Bronwyn de uma só vez. Agradeceu a Stephen e Bronwyn repetidas vezes por ter ajudado a nascer o seu único neto. Beijou Stephen tão entusiasticamente como a Donald.

Stephen perguntou se podiam passar a noite ali, para prosseguir viagem pela manhã. Pela expressão de Harben parecia que fora insultado.

— Só uma noite? Por quem me toma? — rosnou. — Que espécie de homem é você? Sua esposa é muito magra e onde estão seus filhos? — Sem esperar pela resposta de Stephen, adicionou. — Minha cerveja caseira porá um bebê nesse ventre liso dela.

Stephen balançou a cabeça como se tivesse acabado de ouvir uma grande sabedoria.

— Estava convencido de que era eu quem a deixaria grávida, e durante todo o tempo, era preciso somente uma cerveja caseira?

Harben emitiu um som que podia ser considerado uma risada.

— Entrem e se considerem bem-vindos.

Depois de uma ceia simples de leite, manteiga, queijo e tortas de cevada, todos se sentaram ao redor do fogo de turfa no único cômodo. Stephen, sentado em um banquinho, esculpia um brinquedo para Rory Stephen. Bronwyn se acomodou no chão de terra sobre os joelhos. Kirsty e sua mãe ficaram do outro lado. Donald e Harben, em frente ao fogo.

Donald, que já demonstrara que era um bom contador de histórias, acabara de dar um relato hilário de Bronwyn vendendo o tônico e a reação de Stephen aos seus movimentos sedutores. Terminou com a história de Bronwyn encontrando o Laird MacGregor.

Bronwyn riu de si mesma junto com os outros De repente Harben se levantou de um salto, virando seu banquinho.

— Pai! — pronunciou Kirsty, preocupada. — Dói-te outra vez o braço?

— Oh, sim — respondeu ele, com grande amargura. — Nunca cessou que doer desde que os MacArran o arrancaram.

Stephen se apressou a apoiar uma mão no ombro de Bronwyn, em advertência.

— Agora não é a hora. — murmurou Nesta.

— Não é a hora! — Harben gritou. — Quando é a hora de odiar o MacArran? — Ele se virou para Bronwyn e Stephen. — Veja isso? — perguntou, indicando a manga vazia. — O que um homem pode fazer sem um braço direito? O próprio Laird MacArran tirou-o de mim. Há seis anos ele invadiu meu pasto, levou meu gado e meu braço com ele.

— Seis anos. — sussurrou Bronwyn. — Não é verdade que os MacGregor fizeram também algumas incursões e que mataram a quatro homens?

Harben fez um gesto com a mão.

— Mereciam-no por nos roubar.

— O que devia fazer o Laird MacArran? Deveria ter ficado quieto, de braços cruzados, enquanto matavam a seus homens? Ele não deveria ter se vingado?

— Bronwyn... — advertiu Stephen.

— Deixa-a em paz. — retrucou Harben. — O que sabe do Laird MacArran?

— Ele...

Kirsty a interrompeu.

— Bronwyn vive próximo à fronteira das terras dos MacArran.

— Ah, sem dúvida têm muitos problemas com eles. — comentou Harben, com certa simpatia.

— Em realidade, nenhum. — Sorriu a moça.

— Pois me conte como... — Harben falou.

Kirsty se levantou.

— Acho que é hora de todos irmos deitar. Temos que cuidar da ordenha na parte da manhã.

— Sim! — disse Harben. — As manhãs vêm mais cedo a cada ano.

Mais tarde, quando Bronwyn e Stephen se aconchegaram sob suas mantas em um colchão de palha, ela falou:

— Não me critique.

Stephen a estreitou contra si.

— Não pensava em fazer isso. Gostei de ver você e o velho Harben discutirem. Acho que desta vez você encontrou com a fôrma de seu sapato. Nenhum dos dois consegue acreditar em nada de bom do outro clã.

Ele a beijou quando Bronwyn fez menção de retrucar, então se acomodaram pacificamente para dormir.


Um cavaleiro trouxe notícias na manhã seguinte que mudou os planos de Stephen de deixar a casa de Harben e prosseguir viagem. Sabia-se que a Laird MacArran estava desaparecida assim como seu marido inglês. O Laird MacGregor tinha oferecido uma recompensa generosa para sua captura.

Stephen sorriu quando Harben disse que lamentava não ter essa bruxa para entregá-la ao Laird MacGregor. Deixou de sorrir quando o velho acrescentou que o inglês era um pavão desprezível, que não merecia a terra em que o sepultariam. Franziu o cenho, enquanto Bronwyn se declarava fervorosamente de acordo com a opinião de Harben a respeito do inglês. Ela o incitava até que Kirsty interrompeu os resmungos do pai.

— Eu vou te retribuir por isso. — Sussurrou Stephen enquanto iam para a inclinação, onde as vacas leiteiras ficavam.

— Submetendo-me aos desejos gulosos dos ingleses? — Ela brincou, então caminhou à frente dele, seu traseiro balançando sedutoramente.

Stephen começou a responder, mas de repente se sentiu tomado de desejo. Sorriu para ela e foi até uma das vacas.

Bronwyn passara a vida entre os arrendatários dos MacArran e estava familiarizada com o trabalho na fazenda. Stephen sabia apenas como dirigir os homens em combate. Sentou-se em um banquinho ao lado da vaca e ficou olhando-a atônito.

— Olhe! — disse Kirsty, em voz baixa e lhe demonstrou como se ordenhava. Stephen derramou mais leite na roupa que dentro do balde, mas ela não emprestou atenção aos seus juramentos.

Mais tarde compartilharam o leite ordenhado para que o balde de Stephen ficasse tão cheio quanto o delas. Nesta ficou intrigada pela inexplicável queda na produção de leite, mas sorriu a todos com carinho e os enviou para os campos.

Havia vegetais de inverno para serem colhidos e cercas para serem reparadas. Donald e Bronwyn riram quando viram o rosto de Stephen ao ver a cerca de pedra. Ele estava tão contente como uma criança que afinal, encontrava algo que sabia fazer. Stephen carregava mais pedras do que o resto deles juntos. Estava colocando nas costas uma grande pedra quando Kirsty cutucou Bronwyn. Harben olhava para Stephen com adoração nos olhos.

— Acredito que podem ficar tanto tempo como desejarem. — disse a jovem, em voz baixa.

— Obrigado. — respondeu Bronwyn. E uma vez mais teve a sensação de que Kirsty sabia muito sobre ela.

Naquela noite, foi um grupo muito cansado que voltou para a pequena cabana quente. Mas eram um grupo feliz. Harben observava-os enquanto brincavam e riam, contando os acontecimentos do dia. Ele acendeu um cachimbo, colocou o cotovelo no joelho e, pela primeira vez em anos, não pensou no dia em que perdeu o braço.


Dois dias depois, Kirsty e Bronwyn saíram em busca de líquens no outro lado da rocha contra a qual se apoiava à cabana. Rory Stephen ia comodamente envolvido em uma manta, dormindo em uma cesta ao lado do riacho. Havia nevado um pouco durante a noite e as mulheres levaram tempo em sua busca. Riam e conversavam sobre a fazenda e sobre seus maridos. Bronwyn nunca se sentira tão livre, sem responsabilidades nem preocupações.

De repente ficou petrificada. Na verdade não tinha ouvido nada, mas algo no ar a fez saber que o perigo estava próximo. Ela possuía muitos anos de treinamento para esquecê-los por um instante.

— Kirsty! — chamou em voz baixa, mas autoritária. A moça levantou a cabeça. — Fica quieta, compreende? — Já não se tratava de uma mulher risonha, mas sim da Laird MacArran.

— Mas Rory... — sussurrou Kirsty, com os olhos muito abertos.

— Escuta e me obedeça. — Bronwyn falou clara e deliberadamente. — Quero que te esconda entre essas ervas altas.

— Rory... — repetiu Kirsty.

— Você deve confiar em mim! — pediu Bronwyn com firmeza. As duas cruzaram um olhar.

— Sim! — disse Kirsty. Seus olhos se fecharam.

Sabia que podia confiar naquela mulher que se tornara sua amiga. Bronwyn era mais forte e mais rápida do que ela. Rory significava muito para Bronwyn para arriscá-lo por vaidade de uma mãe. Deu meia volta e se afastou entre o matagal. Abaixou-se em um lugar de onde pudesse ver o cesto do bebê. Sabia que Bronwyn tinha melhores chances de escapar com o bebê. — Os homens a alcançariam em segundos.

Bronwyn permanecia muito quieta, esperando algo sem exatamente saber o que.

A água correndo fazia barulho suficiente para cobrir o som dos cascos dos cavalos. Quatro cavaleiros apareceram por detrás do penhasco, quase antes que Kirsty pudesse se esconder. Eram ingleses e vestiam grossas roupas. Seus coletes estavam puídos e as meias furadas; seus olhos tinham um aspecto faminto.

Eles viram Bronwyn imediatamente, e ela reconheceu a luz que brilhou em seus olhos. Rory começou a chorar, e ela correu para o bebê, apertando-o contra seu seio.

— Olhem o que temos aqui! — disse um homem de cabelos loiros enquanto conduzia o cavalo diretamente à sua frente.

— Uma beleza das montanhas escocesas. — riu um segundo homem enquanto conduzia seu cavalo por trás dela.

— Olhem esse cabelo! — disse o primeiro homem.

— As mulheres da Escócia são todas prostitutas. — Disse um terceiro homem. Ele e o quarto homem fecharam o círculo em torno de Bronwyn. O homem na frente impulsionou seu cavalo para frente até que ela teve que dar um passo para trás.

— Não parece muito assustada. — observou ele. — Em realidade, está pedindo a gritos que lhe apaguem essa expressão do rosto. Mulheres não devem ter covas no queixo. — Riu. — Não fica bem.

— Cabelo negro e olhos azuis. — comentou o segundo. — Onde eu já vi isso antes?

— Acho que me lembraria dela se a tivesse visto antes. — disse o terceiro homem. Ele puxou a espada e estendeu-a para Bronwyn, colocando a ponta sob seu queixo.

Ela levantou a vista, com olhos duros, mas serenos, para estudar a situação.

— Deus bendito! — exclamou o segundo. — Acabo de lembrar quem é.

— Quem se importa com quem ela é? — disse o primeiro homem, desmontando. — Ela é algo que planejo provar, e isso é tudo que me importa.

— Espera! — exclamou o segundo — É a Laird MacArran. A vi na casa de Sir Thomas Crichton. Lembra-se de que ela estava casada com um dos Montgomery?

O homem que estava junto à moça deu um passo atrás.

— É verdade isso? — perguntou, com voz de grande respeito e temor.

Ela só olhou para ele, suas mãos tentando acalmar a criança que segurava. Um dos cavaleiros pôs-se a rir.

— Olhem para ela! É mesmo a Laird MacArran. Alguém viu tal orgulho em uma mulher? Ouvi dizer que ela fez o Montgomery combater por ela, mesmo depois que o rei Henry já a prometera em matrimônio.

— Sim, ela o fez! — confirmou o segundo. — Mas pode comprovar por que Montgomery estava disposto a brandir a espada por ela.

— Lady Bronwyn, — disse o primeiro, pois seu nome era conhecido nos mais altos círculos da Inglaterra — onde está Lorde Stephen?

Bronwyn não respondeu. Seus olhos se desviaram momentaneamente em direção às rochas que a separavam da cabana. Quando o bebê gemeu, apoiou uma bochecha contra a cabecinha.

— Que prêmio! — disse o quarto homem, que estava muito quieto. Ele disse as palavras em voz baixa, como se divagasse. — O que devemos fazer com ela?

— Entregá-la aos Montgomery. Sem dúvida Stephen tem que estar buscando-a. — Disse o primeiro homem.

— E sem dúvida pagará generosamente pelo seu retorno — riu outro.

O quarto homem aproximou seu cavalo, forçando Bronwyn a retroceder.

— E o clã? — apontou com seriedade. — Sabiam que os MacArran estão em guerra com os MacGregor? Esta é a terra dos MacGregor, vocês sabem.

— Charles, — ponderou o primeiro, lentamente — acho que você está começando a ter boas ideias. Esta mulher está obviamente se escondendo. De quem é esse menino? — perguntou dirigindo-se a Bronwyn.

— Ainda não pode ter tido um do Montgomery. Talvez escapou dele para dar a luz ao filho de outro homem.

O segundo pôs-se a rir.

— Ele provavelmente pagaria muito por tê-la de volta, talvez apenas para que pudesse fervê-la em óleo.

— E se pedirmos resgate aos três? A seu clã, ao Laird MacGregor e ao Montgomery.

— E nos divertirmos enquanto esperamos. — Propôs o terceiro.

Kirsty observava tudo do matagal junto ao riacho. Havia lágrimas em seus olhos e sangue em seu lábio inferior onde tinha mordido. Ela sabia que Bronwyn poderia ter fugido. As rochas atrás dela eram muito íngremes para que os homens pudessem subir a cavalo, e Bronwyn poderia ter escapado deles. Mas não com a criança. Levaria o uso de ambas às mãos para escalar essas rochas. Bronwyn não conseguiria fugir enquanto segurava Rory.

— Eu gosto da ideia. — Disse o primeiro, aproximando-se da moça. — Se você cooperar não será machucada. Agora me dê essa criança. — Falava como se ela fosse idiota. Quando Bronwyn deu um passo atrás, ele franziu o cenho. — Sabemos que o bebê não é do Montgomery, então não seria melhor se nos livrássemos dele agora?

Bronwyn se ergueu em toda sua estatura com firmeza.

— Se meu filho ou eu sofrermos dano, todo meu clã e toda a família Montgomery cairão sobre vocês. — Disse com voz serena.

O homem a olhou surpreso um momento, mas se recuperou.

— Você está tentando nos assustar? — Ele deu um passo mais perto. — Me dê à criança!

— Não te aproxime mais. — Advertiu Bronwyn com voz seca.

Um dos homens riu.

— Acho que é melhor ter cuidado com ela. Parece perigosa. O homem atrás de Bronwyn desmontou.

— Precisa de alguma ajuda? — Ele perguntou calmamente. Os outros dois permaneceram a cavalo e se aproximaram. Bronwyn não entrou em pânico. Não podia colocar o bebê no chão nem tirar sua adaga. Sua única chance era ser capaz de ultrapassar os ingleses na corrida, que estavam acostumados a viver sobre o cavalo. Ela facilmente esquivou-se do homem na frente dela, aninhou Rory contra ela, e começou a correr. Mas mesmo uma escocesa não era páreo para um cavalo.

Um dos homens a cavalo cortou sua frente forçando-a a parar de correr. Sua risada insidiosa irrompeu o ar. Rory começou a chorar enquanto Bronwyn o segurava mais perto dela. Ela sabia que os homens iriam matar a criança se o depositasse no chão.

Os cavaleiros voltaram a rodeá-la. Um deles a segurou pelo ombro e empurrou-a na direção de outro homem.

De repente, uma flecha apareceu do nada e afundou-se no peito do primeiro homem quando ele estendeu a mão para tocar Bronwyn novamente.

Os outros três ficaram aturdidos, olhando fixamente a seu companheiro, que jazia a seus pés, silencioso e sem vida. Bronwyn não perdeu tempo em se perguntar de onde surgira essa flecha. Utilizou esses poucos segundos para correr em direção ao rochedo.

Os homens olharam ao redor deles tentando encontrar o arqueiro. Antes que pudessem pensar, um escocês solitário levantou-se das pedras e disparou outra flecha. O terceiro homem, também a pé, caiu.

Os dois homens a cavalo viraram bruscamente e começaram a cavalgar pelo o caminho que eles vieram.

Stephen veio sobre as rochas ágil e rapidamente com Rab logo atrás dele. O cão lhe dera o alarme. Ele correu atrás dos homens a cavalo, disparando seu arco enquanto corria. Um dos homens caiu enquanto seu cavalo continuava galopando, o pé do seu mestre morto, preso no estribo, o corpo sendo arrastando pelo chão áspero. Stephen continuou correndo atrás do quarto homem.

Lentamente Kirsty saiu de seu esconderijo. Ela estava muito assustada para mover-se rapidamente. Bronwyn a encontrou a meio caminho. Kirsty tomou seu filho, segurou-o com ternura, depois ergueu o olhar e viu Donald vindo em sua direção. Ela entregou o bebê ao pai, então apertou Bronwyn. Seu corpo tremia.

— Salvou-o! — sussurrou trêmula. — Poderia ter escapado, mas não o fez. Arriscou a vida para salvar ao meu bebê.

Mas Bronwyn mal escutava. Olhava fixamente o local por onde Stephen aparecera.

— Matou aos ingleses! — Ela sussurrou repetidas vezes, sentindo-se feliz e espantada. Stephen matou ingleses para protegê-la e a um bebê escocês.

Donald pôs a mão no ombro de Bronwyn.

— Você e Stephen terão que partir. — disse com tristeza.

— Oh, Donald, por favor... — começou Kirsty.

— Não, é preciso. Esses homens... — interrompeu-se ao ver que Stephen retornava.

Bronwyn caminhou em sua direção como se estivesse aturdida. Observou-o com cuidado, mas não viu nenhum sinal de sangue. Estava suado pela corrida, e ela queria secar sua testa.

— Machucaram você? — perguntou ela, em voz baixa.

Ele a olhou fixamente e a estreitou contra si.

— Foi muito corajoso o que você fez, a maneira como você protegeu o bebê.

Antes que a ela pudesse responder, Donald interveio:

— Stephen, e o outro homem?

— Escapou. — informou Stephen, deslizando as mãos pelas costas de Bronwyn, para assegurar-se de que estivesse sã e salva.

Kirsty e Donald trocaram olhares.

— Irá à busca do Laird MacGregor, sem dúvida. — disse Donald.

Bronwyn se afastou do abraço de Stephen.

— Há quanto tempo sabem que eu sou a Laird MacArran? — perguntou.

— Desde o começo. — respondeu Kirsty. — Eu a vi faz um ano, um dia em que você cavalgava com seu pai. Minha mãe e eu recolhíamos amoras.

— Então sua mãe também sabe. — disse Bronwyn. Ela ainda segurava a mão de Stephen e estava feliz por sua confiança. — E seu pai?

Kirsty franziu o cenho.

— Está muito colérico para perdoar. Quis lhe dar mais tempo para que conhecesse os dois. Pensava contar-lhe tudo quando tivessem partido. Nós sabíamos que ele não conseguiria odiá-los.

— Mas houve pouco tempo. — Adicionou Donald. — Esse inglês contará tudo ao Laird MacGregor.

— Stephen! — disse Bronwyn. — Devemos ir embora. Não podemos pôr em perigo Kirsty e a sua família.

Ele assentiu.

— Donald, Kirsty...

— Não! — disse Kirsty, interrompendo-o. Não precisa dizer uma palavra, são padrinhos de meu filho, e eu pretendo mantê-los e obrigá-los a cumprir com seu papel.

Stephen sorriu.

— Ele pode iniciar-se e treinar como cavalheiro com um de meus irmãos. — propôs.

— Com um inglês! — saltou Bronwyn. — Não, Kirsty. Ele pode vir à casa dos MacArran.

Donald sorriu.

— Basta. Logo faremos mais garotos para vocês. Agora peguem os cavalos dos ingleses e vão para casa. Há tempo antes do Natal para chegar à casa dos irmãos de Stephen.

— Kirsty, — murmurou Bronwyn e Kirsty a abraçou com força. — O que meu povo dirá quando souber que minha melhor amiga é uma MacGregor? — Disse e riu. A outra estava séria.

— Deve voltar para cá e falar com o Laird MacGregor. É um bom homem e gosta das mulheres bonitas. Você deve tentar resolver essa rixa. Não quero que nossos filhos precisem brigar entre si.

— Tampouco eu. — assegurou Bronwyn, afastando-se. — Te dou minha palavra de que voltarei.

Stephen pôs o braço em volta dela.

— É necessário que voltemos para beber outro pouco dessa cerveja caseira de Harben.

Donald deixou escapar uma gargalhada.

— E Bronwyn, eu creio que devo lhe pedir desculpas e agradecer por não ter rido de mim quando nos conhecemos. Quando me lembro de todas as coisas que disse sobre a Laird MacArran!

— Era tudo verdade. — Stephen riu. — Ela é a mulher mais teimosa, mais desobediente, mais...

— Magnífica de todas — concluiu o outro por ele, abraçando Bronwyn. - Jamais poderei agradecer o suficiente pela vida do meu filho. Obrigado. — Deixou-a de lado e abraçou Stephen. — Agora partam. Peguem os cavalos dos ingleses e corram. — Separou-se de Stephen. — Quando Kirsty me disse que você era inglês não quis acreditar nela. E ainda não acredito.

Stephen riu.

— Tenho certeza de que isso foi um elogio. Kirsty foi uma honra conhecê-la e eu gostaria que pudéssemos ficar mais tempo para que minha esposa pudesse aprender a ser doce como você.

Antes que Bronwyn pudesse fazer uma réplica, Donald soltou uma gargalhada.

— Isso é o que ela aparenta, amigo. Ela também é desobediente, como Bronwyn, só que de outro modo.

Bronwyn entrecerrou os olhos para olhar a seu marido.

— Pense antes de responder. — lhe advertiu.

Ele tocou a mão de Rory, sentindo os dedinhos do menino o agarrarem um instante. Então tomou Bronwyn pela mão e caminhou para os cavalos. Nenhum dos dois podia olhar para trás enquanto se afastavam. O curto tempo na cabana de Harben havia sido de paz, e era muito doloroso pensar em deixá-los.


Cavalgaram a um ritmo constante por várias horas. Não queriam atrair atenção para si mesmos viajando a um galope rápido. Stephen parou uma vez e removeu dos cavalos as rédeas inglesas e jogou-as nas urzes. Bronwyn persuadiu a esposa de um camponês a dar-lhe um pote de tintura escura, e pintou as marcas brancas dos cavalos. Se olhassem de perto, podia-se ver que as patas dianteiras eram ligeiramente roxas em vez da cor castanho profundo do resto do cavalo.

Stephen estava preocupado com provisões e queria gastar as poucas moedas encontradas nos alforjes, mas Bronwyn riu e lembrou-lhe que ainda estavam na Escócia. Onde quer que fossem, seriam recebidos com hospitalidade e generosidade. Às vezes, um camponês tinha pouco ou o suficiente para sua própria família, mas sempre estava disposto a compartilhar o que possuía com outro escocês — ou qualquer pessoa que não fosse inglês. Bronwyn riu da forma como Stephen muito frequentemente ouvia e suportava, em silêncio, os insultos aos abusos dos ingleses. Um escocês após outro mostrou a Stephen os campos queimados pelos ingleses. Um homem apresentou seu neto, produto de um estupro em sua filha por um inglês. Stephen escutava e respondia com seu suave sotaque escocês, que agora era tão natural para ele quanto respirar.

Pelas noites se envolviam juntos nas mantas e faziam amor. Às vezes, durante o dia, olhavam um para o outro de cima de seus cavalos, em plena cavalgada e no momento seguinte estavam no chão, suas roupas espalhadas e abandonadas. Stephen só precisava olhar Bronwyn para ela saber o que ele pensava. Seus olhos ardiam e seus corpos queimavam. Ela sorria para ele e deixa-se enlaçar pela cintura para que ele a colocasse na sela em frente a ele.

— Acredito que jamais poderei ter o suficiente de você. — sussurrou Stephen lhe mordiscando o lóbulo da orelha.

— Não será porque não o tente. — disse ela impudica. Mas fechou os olhos e moveu a cabeça para que ele tivesse acesso ao pescoço. De repente ergueu as costas, porque várias pessoas estavam olhando para eles da estrada. — Stephen!

— Bom dia. — Saudou Stephen e voltou para pescoço de Bronwyn.

— Não tem pudor? — protestou ela empurrando-o. — Pelo menos deveríamos... — Interrompeu-se ao ver o brilho dos olhos de seu marido. — Por ali há algumas árvores — sussurrou.

Rab ficava de guarda enquanto Stephen e Bronwyn estavam deitados lado a lado no pequeno bosque. Bronwyn achava que quanto mais faziam amor, mais o corpo de Stephen a fascinava. A luz que passava através das árvores jogava raios dourados na pele bronzeada de seus músculos. Ela estava fascinada pela sua força e potência, sua capacidade de mover seu corpo com uma só mão. Ela brincava, rolando para longe, mas ele só tinha que colocar uma mão em sua cintura e puxá-la de volta.

Fizeram amor em todas as posições imagináveis. Estavam longe do clã há tanto tempo que Bronwyn perdera seu forte senso de responsabilidade e sentia-se livre e feliz. Procurava Stephen tão avidamente quanto ele a procurava. Experimentava de tudo, deixando que seu corpo controlasse sua mente. Estava deitada de costas, com as pernas jogadas sobre Stephen, que estava deitado ao seu lado. Agarrou-o, puxando para si, e gemeu enquanto suas mãos acariciavam lhe as pernas. Todo seu corpo estremeceu quando explodiram juntos.

Eles permaneceram imóveis por um longo tempo, enrolados um sobre o outro, nenhum deles notando o ar frio do inverno ou o solo úmido e quase congelado.

— Como é sua família? — perguntou Bronwyn, com voz rouca.

Stephen sorriu e olhou para seu corpo, perpendicular ao dele. Estava contente que ela parecia fraca e exausta, exatamente como ele se sentia. Teve um pequeno arrepio quando uma rajada de vento enviou pequenas agulhas geladas pelo seu corpo.

— Vamos nos vestir e preparar tortas de cevada.

Depois que estavam vestidos, Stephen foi até o cavalo dele, pegou uma ampla caçarola de metal que estava pendurado na aba da sela, e de dentro do alforje um saco de farinha de aveia. A caçarola tinha sido sua única compra. Bronwyn já tinha acendido uma pequena fogueira quando ele voltou. Misturaram a aveia com água enquanto a caçarola aquecia, em seguida, espalharam a pasta sobre a chapa quente. Stephen virou a torta com os dedos.

— Não me respondeu. — observou ela, enquanto comia a primeira torta.

Ele sabia a que ela se referia, mas não quis deixar transparecer o quanto estava satisfeito por ela ter perguntado sobre sua família. Teve a súbita sensação que não desejava chegar tão cedo à propriedade dos Montgomery, pois preferia ter Bronwyn só para ele. A luz do fogo refletia em seus cabelos e no broche preso em seu ombro. Não, não queria dividi-la com ninguém.

— Stephen? Está-me olhando de um modo estranho.

Ele, sorridente, voltou sua atenção à torta que assava na caçarola.

— Só estava pensando. Vamos ver... Você queria saber sobre a minha família. — Enrolou uma torta quente e começou a comê-la. — Gavin é o primogênito, então eu, depois vem Raine e Miles.

— Como são eles? Se parecem com você?

— É difícil julgar quando fazemos parte da família. Gavin é alto e extremamente teimoso. Está sempre se dedicando às terras Montgomery e passou ali a maior parte de sua vida.

— E é o único casado.

— Se esquece de mim? — riu ele. — Gavin e Judith se casaram faz mais ou menos um ano.

— Como é ela?

— Muito bela! Bondosa, doce, pormenorizada, indulgente. — Riu entre dentes. — Tinha que ser assim ou de outro modo não poderia suportar viver com Gavin. Ele não sabe muito sobre as mulheres, e como resultado se mete em um monte de problemas com elas.

— Estou feliz que ele seja o único de vocês quatro que sabe pouco sobre mulheres.

Stephen ignorou o sarcasmo em suas palavras. Estava começando a se lembrar de sua família com saudade.

— Então, há Raine, que é como Tam, musculoso, mais baixo e pesado, como nosso pai. Raine é o... não sei como explicá-lo. Ele é bom, profundamente bom por dentro. Ele colocará sua própria vida em perigo antes que possa fazer mal a um servo ou deixar que alguém possa maltratá-lo ou o prejudicá-lo.

— E Miles?

— Miles... — Stephen sorriu. — Miles está sempre quieto e calado, ninguém sabe muito sobre ele. Mantêm para si mesmo seus sentimentos, mas de vez em quando explode. Seu temperamento e ira são mais terríveis que se possa imaginar. Uma vez, quando éramos crianças, ficou zangado com um dos escudeiros de meu pai, e precisou de nós três para mantê-lo bem seguro até ele se acalmar.

— O que tinha feito o escudeiro? — perguntou ela por curiosidade, aceitando outra torta.

Os olhos do Stephen se iluminaram com a lembrança.

— Estava chateando a uma garotinha. Miles adora as mulheres.

— A todas?

— Todas... — disse Stephen. — E elas o seguem como se ele tivesse a chave da felicidade. Nunca conheci a uma mulher que não gostasse de Miles.

— Ele parece muito interessante. — Disse ela, lambendo os dedos.

— Nem pense em... — mas Stephen se interrompeu, porque Bronwyn o olhava com muito interesse. Então voltou sua atenção para as tortas. — E também há Mary.

— Quem é Mary?

— Nossa irmã.

Algo sobre a forma como disse as palavras lhe fez fitá-lo.

— Nunca mencionou a nenhuma irmã. Como é ela? Estará na casa no Natal?

— Mary é como a Madonna. — Disse ele com reverência. — Mesmo quando éramos crianças sabíamos que ela era diferente. Ela é a filha mais velha, e sempre soube como manter seus irmãos mais ‘jovens’ fora de problemas. Às vezes Gavin e Raine brigavam. Gavin sempre esteve ciente de que as terras seriam suas algum dia. E sempre ficava zangado quando Raine perdoava um servo por causar qualquer destruição na terra, mesmo quando fosse claramente causada por um acidente. Mary sempre se interpunha entre eles e os acalmava com sua voz suave.

— Como? — perguntou Bronwyn, pensando em suas responsabilidades dentro do clã.

— Nunca entendi como ela fazia isso. Quando Miles tentou matar o escudeiro, foi Mary que conseguiu acalmá-lo.

— E o que é dela agora? Seu marido a trata bem?

— Não tem marido. Pediu permissão para nunca se casar, e como nunca conhecemos um homem que fosse digno e amável o suficiente para ela, concedemos seu desejo. Ela vive em um convento não muito longe das propriedades dos Montgomery.

— Foram muito amáveis, os quatros irmãos, em conceder seu desejo. Ouvi dizer que as inglesas geralmente têm pouca escolha sobre seu futuro.

Stephen não se ofendeu por suas palavras.

— Acho que você tem razão, talvez devessem aprender com os escoceses.

— Devessem? Quem? — apontou ela com suavidade.

Ele riu ante a observação.

— Sabe que quase começo a me sentir escocês? — Se levantou para mostrar a perna nua. — Você acha que meus irmãos vão me reconhecer?

— Provavelmente sim, mas duvido que outros o reconheçam. — Havia orgulho na voz do Bronwyn.

— Eu gostaria de comprovar se você está certa.

— Planeja algo? — ela perguntou com suspeita, pois neste momento seu marido parecia um garotinho peralta. — Stephen já temos os MacGregor em nosso encalço, meu irmão com seus homens e sem dúvida alguns ingleses, já que você matou três deles. Eu gostaria de chegar inteira a casa do seu irmão.

— Chegaremos. — disse Stephen, com um olhar distante nos olhos. — Mas poderíamos fazer uma visita no caminho.

Bronwyn suspirou e se levantou para sacudir a poeira da saia. Enquanto se dirigia aos cavalos sua mente estava cheia de pensamentos sobre meninos que nunca cresceram.


Capítulo Doze

Quando entraram na Inglaterra, Stephen podia sentir a diferença no ar. Mesmo na fronteira da Escócia, o povo não estava acostumado a ver os escoceses. Algumas pessoas olhavam abertamente para o seu traje. Alguns gritaram palavras zangadas porque suas terras e propriedades haviam sido atacadas e queimadas pelos escoceses. Bronwyn cavalgava com as costas rígidas e a cabeça erguida. Recusava-se a responder qualquer coisa que os ingleses dissessem. Só uma vez mostrou sua emoção. Stephen parou no poço de um camponês para reabastecer seus odres de água, e o fazendeiro correu atrás deles com um garfo de feno. Stephen, com o sangue fervilhando em seu corpo, voltou-se para contra atacar ao pequeno homem que estava amaldiçoando os escoceses tão vividamente. Bronwyn agarrou o braço do marido e puxou-o de volta para os cavalos. Durante horas depois, Stephen murmurou juramentos sobre a estupidez dos ingleses. Bronwyn só sorria com suas palavras. Não havia uma que ela já não tivesse pensado ou dito. Agora eles estavam discutindo sobre outra coisa. Duas noites atrás, Stephen dissera a Bronwyn que tinha um plano para enganar um amigo de infância.

— Não, eu não compreendo! — protestou ela, pela centésima vez.

— É uma rivalidade — disse Stephen pacientemente. — Você, acima de qualquer outra pessoa, deve entender o que é uma rivalidade.

— O que separa aos MacGregor dos MacArran é algo real, apoiado em muitos anos de ódio e hostilidade. Eles mataram aos meus homens e roubaram meu gado. Algumas de minhas mulheres cuidam de bastardos MacGregor. — Lançou um olhar suplicante ao marido. — Por favor, Stephen, isso é uma brincadeira de crianças e só vai causar problemas. O que importa se esse homem reconhece você ou não?

Stephen se recusou a responder, especialmente porque ela já tinha feito à pergunta várias vezes. Ele não podia explicar a ela sobre Hugh. Nem sequer podia recordar o ocorrido sem constrangimento e dor.

Enquanto patrulhava com Hugh as fronteiras inglesas com as terras baixas da Escócia, por ordem do rei Henry, tinha recebido a notícia de que o monarca desejava lhe casar com a herdeira do clã MacArran. Hugh explodiu em gargalhadas. Durante dias, não fez mais do que conjurar imagens horríveis da noiva de Stephen. Em pouco tempo, todo o acampamento falava da feia criatura com quem Lorde Stephen teria que se casar.

O decreto era especialmente desagradável, porque na época, Stephen pensava que estava apaixonado. Seu nome era Margaret, mas chamavam-na Meg. Era uma loira de rosto rosado, corpo branco e gordinha, filha de um comerciante das terras baixas. Tinha grandes olhos azuis e uma boca pequena que parecia sempre pronta para beijar. Era tímida e silenciosa, adorava ao Stephen... ou pelo menos isso ele pensava. Pelas noites Stephen a tinha em seus braços, acariciava seu corpo branco e suave, imaginando a detestável vida que lhe esperava junto a uma Laird de clã.

Depois de várias noites sem dormir, começou a pensar em recusar a oferta do rei. Queria casar-se com a filha do comerciante. Ela não era rica, mas seu pai vivia confortavelmente, e Stephen tinha a renda de uma pequena propriedade. Quanto mais pensava na ideia, mais gostava. Tentava não imaginar a fúria do rei ante a negativa.

Foi Hugh quem fez migalhas de seus sonhos. Hugh revelou a Meg do iminente casamento de Stephen, a pobre moça, perturbada e desamparada, se lançou nos braços voluntários de Hugh, que não pensou duas vezes em levá-la para sua cama. Ou pelo menos foi o que Meg contou a Stephen.

Stephen ficou confuso quando encontrou na cama o amigo e a mulher que ele amava. Mas estranhamente seu desconcerto nunca se voltou para a raiva, e por causa deste fato, percebeu que realmente não amava Meg. E que ela não o amava já que tão facilmente o trocou por outro. Seu único pensamento tinha sido como retribuir Hugh com a mesma moeda. Antes que pudesse fazer um plano, um mensageiro chegou dizendo que Gavin precisava de ajuda. Stephen cavalgou em busca do irmão sem pensar em Hugh.

Agora, Stephen via uma maneira de retribuir seu amigo, e Hugh ainda era seu amigo. Se conseguisse entrar na propriedade de Hugh e sair novamente, sem ser detectado, mas deixar uma mensagem de que estivera lá, então se sentiria um pouco satisfeito. Hugh não gostava de saber que havia estranhos nas redondezas; raras vezes saía sem uma guarda completa. Sim, Stephen sorriu, havia um meio de ajustar contas com Hugh Lasco.

Chegaram à propriedade de Lasco antes do anoitecer. Era uma casa de pedra, alta e com janelas cobertas por persianas de ferro. O pátio de entrada estava cheio de pessoas que andavam de uma maneira ordenada, como se tivessem uma tarefa e se apressassem a cumpri-la. Não havia grupos de serventes em pé e tagarelando.

Stephen e Bronwyn receberam a ordem de alto assim que se aproximaram da casa. O jovem, com forte acento escocês, perguntou se podia ganhar comida cantando e tocando. Esperaram pacientemente, enquanto um dos guardas entrava na casa para consultar Sir Hugh.

Stephen sabia que Hugh se considerava um excepcional tocador de alaúde e não perderia a oportunidade de julgar o desempenho de outra pessoa. Ele sorriu quando o guarda lhes disse para levar seus cavalos para o estábulo, em seguida fosse à cozinha.

Mais tarde, quando se sentaram diante de uma farta refeição na enorme mesa de carvalho da cozinha, Bronwyn começou a resignar-se aos planos de seu marido. Claro que não lhe tinha contado grande coisa a respeito! Só sabia que Stephen planejava alguma armadilha infantil contra seu amigo.

— Como é Sir Hugh? — perguntou, com a boca cheia de pão fresco.

Stephen soltou um bufido desdenhoso.

— Ele é bonito o suficiente, eu acho, se é isso que você quer saber, mas ele é baixo, robusto, e muito moreno. E sua presença é irritante. Nunca conheci a ninguém que se movesse com tanta lentidão. É mais lento que qualquer outra pessoa. Nas terras baixas temia sempre que nos atacassem e Hugh fosse morto antes de ter podido abrir os olhos, muito menos colocar a sua armadura.

— Está casado?

Stephen lançou-lhe um olhar penetrante. Estudou-a por um momento em especulação. Nunca poderia compreender, mas por alguma razão, as mulheres acharam Hugh bastante atraente. Para Stephen, as atitudes calculadas de Hugh, seus modos excessivamente cautelosos, eram insuportáveis. Mas as mulheres...

— Quero que você mantenha a cabeça baixa o tempo todo. — especificou, com muita firmeza. — Só desta vez quero que você tente agir como uma esposa obediente e respeitosa.

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Alguma vez atuei de outro modo?

— Bronwyn estou avisando. Isso é entre Hugh e eu, e não quero que você se envolva.

— Você parece quase como se tivesse medo dele — brincou ela. — Há algo nele que faz com que as mulheres se joguem a seus pés?

Dissera em tom de brincadeira, mas a expressão de Stephen revelou que estava muito perto do alvo. De repente quis assegurá-lo que não tinha nenhum interesse em jogar-se aos pés de outro homem. Claro, houve umas poucas vezes, algumas posições, em que encontrara os pés de Stephen muito perto de sua face. A lembrança lhe fez sorrir.

— Não vejo nada para rir! — Stephen disse rígido. — E se você não me obedecer, eu... — Ele parou quando um dos guardas de Hugh se aproximou e disse que Stephen deveria ir e entreter no salão.

As mesas de cavalete já haviam sido montadas no Grande Salão e a refeição tinha começado. Stephen empurrou Bronwyn para um banco baixo contra uma parede afastada. Ela sorriu impiedosamente ao seu comportamento e até sufocou uma risada quando ele lhe deu um olhar negro de advertência. Esperava fazê-lo lamentar toda essa brincadeira infantil.

Stephen pegou o alaúde que lhe foi entregue, se sentou a vários metros da mesa principal. Tocava muito bem. Sua voz era grave e profunda, com sonoridade entoava a melodia lindamente.

Por um instante Bronwyn vagou os olhos pela habitação. O homem moreno à cabeceira da mesa nunca olhava o cantor. Observou sem interesse como ele comia, conforme Stephen dissera, lentamente. Cada movimento parecia planejado e pensado de antemão.

Rapidamente perdeu o interesse em observar Hugh Lasco e inclinou a cabeça contra a parede de pedra, fechou os olhos e dedicou sua mente a ouvir a música de Stephen. Sentia como se ele tocasse unicamente para ela; em certa ocasião abriu os olhos e viu que ele a observava e seu olhar foi tão surpreendente como seu toque. Sentiu calafrios percorrendo por seu corpo enquanto via a expressão em seus olhos. Sorriu em resposta, fechou os olhos novamente. Cantava uma canção gaélica, e ela estava contente que ele aprendeu as palavras, provavelmente Tam o ensinara. A doce música, as palavras de amor, cantadas em sua própria língua, fizeram-na esquecer de que estava na Inglaterra, cercada de ingleses, casada com um inglês. Em vez disso, era como se estivesse em casa, em Larenston, com o homem que ela amava.

O pensamento a fez sorrir, sonhadora, mas então notou uma mudança na voz do Stephen. Abriu rapidamente os olhos. Ele já não a olhava: tinha a vista fixa em Hugh. Pouco a pouco, a moça girou a cabeça. Soube antes de vê-lo que Hugh a estava observando.

Era de uma beleza comum. Era moreno, de olhos escuros. Sua boca tinha lábios grandes demais para um homem, mas chamavam a atenção, no entanto não a de Bronwyn. Enquanto o olhava, Hugh limpou os lábios em sua maneira lenta, e Bronwyn se perguntou se ele se movia lento e demoradamente na cama.

Ela sorriu para seus próprios pensamentos. Então, esse era o atrativo de Hugh! É claro, Stephen não seria capaz de entender o sentido disso, mas como mulher, ela achou seu método bastante interessante. Ela sorriu de novo quando pensou em contar a Stephen sua descoberta.

Virou-se para o marido e viu-o de cara feia para ela, suas sobrancelhas franzidas, seus olhos azuis transformados em uma safira escura. Por um momento, se perguntou o que ela tinha feito para irritá-lo, ao perceber o porquê quase gargalhou em voz alta. ‘Ele está com ciúmes!’, pensou com um sentimento de admiração. Maravilhada com esse pensamento, sentiu-se emocionada e o fato lhe deixou mais excitada, do que qualquer um dos olhares quentes de Hugh. Baixou a vista para sua saia e passeou um dedo pelo bordado do tecido. Ela não devia estar é claro, mas estava extraordinariamente satisfeita por Stephen estar com ciúmes. Ela não se atreveria a dizer-lhe que não tinha mais interesse em Hugh... do que no jardineiro, porque isso a fazia sentir-se aquecida, por pensar que Stephen se interessava por ela o suficiente para ter ciúmes.

Hugh disse algo a um dos dois guardas que estavam atrás dele e o homem se aproximou de Stephen, que ouviu o homem, entregou-lhe o alaúde e atravessou furiosamente o salão em grandes passadas. Agarrou Bronwyn pelo braço e a levou consigo, quase arrastando.

No pátio iluminado pela lua à fez se voltar para ele.

— Você certamente se divertiu! — ele falou, com os dentes cerrados.

— Você está me machucando. — ela disse calmamente, tentando tirar os dedos dele de seu braço.

— Deveria te castigar!

Bronwyn o fulminou com o olhar. Estava indo longe demais!

— É verdadeiramente a lógica de um homem. Foi você quem quis vir aqui, foi você quem insistiu em agir como uma criança e agora, para encobrir sua própria estupidez e infantilidade, quer me bater.

Stephen enterrou os dedos com mais profundidade no braço da esposa.

— Disse-te que permanecesse discretamente sentada, fora da vista, mas tinha que dedicar a Hugh sorrisos sedutores. Estava lhe dizendo antecipadamente que tudo o que quisesse era só pedir.

A boca de Bronwyn se abriu de surpresa.

— Esta pode ser a coisa mais absurda que eu já ouvi.

— Você está mentindo, eu vi!

Bronwyn abriu mais os olhos. Quando falou o fez com muita calma.

— Stephen, que diabos acontece? Olhei a esse homem como a outro qualquer. Sentia curiosidade porque você me havia dito que era lento, mas que tinha muitas mulheres.

— Estava tentando se juntar a seu harém?

— Você está sendo bruto e insultante. — advertiu ela, seca.

Ele não a soltou.

— Talvez quisesse que o rei a tivesse casado com ele, ou com Roger Chatworth. Se consegui vencer a um, posso fazer o mesmo com o outro.

O comentário era tão infantil que Bronwyn não pôde evitar uma gargalhada.

— Não seja irracional. Não fiz nada além de olhar para o homem. Se eu sorria, era porque estava pensando em outra coisa. Eu vou lembrá-lo novamente que nunca quis vir aqui em primeiro lugar.

De repente Stephen esqueceu toda sua irritação e a estreitou contra si em um abraço esmagador.

— Não faça isso de novo! — disse com ferocidade.

Bronwyn começou a replicar dizendo que não fizera nada, mas aquele abraço era quase reconfortante. Seus braços doíam e ela podia sentir a marca de cada um dos dedos de Stephen, mas de algum modo apreciava a ideia que ele tivesse ciúmes de qualquer outro homem olhando para ela.

— Quase lamento que seja tão bonita. — sussurrou Stephen afastando-a. Depois colocou seu braço em torno de seus ombros. — Estou com fome outra vez, vamos ver se ainda resta alguma coisa na cozinha.

Bronwyn se sentia especialmente ligada a Stephen enquanto voltavam à cozinha. Era quase como se ambos estivessem apaixonados em vez de sentir simples desejo físico. Os criados da cozinha resmungaram ao vê-los novamente, mas Stephen piscou um olho à cozinheira e Bronwyn notou que a gorda anciã se derretia. Ela teve sua própria pontada de ciúme e percebeu que queria que todos os olhares de Stephen fossem seus.

Eles ficaram de lado por um momento, comendo suculentas tortas de maçã cheias de frutas.

— Aqui se esbanja muito. — comentou Bronwyn.

Stephen pensou responder em defesa da cozinha inglesa, mas estivera na Escócia por muito tempo. Ele tinha vivido com os pais de Kirsty, visto sua pobreza. Mesmo em Larenston, as pessoas eram frugais, sempre conscientes do valor da comida e que amanhã tudo poderia faltar.

— Sim, é certo. — disse com firmeza. — Em casa poderíamos aproveitar um pouco desta comida.

Bronwyn olhou para ele com grande calor. Ela estendeu a mão e afastou um cacho de seu pescoço. O cabelo comprido e o bronzeado profundo o deixavam mais bonito. Deu uma olhada no recinto e viu que uma ajudante da cozinheira, jovem e atraente olhava com interesse para a coxa desnuda e musculosa de Stephen, que estava exposta, já que ele apoiara uma das belas pernas no assento de uma cadeira.

— Já estou farta deste lugar, vamos lá para fora?

Stephen se mostrou de acordo e saiu com ela, sem ter reparado na jovem ajudante.

Foi a tempestade que os impediu de deixar a propriedade de Hugh. Veio de repente, chovendo violentamente. Um minuto, o céu parecia estar claro, e o próximo ameaçava ser uma repetição do dilúvio de Noé.

Bronwyn implorou a Stephen para não ficarem. Argumentou que uma pequena chuva nunca machucava uma escocesa, mas ele não quis ouvir. Não queria arriscar que ela pudesse ter febre nos pulmões, não quando pudesse evitar. Prepararam-se para passar a noite na casa de Hugh.

O chão do Grande Salão estava coberto com colchões de palha, pronto para os muitos servidores e convidados. Stephen tentou encontrar um canto privado, mas não havia tal coisa. Quando voltou para junto de Bronwyn deslizou uma mão por debaixo da saia e tocou o joelho dela. Ela reclamou, dizendo com firmeza que não daria um espetáculo em lugar público. Stephen suspirou e finalmente concordou com a esposa. Ela se aninhou junto a ele e em poucos minutos adormeceu.

Mas Stephen não conseguia dormir. Esteve muito tempo em campo aberto, e agora as paredes pareciam estar se fechando sobre ele. Mudou de posição uma e outra vez, mas a palha ainda parecia muito macia. Rab rosnou para ele uma vez porque estava inquieto. Colocou as mãos atrás da cabeça e olhou para o teto com vigas. Continuava lembrando o modo como Hugh olhou para Bronwyn. Maldito homem! Hugh achava que poderia conseguir qualquer mulher que quisesse. Sem dúvida, era encorajado pela maneira como Meg tinha se entregado a ele.

Quanto mais pensava sobre o que Hugh fizera com ele, mais irritado ele se tornava. Apesar dos avisos de Bronwyn, queria deixar Hugh saber que ele estivera ali. Levantou-se em silêncio e ordenou a Rab que permanecesse junto à moça. Sem fazer ruído se encaminhou para a porta do salão que se abria para o este.

Um dia, quando eram muito jovens, ele e Hugh tinham descoberto uma passagem secreta que levava ao andar superior. Estavam tremendo de emoção quando chegaram à porta no topo da escada. Ficaram surpresos ao encontrar a porta bem lubrificada, sem fazer barulho, entraram em um cômodo por detrás de uma grossa tapeçaria. Eles nem sequer tinham certeza de onde estavam até que ouviram sons vindo da cama. Mas era tarde demais. O avô de Hugh estava na cama com uma serva muito jovem, e os dois pareciam estar compartilhando um momento maravilhoso. O ancião não encontrou motivo de diversão quando, levantou a vista, viu dois meninos de sete anos de idade observando-o com interesse, de olhos arregalados. Stephen ainda fazia uma careta de dor ao recordar a surra que o avô de Hugh lhes infligira e a que lhes prometera se revelassem a existência da passagem secreta. Há quatro anos, quando o velho morreu, Stephen chorou em seu funeral. ‘Oxalá eu possa ainda agradar às moças a essa mesma idade’. Stephen riu e ficou contente por Bronwyn não poder ouvir este pensamento.

Deslizou atrás de um biombo, na antessala do salão grande. Foi até o assento da janela e pegou a adaga para introduzi-la na junção do emadeiramento que havia sob os almofadões. Tinha sido uma luta de almofadas, particularmente violenta, que derrubou o painel da primeira vez, há tanto tempo. Stephen teve que esticar o braço e retirar as teias de aranha antes de divisar o contorno da escada. Uma vez dentro puxou o painel de volta no lugar.

Os degraus da escada estavam envoltos na completa escuridão, e pés minúsculos corriam de um lado para o outro. Mais teias de aranha bateram em seu rosto, e ele desejou ter sua espada para limpar o caminho. A passagem estava em uso constante e mantida limpa quando o avô de Hugh estava vivo. Como Hugh vivia sozinho, Stephen supunha que não tinha motivos para esconder suas aventuras de ninguém.

A porta no topo das escadas se abriu sem fazer muito ruído, mas Stephen não teve tempo de sentir se surpreender por isso. Como sua vista se acostumou à escuridão da escada, aquele quarto parecia alagado de luz, embora só ardesse uma única vela. Stephen sorriu ante tanta sorte; Hugh dormia na cama, sem suspeitar. Desembainhou a adaga que levava no cinto.

Mesmo quando criança, Hugh temia estar desprotegido. Houve uma tentativa de rapto quando ele tinha apenas cinco anos. Falava muito pouco do episódio, mas nunca ia a lugar nenhum sem escolta. Acordar de manhã e encontrar uma adaga cravada ao lado de sua cabeça, seria mais do que suficiente, pela moça que ele tinha roubado de Stephen.

Stephen envolveu o punho com um pedaço da manta e prendeu nele a insígnia dos MacArran. Em silêncio, cravou a arma ao lado do amigo. Sorrindo amplamente, ele se virou para a tapeçaria e a porta secreta.

— Segurem-no! — A voz grave de Hugh soou.

Quatro homens saltaram dos cantos escuros da sala e correram para Stephen. Esquivou-se do primeiro, e seu punho encontrou na cara do segundo. O homem cambaleou para trás. As reações de Stephen foram mais rápidas do que as dos outros dois homens. Ele estava na porta antes de sentir a ponta da espada de Hugh na nuca.

— Muito bom! — disse Hugh com admiração. — Posso ver que não negligenciou sua formação na Escócia. — Ele retirou a espada para que Stephen pudesse se virar. Hugh estava completamente vestido. Manteve a espada na garganta de Stephen, fez um gesto para que seus guardas rodeassem seu amigo, e pegou a adaga em seu travesseiro. — MacArran, não é? — Ele atirou a adaga para sua mão esquerda. — É bom vê-lo novamente, Stephen.

Stephen sorriu amplamente.

— Maldito seja! Como você sabia?

— Gavin veio há alguns dias, e comentou que o esperava. Ele ouviu dizer que vocês tinham problemas na Escócia e começava a se preocupar. Pensou que talvez você parasse aqui primeiro.

Stephen meneou a cabeça.

— Traído por meu próprio irmão. — Levantou a vista, surpreso. — Mas embora me esperasse, como...? — Sabia que ele parecia muito diferente do Stephen inglês que ele tinha sido.

Hugh sorriu, seus olhos fulgurando ardentemente.

— Uma das canções que cantou. Aprendemos juntos nas Terras Baixas, lembra-se? Como pudeste esquecer o quanto nos custou aprender esse acorde?

— Claro! — exclamou Stephen, compreendendo que estava confiando demais em seu disfarce. — Bronwyn disse que nunca funcionaria, que eu me entregaria.

— Reconheço que seu sotaque é perfeito, mas já pode abandoná-lo.

— Que sotaque? — perguntou Stephen, sinceramente desconcertado. — Deixei de usar o sotaque quando saímos da terra MacGregor.

Hugh riu a todo pulmão.

— Stephen, você realmente se tornou um escocês. Diga-me o que aconteceu na Escócia. Você se casou com aquela mulher horrível? O que era ela, o Laird de algum clã? E quem era aquela criatura deliciosa que ficou olhando para você com tal luxúria enquanto você cantava?

Stephen franziu o cenho.

— É Bronwyn! — disse secamente.

— Bronwyn? Um nome galês, não? Encontrou-a na Escócia? E como você escapou da sua mulher?

— Bronwyn é a herdeira do MacArran. Minha esposa. — Stephen estava muito duro, os lábios mal se movendo enquanto falava.

Hugh ficou boquiaberto.

— Você quer dizer que o anjo de olhos azuis é a Laird de algum clã, e você teve a sorte de se casar com ela?

Stephen não respondeu, mas olhou furioso para Hugh. Por que ele ainda estava de pé cercado por guardas?

— O que esta acontecendo aqui? — Ele perguntou calmamente.

Hugh sorriu, seus olhos escuros cintilando.

— Nada, além de um pequeno jogo, como aquele que você queria jogar comigo. — Ele esfregou a adaga entre os dedos. — Bronwyn, não é? — Ele perguntou calmamente. Baixara a espada, mas ainda estava preparado. — Lembra-se de quando recebeu a notícia de seu casamento, continuou gemendo e dizendo que não se casaria com uma mulher tão feia... Você queria... qual era o nome dela, Elizabeth?

— Margaret — retrucou Stephen. — Hugh, não sei o que você tem em mente, mas...

— Tenho em mente exatamente o que eu tinha antes.

Stephen o encarou, recordando muito bem ver Meg e ele na cama, juntos. A ideia de que seu amigo de infância pudesse tocar em Bronwyn...

— Toque nela e eu o mato. — Disse, com toda seriedade.

Hugh piscou surpreso.

— Quase parece que fala a sério.

— Falo muito a sério. — Hugh sorriu.

— Mas somos amigos. Quantas vezes já compartilhamos mulheres antes?

— Bronwyn é minha esposa! — gritou Stephen, jogando-se contra ele.

Os quatro guardas atuaram imediatamente, mas mesmo eles não podiam segurá-lo. Hugh afastou-se o mais rápido que pôde, mas Stephen atacava, ainda se aproximando. A porta da câmara abriu-se de repente, e mais três guardas entraram e dominaram Stephen.

— Leve-o para a sala da torre. — disse Hugh, olhando para seu amigo com admiração, os sete guardas segurando-o.

— Não te atreva! — Stephen advertiu mesmo quando estava sendo arrastado do quarto.

— Eu não vou forçá-la se é isso que você quer dizer. — Hugh riu. — Tudo o que quero é um dia inteiro, e se neste tempo não a tiver conseguido, então você saberá que tem uma esposa fiel.

— Maldito seja! — Stephen amaldiçoou e fez outra tentativa para se libertar, antes de ser retirado pela força do quarto.


Bronwyn parou diante do espelho e estudou-se criticamente. Levou mais de uma hora para vestir o traje inglês. A saia e as mangas eram de um brocado suave de cor laranja cintilante. Atado com fitas nos ombros e caindo-lhe sobre os braços, um pequeno manto de arminho. A abertura frontal da saia deixava entrever uma anágua de veludo cor canela. O decote quadrado era muito profundo.

Seu cabelo descia pelas costas em cachos cheios, com alguns anéis atrás das orelhas.

— Você está encantadora, milady. — disse a tímida criada atrás dela. — Sir Hugh nunca teve uma lady aqui que fosse tão bonita.

Bronwyn olhou para a mulher e pensou em responder, mas se calou. Não demorou muito para saber como eram inúteis as perguntas na casa de Lasco. Esta manhã tinha tido que impedir Rab de atacar Hugh quando ele se aproximou de seu colchão no Grande Salão. Por alguma razão, Rab tomou uma aversão extraordinária ao homem.

Hugh embarcou numa longa explicação sobre a ausência de Stephen antes que Bronwyn pudesse fazer uma única pergunta. Quando terminou sua história disse que Stephen tinha ido visitar uma das propriedades de Hugh como um favor para seu velho amigo. Quando se retirou, sorriu para Bronwyn com grande confiança.

Ela começou a disparar perguntas para ele. Por que Stephen tinha saído sem falar com ela? Que negócio poderia haver que Hugh não era capaz de lidar por conta própria? Como Stephen era mais adequado? Se Hugh precisava de ajuda, por que não perguntou aos irmãos de Stephen mais cedo?

Observou como Hugh gaguejava e parecia tropeçar em suas palavras. Estava olhando para ela estranhamente, às vezes não conseguia sustentar seu olhar direto. Após um momento sorriu e ela teve a impressão de que ele acabava de ter uma ideia. Começou outra história sobre como Stephen queria preparar uma surpresa para ela e quis que Hugh a entretivesse durante todo o dia.

Bronwyn fechou a boca em suas perguntas. Por enquanto, seria melhor agir como se acreditasse nas palavras obviamente falsas de Hugh. Ela sorriu docemente para o homem que era três ou quatro centímetros de estatura menor do que ela.

— Uma surpresa! — exclamou, fingindo uma voz infantil e inocente. — Oh, o que será?

Hugh sorriu para ela de um modo benevolente.

— Nós vamos ter que esperar para ver, não é? Mas, no meio tempo tenho algum entretenimento planejado. Pavilhões estão sendo erguidos lá fora e fogueiras acesas.

— Oh, que bom! — Ela disse, batendo palmas com alegria infantil e, ao mesmo tempo, ordenando que Rab se afastasse da garganta do homem.

Hugh a levou para um quarto limpo e quente onde um vestido de brocado estava pronto para ela. A bainha fora solta para ajustar a saia a sua estatura. Bronwyn percebeu que alguém tinha trabalhado no vestido durante toda a noite. Hugh lhe deu um de seus lentos e sedutores sorrisos assim que saiu do quarto, e Bronwyn precisou se esforçar para esboçar um sorriso meigo que ele parecia esperar como resposta.

Quando ficou sozinha, correu para a janela. Abaixo, nos jardins, carpinteiros trabalhavam apressadamente em uma plataforma. Havia seis fogueiras acesas e um enorme braseiro a carvão instalado sob um dossel aberto. Ela franziu o cenho, consternada. Por que no mundo um inglês planejaria um entretenimento ao ar livre em dezembro? A chuva da noite passada tinha virado neve, e o chão estava levemente salpicado de flocos brancos. Pelo que ela vira dos ingleses, eram criaturas fracas que preferiam permanecer abrigados.

A empregada veio ajudá-la a se vestir, mas Bronwyn conseguiu pouca informação dela. Disse que Sir Hugh esteve acordado toda a noite organizando e dando ordens para as festividades do dia. Bronwyn se perguntou se não estaria fazendo tempestade por nada. Talvez Stephen foi atender um chamado e seu amigo só quisesse tratar com atenção sua esposa. Mas será que Stephen a deixaria para preparar algum tipo de surpresa para ela? Stephen era muito pratico. O mais provável, era que ele a faria ajudá-lo com seu próprio presente.

Antes que pudesse resolver seus pensamentos, Hugh chegou à porta. Ele olhou para ela com admiração, seus olhos lentamente percorrendo-a por inteira.

— Você está magnífica. — Sussurrou. — Stephen é um homem muito sortudo.

Bronwyn agradeceu e aceitou o braço que ele ofereceu para descer as escadas.

— Você deve me contar tudo a respeito do seu clã. — Ele pediu fitando-lhe os lábios. — Suponho que está muito feliz por ter um marido inglês. Talvez você conheça o rei Henry e o agradeça.

Bronwyn quase explodiu com a força de sua reação. Pensou que a vaidade de Stephen era o limite, mas este homem superou qualquer coisa que tinha imaginado.

— Oh, sim. — disse, com voz suave. — Stephen me trata muito bem e me ensinou muitas coisas.

Ela quase engasgou quando pensou como Stephen tinha mudado, mas não seus homens.

— Nós, os ingleses, somos lutadores superiores, e vocês, escoceses, podem aprender muito. — Ele parou. — Tenho que me desculpar, não tinha a intenção de dizer essas coisas, afinal de contas, você é... o que mesmo? O Laird de um clã?

Disse-o como quem arroja uma esmola a um mendigo. Ela não se atreveu a responder. Se esse palhaço dissesse uma palavra mais, seria muito grande a tentação de deixar que Rab lhe atacasse o pescoço.

— Oh, olhe! — exclamou feliz. — Verdade que é bonito? — gritou se referindo à tenda de cores alegres.

Hugh parou, olhou brevemente para as paredes de sua casa, depois pegou sua mão e beijou-a.

— Nada poderá ser o suficiente para você e nem tão belo.

Observou-o com interesse isolado. Quando o viu pela primeira vez, pensou que seus movimentos lentos, sua boca incomum, eram interessantes, mas agora achava bastante tedioso. Por alguma razão ele parecia pensar que ela gostaria de ter sua mão beijada por ele.

Usou todo o controle que podia reunir para não se afastar dele. Será que todos os homens se consideravam tão atraente para as mulheres? De repente, percebeu que tinha pouca experiência nisso. Os homens de seu clã nunca tentaram tocá-la, provavelmente por medo da ira de seu pai. Na Inglaterra, só passou algum tempo com Roger Chatworth, que queria falar sobre seus planos para o clã. Stephen era o único homem que a tocou e, ao que parece, o único homem a quem ela podia responder. Pelo menos, sentia-se assim, pois o toque de Hugh Lasco a fazia querer afastar-se dele.

Ele parecia satisfeito com sua resposta, ou falta dela, e levou-a para uma cadeira dourada em baixo do pavilhão. Hugh bateu palmas uma vez, e três malabaristas apareceram na plataforma de madeira diante deles. Ela deu um pequeno sorriso para Hugh e fingiu assistir os artistas. Mas a verdade era que estava mais interessada em observar os arredores. A cada momento cresciam suas suspeitas de que algo não estava certo. Por que eles estavam sendo entretidos fora?

Algumas bailarinas se uniram aos malabaristas e Bronwyn constatou que as moças tinham os ombros azulados de frio. Um vento gelado começou a soprar em seu rosto. Um dos criados sugeriu que o pavilhão fosse instalado em posição contrária, para bloquear o vento. A resposta de Hugh foi quase violenta, negava-se a pôr a tenda em qualquer outra direção.

— Você deve me perdoar Sir Hugh, preciso ir ao quarto. — Disse Bronwyn com sua voz mais doce. Precisava de tempo para observar a casa. Talvez pudesse achar uma pista para o mistério. Talvez Stephen não tivesse realmente ido embora.

— Oh, mas ainda não pode se retirar. Farei avivar o fogo. Ou pedirei que tragam outro braseiro.

— Eu não estou com frio. — Ela disse honestamente enquanto tentava não sorrir para o nariz azul de Hugh. — Eu simplesmente desejo... — baixou os olhos para suas mãos, fingindo estar confusa.

— Claro! — Ele disse com vergonha. — Vou mandar um guarda...

— Não! Rab me acompanhará. Estou segura que encontrarei o caminho.

— Seus desejos são ordens para mim milady — sorriu ele enquanto voltava a lhe beijar a mão.

Bronwyn teve que se controlar para não correr para dentro da casa. Não queria fazer nada para deixar Hugh com suspeitas. Dentro da casa, porém, sabia a necessidade de se apressar.

— Rab — ordenou — encontrar Stephen.

Rab subiu as escadas em um ímpeto de alegria. Durante toda a manhã ele estivera resistindo aos comandos de Bronwyn. O cachorro parou diante de uma porta que ela suspeitava ser de Hugh. Ele cheirou e andou em círculos, encontrou e subiu algumas escadas, Bronwyn levantou suas saias pesadas e correu atrás dele.

Ao final do terceiro lance havia uma pesada porta de carvalho, cuja janela tinha barras de ferro. Rab ergueu as patas dianteiras ante a janela e latiu duas vezes em reconhecimento.

— Rab! — exclamou a voz de Stephen.

— Baixa! — ordenou Bronwyn a Rab. — Stephen está bem? Por que está prisioneiro?

Estendeu uma mão por entre as barras para segurar a do marido. Ele tomou sua mão entre as dele e a encarou. Olhava-a fixamente.

— É esta a mão que você deixou Hugh beijar tão frequentemente? — perguntou com frieza, enquanto a segurava entre as suas.

— Não é hora de um de seus ataques de ciúmes, por que você está preso? E sobre o que é essa absurda celebração?

— Absurda? — Stephen balbuciou, soltando a mão dela através das barras. — Pois parecia estar te divertindo muito. Diga-me, você acha Hugh atraente? Muitas mulheres pensam que sim.

Bronwyn o encarou, deu uma palmadinha em Rab, que estava nervoso porque seu amo estava sendo mantido em cativeiro. A mente dela funcionando às pressas.

— Isto não é nada grave, verdade? — perguntou serena. — É um jogo entre você e seu amigo.

— Não é um jogo quando minha esposa está envolvida. — Replicou ele com ferocidade.

— Maldito seja, Stephen Montgomery! Disse-te que não viéssemos aqui. Não, você se acha muito superior, verdade? Agora quero saber o que está acontecendo e como posso tirar você daí, embora não saiba por que quero que saia. — Ela olhou-o com os olhos entrecerrados.

— Se ceder a Hugh e lhe deixar ganhar romperei o seu pescoço.

Bronwyn começava a compreender.

— Quer dizer que está me utilizando para uma espécie de aposta? O que deve ganhar ele supostamente? — Quando Stephen não falou, ela respondeu por ele. — Acho que eu posso imaginar... Hugh acha que pode me cortejar e levar-me a sua cama, e você acredita nele. Será que alguma vez entrou neste seu cérebro inchado, vago, de ervilha, que eu poderia dizer algo a respeito disso? Você acha que sou tão tola para que qualquer homem que me sorria e me beije a mão possa me levar a sua cama? Deveria saber que o apunhalaria, no mínimo. Rab rosna toda vez que Hugh me toca.

— O que parece ocorrer com bastante frequência, pelo que posso ver.

Bronwyn reparou então na janela aberta no outro lado da cela. Então era por isso que Hugh se negava a pôr o pavilhão do outro lado. Queria que Stephen pudesse vê-los juntos. Ela olhou para o rosto frio e zangado de Stephen, e também começou a ficar irritada. Aqueles dois homens a estavam usando em uma brincadeira infantil que era mais adequado para crianças de dez anos de idade. Hugh tinha dito que poderia levar Bronwyn para sua cama, e Stephen obviamente pensava tão pouco de sua moral e integridade que acreditava que ela poderia ser leviana ao ponto de que qualquer homem, que planejasse tal intento, poderia tê-la. E Hugh! Ele a insultava tratando-a como se fosse estúpida, mas com toda a confiança de que ela sucumbiria aos seus encantos.

— Malditos sejam os dois! — sussurrou, antes de se afastar.

— Bronwyn! Volta aqui! — ordenou ele. — Diga a Hugh que você sabe da trama e pegue a chave dele.

Ela se voltou com o mais doce dos sorrisos.

— E perder o entretenimento que Sir Hugh planejou para mim? — Ela perguntou, arqueando as sobrancelhas. Começou a descer as escadas, os lábios apertados para não responder a série de maldições e juramentos que Stephen gritava atrás dela.

— Malditos sejam os dois — repetiu para si mesma.


Capítulo Treze

Bronwyn ainda estava fumegando de raiva quando chegou ao pé da escada. Sir Hugh esperava por ela com um olhar impaciente em seu rosto. Parecia que poderia castigá-la por demorar muito. Seu primeiro impulso foi dar-lhe uma reprimenda sobre o que ele estava tentando fazer, mas o pensamento desapareceu tão rapidamente quanto veio. ‘Homens ingleses!’ ela pensou. Quando conheceu Stephen pela primeira vez, ele estava convencido que não existia outro modo de ser melhor do que o inglês. Riu quando ela pediu que usasse o traje escocês em vez da pesada armadura inglesa. Agora duvidava se conseguiria colocá-lo em um dos casacos pesados e acolchoados que Sir Hugh usava. Mas Stephen precisou fracassar em uma batalha antes de se dispor a mudar.

Talvez pudesse empreender sua própria batalha, e ambos os ingleses poderiam aprender algo que todo escocês sabia: que as mulheres eram capazes de pensar sozinhas.

— Começava a me preocupar com você. — disse Sir Hugh, oferecendo a mão.

Bronwyn arregalou os olhos inocentemente.

— Espero que você não se incomode, mas estive percorrendo sua casa. É magnífica! Diga-me, é toda sua?

Sir Hugh tomou-lhe o braço e enfiou-o sob o dele. Seu peito se expandiu visivelmente.

— Toda ela e cerca de setecentos acres. Claro, tenho outra propriedade no sul.

Ela suspirou profundamente.

— Stephen... — começou ela timidamente. — Stephen não tem um lugar como este, não é.

Hugh franziu o cenho.

— Bom, não. Tem algumas terras não sei onde, conforme acredito, com uma velha torre edificada nelas. Mas casa, não. Mas certamente suas próprias propriedades...

Ela voltou a suspirar.

— É que estão na Escócia...

— Oh, sim, é claro. Compreendo. É um país frio e úmido, não é de se admirar que você queira morar aqui... Bem, talvez Stephen... — Ele parou.

Bronwyn sorria para si mesma. Tudo era tal como ela pensava: em realidade Hugh não sentia nenhum interesse por ela; ao menos, não tanto ao ponto de desonrar a seu amigo. Só estava aborrecido com a atitude de Stephen e queria fazer raiva ao amigo. Mencionava-lhe com muita frequência para lhe considerar inimigo. Stephen acreditava que ela era capaz de deixar-se seduzir por qualquer homem atrativo e Hugh só a usou como um meio de antagonizar seu amigo. Nenhum dos dois tinha em conta seus desejos nem seus pensamentos.

Sorriu mais ainda ao se perguntar o que aconteceria se ela alterasse seus planos um pouco. O que diria Sir Hugh se ela dissesse que estava descontente com Stephen e que adoraria permanecer na Inglaterra com um homem bonito e cavalheiro como Hugh?

Quando se aproximaram do pavilhão, ela olhou para o céu.

— Acredito que vai sair o sol. Talvez pudéssemos mover nossas cadeiras para o ar livre?

Sir Hugh sorriu ante a sugestão e ordenou que tirassem as cadeiras do pavilhão. Bronwyn as fez colocar muito juntas e sorriu ao ver que o dono da casa franzia o cenho. Não desperdiçou tempo quando se sentaram. Músicos tocavam uma doce canção de amor, mas ela não olhava para eles. Só tinha olhos para Hugh.

— Você não tem esposa, milorde? — perguntou em voz baixa.

— Não. Ainda não fui tão afortunado como meu amigo Stephen.

— Será que ele realmente é seu amigo? Você poderia ser meu amigo também?

Hugh olhou profundamente em seus olhos, temendo que se perdesse neles. Stephen era realmente afortunado.

— Certamente. Você e eu somos amigos. — disse, paternalmente.

Ela suspirou, umedeceu os lábios e os entreabriu.

— Eu posso dizer que você é um homem sensível e inteligente. Queria ter um marido como você. — Ela sorriu de forma sedutora pelo modo como a mandíbula de Hugh caiu. — Você deve saber sobre o meu casamento, eu não tinha escolha no assunto. Eu tentei escolher alguém, mas Lorde Stephen...

Hugh endireitou as costas.

— Dizem que Stephen teve que combater por você e que o fez muito bem. Conta-se que Chatworth lhe atacou pelas costas.

— Oh, sim. Stephen é muito bom guerreiro, mas não me... como posso dizer? Não me satisfaz.

Os olhos de Hugh se arregalaram.

— Você quer dizer que Stephen Montgomery é deficiente em algum aspecto? Permita-me lhe dizer, milady, que temos sido amigos toda a nossa vida. E quanto às mulheres... — Ele estava começando a ficar com raiva. — Quando estávamos na Escócia juntos, Stephen estava meio apaixonado por uma pequena prostituta, e estava cego para o fato de que ela se deitava com metade dos homens das tropas. Eu paguei para que ela fosse para a cama comigo, em um momento em que eu sabia que ele nos veria juntos.

— É por isso que ele está tão bravo com você? — perguntou ela, esquecendo-se por um momento de usar sua voz revestida de mel.

— Ele nunca teria acreditado em mim se eu tivesse dito a ele o que ela era. Ele não podia ver nada além de suas covinhas.

Bronwyn reclinou-se na cadeira enquanto digeria a notícia. Assim! Stephen estava usando-a em um esquema para dar o troco a Hugh por ter-lhe tomado sua amante. Uma mulher por quem ele estava meio apaixonado! Ela sentiu uma dor aguda em seu peito, e lágrimas quentes se juntaram em seus olhos. Ele não queria casar com ela porque estava apaixonado por uma puta de covinhas. Tinha-a desdenhado pelo amor de uma qualquer.

— Sente-se bem, Lady Bronwyn?

Ela limpou seu olho.

— Acredito que entrou algo em meu olho.

— Deixe-me ver. — Segurou-lhe o rosto entre as mãos grandes e fortes e Bronwyn ergueu o olhar para ele. Sabia que Stephen os observava e ela imaginou se o marido estaria pensando na mulher que ele quisera.

— Não vejo nada. — Manifestou Sir Hugh, sem soltar o rosto de Bronwyn. — Você é uma mulher incrivelmente bela. — Sussurrou. — Stephen tem...

Ela se afastou dele.

— Não quero ouvir esse nome novamente. — Ela disse com raiva. — Hoje estou livre dele, e quero permanecer assim. Talvez os músicos possam abrir algum espaço para nós e poderíamos dançar. Eu poderia mostrar-lhe algumas danças escocesas.

Ele deu um olhar nervoso para cima em direção a sua casa, então se permitiu ser puxado para a plataforma de madeira. Não recordava haver se divertido tanto em sua vida. Ele não estava acostumado a ver o cabelo de uma mulher fluindo livremente sobre seu corpo esbelto. Os olhos de Bronwyn brilhavam e riam enquanto ele tentava copiar desajeitadamente os intrincados passos de dança. O dia frio parecia se tornar mais e mais quente e ele esqueceu que o marido os observava da torre.

— Bronwyn! — riu, tendo abandonado o formal “Lady” uma hora atrás. — Preciso parar! Sinto uma pontada no meu lado.

Ela riu dele.

— Não serviria para escocês. Se não pode suportar um pouco de exercício.

Ele a agarrou pelo braço.

— Não me esforcei tanto desde que passei uma semana treinando com os irmãos Montgomery.

— Sim! — disse ela, enquanto se sentava. — Stephen treina muito. Sua expressão se tornou séria.

— É um bom homem. — disse Hugh, pegando um pedaço de queijo da bandeja que um servente lhe oferecia.

— Talvez! — reconheceu Bronwyn, enquanto bebia vinho quente temperado com especiarias.

— Invejo-lhe.

— Seriamente? - Ela perguntou, seus olhos procurando os dele. — Talvez você possa substituí-lo... em alguns aspectos. — Observou com interesse quando Hugh começou a entender o que ela queria dizer. ‘O vaidoso pavão!’, ela pensou. Nunca lhe ocorreu — a qualquer homem — que não era um presente de Deus para as mulheres. Todos eram iguais.

— Lady Bronwyn, — observou ele retomando a formalidade — devo falar seriamente com você a respeito de Stephen.

— Como ele era quando era criança? — Ela perguntou, cortando-o.

Hugh ficou claramente desconcertado.

— Sério, como Gavin. Todos os irmãos cresceram em um mundo de homens. Talvez Stephen seja um desajeitado porque sabe muito pouco sobre mulheres.

— Diferente de você. — ronronou ela.

Hugh sorriu crédulo.

— Eu tive alguma experiência, e tenho certeza que é por isso que você está... atraída por mim. Está casada muito recentemente com Stephen. Sem dúvida com o correr dos anos acabarão... se afeiçoando um ao outro.

— É isso o que quer da vida? Carinho?

— Eu sou um homem diferente do Stephen. — Disse ele, presunçosamente.

Bronwyn sorriu. Em sua mente começava a tomar forma um plano.

— Não faz muito, estando na Escócia, Stephen e eu nos hospedamos em casa de alguns camponeses. Uma das mulheres preparava uma bebida deliciosa a base de líquenes. Quando cavalgamos em sua propriedade, vi alguns crescendo perto das rochas. Poderíamos dar um passeio para juntá-los? Eu gostaria de te preparar essa bebida.

Hugh pareceu preocupado por um momento, depois concordou com a cabeça. Ele não gostava da maneira como os eventos estavam acontecendo. Quase parecia que a esposa de Stephen queria trair seu marido. Hugh queria relatar que Bronwyn não poderia ser vencida por outro homem, mas ela parecia estar mostrando uma preferência por ele.

Enquanto caminhavam falou sobre Stephen, do quanto era honrado, de como merecia uma mulher como ela. Falou de como era generoso ao usar esse ridículo traje escocês. Bronwyn, quase sem comentários se dedicou a recolher líquens e flores secas na pequena cesta que Hugh lhe deu. Ela ouviu atentamente e não disse nada.

No trajeto de volta voltou a chover. Sir Hugh foi muito formal enquanto a levava para um solar privado. Um criado trouxe vinho quente e canecas para que Bronwyn pudesse preparar as bebidas. Enquanto misturava e mexia cuidadosamente os ingredientes, ela olhava para Hugh, seu peito grosso inchado, sua boca presunçosa em sua crença de que ele estava sendo nobre ao recusar os avanços de Bronwyn.

— Meu lorde. — ofereceu em voz baixa, lhe entregando a caneca quente.

Por um momento a mão dela tocou a dele, em uma carícia. Sorriu quando ele declarou que a bebida era deliciosa e bebeu todo o conteúdo, pedindo mais.

— Preciso falar com você. — Ele disse seriamente, enquanto bebia a segunda caneca do líquido quente. — Eu não devo deixar você sair daqui acreditando em fatos que não existem.

— E em que acredito? — perguntou ela, com doçura.

— Stephen e eu somos amigos. Sempre fomos. Só espero que queira seguir sendo-o depois disto.

— E por que não deveria?

— Eu acho que isso depende de você. Você nunca deve mencionar sua... sua atração por mim.

— Que atração? — perguntou ela, inocente, enquanto se sentava frente a ele. — O que você quer dizer?

— Oh, venha agora, milady, você e eu sabemos o que está acontecendo entre nós hoje, todas as mulheres sabem sobre assuntos do coração.

Ela arqueou as sobrancelhas.

— Todas as mulheres? Por favor, me diga o que mais sabem todas as mulheres?

— Não seja tímida comigo! — protestou ele. — Não sou tão inocente com as mulheres como Stephen Montgomery. Talvez você seja capaz de convencê-lo que não olha para outros homens, e desde que ele é meu amigo, vou deixar verídica a sua história, mas não tente se fazer de inocente comigo.

— Apanhaste-me! — confessou ela, sorrindo. — Sabe tanto de mulheres e de seu amigo que não posso dissimular.

Hugh ia falar, mas uma dor súbita lhe atravessou o estômago e ele fechou a boca.

— Deixa que volte a encher sua caneca. Está pálido.

Hugh aceitou a bebida e a bebeu toda. Estava sem fôlego.

— O peixe devia estar em mal estado. — murmurou. — O que estava dizendo?

— Estava dizendo que eu estava disposta a deixar meu marido por você.

— Está distorcendo minhas palavras. Eu...

Bronwyn bateu o caneco vazio na mesa com tanta força que rachou a louça.

— Não! Deixe-me lhe dizer! — ergueu-se diante dele, as mãos nos quadris. — Você se diz amigo de Stephen, mesmo assim faz uma armadilha infantil e o tranca onde ele possa ver você fazer papel de tolo com a sua esposa.

— Que eu me faço de tolo? Não era isso o que pensava hoje!

— Acredita que pode ler meus pensamentos? Tão vaidoso é que pode me acreditar insatisfeita depois de passar meses inteiros na cama de Stephen Montgomery?

— Mas se você me disse...

— Estava disposto a acreditá-lo, porque te convinha. Atua como se tivesse feito algo nobre ao pagar a essa rameira para que se deitasse contigo. Crê ter feito um favor ao Stephen, mas talvez o fizesse só por ciúmes. Todos os homens do acampamento tinham que pagar por seus favores. Todos, menos um: Meu Stephen!

— Seu Stephen! — resmungou Hugh. Quis levantar-se, mas outra dor o cortou. Ele olhou para cima, horrorizado. — Você me envenenou!

Ela sorriu.

— Não é veneno realmente, mas vai ficar doente por vários dias. Eu quero que você se lembre de hoje por um longo tempo.

— Por quê? — sussurrou ele, apertando o ventre. — O que eu fiz para você?

— Nada, — replicou ela, com seriedade — absolutamente nada. Muitas vezes fui utilizada pelos ingleses para suportar uma mais. Utilizaste-me para zombar de Stephen. Não te ocorreu que eu podia ter opinião a respeito. Dava-me conta disso ontem à noite, enquanto Stephen tocava o alaúde. Estava muito seguro de si mesmo, de que qualquer mulher te desejaria.

Hugh se dobrou em dor.

— Maldita cadela! — balbuciou. — Stephen que faça bom proveito de você.

— Sou uma cadela porque decidi não ser um simples peão em seus joguinhos? Lembre-se, Sir Hugh, no tabuleiro de xadrez há uma só fêmea e ela é a peça mais versátil e mais poderosa. — Inclinou-se para retirar a chave do bolso do colete antes de dar as costas a ele.

— Stephen te viu. Jamais acreditará que não me desejava.

Suas costas se enrijeceram.

— Ao contrário do que você pensa dele, Stephen Montgomery é o homem mais sensato e inteligente que já conheci. — Deteve-se ante a porta. — Oh, sim, Sir Hugh, na próxima vez que precisar de ajuda com as mulheres, aconselho que recorra a Stephen. Até onde sei, há muito pouco que ele não saiba. — E partiu.

Rab estava esperando por ela na porta de Hugh, e juntos subiram as escadas até a sala onde Stephen estava prisioneiro. Olhou através da porta com barras e deparou-se com Stephen olhando furiosamente para ela. A raiva e o ódio em seus olhos fizeram um frio percorrer ao longo de sua espinha. Ela enfiou a chave na fechadura e abriu a porta.

— Está em liberdade. — disse tranquilamente. — Ainda é dia, e podemos cavalgar em direção a propriedade de seu irmão.

Stephen guardou silêncio, muito carrancudo. Ela se aproximou, estendeu a mão, e tocou um cacho de cabelo ao longo de seu colarinho.

— Seria melhor que falasse sobre sua raiva. — Ele afastou a mão dela.

— Como te atreve a vir para mim diretamente dos seus braços? Tem colocado um vestido que ele te deu de presente, o traje com que se exibiu na frente desse homem durante todo o dia. Será que ele gostou? Será que ele gostou de ter metade de seu corpo superior quase nu?

Ela se sentou junto à janela, suspirando.

— Hugh disse que você não acreditaria que sou inocente depois do que viu.

— Hugh, não é? — Stephen rosnou e levantou os dois punhos em sua direção, mas os deixou caiu, impotente, em seu lado. — Você se vingou plenamente de mim por me casar com você. Esperou muito para se vingar. — Deixou-se cair em um banquinho, ignorando Rab, que esfregava o focinho contra ele. — Na noite do nosso casamento aquela adaga devia ter encontrado meu coração.

Bronwyn se moveu tão depressa que mesmo Rab não a viu. Deu uma bofetada no rosto de Stephen tão forte que seu pescoço foi jogado para trás.

— Maldito seja mil vezes, Stephen Montgomery! — exclamou. — Estou farta de que me insultem! Primeiro é seu suposto amigo, que me trata como se eu fosse um objeto que qualquer um pode reivindicar. Quando lhe rechaço e o faço pagar por sua vaidade, trata-me de cadela. Agora devo escutar em silêncio que me acuse de ser uma vagabunda. Não sou como sua prostituta do acampamento, tão cheia de covinhas!

Stephen, que estava esfregando sua mandíbula machucada, ficou petrificado.

— Do que está falando? De que mulher?

— Ela não me importa nenhum pouco. — assegurou Bronwyn furiosa. — O que eu fiz para fazer você acreditar que eu sou uma vagabunda? Quando minhas ações te mostraram que sou desonesta ou que desrespeito meus votos?

— Não compreendo nada. De que votos fala? — Ela soltou um suspiro de exasperação.

— Nossos votos de casamento, estupido. Concordei com eles, não os trairia!

— Também jurou me obedecer. — observou ele triste.

Bronwyn lhe voltou às costas.

— Vamos, Rab. Vamos para casa.

Stephen se levantou de um salto e a segurou pelo braço.

— Aonde vai? Volta com Hugh?

Ela levantou um pé para golpeá-lo, mas ele a girou e a abraçou por atrás.

— Eu quase enlouqueci. — Sussurrou. — Como pôde fazer isso comigo? Sabia que estava observando.

Suas palavras fizeram sua pele ardente. Parecia uma eternidade desde que a abraçara. Pôs a bochecha contra o braço dele.

— Deixou-me com raiva. Os dois estavam me usando como se eu não tivesse direitos e nem sentimentos próprios.

Ele a virou para encará-lo, suas mãos em seus ombros.

— Esquecemos que é a Laird MacArran, não? Bronwyn eu...

— Abrace-me! — sussurrou a moça. — Me Abrace e nada mais.

Ele quase a esmagou em seu abraço.

— Não suportava ver que te tocava. Cada vez que tocava sua mão... e quando segurou seu rosto em suas mãos...

— Basta! — ordenou ela. — Acaba agora mesmo com isso! — E se afastou. — Entre o Hugh Lasco e eu, não aconteceu nada. Ele se acreditava capaz de conquistar a qualquer mulher do mundo inteiro e eu quis lhe demonstrar que não era assim.

Stephen voltou a ficar furioso.

— Pois fingiu muito bem, por certo! Daqui parecia como se tivessem sido amantes por anos.

— Isso te pareceu? Acha que vou permitir que um homem me manipulasse como ele fez, sem motivo?

Os olhos do Stephen ficaram quase negros.

— Havia um motivo, sim! Já sei como é na cama. Talvez quisesse provar outros homens, para ver se com eles também gritaria na cama. Diga-me, pôde Hugh descobrir a sensibilidade de seus joelhos?

Bronwyn o fulminou com o olhar.

— Acredita, sinceramente, que passei à tarde em seu leito?

— Não. — reconheceu derrotado. — Não houve tempo suficiente e Hugh...

— Deixa que eu termine a frase. — disse ela sem rodeios. — Hugh é seu amigo e você sabe que ele é um homem honrado, na verdade, incapaz de fazer algo tão desonroso. Por outro lado, eu sou apenas uma mulher e, portanto, sem honra. Eu sou um pêndulo branco da planta que vai onde o vento sopra, não é verdade?

— Você está distorcendo minhas palavras!

— Não acredito. Esta manhã, quando te procurei e vi que estava prisioneiro, você assumiu que Hugh poderia me ter se quisesse. Bastava com que me falasse com doçura. Se realmente me conhecesse e soubesse alguma coisa sobre mim, teria se sentado nesta cela e calmamente esperado por mim. Então poderíamos rir juntos sobre a armadilha que eu joguei em seu amigo Sir Hugh.

— Que armadilha? — perguntou ele bruscamente.

Bronwyn se sentia quase sufocada. Ela tinha aprendido muito sobre Stephen nos últimos meses, tinha vindo a confiar nele, acreditar nele, até mesmo pensar que ela o amava. Mas ele não tinha aprendido nada sobre ela! Achava que ela era um brinquedo fraco e de cabeça vazia. Respondeu com voz inexpressiva.

— Dei-lhe uma bebida com algumas ervas que Kirsty disse que causa cólicas estomacais severas. Ele ficará doente por dias.

Stephen olhou para ela por um momento. O quanto queria confiar nela! Parecia que metade da sua vida tinha passado enquanto a observava se inclinar para Hugh, conversando com ele. Quase arrancou as barras da janela ao vê-los dançarem juntos. Os tornozelos de Bronwyn apareciam sob a saia. A luz do sol brilhava em seu vestido. Como poderia pedir-lhe para ser razoável quando quase se transformou em um animal? Se ele estivesse livre, teria matado Hugh, teria partido seu amigo com as próprias mãos.

Ele enxugou os olhos com as mãos. Como poderia pedir-lhe que pensasse racionalmente quando não conseguia sequer pensar? Ele a encarou admirado. O que ela havia feito com ele? Não teve um pensamento coerente desde que a viu pela primeira vez, jogada no chão em uma camisa molhada. Lutara por ela. Quase morreu, quando ela arriscou sua vida pendurada em um precipício por um de seus homens. Esteve a ponto de mata-la quando sua infantilidade custou a vida de Chris. Como poderia falar-lhe da razão? Estar perto dela tirou toda a aparência de sanidade e prudência.

— Faríamos bem em ir. — Ela disse friamente, então girou se afastando.

Ele a observou sair do quarto, Rab seguindo-a. Queria correr até ela, dizer-lhe que acreditava nela, sabia que era honrada, mas não podia. Hugh tinha provado uma vez que poderia tomar uma mulher de Stephen. A doce Meg o amara e mesmo assim Hugh fora capaz de possuí-la. Bronwyn não fazia nenhum segredo do fato de que o considerava seu inimigo. Para ela, um inglês era tão bom quanto o outro. Talvez Hugh lhe fizesse promessas relativas ao clã. Se o clã estivesse envolvido. Nesse caso...

Levantou a vista: Rab acabava de lhe devolver à realidade com um latido seco. Ele voltou ao presente e correu as escadas para o quarto de Hugh. Ele estava deitado em sua cama, os joelhos presos no peito, quatro servos e três guardas ao redor dele.

— Saia daqui. — Ele ofegou através de dores. — Eu não quero vê-lo nunca mais ou a essa cadela que se casou contigo.

Stephen recuou, mas não antes de começar a sorrir. Bronwyn estava dizendo a verdade!

— Saia, já disse e a leve para longe daqui! — Hugh ordenou. Agarrou seu estômago e caiu de volta na cama.

— Vencido por uma mulher. — riu Stephen, abandonando o quarto.

Ele correu pelas escadas até o Grande Salão. Bronwyn esperava por ele, usando sua saia de manta quadriculada e a blusa branca. Era mais uma vez sua garota das Highlanders. Aproximou-se, tocou o braço dela e sorriu. Ela lhe deu as costas, rígida.

— Bronwyn...

— Se tiver terminado com o que te trouxe aqui, devemos cavalgar. É o amo, claro, e vamos ficar se esse é o seu comando.

Ele olhou por um momento para o azul gelado de seus olhos.

— Não, não quero ficar. — Respondeu e se afastou para a porta da frente da casa. Bronwyn lhe seguia a passo lento.

Todo aquele episódio começara como um jogo, um jogo de meninos, mas por meio dele descobrira algo surpreendente sobre seu marido. Por algum motivo, ela acreditava ser a única que devia aprender a confiar nele. Observara nos últimos meses, com imparcialidade, as mudanças experimentadas por seu marido. Vira-o mudar de arrogante inglês e se tornar quase um escocês. Percebera que a maior parte da frieza em relação aos seus homens se dissipara, e os homens, que eram ingleses, mudaram tanto quanto seu amo. Um a um passaram a usar manta, em vez de passar horas lustrando as armaduras. E poucos dias antes Stephen matara três ingleses para salvar Bronwyn e o bebê de Kirsty. Para Bronwyn, esse ato fora o último gesto necessário para confiar nele.

Mas, enquanto isso, o que Stephen aprendera sobre ela? Desaprovava tudo o que fazia. Amaldiçoava-a se ela liderava os homens. Irritava-se se ela arriscava a vida para salvar alguém. O que podia fazer para agradá-lo? Deveria tentar se transformar em outra pessoa? Ele gostaria mais dela se ela fosse como... como sua bela cunhada? Bronwyn tinha uma ideia clara do como era Judith: gentil, nunca levantando a voz, sempre sorrindo docemente para o marido, e se mostrando de acordo com ele, sem discutir jamais.

— Isso é o que os homens realmente querem! — disse em voz baixa.

Stephen esperava que ela ficasse quieta e calada, nunca contradizendo suas palavras. Assim como as inglesas! — ‘Maldito seja!’ — amaldiçoou. Não era uma inglesa de leite e açúcar! Ela era a Laird MacArran, e quanto mais cedo Stephen Montgomery aprendesse, melhor seria para todos. Ergueu o queixo enquanto caminhava em direção aos estábulos.

Como um acordo mútuo e silencioso não pararam para descansar a noite. Eles andaram a um ritmo constante, sem falar, cada um com seus próprios pensamentos sobre os dois últimos dias. Stephen não conseguia tirar da cabeça as mãos de Hugh tocando Bronwyn. Sabia que ela se vingara desse homem, mas não conseguia deixar de lamentar que sua esposa fosse tão sutil em vez de dar uma punhalada em Hugh. Quanto a Bronwyn, quase se esquecera de Hugh. O que lhe importava era que Stephen não confiava nela, a acusara-a de mentirosa.

Ao alvorecer, as muralhas do antigo castelo de Montgomery se ergueram diante deles. Bronwyn não esperava uma fortaleza escura e maciça, mas uma casa mais na ordem de Hugh Lasco. Ela olhou para Stephen e viu que seu rosto estava brilhante, quase tanto quanto o dela quando via Larenston.

— Entraremos pelo portão do rio. — disse ele, esporando seu cavalo.

A frente das altas muralhas era guarnecida por duas grandes torres que protegiam os portões fechados. Bronwyn seguiu Stephen até as paredes baixas, que formavam um túnel descoberto que acabava em um portão pequeno no outro lado das muralhas do castelo.

Stephen abrandou a cavalgada para trote e entrou cautelosamente na boca do beco estreito e murado. Imediatamente uma flecha voou cruzando o ar, embora se cravasse aos pés do cavalo de Stephen.

— Quem vem lá? — inquiriu uma voz sem rosto, do alto dos muros.

— Stephen Montgomery! — declarou ele, em voz muito alta.

Bronwyn sorriu, pois ele tinha ainda o sotaque das Highlanders.

— Não é Lorde Stephen! Conheço-lhe bem. Anda, deem meia volta nesses pangarés e saiam. Só os amigos entram nestas muralhas. Volta dentro de uma hora ao portão principal e roga ao guarda que te permita entrar.

— Matthew Greene! — gritou Stephen. — Esqueceu seu próprio amo?

O homem inclinou-se sobre o muro e olhou para baixo.

— É você! — disse, disse depois de um momento. — Abram o portão! — ordenou, cheio de alegria. — Lorde Stephen está a salvo! Bem-vindo a casa, meu lorde.

Stephen o saudou agitando a mão e continuou a marcha. No percorrer do trajeto, os homens lhe saudavam do alto da muralha. No extremo do passadiço se abria um portão que dava a um pátio privado. Diante deles apareceu a casa.

— Milorde, é bom vê-lo. — Disse um ancião, tomando as rédeas. — Jamais o reconheceria se os homens não me tivessem dito que era você.

— É estupendo estar em casa, James. Meus irmãos estão aqui?

— Lorde Gavin voltou faz apenas uma hora.

— Voltou?

— Sim, meu lorde. Seus irmãos estiveram procurando-o. Disseram-nos que tinha morrido nas mãos de sua esposa pagã.

— Cuidado com o que diz James! — advertiu Stephen. Ele deu um passo para trás e pegou a mão de Bronwyn. — Esta é minha esposa, Lady Bronwyn.

— Oh, milady! — exclamou o ancião. — Perdoe-me. Pensei que era uma das... Quero dizer, Lorde Stephen frequentemente trouxe para casa...

— Já disse o bastante. Venha, Bronwyn — disse Stephen.

Não deu nenhuma chance de se preparar. Deveria ser apresentada à família dele, parecendo uma serva. Até seu moço de estabulo pensara assim. Sabia como os ingleses davam importância às roupas de uma pessoa, e lembrou com nostalgia os belos vestidos que vestira na casa de Sir Thomas Crichton. O melhor que podia fazer era manter a cabeça erguida e suportar os sarcasmos dos ingleses. Exceto por Judith, a perfeita. Sem dúvida ela seria gentil, bondosa e atenciosa, como um travesseiro com voz suave.

— Parece mortalmente assustada. — provocou Stephen fitando-a. — Te asseguro que Gavin não está acostumado a castigar as mulheres. Raramente o faz. Quanto a Judith...

Bronwyn ergueu uma mão.

— Poupe-me disso. Já me falou o suficiente dessa Judith. — Endireitou as costas. — E no dia em que veja a Laird MacArran temerosa de meros ingleses, será o mesmo dia em que os escoceses deixem de usar suas mantas.

Stephen sorriu para ela, então abriu a porta para um quarto brilhante pela a luz do sol da manhã. Bronwyn mal olhou para a sala lindamente revestida de tapetes, antes que sua atenção fosse atraída para as duas pessoas que estavam de pé no meio dela.

— Maldição, Judith! — gritou um homem alto. Tinha cabelos escuros, olhos cinzentos e maçãs do rosto salientes. Um homem extraordinariamente bonito, e agora seu rosto estava em chamas de fúria. —Eu deixei ordens exatas de como queria que a queijaria fosse reconstruída, Deixei os desenhos feitos. Como se eu já não tivesse suficiente motivos para me preocupar com Stephen e sua esposa desaparecida, volto para casa para encontrar os alicerces feitos e eles não têm semelhança com os meus planos.

Judith levantou a vista para lhe olhar com muita calma. Tinha uma abundante cabeleira castanho-avermelhada, coberta parcialmente por um capuz francês. Seus olhos brilharam como ouro.

— Porque seus planos eram completamente ineficazes. Alguma vez fez manteiga ou queijo? Ordenhou uma só vaca em sua vida?

O homem se erguia diante dela em toda sua estatura, mas a miúda mulher não cedeu um passo.

— Que diabos importa que nunca tenha ordenhado uma maldita vaca? — Ele estava tão furioso que suas maçãs do rosto pareciam prontas para cortar sua pele. — A questão é que você contradisse minhas ordens e com isso como acha que devo olhar a meus queijeiros?

Judith o olhou com os olhos entrecerrados.

— Pois estão muito agradecidos por não verem-se obrigados a trabalhar naquele covil que você projetou.

— Judith! — bramou ele. — Se adiantasse algo, castigaria-te até te deixar negra e azul por tanta insolência.

— É notável o muito que fica irado quando tenho razão.

O homem rangeu os dentes e deu um passo adiante.

— Gavin! — Stephen gritou ao lado de Bronwyn enquanto agarrava um machado dentre as armas que estavam penduradas na parede.

Gavin, treinado para a guerra, seus sentidos sempre alertas, reconheceu o chamado. Girou rapidamente, e agarrou o machado de guerra que Stephen atirou para ele. Por um momento, Gavin olhou perplexo para seu irmão, que usava roupas tão estranhas e para o machado que segurava.

— Para se proteger de Judith. — riu Stephen, apontando a arma. Antes que Gavin pudesse reagir, Judith cruzou a sala correndo e se jogou nos braços de Stephen.

— Onde estava? Faz dias que o buscamos. Estávamos muito preocupados contigo.

Stephen enterrou o rosto no pescoço de sua cunhada.

— Está bem agora? A febre...

Interrompeu-lhe o bufo de Gavin.

— Está tão bem que coloca o nariz em todos os meus assuntos.

— Que assuntos? — brincou Stephen. — Você ainda não aprendeu a lição?

— Já basta! Silêncio os dois! — disse Judith, largando-se de Stephen. Gavin abraçou seu irmão.

— Onde estava metido? Disseram-nos que o haviam matado; depois nos chegou à mesma notícia pela segunda vez. Foi...

Não pôde terminar; não podia expressar a Stephen o tormento que tinham passado enquanto o procuravam.

— Já estou perfeitamente bem como pode ver. — Stephen riu e afastou-se de seu irmão.

— Vejo que está mais bonito que nunca. — disse Judith, apreciando abertamente as pernas bronzeadas e musculosas do cunhado. Gavin a rodeou com um braço possessivo.

— Deixa de flertar com meu irmão. E vá inteirando-se que não penso em vestir uma dessas coisas.

Judith riu baixinho e se apertou mais contra seu marido.

Bronwyn permanecia à sombra de uma cadeira alta, uma estranha observando a família. Então essa era a gentil Judith! Era menor que ela, pequena e linda como uma joia. Mas enfrentava seu musculoso marido sem temor algum. Não era mulher de passar os dias costurando!

Judith foi a primeira a notar que Bronwyn os observava. Sua primeira impressão foi que Stephen tinha feito o que uma vez ameaçou: trancou sua esposa em uma torre e encontrou uma bela plebeia para fazê-lo feliz. Mas, enquanto observava Bronwyn, percebeu que nenhuma mulher comum podia se comportar ou ter esse porte. Não era apenas o orgulho de ser surpreendentemente adorável e bela, mas algum orgulho interior Era uma mulher que sabia que tinha valor. Judith afastou-se de seu marido e caminhou em direção a Bronwyn.

— Lady Bronwyn? — perguntou em voz baixa, com a mão estendida.

Os olhos de Bronwyn encontraram-se com os de Judith e entre ambas houve uma espécie de entendimento: reconheciam-se como iguais.

— Como você sabia? — riu Stephen. — James tomou-a por uma de minhas... Bom, pensou que não era minha esposa.

— James é um idiota. — disse Judith. Ela se afastou de Bronwyn, estudou as roupas da mulher mais alta. — Essa saia dá-lhe muita liberdade de movimento, não é? E não parece tão pesado como este vestido, certo?

Bronwyn sorriu calorosamente.

— É maravilhosamente leve, mas o seu é tão bonito...

— Venha para o meu solar e vamos conversar. — Disse Judith.

Os homens olhavam fixamente para as mulheres que partiam, com espanto e de bocas abertas.

— Nunca vi Judith simpatizar assim com ninguém. — comentou Gavin. — E como sabia que era sua esposa? Por seu modo de vestir, eu estaria de acordo com o James.

— E Bronwyn odeia as roupas inglesas! — adicionou Stephen. — Não imagina os sermões que escutei sobre a moda feminina inglesa, diz que imobiliza as mulheres.

Gavin começou a sorrir.

— Cabelo preto e olhos azuis! Eu realmente a vi ou era minha imaginação? Pensei que você disse que era feia e gorda. Ela realmente não pode ser o Laird de um clã, não é?

Stephen riu entre dentes.

— Vamos sentar. Há algo para comer? — perguntou, com brilho nos olhos. — Ou agora os servos só obedecem a Judith?

— Se eu não estivesse tão feliz por vê-lo em segurança faria você lamentar esse comentário. — Gavin disse enquanto saía para pedir comida e enviar seus homens em busca de Raine e Miles.

— Como está Judith, em realidade? — perguntou Stephen, quando lhes serviram o desjejum da manhã. — Em suas cartas dizia que se repôs por completo do aborto, mas...

Gavin pegou um ovo cozido do prato de Stephen.

— Já a viu. — Gavin soprou. — Eu preciso lutar por cada centímetro de controle que tenho sobre o meu próprio povo.

Stephen ergueu os olhos bruscamente.

— E isso você adora. — Stephen falou lentamente.

Gavin sorriu.

— Faz-me a vida interessante, sim. Cada vez que vejo essas esposas afetadas, rosadas e brancas que têm outros homens, dou graças ao céu por estar casado com Judith. Acredito que ficaria louco se não tivéssemos uma boa rixa, bem estimulante, uma vez por semana. Bom, não falemos mais de mim! Como é sua Bronwyn? Sempre tão doce e dócil como vi poucos minutos atrás?

Stephen não sabia se devia rir ou chorar.

— Dócil? Bronwyn? Não tem ideia do que significa essa palavra. Se se manteve a um lado e em silêncio, foi provavelmente porque estava se perguntando se devia usar uma adaga ou aquele cão de caça do inferno.

— Por que ela faria isso?

— Porque é escocesa, homem! Os escoceses odeiam os ingleses porque lhes queimam os campos semeados e estupram as mulheres, porque os ingleses são um bando de bastardos malditos, arrogantes e detestáveis que se acham melhores que esses honrados e generosos escoceses e...

— Espere um momento! — riu Gavin. — A última vez que nos vimos você era um inglês.

Stephen voltou sua atenção para a comida, obrigando-se a serenar-se.

— Acredito que por um momento esqueci-me deste fato.

Gavin se recostou na cadeira e estudou seu irmão.

— Pelo comprimento do seu cabelo, eu diria que você esqueceu já há alguns meses.

— Não critique as vestimentas escocesas antes de usá-la, quer? — aconselhou-lhe Stephen.

Gavin apoiou uma mão no seu braço.

— O que há de errado? O que te deixa tão preocupado?

Stephen se levantou e caminhou em direção à lareira.

— Às vezes já não sei quem sou. Quando eu fui para a Escócia, sabia que era um Montgomery, e me sentia muito nobre sobre a minha missão lá. Devia ensinar aos escoceses ignorantes nossos costumes civilizados. — Passou a mão pelo cabelo. — Eles não são ignorantes, Gavin. Longe disso. As coisas que poderíamos aprender deles, Senhor! Nós não conhecemos sequer o real sentido da palavra "lealdade". O clã do Bronwyn está formado por gente que morreria por ela. E que me crucifiquem se não a vi arriscar a vida por seu clã! Além disso, as mulheres participam da roda de conselheiros e tomam decisões... e eu as ouvi tomarem boas decisões.

— Como Judith! — observou Gavin sereno.

— Sim! — disse Stephen em voz alta. — Mas ela tem que brigar comigo por cada centímetro.

— É obvio. — respondeu Gavin, com firmeza. — As mulheres deveriam...

A risada de Stephen o deteve.

— Em algum momento, nesses meses, deixei de pensar no que "deveriam" as mulheres.

— Conte mais sobre a Escócia. — Pediu Gavin, querendo mudar de assunto.

Stephen voltou a se sentar e a comer. Sua voz soava longínqua.

— É um país muito belo.

— Dizem que chove quase sempre.

— E o que importa um pouco de chuva quando se é escocês?

Gavin ficou pensativo; observava a seu irmão e escutava além de suas palavras.

— Christopher Audley veio aqui algum tempo atrás. Ele o encontrou antes do casamento?

Stephen deixou de comer.

— Mataram-lhe na Escócia.

— Como?

Stephen se perguntou como poderia explicar que Chris foi morto no que, para um cavaleiro como Gavin, seria uma luta desonrosa.

— Uma incursão para roubar ganho. Alguns dos homens de Bronwyn morreram tentando protegê-lo.

— Proteger ao Chris? Mas se era um soldado excelente! Sua armadura...

— Malditas armaduras! Não pôde correr. Como disse Douglas, estava encerrado em um ataúde de aço. — Explodiu, for fim, Stephen.

— Não compreendo. Como?

Stephen foi salvo de responder pelo estrondo da porta sendo aberta.

Raine e Miles entraram na sala como vendaval. Raine cruzou o quarto a grandes passos, fazendo tremer os vidros das janelas em seus limiares, e levantou em um abraço a seu irmão, que era mais leve, embora de mais idade que ele.

— Stephen! Ouvimos dizer que você estava morto!

— E morrerá se não o soltar. — Miles disse calmamente.

Raine afrouxou um pouco os braços.

— É um fracote débil. — disse com presunção. Stephen, sorridente, empurrou os braços contra os de Raine. Ele sorriu mais amplamente quando sentiu os braços de Raine se mexerem. Stephen empurrou mais e Raine aplicou mais pressão. Raine perdeu.

Stephen irradiava prazer. Não eram muitos os que conseguiram superar a força enorme do terceiro irmão sem recorrer a uma arma. Ofereceu graças silenciosas a Tam. Raine deu um passo atrás e lhe sorriu com orgulho.

— A Escócia parece ter feito bem a você.

— Ou então você negligenciou seu treinamento. — disse Stephen, presunçoso.

A cara do Raine se encheu de covinhas.

— Talvez você quisesse testar?

— Um momento! — interveio Miles, interpondo-se entre os irmãos. — Não deixe que Raine o mate antes que eu dê boas-vindas. — E abraçou Stephen.

— Você cresceu Miles — observou Stephen — e ganhou peso.

Gavin soprou.

— Culpa das mulheres. Duas das ajudantes de cozinha disputam qual delas se supera com os pratos.

— Compreendo. — riu Stephen. — O prêmio é nosso irmãozinho?

Raine se pôs a rir.

— Ou o que sobrar quando as outras mulheres terminarem com ele.

Miles ignorou os irmãos. Raramente sorria amplamente, como seus irmãos. Era um homem solene, e a emoção que sentia se manifestava em seus penetrantes olhos cinzentos. Lançou um olhar ao redor do quarto.

— James disse que sua esposa veio.

— Que Miles se encarregue dela. — Riu Gavin. — Pelo menos agora poderei ter Judith para mim de vez em quando. Toda vez que olho, ela está com um de meus desprezíveis irmãos.

— Gavin a faz trabalhar como uma serva. — Protestou Raine, meio a sério.

Stephen sorriu. Era bom estar de novo em casa, ver Gavin e Raine discutindo, para ouvi-los provocando Miles. Seus irmãos tinham mudado pouco nos últimos meses. Raine parecia mais forte e saudável, se era possível. Miles ainda se mantinha a um lado, à parte, embora fizesse parte do grupo. E Gavin unia todos. Gavin era o sólido, aquele que amava a terra. Onde Gavin estivesse também estaria sempre o lar de todos os Montgomery.

— Não sei se estou pronto para você conhecer Bronwyn. — vacilou Stephen.

— O que? É tímida? — perguntou Raine, preocupado. — Suponho que não a tenha arrastado por toda a Inglaterra com você, verdade? Porque não vi nenhuma carreta de bagagem. Onde estão seus homens?

Stephen respirou fundo e riu. Eles nunca acreditariam se ele dissesse a verdade.

— Não, eu não diria que Bronwyn é tímida. — disse rindo por entre dentes.


Capítulo Quatorze

Bronwyn estava inundada até o pescoço em uma banheira de água quente com sabão. Na enorme lareira ardia um bom fogo, que dava ao quarto calor e fragrância. Relaxou-se na tina e olhou ao seu redor. O quarto era lindo, das vigas do teto raso até os mosaicos espanhóis do chão. As paredes eram de madeira pintada de branco com minúsculos botões de rosa entrelaçados sobre as articulações. A enorme cama de dossel tinha uma cortina de um profundo veludo rosa. As cadeiras, bancos e armários do quarto estavam esculpidos com arcos altos e pontiagudos. Bronwyn se reclinou na banheira, com um sorriso. Resultava agradável ver-se em meio de tanto luxo, mas ao mesmo tempo sentia que esse dinheiro devia ser utilizado para outra coisa. Ela e Stephen tinham visto muita pobreza no trajeto para a propriedade Montgomery. Por sua parte teria usado esse dinheiro para seu povo, mas sabia que os ingleses eram diferentes.

Fechou os olhos e pensou nos últimos minutos. Sorria ao comparar a Judith que ela esperava e a Judith que encontrou. Esperava uma mulher doce e suave, mas nada havia de suave em Judith. Não havia um criado que não pulasse para cumprir sua ordem. Antes que Bronwyn estivesse plenamente consciente do que estava acontecendo, ela se encontrara despida e em uma banheira. Não sabia, mas água quente era exatamente o que ela precisava. A porta se abriu com suavidade.

— Sente-se melhor? — perguntou Judith entrando.

— Muito melhor. Tinha esquecido o que era ser tão mimada.

Judith fez uma careta e estendeu uma toalha grande, já quente para Bronwyn.

— Acho que os homens de Montgomery não são dados a mimar suas mulheres, Gavin não hesita e acha natural pedir-me que viaje com ele nas piores tempestades.

Bronwyn enrolou a toalha ao redor de seu corpo e olhou para Judith cuidadosamente.

— E o que você faria se ele exigisse que você permanecesse em casa? — perguntou, sem elevar a voz.

Judith riu de boa vontade.

— Não obedeceria. Gavin está acostumado a passar por cima de detalhes que não dá importância, como o fato de que um mordomo roube grãos dos armazéns.

Bronwyn sentou-se diante do fogo e deu um suspiro.

— Eu queria que você pudesse olhar meus livros de contas. Receio que muitas vezes os negligencie.

Judith pegou um pente de marfim e começou a pentear o cabelo molhado da sua cunhada.

— É que tem que considerar outras coisas, além das ervilhas acumuladas no depósito. Diga-me: como é ser chefe de um clã, ter todos aqueles homens bonitos dispostos a obedecer a seu mais ínfimo desejo?

Bronwyn explodiu em gargalhadas, tanto pelo tom pensativo de Judith como pelo absurdo da ideia. Ela se levantou, vestiu um robe de Judith, e começou desembaraçar os fios em seu cabelo.

— É uma grande responsabilidade. — Explicou. — E quanto aos meus homens me obedecerem. — Suspirou e retirou alguns cabelos do pente. — Na Escócia não somos como vocês da Inglaterra. Aqui as mulheres são tratadas como se fossem diferentes.

— Como se não tivéssemos cérebro! — acrescentou Judith.

— Sim, isso é verdade, mas quando os homens acreditam que as mulheres são inteligentes, esperam mais delas.

— Não entendo. - respondeu Judith.

— Os meus homens não me obedecem cegamente, questionam-me a cada passo que devem dar: Na Escócia, cada homem acredita que é igual a todos os homens. Stephen ordena aos seus homens para selarem os seus cavalos e estarem prontos para cavalgar em uma hora e eles obedecem sem mesmo questioná-lo.

— Estou começando a entender — disse Judith. — Seus homens querem saber para onde estão indo e por quê? Se for assim, isso poderia ser bastante...

— Irritante, às vezes. — Concluiu Bronwyn. — Há um homem, um homem idoso, Tam, que vigia cada um de meus movimentos e analisa todas minhas decisões. E há todos os seus filhos que me contradizem em cada oportunidade. Na verdade, só tomo as decisões de menor importância. As mais importantes são um esforço coletivo.

— Mas e se você quer algo e eles estão contra isso, o que você faz?

Bronwyn sorriu com lentidão.

— Há maneiras de manobrar os homens, mesmo aqueles que pairam acima como águias.

Foi a vez de Judith rir.

— Como a queijaria! Eu não podia permitir que Gavin construísse um lugar horrível como aquele que ele desenhou. Fiz os homens trabalharem toda a noite para que os alicerces estivessem preparados antes que ele voltasse. Eu sabia que ele era econômico demais para destruir tudo e orgulhoso demais para me dar a razão.

Bronwyn se sentou no banco, junto a sua cunhada.

— E pensar que eu temia conhecer você! Stephen disse... bom, do modo que ele a descreveu, eu imaginei que você não era nada além de bonita, mas sem vida e idiota.

— Esse Stephen! — Judith riu, então pegou a mão de Bronwyn. — Fui eu quem o fez chegar atrasado ao seu casamento. Fiquei horrorizada quando descobri que nem sequer lhe enviou uma mensagem para se explicar. — Ela hesitou um momento. — Ouvi dizer que isso provocou alguns problemas entre vocês.

— Foi Stephen Montgomery que causou seus próprios problemas. — corrigiu Bronwyn secamente. — Há momentos em que ele pode ser o mais arrogante, insuportável, enfurecido...

— Fascinante homem do mundo. — completou Judith. — Não precisa me dizer isso. Sei muito bem, porque estou casada com um da família. Mas não trocaria Gavin por nenhum desses cavalheiros perfumados que andam pelo mundo. Você deve se sentir do mesmo modo a respeito de Stephen.

Bronwyn sabia que ela precisava responder, mas não tinha ideia do que queria dizer. De repente, Rab estava de pé, a cauda balançando enquanto latiu excitadamente para a porta da câmara. Stephen entrou e se ajoelhou enquanto coçava as orelhas de Rab.

— Vocês duas parecem felizes com alguma coisa. — comentou.

— É sempre uma alegria ter um momento de paz e tranquilidade. — replicou Bronwyn.

Stephen sorriu para Judith.

— Já que estamos aqui, poderia lhe adoçar um pouco a língua? A propósito, há um homem lá embaixo falando algo sobre alguns vestidos.

— Estupendo! — declarou Judith e saiu quase correndo.

— O que se passava aqui? — Stephen perguntou, levantando-se e caminhando em direção a sua esposa. Levantou um cacho úmido de seu seio. — Você parece tão atraente como uma manhã de primavera fresca.

Ela se afastou para voltar o olhar ao fogo.

— Bronwyn, você ainda está zangada pelo que aconteceu na casa de Hugh, não é.

Ela se voltou para enfrentá-lo.

— Zangada? — disse fria. — Não, não estou zangada. Fiz uma tolice, nada mais.

— Que tolice? — perguntou ele pousando uma mão no ombro de Bronwyn. Não se incomodava com seus acessos de cólera ou mesmo quando o ameaçava com uma adaga em punho, mas estava angustiado por sua frieza. — Como você foi tola?

— Eu comecei a acreditar que poderia haver algo entre nós.

— Amor? — Ele perguntou com os olhos brilhantes, um sorriso começando a curvar seus lábios. — Não é errado admitir que você me ama.

Bronwyn torceu os lábios e afastou a mão do marido.

— Que amor! — Ela disse com raiva. — Estou falando de coisas mais importantes do que o amor entre um homem e uma mulher, estou falando de confiança e lealdade e da fé que uma pessoa deve ter em outra.

Stephen franziu o cenho para ela.

— Eu não tenho ideia do que você está falando. Eu pensei que o amor era o que a maioria das mulheres queria.

Ela suspirou em exasperação, e sua voz estava calma quando falou.

— Quando vais aprender que não sou "a maioria das mulheres"? Sou Bronwyn, uma MacArran, e sou única. Talvez quase todas as mulheres pensem que o amor é o principal objetivo de suas vidas, mas eu já tenho amor. Amam-me meus homens, ama-me Tam. Sou amiga das mulheres de meu clã e até de Kirsty, uma MacGregor.

— E onde eu me encaixo nisso? — perguntou Stephen, apertando os dentes.

— Tenho certeza de que nos amamos um ao outro, à nossa maneira. Fiquei preocupada e cuidei de você quando a flecha de Davey o feriu, e você muitas vezes mostra que se importa comigo.

— Menos mal. — observou ele sombrio. — Obrigado por pequenos favores. E eu, pensando que você ficaria feliz em ouvir que eu te amo!

Bronwyn olhava para ele fixamente e sentiu seu coração saltar por suas palavras, mas não confessaria isso a Stephen.

— Eu quero mais do que amor. Quero algo que dure quando a minha pele esteja enrugada e minha cintura não seja mais estreita. — Ela parou por um momento. — Eu quero respeito, honra e confiança. Não quero ser acusada de mentirosa, nem quero seu ciúme. Como a Laird MacArran, tenho de viver num mundo de homens e não quero um marido que me acuse de coisas desonrosas quando estiver fora de sua vista.

Na mandíbula do Stephen se contraiu um músculo.

— Então é isso! Devo ficar de lado e deixar que os homens toquem você sem que eu diga nada?

— Acredito que só se trata de um homem. Você deveria ter pensado que havia um propósito por trás de minhas ações.

— Um propósito? Por Deus, Bronwyn! Como vou conseguir pensar quando alguém toca você?

O latido de Rab a salvou de responder. Uma fresta da porta se abriu.

— É seguro entrar? — perguntou Judith, olhando ao cão com desconfiança.

— Venha, Rab. — Bronwyn ordenou quando Judith entrou. — Ele não vai te machucar a menos que tenha uma arma apontada para mim.

— Vou me lembrar disso. — Judith riu e estendeu os braços. Sobre eles havia um vestido de veludo marrom, bordado com fios de ouro. — Para você — disse ela. — Vamos ver se fica bem.

— Como...? — balbuciou Bronwyn, sustentando o vestido contra o corpo.

Judith sorriu secretamente.

— Há um homenzinho horrível que trabalha para Gavin. Meu marido sempre o trancava no porão por toda sorte de... indiscrições. Decidi usar os talentos do homem. Dei-lhe uma bolsa de prata, descrevi quão alta você era, e disse-lhe para me arranjar um vestido digno de uma dama.

— É lindo. — Sussurrou a moça, deslizando as mãos pelo veludo. — Você tem sido tão amável comigo, faz eu me sentir tão bem-vinda.

Judith olhava a Stephen, que estava de costas para elas. Pôs-lhe a mão no ombro.

— Stephen, você está bem? Você parece cansado — disse Judith.

Ele tentou sorrir para ela e distraidamente beijou sua mão.

— Talvez disso se trate. — Voltou-se para o Bronwyn. – Meus irmãos gostariam de conhecê-la — disse formal. Será uma honra que nos visite. — Se virou e saiu do quarto.

Judith não perguntou o que havia acontecido entre os recém-casados. Ela só queria fazer sua visita livre de conflitos tanto quanto possível.

— Vou lhe ajudar a se vestir. Amanhã poderá provar as roupas que encomendei para você.

— Roupas? Não deveria fazê-lo.

— Mas eu fiz. Então o mínimo que você pode fazer é apreciá-los. Agora vejamos como fica este.


Horas depois, Bronwyn estava vestida e penteada para satisfação de sua cunhada. Judith disse que tinha aprendido muitos truques enquanto estava na corte, um lugar que nunca gostaria de visitar novamente. Ela gostava da maneira escocesa de Bronwyn de deixar seus cabelos soltos, tanto que descartou seu próprio capuz e deixou seu lindo cabelo castanho-avermelhado cair pelas suas costas. Usava um vestido de cetim violeta, com visom pardo nas mangas e na bainha. Um cinturão dourado com ametistas púrpuras rodeava-lhe a cintura.

O profundo decote quadrado exibia o alto dos seios volumosos. As mangas em forma de balão foram talhadas para exibir o forro de fino tecido dourado. Endireitou os ombros e braços e desceu as escadas para apresentar-se a seus cunhados.

Os quatro homens estavam, lado a lado, na frente da lareira de pedra no salão de inverno, e Bronwyn e Judith pararam por um momento para olhar para eles com orgulho. Stephen tinha cortado seu cabelo comprido e descartado suas roupas escocesas, e Bronwyn sentiu uma súbita pontada de agonia pela perda do Highlander que ele havia sido. Usava um casaco de veludo azul escuro, colarinho de pele de marta. Suas pesadas e musculosas pernas estavam envoltas com meias de lã azul escuro.

Gavin estava vestido de cinza, sua jaqueta forrada com peles de esquilo cinza. Raine vestia veludo negro, a gola bordada com fio de prata em um intrincado desenho espanhol. A jaqueta de Miles era de veludo verde- esmeralda, com cortes e talhos nas mangas que revelavam um tecido prateado. Havia pérolas nas mangas de sua camisa.

Miles foi o primeiro a se virar e ver as mulheres. Colocou o cálice de prata sobre a lareira e avançou. Ele parou na frente de Bronwyn, seus olhos escurecendo, ficando quase preto: um fogo intenso e negro. Caiu de joelhos diante dela.

— É uma honra. — sussurrou com muita reverência.

Bronwyn olhou aos outros, consternada. Judith lhe sorriu com orgulho.

— Posso te apresentar a Miles? — Judith perguntou a sua cunhada.

Bronwyn estendeu a mão, e Miles a pegou, e beijou-a lentamente.

— Você já fez sua apresentação, Miles. — disse Stephen sarcástico.

Gavin riu e deu um tapa no ombro de Stephen com tanta força que seu vinho salpicou em sua mão.

— Por fim tenho a alguém que me ajude com meu irmão caçula! Lady Bronwyn, permite-me me apresentar com mais formalidade? Sou Gavin Montgomery.

Bronwyn tirou a mão da de Miles, e relutante seus olhos o deixaram. Havia algo extraordinariamente intrigante no jovem. Ela deu a mão para Gavin, então se virou para o outro irmão.

— E você tem que ser Raine. Ouvi falar muito de você.

— Bem ou mau? — perguntou Raine, lhe beijando a mão. Sorria tanto que suas covinhas se aprofundaram.

— Quase sempre mau. — Ela respondeu com franqueza — Um de meus homens, Tam, um verdadeiro carvalho humano, foi o treinador de Stephen na Escócia. Durante várias semanas seguidas ouvi seu nome ser usado como grito para incitar Stephen sempre que ele tentava fugir das tremendas exigências de Tam.

Raine riu alto.

— Deve ter funcionado, porque ele me ganhou em uma curta luta esta manhã. — Ele olhou para Stephen. — Embora, claro, ainda não aceitou meu desafio para um combate mais prolongado.

Bronwyn arregalou os olhos e estudou os ombros largos de Raine e o peito forte.

— Eu diria que basta uma oportunidade para derrotar a um homem.

Raine a segurou pelos ombros para dar um sonoro beijo na bochecha.

— Cuida bem desta, Stephen! — riu.

— Faço o possível. — respondeu ele pegando a mão dela antes que Miles voltasse a apoderar-se dela. — O jantar está servido. Vamos comer? — perguntou, buscando os olhos de Bronwyn.

Ela sorriu para ele com doçura, como se nunca tivessem discutido.

Enquanto eles estavam sentados para o jantar, com prato após prato de comida sendo trazidos, foi que Bronwyn percebeu como essas pessoas eram diferentes dos ingleses que conheceu antes. Essa família feliz e rindo não tinha nenhuma semelhança com os homens que conhecera na casa de Sir Thomas Crichton. Judith teve muitas despesas e problemas para que ela se sentisse bem-vinda. Os irmãos de Stephen a aceitaram, não fizeram comentários sarcásticos porque ela era o Laird de um clã.

De repente, tudo parecia estar girando ao seu redor. Ela cresceu odiando os MacGregor e os ingleses. Agora era madrinha de um MacGregor, e ela se viu amando essa família inglesa, unida e acolhedora. Ainda assim, os MacGregor haviam matado os MacArran por séculos. Os ingleses haviam matado seu pai. Como ela poderia amar as pessoas que deveria odiar?

— Lady Bronwyn, — perguntou Gavin — o vinho é muito forte para você?

— Não! — sorriu ela. — Tudo está perfeito. E esse, temo, seja o problema.

Ele a estudou durante um instante.

— Eu quero que você saiba que somos sua família também. Se você precisar de algum de nós a qualquer momento, estaremos aqui.

— Obrigada! — respondeu muito séria, sabendo que era verdade.

Depois do jantar, Judith levou Bronwyn para uma visita à área dentro das muralhas do castelo. Havia duas seções para o castelo, o exterior onde os servos do castelo viviam e trabalhavam, e o círculo interior, mais protegido para a família. Bronwyn ouviu e fez centenas de perguntas sobre o sistema bem organizado e incrivelmente eficiente do castelo. Os acres de terra dentro das paredes altas e grossas eram quase autossustentáveis.

Stephen as deteve enquanto conversavam com o ferreiro. Judith estava explicando a sua cunhada uma nova técnica para forjar o metal.

— Posso falar contigo, Bronwyn? — pediu o jovem. Ela compreendeu que se tratava de algo sério e lhe seguiu ao exterior da forja, onde pudessem dialogar em privado.

— Gavin e eu voltaremos para Larenston para trazer o corpo do Chris.

— Tam já deve ter mandado sepultar.

Ele assentiu.

— Sei, mas acredito que temos essa obrigação para com a família do Chris. Nem sequer sabem que morreu. Eles se sentiriam melhor se pudessem enterrá-lo em suas próprias terras.

Ela concordou com a cabeça.

— Chris não gostava de Escócia. — acrescentou solene.

Stephen correu os dedos ao longo de sua bochecha.

— É a primeira vez que nos separamos desde que nos casamos. Eu gostaria de pensar... — deteve-se, deixando cair à mão.

— Stephen... — começou ela.

Ele tomou entre seus braços para estreitá-la com força.

— Gostaria que pudéssemos voltar para o tempo que passamos com Kirsty e Donald. Você parecia feliz lá.

Bronwyn se agarrou ao marido. Apesar do perigo que corriam, ela também se lembrava desses dias como uma temporada feliz.

— Você passou a representar muito para mim. — Sussurrou ele. — Detesto partir quando você está tão... fria comigo.

Quando ela riu, ele a afastou, franzindo o cenho.

— Do que ri? — perguntou zangado.

— Pensava que neste momento não me sinto nada fria. Diga-me, de quanto tempo dispomos antes que parta?

— De alguns minutos. — Stephen disse com tanta tristeza que ela voltou a rir.

— E quanto tempo demorará em voltar?

Ele colocou os dedos sob o queixo dela.

— Três longos, longos dias, pelo menos. Conhecendo Gavin, vamos cavalgar a todo galope, em vez de nos determos com frequência, como fazíamos você e eu. — acrescentou sorridente.

Bronwyn rodeou-lhe o pescoço com os braços.

— Não vai esquecer-se de mim enquanto estiver fora? — sussurrou, roçando os lábios de Stephen com os seus.

— Seria mais fácil esquecer uma tempestade. — respondeu ele. Os esforços do Bronwyn por afastar-se o fizeram rir. — Venha aqui, mulher.

Sua boca tomou posse dela de tal forma que ela esqueceu todos os pensamentos de honra e respeito. Lembrou-se apenas de suas brincadeiras nas terras altas. Sua mão se moveu para sua nuca, para inclinar-se contra sua boca, e ela abriu seus lábios sob os dele, bebendo na doçura da ponta de sua língua. Apertou o corpo contra ele e estreitou o abraço.

— Stephen...

Ele colocou dois dedos em seus lábios.

— Temos muito de que falar quando eu voltar. Está disposta?

Ela sorriu feliz.

— Sim, estou muito disposta.

Ele a beijou mais uma vez, já com saudade e promessas para o futuro. Quando se virou para partir, foi com evidente relutância.


À noite Bronwyn percebeu como sentia falta de Stephen. Naquele quarto encantador, a enorme cama parecia fria e insuportável. Pensou em Stephen galopando para Escócia sem uma noite sequer de repouso. Maldisse a si mesma por não ter insistido em acompanhá-lo.

Quanto mais pensava mais inquieta se sentia. Jogou os cobertores de lado e cruzou o chão frio rapidamente até um baú no canto do quarto. Vestiu suas roupas das montanhas e em poucos minutos jogava a manta sobre o ombro. Talvez um passeio pelo pátio frio ajudasse a conciliar o sonho. Assim que saiu um tamborilar de cascos ecoou contra os tijolos do pátio.

— Stephen! — exclamou ela, enquanto começava a correr, pois sabia que só os membros da família podiam entrar durante a noite.

— Lady Mary! — saudou alguém em voz baixa. — É bom vê-la de novo. Sua viagem foi agradável?

— Tão agradável quanto eu poderia desejar, James. — respondeu uma voz suave e gentil.

— Quer você que chame Lady Judith?

— Não, não a incomode. Ela precisa de descanso. Me arranjarei sozinha.

Bronwyn ficou nas sombras e observou como um dos guardas do castelo ajudou Lady Mary a desmontar. Lembrou-se de como Stephen tinha comparado sua irmã com a Madonna, disse que ela era a pacificadora e que morava em um convento perto das propriedades de Montgomery.

— Nós esperávamos você mais cedo. — disse James. — Espero que nada esteja errado e que não tenha tido nenhum problema.

— Um dos meninos estava doente e fiquei atendendo-o.

— Você tem muita bondade no coração, Lady Mary. Não deveria aceitar a filhos de mendigos. Alguns foram concebidos por assassinos. E tampouco as mães devem ser boa gente, para falar a verdade.

Mary ia dizer algo, mas girou para olhar Bronwyn com um sorriso.

— Tinha uma estranha sensação de que alguém me observava. — Deu um passo adiante. — Você deve ser Bronwyn, esposa do Stephen.

O pátio estava na penumbra com somente a luz da lua e uma lanterna para a noite. Mary era baixa e gorducha com um rosto oval perfeito. Inspirava confiança imediatamente.

— Como você sabia? — Bronwyn sorriu. — Não consegui enganar nenhum dos Montgomery.

— Sei que os escoceses são fortes. E para suportar esse vento quando não há necessidade, seria preciso muita resistência.

Bronwyn começou a rir.

— Vamos para o salão de inverno, e acenderei o fogo para você em questão de minutos.

— Parece celestial — comentou Mary, sem tirar as mãos de dentro de seu grosso manto de lã.

Seguiu a sua cunhada até o grande salão e permaneceu em silêncio, enquanto a moça preparava a lenhas e acendia o fogo com suas próprias mãos. Logo sorriu, agradada de que uma dama de tão alto nível como Bronwyn se sentisse bastante segura de sua dignidade para não desdenhar os trabalhos humildes.

A jovem se voltou para ela.

— Deve estar cansada. Não preferiria que acendesse o fogo em seu quarto?

Mary se instalou em uma cadeira almofadada e aproximou as mãos ao fogo.

— Estou cansada, sim. Muito cansada para dormir. Prefiro estar um momento aqui e aproveitar este calor.

Bronwyn pôs o atiçador em seu suporte. Verdadeiramente, Mary se parecia com a Madona. Seu rosto oval tinha uma testa alta e clara, acima dos olhos castanhos suaves e expressivos. Sua boca era pequena, tenra, delicada, e havia covinhas em sua face. ‘As covinhas de Raine’ pensou Bronwyn.

— Que alegria estar novamente em casa. — suspirou Mary. E voltou a olhar a sua cunhada — por que está acordada? — perguntou de repente. — Acaso Stephen?

Bronwyn riu e sentou ao lado de Mary.

— Ele e Gavin voltaram para a Escócia para trazer para casa o corpo de um amigo.

— Christopher! — Mary disse e suspirou quando ela se recostou na cadeira.

— Você sabe sobre ele? — perguntou Bronwyn, quase temerosa.

— Sim. Stephen me escreveu sobre sua morte.

Bronwyn guardou silêncio um momento.

— Disse-te que a morte do Chris foi minha culpa?

— Não! E não deve sequer pensar assim. Stephen disse que Chris morreu por sua própria arrogância. Que todos os ingleses cometiam um suicídio ao entrarem nas terras altas da Escócia.

— Mas os ingleses mataram a muitos Highlanders! — protestou Bronwyn, com ferocidade. Então se virou e olhou rapidamente para a cunhada. — Perdoe-me. Esqueço que...

— Que somos ingleses? É um elogio, sem dúvida. — Mary estudou a moça à luz suave do fogo. — Stephen me escreveu que você era bonita, mas não descreveu nem metade de sua beleza.

Bronwyn fez uma careta.

— Dá muito valor à beleza feminina.

Mary riu.

— Você descobriu o mesmo que Judith. Meus irmãos acreditam que todas as mulheres são como eu, sem espírito nem paixão.

Bronwyn olhou para ela.

— Mas, sem dúvida...

Mary a interrompeu com um gesto.

— Mas certamente uma mulher com irmãos tão apaixonados como os meus deve ter um pouco de paixão? É isso que você quis dizer? — Ela não esperou por uma resposta. — Não. Temo que eu tendo a escapar da vida. Mulheres como Judith e você, a julgar pelo conteúdo das cartas de Stephen, agarram a vida com ambas as mãos.

Bronwyn não sabia o que dizer. Pensou sobre a estranha conversa que estavam tendo. Estavam conversando como se se conhecessem há anos, em vez de alguns minutos. Mas, de alguma forma, a quietude da sala e a forma como a luz do fogo parecia isolá-las dos cantos escuros, fazia tudo parecer bastante comum.

— Diga-me, sente-se sozinha? — perguntou Mary. — Sente falta dos costumes escoceses? Sua família, seus amigos?

Passou um tempo até Bronwyn falar.

— Sim, sinto falta dos meus amigos. — Ela pensou em Tam, Douglas e todo o seu povo. — Sim, sinto muita falta deles.

— E agora parece que Stephen também se foi. Talvez amanhã possamos cavalgar juntas. Eu gostaria de ouvir um pouco mais sobre a Escócia.

Bronwyn sorriu e recostou-se na cadeira. Ela gostaria muito de passar o dia com essa mulher. Havia algo calmo e pacífico sobre ela, algo que Bronwyn sentia que precisava agora.

Bronwyn passou os dois dias seguintes com Lady Mary, e não demorou muito para crescer o amor pela mulher. Enquanto Judith estava ocupada com os livros de contas e as preocupações de gerenciar, além das de Gavin, suas vastas propriedades. Mary e Bronwyn descobriram um amor mútuo pelas pessoas. Bronwyn nunca tinha sido capaz de se interessar por números no papel, mas podia contar mais sobre a prosperidade de um lugar conversando com os aldeões, do que de qualquer outra maneira. Ela e Mary atravessaram os hectares de terra e conversaram com todos. Os servos eram tímidos no início, mas logo responderam as perguntas de Bronwyn. Ela estava acostumada a falar com seus subordinados como se fossem iguais, e um a um, Mary viu homens e mulheres endireitarem seus ombros com orgulho. Bronwyn enviou pessoas que estavam doentes para a cama. Pediu, e foi felizmente dado suprimentos extras para os filhos de algumas famílias.

Mas nem sempre era generosa com o obtido. Para ela os servos eram pessoas; por isso não os olhava com compaixão. Descobriu que vários homens roubavam a seus amos e se encarregou de que os castigasse. Algumas famílias leais e trabalhadoras foram postas em cargos de maior responsabilidade.

Na noite do primeiro dia, Judith e Bronwyn passaram horas juntas. Judith escutando com admiração tudo que Bronwyn tinha a dizer. Judith percebeu imediatamente a sabedoria de sua cunhada e aceitou todos os conselhos dela.

Por outro lado Bronwyn aprendeu muito sobre organização e eficiência, todos os conhecimentos que ela planejava levar de volta a Larenston. Ela estudou os desenhos de Judith para edifícios, jardins e pomares. Judith prometeu enviar uma carroça de mudas para Larenston na primavera.

E Judith era uma maravilha na procriação de animais. Bronwyn ficou fascinada pelo modo com que a cunhada cruzara suas ovelhas e suas vacas, até conseguir que produzissem mais carne, leite e lã.

Quando se deitou estava já muito cansada para permanecer acordada. Gráficos e números nadavam diante de seus olhos. Uma centena de rostos e nomes flutuavam através de seus sonhos.

Pela manhã despertou cedo. Chegou aos estábulos antes que os habitantes do castelo despertassem. Vestida outra vez com seu traje escocês, pois tinha descoberto que a gente reagia com entusiasmo ante as roupas singelas. Jogou uma sela no lombo de uma égua.

— Permita-me milady! — disse uma voz jovem e forte ao seu lado.

Virou-se para ver um homem loiro, baixo e bonito. Um dos homens de Miles, que a acompanhara com Mary no dia anterior.

— Obrigado, Richard.

Seus olhos, de um verde escuro, arderam quando olhou para a moça.

— Eu não tinha ideia de que você conhecia meu nome. É uma honra para mim.

Bronwyn riu.

— Tolices! Na Escócia conheço pelo nome a cada um de meus homens, e eles me chamam pelo meu.

Ele se inclinou para ajustar a cilha.

— Estive falando com algum dos homens de Lorde Stephen, que o acompanharam a Escócia. Contam que você estava acostumada a viajar de noite, só com seus homens.

— É certo. — respondeu ela lentamente. — Sou uma MacArran, a Laird de meus homens.

Ele sorriu de maneira lenta e provocadora.

— Permite-me dizer que invejo a seus Highlanders? Na Inglaterra, raramente somos guiados por uma mulher e nunca por uma tão bela.

Ela franziu o cenho e tomou as rédeas do animal.

— Obrigada! — disse secamente, afastando-se do estábulo.

— Que atrevimento é esse? O que você pensa que está fazendo? — gritou um homem atrás de Richard.

Richard olhou para a porta que Bronwyn usara antes de se virar para o homem atrás dele.

— Nada que possa interessá-lo, George. — apartando o cavaleiro com uma cotovelada.

George lhe agarrou por um braço.

— Eu vi você falando com ela, e eu quero saber o que você disse.

— Por quê? — criticou o jovem. — Então você a quer para si? Ouvi o que você e o resto dos homens de Stephen disseram dela.

— Lorde Stephen, para você!

— Você é um hipócrita! Você a chama de Bronwyn e fala com ela como se fosse sua irmãzinha, mas quando alguém fala com ela quer desembainhar a espada? Deixe-me lhe dizer que não irei tratá-la como qualquer outra coisa, senão a puta escocesa que é. Nenhuma dama falaria com os homens e os servos como ela faz, a não ser que esteja atrás do que eles carregam entre as pernas. E eu...

O punho de George esmagou a boca de Richard antes que ele pudesse dizer outra palavra.

— Eu vou te matar por isso! — George gritou quando foi até a garganta de Richard.

O jovem conseguiu se esquivar do segundo golpe. Cruzou as mãos e socou a nuca de George, que se estendeu para frente, com o rosto na palha.

— O que está acontecendo aqui? — Bronwyn inquiriu da porta.

George sentou-se e esfregou o pescoço. O nariz de Richard estava sangrando, e ele limpou o sangue com o dorso de sua mão.

— Fiz uma pergunta. — insistiu Bronwyn, sem levantar a voz, observando aos dois homens. — Não quero saber a causa desta rixa, que deve ser pessoal. Mas quero saber quem descarregou o primeiro golpe.

Richard olhou ao George sugestivamente.

— Fui eu, minha senhora. — George disse quando começou a se levantar.

— Você, George? Mas se...

Bronwyn se interrompeu. Deve ter havido uma boa razão para alguém tão tranquilo como George dar o primeiro golpe. Ela não gostava de Richard e não confiava nele. No dia anterior ele frequentemente lançou olhares maliciosos para as jovens servas. Mas não podia deixar George e Richard sozinhos juntos e não podia levar George consigo já que ele começara a confusão. Era melhor manter Richard consigo e proteger o homem de Stephen.

— Richard — disse serena — hoje irá com Lady Mary e comigo.

Ela deu um olhar de pena para George e saiu dos estábulos.

— Está ardendo por mim, homem. — Richard ria enquanto saia dos estábulos antes que George pudesse atacá-lo novamente.


Capítulo Quinze

Mary subiu na sela e deu um olhar sonolento à cunhada. Saberia essa moça o que eram o frio ou o esgotamento? Passaram todo o dia anterior cavalgando e os guardas que as seguiam estavam cansados. Depois Bronwyn se sentou para conversar com Judith e lhe fazer perguntas até depois da meia-noite.

Mary se espreguiçou e bocejou, em seguida sorriu. Não se surpreendia, já que Stephen escrevera que precisava se esforçar para acompanhar o ritmo da esposa. De repente se perguntou se o seu irmão alguma vez disse a Bronwyn o quanto a admirava. As cartas de Stephen eram cheias de exaltação por seu novo povo e sua nova vida e, especialmente, sua corajosa esposa.

Mary instigou seu cavalo para alcançar Bronwyn. A escocesa já estava se detendo diante da cabana de um servo. O sol já estava alto quando se detiveram, por fim, na ladeira de uma colina. Os homens se tenderam na grama, respirando profundamente, e se dedicaram a comer com apetite pão, e queijo.

Mary e Bronwyn se sentaram no topo da colina em um local de onde a moça podia ver toda a paisagem. Toda a força de Mary foi usada para segui-la.

— O que foi isso? — perguntou Bronwyn de súbito. Mary aguçou o ouvido, mas só percebeu o suave sussurro do vento e as vozes dos guardas.

— Outra vez! — apontou Bronwyn, olhando por cima do ombro. Rab se aproximou para golpeá-la com o focinho. — Sim, garoto! — sussurrou ela enquanto se levantava com rapidez. — Alguém tem problemas. — disse a Mary e pôs-se a correr para o topo, seguida pelo cão.

Os guardas olharam para cima, mas deram a privacidade às mulheres, pensando que um chamado da natureza as levava para o alto da colina.

Mary aguçou a vista, mas não conseguia ver nada. Abaixo deles havia uma lagoa, as margens meio congeladas, grandes folhas finas de gelo flutuando na água.

Bronwyn forçou a vista até que Rab de repente, deu um grunhido agudo.

— Ali! — Bronwyn gritou quando ela começou a correr.

Mary não viu nada, mas levantou as pesadas saias e a seguiu-a. Somente quando estava a meio caminho do lago, viu a cabeça e os ombros da criança. A criança estava presa na água gelada.

Mary sentiu um arrepio percorrer sua espinha, e ela começou a correr cada vez mais rápido. Ela não notou quando ultrapassou Bronwyn. Correu direto para a água e agarrou a criança.

O garotinho olhou para ela com olhos grandes e vazios. Faltavam apenas alguns minutos para evitar que a criança congelasse.

— Ele está preso! — anunciou Mary a sua cunhada. — Seu pé parece estar preso em alguma coisa. Você pode me jogar sua adaga?

A mente de Bronwyn trabalhou rapidamente. Sabia que a criança não poderia suportar esse frio por muito mais tempo, então tempo era essencial. Se ela jogasse a adaga para Mary e ela não pegasse, provavelmente perderiam a criança. Só havia um meio de assegurar que Mary não o perdesse.

— Rab! — chamou Bronwyn. O cão reconheceu seu tom de urgência. — Corre em busca dos homens e pede ajuda. Traga alguém aqui, precisamos de ajuda, Rab.

O cão disparou como uma flecha de um arco. Mas ele não se dirigiu para os guardas que esperavam um pouco acima da colina.

— Maldição! — protestou Bronwyn. Mas já era muito tarde para chamar o cão.

Ela tirou a adaga de seu lado e mergulhou na água fria. Moveu-se o mais rápido que pôde impedida pelo crescimento das plantas aquáticas. Mary estava ficando azul pelo frio, mas ela segurava o menino, cujo rosto estava ficando cinza.

Bronwyn se ajoelhou; a água golpeou contra seu peito como uma parede de tijolos. Procurou pelas pernas do menino e apalpou vegetação rasteira que o segurava. Os dentes começavam a tocar castanholas, mas serrou os duros caules.

— Está livre! — sussurrou depois de um momento. Viu que Mary começava a perder a cor azul, voltando-se para o cinza, mais perigoso. Bronwyn se ajoelhou para levantar o menino. — Consegue me seguir? — perguntou a Mary, por cima do ombro.

Mary não tinha energias suficientes para responder. Concentrou todas suas forças em mover as pernas e seguir a silhueta de Bronwyn, que se movia depressa.

Bronwyn mal chegou à beira do lago antes que a criança fosse tirada de seus braços. Ela olhou para o rosto sério de Raine.

— Como...? — perguntou ela.

— Miles e eu cavalgávamos ao encontro de vocês quando Rab veio até nós saltando como um demônio. — Explicou Raine, sem deixar de falar. Pôs o menino nos braços de um de seus homens e envolveu os ombros frios e molhados de Bronwyn com seu manto.

— E Mary? — perguntou Bronwyn estremecida.

— Miles cuidará dela. — Raine disse e jogou a cunhada na sela, montando atrás dela.

Voltaram apressadamente para castelo Montgomery. Raine dominava a seu cavalo com uma só mão; com a outra massageava os ombros e os braços da moça. Ela percebeu que estava congelando, e ela tentou se transformar em uma bola e aconchegar-se contra o calor sólido de Raine.

Dentro dos portões, Raine levou Bronwyn para o quarto de dormir. Ele a parou no meio do chão enquanto abria um baú e tirava um pesado manto de lã dourada.

— Toma, ponha isto. — ordenou, virando as costas para ela e começou a jogar lenha no fogo.

Os dedos de Bronwyn tremiam quando tentou desatar sua camisa. O tecido molhado e pegajoso se aderia ao seu corpo. Afastou-a da pele e pegou o roupão que Raine havia jogado na cama ao lado dela. A lã era pesada e grossa, mas ainda não sentia nenhum calor. Raine, ao ver sua cara sem cor, envolveu-a entre seus braços e se sentou ante o fogo, com ela no regaço. Ele dobrou o grande robe, que era de Stephen, em torno da jovem, estreitando-a. Ela recolheu as pernas contra o peito e afundou a cabeça no amplo peito de seu cunhado. Passaram vários minutos antes que deixasse de tremer.

— E Mary? — sussurrou após um momento.

— Miles está cuidando dela e a estas horas Judith a tem imersa em uma tina de água quente.

— E a criança? — Raine a olhou com atenção. Seus olhos tomaram um tom de azul mais escuro.

— Você sabia que era apenas o filho de um servo? — perguntou em voz baixa.

Ela se apartou com brutalidade.

—E isso o que importa? A criança precisava de ajuda.

Raine sorriu para ela e puxou-a de volta para seu peito.

— Supus que não te importaria. E estava seguro de que a Mary tampouco. Mas terá problemas com Gavin. Ele não seria capaz de arriscar um só cabelo de seus parentes por todos os servos do mundo.

— Lidei com Stephen durante meses, então acho que posso lidar com Gavin. — suspirou ela.

Raine soltou uma gargalhada que se iniciou em seu ventre plano. Ela a sentiu antes de ouvi-la.

— Bem dito! Vejo que conhece meus irmãos mais velhos.

Bronwyn sorriu contra seu peito.

— Raine, por que você nunca se casou?

— A pergunta universal das mulheres. — riu ele. — Não te ocorreu a possibilidade de que nenhuma me aceite como marido?

A pergunta era tão absurda que ela nem respondeu.

— Em realidade nos últimos oito meses recusei a seis mulheres.

— Por quê? — ela indagou. — Eram muito feias, muito magras, muito gordas? Ou você não as conheceu pessoalmente?

— Eu as conheci. — Replicou ele. — Não sou como meus irmãos, que têm inconveniente em conhecer a noiva até o dia das bodas. Os pais me fizeram ofertas matrimoniais e eu passei três dias com cada uma delas.

— Mas rechaçou a todas.

— Sim, eu fiz isso.

Ela suspirou.

— Que esperas de uma mulher? Sem dúvida alguma delas era bastante bonita.

— Bonita! — soprou o moço. — Três delas eram verdadeiras belezas! Mas procuro algo mais que beleza em uma mulher. Quero uma moça que use a cabeça para algo mais que copiar desenhos de bordado. — Brilharam-lhe os olhos. — Quero uma mulher que entre em um lago gelado e arrisque sua vida para salvar uma criança serva.

— Mas qualquer mulher que tivesse visto o menino...

Raine desviou a vista para o fogo.

— Você e Mary são especiais. E também Judith. Sabia que Judith liderou os homens de Gavin para resgatá-lo quando foi mantido em cativeiro por um louco? Ela arriscou sua própria vida para salvar a dele. — Ele sorriu para ela. — Eu estou esperando até que consiga alguém como você ou Judith.

Bronwyn considerou suas palavras, pensativa por um momento.

— Não, não creio que sejamos o que você quer. Gavin está ligado a terra e Judith também. Eles se ajustam. Para mim, o laço é a Escócia. Stephen é livre para viver ali comigo. Mas você... Sinto que você nunca fica muito tempo no mesmo lugar. Precisa de alguém tão livre quanto você, alguém que não esteja atada a nenhum pedaço de pedra ou terra.

Raine a olhou boquiaberto... em seguida, fechou-a e sorriu.

— Não perguntarei como você sabe tudo isso. Certamente você me responderia que é uma bruxa. Agora, já que parece saber tanto sobre mim, eu gostaria de formular algumas pergunta pessoais. — Fez uma pausa e a encarou. — O que há de errado entre Stephen e você? — perguntou com voz suave. — Por que você está zangada com ele o tempo todo?

Bronwyn demorou a falar. Ela sabia da proximidade entre os irmãos, e não tinha certeza de como Raine reagiria a qualquer crítica a seu irmão mais velho. Mas como ela poderia mentir? Suspirou fundo e disse a verdade.

— Stephen pensa que eu não tenho honra nem orgulho. É mais fácil acreditar na palavra de qualquer um que na minha. Na Escócia opinava que tudo quanto eu fazia estava errado, e às vezes tinha razão. Mas não tinha o direito de me tratar como se me equivocasse sempre.

Raine concordou com a cabeça. Tinha levado um tempo para Gavin perceber que Judith era mais do que apenas um corpo bonito. Mas antes que ele pudesse dizer uma palavra, a porta se abriu e um Stephen cansado e sujo invadiu o quarto como uma tempestade.

— Miles disse que Bronwyn pulou em um lago gelado! — trovejou. — Onde ela está?

No momento em que dizia as palavras, viu a esposa no colo de Raine. Deu dois longos passos pela sala e a arrancou dele.

— Maldita seja! — vociferou — Não posso te deixar por algumas horas sem que te meta em problemas!

— Solte-me! — Ela disse friamente.

Tinha estado ausente por dias. Era a primeira vez que se separavam, e agora tudo o que ele fazia era amaldiçoá-la. Stephen deve ter sentido seus pensamentos. Ele a colocou no chão diante dele e lhe tocou a bochecha, murmurando:

— Bronwyn...

Ela juntou a bainha da bata de lã do chão e caminhou em direção à porta. Ela era uma das poucas mulheres no mundo que conseguia parecer digna enquanto caminhava descalça e usava um roupão pendurado, vários centímetros passando de suas mãos. Apoiou a mão no trinco da porta e, sem voltar-se, disse:

— Algum dia descobrirá que não sou uma menina e nenhuma idiota.

Abriu a porta e partiu. Stephen deu um passo para ela, mas o deteve a voz de Raine.

— Sente-se e deixa-a em paz! — disse em tom resignado.

Stephen cravou a vista na porta fechada. Logo se voltou para ocupar uma cadeira frente à de seu irmão e deslizou uma mão por seu cabelo sujo.

— Ela não está ferida? Ela vai ficar bem?

— É obvio. — foi a resposta confiante. — É forte e saudável. Além disso, você mesmo disse que os escoceses passam a maior parte da vida à intempérie.

Stephen olhou o fogo fixamente.

— Eu sei. — reconheceu.

— O que te passa? — indagou Raine. — Não é o Stephen que eu conheço.

— É por causa da Bronwyn. — sussurrou ele. — Essa mulher será minha morte. Uma noite, na Escócia, decidiu atacar ao clã inimigo. Para me assegurar de que eu estaria fora do caminho, ela me drogou.

— Ela fez o que? — perguntou Raine, compreendendo todo o perigo implícito nesse ato.

Stephen fez uma careta.

— Um de seus homens descobriu o que ela tinha feito e quando eu a encontrei, ela estava pendurada em um precipício por uma corda em torno de sua cintura, para salvar um de seus homens.

— Por Deus! — exclamou Raine.

— Não sabia se devia castigá-la ou encerrá-la para protegê-la de si mesmo.

— E o que fez?

Stephen se reclinou na cadeira. Sua voz soou desgostosa.

— O que sempre acabo fazendo: eu fiz amor com ela.

Raine riu entre dentes.

— Ao meu modo de ver, o problema seria se ela fosse egoísta e só se interessasse por suas próprias coisas.

Stephen se levantou e caminhou até a lareira.

— Cuida muito pouco de si. Às vezes me faz sentir vergonha de mim mesmo. Quando se trata do clã, faz o que acha melhor sem considerar a própria segurança.

— E você se preocupa por ela? — perguntou Raine.

— É obvio! Por que ela não pode ficar em casa e ter bebês e cuidar deles... e de mim como uma esposa deve fazer? Por que ela tem que conduzir incursões de gado, gravar suas iniciais no peito de um homem? Enrolar-se na manta e dormir no chão, perfeitamente cômoda? Por que ela não pode ser... ser...?

— Uma mulher cheia de covinhas e de voz melosa, que olhe para você com adoração e borde todas as golas de suas camisas? — sugeriu Raine.

Stephen se deixou cair na cadeira.

— Não é isso o que quero, mas deve existir um meio termo.

— Você realmente quer mudá-la? — Raine perguntou. — O que é que fez você amá-la em primeiro lugar? E não me diga que foi a sua beleza. Você foi para a cama com várias mulheres bonitas, mas não se apaixonou por elas.

— Tanto se nota?

— Sim, eu notei. Provavelmente Gavin e Miles também, mas acredito que Bronwyn não. Ela acredita que não a quer em absoluto.

Stephen suspirou.

— Eu nunca conheci ninguém como ela, macho ou fêmea. É tão forte, tão nobre, quase como um homem. Você deveria ver a maneira como seu clã a trata. Os escoceses não são como nós. Os filhos das servas correm para ela e a abraçam. Ela beija todos os bebês. Sabe o nome de cada pessoa em sua terra, e todos a chamam pelo seu primeiro nome. Prefere ficar sem comida e roupas para que seu clã possa ter mais. Uma noite, um mês depois de nos casarmos, notei que ela estava envolvendo pão e queijo em sua manta. Ignorou-me, mas olhava para Tam. É um homem que muitas vezes age como seu pai. Percebi que estava fazendo algo que não queria que Tam visse. Então, depois do jantar, segui-a para fora da península. Levava comida para um garotinho mal-humorado que fugira de casa. O menino era filho de um camponês.

— E o que você disse a ela? — Raine perguntou.

Stephen sacudiu a cabeça ao recordar.

— Eu, o grande sábio, disse a ela que tinha que enviar o menino de volta para seus pais em vez de encorajá-lo a fugir de casa.

— E o que respondeu Bronwyn?

— Disse que o menino era tão importante para ela como os pais, e ela não tinha o direito de traí-lo apenas porque ele era um menino. Disse que em uns poucos dias ele voltaria para sua casa e aceitaria o castigo que correspondesse.

Raine emitiu um grave assobio de admiração.

— Parece que você poderia aprender alguma coisa com ela.

— Você acha que ainda não aprendi nada? Ela mudou minha vida inteira Quando eu fui para a Escócia, era um inglês, e agora olhe para mim Não suporto ficar com essas roupas inglesas. Sinto-me como Sansão com o cabelo curto. Me pego olhando para o campo inglês e pensando que está seco e quente em comparação com de sua pátria. Pátria! Juro que estou com saudades de um lugar que desconhecia até alguns meses atrás.

— Diga-me, — disse Raine — contou a Bronwyn como se sente? Disse que a ama e só está preocupado com sua segurança?

— Tentei-o. Uma vez tentei dizer que a amava e ela respondeu que não se importava e que honra e respeito eram mais importantes.

— Mas, pelo que você diz, tem esses sentimentos por ela.

Stephen sorriu.

— Não é fácil falar com Bronwyn. Antes de chegarmos aqui tivemos... uma discussão, ou algo assim. — E resumiu o ocorrido na casa do Hugh Lasco.

— Hugh! — exclamou Raine. — Eu nunca gostei muito do homem com suas maneiras lentas.

— Bronwyn não parecia se importar com elas. — disse Stephen, em desgosto.

Raine começou a rir.

— Não me diga que você foi contaminado pelo ciúme de Gavin!

Stephen girou sobre seu irmão.

— Já verá quando estiver obcecado por uma mulher! Então não terá a cabeça tão fria.

Raine levantou a mão.

— Espero que para mim o amor seja uma alegria e não uma enfermidade como a que parece te consumir.

Stephen se virou e olhou para o fogo. Às vezes, seu amor por Bronwyn parecia uma doença. Sentia que ela tinha levado sua alma junto com seu coração.


Quando Bronwyn deixou seu quarto, foi para o quarto de Mary. Encontrou-a na cama com Judith ao redor, colocando tijolos quentes por todo o leito.

— Judith! — disse Mary em voz baixa. — Não vou morrer por um pouco de água fria. — Olhou para o outro lado do quarto e sorriu para Bronwyn. — Venha e me ajude a convencer Judith que nossa aventura não foi mortal.

A escocesa sorriu para suas cunhadas, sem deixar de observar Mary. Sua pele pálida estava mais descolorida que nunca, mas com manchas vermelhas nas bochechas.

— Não foi nada — disse — mas invejo esse domínio de ânimo que te permite descansar. — Seus olhos brilharam. — Estou tão entusiasmada pelo vestido novo que me prometeu Judith que não me permito ficar quieta. Não poderíamos vê-lo agora? — disse sugestivamente para Judith.

Judith compreendeu imediatamente, e as duas mulheres deixaram o quarto em silêncio.

— Você acha que ela vai ficar bem? — perguntou Judith, assim que saíram para o corredor.

— Sim, ela precisa descansar. Não acredito que nossa Mary esteja completamente neste mundo. Creio que o céu possui uma parte dela. Talvez por isso seja tão frágil.

— Sim. — Concordou Judith. — Agora, a respeito do vestido...

Bronwyn acenou com a mão.

— Era só uma desculpa para que Mary pudesse descansar.

Judith riu.

— Por melhor que a bata de Stephen fique bem em você, não substitui a roupa que você precisa. Agora venha comigo e não quero desculpas.

Uma hora depois Bronwyn vestia um vestido de veludo verde profundo e intenso. Sua cor era a de uma floresta ensolarada. O forro das mangas era de seda verde brilhante e as mangas eram soltas, bordeadas com pele de raposa vermelha. Grossos cordões dourados estavam presos aos ombros e caíam abaixo do profundo decote quadrado.

— É muito bonito, Judith. — sussurrou Bronwyn. — Não sei como te agradecer, todos foram tão generosos.

Judith a beijou na bochecha.

— Devo ir agora e fazer o trabalho do dia, talvez Stephen deseje ver o vestido novo.

Bronwyn se virou. Stephen só se queixaria que o decote era muito profundo ou alguma outra acusação. Quando Judith se foi, Bronwyn baixou ao pátio com um manto forrado de pele de raposa sobre os ombros, e caminhou em direção aos estábulos.

— Bronwyn! — disse uma voz pouco familiar, dentro daquele lugar escuro. Ela olhou para as sombras e viu o homem que brigara com George pela manhã.

— Sim! — disse muito seca. — O que quer?

Os olhos do homem cintilavam mesmo na penumbra.

— Esse vestido inglês fica-lhe muito bem, milady.

Antes que ela pudesse falar, sua maneira mudou para uma forma mais formal.

— Ouvi dizer que seus escoceses são muito bons com um arco. Talvez você — aquilo parecia diverti-lo — poderia me ensinar uma maneira melhor de lidar com um arco

Ela passou por cima de certo indício de risada em sua voz. Talvez seu riso fosse uma defesa no caso de ela recusar seu pedido. Mas Bronwyn tinha passado muitas horas aprendendo a manejar um arco, e estava acostumada a treinar homens. Era bom que este inglês quisesse aprender os modos dos escoceses.

— Eu ficaria feliz em dar-lhe instrução. — disse, então, caminhou passando pelo homem.

Seguiu seu caminho, para chocar-se contra o duro peito do Stephen. O homem saiu rapidamente dos estábulos.

— O que você estava dizendo ao homem? — perguntou Stephen diretamente.

Bronwyn se soltou.

— Alguma vez vai me falar sem aborrecimento? Porque não pode ser como os outros maridos e cumprimentar a sua mulher de uma maneira amiga? Faz dias que não nos vemos, mas não faz outra coisa que me amaldiçoar. — Ele a estreitou em seus braços, sussurrando.

— Bronwyn, — ele sussurrou. — você será a minha morte. Por que teve que pular para um lago gelado no meio do inverno?

Ela se afastou dele.

— Nego-me a responder a esse tipo de perguntas.

Stephen a agarrou novamente, beijou-a com força. Sua boca sobre a dela, machucando-a, seus dentes duros contra seus lábios. Parecia querer mais que um beijo.

— Eu senti sua falta. — sussurrou. — Pensei em você a cada minuto.

O coração de Bronwyn palpitava com força. Sentia como se pudesse se fundir a ele. Mas as palavras seguintes quebraram o encanto.

— Era um dos homens de Miles com quem você estava falando quando eu entrei?

Ela tratou de afastar-se outra vez.

— Ciúme outra vez? Posso ouvi-lo em sua voz.

— Não, Bronwyn. Escute-me. Só quero preveni-la: os ingleses não são como os seus escoceses. Você não pode falar com eles como se fossem seus irmãos como você faz com seus próprios homens. Na Inglaterra com frequência as damas se deitam com os homens de armas dos seus maridos.

Bronwyn arregalou os olhos.

— Você está me acusando de me deitar com seus homens? — exclamou.

— Não, claro que não. Mas...

— Mas você me acusou de fazer exatamente isso com Hugh Lasco.

— Hugh Lasco é um cavalheiro! — Stephen explodiu.

Bronwyn esteve prestes a se afastar de um salto.

— Pelo menos você pensa que eu sou uma prostituta discriminante.

Ela girou e começou a caminhar para a porta. Stephen agarrou seu braço.

— Não estou acusando você de nada. Estou tentando explicar que as coisas são diferentes na Inglaterra do que na Escócia.

— Oh, então agora eu sou muito estúpida para ser capaz de aprender a diferença entre um país e outro. Você pode, mas eu não!

Ele a olhou fixamente.

— O que há com você? Não está agindo como de hábito.

Bronwyn deu-lhe as costas.

— E o que você sabe de mim? Nunca fez nada além de me amaldiçoar desde que eu te conheci Nada, nada que eu faça fora do quarto agrada você Se lidero meus homens, isso faz você ficar furioso. Se tento salvar um dos servos de seu irmão, isso o irrita Se sou gentil com seus homens, você me acusa de dormir com eles. Diga-me, o que posso fazer para te agradar?

Stephen a fulminou com um frio olhar.

— Eu não tinha ideia de que você me achava tão desagradável. Vou deixá-la com sua própria companhia. — E se afastou muito rígido.

Bronwyn seguiu o marido com a vista, as lágrimas enchendo seus olhos. O que havia com ela? De fato, Stephen não a acusara de se deitar com esse homem e tinha todo o direito de preveni-la sobre o que esse homem poderia pensar. Por que ela não conseguia dar-lhe as boas-vindas como queria fazer? Tudo o que queria era ser envolvida por Stephen, ser amada por ele. Mesmo assim, por alguma razão, ela começava uma briga toda vez que ele se aproximava dela.

De repente sentiu o corpo todo doer. Levou a mão à testa. Não costumava sentir-se mau e nesse momento percebeu que há vários dias ignorava esse mal-estar. É claro que suas últimas noites com Judith e esta manhã passada em um lago meio congelado não a ajudaram. Amaldiçoou o insalubre clima inglês e saiu dos estábulos.

— Bronwyn — chamou Judith — quer um pouco de pão fresco?

Bronwyn recostou-se contra a parede de pedra dos estábulos. A briga estava perturbando seu estômago. O pensamento de comida a deixou enjoada.

— Não. — sussurrou sua mão apertando o estômago.

— Bronwyn, o que é? — Judith perguntou, colocando a cesta no chão. — Você não está se sentindo bem? — Ela pôs a mão na testa de sua cunhada. — Aqui, sente-se. — Disse, conduzindo-a até um barril posto contra a parede. — Respire profundamente e isso vai passar.

— O que passará? — perguntou Bronwyn, brusca.

— A náusea.

— O que? Do que está falando?

Judith fez uma pausa

— A menos que eu perca o meu palpite, você vai ter um bebê. — Ela sorriu amplamente ao olhar Bronwyn. — É bastante assustador quando se percebe. — Ela acariciou seu próprio ventre. — Daremos à luz mais ou menos na mesma época. — Disse com orgulho.

— Você! Também vai ter um bebê?

Judith tinha um sorriso distraído.

— Eu perdi o primeiro, um aborto, então por isso estou sendo tão cuidadosa que não digo a ninguém. Exceto Gavin, claro.

— Certamente. — Bronwyn apartou a vista um segundo, mas voltou a olhá-la. — Quando nascerá seu bebê?

— Dentro de sete meses — riu sua cunhada.

— Do que você está rindo? — perguntou Bronwyn. — Necessito um pouco de bom humor neste momento.

— Só pensava que minha mãe poderá vir a me atender durante meu parto. — Judith fez uma pausa e explicou. — Na minha gravidez pensava que ela não poderia vir, porque devíamos dar a luz ao mesmo tempo.

— Tem a sua mãe viva! Como você é afortunada por ter seus pais vivos!

— Só tenho a ela. — Judith sorriu. — Meu pai morreu faz vários meses.

— E a criança não é dele? — perguntou Bronwyn em voz baixa.

— Oh, não, e me alegro muito disso. Meu pai lhe batia com frequência. Depois, ela esteve cativa em companhia do John Bassett, o segundo em comando de Gavin. Ao que parece, minha mãe e ele descobriram uma extraordinária maneira de entreter-se.

Bronwyn se pôs a rir.

— Sim — continuou Judith. — Quando Gavin descobriu que havia um bebê a caminho permitiu que John se casasse com minha mãe.

— E ela já deu a luz?

— Falta um par de meses, então ela já estará bem o suficiente para viajar e cuidar de mim quando eu parir. Devo voltar ao trabalho agora. Por que não senta aqui e descansa?

— Judith, você disse que sua mãe foi mantida cativa. Como ela escapou?

Os olhos dourados de Judith se obscureceram com a lembrança.

— Eu matei o sequestrador e os homens de Stephen derrubaram a muralha do velho castelo.

Bronwyn podia ver a dor nos olhos de Judith. Ela não fez mais perguntas e deixou que Judith se voltasse para o portão que separava as duas partes do complexo do castelo.

Bronwyn sentou imóvel por um longo tempo. “Um bebê!”, pensava. Uma criaturinha doce e tenra como o bebê de Kirsty. Ficou fora de si e mal notou quando ficou de pé e se pôs a caminhar. Pensou em Tam e em como se orgulharia dela. Sorriu sonhadora, ao imaginar a reação de Stephen à notícia. Ele ficaria tão feliz! Ele a agarraria e a jogaria para o alto, rindo com prazer. E depois discutiriam se a criança seria MacArran ou Montgomery. Não havia dúvidas, claro, seria MacArran.

Ela continuou andando em um transe, sem perceber quando chegou ao portão aberto. Os homens na muralha não lhe deram a voz de alto ou impediam seus movimentos de qualquer maneira.

Pensava no nome que daria a seu filhinho. James, como seu pai, e talvez outro nome da família de Stephen. E se fosse menina? Pensou e sorriu calorosamente. O Clã MacArran teria duas Lairds sucessivamente. Ensinaria sua filha todo o necessário para ser Laird.

— Milady! — disse alguém.

Bronwyn olhou ao homem com um sorriso angélico. Bronwyn mal ouviu a voz. Ela estava em transe, e muito pouco penetrou sua mente. Na verdade, mal sabia que tinha andado por algum tempo e agora estava fora de vista dos guardas do castelo.

— Milady — repetiu a voz. — Você está bem?

— Estou bem — replicou de maneira vaga. — Mais que bem.

O homem desmontou e foi para o seu lado.

— Eu posso ver isso. — Ele disse em voz baixa, seus lábios perto de sua orelha.

Bronwyn ainda prestava pouca atenção ao homem. Tudo o que podia pensar era o filho dela. Morag adoraria outro bebê para cuidar. Estava pensando quando os lábios do homem tocaram sua orelha. O toque a tirou de seu devaneio.

— Como te atreve! — exclamou.

Nenhum homem, exceto Stephen, a tinha tocado. A menos que ela o permitisse. Deu um rápido olhar ao redor e percebeu o quanto estava distante do castelo. Richard interpretou mal seu olhar.

— Você não tem por que se preocupar. Estamos sozinhos e, como Lorde Gavin acaba de retornar da Escócia, todo mundo está muito ocupado, temos tempo.

Ela retrocedeu. Pela mente lhe cruzaram mil pensamentos. As advertências de Stephen eram um grito em sua mente. E a preocupação por seu bebê ocupava a maior parte de seu cérebro. "Por favor, que meu filho não sofra dano algum!" rogava em silêncio.

— Não tem por que me temer. — continuou Richard com doçura na voz. — Poderíamos nos divertimos juntos.

Bronwyn ergueu os ombros.

— Sou Bronwyn MacArran. Volte para o castelo.

— MacArran! — riu ele. — Os homens diziam que era uma mulher independente, mas nunca soube que chegasse ao ponto de dispensar a seu marido.

— Está-me insultando. Agora vá e me deixe em paz.

Richard perdeu o sorriso.

— Acha que vou deixa-la depois do jeito que esteve me provocando? Escolheu-me para acompanhá-la hoje de manhã. Apostaria que sentiu não ter oportunidade de estar a sós comigo.

Ela ficou horrorizada.

— Foi isso o que pensou? Que desejava estar a sós contigo?

Ele tocou seus cabelos, seu pequeno dedo roçando seu seio. Bronwyn abriu muitos os olhos e procurou Rab com a vista. O cão a acompanhava sempre.

— Tomei a precaução de trancar seu cachorro em um celeiro. — Richard sorriu. — Agora, venha e pare de fazer esse jogo. Sabe que me quer tanto quanto eu quero você. — Ele agarrou Bronwyn, sua mão enroscando em seu cabelo. Apoiou seus lábios nos dela.

Bronwyn sentiu que a percorriam quebras de onda de fúria. Relaxou naqueles braços, recostada para trás. No momento em que ele se inclinava para frente para pressionar o corpo contra ela, Bronwyn levantou o joelho. Richard grunhiu, soltando-a bruscamente. Bronwyn lutou para não cair, depois tropeçou na pesada saia de veludo. Ela amaldiçoou enquanto pegava punhados do tecido e começava a correr. Mas a saia seguia enredando-se a suas pernas, impedindo-lhe de avançar rápido. Ela tropeçou mais uma vez, então colocou o veludo sobre seu braço. A terceira vez que tropeçou, Richard caiu sobre ela. Ele agarrou seu tornozelo, e ela caiu para frente, de rosto para baixo, na terra fria e dura. Ela ofegou por ar. Richard passou a mão pelas pernas de Bronwyn.

— E agora, minha fera escocesa ardente, vamos ver se esse fogo pode ser usado.

Bronwyn tentou chutá-lo, mas ele a manteve imobilizada contra o chão. Agarrou seu vestido e o rasgou, expondo a pele de suas costas ao ar frio.

— Bom! — disse, lhe apoiando os lábios contra o pescoço.

Um momento depois Richard gritava enquanto uma bola de pêlo cinza com dentes afiados o atacava. Bronwyn rolou de lado, enquanto o homem tentava levantar e lutar contra Rab. Um braço a ergueu. Miles a atraiu para si, segurando-a com um braço, enquanto desembainhava a espada com o outro.

— Chame o cachorro. — Disse em voz baixa.

A voz de Bronwyn estava tremendo.

— Rab! — ordenou Bronwyn com voz insegura. O cão, com relutância, abandonou a sua vítima para aproximar-se dela. Richard tratou de se levantar. Tinha sangue no braço e na coxa. Suas roupas estavam rasgadas em vários lugares.

— Esse maldito cão me atacou sem motivo! — Começou. — Lady Bronwyn caiu e eu me detive para ajudá-la.

Miles se afastou um passo da cunhada. Seus olhos duros como aço.

— Ninguém toca às mulheres Montgomery. — disse com voz mortífera.

— Ela me buscou! — aduziu o homem. — Me pediu que...

Foram as últimas palavras que ele já falou. A espada de Miles atravessou o coração de Richard. Miles apenas olhou para o morto, um de seus próprios homens. Ele se voltou para Bronwyn e parecia sentir o que ela sentia: desamparada e violada. Rodeou-a com seus braços e a estreitou contra si.

— Já está a salvo. — disse sereno. — Ninguém mais tentará machuca-la.

De repente ela começou a tremer e Miles a estreitou ainda mais.

— Ele disse que eu tinha encorajado. — sussurrou ela.

— Quieta. Estive observando-o. Ele não compreendeu os costumes escoceses.

Bronwyn se afastou e olhou para o cunhado.

— É o que disse Stephen. Advertiu-me que não devia falar com os homens, assegurando que os ingleses não o compreenderiam.

Miles afastou-lhe o cabelo da testa.

— Há uma formalidade entre uma dama inglesa e os homens de seu marido que não existe em sua cultura. Agora vamos retornar. Certamente alguém me viu seguindo seu cão.

Bronwyn lançou um olhar para o cadáver.

— Encerrou Rab e eu nem sequer me dei conta. Estava...

Ela não podia contar a ninguém sobre o bebê antes que contasse a Stephen.

— Eu ouvi o cão latir. Assim que o soltei se voltou louco. Chamava-me latindo e farejava o chão. — Miles olhou com admiração cachorro. — Sabia que estava em dificuldades.

Ela se ajoelhou para esfregar o rosto contra o pêlo áspero de Rab. Um ruído de cascos fez com que ambos se voltassem. Gavin e Stephen se aproximavam rapidamente. Stephen deslizou da sela antes que o cavalo parasse totalmente.

— O que aconteceu aqui? — perguntou.

— Este homem tratou de atacar Bronwyn. — explicou Miles. Stephen fulminou com a vista a sua mulher, notando os arranhões de sua bochecha e o vestido rasgado.

— Adverti-lhe isso. — sussurro, com os dentes apertados — mas não quis me escutar.

— Stephen! — protestou Gavin, apoiando uma mão no braço de seu irmão. — Agora não é a hora.

— Não é a hora! — Stephen explodiu em sua esposa. — Uma hora atrás você listou todas as minhas falhas. Encontrou alguém com menos falhas? O encorajou de propósito?

Antes que alguém pudesse falar, Stephen se virou e montou em seu cavalo. Bronwyn, Miles e Gavin assistiram impotentes.

— Ele deveria ser chicoteado por isso! — Miles zombou.

— Silêncio! — ordenou Gavin. Voltou-se para Bronwyn — Está alterado e confuso. Terá que lhe perdoar.

— Está com ciúmes! — corrigiu Bronwyn, feroz. — Esse ciúme vazio dele o transforma em um louco.

Sentia-se débil e derrotada. Ele não se preocupava com ela, apenas com seu próprio ciúme. Gavin pôs um braço protetor em torno dela.

— Vamos para casa. Judith te dará algo para beber. Preparou uma deliciosa bebida a base de maçã.

Bronwyn balançou a cabeça atordoada e permitiu que fosse colocada no cavalo de Miles.


Capítulo Dezesseis

A bebida que Judith deu a Bronwyn a fez dormir quase que instantaneamente. Tinha vivido muito em um só dia: o resgate do menino e o intento de violação. Sonhou que estava perdida e que procurava Stephen sem acha-lo.

Despertou subitamente, com o corpo empapado em suor, e alargou a mão o buscando. A cama estava vazia. Levantou-se e deu uma olhada pelo quarto na penumbra, procurando por Stephen.

Sentia-se insuportavelmente solitária. Por que ela brigava com Stephen o tempo todo? Quando Miles lhe dissera que os modos dos escoceses eram diferentes, não ficou com raiva. Foi só quando Stephen disse a mesma coisa que ela soltou toda a sua raiva.

Jogou as cobertas para o lado e agarrou uma bata que Judith tinha emprestado. Ela deveria encontrar Stephen e dizer-lhe que estava errada. Contar a ele sobre a criança e pedir que a perdoasse por seu péssimo humor.

Rab seguiu-a quando ela foi a um baú e retirou sua manta. O cão estava com medo de deixá-la fora de sua visão. Vestiu-se rapidamente e saiu de seu quarto. A casa estava silenciosa e escura enquanto se dirigia para o andar de baixo. Uma única vela gordurosa mostrava a porta semiaberta do salão de inverno. O fogo estava quase apagado.

Abria a porta quando ouviu uma risada abafada de mulher. Bronwyn parou quando percebeu que provavelmente teria interrompido Raine ou Miles com uma das servas. Virou-se para retirar-se quando as palavras da mulher a pararam:

— Oh, Stephen, — a mulher riu — senti tanto sua falta. Nenhum homem possui mãos como as suas.

Bronwyn ouviu o som profundo de uma risada familiar. Ela não era uma mulher tímida para sair correndo e chorando do quarto. Era insulto demais para um só dia. Abriu a pesada porta com um chute e se dirigiu à lareira.

Stephen estava sentado em uma cadeira grande, completamente vestido, uma moça gorducha, nua da cintura para cima, sentada sobre seu colo. Acariciava-lhe o seio sem interesse, na outra mão tinha um odre de vinho.

Rab abriu os dentes para a garota, e ela deu um olhar de Bronwyn para o cão, gritou, então fugiu da sala.

Stephen apenas olhou para a esposa.

— Bem-vinda! — balbuciou elevando sua taça.

Bronwyn sentiu seu coração bater forte. Ver Stephen tocando outra mulher! Sua pele parecia como se estivesse em fogo e sua cabeça latejava. Stephen seguia olhando-a.

— Como se sente minha querida esposa? — Seus olhos estavam vermelhos, seus movimentos lentos. Ele estava obviamente bêbado. — Tive que permanecer de braços cruzado enquanto você brincava com um homem após o outro. Sabe agora o que senti quando deixou que Hugh te tocasse?

— Você fez isso de propósito. — sussurrou ela. — Fez isso para me punir? — Ela segurou seus ombros para trás. Queria machucá-lo, fazê-lo sofrer como ela. — Tinha razão ao dizer ao Sir Thomas Crichton que não podia me casar contigo. Não está apto para se casar com uma escocesa. Há meses o observo imitar nossos costumes como um macaco... E o vi falhar. Em tudo.

Apesar de sua embriaguez, ele reagiu rapidamente. Atirou o odre ao chão, levantou-se e agarrou-a pelo decote da bata.

— E o que você me deu? — rosnou. — Eu fiz todos os esforços para compreendê-la e aprender com você, mas por acaso me escutou? Não tem feito nada a não ser lutar contra mim. Riu de mim diante de seus homens e até ridicularizou meus conselhos diante de meus próprios irmãos. Suportei tudo porque sou tão idiota que te amo. Como se pode amar a alguém tão egoísta? Quando vai crescer, e deixar de te esconder detrás de seu clã? Não é seu clã o que te preocupa. Só se preocupa com seus desejos e suas necessidades. — Separou-a de si como se de repente estivesse muito cansado dela. — Estou cansado de tentar agradar uma mulher fria. Vou procurar alguém que saiba me dar o que necessito.

Ele se virou e deixou a sala, trôpego como um bêbado.

Bronwyn permaneceu imóvel, onde estava por um longo tempo. Não tinha ideia de que ele a desprezava tanto. Quantas vezes Stephen esteve perto de dizer que a amava, e o disse, e mesmo assim ela o ignorou? Oh, mas ela tinha sido vigorosa e orgulhosa quando disse que, naturalmente, o amor não importava tanto, eles cuidavam um do outro, mas o que ela queria era muito mais importante do que este sentimento.

Acaso algo importava mais que o amor de Stephen? Agora se dava conta de que não. Ela teve aquele amor na palma da sua mão, e jogou de volta no rosto do marido. Na Escócia, ele trabalhou duro para ser justo e aprender a viver em seu país. No entanto, o que ela havia feito para se adaptar ao seu modo de vida? Sua maior concessão era vestir-se com as deliciosas modas inglesas, e até disso se queixara.

Apertou o punho com força. Stephen tinha razão! Ela era uma egoísta. Exigia que seu marido se convertesse em escocês, trocando todas as fibras de seu ser, mas não fazia nada por ele. Desde o instante em que se conheceram ela o fizera pagar pelo privilégio de casar com ela.

— Grande privilégio! — exclamou em voz alta.

Obrigou-o a lutar por ela no dia do seu casamento. Levantou e apunhalou Stephen na noite de núpcias. O que Stephen tinha dito? "Algum dia você saberá que uma gota do meu sangue é mais precioso do que qualquer sentimento de ódio que você carrega."

Como ela pudera ferir aquele corpo bonito que conhecia tão bem? Como ela pudera derramar o sangue dele?

Lágrimas começaram a correr pelo seu rosto. Ele não a amava mais. Stephen dissera isso. Ela teve o seu amor e descartou como se fosse lixo.

Piscou para afastar as lágrimas e olhou ao seu redor. Stephen era bom, sua família era boa. Ela o odiava por ser um inglês, assim como odiava todos os MacGregor. Mas Stephen lhe mostrou que havia bons MacGregor e ingleses generosos e calorosos. Stephen demonstrou e ensinou muitas coisas, sem que ela se abrandasse. Quando foi gentil com ele? Drogou-lhe, amaldiçoou-lhe, provocou-lhe: tudo para demonstrar seu rancor. Qualquer coisa que a impedisse de amá-lo, agora percebia. Ela não queria amar um inglês. Temia que o clã pensasse que ela era fraca, indigna de ser líder. Mas Tam amava Stephen e a maioria de seus homens passou a amá-lo. Virou para a porta e silenciosamente foi ao Grande Salão e em seguida para o pátio em busca de Stephen. Talvez conseguisse encontrá-lo. De alguma forma ela sabia que ele não estava no andar de cima.

— Stephen saiu a cavalo faz poucos minutos. — disse Miles suavemente atrás dela.

Ela se virou devagar. Este homem também era gentil com ela. Ele a abraçou depois que ela foi atacada.

De repente, um vento frio passou por ela, e ela teve uma visão da Escócia. Mais do que qualquer outra coisa no mundo, queria ir para casa. Talvez em casa pudesse pensar no que fazer para conquistar o amor de Stephen novamente. Talvez ela pudesse imaginar como fazê-lo entender que ela também o amava e que estava disposta a mudar como ele tinha feito.

Ela olhou para Miles como se realmente não o visse, então se virou e caminhou em direção aos estábulos.

— Bronwyn, — ele disse enquanto agarrava seu braço — o que aconteceu?

— Vou para casa. — respondeu ela em voz baixa.

— A Escócia? — perguntou ele atônito.

— Sim. — Ela sussurrou ondulando as palavras. — De volta à Escócia. — Sorriu. — Você pode apresentar minhas desculpas a Judith?

Miles examinou seu rosto por um momento.

— Judith compreende sem que ninguém lhe dê explicações. Venha, vamos partir.

Bronwyn começou a protestar, mas depois fechou a boca. Ela sabia que não poderia impedir que Miles a acompanhasse, mais do que ele poderia impedir seu desejo de ir para casa.

Eles passaram por aquela noite longa e terrível sem dizer uma palavra para o outro. Bronwyn sentia apenas a dor por ter perdido Stephen. Talvez ele estivesse mais feliz na Inglaterra onde sua família estava, onde não precisava lutar apenas para sobreviver. Frequentemente levava a mão ao ventre e se perguntava quando começaria a crescer. Esperava com ânsias um sinal visível de que seu filho nasceria logo.

Cruzaram a fronteira da Escócia no início da manhã. De repente Bronwyn caiu na conta de que tinha sido muito egoísta ao permitir que Miles a acompanhasse. Havia muitos escoceses como o velho Harben, que adorariam matar qualquer inglês à primeira vista. Sugeriu ao cunhado que, como não tinham escolta, estariam mais seguros se ele se vestisse como escocês. Miles olhou para ela de um modo estranho que ela não compreendeu.

Começou a compreendê-lo mais adiante, à medida que entravam para o norte. Miles sempre estaria seguro onde houvesse mulheres. As moças bonitas paravam e ofereciam copos de leite, mas seus olhos ofereciam a Miles muito mais. Uma mulher, que caminhava com a filha de quatro anos, parou e conversou com eles. A menina correu e saltou nos braços de Miles. Ele não pareceu ver nada de incomum nesse ato. Simplesmente subiu a criança nos ombros e percorreram uma boa distância juntos.

Perto do entardecer chegaram à cabana de um velho camponês, onde os recebeu uma bruxa velha, feia e desdentada. Com um sorriso encantador, tomou a mão de Miles e a esfregou entre as suas; depois segurou sua palma e levantou-a a luz mortiça.

— O que vê? — perguntou-lhe Miles com suavidade.

— Anjos. — Riu para si mesma. — Dois anjos. Um belo anjo e um querubim.

Ele sorriu com doçura e a mulher riu mais forte.

— São anjos para outros, mas verdadeiros demônios para você. — Um relâmpago brilhou no céu. — Oh, sim, é o que eles são. São anjos de chuva e relâmpagos. — Riu outra vez e girou para Bronwyn. — Me mostre sua palma.

Bronwyn se afastou dela.

— Preferiria não fazê-lo. — disse secamente. A velha encolheu os ombros e os convidou a passar a noite em sua cabana. Pela manhã segurou a palma de Bronwyn. Seu rosto escureceu.

— Cuidado com um homem loiro. — acautelou.

Bronwyn arrancou bruscamente a mão da dela.

— Receio que seus avisos chegam tarde demais. — murmurou, pensando no cabelo de Stephen, que tinha agora fios dourados pelo sol e abandonou a cabana.

Continuaram a viagem durante todo o dia e se detiveram para passar a noite em um refúgio sem teto de um castelo destruído.

Miles foi quem percebeu que era véspera de Natal. Organizaram uma espécie de festejo, mas Miles, percebendo a tristeza de sua companheira, deixou-a com seus próprios pensamentos. Bronwyn compreendeu então que parte do encanto de seu cunhado estava em sua capacidade de compreender os sentimentos de uma mulher. Não lhe exigia nada, como teria feito Stephen, nem tratava de cercar em conversação, como Raine. Miles compreendia e a deixava em paz. Sem dúvida, se ela tivesse desejos de conversar, ele a teria escutado com grande atenção.

Com um sorriso, tomou a torta de aveia que ele oferecia.

— Receio ter feito com que você perca o Natal com sua família.

— Você é parte de minha família. — disse ele bruscamente. Olhou para o céu negro sobre as paredes em ruínas ao redor deles. — Espero que não chova, pelo menos esta vez.

Bronwyn começou a rir.

— Está acostumado com o excesso de clima seco de seu país. — A lembrança lhe fez sorrir. —Stephen não se incomodava com a chuva. Ele...

Interrompeu-se e desviou o olhar.

— Acho que Stephen viveria debaixo d'água para estar com você.

Ela levantou a vista, surpreendida, e se lembrou da criada sentada no colo de seu marido. Teve que piscar várias vezes para afastar a visão.

— Acredito que vou dormir agora.

Miles assistiu, espantado, enquanto ela se enrolava em sua manta fina e imediatamente relaxava. Ele suspirou e se envolveu em seu manto forrado de pele. Não achava que seria um bom escocês.

Ainda era de amanhã quando chegaram à colina de onde se via Larenston. Miles permaneceu imóvel, atônito, enquanto contemplava a fortaleza construída nessa península. Bronwyn esporeou o cavalo e em seguida saltou para os braços de um homem enorme.

— Tam! — exclamou, escondendo o rosto naquele pescoço familiar.

Tam a afastou.

— Você vai me deixar de cabelo branco. — Sussurrou. — Como alguém tão pequena consegue se meter em tantos problemas? — Ele perguntou, ignorando o fato de que ela era um pouco mais alta que ele. De fato parecia pequena perto de seu corpo sólido e volumoso.

— Sabia que o Laird MacGregor pediu para se reunir com ele? — Enviou uma mensagem sobre uma beberagem e uma moça insolente que riu para ele. — Bronwyn, o que você fez?

Bronwyn olhou para ele, atônita, por um momento. O Laird MacGregor pediu para se encontrar com ela? Talvez, agora, houvesse uma maneira de provar a Stephen que não era tão egoísta. Ela abraçou Tam novamente.

— Já haverá tempo para contar isso tudo. Agora quero ir para casa. Temo que esta viagem me cansou.

— O que te cansou? — resmungou Tam alarmado. Ele nunca a ouvira usar a palavra antes.

— Não me olhe como se me acreditasse idiota. — sorriu ela. — Não é fácil carregar outra pessoa o tempo todo.

Ele compreendeu imediatamente. O sorriso que deu esteve a ponto de lhe partir o rosto em dois.

— Eu sabia que aquele inglês poderia fazer algo direito sem necessidade de treino. Onde ele está? Quem é este?

Bronwyn respondeu suas perguntas por toda a faixa estreita de terra e até a trilha que dava para Larenston. Seus homens se juntaram e dispararam centenas de perguntas para ela. Miles permaneceu atrás, olhando com admiração para a cena. Os servos e os arrendatários de Bronwyn agiam como uma enorme família, mesmo que pertencessem a uma distinta classe social. Os homens saudaram Miles carinhosamente, falando constantemente que Stephen isso... e Stephen aquilo.

Bronwyn deixou os homens e subiu para seu quarto. Morag cumprimentou-a.

— Trocou um irmão por outro? — acusou-a.

— Nenhuma saudação? — protestou Bronwyn, cansada, enquanto se encaminhava para a cama. — Te trago um bebê e não é capaz de me dar nenhuma saudação afetuosa.

A cara enrugada de Morag ficou ainda mais enrugada em um amplo sorriso.

— Esse é o meu doce Stephen! Eu sabia que era muito homem!

Bronwyn deitou na cama e não se incomodou em discutir com Morag.

— Vá e encontre o outro inglês que eu trouxe para você. Gostará dele.

Ela puxou uma colcha sobre si. Tudo que queria fazer era dormir.


Passaram semanas inteiras sem que ela fizesse outra coisa além de dormir. Seu corpo estava exausto do tumulto e das mudanças que o bebê estava fazendo. Miles veio uma manhã para dizer que estava voltando para a Inglaterra. Ele agradeceu sua hospitalidade e prometeu pedir desculpas a Judith e Gavin. Nenhum dos dois mencionou Stephen.

Bronwyn tentou não pensar em seu marido, mas não foi fácil. Todos faziam perguntas sobre ele. Tam exigiu saber por que diabos ela deixou a Inglaterra de repente. Por que ela não ficou e lutou por ele? Ficou boquiaberto ao vê-la romper em prantos e fugir do quarto. A partir de então, foram deixando de fazer perguntas que ela não podia responder.

Três semanas depois de sua volta, um de seus homens lhe disse que um contingente de ingleses se aproximava de Larenston.

— Gavin! — exclamou ela e subiu escadaria acima para mudar de roupa.

Vestiu o vestido prateado que Stephen lhe dera e se aprontou para receber o cunhado. Tinha certeza que era Gavin se aproximando. Ele esteve na Escócia antes e seria o único a dar a notícia de Stephen. Talvez Stephen a perdoara e voltava para ela. Não, era pedir demais.

Seu sorriso desapareceu quando Roger Chatworth entrou no Grande Salão. Ela ficou horrorizada com o que tinha feito. Ordenou que o visitante fosse autorizado a entrar em Larenston sem realmente saber quem ele era. E seus homens haviam obedecido sem perguntas. Observou os rostos dos homens e viu a preocupação estampada neles. Fariam qualquer coisa para voltar a vê-la como era habitualmente.

Tratou de cobrir seu desapontamento e estendeu a mão.

— Lorde Roger, que prazer ver você de novo.

Ele fincou um joelho ao chão e tomou sua mão para leva-la aos lábios. Seu cabelo loiro era mais escuro do que ela recordava; a cicatriz junto ao olho, ainda mais proeminente. Trazia-lhe lembranças da temporada vivida na casa de Sir Thomas Crichton, de sua solidão e ele tinha se mostrado bondoso e pormenorizado. Estava disposto até a arriscar a própria vida pelo que ela queria.

— Você está mais bonita do que eu me lembrava. — disse com suavidade.

— Ora, ora, Lorde Roger, não me lembro de você como um bajulador.

Ele se ergueu para olhá-la aos olhos.

— E o que você lembra de mim?

— Só que esteve disposto a me ajudar quando eu mais necessitava. — E chamou. — Douglas faça com que Lorde Roger e seus homens sejam alojados.

O inglês observou que o homem a obedecia imediatamente. Olhou ao redor, para as paredes nuas e sem adornos de Larenston. O trajeto para a península era margeado por casas muito pobres. Era essa toda a riqueza dos MacArran?

— Lorde Roger venha para meu solar e conversemos. O que o traz à Escócia? Oh, eu esqueci que você tem parentes aqui, não é?

Roger arqueou uma sobrancelha.

— Sim, em efeito, eu tenho! — Seguiu-a pela escada até outra sala austera, onde ardia um fogo discreto na lareira.

— Não quer se sentar?

Bronwyn lançou um olhar seco a Morag, que tinha expressão de desaprovação, e pediu à pequena mulher que trouxesse vinho e comida. Quando ficaram a sós, Roger se inclinou para ela.

— Vou ser honesto com você. Vim para ver se precisava de alguma ajuda. Quando vi Stephen na corte do rei Henry e...

— Viu Stephen na corte! — exclamou ela.

Ele observava seu rosto.

— Me ocorreu que podia ignorar que ele estivesse lá. Estava rodeado de mulheres e...

Bronwyn se levantou para aproximar-se da lareira.

— Prefiro não ouvir o resto que tem a dizer. — Disse fria. Começava a se lembrar de tudo sobre Roger Chatworth. Ele atacou Stephen pelas costas uma vez.

— Lady Bronwyn — disse ele, desesperado — não tenho más intenções. Pensei que você sabia disso.

Ela deu meia volta.

— Amadureci muito desde a última vez que nos vimos. Uma vez fui presa fácil de seus modos encantadores e estava infantilmente furiosa porque meu marido estava atrasado para a cerimônia. Mas agora estou mais consciente e muito mais sábia. Como você imaginou, tenho certeza, meu marido e eu brigamos. Não sei se resolveremos nossas diferenças ou não, mas o problema permanecerá somente entre nós.

Roger entrecerrou seus olhos escuros. Estava acostumado a inclinar a cabeça de um modo que parecia olhar ao longo do nariz, aquilino e estreito.

— Você acha que vim lhe trazer intrigas, como uma mulher de povo?

— Isso parece. Já que mencionou às mulheres que rodeavam Stephen.

Roger começou a sorrir lentamente.

— Talvez tenha feito isso. Desculpe-me. Eu só estava surpreso por vê-lo longe de sua esposa.

— E por isso se apressou a me informar de suas... aventuras.

Ele a olhou fixamente, seu rosto quente e vivaz.

— Venha e sente-se, por favor. Nem sempre se mostrou tão hostil comigo. Em certa oportunidade até me pediu para ser seu marido.

Ela sentou-se na cadeira vizinha a dele.

— Isso ocorreu faz muito tempo. Pelo menos foi a tempo suficiente para que vidas e sentimentos mudassem drasticamente. — respondeu ela observando o fogo.

— Não Isso? — Como ela não respondesse, Roger continuou. — Trago uma mensagem de uma mulher chamada Kirsty.

A cabeça de Bronwyn se ergueu bruscamente, mas antes que pudesse falar, Morag entrou com uma bandeja de comida. Parecia que passava horas antes que ela partisse. A velha insistiu em acrescentar lenha ao fogo e fazer perguntas a Roger.

Bronwyn também queria fazer perguntas. Como ele conheceu Kirsty? Que mensagem trazia? Tinha alguma relação com a mensagem que o Laird MacGregor enviara a Tam dizendo que queria encontrar Bronwyn?

— Se isso é tudo, Morag! — Bronwyn disse impaciente. Ignorou o olhar que a anciã lançou ao deixar o recinto. — Bem! O que sabe você sobre Kirsty?

Roger se recostou na cadeira. Essa Bronwyn não era o que ele esperava. Talvez fosse por estar em seu próprio país ou talvez fosse a influência de Montgomery, mas ela não era a jovem fácil de manipular que conhecera. Ele tinha ouvido parte da história de Bronwyn e Stephen nas terras dos MacGregor por acaso. Um homem pobre e faminto pedira para entrar na sua guarnição. Uma noite, Roger ouviu o relato de suas aventuras na Escócia com a esplêndida Laird MacArran. Roger levou o homem a seus aposentos e obteve toda a história. Claro, era apenas uma parte da história, e Roger gastou muito dinheiro descobrindo o resto.

Quando todas as peças estavam juntas, sabia que de alguma forma poderia usá-la. Ele riu de Stephen por desfilar tolamente, perante estes brutos escoceses com hábitos e vestimentas tão toscas como as deles. Ele bebeu seu vinho e recordou com ódio o momento em que Montgomery o desonrara no campo de batalha. Muitos ouviram falar daquela justa e ele frequentemente ouvia rumores sobre “o que ataca pelas costas”. Stephen pagaria pelo novo apelido que tinha agora.

Seu plano era seduzir a esposa de Stephen, tomar aquilo pelo qual lutou. Mas Bronwyn impediu seus planos. Ela, obviamente, não era uma mulher que seguia um homem facilmente. Talvez se tivesse tempo... Mas não, ele não tinha ideia de quanto tempo Stephen estaria ausente.

Neste momento lhe ocorreu um novo plano. Oh, sim, se vingaria plenamente do Montgomery.

— E bem! — exclamou Bronwyn. — Qual era a mensagem? Kirsty precisa de mim?

— Sim, ela precisa de você. — ele confirmou, sorrindo, enquanto pensava: "E eu preciso mais ainda."


Capítulo Dezessete

Bronwyn, deitada na cama contemplava a parte interior do dossel. Seu corpo inteiro estava tenso de excitação. Pela primeira vez em semanas, sentiu-se como se estivesse viva. Sua sonolência se foi, sua náusea passou, e agora estava satisfeita porque algo estava prestes a acontecer.

Quando ela voltou para casa e Tam lhe contou da mensagem do Laird MacGregor, ela ignorou. Tinha estado muito envolvida em seus próprios problemas, em sua própria miséria, para sequer considerar alguém além de si mesma. Stephen dissera que ela era egoísta, que nunca ouviu ou aprendeu com ele. Agora ela tinha uma chance de fazer algo que lhe agradaria. Ele sempre quis que resolvesse suas diferenças com o Laird MacGregor, e agora Kirsty abria o caminho.

Em um primeiro momento, quando Tam lhe revelara a mensagem, teve a intenção de falar com o Laird MacGregor, mas o protesto de seus homens jogou panos frios no intento. Bronwyn descartou o assunto e se dedicou a ter lástima de si mesma. Isso terminou. Tinha uma maneira de recuperar Stephen, de lhe demonstrar que aprendeu algo com ele, que não era egoísta.

Roger Chatworth lhe contou uma história incrível, segundo a qual Kirsty, a quem conhecia, encarregava-lhe de comunicar a Bronwyn que conseguira uma entrevista entre os dois Lairds. O Laird MacGregor e a Laird MacArran se encontrariam sozinhos, só os dois, na noite do dia seguinte. Segundo Kirsty, os MacGregor se opunham a esse encontro, como sem dúvida se oporiam os MacArran; portanto, fazia todo o possível para planejar uma reunião em particular. Enviava lembranças para Bronwyn e Stephen e rogava a sua amiga que o fizesse pela paz e o bem-estar de todos.

Bronwyn jogou os cobertores de lado e se aproximou da janela. A lua ainda não surgira; dispunham de muito tempo. Devia se encontrar com Roger Chatworth nos arredores de Larenston, junto aos prados, para guiá-lo pela península. Ele tinha cavalos preparados para levá-la ao encontro de Kirsty e Donald.

Não era fácil esperar. Vestiu-se muito antes do necessário. Durante um momento se deteve junto à cama para acariciar o travesseiro onde Stephen estava acostumado a dormir.

— Logo, meu amor, logo! — sussurrou.

Assim que voltasse a reinar a paz entre os clãs poderia olhar seu marido com a cabeça erguida. Possivelmente então ele consideraria que valia a pena recuperar seu amor.

Era fácil escapar de seu quarto. Ela e Davey muitas vezes, quando crianças, fugiam para os estábulos, às vezes para encontrar Tam ou um dos seus filhos. Rab seguiu-a pelos degraus de pedra desgastados, sentindo em sua ama a necessidade de silêncio.

Roger Chatworth surgiu das sombras, tão silencioso como um escocês. Bronwyn fez um breve aceno e ordenou a Rab que se aquietasse. O cão nunca gostou de Roger e não fazia segredo disso. Roger a seguiu pelo caminho íngreme e escuro. Bronwyn percebia sua tensão; mais de uma vez ele pegou a mão dela para estabilizar o passo. Agarrava-se a ela, imóvel, até recuperar o fôlego. Bronwyn tentou esconder seu desgosto. Ela estava feliz por saber, agora, que nem todos os ingleses eram como este. Sabia que havia os valentes e corajosos, como seu marido e seus cunhados. Eram homens que uma mulher podia se apoiar e não o contrário.

Roger começou a respirar com tranquilidade ao chegarem à terra firme, onde estavam os cavalos. Mas não podiam falar enquanto não estivessem fora do vale. Bronwyn os conduziu ao redor do vale junto à parede do mar, próximo à muralha. Trotava a passo lento, para que o inglês pudesse tranquilizar seu cavalo. A noite era muito escura e ela se guiava mais por instinto e memória que pela visão.

Perto do amanhecer se detiveram no penhasco do qual se viam suas terras. Ela parou para permitir que Roger descansasse um momento.

— Está cansada, Lady Bronwyn? — perguntou Roger com voz trêmula. Acabava de passar pelo que, para ele, era obviamente uma prova muito difícil. Desmontou.

— Não deveríamos continuar? — insistiu-lhe ela — Não estamos muito longe de Larenston. Quando meus homens...

Interrompeu-se, sem conseguir acreditar no que via. Roger Chatworth, com um movimento rápido e traiçoeiro, tirou um pesado machado de guerra da sua sela e golpeou Rab. O cão, que fitava a ama, mais preocupado com ela que com Roger, reagiu com lentidão e não pôde fugir desse golpe mortal. Instantaneamente Bronwyn desmontou de sua sela para cair de joelhos junto a Rab. Mesmo na escuridão via uma enorme ferida aberta no lado do cachorro.

— Rab? — conseguiu balbuciar, com a garganta fechada. O cão moveu sua cabeça ligeiramente.

— Está morto. — disse Roger sem rodeios. — Agora, levante-se!

Bronwyn se voltou contra ele.

— Pedaço de...!

Não esbanjou mais energias em palavras. Um momento depois, jogava-se para frente, com a adaga apontando para a garganta do inglês. Ele não estava preparado para essa reação e cambaleou sob o peso dela. A adaga afundou no ombro dele, errando o pescoço por muito pouco. Roger a agarrou pelos cabelos e atirou a cabeça da jovem para trás, no momento em que ela dava uma joelhada entra as pernas dele. O inglês voltou a cambalear, mas não a soltou; ao cair no chão arrastou-a consigo. Ela girou a cabeça para mordê-lo e obrigar a que lhe soltasse o cabelo. Então voltou a atacar com a adaga.

Mas a adaga não chegou a atingir o alvo, pois quatro pares de mãos a agarraram, afastando-a de sua presa.

— Demoraram demais! — protestou Roger aos homens que retinham Bronwyn. — Um minuto mais e poderia ter sido muito tarde.

Bronwyn olhou para Rab, silencioso e imóvel no chão, depois de volta para Roger.

— Não houve nenhuma mensagem de Kirsty, verdade?

Roger passou a mão pelo corte que ela tinha feito em seu ombro.

— O que me importa uma maldita escocesa qualquer? Você acha que iria entregar mensagens como um servo? Esqueceu-se de que eu sou um conde?

— Esqueci o que você é. — reconheceu Bronwyn, pronunciando a frase com lentidão. — Esqueci que é capaz de atacar pelas costas.

Foram às últimas palavras que ela pronunciou durante algum tempo, pois o punho de Roger veio voando em direção a sua mandíbula. Conseguiu mover a cabeça para um lado, rápida o suficiente para que cortasse a bochecha, em vez de quebrar o nariz como era seu objetivo. Ela caiu para frente, inconsciente.

Quando Bronwyn acordou, teve dificuldade em saber onde estava. Sua cabeça doía com uma fúria negra como nunca experimentou antes, e seus pensamentos estavam desorganizados. Seu corpo doía e sua boca estava imóvel. Depois de algumas tentativas de pensar com claridade, voltou a adormecer.

Quando voltou a despertar sentia-se melhor. Permaneceu deitada e percebeu que metade de sua dor vinha de uma mordaça ao redor de sua boca. Suas mãos e pés também estavam firmemente amarrados. Prestou atenção, estava em uma carreta, deitada em um monte de palha. Era noite, e ela sabia que devia ter dormido durante o dia.

Havia momentos em que ela queria chorar por causa da dor de não se mexer. As cordas afundavam em sua carne; sua boca estava seca e inchada pela mordaça.

— Está acordada. — disse uma voz de homem.

A carreta se deteve. Roger Chatworth se inclinou para ela.

— Se jurar não gritar, te darei água. Nós estamos em uma floresta e ninguém poderia ouvi-la, mas de qualquer maneira, eu quero sua palavra.

Seu pescoço estava tão rígido que mal conseguia movê-lo. Assentiu com a cabeça dando a sua palavra. Ele a levantou e soltou a mordaça.

Bronwyn sabia que nunca sentira alivio tão celestial em sua vida. Ela massageou sua mandíbula, e fez uma careta ao tocar na ferida que o punho de Roger havia feito.

— Toma. — ordenou ele impaciente, lhe entregando uma taça de água. — Não podemos ficamos aqui toda a noite. — Ela bebeu com vontade a água.

— Aonde me leva? — perguntou.

Roger lhe arrebatou a taça.

— Montgomery poderá tolerar suas insolências, mas eu não. Se quisesse que estivesse inteirada de algo, lhe diria.

Antes que ela pudesse desviar o olhar ansioso da taça que ele tinha tomado, Roger agarrou-a pelo cabelo, jogou de lado a taça meio cheia e voltou a pôr a mordaça. Deitou-a de novo na palha.

Bronwyn passou o dia seguinte dormindo. Roger jogou sacos por cima dela, para escondê-la. A falta de ar e movimento fazia com que ela ficasse tonta. Permanecia em um estado de semiconsciência, quase sonho.

Duas vezes foi tirada da carreta, recebeu comida e água, e foi permitida alguma privacidade. Na terceira noite, a carreta parou. Os sacos foram retirados, e ela foi levantada com brutalidade do colchão de palha da carreta. O frio ar noturno a atingiu como se ela tivesse sido jogada em água gelada.

— Levem-na para cima. — ordenou Roger. — Tranquem-na no quarto leste.

O homem levantou quase com delicadeza a silhueta de Bronwyn.

— Devo desamarra-la?

— Sim. Ela pode gritar o quanto quiser. Ninguém ouvirá.

Bronwyn manteve os olhos fechados e o corpo frouxo, mas se esforçou em recuperar a consciência. Começou a contar, citou os nomes todos os filhos de Tam e se forçou a lembrar suas idades. Quando o homem a colocou em uma cama, sua mente estava funcionando rapidamente. Ela tinha que escapar! E agora, antes que a rotina do castelo iniciasse, era o melhor momento.

Era difícil se manter imóvel enquanto o homem lhe desatava lentamente os pés. Ela enviou sangue para lá com força de vontade usando a mente em vez de mover os tornozelos. Concentrou-se nos pés, tentando ignorar as milhares de agulhas dolorosas que pareciam atravessar seus pulsos.

A mordaça foi o último. Ela fechou a boca e moveu a língua pela secura interior. Ela ficou imóvel, sua mente começava a correr enquanto o homem tocava seus cabelos e sua bochecha. Ela amaldiçoou seu toque, mas pelo menos deu tempo a seu corpo para se ajustar ao sangue que estava mais uma vez começando a fluir.

— Alguns homens conseguem tudo. — disse o homem com um suspiro de melancolia enquanto se afastava da cama.

Bronwyn esperou até que ouviu seus passos e esperou que o homem se afastasse. Abriu os olhos apenas ligeiramente e viu-o persistir, permanecendo perto da porta. Ela se virou rapidamente e viu um jarro sobre uma mesa junto à cama. Pegou o jarro e lançou-o ao outro lado do quarto. O estanho bateu ruidosamente contra a parede.

Voltou a ficar quieta, com os olhos entreabertos, enquanto o homem ia em direção ao barulho. Bronwyn saiu da cama em segundos e correu em direção à porta. Seu tornozelo cedeu sob seu peso uma vez, mas ela continuou correndo, nunca olhando para o homem. Agarrou o trinco da pesada porta e fechou com violência. Depois deslizou o ferrolho. Os golpes do homem podiam ser ouvidos, mas o grosso carvalho abafava o som.

Bronwyn ouviu passos e teve o tempo apenas de deslizar pelo oco escuro de uma janela antes que aparecesse Roger Chatworth. O inglês se deteve ante a porta, atento aos golpes do homem e a voz abafada. Bronwyn prendeu a respiração. Roger sorriu satisfeito, depois passou por ela enquanto se dirigia para a escada.

Bronwyn permitiu-se apenas alguns segundos para acalmar seu coração acelerado e, pela primeira vez, esfregou os pulsos e os tornozelos doloridos. Ela flexionou sua mandíbula machucada repetidamente enquanto deslizava silenciosamente das sombras e seguia Roger descendo as escadas.

Ele virou à esquerda no final da escada e entrou em uma sala. Bronwyn deslizou em uma sombra ao lado da porta entreaberta. Ela podia ver dentro da pequena sala muito bem. Havia uma mesa e quatro cadeiras, uma única vela de sebo no centro da mesa.

Uma bela mulher estava sentada à mesa; Bronwyn só viu seu perfil. Vestia um brilhante vestido de cetim com listras verde e roxo. Suas feições delicadas eram perfeitas: da boca aos amendoados olhos azuis.

— Por que a trouxe aqui, se podia possui-la quando bem desejasse? — disse a mulher furiosa com uma voz zombeteira, tão diferente de seu lindo rosto.

Roger estava de costas para Bronwyn, sentando-se numa cadeira voltada para a mulher.

— Não havia mais nada que pudesse fazer, ela não quis ouvir o que eu queria dizer sobre Stephen.

— Não queria ouvir você? — gritou a mulher. — Aos diabos com os homens Montgomery! O que Stephen estava fazendo na corte do rei Henry?

Roger fez um gesto de desprezo com a mão.

— Acredito que foi apresentar uma petição para que o rei interrompesse as incursões na Escócia... Você devia tê-lo visto! Ele praticamente tinha toda a corte chorando com suas histórias sobre os nobres escoceses e o que se estava fazendo a eles.

Bronwyn fechou os olhos por um momento e sorriu.

"Stephen!", pensou. “Meu querido e doce Stephen”. Voltou para o presente e compreendeu que escutar esses dois era perda de tempo. Devia escapar! As palavras seguintes de Roger a impediram

— Como diabos eu poderia saber que você escolheria este momento para sequestrar Mary Montgomery?

Bronwyn parou imóvel, todo o seu corpo escutando. A mulher, sem voltar o rosto, esboçou um amplo sorriso que descobriu seus dentes torcidos.

— Em realidade, queria sequestrar a sua mulher. — disse sonhadora.

— Suponho que se refere à Judith, a esposa de Gavin.

— Sim, aquela prostituta que roubou meu Gavin!

— Não tenho certeza de que alguma vez tenha sido seu. Em todo caso, foi você que o desprezou ao se casar com meu querido irmão mais velho, que Deus o tenha em sua glória.

A mulher o ignorou.

— Por que você capturou Mary, em vez disso? — continuou Roger, como se estivesse falando do clima, a julgar pelo interesse que o tema lhe inspirava.

— Porque voltava para convento aonde vive e estava à mão. Eu gostaria de matar todos os Montgomery, um a um. Não importa quem será o primeiro. Bem, me diga agora quem é essa mulher que você raptou! A esposa de Stephen?

Ainda assim a mulher não se virou. Ela manteve seu perfil tanto para Roger quanto para Bronwyn.

— A mulher mudou. Na Inglaterra, antes de se casar, era fácil de manipular, contei-lhe uma história ultrajante sobre alguns primos na Escócia. — Ele fez uma pausa para dar uma risada zombeteira. — Como poderia acreditar que eu sou parente de um escocês imundo?

— Você fez com que ela pedisse um combate entre vocês. — Observou a bela mulher.

— Era fácil colocar ideias em sua cabeça vazia. — Respondeu Roger. — E Montgomery estava disposto o suficiente para lutar por ela. Ardia tanto por ela que seus olhos queimavam, mexendo com sua cabeça.

— Dizem que é linda .— comentou a mulher com grande amargura.

— Nenhuma mulher é mais bela do que toda terra que possui. Se tivesse se casado comigo, teria enviado camponeses ingleses para lá e teria obtido que a terra produzisse mais. Os escoceses acham que deveriam dividir a terra com os servos.

— Mas a perdeu ao perder o combate. — aduziu a mulher sem levantar a voz.

Roger se levantou e esteve a ponto de derrubar a pesada cadeira.

— Esse bastardo! — amaldiçoou. — Me ridicularizou, riu de mim e fez que toda a Inglaterra risse também.

— Preferiria que tivesse te matado? — perguntou ela.

Roger se ergueu diante de sua cunhada.

— Você não preferiria ter morrido? — perguntou sereno.

A mulher inclinou a cabeça.

— Sim, oh, sim! — sussurrou, levantando a cabeça. — Mas faremos com que paguem, não é verdade? Temos a esposa de Stephen e a irmã de Gavin. Diga-me, o que você planeja fazer com as duas?

Roger sorriu.

— Bronwyn é minha. Se não puder ficar com suas terras terei que me conformar com ela. Mary é tua, é obvio.

A mulher levantou a mão.

— Não é divertido brigar com ela. Tudo a aterroriza. Talvez deva enviá-la para casa. — Disse com ódio.

E ao dizer isso virou o rosto de tal modo que Bronwyn pôde vê-la completamente.

Foi a combinação da visão da bochecha coberta de cicatrizes da mulher e a recordação das palavras de Mary que fizeram Bronwyn ofegar. Antes que ela pudesse se mover, Roger estava na porta e a segurava pelo braço. Ele a puxou para dentro do quarto. Levou-a aos puxões ao interior do recinto, arrancando dela uma careta de dor pela força com que afundava os dedos em sua carne.

— Então essa é a grande Laird que capturou! — zombou a mulher.

Bronwyn a olhava fixamente. O rosto, uma vez belo, estava desfigurado em um lado, longos sulcos de feias cicatrizes começavam do olho e desciam até a boca. Isso dava a ela uma expressão maligna e depreciativa.

— Olhe até te fartar! — gritou a mulher. — É bom que veja, pois você também pagará pelo que fizeram.

Roger soltou Bronwyn para segurar a mulher pelas mãos.

— Sente-se! — ordenou. — Temos algo mais que resolver além dos seus ódios imediatos.

A mulher sentou-se, mas continuou a olhar para Bronwyn.

— Onde está Mary? — Bronwyn perguntou calmamente. — Se a soltarem não tentarei escapar outra vez. Podem fazer comigo o que desejem.

Roger riu dela.

— Como você é nobre, mas você não tem nada com que negociar. Não darei uma segunda oportunidade para você tentar fugir.

— Mas de que utilidade pode ter Mary para você? Nunca em sua vida prejudicou a ninguém.

— Você chama isto de nada? E isto? — gritou a mulher, deslizando os dedos pelas cicatrizes. — Parece pouca coisa para você?

— Mary não fez isso. — Disse Bronwyn com convicção. Ela estava começando a acreditar que as cicatrizes mostravam a verdadeira natureza da mulher.

— Quietas as duas! — ordenou Roger. Voltou-se para Bronwyn. — Apresento Lady Alice Chatworth, minha cunhada. Nós dois temos motivos para odiar os Montgomery e juramos destruí-los.

— Destrui-los! — exclamou Bronwyn. — Mas Mary...

Roger agarrou seu braço.

— Você não se preocupa com você mesma?

— Sei o que querem os homens como você. — cuspiu ela. — Não pode conseguir uma mulher a não ser com mentiras e traições?

Roger levantou a mão para esbofeteá-la, mas se deteve com a risada de Alice.

— Para isso foi à Escócia, verdade, Roger? — riu. — Não foi necessário trazê-la em uma carreta, amarrada de pés e mãos?

Roger olhou de uma mulher para a outra, então agarrou Bronwyn e a levou da sala. Ele a arrastou subindo as escadas, fez uma pausa em frente da porta trancada com ferrolho e continuou puxando-a um pouco mais pelo o corredor. Parou em frente a seus aposentos, abriu a porta e a empurrou para a larga cama que ocupava o centro de um quarto luxuoso. Do dossel pendiam drapeados de veludo pardo escuro. O mesmo tecido cobria a janela, elegantemente bordeado de cordas douradas.

— Dispa-se! — ordenou.

Bronwyn lhe sorriu.

— Nunca! — respondeu com voz amigável. Ele lhe devolveu o sorriso.

— Se apreciar a vida da Mary me obedecerá. Cada segundo que demorar lhe custará um dedo.

Bronwyn o olhou, boquiaberta, e tirou o broche do ombro. Roger, recostado contra um alto armário esculpido, observava-a com interesse.

— Você sabia que eu fiquei bêbado em sua noite de núpcias? — perguntou. — Não, claro que não sabe. Aposto que nunca pensou em mim. Eu não gosto que me usem, e você me usou com Stephen Montgomery.

Ela se deteve, com as mãos nos botões da camisa.

— Eu nunca usei você. Se você tivesse ganhado a luta, eu teria casado com você. Eu pensei que você estava sendo honesto quando me disse que cuidaria do meu clã.

Ele emitiu um sopro depreciativo.

— Está demorando. Quero ver o que me custou tanta dor e desonra.

Bronwyn mordeu os lábios para não replicar. Queria dizer que ele mesmo provocara sua desonra. As mãos tremiam nos botões. Nunca antes se despiu diante de um homem, exceto Stephen. Piscou para conter as lágrimas. Stephen não voltaria a amá-la se outro homem a possuísse. Era tão ciumento que desconfiava de todos os seus afetos. Como seria depois que Roger Chatworth terminasse com ela?

Levantou-se para tirar o cinturão e a saia e os deixou cair no chão. Como ela mesma reagiria ao contato de Roger? Bastava que Stephen a fitasse para que ela ardesse, tremendo de paixão. Roger poderia fazer o mesmo?

— Apresse! — ordenou Roger. — Faz meses que espero isto.

Bronwyn fechou os olhos por um momento e respirou fundo enquanto deixava a camisa cair no chão. Ela manteve o queixo erguido e os ombros para trás quando Roger pegou uma vela e se aproximou dela.

Ele olhou para ela, seus olhos vagando por sua pele acetinada, seus seios altos e orgulhosos. Ele tocou suavemente seu quadril, passou o dedo pela carne ao redor do umbigo.

— Linda! — sussurrou. — Montgomery estava certo em lutar por você.

Uma batida súbita na porta fez os dois saltarem.

— Silêncio! — ordenou Roger enquanto olhava para a porta.

— Roger! — chamou a voz de um jovem. — Está acordado?

— Vá para a cama! — ordenou Roger, em voz baixa. — Fique debaixo das cobertas e não faça um som. Eu preciso ameaçar você?

Bronwyn obedeceu-lhe rapidamente, contente por qualquer desculpa para esconder seu corpo nu de sua vista. Ela se enterrou sob as peles e cobertas enquanto Roger apressadamente fechava as cortinas ao redor da cama.

— O que houve Brian? — perguntou, com uma voz muito diferente, muito mais suave, ao abrir a porta. — Teve outro sonho ruim?

Bronwyn se moveu em silencio para olhar entre as cortinas. Roger acendeu várias velas que estavam na mesa junto à cama. Ele se afastou, e ela pôde ver o jovem que entrou.

Brian provavelmente tinha vinte anos de idade, mas sua pequena construção facial o fazia parecer pouco mais que um menino. Caminhou com um passo hesitante, como se uma perna estivesse dura, mas tinha aprendido a caminhar dissimulando que mancava. Ele era obviamente o irmão de Roger, uma versão mais jovem, mais frágil e mais delicada do seu irmão mais velho, forte e saudável.

— Você deveria estar na cama. — Roger disse em uma voz gentil, uma voz que Bronwyn nunca tinha ouvido dele antes. O amor de Roger por esse menino era aparente em cada palavra que ele falava. Brian se acomodou em uma cadeira.

— Eu estava esperando você voltar. Não conseguia descobrir para onde você foi. Alice disse... — interrompeu-se.

— Incomodou-te? — Perguntou Roger, severo. — Se te...

— Não, claro que não. — Interrompeu Brian. — Alice é uma mulher infeliz. É muito desventurada desde a morte de Edmund.

— Sim, sem lugar a dúvidas — disse Roger sarcástico. E mudou de assunto. — Fui visitar minhas outras propriedades para verificar se os servos não nos roubaram.

— Roger... quem é a mulher que continua chorando?

Roger levantou bruscamente a cabeça.

— Não... não sei o que você quer dizer. Não há aqui nenhuma mulher que chore.

— Há três noites ouço alguém chorar. Mesmo durante o dia me chega o som de choro.

Roger sorriu.

— Talvez a casa tenha um fantasma. Ou possivelmente Edmund... — interrompeu-se bruscamente.

— Já sei o que quer dizer. — Brian disse sem rodeios. — Sei mais sobre nosso irmão do que você imagina. Você ia dizer que talvez quem chora é o fantasma de uma das mulheres de Edmund. Talvez seja a que se matou na noite em que assassinaram Edmund.

— Brian! De onde tira essas coisas? É tarde. Deveria estar na cama.

Brian, suspirando, permitiu que Roger lhe ajudasse a sair da cadeira.

— Vou dormir. Nós nos veremos pela manhã? Alice melhora muito quando você está aqui e sinto falta de Elizabeth. O Natal é muito curto.

— Sim, é claro. Estarei aqui amanhã, boa noite, irmãozinho. Durma bem.

Quando a porta se fechou, Roger esperou de pé por um instante. Bronwyn lhe observava sem mover-se. Esse homem podia ser mentiroso e atacar pelas costas, mas amava seu irmão mais novo. Por fim ele se voltou e abriu as cortinas do leito.

— Você esperava que eu tivesse me esquecido de você? — Sua voz era fria outra vez.

Ela se cobriu até o pescoço com os lençóis e retrocedeu até o outro extremo da cama.

— Quem é Elizabeth? — perguntou.

Roger lhe cravou um olhar malicioso.

— Elizabeth é minha irmã. Agora venha aqui.

— Ela é mais velha ou mais nova do que Brian? — inocente e ficou muito assustada. O homem despiu-se, e se colocou sobre ela, exibindo sua masculinidade ereta como se estivesse maciçamente orgulhoso da coisa. Bronwyn, que só vira membros de cavalos e touros, começou a rir do homem, e diante de seus próprios olhos tinha deflacionado. Ela aprendeu várias lições naquele dia. Uma mulher nunca devia andar sozinha com apenas um homem, e dois, enquanto o medo parecia excitar os homens, sua risada o esmagava.

Nunca revelou a seu pai o ocorrido. Três meses depois, o homem morreu em uma incursão para roubar gado.

Deveria ser um prazer ver Roger tão ferido, mas não era. Caiu na cama, ocultando o rosto. Precisava muito de Stephen; ele era o alicerce de seu ser, ele a impedia de fazer coisas estúpidas e impulsivas. Se ele estivesse com ela, nunca teria deixado Larenston. Rab estaria vivo e não seria prisioneira de Roger Chatworth.

Stephen estava com seu rei, suplicando que não ordenasse mais ataques contra os escoceses. Stephen não tinha provado que ele era um escocês? Ele merecia o título mais do que qualquer outra pessoa.

Bronwyn não tinha ideia quando começou a chorar. As lágrimas começaram a fluir em silêncio a princípio, depois com soluços profundos e dolorosos. Jurou que se conseguisse se livrar dessa confusão, seria honesta com Stephen. Diria o quanto o amava e precisava dele. Oh sim! Precisava muito dele. Chorou por Mary, por Stephen, por Rab e, sobre tudo, por si mesma. Teve algo formoso e lindo e o deixou escapar.

— Stephen! — sussurrou e continuou chorando. Quando seu corpo ficou seco e já não pôde seguir chorando, adormeceu.

Bronwyn falava com pressa.

— Você gostaria de ver minha árvore genealógica? — Ele agarrou seu braço, puxou-a para ele. — Elizabeth é três anos mais nova que Brian.

— Ela é...?

Suas palavras pararam quando Roger a puxou para seus braços e começou a beijá-la com fome. Ela permaneceu imóvel enquanto ele a beijava. Roger tinha os lábios firmes e agradáveis; seu hálito era doce. Mas não havia fogo ali. Deslizou a boca pelo pescoço da moça, acariciando as costas dela e deslizou os dedos por sua coluna, então agarrou suas nádegas e apertou-a contra ele. Estava completamente vestido e o veludo acolchoado de suas roupas tinha um roce delicioso contra a pele fresca e nua. Mas além dessa sensação agradável não havia fogo. Bronwyn sentia-se como uma estranha, como se observasse o que estava acontecendo em vez de experimentá-lo.

— Não resiste? — perguntou Roger, em um sussurro gutural, uma pitada de humor em sua voz.

— Não! — respondeu ela com franqueza. — Me...

Uma vez mais, ele a interrompeu com um beijo. Deitou-a brandamente de costas e começou a lhe acariciar o pescoço e os seios. Seus lábios seguiam suas mãos.

— Não, Roger, não resisto. — Disse ela, sua voz cheia de honestidade. — Em realidade, não há nada contra o que resistir. Eu devo admitir que estava curiosa sobre como reagiria a outro homem me tocando. Stephen disse que eu o procuro tantas vezes que não tem tempo suficiente para se recuperar. — Ela deu um risinho, olhou para o dossel e colocou as mãos atrás da cabeça. — Não que Stephen sempre tenha dito a verdade. — Riu. — Mas acho que não é a mesma coisa. Você me toca nos mesmos lugares que Stephen me toca, mas com você não sinto nada, não é estranho? — Ela olhou com olhos inocentes para Roger, que estava inclinado sobre ela, suas mãos ainda sobre seu corpo, seus olhos arregalados. — Eu realmente sinto muito. Não quero ofendê-lo. Tenho certeza de que agrada a algumas mulheres que gostam de você, mas acho que pertenço a um só homem.

Roger levantou a mão para lhe bater. Os olhos do Bronwyn se voltaram frios.

— Não lutarei contra você nem reagirei quando fizer amor. Você se irritaria em saber que não é metade do homem que Stephen Montgomery é? Seja na cama ou fora dela?

— Eu vou te matar por isso! — Roger rosnou, jogando-se contra ela.

Bronwyn rolou de lado e ele caiu de bruços sobre o colchão macio. A moça se ergueu de um salto, à procura de uma arma, mas não achou nenhuma.

Roger começou a persegui-la, mas parou. Maldição, ela era uma visão surpreendente! Seus cabelos negros flutuavam a seu redor como uma nuvem demoníaca. Seu corpo orgulhoso e forte era uma provocação. Era de tirar o fôlego, como uma antiga rainha primitiva; desafiante, ameaçando-o com sua pequena força.

Cada palavra que ela pronunciava sobre o marido era como um grito em sua mente. Conhecia bem os homens, não é? Com cada palavra ele sentiu sua paixão encolher. Que homem podia possuí-la sabendo que ela ria em sua cara? Se ela o temesse, ele a estupraria, mas esse riso dela era demais.

— Guardas! — vociferou.

Bronwyn compreendeu que a liberava dessa imposição sexual. Agarrou suas roupas e, quando a porta se abriu, ela já estava envolta na manta, com o resto das roupas sob o braço.

— Leve-a para o quarto leste. — disse Roger, cansado. — E eu terei a cabeça do homem que a deixar escapar.

Bronwyn só respirou com tranquilidade ao ouvir que o ferrolho corria por fora a deixando sozinha no quarto. Os guardas tinham libertado o homem que ela trancafiara horas antes. Deixou-se cair na cama e imediatamente começou a tremer. Seu corpo doía pelos três dias que passara atada em uma carreta. Atormentava-se pela sorte de Mary e o episódio vivido com Roger a debilitava mais ainda.

Certa vez, quando ela era apenas uma garota, tinha saído para passear com um dos homens de seu pai. Pararam para que os cavalos descansassem, e o homem a jogou no chão e começou a despi-la. Bronwyn era muito


Capítulo Dezoito

Brian Chatworth, em silêncio, desceu as escadas até o porão. A casa de Chatworth tinha sido construída sobre um castelo velho, um lugar que seu avô tinha conquistado e destruído. Alguns diziam que não era bom construir sobre o lar de um inimigo.

Brian pensou nas palavras de seu irmão sobre um fantasma e sorriu. Roger era tão protetor de seus irmãos. Na verdade, esse amparo fora necessário contra o irmão mais velho na infância. Mas agora, desde a morte de Edmund, não havia necessidade de se esconder e mentir. Em alguma parte havia uma mulher que chorava e Brian tinha toda a intenção de averiguar. Era, provavelmente, uma serva de cozinha que se apaixonara por Roger e agora chorava porque ele não devolvia seu amor. Brian percebeu que Roger achava que seu irmão mais novo não sabia nada sobre o que ocorria entre homens e mulheres. Para Roger, Brian ainda era um menino assustado e escondido.

Ele parou no fim da escada. Os porões eram escuros, cheios de barris de vinho e barris de peixe salgado. Enquanto escutava, detectou o som do rolar de dados de marfim e dois guardas rindo e dizendo maldições. Deslizou entre os barris e foi para a parte de trás, onde sabia que existia uma cela com cadeado. Não tinha ideia por que agora devia se esgueirar, aprendeu a ser bom nisso quando Edmund estava vivo. Além disso, preferia que Roger não achasse que ele não tinha fé em seu irmão.

O choro tornou-se mais alto quando ele se aproximou da porta da cela. Era um som suave e dolorido que vinha do coração de uma mulher. Agora ele sabia por que os guardas se afastavam para o outro lado da adega: Eles não queriam ouvir o choro constante.

Brian olhou para dentro da cela. Deitada em posição fetal, num canto, estava uma mulher com o hábito de uma freira. Brian só podia ofegar quando pegou a chave colocada em um prego junto à porta e a destrancou. As dobradiças lubrificadas cederam de forma silenciosa.

— Irmã! — sussurrou Brian, ajoelhando-se ao seu lado. — Por favor, me permita que a ajude.

Mary olhou para ele com medo em seus olhos.

— Por favor, solte-me. — Sussurrou. — Meus irmãos vão causar uma guerra por causa disso, por favor, eu não poderia suportar vê-los feridos.

Brian olhou para ela, perplexo.

— Seus irmãos? Quem é você? O que tem feito para que Roger a tome como prisioneira?

— Roger? — perguntou Mary. — É ele quem me retém aqui? Onde estou? Quem é você?

Brian a observou com atenção. Seu rosto oval estava inchado, seus olhos castanhos, vermelhos e irritados. De repente se lembrou de sua irmã. Elizabeth era encantadora como um anjo e essa mulher se parecia com a Madona.

— Meu nome é Brian Chatworth, esta é minha casa, a propriedade Chatworth. Meu irmão Roger é dono desta casa.

— Chatworth? — exclamou Mary levantando-se. — Meu irmão esteve, certa vez, apaixonado por uma formosa mulher, que se casou com alguém chamado Chatworth.

Brian sentou-se nos calcanhares. Ele estava começando a ver alguma ligação com a prisão desta mulher.

— E você é da família Montgomery! — exclamou. — Eu só conhecia a existência de quatro irmãos varões. Não sabia que havia uma mulher.

— Sou a filha mais velha, Mary Montgomery.

Brian passou alguns minutos em silêncio.

— Diga-me o que você sabe. Meus irmãos me protegem em excesso. Por que me mantém presa? Por que seu irmão odeia minha família?

Brian identificou-se imediatamente com ela.

— Meu irmão também me protege muito. Mas eu presto atenção e sei de algumas coisas. Direi o que sei. Uma jovem chamada Alice Valence esteve, no passado, apaixonada por seu irmão mais velho, Gavin. Não é verdade, irmã?

Mary assentiu.

— Mas por alguma razão que ignoro não se casaram. Alice contraiu matrimônio com Edmund, meu irmão mais velho, e Gavin se casou com...

— Com Judith. — respondeu Mary.

— Sim, Judith. — continuou Brian. — Certa noite meu irmão foi assassinado.

Brian se interrompeu por um momento. Não queria mencionar a maldade de seu irmão mais velho, e que todos viviam aterrorizados. Tampouco mencionou a adorável jovem que cortou os pulsos na noite em que Edmund morreu.

— E Alice ficou viúva. — disse Mary, em voz baixa.

— De fato, ficou viúva. Ela, eu acredito, fez algumas tentativas de conquistar Gavin de volta. Houve um acidente e óleo quente se derramou em seu rosto. As cicatrizes do acidente foram muitas e ela ficou marcada.

— Você acha que há alguma conexão entre isso e o meu sequestro? Onde está Alice agora?

— Ela mora aqui, não tinha mais ninguém. — Pensou na bondade de seu irmão Roger. — Neste outono, Roger combateu publicamente, numa justa com outro de seus irmãos, milady. Lutaram por uma mulher.

— Só pode ter sido Stephen. Bronwyn não me disse nada. — Mary passou a mão pelo rosto. — Eu não tinha ideia de que tivesse acontecido isso. Oh, Brian, o que vamos fazer? Nós não podemos deixar nossas famílias continuarem em guerra uma com a outra.

Brian ficou assustado com suas palavras. O que ela queria dizer com "nós"? Como ela poderia supor que estava do seu lado? Roger era seu irmão. Claro, ele tomaria o lado de Roger. Deve haver uma boa razão para Roger estar segurando essa mulher calma e gentil como prisioneira.

Antes que Brian pudesse dizer uma palavra, Mary falou de novo.

— Por que manca? — perguntou com suavidade.

Brian ficou assustado. Ninguém havia perguntado isso há muito tempo.

— Minha perna foi esmagada por um cavalo. — disse secamente.

Mary apenas olhou para ele como se esperasse mais, e Brian se viu transportado de volta a um tempo que ele não gostava de lembrar.

— Elizabeth tinha cinco anos. — Disse ele em uma voz distante. — Mesmo nesta época ela já se parecia um anjo. Um dos entalhadores a tinha usado como modelo para todos os querubins da capela. Eu tinha oito anos. Estávamos brincando na areia no campo de justas. Nosso irmão Edmund já estava adulto, tinha vinte um ano de idade. — Brian parou um momento. — Eu não me lembro de tudo. Eles disseram-me que Edmund estava bêbado. Ele não viu que Elizabeth e eu brincávamos ali e se lançou a galopar pelo campo.

Mary afogou uma exclamação de horror.

— Nós teríamos sido mortos se não fosse por Roger, que na época tinha quatorze anos, era grande e forte. Correu para frente do cavalo de Edmund e nos agarrou, mas o casco do cavalo bateu no seu braço esquerdo, fazendo que me deixasse cair. O cavalo se desequilibrou e caiu também. — Brian desviou o olhar por um momento. — O cavalo caiu por cima de mim e esmagou minha perna do joelho para baixo. — Ele deu um sorriso fraco. — Tenho sorte de não ter perdido a perna. Elizabeth disse que foi o cuidado de Roger que salvou minha perna. Ele ficou ao meu lado por vários meses.

— Você o ama muito, não é?

— Sim! — respondeu ele simplesmente. — Nos protegeu durante toda a infância, a Elizabeth e a mim. Colocou-a em um convento aos seis anos e agora ela está lá. — Brian sorriu. — Roger diz que está procurando um marido digno dela, mas ainda não achou. Como se procura marido para um anjo?

E riu ao recordar algo que Elizabeth dissera. Sugerira a Roger que procurasse um demônio. O irmão mais velho não achou muito engraçado. Com frequência Roger não ria diante dos agudos comentários de sua irmã. Às vezes sua língua estava em desacordo com seus olhares doces.

— Não podemos deixar nossas famílias lutarem. — Mary estava dizendo. — Você me demostrou que seu irmão é um homem amável e carinhoso, que está zangado com Stephen, e o mesmo deve ocorrer com sua cunhada.

Brian quase riu. Alice caía em ataques de fúria descomunais que superavam largamente a insanidade. Às vezes enlouquecia por completo e era preciso ministrar-lhe ervas sonífera. Gritava constantemente amaldiçoando Gavin e Judith Montgomery.

— Você disse tão pouco sobre você. — observou Brian, em voz baixa. — Faz dias que está prisioneira e chora, só quis que eu falasse de mim. Diga-me por que esteve chorando? Por você mesma ou por seus irmãos?

Mary baixou a vista a suas mãos.

— Sou débil E covarde. Oxalá pudesse rezar como se deve, mas meus irmãos me ensinaram a ser realista. Quando descobrirem meu desaparecimento ficarão furiosos. Gavin e Stephen se prepararão serenamente para a guerra, mas em Raine e Miles não haverá nenhuma calma.

— O que eles farão?

— Quem sabe? O que parecer conveniente no momento. Raine é geralmente tão gentil, apesar do aspecto de um grande urso, é um homem, que não pode suportar nenhuma injustiça. Miles tem um temperamento horrível! Ninguém pode adivinhar o que é capaz de fazer.

— Isso deve ser interrompido. — disse Brian, levantando-se. — Eu irei até Roger e exigirei que ele te solte.

Mary ficou de pé, ao lado dele era mais baixa que Brian.

— Não acha que uma exigência poderia irritá-lo? Não seria melhor pedir?

Brian estudou suas feições suaves, seus grandes olhos. Ela o fazia se sentir forte como uma montanha. Nunca pedira nada a Roger, além de sua própria vida. Ela tinha razão: como exigir algo de quem se ama? Tocou a face de Mary.

— Vou levá-la deste lugar, prometo-lhe isso.

— E eu acredito em você. — respondeu ela, com grande confiança. — Você deve ir agora.

Brian deu uma olhada para a cela pequena e úmida. Havia palha no chão, bastante suja. O único móvel era uma cama dura e um cântaro em um canto.

— Este calabouço é sujo. Você deve sair comigo agora.

— Não! — Ela se afastou dele. — Devemos ter cuidado, não podemos irritar seu irmão. Se ele for como o meu, pode dizer coisas que vai se arrepender mais tarde, mas então será forçado a manter a palavra. Você deve esperar até amanhã, quando ele estiver mais descansado, e em seguida, falar para ele.

— Como você pode se preocupar com meu irmão quando isso significa outra noite para você neste inferno?

Ela respondeu-lhe apenas com o olhar.

— Vá em paz, não precisa se preocupar comigo.

Brian olhou para ela por um momento, depois agarrou sua mão e beijou-a.

— Você é uma boa mulher, Mary Montgomery. — Ele se virou e a deixou.

Mary desviou o olhar quando ouviu a porta trancar novamente. Esperava que não tivesse deixado Brian ver como estava muito assustada. Algo percorreu o chão e ela pulou. Ela não devia chorar, sabia, mas era uma covarde tão terrível...


Roger olhou chocado para seu irmão menor.

— Eu a quero fora daquela cela. — Brian disse calmamente. Ele fez o que Mary tinha dito e esperado até o amanhecer para confrontar Roger. Não que Brian tivesse dormido alguma coisa. A julgar pelas grandes olheiras do irmão, ele tampouco dormira muito.

— Por favor, Brian... — começou Roger, com a voz que só empregava para falar com seus irmãos menores.

Brian não cedeu.

— Eu ainda não ouvi você dizer por que a tem como sua prisioneira, mas seja qual for a razão, quero ela fora daquele calabouço.

Roger se afastou de Brian para que a dor nos seus olhos não pudesse ser vista. Como poderia explicar sua humilhação nas mãos dos Montgomery? Sofrera quando sua cunhada se atirou aos pés de Gavin e foi rejeitada por ele. Mais tarde Bronwyn o havia escolhido e se sentira redimido, mas Stephen tinha deferido um golpe de sorte que o havia deixado esparramado no chão. Ficara enfurecido, sem pensar, tinha atacado Stephen pelas costas. Agora, queria deixar claro aos Montgomery que não poderia ser sempre derrotado.

— Nada de mal acontecerá a ela. — disse Roger. — Prometo que não vou machucá-la.

— Nesse caso para que a retém? Ponha ela em liberdade antes que se produza uma guerra completa.

— Já é muito tarde para isso.

— O que você quer dizer? — Roger olhou a seu irmão.

— Raine Montgomery estava levando várias centenas de soldados do rei para o País de Gales quando soube que eu tinha Mary. Então fez que os homens se desviassem para cá para atacar-nos.

— O que? Vamos ser atacados? Não temos como nos defender. Não sabe esse homem que nestes tempos não se pode fazer essas coisas? Há tribunais e leis que nos protegem de um ataque.

— O rei encontrou Raine antes que ele pudesse chegar aqui. O rei estava tão irritado com Raine pelo uso de seus homens em uma luta pessoal, que o rei Henry declarou Raine um fora da lei. Raine se retirou para viver na floresta.

— Bom Deus! — suspirou Brian deixando-se cair em uma cadeira. — Não temos defesa como essa enorme fortaleza dos Montgomery. Se soltarmos Mary...

Roger o olhou com admiração.

— Eu não tinha pretendido inclui-lo nesta disputa. Você deve sair daqui, vá e fique em uma de minhas outras propriedades. Logo irei me reunir contigo.

— Não! — disse Brian com firmeza. — Temos de resolver esta disputa. Enviaremos mensagens ao rei e aos Montgomery. Até lá eu cuidarei pessoalmente de Mary. — Ele se levantou e saiu mancando do quarto.

Roger cravou o olhar na porta que seu irmão acabava de fechar, fazendo chiar os dentes com fúria. Depois pegou um machado de guerra da parede e o jogou contra a porta de carvalho, onde se cravou.

— Malditos sejam todos os Montgomery! — amaldiçoou.

Era uma sorte que o rei estava zangado com eles. Não fizeram nada, além de tomar. Tinham tomado a beleza de sua cunhada Alice e metade de sua sanidade também. Tinham tomado todas aquelas terras na Escócia que deveriam ter sido dele. E agora eles queriam tirar a admiração de seu irmão por ele. Brian nunca antes desafiou Roger, nunca tinha feito nada para contradizê-lo. Agora Brian pensava que poderia tomar decisões e dizer a Roger o que fazer.

A porta se abriu e Alice entrou. Seu vestido era de cetim verde esmeralda bordado com pele de coelho que tinha sido tingido de amarelo. Um véu de tecido fino de seda cobriu seu rosto.

— Acabo de ver Brian. — Disse agressiva. — Estava ajudando Mary Montgomery a subir a escada. Por que a fez ser retirada do porão? Uma mulher como essa deve ser jogada para os cães.

— Brian encontrou-a por sua conta, foi sua decisão cuidar dela.

— Cuidar dela! Quer dizer que vai tratá-la como essa convidada que tem trancada no quarto? — soltou uma risada zombeteira. — Acaso não é você quem dá as ordens nesta casa? Parece que Brian é o homem da casa agora.

— Você deve saber melhor que ninguém, já que se deitou com todos os homens da casa.

Alice lhe sorriu.

— Você está com ciúmes? Eu ouvi dizer que você expulsou a esposa de Stephen do seu quarto ontem à noite. Não pôde fazer nada com ela? Talvez Brian possa fazê-lo por ti.

— Saia daqui — ordenou Roger, em voz baixa, mas sem deixar dúvidas de seu significado.


Bronwyn olhava pela janela para o pátio coberto de neve. Há cerca de um mês era prisioneira de Roger Chatworth e nesse período não vira ninguém, com exceção de alguma criada. As mulheres traziam comida, lenha e lençóis limpos, limpavam seu quarto e esvaziavam sua bacia, mas não lhe dirigiam a palavra. Ela tentara fazer perguntas, mas olhavam para ela com muito medo e partiam nas pontas dos pés.

Não havia um só método que ela não tivesse usado para tentar escapar. Ela amarrou lençóis para descer pela janela, mas os guardas de Roger a tinham pego quando chegou ao chão. No dia seguinte, um homem veio colocar barras de ferro na janela.

Ela até tinha iniciado um incêndio para criar uma distração, mas os guardas a seguraram enquanto apagavam o fogo. Ela fez uma arma da asa de um jarro de estanho e feriu um guarda. Os dois guardas foram substituídos por três, e Roger veio e disse que a mataria se lhe causasse mais problemas. Ela implorou a Roger por notícias de Mary. Será que os irmãos Montgomery sabiam que suas mulheres estavam sendo mantidas em cativeiro? Roger não lhe deu nenhuma resposta. Bronwyn voltou a afundar-se em sua solidão. O único em que podia distrair-se era na lembrança do Stephen. Tinha tempo para repassar cada momento compartilhado com ele e de estudar as mudanças convenientes.

Ela deveria ter percebido que uma raça inteira de pessoas não poderia ser tão perversa quanto os homens que a insultaram e a devoraram com o olhar na casa de Sir Thomas. Ela não deveria ter ficado furiosa porque Stephen se interessava mais por ela do que por seu clã. Não deveria ter confiado nas histórias de Roger tão completamente.

Não era de admirar que Stephen tivesse dito que era egoísta. Ela sempre parecia ver apenas um lado de um problema. Pensou no pedido de Stephen ao rei, e ela sabia que quando — se — deixasse a fortaleza de Roger Chatworth viva, recorreria a Kirsty para tentar fazer as pazes com os MacGregor. Era uma dívida com Stephen.


— São lindos, Brian. — Sorriu Mary, aceitando as sapatilhas de couro. — Você me acostuma mal.

Brian olhou para ela, e o amor escorria de seus olhos. Passaram a maior parte do último mês juntos. Nunca mais pedira a Roger que soltasse Mary, porque Brian não queria vê-la partir. Pois ela tirou a solidão de sua vida. Muitas vezes Roger viajava para algum torneio, e Elizabeth estava sempre trancada em seu convento. Quanto às outras mulheres, Brian tinha aprendido há muito tempo que elas o faziam se sentir tímido e desajeitado. Mary era dez anos mais velha do que ele e era tão pouco deste mundo como ele. Nunca ria como uma menina, não pedia que dançasse nem que a perseguisse entre as roseiras. Mary era calma e simples, não exigindo nada dele. Passavam os dias tocando alaúde, e às vezes, contava histórias que sempre tinham estado em sua cabeça, mas nunca contara a ninguém. Ela sempre o ouvia e o fazia se sentir forte e protetor, algo mais do que apenas um irmão mais novo.

Por essa nova sensação de amparo, não pôde dizer a Mary que Bronwyn também estava prisioneira. Já não confiava cegamente em seu irmão e tinha feito perguntas aos servos, para saber o que ocorria em sua própria casa. Imediatamente exigiu a libertação de Bronwyn, coisa que Roger executou imediatamente. Agora só Mary permanecia cativa.

— É muito menos do que merece. — respondeu sorridente. Mary se ruborizou de um modo muito bonito e baixou o olhar.

— Venha e sente-se ao meu lado. Você já ouviu alguma notícia?

— Nenhuma! — mentiu ele. Ele sabia que Raine ainda estava vivendo em uma floresta em algum lugar, como fora da lei, à frente de um bando de rufiões, se pudesse acreditar no que Alice dissera. Mas Brian nunca disse a Mary sobre a real situação de Raine.

— Ontem à noite fez mais frio. — adicionou, esquentando-as mãos ante o fogo da lareira do quarto.

Por acordo silencioso eles nunca mencionaram Roger ou Alice. Eram duas pessoas solitárias que se juntaram por necessidade mútua. Seu mundo consistia em uma grande e agradável sala no último andar da casa de Chatworth. Eles tinham música, arte e alegria um no outro, e nenhum deles tinha sido mais feliz.

Brian se recostou contra os almofadões de uma cadeira, diante do fogo, e disse a si mesmo pela milésima vez que desejava continuar assim para sempre. Não queria que Mary retornasse para sua “antiga” família. Foi nesta noite que falou a Roger de seus sonhos.

— Você quer o que? — Roger ofegou, com os olhos arregalados.

— Quero me casar com Mary Montgomery.

— Casar! — Roger cambaleou contra uma cadeira. Aliar-se com uma família que ele considerava seu inimigo! — A mulher é da igreja, você não pode...

Brian sorriu.

— Ela não fez nenhum voto. Vive com as freiras como uma delas, é tudo. Mary é tão gentil, só quer ajudar o mundo.

Os dois homens foram interrompidos pelo riso alto de Alice.

— Sim, que bom que não tenha feito votos, Roger. Seu irmãozinho quer casar com a primogênita dos Montgomery. Diga-me, Brian, qual a idade dela? Precisa dela para representar a mãe que você sempre quis?

Brian nunca tivera motivos para se enfurecer. Roger sempre o protegia das coisas desagradáveis do mundo. Mas neste momento se aproximou de Alice quase rosnando. Roger o segurou.

— Não há necessidade disso.

Brian olhou nos olhos de Roger. Pela primeira vez em sua vida Brian não achava que seu irmão era perfeito.

— Você vai deixá-la dizer essas coisas? — perguntou em voz baixa.

Roger franziu o cenho. Ele não gostava da maneira como Brian estava olhando para ele, tão fria, como se não fossem os melhores amigos do mundo.

— Claro, ela está errada. Só acho que você não pensou nisso. Eu sei que você é jovem e precisa de uma esposa e...

Brian se soltou bruscamente.

— Você está dizendo que sou muito estúpido para não saber o que quero?

Alice chorava de tanto rir.

— Responda a ele, Roger! Você vai deixar seu irmão se casar com um Montgomery? Eu já posso ouvir risadas em toda a Inglaterra. Eles vão dizer que como não conseguiu matar Stephen pelas costas em uma ocasião, o faz agora de outra maneira. Dirão que os Chatworth tomam apenas os restos dos Montgomery. Eu não pude conquistar Gavin. Você tampouco a Bronwyn. Assim envia seu irmão aleijado atrás da solteirona da família.

— Cale-se! — rugiu Roger.

— A verdade dói, não? — provocou Alice.

Roger apertou os dentes.

— Meu irmão não se casará com uma Montgomery.

Brian se ergueu em toda sua estatura. Roger lhe dobrava em tamanho.

— Sim, me casarei com a Mary. — disse com firmeza.

Alice voltou a rir.

— Devia ter posto ele para cuidar da outra. Assim ele poderia ter gastado sua luxúria com ela, mas pelo menos não estaria falando de casamento.

— Do que você está falando, sua bruxa? — acusou Brian — De que outra?

Alice lhe fulminou com o olhar através do véu.

— Como te atreve a me chamar de bruxa? — exclamou. — Em outros tempos era tão bela que nem sequer teria olhado para um fraco e aleijado como você.

Roger deu um passo adiante.

— Saia daqui antes de eu deforme sua outra bochecha.

Alice rosnou para ele antes de se virar para sair.

— Pergunte a ele sobre Bronwyn que está presa lá em cima. — riu enquanto se retirava apressadamente.

Roger se voltou para enfrentar os frios olhos de Brian. Não, não gostava do modo em que lhe estava olhando. Era quase como se já não o venerasse.

— Disse-me que a tinha libertado. — disse Brian sem rodeios. — Quantas outras mentiras você me contou?

— Bem Brian... — começou Roger, com a voz especial com que sempre lhe falava.

Brian afastou-se dele.

— Eu não sou uma criança e não vou ser tratado como uma! Que idiota eu tenho sido! Não é de admirar que os Montgomery não nos ataquem. Você tem duas de suas mulheres cativas, não é? Como pude ouvir você? Nunca questionei, até agora, se o que você fazia estava certo. Estava tão feliz com Mary que nem sequer parei para pensar. Mas certamente, sempre estive ocupado demais para pensar por mim mesmo, não é?

— Por favor, Brian...

— Não! — Brian gritou. — Pela primeira vez você vai me ouvir. Amanhã de manhã eu vou levar Mary e Bronwyn de volta para sua família.

Roger sentiu que lhe arrepiava o cabelo da nuca.

— São minhas prisioneiras. Você não fará tal coisa.

— Por que são suas prisioneiras? — perguntou Brian. — Porque atacou Stephen Montgomery pelas costas? Porque ele derrotou você?

Roger retrocedeu e cambaleou para trás.

— Brian, como você pode falar comigo assim? Depois de tudo o que eu fiz por você?

— Estou cansado de ouvir como você salvou minha vida e de Elizabeth. Eu estou cansado de ser grato a você a cada momento da minha vida! Já é hora de que deixe de ser seu irmão mais novo. Sou um homem adulto e posso tomar decisões por conta própria.

— Brian, — sussurrou Roger — nunca pedi gratidão. Você e Elizabeth são toda minha vida. Não tenho ninguém mais. Nunca amei mais ninguém.

Brian suspirou e sua raiva o deixou.

— Sei. Você sempre foi bom conosco, mas já é hora que eu vá embora e inicie minha própria vida. — Voltou-lhe as costas. — Amanhã levarei as mulheres de volta para casa.

Roger começou a tremer assim que Brian saiu da sala. Nenhuma batalha ou torneio o deixou tão fraco como esse confronto com Brian. Momento a momento via seu irmãozinho mudar. Brian já não adorava cegamente o irmão mais velho.

Roger desmoronou em uma cadeira e olhou para o chão de azulejos. Brian e Elizabeth eram tudo o que ele tinha. Os três haviam permanecido juntos, uma força forte contra a maldade de Edmund. Elizabeth sempre foi independente. Seu rosto angélico escondia uma natureza forte, e ela muitas vezes enfrentou Edmund antes de sua morte. Mas Brian sempre procurara o amor e o amparo de Roger, permitindo que ele tomasse todas as decisões. E ficava encantado com esse papel. Adorava que Brian o adorasse.

Mas esta noite ele tinha visto aquela adoração escorrer. Brian se transformou de um garoto doce e amoroso em um homem hostil, exigente e arrogante. E tudo por culpa dos Montgomery!

Sem perceber, Roger começou a beber. O vinho estava à mão e o bebeu sem pensar. Só lembrava dos olhos frios de Brian e o fato de que os Montgomery o fizeram perder o amor de seu irmão.

Quanto mais bebia, mais pensava em todos os problemas que os Montgomery lhe causaram. A beleza perdida de Alice parecia ser um insulto direto para ele. Afinal, ela era sua parenta. Judith e Gavin haviam brincado com Alice; O pior de tudo era que eles riram dela assim como riram de Roger. Quase podia ouvir as provocações dos homens na corte, onde ele tinha ido depois de sua batalha com Stephen. ‘Então você quis tomar a escocesa do Montgomery, homem? Pelo que dizem da beleza dela, é compreensível, mas ardia tanto por ela para atacar Stephen pelas costas?

As palavras voltavam para ele uma e outra vez. O filho do rei Henry acabava de se casar com uma princesa espanhola e o rei Henry não queria que essas atitudes pouco cavalheirescas de Roger arruinassem o seu bom humor. Roger bateu seu copo de estanho no braço da poltrona, fazendo cair uma parte do entalhe.

— Malditos sejam todos! — jurou.

Brian estava pronto para jogar fora anos de amor e lealdade por uma mulher que ele mal conhecia. Lembrou o truque de Bronwyn ao rir dele quando tentou fazer amor com ela. Um truque de meretriz! Assim como o truque de Mary ao contar a seu irmão que não era freira. Brian parecia acreditar que Mary era pura, digna de casamento, mas ela era inteligente o suficiente para ser capaz de seduzir um menino inocente dez anos mais novo. Pretendia utilizá-lo para conseguir a liberdade ou para lançar mão da fortuna dos Chatworth? Os Montgomery pareciam estar adquirindo o costume de casar com pessoas de muito dinheiro.

Roger levantou-se inseguro. Era seu dever, como guardião de Brian, mostrar a seu irmãozinho o que todas as mulheres eram: cadelas mentirosas. Elas eram como Alice ou Bronwyn. Nenhuma delas era doce e gentil, e certamente nenhuma era digna de seu irmão Brian.

Cambaleou para fora da sala e subiu as escadas. Não tinha ideia de onde estava indo, e foi só quando chegou ao quarto de Bronwyn que fez uma pausa. Uma visão de seus cabelos pretos e olhos azuis flutuava diante dele. Lembrou-se de cada curva de seu corpo exuberante. Colocou a mão no ferrolho da porta antes de se lembrar da maneira em que seu queixo com covinha se erguia para ele em desafio. Afastou-se da porta. Não, ele não estava bêbado o suficiente para poder suportar ser ridicularizado. Não era possível ficar bêbado a esse ponto!

Subiu outro lance de escadas até o último andar de sua casa. Seus problemas eram causados por aquela vagabunda que se vestia como freira e seduzia seu irmãozinho. Suas maldades estavam causando o desmembramento de sua família. Brian disse que na manhã seguinte estaria deixando a propriedade Chatworth. Ele ia casar com uma Montgomery e deixar Roger. Como se os Montgomery já não tivessem uma família grande o suficiente, queriam também pegar a de Roger.

Roger levantou o ferrolho da porta do quarto de Mary. O luar estava fluindo através da janela, e uma vela queimava perto da cama.

— Quem é você? — perguntou Mary em um sussurro, erguendo-se. Havia medo em sua voz.

Roger tropeçou em uma cadeira e a jogou contra a parede.

— Quem é você? — repetiu ela em voz mais alta, mas já tremendo.

— Um Chatworth. — Grunhiu Roger. — Um dos seus carcereiros.

Parou do lado da cama, olhando para ela. Seus longos cabelos castanhos estavam torcidos em uma trança. Seus olhos estavam arregalados de medo.

— Lorde Roger, eu...

— Você o quê? — acusou ele. — Não vai me dar boas-vindas a sua cama? Acaso não é um Chatworth tão bom quanto outro? Eu posso deixar você em liberdade tanto quanto Brian. Venha, vamos ver o que você tem que atraiu tanto meu irmão.

Roger puxou a colcha que Mary segurava agarrada ao seu pescoço e a arrancou. Seus olhos vidrados ficaram fixos na pacata bata de algodão. A maioria das mulheres não usava nada para dormir, mas esta mulher, uma prostituta suprema, usava uma bata. Por alguma razão isso só irritava mais Roger. Tomou a gola da bata e rasgou-a, jogando os restos no chão. Não notou sequer como seu corpo era ou ouviu quando seus gritos aterrorizados começaram. Tudo o que podia ouvir era Brian dizendo que estava abandonando sua casa por esta mulher. Ele mostraria a Brian que essa mulher era uma prostituta e que ela não valia a afeição de seu querido irmãozinho.

Ele caiu sobre o corpo gordo e inocente de Mary em estado de inconsciência. Removeu apenas o suficiente de suas roupas para realizar a ação. Suas pernas estavam rigidamente unidas o que foi necessário abri-las à força. Os gritos cederam até se converterem em gemidos de terror. Todo o corpo estava rígido como um pedaço de aço.

Não foi um prazer violá-la. Ela estava seca e tensa, e Roger teve que empurrar com toda sua força para ganhar a admissão em seu interior e finalmente penetrá-la por completo. Terminou em segundos. A bebida e a emoção trabalharam juntos para esgotá-lo. Rolou para fora dela e desabou na cama ao lado dela. Agora Brian não o deixaria, pensou enquanto fechava os olhos. No próximo natal, Brian, Elizabeth e ele estariam juntos, como sempre estiveram.

Mary ficou imóvel quando Roger rolou para longe dela. Seu corpo se sentiu violado, impuro. Seu primeiro pensamento foi para seus irmãos. Como poderia enfrentá-los novamente quando era, agora, o que Roger a chamara uma e outra vez, uma prostituta? Brian nunca mais poderia se sentar com ela, falar com ela.

Muito calma, levantou-se da cama. Ignorou a dor em seu corpo e o sangue em suas coxas. Passou o único vestido pela cabeça; era uma roupa simples de lã azul escura, feita pelas irmãs para ela. Relanceou um olhar ao redor pela última vez e caminhou para a janela.

O ar frio da noite soprou em seu rosto, e ela respirou profundamente. Ergueu os olhos para o céu. Sabia que o Senhor não poderia perdoá-la pelo que faria, mas tampouco podia perdoar-se pelo que acontecera.

— Adeus, meus irmãos! — sussurrou ao vento. — Adeus, meu Brian!

Fez o sinal da cruz, cruzou as mãos contra os seios e saltou para as pedras do térreo.

Os animais da propriedade de Chatworth perceberam algo antes das pessoas. Os cães começaram a latir, os cavalos se moveram nos estábulos, inquietos.

Brian, furioso e incapaz de dormir, vestiu uma túnica e saiu para o pátio.

— O que aconteceu? — perguntou a um cavalariço, que corria a toda velocidade.

— Uma mulher se atirou de uma janela do último andar. — disse ele por cima do ombro. — Tenho de encontrar Lorde Roger.

O coração de Brian se deteve ao ouvir essas palavras do garoto. Tinha que ser uma das mulheres cativas. “Por favor, que seja a mulher que não conheço, essa Bronwyn”, rogou. Mas ainda ao pensar, sabia quem era a morta.

Caminhou calmamente para o lado da casa que continha a janela do quarto de Mary. Ele empurrou a multidão de servos que estavam olhando para o corpo.

— Ela foi estuprada. — disse uma mulher em voz baixa. — Olhe para o sangue nas coxas dela!

— Como quando vivia Lorde Edmund. E pensávamos que o irmão seria melhor!

— Saiam daqui! — gritou Brian. Irritava-se por olharem tão livremente sua amada Mary. — Não ouviram? Saiam daqui!

Os servos não estavam acostumados a receber ordens de Brian, mas reconheceram o tom de autoridade quando o ouviram. Eles se viraram rapidamente e saíram para se esconder nos cantos escuros e olhar para Brian e para aquela mulher que nunca tinham visto antes.

Brian suavemente ajeitou as roupas de Mary. Ele endireitou seu pescoço de seu ângulo antinatural. Ele queria levá-la até a casa e fez algumas tentativas, mas não era forte o suficiente. Até mesmo sua fraqueza parecia alimentar a raiva crescendo nele. Os criados presumiram que Roger a estuprara, mas Brian não queria acreditar neles. “Foi um dos guardas!”, ele pensou.

De pé, junto ao cadáver, começou a imaginar as torturas que aplicaria ao homem, como se com isso pudesse recuperar sua Mary. Como se estivesse em transe subiu a escadaria até o quarto de Mary. Os guardas quiseram impedir sua entrada, mas deram um passo atrás ao ver a expressão do rapaz. Ele empurrou a porta.

Fitou Roger, profundamente adormecido, roncando, deitado na cama de Mary. Parecia não ter nenhum pensamento, apenas um sentimento que o atravessava que parecia crescer e se fortalecer a cada momento.

Com toda calma, pegou uma jarra de água fria da mesa e verteu o conteúdo na cabeça do irmão. Roger gemeu e olhou para cima.

— Brian! — disse, aturdido, com um sorriso fraco. — Estava sonhando com você.

— Levante-se! — Brian disse em uma voz mortal.

Roger ficou alerta. Estava treinado para a guerra e sabia como controlar seus sentidos quando sentia que havia perigo.

— O que aconteceu? Elizabeth está bem? — mas se interrompeu ao se erguer e ter consciência de onde estava. — Onde está Mary Montgomery?

O rosto de Brian não mudou. Sua aparência era de aço.

— Jaz morta nas pedras do pátio.

Pelo rosto de Roger passou uma sombra.

— Eu queria provar que tipo de mulher ela era. Queria te mostrar...

A voz baixa de Brian o interrompeu.

— Onde está a esposa do Stephen Montgomery?

— Tem que me escutar, Brian. — suplicou seu irmão.

— Te escutar! Escutou os gritos da Mary? Sei que era tímida. Apostaria que gritou como louca. Você gostou?

— Brian...

— Basta! Disse suas últimas palavras para mim. Vou encontrar essa outra mulher que você mantém prisioneira, e nós vamos sair daqui. — Seus olhos se estreitaram. — Se voltar a te ver de novo, vou mata-lo!

Roger caiu para trás como se tivesse recebido um golpe.

Aturdido, viu que Brian abandonava o aposento. Olhou o sangue que manchava o lençol, a seu lado, e pensou na mulher morta abaixo. O que ele tinha feito?

Brian não demorou para achar Bronwyn. Sabia que estaria no quarto antes utilizado por Edmund para prender suas mulheres. Uma vez mais, os guardas da porta não o desafiaram. A tragédia da noite se percebia através dos muros. Bronwyn estava acordada e vestida.

— O que aconteceu? — perguntou em voz baixa a esse jovem de olhar duro.

— Sou Brian Chatworth — disse ele — vou levar você para a casa de sua família. Está pronta?

— Minha cunhada também é prisioneira. Não irei sem ela.

Brian apertou sua mandíbula.

— Meu irmão acaba de violar a sua cunhada, milady. Ela se suicidou.

Disse-o com secura, como se essas palavras não significassem nada, mas Bronwyn sentiu algo mais fundo. "Mary!", pensou. "A boa, doce, querida Mary!"

— Não podemos deixá-la aqui. — aduziu. — Devo levá-la para seus irmãos.

— Você não precisa se preocupar com Mary. Vou cuidar dela.

Bronwyn percebeu algo mais pela maneira como ele pronunciava o nome de Mary.

— Estou pronta. — Respondeu em voz baixa e o seguiu para fora do quarto.

Quando chegaram ao pátio no ar frio da noite, Brian se voltou para ela.

— Eu providenciarei guardas para acompanhá-la. Eles a levarão aonde quiser, ou você pode ir comigo ao castelo de Montgomery.

Bronwyn não demorou muito para tomar uma decisão. Teve um mês para pensar enquanto estava confinada no quarto. Tinha que fazer as pazes com os MacGregor antes que pudesse ver Stephen de novo. Precisava provar que seu amor era digno dele.

— Retornarei à Escócia. E não quero escolta inglesa. Viajarei melhor sozinha.

Brian não discutiu com ela. Sua própria miséria e ódio ocupavam todos os seus pensamentos. Ele assentiu secamente.

— Pode levar um cavalo e as provisões necessárias.

Ele se virou para sair, mas ela pegou seu braço.

— Cuidará de Mary?

— Com minha própria vida. — disse ele com voz profunda. — E também vingarei sua morte.

Ele se afastou e partiu.

Bronwyn franziu o cenho ao pensar no que Mary dissera sobre vingança. De repente olhou ao redor e, pela primeira vez entendeu que estava livre. Deveria partir o quanto antes, porque neste lugar podiam explodir novas violências. Tinha muito que fazer. Talvez se salvasse algumas vidas, embora fossem vidas de escoceses, a alma de Mary se sentiria reconfortada. Caminhou em direção aos estábulos.


Capítulo Dezenove

Bronwyn inclinou a cabeça contra o lado quente da vaca que estava ordenhando. Estava contente por ter ido para a casa dos pais de Kirsty em vez de voltar para Larenston. Kirsty, Donald e o pequeno Rory Stephen tinham retornado ao norte, para sua casa. Bronwyn voltou-se para seu cavalo e estava colocando o pé no estribo para montar quando Harben segurou seu braço.

— Você ficará conosco, moça, até encontrar o Laird MacGregor, se ainda quiser encontra-lo.

Ela olhou de Harben para Nesta e de volta para Harben.

— Há quanto tempo você sabe?

— Donald me contou depois que você foi embora e eu sempre suspeitei de algo. Você não fala como uma mulher comum. Você tem mais...

— Confiança em mim mesma? — sugeriu Bronwyn, cheia de esperança.

Harben soprou.

— Mais como insolência. — Encarou-a. — O Laird MacGregor vai gostar de você. — Os olhos do velho desceram para o ventre de Bronwyn que estava crescendo. — Vejo que seu marido aproveitou minha cerveja caseira.

Ela se pôs a rir. Harben a conduziu até a pequena cabana.

— Há uma coisa que não entendo. Posso ver que você é a Laird MacArran, mas não me convenço que seu marido seja inglês. Eu acreditaria que ele é mais MacArran do que inglês.

Entraram na cabana rindo. Nesta sorrindo para os dois. Foi Nesta que manteve a fazenda funcionando e observava se Bronwyn e Harben trabalhavam enquanto discutiam.

Levaram alguns dias para organizar uma reunião com o Laird MacGregor. Ele concordou em não contar a ninguém e não trazer nenhum homem com ele. Bronwyn fez o mesmo. Na manhã seguinte, ao amanhecer, na névoa das montanhas, se encontrariam.

Ela puxou com mais força os úberes da vaca e afastou uma mecha de cabelo que a incomodava. Terminou a ordenha, recolheu distraidamente seu cabelo, e levou o balde para a extremidade do celeiro, percebendo que já estava escurecendo lá fora. No momento que as últimas gotas de leite caíram no balde, ouviu um barulho que a fez parar imediatamente.

Era um leve latido, um som quase inaudível, mas algo nele a fez pensar em Rab e as lágrimas instantaneamente vieram aos seus olhos. Lembrava ver claramente Rab estendido no chão, a ferida aberta em seu lado.

O ruído se repetiu e ela se voltou, com o balde ainda na mão. Ali, esperando quieto, com os olhos brilhando, com o rabo balançando, estava Rab.

Ela só teve tempo de soltar o balde porque no momento seguinte setenta quilos do cão estavam sobre ela. O cão a derrubou contra uma baia e quase a quebrou ao meio.

— Rab! — sussurrou abraçando ele. — Rab! — O animal quase a sufocava com a força de sua excitação. Ela ria e chorava.

— Oh, meu querido cão! De onde veio? Acreditava que estivesse morto!

E escondeu a cara em sua pelagem.

De repente se ouviu um assobio baixo e penetrante. Rab ficou rígido. Um momento depois estava com as quatro patas bem plantadas no chão, frente a ela.

— O que passa garoto?

Bronwyn ergueu o olhar e se deparou com Stephen. O cabelo dele estava mais curto, mas usava a vestimenta escocesa. Ela o percorreu lentamente com o olhar. Parecia que esquecera como ele era musculoso, como era forte e grande. Seus olhos azuis a fitavam de uma maneira intensa.

— Receberei as mesmas boas-vindas que Rab? — perguntou em voz baixa.

Bronwyn não cogitou pensar, saltou para os braços do marido, rodeou-lhe o pescoço com os braços, os pés suspensos do chão. Stephen não disse uma palavra, mas começou a beijá-la com toda a fome que sentia. Fazia muito tempo que ele a tocara. Deu um passo atrás, com ela nos braços, e caiu sobre um monte de feno. Enquanto caíam, suas mãos já estavam nos laços da camisa dela.

— Não podemos... — murmurou Bronwyn, contra seus lábios — Harben...

Stephen lhe mordeu o lóbulo da orelha.

— Disse-lhe que tínhamos uma orgia planejada durante o resto do dia.

— Não me diga! Você não fez isso!

— Sim, digo-te! — Ele zombava com riso em seus olhos. Então sua expressão mudou. Seus olhos se arregalaram e olhou para ela atônito. No momento seguinte, estava arrancando suas roupas e observando o duro montículo de seu ventre. Ergueu a vista, a pergunta bailava em seus olhos. Ela assentiu com um sorriso. O grito de felicidade de Stephen assustou as galinhas que descansavam nas vigas do celeiro.

— Um bebê! Harben tinha razão quando argumentava sobre a sua cerveja caseira.

— Conforme Morag, já estava grávida quando conhecemos Kirsty.

Stephen se deitou ao lado dela e estreitou seu corpo nu junto ao dele.

— Neste caso, fui eu e não a cerveja de Harben — murmurou, com uma profunda alegria interior.

Ela se aconchegou ao lado do marido e esfregou uma coxa entre as dele.

— Também pode ter sido a cerveja caseira. — murmurou com ar triste. — Eu não me lembro de mais nada que poderia ter me dado um bebê.

Stephen riu entre dentes e a empurrou para o feno, de barriga para baixo. Rapidamente tirou a manta. Manteve um joelho sobre as suas costas. Ao ficar nu, se inclinou e beijou o dorso dos joelhos de Bronwyn.

— Não te esqueci. — sussurrou, deslizando os lábios pelos tendões. Suas mãos acariciavam suas pernas enquanto sua boca a atormentava. Ela gemeu sob ele e tentou se virar. Stephen a segurou enquanto continuava sua doce tortura em sua pele. A pele de Stephen contra a sua lançou calafrios ao longo de todo o seu corpo. A boca dele vagava em sua espinha, as pernas dele contra as suas. A rigidez e a pelugem daquelas coxas fizeram-na se excitar. As mãos grandes de Stephen acariciavam suas costas, brincando com as formas macias dela.

Logo soube que Bronwyn não estava mais aguentando, então a virou. Ele a beijou enquanto sua mão esfregava seu ventre, então subiu até seus seios. Ela arqueou para ele quando sua boca tocou seus seios. Ele se moveu para cima novamente, seus dentes correndo ao longo de seu pescoço. Bronwyn agarrou-o, puxando-o para cima dela.

— Com fome, minha Laird? — Ele rosnou em seu ouvido.

Ela o mordia, quase com força demais, e no momento seguinte ele estava deitado sobre ela. Tinha passado tanto tempo desde que fizeram amor pela ultima vez. A boca de Stephen nos seus joelhos, a excitava até o estado febril. Em poucas investidas ambos estremeciam na culminação de seu amor.

— Oh, Stephen! — sussurrou ela abraçando-o.

Foi tão bom sentir-se segura novamente, não estar sozinha. Ela não percebeu quando as lágrimas começaram. Stephen se afastou de cima dela e a puxou para o porto seguro de seus braços fortes. Ele cobriu-os com sua manta, e Rab se aconchegou contra as costas de sua ama. A segurança que ela sentia a fazia chorar ainda mais.

— Foi muito horrível? — perguntou ele em voz baixa. — Nos sentimos tão desamparados, mas havia muito pouco que pudéssemos fazer.

Ela enxugou as lágrimas e olhou para ele.

— Mary? — perguntou.

Ele acomodou a cabeça dela contra o peito.

— Brian Chatworth a trouxe de volta para nós.

Ele ficou em silêncio por um momento. Agora não era hora de falar de sua dor — e ira — pela morte de sua irmã. A doce e gentil Mary, que só fez o bem em sua vida, não merecia uma morte de maneira tão vil. Miles quase matou Brian antes que Gavin e Stephen pudessem impedi-lo. Quando Brian contou sua história, ficou evidente que mesmo estando prisioneira, Mary dera amor. A tristeza e a dor de Brian eram óbvias, enquanto segurava o corpo sem vida da mulher que ele amava.

— Brian foi em busca de Raine, onde quer que ele esteja agora. — continuou Stephen. — Nos disseram que se oculta nos bosques. Por que não voltou para Larenston? Tam envelheceu vinte anos neste último mês, sabia muito pouco do ocorrido. Encontraram Rab pela manhã e Tam tinha certeza que você estava morta.

— Queria fazer algo pela Mary.

— Pela Mary? Veio para casa de Harben pela Mary?

Bronwyn intensificou seu pranto.

— Tinha razão. Tive tempo de sobra para pensar. Sou muito egoísta e não mereço seu amor.

— Que diabos está dizendo? — perguntou ele.

— O que disse enquanto tinha nos braços aquela mulher. — soluçou ela.

Stephen franziu o cenho enquanto tentava se lembrar do que estava falando. Desde que se casou, não tinha tocado outra mulher. Todas as mulheres que ele via, empalideciam em comparação com a beleza de Bronwyn. Ele sorriu ao recordar a noite no castelo de Gavin.

— Aggie! — Recordou. — É a prostituta do castelo. Eu estava sentado lá, me sentindo angustiado e miserável, ela entrou no salão, abriu a blusa e se jogou no meu colo.

— Você certamente não a afastou de si! Você estava gostando quando eu entrei.

— Gostando? — Ele perguntou, então deu de ombros. — Sou homem, posso me sentir furioso e deprimido, mas não estou morto.

Bronwyn agarrou um monte de feno e jogou-o em sua cabeça. Ele cravou seus braços no chão.

— Diga-me o que eu disse naquela noite. — pediu.

— Não te lembra!

Como ele poderia esquecer algo que significava tanto para ela?

— Tudo que recordo é que gritamos um com o outro, então eu montei meu cavalo. Eu não lembro para onde estava indo. Em algum momento ao longo do caminho eu caí no chão e dormi. Pela manhã compreendi que provavelmente tinha perdido você por causa da minha idiotice e decidi fazer algo para tentar conquistá-la novamente.

— Foi por isso que você foi à corte do rei Henry, para me reconquistar?

— Não faria isso por nenhuma outra razão. — Assegurou. — Detesto a corte. Todo aquele esbanjamento!

Ela olhou para ele, depois riu.

— Fala como um escocês.

— O rei Henry também disse o mesmo. Que eu não era mais inglês, que me parecia um escocês.

Bronwyn riu e começou a beijá-lo. Stephen a afastou.

— Ainda não me deu uma resposta. Durante todo o tempo que passei na corte estava convencido de que estava com meus irmãos. Gavin estava tão furioso que se negou a me escrever. Provavelmente supôs que eu estava informado de sua fuga na noite em que parti. Você e Miles o assustaram quase até a morte, sabia?

— E você não? — Ela indagou. — O que pensou ao descobrir que eu voltei para a Escócia?

— Não tive tempo de pensar! — protestou ele aborrecido. — Gavin, Raine, Miles e Judith me repreenderam durante dias. Depois deixaram de falar comigo.

— E todo esse tempo eu estava na Escócia, e você não me enviou sequer uma mensagem.

— Mas você me abandonou! — disse ele gritando. — Era você que devia me enviar uma mensagem!

— Stephen Montgomery, — Bronwyn exclamou — eu não abandonei você! Acaba de dizer que cavalgou até a corte do rei Henry. Depois do que você disse! Acha que eu devia sentar e esperar seu retorno? O que eu diria a sua família? Que preferia uma rameira gorda a mim?

Ela olhou para longe. Stephen pôs os dedos sob o queixo dela para erguer-lhe o rosto.

— Quero saber o que eu disse. O que a fez me deixar? Conheço você e se fosse apenas pela mulher, você não teria me abandonado. Provavelmente teria atirado o atiçador nela.

— Bem que ela merecia ser torturada! — Bronwyn disse com ar quente.

O tom de Stephen foi firme, quase frio.

— Quero ouvir o que você tem a dizer.

Ela afastou a vista. As lágrimas surgiram com facilidade, lhe fazendo pensar, desgostada, que nunca em sua vida tinha chorado tanto.

— Você disse que eu era egoísta, egoísta demais para amar. Você disse que eu me ocultava atrás do meu clã porque tinha medo de crescer. Você disse que ia procurar uma mulher que não fosse fria e que pudesse dar aquilo que você precisava.

A boca de Stephen se abriu com assombro, depois começou a rir. Ela levantou a vista, surpreendida e horrorizada.

— Não vejo nada de gracioso nos meus defeitos. — assegurou muito fria.

— Defeitos! — ofegou ele entre gargalhadas. — Deus! Eu devia estar muito bêbado! Não sabia que alguém pudesse se embriagar tanto.

Ela tentou se afastar dele.

— Eu não gosto que riam de mim! Talvez seja meu egoísmo o que me impede de ver o humor de suas palavras.

Stephen a puxou de volta para ele. Ela empurrou-o, e por um momento, ele deixou que ela ganhasse a luta. Então, ainda rindo, ele prendeu-a sob seu corpo.

— Escute-me, Bronwyn. É a pessoa mais altruísta que conheci em minha vida. Nunca soube que alguém que se preocupasse tanto pelos outros e tão pouco por si mesmo. Não te deu conta de que isso foi o que me enfureceu quando te vi pendurada no precipício? Poderia ter ordenado que descesse qualquer outro ou seguir o conselho de Douglas e dar Alex por morto. Mas não! Minha querida e doce Laird só pensou na vida de um membro de seu clã, não no perigo que corria.

— Mas eu estava com tanto medo — confessou ela.

— É claro que você estava! Isso apenas enfatiza sua coragem e seu altruísmo.

— Mas por que...? — ela começou.

— Por que te chamei de egoísta? Porque estava muito ferido, suponho. Porque te amo profundamente e você não me amava. E para falar a verdade, às vezes me faz sentir muito mortal. Temo não ter a metade de sua coragem.

— Oh, Stephen, não é verdade. Você é muito corajoso. Você derrotou quatro ingleses com apenas o arco e flecha, quando estivemos com Kirsty na primeira vez. E precisava muita coragem para renunciar suas roupas inglesas e se converter em escocês.

— Me converter em escocês? — perguntou, levantando uma sobrancelha, muito sério. — Uma vez disse que só me amaria se me convertesse em escocês.

Ele esperou, mas ela não respondeu.

— Amo-te, Bronwyn, e o maior desejo do meu coração é que você me ame também. — Ele colocou o dedo em seus lábios e lhe lançou um olhar ameaçador. — E se repetir tudo isso de que o amor não importa, romperei esse seu bonito pescoço.

— Claro que amo você, seu tolo! Por que você acha que meu estômago dói e minha cabeça gira quando você está perto? E piora quando você está longe. A única razão pela qual fui com Roger Chatworth era para provar para você que eu não era egoísta. Eu precisava fazer algo para você me amar.

— Fugir com meus inimigos não é exatamente uma prova de amor. — Observou frio. Mas imediatamente começou a sorrir. — Você está me dizendo que me ama ou que eu a deixo doente?

— Oh, Stephen! — ela riu, percebendo que ele acreditava nela. Ele não a acusou de dormir com Roger Chatworth. Ele estava começando a dominar seu ciúme! De repente, ambos pararam e se olharam. Um movimento brusco em seu ventre tinha sido sentido por ambos.

— O que é que foi isso? — inquiriu ele.

— Parecia um chute. — disse ela maravilhada. — Acredito que seu filho acaba de nos dar um chute.

Stephen rolou de lado e acariciou o ventre de Bronwyn com reverência.

— Você sabia sobre o bebê quando você me deixou?

— Não te deixei — insistiu ela — mas sim, sabia.

Ele ficou em silêncio, enquanto cobria com a mão quente o ventre nu da esposa.

— Você está feliz com o nosso filho? — sussurrou ela.

— Um pouco assustado talvez. Judith perdeu seu primeiro filho. Eu não gostaria que algo assim acontecesse a você.

Ela sorriu para ele.

— Como poderia acontecer alguma coisa com você ao me proteger?

— Proteger você! — explodiu ele. — Nunca me escuta, nunca faz o que eu digo. Você me droga. Abandona a proteção da minha família no meio da noite. Você...

Ela colocou os dedos em seus lábios.

— Mas te amo. Amo-te muitíssimo e preciso de você. Preciso de sua força, seu equilíbrio, sua lealdade e seu modo de ser e de fazer a paz. Você impediu a mim e o meu clã de declarar guerra aos nossos inimigos. Você nos fez ver que os ingleses não são todos ignorantes, gananciosos, falsos, mentirosos...

Ele deu-lhe um beijo suave para acalmá-la.

— Não estrague tudo. — Disse sarcástico. — Eu também amo você. Eu a amo desde o momento em que vi você com seu clã. Nunca tinha visto uma mulher bonita, exceto Judith, que fosse algo mais que um adorno. Foi um choque ver que seus homens escutam você e ver o modo como a respeitam. Foi a primeira vez que considerei você algo além de...

— Uma boa brincadeira na cama? — sugeriu com olhos faiscantes. Ele se pôs a rir.

— Oh, sim, decididamente! — e começou a beijá-la com mais seriedade, suas mãos acariciando-lhe o corpo.

— Stephen! — ela sussurrou enquanto ele beijava atrás de sua orelha. — Amanhã devo me encontrar com o Laird MacGregor.

— Isso é bom. — Murmurou ele, descendo a boca para o pescoço. — Isso é muito bom.

Ela moveu sua cabeça para que ele pudesse beijar sua boca. De repente, ele se afastou bruscamente. Rab deu um pequeno latido de alarme. Stephen olhou para a mulher, horrorizado.

— Você está brincando. — Protestou Stephen. Ela sorriu com doçura.

— Nos reuniremos amanhã ao amanhecer. — E voltou a lhe beijar.

Ele rolou de lado e a ergueu com brutalidade.

— Maldita seja! — murmurou com os dentes cerrados. — Vai começar outra vez? Sem dúvida o encontro será sozinho em algum lugar secreto.

— Claro que sim. Não posso pedir a meu clã que me acompanhe. Este foi o acordo e não posso deixar que tudo fique pior. Quero acabar com essa guerra antes que eu fique mais gorda.

Stephen fechou os olhos um momento, tratando de se acalmar.

— Você não pode encontrar este homem sozinho, eu a proíbo.

A descrença registrou imediatamente no rosto de Bronwyn.

— Você o que? Você proíbe? Como se atreve? Esquece que eu sou a Laird MacArran? Só porque eu te amo não lhe dá direitos sobre meus deveres como líder.

— Quer se calar um minuto? — exigiu ele. — Você sempre acha que estou contra você. Agora escute. Quem mais sabe desse encontro?

— Só Harben, que arrumou tudo. Não quisemos revelar que o encontro estava acordado nem sequer a Nesta, por medo de que isso a fizesse conceber muitas esperanças.

— Esperanças! — ofegou ele. — Isso é tudo o que você pensa, consideração pelos outros?

— Você faz soar como algo ruim.

— Algumas vezes, sim. — Stephen tentou se acalmar. — Não te dá conta, Bronwyn, que às vezes deve pensar em si mesma?

— Mas eu penso! Quero a paz para meu clã.

Stephen a olhou com grande amor.

— Está bem, me escute. Imagine isto se puder. Você e o Laird MacGregor se encontram em algum lugar solitário, sem dúvida no meio do nevoeiro, e a única pessoa que sabe sobre o encontro é Harben. E se o Laird MacGregor decidir acabar com as suas diferenças com os MacArran matando seu Laird?

— Isso é um insulto! — exclamou ela. — Esta é uma reunião de paz. O MacGregor não faria isso.

Ele estendeu as mãos para o céu como se pedisse ajuda.

— Não consigo fazer com que você encontre o meio termo, não é? Seis meses atrás você odiava tudo que se referisse aos MacGregor e agora planeja entregar a vida ao Laird deles.

— E que outra coisa posso fazer? Se ele e eu chegarmos a um acordo pacífico, as matanças acabarão. Não é o que você queria? Você não dizia sempre que queria que nossa rixa terminasse? Essa guerra de clãs provocou a morte do seu amigo.

Ele a agarrou e abraçou-a.

— Sim, concordo com você. Quero tudo isso, mas quando penso no que poderia custar! Como eu poderia deixá-la ir sozinha ao encontro de um homem duas vezes o seu tamanho? Ele poderia matá-la com um só golpe.

Ela levantou a cabeça, mas ele abraçou-a outra vez.

— Você não vai sozinha, vou com você.

— Mas você não pode! — Ela explodiu. — A mensagem era para eu estar sozinha.

— Já carrega outra pessoa contigo. O que importa mais uma?

— Stephen! — suplicou.

— Não! — encarou-a. — Pelo menos uma vez me obedecerá, entendeu?

Bronwyn fez menção de discutir, mas ela sabia que não adiantava. Na verdade, ela estava feliz que ele estava indo com ela. Ela levantou o rosto para seu beijo. Ele apenas tocou seus lábios nos dela e depois se afastou. Olhou para ele surpresa, mas Stephen acenou com a cabeça em direção à janela.

— Se não me equivocar, falta uma hora para o amanhecer. Acredito que já devemos partir.

— Não poderíamos dispor de alguns minutos? — perguntou ela melancólica.

— Você é uma criança malcriada. — Ele brincou. — Agora vamos nos vestir e vá conquistar o Laird MacGregor, como você me conquistou.

Deitou-se no feno e observou-o enquanto ele se vestia rapidamente. Logo seu corpo forte estava coberto. E pensar que uma vez pensou nele como seu inimigo!

— Você, meu lorde, é meu conquistador. — suspirou ela, então, relutantemente, começou a se vestir.

Estavam sérios ao selarem seus cavalos e se prepararam para a curta viagem até o local de encontro. Stephen considerou a possibilidade de trancar Bronwyn no celeiro e ir sozinho, mas Bronwyn, parecendo adivinhar seus pensamentos, negou-se a dizer onde encontraria o Laird MacGregor.

O lugar era tal como Stephen o tinha imaginado: solitário, rodeado de rochas e densamente envolto em névoas. Assim que desmontou, a ponta de uma espada se apoiou na base do seu pescoço.

— Quem é você? — rosnou o Laird MacGregor.

— Vim para protegê-la. — Respondeu Stephen. – Ela pode ser uma Laird, mas não vai se encontrar a sós com um homem.

O Laird MacGregor olhou para Bronwyn, alta, magra, bonita. Ela retinha o enorme cão como se ele ameaçasse ataca-lo. O Laird MacGregor riu e embainhou a espada.

— Eu não o culpo por isso, moço. Embora ela talvez precisasse de proteção contra outro tipo de coisas, além da que imagina.

Stephen se voltou para encontrar o homem olho com olho.

— Eu vou protegê-la de todas as maneiras. — Disse ele com significado.

O Laird MacGregor voltou a rir.

— Venha e sentem-se. Eu estive pensando no acordo de paz e a única solução que vejo é unir os clãs de algum modo. — Olhou para Bronwyn enquanto ela sentava em uma rocha. — Não sou mais casado. Se eu tivesse visto a Laird MacArran antes, a pediria em casamento.

Stephen ficou atrás de sua esposa e colocou sua mão possessivamente em seu ombro.

— Já está casada. E estou disposto a lutar por...

— Basta vocês dois! — exigiu ela, encolhendo os ombros para afastar as mãos de Stephen. — Parecem dois cervos se enfrentando. Stephen, se você não se comportar, terá que voltar para a casa de Harben.

O Laird MacGregor riu.

— E você, Lachlan! Deve saber que a Laird MacArran não é só um rosto bonito! Se você não pode lidar comigo em um nível inteligente, talvez você possa enviar um de seus chefes.

Era a vez de Stephen rir. Lachlan MacGregor arqueou uma sobrancelha.

— Talvez eu não tenha inveja de você, garoto.

— Tem suas compensações. — acrescentou Stephen, presunçosamente.

Bronwyn não o estava escutando.

— Davey... — Bronwyn sussurrou.

Stephen olhou para ela, começava a entender o que ela queria dizer.

— Ele tentou nos matar. — advertiu em voz baixa.

O olhar do Bronwyn lhe fez calar. Ele compreendeu o que ela sentia: o sangue falava mais alto. Voltou-se para o Laird MacGregor.

— Ela tem um irmão mais velho, de uns vinte anos. O rapaz está louco de ciúme. Em vez de permanecer ao lado de sua irmã e Laird do clã, não quer receber suas ordens e está se escondendo em algum lugar nas colinas. Recentemente fez um atentado contra nossas vidas.

O chefe MacGregor franziu o cenho e assentiu.

— Eu posso entender o menino, eu teria feito a mesma coisa.

— Como pode entendê-lo! — protestou Bronwyn. — Eu sou sua Laird. Deveria ter aceitado a vontade de nosso pai. Eu a teria aceito.

— É obvio! — descartou Lachlan. — Porque é mulher — e ignorou seus protestos.

Stephen sorriu calorosamente para o Laird MacGregor.

— Tenho uma filha. — continuou Lachlan. — Ela tem dezesseis anos, é linda, doce e suave como uma mulher deve ser. — Ele deu um olhar para Bronwyn. — Talvez possamos arranjar um casamento.

— O que oferece, além de sua insípida filha? — perguntou Bronwyn sem levantar a voz.

Lachlan estremeceu antes que respondesse.

— Ele não pode ser Laird, mas pode ser comandante. É mais do que tem agora. E seria o genro do Laird.

— É um moço de temperamento violento. — apontou Stephen. — Por isso Jamie MacArran não lhe nomeou Laird.

— Você nunca o conheceu! — Bronwyn disse. — Como você sabe como ele é?

— Escutando. — foi a breve resposta de Stephen.

— Posso lidar com ele. — Lachlan afirmou. — Não vou morrer tão jovem como Jamie fez e deixar o menino sozinho. Vou mantê-lo comigo e ensinar-lhe a ser justo. Eu prefiro ter um jovem violento a um manso. Não suporto a pobreza de caráter no homem e nem na mulher — e sorriu para Bronwyn.

— Eu atesto o caráter dos MacArran. — Stephen riu.

— Imagino que pode. — O chefe MacGregor riu entre dentes. — Este Davey fará minha filha feliz, se for parecido com a irmã.

Stephen ficou sério.

— O que seu clã vai dizer quando você introduzir um MacArran?

— Eles não me dirão nada, mas terão muito a dizer ao jovem Davey. Esperemos que ele possa lidar com isso.

Bronwyn ficou rígida.

— Meu irmão pode lidar com qualquer MacGregor.

Lachlan riu, depois estendeu a mão para Stephen.

— Neste caso, tudo está resolvido.

O Laird MacGregor se voltou para ela.

— Agora você, jovem mulher, me deve por um B que carrego no meu ombro.

E a agarrou com força para lhe dar um sonoro beijo na boca. Bronwyn olhou apressadamente a seu marido, preocupada com seu ciúme, mas Stephen os observava com carinho. Juntos observaram com o olhar Lachlan, que se afastava. Depois Bronwyn se voltou para Stephen.

— No futuro, eu gostaria que você se lembrasse de que eu sou a Laird MacArran, como mostrei a você esta manhã.

Stephen sorriu preguiçosamente.

— Eu pretendo mudar isso.

— O que quer dizer?

— Eu não contei que pedi permissão ao rei Henry para mudar meu sobrenome?

Bronwyn olhou-o estupefata.

— Meu nome agora é Stephen MacArran, não está satisfeita?

Ela jogou seus braços ao redor de seu pescoço e começou a cobrir seu rosto com beijos.

— Amo-te, amo-te, amo-te! É um MacArran! Isso vai provar ao meu clã que você é confiável.

Stephen a abraçou e começou a rir.

— Eles nunca duvidaram de mim, só você. Ele a puxou para mais perto, abraçando-a com força. — Bronwyn, não somos inimigos, tentemos estar do mesmo lado.

— Você é um MacArran. — Ela sussurrou com a voz tremendo.

Ele acariciou seus cabelos.

— Agora tudo estará em ordem. Irei procurar Davey e...

— Que irá você! — protestou ela, afastando-se. — Ele é meu irmão!

— A última vez que o viu, ele tentou matá-la.

— Porque estava furioso. Toda minha família tem caráter forte. Quando se inteirar do meu plano não ficará zangado.

— Seu plano! Acredito que foi um esforço conjunto!

— Possivelmente, mas Davey só escutará a mim.

Stephen começou a falar, mas depois a beijou.

— Poderíamos continuar com isto mais tarde? De repente sinto que algo está entre nós.

Ela olhou para ele inocentemente.

— Meu ventre?

Ele agarrou seu cabelo e puxou sua cabeça para trás.

— Como se sente ao beijar ao Laird MacArran?

— Eu sou a Laird MacArran! — protestou ela — Eu...

Mas não pôde dizer mais nada, porque a mão de Stephen tinha escorregado até a parte de trás dos seus joelhos.

 

 

                                                   Jude Deveraux         

 

 

 

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