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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


HORAS DE TERROR / Keith Luger
HORAS DE TERROR / Keith Luger

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

HORAS DE TERROR

 

Raymond Duc, agente do Deuxíème Bureau, acabou de dar o laço em sua gravata borboleta, na frente do espelho. Estava contente com o tom bronzeado ob­tido depois de cinco dias consecutivos de praia. Aque­la vidinha boa sem fazer nada... Bem, fizera algo, mas a morena e a loura não podiam ser consideradas como trabalho!...

Encontrava-se ele em Nassau, ilhas Bahamas, se­guindo as instruções de seu chefe. Este lhe havia dito; "Vá a Nassau e hospede-se no Hotel Continental. Uma mulher estabelecerá contacto com você. A senha é es­ta: O diabo está na jaula. Essa mulher dará as infor­mações que desejamos".

Raymond havia pedido ao "velho", maiores escla­recimentos sobre a sua missão, porém, este lhe dissera que ele já sabia o suficiente e o resto lhe seria dito quando chegasse a seu destino.

Cinco dias da completa indolência eram ótimos para uma pessoa que se achava desempenhando uma missão da qual não sabia, positivamente nada, e para um agente da contra espionagem era muito mais su­gestivo, pois a qualquer momento, poderia acabar nu­ma sepultura... Não podia queixar-se, contudo, as fé­rias podem ter de se prolongar umas semanas a mais.

Apanhou o porta pistola na cama, colocou-o no ombro e passou a correia sob axila, afivelando-a. Postou-se novamente frente ao espelho, fez um movi­mento rápido para comprovar se a pistola estava bem colocada, pois isso era importante. Sacar a pistola uma fração de segundo antes ou depois significava, talvez, um adeus à morena e a loura e a todas as mulheres, em geral.

Estava colocando o paletó, quando a campainha do telefone tocou. Deveria ser Sandra, a morena que ele havia convidado para sair. Ela ficara de chamá-lo a fim de que ele fosse buscá-la em seu bangalô.

— Alô...?

— Fala Duc — berrou uma voz do outro lado do fio.

Não era Sandra nem a lourinha. Era o "velho", seu estimado chefe.

— O tempo aqui está maravilhoso — disse Duc. — O sol desponta ás seis horas da manhã e se põe ás sete e meia da noite. Chove suavemente duas vezes ao dia.

— Chega Duc! Você está bêbedo?

— Ainda não, chefe...

— Telefonei para saber algo sobre a sua missão e não para conhecer as condições meteorológicas de Nassau.

— Da missão não há nada chefe.

— Como?

— Nenhuma mulher aproximou-a para me dizer que "o diabo estava na jaula”...

— Isso é absurdo.

— Foi o senhor mesmo quem me falou!

— Não me referia à senha, mas ao fato da tal mulher não ter aparecido ainda.

— Talvez tenha adoecido.

— Sim. Ou talvez tenham lhe metido uma bala.

— Chefe, parque não me informa mais a respeito desse assunto?

— Sei tanto quanto você, isto é, quase nada...

— Não me diga que recebeu uma carta anônima e acreditou nela.

— Raymond, você é bom na pistola e para brigar, porém, não puxa muito pela inteligência. Se eu pensas­se como você não estaria chefiando uma seção de tan­ta responsabilidade. A informação me foi enviada por nosso agente em Fort de France.

— Então, que faço eu em Nassau? Porque não fui a Fort de France?

— Por uma, razão muito simples. A carta foi en­viada por nosso agente de Fort de France pouco antes do morrer, esmagado por um automóvel, que desapare­ceu completamente.

— Q que dizia a carta?

— O que você sabe. Que você deveria estar em Nassau no dia 27, que se hospedasse nesse hotel e que esperasse a mulher com a senha... Que me diz das mulheres que conheceu?

— Todas fabulosas, chefe!

— Não me referia aos seus dotes de beleza...

— Compreendo. Nenhuma até agora citou o "dia­bo", ainda que eu não duvide que algumas delas o tenham no corpo.

— Não lhe pedi informações a respeito das mu­lheres namoradeiras que encontrou em seu caminho, Senhor Duc.

— Está bem, chefe.

— Abra bem os olhos.

— Sim, senhor.

— E os ouvidos! — gritou o “velho".

— Que disse o senhor?

— Que preste atenção, seu imbecil! Não está aí passando férias, mas trabalhando!

— Perfeitamente, chefe. Acabo de ter uma ideia!

— Qual é?

— Dar um pulo em Fort de France.

— Você não arredará o pé daí!

— Talvez nosso agente nos tenha deixado algo...

— Claro que deixou uma carta! E já a recebemos! Portanto, devemos seguir suas instruções. Não me obri­gue a repeti-las!

— Não, senhor.

— Quando souber de alguma coisa, avise.

— Não se preocupe, eu o manterei a par de tudo.

O "velho" desligou e Raymond deu um assobio. Quando o chefe estava de mau humor, era insuportá­vel.

Colocou o paletó branco e depois de se certificar que o mesmo estava caindo bem, apanhou os restos de seus pertences na mesinha de cabeceira, a carteira, algum dinheiro trocado, o chaveiro...

Naquele instante, bateram à porta. Raymond foi abrir.

Deparou-se com um homem, vestido com um terno branco bem usado, no corredor. O sujeito enxugava o pescoço com um lenço e seu rosto era magro e os olhos, miúdos. Olhou para um lado e para o outro no corredor e ia entrar no quarto, quando Raymond o de­teve, pondo-lhe uma das mãos no peito.

— Quem é você?

— Deixe-me entrar que eu direi.

— Diga daí.

— É perigoso... Creio que estou sendo seguido.

Raymond olhou para o corredor, estava deserto. Contudo, mantinha ainda o indivíduo fora do quarto.

— Está bem. Entre.

Raymond tinha sempre em mente o princípio ele­mentar que um agente da contra espionagem deveria lembrar que para ficar vivo, não deveria confiar em ninguém.

— Está bem, fale.

O homem estava observando o quarto.

— Está sozinho, Senhor Duc.

— Sim.

— Venha comigo.

— Sinto muito, mas prefiro sair com a garota com quem marquei um encontro.

O desconhecido deu uma risadinha.

— É engraçado, mas cancele seu compromisso...

— Não sei seu nome ainda.

— Mareei Bresard.

— Diga-me, por que deverei ir com o senhor?

— Tenho de levá-lo à presença de certa pes­soa.

— E quem é ela?

— A mulher com a qual o senhor tem de estabele­cer contato.

Raymond puxou um cigarro, colocou-o na boca enquanto observava seu visitante, e acendeu-o com o Isqueiro a gás.

— Fala muito pouco para que eu cancele minha ceia com a garota, Senhor Bresard.

— É preciso que o senhor me acompanhe.

— Dê-me maiores informações para que eu me decida.

— Não posso.

— O melhor então é voltar por onde veio.

— Quer dizer que não vem comigo?

— Fique certo de que o senhor saíra daqui sozinho.

— Não pode fazer isso, Senhor Duc. Ela está à sua espera...

— Isso já me disse, conte-me algo mais interes­sante.

— Está bem, falarei com ela.

— Poderá encontrar-me no Riviera.

— Oh, não! Fique aqui. Em quinze minutos tudo estará resolvido.

— Use o telefone — disse Raymond.

— Obrigado, mas chamarei de outro lugar.

— Permanecerei aqui por quinze minutos somente, depois disso irei embora...

Bresard fez que sim com a cabeça, abriu a porta e espiou lá fora, cautelosamente.

— Volto num instante, Senhor Duc.

Saiu do aposento, fechando a porta as suas costas.

Raymond aguardou uns minutos e seguiu em seu encalço. Ouviu seus passos na escada e desceu, tam­bém. Bresard entrou numa cabina telefônica do hall, começando a discar rapidamente.

A coisa se deu de repente. Ouviu-se uma rajada de metralhadora, os vidros da cabina saltaram em pedaços e Raymond viu o rosto de Bresard cobrir-se de sangue.

O agente era ligeiro no gatilho, tinha de ser. O tipo que empunhava a metralhadora estava na porta da rua. Raymond sacou a pistola, o sujeito o viu, talvez porque esperasse que Bresard viesse acompanhado, e enviou a segunda rajada. O agente saltou para o lado e apertou o gatilho duas vezes.

O assassino, um tipo alto, recebeu a carga de chumbo no peito e caiu junto à porta. Suas balas, já perdidas, foram bater nos primeiros degraus da esca­da, onde Duc se encontrava segundos antes.

Uma mulher, que estava sentada numa poltrona, levantou-se de um salto, deu um berro e desmaiou. Para sua sorte caiu de novo sentada na poltrona.

Raymond correu até a cabina telefônica. Não pre­cisou abri-la, pois a rajada se encarregara disso. O telefone estava dependurado, complemento macabro da tragédia.

Bresard estava encolhido no chão, o rosto coberto de sangue e os olhos vidrados em direção ao teto da cabina.

— Lamento amigo — disse Raymond, ainda que soubesse que o outro não escutava mais. — Se eu ti­vesse ido com você seriamos, os dois, cadáveres, pois se descêssemos juntos seríamos liquidados, sem dúvida alguma, pelo sujeito da metralhadora.

Não, um agente dia contra espionagem não podia confiar em ninguém!

Entraram dois policiais. Raymond já havia guar­dado sua pistola, mas o recepcionista e dois boys es­tavam explicando aos policiais, o que ocorrera.

O agente acendeu outro cigarro quando um dos policiais se aproximou.

— Quer relatar o que aconteceu, Senhor Duc? Sou o detetive Stephen Moore.

— Sei tanto quanto o senhor... Vi que alvejavam o homem da cabine e atirei contra o assassino.

— Isso não é suficiente, Senhor Duc.

— Sendo assim, falarei com o seu chefe.

— Ótimo, venha comigo!

Quinze minutos mais tarde, Raymond Duc era apresentado pelo detetive Moore ao Major Hersey Finley, comissário adjunto ao Chefe de Polícia de Nassau.

Finley era cinquentão, de cabelos e bigode gri­salhos.

— Quer dizer que se chama Duc, não é?

— Sim, major.

— Já ouvi falar de Raymond Duc, agente do Deuxième Bureau.

— Sou eu, Senhor Finley. O major arregalou os olhos.

— Segundo consta, as complicações o acompa­nham a todos os lugares aonde vai.

— Que diz major? Isso foi um mero acidente. O Major Finiey tamborilou os dedos na mesa.

— Sei o que vai dizer-me. Que veio a Nassau para gozar umas férias.

— Correto, major.

— Vamos, conte-me. Sou um policial muito sagaz.

— Não gosto de fazer elogios a ninguém major, mas se me permite fazer uma exceção, direi que o senhor é realmente tom...

O rosto do Major Finley estava vermelho.

— Já sei o que o trouxe aqui... Oh! Não negue, pois do contrário descobrirei mais coisas, contudo de­sejo que saiba o seguinte, Senhor Duc.

Sou todo ouvidos chefe.

— Não consentirei que encha Nassau de cadá­veres.

— Não tenho tal intenção...

— Nassau é uma cidade frequentada pelos gran­des magnatas do mundo.

— Sim, esta cidade é maravilhosa.

— Os milionários não gostam de ser perturbados... Se Nassau se transformasse num lugar muito perigoso para se viver, haveria uma debandada geral. O que seria da cidade?

— Entendo...

— Se é tão compreensivo assim, diga-me a razão de sua vinda — contestou Finley, sem lógica alguma.

— Direi major — Raymond fez uma pausa. — Vim desfrutar de minhas férias.

Houve um silêncio constrangedor no gabinete.

— Dê-me seu passaporte. — exclamou Finley. — Gostaria de dar uma espiada.

— Pois não, major.

Hersey Finiey comprovou que a documentação de Duc estava em ordem e a devolveu com um sorriso.

— Quanto tempo permanecerá por aqui senhor Duc?

— Uns poucos dias creio eu.

— Sentiremos muito sua partida, Senhor Duc...

— Eu também sentirei saudades desta cidade tão linda, tão agradável, tão acolhedora...

— Divirta-se, Senhor Duc, mas, por favor, não se meta em outra complicação.

— Farei o possível para limitar-me ao sol e às doces companhias.

Raymond fez um cumprimento com o passaporte e retirou-se da sala.

Mal a porta, se fechou às costas do agente do Deuxième Bureau, o detetive Moore exclamou:

— Esse sujeito é um perigo, major.

— A que conclusão maravilhosa você chegou, Moore! Eu diria que Raymond Duc é mais do que pe­rigoso... Lembro-me de uma reunião de chefes de polícia em Londres, no ano passado. Um alto funcio­nário do Intelligence Service comentou algumas das aventuras passadas por Raymond Duc nos quatro can­tos do mundo. Sabe como o classificou?

— Não, senhor, eu não estava lá.

— O camarada do Intelligence Service definiu Raymond Duc como uma bomba atômica.

— Puxa...!

— Mande seguir esse homem. Que não o percam die vista um só instante. Quero saber aonde vai e com quem se encontra... Ande logo!

 

Raymond Duc tocou a campainha, ouviu uns passos precipitados, e logo a porta abriu-se e surgiu Sandra, que mais parecia uma pantera disposta a atacar.

— Onde você estava Raymond?

— Você está maravilhosa — disse o agente, olhando-a de cima abaixo.

— Seu malandro! Você esteve com outra mulher!

— Não seja boba. Acredita que, tendo você, posso pensar em outra? — Raymond segurou-a pela cintura, beijando-a.

O beijo prolongou-se por um longo tempo. Quan­do por fim, os dois se separaram, a jovem encheu os pulmões de ar.

         — Você é um mentiroso. Há meia hora que venho jurando que não o perdoarei e que lhe arrancarei os olhos...

         — Meu bem, atrasei-me devido a um negócio...

— Jure!

— Juro — disse Raymond levantando a mão di­reita.

Sandra Harrison pertencia à família Harrison de Boston e seu pai era proprietário de alguns estaleiros e de uma frota. A moça era muito independente, casara-se duas vezes, a primeira com um tenista e a se­gunda com um jogador de polo.

Sandra abraçou-se ao pescoço do rapaz.

— Raymond, uma voz interior me diz que não de­vo acreditar em você, que devo afastar-me de sua pre­sença o quanto antes.

O agente cocou a cabeça. Lembrou-se do homem com a metralhadora e pensou que talvez a tal voz interior de Sandra não a enganasse.

— Vamos jantar Ray. Estou faminta.

Os dois partiram no automóvel de Sandra, um conversível dirigido por ela mesma.

Raymond percebeu que eram seguidos há algum tempo. Havia visto o camarada, um tipo gordo, que suava por todos os poros, enxugando-se com um lenço a toda hora. O agente sorriu ao se recordar do Major Finley e de suas boas intenções...

Os dois pararam no restaurante Rivera, que pos­suía um magnífico terraço. Um garçom conduziu-os a uma mesa bem próxima à balaustrada em frente ao mar. A noite estava muito quente.

Depois de escolherem o menu, Sandra pediu:

— Raymond, vamos dançar?

Enquanto deslizavam pela pista, o agente desco­briu o homem gordo junto à porta. O sujeito havia tirado o chapéu e passava o lenço pela careca.

Quando a orquestra terminou o número, os dois retornaram à mesa.

O garçom trouxe-lhes os pratos e os dois começa­ram a comer.

De repente, Sandra parou e olhou Raymond fixa­mente.

— Como você seria como marido?

         — Um desastre.

— Não gostaria de tentar?

— Não, obrigado.

— Miserável, eu seria a esposa!

— Prefiro-a como uma boa amiga...

— Nosso casamento poderia ser perfeito...

— De jeito algum, você já sabe, eu viajo muito.

— Eu poderia viajar, também. Com você, natural­mente. Além do mais, eu o ajudaria a vender seus au­tomóveis.

Raymond dissera a Sandra que era vendedor itinerante de uma fábrica, de automóveis.

Sandra colocou sua mão sobre a de Raymond.

— Tenho amigos que lhe comprarão os carros por um preço bem alto... E quando você se cansasse de automóveis, poderia vender os barcos de meu pai.

— Acho que vender barcos é um pouco mais difí­cil... "Senhores, atenção, vende-se um belo barco, recém-lançado na água. Tem somente quarenta e cinco toneladas e o preço é de doze milhões de dólares. Acei­tamos pagamento a prazo, um milhão de dólares por mês".

— Não brinque, há muita gente que pode comprar um barco.

— Tenho minhas dúvidas, meu bem.

— Ora, você não precisaria vender coisa alguma. Sou milionária, Ray.

— Sim, eu sei... Mas ouça meu amor. Prometi à minha vovozinha que não me casaria, nem que fosse com uma milionária...

— Gostaria de conhecer sua vovozinha para tor­cer-lhe o pescoço.

—- Talvez eu á apresente um dia, se você me pro­meter que vai aprender luta livre.

Naquele instante, um dos camareiros anunciou:

— Chamada para o Senhor Duc... Cabine três...

— Desculpe-me querida — disse Duc, levantando-se.

— Seja como for, não vou permitir que você vá embora.

— Não tenho a mínima ideia de quem possa ser... Talvez alguém interessado num automóvel... Eu não sou milionário, lindeza, tenho de ganhar a vida.

Raymond passou pelo gorducho.

— Como está o Major Finley?

— Muito bem, obrigado.

— Ótimas lembranças de minha parte.

O policial perdeu o sorriso, mas Raymond já esta­va longe.

Entrou na cabine número três.

— Alô — disse ele.

— Falo com Raymond Duc?

— Sim, em pessoa e de smoking... Quem é?

— Alguém que deseja prestar-lhe um favor.

— Excelente amigo. Posso oferecer-lhe um últi­mo modelo, um carro esporte que alcança cento e no­venta em tempo menor do que o necessário para acen­der um cigarro, contudo não tente acendê-lo quando apertar o acelerador.

— Não gostei da piada, Senhor Duc.

— Tenho outra... A do casal que desejava ter um filho.

— Um pouco mais de respeito, Senhor Duc.

— Oh, desculpe-me. O senhor deve ser uma pes­soa muito séria, mas não posso saber, já que não o estou vendo.

— Senhor Duc, sou a pessoa que procura propor­cionar-lhe umas férias bem agradáveis.

— Há, todavia, muita gente enjoada por aqui, amigo. Não consigo me livrar de certas pessoas...

— Estamos fazendo todo o possível para que o senhor tenha uma boa impressão de Nassau.

— Muito gentil senhor... Como devo chama-lo?

— Smith.

— De acordo, Senhor Smith. Continue, sempre recebo com prazer os bons conselhos.

— Como o senhor pôde constatar, demos um bom presente ao homem que tentou tirá-lo de seu mereci­do repouso.

— Refere-se ao Senhor Bresard?

— Exatamente.

— Pobre Senhor Bresard, arrebentaram-lhe o rosto.

— E o senhor "despachou" o nosso rapaz.

— Peço-lhe, novamente, desculpas, mas seu ra­paz possuía hábitos muito feios. Manejava a metra­lhadora bem demais. Depois de enviar uma rajada de presente ao pobre Senhor Bresard, quis premiar-me também.

— Então fez muito bem em matá-lo.

— Essa não!

— Senhor Duc, estou falando sério.

— Eu também.

— Continue a desfrutar da companhia da bela morena com quem está ceando.

— Obrigado, Senhor Smith. Sempre procuro apre­ciar ao máximo as coisas boas da vida.

— Não faça caso de bilhetes... Nem de pessoas desequilibradas.

— Fugiu algum louco do hospício?

— Uma louca, Senhor Duc. Asseguro-lhe que ela diz coisas absurdas, completamente absurdas.

— Gostaria de conhecê-la para ouvir suas fan­tasias.

— É isso que estou tentando evitar, Senhor Duc...

— Oh, é verdade! Isso eu já sei, valeu-se até do rapaz da metralhadora para convencer-me.

— As ilhas Bahamas gozam de grandes celebridades, Senhor Duc. É um paraíso, num mundo tão castigado pelas calamidades.

— Não dramatize tanto, Senhor Smith, pois meus olhos já estão marejados de lágrimas.

— Seja sensato, Senhor Duc. Fique mais uns dias em Nassau, e desfrute de nosso clima, da companhia de belas pequenas e depois regresse a Paris e diga a seu chefe que não houve nada de mais por aqui.

— Estupendo Senhor Smith.

— Fico satisfeito que estejamos de acordo.

— Que tal nos encontrarmos Senhor Smith? Posso conseguir-lhe uma bela loura.

— Não, obrigado. Estou muito ocupado.

— Que pena! Poderíamos fazer um grande pro­grama... Se mudar de opinião, telefone-me, pois pre­sumo que me descobrirá facilmente. Bastará ver na sua bola de cristal — Raymond desligou e saiu da cabine.

O gordo estava bem perto dali.

— Senhor Duc! Pode me dizer quem o chamou? Assim informarei a meu chefe.

Raymond deu-lhe uma palmada na barriga.

— Você é um pilantra, amigo...

— Henry Cott.

— Quem me chamou... Foi... Uma loura!

— Mas o senhor já está com essa morena...!

— As mulheres são assim. Se a gente está sem nenhuma, não recebe telefonemas, se está com uma todas telefonam.

— É verdade, Senhor Duc...

— Disse-lhe que me encontraria com ela depois da meia-noite... Hotel Pompadour. Estou lhe dizendo, pois você pode perder minha pista.

— Obrigado, Senhor Duc. Hotel Pompadour. Não me esquecerei.

Raymond deu-lhe uma palmadinha nas costas e se dirigiu para a mesa onde Sandra o esperava.

— Quem era? — perguntou ela.

— Um freguês. Quer que eu o veja quanto antes. Talvez me compre um último modelo.

De uma coisa Raymond estava seguro agora, tra­tariam de estabelecer contacto com ele. Por isso, o Se­nhor Smith fizera aquelas ameaças.

— Meu bem, quero dançar — disse Sandra. Saíram à pista e Raymond estreitou a bela morena.

— Ray, vamos para meu bangalô?

— Ainda não, meu bem. Essa música me agrada.

O agente olhou para a porta. O homem gordo já não estava ali. Achava-se sentado a uma mesa, ata­cando um enorme prato.

A orquestra acabou de interpretar uma rumba e um locutor enunciou o início do espetáculo. Sandra e Raymond voltaram para sua mesa. O terraço ficou completamente às escuras.

Foi então que Raymond descobriu a ponta de um papel debaixo de seu prato. Não era muito grande, colocou-o na palma da mão e, à luz do fósforo com que acendeu o cigarro, pôde ler a seguinte mensagem:

         “Quando chegar o número da dançarina espanhola, ve­nha ao jardim. Espero-o na quinta palmeira da ala­meda".

Isso era tudo, não havia assinatura. Raymond fez uma bolinha com o papel e guardou-a no bolso.

Em primeiro lugar, apresentou-se um quinteto ita­liano, fabulosos cômicos musicais. Vieram a seguir um casal de bailarinos acrobatas e um cômico que disse algumas piadas com certa graça. Logo após, o locutor anunciou a bailarina espanhola cujo nome era Carmen Montes.

— Desculpe-me, Sandra.

— Aonde vai Ray? Não o chamaram...

— Meu bem, para isso não é preciso que me cha­mem.

— Não demore.

Raymond saiu do terraço. O gordo estava muito distraído, aplaudindo a bailarina, cujo corpo era no­tável.

Pouco depois, chegava ao jardim. Certificou-se de que não estava sendo seguido antes de atingir a ala­meda das palmeiras, mergulhada na semi obscuridade. Chegou à quinta palmeira, mas não viu ninguém.

De repente, escutou um rumor proveniente das plantas, que cresciam luxuriantes naquele local. Ray­mond já estava de pistola na mão, pois não queria ser surpreendido. Ouviu uns passos e viu dois olhos bri­lhando no escuro, ao lado de um orquidário.

— Boa noite, Senhor Duc — disse uma voz de mulher.

A mulher pareceu-lhe bonita, ainda que só pudesse dar realmente um veredito, se tivesse melhores condições para contemplá-la.

— Salve — disse Raymond.

— Obrigada por ter vindo.

— Que mais? — perguntou Raymond.

— Oh, sim, desculpe. "O diabo está na jaula".

— Custou muito a aparecer.

— Tive muitas dificuldades. E agora estou corren­do um grave perigo.

— Foi você quem me enviou Bresard?

— Sim.

— Porque ele não me deu a senha?

— Havíamos combinado que uma mulher é quem deveria enunciá-la. Supus que você não confiaria nele. Os fatos demonstram que não me enganei.

— E porque teve coragem desta vez?

— Porque o tempo está contra, nós. Não podia es­perar mais... Tinha de falar com você. É algo muito importante...

— Silêncio — murmurou Raymond.

— Que houve?

Raymond moveu-se ligeiramente para a direita.

— Não há ninguém — comentou a jovem. — Isso também ocorre comigo nesses últimos dias. Julgo ver inimigos por todas as partes.

Raymond voltou para junto dela e tapou-lhe a bo­ca cem a mão.

Subitamente, um homem de negro surgiu de dentro dos arbustos. Tinha uma faca na mão direita.

Raymond saltou, erguendo a mão armada. A pis­tola bateu de encontro ao queixo do homem.

A faca desceu ameaçadora e raspou numa árvore. Raymond deu um murro de canhota no fígado do Ini­migo. O sujeito recuou, manejando, todavia, a faca.

O agente podia ter metido algumas balas no sujei­to, mas aproveitando que ele perdera o equilíbrio, se­gurou-o pelo braço e o fez abaixar-se bruscamente. A lâmina de aço penetrou na barriga do homem, que tom­bou no chão, relaxando-se e imobilizando-se a seguir.

Raymond ficou atento à espera de outro ataque, depois de uma rápida busca, voltou para junto da mo­ca.

— Pode falar agora, mas seja rápida, pois podem aparecer mais bandidos.

A jovem, contudo, estava paralisada. Raymond ba­teu-lhe suavemente nas faces, que estavam frias como o gelo.

— Vamos, acalme-se.

— Já venho me dizendo isso há muitos dias, mas a verdade é que estou apavorada.

— Eu diria que não... Mataram Bresard e você se arriscou a vir aqui. Ande, comece dizendo-me o seu nome.

— Isabelle Cavallier.

— Isabelle — repetiu Duc. — Bonito nome. Ouvi uma canção, recentemente, dedicada a Isabelle. Creio que o cantor era Aznavour.

— Como pode falar disso agora?

— Ajuda a relaxar os nervos. Sente-se melhor?

— Sim, um pouco.

— Veja, se eu soubesse a canção, cantaria agora mesmo.

— Você é muito brincalhão... Mas acho que é bom esquecer seu bom humor.

— Porque razão?

— Você está acostumado a lutar contra homens.

— Contra mulheres, também.

— Em suma, sempre lutou contra seres humanos.

— Bem, já lutei também contra os robôs, que são mais temíveis do que pessoas.

— Desta vez terá de enfrentar monstros.

— Quando menino, li muitos livros de cavalaria. De que se trata? De dragões de sete cabeças?

— De formigas, Senhor Duc...

— Qual de nós dois tem que parar com as brinca­deiras? Eu ou você?

— Não me deixou terminar, Senhor Duc. Não se tratam de formigas comuns. Já viu alguma vez uma formiga com um peso aproximado de duas toneladas?

 

Raymond franziu a sobrancelha.

— Está se sentindo bem, Senhorita Cavallier?

— Eu sabia que não acreditaria em mim...

— Já vi formigas gigantes. As maiores que encon­trei, foi em certo lugar da Indonésia, ou melhor, na Ilha de Bomey, mas posso garantir-lhe que cada uma delas não pesaria mais do que algumas gramas, e você acaba de dizer que uma dessas formigas pesa duas to­neladas.

— É verdade.

— Onde está essa formiga?

— Não sei, mas pode sair de qualquer lugar.

— Não me diga que perdeu um bichinho desse ta­manho.

— Pensa que estou louca?...

— Oh, não! De forma alguma...

— Confesse Senhor Duc. Sou uma neurótica, uma mulher de mente desequilibrada...

— Já tive inimigos que viram animais dos mais va­riados tamanhos.

— Sei a que está se referindo, Senhor Duc. Fala de ébrios que sofreram ataques de "delirum tremens".

— Mas você não se encontra nessa situação.

— Não, mas você está insinuando.

— Isabelle, porque não paramos de brigar? Creio que, já morreram três homens conhecidos seus é porque, apesar de tudo, existe essa tal formiga gigan­tesca.

— Senhor Duc, falei de formiga somente porque foi o animal que se utilizou do invento do meu pai.

— Espere. Quem é seu pai?

— Não conhece o Doutor Cavallier?

— Não.

— Nem sequer ouviu falar dele?

— Perdoe, mas os meus tempos livres não são de­dicados à Ciência.

— Está bem, Senhor Duc. Meu pai é um dos maio­res biólogos do mundo. Foi até três anos atrás, profes­sor da Sorbonne, mas largou tudo para se dedicar ex­clusivamente às suas experiências...

— Em que consistem essas experiências?

— Ele queria descobrir a substância primária da vida e isolá-la. Outros como ele tentaram tal coisa por muitos anos, contudo, papai descobriu algo espan­toso durante suas investigações.

— E o que foi Isabelle?

— Uma substância que em poucos dias converte um Inseto em um ser monstruoso, tão grande como os ani­mais antediluvianos.

— Onde sucedeu isso?

— Aqui, em Nassau.

— Quando?

— Há pouco mais de um mês.

— E como seu pai chegou a tal descoberta?

— Casualmente.

— Explique isso, Isabelle.

— Fomos convidados por uns amigos que residem em Miami e assim, demos férias a nosso único empre­gado, pois pensávamos passar dez dias lá. Papai fechou o laboratório, deixando tudo em ordem... Nossa per­manência foi agradabilíssima... Tínhamos, porém, de voltar para casa. Eu entrei em nossa residência e papai foi direto ao laboratório... Ouvi-o gritar. Quando che­guei para ajudá-lo, ele estava saindo do laboratório, aterrorizado. Perguntei-lhe o que acontecera... Papai apontou-me com o dedo o local de onde acabara de sair. Vi alguma coisa ao fundo. Era algo monstruoso, de cor vermelho escuro. Achei-a parecida com a casca de um bicho... Perguntei o que era. "Uma formiga" murmurou ele. Eu também, como você, pensei que papai havia perdido a. razão... Mas, de repente, a porta veio abaixo e na abertura vi aparecerem uns ferrões enor­mes, monstruosos...

Isabelle jogou-se nos braços de Raymond, que a apertou contra si.

A jovem estava gelada novamente e começou a so­luçar.

— Acalme-se, Isabelle.

— Foi horrível... Fiquei paralisada. Papai arran­cou-me de lá com um puxão... Aqueles ferrões apro­ximavam-se de nós, prontos para, se fecharem...

O estranho ser começou a tremer como estou eu agora... Abriu a boca. Não quis vê-lo. Comecei a gritar a gritar. "Está morrendo, morrendo — disse papai. - Falta-lhe algo para viver"... Apenas pronunciou essas palavras, os ferrões moveram-se. Dentro do la­boratório ouviu-se um golpe surdo e dezenas de tubos de ensaio, frascos e outros utensílios caírem ao chão...

A jovem fez uma pausa, levantou os olhos para Raymond.

         — Acredita em mim?

         — Sim.

         — Só disse isso para confortar-me, não é? Sua mente não consegue entender como existem formigas desde tamanho, mas é verdade. Meu pai descobriu uma combinação de ácido nucleico. Havia deixado uma amostra no laboratório. O resto você pode imaginar... Uma formiga entra em qualquer lugar... Essa varian­te do ácido nucleico deve ter sido descoberta por ela. A formiga se alimentou dessa substância primária e foi atingida por esse processo de gigantismo. Porém, ao se esgotar a substância, ela não podia viver mais sem ela. Por sorte, ela morreu quando chegamos de nossa viagem... Antes de tentar escapar, já havia destruí­do muitas coisas. Quando chegou ao máximo de sua potência, já não tinha mais forças e ficou presa no laboratório...

— Que houve depois de sua morte?

— Papai consultou um antigo colega seu que re­sidia em Fort de France, o Doutor Max Hauser. Co­meteu o maior erro de sua vida... Eu havia dito que o melhor era regressar a Paits e apresentar um rela­tório ao nosso governo. Porém, papai queria fazer al­gumas comprovações e para isso necessitava a ajuda do Doutor Hauser. Os dois tiveram uma conversa pelo telefone e no dia seguinte o Doutor Hauser chegou aqui. Os dois entraram no laboratório. Ao cabo de algumas horas a formiga havia desaparecido. O Doutor Hauser se encarregara de queimar o seu cadáver, foi o que me disse papai... E passaram uns dias trancados lá, traba­lhando. Eu estava muito nervosa e só os via nas horas das refeições. Fiz várias perguntas a papai, mas ele não me quis dizer nada sobre o que estavam fazendo...

Eu nunca simpatizei, com o Doutor Hauser. É um homem muito reservado e nunca fomos um com o outro. De repente, lembrei-me de um homem que eu co­nhecia em Fort de France e que poderia auxiliar-me naquela situação. Chamava-se Bernard Ridet e já ouvira, dizer que trabalhava para o Deuxième Bureau... Sem dizer nada a papai nem a ninguém, tomei o avião para Fort de France, falei com o Senhor Ridet e contei-lhe toda a estória... Mas ele não acreditou em mim, apesar de toda ia minha insistência. Fez somente uma coisa, falar ao telefone com meu pai, sem que eu soubesse. Então, o Senhor Ridet informou-me que papai havia lhe dito que eu estava muito doente dos nervos e que deveria voltar imediatamente para junto dele. Decidi regressar a Nassau, mas na última noite que pas­sei em um hotel, o Senhor Ridet telefonou-me da sua casa, pois necessitava ver-me urgentemente. Haviam disparado contra ele... A bala quebrara os vidros da janela, indo alojar-se na poltrona, a poucas polegadas da sua cabeça.

Combinou encontrar-se comigo no bar Niza... Caso se passasse algo com ele, já havia escrito para Paris solicitando o envio de um agente, que de­veria ir a Nassau, hospedar-se no hotel Continental. E uma mulher, eu, estabeleceria, contacto com ele, dan­do-lhe como senha "O diabo está na jaula". Meia hora depois, percebi quanta razão possuía o Senhor Ridet em ter pedido um agente, pois foi atropelado e morto por um automóvel que sumiu...

— Bernard Ridet deve ter explicado a estória a nos­so chefe.

— E que teria dito ele?

Raymond passou um dedo por baixo do nariz, en­quanto imaginava o "velho" lendo a carta de um subor­dinado seu, que lhe falava de formigas de duas tone­ladas. Não, indubitavelmente, o "velho" teria ordena­do o licenciamento do citado agente ou um exame psi­quiátrico do mesmo. Podia ser também que Bernard Ridet tivesse acreditado em Isabelle de saída, ou que não ligasse o atentado à fantástica estória do Doutor Cavallier e de sua incrível descoberta.

— Bem, Isabelle — disse ele. — Que fez você depois disso?

— Resolvi retornar a Nassau... Ao chegar em casa tive outra surpresa. O laboratório estava como antes da formiga o destruir. Procurei papai por toda a casa, mas não havia ninguém. O telefone tocou era ele. Disse-me que não devia fazer nada, que permanecesse quieta, pois ele estava muito bem e que deveria ficar umas duas semanas ausente. Respondi que desejava reunir-me a ele e que, para isso, me informasse onde se encontrava, todavia, papai disse-me que não poderia dar-me tal informação e que se eu desobedecesse, as coisas poderiam ficar perigosas para ele... Perguntei-lhe se fora sequestrado, ele respondeu que não, que ha­via saído de casa por sua livre e espontânea vontade, por ser necessário para a continuação de sua experi­ência... Insistiu para que eu não pedisse o auxílio de quem quer que fosse, se eu desejasse que tudo se re­solvesse a contento.

— Foi essa a razão que a fez, demorar tanto em pôr-se em contato comigo?

— Sim, Senhor Duc. Saí de casa várias vezes e tive a impressão de ser seguida... Compreendi que se me aproximasse do senhor, eles descobririam e eu poria a vida de papai em perigo... Por fim, não resisti mais, pois pensei que a descoberta de papai podia estar nas mãos do Doutor Hauser ou de outra pessoa perigosa...

— Podia me telefonar.

— Tentei no mesmo dia que você chegou, mas, quando chamei, você não se achava no Continental. O Senhor Ridet havia, se referido a sua pessoa por duas vezes. Era um grande admirador seu. Pedi então que me ligassem para você. Enquanto esperava, a porta se abriu e um homem apareceu armado de pistola. Or­denou-me que desligasse. Eu obedeci. O sujeito, louro e com cara de assassino, avisou-me que não tentasse entrar em contacto com você porque o telefone estava em observação e ele logo saberia. Se eu não obedecesse a suas ordens, não voltaria a ver papai vivo. Sem dizer mais nada, deu meia volta e desapareceu...

— Silêncio — disse Raymond.

Ouviram-se passos mais adiante, e risos. Era um casal, as risadas foram abafadas por um beijo.

— Querido — dizia ela, — vamos à praia tomar um banho?

— Creio que é uma boa ideia.

Desapareceram num instante.

— Como Bresard entrou nessa estória, Isabelle? — perguntou Ray, depois de uma pausa.

— Eu estava muito nervosa, quase desesperada, sa­bendo que você estava em Nassau e não podia falar-lhe. Saí hoje, dei umas voltas. Num determinado mo­mento pensei que talvez houvesse escapado do homem que me seguia. Entrei num bar e dirigi-me a um dos fregueses. Era o Sr. Bresard. Disse-lhe que estava dis­posta a pagar-lhe muito bem por um favor... Não po­dia dizer-lhe de que se tratava... Mandei-o procurar por você no hotel e fiquei à espera no bar. Pouco de­pois, ele chamou-me ao telefone. Bresard contou-me que você não queria vir. Subitamente, ouvi uns estam­pidos, chamei, chamei, mas o telefone estava mudo. Resolvi então falar com você custasse o que custasse. Já não ligo para mais nada... Chamei o hotel de um telefone público e de lá me informaram que você ha­via saído. Mas um empregado informou o seu res­taurante preferido, de modo que aqui estou. Paguei a um garçom para que colocasse o bilhete sob o prato, eis toda a estória...

 

— Que pretende fazer, Senhor Duc? — perguntou Isabelle.

— Sair daqui, era primeiro lugar.

— Mas, estão nos vigiando.

— Talvez tenhamos sorte e por enquanto só apare­ceu o sujeito com a faca... Eu também fui ameaça­do...

— Por quem?

— Não sei, foi por telefone. Era voz de homem, de­cantou-me as excelências de umas férias em Nassau.

- Senhor Duc, penso que fiz mal em desabafar com o senhor.

Eu jamais me perdoaria se não tivesse sabido essa estória da formiga gigante.

— Acredita, em mim, portanto?

—Sim, Isabelle. Acredito verdadeiramente. Diga-me, porém, não tem uma ideia de onde se encontra seu pai?

— Não.

— Está bem. Nós o procuraremos.

Isabelle apertou a mão de Raymond enquanto di­zia:

— E se já tiverem matado meu pai?

— Você tem a resposta para essa pergunta. Eles não podem acabar com seu pai enquanto não obtenham o segredo das experiências que ele estava realizando.

— O que me dá medo é que papai já pode ter-lhes dado o segredo, então os bandidos não vacilarão em acabar com ele.

— Está claro que seu pai vive ainda, Isabelle. Do contrário não teriam estreitado o cerco à nossa volta, como estão fazendo.

— Oxalá você não esteja enganado!

— Quero que venha comigo.

— Para onde?

— Para o bangalô de uma amiga. A moça que está ceando comigo.

— Vai contar-lhe toda a estória?

— Não, mas não há outro local onde possa escon­dê-la, pois não só o meu hotel como a sua casa, estão sendo vigiados... Não se trata de uma residência de­finitiva, mas momentânea, ela nos servirá de quartel-general... Venha, quero apresentá-la a Sandra Har­rison.

Os dois jovens atravessaram a alameda de pal­meiras. Raymond estava ainda de pistola na mão, guardando-a somente quando entrou no restaurante.

O gorducho veio a seu encontro.

— Onde se meteu Senhor Duc?

— Fui até o jardim, Henry... Desculpe-me por não ter avisado. Presumi que lhe agradaria mais apre­ciar a bailarina espanhola. Além, disso, eu não gosto de companhia quando me encontro com uma senhorita.

— Demônios, outra! — exclamou Henry Cott, ob­servando Isabelle.

Raymond bateu-lhe nas costas e se dirigiu para o terraço em companhia de Isabelle. Ao vê-los chegar, Sandra fez um gesto de surpresa c a seguir seus olhos ficaram fuzilando.

— Não me apresentará à sua priminha, Raymond?

— Não é minha prima, Sandra.

— Sua irmã.

— Também não querida. Trata-se da Senhorita Isabelle Cavallier, que se encontra agora sob a minha proteção.

— Ficou orfã, meu bem? — perguntou Sandra com ironia.

— Creio que ela e eu nos entenderemos, Raymond — replicou Isabelle.

Raymond estava colocando algumas notas sobre a mesa.

— Que significa isso? — perguntou Sandra. — Que vamos embora... Os três?

— Jamais fiz um papel desses... Pelo menos, em plena, consciência.

— Não crie problemas Sandra. Isabelle está numa situação muito difícil. Seu pai desapareceu.

— Mas ela é muito descuidada... Perder uma bol­sa é coisa normal, porém perder um pai é imperdoá­vel.

— Suas piadas não têm a menor graça, Senhorita Harrison — comentou Isabelle com os dentes cerrados.

Raymond levantou as mãos.

— Calma, meninas, calma... Lembrem que den­tro de poucos dias será celebrado o Dia da Paz Mun­dial.

Segurou cada, uma pelo braço e os três se retira­ram.

O agente a serviço do Major Finley olhou-os bo­quiaberto porque, segundo sua opinião, Raymond estava acompanhado de duas mulheres mais bonitas que já vira até agora.

Raymond sentou-se ao volante e as duas jovens ocuparam o assento traseiro.

— Pode-se saber para onde vamos? — perguntou Sandra.

— Para sua casa.

— E porque minha casa?

— Isabelle não tem outro lugar para ir.

— Nem casa ela tem? Não sabia que era tão po­bre...

— Senhorita Harrison — disse Isabelle. — Seus sarcasmos estão me cansando... Raymond pode me deixar na praia ou em outro lugar qualquer, que não seja a casa dela...

Raymond Duc fazia o carro correr. Percebeu pelo espelho retrovisor dois faróis, mas não lhe pareceram ser os do carro de Henry Cott.

— Atenção, garotas. Parem de discutir...

— Que houve Raymond? — perguntou Sandra.

— As emoções fortes lhes agradam?

— Oh, Raymond, não vá se declarar agora. Há uma estranha entre nós.

— Não se trata de amor, querida. Um automóvel nos está seguindo...

— Já sei quem é — replicou Sandra.

— Verdade?

— Um dos dançarinos acrobáticos não tirou os olhos de mim durante seu número. Devo ter-lhe cau­sado uma boa impressão...

— Receio que não se trata do dançarino, ainda que tudo isso se relacione com acrobacias, pois teremos de fazê-las para nos livrarmos de nossos perseguidores.

— Não compreendo Raymond — disse Sandra.

— Isabelle está sendo perseguida por uma quadri­lha de bandidos...

— Agora entendi, ela fazia parte da mesma e fugiu com o produto do roubo.

— Como você é inteligente Sandra! — comentou Isabelle. — Como adivinhou tão rapidamente?

— Bastou-me ver seus olhos puxados para saber que era uma dessas mulheres.

— Já se olhou no espelho? Seus olhos são também puxados e eu diria que mais ainda do que os meus...

Raymond estalou a língua, mas as duas continua­vam a discutir apesar de sua advertência. O carro per­seguidor estava mais próximo.

O agente fez uma curva, os pneus chiaram, a ve­locidade aumentou...

Por um momento, pareceu que o perseguidor ia sair da estrada, porém, o motorista manobrou o veículo e, em poucos segundos a distância tornou-se menor ainda.

A estrada era agora uma grande reta. Raymond se achava ao volante e era a única pessoa armada.

— Vocês já usaram uma pistola alguma vez? As duas jovens responderam negativamente.

— Então, é melhor começarem a fazer suas ora­ções.

— Raymond, você não está falando sério — co­mentou Sandra.

— Perfeitamente... Cuidado. Aí vêm eles! Já estão perto...

O outro automóvel foi ganhando terreno e surgiu à direita de Raymond. Era um Cadillac blindado.

Os dois carros corriam paralelos.

O agente pôde ver seus perseguidores. Eram quatro homens, dois no banco da frente e dois no de detrás.

De repente, o motorista caiu para a esquerda. Ray­mond aguentou a fechada. A intenção do outro era lançá-lo para fora da estrada. A cento e sessenta por hora, seus restos, se fossem encontrados, poderiam ser reunidos num lenço.

O motorista tentou novamente e Raymond conse­guiu enganá-lo.

O automóvel dos quatro homens era pesado e cor­ria bem. A seu lado, o carro de Sandra parecia uma formiga.

— "Uma formiga". — murmurou Raymond.. Que pena não possuir aquela variante do ácido nucleico para pôr no carro ao invés de gasolina! Talvez o conversível adquirisse uma capacidade vinte vezes superior à do Cadillac blindado. Mas, que bobagens eram aquelas? Bem, pelo menos não havia perdido o senso de hu­mor, ainda que estivesse prestes a perder a vida.

As duas mulheres haviam emudecido. Isabelle rom­peu o silêncio.

— Raymond, um dos homens de detrás está em­punhando uma metralhadora...

O agente olhou rapidamente para a direita. Real­mente, um dos homens estava na janelinha apontando a arma de grande calibre. Aquilo seria o fim, pois o sujeito não falharia em seus disparos.

Estavam chegando a uma curva.

— Segurem-se belezas. Vou dar uma freada.

Como disse fez. Naquele mesmo instante o cama­rada apertou o gatilho de sua arma. Mas devido à freada, as balas se chocaram somente contra a carroceria.

Raymond aguentou a freada entre rangidos de me­tal e o chiado de pneumáticos, o outro carro, contudo, seguiu em direção à curva.

O motorista quis frear, porém, demasiado tarde. O Cadillac saiu da estrada e começou a rodopiar no cam­po, chocou-se numa árvore e continuou a rodar. O mo­tor explodiu e o Cadillac continuou a correr qual um bola de fogo, até que foi de encontro á outra árvore, onde parou convertido numa grande fogueira.

Ninguém saiu de seu interior.

As duas jovens e Raymond estavam imóveis no as­sento, contemplando a cena.

Sandra soltou o ar que prendera durante tanto tempo nos pulmões.

— Posso agora dizer tudo o que penso... Isabelle não tive o menor prazer em conhecê-la.

— Eu sabia disso... E você está confessando agora não pelo perigo que acaba de passar, mas exclusiva­mente por Raymond.

— Você é muito atrevida, minha filha.

— Sim, "mamãe"...

— Se repetir essa palavra, vai conhecer as artes de minha manicura.

— Então, garotas, vocês não param, de discutir? Naquele instante, apareceu um automóvel. Raymond não teve dificuldades em reconhecer o carro do gordo Henry Cott. O agente do Major Finley correu até o conversível dirigido por Raymond.

— Deus do céu! Que houve por aqui?

— São caprichos da morte, amigo Henry — respon­deu Duc.

— O que? Como?

— Os passageiros do outro carro procuraram di­ficultar-nos as coisas.

— Vi quando saíram atrás de vocês... Eram qua­tro...

— Sim, Henry, mas reunindo o que sobrou, só po­deremos reconstituir um...

— Senhor Duc, não seja tão macabro!

— Pelo contrário Henry. A coisa até que é bem divertida.

Henry passou o lenço pelo pescoço.

— Veremos se o chefe vai se divertir também.

— Ouça Henry, isso pode ficar só entre nós...

— De maneira alguma!

— Você nos deixa, ir embora, não sabemos de na­da...

O gordo replicou:

— Duc, você é um sujeito simpático, mas quatro mortos são quatro mortos... Vamos todos até o es­critório do Major Finley.

 

O Major Finley, leal servidor de Sua Majestade Bri­tânica, olhou as unhas da mão direita, depois de ter ouvido o relato de Henry Cott.

A sua frente se achavam o agente Duc e as duas mulheres que o acompanhavam, Isabelle e Sandra.

— Foi um acidente como qualquer outro -— disse Duc.

— Como qualquer outro, não! — bradou o major. — Você deixou um morto no jardim do restaurante Riviera. E quatro outros dentro do Cadillac!

— Dois acidentes, major.

— Como?

— O sujeito do jardim apunhalou-se a si mesmo. Posso jurar pela Coroa.

— O senhor não pode jurar pela Coroa, pois quem jura por ela sou eu!

— Era para que me acreditasse, major.

— Basta, Duc! Tenho um bom dossiê acerca de suas atividades. Pedi informações a Londres depois de nossa entrevista anterior.

O Major Finley apanhou um papel sobre a mesa e disse, examinando-o:

— Aqui está bem claro... Sabe como o classifi­cam?

— Tenho curiosidade de saber o que dizem de mim meus colegas britânicos.

— Que você é um agente que não respeita lei al­guma, quando o encarregam de uma missão. Sente desprezo absoluto por sua vida. Parece até que deseja morrer. Sua coragem é enorme.

— Obrigado, major.

Estou falando sério, Senhor Duc.

— Não duvido...

— Há uma observação especial ao final da infor­mação em que se relata uma de suas aventuras.

— Que observação especial é essa?

— Devo informar a Londres que tipo de trabalho está executando aqui, em Nassau.

— Suponho que não será difícil para o senhor res­ponder.

— Não?

— Lembre-se, chefe! Estou passando minhas fé­rias aqui.

— Já disse que chega Senhor Duc! Não pode estar de férias e deixando mortos por todos os lugares que vai... E não consigo acreditar que possa manter um romance com duas mulheres ao mesmo tempo! Ordeno que me diga a verdade!

Está bem, major, direi a verdade.

— Ótimo Senhor Duc. Começa a raciocinar.

— Uma destas mulheres, conheci casualmente, cha­ma-se Sandra Harrison e é americana.

— Sei perfeitamente quem é a, Senhorita Harrison.

— Então, vou lhe falar de Isabelle Cavallier. É francesa e veio passar uns dias em Nassau,             nos conhecemos em Paris, há certo tempo, e agora nos reen­contramos aqui.

O Major Finley mordeu os lábios.

— Quando pedi que me dissesse a verdade, não me referia às suas relações com essas senhoras, Senhor Duc. O senhor está se fazendo de engraçadinho, po­rém, minha paciência já se esgotou... Quero que explique, e o senhor sabe muito bem porque tem havido tantas mortes?

— Deve fazer parte da temporada de caça.

— Duc!

— Desculpe-me, major. O senhor está me aper­tando tanto que não tenho outro jeito senão lhe confessar...

— Outra advertência, Raymond. Não tente enga­nar-me, pois já estou informado, por seu dossiê, que você é um garganta. Já enganou a muita gente nos quatro cantos do mundo, mas se pensa que vou acreditar na primeira estória fantástica que me contar, está completamente enganado.

Duc respirou profundamente.

— Major vou contar a verdade, nada mais que a verdade.

— Adiante, Duc.

O agente apoiou-se na mesa, como se fosse dizer algo em tom confidencial.

O gordo Henry Cott, que não parava de enxugar o suor do rosto com um lenço, inclinou-se também, para não perder o mínimo detalhe.

— Major, trata-se de um assunto muito perigoso.

— Eu já havia percebido... — comentou Henry Cott.

— Muito grave — acrescentou Raymond.

— Diga de uma vez! — gritou o major.

— Trata-se de uma formiga de duas toneladas... Conseguem imaginar? Uma formiga que pesa como um tanque, com dois ferrões capazes de partir um homem ao meio...

— Puxa chefe — disse o gorducho. —- Não deviam permitir que uma formiga assim saísse do formigueiro.

O rosto do major estava congestionado.

— Henry! — berrou ele, dando um murro sobre a mesa. — Isso não passa de uma fábula Como se po­de acreditar que exista uma formiga pesando duas to­neladas? Não poderia existir tal coisa num formiguei­ro!

— É, chefe. Tem razão. Não pode ser verdade.

O Major Finley quase enfiou o dedo no rosto de Raymond.

— Duc, já lhe disse que minha paciência, se es­gotou.

— Lamento major. Se não acredita, é problema seu...

— Eu pretendia até ajudá-lo...

— Ajude-me, major. Lutaremos juntos contra essa formiga monstruosa.

— Cale-se, Duc! — Naquele momento, bateram à porta e o major man­dou que entrassem.

Apareceu um guarda, que informou:

— Major, dois passageiros do carro sinistrado foram identificados.

— Quem é?

— Jameu Macyherson e Tora Brower... Estavam metidos na rede de contrabandistas de drogas, há um ano que trabalham em Trinidad... Não tínhamos no­tícias deles há alguns meses.

— Obrigado, Phil. Pode se retirar. O guarda saiu do gabinete.

O major sorriu enquanto seus olhos brilhavam in­tensamente.

Como vê Senhor Duc, não conseguiu enganar-me como às outras pessoas... Já sei de tudo, agora!

— Verdadeiramente, major?

— O senhor foi enviado por seu governo para com­bater essa rede de contrabandistas de drogas que opera nos cinco continentes... Não sei como vocês a deno­minam, mas nos á conhecemos como a rede Escarlate, pois segundo nos parece é dirigida por uma mulher...

— Bem, fui descoberto.

O Major Finley sorriu satisfeito. — Devo informar-lhe algo, Duc...

— Pede dizer, chefe.

— Estamos mais adiantados do que vocês.

— Não diga...!

— Muito em breve, apanharemos essa mulher. Tal­vez seja questão de dias...

— Estupendo major. Estou disposto a cooperar com vocês.

— Não, Senhor Duc.

— Recusa a minha colaboração?

— Perfeitamente. — Raymond encolheu os ombros.

— Lamento chefe. Pensei que minha experiência lhe serviria de algo.

— Será seu primeiro fracasso, Senhor Duc.

— É possível.

— E agora, pode retirar-se... Antes quero dizer algo a estas senhoritas.

As duas mulheres pararam coradas.

— Senhoritas, aceitem um conselho, fujam desse homem como da peste.

— Você ouviu Isabelle — disse Sandra. — Este ho­mem não lhe convém.

— O mesmo lhe digo eu, Sandra. Afaste-se desse homem o quanto antes.

Isabelle agarrou-se ao braço direito de Raymond e Sandra ao esquerdo.

— Até à vista, major — disse Duc. Os três saíram do gabinete.

O Major Finley e o detetive Henry Cott ficaram abestalhados.

— Chefe — perguntou o gordo Henry Cott. — Que é que tem esse sujeito?

— Não sei maldito seja! Bem que eu gostaria de descobrir.

— Ouça chefe, deve ser feitiçaria. Conheço uma mestiça que pratica o vodu. Ela utiliza olhos de rã caçada num sábado de lua cheia...

— Silêncio, Henry!

— Sim, senhor...

— Siga Raymond.

         — Mas chefe, o senhor falou que já estava na di­anteira.

— Não podemos perder esse homem de vista. A qualquer momento, ele pode se adiantar e eu teria de me demitir. Antes, porém, eu faria um massacre entre os agentes que estão às minhas ordens. Ouviu bem, agente Cott?

Sim, senhor...

 

Acabavam de chegar ao bangalô de Sandra.

Raymond percebeu que as duas jovens continua­vam inimigas irreconciliáveis e que Sandra não se dei­xara convencer pela estória da formiga de duas tone­ladas.

— Sandra — disse ele depois de sentar-se em uma confortável poltrona e acender um cigarro. — Preciso lhe dizer algo muito importante.

A moça estava preparando uns uísques.

— Oh Raymond! Se vai me pedir em casamento, é melhor esperar para quando estivermos sós.

Isabelle virou-se para ela com a ligeireza de uma cobra.

— Já o fisgou, Sandra?

— Sim, querida. Já lancei minha rede e não vou permitir que outra pescadora tente apanha-lo.

— Você não é mulher de me fazer ameaças... Quer que eu lhe jogue um jarro na cabeça?

— Por favor, chega de brigas e gritos — interveio Ray. — Já ouvi demais no gabinete de Finley.

Sandra aproximou-se com uma bandeja onde ha­via três copos. Ofereceu um a Isabelle, enquanto dizia baixinho:

— Que pena eu ter esquecido de por veneno!

— O veneno está à sua, mão, sai-lhe pelos olhos, de modo que não há motivos para se lastimar, querida.

— Vão começar outra vez? — exclamou Raymond. Apanhou um dos copos e bebeu um grande gole.

— Sandra, a estória da formiga é verdadeira — disse ele.

Sandra deu uma gargalhada.

— Foi ótima essa piada da formiga. O Major Fin­ley quase acreditou...

— Meu bem, repito que falei a verdade ao major.

— Raymond, o que mais me agrada em você é sua imaginação... Suas estórias são encantadoras.

Duc olhou para Isabelle e deu um suspiro.

— Está vendo Isabelle, ela não acredita em mim.

— Não insista talvez a formiga tenha a ideia de dar uma voltinha por aqui, aí então, seus ferrões a convencerão.

— É isso que você deseja — disse Sandra, que eu seja partida em pedaços.

— Sandra, para seu próprio bem é preciso que você não duvide das palavras de Raymond.

— Já percebi, os dois estão de comum acordo, que­rem eliminar-me de sua companhia. Não é isso, Ray­mond?

— Não, querida.

— Seu traidor, seu miserável...!

— Acalme-se Sandra.

— Pois sim que vou me acalmar! Compreendo ago­ra que tipo de entrevista tiveram vocês dois no jardim. E você tem o descaramento de trazê-la até minha casa. Que desejam? Que eu seja a madrinha desse amor su­blime? Pois sim! Não admito isso! Nunca admitirei! Você está ouvindo, Raymond Duc? Sou uma mulher e não posso suportar certas coisas que ferem meu con­ceito da moral...

— Meu bem — disse Raymond, depois da violenta cena de Sandra. — Não sei como convencê-la de que estou falando a verdade.

Naquele instante, o telefone tocou. Sandra aten­deu-o.

— Alô?

— Por favor, desejo falar com o Senhor Duc — disse uma voz de homem.

— Como sabe que ele está aqui?

— Eu sei de muitas coisas, Senhorita Harrison.

— Vou chamá-lo — Sandra passou o telefone para Raymond. — É para você, Raymond.

— Quem é?

— Não disse.

Raymond apanhou o aparelho das mãos de San­dra.

— Com quem estou falando?

— Já me conhece, Senhor Duc.

— Caramba, a voz misteriosa das Bahamas!

— Senhor Duc, pode comprovar agora que eu não estava brincando...

— Claro que não, eu sabia desde o primeiro mo­mento.

— O senhor falou-me que iria obedecer e se afas­taria do caso.

— Não, amigo, eu não disse isso. Você compreen­deu-me mal...

— Seja como for, o senhor já teve a oportunidade de constatar como eu ajo.

— Perfeitamente Voz Misteriosa das Bahamas, já constatei como trabalha e por isso, desejo dizer-lhe algo muito es­pecial.

— Diga.

— Você é um grande patife...!

O desconhecido deu uma gargalhada.

— Senhor Duc, parece estar muito zangado.

— Você verá, quando eu apanhá-lo de jeito.

— Quer dizer que vai continuar nessa estória.

— Ouça, são vocês que deverão pular fora desta estória, pois, caso contrário, se darão muito mal. Deixem o Doutor Cavallier em liberdade. Sua desco­berta pertence-lhe exclusivamente e ele pode oferecê-la a quem bem entender.

— Sucede que deseja vendê-la ao governo francês.

— Respeitem então sua decisão.

— Não podemos Senhor Duc.

— Porque não?

— Durante muitos anos, nosso chefe tem buscado o que o Doutor Cavallier descobriu.

— Quem é seu chefe?

— É segredo Senhor Duc, mas posso lhe garantir que se trata, atualmente, do homem mais poderoso do nosso planeta.

— Não me faça rir Voz.

— Pode rir à vontade, mas é verdade. Nosso chefe possui um poder superior ao das potências atômicas.

— Está blefando!

— Creia ou não, nosso chefe Senhor Duc, é mais poderoso do que os Estados Unidos com todo o seu ar­senal atômico... Mais poderoso que a Rússia com to­dos os seus satélites para bombardeios nucleares...

— Conte-me agora a anedota da viúva.

— Imagino que conhece todas as de viúva e por isso, não vou perder meu tempo. Falta-lhe agora saber o mais importante.

— O que, Voz?

— Estive falando para entretê-lo.

— Pois me distraiu muito pouco. Prefiro coisas mais movimentadas.

         — Muito interessante Senhor Duc, porém daqui a pouco, vai ter a prova de que meu patrão é o homem mais forte que existe no planeta chamado Terra. É uma pena que eu não volte a falar-lhe.

E o homem desligou.

Raymond ficou alguns instantes com o telefone na mão.

— Que houve Raymond? — perguntou Isabelle.

— Não estou gostando disso.

         — O que é que te aborreceu?

— O que este camarada acaba de dizer. — Raymond sacou a pistola.

— Mas, o que foi que ele lhe disse? — inquiriu á francesinha.

— Que ia dar-me uma prova convincente do poder de seu patrão...

— Que queria dizer com isso? — perguntou Isa­belle.

— Receio o pior.

De repente, a parede do lado direito da sala des­moronou.

Sandra deu um berro ao ver a parede se fragmen­tar e os vidros das janelas seriem estilhaçados.

— Para trás garotas — gritou Raymond. — Para o fundo da sala!

Teve porem, de arrancá-las das poltronas e em­purrá-las para o canto.

A parede mais perto do jardim desmoronou ainda mais, e a parte superior foi destruída, levantando uma poeirada.

Raymond viu algo avermelhado através do buraco que fora aberto. Sandra gritou:

— Que é isso?

Cascalho e tijolos despencaram ante a nova inves­tida do estranho ser que se encontrava no jardim.

Raymond apertou a coronha do revólver, enquanto recuava protegendo as duas jovens.

Por entre os destroços viram aparecer algo.

Uns ferrões espantosos, gigantescos...

— É outra formiga! — exclamou Isabelle. Sandra encostou-se a parede, estava paralisada.

Com a boca aberta...

O horrível monstro moveu-se outra vez e suas te­nazes seguraram um montão de cascalhos e pedras, arrojando-os para o lado, como se fossem de papelão.

— Vai nos matar! — berrou Isabelle. Raymond ergueu a pistola, mas não quis disparar ainda. A formiga estava distante. O rapaz queria atin­gi-la num ponto vital, pois tinha a certeza de que as balas nada fariam contra os ferrões.

A formiga passou uma das patas por cima dos cascalhos. O outro pedaço da parede, que ficara de pé, veio abaixo. E a formiga aproximou-se deles balançando sua enorme cabeça.

As duas mulheres taparam o rosto, sem parar de gritar.

— Para a porta — ordenou Raymond. — Saiam daqui!

As duas, todavia, estavam paralisadas, cheias de pânico e não deram um só passo para escapar.

A formiga continuava a avançar.

Raymond apontou para a cabeça e fez fogo. As duas balas resvalaram na carapaça da formiga gigan­tesca.

Como supunha, sua tentativa fracassara. A formiga continuava a avançar em sua direção, já distava apenas três jardas.hhhhhhhhh

Raymond disparou uma, outra vez, mas o resultado foi o mesmo. Apertou mais uma vez o gatilho, mas a arma produziu somente um ruído metálico, pois ficara sem munição. O agente arrojou a arma contra o bicho repugnante.

Nesse instante, o agente teve uma ideia. Apanhou rapidamente a caixa de fósforos, pegou um tapete e com ele envolveu uma cadeira. Acendeu um fósforo e deixou-o cair sobre o tapete, ativando o pequeno in­cêndio.

Raymond pegou a cadeira pelas pernas e balan­çou-a de um lado para o outro, avivando as chamas ainda mais. Levantou aquela arma e jogou contra a formiga, que já estava com as pinças abertas.

A cadeira com o tapete em chamas bateu na ca­beça da formiga e o fogo se prendeu ao animal, como se este fosse de fácil combustão. Ouviu-se um autênti­co rugido.

A formiga ergueu as tenazeshhhhhh no ar, abrindo-as ao máximo, porém, as chamas as alcançaram, antes que elas atingissem os três jovens.

Parecia que a formiga estava coberta de pólvora, dada á rapidez com que as chamas envolveram seu corpo.

O bicho quis recuar, mas já era uma pura foguei­ra, da cabeça às patas traseiras. O fogo começou a con­sumir o animal. Em apenas trinta segundos, aquele monstro de uns dez metros de altura foi diminuindo ate converter-se em cinzas.

As mulheres tiraram as mãos do rosto para con­templar aquela cena.

Ninguém seria capaz de acreditar que aqueles res­tos carbonizados fossem, há poucos instantes, uma for­miga gigantesca.

Sandra e Isabelle aproximaram-se ao mesmo tem­po de Ray.

— Ray — disse Sandra. — Abrace-me para conven­cer-me de que tudo não foi um mero pesadelo.

Con­tudo, Isabelle aproximou-se também, lançando-se so­bre o peito de Duc.

O agente do Deuxième Bureau não quis estabelecer privilégios, de modo que ofereceu um braço a cada mo­ça, abraçando as duas.

— Já acabou tudo isso... Vamos sair daqui. Vou levá-las para um hotel.

 

O Major Finley viu Henry Cott entrar correndo em seu gabinete.

— Não sabe bater, agente Cott? — O gordo Henry deu uma topada e soltou um grito.

         — Perdão chefe, mas esqueci-me.

— Que houve? Henry, não me diga que perdeu a pista de Raymond Duc...

— Sim, chefe. Perdi.

— Já sei. O senhor é um inepto. Duc convidou-o para beber em algum bar, embriagou-o e desapareceu.

— Não, chefe. Não foi assim. Fui eu quem veio embora.

— De onde?

— Da casa da Senhorita Harrison, onde Duc entrou com as duas moças... Eu fiquei no jardim.

— Henry, isso vai lhe custar muito caro! Fez a sua vigilância em companhia de uma garrafa e entre um gole e outro...

— Não major, não foi assim.

— Diga-me de uma vez o que houve Henry!

— É o que tento fazer e o senhor não me deixa.

— Fale imediatamente!

— Estava no jardim, em cima de uma árvore, quan­do ouvi um barulho às minhas costas. Era como se um animal estivesse se arrastando pelas plantas. De re­pente, eu o vi surgir.

— Era o cão de guarda da Senhorita Harrison.

— Não, major, não era um cão. Eu diria mais que eram cem cães ou melhor mil cães.

— Harry deixe de falatórios!

— Major, na verdade era somente um animal... Um só... E sabe o que era? Uma formiga. Era isso, uma formiga...

— Henry!

-— Às suas ordens, major.

— Já sei o que se passou.

— Sabe chefe? Garanto que deram a ela óleo de bacalhau, também eu tomei quando criança. O senhor devia me ver com doze anos, pesava quase cem quilos. Emagreci graças a um tratamento.

— Chega de asneiras Henry! Já disse que sei o que houve!

— Que foi?

— Raymond Duc o hipnotizou.

— O quê?

— Já me ouviu. Esse homem tem uma faculdade de influenciar seus semelhantes. Você estava aqui quando ele falou de uma formiga gigante. Ele procura­va nos enganar e assim, depois que saiu daqui, deve ter conversado com você e insistido sobre a existência desse bicho.

— Major, eu lhe juro que vi essa formiga... Vi com esses olhos que a terra há de comer, se eu não morrer em alto mar.

— E isso vai suceder, caso você continue a dizer bobagens, Henry. Está completamente bêbedo.

— Sim, senhor.

— Então, confessa.

— Não, senhor. Quis beber depois de ver a formi­ga. Eu estava no jardim da Senhorita Harrison quando a vi aparecer... Passou a umas dez jardasiiiiiiiiiii e não me viu. Com seus ferrões podia ter feito picadinho de mim... Num instante, pôs abaixo a casa da Senhorita Harrison.

— Quer dizer que a formiga pôs a casa abaixo...

— Sim, senhor, Raymond Duc estava lá dentro com as duas moças. Ouvi seus gritos! Não pude me contro­lar e corri. Sou um covarde major. Devia ter ten­tado ajudá-los. Coitado do Senhor Duc! Como era sim­pático! E as moças tão bonitas... Agora não atraem nenhum, não sobrou nada, major...

Finley ergueu-se de um salto.

— Henry vou fazer uma comprovação! Venha co­migo até a casa da Senhorita Harrison!

— Essa não chefe! A formiga gigante pode estar ainda por lá e acabar conosco!

— Essa formiga é pura imaginação de sua parte... Vamos!

O Major Finley e o detetive Cott viajaram num jipe da Polícia.

O gorducho comentou quando chegaram:

— Olhe major. A parede está destruída, conforme eu lhe falei...

Os dois saltaram do jipe e entraram no vasto jar­dim que rodeava a casa de Sandra.

— Não pode ser maldito! — gritou Finley. Naquele instante, viram Raymond Duc sair da casa, acompanhado por Isabelle e Sandra, cada uma carre­gando uma pequena valise.

         — Como vai, Major Finley? — perguntou Duc.

— Quem fez isso? — inquiriu o major, apontando para a parede.

— Se eu lhe disser o senhor não irá acreditar.

— Já sei. Uma formiga...

— Magnífico chefe... O prêmio é seu. Vai ficar ou vai dobrar?

— Quer dizer então que a formiga...? — riu o Major Finley sacudindo os ombros. — Acredita que pode me hipnotizar do mesmo modo como fez com o Cott? Está enganado Senhor Duc. Sou um homem de vonta­de firme, por isso cheguei ao posto que ocupo atual­mente... Não conseguirá me enganar, já lhe disse uma vez.

—- Está bem, major. Se não acredita, é problema seu.

— Claro que sim.

— Ei, chefe! — interveio Henry Cott. — Não viu a destruição ocasionada pela formiga na casa?

— Aqui está a formiga! — gritou. — Henry deu um pulo.

— Aonde chefe?

O Major Finiey abaixou-se e apanhou algo no chão, mostrou uma formiga na palma da mão.

— Eis aqui a enorme, gigantesca formiga que, jun­to a mil outras, foi capaz de destruir esta parede... Olhe-a bem, Henry... Tenha cuidado e não se apro­xime muito, porque ela pode atacá-lo com suas pode­rosas tenazes...kkkkkkkkk

O Major jogou a formiga no chão. Estava muito furioso.

— Bem Duc. Agora que sua mentira não deu re­sultado, espero que perceba haver encontrado em seu caminho alguém mais esperto do que você...

— Sim, major.

— Henry, vamos embora daqui...

O detetive enxugou o suor do rosto com o lenço. Viu o Major Finley dirigir-se para o jipe e olhou para Raymond encolhendo os ombros.

— É um cético. Diga-me uma coisa, Senhor Duc, o que aconteceu à formiga gigante?

— Queimei-a, Henry...

— Muito bem, Senhor Duc.

O problema é que podem existir outras.

— Diabos, vou pedir férias ao Major Finley, agora mesmo. Vim para as Bahamas porque gosto do calor, mas agora, prefiro o frio. Solicitarei remoção para a zona, mais gelada do Canadá!

Henry correu em direção de seu chefe que já es­tava tocando a buzina do veículo.

 

Doutor Max Hauser bebeu um pouco de seu Martini.

— Eu lhes avisei que essa formiga não estava per­feita para funcionar, vocês se precipitaram. A substân­cia, do Doutor Cavallier devia ter sido misturada com Gerum-3. Isso a faria mais forte, tornando-a imune ao fogo. A estas horas, o intrometido do Raymond Duc estaria convertido numa pasta informe.

O Professor Hauser era alto, louro, de queixo proe­minente e usava óculos, pois era muito míope. Dirigia-se naquele instante, a duas pessoas que se achavam em sua companhia em uma sala luxuosa.

Uma delas era uma mulher de beleza fascinante. Usava calças compridas bem justas, que aderiam a seu corpo bem talhado e uma blusa colante, vermelha. Des­calça punha à mostra seus pés, cujas unhas estavam pintadas de dourado e uma pulseira de ouro no torno­zelo direito, servia-lhe de adorno. Fazia ginástica, parando de vez em quando, para apanhar o copo de uísque colocado sobre uma mesinha...

Após um gole, disse ela:

— Não sei por que tanto medo em relação a um só homem. Que pode fazer ele contra nosso imenso poder?

A outra pessoa era um homem, cujos lábios, cur­vados para baixo davam-lhe um eterno sorriso.

Sei muito bem quem é Raymond Duc, Natalie — disse ele a jovem. — Um homem que não conhece o medo... Rápido e certeiro... Um sujeito que sabe como agir em qualquer lugar e que possui um dom fabuloso...

— Que poder tão especial é esse? — perguntou Natalie

— Fazer com que as mulheres que atravessem seu caminho se apaixonem por ele.

Natalie estava tocando a ponta do pé direito com a mão esquerda e levantou-se. Seu rosto estava muito sério, o que fazia ressaltar sua grande beleza.

— Eu jamais me apaixonaria...

O Professor Hauser interveio:

— Talvez porque você não é uma mulher — a jovem fulminou-o com o olhar.

— Doutor, o fato de que eu lhe tenha negado meus favores não lhe dá o direito de dizer essas palavras.

O Doutor Hauser corou ligeiramente.

— Não nos afastemos do problema capital —- re­plicou. — O fato de Raymond Duc continuar vivo de­monstra que nossas ameaças não serviram para na­da... Ele foi até capaz de destruir o formigão que lhe enviamos... Que acha você, Frankie?

Frankie Murray era o homem, do eterno sorriso.

— Minha opinião é que a experiência do Doutor Cavallier não está terminada.

— Falta-lhe o meu Gerum-3.

— Não se provou ainda a eficiência do Gerum-3, Doutor Hauser.

— Deixem-me então demonstrar o que digo.

— Não possuímos dose suficiente do composto de ácido nucleico, só o teremos quando o destilador atô­mico do Doutor Cavallier comece a funcionar... Dou­tor Hauser, o senhor nos disse que esse destilador ficaria pronto em três dias, já passamos deste prazo e o destilador não está ainda funcionando.

— Não tenho culpa disso.

— Quem é o culpado, então?

— O Doutor Cavallier não está dando o máximo de sua capacidade produtiva.

— O senhor é o responsável por isso. Garantiu que conseguiria enganá-lo, que o Doutor Cavallier tra­balharia pensando que suas experiências estavam sendo custeadas pelo governo francês, que receberia as infor­mações dos resultados obtidos.

— Foi assim que fiz Senhor Murray.

— Está certo de que seu colega acreditou nisso Doutor Hauser?

Max Hauser mordeu os lábios.

— Porque titubeia, doutor? — perguntou Murray.

— Há alguns dias atrás, o Doutor Cavallier estava convencido da verdade de minhas palavras.

— Quer dizer que já não está mais?

— Tenho as minhas dúvidas.

Frankie Murray levantou-se da cadeira.

— Não pode pairar dúvida alguma em relação a este trabalho Doutor Hauser. Já gastei dez mil dóla­res em três meses, fiz uma inversão de cinquenta mil no laboratório... O senhor disse que não falharia, mas seus fracassos se sucederam até que um colega seu surgiu com esta descoberta sensacional. O Doutor Cavallier tomou-lhe a dianteira.

— Íamos por caminhos diferentes, mas o resulta­do cientifico seria o mesmo.

— Mas ele chegou antes a este resultado.

— Quando se trabalha num laboratório nunca se sabe a que distância se está do êxito,           pode-se estar bem perto e, de repente, afastar-se dele sem per­ceber.

— Suas desculpas não me interessam Doutor Hau­ser. Não sou um cientista como o senhor, sou um ho­mem prático... Quero essa droga e não descansarei enquanto não consegui-la.

— Não se trata de uma droga.

— Pouco me interessa como vocês a classificam. Para mim é uma; droga maravilhosa... Fale com o Dou­tor Cavallier, convença-o de que deve intensificar seus esforços. Vou conceder-lhe duas horas para que me dê uma data certa para o término da experiência. Já sabe, quero obter essa substância que o destilador atô­mico pode produzir. Se o senhor não for capaz de con­seguir isso, eu entrarei em ação. E garanto-lhe que não vacilarei Doutor Hauser...

O doutor balançou a cabeça.

— Falarei com o Doutor Cavallier, agora mesmo — dizendo isso, retirou-se da sala.

Natalie Keller pôs-se a rir.

— Você não devia ter falado assim com o Doutor Hauser na minha presença.

— Porque não?

— Ele está apaixonado por mim e, para um ho­mem nessas condições é muito humilhante ser censu­rado assim na presença da mulher amada.

— Não tenho tempo para andar com preocupa­ções psicológicas... O "Grande Mago" deu-me ordens bem claras... E tenho de pô-las em prática...

— Frankie, quando você falara de novo com o "Grande Mago"?

— Esta noite.

— Porque não me leva com você?

— Para que?

— Para conhecê-lo.

— Não é possível...

— Que mal existe?

— Será que você não compreende que o "Grande Mago" não deseja ser visto por mais ninguém. Sou a única pessoa que o vê pessoalmente.

— Como ele é?

— Perde seu tempo, não vou descrevê-lo para você.

— Seu tolo, pensa que desejo trai-lo?

— Amoreco, já trabalhamos juntos há muito tem­po. O "Grande Mago" deu-me essa oportunidade fa­bulosa de realizar seus projetos, sou seu braço direito e você tornou-se o esquerdo. Conforme-se com isso...

— Está bem, Frankie, não se zangue.

— Venha, cá.

— Para que?

— Já lhe disse para vir!

Natalie Keller deu um suspiro e aproximou-se da poltrona onde Frankie Murray estava sentado. Este a abraçou, beijando-lhe os lábios.

De repente, afastou-a de si com violência, jogando-a no chão.

— Que houve Frankie?

— Que mulher é você?

— Não compreendo. Você sempre disse que jamais encontrara alguém tão atraente.

— Mas você é um pedaço de gelo. O Doutor Hauser tem razão... Não existe em você nem um pouco de paixão.

Ela lançou a cabeça para trás num gesto vaidoso e sorriu, mostrando os dentes que mais pareciam pé­rolas.

— Não me acha sedutora?

— Você conhece as atitudes que deve utilizar uma mulher para enlouquecer um homem, mas é preciso al­go mais. O amor é um jogo de dois seres, cada um deve atuar com o máximo de entusiasmo.

— Talvez eu não tenha nascido para isso. — Frankie levantou-se e abraçou-a pelo pescoço.

— Solte-me, Frankie. Está me machucando.

— Não me corresponda com reclamações.

— Lamento Frankie.

O rapaz abaixou-se e beijou-a na boca, porém, Natalie continuou insensível enquanto Frankie a abraçava com todas suas forças.

 

O Doutor Alain Cavallier estava imóvel, sentado em uma cadeira, com o olhar fixo em uma proveta, onde um líquido fervia. Ouviu a porta se abrir, mas não se dignou em olhar.

O Doutor Hauser entrou no laboratório, aproximan­do-se de seu colega.

— Alain, como vai o destilador atômico?

Alain Cavallier andava pelos cinquenta anos, pos­suía um rosto nobre, de feições suaves.

— Vocês jamais terão o destilador atômico.

— Que está dizendo, Alain?

— Você me traiu, Max.

— Não sei de que está falando...

— Você me tornou um traidor de meu país, do mundo inteiro e agora quer me obrigar a passar por cima dos direitos humanos.

— Ficou louco, Alain?

— Você é que ficou louco, vendeu-se àquele ho­mem.

— Presumo que o homem a que você está se refe­rindo é o representante do governo francês, o Senhor Berthier.

— Chega de mentiras. Esse homem jamais foi re­presentante do governo francês.

— Não entendo Alain.

— Entende perfeitamente. Abusou de minha confiança... Aproveitou-se de minha boa fé. Não precisa defender-se, pois ouvi tudo. Há alguns dias saí a sua procura para fazer uma pergunta. Fui ao seu quarto e escutei a conversa entre esse sujeito e você... Estou trabalhando para um homem que se intitula o "Gran­de Mago". Quem é ele?

— Não sei, nem quero saber.

— Eu quero Max...

O Doutor Hauser cobriu o rosto.

— Por favor, Alain, procure tirar de sua cabeça essas complicações.

— Você perdeu a razão. Compactuou com esses ho­mens. Eu o julgava um cientista e você não passa de um vigarista...

— Creio que seu julgamento é forte demais.

— Você o merece.

— Alain, ouça-me... Dediquei minha vida ao la­boratório. Desde criança, bem menino, fiquei obsecado em achar a substância, que era princípio e erigem da vi­da... Apaixonei-me pelo assunto lendo os filósofos gre­gos, enquanto outros meninos liam estórias de índios e aventuras de piratas... Achava excitante o que dei­xaram escritos aqueles homens da Grécia antiga... Eles também procuravam a origem da vida. Uns diziam que era o ar, outros a água, outros o fogo... Chega­ram a inventar palavras para batizarem a matéria pri­mária. Prometi a mim mesmo que á descobriria um dia. Estudei, lutei e trabalhei com afinco. No princípio, não desanimava com os fracassos. Meus êxitos eram relati­vos, demasiadamente insignificantes... Quando o co­nheci era Paris, percebi que você seria o único homem no mundo capaz de descobrir o que eu e centenas de outros procurávamos.

A voz de Hauser se tornara sombria, parecia um homem arrasado.

— Desde então Alain estudei toda a sua obra, acer­ca de suas experiências.

— Por isso veio para as Antilhas.

— Sim, Alain, queria estar perto de você, porque sabia que um dia a vitória seria sua. Por esta razão me tornei seu amigo.

— Isso não justifica sua conduta, Max... Você traiu a integridade científica...

— Um dia num clube noturno, embriaguei-me. Falei com um homem, expliquei meus trabalhos, o que pretendia conseguir, que estava perto do suces­so... Era pura mentira, ele ofereceu-me dinheiro, mui­to dinheiro em troca do que eu, supostamente, estava a ponto de alcançar com minhas experiências. Necessi­tava de dinheiro, não tinha mais e não queria voltar a dar aulas em Bonn. Eu não esperava mais nada da vida. Por isso, fraquejei...

— Lamento muito, Max... Tenho pena de você.

— Alain, você não pode me abandonar agora.

— Como tem coragem de dizer isso?

— Prometi ao Murray que conseguiria para ele a substância primordial da vida.

— Não tenho nada a ver com as suas promessas. Não contem comigo.

— Eles me matarão, Alain. Você não conhece essa gente. São capazes de tudo.

— Sinto muito, Max, mas não posso fazer nada, por você.

— Não! Pois você está redondamente enganado. terá que trabalhar! Não pense que o único em perigo sou eu, você também...

O Doutor Cavallier sorriu amargurado.

— Acredita que sinto medo, Max?

— O mundo é maravilhoso, Alain. Teremos muito dinheiro, já sofremos tanto e não recebemos o menor agradecimento de ninguém.

— Nada fiz até hoje para receber agradecimentos. É um prazer para eu trabalhar e isso me basta.

— Há coisas de que você desconhece totalmente a existência... Prazeres, aventuras excitantes... Pas­samos nossas vidas como as cobaias, engaiolados, sem divertimento algum. Graças, porém, à sua descoberta, poderemos desfrutar de tudo o que há de melhor neste mundo, o que a maioria dos homens deseja...

— Eu não.

— Alain, convença-se. Poderemos recuperar todo esse tempo tão mal utilizado.

— Não sinto arrependimento de nada do que fiz... Minha vida tem sido muito feliz.

— Você não sabe o que diz.

— Você é que não sabe Max.

— Ouça bem Max... Eles são muito podero­sos... Estamos em suas mãos... Se você não quiser trabalhar por bem, trabalhará por mal...

— Já lhe disse que não tenho medo da morte. Ande, vá dizer a seus patrões que não pretendo fazer nada. Durante todos esses dias sabotei minhas expe­riências. Não avancei um milímetro que seja...

— Contudo, você já obteve a primeira substância, a variante do ácido nucleico, que fez a formiga crescer...

— Tenha em mente que consegui isso antes, quando sua palavra ainda tinha valor para mim, mas não destilarei uma gota que seja a partir desse ins­tante...

— Você se esquece de que temos ainda uma garrafa e que ela está em poder de Murray.

— Ajude-me a destruí-la Max.

— Não farei tal coisa... Você é que tem de se convencer que é preferível trabalhar para eles...

— Não Max, não conte comigo...

— É sua última palavra?

— Sim, Max.

O Doutor Hauser saiu precipitadamente do labo­ratório, dirigindo-se para a sala.

Natalie já havia terminado com a sessão de ginás­tica. Estava sentada numa poltrona, fumando um ci­garro.

Frankie Murray lia um jornal, recostado no sofá.

— Senhor Murray — disse Max.

— Que houve doutor?

— O Doutor Cavallier já sabe que o senhor não é representante do governo francês. Não quer prosse­guir com suas experiências.

Murray deixou cair o jornal no chão e encarou Max Hauser com a testa franzida. De repente, começou a rir.

— Foi essa a resposta do Doutor Cavallier?

— Sim, declarou que era essa sua atitude defini­tiva.

— O senhor é mais burro do que eu pensava, Doutor Hauser.

— Não tenho a menor culpa. Ele contou-me que veio até meu quarto e ouviu, casualmente, uma con­versa nossa. Nesses últimos dias nada fez para adiantar o trabalho.

— Meu sexto sentido não falhou.

— Ameacei-o de morte, mas ele não se importou.

— Não diga bobagens, até hoje não encontrei um homem que não se interessasse por continuar a viver.

— O Doutor Cavallier é uma exceção.

— Veremos isso agora.

Murray encaminhou-se para o laboratório Natalie levantou-se e seguiu-o, dizendo:

— Não quero perder este espetáculo.

Os três penetraram no local de trabalho do Dou­tor Cavallier.

O sábio levantou-se e encarou Murray.

— Seu empregado lhe deu minha resposta?

— Sim, doutor. Já soube.

— Não quero nada mais com vocês... Desejo ir embora...

— O senhor pode possuir uma inteligência excep­cional, mas é muito ingênuo... Acredita, verdadeira­mente, que sairá daqui?

— Sim, vivo ou morto.

— Bela resposta... Pena que seus compatriotas não saibam dessas palavras, garanto que as incluiriam em livros didáticos, ao lado de Sócrates, Napoleão e outros mais... Mas está cometendo um erro muito grave, doutor. O senhor vai continuar a trabalhar para nós...

— Mate-me, se quiser — Natalie interveio.

— Murray, porque não me deixa a sós com o Dou­tor Cavallier?

Moveu-se languidamente, com grande sedução e parou na frente de Alain Cavallier.

— Doutor, não gostaria de me ter como prêmio?

— Mulheres como você se obtém facilmente com dinheiro, não valem uma descoberta científica.

Murray deu uma gargalhada.

— Natalie, parece que você achou a fôrma para seu sapato.

Os olhos da formosa Natalie fuzilavam.

— Doutor sou capaz de arranhar-lhe todo o rosto!

— Não aconselho, seria uma vingança mesquinha demais para você. Além do mais, seu chefe preferirá outros tipos de tortura a simples arranhões.

— Está enganado, doutor — disse Murray. — Não precisaremos tocar em um só fio de seu cabelo para que coopere conosco. Sua filha...

Um silêncio maldoso seguiu-se a essas palavras. O rosto de Alain Cavallier empalideceu pronta­mente.

— Ela está a salvo — balbuciou.

— Tem certeza, doutor?

— Ela não está em seu poder.

— Perfeito. Ainda não, mas poderemos...

— Não a toquem!

— Isso dependerá exclusivamente do senhor, doutor.

         — Canalha!

— Doutor, é preciso esclarecer uma coisa... O senhor ia realizar suas experiências se eu fosse Ferpand Berthier, representante do governo francês? Ou estou enganado?

— Não, não está enganado.

— Ótimo. Então faça de conta que foi esse mesmo governo quem me autorizou.

—- Não posso admitir, como verdade, algo que não passa de deslavada mentira.

— Doutor, que diferença existe se é o governo francês ou um grupo de homens quem tenha em suas mãos a sua descoberta? O fim é sempre o mesmo, se a França tem o monopólio da descoberta, quererá tam­bém dominar o mundo.

— Não creio.

Murray esboçou um sorriso.

— Isso é uma opinião relativa. Diz que não crê, mas não tem certeza disso. Todos os países disputam a posse de uma arma decisiva, que lhes proporcione o domínio do mundo. Nenhum delas quer compartilhar seus segredos. É fato o que dizem os políticos. Só então dispostos a ceder quando suas armas se tornam adequadas ou quando não alcançam o equilibro de forças. Porém não cessam de despender milhões a um meio de obter que lhes proporcionem o poder sobre os demais.

— Sua aula de política não me convenceu Senhor Murray.

— Muito bem doutor. Se não lhe está agradando, darei a aula por terminada, mas o senhor vai trabalhar para nós, vai obter essa arma decisiva, essa substancia que converte um animal insignificante num monstro. E obedecerá, porque sua filha cairá muito breve em nosso poder... Quando a tivermos em nossas mãos, pode imaginar que torturas ela sofrerá, se o senhor tornar a não nos obedecer... Sim, doutor. Terá que traba­lhar. O Doutor Hausex o fiscalizará para que saia tudo correto... Vamos, Natalie. Já acabei da conversar com o nosso famoso doutor.

Murray, Natalie e Max Hauser saíram do labora­tório.

Alain Cavallier tombou sobre a cadeira, confuso e triste.

 

Raymond Duc achava-se sozinho no seu quarto do hotel, depois de ter instalado numa suíte, do mesmo andar, as duas moças. O telefone começou a tocar.

— Alô — disse o agente esperando ouvir a “Voz Misteriosa das Bahamas".

— Duc, pensei que não o encontraria... — Era o "velho", chamando de Paris.

— Onde pensou que eu estaria chefe?

— Num hospital de doenças mentais... Acabam de me telefonar de Londres... Foi uma pessoa muito importante do Intelligence Service, que por sua vez, recebeu notícias de Nassau... Que estória é essa de uma formiga de duas toneladas?

Raymond sorriu.

— Essa formiga não é um sonho, chefe.

— Entendo... Você foi passear com uma garota no campo e ali...

— Já sei o que vai dizer chefe. A formiga se meteu na torta de maçã...

— Não sei se foi na torta de maçã ou no sanduíche de presunto, mas foi algo assim. Não negue!

— Chefe, pense num sanduíche bem grande, do tamanho da Notre Dame ou da Torre Eiffel, pois seria necessário algo desse tamanho para que a formiguinha entrasse dentro dele.

— Duc você está delirando...!

— Não chefe, vou contar mais... Esva­ziei o carregador da pistola sobre a cabeça da formiga e era como se eu estivesse jogando-lhe flores.

— Nunca ouvi maior absurdo em toda minha vida!

— Lembre-se de que outras vezes já lhe disse coi­sas assim.

— Perfeito.

— Quanta vez acusou-me de dizer coisas ab­surdas?

— Muitas.

— Eu enganei o senhor alguma vez?

— Todas as vezes que pôde...

— Chefe, se eu lhe menti alguma vez, foi por ne­cessidade a fim de proteger a honra de alguma senho­ra... Mas, desta vez não tenho nenhum segredo a guardar.

— O Intelligence Service queixou-se de que você está interferindo em assunto muito importante da al­çada deles.

— Sim, eu sei. Ao que parece, eles estão comba­tendo uma rede internacional de traficantes de drogas e pensam que estou interessado no mesmo assunto. Não insisti muito para dissuadi-los...

— Duc, essa estória da formiga é verdadeira?

— Eu já...

— Fale seu desgraçado! Que está esperando?

— Naquele mesmo momento, a porta abriu-se e Sandra entrou no quarto. Estava vestida, com uma camisola de seda. Era a imagem viva da sedução fe­minina.

— Estou bem, Raymond? — perguntou vaidosa, dando uma volta na ponta, dos pés.

— Está maravilhosa, boneca — respondeu Duc se esquecendo de cobrir o bocal do aparelho com a mão.

— Duc — berrou o "velho", lá de Paris. — Que está dizendo?

Sandra aproximou-se de Raymond e abraçou-o pe­le pescoço.

— Desculpe-me, chefe... Cuidado boneca! É pe­rigoso aproximar-se de mim deste modo...

— Duc, com quem está falando? — berrou o "ve­lho".

— Com o senhor.

— E com quem mais?

— Com a camareira, chefe... Ela me trouxe um uísque.

— Passe gelo pela cabeça.

— Eu bebo uísque a seco, chefe — Sandra beijou-o na orelha.

— Eu o amo benzinho... Você prefere Isabelle? Ela é uma idiota, garanto-lhe que mal sabe bei­jar.

— Duc... — gritou o "velho". — Estou esperan­do...

A boca de Sandra estava junto aos lábios de Ray­mond.

— Chefe, o senhor se incomoda se eu desligar?

— Que aconteceu, Duc?

— Estou numa, situação delicada.

— Entendo, a camareira é uma espiã e está apon­tando uma pistola para você...

— É isso...

— Salte sobre ela! Desarme-a!

Duc não podia saltar sobre Sandra, pois ela estava sobre ele.

— Sim, chefe, num instante... — passou o braço pela cintura da moça e olhou seus lábios entreabertos.

— Duc, o que está acontecendo? — perguntou o "ve­lho".

— Agarrei-a.

— Como ela está?

— Muito bem armada — respondeu o agente, olhando mais para baixo. — Mas já está em minhas mãos.

— Faça-a cantar.

— Correto chefe, vou tratar disso...

O "velho" começou a gritar do outro lado da linha, porém Raymond não quis escutá-lo, pousou o telefone no gancho e beijou Sandra.

— Oh, Raymond! — exclamou a morena. — Como preciso de você...!

Raymond segurou-a pelos ombros.

— Eu lhe disse para não sair da suíte. Onde está Isabelle?

— Ela ficou lá.

— Ela deixou-a sair?

— Eu não disse nada. A suíte tem duas portas... Avisei que ia tomar um banho, ela é muito distraída...

Naquele instante ouviu-se uma voz.

— Não esteja tão certa disso, querida.

Era Isabelle, coberta também, por uma camisola que lhe ia muito bem, ainda que pertencesse a Sandra. As duas mulheres eram da mesma altura e as me­didas eram quase idênticas.

— Meu bem — disse Sandra. — Quando vai parar de me espionar?

— Eu espioná-la? — exclamou Isabelle. — Você não merece tal trabalho! Eu nem sabia que iria encon­trá-la aqui, vim simplesmente fazer uma pergunta a Raymond.

— Esse truque é muito velho Isabelle...

— Oh, sim, desculpe-me! Você deve tê-lo emprega­do com muitos homens.

Sandra levantou-se rapidamente, caminhando furiosa para Isabelle.

— Vou fazer você engolir essas palavras, cretina — Isabelle não teve medo e foi também em sua di­reção.

— Já estou cheia de suas bravatas.

Raymond havia cruzado os braços e contemplava a discussão. Ao chegar esse momento, gritou:

— Fiquem quietas, as duas!

Suas palavras não serviram para nada. As duas mulheres se atracaram, puxando-se mutuamente pelo cabelo, perderam o equilíbrio e, dando gritinhos, caí­ram sobre o tapete.

Duc correu para separá-las e ficou atrapalhado, tentando desfazer aquela confusão de braços e pernas.

— Não se meta nisso Ray — gritou Sandra. — É um assunto particular entre nós duas.

— Isso mesmo, não se meta Ray — gritou tam­bém Isabelle. — Quero dar uma lição nesta morena falsificada.

— Eu, "morena falsificada"? Vou marcá-la para o resto de sua vida...

Raymond conseguiu meter um pé entre as duas. Foi ele então quem passou a receber os tapas e arranhões, mas conseguiu segurar Isabelle por um braço e puxá-la, separando de Sandra.

Colocou-se entre as contendoras, que se levanta­ram dispostas a continuar com a briga.

Raymond abriu os braços.

— Fiquem quietas, as duas, ou eu lhes darei uma surra!

— Eu sei o que está acontecendo a Isabelle! — disse Sandra. — Ela tem ciúmes de nós, Ray...

Isabelle respirou com dificuldade.

— Você não sabe o que diz. Raymond interessa-me somente porque ele pode salvar meu pai... Falarei com ele amanhã. Já lhe disse que, por mim, você pode ficar com ele inteirinho...

A francesinha deu meia volta e saiu do quarto, batendo a porta com violência.

— Raymond — disse Sandra. — Enfim sós...

— Querida, é melhor você sair.

— Quer que eu vá embora?

— O que desejo é não deixar Isabelle sozinha.

— Ela já está crescidinha.

— Meu bem, obedeça-me...

— Não gosto de bancar a ama seca.

— Se você não pode fazer isso por ela, faça por mim.

Sandra se derreteu toda ao aproximar-se do rapaz.

— Por você sou capaz de fazer qualquer coisa... Por exemplo, casar-me pela terceira vez.

Raymond beijou-a na boca e encaminhou-a sua­vemente até a porta.

— Raymond! — exclamou a jovem subitamente.

— O que é?

— Essa garota atrairá a formiga gigante.

— Estamos no quinto andar... As formigas por maiores que sejam não poderão subir até aqui.

— Tenho medo.

— For isso as coloquei juntas, uma acalmará a outra. Não recomece a discussão, ouviu? Prometa-me que ficará quietinha.

— Prometo.

— Menina obediente.

Sandra despediu-se, beijando-o e encaminhou-se para a suíte. Chegando lá, encontrou Isabelle cami­nhando de um lado para o outro.

— Pensei que não a veria mais por hoje — disse a francesa. — Pelo que vejo, Raymond não gosta de mulheres escandalosas.  

Sandra replicou furiosa:

         — Prometi ao Raymond que ficaria com você. De modo que, se não fosse por isso, eu lhe arrancaria os cabelos para me servirem de peruca... Ouça-me com atenção será melhor se esquecer de Raymond e pensar em outro homem. E não tente repetir que ele não lhe interessa, porque eu vi bem como você o olha e uma mulher não engana outra...

— Você é odiosa.

— Só porque digo a verdade?

— A única preocupação que tenho no momento é meu pai.

— A minha é tia Eugênia, que sofre de reumatismo...

— Você não pode conquistar Raymond. Ouviu bem? Não pode conquistá-lo...

Sandra botou as mãos nas cadeiras.

— E por quê? Você vai me impedir?

— Ele é demasiado esperto para cair na sua rede.

— Veremos...

Naquele momento o telefone tocou. Isabelle atendeu.

— Alô?

— Senhorita Cavallier?

— Quem fala?

— Um amigo de seu pai.

— Papai? Onde ele está?

— Num lugar seguro... Conseguiu escapar dos homens que o prenderam... Ele deseja se reunir à se­nhorita, por isso será mais seguro a senhorita não falar nada ninguém...

— Quem é o senhor?

— Pierre, mas a senhorita não me conhece.

— De onde está falando?

— Do bar da esquina... A direita do hotel. Quan­to tempo levará para se encontrar comigo?

— Quinze minutos.

— Não leve mais de dez, espero-a aqui mesmo. Cuidado, nem uma palavra a mais ninguém. Seu pai insistiu muito neste ponto. Se pretender contar para alguém este fato, será melhor não vir... A senhorita sabe que seu pai está numa situação um pouco pe­rigosa.

— Mas o senhor acabou de dizer que ele escapou.

— Sim, mas está sendo perseguido. Ouvi dizer que há um agente do Deuxième Bureau, o Senhor Duc, em sua companhia. Ele está sendo vigiado, caso venha a fazer alguma coisa, atrairá a atenção dos bandidos novamente sobre seu pai.

— Está bem, Pierre. Daqui a pouco me encontro com você.

A moça desligou o aparelho.

— Preciso sair Sandra — disse ela. A morena perguntou:

— Aonde vai?

— É um encontro muito importante.

— Raymond disse que deveríamos ficar aqui.

— Eu vou sair. O campo ficará livre para a sua caçada.

— Você é muito engraçada, mas não pense que vai sair daqui. Teremos de ficar... Foi o que nos disse Ray­mond e você não pode desobedecê-lo.

Isabelle aproximou-se de Sandra.

— Está bem, querida. Foi você quem pediu. Acertou-lhe um soco no queixo. Foi um golpe tão certeiro que Sandra cambaleou e caiu inerte sobre o tapete.

Isabelle rapidamente trocou de roupa e abando­nou a suíte.

Já haviam passado dez minutos quando Sandra voltou a si, levantando-se com um gemido. Saiu do quarto e se dirigiu aos aposentos de Raymond.

Pôs-se a bater na porta.

— Raymond! Isabelle fugiu! Abra! É urgente...! Continuou a chamar, mas a porta permaneceu fe­chada.

Um camareiro apareceu no corredor.

— Desculpe-me, senhorita, mas não adianta cha­mar.

— Preciso falar com o Senhor Duc.

— O Senhor Duc não está em seu quarto.

— Como?

— É verdade, senhorita... Eu o vi sair a poucos minutos.

 

Isabelle entrou no bar, onde Pierre estava à espera.

Havia muita gente ali e no fundo, uma orquestra tocava escondida pela semipenumbra. Numa pequena pista, casais dançavam, mal podendo dar alguns passos.

A moça tossiu, pois a fumaça a incomodava. Lem­brou-se, então, que se esquecera de perguntar ao tal Pierre como ele era a fim de reconhecê-lo. A única solução era ir até o balcão.

De repente, um homem, sentado a uma mesa, se­gurou-a pela mão.

— Solte — disse Isabelle. — Já estou comprome­tida.

— Claro, comigo.

A moça reconheceu-lhe a voz, era Pierre. Olhou seu rosto, era magro, tinha olhos azuis.

— Vamos ver papai, Pierre.

— Não tenha tanta, pressa. Sente-se.

— Por quê?

— Preciso certificar-me de que ninguém a se­guiu...

— Fiz como você me disse. Não falei com nin­guém...

         — Sim espero que tenha se comportado assim. Ficaremos aqui por alguns minutos somente.

Isabelle sentou-se ao lado de Pierre.

— Que deseja beber?

— Um uísque.

Pierre fez um sinal ao garçom e este os serviu.

Os olhos do rapaz estavam atentos a tudo. Apare­ceram quatro casais que começaram a beber e a fazer alarido.

— Como está papai? -- perguntou Isabelle.

— Bem.

— Por que não diz mais nada?

— Você o verá daqui a pouco.

A moça percebeu que agira com precipitação. Subitamente fora invadida por uma sensação de abandono. Isso jamais acontecera quando ela estava ao la­do de Raymond Duc, nem mesmo quando a formiga gigante aparecera no bangalô de Sandra.

Isabelle bebeu um gole e olhou para a porta, pen­sando que o agente poderia surgir a qualquer momen­to por ali.

— Esqueci a bolsa no hotel — disse ela. — Vou buscá-la.

Pôs-se em pé, porém, o homem segurou-a pelo braço.

— Não vai a lugar nenhum.

— É uma questão de minutos, o hotel é bem per­to daqui.

— Já estamos de saída, Senhorita Cavallier, e a bolsa não é tão necessária assim.

Isabelle sentiu-se mais insegura ainda. Não agira corretamente, aquele homem não lhe inspirava a me­nor confiança.

         Pierre deixou algumas notas sobre a mesa e em­purrou-a para a porta de saída. Ao chegar à rua Isa­belle tentou correr, mas não conseguiu.

— Não fique nervosa, Senhorita Cavallier... Ve­nha, meu carro está estacionado perto daqui.

— Não quero ir com você.

— O que está dizendo? Não deseja ver seu pai?

— Não acredito que você tenha falado a verdade...

— Eu não sei mentir. Garanto-lhe que vai ver seu pai.

— Você é um deles.

— Que quer dizer?

— Que você é um dos sequestradores de papai...

— Não diga isso, sou amigo de seu pai e seu ami­go também...

— Se é verdade o que está dizendo, deixe-me vol­tar para o hotel. Quero falar com papai pelo telefone.

— Isso seria perder tempo. Chega de conversa, vamos logo.

O homem empurrou-a em direção a um automó­vel negro. Isabelle ia gritar, mas o sujeito sacou uma pistola e enterrou-a nas costas da jovem.

— Chega de bobagens, Senhorita Cavallier.

— Eu estava, portanto, com a razão.

A jovem entrou no carro, no banco traseiro, onde já se encontrava outro homem, e Pierre ocupou o vo­lante.

O desconhecido sorriu para a jovem.

— Seja bem vinda, Senhorita Cavallier. É bem atraente, como me haviam dito. Permita que me apre­sente. Sou Frankie Murray.

— Jamais ouvi falar no senhor.

— Lamento, mas a culpa não é minha... Sou um admirador das mulheres bonitas e gostaria de conhe­cê-las todas.

— O senhor as coleciona? — Frankie deu uma gargalhada.

— È uma pena que não possa coleciona-las como borboletas ou selos... Ficaria muito caro. Talvez, em breve, eu tenha a fortuna necessária para realizar essa coleção. Sabe uma coisa, Senhorita Cavallier? Gostaria de tê-la como a segunda do meu catálogo.

— Existe uma primeira?

— Sim. Chama-se Natalie. É tão bela como você, mas chegou primeiro. Bem, na realidade, houve mui­tas outras antes de Natalie, mas só restou ela.

— O senhor é um cínico, Senhor Murray.

O auto já estava em movimento. Frankie deu outra gargalhada.

— Sempre adorei os prazeres da vida, Senhorita Cavallier — prosseguiu Murray. — E entre eles não existe nenhum que possa ser comparado ao prazer que uma bela, mulher pode nos proporcionar. Sou um hu­milde escravo de todas vocês... Se dependesse de mim, o mundo seria constituído por amazonas. Já pensou Senhorita Cavallier? Eu, o único homem em um pla­neta com três milhões de mulheres.

— Está louco!

— A Senhorita acha?

— Completamente biruta. — Frankie ficara muito sério.

— Sou um homem normal.

— Um psiquiatra não diria o mesmo, mas não me interessa a sua saúde mental, Senhor Murray. Meu pai é que me preocupa.

         — Descanse, ele está muito bem, ainda que ulti­mamente tenha sido invadido pela preguiça.

— Que quer disser com isso?

— Ele não quer trabalhar.

— Papai nunca foi preguiçoso.

— Veja como é a natureza humana...

— Se papai não quer trabalhar, deve ter suas razões e começo a perceber o motivo.

— Sim?

         — Vocês o raptaram e querem obrigá-lo a termi­nar suas experiências.

— Muito bem, Senhorita Cavallier. Pode continu­ar assim nossa viagem será mais agradável.

— Vocês querem se apossar do segredo, a desco­berta fabulosa que papai fez a respeito da matéria básica da vida. Raptaram-no para isso, para que ele trabalhasse para vocês, uma quadrilha de desalmados, mas ele descobriu o seu objetivo e decidiu parar com as experiências. Então, surgiu-lhes esta brilhante ideia de coagi-lo sob a ameaça de torturas à sua filha.

Frankie Murray pôs-se a aplaudi-la.

— Você é um miserável, Murray — disse a jovem. — Eu também me portei como uma colegial inexperi­ente... Conseguiram o que desejavam, sequestraram-me. Eu sou a culpada disso tudo, gostaria de morrer.

— Não, minha querida. Você não pode morrer, te­nho grandes planos relacionados a você.

— Esqueça-me Senhor Murray.

— Já não é mais possível.

— Lembre-se que existe Natalie... — Murray sacudiu a cabeça.

— Você vai conhecê-la... É uma mulher que tem tudo para agradar um homem, ficam como essas estátuas gregas que são exibidas nos museus, lindas, mas de pedra, fria e sem vida.

— É o que você merece Murray. Uma simples es­tátua.

— Não diga isso. Sou um homem todo amor... — Segurou a mão de Isabelle entre as suas, porém ela as retirou com força.

— Deixe-me em paz!

— Se não for boazinha comigo, muitas coisas de­sagradáveis podem suceder ao seu pai.

— Além de cínico, é um canalha.

— Mudará de opinião quando me conhecer me­lhor.

— Isso jamais sucederá.

— Deve ser mais compreensiva comigo...

— Ou o que Senhor Murray?

— Você entendeu muito bem.

— Lógico papai está em seu poder e agora, eu também estou. A ele o senhor coage com ameaças em relação à minha pessoa e vice-versa, mas não cairei nessa conversa. O senhor não me pode fazer nada, não pode me obrigar a ser a estátua com vida pela qual tanto anseia... O senhor precisa de meu pai, pois só ele pode lhe conseguir a substância primordial. Eu já sabia de tudo, e aquela formiga que apareceu na casa de Sandra confirmou-me que papai continuava as ex­periências, mas, obrigado por alguém.

— Isabelle, as coisas poderiam ser tão fáceis não só para você como para seu pai...

— Como seria mais fácil para vocês... Papai tem que trabalhar e eu fazer parte de sua coleção.

— Não fale desse modo.

— Oh, perdão, o senhor é um homem muito culto.

— Perfeitamente, Isabelle. Estudei numa univer­sidade.

— Que foi que estudou? Oh, eu não devia ter per­guntado, porque já sei. Fez um curso de como arrasar o mundo. Uma de suas especializações foi "Te­nha trinta mulheres e não se case com nenhuma".

Murray começou a rir.

— Você é espirituosa, Isabelle. Isso é mais do que eu podia desejar.

— Eu já lhe havia dito para me esquecer e agora repetirei de outra forma, risque-me de sua lista, Se­nhor Murray.

O carro entrou por um portão aberto e atravessou uma alameda ladeada por árvores, detendo-se na fren­te de uma mansão.

Os três saíram do automóvel e subiram os degraus da entrada.

Um homem abriu a porta. Estava em mangas de camisa e limpava uma pistola. Era magro e as ma­çãs do rosto salientes. Seus olhos frios examinaram Isabelle atentamente.

— Onde está Natalie, Roger? — perguntou Mur­ray.

— Na biblioteca — respondeu o sujeito sem tirar os olhos de Isabelle.

Murray pegou-a pelo braço e entraram os dois na biblioteca.

Natalie Keller estava sentada numa poltrona com um cigarro nos lábios e um copo de uísque na mão.

— Pensei que tivesse acontecido alguma coisa, Frankie — disse ela.

         — Foi tudo direitinho... A garota caiu facilmente na armadilha.

— Você então é a filha do Doutor Cavallier. A lin­da Isabelle... — estalou a língua. — Sim, devo admitir que é muito bonita.

Isabelle levantou o queixo.

— Quero ver meu pai e não figuras de cera.

Natalie tirou o cigarro da boca e deu uma risada.

— Menina, a primeira coisa que você tem a fazer é, perguntar pela saúde dos mais velhos.

— Oh, desculpe-me — disse Isabelle. — Como tem passado do reumatismo, vovozinha?

Natalie deu um pulo como que impulsionada, por uma mola.

— O que, sua idiota? Eu só tenho trinta e três anos.

— Deve dizer isso a todos os homens.

— E a você também, sua estúpida. Pensa que é muito esperta? Pois se o fosse, realmente, não teria caído tão facilmente na, armadilha que lhe armamos.

— Tem toda a razão — admitiu Isabelle. — Mas são águas passadas, quero ver meu pai.

— Pois não — replicou Murray. — Acompanhe-me.

Os dois se dirigiram ao laboratório, sendo acom­panhados por Natalie. Ao ver sua filha, Cavallier cor­reu até ela. Os dois se abraçaram junto a uma mesa cheia de provetas.

— Papai, como está?

— Muito bem, querida.

— Fui uma tola. Eles trouxeram-me aqui com um ardil infantil.

— Não se preocupe... Ficaremos livres. — Natalie riu junto à porta.

— A cena não o emociona, Frankie? É tão como­vente! Pai e filha abraçados e dizendo coisas tão bo­nitas!

Isabelle voltou-se para ela, furiosa,

— Você não passa de um escorpião.

— Perfeito, minha filha, dou uma ferroada quan­do menos se espera.

Murray levantou a mão.

— Calem-se todos. Eu sou o regente desta orques­tra... Doutor Cavallier, já tive muita paciência... Avi­sei de que deveria trabalhar para mim e agora terá de obedecer, queira ou não... Vamos, atreva-se a con­tinuar de braços caídos e lhe juro que sua filha sofrerá as consequências.

Isabelle encarou o pai.

— Papai, não se deixe atemorizar por esses ban­didos... Não me importo de morrer. O senhor tem princípios que sempre respeitou. Não pode modificar-se por nada, nem por ninguém.

Murray interveio:

— Falei sério, Doutor Cavallier e lhe garanto que assistirá a todas as torturas que infringirmos à sua filha.

— Não ligue papai! — exclamou Isabelle.

— Lamento minha querida — disse o doutor com a voz embargada pela emoção.

— Quer dizer que vai obedecer-lhes?

— Não tenho outra saída. Irão torturá-la, você ouviu.

— Não me importa!

Não posso permitir que a atormentem. Sinto muito, mas não posso.

Murray sorriu triunfante.

— A entrevista terminou Senhorita Cavallier.

Isabelle, com os punhos fechados, lançou-se con­tra Murray, que se esquivou com habilidade e segu­rou-a pelos pulsos.

— Não a agrida! — gritou o Doutor Cavallier.

— Não penso maltratá-la, se o senhor cumprir com o prometido.

— Eu cumprirei.

— Papai, não faça isso! Não obedeça!

Murray arrastou a jovem para fora do laboratório.

 

Isabelle estava trancada num quarto. Sabia que por trás da porta estava o tal homem em mangas de camisa, armado com sua pistola Roger.

Não conseguia dormir. Por vezes sentia vontade de se atirar na cama e chorar... Ela, com sua estu­pidez causara aquela situação ao pobre do pai.

A porta abriu-se de repente e Frankie Murray en­trou no aposento.

— Tudo bem, Isabelle?

— Seria preferível poupar-me dessa visita desa­gradável.

— Quero ser um bom anfitrião.

— Só conseguiria, se deixasse que eu e papai fôssemos embora desta casa.

— Você sabe que isto é impossível... Apesar de tudo, você poderia facilitar as coisas...

— Entendo, deseja que eu me entregue a você.

— Sim, Isabelle.

— Só tenho uma resposta, vá para o inferno!

— Deveria ser mais complacente. Posso ter à for­ça o que você me nega Isabelle.

— Não se atreverá... Mais um passo e lhe arra­nharei todo.

— Posso obter o que desejo sem um arranhão se­quer... Não sou tão sábio quanto seu pai, porém conheço algumas drogas que anulam completamente a vonta­de das pessoas. Ouviu Isabelle? Posso aplicar em você e quando você me vir, se atirará em meus braços... Ficará tão apaixonada que jamais olhará para outro homem.

— Não permitirei que me apliquem essa droga.

— Não tem importância. Bastará uma ordem mi­nha para que sua vontade seja anulada e eu me torne o homem de sua vida.

— Não conseguirá isso de mim.

Murray bateu palmas. A porta se abriu e um ho­mem de roupas brancas e feições orientais entrou no quarto.

— Apresento-lhe Cao-Nam — sorriu Murray. — Ele é vietnamita, interessa-se muito pelos estudos de seu pai.

Cao-Nam trazia uma maleta que colocou sobre a mesa, abriu-a e apanhou uma seringa com uma agu­lha.

— Que vai fazer esse homem? — perguntou Isa­belle.

— Aplicar-lhe a droga — respondeu Murray.

— Não!!!

— Foi você quem me obrigou a isso.

— Limite-se a Natalie.

— Não gosto mais dela. Cansei-me de sua frieza....

— Está louco! Papai não fará nada para você, lembre-se do que ele falou, não posso sofrer nenhum dano.

— Seu pai não saberá do que houve aqui.

A moça correu para a porta, abriu-a, mas Roger a deteve. Murray deu uma gargalhada de vitória.

— Não conseguirá escapar de mim, Isabelle! — Roger empurrou a jovem para o interior do apo­sento.

— Não podem fazer isso comigo! Não podem! — gritou a moça.

— Segure-a bem, Roger — ordenou Murray. — Não a deixe escapar.

Roger imobilizou a jovem e arrastou-a até a ca­ma. Isabelle deu um berro ao ver o vietnamita se apro­ximar com a seringa.

Murray agarrou as pernas da jovem a fim de imo­bilizá-la completamente sobre o leito.

— Boneca — disse ele. — Podemos aplicar-lhe a injeção no braço, mas se você não se aquietar, Cao-Nam terá de aplicá-la na coxa.

— Você é um miserável!

— Vocês mulheres são umas mal-agradecidas, cor­respondem o amor com ódio.

— Seu verme...

— Na coxa Cao — ordenou Murray.

A saia de Isabelle estava levantada, de modo que o oriental pôde facilmente cravar a agulha na coxa direita da jovem, esvaziando o conteúdo da seringa.

— Pronto — disse o vietnamita retirando-se. Murray e Roger soltaram a moça, que estendida

sobre o leito, respirava com dificuldade.

— Jamais conheci tipos tão repelentes como vocês — exclamou ela.

Murray esboçou um sorriso.

— Eu avisei beleza — Podíamos resolver as coi­sas sem chegarmos a esses extremos, mas você quis assim... Vou sair daqui agora, mas voltarei dentro de quinze minutos. Aí então, acontecerá o que lhe disse. Serei o homem da sua vida.

— Isso jamais acontecerá! — gritou Isabelle.

         Murray fez um sinal para o capanga e os dois se retirarem.

Ao ficar sozinha, Isabelle soluçou amargamente. Conhecia bem o poder da droga que lhe fora inoculada. De um momento para o outro, ela estaria circulando por suas veias, misturada com o sangue, chegaria ao coração e seria bombeada até o cérebro. Então suce­deria o que Frankie dissera, ela se tornaria uma mu­lher sem vontade.

Não sabia que tipo de droga se tratava verdadei­ramente, mas para servir aos propósitos de Frankie deveria ser bem forte.

Ela precisava combater a droga, mas como? Mur­ray era desprezível. Oh, não, isso não serviria! Quem era o homem de sua vida? Ninguém. Jamais se apai­xonara por alguém. Bem, as coisas haviam mudado desde que conheceu Raymond Duc. Aquilo sim que era um homem! Não havia perigo algum em relação a Raymond, pois ele não estava ali. Disse, portanto, em voz alta:

—"Raymond, eu o amo, Raymond, eu lhe adoro, você é o homem da minha vida"...

Sentiu um calor estranho. A droga começava a surtir efeito! Já havia atingido o cérebro, daí a pou­cos minutos a porta se abriria e Murray apareceria. "Eu o odeio, Murray, eu o desprezo, Murray. Só amo a você, Raymond. Não posso viver sem você, meu amor".

Naquele instante ouviu um barulho às suas costas. Levantou-se da cama. Um homem acabara de entrar pela janela.

Não era outro senão o agente do Deuxième Bureau, Raymond Duc.

 

—Silêncio meu bem — disse ele.

Isabelle caminhou em sua direção, olhando-o fi­xamente nos olhos.

— Oh, Raymond! Como conseguiu chegar até aqui?

— Segui-a desde o hotel... Mas custei a entrar nesta fortaleza.

— Querido, como você é eficiente! — Raymond sorriu.

— Não quis intervir até o momento oportuno. En­tendeu? Era preciso que eles a raptassem, mesmo.

— Você é maravilho.

— Era esse o único modo de chegar até seu pai.

— Você é adorável, Raymond...!

— Precisamos agora de muito cuidado, pois esta­mos numa casa de maribondos.

— Não tenho o menor medo — disse ela cami­nhando para ele.

— Conte-me tudo o que sucedeu por aqui.

— Num instante, Raymond.

Isabelle abraçou-o e beijou-o apaixonadamente nos lábios.

O agente tentou se libertar da jovem.

— Boneca, eu lhe pedi informações, não é neces­sário me enforcar.

— Oh, Ray...! Por que não percebi antes que o amava? Sempre o amei...

— Isso é um pouco difícil, nós nos conhecemos há pouco tempo.

— Ha um milhão de anos que eu o espero.

— Você teria, de ser então uma múmia e sua pele, ao contrário, é bem lisa.

— Que lhe parece minha pele?

— É macia e quente como a pele de uma pantera.

— É isso que serei para você! — exclamou Isabel­le com paixão. — Uma pantera!

— Cuidado, meu bem. Não estamos na hora de brincar de animais ferozes.

— Vou devorá-lo, Raymond.

— Agora, não, belezoca... Deixe-me engordar um pouco e, amanhã, você terá um magnífico almoço.

— Não posso esperar.

— Faça uma forcinha. Admito que seja um grande conquistador, mas você poderia deixar tudo isso para outra hora.

— Raymond, não seja tão cruel...

— Mas eu não sou cruel!

— Beije-me, então, abrace-me, ame-me...

— Isabelle não tenho tempo para tantas coisas.

— Estou louca por você.

— Estou vendo.

— Não brinque Raymond... Apaixonei-me por você desde o primeiro instante que o vi e se não fosse aquela morena falsificada, eu já lhe teria dito.

Duc passou o dedo pelo colarinho. Que diabo, as mulheres são uns seres estranhos demais! Reprimem suas emoções ao máximo, mas quando estouram são mais difíceis de serem controladas do que as águas de uma represa.

— Um pouco de paciência, boneca.

— Não, Raymond... Não consigo!

— Mas, meu bem, acalme-se um pouco. Lembre-se de que está aqui prisioneira de uma quadrilha de ban­didos sem consciência.

— Não dou a mínima bola para isso... Minha única preocupação é você Raymond... Eles que vão para o inferno! Beije-me!

Dizendo isso, beijou-o com fúria incontida. Raymond tentou afastar-se dela, empurrando seus braços que o sufocavam.

— Que aconteceu, Isabelle? Você nunca se com­portou assim...

Raymond não desviava os olhos da porta, e per­cebeu que a maçaneta se mexera. Quis se desprender de Isabelle, mas esta parecia grudada a ele tal qual uma ostra. O rapaz fez uma tentativa desesperada, se­gurou a moça pelo braço e se dirigiu para a porta.

— Oh, Raymond, vamos fugir! — exclamou Isa­belle. — Fingirei que estou sendo raptada.

Duc não teve tempo de responder, queria al­cançar aquela porta antes que ela se abrisse. Deu-se então a catástrofe. Isabelle quis abraçá-lo pelo pescoço novamente e projetou-o ao solo, caindo os dois no mesmo instante que a porta se abria.

— Roger! — gritou Murray, que entrava naquela hora.

O guarda-costas apareceu de pistola em punho ao lado de seu chefe.

Raymond, apesar de sua posição desvantajosa, conseguiria arrebentar a cabeça de Roger com um balaço, mas quando ia atirar, Isabelle se meteu na frente.

— Querido, você está bem?

Murray gritou:

—Não se mova, ou eu matarei Isabelle.

Duc soltou uma maldição e deixou cair o revólver. Disse a si mesmo que jamais voltaria a olhar uma mu­lher para o resto de seus dias, ainda que tivesse a im­pressão de que sua vida duraria alguns minutos so­mente, o que tornaria ainda mais fácil o cumprimento da promessa.

O bandido deu uma risada.

— Senhor Duc, sua presença deixa-me surpreso.

— Salve cretino — cumprimentou-o Duc, erguendo-se.

Isabelle estava perplexa, olhava Murray e o agen­te, parecendo nada entender.

— Raymond, por que você foi derrotado? — per­guntou ela, muito estonteada.

— Em nossa profissão temos sempre esses descui­dos, como você está vendo.

— Eu fui á culpada.

— Não posso me queixar. Ouvi dizer uma vez, que o amor apaixonado de uma mulher produz mais cha­mas do que o inferno... Abrasa e consome a todos.

Murray cruzou os braços, divertido.

— Compreendo... A droga fez efeito... Isabelle é a mim que você ama.

— Que está dizendo, seu idiota? — perguntou a moça.

— Você gosta de mim...

— A única pessoa que eu amo é Raymond...

— Mas a droga não foi aplicada para isso... — Duc balançou a cabeça.

— É melhor você acabar com essa discussão, pois há um assunto mais importante a tratar.

— Que assunto, Senhor Duc?

— Tratem de dar o fora, pois senão será tarde demais.

— Por que teremos de fugir?

— Porque a polícia de Nassau está vindo para cá.

— Quem avisou à polícia?

— Eu.

— Que notícia triste, Senhor Duc.

— Não gosto de sangue, quando vejo sangue, des­maio.

— Chega de piadas, você jamais terá chiliques di­ante de sangue, pois já o fez correr aos litros... Sei perfeitamente de tudo a seu respeito, não existe no mundo um agente que se iguale a você.

— Agradecido — murmurou Raymond, fazendo uma curvatura.

— Mas sua carreira chegou ao fim. E não torne a repetir que a polícia está se aproximando, deixe esta ideia para os novatos, ela é muito má.

Isabelle interveio.

— Que pretende fazer com ele, Senhor Murray?

— Matá-lo, para que você o ame ainda mais.

— Não permitirei isso.

— Você vai permitir muitas coisas, boneca.

— Direi a meu pai.

— Não é preciso incomodá-lo por tão pouco.

— Acha que assassinar um homem é pouco? Além do mais, trata-se de um homem inocente.

— Se Raymond Duc é inocente, eu sou o Presi­dente de República... Ele já matou mais gente do que poderíamos nós dois juntos contar em uma noite, mas agora ele será morto... Vamos, Roger, acabe com ele...

Roger levantou a pistola para disparar.

— Alto! — gritou Isabelle.

Roger titubeou por uns segundos e Raymond sal­tou sobre Murray.

— Afaste-se, chefe! — gritou o pistoleiro.

Contudo, Duc já havia agarrado Murray pelo pes­coço e o puxara para o chão. O agente sabia onde dei­xara cair sua pistola e sua mão esquerda agarrou-a. Roger percebeu o gesto de Duc e não quis esperar mais, atirou. Murray deu um gemido, pois a bala atingiu-o no estômago. Duc já empunhava sua pistola.

Roger continuou a atirar, mas suas balas limitavam-se a ferir o corpo de seu chefe. Chegou, então, a vez de Duc e este concretizou o desejo anterior não sa­tisfeito, arrebentou a cabeça de Roger como um tomate podre.

Raymond levantou-se e aproximou-se de Isabelle, que estava muito pálida encostada na parede.

— Raymond, você está vivo...!

A moça atirou-se em seus braços.

— Onde está o seu pai?

— Embaixo, num porão que utilizam como labo­ratório.

— Vamos...

Ao sair do quarto, ouviram uma voz.

— Esperem um momento... Voltaram-se, mas o quarto estava vazio.

— Estão usando um auto falante — disse Ray­mond.

— Muito bem, Senhor Duc — comentaram.

—- Como vai, Voz Misteriosa das Bahamas? Como pode constatar, descobri seu esconderijo e o Murray está morto. Foi-se o chefe...

— Não seja tolo, Senhor Duc... Murray não era o chefe. Sou eu quem manda aqui.

— Quem é você?

— Não descobrirá Senhor Duc, mesmo estando condenado à morte.

— Escute Voz, esqueceu-se de uma coisa impor­tante, tenho uma pistola em cada mão...

— Não lhe servira de nada,

— Eu penso o contrário. Tenho boa pontaria. É uma pena que não se saiba o nome de quem vai ser o primeiro a cair... Vou até o porão, se quiser pôr seus capangas no caminho, pode avisá-los... Farei tiro ao alvo com eles.

O desconhecido riu no auto falante.

— Você é o maior imbecil que vi até hoje... Nada pode fazer contra mim e minha paciência se esgotou Senhor Duc. Avisei-o várias vezes e não me fez caso... Vai receber o que tanto procurou. Vá ao porão, estou mandando... Não perca tempo! Estou à sua espera... Queria saber meu nome, pois bem, eu sou... O Grande Mago.

— Grande Mago, que é isso?

— O homem mais poderoso da terra.

— Ouça meu amigo, não estamos no Carnaval.

— Ria à vontade, Senhor Duc, mas é esse o meu nome.

— Diga-me onde se encontra, quero presenteá-lo com uma camisa de força... Prometo que a colocarei com muito carinho e o instalarei num lindo quarto com grades. Ali você terá um tratamento adequado.

O homem do auto falante respirou com dificul­dade.

— Em breve serei o dono do mundo... Isso graças à descoberta do Doutor Cavallier.

— O Doutor Cavallier não trabalhará para você.

— Tente libertá-lo. Vamos Senhor Duc, tente... Espero-o no porão... Não direi mais nada.

E o auto falante emudeceu.

— Tenho medo, Raymond — murmurou Isabelle.

— Não se preocupe, chegaremos ao porão.

— Mas, pelo jeito, esse homem tem certeza de que não encontraremos papai.

— Vamos experimentar — saíram do quarto novamente. Raymond disse:

— Fique atrás de mim.

Dirigiram-se para a escada. Raymond espiou para baixo, mas não havia ninguém.

— O caminho parece livre — desceram silenciosamente.

— É por aqui, à direita — disse Isabelle. Penetraram no corredor que conduzia ao porão, parando diante de uma porta fechada.

— Afaste-se, Isabelle.

Quando a moça obedeceu, Raymond apertou o ga­tilho duas vezes. A fechadura pulou fora. O agente deu um pontapé na porta, escancarando-a.

— Fique aí, Isabelle.

— Quero entrar com você.

Ray concordou com um gesto de cabeça e começa­ram a descer a escada de pedra que levava ao labora­tório, mas não encontraram ninguém no caminho.

— Doutor Cavallier... — chamou o rapaz. Não recebeu a mínima resposta. Continuaram a descer até o final, viram mesas cobertas de matrizes, provetas, mas não encontraram ninguém.

— Grande Mago, está me ouvindo? — perguntou Duc.

Não lhe responderam.

De repente, ouviram um gemido.

— Espere aqui, Isabelle. — Raymond foi até o fun­do do recinto e viu um homem caído ao solo, ferido por uma bala, que lhe atingira o peito.

O rapaz abaixou sobre ele.

— Quem é você?

— Doutor Hauser...

— Quem o feriu?

— Ela... Natalie... Aquela ambiciosa... Quer fi­car sozinha com o Grande Mago... É o seu plano... Eu traí o Doutor Cavallier, mereço... Isso..

— Onde está o Doutor Cavallier?

— Levaram...

— Para onde? — perguntou Isabelle.

— Quem é o Grande Mago?

— Ignoro, nunca o vi...

— Ao menos não terá ideia para onde foram?

— Para o laboratório que estavam preparando... Gastaram muito dinheiro. Levaram o destilador atô­mico...

Subitamente, ouviu-se um grito de mulher. Raymond virou a cabeça, Isabelle corria para ele.

— Que aconteceu, Isabelle?

— Lá em cima... o monstro... Outra formiga gi­gante...

Ouviu-se um ruído e parte da parede ruiu, levan­tando uma poeirada. Raymond viu a formiga aparecer com seus imensos ferrões. Compreendeu então, a ameaça do Grande Mago.

— Doutor Hauser... onde fica outra saída?

— Não há outra saída... Só a escada — respon­deu o ferido. — Tome isso — entregou um papel a Raymond e morreu.

Duc largou o Doutor Hauser no chão e levantou-se. Desistiu de ler o papel devido as circunstâncias. Isabelle abraçou-o.

— Estamos perdidos, Raymond...

Duc levantou os olhos no momento em que a for­miga derrubava a outra parte da parede com estrépito. Raymond caminhou na direção do monstro.

— Não, Raymond, não faça isso! — gritou Isabelle, presa de pânico.

O rapaz se deteve e apontou as duas pistolas con­tra o monstro, disparando sua carga. Como da vez an­terior, as balas ricochetearam no casco da gigantesca formiga sem lhe produzir o menor dano.

 

Raymond retrocedeu depois de seu ataque fracassado.

— Não temos salvação! — gritou Isabelle.

— Deve haver uma solução.

A formiga penetrou na escada, mostrando sua ca­beça com os ferrões imensos.

— Raymond, ela já nos viu! — gritou Isabelle. Raymond abraçou a moça que tremia de medo.

— Meu bem, você entende dessas coisas? — disse ele apontando as mesas do laboratório.

— Alguma coisa.

— Deve haver algum ácido...

— Raymond tem razão!

E a moça deu outro berro ao avistar a formiga se aproximando mais.

— Depressa Isabelle — exclamou Raymond. — Deixe de olhar para a formiga.

Isabelle movimentou-se rapidamente entre os frascos, tubos de ensaio...

— Meu Deus, não consigo achar algo que nos sirva!

Apanhou um dos frascos.

— Este é bom!

Raymond agarrou o frasco, correu para perto da formiga e atirou-o nela.

O frasco chocou-se contra a carapaça e se partiu. O líquido escorreu pela cabeça do monstro, mas sem produzir o menor efeito.

— Eu já lhe disse Raymond — gritou Isabelle. — Não podemos fazer nada! Nem o ácido vence essa for­miga!

— Talvez eu não tenha feito á coisa como devia. Apanhe outro e, se possível, mais forte.

Isabelle tornou a procurar, até que achou um que lhe pareceu de efeito bem forte.

A formiga estava mais perto ainda. Bastava-lhe abrir as tenazes e apanhá-los.

Raymond jogou o frasco contra a escada, quase perto do chão, a garrafa se espatifou e o líquido atin­giu as patas da formiga.

De repente, produziu-se uma efervescência e co­meçou a surgir uma fumaça, o animal deu um rugido de dor e lançou seus ferrões para frente. Raymond jo­gou-se ao chão arrastando Isabelle. O agente sentiu as pinças passarem por perto, quase os roçando, mas elas se fecharam sobre uma mesa, que foi levantada e partida em duas no ar.

Debaixo do corpo da formiga se produziu um fo­garéu. O animal deu um novo rugido e girou sobre si mesmo, produzindo novo desabamento ao se chocar contra uma parede.

— Não se levante Isabelle. A formiga está agoni­zante, mas não sabemos onde cairá morta.

O ácido havia corroído as partes delicadas da for­miga, que não eram protegidas pela couraça. O inseto rodou para a esquerda, deixando a escada livre.

— Chegou o momento — exclamou Raymond. Segurou a jovem pelo braço e puseram-se a correr.

Pouco depois saíam da casa. No jardim, Isabelle lan­çou-se aos braços de Duc, soluçando.

— Papai ainda está em poder deles...

— Vamos libertá-lo.

— Como?

— Tenha confiança em mim...

Raymond dizia-lhe isso para encorajá-la, mas não tinha a menor ideia de como poderia chegar àquele camarada, que se chamava a si mesmo de Grande Mago.

Um homem correu em sua direção. Era Henry Cott, o detetive a serviço do Major Finley.

— Senhor Duc... Encontrei-o por fim.

— Seguiu-me, Cott?

— Sim, mas perdi-o de vista perto daqui... Fui parar em outro canto... Que aconteceu?

— Raptaram a Senhorita Cavallier...

— Quem?

— O “Grande Mago”.

— Quem é o “Grande Mago”?

— Não sei ainda.

— Senhor Duc, quantos mortos deixou aí dentro?

— Três e uma formiga.

Cott arregalou os olhos.

— Disse uma formiga?

— Sim.

O gorducho engoliu a saliva e levantou a mão, se­parando dois dedos.

— Uma formiguinha, Senhor Duc?

— Não, Henry. Ela é do tamanho que você sus­peita.

— Que bom! Fiquem aqui. Chegou á oportunidade de convencer meu chefe. Descobri um telefone na en­trada... Vou ligar para o major.

Henry correu para a entrada do jardim.

— Raymond — disse Isabelle levantando os olhos. — Você, não acha que agora o Grande Mago pode ma­tar papai? Porque ele só estava trabalhando por medo de que eu sofresse alguma coisa... Mas, agora, eu es­capei e papai não continuará as experiências, isso po­de ser seu fim.

Raymond abanou a cabeça negativamente.

— Não creio, sinceramente, Isabelle. Seu pai é muito importante para eles e acho que se tornou mais importante ainda com a morte do Doutor Hauser.

— Tomara que você não esteja enganado.

— Você entende a letra do Doutor Hauser?

— Sim.

— Decifre-me isso... — Raymond tirou o papel do bolso.

Isabelle apanhou-o e leu a mensagem devagar:

"O Grande Mago tem em seu poder uma gar­rafa que contém a matéria primária descoberta pelo Doutor Cavallier e meu Gerum-3. Se uma formiga beber esse composto pode chegar a alcan­çar dez toneladas de peso e nem o fogo nem os ácidos poderão causar-lhe o menor dano. Somente uma bomba atômica poderá destruí-la, pois sua carapaça será resistente a qualquer outra arma conhecida".

Isabelle fez uma pausa.

— Está assinado pelo Doutor Hauser — houve um silêncio entre os dois.

— Raymond, você compreende o que significa o conteúdo dessa garrafa?

— Perfeitamente.

— Poda ser o fim da humanidade.

— Convencerei o Major Finley a nos auxiliar. Naquele instante, ouviu-se a sirene da Polícia. Um carro fez seus pneus chiarem à entrada do jardim. O gordo que se encontrava no portão, pôs-se a correr atrás do carro. Quando o veículo se deteve, saltou dele o Major Finley acompanhado por vários guardas.

— Que aconteceu por aqui, Senhor Duc? — excla­mou o major.

— Henry Cott não lhe contou?

— Sim, falou-me da formiga.

         — Poderá vê-la ainda. Encontra-se no que era um laboratório.

Henry Cott se deteve ofegante.

— Às suas ordens, chefe.

O Major Finley dirigiu-lhe um olhar ameaçador.

— Henry, se isso for uma brincadeira, juro que o mandarei dirigir o tráfego em Nassau.

— Repeti somente o que Duc me contou.

— O quê? Você repetiu o que lhe contou o maior mentiroso entre os agentes da contra espiona­gem mundial.

— Tenho a certeza de que ele me disse a verdade.

— Eu mesmo irei comprovar... Vamos lá dentro. Você, Duc, espere aqui... Detetive Temple vigie este homem, não o deixe fugir... Você responde com a sua pele por ele!

O tipo magricela disse que sim, levantando a pis­tola que empunhava.

— Vá descansado, chefe. Quando voltar, encontra­rá o Senhor Duc aqui direitinho.

O Major Finley, Henry Cott e mais dois policiais entraram rua casa. Minutos depois, o major retornou espumando de raiva.

— Desta vez, você me paga, Duc!

Henry Cott apareceu atrás dele, estava assustado e levantava os braços como se estivesse dirigindo o tráfego.

Que aconteceu, major? Não viu a formiga? — Só encontrei um montão de cinzas e nada mais. Raymond concordou.

— Eram os restos do monstro... A formiga foi consumida pelo ácido. Chegou outra vez tarde demais, Major Finley.

— Mas cheguei a tempo de ver três cadáveres e os três foram mortos por uma pistola...

— Eu só matei um deles.

— Isso é o que você diz...

— Major Finley, a humanidade está em perigo... Isabelle, leia para o Major Finley o bilhete deixado pelo Doutor Hauser.

A jovem releu em voz alta o que se podia conside­rar como o testamento do Doutor Hauser. Quando ter­minou, o major deu uma gargalhada.

— Gostaria de me encontrar com essa formiguinha na hora de dormir e esmagá-la com o pé.

— Acredito que seria ela que o esmagaria com a maior facilidade! Bastaria para ela movimentar-se um pouco em seu quarto.

— Senhor Duc, chega! Considere-se preso!

— Que disse?

— Ouviu perfeitamente, vai ser metido numa cela, de nada lhe servirá ser agente do Deuxième Bureau... Cansei-me... Terão de libertá-lo por via diplomática

— Acho que vai cometer Um grande erro, major.

— É problema meu — Isabelle protestou. — O senhor não sabe o que está fazendo, Major Finley.

— Cale-se senhorita.

— Não posso me calar, porque Raymond Duc está com a razão e o senhor é que está errado. Meu pai é prisioneiro do “Grande Mago”.

— Quer dizer então que também existe um “Gran­de Mago", não é?

— Sim, senhor. Existe também um “Grande Mago”, e somente Raymond Duc poderá acabar com ele.

— Oh, sim. Temos um super-homem aqui. O mun­do inteiro lhe deverá a sua sobrevivência, caso eu o deixe em liberdade.

— Pode debochar Major Finley, mas é a pura ver­dade, somente Raymond Duc poderá nos livrar desta grande ameaça.

— Senhorita Cavallier, sei o que lhe acontece. Es­tá apaixonada por este homem.

— Que importância tem isto?

— Muita. Normalmente, em todas as aventuras de Duc, existem mulheres que estão dispostas a defendê-lo a todo custo... Mas acabou-se! Em Nassau, nem uma mulher nem duas serão suficientes para defen­dê-lo!

Raymond coçou a cabeça.

— Ouça major, receio que se cobrirá de ridículo... Será que esse porão com as paredes derrubadas não lhe diz nada? Por que não compara isso ao que viu no bangalô da Senhorita Harrison? Não acha que os dois fatos têm alguma semelhança entre eles?

Henry Cott intrometeu-se.

— Chefe posso jurar sobre a Bíblia que eu vi uma formiga no bangalô da Senhorita Harrison, era enorme!

— Henry — disse o major. — Sua opinião não me interessa... Você não é mais agente de segurança e, sim, inspetor de tráfego.

— Sim, senhor.

— Vamos Senhor Duc. Uma cela confortável o espera, terá todas as atenções dispensadas aos presos ilustres.

Isabelle ia protestar novamente, porém Raymond impediu.

— Não, Isabelle, não é preciso interceder por mim. O major tomou uma decisão e não haverá ninguém que o faço mudar de ideia.

 

         Raymond estava estendido sobre o leito da cela, quando a porta foi aberta.

         —Senhor Duc...

— Que houve Barry?

Raymond se fizera amigo do carcereiro, que se chamava Barry.

— O Chefe de Polícia, o Senhor Mortimer, o es­pera em seu gabinete.

O Major Finley apareceu na porta, junto a Barry. Duc pôs-se de pé e desamassou as calças. O Major Finley comentou:

— Seu chefe falou com o Senhor Mortimer, ele telefonou de Paris!

— Que disse ele?

— Não sei. O Senhor Mortimer ordenou-me que o levasse à sua presença.

— Está bem, tiraremos as dúvidas.

O Major Finley acompanhou o agente até o gabi­nete do Chefe de Polícia de Nassau.

O Senhor Mortimer era um homem cinquentão, de cabelos castanhos com grandes entradas, nariz adunco e olhos inteligentes.

— Senhor Duc, o Major Finley informou-me das circunstância de sua detenção... Ele aconselhou-me a interná-lo num sanatório de doentes mentais, pois, ao que parece o senhor é vitima de alucinações... Po­rém, decidi esperar um pouco. Seu chefe estabeleceu contato comigo e pediu para que o pusesse em liber­dade, com a promessa de que ele mesmo se encarre­gará de seu tratamento por psiquiatras franceses, quando o senhor chegar à sua pátria.

— Meu chefe é muito gentil.

— Portanto, não vejo inconveniente nenhum que o senhor abandone Nassau...

— Obrigado Senhor Mortimer...

— O senhor partirá imediatamente e sob custódia.

— Que quer dizer?

— Que dois policiais o acompanharão até o seu hotel, para que o senhor arrume sua bagagem, e a se­guir o levarão ao aeroporto. O senhor irá no avião que parte daqui á uma hora para Paris... Alguma ob­jeção Senhor Duc?

— Acho que não.

— Desejo-lha uma boa viagem de regresso.

— Obrigado Senhor Mortimer.

— Pode se retirar, os dois agentes que o acompa­nharão já estão à sua espera.

O Major Finley saiu com Raymond do gabinete de Mortimer,

— Bem, Senhor Duc... Agora que vamos nos se­parar, devo confessar-lhe que me decepcionou.

— Realmente major?

— Haviam me falado tanto do senhor e de suas proezas que, quando soube de sua presença aqui, julguei que teria ocasião de assistir a alguma, mas sua conduta provou-me uma coisa... Que não passa de um polícia com sorte.

Raymond curvou a cabeça num cumprimento.

— Espero que continue a ser tão perspicaz assim até a sua aposentadoria, major.

— Muito agradecido.

— Mas, ao mesmo tempo, espero que a sua apo­sentadoria seja o mais breve possível.

Deixou o Major Finley de boca aberta e retirou-se do Comissariado, sempre escoltado por dois policiais. Na rua, um dos agentes convidou Raymond a subir num jipe.

Um pouco mais adiante, na primeira praça por onde passaram, Raymond viu um antigo conhecido seu debaixo de um guarda-sol. Era o detetive Henry Cott que, vestido de branco, dirigia o tráfego.

— Alô, Senhor Duc! — gritou ele, dando passa­gem ao jipe. — Diga-me se aquela formiga foi sonho ou é realidade...

— Você a viu muito bem, Henry. Se aparecer ou­tra pela rua dê-lhe passagem livre.

— Se ela aparecer, eu darei nos calos... E aposto que não me pegará, apesar de todas as minhas ba­nhas.

Raymond sorriu enquanto o jipe se afastava do posto do ex-detetive Henry Cott.

Os dois agentes entraram com Duc no quarto do hotel e, debaixo de sua vigilância, o francês fez suas malas.

— Desculpem-me, rapazes, mas preciso ir até o banheiro.

Um dos policiais penetrou no local, deu uma olha­da e ordenou a Raymond que entrasse.

O rapaz passou o trinco na porta e se dirigiu ra­pidamente até a janela, que era muito estreita. Colo­cou uma cadeira junto a parede e pouco depois tre­pava, no parapeito. Mais embaixo, havia uma varandinha.

Ia arriscar a vida, mas era a única solução, pois do contrário, teria de tomar o avião. Quase caiu na rua, mas concentrou-se em sua arriscada tarefa, che­gando são e salvo ao pequeno terraço.

Entrou num quarto, onde uma mulher só de camisola estava deitada.

— Desculpe-me — disse Raymond.

A mulher deu um gritinho, dizendo a seguir:

— Já vai?

Raymond virou a cabeça e respondeu:

— Belezoca, estou muito ocupado neste momento, mas já aprendi o caminho e aparecerei novamente.

O rapaz apressou-se em sair do hotel, entrou num bar e consultou o catálogo telefônico, voltando a sair até a rua. Tomou um táxi, deu um endereço ao moto­rista, mas antes fez questão de passar por certo lugar.

— Ei! — exclamou Henry para o motorista, por que parou?

— Eu mandei Henry — explicou Raymond, me­tendo a cabeça pela janela do carro.

— Que está fazendo aqui, Senhor Cott? Aqueles dois guardas me disseram que iam leva-lo para o ae­roporto!

— Henry, você viu a formiga e sabe muito bem que não brinquei ao dizer-lhe que poderia ver outra transitando pela rua.

— Sim, senhor.

— Você e eu podemos evitar que tal coisa venha a acontecer.

— Compreendo. O senhor quer que eu compre in­seticida e...

— Não, Henry, ainda que espalhássemos insetici­das por todos os formigueiros de Nassau, não adian­taria. Tenho uma idéia melhor.

— Qual é?

— Prender o Grande Mago, isto é, o homem que se apoderou da fórmula que converte as formigas em animais gigantescos.

— Diabo, isso seria a solução, Senhor Duc.

— Suba Henry.

— Mas como ficará o tráfego?

— O que você vai fazer é mais importante do que dirigir o tráfego.

— O Major Finley me rebaixará ainda mais.

— Se vencermos, você será promovido. Ou prefe­re continuar como inspetor de tráfego?

— Oh, não, de maneira alguma! — exclamou Hen­ry e sem titubear, meteu-se no táxi.

O motorista se dirigiu ao endereço dado por Ray­mond. Era uma casa rodeada por um jardim, com uma grande piscina à esquerda e cocheiras.

— Senhor Duc, sabe onde estamos? O senhor se enganou de lugar.

— Diga, onde estamos?

— Na casa do chefe, não o Major Finley, mas o Chefe de Polícia, o Senhor Mortimer.

O chofer parou o carro na frente da casa.

— Espere aqui — disse Raymond. Henry saltou receoso.

— Senhor Duc, é melhor voltarmos. Desta, vez não serei punido pelo Major Finley, mas pelo próprio Se­nhor Mortimer, que me castigará por abandono do posto.

Raymond não ligou para as palavras de Henry. Obrigou-o a subir as escadas e a tocar a campainha. Um criado de rosto magricela abriu a porta.

— Que desejam?

— Falar com o Senhor Mortimer.

— Entrevista marcada?

— Sim. O Senhor Mortimer disse-me para vir a estas horas. Diga-lhe que se trata do Senhor Raymond Duc, de Paris.

— Entrem.

Penetraram num amplo vestíbulo e o criado se dirigiu a um aposento à esquerda, que deveria ser a biblioteca.

— Senhor Duc — murmurou Henry enquanto es­peravam. — Começo a acreditar que o major tinha ra­zão, o senhor é meio doidão.

— Veremos daqui a pouco.

O criado regressou naquele momento.

— Podem entrar.

Os dois se encaminharam até a biblioteca.

O Senhor Mortimer estava sentado por trás de uma escrivaninha. Olhou os dois homens com um ar preocupado.

— Senhor Duc — disse ele. — Eu o julgava no ae­roporto.

— Eu não podia ir embora sem conhecer o “Gran­de Mago”.

— Não sei de, que está falando...

— Estou me referindo ao senhor, Sr. Mortimer, e é melhor que pare de mentir, pois tenho a certeza de que já achei quem eu procurava.

— Por que pensa assim, Sr. Duc?

— Cometeu um erro por fim, “Grande Mago”... Re­cebeu-me em seu gabinete... Dessa forma pude ouvir a sua voz. Admito que é um pouco diferente da que ouvi outras vezes, mas certas palavras fizeram-me re­cordar os telefonemas que me deu nestes últimos dias. Fiz um curso de dicção em Paris, Senhor Mortimer... Meu chefe obrigou-me a isso, por achar esse curso im­portante para um agente. E, realmente, foi muito útil, serviu para desmascará-lo...

Mortimer apertou algo por baixo da escrivaninha.

Raymond sacou rapidamente a pistola de Henry do coldre e girou qual uma centelha. Dois homens en­travam no aposento de revólver em punho, Raymond disparou sem pestanejar e os dois tipos, soltando gritos de dor, tombaram ao solo.

Sem demora, Raymond encostou o cano da pisto­la na cabeça de Mortimer.

— Deseja continuar com este jogo, “Grande Mago”? Mortimer rangeu os dentes de raiva.

— Duc, você é um homem inteligente.

— Obrigado.

— Vai ficar trabalhando para mim.

— Henry — disse Raymond. — Pegue esse telefo­ne e ligue para o Major Finley.

Mortimer deu um murro na mesa,

— Não faça isso, Senhor Duc.

Henry já havia feito a ligação.

— Alô Major Finley, é Henry Cott... Da Praça Trafalgar? Não, senhor... Não estou lá... Estou na casa do Senhor Mortimer... Raymond Duc e eu o apa­nhamos com a mão na massa... Não estou blefando. Major Finley... É verdade!... Garanto-lhe...

Dois homens surgiram na porta. Raymond rece­beu-os do mesmo modo, à balia, derrubando-os. Henry continuou:

— Ouviu isso, Major Finley? Foi o Senhor Duc que estava enchendo isto aqui de cadáveres... Se o senhor não vier depressa, não sobrará ninguém para contar a estória...

 

O Doutor Cavallier lançou um caderninho ao fogo, enquanto dizia:

— Senhores, ninguém conhecerá a minha fórmu­la. O homem pode fazer o bem a seus semelhantes, mas jamais pode criar o mal. Sem perceber, tornei possível a existência de monstros. Mas agora, já aca­bou tal pesadelo.

— O Major Finley — disse Henry Cott — acabou sem ver uma formiga gigante.

No fundo do aposento, Isabelle abraçou-se a Ray­mond.

— Querido, você é maravilhoso!

— Cuidado, boneca, você está ainda sob os efei­tos da droga que Murray lhe aplicou.

— Não, Raymond. Tenho a certeza de que o efei­to da droga já acabou... Convide-me para jantar.

Raymond franziu a testa. Já havia jantado com Sandra... Bem, por que excepcionalmente, não jan­taria duas vezes na mesma noite?

— Sim, querida. Vamos nos divertir um pouco. Isabelle ofereceu os lábios ao agente do Deuxième Bureau, que a beijou com sofreguidão. O Major Finley dizia naquele instante:

Muito bem, Henry. Creio que há um posto de delegado vago... Será seu com uma condição...

— Qual chefe?

— Que não me fale nunca mais em formigas por toda a sua vida!

 

                                                                                Keith Luger  

 

                      

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