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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ILUSÕES HONESTAS - P.2 / Nora Roberts
ILUSÕES HONESTAS - P.2 / Nora Roberts

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ILUSÕES HONESTAS

Segunda Parte

 

ELE FINALMENTE percebeu. Levou alguns dias e algumas noites maldormidas, mas finalmente percebeu.

Ela estava tentando enlouquecê-lo.

Era a única explicação razoável para o comportamento de Roxanne. Não que ela não sorrisse muito para ele. Era o jeito com que sorria, com aquele brilho estranhamente feminino, uma mistura de convite, desafio e diversão. Ele nem podia culpar o fato de ela tê-lo encurralado em uma das apresentações de dança — sob o pretexto de participação da equipe - quando teve que segurá-la nos braços, sentindo o aroma de seus cabelos

enquanto os quadris dela dançavam ao ritmo da rumba sob suas mãos.

Também não podia culpar o fato de ela ter encontrado com ele em Quebec depois de terminar seu trabalho como intérprete em uma das excursões em terra, ou por tê-lo feito gostar de ser arrastado de loja em loja para comprar presentes e souvenirs, ou de tomar sorvete e andar pela multidão de turistas nas ruas longas e estreitas para ouvir um músico tocar a concertina.

Para ser honesto, também não podia culpar o fato de ela não deixar passar um dia sequer sem lhe dar um daqueles beijos suaves, tipo estalinho, que mexem com os hormônios da mesma forma que um farelo de pão apenas aumenta a fome de um homem já faminto.

Não, não podia culpar nenhum desses fatos — até juntá-los com a menos tangível, mas igualmente efetiva, vibração que ela parecia emitir sempre que estava a meio metro dele.

Resmungou para si mesmo, por todo o caminho desde a escada do lado de fora do convés Lido até ao Promenade, do Promenade ao Royal. Não era um garoto de recados e quase disse isso a Jack. Mas seria difícil explicar por que se negaria a perguntar para Roxanne se ela poderia ajudar a recepcionar os passageiros na fila da festa de despedida do capitão.

Ainda estavam ancorados em Quebec. Do alto da rampa, podia ver as lindas montanhas, as ruas íngremes e a elegância do imponente Chateau Frontenac. Fora divertido passear com ela pela cidade velha, ouvindo seu riso, observando seus olhos se iluminarem.

Não fazia ideia de como sobreviveria pelas próximas cinco semanas sendo assim tão fraternal.

Virou-se. A maioria das cadeiras do convés estava vazia. Como não zarpariam antes das sete da noite, muitos dos passageiros ficariam em terra até o último minuto. Os que preferiram relaxar a bordo estavam dois pavimentos abaixo, deliciando-se com os doces que estavam sendo servidos com o chá.

Mas Roxanne estava lá, esticada em uma espreguiçadeira, óculos de sol espelhado protegendo os olhos, um livro nas mãos e um biquíni insuportavelmente minúsculo, que não cobria nada além do que era exigido por lei.

Luke resmungou baixinho antes de se aproximar dela.

Sabia que ele estava lá, percebeu no momento em que ele chegou ao alto da escada e se virou na direção da rampa. Estava olhando a mesma página de seu romance há cinco longos minutos e agradecida por ter tido tempo de manter seus batimentos cardíacos sob controle.

Virou a página preguiçosamente e alcançou o refrigerante morno na mesa a seu lado.

— Você gosta de viver perigosamente.

Ela levantou o olhar, arqueou a sobrancelha, então puxou os óculos para baixo, o bastante para olhar por cima deles.

— Eu gosto de viver perigosamente?

— Uma ruiva pegando sol está pedindo para se queimar. — Na verdade sua pele não estava queimada nem bronzeada. Parecia simplesmente um pêssego maduro.

— Não vou ficar por muito tempo. — Sorriu e empurrou os óculos de volta ao lugar. Uma saudável onda de luxúria passou por ela. — E estou coberta de protetor solar. — Bem devagar, deslizou a ponta do dedo pela coxa brilhosa. — Você deu a Lily o leque de renda que comprou para ela?

— Claro! — Luke enfiou nos bolsos as mãos que coçavam, para ter certeza de que se comportariam. — Você estava certa, ela adorou.

— Viu? Você só precisa confiar em mim.

Ela se mexeu só um pouquinho, mas ele tinha consciência de cada músculo, de cada detalhe. As pequenas argolas nas orelhas, o brilho da delicada corrente de ouro com o minúsculo cristal de ametista em seu pescoço, a maneira com que amarrou os cachos no topo da cabeça, o aroma erótico da loção que passou na pele.

Assassinato era bom demais para ela.

— Jack quer saber se você pode ser a recepcionista essa noite. Uma das meninas pegou um vírus.

— Ah, acho que posso cuidar disso. — Ela deslizou o pé para cima da cadeira e coçou preguiçosamente o joelho. — Quer um gole? — Ofereceu a Coca-Cola aguada. — Parece que está com calor.

— Estou bem. — Ou ficaria, quando conseguisse mover os pés que pareciam pregados no convés perto da cadeira dela. — Você não deveria ir se arrumar?

— Tenho tempo de sobra. Poderia me fazer um favor? — Espreguiçou-se como um gato antes de pegar o frasco de protetor solar e jogar para ele. —Poderia passar nas minhas costas?

— Nas suas costas?

— A-hã. — Ela abaixou o encosto da cadeira, virou-se e se ajeitou. — Eu não alcanço.

Ele ficou surpreso que o protetor solar não tivesse vazado depois de tê-lo apertado com tanta força.

— Está tudo bem com suas costas.

— Seja bonzinho. — Depois de deitar sobre as mãos, deu um suspiro relaxante. Mas, por detrás das lentes espelhadas, seus olhos estavam abertos e alertas. — Você não vai me fazer pedir isso a um dos marinheiros, vai?

Foi o bastante. Rangendo os dentes, ele se agachou e espalhou protetor solar em seus ombros. Ela suspirou novamente, curvando os lábios.

— Que sensação boa — murmurou ela. — Quente.

— O frasco estar no sol explica isso. — Começou a espalhar o protetor solar com as pontas dos dedos, objetivamente, pensou. Afinal eram só suas costas. Pele e ossos. Pele macia e acetinada. Ossos longos e delicados. Ela se moveu sinuosamente sob suas mãos e ele conteve um gemido.

Os dedos dela se encolheram. As mãos dele eram como mágica em sua pele escorregadia, evocando imagens, fogos de artifício, embaralhando a mente. Luke não era o único que imaginava e se controlava. A voz dela soou rouca quando falou, mas Roxanne achou que isso podia ser facilmente atribuído ao fato de estar relaxada, e não excitada.

— Você tem que desamarrar o sutiã.

 

Os movimentos circulares das mãos dele nas costas dela pararam. Vi nos óculos dela o reflexo de seu próprio rosto perplexo.

— Como assim?

— O sutiã — repetiu ela. — Abra ou vou ficar com uma marca.

— Ok. — Não é nada de mais, disse para si mesmo, mas seus dedos se aproximaram e se afastaram do fecho duas vezes, antes que ele ficasse satisfeito com sua força de vontade.

Roxanne fechou bem os olhos a fim de absorver melhor a onda de sensações.

— Mmmm, você podia trabalhar lá embaixo com Inga.

— Inga? — Estranho nunca ter notado como as costas dela afunilavam sutilmente até a cintura.

— A massagista. Tive uma sessão de meia hora ontem à noite, mas não é nada comparado a você, Callahan. Papai sempre admirou suas mãos, sabia? — Deu uma risada trêmula enquanto ele passava os dedos por suas costas. Se não tivesse rido, teria gemido. — Por razões completamente diferentes, é claro. Quanto a mim, eu... — Parou com um suspiro gutural quando ele passou a palma das mãos por suas costelas.

Meu Deus, os ossos dela estavam derretendo sob suas mãos. Era uma sensação incrivelmente erótica senti-la ficar cada vez mais quente a cada toque seu. Sua nuca o tentava desesperadamente. Sua boca se enchia d'água com a ideia de passar os lábios ali, provando o gosto do protetor solar em sua pele e a sentindo estremecer. Não precisou de muita imaginação para fantasiá-la se virando e deixando aquele ridículo sutiã verde-esmeralda cair, enquanto ela o deixava explorar suas curvas suaves. Ela gemeria para ele, se aconchegaria nele, se entregaria a ele.

E, então, finalmente...

O som de sua respiração ofegante o trouxe de volta. Suas mãos estavam na lateral dos seios dela, seus dedos a ponto de deslizar naquela plenitude sedosa.

Ela estava tremendo, obviamente tão excitada quanto ele.

Estavam no deque aberto, pensou ele frustrado. Em plena luz do dia. E pior, muito pior, o mais próximo que duas pessoas poderiam estar sem compartilharem do mesmo sangue.

Tirou as mãos e conseguiu tampar o frasco depois de duas tentativas frustradas.

— Já está bom.

O corpo dela estremeceu ao perceber que não se satisfaria. Roxanne levantou a cabeça, automaticamente uma das mãos segurou o sutiã no lugar e a outra abaixou os óculos novamente. Dessa vez o olhar por trás das lentes era escuro e pesado.

— Já?

Furioso com a facilidade com que ela minava sua força de vontade, ele a pegou pelo maxilar.

— Só fiz o necessário para você não se queimar, Roxanne. Agora, faça um favor a nós dois e fique longe do fogo.

Ela forçou um sorriso.

— De qual de nós dois você está com medo, Callahan? — Como ele não sabia a resposta, afastou-se e se levantou.

— Não abuse da sorte, Roxy.

Mas ela tinha intenção de abusar, pensou enquanto atravessava o convés e descia a escada de ferro. Tinha a intenção de abusar até não poder mais, de uma maneira ou de outra.

 

— COM QUEM está bravo, rapaz?

— Com ninguém. — Luke estava com LeClerc do lado de fora do cassino, vendo os dançarinos bailarem na pista de dança do Monte Carlo Lounge. O quarteto de músicos poloneses estava tocando "Night and Day", com um toque de bebop.

— Então, por que a cara feia? — LeClerc puxou a gravata que detestava, mas era obrigado a usar, na última noite formal do primeiro cruzeiro. — Seu olhar espanta os homens e faz as mulheres estremecerem e suspirarem.

Apesar de seu humor, Luke sorriu.

— Talvez eu goste dele assim. Onde está aquela francesa de cabelos grisalhos que você estava perseguindo?

— Marie Clair. Ela vai chegar daqui a pouco. — LeClerc mastigou o cachimbo enquanto Luke acendia um charuto. — Mulher bonita aquela. Fogosa e exuberante. — Sorriu fazendo o cachimbo chacoalhar contra os dentes. — Uma viúva rica é um presente de Deus para um homem. Ela tem joias. Ah. — Beijou os dedos e suspirou. — Ontem à noite, segurei seu pingente de opala em minhas mãos. Dez quilates, mon ami, doze talvez, circundado por uma dúzia de brilhantes de dez pontos. Mas você e os outros me fazem sentir culpado até por pensar em tirá-los dela. Sendo assim, amanhã direi adeus, e ela irá para casa em Montreal com seus brilhantes e sua opala, com um anel de rubi de excelente proporção e outros numerosos tesouros de partir o coração. Só terei roubado sua virtude.

Divertindo-se, Luke colocou a mão no ombro de LeClerc.

— As vezes, mon ami, isso é o suficiente. — Olhou na direção da entrada do salão.

Roxanne estava de pé, e o primeiro oficial do navio estava beijando sua mão. O fato de o homem ser grego, alto e bronzeado já era ruim o bastante. O som sutil do riso de Roxanne só aumentou o insulto.

O vestido dela era curto, uma faixa brilhante azul-piscina. Sem alças deixava nus os braços e ombros de Roxanne. Tinha um decote nas costas. O pouco tecido era drapeado nos quadris e parava provocantemente no meio das coxas.

A pele aquecida no sol da tarde brilhava em um tom dourado pálido em contraste com o azul-claro. Ela puxou os cabelos para trás com um prendedor cravejado, de modo que instigasse os homens a soltá-los e a apreciar o fogo se espalhar.

— Ela não vai continuar com isso.

— Quê?

— Eu sei o que ela está tentando fazer — disse Luke baixinho. — E não vai funcionar. — Afastou-se para o bar para se saciar com uma dose de uísque. LeClerc permaneceu onde estava e deu uma risadinha.

— Já funcionou, mon cher loup. O lobo caiu na armadilha da raposa.

 

DUAS HORAS depois, Roxanne estava nas sombras atrás do palco esperando sua primeira deixa. O espetáculo da última noite do cruzeiro envolvia todos os artistas. Por sua vez, os Nouvelle pretendiam deixá-los extasiados.

Max e Lily estavam fazendo sucesso com uma das variações da Mulher Dividida. No momento em que Lily era unida novamente, Luke entrava para manter o público entretido com truques de prestidigitação.

Enquanto explicava como se livraria das algemas e do baú, Luke chamou dois voluntários da plateia e os roubou bem debaixo de seus narizes, para deleite dos espectadores.

Enquanto distraía os dois voluntários perplexos pedindo que examinassem as algemas, balançou as mãos, e o relógio do primeiro homem apareceu por trás de sua cabeça. Pegou carteiras, canivetes e dinheiro bem debaixo de seus narizes.

— Agora que eles estão entretidos, terei trinta segundos. Harry? —Sorriu para o homem baixo de óculos a seu lado. — Posso chamá-lo de Harry?

— Claro.

— Bem, Harry, quero que você me cronometre. Pode fazer isso com seu relógio?

— Claro que sim. — Querendo cooperar, Harry virou o pulso e franziu a testa ao ver seu pulso nu.

— Ele é muito bom mesmo, não é? — Dori espiou por cima do ombro de Roxanne.

Luke finalizou fazendo os dois homens sorrirem timidamente enquanto devolvia seus pertences. A orquestra começou a tocar uma música animada assinalando o final.

— Você foi ótimo. Pode relaxar agora. Acalme-se. — Piscou, devolvendo a gravata que tinha tirado do pescoço do homem. Então começou a alisar a camisa de Harry, mexendo no paletó e puxando as mangas.

— O que ele está fazendo? Mais um truque? — perguntou Dori.

— Fique olhando.

Luke esticou, puxou, alisou. Depois estendeu a mão para um último aperto amigável. Enquanto Harry se virava para descer do palco, Luke agarrou a parte de trás da gola de sua camisa. Com um movimento dos punhos, segurou a camisa azul-bebê de Harry, o homem arregalou os olhos ao ver seu peito nu sob o paletó.

— Caramba, como ele fez isso? Como arrancou a camisa sem tirar o paletó?

Roxanne deu uma gargalhada, como fazia todas as vezes que via Luke fazer este truque em especial.

— Sinto muito, segredo de estado. — Roxanne sorriu enquanto se encaminhava para fazer sua entrada.

Nesse momento, ela estava contracenando com Luke, voando de um lado a outro do palco em um duelo de movimentos rápidos de prestidigitação. Seu traje brilhava tanto quanto o dele, um smoking feito sob medida, com lantejoulas na lapela. Precisão era tão essencial quanto destreza. Objetos apareciam e desapareciam de suas mãos, multiplicavam-se e mudavam de cor e tamanho.

Para coroar a apresentação, Luke cumpriu bem a promessa da fuga do baú, parecendo implorar ajuda de uma relutante Roxanne.

— Venha, Roxy, não me envergonhe na frente dessa plateia maravilhosa.

— Faça isso sozinho, Callahan. Eu sei o que aconteceu da última vez. Luke se virou para a plateia e abriu as mãos.

— Então, ela ficou umas horinhas desaparecida. Mas acabei fazendo ela voltar.

— Não.

— Dá um tempo. — Balançou a cabeça de novo e suspirou teatralmente.

Ok, então segure a cortina para mim.

Ela o estudou com um olhar desconfiado.

— Você só quer que eu segure a cortina?

— Isso.

— Nada de gracinhas?

— Claro que não. — Ele se virou dando uma piscadela exagerada.

— Tudo bem. Vou fazer isso, mas só porque a plateia é espetacular. Quer saber? Vou até colocar as algemas para você.

Ela as balançou, fazendo a plateia gargalhar quando Luke arregalou os olhos e apalpou os bolsos.

— Quanta astúcia, Roxanne.

— Tenho vários truques na manga. Posicione-se, Callahan.

A música recomeçou enquanto ele oferecia os pulsos. Com movimentos exagerados, Roxanne colocou e trancou as algemas e pegou uma corrente para amarrar em volta de suas mãos por precaução. Então girou o baú e abriu a tampa para que todos pudessem ver que tinha quatro lados e um fundo. Luke entrou e, aproveitando que as mãos dele estavam presas, ela se abaixou e lhe deu um beijo.

— Para dar sorte. — Então empurrou sua cabeça para baixo e fechou a tampa. Tirando uma chave de fenda do bolso, apertou cada um dos parafusos. Usando uma cortina branca de quatro lados, ficou em pé na tampa, deixando o tecido cair até que cobrisse tudo, de seu queixo para baixo.

— Quando eu contar três — gritou ela. Um, dois.

A cabeça dela sumiu e a de Luke apareceu.

— Três.

A plateia irrompeu em aplausos, continuando depois que Luke deixou a cortina cair. Vestia agora um smoking branco salpicado de prateado. Agradeceu com um floreio antes de dar um olhar distraído. Sons de batidas vieram de dentro do baú.

— Epa. Esqueci uma coisa. — Estalou os dedos, e uma chave apareceu. Depois de usá-la para destrancar o baú, tirou os parafusos e levantou a tampa.

— Bonito, Callahan. Muito bonito.

Ele só deu uma risada, abaixando-se, tirando Roxanne do baú e a pegando nos braços. Ela também vestia um smoking branco, e agora suas mãos estavam algemadas e acorrentadas. Fez um agradecimento final com ela nos braços e, em seguida, a carregou para os bastidores.

— Feito? — sussurrou ele.

— Quase.

Ele se virou para os aplausos. Ainda a carregava, mas agora as mãos dela estavam livres e as dele algemadas.

— Você podia ter sido alguns segundos mais rápida — reclamou quando a colocou no chão, em frente ao seu camarim. — Durante o truque de prestidigitação você estava sempre um passo atrás.

— Não, você é que estava sempre um passo à frente. — Ela sorriu, pois sentiu como o coração dele batia quando a carregou para os bastidores. —Quer briga, Callahan?

— Não. Só melhore seu tempo, droga.

— Tenho melhorado — murmurou ela quando ele se virou.

 

ELA CERTAMENTE esperava ter melhorado. Só Deus sabia como ela estava nervosa, mas era agora ou nunca. Pela quinta vez, olhou-se no espelho. Os cabelos estavam artisticamente despenteados; no rosto, só um toque sutil de maquiagem. O robe comprido de seda marfim grudado em cada curva. Borrifou um perfume no ar e então passou pela nuvem de fragrância. Determinada, saiu pela porta de sua cabine para o corredor em direção à cabine de Luke.

Ele já tinha tirado a calça de moletom cinza e estava tentando acalmar a mente para dormir, planejando os detalhes para uma nova fuga.

Resmungou quando ouviu a batida na porta. Quando a porta se abriu, seu olhar ausente ficou pasmo ao ver Roxanne.

— O que foi? Alguma coisa errada?

— Acho que não. — Encostou-se na porta. Não foi um gesto provocante e sim uma forma de fazer suas pernas pararem de tremer. Trancou a porta. — Estou treinando para melhorar meu tempo — disse ela, enquanto entrava no quarto.

Ele se levantou, preparando-se para afastá-la. Bastou ela colocar a mão em seu peito nu para ele estremecer e baixar a guarda.

— Você estava certo. — Ela sentiu as batidas do coração dele. A sensação fez com que ela se sentisse fraca, carente, impotente. — Sobre meu tempo. É algo que eu já devia ter melhorado.

Ele podia sentir seus nervos se remoendo e rangendo como engrenagens. Ela cheirava a pecado.

— Estou ocupado, Roxanne, é tarde demais para enigmas.

— Você já tem a resposta para esse enigma. — Com uma risadinha despreocupada, deslizou as mãos pelo peito dele até os ombros. Os músculos estavam tensos. — O que acontece quando um homem e uma mulher ficam sozinhos à noite em um quarto?

— Eu diria... — Mas, em um movimento rápido, ela cobriu os lábios dele com os seus. Não havia nada que ele pudesse fazer para mudar a resposta que saltou de suas veias, como um tigre salta de uma jaula aberta. Mas podia impedir que fosse mais longe. Rezou a Deus para conseguir.

— Viu? — Ela roçou seus lábios nos dele mais uma, duas vezes, afastando-se somente o suficiente para sorrir, olhando em seus olhos, — Eu sabia que você tinha a resposta.

Foi muito difícil, mas ele deixou as mãos caírem e se afastou.

— O jogo acabou. Agora desapareça. Tenho trabalho a fazer.

Doeu como se fosse um estilete cortando e perfurando sua pele. Tudo bem, ela pensou, poderia sangrar, mas não desistiria sem lutar. Estava na fase da sedução aconselhada por Dori. Dane-se que tivesse deixado que ele percebesse o quanto estava apavorada.

   — Isso não funcionava nem quando eu tinha 12 anos. — Ela chegou mais perto, saiu da luz e entrou na sombra, encurralando-o efetivamente. — Não vai funcionar agora também. Preste atenção. — Seus lábios se apertaram como os de uma bruxa, cheios de confiança. Aproximou-se ainda mais, rapidamente ele segurou seus braços para prevenir que seu corpo roçasse perigosamente contra o dele — Eu posso sentir você me olhando quando estamos no mesmo lugar. Quase posso ouvir o que pensa quando faz isso. - Os olhos dela estavam escuros como mares profundos, e ela estava quase se afogando. Quando ela falava, sua voz o envolvia numa névoa. — Você fica imaginando como seria entre nós. — Colocou a mão no queixo dele, deslizando os dedos longos até a mandíbula. Tudo que ele sentia, tudo que ele desejava, estava em sua mente e fazia o sangue ferver. — E eu também. Você fica imaginando como seria me possuir e fazer todas as coisas secretas que gostaria de fazer. E eu também.

Era difícil respirar. Cada vez que inspirava, sentia o perfume dela, até ele achar que iria explodir. Se isso era sedução, nunca experimentara antes, nunca imaginara que ela fosse capaz de envolvê-lo tão sabiamente. Encurralado, era tudo que podia pensar. Estava encurralado em uma cela de desejos indescritíveis, e a única porta de saída era sua força de vontade.

A luz do abajur fazia os cabelos dela cintilarem como fogo. Antes que desse pudesse pensar, ele levantou a mão e a cobriu com a chama.

— Você não sabe o que eu quero fazer. Se soubesse, sairia gritando.

O corpo dela se inclinou para a frente, com muito mais desejo do que medo.

— Não vou fugir, não tenho medo.

— Você não tem a consciência de que deveria ter. — Mas ele tinha.Soltou seus cabelos e com um movimento brusco a empurrou para longe. — Não sou um de seus fiéis universitários, Rox. Eu não seria educado e não faria promessas, nem diria o que você acha que quer ouvir. O que tenho dentro de mim vem de onde eu vim, e vai ficar lá, independentemente da aparência. — Ela viu uma chama em seus olhos, nojo, tristeza, raiva, não tinha certeza. Então sumiu. — Seja uma boa menina e vá embora.

Ela sentiu um nó na garganta, mas manteve a cabeça erguida e os olhos secos.

— Nunca fui uma boa menina. E não vou a lugar nenhum.

Ele suspirou. Havia uma exasperação na situação que fez com que ela recuasse.

— Roxy, você está me colocando em uma posição em que vou ter que ferir seus sentimentos. — Com pernas bambas, ele se aproximou e lhe afagou a cabeça. Uma bofetada, sabia, teria sido menos ofensiva. -Eu sei o quanto você treinou para fazer esta cena de sedução. E estou lisonjeado de verdade por você ter essa queda por mim.

— Queda? — disse ela, quando encontrou a voz. Ele podia perceber pelas faíscas em seus olhos, que havia tocado no ponto certo.

— É adorável e eu aprecio, mas não estou interessado. Você não faz meu tipo, querida. — Encostou-se displicentemente contra a cômoda. — Você é bonita e não vou negar que em todos esses anos eu não tenha tido algumas fantasias quando contracenamos, mas vamos cair na real.

— Você... — A pontada de rejeição quase a fez ficar de joelhos. — Você está dizendo que não me deseja.

— Simples assim. — Puxou um charuto da cômoda. — Eu não desejo você, Roxanne.

Ela teria acreditado. A voz dele era suave, tão compreensiva que a insultava e parecia pedir desculpas. Havia uma ponta de diversão em seu olhar que cortava como uma lâmina e um sorrisinho nos lábios. Teria acreditado nele. Mas percebeu que as mãos estavam tão cerradas que as juntas dos dedos estavam esbranquiçadas. Ele já tinha despedaçado o charuto.

Ela manteve o olhar baixo por um momento, sabendo que precisava de um tempo para colocar nele um brilho de triunfo.

— Tudo bem, Luke. Só peço uma coisa.

Ele respirou comedidamente, demonstrando alívio.

— Não se preocupe, Rox, não vou contar a ninguém.

— Não é isso. — Ela levantou a cabeça, e o poder impressionante de sua beleza tirou o sorriso fácil do rosto dele. — A única coisa que tenho a pedir é que experimente.

Ela levantou a mão e desamarrou o cinto do seu robe.

— Pare com isso. — Deixou cair o charuto amassado e se afastou. — Por Cristo, Roxanne, o que você acha que está fazendo?

— Só mostrando o que você diz que não quer. — Observando-o ela revirou os ombros deixando a seda marfim escorregar para o chão. Havia mais seda por baixo, uma camisola fina da mesma seda com rendas. Enquanto ele tentava recuperar o fôlego, uma alça fina caiu sedutoramente de seu ombro. — Se você está dizendo a verdade, não há qualquer problema nisso, há?

— Vista-se. — A voz dele estava grossa como a de um bêbado. — Saia. Você não tem nenhum amor-próprio?

 

FINALMENTE. Foi o último pensamento coerente que passou pela mente de Roxanne quando os lábios ardentes de Luke colaram nos seus. Finalmente.

Outra mulher podia desejar palavras doces, mãos lentas, carinho gentil. Ela não tinha o menor desejo disso agora. Todo desejo que possa ter acalentado e toda fantasia que possa ter nutrido secretamente deram lugar às exigências ferozes e determinadas das mãos e lábios dele.

Deu a ele o presente mais cobiçado e desconcertante que uma mulher pode oferecer a um homem. Entrega total.

Esse era o seu poder, e o seu triunfo.

Necessidades que brotavam às escondidas floresceram completamente. Receios emaranhados a elas, criando uma dor tão forte que a fazia tremer. Não sabia, nem em suas mais secretas fantasias, que era possível se sentir assim.

Impotente e forte. Zonza e sã.

Riu de novo, pela glória do momento, essa montanha-russa apressada e impulsiva, descendo e fazendo suas curvas acentuadas, entrando nos túneis escuros de desejos secretos. Agarrou-se em busca de apoio, mas, para ter certeza, muita certeza, juntou-se a ele no mesmo ritmo alucinante.

Cada suspiro, cada respiração só aumentava o desejo dele. Era Roxanne que estava embaixo dele, seu corpo esbelto e ágil tremendo ao toque dele, seus ávidos lábios encontrando os dele, seu cheiro tirando a razão do cérebro dele.

Não precisava pensar — não tinha mais essa capacidade. Mais tarde, se lembraria de Max falando do animal assumindo o controle. Mas agora, Luke não passava disso, tomando o que seu corpo ansiava tão violentamente.

A luz ainda brilhava com toda força, bem diferente de um ambiente romântico. A colcha que nem tinha se dado ao trabalho de tirar arranhava a pele. A cama estreita oscilava com o balanço do navio. Mas o corpo dela se arqueava contra o dele e não havia mais nada, apenas ela e o que ela tão impulsivamente lhe oferecia.

Ele queria mais, precisava de mais, e rasgou o que ainda restava da camisola dela para encontrá-la por inteiro.

Impaciente, urgente, a mão dele desceu e a encontrou já quente, úmida, pronta. Com um movimento rude, levou-a ao primeiro clímax.

Ela sentia como se tivesse sido rasgada em dois tão facilmente quanto a seda marfim. Seu corpo tremia, balançava, explodia antes que sua mente tivesse a chance de saber o que estava acontecendo. Mesmo quando ela se afastou, chocada e tonta, ele a estava puxando de volta, devorando a carne trêmula e úmida.

Ela queria pedir que ele esperasse, que lhe desse um momento para recuperar o fôlego e a razão. Mas ele a arrastou brutalmente de volta até que ela mal conseguisse respirar e fosse impossível raciocinar.

Vorazmente, deliciou-se nos seios dela, primeiro em um, depois no outro, usando dentes, língua e lábios de forma que o desejo dentro dela se espalhasse até que seus ossos tremessem.

— Continua. — As mãos dela buscavam algo, dedos agarrando com urgência a colcha amarrotada. — Continua — gemia ela, sem a menor vergonha.

Com a respiração pesada, ele tirou a larga calça de moletom. O sangue pulsava em sua cabeça, latejando sem piedade em sua virilha. Estava agitado como um garanhão quando montou nela. Então segurou seus quadris e a levantou, e mergulhou fundo.

Ela gritou, arqueando o corpo quando a dor a rasgou, como uma flecha de gelo quebrando o calor. Ela puxou os quadris, buscando fugir e gemeu.

— Ah, Deus, Roxanne. — O suor escorria pela testa dele enquanto lutava para permanecer imóvel e para não machucá-la de novo. — Meu Deus.

Virgem. Ele balançou a cabeça em uma tentativa desesperada para clarear seus pensamentos, mesmo quando seu corpo vibrava na tênue linha entre a frustração e o êxtase. Ela era virgem, e ele entrara nela como um caminhão.

— Desculpe, querida, desculpe. — Palavras inúteis, pensou ao ver as primeiras lágrimas escorrerem pelo rosto dela. Ele esticou os braços para levantar o corpo, os músculos trêmulos, e se esforçou para sair de dentro dela da forma mais gentil possível. — Eu não vou machucá-la.

A respiração dela estremeceu. Ainda doía, uma dor que radiava, e uma aflição mais suave, mais profunda. Misturada a ambos, havia uma sensação de glória não alcançada. Levantou os quadris instintivamente quando sentiu que ele estava saindo dela.

— Não se mova. — Ele sentiu um nó no estômago quando ela o puxou de volta para dentro.

— Pelo amor de Deus, não... — A onda de prazer quase o deixou louco. — Eu vou parar.

Ela abriu os olhos e o fitou.

— Não vai mesmo. — Preparada para o próximo golpe de dor, ela agarrou os quadris dele. Ficou com a impressão de ouvi-lo praguejar. Mas não tinha certeza. Não sentiu nenhuma dor, apenas um prazer profundo, sufocante, glorioso. Agarrou-se a ele e o sentiu girar e correr por todo seu corpo até que não houvesse mais nada além do incrível deleite de encontrar um amante.

Ele não conseguiu resistir. O corpo dele o traiu, e agradeceu a Deus por isso. Enterrou o rosto nos cabelos dela e deixou que ela o levasse.

 

ELA SENTIA como se seu corpo fosse delicado como vidro. Tinha medo de se mexer com receio de que fosse quebrar em milhares de pedacinhos brilhantes. Então, era por isso que os poetas choravam, pensou ela. Os lábios curvados em um sorriso presunçoso. Tinha sido bom, certamente, mas duvidava que fosse escrever sonetos sobre o acontecimento.

Mas esta parte. Ela suspirou e moveu a mão para acariciar as costas de Luke. Esta parte era adorável, ficar deitada ali, sentindo o coração do amante bater forte e rapidamente contra o seu. Ficaria feliz em permanecer assim por dias.

Mas ele se moveu. Roxanne recuou quando a cama tremeu. Estava bem mais do que um pouco dolorida onde Luke a penetrara. Não querendo perder a gostosa sensação de intimidade, aninhou-se a ele quando ele deitou de costas.

Não havia palavrões o suficiente para se xingar, pensou ele ao fitar o teto. Ele a tomara feito um animal, sem cuidado, sem carinho. Fechou os olhos. Se a culpa não o matasse, Max mataria.

Até lá, teria de fazer alguma coisa para consertar o que destruíra de forma tão imprudente.

— Rox.

— Humm?

— Eu sou o responsável.

Sonhando, ela aninhou a cabeça mais confortavelmente no ombro dele.

— Ok.

— Não quero que se preocupe, nem se sinta culpada.

— Com o quê?

— Com isso. — A voz dele estava pontuada de impaciência. A voz dela precisava soar tão sonolenta, tão sensual, tão satisfeita? — Foi um erro, mas não precisa arruinar nada.

Roxanne abriu um olho, depois o outro. A expressão de felicidade deu lugar a uma sombria.

— Erro? Você está me dizendo que o que acabou de acontecer aqui foi um erro?

— Claro que foi. — Rolou para fora da cama, procurando sua blusa antes que seu corpo o levasse a repetir. — Em diversos aspectos. — Olhou para ela, trancando os dentes. Agora, ela estava sentada, os cabelos bagunçados caindo sobre os ombros, encaracolando de forma sedutora sobre os seios. A mancha de sangue na colcha amarrotada afastava o desejo de possuí-la.

   — Mesmo? — A adorável sensação fora embora. Se Luke não estivesse ocupado demais em xingar a si próprio, teria visto no olhar dela a batalha que se passava internamente. — Por que não me diz alguns desses aspectos?

— Pelo amor de Deus, você é praticamente minha irmã.

— Ah. — Ela cruzou os braços, levantou os ombros. Seria uma ótima postura, se não estivesse nua. — Acho que a palavra mais importante é praticamente. Não temos o mesmo sangue, Callahan.

— Max me aceitou. — Para manter sua sanidade, abriu uma gaveta e pegou uma camiseta. Jogou para Roxanne. — Ele me deu uma casa, uma vida. Eu traí tudo isso.

— Que besteira. — Jogou a camiseta de volta para ele. — Sim, ele o aceitou e lhe deu uma casa. Mas o que aconteceu aqui foi entre nós dois, só nós dois. Não tem nada a ver com Max nem com traição.

— Ele confiava em mim. — De má vontade, Luke se aproximou e enfiou a camiseta pela cabeça de Roxanne. Ela empurrou as mãos dele e ficou de pé.

— Você acha que Max ficaria furioso e chocado se soubesse que nós nos desejamos? — Furiosa, arrancou a camiseta e jogou longe. — Você não é meu irmão, droga, e, se você ficar parado aí e disser que estava me vendo como uma irmã alguns minutos atrás, então você é um mentiroso.

— Não, eu não pensei em você como irmã. — Segurou os ombros dela e sacudiu. — De forma alguma, e esse é o problema. Eu desejei você. Eu desejo você há anos. E isso me corrói por dentro.

Ela jogou a cabeça para trás. O gesto era um desafio, mas algo dentro dela amolecera. Há anos. Ele a desejava havia anos.

— Então, você vem fazendo joguinhos comigo, brincando de gato e rato desde que eu tinha 16 anos. Tudo porque você me desejava e colocou nessa sua cabecinha que isso seria uma espécie de... incesto emocional?

Ele abriu a boca, mas fechou de novo. Por que, de repente, isso lhe soou tão ridículo?

— Quase isso.

Não sabia que resposta esperar dela, mas certamente não era uma gargalhada. Ela riu até que lágrimas saíssem de seus olhos. Com as mãos na cintura, sentou-se na cama.

— Ah, seu idiota.

O orgulho dele estava em jogo. Não podia admitir que uma mulher nua caísse na gargalhada às suas custas e isso o excitasse a ponto de implorar.

— Não consigo ver o que é tão engraçado.

— Você está brincando? É hilário. — Tirou os cabelos do rosto e sorriu para ele. — E muito doce também. Você estava protegendo a minha honra, Luke?

— Cale a boca.

Ela sorriu e enxugou as lágrimas do rosto.

— Pense, Callahan. Pense de verdade por um minuto. Você está aí parado, corroendo-se de culpa porque fez amor com uma mulher que fez de tudo para seduzi-lo, uma mulher que você conhece a vida toda, uma mulher que não tem, repito, não tem nenhum parentesco com você. Uma mulher maior de idade, dona de seu nariz. Você não acha isso engraçado?

Ele enfiou as mãos no bolso e fez uma cara feia.

— De forma alguma.

— Você está perdendo seu senso de humor. — Ela levantou, então, e jogou os braços em volta dele. Seus seios nus roçaram o peitoral dele, sentiu, satisfeita, os músculos dele estremecerem. Mas ele não retribuiu o abraço. — Acho que, se você se sente assim, vou ter de seduzi-lo sempre. Acho que estou prestes a fazer isso. — Mordiscou o lábio dele, sorrindo. quando olhou para baixo entre eles. — E parece que você também.

— Pare com isso. — Mas a ordem dele não era convincente. — Mesmo se eu esquecesse esses motivos. Tem outras coisas.

— Tudo bem. — Passou os dedos pelas costas dele, dando beijinhos em seu pescoço. — Vamos escutar, então.

— Droga, você era virgem. — Segurou os braços dela, empurrou-a para trás para que pudesse escapar.

— Isso o incomoda? — Ela fez um beicinho, pensando a respeito. — Sempre achei que os homens tivessem uma queda por isso. Sabe, a síndrome Jornada nas Estrelas.

—O quê?

— Ousadamente chegar aonde nenhum outro homem esteve antes. Ele lutou para não rir.

— Cristo. — Ele gostaria de uma cerveja, melhor, gostaria de ter uma caixa com seis cervejas geladas, mas se satisfez com uma garrafa de água mineral. — Olhe, Roxanne, o negócio é que eu não fiz certo.

— Não fez? — Virou a cabeça, curiosa. — Não consigo imaginar muitas outras formas de fazer isso.

Ele engasgou e baixou a garrafa. Não apenas virgem, que Deus o ajude, mas impossível e sensualmente inocente.

— Qual era o problema dos caras da faculdade? Eles não sabiam o que fazer com você?

— Imagino que eles soubessem, se eu quisesse que eles fizessem alguma coisa. — Sorriu de novo, segura de que estava dominando. Quando falou de novo, sua voz saiu suave. — Eu queria que você fosse o primeiro. — Ela viu a emoção nua e crua nos olhos dele ao se aproximar de novo. — Eu só queria você.

Nada nem ninguém nunca o emocionaram tanto. Gentilmente, tocou os cabelos dela.

— Eu machuquei você. E, se você ficar comigo, provavelmente vou machucá-la de novo. O que eu disse antes sobre o que tem dentro de mim, é verdade. Tem coisas que você não sabe. Se soubesse...

— Eu sei. — Passou a mão pelas costas dele, passando o dedo pelas cicatrizes. — Eu sei há anos, desde o dia que você contou para o Max. Eu escutei. Chorei por você. Não. — Abraçou-o com mais força para que ele não se virasse. — Você acha que a minha opinião a seu respeito mudaria por causa do que fizeram com você quando era criança?

— Não sou digno de pena — disse ele, com firmeza.

— Não estou com nem um pouco de pena de você. — Os olhos dela estavam escuros e ardentes quando virou a cabeça. — Mas sou solidária, o tipo de solidariedade de que você precisa e que só vai receber de uma pessoa que conhece você e amou você a vida toda.

Exausto, ele encostou a testa no ombro dela.

— Não sei o que lhe dizer.

— Não diga nada. Só fique aqui comigo.

 

NÃO TEVE tempo para curtir a sensação de acordar nos braços de Luke e menos ainda para passar uma manhã preguiçosa. Roxanne acabara de se aninhar quando escutou o anúncio pelos alto-falantes do corredor de que estava na hora do desembarque. Um longo e sonolento beijo, alguns gemidos de frustração e ela estava de pé, enfiando-se em uma calça de moletom de Luke e na camiseta que rejeitara na noite anterior. Segurando a calça na cintura com uma das mãos, abriu a porta da cabine e olhou pelo corredor. Como Luke estava rindo, ela olhou para trás.

Os cabelos despenteados; o rosto, corado; os olhos, pesados e sonhadores. Ela parecia exatamente o que era, pensou ele prendendo a respiração. Uma mulher que passara a noite com o amante.

E ele era o amante dela. O primeiro. O único

— Mãos à obra, Callahan. — A voz dela estava rouca. — Vejo você em quinze minutos.

— OK. OK.

Segurando as calças, Roxanne foi para a própria cabine. Sempre pontual, em um quarto de hora, ela estava no Deque Lido. Os passageiros estavam reunidos nos salões, malas de mão e sacas de lojas à sua volta enquanto bocejavam, conversavam e esperavam sua vez de sair do navio. De poucos em poucos minutos, um anúncio era feito em inglês, depois em francês, convidando os passageiros com etiquetas de determinada cor a desembarcarem. Chamaram o vermelho, azul, branco, amarelo, vermelho com listras brancas, branco com listras verdes. Roxanne apertou mãos, deu beijinhos e abraços enquanto o nível dos ruídos diminuía.

Por volta das dez, apenas a tripulação e uma pequena porcentagem de passageiros que voltariam para Nova York estavam a bordo. Os novos passageiros só embarcariam a partir de uma hora. Max aproveitou a calmaria para marcar um ensaio.

Era bom ver Max em forma de novo, pensou ela. Com um ritmo mais lento do que estava acostumada, mas sem a hesitação e a dificuldade que a deixaram preocupada.

Achou que foi muito bem, fazendo os truques com cartas, com corda e as ilusões maiores sem demonstrar o que se passava em sua cabeça e em seu coração. Imagens de Luke jogando-a na cama, as lembranças que traziam calor e prazer eram mantidas sob controle. Estava satisfeita porque ninguém sabia da drástica virada que sua vida dera além dela mesma e do homem que a estava acompanhando nessa virada.

Mas o amor é cego, claro.

Lily suspirava cada vez que olhava na direção deles. Seu coração romântico chorava lágrimas de alegria. Os lábios de LeClerc se contorciam. Até Mouse, que passava a maior parte do tempo indiferente às sutis trocas entre homens e mulheres, corou e sorriu.

Apenas Max parecia não perceber.

— Não é maravilhoso? — Lily suspirou de novo quando ela e Max tiraram uma hora para eles no quase deserto Deque Lido com canecas de sopa e chá.

— Com certeza. — Deu um tapinha na mão dela, achando que ela estava falando do momento tranquilo, da brisa refrescante e da vista de Montreal que quem estava no porto tinha.

— É como realizar seu maior sonho. — Ela levantou a caneca, seus três anéis brilhando.  — Eu estava começando a achar que nunca ia acontecer.

— Foi uma semana cheia — concordou ele. E nem tivera tempo de continuar sua pesquisa sobre a pedra filosofal. Talvez quando aportassem em Sydney, conseguisse dar uma desculpa para não bancar o turista e passar algumas horas com seus livros e anotações. Estava chegando perto. Podia sentir.

— Fico me perguntando se o fato de estar em um navio como este ajudou. Quero dizer, em um lugar fechado, passando tanto tempo juntos. Não podiam se evitar.

— Com certeza não. — Max piscou e franziu a testa. — Quem?

- Roxy e Luke, bobinho. — Cruzando os braços em cima da mesa, ela suspirou, sonhadora. — Aposto que eles estão andando de mãos dadas por Montreal agora mesmo.

— Roxanne e Luke? — Foi tudo que Max conseguiu pensar em dizer. — Roxanne e Luke?

— Bem, claro, querido. Do que você achou que eu estava falando? —Riu, curtindo, como todas as mulheres curtem, aquela superioridade sobre a maioria dos machos da espécie quando o assunto é romance. — Você não viu a forma como eles estavam se olhando hoje de manhã? Um milagre o deque não ter pegado fogo com tantas faíscas pelo ar.

— Eles sempre soltam faíscas um para o outro. Eles não fazem nada além de brigar.

— Querido, aquilo era apenas urna espécie de ritual de acasalamento.

Ele engasgou com o chá.

— Acasalamento? — disse ele, fraco. — Meu Deus.

— Max, meu amor. — Confusa e preocupada, ela pegou as mãos dele. Estavam trêmulas.  — Você não está chateado, está? Eles são perfeitos um para o outro, e estão tão apaixonados.

— Você está dizendo que ele... que eles... — Ele não conseguia pronunciar as palavras.

— Eu não era uma mosquinha no quarto, mas, se considerarmos esta manhã, eu diria que eles fizeram. — Manteve o tom de voz calmo, mas como Max continuou encarando-a, chocado, o tom de voz dela mudou. —Max, você não está furioso?

— Não. Não. — Balançou a cabeça, mas precisou levantar. Caminhou até a grade como um homem em transe. Seu bebê, pensou, com um pedacinho do coração dilacerado. Sua menininha. E o garoto que considerava como seu próprio filho há tanto tempo. Eles cresceram. Lágrimas brotaram em seus olhos. — Eu devia ter previsto, acho — murmurou quando Lily o abraçou.

Ele balançou a cabeça de novo. As lágrimas de medo secaram e ele a puxou para mais perto.

— Será que eles vão ter o que nós temos? Você acha?

Ela encostou a cabeça no ombro dele e sorriu.

— Ninguém consegue, Max.

 

NAQUELA NOITE, ele foi procurá-la. Ela estava esperando. Por mais que dissesse a si mesma que era tolice, estava mais nervosa agora do que na noite anterior. Era uma questão de controle, acreditava. Na noite anterior, a primeira noite, ela planejara a rota e estava certa do curso.

Esta noite, ele a levaria além.

Ficou satisfeita por ele não ter ido para a cabine dela diretamente depois do último show e ter lhe dado tempo para tirar a maquiagem de palco e a fantasia brilhosa e colocar um simples robe azul. Mas esse tempo sozinha também foi seu inimigo, dando ao seu coração a oportunidade de bater mais rápido e mais forte.

Aquela tarde fora maravilhosa. Eles tinham feito exatamente o que Lily imaginara. Caminharam pelas calçadas de Montreal, escutando músicas americanas saindo das lojas, abraçados em uma pequena mesa de um café.

Agora estavam sozinhos de novo. O buquê de flores que ele comprara para ela de um vendedor de rua exalava em cima de sua penteadeira. A cama estava arrumada. O deque balançava conforme o navio seguia para o sul.

— Público animado hoje. — Que coisa idiota para se dizer, Roxanne se censurou.

— Entusiasmado. — Ele girou o pulso. Um único botão de rosa branca apareceu na mão dele. O coração de Roxanne derreteu.

— Obrigada. — Ficaria bem, disse ela para si mesma ao sentir o cheiro da flor. Sabia o que esperar agora, e podia ansiar pelo toque das mãos dele em sua pele, a confusão na mente. A dor passava rápido, afinal. Alguns minutos de desconforto certamente eram um preço baixo a se pagar pelo momento depois da transa, aninhada nos braços dele.

Ele podia ler o nervosismo nos olhos dela tão claramente quanto conseguia ver a cor. Não havia por que se xingar de novo por sua insensível iniciativa na noite anterior. Pelo menos ele tivera o bom senso de não fazer nada além de abraçá-la pelo restante da noite.

Tocou o rosto dela e a observou levantar o olhar da rosa para o rosto dele. Agradeceu a Deus por ver mais do que medo ali. Poderia fazer o medo desaparecer. Passou a mão no rosto dela e fez com que desse uma risada quando viu uma vela no meio de seus dedos.

— Esperto.

— Você não viu nada ainda. — Ele atravessou a cabine até a penteadeira, tirando do bolso um pequeno candelabro de cristal que pegara no restaurante. Cuidadosamente, colocou a vela no lugar, então estalou os dedos. A chama faiscou, acendeu e brilhou.

Um pouco mais relaxada, Roxanne sorriu.

— Devo aplaudir?

— Ainda não. — Observando-a, ele apagou as luzes com o estalo de dedos e tirou o casaco. — Pode esperar até o show terminar.

Sem sentir, ela levou a mão ao pescoço.

— Tem mais?

— Muito mais. — Passou por ela. Talvez não fosse justo ele ser recompensado e não punido por sua falta de cuidado na noite anterior. Mas compensaria para ela. Para os dois. Ele pegou a mão que ainda estava no pescoço, virou-a, pressionou os dedos na palma e no pulso onde podia sentir seus batimentos acelerarem. — Eu lhe disse que tem mais de uma forma, Roxanne. — Com a mão dela ainda na sua, ele lhe deu leves beijos no maxilar. — Mas, assim como em mágica, mostrar é melhor do que falar. — Viu os olhos dela se fecharem e tirou a rosa da mão fraca dela. — Não vou machucá-la de novo.

Ela abriu os olhos ao escutar isso. Dúvidas e desejos estavam em conflito dentro deles.

— Tudo bem — murmurou ela, e levantou os lábios na direção dele, como um convite.

— Confie em mim.

— Eu confio.

— Não, não confia. — Cobriu os ansiosos lábios, beijando-a até que ela perdesse as forças. — Mas você vai — disse ele e a tomou nos braços.

Ela se preparou para a investida. Uma parte dela ansiava sentir aquelas mãos fortes, a boca urgente e exigente. Mas os lábios dele estavam mais leves hoje, macios, sedutores, até tranquilos enquanto sussurrava. O som confuso e sem fôlego que ela emitia fez com que ele sorrisse.

— Vou levar você a lugares. — A língua dele mergulhou, brincando com a dela. — Lugares mágicos.

Ela não tinha escolha a não ser seguir para onde ele a levava. O corpo dela já estava flutuando antes que ele terminasse aquele primeiro e suntuoso beijo. Deixando os lábios dela trêmulos, querendo mais, os dele começaram uma extenuante jornada, saboreando a pele dela, demorando um pouco mais na base do pescoço enquanto a pulsação dela acelerava como o coração de um pássaro na gaiola.

Relaxou os braços que levantara para abraçá-lo. E ele soube que ela era sua.

— Quero olhar para você — sussurrou ele, gentilmente abrindo o robe dela. — Deixe-me olhar para você.

A beleza dela abrasava seu coração, fazia seu sangue se agitar como uma corredeira. Mas, à luz cintilante da vela, ele a tocou com a ponta dos dedos apenas, planando-os pelas curvas e vales, encantado pelo contraste da sua pele contra a dela, enfeitiçado pelos rápidos tremores que seus carinhos provocavam nela.

— Ontem, estávamos com pressa. — Abaixando a cabeça, muito gentilmente, usou a língua para brincar com os mamilos dela. — Talvez mais tarde, tenhamos alguma pressa. — Quando ele se endireitou para fitá-la, continuou brincando com o mamilo usando o indicador e o polegar, beliscando e puxando de leve para levá-la àquele incrível ponto entre o prazer e a dor. — Mas vamos ter calma agora, Roxanne. — Deslizou um dedo pelo centro do corpo dela, curtindo cada tremor enquanto descia pelo macio triângulo de pelos para acariciar a sensível e secreta saliência.

Quando os olhos dela faiscaram, a respiração ficou ofegante e ele sentiu o fluido quente de sua resposta, a mente dele viajou. Mas ele apenas sorriu.

— Quero fazer coisas com você. Quero que deixe que eu faça.

Quando ele uniu seus lábios aos dela de novo, colocou as pontas dos dedos nas pétalas sedosas e rosadas de seus seios, brincando com a maciez dos mamilos, seguindo as sutis curvas da cintura e dos quadris.

— Diga-me do que você gosta.

A respiração dela estava ofegante. Podia vê-lo sob a luz da vela. O peitoral estava nu agora, embora ela não se lembrasse de ele ter se afastado para tirar a camisa. Sentiu a força da ereção dele pressionando sua perna, e percebeu que ele também estava nu.

— Não consigo. — Ela levantou a mão para tocá-lo, sentindo o ar doce e pesado como mel. — Só não pare.

— Isso? — Desceu devagar, brincando com o mamilo dela com a língua, prendendo-o entre os dentes antes de sugá-lo como se quisesse engoli-la inteira. Ela soltou um gemido longo e intenso, deixando-o ainda mais excitado.

Era a mais gostosa das torturas. Um prazer lacerante e narcotizante a tomou até que achou que morreria. A cama rangia conforme ele se movia. A pele dela sussurrava sob suas mãos, cantava embaixo da boca paciente e exploradora. Quando a língua dele deslizou por sua coxa, ela entendeu que ele não deixaria de lado nenhuma parte de seu corpo e que ela não negaria nada a ele.

Abriu-se para ele com um suspiro de aceitação. De repente, o calor suave explodiu se tornando intenso, como se um vulcão tivesse entrado em erupção dentro dela e aberto caminho com fogo até cada célula de seu corpo. O grito de alívio dela enfraqueceu até não passar de um gemido rouco.

Ainda assim, ele continuava paciente, excitando-a de novo, cada vez mais, esperando até que ela sentisse o alívio de novo.

Suspiros e gemidos e promessas sussurradas. A chama da vela e a leve luz da lua, o cheiro das flores e a paixão pesando no ar. Disso ela se lembraria, mesmo enquanto seu corpo estremecia com a paciente investida.

Ah, ele estava fazendo coisas com ela, exatamente como prometera. Maravilhosas, impossíveis, deliciosas.

Ele mostrou a ela o que era ser desejada, ser amada e, finalmente, ser lentamente possuída, como velejar por um tranquilo rio de névoa.

Penetrou-a sem causar nenhuma dor, com perfeição, e ela estava molhada e quente e mais do que pronta para ele. O corpo dela se arqueou para recebê-lo. Ele não sabia que podia ser tão fácil, que podia sentir uma dor tão doce enquanto ela o envolvia. Encontraram o ritmo, os desejos aumentando como música em sua cabeça.

— Roxanne. O nome dela saiu como um som rouco vindo da garganta. Segurou-se nas rédeas do controle como um homem que quer amansar uma fera. — Olhe para mim. Preciso que olhe para mim.

A voz dele parecia vir do fundo do longo e escuro túnel no qual seu corpo estava voando. Ela abriu as pálpebras pesadas e o viu. Seus olhos estavam em um tom violento de azul, como o calor no meio da chama.

— Você me pertence agora. — Ele a beijou quando o clímax explodiu dentro dela. Só eu, pensou ele e se permitiu segui-la.

 

ELA ACHAVA que nunca mais conseguiria se mexer, mas quando conseguiu foi para virar a cabeça e procurar os lábios dele. Ele respondeu com um murmúrio ininteligível e rolou para trocarem de posição.

— Melhor — suspirou ela, agora que conseguia respirar. Roçou o rosto no peito dele e se acalmou. — Eu não sabia que podia ser assim.

Nem ele. Mas Luke achou que soaria tolo dizer isso; então, em vez disso, acariciou os cabelos dela.

— Eu não machuquei você?

— Não. Eu me sinto como... — Ela soltou um som de êxtase. — Como se eu tivesse levitado até a lua. — Deslizou a mão pelo peito dele. Quando passou os dedos pelo abdômen, sentiu-o estremecer. Muito bem, pensou, sorrindo para si mesma. O poder não era unilateral. Tiraria bom proveito disso em breve.

— Então... — Levantou a cabeça e sorriu para ele. — Quantas formas existem?

Ele levantou uma sobrancelha.

— Por que você não me dá uns minutinhos para eu mostrar?

Embriagada em seu próprio prazer, Roxanne montou nele.

— Por que não me mostra agora? — sugeriu, e colou seus lábios nos dele.

 

TANTO LUKE quanto Roxanne negariam até a morte se alguém dissesse que caíram no clichê de romance em um cruzeiro. Brisa marinha, parentes maravilhosos e deques iluminados pela luz da lua poderiam influenciar outras pessoas, mas não eles. Os dois teriam dispensado a ideia de lua de mel, mesmo que a melhor definição para esse período seja a oportunidade de descobrir e se concentrar no parceiro e curtir sexo incrível. Ainda assim a lua de mel deles entrou na terceira semana.

Descobertas foram feitas. Para alívio de Luke, ele descobriu que não era um tolo ciumento. Na verdade, até curtia ver a forma como os outros homens viravam a cabeça quando Roxanne entrava em algum lugar. Até sorria quando a via paquerando ou sendo paquerada. Isso era uma questão de orgulho e autoconfiança, enfeitados com um toque de arrogância. Ela era linda, e era dele.

Roxanne descobriu que, por trás do garoto durão e problemático que ela conhecia desde pequena, o homem por quem se apaixonara podia ser gentil e generoso. O verniz da sofisticação e do charme era uma cobertura fina sobre uma ardente cama de paixões. E misturado com tudo isso havia um senso de lealdade e um desejo de amar cada vez mais.

Ambos conseguiam olhar só para o outro, mesmo em um lugar cheio de gente. Não precisavam se tocar nem falar; um só olhar bastava para se comunicarem.

Talvez por isso o último pré-requisito para uma lua de mel tenha ficado tão claro.

No decorrer desses dias e noites de fantasia, ambos concordavam que só estava faltando uma coisa. Ainda precisavam escolher um alvo. O sangue de ladrão deles estava ficando cada vez mais inquieto. Verdade, eles apaziguaram um pouco essa impaciência tirando de uma certa sra. Cassel algumas joias de rubi e marcassita. Como a velha reclamona passou seus sete dias a bordo do Yankee Princess fazendo exigências e tornando a vida de Jack um inferno, os Nouvelle consideraram uma questão de honra dar a ela algum motivo real para reclamar.

Mas o serviço fora tão ridiculamente simples. Roxanne só precisou entrar sorrateiramente na cabine da sra. Cassel entre uma entrada e outra no espetáculo e pegar o porta-joias com cadeado no meio da bagagem que estava metade fora e metade dentro das malas. Ao olhar o mecanismo, Roxanne mudou os planos. Em vez de sair da cabine e entregar o porta-joias para Luke, ela usou um grampo da própria sra. Cassel para abrir o cadeado Como a marcassita se acomodou bem nos bolsos do seu smoking de palco, ela trancou o porta-joias de novo, colocou no mesmo lugar e saiu.

Como planejado, Luke estava vindo encontrá-la.

— Algum problema?

Ela sorriu.

— Nenhum. — Com uma sobrancelha levantada, ela bateu nos bolsos.

— Só preciso passar na minha cabine — disse ela enquanto ele sorria. — Não quero perder a minha entrada.

Luke a tomou nos braços para um beijo. Os astutos dedos dele mergulharam nos bolsos para fazer uma inspeção.

— Você tem três minutos, Roxanne.

Ela precisou de menos da metade disso para esconder as joias no fundo falso de seu estojo de maquiagem. Teve tempo ainda de retocar o batom que Luke tinha borrado e ainda chegou um pouco antes de sua deixa para entrar.

Todos concordaram que era um conjunto elegante, de lapidação refinada, com pedras muito boas. Mas a falta de desafio tirou a doçura do ato.

Os Nouvelle, todos eles, esperavam ansiosos por serviço.

— Talvez nós devêssemos tentar alguma coisa em um dos portos —disse Roxanne, distraidamente. Ela e Lily estavam no deque. Os novos passageiros embarcados em Montreal estavam circulando com seus coquetéis de boas-vindas nas mãos e câmeras em punho. Luke e Mouse foram ao Estádio Olímpico assistir aos Expos receberem os Dodgers.

— Acho que poderíamos. — A mente de Lily só tinha espaço para Max. Acordara antes do amanhecer e o encontrara sentado no estreito sofá embaixo da escotilha, os livros de pesquisa espalhados à sua volta. Ele estava brincando com uma moeda entre os dedos. Da segunda vez que ele errou e a deixou cair, ela viu o sofrimento no rosto dele. Um sofrimento que ela sabia que nunca poderia abrandar.

— Eu estava pensando em Newport — continuou Roxanne. — O lugar é podre de rico, cheio de mansões. Poderíamos, pelo menos, fazer algum trabalho de campo da próxima vez que pararmos lá.

— Você se parece tanto com ele. — Lily suspirou e se afastou da grade. — Se não está no meio de um projeto, está planejando um. É a única coisa que deixa vocês felizes.

— A vida é curta demais para não se gostar do que se faz. — O sorriso dela foi rápido e malvado. — Deus sabe como amo o que faço.

— O que você faria se tudo acabasse? — Os dedos repentinamente nervosos de Lily começaram a brincar com o pingente de jade que Max lhe dera em Halifax. — Se você não pudesse mais fazer. A mágica e o outro?

— Se eu acordasse um dia e tudo tivesse acabado? Se só me restasse o dia a dia ordinário? — Roxanne pressionou os lábios, pensando, depois riu. Aos 21 anos, era impossível achar que a velhice algum dia chegaria. —Enfiaria a minha cabeça no primeiro forno que encontrasse.

— Não diga isso! — Lily agarrou a mão dela, apertando até espremer os ossos. — Nunca diga isso.

— Querida, só estou brincando. — Arregalou os olhos, surpresa. — Você me conhece e sabe que eu não faria isso. As pessoas que fazem algo tão definitivo se esquecem de que nada dura para sempre. Por mais maravilhoso ou terrível que seja, se esperar um pouco, muda.

— Claro que muda. — Sentindo-se tola, Lily soltou a mão de Roxanne, mas sua garganta continuou apertada e seca. — Não ligue pra mim, querida, acho que devo estar muito cansada.

Agora que olhou de verdade, Roxanne viu uma leve sombra escura por baixo da cuidadosa maquiagem de Lily. A surpresa se transformou em uma preocupação.

— Você está bem? Não está se sentindo legal?

— Estou bem. — Vivera tempo suficiente no palco para mostrar só o que queria mostrar. — Só estou cansada, e é bobagem, mas acho que estou com saudade de casa. Estou com desejo de comer o gumbo de LeClerc há dias.

— Entendo o que está falando. — Como isso espelhava exatamente os seus próprios sentimentos, Roxanne sorriu aliviada. — Toda essa comida maravilhosa, e depois de algumas semanas, daríamos cem dólares por um hambúrguer com batatas fritas e dez vezes Isso por um dia inteiro sem precisar falar com ninguém.

Lily percebeu que precisava de um tempo sozinha antes de afastar seus medos e tristezas.

— Bem, eu vou trapacear. — Com urna piscadela, ela deu um beijo no rosto de Roxanne. — Vou descer para a minha cabine e me esconder lá por uma hora, fazer uma hidratação no meu rosto e nos pés e ler um capítulo do meu livro.

— Você só está falando isso para me deixar com inveja.

— Vamos fazer uma coisa. Você me dá cobertura por uma hora, depois faço o mesmo por você.

— Combinado. Se alguém perguntar, vou dizer que você está prendendo lantejoulas soltas da sua fantasia.

— Boa desculpa. — Apressou-se, queria estar sozinha entre quatro paredes antes de se debulhar em lágrimas.

Sozinha, Roxanne olhou o deque à sua volta. Novos rostos, pensou, novas histórias. Gostava da variedade, sempre gostara. Mas não podia evitar querer que Luke estivesse com ela em vez de tomando cerveja e xingando árbitros em duas línguas. Era mais divertido analisar os rostos, inventar nomes e passados quando estava com ele.

Depois de responder pela décima vez como era trabalhar em um navio de cruzeiro, começou a achar que uma hora sozinha com uma máscara facial e um bom livro seria maravilhoso.

Mas ela se virou, com seu sorriso Yankee Princess no rosto, quando escutou seu nome de novo. O sorriso falhou por um instante, mas depois se manteve firme. Afinal, era uma profissional.

— Sam. Que mundo pequeno.

— Não é mesmo? — Ele parecia ter saído das páginas de uma matéria sobre roupas para se usar em um cruzeiro. Suas calças amarelas tinham pregas tão afiadas quanto uma faca capaz de tirar sangue. A camisa era de algodão amarrotado, daquele tipo que dá trabalho para parecer casual. Os pés sem meias calçavam docksiders, e o braço estava na cintura de uma loura elegante. Ela estava vestindo calças de seda de um intenso tom de azul, que combinavam com seus olhos, com uma blusa levemente drapeada do mesmo tom. Roxanne ficou mais impressionada com o colar de pérolas e pingente de safira que era tão grande quanto o polegar de Mouse.

— Justine, querida, quero lhe apresentar uma velha amiga. Roxanne Nouvelle. Roxanne, minha esposa, Justine Spring Wyatt.

— Muito prazer. — Justine abriu um sorriso simpático que não se espalhava para os olhos e deu um aperto de mãos que deveria ser agradável.

A perfeita esposa de politico, pensou Roxanne.

— O prazer é meu.

Ela também usava brincos, notou Roxanne. Duas pedras azuis em forma de gota caindo de pérolas lustrosas.

— Fiquei surpreso ao vê-la no deque — começou Sam. — Mais surpreso ainda ao ver que você está trabalhando no cruzeiro. — Baixou o olhar até o broche com o nome dela acima do peito, parou ali, depois levantou de novo — Desistiu da mágica?

— De forma alguma. Nós estamos nos apresentando no navio.

— Fabuloso. — É claro que ele já sabia, sempre sabia. E não conseguira resistir à tentação de passar uma semana junto com os Nouvelle. Justine, Roxanne é uma mágica muito talentosa.

— Que diferente. — Os lábios dela se abriram em um sorriso que mostrou dentes perfeitos. — Você se apresenta em festas de crianças?

— Ainda não. — Roxanne pegou um coquetel da bandeja de um garçom que estava passando. — É a primeira vez que viajam no Yankee Princess?

— Neste navio em particular, sim. Já fiz vários cruzeiros, pelo Caribe, pelo Mediterrâneo, esse tipo de coisa. — Ela levantou a mão branca e magra para brincar distraidamente com o pingente. Os diamantes que rodeavam a safira refletiram minúsculas chamas de luz que fizeram o sangue de Roxanne ferver. A excitação era tão sexual quanto um longo e molhado beijo.

— Que legal. — Precisou de todo seu autocontrole para não lamber os lábios. — Espero que gostem deste cruzeiro tanto quanto dos outros.

— Tenho certeza de que sim. — A safira piscava como um olho sedutor. - Fiquei encantada quando Sam sugeriu esse cruzeiro como parte da nossa lua de mel.

— Ah, vocês são recém-casados. — Sabendo que era um gesto normal para as mulheres, considerado inofensivo, Roxanne analisou os anéis dela. Ah sim, pensou, o brilhante do anel de noivado tinha dez quilates, lapidação baguete, e o de casamento era uma aliança cravejada de brilhantes. Adoraria estar com sua lupa. — Que lindos. Parabéns, Sam.

— Obrigado. Eu adoraria ver a sua família de novo... e Luke, claro.

— Com certeza você verá. Adorei conhecê-la, Justine. Aproveitem o cruzeiro.

Ela estava sorrindo quando se afastou. Finalmente, encontraram um alvo digno.

 

LUKE APROVEITOU uma trégua para descansar na sauna. Duvidava que tivesse dormido mais de cinco horas seguidas depois da noite em que Roxanne entrou em sua cabine armada com seda marfim e uma ardente determinação.

Não que estivesse reclamando, mas a sauna não faria mal algum. Pelo menos lhe daria alguns minutos para clarear a cabeça e pensar no que Roxanne lhe contara quando veio atrás dele naquela tarde.

Sr. e sra. Samuel Wyatt.

De todos os navios de cruzeiros em todos os portos do mundo, pensou, fazendo uma careta. Que inferno, estariam presos juntos pela próxima semana. Mas não estava muito certo se compartilhava do entusiasmo de Roxanne para roubar os brilhantes dos recém-casados.

Não, queria planejar tudo devagar, com calma, e calcular todos os prós e os contras.

Quando a porta de madeira da sauna se abriu com um rangido, Luke abriu um dos olhos. Fechou de novo e continuou encostado na parede, a toalha branca amarrada de qualquer jeito na cintura.

— Fiquei sabendo que você embarcou, Wyatt.

— E você continua tirando coelhos da cartola para viver. — Sam se sentou no banco ao lado de Luke. Só precisara fazer algumas perguntas discretas para descobrir onde Luke fora passar sua hora de folga. —E dançando conforme a música do velho.

— E você já aprendeu a embaralhar as cartas com uma das mãos?

— Desisti dos jogos muito tempo atrás.

Luke apenas sorriu.

— Acho que não. Você sempre teve mãos podres, que não são boas para nada, exceto intimidar mocinhas.

— Como você guarda rancor. — Sam abriu os braços confortavelmente no banco. Os anos fizeram bem para ele. Estava seguindo a tendência da boa forma física, e seu corpo refletia seus esforços diários com um personal trainer. Usava sua posição, e agora o dinheiro da esposa, para gastar com cabeleireiros, manicures e spas, onde tratavam de sua pele. Encaixava-se perfeitamente na imagem do jovem e atraente emergente. E agora tinha riqueza como a cereja no bolo.

— Estranho — continuou Sam. — Roxanne parece não guardar nenhum rancor. Ela foi um tanto... simpática mais cedo.

Não foi raiva, como em uma época teria sido, que Luke sentiu. Ele achou engraçado.

— Cara, ela pisaria em você e depois cuspiria.

— Mesmo? — Os braços de Sam ficaram tensos sobre a madeira quente. Tinha uma coisa que sua posição e dinheiro não conseguiram lhe dar. Senso de humor para rir de si mesmo. — Acho que eu devo fazer mais o estilo dela do que você acha. Uma mulher como Roxanne apreciaria um homem de posição em vez de um cara que até hoje não conseguiu se refinar. Você ainda é um fracassado, Callahan.

— Eu ainda sou muita coisa. — Luke abriu os olhos e, virando o rosto, analisou o rosto de Sam. — Fizeram um bom trabalho no seu nariz. Ninguém diria que já foi quebrado. — Espreguiçou-se, depois desceu. — Menos eu, claro. A gente se vê por aí.

Sam abriu e fechou os punhos quando a porta se fechou atrás de Luke. Parecia que seu velho amigo precisava de uma lição mais dura. Um telegrama para Cobb, talvez, pensou Sam, forçando seus músculos furiosos a relaxar. Estava na hora de pressionar mais.

Abriu o punho e analisou a palma macia onde as unhas bem tratadas afundaram.

Muito mais, decidiu ele.

 

ESTOU DIZENDO, é perfeito. — Roxanne estava zangada. A reunião entre as apresentações na cabine de seu pai não estava correndo de acordo com seus planos. — Uma mulher que usa pedras como aquelas de tarde deve ter um monte delas. E uma mulher que se casa com um cretino feito o Sam merece perdê-las.

— Pode ser. — Max juntou os dedos e tentou se concentrar. — É arriscado roubar de alguém que você conhece e que conhece você, ainda mais em uma situação tão peculiar como esta.

— Nós podemos -- insistiu ela. — LeClerc, se eu conseguir fotos e descrições detalhadas de algumas das melhores joias, quanto tempo levaria para seu contato fazer réplicas?

— Uma semana, talvez duas.

Ela resmungou.

— E se você pressionasse.

Ele começou a considerar.

— Se nós adoçarmos um pouco o pedido, quatro ou cinco dias. Mas isso, é claro, não leva em consideração o tempo de entrega.

— É para isso que serve FedEx. Nós trocamos. — Ela voltou para o pai. — Na última noite do cruzeiro. Até Justine chegar em casa e perceber a diferença, já estaremos limpos.  — Ela esperou impacientemente por uma resposta. — Pai?

— O quê? — Ele voltou em um susto, por um momento sendo tomado pelo pânico enquanto tentava encontrar o fio da conversa. — Não temos tempo suficiente para planejar de forma adequada.

Como poderia planejar se mal conseguia pensar? Suor frio começara a escorrer pelas suas costas. Todos estavam olhando para ele, encarando-o. Imaginando.

— A resposta é não. — A afirmação saiu enquanto ele se colocava de pé. Queria que eles saíssem, todos eles, não conseguia suportar ver a pena e a curiosidade estampadas em seus rostos. — Ponto final.

— Mas...

— Ponto final. — Ele gritou, fazendo com que Roxanne piscasse e Lily mordesse o lábio inferior. — Eu ainda mando aqui, mocinha. Quando eu quiser suas sugestões e conselhos, eu peço. Até lá, faça o que eu mandar. Está claro?

— Muito. — O orgulho fez com que ela mantivesse a cabeça erguida, mas seus olhos mostravam choque e mágoa. Ele nunca gritara com ela antes. Nunca. Já tinham discutido, claro, mas sempre cercado por muito amor e respeito. Só conseguia ver fúria no rosto de seu pai. — Se vocês me dão licença, vou dar uma caminhada antes do show.

Luke se levantou devagar enquanto ela saía e fechava a porta.

— Eu tenho de concordar com você sobre as razões para rejeitar esse serviço, Max, mas você não acha que foi um pouco duro com ela?

Max o atacou, seu humor tão afiado quanto uma espada.

— Eu não preciso da sua opinião sobre como tratar a minha própria filha. Você pode até dormir com ela, mas eu sou o pai dela. Minha generosidade com você durante todos esses anos não lhe dá o direito de interferir nos assuntos de família.

— Max. — Lily estendeu a mão para tocar o braço dele, mas Luke já estava balançando a cabeça.

— Tudo bem, Lily. Acho que eu também vou dar uma caminhada.

 

O MAR ESTAVA salpicado pela luz das estrelas. Segurando com força na grade, Roxanne olhava essa paisagem. Atrás de seus olhos a cabeça doía, resultado direto da recusa em deixar as lágrimas que estavam ali brotarem em seus olhos. Não iria choramingar feito uma criança porque seu pai lhe deu uma bronca.

Escutou os passos atrás de si e se virou ansiosa. Mas não era Luke. Era Sam.

— Encantador — disse ele, pegando as pontas dos cabelos dela que voavam. — Uma linda mulher sob a luz das estrelas, com o mar ao fundo.

— Perdeu a esposa? — Ela olhou deliberadamente para trás dele antes de arquear uma sobrancelha. — Acho que não estou vendo ela por aqui.

— Justine não é o tipo de mulher que precisa ficar no pé do homem. — Deu um passo à frente, encurralando-a entre seus braços ao segurar na grade. Um rápido lampejo de luxúria passou pelo corpo dele. Ela era linda, e pertencia a outra pessoa. Não precisava de nada mais para cobiçá-la. —Ela é atraente, inteligente, rica e ambiciosa. Em alguns anos, será uma excelente anfitriã em Washington.

— Imagino como você deve tê-la seduzido com todos esses elogios românticos.

— Algumas mulheres preferem uma abordagem mais direta. —Inclinou-se sobre ela, só parando quando Roxanne levantou a mão e o empurrou.

— Não sou sua esposa, Sam, mas também gosto de uma abordagem mais direta. Que tal isso? Eu o acho revoltante, patético e óbvio. Como um gambá morto na beira da estrada. — Isso foi dito da forma mais agradável possível, com o mais simpático dos sorrisos no rosto. — Agora, por que você não vai embora antes que eu precise insultá-lo?

— Você vai se arrepender por isso. — O tom de voz dele também era moderado, para não chamar a atenção das pessoas que passeavam pelo deque. Mas os olhos dele pareciam gelo.  — Muito, muito mesmo.

— Não vejo como, já que eu curti tremendamente cada palavra. — O olhar dela era tão gelado quanto o dele, mas com uma chama de calor que ameaçava irromper. — Agora, por favor, saia do meu caminho.

Com a raiva dominando a discrição, ele agarrou os braços dela e a puxou de volta.

— Eu ainda não acabei.

— Eu acho... — Ela parou, empurrando Sam de forma que pudesse se colocar entre ele e Luke. — Não. — Ela segurou Luke pela lapela e falou entre dentes cerrados

— Entre, Roxanne. — Ele encarou Sam por cima da cabeça de Roxanne. Se os olhos fossem armas, Sam já teria tido uma morte dolorosa.

— Não. — Ela viu o ódio nos olhos dele. Se ela se afastasse era mais do que provável que Sam acabasse no mar. Por mais atraente que fosse a ideia, não podia permitir que Luke fosse responsável. — Temos um show daqui a poucos minutos. Você não vai conseguir fazer o que tem de fazer se quebrar a mão dando um soco na cara dele. — Ela lançou um olhar furioso sobre o ombro. — Saia daqui ou eu juro que solto o casaco dele.

—  Tudo bem. Eu não ia querer criar uma cena aqui. Teremos outras oportunidades. — Ele assentiu para Luke. — Em outro lugar.

Roxanne continuou segurando firme até ver que Sam entrara. — Que droga, Luke — disse ela baixinho.

— Você fala isso pra mim? — A raiva dele ainda fervia como a lava de um vulcão, mas só conseguiu encará-la e repetir: — Pra mim?

— É. Você se deu conta da confusão que quase causou? — Toda a fúria que ela vinha sentindo desde que batera a porta da cabine de seu pai foi colocada para fora, atingindo Luke em cheio. — Como nós íamos explicar para o Jack ou para o comandante por que você bateu em um passageiro e jogou o corpo dele inconsciente no mar?

— Ele estava tocando em você. Droga, quando eu saí, ele tinha prendido você na grade. Você acha que eu podia ficar parado vendo alguém fazer isso com você?

— Então, o que você é, sir Callahan, meu cavaleiro com armadura dourada? Deixe-me falar uma coisa, parceiro. — Ela pressionou o dedo com força contra o peito dele. — Eu sei espantar meus próprios dragões. Não sou uma mulherzinha fraca e chorosa que precisa ser salva. — Pressionou o dedo de novo, sua unha quase o cortando. — Eu posso me virar sozinha. Entendeu?

— Ok. Entendi. — Como achou que entendia, puxou-a para si e a beijou com força até que seus protestos abafados calassem e ela o abraçasse.

— Desculpe. — Virando a cabeça, ela enterrou o rosto no ombro dele. - Isso não tem a nada a ver com aquele idiota, nem com você.

— Eu sei. — Beijou os cabelos dela. Também sentira o golpe do chicote de Max, uma dor infinitamente mais forte do que qualquer cinto que Cobb tenha levantado.

— Ele me magoou. — A voz dela soou tão fraca que ela pressionou os lábios e tentou soar mais forte. — Ele nunca me magoou assim antes. Não era por causa do serviço, Luke. Não era...

— Eu sei — disse ele de novo. — Não sei explicar, Roxanne, mas talvez ele esteja com alguma outra coisa na cabeça, talvez não esteja se sentindo bem, talvez sejam mil coisas. Ele nunca brigou com você daquela forma. Não fique com raiva dele.

— Você está certo. — Ela suspirou e se afastou. — Estou tendo uma reação exagerada. — Gentilmente, acariciou o rosto dele. — E eu descontei em você só porque estava dando uma de macho man. Você bateria nele por minha causa, amor?

Sorriu, aliviado por ela ter se recuperado o suficiente para brincar.

— Pode apostar, boneca. Eu teria massacrado ele.

Ela estremeceu de leve e levantou os lábios.

— Ah, adoro ser beijada por um cara durão.

— Então, você vai se dar bem com essa história.

 

Foi um dos caminhos mais difíceis que Max já percorrera, aquele corredor estreito acarpetado que ia da sua cabine para a de Luke. Sabia que sua filha estava lá, junto com o homem que ele considerava seu filho. Levantou a mão para bater na porta, abaixou de novo. Seus dedos estavam doendo hoje, uma dor que ia até os ossos. Bateu-os com força na porta como se para punir a si mesmo.

Luke atendeu à porta. Na mesma hora, sentiu aquele constrangimento que se mostrava na forma de uma cortesia dormente.

— Max? Está precisando de alguma coisa?

— Eu gostaria de entrar por um instante, se não se importar.

Luke hesitou. Estava grato porque, pelo menos, ele e Roxanne ainda estavam totalmente vestidos.

— Claro. Gostaria de beber alguma coisa?

— Não, nada. Obrigado. — Ficou parado miseravelmente na frente da porta, os olhos fixos na filha. — Roxanne.

— Pai.

Ficaram parados por mais um momento, congelados em um triângulo. Três pessoas que tinham compartilhado tantos momentos íntimos. Todo os discursos que Max preparara evaporaram de sua cabeça.

— Sinto muito, Roxy. — Foi tudo que ele conseguiu dizer. — O que eu fiz não tem desculpa.

A tensão sumiu dos ombros dela.

— Tudo bem. — Por ele, ela podia até deixar o orgulho de lado. E foi o que ela fez agora ao estender as mãos e ir até ele. — Acho que eu estava enchendo o saco.

— Não. — Humilhado pelo fácil perdão que recebeu, levou as mãos dela à boca. — Você estava defendendo o seu caso, como sempre esperei que fizesse. Eu não fui justo nem generoso. — O sorriso dele hesitou um pouco ao fitá-la. — Se serve de consolação, foi a primeira vez em vinte anos que Lily levantou a voz para mim e chegou a me xingar.

— Mesmo? De quê?

— Imbecil foi um dos xingamentos, acho.

Roxanne balançou a cabeça.

— Vou ter que ensinar uns melhores para ela. — Deu um beijo no pai e sorriu de novo. — Você vai fazer as pazes com ela?

— Achei que eu teria mais chance se fizesse as pazes com você primeiro.

— Bem, já fez.

— Com vocês dois — murmurou Max e olhou para Luke.

— Entendi. — Embora não tivesse certeza se realmente entendia, Roxanne compreendeu que aquilo era necessário. — Tudo bem, então, por que não vou limpar a sua barra com Lily? — Ela tocou no braço de Luke ao passar por ele, depois os deixou sozinhos.

— Preciso dizer umas coisas. — Max levantou as mãos em um raro gesto de impotência. — Acho que vou aceitar aquele drinque.

— Claro. — Luke abriu a última gaveta da cômoda e tirou uma garrafa de conhaque. — Só não tenho copo de conhaque.

— Posso tomar assim mesmo se você também tomar.

Assentindo, Luke serviu três dedos de conhaque em copos de água.

— Você precisa falar algumas coisas sobre mim e Roxanne — começou Luke. — Eu já estava me perguntando por que você ainda não tinha tocado no assunto.

— É difícil admitir, mas eu não sabia como. O que eu disse hoje de tarde...

— Você estava nervoso com a Rox — interrompeu Luke. — Não comigo.

— Luke. — Max colocou a mão no braço do rapaz. Seus olhos estavam cheios de arrependimento e súplica. — Não feche a porta na minha cara. Eu estava com raiva, mas na hora da raiva, ao contrário do que dizem os ditos populares, nem sempre dizemos a verdade. Eu quis ferir porque estava ferido. E estou envergonhado por isso.

— Esqueça isso. — Pouco à vontade, Luke deixou o conhaque e se levantou. — Foi um momento de fúria, só isso.

— E você acredita mais no que eu falei no momento de fúria do que o que eu falei e fiz todos esses anos?

Luke olhou para ele, e seus olhos eram de novo daquele garoto afobado e selvagem.

— Você me deu tudo que eu já tive na minha vida. Não me deve mais nada.

— Uma pena as pessoas não perceberem o poder que as palavras possuem. Deveriam usá-las com mais respeito. É mais fácil para Roxanne perdoar porque ela nunca duvidou do meu amor. Eu esperava que você nunca tivesse duvidado também. — Max deixou seu conhaque, intocado, ao lado do de Luke — Você é o filho que eu e Lily não pudemos ter juntos. Você consegue entender que durante muito tempo eu nem lembrava que você não era meu filho de verdade? E quando eu lembrava não me importava.

Por um momento, Luke não disse nada. Não conseguiu dizer nada.

Então, sentou-se na beirada da cama.

— Eu entendo. Porque teve vezes que eu mesmo me esquecia.

— E, talvez porque essas linhas estivessem borradas no meu coração, eu tenha achado tão difícil aceitar o que existe entre você e a minha filha.

Luke deu uma gargalhada seca.

— Eu passei por maus momentos, tanto que quase a perdi. — Levantou a cabeça. — Mas eu não poderia perdê-la, Max, nem mesmo por você.

— Você não a teria perdido. — Compreendia seus dois filhos. Colocou a mão no ombro de Luke, apertando com os dedos doloridos. — Lição grátis — murmurou ele e viu Luke sorrir. — Amor e mágica têm muito em comum. Eles enriquecem a alma, alegram o coração. E ambos exigem prática incansável e constante.

— Vou me lembrar disso.

— Lembre-se mesmo. — Max estava indo na direção da porta, mas parou quando uma coisa passou pela sua cabeça. — Eu gostaria de ter netos — disse, e Luke ficou boquiaberto. — Eu ia gostar muito mesmo.

 

SAM ESTAVA um tanto satisfeito com o progresso dos seus planos. Era um membro altamente respeitável da comunidade, uma força reconhecida em Washington. Como braço direito do senador, tinha seu próprio escritório, um baluarte de masculinidade decorado modestamente com poltronas de couro e cores neutras. Tinha sua própria secretária, uma sagaz veterana política que sabia exatamente para quem ligar para obter informações.

Embora preferisse um veloz carro importado, Sam pensava no futuro e por isso dirigia um Chrysler. O número de nacionalistas clamando que devemos comprar produtos americanos estava crescendo. Ele tinha planos de se tornar o filho preferido dos Estados Unidos.

De acordo com sua programação, discretamente tomaria o lugar do senador em seis anos. A base já estava construída. Os anos de dedicação ao serviço público, os contatos em Washington, no mundo corporativo e nas ruas.

Analisando as vantagens, Sam quase decidira tentar a sorte nas eleições mais próximas. Mas a paciência venceu. Sabia que sua juventude seria um fator contra ele, e um bom número de sentimentalistas teria interpretado o passo como deslealdade ao velho Bushfield.

Então, resolveu esperar a sua hora e deu os passos seguintes friamente visando os anos 1990. Fez a corte e se casou com Justine Spring, rica herdeira de uma loja de departamentos com aparência elegante e linhagem impecável. Ela fazia doações para as obras de caridade certas, era capaz de organizar um jantar para cinquenta pessoas tranquilamente e, ainda por cima, saía linda nas fotos.

Quando Sam colocou o anel no dedo dela, sabia que estava dando um passo importante. O povo americano preferia que seus líderes fossem casados. No momento adequado, ele se candidataria a uma cadeira no Senado sendo o dedicado pai de um filho, e Justine estaria grávida do segundo e último.

Ele se considerava um Kennedy moderno — não como político, naturalmente. Estavam no período de Reagan. Mas a juventude, a beleza, a linda esposa e encantadora família.

Daria certo porque ele sabia jogar o jogo. Estava subindo os degraus até o Salão Oval com passos lentos e calculados, e já estava na metade do caminho.

No mundo de Sam, só havia um incômodo fracasso. Os Nouvelle. Eles eram uma pendência que levava a perguntas não respondidas. Queria vingança por motivos pessoais, mas precisava disso por motivos profissionais que considerava imprescindíveis. Era importante enfraquecê-los, esmagá-los, pois, se resolvessem contar qualquer verdade malévola sobre seu caráter, ninguém acreditaria.

Tivera muito tempo para observá-los de perto durante o cruzeiro de sua lua de mel. Agora, confortavelmente hospedado no suntuoso Helmsley Palace em Nova York, esperando as comemorações para o centésimo aniversário da Estátua da Liberdade, tinha tempo para analisar suas impressões.

O velho parecia cansado. Sam se lembrava dos movimentos rapidíssimos daquelas mãos uma década atrás e acreditava que Max estava perdendo o ritmo. Isso era tão interessante quanto o fato de que o envelhecido mágico estava gastando seu tempo à procura de uma pedra mística.

Sam escreveu pedra filosofal no elegante bloco do hotel e circulou. Pediria para um de seus assistentes investigar essa pedra.

Tinha Lily, tão pegajosa e cafona como sempre. E inocente, pensou Sam, com um sorriso que mostrava todos os dentes. Fora esperto ao se aproximar dela um dia no deque, e, quando se afastou, ela já estava dando tapinhas em sua mão e dizendo o quanto estava feliz por ele estar fazendo algo bom na vida.

E Roxanne. Ah, Roxanne. Se mágica existia, estava ali. Que feitiço transformou a garota magrela de cabelos rebeldes em uma mulher deslumbrante? Uma pena não ter tido chance de se aproximar dela antes de Justine. Teria curtido seduzi-la, usá-la de uma forma que deixaria sua linda e morna esposa chocada e enojada.

Mas, por mais atraente que fosse esse prospecto, teria de dar passos cuidadosos ali. O incidente no navio quase criou uma cena em que uma pessoa pública — casada — não podia se dar ao luxo de participar.

O que o levava a Luke. Sempre Luke. Ele era a chave para os Nouvelle. Sam poderia se livrar de LeClerc e Mouse com tanta insensibilidade quanto se livraria de empregados. Eles não eram nada. Mas Luke era o eixo. Destruí-lo causaria um dano irreversível na vida dos Nouveile. E seria uma vitória pessoal tão doce.

Os negócios com Cobb não estavam progredindo como Sam esperara. Apenas muitos anos depois de deixar Nova Orleans, ele conseguiu chegar a uma posição em que pôde contratar detetives para investigar o passado de Luke.

Custara caro, mas Sam considerava um investimento no futuro e um pagamento pelo passado. Localizar a prostituta drogada que era mãe de Luke fora um golpe de sorte. Mas Cobb foi moleza.

Sam fechou os olhos e viajou mentalmente da elegante suíte do Helmsley para um bar úmido na beira da praia.

O ar fedia a peixe, urina, uísque e tabaco baratos consumidos pelos clientes. Bolas de sinuca batiam umas contra as outras por todo lado, e os homens que jogavam olhavam mal-humorados para a mesa enquanto esfregavam giz nos tacos.

Uma única prostituta estava sentada nos fundos do bar com olhos cruéis e preferência pelo uísque Four Roses enquanto esperava para poder cumprir seu oficio. Os olhos dela examinaram Sam quando ele se sentou no canto, ficaram ali um momento e depois seguiram em frente.

Ele escolhera as sombras. Usava um chapéu e um pesado casaco para disfarçar sua aparência. Estava bem frio no bar com um vento de final de inverno fazendo a neve bater nas janelas. Mas um leve suor de antecipação fazia a pele de Sam brilhar.

Observou Cobb entrar. Viu quando puxou seu cinto com uma pesada fivela para cima antes de dar uma olhada no lugar. Quando viu a pessoa no canto, assentiu e caminhou de uma forma que Sam julgou ser indiferença pelo bar. Levou um copo de uísque para a mesa.

— Você tem algum assunto para tratar comigo? — O tom de voz grosseiro foi emitido antes do primeiro gole da bebida.

— Tenho uma oferta de negócios.

Cobb deu de ombros e tentou parecer entediado.

— E daí?

— Acho que você conhece um conhecido meu. - Sam nem tocara no próprio copo. Notara, com certo nojo, que não estava muito limpo. — Luke Callahan.

Os olhos de Cobb demonstraram surpresa antes de se estreitarem.

— Não posso dizer que conheço.

— Não vamos complicar um assunto simples. Você comeu a mãe de Callahan durante anos. Morou com eles quando ele era garoto, uma espécie de padrasto não oficial. Naquela época, você estava começando a se considerar cafetão e se metendo com pornografia, com ênfase em crianças e adolescentes.

O rosto de Cobb corou tanto que a teia de capilares se acendeu como tochas.

— Eu não sei o que aquele desgraçado ingrato disse para você, mas eu tratava ele bem. Botava comida na mesa, não botava? Ensinei o que era o quê.

— Você deixou uma marca nele, Cobb. Eu mesmo vi. — Sam sorriu, e Cobb viu os dentes brancos.

— O garoto precisava de disciplina. — O uísque estava coalhando na barriga nervosa de Cobb. Ele tomou mais para se juntar. — Eu vi ele na televisão. Figurão agora. Mas não pagou nada pra mim nem pra velha dele por todos os anos que sustentamos ele.

Sam escutou exatamente o que esperava escutar: ressentimento, amargura e inveja.

— Você acha que ele lhe deve alguma coisa?

— Claro que deve. — Cobb se debruçou na mesa, mas não conseguiu mais do que uma vaga impressão do rosto de Sam através da fumaça e das sombras. — Se ele mandou você aqui pra me...

— Ninguém me mandou. Callahan também me deve. Você pode me ser útil. — Sam colocou a mão no bolso e tirou um envelope. Após uma rápida espiada em volta, Cobb pegou. Os enormes polegares folhearam quinhentos dólares em notas bem gastas de vinte.

— O que você quer em troca?

— Indenização. É isso que quero que você faça.

Então, Sam mandou seu cachorrinho para Nova Orleans.

A chantagem não foi tão eficiente quanto ele esperara, pensou Sam. Os trinta ou quarenta mil por ano eram pagos sem reclamação. Como Sam providenciara para que soubesse exatamente quanto Luke declarava todo ano em seu imposto de renda, aumentaria a quantia. Haveria um cartão-postal em branco esperando por Luke quando voltasse a Nova Orleans. Desta vez, o número seria dez mil.

Sam calculava que alguns meses com esses cartões-postais enxugariam a poupança de Luke. Em pouco tempo, ia secar.

 

FICOU FURIOSO. Luke amassou o quadrado branco e jogou do outro lado da sala. Isso o assustava.

Dez mil dólares. Não era o dinheiro em si. Tinha o suficiente para isso e poderia conseguir mais facilmente. Era a percepção de que Cobb nunca o deixaria em paz e que estava ficando cada vez mais ganancioso.

Da próxima vez, poderia ser vinte mil ou trinta.

Deixe o maldito procurar a imprensa, pensou. Os tabloides vão ter um dia fértil.

 

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Ah, Deus. Luke esfregou as mãos no rosto e tentou pensar. Tinha direito à sua vida, droga. Uma vida que ele mesmo construiu, tijolo por tijolo, desde que fugira daquele apartamento que fedia a gim com as costas gritando de dor e aterrorizado por não saber o que eles podiam ter feito com ele depois que desmaiou.

Não aguentaria, não poderia aguentar que a vida da qual ele fugiu fosse revirada e esfregada na sua cara. Não queria ver a lama respingando nas únicas pessoas que amou na vida. Ainda assim. Ainda assim, estava perdendo um pouco de si mesmo cada vez que respondia àqueles cartões-postais como um macaco adestrado.

Havia uma alternativa que não considerara ainda. Luke pegou uma xícara de chá, estudando com atenção o delicado desenho de violetas na porcelana creme. Uma alternativa com a qual sonhara certamente, mas nunca considerara realmente colocar em prática.

Poderia ir até Maine e atrair Cobb para fora de seu antro. Depois, poderia fazer o que desejou fazer cada uma das vezes em que o cinto cortou sua carne. Poderia matá-lo.

A xícara quebrou na sua mão, mas Luke não se assustou. Continuou olhando enquanto a imagem se tornava mais real na sua mente, e o sangue jorrava pela sua mão como um sorriso.

Poderia matar.

As batidas na porta o trouxeram de volta. O pensamento ainda rodava na sua mente como as luzes coloridas de uma sirene quando abriu a porta.

— Oi! — Os cabelos de Roxanne pingavam nos olhos dela. A camiseta estava grudada em seu corpo. Levantou o rosto e deu um beijo na boca de Luke, espalhando o cheiro de chuva de verão. — Achei que você gostaria de um piquenique.

— Piquenique? — Ele se esforçou para se esquecer da violência e sorrir para ela. Olhou pela janela para a tempestade que caía lá fora enquanto fechava a porta.

— Acho que esse tempo reduz as nossas alternativas.

— Asas de frango fritas — disse ela, levantando uma caixa de papelão.

— Ah, é?

— Daquelas bem gordurosas, e um grande pote da salada de batata do LeClerc que eu roubei da geladeira e um excelente Bordeaux branco.

— Parece que você pensou em tudo, menos na sobremesa.

Ela lançou um olhar de lado para ele enquanto se ajoelhava no tapete.

— Ah, pensei nisso também. Por que não pega duas taças... o que é isso? — Ela pegou um caco de porcelana.

— Eu... quebrei uma xícara.

Quando ele se abaixou para pegar os cacos, ela viu o sangue na mão dele.

— Oh, o que você fez? — Pegou a mão dele, tagarelando o tempo todo enquanto limpava o sangue com a sua blusa.

— É só um arranhão, doutora.

— Não é hora para brincadeira. — Mas ela viu, aliviada, que era apenas um arranhão mesmo e bem superficial. — Suas mãos valem uma fortuna, sabia? Profissionalmente.

Ele deslizou um dedo pelo vale dos seios dela.

— Profissionalmente?

— É. Mas eu tenho um interesse pessoal nelas também. — Depois de mordiscar o lábio dele, ela se sentou em cima dos tornozelos, estrategicamente recuando.

— Que tal aquelas taças... e um saca-rolha?

Pronto para obedecer, ele se levantou e foi na direção da cozinha.

— Por que você não pega uma camisa seca? Vai molhar a salada de batata.

— Não vou, não. — A camiseta encharcada aterrissou bem atrás dele, molhando o piso. Luke olhou para baixo, depois para Roxanne. Seria um piquenique interessante, pensou. Frango, salada de batata e uma mulher seminua molhada. A tensão que ainda existia se dissolveu em um sorriso.

— Adoro as mulheres práticas.

 

ESTAVA ESCURO. As sombras sufocavam e fediam a suor. As paredes eram totalmente fechadas, e o teto era baixo, como a tampa de um caixão. Não havia porta. Nenhuma fechadura. Nenhuma luz.

Ele sabia que estava nu por causa do calor que queimava sua pele exposta como uma bigorna sendo pressionada por um martelo implacável. Alguma coisa estava subindo nele. Por um terrível momento, temeu que fossem aranhas. Mas era apenas o seu próprio suor escorrendo.

Tentou ficar quieto, bem quietinho, mas o som de sua respiração ofegante soava como um eco oco apesar do espaço limitado.

Eles viriam se ele não ficasse quieto.

Não podia evitar. Não podia evitar que seu coração em pânico retumbasse em seu peito, nem que os sons de terror escapassem de sua garganta.

Suas mãos estavam amarradas. A corda machucava seus pulsos enquanto se contorcia e lutava para se libertar. Ele cheirava a sangue e tinha gosto de lágrimas, e o suor queimava seus pulsos esfolados como uma tocha.

Precisava sair. Precisava. Tinha de haver um jeito de escapar. Mas não havia nenhum alçapão, nenhum mecanismo engenhoso, nenhum painel deslizante esperando para se abrir ao seu toque.

Ele era apenas um garoto, afinal. E era tão difícil pensar. Tão difícil ser forte. O suor congelou tal como minúsculas bolas de gelo quando percebeu que não estava sozinho na caixa. Podia escutar a respiração pesada, excitada se aproximando, podia sentir o fedor do gim.

Uivou como um lobo quando as mãos o agarraram, seu corpo lutando, resistindo, encolhendo-se.

— Você vai fazer o que eu mandar. Vai fazer o que eu mandar, seu bastardo.

O talho feito pelo cinto causou uma dor incandescente em sua carne, tirando sangue e chegando ao osso. E ele gritou, e gritou, e ficou imóvel. Por um momento, seus olhos confusos só viam a escuridão. Sua pele ainda estava tremendo por causa do golpe do cinto quando mãos o agarraram.

Afastou-se com um pulo, punhos cerrados, dentes à mostra. E viu o rosto perplexo de Roxanne,

— Você teve um pesadelo — disse ela calmamente, embora seu coração estivesse batendo com o dobro da velocidade. Ele não parecia são. — Foi um pesadelo, Luke. Já está acordado agora.

A loucura sumiu dos olhos dele antes que os fechasse com um gemido. A pele dele ainda tremia quando ela se atreveu a colocar a mão no seu ombro.

— Você estava se debatendo. Eu não conseguia acordá-lo.

— Desculpe. — Esfregou as mãos no rosto, querendo espantar a náusea.

— Não precisa se desculpar. — Com carinho, ela tirou os cabelos encharcados de suor da testa dele. — Deve ter sido feio.

— É. — Ele pegou a garrafa e derramou um gole de vinho morno em sua boca.

— Quer me contar?

Ele só conseguiu balançar a cabeça. Havia coisas que nunca poderia contar, nem para ela.

— Acabou. — Mas havia um tique no maxilar dele. Roxanne massageou para acalmar o movimento.

— Quer que eu pegue água para você?

— Não. — Agarrou a mão dela antes que ela pudesse levantar, segurando-se a ela como se não pudesse suportar ficar longe dela, mesmo se fosse no cômodo ao lado. — Só fique aqui, ok?

— Ok. — Ela o abraçou.

Esquecera-se de que estavam nus. Ah, a sensação da pele dela na sua foi mágica, fazendo desaparecer o que ainda restava do pesadelo. Carente, ele enterrou o rosto no ombro dela.

— Ainda está chovendo — murmurou ele.

— Hum-hum. — Instintivamente, ela acariciou as costas dele, os dedos dela deslizando de forma indiferente pelas velhas cicatrizes. — Eu gosto do som da chuva e da forma como a luz fica tão suave e o ar, pesado.

Observou a chuva cair, ainda forte e pesada embora os trovões tenham seguido para o oeste. Na varanda, o vaso de gerânios triunfava contra a escuridão.

— Sempre preferi as flores vermelhas. Porém, nunca conseguia descobrir por quê. Até que um dia percebi que era por causa dos seus cabelos. Foi quando descobri que eu amava você.

Os dedos dela pararam, pousando imóveis nas costas dele. O coração dela parou por um momento, mas docemente, como acontece quando é de alegria.

— Achei que você nunca fosse me dizer isso. — Com uma gargalhada, ela pressionou os lábios no pescoço dele. — Já estava até pensando em procurar a Madame e pedir uma poção.

— Eu só preciso da sua mágica. — Puxou o rosto dela até o seu. — Eu tinha medo de dizer. Essas três palavras têm um encantamento que libera todos os tipos de complicações.

— Tarde demais. — Cobriu os lábios dele com os seus. — O feitiço já foi lançado. Aqui. — Levantou as mãos com as palmas para a frente, esperando que ele encostasse as dele ali. — Eu também amo você. Nada pode mudar isso. Nenhuma bruxaria, nenhum  encantamento, nenhum truque.

Lentamente, ele entrelaçou seus dedos nos dela, de forma que as palmas abertas se transformaram em punhos unidos.

— De todas as ilusões, você é a única verdade de que preciso.

Naquele momento, ele soube que pagaria Cobb, que dançaria com o diabo para mantê-la a salvo, para não estragar o que tinham.

Ela viu o brilho nos olhos dele, como um relâmpago cortando o céu carregado. Os dedos dele apertaram os seus.

— Eu preciso de você, Roxanne. — Soltou as mãos dela para puxá-la para mais perto e deitá-la no tapete. — Agora. Meu Deus, agora.

A força desse desejo se alastrava como fogo pela floresta, passando dele para ela, fazendo o sangue ferver. O desespero dele as jogou no tapete, inflamando as centelhas do desejo dela e as aumentando até se tornarem chamas, cada vez mais fortes até formarem um incêndio.

As mãos dele estavam em todos os lugares, raios que passavam sobre a carne dela aumentando em cem vezes sua pulsação. O amor que fizeram naquela tarde, divertido, carinhoso, se apagou como a lua com a chegada do sol.

Ele pegou as mãos dela, segurando os braços esticados para o lado enquanto sua boca explorava todo o corpo dela. Os dentes dele arranhavam, mordiscavam, satisfazendo a repentina fome pelo gosto da carne. As mãos dela flexionaram uma, duas vezes sob as dele, até seu corpo absorver vorazmente a sensação de ser tomada, possuída. Devorada.

Desejar e ser desejada assim. Ela não conseguia explicar, não conseguia descrever. Só podia agradecer a Deus. Quando ele a levou cada vez mais alto, até aquele calor que cega, o prazer foi tão intenso que ela sentiu sua alma vibrar.

Mais, era só nisso que ela conseguia pensar.

Soltou as próprias mãos para passar pelo corpo dele, com rapidez e volúpia. Com movimentos cada vez mais rápidos, quase alucinados, ela rolou para ficar em cima dele, carne quente e molhada sobre carne, boca faminta encontrando boca como o confronto de espadas afiadas e perigosas.

O poder cresceu dentro dela, espalhou-se pelo seu sangue, parecendo faiscar pela ponta de seus dedos enquanto sentia os músculos dele tremerem e flexionarem ao seu toque. Ele ensinara a ela a mágica, em todas as suas variedades. Agora, naquele momento, a aluna se tornou a mestra.

Ele gemeu, aturdido com a surpresa e força do ataque. A resposta dela foi uma gargalhada, baixa, ofegante e devastadora. Poderia jurar que sentiu cheiro de fumaça misturado com aquele perfume provocante de flores selvagens.

— Roxanne. — O nome dela saía trêmulo pelos lábios dele entre respirações arfadas. — Agora, pelo amor de Deus.

— Não. — Ela riu de novo, afundando a cabeça. — Ainda não, Callahan. Ainda não terminei. — Brincou com o mamilo dele, depois desceu, passando pelas costelas até o abdômen, até que ele explodisse.

O desejo dele era como uma fera enjaulada, mordendo e lutando por sua liberdade. Mas era ela quem estava segurando as rédeas, atormentado-o, prometendo, e não permitindo que ele chegasse à explosão final que o libertaria.

— Você está me matando — ele conseguiu dizer.

Ela deslizou a língua pelo corpo dele.

— Eu sei.

Saber do desejo dele a deixou eufórica. Embriagada com o poder, ela o levou quase até a tênue linha que lhe traria alívio; então recuou. Como uma feiticeira, continuou brincando com o corpo dele.

— Quero que me diga de novo. — Os olhos dela estavam abertos e brilhavam. — Agora, quero que me diga agora, quando seu desejo por mim é tão forte que parece que vai lhe dilacerar por dentro. Diga agora.

— Eu amo você. — Segurou os quadris dela com mãos pouco firmes quando ela montou nele.

— Palavras mágicas — murmurou ela e levantou o corpo para que ele a penetrasse.

Quando ele a completou e quando os seus músculos pulsantes se contraíram para recebê-lo, ela jogou a cabeça para trás ao sentir o puro prazer do ato. Seu coração pulsou uma dúzia de vezes enquanto ela o segurou dentro de si, o corpo arqueado para trás e imóvel como uma estátua.

Nunca se esqueceria da aparência dela naquele momento, a pele no tom mais claro de dourado e com o suor cintilando, os lábios cheios e entreabertos, os olhos fechados, os cabelos caídos para trás como fogo.

Então o corpo dela estremeceu, sendo levado por um orgasmo intenso e rápido. Um gemido lento e sinuoso escapou dos lábios dela, mas ela não se mexeu. Então, os lábios se curvaram, as pálpebras se abriram e revelaram olhos mais intensos, mais bonitos do que qualquer esmeralda que ele pudesse cobiçar.

Ela pegou as mãos dele, entrelaçou os dedos e galopou como uma mulher possuída.

Quando, finalmente, não havia mais o que dar, nem receber, o corpo dela caiu sobre o dele, como água. A chuva tinha parado. Uma fraca luz do sol entrava misticamente pela sala. Ele acariciou os cabelos dela.

— Venha morar comigo — disse ele.

Ela usou a força que ainda lhe restava para levantar a cabeça e arquear uma sobrancelha.

— As minhas malas já estão prontas.

Ele sorriu e deu um leve beliscão no bumbum dela.

— Como você podia saber?

— Sabendo. — Ela lhe deu um beijo. — Só quero saber de uma coisa.

— O quê?

— Quem vai cozinhar?

— Ah. — Ele deslizou o dedo pelas costelas dela, procurando uma saida infalível. — Eu queimo tudo.

Roxanne não tinha nascido ontem.

— Eu também.

Havia um caminho mais fácil, decidiu ele.

— O French Quarter está cheio de restaurantes.

— Verdade. — O sorriso dela se abriu. — Não temos sorte?

Aninhou-se nos braços dele. Enquanto estavam ali deitados sob a fraca luz do sol, parecia que o maior dos problemas que poderiam enfrentar seria o apetite.

 

FOI TÃO fácil quanto tirar um coelho da cartola. Afinal, eles moraram juntos durante anos. Um conhecia os hábitos do outro, defeitos, excentricidades.

Ela acordava ao amanhecer. Ele puxava as cobertas sobre a cabeça. Ele tomava banhos intermináveis que acabavam com a água quente; ela lia romances na banheira, onde ficava submersa entre bolhas até a água esfriar.

Ele gostava de malhar levantando peso na sala de estar; ela preferia a estrutura de frequentar uma aula três vezes por semana.

O aparelho de som gritava com rock'n'roll quando Luke estava com o controle remoto e ecoava blues quando Roxanne comandava.

Eles tinham muita coisa em comum. Nenhum dos dois pensaria em reclamar da necessidade de ensaiar um único número uma vez atrás da outra. Ambos adoravam culinária cajun, filmes da década de 1940 e longas caminhadas pelo Frendi Quarter.

E ambos gritavam quando discutiam.

Eles gritaram muito nas últimas semanas. Os dois estavam desenvolvendo essa arte. O atrito fazia parte do relacionamento deles, assim como respirar, e ambos sentiriam falta se não houvesse.

Quando agosto chegou a Nova Orleans, aproximando-se do abençoado alívio do outono, eles brigavam e faziam as pazes, resmungavam, repreendiam e, regularmente, levavam o outro à beira da frustração e da gargalhada.

No aniversário dela, ele lhe deu uma varinha de cristal, uma longa vara de ametista envolta por fios de prata e cravejada de cabochões de rubi, citrino e topázios de um tom intenso de azul. Ela colocou em uma mesa perto da janela para que o sol batesse nela todos os dias e irradiasse a sua mágica pelo ar.

Estavam perdidamente apaixonados e compartilhavam tudo. Tudo, menos o segredo que Luke pagava todo mês com um cheque de dez mil dólares.

MAX CONVOCARA a reunião, mas não estava com pressa para começar Bebericava o café quente, com sabor de chicória, que LeClerc preparara, e não se apressou. Era uma sensação boa estar com a família reunida ao seu redor de novo. Não tinha se dado conta do golpe que fora Luke e Roxanne não estarem mais morando embaixo do mesmo teto que ele. Embora eles morassem bem perto, a perda doera como uma facada.

Sentia que estava perdendo muita coisa em um curto espaço de tempo. Seus filhos, que não eram mais crianças, suas mãos, com seus dedos duros que com frequência pareciam ser de um estranho.

Até seus pensamentos, e isso era o que mais o assustava. Era muito comum eles se afastarem dele, pairando bem ao seu alcance, de modo que ele se interromperia, tentando desesperadamente capturá-los.

Dizia para si mesmo que era porque tinha muita coisa na mente. Foi por isso que pegou o caminho errado quando estava indo ao French Market e acabara perdido e desorientado na cidade onde morou a maior parte de sua vida. Era por isso que estava se esquecendo de coisas. Como do nome do seu corretor na Bolsa. Ou do armário onde LeClerc guardava as canecas de café há anos.

Mas hoje, com todos eles à sua volta, se sentia mais forte, mais seguro. A voz dele não refletia nenhuma de suas dúvidas ao marcar a reunião.

— Acho que tenho algo que vai interessá-los — começou ele quando todos ficaram em silêncio. — Uma coleção particular de joias... — Percebeu que o olhar de Roxanne procurou o de Luke. — Tenho um interesse específico pelas joias de safira dessa coleção. A dona parece ter um carinho por essa pedra, e seu porta-joias, que é extenso, reflete isso. Não posso me esquecer também de uma gargantilha de pérolas e diamante um tanto elegante. Naturalmente, isso é apenas parte da coleção, mas acredito que seja suficiente para as nossas necessidades.

— Quantas peças? — Roxanne pegou uma caderneta na bolsa e se preparou para anotar as informações no seu complexo código. Max abriu um sorriso cheio de orgulho da filha prática e precisa.

— De safira, são dez. — Max juntou os dedos. Estranho, agora que o jogo começara, eles não estavam mais doendo. — Dois colares, três pares de brincos, um bracelete, dois anéis, um broche e um pingente. O seguro dessas peças é de meio milhão. A gargantilha está avaliada em noventa mil, mas eu acredito que seja um pouco demais. Oitenta mil seria uma estimativa mais razoável.

Luke aceitou um biscoito do prato que Lily estava oferecendo.

— Temos alguma imagem?

— Naturalmente. Jean?

LeClerc pegou o controle remoto e apontou para a televisão. O aparelho ligou e, então, o videocassete ganhou vida.

— Transferi fotografias para uma fita de vídeo. — Quando a primeira imagem apareceu, ele acendeu um fósforo e o colocou no fornilho de seu cachimbo, sugando. — Gosto desses novos brinquedos. Este colar — continuou ele — tem um design conservador, talvez até pouco imaginativo. Mas as pedras em si são boas. São dez grandes safiras formando uma centáurea azul. Peso total, vinte e cinco quilates. Os diamantes são de ótima qualidade com lapidação em baguete com peso total aproximado de oito ponto dois quilates.

Mas foi a fotografia seguinte, o pingente, que chamou a atenção de Roxane. Soltando um som de surpresa, ela fitou a tela, depois o pai.

— Justine Wyatt. Se esse não é o mesmo pingente que a vi usando no navio no último verão, não me chamo Roxanne Nouvelle.

— Você nunca erraria, minha cara — disse Max. — É exatamente a mesma peça.

O sorriso veio primeiro, ampliou para um riso e terminou com uma gargalhada muito bem-humorada.

— Então nós vamos fazer, afinal. Por que não me disse?

— Queria que fosse uma surpresa. — Ele se empavonou, feliz com a ração dela. — Considere isso como um tipo de presente de Natal antecipado, apesar de que já estaremos quase na Páscoa quando tudo estiver pronto. — Apontou para a televisão. — Mostre a próxima, Jean. Podemos voltar a essa depois. As fotos foram copiadas do arquivo do seguro. A nossa contribuição deve ser mais divertida.

As imagens foram passadas rapidamente até chegarem em vídeos a bordo do Yankee Princess.

— Vídeos caseiros. — Mouse sorriu com a boca cheia de biscoito. — Eu mesmo fiz.

— Temos um Spielberg entre nós — parabenizou Max.

De fato, o vídeo era claro como cristal, a imagem firme como uma rocha, o som perfeito. Os zooms e imagens mais abertas fluíam juntos sem as sacudidelas de um amador.

— Ah, olhe. Ali está a sra. Woolburger. Lembra, Max, ela se sentava na primeira fila em todos os shows.

— E ali está Dori. — Roxanne se inclinou para a frente, colocando os cotovelos sobre as coxas. — E... ah. — Corou quando as lentes de Mouse deram um zoom na grade do navio, onde ela e Luke davam um longo beijo.

Era estranho e excitante ver a si mesma com os dedos nos cabelos de Luke, ver a forma como ele virava a cabeça para que seus lábios cobrissem melhor os dela.

— Esta é a cena de amor — disse Mouse com um enorme sorriso. - Todo bom filme tem uma.

— Volta essa parte. — Luke apertou o ombro de Roxanne com os dedos.

Roxanne pegou o controle antes que LeClerc pudesse obedecer.

— Ah, voltamos aos protagonistas — disse ela quando Sam e Justine passaram caminhando pelo deque, Roxanne adiantou até uma cena em que havia um dose do bracelete que tinham visto na fotografia. A câmera seguiu os passos deles pelo deque, onde escolheram poltronas lado a lado.

Não havia os sorrisos secretos nem os toques prolongados dos recém-casados. Sem trocar uma palavra, recostaram, ela com uma revista elegante, e ele com um thriller político de Tom Clancy.

— Como são românticos, não? — comentou Roxanne ao analisar Sam. A brisa balançava os cabelos dele. Tinha aquele leve bronzeado de um homem que costumava ficar ao ar livre. — A câmera é boa para ele. Acho que isso é bom pra um político.

— Barbie e Ken — comentou Luke atrás dela. — As incríveis pessoas de plástico.

Mouse achava que Sam tinha olhos de tubarão, mas não disse isso, pois achava que a família iria rir, e sua intenção não era ser engraçado. No fundo, preferia que Max tivesse mantido sua decisão inicial e que todos eles deixassem Sam, sua esposa e suas lindas joias em paz. Porém, para Mouse, Max era a pessoa mais inteligente do mundo, e nunca ocorreu questioná-lo ou duvidar dele.

Quando a tela ficou cinza, depois ganhou cor de novo, Roxanne assoviou.

— Então, essa é a gargantilha.

— Soberba, não? Congele aí, querida. — Quando Roxanne obedeceu, Max começou a falar como um dedicado professor.

— A gargantilha foi um presente dos pais no aniversário de 21 anos dela, que completará quatro anos em abril. Foi comprada na Cartier's em Nova York, por noventa e dois mil, quinhentos e noventa e nove dólares, mais os impostos.

— Em Nova York, eles não brincam com essa coisa de impostos — murmurou Luke, e Max concordou, assentindo.

— Não posso acreditar que não vi uma joia como essa — comentou Roxanne.

— Ela usou na última noite. — Lily lembrava muito bem. — Acho que você e Luke ficaram... ocupados até a hora do show.

— Ah. — Roxanne também se lembrava, e lançou um olhar para Luke por cima do ombro. — Acho que estávamos sim.

Luke passou o braço pela cintura dela e a puxou da almofada para seu colo.

— É uma peça única, não é?

Max abriu um sorriso. Ensinara bem aos seus filhos.

— É sim. Isso faz com que seja mais difícil vendê-la, mas não impossível. Acho que isso é suficiente, Roxanne. — A televisão desligou. Ele recostou. A mente de Max estava tão clara que ele se perguntou se não imaginara a névoa que a encobria com tanta frequência. — Estamos esperando as plantas da casa no Tennessee, assim como do apartamento em Nova York. Os sistemas de segurança das duas residências vão levar mais tempo.

— Isso nos dará tempo para curtirmos o Natal primeiro. — Isso não era uma pergunta. Para Lily, ter tempo para curtir todos os aspectos das Festas era uma verdade sagrada. — Como estamos todos aqui, podemos armar a árvore hoje à noite. — Lançou um olhar astuto para Roxanne e Luke. — Jean já até colocou um assado no forno.

— Com aquelas batatinhas crocantes e cenoura? — Luke sentiu o ronco de seu estômago, que estava se virando há duas semanas com deliveries e uma tentativa desastrosa de frango frito, e suspirou.

Roxanne deu uma cotovelada nas costelas dele. Afinal, fora ela quem fritara o frango.

— Este homem é um apetite ambulante. Não precisa suborná-lo para ficar.

— Não machuca. — Luke fitou LeClerc suplicante. — Biscoitos?

— Pode apostar. E tem suficiente para alimentar um lobo.

 

OS DIAS que antecedem o Natal passaram rapidamente. Havia os presentes para comprar e embrulhar, biscoitos para assar. No caso do apartamento dos Nouvelle/Callahan, havia biscoitos para queimar. O show anual de mágica para angariar fundos para a ala pediátrica rendeu cinco mil dólares muito bem-vindos. Mas era Luke quem seguia com a tradição de Max de divertir as crianças que iriam passar a mais mágica das noites confinadas em uma cama ou cadeira de rodas.

Na hora em que passou tirando moedas das pequenas orelhas ou fazendo aparecer flores em um jarro vazio, Luke descobriu por que Max dedicava tanto tempo a essas crianças.

Eram o melhor dos públicos. Conheciam o sofrimento, e a realidade delas era impiedosa. Mas elas acreditavam. Durante uma hora, era só o que importava.

Naquela noite, depois de deixar aqueles pequenos rostos para trás, ele sonhou de novo. Sonhou e acordou com o coração pulsando forte e um grito queimando em sua garganta.

Roxanne se mexeu, gemendo em seu sono. Entrelaçou os seus dedos gelados nos dela e ficou ali deitado por um longo tempo, fitando o teto.

 

UM INVERNO longo e chuvoso se estendeu teimosamente até março. Os artistas de rua sofreram. Na casa em Chartres, LeClerc mantinha a cozinha aquecida. Embora isso ferisse seu orgulho, ficava dentro de casa, raramente se aventurando a sair, mesmo para o mercado. Quando saía, sentia que cada vento atravessava sua pele fina para castigar seus ossos.

A idade, concluía quando se permitia pensar no assunto, era um pé no saco.

Quando a porta se abria com uma rajada de vento e chuva gelada, ele reagia.

— Feche essa maldita porta. Isso não é uma caverna.

— Desculpe.

As desculpas de Luke eram respondidas com cara feia. Ele estava sem chapéu, sem luvas e usava apenas uma jaqueta jeans para se proteger de todos esses elementos. LeClerc sentiu uma inveja amarga tomar seu coração.

— Veio aqui filar comida?

Luke sentiu o cheiro no ar e captou o inconfundível cheiro de maçãs assadas.

— Se eu puder.

— Por que você não aprende a cozinhar? Você acha que pode aparecer aqui e sair com a barriga cheia a hora que quiser? Isso aqui não é a casa da sogra.

— É como se fosse. — Como Luke estava muito acostumado com o humor do cajun para se encolher, ele se serviu uma xícara do café que estava esquentando no fogão. — Eu acho que um homem só consegue ser bom em um número limitado de coisas.

LeClerc fungou.

— Em que você é tão bom, mon ami, que não consegue fritar um ovo?

— Mágica. — Luke pegou uma colher de açúcar, fechou a mão e sugou uma chuva de grãos brancos para dentro de seu polegar e indicador. Esperou um pouco, depois abriu a mão e mostrou que estava vazia. LeClerc soltou um gemido que podia ser considerado uma gargalhada. — Assaltos. —Entregou a LeClerc a carteira que tirara do bolso de trás da calça do velho quando passou para o fogão. — E fazer amor com uma mulher. — Pegou sua xícara e tomou um gole. — Mas, nessa última, você vai ter que acreditar na minha palavra, porque não vou fazer nenhuma demonstração.

O rosto moreno de LeClerc abriu em um sorriso.

— Então, você se acha bom nessas coisas, é?

— Eu sou ótimo nessas coisas. Então, e essas maçãs assadas?

— Sente-se e coma à mesa como você aprendeu. — Não mais chateado com a companhia, voltou a bater a massa. Suas mãos eram competentes para as tarefas caseiras; as cobras que envolviam seus braços resvalavam. — Cadê Roxanne?

— Na aula de ginástica. Ela disse que deve almoçar com umas duas amigas depois.

— Então, você está vagabundeando por aí, oui?

- Eu já estava com cãibra treinando minha nova escapada, precisava de um intervalo. — Não queria admitir que o apartamento parecia vazio sem ela. — Vai estar pronto para Mardi Gras.*

— Você só tem duas semanas.

— É suficiente. Ficar pendurado sobre o lago Pontchartrain por uma corda em brasas vai juntar urna multidão e tanto. O desafiante apostou cinquenta mil que eu não consigo soltar as algemas e voltar para a ponte antes que a corda arrebente.

— E se você não conseguir?

— Aí perco cinquenta mil e me molho.

LeClerc colocou a massa de pão em uma travessa grande e cobriu.

— É uma queda e tanto.

— Eu sei cair. — Com um garfo, ele pegou um pedaço de maçã quente e temperada e colocou na boca. — Eu queria verificar uns detalhes com Max. Ele está por aí?

— Ele está dormindo.

— Agora? — Luke levantou uma sobrancelha. — São onze horas.

— Ele não tem dormido bem à noite. — Preocupação apareceu em sua testa enquanto lavava as mãos para tirar a massa grudenta, mas estava de costas para Luke. — Um homem tem o direito de dormir até tarde na sua própria casa de vez em quando.

— Eu não quis... Ele nunca fez isso. — Luke olhou para o corredor e percebeu como a casa estava quieta. — Ele está bem, não está?

Luke fitou as costas rígidas de LeClerc. Em sua mente, podia ver Max exercitando as mãos, exercitando os dedos, flexionando-os, esticando-os, manipulando-os várias vezes como um pianista antes do show.

— Como estão as mãos dele? — Luke percebeu pela leve tensão nos ombros de LeClerc que acertara o ponto. O cheiro familiar de temperos, maçã e massa de pão o deixaram enjoado enquanto esperava uma resposta.

— Não sei do que você está falando. — LeClerc continuou de costas enquanto fechava a torneira e pegava um pano de prato.

 

* Mardi Gras é a terça-feira gorda. O termo também pode designar todo o período de carnaval. (N.T.)

 

— Jean, você não me engana. Eu me importo com ele tanto quanto você.

— Droga. — Mas não havia nenhuma força por trás do xingamento, e Luke teve a sua resposta.

— Ele já foi a um médico? — Luke estava com um nó no estômago. O garfo tilintou no prato quando o empurrou.

— Lily o obrigou a ir. — Foi quando LeClerc se virou, os pequenos olhos escuros refletindo toda a frustração e emoção que estava abafando. —O médico deu um remédio para aliviar a dor. A dor nos dedos, comprends? Não a dor daqui. — Bateu com a mão no peito. — Não devolve a mágica. Nada vai trazer.

— Tem que ter alguma coisa...

— Rien — interrompeu LeClerc. — Nada. Dentro de cada um, existe um relógio. E é esse relógio que diz quando chegou a hora de os olhos fecharem ou de as orelhas ensurdecerem. Esse é o dia em que ele vai sair da cama com os dedos duros, as juntas doendo. E um dia a bexiga não vai funcionar, os pulmões vão ficar fracos ou o coração vai parar. Os médicos dizem: faça isso, faça aquilo, mas o bon Dieu marcou a hora, e, quando Ele diz c'est assez, nada pode impedir.

— Não acredito nisso. — Não queria acreditar. Luke arrastou a cadeira para trás ao levantar. — Você está dizendo que não temos nada a ver com isso, que não temos controle.

— Você acha que temos? — LeClerc soltou uma gargalhada rápida. - Isso é arrogância da juventude. Você acha que foi um acidente você ter ido ao parque naquela noite em que encontrou Max e ele encontrou você?

Luke se lembrava claramente da forte atração do pôster, da forma como aqueles olhos pintados o seduziram a entrar na tenda.

— Aquilo foi sorte.

— Sorte, oui. É apenas outro nome para destino.

Luke já escutara demais da filosofia fatalista de LeClerc. Chegava perto demais das crenças que enterrara tão fundo.

— Nada disso tem a ver com Max. Temos de levá-lo a um especialista.

- Pourquoi? Para ele fazer exames que vão fazê-lo sofrer? Ele tem artrite. Pode ser abrandada, mas não curada. Vocês são as mãos dele agora, você e Roxanne.

Luke se sentou de novo, refletindo enquanto fitava seu café preto que estava esfriando.

— Ela sabe?

— Talvez não na cabeça, mas no coração, ela sabe. Assim como você. - LeClerc hesitou. Seguindo seu instinto, e seu destino, sentou-se na frente de Luke. — E tem mais — disse baixinho.

Luke levantou o olhar. A expressão no rosto de LeClerc fez o medo subir pela sua espinha.

— O quê?

— Ele passa horas com aqueles livros, com aqueles mapas.

— A pedra filosofal?

— Oui, a pedra. Ele fala com cientistas, com professores e até com médiuns.

— Prendeu a atenção dele — disse Luke. — Qual é o mal disso?

— Talvez nenhum. Esse é o Santo Graal dele. Acho que, se ele encontrar, terá paz. Mas... eu já o vi olhando para uma página de um livro e, depois de uma hora, ainda não a tinha virado. No café da manhã, ele pede para Mouse colocar um sofá embaixo da janela, e no almoço ele pergunta por que o móvel mudou de lugar. Ele diz pra Lily que precisam ensaiar um novo truque hoje, ela vai para a sala de ensaio esperar por ele, e, quando vai atrás dele, ele está na biblioteca com os livros e não se lembra nada de ensaio.

O medo estava se infiltrando com dentes e garras minúsculos.

— Ele tem muita coisa na cabeça.

— É a cabeça dele que me preocupa. — LeClerc suspirou. Achava que seus olhos estavam velhos demais para as lágrimas, mas as sentiu quentes e teve de lutar contra elas. — Ontem, eu o encontrei parado no quintal. Estava de fantasia, sem casaco no vento. Ele disse: Jean, cadê a van?

— A van? Mas...

— Nós não temos van — continuou LeClerc olhando nos olhos de Luke — há mais de dez anos, mas ele perguntou se Mouse tinha levado a van para lavar antes do show. Aí eu disse para ele que hoje não tinha show, que ele precisava entrar, sair do frio. — LeClerc levantou sua caneca e tomou um gole. — Aí ele olhou em volta, perdido, e eu vi o medo em seus olhos. Então, eu o trouxe para dentro e o coloquei na cama. Ele perguntou se Roxanne já tinha voltado da escola, e eu disse que ainda não. Mas que já estava chegando. Ele disse que Luke tinha de trazer a linda namorada para jantar, e eu disse bien, vou preparar um étouffée. Aí ele dormiu e, quando acordou, não se lembrava de nada disso.

Luke soltou os punhos que formara com as mãos e as colocou sobre as pernas.

— Jesus.

— Quando o corpo de um homem o trai, ele diminui o ritmo. Mas o que fazer quando é a cabeça?

— Ele precisa ir a um médico.

— Ah, oui, ele vai porque Lily insistiu. Mas tem uma coisa que você precisa fazer.

— O que eu posso fazer?

— Você precisa arranjar um jeito para ele não ir com você para o Tennessee. — Antes de Luke poder falar, LeClerc dispensou as palavras. — Ele tem de participar do planejamento, não da execução. E se ele se esquecer de onde está, do que está fazendo? Podemos correr esse risco? Podemos colocá-lo em risco?

— Não — respondeu Luke após uma longa pausa. — Eu não vou colocá-lo em risco. Mas também não vou magoá-lo. — Refletiu por um momento, depois assentiu. — Acho que devíamos...

— Jean, qual é o maravilhoso banquete? — Max entrou, parecendo tão saudável e alerta que Luke quase duvidou da história de LeClerc. — Ah, Luke, então você também seguiu seu nariz? Cadê a Roxanne?

— Saiu com umas amigas. Quer café? — Luke já estava de pé, indo para o fogão. Max se sentou, esticando as pernas com um suspiro. Seus dedos estavam se mexendo Sem parar, como um homem tocando um piano invisível.

— Espero que ela não demore muito. Lily estava querendo sair com ela para comprar sapatos novos. O pé dessa menina parece não parar de crescer.

A mão de Luke sacudiu. Café respingou por todo o balcão. Max estava falando de Roxanne como se ela tivesse 12 anos de idade.

— Ela já vai voltar. — Seu coração parecia uma bigorna no peito enquanto levava o café para a mesa da cozinha.

— Você já resolveu os problemas no número de escape da água?

Luke queria gritar para Max parar, para desligar a máquina do tempo que estava aprisionando sua mente. Em vez disso, falou calmamente:

— Na verdade, estou trabalhando no número da Corda Incandescente. Lembra? — sondou ele gentilmente. — Está marcado para a quinta-feira depois da Quarta-Feira de Cinzas. Semana que vem.

— Corda Incandescente? — As mãos de Max pararam. A xícara de café que estava quase chegando à boca tremeu. Era doloroso assistir à luta dele para voltar ao presente. A boca dele ficou aberta e frouxa, os olhos se moviam rapidamente. Então, eles entraram em foco de novo. A mão continuava trazendo o café para a boca. — Você vai reunir uma multidão — disse. — A imprensa vai cobrir tudo.

— Eu sei. E eu não podia ter um álibi melhor para o trabalho na casa do Wyatt. Quero fazer nessa mesma noite.

Max franziu a testa.

— Ainda tem alguns detalhes que precisamos acertar.

— Temos tempo. — Disfarçando, Luke se recostou. Prendeu seu braço casualmente no encosto de sua cadeira. — Quero lhe pedir um favor, Max.

— Claro.

— Quero fazer esse trabalho sozinho. — Luke viu o choque no rosto de Max, a decepção. — É importante para mim — explicou ele. — Sei sobre as regras contra o serviço ser pessoal, mas este é uma exceção. Tem muita bagagem entre mim e Sam.

— Mais uma razão para não deixar as emoções atrapalharem o assunto.

— Elas são o assunto. — Pelo menos, isso era verdade. — Devo isso a ele. Seria uma boa maneira de pagar antigos débitos. — Então, usou seu trunfo, odiando-se por isso. — Se você não confia em mim para realizar o serviço, se acha que não sou bom o suficiente, pode dizer.

— É claro que eu confio em você. Mas o negócio é o seguinte... — Não sabia qual era o negócio, exceto que seu filho estava dando mais um passo para longe. — Você está certo. Já passou da hora de fazer algum serviço sozinho. Você é bom o suficiente.

— Obrigado. — Queria pegar aquelas mãos inquietas nas suas, mas apenas levantou sua caneca para brindar. — Tive o melhor professor.

 

— O QUE VOCÊ quer dizer com vai fazer sozinho? — questionou Roxanne. Com a bolsa de ginástica pendurada no ombro, ela fora atrás de Luke, que saíra da sala, onde jogara a bomba, para o quarto.

— Exatamente o que eu disse. O show é meu.

— Não é mesmo. Nós trabalhamos juntos. — Apesar da irritação, seu senso de organização fez com que abrisse a bolsa para tirar as toalhas e as roupas de ginástica. — Papai não concordaria com isso.

— Ele já concordou. — Luke tirou sua jaqueta jeans e a jogou perto de uma poltrona. Ela escorregou e caiu no chão. — Não é nada de mais.

— É sim. — Roxanne fechou a bolsa e a colocou no seu lugar na prateleira do armário. Chutou os sapatos de Luke para um lado. — Se planejamos tudo juntos desde o pontapé inicial, por que você acha que é o único que vai se divertir?

— Porque sim. — Ele se jogou na cama e colocou as mãos atrás da cabeça. — É assim que eu quero que seja.

— Olhe, Callahan...

— Olhe você, Nouvelle. — O fato de usar o sobrenome dela fez com que ela risse. Embora os lábios tenham sorrido, o queixo permaneceu erguido.— Eu e Max já conversamos. Ele concordou, então esqueça.

—    Talvez ele tenha concordado, mas eu não. — Ela colocou as mãos na cintura. — Estou dentro, cara. Pronto.

Os olhos dele brilharam.

— Eu quero fazer sozinho.

— E daí? Eu queria ter cabelos louros e lisos e nem por isso você me vê por aí reclamando.

— Eu gosto dos seus cabelos — disse, querendo distraí-la. — Parecem um monte de saca-rolhas que pegou fogo.

— Que poético.

— Gosto mais ainda quando você está nua. Quer ficar nua, Rox?

— Segure os seus hormônios, Callahan. Você não vai me fazer mudar de ideia. Eu vou.

— Esteja à vontade. — Não importava se ela ia ou não. Mas discutir com ela sobre o assunto fez com que ela não desconfiasse sobre Max. —Mas eu comando o show.

— Só em sonho. — Ela espalmou as mãos nas pernas dele na cabeceira da cama. — Parceiros até o final.

— Eu tenho mais experiência.

— Isso era o que você dizia sobre sexo, mas eu alcancei você, não foi?

— Já que você tocou no assunto. — Levantou-se e tentou agarrá-la. Ela desviou facilmente.

— Venha cá — mandou ele.

Ela virou a cabeça, lançando um olhar longo e sedutor sobre o ombro. Você parece saudável o suficiente para levantar e andar. Por que não vem me pegar?

Ele sabia jogar o jogo. Após um movimento negligente dos ombros, olhou para o teto.

— Não, obrigado, não estou interessado.

— Ok. Quer sair pra comer mais cedo? Para evitar o movimento de Mardi Gras?

— Claro. — Sem se mover nem um milímetro, ele baixou o olhar e viu quando ela lentamente tirou a camisa. Por baixo, usava um fino sutiã de algodão para ginástica que era tão atraente como gumbo, a sopa que LeClerc preparava. O sangue desceu da cabeça dele para a virilha.

— Está tão quente. — Ela dobrou a camisa com cuidado, colocou na gaveta de cima. Com movimentos deliberados, abriu a calça jeans. Ele escutou o som do zíper e se concentrou em não engolir a própria língua.

Ela abaixou a calça, revelando calcinha de algodão branca, tão prática quanto o sutiã. A pele dela era pálida e perfeita. Ela fez o mesmo procedimento meticuloso da camisa com a calça jeans.

Preguiçosamente, pegou a escova, batendo com ela na mão.

— O que você está a fim de fazer, Callahan? — Chegou apenas perto o suficiente da cama para que ele esticasse o braço e conseguisse segurar a sua mão. Ela estava rindo quando caiu no colchão.

- Eu ganhei — gabou-se ele, subindo em cima dela.

— Hum, hum. Empate. — Ela levantou a cabeça para encontrar os lábios dele. — Somos parceiros. Não se esqueça disso.

 

A TERÇA-FEIRA gorda começou com panquecas. Apesar de todo aquele papo de LeClerc sobre sorte e destino, ele gostava de se cercar por todos os lados. Por isso, servia panquecas no último dia antes da Quaresma desde que ela conseguia se lembrar, e Roxanne era prática o suficiente para não meter o nariz na superstição. Sua única alteração foi comprar uma mistura pronta em vez de seguir a complicada receita de LeClerc.

As panquecas dela podiam estar finas e queimadinhas nas beiradas, mas atendiam aos requisitos básicos. Ela mesma só conseguiu comer um dos discos borrachudos, mas, como Luke comeu feliz meia dúzia, ela presumiu que a sorte deles para o ano estava garantida.

E talvez estivesse.

As ruas e calçadas do French Quarter estavam lotadas de foliões no último dia de Mardi Gras. Os sons de música e gargalhadas entravam por sua varanda, assim como fizeram durante a semana de festa constante. Esta noite, ela sabia que o volume e a animação iriam aumentar. Desfiles, fantasias, danças — o último viva antes de quarenta dias de sobriedade para se preparar para a Páscoa. Mas também haveria bêbados caídos, assaltantes, brigas e alguns homicídios. Por trás da linda e sedutora máscara, Mardi Gras podia ter uma face cruel.

Se estivessem livres à noite, ela e Luke poderiam ter ido para a casa em Chartres para assistir à festa na varanda. Mas, de acordo com seus planos, eles estariam no Tennessee, roubando aproximadamente meio milhão de dólares em joias do sr. e sra. Samuel Wyatt.

Troca justa, pensou Roxanne com um sorriso. Os Wyatt lucrariam com suas obscenas apólices de seguro, compensando a dor de ter suas posses roubadas bem debaixo de seus narizes. Os Nouvelle manteriam a velha cadeia alimentar segura. Afinal, eles não seriam os únicos a lucrar.

Roxanne passou a mão pelo estômago embrulhado. A panqueca não tinha caído bem, pensou. Esperava que o estômago de aço de Luke não tivesse sentido. A última coisa de que ele precisava era de um enjoo enquanto estivesse pendurado de cabeça para baixo sobre o lago Pontchartrain.

Precisava ir para lá. A apresentação estava marcada para começar em uma hora, e Luke ia querer que ela estivesse por perto. A Corda Incandescente a deixava inquieta. Mas estava acostumada a ficar nervosa e tensa antes dos escapes dele.

Pegou a bolsa e a soltou com um gemido.

Malditas panquecas!, pensou ela e correu para o banheiro.

 

- ELA JÁ deveria estar aqui. — Dividido entre preocupação e irritação, Luke tentou se concentrar para o trabalho que tinha pela frente. Seu corpo estava pronto. — Por que ela não veio comigo?

— Porque ela não teria nada para fazer durante a preparação, exceto se preocupar! — Lily estava de olho em Max, que estava dando uma entrevista para um repórter de televisão. Tinha suas próprias preocupações. - Concentre-se em você — mandou ela. — Roxanne já vai chegar.

— Só Deus sabe como ela vai conseguir chegar aqui agora. — Ele olhou para a ponte. Por trás das barricadas, as pessoas formigavam e se acotovelavam para conseguir ver melhor. As autoridades locais cooperaram fechando a ponte para o tráfego de carros durante a hora que Luke solicitou para a preparação para a apresentação. Mas isso não impediu a multidão de se aproximar. Colocaram-se em ambos os lados da ponte forçando as barricadas

Luke se perguntou distraidamente quantos bolsos seriam roubados no lago naquela tarde. Estava sempre disposto a dar uma ajuda a um colega.

Onde estava Roxanne?

Protegeu os olhos contra a forte luz do sol e deu uma última olhada para a ponte pelo lado de Nova Orleans.

Lily estava certa, pensou. Precisava se concentrar no trabalho que tinha pela frente. Roxanne chegaria logo.

Àquela altura, acima da água, o vento era forte. Tinha levado isso em consideração, mas sabia que a natureza podia se intrometer caprichosamente nos cálculos. Aquele vento ia lhe dar muito trabalho.

— Vamos começar.

Pisou na marca. Na mesma hora, a multidão começou a aplaudir e encorajá-lo. As câmeras focalizaram. Depois de lançar mão de uma delicada diplomacia, ficara decidido que Lily anunciaria o escape, e não Max. Ela pegou o microfone e, espalhafatosa com seu macacão de paraquedismo vermelho, levantou a mão pedindo silêncio.

— Boa tarde, senhoras e senhores. Hoje, temos o privilégio de testemunhar uma das mais ousadas tentativas de escape já feitas. A Corda Incandescente.

Ela continuou, explicando exatamente o que aconteceria e apresentando os dois oficiais de polícia, um de Nova Orleans e um de Lafayette, que examinaram as correntes e a camisa de força que Luke usaria.

Quando Luke posicionou seus braços, Lafayette algemou um pulso, passou a corrente em volta dele e algemou o outro. A chave ficaria com Miss Louisiana, que comparecera ao evento com vestido de noite e tiara. Nova Orleans não se contentava com pouco.

A corda foi amarrada em volta dos tornozelos de Luke pelo atual campeão do laço do National Rodeo. Ouviu-se o rufo de tambores, cortesia da banda de uma escola local.

Luke foi abaixado, a cabeça primeiro, na direção das águas do lago Pontchartrain. Alguém na multidão gritou. Luke agradeceu por ele fazer isso na hora certa. Nada como um toque de histeria ou uns dois desmaios para tornar tudo ainda mais dramático.

Uma rajada de vento o atingiu bem no rosto com força suficiente para fazer seus olhos lacrimejarem. O corpo dele se contorcia e balançava. Já estava tentando tirar as algemas.

Sentiu o tranco quando a corda cedeu. Tinha cinco segundos antes que um voluntário colocasse fogo na ponta da corda, que incendiaria até chegar a ele. Teve de lutar contra uma surpreendente onda de vertigem que o atingiu quando o vento caprichosamente bateu nele e o fez rodar.

Maldita física, pensou. Um corpo em movimento permanece em movimento, e ele estava preso em um enorme pêndulo que balançava, causando encanto e excitação no público, mas que tornava sua tarefa ainda mais difícil.

Sua satisfação por conseguir soltar as mãos foi curta. Podia sentir o cheiro da fumaça. Escorregadio como uma cobra, mexia o corpo dentro da camisa de força, sentindo uma dor aguda nas maltratadas juntas. Seus dedos começaram a trabalhar rapidamente.

Sua mente estava fria, controlada. Apenas um pensamento conseguia penetrar ali, socando os mecanismos do seu trabalho como um punho implacável.

Não ficaria preso.

Lá de cima, escutou o rugido quando a camisa de força, vazia, caiu na direção da água. O bote salva-vidas que flutuava no lago soou a buzina uma vez para parabenizá-lo. Embora tenha curtido a sensação, sabia que ainda era cedo demais para estourar o champanhe.

Em um esforço enorme, dobrou o corpo na altura da cintura, os músculos do abdômen contraídos enquanto levantava o corpo para tentar soltar os nós do caubói das suas pernas. Não olhou para o fogo, mas podia sentir seu cheiro. Estava a centímetros dele e se aproximando cada vez mais.

Não achava que morreria por causa de queimadura nos pés, mas a acreditava que devia ser um tanto incômodo. O relógio em sua mente o avisava que tinha poucos minutos até que o fogo consumisse toda a corda, fazendo-o cair de cabeça no lago.

Luke descobriu que o caubói tinha alguns truques. Gostaria de ter aceitado o conselho de LeClerc e escondido uma faca na bota. Mas não adiantava se arrepender agora. Conseguiria soltar os nós e daria um mergulho para esfriar o calor nos pés.

Sentiu a corda ceder. Na fase final, o timing era confuso. Se ele se soltasse muito rápido, mergulharia. Se esperasse muito, acabaria seu escape na ala de queimados. Nenhuma das duas ideias era atraente.

Agarrou-se à segunda corda. Desorientação e o fato de ela ser fina como um arame impediam a multidão de vê-la. Luke sentiu o calor da fumaça da corda incandescente nas articulações de seus dedos enquanto se segurava firme.

Soltou o pé e começou a escalar para o alto. De cima da ponte, parecia que estava escalando uma fina coluna de fogo. Realmente iria precisar das pomadas de LeClerc para queimadura.

A multidão prendeu a respiração e gemia cada vez que uma rajada de vento o atingia. Quando chegou ao topo, sentiu a boa e sólida mão de Mouse em seu braço. LeClerc se abaixou para fingir que o parabenizava.

— Conseguiu pegá-lo? — murmurou para Mouse.

— Peguei.

— Bien. — LeClerc tirou uma faca da manga e cortou as duas cordas.

Houve gritos e tremores quando a corda incandescente caiu sobre o lago.

— Pode me ajudar a acabar de subir? — Luke mal conseguira recuperar o fôlego. Sabia que, no momento em que a adrenalina acabasse, morreria de dor. Com a ajuda de Mouse, conseguiu ficar de pé. As câmeras já estavam dando dose, mas Luke estava procurando na multidão.

— Roxanne?

— Deve ter ficado presa — disse Mouse e deu um tapa no ombro de Luke com força o suficiente para fazê-lo cambalear. — Sua camisa estava queimando — disse e sorriu. — Essa foi perfeita, Luke. Que tal irmos para São Francisco fazer isso na Golden Gate? Não seria ótimo?

— Claro. — Passou a mão pelos cabelos só para se certificar de que não estavam pegando fogo. — Por que não?

 

TALVEZ FOSSE estúpido e extremamente possessivo. Talvez fosse um monte de coisas desagradáveis, mas Luke só sabia de uma coisa quando entrou no quarto, cheirando a fumaça e a triunfo, e encontrou Roxanne jogada na cama. Estava furioso.

— Bem, muito bonito. — Jogou as chaves na cômoda fazendo um barulho que fez Roxanne gemer e abrir os olhos. — Achei que você tivesse sofrido algum terrível acidente e aí está você, cochilando.

Ela assumiu o que considerava um terrível risco e abriu a boca para falar.

— Luke...

— Parece que não era nada de mais para você o fato de eu estar trabalhando nessa apresentação há meses, que provavelmente foi a coisa mais importante que eu já fiz ou que você prometeu que estaria lá quando eu voltasse. — Foi até a cabeceira da cama, com a cara feia, e se afastou de novo. — Só porque eu precisava me concentrar, esperava um pouco de apoio da minha mulher...

— Sua mulher? — Isso foi o suficiente para fazê-la levantar. — Não me coloque no mesmo nível de seu terno de seda ou de sua coleção de discos.

— Você está em um nível acima da minha coleção de discos, mas o meu nível obviamente é bem mais embaixo.

— Não seja um cretino.

— Droga, Roxanne, você sabia que isso era importante para mim.

— Eu ia, mas... — Ela parou quando a barriga roncou. — Ah, merda. - Levantou correndo e foi para o banheiro.

Quando ela acabou de vomitar, Luke estava lá com um pano úmido e uma postura arrependida.

— Venha, amor, volte pra cama. — Parecia que o corpo fraco dela deslizava dos braços dele para o lençol. — Desculpe, Rox. — Gentilmente, ele passou o pano pelo rosto suado dela. — Entrei tão furioso que nem olhei direito para você.

— Estou muito mal?

— Nem pergunte. — Beijou a testa dela. — O que houve?

— Acho que foram as panquecas. — Ela ficou com os olhos fechados e a cabeça imóvel e só abriu a boca o suficiente para deixar as palavras saírem como um sussurro. — Eu estava esperando você chegar em casa verde para eu ter certeza de que foi intoxicação alimentar.

— Sinto muito. — Sorriu e tocou os lábios na testa dela de novo. Ela estava suada, mas ele achava que não estava com febre. — Acho que você deve estar com alguma dessas viroses.

Se ela não estivesse tão fraca, teria ficado ofendida.

— Nunca peguei essas viroses.

— Você nunca pega nada — comentou. — Mas, quando pega, pega de jeito. — Lembrou-se da catapora, a única doença da infância a qual ela sucumbiu. Isso e o enjoo a bordo do Yankee Princess foram as únicas vezes que ele se lembrava de vê-la doente. Até agora.

— Só preciso descansar um pouco mais. Vou ficar bem.

— Roxanne. — Luke largou o pano e pegou o rosto dela em suas mãos. — Você não vai.

Ela arregalou os olhos. Tentou sentar-se, mas ele a segurou com um leve movimento.

— É claro que eu vou. Em primeiro lugar, esse plano todo começou com uma ideia minha. Não vou perder a recompensa porque comi uma panqueca estragada.

— Não foram as panquecas — corrigiu. — Mas não importa a causa, você está doente.

— Não estou, não. Só estou um pouco enjoada.

— Você não está em forma para fazer esse serviço.

— Estou em perfeita forma.

— Ok, vamos fazer um acordo. — Recostou, fitando-a. — Você se levanta agora, vai andando até a sala e volta sem cair de cara no chão; se conseguir, prosseguimos com nosso plano. Se não conseguir, eu vou sozinho.

Como era um desafio, tornou-se irresistível.

— Tudo bem. Vá.

Quando ele se levantou, ela trincou os dentes e colocou as pernas para fora da cama. Sua cabeça girava, e um suor frio escorria pela sua nuca, mas ela conseguiu ficar de pé.

— Sem se segurar — acrescentou Luke quando ela se apoiou na parede.

Isso a fez congelar no lugar. Endireitou-se, andou rapidamente até a sala. E se jogou em uma poltrona.

— Só preciso de um minuto.

— Nada feito. — Ele agachou na frente dela. — Roxanne, você sabe que não vai conseguir.

— Poderíamos adiar... — Ela parou, balançando a cabeça. — Não, isso seria uma estupidez. Estou sendo burra. — Fraca e frustrada, deixou a cabeça cair para trás. — Detesto ter de perder esse, Callahan.

— Eu sei. — Pegou-a no colo para levá-la de volta para o quarto. —Acho que às vezes as coisas não acontecem exatamente como queríamos. Achava que não era hora de mencionar que seus planos também mudaram. Transformar a noite de triunfo deles em uma noite romântica, pedindo-a em casamento, lhe parecera uma ideia inspirada. Agora teria de esperar.

— Você não conhece o sistema de segurança tão bem quanto eu.

— Nós vimos isso centenas de vezes — lembrou ele, insultado. — Não será a minha primeira vez.

— Vai demorar mais tempo.

— Sam e Justine estão em Washington. Terei tempo.

— Leve o Mouse. — Um medo repentino fez com que ela agarrasse a mão dele. — Não vá sozinho.

— Rox, relaxe. Eu poderia fazer isso de olhos fechados. Você sabe disso.

— Não parece bom.

— Você é que não está boa — corrigiu. — Quero que descanse um pouco. Vou ligar para Lily vir ficar com você. Vai ficar tudo bem, meu amor. —Então, beijou-a carinhosamente. — Estarei de volta antes do amanhecer.

— Callahan. — Segurou-o com mais força quando ele se afastou. Essa relutância em deixá-lo ir era uma tolice, ela sabia. — Eu amo você.

Ele sorriu e se abaixou para beijá-la de novo, o beijo doce e leve de um homem que sabia que logo teria tempo para mais.

— Eu também amo você.

— Merda pra você. — Suspirou e o deixou ir.

 

LUKE AMAVA voar. Desde a primeira vez que entrou em um cockpit para sua primeira aula com Mouse, ficara apaixonado. Não era uma questão de aprender uma habilidade prática que seria útil nas suas duas carreiras. Desde o começo, fora pelo mais puro prazer.

O avião que pilotava estava no nome de um John Carroll Brakeman, um executivo do setor de seguros que não existia. Para completar o disfarce, Luke acrescentara uma barba bem-aparada, um terno risca de giz de três peças — com centímetros de enchimento por dentro. Seus cabelos pretos ganharam alguns fios grisalhos nas têmporas.

Quando aterrissou no Tennessee, fez o registro, verificou o plano voo de volta e carregou sua pasta com monograma para a linda Mercedez 450 que alugara. Seguiu para o Hilton, onde fez o check-in na suíte que reservara e deixou ordens para não ser perturbado.

Quinze minutos depois, sem a barba, o enchimento e as têmporas grisalhas, desceu correndo a escada para a garagem. O sedan escuro que ele alugara com outro nome estava esperando. Como era mais seguro do que pegar as chaves na recepção, Luke arrombou a fechadura e fez uma ligação direta para dar vida ao motor e saiu dirigindo serenamente.

Quando terminasse o trabalho, devolveria o sedan para a garagem e voltaria para sua suíte. Vestiria o disfarce de novo e faria o check-out. Aproximadamente meio milhão de dólares mais rico, voaria de volta para Nova Orleans. Ninguém poderia ligá-lo ao disfarce nem ao assalto.

Um caminho cheio de desvios, talvez, mas, como Max gostava de dizer, um caminho com desvios ainda o leva aonde quer chegar.

A duas quadras da casa de Sam, Luke estacionou o sedan escuro indefinido em uma rua margeada por árvores. Nesse paraíso suburbano, todo os jardins eram bem-cuidados, os cachorros bem-comportados e as casas respeitavelmente escuras à uma da madrugada.

Os postes criavam poças de luz que ele evitava. Vestido de preto da cabeça aos pés, andava pelas sombras. Havia uma leve neblina que poderia lhe causar problemas no aeroporto. Mas sentia como se a névoa tivesse sido feita sob encomenda para ele. Havia uma meia lua, mas sua luz estava escondida atrás de nuvens que se moviam e o ar tinha o cheiro doce da primavera.

Deu uma volta na propriedade de Sam, uma grande casa de tijolos, com dois andares e colunas brancas que pareciam ossos sob a luz fraca. Não havia nenhum carro na garagem. As luzes de segurança piscavam como espadas sobre o gramado, atingindo um canteiro de narcisos dourados e as folhas levemente curvadas de árvores que ainda não estavam totalmente verdes. Estava quase com pena de Sam estar em Washington. Acrescentaria um toque apimentado à doce satisfação de roubar e levar o que queria enquanto seu velho inimigo dormia.

Uma alta cerca de segurança guardava três lados da casa, e antigas árvores folhosas protegiam toda a frente. Luke usou ambos como abrigo enquanto se aproximava.

Sentiu muita falta de Roxanne quando começou a trabalhar no sistema de segurança. Os novos sistemas computadorizados o irritavam, insultavam sua criatividade. Achava que os números e complexas sequências atraíam a mente lógica de Roxanne, mas na opinião de Luke transformavam a arte do roubo em uma tediosa contabilidade.

Mesmo com as instruções dela bem frescas em sua memória, levou o dobro do tempo que ela levaria para acessar o código. Mas ela não precisava saber.

Satisfeito, preferiu entrar pelos fundos e habilmente abriu a tranca. Preferia esse método ao arrombamento, que qualquer ladrão de segunda conseguia realizar, e certamente considerava muito superior a quebrar um painel de vidro, que não exigia habilidade nenhuma.

Luke entrou em uma sala de estar elegante que cheirava a limão e glicínia. Sentiu a velha excitação subindo pela espinha. Havia algo indescritivelmente excitante em estar em uma casa vazia e escura, cercado pelas formas e sombras dos pertences de outra pessoa. Era como descobrir seus segredos.

Luke saiu em silêncio da sala, virando à esquerda no corredor que levava ao escritório de Sam. Seus dedos já estavam coçando dentro das finas luvas cirúrgicas para girar o disco do cofre.

Não precisava de luz. Seus olhos tiveram tempo para se adaptar, e ele conhecia a área da casa dos Wyatt muito melhor do que os donos.

Uma casa vazia possuía um tipo de silêncio de que Luke sempre gostara. Era como se fosse uma música baixinha e misteriosamente agradável que tomava o ar quando não havia ninguém ali para respirá-lo.

Entrou no escritório de Sam antes de perceber que a música não estava presente. Então, a luz se acendeu, cegando-o.

— Bem, Luke, chegou bem na hora. — Sam recostou na sua cadeira, fazendo o couro estalar. — Eu estava esperando por você. Por favor. — Fez um gesto, e a luz refletiu no cromo da .32 que ele segurava. — Quer me acompanhar em um drinque?

Luke analisou o sorriso de Sam, olhou para a superfície lisa da mesa onde dois conhaques esperavam. Imaginava que fosse Napoleon, mas duvidava que o sabor fosse conseguir apagar o gosto oleoso que tomara conta de sua boca.

— Há quanto tempo você sabe?

— Há muitos meses. — Com a arma apontada para o peito de Luke, inclinou-se para a frente para pegar o copo. — Tenho vergonha de dizer que não suspeitava de nada antes. Todo esses tempo, acreditei que o estilo de vida extravagante dos Nouvelle vinha de algum tipo de chantagem ou trapaça. Sente-se — convidou. — Uma pena você ter vindo sozinho.

— Eu trabalho sozinho — disse Luke, torcendo para conseguir salvar pelo menos essa parte.

— Você sempre foi pateticamente nobre. Sente — repetiu, e sua voz era tão fria quanto o cromo da arma. Avaliando que o melhor seria jogar o jogo de Sam, sentou-se. — O conhaque está excelente. — Sam deixou seu copo de lado para pegar o telefone. — Não se preocupe — disse quando notou o brilho nos olhos desconfiados de Luke. — Não vou telefonar para a polícia. Acho que não vamos precisar disso. — Apertou vários botões e esperou. — Ele está aqui. Sim. Use a porta dos fundos. — Estava sorrindo quando desligou o telefone. — Uma surpresinha. Agora, do que podemos conversar enquanto esperamos?

— Você pode fazer uma queixa de arrombamento — disse Luke calmamente. — Talvez de tentativa de roubo. Mas posso atribuir todas a uma brincadeira. Erro de cálculo, eu diria, ao tentar pregar uma peça a um rival de infância.

Sam fez uma pausa como se refletindo.

— Duvido que isso funcionasse, principalmente depois que eu mostrasse o padrão. Um padrão que eu admito só ter percebido recentemente. Seu filho da puta — disse com o sorriso ainda no rosto. — Seus cretinos hipócritas, todos vocês, fazendo-se de ultrajados porque eu roubei meia dúzia de lojas enquanto vocês não passavam de um insignificante bando de ladrões e vigaristas.

— Insignificante, não — corrigiu Luke, e decidiu experimentar o conhaque, afinal. — E nunca vigaristas. O que você quer?

— O que eu sempre quis. Fazer você pagar. Eu odiei você desde o primeiro momento. Deixe suas mãos onde eu possa ver — avisou. Luke deu de ombros e deu um gole no conhaque. — Eu não sabia precisamente por quê, só que eu odiava. Mas acho que era porque somos muito parecidos.

Agora Luke sorriu.

— Você está com uma arma apontada para mim, Wyatt. Pode me matar ou me mandar para a prisão. Mas não me insulte.

— Sempre frio, e ainda assim impulsivo. Era uma combinação que eu poderia admirar se você não se sentisse tão desagradavelmente superior. Você tinha os Nouvelle na palma da sua mão. Ah, mesmo naquela época, eu via o potencial disso, mas você estava no caminho.

— Encare, Sam. — Talvez, pudesse irritá-lo a ponto de fazê-lo cometer um erro. — Você fodeu com tudo.

Os olhos de Sam brilharam, mas a arma nem se mexeu.

— O que eu fodi foi com a sua namorada. E eu afastei Roxanne de você. Acredite em mim, se eu tivesse percebido o potencial ali, eu teria fodido com ela e não com a... qual era o nome? Anabelle.

A fúria tomou conta. Luke precisou se segurar nos braços da cadeira para permanecer sentado.

— Eu deveria ter quebrado mais do que o seu nariz.

— Nisso, pela primeira vez, você está certo. Você devia ter me destruído, Callahan, porque agora eu é que vou destruir você. Entre, sr. Cobb.

Desta vez, Luke ficou de pé. Conhaque respingou pela sua mão enluvada. Ali, na porta, estava seu mais antigo pesadelo.

— Acho que vocês dois se conhecem — continuou Sam. Ah, isso era impagável, pensou. Magnífico. O que mais poderia pedir do que ver o rosto de Luke ficar pálido? Muito mais, decidiu, rindo baixinho. Muito mais. — Você não deve estar ciente de que o sr. Cobb trabalha para mim há um tempo. Sirva-se no bar enquanto eu explico alguns pontos para nosso amigo em comum.

— Pode deixar. — Cobb foi direto para o decanter de uísque e se serviu um duplo. Gostava da ideia de tomar um drinque com um homem do calibre de Wyatt e de ser convidado, depois de todo esse tempo, para a casa dele. — Parece que ele pegou você de jeito, Luke.

— Disse tudo. Agora que estamos todos reunidos, vou explicar o acordo. — Era perfeito, tão perfeito que Sam mal conseguia evitar que a voz tremesse de excitação. — Foi minha ideia colocar o sr. Cobb em contato com você e extorquir alguns milhares de dólares todos os meses. Imagine a minha surpresa por você ter pagado facilmente e sem reclamar, mesmo quando dei permissão a ele para aumentar as quantias. Agora, eu me perguntava como um homem, mesmo com certo sucesso financeiro, consegue pagar uma chantagem de mais de cem mil por ano sem alterar em nada seu estilo de vida? — Esperando um pouco, Sam bateu com os dedos nos lábios. — Não consegue, claro, a não ser que tenha outra fonte de renda. Então, comecei a investigar você. Ainda tenho os meus contatos, sabe. Aí, eu joguei a isca e esperei você morder. Minha companhia de seguros, meu sistema de segurança, minha agenda. Não foi difícil fazer parecer que eu estaria em Washington esta semana.

A primeira onda de enjoo fez o suor frio brotar na nuca de Luke.

— Você abriu a porta da jaula — conseguiu dizer. — Isso não quer dizer que vou deixar que me tranque lá dentro.

— Tenho consciência disso. Entendo que com um bom advogado você até consiga escapar da acusação. E como você veio sozinho, seria difícil, se não impossível, jogar a culpa nos Nouvelle. Eu poderia simplesmente matar você. — Com os lábios apertados, levantou a arma, apontando para a testa de Luke. — Mas aí, você estaria apenas morto.

— Não mate a galinha dos ovos de ouro — disse Cobb e riu da própria esperteza.

— Certamente não, ainda mais se podemos assá-la bem devagar.

— E fazê-la continuar pagando também. — Cobb se serviu de mais uísque.

— Verdade, mas não da forma que você está pensando. - Sam sorriu para Cobb e puxou o gatilho.

O som da bala explodiu no pequeno cômodo. Luke o sentiu ecoando através dele como se ele fosse um túnel oco. Confuso, assistiu Cobb cambalear, viu a expressão de surpresa em seu rosto e o sangue fluir pelo buraco perfeito que de repente se abriu na testa dele.

O copo de uísque bateu no tapete primeiro, rolou sem quebrar pelo colorido carpete turco. E Cobb caiu como uma árvore.

— Isso foi mais fácil do que imaginei. — A mão de Sam tremeu uma vez, mas foi de excitação, não de nervoso. — Muito mais fácil.

— Meu Deus. — Luke tentou ficar de pé rápido, mas percebeu que suas pernas estavam bambas. Então se levantou devagar, como um homem que vai abrindo caminho pela água. A sala girava como um carrossel e o tapete colorido e ensanguentado parecia voar para lhe encontrar.

 

QUANDO ELE acordou, sua cabeça parecia pesada. Os tímpanos vibrando dentro dela eram abafados por bolas de algodão.

— É óbvio que você é forte. — A voz de Sam parecia atravessar uma névoa. — Achei que você fosse ficar apagado mais tempo.

— O quê? — Cambaleante, Luke conseguiu ficar de quatro. Precisou lutar contra uma onda de náusea antes de ousar levantar a cabeça. Quando conseguiu, viu o rosto branco e morto de Cobb. — Ah, Deus. — Levantando uma das mãos, enxugou o suor do rosto. Estava tonto e enjoado, mas consciente o bastante para perceber que não estava mais usando as luvas.

— Não tem nenhuma gratidão? — perguntou Sam. Sentou-se atrás da mesa de novo, mas, quando Luke conseguiu olhar direito, viu que agora ele segurava uma arma diferente. — Afinal, o homem infernizou a sua vida, não foi? Agora ele está morto.

— Você nem pestanejou. — Sam, a arma, a sala, tudo balançava enquanto Luke tentava clarear a cabeça. — Você atirou nele a sangue-frio e nem pestanejou.

— Obrigado. Lembre-se, posso fazer o mesmo com você ou com Max ou Lily. Ou Roxanne.

Não imploraria, não de quatro. Com dificuldade Luke se colocou de pé. Suas pernas estavam bambas para acrescentar humilhação ao terror.

— O que você quer?

— Exatamente o que vou conseguir. Posso ligar para a polícia agora dizer a eles que você e Cobb arrombaram a minha casa enquanto eu estava trabalhando no meu escritório. Eu os surpreendi, você puxou uma arma. Depois, vocês dois discutiram e você atirou nele. Durante a confusão, consegui pegar a minha arma. A propósito, esta é a minha arma.

Ele sacudiu uma .25. Queria puxar o gatilho, queria muito puxar e sentir a onda de poder de novo. Mas seria rápido demais. Rápido demais, definitivo demais.

— A outra não está registrada, impossível de ser rastreada, exceto pelo fato de que ela agora está com as suas impressões digitais. Você será acusado de assassinato, e, por causa da sua conexão com Cobb, duvido que vá conseguir se safar.

Abriu um sorriso enorme. Um homem fascinado pelo próprio brilhantismo.

— Esse é nosso primeiro cenário — continuou. — Que funcionaria bem, acredito. Mas não gosto dele tanto quanto do segundo, já que me envolve. No segundo cenário, você pega o corpo e se livra dele. Depois, você vai embora.

— Vou embora? — Lutando para ficar lúcido, Luke passou a mão pelos cabelos. — Só isso?

— Exatamente. Só que você não volta para Nova Orleans. Você não entra em contato com os Nouvelle. Você, literalmente, desaparece. — O sorriso espalhado pelo rosto de Sam explodiu em uma gargalhada selvagem. — Abracadabra. — O som era como dedos frios apertando a espinha de Luke.

— Você enlouqueceu.

— Você acha isso, não acha? — perguntou Sam, e seus olhos brilhavam. — Você quer pensar assim porque eu derrotei você, finalmente derrotei você.

— Tudo isso? — A voz de Luke ainda estava arrastada por causa da droga. Falava lenta e cuidadosamente, como se para se certificar de que ele próprio compreendia as palavras. — Você planejou tudo isso, matou Cobb, só para se vingar de mim?

 — Você acha isso irracional? — Sam recostou na cadeira, girando-a de um lado para o outro. — Talvez eu também pensasse assim se estivesse no seu lugar. — Foi para a frente de novo e sentiu prazer ao ver Luke se retrair.

Mas, veja você, eu não acho. Eu estou no comando. E você fará exatamente o que eu disser. Se não fizer, mandarei prender você por assassinato e providenciarei para que Maximillian Nouvelle seja investigado por roubo, a não ser que eu ache mais divertido matar você.

— Ele tirou você da rua.

— E me jogou de volta para a rua. — O sorriso no rosto de Sam se transformou em uma careta de nojo. — Não espere lealdade de mim, Callahan, principalmente se não quiser colocar o seu na reta.

— Por que você simplesmente não me mata?

— Prefiro a ideia de você trabalhando em alguma cidadezinha no quinto dos infernos, tendo sonhos eróticos com Roxanne e os homens que ela vai arranjar, ver você perder essa pose que tem há todos esses anos. Quero ver você escapar dessa, Callahan. Ou você faz isso, ou os Nouvelle pagam pelo resto da vida deles. E não pense que você pode ir embora agora e reaparecer daqui a algumas semanas. Você pode conseguir se soltar do nó, mas aí eu o coloco no pescoço de Max, juro isso para você. Tenho todas as provas de que preciso para acabar com ele guardadas em um cofre que você nunca terá a oportunidade de abrir.

— Ninguém acreditaria em você.

— Não? Um dedicado servidor público com um passado limpo? Um homem que conseguiu sair do inferno das ruas sozinho? Que, apesar de ter uma certa lealdade com o velho, não pode mais esconder os fatos? E que, reconhecendo os sinais de senilidade, imploraria para que ele fosse preso em uma instituição psiquiátrica em vez da prisão?

Isso transformou o medo em gelo, uma lança de gelo pontiaguda e afiada que ameaça tirar sangue.

— Ninguém vai fazer nada com Max.

— Isso depende de você. Só de você, Callahan.

— Você está com o martelo nas mãos. — Sentiu sua vida escorrer por entre seus dedos como areia. — Vou desaparecer, Wyatt. Mas você nunca vai saber quando eu vou voltar. Uma noite, eu voltarei.

— Leve seu amigo com você, Callahan. — Apontou para Cobb. —E pense em mim todos os dias quando estiver no inferno.

 

LUKE SABIA que era um risco tolo, mas os riscos não pareciam mais importar. Deixou o segundo carro alugado na garagem do hotel e, usando o elevador principal no saguão, subiu para seu quarto. Uma vez ali dentro, tirou uma garrafa de Jack Daniers de uma sacola de papel, colocou em cima da cômoda e ficou encarando-a.

Encarou-a por um longo tempo antes de abrir o lacre. Virou a garrafa dando três goles longos para deixar o fogo queimar a sua infelicidade.

Não funcionou. Ele já tinha aprendido com exemplos da sua infância que a bebida não apagava as tristezas; pelo contrário, só aumentava. Mas tinha valido a tentativa.

Ainda podia sentir o cheiro de Cobb. O suor, o sangue e o fedor da morte estavam grudados na sua pele. Fora um trabalho repugnante carregar o corpo e afundá-lo no rio.

Sempre quisera vê-lo morto. Deus sabia que queria vê-lo morto. Mas não sabia o que uma morte violenta, repentina e cruel podia fazer.

Luke nunca se esqueceria de como Sam disparou a arma — de forma tão casual, como se tirar uma vida fosse um evento tão simples quanto passar uma noite jogando cartas. Não fizera isso movido pelo ódio ou para ter algum lucro ou em um rompante de paixão. Fizera sem pensar, como uma criança que derruba uma torre feita com blocos de montar. Só porque Cobb teria mais utilidade para ele morto do que vivo.

Controle, pensou Luke, deitando na cama como um velho. Durante todos esses anos, achara que estava no controle. Mas isso era uma mentira. Todo o tempo, tinha alguém por trás das cenas, puxando os pauzinhos e zombando da vida que ele achava que conseguira construir e do que achava. que ainda faria dela.

Tudo isso por causa de uma inveja doentia e de um ressentimento e exacerbado devido a um nariz quebrado. Qualquer um que estivesse naquele escritório de couro é carvalho naquela noite teria visto que Sam era mais do que ambicioso, mais do que cruel. Ele era louco. Mas havia apenas uma pessoa ainda viva que vira isso.

O que poderia fazer? Luke esfregou a mão nos olhos como se quisesse apagar a imagem do que acontecera para que pudesse ver claramente o que tinha de ser.

Invadira uma propriedade particular. Se a polícia soubesse onde procurar encontraria o rastro, que levaria diretamente para os Nouvelle. Se Luke procurasse a polícia com uma confusa história de chantagem e assassinato, em quem eles acreditariam? No ladrão ou no cidadão honesto?

Poderia arriscar isso. Embora não soubesse se conseguiria enfrentar a prisão sem enlouquecer, poderia arriscar isso também. Mas havia uma chance de Sam cumprir suas outras ameaças. Max em um hospital psiquiátrico, Lily arrasada, Roxanne arruinada. Ou talvez Sam pudesse achar que o assassinato se encaixava melhor nos seus planos e resolvesse matá-los — matá-los com a arma que tinha as impressões digitais de Luke.

Aquele pensamento fez o pânico borbulhar dentro dele. Então agarrou o telefone e discou os números. Os dedos dele seguravam com força. Ela atendeu no primeiro toque, como se estivesse esperando por ele.

— Alô... Alô? Tem alguém aí?

Podia vê-la, tão claramente como se tivesse feito um encantamento para que ela surgisse no quarto. Sentada na cama, o telefone no ouvido e um livro no colo, um filme antigo em preto e branco passando na televisão.

Então a imagem apagou, desfez-se como fumaça, porque sabia que nunca mais a veria daquela forma de novo.

— Alô? Luke, é você? Alguma coisa...

Ele desligou o telefone devagar, em silêncio.

Fizera a sua escolha. Responder a ela, contar a ela seria uma forma de prendê-la a ele e vê-la sofrer. Deixá-la sem dizer nenhuma palavra, sem nenhum sinal, significaria que ela passaria a odiá-lo e estaria segura.

Como um homem que já está bêbado, ele se levantou, pegou a garrafa e trouxe para a cama. Não aliviaria suas tristezas, mas o ajudaria a dormir.

 

DE MANHÃ, depois de tomar banho e se disfarçar, fez o check-out do hotel e seguiu para o aeroporto. Queria viver. Talvez só para se certificar, mesmo a distância, de que Sam estava deixando os Nouvelle em paz. E talvez para esperar a sua hora, para aguardar, para observar e planejar uma vingança à altura.

Ainda assim, não tinha um plano de voo. Nenhum destino. Embora amasse voar, sua vida agora estava tão vazia quanto a garrafa que deixara no quarto do hotel.

 

— ELE JÁ devia estar aqui há horas. — Esfregando as palmas das mãos suadas uma na outra, Roxanne andava de um lado para o outro na sala de ensaio do pai. — Alguma coisa deu errado. Ele nunca devia ter ido sozinho.

— Não é o primeiro serviço dele, querida. — Max levantou uma caixa colorida e revelou o rosto sorridente de Mouse separado do corpo. — Ele sabe o que está fazendo.

— Ele não fez o check-in.

— Isso não é um posto de pesagem. — Quando Max pressionou o botão do controle remoto em sua manga, a cabeça soltou um longo gemido. Outro botão, e os olhos giraram para a direita e para a esquerda, a boca se moveu. — Excelente. Excelente. Perfeito, não acha?

— Papai. — Para conseguir a atenção total dele, Roxanne enfiou a caixa de volta ao redor da cabeça. — Luke está em apuros. Eu sei disso.

— Como você sabe? — Desligou o aparelho com o controle remoto.

— Porque ninguém teve notícias dele desde que ele saiu daqui ontem à noite. Porque ele deveria ter chegado às seis horas da manhã e já é quase meio-dia. Porque, quando eu liguei para o aeroporto e perguntei sobre John Carroll Brakeman, eles disseram que ele deixou o plano de voo, mas não apareceu.

— Razões óbvias. Assim como é óbvio que a cabeça ainda está dentro da caixa. — Com uma exibição do seu antigo talento, Max levantou a caixa da mesa. A cabeça desaparecera, deixando no lugar um lindo gerânio. —Eu não criei você para aceitar o óbvio.

— Isso não é um truque de mágica, droga. — Ela se virou. Como ele podia fazer brincadeiras enquanto Luke estava desaparecido? Max colocou a mão no ombro dela e ela enrijeceu.

— Ele é um garoto brilhante, habilidoso, Roxy. Eu soube disso na primeira vez que o vi. Ele vai voltar logo.

Ela devolveu as palavras para ele.

— Como você sabe?

— Está nas cartas. — Para distraí-la e diverti-la, ele tirou um baralho do bolso, abrindo as cartas em forma de leque. Mas os dedos enrijecidos dele não permitiram que abanasse. Para Max, parecia que as cartas tinham ganhado vida para pular de suas mãos se esparramarem. Observou com olhos arregalados de horror quando elas escapuliram de suas mãos.

 

Roxanne sentiu o coração dele se partir, assim como sentia o seu próprio. Agachou-se para juntar as cartas e se apressou para preencher o terrível silêncio.

— Sei que o Luke às vezes não segue o combinado, mas não dessa forma. — Ela amaldiçoou as cartas, amaldiçoou a idade, amaldiçoou a sua própria incapacidade de preencher esse buraco. — Você acha que eu devo ir procurá-lo?

Ele continuava fitando o chão, embora as cartas não estivessem mais ali, e sim escondidas nas costas de Roxanne. Em um momento, você as vê, no seguinte, não. Mas Max tinha uma fórmula mágica melhor. Simplesmente parou de lutar para manter a mente ali. Quando levantou o olhar para a filha, havia ali um sorriso gentil, agradável, de partir o coração.

— Se procurarmos com atenção suficiente, por tempo suficiente, sempre encontramos o que precisamos. Você sabia que muitas pessoas acreditam que existe mais do que uma pedra filosofal? Mas eles caíram na armadilha do óbvio.

— Papai. — Roxanne estendeu a mão vazia, mas Max balançou a cabeça, a quilômetros da filha que estava parada na sua frente, observando-o com lágrimas nos olhos.

Abruptamente, ele arremessou um livro com força suficiente para fazer Roxanne pular. Não havia nenhum sorriso nos olhos dele agora, mas havia paixão e havia desespero.

— Eu quase consegui localizá-la agora. — Ele levantou um maço de anotações, sacudindo-o. — Quando eu conseguir, quando eu finalmente tiver a pedra... — Gentilmente, colocou os papéis sobre a mesa de novo, passando os dedos doloridos sobre eles. — Bem, a mágica estará ali, não estará?

— Sim, estará. — Ela se aproximou dele e o abraçou, encostando seu rosto no dele. — Por que você não sobe comigo, pai?

— Não, não, vá na frente. Tenho trabalho para fazer. — Sentou-se para se aprofundar nos antigos livros com antigos segredos. — Diga a Luke para ligar para Lester — disse, sem pensar. — Quero ter certeza de que o novo equipamento de iluminação está funcionando bem.

Ela abriu a boca para lembrar a Max que o antigo gerente do Porta Mágica tinha se aposentado e mudado para Las Vegas três anos antes. Em vez disso, pressionou um lábio no outro com força e assentiu.

— Tudo bem, papai.

Ela subiu a escada e foi procurar Lily.

Roxanne a encontrou no quintal, jogando farelos de pão para os pombos.

— LeClerc fica furioso comigo por fazer isso. — Lily jogou a mão cheias de farelos para o alto e riu enquanto os pombos batiam uns nos outros para pegá-los. — Os pombos se espalham por todo canto. Mas eles são tão doces, a forma como viram a cabecinha e olham para a gente com aqueles olhinhos pretos.

— Lily, qual é o problema do papai?

— Problema? — A mão de Lily congelou dentro do saco plástico. - Ele se machucou? — Virou-se e teria morrido por dentro se Roxanne não impedisse, respondendo.

— Não, ele não se machucou. Ele está na sala de ensaio com os livros dele.

— Ah. — O alivio era palpável quando Lily colocou a mão no coração. Duvidava que a pulsação de um pombo pudesse ser mais rápida. — Você me assustou.

— Eu estou assustada. — Roxanne disse calmamente, impedindo que. Lily conseguisse abrir o sorriso que estava tentando. — Ele está doente, não está?

Por um momento, não disse nada. Então, seus olhos azul-claros se perderam em um brilho distante e impotente. Ficaram fixos.

— Acho que devemos conversar. — Lily passou um braço pela cintura de Roxanne. — Vamos nos sentar.

Assumindo o controle, ela levou Roxanne até um banco de ferro embaixo da sombra de um carvalho. As águas da pequena fonte tilintavam felizes, como um riacho em seu leito.

— Querida, me dê um minuto. — Sentou-se, segurando as mãos de Roxanne com uma de suas mãos, enquanto continuava jogando farelos para os pombos com a outra. — Adoro essa época do ano — murmurou. — Não está aquele calor que sempre me incomoda, mas a primavera, o início da primavera é mágico. Os narcisos e jacintos estão florescendo, os caules das tulipas estão saindo. Tem um ninho nesta árvore. — Olhou para cima, mas seu sorriso era melancólico, um pouco perdido. — É a mesma coisa todos os anos. Eles sempre voltam. Os passarinhos, as flores. Posso me sentar aqui e observar e saber que algumas coisas são para sempre.

Pombos arrulhavam em volta dos pés dela. Longe dos portões do quintal, podiam ouvir o som constante do tráfego. O sol estava gostoso hoje, abrandado por uma brisa que sussurrava entre as folhas. Em algum lugar perto dali no French Quarter, um flautista tocava uma velha canção irlandesa, "Danny Boy". Roxanne reconheceu e estremeceu, sabendo que era uma canção sobre morte e perda.

— Eu o obriguei a ir a um médico. — Lily acariciava a mão de Roxanne, tranquilizando-a enquanto tranquilizava a si mesma. — Max nunca consegue negar nada para mim quando insisto muito. Eles fizeram exames. Aí, precisei levá-lo de novo para fazerem mais exames. Ele não quis se internar para poder fazer tudo de uma vez. E eu... bem, eu não pressionei. Não queria que ele se internasse também.

Roxanne sentiu sua pulsação forte atrás dos olhos. Sua voz soava distante, não parecia a sua voz.

— Que tipo de exames?

— Todo tipo. Tantos que eu até me perdi. Eles o colocaram em máquinas, examinaram gráficos. Tiraram amostras de sangue e pediram que ele fizesse xixi em um frasco. Fizeram raios X. — Levantou os ombros, e os deixou cair. — Talvez tenha sido errado, Roxy, mas eu pedi que me contassem quando descobrissem. Não queria que eles contassem para Max se fosse algo ruim. Sei que você é filha dele, tem o mesmo sangue, mas eu...

— Você não fez nada errado, Lily. — Roxanne deitou a cabeça no ombro de Lily. — Você agiu certo. — Levou um minuto para ela juntar coragem para perguntar. — É alguma coisa ruim, não é? Você precisa me dizer, Lily.

— Ele vai continuar se esquecendo das coisas — disse Lily, e sua voz tremeu. — Alguns dias ele estará bem, em outros não conseguirá se concentrar em nada, mesmo tomando os remédios. É como um trem que sai dos trilhos. Eles disseram que o desenvolvimento é lento, mas que temos de nos preparar para um momento em que ele não se lembrará nem de nós. — Lágrimas escorriam silenciosamente pelo rosto dela e caíam nas mãos unidas das duas. — Ele pode ficar furioso, nos acusar de tentar machucá-lo, ou pode simplesmente fazer o que mandarmos sem questionar. Ele pode ir até a esquina comprar leite e se esquecer de como voltar para casa. Ele pode se esquecer de quem ele é, e, se eles não conseguirem controlar, um dia ele pode simplesmente se trancar dentro da própria mente em um lugar que nenhum de nós conseguirá entrar.

Roxanne se deu conta de que era pior. Muito pior do que a morte.

— Nós... nós vamos procurar um especialista.

— O médico indicou um. Eu liguei. Podemos levar Max no mês que vem para um consulta com ele. — Lily pegou um de seus inúteis lenços de renda para enxugar os olhos. — Enquanto isso, ele vai analisar todos os exames do Max. Eles chamam de Alzheimer, Roxy, e não tem cura.

— Então, nós vamos encontrar. Não vamos deixar isso acontecer a Max — Ficou de pé, e teria caído de joelhos se Lily não a tivesse amparado.

— Querida, o que houve? Eu não devia ter-lhe contado dessa forma.

— Não, eu só me levantei rápido demais. — Mas ainda estava tonta. Náusea embrulhava seu estômago.

— Você está tão pálida. Vamos entrar que vou preparar um chá para você.

— Estou bem — insistiu quando Lily a puxou para entrar em casa. - É só alguma virose estúpida. — No momento em que colocaram os pés na cozinha, o cheiro da sopa que LeClerc estava cozinhando fez com que a pele pálida dela ficasse verde.

— Droga — disse entre dentes trincados. — Não tenho tempo pra isso.

Ela correu para o banheiro com Lily logo atrás dela.

Quando acabou de vomitar, estava tão fraca que nem protestou quando Lily a levou para a cama e insistiu para que se deitasse.

— Toda essa preocupação — diagnosticou Lily.

— É uma virose. Roxanne fechou os olhos e rezou para que não tivesse mais nada para seu estômago rejeitar. — Achei que tivesse melhorado. Foi a mesma coisa que aconteceu ontem à tarde. De noite, eu estou bem. De manhã também.

— Bem. — Lily deu um tapinha na mão dela. — Se você me dissesse que passou mal duas manhãs seguidas, eu diria que estava grávida.

— Grávida! — Roxanne arregalou os olhos. Queria rir, mas isso não parecia nem um pouco engraçado.

— Acho que não. — Mas Lily estava pensando. — Você ficou mestruada, não ficou?

— Não deixei de ficar exatamente. — Roxanne sentiu a primeira onda de pânico e mais alguma coisa. Algo que não era nenhum tipo de medo, mas puro e simples prazer. — Mas está um pouco atrasada.

— Quanto tempo?

Roxanne segurou o lençol.

— Umas duas semanas. Ou três.

— Ah, querida! — A voz de Lily era puro deleite. Imagens de sapatinhos de bebê e talco começaram a dançar em sua cabeça. — Um bebê!

— Não se precipite. — Cautelosa, Roxanne passou a mão pela barriga. Se havia um bebê ali, significava que era um bebê travesso. Fez uma careta. Não podia esperar que o filho de Luke fosse um doce, podia?

— Existem testes de gravidez para que sejam feitos em casa. Você poderia descobrir logo. Luke vai ter uma surpresa.

— Nós nunca conversamos sobre isso. — O medo voltou. — Lily, nós nunca nem conversamos sobre crianças. Talvez ele não queira...

— Não seja boba, é claro que ele quer. Ele ama você. Agora, fique bem aqui. Vou descer e pegar leite para você.

— Chá — corrigiu Roxanne. — Acho que meu organismo talvez consiga segurar um pouco de chá... e umas duas bolachas.

— Nada de geleia ou picles? — Riu quando Roxanne gemeu. — Desculpe, querida. É que estou tão animada. Já volto.

Um bebê, pensou Roxanne. Por que nem tinha considerado a possibilidade de estar rávida? Ou tinha? Suspirou e se virou de lado com cuidado. Não estava tão surpresa assim com a possibilidade. E, embora achasse que tinha tomado o anticoncepcional direitinho, também não estava arrependida.

Um bebê dela e do Luke. O que ele diria? Como se sentiria?

A única forma de saber era encontrando-o.

Esticando o braço, puxou o telefone para a cama e discou.

Quando Lily voltou com chá, torrada seca e um pequeno botão de rosa, Roxanne estava deitada de costas de novo, fitando o teto.

— Ele foi embora, Lily.

— Humm? Quem?

- Luke foi embora. — Sentou-se. A náusea não tinha vez com as emoções que se misturavam dentro dela. — Liguei para o aeroporto. Ele decolou no Tennessee às nove e meia hoje de manhã.

— Nove e meia? — Lily colocou a bandeja em cima da cômoda. — Ora, já passou de meio-dia. Só leva uma hora mais ou menos para chegar a Nova Orleans.

— Ele não veio para Nova Orleans. Precisei brigar muito para descobrir o plano de voo dele, mas consegui.

— Como assim ele não veio para Nova Orleans? É claro que veio.

— México — sussurrou Roxanne. — Ele está indo para o México.

 

NA MANHÃ seguinte, Roxanne tinha certeza de duas coisas. Estava grávida, e de um homem que possivelmente desaparecera da face da Terra. Mas tudo que desaparecia podia voltar com algum encantamento. Ela não era a segunda geração de uma família de mágicos à toa.

Estava acabando de fechar a sua mala quando escutou uma batida. Seu primeiro pensamento, como o brilho de um relâmpago, foi Luke! Correu do quarto até a porta da frente.

— Onde você esteve... ah, Mouse.

— Sinto muito, Roxy. — Os grandes ombros dele caíram.

— Tudo bem. — Ela conseguiu sorrir. — Olhe, eu estava de saída.

— Eu sei. Lily me disse que você estava indo para o México procurar Luke. Eu vou com você.

— É muito gentil da sua parte, Mouse, mas já fiz os meus planos.

— Eu vou com você. — Ele podia ser lento, podia ser doce, mas também sabia ser teimoso. — Você não vai fazer toda essa viagem sozinha na sua... na sua condição — terminou, estourando. O rosto dele ficou vermelho.

— Lily já está tricotando sapatinhos? — Mas ela abrandou o sarcasmo dando tapinhas no braço dele. — Mouse, você não precisa se preocupar. Sei o que estou fazendo, e acho que o fato de estar carregando uma coisa do tamanho da cabeça de um alfinete não vai me atrapalhar.

— Eu vou cuidar de você. Luke ia querer que eu fizesse isso.

— Se Luke estivesse tão preocupado, ele não estaria no México — respondeu ela, e se arrependeu na mesma hora quando viu o rosto de Mouse se enrugar e cair. — Desculpe. Acho que a gravidez mexe com nossos hormônios e nos deixa irritadas. Já fiz as minhas reservas, Mouse.

Ele não ia desistir.

— Você pode cancelá-las. Eu levo você de avião.

.

Ela começou a protestar, depois desistiu. Talvez a companhia fosse lhe fazer bem.

 

FOI PARA o banheiro feminino no aeroporto de Cancún. Enquanto vomitava, ocorreu-lhe que podia marcar a hora que passava mal. Talvez o bebê tivesse herdado sua pontualidade.

Quando sentiu que podia se levantar de novo, juntou-se a um preocupado Mouse no minúsculo terminal banhado pela luz do sol.

— Estou bem — disse ela. — Só alguns dos sintomas de uma mulher grávida.

— Você vai passar mal durante os nove meses?

— Obrigada, Mouse — disse, fraca. — Era exatamente disso que eu precisava.

Passaram quase uma hora tentando conseguir informações sobre o avião de Luke na torre de controle. Sim, estava marcado para ele aterrissar naquele aeroporto. Não, ele não apareceu. Não fez contato pelo rádio nem pediu permissão para desviar. Ele simplesmente mudou de direção em algum lugar do Golfo.

Ou, como o simpático controlador de voo sugeriu, caiu no Golfo.

— Ele não sofreu nenhum acidente, droga. — Roxanne voltou para o avião. — Duvido que ele tenha sofrido um acidente.

— Ele é um bom piloto. — Mouse vinha atrás dela, dando tapinhas em seu ombro e na sua cabeça. — E eu mesmo verifiquei o avião antes de ele decolar.

— Ele não sofreu um acidente — repetiu ela. Desenrolando um dos mapas de Mouse, começou a estudar a geografia do lado mexicano do Golfo. — Para onde ele iria, Mouse? Se ele decidisse evitar Cancún?

— Seria mais fácil adivinhar se eu soubesse o motivo.

— Nós não sabemos o motivo. — Esfregou a garrafa gelada de Coca-Cola que Mouse comprara na testa suada. — Podemos especular... talvez ele quisesse encobrir seus rastros. Não podemos ligar para Sam e perguntar se as safiras da esposa dele foram roubadas. Não saiu nada nos noticiários sobre o roubo, mas é comum demorarem um pouco. Se ele teve algum problema no Tennessee, pode ter decidido, por razões egoístas e idiotas, ir para o oeste para John Carros Brakeman desaparecer.

— Mas por que ele não fez o check-in?

— Não sei. — Ela queria gritar, mas manteve o tom de voz. — Essas ilhas aqui. Algumas delas têm pistas de decolagem. Algumas oficiais, outras não tão oficiais. Para contrabando.

— Claro.

— Ok. — Entregou o mapa para Mouse. — Vamos verificar.

 

ELES PASSARAM três dias procurando pela península de Iucatã. Espalharam a descrição de Luke por todo o litoral, dando dinheiro para as mãos gananciosas e seguindo pistas falsas.

As crises de náusea de Roxanne deixavam Mouse nervoso, desejando que Lily estivesse ali. Se ele se preocupava ou tentava paparicá-la, ela reagia como um terrier. Por outro lado, os acessos de raiva dela o tranquilizaram. Tinha plena consciência de que, se ela tivesse a chance, se embrenharia na selva sozinha, armada apenas com um cantil e sua força de vontade. Até que localizassem Luke, Mouse considerava Roxanne sua responsabilidade. Quando ela estava pálida demais ou corada demais, ele a forçava a parar e descansar, aguentando os ataques dela da mesma forma que uma árvore aguenta um pica-pau — em silêncio e com dignidade.

A rotina ficou tão previsível que os dois começaram a achar que passariam o resto de suas vidas ali.

Então, encontraram o avião.

Custou a Roxanne mil dólares americanos para uma conversa de dez minutos com um empresário mexicano de um olho só que administrava seus negócios de uma cabana na selva maia perto de Mérida.

Ele aparava as unhas com um canivete enquanto uma mulher desconfiada, com pés sujos, fritava tortilhas.

— Ele disse querer vender, eu querer comprar. — Juarez serviu tequila em um copo minúsculo, depois, generosamente, ofereceu a Roxanne.

— Não, obrigada. Quando você comprou o avião?

— Dois dias atrás. Paguei bom preço. — Ele não roubara o avião, e a satisfação disso fez com que Juarez cobrasse caro para a setiorita. — Ele precisava dinheiro, eu dar dinheiro.

— Para onde ele foi?

— Eu não faz perguntas.

Ela queria xingar, mas, notando o nervosismo da mulher no fogão, achou melhor usar a diplomacia. O sorriso dela foi cheio de admiração.

— Mas você saberia se ele ainda estivesse na área. Um homem como você, com seus contatos, saberia.

— Si. — Apreciou o fato de ela mostrar respeito. — Ele ir embora. Ele acampar na selva uma noite, depois puf. — Juarez estalou os dedos. — Sumir. Ele move rápido. Se ele saber que mulher tão bonita quer ele, ir mais devagar.

Roxanne se afastou da mesa. Luke sabia que ela viria atrás dele, pensou, exausta. Ainda assim, estava fugindo.

— Você se importaria se eu olhasse o avião?

— Olhar? — Juarez fez um gesto, mas algo nos olhos dele fez com que desistisse de pedir mais dinheiro pelo privilégio. — Mas você não vai encontrar ele.

Ela não encontrou nada dele, nem as cinzas de seu charuto. Não havia nenhum vestígio de que Luke algum dia se sentara naquele cockpit ou segurado aquele volante ou analisado as estrelas através daquele vidro.

— Podemos tentar ir para o norte — disse Mouse quando Roxanne se sentou no banco do piloto e fitou o nada. — Ou para o continente. — Ele estava tateando, desconfortável como olhar perdido no rosto dela. — Talvez ele tenha ido mais para o interior.

— Não. — Ela só balançou a cabeça. Apesar do calor que batia no teto do avião, estava fria demais para lágrimas. — Ele deixou o recado dele bem aqui.

Confuso, Mouse olhou em volta do cockpit.

— Mas, Roxy, não tem nada aqui.

— Eu sei. — Ela fechou os olhos, deixou a tristeza tomar conta dela de forma que a esperança fosse embora. Quando abriu de novo, eles estavam secos e duros. — Não tem nada aqui, Mouse. Ele não quer ser encontrado. Vamos para casa.

 

         Mas abjuro, neste momento, da magia negra              

                 Shakespeare Op. cit. Ato 5, Cena 1

 

AGORA ELE estava de volta. Seu show de desaparecimento que durou cinco anos chegara ao fim, e, como o artista veterano que era, Luke assumiu uma postura de drama e petulância em seu retorno. Seu público de uma pessoa ficou encantado.

Por um momento.

O homem abraçado a ela estava tomando sua boca e sua mente com habilidade, não era uma ilusão. Ele era de carne e osso. Tudo era tão dolorosamente familiar, o peso sólido dele, o gosto de sua pele, a força da pulsação dela enquanto aqueles dedos fortes e hábeis subiam para pegar seu rosto.

Ele era real.

Ele estava em casa.

Ele era a forma mais vil de vida que já rastejou na lama.

As mãos dela agarraram os cabelos dele, e então puxaram com força suficiente para fazê-lo gritar.

— Meu Deus, Roxanne...

Essa distração era tudo de que ela precisava. Contorceu-se, dando uma cotovelada nas costelas dele e uma joelhada entre as pernas. Ele tentou impedir o joelho, mas ela usou o mesmo cotovelo já posicionado para acertá-lo no queixo.

Ele viu estrelas. Depois disso, quando viu, estava deitado de costas, com Roxanne montada em cima dele, arranhando seu rosto com as bem-cuidadas unhas.

Agarrou os pulsos dela, puxando-os para baixo antes que aqueles dedos arrancassem a sua pele. Eles permaneceram naquela posição, que trazia lembranças perturbadoramente sensuais para os dois, com a respiração ofegante e olhando nos olhos do outro com antipatia mútua.

— Callahan, me solte.

— Quero que meu rosto continue igualzinho a quando entrei aqui.

Ela tentou se soltar, mas os cinco anos que ele passara, fazendo sabe-se lá o quê, não o deixaram mais fraco. Ainda era forte como um touro. Morder seria satisfatório, mas pouco digno. Escolheu o desdém.

— Fique com o seu rosto. Ele não me interessa.

Embora tenha soltado o braço dela, continuou preparado até ela se levantar, com tanta graça e arrogância quanto uma deusa saindo de uma piscina.

Ele ficou de pé rápido, com aquela misteriosa velocidade e economia de movimentos de que ela se lembrava tão bem. Sem dizer nada, ela deu as costas para ele e serviu uma taça de champanhe. Mesmo quando as borbulhas explodiam em sua língua, a bebida parecia sem graça e seca. Mas isso deu um momento a ela, um momento muito necessário, para trancar o último cadeado de seu coração.

— Ainda aqui? — perguntou ela quando se virou.

— Temos muito que conversar.

— Temos? — Ela tomou mais um gole. — Estranho, não consigo pensar em nada.

— Então, eu falo. — Passou pela poça de água e pelas rosas amassadas para encher uma taça para si. — Você poderia tentar algo diferente desta vez, tipo escutar. — A mão dele agarrou o pulso dela antes que pudesse jogar o champanhe na cara dele. — Quer lutar mais, Rox? — A voz dele era baixa e perigosa e, que Deus a ajudasse, fez um arrepio subir pela espinha dela. — Você vai perder. Avalie as suas chances.

Eram poucas. A raiva podia incitá-la a voar em cima dele para morder e arranhar o rosto dele, mas ela acabaria perdendo de novo. Mas ainda tinha outras armas. E ela usaria todas elas para se vingar por todos esses anos em que ele a deixou sozinha.

— Não vou desperdiçar esse champanhe bom em você. — Quando ele relaxou os dedos, ela levou a taça até os lábios. — E o meu tempo é ainda mais valioso. Tenho um compromisso, Luke. Então, se me dá licença.

— A sua agenda está livre até a coletiva de imprensa amanhã. — Ele levantou a taça, fazendo um brinde. — Já chequei com Mouse. Por que não jantamos? Podemos discutir tudo.

A fúria ferveu até quase um ponto crítico. Cuidadosamente, Roxanne se virou para a penteadeira e se sentou.

— Não, mas obrigada mesmo assim. — Deixando a taça de lado, começou a tirar a maquiagem de palco. — Preferia jantar com um morcego perigoso.

— Então, conversamos aqui.

— Luke, o tempo passa.

Ela jogou os lenços usados fora. Ele podia ver que, por baixo do glamour que ela pintara para o palco, ela só estava mais bonita. Nenhuma das fotografias que conseguira arranjar no decorrer dos anos chegava perto do que ela era pessoalmente. Nem todas as saudades que ele sentira se comparavam ao que tomava conta dele agora.

— Quando isso acontece — continuou ela, passando hidratante na pele —, os acontecimentos se tornam maiores do que eram, ou menores. Podemos dizer que o que quer que tenhamos tido se tornou tão pequeno, que está quase invisível. Então não vamos bagunçar as coisas, ok?

— Eu sei que a magoei. — Qualquer outra coisa que ele tivesse ensaiado para dizer congelou na sua garganta quando os olhos dela o fitaram pelo espelho. Eles estavam verde-acinzentados, e as emoções que dançavam ali eram dolorosas demais de ver.

— Você não faz ideia do que fez comigo. — As palavras foram um pouco mais do que um sussurro e acabaram com ele. — Não faz ideia — repetiu ela. — Eu amava você com todo o meu coração, com tudo o que eu era e poderia ser, e você destruiu isso. Você me destruiu. Não. — Respirou fundo, ficando imóvel quando a mão dele se estendeu para tocar seus cabelos. —Não me toque de novo.

Ele deixou sua mão ali, a cerca de um centímetro de distância, antes de recuá-la.

— Você tem todo o direito de me odiar. Só estou pedindo que me deixe explicar.

— Você está pedindo muito. Realmente acha que alguma coisa que vá dizer poderia compensar o que fez? — Virou-se e levantou. Ela sempre fora forte, ele se lembrou. Mas agora estava mais forte e distante como a lua. —Que alguma explicação que você possa inventar consertaria as coisas para que eu lhe aceitasse de volta de braços abertos na minha cama?

Ela parou, percebendo que estava quase gritando e perdendo a dignidade que era o que ainda lhe dava suporte.

— Eu tenho o direito de odiar você — disse ela com mais calma. — Eu poderia lhe dizer que você partiu o meu coração e que eu o consertei com muito suor e esforço. E isso seria verdade. Também posso lhe contar mais uma verdade pertinente. Eu simplesmente não tenho mais coração quando se trata de você. Você é como fumaça e espelho, Luke, e quem melhor do que eu para saber como eles podem enganar.

Ele esperou até ter certeza de que sua voz estaria tão calma quanto a dela.

— Você quer que eu acredite que você não sente nada?

— Para mim, só importa o que eu acredito.

Virou-se, impressionado por ter desejado ficar perto dela por tanto tempo e agora precisar desesperadamente ficar longe. Ela estava certa. O tempo passa. Independentemente de toda a mágica que ele era capaz de fazer, não podia apagar os anos.

Ainda assim, não iria deixar que o passado mandasse no seu futuro. E ele queria sentir o gosto frio e suculento da vingança. E para tudo isso precisava dela.

— Se você está falando a verdade sobre seus sentimentos, então fazer negócios comigo não deveria ser um problema.

— Eu mesma cuido dos meus negócios.

— E muito bem. — Mudando de tática, ele pegou um charuto e se sentou. — Como eu disse antes, tenho uma proposta para lhe fazer. Uma proposta de negócios que eu acho que vai lhe interessar muito.

Ela deu de ombros e tirou as estrelas prateadas de suas orelhas.

— Duvido.

— A pedra filosofal — foi tudo que ele disse. Os brincos caíram na penteadeira.

— Não vá por esse caminho, Callahan.

— Eu sei quem está com ela. Sei onde está e tenho algumas ideias de como pegá-la. — Sorriu. — Esses caminhos lhe agradam?

— Como você sabe?

Talvez tenha sido o reflexo do isqueiro quando ele acendeu o charuto, mas Roxanne viu algo ardente e maldoso nos olhos dele.

— Digamos apenas que eu fiz de tudo para saber. Está interessada?

Ela deu de ombros. Pegou a escova e começou a pentear os cabelos.

— Talvez. Onde você acha que está?

Ele não conseguia falar. Não quando as lembranças e os desejos que existiam dentro dele estavam transbordando. Roxanne penteando os cabelos, ruivos e dourados, rindo sobre o ombro. Tão esbelta, tão encantadora.

Os olhos deles se encontraram no espelho de novo. A mão dela tremeu quando colocou a escova na penteadeira.

— Eu perguntei onde você acha que ela está.

— Eu disse que sei. — Respirou fundo. — Está em um cofre na biblioteca de uma casa em Maryland. O dono é um velho amigo nosso. — Luke inspirou fumaça e a soltou formando uma fina nuvem azul. — Sam Wyatt.

Os olhos de Roxanne se estreitaram. Luke conhecia aquele olhar e soube que agora a conquistara.

— Você está me dizendo que Sam está com a pedra filosofal. A pedra que Max passou anos procurando.

— Isso mesmo. Parece ser verdadeira. Sam certamente acredita que é.

— Por que ele ia querer a pedra?

— Porque Max queria — disse Luke simplesmente. — E porque ele está convencido de que ela significa poder. Duvido que ele se interesse por alguma coisa mística. — Deu de ombros e cruzou as pernas na altura dos tornozelos. — É mais um símbolo de conquista. Max queria, Sam tem. E está com ela há seis meses.

Pareceu conveniente sentar-se de novo para se orientar. Ela nunca acreditara de verdade na pedra. Teve vezes em que odiou até a lenda dela por afastar seu pai cada vez mais do pouco senso de realidade que ainda lhe restava. Mas se ela existisse...

— Como você sabe sobre a pedra, sobre o Sam?

Poderia ter contado a ela. Havia tantas coisas que poderia ter dito sobre esses cinco anos. Mas contar um pouco era contar tudo. E ele também tinha orgulho.

— Isso só interessa a mim. Estou perguntando se está interessada em possuir a pedra.

— Se eu estiver interessada, nada me impede de consegui-la sozinha.

— Eu lhe impediria. — Ele não se moveu de sua posição relaxada na poltrona, mas ela sentiu o desafio e o obstáculo. — Eu precisei de muito tempo e esforço para rastrear a pedra, Roxanne. Não vou deixar você tirá-la de mim. Mas... — Virou o charuto para analisar a ponta. — Estou lhe oferecendo um tipo de sociedade.

— Por quê? Por que você está oferecendo? Por que devo aceitar?

— Por Max. — Ele a fitou. — Independentemente do que existe, ou não existe, entre nós, eu também o amo.

Isso doeu. Enquanto ela absorvia a dor, grudou as mãos nas pernas.

— Você certamente mostrou toda sua devoção nos últimos cinco anos não foi?

— Eu já me ofereci para explicar. — Ele deu de ombros, esticando o braço para pegar sua taça de champanhe. — Agora você vai ter que esperar. Você pode trabalhar comigo e conseguir a pedra, ou eu vou pegá-la sozinho.

Ela hesitou. Sua mente já estava cogitando as possibilidades. Não seria difícil localizar a casa de Sam em Maryland — ainda mais agora que ele estava na frente na disputa para senador das próximas eleições A segurança seria um pouco mais difícil exatamente pela mesma razão, mas não impossível.

— Vou precisar pensar.

Ele a conhecia muito bem.

— Sim ou não, Roxanne. Agora. Você ia levar meses para reunir todas as informações que eu já tenho. Quando conseguisse, eu já estaria com a pedra.

— Então, por que você precisa de mim?

— Vamos chegar a isso. Sim ou não.

Ela o encarou, o rosto que conhecia tão bem. Houve uma época em que saberia no que ele estava pensando e certamente o que estava sentindo. Mas os anos o transformaram em um estranho.

Assim era melhor, decidiu ela. Se ele permanecesse um estranho, ela poderia enfrentá-lo.

— Sim.

A onda de alívio foi como um dilúvio de ar fresco. Agora ele podia respirar de novo. Sua única reação externa foi um leve sorriso e assentir com a cabeça.

— Bom. Tem algumas condições.

Os olhos dela congelaram.

— Claro que tem.

— Acho que você pode conviver com elas. Vai haver um leilão este outono em Washington.

— O espólio dos Clideburg, estou sabendo.

— Você também deve saber que só as joias valem mais de seis milhões.

— Seis ponto oito, sendo conservador.

— Sendo conservador — concordou ele e acabou de tomar o que restava de seu champanhe. — Quero pegá-las.

Por um instante, ela não conseguiu falar.

— Você está maluco. — Mas foi traída pela excitação em seus olhos. —É mais fácil ir fazer um passeio no Smithsonian e tentar pegar o Diamante Hope.

— Dá azar. — Ah, sim, ele sabia que tinha conseguido. Levantando-se, ele foi pegar a garrafa para servir mais champanhe para os dois. — Já fiz quase toda a pesquisa inicial. Tem alguns probleminhas para resolver.

— Imagino que sejam enormes.

— Um serviço é um serviço — disse ele, citando Max. — Quanto maiores as complicações, maior a ilusão.

— O leilão é em outubro. Isso não nos dá muito tempo.

— Tempo suficiente. Principalmente se você anunciar na sua coletiva de imprensa amanhã que vai voltar a trabalhar com um parceiro.

— E por que eu faria isso?

— Porque você vai, Roxy, no palco e fora dele. — Pegou a mão dela e, ignorando sua resistência, a colocou de pé. — Estritamente negócios, querida. A minha volta é um mistério. Junte a isso o show que criaremos e seremos uma sensação. E teremos uma diversão e tanto em outubro, na nossa performance de gala antes do leilão.

— Você já fez as reservas?

Ele não se incomodou em nada com o sarcasmo, não quando jogava para ganhar.

— Deixe isso comigo. É tudo um chamariz, Rox, o show, o leilão, a pedra. Quando tudo terminar, ambos teremos o que queremos.

— Eu sei o que quero. — Ele ainda estava segurando a mão dela. Ela podia jurar que sentia o poder fluindo dos dedos dele. Era uma sensação assustadora e excitante. — Quanto a você, não tenho tanta certeza.

— Deveria ter. — Fixou o olhar no dela. — Sempre teve. Quero você de volta, Roxanne. — Levou os dedos rígidos dela até seus lábios — E eu levei muito tempo para descobrir como conseguir o que eu quero. Se você tiver com medo disso, desista agora.

— Não tenho medo de nada. — Ela puxou a mão para soltá-la, ergueu o queixo. — Estou dentro, Callahan. Quando terminarmos o serviço, vou estalar os dedos. — Fez isso, bem na frente do nariz dele. — E você vai desaparecer. É isso que eu quero.

Apenas riu e, pegando-a pelos ombros, puxou para si para um rápido e forte beijo.

— Deus, é bom estar de volta. Acabe com eles na coletiva de imprensa, Roxy. Diga a eles que está trabalhando em algo novo. Estimule o apetite deles. Depois, vou à sua suíte. Podemos começar a planejar os detalhes.

— Não. — Ela espalmou as duas mãos no peito dele para afastá-lo. — Eu falo com a imprensa, depois procuro você. Esteja certo de ter o suficiente para me manter interessada.

— Isso eu posso prometer. Estou no mesmo hotel que você, um andar abaixo.

Ela perdeu um pouco da cor.

— Há quanto tempo você está lá?

— Fiz o check-in uma hora antes do show. — Curioso com a reação dela, ele virou a cabeça. — Por que isso a deixou perturbada?

— Estava pensando que vou precisar verificar melhor a fechadura.

O sorriso se apagou do olhar dele.

— Nenhuma fechadura me impediria de entrar se eu quisesse, Roxy. Um não seu me impediria. Chego por volta do meio-dia — disse ele e foi para a porta. — Vou levá-la para almoçar.

Luke. — Não se moveu para ir atrás dele. Isso era algo que não podia fazer. — Você já viu a Lily? — Quando ele apenas balançou a cabeça, o coração que ela achava estar tão protegido contra ele se partiu um pouco. — Posso chamá-la se você quiser.

— Não posso. — Na sua vida toda, ele só amara duas mulheres. Enfrentar as duas na mesma noite era mais do que achava que iria conseguir. — Falarei com ela amanhã.

Então, ele desapareceu, rapidamente e sem nenhuma outra palavra. Roxanne não sabia quanto tempo ficou parada ali, olhando para a porta que ele fechara ao sair. Não sabia o que estava sentindo. Sua vida fora virada de cabeça para baixo quando ele a deixou. E achava que não voltara ao normal com seu retorno. Se alguma coisa aconteceu, ele a inclinou de uma forma inteiramente diferente. Desta vez, caberia a ela controlar o ângulo e o grau.

Mas estava cansada. Exausta. Até o simples ato de tirar a fantasia e colocar uma roupa comum parecia mais do que ela conseguiria suportar.

Os dedos dela congelaram enquanto fechava o botão de sua calça jeans e escutou uma batida na porta.

Se ele tivesse voltado, ela — mas não, pensou com desdém. Luke não bateria.

— Quem é?

— Sou eu, querida. — Com os olhos brilhantes, Lily enfiou a cabeça para dentro. Um pouco do brilho se apagou quando procurou pelo camarim e só encontrou Roxanne. — Mouse me disse, esperei o máximo que pude. —Entrou, olhou a bagunça da água e das flores espalhadas pelo chão. — Ele está aqui! — O sorriso voltara e era contagiante. — Mal pude acreditar. Por onde ele andou? Ele está bem? Onde ele está agora?

— Não sei por onde ele andou. — Roxanne pegou sua bolsa, verificando o que tinha dentro para ocupar as mãos. — Ele parece bem, não faço ideia de onde está.

— Mas... mas... ele não foi embora de novo, foi?

— Não como você está pensando. Ele vai ficar na cidade, no nosso hotel. Talvez façamos uns negócios juntos, vamos discutir.

— Negócios? — Com uma gargalhada, Lily abraçou Roxanne e apertou. — Acho que isso deveria ser a última coisa que vocês dois tinham para conversar. Mal posso esperar para vê-lo. É um milagre.

— Está mais para uma das sete pragas — murmurou Roxanne.

— Mas, Roxanne, tenho certeza de que ele deve ter explicado tudo.

— Eu não quis escutar. — Afastou-se, esforçando-se para não ficar magoada com a fácil aceitação de Lily. — Não me importo por que ele foi embora nem onde ele esteve. Essa parte da minha vida está encerrada.

— Roxy...

— Estou falando sério, Lily. Se você quer matar um bezerro para comemorar, vá em frente, só não espere que eu vá ao banquete. — Encurvou-se para jogar as rosas amassadas no lixo. — Talvez a gente trabalhe junto, temporariamente. Mas só isso. Não existe mais nada pessoal entre nós. É assim que eu quero que seja.

— Pode ser o que você acha que quer — disse Lily, tranquilamente. — Pode até ser a forma como você se sente agora. Mas não é bem assim, e nunca será. — Lily colocou a mão no ombro de Roxanne. — Você não contou a ele sobre Nathaniel.

— Não. — Largou uma rosa e fitou o ponto de sangue que um espinho deixara ao espetá-la no polegar. — Quando ele disse que estava no mesmo hotel que nós, fiquei com medo de que ele já soubesse. Mas não sabe.

— Querida, você tem que contar para ele.

— Por quê? — Fúria e ódio brilhavam nos olhos dela.

— Luke tem o direito...

— Os direitos dele acabaram cinco anos atrás. Todos os direitos são meus agora. Nathaniel é meu. Droga, Lily, não me olhe desse jeito. — Ficou de pé para fugir do doce olhar de pena. — O que eu deveria ter falado. A propósito, Callahan, uns meses depois que você sumiu, eu dei à luz o nosso filho. Ele é igualzinho a você. É um ótimo menino. Por que eu não apresento vocês dois qualquer hora dessas? — Colocou a mão na boca para prender um soluço.

— Não, Roxy.

— Não vou fazer isso. — Balançou a cabeça quando sentiu os braços de Lily a envolvendo. — Nunca chorei por ele. Nenhuma vez. Não vou começar agora. — Mas ela se permitiu ser confortada, deitando o rosto no ombro de Lily. — O que eu diria para Nate, Lily? Aqui está o pai que eu disse que teve de ir embora. Ele voltou agora, mas não se acostume porque ele pode querer brincar de pique-esconde de novo.

— Ele não daria as costas ao filho. Ele não poderia.

— Eu não arriscaria. — Respirou fundo e deu um passo para trás, mais firme agora. — Quando e se eu decidir contar a Luke sobre Nathaniel, será no momento e no local que eu escolher. — Quero que você me prometa que não vai contar nada.

— Não vou contar para ele, se você me prometer fazer a coisa certa.

— Estou tentando. Vamos? Foi um longo dia.

 

HORAS DEPOIS, Roxanne estava parada na porta do quarto onde seu filho dormia. As sombras estavam começando a desaparecer, clareando conforme o dia começava a amanhecer. Escutou a respiração de Nathaniel. Seu filho, seu milagre, sua mais potente mágica. E pensou no homem que dormia no quarto embaixo, o homem que a ajudou a criar uma vida.

E ela se lembrou de como estava assustada quando se sentou para contar ao pai que estava grávida. Que abraço apertado Max lhe dera. Recebeu apoio incansável dele, de Mouse e de LeClerc. Os sapatinhos que Lily tricotou que pareciam luvas mutantes, o papel de parede que Mouse colocou no quarto do bebê para surpreendê-la, o leite que LeClerc a forçava a beber.

O dia em que ela sentiu o bebê se mexer pela primeira vez. Nesse momento, quase sucumbiu e chorou, mas conseguiu conter as lágrimas. As roupas de grávida, os tornozelos inchados. Aquele primeiro chute realmente forte que a despertou enquanto dormia profundamente. Curso de gestantes com Lily ao seu lado. E sempre a minúscula semente de esperança de que Luke voltaria antes de o filho deles nascer.

Mas ele não voltou. Ela passou dezoito horas em trabalho de parto, alternando entre animação e medo. Ela o viu sair de seu útero, escutou o primeiro choro indignado dele.

E, todos os dias, olhava para ele e o amava, e via Luke espelhado em seu rosto.

Viu seu filho crescer. E viu seu pai ser engolido pela doença com a qual ninguém podia lutar. Estava sozinha. Por mais amor que recebesse em casa, não havia ninguém para procurar à noite. Nenhum braço para abraçá-la e confortá-la quando chorava porque o pai não a reconhecia mais.

Não havia ninguém ao seu lado agora para velar o sono do filho enquanto amanhecia o dia.

 

LILY AFOFOU os cabelos, retocou a maquiagem no espelho de seu estojo cravejado de pedras falsas, botou um sorriso simpático no rosto Colocou os ombros para trás, certificando-se de que sua barriga — ela odiava admitir, estava se tornando um probleminha — estava para dentro. Só então ficou satisfeita o suficiente para bater na porta da suíte de Luke.

Não era uma questão de ser desleal com Roxanne, disse para si mesma, nervosa. Só vou dizer oi — e talvez aproveitasse para dar uma bronca no rapaz. Mas não era deslealdade, mesmo seu coração estando tão feliz por vê-lo de novo.

Além disso, esperara até Roxanne descer para a coletiva de imprensa.

Quando escutou a chave virar, já tinha comido quase todo seu batom. Prendeu a respiração, aumentou ainda mais o sorriso e fitou, sem entender nada, o homem baixinho de cabelos escuros que estava do outro lado da porta. Ele a fitou através de lentes mais grossas do que um polegar. Por mais. que Luke pudesse ter mudado, pensou Lily, ele não podia ter ficado quinze centímetros mais baixo.

— Desculpe, acho que errei o quarto.

— Lily Bates! — A voz berrou e era tão amigável quanto um sanduíche de presunto. Lily viu sua mão ser apertada e sacudida. — Eu lhe reconheceria em qualquer lugar. Qualquer lugar! Você é ainda mais bonita do que no palco.

— Obrigada. — O hábito fez com que Lily piscasse com suas pestanas compridas mesmo quando puxava o corpo para trás para impedir que o homem a puxasse para dentro do quarto. Toda mulher com um corpo escultural tinha de ter instintos apurados também. — Acho que confundi o número do quarto.

Continuou segurando a mão dela com uma das mãos e usou a outra para empurrar os óculos que estavam escorregando de seu nariz proeminente.

— Sou Jake. Jake Finestein.

— Prazer em conhecê-lo. — Eles continuaram o cabo de guerra. Lily olhou por cima do ombro, constrangida, imaginando se alguém viria ajudá-ja se gritasse pedindo ajuda. — Desculpe incomodá-lo, sr. Finestein.

— Jake, Jake. — Sorriu, mostrando dentes incrivelmente brancos, tão perfeitos que podiam ter sido planejados por um Corpo de Engenheiros. — Não precisa de formalidades entre nós, Lily. Show maravilhoso ontem à noite. — Os olhos pretos dele, aumentados pelas lentes grossas, sorriam para ela. — Ma-ra-vi-lho-so.

— Obrigada. — Era mais alta do que ele, pensou. E certamente mais pesada. A camisa de mangas curtas mostrava braços finos como palitos de dentes e pulsos magros. E, o pior de tudo, ela conseguiria pegá-lo. — Eu realmente não posso conversar agora. Estou atrasada.

— Ah, mas você tem tempo para uma xícara de café. — Ele virou a mão livre para dentro do quarto para apontar para a mesa posta com bules, xícaras e pratos cobertos. — E um café da manhã. Aposto que ainda não comeu nada hoje. Pedi algumas roscas deliciosas. Você come um pouquinho, toma uma xícara de café, relaxa. Eu preciso comer alguma coisa de manhã, senão meu organismo sofre o dia inteiro. Que tal um copo de suco de laranja? — Puxou-a mais um pouco. — Acabaram de espremer as laranjas.

— Verdade, eu não posso, eu estava apenas...

— jake, quando é que você vai parar de falar sozinho? Isso me deixa louco. — Com os cabelos ainda pingando do banho, Luke saiu do quarto abotoando a camisa. Ele congelou, a irritação no rosto dele se transformando em choque.

— Quem precisa falar sozinho quando tem uma linda mulher com quem conversar? — O sorriso de Jake se transformou em careta quando os dedos de Lily apertaram os seus. — E eu digo Iiin-da. Estávamos batendo um bom papo. Eu estava convidando Lily para entrar, tomar um café, comer uma rosca.

— Eu... eu gostaria de café — conseguiu dizer Lily.

— Bom, bom, vou servir uma xícara para você. Quer creme? Açúcar? Adoçante?

— Está bom. — Ela não se importaria se ele colocasse óleo diesel no bule, só tinha olhos para Luke. — Você está lindo. — Ela escutou as lágrimas em sua voz e limpou a garganta para disfarçar. — Desculpe estar interrompendo seu café da manhã.

— Tudo bem. É bom vê-la. — Foi tão terrivelmente educado. Ele só queria ficar ali parado, fitando-a, absorvendo tudo dela. O lindo rosto ridiculamente jovem, os tolos papagaios esmaltados pendurados em suas orelhas, o cheiro de Chanel que já enchia o quarto.

— Sente, sente, sente. — Jake fazia gestos exagerados na direção da mesa. — Vocês conversam, vocês comem.

Luke olhou para a mesa.

— Saia, Jake.

— Estou indo, estou indo. — Jake quase quebrou as xícaras e pires. — Você acha que vou ficar aqui para estragar o grande reencontro? A sra. Finestein não criou nenhum bobão. Vou pegar minha câmera para tirar fotos como se eu fosse um turista. Madame Lily. — Agarrou a mão dela de novo e apertou. — Um prazer, um verdadeiro prazer.

— Obrigada.

Jake lançou um último olhar para Luke. Então entrou no segundo quarto e fechou a porta discretamente. Que mal haveria se encostasse o ouvido na porta por alguns segundos?

— Ele é... um homem muito educado.

— Ele é um pé no saco. — Luke conseguiu abrir algo parecido com um sorriso. — Mas já estou acostumado com ele. — Nervoso como um garoto no primeiro encontro, enfiou as mãos nos bolsos. — Então, sente-se. Nós conversamos, nós comemos.

A imitação perfeita que Luke fez de Jake fez os lábios trêmulos de Lily sorrirem.

— Não quero tomar o seu tempo.

Ele preferiria levar uma facada no peito.

— Lily, por favor.

— Só um pouco de café. — Ela se forçou a sentar, com o sorriso estampado no rosto. Mas a xícara bateu no pires quando ela a levantou. — Eu não sei o que lhe falar. Acho que eu só queria saber se você está bem.

— Estou inteiro. — Ele também se sentou, mas, pra variar, perdeu o apetite. Tomaria café preto. — E você? Roxanne...

— Eu estou mais velha — disse Lily em uma fracassada tentativa de brincadeira.

— Não parece. — Analisou o rosto dela, lutando contra emoções que ameaçavam engoli-lo. — Nem um dia.

— Você sempre soube o que dizer para uma mulher. Deve ser o sangue irlandês. — Ela respirou, sem muita firmeza, e começou a partir uma rosca. - LeClerc está bem. Mais ranzinza do que antes. Ele não costuma viajar muito agora. Mouse se casou. Você sabia?

— Mouse? Casado? — Luke deu uma rápida gargalhada espontânea que fez as lágrimas brotarem nos olhos de Lily. — Não brinca? Como isso aconteceu?

— Alice foi... trabalhar conosco — disse Lily com cuidado. Não podia falar que Roxanne a contratara como babá de Nathaniel. — Ela é inteligente e doce, e se apaixonou por Mouse. Levou dois anos para ela convencê-lo a se casar. Não sei quantas horas ela passou ajudando-o a consertar motores.

— Preciso conhecê-la. — O silêncio desabou, provocando-o. — Você poderia me falar sobre Max?

— Ele não vai melhorar. — Lily levantou o café de novo. — Ele foi para algum lugar onde nenhum de nós consegue alcançá-lo. Nós não... quisemos colocá-lo em um hospital; então providenciamos home tare. Ele não consegue fazer nada sozinho. Essa é a pior parte, vê-lo tão impotente. É difícil para Roxanne.

— E você?

Lily pressionou os lábios. Quando falou, sua voz foi firme e segura.

— Max se foi. Posso olhar nos olhos dele, mas o Max não está ali. Ah, eu ainda sento ao lado do corpo dele, e dou comida, limpo, mas tudo que ele foi já morreu. O corpo dele só está esperando para ir atrás. Então, é mais fácil pra mim. já chorei por ele.

— Preciso vê-lo, Lily. — Queria pegar a mão dela. Os dedos dele estavam a poucos centímetros de tocar os dela, quando ele os dobrou. — Sei que Roxanne pode ser contra, mas eu preciso vê-lo.

— Ele perguntou por você centenas de vezes. — Havia acusação misturada com mágoa. — Ele se esquecia de que você não estava mais lá e perguntava por você.

— Sinto muito. — Pareceu uma resposta patética.

— Como você pôde fazer isso, Luke? Como você pôde ir embora sem dizer nenhuma palavra e causar sofrimento a tantas pessoas? — Como ele só balançou a cabeça, ela desviou o olhar. — Agora, eu que sinto muito —disse, duramente. — Eu não tenho o direito de questioná-lo. Você sempre foi livre para ir e vir como bem entendesse.

— Golpe direto — murmurou ele. — Mais afiado do que qualquer uma das coisas que Roxanne jogou em mim ontem à noite.

— Você a deixou devastada. — Lily não percebera a raiva escondida dentro dela até liberá-la. — Ela amava você, desde que era uma garotinha. Confiava em você. Todos nós. Achamos que algo terrível tivesse acontecido com você. Até que Roxanne voltasse do México, nós tínhamos certeza disso.

— Espere. — Segurou a mão dela, apertando com força. — Ela foi ao México?

— Ela rastreou você até lá. Mouse foi com ela. Você não imagina o estado dela. — Assustada, grávida, magoada. Lily soltou a mão e se levantou. Seu temperamento, sempre tão calmo, estava afiado. — Ela procurou por você, com medo de estar morto ou doente, ou Deus sabe lá o quê. Então, ela encontrou seu avião e o homem que o comprou. E ela soube que você não queria que ela o encontrasse. Maldito seja você, achei que ela nunca fosse se recuperar. — Empurrou a cadeira contra a mesa com força o suficiente para fazer a porcelana chacoalhar. — Por favor, me diga que você teve amnésia, que levou uma pancada na cabeça, que se esqueceu de nós, que se esqueceu de tudo. Você pode me dizer isso?

—  Não.

Agora, ela estava chorando, grandes lágrimas silenciosas escorrendo pelo seu rosto enquanto ele observava cheio de tristeza.

— Eu não posso dizer isso e não posso pedir que você me perdoe. Eu só posso dizer que eu fiz o que eu achava que seria melhor para todos. Eu não tinha escolha.

— Você não tinha escolha? Você não tinha como nos avisar que estava vivo?

— Não. — Pegou um guardanapo e se levantou para enxugar as lágrimas dela. — Eu pensava em vocês todos os dias. No primeiro ano, eu acordava de madrugada achando que estava em casa, e então eu me lembrava. Ai eu procurava uma garrafa para me esquecer de Roxanne. Eu podia estar morto. Eu gostaria de ter conseguido esquecer, de ter parado de precisar da minha família. — Embolou o guardanapo na mão fechada enquanto sua voz ficava mais grossa. — Eu só encontrei a minha mãe com 12 anos. Eu não quero passar o resto da minha vida sem ela. Por favor, me diga o que fazer para convencê-la a me dar outra chance.

Para Lily, o amor era uma coisa fluida. Por mais forte que fosse a represa, ele sempre conseguia quebrá-la e fluir livremente. Ela fez a única coisa que poderia fazer. Abriu os braços e o envolveu ali, tranquilizando-o, acariciando seus cabelos quando ele enterrou o rosto em seu ombro.

— Você está em casa agora — sussurrou ela. — É só o que importa.

E estava tudo ali, exatamente onde ele deixou. O cuidado, a doçura, a força. Emoções transbordavam dele como de um rio durante a enchente. Ele só conseguia se agarrar a ela.

— Eu senti tantas saudades de você. Deus, muitas.

— Eu sei. — Sentou-se em uma poltrona e deixou que ele deitasse a cabeça em seu colo.  — Eu não queria gritar com você, meu amor.

— Eu achei que você não fosse querer me ver. — Ele se endireitou para que pudesse tocar o rosto dela, sentir a pele macia. — Eu nunca mereci você.

— Que absurdo. A maioria das pessoas diria que nós nos merecíamos.

— Deu uma gargalhada chorosa e o abraçou com força. — Você vai me contar tudo logo, não vai?

— Quando você quiser.

— Mais tarde. Só quero ficar aqui olhando para você. — Fungando, ela o afastou na distância de seu braço, avaliando-o com os olhos de mãe. — Bem, você não mudou nada. — Passou o dedo pelas pequenas rugas nos cantos dos olhos dele. — Talvez um pouco mais magro, mais forte. —Suspirando, ela deu um beijo no rosto dele, depois limpou a marca de seu batom com o polegar. — Você foi o menino mais bonito que eu já vi. —Quando ele fez uma careta, ela riu. — Você ainda faz mágica?

— Foi o que me manteve vivo. — Ele pegou as duas mãos dela e as beijou. Vergonha e gratidão corriam soltas dentro dele. Tentara se preparar para a raiva dela, para o gelo do ressentimento, mesmo para a indiferença. Mas não tinha como se defender da obstinação do amor dela. — Você estava linda ontem à noite. Ver você e Roxanne no palco foi como se esses anos nunca tivessem existido.

— Mas existiram.

— Eu sei. — Ele se levantou então, mas continuou segurando a mão dela. — Não tenho nenhum encanto para fazê-los desaparecer. Mas tem coisas que posso fazer para consertar as coisas.

— Você ainda a ama.

Como ele deu de ombros, ela sorriu, levantou-se e pegou o rosto dele em suas mãos.

— Você ainda a ama — repetiu ela. — Mas você vai precisar de mais do que alguns truques para reconquistá-la. Ela não é tão fácil quanto eu.

Ele ficou sério.

— Eu sou insistente.

Com um suspiro, Lily balançou a cabeça.

— E ela sabe ser teimosa. Max costumava dizer que atraíamos mais moscas com mel do que com um rolo de jornal. Acredite em mim, uma mulher, mesmo teimosa, gosta de ser cortejada. — Ele bufou, mas Lily continuou. — E não estou dizendo apenas flores e música, querido. É um tipo de postura. Roxy precisa ser desafiada, mas ela também precisa ser cortejada.

— Se eu me ajoelhar na frente dela, ela vai me dar um chute na cara.

Com certeza, pensou Lily, mas achou mais político discordar.

— Eu não disse que seria fácil. Não desista dela, Luke. Ela precisa mais de você do que você poderia imaginar.

— Como assim?

— Simplesmente, não desista dela.

Pensativo, puxou Lily para seus braços de novo.

— Eu não cometeria esse erro duas vezes. Vou fazer o que precisa ser feito, Lily. — Os olhos dele escureceram enquanto encarava alguma coisa que só ele conseguia ver. — Tenho contas a acertar.

 

— E TINHA um cachorro enorme no parque. Dourado. Ele fez xixi em todas as árvores.

Roxanne pegou Nate no colo, rindo enquanto ele contava suas aventuras matinais no parque.

— Em todas elas?

— Acho que umas cem. — Olhou profundamente para o rosto da mãe com os olhos do pai. — Posso ter um cachorro? Posso ensinar a sentar e dar a patinha e fingir de morto.

— E a fazer xixi nas árvores?

— Isso. — Sorriu, virando no colo para envolver o pescoço dela com seus braços. Ah, ele sabia como conquistar, pensou ela. Ele era filho do pai desde o primeiro sorriso desdentado. — Quero um cachorro grande. O nome dele vai ser Mike.

 

— Como ele já tem um nome, acho que temos que começar a procurar. - Enrolou um dos brilhantes cachos de Nate em volta do seu dedo. Assim como ele, pensou ela ironicamente, me enrola direitinho. — Você tomou muito sorvete?

Ele arregalou os olhos.

— Como você sabe que eu tomei sorvete?

Havia uma reveladora mancha de chocolate na blusa dele, e seus dedos estavam melados.  Mas Roxanne não usaria dicas tão óbvias.

— Porque as mães sabem de tudo e veem tudo, principalmente quando também são mágicas.

Ele fez um bico enquanto pensava.

— Por que eu não consigo ver os olhos atrás da sua cabeça?

— Nate, Nate, Nate — disse suspirando. — Eu já não lhe disse que eles são invisíveis?

Abruptamente, levantou-o em seus braços, abraçando-o com muita força e com os olhos fechados para impedir as lágrimas de caírem. Não sabia por que estava com vontade de chorar, nem queria considerar as razões. Só o que importava é que seu filho estava seguro em seus braços.

— É melhor ir lavar as mãos, Nate, o Grande. — A voz dela saiu trêmula, mas abafada no pescoço dele. — Preciso ir para o meu compromisso.

— Você disse que íamos ao zoológico.

— E nós vamos. — Deu um beijo nele e o colocou de pé sobre as curtas pernas gordinhas. — Volto daqui a uma hora; aí nós iremos ver quantos macacos se parecem com você.

Ele saiu correndo, rindo. Roxanne se abaixou para pegar os carrinhos, bonecos e livros que estavam espalhados sobre o tapete.

— Alice, estou saindo. Volto daqui a uma hora.

— Sem pressa — respondeu Alice, fazendo Roxanne sorrir.

Com a voz doce, confiável e inabalável, assim era Alice, pensou Roxanne. Deus sabia que nunca teria conseguido continuar trabalhando sem o apoio constante da delicada Alice.

E em pensar que quase desistiu de Alice por causa de sua aparência frágil e voz sussurrante. Mas da legião de babás que Roxanne entrevistou, apenas Alice conseguiu convencer Roxanne de que Nathaniel ficaria seguro e feliz sob seus cuidados.

Havia algo nos olhos dela, pensou Roxanne agora enquanto atravessava o corredor. Aqueles olhos cinza-claros, quase transparentes, e aquela generosidade que havia neles. Sua natureza prática quase abriu o caminho para as candidatas mais experientes, mas Nate sorriu para Alice do berço, e foi isso.

Roxanne ainda se perguntava quem tinha feito a escolha. Agora, Alice era da família. Aquele único sorriso de um bebê de seis meses de idade acrescentou mais um elo à cadeia Nouvelle.

Roxanne preferiu a escada e desceu um andar para enfrentar outro elo. O elo perdido, pensou maldosamente, e colocou os ombros para trás quando bateu na porta de Luke.

— Pontual como sempre — comentou Luke quando abriu a porta.

— Eu só tenho uma hora. Então vamos direto ao assunto. — Passou por ele, deixando um rastro leve de flores selvagens para atormentá-lo.

— Encontro amoroso?

Ela pensou no filho e sorriu.

— Isso, e não quero deixá-lo esperando. — Escolheu uma poltrona, sentou-se e cruzou as pernas. — Vamos escutar o plano, Callahan.

— Como quiser, Nouvelle. — Viu os lábios dela estremecerem, mas ela conseguiu dominá-lo e sorrir. — Quer tomar um vinho antes do almoço?

— Nada de vinho, nada de almoço. — Ela fez um gesto, um leve movimento do pulso. — Vamos conversar.

— Diga-me o que você falou na coletiva de imprensa.

— Sobre você? — Arqueando uma sobrancelha, ela recostou. — Eu disse que colocaria alguém no espetáculo que os surpreenderia. Um feiticeiro que viajou o mundo aprendendo segredos dos maias, os mistérios dos astecas e a magia dos druidas. — Ele abriu um leve sorriso. — Espero que você esteja à altura.

— Posso lidar com isso. — Ele pegou um par de algemas de aço na mesa de centro e brincou com elas enquanto falava. — Você não estava tão distante da verdade. Eu aprendi algumas coisas.

— Por exemplo? — perguntou quando ele lhe entregou as algemas para inspecionar.

— Como atravessar paredes, fazer um elefante desaparecer, subir em uma coluna de fumaça. Em Bangcoc, eu escapei de um baú cravado de pregos. E fui embora com um rubi do tamanho do meu polegar. No Cairo, foi uma caixa de vidro jogada no Nilo, e esmeraldas quase tão verdes quanto seus olhos.

— Fascinante — disse ela, e bocejou deliberadamente ao entregar as algemas para ele. Não encontrara nenhuma armadilha secreta.

— Passei quase um ano na Irlanda, em castelos assombrados e pubs cheios de fumaça. Encontrei lá algo que não encontraria em nenhum outro lugar.

— O quê?

— Podemos dizer que foi a minha alma. — Observou-a enquanto colocava as algemas no próprio pulso. — Eu reconheci a Irlanda, as montanhas, as cidades, até o ar. O único outro lugar que estive que me atraiu assim foi Nova Orleans. — Afastou os pulsos de forma que o metal estalou. — Mas isso deve ter sido porque você estava lá. Vou levá-la à Irlanda, Rox. — A voz dele parecia uma seda. — Imaginei você lá, imaginei fazer amor com você em um daqueles campos verdes com névoa envolvendo tudo à nossa volta como fumaça e o som de harpa no ar.

Não conseguia afastar os olhos do olhar dele ou da imagem que ele tão habilidosamente evocava. A magia dele era tanta que ela conseguia vê-los, deitados na grama, envolvidos pela névoa. Podia até sentir a mão dele em sua pele, aquecendo-a, acariciando-a conforme os antigos desejos se consumiam como folhas secas pelas chamas quentes.

Ela cravou as unhas nas palmas das mãos, e então desviou o olhar.

— Boa tentativa, Callahan. Muito apropriada. — Mais calma, fitou-o de novo. — Experimente com alguém que não o conheça.

— Você é uma mulher difícil, Roxy. — Ele segurou as algemas por uma das pontas e deixou cair no colo dela. Sentiu uma pontada de satisfação quando ela sorriu.

— Você também não perdeu o seu toque pelo que estou vendo. Mas é estranho. Se você continuou trabalhando e teve tanto sucesso durante todos esses anos, por que eu não ouvi falar de você?

— Imagino que tenha ouvido sim. — Levantou-se para atender à porta e continuou falando com casualidade de costas para ela. — Você deve ter ouvido falar do Fantasma.

— O... — Ela mordeu a língua quando o garçom do serviço de quarto entrou empurrando o carrinho. Esfregando uma mão na outra, ela esperou enquanto o almoço era servido e Luke assinava a nota. Naturalmente, ela ouvira falar do Fantasma, o estranho mágico avesso à publicidade que aparecia em todos os cantos do mundo, depois desaparecia de novo.

— Pedi para você — disse Luke ao se sentar à mesa. — Acho que eu me lembrei do que você gosta.

— Eu já disse que não tenho tempo para almoçar. — Mas a curisidade fez com que ela se aproximasse. Asas de frango fritas. Os lábios dela se estreitaram ainda mais enquanto seu coração acelerava. Perguntou-se como ele conseguiu, já que ela sabia que não havia esse prato no cardápio do hotel. — Não gosto mais de asas de frango — disse ela, e teria dado as costas se ele não a tivesse segurado pela mão.

— Sejamos civilizados, Rox. — Estalou a mão e apareceu uma rosa, que ele deu a ela.

Ela aceitou o botão, mas se recusou a ser seduzida.

— Isso é o melhor que você vai conseguir.

— Se você não comer comigo, eu vou achar que é porque o prato faz com que você se lembre de nós dois. E vou achar que você ainda é apaixonada por mim.

Ela resolveu a situação, jogando a rosa em cima da mesa e, sem nem ao menos sentar, pegou uma asa de frango e deu uma mordida.

— Satisfeito?

— Isso nunca foi um problema entre nós. — Sorrindo, entregou um guardanapo para ela. — Você vai se sujar menos se sentar. — Levantou as mãos. — Relaxe. Não tenho nada na manga.

Ela sentou e começou a limpar o molho de seus dedos.

— Então, você trabalhava como o Fantasma. Eu não tinha certeza se ele realmente existia.

— Essa era a beleza. — Luke recostou, apoiando um pé sobre o joelho.. — Eu usava uma máscara, fazia o truque, ganhava um extra se chamasse a atenção e seguia em frente.

— Em outras palavras... — O molho estava uma delícia. Ela lambeu um pouco do polegar. — Você continuava a fraude.

Isso deixou o olhar dele em chamas e, ela esperava, o orgulho também. Ele lançou um olhar capaz de derreter ferro.

— Eu não era uma fraude. — Embora tivesse conseguido ganhar alguns trocados com o Monte de Três Cartas e com os Copos e Bolas. — Eu estava fazendo turismo.

Ela soltou um ruído pouco feminino e voltou para seu frango.

— Certo. E agora você decidiu que está pronto de novo para o grande público.

— Eu sempre estive pronto para o grande público. — A única forma na qual ele estava externando sua irritação era batendo os dedos no tornozelo. Mas ela o conhecia, conhecia bem demais, e estava satisfeita por ter conseguido acertar um ponto franco. — Você não quer explicações sobre onde eu estava nem por quê, então digamos que eu estava em anos sabáticos.

— Ótima palavra, sabático. Abrange uma área grande. Ok, Callahan, seus anos sabáticos acabaram. Qual é o acordo?

— Os três espetáculos vão acontecer juntos. — Serviu mais vinho de ouro para si, deixando a taça dela vazia. — O show, o leilão e o assalto. mesmo fim de semana.

Ela levantou as sobrancelhas. Foi a única reação que ela decidiu mostrar a ele.

— Ambicioso, não?

— Eu sou é bom, Roxy. — O sorriso era um desafio, do tipo que Lúcifer faria ao Paraíso. — Tão bom quanto sempre, talvez melhor.

— E modesto.

— A modéstia é como diplomacia. É para os fracos. O show será a distração para o leilão. — Mostrou a palma da mão vazia, virou a mão e apareceu um rublo dançando entre seus dedos. — O leilão tira a atenção do serviço na casa de Wyatt. — O rublo desapareceu. Depois de estalar os dedos, ele jogou três moedas na taça dela.

— Esse é um truque velho, Callahan. — Disposta a jogar, ela pegou as três moedas. — Barato como papo-furado. — Com um floreio, ela virou a palma da mão para cima para mostrar que as moedas tinham se transformado em bolinhas prateadas. — Isso não impressiona.

Droga, ele não percebera que o desinteresse estimulava.

— Tente isto. Você se junta aos famosos depois do nosso show. Será uma convidada de honra, ansiosa para dar alguns lances.

— E você?

— Resolvendo alguns detalhes no teatro, mas vou me juntar a você, que estará dando lances ousados contra um determinado cavalheiro em um anel de esmeralda, mas ele deve ganhar.

— E se outros participantes também quiserem o anel?

— Qualquer que seja o lance, ele vai cobrir. Ele é francês, rico e romântico, e quer o anel para a noiva. Mais alors. — Luke falou francês com tanta naturalidade que Roxanne até piscou. — Quando ele examinar o anel, como um bom francês faria, vai descobrir que é uma imitação.

— O anel é falso?

— O anel e vários outros itens. — Entrelaçou os dedos e apoiou o queixo neles. Seus olhos brilhavam com aquela velha excitação e quase a fizeram sorrir. — Porque nós, meu único amor, teremos trocado naquelas horas escuras antes do amanhecer. E enquanto Washington e sua ótima policia estiverem ocupados com o ousado assalto de milhões em joias iremos para Maryland discretamente e tiraremos a pedra filosofal do aspirante a senador.

Havia mais, um mais muito importante, mas cronometraria o tempo para contar a ela com tanto cuidado quanto o fazia em suas apresentações.

— Interessante — disse ela com uma voz entediada, embora estive fascinada. — Só tem um detalhe que não entendi.

— Qual?

Ela afunilou as mãos e despejou as moedas dele ao lado do prato.

— Como vamos entrar em uma galeria de arte altamente protegida?

— Da mesma forma que entramos em uma casa de subúrbio, Roxy. Com habilidade. E também ajuda o fato de eu ter o que poderíamos chamar de arma secreta.

— Arma secreta?

— Segredo. — Pegou a mão dela antes que ela pudesse escapar e levou até seus lábios. — Sempre tive uma queda pelo gosto de molho de churrasco na pele de uma mulher — Observando-a, passou a língua pelos dedos dela. — Principalmente na sua pele. Você se lembra do dia em que fizemos aquele piquenique? Deitamos no tapete e ficamos escutando a chuva? Acho que comecei mordiscando seus dedos e fui subindo. — Virou a mão dela para arranhar os dentes no seu pulso. — Eu nunca me cansava de você.

— Não me lembro. — A pulso dela estava acelerado. — Já fui a muito piqueniques.

— Então, vou refrescar a sua memória. Nós comemos exatamente o que estamos comendo agora. — Levantou-se, puxando-a devagar, até que ficasse de pé. — A chuva escorria pelas janelas, a luz estava fraca. Quando eu toquei você, você tremeu, exatamente como está tremendo agora.

— Não estou tremendo. — Mas estava.

— E eu beijei você. Aqui. — Roçou os lábios na têmpora dela. — E aqui. — Abaixo do maxilar. — E então... — Parou, com um xingamento, quando a chave virou na fechadura.

— Que cidade! — Jake entrou, carregado de sacolas. — Poderia passar uma semana inteira.

— Que tal mais uma hora? — murmurou Luke.

— O000ps. Estou interrompendo. — Sorrindo, colocou as sacolas no chão e cruzou o cômodo para pegar a mão caída de Roxanne e apertar. —Eu estava ansioso para conhecê-la. Queria aparecer no seu camarim ontem à noite, mas teria custado a minha vida. Sou Jake Finestein. Sócio de Luke.

— Sócio? — repetiu Roxanne.

— Roxanne, nossa arma secreta. — Desgostoso, Luke se sentou e serviu mais vinho.

— Entendo. — Ela não fazia ideia. — Qual é exatamente o seu segredo, st Finestein?

- Jake. — Passou em volta dela e pegou uma asa de frango. — Luke ainda não lhe informou? Podemos dizer que eu sou um prodígio.

— Um sábio idiota — corrigiu Luke e fez Jake gargalhar com entusiasmo, soluçando, que era seu jeito muito peculiar.

— Ele está irritado, só isso. Achava que você ia se jogar nos braços dele. O cara é um ótimo ladrão, mas não entende nada de mulheres.

Roxanne abriu um sorriso genuíno.

— Acho que gosto do seu amigo, Callahan.

— Eu não disse que ele era meu amigo. Está mais para um espinho no meu dedo, uma pedra no meu sapato.

— Uma mosca na sua sopa. — Jake piscou e deu um soco nos próprios óculos. — Aposto que ele não contou como eu salvei a vida dele em Nice.

— Não contou.

— Você quase me matou — comentou Luke.

— Você sabe como as coisas podem ficar um pouco confusas depois de alguns anos. — Sempre pronto para socializar, Jake se serviu de um pouco de vinho. — De qualquer forma, houve um pequeno desentendimento em um clube.

— Foi uma briga de bar. — Luke fez um gesto com a taça na mão. —Que você começou.

— Detalhes, detalhes. Foi uma questão com uma jovem atraente... quero dizer a-tra-en-te mesmo... e um cavalheiro um tanto autoritário.

— Uma prostituta e um cliente — murmurou Luke.

— Eu não ofereci para pagar mais? Negócios são negócios, não é verdade? Eles não assinaram um contrato. — Embora com seu senso de livre comércio ofendido, com um suspiro e dando de ombros, Jake continuou — De qualquer forma, uma coisa levou a outra, e quando Luke se intrometeu...

— Quando eu me intrometi para evitar que você levasse uma facada na costela.

— Que seja. Houve uma discussão. Fui eu quem acabou com o cara com uma garrafa de uísque na cabeça antes que ele cortasse a sua garganta, e que agradecimento eu recebo? Eu o arrastei para fora, bati com a minha perna em uma cadeira e fiquei dias sem andar direito. O hematoma. — Levant uma das mãos. — Era do tamanho de uma bola de beisebol. — Fez uma careta ao se lembrar, deu um gole e suspirou. — Mas eu estou viajando.-

- Qual é a novidade?

Para mostrar que não havia ressentimentos, Jake bateu no ombro de Luke.

— Descobri que Luke aqui é mágico, e ele descobriu que eu sou para os computadores o que DiMaggio foi para o beisebol. Um rebatedor de peso. Não existe sistema que eu não consiga quebrar. É um dom. — Abriu o. sorriso de dentes perfeitamente alinhados e fez Roxanne se lembrar de um castor de óculos. — Só Deus sabe de onde vem. Meu pai tinha uma padaria judaica no Bronx e mal sabia usar uma caixa registradora. Eu, é só me. um teclado que estou no paraíso. Então, uma coisa leva a outra, e nós nos juntamos.

— Jake estava na Europa fugindo de uma acusação de falsificação.

— Um pequeno erro de cálculo — disse Jake sem dar muita importância, mas a cor subiu pelo pescoço branco dele. — Os computadores são a minha paixão, srta. Roxanne, mas falsificação é a minha arte. Infelizmente, fiquei ansioso demais e me apressei.

— Acontece até com os melhores — disse Roxanne, tranquilizando-o, e ganhou sua gratidão eterna.

— Uma mulher compreensiva é mais valiosa do que rubis.

— Ela tem sido pouco preciosa para mim.

Roxanne arqueou uma sobrancelha para Luke.

— Sabe, Callahan, eu gostei do Jake. E estou presumindo que a sua habilidade com computadores vai nos fazer passar pela segurança.

— Ainda não foi inventado um sistema que vá me impedir. Vou colocar vocês para dentro, srta. Roxanne, e para fora. Quanto ao restante...

— Vamos dar um passo de cada vez — interrompeu Luke. — Temos muito trabalho, Rox. Está disposta?

— Eu me garanto, Callahan. Sempre me garanti. — Virou-se para Jake com um sorriso.  — Já esteve em Nova Orleans?

— Não vejo a hora de ter esse prazer.

— Vamos voltar amanhã. Gostaria que fosse jantar conosco quando for conveniente para você. — Ela lançou um olhar rápido para Luke. — Pode levá-lo junto.

— Vou mantê-lo sob controle.

— Tenho certeza de que sim. — Pegando a taça de Luke, ela brindou com Jake, fazendo os olhos escuros dele brilharem. — Acho que esse é o começo de uma linda amizade. Deu um gole antes de largar o copo. — Agora, vocês vão me dar licença, mas tenho um encontro. Vou esperar notícias.

Jake colocou a mão no coração quando Roxanne fechou a porta ao sair.

— Nossa! Que mulher!

— Dê um passo nessa direção, cara, e você vai comer de canudinho.

— Acho que ela gostou de mim. — Estrelas brilhavam por trás das lentes. — Acho que ela ficou impressionada.

— Olhe pra você, Finestein, e vá pegar suas ferramentas. Vamos ver o quanto você consegue se aproximar da assinatura de Wyatt.

— Nem mesmo o gerente dele vai ver a diferença, Luke. Confie em mim.

— Tenho que confiar — murmurou Luke. — Esse é o problema.

 

TALVEZ ESSE fosse o papel mais difícil que já tinha desempenhado. Certamente, era o mais importante. Pegando um desvio em seu caminho de Washington para Nova Orleans, Luke chegou na propriedade de Wyatt. no Tennessee com o chapéu na mão e vingança no coração.

Sabia que tinha de ser feito, a súplica, a humilhação, o rosto assustado. Podia ferir o orgulho, mas manter os Nouvelle em segurança era muito mais importante do que manter seu ego. Então, usaria uma máscara — não uma máscara literal como a que ele usou nos últimos cinco anos —, mas uma que convenceria Sam Wyatt a aceitar a volta de Luke. Pelo menos temporariamente.

Só precisava de alguns meses. No final deles, teria tudo o que queria. Ou não teria nada.

Bateu na porta e esperou. Quando uma empregada uniformizada atendeu, Luke baixou a cabeça e engoliu seco.

— Eu, ah, o sr. Wyatt está me esperando. Sou Callahan. Luke Callahan.

Ela assentiu e o acompanhou pelo corredor que ele se lembrava até o escritório onde ele testemunhara um assassinato e sofrera sua espécie de morte.

Assim como cinco anos antes, Sam estava sentado atrás da mesa. Desta vez, além dos móveis elegantes, havia um pôster de campanha enorme em um cavalete. O sorriso da fotografia brilhava com sinceridade e charme. Com letras pretas sublinhadas de vermelho e azul, estava escrito:

 

   SAM WYATT PARA O TENNESSEE

     SAM WYATT PARA A AMÉRICA

 

Em um pote na beirada da mesa, havia um monte de broches exibindo o mesmo rosto, o mesmo sentimento.

Quanto ao candidato em si, Sam mudara pouco.

Luke notou que alguns fios grisalhos brilhavam em suas têmporas, leves linhas apareciam ao lado dos seus olhos quando ele sorria. E ele sorria muito. Muito mesmo, pensou Luke, como uma aranha deve sorrir quando vê uma mosca lutando na teia.

— Bem, bem, o filho pródigo à casa torna. Só isso — disse para a empregada, depois se recostou, ainda sorrindo, quando ela saiu e fechou a porta. — Callahan... você parece muito bem.

— Você parece... bem-sucedido.

— Sim. — Em um velho hábito, Sam virou o pulso para que pudesse admirar as abotoaduras de ouro. — Devo dizer que sua ligação ontem me deixou muito surpreso. Não achei que você teria coragem.

Luke endireitou os ombros de forma que ele sabia que pareceria uma tentativa frustrada de coragem.

— Tenho uma proposta para você.

— Ah, sou todo ouvidos. — Rindo, Sam se levantou. — Acho que devo lhe oferecer uma bebida. — Caminhou deliberadamente até o decanter de conhaque, e seus olhos brilhavam quando se virou. — Pelos velhos tempos.

Luke apenas fitou o copo oferecido e começou a respirar rápida e ruidosamente.

— Eu acho que não...

— Qual é o problema, Callahan? Perdeu o gosto por conhaque? Não se preocupe. — Sam brindou e deu um gole demorado. — Não preciso batizar a sua bebida para conseguir o que eu quero desta vez. Sente. — Era uma ordem. Dono para o cachorro. Enquanto sentia o sangue ferver, Luke deixou o líquido no copo e simplesmente obedeceu. — Agora... — Sam debruçou sobre a quina da mesa, sorrindo. — O que o fez pensar que eu permiti que você voltasse?

— Eu achei... — Luke bebeu como se para ter mais coragem. — Eu tinha esperança que já tivesse sido suficiente.

— Ah, não. — Deleitando-se em seu poder, Sam balançou a cabeça. — Entre mim e você, nunca será tempo suficiente. Talvez eu não tenha sido claro o suficiente... quanto tempo faz? Cinco anos. Foi exatamente aqui, neste mesmo escritório. Não é interessante?

Vagarosamente, foi até o lugar onde Cobb ficara caído, sangrando. O tapete era novo. Uma antiguidade italiana que ele comprara com o dinheiro da esposa.

— Acredito que você não tenha se esquecido do que aconteceu aqui?

— Não. — Luke comprimiu os lábios, desviou o olhar. — Não, não me esqueci.

— Acho que eu expliquei exatamente o que eu faria se você voltasse. O que aconteceria com você, e o que aconteceria com os Nouvelle. — Como se tendo um pensamento repentino, Sam levantou um dedo e bateu sobre os lábios. — Ou talvez você tenha perdido o encantamento com os Nouvelle depois de uma separação tão longa. Talvez não se importe mais se eu mandar o velho para a prisão, se mandar todos eles, se esse for o caso. Incluindo a mulher que você amava.

— Não quero que nada aconteça com eles. Não tem necessidade de você fazer isso com eles. — Como se para estabilizar a própria voz, Luke tomou mais um gole. O conhaque era muito bom, pensou. Uma pena não poder relaxar o suficiente para curti-lo. — Só quero uma chance de voltar para casa... só por um tempinho — acrescentou rapidamente. — Sam, Max está muito doente. Ele não deve viver muito tempo. Só estou pedindo que me deixe passar um mês com ele.

— Que tocante. — Sam foi para trás da mesa de novo. Abrindo uma gaveta, pegou um cigarro. Só se permitia fumar cinco por dia, e só em particular. No clima político atual, fumar era um erro. Podia estar bem à frente nas pesquisas, mas não era um homem que arriscaria a própria imagem. — Então, você quer passar um tempo com o velho enquanto ele morre. — Sam acendeu o cigarro, deu um longo e prazeroso trago. — E por que eu me importaria?

— Eu sei... não espero que você se importe. Mas achei que como é por tão pouco tempo. Dois meses. — Luke levantou o olhar de novo, os olhos cheios de súplicas. — Não vejo por que você se importaria.

— Você está errado. Tudo em relação a você, tudo em relação aos Nouvelle me importa. Você sabe por quê? — O sorriso cruel dele se encheu de desprezo. — Vocês, nenhum de vocês reconheceu o que eu tinha, o que eu era. Vocês me receberam por pena e me jogaram fora enojados. E vocês se achavam melhores. Vocês não passam de ladrões comuns, mas achavam que eram melhores do que eu.

A velha ira voltou, quase o sufocando. Foi o ódio que amadurecera que mantinha a sua voz clara.

— Mas vocês não eram, eram? — continuou. — Você ficou sem casa, sem país, e os Nouvelle estão carregando o peso de um velho patético que não consegue se lembrar nem do próprio nome. Mas aqui estou eu, Callahan. Rico, bem-sucedido, admirado e subindo para o topo.

 

Luke precisou se lembrar do plano, do longo prazo, da satisfação de um golpe inteligente. Se não fosse isso, teria pulado no pescoço de Sam e o esganado. Porque parte do que Sam dissera era verdade. Luke não tinha casa. E Max perdera a identidade.

— Você tem tudo que você quer. — Luke manteve os ombros caídos. —Só estou pedindo algumas semanas.

— Você sabe que é tudo que resta ao velho? — Sam suspirou, e virou seu conhaque. — Uma pena. Na verdade, eu tinha esperança de que ele ainda vivesse muito tempo, muito, muito tempo, com sua mente vegetando, o corpo encolhido e a situação toda arrancando o coração da família.

Sorriu de repente, aquele sorriso que atraía os eleitores.

— Sei tudo sobre Alzheimer. Mais do que você imagina. Eu me inspirei na terrível situação de Max, e parte da minha plataforma está escutando solidariamente as famílias que cuidam de seus entes queridos com mentes que mais parecem nabos. Ah! — Riu do brilho repentino nos olhos de Luke. — Você ficou ofendido com isso. Callahan, eu não dou a mínima para Maximillian Nouvelle ou qualquer outro igual a ele. Nabos não votam. Mas não se preocupe, quando eu for eleito vamos continuar a... ilusão —decidiu, gostando da ironia da palavra. — Vamos continuar a fazer promessas sobre pesquisas, ajuda do Estado... até cumprir algumas, já que sei como planejar a longo prazo.

Recostou e se permitiu projetar, abrindo-se para o único homem que ele sabia que não poderia prejudicá-lo.

— Essa cadeira no Senado é apenas o próximo passo, o próximo passo rumo à Casa Branca. Mais uma década e eu terei conquistado tudo. Quando eu tiver o controle, controle completo, as coisas vão ser do meu jeito. Os corações ensanguentados vão secar, e todos aqueles grupos suplicantes vão cair no esquecimento. No próximo século, os americanos vão descobrir que têm um líder que compreende o que é poder e controle. Um líder que sabe usar ambos e não tem medo de assumir algumas perdas enquanto faz isso.

A voz dele estava mais alta, como um evangelista que diz salvar almas. Luke assistia em silêncio enquanto Sam se aprofundava. Mais cedo ou mais tarde, ele ia assumir o poder, pensou Luke. Que Deus nos ajude a todos se Wyatt conseguir o que quer.

Sam tragou mais uma vez seu cigarro, depois se concentrou de novo em Luke enquanto soltava a fumaça.

— Mas acredito que você não esteja interessado em política nem no destino da nação. Seu interesse é mais pessoal.

— Eu ganhei dinheiro nesses últimos anos. — Querendo que Sam visse seu nervosismo, Luke passou a língua nos lábios. — Eu pago para você, dou o que você quiser para passar algumas semanas com Max e com os Nouvelle.

— Dinheiro? — Satisfeito, Sam jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada. — Eu pareço alguém que precisa de dinheiro? Você faz ideia de quanto eu arrecado todo mês em contribuições? É muito mais do que tenho através da minha encantadora esposa.

— Mas se você tivesse mais, você... você poderia aumentar seu tempo de campanha na televisão ou qualquer outra coisa que fosse necessária para garantir que as coisas vão acontecer de acordo com os seus planos.

— As coisas estão indo de acordo com os meus planos — respondeu Sam. — Seus olhos ficaram ainda maiores, as mãos vibrantes. — Você quer. ver os números? O povo deste estado me quer, Callahan. Eles querem Sam Wyatt. Depois que eu acabar com ele, o povo não elegeria Curtis Gunner, aquele empregadinho. Eu estou ganhando. — Bateu com as mãos na mesa, espalhando as cinzas. — Eu estou ganhando.

— Um milhão de dólares — explodiu Luke. — Com certeza, um milhão de dólares seria útil para garantir. Só quero uma coisinha em troca. Depois, desapareço de novo. Mesmo se eu quisesse ficar, mesmo se tentasse, Roxanne não permitiria. — Baixou a cabeça, um homem derrotado. — Ela deixou isso claro.

— Deixou? — Sam bateu com os dedos na mesa. Estava calmo de novo. Sabia que era importante permanecer calmo. Assim como era importante explorar quaisquer vantagens que surgissem. — Então, você a viu.

— Eu fui ver o show dela em Washington. — O medo irradiava dele quando levantou o olhar. — Só por um momento, eu não consegui me segurar.

— E o seu percurso para o verdadeiro amor encontrou mais um obstáculo? — Nada poderia deixá-lo mais satisfeito. Mas ele se questionou, porque sabia bastante sobre Roxanne e um garotinho chamado Nathaniel, — Ela substituiu você durante a sua ausência?

— Ela mal falou comigo — sussurrou Luke. — Eu a magoei, e, como não posso explicar por que fui embora, ela não se mostrou disposta a me perdoar.

Cada vez melhor, pensou Sam. Ele não sabia sobre a criança. Quanto Roxanne sofreria antes de contar para ele? E, se ela contasse, quanto mais Luke sofreria para partir de novo?

Pensou em tudo isso por um momento. Pareceu-lhe que a volta de Luke estava sendo mais proveitosa do que sua ausência. Afinal, era mais gostoso ver as pessoas sofrerem do que imaginar. E parecia que ainda seria pago para se divertir.

— Um milhão de dólares? Como você conseguiu acumular tanto?

— Eu... — Com a mão trêmula, Luke largou o conhaque. — Eu fiz shows.

— Não perdeu a mágica? Imagino que tenha continuado a roubar também. — Satisfeito com o olhar de culpa de Luke, assentiu. — Sim, eu imaginei. Um milhão de dólares — repetiu. — Vou ter que pensar. Os fundos de campanha são analisados com tanto cuidado hoje em dia. Não íamos querer nenhum indício de corrupção ou fraude para manchar a minha imagem, principalmente porque Gunner se diz tão imaculado. Eu gostaria... — Parou conforme a ideia despontava. Era tão perfeito, pensava, como se o destino tivesse lhe dado outra ferramenta.

— Acho que podemos fazer um acordo.

Com os olhos e a voz ansiosos, Luke se inclinou.

— Estarei com o dinheiro em uma semana. Posso trazer quando você disser.

— O dinheiro terá de esperar até depois das eleições. Vou pedir que meu contador encontre um canal seguro para ele. Enquanto isso, tenho um trabalho para você que vai lhe garantir o tempo que tanto quer.

Era uma curva que Luke não esperava. Tinha contado que a ganância de Sam seria suficiente.

— O que você quiser.

— Você deve se lembrar de um pequeno incidente chamado Watergate. Os assaltantes foram negligentes. Você teria de ser muito organizado, muito engenhoso.

Luke assentiu.

— Você quer que eu roube documentos?

— Eu não tenho como saber se existem documentos que valem a pena ser roubados. Mas um homem com os seus contatos deve ser capaz de produzir papéis, fotografias, esse tipo de coisa. E, se uma pessoa pode roubar, também pode plantar.

Entrelaçando os dedos, Sam se inclinou. Era tão perfeito. Com sua nova ferramenta, não apenas ganharia as eleições, mas também destruiria seu adversário política, pessoal e publicamente.

— Curtis Gunner tem um casamento feliz e tem dois filhos. O histórico dele no Senado do estado é limpo. Quero que você mude isso.

— Mudar? Como?

— Mágica. — Apoiando o queixo sobre os dedos entrelaçados, sorriu. — É nisso que você é o melhor, não é? Quero fotos de Gunner com outras mulheres, com prostitutas. E com homens também, sim, esse tipo de homens. — Teve de se segurar enquanto as gargalhadas ao pensar na imagem fizeram com que perdesse o equilíbrio. — Isso seria muito mais interessante. Quero cartas e papéis documentando o envolvimento dele com negócios ilegais, outros mostrando que ele usou dinheiro público para uso pessoal. Isso vai ser um chute no saco liberal dele. Quero que esses documentos sejam bons, impecáveis.

— Não sei como...

— Você vai encontrar um jeito. — Os olhos de Sam brilhavam. O poder estava aqui, todo aqui, ele sabia. Desta vez, nem precisou correr atrás. —Você quer fazer a sua viagem sentimental, Callahan; então pague por ela. Reúna as fotografias falsas, recibos, correspondências. Eu vou lhe dar de hoje até, digamos, dez dias antes das eleições. Isso, dez dias — murmurou para si próprio. — Quando isso vazar, quero que esteja bem fresco na mente do eleitor quando ele for para trás das cortinas votar. — Sentindo-se generoso, inclinou a cabeça. — Isso lhe dá o mesmo tempo com os Nouvelle.

— Farei o que for preciso.

— Você fará exatamente o que eu disser, ou então, quando o tempo acabar, você vai pagar. Eles todos vão pagar.

— Não sei do que está falando.

Com um novo sorriso brincando nos lábios, Sam levantou sua espátula de marfim para abrir cartas, testando a ponta com o polegar.

— Você me satisfaz com o serviço que estou lhe oferecendo, me satisfaz completamente. Ou tudo o que eu ameacei cinco anos atrás vai virar realidade.

— Você disse que, se eu fosse embora, não faria nada com eles.

Com um único golpe, ele acertou o canto de seu bloco de notas com a ponta da espátula.

— E você colocou tudo isso a perder voltando para cá. Você jogou os dados de novo, Callahan. O que vai acontecer com os Nouvelle depende unicamente de como você vai jogar. Entendeu?

— Entendi, sim.

Ele ia jogar, pensou Luke. E desta vez ia ganhar.

 

— E ENTÃO? - Tomado de impaciência, Jake seguiu Luke para o Cessna.

— As minhas coisas já estão no avião?

— Estão sim. Como foi com Wyatt? Eu, eu sou só um peão, eu sei. Um soldado lento atrás das linhas, só um...

— Um idiota — terminou Luke para ele. Subiu para o cockpit e começou a verificar os medidores. — Foi bem — disse quando Jake resolveu adotar um silêncio ofendido. — Se você considerar que tive de me rebaixar ao papel de um mendigo gago quando tudo que eu queria era arrancar o coração dele.

— Pelo que ouvi dizer, esse camarada não tem coração. — Jake colocou o cinto de segurança, empurrou os óculos para cima do nariz. Era óbvio que Luke estava com um humor perigoso, o que significava que o curto voo até Nova Orleans seria agitado. Como precaução, Jake tomou um Dramin e um Valium com seu refrigerante quente de laranja. — De qualquer forma, você conseguiu o tempo que queria, certo?

— Consegui. — Luke entrou em contato com a torre de comando para obter autorização para decolar. Quando começou a taxiar, olhou para Jake, que já estava pálido, com os olhos vidrados e as juntas das mãos brancas. —Também consegui um trabalho para você.

— Ah, que bom. Ótimo. — Para se proteger, Jake fechou os olhos quando o nariz do avião levantou. Como dizia para Luke toda vez, odiava voar. Sempre odiara e sempre odiaria. E tinha certeza de que era por isso que Luke o arrastava para um cockpit, em média, uma vez por semana.

— O acordo de Wyatt inclui um pouco de difamação. — Conforme o avião continuava subindo, Luke sentiu sua tensão evaporar. Amava voar. Sempre amara, sempre amaria. — É bem a sua área.

— Difamação. — Com cuidado, Jake abriu um olho. — O que você sabe sobre difamação?

— Ele quer fotos tratadas, papéis, correspondências, colocando esse Curtis Gunner em maus lençóis. Documentos ilegais, antiéticos e imorais. Daquele tipo que faz perder eleições, separa famílias e destrói vidas.

- Merda, Luke, não temos nada contra esse cara, Gunner, certo? Sei que você tem de dançar conforme a música do diabo para comprar o tempo que precisa para acabar com o Wyatt. Mas não parece justo.

Depois de estabilizar o avião, Luke acendeu um charuto.

— A vida não é justa, Finestein, se você ainda não percebeu. Faça seu trabalho, e faça bem-feito, só com um pequeno ajuste.

Jake suspirou.

— Eu disse que estava dentro, e estou dentro. Vou providenciar tudo, vai ser tão quente que vai queimar.

— Estou contando com isso.

— Então, qual é o ajuste?

Luke prendeu o charuto entre os dentes e sorriu.

— Você não vai fazer sobre Gunner, mas sobre Wyatt.

— Sobre Wyatt? Mas você disse... — O rosto pálido de Jake abriu um sorriso sonhador. O Valium estava fazendo efeito. — Agora eu entendi. Jogo duplo.

— Deus, você é rápido, Finestein. — O sorriso dele ainda estava aumentando quando Luke inclinou o avião e foi na direção de sua casa.

 

O QUARTO QUE Lily e Max um dia compartilharam agora estava totalmente equipado para os cuidados com um paciente com grave perda cognitiva. Roxanne trabalhara de perto com a equipe do hospital e com um decorador de interiores para ter certeza de que o ambiente de seu pai era seguro e prático, sem ter a atmosfera de um quarto de hospital.

Monitores e remédios eram necessários, mas, na sua opinião, cores vivas e materiais macios também eram. Max sempre adorara isso. Três enfermeiras se revezavam em plantões de oito horas, um fisioterapeuta e um psicólogo faziam visitas regulares. Mas sempre havia também flores frescas, travesseiros macios e uma ampla seleção das músicas clássicas preferidas de Max.

Uma fechadura especial fora instalada nas portas das varandas para evitar que ele entrasse ali sozinho. Roxanne não aceitara o conselho de um médico de colocar grades nas janelas e, em vez disso, pendurara novas cortinas de renda.

Seu pai podia ser um prisioneiro da própria doença, mas ela não o tornaria um prisioneiro na própria casa.

Ficava satisfeita ao ver a luz do sol atravessando a renda nas janelas e ao escutar os acordes de Chopin quando entrava no quarto de seu pai. A dor não era mais tão intensa quando ele não a reconhecia. Passara a aceitar que haveria dias bons e dias ruins. Agora, vendo-o sentado à sua escrivaninha, pacientemente brincando com bolas de espuma entre os dedos, ela sentiu um pequeno alívio.

Hoje ele estava contente.

— Bom dia, srta. Nouvelle. — A enfermeira do plantão da manhã estava sentada perto da janela lendo. Deixou o livro de lado e sorriu para Roxanne. — O sr. Nouvelle está praticando um pouco antes da terapia.

— Obrigada, sra. Fleck. Se quiser tirar um intervalo de dez ou quinze minutos, LeClerc acabou de preparar um café.

— Seria bom tomar uma xícara, sim. — A sra. Fleck era enfermeira há vinte anos e tinha olhos generosos. Foram os olhos mais do que a experiência que motivaram Roxanne a contratá-la. Levantou o corpo robusto da cadeira e tocou o braço de Roxanne ao sair do quarto.

— Olá, papai. — Roxanne atravessou o quarto até a escrivaninha e se debruçou para dar um beijo no rosto do pai. Estava tão magro, mas tão magro, que ela às vezes se perguntava como a frágil pele aguentava a pressão do osso. — Está um lindo dia. Já olhou lá fora? Todas as flores de LeClerc estão florescendo, e Mouse instalou uma fonte no quintal. Talvez você queira se sentar um pouco lá mais tarde e escutar a água.

— Tenho que praticar.

— Eu sei. — Ela estava de pé, com a mão apoiada de leve no ombro dele, vendo os dedos retorcidos se esforçando para manipular as bolas. Em uma época, ele estalava os dedos e produzia fogo, mas era melhor não pensar nisso. — O show foi ótimo. O grand finale foi especialmente bom. Oscar se mostrou um bom canastrão e um guarda e tanto. Nem Lily fica mais nervosa perto dele.

Ela continuou falando, sem esperar uma resposta. Era raro o dia em que Max parava o que quer que estivesse fazendo para olhar para ela, muito menos entrar em uma conversa.

— Levamos Nate ao zoológico. Ele amou. Achei que não ia conseguir tirá-lo da caverna das cobras. Ele está tão grande, pai. Às vezes eu olho para ele e mal posso acreditar que é meu filho. Você se sentia assim quando eu estava crescendo? Você alguma vez olhou e se sentiu tonto e se perguntou como aquela pessoa saiu de você?

Uma das bolas caiu no chão. Roxanne se abaixou para pegá-la, depois agachou de forma que seus olhos ficaram no mesmo nível dos de Mas quando lhe devolveu a bola.

O olhar de Max se desviou do dela, como uma aranha que procura um canto para tecer a teia. Mas ela era paciente e esperou até que ele olhasse de novo para ela.

— Você se preocupava o tempo todo? — perguntou ela baixinho. — No fundo da sua mente, durante todo o dia a dia de trabalho? Você sempre estava com medo de fazer alguma coisa errada, dizer alguma coisa erra• fazer uma escolha errada? As coisas nunca ficam mais fáceis, né? Ter um filho é tão maravilhoso e tão assustador.

O sorriso de Max se abriu aos poucos. Para Roxanne, era assistir ao sol nascer no deserto.

— Você é muito bonita — disse ele, acariciando os cabelos dela. — Agora, preciso praticar. Você gostaria de vir ao meu espetáculo e me ver cortar uma mulher ao meio?

— Sim. — Ela o observou brincar com as bolas nos dedos. — Seria ótimo. — Esperou um momento. — Luke voltou, papai.

Ele continuou brincando com as bolas, o sorriso dando lugar ao cenho franzido de preocupação.

— Luke — disse ele após uma longa pausa. E de novo: — Luke.

— Isso. Ele quer vê-lo. Posso permitir que ele venha visitar?

— Ele saiu daquela caixa? — Os músculos faciais dele começaram a se agitar. As bolas caíram, quicando. O tom de voz dele ficou mais alto, petulante e exigente. — Ele saiu?

— Saiu. — Roxanne pegou as mãos inquietas do pai. — Ele está bem. Vou encontrá-lo daqui a pouco. Você quer que eu o traga para vê-lo?

— Não enquanto eu estiver praticando. — A voz de Max soou um pouco mais alta, rouca.  — Preciso praticar. Como posso acertar se não praticar?

— Tudo bem, papai. — Para acalmá-lo, Roxanne juntou as bolas e as arrumou ao alcance dele em cima da mesa.

— Eu quero vê-lo — murmurou Max. — Eu quero vê-lo quando ele sair da caixa.

— Vou trazê-lo. — Deu outro beijo no rosto dele, mas Max já estava envolvido em apertar as bolas de esponja nas palmas das mãos.

 

QUANDO ROXANNE desceu a escada, já tinha uma estratégia traçada. Luke estava de volta; não podia ignorar isso. Nem ignoraria o vínculo dele com Max. Mas isso não significava que não ficaria vigiando-o como um falcão quando permitisse a visita.

Da mesma forma que havia os passos necessários a se dar antes de um serviço, havia passos necessários para se dar com Luke. Trabalharia com ele porque lhe era conveniente, porque a proposta dele a intrigou e porque se ele não mudou nos últimos cinco anos, ele era o melhor. No palco ou abrindo um cofre.

Então o usaria para seus próprios fins, pegaria a sua parte do lucro e iria embora.

Exceto que havia Nathaniel.

Parando no penúltimo degrau, Roxanne pegou uma Ferrari em miniatura. Colocou no bolso, mas ficou com os dedos nela, pensando na criança cujos dedos a guiavam em corridas pelo tapete ou longos passeios pelo cimento do quintal. A criança que neste momento estava em sua sala de aula pré-escolar, aproveitando a manhã com seus atuais melhores amigo. Será que podia ignorar o vinculo de Luke com o menino que ele nem sabia que existia? Será que essa era uma ilusão que deveria manter pelo resto de sua vida?

Mais tempo, pensou enquanto se dirigia para a cozinha. Precisava de mais tempo.

Não ajudou em nada para sua paz de espírito encontrar Luke lá, sentado à mesa à qual se sentara tantas vezes durante toda sua vida, parecendo muito à vontade com uma xícara de café na mão e o último pedaço de sonho na outra.

LeClerc estava rindo, tão obviamente satisfeito por ter o filho pródigo de volta em casa, tão obviamente pronto para perdoar e esquecer que Roxanne estava ainda mais determinada a não fazer nada disso.

— É um truque e tanto, Callahan, a forma como você passa pelas fendas.

Cumprimentou-a com um sorriso fácil.

— Uma das cinco coisas que eu mais senti falta enquanto estava longe foi da comida de LeClerc.

— Esse garoto sempre foi um apetite ambulante. Sente-se, mocinha. Vou servir o seu café.

— Não, obrigada. — Sabia que sua voz estava fria, e sentiu uma pontada quando viu os olhos de LeClerc se desviarem dos dela. Droga, o que eles esperavam, que ela contratasse uma banda? — Se você já terminou seu petite déjeuner, podemos trabalhar.

— Quando você quiser. — Levantou-se, pegando outro sonho da cesta sobre a mesa. — Vou levar um para comer na estrada. — Piscou para LeClerc antes de sair pela porta que Roxanne estava segurando. — Ele ainda cuida do jardim sozinho? — perguntou Luke quando cruzaram o quintal margeado de flores.

— De vez em quando, ele deixa... — Nate. — Um de nós ajudar — terminou ela. — Mas ele ainda é um tirano com as rosas dele.

 

— Parece que ele nem envelheceu. Eu estava com medo. — Fez uma pausa, cobrindo a mão dela com a sua quando ela segurou a maçaneta da sala de ensaio. — Acho que você não vai entender, mas eu estava com medo de que eles tivessem mudado. Mas, quando eu estava na cozinha agora mesmo, foi como sempre foi. Os cheiros, os sons, a sensação de estar ali, a mesma coisa.

— E isso facilita as coisas para você.

Ele gostaria de poder culpá-la por colocar o dedo na ferida com tanta precisão.

— Não totalmente. Você mudou, Rox.

— Mudei? — Virou-se. Ele estava mais perto do que ela gostaria, mas ela não se afastaria, nem se aproximaria. Em vez disso, ficou parada e abriu um sorriso frio.

— Teve uma época em que eu conseguia ler tudo no seu rosto — murmurou ele. — Mas você mudou. Sua aparência é a mesma, seu cheiro é o mesmo, sua voz é a mesma. Fico imaginando se eu fosse com você para a cama, se seria a mesma coisa, mas você apertou aquele botão que faz as pessoas mudarem. — Com os olhos fixos nos dela, passou a mão pelo seu rosto. — Agora tem uma mulher por cima da que eu me lembro. Qual é você, Roxy?

— Sou exatamente quem eu quero ser. — Ela virou a maçaneta e empurrou a porta. — Sou a mulher que eu quis ser. — Acendeu as luzes, iluminando a grande sala de ensaio com suas caixas coloridas e longos tablados de mágica. — Então, você viu o espetáculo. Deve ter uma boa ideia de como trabalho agora. O estilo básico é a elegância, toques de luz, mas sempre com graça e fluidez.

— Vi, muito bonitinho. — Luke mordeu o sonho, espalhando açúcar. —Talvez com o lado feminino um pouco exagerado.

— Mesmo? — Ela arqueou uma sobrancelha. Pegou a adaga de prata com o punho cravejado de pedras que ela usava como objeto cênico. —Suponho que você ia preferir entrar no palco como um pavão, com o peito inchado e os músculos flexionados.

— Podemos chegar a um equilíbrio.

Debruçando-se um pouco no tablado, Roxanne bateu com a lâmina na palma da mão.

— Callahan, acho que estamos tendo um problema de comunicação aqui. Eu sou o show. Estou até disposta a deixar você voltar aos palcos como parte do espetáculo, mas eu sou e vou continuar sendo a estrela.

— Minha volta aos palcos. — Passou a língua sobre os dentes. — Você está certa sobre uma coisa, amor. Estamos tendo um problema de comunicação. Quem parte pode voltar. E eu deixei todos de queixo caído na Europa.

— É bom saber que aquelas pequenas aldeias ainda estão enchendo os circos, não?

Os olhos dele estreitaram, brilharam.

— Por que você não abaixa a faca para dizer isso?

Ela apenas sorriu, passando a ponta do dedo pela lâmina da adaga.

— Agora, pelo meu ponto de vista, faremos uma única apresentação. A publicidade será suficiente para garantir a casa cheia. "Uma Noite de Mágica com Roxanne Nouvelle". — Ela mexeu a cabeça de forma que seus cabelos se agitaram. — Com uma aparição especial de Callahan.

— Pelo menos o seu ego não mudou. Sócios, Roxanne. — Chegou mais perto. — Você quer ser a estrela. Vou ser um cavalheiro nesse aspecto. Mas os cartazes dirão "Nouvelle e Callahan".

Ela deu de ombros.

— Vamos negociar.

— Olhe, não vou perder o meu tempo com esses detalhes insignificantes.

— Insignificantes? Quer falar sobre insignificância? — Ela foi na direção dele e colocou a adaga contra o peito dele. O olhar assustado no rosto de Luke fez com que ela batesse no tablado e caísse na gargalhada.

— Meu Deus, que idiota.

— Bonito. — Ele esfregou o peito onde a faca encostara. O coração embaixo quase parara. — Muito bonito. Agora você quer tratar de negócios ou continuar brincando?

— Claro, vamos cuidar dos negócios. — Deixou a faca de lado e subiu no tablado. — O show é meu e dura uma hora e quarenta e cinco minutos. Estou disposta a lhe dar quinze.

— Quero cinquenta, incluindo os dez para o grand finale que faremos juntos.

— Você quer o lugar de Oscar? — Como ele olhou para ela como se não estivesse entendendo, ela sorriu. — O gato, Callahan. Eu faço o grand finale com o gato.

— Vamos mudar e colocar como o último número antes do final.

— Quem colocou você no comando?

— É o meu espetáculo, Roxanne. — Deixando o assunto morrer, ele foi até um dos baús coloridos. Era tão alto quanto ele e dividido em três partes. — Quero fazer uma escapada, um número de multiplicação que estou ensaiando, uma ilusão em larga escala e uma transportação.

Para ter alguma coisa com que se ocupar, ela pegou três bolas para fazer malabarismo.

— Só isso?

— Não, o final é separado. — Virou-se e pegou outra bola. Avaliando o ritmo dela, jogou-a entre as três. Ela pegou a quarta bola sem nem piscar. — Quero fazer uma variação do número da vassoura que fizemos no cruzeiro. Já pratiquei a maior parte dos deslocamentos. Gostaria de começar a ensaiar o quanto antes.

— Você gostaria de um monte de coisas.

— É. — Ele deu um passo à frente e, rápido como uma cobra, colocou suas mãos embaixo das dela para pegar as bolas. — A alma do truque é saber quando agir e quando parar. — Sorriu para ela através do círculo de bolas. — Podemos ensaiar aqui ou na casa que eu acabei de comprar.

— Ah? — Ela detestou o fato de ter ficado interessada. — Achei que fosse ficar em um hotel.

— Gosto de ter meu próprio espaço. É uma casa bem espaçosa em Garden District. Como ainda não comprei móveis, temos muito espaço.

— Ainda?

— Eu voltei, Rox. — Passou as bolas para ela, que apenas as ignorou. —É melhor se acostumar.

— Eu não ligo a mínima para onde você mora. Isso são negócios, e um acordo único. Não vá achando que você está de volta à equipe.

— Já estou — disse ele. — É isso que mais irrita você. — Levantou uma das mãos, pedindo paz. — Por que não vemos como vamos lidar com essa situação? Mouse e Jake já estão pensando juntos sobre como driblar a segurança, e...

— Espere aí. — Furiosa, ela pulou do tablado. — O que você quer dizer com estão pensando juntos?

— Quero dizer que jake veio comigo. Ele e Mouse saíram para conversar sobre eletrônicos.

— Não vou aceitar isso. — Empurrou-o a fim de ter espaço para andar de um lado para o outro. — Certo? Eu não vou aceitar isso. De forma alguma vou aceitar que você volte e vá assumindo o controle. Eu estou cuidando de tudo sozinha há quase três anos. Desde que Max... desde que ele não conseguiu mais. Mouse é meu.

— Eu não sabia que ele tinha se tornado propriedade sua desde que eu fui embora.

Furiosa, ela se virou.

— Você sabe muito bem o que eu quis dizer. Ele é da minha família. Ele é da minha equipe. Você abriu mão disso.

Ele assentiu.

— Abri mão de muita coisa. Você quer tornar o assunto pessoal. Ok. Eu passei cinco anos vivendo sem tudo que importava para mim. Porque isso tudo importava. Agora eu estou retomando tudo, Roxy. Tudo. — Que se dane a cautela, a cortesia, o controle, pensou ao agarrá-la pelos ombros. —Cada pedacinho. Nada vai me impedir.

Ela poderia ter se afastado. Poderia ter arranhado e mordido e lutado para se soltar. Mas não fez nada disso. Algo nos olhos dele, algo selvagem e infeliz, fez com que ela ficasse parada no lugar quando ele grudou a boca na dela.

Ela sentiu o gosto da fúria e da frustração e de algo mais, um desejo intenso demais para palavras, forte demais para as lágrimas. Aqueles velhos desejos cuidadosamente enterrados vieram à tona com tanta força que ela respondeu à gula com gula.

Ah, como ela o desejava ainda. Como ela queria apagar o tempo e o espaço e simplesmente recomeçar. Era exatamente como tinha sido: o gosto dele, a forma com que a boca dele se colocava sobre a sua, a rapidez da língua, a excitação que fazia o corpo dela buscar urgentemente a completude.

Mas não era a mesma coisa. Mesmo quando os braços dela o envolveram, sentiu que ele estava mais magro. Como se ele tivesse pegado uma faca e cruelmente cortado o próprio corpo, deixando só músculos e ossos. Além do físico, ela também sentia outras diferenças. Este Luke não iria rir com tanta facilidade, descansar com tanta facilidade nem amar com tanta doçura.

Mas, ainda assim, ela o desejava.

Ele podia tomá-la ali naquele tablado onde a mágica acontecia há uma geração. No chão, onde pó mágico se espalhava. Aqui e agora. E se fizesse isso, se tomasse de volta o que estava perdido, talvez encontrasse a sua salvação. Talvez encontrasse a paz. Mas, mesmo se isso o levasse ao inferno e ao caos, ainda assim agradeceria a Deus pela chance. Deixou sua mente se entregar a esse pensamento enquanto suas mãos exploravam o corpo que se encaixava tão perfeitamente ao seu.

Ela era única. Sempre única. Nada nem ninguém o impediria de tomá-la de volta para si.

Exceto ele mesmo.

— É a mesma coisa. — Separou sua boca da dela e a colou no pescoço. — Droga, Roxanne, é a mesma coisa entre nós. Você sabe disso.

— Não, não é. — Ainda assim, ela se agarrava a ele, cheia de desejo.

— Diga-me que não sente. — Furioso e frenético, afastou-a para olhar seu rosto. Viu o que precisava ver ali: os olhos pesados, a pele pálida, a boca inchada. — Diga que não sente o que fazemos um com o outro.

— Não importa o que eu sinto. — O tom de voz dela aumentou, como se gritando pudesse convencer a si mesma. — O que importa é o que é. Vou confiar em você no palco. Vou até confiar em você no outro trabalho. Mas em mais nada, Luke. Em mais nada, nunca mais.

— Então, farei sem confiança. — Enfiou os dedos nos cabelos dela, passando-os por entre os fios. — Ficarei com o que restar.

— Você está esperando eu dizer que lhe desejo. — Ela se afastou, permitindo-se respirar fundo. — Ok, eu desejo você, e talvez eu decida fazer alguma coisa para resolver isso. Sem compromisso, sem promessas, sem bagagem.

Ele sentiu como se alguém estivesse apertando os músculos de sua virilha como se fosse massa de pão.

— Decida agora.

Ela quase riu. Havia tanto do velho Luke no comando.

— Sou cautelosa com sexo. — Ela lhe lançou um olhar direto. — E só seria isso.

— Você é cautelosa — murmurou ele, aproximando-se dela de novo —, porque tem medo de que seja muito mais. — Abaixou a cabeça para beijá-la de novo, mas desta vez ela o segurou com a mão espalmada no peito dele.

— Essa é a sua resposta para tudo?

Porque, quer ela soubesse ou não, eles progrediram. Ele sorriu.

— Depende da pergunta.

— A pergunta é se conseguiremos planejar uma série complicada de trabalhos com nossos hormônios palpitando? — Ela sorriu também, desafiando-o. — Eu consigo se você conseguir.

— Feito. — Pegou a mão dela. — Mas eu vou levá-la para a cama nesse percurso. Então, por que você não vai para a minha casa? Podemos... ensaiar.

— Eu levo os ensaios muito a sério, Callahan.

— Eu também.

Com uma gargalhada, ela o surpreendeu, enfiando as mãos nos bolsos. Seus dedos sentiram o carrinho e ela se lembrou. De muitas coisas. O sorriso se apagou de seus olhos.

— Vamos deixar para amanhã.

— Como assim? — Frustrado de a cortina ter caído entre eles de novo, ele segurou o queixo dela. — Aonde você foi?

— Só não tenho tempo para trabalhar hoje.

— Você sabe que não é disso que estou falando.

— Eu tenho direito à minha privacidade, Luke. Deixe o endereço, e eu estarei lá amanhã de manhã. Para ensaiar.

— Ok. — Ele soltou a mão. — Faremos do seu jeito. Por enquanto. Tem mais uma coisa antes de eu ir embora.

— O quê?

— Deixe-me ver Max. — Ficou nervoso quando ela hesitou. — Droga, me arranhe, me morda, faça o que você quiser. Mas não me castigue assim.

— Você não me conhece, não é? — disse, cansada. Ela se virou, foi para a porta. — Vou levá-lo até ele.

ELE SABIA que seria ruim. Luke juntara todas as matérias de revistas sobre a doença de Max, lera tudo que conseguira encontrar sobre Alzheimer. Estava certo de que estava preparado tanto para as mudanças físicas como as emocionais.

Mas não sabia o quanto doeria ver o homem que na sua infância considerara maior do que a própria vida tão encolhido, tão velho e tão perdido.

Ficou durante uma hora no quarto ensolarado ao som de Mozart. Falou sem parar, mesmo quando não tinha resposta, e procurou no rosto de Max sinais de reconhecimento.

Só foi embora quando Lily entrou e gentilmente disse que estava na hora dos exercícios de Max.

— Vou voltar. — Luke colocou sua mão sobre a de Max e sentiu o pulso dele. — Tenho alguns truques que você vai gostar de ver.

— Precisa praticar — disse Max, olhando para a mão forte e fina de Luke. — Boas mãos. Precisa praticar. — Sorriu de repente. — Você tem potencial.

— Eu vou voltar — disse Luke de novo e se encaminhou para a porta, desnorteado. Encontrou Roxanne na sala de estar, olhando a rua pela janela.

— Sinto muito, Roxy. — Quando ele chegou por trás e passou o braço pela cintura dela, ela não se opôs, cedeu por um momento, encostando nele.

— Não tem ninguém a quem culpar. Tentei esse caminho no começo. Médicos, destino, Deus. Até você, porque não estava aqui. — Quando ele deu um beijo no alto da cabeça dela, ela fechou os olhos bem apertados. Mas eles estavam secos quando ela os abriu. — Ele foi para algum lugar aonde ele tinha de ir. É assim que lido com a situação. Ele não está sentindo dor, embora às vezes eu tenha medo de que exista algum tipo de dor mais profunda que eu não consiga ver. Mas sei como temos sorte por poder mantê-lo em casa e perto de nós até que ele esteja pronto para partir completamente.

— Eu não quero perdê-lo.

— Eu sei. — A compreensão foi tão intensa que ela não conseguiu não buscar a mão dele. Levantou a sua até a que estava apoiada em seu ombro e entrelaçou seus dedos com os dele. Quando o assunto era Max, ela conseguia se entregar sem limites. — Luke, eu preciso definir regras, mas não é para puni-lo. Eu gostaria que você visse Max o máximo possível. Sei que é difícil, e é doloroso, mas acredito que seja bom para ele. Você era... é... uma parte grande da vida dele.

— Não preciso lhe dizer o que eu sinto por ele, o que eu faria por ele se pudesse.

— Não. Não precisa. — Ela expirou longamente. — Só vou precisar que me avise quando quiser vir. Aparecer sem avisar atrapalha a rotina dele.

— Pelo amor de Deus, Roxanne.

— Existem razões. — Virou-se, permanecendo firme. — Eu não vou me explicar, apenas definir os limites. Você é bem-vindo aqui. Max ia querer isso. Mas nos meus termos.

— Então devo marcar hora?

— Isso mesmo. As manhãs costumam ser o melhor horário, como hoje. Entre nove e onze. — Quando Nathaniel estivesse a salvo na escola. —Assim, podemos marcar os ensaios de tarde.

— Ok. — Foi na direção da porta. — Pode me mandar uma agenda. Roxanne escutou a porta da frente bater. O eco familiar quase a fez sorrir.

 

PELA PRIMEIRA vez na vida, Roxanne sofreu a desaprovação da família. Não disseram que ela estava errada. Ninguém fez sermões, nem deu conselhos, nem deixou de sorrir ou de conversar.

Ela teria preferido isso aos murmúrios que escutava antes de entrar em um cômodo, os longos olhares de pena que sentia pelas suas costas. Eles não compreendiam. Ela dizia isso para si mesma e os perdoava — ou quase. Nenhum deles descobriu que estava grávida e abandonada e sozinha. Bem, talvez não necessariamente sozinha, corrigiu-se enquanto apoiava o queixo na mão e observava Nathaniel brincando com seus carrinhos no quintal. Ela tivera família, um lar e apoio inquestionável.

Mas nada disso compensava o que Luke fizera. Ela não o recompensaria dividindo seu filho lindo e perfeito e arriscando o equilíbrio emocional de Nate.

Por que eles não conseguiam ver isso?

Ela levantou o olhar quando a porta da cozinha se abriu e sorriu para Alice, que atravessava o quintal. Uma aliada, pensou Roxanne, orgulhosa. Alice não conhecia Luke, não tinha nenhum envolvimento emocional com ele. Ela concordaria que uma mãe tinha o direito de proteger seu filho. E a si mesma.

— Teve uma batida horrível — disse Nathaniel para Alice.

Interessada, abaixou-se, os finos cabelos louros caindo para a frente, o vestido comprido de algodão quase tocando o chão.

— Parece feio — concordou ela com sua voz calma. — Melhor ligar para a emergência.

— Emergência! — concordou Nathaniel, satisfeito e começou a fazer sons de sirene.

— Essa é a terceira batida em quinze minutos. — Roxanne bateu no banco de ferro para que Alice se sentasse. — São muitos acidentes.

— Essas estradas são perigosas. — Alice abriu seu lindo e suave sorriso. — Tentei ensinar a ele as vantagens das corridas de carrinho, mas ele prefere os engarrafamentos.

— Ele prefere os acidentes. Espero que não esteja deturpando a mente dele.

— Ah, acho que isso não vai acontecer. — Alice respirou fundo para sentir o aroma das rosas, das ervilhas-de-cheiro e da terra molhada. O quintal era seu lugar favorito, um lugar aberto com sombras, feito para se sentar e pensar. Tão típico do sul. Sendo uma ianque por opção, ela adotara tudo que era sulista com o mesmo fervor que um católico convertido adotava a igreja. — Pensei em levar Nathaniel a Jackson Square depois da escola para ele poder correr um pouco.

— Eu gostaria de poder ir com vocês. Sempre acho que estou passando pouco tempo com ele quando estou me preparando para algum serviço.

Alice aceitava todos os lados das profissões dos Nouvelle com uma facilidade filosófica. Para ela, eles não estavam roubando e sim espalhando os lucros em excesso.

— Você é uma mãe maravilhosa, Roxanne. Nunca vi você deixando o trabalho interferir nas necessidades de Nathaniel.

— Espero que não. As necessidades dele são o que há de mais importante para mim. — Riu quando ele bateu dois carros, fazendo sons de batida. — Homicida?

— Agressividade saudável.

— Você é tão boa para mim, Alice. — Com um suspiro, Roxanne recostou. Mas estava esfregando uma mão na outra, um sinal óbvio de que estava nervosa. — Tudo parecia tão equilibrado, tão certo, tão fácil. Eu gosto de rotina, sabe? Acho que vem da disciplina do mágico.

Alice analisou o rosto de Roxanne com olhos tranquilos.

— Eu não diria que você é uma mulher que não gosta de surpresas.

— Algumas surpresas. Eu não quero atrapalhar a vida de Nate. Nem a minha. Sei o que é melhor para ele. Droga, eu quero saber o que é melhor para ele. E eu certamente sei o que é melhor para mim.

Alice ficou em silêncio por um momento. Não era uma mulher de falar sem pensar. Reuniu esses pensamentos com bastante cuidado como se estivesse colhendo flores.

— Você quer que eu diga que não contar ao pai de Nate sobre ele é a coisa certa a se fazer.

— E é. — Roxanne olhou para Nate, abaixando o tom de voz cuidadosamente. — Pelo menos até eu achar que chegou a hora. Ele não tem nenhum direito sobre Nathaniel, Alice. Ele abriu mão desses direitos quando nos abandonou.

— Ele não sabia que ele existia.

Isso não vem ao caso.

— Pode não vir ao caso ou pode ser exatamente a questão. Eu não estou em posição de saber.

— Então. — Roxanne juntou os lábios, formando uma linha, para a nova traição. — Você se juntou a eles.

— Não é como escolher um lado em um jogo, Roxanne. — Como para Alice a amizade vinha em primeiro lugar, colocou a mão por cima dos dedos rígidos de Roxanne. — Independentemente do que você fizer ou não fizer, nós estaremos ao seu lado. Quer concordemos ou não.

— E vocês não concordam.

Com um suspiro, Alice balançou a cabeça.

— Eu não sei o que faria no seu lugar. E só você pode saber o que realmente se passa em seu coração. O que eu posso dizer é que, pelo que vi nesta semana que conheço Luke, eu gosto dele. Gosto da intensidade dele, da imprudência, da determinação para atingir um objetivo. Essas são algumas das razões por que eu gosto de você.

— Então você está dizendo que eu deveria deixá-lo entrar, confiar Nate a ele.

Era tão difícil dar conselhos, pensou Alice. Perguntou-se por que tanta gente gostava.

— Estou dizendo que você deve fazer o que acha certo. Independentemente do que fizer, não vai mudar um simples fato. Luke é o pai de Nathaniel.

 

LUKE, LUKE, LUKE. Roxanne espumava de raiva enquanto o via ensaiar com Lily o número da Mulher na Caixa de Vidro. Mouse e Jake se afastaram do transmissor eletrônico no qual eles estavam trabalhando para assistir.

Por que Luke voltara e, de repente, tornara-se o sol com todos os outros girando ao redor dele como planetas? Ela odiava isso.

Estava tudo errado. Estavam ensaiando aqui, na enorme sala de estar dele com pé-direito alto e elegante revestimento em gesso. De repente, estavam no domínio dele, com ele dando as ordens.

Estava tocando rock'n'roll. Ele estava acertando o seu ritmo ao de Bruce Springsteen em "Bom to Run". Eles sempre trabalhavam com músicas clássicas, pensou Roxanne, enfiando as mãos nos bolsos da calça de moletom. Sempre. E o que mais a enfurecia era que isso combinava com ele e com a ilusão.

Era rápido, excitante sensual. Tudo que ele fazia se encaixava nessas três palavras. E ela sabia muito bem que o público ia adorar. O que só piorava o humor dela.

— Bom. — Luke se virou para Lily e deu um beijo no seu rosto corado. — Tempo, Jake?

— Três minutos e quarenta. — Já tinha parado o cronômetro.

— Acho que podemos cortar mais dez segundos. — Apesar do ar-condicionado, estava suando. Mas gostava de manter o ritmo acelerado nesse número em particular. — Consegue fazer mais uma vez, Lily?

— Claro.

Claro, pensou Roxanne, com desdém. O que você quiser, Luke. Na hora que você quiser. Enojada, afastou-se para o canto mais isolado da sala. Ensaiaria o número do Giro do Cristal que ela não tivera tempo de aperfeiçoar antes do último show. Ali, além da enorme lareira de pedra, havia uma longa mesa dobrável. Vários objetos cênicos foram colocados ali, prontos para o ensaio.

Gostou particularmente do cristal em forma de diamante, com suas facetas de arco-íris. Tinha um peso bom, sólido em suas mãos. Imaginou os acordes de Tchaikovsky, o palco escuro, os feixes de luz se cruzando suavizados por gel azul, e ela vestida com uma roupa branca, brilhante e justa da cabeça aos pés.

Amaldiçoou quando um grito alto de Springsteen atrapalhou a sua concentração.

Luke captou o olhar de desprezo que ela lançou para ele e sorriu.

— Mouse, que tal nos prepararmos para a levitação? Acho que este número está pronto.

— Claro. — Mouse se mexeu para obedecer.

— Já colocou coleira em todo mundo, né? — disse Roxanne quando Luke se juntou a ela na mesa.

— Isso se chama trabalho em equipe.

— Tenho outro nome para isso. Submissão. Obediência.

— São duas palavras. — Cobriu as mãos dela que estavam sobre o cristal. — Pense desta forma, Roxanne. Assim que acabarmos com isso, você nunca mais vai precisar chegar perto de mim, a não ser que queira.

— É no que eu estou pensando. — Era melhor do que pensar como o simples toque das mãos dele fazia seu sangue ferver. — Preciso saber mais sobre o serviço na casa de Wyatt. Você está guardando as informações e eu não gosto disso.

— Você também está — disse ele, sendo justo. — E também não gosto.

— Não sei do que você está falando.

Mas ela desviou o olhar.

— Sabe sim. Tem alguma coisa que você não está me contando. Alguma coisa que todo mundo está escondendo. Quando você abrir o jogo, nós lidamos com a situação.

— Abrir o jogo? — Fitou de novo os olhos dele, e eles estavam furiosos e letais. — Alguma coisa que eu não estou contando? O que poderia ser? Vejamos... poderia ser que eu detesto você?

— Não. — Enganou-a ao passar as mãos pelos braços dela, enquanto as dela estavam presas em volta do cristal. — Na última semana, você conseguiu passar bem esse recado. E você só me detesta quando pensa no assunto.

— Mas o assunto vem tão naturalmente. — Ela abriu um sorriso tão doce quanto um punhal coberto de mel.

— Porque você ainda é louca por mim. — Deu um beijo na ponta do nariz dela quando ela soltou um som discordando. — Mas isso são negócios, certo?

— Certo.

— Então, vamos tratar de negócios. — Ele abriu um sorriso lento e perigoso. — Aí veremos o que vem naturalmente.

— Quero mais informações.

— E você vai ter. Assim como vai ter a pedra no final.

— Espere. — Segurou o braço dele quando ele começou a virar. Desequilibrada, ela colocou o cristal sobre a mesa. — O que você está dizendo?

— Que a pedra será sua quando tudo acabar. Cem por cento.

Ela analisou o rosto dele, atrás da verdade, desejando ver claramente da mesma forma como um dia já fora capaz.

— Por quê?

— Porque eu o amo também.

Não havia nada para ela dizer, porque era a pura verdade, e ela podia ver isso claramente. Sentiu um aperto no peito, limitando o ar assim como as palavras.

— Eu quero odiá-lo, Callahan. — Foi o que ela conseguiu dizer. - Eu realmente quero odiá-lo.

— Difícil, não? — Deslizou um dedo pelo rosto dela. — Eu sei, porque eu queria esquecer você. Eu realmente queria esquecer você.

Olhou nos olhos dele e, pela primeira vez desde sua volta, ele viu uma brecha. Ele conseguira penetrar, pensou um pouco enojado. Através do amor dela por Max. Não era o caminho que teria escolhido.

— Por quê? — Ela não queria perguntar, tinha medo da resposta.

— Porque amar você e me lembrar de amar você estava me matando.

Isso deixou as pernas dela bambas e o coração disparado.

— Você não vai conseguir me conquistar, Callahan.

— Ah, vou. — Pegou a mão dela para levá-la para o meio da sala. — Vou sim.

— Quase pronto. — Mouse assoviou. Era ótimo ver os dois juntos de novo, pensou. Mesmo se não estivessem sorrindo. Ficava constrangido de sentir as faíscas que soltavam deles. Para Mouse, era algo que deveria acontecer no escuro, quando duas pessoas estivessem sozinhas. Era difícil testemunhar esse tipo de intimidade.

Roxanne levantou os braços para que Mouse pudesse prender os fios. Mas não tirou os olhos de Luke. Odiava dizer que gostava dessa ilusão em particular. Ela chamuscava e fluía; tinha drama e tinha poesia.

Além disso, divertira-se discutindo com ele cada detalhe.

— Vamos usar a música? — perguntou ela.

— Vamos, eu escolhi.

— Por que...

— Porque você escolheu a iluminação.

Ela franziu a testa, mas era difícil argumentar, já que era uma troca de favores.

— Então, qual é a música?

— "Smoke Gets in Your Eyes". — Sorriu quando ela revirou os olhos. — The Platters, Roxy. Não é música clássica, mas é um clássico.

— Se você entendesse alguma coisa sobre criar um tema, saberia que a música deve ser consistente durante todo o show.

— Se você entendesse alguma coisa de instinto, saberia que mudar o ritmo causa frisson.

— Frisson. — Ela torceu o nariz e jogou os cabelos para trás. — Vamos fazer.

— Ótimo. Siga a música.

Ela levantou as mãos, balançou-as. Ele estendeu as suas, curvando os dedos como se estivesse convidando-a. Ou dando uma ordem. Resistindo, recusando, ela levantou o braço sobre o rosto, a palma da mão virada para ele, e virou de lado com fluidez. Não estava recuando. Mas seduzindo. Concentrado nela, apenas nela, ele espelhou seus movimentos, passo a passo, como se fossem ligados por cordas invisíveis. Os dedos deles roçaram, ali ficaram, depois se afastaram.

Roxanne sentia o poder tomar conta dela como vinho.

Não precisava se lembrar do script para manter o contato visual com ele. Não conseguiria desviar. A concentração no rosto dele a penetrava, tornando fácil deixar sua cabeça rolar livre e sonhadora sobre seus ombros.

Talvez ela pudesse vencer o duelo. Ou talvez, em rendição, já tivesse vencido.

Luke jogou as mãos para cima, uma ordem dramática a que Roxanne resistiu, afastando-se. Apenas para parar, segura de si, quando os braços dele abaixaram e se esticaram para ela. Lentamente, como um em transe, ela se virou.

Não se mexeu quando ele se aproximou. A mão dele passou na frente do rosto dela, fazendo seus olhos se fecharem. Com os corpos quase se tocando, ele deu a volta ao redor dela. Seus gestos eram longos, lentos, exagerados. Quando os pés dela levantaram do chão, os cabelos caíram para trás e o corpo flutuou.

Conforme a música ficava mais alta, as mãos dele a contornavam, ainda quase tocando. O corpo dele estremeceu, apesar de todo o controle de sua concentração. Ela o observava através dos olhos semicerrados, incapaz de resistir, certa de que gritaria de desejo e frustração se aquelas mãos continuassem percorrendo seu corpo sem tocar.

Achava que estava escutando o coração dela pulsar. Por pouco, resistiu à necessidade de pressionar sua mão no peito dela e sentir o pulso de sua vida. A boca dele estava seca, e sabia que sua respiração estava ofegante demais. Mas estava além da ilusão agora.

Sua intenção fora criar um número romântico, sensual, e sabia que isso o afundaria em águas profundas. Mas não sabia o quão rápido se afogaria.

Aproximou sua cabeça da dela, os lábios quase tocando, próximos o suficiente para sentir o gosto. O som baixinho que ela soltou enquanto tentava não gemer ecoava na cabeça dele.

Pegou a mão dela, passando os dedos pela palma, por trás. Quando os dedos dela se entrelaçaram aos dele, ele também começou a levantar. Os olhos dele fixos no rosto dela enquanto os dois flutuavam juntos. Quando a música começou a ficar mais baixa, ele virou o próprio corpo, colocou a mão embaixo da cabeça dela e tocou seus lábios nos dela.

Juntos, voltaram à posição vertical, corpos girando. Quando seus pés tocaram o chão, os braços dele ainda estavam em volta dela e os lábios dela ainda estavam presos aos seus.

Jake parou o cronômetro e limpou a garganta.

— Acho que ninguém se importa com o tempo — murmurou e enfiou o relógio no bolso.  — Vamos, Mouse. Precisamos ir ao shopping.

— Quê?

— O shopping. Precisamos daquelas peças.

Mouse piscou, confuso.

— Que peças?

— Aquelas peças. — Jake revirou os olhos e balançou a cabeça na direção de Roxanne e Luke. Afastaram-se, mas apenas o suficiente para se encararem.

— Ah, eu também preciso de algumas coisas. — Com os olhos cheios de lágrimas, Lily agarrou Mouse e puxou. — Preciso de um monte de coisas. Vamos indo.

— Mas o ensaio...

— Acho que já acabou — disse Jake, sorrindo enquanto puxavam Mouse para fora da casa.

O silêncio girava na cabeça já tonta de Roxanne.

— Foi... foi muito longo.

— Você que está dizendo. — Ele estava pronto para explodir. Passou as mãos pelas costas dela antes de soltá-la dos arreios da levitação. — Mas será um final e tanto.

— Precisa melhorar.

— Não estou falando do grand finale. — Ele se soltou. — Estou falando de mim e de você. — Observando-a, enfiou as mãos por baixo da blusa esportiva dela e deixou que vagassem pelas suas costas, acariciarem a pele lisa e quente. — E disso. — Beijou-a de novo, suavemente.

Ela não teve escolha, a não ser se segurar aos ombros dele para se equilibrar.

— Você não vai me seduzir.

Ele contornou o maxilar dela com os seus lábios, sabendo exatamente onde mordiscar para fazê-la tremer.

— Quer apostar?

— Consigo me afastar de você a hora que eu quiser. — Mas o corpo dela estava grudado ao dele, e a boca dela beijava todo o rosto dele. — Não preciso de você.

— Nem eu. — Levantou-a nos braços e seguiu para a escada.

Ela tinha certeza de que, se seu corpo parasse de tremer, recobraria os sentidos. Por enquanto, parecia melhor se segurar.

Sabia o que estava fazendo. Deus, esperava saber. Esse desejo ardente e terrível fazia todo o resto parecer tão pequeno e insignificante. Só havia isso, só precisava haver isso. Gemendo, encostou o rosto no pescoço dele.

— Rápido. — Foi só o que ela disse.

Ele teria voado escada acima se pudesse. Sentia seus músculos tremerem e sua respiração ofegar. Quando fechou a porta do quarto ao entrarem, buscou os lábios dela de novo. Só agradeceu a qualquer força que existisse por ter tido a perspicácia de comprar uma cama.

E uma cama e tanto. A enorme e confortável cama com dossel pareceu uma nuvem quando caíram sobre ela. Ele parou por um momento, apenas um momento, para olhar para ela e se lembrar — para forçá-la a se lembrar de tudo que um fora para o outro, o que fizeram um para o outro e ao outro, além daquele intervalo de cinco anos.

Ele viu nos olhos dela a luta para negar e a combateu com um beijo faminto. Ela não se afastaria dele agora, ele não permitiria. Usando as mãos como algemas para segurar os pulsos, ele levantou os braços dela acima da cabeça. Se ela o tocasse, ele explodiria como dinamite. Primeiro, queria garantir que ela sentisse tudo que ele queria que ela sentisse.

Ela se contorceu para se soltar, o coração batendo como um tambor no vazio. Ele baixou os lábios para o pescoço dela, como um prelúdio de uma exploração de cada segredo de que se lembrava.

Sonhara com isso incontáveis vezes, em incontáveis quartos, em incontáveis lugares. Só que agora era mais potente do que qualquer fantasia. O gosto dela tomando conta dele era como um banquete após anos de jejum. Ele não se negaria agora, nem nunca mais.

Ela não lutou contra a sensação que a inundava. Mas também não suportava. Ele estava lhe dando de volta tudo que tirara e muito mais. Ela quase se esquecera do que era desejar e nunca realmente entendera o que era se entregar. Após uma abstinência tão longa, era tão simples, tão certo, apenas sentir. Toda vez que os lábios dele encontravam os dela, havia um choque de reconhecimento e um calafrio causado pelo desconhecido.

O sangue dele ferveu quando escutou seu nome ser sussurrado pelos lábios dela. Cada suspiro, cada gemido era um golpe. Frenético, querendo mais, soltou as mãos dela para arrancar suas roupas. Ele gemia de tanto prazer quando encontrou o glorioso corpo nu dela.

— Rápido — disse ela de novo, rasgando a camisa dele na pressa de sentir carne contra carne. A fornalha dentro dela estava a ponto de explodir. Queria que ele estivesse dentro dela quando explodisse. Queria que ele estivesse dentro dela para incitar esse fogo.

Ele queria saborear. Precisava devorar. Ofegante, tirava a calça jeans enquanto as mãos dela o torturavam e os lábios corriam por seus ombros e peitoral como raios.

Ele mergulhou. No primeiro golpe urgente, ela caiu em um gêiser de prazeres escuros e inomináveis. O corpo dela arqueava, vibrava como a corda de uma harpa. O ar rasgou seus pulmões em um grito de dor e triunfo.

Então ela o envolveu, suas pernas macias como seda, fortes como aço. Meio louco, ele entrava e saía dela, até encontrar sua própria libertação e, talvez, salvação.

 

ELE FICOU onde estava, esparramado em cima dela, intimamente ligados. Sabia que ela estava em silêncio há tempo demais. Se as coisas fossem como foram um dia, ela teria levantado a mão para preguiçosamente acariciar as suas costas. Ela teria suspirado e fungado em seu pescoço ou teria sussurrado algo que o fizesse rir.

Mas não houve nada além daquele longo silêncio vazio. Isso o assustou a ponto de ficar nervoso.

— Você não se arrepende de isso ter acontecido. — Possessivamente, fechou a mão nos cabelos dela para mantê-la imóvel quando ele se afastou um pouco para fitá-la. — Você pode tentar se convencer disso, mas não a mim.

— Eu não disse que me arrependia. — Como era difícil ficar calma quando a sua vida virava de pernas para o ar. — Eu sabia que ia acontecer. No instante em que eu entrei no meu camarim e vi você de novo, eu soube. — Ela tentou dar de ombros. — Eu sei cometer erros sem me arrepender deles.

Os olhos dele brilharam antes de ele rolar para sair de cima dela.

— Você sabe atingir a ferida, não sabe? Sempre soube.

— Não é uma questão de revidar. — Seria prática sobre isso. Mesmo se isso a matasse. — Gostei de fazer amor com você de novo. Sempre fomos bons na cama.

Ele segurou o braço dela antes que alcançasse a blusa.

— Nós éramos bons em tudo.

— Éramos — disse ela com cuidado. — Vou ser honesta, Callahan. Não tive muito tempo para isso na minha vida desde que você foi embora.

Ele não conseguiu evitar. Seu ego inflou como um balão de hélio.

— É mesmo?

Ela não conseguia compreender como o mesmo homem podia ser capaz de enfurecer, excitar e divertir uma mulher ao mesmo tempo.

— Não precisa ficar convencido. Foi uma escolha minha. Estava ocupada.

— Admita. — Deslizou um dedo preguiçoso pelo seio dela. — Eu estraguei você para os outros.

— O que eu quero dizer é. — Afastou a mão dele antes que o toque acabasse com o que ainda lhe restava de orgulho. — Você me pegou em um momento... — Vulnerável não era a palavra que queria. — Um momento incendiário. Imagino que qualquer um que riscasse o fósforo no lugar certo teria me incendiado.

— Se esse é o caso, você deve estar bem queimada agora.

Ele sempre fora rápido. Ela não se surpreenderia se, de repente, se visse deitada de novo com as mãos dele provando que incêndios podiam começar de brasas.

— É apenas sexo — ela conseguiu sussurrar.

— Claro que é. — Ele se banhou no suor entre os seios dela. — E um carvalho é apenas uma árvore. — Atormentou-a com os dentes em seus mamilos até que as unhas dela cravassem a pele das costas dele. — Um diamante é só uma pedra.

Ela queria rir. Precisava gritar.

— Cale a boca, Callahan.

— Com muito prazer. — Puxou os quadris dela e a penetrou triunfante.

 

ELA NÃO achava que estava queimada. Vazia era a palavra. Parecia não restar uma única célula em seu corpo. Quando conseguiu abrir os olhos de novo, a luz já se tornara crepúsculo. Para dar a sua mente uma chance de se adaptar, ela notou o quarto pela primeira vez.

Não havia mais nada além da cama em que eles estavam esparramados e uma enorme cômoda de gavetas de cerejeira. A não ser se fossem levadas em consideração as roupas espalhadas pelo chão, penduradas nas maçanetas e empilhadas nos cantos.

Isso era tão a cara dele, pensou. Assim como era tão a cara dele colocar o corpo em uma posição na qual ela pudesse naturalmente se aninhar ali.

Quantas vezes eles ficaram deitados exatamente assim, noite após noite? Houve uma época em que ela pegava no sono ali, sentindo-se a salvo, satisfeita.

Mas eles eram pessoas diferentes agora.

Tentou se sentar. Os braços dele apenas a apertaram com mais força.

— Luke, isso não muda nada.

Ele abriu um olho.

— Amor, se você quiser que eu prove meu ponto de vista de novo, terei o prazer de provar. Só me dê mais uns minutos.

— A única coisa que conseguimos provar é que ainda sabemos como provocar o outro. — A maior parte da raiva que ela sentia morrera, deixando um abismo de mágoa, que era ainda mais forte. — Não precisa... O que é isso? — Virou-se para olhar melhor a parte de trás do ombro dele.

— Uma tatuagem. Nunca viu uma?

— Algumas na minha época. — Ela juntou os lábios, analisando-a através da luz fraca. Pouco acima de onde as cicatrizes de sua infância começavam a se cruzar nas suas costas, havia um lobo uivando. Não sabia se ria ou chorava; então, optou pela primeira. — Meu Deus, Callahan, você ficou louco ou o quê?

Ele ficou constrangido.

— Tatuagem está na moda.

— Ah, ok, e desde quando você se interessa por moda? Por que você deixou alguém machucar você... — Parou, consternada. — Sinto muito.

— Tudo bem. — Ele deu de ombros e tirou os cabelos dos olhos enquanto se sentava. — Uma noite; eu estava me sentindo miserável, um pouco bêbado, muito perigoso. Decidi fazer uma tatuagem em vez de procurar uma parede para bater com a cabeça. Além disso, faz com que eu me lembre de onde vim.

Ela o analisou, a postura arrogante, o forte brilho dos olhos que brigavam com a escuridão que reinava.

— Sabe, eu quase consigo acreditar na teoria de amnésia da Lily.

— Por favor, me avise quando você quiser saber a verdade. Vou contar cada detalhe.

Ela afastou o olhar. Era fácil, fácil demais para ele atraí-la.

— Não faria diferença. Não há nada que você possa dizer que possa apagar cinco anos.

— A não ser que você esteja disposta a permitir que eu faça isso. — Pegou o rosto dela nas mãos, puxando os cabelos dela para trás para que apenas os seus dedos o emoldurassem. A gentileza de que ele se esquecera, que ela achara ter se esvaído dele, estava de volta. Essas coisas eram mais difíceis de resistir do que paixão. — Preciso falar com você, Rox. Tenho tanta coisa para dizer.

— As coisas não são como eram, Luke. Não consigo nem começar a lhe dizer como elas mudaram. — E, se ela ficasse, diria mais do que achava sábio dizer. — Não podemos voltar, preciso pensar aonde isso nos levaria.

— Podemos ir para qualquer lugar. Sempre pudemos.

— Eu me acostumei a ir sozinha. — Ela respirou fundo antes de se sentar para se vestir.  — Está ficando tarde. Tenho que ir para casa.

— Fique aqui. — Tocou os cabelos dela com as pontas de seus dedos, e a tentação foi indescritível.

— Não posso.

Ele fechou as mãos. Com força.

— Não vá.

Ela alisou a blusa e se levantou. Era mais fácil ser forte quando estava de pé.

— Eu mando na minha vida agora. Você pode ficar, pode ir embora, e eu arco com as consequências. Se eu lhe devo alguma coisa, é gratidão por ter me deixado forte o suficiente para encarar qualquer coisa que apareça. — Inclinou a cabeça, desejando que seu coração fosse tão forte quanto as palavras. — Então, obrigada, Callahan.

A despedida fácil dela cortou o coração dele e o deixou sangrando.

— De nada.

— Amanhã, nós nos vemos. — Ela saiu do quarto andando, mas estava correndo quando chegou à escada.

 

A CASA ESTAVA um alvoroço quando Roxanne voltou. Nem passara pela porta ainda e foi envolvida pelo caos. Enquanto todos falavam ao mesmo tempo, ela pegou Nathaniel no colo e deu um beijo nos lábios que já faziam biquinho à espera, parte para cumprimentá-lo, parte para se desculpar por não ter dado banho nele nem ter ajudado a vestir o pijama preferido das Tartarugas Ninjas.

— Esperem. — Acomodou Nate no seu colo, levantando uma das mãos na vã esperança de acalmar a maré.

Adorando a confusão, Nate pulava e começou a cantar uma canção sobre marinheiros bêbados a plenos pulmões.

Ela captou pedaços da conversa que acontecia ao telefone, caviar, Clark Gable, São Francisco e Aces Iligh. Sua mente, já confusa da tarde com Luke, esforçava-se para decifrar o código.

—  O quê? Clark Gable ligou de São Francisco e apareceu para comer caviar e fazer truques com cartas?

Como Alice riu, Nate achou que devia ser uma grande piada. Rindo, ele puxou os cabelos da mãe.

— Quem é Clark Gable, mãe? Quem é ele?

— Ele é um homem morto, meu amor, assim como algumas pessoas aqui vão ficar se não calarem a boca! — O tom de voz dela aumentou consideravelmente nas últimas palavras. Assustados, todos ficaram em silêncio, o que foi gratificante. Antes que alguém conseguisse respirar para começar a falar de novo, ela apontou para Alice. Roxanne sabia que tudo estaria perdido se não pudesse contar com Alice para receber uma explicação calma e razoável.

— Tudo realmente começou por causa de San Francisco — começou Alice. — O filme, sabe, Clark Gable, Spencer Tracy. Você sabe como a enfermeira da noite gosta de assistir a filmes antigos na televisão do quarto do seu pai?

— Sim, eu sei.

— Bem, ela estava assistindo a esse filme enquanto Lily dava o jantar do seu pai...

Lily interrompeu colocando as mãos no rosto e soluçando. Roxanne entrou em pânico.

— Papai? — Ainda segurando Nate, virou-se e teria tropeçado na escada se Alice não a tivesse ajudado.

— Não, Roxanne, ele está bem. Muito bem. — Para uma mulher pequena, com aparência tão frágil, era forte. Agarrou o braço de Roxanne e o segurou. — Deixe-me contar o restante da história antes que você suba.

- Ele começou a falar — disse Lily por trás das mãos. — Sobre... São Francisco. Ah, Roxy, ele se lembrou de mim. Ele se lembrou de mim.

Nate ficou tão emocionado com as lágrimas dela que estendeu os braços. Ela o envolveu com força, balançando-o e fungando enquanto Nate fazia carinho em seu rosto.

— Ele beijou a minha mão... exatamente como costumava fazer. E falou sobre uma semana que passamos em São Francisco e sobre como tomamos champanhe e comemos caviar na varanda do nosso quarto de hotel e vimos a neblina sobre a baía. E sobre como... como ele tentou me ensinar a fazer truques com cartas.

— Ah. — Roxanne colocou a mão sobre a boca. Sabia que ele podia ter momentos de lucidez, mas não sabia se conseguiria afastar a centelha de esperança de que esse último momento durasse. — Eu devia estar aqui.

— Você não tinha como saber. — LeClerc pegou a mão dela. Ele só conseguia pensar na dor e na cura que sentira ao poder se sentar ao lado do seu velho amigo por um momento.  — Alice tinha acabado de desligar o telefone com Luke quando você entrou.

— Vou subir. — Debruçou-se por cima de Nate, que escondera a cabeça no ombro de Lily em busca de conforto. — Logo vou lhe dar um beijo de boa noite, cabeça de vento.

— Pode me contar uma história?

— Posso.

— Uma história bem longa, de monstros.

— Uma história épica, com monstros horríveis. — Beijou-o e viu seu sorriso se formar.

— O vovô disse que eu cresci seis dedos. Mas eu só tenho cinco em cada mão.

Lágrimas encheram os olhos dela ao se abaixar para olhar nos olhos do filho.

— Os outros são invisíveis.

— Mas, então, como ele conseguiu ver?

— Porque ele é mágico. — Deu um beijo na ponta do nariz dele, depois se virou para ir ver o pai.

Ele estava usando um robe de seda roxa. Os cabelos dele, brancos e reluzentes, haviam sido penteados. Estava sentado à sua escrivaninha, como sempre estava, dia após dia, quando ela o visitava. Mas, desta vez, ele estava escrevendo, usando os traços longos e floreados de que ela se lembrava.

Roxanne olhou para a enfermeira que estava sentada à cabeceira da cama, preenchendo prontuários. Elas trocaram olhares antes que a enfermeira pegasse os prontuários e saísse do quarto, deixando-os sozinhos.

Havia tantas coisas passando pela mente de Max. Elas colidiam e floresciam como música. Ele não tinha pressa para acompanhar as notas, para escrevê-las antes que elas se apagassem e se perdessem dentro dele.

Sabia que elas se apagariam, e esse era o seu inferno. O esforço que lhe custava para sair da névoa, para segurar uma caneta com dedos que doíam com o movimento, teria deixado qualquer homem mais jovem exausto. Mas havia uma chama nele, brilhante e ardente, que queimava além do físico. Se durasse uma hora ou um dia, ele não perderia nenhum momento.

Roxanne se aproximou. Estava com medo de falar. Com medo de ele levantar o olhar e desviá-lo como se ela fosse uma estranha. Ou pior, como se ela fosse uma sombra, uma ilusão transparente que não significava nada além de uma ilusão de ótica.

Quando ele levantou o olhar, primeiro surgiu o alarme. Parecia cansado, tão pálido e exausto, terrivelmente magro. Os olhos brilhavam, talvez até demais, mas neles ela viu algo além da beleza. Viu reconhecimento.

— Papai. — Ela atravessou os poucos metros que a separavam dele e caiu de joelhos, encostando a cabeça no peito magro dele. Ela não sabia, não se permitira saber o quanto precisava sentir o abraço dele de novo. O quanto sentira saudade das mãos dele acariciando seus cabelos.

O peito dela estava pesado com um soluço que queria sair. Mas ela não o receberia com lágrimas.

— Papai, fale comigo. Por favor, fale comigo. Como você está se sentindo?

— Sinto muito. — Ele inclinou a cabeça, deixando o rosto roçar nos cabelos dela. Sua garotinha. Era difícil, muito difícil tentar se lembrar de todos os anos que separavam sua garotinha da mulher que o abraçava agora. Eles eram uma névoa, um labirinto. Então se contentou em aceitá-la como a sua garotinha. — Sinto muito, Roxy.

— Não. Não. — O olhar dela era penetrante quando recuou e sentou em cima dos tornozelos. Suas mãos apertaram as dele até doer, mas era uma dor doce. — Não quero que sinta.

Ela era tão inacreditavelmente adorável, pensou ele. Sua menina, sua filha, o rosto determinado, os olhos marejados de lágrimas. A força do amor dela, a pura necessidade dele quase o cortando ao meio.

— Sou grato também. — O bigode dele se mexeu quando os lábios se curvaram. — A você. Por você. Agora. — Beijou as mãos dela, suspirou. Não conseguia falar. Havia tão pouco que podia falar. Mas podia escutar. — Conte-me das suas novas mágicas.

Ela se sentou aos pés dele, os dedos ainda entrelaçados aos dele.

— Estou fazendo uma variação do Truque da Corda Indiana. Bem deprimente e dramático. Está indo bem. Gravamos um vídeo para que eu possa corrigir os meus erros. — Riu para ele. — Eu me divirto.

— Eu gostaria de ver. — Ele se mexeu, colocando a mão embaixo do queixo dela para que pudesse ver seus olhos. — Lily me disse que você está trabalhando no número de uma vassoura voadora.

Ela precisou de toda sua força de vontade para manter o olhar firme.

— Então, você sabe que ele voltou.

— Eu sonhei que ele estava... — E o sonho e a realidade se misturaram de forma que ele não tinha certeza. Simplesmente não conseguia ter certeza. — Bem aqui, sentado ao meu lado.

— Ele vem vê-lo quase todo dia. Queria se levantar, andar de um lado para o outro, mas não suportaria separar a sua mão da de seu pai. —Estamos trabalhando juntos de novo, temporariamente. Era um trabalho intrigante demais para deixar passar. Vai ter um leilão em Washington...

— Roxanne — interrompeu ele. — O que significa para você a volta de Luke?

— Não sei. Eu queria que não significasse nada.

— Nada é muito pouco para se desejar — murmurou ele e sorriu de novo. — Ele já lhe contou por que partiu?

— Não. Eu não deixei. — Inquieta, ela se levantou, mas não conseguiu se afastar. — Que diferença faria? Ele me deixou. Ele deixou todos nós. Quando esse trabalho acabar, ele irá embora de novo. Desta vez, não vou me importar, não vou deixar.

— Não existe nenhuma mágica em nenhum livro que ensine a proteger o coração, Roxy. Vocês tiveram um filho neste tempo. Meu neto. — Doía em Max mais do que podia dizer o fato de só ter lembranças fracas do menino.

— Eu não contei para ele. — Como seu pai ficou em silêncio, ela girou, surpresa com a própria disposição para brigar. — Você desaprova? Ele apenas suspirou.

— Você sempre tomou as suas decisões. Certa ou errada, a escolha é sua. Mas nada do que você fizer vai mudar o fato de que Luke é pai de Nathaniel. — Ele levantou uma das mãos para ela. — Não há nada que você quisesse fazer para mudar isso.

O estômago dela revirou. Os dedos afiados que apertavam sua nuca sumiram. Mágica, pensou ela, expirando longamente. Diga as palavras mágicas.

— Não, eu não faria nada para mudar isso. — Ah, como senti saudades de você, papai. Ela não disse isso, com medo de magoá-lo. — É tão difícil estar no controle, Max. Muito difícil mesmo.

— O fácil é chato, Roxy. Quem quer desperdiçar a própria vida com coisas fáceis?

— Bem, talvez só de vez em quando.

Ele estava sorrindo de novo, balançando a cabeça.

— Roxy, Roxy, você não me engana. Você gosta de estar no controle, O fruto não cai longe da árvore.

Ela riu, ajoelhando-se ao lado dele de novo.

— Ok, talvez. Mas eu não me importaria se alguém me dissesse o que fazer... de vez em quando.

— Você ainda faria o que quisesse.

— Com certeza. — Transbordando de amor, ela o abraçou. — Mas é mais prazeroso se alguém me diz o que fazer primeiro.

— Então, vou lhe falar isso. Ressentimentos são pontes com tábuas soltas. É muito melhor cair de uma tábua do que ficar preso do outro lado.

— Lição grátis? — murmurou ela e, com um suspiro, pressionou seu rosto contra o dele.

ROXANNE ESTAVA um pouco hesitante quando deixou seu pai dormindo e começou a descer a escada. Ele estava tão cansado, e com a fadiga crescente, tudo que ela conseguiu ver foram as nuvens voltando. Quando ela o colocou na cama da mesma forma que fazia com seu filho, ele a chamou de Lily.

Ela tinha de aceitar que talvez ele não se lembrasse de nada disso quando acordasse pela manhã. A hora que tivera com ele teria de bastar.

Cansada e chorosa, parou no final da escada para endireitar os ombros. Devia à sua família uma frente sólida, um show de força. Conforme se dirigia para a cozinha, colocou um sorriso nos lábios.

— Vim pelo cheiro do café... — Parou de repente quando suas confusas emoções sofreram mais um baque. Ali, reunido com a sua família, estava Luke, debruçado sobre a bancada da cozinha com as mãos nos bolsos.

De novo, todo mundo falou ao mesmo tempo. Roxanne só balançou a cabeça e foi até o fogão se servir de café.

— Ele está dormindo. Falar esse tempo todo o deixou exausto.

— Talvez ele fique bom agora. — Lily torcia as pérolas que usava entre os dedos. — Talvez tudo vá embora. — O olhar de Roxanne fez com que ela desviasse o seu. Era tão difícil enterrar a esperança, depois desenterrá-la só para vê-la morrer de novo. — Foi tão bom conversar com ele de novo.

— Eu sei. — Roxanne segurou sua xícara de café, mas não bebeu. — Podemos marcar mais exames.

Lily soltou um som aflito e, na mesma hora, começou a brincar com o bule em forma de vaca que estava sobre a mesa da cozinha. Todos eles sabiam como os exames eram difíceis para Max e o desorientavam. Como eram dolorosos para aqueles que o amavam.

— Podemos torcer para que os novos remédios estejam fazendo efeito — continuou Roxanne. — Ou podemos deixar as coisas como estão.

Foi LeClerc quem falou, colocando sua mão enrugada no ombro de Roxanne para aliviar um pouco da tensão.

— O que você quer fazer, chère?

— Nada — disse ela, em um meio suspiro. — Eu não quero fazer nada. Mas o que eu acho é que devemos concordar com quaisquer exames que os médicos recomendem. — Respirou fundo, fitando os rostos. —Independentemente do que acontecer, tivemos essa noite. Teremos de ficar gratos por ela.

— Posso ir ficar com ele? — Mouse olhou para a ponta de seus sapatos. — Não vou acordá-lo.

— Claro que pode. — Roxanne esperou até que Mouse e Alice tivessem saído para se virar para Luke. — Por que você está aqui?

— O que você acha?

— Nós concordamos que você não faria visitas casuais — começou, mas parou ao ver a fúria nos olhos dele.

— Isso não foi casual. Se você quiser discutir por quê, aqui e agora, terei muito prazer. — Ela ainda ficava com o rosto corado, percebeu ele. Era fascinante observar a cor subindo até as bochechas enquanto os olhos mostravam uma fúria que não tinha nada a ver com constrangimento. —Além disso — continuou ele suavemente —, quando Lily ligou para contar sobre Max, eu não ia ficar em casa contando cartas.

— Querida. — Lily estendeu a mão. — Acho que Max gostaria que Luke estivesse aqui.

— Max está dormindo — respondeu ela. — Não tem necessidade de você ficar. Se ele estiver disposto pela manhã, poderá passar quanto tempo quiser com ele.

— Como você é generosa, Roxanne.

A fraqueza apareceu rapidamente quando ela pressionou os dedos na latejante têmpora esquerda.

— Tenho de pensar em Max primeiro. Independentemente do que existe entre nós, você sabe que eu não o manteria longe dele.

— O que existe entre nós?

— Não vou discutir isso agora.

Assoviando baixinho, LeClerc começou a limpar o fogão. Sabia que devia sair, dar privacidade a eles. Mas era interessante demais. Lily nem fingiu estar distraída. Juntou as mãos e assistiu avidamente.

— Você saiu da minha cama e foi embora. — Ele se afastou da bancada. — Não vou sair de jeito nenhum sem resolver isso.

— Sem resolver? — A ironia disso tudo era tão afiada que ela estava surpresa por não ter cortado ele em pedacinhos. Mas tudo bem. Ela mesma faria isso. — Você tem a coragem de vir falar comigo sobre deixar alguma coisa, qualquer coisa, sem resolver? Você saiu uma noite para fazer um serviço e nunca mais voltou. Uma variação muito criativa da velha história do "sair para comprar um maço de cigarros", Callahan. Mas não estou impressionada.

— Eu tive minhas razões — disse ele enquanto Lily olhava de um mira o outro como se acompanhasse a bola de tênis em uma partida em Wimbledon.

— Não ligo a mínima para as suas razões.

— Não, você só se interessa em me fazer rastejar. — Deu mais um passo à frente e pensou seriamente em estrangulá-la. — Bem, não farei isso.

— Não estou interessada em vê-lo rastejar. A não ser que seja nu sobre cacos de vidros. Fui pra cama com você, ok? — Abriu os braços. — Foi um erro, uma enorme estupidez, um momento de luxúria, um descuido.

Ele segurou a blusa dela.

— Pode ter sido estupidez e pode ter sido luxúria, de ambas as partes. Mas não foi um erro. — Ele elevou o tom de voz, o que fazia a cabeça já latejante dela girar. — E vamos resolver isso, de uma vez por todas, mesmo que eu tenha de arrastá-la e algemá-la para me escutar.

— Tente, Callahan, e tudo que restará dessas mãos de que você tanto se orgulha serão cotocos ensanguentados. Então, pegue as suas ameaças patéticas e...

Mas ele não estava mais escutando o que ela dizia. Fascinada, Roxanne viu a cor desaparecer do rosto dele até que ficasse branco e flácido como vela derretida. Os olhos que fitavam sobre seus ombros ficaram pretos como cobalto.

— Meu Deus — foi tudo que ele disse, e a mão que segurava sua blusa soltou.

— Mamãe.

O coração de Roxanne parou, simplesmente parou ao som da voz de seu filho. Virou-se, certa de escutar seus ossos estalarem como dobradiças enferrujadas, com um movimento lento, como em um sonho. Nate estava parado na porta da cozinha, esfregando os olhos sonolentos com uma das mãos fechadas e arrastando seu velho cachorrinho de pelúcia com a outra.

— Você não foi me dar um beijo de boa noite.

— Ah, Nate. — Fria, de repente, ela estava tão fria, mesmo quando se abaixou para pegar o filho no colo. — Desculpe. Eu já estava indo.

— Não escutei o final da história que Alice leu para mim — reclamou ele, bocejando e enfiando o rosto na familiar curva do ombro dela. — Eu dormi antes da festa de cachorro.

Vá Cachorro Vá, pensou Roxanne, zonza. Nathaniel amava as histórias da hora de dormir.

— Está tarde, meu amor — murmurou ela.

— Posso tomar sorvete?

Ela queria rir, mas pareceu mais um soluço.

— De jeito nenhum.

Luke só conseguia fitar o garotinho através de olhos que estavam fascinados, ardentes e arenosos. Seu coração estava disparado, suas pernas estavam bambas. O menino tinha o rosto dele. Dele. Era como olhar por lentes telescópicas e ver a si mesmo de longe. No passado. No passado que nunca teve.

Meu, era só o que ele conseguia pensar. Ah, meu Deus. Meu.

Após outro enorme bocejo, Nate olhou para trás, cheio de curiosidade e sono.

Quem é ele? — Queria saber.

Em todos os cenários que se formaram na cabeça de Roxanne, apresentar o seu filho ao pai nunca fora dessa forma.

— Ah... ele é... — Um amigo? pensou.

— Este é Luke — intrometeu-se Lily, passando a mão pelo braço rígido de Luke. — Ele era meu menininho quando estava crescendo.

— Ok. — Nate sorriu. Só doçura, nenhuma maldade. O que ele via era um homem com cabelos pretos presos em um rabo de cavalo e um rosto tão bonito quanto dos príncipes das suas histórias. — Oi.

— Oi. — Luke ficou surpreso por sua voz ter soado tão calma enquanto seu coração parecia estar parado em sua garganta. Precisava tocá-lo, mas tinha medo de que, se tentasse, sua mão atravessaria o rosto do menino como em um sonho. — Você gosta de cachorros? — perguntou e se sentiu incrivelmente estúpido.

— Este é Waldo. — Sempre simpático, Nate levantou o cachorro de pelúcia para mostrar para Luke. — Quando eu ganhar um cachorro de verdade, ele vai se chamar Mike.

— Esse é um nome muito bom. — Luke tocou, apenas com as pontas dos dedos, o rosto de Nate. A pele do menino era quente e macia.

Mais por dengo do que por timidez, Nate deitou a cabeça no ombro da mãe e sorriu para Luke.

— Acho que eu queria um sorvete agora.

 

Roxanne não suportava mais — nem a dor e as perguntas nos olhos de Luke nem sua terrível culpa.

— A cozinha está fechada, espertinho. — Possessivamente, abraçou mais forte o filho. A vontade de virar e sair correndo dali com o que era dela era tão covarde que até a deixava envergonhada. — Hora de dormir, Nate. Você tem que ir para cama antes que vire um sapo.

Ele riu disso e fez barulhos de sapo.

— Eu o levo para cima. — Lily esticou os braços para Nate antes que Roxanne protestasse.

Nate enrolou um dos cachos de Lily no seu dedo e jogou charme.

— Você lê uma historinha para mim? Prefiro quando você lê.

— Claro. Jean? — Lily levantou uma sobrancelha, irritada ao ver que LeClerc ainda estava esfregando a superfície brilhante do fogão. — Por que não vem conosco?

— Assim que eu acabar de arrumar. — Suspirou quando Lily lançou um olhar penetrante. A discrição costumava ser um remédio amargo de se tomar. — Vou com vocês.

Nunca deixando uma oportunidade passar, Nate começou a negociar enquanto eles seguiam pelo corredor.

— Posso escutar duas histórias? Uma de você e outra de você?

Conforme a voz de Nate foi sumindo, Roxanne continuava fitando Luke, em total silêncio.

— Eu acho... — Ela tentou tirar o tremor da voz e tentou de novo. —Acho que eu preciso de algo mais forte do que café. — Começou a se virar, mas a mão de Luke, veloz como uma cobra, agarrou seu braço. Sentiu os dedos dele apertando até seus ossos.

— Ele é meu. — A voz dele saiu baixa, assustadora, ameaçadora. — Meu Deus, Roxanne, esse menino é meu filho. Meu. — A força dessa verdade o tomou com tanta violência que ele a sacudiu. A cabeça dela ficou em uma posição que não lhe dava alternativa a não ser encarar o rosto branco corno vela dele. — Nós temos um filho, e você escondeu isso de mim. Maldita, como pôde não ter me contado que eu tinha um filho?

— Você não estava aqui! — gritou ela, dando um tapa nele. O estalo da mão dela no rosto dele assustou ambos. Chocada, colocou a mão na boca, depois deixou o braço cair. — Você não estava aqui — repetiu ela.

— Eu estou aqui. — Soltou-a antes que fizesse algo de que fosse se arrepender. — Estou aqui há duas semanas. "Não venha sem avisar, Callahan" — argumentou ele, e havia mais do que fúria em seus olhos agora, eles estavam atormentados. — Você não estava fazendo isso por Max, estava era definindo as regras para que eu não pudesse ver o nosso filho. Você não ia me contar sobre ele.

— Eu ia contar. — Ela não conseguia normalizar sua respiração. Nunca, em toda a sua vida, teve medo dele, fisicamente. Até agora. Ele parecia capaz de qualquer coisa. Inconscientemente, ela esfregou a mão no peito para forçar o ar a entrar e sair. — Eu precisava de tempo.

— Tempo. — Tirou-a do chão com aquela força desconcertante que assusta e excita. — Eu perdi cinco anos e você precisava de tempo?

— Você perdeu? Você perdeu? O que você esperava que eu fizesse quando você voltou para a minha vida, Luke? 0i, tudo bem, legal ver você de novo. A propósito, você é papai. Tome um charuto.

Ele a encarou por um longo momento. Um ímpeto de violência passou por ele, uma intensa necessidade de destruir, de causar dor, de gritar por vingança. Colocou-a no chão de novo, e viu o medo saltar dos olhos que ela nem piscava. Praguejando, virou-se e abriu a porta.

Do lado de fora, ele respirou o ar quente e pesado. O cheiro das flores girava na sua cabeça, parecia grudar na sua pele como pólen, embora esfregasse as mãos no rosto. A dor era tão lancinante, tão repentina, uma facada em seu peito que o deixou chocado e incrédulo enquanto seu sangue se esvaía.

Seu filho. Luke apertou os olhos com as palmas das mãos e soltou um ruído que era de pura fúria e tristeza. Seu filho olhara para ele, sorrira para ele e achara que ele era um estranho.

Ela saiu atrás dele. Estranhamente, agora estava calma. Não teria se surpreendido se ele tivesse se virado contra ela, se tivesse batido nela. Os olhos dele mostravam esse tipo de perigo. Ela se defenderia se fosse necessário, mas o medo passara.

— Não vou me desculpar por ter escondido de você, Luke. Fiz o que achei melhor. Certo ou errado, eu faria de novo.

Ele não se virou para encará-la, continuou olhando para o quintal, fitando a fonte que emitia seu som tranquilo e líquido.

Fizeram aquele milagre juntos, pensou. Conceberam o menino em meio a amor, risos e luxúria. Era por isso que ele era tão lindo, tão perfeito, tão incrivelmente adorável?

— Você sabia que estava grávida quando eu fui embora?

— Não. — Ela viu que estava esfregando as mãos e se obrigou a soltar os braços. — Mas foi logo depois. Eu estava passando mal naquela tarde, lembra? Eu estava tendo enjoos matinais um pouco atrasados.

— Você nunca foi convencional. — Enfiou as mãos nos bolsos, lutando para ficar calmo, para ser razoável. — Foi difícil?

— O quê?

— A gravidez? — disse ele entre os dentes. Mas ainda não tinha se virado para encará-la. Não podia. — Foi difícil? Você passou mal?

De todas as coisas que ela esperava que ele fosse perguntar, essa era a última.

— Não. — Um pouco sem equilíbrio, ela passou a mão nos cabelos. —Tive enjoos por uns dois meses, o restante da gravidez foi tranquilo. Acho que nunca me senti melhor.

Nos bolsos, suas mãos estavam fechadas em punhos.

— E quando ele nasceu?

— Não foi um passeio na praia, mas também não posso dizer que andei pelo vale da morte. Um pouco mais de dezoito horas e nasceu Nathaniel. Nathaniel. — Ele repetiu o nome em um sussurro.

— Eu não quis dar a ele o nome de ninguém. Queria que ele tivesse o próprio nome

— Ele é saudável. — Luke continuava encarando a fonte, Quase conseguia ver cada gota individual que subia, caía e subia de novo. — Ele parece... saudável.

— Ele está bem. Nunca fica doente.

— Que nem a mãe. — Mas ele era a sua cara, pensou Luke. Ele é a minha cara. — Ele gosta de cachorros.

— Nate gosta de praticamente tudo. Menos favas. — Ela soltou a respiração, trêmula, e assumiu o risco. — Luke — murmurou, colocando a mão no ombro dele. Ele recusou o toque de uma forma que ela recuou. Mas, quando ele a agarrou, não foi para puni-la.

Os braços dele simplesmente a envolveram, trazendo-a para mais perto. O corpo dele estremeceu quando encostou no dela. Incapaz de negar isso a ambos, ela acariciou os cabelos dele e retribuiu o abraço.

— Nós temos um filho — sussurrou ele.

— Temos. — Sentiu uma lágrima conseguir passar pela sua defesa, e suspirou. — Um filho maravilhoso.

— Não posso permitir que você o mantenha longe de mim, Roxanne. Independentemente do que você pense de mim, do que sinta por mim, não posso permitir que você o mantenha longe de mim.

— Eu sei. Mas não vou permitir que você o magoe. — Afastou-se. —Não vou permitir que você se torne tão importante para ele a ponto de deixar um buraco quando for embora.

— Eu quero meu filho. Eu quero você. Quero minha vida de volta. Por Deus, Roxanne, eu estou tomando o que eu quero. Você não me escuta.

— Não hoje. — Mas ele já estava segurando a mão dela. Ela reclamou quando ele a arrastou pelo quintal até a sala de ensaios. — Não quero passar por mais nenhum momento difícil hoje. Deixe-me ir.

— Eu vivi um momento difícil durante cinco anos. — Para simplificar as coisas, levantou-a. — Você vai ter que aguentar por mais uma hora. —Abrindo a porta, ele carregou Roxanne, que se debatia, para dentro.

— Como você pode fazer isso? Como pode se comportar assim? — Ela soltou um gemido quando ele a largou em um banco. — Você acabou de descobrir que tem um filho e, em vez de sentar e ter uma conversa calma e adulta comigo, fica me jogando.

— Não vamos ter uma conversa nem calma nem adulta, nem coisa nenhuma. — Ele pegou as algemas e prendeu um dos pulsos dela. — Uma conversa significa duas ou mais pessoas falando. — Rápido, ele conseguiu desviar do punho dela a primeira vez, mas foi só fingimento. Ela acertou o segundo e tirou sangue dos lábios dele. — O que você vai fazer — disse, prendendo as mãos dela na frente do corpo — é escutar.

— Você não mudou nada. — Ela teria rolado do tablado, apesar do resultado óbvio de cair com o nariz no chão, se ele não tivesse prendido as algemas em uma viga. — Você ainda é um cretino, valentão.

— E você ainda é uma sabe-tudo teimosa. Agora, cale a boca. —Satisfeito que ela não tinha alternativa senão ficar quieta, ele se afastou, Roxanne xingou baixinho, depois ficou em silêncio.

Ele queria falar, pensou ela. Então, ia deixá-lo falar até a língua dele cair. Isso não significava que teria de escutar. Concentrou-se em soltar os pulsos das algemas. Ele não era o único que tinha truques escondidos na manga.

— Eu deixei você — começou ele. — Não posso negar isso. Não vou negar isso. Eu deixei você, Max e Lily e tudo que importava e voei para o México com cinquenta e dois dólares na carteira e as ferramentas de arrombamento que Max me deu quando fiz 21 anos.

Concentrada ou não, ela rebateu.

— Você está se esquecendo das centenas de milhares de dólares em joias.

— Eu não estava com nenhuma joia. Não cheguei ao cofre. — Embora ela tenha virado a cabeça e tentado morder, ele conseguiu pegar o queixo dela e puxou até que seus olhares se encontrassem. — Era uma armadilha. Deus sabe o que teria acontecido com você se estivesse comigo. Por pior que tenha sido, sempre agradeci o fato de você ter passado mal naquele dia e ficado em casa.

— Armadilha, até parece. — Ela se retorcia e xingava por nunca ter sido tão boa quanto Luke em escapadas.

— Ele sabia. — A velha fúria começou a arder dentro dele de novo. Com o olhar perdido, limpou o sangue do lábio. — Ele sabia do serviço. Ele sabia sobre nós. — Fitou o rosto de Roxanne de novo. — Ele sabia tudo sobre nós.

Ela sentiu algo revirar na sua barriga, mas ignorou.

— O que você está dizendo? Está tentando me fazer acreditar que Sam sabia que estávamos planejando roubá-lo?

— Ele sabia... ele queria que roubássemos.

Ela riu sem humor.

— Você acha que eu sou burra, Callahan? Ele deixou parecer que sabia de alguma coisa anos atrás, daquela vez que o encontramos em Washington. Mas, se ele soubesse de alguma coisa, teria usado isso. Não ia querer que entrássemos na casa dele e roubássemos as joias da esposa dele.

— A intenção dele nunca foi que levássemos as joias. E ele fez tudo certinho, Rox. Ele usou isso para me fazer pagar por ter entrado no caminho dele anos atrás. Por quebrar o maldito nariz dele. Por humilhá-lo. Ele usou isso para machucar todos vocês por terem tido a ousadia de pegá-lo, de terem tentado ajudá-lo e por rejeitá-lo.

Uma nova sensação estava dando lugar ao desdém. E era fria, muito fria.

— Se ele sabia que éramos ladrões, por que, sendo o pilar da sociedade que ele é, não nos denunciou?

— Você quer que eu lhe explique como a mente dele funciona? Eu não sei. — Esforçando-se para manter-se calmo para falar, Luke se virou. No tablado havia três copos e bolas coloridas. Ele começou a fazer o antigo número enquanto continuava. — Posso lhe dar uma suposição. Se ele tivesse entregado vocês, e vocês não conseguissem se livrar de uma condenação, ele só teria a satisfação de vê-los atrás das grades. Com a reputação e a fama dos Nouvelle, vocês provavelmente atrairiam a atenção da mídia, talvez fossem as estrelas da semana. — Ela bufou, mas ele nem desviou o olhar. Estava se movendo cada vez mais rápido. — O que ele queria era ver vocês sofrendo. E eu sofrendo mais do que todos. Ele já sabia havia muito tempo, meses, pelo menos.

— Como? Nunca houve nenhuma suspeita sobre nós. Como um político de segundo escalão descobriu tudo?

— Por minha causa. — As mãos de Luke vacilaram. Ele deu um passo atrás, esticou os dedos e recomeçou. — Ele mandou Cobb atrás de mim.

— Quem?

— Cobb. O cara que estava morando com a minha mãe quando eu fugi. — Olhou para Roxanne então, a expressão indiferente. — O cara que bateu em mim até eu desmaiar. Que me vendeu por vinte dólares para um pervertido bêbado.

O rosto dela ficou branco e imóvel. O que ele estava dizendo já era horrível, mas escutar com aquele tom de voz vazio, indiferente, era de cortar o coração.

— Luke. — Ela teria tocado nele, mas o aço apenas esfregava na viga. — Luke, me solte.

— Só depois que você escutar. Escutar tudo. — Pegou um copo de novo, vagamente surpreso ao ver a marca de seus dedos onde ele apertara. Então, a vergonha ainda estava ali, percebeu. E sempre estaria, como o amassado no copo. — Aquela noite, você se lembra daquela noite na chuva, Rox? Você estava me contando sobre aquele filho da puta quatro-olhos que quis abusar de você. Eu fiquei louco porque sabia como era... ser forçado. E eu não podia suportar a ideia de você... de ninguém machucando você daquela forma. Então, eu estava abraçando você. E eu beijei você. Tentei não beijar, mas eu queria tanto. Eu queria tudo com você. E por um minuto, um minuto incrível, eu achei que talvez as coisas fossem ficar bem.

— Estava tudo bem — sussurrou ela. Era como se aquela viga estivesse em volta do coração dela, apertando cada vez mais forte. — Foi maravilhoso.

— Então, eu o vi. — Luke largou os copos de novo. Existia a hora da ilusão, e existia a hora da verdade. — Ele foi bem na nossa direção, e ele olhou para mim. Eu soube que nada estava bem. Talvez nunca ficasse. Então, mandei você entrar e fui atrás dele.

— O que... — Ela mordeu o lábio, lembrando-se de como Luke chegara bêbado naquela noite. — Você não...

— Matei o cretino? — Levantou a cabeça, o sorriso no rosto dele a deixou arrepiada. — Teria sido muito mais simples se eu tivesse feito isso. Quantos anos eu tinha? Vinte e dois, 23? Deus, era como se eu tivesse 12 de novo, era o tanto que ele me assustava. Ele queria dinheiro... então, eu dei dinheiro para ele.

Ela sentiu uma pontada de alívio.

— Você pagou para ele? Por quê?

— Para que ele não contasse para ninguém o que ele sabia. Para ele não contar para a imprensa que eu tinha me vendido.

— Mas você não...

— Que diferença faria se era verdade? Eu tinha sido vendido. Eu tinha sido usado. Eu tinha vergonha. — Levantou o olhar de novo, mas seus olhos não estavam mais indiferentes. O redemoinho de emoções ali cortou o coração dela. — Ainda tenho.

— Você não fez nada.

— Eu era uma vítima. Às vezes isso é suficiente, — Ele deu de ombros. — Então, eu paguei para ele. Sempre que ele me mandava um cartão-postal, eu enviava a quantia que estava escrita. Quando você foi morar comigo, eu sempre pegava a correspondência. Só pra garantir.

A compaixão virou choque.

— Espere um minuto. Você está me dizendo que ele continuava chantageando você quando estávamos juntos? Todo aquele tempo e você nunca me disse nada? — Por puro reflexo, ela chutava na direção dele. — Você não confiou em mim o bastante para compartilhar isso comigo?

— Droga! Eu estava com vergonha do que tinha acontecido comigo, com vergonha de não ter coragem de mandar ele se foder. Eu morria de medo de ele se cansar de me torturar e cumprir a ameaça de dizer para a imprensa que Max tinha... — Parou, praguejando. Sua intenção não era ir tão longe.

Vergonha e fúria remoiam dentro dele enquanto esperava.

 

R0XANNE PRENDEU a respiração, silenciosamente. Tinha medo de saber, muito medo de saber o que vinha a seguir. Mas precisava ter certeza.

— Que Max tinha o quê, Luke?

Tudo bem, pensou ele. Contaria tudo a ela. Não haveria mais como questionar a sua confiança.

— Que Max tinha abusado de mim sexualmente.

A vermelhidão causada pela raiva se esvaiu até o rosto dela perder toda a cor. Mas os olhos dela brilhavam, escuros como uma tempestade, e tão perigosos quanto uma.

— Ele teria dito isso? Ele teria mentido dessa forma sobre você e o papai?

— Não sei. Mas não podia arriscar; então eu pagava. Pagando, acabei caindo em uma armadilha bem pior.

Ela fechou os olhos.

— O que poderia ser pior?

— Eu disse que Wyatt mandou Cobb me procurar, e era Wyatt quem dava as cartas. Eu não sabia disso, mas devia ter desconfiado que Cobb não era inteligente o suficiente para criar toda essa farsa da chantagem. Sempre que eles aumentavam a quantia, eu pagava. Sem questionar. Isso colocou uma pulga atrás da orelha de Wyatt. Então, ele começou a investigar como eu conseguia pagar mais de cem mil dólares por ano sem reclamar.

— Cem... — Só de pensar, ela engasgou.

— Eu teria pagado o dobro para ficar com você. — Quando ela olhou para ele de novo, ele percebeu que essa era apenas uma meia resposta. —E para que você não visse o covarde que eu era. Que alguém tinha inventado uma corrente da qual eu não conseguia me soltar. — Virou-se e falou lentamente. — Eu tinha sido usado. Eu nunca soube se o cliente de Cobb fez valer seu dinheiro comigo, mas eu tinha sido usado de qualquer forma.

— Eu sabia. Eu já lhe disse, eu sempre soube.

— Você não sabia o que isso fez comigo. Por dentro. As cicatrizes nas minhas costas. — Ele deu de ombros e virou para ela de novo. — Droga, Roxy, elas não são como uma tatuagem. Só uma lembrança de onde eu venho. Mas eu não queria que você visse além delas. Eu queria parecer invencível para você... para mim. Era orgulho... e Deus sabe que eu paguei.

Ela estava sentada quieta agora. As algemas nos seus pulsos eram uma contenção temporária, facilmente abertas com uma chave. As correntes do orgulho de Luke eram feitas de um material mais poderoso.

— Você realmente acha que teria mudado alguma coisa no que eu sentia por você?

— Mudava o que eu sentia sobre mim. Wyatt entendia isso. E usou isso. E, como ele estava analisando todos os meus passos, viu o padrão. Ele teve meses para planejar a armadilha. Acho que foi por isso que estava sendo tão fácil.

Ela não estava mais se debatendo, não estava mais furiosa. Estava simplesmente paralisada.

— Ele sabia que você ia naquela noite.

— Ele sabia. Estava esperando por mim no escritório dele. Estava com uma arma. Achei que ele fosse me matar e pronto. Mas Sam não queria que as coisas fossem assim. Ele me ofereceu um conhaque. Aquele cretino me ofereceu um drinque com o maior sangue-frio e me disse que sabia. Ficou falando como seria se você e Max fossem presos. Ele sabia que Max não estava bem e me provocou com um monte de coisas. — A boca dele sorriu. — Eu estava me sentindo mal. Suponho que eu tenha achado que era a situação, mas era o conhaque.

— Ele dopou você? Meu Deus.

— Enquanto eu estava sentado lá, tentando calcular as minhas chances, Cobb chegou. Foi quando eu fiquei sabendo da parceria deles. Rox, ele disse para Cobb se servir de alguma bebida. E então... ele matou Cobb. Apontou a arma, puxou o gatilho e o matou.

— Ele... — Ela fechou os olhos de novo, mas estava vendo perfeitamente. — Ele ia jogar a culpa pelo assassinato em você.

— Foi perfeito. Eu desmaiei e, quando acordei, ele estava segurando outra arma. — Mais calmo do que ele achou que estaria, Luke sentou no banco e acendeu um charuto enquanto contava o restante.

— Então, eu fui embora. Desapareci — terminou. — E passei cinco anos tentando esquecer você. E não conseguindo. Viajei o mundo todo, Rox. Asia, América do Sul, Irlanda. Tentei me embebedar até morrer, mas nunca gostei da ressaca depois de uma boa bebedeira. Tentei trabalhar. Tentei mulheres. — Olhou para ela. — Elas funcionavam um pouco melhor do que a garrafa.

— Aposto que sim.

A irritação no tom de voz dela o alegrou.

— Uns seis meses atrás, duas coisas aconteceram. Fiquei sabendo sobre o estado de Max. Você fez um bom trabalho mantendo isso embaixo dos panos.

— A minha vida pessoal é minha, não discuto isso com a imprensa. Ele analisou a ponta do charuto.

— Acho que foi por isso que nunca li nada sobre Nate.

— Não compartilho meu filho com o público.

— Nosso filho — corrigiu ele, olhando para ela de novo. Deixou isso em forno brando enquanto continuava. — A outra coisa que fiquei sabendo foi que Wyatt estava concorrendo ao Senado nas próximas eleições. Talvez os últimos cinco anos tenham me cansado, Rox. Talvez eu só tenha ficado mais esperto. Mas comecei a pensar e comecei a imaginar. E comecei um plano. Encontrar Jake foi útil. Até ali, eu estava vivendo com o que conseguia ganhar como o Fantasma. Não podia tocar nas minhas contas na Suíça porque não sabia os números e não tinha como consegui-los. — Sorriu. —Até Jake. Ele começou a trabalhar nisso, e a vida ficou mais fácil. O dinheiro começou a entrar, Roxanne. E vai me levar aonde eu quero.

— E o que você quer?

— Além de você. — Ele apagou o charuto. — Vamos chamar de justiça. Nosso velho amigo vai pagar.

— Isso não é sobre a pedra, é?

— Não. Eu quero a pedra, para Max, mas não. Tenho um jeito de pegá-lo. Levou muito tempo para eu planejar, e preciso de você para que dê certo. Você ainda está comigo?

— Ele me roubou cinco anos. Tirou o pai do meu filho. E você ainda precisa perguntar?

Ele sorriu, inclinando-se para beijá-la, mas ela desviou.

— Quero lhe perguntar uma coisa, Callahan; então, afaste-se.

Ele deu um passo atrás.

— Está bom aqui?

— Você está aqui por que sou uma parte necessária do plano?

— Se tem uma coisa que você é, Roxanne, é necessária. — Ele subiu no tablado e passou as mãos pela parte externa das coxas dela. — Vital. —Como a cabeça dela ainda estava virada, ele se contentou em mordiscar a orelha dela. — Eu lhe disse que tive outras mulheres.

— Não estou nem um pouco surpresa — disse ela, a voz seca como o Saara.

— Mas eu não disse que elas eram pálidas ilusões. Fumaça e espelhos, Rox. Não houve um dia sequer que eu não a tenha desejado. — Deslizou as mãos até a cintura dela, dando beijos no maxilar dela para que ela virasse o rosto na sua direção. — Eu amo você desde quando consigo me lembrar.

Ele sentia que ela estava abrandando, esquentando, enquanto enfiava as mãos por baixo da blusa dela para deslizar a mão pela pele macia.

— Quando eu parti, foi por você. Voltei por você. Não há nada que você possa dizer, nada que você possa fazer que me faça deixá-la de novo.

Os polegares dele roçaram a parte de baixo dos seios dela.

— Eu mato você se tentar de novo, Callahan. — Desesperada, ela virou a boca para ele.  — Juro por Deus. Não vou permitir que você me faça amá-lo de novo a não ser que eu tenha certeza de que você vai ficar.

— Você nunca deixou de me amar. — A excitação estava se tornando insuportável. Ele segurou os seios dela, usando os polegares para brincar com os mamilos até ela não aguentar mais. — Confesse.

— Eu queria. — A cabeça dela caiu para trás com um gemido quando ele beijou seu pescoço. — Eu queria parar de amar você.

— Diga as palavras mágicas — exigiu ele de novo.

— Eu amo você. — Ela teria chorado, mas o soluço se transformou em gemido. — Droga, eu sempre amei você. Nunca deixei de amar. Agora, abra essas algemas estúpidas.

— Talvez. — Puxou os cabelos dela até que ela abrisse os olhos e olhasse dentro dos seus. A expressão no rosto dele tinha um terrível traço de excitação que fez subir um calafrio pela espinha dela. — Talvez depois.

E os lábios dele cobriram os dela, calando qualquer protesto e transformando o choque em tesão.

Fora tudo tão rápido da primeira vez, tanto fogo, tanto desejo. Agora ele queria saborear. Queria levá-la à loucura passo a passo, centímetro a centímetro. E queria chocá-la, abalá-la, para que este momento em que todos os segredos foram revelados ficasse gravado na mente dela para nunca mais ser esquecido.

Contornou o longo pescoço dela com a língua enquanto suas mãos deslizavam pelo corpo possessiva e preguiçosamente.

— Se você não gostar, eu paro — murmurou, mordiscando os lábios dela. — Quer que eu pare?

— Não sei. — Como ele podia esperar que ela pensasse racionalmente enquanto sua cabeça girava? — Quanto tempo eu tenho para me decidir?

— Quanto tempo você quiser.

A maravilhosa verdade era que ela não tinha cabeça, vontade nem razão. Se isso era uma questão de poder, então ela era totalmente dele. E estava triunfante. Ela nunca teria acreditado que impotência podia ser erótico. Saber que seu corpo era totalmente dele acendia pequenas fogueiras em seu sangue, que ardiam como uma droga. Queria ser tomada, explorada, apenas pelo prazer mútuo, e, neste único momento em particular, queria ser possuída.

Um gemido rouco e longo vibrou pela garganta dela quando ele rasgou sua blusa ao meio. Preparou-se para o ataque, ansiava por ele, mas as mãos dele, os lábios, a torturavam com tanta gentileza.

Sensações se misturavam perigosamente com emoções. Toda vez que ela se aproximava daquele clímax final, que a deixaria sem ar, ele recuava, deixando-a ofegante e enlouquecida.

Era maravilhoso observá-la, ver tudo que ela sentia refletido no rosto, sentir cada tremor que balançava seu corpo, escutá-la murmurando seu nome repetidas vezes conforme o prazer tomava conta dela.

O poder dela era ainda mais potente porque ela estava aturdida demais para perceber que o detinha. A entrega dela fazia com que ele fosse muito mais seu prisioneiro do que ela era dele — a completude e o destemor. O fato de ela se fundir a ele o tornava forte como um deus e humilde como um mendigo.

Lentamente, tirou a calcinha dela, explorando cada centímetro da carne recém-descoberta, excitando-a com os dentes e a língua e as pontas dos dedos hábeis até que ela estremecesse violentamente ao atingir o primeiro clímax.

— Eu amo você, Roxanne. — Pressionou-a sobre o banco. — Sempre você — murmurou quando as mãos que ele acabara de soltar o envolviam. — Só você.

Ele a penetrou. Ela se entregou. E eles se amaram.

ELE FICAVA irritado porque ela não deixava que passasse as noites com ela, nem passava as noites com ele. Precisava mais do que a intimidade do sexo. Precisava poder se virar à noite e encontrá-la, vê-la acordando de manhã.

Mas ela permanecia firme e não contava suas razões.

Ela não restringia mais as visitas dele à casa em Chartres. Havia razões para isso também. Todos ficaram feridos quando Max voltou para seu mundo de novo, e os dias em que ele era internado para fazer exames eram insuportavelmente longos. Roxanne sabia que ter Luke por perto levantava o moral — incluindo o seu. E queria dar a Nate uma chance de conhecê-lo como homem antes de o menino ter de aceitá-lo como pai.

Racional ou não, qualquer decisão que tomasse sobre permitir que Luke voltasse para a sua vida seria baseada no seu filho. No filho deles.

Eles trabalhavam juntos. Conforme uma semana se transformou em duas, o número que criaram juntos estava ficando mais brilhante e dinâmico. Planejavam o serviço do leilão com tanta meticulosidade quanto o show. Roxanne tinha de admitir que Luke entrelaçara todos os detalhes tão habilmente quanto o truque das Argolas Chinesas. Ela ficou compreensivelmente impressionada com a primeira joia falsificada que receberam da fonte que ele contratara em Bogotá.

— Bom trabalho — dissera ela, deliberadamente subestimando a arte realizada naquele colar de diamante e rubi. Estava na frente do espelho do quarto dele, segurando o colar no pescoço. — Um pouco enfeitado demais para meu gosto, claro, mas bom. Quanto nos custou?

Estava nua, assim como ele. Luke estava com os braços atrás da cabeça, deitado na cama, observando-a sob o fraco brilho do sol que ainda restava.

— Cinco mil.

— Cinco. — As sobrancelhas dela se levantaram enquanto sua natureza prática absorvia o choque. — Muito caro.

— O homem é um artista. — Sorriu enquanto ela franzia a testa e brincava com as pedras falsas. — O original vale mais de cento e cinquenta mil, Roxanne. Vai cobrir nosso investimento completamente.

— Acho que sim. — Tinha de admitir, pelo menos para si mesma, que, sem o equipamento para examinar, ela teria sido enganada. Não apenas as pedras pareciam genuínas, como a peça parecia antiga. — Quando deve chegar o restante?

— A tempo.

A tempo, pensava ela agora enquanto carregava duas sacolas de mercado para a cozinha. Estava começando a irritá-la o fato de Luke continuar sendo vago. Chegou à conclusão de que ele a estava testando e jogou as sacolas na bancada. Não podia admitir isso.

— Tem ovos nessas sacas? — perguntou LeClerc.

Ela fez uma careta, feliz por estar de costas para ele, depois deu de ombros.

— Então, faça um omelete.

— Faça um omelete, faça um omelete. Sempre espertinha. Saia da minha cozinha. Tenho que preparar jantar para um batalhão.

O que significava uma coisa.

- Luke está aqui?

— Surpresa? — Ele bufou e começou a tirar as compras das sacolas. — Todo mundo está sempre aqui. Você chama isso de melão maduro? —Acusação brotando de cada célula de seu corpo, LeClerc levantou o melão.

— Como eu posso saber se está maduro? — Fazer compras nunca a deixava de bom humor. — Estavam todos iguais.

— Quantas vezes preciso lhe ensinar, cheire, escute. — Ele bateu no melão, segurando bem perto do ouvido. — Ainda verde.

Roxanne colocou as mãos na cintura.

— Por que você sempre me manda comprar frutas e legumes e, depois, fica reclamando do que eu trago pra casa?

— Você tem que aprender, não?

Roxanne pensou nisso por um momento.

— Não. — Virando-se, saiu da cozinha, reclamando. O homem nunca Estava satisfeito. Ela fora direto do ensaio para o mercado e ele nem agradecia.

E ela detestava melão.

Teria subido direto se não tivesse escutado vozes na sala. A voz de Luke. As gargalhadas de Nate. Movendo-se em silêncio, foi até a porta e observou.

Eles estavam no chão juntos, cabeças escuras bem próximas, joelhos roçando. Brinquedos espalhados pelo tapete, prova do que seus homens estavam fazendo enquanto ela comprava melões. Agora, Luke estava pacientemente explicando um pequeno truque. A Caneta que Sumia, se Roxanne não se enganava. Achando divertido, encostou no portal e ficou assistindo ao pai tentando ensinar para o filho.

— Bem embaixo do seu nariz, Nate. — Para ilustrar, Luke puxou o nariz do menino, fazendo-o rir de novo. — Bem na frente dos seus olhos. Agora, aqui, vamos tentar. Você sabe escrever seu nome?

— Claro que sei. N-A-T-E. — Pegou o papel e a caneta que Luke ofereceu, o rosto enrugado em concentração. — Eu também estou aprendendo a escrever Nathaniel. Depois Nouvelle, porque é meu último nome.

— É. — Uma nuvem passou pelos olhos de Luke enquanto observava Nate se esforçar para fazer o A. — Acho que sim. — Esperou até Nate terminar de fazer um E bem torto. — Ok. Agora observe com atenção. — Com movimentos bem lentos, Luke enrolou a caneta no papel e torceu as duas pontas. — Agora escolha uma palavra mágica.

— Hummm...

— Não, hummm não é uma boa palavra — disse Luke, provocando mais gargalhadas em Nate.

— Meleca! — decidiu Nate, feliz por estar usando a palavra que aprendera com um amigo da pré-escola.

— Nojento, mas deve servir. — Luke rasgou o papel ao meio e teve o prazer de ver Nate arregalar os olhos.

— Desapareceu! A caneta desapareceu.

— Isso mesmo. — Não conseguindo deixar de fazer um floreio, Luke levantou as mãos, virando-as para cima e para baixo. Os olhos crédulos do filho faziam com que se sentisse um rei. — Quer aprender como se faz?

— Posso?

— Você tem que fazer o juramento do mágico.

— Eu já fiz — disse Nate. — Quando mamãe me ensinou a fazer a moeda se mexer em cima da mesa.

— Ela lhe ensina truques de mágica? — Queria saber tudo que pudesse sobre os pensamentos, sentimentos e desejos do filho.

— Claro. Mas você tem que me prometer não contar pra ninguém, nem pro seu melhor amigo, porque é segredo.

— Tudo bem. Você vai ser mágico quando crescer?

— Vou. — Como era incapaz de ficar quieto por muito tempo, Nate arrastava o bumbum no tapete. — Vou ser mágico, piloto de carro de corrida e policial.

Tira, pensou Luke, achando até engraçado. Bem, onde eles tinham errado?

— Isso tudo, é? Vamos ver se você consegue aprender esse truque antes de ganhar a corrida de Indianópolis e ir atrás dos bandidos.

Ficou feliz ao ver que Nate ficou interessado e não decepcionado quando viu como um truque funcionava. Para Luke, parecia conseguir ouvir a mente do menino funcionando, explorando as possibilidades.

Ele tinha boas mãos, pensou Luke ao posicioná-las. Raciocínio rápido. E um sorriso que partia o coração do pai.

— Assim é certo.

— Incrível — disse Luke, com o olhar solene, transformando o sorriso de Nate em uma gargalhada.

— Incrivelmente certo.

Luke não conseguiu resistir. Abaixou-se para beijar aquele sorriso.

— Tente de novo, espertinho. Vamos ver se você consegue fazer isso com algumas distrações. As vezes pessoas da plateia interferem. — Como assim?

— Ah, pessoas que gritam coisas ou falam muito alto. Ou... fazem cócegas.

Nate soltou um grito de prazer quando Luke o pegou. Após uma rápida e furiosa batalha, Luke se deixou pegar. Gemia exageradamente enquanto Nate socava seu estômago.

— Você é muito forte para mim, garoto. Eu desisto.

— Desiste de quê?

— Desisto. — Rindo, Luke bagunçou os cabelos escuros de Nate. —Quer dizer que eu me entrego.

— Você pode me ensinar outro truque?

— Talvez. Quanto vale para você?

Nate trocou pelo que sempre funcionava com a sua mãe e se abaixou para dar um beijo forte na boca de Luke. Atordoado pelo carinho fácil, incrivelmente emocionado, Luke levantou a mão pouco firme até os cabelos de Nate.

— Você quer um abraço também?

— Claro. — Luke abriu os braços e experimentou o prazer indescritível de ter seus filhos nos braços. Com os olhos fechados, fez carinho no rosto de Nate. — Você pesa uma tonelada.

— Sou um apetite ambulante. — Nate se afastou para sorrir para Luke. — Mamãe diz isso. Como de tudo, menos o que está pregado no chão.

— Exceto favas — murmurou Luke, lembrando-se.

— Eca. Eu queria que todas as favas do mundo todo sumissem. — Podemos resolver isso.

— Preciso fazer xixi — disse Nate, com a naturalidade do hábito infantil de anunciar suas necessidades corporais.

— Só não faça aqui, ok?

Nate riu e esperou mais um pouco, querendo prolongar mais aquele momento. Gostava de ficar com Luke, gostava do cheiro dele que era diferente do de todas as outras pessoas da família. Embora nunca tivesse deixado de ter alguma influência ou relacionamento masculino, havia algo de diferente neste homem. Talvez fosse mágica.

— Você tem pênis?

Luke prendeu o riso porque o menino estava fitando-o com olhos arregalados.

— Com certeza, tenho.

— Eu também. As meninas não têm. Nem a mamãe.

Cauteloso, Luke ficou com a língua dentro da boca.

— Acho que você está certo sobre isso.

— Eu gosto de ter um porque podemos fazer xixi em pé.

— Tem suas vantagens.

— Eu preciso. — Nate ficou de pé, rebolando um pouco. — Quer pedir uns biscoitos pro LeClerc?

De pênis para biscoitos, pensou Luke. A infância era fascinante.

— Pode ir. Eu alcanço você.

Nate se virou e viu sua mãe, mas sua bexiga estava estourando.

— Oi. Preciso fazer xixi.

— Oi. Esteja à vontade.

Nate saiu correndo, com a mão na virilha.

— Conversa interessante. — Foi o que ela conseguiu falar quando escutou a porta do banheiro batendo.

— Conversa de homem. — Luke se sentou, rindo. — Ele é tão... — Parou de falar quando Roxanne pressionou a mão na boca. — O que houve? —Preocupado, ele se levantou, pisando em um caminhão de plástico ao tentar se aproximar dela.

— Nada. — Não ia conseguir se segurar desta vez. Simplesmente não ia. — Não é nada. — Virando-se, ela subiu a escada correndo.

Teria se trancado no quarto, mas Luke já estava na porta antes que ela conseguisse. Furiosa consigo mesma, afastou-se e abriu as portas da varanda.

— Qual é o seu problema? — perguntou ele.

— Não tem nenhum problema comigo. — A dor era tão lancinante, tão completa e ela só podia combatê-la com palavras. — Vá embora. Estou cansada. Quero ficar sozinha.

— Um dos seus ataques, Rox? — Ele também estava sensível quando a virou para encará-lo. Música vinha do French Quarter, um jazz envolvente. Parecia feito para aquele momento. — Ver o Nate brincando comigo mexeu com você?

— Não. Sim. — Ela se soltou para passar as mãos nos cabelos. Ah, meu Deus, ela estava perdendo.

Quanto mais perto ela chegava do limite, mais calmo Luke ficava.

— Eu vou vê-lo, Roxanne. Vou fazer parte da vida dele. Eu preciso e, pelo amor de Deus, eu tenho direito.

— Não venha me falar sobre direitos — retrucou ela, humilhada pelo sentimento em sua voz.

— Ele também é meu. Por mais que você tente se esquecer disso, é um fato. Estou tentando compreender por que você não conta a ele que sou pai dele, estou tentando não ficar triste por isso, mas não vou ficar longe porque você quer ficar com ele só pra você.

— Não é isso. Droga, não é isso. — Bateu com o punho no peito dele. —Você sabe como me sinto vendo vocês dois juntos? Vendo o jeito como você olha para ele? — Lágrimas escorriam, mas ela resistiu aos soluços.

— Sinto muito se isso faz você sofrer — disse Luke duramente. —E talvez eu não possa culpá-la por querer me punir não me deixando ser pai dele.

— Não estou tentando punir você. — Desesperada para colocar tudo para fora, ela pressionou os lábios. — Talvez esteja, não sei, e isso é o mais difícil. Tentar saber o que fazer, o que é certo, o que é melhor, e depois ver você com ele, sabendo todo o tempo que foi perdido. Sim, eu sofro vendo vocês dois juntos, mas não da forma que você pensa. É a mesma dor que sentimos ao ver o sol nascendo ou escutando uma música. Ele mexe com a cabeça igual a você. — As lágrimas continuavam escorrendo furiosamente. — Sempre mexeu, isso corta o meu coração. Ele tem o seu sorriso, os seus olhos, as suas mãos. Muito menores, mas suas. Eu ficava olhando para ele enquanto estava dormindo, contando os dedos e olhando para as mãos. E eu sofria por você.

— Rox. — Ele achava, esperava, que tivessem passado pelo pior na noite em que contou para ela. — Eu sinto muito. — Estendeu o braço, mas ela se afastou.

— Eu nunca chorei por você. Nenhuma vez em cinco anos eu me permiti derramar uma lágrima por você. Por orgulho. — Pressionando a parte de trás da mão na boca, ela soluçava. — Isso me ajudou a superar a pior parte. Não chorei quando você voltou. E, quando você me contou o que aconteceu, eu sofri por você e tentei entender como você deve ter se sentido. Mas, droga, você estava errado. — Girou, passando o braço em volta da própria cintura como se quisesse segurar a pressão. — Você devia ter voltado para casa. Devia ter vindo e me contado. Eu teria ido embora com você. Eu teria ido a qualquer lugar com você.

— Eu sei. — Ele não podia tocá-la agora, por mais que precisasse. De repente, ela parecia tão frágil que um toque poderia quebrá-la. Só podia ficar ali parado e deixar a tempestade de raiva cair sobre eles. — Eu sabia disso, e quase voltei. Poderia ter levado você para longe, longe da sua família, longe do seu pai. Não deveria importar que ele estava doente, que era grato a ele, a todos vocês, por todas as coisas boas que eu tinha. Devia ter arriscado para ver se Wyatt ia mandar a polícia atrás de mim como suspeito de assassinato. Mas eu não fiz isso. Não podia.

— Eu precisava de você. — As lágrimas cegavam os olhos dela, até que ela cobriu o rosto com as mãos e as deixou cair livremente. — Eu precisava de você.

Doía, ah, como doía liberar quase tanto quanto precisava segurar. O choro sacudia seu corpo, queimava sua garganta, machucava seu coração. Ela se perdeu na violência da própria tristeza, relaxando o corpo quando ele a abraçou, soluçando sem vergonha quando ele a pegou no colo para levá-la para a cama e deitá-la.

Ele só podia abraçá-la enquanto cinco anos de luto contido transbordavam. Não havia palavras para confortá-la. Ele a conhecia há quase vinte anos e podia contar nos dedos de uma das mãos as vezes que ela chorou na frente dele.

E nunca dessa forma, pensou, embalando-a. Nunca dessa forma.

Ela não conseguia parar e tinha medo de que nunca fosse conseguir. Não ouviu quando a porta se abriu. Não sentiu Luke virar a cabeça e balançar quando Lily olhou para dentro do quarto.

Lentamente, os fortes soluços se transformaram em respiração ofegante, mas seca, e os violentos tremores ficaram mais fracos. As mãos fechadas em punhos nas costas dele relaxaram.

— Preciso ficar sozinha — sussurrou ela com a garganta tão seca quanto areia.

— Não. De novo não. Nunca mais, Roxanne.

Ela estava fraca demais para discutir. Após um suspiro trêmulo, deitou a cabeça no ombro dele.

— Eu odeio isso.

— Eu sei. — Deu um beijo na têmpora quente e latejante dela. — Lembra daquela vez logo depois que você descobriu que Sam tinha usado você? Você chorou naquele dia e eu não sabia como lidar com a situação.

— Você me abraçou. — Ela fungou. — Depois, quebrou o nariz dele.

— É. E dessa vez eu vou fazer mais. — Por cima da cabeça dela, o olhar dele ficou afiado como uma lâmina. — Isso é uma promessa.

Ela não conseguia pensar nisso agora. Sentia-se esgotada e estranhamente livre.

— Foi mais fácil dar o meu corpo para você do que isso. — Fechou os olhos inchados, sendo tranquilizada pela mão dele acariciando seus cabelos. — Eu podia dizer para mim mesma que era desejo e que, se ainda existisse algum amor ali, eu ainda estaria no controle. Mas eu tinha medo de deixar que você fosse meu amigo de novo. — Mais calma, soltou um longo suspiro. — Deixe-me levantar, lavar meu rosto. Deixe-me um pouco sozinha.

— Rox...

— Não, por favor. — Ela se afastou. Era uma questão de confiança, mais profunda do que qualquer outra que ela já lhe dera, permitir que ele visse como as lágrimas a deixaram. — Preciso fazer uma coisa. Vá dar uma volta, Callahan, me dê meia hora.

Beijou-o suavemente antes que ele pudesse argumentar.

— Eu vou voltar.

Desta vez, ela sorriu.

— Estou contando com isso.

 

ELE TROUXE flores para ela. Percebeu, sentindo-se um pouco culpado, que não cortejara Roxanne da forma que Lily consideraria apropriada desde que voltara. A primeira vez fora avassaladora, a segunda, muito tensa.

Podia ser um pouco tarde para oferecer flores e fazer declarações, já que eles eram amantes, sócios e tinham um filho juntos, mas, como Max costumava dizer, antes tarde do que cedo demais.

Ele até foi para a porta da frente em vez de entrar pela cozinha. Como um bom pretendente, passou os dedos pelos cabelos e tocou a campainha.

— Callahan? — Roxanne abriu a porta com uma risada contida. —O que você está fazendo aqui?

— Convidando uma linda mulher para jantar. — Ofereceu as rosas. Depois, com uma reverência, tirou um buquê de flores de papel de dentro da manga.

— Ah. — Ela ficou desconcertada, o sorriso encantador, o cumprimento formal, o enorme buquê de cheirosas rosas e um truque bobo. A mudança na rotina acionou a desconfiança na mesma hora. — O que você está fazendo?

— Já disse. Convidando você para um encontro.

— Você... — A gargalhada saiu pouco feminina pelo nariz dela. —Certo. Em vinte anos, você nunca me convidou para um encontro. O que você quer?

Não era fácil cortejar uma mulher que o encarava com olhos vermelhos e desconfiados.

— Levá-la para jantar — disse entre os dentes. — Talvez um passeio de carro depois para algum lugar onde possamos parar o carro e namorar.

— Está tendo algum vazamento de gás na sua casa ou coisa parecida?

— Droga, Roxanne, você vai sair comigo ou não?

— Eu não posso. Tenho planos. — Ela abaixou a cabeça para sentir o cheiro das rosas. Antes que pudesse realmente apreciá-las, levantou a cabeça. — Você não trouxe essas flores pra mim porque chorei, não é?

Deus, ela era difícil.

— Parece que eu nunca lhe dei flores.

— Não, não, você deu sim. — Prendeu o riso, embora estivesse começando a gostar da imagem. — Duas vezes. Uma vez quando você chegou duas horas atrasado para jantar, um jantar que eu mesma tinha me dado o trabalho de fazer.

— E você jogou as flores em cima de mim.

— Claro. E a segunda vez... Ah, sim, foi quando você quebrou a caixinha de porcelana que Lily tinha me dado de Natal. Então, Callahan, o que você fez desta vez?

— Nada, a não ser tentar ser gentil com uma mulher irritante.

— Bem, eu não joguei as flores em você, joguei? — Sorriu, então, e pegou a mão dele. — Entre. Vamos jantar aqui.

- Rox, quero ficar sozinho com você e não em uma casa cheia de gente.

— Todos saíram esta noite, Callahan, e que Deus o ajude, eu estou cozinhando.

— Ah. — A intensidade do amor dele foi posta à prova, e abriu um sorriso. — Que ótimo.

— Pode apostar. Vamos para a sala, tenho uma surpresa para você. Ele quase perguntou se era uma dose de bicarbonato de sódio, mas se segurou.

— Se você não quer ter que cozinhar, querida, podemos pedir para entregarem. — Seguiu-a até a sala e viu o filho sentado na beirada do sofá.

— Ei, espertinho.

— Oi. — Nate o analisou por um longo momento com uma intensidade que doeu em Luke. — Por que você não mora aqui se é meu pai?

— Eu... — Surpreso até a alma, Luke só conseguia encarar o filho.

— A mamãe disse que você precisou ir embora porque um moço mau estava atrás de você. Você matou ele?

— Não. — Queria engolir, mas não conseguia. Seu filho e a mulher que amava esperavam, impacientes. — Pensei em enganá-lo. Eu não gostaria de matar ninguém. — Desesperado por estar fora da zona de conforto, olhou para Roxanne. — Rox. — Os olhos dele suplicavam ajuda, ela balançou a cabeça.

— Às vezes, improvisar é o melhor caminho — murmurou ela. — Nada de ensaio, Callahan. Nada de scripts, nada de deixas.

— Ok. — Com as pernas bambas, foi até o sofá e se agachou na frente do filho. Por um momento, lembrou-se da sua estreia em uma tenda de parque abafada. Suor escorria pela sua espinha. — Sinto muito por não ter estado aqui com você, nem com a sua mãe, Nate.

O olhar de Nate hesitou. Estava com uma sensação estranha no estômago desde que sua mãe o sentara e contara que ele era seu pai. Não sabia se era bom — como se sentia quando Mouse o girava — ou ruim, como quando comeu muito doce no Halloween.

— Talvez você não pudesse ajudar — murmurou Nate, puxando os fios do buraco que havia no joelho de sua calça jeans.

— Podendo ou não, eu ainda sinto muito. Acho que você não precisa muito de mim, já é um garoto crescido. Nós... nos damos bem, não é? — Claro. — Nate fez um biquinho. — Acho que sim.

E achava que Roxanne era difícil, pensou Luke.

— Podemos ser amigos, se você quiser. Não precisa pensar em mim como seu pai.

Os olhos de Nate estavam marejados de lágrimas quando ele levantou o olhar. Os lábios dele tremiam, e isso partiu o coração de Luke.

— Você não quer que eu pense?

— Sim. — Sua garganta doía. Seu coração estava cicatrizando. — Sim, eu quero. Muito. Quero dizer, você é baixinho e feio agora, mas acho que tem potencial.

— O que é potencial?

— Possibilidades, Nathaniel. — Gentilmente, Luke pegou o rosto do filho nas suas mãos. — Muitas e muitas possibilidades.

— Potencial — repetiu Nate, e em um eco da infância da sua mãe, saboreou a palavra. Abriu um enorme sorriso. — O pai de Bobby construiu uma casa na árvore para ele. Bem grande.

— Oooh. — Divertido e encantado, Luke olhou para onde Roxanne estava parada, ainda segurando as flores. — O garoto aprende rápido.

— É esse sangue irlandês. Um Nouvelle é orgulhoso demais para paparicar.

— Paparicar, cara, esse garoto é esperto e já sabe quando pressionar para levar vantagem. Certo, Nate?

— Certo. — Soltou uma gargalhada gostosa quando Luke o jogou para cima. Decidindo tentar o ouro, aproximou-se da orelha de Luke e sussurrou: — Você pode falar pra mamãe me dar um cachorro? Um cachorro bem grande?

Luke segurou o queixo com o dedo e eles abriram sorrisos idênticos. — Vou tentar. Que tal um abraço?

— Ok — Nate apertou bem os braços em volta do pescoço de Luke. Ainda estava com uma sensação engraçada no estômago e ela se espalhara pelo peito. Mas achava que era um sentimento bom, afinal. Suspirando, deitou a cabeça no ombro do pai e aceitou.

 

- ESTOU TENTANDO me concentrar. — Roxanne acenou com a mão por cima do ombro para afastar Luke. Ele estava respirando em seu pescoço.

— Estou tentando convidar você para um encontro.

— Você cismou com encontro esses dias. — Debruçou-se, ajustando a luz da escrivaninha do seu pai. Abertas à sua frente estavam as plantas da galeria de arte. Ainda tinham de decidir por onde entrar. — De cima para baixo, Callahan. Faz todo sentido. Se a exposição é no terceiro andar, por que entrar pelo térreo e subir?

— Porque dessa forma podemos subir a escada em vez de ficarmos pendurados em uma corda a cinco metros do chão.

Ela lançou um olhar por cima do ombro.

— Está ficando velho.

— O quê? É que agora eu sou pai e preciso tomar certos cuidados.

— O telhado, Papai Smurf.

Ele sabia que era a melhor forma, mas gostava de debater.

— Teríamos de levantar Jake também, e ele não gosta de altura.

— Então, você coloca uma venda nos olhos dele. — Ela batia com um lápis em cima do desenho. — Aqui, janela leste, terceiro andar. Já entrei, e não estou fazendo nada no depósito até o tempo acabar. Vou até a sala de vigilância exatamente às onze e dezessete, o que me dá precisamente um minuto e trinta segundos para adulterar a câmera antes de o alarme disparar.

— Não gosto da ideia de você fazendo o serviço interno.

— Não seja machista, Luke. Você sabe muito bem que sou melhor com eletrônicos. Aí, eu troco as fitas de vigilância. — Puxando os cabelos para trás com uma das mãos, ela sorriu. — Eu gostaria de ver a cara do segurança quando ele vir a fita que Mouse preparou.

— Só os amadores acham que têm de estar na linha de frente, querida.

— Vá para o inferno, Callahan — disse ela, calmamente. — Continuando, assim que Jake e Mouse resolverem a parte deles, posso abrir a janela por dentro. Aí, você entra, meu herói. — Piscou mexendo exageradamente com os cílios.

— E teremos seis minutos e meio para abrir a vitrine, pegar as joias e substituir pelas falsificadas.

— Então, pronto! Saímos sem deixar nenhum rastro. — Ela passou o dedo pelo lábio superior. — Eu e você voltamos para nosso quarto de hotel e transamos como coelhos.

— Nossa, adoro quando você é direta. — Apoiou o queixo no alto da cabeça dela. — Ainda precisamos refinar nosso tempo.

— Temos algumas semanas. — Esticou os braços para a frente, depois para cima e envolveu o pescoço dele. — E pense em todos aqueles lindos brilhos. Todos nossos, Callahan.

Ele fez uma careta, suspirou entre os dentes e se endireitou.

— Esse é um assunto que eu estava querendo conversar com você, Roxanne. — Não podia prever como ela ia reagir e pegou o caminho covarde, esquivando-se. — Quer um conhaque?

— Claro.

Ela se alongou de novo. Já era quase uma da manhã. A casa estava tranquila, o corredor que levava ao escritório, escuro. Pensou rapidamente em seduzir Luke no sofá de couro e abriu um sorriso preguiçoso quando ele lhe entregou o copo.

— Tem certeza de que quer conversar?

Ele conhecia aquele olhar, aquele tom de voz, e quase aceitou para evitar o assunto.

— Não, mas eu acho que precisamos. Sobre as joias do leilão. — Hummm.

— Não vamos ficar com elas.

Ela engasgou com o conhaque. Luke bateu em suas costas esperando o melhor.

— Deus, não faça esse tipo de brincadeira comigo enquanto estou bebendo.

— Não é uma brincadeira, Rox. Não vamos ficar com elas.

Ela também conhecia aquele olhar, aquele tom de voz. Significava que Luke já estava com a cabeça feita e pronto para brigar.

— Do que você está falando? Por que pegar as joias se não vamos ficar com elas?

— Eu expliquei que o assalto seria uma distração para o serviço na casa de Wyatt.

— Claro, e uma distração bem lucrativa,' apesar das despesas, que são altíssimas.

— Sim, mas não monetariamente. Não para nós.

Ela tomou mais um gole de conhaque, mas não ajudou a aliviar o calafrio que sentiu de repente.

— O que nós vamos fazer exatamente com dois milhões em joias, Callahan? Joias que estão nos custando aproximadamente oitenta mil para roubar?

— Nós vamos plantá-las. Elas são uma peça muito importante em um golpe que estou sonhando há quase um ano.

— Um golpe? — Roxanne se levantou para que pudesse descarregar sua agitação e pensar. — Sam, você quer plantá-las na casa de Sam. Essa será nossa justiça, não é? — Os olhos dela ardiam quando ela se virou para ele. — Esse foi o seu plano o tempo todo.

— Planejei cada ângulo disso durante meses. Cada pecinha do todo.

— Você planejou? — Uma onda de traição ameaçou tomar conta dela. Ela não permitiu, sem saber se conseguiria sobreviver àquele tipo de perda de novo. — Foi por isso que voltou. Para acabar com Sam.

— Eu voltei por você. — Não gostava do tom da voz dela, nem da vulnerabilidade que percebeu escondida ali. E odiava, realmente odiava, ter de se explicar de novo. — Eu contei pra você por que fui embora, Rox, e eu não posso recuperar esses anos. Mas não vou perdê-la de novo e não vou arriscar a minha família. — Hesitou. Provavelmente ia fazer picadinho dele, mas precisava contar tudo para ela. — Foi por isso que fui ver Wyatt antes de voltar para Nova Orleans.

— Você foi vê-lo? — Desconcertada, ela passou a mão pelos cabelos. —Você foi vê-lo e não considerou isso um risco?

— Eu fiz um acordo com ele. Tentei suborná-lo com dinheiro. Um milhão de dólares por alguns meses.

— Um milhão...

— Mas ele não aceitou — interrompeu Luke. Ou melhor, não aceitou só isso. Mas fizemos um acordo. — Pegando seu copo de conhaque, ele agitou, cheirou e tomou um gole. Gostava dessa parte, a forma como um homem aproveitava uma longa e estimulante noite com uma linda mulher. — Ele concordou em me dar um tempo, até as eleições, se eu me comprometesse a arranjar fotos comprometedoras de Curtis Gunner. Elas teriam de ser montagens, claro, já que Gunner é muito correto. Wyatt quer documentos também, envolvendo Gunner em acordos antiéticos e relacionamentos ilícitos. Eu só preciso criá-los e plantá-los pouco antes de os eleitores irem às urnas.

Soltando um suspiro, Roxanne se sentou no braço do sofá. Percebeu que agora precisava do conhaque e virou o copo para um longo gole.

— Foi por isso que você demorou a voltar?

— Se eu não concordasse, não sei o que ele faria com você, Max e Lily, todas as pessoas que eu amo. — Luke fixou seu olhar no dela. — E agora tem Nathaniel. Não há nada que eu não faria para mantê-lo seguro. Nada.

Um calafrio de medo desceu pela espinha dela.

— Ele não machucaria Nate. Ele... É claro que machucaria. — Roxanne pressionou os dedos nos olhos, tentando aliviar sua consciência com a necessidade da situação. — Sei que temos de fazer o que precisa ser feito, mas nunca prejudicamos nenhum inocente. Podemos encontrar outro jeito. — Deixou as mãos caírem no seu colo. Seu rosto estava calmo de novo, e frio. — Sei que podemos encontrar outro jeito.

Luke tinha certeza de que nunca a amara mais do que neste momento. Ela era uma mulher que protegeria o que era seu sempre, mas nunca iria contra seu código de ética.

- Jake já está falsificando os documentos que plantarei, junto com as joias, no cofre de Wyatt. Mas eles não vão ser exatamente o que ele está esperando — acrescentou ele antes que ela protestasse. — As primeiras fotos que Jake fez estão muito boas, só precisam melhorar um pouco. Mas, de uma forma geral, Wyatt está ótimo. Tem uma em particular que ele está usando, uma tanga de couro preta e botas de que gostei muito.

— Sam? Você está fazendo as fotografias usando Sam? — Ela começou a sorrir, mas parou, admirada. Maldito Luke, pensou, ainda não tinha terminado. — Você vai traí-lo, usando o próprio plano dele para arruiná-lo politicamente.

— É, eu não tenho nada contra Gunner e tudo contra Wyatt. Pareceu-me uma justiça muito sólida. Além das fotos e dos documentos, que envolvem Wyatt em vários roubos que você conhece muito bem, tenho mandado dinheiro para duas contas na Suíça. Contas que estão no nome dele.

— Muito engenhoso — murmurou ela. — Você pensou em tudo. Mas não se incomodou em me avisar.

— Não, eu não contei para você. Eu queria ter certeza de que você ficaria comigo ao longo prazo. Achei que o plano inicial ia desafiá-la, intrigá-la. E eu esperava que, quando lhe contasse tudo isso, você já confiasse em mim.

Se você quer ficar furiosa porque eu escondi de você, tem todo o direito. Contanto que não desista do assalto.

Ela pensou e percebeu que a primeira onda de raiva já tinha passado. Meu Deus, pensou, esperava não estar ficando boazinha. O problema era que conseguia ver tanto pelo lado de Luke quanto pelo seu. Não apenas conseguia ver, como a beleza do golpe a encantava. Ela própria não teria planejado melhor.

— Por hoje, Callahan, ficamos em cinquenta-cinquenta ou não tem acordo.

— Você não vai me xingar de nenhum nome?

— Vou guardar. — Ela levantou o copo para um brinde. — A Nouvelle e Callahan.

Ele bateu seu copo no dela, e os olhos de um fixos nos do outro enquanto bebiam.

— Você não estava pensando em me seduzir quando eu a interrompi? — De fato... — Ela deixou o conhaque de lado. — Eu estava.

 

LUKE ESTAVA de pé ao lado da poltrona de Max, olhando pelas portas da varanda, imaginando o que esse homem via através do vidro. Seriam os prédios do French Quarter? A varanda cheia de flores que entrava na calçada de Chartres? As nuvens cinza que cobriam parte do céu prometendo chuva? Ou era alguma outra coisa, alguma lembrança bem antiga de outro lugar e outra época?

Desde a noite em que recobrara a consciência, a mente de Max mergulhou ainda mais fundo no mundo em que ele habitava. Mal falava agora, embora chorasse baixinho de vez em quando. Seu corpo também estava definhando, perdendo cada quilo precioso.

Os médicos falavam de placas e emaranhados, que eram as primeiras mudanças estruturais no cérebro de pacientes com Alzheimer. Formas anormais de proteínas — proteínas tau, beta-amiloide, substância P. Essas palavras não significavam nada para Luke, e ele achava que placas e emaranhados pareciam o nome de algum complexo truque de mágica.

Sabia que Roxanne já tinha vindo se despedir e agora estava do outro lado do corredor com Nate, supervisionando a mala dele para a semana que passariam em Washington. Agora que tinha seu momento a sós com Max, não sabia o que fazer.

— Eu queria que você fosse conosco. — Luke continuava olhando pelo vidro. Era tão difícil olhar para Max, para a expressão perdida, para os dedos tortos que não paravam de trabalhar como se estivessem manipulando moedas. — Eu me sentiria muito melhor se pudesse repassar o plano todo com você. Acho que você ia gostar. Drama, emoção, elegância. Tem tudo isso. Planejei cada detalhe. — Escutando a voz de seu mentor na cabeça, Luke se permitiu um sorriso. — Eu sei, eu sei, calcular as chances, depois se preparar para as surpresas. Eu vou dar o troco àquele cretino pelos cinco anos que ele roubou de mim, Max, de todos nós. E eu vou conseguir a pedra pra você, Max. Colocarei bem nas suas mãos. E, se existir alguma mágica nela, você a encontrará.

Luke não esperava uma resposta, mas se agachou. Fixou seu olhar nos olhos que um dia o mandaram entrar em uma tenda em um parque de diversões, que exigiram que ele tentasse, arriscasse. Eles estavam tão escuros como sempre, mas o poder desaparecera.

— Quero que saiba que vou cuidar de Roxanne e Nate. E de Lily, Mouse e LeClerc. Rox não ia gostar de me escutar falando isso, ela tem feito um bom trabalho cuidando de tudo. Mas ela não vai mais precisar fazer isso sozinha. Nate me chama de pai. Eu não sabia que isso podia ter um significado tão forte. — Gentilmente, cobriu as mãos tortas e inquietas com as suas. — Pai. Eu nunca chamei você assim. Mas você é o meu pai. — Luke se inclinou e beijou a pele fina. — Eu amo você, pai.

Não houve resposta. Luke se levantou e saiu para procurar o próprio filho.

Max continuou olhando pelo vidro, olhando e olhando, mesmo quando uma lágrima caiu de seu olho e escorreu pelo seu rosto, onde Luke beijara.

 

JAKE DIGITOU mais uma sequência em seu computador portátil e uivou de felicidade.

— O que eu disse? O que eu disse, Mouse? Tem sempre uma porta nos fundos.

— Você entrou? Entrou mesmo? — Cheio de admiração, Mouse se debruçou por cima do ombro curvado de Jake. — Meu Deus do Céu!

— O Banco da maldita Inglaterra. — Ele soltou um riso abafado, entrelaçando os dedos e esticando as mãos para estalar as juntas. — O Príncipe Charles e a Lady Di têm conta. Ah, cara, todas essa lindas libras esterlinas.

— Nossa. — Mouse sempre lia as revistas de celebridades, e a sua preferida era a Princesa de Gales. — Você consegue ver quanto eles têm, Jake? Podia transferir um pouco da conta dele para a dela. Acho que ele não é muito legal com ela.

— Claro. Por que não? — Os dedos de Jake corriam por cima das teclas, parando quando Alice limpou a garganta baixinho.

— Achei que você tivesse prometido ao Luke que não usaria os computadores para se meter na vida das outras pessoas. — Ela nem levantou o olhar, apenas continuou tricotando serenamente no sofá do outro lado da suíte.

— Bem, é. — Os dedos de Jake coçavam. — Só estou praticando. —Olhou para Mouse. — Mostrando para Mouse alguns truques que essa criancinha pode fazer se soubermos ajustá-la.

— Muito bonito. Mouse, acho que Diana não ia gostar que você invadisse a privacidade dela assim.

— Você acha? — Olhou para a esposa, que apenas levantou a cabeça e sorriu. — Não, acho que não. — Derrotado, soltou um suspiro. — Nós devíamos estar verificando a conta na Suíça — lembrou ele a Jake.

— Tudo bem, tudo bem. — O teclado estalava. — Mas devo dizer que isso me dá enjoos. É como se eu tivesse comido peixe estragado. Ele quer que eu transfira mais dez mil para a conta do crápula. Eu tentei, não tentei, dizer pra ele que eu podia tirar o dinheiro da conta de qualquer CEO mau-caráter em vez de tirar da dele? Mas não, não. Luke quer pagar o golpe todo. Aquele homem é teimoso. Muito teimoso.

— É uma questão de orgulho — opinou Alice.

— É uma questão de dez mil dólares, porra. — Jake fez uma careta e lançou um olhar rápido para ela. — Desculpe meu francês. É que não estamos ganhando nenhum centavo nisso. Nenhum centavo! Você não acha que devíamos ganhar alguma coisa, cobrir nossas despesas, ter algum lucro?

— Vamos ganhar satisfação — afirmou Mouse, e fez o coração da esposa inchar de orgulho. — Isso é melhor do que dinheiro.

— Satisfação não compra sapatos italianos — resmungou Jake, mas aceitou que tinha perdido. Além disso, poderia acessar outra conta mais tarde.

Alice juntou suas agulhas de tricô e se levantou. Nem eram dez horas ainda, mas ela estava muito cansada.

— Acho que vou deixar vocês dois com seus brinquedos e vou para a cama.

Mouse se inclinou para beijá-la, passando a mão pelos cabelos claros dela. Sempre se surpreendia ao pensar que alguém tão pequena, tão linda, pudesse pertencer a ele.

— Quer que eu peça chá ou alguma outra coisa?

— Não. — Que homem doce ele era, pensou ela. E burro. Estava praticamente esfregando o tricô embaixo do nariz dele. Decidindo que valia mais uma tentativa, tirou um sapatinho que terminara de dentro da cesta. — Acho que vou tentar terminar o outro esta noite. É uma bonita cor, não acha? Um tom bem suave de verde.

— É bonita mesmo. — Sorriu e baixou a cabeça para beijá-la de novo.

— Nate gosta desses fantoches.

— Não é um fantoche. — Ela nunca tinha ficado tão brava com ele. —É um sapatinho. — Dizendo isso, entrou no quarto da suíte.

— Alice nunca briga comigo — disse Mouse, meio que para si mesmo.

— Nunca. Acho que eu devo ir falar com ela... — A revelação o atingiu como um soco na cara. — Um sapatinho?

— Um sapatinho? — O rosto de Jake abriu um sorriso. — Bem, isso não é uma merda? Parabéns, Mouse, meu velho. — Levantou-se para dar um tapinha nas costas do amigo. — Parece que a cegonha vai passar por aqui.

Mouse ficou pálido, passou por uma cor parecida com a do famoso sapatinho, depois pálido de novo.

— Ah, meu Deus. — Foi tudo que ele conseguiu falar enquanto saía tropeçando para o quarto. Quando abriu e fechou a porta, as palmas de suas mãos já estavam suando.

Alice estava de pé de costas para ele, calmamente amarrando o cinto de seu robe.

— Então, a lâmpada acendeu — murmurou ela e foi até a cômoda e começou a pentear os cabelos.

— Alice. — Ele engoliu com tanta força que a garganta até estalou. —Você está... nós estamos...

Não era da natureza dela ficar brava por muito tempo. Amava-o demais para tentar. Sorriu enquanto seus olhos encontravam os dele pelo espelho.

— Sim.

— Tem certeza?

— Absoluta. Dois testes de farmácia e um obstetra não mentem. Estamos esperando um bebê, Mouse. — Parou de falar e deixou o olhar cair para as mãos. — Está tudo bem, não está?

Ele não podia responder. Seu coração estava na garganta. Em vez disso, aproximou-se dela com três passos desajeitados. Com muito carinho, envolveu-a em seus braços, colocando sua enorme mão sobre a barriga ainda reta dela.

Era melhor do que palavras.

 

F0RA DAS fronteiras do distrito, no luxuoso subúrbio de Maryland, Sam Wyatt estava sentado à sua escrivaninha com um copo de Napoleon. Sua esposa estava no quarto no andar de cima na enorme cama Chippendale, com uma de suas malditas enxaquecas.

Justine nem precisava inventar dores de cabeça, pensou enquanto girava e tomava um gole do líquido cor de âmbar. Há muito tempo, ele perdera o interesse em fazer amor com uma pedra de gelo que se disfarçava usando roupas de estilistas famosos.

Havia outras formas de encontrar satisfação sexual, se fosse cuidadoso e pagasse o suficiente. Não tinha uma amante. As amantes costumavam ficar desencantadas e ambiciosas. Sam não tinha a intenção de viver com um escândalo escondido quando estivesse morando na Casa Branca.

E ele moraria na Casa Branca, pensou. No início do século XXI, estaria sentado no Salão Oval, dormindo na cama de Lincoln. Era inevitável.

Sua campanha ao Senado estava correndo brilhantemente. Todas as pesquisas mostravam que ele estava liderando. Seria preciso um milagre para seu concorrente alcançá-lo, e Sam nunca acreditara em milagres.

De toda forma, tinha um ás chamado Luke Callahan em sua manga. Quando resolvesse usar esse ás, uma semana antes das eleições, Gunner estaria arruinado.

Faltavam poucas semanas para o momento da verdade, o que significava muitos dias e noites à sua frente. Beijara bebês, cortara fitas, exaltara o homem comum em discursos cheios de promessas, agradara a estrutura corporativa com sua postura empreendedora, conquistara as mulheres com seus sorrisos fáceis e corpo esbelto.

Sam considerava a sua ascensão política e prestígio uma estupenda e longa fraude.

Como dissera para Luke, ele cumpria algumas de suas promessas, já que a farsa estava longe de terminar. Continuaria agradando e conquistando e apertando mãos. Sua imagem de homem que se fez sozinho e que tinha sucesso na conquista do sonho americano o manteria no lugar certo. E sua equipe de conselheiros meticulosamente escolhidos o manteria adequadamente informado sobre a política doméstica e internacional.

Ele só tinha uma política — e era o poder.

Ele tinha tudo que queria — e queria mais.

Pensou na pedra trancada em seu cofre. Se acreditasse em mágica, teria refletido sobre como tudo tinha dado certo para ele depois que a conseguiu. Mas para Sam era apenas outra vitória sobre um velho inimigo.

Era verdade que, desde que ela estava em suas mãos, o ritmo de seu sucesso aumentara. Sam atribuía isso à sorte e às suas próprias habilidades pessoais e políticas.

Aprendera muito com o popular senador do Tennessee. Sugara avidamente todo o conhecimento enquanto interpretava o papel de braço direito do homem com o talento de um ator premiado — até surgir a oportunidade de se tornar o homem.

Ninguém sabia que Sam assistira ao Bushfield morrer. Publicamente, chorara a morte dele, fazendo elogios cheios de lágrimas, confortando a viúva como se fosse um filho, assumindo todos os compromissos do senador como um dedicado herdeiro.

E ficara parado, assistindo, enquanto o senador ofegava e sufocava, enquanto seu rosto ficava roxo, enquanto ele tinha espasmos no chão de seu escritório particular. Sam segurava a pequena caixa laqueada com os comprimidos de nitroglicerina, sem dizer nada enquanto seu mentor esticava as mãos, os olhos transbordando de dor, vidrados e confusos.

Só quando teve certeza de que era tarde demais, Sam se ajoelhou e colocou um dos comprimidos embaixo da língua do homem morto. Fez uma ligação frenética para 911 e, quando os paramédicos chegaram, ficaram emocionados de ver a forma urgente com que Sam tentava ressuscitá-lo.

Assim, ele matara Bushfield e ganhara vários aliados na comunidade médica.

Não fora tão emocionante quanto acertar uma bala na cabeça de Cobb, pensou Sam. Mas mesmo a forma passiva de matar lhe trouxe algum tipo de excitação.

Recostando-se, planejou o próximo passo, uma aranha contente em tecer a sua teia e esperar por uma mosca desavisada.

A arrogância da volta de Callahan para a trupe dos Nouvelle ainda o intrigava. Será que o tolo realmente acreditava que cinco anos seriam o suficiente? Ou que dinheiro pagaria pela insubordinação de voltar ao palco sem permissão? Sam esperava que sim, esperava muito que sim. Ainda não fizera nada porque se divertia vendo Luke tranquilo. Deixe-o fazer seu show, pensou Sam. Deixe-o tentar conquistar o coração de Roxanne uma segunda vez. Deixe-o tentar ser um pai para o filho dele. Sam gostava da ideia de vê-lo no seio da família, temporariamente retomando sua carreira, sua vida. Seria ainda mais doce pegá-lo de novo.

E ele pegaria, pensou Sam. Ah, pegaria.

Estava sempre de olho nos Nouvelle. Era forçado a admitir que admirava o estilo de Roxanne, sua elegância ao roubar. Havia provas documentadas de todas as atividades dela em um livro guardado em seu cofre. Tinha sido caro, mas a herança de sua esposa permitia esses luxos.

Estava chegando a hora quando usaria essas provas. O pagamento por Luke ter subido ao palco sem seu consentimento seria alto. E todos os Nouvelle pagariam. E se, como Sam imaginava, eles acreditassem que podiam tentar mais um assalto, pelos velhos tempos, cairiam direto nas suas mãos.

Porque ele sabia esperar, sabia assistir, e poderia providenciar para que as autoridades pegassem os Nouvelle em seu próximo trabalho. Essa era uma alternativa muito doce.

Perguntava-se se eles fariam alguma coisa no leilão. Para ele, esse tipo de assalto tinha aquele glamour que os atraía. Talvez até deixasse que eles se livrassem dessa. Por pouco tempo. Então, fecharia a ratoeira e os veria sangrar.

Ah, sim, pensou Sam, rindo para si mesmo enquanto se recostava. Era exatamente esse o tipo de raciocínio claro que faria dele um excelente comandante.

 

SAM CONSEGUIU ingressos para o tão concorrido espetáculo dos Nouvelle no Kennedy Space. Primeira fila no centro. Justine se sentou ao seu lado, envolvida em seda, safiras e sorrisos — a dedicada esposa e companheira.

Ninguém adivinharia que eles passaram a se detestar.

Conforme o show de mágica se desenrolava, Sam aplaudia com entusiasmo. Jogava a cabeça para trás e ria, inclinava o corpo para a frente, com olhos arregalados e balançava a cabeça, incrédulo. Suas reações, muitas vezes captadas pelas câmeras de televisão em ação, eram tão cuidadosamente ensaiadas quanto a noite de ilusões.

Por trás delas, a inveja o consumia. Luke mais uma vez era o centro das atenções, o astro, o poderoso

Sam o odiava por isso, da mesma forma cega e irracional que odiara Luke desde a primeira vez que o vira. Detestava e invejava a facilidade com que Luke chamava a atenção para si, o óbvio apelo sexual que existia entre ele e Roxanne, a suavidade com que ele conseguia fazer o que não podia ser feito.

Mas ele foi o primeiro a se levantar para aplaudir quando terminou o grand finale. Ele juntou as mãos e sorriu.

Roxanne o viu quando fez suas reverências. Embora tenha abaixado as pálpebras, o veneno correu entre os dois. Os olhares deles se fixaram, e para ela, por um instante, eles estavam completamente sozinhos. O ódio se espalhou, volátil como lava, e ela deu um passo à frente, na direção dele, parando apenas quando a mão de Luke a segurou com firmeza.

— Apenas sorria, amor. — Falou claramente durante a chuva de aplausos e apertou rapidamente os dedos dela. — Apenas continue sorrindo.

Foi o que ela fez, até que finalmente os dois saíram juntos do palco.

— Eu não sabia que seria tão difícil. — O corpo dela tremia do esforço para conter a vontade de atacar. — Vendo-o sentado ali, parecendo tão pomposo e próspero. Eu queria pular do palco e mordê-lo.

— Você se saiu bem. — Massageou os ombros dela, acompanhando-a pelo corredor até o camarim. — Fase um, Roxy, e a caminho da próxima. Ela assentiu e parou com a mão na maçaneta da porta.

— Nós roubamos coisas, Luke. Sei que a maioria das pessoas não acharia isso aceitável. Ainda assim, nós só pegamos objetos, coisas facilmente substituídas. Ele roubou tempo. E amor e confiança. Nada disso pode ser substituído. — Olhou por cima dos ombros, os olhos brilhando não com lágrimas nem ressentimento, mas com propósito. — Vamos pegar o filho da puta.

Ele sorriu e deu um tapinha no bumbum dela. Jake estava certo. Ela era uma mulher e tanto.

— Troque de roupa. Temos trabalho a fazer.

 

ELES COMPARECERAM à recepção depois do espetáculo, brindando com dignitários de Washington. Luke aguardou sua hora, depois se afastou de Roxanne. Essa era uma cena que precisava fazer sozinho. Como ele esperava, Sam, em poucos momentos, já o estava procurando.

— Foi um show e tanto.

Luke pegou uma taça de champanhe de uma bandeja que passava, fingindo que estava com os dedos levemente trêmulos.

— Que bom que você gostou.

— Ah, gostei sim. E admiro a sua coragem, apresentar-se sem pedir minha permissão primeiro.

— Eu não achei... Já se passaram cinco anos. — Luke olhou a multidão com olhos nervosos, abaixou o tom de voz. Como se implorando, segurou o pulso de Sam. — Pelo amor de Deus, que mal há nisso?

Encantado por estar com a presa na jaula, Sam pensou, tomando um gole de champanhe.

— Isso ainda precisa ser avaliado. Mas me diga, Callahan, o que você achou do pequeno Nathaniel?

Desta vez, Luke não precisou fingir o tremor na mão. Era de puro ódio.

— Você sabe sobre Nate?

— Sei tudo o que há para se saber sobre os Nouvelle. Achei que eu tivesse deixado isso claro. — Distraidamente, ele colocou a taça vazia em uma bandeja. — Agora, me diga, você já terminou o trabalho que lhe mandei fazer?

— Só estão faltando alguns detalhes finais. — Luke endireitou a gravata. — Como eu lhe disse das outras vezes que nos falamos, fazer um serviço assim, para garantir que fique acima de qualquer suspeita, leva tempo.

— Tempo com o qual eu fui generoso — lembrou Sam, e acrescentou um apertão forte no ombro de Luke. — Tempo que está se acabando.

— Você me deu um prazo final. Vou cumprir. — Ele olhou em volta do salão de novo. —  Eu sei a importância disso.

— Espero que saiba. — Ele levantou a mão, evitando a resposta de Luke. — Dois dias, Callahan. Leve tudo pra mim em dois dias, e poderá se esquecer da impertinência de hoje. Aproveite a noite — acrescentou ele enquanto se afastava. — Já que é uma das únicas que lhe restam com sua família.

— Você estava certo, cara. — Jake, elegante no uniforme de garçom, ergueu a bandeja. — Ele é um verme.

— Só não estrague tudo — sussurrou Luke. Rápido como um raio, ele colocou a abotoadura de ouro com o monograma de Sam no bolso plastificado de Jake.

— Pode confiar em mim.

— E tire esse sorrisinho da cara, pelo amor de Deus. Você é um empregado.

— Então, eu sou um empregado feliz. — Mas Jake se esforçou para parecer devidamente sério enquanto se afastava.

 

UMA HORA mais tarde, Jake entregou para Luke um plástico contendo a abotoadora e um único fio de cabelo louro.

— Tenha cuidado como vai usar isso, cara. Você não vai querer que fique óbvio demais.

— Que droga, vamos ser óbvios.

Sentiu um aperto opressor nas entranhas quando ergueu o saco para analisar o elegante exemplar de joia masculina. Era discreta e arredondada, com o SW girando de forma fluida no ouro. Se tudo saísse bem, pensou Luke, esse pequeno adorno mandaria Sam Wyatt direto para o inferno.

— Você já verificou o equipamento? — perguntou ele para Jake.

— Verifiquei duas vezes. Estamos on-line. Olha só isso. — Pegou um dispositivo não muito maior que a palma de sua mão. — Mouse — sussurrou ele. — Você tá ouvindo?

Houve uma breve pausa. Então, a voz de Mouse soou pelo transmissor.

— Estou bem aqui, Jake, ouvindo em alto e bom som.

Com um sorriso, Jake ofereceu o transmissor para Luke.

— Melhor do que Jornada nas Estrelas, né?

O aperto na barriga foi substituído por uma vibração prazerosa e excitante.

— Odeio ter que admitir isso, Finestein, mas você é bom. Temos quinze minutos; então, esteja preparado.

— Eu estou sempre preparado. — Ele sorriu e deu uma rebolada. — Isso vai ser fabuloso, Luke. Fa-bu-lo-so!

— Não cante vitória antes do tempo — murmurou Luke, repetindo uma frase de Max. Ele verificou o relógio. — Roxanne está esperando. Vamos logo.

— Preparem os cavalos. Prendam as carroças! Que vamos partir. — Jake riu de si mesmo enquanto seguiam para a porta.

— Amador — resmungou Luke, mas percebeu que estava sorrindo. Aquela seria uma noite e tanto.

 

A HAMPSTEAD GALLERY era um prédio de três andares e estilo neogótico construído atrás de carvalhos graciosos. Naquela noite fria de outono, tão próxima do Halloween, as folhas flutuavam como ouro queimado na brisa carregada com o inverno vindouro, e faixas de névoa dançavam sobre o concreto e o asfalto. No céu, a lua estava cortada ao meio, o seu contorno tão agudo e pronunciado que parecia que algum deus tinha passado por ali com o seu machado para fendê-la. Sem nuvens para impedir, o brilho do luar descia, branco e doce, banhando as árvores de prata. Mas as folhas que ainda estavam nos galhos forneciam sombras protetoras.

Era uma questão de cronometragem.

A frente da galeria ficava na avenida Wisconsin. Washington não era uma cidade com vida noturna fervilhante. Os políticos governavam, e os políticos preferiam uma aura de discrição — principalmente em um ano eleitoral. A uma hora da manhã, o trânsito estava leve e esporádico. A maioria dos bares já tinha fechado.

Havia uma atividade noturna clandestina, as bocas de crack, a venda de drogas nas esquinas, as prostitutas que vagavam pela Fourteenth Street e aqueles que eram viciados naquele tipo de comércio de prazeres temporários. Assassinatos noturnos eram tão comuns naquele berço da democracia quanto as promessas de campanha.

Mas ali, naquela discreta esquina da cidade, tudo estava calmo.

Luke ficou nas sombras atrás do prédio, sob as gárgulas sorridentes e pilastras imponentes.

— É melhor que isso funcione, Mouse.

O transmissor em volta do seu pescoço captava cada respiração.

— Vai funcionar. — A voz de Mouse soou baixa e clara o suficiente pelo minúsculo alto-falante. — Temos uma extensão de trinta metros.

— É melhor funcionar mesmo — repetiu Luke. Ele segurava algo que parecia um arco nas mãos.

E aquilo fora um arco mesmo, antes que Mouse o modificasse. Agora era um gancho com garras acionado por gás O dedo de Luke pairava no gatilho enquanto pensava em Roxanne, já encolhida no depósito do terceiro andar. Ele pressionou o gatilho e observou com prazer infantil enquanto o gancho de cinco garras subia levando atrás de si uma trilha de corda. O pequeno dispositivo zunia em sua mão, vibrando como um gato.

Ouviu o tinido quando o gancho de metal atingiu o telhado. Desligou o aparelho antes de puxar, gentilmente, a corda para si. Ela ficou firme quando as garras se prenderam na beirada de tijolos desgastados pelo tempo.

Luke a testou, puxando com força; então, ergueu-se alto o suficiente para tirar as pernas do chão.

— Ela vai aguentar. Bom trabalho, Mouse.

— Valeu.

— Tudo bem, Finestein, você entra primeiro.

— Eu? — A voz de Jake falhou, grunhindo. Revirou os olhos de forma que apenas a parte branca ficou visível em um rosto literalmente pintado de preto. Estava patético, como um tocador de banjo em um show de menestréis. — Por que eu?

— Porque se eu não estiver atrás, incitando você, você não vai fazer.

— Vou cair — reclamou Jake, protelando.

— Bem, tente não gritar se você cair. Vai chamar a atenção dos guardas.

— Muito generoso. Sempre achei você muito generoso.

— Suba. — Luke segurava a corda com uma das mãos e levantou o polegar da outra.

Embora seus pés ainda estivessem no chão, Jake segurou a corda como se fosse um náufrago. Apertou bem os olhos e ficou na ponta dos pés. — Vou vomitar.

— Aí eu terei que matar você.

— Odeio esta parte. — Respirou fundo uma última vez e Jake estava balançando como um macaco no cipó. — Eu realmente odeio essa parte.

— Continue subindo. Quanto mais rápido você subir, mais rápido chegará lá em cima.

— Odeio. — Jake continuou reclamando e subiu com os olhos teimosamente fechados.

Luke esperou até que Jake estivesse no segundo andar para começar a sua própria escalada. Jake congelou como uma pedra de gelo em uma nevasca.

— A corda. — Sua voz era um sussurro chorão. — Luke, a corda está se movendo.

— Claro que está se movendo, seu idiota. Isso não é uma escada. Continue subindo. — Luke incitou Jake a subir mais três metros e meio. —Segure no peitoril, dê impulso para cima.

— Não consigo. — Jake estava rezando, usando as palavras em hebraico que aprendera para seu bar mitzvah. — Não consigo soltar a corda.

— Você tem bosta no lugar do cérebro. — Mas isso não era algo inesperado. — Coloque seu pé no meu ombro. Vamos. Está sentindo?

— Isso é você?

— Não, é o Batman, seu idiota.

— Não quero mais ser o Robín. Ok? — Jake colocou peso suficiente em Luke para fazê-lo recuar.

Ok. Só se equilibre. Centralize seu peso em mim e segure no peitoril. Se não fizer isso — continuava Luke com o mesmo tom de voz, calmo, sem pressa —, vou começar a balançar a corda. Sabe qual é a sensação de balançar em uma corda a três andares de altura e bater com a cara na parede?

— Estou fazendo. Estou fazendo. — Com os olhos ainda fechados, Jake soltou os dedos congelados da corda. Sentiu a parede duas vezes antes de conseguir se segurar. Soltando outro de seus gritos abafados, rolou pelo peitoril e caiu com um baque.

— Com a graça de um gato. — Luke entrou silenciosamente. —Entramos, Mouse. — Olhou no relógio, percebendo que Roxanne ainda tinha noventa segundos antes de sair de seu esconderijo. — Faça.

 

DENTRO DO armário do armazém que cheirava a sabão, Roxanne verificou o mostrador luminoso de seu relógio. Levantando-se e esticando-se após duas horas sentada, ela contou regressivamente os segundos.

Prendeu a respiração ao abrir a porta, entrou no corredor. A escuridão aqui era um pouco menos intensa do que lá dentro. Havia uma luz no final do corredor que lançava um fraco brilho amarelo para ajudar os guardas na sua ronda.

Andou nessa direção, contando.

Cinco, quatro, três, dois, um... Sim. Um leve suspiro de satisfação escapou de seus lábios quando a fraca luz se apagou.

Mouse conseguira. Movendo-se, Roxanne corria no escuro, passando pelas câmeras que agora estavam cegas na direção da sala de vigilância.

 

- DROGA! - O GUARDA que estava ganhando do seu companheiro no jogo de cartas xingou no escuro e pegou a lanterna em seu cinto. —Maldito gerador... — Suspirou aliviado ao escutar o zunido elétrico. As luzes piscaram e voltaram, os monitores ganharam vida, os computadores chiaram e voltaram. — Melhor checar — disse, mas seu parceiro já estava discando.

Lily atendeu no segundo toque.

— Washington Gás e Luz, boa noite.

— Aqui é da Hampstead Gallery, ficamos sem energia.

— Sinto muito, senhor. Fomos notificados em razão de uma linha que caiu. Uma equipe está indo para o local.

— Linha caiu. — O guarda desligou e deu de ombros. — São uns idiotas, provavelmente de manhã ainda não terão consertado. Maldita companhia de eletricidade, só quer saber de dinheiro.

— O gerador está dando conta. — Ambos se viraram para verificar os geradores. — Vou dar minha ronda agora.

— Certo. — O guarda se debruçou na frente dos monitores para pegar café na sua garrafa térmica. — Cuidado com qualquer ladrão grande e mau.

— Fique de olhos abertos, McNulty.

Os monitores continuavam a repetir suas sequências, mudando a cada poucos segundos, de corredor escuro para corredor escuro. Na opinião de McNulty, era o suficiente para entediar alguém a ponto de abrir um buraco na cabeça. Viu seu parceiro trabalhando no terceiro andar e levantou o dedo do meio.

Ajudava a afastar o tédio.

Começou a cantarolar, pensou em embaralhar as cartas para a próxima rodada. Alguma coisa no monitor seis chamou sua atenção. Piscou, achou que era sua imaginação, depois soltou sons abafados.

Era uma mulher. Mas não era. Uma linda e pálida mulher com um vestido branco esvoaçante e longos cabelos grisalhos. Aparecia e desaparecia da tela. E ele conseguia ver — ai, meu Deus, conseguia ver os quadros através dela. Ela sorriu para ele e acenou.

— Carson. — McNulty apalpava seu walkie-talkie, mas a única resposta que recebeu foi estática. — Carson, seu filho da puta, atenda.

Ela ainda estava lá, flutuando a poucos centímetros do chão. Viu seu parceiro também, começando a ronda no segundo andar.

— Carson, droga!

Enjoado, enfiou o walkie-talkie no cinto. Sua boca estava seca, o coração acelerado, mas ele sabia que precisava investigar.

 

R0XANNE DESLIGOU o projetor e o holograma de Alice apagou. Quando seu equipamento estava de volta na sua mochila, ela correu na direção da sala de vigilância. Os minutos estavam passando.

Seu sangue estava frio, suas mãos firmes quando começou o trabalho. Tirou a fita da câmera quatro e substituiu pela sua. Seguindo as instruções de Jake, reprogramou o computador. A câmera agora estava inoperante, mas o monitor continuaria a exibir a sequência. A única diferença era que agora os guardas assistiriam a uma fita adulterada. Perdeu preciosos momentos para refazer a câmera seis e apagar o holograma. Mesmo com o conhecimento de Jake, não conseguiram nenhuma solução que não deixasse rastros para essa perda de tempo. Aquela imagem de Alice de trinta segundos poderia ser fraudada voltando todas as câmeras e reiniciando. Quando o assalto fosse descoberto e as fitas fossem examinadas cuidadosamente, apareceria a interrupção.

Até lá, se tudo corresse bem, isso não seria mais problema deles.

 

— ELA JÁ deve ter acabado. — Luke observou o último segundo passar e, então, assentiu para Jake. — Pode apertar.

— Com muito prazer. — Seguro de que agora tinha algo sólido embaixo dos pés, Jake pegou o que parecia um complexo controle remoto, um daqueles assustadores aparelhos domésticos que operam TV, videocassete, som. Fizera as adaptações com esse propósito.

Olhando de perto, poderia ser confundido com uma calculadora de bolso. Os dedos de Jake corriam pelo minúsculo teclado. Em algum lugar ao longe, um cachorro começou a latir.

— Frequência aguda — explicou Jake. — Vai enlouquecer todos os cachorros em um raio de um quilômetro. O sistema de segurança vai ficar um lixo por quinze minutos, e dezessete do lado de fora. É só o que esse brinquedinho vai durar.

— É suficiente. Fique aqui em cima.

— Pode apostar. — Desejou boa sorte a Luke: — Merda pra você, parceiro.

Com um lindo sorriso, Luke saiu pela janela. Seus pés mal tocaram o peitoril quando a persiana abriu.

— Meu Deus, o que pode ser mais romântico do que um homem entrando por uma janela pendurado em uma corda? — Roxanne deu um passo atrás para dar espaço para Luke aterrissar.

— Vou mostrar quando chegarmos ao hotel. — Usou um minuto para beijá-la intensamente. Podia sentir a excitação fluir dele para ela, dela para ele. Fazia muito tempo desde que trabalharam no escuro juntos. — Algum problema.

— Nenhum.

— Então vamos arrasar.

 

— ESTOU DIZENDO, eu vi alguém — insistia McNulty.

— Tá, tá. — Carson então apontou para os monitores. — Uma mulher flutuante, uma mulher flutuante transparente. Acho que deve ser por isso que ela não disparou nenhum alarme. Onde ela está agora, McNulty?

— Ela estava lá, droga.

— Acenando para você, certo? Bem, vamos ver. — Carson colocou o dedo no queixo. — Talvez ela tenha atravessado alguma parede. Deve ser por isso que eu não a vi durante a minha ronda. Deve ser por isso que você não a viu quando saiu para caçar fantasma, McNulty.

— Volte a fita. — Inspirado, McNulty apertou no botão para voltar a fita da câmera seis. — Prepare-se para comer suas palavras.

McNulty voltou a fita duas vezes e já ia para a terceira quando seu parceiro o impediu.

— Você precisa de férias. Tente a clínica St. Elizabeth. Dizem que lá é bem calmo.

— Eu vi...

— Vou lhe dizer o que estou vendo. Eu estou vendo um idiota. Se o idiota quiser se reportar a uma gata flutuante, vai fazer isso sozinho. — Carson se sentou e começou a jogar Paciência.

Determinado, McNulty se plantou na frente dos monitores. Embaixo do seu olho esquerdo, um tique começou a pulsar enquanto ele assistia, esperando a ilusão reaparecer.

 

LUKE TIROU suas estimadas ferramentas do bolso. Com o restante do sistema de segurança controlado, o cadeado da vitrine foi uma piada. E ele riria na cara de Sam.

Pensou com muito cuidado. Seus dedos já estavam coçando quando se debruçou sobre o cadeado. Abruptamente, levantou-se, virou-se para Roxanne e ofereceu a ferramenta.

— Tome. Pode fazer. Damas primeiro.

Ela ia pegar a ferramenta; então, afastou as mãos.

— Não, não, vá em frente, é a sua área.

— Tem certeza?

— Positivo. — Então, tocando o lábio superior com a ponta da língua, ela se debruçou em cima dele. — Além disso — murmurou ela —, ver você trabalhar me deixa excitada.

— Mesmo?

Riu, deu um beijo nele.

— Meu Deus, como os homens são fáceis. Abra o cadeado, Callahan.

Estava de pé atrás dele enquanto ele trabalhava, a mão apoiada de leve no ombro dele. Mas não estava olhando a forma delicada com que ele usava a ferramenta. Seus olhos estavam nas joias dentro da vitrine, faiscando brilhantemente em cima do veludo azul.

— Oh, meu Deus. Como elas brilham. — Ela sentiu o impulso, a atração, a pura excitação. — Amo essas pedrinhas. Todas essas cores, todo esse brilho. Aqueles rubis ali. Você sabia que já extraíram quase todo o rubi que existe? Pelo menos, que se conheça? É por isso que seu quilate vale mais do que o de diamante.

— Fascinante, Rox. — O cadeado cedeu. Cuidadosa e silenciosamente, Luke abriu as portas de vidro.

— Oh. — Roxanne respirou fundo. — Agora, podemos até sentir o cheiro delas. Quentes, doces. Como balas. Não podemos ficar...

— Não. — Pegou a mochila dela.

— Só uma, Luke. Só aquele colar de rubi. Podíamos tirar as pedras. Eu guardaria em uma bolsa e só olharia de vez em quando.

— Não — repetiu ele. — Agora vamos trabalhar. Estamos perdendo tempo.

— Tudo bem. Valeu a tentativa.

Encheram a mochila dela, joia por joia. Ela era profissional, mas também era mulher e uma conhecedora de pedras preciosas. Se seus dedos se demorassem um pouco mais ao acariciar uma esmeralda aqui, uma safira ali, ela seria apenas humana.

— Sempre achei que as tiaras eram para bonitas rainhas do Texas com nomes compostos — murmurou ela, mas suspirou ao guardar o brilhante colar na mochila. — Tempo?

— Sete minutos, do lado de fora.

— Bom. — Pegou a Polaroid com a qual tinha tirado fotos da vitrine naquela mesma noite. Olhando as fotografias, arrumaram as joias falsas nos devidos lugares.

— Estão ótimas — decidiu Luke. — Perfeito.

— Devem mesmo, foram caras.

— Adoro quando você é sovina. Agora, a minha parte favorita. —Pegando o saco plástico e uma pinça no bolso, Luke delicadamente pegou um fio de cabelo que pegara do ombro do smoking de Sam. Depois de colocá-lo em uma prateleira de vidro na parte de trás, jogou a abotoadura na palma na mão.

— Muito pouco para um assalto — comentou Roxanne.

— Quero ver ele explicar isso. — Luke a jogou no pequeno espaço entre a parede da vitrine e a última prateleira, permitindo apenas um leve brilho do ouro. — Só quero ver. Vamos.

De mãos dadas, afastaram-se da vitrine na direção da janela. Roxanne subiu, colocou as pernas para fora e depois lançou um olhar bem demorado para ele.

— Foi um prazer trabalhar com você de novo, Callahan.

 

R0XANNE PRENDEU os cabelos com uma presilha. O coque francês combinava com seu terninho cinza de seda. Planejara o look e acrescentara discretos brilhantes nas orelhas, um broche de diamante na forma de estrela alongada na lapela e scarpins pretos italianos. Considerava uma roupa adequada para um leilão à tarde.

Ao seu lado, Lily fervia de tanta excitação, usando um vestido justo rosa-pink com um bolero roxo.

— Adoro esse tipo de coisa. Todas essas pessoas esnobes com seus pequenos cartões numerados a tiracolo. Eu adoraria se realmente fôssemos comprar alguma coisa.

— Eles vão leiloar obras de arte também. — Roxanne pegou seu pó compacto para passar no nariz. — Posicionou o espelho em um ângulo para procurar Luke nos fundos do salão.  — Pode dar o lance para o que você quiser.

— Eu tenho mau gosto.

— Não, você tem o seu gosto. E é perfeito. — Tentando não se preocupar por não conseguir localizar Luke, Roxanne fechou o estojo. — Não temos motivo para não nos divertirmos enquanto estamos aqui. Contanto que o trabalho seja feito.

— Já fiz a minha parte. — Lily cruzou as pernas a arrancou alguns olhares admirados dos homens sentados na mesma fileira.

Havia muito murmurinho enquanto as pessoas continuavam entrando e tomando seus lugares. Na frente do salão com pé-direito alto, estavam o pedestal do leiloeiro, uma mesa comprida coberta por linho drapeado onde as peças seriam exibidas e dois guardas armados. Guardas armados. Na lateral, havia uma mesa Luís XIV com um telefone, um computador, pilhas de livros e blocos de notas. Apostas pelo telefone eram bem-vindas.

Roxanne folheou o grosso catálogo com folhas brilhantes e, como os outros à sua volta, fez anotações, circulando e verificando itens.

— Oh, olhe esse abajur! — O entusiasmo de Lily era tão genuíno quanto as pedras nas orelhas de Roxanne, e só fez a farsa parecer ainda mais verossímil. Muitas cabeças se viraram quando ela exclamou. — Não ficaria perfeito na nossa sala de estar?

Roxanne analisou a monstruosa art nouveau e sorriu. Só Lily.

— Absolutamente.

O leiloeiro, tini homem baixo e redondo que enchia o terno de flanela cinza risca-de-giz, tomou seu posto.

Cortina, pensou Roxanne e se recostou, esperando a sua deixa.

Obras de arte e antiguidades formavam os lotes iniciais. Os lances eram rápidos, animados até, com alguém de vez em quando gritando seu lance em vez de levantar a placa numerada.

Roxanne começou a curtir o show.

Alguns levantavam a placa com entusiasmo, outros tão languidamente como se o esforço de dar um lance de alguns milhares de dólares fosse muito entediante. Alguns resmungavam, outros gritavam, alguns levantavam o dedo. Acostumado a interpretar os sinais, o leiloeiro passava facilmente de um lote para outro.

— Ah, olhe! — Lily soltou um gritinho quando uma cômoda com ornamentos entalhados de 1815 foi trazida por dois homens musculosos. —Não é linda, querida? Ficaria perfeita no quarto do bebê de Mouse e Alice.

Roxanne ainda estava tentando se acostumar com a ideia de que Mouse seria pai.

— Ah... — A cômoda combinava com um castelo ou com um bordel. Mas os olhos de Lily brilhavam. — Eles vão amar — afirmou Roxanne, torcendo para ser perdoada.

Lily levantou a placa antes que terminassem a descrição e mereceu alguns risos.

Indulgente, o leiloeiro assentiu para ela.

— A madame abriu os lances por mil dólares. Escutei mil e duzentos?

Lily pontuava cada lance com um suspiro ou uma risadinha, levantando sua placa como uma baioneta. Ela agarrava o braço do homem ao seu lado, contorcia-se e deu lances mais altos duas vezes. Em suma, ela atraiu a atenção de todos os presentes.

— Vendido, para o número oito, por três mil e cem dólares.

— Número oito. — Lily virou sua placa e berrou quando viu o número, depois aplaudiu a si própria com entusiasmo. — Ah, isso foi excitante.

Para mostrar seu interesse e porque gostou da obra de arte, Roxanne deu lances para uma escultura. Percebeu que estava corada de tanto orgulho quando a adquiriu por dois mil, setecentos e cinquenta.

— Febre de leilão — murmurou ela para Lily, um pouco constrangida. — É contagiante.

— Temos de fazer mais isso.

Conforme a tarde passava, aqueles interessados apenas nos lotes iniciais foram embora. Outros chegaram. O primeiro lote de joias foi exibido, um colar de safiras, citrino e esmeraldas, com detalhes em diamantes com lapidação brilhante. Por baixo do casaco de seda, o coração de Roxanne começou a pulsar.

— Olhe, não é elegante — Lily disse com um sussurro ensaiado. — Não é um sonho?

— Humm. As safiras são índigo. — Roxanne deu de ombros. — Muito escuras para o meu gosto. — Ela sabia que eram de vidro com um pouco de óxido de cobalto acrescentado ao strass.

Observou os lotes irem e virem, braceletes de diamante que não eram nada além de zircônios brilhantes, rubis que eram mais vidro com sais de ouro fundidos com o strass, ágatas se fazendo passar por lápis-lazúli.

Odiava admitir, e nunca o faria para Luke, mas o dinheiro fora bem gasto. Cada nova joia que era trazida causava uma onda de excitação nos presentes, e os lances só aumentavam.

Deu lances em vários lotes, sempre cuidadosa ao avaliar o entusiasmo de quem dava lances contra ela. Lily se compadecia dela cada vez que ela perdia.

E, finalmente, o anel. Roxanne abriu o catálogo onde fizera um círculo escuro em volta da fotografia. Permitiu-se soltar um suspiro abafado quando a descrição começou e murmurou para Lily.

— De Bogotá — disse, excitação vibrando em sua voz. — Verde bandeira, cor e transparência absolutamente perfeitos. Doze quilates e meio, design moderno.

— Combina com seus olhos, querida.

Roxanne riu e se inclinou em sua cadeira, como um corredor na marca.

Os lances começaram no valor de cinquenta mil, o que separava os homens dos ratos. Após o terceiro lance, Roxanne levantou sua placa e entrou na disputa.

Quando os lances alcançaram setenta mil, ela o localizou. Não estava sentado onde ele dissera para ela procurá-lo, o que provavelmente foi proposital, para ela não baixar a guarda. Ele estava com uma aparência artística e distinta, nada a ver com Luke. Cabelos castanhos compridos e escorridos presos em um rabicho, e um bigode da mesma cor enfeitava seu lábio superior. Estava usando óculos redondos com armação dourada e um terno sob medida azul-royal por cima de uma camisa fúcsia.

Ele dava lances de forma lacônica e firme, levantando o dedo e balançando para a frente e para trás como um metrônomo. Ele não olhava para trás nem quando Lily soltava suspiros abafados por trás das mãos ou pulava entusiasmadamente em seu assento. Roxanne pressionou, talvez mais do que seria sábio, aumentando seus lances mesmo quando só restavam os dois na disputa. Atraída pelo jogo, pelo desafio, levantou a placa quando a oferta atingiu cento e vinte mil.

Foi o silêncio absoluto que reinou no recinto que a trouxe de volta para a realidade. Isso e a forte pressão dos dedos de Lily sobre os seus.

— Ah, meu Deus. — Roxanne levou a mão à boca, pela primeira vez grata por ter ficado corada. — Perdi a cabeça.

— Cento e vinte e cinco mil — ofertou Luke com o tom de voz frio e seu sotaque francês. Quando o leiloeiro bateu o martelo, ele se levantou. Virando-se para Roxanne, ele fez uma leve reverência. — Desculpe, mademoiselle, por decepcionar uma mulher tão bonita. — Foi andando até a mesa Luís XIV, tirou os óculos e começou a limpá-los com um paninho de linho branco. — Vou inspecionar.

— Monsieur Fordener, o leilão ainda está em progresso.

— Oui, mas eu sempre inspeciono o que eu adquiro, n'est-cepa? O anel, por favor.

Enquanto Luke, de pé atrás da mesa, levantava o anel contra a luz, o leiloeiro limpou a garganta e começou o lote seguinte.

— Um momento! — A voz de Luke rasgou o ar como um chicote. Os olhos por trás das lentes eram de um azul gelado. — Isso é uma fraude. Isso é um... insulto!

— Monsieur. — O leiloeiro mexeu no nó na gravata enquanto as pessoas se agitavam em seus assentos e cochichavam. — A coleção Clideburg é uma das mais puras do mundo. Tenho certeza de que o senhor...

— Tenho certeza. — Luke assentiu duramente. Em sua mão, segurava uma lupa de joalheiro. — Isto... — Levantou o anel, fazendo uma pausa dramática. — É vidro. Voilá. — Foi até o tablado, colocando o anel embaixo do nariz do leiloeiro. — Olhe. Olhe. Veja você mesmo — mandou, oferecendo a lupa. — Bolhas, linhas, imperfeições.

— Mas... mas...

— E isso. — Com um floreio, Luke pegou um lápis de alumínio. Os presentes que conheciam pedras sabiam que era um método para distinguir pedras verdadeiras de imitações. Luke passou a ponta do lápis sobre a pedra e a levantou, mostrando a linha brilhante e prateada.

— Terei de mandar prendê-lo. O senhor será preso antes do final do dia. Acha que pode passar Fordener para trás?

— Não. Não, monsieur. Eu não entendo.

— Fordener entende. — Levantou a cabeça, fazendo um gesto para o salão. — Nous sommes trompés. Fomos enganados.

No caos que se formou, Roxanne arriscou olhar nos olhos de Luke. Pode fazer a sua reverência, pensou ela. A cortina já vai levantar para ó último ato.

 

— OS JORNAIS só falam disso. — Enquanto lia as manchetes, Roxanne mordiscava um croissant. — É o maior escândalo de Washington desde Oliver North.

— Maior ainda — disse Luke, servindo-se de mais café. — As pessoas estão acostumadas a subterfúgios e mentiras do governo. Isso é um assalto. Magnífico, permita-me dizer, e isso é como romance, mágica. E ganância.

— As autoridades estão desnorteadas — leu Roxanne e sorriu para Luke. — Estão testando todas as pedras, contrataram um dos melhores mineralogistas. É claro que todos os testes-padrão foram feitos quando a galeria comprou a coleção. Polariscópios, iodeto de metileno, banho de benzeno, raio X.

— Só pra se exibir.

— Bem, eu passei quatro anos estudando. — Deixando o jornal de lado, ela esticou os braços para o alto. Ainda estava de robe e nua por baixo dele. Era uma delícia ficar de preguiça, ter essa calmaria antes da próxima onda de excitação.

Sobre a borda de sua xícara, Luke viu o robe sair do lugar e revelar uma visão tentadora da pele clara e macia dela.

— Por que não terminamos o café da manhã na cama?

Com os braços ainda estendidos, Roxanne sorriu.

— Isso me parece...

— Mamãe! — Como um foguete saindo do quarto anexo, Nate passou correndo pelo carpete. — Eu consegui. Eu amarrei os meus sapatos. —Apoiando uma das mãos na mesa, levantou o pé calçado com um tênis e colocou no colo dela. — Sozinho.

— Incrível. Esse garoto é prodígio. — Ela analisou o laço frouxo que estava quase desfeito. — Hoje com certeza é um dia especial.

— Deixe-me ver isso. — Luke fez cosquinha na cintura do menino e o puxou para seu colo. — Ok, fale a verdade. Quem ajudou você?

— Ninguém. — Com os olhos arregalados, Nate fitou o rosto do pai. Enquanto o filho estava distraído, Luke puxou o laço para que ficasse firme. — Juro por Deus.

— Então, eu acho que você já é um rapaz. Quer café?

Nate fez uma careta.

— Eca. Tem gosto ruim.

— Vamos ver, o que mais? — Luke balançou o menino nos seus joelhos enquanto pensava. — Sabe, Rox, me parece que uma criança que já sabe amarrar os sapatos também consegue cuidar de um cachorro.

— Callahan — murmurou Roxanne, enquanto Nate gritava entusiasmado.

— Você daria comida para ele, não daria, espertinho?

— Claro que sim. — Com o olhar solene, brilhando sinceridade e boas intenções, Nate assentiu. — Todos os dias. E vou ensinar ele a sentar também. E a dar a pata. E... — A inspiração acabou. — E a pegar seus chinelos, mamãe.

— Depois que ele tiver roído, com certeza. — Seria necessária uma mulher mais forte do que ela para resistir a dois pares de olhos azuis contentes e dois sorrisos marotos. — Não vou dividir a casa com um puro-sangue mimado.

— Nós queremos um vira-lata grande e feio, não é, Nate?

— Isso. Um vira-lata grande e feio. — Envolveu o pescoço de Luke com seus bracinhos e lançou um olhar de súplica para a mãe. Essa era a sua deixa, e fazer um show, afinal, estava em seu sangue. — Papai disse que tem um monte de cachorrinhos pobres, sem casa no abrigo de animais. É como se eles estivessem na prisão.

— Golpe baixo, Callahan, muito baixo — disse Roxanne baixinho. —Suponho que você esteja pensando que podemos ir lá escolher um.

— É a coisa mais humana a se fazer, Rox. Não é, Nate?

— Isso.

— Acho que podemos ir ver — começou ela, mas Nate já estava comemorando e pulando do colo de Luke para ir dar um abraço bem forte nela. — Acho que vou ter que me acostumar com a ideia.

— Vou contar para Alice agora mesmo! — Nate saiu correndo, parou derrapando. — Obrigado, papai. — Sorriu por cima do ombro. — Muito obrigado.

Luke não tinha muito que fazer para disfarçar o sorriso em seu rosto, mas achou que seria político fingir um interesse repentino pelo café da manhã.

— Você vai estragá-lo.

Ele deu de ombros.

— E daí? Só se tem 4 anos uma vez. Além disso, é uma sensação boa. Levantou-se, aproximou-se e se sentou no colo dele.

— É verdade. É uma sensação muito boa. — Com um gemido de prazer, ela se aninhou a ele. — Acho que temos que nos vestir. Ainda temos trabalho a fazer.

— Eu gostaria que pudéssemos passar o dia com Nate. Só nós três.

— Haverá outros dias. Muitos dias depois que isso acabar. — Ela sorriu e, com os braços em volta do pescoço dele, se inclinou. — Eu adoraria saber como Tannembaum está se virando neste momento.

— Ele é veterano. — Luke beijou o nariz dela. — Devemos receber a ligação na próxima hora.

— Odeio perder o show dele. Com certeza, vai ser incrível.

 

HARVEY TANNEMBAUM era realmente um veterano. Por mais de dois terços de seus 68 anos, ele era um bem-sucedido vendedor de joias roubadas, trabalhando apenas com os melhores. Para Harvey, Maximillian Nouvelle era o melhor dos melhores.

A proposta de Roxanne de que ele desse uma pausa na aposentadoria de quatro anos para representar um pequeno, mas essencial papel nessa elaborada farsa inicialmente o fez hesitar. Depois o deixou intrigado.

No final, Harvey graciosamente aceitou participar e, para demonstrar seus sentimentos por Max e pelos Nouvelle, faria de graça.

Estava até ansioso.

Certamente, uma nova faceta para Harvey. Era a primeira vez em sua longa vida que ele entrava voluntariamente em uma delegacia. Certamente a primeira vez que ele confessava — sem pressão — uma transgressão para as autoridades.

Como era a primeira, e provavelmente a última, Harvey estava dando tudo de si na interpretação.

— Vim aqui como um cidadão consciente — insistiu, encarando os dois oficiais à paisana a quem um sargento que tinha trabalho demais o encaminhara. Seus olhos estavam inchados, vermelhos e com olheiras, graças a uma maratona de filmes da TV a cabo que durou a madrugada toda. Com seu terno largo e gravata listrada, parecia um homem desesperado que passara a noite em claro com aquela mesma roupa.

Só que o desespero era uma ilusão.

— Você parece exausto, Harvey. — Sapperstein, o detetive mais velho, tomou o caminho compassivo. — Não quer que nós o levemos para casa?

— Vocês estão me escutando? — Harvey aumentou o tom de voz para mostrar sua indignação. — Pelo amor de Deus, caras, eu venho aqui, que não é uma coisa que eu faça levianamente, e dou a vocês uma pista importantíssima. E tudo que vocês me dizem é para eu ir para casa. Como se eu estivesse senil. Eu não dormi nada a noite toda, pensando se eu ia ter coragem de fazer isso, e vocês só querem me dispensar.

Impaciente por natureza, irritável pelas circunstâncias, o segundo detetive, um italiano chamado Lorenzo, batia os dedos sobre a mesa cheia.

— Olhe, Tannembaum, estamos muito atolados aqui hoje. Você sabe como é quando acontece um grande assalto envolvendo joias, não é?

— Sei sim. — Suspirou, lembrando-se dos bons velhos tempos. — Nós sabíamos como nos divertir no trabalho. Hoje em dia, para esses jovens, é só trabalho. Nenhum talento, nenhuma criatividade. Nenhuma magia.

— Claro. — Sapperstein conseguiu sorrir. — Você é o melhor, Harvey.

— Bem, vocês nunca conseguiram me pegar, não é? Olhe, não que eu esteja admitindo nada, mas alguns diziam que eu negociava mais gelo do que um trio de esquimós.

— Aquela época que era boa — disse o segundo detetive entre os dentes. — Agora, nós adoraríamos ficar relembrando os velhos tempos com você, mas temos muito trabalho.

— Eu vim aqui ajudar vocês, caras. — Harvey cruzou os braços e continuou sentado. — Vou cumprir meu dever de cidadão. E, antes disso, eu quero imunidade.

— Cristo — murmurou Lorenzo. — Ligue para a promotoria. Harvey quer imunidade. Vamos agilizar a papelada.

— Não precisa ser sarcástico — reclamou Harvey. — Talvez seja melhor eu não procurar os subalternos. Talvez eu vá direto ao Comissário. — Faça isso — convidou Lorenzo.

— Esqueça isso — aconselhou Sapperstein. — Você tem algo a dizer, Harvey, então fala logo. Você parece cansado, nós estamos cansados e estamos correndo contra o tempo.

— Talvez, então, vocês estejam muito ocupados para escutar o que tenho a dizer sobre o assalto da galeria de arte. — Harvey começou a se levantar. — Vou indo. Não quero atrapalhar vocês.

Os dois detetives ficaram de orelha em pé. Sapperstein continuou com o sorriso persuasivo no rosto. Sabia que era provável que Harvey estivesse apenas blefando. Afinal, dizia-se que ele estava fora do mercado há uns anos e talvez estivesse se sentindo nostálgico.

Mas...

— Espere. — Sapperstein bateu no ombro de Harvey para que ele se sentasse de novo. — Você sabe alguma coisa a respeito, não sabe?

— Eu sei quem fez. — O sorriso de Harvey era de desdém. Esperava uma interpretação dramática, devia isso a Roxanne por lhe oferecer o serviço. — Sam Wyatt.

Lorenzo xingou e quebrou um lápis ao meio.

— Por que só eu fico com os malucos? — perguntou para um poder superior. — Por que sempre eu?

— Maluco? Ora, seu pirralho. Eu estava repassando pedras embaixo do nariz dos policiais quando você ainda usava fraldas. Devia me respeitar mais, vou embora.

— Calma, Harvey. Então, você viu o candidato ao Senado, Sam Wyatt, roubar a coleção Clideburg? — Sapperstein disse isso com uma paciência planejada.

— Merda! Como eu poderia vê-lo roubando? — Frustração fez Harvey levantar as mãos.  — O quê? Vocês acham que eu fico nas esquinas procurando ladrões? Vocês não vão colocar nenhum acessório de metal em mim. Eu estava em casa dormindo como um bebê quando o assalto foi feito. E como eu não estava dormindo sozinho — acrescentou com um sorriso maldoso — tenho um álibi.

— Então por que você está acusando Sam Wyatt de roubar a coleção Clideburg?

— Porque ele me disse! — Agitação e uma ótima projeção fizeram a i oz de Harvey ecoar pela barulhenta delegacia. — Pelo amor de Deus, vocês não sabem juntar dois e dois? Talvez alguém... digamos hipoteticamente que esse alguém seja eu, costumava vender algumas pedras para ele de vez em quando.

Lorenzo bufou.

— Você está querendo nos dizer que vendia pedras para Sam Wyatt?

— Eu não disse isso. — Harvey se enfureceu, ficando vermelho. — Eu disse hipoteticamente. Se vocês acham que vão conseguir que eu me incrimine, é melhor pensarem duas vezes. Eu vim aqui de livre e espontânea vontade e vou sair da mesma forma. Não vou para a prisão.

— Calma. Quer água? Lorenzo, pegue um copo de água para ele.

— Claro. Por que não? — Lorenzo saiu dando passos pesados.

— Agora, Harvey. — Com a voz mais diplomática possível, Sapperstein continuou. — Estamos aqui para escutar. Isso é um fato. Mas, se você vai ficar inventando histórias sobre um membro respeitado do governo, vai se complicar. Talvez você não goste do cara como politico, e tem direito a isso.

— Política. — Harvey soltou um suspiro enojado. — Não ligo a mínima para política. Mas estou lhe dizendo, hipoteticamente, entendeu?

— Entendi, claro.

— Hipoteticamente, eu conheço Sam há muito tempo. Desde que ele era adolescente. Nunca gostei dele pessoalmente, mas negócios são negócios. Certo? De qualquer forma, ele usava meus serviços regularmente. Antes de entrar na política, eram coisas pequenas, mas depois começou a acertar alvos maiores.

— Então você conhece Sam Wyatt desde que era garoto? — Até a paciência de Sapperstein tinha limite. Pegou o copo que Lorenzo trouxera e entregou para Harvey. — Olhe, você não está ajudando ninguém assim...

— Não gosto de ser pressionado — interrompeu Harvey. — E é exatamente isso que o filho da puta está tentando. Olhe, estou aposentado, hipoteticamente. E, se eu quero recusar um trabalho, eu recuso.

— Ok, você recusou o trabalho dele. — Sapperstein revirou os olhos. —Você não está envolvido. O que você sabe?

— Sei de muita coisa. Recebi uma ligação, certo? Ele me disse que ia assaltar a galeria, e eu desejei boa sorte, o que eu tinha a ver com isso? Então, ele queria que eu começasse a trabalhar para liquidar as pedras. Recusei e ele ficou louco. Começou a falar sobre dificultar as coisas para mim. Sabe, eu tenho um filho com a minha segunda esposa, Florence. Ele é dentista em Long Island, Bem, Wyatt sabia sobre ele e disse que ia dificultar as coisas. Enquanto estava me ameaçando, estava me elogiando, dizendo como sou o melhor e que não confia em nenhum vendedor de segunda categoria para esse tipo de mercadoria e fazendo com que eu me lembrasse de como já trabalhamos juntos e como o resultado desse trabalho ia nos deixar por cima para sempre.

Harvey bebeu o restante da água e suspirou.

— Devo dizer, eu estava perdendo o sono com isso. Wyatt me deixou preocupado e, tenho que admitir, me deixou interessado. Um trabalho como esse não aparece todo dia. O dinheiro ia me fazer muito bem. Eu estava pensando em me mudar para a Jamaica. Lá é calor o ano todo. Tem mulheres seminuas para todos os lados.

— Concentre-se, Harvey — avisou Sapperstein. O que você fez em relação ao serviço?

— Eu fingi que concordava. Primeiro, pensei em fazer, mas depois comecei a pensar na sujeira que ia aparecer se desse errado. Não sou mais tão jovem quanto antes e não preciso de um aborrecimento. Então, achei melhor fazer a coisa certa: entregá-lo. Deve haver alguma recompensa por encontrar essas joias. Posso fazer um bom trabalho e ganhar uns trocados.

— Então, você passou a mercadoria? — Lorenzo abriu as mãos. —Vamos ver.

— Espere um pouco. Eu me encontrei com ele no zoológico ontem. Perto da casa dos macacos.

— Ok — disse Sapperstein, cortando o parceiro. — Continue.

— Ele me disse que tinha conseguido. Estava se gabando, sabe? Nunca aprende a não se envolver tanto emocionalmente com um trabalho. Ele me contou como fez e como plantou as joias falsas para ganhar tempo. E me disse que queria vendê-las logo depois das eleições.

— Está chegando, Harvey.

— Você pode pensar assim, mas vou lhe dizer uma coisa. O cara não está bem. Aqui. — Harvey bateu na cabeça.

Suspirando, Sapperstein pegou um bloco de notas.

— Qual empresa de táxi você usou para ir ao zoológico? — Anotou a informação conforme Harvey relatava. — A que horas pegaram você? Como você voltou? — Tudo isso podia ser facilmente verificado. — Só para eu ter mais argumentos, como ele lhe disse que tinha conseguido?

O ego de Harvey inchou como se tivesse conseguido pegar um peixe ou estivesse segurando uma pedra. Com frases concisas, descreveu um arrombamento tão similar ao verdadeiro que se encaixaria perfeitamente durante a investigação.

— Muito inteligente, e high-tech. Hologramas, transmissores eletrônicos. — Poderia ter dado certo, pensou Sapperstein conforme seu sangue de tira começava a ferver.

— Ele aprendeu algumas coisas de mágica com um pessoal de Nova Orleans. Morou com eles um tempo, ele me disse. Parece que eles são famosos agora. Até sabia fazer uns truques com cartas.

— Olha, mesmo se isso tudo for confirmado, não é suficiente para nós questionarmos Sam Wyatt.

— Eu conheço as regras, garoto. Tenho mais. — Com o floreio digno de mestre, colocou a mão no bolso da camisa e pegou uma folha de papel dobrada ao meio. Por força do hábito, Sapperstein pegou pelas pontas.

Ali estavam escritas descrições da coleção Clideburg.

— Ele me deu isso para me ajudar a providenciar a venda. Mas ele cometeu um erro grave. Eu não gosto de ameaças, pelo amor de Deus, estou aposentado. — Mexeu as sobrancelhas. — Hipoteticamente.

— Não precisa ficar metido. — Lorenzo colocou o papel que Sapperstein estava analisando em um saco para guardar evidências. — Acredito que você queira que eu mande isso para o laboratório.

— Você já tem peças suficientes, Lorenzo, só precisa começar a juntá-las. Mande verificar as digitais. Descubra se Sam Wyatt está no sistema. Enquanto isso, veja se consegue uma amostra da caligrafia dele.

Lorenzo soltou um suspiro violento.

— Acabei de saber que encontraram um objeto na vitrine da galeria. Abotoadura. De ouro. Gravada com as iniciais SW.

Sapperstein ficou agitado.

- Ok, Harvey, por que não vem aqui e se senta? — Sapperstein o levou até um banco perto da porta. — Nós assumimos daqui.

— Quero imunidade. — Harvey agarrou a manga do paletó de Sapperstein. — Não vou cumprir pena por causa dessa porcaria.

— Você não precisa se preocupar com isso. — Com um último tapinha no ombro, o detetive se afastou. O sorriso sumiu quando alcançou o parceiro. — Vou ver o que eu consigo com a abotoadura. Mande o laboratório correr com aquele papel. Deixe para se lamentar depois, Lorenzo — disse, e seus olhos estavam ardentes. — Aquele velho pode ter acabado de garantir nossas carreiras.

O velho ficou sentando pacientemente, ganhando tempo. Estavam errados, pensou, quando diziam que a vingança era doce. Tinha um delicioso gosto amargo. E ele estava saboreando pelo seu velho amigo Max.

 

- ENTÃO, AGORA é o último ato. — Ela olhou pela janela conforme o vento jogava as folhas nas calçadas. — Gostaria que papai estivesse aqui desta vez. — Afastou a tristeza e se forçou a sorrir. — Espero que isso não atrase a nossa volta para Nova Orleans em mais do que um dia ou dois. Eu detestaria não passar o Halloween em casa.

— Nós vamos conseguir. — Pegando a mão dela, beijou. — É uma promessa.

 

AS MALAS de Sam estavam arrumadas para a sua viagem para o Tennessee. Havia dez dias de campanha na sua agenda que seriam passados junto com sua equipe e sua esposa. Justine já lhe arranjara problemas por causa do número de malas que ela dizia precisar. Estava no andar de cima, reclamando da forma cruel como ele reduziu suas quatro malas para apenas duas.

Ela vai superar, pensou. Quando pudesse assinar os cartões de Natal como Senador e sra. Sam Wyatt, ela superaria muita coisa.

Estava chateado porque o tempo não permitiria que ele começasse a punir Luke imediatamente. Achara que gostaria de prolongar a tensão, mas isso o estava corroendo. Queria atacar logo, finalmente.

Ficaria satisfeito se estivesse certo sobre a coleção Clideburg. Sam não tinha dúvidas de quem planejara o assalto. Seria mais um peso na balança se decidisse entregar seus documentos para a polícia.

Porém, isso teria de esperar até Luke trazer para ele o arquivo sobre Gunner.

Então, usaria os últimos dez dias antes das eleições para assegurar seu lugar na história.

Ignorou a campainha, deixando para os empregados. Seu secretário particular estava fazendo as suas malas, mas Sam sempre escolhia pessoalmente o que levaria na pasta. Seus documentos, seus discursos, os preservativos que sempre usava em todos os relacionamentos extraconjugais, sua agenda, canetas, blocos, um pesado livro de economia. Trancou a pasta quando a empregada apareceu na porta.

— Sr. Wyatt, a polícia está aqui. Eles gostariam de falar com o senhor.

— Polícia? — Percebeu o ávido interesse nos olhos da empregada e decidiu demiti-la na primeira oportunidade. — Mande-os entrar.

— Oficiais. — Sam deu a volta na mesa para estender a mão para Sapperstein e Lorenzo. Era um bom aperto de mão de político. Firme, seco e confiante. — É sempre um prazer receber policiais. O que posso oferecer? Café?

— Não, obrigado. — Sapperstein respondeu pelos dois. — Vamos tentar não tomar muito o seu tempo, sr. Wyatt.

— Eu gostaria de dizer para não terem pressa, mas tenho um avião me esperando daqui a duas horas. Seguindo a campanha. — Piscou com simpatia. — Algum de vocês tem amigos ou parentes no Tennessee?

— Não, senhor.

— Bem, pelo menos, tentei. — Apontou para uma cadeira. — Sente-se, oficial...

— Detetive Sapperstein e detetive Lorenzo.

— Detetives. — Por motivos que o deixaram desconcertado, começou a suar em volta do colarinho de sua camisa com monograma. — Por que não me dizem do que se trata?

— Sr. Wyatt, temos uma ordem judicial. — Sapperstein a pegou e parou um momento para pegar seus óculos de leitura. — Estamos autorizados a fazer uma busca na sua propriedade. Eu e o detetive Lorenzo acompanharemos a equipe que está esperando lá fora.

— Um mandado de busca? — Todo o charme de Sam sumiu. — Do que vocês estão falando?

— Da coleção Clideburg, que foi roubada da Hampstead Gallery no dia 23 de outubro. Temos evidências de que o senhor está envolvido com o assalto e, por ordem do juiz Harold J. Lorring, temos autorização para fazer uma busca.

— Vocês perderam a cabeça. — Com as palmas da mão repentinamente suadas, Sam pegou a ordem da mão de Sapperstein. — Isso é uma fraude. Não sei qual é o jogo de vocês, mas... — Parou, com olhar de desprezo. — Callahan mandou vocês. Ele acha que pode me abalar inventando tudo isso. Bem, ele está errado. Podem voltar e falar para o cretino que ele está errado e que eu vou acabar com ele por isso.

— Sr. Wyatt — continuou Sapperstein. — Temos autorização para fazer essa busca, e faremos com ou sem a sua cooperação. Pedimos desculpas pelo inconveniente que isso possa lhe causar.

— Isso é um absurdo. Você acha que não sinto cheiro de farsa? Vocês são uma fraude. — Triunfante, apontou o dedo para eles. — Vocês dois, saiam da minha casa ou eu mesmo vou chamar a polícia.

— O senhor é livre para fazer isso, sr. Wyatt. — Sapperstein pegou o papel oficial. — Vamos esperar.

Não cairia por isso. Era uma conspiração barata, Sam disse para si mesmo enquanto ligava para o gabinete do juiz Harold J. Lorring. Quando lhe disseram que um mandado realmente fora assinado menos de trinta minutos antes, ele já estava afrouxando o nó da sua gravata de seda. Discou o número de seu advogado.

Windfield, aqui é Sam Wyatt. Tem dois imbecis que se dizem policiais aqui no meu escritório com uma ordem judicial inventada. — Arrancou a gravata e jogou longe. — Sim, foi o que eu disse. Agora, levante esse seu rabo gordo e venha para cá resolver isso. — Sam desligou. — Não toquem em nada. Em nada até que meu advogado chegue.

Sapperstein assentiu.

— Temos tempo. — Não sabia por quê, mas alguma coisa em Sam Wyatt o irritava. Olhou para o relógio e sorriu. — Mas acho que o senhor vai perder o avião.

Antes que Sam pudesse responder, Justine entrou afobada.

— Sam, o que está acontecendo? Tem dois carros de polícia parados na frente da nossa casa?

— Cale a boca! — Apressou-se até ela como um tigre e a empurrou para a porta. — Cale a boca e saia.

— Sr. Wyatt. — A empregada estava quase desmaiando de tanta excitação. — O senhor tem visitas na sala de estar.

— Mande-os embora — disse ele entre os dentes. — Não está vendo que eu estou ocupado? — Foi até o armário de bebidas e serviu dois dedos de uísque. Perdera a cabeça por um momento, mas estava tudo bem. Qualquer um reagiria da mesma forma nessas circunstâncias. Tomou o uísque de uma só vez e esperou descer.

— Oficiais. — Com seu sorriso de político de volta ao rosto, virou-se. — Peço desculpas por ter perdido a cabeça. Foi um choque. Não é todo dia que sou acusado de assalto.

— Arrombamento seguido de roubo — corrigiu Lorenzo.

— Sim, claro. — Mandaria cassar o distintivo do cara, se isso não fosse uma farsa. — Prefiro esperar meus advogados chegarem, apenas para me certificar do procedimento. Mas posso garantir que estão livres para virar a minha casa de cabeça para baixo. Não tenho nada a esconder.

As vozes no corredor fizeram todos se virarem. Quando Luke entrou pela porta, passando pela empregada, seguido de perto por Roxanne, a calma recém-recuperada chegou ao limite.

— O que vocês estão fazendo na minha casa?

— Você ligou, exigiu que eu viesse. — Luke passou um braço protetor em volta de Roxanne. — Não sei o que você quer, Wyatt, mas não gostei nem um pouco do tom do seu convite. Eu... — Parou, como se só agora estivesse vendo os detetives. — Quem são essas pessoas?

— Tiras. Prazer em conhecê-los. — Curtindo a situação, Lorenzo sorriu.

— O que está acontecendo? — Roxanne levantou a cabeça, uma bela mulher valente obviamente nervosa.

— Desculpem-me — Sapperstein disse. — Terei de pedir que vocês dois vão embora. Isso é oficial.

— Quero saber o que está acontecendo. Você fez algo terrível de novo, não foi? — Ela avançou em Sam. — Você não vai machucar Luke. —Agarrou as lapelas dele e sacudiu. — Você me usou uma vez, mas nunca mais vai fazer isso, nunca.

— Querida, por favor. — Luke se aproximou dela. — Não fique nervosa. Ele não vale a pena. Nunca valeu.

— Eu levei você para a minha casa. — Empurrou Sam para trás. A presença de testemunhas foi o que o impediu de bater nela. — Eu confiei em você, e minha família confiou em você. Não é o suficiente você ter nos traído tantos anos atrás? Ainda nutre esse ódio doentio por nós?

— Tire suas mãos de mim. — Ele a agarrou pelos pulsos. Torcendo. O grito de dor de Roxanne fez com que os dois detetives rapidamente interviessem.

— Calma, Wyatt.

— Querida.

Essa era a sua deixa. Em uma explosão cega de lágrimas, ela se jogou para cima de Luke e derrubou a pasta que estava em cima da mesa. Os fechos abriram. Um brilho gelado de diamantes se espalhou, seguido pelo fogo dos rubis.

— Oh. — Roxanne levou as mãos à boca. — Meu Deus, não é o colar da rainha da coleção Clideburg? Você. — Levantou o braço, apontando um dedo acusador na direção dele. — Você roubou as joias. Assim como roubou da Madame tantos anos atrás.

— Você está maluca. Ele plantou essas joias. — Sam olhou à sua volta nervoso, incapaz de acreditar que seu mundo cuidadosamente estruturado pudesse cair tão rapidamente. — O cretino plantou. Armou para mim. — Ele deu o bote. Luke se protegeu. Quando Lorenzo se moveu para interceptar, Roxanne moveu o corpo. Doía nela que fosse ficar parecendo que ela estava brincando com o perigo. Mas os fins justificavam os meios. Enganchou o pé na perna de Sam e o derrubou no chão em cima da pasta aberta.

— Você não vai correr rápido o suficiente. — Sam se sentou, com a respiração ofegante. — Você não vai conseguir fazer outro truque de mágica, Callahan. Eu ainda tenho você. No cofre. — Passou a parte de trás da mão na boca enquanto levantava. Os olhos dele estavam arregalados, o rosto cinza, os lábios com sorriso de desprezo. — Eu tenho provas contra esse homem no cofre. Esta mulher também é uma ladra. Todos eles são. Eu posso provar. Posso provar. — Dirigindo-se para o cofre, continuou praguejando baixinho.

— Sr. Wyatt. — Sapperstein colocou a mão no ombro de Sam. — Eu o aconselho a esperar seu advogado.

— Já esperei muito. Esperei anos. Vocês queriam fazer uma busca, não queriam? Bem, façam a busca aqui. — Girou o disco do cofre, rodando para a frente e para trás até o último número da combinação. Abriu a porta e procurou. Então, fitou, com olhos vesgos, quando uma pasta caiu, espalhando fotografias coloridas.

— Fotos interessantes, sr. Wyatt. — Lorenzo pegou algumas, pressionando os lábios enquanto olhava uma a uma. — O senhor é muito fotogênico e ágil. — Sorriu, entregando as fotos para seu parceiro.

— Esse não sou eu. — Ainda fitando as fotos, Sam enxugou a boca com a parte de trás da mão. — É Gunner. Deveria ser o Gunner. Elas são falsas. Qualquer um pode ver isso. Nunca cheguei perto de nenhuma dessas pessoas. Nunca vi nenhuma delas antes.

— Nenhuma delas parece considerar o senhor um estranho — murmurou Sapperstein. Trabalhara um tempo no departamento de atentado ao pudor e prostituição, mas nunca vira nada tão... criativo. — Sabe, essas fotos deveriam vir com um aviso para não tentar fazer isso em casa.

— Verdade. — Entrando no espírito, Lorenzo bateu em uma foto que mostrava uma perversão em particular e uma posição pouco comum. —Como você acha que ele conseguiu se contorcer para ficar desse jeito? Minha esposa ia adorar.

— Não importa. — Sapperstein limpou a garganta. Afinal, ele se lembrou um pouco atrasado, havia uma dama presente. — Sr. Wyatt, por que não se senta enquanto nós...

— Elas são falsas! — gritou Sam. — Ele fez isso. Ele mentiu e traiu. —Com a respiração ofegante, apontou para Luke. — Mas ele vai pagar. Todos eles vão. Tenho provas. — Estava rindo enquanto revirava o cofre. Perdeu toda a compostura quando encontrou uma tiara de diamantes.

— Isso é um truque — disse, chorando. — Um truque. — Deu um passo atrás, fitando a coroa em sua mão enquanto um riso escapava de sua garganta e seu rosto formava um sorriso terrível. — Vai desaparecer.

Sapperstein assentiu para Lorenzo, que pegou a tiara.

— O senhor tem o direito de permanecer calado — começou, pegando as algemas enquanto Sapperstein tirava as joias do cofre.

— Eu vou ser presidente. — Saliva voava enquanto Sam berrava. —Mais oito anos, só preciso de mais oito anos.

— Ah, acho que você vai pegar mais do que isso — murmurou Luke. Estalou os dedos e ofereceu a Roxanne a rosa que apareceu entre eles. — Alacazam, Rox.

— É. — Ela encostou o rosto no peito dele para esconder o enorme sorriso. — Mas o que vamos fazer para o bis?

 

O OUTONO EM Nova Orleans foi quente, brilhante e abençoadamente seco. Os dias ficaram mais curtos, mas dia após dia o pôr do sol era uma espetacular sinfonia de cores e tons que deixavam um nó na garganta e fascinavam os olhos.

Max morreu durante um desses espetaculares shows de luz, em sua própria cama, com um sol vermelho como rubi como sua cortina final. A família estava com ele, e, como LeClerc disse durante uma das incontáveis xícaras de café consumidas naquela noite, era a melhor forma de morrer.

Roxanne teve de se contentar com isso e com o fato de que Luke colocara a pedra filosofal na frágil mão de seu pai. Então ele fez a passagem de um mundo para o outro, segurando-a.

Não era uma pedra brilhante, nem uma joia que cintilava. A pedra era uma simples rocha cinza, gasta até ficar lisa pelo tempo e por dedos questionadores. Quanto ao tamanho, ela cabia perfeitamente na palma da mão dela, acomodando-se ali como se acomodara em outras mãos em outros séculos.

Se a pedra tinha poder, Roxanne não sentiu. Esperava que Max tivesse sentido.

Enterraram a pedra com ele em uma linda manhã de novembro, com um céu azul sobre suas cabeças e uma leve brisa agitando a grama que crescia entre os túmulos da cidade que ele amava. Havia perfume no ar, e os acordes de Chopin saíam de uma dúzia de violinos.

Max odiaria um coral fúnebre acompanhado por um órgão.

Centenas de pessoas se amontoaram no cemitério, pessoas que de alguma forma ele tocara durante sua vida. Jovens mágicos ansiosos para deixar suas marcas, velhos mágicos cujas mãos e olhos estavam falhando, assim como a mente de Max falhou. Alguém soltou uma dúzia de pombos brancos, que voaram e arrulharam no céu, deixando a ilusão de que anjos vieram levar a alma de Max.

Roxanne achou o gesto incrivelmente adorável.

A performance de despedida de Max, como ele teria desejado, foi um ato clássico.

Nos dias seguintes, Roxanne se deixou levar pela maré, incapaz de se livrar da tristeza. Seu pai fora a única influência importante de sua vida. Enquanto ele estava doente, não tivera alternativa a não ser tomar o controle da família. Mas, enquanto ele esteve ali em corpo, ela tinha a ilusão — ilusão, mais uma vez — de tê-lo.

Gostaria de ter podido compartilhar o último triunfo com ele. As manchetes ainda anunciavam o escândalo de Samuel Wyatt, ex-candidato a senador, agora acusado de roubo, além de várias outras acusações menores.

Foram encontradas outras provas na casa dele em Maryland. Um pequeno dispositivo que parecia algo entre um controle remoto e uma calculadora, um bonito conjunto de ferramentas de arrombamento de aço polido, um cortador de vidro, um arco que disparava um gancho e uma única abotoadura de ouro, gravada com as inicias SW, e o mais incriminativo, um diário detalhando meticulosamente assaltos realizados em um espaço de quinze anos.

Custara a Jake um mês para completar o trabalho, forjando a letra de Sam. Mas fora bem-feito.

Contas na Suíça, com mais de duzentos e cinquenta mil dólares foram descobertas. Luke considerava isso um investimento que, sem a menor sombra de dúvidas, tinha valido a pena.

Roxanne achara que teria compaixão de Justine, mas ficou impressionada quando leu que a dedicada esposa de Sam, livre de qualquer acusação, já tinha pedido o divórcio e estava morando em um chalé nos Alpes Suíços.

Quanto a Sam, ele não insistia mais que queria ser presidente. Dizia que era presidente. Os psiquiatras continuavam fazendo exames enquanto ele comandava seu governo particular de uma cela acolchoada.

Roxanne supunha que era uma espécie de justiça.

Mas isso ficara para trás. A esquina que levara cinco anos para dobrar estava no passado. Vários caminhos se abriam à sua frente, e ela simplesmente não sabia qual queria tomar.

— Está ficando frio aqui fora. — No pôr do sol, Lily atravessou o quintal até onde Roxanne estava sentada em um banco de ferro fitando a fonte. —Você devia colocar um casaco.

— Estou bem. — Para mostrar que a companhia era bem-vinda, estendeu o braço, e o passou em volta dos ombros de Lily quando a mulher mais velha se sentou ao seu lado no banco. — Amo este lugar. Não me lembro de alguma vez não ter me sentido melhor depois de me sentar aqui.

— Alguns lugares são mágicos. — Lily levantou o olhar para a janela do quarto que ela e Max compartilharam por tantos anos. — Este sempre foi mágico para mim.

Elas ficaram sentadas em silêncio, escutando o murmurinho da fonte. As sombras cresceram até formar uma escuridão.

— Não sofra tanto tempo por ele, querida. — Lily sabia muito bem que suas palavras não eram boas, gostaria de ser boa com as palavras como Max era. — Ele não ia querer que você sofresse por muito tempo.

— Eu sei. No início, eu tinha medo que deixar de sofrer significasse deixar de amar. Mas sei que estava errada. Estava sentada aqui me lembrando do dia em que todos fomos para Washington. — Inclinou a cabeça, descansando no ombro de Lily. — Ele estava sentado na poltrona dele, olhando pela porta da varanda. Apenas olhando para fora. Ele queria ir, Lily. Eu sabia disso. Eu podia sentir. Ele precisava ir.

Riu, um som baixo, mas verdadeiro, que Lily não escutava havia vários dias.

— Mas ele era teimoso — continuou Roxanne. — Morrer no Halloween. Como Houdini. — O braço dela apertou os ombros de Lily. — Juro que ele deve ter planejado. E eu estava pensando agora que, se existe um céu para os mágicos, ele está lá, fazendo truques com Robert-Houdin, tentando ser melhor do que os Herrmann e conjurando com Harry Kellar. Ah, ele gostaria disso, não gostaria, Lily?

— Sim. — Com os olhos cheios de lágrimas, mas sorrindo, Lily se virou para dar um abraço. — E ele lutaria com unhas e dentes para ser sucesso de público.

— Apresentando-se hoje e por toda a eternidade, Maximillian Nouvelle, Extraordinário Mágico. — Rindo de novo, ela deu um beijo em cada bochecha de Lily. — Eu não estou mais sofrendo. Sempre vou sentir saudades dele, mas não dói mais.

— Então, eu vou lhe dizer uma coisa. — Lily pegou o rosto de Roxanne em suas mãos. — Faça do seu jeito. Você sempre foi boa nisso, Roxy, sempre destemida, corajosa e inteligente. Não pare agora.

— Como assim?

Lily escutou uma porta se abrir e olhou por cima do ombro e viu Luke iluminado pela luz que saía pela porta da cozinha.

— Faça do seu jeito — repetiu Lily e se levantou. — Vou entrar para ajudar Alice com aquelas amostras de papel de parede que ela não larga. Juro que aquela menina só vai escolher cores pastel e flores se ninguém der uma sacudidela nela.

— Você é a pessoa certa para fazer isso.

— Entre se você sentir frio — mandou Lily.

— Pode deixar.

Lily passou por Luke no quintal.

— E se você não conseguir mantê-la aquecida — disse ela baixinho —, eu desisto de você.

Luke se sentou no banco, puxou Roxanne para mais perto e a beijou até que o corpo dela ficasse fraco.

Com a cabeça apoiada no braço dele, ela abriu os olhos.

— Por que você fez isso?

— Só estava cumprindo ordens. Mas agora é por minha conta. —Beijou-a de novo, demoradamente. Com um suspiro satisfeito, ele se recostou, esticou as longas pernas e as cruzou na altura dos tornozelos. —Linda noite, não?

— Humm. A lua está subindo. Quantas vezes Nate fez você ler Ovos Verdes e Presunto?

— O suficiente para eu saber de cor. Agora me diga, quem poderia querer comer ovos verdes? É nojento.

— Você não entendeu a metáfora pouco sutil, Callahan. É sobre não julgar as coisas pela aparência e experimentar coisas novas.

— Mesmo? Engraçado, eu venho pensando em experimentar coisas novas. — Mas queria ter certeza de que era a hora certa. Os primeiros raios prateados do luar escapavam do céu quando virou a cabeça para analisá-la. — Como você está, Rox?

— Estou bem. — Sentia os olhos dele sobre ela, aquela velha e familiar intensidade. — Estou bem, Luke — repetiu e sorriu para ele. — Eu sei que não poderia ficar com ele para sempre, por mais mágica que tenha guardada na minha manga. Ajuda saber que você o amava tanto quanto eu. E talvez, de uma forma estranha, os cinco anos que você passou longe tenham me dado tempo para me concentrar nele quando ele mais precisou de mim. Ele segurou firme até você voltar e eu poder seguir em frente sem ele.

— Destino?

— Vida é uma palavra boa o suficiente. As coisas estão mudando agora. — Ela se aninhou mais, mas não porque estivesse com frio. Mas porque era bom. — Mouse e Alice vão se mudar logo. E não se encaixa perfeitamente agora, que eles estão começando uma nova família, o fato de você ter uma casa perfeita para eles para vender?

— Com um belo apartamento no terceiro andar, perfeito para um solteirão. Jake vai enlouquecê-los.

— Eu sei que você o ama.

— Amor é uma palavra forte, Rox. — Mas sorriu — O que eu sinto por Jake é mais uma tolerância pontuada por períodos de extrema irritação. — Lily vai começar a tentar encontrar uma esposa para ele.

— Ela esconde bem esse lado sádico. Pelo menos, ele é útil nos bastidores. — Porque gostava e porque era uma distração útil, Luke pegou a mão dela para brincar com seus dedos. — Sabe, Rox, eu estive pensando sobre o espetáculo.

Ela soltou um suspiro sonolento.

— Acha que já está pronto para colocar na estrada? — perguntou Roxanne.

— Está pronto, sim. Mas eu estava pensando em alguma coisa mais perto de casa.

— Por exemplo?

— Como o prédio que está à venda na margem sul do French Quarter. Bom tamanho. Precisa de muita obra, mas tem potencial.

— Possibilidades? De que tipo?

— Do tipo mágico. A Oficina de Mágica dos Nouvelle, Nova Orleans. Um teatro para estrear novos números, para divertir as massas. Talvez uma pequena loja de mágica anexa para vender truques. Uma operação de primeira classe.

— Um negócio. — Intrigada, mas cautelosa, ela se afastou para poder ver o rosto dele. Ali, ela viu uma excitação que ele mal conseguia conter. —Você quer abrir um negócio?

— Não apenas um negócio. Uma possibilidade. Eu e você como sócios. Nós nos apresentaríamos lá, convidaríamos alguns dos grandes nomes e daríamos chance para os novos. Como o parque de diversões, mas este ficaria no mesmo lugar. Seria tão mágico quanto.

— Você tem pensando bastante sobre isso. Desde quando?

— Desde Nate. Quero poder dar a ele o que Max me deu. Uma base. —Para dar a ela uma chance de pensar melhor na ideia, levou os dedos dela à sua boca, beijando um por um. — Ainda estaríamos na estrada. É o que fazemos, mas não passaríamos nove meses por ano viajando. Logo ele vai ficar o dia todo na escola.

— Eu sei. Já tinha pensado nisso. Eu tinha pensado em reduzir quando ele começasse. Fazer tudo de acordo com a agenda dele.

— Se fizéssemos isso, não precisaríamos reduzir e você conseguiria a mesma coisa. — Viu uma luz de interesse se acendendo nos olhos dela e partiu para o golpe final. — Só tem um senão.

— Sempre tem um senão,

— Você tem que se casar comigo.

Ela não podia dizer que estava surpresa. Era mais como um rápido e poderoso choque elétrico.

— O quê?

— Você vai ter que se casar comigo. É isso.

— É isso? — Ela teria rido, mas achava que não tinha força. Conseguiu ficar de pé. —  Você está me dizendo que eu tenho que me casar com você. Tipo "aceito" e "até que a morte nos separe".

— Eu ia pedir você em casamento, mas achei que você ia perder muito tempo pesando os prós e os contras. Então resolvi dizer.

Ela levantou o queixo.

— E eu estou dizendo...

— Só um instante. — Levantou a mão, ficando de pé para que pudessem ficar cara a cara.  — Eu ia pedir naquela noite que era para eu voltar da casa de Sam com os bolsos cheios de safiras.

Isso não apenas a acalmou como a deixou confusa.

— Ia?

— Já estava tudo planejado. Eu ia seguir o caminho romântico. Até estava com anel no bolso. Mas precisei penhorar no Brasil.

No Brasil? Entendi.

- O que você teria feito se eu estivesse pedido naquela época?

- Não sei. – Essa era a mais pura verdade. – Nós nunca conversamos sobre isso. Acho que eu pensava que as coisas continuariam do jeiro que estavam.

- Não continuaram.

- Não, não continuaram. – Confusa, suspirou. – Eu teria pensado a respeito. Eu teria pensado muito a respeiro.

 

— E, se eu pedir agora, você vai fazer a mesma coisa. Então, estou pulando essa parte. Você vai se casar comigo ou não tem mais negócio.

— Você não pode me obrigar a me casar com você.

— Se obrigar não der certo, vou seduzi-la. — As mãos dele subiam e desciam pelos braços dela, um hábito que ainda a excitava. — E começarei dizendo que eu amo você. Que você é a única mulher que eu amei na minha vida. E que sempre amarei. — Com a leveza da seda, puxou-a para mais perto para que seus lábios pudessem cobrir os dela. — Quero fazer promessas para você e quero que você faça promessas para mim. Quero ter mais filhos com você. E quero estar aqui quando eles crescerem dentro de você.

— Ah, Luke. — Ela podia jurar que estava sentindo cheiro de flores de laranjeira. Casamento, pensou. Era tão comum, tão ordinário. Tão excitante. — Prometa que você nunca, jamais, vai me chamar de mulherzinha.

— Juro por Deus.

— Ok. — Ela levou a mão à boca, como se estivesse chocada pela palavra ter escapado. Então, riu e disse de novo: — Ok. Você venceu.

—Não pode voltar atrás — avisou ele, levantando-a e girando-a no ar.

— Eu nunca volto atrás.

— Então, da próxima vez que eu subir no palco, será sob o letreiro de Callahan e sua linda esposa, Roxanne Nouvelle.

— Nem morta. — Deu um soco no ombro dele quando ele a colocou no chão.

— Tudo bem. Só Callahan e Nouvelle. — Ele arqueou uma sobrancelha. — Ordem alfabética, Rox.

— Nouvelle e Callahan. Fui em quem lhe ensinou seu primeiro truque com cartas, lembra?

— Você nunca me deixa esquecer. Fechado. — Apertou a mão dela formalmente. — Nate vai ter dois pais legalmente casados e um cachorro. O que mais uma criança pode querer?

— É tão convencional que assusta. — Ela passou a mão pelos cabelos. — E sobre o cachorro...

— Jake saiu para passear com ele. Não se preocupe. Mike não come nada de valor há mais ou menos uma hora. E não me venha com aquela história de linha dura, Roxy. Eu vi você dando biscoito de chocolate para ele hoje de manhã.

— Era um plano. Pensei que, se eu desse bastante comida até ele ficar gordo, ele não conseguiria subir a escada e fazer xixi no tapete do quarto.

— Você fez carinho nas orelhas dele, jogou beijinhos e deixou ele lamber o seu rosto.

— Foi um momento de insanidade. Porém, estou me sentindo muito melhor agora.

— Bom, porque tem mais uma coisa.

— Só mais uma.

— Nós vamos parar de roubar.

— Nós vamos... — Ela não teve escolha a não ser sentar. — Parar?

— Passado. — Sentou-se ao lado dela. — Pensei muito nisso também. Somos pais agora, e eu quero ter outro bebê o quanto antes. Não acho que seria uma boa ideia você ficar pendurada em cordas com um bebê a bordo.

— Mas... isso é o que nós fazemos.

— Isso é o que fazíamos — corrigiu ele. — E somos os melhores. Vamos parar no auge, Roxy. Com Max, foi o final de uma era. Temos de começar a nossa era. E Deus, o que vamos fazer se Nate resolver ser tira quando crescer? — Estava beijando os dedos dela de novo e rindo. — Ele vai querer nos prender. Imagina a culpa do menino em mandar os próprios pais para a prisão.

— Você está sendo ridículo. As crianças passam por fases.

— O que você queria ser quando tinha quatro anos?

— Mágica — disse ela, suspirando. — Mas parar, Callahan. Nós não podíamos só... diminuir?

— É melhor assim, Rox. — Deu um tapinha na mão dela. — Você sabe que é.

— Só vamos roubar de homens muito ricos que sejam ruivos.

— Aceite, querida.

Soltando um gemido, ela recostou.

— Casada, abrindo um negócio e andando na linha, tudo de uma vez. Não sei, Callahan. Talvez eu exploda.

— Vai ser um dia de cada vez.

Ela sabia que ele a convencera. A imagem de Nate, com seu 1,20 m de altura, com um distintivo, chorando ao prender os dois era demais.

— Agora só falta você me dizer que devemos começar a fazer festas de crianças. — Como ele não respondeu, ela se sentou ereta. — Ah, Deus, Luke.

- Não é tão rui, É só... bem, um dia desses quando levei Nate para a escolinha, eu meio que conversei com a professora dele. Parece que prometi que faríamos uma apresentação na festa de natal.

Houve um silêncio que durou um minuto inteiro, depois ela começou a rir. Riu até seu corpo dobrar. Ele era perfeito, pensu. Absolutamente perefeito. E era dela.

-Eu amo você. – Surpreendeu-o, jogando osbraços em volta do pescoço dele e o beijando longa e itensamente. – Eu o amo o homem que você se tornou.

- Idem. Quer namorar sob a luz da lua?

- Pode apostar que sim. – Encostou um dedo nos lábios dele antes que abrisse os seus. – Um aviso, Callahan. Se você comprar uma caminhonete, vou transformar você em um sapo.

Ele beijou o dedo dela, decidido que esperaria um momento mais oportuno para mencionar que dera a entrada para uma caminhonete naquela manhã.

   Como Max diria, o tempo é tudo.

 

                                                                                Nora Roberts  

 

                      

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