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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


IMAGEM NO ESPELHO - P.2 / Danielle Steel
IMAGEM NO ESPELHO - P.2 / Danielle Steel

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

IMAGEM NO ESPELHO

Segunda Parte

 

A lua-de-mel definitivamente não foi o que Charles esperava. A resistência de Victoria não melhorou no decorrer da viagem. Eles chegaram à Europa no dia 26 de junho e dois dias depois sete jovens nacionalistas sérvios atacaram e mataram o sobrinho do imperador da Áustria, o arquiduque Franz Ferdinand, e sua esposa, na cidade de Sarajevo.

Parecia ser apenas um incidente isolado, mas dentro de alguns dias causou considerável consternação na Europa. Victoria e Charles estavam então em Londres, no Claridge's, visitando amigos. Victoria estava mais interessada na marcha das sufragistas em Washington, de volta aos Estados Unidos, e na exigência do direito de voto para as mulheres.

Mesmo entre os amigos de Charles na Europa, ela encontrara muitas sufragistas e estava fascinada pelo que estava se passando por lá. Mas seu intenso desejo de visitar as Pankhurst na cadeia fora frustrado. Quanto àquilo, Charles batera o pé. Não queria sua esposa visitando ninguém na prisão. Houve uma intensa discussão sobre o assunto, mas Victoria não conseguira vencer. Charles queria ser tolerante, mas não forçado a passar de seus limites.

- Mas eu me correspondi com elas, Charles - disse Victoria, como se isso fosse alterar o ponto de vista dele.

- Não me importaria nem se você as tivesse visto em aparições religiosas. Visitar essas mulheres na prisão está fora de questão. Você vai se colocar numa espécie de lista negra e vamos acabar sendo expulsos da Inglaterra.

- Isso é absurdo. Eles aqui têm a mente mais aberta - disse ela, ingenuamente.

- Duvido muito. Ele não estava se divertindo nem um pouco com aquilo e parecia impaciente naqueles dias, mas ambos sabiam por quê. Todas as suas tentativas de colocar sua vida física em ordem não haviam tido qualquer sucesso.

E quando chegaram a Paris, uma semana depois, Victoria estremecia a cada vez que ele a tocava. Ela não sabia por que se sentia daquela maneira. Era algo visceral. Ela não queria nenhum homem tocando-a novamente, não queria sentir nenhuma das coisas que sentira antes, não queria acreditar em ninguém e estava determinada a não ter um bebê.

Ela dissera tudo isso a ele, que garantira haver precauções que podiam ser tomadas. Ele até mesmo tentou tomar algumas por si mesmo, mas eles nunca chegaram tão longe. Agora ela começava a chorar e tremer a cada vez que ele a tocava. E embora ele tentasse ser paciente com ela; estava começando a ficar irritado.

- Por que você não me disse antes que se sentia desta maneira? - censurou-a tarde da noite, depois de terem tentado novamente em Paris.

E aquilo estava começando a afetá-lo também. Por mais que a desejasse, não queria continuar a fazer amor com uma mulher que estava sempre chorando ou tremendo. Ele se sentia como um estuprador e estava rapidamente se tornando um frouxo.

- Eu não sabia que seria assim - disse ela entre soluços no hotel Ritz. Sua melhor suíte estava sendo desperdiçada.

E o romantismo de Paris apenas parecia fazê-lo ficar mais nervoso. Ela não queria ficar presa ali, sozinha com ele. Queria estar falando com políticos, encontrando sufragistas e indo a assembléias. E estava começando a parecer a Charles que a última coisa que ela queria era um marido.

- Não era assim com Tobby - revelou Victoria inesperadamente, afinal tendo chegado longe demais e, muito humilhado por aquelas palavras, Charles saiu intempestivamente da suíte e foi dar uma longa e solitária caminhada em Paris.

Ela pediu desculpas profusas quando ele retornou e fez um sincero esforço mais tarde, naquela noite, para conseguir fazer amor com ele. Ela era jovem, sensual e muito excitante. Ele pôde senti-la responder a ele, mas rapidamente também sentiu-a se recolher de terror e repulsão.

- Você não vai ficar grávida, Victoria - assegurou-ele ainda no calor da paixão, mas quando se virou e rolou sobre ela, pôde senti-la em seus braços, mas era como se ela não estivesse realmente ali. Havia algo morto nela e nada do que ele fizesse a fazia reviver. - Não sou um médico, nem um mágico - disse ele, quase em desespero.

Nunca tivera uma experiência como aquela, uma mulher que o excitasse tanto e que parecia não sentir absolutamente nada. Aquilo era uma tortura e em julho a situação contribuíra muito pouco para melhorar sua disposição.

Eles tiveram notícias de Olívia várias vezes. E Victoria parecia viver apenas para ter notícias dela ou ler sobre as sufragistas no jornal. Nada mais parecia importar a ela, que atualmente parecia bem mais confortável em companhia de outras mulheres. Ele estava começando a pensar se ela realmente gostava de homens.

Talvez houvesse mais que um problema ali, mais do que qualquer pessoa jamais sonhara. E ele só podia pensar para que pesadelo Edward Henderson o empurrara e se ele soubera o que estava fazendo. Mas Charles não gostava nem de pensar isso.

Olívia disse que todos estavam bem. Fizera um calor atípico da estação em toda a extensão do rio Hudson.

Seu pai estava gozando de boa saúde e Geoffrey estava aprendendo muito em Croton-on-Hudson. Ele aprendera a cavalgar maravilhosamente e ela reassegurou a Charles que não houvera mais contratempos. Na verdade, se ele continuasse a cavalgar tão bem quanto vinha fazendo, Olívia estava pensando em comprar um cavalo novo para ele, que se adaptasse perfeitamente ao garoto. Podiam deixá-lo em Croton e ele poderia cavalgá-lo sempre que fosse visitá-la.

Ela assegurou a eles, a fim de que não se preocupassem, que Chip também estava passando muito bem. Ele mordia todos os móveis e fizera excelentes incursões para comer todos os tapetes de seu quarto de dormir. Mais que tudo, ela esperava que eles estivessem bem, que estivessem felizes e prosperando, e que o absurdo incidente em Sarajevo não tivesse causado a eles nenhuma preocupação. Eles também haviam ouvido notícias sobre isso, mas não havia razão para pensar que o conflito iria mais adiante.

Os austríacos estavam indubitavelmente irritados, mas o resto do mundo parecia não ter sido afetado.Charles partilhava completamente de seu ponto de vista, mesmo quando na última semana de julho, enquanto estavam no sul da França, ficaram sabendo que a Áustria declarara guerra à Sérvia. Mas isso não era muito surpreendente.

Mais surpresos e perturbados eles ficaram quando, quatro dias mais tarde, a Alemanha declarou guerra à Rússia, e novamente dois dias mais tarde, quando declararam guerra à França também. As coisas pareciam estar se deteriorando rapidamente na Europa. Eles estavam em Nice então, no Hotel d'Angleterre, e Charles queria retornar imediatamente à Inglaterra.

- Mas isso é ridículo, Charles! - vociferou Victoria.

Ela amava a França e não queria partir ainda. Eles haviam planejado uma viagem à Itália poucos dias mais tarde.

- Não vou mudar todos os meus planos porque alguns ridículos países europeus têm um temperamento explosivo. - Ela olhou para ele absolutamente irritada.

- Este temperamento explosivo chama-se guerra. Nós estamos agora num país que está em guerra; a Alemanha não é “ridícula” e pode muito bem atacar a qualquer momento. Faça suas malas. Nós estamos partindo.

- Eu não vou! - Ela cruzou os braços e sentou-se calmamente na poltrona em sua suíte no hotel.

- Você é louca! E vai partir quando eu disser.

Ela não era nada fácil, e ele estava ficando cansado daquilo. Fora um longo verão. Eles ainda estavam discutindo sobre aquilo no dia seguinte, quando as tropas alemãs invadiram a Bélgica. E desta vez Victoria entendeu a mensagem sem qualquer pressão do marido. Fez suas malas e deixaram Nice na manhã seguinte, no mesmo dia em que Montenegro declarou guerra à Áustria. A Europa estava rapidamente se tornando uma confusão de declarações e acusações.

Eles voltaram ao Claridge's e na semana seguinte observaram, estarrecidos, como os sérvios declararam guerra à Alemanha, os austríacos à Rússia, e Montenegro à Alemanha também. E então finalmente, em 12 de agosto, Inglaterra e França declararam guerra à Áustria e em Londres houve bandeiras desfraldadas.

Charles voltou preocupado à suíte assim que ouviu a notícia, já com suas passagens trocadas no escritório Cunard. Eles haviam planejado ficar mais uma semana na Europa, mas agora estava acabado. Ele queria levar Victoria de volta para os Estados Unidos assim que pudesse. E eles estariam navegando novamente no Aquatania na manhã seguinte. Quando Victoria voltou de sua incursão às compras, suas malas estavam feitas, seus planos estavam traçados e ele mandara um telegrama à sua irmã. Ele explicou tudo isso a Victoria enquanto ela tirava seu casaco.

- É isso? Estamos partindo? - Ela parecia chocada quando ele o disse. - Sem nem mesmo me perguntar o que eu penso disso?

- Exatamente. A Alemanha acaba de declarar guerra à Inglaterra. Não vou esperar por aqui até que as balas comecem a voar, estou pegando minha esposa e voltando para a América e para a segurança.

- Eu não sou uma coisa que você possa empacotar, Charles, sem nenhuma discussão.

- Parece que nós tivemos muitas discussões durante esses dias, Victoria, e realmente estou cansado. Acho isso uma perda de tempo e muito exaustivo.

- Sinto muito ouvir isso - disse ela, infeliz.

Ela estivera de mau humor o dia inteiro e estava com dor de cabeça. Eles haviam tido um de seus desafortunados interlúdios, ou o que ela achava que eram, na noite anterior, e ambos ficaram frustrados e irritados. Ela não sabia o que estava errado com ele, ou com ela, mas todo o seu corpo parecia entrar em convulsão quando ele chegava perto dela e o dele virava gelatina.

Ela tivera muito pouca experiência para comparar, mas tudo o que sabia era que com Tobby aquilo nunca acontecera. Charles dissera que ele jamais queria ouvir aquilo novamente e assegurou-lhe que também nunca acontecera com Susan.

O que deixou ambos zangados, isolados, frustrados e muito solitários, já que nem Susan nem Tobby estavam por perto e tudo o que eles tinham agora era um ao outro. Estamos partindo amanhã às dez horas - disse Charles friamente. Pelo menos para ele, a lua-de-mel fora um pesadelo.

- Talvez você esteja, Charles - disse Victoria, ousando antagonizá-lo novamente, mas o pior de tudo era que ela achava que gostava disso. Havia alguma coisa no fato de importuná-lo que a excitava e ela não conseguia parar de sentir isso. - Mas eu não. Eu vou ficar.

- Na Europa? Em guerra? Só por cima do meu cadáver. Você vem comigo.

- Talvez haja algo a ser aprendido aqui, Charles. Talvez haja uma razão para estarmos aqui neste lugar, neste momento.

Seus olhos estavam acesos de excitação e ela quase o assustou, mas, pior ainda, apenas o fato de vê-la daquela maneira o fez desejá-la. Ele imaginou que demônio encontrara sua alma e dera a ele uma esposa que o estimulava tanto e que ele podia satisfazer tão pouco. Isso pode ser parte de nosso destino, estar aqui enquanto a guerra estoura na Europa.

Ela parecia jovem e bonita e, pelo menos para Charles, talvez até mesmo um pouco louca. Ela tinha um traço de rebelião e aventura que desafiava qualquer razão. Talvez fosse por isso que Edward Henderson ficara tão ansioso para casá-la. E ele tinha, muito sensivelmente, escolhido um homem são. Mas mesmo quando sentia a pior raiva dela, Charles sabia que Victoria não era louca.

Era apenas difícil de se lidar. E ele se sentia muito velho para discutir com ela cada assunto a cada momento. O pior é que ela amava aquilo. Ele podia ver. Ela amava torturá-lo, atormentá-lo, discutir com ele, recusar-se a fazer a coisa mais simples e insistir em fazer algo perigoso e irresponsável como ficar na Europa.

- Eu sei que isso vai soar tedioso para você, Victoria - disse ele, tentando ficar calmo. Ela o havia levado a seus limites. - Mas não é sensato ficar num país que declarou guerra, ou ao qual outro país declarou guerra. E se eu deixá-la aqui, seu pai vai me matar. Então, goste ou não disso, concorde comigo ou não, seja nosso destino estar aqui nesta época ou seja meramente um acidente, eu estou levando você de volta para Nova York amanhã de manhã. E se você achar isso totalmente insuportável, sugiro que pense em sua irmã.

Ela ficará doente de preocupação se você ficar aqui, bem como seu pai. Quanto a mim, estou indo para casa porque tenho um filho de dez anos que já perdeu a mãe e não quero ficar aqui e ser morto desnecessariamente por uma bala perdida. Isso explica a situação o suficiente para você?

Desta vez ela assentiu em silêncio. A menção a Olívia finalmente a trouxe de volta à razão. E, embora não tenha admitido a ele, sabia que Olívia teria dito as mesmas coisas. Teria sido fascinante ficar na Inglaterra e ver o que aconteceria.

Ela ficou acordada até tarde naquela noite depois que ele foi para a cama e pensou sobre o que acontecera com eles, a virada do destino que os juntara e a má sorte que parecia havê-la marcado desde seu caso com Tobby... o bebê que ela perdera... a reputação que ela destruíra... o fato de ter sido forçada a se casar com Charles e deixar sua irmã... e agora as obrigações físicas que eram esperadas dela e não poderia sustentar por muito tempo mais.

Era difícil imaginar um futuro feliz. Por um estranho momento, pensou em sair correndo dali e nunca mais voltar para casa, mas ela sabia que não podia.

No mínimo ela tinha que ver Olívia, mesmo que odiasse voltar para Nova York agora. E começar a vida com ele, com seu filho e todas as responsabilidades que isso exigiria parecia dolorosamente triste. A Europa havia começado a lhe dar um gostinho do que ela queria. Queria excitação, política e liberdade. Não tinha um laço real com aquele homem, não havia ligação de carne, de alma ou de coração e, depois de dois meses com ele, por mais gentil, sábio e paciente que ele fosse, ela sabia que ele não estava preparado para admiti-lo.

Talvez nunca estivesse. E então o que ela faria? Ela havia falado corajosamente com Olívia sobre o divórcio quando ainda estavam em Croton. Mas sabia que Charles jamais concordaria com aquilo também. Ela estava presa numa armadilha. Seu destino estava selado ao dele. Ela estava atada a ele e sabia que provavelmente iriam afundar juntos.

Essa vida sufocante de estar amarrada a um homem que ela não amava no mínimo a mataria. Ela sabia que tinha de falar com Olívia sobre isso, mas não parecia haver muito o que dizer. Eles haviam feito seu trato, jurado seus votos, haviam apostado e perdido. Na verdade, eles não sabiam nada um sobre o outro. Você vem para a cama esta noite? - perguntou ele, e ela pulou ao ouvir sua voz.

Ele estava de pé na porta do quarto. Ela olhou para ele hesitante e então assentiu, imaginando se ele queria tentar novamente ou se apenas queria que ela fizesse o que ele dissesse. Em qualquer dos casos, ela não gostava das opções. Mas quando foi para a cama poucos momentos mais tarde, ficou surpresa quando ele simplesmente colocou seus braços em torno dela e a abraçou.

- Não sei como chegar até você, Victoria - disse ele tristemente. - Sei que você está trancada aí em algum lugar, mas não posso encontrá-la.

Ele sabia que tinha uma esposa, mas não a conhecia ainda e imaginava se algum dia a conheceria. Como Victoria, ele estava começando a perder a esperança. Eles estavam casados havia dois meses, o que não era muito, mas começava a parecer uma eternidade.

Eu também não consigo me encontrar, Charles - disse ela, infeliz, e eles se agarraram um ao outro como náufragos no oceano.

- Talvez nós consigamos algum dia. Se esperarmos o suficiente. Eu não vou desistir, você sabe. Levei meses para acreditar que Susan estava morta. Continuei achando que eles iam encontrá-la. Ela concordou, de certa forma confortada pelo que ele disse. Teria sido muito mais fácil amá-lo. Ela queria, mas não sabia como e parecia haver perdido esse tipo de sentimento.

Não havia amor para ele em seu coração, e o pior era que ele sabia disso.Não desista de mim, Charles - disse ela em voz baixa. -Não ainda. - Sem Olívia, ela se sentia assustada.

- Não vou desistir - sussurrou ele, enquanto a apertava mais perto. - Não vou desistir por muito, muito tempo - sussurrou ele em seu pescoço, enquanto adormecia abraçado a ela, pensando que talvez a lua-de-mel não tivesse sido tão terrível assim. Talvez as coisas melhorassem.E enquanto ele a abraçava, Victoria deitou-se em seus braços, sonhando com a liberdade.A viagem de volta no Aquatania pareceu duas vezes mais longa que a de ida, enquanto Victoria e Charles sentavam-se lado a lado nas espreguiçadeiras.

Ele dormia, ela lia; estava fascinada por ter conhecido Andrea Hamilton no navio e elas passavam muito tempo discutindo suas últimas teorias sobre o sufragismo. Charles apenas desejava que escutar sobre aquilo também o fascinasse. Enquanto isso, sua esposa parecia estar obcecada com as causas e assuntos femininos. Isso não era uma fantasia passageira para ela, ou um tópico de conversação um pouco excêntrico. Era para aquilo que ela vivia e respirava.

E, embora ele tivesse sabido de seus interesses antes, não havia compreendido o quanto a doença estava avançada. Aquilo era tudo o que ela lia, falava, se preocupava ou perseverava. E Charles estava achando aquela paixão dolorosamente aborrecida.

- Nós vamos nos sentar à mesa do capitão esta noite - disse ele sonolento, abrindo um olho, enquanto ela se deitava na espreguiçadeira junto a ele. - Achei que devia avisá-la.

- É simpático da parte dele - disse ela sem muito interesse. Quer nadar?

Às vezes ele sentia a diferença de idade entre eles. Ele estava feliz deitado ali, absorvendo o sol, e Victoria gostava de se manter ocupada. Mas ele estava querendo agradá-la.Meia hora mais tarde mergulharam na piscina e Charles teve de forçar-se a não pensar no corpo dela.

Ela usava um traje de banho preto e, enquanto atravessava a piscina várias vezes, ele não podia fazer nada a não ser admirar seu estilo e sua figura longa e flexível. Ele se juntou a ela então e nadaram lado a lado. Finalmente ela parou e sorriu para ele. Parecia se sentir melhor.

- Você é uma garota maravilhosa - disse ele, admirando-a.

Ela certamente fugira dele nos últimos dois meses e o desafiara de maneiras que nem sempre eram agradáveis. Às vezes ele desejava conhecê-la melhor, em outras desejava nunca tê-la conhecido. E olhar para ela daquela maneira o fazia lembrar de sua irmã gêmea.

E ele imaginava se agora, depois de viver com ela dois meses, acharia mais fácil distingui-las, ou se ficaria ainda mais difícil. De certa maneira, ele sentia como se tivesse perdido seus sentimentos por ela nos últimos meses. Ela não fora nada do que ele esperava.

- Você sentiu muita falta de Olívia? - perguntou ele enquanto se enxugavam e se sentavam nas espreguiçadeiras em torno da piscina, observando os outros nadadores.

- Terrivelmente - disse ela honestamente, com um olhar melancólico. - Nunca pensei que pudesse viver sem ela. Quando eu era uma garotinha, pensava que se fosse levada para longe dela, isso me mataria.

Ele não lhe disse que era como ele também se sentira a respeito de Susan.

- E agora? - perguntou ele, genuinamente curioso.

Havia muito sobre elas que o intrigava, aquela espécie de comunicação que pareciam ter, quase sem palavras, o instinto que tinham uma pela outra.

- Sei que posso sobreviver - disse ela. - Mas não quero realmente. Queria que ela fosse para Nova York viver conosco, mas sei que ela não vai deixar papai.

E ele não quer que ela o deixe. Ele a mantém lá para tomar conta dele. Não é justo com ela, mas Olívia não vê isso.

- Isso era algo que Charles também pensara e que havia dito a Olívia quando ela trouxera o filhote para Geoff.

- Talvez nós possamos falar com ela sobre isso quando voltarmos para casa. Ou talvez ela possa nos fazer longas visitas; de qualquer maneira. Geoff adoraria isso.

- Você se incomodaria se ela vivesse conosco? - perguntou Victoria, surpresa pelo que ele havia acabado de dizer, assim como ele também estava surpreso com a sinceridade dela a respeito do pai. Ele era um velho egoísta e continuaria sendo, porque suas filhas o deixavam ser assim. Mas Olívia estava pagando o preço e irritava-o vê-la fazer isso.

- Não, eu não me importaria - respondeu Charles. - Ela é inteligente, educada, incrivelmente agradável e está sempre disposta a ajudar - disse ele, pensativamente, e então notou o olhar no rosto de sua esposa.

Era estranho que ele ainda não pensasse nela daquela maneira, como uma cunhada. Mesmo depois de dois meses, eles pareciam estranhos.

- Talvez você devesse ter se casado com ela - disse Victoria com sarcasmo.

- Ela não foi oferecida a mim - devolveu ele, às vezes ainda zangado com o fato de que havia muitas coisas que não haviam contado a ele.

Victoria não tinha tido um romance que terminara, ela tivera um caso com um homem casado, fora bastante usada e até ficara grávida. Aquilo não era bem a mesma coisa, embora em seu último encontro ele desejasse aceitar isso.

- Talvez possamos trocar de lugar para você às vezes - rebateu Victoria, mas ele não pareceu gostar da idéia e franzia as sobrancelhas para ela.

- Isso não é engraçado. A idéia de que podia ser enganado por elas sempre o fazia sentir-se desconfortável ou achar que diria algo que não deveria para uma ou outra. De fato ele achava aquilo um tanto enervante.

- Devemos voltar para cima? - perguntou ele finalmente, e ela concordou.

Eles sempre pareciam estar discutindo atualmente, mesmo quando não queriam. Eles se vestiram separadamente para o jantar e subiram em traje de gala para o jantar do capitão. Não se falou de mais nada naquela noite, a não ser da guerra na Europa. Victoria achou aquilo fascinante e deu opiniões notáveis e radicais, mas interessantes. Charles ficou orgulhoso ao ouvi-la. Ela certamente era muito inteligente e era uma pena que não fosse fácil de se conviver.

           Finalmente eles voltaram para a cabine. Haviam dançado por um tempo, mas nenhum deles estava com muito humor, apesar de ser uma bela noite no Atlântico Norte. Victoria acendeu um cigarro e ficou próximo a ele, olhando para o mar, fumando em silêncio.

- Bem - disse ele, sorrindo com melancolia. - Foi uma boa lua-de-mel ou não? Você se divertiu? - Pelo menos já teria sido alguma coisa.

- Para responder a suas perguntas, sim, às vezes, e não sei ainda. Foi boa ou não? O que você acha?

- Acho que foi interessante, mas não foi fácil - Era estranho voltar para casa da Europa com a guerra em seus calcanhares. - Talvez seja a maneira que a vida é. Talvez você acerte apenas um tiro no alvo. Não estou certo ainda. - Ele estava se referindo a Susan e ela o sabia. E ela tivera Tobby, que certamente não era um sonho, mas ela o amara loucamente. - Talvez apenas leve tempo. “Nós vamos aprender a amar um ao outro”, como as pessoas dizem Isso acontece. Mas ambos duvidavam daquilo.

- E agora? Eu me torno uma dona de casa?

- Tem algum outro plano, senhora Dawson? Planeja se tornar médica ou advogada?

- Acho que não. Política. - Ela ainda estava fascinada pela guerra na Europa. - Eu gostaria de voltar e estudar o que está acontecendo por lá, talvez. me envolver de alguma maneira. Me tornar útil.

- Como assim? - Ele parecia horrorizado. - Dirigir uma ambulância ou algo assim?

- Talvez - respondeu ela, pensativa.

- Você não ouse - disse ele muito sério. - Demonstrações sufragistas já são ruins o suficiente, obrigado. Nada de guerras, por favor.

Mas ela imaginava se ele poderia impedi-la se realmente quisesse voltar para a Europa. Ela sabia que Olívia também desaprovaria, então certamente não podia falar sobre isso com ela ou com seu pai. Mas ela estivera sempre pensando sobre isso seriamente, desde que partiram de Southampton. Ela sentia como se estivesse perdendo algo, voltando para os Estados Unidos. Eles estavam deixando toda a excitação para trás.

- E Geoff? Como ele entra em suas atividades? Você vai ter tempo para ele?

Ela sabia como aquilo era importante para Charles, que parecia preocupado.

- Vou tomar conta dele. Não se preocupe.

- Bom. Ele sorriu para ela, satisfeito com o fato de ela falar sério e então eles voltaram para a cabine. Estava tão quente que deixaram duas janelas abertas, mas naquela noite Charles não a tocou. Ele simplesmente não tinha energia ou coragem.

Na manhã seguinte, às nove horas, eles tiveram um treinamento de bote salva-vidas. Era algo extraordinariamente importante desde que a guerra fora declarada e Victoria se perguntou por um breve momento se aquilo o aborreceria e o faria lembrar-se de Susan. Mas ele parecia bem, mais tarde, e quando voltaram para o quarto, para o café da manhã, ele sorriu para ela e, sem dizer nada, beijou-a.

- Por que foi isso? - perguntou ela, surpresa, e ele sorriu para ela.

- Por estar casada comigo. Nós não temos sido exatamente fáceis um com o outro. Vou tentar fazer melhor quando voltarmos para casa. Talvez voltar à vida normal vá fazer bem a nós dois. Talvez as luas-de-mel sejam muito pressionantes.

Ele estava se referindo criticamente à falta de sucesso de sua vida sexual e ela concordou com a cabeça. Mas eles tentaram novamente naquela noite e, embora desta vez ele a tenha penetrado e ela tenha feito um esforço, ele sabia que não fora melhor para ela do que havia sido antes e desta vez isso o preocupou profundamente. Houvera um tempo em sua vida em que o sexo era maravilhoso; Geoff nascera daquilo e o que ele tinha agora com Victoria o fazia sentir-se muito solitário e vazio.

Depois, quando Victoria estava dormindo, ele ficou deitado olhando para ela, imaginando se havia qualquer esperança para uma vida real entre eles. Isso ficaria para ser visto quando voltassem para casa, mas ele não estava muito otimista.

Quando o navio passou pela Estátua da Liberdade, Victoria e Charles estavam no deck, observando o sol nascer e foi o mais perto que se sentiram um do outro em dois meses. Estavam ambos excitados por estarem voltando para casa; ela para ver sua irmã gêmea, ele para ver Geoff. Olívia dissera que os encontrariam em Nova York.

E assim que o navio gigantesco aportou, às dez da manhã, eles começaram a procurar pelo píer e então Victoria soltou um berro. Ela os vira. Começaram a acenar freneticamente do navio e, no momento seguinte, Olívia teve um vislumbre deles e começou a chorar, enquanto pulava para cima e para baixo, segurando a mão de Geoff. Seu pai também viera e haviam trazido até o cachorro com eles. Ele estava bem mais crescido agora.

 

Victoria mal podia conter-se enquanto corria para eles e foi fácil ver quem era o seu primeiro amor quando ela se jogou nos braços da irmã e as duas giraram em torno de si mesmas, abraçadas uma à outra, rindo e chorando. Elas não eram nada mais que um borrão de pernas, braços e sorrisos, e quando pararam e Charles olhou para elas, compreendeu que, mesmo depois de dois meses separadas, elas ainda eram muito parecidas e ele não poderia diferenciá-las por um simples instante. Ele lembrou que Victoria usava um vestido vermelho, mas Olívia também.

Era o mesmo e elas o haviam escolhido sem avisar uma à outra e sem planejar. Olívia simplesmente o usara para que eles pudessem vê-la. Mas Charles teve que olhar para o anel na mão de Victoria para se certificar de qual gêmea era sua esposa. Era assustador.

- Bem, algumas coisas não mudam, eu acho - disse ele, sorrindo, enquanto as duas garotas giravam novamente e se abraçavam ainda com mais força e Olívia confessava que havia pensado que fosse morrer sem sua irmã gêmea.

- Mas Geoff tomou conta de mim muito bem - disse Olívia, olhando para ele orgulhosamente. Ele era uma criança maravilhosa e haviam passado um bom verão juntos. Como foi a lua-de-mel? - perguntou o pai das garotas e Charles respondeu rapidamente.

- Maravilhosa! Exceto pela guerra na Europa, claro. Nós poderíamos ter passado sem isso no final, mas saímos de lá rapidamente.

- Parece que há uma confusão terrível por lá - disse Edward, preocupado, enquanto os oficiais da alfândega começavam a checar suas bagagens. Seus passaportes já haviam sido checados no navio naquela manhã.

Olívia abrira a casa da Quinta Avenida e ela e o pai ficariam lá por alguns dias, para visitar os recém casados e para seu pai tratar de negócios. Mas Geoff estava dividido sobre onde queria ficar. Estava morrendo de saudades do pai, mas odiava deixar Olívia agora. Ela era quase uma mãe para ele.

- Ela foi tão boa comigo, pai. Nós saímos para cavalgar e nadar todos os dias e fizemos piqueniques. Fomos a todos os lugares. Ela até me comprou um cavalo - explicou Geoff a Charles enquanto o ajudava a colocar suas bagagens no Ford.

Edward trouxera os dois carros, para eles e suas bagagens, e quando chegaram à casa de Charles, no East Side, puderam ver a mão de Olívia ali também. Ela abrira a casa para eles, organizara as empregadas e dissera a elas o que fazer.

A casa fora arejada, as roupas de cama estavam limpas e havia flores por toda a parte. Não parecia o mesmo lugar. E havia pequenos presentes para eles e alguns brinquedos para Geoff esperando em seu quarto, além de uma nova cama para seu cachorrinho.

- Quem fez isso tudo? - Charles parecia estupefato enquanto olhava em torno, mas Victoria sabia e não estava inteiramente certa de que gostava daquilo.

Esta era sua casa agora, e era ela quem decidia o que queria fazer. Ela não queria Olívia fazendo-a parecer má, fazendo com que começassem com o pé errado, mostrando todas as suas habilidades domésticas. Victoria não tinha intenção de seguir seus passos.

- Olívia, tenho certeza - disse Victoria baixinho.

- Bem, ela tem de vir visitar-nos com mais freqüência - disse Charles agradecido, com um olhar brincalhão na direção de sua esposa.

- Não faço as coisas assim, Charles. Eu faço outras coisas. Nós somos muito diferentes.

- Não se saberia disso olhando para vocês - disse ele, brincalhão.

E quando desceram novamente, ele ilustrou sem querer o que disse, beijando respeitosamente o rosto de sua esposa e agradecendo a ela por tudo o que fizera para sua chegada em casa. Ele pensara que ela era Olívia e todos riram, enquanto Victoria gargalhava.A empregada fizera limonada para eles, como Olívia pedira e os homens se sentaram na sala de estar para falar sobre a guerra, enquanto Geoff saía para o jardim com seu cachorrinho. Olívia subiu com a irmã para ajudá-la a desfazer as malas e lá Victoria finalmente relaxou e sentou-se com um sorriso enquanto olhava para sua irmã.

- Nunca pensei que pudesse fazer isso... deixar você assim... foi terrível.

- Não acredito em você. - Olívia sorriu, mas fora uma agonia para ela também. Cada hora de separação parecera uma vida inteira. - Você passou bons momentos? - perguntou Olívia, hesitante.

Ela não queria se intrometer, mas precisava saber se sua irmã estava feliz. Victoria olhou para ela por um longo tempo antes de responder e, quando falou, Olívia ficou chocada com sua resposta. Ela falou muito suavemente para que ninguém mais pudesse ouvi-la. Não estou certa de que possa continuar com isso, Ollie.

Eu não sei. Vou tentar por tanto tempo quanto puder... mas nós nunca deveríamos ter casado. Acho que ele sabe disso também e quer fazer o melhor que puder. Mas é tão errado... ele ainda está apaixonado por ela... e eu não consigo esquecer Tobby, nem a parte boa, nem a parte ruim dele. Ele se coloca constantemente entre nós.

- Você não pode deixar um homem daqueles arruinar seu casamento, Victoria. - Sua

irmã parecia horrorizada enquanto se sentava ao lado dela e pegava suas mãos. - Você tem de colocá-lo para fora de sua mente de uma vez por todas.

- E Susan? Ele ainda a ama. E, Ollie - ela pareceu triste, mas não de coração partido com o que estava dizendo para sua irmã - ele não me ama. Ele nunca me amou, nem nunca amará. Toda esta tolice sobre as pessoas aprenderem a se amar é apenas isto: tolice. Como você pode amar um estranho?

- Vocês vão se acostumar um ao outro. Dê tempo para isso. E Geoffrey vai ajudá-la.

- Ele me odeia. Os dois me odeiam.

- Pare de dizer isso! Olívia estava perto das lágrimas enquanto a ouvia. Ela nunca esperara isso. Tivera alguns vagos sentimentos de mal-estar sobre ela uma ou duas vezes, mas nada como isso. Ela não imaginara que Victoria voltaria para casa e diria algo assim para ela.

- Dê um tempo. Prometa-me. Você não pode fazer nada irresponsável!

- Não posso nem mesmo começar a imaginar o que eu faria - disse Victoria honestamente e Olívia pensou que ela parecia subitamente mais madura e mais feminina, mas talvez fosse apenas uma ilusão.

Para o observador sem treino, elas pareciam iguais. De fato, era quase como se elas estivessem mais idênticas do que nunca.

- Nunca me senti tão encurralada - continuou Victoria. - Ollie, o que eu devo fazer?

- Seja uma boa esposa para ele, seja paciente, seja boa com seu filho. Pelo menos tente fazer o que prometeu a ele que faria no dia de seu casamento.

- Amar, honrar e obedecer a ele? Soa tão indigno, não? Há algo degradante nisso - disse Victoria irreverentemente e acendeu um cigarro. Esta era sua casa agora.

- Como você pode dizer algo assim? - Olívia pareceu chocada e franziu as sobrancelhas. Ela era impossível e, embora a amasse, podia ver facilmente que ela seria uma esposa difícil. Charles não vai se importar de você fumar aqui? - perguntou Olívia com um olhar de preocupação e Victoria riu para ela.

- Espero que não. Eu também moro aqui agora.

Embora ainda não se sentisse assim. Ela estava morando numa casa estranha, entre estranhos. Era uma estranha volta para casa e tudo o que queria era ir para sua casa com seu pai e sua irmã. Mas ela sabia, mesmo sem pedir, que Olívia não a deixaria ir e nem seu pai. Você vai ficar em Nova York por alguns dias?

- perguntou ela, preocupada, e reagiu aliviada quando Olívia assentiu. - Eu nem mesmo sei por onde começar - disse ela nervosamente e Olívia sorriu para ela.

- Virei todos os dias até que você se ajeite.

- E depois? - Victoria quase arrancava as mãos de angústia. Agora que ela tinha sua irmã para se apoiar novamente, podia colocar para fora todos os seus sentimentos, que saíam numa precipitação de terror. - O que eu faço depois disso? Eu nem mesmo sei como ser uma esposa para ele. E se eu não puder fazer isso?

- Você pode, você está apenas preocupada.

Olívia colocou o braço em torno dela e Victoria imediatamente sentiu o efeito daquilo. Era como voltar para casa, para uma mãe, e ela começou a soluçar enquanto colocava sua cabeça no ombro da irmã.

- Não posso mais fazer isso, Ollie... eu sei... foi terrível na Europa...

Toda a sua pose de sofisticação e amadurecimento subitamente desaparecera e ela se sentia novamente como uma criança nos braços da sua irmã, da mesma idade que Geoffrey. Shhh... você pode sim - disse Olívia, tranqüilizando-a. Seja uma boa garota, acalme-se e pare de se preocupar. Nós o faremos juntas.

Depois disso Victoria assoou o nariz e, quando elas desceram novamente, nenhum dos dois homens pôde dizer quem era quem. Quando seu pai finalmente falou com Olívia e disse que era hora de voltar para a casa na Quinta Avenida, ambas as garotas responderam e todos sorriram. Era um caso perdido.

- Vou fazê-las usar marcas quando estiverem juntas nesta casa - disse Charles afavelmente, feliz por estar em casa e feliz por ver seu filho novamente.

Subitamente era como nos velhos tempos, com uma mulher na casa e flores por toda parte. A única coisa que ele não entendia completamente era que a mulher que colocara as flores e fizera a casa brilhar para ele não era a sua esposa.

Quando partiram, Olívia beijou Victoria, prometeu voltar cedo no dia seguinte para ajudá-la a se ambientar e beijou Geoff, abraçando-o junto a ela.

- Vou sentir terrivelmente sua falta - disse ela suavemente para ele. - Tome conta de Chip e Henry.Volte logo - disse ele melancolicamente, enquanto acenavam da porta da frente e, um por um, os Dawson entraram e fecharam a porta atrás deles, enquanto começavam sua vida juntos.

Olívia passou uma semana em Nova York ajudando Victoria a desfazer as malas e se adaptar à casa no East River. Era um lugar iluminado e feliz, mas Victoria o achava desconfortável e tinha saudades dos aposentos familiares que dividira com a irmã. Ela e Charles dividiam um quarto grande e ensolarado, mas ela achava que Geoffrey estava muito perto deles. Ele estava logo do outro lado do hall e estava sempre debaixo de seus pés com seus canhões, seus carros, seu cachorro, suas bolas e suas bolas de gude.

- Meu Deus, ele nunca vai a lugar nenhum a não ser a escola? - reclamou Victoria.

Ele havia acabado de recomeçar as aulas naquela semana, mas estava ansioso para voltar para casa e passar o tempo com eles. Ele ficara longe de casa por dois meses e estava feliz por estar de volta a sua própria casa, com suas próprias coisas. E ele esperava o pai nos degraus da frente toda noite. Victoria sentia como se ela tivesse de ficar na fila para ver o marido.

Ela não tinha absolutamente idéia do que eles gostavam de comer.

A primeira refeição que ela mandou fazer para eles, ambos detestaram, embora tentassem ser educados, mas mal puderam comer. Ela reclamou com Olívia no dia seguinte e Olívia deu a ela uma lista dos pratos favoritos de Geoff, que eles haviam cozinhado durante todo o verão para ele. Talvez você deva ficar aqui e fazê-lo - disse Victoria petulantemente, mas ela estava quase falando sério.

- Pare de dizer isso! - reprovou-a Olívia.

Ela podia ver que Victoria se sentia insegura e não gostava de ser tão doméstica. Ela parecia sentir que aquilo a rebaixava, o que parecia mais do que bobo para sua irmã.

- Ele não sabe a diferença entre nós mesmo. Então por que não trocar de lugar comigo por um tempo? - disse Victoria de brincadeira, mas havia algo em seus olhos que Olívia não gostou.

Era o nascimento de uma idéia que não levava a lugar algum, mas Victoria não a mencionou novamente, o que aliviou sua irmã. E no fim da semana as coisas pareciam estar um pouco melhor. Charles estava de bom humor, os jantares ficaram bons, ele estava com seu trabalho no escritório novamente sob controle, já havia começado a tratar de alguns novos negócios para seu sogro naquela semana e Geoff estava se comportando muito bem.

A única coisa que Victoria não gostava era que o trabalho de dirigir a casa parecia devorar o seu dia inteiro e ela nunca tinha tempo para fazer mais nada. Apenas o faça por uma ou duas semanas - sugeriu Olívia - e quando você tiver tudo sob controle, vai poder se dedicar a outras coisas que queira, como fazer compras ou almoçar com amigos ...ou assembléias, ou manifestações, ou corridas.

Havia algumas assembléias informativas sobre as quais Victoria lera no clube de imprensa e ela queria freqüentá-las o mais cedo possível, para aprender mais sobre a guerra na Europa. Victoria devorava as notícias, mas nunca havia informação suficiente para ajudá-la a entender todas as complexidades do que acontecera. E quando Charles voltava do escritório para casa, estava muito cansado para conversar com ela.

Olívia finalmente voltou para Croton com seu pai. Ela ficara o maior tempo possível para ajudar, mas finalmente ele reclamou que estava cansado e queria voltar para casa, então ela teve de levá-lo. Mas ela prometera voltar logo e Victoria e Charles disseram que eles iriam a Croton em poucas semanas para o fim de semana. Mas as coisas se amontoaram, como sempre acontecia em vidas ocupadas.

Charles descobriu que tinha um julgamento para preparar, Geoff estava ocupado na escola e Victoria ficou absorvida com suas assembléias. Ela telefonava para Olívia de vez em quando e ambas escreviam uma à outra quase diariamente, mas já era fim de setembro e a face do mundo havia mudado, isso sem mencionar suas próprias vidas.

O Japão declarara guerra à Áustria e à Alemanha no fim de agosto. A Batalha do Marne terminara com o avanço da Alemanha sobre a França, mas os alemães começaram a promover ataques aéreos sobre Paris. Os russos sofreram grandes baixas nos Lagos Masurian e novamente na Prússia. Victoria mal podia compreender tudo aquilo, mas estava tentando. De fato a guerra estava quase começando a obscurecer seu interesse no sufragismo.

De certo modo, no momento, isso parecia muito mais urgente. Tanto que ela quase não ficava mais em casa. Ela seguira o conselho de Olívia nas primeiras semanas, dirigindo a casa de Charles para ele, e então voltara ao seu velho jeito de ser e passava todo o tempo atrás de seus próprios interesses.

Houve várias leituras interessantes falando sobre política naqueles dias e Victoria ia onde podia para aprender mais.

 

Aquilo a tornava alguém mais interessante para se conversar quando Charles voltava para casa à noite, isso quando ele tinha energia para falar sobre os assuntos nos quais ela estava interessada, o que não acontecia sempre. Mas o que preocupava Charles era que, desde que Olívia se fora, Victoria parecia não ter idéia das responsabilidades da vida de casada. Sem Olívia estimulando-a ou fazendo todas as suas tarefas por ela, Victoria deixava tudo sem assistência.

E dentro de poucos dias a casa estava abandonada; o lugar parecia uma bagunça, o jardim era um matadouro e Charles ouvira dos vizinhos que Geoff estava passando todo o tempo brincando na rua, porque Victoria nunca estava em casa para olhá-lo.

- Este não foi o nosso trato - lembrou-lhe Charles e ela tentou escutá-lo e fazer o que era esperado dela, mas de alguma maneira ela não conseguia.

E a situação íntima entre eles havia apenas piorado desde que tinham voltado para casa. Eles nunca mais fizeram amor. Ela tinha uma óbvia aversão a isso e parecia aterrorizada com o fato de que Geoff pudesse escutá-los. Charles estava bebendo mais do que fazia antes de partirem, ela fumava constantemente, e o cheiro daquilo o deixava louco. Era tudo o que Charles não queria numa casa, numa esposa ou num casamento.

E quando Olívia voltou para visitá-los novamente, seis semanas depois que partira, encontrou Victoria numa bagunça total e seu marido ainda pior. Olívia tivera um vago sentimento de indisposição antes de chegar e não sabia por quê. Mas ela fora atraída a Nova York como um ímã. Ela ficou num hotel e, quando os visitava, os dois mal pareciam estar se falando.

Olívia levou Geoff para ficar no hotel com ela por alguns dias, com Henry e o cachorro, e sugeriu a sua irmã, nos termos mais fortes possíveis, que ela fizesse o possível para se entender novamente com o marido. Mas quando Olívia os viu novamente no dia seguinte, as coisas pareciam ter apenas piorado.

- O que está acontecendo? O que você está fazendo aqui? - berrou Olívia para ela, e Victoria parecia quase tão zangada quanto ela.

- Isto não é um casamento, Olívia! É um “arranjo”. É tudo o que é, e tudo o que sempre foi. Ele me alugou para ser a empregada, a governanta e uma professora para Geoff. Isso é tudo o que eu faço aqui.

- Isso é ridículo. - Olívia discutiu com ela enquanto andava pela ensolarada sala de estar, censurando sua irmã “mais nova”. Elas tinham exatamente a mesma idade, mas uma vez mais Olívia era bem mais responsável do que ela. -Você está se comportando como um moleque mimado - disse ela asperamente.

- Ele ofereceu a você a proteção de seu nome, salvou-a do desastre com aquela sujeira que você fez, está dando a você a casa dele, seu filho, uma vida muito confortável, e você está furiosa por ter de tomar conta da casa dele e cuidar para que a cozinheira sirva a ele um jantar apropriado. Não, Victoria, ele não “alugou” você para ser sua empregada. Mas você não parece estar desejando ser esposa dele também.

- Você não sabe nada sobre isso. - Victoria estava enfurecida com ela, zangada com o fato de Olívia ter chegado tão perto da verdade em suas acusações.

- Eu sei o quanto você pode ser auto-indulgente - disse Olívia, mais calma, querendo chegar perto dela e ajudá-la a mudar aquilo.

Ela ainda sentia terrivelmente sua falta, mas não o suficiente para querer que ela fizesse algo irresponsável, como deixar Charles. Olívia sabia o quanto aquilo seria desastroso e devastador não apenas para Charles, mas também para Geoffrey.

- Você tem que fazer um esforço, Victoria... Você deve isso a ele... e a Geoff. Dê tempo ao tempo, você vai se acostumar com isso. Eu vou ajudá-la a cuidar da casa - disse ela, seus olhos suplicando a sua irmã para não fazer nada estúpido.

- Eu não quero cuidar da casa, nem da dele nem da casa de ninguém! Eu nunca quis! Isso foi tudo idéia de papai, foi minha punição pelo que fiz com Tobby.

Mas Olívia sabia que sua punição real viera muito antes, no banheiro de Croton. Isso era simplesmente uma obrigação que ela tinha de cumprir, uma vida à qual ela devia se resignar. Mas Victoria era como um pássaro se debatendo na gaiola, machucando as asas em cada canto. Ela não podia mais voar e odiava isso.

- Eu preferiria morrer, Olívia, a estar aqui - disse ela finalmente com tristeza, enquanto se sentava numa cadeira e parecia miserável para sua irmã gêmea. Mas Olívia não estava se divertindo nem um pouco com sua performance.

- Não quero nunca mais ouvi-la dizendo isso.

- Estou falando sério. Há uma guerra na Europa, homens estão morrendo aos milhares, pessoas inocentes estão sendo mortas. Eu preferiria estar fazendo algo útil lá a perder minha vida aqui, tomando conta de Geoffrey.

- Ele precisa de você, Victoria - disse Olívia com lágrimas nos olhos, desejando por um momento que ela pudesse mudar sua irmã.

Ela sempre tivera algumas idéias selvagens, alguma causa supostamente merecedora pela qual ela estava querendo viver e morrer. Mas ela parecia não ligar nada para seu próprio mundo e para as pessoas que precisavam dela e estavam bem na soleira de sua porta. E Charles precisa de você também...

Os olhos de Olívia imploraram a ela que escutasse, mas Victoria sacudiu a cabeça e atravessou o aposento para olhar pela janela para o jardim selvagem. Ela nem mesmo falara com o jardineiro desde que haviam voltado da Inglaterra.

Não! - voltou-se para encarar sua irmã novamente - ele precisa de Susan e ela não está aqui. Ela nunca vai voltar. Talvez ela seja uma sortuda - disse Victoria e Olívia pareceu ainda mais aborrecida que nunca. Victoria tinha de se assentar e se ajustar ao seu casamento. - Nós não temos nenhuma vida, se você entende o que digo. Nunca tivemos. Não foi bom entre nós desde o início... suponho que ele ainda sonhe com ela e eu... eu simplesmente não posso... depois do que aconteceu com Tobby.

Seus olhos se encheram de lágrimas desta vez e ela curvou a cabeça, parecendo completamente derrotada. E Olívia soube, quando olhou para ela, que aquilo não parecia próprio dela. Não era próprio de Victoria desistir ou sentir que não podia fazer algo e estava muito claro para Olívia que com um pequeno esforço sua irmã poderia colocar tudo no lugar novamente, se aquilo fosse o que ela queria.

- Talvez você precise de um tempo sozinha com ele - disse Olívia suavemente, um pouco embaraçada com o que estava dizendo. Mas não era hora de ser tímida com ela. A situação era séria e ela o sabia.

- Nós tivemos dois meses na Europa - disse Victoria sem esperança e completou, em toda a sua honestidade, que nunca havia funcionado lá também.

- Aquilo foi diferente - disse Olívia, soando como uma mãe agora. - Vocês mal conheciam um ao outro. Talvez vocês precisem de algum tempo aqui para se conhecerem melhor. Ela corou suavemente e Victoria sorriu para ela. Olívia era tão inocente, ela não tinha idéia da complicação desta situação, de quanto era triste deitar em seus braços e estremecer toda vez que ele a tocava, do que ele esperava dela e ela não podia dar, nem do que ele não podia mais fazer em face de sua repulsa dificilmente escondida. Esta casa é nova para você e ele também. Talvez se vocês tivessem um pouco de tempo sozinhos aqui, talvez sem Geoff, vocês pudessem se acostumar mais confortavelmente um ao outro.

- Talvez - disse Victoria, sem estar convencida.

Mas aquilo não mudava nada o que sentia por ele, nem o fato de que ela se sentira forçada a se casar, que sentia o quanto ele estava solitário por sua esposa e que, embora desejasse sua carne, não amava Victoria realmente. Na verdade, ele não amava ninguém. Ele estava lhe escondendo tudo isso e ela o sabia. Pelo menos Tobby mentira para ela, fizera com que se sentisse adorada e fizera com que acreditasse nele. No caso de Charles, não importava o quanto ele fosse atencioso e polido com ela, e bem educado, ela sabia, no fundo de sua alma, que ele não a amava.

- Está tudo errado, Olívia. Acredite em mim. Eu sei.

- Você não pode dizer isso ainda. Você está casada com ele há apenas três meses e você mal o conhecia antes disso.

- E em um ano, quando eu disser a mesma coisa a você? O que você vai dizer então? perguntou Victoria à irmã, seus próprios olhos parecendo sábios além de sua idade e disse que ela já sabia o resultado. Eles tinham de passar a vida ao lado um do outro, mas Victoria sabia, tão certo quanto respirava, que nunca chegariam a amar um ao outro. - Você vai me dizer então que posso me divorciar dele?

Ambas sabiam que seu pai nem sequer escutaria aquilo e mesmo Olívia pareceu chocada com a idéia. Mas Victoria sabia que ela não podia suportar aquilo para sempre.

- Não vou ficar aqui até apodrecer, Olívia. Não posso. Isso vai me matar.

- Você tem de ficar - disse Olívia ferozmente. - Pelo menos o tempo suficiente para conhecer verdadeiramente seu coração e o dele. Você não pode tomar nenhuma decisão agora. É muito cedo.No tempo certo, se ela fosse realmente infeliz, talvez pudesse voltar para Croton para viver lá e não se divorciar. Mas Olívia sabia que aquilo também a destruiria. Victoria precisava de muito mais em sua vida; ela precisava de ideais, política e novos horizontes para olhar.

Ela não se satisfaria em sentar-se em casa e remendar as meias de seu pai, como ela o fazia. Mas havia uma parte dela que quase desejava que ela voltasse para casa, para que pudessem estar juntas novamente. Mas um lado mais generoso de Olívia queria verdadeiramente que ela ficasse com Charles e fosse feliz.

- Por que eu não levo Geoff comigo por alguns poucos dias? Ele pode perder um ou dois dias na escola e eu posso levá-lo para Croton. Isso vai dar a vocês dois algum tempo sozinhos. Isso pode fazer maravilhas.

- Você é uma sonhadora, Ollie - disse Victoria, sabendo que sua irmã gêmea absolutamente não entendia a falta de esperança da situação.

Victoria já sabia em seu coração para onde seu casamento estava indo. Mas ela tinha de admitir que seria um alivio se ver livre do garoto por alguns dias. Não era que ela o odiasse, como ele dissera, apenas não queria tomar conta dele, ou se preocupar com ele, ou juntar seus brinquedos, ou caçar o cachorro e colocá-lo para fora de seu quarto. Não queria ser responsável por outro ser humano. Antes ela não tinha idéia de que aquilo iria lhe consumir tanto tempo, ou que seria tão aborrecido.

- Talvez você possa levar Geoff com você por um dia ou dois. - Pelo menos aí ela poderia ficar em suas assembléias. - Suponho que se ele fosse meu - disse ela pensativamente - seria diferente. Mas ele não é, e eu simplesmente não posso imaginar o que seria ter filhos.

Esse era outro pensamento que não tinha qualquer atrativo para ela. Embora tivesse sido forçada a se casar, ela teimara com Charles que não haveria crianças. E enquanto Olívia a escutava, ficou surpresa ao compreender que não poderia ter amado Geoff mais do que já o amava se ele fosse seu filho, o que ela já desejara muitas vezes desde que o conhecera.

Ele ia substituir, em seu coração e em sua mente, as crianças que ela jamais teria agora. Eu ficaria feliz em levá-lo de volta para Croton comigo - disse ela calmamente - mas quero que você passe algum tempo com Charles e não que apenas se encontre com suas sufragistas em velhas igrejas e corredores escuros.

- Você faz isso soar tão sórdido. - Victoria sorriu para ela, mas estava satisfeita por se ver livre de Geoffrey por alguns dias. - Garanto a você, não é assim. Você poderia ver por si mesma, se fosse comigo alguma vez. Mas ultimamente eu tenho estado ocupada aprendendo sobre a guerra na Europa.

-Sugiro que em vez disso você aprenda sobre seu marido - disse Olívia severamente e Victoria foi colocar seus braços em torno dela e beijá-la.

- Você sempre me salva - disse ela, parecendo novamente uma garotinha, enquanto Olívia a abraçava.

Olívia sentia tão terrivelmente a sua falta, particularmente à noite, deitada em sua cama enorme. E agora ela não tinha nem mesmo Geoff para lhe fazer companhia, com seu cachorrinho. Não estou certa de que possa resgatá-la desta vez - disse Olívia honestamente. - Você vai ter de fazer isso sozinha.

- Você sabe, seria tão mais fácil se nós simplesmente trocássemos de lugar - disse Victoria, parecendo insolente, e Olívia não pareceu satisfeita. Não se “trocava” de lugar num casamento.

- Seria? Você gostaria de ficar em Croton cuidando de papai?

Victoria agora já sentira o gosto do mundo e Olívia sabia que ela também não ficaria satisfeita em Croton. Victoria tinha fome de muito mais do que aquilo. Olívia apenas esperava que Charles pudesse dar isso a ela. Talvez se ela tivesse seus próprios filhos e assentasse a vida, resolvesse o problema.

 

Olívia pegou Geoff de carro na escola naquela tarde, com seu casaco, seu cachorro e seu macaco esfarrapado e ele ficou deliciado ao saber que estavam indo para Croton. Ele estava louco para cavalgar novamente e estar com Olívia e ver o pai dela, que ele agora chamava de “vovô”. Mas Charles ficou muito surpreso quando chegou em casa e descobriu que o garoto fora para Croton.

- E a escola? - perguntou a Victoria com uma vaga aparência de consternação.

- Ele pode perder alguns dias. Ele tem apenas dez anos, afinal de contas.

Ela afastou o assunto. Tivera uma tarde muito interessante, numa leitura sobre a Batalha de Bruxelas em agosto. Olívia não ficaria nada satisfeita se soubesse daquilo.

- Você devia ter me perguntado - disse ele, parecendo cansado e aborrecido, mas ao mesmo tempo ciente de que estava sozinho com Victoria e ela parecia adorável.

Seus olhos estavam excitados e vivos e seu corpo excepcional se destacava num vestido novo que a irmã comprara para ela. Era longo, suave e negro, a última moda em Paris.

- Achei que você queria que eu fosse a mãe dele - disse Victoria, repreendendo Charles.

Ele não gostou da maneira como ela falou, mas o fogo em seus olhos apenas a tornava mais sedutora. Você é, mas eu sou mais velho e experiente do que você - disse ele, um pouco mais gentilmente. - Está tudo bem. Vai fazer bem a ele ficar no campo por alguns dias. Pode fazer bem a nós dois também, talvez nós possamos subir também este fim de semana. Ela não gostava muito de Croton, mas sempre amava visitar a irmã. Mas por outro lado, se eles fossem a Croton agora, isso desmontaria todo o propósito de Olívia levar Geoffrey com ela.

- Talvez em outra ocasião - disse ela vagamente. - Nós poderíamos deixá-lo aqui e subir sozinhos para visitar Olívia e papai.

- Sem Geoff? - Charles pareceu surpreso. - Ele nunca nos perdoaria. - E então ele olhou para ela tristemente. - Você não gosta de estar com ele, não é mesmo, Victoria?

- Eu não sei como fazer - disse ela, enquanto acendia um cigarro e olhava para o marido através do quarto. Era sempre um esforço estar com ele. Ela desejava que pudesse ver nele todas as virtudes que Olívia via. Para Victoria, mesmo agora, era como estar com um estranho. - Não estou acostumada com crianças.

- Ele é uma criança tão fácil - disse ele, pensando no amor maternal que o garoto merecia e que tanto tivera de Susan. Era sempre difícil para Charles não comparar Victoria a ela. Mas ela mesma nunca tivera mãe, exceto sua irmã gêmea. Sempre fora Olívia quem a educara, e Victoria era tratada como um bebê.

- Espero que vocês dois passem a se conhecer melhor. - Ele pensara em passarem o verão juntos em Newport, os três, mas Victoria, ao contrário, insistira numa lua-de-mel na Europa.

- Olívia diz a mesma coisa sobre nós. - Sua esposa sorriu para ele através da fumaça de seu cigarro. Você esteve se queixando com ela? - perguntou ele, algo infeliz. Ele gostava de manter seus assuntos familiares em particular, mas já desconfiava havia muito que entre as gêmeas não havia segredo. E com a situação embaraçosa que compartilhavam em sua vida privada, ele não achou aquilo nada confortável. - Foi por isso que ela levou Geoff? Para nos deixar juntos?

- Eu apenas disse que estava tendo problemas para me acostumar a tudo isso - disse ela vagamente, mas ele sabia, pelo que via em seus olhos, que ela provavelmente contara tudo à irmã. Gostaria que você não discutisse assuntos privados com ela, Victoria - disse ele, aproximando-se dela através do quarto com um franzir de sobrancelhas cauteloso - é um pouco indelicado.

Victoria assentiu e não disse nada enquanto a cozinheira os chamava para jantar. A hora que passaram na sala de jantar foi um pouco tensa e depois Charles foi para seu estúdio no andar de cima para examinar alguns papéis. Victoria estava no quarto, lendo Penrod, e já era tarde quando ele finalmente entrou no quarto.

Charles estivera trabalhando muito pesado desde que voltaram para casa e parecia cansado e algo vulnerável quando olhou para ela. Ela parecia tão doce, sentada, lendo ali, e tão jovem. Aquilo lembrou a ele o motivo de ter concordado em se casar com ela e por que às vezes ele quase a amava.

Ele nunca dera rédeas livres a seu coração com ela e estava certo de que jamais faria isso novamente, mas o jeito dela hoje à noite, com seus longos cabelos negros caindo em cascatas sobre a camisola de rendas e os seios fartos, quase fez com que ele baixasse as defesas. Você está acordada até tarde - disse ele com um sorriso, indo trocar de roupa, e ela ainda estava lendo quando ele voltou de pijamas.

Embora não fizesse isso com sua falecida esposa, com Victoria ele dormia totalmente vestido e hoje em dia tinha o cuidado de manter uma distância segura. Eles haviam feito algumas outras poucas tentativas sem sucesso e ela parecia achar o contato físico com ele à noite muito pouco prazeroso.

Quando ele foi para a cama, ela colocou obedientemente o livro de lado, apagou a luz, e eles ficaram lá deitados por um instante, lado a lado, acordados, em silêncio.

- É estranho estarmos aqui sozinhos, não? Sem Geoff, quero dizer.

Ele sempre gostava de saber que seu filho estava perto dele. Mas gostava de estar com ela também e o pensamento de ter o andar superior da casa só para eles começara a estimulá-lo. Victoria não disse nada enquanto ficava deitada perto dele.

Por alguma razão ela estava pensando em sua irmã e no quanto sentia sua falta. Ela desejava estar em casa novamente com ela e não casada com Charles ou se preocupando com Geoffrey.

Era tudo tão difícil, tão cansativo e tão mais difícil e insuportável do que ela havia esperado. Se ela soubesse como seria, jamais teria se casado com ele e devia ter deixado seu pai mandá-la para um convento.

- No que você está pensando? - perguntou ele num sussurro, enquanto se deitava de lado e olhava para ela. Religião - respondeu Victoria, sorrindo travessamente para ele, embaraçada por seus pensamentos, e ele não acreditou nela.

- Esta é uma mentira horrível. Estou surpreso com você. Deve ter sido algo realmente malvado.

- Foi - disse ela, cheia de inocência.

De certa forma, eles eram amigos; de outra, não.

Ele tocou seu rosto gentilmente então, desejando que pudessem voltar à maneira certa de começar. Aquilo havia sido tão medonho entre eles e era doloroso e vergonhoso para ambos. Particularmente para Victoria, que não tinha idéia de como lidar com seus próprios sentimentos de repulsa, ou com seu problema inesperado mas totalmente compreensível depois que fora rejeitada.

- Você é tão bonita - sussurrou ele, movendo-se vagarosamente para perto dela, enquanto a observava enrijecer-se. -Victoria... não... por favor... acredite em mim...

Mas tudo em que ela podia pensar enquanto olhava para ele era em Tobby... e então ela pôde sentir ainda o sofrimento abrasador da noite em que perdera seu bebê...

- Eu não quero machucá-la.

- Você não me ama - disse ela em palavras que surpreenderam até mesmo a si própria. Não quisera dizer aquilo.

- Deixe-me aprender... talvez se conseguirmos ter isso, possamos nos aproximar mais um do outro. Mas não funcionava assim para ela. Ela precisava se sentir próxima a ele antes que fizessem amor, até mesmo para querer fazê-lo. Era a diferença primordial entre homens e mulheres. Nós temos que começar a amar um ao outro em algum momento... nós temos que acreditar um no outro... - Mas ele estava mentindo para ela e sabia disso. Ele não acreditava que qualquer mulher não fosse morrer e deixá-lo.

Fora o que ele sentira por Olívia naquela noite quando ela caíra do cavalo; ela era tão frágil e vulnerável, e se tivesse morrido... Ele jamais se deixaria sentir aquilo novamente por ninguém, nem mesmo pela irmã dela. Susan levara aquela parte dele com ela.

- Deixe-me aprender a amá-la - sussurrou ele, mas Victoria soube instintivamente que tudo o que ele queria dela era seu corpo e sua vida... para amar, honrar e obedecer a ele.

E ela não obedeceria a nenhum homem, nem mesmo a este.

Ele fez amor com ela naquela noite, o mais gentilmente possível, e não foi tão ruim quanto vinha sendo. Mas certamente não havia ilusões sobre os sentimentos dela por ele, ou sobre qualquer laço que pudesse ser formado entre eles. Não havia nada e ambos sabiam disso. No mínimo, repetir as tentativas, menos freqüentes do que deveriam ser, apenas parecia afastá-los ainda mais. E mesmo esta noite, Charles compreendeu que não havia mágica entre eles e os dois adormeceram em cantos opostos da cama, em total silêncio.

O tempo que Olívia dera a eles foi gasto em leituras e na biblioteca por ela e no escritório por ele. Ele tinha um jantar no clube com John Watson e seus sócios na noite seguinte e ficou ocupado se preparando para um julgamento todo o fim de semana. De fato, eles quase não viram um ao outro, a não ser privadamente e incapazes de atravessar a distância.

 

E quando Geoff veio para casa com Donovan no domingo à noite, foi realmente um alivio ouvir vozes na casa novamente e, para Charles, ter alguém com quem conversar.Olívia o mandara para casa com alguns brinquedos novos, uma garrafa térmica de chocolate quente para a viagem e uma grande caixa de biscoitos que eles haviam feito juntos. Aquilo fez o coração de Victoria doer, apenas de ver os sinais familiares tão típicos de sua irmã.

Ele até tinha um lenço em seu bolso com o perfume dela e aquilo trouxe uma dor física a seu coração, sabendo que apenas horas antes o garoto estivera com ela. No mínimo aquilo a fez sentir ciúmes dele e ela repreendeu-o por Olívia não ter vindo para casa com ele.

- Ela queria - disse ele, parecendo imediatamente magoado pelo tom de acusação na voz de Victoria, como se ele tivesse deixado Olívia para trás, o que ele não tinha feito. - Mas vovô teve uma gripe novamente, e ela achou que não podia deixá-lo. É apenas bronquite, o médico disse, e não pneumonia, mas nós fizemos muitas sopas para ele e tia Ollie queria fazer para ele alguns demônios poltergeist especiais ou algo assim.

- Emplastros poultices - corrigiu-o o pai com um sorriso, mas Victoria pareceu amargamente desapontada.

Ela esperara ver sua irmã e agora não tinha idéia de quando Olívia viria novamente, particularmente se seu pai não estava bem, o que parecia estar acontecendo com mais e mais freqüência. De fato, a gripe se arrastou e ela nunca se sentia bem o suficiente para deixá-lo e desencorajava Victoria a deixar Charles e ir a Croton sozinha. As gêmeas não viram uma à outra até o Dia de Ação de Graças.

Seu pai estava de pé novamente então, embora mais magro e pálido, e deliciado por ver os Dawson. Victoria sempre sentia como se ele estivesse falando sobre outra pessoa quando dizia seu nome. Ela não conseguia se acostumar a usar um nome diferente do seu e não iria entender nunca por que uma mulher devia usar o nome de um homem apenas porque estavam casados.

Os dias estavam espetaculares todo o tempo em que estiveram lá e Geoff cavalgou com Olívia todos os dias, mesmo na manhã do Dia de Ação de Graças. Ela estava muito orgulhosa dele, que se tornara um pequeno cavaleiro muito bem dotado. Ele mostrou a Charles o que podia fazer no círculo naquele dia e anunciou que quando fosse mais velho iria jogar pólo.Eles estavam todos de bom humor no fim do dia, quando se sentaram para o jantar do Dia de Ação de Graças, exceto Victoria, que parecia tensa.

Ela passara a maior parte daquela manhã na cozinha, conversando com Bertie. Havia sempre algo tranqüilizador quando estava com ela e Victoria parecia faminta por reminiscências de sua velha vida em casa. Era tudo que ela podia fazer, pois dormia no quarto de visitas com Charles. Tudo o que ela queria era subir na cama com Olívia e Geoffrey.Mas ele usurpara seu lugar.

De fato, ele parecia ser o objeto da atenção de todos, de Olívia, Bertie, Charles, até de seu próprio pai, e quando todo mundo disse mais tarde naquela noite, depois que ele fora para a cama, o quanto ele tinha sido bom, Victoria assustou a todos ao atacá-lo violentamente.

- Oh, pelo amor de Deus, parem de ronronar sobre ele como um bando de gatos velhos! Ele já tem quase onze anos e deveria ser capaz de comportar-se sozinho. O que é tão extraordinário nisso? - soltou ela e por um longo momento houve um silêncio absoluto. Então até ela pareceu embaraçada. - Desculpem - disse e rapidamente deixou a mesa, enquanto seu pai a encarava e Charles parecia profundamente magoado com o que ela dissera sobre Geoffrey.

Olívia foi até ela assim que pôde e a encontrou em seu quarto, enquanto Geoff dormia pacificamente na cama, com seu macaco e seu cachorro, esperando por Olívia para juntar-se a ele. Sinto muito. - Victoria olhou para ela, mortificada por seu próprio comportamento. Não sei o que aconteceu. Apenas me sinto muito cansada de ouvir o quanto ele é adorável.

Assustou Olívia entender que sua irmã estava com ciúmes dele.

- Você deve desculpas a Charles - disse Olívia gentilmente, sentindo muito por ambos.Eles pareciam estar sofrendo muito. Até Geoff comentara isso. Ele disse que Victoria e seu pai brigavam todos os dias no café da manhã e todas as noites no jantar. Ele não parecia se incomodar com aquilo, apenas contara como algo que eles faziam, como dizer gracinhas nas refeições ou cantar.

- Vou pedir. - Então ela suspirou e deitou sua cabeça de volta contra a poltrona com um olhar cansado para sua irmã. - Suponho que será assim para sempre. Dois estranhos zangados, presos numa pequena casa com uma criança especialmente irritante e sem absolutamente nada em comum.

Olívia não pôde fazer nada, a não ser sorrir do que ela dissera. Soava muito exagerado para ela, mas era obviamente como Victoria via aquilo. - Você certamente pinta um quadro bem bonito. Não é, Ollie. Nem por um minuto. Não tenho idéia do que estamos fazendo juntos. E nem ele, se for honesto.

- Talvez vocês devessem pensar mais sobre isso - sugeriu Olívia e então, de mãos dadas, ambas voltaram para Charles e seu pai.

E quando entraram no aposento, Charles olhou bem dentro dos olhos de Olívia e sorriu melancolicamente para ela. A sinceridade de seu olhar sempre fazia seu coração doer.

- Está se sentindo melhor? - perguntou ele quando ela se aproximou.

- Eu... sim... - Ela não sabia o que dizer e Victoria riu da confusão.

- Ela está bem. Eu sou a malvada com quem você se casou. E peço desculpas por meu mau comportamento.

A confusão que ele fez com elas serviu para desanuviar o momento e Olívia corou, compreendendo o que acontecera. Elas estavam usando o mesmo vestido como sempre e haviam feito o cabelo exatamente da mesma maneira. Ainda era muito fácil confundi-las e a mais recente característica de sua esposa, de ter se tornado silenciosa, que a identificaria facilmente, desaparecia quando ela estava perto da irmã.

Todos ficaram com o humor melhor depois daquilo e tiveram um fim de semana agradável. Mas Victoria parecia particularmente fria quando chegou a hora de voltar para casa. Ela passara horas conversando com o pai sobre a Batalha dos Ypres na França e fora muito confortável estar ali com ele e Ollie.

Ela odiava ir para casa agora e deixá-los. Ela e Charles foram na frente do Packard e Geoff atrás, com Chip e o macaco Henry e todas as suas bolsas, e por um longo momento Olívia ficou olhando para eles, desejando que pudesse mantê-los ali para sempre.

- Seja uma boa garota - sussurrou ela para sua irmã gêmea - ou terei de ir até a cidade para bater em você.Prometa-me que você vai fazer isso. - Victoria sorriu para ela, parecendo muito triste novamente, desejando que ela pudesse vir com eles.

Todas as vezes que deixavam uma à outra, ela sentia uma pequena parte dela morrer e assim também se sentia Ollie. E enquanto Charles as observava silenciosamente, ele via aquele laço entre elas que sempre o fascinava. Era um laço que ele sabia que jamais teria com ela, nem se vivessem cem anos juntos. Um laço que ninguém mais poderia ter, com nenhuma delas. Era algo que se formara entre elas bem antes do nascimento e que iria até bem depois.

Elas eram feitas do mesmo tecido, como dois vestidos feitos de uma só vez, sem costura, sem rasgos, sem diferenças. Não havia um lugar onde uma começava e a outra terminava. Aos olhos dele, às vezes, mesmo parecendo tão diferentes como pareciam, ou diziam que eram, elas eram quase que uma pessoa só.

E, ainda assim, a mulher que foi a seu lado no carro para Nova York não tinha nada da gentil suavidade de sua irmã. Ela tinha todas as idéias brilhantes de alguém muito interessante, mas muito diferente. Como os dois lados da mesma moeda talvez. Cara, você ganha... coroa, você perde... e ele sabia que no momento ele havia perdido o movimento da moeda. Victoria jamais seria fácil.

- Como eu posso saber que gêmea está no carro comigo? - disse ele, brincando, enquanto iam para casa, num espírito um pouco melhor depois de um Dia de Ação de Graças muito agradável, que Olívia preparara para todos.

A refeição em si fora extraordinária, bem como todos os jantares e todos os vinhos. Seu quarto fora perfeitamente arrumado para eles, e os empregados atenderam a todas as suas necessidades do momento em que chegaram ao momento em que partiram. Olívia era uma perfeita dona de casa.

- Você não sabe. Esta é a graça - brincou Victoria e ambos riram

Ele ainda estava embaraçado por tê-las confundido na noite de Ação de Graças e sempre achara que seria realmente embaraçoso cometer um erro como aquele ou outro ainda pior.

Aquilo o fazia tomar um cuidado especial com o que dizia às duas sempre que estavam em Croton ou em sua casa em Nova York. Ele se sentiria um perfeito tolo se dissesse algo indiscreto e não queria embaraçar Olívia. Mas Victoria gostava da idéia de causar embaraço às pessoas e ainda contou a ele outra história escandalosa sobre sua troca na escola quando eram crianças.

- Não sei por que você acha isso tão engraçado - reprovou-a Charles. - Acho que seria muito embaraçoso e realmente horrível. E se alguém dissesse algo que você não quisesse ouvir? - Só de pensar naquilo ele ficava nervoso.

- Olívia e eu não temos segredos.

- Espero que isso não seja mais verdade.

Ele olhou para ela atentamente e ela deu de ombros com um sorriso e então Geoff levantou a voz no banco de trás e contou ao pai tudo sobre seu cavalo e um show de cavalos no próximo verão no qual Olívia dissera que ele poderia cavalgar.

 

           As semanas após o Dia de Ação de Graças voaram, com os preparativos para o Natal: comprar presentes, fazer coisas e um grande número de festas para ir. Foi um pouco embaraçoso quando foram a uma festa de Natal nos Astor e Tobby e sua esposa estavam lá, mas, com exceção de poucos minutos sozinha no jardim com ele, Victoria pareceu evitá-lo completamente.

Tobby tentara falar com ela, que estava fumando um cigarro tranqüilamente quando se voltou e o viu. Ela começou imediatamente a sair de perto dele, mas ele agarrou seu braço e puxou-a para si. E apenas seu toque provocou um longo e lento tremor através dela. Tobby, não... por favor... - Seus olhos se encheram de lágrimas e imploraram a ele. Sem nem mesmo saber, ele já havia arruinado seu casamento.

- Eu apenas quero falar com você... - Ele estava mais bonito que nunca e ela percebeu que estivera bebendo. - Por que se casou com ele? - perguntou ele, parecendo ferido e ela desejou gritar o mais alto que pudesse com seus pulmões e bater nele. Era tudo culpa dele. Se ele não tivesse dito nada, tudo teria sido diferente.

- Você não me deixou escolha - disse ela, tentando parecer fria para ele, mas sentindo coisas que não sentira em um ano e não queria sentir.

- O que isso significa? Você não estava... - Ele pareceu confuso. Não ouvira nada sobre um bebê e sabia que ela só se casara muitos meses depois... era apenas muito ruim a maneira como as coisas aconteceram... fora divertido... para ele...

- Você disse a todos que eu seduzi você - disse ela, parecendo machucada e sentindo a dor daquilo novamente, enquanto olhava dentro de seus olhos, querendo odiá-lo.

- Foi só uma brincadeira.

- Não muito boa. - Ela deu de ombros, escapuliu dele e voltou para a sala de estar, onde viu Charles esperando por ela.

E ele pareceu assustado quando viu Tobby entrar logo depois dela, mas não fez perguntas no caminho para casa. Ele não queria saber. E ela não tinha nada para contar a ele. A brincadeira fora com ela. E agora ela tinha de viver com o que Tobby fizera com sua alma e sua reputação.

Mas Victoria ficou surpresa quando teve notícias de Tobby novamente. Ele mandou flores para ela no dia seguinte à festa dos Astor. Anonimamente, claro, mas ela soube que eram dele. Duas dúzias de longas rosas vermelhas. Não havia mais ninguém em sua vida que pudesse tê-las mandado. E apesar das sensações físicas que ela ainda parecia sentir por ele, pegou as rosas e jogou-as no lixo.

Ele mandou um bilhete depois disso, assinado apenas T. e pedindo a ela para encontrá-lo, mas ela não respondeu àquilo também. Não importa o que ainda sentisse por ele, ela não desejava retomar seu caso. Não importa o que tivesse sido, estava definitivamente acabado.

Como sempre, ela e Charles tomaram cada qual seu caminho e nada foi dito sobre seu encontro com Tobby. E todos estavam de bom humor quando partiram para Croton para passar o Natal. Encheram o carro com presentes e comida e Victoria lembrou-se de seu presente para Geoff. Ela comprara um complicado jogo para ele, que a mulher na loja assegurara que era tudo o que um garoto de dez anos gostaria de ganhar no Natal.

Victoria e Charles falaram sobre a guerra quase todo o caminho para Croton. Mais que o sufragismo, aquilo se tornara sua maior fascinação, e ela estava extremamente interessada, o que impressionou Charles, mas ele não gostava de falar sobre aquilo tanto quanto ela. Naquele momento, o front ocidental na Europa se solidificara numa trincheira de oitocentos quilômetros do Mar do Norte aos Alpes suíços, com franceses, ingleses e belgas lutando contra os alemães.

- Nós jamais entraremos nisso, Victoria, e é melhor para nós - disse ele de maneira prática. Os americanos estavam vendendo munição e armas para qualquer um que as comprasse. Acho isso muito desagradável - disse ela calorosamente. Nós devemos ir lá e matar as pessoas nós mesmos. Em vez de ficar em casa, fingindo hipocritamente manter nossas mãos limpas.

- Não seja tão purista, pelo amor de Deus - disse ele, surpreso com o quanto ela era ingênua. - Como você acha que são feitas as fortunas? O que você acha que a fábrica de aço de seu pai fazia?

- Me deixa doente pensar sobre isso - disse ela, olhando pela janela, pensando nos homens passando o Natal nas trincheiras na Europa. Parecia errado até mesmo celebrar, sabendo o que os alemães estavam fazendo a eles, mas ninguém mais ali parecia entender aquilo. - Graças a Deus ele a vendeu! - disse ela suavemente, triste com o fato de Charles não partilhar de nenhuma de suas paixões. Ele era bem mais prático e tinha os pés no chão, sempre preocupado com seu trabalho legal e preocupado com Geoffrey.

Quando chegaram a Croton, Victoria achou que seu pai estava doente novamente e desta vez o resfriado que ele pegara duas semanas antes já virara pneumonia. Ele parecia fraco e magro e desceu apenas brevemente na manhã de Natal. Eles estavam abrindo seus presentes e ele deu às duas filhas colares de diamantes idênticos e muito bonitos. Elas estavam trêmulas e ambas os colocaram sobre camisolas idênticas, como disse Charles, para confundir ainda mais a todos. Ele disse que receava dar o presente errado à mulher certa, ou vice-versa.

Mas deu à esposa um adorável corpete e um par de brincos de diamantes que caíam perfeitamente bem com o colar de seu pai. E, com um casto beijo no rosto, deu a Olívia um xale bem quente e um livro de poesias. Victoria ficou assustada ao notar mais tarde que o livro fora de Susan.

- Por que ele daria isso a você? - Victoria parecia confusa.

- Talvez o aborrecesse ficar com ele. E você odeia poesia. Ele não poderia dar a você,

poderia?

Ela sorriu, sentindo-se um pouco estranha. Mas era um livro que ela conhecia e amava, e Olívia ficara tocada por sua dedicatória. Ele soubera exatamente do que ela gostaria.

Aparentemente, fora um dos favoritos de Susan.

Mas a verdadeira explosão aconteceu quando Olívia deu a Geoffrey duas pequenas armas, um canhão antigo e um exército inteiro de pequenos soldados. Seus uniformes eram realmente perfeitos e havia soldados franceses e alemães, ingleses e australianos. Ela os encomendara meses antes, e ele estava extasiado, enquanto Victoria encarava a irmã, ultrajada.

- Como você pôde dar algo assim a ele? - disse ela, num tom de voz muito alto para a manhã de Natal. Mas ela estava literalmente tremendo. - Como você pôde dar a ele algo tão revoltante? Por que não cobri-los todos de sangue, pelo amor de Deus? Seria bem mais honesto se você tivesse feito isso.

Havia lágrimas em seus olhos e ela estava genuinamente preocupada com os presentes de sua irmã. E a situação se tornou ainda pior quando ficou óbvio que ele achou o complicado jogo de Victoria, impossível de entender e muito chato.

- Eu não tinha idéia de que você ia se opor... - Olívia parecia desapontada. - São apenas brinquedos, Victoria. E ele gosta deles. Ele adora brincar de soldado.

- Não sei e não ligo para o que ele gosta. Há homens morrendo aos milhares lá fora, em trincheiras por toda a Europa. Não é um jogo, não é divertido. São homens que as pessoas amam... e você está fazendo deles pequenos brinquedos. Não posso tolerar isso!

Ela afastou-se com lágrimas nos olhos e Geoffrey perguntou a seu pai num sussurro preocupado se teria de devolvê-los para tia Ollie. Charles sacudiu a cabeça acalmando-o, e pouco mais tarde ele e Victoria se vestiram e saíram para uma caminhada até o local onde sua mãe estava enterrada.

- Não acho que você devesse ter ficado tão preocupada - disse ele gentilmente. - Sua irmã não queria causar nenhum dano. Não acho que ela tenha entendido a violência de seus sentimentos. Nem ele tinha, por aquele assunto. De fato, ele não entendia quase nada sobre ela e ambos o sabiam.

- Não posso mais continuar com isso - disse ela, olhando para ele miseravelmente. - Não posso ser sua esposa. Não fui talhada para isso, Charles. Todo mundo pode ver isso menos você. Até Geoff sabe. - Ela se sentia horrível sobre o presente e mesmo sobre o livro que ele tinha dado a sua irmã. Não que estivesse com ciúmes dela, apenas sentia como se estivesse constantemente nos sapatos errados e estava cansada disso. - Foi um erro meu deixar papai me empurrar para este casamento.

Eu deveria tê-lo deixado me mandar embora para algum lugar e me esquecer. Simplesmente não posso mais.

Ela começou a soluçar e ele parecia extremamente infeliz. Então ele decidiu perguntar a ela o que estivera perguntando a si mesmo desde a festa nos Astor.

- Você o está vendo novamente? É isso? - perguntou ele desoladamente, enquanto ela olhava para ele, imaginando como ele sabia que Tobby tinha sequer tentado voltar para sua vida. Teria sido mais simples se ela tivesse deixado, mas ela também não queria aquilo agora. Não, não é isso - disse ela friamente. - É o que você pensa? Que estou traindo você? Queria estar, seria mais interessante.

Mas ela sentia muito por dizer aquilo também. Ela sentia muito por tudo, mas simplesmente não podia mais. E ele não disse nada enquanto ficavam ali, próximo ao túmulo de sua mãe, enquanto Victoria chorava e ele se sentia totalmente paralisado.

- Não sei o que dizer.

Ele sentia por ter mencionado Tobby, mas imaginara aquilo quando a cozinheira contara a ele sobre as rosas que ela jogara fora. Ela achava que era um desperdício chocante, não podia imaginar quem o fizera e queria contar a ele sobre aquilo antes que alguém mais o fizesse. Ela até mesmo resgatara o cartão, que dizia apenas: “Por favor, me encontre.” Mas aquilo dissera tudo a ele, ou pelo menos ele pensara que sim. Mas aparentemente ele estava errado. Não que aquilo mudasse nada do que Victoria estava dizendo.

- Você quer que eu vá embora? - Ela se virou e olhou para ele em desespero e desta vez ele chegou mais perto e colocou um braço em torno dela.

- Claro que não. Quero que você fique. Nós vamos conseguir. Foram apenas seis meses. Dizem que o primeiro ano é o mais difícil em qualquer casamento. - Mas não fora assim para ele antes. O primeiro ano com Susan fora idílico. - Vou tentar ser mais razoável e você tente ser mais paciente. O que você quer fazer com Geoffrey e seu pequeno exército? Não acho que ele esteja ansioso para desistir dele, mas se você quiser vou conversar com ele.

- Não. - Ela assoou o nariz no lenço dele e desejou ter um cigarro. - Ele iria me odiar por isso, mais do que já odeia. Aquele jogo que comprei para ele era muito estúpido. Não sei do que ele gosta, e a mulher na loja disse que ele ia adorar. Não posso nem mesmo entender o que aconteceu.

- Nem eu - sorriu. - Mas vou aprender. Posso aprender qualquer coisa - disse ele gentilmente - se você me ensinar.

Mas ela não queria ensinar nada a ele. Ela queria sair correndo. Era tudo em que ela podia pensar.Eles finalmente andaram vagarosamente de volta para a casa e ambos pareciam consideravelmente mais calmos, mas naquela tarde ela foi encontrar Olívia, que estava separando roupas de cama com Bertie.

- Sinto muito sobre as armas - disse Olívia, parecendo genuinamente arrependida quando Bertie as deixou. - Não tinha idéia de que elas iam preocupá-la tanto.

Elas estavam usando vestidos verdes idênticos e cada uma tinha brincos idênticos de esmeralda. Ambas amavam estar juntas novamente e trocaram um sorriso silencioso que falou alto. Está tudo bem. Talvez eu seja mesmo uma estúpida. Fiquei muito envolvida no que está acontecendo por lá e é tão real para mim.

Às vezes esqueço que não fazemos parte daquilo. Estou satisfeita que pelo menos papai tenha vendido a fábrica de aço, embora eu aposte que ele não está nada satisfeito. Eu provavelmente estaria fazendo demonstrações do lado de fora e sendo presa.

Ambas sorriram de sua honestidade e Victoria sentou-se numa poltrona próxima a sua irmã. E Olívia pôde ver imediatamente, antes mesmo que ela falasse, que sua irmã queria algo. Levou um minuto, mas Victoria olhou para ela melancolicamente e falou num sussurro conspirador.

- Você tem que me tirar disso, Ollie. Pelo menos por um tempo. Antes que me deixe completamente louca. Simplesmente não posso mais. Olívia olhou para ela desconfortavelmente, preocupada com o que ela ia pedir, mas já podia imaginar e não queria escutar. Será que eu deveria dizer não antes que você peça ou deixar você pedir e então dizer a você que não quero ouvir isso?

Victoria baixou ainda mais sua voz.

- Ollie... troque comigo, por favor... só um pouco... deixe-me ir a algum lugar, por favor, só para pensar... não sei o que estou fazendo.

Seus olhos imploraram à irmã que a escutasse e Olívia pôde ver facilmente o sofrimento que ela estava sentindo, mas estava certa de que trocar de lugar com ela não era a solução. Victoria tinha de encarar aquilo. Ela fizera um arranjo, Charles era um bom homem e ela tinha apenas de se ajustar a tudo. Fugir não ia tornar nada melhor. Mas Olívia sacudiu a cabeça enquanto escutava.

- Você está certa, você não sabe o que está fazendo - disse ela num sussurro. - Trocar de lugar seria desastroso. E se ele descobrisse? O que eu tenho de fazer?

Não posso fingir que sou mulher dele. Ele saberia em cinco minutos. E mesmo que não soubesse, não é certo fazer isso. Victoria, eu não vou fazer isso - disse ela e Victoria sabia que ela falava sério. Lágrimas encheram seus olhos e ela agarrou a mão da irmã e implorou.

- Eu sei que é errado. Mas foi errado quando trocamos na escola e também foi errado quando você mentiu por mim e fingiu que era eu. Nós fizemos isso mil vezes. E eu juro, ele nunca vai saber... ele não pode nos diferenciar e você sabe disso.

- Ele vai acabar entendendo. Ou Geoff vai. Depois, eu não vou nem mesmo conversar sobre isso com você. Não! Você me escutou?

Ela não estava realmente zangada com ela, mas queria estar certa de que Victoria sabia que aquela não era uma opção. Mas Victoria nem discutiu. Apenas assentiu, levantou e olhou para Olívia desesperada, o que tornou aquilo ainda pior. E então ela se afastou vagarosamente de sua irmã.

Elas não falaram sobre a troca novamente durante sua estadia, mas Victoria parecia extraordinariamente derrotada quando partiram. E Olívia ficou preocupada com ela. Queria ir à cidade ver como ela estava em uma semana ou duas, mas seu pai piorou novamente e a pneumonia voltou violentamente.

Foi um enorme problema para ele, e depois foi Olívia quem ficou de cama com um caso grave de gripe. E já era fim de fevereiro quando Olívia ficou pronta para voltar à cidade. Mas nada mudara entre eles. Victoria estava no mínimo mais sensível com tudo. Ela parecia brigar com todo mundo mais facilmente. E Charles parecia estar ainda pior do que ela.

E, no segundo dia em que Olívia estava lá, Geoff ficou com febre. Victoria estava fora quando Olívia descobriu. No fim da tarde ele estava quase delirando e Olívia havia chamado o médico. Chamou Charles no trabalho também e ele foi direto para casa para vê-lo. Onde está ela? - perguntou ele sobre Victoria e Olívia teve de admitir que não tinha idéia, embora odiasse fazê-lo.

E então começaram a surgir manchas e ele teve uma tosse horrível. O médico disse que era um caso grave de sarampo. Victoria voltou para casa às sete horas naquela noite, depois de uma leitura particularmente interessante no Consulado Britânico sobre a crueldade dos submarinos alemães. Eles haviam acabado de formar um bloqueio na Inglaterra. Houvera um lanche depois e Victoria fora atraída pelas prolongadas discussões. Ela nem mesmo pensara em telefonar para Charles e avisar que chegaria atrasada para o jantar.

Esperava que ele também chegasse tarde, mas para seu azar ele estivera em casa toda a tarde com Geoffrey. Olívia estava calmamente limpando a fronte da criança com uma esponja quando ela entrou e havia um silêncio na casa que apenas acontecia em eventos de morte ou doença grave.

- O que aconteceu com ele? - sussurrou Victoria para ela da porta quando o viu e Olívia andou na ponta dos pés até ela, parecendo sua própria imagem se aproximando no espelho. Ele pegou sarampo. Pobre garoto! Está realmente muito doente. Queria que estivesse comigo em Croton. Estava pensando em mandar Bertie. Ele vai ficar mal por duas semanas e provavelmente vai se sentir horrível. Eu posso ficar, se você quiser. - Ela olhou para Victoria mas já sabia a resposta.

- Oh Deus... por favor... como está Charles? - Ela queria saber se ele estava zangado.

- Acho que ele estava preocupado com você.

Era uma maneira polida de dizer que ele estava furioso com seu atraso e suspeitando de onde ela havia ido, mas ele disse isso tudo a ela naquela noite em seu quarto.

- E onde você disse que estava? - perguntou ele grosseiramente pela segunda vez. O tipo de tom que ele adotara com ela não combinava com ele.

- Eu disse a você. No Consulado Britânico. Numa palestra sobre submarinos.

- Que fascinante! Meu filho com uma febre de quarenta graus e você aprendendo sobre submarinos. Fantástico!

- Não sou clarividente, Charles. Não sabia que ele ficaria doente hoje - disse ela calmamente.

Mais calma do que se sentia. Nos últimos oito meses, eles haviam se tornado especialistas em brigas. Sem dúvida melhores que os capitães dos submarinos e certamente tão mortais quanto as deles.

- Você deveria estar aqui com ele - gritou ele para ela. - Eu não deveria precisar vir do escritório porque ninguém consegue encontrar a mãe dele.

- A mãe dele está morta, Charles. Eu estou apenas substituindo-a - disse ela friamente.

- E não muito bem, eu deveria acrescentar. Sua irmã dá mais atenção a ele do que você.

- Então você devia ter se casado com ela. Ela seria uma esposa bem melhor. Ela tem muito mais dotes domésticos do que eu.

- Seu pai não a ofereceu para mim. Ele ofereceu você -- disse ele infeliz, odiando a si mesmo pela espécie de coisas que disse a ela.

Mas sua vida juntos fora um desapontamento completo para ambos e nenhum deles sabia o que fazer com aquilo. Não havia saída. Eles simplesmente tinham de viver um com o outro até que aquilo os matasse. Ela já havia mencionado o divórcio a ele, mas para Charles aquilo estava fora de questão.

- Talvez se você voltar a papai, ele queira nos trocar uma pela outra. Como sapatos que não servem. Por que você não pergunta a ele? - resmungou ela, sentindo-se tão presa quanto ele. E o fato de que não tinham mais qualquer relacionamento físico havia virtualmente dado fim ao que quer que pudesse ter havido entre eles. Sua última e vã tentativa de fazer amor havia sido em janeiro e os dois haviam prometido silenciosamente que jamais tentariam novamente.

E não haviam tentado. Era muito desapontador e ainda mais deprimente. Era apenas um reflexo de todas as suas desgraças e de tudo o que jamais fora e nunca poderia ser. Charles estava determinado a nunca mais encostar a mão nela, mesmo se isso significasse ficar em abstinência para o resto de sua vida. Não seria pior que isso. E Victoria sentia o mesmo. Ela não tinha desejo nenhum de continuar frustrando a ele e a si mesma sem propósito.

- Não acho suas sugestões engraçadas - disse ele sombriamente para a esposa. - Nem seu comportamento. E espero vê-la aqui todos os dias com nosso filho... meu filho, se você prefere assim... com sua mão em sua testa, ou dando sopa de carne a ele até que ele se recupere. Está claro?

           - Sim, senhor - disse ela, fazendo uma reverência como uma empregada numa peça francesa da Broadway. E então, mais seriamente: - Você se importa se minha irmã ficar para me ajudar?

- Para tomar conta dele por você, é o que quer dizer - disse ele cruelmente, mas era a verdade e Victoria sabia. Ela não tinha idéia de como cuidar de crianças doentes. - Não me importo com qual das duas tome conta dele. Não consigo mesmo saber a diferença entre vocês disse ele parecendo perturbado - contanto que uma de vocês o faça.

- Vou cuidar disso - disse ela e deixou o quarto para encontrar a irmã.

Ela desejava poder dormir com a irmã naquela noite, mas sabia que aquilo enfureceria Charles ainda mais. Embora ele não tivesse intenção de encostar a mão nela, não queria que outras pessoas soubessem de sua vida, especialmente sua irmã.

- Como está ele? - perguntou Olívia suavemente a respeito de Charles, do pé da cama de Geoffrey. Ele estava dormindo e a febre ainda não baixara.

- Nada satisfeito, para dizer o mínimo.

Victoria sorriu para ela. Mesmo sob essas circunstâncias, era bom estarem juntas. Era quase um alívio estar com ela, poder falar com ela e fazer confidências, quantas ousasse. Era realmente embaraçoso admitir para ela o quanto seu casamento se havia deteriorado, mas ela podia sentir que Olívia sabia de qualquer forma e ela o ouvira gritando.

No fim elas ficaram juntas por quase um mês, na pequena casa do East River. Geoffrey ficou doente por três semanas e Olívia nunca o deixava sozinho nem por um momento. Charles sabia disso, embora tivesse a impressão de que Victoria tomara conta dele ao menos um pouco. Ele a vira sentada em sua cama às vezes e ficara aliviado com isso.

O que ele não sabia é que sempre era Olívia e que ela o deixara pensar que era sua irmã. Era o único engano que ela permitiria. Mas pelo menos Victoria não lhe pedira para trocar de lugar de novo, como o fizera no Natal e Olívia ficava aliviada ao pensar que ela voltara à sensatez sobre o assunto.

As relações entre eles pareciam tensas, mas Olívia ainda estava convencida de que, com o tempo e com amor de ambas as partes, eles conseguiriam. Talvez até se houvesse uma criança, mas Victoria não lhe contara que não havia chance e nunca haveria. Ela também não contara à irmã que Charles recentemente repetira a acusação de que ela estava vendo Tobby. Ele achava difícil acreditar que uma mulher que antes já havia esquecido tanto de si mesma e desejara arriscar tudo por um homem estivesse agora querendo desistir de tudo e viver como uma freira. Particularmente desde que ele nunca sabia onde ela estava ou onde havia ido.

Suas atividades eram todas realmente inofensivas, mas ela achava que não era da conta dele o que ela fazia e particularmente a espécie de pessoas com quem ela vinha se encontrando ultimamente. Ela conhecera um general na Embaixada Francesa e muitos coronéis no Clube Britânico, que incutiram nela a idéia da grande necessidade das pessoas irem à Europa e fazerem qualquer coisa que pudessem para ajudar as pessoas que estavam morrendo por lá. Seus apelos a haviam impressionado. Mas ela também não disse nada sobre isso a Olívia.

 

Quando finalmente voltou para casa no fim de março, Olívia estava absolutamente exausta. Fora um esforço estar com eles naquela pequena casa; tomar conta de Geoffrey tomara toda a sua atenção e energia. Era um alivio estar de volta ao ar puro novamente e cavalgar sua égua. E, por mais que a amasse, foi um alívio não ver sua irmã ou sua família até a Páscoa. Eles foram para Croton então, e estavam todos mais abatidos este ano. Victoria e Charles sentiam como se tivessem estado na guerra por dez meses e Geoffrey ainda estava esgotado após o sarampo. Mas Olívia cuidara bem dele e Geoffrey tivera uma recuperação completa. Duas garotinhas em sua classe haviam morrido na epidemia.

Olívia ficou particularmente agradecida por ele estar passando bem quando ouviu sobre elas. Charles agradeceu a ela uma tarde, enquanto andavam pelos jardins e seu coração se abriu para ele enquanto olhavam para o rio Hudson em silêncio. Ela sentia um grande sofrimento nele. Ele sabia o que fizera. Uma vez amara muito e agora tinha arranjado algo menor num momento de loucura. Ele pensara que estava fazendo isso por seu filho, mas na verdade ele também quisera proteger a si mesmo de futuros sofrimentos e errara ao fazer isso.

           Ele olhou para Olívia por um longo momento e não disse nada a ela. Então eles se viraram e voltaram para casa. Ela enfiou uma das mãos em seu braço e só sentir sua empatia por ele emocionou-o tanto que ele gentilmente se afastou dela. Era muito doloroso estar perto de qualquer pessoa agora, particularmente da irmã mais misericordiosa de sua esposa.

Ele não queria ser lembrado do quanto estava perdendo em seu casamento. E embora ficasse machucada quando ele se afastou, Olívia instintivamente entendeu aquilo.

Olívia estava começando a pensar que sua irmã estava se resignando a seu destino também, quando ela subitamente entrou em seu velho quarto no dia anterior a sua partida e olhou longa e seriamente para a irmã.

- Tenho de falar com você - disse Victoria, parecendo tensa e por um louco momento Olívia esperou que ela fosse contar que estava grávida.

Seria a resposta para tudo, um elo que finalmente os uniria. Mas ela não estava preparada para o que Victoria disse em vez disso. Ela ficou bem perto dela, olhou dentro de seus olhos e tocou o rosto de Olívia com os dedos.

- Estou partindo.

- O quê?

- Você me ouviu. Olívia, eu tenho de fazer isso. Não posso mais suportar nem por um momento.Mas você não pode fazer isso com eles. Como você pode ser tão egoísta?

Ela nem mesmo pensara em si mesma ainda e no que significaria para ela se Victoria se fosse. Tudo em que ela podia pensar agora era em Charles e Geoffrey.

- Isso vai acabar me matando se eu ficar, estou absolutamente certa disso, Ollie. - Ela andou pelo quarto, olhando vez por outra para a irmã, e então parou e encarou-a. -Troque comigo, por favor. Eu vou de qualquer maneira... mas pelo menos assim você vai cuidar deles, se está tão preocupada com eles.

- Mas para onde você vai? - Olívia estava horrorizada com o que estava ouvindo.

- Europa - disse ela em tom confidencial. - França, eu acho. Posso trabalhar atrás das fileiras. Posso dirigir uma ambulância se tiver de fazer isso, sou uma boa motorista.

- Diga isso a papai - disse Olívia entre lágrimas - e seu francês é terrível. Eu fiz todos os seus exames por você - disse ela, começando a chorar abertamente ao pensamento de perder a irmã. Eu vou aprender... Oh, Ollie não chore, por favor... apenas faça isso por mim. Uma última vez. Três meses. Isso é tudo o que eu quero. Vou embarcar em três semanas e volto no fim do verão. Tenho de fazer isso!

 

Passei toda a minha vida lendo sobre as coisas, indo a encontros, me preocupando com causas. Sempre estive à margem, nunca fiz nada importante. Nunca fiz nada por ninguém... não como você, você faz isso aos poucos, mas você se destaca. Eu nunca fiz nada.

Ela parecia tão determinada que assustou sua irmã. Olívia compreendeu novamente que elas eram, de fato, muito diferentes.

- Fique aqui e você pode dobrar roupas de cama para mim. Você não tem de ir a lugar algum. Você pode me ajudar a replantar o jardim... Oh, Victoria - ela soluçou - não vá... por favor... e se alguma coisa acontecer a você?

Ela não podia suportar aquele pensamento de perdê-la por um dia ou uma hora, de ser deixada sozinha para sempre. Era difícil o suficiente se acostumar com ela vivendo em Nova York, mas pelo menos era a apenas uma hora de distância. E tirava todo o autocontrole de Olívia não estar constantemente com ela.

- Não vai acontecer nada comigo, eu juro.

As duas irmãs se abraçaram fortemente no quarto em que dormiram juntas por vinte anos, até o casamento de Victoria e que agora, sem ela, parecia tão vazio.

- Não posso viver mais assim. Nós somos errados um para o outro. Um dia teremos que deixar um ao outro, ou talvez depois que eu me vá, as coisas fiquem diferentes.

- Por que você não diz isso a ele? - disse Olívia sensivelmente, assoando o nariz no lenço. - Por que você não explica isso a ele? Ele é um homem inteligente, ele vai entender.

- Ele nunca vai me deixar ir - disse Victoria com segurança e Olívia não podia lhe dizer honestamente que não concordava com ela.

- E se eu tomar seu lugar? - Olívia olhou para ela pensativamente - Eles então vão pensar que eu me fui? - Olívia subitamente pareceu assustada. Combinava tão pouco com ela! Nós poderíamos dizer que você foi à Califórnia por alguns meses, apenas para pensar, porque é muito difícil para você ficar sem mim.

- Todos vão pensar que sou um monstro por deixar papai. Até eu. Até ele - disse ela, sacudindo novamente a cabeça.

Ela simplesmente não podia fazer isso. Mas Victoria realmente a fizera pensar no assunto. Acho que papai entenderia - disse Victoria esperançosamente, gostando do fato da conversa ter ido tão longe e subitamente muito excitada.

E então Olívia olhou para ela e sacudiu a cabeça. Ela pensara em algo mais. Era impossível. Ela não ia fazer aquilo por sua irmã. Mas Victoria já sabia em que ela estava pensando. Ele não vai tocar em você. Não há mais nada entre nós. Há meses. E não haverá novamente. Nenhum de nós quer. - Olívia ficou chocada ao ouvir aquilo. Todo este tempo ela esperara que houvesse um bebê.

- Por quê? - Ele parecia tão vital, tão vivo e tão quente e ainda era tão jovem. Ela não podia entender e imaginou subitamente se era sua irmã a culpada por aquilo.

- Não sei por que - disse Victoria pensativamente. - Muitos fantasmas... Susan... Tobby... algo está errado entre nós, e ambos sabemos. Acho que simplesmente não amamos um ao outro.

- Não acredito nisso - disse Olívia firmemente.

- É verdade - disse Victoria, olhando duro para ela. - Nós não fazemos. Eu não o amo, Ollie. Não acho que jamais o amarei. Não há nada e jamais haverá.

- E quando você voltar? O que vai ser diferente então?

- Talvez eu tenha a coragem de realmente deixá-lo. - Olívia ficou devastada ao ouvir aquilo.

- E se eu não trocar com você?

- Vou partir de qualquer maneira. Não vou contar a ele onde fui; não quero que ele me encontre. Vou voltar quando estiver pronta. Vou escrever para você, na casa da Quinta Avenida. Você pode pegar as cartas lá facilmente e ninguém saberá.

Ela pensara em tudo e, quanto mais ouvia, mais chocada Olívia ficava. O maior empecilho para ela era seu pai.

Estava com medo de partir seu coração, mas o laço entre as gêmeas era mais forte que o laço com ele e ela o sabia. Sempre se sentira arrastada por tudo o que sua irmã queria. E ainda assim isso era uma loucura total, e sabia disso. Não podia tomar seu lugar com um marido e uma criança, era uma coisa insana, e então ela pensou em Geoffrey.

- Geoff saberia, Victoria. Ele é o único a quem não podemos enganar, exceto Bertie.

- Você pode, se quiser. Basta agir mais como eu. Não seja tão agradável com ele. Ela sorriu, e Olívia balançou um dedo para ela.

- Tome vergonha! Como você pode dizer isso?

- Porque sou horrível e amo você... tudo bem, eu vou ser melhor com ele nas próximas três semanas e com Charles também e então não será uma mudança tão grande para eles quando você tomar meu lugar. Vou parar de fumar inteiramente... Oh Deus, que pensamento... - ela sorriu - e eu vou beber apenas um pouco de xerez e só quando Charles me oferecer. Ela estava sorrindo de orelha a orelha e Olívia parecia uma noiva relutante enquanto olhava furiosamente para sua irmã.

- Esses são grandes sacrifícios - disse ela sarcasticamente e então olhou seriamente para sua irmã. - O que a faz pensar que eu vou fazer isso? - perguntou timidamente.

- Você vai? -Victoria prendeu a respiração enquanto esperava.

- Não sei.

- Você vai pensar sobre isso?

- Talvez.

Era uma chance de estar com eles e, mais importante, uma oportunidade de manter Victoria longe de destruir completamente seu casamento. Se Olívia tomasse seu lugar, ela deveria ser capaz de fazer com que Charles jamais soubesse que ela se fora, e então Victoria poderia voltar e retomar tudo, tendo voltado ao bom senso. Ele jamais deveria saber que aquilo acontecera. Mas se Olívia não tomasse seu lugar, Victoria simplesmente partiria em três semanas e bateria a porta sem cuidado atrás de si. Talvez impedi-la de fazer isso fosse ainda mais importante do que cuidar de seu pai. E ela estaria por perto.

Estaria em Nova York, ela podia vir a qualquer momento que ele precisasse. Sabia que não seria a mesma coisa, mas era o melhor que ela podia fazer, se queria consertar as escapulidas de Victoria.

- Você vai? - Victoria estava observando-a, vendo tudo o que ela estava pensando. - Ele vai estar bem e você não vai estar longe.

- Não, mas ele vai pensar que eu parti sem me importar com ele. É uma coisa terrível de se fazer - disse Olívia tristemente.

- Talvez você deva fazer isso a ele - disse Victoria ainda mais maldosamente. - Ele só pensa em manter você aqui pelo resto de sua vida, tomando conta dele, para que você não consiga encontrar um marido.

Havia uma certa verdade naquilo, mas Olívia riu do jeito que ela falou.

- Eu não quero um marido, muito obrigada - disse ela firmemente. - Estou bem como estou.Mas se as coisas tivessem sido diferentes e Victoria não tivesse se casado com Charles, ela teria adorado estar com ele. Ela jamais o teria feito apenas por aquela razão, disse a si mesma e tentou desesperadamente acreditar naquilo, temendo subitamente o fato de que a idéia toda era bastante atraente.

- Você pode ter meu marido - disse Victoria, feliz - por quanto tempo quiser. Três meses ou para sempre.

Ela estava brincando, mas não inteiramente e Olívia pareceu chocada. Victoria não havia esquecido totalmente que Olívia já ficara algo tocada por ele, mas aquilo fazia parte do passado, e ela também sabia que Olívia jamais teria tentado tirar seu marido. Ela era decente, leal e honesta demais.

E as emoções de Olívia estavam bem controladas agora. Ela jamais se deixava pensar romanticamente em Charles desde o dia em que se casaram e genuinamente queria que ele fosse feliz com sua irmã.

- É melhor que você volte no fim do verão ou eu vou contar a todo mundo e eu mesma vou buscá-la - disse Olívia enfaticamente e Victoria sorriu.

- Eles provavelmente vão nos colocar na cadeia.

- E você provavelmente vai gostar disso - gemeu Olívia com a idéia.

- Provavelmente.

Victoria riu novamente e passou os braços em torno da irmã, implorando para que ela fizesse aquilo. Era o primeiro vislumbre de liberdade que ela já tivera desde seu desastroso caso com Tobby. E ela pagara um preço alto por seus pecados com ele. Agora ela queria sua liberdade.

- Por favor, diga que vai fazer, Olívia... por favor... eu vou me comportar pelo resto da vida, juro... Vou bordar guardanapos para você... polir seus sapatos... nunca mais vou pedir a você para trocar comigo! Apenas faça isso por mim agora, por favor...

- Só se você prometer voltar e ser uma esposa e mãe exemplar.

Mas Victoria sorriu sombriamente a este pedido e pareceu pensativa.

- Não posso prometer isso a você. Não sei o que vai acontecer. Talvez ele não me queira de volta - disse ela, pensando alto.

- Então ele nunca deve saber que você foi embora - disse Olívia suavemente. - Quando você parte?

- Primeiro de maio.

Era dali a três semanas, quase tempo suficiente para preparar seu pai e fazer tudo o mais que era preciso antes de entrar nos sapatos de Victoria. As duas mulheres trocaram um longo e forte olhar e depois, vagarosamente, Olívia assentiu. Victoria soltou um grito vitorioso, elas se abraçaram, e por um momento insano Olívia ficou assustada ao perceber que ela realmente se sentia excitada.

Elas falaram sobre isso exaltadamente pelos minutos seguintes, como duas crianças extremamente travessas com um plano extravagante, enquanto Olívia pensava no que havia se metido. Estava certa de que nas próximas semanas haveria dúvidas, mas estava igualmente certa de que Victoria jamais a deixaria voltar atrás agora.

Elas desceram as escadas de braços dados e Geoffrey estava no hall da frente, brincando com seu canhão. Instintivamente elas souberam o que tinham de fazer, sem dizer uma palavra. Victoria escondeu sua mão esquerda no bolso para que ele não pudesse ver seu anel de casamento e sorriu calorosamente para ele.

- Parece uma grande brincadeira - riu alegremente, depois desarrumou o cabelo dele gentilmente. - Será que posso fazê-lo se interessar por limonada e biscoitos?

Ele riu adoravelmente para ela e então acertou doze de seus pequenos soldados com seu canhão e os derrubou, enquanto Olívia franzia as sobrancelhas para ele.

           - Gostaria que você não brincasse disso. É tão estúpido! - disse ela, andando friamente até ele, esperando para ver se ele acreditaria nela.

Mas ele lançou um olhar desinteressado sobre seus ombros e voltou para sua brincadeira resmungando desculpas. Desculpe, Victoria, papai disse que eu podia... - e então ele piscou para a mulher que ele pensou que era Ollie e não era. Ambas foram para a cozinha e Olívia estava impressionada.

Era a primeira vez que elas conseguiam enganá-lo.Você vai se sair bem - sussurrou Victoria para ela, enquanto Olívia servia o copo de limonada para Geoffrey, imaginando se teria tanta sorte assim com seu pai.

A parte mais difícil da partida, para Olívia, era imaginar o que dizer ao pai. Ele estava se sentindo melhor do que estivera em meses esses dias, mais forte também, e estava até mesmo pensando em ir a Nova York visitar sua filha, mas Olívia disse a ele que não achava que ele deveria ir ainda. Complicaria tudo se ele o fizesse!

Ela lembrou que Victoria e Geoff estariam vindo em junho para passar o mês com eles, e faltava pouco mais de um mês para que chegassem. Era melhor para ele ficar confortavelmente em casa, em Croton, nesse meio tempo.

Naquele verão Charles ia alugar uma casa para eles perto do mar e Geoff e Victoria estariam em Newport em julho e agosto. Charles até a convidara para juntar-se a eles. Mal sabia ele que agora ela estaria com eles constantemente.

E na época em que voltassem, esperançosamente, a verdadeira Victoria estaria de volta da Europa. Olívia já tirara seu passaporte e o guardara cuidadosamente para dar a sua irmã.

- Como você acha que eles estão indo? - surpreendeu-a o pai com a pergunta um dia, bem na hora em que ela estava pensando sobre a carta que teria de escrever a ele, contando que tinha ido para a Califórnia. Ela diria a ele que era um retiro religioso e rezava para que ele acreditasse. - Me preocupo com ela às vezes - disse ele honestamente. - Charles é um bom homem. Mas às vezes se pode sentir que ela não está feliz com ele. - Olívia estava chocada com as observações de seu pai.

- Não estou certa de que seja verdade. - Parecia mais seguro negá-lo agora, tendo em vista o que iriam fazer. - Acho que é um ajuste normal. Ele adorava sua esposa, estou certa de que é difícil para ele e para Geoff... - Mas seu pai estava certo e ela sabia disso.

- Espero que você esteja certa. Ela parecia muito inquieta quando esteve aqui e muito nervosa.

Oh, Deus... Olívia teve de se virar enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas, odiando o pensamento de que em poucos dias ela ia machucá-lo. E então ele a assustou ainda mais quando ela se virou novamente para ele.

- E você, minha querida? Não está muito sozinha aqui comigo, sem sua irmã?

- Eu sinto a falta dela às vezes... terrivelmente... - disse ela, a voz rouca de emoção - mas eu amo você, papai... onde quer que eu esteja, sempre o amarei. - Ele viu algo estranho em seus olhos então, algo que ele vira ali antes, mas achara melhor não comentar. Você é uma boa garota - deu um tapinha em sua mão - e eu também amo você - disse ele, enquanto saía para o jardim.

E naquela noite, ela ecoou as mesmas palavras para ele em sua carta. Ela ia levar a carta para Nova York e trazê-la de volta quando Victoria partisse, fingindo ser sua irmã. Era absurdamente complicado, mas era a única maneira que podia pensar de fazer isso.

Ela dificilmente poderia deixar a carta aqui com Bertie agora e pedira ela para dá-la a ele três dias depois.No fim, tudo o que ela pôde dizer foi que, como ele imaginara, fora muito difícil para ela ficar sem Victoria e que agora ela devia encontrar seu caminho sozinha e encontrar a si mesma.

E para conseguir fazer isso ela sairia por poucos meses, para visitar amigos e fazer um retiro religioso na Califórnia. Parecia um pouco louco, mesmo para ela, mas não podia pensar em nada mais para dizer a ele. Assegurou que ficaria a salvo, que escreveria a eles e estaria de volta no fim do verão. Ela dissera que uma amiga de escola a havia convidado, mas como ela e Victoria não haviam estado na escola nos últimos dez anos, era uma história um tanto estranha, mas ela esperava que ele não notasse.

Mais que tudo, ela assegurou a ele o quanto o amava, que ele não fizera nada para fazê-la partir, mas que ela precisava desse tempo para si mesma e que voltaria melhor, mais forte e mais devotada que nunca a ele. Era, de fato, exatamente o que ela esperava de sua irmã. Mas as lágrimas caíram fartamente na página enquanto ela escrevia. Seus olhos estavam tão embaçados que ela mal pôde assinar seu nome.  

E então ela escreveu outra para Geoff, selou-a também, e uma pequena para Bertie, que dizia apenas “Volto logo... tome conta de papai... eu te amo... Ollie”. Era suficiente; ela mal podia respirar então e quando se deitou na véspera de sua partida, pensou na loucura que         as tomara. Victoria era louca de fazer o que estava fazendo e ela era obviamente ainda mais louca por trocar de lugar com ela. Esperava apenas que algum bem viesse daquilo, que a saúde de seu pai não piorasse e que Charles não descobrisse o que Victoria fizera e se         divorciasse dela.

Havia muitas coisas pesando nos ombros de Olívia e quando ela se levantou na manhã seguinte, estava determinada a falar para Victoria sair daquilo, mas ela conhecia muito bem sua irmã gêmea para saber que Victoria morreria antes. Olívia deu um beijo de adeus em seu pai antes de partir e ficou com os braços em torno de seu pescoço e seu rosto contra o dele,         desejando que pudesse ficar ali com ele para sempre. Era uma boa vida para ela e, embora já tivesse desejado outras coisas, aceitava isso agora e ia sentir falta dele de verdade.

- Divirta-se em Nova York e compre algumas coisas bonitas para vocês duas - disse ele com um abraço caloroso e ela sentiu a faca da culpa atravessar seu coração enquanto o abraçava.

- Eu te amo, paizinho - sussurrou.

Ela não o chamava assim havia anos e ele a beijou e saiu para caminhar no jardim.

Ela estava estranhamente calada no caminho para Nova York; até mesmo Donovan comentou isso mais tarde. Mas mais tarde tudo fez sentido para eles. Ela estava se sentindo culpada por estar fugindo para a Califórnia! Jamais ocorreria a ninguém que ela ainda estava em Nova York, vivendo abertamente com Charles Dawson e fingindo ser sua irmã. Aquilo ia além de toda imaginação.

Olívia chegou à casa às três da tarde, antes que Geoff voltasse da escola e Victoria estava esperando. Estava prática e fria, mas Olívia pôde ver que ela também estava muito excitada. Ela embarcaria para a Europa na manhã seguinte.

Olívia pensara em vir alguns dias antes, mas ambas concordaram que estariam muito nervosas e isso poderia suscitar alguma suspeita e Olívia quis ficar o máximo de tempo possível com seu pai. Ela deu a Victoria seu passaporte. Ela estaria viajando como Olívia Henderson, e não como Victoria Dawson. A fotografia obviamente não representava problema.

 

Havia alguns outros papéis, algumas chaves, algumas notas sobre nomes de empregados, coisas que ela devia saber, como o nome da secretária de Charles e da professora de Geoff, mas era tudo surpreendentemente simples. Havia tão poucos detalhes, tão pouco a fazer. Tudo o que Olívia tinha de fazer era entrar nos sapatos de sua irmã na manhã seguinte. Ela ficava aterrorizada ao pensar naquilo. E quando Geoff chegou em casa, Olívia ainda parecia perturbada.

- Há algo errado, tia Ollie? - perguntou ele, parecendo preocupado. - Vovô está doente? Não, ele está bem. Melhor do que tem estado. Ele amou sua última visita.

Ela sorriu, pensando que teria de ser cuidadosa com ele a partir do dia seguinte, mas notou que Victoria estava sendo mais calorosa com ele esses dias também, era preparação para sua troca. Mas aquilo também mostrou a Olívia que ela podia muito bem fazê-lo. E ela disse isso a Victoria quando Geoff subiu para fazer seu dever de casa.

- Você vê, você é tão boa com ele como eu sou.

- Quando estou fingindo ser você - sorriu. - No resto do tempo, eu nem mesmo penso sobre isso. Talvez você tenha de começar a pensar quando voltar - disse Olívia explicitamente. Ela ainda estava fazendo planos para o futuro. Na verdade, suspeitava que este breve interlúdio pudesse realmente melhorar o casamento da irmã.

Em suas fantasias, Victoria voltaria agradecida a Charles, faminta por ele e desesperadamente agradecida por ter uma criança como Geoffrey. Ela os abraçaria a todos e Olívia voltaria para Croton. Sem nenhum dano. E todos viveriam felizes para sempre.

Estava certa agora de que Victoria poderia fazer isso. Sob a fala de Victoria, ela sempre pintara mil quadros bonitos. Mas abalou-a um pouco quando Charles chegou em casa e Victoria subitamente empurrou-a inesperadamente para a troca. Ela foi fria com ele, o que não pareceu surpreendê-lo, perguntou a ele sobre seu dia e mencionou algo que lera nos jornais. E poucos minutos mais tarde ele subiu para seu estúdio.

Ele não tinha a menor idéia de que estivera falando com Olívia nos últimos dez minutos e não com sua esposa. Você vê como é fácil - disse-lhe Victoria. - É apenas como sempre foi, sem diferença.

Na verdade era, o que a surpreendeu. Olívia dormiu no quarto de Geoff naquela noite, agarrada a ele na cama estreita, satisfeita com a última oportunidade que tinha de demonstrar afeição por ele.

Do dia seguinte em diante, como Victoria, ela deveria ser mais fria, mas talvez com o tempo, à maneira de Victoria, eles pudessem se aproximar mais. Ela se preocupava com a ligação que tinha com ele também, quando ele soubesse que ela fora passar o verão na Califórnia sem avisar. Ela tentou dizer algo a ele naquele dia, enquanto o ajudava a se vestir para visitar um amigo. Era sábado e Victoria já havia arranjado isso há tempos. Olívia olhou para ele com os olhos cheios d'água, enquanto o estreitava nos braços e rezava para que ele não notasse.

- Eu te amo muito, muito - disse ela. - Não importa o que aconteça. Você sabe, mesmo que eu vá embora por um tempo, eu vou voltar.

Não... - Ela sufocou com as palavras, mas continuou. Tinha de dizê-lo. - ... não vai ser como sua mãe. - Ela queria que ele soubesse que voltaria para ele, que jamais o abandonaria.

- Você está indo a algum lugar? - Geoff pareceu surpreso ao olhar para ela e então ele viu as lágrimas. - Você está chorando, tia Ollie?

- Não, estou resfriada. E acontece que eu te amo muito e sou uma velha mulher estúpida e sentimental.

- Ok.

Ele sorriu para ela e levou Chip para baixo, para uma caminhada e eles se encontraram novamente na mesa de café da manhã. Ela quisera deixar Victoria sozinha com eles, no caso de ela querer fazer sua própria e silenciosa despedida, mas Victoria não parecia precisar de nada disso. Olívia jamais a vira tão alegre. Ela estava num tremendo bom humor, trinando, sorrindo e falando sobre novidades da guerra. Ela até deu um beijo em Geoff quando ele saiu para a casa de seu amigo, o que não era nada de seu feitio.

Ela estivera realmente fazendo um esforço e estava tão feliz porque não ia vê-los por três meses que quase gritava de prazer. E depois de três semanas de total abstinência perto deles, naquela tarde ela estaria fumando. Quando Charles saiu para ir ao escritório, como ele sempre fazia aos sábados, ela estava um pouco mais fria e ele sorriu e acenou quando disse adeus a Ollie.

- Tentem não se meter em muitas travessuras, vocês duas. Eu tenho uma montanha de trabalho para fazer esta manhã.

- Victoria contara com aquilo também, sabendo que o navio estava zarpando no sábado. Ela estaria em apuros se ele houvesse decidido ficar em casa naquele dia, mas ela o conhecia bem e, se tivesse ficado, Victoria acharia um jeito de contornar a situação. Ela estava determinada.

- Divirta-se - disse Victoria com um sarcasmo gentil e ele correu escadas abaixo e esta foi a última visão do marido. Quando ele se foi, elas subiram, fecharam e trancaram a porta do quarto. Ela deu a Olívia sua estreita aliança e o anel de noivado da mãe dele, e Olívia rapidamente deslizou-os para seu dedo. Serviram perfeitamente; não havia diferença. E então Victoria olhou em torno do quarto e para a irmã.

- Espero que seja isso então.

- Tão simples assim? É isso?

Olívia parecia ansiosa e Victoria assentiu. Ela estava muito feliz para esconder aquilo. Ela estava triste por deixar sua irmã gêmea, como sempre ficava, mesmo por uma tarde, mas estava muito aliviada por deixar para trás sua vida em Nova York com Charles. Ela agora sabia o que desejava ter sabido onze meses antes: que jamais deveria ter se casado com ele, não importa o que seu pai a forçasse a fazer.

- Tome conta de você - disse para Olívia - eu te amo.

Ela a abraçou fortemente e então se afastou, enquanto Olívia parecia preocupada.

- Tome conta de você também. Se qualquer coisa acontecer com você... - Ela não pôde nem mesmo terminar a frase, sufocada pelas lágrimas.

- Não vai acontecer nada. Vou passar os próximos três meses enrolando bandagens e servindo café para homens sujos bem atrás das fileiras - disse ela, enquanto Olívia fazia uma careta. Parece charmoso. Não posso imaginar por que você gostaria de fazer isso. Especialmente em vez de estar aqui, a salvo e confortável, com Charles e Geoffrey.

Não fazia sentido para ninguém, mas Victoria era quem estava querendo arriscar a vida para deixá-los e fazer algo que ela pensava que era importante e útil.

- Alguém tem de fazê-lo - disse Victoria baixinho, enquanto colocava um vestido preto simples.

Então ela saiu do quarto e subiu para o sótão, onde escondera sua única e prática mala. Ela a levou para baixo e tirou do armário um chapéu de aparência triste, com um pesado véu negro.

- Para que é isso?

Olívia pareceu confusa e achou aquilo muito pouco parecido com Victoria e surpreendentemente feio. Era obviamente feito para uma viúva e o véu era tão grosso que não se podia ver seu rosto atrás dele. Ela estava completamente escondida pela grossura do véu.

- Haverá fotógrafos no navio. É um belo navio, ouvi dizer. Mais ainda que o Aquatania. E isso seria melhor que uma lua-de-mel para ela. Era sua viagem para a liberdade. Ela reservara uma cabine simples na primeira classe, nada parecida com a que dividira com Charles no Aquatania e cuidadosamente sacara uma parte do dinheiro que seu pai dera a ela quando se casara. Charles não suspeitara de nada.

Tinha quinhentas libras em dinheiro com ela agora, mas não imaginava que fosse precisar de uma boa quantidade para trabalhar atrás das trincheiras. Pegara roupas ásperas e quentes, exceto por alguns poucos vestidos apropriados para o navio e estava planejando ficar em sua cabine a maior parte da viagem, para o caso de alguém reconhecê-la e falar sobre isso mais tarde.

- Você pensou em tudo, não? - disse Olívia tristemente.

Partia seu coração vê-la partir agora; pior ainda, vê-la tão animada. Elas pegaram um táxi para o Píer 51, na rua 14, e Olívia e Victoria seguraram-se as mãos nervosamente no táxi.

Havia a usual algazarra furiosa de atividade em torno do navio, música retumbava, pessoas sorriam e gritavam para amigos, champanhe escorria enquanto os passageiros da primeira classe subiam a bordo e a viúva no véu pesado subia rapidamente a prancha com sua irmã atrás dela. Elas encontraram facilmente a cabine e o carregador já colocara sua mala lá.

Por um longo momento elas ficaram olhando uma para a outra. Não havia mais nada a dizer agora. Não eram necessárias palavras.

Victoria deixara sua vida nas mãos de sua irmã e estava indo embora para a guerra agora. E Olívia tomaria conta de tudo em sua ausência. Mas Olívia mal podia suportar deixá-la. Ela queria implorar a ela para não ir, mas sabia que sua irmã jamais a escutaria.

- Vou saber tudo o que você fizer, você sabe, bem aqui - ela apontou seu estômago então não me deixe louca de preocupação, por favor.

- Vou tentar não deixar. - Victoria sorriu, sabendo o quanto aquilo era verdade. Elas sempre haviam tido uma telepatia misteriosa entre si. - Pelo menos eu saberei que você estará a salvo com Charles. Não esqueça de brigar com ele noite e dia, de outra forma ele vai sentir minha falta - provocou ela e Olívia abraçou-a.

- Jure para mim que você vai voltar sã e salva.

- Eu juro - disse ela solenemente, enquanto o apito do navio tocava e soava o aviso para que os visitantes desembarcassem. Olívia sentiu seu coração golpeado.

- Não posso deixá-la ir - disse Olívia, falando sério por aquele breve instante. Ela queria agarrar-se a ela subitamente e demovê-la da idéia de partir.

- Sim, você pode - disse Victoria baixinho. - Não é diferente de quando fui para minha lua-de-mel.

Olívia assentiu e Victoria levou-a até a prancha no ridículo chapéu negro com o véu. Aquilo fez Olívia sorrir novamente pouco antes de deixá-la.

- Eu te amo, sua garota estúpida. Não sei por que estou deixando você fazer isso.

- Porque você sabe que eu tenho de fazer.

E a verdade era que ela sabia. Olívia sabia que ela teria ido a qualquer lugar. E era melhor desta maneira. Elas abraçaram-se mais uma vez, mais forte do que jamais haviam feito antes e Olívia pôde ver seus olhos através do véu grosso. Ambas estavam chorando. Aquilo não era nada fácil.

- Eu te amo - disse Olívia novamente e Victoria apertou-se contra ela.

- Eu te amo... oh, Deus, Ollie, obrigada por me dar minha vida de volta.

Olívia beijou-a uma última vez e sussurrou para ela.

- Que Deus esteja com você - e então saiu vagarosamente do Lusitania e deixou-a.

 

Olívia passou o resto da tarde sentindo-se paralisada. Não sabia o que fazer consigo mesma enquanto vagava sem objetivo de aposento para aposento, pensando sobre ela. Sabia que o navio devia estar em alto-mar agora e, mesmo ficando nervosa quando pensava em vê-los, desejava que Geoffrey e Charles voltassem para casa, para que ela não se sentisse tão solitária. Ela se sentia tão despojada sem sua irmã gêmea, nunca se acostumara a ficar sem ela por qualquer período que fosse. Era muito mais fácil para Victoria.

Olívia jamais teria feito uma viagem longa sem sua irmã gêmea. Mas Victoria já o havia feito antes, em sua lua-de-mel e agora ela o fizera novamente. Mas Olívia se sentia perdida sem ela.E ela sabia que quando eles chegassem em casa naquela tarde ela teria de fazer a melhor performance de sua vida. Ela tinha as cartas para Geoff e seu pai prontas para entregar a eles e até mesmo uma para si mesma, que fingia explicar tudo e por que ela fugira para a Califórnia. Ela deveria ter pegado o trem para Chicago naquela tarde, em vez de navegar para Liverpool no Lusitania.

Mas na hora em que Charles chegou em casa ela estava pronta e ele ficou chocado ao ver seu rosto quando entrou no quarto. Ele soube instantaneamente que algo terrível acontecera a ela e esquecendo todas as discussões que haviam tido correu imediatamente até ela. Você está doente? - Ela parecia mortalmente pálida e estava reclinada numa poltrona com uma expressão desolada. - O que aconteceu?

- É Ollie - disse ela suavemente.

Ele sabia que Olívia não podia ter sofrido um acidente, ou sua esposa estaria no hospital com ela. Mesmo sendo tão cruel como ela parecia ser com qualquer outra pessoa às vezes, ele sabia o quanto ela adorava a irmã.

- Ela partiu.

- Ela foi para casa? - Ele pareceu surpreso. - É isso?

Victoria, ou a mulher que ele pensava ser sua esposa, parecia como se alguém tivesse morrido, não simplesmente voltado para casa em Croton. Ele sabia que algo mais devia ter acontecido.

- Vocês tiveram alguma discussão?

Ela estava brigando com todo mundo esses dias, talvez até com Ollie, mas a Olívia real sacudiu a cabeça, enquanto o observava. E ela estava se sentindo tão solitária por causa de Victoria que era fácil parecer arrasada. E estava, tanto quanto se sentia enjoada, e era assim que parecia estar.

- Seu pai está doente?

Olívia sacudiu a cabeça novamente e entregou a ele a carta que supostamente escrevera para sua irmã. Fora de fato escrita com sua própria mão, alegadamente para Victoria, embora de qualquer maneira ninguém pudesse diferenciar suas letras, nem mesmo Bertie.A carta explicava simplesmente que, embora isso rasgasse seu coração, ela sentia que tinha de escapar por alguns meses, que sua vida era demais para ela no momento.

Estava muito sozinha agora que Victoria se fora, havia entendido que era muito dependente dela, sentia-se oprimida pelo vazio de sua vida em Croton e precisava de alguns meses para pensar sobre tudo aquilo e se afastar deles. Ela disse que estava até mesmo pensando em entrar para um convento, já que sabia que jamais se casaria.

- Oh, meu Deus! - ele olhou para ela, horrorizado - que terrível! - Ele começou a checar seus bolsos então e olhou rapidamente em sua carteira. - Queria ver quanto dinheiro trouxe para casa. Vou a Chicago esta noite e detê-la.

Ela não pode fazer isso. Vai matar seu pai. - Olívia estava com medo daquilo também e esperava que ele estivesse errado em sua previsão.

- Na hora em que você chegar a Chicago - disse ela com praticidade - ela estará no trem para a Califórnia.

Ela soava um pouco descuidada com sua irmã, mas não queria Charles atravessando o país numa caça ao ganso selvagem enquanto sua irmã se sentava confortavelmente numa cabine de primeira classe num navio para a Europa.

- Você nunca vai encontrá-la.

Ele pôde ver o sentido do que ela dizia e sentou-se pesadamente a seu lado. Estava chocado com o fato de Olívia fazer algo como aquilo e não podia imaginar isso, enquanto olhava bem dentro de seus olhos e não desconfiava de nada. Se ele conhecesse sua esposa melhor do que conhecia, teria visto sua mão em tudo aquilo, mas não conhecia. Você tem alguma idéia de para onde ela foi? Quem ela pode ter procurado? Que amiga poderia ser?

Ele parecia tão nervoso quanto ela se sentiria se a história fosse verdadeira e seu coração se derreteu por ele se preocupar tanto assim com a irmã de sua esposa.

- Ela é uma pessoa muito cheia de segredos - disse Olívia e começou a chorar, pensando sobre sua irmã que se evaporara para longe dela por três meses.

Era fácil chorar quando ela pensava no quanto odiava o fato de ela ter partido e já sentia sua falta. Oh, minha querida - disse ele, imediatamente colocando um braço em torno dela e aquilo surpreendeu Olívia. Isso não era o que ela esperava. - Sinto tanto. Talvez ela vá pensar melhor e volte em poucos dias. Talvez você não devesse contar nada a seu pai por um tempo e ver o que acontece.

- Você não sabe como ela é teimosa, Charles - queixou-se Olívia convincentemente. Ela não é sempre o que parece.

- Aparentemente - disse ele, parecendo tão preocupado quanto desaprovador. - Você acha que seu pai tem sido muito duro com ela desde que você partiu?

Eu sempre pensei que era injusto que ela ficasse lá presa a ele, sem vida própria, sem amigos, sem vida social, sem pretendentes. Ela nunca vai a lugar nenhum e ele não parece se importar com isso, contanto que ela esteja lá para tomar conta dele. Talvez seja isso que tenha conduzido a esta situação - disse ele tristemente.

- Talvez.

Olívia nunca pensara naquilo daquela maneira, mas ele não estava inteiramente errado. Ela se perguntou se seu pai veria aquilo daquela maneira também e se sentiria culpado. Mas pensou que não era razoável.

- Mas se ela diz poucos meses, estou certa de que fala sério. Ela deixou uma carta para papai. Pensei em levar a ele amanhã. - Amanhã era domingo.

- Você não acha que deveríamos esperar alguns dias? - Ele estava muito preocupado.

- Realmente, Charles, eu a conheço e acho que simplesmente é justo contar a papai. Vou levar você até lá - disse ele solenemente e ela assentiu. - Ela disse algo a você na noite passada? Nenhuma dica do que ela ia fazer?

- Nada - disse Olívia, ainda parecendo consternada, e ele não disse a ela que os suicidas se comportavam daquela maneira também.

Talvez fosse até melhor que ela apenas tivesse escapado por algum tempo e não feito algo ainda mais irresponsável. Mas pela primeira vez durante meses ele sentiu pena de sua esposa, ela parecia tão gentil e tão subitamente quebrada que o fazia lembrar-se ainda mais de sua irmã.

E quando Geoff chegou da casa de seu amigo, eles estavam ainda mais preocupados com ele. Ele soluçou abertamente quando contaram que Olívia se fora e foi ainda pior quando ele leu a carta que ela deixara para ele.

- É exatamente como mamãe - disse ele, enquanto soluçava nos braços de seu pai e lágrimas rolaram abertamente pelas faces de Olívia enquanto ela olhava para ele.

- Ela nunca mais vai voltar. Eu sei.

- Sim, ela vai - disse Olívia firmemente através de suas próprias lágrimas. - Lembre-se do que ela disse a você... que não importava onde ela fosse, ela sempre voltaria e sempre amaria você.

Ela dissera aquilo a ele apenas naquela manhã, quando ele estava se vestindo e ele não questionou como ela sabia disso, mas ela imediatamente lembrou-se de ser mais cuidadosa. Ela não estava mentindo, Geoff - disse Olívia suavemente, soando mais como si mesma que como sua irmã.

- Ela realmente o ama; você é como um filho para ela, o filho que ela nunca teve e nunca terá. Nós apenas temos que esperar que ela volte agora. Mas ele se recusou a acreditar que ela voltaria e mais tarde, naquela noite, Olívia lembrou a ele que sua própria mãe também teria voltado, se pudesse. Olívia estava deitada em sua cama, brincando com o cachorro, sentindo a sensação pouco familiar dos anéis de Victoria em seus dedos enquanto falava.

- Minha mãe podia ter voltado e não voltou - disse ele raivosamente.

Ele estava zangado com Olívia também, por deixá-lo e ela não o culpou. Mas ela estava surpresa pelo que ele dissera sobre sua mãe.

- O que você quer dizer, Geoff? - perguntou ela confusa. Susan morrera. Ela não o deixara.

- Ela não tinha que dar seu assento; ela podia ter entrado no barco comigo!

- Ela salvou a vida de outra pessoa e essa é uma coisa muito corajosa de se fazer. - Ele olhou para ela hesitante e então deu de ombros, enquanto duas lágrimas solitárias escorriam por suas faces.

- Eu ainda sinto a falta dela - sussurrou.

Não era a espécie de coisa que ele normalmente teria confessado a Victoria, mas ele estava tão perturbado com Olívia que se deixou ir e Olívia estendeu a mão e tocou seus dedos. Eu sei que você sente - disse ela suavemente - e sei que você sente falta de Ollie. Eu também... mas talvez nós possamos ser amigos agora.

Ele olhou estranhamente para ela então e havia uma pergunta em seus olhos, mas ela se afastou dele e lembrou-se de não ir tão longe. Poucos minutos mais tarde ela beijou-o e deixou o quarto, voltando para seu pai em seu quarto. Fora uma noite extremamente difícil, e ela não agradecia a Victoria por isso.

- Como ele está? -perguntou Charles com olhos perturbados.

Ele estava preocupado com o fato de seu filho perder mais uma figura materna em sua vida. E durante o último ano Victoria fora muito pouco conforto para ele, embora ela tivesse sido melhor hoje do que fora em meses e ele estivesse feliz por aquilo. Ele ficaria furioso com ela se tivesse deixado o garoto sofrendo. Pelo menos havia alguma humanidade nela. Ele está bastante transtornado - disse ela calmamente.

- Eu não o culpo. Não sei o que se passou com ela. Para mim é um mistério tão grande quanto para ele. Ela se sentou na cama, parecendo genuinamente exausta e esperando que naquele momento Victoria estivesse enjoando violentamente no navio. Ela merecia isso. E Olívia se deu conta novamente do quanto fora louca de fazer aquilo. E amanhã ela tinha de contar ao pai.

- Você acha que ela estava apaixonada por alguém e ninguém sabia?

Olívia sorriu com a idéia que ele estava propondo sobre ela; certamente era criativa. O

único homem de quem ela remotamente um dia gostara era Charles e ele estava casado com sua irmã.

Ela apenas esperava que ele não colocasse aquela idéia na cabeça e que ninguém mais o fizesse, que ela estava secretamente apaixonada por Charles. Aquilo seria mortificante e desastroso.

- Não vejo como ela poderia estar apaixonada por alguém. Ela realmente não está interessada nesse tipo de coisa. Ela é muito tímida - disse ela inocentemente e ele olhou para ela com estranheza.

- Como você, minha querida - disse ele sarcasticamente e ela ficou assustada.

- O que você quer dizer? - Era o tipo de coisa que Victoria teria dito a ele e Olívia sabia, então ela foi em frente.

- Você sabe o que quero dizer. Nós não temos tido exatamente uma vida cheia de romance, temos? Não sabia que era isso que você esperava. - Olívia tentou cortá-lo hesitante e ele pareceu pensar que era normal.

- Bem, eu certamente não esperava o que acabou acontecendo conosco. Mas suponho que você também não - disse ele tristemente e ela olhou-o com simpatia.

Ele viu o olhar em seus olhos e aquilo o surpreendeu. Decidiu então mudar de assunto. Ela já estava liquidada o suficiente por um dia sem precisar brigar também. E não havia finalidade naquilo, ele sabia. Sob aquele ponto de vista, seu casamento estava acabado.

- A que horas você quer se levantar para ver seu pai amanhã?

- É um longo caminho. Nós teremos que nos levantar cedo pela manhã. Você se incomoda de me levar?

Ela esperava que não, porque não sabia dirigir e, claro, Victoria sabia. Ela teria de chamar Donovan naquele caso e dizer que estava muito preocupada para dirigir até Croton. Fico feliz em levá-la. Você se incomoda se levarmos Geoff?

Ele sentiu que devia perguntar a ela. Sabia que o garoto a deixava nervosa e ela já estava preocupada com sua irmã, mas Olívia foi rápida em responder.

- Claro que não.Ele notou uma mudança sutil nela durante toda a noite. O choque da partida de Olívia parecia tê-la suavizado imperceptivelmente. Ela parecia mais vulnerável e ele sentia algo que nunca sentira nela antes, embora não soubesse como expressar isso. Ela parecia domada e, de alguma maneira, diminuída. Não fisicamente, claro, mas de uma maneira espiritual estranha e intangível. Ela dava a impressão de que a mais simples brincadeira a assustaria.

Ela ficou acordada por um longo tempo naquela noite, usando a camisola de Victoria e deitada em sua cama, aconchegada o mais longe possível que pôde ficar dele. Era a primeira vez que Olívia dormia com um homem e, se não fosse tão aterrorizante, ela teria pensado que era engraçado.

Ela estava com medo de que a qualquer momento ele descobrisse que elas haviam trocado de lugar e a jogasse para fora de sua casa, na camisola de sua irmã. Mas ele não fez nada parecido com isso. Ao contrário, deitou-se olhando para ela na escuridão, perguntando-se se deveria tocá-la, mas não ousou fazê-lo. Ela estava de costas, e ele suspeitava de que estava chorando. E finalmente ele colocou uma mão gentil em seu ombro.

- Você está acordada? - sussurrou. Ela assentiu, mas não respondeu. -Você está bem? sussurrou novamente e ela sorriu, mas ele não pôde ver.

- Mais ou menos - disse ela suavemente. - Continuo pensando nela. - Era verdade. Era tudo em que ela pensara desde aquela manhã.

- Ela estará bem. Ela é muito capaz - disse ele sensatamente. - E vai voltar quando estiver pronta. Ela não vai desaparecer para sempre.

Ele não entendia que a mulher de quem estava falando era sua esposa, o que era muito bom, pensou Olívia tristemente. E se ela se machucar? - Olívia partilhava seus medos com ele e Charles ousou se mover um pouco mais para perto.

- Ela não vai se machucar. Agora os índios estão praticamente domados por lá. Na verdade, acho que muitos deles estão em circos e espetáculos. E não houve um terremoto em nove anos. Eu diria que ela talvez provoque um durante o verão. - Ele sorriu para ela, mas não a tocou.

- E se houver outro terremoto? Ou um incêndio? Ou uma guerra... - era tudo em que ela podia pensar. Na Califórnia? Não acho que vamos entrar em guerra com a Califórnia. Ele virou-a para encará-lo então e, como ele pensara, ela estava chorando. Parecia uma criança adorável à luz da lua. Por que você não dorme e pára de se preocupar? Talvez seu pai mande investigadores atrás dela, e eles a tragam para casa em poucos dias. Mas ela não podia dizer a ele que não iam encontrá-la. Victoria estaria bem longe da Califórnia.

E Olívia desejou que ela nunca a tivesse deixado ir para lá. Estava pensando em mandar um telegrama para o navio dizendo que mudara de idéia e que tinha de voltar para casa agora. Olívia sabia que podia mandar o telegrama antes que eles chegassem a Liverpool. Pensar naquilo a fez lembrar-se dos submarinos alemães, que ela soubera que estavam do lado de fora dos portos ingleses. Ela se perguntava em que estivera pensando quando concordara em deixá-la navegar para a Europa.

Apenas pensar naquilo a fazia chorar ainda mais e, sem considerar o perigo daquilo, deixou Charles segurá-la em seus braços e abraçá-la. Ela podia sentir o cheiro do sabonete em seu pescoço e o pós-barba que ele usava.

Ele tinha obviamente se barbeado antes de ir para a cama, o que Olívia pensou que era uma gentileza surpreendente, algo em que ela nunca pensaria, e estava impressionada com sua força e o calor enquanto ele a abraçava. Finalmente ela se afastou e olhou para ele embaraçada. Ele era, afinal, apenas seu cunhado, e não seu marido, embora ele não soubesse disso.

- Sinto tanto - disse ela sem jeito.

- Tudo bem

Ele também pareceu surpreso e não disse a ela que gostara daquilo. Ela voltou para seu lado da cama novamente, e pouco mais tarde ambos adormeceram até de manhã. Eles se levantaram e se vestiram separadamente, e Olívia ficou aliviada ao descobrir que ele era extremamente polido e seu arranjo, muito civilizado. Ele não era excessivamente pessoal com ela, e Olívia não o viu novamente até que estivesse inteiramente vestido no café da manhã.

Victoria estava certa; de certa forma, isso era fácil. Geoffrey ainda estava numa compreensível melancolia e nem mesmo queria ir a Croton, mas tinha de ir. A empregada e a cozinheira estavam fora e não havia mais lugar algum onde eles pudessem deixá-lo. Mas ele disse que não queria ir a Croton sem Ollie, nem mesmo para ver o avô.

Foi uma longa e solene viagem, enquanto Olívia pensava no que dizer a seu pai.

Ela havia ensaiado mil vezes, mas ainda não estava preparada para o olhar de sofrimento que ele mostrou quando ela lhe contou. Se tivesse atirado nele, talvez parecesse sentir menos dor e ficar menos chocado. E ela ficou agradecida por Charles estar ao seu lado. Juntos, eles o ajudaram a ir até uma poltrona e Charles serviu a ele um conhaque. E enquanto seu pai bebia, olhou para ambos em desespero e depois diretamente para a filha.

Fui eu que fiz isso a ela? Perguntei a ela outro dia mesmo - fez uma pausa e refletiu perguntei se a havia tornado terrivelmente infeliz. Esta não é uma vida para uma jovem garota, mas ela sempre disse que era tudo o que ela queria. E eu deixei que ela vivesse assim porque é muito fácil para mim... eu teria sentido horrivelmente a sua falta se ela tivesse me deixado... e agora ela se foi...

Ele estava realmente chorando e Olívia queria arrancar seu coração. E então ele realmente a impressionou quando olhou diretamente para Charles.

-Acho que ela teria se apaixonado por você se tivéssemos deixado. Mas nós não deixamos, é claro. Ele desviou o olhar e todos sabiam o que acontecera, enquanto a verdadeira Olívia ficou ali sem ar.Pai, tenho certeza de que isso não é verdade. Ela nunca disse nada... - Ela estava mortificada e certa de que estava corando, mas ninguém parecia notar.

- Ela não precisava - interrompeu-a ele, secando os olhos e tomando outro gole do conhaque. - Era fácil de ver. Sou um homem. Eu sei. Mas era mais importante salvar você na época, então eu optei por ignorar isso.

Os lábios de Charles estavam estreitados numa fina linha e ele não fez comentários. Olívia não teve coragem de olhar para ele novamente por vários instantes.

- Estou certa de que você está errado. Ela teria me dito - repetiu Olívia, tentando salvar à revelia o fim de sua dignidade.

- Ela lhe contou sobre isso? - rugiu ele para ela, que sacudiu a cabeça miseravelmente. Estava infeliz de verdade. - Então não pense que sabe de tudo, Victoria Dawson!

Ela estava horrorizada com a idéia de que Charles pensasse que ela tinha ido embora porque o amava. Era horrível e ela sabia que teria de dissipar aquilo o mais cedo possível, pelo seu próprio bem. Mas Charles parecia partilhar sua opinião.

- Acho que é impossível saber por que as pessoas fazem coisas como esta, senhor. A mente é um lugar secreto, e o coração ainda mais. E gêmeas dividem uma ligação pouco usual, ambos sabemos disso.

Nós todos ouvimos histórias sobre o quanto elas são próximas, quanto elas sabem uma sobre a outra, como elas sentem coisas que outras pessoas não podem nem mesmo imaginar. Talvez tenha sido apenas demais para ela que Victoria tivesse sua própria vida agora. Talvez ela esteja tentando encontrar a si mesma e ter sua própria personalidade.

- Num convento? - Ele pareceu apavorado. Não era o destino que queria para sua filha. Eu ameacei você com isso - disse ele infeliz para a gêmea que ele pensava ser Victoria, mas não era - mas eu não falava realmente sério.

- Acho que você falava - disse ela honestamente. Ambos achavam.

- Não poderia ter feito isso com você.

Mas em vez disso, ele forçara Victoria a se casar e esse era o motivo de ela ter fugido agora. Esta era a verdade. Mas Olívia não podia dizer a ele.

Como Charles dissera, Edward jurou colocar investigadores naquilo e pediu a Charles para cuidar disso na cidade na segunda-feira pela manhã. Eles reuniram todas as suas cartas para Charles dar a eles e Olívia prometeu quebrar a cabeça para lembrar os nomes das garotas com quem haviam ido à escola dez anos antes, para ver se alguma delas vivia na Califórnia, mas é claro que não haveria nenhuma.

E quando eles deixaram a biblioteca mais tarde, Bertie estava esperando na cozinha com Geoffrey e os dois estavam chorando. Bertie recebera sua carta também e estava tão perturbada que nem olhou com cuidado para a gêmea que estava à sua frente. E, depois de um rápido beijo na face, Olívia correu para fora para esperar por eles.

Ela não queria ficar perto dela mais tempo do que precisava. Nem mesmo foi até seu quarto; estava com medo de que, se o fizesse, pudesse dar motivos para um deles suspeitar e já havia muita coisa apostada agora.

Edward Henderson convidou-os para passar a noite, mas Charles disse que tinham de voltar, ou ele tinha, de qualquer maneira. Ele tinha de estar na corte na manhã seguinte.

E queria contatar os investigadores o mais cedo que pudesse na segunda-feira. Ele disse a Victoria que ela podia ficar ali com Geoff, mas ela não quis. Sem sua gêmea, ficar em Henderson Manor a deprimiria. E ela estava francamente com medo de que Bertie soubesse quem ela era uma vez que se acalmasse novamente e Olívia precisava de mais tempo para aperfeiçoar sua decepção. Até agora nenhum dos Dawson suspeitara de nada do que acontecera.

Seu pai chorou novamente quando ela lhe deu um beijo de despedida e ela se sentiu péssima. Bertie estava de pé próximo a ele e Edward acenou enquanto partiam no carro. Geoff nem mesmo quis passear em seu cavalo. Ele apenas fora vê-lo no estábulo.

- Imagino se Olívia desconfiava de que todos ficariam tão abalados por causa dela - disse Charles enquanto voltavam, sentindo muito por seu pai.

Mas ele recebera as notícias melhor do que Charles esperara. Charles não fez nenhum comentário sobre o fato de que Edward pensava que ela estava apaixonada por ele. Deixou isso de lado, como a desilusão de um velho homem.

- Não acho que ela pudesse ter imaginado o quanto ficaríamos tristes, ou ela não o teria feito - disse Olívia supostamente sobre si mesma, mas pensando em sua irmã.

Ela estava sentindo terrivelmente sua falta, bem como a dor de cada dia que ficariam separadas. A idéia de mandar um telegrama e pedir a ela para voltar logo para casa novamente estava soando cada vez melhor para ela.

Eles chegaram em casa depois das nove horas naquela noite e nenhum deles havia jantado. Olívia disse a Geoff para colocar seu pijama e voltou para a cozinha para fazer uma sopa. Ela colocou um avental e foi ver o que tinham na despensa e, dez minutos mais tarde, tinha galinha no fogo com legumes, além de finas fatias de torradas amanteigadas e uma salada fresca.

- Como você fez isso tudo tão rápido? - Charles pareceu surpreso. - Você vem guardando segredos de mim. - Ele sorriu cautelosamente, sem nunca estar certo de seu humor ou seu temperamento.

- Mais segredos do que você imagina - disse Olívia com um sorriso, mas Charles não pareceu satisfeito com sua observação e ela se sentou para jantar em silêncio.

Geoff desceu novamente e despertou um pouco enquanto tomava a sopa e comia a torrada e ainda pediu uma segunda porção de salada.

- Isso está bom, Victoria - disse ele, parecendo surpreso, e então olhou para ela com um sorriso tímido.

Mas Olívia não se deixaria ser tão calorosa esta noite, por medo de que ele descobrisse quem ela era. Em vez disso, ela se afastou e deu a ele um prato cheio de cookies de chocolate. Você fez isso? - Ele pareceu ainda mais surpreso, mas desta vez ela riu e sacudiu a cabeça.

- Não, foi a cozinheira - disse ela honestamente.

- Gosto mais dos de Ollie - disse Geoff, mastigando um e brincando com seu cachorrinho.Olívia limpou a cozinha enquanto Charles levava Geoff para a cama e meia hora depois se juntou a eles no andar de cima. Geoff já estava na cama e, enquanto ela ficava na porta, olhando para ele, não conseguiu evitar pensar no quanto sua irmã tinha sorte e nem mesmo sabia disso. Ela estava em um navio, em algum lugar no caminho para Deus sabe onde, quando podia estar em casa, naquela casa aconchegante, com seu marido e seu filho adotivo.

- Posso colocar você para dormir? -perguntou-lhe casualmente e ele deu de ombros. Ele ainda estava parecendo triste, mas estava um pouco melhor. No caminho para casa, falara a respeito de quando Olívia voltasse para casa, no fim do verão. Ele já estava olhando para a frente e começando a acreditar que ela voltaria, como tinha prometido.

- Claro - disse ele, empurrando seu macaco para o lado e segurando Chip para que ele não pulasse da cama. Mas ele apenas balançou o rabo e lambeu a mão de Olívia. Ele gostava dela. Durma bem - sussurrou ela em seu cabelo e então saiu para seu próprio quarto. Fora um longo dia e suas costas doíam depois da longa viagem de ida e volta para Croton.

- Você estará na corte amanhã? - perguntou ela casualmente, enquanto desfazia o cabelo e Charles olhou para ela surpreso. Era a primeira vez que ela perguntava sobre seu trabalho, e ele assentiu com um movimento de cabeça.

- Não é nada importante - disse ele e voltou a ler os jornais. E então ele olhou novamente para ela. - Obrigado pelo jantar.

Ela sorriu sem certeza do que dizer, parecia tão normal para ela, mas obviamente era algo que Victoria não havia feito muitas vezes.

-Achei que seu pai foi muito bem hoje, considerando tudo.

- Eu também - disse ela tristemente.

- Vou chamar alguns investigadores para ele amanhã quando voltar ao escritório. Ainda não posso acreditar que ela fez isso. Ela é tão responsável. É tão pouco parecido com ela fugir. Ela devia estar terrivelmente infeliz para fazer isso.

- Eu sei - disse Olívia suavemente.

Na verdade, foi a mais longa conversa que Charles tivera com a esposa em semanas, exceto quando eles discutiam um com o outro. Eles se trocaram separadamente em seus quartos de vestir, como sempre, e naquela noite, quando foram para a cama, ambos se deram as costas. E enquanto Olívia começava a dormir, perguntou-se como eles haviam vivido daquela maneira. Era tão solitário!

Ela se levantou e fez o café da manhã para eles no dia seguinte. Era a empregada que normalmente o fazia, mas Olívia disse que não se importava. Ela sabia que não precisava fazer nada que Victoria não teria feito, mas parecia uma coisa tão pequena e ela odiava não fazer.

Mas Charles notou a diferença nela desde que sua irmã se fora. Ela parecia ter uma necessidade súbita de tomar conta deles e tinha de admitir que gostava daquilo. Mas Geoff olhou para ela de maneira muito estranha. E ela o viu instintivamente olhar para sua mão, mas ela estava coberta pela toalha que usara para não se queimar com as vasilhas. Ela sabia o que ele estava procurando e estava determinada a não deixá-lo encontrar. Era tão pequena de qualquer forma, que ela sabia que ele não a veria, a menos que estivesse particularmente descuidada.

- Tenha um bom dia na escola - disse ela de modo casual e propositadamente não se ofereceu para beijá-lo.

Nem disse nada para Charles quando ele saiu para o escritório. Ela sabia que tinha de ser cuidadosa. E sentia que Victoria não teria dito muito a eles, se é que ela os via pela manhã.De fato, Charles pareceu surpreso ao vê-la quando voltou para casa. E Geoff ficara ainda mais quando chegou da escola e a encontrou cerzindo algumas meias de seu pai na cozinha.

- O que você está fazendo? - Ele pareceu chocado e ela corou enquanto respondia.

- Ollie ensinou-me como fazer.

- Nunca vi você fazendo isso antes.

- Bem, se não fizer, seu pai vai para o escritório descalço.

Ela sorriu e Geoff riu e foi tomar leite com biscoitos antes de subir relutantemente para fazer seu dever de casa. Ele tinha apenas mais um mês de escola e mal podia esperar pelas férias de verão.

 

O resto da semana passou sem eventos especiais. Olívia falou muito pouco com eles. Ela era muito cuidadosa com o que fazia ou falava. Queria ser cautelosa até que os conhecesse melhor. Viver com eles constantemente era bem diferente de visitá-los. E queria estar certa de que não cometeria nenhuma gafe que a revelasse. Na verdade, ela ficou muito aliviada quando, na sexta-feira, Geoff pediu para ficar na casa de um amigo e Charles disse que tinha reuniões a tarde inteira com clientes de fora da cidade. Na realidade, ele estava planejando jantar com eles e, como sabia o quanto ela odiava esse tipo de coisa, não a convidou.

Ela ficou feliz por ter tempo para si mesma, para olhar algumas coisas de sua irmã. Ela queria olhar cuidadosamente os livros que Victoria queria ler, os artigos que ela recortara, as cartas de alguns poucos conhecidos de Nova York e os convites que ela aceitara. Haveria algo no Ogden Mills em duas semanas e Olívia se preocupou com algo mais que Victoria não tivesse lhe contado, mas ela parecia bastante familiarizada com a maior parte daquilo.

Então, pouco depois das nove da manhã, ela teve a sensação estranha. Era um sentimento de desestrutura, quase como se ela fosse perder o equilíbrio; na verdade ela se sentia quase doente, como passou todo o dia, e à noite ela teve uma fortíssima dor de cabeça. Não tinha idéia de por que estava doente. Não tinha febre nem resfriado e estava bem quando se levantara naquela manhã. Na hora em que Charles chegou em casa, ela estava na cama e, enquanto ficava lá deitada, teve um crescente sentimento de pânico e ele ficou surpreso quando olhou para ela e viu o quanto estava pálida. Ela parecia genuinamente horrível.

- Foi algo que você comeu? - perguntou ele com uma leve preocupação.

Ele tivera um longo dia, mas as negociações haviam ido bem e ele conseguira um novo cliente.Não sei - disse Olívia numa voz fina, sentindo-se terrivelmente tonta.

Ela sentia como se o quarto estivesse girando em torno dela. Estava se sentindo assim praticamente desde a hora do almoço.

- Pelo menos sabemos que você não está grávida - disse ele sarcasticamente e Olívia não respondeu. Ela se sentia muito mal para responder a ele e apenas ficou deitada na cama por horas naquela noite, sentindo-se desgostosa. Quando por fim adormeceu, teve a terrível sensação de que estava se afogando. Sentou-se arfando e pulou da cama quando não pôde mais suportar aquilo. E, assim que se movimentou, ele se mexeu, sentou-se e olhou para ela.

- Você está bem? - perguntou numa voz sonolenta e ela sacudiu a cabeça, ainda sem ar.Ele veio rapidamente em direção a ela com um copo de água. Ela tomou um gole, tossiu e ele ajudou-a a sentar-se numa poltrona.

- Não sei o que aconteceu... foi um terrível pesadelo - e então, quase que subitamente, ela foi tomada por uma onda de pânico e soube que algo acontecera com sua irmã. Ela olhou para ele, que leu em seus olhos o que estava pensando.

- Você está apenas exausta - disse ele tranqüilizando-a, impressionado novamente com a ligação entre as gêmeas.

Era quase como se elas nunca tivessem se separado, como se fosse muito traumático para elas. - Estou certo de que ela está bem, onde quer que esteja - disse ele calmamente.

Mas ela estava agarrando seu braço com um olhar de terror.

- Charles, eu sei que ela não está bem!

- Você não sabe nada disso - disse ele numa voz suave e tentou fazê-la voltar para a cama com ele, mas ela não foi.

- Não posso respirar - disse ela, parecendo assustada.

Parecia impossível num navio como aquele, mas e se algo tivesse acontecido? E se... e se ela estivesse doente?... Olívia sabia que podia senti-lo.

E Charles pôde ver que algo muito estranho estava acontecendo a ela. Ela começou a chorar e não conseguia parar. Ele teve medo por seus nervos, enquanto a observava.

- Devo chamar um médico, Victoria? - perguntou, e ela quase pulou ao som do nome de sua irmã. - Não sei - respondeu, sentindo-se estrangulada e então olhou para ele e começou a chorar novamente. - Oh, Charles... estou com tanto medo...

Ele veio ajoelhar-se perto dela então; ele nunca a vira dessa maneira antes e não sabia o que fazer por ela. Sentou-se perto dela, segurou sua mão e finalmente levou-a de volta para a cama e deitou-a a seu lado. Mas sempre que fechava os olhos, ela dizia que sentia como se estivesse se afogando.

- Sinto muito - disse ela finalmente - não queria ser um problema tão grande - mas ela ainda estava chorando suavemente. -Apenas sinto que algo terrível aconteceu com ela. Estou certo de que não é verdade - disse ele, ainda segurando sua mão, querendo confortá-la e surpreso com o quanto ela parecia suave e precisando de ajuda enquanto se deitava a seu lado. Ela não dormiu mais, mas pela manhã estava calma. Ela ainda ficou deitada mais algum tempo e pareceu quase como se estivesse em transe quando Charles falou com ela.

- Você gostaria de um chá, Victoria? - perguntou.

Ele ainda achava que ela parecia doente e decidira que em breve chamaria o médico. Era a primeira vez em seus onze meses juntos que ela ficava doente e aquilo de alguma forma o surpreendia. Ela era normalmente bem equilibrada e muito saudável. Mas ele estava começando a achar que o choque de sua irmã gêmea ter ido embora na semana anterior a havia desequilibrado de alguma maneira.

Ele desceu as escadas e fez chá para ela, mas antes que pudesse levá-lo, ela desceu e vagou descalça pela cozinha. Estava parecendo um pouco mais forte quando se sentou e abriu os jornais, pensando que aquilo manteria sua mente longe de preocupações com sua irmã.Mas assim que ela os abriu, sentiu o ar faltar e olhou para o jornal. Havia uma manchete de dez centímetros atravessando a página e aquilo fez seu coração parar enquanto lia.

O Lusitania fora torpedeado a cerca de vinte quilômetros da costa da Irlanda e afundara completamente em apenas dezoito minutos. Tudo o que se sabia era que fora visto do porto, mas muitas vidas foram perdidas; nenhum sobrevivente ainda fora listado, mas de acordo com o artigo havia corpos por toda parte, e o navio inteiro fora destruído pelos submarinos.

- Oh, meu Deus! -disse ela, encarando-o. -Oh, meu Deus... Charles... - e enquanto ele olhava para ela, totalmente espantado, Olívia escorregou vagarosamente para o chão. Ele conseguiu pegá-la assim que ela desmaiou.

A copeira havia acabado de entrar, e Charles gritou para ela chamar o médico e dizer a ele que viesse rápido. A Sra. Dawson estava muito doente e acabara de desmaiar. Ele a carregou escadas acima antes que ela recuperasse a consciência e deitou-a em sua cama. E um momento mais tarde ela se reanimou, enquanto ele segurava alguns sais sob seu nariz. Havia alguns muito velhos no armário do banheiro, que Susan usara quando estava grávida de Geoffrey.

- Eu... oh... o que... oh, meu Deus... Charles...

O navio afundara e sua irmã estava nele. Ela não sabia se estava viva ou morta e não tinha meios de descobrir, ou mesmo de contar a ele o que acontecera.

 

Tudo o que ela podia fazer era chorar e Charles ficou doente de preocupação enquanto esperavam pelo médico.

- Não fale, Victoria, apenas feche seus olhos.

Ele tentou acalmá-la, mas ela estava muito agitada e ele ficou bastante aliviado quando ouviu o médico subindo as escadas vinte minutos mais tarde. Ele também estava aliviado por Geoffrey não estar em casa; seria preocupante demais para um garoto de sua idade ver sua madrasta em tal estado de desequilíbrio.

- O que aconteceu aqui? - perguntou o médico num tom alegre, mas pôde ver imediatamente que a Sra. Dawson estava extremamente abalada e estivera chorando.

- Sinto muito, doutor - desculpou-se ela, recomeçando a chorar, enquanto Charles olhava para ela pensando que havia algo muito estranho com sua mulher.

Ele sentia como se ela tivesse se tornado uma pessoa completamente diferente desde que Olívia partira e também estava começando a achar que ela estava tendo um ataque nervoso. Olívia tentou explicar seus sintomas ao médico, embora todos soassem terrivelmente tolos agora.

Mas ela agora sabia o que os causara. Ela começara a se sentir doente no exato momento em que o navio afundara e se sentia desgraçada desde então. O que ela não sabia era se Victoria estava viva ou não. Tudo o que queria era aquela segurança, mas ninguém podia dá-la a ela.

A seguir o médico falou a sós com Charles, que lhe explicou que sua irmã gêmea havia ido embora na semana anterior. Eles estavam em completo acordo sobre a conclusão. Ela estava sofrendo de distúrbios nervosos e da espécie de histeria que pode acontecer quando se separa um gêmeo do outro. Ele estava bastante surpreso por aquilo não ter acontecido em sua lua-de-mel, mas não o surpreendia ter acontecido agora.

O médico explicou que havia vezes em que o gêmeo que ficava ou sobrevivia se tornava confuso e começava a absorver a identidade ou personalidade do outro. E para Charles aquilo explicava a recente e quase imperceptível suavidade de sua esposa. Subitamente ela estava ainda mais parecida com Ollie.

O médico sugeriu repouso completo para ela e desejou que ela se recuperasse no tempo certo. Mas enquanto isso ele não queria que absolutamente nada a preocupasse. Nenhuma notícia perturbadora, nada que fosse minimamente desagradável. Charles lhe explicara o que acontecera a ela quando lera sobre o Lusitania.

- Terrível, não? Que coisa chocante para acontecer. Alemães podres!

Então ele subitamente se lembrou de que Charles perdera sua esposa e quase perdera seu filho no Titanic, suspeitou que aquilo o estivesse incomodando e mudou de assunto. Sugeriu que ele mantivesse Geoff longe por mais um dia ou dois, até que ela se acalmasse novamente e perguntou com particular cautela se era possível que sua esposa estivesse grávida. Charles pareceu surpreso com aquilo e disse que duvidava, mas subitamente começou a pensar.

- Vou conversar com ela. Talvez ela possa estar - disse ele sem expressão.

E o médico prometeu voltar para vê-la na segunda-feira. Ele sugeriu que Charles a mantivesse o mais calma possível e deixou alguns barbitúricos para que ela pudesse dormir, mas quando Olívia os viu disse que não os tomaria.

- Vou ficar bem - disse ela fracamente, embaraçada com o tumulto que causara.

Mas tudo o que queria agora eram notícias do Lusitania. Ela mal podia conter-se enquanto Charles se sentava perto dela com uma expressão de sofrimento.

- Há algo errado? - perguntou ela suavemente, imaginando se algo mais havia acontecido, se ele sabia ou tinha imaginado ou alguém telefonara da Cunard. Seu coração golpeava seu peito enquanto olhava para ele.

- Não realmente - disse ele baixinho - pelo menos eu espero que não. O médico me fez uma pergunta que percebi que não posso responder.

- O que foi? Que pergunta? - Ela começou a se sentir histérica de terror, mas tentou não demonstrar.

- Ele me perguntou se você estava grávida.

Olívia olhou para ele horrorizada. Sua irmã lhe dissera que não havia mais nada físico entre ela e Charles, o que ele queria dizer perguntando a ela se estava grávida?

- Claro que não! - disse Olívia em tom quase inaudível enquanto pensava.

- Sei que você certamente não está grávida de mim, a menos que tenhamos aqui uma concepção imaculada, o que é bem pouco provável. Mas eu estava imaginando se você e Tobby tinham começado a se encontrar novamente. Sei que ele mandou flores, mas não tenho idéia do quanto você está envolvida com ele, embora talvez você ainda pense que isso não é da minha conta.

Ela certamente havia ficado fora até tarde o suficiente e nunca dizia a ninguém onde estivera ou onde estava indo. Mas Olívia pareceu horrorizada com a sugestão.

- Como você pode dizer algo assim para mim? - Ela pareceu enraivecida, mas também estava chocada ao ouvir que Tobby Whitticomb tivera a audácia de mandar flores para sua irmã. - Como você ousa me acusar de uma coisa dessas? Eu nunca mais o vi - disse ela, esperando estar lhe dizendo a verdade, mas não podia imaginar sua irmã sendo tão estúpida a ponto de cair nessa armadilha de novo. Estava certa de que ela não o faria. - Não, Charles - disse ela espantada. - Não estou tendo um caso com ele e não estou grávida.

Ela tinha certeza de que sua irmã também não estava. Ela estava muito ferida pelo passado, com muita raiva de todos os homens agora e muito faminta por liberdade. Olívia sentia em sua alma que Victoria teria morrido antes de voltar para Tobby depois daquela traição. Isso ela sabia sobre sua irmã. E Olívia também sabia que ela mesma não estava grávida e não podia estar, pois era virgem.

- Peço desculpas se a insultei, mas você tem de admitir que isso não é totalmente impossível. Você caiu nas garras dele uma vez, poderia ter caído de novo - disse ele, parecendo um tanto aliviado. Por alguma razão, Charles não achou que ela estivesse mentindo para ele e acreditou nela.

- Eu posso ter sido ingênua - disse Olívia friamente, pensando em como Victoria responderia a ele e tentando se agarrar àquilo. - Mas não sou estúpida!

- Espero que não - disse ele e deixou o quarto, esperando não tê-la aborrecido muito, mas ela parecia um pouco mais lúcida.

Mas quando ele voltou para vê-la novamente mais tarde naquela manhã, ela estava chorando. Ela estava fora de si por causa do Lusitania. E naquela tarde ela escapou para o andar de baixo quando ele saiu e leu tudo o que pôde sobre o navio desgraçado. Ela até mandou a empregada sair para comprar um jornal vespertino para ela e leu o pouco que haviam acrescentado.

Eles ainda não sabiam de nada, exceto que centenas de pessoas haviam se afogado na costa de Queenstown, Irlanda. Corpos já haviam começado a chegar à terra firme, e Olívia sentiu seus joelhos enfraquecerem novamente enquanto lia. Mas ela também sabia que tudo o que podia fazer agora era esperar até segunda-feira e então ir até a Cunard e esperar que eles tivessem uma lista de sobreviventes. E tudo a que ela podia se apegar agora era a pequena esperança de que sua irmã estaria entre eles.

Enquanto isso, ela tinha que manter Charles sob controle e rezar para que ele não pensasse que ela estava completamente louca.

 

O que Olívia não vira, mas sua irmã sim, foi a pequena notícia que a Embaixada Alemã colocou nos jornais de Washington e Nova York no dia em que ela embarcou. Dizia simplesmente que os passageiros que tinham a intenção de embarcar em viagens pelo Atlântico deveriam se lembrar de que havia um estado de guerra entre Alemanha, Inglaterra e seus aliados.

A zona de guerra incluía as águas adjacentes às Ilhas Britânicas e os navios que carregassem a bandeira da Grã Bretanha ou de seus aliados eram passíveis de destruição naquelas águas. Os viajantes que estivessem naquela área em navios britânicos deveriam saber que corriam riscos. A notícia era datada de 22 de abril de 1915, fora emitida pela Embaixada Imperial Alemã em Washington e parecia bastante oficial.

Mas era igualmente sabido que a lei das nações ditava que um navio sob qualquer bandeira não podia ser afundado sem aviso e remoção de passageiros civis. Sob estas circunstâncias, os passageiros no Lusitania sabiam que não corriam perigo.

Victoria também sabia que deveria ter embarcado no navio americano New York, mas este não era nem de perto tão bom quanto o outro, e ela gostava mais da idéia de viajar num navio Cunard. O Lusitania era mais veloz que o New York e ela considerara a possibilidade de que ele poderia fugir mais rápido de um submarino.

Na ocasião o Lusitania estava fazendo uma viagem de um mês de Nova York para Liverpool e não carregava bandeiras nacionais ou regionais, para mantê-lo a salvo dos alemães. Mesmo seu nome e o porto de registro haviam sido pintados para que ficasse ainda mais seguro. As portas de vedação foram mantidas fechadas durante toda a viagem e, uma vez no mar irlandês, os barcos salva-vidas foram suspensos e a vigia redobrada.

Tudo foi feito para proteger o navio e os passageiros do Lusitania sabiam que estavam quase tão a salvo quanto qualquer um poderia estar dos alemães. Além disso, era um navio gigantesco, com quatro mastros pintados de preto e vermelho, um total de dez decks, sete acima e três abaixo da linha da água. E ele comprovara ser mais do que confiável nos últimos oito anos. Quando Victoria embarcou, era a 202ª viagem do navio. O Lusitania não era o Titanic.

E para ficarem absolutamente certos de que não corriam risco nenhum, eles observaram blackout completo; todas as cabines tinham de fechar as cortinas à noite e os homens eram solicitados a não fumar nos decks. E, no caso de Victoria, as mulheres também.

Na primeira noite, Victoria estava completamente relaxada no navio e ficou muito excitada por ter visto lady Mackworth, Margaret Thomas, quando solteira. Victoria a reconheceu imediatamente. Sabia que ela não apenas era um membro ativo da União Social e Política das Mulheres, mas uma amiga próxima das Pankhurst.

A própria Margaret tinha ateado fogo a um posto de correio e passara uma temporada na cadeia, para horror de seu respeitável pai, um membro do Parlamento Liberal. Mas ela parecia em boa forma no navio, depois de passar um tempo em Nova York. Victoria encontrou-a na primeira noite do lado de fora, e ficaram juntas no deck.

- É corajoso de sua parte estar indo para a Europa agora - disse ela a Victoria, que lhe explicou que era uma jovem viúva indo servir como voluntária na França, para trabalhar atrás das trincheiras com os aliados. Ela tinha os nomes de alguns poucos contatos na Cruz Vermelha e outros no exército francês.

- Nós podemos usá-la na Inglaterra também - disse ela, sorrindo, impressionada com sua energia e então lady Mackworth saiu para jantar com seu pai, enquanto Victoria optou por jantar sozinha em sua cabine.

Mas eles falaram com ela a respeito de estar com eles na próxima noite. A sala de jantar da primeira classe era extraordinária, da altura de dois pavimentos, com colunas em toda parte e uma abóbada enfeitada no alto.

Havia também uma biblioteca, salas de fumar e uma gigantesca creche para as crianças. Havia jogos para eles e também muito entretenimento, tanto para os jovens quanto para os adultos a bordo. E Victoria ficou surpresa ao descobrir que, apesar da guerra, todo mundo parecia estar de bom humor e falavam muito pouco daquilo.

Os homens certamente falavam sobre as notícias todos os dias, particularmente quando se reuniam para fumar, como Victoria e algumas poucas mulheres também faziam, mas eles não pareciam insistir naquilo e ninguém falava absolutamente nada sobre submarinos.Victoria notou Alfred Vanderbilt a bordo, mas foi cuidadosa em evitá-lo, já que ele conhecia seu marido. Ele tinha aproximadamente a mesma idade de Charles e ela se lembrou que eles conheciam um ao outro e Charles almoçara com ele uma vez naquele inverno.

E ela não queria ninguém dizendo a Charles onde ela tinha ido ou destruindo sua história de que “Olívia” havia ido para a Califórnia. Embora ela estivesse viajando como Olívia Henderson, era totalmente compreensível que alguém que conhecia as duas a identificasse e ela poderia nem mesmo reconhecê-los, se fossem conhecidos apenas de sua irmã. Então ela era cuidadosa.

Compareceu a menos atividades sociais do que o usual e passou um tempo considerável na biblioteca, no deck ou em sua cabine.Charles Froman, o magnata do teatro, também estava a bordo. Ele parecia ter trazido um grupo de amigos com ele e era consideravelmente mais velho. Estava indo a Londres para ver a nova peça de James Barne, The Rosy Rapture, que Froman queria levar para a Broadway. Charles Klein, o dramaturgo, passou uma quantidade considerável de tempo conversando com ele e até mesmo trouxe sua nova peça para trabalhar nela.

Mas embora Victoria tivesse gostado de encontrá-los, ela se manteve sozinha a maior parte da viagem e até mesmo declinou quando foi convidada para o jantar do capitão. O capitão Turner a vira no deck e a achou de uma beleza impressionante.Victoria se sentia surpreendentemente livre no navio e, depois do ano com Charles, era um grande alivio estar sozinha agora. A única pessoa de quem ela sentia falta terrivelmente era sua irmã gêmea.

Ela pensava em Olívia constantemente e rezava para que ela não tivesse entregado seu segredo, mas Victoria confiava completamente nela. E como sua gêmea, ela sentia a mesma agonia por estarem separadas agora. Era quase assustador. O tempo esteve agradável durante toda a viagem, eles não encontraram tempestades e no fim da semana todos estavam aguardando ansiosamente a chegada.

Na sexta-feira, Victoria fizera sua mala pela manhã e ficou feliz por encontrar lady Mackworth novamente à tarde. Ela deu a Victoria seu endereço em Newport e encorajou-a a lhe telefonar. Victoria estaria viajando de Liverpool para Dover e de lá, de trem, para Calais. A partir daí, tinha de fazer contato com as pessoas cujos nomes ela tinha e começar a se mover lentamente em direção às trincheiras.

Victoria almoçou sozinha naquele dia e fazia um calor fora de época quando entraram no Mar Céltico. Os comissários de bordo abriram todas as janelas possíveis na sala de jantar e muitas nas cabines de primeira classe. No fim do almoço, as pessoas estavam indo para suas cabines para se trocar. A terra já fora avistada e eles estavam a apenas vinte quilômetros do porto, ao sul do farol de Old Kinsale, na Irlanda. Havia uma atmosfera de celebração e excitação. Eles haviam conseguido!

Victoria foi para o deck depois do almoço e estava de pé no parapeito, olhando para o mar enquanto se aproximavam de Liverpool, quando um rastro fino e branco correu sob a superfície do mar para estibordo. Ela começou a acompanhá-lo enquanto ouvia os animados acordes de Danúbio azul e imaginou se era um peixe ou algo assim que vinha na direção deles. Estava usando um vestido vermelho que Olívia comprara para elas anos antes e deixara seu chapéu embaixo.

O sol brilhava nela e subitamente o navio inteiro tremeu e ela foi lançada contra o parapeito, enquanto uma coluna de água crescia e tomava todo o caminho para a ponte de comando no deck e todo o casco se erguia fora da água. Era a coisa mais extraordinária que ela jamais havia visto e ela olhou para aquilo enquanto se agarrava ao parapeito, imaginando vagamente se seria jogada ao mar, mas não foi.

Ela estava usando saltos altos e sentiu seus pés se desequilibrarem. O casco do grande navio estabilizava-se no mar novamente, e uma nuvem cegante de vapor subia, enquanto seguiam na direção do farol à distância.

Mas dentro de alguns minutos, enquanto as pessoas exclamavam sobre o que viram, o navio começou a inclinar-se severamente para estibordo. A cabine de Victoria ficava no deck B e tudo em que ela pôde pensar foi em voltar até lá para pegar seu colete salva-vidas e seu dinheiro. Mas subitamente havia uma multidão por toda parte, e assim que ela começou a descer o navio começou a virar ainda mais perigosamente para estibordo. Era extremamente difícil andar agora.

- Fomos atingidos!... - ouviu alguém dizer. - Torpedo!

Um alarme soou em algum lugar e o barulho era ensurdecedor. Além dele, ela ainda podia ouvir música e tudo em que pôde pensar subitamente foi em Susan no Titanic.

- Não agora - disse ela para si mesma, correndo para baixo e lutando para recuperar o equilíbrio, enquanto batia repetidamente contra as paredes do navio.

Ele estava se inclinando lentamente para o lado. Mas ela alcançou sua cabine a tempo de pegar seu colete salva-vidas, a carteira e o passaporte. Não pegou mais nada. Não trouxera jóias com ela e não tinha nada de valor, exceto seu passaporte e o dinheiro que trouxera para se sustentar.

Ela lutou para colocar o colete salva-vidas, enquanto deixava novamente a cabine e corria para cima. À distância ela podia ouvir as pessoas gritando. Havia pessoas em pânico em toda a sua volta e quando ela alcançou as escadas, quase colidiu com Alfred Vanderbilt, carregando sua caixa de jóias.

- Você está bem? - perguntou ele, perfeitamente calmo.

Ela não estava certa se ele a havia reconhecido ou não. Como sempre, ele estava sorrindo e era cortês. Ele parecia completamente sereno e seu criado estava com ele.

- Acho que sim - disse ela em resposta. - O que está acontecendo?

Ela não tivera nem tempo de entrar em pânico. Era tudo tão confuso. Mas enquanto falava com ele, ambos ouviram o som de outra explosão bem abaixo deles.

- Torpedos - disse ele agradavelmente - muitos deles. É melhor que você suba ao deck rapidamente. - Ele deu passagem e ela passou à frente dele e então o perdeu de vista. Eles já haviam içado os botes salva-vidas nos guindastes, mas o navio virava ainda mais pesadamente para estibordo, tornando imprestáveis os botes a bombordo.

Eles balançaram sobre o navio num ângulo maluco e os que estavam a estibordo estavam submergindo rapidamente. O Lusitania parecia um brinquedo de criança, prestes a virar completamente na banheira. Mas isso não era um brinquedo e eles estavam longe o suficiente no mar para aquilo se transformar num desastre real. Victoria olhou para a costa, imaginando subitamente se conseguiria nadar até lá.

Eles podiam ver a costa de onde estavam e as pessoas de Queenstown podiam ver o casco do Lusitania ir abaixo abruptamente, enquanto a popa se elevava no ar. E o gemido do navio parecia quase como os das gaivotas.

E quando o navio começou a escorregar para baixo, as muitas janelas que haviam sido abertas anularam o efeito das portas de vedação e deixaram a água corrente entrar.

Victoria estava observando a cena de caos absoluto em torno dela; seus saltos altos jogados de lado e então ela subitamente teve problemas para respirar. Não estava certa se era fumaça ou pânico, mas a chaminé do navio estava bem embaixo e ela teve de lutar para manter o equilíbrio. As pessoas estavam literalmente caindo no mar, enquanto a antena de rádio tombava, quase matando muitos. As pessoas estavam saltando do navio e gritando por socorro, crianças choravam e mães tentavam freneticamente colocá-las em coletes salva-vidas.

E então ela viu Alfred Vanderbilt novamente, ajudando crianças a entrarem nos botes. Ela o viu tirar seu próprio colete salva-vidas e dá-lo a uma garotinha e, enquanto ela o observava, empurrou a carteira para dentro do vestido, bem segura dentro do colete salva-vidas.

E enquanto Victoria observava os botes descerem, viu os primeiros dois virarem e ouviu as pessoas gritando, enquanto uma das chaminés caía e engolia uma mulher.

Foi como uma cena do inferno quando uma garotinha escorregou por entre suas pernas no deck, para dentro do oceano. Victoria gritou, procurando por ela, mas era muito tarde e a criança tropeçou e se afogou, enquanto Victoria a olhava.

- Oh meu Deus... oh meu Deus... - disse ela, virando-se para não ver o horror daquilo, quando os cachos louros surgiram por apenas um instante e a criança caiu de cabeça para baixo no mar abaixo dela.

Uma voz atrás de Victoria disse a ela para entrar num bote salva-vidas. Muito estranhamente, parecia a voz de sua irmã, mas ela nunca soube quem era e havia um terrível ruído quando ela olhou em direção a eles. Havia apenas cinco minutos desde que haviam sido atacados, mas o navio estava afundando rapidamente e Victoria alcançou os botes salva-vidas. Por um momento pareceu que não haveria lugar para ela. Havia apenas dois botes sobrando e parecia haver crianças por toda a parte.

- Pegue as crianças, não a mim! - gritou para o jovem oficial que os ajudava a entrar no bote, que balançava loucamente.

- Você sabe nadar? - perguntou ele e ela assentiu. - Se agarre numa espreguiçadeira, vamos afundar em um minuto - gritou o oficial para ela e desceu sem levá-la.

Seguindo seu conselho, Victoria se agarrou numa espreguiçadeira e literalmente deslizou para fora do navio, que afundou apenas um instante mais tarde. Subitamente ela se viu num mar de colchões flutuantes, pedaços de madeira, estátuas, espreguiçadeiras e corpos.

Era um repugnante conglomerado de coisas que estavam sendo literalmente atiradas do navio enquanto ele batia no fundo, com uma série de explosões ensurdecedoras e aterrorizantes e ela gritou quando dois cadáveres bateram contra ela. Para todo lugar que ela olhava havia pessoas gritando, morrendo, chorando, crianças flutuando perto dela, mulheres pedindo ajuda e ela observou uma mulher afogada agarrada a seu bebê morto.

Era tudo quase inimaginável e ela afundou mais de uma vez, mas sempre voltava para ver mais uma cena de horror, até que finalmente sua espreguiçadeira flutuou perto de outra com um garotinho numa roupa de veludo azul deitado nela. Ele parecia um pequeno príncipe perfeito, dormindo ali, exceto pelo fato de estar morto, assim como sua mãe. Era a pior coisa que Victoria jamais havia visto ou sonhado.

Ela manteve os olhos fechados, querendo que o pesadelo acabasse, mas não acabou. E ela não pôde acreditar quando finalmente viu o capitão Turner agarrado a uma espreguiçadeira e lady Mackworth, próximo a ele, agarrada a outra. E à distância havia um oficial do navio e uma velha senhora sentados num grande piano.

Mas em toda parte as pessoas gritavam e por toda parte elas estavam se afogando. Após alguns momentos, Victoria não podia mais suportar aquilo; era simplesmente horrível demais, suas pernas estavam frias, ela não podia respirar com o choque daquilo tudo e as pessoas em volta dela estavam todas morrendo.

Ela segurou-se à espreguiçadeira o quanto pôde e então, finalmente, misericordiosamente, deslizou para debaixo d'água. Ela podia ouvir terríveis rangidos, pessoas gritando e pássaros chiando no alto, os sons do inferno, até que sentiu alguém arrastá-la pelos pés, sua cabeça batendo em cada pedra. Ela queria gritar, mas não podia. Sabia que devia estar morta, mas logo já não estava tão certa, porque cada pedaço de seu corpo estava doendo.

Ela abriu os olhos dolorosamente para ver quem a estava puxando e encontrou-se olhando para o rosto de um homem que estava puxando suas pernas, prestes a colocá-la num caixão.

- Oh, meu Deus, Sean, esta aqui está viva!... ela está se mexendo.

Ela tossiu horrivelmente e vomitou o que pareciam galões de água. Seus cabelos estavam grudados na cabeça e seus lábios estavam rachados. Seus olhos ardiam e seus pulmões pareciam prestes a explodir. Quando ela olhou em volta, viu que era noite e tudo em torno dela eram caixões, com o cheiro da morte misturado ao do oceano. Havia pássaros circulando acima e Victoria não teve forças nem mesmo para se sentar enquanto o homem a ajudava.

- Pensamos que você estivesse morta - disse ele, desculpando-se.

- Você parecia estar.Sinto como se estivesse - disse ela e tentou vomitar novamente, imaginando o que acontecera aos outros. Mas isso era mais fácil de ver do que ela desejaria. Aquilo que pareciam milhares de cadáveres estavam deitados por toda a sua volta, a maior parte crianças. Partiu seu coração ver aquela cena. Elas pareciam tão doces, ainda tão bonitas mesmo mortas, algumas delas com os olhos abertos, outros fechados, e aqui e ali mães soluçantes. Os alemães pegaram seu navio - explicou o homem chamado Sean.

- Pegaram bem no fundo. Foi a pique em dezoito minutos. Isso foi há cinco horas atrás. Nós pegamos você perto do porto, meu irmão e eu. Nós todos fomos pegá-los. Mas há poucos malditos sobreviventes - disse ele com um sotaque irlandês que a teria encantado em outro momento. - Sabe, os submarinos estiveram rondando o porto por semanas, aqueles bastardos podres! Ficaram vagabundeando na boca do porto. - Ela não pôde evitar se perguntar se o capitão Turner soubera disso.

- Venha - disse ele - deixe-me ajudá-la a levantar-se. Você é uma garota sortuda declarou ele, puxando-a gentilmente para ficar de pé, descalça.

Suas meias de seda haviam desaparecido, com boa parte de seu vestido. Ela estava usando apenas o que parecia uma combinação, calcinhas e uma blusa vermelha sob o colete salva-vidas, em cima de sua cinta e, quando procurou, viu que ainda tinha sua carteira. E ela não ficou nem mesmo embaraçada quando os jovens marinheiros meio que puxaram, meio que a carregaram até o bar local, para onde estavam levando os sobreviventes. Eles também haviam aberto a igreja, o Queen's Hotel, a prefeitura e os hospitais Queenstown e Royal Naval.

E havia um estande com chá quente na estação. Eles estavam fazendo tudo o que podiam para ajudar os sobreviventes, e a Cunard havia encomendado dois mil caixões.

Quando Victoria entrou no bar, assistida por Sean, olhou em volta e viu um ou dois rostos familiares, entre eles o do capitão. Ele chegara a Queenstown num pequeno barco a vapor chamado Bluebell, que também resgatara Margaret Mackworth.

- Belo vestido - disse uma mulher ironicamente, olhando para ela.

Ela era uma das poucas que ainda tinha suas duas crianças com ela, mas todos os três estavam nus. E em outros cantos do local, mulheres soluçavam por seus maridos e bebês perdidos. Elas os haviam visto escorregar de seus braços no deck, os observaram caindo ou sendo golpeados pelos escombros, ou simplesmente afogando-se na água fria. Era algo além da imaginação, além de tudo o que Victoria jamais lera ou sonhara. E tudo em que ela estava pensando agora era em mandar um telegrama para sua irmã. Ela sabia que era perigoso contatá-la, mas também sabia que não tinha escolha. Tinha de contar a Olívia que estava viva, que havia sobrevivido ao desastre.

À meia-noite, o cônsul americano, Wesley Frost, fez a ronda de todos os locais para onde os sobreviventes estavam sendo levados e perguntou o que podia fazer por cada um deles. Ela deu a ele o nome de Olívia, o endereço e uma mensagem cifrada. Sabia que ela entenderia o que aquilo queria dizer e pediu a ele que confirmasse quando o tivesse mandado. Ele prometeu que o faria.

Ele estava mais que ocupado naquela noite. Havia 189 americanos a bordo, e ainda não havia meio de dizer quantos deles estavam mortos, mas havia pessoas histéricas em torno dele por toda a parte, de todas as nacionalidades, muitas delas seriamente feridas. E todos os que haviam sobrevivido estavam desesperados para contatar seus parentes e acalmá-los.

- Vou cuidar disso o mais cedo possível, senhoria Henderson - prometeu-lhe, dando-lhe um dos cobertores que as mulheres do local haviam deixado para eles.

Havia pessoas em farrapos por toda parte, algumas completamente nuas, mas ninguém nem mesmo notava. Obrigada, eu apreciaria muito - disse ela. Seus dentes estavam batendo violentamente e ela ainda achava difícil respirar.

Havia engolido muita água. E enquanto se sentava no chão, encostada contra a parede do bar, em suas roupas de baixo, pensou sobre o que acontecera, sobre tudo o que ela vira, o horror completo daquilo e imaginou se Alfred Wanderbilt sobrevivera. Ela não o via há muito. Mas aquilo a fez pensar bastante em Geoffrey, que sobrevivera a um desastre parecido no Titanic e vira sua mãe afundar com ele.

Subitamente ela sentia muito mais simpatia pelo que ele passara e desejava poder colocar seus braços em torno dele naquele momento e em sua irmã também. Então ela fechou seus olhos, como se para mandar as imagens embora, especialmente a de uma mulher gritando, dizendo que estava dando à luz e logo ficando inconsciente. Mas tudo o que ela pôde ver quando fechou os olhos foi Olívia sentada na cama em seu quarto em Nova York, e Victoria desejou poder alcançá-la e tocá-la. E com cada pedaço de seu ser ela tentou se concentrar e dizer a ela que estava bem, rezando com toda a sua alma para que Olívia soubesse disso.

 

Enquanto Olívia observava Geoffrey e Charles tomarem o café da manhã na segunda-feira, dez de maio, ela pensou que ia gritar se eles demorassem mais um momento. Ela ainda se sentia doente e tivera uma discussão feroz com Charles sobre ler o jornal.

- O médico disse que você não devia se aborrecer - lembrou-lhe ele, levando o jornal para longe, e ela agarrou-o de volta.

- Me dê o jornal, Charles! - gritou para ele numa voz em que não reconheceu a si mesma.

Ele olhou para ela surpreso e então o entregou a ela, enquanto ela pedia desculpas. - Sinto muito, não estou em meu estado normal. Apenas quero ler sobre algo e manter minha mente longe de Olívia, é tudo.

- Entendo perfeitamente - disse ele de forma lacônica e afinal, misericordiosamente, saiu para o escritório.Até Geoff parecia arrastar os pés para ir para a escola naquele dia, mas no momento em que ele saiu, Olívia agarrou o chapéu e a bolsa e correu para fora. Pegou um táxi e deu-lhe o endereço do escritório da Cunard, na State Street. Mas ela estava totalmente despreparada para o que encontrou 1á. Havia um verdadeiro mar de pessoas selvagens gritando, jogando coisas, chamando nomes, chorando, implorando por informações e, quando não as conseguiam, ficavam ainda mais horríveis.

Oficiais da linha marítima faziam o que podiam para conter a multidão com a ajuda da policia, mas no fim ficou óbvio que eles tinham muito poucas informações. Eles tinham números incríveis de perdas, talvez bem mais do que a marca de mil que temiam, e o corpo de Frohman havia sido encontrado flutuando próximo a Queenstown.

Além disso, havia apenas pedaços de informação e muitos rumores aterrorizantes. Havia também rumores de que houvera celebração na Alemanha por causa da vitória do submarino, o que enfurecia a multidão ainda mais.

Mas, após sete horas lá, Olívia ainda não tinha o que viera buscar: a lista de sobreviventes. Eles a haviam prometido para o dia seguinte e seu coração estava oprimido quando saiu de lá, às quatro e meia. Ela estivera de pé o dia todo, não tinha comido nada e fizera tudo o que podia para agarrar qualquer pedaço de informação. Havia poucos nomes, algumas listas de mortos. Um jovem disse que a empresa estava tirando fotografias dos corpos em Queenstown para identificá-los mais tarde.

Apenas o pensamento daquilo a fez estremecer. E mesmo assim, quando estava ali quieta, era como se pudesse ouvir Victoria falando com ela. Ela não sentia como se ela estivesse morta, o que quer que aquele sentimento pudesse parecer. Talvez ela também fosse morrer então. Talvez fosse assim que ela saberia.

Ela estava tão cansada que se sentia quase paralisada enquanto andava todo o caminho de volta para a casa no East River.E quando subia os degraus da frente, seu corpo doendo tanto quanto sua mente, ela viu um rapaz de uniforme se aproximando. Ele usava o uniforme da Western Union e quando olhou para ele, ela sentiu seu coração parar e correu degraus abaixo. Ela agarrou seu braço sem pensar e parecia uma louca enquanto o segurava.

- Você tem um telegrama para mim? Victoria Dawson?

Ela sabia que era o nome que viria no telegrama se Victoria ousasse mandá-lo para ela ali e estava certa de que Victoria não seria cruel o suficiente para mantê-la em silêncio se estivesse viva. Agradeceu por estar certa quando ele assentiu.

- Sim... eu... aqui - disse ele e quase saiu correndo dela.

Ela se sentiu como uma bruxa enquanto arrebatava o telegrama dele e o rasgava para abri-lo. Suas mãos tremiam tão terrivelmente que ela mal podia ler o que dizia e pareceu engolir grandes quantidades de ar enquanto lia. A garota era louca. Absolutamente maluca! Mas estava viva em Queenstown.

“Viagem começou com batida. Ponto. Graças a Deus por Mr. Bridgeman. Ponto. Tudo bem em Queenstown. Ponto. Eu te amo sempre. Ponto.”

Mr. Bridgeman era seu velho professor de natação em Croton. E Olívia ficou gritando e chorando nos degraus enquanto lia, sem se importar com quem a escutava. Não havia mais informações, nem endereço, nenhum lugar para procurá-la ou encontrá-la. Mas Olívia sabia que sua irmã gêmea estava viva e bem e havia sobrevivido ao naufrágio do Lusitania. Era tudo o que ela precisava saber agora.

Amassou a mensagem na mão e depois correu para a casa e queimou o papel no forno, embora suspeitasse de que deveria tê-lo guardado, mas era muito perigoso ficar com ele. Alguém poderia encontrá-lo e calcular onde ela realmente estava.

Aqueles haviam sido os piores três dias da vida de Olívia e ela esperava que nunca tivesse de passar por nada parecido novamente. Estava tão exausta que decidiu tomar um banho e encheu a banheira com água quente e espuma. Ela não sabia o que fazer para celebrar, se dançar, cantar ou chorar. Em vez disso, correu para o quarto de Geoff e o abraçou, o que ele achou estranho. Ele achou que Victoria estava definitivamente ficando maluca.

Seu pai dissera algo a ele sobre seus nervos, mas ele estava começando a achar que era sua cabeça que estava estragada agora. Mas ele nunca a vira de tão bom humor. O que aconteceu com você hoje? - perguntou ele, enquanto ela dava piruetas feliz e sorria para ele. Eu tenho minha irmã de volta, ela queria dizer. Ela está viva! Ela está bem. Ela está em Queenstown. Ela não morreu no Lusitania.

- Você realmente parece feliz.

- Estou. Foi um dia adorável - disse ela, rindo para ele. - E você? Teve um bom dia na escola?

- Não - ele disse, de maneira trivial - muito chato. Onde está papai?

- Ainda não chegou.

Ela o deixou para entrar na banheira e desceu para jantar usando um vestido novo e parecendo uma nova pessoa. Charles havia acabado de entrar e parecia cansado e irritado. Mas ele lavou as mãos e foi direto jantar.

- Por que você está tão feliz? - Ele olhou para ela, infeliz, e deu uma olhada para Geoff, como se esperasse uma explicação.

- Apenas me sinto melhor, é tudo.

- Suas intuições se acalmaram?

- Talvez - disse ela, embaraçada com o pesadelo que fora o fim de semana e aliviada com a crença de que havia acabado, mas é claro que Charles não sabia disso.

-Apenas me sinto melhor, é tudo.

Olhando para ela, ele imaginou o que ela estivera tramando e se realmente estava tendo um caso, mas ela foi muito agradável com ele e ainda mais doce com Geoff naquela noite, e ele estava um pouco tranqüilizado na hora em que a cozinheira serviu o café após o jantar. Falei com um investigador hoje disse ele baixinho, quando Geoff subiu as escadas para terminar seu dever de casa.

- Ele vai começar a procurar por ela na Califórnia na próxima semana. Ele diz que tem alguns contatos muito bons lá - tranqüilizou-a e ela agradeceu a ele. Mas a cada vez que olhava para ele, ela não podia parar de sorrir. O que você fez hoje, Victoria, para ficar de tão bom humor? Receio que você esteja me deixando com muitas suspeitas.

Mas ela parecia tão bonita e tão jovem naquela noite que ele não teve coração para ficar com raiva dela, embora imaginasse que devia ficar.

- Apenas me sinto melhor. Sinto-me aliviada - respondeu ela, tentando explicar até onde ousava. - É como se eu soubesse que agora ela está bem, embora eu não possa explicar.

Mas ele tinha grande respeito pela telepatia entre elas, embora não a entendesse. Talvez você esteja certa - disse ele calmamente - Espero que sim.

E ficou feliz por ela ao menos se sentir melhor. O fim de semana fora um pesadelo, ele realmente começara a pensar que ela estava tendo um ataque de nervos.

- Sinto muito pelo problema que causei.

- Não se preocupe com isso, não foi um problema. Eu apenas fiquei preocupado com você - disse ele quase timidamente, olhando para ela.

Ela parecia muito mais aberta com ele do que era antes e ele imaginou se a partida abrupta de Olívia a mudara ou se o médico estava certo e ela absorveria um pouco da personalidade de Olívia depois de seu desaparecimento. No caso de Victoria, seria definitivamente uma melhora. Depois que Olívia partira, Victoria estava mais dependente dele do que jamais estivera, mais desejosa de estender a mão a ele do que antes do desaparecimento de sua irmã. Ele lembrou-se de sexta-feira à noite, quando ela se agarrara a ele e dissera que estava com medo.

Aquilo o fazia olhar para ela agora de maneira um pouco diferente, embora ele não quisesse ser tão otimista. Eles estavam casados há quase onze meses agora e ele tinha feito de tudo para não desistir de seu casamento.

- Vou tentar não ser um problema novamente - disse ela calmamente e subiu para escrever algumas cartas.

Desejava poder escrever a Victoria, mas é claro que não podia. Ainda não, mas poderia quando sua irmã chegasse a seu destino final nas trincheiras. E ela esperava que Victoria escrevesse para ela, de preferência logo, para a casa de seu pai na Quinta Avenida, como haviam combinado. Olívia queria saber tudo o que havia acontecido no Lusitania.Charles leu um pouco antes de ir para a cama naquela noite. Ambos beijaram Geoff e ele voltou para o quarto e disse algo a ela sobre o Lusitania.

- É uma coisa terrível os alemães afundarem aquele navio. Parece que eles tiveram grandes perdas de vidas, mais que no Titanic. Não queria que Geoff ouvisse muito sobre isso, acho que iria fazê-lo lembrar-se de sua mãe. - Ela olhou para ele por um longo momento e então assentiu.

- E você, Charles? - perguntou ela calmamente. - Você está bem?... Isso o fez lembrar-se dela também?

Sua doçura golpeou-o como uma bofetada e por um momento ele não pôde responder. Ele não esperava aquilo dela. Seu relacionamento era como o de dois adversários e era estranho ter um toque gentil dela e não uma palavra azeda ou uma resposta raivosa. Fez - respondeu ele finalmente. - Passei maus momentos por causa disso durante todo o fim de semana. - Enquanto ela estava sofrendo, ele também estava e ela nem mesmo soubera disso.

- Sinto muito, Charles - disse ela e ele se virou e assentiu.

Ele não disse nada a ela novamente, e um pouco mais tarde foram para a cama, ambos cuidadosos como sempre, para ficar em seus próprios lados, com uma vasta distância entre eles. Foi gentil de sua parte - disse ele subitamente no escuro e a surpreendeu. - Perguntar como eu me senti, quero dizer... sobre Susan... e o navio que afundou. É tão estranho como essas coisas voltam às vezes. Foi tão incrivelmente horrível esperar para ouvir, desesperado para saber. Eu os levei à loucura completa na White Star e eles ainda não sabiam, e depois esperando nas docas, na chuva, o Carpathia chegar... eu não sabia até então se algum deles estava vivo - disse ele, parecendo chocado.

- Pensei que nenhum deles tivesse sobrevivido... e então eu o vi... um dos membros da equipe estava carregando Geoff... e eu olhei por toda parte atrás dele procurando por Susan. Mas ela não estava lá. E eu soube. Peguei o garoto e fomos para casa. Levou meses para Geoff falar sobre aquilo. Não acho que alguém jamais esqueça uma coisa dessas. - Assim como Victoria jamais esqueceria o que acabara de passar.

- Sinto tanto que você tenha passado por isso - disse ela delicadamente e estendeu a mão gentilmente, tocando seu ombro. - Não é justo para nenhum de vocês. Vocês não mereciam isso. Ela sentia tanto por ambos, aquilo rasgava seu coração.

E quando ele olhou para ela na luz turva da lua lá fora, viu algo nela que o teria assustado antes, mas subitamente não assustou. Talvez as coisas aconteçam na vida por alguma razão. Você não estaria aqui se isso não tivesse acontecido - disse ele gentilmente e ela sorriu tristemente para ele, sabendo em que eles estavam metidos.

- E você estaria bem mais feliz se eu não estivesse.

Ela ainda estava com raiva de sua irmã por deixá-lo e a Geoffrey, particularmente depois de tudo o que acabara de acontecer. Aquilo certamente provou que a viagem era perigosa. E o irreverente “terminou com uma batida” não era nenhum exagero.

- Não diga isso - disse ele generosamente. - Talvez Susan tenha sido tirada de nós por alguma razão. Já pensei nisso algumas vezes. É impossível saber por que algumas coisas acontecem.

- Me sinto uma pessoa de muita sorte por conhecer você - disse ela gentilmente e falava sério, sem se dar conta de que era uma coisa estranha para dizer ao marido.

Olívia ainda era muito inocente e ele viu isso nela quando olhou em seus olhos naquela noite e aquilo o surpreendeu.

- É uma coisa carinhosa de se dizer - disse ele gentilmente, imaginando se ele realmente a conhecia ou se apenas pensava que sim.

Ela parecia subitamente muito diferente. E sem dizer nenhuma outra palavra, ele deslizou vagarosamente para perto dela e a beijou muito suavemente nos lábios, com medo de assustá-la. Ele não queria começar com os velhos problemas entre eles novamente, queria apenas dizer-lhe que estava agradecido pelo que ela lhe dissera e, se nada mais, pela sua amizade.

Mas quando a beijou, sentiu algo emocioná-lo, algo que ela nunca fizera a ele antes, embora ele não soubesse por que e beijou-a novamente e tentou dizer a si mesmo que não devia. Devemos fazer isso? - sussurrou roucamente e ela sacudiu a cabeça, mas ela não queria parar, embora dissesse a si mesma que deveria.

Mas enquanto ele a beijava repetidamente, ela esqueceu tudo o que sabia sobre seu relacionamento e sentiu seus braços se colocarem em torno do pescoço dele e seu corpo pressionar o dele e ele nasceu novamente quando a abraçou.

- Victoria, não quero fazer nada que você não queira - disse ele roucamente.

Eles já haviam estado nessa situação antes, embora não o fizessem havia meses e sempre se arrependiam. Sua vida sexual não fizera nada, a não ser torná-los ambos muito infelizes.

- Charles, eu não sei... eu... - ela queria dizer a ele para parar, sabia o quanto aquilo era errado; ele era o marido de sua irmã e ainda por cima Victoria havia acabado de voltar da morte. Olívia entrara em sua vida e estava ali nos braços do homem que amara por tanto tempo. Ela não podia parar agora. Eu te amo - sussurrou ela. Ela nunca dissera aquilo a ele antes e Charles olhou para ela num espanto meigo.

- Oh, minha doce garota - disse ele, sentindo seu coração se juntar ao dela, dando tudo o que tentara esconder dela, e subitamente ele soube o que estivera errado entre eles. Ele nunca ousara amá-la. - Como eu te amo - disse ele, quase a despeito de si mesmo e então, como se fosse a primeira vez, o que era para ela e ele não se deu conta, fez amor com ela muito gentilmente.

 

Apesar da dor que causou a princípio, ela se deu completamente a ele, sem reservas, com total abandono e, quando ele olhou para ela mais tarde, sentiu como se tivesse nascido de novo. Para ambos, era um novo começo, uma nova vida, a lua-de-mel que nunca tiveram e de que ambos tinham sentido tanta falta.

Ele ficou deitado horas em seus braços, acariciando-a, afagando-a, descobrindo-a toda novamente, pensou, mas na verdade pela primeira vez, e por fim ele dormiu aconchegado a ela, enquanto ela o abraçava imaginando o que fariam quando Victoria voltasse para casa. Charles era a maior alegria que ela jamais tivera na vida e, ao mesmo tempo, sua pior traição. Ela não tinha idéia do que diria à irmã quando ela voltasse para casa, mas soube naquele momento que não podia deixá-lo.

 

Depois que Wesley Frost, o cônsul americano em Queenstown encontrou para ela um vestido e um par de sapatos para usar, Victoria pegou um trem de Queenstown para Dublin no domingo. Encontrou-se lá com um representante da Cunard e então pegou o trem para a estação de Lime Street, em Liverpool. Havia vários outros sobreviventes no trem com ela e Victoria ficou assustada ao ver membros da imprensa esperando para entrevistá-los na estação de Lime Street.

Vance Pitney, do New York Tribune, já havia ido a Queenstown, estava em Liverpool e de lá iria para Londres. Era a maior notícia que qualquer jornal já tivera desde o Titanic. E esta era ainda maior porque o gigantesco navio fora torpedeado pelos alemães. Não era apenas uma tragédia que custara mais de mil vidas, eram notícias de guerra.

Mas Victoria foi cuidadosa e evitou a imprensa enquanto deixava a estação e foi para o Adelphi Hotel, onde tentou calcular o que fazer depois. Quando chegou lá no fim da tarde de domingo, ainda estava muito abalada. E o vestido que ela estava usando parecia horrível.

Enquanto ela checava o quarto, acendeu um cigarro, e quando se sentou e olhou em volta, começou a chorar, querendo estar em casa em Croton. Não era muito tarde para voltar atrás, havia sido um início infernal.

O hotel mandou uma bandeja para seu quarto naquela noite; eles sabiam quem ela era e por que estava lá. Houvera sussurros no saguão quando ela chegara. Ela explicara sua situação ao recepcionista, até suas letras de câmbio e seu dinheiro britânico estavam molhados, bem como sua carta de crédito, e ela teria de ir ao banco na segunda-feira para trocá-los. Ela tentou o máximo possível evitar qualquer atenção exagerada.

Mas não importava o que fizesse naquela noite, não podia tirar da cabeça as imagens medonhas do navio afundando, o casco em primeiro lugar e os rostos das pessoas que haviam morrido em torno dela. Ela ainda se lembrava do rosto do jovem membro da tripulação que lhe dissera para se agarrar a uma espreguiçadeira, quando ela não pôde entrar nos botes salva-vidas e seu conselho a havia salvado.

Ela ficou acordada toda a noite e se sentia horrível quando se levantou na manhã seguinte. Mas depois que comeu alguma coisa e bebeu uma grande xícara de café quente, sentiu-se melhor. Em seguida foi ao banco, trocou o dinheiro, entrou na loja mais próxima e comprou alguns vestidos, suéteres, um par de calças compridas, dois pares de sapatos e até um par de botas que ela poderia usar quando fosse para as trincheiras.

Ela não sabia se eles dariam a ela um uniforme ou não, mas assim ela tinha algo para usar quando chegasse lá. Precisava de roupas de baixo, meias, camisolas, cosméticos, um pente. Não tinha mais absolutamente nada, nem mesmo os pedaços de seu vestido vermelho que ela deixara em Queenstown.

- Você está fugindo de casa? - perguntou-lhe a mulher na loja com um sorriso falso, mas Victoria não conseguia mais rir de nada. Ela apenas olhou para a mulher e sacudiu sua cabeça.

- Eu estava no Lusitania quando ele afundou - disse Victoria solenemente e a mulher arfou. Como o mundo inteiro então, ela ouvira sobre aquilo.

- Você tem sorte de estar viva, minha cara - sussurrou a mulher e abençoou-a.

E Victoria sorriu tristemente enquanto pegava seus pacotes e voltava para o hotel, ainda perseguida pelas imagens dos outros.

Ela imaginou se os veria por toda a vida, especialmente as crianças, com seus rostos doces e olhos cegos, flutuando em torno dela. Ficou pensando no garotinho flutuando morto numa espreguiçadeira na roupa de veludo azul, com o broche comemorativo do Lusitania pregado em sua gola. Era suficiente para fazer qualquer um odiar os alemães para sempre.

Mas no fim daquela tarde Victoria estava começando vagarosamente a se recuperar e começou a pensar em como ia chegar à França. Seus planos haviam mudado, para dizer o mínimo, mas o recepcionista do hotel disse-lhe como chegar a Dover e o que fazer depois.

Ela tinha de pegar uma pequena balsa para Calais, e aquilo era arriscado também. Havia submarinos espionando no canal inglês entre a França e a Inglaterra e pensar neles agora a fazia estremecer.

- Talvez eu devesse ter comprado apenas uma roupa de banho e economizado muitos problemas - disse ela com um sorriso nervoso, e o recepcionista sorriu de seu humor.

- Você tem uma esportiva infernal, senhorita - disse ele. Não estou certo se eu tentaria novamente depois do que acabou de passar.

- Não tenho muita escolha se quiser ir até a França, tenho? - disse ela pensativamente, certa de que tinha de fazê-lo.

Era por isso que ela viera até ali e ninguém dissera que seria fácil. Os alemães haviam introduzido gás de cloro na Batalha dos Ypres duas semanas antes e pelo que Victoria ouvira, a batalha ainda estava acontecendo e estava sendo um massacre. A questão era como chegar o mais perto dela que pudesse e encontrar os contatos que haviam sido dados a ela. Eles estavam baseados em Reims e o melhor que ela podia fazer era tentar encontrá-los quando chegasse a Calais, se os telefones estivessem funcionando. Aquilo ficava para ser visto mais tarde.

Era tudo uma aventura, uma peregrinação que sentira que tinha de fazer e esperava que não estivesse errada ao ter vindo. Os sinais, até agora, certamente não tinham sido bons.

Ela deixou Liverpool na terça-feira de manhã e agradeceu a todos no hotel. Nos últimos dois dias, as pessoas haviam lhe dado pequenas coisas, presentinhos, doces, frutas, pequenos objetos religiosos, apenas para fazê-la saber que estavam felizes por ela ter sobrevivido ao Lusitania.Ela voltou para a estação de Lime Street de táxi, de lá pegou um trem para Dover e quando chegaram às docas, subiu na balsa.

Havia pequenas balsas e pareciam inofensivas o suficiente num dia ensolarado de maio, mas depois da experiência que ela tivera no Mar Céltico sabia o quanto os submarinos eram traiçoeiros e não estava nem um pouco ansiosa para encontrar outro deles.

Ela negociou o preço da passagem com o capitão da balsa e havia apenas um punhado de outros passageiros quando ele tomou o comando. Era uma tarde brilhante, azul e sem nuvens, mas ela passou a viagem inteira agarrada ao parapeito totalmente aterrorizada, preparada para morrer a qualquer momento.

- Vous avez bien peur, mademoiselle.

Ele sorriu para ela. Ele raramente havia visto uma garota tão encantadora ou tão apavorada. Comentou sobre seu nervosismo durante toda a viagem e ela apenas assentiu, sem dizer uma palavra para ele, enquanto mantinha os olhos fixos na água, esperando pelos submarinos e o rastro branco que ela vira antes de ele atingir o Lusitania.

- Lusitania - disse ela, sabendo que ele entenderia.

O mundo inteiro entenderia, ela sabia por ter lido os jornais.

E a cada vez que ela lia outro artigo, se encolhia, pensando na pobre Olívia e no que ela devia estar pensando. Mas o marinheiro na pequena balsa havia entendido tudo. Ele não disse mais nenhuma palavra a ela durante a breve travessia para Calais e, quando chegaram lá, ele carregou sua bagagem para ela e entregou-a a um homem com um carro, que a levou para o hotel mais próximo e recusou-se a receber qualquer dinheiro dela. Depois de muitas conversas longas, eles lhe deram um quarto pequeno e bonito, que dava para o mar.

Ela pediu para usar o telefone e ligou para um dos nomes que recebera em Nova York no consulado francês. Era uma mulher que organizava voluntários para a Cruz Vermelha em Paris e ela seria capaz de dizer a Victoria para onde ir e onde seria necessária. Mas quando ligou, ela estava fora, e ninguém mais falava inglês.

- Rappellez demain, mademoiselle - e tudo o que ela entendeu foi “amanhã”.

Ela se sentou sozinha em seu quarto naquela noite, fumando cigarros e pensando na jornada que fizera e no quanto custara chegar até ali. Ela enganara o marido, abandonara o pai e a irmã gêmea, sobrevivera ao naufrágio de um navio, e agora só Deus sabia o que esperava por ela ali. Tinha de se admirar com sua própria determinação.

Nada parecia conseguir detê-la. Nem mesmo a mulher desagradável que encontrou em Paris no dia seguinte, que disse a ela que estavam muito ocupados para falar com ela e que ela ligasse novamente no dia seguinte.

- Não! - gritou no telefone rapidamente, determinada a não ser colocada de lado novamente. Ela estava perdendo seu tempo ali. - Não, eu preciso falar com alguém agora... maintenant...

E então ela lançou as palavras mágicas, só para ver o que aconteceria.

- Eu acabo de sair do Lusitania.

Houve um breve silêncio e então ela pôde ouvir palavras abafadas do outro lado. Houve outra pausa e então um homem pegou o telefone e perguntou a ela qual era o seu nome.

- Olívia Henderson. Peguei seu nome ou o daquela senhora, no consulado francês de Nova York. Eu vim para servir como voluntária na guerra. Sou americana e estou em Calais agora. E você estava no Lusitania? - Ele pareceu um pouco apavorado e ela ficou satisfeita por ele tê-lo dito.

- Sim.

- Meu Deus... Você pode estar em Reims amanhã às cinco horas?

- Não sei - disse ela honestamente. - Acho que sim. Onde fica?

- A cerca de duzentos e quarenta quilômetros ao sul de onde você está. Se puder conseguir alguém para levá-la de carro, podem vir direto pelo interior, por trás. Há luta por lá, mas não é tão ruim como em Soissons, nas proximidades. Mas mesmo assim você terá de ser bastante cuidadosa - e então ele sorriu ao telefone, imaginando por que ela viera de tão longe para participar de uma guerra na qual seu governo não queria tomar parte. O presidente Wilson ainda estava determinado a ficar fora daquilo a qualquer custo e os custos eram incrivelmente altos. Cinco milhões de homens haviam morrido desde que a guerra fora declarada no verão anterior. E mais sete milhões haviam sido feridos.

- Encontre alguém com um carro - continuou a voz do outro lado - e chegue lá, se puder. Nós temos uma delegação de voluntários partindo amanhã. Você é enfermeira?

- Não. Sinto muito - desculpou-se ela, imaginando se eles ainda a quereriam.

- Você dirige?

- Sim.

- Ótimo! Você pode dirigir uma ambulância, ou um caminhão, ou o que quer que eles digam. Apenas esteja lá amanhã - disse ele e ia desligar quando ela o interrompeu.

- Qual é o seu nome? - perguntou e ele sorriu de sua ingenuidade.

Ela era obviamente muito nova naquilo e ele mais uma vez não conseguiu imaginar por que ela viera para cá arriscar sua vida numa guerra que pertencia a outros países. Outros haviam vindo também, mas muitos deles eram mais velhos e tinham histórias complicadas. Ela parecia uma criança no telefone e ele lhe disse que seu nome não era importante, pois ele não estaria lá.

- Então por quem eu procuro?

Ele pareceu irritado novamente.

- Qualquer um que esteja sangrando. Você vai encontrar muitos deles, receio. Vai ficar esgotada de trabalhar quando chegar lá. Pergunte pelo capitão responsável pela área. Ele vai dirigi-la ao hospital, ou à Cruz Vermelha, se estivermos lá. Você vai nos encontrar, não se preocupe. É uma pequena guerra com muita gente nela. Você não vai conseguir nos perder. E ele desligou.

Ela agradeceu às pessoas da mesa e voltou para seu quarto no hotel. Jantou bem naquela noite e o dono do hotel negociou com um motorista para ela. Era um garoto com um velho Renault, mas ele disse que podia chegar aonde ela queria ir pelas estradas do interior. Disse que levariam o dia todo e queria partir bem cedo de manhã.

E ela imaginou, enquanto olhava para ele, que ele era mais novo que ela. Seu nome era Yves e ela pagou adiantado, como ele havia pedido. Ele disse a ela para vestir roupas quentes e usar sapatos pesados.

Estaria frio quando partissem e, se o carro quebrasse, ele não queria ter de carregá-la até Reims porque ela estava de saltos altos. Ela pareceu irritada com a observação, mas de qualquer maneira ele sorriu e ela perguntou asperamente se o carro quebrava sempre.

- Não mais do que ele tem de quebrar. Você dirige? - perguntou, e ela assentiu. E então ele partiu, dizendo que a veria de manhã.

Victoria ficou acordada em sua cama toda aquela noite; estava tão excitada que não conseguiu dormir. Era por aquilo que ela estava ali. Mas foi difícil se lembrar disso na manhã seguinte. Estava frio e úmido e ela não dormira nada. Ela ficou feliz ao descobrir que o hotel havia embrulhado um lanche para eles e que o garoto trouxera uma garrafa térmica de café, dada a ele por sua mãe.

- Por que você veio para cá? - perguntou ele, enquanto ela tomava a primeira xícara no caminho para sua primeira parada em direção a Doullens. Seria uma longa jornada.

- Vim porque achei que seria necessária aqui - respondeu ela, imaginando se poderia explicar a ele. Era difícil o suficiente explicar para si mesma naqueles dias, ainda mais para um garoto de Calais que mal falava sua língua.

- Me sentia inútil onde estava, porque não estava fazendo nada por ninguém. Isso aqui parecia mais importante. Ele assentiu. Havia entendido. Soava nobre, mesmo para ela, a maneira como havia colocado a coisa.

- Você não tem família - disse ele, presumindo que ela não tivesse.

Ela não contou a ele que tinha um marido e um filho adotivo que deixara para trás, ou ele realmente pensaria que ela era louca ou pelo menos pervertida.

- Sou gêmea - disse-lhe - jumelle - o que parecia mais interessante e era uma palavra que ela conhecia em quase todas as línguas.

Era uma palavra que sempre fazia as pessoas se iluminarem. E ele o fez, enquanto olhava para ela.

- Identique? - perguntou Yves interessado.

- Oui. - Ela assentiu.

- Très amusant. - Ele assentiu com aprovação. - Ela não quis vir com você?

- Não - disse Victoria firmemente, contando a mentira que criara para vir para cá. - Ela é casada, não pôde.Ele fez um sinal de que tinha entendido, mas na verdade ele não tinha idéia do quanto aquilo tudo era complicado. Ele apenas achou que entendera. Depois disso eles rodaram por um longo tempo em silêncio. Passaram por farmácias, igrejas, algumas escolas campestres e campos que não haviam sido plantados naquele ano. Não havia homens jovens para fazê-lo. Ele tentou explicar a ela com gestos e ela entendeu. E então eles rodaram novamente em silêncio por um tempo e ela acendeu um cigarro, tomando outra xícara de café.

- Vous fumez? - Ele pareceu impressionado. Mulheres francesas de sua classe não faziam aquilo. Mas ela assentiu. - Très moderne. - Ele assentiu e sorriu.

Ela era “très moderne” até mesmo em Nova York; na verdade, até um pouco demais.

E então eles rodaram através de Montdidier e depois Sensil, e foi bem depois que a noite caiu que eles finalmente chegaram a Reims. Há muito tempo ela já perdera seu encontro às cinco horas com a Cruz Vermelha, e eles há muito também já rodavam sem café e comida. Ela e Yves podiam ouvir armas à distância. Elas soavam mais perto do que estavam e havia o ocasional e repetitivo espocar das balas.

- Não é bom para nós ficarmos aqui - disse ele nervosamente, olhando em volta, mas eles chegaram a Châlons-sur-Marne exatamente como lhes disseram para fazer e, poucos minutos mais tarde, viram um hospital de campo e ela lhe disse para parar ali.

Havia macas sendo carregadas para dentro e para fora homens em aventais ensangüentados de pé em pequenos grupos, dando consultas, e enfermeiras correndo para ajudar homens mortos ou feridos. Yves pareceu desconfortável e Victoria apenas ficou ali olhando a ação em torno dela. Ela sentiu como se estivesse acordada há dias e sua vida inteira tivesse sido virada de cabeça para baixo, mas ainda assim sentiu uma súbita explosão de excitação apenas por estar ali.

Ela perguntou na emergência se havia alguém da Cruz Vermelha ali e eles apenas sorriram para ela e se viraram, embora ela estivesse certa de que falavam inglês. Yves então disse que tinha de ir. Ele apenas viera deixá-la e ela devia se virar sozinha; e ela não o contratara para ser um guia pelo resto da guerra, seu motorista particular.

Ele acenou enquanto entrava no carro novamente, e ela gritou “Merci” quando ele partiu, mas ele estava obviamente apressado para sair de Châlons-sur-Marne e ela não o condenava realmente. Mas ela não tinha idéia do que fazer a seguir enquanto ficava lá.

Havia pessoas correndo para dentro e para fora da tenda e alguns poucos olharam para ela. Ela parecia tão limpa e intocada enquanto ficava ali, parecendo um pouco perdida com seu casaco. E finalmente, sem saber o que mais fazer, ela perguntou a um servente pelo posto das enfermeiras.

- Ali - disse ele vagamente, apontando por cima de seus ombros, enquanto carregava um grande saco de lixo e Victoria estremeceu ao pensar o que poderia estar ali dentro.

Mas as enfermeiras estavam muito ocupadas para falar com ela, um novo grupo de feridos havia acabado de chegar e ninguém tinha tempo a perder com uma principiante.

- Aqui - disse um servente subitamente, jogando um avental para ela enquanto a última enfermeira corria para um homem gritando na esquina. - Preciso de você. Siga-me. Ele se moveu apressadamente entre duas centenas de macas no solo, separadas por apenas meio metro e ela teve de se mover o mais rápida e cuidadosamente que pôde para não pisar nelas enquanto o seguia. Havia uma pequena tenda mais além sendo usada como sala de operações.

E havia homens deitados no chão, esperando para ser carregados, alguns deles gemendo suavemente, outros gritando lastimosamente, outros misericordiosamente inconscientes.

- Não sei o que fazer - disse Victoria nervosamente.

           Ela esperara encontrar alguém que explicasse as coisas a ela, dirigir uma ambulância ou fazer algo que ela sabia que podia fazer, não estar aqui com esses homens, tão cruelmente feridos pelas explosões, bombas e projéteis. Havia queimaduras horríveis e muitos haviam sido envenenados pelos gases de cloro e fosgênio que os alemães estavam atirando neles. Era tão novo e tão cruel que os aliados não tinham armas comparáveis com as quais combatê-los.

O servente que ela estava seguindo era pequeno e forte, tinha um cabelo vermelho brilhante e ela ouvira alguém chamá-lo Didier quando passaram por ele. Ela estava muito agradecida por ele falar inglês. E quase desmaiou quando compreendeu que ele esperava que ela o ajudasse a cuidar dos homens que haviam acabado de ser trazidos das trincheiras. Todos eles haviam sido fortemente envenenados por gás e muitos estavam confusos. Ele apontou um grupo para ela e falou em voz baixa, em inglês.

- Faça o que você puder por eles - disse ele calmamente em meio ao ruído infernal. Ela subitamente se lembrou das pessoas que vira em torno de si no mar quando o Lusitania afundara. Mas isso era muito pior e eles ainda estavam vivos. - Eles não vão durar até a noite. Muito gás. Nós não podemos ajudá-los.

Havia um homem a seus pés com um vômito verde saindo de seu nariz e de sua boca e Victoria agarrou o braço de Didier enquanto ele se movia para deixá-la.

- Não sou enfermeira - disse ela, tentando segurar sua própria bílis. Isso era demais para ela. Ela não conseguiria. Sabia que não devia ter vindo para cá. - Não posso...

- Também não sou enfermeiro - disse ele severamente. - Sou músico. Você vai ficar ou não? - perguntou asperamente. Esta era sua prova de fogo. Isso era o que ela dissera que queria. - Se não vai ficar, então vá embora. Não tenho tempo para isso...

Ele olhou para ela zangado, como se ela tivesse vindo até ali para nada, uma diletante, para se mostrar para seus amigos. Mas o que viu nos olhos dele desafiou-a e ela assentiu. Vou ficar disse ela com voz rouca e ajoelhou-se vagarosamente em direção ao homem mais próximo dela.

Metade de seu rosto havia sido arrancada e havia bandagens ensangüentadas cobrindo-o, mas os cirurgiões decidiram não perder tempo com ele.

Ele já estava quase morrendo para eles perderem horas com ele. Num hospital apropriado talvez, mas não aqui. Ele nunca sobreviveria. Estaria morto em algumas horas.

- Olá... qual é o seu nome? - perguntou ele numa voz já tocada pela morte. Eu sou Mark. - Ele era inglês.

- Sou Olívia - respondeu ela, dando a ele o nome que tinha de usar agora.

Ela se sentia paralisada enquanto pegava a mão do rapaz na sua e segurava seus dedos com força, tentando não olhar para ele e ver o ferimento, mas para algo além dele.

- Você é americana - disse ele suavemente com seu sotaque de Yorkshire. - Eu já estive lá uma vez...

- Sou de Nova York - como se importasse.

- Quando você chegou aqui? - Ele estava se agarrando à vida, segurando-se a ela, sentindo que se falasse com ela atravessaria a noite, mas ambos sabiam que ele não conseguiria. Hoje à noite - disse ela, sentindo-se tola novamente, enquanto sorria para ele e outro rapaz puxava seu avental.

- Da América, eu quero dizer... quando você chegou? - perguntou Mark a ela.

- No último fim de semana... no Lusitania - disse ela entorpecida.

Havia tantos deles. Tudo o que ela podia ouvir eram seus soluços e seus gritos. Era exatamente como quando o navio afundara.

- Uma coisa podre e sangrenta que os alemães fizeram... mulheres e crianças... eles são uns animais, eis o que são - disse ele e ela pôde ver pelo que haviam feito a ele.

E então ela se virou para o outro que estava chamando por ela, ele queria sua mãe e estava com sede. Tinha dezessete anos, era de Hampshire e morreu segurando sua mão dez minutos mais tarde.

Ela falou com centenas de homens naquela noite e dúzias deles morreram enquanto ela os observava. Ela não fez nada em particular por eles, segurou a mão de um, acendeu um cigarro, deu a eles todos os seus, deu-lhes água embora não pudessem beber; alguns deles não tinham mais estômago, ou lábios, ou estavam com os pulmões cheios de gases.

Era horrivelmente além da imaginação e ela pensou se realmente teria sido útil enquanto cambaleava para fora da tenda de manhã. Ela estava coberta de vômito, sangue e cuspe e não tinha idéia de para onde ir ou para onde fora sua mala na noite anterior.

Ela a esquecera e a tudo o mais enquanto estava ajoelhada ao lado dos rapazes que chamavam seu nome, seguravam sua mão ou apenas morriam em seus braços enquanto ela os olhava. Ela havia ajudado Didier a carregá-los para fora em macas e os deitara no chão até que outros homens viessem carregá-los para serem enterrados. Havia milhares deles agora, todos tão jovens, enterrados nas encostas.

- Há comida naquela tenda. - Didier conseguira alguns suprimentos frescos e apontou para uma tenda grande, longe o suficiente para que ela pensasse se conseguiria chegar lá.Ela não tinha dormido toda a noite e cada pedaço de seu corpo doía, mas ele parecia incansável enquanto sorria para ela.

- Já está arrependida de ter vindo para cá, Olívia? - perguntou.

Ela estava tão cansada que quase escorregou e disse a ele que Olívia era sua irmã. Mas enquanto estivesse ali, este seria o seu nome.

- Não - mentiu com um sorriso cansado, mas ele sabia que ela estava mentindo.

Ela havia trabalhado pesado na noite anterior, seria realmente bom tê-la por perto, se ela ficasse. Muitos voluntários não conseguiam. Eles ficavam poucos dias e então saíam correndo, chocados pelo que haviam visto e felizes por voltar para casa novamente. Outros, os mais fortes, os que podiam suportar aquilo, e esses eram raros, vinham e ficavam para sempre. Alguns voluntários haviam estado com eles desde o início. Fazia quase um ano agora.

Mas ele não achava que ela seria um deles. Ela era muito jovem e muito bonita. Ela provavelmente tinha vindo pela excitação, calculou.

- Você vai se acostumar. Espere até o inverno, você vai adorar.

Eles haviam estado com lama até as coxas durante meses. As chuvas haviam sido cruéis. Mas era melhor do que o que acontecera com os russos, gelando na Galícia. Mas enquanto ela o escutava, se deu conta de que no inverno não estaria ali. Estaria de volta a Nova York, novamente com Charles e Geoffrey. Eles pareciam tão distantes para ela agora, era como se nem mesmo existissem mais. A única que ainda parecia real era Olívia, ela parecia viver em sua alma e Victoria às vezes quase podia ouvi-la falando com ela à noite. Era estranho.

Ela então deixou Didier e cambaleou em direção à tenda em que ele dissera ser o refeitório e, enquanto se aproximava dela, sentiu cheiro de café e comida e outros cheiros desconhecidos.

Subitamente se deu conta de que, apesar do morticínio que vira, estava faminta. Serviu-se de ovos em pó, um cozido que era em sua maior parte cartilagem e uma fina fatia de pão que parecia ser tão velho que era como um bloco de madeira, mas ela o comeu de qualquer forma, amaciando-o no cozido. E bebeu duas grandes xícaras de café preto forte. Algumas poucas enfermeiras e alguns serventes disseram alô a ela, mas todos estavam ocupados ou exaustos.

Eles pareciam ter uma cidade inteira organizada ali, com tendas servindo de quartéis, um hospital, depósitos de suprimentos, o refeitório.

Havia um pequeno château bem atrás deles, onde os oficiais graduados ficavam alojados, inclusive o general que era o comandante e havia também uma casa de fazenda para o resto dos homens graduados.

Todos os outros ficavam nas barracas. E Victoria ainda não tinha idéia de onde eles a colocariam. Você está aqui com a Cruz Vermelha? - perguntou uma garota forte e agradável. Ela estava usando um uniforme de enfermeira e tomando um gigantesco café da manhã, embora estivesse coberta de manchas de sangue. Doze horas antes, Victoria podia ter ficado horrorizada, mas agora subitamente parecia normal.

- Eu deveria estar - explicou Victoria.

A outra garota disse que seu nome era Rosie e, como muitos dos outros ali, ela era inglesa.

-Acho que os perdi ontem. Não sei o que aconteceu.

- Acho que sei. - Rosie olhou para ela com uma expressão estranha, enquanto Victoria esperava. - O carro deles foi atingido em Meaux. Havia três pessoas. Todas morreram ontem à tarde no caminho para cá.

O pensamento horrível era que ela devia estar com eles, se tivesse tentado encontrá-los em Paris. Graças a Deus ela não tinha!

- O que você vai fazer? - perguntou ela calmamente e Victoria pensou sobre aquilo um longo momento.

Ela ainda nem mesmo estava certa se ia ficar. Isso era muito mais duro do que ela havia imaginado. Enquanto ainda estava em Nova York, escutando as palestras sobre a guerra nos consulados, parecera tudo tão limpo e tão definido, a ideologia tão pura, os problemas tão simples. Ela ia dirigir para eles. Mas dirigir o quê? Homens morrendo? Cadáveres para o necrotério temporário? Ela nunca entendera realmente aquilo até chegar ali. Mas ela também sabia agora que, se quisesse ficar, seria útil.

- Não estou certa - disse Victoria, hesitante. - Não sou uma enfermeira treinada nem nada. Não estou certa do como poderia ser útil para alguém. -Victoria olhou para Rosie timidamente, o que era pouco usual nela. - Com quem eu deveria falar?

- Sargento Morrison - disse Rosie com um sorriso. - Ela é a responsável pelos voluntários e não se iluda, garota. Nós precisamos de toda a ajuda que pudermos, treinada ou não, se você puder agüentar. - Esta era a questão.

- Como eu a encontro? - perguntou Victoria com cautela, ainda tentando decidir o que fazer.Rosie sorriu de sua pergunta e serviu-se de outra xícara de café.

- Espere uns dez minutos e ela vai encontrá-la. A sargento Morrison sabe de tudo o que acontece aqui. E isso é um aviso.

Ela sorriu. E não estava errada. Menos de cinco minutos mais tarde, uma gigantesca mulher de uniforme caminhou rapidamente para elas e pareceu medir Victoria com os olhos. Ela já ouvira Didier falar sobre a novata que chegara. A sargento Morrison tinha um metro e oitenta de altura, cabelos claros e olhos azuis e era australiana, de Melbourne.

Estava na França há cerca de um ano e nunca fora ferida. Tratava seus voluntários como escravos e, de acordo com Rosie, não suportava tolices.

- Ouvi dizer que colocaram você diretamente no trabalho ontem à noite - disse para Victoria de modo agradável e a jovem americana sentiu-se estremecer enquanto olhava para ela espantada.

- Sim, colocaram - respondeu, sentada muito reta e subitamente sentindo-se como um soldado raso.Era estranho estar ali, era tudo tão ordenado e tão civilizado no meio do caos. Todos sabiam o que tinham de fazer e o que era esperado.

- Você gostou? - perguntou a sargento Morrison asperamente.

- Não estou certa de que “gostar” seja a palavra certa - disse Victoria cautelosamente, enquanto Rosie as deixava para voltar para a sala de operações.

Ela tinha mais doze horas de trabalho por fazer. Eles trabalhavam em turnos de vinte e quatro horas aqui, ou até que caíssem, o que quer que acontecesse primeiro. Ela tinha trabalhado trinta horas sem parar uma vez.

- Muitos dos homens de que tomei conta na noite passada estavam mortos antes do amanhecer - disse Victoria suavemente, enquanto Penny Morrison assentia rapidamente, mas seus olhos não estavam sem emoção.

- Isso acontece muito por aqui. Como se sente a respeito disso, senhorita Henderson?

Ela lembrara seu nome, sabia quem ela era e, embora Victoria não soubesse ainda, ela já havia mandado sua maleta para o acampamento e lhe designado uma cama no setor feminino. Nós precisamos de sua ajuda aqui - disse ela honestamente. - Não sei por que você veio e não estou realmente interessada, mas se você tem estômago para isso, precisamos demais de você. Os homens tiveram uma derrota terrível.

Victoria já vira isso na noite passada e até já ganhara uma máscara antigás para o caso de que tudo corresse mal, as trincheiras cedessem e os alemães invadissem.

- Gostaria de ficar - disse Victoria, surpreendendo a si mesma.

Ela nem mesmo sabia ainda o que a fizera dizer aquilo, quase soava como se outra voz que não a dela tivesse respondido à pergunta.

- Bom.

A sargento Morrison ficou de pé e olhou para o relógio. Ela tinha outros assuntos para tratar. Eles teriam um encontro de oficiais no château naquela manhã e, como era a sargento responsável pelos voluntários, pediram que se juntasse a eles. Ela supôs corretamente que seria a única mulher no encontro.

- Oh! - ela se virou como se tivesse esquecido de dizer algo. - Você está no acampamento das mulheres. Mandei sua bagagem para lá na noite passada. Alguém vai lhe mostrar onde está. E você precisa voltar a se apresentar ao trabalho no hospital em dez minutos.

- Agora?

Victoria parecia abalada. Ela ficara acordada a noite toda e estava pronta para ir para a cama. Mas não de acordo com a sargento.

- Você vai parar às oito da noite hoje - ela sorriu. - Eu disse a você, Henderson, nós precisamos de sua ajuda aqui. Você pode pôr sua beleza em dia mais tarde. E a propósito...Ela olhou para ela com um pouco de severidade, mas seus olhos eram calorosos e preocupados. Victoria ainda não podia acreditar que tinha de voltar ao trabalho. A mulher era uma tirana. Ela preferia poupar suas enfermeiras e usar suas voluntárias. Eles tinham de racionar tudo aqui, até pessoas.

-...amarre seu cabelo para trás - disse ela e então desapareceu, enquanto Victoria ficava olhando para ela.

Ela tomou outra xícara de café e considerou mais doze horas de trabalho. Perguntou a si mesma se poderia fazê-lo, mas não tinha escolha agora.

- De volta tão cedo? Você deve ter encontrado a sargento Morrison - provocou-a Didier quando a viu novamente.

Ele ainda estava trabalhando também e Victoria vestiu um avental limpo. Amarrou o cabelo para trás; como a sargento Morrison dissera a ela para fazer e encontrou uma touca esterilizada para colocar sobre ele. As Forças Aliadas mandavam os suprimentos que podiam, mas eles eram pateticamente pequenos comparados às suas necessidades. E então ela voltou para suas obrigações.

As doze horas seguintes foram mais ou menos a mesma coisa, rapazes morrendo, homens gritando, membros cortados, olhos cegos e pulmões cheios de gases venenosos. Desta vez, quando deixou a tenda, ela estava quase caindo. Estava tão cansada que pensou que vomitaria enquanto perguntava a alguém pela tenda das mulheres e, quando chegou lá, nem mesmo procurou por sua maleta. Encontrou a cama mais próxima e deitou-se nela, sentindo como se estivesse morrendo quando adormeceu. Ela nunca ficara tão cansada em toda a sua vida e desta vez nem mesmo sonhou com sua irmã.

 

Ela não se levantou novamente até a tarde seguinte e tomou banho na barraca temporariamente montada para aquilo, lavou seus cabelos e voltou para o refeitório para o que deveria ter sido seu café da manhã, mas era quase o jantar. Era uma gloriosa tarde de maio e ela se sentiu quase humana novamente, enquanto se servia de alguma comida e do café preto e forte para o qual todos pareciam viver. Era como combustível para seus carros, eles não podiam funcionar sem aquilo.

Enquanto comia, ela imaginou quando deveria estar de volta ao hospital. Não tinha idéia de quais seriam seus horários e ninguém dissera a ela. E enquanto ela terminava um prato do familiar cozido, viu Didier e perguntou a ele. Ele estava saindo de trinta e seis horas de trabalho ininterrupto e parecia mesmo ter trabalhado tanto.

- Não acho que você seja esperada de volta até a noite. Os horários devem estar colocados na sua barraca. Morrison achou que você precisava dormir um pouco. Eu acho. Você também - disse ela com simpatia, começando a se sentir parte das coisas. Era realmente um sentimento muito bom. - Obrigada, Didier, eu o vejo mais tarde.

- Salut! - disse ele, afastando-se com uma caneca de lata cheia de café.

Ele sabia que não o manteria acordado, nada o manteria, nem mesmo bombas ou homens com martelos. Ele estava além da exaustão, mas sorriu enquanto saía. Ele gostava dela. Não tinha idéia de por que ela estava ali.

Muita gente tinha suas próprias razões e raramente diziam a alguém por que haviam vindo, a menos que se tornassem amigos próximos. Muitas pessoas estavam fugindo de vidas infelizes ou tinham altos ideais. O que quer que os trouxesse até aqui, nunca era a mesma coisa que os mantinha ali.

Ela voltou para a barraca depois daquilo e achou sua tabela de horários. Ela estaria trabalhando novamente em duas horas e deitou-se em seu catre por um tempo, descansando, e depois andou em torno do campo e descobriu onde estavam as coisas.

Ela pensou em escrever para Olívia, mas decidiu que não teria tempo antes de voltar ao trabalho. Em vez disso, ela se reportou ao hospital um pouco mais cedo. Não havia rostos familiares lá desta vez, exceto a sargento Morrison, que apareceu um pouco mais tarde para checá-la. Ela pareceu satisfeita ao ver seus cabelos e deu a ela alguns uniformes. Eles pareciam roupas masculinas, exceto por terem uma longa saia.

Ela usou um avental branco sobre ele e uma pequena capa com uma cruz vermelha. Também deram a ela uma capa vermelha para quando estivesse frio. Era uma estranha mistura de trajes, mas deixava as pessoas saberem quem ela era e o que fazia, se precisassem de sua ajuda em qualquer lugar. E então a sargento perguntou-lhe como as coisas estavam indo.

- Muito bem, eu acho - disse Victoria cautelosamente. Ela não estava certa de sua competência, mas estava tentando.

- Estou feliz por ouvir isso. Você pode pegar seu cartão de identificação na tenda do comando. Sua estada foi aprovada no encontro de ontem - disse Morrison despreocupadamente.

-Acho que você vai se dar muito bem. - Victoria ficou surpresa com o elogio e poucos minutos mais tarde a sargento deixou-a.

E ela não teve mais tempo nem para pensar depois disso. Houve uma batalha em Berry au Bac naquela noite e hordas de homens foram trazidos em macas. Ela trabalhou quatorze horas seguidas e estava tão cansada e muito debilitada até para comer quando saiu e andou vagarosamente de volta para sua barraca. Era impossível não pensar nos garotos que haviam morrido e, cansada como estava, começou a pensar nas crianças que vira morrer no Lusitania. Tudo aquilo parecia tão sem sentido!

O sol estava alto no céu, era maio na França, os pássaros estavam cantando e as pessoas estavam morrendo à sua volta.

Em vez de entrar, ela andou um pouco mais, passando de sua tenda, até uma pequena clareira, onde se sentou no chão encostada numa árvore e acendeu um cigarro. Precisava apenas estar sozinha com seus próprios pensamentos por alguns minutos. Não estava acostumada a ficar cercada de pessoas o tempo todo, sem nunca ter um momento para si mesma e com tantos pedidos feitos a ela. Não tinha imaginado que seria tão exaustivo.

Ela deitou-se contra a árvore, com o cigarro em suas mãos e seus olhos se fecharam. O sol batia quente em seu rosto, mas ela se sentia com mil anos de idade enquanto ficava sentada ali.Você vai ficar bem bronzeada - ouviu uma voz dizer bem em frente a ela - mas posso pensar em lugares melhores para umas férias.

A voz era francesa e masculina, mas ele falara em inglês. E quando ela abriu seus olhos, de seu ponto de vista no chão, ele pareceu tão grande quanto a árvore em que ela se encostara. Tinha cabelos louro-prateados e em outro lugar e outra época ela a teria achado muito bonito.

- Como você soube que eu falo inglês? - perguntou curiosa, mas sem sorrir.

- Aprovei seus documentos ontem - disse ele, seus olhos encontrando os dela friamente. Ele também não estava sorrindo. Cada um deles estava avaliando o outro. - Reconheci o uniforme e a descrição.

Penny Morrison dissera que havia uma garota americana muito bonita que viera no Lusitania e provavelmente ficaria por apenas dez minutos. Mas ele não disse aquilo a Victoria enquanto a observava.

- Devo ficar de pé e bater continência para você? - perguntou Victoria.

Ela ainda não sabia o protocolo, mas neste momento eles pareciam mais ser um homem e uma mulher e não um capitão e uma assistente médica. Ele sorriu desta vez com sua pergunta. Não, a menos que você entre para o exército e eu acho que você realmente não deveria. Você pode fazer melhor como está fazendo, a menos, é claro, que sinta necessidade de se graduar; você não é uma enfermeira, acredito, então você seria apenas um soldado raso. Francamente, eu não me incomodaria.

Ele falava inglês perfeitamente e tinha estado em Oxford e Harvard. Parecia mais velho que Charles para ela, embora não estivesse certa do quanto. De fato, ele tinha trinta e nove anos e era muito atraente. E parecia extremamente aristocrático.

- Sou o capitão Edouard de Bonneville, a propósito.

Ele estava sorrindo para ela agora e havia uma luz nos olhos dela que não havia estado lá desde que ela deixara Nova York. Victoria quase não tivera ninguém para conversar, exceto lady Mackworth no Lusitania. Desde então, suas conversas haviam sido puramente superficiais. Mas este homem parecia diferente.

- Você é o comandante aqui? - perguntou. - Suponho que deveria ficar de pé, mas para falar a verdade não estou certa de que minhas pernas me segurariam.

Seus olhos pareciam cansados e seu sorriso, lastimável.

- Há outra vantagem em não estar no exército. Você não precisa ficar de pé e fazer continência ou ficar em posição de atenção.

Sugiro veementemente que você não se aliste provocou ele, sentando-se num tronco, encarando-a - e não, não sou o comandante. Sou o terceiro ou quarto na escala e não tenho qualquer importância.

- De certo modo, se você assinou meus papéis ontem, não estou certa de acreditar nisso.

- É bem próximo à verdade.

Mas não realmente. Ele fora a Saumur, a escola de cavalaria para nobres e cavalheiros e seguira carreira no exército. E finalmente, se tudo corresse bem, ele seria um general. Mas ele estava bem mais interessado nela do que em sua própria história. Nos últimos dois dias, ele ouvira muitos homens falarem sobre ela e Penny Morrison estava intrigada com ela.

Ela era obviamente bem-nascida, muito jovem e bonita, e ninguém podia imaginar por que ela viera para cá. Parecia a espécie de garota que passava o verão dançando em trajes de cetim e indo a festas.

- Ouvi dizer que você veio no Lusitania - disse ele, observando seus olhos. Ele pôde ver toda a dor e o sofrimento lá. - Não foi um bom começo para sua viagem, temo... mas novamente - ele sorriu quase sem educação - este também não é um fim muito bom. Você se perdeu no caminho de algum lugar mais agradável ou fez isso a si mesma de propósito? Ela riu para ele e, sem nem mesmo conhecê-lo, gostou dele. Havia algo muito sincero nele e até mesmo um pouco rígido e ela gostava.

- Não, eu fiz isso de propósito. Seria muito mais horrível se eu não tivesse feito.

Ela sorriu para ele e então encontrou seu olhar. Seus olhos eram quase exatamente da mesma cor, embora os cabelos dela fossem tão escuros e os dele, claros. Qualquer um que os observasse teria pensado que eles fariam um casal atraente, embora o capitão fosse obviamente bem mais velho. Tecnicamente, embora não facilmente com trinta e nove anos, ele poderia ter sido seu pai.

- Por que você fala inglês tão bem?

- Eu estive em Oxford por um ano depois da Sorbonne e depois, para aperfeiçoar o sotaque - ele sorriu e imitou um sotaque de Boston perfeitamente - passei um ano em Harvard. Então fui a Saumur, uma escola militar francesa um pouco tola e com muitos cavalos. Ela amou o jeito com que ele descreveu aquilo. Até ela ouvira falar daquela escola e sabia que era muito famosa. Era o equivalente ao West Point nos Estados Unidos, mas com cavalos.

- E agora estou aqui e, francamente - ele acendeu um cigarro também; os dela haviam acabado e ela teria acendido outro - gostaria de não estar.

Ela riu de sua honestidade. Muitos homens teriam dito a mesma coisa. Era incrível pensar que ela tinha viajado quase cinco mil quilômetros porque queria estar ali.

- E se você tivesse qualquer juízo, pegaria um navio, um americano desta vez, desde que seu país é sensível o suficiente para ficar fora de tudo isso e voltaria para o lugar de onde veio. Onde é isso, por sinal?

Ele sabia que ela era americana, mas não sabia mais que isso, exceto que seu nome era Olívia Henderson, ou ao menos ele pensava que fosse.

- Nova York - disse ela cautelosamente.

- E você fugiu de pais tiranos?

Ele sabia que ela tinha vinte e dois anos pelo passaporte, mas ainda era jovem o suficiente para morar com eles, ou querer deixá-los, por qualquer razão que fosse. Ou talvez um coração partido a tivesse trazido até ali. Era possível, mas teria sido extremamente imprudente. Não - ela sacudiu a cabeça - tenho um pai muito agradável. Edouard pareceu surpreso com aquilo.

- E ele deixou você vir para cá? Que homem estranho!

Mas Victoria sacudiu a cabeça em resposta. Ela gostava de conversar com ele e da estranha mistura de seu sotaque, muito francês, algo britânico.

- Não acho que deixaria minha filha fazer isso, estou certo de que não, se tivesse uma, o que graças a Deus não tenho.

Ela olhou para sua mão e não havia aliança de casamento. Mas também não havia nenhuma na sua e ela era casada com Charles. Olívia a estava usando por ela.

- Ele não sabe que estou aqui - disse Victoria honestamente. - Ele acha que estou na Califórnia.

- Esta não é uma coisa bonita para se fazer. - Ele olhou para ela com franca desaprovação. E se algo lhe acontecesse? E o navio? - Ninguém sabe que você está aqui? Ela era muito ousada para uma garota de vinte e dois anos, muito corajosa e muito irresponsável.

- Minha irmã sabe - respondeu ela, voltando a se recostar na árvore.

Ela gostava de conversar com ele, mas estava muito cansada. E ainda assim havia algo nele que a fazia querer lhe contar coisas que imaginava que não deveria. Mas ele não podia mandá-la de volta agora. Ela tinha seus papéis. E era maior de vinte e um anos. O que ele poderia fazer para detê-la?

- Somos gêmeas - disse ela calmamente.

- Idênticas? - Ele estava totalmente fascinado por ela quando ela assentiu.

- Completamente - disse ela. - Somos gêmeas espelhadas. Tudo o que tenho no lado esquerdo ela tem no direito e vice-versa. Como esta sarda.

Ela estendeu a mão esquerda para ele, que mal pôde ver a pequena mancha em sua palma, exatamente entre seus dedos. Ele olhou para ela e assentiu. Não tinha nenhuma necessidade real de saber esta informação e seu processo de identificação, já que não as estava vendo juntas, mas podia imaginar que seria um problema e tanto.

- Ninguém pode nos diferenciar, exceto a mulher que tomou conta de nós quando éramos pequenas. Nem mesmo nosso pai.

Ela sorriu travessamente e ele pôde apenas imaginar todo o caos que ela devia ter causado e tinha de fato causado com prazer.

- Deve ser bem complicado - disse ele, imaginando aquilo e então sorriu para ela especialmente com os homens, não? Vocês confundiram alguém de suas relações?

Ele era muito esperto, mais até do que sabia e ela sorriu para ele. Ela não sabia ainda, mas Edouard de Bonneville estava ofuscado por sua beleza. Ele ouvira falar dela e as palavras não haviam sido generosas o suficiente, pelo menos até onde ele achava. Ela era maravilhosa. Nós apenas confundimos alguns - confessou ela, parecendo muito inocente, no que ele não acreditou nem por um único momento.

- Pobres-diabos! Que terrível! Estou feliz de não tê-las conhecido juntas, embora deva admitir que gostaria de ter visto isso. Qual é o nome de sua irmã? - perguntou ele e ela hesitou, mas apenas por um segundo.

- Victoria - disse ela simplesmente.

- Olívia e Victoria. É absolutamente perfeito. Então, Olívia - continuou ele - você está aqui como um enigma e apenas sua irmã sabe. E quanto tempo você vai ficar conosco? Até o fim?

Ele duvidava. Por que deveria? Ela era obviamente bem-nascida, bem educada, falava bem, era inteligente e muito bonita. Podia ir para casa quando quisesse e ele estava certo de que ela iria no momento em que se cansasse dos perigos e do desconforto e aquilo era o que não faltava ali. Ele duvidava que ela ficasse muito tempo.

- Não sei. - Ela olhou para ele honestamente, e seus olhos lhe contaram uma história que ele não entendeu. Talvez ela estivesse fugindo de algo. - Vou ficar o máximo que puder. Depende de minha irmã.

- De sua irmã? - Aquilo o surpreendeu e ele levantou uma sobrancelha e olhou para ela. Por que dela? - Ela era um ser raro e curioso e ele adoraria passar o dia com ela, conversando e conhecendo-a melhor.

- Ela está cuidando das coisas para mim.

- Parece complicado - disse ele discretamente.

- E é - assentiu ela com uma estranha expressão nos olhos.

- Talvez um dia você me conte sobre isso.

Ele prometeu acompanhar sua carreira enquanto ela estivesse em Châlons-sur-Marne. Seria interessante, ele tinha certeza.

Ela ficou de pé lentamente e sentiu a mesma dor nos ossos que sentira quando saíra da tenda médica. Victoria não queria deixá-lo, mas sabia que não podia ficar acordada por muito mais tempo. Mas ele a surpreendeu conduzindo-a lentamente para a barraca das mulheres. Ela estava certa de que ele não iria querer ser visto conversando com uma voluntária humilde, mas ainda assim ele não parecia se importar com aquilo.

 

De fato, ele apareceu freqüentemente durante a semana seguinte no hospital, observando-a enquanto ela se ajoelhava ao lado de alguém vomitando suas entranhas depois de ter sido envenenado pelo gás, ou chorando ao segurá-los enquanto morriam. Ele apareceu no refeitório uma ou duas vezes e tomou café com ela, e uma vez sentou-se com ela tempo suficiente para que Victoria engolisse a comida num intervalo de dez minutos antes que voltasse ao trabalho.

Eles conseguiam conversar, apesar dos constantes estrondos das armas a que todos estavam acostumados agora e do ocasional assovio que sempre a lembrava do som do primeiro torpedo que atingira o Lusitania.

Falavam das nuvens amarelo-esverdeadas dos gases que continuavam a atingir o exército próximo a Dangemarck e dos milhares de homens que estavam sendo mutilados e mortos ou ficando inválidos. E ainda, intercalado com tudo aquilo, eles falavam sobre coisas tolas, como tênis de gramado, embarcações de verão, seu amor pelos cavalos que o levara à cavalaria e o tempo que ele passara em Boston. Acharam até mesmo que tinham alguns conhecidos em comum em Newport.

Era muito estranho falar sobre tudo aquilo ali, mas a maior parte do tempo eles falavam apenas sobre o que estavam fazendo dia a dia.Ele também aparecia para vê-la no acampamento de vez em quando. Ela já estava lá havia um mês quando ele finalmente a convidou para sair. Haveria um pequeno jantar no château, oferecido pelo general aos oficiais superiores, e Edouard convidou-a para ir com ele.

- Aqui? - Ela pareceu chocada.

Não tinha absolutamente nada para vestir. Perdera tudo no navio e o que comprara em Liverpool era funcional e feio. Tudo o que ela tinha eram seus uniformes e aventais engomados. Receio que o Maxim's em Paris esteja fora de questão

Edouard parecia divertir-se. Depois de observá-la usando aventais ensangüentados por um mês e dirigindo ambulâncias para o necrotério provisório atrás das trincheiras, ela subitamente parecia muito mais com uma mulher.

- Não tenho nada para usar a não ser meu uniforme - lamentou ela, feliz por ele tê-la convidado, mas também surpresa.

Eles haviam se tornado amigos no último mês, mas nunca lhe ocorrera que ele poderia se sentir atraído por ela. Ele era mais velho, de alta patente, e aquele local dificilmente parecia apropriado para um romance, embora ela soubesse que havia outras pessoas envolvidas amorosamente ali. Em alguns casos, a agonia por toda a parte fazia as pessoas se aproximarem mais; em outros, parecia mais sensato manter distância das pessoas. E ela havia deduzido que Edouard escolhera a segunda opção.

- Eu também não tenho nada para usar, a não ser meu uniforme, Olívia.

Ele parecia divertido. E sempre a fazia sorrir quando dizia o nome de sua irmã. Ela respondia facilmente agora, mas no caso dele realmente parecia como se o estivesse enganando. Ela pensara em contar a ele uma ou duas vezes, mas agora tinha medo de se meter em apuros. Afinal de contas, ela estava viajando numa zona de guerra com o passaporte de outra pessoa.

- Será agradável - assegurou-lhe ele, dizendo que a pegaria às sete, quando ela saísse do trabalho.Ela sabia que teria de ter permissão especial para sair do trabalho então, mas por fim Didier concordou em cobri-la. Ela disse a ele por que precisaria sair e ele levantou uma sobrancelha para ela.

- Imaginei quando isso aconteceria - disse ele de maneira aprovadora.

No último mês, ele realmente começara a gostar dela. Ela trabalhava duro; era sempre correta com ele e fazia trabalhos extras sempre que necessário, sem um murmúrio de reclamação. Mais do que freqüentemente ela trabalhava além de seu turno e nunca dizia nada sobre isso.

- Nós somos apenas amigos - disse ela, sorrindo de sua insinuação.

- Isso é o que você pensa. Você não conhece os homens franceses. - Didier sorriu para ela. Não seja estúpido - disse ela e voltou para sua tenda na noite do jantar para pelo menos vestir um uniforme limpo.

Sua única concessão à feminilidade aquela noite foi deixar os cabelos soltos e penteá-los rapidamente. Ela não tinha nem mesmo maquiagem. Aquilo também havia afundado com o Lusitania, e ela nunca se incomodara em comprar mais depois que a perdera. Na época parecera absolutamente sem importância. Agora parecia uma vergonha.

Edouard pegou-a no acampamento num caminhão e apenas algumas cabeças se voltaram. Todas as outras pessoas estavam ainda no jantar, nas trincheiras ou trabalhando. Você parece muito bonita, Olívia - disse ele calorosamente e ela nem mesmo reagiu ao nome enquanto sorria e agradecia a ele.

- Você gosta de meu vestido? - Ela fingiu enfeitar-se. - Foi feito em Paris. E meu cabelo? - Ela o segurou como uma modelo, enquanto olhava para ele e sorria. - Levei horas para fazê-lo.

- Você é um monstro! Não me espanta que sua família a tenha mandado para cá. Estou certo de que estavam desesperados para se ver livres de você.

- Estavam - disse ela, pensando tristemente em Charles e Geoff. Mas a verdade era que ela não sentia a falta deles. Nem uma vez desde que estava ali.

- Você teve notícias de sua irmã desde que chegou aqui?

- Sim. Duas vezes. E escrevi para ela também, mas minhas cartas parecem tão estranhas. É tão difícil explicar tudo isso a qualquer pessoa que não esteja aqui. Eu mandei as cartas, mas elas soam muito artificiais.

- É difícil entender uma guerra, a menos que você esteja nela - disse ele, enquanto chegavam ao château.

Ela alisou seu cabelo novamente e subitamente sentiu-se nervosa enquanto entrava ao lado dele. Havia duas outras mulheres lá. A castelã original do château, que estava vivendo no campo num pequeno chalé, era uma condessa, velha o suficiente para ser mãe de Victoria e muito agradável e polida. A outra mulher era a esposa de um dos coronéis, que viera de Londres para visitá-lo. Era pouco usual, mas ele não pudera sair durante meses e a deixara vir para vê-lo.

O jantar foi um encontro pequeno e informal e a princípio a conversa foi em sua maior parte sobre a guerra e sobre a campanha na Galícia, que havia sido extremamente brutal. Mais de um milhão de poloneses haviam sido mortos no último mês, o que parecia inconcebível para Victoria, embora, se ela parasse para pensar, se daria conta de que provavelmente vira mil homens morrerem desde que chegara lá.

Finalmente a conversa voltou-se para outros assuntos. O general foi extremamente agradável com ela e todos falavam inglês perfeitamente com ela, embora o francês de Victoria estivesse melhorando. E por volta das dez horas ela e Edouard estavam no caminho de volta para o acampamento. Ele ficara muito orgulhoso dela, mas não disse nada. Podia ver que tanto o general quanto a condessa ficaram impressionados, mas Victoria estava completamente inconsciente daquilo enquanto conversava com Edouard no caminho de volta.

Eles podiam ouvir o rumor das armas à distância, os familiares assovios em torno e ela rezou para que naquela noite pelo menos as vítimas não fossem tantas. Onde isso tudo vai terminar? - perguntou Victoria calmamente, enquanto Edouard parava o carro pouco antes de chegarem às barracas.

Não havia mais nenhum lugar para eles irem. O refeitório estava cheio de gente a qualquer hora e não havia privacidade para nenhum deles em lugar algum. Era difícil encontrar algum lugar para conversas calmas e a maior parte do tempo eles estavam cercados de gente. Mas apenas desta vez ele queria estar sozinho com ela; havia algumas coisas que ele queria dizer a ela.

- Guerras nunca nos levam a um lugar melhor - disse ele filosoficamente. - Olhando para trás na história, para todo o caminho de volta até a Guerra Púnica, todo mundo perde no final. Por que nós não vamos até lá e dizemos isso a eles?

- Ela sorriu para ele, enquanto Edouard lhe oferecia um cigarro, que ela aceitou. Victoria estava fumando Gitanes agora. - Nós podíamos economizar muitos problemas para todo mundo.

- Não se esqueça, eles sempre matam o mensageiro - disse ele, acendendo seu cigarro com um isqueiro de ouro. - Tive bons momentos esta noite - disse Edouard, olhando para ela e imaginando o que ela deixara para trás em Nova York.

Era difícil acreditar que Victoria não deixara um rastro de corações partidos e, contudo, no último mês, como ele observara cuidadosamente, ela parecera sempre muito pouco sobrecarregada. Você é uma companhia muito boa, Olívia. Gostaria de repetir isso um dia desses - disse ele, desejando que estivessem de volta a Paris.

A vida teria sido muito diferente lá. Ele poderia ter feito tantas coisas com ela, levá-la ao seu château em Chinon, à caçadas em Dordogne, apresentá-la a todos os seus amigos, passado algum tempo no sul da França. Teria sido o paraíso. Mas tudo o que tinham agora eram as trincheiras entre Streenstraat e Poelcapelle e homens morrendo com fosgênio. Não era muito adequado para se fazer a corte.

- Também tive bons momentos - disse ela com simplicidade, saboreando o cigarro francês e a companhia dele. Ela gostava de estar com ele. - O general é muito especial. - Ela sorriu para Edouard, que pegou sua mão e beijou-a.

- Você também. - E então ele gentilmente largou sua mão, sem certeza de como ela reagiria ao que ele tinha a dizer. - Há algo que quero dizer a você, Olívia. Não quero que haja mal-entendidos entre nós.

Mas quando ele disse as palavras, ela sentiu uma dor familiar em seu coração, onde ele já fora ferido antes e pôde sentir todo o seu corpo se enrijecer. Ela disse a ele, sem esperar que ele a destruísse. Ela jamais deixaria isso acontecer com ela novamente. Ela sabia que se defenderia de todos os homens para sempre.

- Você é casado - disse ela, inteiramente sem emoção, seus olhos procurando os dele, seu coração completamente protegido dele.

- O que faz você dizer isso?

Ele estava totalmente surpreso. Ela era mais esperta do que ele se dera conta e imaginou o que acontecera a ela. Ele pôde ver a dor em seus olhos agora, era brutal e ainda muito viva.

- Eu simplesmente soube. Não antes... mas quando você disse aquilo. O que mais há por aí?Oh... muitas coisas... as pessoas carregam todo tipo de bagagem com elas. Esta é a minha. Não é um casamento de verdade - disse ele e ela o interrompeu duramente.

- Não, claro que não, é um casamento sem amor. Você nunca devia ter se casado com ela e vai deixá-la após a guerra, ou então novamente você não deve...

Sua voz sumiu e havia algo muito ferido em seus olhos enquanto ela olhava para fora da janela, para longe dele.

- Não exatamente. Ela me deixou cinco anos atrás. E sim, era um casamento sem amor. Para ambos. Não estou nem certo de onde ela está agora. Na Suíça, provavelmente. Ela fugiu com meu melhor amigo. Mas francamente, foi um alivio.

Nós ficamos casados por três anos e odiávamos um ao outro. Mas eu não posso me divorciar; este é um país católico. E eu queria que você soubesse disso. Isso faz supor muitas coisas, todas elas absurdas, estou certo, mas eu não quis esperar mais para contar a você. Até onde interessa à lei e à igreja, eu sou casado. O resto é, infelizmente, um pouco mais incerto.

Ela se virou para olhar para ele, surpresa. A história era um pouco diferente do que ela havia esperado. Ou talvez fosse tudo a mesma coisa e esta fosse a versão francesa. Ela não estava certa se devia ou não acreditar nele e mostrou sua incerteza enquanto olhava para ele.

- Ela o deixou?

Ela parecia muito jovem ao perguntar e ele sorriu de sua expressão cautelosa. Ele assentiu, parecendo bastante calmo. Fora muito tempo atrás e houvera uma ou duas mulheres interessantes desde então, mas nada permanente e nenhuma nos últimos tempos. Não no último ano.

- Quase seis anos atrás - explicou ele. - Eu podia dizer a você que ela partiu meu coração, para ganhar sua simpatia, mas receio que não possa. Foi um enorme alivio quando ela partiu. Eu devo minha vida a Georges por isso. Um dia terei de agradecer a ele adequadamente. O pobre-diabo provavelmente sempre se sentiu culpado. - Ele estava sorrindo e ela teve de rir com sua expressão.

- Por que você a odiava tanto?

- Porque ela era mimada, difícil e quase insuportável, e realmente muito indecente. Ela era a mulher mais egoísta que jamais viveu e era impossível de se conviver.

- Por que você se casou com ela? Ela é muito bonita?

Victoria estava mais curiosa sobre ele do que teria admitido naquele momento. Mas ele era um homem intrigante.

- Muito bonita - disse ele honestamente. Ele sempre havia tido um fraco pela beleza. - Mas não foi isso. Ao menos eu espero que não. Ela estava noiva de meu irmão e, desafortunadamente, ele morreu num acidente de caça. Eles se casariam em poucas semanas e ele fora estúpido o suficiente para engravidá-la. - ele olhou para ela com ar de desculpas - Sinto muito, estive no front por muito tempo, não devia ter dito isso.

Mas ela apenas acenou com a mão e pegou outro de seus cigarros, enquanto o escutava com interesse. Não soava inteiramente diferente de sua própria história.

- De qualquer maneira, fiz o que pensei que era mais nobre. Coloquei-me no lugar dele e a desposei. Ela abortou três semanas mais tarde, ou pelo menos foi o que disse. Realmente não estou nem mesmo convencido de que ela estivesse grávida. Acho que ela o enganou e ele foi ingênuo o suficiente para acreditar nela. E, francamente, acho que se ele tivesse casado com ela, a teria matado. Ele não era tão paciente como eu sou.

Três anos mais tarde, ela partiu com Georges, depois de ter um caso com ele por cerca de um ano; os dois seguros de que eu não sabia. Acredito que houve dois ou três antes dele. E agora eles se foram e minha vida é maravilhosamente pacífica. O único problema é que, a menos que Georges se torne muito rico, o que eu duvido, já que ele não é muito brilhante, ou que ela conheça alguém mais, ela não vai se divorciar de mim. Eu poderia dar uma larga quantia em dinheiro para ela e tentei fazê-lo, mas por enquanto ela prefere o título.

- Título? - Victoria levantou uma sobrancelha e ele tocou levemente sua mão, como se quisesse espanar a palavra como uma teia de aranha.

- Ela é uma baronesa agora, infelizmente. Não teria sido nada se tivesse se casado com meu irmão. Ele era o filho mais novo. E eu receio que Heloise seja fã de títulos. O que precisamos agora é de um melhor. Como um marquês ou um visconde.

Ele achava muita graça naquilo e ela sorriu para ele. Era tudo bem menos assustador do que quando ele falara da primeira vez. Mas agora ele olhou para ela na escuridão. Seus olhos já haviam há muito se acostumado a ela e ele vira tudo o que se passara em seu rosto quando ele começara a falar.

- E agora você deve me contar sobre o homem que partiu seu coração. Acredito que toquei num ponto nervoso quando disse casamento “sem amor”. Você quer me contar sobre isso? perguntou ele gentilmente e desta vez ele procurou sua mão e segurou-a.

Ele estava aliviado por ter dito a ela o que devia. Não queria dar a ninguém a ilusão de que era livre para se casar, porque não era. Estava livre, mas não para um casamento. E até conhecê-la, nunca se importara. Sentia apenas por não ter tido filhos em alguma época, mas o pensamento de tê-los com Heloise lhe fazia ter pesadelos.

- Não há muito a dizer - mentiu Victoria polidamente a princípio. - Não é realmente muito importante. Importante o suficiente para vir para cá por causa disso? - perguntou ele gentilmente. - Ou foi algo mais?

- Foram muitas coisas - disse ela honestamente, agora se sentindo obrigada a contar algo a ele, já que fora tão honesto, ou ao menos ela achava que havia sido.

Mas sua história tinha o toque da verdade e a espécie de coisas estúpidas em que ela mesma podia ter se metido.

- Sim, houve alguém disse ela finalmente. Eu era muito jovem e muito estúpida. Foi há dois anos. Eu tinha vinte anos. E era incrivelmente ingênua. Realmente - ela pareceu um pouco embaraçada e ele sorriu, encorajando-a - soa tão sem importância agora. Na época parecia monumental de tão importante.

Eu me apaixonei e ele me tirou do sério. Fiz coisas muito irresponsáveis num período muito curto. Estávamos visitando Nova York por dois meses, e ele era mais velho e muito charmoso... e muito bem casado... ele tinha três crianças. Mas ele me disse que odiava sua esposa, que eles não tinham nada mais que um arranjo, que não era um casamento de verdade e que estava planejando deixá-la a qualquer momento. Eles

se divorciariam e, se eu esperasse pacientemente, claro que nos casaríamos. E é claro... era tudo tolice... Eu... eu... - Ela não conseguia dizer a ele, era muito embaraçoso mesmo depois de tudo o que ele lhe contara. - Eu acreditei no que ele disse - e então ela forçou-se a dizê-lo - e fiquei muito apaixonada por ele. Eu... eu comprometi minha reputação e alguém contou a meu pai.

Meu pai o confrontou, e ele disse... - seus olhos endureceram neste ponto, enquanto Edouard a observava - ...ele disse que eu o havia seduzido. Ele me rejeitou completamente, negou que jamais tivesse feito qualquer promessa, até me disse que nunca tivera a intenção de deixá-la, pois na verdade ela estava grávida. E então ela decidiu que se ia chocá-lo, agora era a hora. Ela não tinha nada mais a perder e se ele contasse a qualquer pessoa, ela o odiaria:

- Sua esposa ia ter um bebê - disse ela suavemente - e eu também. Nós voltamos para Croton-on-Hudson, onde vivemos, caí do cavalo e perdi o neném poucas semanas mais tarde. Tive de ir para o hospital e acho que quase morri. Perdi muito sangue, mas estava tudo acabado. Meu pai fez o maior alvoroço. Disse que todos em Nova York estavam falando de mim.

O homem por quem eu me apaixonara estivera contando às pessoas o que eu fizera. Suponho que ele pensou que era muito engraçado, mas meu pai disse que eu tinha de fazer algo para recuperar minha reputação, assim como a dele e a de minha irmã. Ele disse que eu havia colocado todos em risco pelo que havia feito e que nunca poderíamos botar os pés para fora de casa novamente. Esse tipo de coisa - disse Victoria e suspirou enquanto olhava pela janela, lembrando o quanto fora horrível e o quanto ela se sentira desesperada quando ele lhe dissera aquilo.

E então ela se voltou para Edouard com um sorriso triste.

- Então ele me forçou a casar com um de seus advogados. Ele disse que eu não tinha escolha. Eu devia isso a ele. E eu acreditei. Antes eu costumava pensar que nunca ia querer me casar. Apenas queria ser uma sufragista, fazer greves de fome, ir para a cadeia e ser presa - disse ela, seus olhos novamente iluminados e Edouard sorriu com uma expressão interessada.

- Esta certamente seria uma alternativa, embora eu não necessariamente a recomendasse. Ele colocou as mãos dela em seus lábios e beijou seus dedos. - Não imagino que você fosse fácil de controlar dois anos atrás, ou talvez não seja nunca. Ela sorriu para ele, confirmando aquela possibilidade.

- Talvez não. De qualquer forma, eu o fiz. Casei-me com ele. Ele era viúvo e tinha um filho. Sua esposa morrera no Titanic e ele queria uma mãe para seu filho.

- E você foi? - perguntou ele ainda com mais interesse.

Certamente havia muito mais sobre ela do que ele havia esperado. Mas ela não viera para cá sem razão. Não - respondeu ela honestamente. - Eu não fui uma mãe para ele, nem uma esposa para Charles.

O garoto me odiava e acredito que o pai também. Eu era tudo o que sua esposa não era. E ele não era... o tipo de homem por quem eu me apaixonaria. Eu não podia ser quem ele queria que eu fosse, fazer o que ele queria que eu fizesse. Eu odiava tudo aquilo e eu o odiava... - Sua voz sumiu, enquanto Edouard a observava. - Não sentia nada por ele - disse ela tristemente - e ele sabia.

- Ele também é um homem mau?

- Não. - Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto sacudia a cabeça e olhava para ele. - Não... ele não é. Eu apenas não o amava. - Aquilo era tudo; ela nunca o amara e nunca o amaria e Edouard entendia aquilo.

- E onde está ele agora? - perguntou Edouard suavemente. Ele não era o único que estava enrolado.

- Em Nova York - sussurrou ela.

- E você ainda está casada com ele, eu presumo. - Ele parecia desapontado. Isso não era o que ele esperava.

- Sim, estou. - Ela olhou para ele com olhos grandes e tristes.

- Talvez ele a ame mais do que você pensa, se ele a deixou vir pra cá.

Era algo generoso de se fazer e Edouard admirou-o por isso. Ele sabia que não poderia ter feito isso com sua própria esposa, não importa o quanto ela fosse independente ou teimosa.

Mas então ela o surpreendeu ainda mais.

- Ele não sabe que estou aqui - disse ela suavemente, sabendo que tinha de contar tudo a ele. Não havia volta agora, quaisquer que fossem os perigos. Ela tinha de confiar nele. Queria confiar. Pela primeira vez em dois anos, ela confiava num homem. E sabia que este homem não a machucaria.

- Onde ele pensa que você está? - perguntou ele horrorizado e ela subitamente riu para ele.Era realmente horrível, mas subitamente ela achou tudo aquilo muito engraçado. Era tão engraçado que ela nem sabia como começar a explicar.

- Ele pensa que estou em casa com ele.

- O que você quer dizer com isso, por Deus? - Ele pareceu totalmente confuso e então olhou para ela, a boca aberta de espanto. - Oh, meu Deus!... sua irmã... é isso? Ele pensa...

- Espero que sim.

- Você trocou de lugar com sua irmã?

Ele parecia apavorado e ela de repente sentiu medo de que ele a expusesse. Afinal de contas, ele tinha o endereço de sua casa em seu passaporte. E se escrevesse para eles e contasse tudo?

- Não posso acreditar que você tenha feito uma coisa dessas, mas certamente... mas... um homem e uma mulher... um marido e uma esposa...

- Nós paramos com isso logo no começo. Era horrível, tudo O que odiávamos um no outro estava lá entre nós, como uma rocha que nos impedia de chegar perto um do outro. Tudo o que ela tem de ser é sua dona de casa e ele jamais saberá a diferença.

- Você tem certeza disso? - Ele olhou para ela ainda espantado pela audácia do que ela fizera para chegar até ali.

- Absolutamente, ou eu jamais pediria a ela para fazê-lo. Ela é muito doce e meiga e todas as coisas que não sou e o garoto a adora.

- Ele vai saber?

- Não acho. Não se ela for cuidadosa.

Ele se encostou novamente no banco do carro, tentando assimilar o que ela lhe contara. Você certamente deixou uma confusão daquelas atrás de você, não, Olívia?

- Victoria - sussurrou ela.

- Victoria? Mas seu passaporte...

- É de minha irmã.

- Oh, sua bruxa, é claro!... até seus nomes devem ter sido trocados... pobre homem, como eu tenho piedade dele!... como ele vai se sentir quando você contar a ele, ou você não vai contar?

Talvez ela apenas fosse deslizar novamente para dentro de sua vida quando estivesse cheia da guerra, mas Edouard queria saber aquilo agora também.

E ele esperava ter o direito. Terei de contar tudo a ele quando voltar. Pensei em contar por carta, mas isso parece muito covarde e não é justo com Olívia. Pensei sobre isso desde que parti e sei o que tenho de fazer. Não posso voltar para ele novamente. Vou voltar para casa um dia, mas não para ele.

Simplesmente não posso, Edouard. Não o amo. Em primeiro lugar, foi errado fazer isso. Eu nunca deveria ter deixado meu pai me forçar a fazê-lo, mas eu pensei que ele sabia o que era melhor. Talvez algumas pessoas possam viver assim, mas eu não posso. Vou voltar e viver com minha irmã. Ou talvez eu vá ficar aqui. Eu simplesmente não sei ainda. Mas vou pedir o divórcio a ele.

- E se ele não quiser? - perguntou Edouard com curiosidade.

- Então vou viver longe dele e continuar legalmente casada - disse ela, filosoficamente. Não me importo de verdade e é exatamente por isso que não tenho de voltar para ele. E não vou voltar. Ele merece mais do que isso também. Ele deveria ter se casado com Olívia. Ela teria sido perfeita para ele.

- Talvez ele se apaixone por ela enquanto você está aqui - disse ele, divertindo-se com o lado cômico daquilo e definitivamente havia um.

Era como Racine ou Molière, uma farsa francesa das melhores. O mais espantoso era que ela realmente tinha feito aquilo. Ela era muito corajosa e quase ultrajante.

- Não acho que eles vão se apaixonar. Olívia é muito certinha. Coitada, não pode ser muito divertido para ela tomar conta deles e fingir ser eu! Ela foi um anjo por fazer isso. Eu disse a ela que morreria se ela não trocasse comigo por um tempo.

Nós costumávamos fazer isso quando éramos crianças. Ela estava sempre me tirando das confusões. Victoria sorriu, pensando em Olívia, e Edouard pôde apenas sorrir de espanto com a história que ela lhe contara.

- E você - disse ele explicitamente - não é um anjo, mas um demônio, senhorita Victoria Henderson. Que coisa terrível de se fazer! - mas ele realmente estava se divertindo com aquilo; era tão ousado! E então ele pensou em algo que tinha se esquecido de perguntar e ela não lhe dissera. - Quanto tempo ela deu a você?

Victoria hesitou antes de responder; seus olhos se arregalaram ao encontrar os olhos azuis dele, cheios de perguntas.

- Três meses - disse ela calmamente.

- E você já partiu há um mês, não?

- Cinco semanas - respondeu ela.

- Isso não nos dá muito tempo, não é?

Mas ambos sabiam que nada na vida era certo, que estavam em tempos incertos, num lugar onde nada significava nada por uma hora, um dia ou um simples momento. - Como você se sente sobre passar seu tempo com um homem casado? - perguntou ele honestamente.

Ela sorriu para ele.

- Como você se sente sobre passar seu tempo com uma mulher casada?

- Eu diria que merecemos um ao outro, minha querida... você não?

Na verdade, ambos mereciam muito mais do que haviam tido e, sem dizer mais nada, ele inclinou-se no assento, puxou-a para seus braços e beijou-o.

 

Embora Olívia tivesse prometido ficar com seu pai em Croton em junho, achou que quando chegasse a hora de ir, não conseguiria deixar Charles e Geoffrey. Suas vidas haviam mudado inteiramente nas últimas semanas. Desde que a procurara na noite em que Olívia descobrira que sua irmã estava viva, Charles mal conseguia manter-se longe dela. Sua vida se transformara na lua-de-mel que nunca haviam tido e, em vez de se afastar de Charles, Olívia sentia-se ainda mais próxima a ele. Era tudo o que ela sempre sonhara.

O único problema era que tudo o que tinha agora era emprestado de sua irmã. Seu marido, o filho dele e até mesmo seu anel de casamento eram na verdade de Victoria, mas tudo o que ela podia fazer agora era tratá-los com carinho e dar todo o amor que tinha ao marido de sua irmã e ao filho adotivo.

Ela dizia a si mesma que o que quer que estivesse dando a eles seria creditado a Victoria no fim das contas, então, num certo aspecto, este era o último presente que podia dar a ela. Mas em outras ocasiões ela sabia o quanto aquilo era errado e se consumia de culpa até que ele se virasse para ela e a tomasse nos braços novamente, ou a alcançasse na cama à noite e a tocasse. Sua paixão havia atingido alturas que ele nunca conhecera e nunca suspeitara, por nenhum instante, de que Victoria fosse capaz, mesmo no início.

Sua sensualidade era diferente do que parecera a princípio. Ela não era tão selvagem ou tão incontrolável quanto ele a princípio achara. Em vez disso, suas emoções pareciam ser profundas, e ela lhe revelava sua alma exatamente como ele temera que Olívia pudesse fazer quando se conheceram. De certa forma, era um alivio não ter de encará-la agora. Seus sentimentos por ela sempre haviam sido confusos. Mas ele não estava mais confuso sobre nada, exceto sobre sair ou não para o escritório de manhã.

Eles riam como crianças enquanto se esforçavam para deixar a cama e voltavam correndo para ela à noite, prontos para o frescor da paixão. Na verdade, ultimamente eles estavam indo para a cama cada vez mais cedo, até que tiveram de força-se a pelo menos ficar até a hora de Geoffrey dormir.

- Nós somos terríveis. - Olívia sorriu sem saída uma manhã, enquanto Charles a seguia por toda parte até o banheiro e depois até a banheira. - Isso é obsceno - disse ela, sem qualquer convicção, enquanto ele a tocava suavemente embaixo da água quente. Ela gemeu enquanto se deitava lá com ele e seus olhos estavam quase vidrados meia hora mais tarde, quando preparava seu café da manhã e ele deu um tapinha brincalhão em seu traseiro quando saiu.

Mas quando a casa ficou silenciosa novamente, Olívia ficou quieta na sala de estar, imaginando como ela um dia poderia deixá-lo. Eles ainda tinham dois meses antes que Victoria voltasse para casa novamente e o reivindicasse.

E a parte terrível daquilo era que agora ela não tinha mais dúvida de que sua irmã não o amava. As histórias a que ele se referira, os comentários que fizera e as coisas que ela colhera de Geoff disseram a ela exatamente o que Victoria já lhe dissera, que seu casamento simplesmente não existia. O único problema era que ele era real e os amarrava, e Charles não tinha a menor idéia de que ela não era sua irmã.

E no fim de tudo Victoria voltaria para ele e inevitavelmente ele saberia o que acontecera. Olívia não tinha idéia de como resolver o problema. E tudo o que ela podia fazer enquanto isso era ficar com ele, dar toda a sua atenção a ele e a Geoff e amá-los.

E Charles pensava que havia morrido e ido para o paraíso. O que ele tinha com sua esposa agora era o que esperava ter quando se casara com ela, e mais até do que jamais tivera com Susan, embora ele ainda tivesse medo de admitir.

- Levou apenas um ano para conseguirmos nos ajustar - disse ele uma noite, provocando-a depois de terem feito amor, enquanto ficavam deitados nos braços um do outro.

- Não foi muito tempo, foi?

- Foi muito tempo - disse Olívia honestamente e ele se virou e olhou para ela.

- O que você acha que aconteceu para mudar tudo?

Quando olhou dentro dos olhos dela, viu algo que de certa forma o aterrorizava; era algo tão aberto, tão querido, as portas de seu coração ficavam totalmente abertas e ele rolou sobre o próprio corpo e afastou-se dela, olhando para o teto.

- Suponho que deveria apenas agradecer e não fazer muitas perguntas aos deuses. Quando ele disse aquilo, Olívia teve uma sensação estranha, quase como se ele soubesse sem saber. Mas ele adormeceu pacificamente pouco depois e nunca questionou nada, mesmo quando ela não se lembrava de pequenos detalhes que deveria saber, como onde ele guardava suas contas ou suas ferramentas.

Até Geoff perdia a paciência com ela às vezes por causa disso. Mas ela estava de tão bom humor atualmente, que ele não queria fazer muitas perguntas.

Eles partiram para Croton-on-Hudson, enquanto Olívia lutava contra as lágrimas, assim que Geoffrey terminou a escola, no fim da primeira semana de junho e Charles prometeu subir todos os fins de semana.

Ele manteve a palavra e ficou até tarde na noite de seu aniversário de casamento, que caiu num domingo naquele ano. Ele decidira não trabalhar no dia seguinte e ficar em Croton a noite toda para celebrar o aniversário com ela. Edward estava satisfeito de vê-los tão felizes também. Era óbvio para todos, incluindo Bertie, que mais de uma vez olhou para Olívia com suspeita.

- Você deve estar querendo alguma coisa dele, como uma casa nova e grande - provocou-a Bertie naquela tarde, por ela estar sendo tão doce com ele, mas ambas sabiam que Victoria herdaria a casa na cidade, já que vivia em Nova York agora.

E Olívia herdaria Henderson Manor, embora ela detestasse pensar naquilo. Mas a saúde de seu pai não estivera nada bem no último ano e desde o desaparecimento de Victoria piorara como nunca. Mas ele parecia estar passando por uma calmaria nos últimos dias. Seus pulmões estavam limpos, seu humor estava bom e ele abriu uma garrafa de champanhe para comemorar o aniversário deles naquela noite.

Então, como normalmente fazia de qualquer forma, foi para a cama mais cedo.

Geoffrey estava dormindo no antigo quarto de Olívia, como sempre fazia agora, e ainda machucava Olívia entrar lá. Apenas ver a cama que ela partilhara com a irmã por vinte e um anos sempre a fazia sentir falta dela. Ela recebera duas cartas, que Victoria mandara para a casa da Quinta Avenida, como dissera que faria, e tudo o que sabia era que ela estava em Châlons-sur-Marne, trabalhando em um hospital de campo e cuidando de soldados moribundos. Soava desgostoso para Olívia.

Aquilo certamente não eram férias, particularmente depois da maneira como começara, mas era óbvio, por tudo o que ela dizia, que Victoria amava estar lá. E não importa quais fossem suas razões, da mesma maneira que Olívia sentia falta de sua irmã gêmea, também tinha de admitir secretamente que estava feliz por ela ter ido embora, mesmo que por pouco tempo. Isso dava a ela aqueles preciosos momentos com Geoff e Charles, e naquela noite de seu aniversário fizeram amor com uma ternura especial.

Mais tarde ele fez referência ao tempo que passaram no Aquatania no ano anterior e o quanto fora solitário e desapontador para ambos. O coração de Olívia transbordou de amor por ele, enquanto fingia se lembrar ou pelo menos saber do que ele estava falando, mas ela não sabia.

Tudo o que pôde colher do que ele disse foi o quanto os dois foram infelizes. Por fim eles fizeram amor novamente e desta vez pareceu um pouco diferente.

Ela sentiu seus corações e almas se fundirem como nunca antes acontecera, mesmo nas últimas semanas com ele. Mais tarde, enquanto ela se deitava ao seu lado, usando os anéis de Victoria, sentiu-se verdadeiramente casada.

Foi como se ele sentisse algo diferente também, pois falava com ela de maneira diferente agora. Tudo entre eles parecia mais íntimo agora que haviam entrado numa união mais física e no dia seguinte, na hora de partir, ele quase teve de se obrigar a ir embora. Não podia tirar os olhos de seu rosto e quase deu a volta e retornou assim que chegou a Newburg. Ele teve de rir de si mesmo no fim e escreveu para ela naquela noite, apenas para dizer o que ela passara a significar para ele agora e o quanto a amava. Olívia chorou quando recebeu sua carta.

Nunca imaginara que a vida pudesse ser tão perfeita.Olívia cavalgou com Geoff em Croton quase todos os dias. Seu estilo havia melhorado consideravelmente e ela o estava treinando em saltos que seu pai temia serem muito altos para ele, mas Olívia o observava cuidadosamente e Geoff era capaz de fazê-lo. Ele estava surpreso por ela cavalgar tanto com ele agora, pois sabia que a madrasta não gostava de cavalos tanto quanto sua irmã. Mas ela mudara muito nos últimos dois meses e ele queria acreditar que Victoria estava fazendo um esforço.

Ela lembrava muito mais Olívia atualmente, mas ainda tinha seus humores também. E de vez em quando Olívia ainda tomava atitudes um pouco ásperas com ambos, para que eles jamais suspeitassem de seu engodo.

A única diferença entre ela e sua irmã era que Olívia ficava consumida de culpa no momento em que o fazia. E passava o resto do dia fazendo as pazes com eles, com gestos gentis e palavras calorosas. Na verdade Geoff quase gostava daquilo. Ele gostava de passar o tempo com a madrasta agora, embora ainda estivesse sofrendo pelo choque do desaparecimento de Olívia.

Ele falava sobre isso de vez em quando, mas era óbvio para ela que a dor daquilo ainda era colocada ao lado da perda de sua mãe. E ela se sentia péssima com isso, mas não havia nada que pudesse fazer para mudar aquilo, exceto amá-lo, e ela o fazia mais que nunca.

Charles foi obrigado a passar a última semana de junho com eles e, na véspera de sua chegada, Olívia e Geoff estavam cavalgando como sempre. Já estavam no caminho de casa quando ela saltou sobre um pequeno riacho e sua égua perdeu o equilíbrio. A égua tropeçou e Olívia não caiu, mas o animal pareceu ficar um pouco manco depois daquilo. Assim, Olívia desmontou e levou a égua a pé para casa, com Geoff perto dela, montado em seu próprio cavalo.

Quando voltaram ao estábulo, ela encontrou uma grande pedra enfiada no casco da égua e pegou uma picareta afiada para tirá-la, mas um súbito movimento de outra égua assustou-a e ao cavalo, que se movimentou tentando sair, enquanto a picareta entrava na mão direita de Olívia, entre seus dedos.

Havia sangue por toda parte, e um garoto do estábulo correu para pegar uma toalha, enquanto Robert, o velho cocheiro, pegou o cavalo e tirou a pedra de seu casco. Geoff estava à beira das lágrimas quando saíram rapidamente e Olívia segurou a mão sob a torneira para limpá-la. Deve precisar de um ponto ou dois, senhorita Victoria - disse um dos cocheiros com preocupação, mas ela corajosamente insistiu que não precisava.

Estava se sentindo um pouco frágil por causa da dor e da visão de tanto sangue, e Geoff foi buscar um caixote para que se sentasse.

- Você está bem, Victoria? - perguntou ele nervosamente.

Aquilo o fazia sentir-se um pouco enjoado também e ele olhou para outro lado enquanto o sangue fluía livremente na água fria. Estou bem - disse ela, agradecida pela caixa para se sentar, enquanto colocava a cabeça para baixo e tentava clareá-la.

Geoff estava segurando uma toalha limpa para ela e quando Olívia finalmente achou que tinha jogado água suficiente sobre o ferimento, segurou a mão para ele e deixou-o brincar de médico.

- Amarre com força, por favor - disse ela, incapaz de fazê-lo sozinha com apenas uma das mãos. Mas quando ele olhou para sua mão direita, engasgou e olhou para ela. Todo o seu mundo havia subitamente virado de cabeça para baixo. Ela nem mesmo pensara naquilo. Mas ele vira a sarda e agora sabia exatamente quem ela era e quem ela não era.

- Tia Ollie... - sussurrou ele, incapaz de acreditar e olhando novamente para a sarda, incrédulo. Ele soubera que havia algo diferente nela, mas jamais imaginaria que elas pudessem ter trocado de lugar, não por tanto tempo. - Onde está... - começou a perguntar, quando Robert, o cocheiro, se aproximou deles.

- Como está? - perguntou ele, preocupado. - Devo chamar o velho doutor?

- Não, está tudo bem - disse ela, com medo agora de que ele pudesse ver também. Talvez ele soubesse a diferença entre elas. E Bertie saberia com certeza. Ela não podia mostrar para ninguém agora. Sabia disso.

- Vou ficar bem. Apenas me assustou.

- Foi bom que não tenha entrado bem no meio de sua mão, senhorita Victoria - disse ele, sacudindo a cabeça. - Tome conta direito disso agora. Mantenha limpo. Cubra-o bem - disse ele a Geoffrey, que estava amarrando a atadura bem apertada, como se estivesse ansioso para esconder algo na mão de sua madrasta.

Mas assim que ficaram sozinhos novamente, ele estava sorrindo. Ela estava de volta. Ele nunca a perdera, afinal de contas. Olívia pensou que nunca vira uma criança iluminar-se como ele e pegou-o em seus braços e o abraçou.

- Eu disse que jamais o deixaria -sussurrou ela em seu cabelo.

- Papai sabe?

Ele parecia totalmente confuso agora, enquanto ela sacudia a cabeça e olhava para ele.Ninguém sabe, Geoff. Exceto você agora. Você não pode dizer a ninguém. Você tem que jurar. Nem mesmo a seu pai.

- Eu prometo.

E ela sabia que ele falava sério. O castigo poderia ser a volta de sua madrasta de verdade e ele não queria aquilo de forma alguma. Não que ela fosse particularmente ruim com ele, apenas não gostava dela. E ela não era Ollie. E então ele pensou em algo.

- Papai vai ficar nervoso quando descobrir?

- Acho que sim - disse ela com honestidade. Não queria mentir para o garoto mais do que já tinha feito.

- Ele vai mandar você embora de novo?

- Não sei. Nós temos apenas que ficar bem calados sobre isso, eu e você, e aproveitar enquanto pudermos. E eu falo sério, Geoff, você não pode contar a ninguém. - Seus olhos imploravam a ele para acreditar nela.

- Eu não vou contar. Ele pareceu insultado por ela repetir aquilo. Então colocou um braço em torno da cintura de Olívia e andaram de volta para a casa, com sua mão amarrada e seu segredo.Charles passou a última semana de junho em Croton com ela e Geoff, como dissera que faria.

Sua mão já estava boa novamente e Geoff cumpriu sua palavra. Ele não disse nenhum sussurro sobre o que vira em sua mão naquele dia e nada em seu comportamento sugeria que ele tinha um segredo.

Olívia ficara preocupada com aquilo por alguns dias, mas finalmente relaxou e, na época em que deixaram Croton, tudo estava bem novamente. Seu pai parecia melhor, Bertie estava triste por vê-los partir e os três Dawson estavam excitados para irem para o litoral.

Charles alugara um chalé para eles em Newport, Rhode Island. Como sempre, os Goelet estavam lá naquele ano, e os Vanderbilt também. Quase todas as noites havia festas nas grandes casas que eram modestamente chamadas “chalés” e o tempo estava fabuloso. Geoff adorava nadar com ela e Charles estava mais feliz do que nunca. Ele caçou-a pela praia mais de uma vez e eles riam como crianças.

E no Quatro de Julho ficaram na praia para ver os fogos do clube. A casa que haviam alugado era muito boa e confortável, e depois de passar todo o mês de julho com eles, Charles voltou para a cidade no dia 1° de agosto. Como fizera em Croton, em junho, ele voltaria nos fins de semana.

E na sexta-feira à tarde Olívia mal podia esperar para vê-lo. Ela ficara sozinha com Geoff durante a semana e, mesmo quando estavam sozinhos, ele nunca a chamava de Olívia ou falava sobre seu segredo. Ele sabia que era uma coisa indizível, que nunca poderia ser mencionada novamente, e era crescido o suficiente, aos onze anos, para entender isso.

Eles saíram para longas caminhadas na praia, tomaram chá com amigos, foram ao Iate Clube com freqüência e cataram conchas. Juntos, Olívia e Geoff fizeram colagens para Charles, fizeram até mesmo uma carta de navegação para ele com pequenas conchas, que parecia ser de verdade. Olívia dividia toda a sua gentileza, seu amor e seus talentos com eles. E quando Charles chegava a Rhode Island tarde da noite na sexta-feira, sempre valia a pena a longa viagem que fizera para vê-la.

- Não sei como consigo ficar sem você a semana toda - disse ele, beijando-a e segurando-a bem perto de si, enquanto ficavam na sacada do quarto, à luz da lua.

Era uma noite perfeita e ele estava sentindo falta dela como sempre sentia, embora odiasse ceder ao seu desejo tão rapidamente. Ele gostava de falar com ela, abraçá-la e apenas estar com ela. Mas assim que voltaram para o quarto, ele não pôde resistir. Era um longo clamor que tinha origem em seu primeiro ano, quando ela o mantivera à distância e estremecia a cada vez que ele a tocava.

Ela era infinitamente sensual agora, como ele sabia que sempre fora, mas ele simplesmente não conseguira chegar até ela antes. Tudo mudara no momento em que ele admitira para si mesmo que a amava.

E naquela noite, enquanto se deitavam juntos, mais tarde, ele a segurou perto de si e acariciou seu rosto com os dedos. Havia algo mais que ele queria dela agora, mas jamais ousaria pedir. Ele conhecia seus sentimentos sobre o assunto. Mas talvez, se outras coisas haviam mudado, aquilo também mudasse por fim.

Ela nem mesmo havia mencionado assembléias sufragistas em dois meses, embora ainda lesse avidamente os jornais, bem como tudo o que podia sobre a guerra na Europa. E ela mantivera sua palavra e nunca voltara a fumar. Ele sabia que fora um enorme sacrifício para ela, mas achou que valera a pena.

Aquilo simplesmente não era feminino nem atraente, embora ele tivesse de admitir que a princípio achara interessante. Mas depois de um certo tempo ele se cansara daquilo e estava feliz por ela também ter finalmente se cansado. No mínimo aquilo cheirava horrivelmente.

Ele agora notava também, enquanto ela se enroscava perto dele, que ela até dormia de maneira diferente do que fazia antes.

 

Ela sempre se esquivara de qualquer contato, dormindo o mais longe que podia dele, e agora não podia ficar mais perto enquanto ronronava a seu lado. E ele amava aquilo.

No dia seguinte foram todos à praia, como sempre, e fizeram um piquenique na areia. Na volta para casa, pararam para comprar algumas coisas. Olívia disse que precisava de um novo guarda-sol, pois o sol estava tão forte ultimamente que a fazia ficar tonta. E Geoff precisava de um novo par de sapatos. Ele crescera muito no verão e mal cabia nos seus antigos.

No caminho para casa, quando estavam todos conversando animadamente, aconteceu de Olívia olhar para a estrada e ver uma garotinha lançar-se entre duas carruagens atrás de uma bola e imediatamente ficar entre as pernas dos cavalos. Um dos cavalos empinou e a mãe gritou, mas ninguém fez nada para salvá-la.

Charles estava prestes a se arremessar atrás dela, mas antes que pudesse sequer se mexer Olívia se lançou à frente dele, agarrou a criança e se jogou para o lado, a salvo com ela. A criança não podia ter mais que dois ou três anos e todo o seu corpo estava protegido pelo de Olívia, enquanto o cavalo empinado voltava a colocar as patas dianteiras na terra, arranhando levemente Olívia.

Ela ainda conseguiu passar para o outro lado da rua com a criança, a salvo de perigo, mas estava um pouco confusa e as pessoas estavam gritando e se lançando em torno dela.

Os cavalos haviam sido seguros, a mãe da criança havia explodido em lágrimas, a babá estava gritando com ela, a garotinha estava gritando também e Charles não prestava atenção em ninguém, enquanto se lançava pela rua em direção a Olívia, com Geoff bem atrás dele.

- Meu Deus, você está tentando se matar? - gritou ele para ela, consciente do quanto ela havia chegado perto daquilo, ainda mais consciente do que ela própria, já que não havia visto nada. Ela apenas reagira à situação e tudo já havia acabado antes mesmo que ela soubesse.

- Mas Charles... a criança... a garotinha...

Ela olhou para ele com olhos arregalados e, enquanto olhava, ele pareceu muito longe e a cor sumiu vagarosamente de seu rosto. Ela pôde ouvir tudo o que ele disse e então viu seus lábios se mexendo, mas ele já não estava fazendo nenhum som, e ficou muito pequeno e quase cinza. Ela olhou para ele com uma expressão confusa e ele observou, horrorizado, enquanto ela deslizava como melado derretido para a calçada.

Ele teve tempo apenas de segurá-la antes que ela batesse no chão. E então subitamente ele também estava gritando para que alguém o escutasse.

Ele só havia pensado que ela fora ferida pelos cascos dos cavalos, mas talvez fosse ainda pior do que ele imaginava. Ele estava aterrorizado enquanto gritava para alguém trazer o médico.

- O que aconteceu?... O que aconteceu?... - perguntou uma mulher. - O que é?

- Eu não sei - disse ele, sem prestar atenção em nada do que estava acontecendo em torno deles. Quando olhou sobre seus ombros, viu os olhos de Geoff cheios de lágrimas e tentou se acalmar o suficiente para acalmá-lo também. Mas estava em pânico por causa da mulher que ele pensava ser sua esposa e que Geoff sabia que era Olívia. Depois de tudo por que tinham passado, ele não podia perdê-la.

- Ela vai ficar bem, filho - disse ele a Geoff, enquanto alguém ia buscar o médico, e deitou-a na calçada com a bolsa de Geoff por baixo de sua cabeça. Mas ela não recuperara a consciência. Ela tinha desmaiado completamente.

- Ela não vai ficar bem, pai, ela está morta - disse Geoff, chorando abertamente e mais e mais pessoas se juntaram em torno deles, enquanto Charles ajoelhava-se perto dela e pedia às pessoas para deixarem-na respirar.

Finalmente chegou um homem que disse que era médico. Ele carregou-a para um restaurante próximo e deitou-a cuidadosamente sobre um balcão para que pudesse examiná-la. Não havia contusão nem golpe aparente em sua cabeça, e ao examinar seus olhos, ele não acreditou que ela pudesse ter tido uma concussão, mas ela estava definitivamente inconsciente.

Ele esfregou seus pulsos, colocou gelo atrás de seu pescoço e em suas têmporas, e então ela vagarosamente voltou a si e viu Charles, parecendo verde enquanto perguntava o que acontecera.

- Você salvou uma garotinha, sua doida, e quase foi pisoteada até a morte por dois cavalos - disse ele, despedaçado entre sentimentos de terror, alívio e fúria. - Seria bom se você deixasse o heroísmo para outra pessoa, meu amor - disse ele, beijando sua mão, enquanto Geoff limpava as lágrimas, embaraçado por ter estado chorando.

- Sinto muito - disse ela fracamente, depois olhou para o médico.

Ele estivera escutando seu coração e estava satisfeito. Não parecia haver nada errado com ela, mas mesmo assim perguntou a eles se gostariam de levá-la para o hospital. Olívia disse que queria ir para casa, mas assim que ficou de pé quase desmaiou novamente e admitiu para Charles, numa voz frágil, que se sentia péssima. Ele podia ver como ela se sentia e estava perto das lágrimas quando a deitou novamente no balcão.

- Acho que se sua esposa fosse para casa e se deitasse um pouco, talvez ficasse bem. Provavelmente foi o calor e a emoção. Você pode me chamar novamente esta noite se ela precisar de mim - disse o médico de maneira agradável e deu a Charles um cartão.

E poucos minutos mais tarde, Charles a deixou com Geoff e foi buscar o carro, enquanto o garoto olhava para ela docilmente.

- Ollie, você está bem? - sussurrou.

- Geoff, não! - disse ela, embora não houvesse ninguém perto para ouvi-los. - Lembre-se do que eu disse a você.

- Eu sei... é que fiquei tão assustado... você parecia estar morta.

Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela apertou a mão dele na sua.

- Bem, eu não estou morta e vou bater em você daqui até o fim de sua vida se você me chamar assim novamente.

Ela sorriu para ele e ambos estavam rindo quando Charles voltou para pegá-la. Ele insistiu em carregá-la para o carro, o que a embaraçou, e ela disse que estava bem agora, mas ainda estava muito pálida. E naquela noite ela decidiu não jantar. Estava muito enjoada. Vou chamar o médico - anunciou Charles firmemente, quando foi ver como ela estava depois que ele e Geoff haviam comido sozinhos na sala de jantar. - Não gosto da sua aparência.

- Charles, como você é cruel - provocou-o Olívia e ele riu para ela.

Ele amava seu senso de humor. Não era tão acurado como antes, mas com o tempo se tornara mais sutil. Mas ela ainda tinha um bom senso de humor.

- Você sabe o que quero dizer - suspirou ele, enquanto se sentava e olhava para ela. Achei que fosse morrer quando aquele maldito cavalo quase pisoteou você. Pelo amor de Deus, que coisa louca de se fazer!

- A garotinha podia ter morrido - disse ela simplesmente, sem arrependimentos, já que nenhuma delas havia sido ferida.

- Você também.

- Estou bem - disse ela e beijou-o gentilmente nos lábios.

Havia algo que tinha de dizer para ele. Ela não sabia o que fazer com aquilo. Não era o que ela queria que acontecesse, de forma alguma, e ia complicar tudo. Mas ela queria aquilo tão desesperadamente, que não haveria meio de desistir agora.

- Estou muito bem, realmente - disse ela suavemente, olhando para ele, que pareceu subitamente confuso. Ela tinha uma maneira gentil de dizer coisas que às vezes o confundiam.

- O que isso significa?

- Não estou certa do que dizer a você - disse ela cautelosamente.

Ela não sabia quais seriam seus sentimentos sobre aquilo e sabia que sua irmã jamais quisera crianças. Talvez ele também não quisesse.

- Há algo errado? - perguntou ele, parecendo preocupado, mas ela apenas sacudiu a cabeça e teve de lutar contra as lágrimas de emoção. - Oh, Victoria - disse ele, lembrando-a novamente de que ela o havia roubado e não tinha direito a essa felicidade, e ainda assim ela o amava tão encarecidamente. - Diga-me o que está preocupando você... - Ele não podia imaginar nada que a fizesse ficar assim e estava ansioso para acalmá-la.

- Eu... eu estou... Charles... - Mas quando ele olhou para ela e lembrou o que acontecera naquela tarde, subitamente entendeu.

- Você está esperando, Victoria? - perguntou ele, parecendo abalado, enquanto ela assentia. Ele havia sido incrivelmente cuidadoso nos últimos dois meses, mas ela nunca reclamara e então ele apenas deixara acontecer. E sabendo como ela se sentia a respeito, ele ficou subitamente aterrorizado com o fato de que ela ficaria furiosa com ele e que todos os maus tempos voltariam novamente, ainda com mais intensidade. Mas quando ele olhou para ela, Olívia parecia tudo, menos zangada, e estava chorando.

- Estou - admitiu para ele.

Achava que devia ter acontecido no aniversário de casamento. Ela já havia ido ao médico uma vez. O bebê era esperado para o fim de março e ela estava grávida de dois meses.

- Você está muito zangado?

- Zangado? - disse ele, olhando para ela, perguntando-se como ela podia ter esquecido todas as coisas que dissera no passado sobre não querer ter filhos. - Como eu poderia estar zangado? Você é que nunca quis ter uma criança. Você está zangada comigo? - perguntou ele com olhos preocupados.

- Nunca estive tão feliz - sussurrou Olívia, enquanto fechava os olhos e ele a beijava, dominado pelos sentimentos de quanto eles eram sortudos e do quanto ela era infinitamente preciosa para ele.

- Não posso acreditar... quando será? - perguntou-lhe ele.

- Em março - disse ela suavemente, perguntando-se o que faria quando sua irmã voltasse para casa e o reivindicasse.

O que aconteceria ao bebê então? De quem ele seria? O que Victoria diria a ela sobre isso? Seria um escândalo terrível, mas ainda assim tudo o que ela podia fazer era se agarrar a ele agora e rezar para que o futuro nunca chegasse. Quando chegasse, ela seria a perdedora em tudo aquilo. Principalmente se eles exigissem ficar com o bebê. Ela imaginava todos os tipos de enredos aterrorizantes quando se permitia, mas a maior parte do tempo apenas se forçava a não pensar em nada daquilo, exceto em Charles e no bebê.

Eles contaram a Geoff pouco antes de voltarem para casa e ele ficou um pouco assustado também, mas não fez nenhuma pergunta a ela. Ambos tomavam conta dela como se fosse uma peça de cristal antigo e ela ria deles, mas amava aquilo.

Charles estava até com medo de fazer amor com ela agora, mas, para seu próprio desgosto, descobriu que não conseguia se conter e era tão amoroso como sempre.

Assim que voltaram para Nova York, Olívia correu para a casa da Quinta Avenida.

As cartas haviam se acumulado lá por dois meses e ela não ousara pedir a ninguém que as mandasse para ela. Rezou para que Victoria estivesse bem na França, no mesmo lugar, trabalhando no hospital e arregalou os olhos quando leu a última carta da irmã. Era a Providência.

Por um breve momento, seu coração se dilacerou, desejando vê-la novamente e então ela soube que tinha de ser assim, para o seu próprio bem, bem como por Charles e pelo bebê.

Victoria dizia que era muito difícil explicar, mas que era necessária lá, e, embora sua vida estivesse um pouco complicada, nunca fora tão feliz, e por razões que ela explicaria mais tarde para Olívia, não voltaria para casa no fim do verão, como planejado. No momento, sua vida era onde estava e implorava à irmã para perdoá-la.

Olívia sentia seu coração bater forte enquanto relia a carta. Ela sentia terrivelmente a falta da irmã, mas sabia que teria de ser desse jeito agora, pelo bem delas. Rezou para que ela estivesse a salvo e bem e para que um dia Victoria a perdoasse pelo que estava fazendo.

O verão em Châlons-sur-Marne fora difícil para todos eles. O calor da batalha se movera para Champanhe, comandada pelo general Pétain. Por causa das campinas sem árvores, não havia cobertura nem defesas naturais para os homens.

Os "poilus", como os rapazes franceses eram chamados, cavaram trincheiras novamente e foram massacrados aos milhares. O objetivo de sua missão na Champanhe fora interromper as estradas de ferro alemãs. Mas como os alemães estavam observando-os das terras altas, os aliados se tornaram alvos fáceis.

A batalha de artilharia continuou noite e dia, até que a infantaria entrasse e os rapazes fossem derrubados como soldados de brinquedo, abatidos um por um. Seus cadáveres ou seus corpos quebrados foram levados para os hospitais de campo, para que os médicos e mulheres como Victoria cuidassem deles. Mas havia sobrado muito poucos para cuidar. Fora um massacre.

No fim de setembro, eles encararam chuvas fortes e em todos os lugares a que iam chapinhavam em lama e água. Era grotesco como alguns dos rapazes morriam na lama, literalmente afundando enquanto bolhas de sangue borbulhavam nas poças de água. O horror e as perdas chocantes continuaram outubro adentro.

E Edouard parecia tão cansado como todos ao se sentar em sua barraca tarde da noite com Victoria, quando ela saiu do trabalho. Ele tinha dois aposentos na casa de fazenda que pertencia ao château, um que lhe servia como quarto e outro como estúdio, e Victoria estava mais ou menos vivendo com ele ali, embora todo mundo fingisse não saber e ela ainda mantivesse algumas de suas coisas no acampamento.

- Não é muito divertida essa guerra, não é, meu amor? - perguntou Edouard, enquanto se deitava e a beijava.

Ele estava encharcado e havia acabado de chegar a pé do hospital sob a chuva torrencial, mas agora ela já estava acostumada com aquilo. Nenhum deles estivera seco durante o último mês. Suas roupas, suas tendas, seus lençóis, tudo estava molhado e mofado. Você já está cansada disso? - perguntou ele. - Pronta para voltar para casa?

Parte dele queria que ela fosse, para que soubesse que ela estaria a salvo. Mas outra parte sempre a queria perto dele. Ele encontrara nela algo que nunca tivera em lugar nenhum antes, uma mulher que era igual a ele, sua amiga, tão forte quanto ele, sua amante e ao mesmo tempo sua companheira. Eles eram perfeitos juntos.

- Não tenho mais certeza do que é casa. - Ela sorriu com cansaço para ele, deitada em sua cama após dezesseis horas de trabalho. - Não é aqui, com você? Achei que era disse ela suavemente, e ele aproximou-se dela e beijou-a.

- Acredito que sim - disse ele, beijando-a novamente, e então olhou para ela com interesse. - Você já contou à sua irmã sobre nós?

Ele se perguntava se ela faria isso. Já haviam falado sobre esse assunto repetidamente, mas Victoria ainda estava com medo de chocá-la. Afinal, ambos eram casados.Não, mas vou contar. Ela sabe. Ela sabe tudo sobre mim.

- Que estranho ter alguém assim. Eu fui muito próximo a meu irmão antes que ele morresse, mas nós sempre fomos muito diferentes.

Ele amava conversar com ela sobre a vida, sobre a guerra, sobre política e gente; eles partilhavam tantos interesses comuns e ele era quase tão liberal quanto ela.

Quase, mas nem tanto. Achava que as sufragistas haviam ido muito longe e disse-lhe que se ela um dia deixasse crescer um bigode ou entrasse numa greve de fome para conseguir o direito ao voto, ele bateria nela. Olívia e eu somos diferentes também- disse ela, acendendo um de seus Gitanes. Eles estavam ficando cada vez mais difíceis de conseguir e agora tinham de partilhá-los. Mas é como se fôssemos dois lados da mesma moeda. Às vezes, quase parece que somos a mesma pessoa.

- Talvez sejam - provocou ele, rolando para cima dela e pegando um trago do Gitane. Quando é que eu terei a outra metade? - Ele riu.

- Nunca. - Ela riu também. - Você terá de ficar satisfeito com o que tem. Nós somos crescidas agora, não trocamos mais de lugar.

Ele riu do que ela havia acabado de dizer e rolou para o lado novamente.

- Estou certo de que seu marido vai ficar feliz de ouvir isso - disse ele maldosamente pobre-diabo! Depois desta bagunça, você tem de voltar para casa e colocar tudo em ordem, pelo bem deles - disse ele carinhosamente e ela há muito já havia concordado em fazer isso. Quando chegasse o momento certo de ir para casa, ela voltaria e contaria tudo a Charles ela mesma. Devia aquilo à irmã.

- Talvez ela não queira que eu conte a ele quando chegar a hora.

- Isso poderia ficar complicado, eu admito. Ao menos não há nada físico entre eles, ou pelo menos é o que você diz. Mas se ela é realmente parecida com você, não estou certo de acreditar nisso. Desafio qualquer homem a resistir a vocês duas por mais que algumas semanas. Deus sabe que eu não poderia.

- Você tentou resistir? - perguntou ela, parecendo intencionalmente má e quase rugindo para ele, enquanto Edouard dava uma risada. Mesmo no uniforme mais feio e amarrotado, Victoria dava um jeito de parecer sexy.

- Nem por um minuto, eu receio - respondeu ele honestamente. - Nunca pude resistir a você, meu amor - disse ele e momentos mais tarde provou o que estava dizendo.Mais tarde naquela noite, ele chegou com a notícia de que tinha de ir a Artois em poucos dias, para a próxima ofensiva franco-britânica.

Começara no mesmo dia da Batalha em Champanhe, mas não estava indo bem e os poilus odiavam o comandante britânico, Sir John French e queriam um dos seus lá. Havia um movimento em ação para substituir Sir John por Sir Douglas Haig, mas nada ainda havia sido feito e os franceses não o queriam de jeito nenhum. Então Edouard prometera ir ao Artois e ver o que podia fazer para ajudar no estado de espírito de todos e colaborar no planejamento da batalha.

- Seja cuidadoso, meu amor - disse ela, sonolenta.

Havia algo que queria dizer a ele, mas estava tão cansada que não podia lembrar o que era. De manhã ele se foi e ela teve de voltar para o hospital de campo novamente. Ela não se importava de trabalhar quinze ou até dezoito horas por dia. Esta era sua vida agora.

 

A vida em Nova York era bem mais civilizada do que em Châlons-sur-Marne, para dizer o mínimo, e outubro foi um mês brilhante, belo e ensolarado. Estava extraordinariamente quente e Olívia e Charles pareciam estar muito ocupados. Eles foram muitas vezes aos Van Cortlandts, a jantares festivos com clientes no Delinonico's e, no fim de outubro, planejavam ir a uma grande festa nos Astor.

Olívia estava grávida de quatro meses, mas não se via no estilo de vestido que ela usava. Sua silhueta já começara a engrossar e, sem roupas, havia uma pequena saliência arredondada que ele amava segurar.

Era tão doce vê-la daquele jeito e aquilo às vezes o fazia lembrar-se de quando Susan estava esperando Geoffrey. De certa forma, sendo agora mais velho e tendo pagado um alto preço por aquilo que amava, esta gravidez parecia ainda mais querida. Charles disse que queria uma garota e Olívia não se importava, apenas queria que o bebê fosse saudável.

Ele a fez ir ao médico regularmente e havia lembrado a ela uma vez, meio sem jeito, para contar ao médico sobre o aborto que tivera antes de se casarem.

- Ele não precisa saber disso - disse Olívia, mortificada.

Ela não o tivera, de qualquer forma, mas não podia dizer isso a Charles; estava aterrorizada com o fato de ele contar isso a seu médico.

- É claro que precisa - disse Charles com bom senso. - Particularmente porque você quase morreu: Você pode ter outra hemorragia desta vez. Ou pior ainda, perder o bebê.

Ambos estavam com medo disso e sempre que estava muito cansada ou se sentia mal, ela ia para casa descansar, mas isso não acontecia sempre. Olívia estava com boa saúde e com o humor melhor ainda.

Até agora, apesar dos horrores da guerra e das pesadas perdas em Champanhe e no Artois naquele outono, Victoria parecia estar a salvo e bem e quando Olívia lia o que ela contava, sempre tinha um estranho sentimento de paz vindo dela, como se sua irmã houvesse finalmente encontrado o que queria. Ela não mencionou Edouard e ainda assim Olívia tinha a sensação de que ela não estava sozinha lá. Quando fechava os olhos e pensava nela, tinha uma sensação estranha de preenchimento e integridade, bastante parecida com o que ela sentia agora vivendo com Charles e esperando seu bebê.

Ela usou um vestido de seda púrpura na noite em que foram aos Astor e um casaco de peles que seu pai mandara fazer para ela quando soubera que ia ter um bebê. Ele estava muito orgulhoso dela e agradecido pelo fato de as coisas terem ido tão bem. Era fácil ver o quanto eles estavam felizes.

O único sofrimento que todos partilhavam era o fato de que “Olívia” não voltara, como prometido, no fim do verão. A mulher que todos pensavam que era Victoria, exceto Geoff, disse que tivera notícias dela, que sua irmã estava bem e que, embora não tivesse dado endereço; ela estava num convento em São Francisco e logo estaria em casa.

Mas nenhuma das muitas buscas que fizeram havia dado em qualquer lugar: os investigadores finalmente haviam desistido no final de agosto. Mas Olívia novamente assegurara a seu pai que sua irmã parecia bem e ele não deveria se preocupar. Ele ainda se censurava pelo desaparecimento de Olívia e secretamente voltara a admitir para a Olívia real que achava que sua irmã estava apaixonada por Charles. E é claro que a Olívia real negou isso veementemente.

Mas, fora isso, tudo estava indo bem para eles, e na noite em que foram ao baile dos Astor, Olívia parecia especialmente bonita.

Charles ficou perto dela e foi apenas quando se dirigiu a um velho amigo que se afastou dela por um instante, deixando Olívia conversar com uma conhecida de sua irmã. Ela nunca duvidara por nenhum momento que estava falando com Victoria, ninguém jamais duvidara. Olívia já estava acostumada com isso agora e elas conversaram agradavelmente.

Olívia ficou um pouco surpresa ao saber que Victoria ainda devia dinheiro à amiga por ter perdido no bridge para ela, o que a fez sorrir enquanto prometia pagar desta vez, já que Victoria sempre jurara para ela que não apostava, porque pensava que era algo muito estúpido.Olívia foi andando para o jardim em seguida, para fugir do barulho e do calor do aposento e quando estava olhando calmamente para as roseiras, assustou-se ao ouvir uma voz atrás dela.

- Cigarro? - perguntou ele. Ela não reconheceu a voz e começou a recusar, quando viu que era Tobby.

- Não, obrigada - disse ela friamente.

Ele estava tão bonito quanto sempre fora, mas ela achou que ele parecia um pouco mais acabado do que parecera dois anos antes, quando o vira pela primeira vez.

- Como você tem passado? - perguntou ele com especial sutileza, quase se empertigando enquanto chegava mais perto dela, fazendo com que ela sentisse o cheiro e visse que ele estivera bebendo.

- Muito bem, obrigada - respondeu ela, começando a se afastar, mas ele agarrou-lhe o braço e puxou-a para perto dele a fim de detê-la.

- Não se afaste de mim assim, Victoria. Você não precisa ter medo de mim - disse ele ousadamente. Não estou com medo de você, Tobby - disse ela numa voz clara que o pegou de surpresa, bem como ao homem que estava escutando-a, sem ser visto, poucos passos atrás deles. - Apenas não gosto de você.

- Não é disso que me lembro - disse ele, parecendo uma bela serpente, enquanto ela se virava para ele com olhos que brilhavam de raiva.

- De que exatamente se lembra, senhor Whitticomb? De me enganar, ou à sua esposa, foi disso que tanto gostou? Realmente, do que eu mais me lembro é de sua tentativa de seduzir uma garota jovem e inocente e depois mentir para o pai dela. Homens como você deveriam estar presos e não em salas de visitas, Tobby Whitticomb.

E não perca tempo me mandando flores novamente ou bilhetes de amor. Não perca seu tempo. Estou muito velha para essas besteiras vindas de um homem feito você. Tenho um marido que me ama e a quem eu amo encarecidamente. E se chegar perto de mim novamente, não vou contar apenas a ele, mas à cidade inteira que você me estuprou.

- Não foi estupro, foi... - começou ele a dizer, mas antes que pudesse terminar, Charles saiu das sombras, parecendo extremamente satisfeito e sorrindo para a esposa. Ele viera procurar por ela justamente a tempo de ver Whitticomb segui-la até o terraço e então ficara cautelosamente escutando-os, não intencionalmente, mas adorou tudo o que ela havia dito a ele, e seu coração se aquecera ao ouvir a conversa.

Isso havia colocado um velho fantasma para descansar. Não havia mais espectros entre eles, exceto talvez Susan, mas mesmo sua memória já estava descansando. O único fantasma que sobrava, como Olívia sabia muito bem, era sua irmã.

- Devemos ir, minha querida? - Charles ofereceu-lhe o braço e eles voltaram para a sala de visitas, enquanto ele olhava para ela com um pequeno sorriso de prazer.

- Aquilo foi muito bom. Lembre-me de não brigar com você novamente. Eu havia esquecido o quanto você é boa nisso, usando as palavras como lanças.

A verdade era que a verdadeira Victoria era bem melhor naquilo do que ela, mas ele não sabia disso. E, por uma vez, Olívia se aproveitou da ocasião.

- Você estava escutando? - Ela parecia tão embaraçada quanto chocada.

- Eu não queria, mas eu o vi seguir você e saí atrás para ter certeza de que não a perturbaria. Você tem certeza de que não estava com ciúmes? - provocou ela, vendo-o ficar levemente corado, sem responder. - Não precisava. Ele é um verme desagradável e era hora de alguém dizer isso a ele.

- Acho que você fez isso com muito sucesso. - Charles sorriu e beijou seu rosto, enquanto a levava para o salão de danças.

Foi um estranho Dia de Ação de Graças em Croton-on-Hudson naquele ano por causa da aparente partida de Olívia, embora ela ainda estivesse entre eles e eles não soubessem. E em seu coração, Olívia sentia terrivelmente a ausência de Victoria. Era a primeira vez que não estavam todos juntos num feriado.

Seu pai deu as graças, mas a atmosfera estava pesada enquanto cada um deles pensava nos anos anteriores, sentindo falta de seus entes queridos. A única coisa que realmente animava a todos agora era a iminente chegada do bebê. Geoff achava um pouco embaraçoso, mas também achava engraçado. Olívia estava grávida de cinco meses e finalmente a barriga havia começado a aparecer, apesar do cuidado com que ela escolhia suas roupas.

E ela sabia que em janeiro não poderia mais sair de casa, exceto para visitar amigos próximos ou para jantares muito íntimos. O bebê já parecia bem grande e ela secretamente desejava gêmeos, mas o médico não parecia pensar assim. Ela tinha dito isso para Charles, que revirou os olhos e disse que não estava certo de estar preparado para aquilo. Talvez da próxima vez? - disse ele, com os olhos cheios de perguntas.

Mas até agora ela tivera uma gravidez fácil, ao contrário de Susan com Geoff, e, apesar de toda a sua suposta falta de vontade de ter bebês, ela parecia completamente relaxada em relação a isso agora.

Ele jamais falara novamente sobre o medo que ela mencionara antes, gerado pelo fato de sua mãe ter morrido no parto. Ela parecia não ter o menor medo e de fato estava muito feliz. Mas quando ele perguntou sobre ter outros filhos após este, ela apenas disse que dependia dele e ele sabia que ficaria satisfeito com este, se ela optasse por não ter outro. Gêmeos iriam praticamente arruiná-lo.

O inverno na França foi árduo em 1915, enquanto ambos os lados se fortaleciam para futuras batalhas. Foram conseguidos novos suprimentos, tropas novas chegaram e as velhas ficaram o mais que puderam nas trincheiras geladas. Os ataques de gás continuavam. Em novembro, Edouard havia retornado do Artois e estava de volta a Châlons-sur-Marne para o inverno. Ele e Victoria estavam confortavelmente acomodados nos dois aposentos da casa de fazenda. Havia muitos comentários sobre eles e não era segredo o que estava acontecendo, mas o acampamento parecia respeitar seu caso com calorosa afeição.

Os oficiais que dividiam a casa da fazenda com ele deixavam-nos sozinhos a maior parte do tempo e Victoria estava rindo, tarde da noite, enquanto cozinhavam o menor pássaro que ela jamais vira na velha cozinha campestre.

- Não seja difícil. Estou certo de que é uma codorna - disse Edouard, tentando ser otimista. Não é. - Ela sorriu para ele de todo coração. A ave era pouco maior que um rato quando o tiraram do forno. - É um pardal.

- Você não sabe de nada - disse ele, beijando-a e pressionando-a contra ele.

Ele havia ido apenas para Verdun, uma cidade próxima, por dois dias, mas sentira sua falta. Sempre sentia. Não podia mais suportar ficar longe dela. E nunca mais falaram sobre ir para casa. Na verdade, ele lhe falara seriamente sobre mudar-se para Paris com ele, depois que fosse em casa e encarasse Charles e sua irmã.

Suas situações eram idênticas.

Nenhum dos dois podia se casar e ele sugeriu que chocassem o mundo educado e vivessem juntos em pecado no château, felizes para sempre.

- E talvez um dia, quando a bruxa morrer, a atual baronesa, eu possa fazer de você uma mulher honesta.

- Eu sou uma mulher honesta agora - disse ela firmemente. - Oh, por favor... com sua irmã fingindo ser você para seu pobre marido em Nova York? Eu não acho.

Ambos sorriram sem pena e ela ao menos teve a generosidade de ficar embaraçada. Ninguém em Châlons-sur-Marne poderia jamais entender por que todos a chamavam de Olívia e ele a chamava de Victoria. Achavam que era uma piada particular e Victoria jamais explicou.Naquela noite, com seu pequeno pássaro, Victoria informou a Edouard que nos Estados Unidos era o Dia de Ação de Graças.

- Eu lembro disso quando estava em Harvard - disse ele com nostalgia, sorrindo para ela. - Eu gostava. Muita comida e bons sentimentos. Você sabe, eu gostaria de conhecer seu pai um dia, quando tudo isso tiver passado - disse ele melancólico, mas nenhum deles, nem o resto do mundo, sabia quando aquilo acabaria.

Parecia que ainda se passaria muito tempo antes que os poilus saíssem das trincheiras.

- Ele iria gostar de você - disse ela, comendo uma maçã.

Era o menor jantar de Ação de Graças de sua vida, mas talvez o mais feliz, enquanto olhava para Edouard e tentava não pensar em sua irmã. Era muito duro estar afastada dela, mas mesmo assim, com ele, ela sentia que tinha uma vida agora. Com Charles, não tivera nada.

- Espere até conhecer Olívia. - Ela sorriu para ele.

- Isso me assusta. Pensar em vocês duas juntas é verdadeiramente aterrorizante - disse ele. Mais tarde eles se deitaram juntos em sua cama e falaram sobre suas infâncias, seus amigos, as coisas que gostavam de comer e fazer quando eram crianças.

Ele falou sobre o irmão que perdera e Victoria percebeu que ele o havia amado profundamente, o suficiente para se casar com a garota que ele engravidara, embora não a amasse.

Mas enquanto estavam deitados juntos naquela noite e ela começou a adormecer depois de fazerem amor, sentiu suas mãos tocando-a gentilmente, abriu os olhos e virou-se para ele. Seus olhos estavam cheios de perguntas.

- Há algo sobre o que precisemos conversar, senhorita Henderson.

- Não estou certa do que você quer dizer - respondeu ela com um sorriso misterioso nos olhos. Você é uma mentirosa horrível - disse ele roucamente, chegando para mais perto e se deitando bem atrás dela, enquanto segurava sua barriga. - Por que você não disse nada? Ele parecia ferido e ela realmente sentia muito. Ela se virou para encará-lo então e beijou-o gentilmente nos lábios enquanto ele a abraçava.

- Eu só descobri há três semanas... e não estava certa do que você ia pensar...

Ele não pôde fazer nada a não ser rir para ela; sua barriga já estava redonda com o bebê. Ele presumia que fosse dele; certamente não era de Charles, depois de tudo o que ela lhe contara. Quanto tempo você achou que poderia manter em segredo este pequeno bonhomme? Ele estava sorrindo para ela. Era a primeira criança que ele jamais tivera e havia acabado de fazer quarenta anos. A despeito das circunstâncias, ele estava empolgado, mas subitamente olhou para ela, preocupado.

- Você deve ir para casa agora, Victoria - disse ele suavemente, machucado com o pensamento de perdê-la, mas querendo duas vezes mais vê-la a salvo agora.

- Por isso não contei a você - disse ela tristemente. - Eu sabia que você diria isso. Mas eu não vou. Vou ficar.

- Vou dizer a eles que você está usando um passaporte roubado - disse ele, querendo soar firme para ela, mas sem sucesso.

- Você não pode provar isso - disse ela, sorrindo para ele. Conforme-se, não vou a lugar nenhum. Você não pode ter o bebê aqui - disse ele, horrorizado por ela ter sequer pensado nisso, mas nenhum lugar na Europa estava a salvo agora, exceto a Suíça, de modo que era melhor que ela fosse para casa.

Mas só de olhar para ela, ele sabia que Victoria não iria. E uma parte dele não queria discutir com ela. Vou ter o bebê exatamente aqui - disse ela, parecendo muito feminina, muito bonita e um pouco mais magra depois de todo o trabalho pesado no hospital do campo, embora ultimamente seu apetite estivesse feroz.

- Não quero você de pé quinze horas por dia - disse ele determinadamente. - Vou falar com o coronel. Você não vai fazer nada, Edouard de Boneville. - Ela olhou furiosamente para ele. - Se você fizer, vou dizer que você me estuprou e você vai para a corte marcial - disse ela e rolou novamente na cama com um olhar de satisfação.

- Meu Deus, mulher, você é um monstro! Tenho uma idéia melhor. Você gostaria de ser minha motorista? Sua motorista? - Ela pareceu surpresa. - Que boa idéia. Posso fazer isso até que eu não caiba mais atrás do volante. Eles vão me deixar fazer isso?

- Se eu pedir ao coronel, sim. Isso será bem melhor para você agora, se eu puder suportar você dirigindo.Ele sempre reclamava que ela dirigia muito rápido e ela dizia que ele era um covarde. Isso era a França. E eram tempos de guerra. Ele sugeriu que nenhuma dessas eram razões adequadas para o suicídio, mas pelo bem do bebê estava querendo arriscar. E então olhou para ela seriamente. Isso não era assunto para brincadeira.

- Você está falando sério sobre isso, Victoria? Você realmente quer ficar aqui? Será muito duro para você.

E ele sabia, pelo que ela dissera, que ela tinha medo do parto. Tivera uma má experiência e poderia ter outra. E Châlons-sur-Marne não era lugar para ter um bebê, mesmo sem complicações.

- Quero ficar aqui com você - disse ela suavemente. - Não vou partir.

- Ele olhou para ela e percebeu que a batalha fora perdida antes mesmo que ele lutasse. Ela ia ficar. E então ele fez outra pergunta importante.

- Como você se sente sobre não estarmos casados? - perguntou muito sério e ela riu.Nós estamos casados, chérie - disse ela, iluminada. - Apenas com outras pessoas.

- Você não tem moral - disse ele, beijando-a do fundo de sua alma e amando-a mais do que qualquer outro ser em toda a sua vida. - Mas tem muita coragem - acrescentou suavemente. E desta vez, quando fez amor com ela, sabia que não tinha de se preocupar com engravidá-la.

 

Naquele ano o Natal em Croton foi mais calmo do que o usual, mas ainda assim surpreendentemente feliz. Geoff adorou tudo o que ganhou e Charles foi extremamente generoso com todos eles, bem como seu pai. Mas também era óbvio que ele não estava bem. Tivera uma tosse horrível durante meses e flertara com a pneumonia diversas vezes naquele ano. E preocupava Olívia notar que ele estava parecendo consideravelmente mais velho.

Ela não estava certa se era o desaparecimento de sua irmã que havia feito aquilo a ele. Seu pai apenas parecia estar perdendo as forças e o médico disse que seu coração estava ficando fraco. Mas ainda assim passaram um feriado feliz com ele e voltaram para Nova York pouco depois do Ano Novo.

Eles estavam em casa havia dois dias quando Bertie telefonou para Olívia e disse que achava que ela devia voltar. Seu pai ficara muito fraco de repente. Aparentemente ele pegara outra gripe forte depois que eles partiram e estava com febre alta. Estivera delirando a tarde toda e o médico não tinha certeza se seu coração era forte o suficiente para sustentá-lo.

Ela queria mandar Donovan para buscá-la, mas Charles insistiu que ele mesmo a levaria pela manhã. Ele não gostava mais da idéia dela ir a qualquer lugar sem ele. Estava grávida de mais de seis meses e estava enorme, ou pelo menos era o que achava, para uma mulher carregando um simples bebê.

Mas o médico estava absolutamente certo de que era só um.

E era bem cedo na manhã seguinte quando Olívia subitamente soube que o fim havia chegado. Ele estava arfando sem conseguir respirar direito e seus olhos pareciam arregalados enquanto implorava a ela para pegar sua irmã e trazê-la até ele.

Victoria, traga sua irmã para cima... eu tenho de vê-la agora... - disse ele, agarrando sua mão com tanta força que a machucou e por um momento ela não soube o que dizer.

Então ela assentiu, saiu do quarto e voltou um instante mais tarde.

- Olívia, é você? - perguntou ele e ela assentiu enquanto as lágrimas jorravam de seus olhos. Ela odiava enganá-lo.

- Sou eu, papai... sou eu... estou em casa agora.  

- Onde você estava?                

- Longe - disse ela enquanto se sentava perto dele, segurando sua mão. Ele nem mesmo viu que ela estava grávida. - Precisava pensar um pouco, mas agora eu voltei e te amo muito sussurrou ela, tomada por suas próprias emoções. - Você tem de ficar bom agora - disse ela firmemente, mas ele sacudiu a cabeça, lutando para ficar consciente.

- Estou indo... chegou a hora... sua mãe me quer.  

- Nós o queremos também - disse Olívia soluçando, sentada perto dele.

E então, numa voz fraca e angustiada, ele fez a ela a pergunta que o havia atormentado por oito meses.

- Você ficou zangada comigo por tê-la feito se casar com ele?

- Claro que não, pai. Eu te amo - disse ela novamente e acariciou sua fronte. Ele estava muito quente, muito agitado e muito preocupado.

- Você o ama, não ama?

Ela sorriu para ele então e assentiu. Talvez fosse melhor para ele saber a verdade. Talvez no fim das contas aquilo o acalmasse.  

- Você pode me perdoar por tê-la obrigado a se casar com ele?  

- Não há nada a perdoar. Estou feliz agora. Foi por isso que fui embora. Eu tenho tudo o que quero agora.

Ele pôde ver em seus olhos que ela falava sério. Edward fechou os olhos por um instante então e começou a adormecer, mas abriu-os novamente e olhou para ela com um sorriso. Estou satisfeito por você estar feliz, Olívia. Sua mãe e eu estamos muito felizes também. Nós vamos sair juntos esta noite, para um concerto.

Ele estava delirando novamente. Adormeceu e acordou durante todo o dia, sem estar certo de quem ela era. Às vezes pensava que era Olívia e, em outras, sua irmã. E ao cair da noite, ela parecia quase tão mal quanto ele.

- Não vou deixar você ficar mais nem uma hora neste quarto, Victoria - disse Charles ferozmente num sussurro, quando a viu no corredor falando com Bertie.

- Eu tenho de ficar. Ele precisa de mim - disse ela com igual convicção, entrando no quarto novamente. A febre baixara misteriosamente naquela noite e ela se sentou perto dele, segurando sua mão, convencida de que ele ficaria melhor pela manhã.

Ela cochilou apenas uma vez, pouco antes do amanhecer, sentada numa poltrona ao lado dele, e enquanto cochilava, pôde ver o rosto de Victoria tão claramente que pensou que estivesse perto dela e de sua mãe. Quando Olívia acordou novamente, colocou a mão na testa de seu pai, olhou para ele e viu que havia partido. Ele morrera em paz para se juntar à esposa, convencido de que havia dito adeus para suas duas filhas.

Olívia estava chorando quando saiu do quarto e Bertie, vendo-a, colocou os braços em torno dela. As duas mulheres ficaram chorando por um longo tempo e então Olívia voltou para Charles. Ele estava dormindo profundamente e ela se deitou perto dele e pensou em sua irmã. Olívia queria que ela soubesse de alguma forma que seu pai havia morrido e imaginou se ela saberia. Olívia escreveria para ela naquele dia, mas sentia que Victoria não pudesse estar ali com eles. Ao menos ele pensara que ela estava. Olívia sabia que isso era alguma coisa. Fora o único presente que ela pudera dar a ele no final.

- Você está bem? - Charles estava acordado e olhando para ela, que permanecia deitada ali, tão pálida e imóvel, que ele ficou preocupado.

- Meu paizinho morreu - disse ela suavemente.

Elas não o chamavam assim desde a infância, mas ela se sentia como uma criança novamente, perdendo-o.

Subitamente era como se ela tivesse perdido todos; Victoria fora embora e agora seu pai estava morto. Ainda que ela tivesse este homem, a quem amava tanto, seu filho e seu bebê, tudo o que tinha agora eram presentes que pegara emprestados de sua irmã. Mas Charles não sabia nada disso quando colocou seus braços em torno dela gentilmente e a abraçou.

Eram duas horas da manhã quando Victoria acordou com um sentimento muito estranho. A princípio pensou que fosse a criança, mas quando colocou a mão na barriga e sentiu-a mover-se, soube que não era. Era algo mais. Ela fechou seus olhos e viu Olívia sentada numa cadeira, mortalmente séria. Ela não estava doente, não estava dizendo nada, estava apenas sentada ali. E ainda assim Victoria sabia que algo acontecera a ela.

- Você está bem? - perguntou Edouard a ela, virando-se para olhá-la.

Ela estava dirigindo para ele agora e Edouard estava sempre preocupado com o fato de que se sacudir por aquelas estradas esburacadas acabasse levando-a ao trabalho de parto e ela estava com apenas seis meses e meio de gravidez.

- Não sei - disse ela honestamente. - Algo está errado.

- Com o bebê? - Ele se sentou, parecendo preocupado, mas ela sacudiu a cabeça.

- Acho que o bebê está bem... não sei o que...

Era como se Olívia estivesse sentada bem perto de sua cama, dizendo-lhe algo que ela não conseguia ouvir.

- Volte a dormir - disse ele com um bocejo cansado. Ele tinha de se levantar em duas horas para cuidar de uma movimentação especial nas trincheiras. - Provavelmente foi algo que você comeu, ou não comeu.

Eles nunca tinham o suficiente para comer atualmente e muitos deles estavam sempre famintos. Ele colocou um braço em torno dela e Victoria se deitou próximo a ele, mas não dormiu novamente naquela noite e permaneceu com o mesmo sentimento estranho durante dias.No início de fevereiro a carta de Olívia chegou até ela na França e então ela soube o que sentira naquela noite. Seu pai estava morto. Ela se sentia terrível com aquilo e por não tê-lo visto novamente antes que morresse, mas estava infinitamente aliviada e feliz por não ter sido sua irmã.

- Deve ser muito estranho - disse Edouard quando ela lhe explicou. Ele tinha um grande respeito pelo que elas partilhavam e nunca depreciava o que ela dizia.

- Não posso imaginar estar tão perto de ninguém, exceto você - sorriu - ou dele - e apontou para sua barriga.

Mas a relação que as gêmeas partilhavam estava muito além dele.

No primeiro dia da primavera em Nova York, parecia que Olívia ia explodir enquanto descia as escadas para tomar o café da manhã. E Charles não pôde resistir ao riso. Ela parecia adorável, mas inacreditavelmente grande. Ambos se deleitavam com a gravidez e estavam excitados com o nascimento do bebê, mas nas últimas semanas ela parecia quase cômica e desistira completamente de sair.

O mais longe que ela se aventurava agora era seu jardim. Sua barriga literalmente se pendurava em torno dela como uma estrutura grande, redonda e independente. E era tão grande, dura e apertada que ela dificilmente sentia o bebê se mover agora. Era bem diferente de um mês atrás, quando ele parecia pular para cima e para baixo noite e dia, “com patins e um chapéu”, como ela dizia.

Não havia dúvida de que seria um bebê grande. Charles estava um pouco preocupado com isso, mas não queria assustá-la, particularmente depois das histórias sobre sua mãe.     Acho que vocês estão sendo extremamente rudes - disse ela, sorrindo para ele e Geoff, que também estava dando risadas.

Ela havia começado a ficar realmente engraçada. Mas parecia se sentir bem, e o bebê não parecia estar com pressa. Pelo que ela podia calcular, estava sendo aguardado para aquela semana, mas o médico dizia que nunca se sabia ao certo.

Ela saberia quando a hora chegasse e teria o bebê em casa, em sua pequena casa no East River. Era o que ela queria. Não havia razão para ir a um hospital. Ela dizia que aquilo era para pessoas doentes. E ter um bebê decididamente não era uma doença.

- O que você vai fazer hoje? - perguntou Charles casualmente, enquanto ela servia a ele uma xícara de café.

Bertie viera de Croton naquela semana para ajudá-la e estava no quarto de hóspedes, mas Olívia insistia em preparar o café da manhã do marido. Era a única coisa que ela ainda podia fazer sem ajuda. Mesmo para entrar na banheira era necessário que Charles a ajudasse, e para tirá-la de lá quase se precisava de um guindaste. Mas Bertie viera para a cidade para que pudesse estar lá quando Olívia tivesse o bebê. Ela insistira naquilo. Com a morte de seu pai, Bertie não tinha virtualmente nada para fazer em Croton. Ela concordara em passar toda a primavera com eles e Olívia estava feliz por ter sua ajuda com o bebê.

- Pensei em sair para o jardim e depois voltar - disse Olívia com um sorriso. - Devo me sentar numa poltrona por um tempo e depois ir para a cama.

Deitar-se era perigoso, era como ter um móvel em cima dela. Ela não conseguia se levantar novamente, a menos que alguém a ajudasse.

- Você quer que eu traga um livro? - perguntou ele.

- Eu adoraria! - respondeu ela com prazer. O novo livro de poesias de H.D. Seagarden, havia acabado de sair, e ela estava morrendo de vontade de lê-lo. - Eu amaria alguns rabanetes em conserva, se por acaso você encontrar algum por aí.

- Garanto que vou procurar - disse ele, dando-lhe um beijo de despedida e um tapinha na barriga. - Cuide para que ele não saia enquanto eu estiver fora.

- Não tenha tanta certeza de que é um garoto - disse ela, sem querer que ele ficasse desapontado com uma “simples” garota, embora jurasse que era o que queria.

- Se for uma garota desse tamanho, nós teremos um problema sério - disse ele rindo, enquanto corria escadas abaixo.

Tinha muitas coisas a fazer naquele dia e queria voltar para casa mais cedo. Ele gostava de ficar com ela, particularmente agora, quando estava tão perto do parto.

Sabia que ela estava um pouco mais nervosa do que admitia, ou pelo menos ele achava que estava. Mas, para surpresa da própria Olívia, ela realmente não estava nem um pouco nervosa. Estava surpresa consigo mesma por sentir-se tão calma. Tinha uma estranha convicção de que o parto seria muito fácil. E disse isso a Bertie, que não respondeu nada.

E assim que eles haviam saído, Bertie desceu e lavou a louça para ela. Olívia subiu para o que se tornara o quarto do bebê e começou a limpar, arrumar e selecionar. Bertie sorriu quando subiu novamente. Olívia parecia feliz e ocupada. Ela ficou ali a maior parte da tarde e depois saiu para o jardim.

Mas assim que voltou a entrar, viu o quanto as janelas da sala de estar estavam sujas e começou a limpá-las e, apesar de todas as exortações de Bertie, insistiu em fazê-lo sozinha. Esfregou e lavou tudo e, quando Charles chegou em casa, estava arrumando a cozinha e falando sobre começar a fazer o jantar. Não sei o que há de errado com ela - reclamou Bertie, enquanto a cozinheira sorria para eles. - Ela limpou a casa inteira durante todo o dia, de alto a baixo.

- Ela está se preparando - disse a cozinheira sabiamente, enquanto Bertie sacudia a cabeça e Olívia, sorrindo, foi para a cesta de costura pegar meias para remendar.

Ela nunca se sentira melhor. E tinha mais energia do que tivera em semanas. Charles estava feliz de ver aquilo. Ela jantou com ele e Geoff e depois que Geoff foi para a cama eles jogaram cartas e Charles ganhou dela.

- Você trapaceou - acusou-o Olívia, rindo, enquanto ia à cozinha pegar um copo de leite.Quando estava lá, ouviu um forte ruído de água em seus pés e pensou que tinha derrubado o leite sem perceber, mas quando olhou para baixo viu água por toda parte e foi preciso um instante para que ela se desse conta do que acontecera. Ela deixou de lado a garrafa de leite e procurou alguns panos para secar tudo, quando Charles entrou e viu o que ela estava fazendo.

- O que aconteceu?... O que você está fazendo?... Victoria!

Ela estava bastante acostumada ao nome agora e respondia a ele tão facilmente quanto ao seu próprio, talvez até mais, já que há onze meses ninguém mais a chamava de Olívia.

- Você vai parar... aqui... deixe-me ajudá-la.

Ele limpou o chão para ela, que mal podia se curvar e ria de ambos. Charles não entendia o que ela tinha feito ou o que havia derramado e enquanto ficava ali de pé, ela subitamente sentiu a primeira dor e agarrou seu braço. Era muito mais difícil do que ela havia esperado.

- O que há de errado? - perguntou ele, ainda não entendendo.

- Era minha água no chão... - Ela se sentou numa cadeira da cozinha e não estava mais sorrindo. -Acho que o bebê está nascendo.

- Agora? - Ele parecia assustado, já que ninguém dissera a ele que o bebê era para este mês, e ela sorriu novamente.

- Talvez não exatamente agora, mas em breve. Dê-me alguns minutos.

Mas ao dizer isso, ela franziu novamente as sobrancelhas. Sentiu outra dor e esta foi pior. Ninguém dissera a ela que seria algo assim. Ela se perguntou se haveria alguma coisa errada. Tudo o que sabia a esse respeito era o que vira em sua irmã, no chão do banheiro, há dois anos e meio. Ela não tinha uma mãe para dizer-lhe o que esperar e o médico dissera que tudo correria bem e tinha certeza de que seria muito fácil. A Victoria de verdade teria sido bem mais realista. Mas de alguma forma Olívia jamais esperara que fosse tão doloroso.

- Vamos levá-la para cima - disse Charles calmamente e ajudou-a a se levantar da cadeira, mas foram necessários quase dez minutos para fazê-la subir as escadas e entrar no quarto. Ele a sentou no banheiro e ajudou-a a se despir.

Ela tinha dificuldades para se mover. Ele a deixou por alguns minutos para bater na porta de Bertie, disse a ela o que estava acontecendo e pediu que chamasse o médico e Bertie rapidamente entrou em ação. Mas na hora em que Charles voltou para ela, Olívia estava arfando e entrando em pânico, e as dores eram horríveis.

- Não me deixe novamente - disse ela, parecendo desesperada e se agarrando a ele. Assim que Bertie entrou, eles a ajudaram a ir para a cama e espalharam lençóis e toalhas velhas em torno dela. Bertie tinha experiência nisso, mas Charles não. Susan dera à luz Geoffrey onze anos antes, com as mulheres da família em torno dela. Ele saíra para se embriagar com seu cunhado e, quando voltara, tinha um bebê.

Olívia parecia não ter intenção de deixá-lo ir a lugar algum e, na hora em que o médico chegou, ela estava agarrando seus braços a cada dor e lutando para não gritar muito alto com medo de que Geoffrey a ouvisse.

- Isso é horrível - informou ela ao médico e ele e Bertie trocaram um sorriso, mas Charles parecia muito preocupado com ela.

- Quanto tempo vai demorar? - perguntou ele inocentemente.

Com Geoff parecera apenas uma hora ou duas, ou talvez ele apenas tivesse bebido muito, pois não conseguia se lembrar.

- Provavelmente a noite toda - disse o médico calmamente e Olívia explodiu em lágrimas assim que ouviu isso.

- Não posso. Quero voltar para Croton.

Ela estava chorando como uma criança e subitamente tudo em que podia pensar era em sua irmã. Era como se ela estivesse bem ali novamente, mas estavam dividindo a mesma dor e nenhuma delas podia escapar. Era como o pior pesadelo que jamais tivera, exceto quando Victoria estava no Lusitania. Mas de certa forma isso era pior, porque Olívia sentia tanta dor que não podia pensar direito. Ela não podia se controlar; após um certo tempo não podia nem mesmo parar de gritar e finalmente ela viu Bertie levar Charles para fora. Parecia que ele ia começar a chorar e Olívia implorou a ela que o trouxesse de volta, mas ela não o faria.

- Você vai apenas preocupá-lo - disse ela, tranqüilizando-a. Você não quer que ele a veja agora... assim...

- Quero sim - disse ela nervosamente. - Eu o quero agora... traga-o... - mas Bertie não o traria e Olívia apenas ficou deitada ali e chorou, enquanto as dores cresciam e pioravam cada vez mais e eram cada vez mais próximas uma da outra.

Então ela não pôde mais segurar e de uma grande distância, em algum lugar, Bertie e o médico estavam segurando suas pernas e dizendo a ela para empurrar o bebê para fora, mas ela não conseguia.

- Eu quero Victoria - disse ela entre gemidos e subitamente Bertie olhou para ela.

Houve um momento de silêncio e então veio outra dor que levou Olívia para longe novamente e um longo tempo se passou até que ela pudesse escutá-los novamente; era muito doloroso.

- Victoria - sussurrou ela o nome de sua irmã novamente e à distância ela pôde ouvir sua irmã chamando.

- Tome cuidado com o que diz - sussurrou Bertie para ela suavemente. - Tome cuidado disse ela novamente e apertou com força a mão de Olívia, mas ela tinha ido muito longe para saber o que queria dizer enquanto ficava lá deitada gritando e empurrando. Amanhecia e nada acontecera ainda. Olívia não podia acreditar naquela dor e ainda não tinha um bebê. Até Bertie estava começando a parecer cansada e Charles fizera café para ela e o médico. E então Charles bateu suavemente e entrou no quarto novamente, perguntando como estava a esposa.

 

- Terrível - gemeu ela, respondendo por eles. - Oh Charles... - disse ela e começou a soluçar, e ele perguntou a si mesmo se afinal de contas seus temores anteriores não tinham fundamento. Talvez ela tivesse alguma má formação congênita como sua mãe, algo que a mataria antes que ela tivesse o bebê.

- Oh, meu bem - disse ele parecendo comovido e o médico disse a ele que ficaria mais confortável se esperasse embaixo, no salão.

Ele estava começando a se preocupar com ela, mas não demonstrou. E então, antes que Charles pudesse dizer mais nada, as dores recomeçaram e eles disseram a ela para continuar empurrando. Charles ficou, sem ser notado por nenhum deles. Mas uma hora mais tarde a situação parecia genuinamente sem esperança.

- Eu realmente gostaria que você saísse - repetiu o médico asperamente para Charles, em tom de repreensão. Mas Charles o repreendeu de volta, para surpresa de todos.

- Não vou sair. Ela é minha esposa e vou ficar bem aqui.

E apesar da dor, o humor de Olívia pareceu melhorar tendo-o perto dela. Ele ficou segurando sua mão e dizia a ela para empurrar quando os outros diziam, mas nada aconteceu. E finalmente, depois de forçar sua mão dentro dela, o médico anunciou que o bebê estava na posição errada.

- Vou ter de virá-lo.

E Charles quase chorou quando ela gritou desta vez, mas vagarosamente, vagarosamente, o bebê começou a se mover. Mas era exatamente como Charles temera. O bebê devia ser muito grande. Era fácil de se ver. Ele não sabia por que eles não a haviam obrigado a ir para o hospital, ou ao menos não tinham avisado a eles. Mas o médico estivera tão decidido a acalmá-los todos esses meses, dizendo a ela que seria fácil.Não posso mais!

- disse ela miseravelmente para Charles, entre dores, e então ela vomitou e gritou mais. Ele queria pegá-la em seus braços e sair correndo dali. Sentia que jamais deveria ter feito amor com ela, e então subitamente, enquanto ambos choravam, ela fez uma cara horrível e empurrou novamente, e desta vez houve um pequeno gemido e, saindo da grande bola que havia sido sua barriga nos últimos meses, estava o maior dos bebês.

Ela era pequena, doce e rosa; uma garotinha perfeitamente formada. O médico a segurou, enquanto ambos olhavam para ela atônitos.

- Oh, ela é tão bonita - disse Olívia, enquanto Bertie a segurava.

- Agora não foi tão ruim - disse o médico e Olívia fez uma cara horrível e olhou para Charles com um sorriso, mas o sorriso virou imediatamente dor e ele a olhou horrorizado.O que está acontecendo? - perguntou ele, subitamente apavorado. Ela estava se contorcendo de dores novamente e já havia tido o bebê.

- Acontece às vezes - explicou o médico. - E o pós parto às vezes pode ser até mais doloroso - disse ele em voz baixa, enquanto Olívia começava a gritar novamente e Bertie a observava.

- De novo não... por favor... - implorou Olívia - não mais...

Ela olhou para Charles novamente como se estivesse sendo levada para longe dele em marés de misericórdia e tudo o que ele pôde pensar foi que não queria mais crianças; isso era horrível!

- Não acho - começou Bertie a dizer sabiamente, mas o médico interrompeu-a.

- Num minuto ela vai soltar a placenta - mas, em vez disso, ela subitamente começou a sangrar muito e foi tomada pela dor. Sem que ninguém dissesse a ela, começou a empurrar, enquanto Charles a segurava.

 

- Doutor, isso é normal? - perguntou Charles numa voz estrangulada, quando uma pequena cabeça surgiu de repente onde a primeira havia estado, esta ainda um pouco maior e um pequeno rosto estava olhando para todos eles e esperando, enquanto Charles novamente olhava para baixo entre suas pernas em total assombro.

- Victoria - disse ele. Ela estava deitada na cama, os olhos fechados, agarrada a ele e arfando, enquanto ele sorria para ela. - Vamos, meu bem, empurre, estamos tendo outro bebê.

Ele estava rindo e chorando ao mesmo tempo e Bertie também.

- O quê? Oh, meu Deus... - disse ela e então entendeu, empurrou mais forte e uma segunda garotinha saiu e, logo depois, uma única placenta.

Elas eram idênticas, como ela e Victoria. Olívia olhou para o bebê sem acreditar e então para Charles e depois começou a rir. Eram pouco mais de dez horas da manhã.

- Não acredito nisso! Não novamente.

De repente todos estavam sorrindo e até Olívia não se sentia tão mal. O sangramento já havia quase parado e ela estava segurando os dois bebês nos braços, enquanto Bertie a enrolava em lençóis e toalhas limpos. Ela estava um pouco mais chocada do que Charles, mas na verdade achava que ele era um ajudante bem melhor do que o médico.

- Eu te amo tanto - sussurrou Charles, enquanto se curvava sobre ela e então, com seus dois bebês nos braços, ele os levou para ver Geoff, que também não pôde acreditar no que via.Elas eram tão perfeitas e tão bonitas e havia duas delas. E no quarto o médico estava explicando por que pensara que tinha escutado uma só batida de coração.

Ele costurou Olívia e Bertie banhou seu corpo e seu rosto em água fresca e perfumada. E quando o médico saiu e elas ficaram sozinhas novamente, ela olhou para Olívia e sorriu. O que você fez, sua garota irresponsável? - disse ela e Olívia soube exatamente o que ela queria dizer.

Ela estava surpresa por Bertie ter ficado fora disso tanto tempo. Já fazia quase um ano agora.

- Ela me obrigou a fazê-lo. - Bertie assentiu e sorriu.

- O que, isso também?

- Bem, não exatamente - sorriu ela, feliz, mesmo depois de tanta dor. Parecia uma coisa tão pequena agora.

- Onde está ela? - sussurrou Bertie suavemente.

- Na Europa. - Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Charles entrou no quarto com Geoff, que queria vê-la.

- Elas são tão fofas, tia... Victoria... - Ele quase escorregara e olhou para ela em pânico, mas estava sorrindo quando o beijou.

- Elas parecem exatamente com você quando era pequeno, seu pai me contou - disse Olívia gentilmente. Geoff pareceu embaraçado então e deixou o quarto para sair e contar aos vizinhos. E finalmente Charles estava sozinho com ela novamente. Bertie pegara os bebês e os levara para o quarto mais próximo, para banhá-los.

- Sinto muito por tê-la colocado nisso tudo - disse ele, parecendo orgulhoso, mas culpado. Eu faria tudo de novo - ela disse honestamente. - Não foi tão ruim.

Ele olhou para ela em total espanto.

- Como você pode dizer isso? - disse ele suavemente, beijando-a e lembrando-se apenas do quanto fora ruim, mais do que ela.

- Valeu a pena - disse ela suavemente, beijando-o e pensando nas duas garotinhas que haviam nascido, exatamente como ela e sua irmã.

 

- Não estou certo de que vá sobreviver a todos os truques delas - disse Charles com franqueza, enquanto se sentava ao lado dela na cama, pensando no quanto fora confuso estar perto dela e de sua irmã. - Seu pai disse que ele jamais pôde diferenciá-las.

- Vou ensinar a você - disse ela e beijou-o.

Poucos minutos mais tarde, Bertie entrou com os dois bebês e, enquanto os colocava nos braços de sua mãe, não conseguia imaginar o que Olívia faria quando Victoria voltasse da Europa.

 

Em Châlons-sur-Marne, naquela noite, Victoria estava dormindo em paz, quando sentiu Edouard apunhalá-la repetidamente com o que parecia uma faca quente, até que ela gritasse e então, quando começou a acordar do sonho horrível, deu-se conta de que era Olívia quem estava sendo apunhalada e que ela estava gritando. Ela continuou gritando repetidamente e não parou mais, até que colocou as mãos nos ouvidos. Mas então sentiu as dores novamente em si mesma e ficou se retorcendo na cama, confusa e mergulhada em agonia, gritando por sua irmã até que Edouard a acordou.

- Eh... petite... arrête... é um pesadelo... ce n'est qu'un cauchemar, ma chérie.

Mas era tão real que ela não podia parar de sonhar e enquanto se agarrava a ele, sem ar, deu-se conta de que sua cama estava molhada e as dores eram reais. Ela mal pôde recuperar a respiração quando sentiu uma dor enorme, um peso que parecia pressioná-la atravessando seu corpo.

- Não sei o que está acontecendo... - sussurrou ela no escuro, enquanto ele acendia a luz, ainda confuso. E então ele a viu. Ela estava deitada numa poça de água e sangue e segurando a barriga, enquanto ele a olhava.

- Ça vient maintenant?... Está chegando agora?

Quando ele estava meio adormecido, quase sempre falava com ela em francês, mas agora ela conseguia entender. Ela assentiu, parecendo aterrorizada, e ele saiu da cama rapidamente e agarrou suas calças.

- Vou buscar o médico.

- Não... não vá... não me deixe... - implorou ela.

Estava sentindo muita dor e estava muito assustada. Ao contrário de Olívia, Victoria tinha um medo mortal do parto e tudo o que queria agora era Edouard a seu lado. Tenho que ir buscá-lo, Victoria... Não tenho a menor idéia de como fazer um parto. Eu só vi cavalos nascerem.

- Por favor, não vá - disse ela, chorando e então arfou horrivelmente ao sentir outra dor e agarrou a barriga. - Está vindo agora... eu sei que está... Edouard, não vá... - Ela estava em pânico total, e seus olhos pareciam selvagens quando ele olhou para ela. Por favor, querida, me deixe ir buscar alguém para ajudá-la... Chouinard - o melhor cirurgião no hospital de campo - vai voltar comigo e vou trazer uma das enfermeiras. Não os quero - arfou ela, agarrando-se a ele novamente. Seus dedos eram como garras.

- Quero você... - E então, quando ela recuperou a respiração por um momento entre as dores: Eu estava sonhando que Olívia estava tendo o bebê. - Ele sorriu desta vez com a conveniente transferência de seu sonho.

- Esta é uma coisa que ela não pode fazer por você, meu amor. Nem eu - disse ele gentilmente. - Gostaria de poder tirar toda a dor de você - disse ele, enquanto se ajoelhava ao lado dela e a abraçava.

Ela estava obviamente agoniada, mas ele sabia que poderia durar horas e estava determinado a ir buscar alguém para ajudá-la. Ele tentou colocar a camisa, mas ela não deixou.

Está vindo agora, Edouard... posso sentir... está vindo... - ela sentia uma dor e uma pressão terríveis e ele ficou assustado quando viu todo aquele sangue em volta dela, mas num instante ela já estava gritando e por azar não havia ninguém na casa com eles naquela noite. Os outros estavam todos trabalhando. E ele não podia usar seu rádio para chamar o médico.

- Estarei de volta logo - tentou ele dizer novamente, mas ela não o deixou sair.

Estava nervosa e assustada demais para isso. Tudo o que ele pôde fazer foi sentar ali com ela e segurá-la. E naquele exato momento, em Nova York, Olívia começou a sentir dores novamente, apenas dores médias desta vez. Ela comentou com Charles, e ele fingiu que ia desmaiar e disse “por favor, trigêmeos não!”. Mas quando Bertie entrou no quarto disse que sentir dores após o parto era normal. Olívia deitou a cabeça novamente contra os travesseiros e adormeceu. Mas só sonhou com a irmã.

- Edouard, por favor...

Era outro grito patético e ela se sentou subitamente e se moveu para a beira da cama. Ele não tinha idéia do que ela estava fazendo.

- Tenho que empurrar - disse ela, ofegando enquanto se agarrava a ele.

Ela não sabia o que fazer ou aonde ir, mas estava sendo guiada por uma força que não podia parar agora. Segure-se em mim - disse ele e ela agarrou suas mãos, enquanto empurrava com toda a força que podia, sentada ali, e então caiu novamente na cama.

Ela não sabia o que fazer para tirá-lo dela, mas mesmo assim podia senti-lo chegando. Ele então teve a idéia de empurrar suas pernas e disse a ela para se deitar e empurrar com ele. E quando ela tentou, embora fizesse sons terríveis, se sentiu melhor. Ela o fez novamente e depois se deitou de novo, e da próxima vez em que ela empurrou, ele pôde ver um pequeno tufo de cabelos louros aparecendo.

- Oh, meu Deus! - disse ele, totalmente assombrado. - Oh meu Deus!... Victoria, está chegando... continue empurrando.

Ela o fez novamente e novamente e novamente, e ele ficou segurando suas pernas, deixando-a se agarrar a ele, e numa questão de minutos havia uma pequena face entre suas pernas, gritando tão vigorosamente quanto sua mãe.

- Victoria! - disse ele, quase gritando para ela, enquanto os dois sorriam e choravam e ela empurrava mais. Dois empurrões mais tarde, seu filho saiu de Victoria e ficou deitado na cama, chorando. Edouard pegou-o o mais cuidadosamente que pôde e segurou-o para que ele pudesse ver sua mãe.

- Oh... olhe para ele... - Victoria chorava, incapaz de acreditar no que acontecera a eles e tão rapidamente. Ele era tão perfeito e parecia exatamente com seu pai. - Ele é tão bonito... oh, eu te amo -disse ela e beijou Edouard.

Havia lágrimas rolando pelas faces dele. Eles haviam sido verdadeiramente abençoados. Neste lugar de angústia e morte, eles haviam sido visitados por um anjo.

- Ele é a coisa mais bonita que eu jamais vi - disse ele em francês, chorando sem vergonha lágrimas de alegria - exceto por sua mãe. Je t'aime, Victoria, mais do que você jamais saberá.

Ele deitou o bebê gentilmente no peito dela e foi buscar toalhas e água para limpá-los. Era a coisa mais extraordinária que ele jamais havia visto. E o pequeno garoto nascera em menos de uma hora desde o momento em que sua mãe acordara.

- Como vamos chamá-lo? - perguntou ele depois de ter cuidado de ambos. Ele estava provando ser um excelente médico amador e uma ótima parteira.

- Você fez tudo muito bem- disse ela, sorrindo e então pareceu um pouco embaraçada. Desculpe por ter ficado tão apavorada... fiquei tão surpresa e veio tão rápido - e fora tão doloroso quanto rápido.

Ele era um bebê muito grande, mas até ela tinha de admitir, fora muito mais fácil do que esperava. Ela tivera medo de um parto longo e agonizante, como o de sua mãe, que podia ter terminado em tragédia.

- Graças a Deus que não tivemos gêmeos! - disse Victoria, parecendo aliviada.

- Acho que eu gostaria disso - disse ele, parecendo um pai muito orgulhoso, enquanto acendia um cigarro e oferecia outro a ela, mas por uma única vez ela não aceitou.

Estava se sentindo um pouco mexida ainda e muito enjoada. Mas o bebê já estava mamando. E olhando para ela, Edouard lembrou-se novamente de que ela deveria ir para casa logo. Este não era lugar para um bebê. E então ele sorriu para ela novamente e retirou os longos cabelos negros de sua face, enquanto ela se deitava lá nua, com seu filho, coberta apenas por um cobertor do exército.

- E o nome do futuro barão? - perguntou ele formalmente, e ela olhou do filho para o pai com uma expressão pensativa.

- Que tal Olivier Edouard, por causa de minha irmã e de você e meu pai? Isso parece englobar tudo. O único que fica fora disso é Charles - ela riu - e nestas circunstâncias, não acho que ele vá se importar.

- Vamos mandar um aviso a ele ou você vai escrever para o pobre homem um dia desses? Eles haviam decidido finalmente que aquele seria o melhor meio de fazê-lo. De outra forma Charles poderia não saber durante anos e Olívia ficaria amarrada para sempre, fazendo o papel da irmã. Victoria estivera planejando escrever para Olívia e contar a ela. Estava certa de que seria um alívio para ela, embora Charles indubitavelmente fosse ficar muito zangado.

Ela odiava deixar Olívia encarar a situação sozinha, mas simplesmente não podia se ver voltando para os Estados Unidos agora. Mas como sempre, quando quer que pensasse nela, Olívia apareceu com força em sua mente naqueles dias e ela desejou mais que nunca poder mostrar o bebê a ela. Daria qualquer coisa para colocar seus braços em torno dela e simplesmente abraçá-la.

Ela ficou na cama e chorou por dois dias, apesar de sua alegria pelo pequeno Olivier, mas pela primeira vez em dez meses Victoria estava mortalmente saudosa de casa. A solução a que Edouard e Victoria finalmente chegaram foi deixar o bebê com a castelã, a condessa que Victoria conhecera meses antes, que agora era a amante do general. Mas sua casa estava a salvo, era bem longe das linhas do front e ela vivia ali sob a proteção dos aliados. Embora Edouard dissesse que ficaria mais feliz sabendo que Victoria e o bebê estavam a salvo na Suíça, ele estava querendo concordar em deixá-los lá, ao menos por poucos meses, enquanto ela estava amamentando.

Victoria ficou em casa com seu filho por muitas semanas, até que ficasse de pé novamente, mas se sentiu surpreendentemente bem muito depressa. Muitas das enfermeiras vieram visitá-la e Olivier se tornou o mascote do acampamento, mesmo para aqueles que não o conheciam. Os soldados mandavam presentes para ele e pequenos brinquedos entalhados. Didier tricotou para ele um pequeno par de meias e, só Deus sabia onde, um dos homens conseguiu para ele um ursinho empalhado, que alguém havia ganhado da namorada.

E enquanto ele ficava deitado no colo da mãe, com seu pai apaixonado olhando para eles, Olivier Edouard de Bonneville parecia um bebê muito feliz. Para todos, ele era a flor da vida no meio do campo de morte e cinzas.

 

Em junho, Victoria já voltara ao normal. Havia recuperado sua silhueta, para delícia de seu marido e estava dirigindo o jipe de Edouard novamente, agora amamentando o bebê apenas à noite e pela manhã. Eles o deixavam com a condessa quando saíam e Victoria o pegava novamente no caminho para casa, ansiosa para vê-lo e às vezes pingando leite enquanto esperava para amamentá-lo.

Mas ele tinha um temperamento muito bom e contentava-se com leite de cabra sempre que precisava, particularmente se eles se aventuravam até mais longe ou Edouard tivesse que ir a algum lugar durante a noite e levasse Victoria com ele. Para eles, era o arranjo perfeito. E dadas as necessidades da guerra, era maravilhoso que conseguissem passar por isso. Mas, para sorte de Edouard, o general gostava dele.

Recentemente Edouard havia feito incursões a rendez-vous com a Esquadrilha Americana, uma força aérea com sete voluntários americanos e levara Victoria com ele para conhecê-los. Fora excitante para ela e eles estavam loucos por ver outro ianque. Dois deles eram de Nova York, de modo que também tinham isso em comum, mas a guerra já era um laço suficiente para todos. Estavam todos juntos naquilo.

Em junho, enquanto Victoria estava dirigindo para Edouard, os Dawson estavam batizando seus bebês. Olívia insistira em chamá-las de Elizabeth e Victoria por sua mãe e sua irmã. O Victoria fora difícil de explicar para Charles, mas ele pensara que ela queria uma homônima. Mas o nome do meio de Elizabeth era Charlotte, por causa de seu pai. E o de Victoria era Susan.

Geoff estava encantado com as duas e Bertie vivia ocupada, vestindo, alimentando, lavando e trocando. Nunca havia mãos suficientes para ajudá-la. Olívia havia tentado amamentá-las, mas elas haviam sido demais para ela, e depois da dificuldade que tivera no parto, o médico achou que ela estava muito frágil para continuar a amamentar. Então elas começaram com as mamadeiras, e agora todos podiam ajudar a alimentá-las.

Mas em junho Olívia estava se sentindo maravilhosa. Era como se nada houvesse jamais acontecido. E quando estavam na igreja de Saint Thomas, na véspera de seu segundo aniversário de casamento, Olívia sentiu-se a mulher mais sortuda da vida, exceto pelo fato de que ela pegara tudo aquilo emprestado da irmã. Ela não tinha idéia do que fariam quando Victoria retornasse. Talvez devessem continuar com a farsa para sempre.

Ela apenas esperava que Victoria não decidisse que estava loucamente apaixonada por Charles, mas nada em suas cartas indicava isso ou mencionava qualquer outra pessoa. Olívia tinha a impressão de que algo estava acontecendo, mas ela nunca compreendera o que era. Victoria praticamente se limitava a notícias de guerra, até onde os censores deixariam, mas pelo menos Olívia sabia que sua irmã estava feliz.

Em junho, durante a Batalha de Verdun, depois que o forte Vaux caiu, Edouard e Victoria estavam voltando para casa, após um encontro ultra-secreto com os aliados em Anscourt. Todos os oficiais graduados haviam estado lá, inclusive Churchill, representando seu novo batalhão. Todos haviam ficado deprimidos pela maneira como estava indo a batalha, pois a carnificina parecia não ter fim. E o encontro havia sido ultra-secreto. Victoria tivera que esperar do lado de fora com os outros motoristas.

E ele disse muito pouco para ela no caminho de volta. Edouard parecia estar pensando e prestava muito pouca atenção à estrada, já familiar para ambos. Victoria a conhecia como a palma da mão; passara por ali centenas de vezes. E naquela noite estava com pressa para voltar para seu bebê. Como sempre, seus seios estavam jorrando leite e ela queria voltar para o château rapidamente para pegá-lo e amamentá-lo. O desconforto que sentia crescia a cada hora e a fez ficar um pouco menos cuidadosa.

- O que foi aquilo? - Edouard olhou para algo no lado da estrada, quando já haviam passado da metade do caminho de volta e ela sorriu.

Ele estava cansado e parecia tenso. A guerra não estava indo bem para os aliados. Ela desejava que os americanos entrassem nela, mas o presidente Wilson ainda estava resistindo. Se pelo menos eles pudessem vir e ver com seus próprios olhos o quanto os franceses e ingleses precisavam desesperadamente deles, as coisas talvez fossem diferentes.

Ela estava pensando sobre isso quando bateram numa pequena protuberância na estrada e desviaram, quase batendo numa árvore. Estavam ambos cansados e nervosos.Eles já estavam quase chegando a Châlons-sur-Marne e haviam acabado de passar por Epernay, quando Edouard disse que achava ter visto algo novamente. Ele queria ir mais devagar e ela queria ir mais rápido. Eles discutiram sobre isso um minuto e ele deu uma ordem a ela e não estava brincando.

- Vá devagar, Victoria, eu quero ver isso.

Ele estava certo de que podia ver movimento nos arbustos e queria avisar em Château Thierry se os alemães estivessem de alguma forma invadindo por trás, o que seria desastroso. Mas depois que pararam por um minuto, o que Victoria pensou ser suicídio, não viram mais nada e começaram a se mover.

Ela havia apenas começado a aumentar a velocidade quando um cachorro correu para a estrada na frente deles e ela desviou para evitá-lo e quase bateu numa árvore. Enquanto estava se acalmando novamente, ouviu um estranho silvo e lembrou-se, sem razão particular, do Lusitania. O ruído era bem mais baixo e ela olhou para Edouard, todo o seu corpo tenso, e seus olhos ficaram subitamente arregalados quando ele gritou para ela.

- Abaixe-se! Baisse-toi... - gritou ele e ambos voaram para o chão o mais baixo que puderam, enquanto ela continuava dirigindo.

Mas quando se voltou para olhar para Edouard, ele tinha uma expressão estranha nos olhos, e ela de repente viu que ele estava sangrando. Ela começou a se dirigir para a beira da estrada e ele sacudiu a cabeça freneticamente, dizendo a ela para não parar, mas outro cartucho atingiu-os um instante depois. Eles haviam sido atacados por franco-atiradores. Ela dirigiu o mais rápido e para o mais longe que pôde, estendendo a mão para ele, sem certeza do que fazer. Ele tinha seu rádio com ele, mas ainda estavam muito longe para usá-lo.

Ele estava começando a cuspir sangue e ela pôde ver que ele estava perdendo a consciência. Ela estava dividida entre tentar levá-lo para o hospital do campo ou parar para cuidar dele ali. Mas não havia decisão a tomar agora. Ele se arremessou para a frente no chão e ela pôde ver que ele estava morrendo. Ela não tinha escolha, a não ser encostar o carro.

- Edouard - disse ela, empurrando-o para trás e deitando-o contra ela.

Ela vira faces como aquela mil vezes nos últimos trinta meses, mas nunca a dele ou de alguém que conhecesse. Isso não podia estar acontecendo, não a ele, não hoje, não agora. Não era possível... ela estava gritando seu nome e sacudindo-o para tentar trazê-lo de volta à consciência, mas podia ver que todo o lado de sua cabeça fora arrancado e ele estava quase morto enquanto ela o segurava. Ela não podia acreditar que ele ainda estivesse respirando.

- Edouard! - gritou ela, meio chorando, meio soluçando. - Me escute... me escute...

Ela estava gritando e imaginou se os franco-atiradores podiam ouvi-la. Para ser exata, eles ainda estavam longe o suficiente do campo e não eram um perigo real para o acampamento.

- Edouard, por favor...

Ele abriu os olhos e olhou para ela com um sorriso, apertando sua mão o mais forte que podia, o que era muito pouco.

- ... je t'aime... sempre estarei... com você...

E então ele olhou para ela novamente, seus olhos se abriram um pouco mais como se estivesse muito surpreso e então subitamente ele estava com os olhos fixos e havia parado de respirar. Rapidamente estava tudo acabado.

- Edouard - sussurrou ela no escuro, sozinha... - não... vá... por favor... não me deixe...

E enquanto olhava para ele com horror e descrença, o sangue dele cobrindo-a, ela mal sentiu o projétil que entrara nas suas costas bem abaixo do pescoço, embora tivesse ouvido aquele que passara perto de seu capacete. Ela o deitou gentilmente no assento próximo a ela e, sentindo algo muito frio pingar de seu pescoço, pressionou o pé no acelerador e voltou à estrada em alta velocidade. Ela tinha que levá-lo para o hospital para ver se podiam ajudá-lo. Os médicos fariam algo... eles o acordariam novamente... ele estava apenas dormindo, disse ela a si mesma.

Ela estava em choque. Tudo o que sabia era que tinha de levá-lo de volta. Ele era seu capitão, ela era sua motorista e ele era seu capitão.. e... ela bateu numa árvore quando entrava no acampamento, quase atingindo duas enfermeiras a caminho do refeitório. Elas gritaram para ela e uma delas disse algo rude e encarou-a.

- Ele está ferido - disse Victoria, encarando-as inexpressivamente. E as enfermeiras olharam para ela muito estranhamente, enquanto seus rostos rodavam em torno dela. Façam algo, ele está ferido! - gritou ela e as enfermeiras puderam ver, sem olhar duas vezes, que o capitão de Bonneville estava morto.

Mas então elas viram o sangue pingando de seu pescoço e na camisa e entenderam o que havia acontecido.

- Você também - disse uma delas gentilmente e entrou no caminhão para segurá-la, enquanto Victoria escorregava suavemente para dentro da escuridão.

Elas a pegaram enquanto ela caía contra o volante e viram que suas costas estavam inteiramente cobertas de sangue.

- Pegue uma maca! - gritou uma delas para alguém atrás de si, enquanto segurava gentilmente o queixo de Victoria em suas mãos para sustentá-la. - Servente! - chamou e dois homens vieram correndo.

Um deles reconheceu Victoria e sacudiu a cabeça quando viu o capitão.

- O capitão? - perguntou ele e a enfermeira confirmou com a cabeça.

Não havia esperança.

- Eles foram baleados... leve-a para a cirurgia. Veja se Chouinard está lá... ou Dorsay... ou qualquer pessoa...

Se houvesse atingido a espinha, qualquer coisa podia acontecer. No mínimo a infecção poderia matá-la. Os serventes correram com ela para a cirurgia e depois voltaram mais vagarosamente para Edouard. Dois soldados carregaram seu corpo para o necrotério, enquanto outro dirigia o caminhão para longe e ia informar aos comandantes sobre o capitão de Bonneville.Não havia nada mais que pudessem fazer por ela, exceto operar para remover a bala.

Ela jamais poderia andar novamente se sobrevivesse, o que não seria nada agradável. O dano que a bala dos franco-atiradores fizera fora tremendo, já que ricocheteara dentro de seu corpo. E mais tarde, naquela noite, as enfermeiras e serventes com quem ela havia trabalhado estavam falando sobre ela e Edouard. A sargento Morrison foi procurar seus papéis. Eles a conheciam como Olívia Henderson, americana, de Nova York, e Morrison há muito havia gravado o endereço de sua casa e seus parentes próximos. Era uma mulher chamada Victoria Dawson. Morrison escreveu ela mesma o telegrama e havia lágrimas em seus olhos quando o fez.

 

O carrinho que Olívia tinha de usar para as gêmeas era a coisa mais pesada e antiquada que ela já vira, mas Bertie insistira em trazê-lo de Croton. Ela fizera Donovan trazê-lo especialmente de carro. Era gigantesco e havia sido dela e de Victoria mas, apesar das queixas de sua mãe, as gêmeas pareciam muito felizes nele.

A casa se tornara pequena para eles durante a noite também. As gêmeas estavam dividindo um quarto com Bertie e ela e Charles haviam falado mais de uma vez sobre mudarem-se para a casa de seu pai na baixa Quinta Avenida. Até onde Charles sabia, era dela agora. Mas Olívia sabia que era de sua irmã e não se sentia bem se mudando para lá até que conversasse com Victoria quando ela voltasse da Europa.

A casa que ela herdara estava em Croton e era magnífica, mas muito pouco útil. Então, por enquanto, eles iam ficando onde estavam e vivendo em quartos bem apertados. Ela e Charles podiam ouvir os bebês chorarem a noite toda e Geoff estava acima de suas cabeças constantemente, normalmente com Chip ou uma das crianças dos vizinhos. Aquilo estava começando a deixar Charles louco.

E ultimamente Olívia estava tendo problemas para dormir e vivia muito cansada. Tudo parecia doer e ela esperava que não estivesse ficando doente. Enquanto Olívia lutava com o enorme carrinho de bebê nos degraus da frente, ela estava começando a pensar que Charles estava certo, e eles deviam se mudar. Ela explicaria a Victoria mais tarde.

- Posso ajudá-la? - falou um homem de uniforme e, enquanto ela agradecia e olhava para ele, deu-se conta de que ele estava segurando um telegrama com seu nome e subitamente sentiu seu coração parar. Ela havia tido uma sensação estranha durante dias e finalmente se convencera de que estava apenas nervosa por dormir pouco, tentando tomar conta de dois bebês.

- É para mim? - perguntou ela roucamente.

- Victoria Dawson? - perguntou ele agradavelmente e ela assentiu.

- Sim, sou eu. Ele entregou o telegrama a ela, pegou sua assinatura e depois a ajudou a levar o carrinho para a casa, suas mãos trêmulas. Ela empurrou o carrinho para o hall da frente, os bebês ainda adormecidos nele, e rasgou o telegrama sem esperar mais nem um único minuto. Sentiu seu coração apertado, como se um torno de aço houvesse sido colocado em torno dele. As palavras se embaçaram no momento em que ela as leu. Era uma nota oficial de uma certa sargento Morrison na França, ligada às forças aliadas.

“Lamentamos informar que sua irmã, Olívia Henderson, foi ferida na linha de guerra. Ponto. Não pode ser transferida. Ponto. Gravemente doente. Ponto. Vamos avisá-la dos próximos acontecimentos. Ponto.”

Estava assinada pela sargento Penelope Morrison do Quarto Exército, responsável pelos voluntários. Victoria jamais a havia mencionado antes, mas aquilo não era importante agora. Ela fora ferida.

Olívia ficou chorando no hall, segurando o telegrama, incapaz de acreditar nele. E ela havia sentido aquilo. O mal-estar que sentira fora muito facilmente explicado pelo cansaço com os bebês. Mas agora ela subitamente entendeu o que estivera sentindo. Victoria estava doente ou ferida.

Olívia estava olhando em volta nervosamente, quando Bertie entrou no hall, saindo da cozinha e soube imediatamente que algo terrível acontecera.

- O que foi? - Ela correu até o carrinho, pensando que era um dos bebês.

- É Victoria... ela está ferida...

- Oh, meu Deus... o que você vai dizer a Charles? - Ela usou o primeiro nome dele em sua ausência, embora nunca o tivesse feito em sua presença.

- Não sei - disse Olívia nervosamente, enquanto ambas levavam os bebês adormecidos para cima.Deitaram-nas em seus berços sem acordá-las, quando Geoffrey entrou e subiu as escadas correndo para fazer seu dever de casa. Mas Olívia não disse nada a ele. Ela tinha de contar a seu pai primeiro e não tinha idéia de por onde começar, se contava a ele toda a verdade ou apenas parte dela.

Mas o que quer que fosse, ela tinha de fazer algo.Ela iria vê-la imediatamente e se ele se juntaria ou não a ela, dependia dele. Mas ela estava indo. Nada neste mundo a impediria de fazê-lo.

Ela estava esperando por ele na sala de estar quando ele chegou em casa no fim daquela tarde. Estava mortalmente pálida e suas mãos tremiam enquanto ela dobrava e redobrava o temido telegrama mas como Bertie, ele pensou que era um de seus bebês.

- Victoria, o que foi?

Ela tomou um pouco de ar e decidiu contar a ele apenas parte de tudo. Ela passara a tarde em agonia por causa desta decisão.

- É minha irmã.

- Olívia? Onde ela está? O que aconteceu? - Ele não entendia o que sua esposa estava dizendo.

- Ela está na Europa. E está ferida.

Era realmente mais fácil do que ela pensara, agora que tinha começado. Mas a verdade toda jamais seria. Não haveria meio de colocar aquilo em pratos limpos e seu pior medo era que ele se divorciasse dela. Ele nem mesmo tinha de fazê-lo. Tudo o que tinha de fazer era jogá-la para fora. Ela nem mesmo estava certa de que, nestas circunstâncias, ele teria de dar os bebês a ela, ou mesmo deixá-la visitá-los. Mas a questão agora não era sobre eles, não ainda. Era sobre sua irmã.

- Ela está na Europa? - Ele parecia totalmente perdido, enquanto se sentava e a encarava. - O que ela está fazendo lá?

- Ela estava dirigindo para as Forças Aliadas e foi ferida - disse Olívia, sentando-se em frente a ele e olhando-o com terror.

Ele estava começando a entender que havia alguma decepção ali e subitamente ele soube. Você sabia disso? - perguntou ele, procurando seus olhos, imaginando se ela mentira para ele e seu pai e, quando ele perguntou, ela assentiu. - Como ela pôde fazer isso? Ela estava lá o tempo todo?

Olívia assentiu novamente, aterrorizada com o que mais ele iria imaginar, mas o resto era tão vergonhoso que não havia meio dele adivinhar. Elas haviam ido muito longe nos últimos trinta meses e ela o sabia. Imaginava se Victoria agora também sabia e se sentia por isso. Trinta meses era muito tempo para carregar uma decepção e trocar de vidas. Aquilo excedera demais seu trato. Mas ela também se excedera e sabia disso.

- Por que você não disse nada, Victoria?

Subitamente o nome de sua irmã soou em seus ouvidos como uma acusação, mas era muito tarde para mudar as coisas e ela respondeu sem se acovardar.

- Ela não queria que ninguém soubesse e queria desesperadamente fazer isso, Charles. Eu não pensei que fosse justo detê-la.

- Justo? Você acha que foi justo da parte dela fugir de seu pai assim? Pelo amor de Deus, isso o matou!

Os olhos de Olívia encheram-se de lágrimas quando ele disse isso.

- Não foi só isso e nós não sabemos. O coração dele já estava fraco havia anos. Ela tentou defender-se, mas ele pareceu zangado e nem um pouco impressionado.

- Tenho certeza de que isso não o ajudou - disse ele severamente, apavorado com a decepção que sentia com a frivolidade de “Olívia”.

- Provavelmente não - disse a Olívia real fracamente, sentindo-se uma assassina, embora sua farsa tivesse convencido seu pai de que ele a vira em seu leito de morte. Mas aquilo era um conforto pequeno.

- Eu poderia entender que você fizesse alguma coisa louca como essa, nos velhos tempos, quando você estava totalmente envolvida em política e idéias radicais, mas Olívia... eu simplesmente não posso entender.

- E se eu tivesse ido? - perguntou ela gentilmente, enquanto ele sorria com melancolia. Eu a teria matado. Eu a teria trazido de volta pelos cabelos, trancando-a no sótão. Talvez ele devesse ter feito isso. Mas seria necessário aquilo tudo para conseguir trazê-la de volta. E então ele olhou para ela mais seriamente.

- O que você vai fazer agora? - perguntou, esperando que ela fosse ao consulado francês ou à Cruz Vermelha para ver o que podia ser feito para ajudá-la. - Ela está muito machucada?

- Não sei. Não estou certa. O telegrama diz “gravemente doente”. - Ela olhou para ele com força e desta vez disse a verdade. E ele não podia detê-la. - Charles, eu estou indo para lá. Você está o quê? - Ele estava ultrajado. - Há uma guerra na Europa e você tem três crianças para cuidar.

- Ela é minha irmã - disse ela e para Olívia aquilo falava bem alto, mas ele estava lívido. Não, ela não é, é sua gêmea, e eu sei o que isso significa. Significa que você deixa tudo de lado por ela toda vez que você tem uma dor de cabeça e pensa que ela está mandando uma mensagem para você. Bem, eu não vou concordar com isso. Ela pode ser sua gêmea, mas eu estou proibindo você de ir até ela, você me escutou? Você vai ficar bem aqui, no lugar ao qual você pertence, e não vai correr meio mundo para resgatar uma mulher que renegou sua família inteira há um ano, para fugir sabe Deus de que para a Europa. Você não vai - disse ele numa voz que ela jamais ouvira antes, gritando de pé na sala de estar.

Mas ela olhou para ele com olhos que ele também jamais vira antes.

- Nada que você faça vai me deter, Charles. Estou embarcando num navio esta semana, no primeiro dia que puder e vou até ela, quer você goste ou não. Minhas crianças vão ficar a salvo aqui. Eu vou ver minha irmã.

- Eu perdi uma esposa em alto-mar - gritou ele para ela, enquanto o resto dos empregados fingia não escutá-los, mas era impossível - e dane-se, Victoria, não vou perder outra! - Havia lágrimas nos olhos dele e em suas faces enquanto ele gritava com ela, lágrimas de raiva e terror.

- Sinto muito, Charles - disse Olívia calmamente desta vez. - Eu vou vê-la. E se você quiser, gostaria que viesse comigo.

- E se nós dois morrermos? E se nós dois formos torpedeados no caminho para lá? Quem vai cuidar de nossas crianças? Nós temos três delas para cuidar agora. Você sequer pensou nisso?

- Então fique aqui - disse ela tristemente. - Eles terão você.

Eles provavelmente não a teriam mais, assim que ele a jogasse porta fora e não a deixasse vê-los. Era tudo o que ela podia imaginar agora, e, quando os abraçou naquela noite, sofreu com o pensamento de jamais poder abraçá-los novamente, mas ela sabia que tinha que ir até Victoria. Cada pedaço de seu ser e sua intuição dizia para ela ir. Ela colocou Geoff na cama aquela noite. Ele havia escutado a discussão e parecia muito preocupado.

- É Victoria, não é? - sussurrou ele e ela assentiu. - Papai já sabe agora?

- Não - sussurrou ela - e você não deve contar a ele. Eu tenho que vê-la primeiro e então nós vamos contar a ele juntas. Mas eu quero falar com ela.

- Você acha que ela vai ficar zangada por causa dos bebês? - perguntou ele ansiosamente e ela o beijou outra vez.

- Claro que não, ela vai amá-los!

Ela tentou soar mais calma do que se sentia. Por dentro, estava nervosa de terror por sua irmã. Mas você vai ficar conosco quando ela voltar? Você pertence a esta casa agora - disse Geoff insistentemente e ela sorriu para ele.

Apenas esperava que Victoria voltasse, fosse para esta casa ou não, ninguém sabia agora.É por causa disso que eu tenho de ir à Europa, para falar com ela e me assegurar de que ela está bem e falar sobre todas essas coisas com ela.

- Ela vai morrer? - Ele pareceu subitamente surpreso e um pouco assustado.

- Claro que não! - disse ela, desejando acreditar nisso.

Oh Deus... por favor, por favor, não a deixe morrer, disse para si mesma naquela noite repetidamente, enquanto se deitava na cama, próximo a Charles. Por um longo tempo ele não disse nada e então rolou na cama e olhou para ela. Olívia não podia saber o que ele estava pensando.

- Eu sempre soube que você era teimosa, mesmo quando me casei com você. Mas se você insiste em ir, Victoria, eu vou com você. - Ela estava abalada, mas aliviada. Ir sem ele para a Europa em guerra seria aterrorizante e ela estava grata por ele se dispor a fazer isso.

- Você pode se ausentar do trabalho?

- Vou ter de fazer isso. É uma emergência. Vou dizer a eles que tenho uma cunhada louca e uma esposa impossível e que tenho de ir à Europa para ajudá-las.

Ele sorriu e Olívia o beijou, agradecida além das palavras pelo que ele estava fazendo e já sentindo pelo que teria de contar a ele uma vez que chegassem lá. Ela não ia dizer mais nada a ele até que visse sua irmã.

- Mas deixe-me dizer a você, se essas duas fedelhas no quarto ao lado algum dia fizerem o tipo de besteira que vocês fazem comigo, vou transformá-las agora em duas crianças sem família, de sexos diferentes, ou então em dois cachorrinhos.

Ela riu, enquanto se agarrava a ele com medo naquela noite, e ele a abraçou e a beijou.

Olívia se preparou nervosamente para a viagem nos dois dias seguintes e no terceiro eles embarcaram no navio francês Espagne, com chegada prevista para dali a sete dias em Bordeaux. Era o único navio partindo, a não ser o Carpathia, que havia estendido as velas na semana anterior e quatro anos antes resgatara Geoffrey do Titanic.

Eles ficaram numa cabine externa pequena, no Deck B e, embora não fosse luxuosa, era confortável, e eles cumpriram cuidadosamente os blackouts e passaram a maior parte do tempo na cabine. Tudo em que Olívia podia pensar então era em sua irmã gêmea e Charles se esforçava para tentar distraí-la e elevar o moral.

- Não é exatamente como o Aquatania - disse ele uma noite, brincalhão, lembrando-se de sua lua-de-mel. Ela sorriu e ele a surpreendeu com seu comentário: - Que viagem miserável foi aquela!

- Por quê? - perguntou ela surpresa e ele olhou para ela com muita estranheza.

- Talvez eu tenha uma memória melhor do que a sua, mas posso dizer a você agora que aquele primeiro ano quase me matou. Se as coisas não tivessem mudado há um ano, acho que eu teria me matado ou então ido para um monastério. Eu devia ter ido.

Ela sabia que ele estava se referindo ao celibato que sua irmã prometera a ela, e aquilo a fez sentir-se culpada em relação a ela novamente. Elas tinham muitas explicações para dar uma à outra. Apenas pensar naquilo a fez ficar quieta.

 

Eles aportaram em Bordeaux dois dias antes de seu aniversário de casamento, o que era suficientemente estranho, e o cônsul local deu a eles todos os avisos que pôde sobre como chegar a Châlons-sur-Marne. Eles alugaram um carro que parecia incapaz de dar a volta no quarteirão e foram encontrar um representante da Cruz Vermelha em Troyes, para seguir o resto da viagem com eles. A viagem deveria levar 14 horas.

Normalmente teria sido menos, mas com as batalhas acontecendo em toda a sua volta, eles tinham de pegar uma rota mais tortuosa e já haviam sido avisados dos perigos em potencial. Eles haviam ganhado máscaras de gás, suprimentos médicos básicos e água. Aquilo lembrou a ambos que estavam numa zona de guerra. Olívia experimentou a máscara de gás e não conseguiu imaginar como alguém poderia respirar com ela, mas o guarda que a dera a ela assegurara que, se eles entrassem numa área com gás de cloro, que os alemães estavam usando naquela semana, ela ficaria agradecida.

Ver aquilo fez Charles ficar aliviado por ter resolvido vir com ela. Ela jamais poderia ter feito isso sozinha, ou pelo menos ele achava que não. Ele não queria que ela fosse a lugar nenhum. E enquanto eles se dirigiam para o interior e viam a destruição da guerra, ele ficou ainda mais aliviado por ter tido o bom senso de acompanhá-la.

Eles encontraram a mulher da Cruz Vermelha em Loyes e ela os levou a Châlons-sur-Marne. Tiveram um pneu furado no meio do caminho e várias vezes foram parados por soldados que os forçavam a fazer meia-volta. Passava muito da meia-noite quando alcançaram o acampamento naquela noite e os três estavam exaustos. Mas tudo o que Olívia queria, não importava que horas fossem, era ver sua irmã. Charles tentou convencê-la a esperar até o dia seguinte, mas não havia nada que a detivesse e assim que saíram do pequeno Renault, ela perguntou a um servente onde era o hospital e ele apontou a direção certa para ela.

Ela encontrou uma enfermeira saindo e perguntou se conhecia Olívia Henderson. Era como perguntar por si mesma, mas ela sabia quem estava procurando e viera de muito longe para encontrá-la.

Charles estava bem atrás dela e ouviu a jovem enfermeira dizer-lhe onde encontrar sua irmã. E então ele a seguiu vagarosamente para dentro da tenda, arfou com o cheiro horrível e quase vomitou com as visões terríveis. Havia homens mutilados e feridos e vomitando verde por causa do gás de cloro.

Aquilo tudo era familiar para Victoria; ela os vira durante um ano, mas nenhum dos dois jamais imaginara aquilo. Olívia começou a se virar e então um garoto que estava no chão estendeu a mão para ela, que gentilmente a pegou. Ele a tinha feito se lembrar de Geoff e se deu conta de que gostaria de que alguém segurasse sua mão se isso algum dia acontecesse.

- De onde você é? - perguntou ele com um sotaque australiano. Ele havia estado na Batalha de Verdun e perdera uma perna, mas ia superar aquilo.

- Sou de Nova York - sussurrou ela, sem desejar acordar ninguém, mas ninguém parecia estar dormindo. Tudo em torno deles estava se movimentando.

- Sou de Sydney - sorriu ele para ela e saudou Charles, que o saudou de volta com lágrimas nos olhos.

Então eles continuaram a caminhar para encontrar Victoria. Ela estava num catre no canto mais distante do aposento e tinha a cabeça e o pescoço tão envoltos em bandagens que Olívia a princípio nem mesmo a reconheceu ou se deu conta de que era uma mulher. E então um instinto familiar a dirigiu diretamente para ela e subitamente estava olhando para ela, tocando-a e abraçando-a.

Victoria estava muito fraca, mas sorriu e eles puderam ver que ela estava feliz por vê-los.Mas ela só tinha olhos para Olívia e as duas mal falaram palavras inteiras ou frases completas. Era tudo sons e meias palavras e pequenos murmúrios de excitação, enquanto Olívia colocava os braços em torno dela e a abraçava. Aquele era o momento que ela esperava havia um ano. Havia muito para falarem uma à outra e muito pouco que pudessem falar ali. Mas estavam ambas inundadas por um redemoinho de sentimentos. Havia lágrimas escorrendo pelo rosto de Olívia enquanto Victoria segurava sua mão e sorria para Charles.

Então ela falou numa voz fraca e tensa; ainda era difícil para ela falar. Ela estava com uma infecção na coluna vertebral e eles ainda temiam que ela fosse para seu cérebro e a matasse. A sorte dela era que não fora muito grande. Se sobrevivesse, provavelmente iria andar novamente. Muitos outros não eram tão sortudos. Esta era a crueldade de todas as guerras, e já havia destruído milhões de pessoas.

- Obrigada por ter vindo - sussurrou ela para Charles e ele estendeu a mão para tocá-la, mas quando olhou para ela havia algo em seus olhos que o abalou.

Era como se ela tivesse crescido muito ali; de certa forma, de uma maneira muito dura.

Havia uma fragilidade nela que Olívia nunca tivera antes, pelo menos não que ele soubesse. Mas inevitavelmente ela havia amadurecido ali.

- Estou feliz por termos encontrado você - disse ele. E acrescentou: - Geoff mandou seu amor. Nós todos sentimos sua falta. Especialmente Victoria.

Victoria olhou para a irmã e, imperceptivelmente, Olívia assentiu. Ele ainda não sabia. Nem mesmo agora, quando ela estava ali morrendo. E ela queria perguntar a Olívia se elas iam contar a ele. Ela esperava que sim. Ela queria confessar tudo minuciosamente para ambos e pedir a Olívia para ir buscar seu bebê se ela morresse.

Mas não houve tempo para pedir nada a eles naquela noite. Olívia ficou só um pouco e logo a enfermeira disse a eles para irem embora e foram levados para alojamentos separados. Não havia acomodações para casais ali. O que ela e Edouard haviam tido era raro e seus quartos já haviam sido dados a outro capitão. As águas se fecharam sobre eles rapidamente.

Ele fora enterrado nas montanhas atrás do acampamento, com outros homens como ele. Ele havia sido diferente apenas para Victoria e para seu filho, mas não para os aliados ou os alemães. Victoria ainda estava se retorcendo de dor por tê-lo perdido. Era tudo em que ela pensava em seus momentos de consciência, nele e em Olívia. Mas pelo menos agora ela podia ver sua irmã.

Charles e Olívia se encontraram novamente no refeitório no dia seguinte. Ambos haviam dormido muito mal e tudo o que Olívia queria agora era voltar a ver sua irmã. Charles concordou em esperar do lado de fora para que elas pudessem ficar a sós por um tempo e conversou com alguns homens, sentindo-se culpado subitamente por seu país não ter entrado na guerra.

Eles estavam impressionados por ele ter vindo de tão longe e cruzado o Atlântico para visitar a cunhada e ele ficou tocado ao se dar conta de que muitos deles a conheciam e pensavam muito nela. Todos disseram o quanto esperavam que ela sobrevivesse àquilo. E quando Olívia sentou-se ao seu lado. Victoria estava sorrindo para ela, como se tivesse visto um pequeno pedaço do paraíso.

- Não posso acreditar que você realmente está aqui. O que a fez vir?

Ela sabia que provavelmente eles a haviam notificado, mas esperava que escrevessem uma carta que demoraria muito a chegar. Havia até mesmo se perguntado, mais de uma vez, se estaria morta quando a carta chegasse.

- Recebi um telegrama de uma tal sargento Morrison. Preciso vê-la mais tarde e agradecer a ela - disse Olívia gentilmente, inundada de sentimentos. Era tão incrível estar com a irmã!

- A boa e velha Penny Morrison. - Victoria sorriu e depois beijou os dedos de Olívia. Oh, Deus, como senti sua falta, Ollie... tenho tanto para lhe contar - e era como se tivesse muito pouco tempo.

As enfermeiras disseram que ela estava melhor naquele dia, mas Victoria sentia uma dor de cabeça horrível. Então olhou seriamente para sua irmã gêmea, impressionada por ela ter sido capaz de levar adiante aquela farsa por tanto tempo.

- Não sei como você conseguiu fazer isso.

- Eu sempre fui melhor mentirosa do que você - sorriu Olívia e Victoria tentou rir, mas doía muito; sentia como se sua cabeça fosse cair se ela a movimentasse.

- Esta é uma boa coisa para se alardear por aí - disse Victoria, desejando poder rir, mas muito cansada para fazê-lo. Elas duas haviam feito vinte e três anos no mês anterior e, por razões diferentes, ambas se sentiam velhas. -Sinto muito por papai - disse ela então, tentando tocar em todas as coisas importantes que haviam acontecido desde que ela os deixara. - Sinto muito por não estar lá com ele.

- Ele pensou que você estivesse - sorriu Olívia amorosamente - e isso foi bom o suficiente. Ele morreu em paz. Eu estava com ele.

- Doce Ollie, você está sempre aí para todos... mesmo o pobre Charles, porque eu estava muito despedaçada para ficar e ser a esposa dele.

- Victoria, eu tenho algo para contar a você - disse ela sem jeito. - As coisas não aconteceram do jeito que planejamos...

Ela se perguntou se sua irmã algum dia falaria com ela novamente, mas tinha de contar a ela. Fora para isso que viera. Nós tivemos gêmeas três meses atrás. - Ela cuspiu as palavras, enquanto Victoria a encarava com total assombro.

- Gêmeas?

Ela quase engasgou com a palavra e Olívia teve de lhe dar um gole de água, mas ela assegurou à enfermeira que estava bem e rezou para que ninguém viesse perturbá-las. Victoria estava parecendo cansada, mas elas ainda estavam longe de ter terminado.

- Você disse gêmeas, não disse?

- Sim, idênticas como nós; garotinhas... elas são lindas... - Ela sorriu com saudades, mas por enquanto Victoria não parecia ter vontade de matá-la. - Elizabeth e Victoria, por sua causa e de mamãe.

- Essa parte eu entendo - sorriu Victoria para ela fracamente. - O que não entendi ainda é como você as teve. - Ela estava sorrindo maldosamente para sua irmã mais velha. - Devo acreditar que roubou meu marido? - Ela estava rindo na verdade, mas Olívia estava olhando para baixo, para suas mãos, chorando, e não viu.

- Victoria, por favor.. não... eu vou voltar para Croton quando você voltar para casa... Apenas quero vê-las quando puder... por favor... não...

- Oh, cale-se! -Victoria estava sorrindo para ela, o melhor que podia apesar da dor, quando Olívia olhou para cima novamente. - Você é uma garota má, não é?

Mas eu acho muito engraçado. Olívia, eu não o amo. Eu nunca o amei. Não o quero de volta. Ele é seu, se você o quiser. Ele era como uma boneca que elas haviam dividido. Agora Victoria o estava dando para ela e Olívia olhou para ela espantada.

- Foi por isso que eu não voltei no verão passado... eu não queria... eu não podia... E então ela sorriu novamente. - Quando realmente isso aconteceu? Quando... Ah... as coisas mudaram entre vocês, eu quero dizer?

- Depois que descobri que você havia sobrevivido ao naufrágio do Lusitania - disse ela docemente.

Estava tão feliz por estar novamente com Victoria, era como um milagre estar com ela. Mesmo com as bandagens, ela ainda era a mesma que sempre fora; havia aquele lado ferino que Charles sentira na noite anterior e subitamente se lembrara.

- Deve ter sido idéia sua uma pequena celebração? - Victoria riu, mesmo próxima à morte, ainda cheia de travessura.

- Você é nojenta! - sussurrou Olívia, tentando não sorrir para ela, mas sem conseguir.

Ela estava muito feliz por estar ali e muito aliviada por sua irmã não estar furiosa com ela. Não, você é nojenta! - continuou Victoria. - Eu dou a você um relacionamento bom e casto com um homem que me odeia e não dormiria comigo nem se você pagasse a ele e o que você faz com ele? Você o seduz. Você é que é assim. Você é a sedutora da família. Você merece estar casada com ele. Pessoalmente, não posso pensar num destino pior, mas realmente vocês dois parecem muito felizes juntos. Ele é muito sortudo.

- Eu também - sussurrou ela.

E enquanto Victoria olhava para Olívia seu coração encheu-se de amor e ela pensou o quanto também tivera sorte por um tempo, com Edouard e seu bebê.

- Então o que fazemos agora? - perguntou Victoria a ela seriamente. - Nós temos que contar a ele.

- Ele vai me odiar - disse Olívia parecendo pálida, mas também ciente de que tinham de contar a ele. Ele vai superar - assegurou Victoria a ela. - Ele é um homem decente. Ele vai ter um ataque por um tempo, mas o que ele vai fazer? Deixar uma mulher que ele ama, porque eu estou certa de que ele deve amá-la, e dois bebês? Não seja estúpida! Falando nisso - ela pareceu acanhada com sua irmã mais velha. - Tenho uma confissão a fazer. Sim. - Olívia fingiu fazer o sinal-da-cruz sobre ela e ambas riram. - Depois de tudo o que fiz, espero que esta seja boa.

As duas ainda tinham o extraordinário laço e um profundo entendimento entre si. Subitamente era como se não estivessem separadas por um ano, mas apenas por poucos minutos. Eu tive um bebê três meses atrás também. Não gêmeos, graças a Deus, mas um lindo garotinho chamado Olivier - disse ela orgulhosamente, desejando ter uma fotografia para mostrar a Olívia, mas não tinha. - Talvez você imagine em homenagem a quem eu dei esse nome a ele.

Por alguma estranha razão, embora Olívia soubesse que devia estar chocada, aquilo não a surpreendeu. Era quase como se ela soubesse antes que Victoria lhe contasse.

- Então foi por isso que você não voltou no verão passado - disse Olívia pensativamente, mas Victoria sacudiu a cabeça o mais suavemente possível.

- Não, não foi. Eu simplesmente não quis. Acho que nem sabia ainda que estava grávida. O pai dele era um homem muito especial.

Ela então contou a ela sobre Edouard, sobre tudo o que ele fora para ela, tudo o que ela pensava dele, o que haviam planejado e chorou enquanto falava sobre isso; ela nunca conhecera ninguém como ele. Contou à irmã tudo sobre ele e sobre como ele morrera. Ela sabia agora que a vida jamais seria a mesma sem ele. E Olívia sabia, enquanto a escutava, que sua irmã encontrara o homem certo, aqui em Châlons-sur-Marne, com toda a agonia da guerra acontecendo em torno deles.

- Onde está o bebê agora?

Ela lhe contou que o deixara com a condessa no chalé próximo ao château. Mas uma das enfermeiras havia vindo trazer uma mensagem, dois dias antes, dizendo que a condessa fora para a casa de sua irmã porque havia mais franco-atiradores.

- Quero que você o leve para casa com você. Eu o coloquei em meu passaporte. O seu, na verdade. Você não vai ter nenhum problema para viajar com ele, por razões óbvias, se Charles não se importar que você viaje com seu velho passaporte.

- Acho que haverá muitas coisas para Charles pensar depois que falarmos com ele, mas algumas ele terá de suportar.

Ele não tinha de ficar casado com ela, já que não eram casados mesmo, mas não podia impedi-la de levar o bebê de Victoria para casa, para a segurança.

- E você? - perguntou então, certa de que ela ficaria melhor agora que estavam juntas. Quando você vai para casa?

Com o homem que ela amava tendo morrido e depois de ter sido ferida, não havia razão em permanecer ali, mas Victoria apenas pareceu melancólica.

- Talvez eu não tenha de ir, Ollie - disse ela tristemente e um calafrio percorreu sua espinha. Sem Edouard, ela sentia como se não tivesse casa agora. Olívia ficaria com Charles e ela não podia ver-se morando na casa de seu pai em Nova York, que ela herdara e menos ainda em Henderson Manor. O único lugar em que ela queria estar era com Edouard e ela disse isso a sua irmã.

- Não diga coisas assim! - disse Olívia, parecendo assustada e ferida, mas era quase como se Victoria não quisesse viver sem Edouard agora, mesmo por seu bebê.

- Ele deixou seu château para Olivier e sua casa em Paris também. Assim que ele nasceu, Edouard entrou em contato com seus advogados e refez seu testamento. Ele queria ter certeza de que sua esposa não ficaria com tudo. Mas de acordo com a lei francesa, Olivier está protegido de qualquer forma. E ele tem o nome de Edouard. Quando você chegar em casa, deve dar a ele seu próprio passaporte, em seu próprio nome. Ela estava muito preocupada com o bebê, mas Olívia estava profundamente preocupada com ela.

- Por que você não volta para casa conosco?

- Veremos - ela disse vagamente, parecendo inquieta e Charles veio juntar-se a elas um pouco mais tarde. Mas então tudo já havia sido dito e Victoria estava ficando muito sonolenta. Ele a observou por alguns minutos novamente e então saíram. Charles achou que ela parecia péssima, mas não disse isso a Olívia. Em vez disso, foram ao refeitório para tomar café. E quando voltaram mais tarde, ela estava dormindo.

Foi no fim daquela tarde que eles voltaram para vê-la novamente. A enfermeira disse que ela estava com febre e eles não deviam ficar muito tempo, mas ela não disse nada sobre o que aquilo queria dizer ou sobre haver algum perigo grave. Victoria dissera que queria ver Charles naquela tarde. Ela queria contar a ele por si mesma. Achava que era justo assim e quando ele entrou e se aproximou, ela parecia muito pálida, mas estranhamente em paz.

- Charles, nós temos algo para contar a você - disse ela suavemente. Olívia não podia imaginar ouvir aquilo, muito menos deixá-la sozinha dizendo isso e seu coração estava batendo forte. Mas Victoria sempre fora mais corajosa do que ela. - Nós fizemos algo terrível com você um ano atrás. Não é culpa dela - ela olhou para Olívia, mas não disse seu nome a princípio.

- Eu quero que você saiba que eu a forcei a fazer isso. Eu senti que tinha de fazer.Um estranho calafrio percorreu a espinha dele, enquanto ele olhava para ela. Havia algo assustadoramente familiar nela; aqueles olhos, a frieza neles, e ainda assim ele sentia uma estranha espécie de excitação por ela.

- Não quero ouvir isso agora - disse ele, com vontade de sair correndo da tenda como uma criança fugindo de uma punição, mas Victoria o segurou firmemente com seu olhar enquanto ficava lá deitada.

- Você tem de ouvir, não haverá outra hora - disse ela friamente.

Ela queria restabelecer tudo, pelo bem de todos. Agora era a hora. Ela sabia que tinha de fazer isso. Não sou quem você pensa que sou. Não sou nem mesmo quem meu passaporte diz que sou, Charles.Ela olhou para ele longa e duramente e ele soube, enquanto ela ficava lá deitada. Ele olhou para Olívia, boquiaberto, e então de volta para sua esposa, a real, que estava deitada ferida na tenda do hospital em Châlons-sur-Marne, não a mulher com quem ele havia se deitado durante um ano e que dera à luz suas crianças.

- Você está me contando... você está me dizendo... - Ele sabia, mas não podia ousar dizê-lo. Estou dizendo algo que você já sabia e talvez não quisesse ouvir - disse ela, ainda forte, mesmo à porta da morte.

Mas ela o conhecia bem, apesar de seu desprezo por ele. Ela sentira que ele tivera uma intuição instintiva quando olhara para ela de que ela era a mulher com quem havia se casado, e não a mulher com quem ele viera de Nova York.

Olívia sentiu lágrimas nos olhos enquanto ouvia sua irmã gêmea continuar, embora fosse tão doloroso para todos os três.

- Estou dizendo a você que odiávamos um ao outro e você sabe disso. Nós teríamos nos destruído se eu tivesse ficado. Foi um arranjo com o qual nenhum de nós dois poderia viver... ela o ama, você sabe... Olívia foi boa para você durante um ano. Eu não estive 1á, mas posso ver nos olhos dela e nos seus... você a ama também. Charles, você nunca me amou e sabe disso. Ela estava certa, mas aquilo apenas fazia suas palavras doerem mais. Se ela estivesse inteira, ele a teria esbofeteado, mas agora ele não podia. Podia apenas olhar para ela com horror, subitamente forçado a encarar algo que jamais se permitira pensar. E, forçado por ela a encarar isso agora, ele olhou para sua esposa de verdade, furioso.

- Como você ousa me falar isso agora!... como você ousa!... vocês duas... - Ele estava encolerizado com elas, falando com a voz mais suave que ele podia, com centenas de homens em torno deles. -Vocês não são crianças brincando... essa troca de que vocês sempre tiveram tanto orgulho... você era minha esposa, você me devia algo, Victoria, mais do que isso... - Ele estava quase sem voz de tanto ultraje.

- Eu devia a você muito mais do que lhe dei. Tudo o que eu algum dia poderia dar a você era sofrimento. E você jamais se deixaria me amar. Você tinha tanto medo... você estava muito ferido pelo que havia perdido, mas talvez Olívia... talvez ela tenha dado a você o que você queria. Você não tem medo dela, Charles. Se você fosse honesto sobre isso, admitiria que a ama. Você não me ama, você me odeia. Pelo bem de Olívia, se nada mais, ela queria que ele visse aquilo.

- Eu odeio vocês duas e não vou ficar aqui e deixar você me dizer o que eu fiz ou não fiz, devia ou não devia ter feito, ou quem eu amo porque é conveniente para você. Não dou a mínima se você está doente ou ferida ou Deus sabe o quê. Acho que vocês duas são doentes; vocês brincam com as pessoas como se fossem brinquedos! Bem, eu não sou um brinquedo. Vocês me ouviram? - disse ele, aumentando a voz finalmente, olhando para as duas, totalmente enraivecido e então saiu intempestivamente da tenda o mais rápido que pôde, lutando contra as lágrimas, incapaz de acreditar naquilo.

Olívia estava chorando suavemente e Victoria segurava sua mão o mais apertado que podia, o que não era muito.

- Ele vai superar, Olívia... acredite em mim, ele não a odeia... - mas ela estava ficando agitada e a enfermeira veio pedir a Olívia que saísse.

Ela beijou gentilmente o rosto de sua irmã e prometeu voltar mais tarde. Estavam todos muito comovidos para falar mais. Olívia procurou por Charles do lado de fora, mas não conseguiu encontrá-lo em lugar algum, até que finalmente o achou medindo os passos do lado de fora do acampamento dos homens.

- Não fale comigo - disse ele furiosamente quando ela se aproximou e levantou a mão como se para detê-la. - Eu nem mesmo a conheço. Você é uma estranha.

Eu não conheço nenhum ser humano decente que pudesse fazer uma coisa dessas com alguém. Nem por um dia, ou um ano, ou trinta meses, certamente não para ter dois bebês. É obsceno, você é imoral, vocês duas! Vocês são doentes! Vocês deveriam se casar uma com a outra. - Ele estava tão enfurecido que estava tremendo.

- Sinto muito... não sei mais o que dizer... eu o fiz por ela a princípio... e por você e Geoff. Eu simplesmente não queria que ela os deixasse. É verdade.

Ela estava soluçando e quase perdendo o controle enquanto falava. Não podia suportar

a idéia de perdê-lo, mas sabia que agora tinha de pagar o preço de sua mentira.

- Não acredito em você - disse ele friamente. - Não quero ouvir nada mais de você ou de sua irmã.E depois eu fiz por mim - disse ela tristemente. - Papai estava certo. - Ela decidiu jogar todas as suas fichas. Não tinha nada a perder agora.

- Eu sempre o amei, desde o início, e quando ele pediu a você que se casasse com ela, eu fiquei sem nada, exceto passar a vida inteira com ele. Era minha única chance de estar com você, de ser sua - as lágrimas estavam escorrendo por seu rosto enquanto ela olhava para ele, mas Charles não olhou para ela. - Charles, eu te amo - disse ela, totalmente agoniada, mas ele a encarou com fúria.

- Não me diga isso. Você fez de mim um tolo. Você me seduziu, mentiu para mim, me enganou. Mas você não é nada para mim - disse ele cruelmente. - Tudo o que você fez, teve e conseguiu era uma mentira. Nós nem mesmo somos casados. Você não significa nada para mim - disse ele, enquanto ela sentia seu coração se partir em mil pedaços.

- Nossas crianças não são uma mentira - disse ela gentilmente, suplicando silenciosamente para ele perdoá-la, mesmo se levasse a vida toda.

- Não - disse ele, com lágrimas sufocando-o - mas graças a você, são bastardas.

- Ele se afastou dela e entrou na barraca dos homens, onde ela não podia segui-lo.

E ela voltou para se sentar perto da irmã. Victoria estava adormecida e uma enfermeira colocou os dedos nos lábios, pedindo a Olívia para não acordá-la. Ela estava exausta e a febre havia subido.Olívia não viu Charles novamente naquele dia. Ela não sabia onde ele havia ido, mas ele não voltou mais para a tenda do hospital e ela perguntou a si mesma se ele estaria planejando partir sem ela. Se o fizesse, ela teria de lidar com isso. Ela estava planejando ficar até que pudesse levar Victoria para casa com o bebê.

Olívia dormiu numa cadeira a seu lado toda a noite, tentando ignorar o ruído dos homens que estavam sofrendo e morrendo. Sua irmã acordou uma ou duas vezes e sempre que Olívia andava em volta para se esticar, as pessoas falavam com ela, pensando que fosse Victoria. Era particularmente enervante já que a chamavam por seu nome, pois Victoria ficara conhecida como Olívia ali, menos para Edouard.

Charles finalmente voltou a aparecer ao lado da cama de Victoria na manhã seguinte. Ela estava acordada e Olívia havia acabado de sair para tomar um café.

- Foi uma performance e tanto ontem - disse ela para ele parecendo cansada, mas ainda lúcida o suficiente para brigar com ele.

E ele sorriu para elas, pensando que algumas coisas não mudam. Ele podia perceber agora o que ela havia dito, que eles nunca poderiam ter se casado. Ele tinha pensado muito durante a noite.

- Você me pegou de surpresa. Foi uma revelação e tanto - disse ele e ela estreitou os olhos para ele. Não acreditava nele.

- Não acho, Charles, não realmente. Você está me dizendo que nunca soube, nunca nem mesmo suspeitou que ela era totalmente diferente de mim? Olhe para nós: ela é gentil e suave e querida e daria sua vida por você, mesmo agora. Você e eu mataríamos um ao outro, se tivéssemos uma chance. Nós somos como franceses e alemães.

Ambos sorriram. Era verdade e eles o sabiam.

- Não me diga que você nunca soube, nunca imaginou, nunca pensou nisso. Você deve ter pensado, pelo menos uma vez... talvez duas... ou mais... mas você preferiu não saber.

- Você pode estar certa -admitiu ele, o que a surpreendeu. - Talvez eu não quisesse saber. Era tão fácil e tão confortável, e tão bom. Eu queria muito que as coisas funcionassem entre nós e talvez Olívia tenha sido a resposta.

- Não se esqueça disso agora. Não a destrua só porque está com raiva. - Ela foi muito firme com ele. Não queria que ele magoasse sua irmã.

- Você é espantosa, vocês duas são - disse ele com um suspiro, admirando-a de certa forma. Ela era tão forte, tão desejosa de fazer qualquer coisa pela irmã, bem como Olívia por ela. - Não estou certo de que algum dia vá entender esse relacionamento. É como se fossem duas almas e uma pessoa. Ou talvez o contrário - ele sorriu.

-Acho que estranhos jamais entenderiam isso.

- Você pode estar certo. Eu a sinto em meu coração às vezes. Eu sei quando ela precisa de mim. Como ela sabia agora. Olívia estava num estado terrível por causa das coisas que Charles dissera a ela na manhã anterior.

- Ela diz a mesma coisa - disse ele calmamente.

E então ele se lembrou de algo e tudo ficou claro. Foi logo depois que Olívia havia supostamente partido para a Califórnia.

- Você estava no Lusitania, por acaso? - Ele perguntou com um estranho olhar e ela assentiu. Não tenho muita sorte com viagens oceânicas - disse ela melancolicamente e ele sorriu.

- Ela ficou sonhando que estava se afogando. Tive que chamar um médico para ela. Demorou três dias para que eu conseguisse mandar a ela um telegrama; as coisas estavam confusas em Queenstown. Eu nunca poderia dizer a você o que foi tudo aquilo. Comparado àquilo - ela lembrou da mulher dando à luz na água ao lado dela, antes de morrer - isto aqui não é nada. Foram as crianças que fizeram tudo ser tão horrível. Ela fechou os olhos para bloquear aquelas lembranças e ele tocou sua mão. Ele podia sentir que ela estava apagando.

- E agora? O que você quer que eu faça?

Ele fora até ali para fazer as pazes com ela. Para ele, apesar de seu choque inicial, a guerra com ela tinha acabado.

- Eu tenho um filho. Quero que Ollie o leve para casa com ela - disse ela claramente, seus olhos cheios de lágrimas.Ele pareceu surpreso e ela sorriu através das lágrimas para o homem que uma vez fora seu marido. Da mesma forma que aconteceu com você e Ollie. Gostaria de ver suas garotinhas disse ela tristemente.

- Você vai vê-las - disse ele, perdoando-a por tudo o que ela havia feito, embora não estivesse certo do por que, mas não parecia importar mais.

Estava acabado. Ele fora até lá para dizer isso a ela, que não importava. E se ela quisesse, ele se divorciaria dela.

- Você vai ver as garotas quando voltar para casa - disse ele, querendo que ela acreditasse nele, mas ela sacudiu a cabeça com um olhar que dizia que ela sabia mais.

- Não, Charles, eu não vou... eu sei... - Ela não parecia assustada, apenas triste.

- Não seja boba! É por isso que estamos aqui. Para levá-la para casa... e seu bebê também. - A vida nunca era simples. - Onde está o pai dele? - perguntou Charles gentilmente, imaginando se ele algum dia a conhecera.

- Ele morreu... foi quando eu fui ferida.

- Bem, então melhore para que eu possa levar você para casa e me divorciar de você. - Ele sorriu e se curvou para beijá-la, e ela olhou para ele estranhamente.

- Sabe... da minha própria maneira louca, acho que amei você. Apenas não era certo para nós dois... mas eu quis de verdade no início.

- Eu também - disse ele melancolicamente. - Não acho que eu já tivesse me restabelecido de Susan.

- Vá buscar sua esposa... ou sua cunhada... ou o que quer que ela seja... - Ela tentou sorrir, mas doía muito e ela estava ficando confusa.

- Adeus, sua garota maluca... vejo você mais tarde - disse ele e deixou-a então, com um sentimento muito estranho.

Ele não sabia o que era, mas estava começando a se sentir como Olívia, com todas as suas premonições. Ele voltou para o refeitório a fim de procurá-la, mas não conseguiu encontrá-la. E ela também não estava no acampamento das mulheres. Ele sentiu falta dela a tarde toda e se deu conta, enquanto andava por ali, de que era seu aniversário de casamento naquele dia. O segundo. A questão era com que mulher? Ele teve de sorrir com o absurdo daquilo tudo e quando voltou para ver como estava Victoria, viu Olívia adormecida numa cadeira perto dela. Victoria também estava dormindo e as duas estavam de mãos dadas enquanto dormiam e quase pareciam duas crianças.

- Como ela está? - perguntou ele à enfermeira e ela apenas deu de ombros e sacudiu a cabeça. A infecção estava se alastrando vagarosamente para cima. Era difícil de acreditar. Ela às vezes era tão racional, tão ousada e também tão mal-humorada e, em outras, tão doce. Olívia havia visto todos os lados dela enquanto ficava sentada ali. Charles desapareceu sem acordar nenhuma das duas e à meia-noite Olívia chamou a enfermeira. Ela mesma estava sentindo dores no peito e pôde ver que Victoria estava tendo problemas para respirar.

- Ela não consegue respirar - explicou Olívia, mas sua irmã gêmea parecia dormir profundamente.

- Consegue, sim - insistiu a enfermeira. - Ela está bem.

Tão bem quanto podia estar naquelas circunstâncias, mas Olívia sabia mais que a enfermeira. Colocou um pano úmido em sua testa e sustentou-a um pouco mais no alto e quando Victoria acordou novamente, ela sorriu para sua irmã.

- Está tudo bem, Ollie... não faça isso... Edouard está esperando.

- Não! - disse Olívia furiosamente, de súbito apavorada com o olhar em seu rosto. Ela estava indo embora, e ninguém fazia nada para impedir. - Não... você não pode fazer isso, sua danadinha. Você não pode desistir. - Olívia estava chorando enquanto a abraçava.

- Estou tão cansada - disse ela, sonolenta. - Deixe-me ir, Ollie.

- Não deixo! - Ela sentiu como se estivesse lutando contra o próprio demônio.

- Está bem, está bem... eu serei boazinha... vá dormir... - disse ela para sua irmã mais velha. E Olívia segurou-a por um longo tempo, observando-a e então finalmente Victoria caiu num sono calmo e Olívia se sentiu mais confortável em relação a ela. Victoria abriu seus olhos, olhou-a mais uma vez e sorriu para ela e Olívia se abaixou e beijou-a. Victoria beijou-a de volta e sussurrou algo. Olívia escutou-a dizer que a amava.

- Eu também te amo.

Ela deitou a cabeça no travesseiro com ela e dormiu um pouco, sonhando que eram crianças. Elas estavam brincando num campo em Croton, próximo ao túmulo de sua mãe e seu pai as estava observando e sorrindo. Todos pareciam muito felizes.

E pela manhã, quando acordou, Olívia olhou para Victoria, e ela havia morrido. Havia um pequeno e doce sorriso em seus lábios e ela segurou a mão da irmã. Mas não houve nenhum movimento nela. Olívia havia tentado de tudo, mas Victoria fora brincar com os outros.

Quando Olívia saiu do hospital naquele dia, estava cambaleando. Era o dia 21 de junho de 1916 e sua irmã gêmea estava morta, metade de sua vida, metade de sua alma, metade de seu ser. Ela não podia imaginar como seria ficar sem ela. Embora tivessem ficado separadas no último ano, Olívia sempre soube que ela estava lá em algum lugar e que a veria. Agora ela jamais a veria novamente. Ela tinha ido embora. Estava acabado. Terminado. Ela havia perdido Charles, teria que desistir de suas crianças e agora perdera sua irmã gêmea. Ela não podia imaginar um destino pior do que aquele e queria gritar para Victoria levá-la com ela. E então, como se pudesse ouvir a voz da irmã em sua cabeça, Olívia lembrou de sua promessa de levar o bebê para casa.

Ela entrou numa das tendas dos oficiais e perguntou se era possível conseguir um motorista para levá-la ao château. Ela explicou o que queria e um rapazinho francês sorriu para ela e se ofereceu para levá-la. Ele conhecera Edouard e Olívia, como a chamava, embora ainda não soubesse que ela estava morta. E Olívia não conseguia contar a ele. Ele disse que era apenas um pequeno caminho de carro e ela pensou em contar a Charles, mas sabia que não podia contar mais nada a ele. Ela perdera esse direito. Ele havia dito que ela não significava nada para ele agora; ela não era nada para ele. E ele ainda não sabia, mas acabara de ficar viúvo.

 

Olívia já estava a caminho do château quando Charles voltou para o hospital para ver Victoria. Quando chegou, a enfermeira sacudiu a cabeça e apontou para a cama vazia e ele ficou lá boquiaberto. Ele nem mesmo se sentiu triste por ela. Sabia que ela queria se libertar, sentira aquilo, mas tudo o que queria agora era encontrar Olívia e consolá-la. A despeito de como se sentia com a traição dela, ele mal podia começar a imaginar o sofrimento dela naquela manhã. Era impensável e ele sabia que tinha de encontrá-la rapidamente.

- Você viu minha esposa... minha... hã... sua irmã? - perguntou ele à enfermeira.

Ainda estava tudo confuso, mas ela sacudiu a cabeça e disse que ela partira logo depois que sua irmã morrera, por volta de sete horas. Ele procurou por ela no refeitório, mas não conseguiu encontrá-la em lugar nenhum. A essa hora, Olívia já estivera no château e ficara sabendo onde estava a castelã. Estava em Toul, que ficava a duas horas de viagem e Marcel, o garoto que a levara até lá, concordara em levá-la.

Ela disse muito pouco a ele na viagem. Ele olhou para ela uma ou duas vezes e viu que estava chorando suavemente. Ele lhe ofereceu um cigarro ela sacudiu a cabeça e finalmente olhou para ele. Ele era tão jovem, mal teria dezoito anos. Falaram um pouco sobre a guerra e então finalmente chegaram a Toul.

Olívia encontrou a condessa na pequena casa para qual haviam sido mandados e então, enquanto a condessa apresentava suas condolências, ela mostrou o bebê a Olívia. Ele era bonito, rechonchudo, louro e feliz. Havia algo de Victoria nele, mais em termos de sentimento do que de aparência.

Na verdade, suas próprias crianças se pareciam mais com sua irmã do que ele, mas Olivier era adorável e arrulhou de felicidade quando ela o segurou. Era quase como se soubesse que ela havia vindo buscá-lo e ele a fez sentir-se solitária, não apenas por Victoria, mas por suas próprias crianças.

A condessa ficou triste por dizer adeus a ele, mas estava satisfeita por ele estar indo para casa, para ficar em segurança com sua tia e então pediu a Marcel para ser cuidadoso. As linhas de batalha estavam se desviando há semanas e havia franco-atiradores diariamente nas montanhas, como Olívia sabia muito bem. Ela segurou o bebê em seu regaço no caminho de volta e ele dormiu a maior parte do tempo.

Mas na metade do caminho de volta, Marcel viu algo de que não gostou à sua esquerda e desviou enquanto as balas por pouco não os atingiam.

- Merde! - disse ele sem hesitar. - Abaixe-se - disse ele a ela, que se encolheu no chão do carro abraçando o bebê.

Os atiradores atiraram nele novamente e ele saiu em disparada, mas ouviu barulho de tiros novamente e sentiu as balas sobre a cabeça. Levou o carro para uma velha estrada no campo, para dentro de uma fazenda velha e deserta, escondendo-o no estábulo. Ele apontou para o mezanino e correram para lá, deitando-se ali enquanto ela segurava o bebê. Não era isso o que tinham planejado, pensou Olívia consigo mesma, tentando avaliar a situação.

As coisas não pareciam bem, com ela sentada no feno ao lado de um garoto francês de dezoito anos com sua arma desembainhada e o bebê de sua irmã morta.Ninguém foi atrás deles e eles ficaram lá sentados o dia todo, incapazes de ir a lugar algum, enquanto pequenas tropas de alemães se moviam em torno deles. Elas nunca chegaram muito perto do estábulo, mas este ficava num campo aberto e não havia cobertura para que saíssem dali. Não havia meio de irem a lugar algum e não tinham comida ou água para eles e o bebê.

- O que vamos fazer? - perguntou ela nervosamente.

O bebê estava começando a chorar e ela não era nem um pouco tão corajosa quanto sua irmã. Ela só fora até lá para buscá-la. Jamais esperara fazer nada como isso, mas por Victoria e sua criança, ela estava desejando ser um pouco heróica.

Nós teremos de tentar novamente depois do cair da noite - disse Marcel com uma expressão preocupada. Não havia mais nada que pudessem fazer. Naquela noite, eles podiam ouvir bombardeio pesado perto deles e o silvo de morteiros. Ela apenas rezou para que não houvesse um ataque de gás, pois nem mesmo trouxera sua máscara. Com o choque de deixar Victoria no hospital, quando ela morrera, Olívia a perdera em algum lugar. Nós precisamos alimentá-lo - disse Olívia referindo-se ao bebê.

O pequeno Olivier não comia há horas e estava gritando. Ele queria sua mãe, ou alguém que conhecesse, ou pelo menos algum jantar. Mas pelo menos em um aspecto Olívia levava vantagem. Ele olhava para ela e achava que a conhecia. Mas, familiar ou não, ela não tinha nada a dar para ele. Ela parara de amamentar meses atrás e nem pensou em tentar.Anoitecia quando eles finalmente saíram do mezanino e Marcel sugeriu que ela ficasse ali e esperasse. Ele voltaria ao acampamento a pé através dos arbustos.

Ele queria buscar ajuda, mas não queria que ela se arriscasse indo com ele. Ele insistiu que não levaria mais de duas horas e então mandaria ajuda. Soava razoável, mas de qualquer maneira era aterrorizante. Ela sabia que, se os alemães o capturassem, podiam voltar para procurá-la e atirar nela. Ou então ela e Olivier nunca seriam encontrados e simplesmente ficariam ali e morreriam de fome. Mas, mesmo se a matassem, ela esperava que pelo menos os alemães poupassem o bebê.

 

Mas Olívia não tinha outra chance e, vinte horas depois que haviam deixado o acampamento, Marcel deixou-a no estábulo e ela observou enquanto ele corria a toda velocidade para um local seguro. Ele estava quase nas árvores no fim do campo quando ela os viu acertarem-no na cabeça e nas costas. Ela o viu cair deitado com o rosto para baixo na margem do campo. Não havia esperança de que estivesse vivo. Ele ficou lá completamente sem movimento e os atiradores nem mesmo se preocuparam em ver como ele estava.

Eles sabiam que estava morto, assim como Olívia, e se moveram para outros pastos, deixando Marcel morto num campo em algum lugar da França e Olívia presa numa casa de fazenda com o bebê faminto de sua irmã. As coisas não deviam ter sido assim e ela não tinha idéia do que fazer agora. A única coisa que podia fazer era esperar e ver se qualquer pessoa viria, os aliados de preferência, ou fazendeiros, ou então entrar no carro e dirigir através do inferno. Mas ela dirigira apenas uma ou duas vezes antes e não estava certa de que poderia sequer dar partida no carro, muito menos dirigi-lo.

- Então, o que fazemos agora? - perguntou ela a Olivier, que finalmente chorara até adormecer em seus braços, mesmo sem jantar.

Mas ele estava acordado novamente às seis da manhã. Ele estava desesperado por comida ou bebida e Olívia também chorou ao ouvir seu choro zangado. Ela não tinha nada a dar para ele e sentia como se estivesse falhando com sua irmã. Ele não via comida há dezoito horas, nem ela, e tinha medo de que ele ficasse desidratado se não lhe desse algum leite ou água rapidamente.

Ela pensou em andar de volta para o acampamento com ele em seus braços, ou até mesmo dizer aos alemães que era americana se eles a parassem, mas ela tinha medo de que eles primeiro atirassem e depois perguntassem. No fim, ela não fez absolutamente nada; apenas ficou sentada ali, rezando para que o bebê adormecesse novamente. E finalmente, desesperada, ela levantou sua blusa e o amamentou.

Ela não tinha leite, mas pelo menos parecia oferecer a ele algum pequeno conforto e ela não tinha mais que se preocupar se os atiradores passantes poderiam escutá-lo. Por fim, às quatro da tarde, ela ouviu dois caminhões passarem e, quando olhou para fora da janela estreita no estábulo, pôde ver que eram aliados. Ela deixou escapar um grito e acenou com a mão através dos vidros quebrados e eles pararam e voltaram, enquanto ela descia rapidamente a escada, segurando o bebê. Ficou surpresa ao ver que a sargento Morrison estava num caminhão com um motorista e Charles estava sendo levado em outro. Quando ela e Marcel não retornaram, com a insistência de Charles, eles haviam mandado um comboio para buscá-la.

- Graças a Deus! - disse ela, olhando para todos eles ao mesmo tempo, profundamente aliviada por eles a terem encontrado.

Ela tivera certeza de que eles jamais a encontrariam e que ela e Olivier morreriam. Ela havia acabado de perder as esperanças quando eles a encontraram. Mas Charles não disse uma palavra a ela enquanto ficava sentado no caminhão, olhando para ela. E para Olívia ele ainda parecia extremamente zangado.

- Você podia ter sido morta - disse ele friamente, sua voz e suas mãos tremendo.

Toda essa experiência ultrapassara o pior de qualquer coisa que ele pudesse ter imaginado. Suas revelações para ele, a morte de Victoria, a guerra em si, os garotos feridos e Olívia perto de ser morta agora, presa numa fazenda, tentando salvar o bebê de sua irmã. Era demais para seu estômago e ele mal podia falar enquanto a olhava.

- Sinto muito - disse ela calmamente, tentando resistir à força de seu ódio.

Mas muito estranhamente aquilo a fazia soar como sua irmã. Ele nem mesmo teve a chance de dizer a ela o quanto sentia por tudo aquilo antes que a sargento Morrison a empurrasse rapidamente para dentro do caminhão com o bebê.

E eles voltaram para o campo o mais rapidamente possível antes do anoitecer. Olívia contou a eles sobre Marcel, mas eles haviam mandado homens para aquela área na noite anterior e já o sabiam. Eles iam voltar com uma unidade mais tarde, para buscar seu corpo e os de outros cinco. Era horrível.

- Sinto tanto - disse ela à sargento Morrison sobre Marcel, sobre a guerra, sobre Victoria, sobre a expressão nos olhos de Charles quando ele olhava para ela agora.

Ela sabia que ele jamais a perdoaria.

E, assim que voltaram, ela foi para o refeitório para alimentar a criança e ele foi para o escritório tentar arranjar passagens num navio saindo de Bordeaux. Eles enterrariam Victoria pela manhã e Olívia sentia-se quase paralisada. Era coisa demais para absorver agora.O enterro, da maneira que foi feito, foi pequeno e estranho. Um padre entoou umas poucas palavras por ela e uma dúzia de outros. Eles a enterraram numa caixa plana de pinho, sem nome ou marca em sua sepultura. Ela era apenas uma pequena cruz branca numa montanha da França. Olívia só esperava que eles a tivessem colocado em algum lugar perto de Edouard.

Mas ela estava tão chocada que mal podia chorar. Estava muito confusa para sentir qualquer coisa enquanto permanecia de pé. Ela sentiu como se estivessem enterrando parte dela, seu coração, sua alma, sua mente. Olívia sentia que estava perdendo partes suas sem se importar absolutamente, enquanto os olhava baixarem sua irmã para dentro da terra e segurava seu bebê adormecido. Ele havia comido e bebido com fartura novamente, mas, para confortá-lo, Olívia continuara a amamentá-lo.

Charles observou seu rosto ao lado do túmulo, horrorizado com o que ela devia estar sentindo, mas por orgulho ela não o deixou ficar perto dela. Eles ficaram ali como dois estranhos, observando o corpo de Victoria ser baixado para dentro da terra tão longe de casa e Olívia colocou uma pequena flor branca na sepultura e chorou enquanto se afastava, segurando o bebê. Ela mal podia respirar, era tão terrível. Era como se a tivessem enterrado e talvez tivessem mesmo. Ela perdera tudo o que amava na última semana, até suas crianças.

Mas a perda de sua irmã gêmea era muito mais que aquilo; era algo físico que machucava tanto que ela pensou que ficaria louca com a dor que sentia. Era quase insuportável.Eles andaram vagarosamente de volta para o centro do acampamento chorando e sem falar, ambos tentando absorver que Victoria havia acabado de ser enterrada.

E antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Olívia desapareceu dentro da barraca das mulheres e não saiu de lá até a manhã seguinte. Charles perguntou por ela muitas vezes, mas as pessoas a quem ele perguntava estavam ocupadas, cansadas e não pareciam conhecê-la. Houvera um recente fluxo de voluntários e as mulheres não conheciam Olívia ou sua irmã.As enfermeiras na barraca das mulheres pegaram o bebê quando ela entrou e Olívia se deitou no catre e chorou o dia inteiro. Não havia ninguém com quem ela quisesse falar ou a quem quisesse ver, nem mesmo Charles, que ela sabia que ainda estava muito zangado com ela.

Tudo em que ela podia pensar era nas coisas que ele dissera a ela depois que as duas haviam lhe contado a verdade e na maneira como a olhara quando foi encontrá-la na casa da fazenda.

Eles partiram para Bordeaux novamente na manhã seguinte às seis horas e, antes que partissem, Olívia agradeceu novamente à sargento Morrison e a todas as enfermeiras. Didier veio até ela com lágrimas nos olhos e beijou o bebê despedindo-se, dizendo que jamais o esqueceria ou sua mãe. Havia um punhado de gente dando adeus quando eles partiram e Olívia não sabia quem era a maior parte deles, mas a triste verdade era que não importava mais.

Eles chegaram a Bordeaux no fim daquela tarde e esperaram no lobby de um pequeno hotel para embarcar no navio à meia-noite. Eles mal tinham qualquer bagagem com eles e Olívia comprou apenas poucas coisas para o bebê. Tudo o que ela queria agora era levá-lo para casa a salvo. Amamentando-o e amando-o no lugar de sua irmã, começara a surgir um forte laço entre eles. E pouco a pouco, mesmo três meses após o nascimento de seus bebês, enquanto ela o amamentava, seu leite começou a chegar.

Mas mais que tudo, sobrinho ou filho, ela sentia como se ele fosse o último presente de sua irmã. E ele era ainda mais precioso para ela por aquela razão.

- O que você vai fazer com ele? - perguntou Charles calmamente, enquanto esperavam no hotel para embarcar novamente no Espagne.

Eles haviam vindo de Nova York apenas duas semanas atrás, mas parecia uma eternidade.

- Vou levá-lo para Croton comigo - disse ela calmamente e Charles olhou-a.

- É para 1á que você vai? - perguntou ele polidamente e ela assentiu.

- Suponho que sim - respondeu ela e ele não disse nada depois daquilo até que embarcassem.Eles tinham duas cabines na viagem de volta. Ele as pedira, presumindo que ela preferiria assim. As conveniências tinham de ser observadas agora, como o Sr. Charles Dawson, a srta. Olívia Henderson e bebê.

As coisas eram um pouco diferentes no caminho de volta. E Charles literalmente não a viu enquanto estavam a bordo. Ele ainda estava lambendo suas feridas, pensando em Victoria e na sujeira que elas haviam feito antes e mantendo-se à distância. E sentindo tudo aquilo, Olívia não saiu de sua cabine ou se o fez, ele não viu.

Ele passou a maior parte do tempo sozinho, pensando na última vez em que vira Victoria e nas coisas que ela dissera. Ela estava certa sobre tudo. E ele sentiu como se eles tivessem feito as pazes entre si e pensou muito nas coisas que ela dissera sobre sua irmã. Ele podia apenas imaginar o tamanho da desgraça que tinha sido para Olívia perdê-la, rasgando carne de carne, alma de alma, as peles de seus corações separadas, ou talvez apenas um coração partido.

Ele não podia nem mesmo imaginar como Olívia ia viver sem ela. Nem podia imaginar que elas haviam sido loucas o suficiente para trocar de lugar e fazer Olívia viver com ele, como homem e mulher, por um ano inteiro, e não contar a ele. Ele pensou no que Victoria dissera então, que ele devia ter sabido e não quisera. Ele imaginou se havia alguma verdade naquilo e pensou nas vezes em que ele quase suspeitara e então expulsara os pensamentos de sua mente porque era mais fácil não tê-los.

Ele se deu conta também de que Victoria devia ter prometido a Olívia uma relação adorável, sem exigências físicas e então tudo havia mudado... mas tudo mudara porque... ela havia sido tão gentil... e tão doce... e ele a quisera tão intensamente. E, casado ou não, ele tivera com ela algo que jamais tivera com nenhuma mulher. Lembrou também da noite em que as gêmeas haviam nascido.

Estranhamente, deu-se conta, como também haviam feito Victoria e Olívia, que, se ignorasse a diferença de fuso horário entre os dois lugares, seus bebês haviam nascido com poucas horas de diferença um dos outros. Era tudo tão estranho, tão incrível e tão difícil de saber onde uma começava e outra terminava, onde estava a mentira ou a verdade, ou simplesmente a intenção discreta. Era difícil saber o que tinha sido amor ou desejo, e ela estava certa sobre aquilo também; ele tivera medo de amá-la e não a deixara amá-lo.

Mas com Olívia fora tudo tão diferente. Ele vivera um ano com cada uma delas, parecia tão insano e agora estava claro para ele quem era sua esposa e a mulher que ele amava, e quem não era.

Era seu terceiro dia no mar, no meio do caminho da França para Nova York, quando ele finalmente não pôde mais agüentar e bateu na porta da cabine dela. Era uma cabine menor que a dele, mas ela insistira naquilo e dissera que o reembolsaria assim que voltassem para casa, o que ele achou insultante. Ele não esperava nem queria ser reembolsado por sua passagem.

Olívia abriu dois dedos da porta e parecia horrível. Magra, pálida e cansada, e era óbvio que ela estivera chorando. Posso entrar? - perguntou ele polidamente. Ela hesitou e então abriu a porta um pouco mais.

- O bebê está dormindo - disse ela, como se para desencorajá-lo e ele sorriu.

- Vou tentar manter minha voz baixa. Venho querendo falar com você há dias. Desde antes de sua irmã morrer, na verdade. Mas não pude chegar perto de você. Eu a vi na manhã anterior... nós tivemos uma boa conversa.

- Ela me disse. Ela disse que você não estava mais zangado com ela.

- E não estava. Acho que ela estava certa sobre muitas coisas. Só que fui muito estúpido para saber disso. Ela foi mais esperta e corajosa do que eu. Eu teria esperado até que o navio naufragasse, como aconteceu. Ela conseguiu sair. Eu devia ter feito isso também. Nem sempre é fácil disse Olívia suavemente, sabendo bem disso agora.

Mas em seu caso não havia nenhum lugar de onde sair. Eles não eram casados. Era tudo desilusão. Eu queria pedir desculpas a você - disse Olívia então, formalmente. - Você estava certo sobre o que disse também. Nós não tínhamos o direito de fazer isso com você. Foi errado... não sei o que nos fez pensar que era tudo certo, que tínhamos esse direito... apenas pensei... não sei, pareceu-me apenas uma chance de ter uma vida com você, o que era realmente uma loucura.

- Não realmente.

Ele sorriu para ela, ainda um pouco abalado com o que elas haviam feito. Mas de certa forma ele podia ver suas razões, embora ainda o assustassem um pouco.

- Realmente não havia outra maneira de termos ficado juntos. E vocês duas estavam certas. Nós éramos bons juntos.

- Éramos? - perguntou ela tristemente.

- Somos - disse ele suavemente. - Nós somos muito bons juntos, Olívia. Seria errado desistir disso agora. Não era o que ela queria - disse ele muito gentilmente, com medo até de chegar perto dela, que parecia extremamente arruinada e assustada.

- E o que você quer? - perguntou-lhe Olívia, lembrando-se das coisas que ele dissera e de seu olhar de ódio, tanto do lado de fora do refeitório quanto na fazenda, onde ele a olhara como se quisesse matá-la.

Ela nunca o vira tão zangado. O que ela não sabia era que ele jamais ficara tão apavorado. Naquele momento, ele estava certo de que ela havia sido assassinada pelos alemães, com ou sem o bebê. E tudo o que ele queria fazer era trazê-la de volta da morte e sacudi-la.

Eu quero você disse Charles suavemente - da forma como ficamos no último ano, como poderíamos ter ficado desde o início, se eu tivesse dito a seu pai para ir plantar batatas com sua filha louca e selvagem, com todo o respeito devido a ela, e se eu tivesse sido corajoso o suficiente para ir atrás de você em primeiro lugar. Eu sabia que podia me apaixonar por você, e ela estava certa, eu tinha medo de você, e dela também.

Estava com um medo tão danado de amar você que corri direto para os braços dela, porque ela era selvagem, excitante e segura e eu sabia que não havia chance na terra de eu um dia amá-la. Você foi quase tão louco quanto nós. - Olívia sorriu para ele, enquanto o bebê se movimentava no berço atrás dela. - Essa é realmente uma razão estúpida para se casar.

- Então talvez nós mereçamos um ao outro - sorriu ele timidamente e então ela tentou explicar algo que o fez sorrir mais abertamente.

- Você sabe que eu nunca tive a intenção de... Victoria disse... - Ele sabia exatamente o que ela queria dizer, e ela estava corando fortemente enquanto o dizia.

- Não acredito numa palavra disso, você sempre teve a intenção de me seduzir... eu sei que teve... - argumentou ele e pegou-a nos braços, desejando que ela o seduzisse novamente, mas ele não estava muito certo do que ela faria agora.

Ele fora incrivelmente cruel e ela tinha todo o direito de não perdoá-lo. E então ele pensou em algo mais e fez a ela outra pergunta.

- Geoff sabia, ou suspeitava? - Ele sempre a conheceu tão bem e podia diferenciá-las quando ninguém mais podia.Eu o enganei por um tempo - disse ela. -Acho que ele suspeitava um pouco, mas eu marquei pontos sendo má com vocês de vez em quando para que não suspeitassem. Mas quando cortei minha mão em Croton, em junho passado, ele viu a sarda antes que eu pudesse impedi-lo.

- E ele sabia esse tempo todo? - Ela assentiu, como que pedindo desculpas.

- Impressionante!

Ele procurou sua mão então e olhou para ela. A sarda estava em sua mão direita, mas lágrimas encheram seus olhos quando ela a viu. Não importava mais. Ela tinha morrido, não haveria mais brincadeiras ou risos ou decepções. Ela se afastou dele e baixou a cabeça, sofrendo.

- Eu sinto tanto a falta dela - sussurrou.

- Eu também - disse ele suavemente. - Sinto falta de saber que ela é alguém especial em sua vida, que ela estava sempre ali por você e de ver você feliz - disse ele tristemente. - Sinto falta do seu sorriso... e de amar você ... e de estar com você... sinto muito por todas as coisas terríveis que disse... sinto muito por ter levado tudo tão mal a princípio. - Então ele chorou como ela. - Sinto muito por você tê-la perdido.

Ela assentiu e ficou chorando em seus braços por um longo tempo enquanto ele a abraçava e então finalmente ela olhou para o homem que quase fora seu marido.

- Eu o amava, Charles... eu realmente sinto muito.

- E agora? Você ainda poderia me amar?

Ela sorriu para ele; era uma pergunta tola. Ela sempre o amaria.

- Claro que poderia! Eu ainda o amo. Você não pode mudar isso.

- Então você vai se casar comigo? - perguntou ele solenemente, falando sério.

- Não seria um pouco embaraçoso para você, ou um pouco estranho, no mínimo? E certamente escandaloso se alguém soubesse por que você está fazendo isso?

- Não estou nem um pouco embaraçado. Acho que é mais embaraçoso estar cercado de crianças, nenhuma delas legal, ou muito poucas pelo menos. Eu estava pensando que o capitão poderia nos casar aqui, no navio, antes mesmo de chegarmos em casa.

Ele sorriu e ela sorriu de volta. Ela amava a idéia de casar-se no caminho de casa e depois ficar com ele. E tudo seria legal no fim das contas. Então ele se ajoelhou, segurou sua mão na dele e pediu-a em casamento e ela riu.

- Bem, você aceita? - perguntou ele formalmente.

- Aceito.

- Obrigado - disse ele e ficou de pé e a beijou. - Vou falar com o capitão.

E quando ele disse isso, o bebê começou a gritar e Olívia olhou para ele com um sorriso e depois para seu futuro marido.

- Você sabe que, com Olivier, será como ter trigêmeos.

- Talvez ele coloque um pouco de equilíbrio em suas vidas - disse ele diretamente para ela, que pareceu envergonhada, mas ele a beijou novamente e saiu da cabine para fazer os arranjos, enquanto ela pegava o bebê para amamentá-lo.

Eles se casaram no dia seguinte à tarde, na cabine do capitão, e ela usou o único vestido decente que tinha, um verde, e carregou as únicas flores que o florista do navio tinha, cravos brancos. Eram tempos de guerra.

Charles beijou a noiva quando o capitão os declarou marido e mulher, e no dia seguinte, quando se aproximavam de Nova York, passaram um rádio para Geoff e Bertie dizendo que estavam a caminho de Nova York, com previsão de chegada na sexta-feira. E assinaram o radiograma Papai e Ollie.

Eles estavam de pé no deck, no parapeito do navio, enquanto o Espagne atracava vagarosamente e a salvo no porto de Nova York e Bertie estava na doca com Geoff e os dois bebês.

Cada um carregava um e, enquanto Geoff acenava para eles, pareceu confuso ao ver a criança nos braços de seu pai, e Olívia soube que teriam de explicar tudo a ele, o melhor que pudessem e guardar o resto até que fosse mais velho. Mas ela o viu olhando para ela quando o navio aportou e segurou a mão de Charles. Ele estava tentando ver qual delas ela era, quem tinha voltado para casa, e então ela o viu assentir, dizer algo a Bertie e acenar freneticamente para ela. Ele a reconhecera. Ela voltara para casa e para ele novamente. Ele não perdera sua amada Ollie.

Fora Olívia quem perdera a pessoa mais querida de sua vida desta vez, a irmã que fora sua parceira, sua confidente, sua amiga, sua cúmplice em todas as travessuras. Ela não podia imaginar estar sem ela agora, sem ela para discutir ou rir. Seria um mundo diferente para Olívia e ela sabia que sempre sentiria uma parte dela perdida, mas ao mesmo tempo ela soube que Victoria estaria sempre ali, em sua cabeça, seu coração e sua alma, pois não podia esquecê-la. Para ela, Victoria fora a pessoa que ela mais amara, até Charles e suas crianças.

Ela era o outro lado de sua vida, de seu coração... o outro lado do espelho. 

                                                                                Danielle Steell  

 

                      

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