Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


IMPOSSIVEL - P.2 / Danielle Steel
IMPOSSIVEL - P.2 / Danielle Steel

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

IMPOSSIVEL

Segunda Parte

 

A princípio, os dias que se seguiram à partida de Liam pareciam que se arrastavam. Durante a sua curta estada em Paris, Sasha acostumara-se a estar com ele, a falar com ele, a comer com ele, a fazer amor com ele. Até mesmo Bernard comentou quando ele deixou de aparecer, perguntando se ainda estava na cidade. Sasha respondeu-lhe que já tinha voltado para Londres.

- É um rapaz muito simpático, mas deve ter sido difícil para ti tê-lo em tua casa durante tanto tempo.

Liam ficara com ela dez dias e Sasha havia adorado cada momento até aos últimos dias, altura em que tinham começado a discutir. Também se admirou por Bernard se referir a ele utilizando o termo ”rapaz”. Essa era a essência do problema por que estava a passar com Liam: ele era um rapaz e não um homem, comportando-se como um garoto. Em certas ocasiões agia em consonância com a sua idade, enquanto noutras procedia como um adolescente insubordinado.

Sasha esperava mais dele, uma vez que tinha quase quarenta anos. Na verdade, Liam era uma espécie de Peter Pan. Inicialmente, pensou que Bernard estava a ser sarcástico com os seus comentários, sentindo-se curioso quanto à natureza da relação que existiria entre os dois, mas depois concluiu que ele estava a ser sincero quanto ao que dissera sobre o seu convidado: pensava que Sasha tinha muito bom feitio por o ter deixado ficar em sua casa durante tanto tempo.

Aparentemente, o seu segredo continuava em segurança. Jamais teria passado pela cabeça de Bernard que Sasha andasse com Liam. Mas, de qualquer modo, ao que tudo indicava, a relação chegara ao fim. Sentou-se à espera que o telefone tocasse à noite depois da partida de Liam para Londres. Mas não tocou.

Ele não lhe telefonou, exemplo que ela seguiu. Tinham chegado a um impasse por causa das exigências ridículas e do comportamento infantil dele. Sasha não esperara que a relação entre os dois durasse para sempre, mas pensara que durasse mais algum tempo. Não valia a pena telefonar-lhe, uma vez que ele deixara bem claro quais as suas condições: ou Sasha o apresentava às pessoas com quem convivia em sociedade, fosse apropriado ou não e não obstante o procedimento dele, ou a relação estava acabada.

As condições que impusera eram-lhe impossíveis de aceitar, quer estivesse apaixonada por ele quer não. Não estava disposta a assumir qualquer compromisso para além do que lhe dissera antes de ele abandonar Paris. No final do mês, Sasha deixou de esperar que o telefone tocasse. Sabia que ele desaparecera da sua vida. E enquanto Liam, em Londres, esperava que ela entrasse em contacto consigo, pensava precisamente a mesma coisa.

No espaço de escassas semanas, ao invés de anos, cada um fora para seu lado. Sasha estivera certa desde o dia em que se haviam conhecido: era uma relação impossível. Disse para consigo que era melhor assim, lidar com a situação logo de princípio do que mais tarde, todavia, enquanto aguardava o telefonema que nunca chegou, não conseguia impedir-se de se sentir triste. Por muito infantil que ele por vezes fosse, possuía uma faceta assaz atraente que fazia com que sentisse profundamente a sua falta.

Sasha precisou de dois meses para conseguir ter alguma paz de espírito, mas, apesar disso, continuou a sentir-se triste por ele ter desaparecido da sua vida, e não havia ninguém com quem pudesse partilhar o seu pesar. Ninguém chegara a ter conhecimento da relação entre os dois, logo, não podia procurar conselho ou conforto junto de quem quer que fosse. Não podia deixar transparecer quanto sentia a sua falta, sendo-lhe impossível falar com alguém a respeito dele.

Era forçada a limitar-se a aceitar o facto de que ele saíra da sua vida. Tinha bem noção de que a relação entre os dois jamais teria resultado. Liam era demasiado imaturo, tinha um feitio difícil e era excessivamente irracional, determinado a não crescer. Provara bem isso quando se haviam zangado, antes de partir para Londres.

Entretanto Sasha viajou para Nova Iorque em Fevereiro e Março; em ambas as ocasiões deparou com um nevão batido pelo vento. Tatiana adorava o seu novo emprego. Quanto às duas galerias, iam de vento em popa. Estava a planear ir a Londres em Abril para fazer uma visita a Xavier, tendo começado a preparar-se, porque sabia que Liam andaria por perto. Só esperava não se cruzar com ele quando estivesse com o filho, mas não podia dizer a Xavier que o evitassem, uma vez que correria o risco de revelar o seu segredo.

Pouco antes de partir para Londres, em Abril, Eugénie informou-a de que haviam recebido uma mensagem de Liam por correio electrónico. Havia acabado vários quadros e achava que Sasha devia ir vê-los. Tinha-se oferecido para enviar diapositivos, mas queria que a sua negociante de arte os visse pessoalmente. Também dizia nessa mensagem que eram os seus melhores trabalhos.

- Oh... - recordou-se Eugénie quando falava com Sasha sobre o assunto, já no fim de um dia estafante -, ele também lhe enviou os seus melhores cumprimentos e espera que esteja bem. - De facto, Sasha estava bem. Ao fim de mais de dois meses de silêncio da parte dele, sentia-se muito melhor do que em Fevereiro, embora continuasse irritada com ele. Parecia-lhe estúpido que lhe enviasse os seus ”melhores” cumprimentos.

Os seus melhores quê? Ela já tivera oportunidade de ver o melhor e o pior dele! Embora tivesse acreditado que estava apaixonada por ele, Liam conseguira desiludi-la profundamente com o seu procedimento. Portara-se de maneira inacreditável, demasiado infantil, com ela, e Sasha estava farta de artistas mimados, os quais não eram assim tão novos, mas fingiam ser, e continuavam a comportar-se como adolescentes, apesar de já terem entrado na meia-idade.

Com trinta e nove anos, na sua opinião, Liam já não tinha idade para proceder daquele modo. Apesar de tudo, continuava a sentir-se magoada por ele nunca mais ter dado notícias, mas era demasiado orgulhosa para lhe telefonar.

Comunicou a Eugénie que nessa noite ia a um jantar de festa. Enquanto se vestia, o compromisso fê-la recordar o deSaguisado que tivera com Liam. Partiria para Londres no dia Seguinte para visitar Xavier, mas ainda não decidira o que fazer em relação a Liam e aos seus novos trabalhos, que precisava de ver. Era certo que o representava, mas não estava com pressa nenhuma de voltar a encontrar-se com ele. Liam dera origem a uma situação bastante constrangedora para ela, na realidade, para ambos. Sentia-se satisfeita por não o ter apresentado nos círculos sociais que frequentava. Nesta altura, a sua ausência teria sido difícil de justificar.

O jantar de festa a que ia nessa noite era oferecido pelo embaixador norte-americano em Paris. Este convidara vários negociantes de arte e artistas importantes, um escritor norte-americano que estava de passagem por Paris, e houve alguém que lhe disse que um actor famoso também devia comparecer. Parecia-lhe que os convivas eram muito diversos e não estava com disposição para confraternizar com um grupo tão heterogéneo. Por razões que eram apenas do seu conhecimento e de Liam, nos últimos dois meses Sasha havia andado muito irritadiça e com falta de paciência para com todos, se bem que ultimamente o seu estado de espírito tivesse melhorado um pouco.

Optou por um vestido de renda preta para o jantar de festa na residência do embaixador e, como sempre, penteou o cabelo de modo a prendê-lo num carrapito. Calçou uns sapatos de salto alto novos muito elegantes, embora se perguntasse, durante grande parte do tempo, por que razão se dava a tal incómodo. Não saíra com nenhum homem, mas também não queria, desde que tivera aquela relação apaixonada, fatídica e breve com Liam.

Sempre soubera que tal relação estava condenada, e sentia que fora uma estupidez da sua parte ter permitido que ele a convencesse a tentar. Porém, nos momentos em que estava a sós com os seus pensamentos, admitia que ela própria quisera que isso acontecesse, tanto quanto ele dissera querer, e, bem no íntimo, albergara a esperança de que a relação resultasse. Era uma pena que tal não tivesse acontecido. Ele era um pintor talentoso, mas um homem imaturo. Agora, para Sasha, não era surpresa que Beth o tivesse deixado e levado os filhos consigo. Ter estado casada com ele devia ter sido um autêntico pesadelo.

Sasha obrigou-se a expulsá-lo dos seus pensamentos, tal como vinha a fazer havia dois meses, quando nessa noite entrou na residência do embaixador. Com excepção de uma estrela de música rock e dois actores, conhecia todos os presentes. Muito à sua maneira, Paris era como uma aldeia, o que, aliás, acontecia em relação ao resto do mundo hoje em dia.

À mesa do jantar, ficou ao lado de um dos actores, o qual estava tão embrenhado em si próprio que mal lhe dirigiu a palavra; mostrava-se muito mais interessado na mulher sentada à sua direita, que era casada com um produtor de Hollywood. Estava demasiado ocupado a tentar agradar-lhe, o que fazia havia mais de uma hora, quando a atenção de Sasha recaiu no indivíduo sentado à sua esquerda. Sabia que já o tinha visto algures, e então recordou-se de quem ele era. Em tempos fora considerado o homem prodígio de Wall Street, mas entretanto já se aposentara. Tinha sido Arthur quem lho apresentara por ocasião de uma festa nos Hamptons e, para sua grande surpresa, recordava-se dela.

- Deve ter sido há já uns dez anos - disse Sasha, mostrando-se admirada. Ele era mais ou menos da idade de Arthur, que, se fosse vivo, teria cinquenta e nove anos. Falecera havia ano e meio.

 

- Fiquei muito impressionado quando a conheci, e já estive várias vezes na sua galeria - disse ele, sorrindo, e Sasha reparou que, apesar da idade, era um homem muito bem-parecido. Já não se recordava se era viúvo ou divorciado, e nesta altura era possível que tivesse voltado a casar, ou talvez não...

- Está a referir-se à galeria de Nova Iorque? - perguntou Sasha, para dar continuidade ao diálogo. Não que estivesse particularmente interessada no ex-prodígio de Wall Street, mas era fácil conversar com ele, muito mais fácil do que com o actor à sua direita, o qual a ignorara completamente, uma vez que não havia nada que ela pudesse fazer pela carreira dele.

- Não, estava a falar da galeria de cá - explicou o seu companheiro de jantar. - Actualmente vivo em Paris. Chamava-se Phillip Henshaw e Sasha sentia uma curiosidade enorme por saber o que o teria levado a mudar-se para Paris. Aposentara-se ainda bastante novo, tal como Arthur esperara poder fazer. - As minhas duas filhas casaram com franceses e mudaram-se para cá. Quando a minha mulher faleceu, decidi que estava a precisar de me ausentar de Nova Iorque durante algum tempo.

Já vivo em Paris há cinco anos, e estou a adorar. - Sasha reparou que falava com o sotaque arrastado e suave característico do Sul dos Estados Unidos da América; pouco depois ficou a saber que nascera no estado de Louisiana. Ele e o embaixador haviam sido colegas na Universidade da Virgínia; a mulher do embaixador era oriunda da Geórgia. Phillip acrescentou que possuía uma vivenda na Provença e um apartamento em Londres. Conseguia ir a cada um deles uma vez por mês.

- Amanhã parto para Londres para visitar o meu filho e falar com alguns pintores - adiantou Sasha, sorrindo afavelmente.

- Também eu, quero dizer, amanhã também vou para Londres - retorquiu ele, retribuindo o sorriso. Depois comentou que lamentara muito a morte de Arthur. - Não é nada fácil ficarmos sozinhos na nossa idade, quando se teve um casamento feliz. - Tocou-lhe bem fundo no coração ao dizer isto.

- Foi por esse motivo que decidi mudar-me para Paris. Depois de o Arthur ter falecido, para mim era demasiado deprimente continuar a viver em Nova Iorque - confessou Sasha.

- Ainda tem a casa nos Hamptons? - perguntou ele. Era evidente que também se recordava desse pormenor.

- Nunca mais lá fui... - respondeu Sasha com um suspiro e um acenar de cabeça. - Todos aqueles lugares familiares de que tanto gostávamos agora causam-me muita tristeza. - Conversaram sobre Nova Iorque durante algum tempo, muitos amigos comuns. O mais agradável em conversar com ele sobre a sua vida anterior era conseguir manter Liam afastado do pensamento. Havia dois meses que ele lhe perturbava o espírito constantemente. Sentia-se irada e decepcionada devido ao desfecho da situação e frustrada pela maneira como a relação havia terminado, em silêncio.

Pior ainda; agora tinha de pôr o assunto para trás das costas, agindo de modo imparcial, na qualidade de negociante dos seus trabalhos. Ter-se envolvido com ele havia sido um erro maior do que receara. Contudo não estava devastada, como ficara aquando da morte de Arthur; sentia-se apenas triste e decepcionada e, finalmente, conseguira adoptar uma atitude filosófica em relação ao assunto.

Ficou surpreendida, quando já saía da residência do embaixador, por Phillip Henshaw lhe ter perguntado se gostaria de jantar com ele no dia seguinte em Londres. Sasha pensou para consigo própria que talvez conseguisse vender-lhe algumas peças de arte para as suas casas.

- Com todo o prazer - anuiu Sasha. Ele sugeriu o Mark’s Club, um restaurante de que ela e Arthur sempre haviam gostado; outro estabelecimento propriedade do mesmo homem que abrira o Annabel’s e o Harry’s Bar. Phillip ofereceu-se para a levar a casa, o que ela agradeceu, mas disse-lhe que tinha vindo num automóvel com motorista.

Não gostava de conduzir à noite quando se vestia a rigor para ir a festas. Ele acompanhou-a até ao carro, dizendo-lhe que iria buscá-la ao Claridge’s no dia seguinte, às dezanove horas. A caminho de casa, Sasha foi a pensar nele. Não havia nada de empolgante em Phillip, mas, pelo menos, era inteligente, cortês e de trato fácil. Além do mais, talvez fosse agradável jantar com um amigo em Londres. Não sabia quais eram os planos de Xavier, mas estava a pensar em passar a tarde com o filho e, se ele não tivesse nenhum compromisso, jantar com ele na noite seguinte.

Ainda tinha de decidir o que faria quanto à questão de poder cruzar-se acidentalmente com Liam. Talvez nada... Era possível que pedisse a Bernard que apanhasse o avião para Londres, a fim de se encontrar com ele, se bem que o gerente da galeria decerto estranharia que não tivesse sido Sasha a falar com ele, particularmente depois de Liam ter ficado hospedado em casa dela durante a sua estada em Paris. Iria ser algo difícil de explicar. Graças a Liam, tudo na situação dos dois era estranho.

Às nove horas da manhã seguinte, Sasha apanhou o avião no Lê Bourget e, devido à diferença horária de uma hora e ao voo de curta distância, chegou a Londres precisamente à mesma hora a que partiu de Paris, nove horas. Às dez e meia já estava instalada na suíte do Claridge’s em que ficava habitualmente. Ligou a Xavier, tendo combinado ir ter com o filho para almoçarem, após o que saiu para se encontrar com dois dos seus artistas.

Chegou pontualmente às treze horas para almoçar com Xavier no restaurante que ele sugerira, mas quando se dirigiu para o jardim, onde ele já se encontrava à sua espera, ficou chocada ao ver que estava acompanhado de Liam. Não lhe serviu de grande consolação ver que ele ficou tão constrangido quanto ela. Aparentemente, veio a saber mais tarde, Liam passara a manhã no estúdio de Xavier, pelo que o filho não conseguiu arranjar uma desculpa aceitável para não o levar, uma vez que Sasha era quem negociava os trabalhos dele. Xavier gostava de Liam, embora lamentasse não ter podido passar algum tempo sozinho com a mãe. Adorava conversar com ela!

- Olá, Liam - saudou cautelosamente quando ele se pôs de pé para a cumprimentar. Para Sasha, ser obrigada a almoçar com ele parecia um pesadelo. Era a primeira vez que o via desde que saíra, furioso, de sua casa, em Paris. Como de costume, vestia uma das suas indumentárias excêntricas, ainda que sensuais: camisola de algodão, casaco de cabedal, boné de pala e umas calças muito em voga com manchas de tinta; calçava uns ténis vermelhos de cano alto.

A despeito de continuar extremamente irritada com ele, era forçada a admitir que, como sempre, tinha uma aparência irresistível. E o rabo-de-cavalo louro crescera mais, o correspondente a dois meses.

- Como está, Sasha? - perguntou, virando-se finalmente para ela, mostrando algum mal-estar. Até ao momento, havia sido Xavier quem tentara fazer conversa, sentindo-se surpreendido ao constatar que existia alguma tensão entre os dois. Anteriormente, tinha ficado com a impressão de que existia uma relação de grande cordialidade entre ambos. No entanto, de súbito deu-se conta de que Liam, nos últimos tempos, não mencionara o nome de Sasha.

- Por acaso vocês dois tiveram alguma diferença de opinião artística? - perguntou Xavier por fim com uma expressão divertida. Conhecia os dois muito bem, sabendo que ambos tinham convicções bastante fortes. A tensão entre eles era evidente e o ambiente estava de cortar à faca.

- Sim - confirmou Liam com uma expressão de tristeza e irritação.

- De maneira nenhuma - adiantou Sasha com amabilidade precisamente no mesmo momento. Em que é que ficamos, sim ou não? - insistiu Xavier. Ria-se, enquanto Liam se agitava na cadeira e a mãe mostrava frieza.

 

- Ela não quis levar-me a uma festa em Paris quando estive lá em casa. Achei que era muito indelicado da parte da tua mãe, uma vez que eu era seu convidado, - Era uma maneira de explicar a situação, concluiu Sasha. A última coisa que desejava era que Xavier fosse apanhado no meio daquilo, muito em especial porque sabia apenas metade da história, e ela não tencionava pô-lo ao corrente do resto. Ficou satisfeita ao constatar que Liam não partilhara com o amigo o caso da curta relação entre os dois, uma vez que Xavier parecia não saber absolutamente nada sobre o sucedido. Desconhecia o assunto por completo.

- O que é que tinhas vestido quando ela se recusou a levar-te a essa festa? - perguntou Xavier casualmente, enquanto negociante e artista, há bem pouco tempo amantes, trocavam olhares de ressentimento. Era evidente que Liam continuava furioso com ela.

- Não sei bem... o costume... Que diferença é que isso faz? - perguntou Liam com cara de poucos amigos, enquanto Sasha observava os dois, mantendo-se em silêncio.

- Faz uma grande diferença, tendo em conta o género de festas a que ela costuma ir. Se queres saber o que penso, acho que foi por essa razão que não te levou. - Xavier falava como se a mãe não estivesse presente. Sasha continuava sem dizer nada. - Ela também não me leva. As pessoas que conhece são insuportavelmente formais e enfadonhas. Desculpe, mãe. - Xavier olhou para a mãe de relance com uma expressão contrita, e ela acenou com a cabeça. Desde o princípio ela própria dissera a mesma coisa a Liam.

- Foi isso mesmo que eu lhe disse - interpôs Sasha. Expliquei-lhe que não podia fazer a cena do pintor louco com aquele tipo de pessoas, mas ele respondeu-me que eu não podia controlá-lo...

- E provavelmente não pode - retorquiu Xavier com sensatez; depois olhou para Liam. - Que cena é essa do pintor louco? Se gostas de proceder desse modo, por que razão havias de querer ir a festas dessas? Eu até pagava à minha mãe para não me levar... Odeio esse tipo de coisas!

- Também eu. Só que não quero ser deixado em casa como se fosse um garoto de quatro anos, nem que me digam como me devo comportar.

- Que diferença faria ela levar-te a essa festa ou não? Tu és um dos artistas com quem trabalha, Liam, não és o marido dela. O meu pai também não gostava de ir a esse género de festas; costumava dizer que a maior parte dos clientes importantes o aborreciam de morte. Sempre que podia, furtava-se a ir às festas. - Sasha sorriu ao ouvir o comentário do filho, enquanto Liam mostrava uma expressão pensativa.

- Até pareces um apaixonado ciumento... - acrescentou Xavier em tom de censura, continuando sem compreender o que se passara entre os dois, pelo que Sasha se sentia profundamente agradecida.

- Ou um miúdo mimado e birrento - adiantou Sasha.

- Eu disse-lhe que não nos podíamos comportar de forma grosseira quando íamos a festas desse género. Ele ripostou que se portaria como muito bem lhe apetecesse. Fim da história. - E fim do romance.

Mas graças a Deus Xavier não estava a par disso. Tendo em conta o que Liam dizia, Sasha estava espantada por o filho ainda não ter desconfiado de nada. É claro que nunca lhe passara pela cabeça que o amigo pudesse ir para a cama com a mãe... Sasha interrompeu os seus pensamentos, voltando-se para Liam e lembrando-lhe o que lhe dissera havia dois meses: - Sempre que queira vestir-se e agir como uma pessoa adulta, pode acompanhar-me onde quer que eu vá, mas entretanto... - A sua voz sumiu-se ao ver Liam revirar os olhos.

- Até parece o meu pai a falar! - retrucou, voltando a encolerizar-se com ela, o que deixou Xavier surpreendido.

A mãe tinha razão; Liam estava a proceder de uma maneira infantil, como uma criança embirrante, e embora nem sempre desse razão à mãe, desta vez sentia que tinha de o fazer.

- Sim, mas nessa altura eras apenas um miúdo - recordou-lhe Xavier -, agora és um homem feito, acabaste de fazer quarenta anos. Porra, isso é ser muito velho!... - interrompeu-se, olhando de fugida para Sasha. - Peço desculpa, mãe.

- Não tem importância. Não é ser velho, mas é idade suficiente para não se ter birras por causa de uma festa.

- O meu pai e os meus irmãos nunca me levavam a lugar nenhum. O meu pai dizia que eu era uma aberração e os meus irmãos que eu era excêntrico. Sempre me senti como um proscrito. Foi por isso que saí de São Francisco. Fartei-me daquela vida. Nunca mais permitirei que alguém me volte a tratar daquela maneira!

- Provavelmente eras excêntrico - disse Xavier, que parecia divertido. Porém, ao olhar para Liam e vendo a expressão nos olhos dele, Sasha, subitamente, condoeu-se. Era evidente que tocara em feridas profundas que lhe haviam ficado da infância. Com a agravante de não ter tido uma mãe que o defendesse e protegesse da insensibilidade e crueldade do pai e dos irmãos.

Sentiu um impulso quase irresistível de o abraçar, mas não podia fazê-lo. - Por vezes, ainda és bastante excêntrico - continuou Xavier. Liam sorriu. - Mas que raio, o que é que seria de esperar? Ao fim e ao cabo és um artista!... Eu também sou excêntrico. É um sinal de grandeza e talento. Gosto de ser excêntrico, tal como tu. E ainda que me pagassem, ninguém seria capaz de me convencer a ir a uma dessas festas!

- Calculo que me tenha sentido posto à margem, mais nada. Foi como se tivesse voltado aos tempos de antigamente, quando era miúdo. Imagino que me tenha tocado num ponto sensível. Estavam a dizer-me que não podia ir a um determinado lugar, a menos que me portasse como se fosse alguém que não era. Talvez fossem recordações antigas na minha cabeça que me tenham deixado como louco, e não a tua mãe - explicou Liam, olhando para Sasha com ansiedade, desejando pedir-lhe desculpa, mas isso era impossível. O olhar dos dois cruzou-se e manteve-se por longos momentos. E, miraculosamente, esse olhar passou despercebido a Xavier.

- Merda, homem! Ao fim e ao cabo, eras apenas um convidado da casa. De qualquer maneira, o mais certo era ela não poder levar-te a essa festa!

- Não, não podia - confirmou Sasha. - A discussão foi mais sobre teoria e liberdade de comportamento.

- E controlo - acrescentou Liam. - Quando as pessoas me falam dessa maneira, fico como louco. Quando era criança, fui sempre posto de lado, como se não fizesse parte da família, ou coisa assim, como se não fosse suficientemente bom para os acompanhar. Estavam sempre a tentar controlar-me para que me portasse como queriam, mas eu não conseguia. - Sasha apercebeu-se de que as coisas tinham ido mais longe do que isso.

O problema residia no facto de ter perdido o amor incondicional e a protecção da mãe quando tinha apenas sete anos. Era com essa pessoa que ela tratara naquela noite, um garoto de sete anos que perdera a mãe. Subitamente, aquilo explicou muitas coisas, entre as quais o comportamento imaturo que havia presenciado em Paris. Enquanto o ouvia falar, Sasha sentia uma grande ternura por Liam.

- Muito bem; já estamos todos na mesma página? perguntou Xavier, concentrando-se em Liam. - É óbvio que tiveste um colapso psicótico qualquer, um déjà vul, ou algo desse género. A minha mãe vai a festas que são dadas pelas pessoas mais enfadonhas à face do planeta e a que ninguém no seu perfeito juízo deseja ir.

E tu és um artista louco, portanto, não devias querer ir a esse tipo de eventos a que vão as pessoas com quem ela se dá. A minha mãe é porreira, mas os enfatuados das relações dela não são. As pessoas como nós têm de conviver umas com as outras e não com as que ela conhece ou com quem tem negócios, gente que asfixia o nosso talento. Continua a sair comigo e esquece as merdas muito refinadas dela. Acredita em mim, ias detestar! E agora, podemos relaxar e almoçar? Vou à casa de banho. Vocês dois vejam se fazem as pazes, para que ela possa vender os teus quadros e não fique chateada contigo. Quando eu voltar, vamos passar uns momentos agradáveis, como aconteceu a última vez que estivemos juntos; de acordo, crianças? - Ambos sorriram a Xavier; ele conseguira encontrar uma saída para aquele impasse que eles não haviam sido capazes de resolver em dois meses, apesar de não estar ao corrente de toda a história.

- Muito obrigado. - Levantou-se da mesa, deixando-os a sós e dirigindo-se para a casa de banho. Liam olhava para ela. Continuava a amá-la e, graças a Xavier, já não estava zangado. Agora que pensava melhor no assunto, compreendia que a questão não tivera nada a ver com ela. Tinham sido águas passadas, que se relacionavam mais com o pai e os irmãos do que com Sasha. Ela tocara num ponto sensível, o que dera origem a toda uma catarse de emoções que o deixara incapaz de ouvir a voz da razão, até Xavier ter traduzido a situação para ambos, dois meses mais tarde.

- Peço desculpa, Sasha - disse Liam em voz baixa. Tenho sentido tanto a tua falta... És a mulher mais obstinada a face do planeta. Não me telefonaste uma única vez.

- Tu também não me telefonaste, e também tive saudades tuas. Lamento tanto o que aconteceu... Nunca cheguei a entender o significado que a questão tinha para ti, nem porquê,

Em francês no original; literalmente, já visto. (N. da T.)

mas agora compreendo. Não foi minha intenção magoar-te - retorquiu Sasha, estendendo a mão e tocando na dele.

- Não magoaste. eles que me magoaram. Eu confundi-te com eles durante uns instantes. - De facto, uns instantes muito longos; haviam decorrido mais de dois meses desde que ele partira de Paris. - Temos de nos encontrar para tomar um copo antes de deixares Londres - sugeriu Liam. Sasha concordou com um acenar de cabeça quando Xavier já voltava para a mesa.

- Estamos todos felizes outra vez?

- Muito - respondeu Sasha com uma expressão radiante. - És um mediador excelente. Eu devia utilizar os teus serviços com mais frequência. - Viu que Liam lhe sorria quando se virou, olhando para ele.

Pediram o almoço e os dois homens começaram a falar do seu trabalho, enquanto Sasha os ouvia. Nunca se sentia tão feliz como quando conversava com artistas, especialmente aqueles dois. Depois do almoço, dirigiram-se para o estúdio de Liam, a fim de verem as suas pinturas mais recentes. Eram ainda melhores do que os seus últimos trabalhos. Quando os viu, Sasha brindou-o com um sorriso rasgado.

- Meu Deus, Liam, são fantásticos! - Apercebia-se de que ele perscrutara bem no fundo da sua alma para poder produzir os trabalhos que via nas telas.

- Fazes excelentes trabalhos quando estás chateado - comentou Xavier, divertido.

- Às vezes... - disse Liam, entristecido, o que Sasha notou. Quando passou por ele, apertou-lhe a mão furtivamente. - Só estava chateado ao princípio, depois passei a sentir-me infelicíssimo. Verdade seja dita, é nessas ocasiões que faço os meus melhores trabalhos. Odeio que seja assim, mas é o que acontece sempre - acrescentou, parecendo exausto enquanto olhava para as telas. Sem ela, passara dois meses de profunda solidão.

- Isso também se passa comigo - admitiu Xavier.

- Quem me dera poder dizer que fui igualmente produtiva...

- afirmou Sasha. Os dois últimos meses haviam sido bastante penosos para ela, devido à ausência de Liam. Agora só desejava poder estar sozinha com ele, mas ainda precisava de falar com outro artista. No entanto, sentia-se satisfeita por ter visto os trabalhos de Liam. Talvez, por enquanto, fosse preferível para ambos que ela se limitasse a ser a pessoa que negociava os seus quadros.

Era evidente que a sua breve relação resultara num desastre, mas, graças a Xavier, a guerra entre os dois, pelo menos, havia terminado.

- O que é que tencionam fazer esta noite? - perguntou Liam quando Sasha se preparava para sair. Era óbvio que estava com pressa.

- Eu já tenho um compromisso - apressou-se ela a dizer, e Xavier declarou que já tinha planos. Uma das suas festas enfadonhas? - perguntou Liam a Sasha com uma expressão trocista.

- Não, um jantar muito calmo com um possível cliente

- replicou ela, apesar de não ser obrigada a dar-lhe explicações. A guerra acabara, tal como o romance entre os dois. Com alguma sorte, a partir de agora seriam amigos.

- E quanto a amanhã? - insistiu Liam, que queria vê-la de novo antes que ela partisse para Paris; face às circunstâncias, era mais fácil para ambos encontrarem-se na presença de Xavier.

- Eu estou livre - informou Xavier.

- Eu também - secundou Sasha, apesar de ter desejado passar algum tempo a sós com o filho. Seria diferente se Liam se lhes juntasse.

Este sugeriu que jantassem no seu pub preferido, e Xavier concordou imediatamente, enquanto Sasha mostrou alguma relutância, mas, ao fim e ao cabo, depois de tudo o que ele dissera ao almoço, não queria ferir os seus sentimentos. Podia tomar o pequeno-almoço a sós com Xavier na manhã seguinte, antes de voltar para Paris.

Sasha ficou de os ir buscar na noite seguinte no seu automóvel com motorista, embora não lhe agradasse muito passar a noite num pub barulhento. Fazia-o pelos dois, talvez um pouco mais por Liam. Quando saiu do estúdio, sentia ternura por ele e vontade de o proteger.

Esteve ocupada durante o resto da tarde, tendo tratado de alguns assuntos na New Bond Street antes de voltar para o hotel, apenas para mudar de roupa antes de Phillip a ir buscar para jantarem. Estava a escovar o cabelo, prendendo-o num carrapito, o seu penteado de sempre, quando Liam lhe telefonou.

- Estou muito contente por nos termos encontrado hoje - disse ele num tom de tristeza. - O Xavier fez-nos um grande favor. Ou, pelo menos, a mim. Estou arrependido por me ter comportado daquele modo em Paris.

- Não tem importância - replicou Sasha, segurando o cabelo ao alto com uma das mãos e com o telefone na outra -, são coisas que acontecem. Quando hoje explicaste o que te sucedeu na infância, senti-me francamente mal. Liam já lhe tinha falado do pai, mas, não sabia porquê, não estabelecera a relação entre uma coisa e outra. Aquilo de que Liam realmente necessitava era de uma mãe, mas a verdade é que ela não desejava ser uma figura maternal para ele. Já tinha os seus próprios filhos. Talvez ele precisasse mais de carinho materno do que de um romance.

Porém, a diferença de idade entre os dois fazia que Sasha se sentisse ainda mais velha. Era possível que na qualidade de negociante dos quadros dele, e não de amante, estivesse em posição de lhe dar aquilo de que ele precisava da parte dela.

A maioria dos seus artistas precisava de uma mãe, esperando que ela representasse a figura materna. Parte do relacionamento que mantinha com eles era acalentar-lhes o ego. Não a incomodava fazê-lo, pelo menos em relação a Liam. Talvez isso o ajudasse. Não que tivesse alguma coisa a lucrar com a situação, para além da comissão que receberia pela venda dos quadros que ele pintasse.

A sua atracção inicial por ele não tinha desaparecido, e quando o via era como se fosse abalada por um choque eléctrico, contudo, o que agora sentia era diferente. Os sentimentos que nutrira por ele haviam passado para outro plano, que, sob certos aspectos, parecia mais profundo. Sasha amava-o, mas agora era capaz de olhar para ele sem o desejo de lhe rasgar as roupas para o despir.

Ao longo dos últimos dois meses, sublimara os seus sentimentos, e agora o que sentia por ele era mais compaixão do que qualquer outra coisa. Para si era melhor e mais saudável do que o sentimento obsessivo que tivera em relação a ele no princípio desse Inverno, quando se haviam conhecido, apesar de sentir falta do que ambos haviam partilhado. Era como se os sentimentos que nutria por ele tivessem amadurecido, adquirindo um outro aspecto desde a última vez em que o vira. Sentia-se satisfeita por ser a negociante dos seus trabalhos e sua amiga, nada mais além disso.

- Estás feliz? - perguntou-lhe ele, fazendo-a sorrir perante tal questão.

- Se estás a perguntar-me se existe outra pessoa, posso assegurar-te que não. Precisei de algum tempo para conseguir ultrapassar o que aconteceu. Fiquei bastante desiludida quando deixaste Paris. - Para ela havia sido particularmente difícil perdê-lo, depois da morte de Arthur. - Mas consegui pôr isso para trás das costas. São coisas que acontecem. Na verdade, nunca acreditei que a relação pudesse resultar entre nós, mas fiquei muito pesarosa ao constatar que tinha razão, que de facto não deu resultado.

- Mas podia ter dado, se eu não tivesse perdido a cabeça

- retrucou Liam num tom de voz em que transparecia um grande constrangimento.

- Não perdeste a cabeça, talvez tivesses razão. Foi bastante grosseiro da minha parte deixar-te para trás, tratando-te como se fosses um segredo que não queria que se soubesse. Simplesmente, não encontrei outra maneira de lidar com a situação.

- Tão-pouco eu. Agora o assunto não parece ter a importância que lhe demos, mas na altura tinha. Também foi o que aconteceu comigo. Estou satisfeita por o Xavier ter desbloqueado a situação.

- Ele é um rapaz fantástico, Sasha.

- Sei que sim, e sinto-me muito afortunada por isso. -

Mas então viu as horas. Phillip chegaria dentro de dez minutos e ainda tinha de acabar de se pentear e de se maquilhar.

- Detesto ter de fazer isto, mas preciso de me despachar. Vêm-me buscar daqui a dez minutos.Porque será que penso que tens um encontro e não um jantar com um cliente? - De facto a situação era uma combinação das duas coisas, mas era assunto que deixara de dizer respeito a Liam e que jamais voltaria a ser da sua conta. Talvez estejas a ser paranóico - retorquiu Sasha na brincadeira. - Vai pintar qualquer coisa. Encontramo-nos amanhã.

- Desejo-te uma noite bem passada - disse ele, e, por breves momentos, Sasha sentiu alguma da excitação de antes, mas agora era capaz de lhe resistir. Desde então já passara tempo suficiente, além de ter começado a pensar mais racionalmente.

- Obrigada, Liam.

Depois de ter desligado, andou numa grande actividade pelo quarto, esforçando-se por não pensar nele. Quando Phillip lhe ligou do átrio do hotel, já estava pronta. Para sua grande surpresa, a saída dos dois foi perfeita. Ele comportou-se como devia ser num primeiro encontro: foi educado, cortês, interessante, inteligente e divertido. Era um homem extremamente simpático e uma excelente companhia. Tivera uma carreira muito interessante, adorava viajar e tinha amigos em vários lugares.

Além disso jogava ténis e golfe, lia vorazmente, tinha um interesse sério por arte e era, obviamente, muito apegado às filhas e aos netos. Sasha não sentia grande atracção por ele, apesar de tantos predicados, mas tal não impediu que tivesse passado umas horas deveras agradáveis. Porém, constatou com alívio não sentir nada do que sentira por Liam. O que a presença de Phillip lhe proporcionou foi bem-estar e paz de espírito. Nem sequer estava interessada em vender-lhe um quadro ou não.

Jantaram no Mark’s Club e mais tarde ele levou-a ao Annabel’s. Pouco depois da meia-noite já se encontrava no hotel e tudo estava em ordem. Ele dissera-lhe que no dia seguinte partiria para a Holanda, a fim de ver um barco à vela que encomendara, acrescentando que lhe telefonaria assim que regressasse a Paris.

Sasha sentia-se deleitada por poder estar com alguém inteligente e de trato agradável. Era muito diferente da excitação e tortura por que passara com Liam. Dormiu placidamente toda a noite e no dia seguinte falou com um dos seus pintores, visitou duas galerias e depois foi às compras. Voltou para o hotel a tempo de mudar de roupa, vestindo umas calças de ganga para se encontrar com Xavier e Liam. Sentia-se como se estivesse a sair com os seus dois filhos. O pub que Liam escolhera era tão barulhento e estava tão à cunha quanto ela receara; mal conseguiam ouvir-se uns aos outros enquanto conversavam, aos gritos, sentados à mesa do jantar.

Em seguida foram para o bar, onde Xavier namoriscou várias mulheres, enquanto Liam tentava entabular uma conversa inteligente com Sasha. Esta estava desejosa que a noite chegasse ao fim, mas, em vez disso, parecia eternizar-se. Para ela era estranho estar ali com Liam. As mulheres que se encontravam no bar, e que não ocultavam a luxúria que ele lhes inspirava, tinham vinte e poucos anos. Olhando para elas e para ele, Sasha sentia-se deslocada, não queria estar ali.

Dez minutos depois, disse aos dois que estava com uma dor de cabeça atroz e deixou-os no bar a beber, todos satisfeitos. Nenhum dos dois estava embriagado quando saiu, mas desconfiava que, mais cedo ou mais tarde, haveriam de se embebedar. Foi uma noite muito diferente da anterior, em que saíra com Phillip. Em contraste com a civilidade e cortesia dele, aquela noite pontuara-se pela confusão, barulho e caos. Enquanto seguia sozinha no automóvel a caminho do hotel, apercebeu-se de que a noite, e a maneira como a haviam passado, a entristecera e a fizera sentir-se envelhecida. Não sabia dizer porquê, mas ver Liam deixara-a deprimida.

Era o preço que teria de pagar pela sua loucura quando decidira envolver-se com ele. Agora, quando o via, não conseguia evitar recordar-se do que acontecera e da razão por que a relação acabara. Liam não era uma opção para ela. Nunca teria resultado.

Sentiu-se aliviada por poder voltar para o hotel e mudar de roupa. Vestiu a camisa de noite e deitou-se na cama, desfrutando o silêncio enquanto pensava nele. Agora, ao pensar que Liam em tempos lhe pertencera, causava-lhe estranheza; ele passara a estar disponível para todas aquelas mulheres, jovens, excitantes e atraentes. Sasha acreditava, como sempre havia dito, que ele devia andar com mulheres que tivessem mais ou menos a sua idade, logo, mais novas do que ela. A única coisa que não sabia, e talvez nunca viesse a saber, era a quem é que ela própria pertenceria. Talvez a ninguém. Actualmente sentia-se desenquadrada e muito só onde quer que estivesse, no mundo de Liam ou no seu.

Às vinte e três horas desligou as luzes; estava a dormir profundamente quando o telefone tocou. Durante uns momentos não teve consciência do lugar em que se encontrava, mas então lembrou-se. A voz que lhe falava do outro lado da linha era profunda e familiar.

- Estou cá em baixo, no átrio - foi o que ele começou por dizer.

- Quem fala?

- Liam.

- Eu já estava a dormir...

- Como é que estás da dor de cabeça?

- Acho que estou melhor - respondeu Sasha, que não lhe queria dizer que não tinha tido dor de cabeça nenhuma.

- Preciso de falar contigo - continuou ele, parecendo ansioso.

- Telefono-te amanhã. - Sasha não queria vê-lo; isso só serviria para a entristecer ainda mais. Nessa noite deixara-o no mundo a que ele pertencia, no pub, na companhia de todas aquelas mulheres extremamente jovens.

- Não quero esperar até amanhã. Por favor, Sasha... deixa-me subir para te ver.

- Não me parece que seja boa ideia - retorquiu ela, ja completamente acordada. - As coisas estão como deve ser. Voltámos a ser amigos.

Não devemos estragar tudo a discutir o que correu mal e porquê. Tu estás feliz, eu também. Não precisamos de reviver o que já lá vai.

- Eu não quero voltar a abordar o assunto, só quero ver-te.

- Estou com o mesmo aspecto que tinha há duas horas, com a diferença de que estou de camisa de noite em vez de calças de ganga.

- Por favor... sei que amanhã de manhã te vais embora - acrescentou ele numa voz que deixava adivinhar tristeza.

- Telefono-te quando chegar a Paris - retorquiu Sasha com firmeza.

- Não quero falar contigo quando estiveres em Paris. Estás aqui, agora. Quero ver-te!

- Estás bêbedo? - perguntou ela, preocupada.

- Não, mas ficarei se te recusares a encontrares-te comigo - respondeu ele, rindo-se.Sasha suspirou, ficando a pensar naquilo. Não havia uma só razão que justificasse concordar em vê-lo, e várias que aconselhavam o contrário. Continuava a sentir-se atraída por ele e não queria que acontecesse uma loucura.

- Merda!... Está bem, podes subir, mas aviso-te que, se fizeres alguma estupidez, chamo a segurança do hotel para que te expulsem!

- Não farei nada de estúpido. Prometo.

Sasha levantou-se, vestiu o roupão e encaminhou-se para a sala de estar da suíte. Liam chegou antes que tivesse tido tempo de apertar o cinto do roupão de banho. Bateu uma vez. Sasha abriu a porta e olhou para ele. Ali estava, alto, magro e másculo, e as emoções adormecidas manifestaram-se nas suas entranhas, mas procurou ignorá-las. Recuou, afastando-se da porta, e com uma expressão sonolenta acenou-lhe para que entrasse.

- Peço desculpa... Não sei porquê, Sasha... mas tinha de te ver.

- Pois bem, agora já me viste - retorquiu ela, sorrindo-lhe e sentando-se numa poltrona. Liam abeirou-se dela, ajoelhou-se e enlaçou-a.

- Peço desculpa por me ter comportado com tanta estupidez.

Pensei que estavas a amesquinhar-me, o que deu comigo em doido. Eu queria sair contigo naquela noite e que tivesses orgulho em mim, só não sabia como dizer-to.

- Eu também não lidei muito bem com o assunto. São coisas que por vezes acontecem. Quanto mais irracional tu te mostravas, mais determinada eu me sentia em levar a minha avante. Eu tinha-te dito que era impossível. Uma relação entre nós dois não tinha a mínima hipótese de resultar.

- Mas ainda é possível, caso tu queiras. Tenho reflectido muito sobre a nossa situação. Não comeces com isso outra vez! Não quero voltar a discutir contigo e não tenciono fazer nada de que venha a arrepender-me. - Sasha cruzou os braços ao dizer aquilo, para o que teve de fazer um esforço tremendo. O que desejava realmente era pôr os braços à volta dele, contudo, não permitiria que tal acontecesse. Continuava a sentir alguma coisa por ele e Liam estivera a beber, uma combinação letal, como ficara provado em diversas ocasiões.

- Como é que correu o teu encontro ontem à noite?

- Ele é encantador, inteligente, respeitável e inacreditavelmente enfadonho - replicou Sasha sem pensar no que dizia, e depois ficou a olhar fixamente para ele. - Não posso acreditar que tenha dito isto... Passei umas horas bastante agradáveis na companhia de uma pessoa decente. Não sei o que me levou a dizer uma coisa destas... - Estava de facto perturbada; tinha falado sem pensar no que dizia.

- Provavelmente por ser verdade. Sasha, amo-te - confessou Liam com uma expressão de desespero -, e estou-me nas tintas se mantivermos a nossa relação em segredo. Agora compreendo que não existe alternativa; seria uma grande confusão se não mantivéssemos segredo. Não quero saber se nunca formos a festas juntos.

Só quero poder estar contigo, partilhar aquilo que tivemos antes de eu ter criado todo aquele problema de merda em Paris.

- Não foste o único causador - redarguiu ela generosamente -, ambos fomos responsáveis pelo que aconteceu. Não estava destinado que a relação entre nós resultasse, o que eu já te tinha dito, Liam. É impossível. Até que ponto

ambos vamos agir de maneira idiota? Tivemos sorte. Magoámo-nos um ao outro, mas, apesar disso, não fizemos estragos irreparáveis. No entanto, se houvesse uma próxima vez, é possível que isso viesse a acontecer, e as coisas poderiam acabar muito mal. Vamos desistir enquanto é tempo.

Limitar-me-ei a ser a negociante de arte e tu o pintor. - Enquanto ela falava, Liam pôs-se de pé defronte dela, baixou a cabeça e beijou-a. Odiando-se por o fazer, Sasha correspondeu ao beijo dele. - Muito bem, admito que te amo, mas isso não muda nada. Recuso-me a fazer isto. É impossível. Impossível. Quantas vezes e de quantas maneiras tenho de te dizer a mesma coisa? - Mas Liam voltou a beijá-la, e desta vez, quando ele parou, Sasha estava quase sem respiração. Liam... não... por favor... não podemos cometer a mesma loucura... - Ele não conseguia parar de a beijar e ela não era capaz de deixar de o beijar.

-Já estou a dar em doido... - disse ele, mostrando-se muito infeliz. - Tenho andado como louco desde que fui suficientemente estúpido para te ter deixado em Paris!

- Não foste estúpido... e eu não quero que sejas o meu segredo. Tinhas razão. És merecedor de melhor. Mas eu não posso dar-te melhor; não estou preparada para dizer ao mundo que tenho um namorado, um amante, ou o que quer que sejas, dez anos mais novo do que eu. Se procedesse desse modo, sentir-me-ia uma velha repulsiva.

- Nove - corrigiu ele entre beijos.

- Nove o quê? - Ele estava a confundi-la com o que lhe fazia. Sasha sentia a cabeça à roda.

- Nove anos, e não dez. Não exageres...

- Seja, nove anos, e não dez. Apesar disso, não estou preparada para enfrentar as pessoas, e tu mereces mais do que ser um segredo na minha vida.

- Prefiro ser o teu segredo do que não te ser nada. - Sou a pessoa que negoceia os teus quadros.

- Mas eu quero que sejas a minha mulher! - E enquanto ele continuava a beijá-la, tudo o que Sasha desejava era ser a mulher dele. Porém, assim que isso voltasse a acontecer, a situação descambaria uma vez mais em confusão e loucura, tal como havia sucedido em Paris. - Quero ser o pintor louco exclusivamente teu - acrescentou, fazendo que Sasha se risse do que dizia.

- Em qualquer dos casos, é isso que és, ainda que eu seja apenas a tua negociante de arte. Sasha, tens de nos dar outra oportunidade... por favor, para bem de nós dois. Eu amo-te de verdade.

- Eu também te amo, só não quero que cheguemos ao ponto de darmos em doidos, o que acabaria por acontecer. Sabes bem que sim. Mais cedo ou mais tarde eu faria alguma coisa que te enraivecesse, insultar-te-ia, embora não o fizesse intencionalmente. E tu eras muito bem capaz de interromper uma reunião de direcção vestido apenas com uma tanga reduzida e de ténis.

- Uma tanga?! - Liam recuou uns passos, ficando a olhar para ela. - Uma tanga? Nem sequer tenho uma tanga...

- Nesse caso, tens de comprar uma - retorquiu Sasha, sorrindo. - Todos os artistas loucos deviam ter uma tanga. Podes usá-la nas festas a que eu te levar. E que tal uma toga? Podia aparecer numa reunião de direcção ou num jantar de traje a rigor vestido com os lençóis da cama - adiantou ele, com um sorriso de orelha a orelha.

- Isso é fácil de mais - disse ela, entre beijos. Nessa altura já se encontrava nos braços dele, que a levava ao colo para o quarto. Deitou-a na cama em que tinham feito amor pela primeira vez e deteve-se a olhar para ela; Sasha retribuiu-lhe o olhar.

- Não quero obrigar-te a fazer isto se não quiseres disse Liam numa voz carinhosa. Espero bem que não - retorquiu ela com uma expressão trocista. - Oh!, meu Deus, Liam... o que é que estamos a fazer? - Apesar de o amar, sentia-se receosa.

- Estamos a recomeçar no ponto em que ficámos, só que desta vez vai ser melhor - replicou ele, mostrando-se convicto do que dizia.

- Como é que podes saber que será melhor? Talvez seja pior...

- Sei porque te amo mais do que amava há dois meses. Sei porque quero que resulte. Quero poder provar-te que é possível e que estavas enganada quando disseste que era impossível. Quero que estejas enganada.

- Também eu - murmurou ela estendendo-lhe os braços. Liam desapertou-lhe o cinto do roupão e ela começou a despi-lo. Sasha queria acreditar que seria possível. Queria que a relação com ele resultasse, que fosse tudo como ele desejava, do mesmo modo que ela desejava que ele personificasse os seus sonhos. Enquanto faziam amor, ambos reencontraram o que lhes havia faltado e por que haviam ansiado durante os dois últimos meses.

Mais tarde, ela fitou-o, sorrindo, e acabou por se começar a rir.

- Não consigo acreditar que estejamos a fazer isto de novo. Somos dois lunáticos, Liam. - A despeito do que prometera a si própria, Sasha tinha uma aparência de satisfação.Tu és uma lunática - retrucou ele com ar sorridente. - Eu sou apenas um pintor louco - acrescentou, muito satisfeito consigo próprio e sentindo-se como se tivesse regressado a casa.

 

Na manhã seguinte fizeram amor outra vez antes de ele ter saído. Tomaram duche juntos, rindo-se pelo que estavam novamente a fazer. Agora a relação entre os dois revestia-se de algum sentido de humor, uma espécie de assombro, um certo bem-estar e um sentimento de boa vontade que não haviam experimentado antes de a relação ter terminado, em Paris. Mais do que qualquer outra coisa, Sasha desejava acreditar que seria possível, mas, devido à diferença de idade e estilos de vida, continuava a recear que isso não viesse a acontecer.

Tudo dependia do grau de tolerância que teriam um para com o outro. Na opinião de Sasha, era aí que residia a chave do sucesso: a capacidade de um permitir que o outro fosse ele próprio. Não fazia a mínima ideia se algum deles o conseguiria. Desta feita seria necessário diplomacia, sorte e magia para que a relação resultasse.

Liam beijou-a antes de se dirigir para a porta. Detendo-se na ombreira, vestida apenas com o roupão, Sasha ficou a vê-lo percorrer o corredor num passo vagaroso. Sentia-se assustada perante a hipótese de a relação entre ambos ser impossível, mas era incapaz de lhe resistir. Liam voltou-se para trás, sorrindo-lhe, e quando o olhar dos dois se cruzou, toda ela estremeceu. Amava-o mais do que nunca, e desta vez pelo que ele era.

Sasha tinha um sorriso rasgado quando se encontrou com Xavier no átrio do hotel, trinta minutos depois, para tomarem o pequeno-almoço. Liam prometera-lhe que iria ter consigo a Paris, no fim-de-semana, e ela também teve outra ideia. Havia andado a pensar em fazer uma viagem a Itália em Maio, a fim de contactar novos artistas, e queria que ele a acompanhasse, o que tencionava comunicar-lhe nesse fim-de-semana.

- Até parece o gato que engoliu o canário, como é costume dizer-se... - comentou Xavier com uma careta sorridente. - O que se passa, mãe?

- Interrogava-se sobre o encontro que ela tivera na noite em que chegara a Londres, perguntando-lhe directamente: - Alguém em especial?

- Não. Foi agradável, mas enfadonho. - Sasha gostava de Phillip Henshaw, mas entre eles não havia química alguma, e agora que Liam voltara a entrar na sua vida, Phillip saíra do seu pensamento. Sasha tinha noção de que o que estava a fazer com Liam não era muito racional, mas a verdade é que se sentia compelida a tentar de novo. Disse para si própria que repetir a mesma coisa vezes sem conta, à espera de conseguir um resultado diferente, era, por definição, uma atitude insana.

Contudo, era completamente impossível conseguir resistir, e também não queria fazê-lo. Sentia-se tão feliz por Liam ter voltado a fazer parte da sua vida... Mal conseguia esperar pelo fim-de-semana seguinte! Haviam falado sobre a possibilidade de ela ir a Londres para estar com ele alguns fins-de-semana, mas receava cruzar-se acidentalmente com Xavier, e ainda não se sentia preparada para contar aos filhos o que estava a acontecer. Primeiro, ambos queriam ver se a relação resultava. Ela apostava que sim, tal como Liam.

O motorista levou-a ao aeroporto, e quando chegou a Paris toda ela era sorrisos. Bernard e Eugénie repararam nessa mudança assim que ela entrou na galeria.Já vi que estás muito bem-disposta... - comentou Bernard com secura. Quando voltou para casa, nessa noite, ficou radiante ao deparar com a Peúgas. Agora que Liam regressara, sentia-se feliz por tudo e por nada. Havia qualquer coisa diferente e muito melhor, agora que ele voltara a fazer parte da sua vida.

Teve uma semana muito ocupada na galeria, mas quando Liam chegou, na sexta-feira à noite, Sasha estava à espera dele. Preparou um cassoulet, que ele havia dito adorar, e um prato de massa, e mimou-o com uns bolinhos muito requintados que comprou no Fauchon especialmente para ele. Comeram na casa de jantar ao som de música suave e ela acendeu as velas dos candelabros. Para os dois, aquilo tinha o ambiente de uma lua-de-mel. No sábado, Sasha convidou-o a acompanhá-la a Itália para uma estada de três semanas, em Maio. Ele ficou em êxtase: estava tudo a correr melhor do que nunca para ambos!

Durante o resto do mês de Abril, Liam voltou a Paris todos os fins-de-semana, fazendo a viagem de automóvel. Numa dessas ocasiões foram a Deauville. Alojaram-se num hotel antigo, muito pitoresco, passearam pela praia e jogaram. Miraculosamente, ninguém do círculo de Sasha parecia ter conhecimento do que se estava a passar. Liam chegava tarde nas noites de sexta-feira, no sábado mantinham-se sossegadamente em casa e ao domingo davam passeios a pé pela cidade ou iam até ao campo.

Assistiram à missa na Sacré-Coeur, visitaram Notre Dame e passearam pelos Jardins do Luxemburgo. Nunca se cruzaram com ninguém que ela conhecesse e declinava todos os convites que coincidissem com os fins-de-semana, não porque estivesse a tentar escondê-lo, mas sim por querer saborear todos os momentos que pudessem passar juntos. Numa ou duas ocasiões jantaram com os amigos dele, também artistas, na Marais, os quais quase desfaleceram quando souberam quem ela era. No entanto, disseram-lhes que eram apenas amigos.

A maior parte tinha metade da idade de Sasha, o que lhe causava algum constrangimento, mas sabia que estar com eles era algo que teria de tolerar por causa de Liam. Sasha sabia que ele precisava de estar com os amigos. Ela também se encontrava com as pessoas suas amigas, assim como com os clientes, o que fazia durante os dias de semana, enquanto Liam estava a trabalhar em Londres. Ambos sabiam que seria complicado se ele passasse várias semanas em Paris, o que os impediria de guardar o segredo que partilhavam, uma vez que a galeria era no mesmo prédio em que Sasha vivia. Desta feita tinham concordado em manter segredo quanto à relação, até que se sentissem mais seguros quanto aos sentimentos que nutriam um pelo outro.

No primeiro dia de Maio partiram para Itália. Iniciaram a viagem em Veneza, apenas por capricho, por acharem divertido, tendo passado quatro dias gloriosos, como se fosse uma lua-de-mel, no Danieli. Liam chegara de avião, tendo partido de Londres, enquanto ela viera de Paris, encontrando-se em Veneza. Fizeram o mesmo que todos os turistas, passearam, andaram de gôndola, passando por baixo da Ponte dos Suspiros, o que o gondoleiro lhes assegurou que os uniria para sempre, deliciaram-se com lautos jantares, foram às compras, visitaram igrejas e museus e sentaram-se nas esplanadas dos cafés. Foram os dias mais felizes que haviam partilhado até então.

Em Veneza alugaram um carro e partiram rumo a Florença, cidade em que ela ficara de se encontrar com quatro pintores e escultores. Em Florença fizeram o mesmo que em Veneza e nos intervalos almoçavam e jantavam com artistas de artes plásticas. Sasha gostava muito de dois em especial, acreditando que os seus trabalhos eram adequados para a galeria. Não tinha tanta certeza quanto ao terceiro, tendo declarado que precisava de pensar no assunto.

As suas esculturas eram invulgares e provavelmente demasiado volumosas para o espaço de que dispunha. Quanto ao quarto era encantador, mas o trabalho dele desagradou-lhe assim que o viu. Amavelmente, disse que não estava à altura de lhe fazer justiça, acrescentando que a sua galeria não era merecedora da sua obra.

Não gostava de criticar abertamente o trabalho dos outros; não aproveitava a ninguém magoar os sentimentos alheios ou humilhá-los com uma atitude de pura rejeição. Enquanto observava e ouvia, Liam concluía que gostava da maneira como ela fazia as coisas. Sasha era boa pessoa, uma mulher simpática, e ele adorava participar no que ela fazia.

Também foram a Bolonha e a Arezzo e ficaram uma semana na Umbria, conduzindo pelo campo e pernoitando em pequenas estalagens. Passaram alguns dias em Roma. Visitaram um artista na Costa Adriática, próximo de Bari, e passaram os últimos dias da viagem em Nápoles, aproveitando para visitar uma pintora que Sasha o advertiu ser completamente louca, mas que, ao mesmo tempo, era encantadora, a qual tinha seis filhos, e que lhes preparou um jantar delicioso. Sasha adorava os trabalhos dela, e Liam partilhou a sua

opinião. Pintava quadros de grandes dimensões em cores vibrantes, telas que eram um pesadelo para transportar. Mas quando Liam e Sasha se despediram, todos estavam encantados uns com os outros, incluindo o amante chinês da pintora, uma relação de vinte anos, que era o pai das seis crianças, todas elas lindíssimas. Para Sasha e Liam foi uma viagem fabulosa.

Passaram o último fim-de-semana em Capri, num pequeno hotel muito romântico. Ambos se sentiam tristes perante a perspectiva de terem de voltar à sua vida normal, cada um no seu próprio mundo. Sasha adorava despertar pela manhã ao lado dele e adormecer nos seus braços todas as noites, descobrirem coisas juntos, conhecerem outras pessoas ou, por vezes, caminharem apenas sem destino certo, enquanto partilhavam partes do passado de cada um.

Ambos tinham tido infâncias difíceis e solitárias. Ele porque havia sido uma pessoa inadaptada, com talento artístico no seio de uma família extremamente conservadora e sem qualquer resquício de imaginação. E ela porque o pai fora uma pessoa autoritária durante grande parte da sua vida, muito embora a amasse do fundo do coração.

Só depois de Sasha ter atingido a idade adulta é que ele começou a respeitá-la, assim como as suas opiniões. O que nunca acontecera no caso da família de Liam, pelo que continuava a pagar um preço muito elevado pelo ridículo e rejeição que sofrera às mãos dos familiares. Ambos haviam sido defraudados por não terem podido contar com a presença das mães quando estavam a crescer. Liam recordava-se da sua como tendo sido uma pessoa carinhosa, uma mulher maravilhosa, que o adorara e a cujos olhos ele não fazia nada de mal.

Continuava à procura do amor incondicional que ela lhe dedicara e que mais ninguém lhe dera e, por vezes, Sasha tinha a sensação de que estava à espera que ela passasse a assumir a figura materna. Mas esse tipo de amor incondicional era impossível; era pedir muito a quem quer que fosse que tivesse entrado na sua vida numa fase posterior. O amor entre adultos e amantes era sempre, em certa medida, condicionado amiúde e ficava bastante aquém das expectativas, particularmente

quando as carências emocionais não eram satisfeitas reciprocamente por inteiro. Sasha guardava recordações similares sobre a mãe e, por vezes, perguntava-se se as pessoas acreditariam sempre que aqueles que haviam falecido tinham amado incondicionalmente. Talvez não fosse esse o caso ou, possivelmente, não o teriam feito numa fase posterior. Todavia, as recordações que guardava da mãe eram tão ternas e doces como as que Liam guardava da mãe dele.

Havia ocasiões em que Sasha se perguntava como é que a sua vida seria caso a mãe ainda fosse viva, muito embora, a ser esse o caso, já fosse bastante idosa, teria oitenta e oito anos. Sasha fizera quarenta e nove durante a viagem a Itália. Na manhã do dia do seu aniversário, Liam despertara-a cantando-lhe ”Parabéns a Você”, uma recordação que a fazia enternecer, e oferecera-lhe uma pulseira muito simples em ouro que havia comprado em Florença. Depois de a ter posto no braço, nunca mais a tirou, e sabia que jamais o faria.

Por vezes a diferença de idade entre os dois continuava a causar-lhe um certo constrangimento; era algo que não conseguia evitar. Parecia-lhe que tinham mais em comum do que pensara, a perda das mães, a paixão que ambos sentiam pela arte, as coisas que gostavam de fazer juntos quando estavam descontraídos e dispunham de tempo... Galerias de arte, museus, igrejas, lojas. Longe da tensão do dia-a-dia, ambos eram de trato fácil, adoravam viajar juntos e eram curiosos em relação à vida. No entanto, sentiam-se atraídos por pessoas bastante diversas.

Ela gravitava num círculo respeitável de pessoas mais velhas, talvez devido ao facto de o pai ter sido um homem austero e às pessoas com quem convivera por causa dele durante toda a vida. Sentia-se impressionada pela reputação e a educação, assim como por pessoas talentosas. Quanto a Liam, sentia-se automaticamente atraído por tudo o que fosse diferente, invulgar, novo e jovem. Ela gostava de inovação e excentricidade na arte, mas não nas pessoas. Quando iam a um café, Sasha observava os mais velhos; Liam gravitava sempre na órbita da juventude, e passado pouco tempo já conhecia a maioria dos jovens que se encontravam

no estabelecimento. Sentia-se mais à vontade com pessoas de vinte e de trinta e tal anos, enquanto ela preferia pessoas da sua idade ou mais velhas, o que dava origem a uma diferença de décadas entre as pessoas que queriam conhecer e com quem desejavam conviver. Era uma divergência entre os dois que ambos teriam de aprender a respeitar e a tolerar, o que nem sempre era fácil de pôr em prática. Sasha ficava aborrecida por ter de se dar com estudantes em viagem e mesmo com artistas jovens. Sentia que não tinha nada para lhes dizer, além de não estar interessada nas suas ideias juvenis.

Liam, pelo contrário, era de opinião que podia aprender muita coisa com os jovens, identificando-se com eles de uma forma invulgar para um homem da sua idade. Quando o observava na companhia de gente mais jovem, Sasha tinha a impressão de que Liam era um deles. Por sua vez, Liam afirmava que conversar com as pessoas que a interessavam lhe fazia sono. Indubitavelmente, aquilo era um obstáculo que se interpunha entre os dois. No entanto, viajando sozinhos, afastados das suas existências rotineiras, ambos se mostravam mais receptivos à descoberta e exploração de novos mundos.

- O que é que andas a fazer com uma pessoa tão velha como eu? - perguntou-lhe Sasha um dia quando saíam de uma maravilhosa igreja do século xIv, parando para comprar gelados na rua.

Liam parecia uma criança crescida a comer o gelado, deixando-o pingar por todos os lados, enquanto ela envolvera o pauzinho do seu num lenço de renda que comprara na Hermes. Sentia-se como se fosse a mãe dele ou, pior ainda, a avó, o que parecia ser o caso de vez em quando. Um dia destes vais acabar por te fartares de andar com uma mulher mais velha.

Era um dos seus piores receios, e nunca lhe passava despercebido quando ele observava mulheres mais novas. Mas até ao momento, tanto quanto sabia, nunca fizera mais do que isso. Gostava de olhar, mais nada. Sasha mantinha-se sempre de olho nele, sentindo-se mais ciumenta do que queria admitir. Por muito que fosse atraente e estivesse em boa forma física, era inegável que os corpos jovens eram muito mais sedutores do que o dela.

- Às vezes gosto de olhar para as mulheres jovens, de facto, para mulheres de todas as idades - admitia ele sem o mínimo embaraço -, mas adoro falar contigo e estar junto de ti. Tu excitas-me mais do que qualquer outra mulher. Estou-me nas tintas para a tua idade!

Sasha sorriu-lhe, deitando fora o que restava do gelado. Liam ainda estava a lamber o pauzinho do seu, após o que limpou as mãos às calças de ganga, que já estavam bastante sujas. Ela olhava-o com um sorriso de pesar. Era a infantilidade na maneira de ser dele que em determinadas ocasiões a fazia sentir-se mais velha do que era na realidade.

- Amo-te, Sasha. És uma mulher maravilhosa. E, sim, é verdade, não tens vinte e dois anos, mas o que é que isso importa? As mulheres de vinte e dois anos não têm maturidade, não me interessam e não me compreendem. Mas tu sim, interessas-me e compreendes-me. - Sasha não lhe confessou que, por vezes, não tinha a certeza de ser esse o caso, mas compreendia o que ele queria dizer e o que esperava dela: tolerância, carinho e compreensão, acima de tudo.

Às vezes mostrava grandes carências emocionais e egocentrismo, como uma criança, e gostava da maneira como ela o acalentava. Em certas ocasiões, quando ela o tratava como se fosse uma criança, as coisas resultavam melhor; noutras alturas, queria ser tratado com respeito, fazendo todo o sentido quando expressava o que lhe ia na mente.

Por vezes pareciam iguais, o que não acontecia sempre. Verdade fosse dita, não eram iguais. Sasha era mais velha, profissionalmente mais bem-sucedida, tinha mais poder no mundo da arte do que ele, era respeitada e detinha uma posição importante, além de ter mais dinheiro. Apesar disso, ele era tão inteligente e talentoso quanto ela. Liam era capaz de se impor, até mesmo no mundo dela, caso Sasha lhe permitisse. Até ao momento, ainda não se haviam aventurado juntos nesse mundo.

Se o fizessem, ele continuaria a ser visto como um jovem pintor, enquanto ela era uma negociante de arte das mais respeitadas em todo o mundo. Isto constituía uma diferença abissal entre os dois. As pessoas prestavam-lhe mais atenção do que a ele, o que Sasha sabia que o irritava. Liam gostava de ser o centro das atenções, o que acontecia sempre que se encontrava entre jovens.

Porém, as pessoas da idade dela esperavam mais dele além de quadros magníficos, umas feições bonitas e cabelos louros; esperavam que se comportasse como uma pessoa séria, o que por vezes não acontecia. Mas com ele, Sasha também nem sempre era uma pessoa austera, o que lhe agradava sobremaneira em relação ao tempo que passavam juntos. Adorava estar na brincadeira com ele. Havia ocasiões em que se riam a bandeiras despregadas com as histórias que cada um contava, ou com as suas próprias histórias, ao ponto de as lágrimas lhes correrem pelas faces. Ninguém a fizera rir como Liam. Tão-pouco houvera outro homem que fizesse amor com ela como ele.

Existiam muitos benefícios na combinação entre os dois, a par de alguns riscos.

Quando estiveram em Roma, foram visitar um negociante de arte de que ela gostava e com quem já tivera negócios, um homem de sessenta e muitos anos, cujas ideias Sasha respeitava. Infelizmente, foram num dia em que Liam não estava no seu melhor. Comportou-se como um colegial enfadado enquanto estiveram no gabinete do homem. Passou o tempo todo com uma expressão amuada, agitando-se constantemente e batendo com o pé na secretária, até que Sasha se virou para ele, dizendo-lhe em voz baixa que estivesse sossegado.

Liam ficou tão furioso por ela o ter repreendido que, num repente, saiu porta fora. O confrade de Sasha arqueou o sobrolho, mas não fez qualquer comentário. O resultado foi ela ter sido forçada a declinar o convite para almoçar.

Mais tarde tiveram uma discussão acesa por causa desse episódio, e Sasha disse-lhe sem rodeios o que pensava sobre o comportamento reprovável dele. Foi a única ocasião desagradável durante a viagem. Liam acabou por lhe pedir desculpa pelo incidente, depois de terem feito amor, nessa mesma noite. Disse que se sentira aborrecido e cansado, além de lhe ter desagradado bastante a maneira como o homem olhara para Sasha, o que lhe provocara ciúmes.

Sasha sentiu-se comovida com a confissão dele, mas era tarde de mais para convencer o negociante de arte de Roma de que o homem que a acompanhara era uma pessoa inteligente e civilizada. Aquele episódio, uma vez mais, não augurava nada de bom para o futuro. A vida profissional de Sasha era pontuada por inúmeras ocasiões como aquela, e nem sempre Liam se comportava à altura. De facto, era muito raro que o fizesse. Quando estava entediado ou se sentia posto à margem, como não sendo importante, era quase inevitável que reagisse como uma criança mimada.

Havia ocasiões em que era difícil acreditar que já tinha quarenta anos. Às vezes parecia ter metade da idade, o que ficava bem patente, mas fazia parte dos seus atractivos, embora também fosse a sua faceta mais negativa na relação com Sasha. Ainda tinham de limar muitas arestas, mas, de uma maneira geral, a viagem a Itália correra às mil maravilhas.

Sasha telefonou várias vezes aos filhos enquanto andava a viajar com Liam. Ambos estavam a par do itinerário da mãe, como acontecia sempre que ela viajava, no entanto, era muito raro que lhe ligassem. Era quase sempre Sasha que lhes telefonava, até porque era mais difícil encontrá-la e era frequente que desligasse o telemóvel. Ela e Liam registavam-se nos hotéis sob os nomes de Liam Allison e Sasha Boardman, o que ele disse, jocoso, parecer-se com a designação de um escritório de advogados, Allison e Boardman, ou uma firma de contabilidade.

De vez em quando, os recepcionistas dos hotéis enganavam-se, registando-os como uma única pessoa, Allison Boardman, com o que não se incomodavam. Tatiana ficou muito divertida quando telefonou à mãe para Florença, rindo-se ao contar-lhe que pedira para falar com Sasha Boardman, mas que lhe haviam dito que só tinham registo de uma pessoa de nome Allison Boardman, que era obviamente a pessoa certa, mas com o primeiro nome errado.

De resto, aquilo não teve qualquer significado para ela. Mas se o incidente se tivesse passado com Xavier, era bem possível que o caso mudasse de figura. Contudo, Tatiana não estabeleceu qualquer associação entre a mãe e Liam, com excepção de saber que Sasha o representava, por isso não lhe ocorreu que ele estivesse com a mãe. Sasha riu-se com a filha da distracção dos recepcionistas de alguns hotéis, até mesmo os melhores, que se enganavam quando registavam o seu nome.

Na altura, ainda não tinha conhecimento disso, mas a mesma coisa acontecera a Bernard quando lhe telefonou da galeria de Paris. Tinha corrigido o erro do primeiro nome, mas o recepcionista do hotel insistira, tendo alterado o registo para ”Sr. Allison” e ”Sr.a Boardman”, o que deixara Bernard perplexo, embora não tivesse mencionado o assunto a Sasha até esta ter regressado a Paris.

Era o primeiro dia desde que voltara e estava a ler e a analisar uma montanha de correspondência, pastas e diapositivos enviados por aspirantes a artistas de artes plásticas que se haviam acumulado na sua mesa de trabalho durante a sua ausência de três semanas. Era arrasador, mas era o preço que teria de pagar pela viagem a Itália.

Bernard entrou no seu gabinete por uns momentos, sentando-se na cadeira defronte dela, olhando-a cautelosamente e perguntando-se se aquela seria a altura mais apropriada para abordar o assunto, questionando-se mesmo se deveria abordá-lo. Mas a verdade é que sempre se preocupara com Sasha, como se fosse um irmão mais velho. Havia aprendido tudo o que sabia sobre aquele ramo de actividade com o pai dela, tal como a própria Sasha, além de trabalhar na galeria havia mais de vinte anos.

Aliás, começara a trabalhar lá antes de ela se ter mudado para Nova Iorque, tendo aberto a galeria nessa cidade. Bernard era dez anos mais velho do que ela, mas, de certa forma, sempre se sentira como se tivessem crescido juntos, o que havia sido o caso com respeito ao mundo da arte.

Ficou sentado a olhar demoradamente para Sasha no lado oposto da secretária, enquanto ela passava uma vista de olhos por alguns diapositivos. Sasha já lhe tinha falado dos artistas que visitara, principalmente daquela de que gostara em especial e com quem se encontrara em Nápoles. Sasha ficara enamorada do trabalho dessa pintora, assim como da pessoa em si.

- Estarei certo se deduzir que foste acompanhada de um consultor de arte? - perguntou cautelosamente, apressando-se a acrescentar: - Não és obrigada a responder-me, se não quiseres, Sasha. É um assunto que não me diz respeito. Sasha interrompeu o que estava a fazer, fitando-o, pensativa, antes de acenar afirmativamente.

- Como é que soubeste?

- No hotel, em Roma, estavas registada como Allison Boardman, e quando eu os corrigi, explicaram-me que o registo correspondia ao senhor Allison e à senhora Boardman. Aconteceu mais ou menos a mesma coisa quando a Tatiana me telefonou para Florença. Felizmente, eles não lhe disseram a última parte, com respeito ao ”senhor e senhora”.

- Está tudo bem? - perguntou ele, mostrando uma certa inquietação. Bernard sempre se preocupara com ela. Desde a morte de Arthur que não havia ninguém que cuidasse dela. Sasha ocupava-se de toda a gente, até mesmo dele. Era uma empregadora e uma amiga extraordinárias, tal como o pai havia sido antes dela. Bernard era extremamente leal aos dois, não confiando tanto em mais ninguém, a não ser na sua própria mulher.

- Acho que tudo corre pelo melhor - respondeu Sasha calmamente, sorrindo-lhe. - Não se pode dizer que seja o que eu esperava fazer em relação à minha vida, além de ser um tudo-nada invulgar, no mínimo. - Continuava a sentir-se embaraçada devido à diferença de idade entre os dois, perguntando a si mesma se esse constrangimento persistiria para sempre.

- Interroguei-me quando ele ficou em tua casa durante dez dias. É hospitalidade a mais para se oferecer a alguém, até mesmo a um bom pintor. Foi nessa altura que a relação teve início? - Bernard sentia-se simultaneamente curioso e preocupado.

- Não, mas foi por essa razão que ele veio a Paris. Começou em Janeiro, quando estive em Londres para ver os trabalhos dele, por indicação do Xavier. Na verdade, foi nesse mesmo dia. Desde então a relação já acabou e recomeçou várias vezes. Para ser sincera, devo dizer que não sei bem o que fazer. Somos pessoas muito diferentes, além de ele ser nove anos mais novo do que eu, o que é constrangedor. E... o que é que posso dizer? Ele é um artista... sabes bem o que isso significa. - Ambos sabiam. Bernard riu-se quando ela disse aquilo.

- Picasso também era um artista - contrapôs, sorrindo-lhe -, e as pessoas aturavam-lhe as madurezas. O Liam é bom rapaz. - Gostava dele e respeitava o seu trabalho, muito embora preferisse pintores mais convencionais.

- É aí que está o problema - retorquiu Sasha com sinceridade, sentindo-se aliviada por ter alguém com quem podia falar sobre o assunto. Bernard era um homem sensato, além de ser um bom amigo. - Ele é muito imaturo para a sua idade. Às vezes comporta-se como um garoto, enquanto noutras ocasiões age como um homem adulto. - Sasha parecia aceitar a situação filosoficamente. No entanto, ambos sabiam que, com uma vida tão complicada como a dela, precisava de um homem, e não de um garoto, para companheiro.

- Por vezes, todos nos portamos como crianças. A minha mulher continua a tratar-me como se eu tivesse doze anos, apesar dos meus cinquenta e nove. Na verdade, para te ser sincero, tenho de admitir que até gosto. Proporciona-me uma sensação de bem-estar e segurança, o que adoro - reconheceu com sinceridade, enquanto Sasha o observava com um olhar pensativo.

- Estou em crer que o Liam sente a mesma coisa. A mãe morreu quando ele tinha sete anos. Gosto de cuidar dos homens da minha vida, de facto, gosto de olhar pelo bem-estar de todos, mas isso não significa que queira ser uma mãe para ele em todos os momentos, embora talvez tenha de o ser. Também não quero parecer mãe dele, e receio que às vezes seja isso mesmo que pareça.

- Não, de modo algum. Nove anos de diferença não são nada por aí além, Sasha. Bernard não se opunha à relação, embora a verdade é que era assunto em que não tinha de se imiscuir. A sua única preocupação era o bem-estar de Sasha, queria que fosse feliz. Sabia quanto se sentira sozinha desde a morte de Arthur, tentando ajudá-la a suportar essa perda, mas ninguém podia fazer nada para aliviar a sua solidão. Talvez Liam fosse a solução.

- Isso é verdade, mas quando estou com o Liam tenho a impressão de que é uma diferença enorme. Ele anda com amigos que têm vinte ou trinta e poucos anos, o que faz que me sinta como se tivesse cem anos sempre que estou com eles.

- De facto, isso é complicado - admitiu Bernard, suspirando. - No entanto, não és obrigada a tomar uma decisão definitiva. Pelo menos, espero que não. - Bernard não queria que ela, impulsivamente, decidisse fugir para se casar com Liam, embora soubesse que Sasha jamais faria uma coisa dessas. Era uma mulher muito cautelosa, sensata e ponderada, se bem que a relação amorosa com Liam fosse algo nada em consonância com a sua maneira de ser, revelando uma faceta da sua personalidade que ele nunca desconfiara que existisse.

- Não te preocupes, não tenciono tomar qualquer decisão precipitada. Não estou a planear fazer seja o que for, vou limitar-me a desfrutar do tempo que passamos juntos enquanto a relação durar. - Sasha continuava a acreditar que esta não duraria muito, portanto, não albergava grandes esperanças para o futuro. Bernard ficou aliviado ao ouvir o que ela dizia. Achava que não havia problema nenhum num caso amoroso entre ela e Liam; uma relação para o resto da vida era algo totalmente diferente.

- Os teus filhos estão a par do assunto?

- Não, ainda não sabem. Provavelmente, a Tatiana matar-me-ia, e não sei muito bem como é que o Xavier reagiria. Ele e Liam são bons amigos, é difícil prever. Não tenho pressa em dizer-lhes, e não o farei a menos que me veja forçada a isso. Quem sabe qual será o desfecho desta situação? O tempo que passámos juntos tem sido bastante atribulado. De Fevereiro a Abril deixámos de nos ver. Retomámos a relação pouco antes desta viagem, que correu às mil maravilhas. Vamos ver o que acontecerá a seguir. - Sasha parecia extremamente filosófica em relação ao assunto, não manifestando tensão alguma.

- Mantém-me informado - pediu Bernard, levantando-se da cadeira. Sentia-se satisfeito por ter abordado o assunto com ela. Na sua opinião, Sasha estava a agir de uma maneira sensata e discreta.

Era tudo o que ele queria saber. Além do mais, Sasha parecia feliz com Liam.

- Se houver alguma coisa em que possa ajudar, não hesites em falar comigo - acrescentou Bernard. Para já, no que lhe dizia respeito, aquilo era suficiente.

-Já ajudaste. Só te peço que guardes segredo. Não tenciono contar a ninguém, pelo menos até ver como é que as coisas correm durante mais algum tempo - retorquiu Sasha, e Bernard concordou com ela. Sentia-se melhor por ter falado com ele. Tinha andado preocupada, pensando que as pessoas que faziam parte da sua vida ficariam horrorizadas e em estado de choque, reprovando a sua relação com Liam, quando soubessem, mas Bernard parecera não achar nada de extraordinário no caso, o que fez que Sasha se sentisse mais tranquila.

De momento não tinha intenção de pôr Eugénie ao corrente do assunto, nem qualquer outra pessoa da galeria, ou quem quer que fosse, apesar de ser Eugénie quem atendia as chamadas quando Liam telefonava para a galeria, o que era bastante raro; a maior parte das vezes ligava-lhe para o telemóvel. Só daí a muito tempo é que Sasha tencionava pôr os filhos ao corrente da situação.

Ela e Liam haviam concordado quanto a isso, pensando que era a decisão mais acertada. Pôr os filhos a par da relação que mantinham só serviria para complicar as coisas, e eles já tinham bastante com que se preocupar para conseguirem entender-se e lidar com a situação. Até ao momento estava tudo a correr pelo melhor. Desta vez.

Liam passou os dois fins-de-semana seguintes em Paris. O tempo estava esplêndido e desfrutaram uns dias juntos verdadeiramente maravilhosos, sentindo-se muito animados. Enquanto ele esteve em Paris, passaram cada momento juntos, não tendo estado com nenhuma das pessoas com as quais mantinham relações de amizade. Havia muita coisa que queriam fazer juntos e o tempo de que dispunham era pouco. Não desejavam partilhá-lo com ninguém, quer fossem os amigos dela quer os dele.

Durante a semana, Liam trabalhava afincadamente, preparando-se para a exposição em Nova Iorque, que teria lugar em Dezembro. Sasha estava ansiosa para que o mundo visse os trabalhos dele. Mal conseguia esperar, embora o trabalho de Liam no seu estúdio, em Londres, seguisse a bom ritmo.

Davam um passeio pelo Bosque de Bolonha com a Peúgas quando ela lhe perguntou pelos filhos, que continuavam em Vermont, o que era frequente fazer. Sasha incentivava-o sempre a falar dos filhos. Sabia que Liam sentia muito a falta deles, e já passara um ano desde a última vez que os vira. O divórcio seguia os seus trâmites, esperando-se que estivesse tudo resolvido por altura do Natal, e Beth informara-o de que tencionava casar-se assim que estivesse divorciada.

Liam disse que se encontrava em paz consigo mesmo com respeito àquele assunto, e Sasha estava convencida de que ele falava verdade. Os dois tinham seguido novos rumos de vida, mas as crianças continuavam a precisar do pai, na sua opinião, do mesmo modo que ele precisava delas, talvez mais do que pensava ou estava disposto a admitir. Na opinião de Sasha, ele parecia-lhe muito submisso, permitindo que Beth tomasse todas as decisões em relação aos filhos, não se opondo a nada que ela decidisse.Porque é que não vais visitá-los este Verão, Liam?

encorajou-o, quando ele atirava um pau para que a Peúgas o fosse buscar, o que a cadela fez. Tinha-lhe ensinado uns quantos truques, e o animal veio a revelar-se um belo canino. Sasha adorava a cadelinha, para o que muito contribuía o facto de lhe ter sido oferecida por Liam. - Eu também tenho de passar algum tempo com os meus filhos em Agosto.

Era a época do ano em que todos tinham férias e Sasha adorava passar todo o tempo possível com eles, principalmente quando podiam viajar e passar férias em qualquer lugar no estrangeiro, o que era cada vez mais raro, à medida que eles ficavam mais velhos e com as vidas preenchidas pelos seus próprios interesses. Sasha tinha noção de que um dia passariam a ter pessoas importantes nas suas vidas, pessoas que teriam muito significado, pelo que as férias com eles deixariam de ser possíveis.

Aquelas eram as derradeiras oportunidades que tinha para o fazer, e cada ano lhe parecia ser o último.

- Este Verão, depois de termos gozado férias com os nossos filhos, talvez pudéssemos ir a qualquer lado, só nós dois. Sasha passava a vida a organizá-lo, o que por vezes o irritava, mas noutras ocasiões também o divertia. Sabia que aquilo se devia à maneira de ser dela; fazia o mesmo em relação a toda a gente. Era a tradicional mãe-galinha, uma faceta que adorava nela, especialmente quando o alvo das atenções maternais era ele próprio.

- Nem sequer sei se eles querem voltar a ver-me... retorquiu Liam, falando com franqueza. Dizia muitas vezes que os filhos estavam zangados consigo por se ter mantido afastado deles durante tanto tempo, o que confirmava os receios de Sasha. Liam telefonava-lhes muito esporadicamente, e quando o fazia as conversas eram difíceis, pois os filhos culpavam-no pelo fracasso do casamento. Beth dissera-lhes o suficiente para os deixar perturbados, apesar de lhes ter ocultado os pormenores mais escabrosos, mas nenhum deles havia perdoado o pai.

O resultado era que os telefonemas fossem bastante constrangedores, ao que acrescia o facto de a distância também ter tido os seus custos. Sasha receava que, se ele esperasse ainda mais tempo para os ir visitar, os danos fossem irreversíveis ou, no mínimo, levassem vários anos para ficar sanados, e tivera o cuidado de o advertir quanto a isso. Por enquanto, decorrido somente um ano, ainda havia tempo para reparar o mal feito. Os filhos ainda eram jovens. O mais velho tinha dezoito anos, e em Setembro sairia de casa para entrar na universidade, o do meio também era um rapaz, agora com doze anos, e por fim havia a filha, que acabara de fazer seis anos.

Ainda eram os três suficientemente novos para Liam poder restabelecer a relação paternal com eles, mas apenas se estivesse disposto a fazer esse esforço. Sasha sabia que ele amava os filhos; muitas vezes ficava com os olhos marejados de lágrimas quando falava deles, afirmando que tinha imensas saudades de os ver. No entanto, começava a sentir que agora eram os filhos de Beth e não dele. Beth estava com eles todos os dias, ao contrário de Liam.

- Porque é que não lhes perguntas? - sugeriu Sasha. Achas que a Beth deixaria que os levasses a qualquer lado? Estava a pensar em oferecer a casa que tinha na praia, em Southampton, mas não queria interferir, além de que não sabia se Tatiana tencionava utilizá-la no Verão. Desconfiava que sim. Tanto a filha como o filho adoravam a casa pelas recordações que guardavam dos dias da infância que lá haviam passado. Ela própria também tinha recordações dessa casa que lhe eram muito queridas. Deles e de Arthur.

- Não sei como é que reagiria se eu sugerisse ir para qualquer lado com as crianças. Não se pode dizer que nos últimos tempos eu tenha sido pessoa muito do seu agrado. Sasha sabia, pelo que ele lhe dissera, que a pensão de alimentos que enviara durante o último ano havia sido bastante parca. Beth estava a ser ajudada financeiramente pelo futuro marido, o que embaraçava Liam e complicava a situação ainda mais. Sasha já lhe tinha dado um adiantamento, mas Liam precisava de dinheiro para as despesas do dia-a-dia, para comprar tintas e telas.

Não possuía meios para enviar grande coisa a Beth. Ambos esperavam que a situação melhorasse depois da exposição, mas, até lá, a situação financeira dele continuaria a ser precária, o que se reflectia na situação de Beth. Havia vinte anos que ela se via perante o mesmo problema, e a verdade é que estava farta. Liam não a censurava. A sua vida melhoraria substancialmente com o seu novo marido, e sentia-se feliz por ela. Também se sentia feliz com Sasha. A única coisa que lhe faltava na vida eram os filhos.

- E que tal se telefonasses à Beth e aos teus filhos? perguntou Sasha, a apalpar o terreno; ele prometeu-lhe que ligaria dentro de uma semana.

Depois de ter telefonado, ligou a Sasha para lhe relatar a conversa que tivera com Beth. Dava a impressão de estar satisfeito, agradecendo-lhe por o ter incentivado a ligar.

- Ela não quer que eu os leve para longe. De qualquer modo, não tenho dinheiro para os levar de férias... Mas disse que fosse visitá-los e que podia ficar com eles durante alguns dias, se quisesse. Os pais têm um chalé à beira de um lago próximo do local onde ela mora e disse-me que podia ficar lá.

Os garotos adoram o local. Os rapazes gostam de pescar no lago. - Parecia a solução perfeita. Beth queria que ele fosse nesse mesmo mês. Já tinha feito planos para o resto do Verão, tendo combinado com o namorado visitar os futuros sogros, que viviam na Califórnia, após o que fariam uma viagem até ao Grand Canyon.

- Parece-me uma excelente solução - disse ela, dando a impressão de estar radiante. -Já tinha decidido falar contigo a esse respeito. Lá para finais de Junho tenho de estar em Nova Iorque e estava a pensar em ficar lá durante algumas semanas. perguntar-te se querias vir comigo. Desde que nos comportemos de maneira relativamente discreta, podemos ficar os dois no meu apartamento.

- Tatiana andava tão ocupada que mal via a mãe quando esta ia à cidade, e nunca aparecia no apartamento sem avisar antecipadamente; além do mais, desde que tinha a sua própria casa, na Tribeca, nunca ficava em casa da mãe, portanto, não seria difícil ocultar a presença de Liam.

- Provavelmente, eu não devia tirar férias neste momento, tendo em vista a exposição, mas, meu Deus, Sasha, adorava ir contigo! - Ambos acharam que era uma ideia excelente. Depois da viagem a Itália, em Maio, haviam sentido a falta um do outro mais do que nunca. Sasha tinha saudades de viajar com ele. Além disso, havia muita coisa em Nova Iorque que ambos podiam fazer. - Quando é que tencionas partir?

- Dentro de mais ou menos dez dias. Estava a pensar perguntar-te este fim-de-semana.

- Está resolvido. Vou contigo - retorquiu Liam cheio de entusiasmo.

- Se tiveres tempo, podemos passar parte do mês lá sugeriu Sasha. Ambos adoravam tal perspectiva. A viagem a Itália correra da melhor maneira possível e, com um pouco de sorte, esta haveria de correr de igual modo, se bem que em moldes um tanto diferentes, porque Sasha teria de trabalhar. - Podíamos passar o feriado do Quatro de Julho em Nova Iorque antes de voltarmos para a Europa.

Sasha estava a planear trabalhar na galeria de Paris durante o mês de Julho, após o que iria de férias com os filhos, em Agosto. Escolhera Saint-Tropez, que os filhos adoravam, e já tratara de alugar um barco. Ambos planeavam levar amigos, ao que não se opunha. A única coisa que não lhe agradava era o facto de ter de deixar Liam durante três semanas. Todavia, tinha concebido um plano, ainda que vago, sobre como poderia convidá-lo a passar um fim-de-semana no barco, na qualidade de ”visita”, mas não estava bem certa quanto à possibilidade de o pôr em prática.

Tatiana tinha um instinto muito apurado e Xavier conhecia-o bem. Da maneira mais ardilosa, estava a pensar em pedir a Xavier que o convidasse, mas não queria tentar a sorte. Existia a possibilidade, e era mais do que plausível, de não poder estar com Liam durante três semanas, mas, à guisa de consolação, teriam o resto do mês de Junho em Nova Iorque.

Ambos estavam entusiasmados quando discutiram estes planos, durante o fim-de-semana. Liam tinha muitos amigos, artistas como ele, em Nova Iorque, os quais viviam em Chelsea, Tribeca e Soho. Também havia diversos lugares e eventos a que Sasha queria levá-lo.

 

Desde que haviam retomado a relação que ela não vira o mínimo vestígio da sua faceta de pintor louco, com comportamentos excêntricos, o que a levava a sentir-se confiante quanto à perspectiva de sair com ele em público, particularmente em Nova Iorque, uma cidade em que a sua vida era muito menos formal e enfadonha do que em Paris. Ele enquadrar-se-ia perfeitamente em Nova Iorque. Assim, ambos estavam ansiosos por ir para lá.

- Talvez - começou Sasha a dizer, esperançada, quando estavam na cama, no domingo de manhã - pudéssemos passar uns dias na casa dos Hamptons. É um lugar maravilhoso e eu costumava adorar ir até lá. - Durante os últimos vinte meses, desde a morte de Arthur, fora-lhe demasiado doloroso ir à casa da praia. Talvez agora fosse diferente.

- Gosto dos Hamptons - disse Liam distraidamente, após o que retomou o assunto de que estivera a falar, passar uns dias no lago com os filhos. Por vezes, não prestava atenção ao que ela dizia. Havia ocasiões em que se comportava como um garoto que precisava que tudo girasse à sua volta, que tudo se centrasse exclusivamente em si. Sasha sabia que não era nada de pessoal, nem tão-pouco um indício de que não a amava. Agora compreendia isso. Simplesmente, era a maneira de ser dele. Quando era garoto, ninguém lhe havia prestado atenção. Mas agora tinha Sasha, sempre suspensa das suas palavras. Adorava isso nela.

- Quem me dera que pudesses ir a Vermont comigo... - disse Liam, virando-se na cama e olhando-a, com o rosto quase encostado ao dela. Haviam feito amor e tinha sido tão doce como sempre. Dava a impressão de que, com o passar do tempo, cada vez era melhor, apesar de Sasha ter dificuldade em concordar, uma vez que era fabuloso desde o princípio.

- Precisas de estar sozinho com os teus filhos, para renovares a relação que tens com eles - disse Sasha sensatamente. Liam sabia que ela tinha toda a razão, mas sentia-se um pouco receoso perante a perspectiva de voltar a estar com os filhos. Sabia que os dois rapazes estavam zangados consigo por se ter mantido afastado deles durante tanto tempo. Com seis anos apenas, Charlotte estava entusiasmada por saber que ia ver o pai. Alguns dias antes, falara com os três pelo telefone; durante vários meses nem sequer lhes telefonara.

Por vezes pensava em ligar-lhes, mas depois passava-lhe de ideia. Beth tratara sempre de arranjar desculpas que justificassem o silêncio dele, ocultando as suas lacunas paternais, contudo, não estava disposta a continuar a proceder dessa maneira. Além disso, Liam deixava muito a desejar quando

comparado com o noivo, o qual estava sempre presente e atento às necessidades dela e dos filhos. Como resultado, Liam ficara muito malvisto devido à sua longa ausência. Agora tinha de se esforçar, e muito, para tentar reparar os danos que causara, facto de que tinha noção. Estava ansioso por poder começar a tentar remediar as coisas, e também se sentia deveras entusiasmado por ir passar o resto do mês de Junho com Sasha em Nova Iorque.

- Vais comigo a um jogo dos Yankees, Sasha? - perguntou, deitado de costas e com um sorriso rasgado, a olhar para o tecto. Parecia uma criança que mal conseguia esperar pelo momento em que partiria para o campo de férias.

- Desde que seja razoável, farei tudo o que quiseres, mas também preciso de trabalhar. No entanto, estou em crer que conseguiremos conciliar as duas coisas, podemos trabalhar e divertir-nos. E também quero mostrar-te o espaço destinado à exposição dos teus trabalhos.

- Hummm... - fez ele, sorrindo-lhe e aninhando-se mais junto dela. Havia ocasiões em que Liam a fazia sentir-se uma rainha. Outras vezes fazia-a sentir-se a rainha-mãe.

 

Liam foi de avião para Paris numa sexta-feira à noite, e daí ambos embarcaram no mesmo voo, que partiu na manhã de domingo. Sasha oferecera-lhe a passagem aérea, e os dois instalaram-se em lugares na primeira classe, lado a lado. Liam parecia uma criança numa festa de aniversário, aceitando tudo o que lhe era oferecido. Deliciou-se com caviar e champanhe, tendo comido o seu almoço e parte do dela, após o que reclinou o assento na posição de cama, cobriu-se com uma manta e dormiu a sesta.

Até se despiu e vestiu um pijama e, por momentos, colocando um saco de plástico na cabeça, como se fosse um chapéu, mostrou sinais de ter voltado ao seu comportamento irreverente de antigamente. Viu dois filmes, comeu um lanche, serviu-se de todos os artigos do estojo de higiene, cortesia da companhia aérea, e por fim convidou Sasha a juntar-se ao clube dos que faziam amor nos lavabos.

- Está-me a parecer que vamos ter de te sedar aquando do próximo voo. - Sasha fez uma careta sorridente, depois de ter declinado o seu convite. - Houve uma ocasião em que tivemos de fazer isso com o Xavier, porque ele ficava sempre agoniado quando era miúdo, mas teve uma reacção adversa ao medicamento e o resultado foi parecer que tinha levantado voo, como um motor a jacto fora de controlo.

Nunca vi uma criança tão hiperactiva! Depois disso, decidimos que o melhor era ele vomitar durante as viagens de avião, até que acabou por lhe passar. - No entanto, Sasha nunca vira ninguém tão radiante como Liam por fazer uma viagem de avião, manifestando verbalmente quanto se sentia deleitado. Não se cansou de lhe agradecer, desde a descolagem até à aterragem.

- Sempre pensei que era normal sentar-me com os joelhos junto às orelhas e os cotovelos dos meus companheiros de viagem no peito. Isto é muito melhor! - disse ele com uma expressão de êxtase, enquanto voltava a reclinar o assento para trás, estendendo as pernas a todo o comprimento.

Liam continuava num estado de espírito extremamente animado quando passaram pela alfândega no Aeroporto de Nova Iorque, dizendo piadas a todos em seu redor. Como de costume, travou amizade com as hospedeiras, a maior parte das quais Sasha conhecia de viagens anteriores, e tratou o inspector da alfândega pelo nome de baptismo, tendo mantido uma conversa animada com o bagageiro sobre basebol enquanto ela procurava o seu motorista, que fora avisado para a ir buscar.

”Exuberante” não chegava, nem de perto nem de longe, para descrever o estado de espírito de Liam, mas, acima de tudo, sentia-se feliz, grato e entusiasmado por se encontrar ali, e, apesar de se comportar como um pião a girar, descontrolado, Sasha adorava estar com ele.

Finalmente acalmou-se, quando chegaram ao apartamento de Sasha, sentindo-se impressionado ao ver como a decoração era requintada. Apreciou a qualidade das antiguidades e ficou assombrado ao ver os quadros a óleo. Havia um Monet, dois Degas e um Renoir, além de uma série de desenhos de Da Vinci de valor incalculável e inúmeras peças de arte que só mais tarde teria azo de admirar.

Na verdade, o apartamento de Nova Iorque era bastante mais formal do que a ala do casarão em Paris, a qual Sasha decorara de maneira mais simples e moderna quando a renovara. A residência de Nova Iorque era a prova de toda uma vida a coleccionar obras de artistas importantes, a maior parte das quais havia sido adquirida pelo pai, que lhas oferecera de presente.

- Ena, Sasha!... Tudo isto são coisas da pesada... Liam estava estupefacto diante de um El Greco em tons sombrios de que ela nunca gostara, tendo-o pendurado num corredor. Finalmente, conseguiu arrastá-lo o tempo suficiente para lhe mostrar o quarto. Teve um momento de hesitação, porque nunca o partilhara com nenhum outro homem além de Arthur, mas chegara a altura de o fazer. Estava pronta para franquear as suas portas e a sua vida a Liam.No entanto, pediu-lhe que pusesse as suas coisas no quarto de hóspedes, não fosse dar-se o caso de algum dos filhos aparecer inesperadamente, além de também não querer chocar a senhora que vinha fazer a limpeza todos os dias, a mesma que trabalhara para ela durante grande parte do seu casamento.

Liam não pareceu ficar contrariado com isso; largou o saco de viagem no quarto ao fundo do corredor, após o que foi para o quarto dela, levando uma taça de sorvete. Comportava-se como se estivesse em sua casa, esparramado na poltrona preferida de Arthur; ligou o televisor e apanhou a transmissão de um jogo de basebol. Depois olhou para Sasha com uma careta sorridente e juvenil, que lhe fez sentir os joelhos tremerem, e desatou a rir-se.

- Isto é porreiro, Sasha! Sinto-me como se tivesse morrido e ido para o Paraíso. - Ele também provinha de uma família distinta e com dinheiro, se bem que talvez não tanto como se respirava ali, embora fosse proeminente e sólida. A única diferença residia no facto de o terem tratado sempre como um inadaptado e um proscrito por possuir um temperamento artístico e ser diferente dos demais membros da família. No apartamento de Sasha, pelo contrário, sentia um grande bem-estar, sabendo que a sua presença era incondicionalmente desejada na vida dela.

Para Liam, isso fazia toda a diferença, o que também acontecia com Sasha. Ambos estavam num estado de espírito animadíssimo, desfrutando plenamente a relação que partilhavam.

Ela sugeriu que nessa noite fossem a um restaurante nas proximidades. Antes de saírem de casa, telefonou a Tatiana; tal como imaginara, a filha estava muito ocupada com os amigos e tinha uma série de planos para essa semana, dizendo à mãe que passaria pela galeria para a ver logo que tivesse uns momentos livres, o que seria mais provável à hora de almoço. Assim, Sasha sentiu-se totalmente segura quando nessa noite se deitou na cama com Liam.

A mulher-a-dias só chegaria ao meio-dia, hora a que já teriam saído de casa, ela para a galeria e ele para visitar os amigos que viviam no Soho. Quanto a esse aspecto, o segredo dos dois estava seguro, e, no que respeitava

a qualquer outra pessoa, se fosse descoberto, Liam seria apresentado como um simples convidado da casa.

Liam conquistou definitivamente o seu coração quando, nessa noite, já na cama, pôs um braço à volta dela, chegando-a mais para junto de si. A despeito do empolgamento que sentia por se encontrar ali, não deixara de reparar na expressão do rosto dela algumas horas antes, quando entraram no quarto. Ficou com a impressão de que para ela era difícil estar ali com ele, num quarto que lhe trazia recordações do passado.

- Estás bem? - perguntou-lhe num murmúrio, chegando-se a ela. Sasha soube de imediato que ele compreendera; acenou-lhe afirmativamente.

- Sim, meu querido, estou bem... Obrigada por teres perguntado.

- Não quero fazer nada aqui que possa perturbar-te. Se quiseres, posso dormir no outro quarto. - Sasha olhou para ele, sorrindo.

- Sentiria demasiado a tua falta. Estás muito bem aqui

- retorquiu, beijando-o. Foi um beijo terno e não um beijo que sugerisse que queria mais alguma coisa dele, além da compreensão que acabara de lhe demonstrar. Liam beijou-a com a mesma ternura, mantendo-a chegada a si, e nessa noite limitaram-se a dormir aninhados um no outro.

No dia seguinte, Sasha levou-o à galeria. Liam ficou impressionado ao ver o espaço de que dispunham e a forma como o haviam utilizado. Gostou dos quadros do pintor cujos trabalhos estavam expostos na altura, semicerrando os olhos ao pensar nos seus próprios quadros expostos naquele lugar.

Era perfeito, e agora passara a ter uma ideia mais exacta quanto ao número de trabalhos de que iria precisar, quantos quadros na horizontal e quantos na vertical. Para Liam, o facto de estar ali, por si só, era inspirador. Sasha apresentou-o a todos os funcionários. Mareie, a sua assistente, quase desfaleceu quando ele entrou num passo langoroso, revirando os olhos de assombro a Sasha nas costas dele.

- Oh, meu Deus, parece uma estrela de cinema!... -

comentou com a respiração ofegante, provocando o riso de Sasha. Detestava admiti-lo, mas às vezes era precisamente isso que ele parecia. Preferia vê-lo como quando passavam o dia em casa, ambos com roupas velhas, cabelos soltos e com uma aparência desalinhada. Havia ocasiões em que se sentia intimidada ao seu lado quando saíam, o que fazia com que tivesse noção da sua idade.

- É uma pessoa simpática e um bom artista - disse Sasha com naturalidade. - Estou satisfeita por nos encontrarmos em Nova Iorque ao mesmo tempo, o que aconteceu por mero acaso. Parece-me que está a caminho de Vermont para visitar os filhos. - Mareie fez um acenar de cabeça, impressionada com Liam. Não só era um belo pedaço de homem, além de ser talentoso, como também era um bom pai.

Já havia começado a idealizá-lo, apesar de o ter conhecido havia apenas cinco minutos. Sasha conhecia-o muito melhor, pelo que se sentia muito menos deslumbrada do que Mareie. Limitava-se a amá-lo, apesar dos pés de barro e tudo o resto. E, à semelhança dos demais, ele tinha-os, e ela também não era excepção.

Liam passou a manhã na galeria com ela, familiarizando-se com os funcionários e observando tudo à sua volta. Examinou as prateleiras e subiu ao andar de cima para ver os trabalhos clássicos, após o que saiu, encaminhando-se para o Soho, a fim de ir ter com os amigos. Segredou a Sasha que se encontrariam mais tarde no apartamento, ao que ela acenou afirmativamente.

Por sorte, Tatiana chegou cinco minutos depois de ele ter saído. Ia buscar qualquer coisa a um fotógrafo e, como ficava em caminho, aproveitou para ver a mãe. Parecia contente e estava bonita como sempre e, concluiu Sasha, observando a filha com outros olhos, com um ar extremamente jovem. Tatiana tinha a mesma idade das mulheres com quem Liam gostava de entabular conversa e que admirava.

A filha havia feito vinte e quatro anos há pouco e, ao olhar para ela sob uma nova perspectiva, Sasha sentiu-se muito envelhecida. Sabia que tinha de ultrapassar aquele complexo, caso contrário a sua relação com Liam jamais resultaria. Antes de o conhecer nunca se preocupara com a idade, mas agora vivia obcecada com isso. Sentia-se velha.

- Olá, mãe! Durante quanto tempo vai ficar em Nova Iorque? - perguntou Tatiana, tirando um chocolate de um pires e dando um beijo à mãe.

- Acho que vou ficar um mês. - Como sempre, Sasha estava contentíssima por ver a filha. É uma data de tempo... - retorquiu Tatiana, surpreendida ao ouvir aquilo. Nos últimos meses a mãe nunca ficava muito tempo em Nova Iorque. Sentia-se deprimida no apartamento em que vivera com Arthur, dizendo que era ali que a ausência dele se fazia sentir com mais intensidade.

- Vamos inaugurar uma exposição ainda este mês e preciso de tratar dos preparativos, por isso achei melhor ficar por aqui durante mais algum tempo. Como é que vão as coisas contigo?

- Às mil maravilhas! Fui aumentada há pouco tempo, a minha editora odeia-me e eu quero o lugar dela - replicou Tatiana, que parecia sentir-se no pico do mundo. Sorria, olhando para a mãe, feliz por a ver.

- Tudo isso parece bastante normal - retorquiu Sasha, rindo-se.

- Até um dia destes; agora tenho de me ir embora. Já estou atrasada. Só queria dizer-te ”Olá”. - Tatiana deixara um táxi à sua espera, saindo com a mesma pressa com que entrara, levando consigo uma mão-cheia de chocolates, o seu almoço. Sasha deu-lhe um beijo apressado antes de ela desaparecer porta fora.

Sasha teve um dia muito ocupado na galeria, a preparar as coisas para a nova exposição. Era ela própria quem tratava de tudo sempre que inauguravam exposições, o que, aliás, adorava fazer. Foi com alguma dificuldade que saiu às dezoito horas para ir ter com Liam, que já deveria estar no apartamento. Quando entrou na cozinha, deparou com ele a comer sorvete e piza; ele beijou-a na boca.

- Hummm... delicioso. O que é? Rocky Road?

- Fudge Broumie - corrigiu Liam. - Esqueço-me sempre de como os gelados são deliciosos nos Estados Unidos. Em Inglaterra sabem a merda.

- É pior em França - retorquiu Sasha, sorrindo. Ogelato é bom... - Sentou-se à mesa da cozinha a olhar para ele, concluindo que era bom vê-lo ali ao fim de um dia exaustivo de trabalho. Liam parecia estar em sua casa.

- O gelato é para os mariquinhas - contrapôs ele. - Isto é que é um gelado a sério. Come uma fatia de piza; vou levar-te a sair. - Sasha não queria dizer-lhe que estava cansada depois de um longo dia de trabalho, além de sentir a fadiga da diferença horária. Ele apresentava um aspecto vibrante e cheio de vida. Tinha passado um dia esplêndido com os amigos.

- Onde é que estás a pensar levar-me? Preciso de mudar de roupa? - perguntou, mas tudo o que lhe apetecia era tomar um banho quente de imersão para relaxar antes de ir para a cama. Sentia-se exausta depois de ter andado todo o dia a pegar em quadros, levando-os de um lado para o outro para preparar a exposição.

- Precisas. Veste umas calças de ganga - retorquiu ele, enquanto passava a tigela por água antes de a pôr na máquina de lavar louça. Quando estava com ela, Liam costumava fazer aquele género de coisas; todavia, a sua casa era uma confusão total. Desde que Beth e os filhos o haviam deixado passara a viver no estúdio, dormindo num saco-cama em cima de um divã. Aquilo, para ele, era um luxo.

- Tenho bilhetes para o jogo dos Yankees - anunciou, triunfante. - Comprei-os a um amigo. - Viu as horas no relógio de pulso. - Temos de sair dentro de dez minutos. O jogo começa às sete e meia, e o mais certo é o trânsito estar engarrafado. - Havia muito tempo, Liam vivera em Nova Iorque durante cerca de um ano, esquecendo-se de quanto adorava a cidade até regressar, de vez em quando. Gostava da atmosfera electrizante e da agitação, mas, mais do que tudo, gostava dos Yankees.

Sasha esforçou-se por mostrar entusiasmo, indo mudar de roupa. Às vezes perguntava a si mesma o que é que andava a fazer com um homem da idade dele que se comportava como se tivesse metade da idade que efectivamente tinha. Liam precisava de alguém como Tatiana, mas, em vez disso, estava com ela.

Não lhe apeteceu comer piza, e foi lavar o rosto e pentear-se, vestindo umas calças de ganga e uma T-shirt branca e calçando umas sandálias. Tirou um xaile de uma prateleira e dez minutos depois já se encontrava de novo na cozinha. Liam estava pronto para sair, com um boné dos Yankees que trouxera consigo de Londres.

- Estás pronta? - perguntou, sorrindo-lhe e fitando-a com um olhar de êxtase. Quando desceram no elevador, meteu conversa com o ascensorista, dizendo-lhe que iam ver o jogo. Os Yankees iam enfrentar os Red Sox, de Boston. Com certeza seria um jogo magnífico. Os Yankees andavam em maré de sorte, disse ele, acrescentando que iam dar uma cabazada aos outros.

Quando chegaram ao estádio dos Yankees, Sasha já se sentia melhor; parecia-lhe que parte dos efeitos da diferença de fusos horários havia desaparecido. Liam comprou-lhe um cachorro-quente e uma cerveja, falando-lhe sobre as duas equipas e os melhores jogadores. Era um fanático por basebol, o que Sasha considerava engraçado. De facto, era um ambiente muito diferente dos jantares formais e enfadonhos a que se recusara a levá-lo em Paris. Verdade fosse dita, preferia aquilo. Para ela, tudo ali era novidade. Em toda a sua vida nunca assistira a um jogo de basebol.

Enquanto esperavam que o jogo começasse, disse-lhe que tinha visto Tatiana, como sempre uma visita muito curta, e Liam respondeu-lhe que estava ansioso por a conhecer. Sasha não conseguia impedir-se de se perguntar como é que os dois se dariam; esperava que se entendessem. Compreendia que, se os filhos o aceitassem, isso faria grande diferença na relação entre os dois.

Sabia de antemão que Xavier não se oporia, uma vez que eram amigos, muito embora não fizesse ideia de quais seriam os sentimentos do filho quando soubesse que Liam mantinha uma relação amorosa com a sua mãe. Mas a sua grande preocupação prendia-se com a reacção da filha. Tatiana era imprevisível quanto às pessoas de que gostava ou não. Nunca se sabia como iria reagir, além de que tinha opiniões muito mais firmes e críticas do que o irmão, uma pessoa de trato fácil.

Liam ia-lhe explicando o que se passava ao longo do jogo, que os Yankees ganharam, seis a zero. Ele não cabia em si de contente, conversando animadamente com ela durante o caminho até ao táxi. Assim que chegaram a casa foram para a cama; uma vez mais, não fizeram amor, e Sasha dormiu que nem uma pedra. Liam foi para Vermont na manhã seguinte para ver os filhos, prometendo que voltaria daí a quatro dias e que lhe telefonaria de Vermont.

Sasha deixou-o na Grand Central Station, após o que se dirigiu para a galeria. Sabia que estava a ser tola, mas a verdade é que começou a sentir a falta dele assim que o deixou. Liam prometera que estaria de volta no fim-de-semana, e Sasha estava a pensar em levá-lo à casa nos Hamptons, dependendo do seu estado de espírito na altura. Tivera de fazer algum esforço psicológico para se habituar a tê-lo na cama que partilhara com Arthur, no apartamento em que vivera com o marido, mas Liam mostrara-se compreensivo face a isso.

Tinha a certeza de que agiria da mesma maneira na casa de Southampton, só não podia prever como é que ela própria reagiria emocionalmente. Tinha sido no quarto da casa da praia que vira Arthur pela última vez. Para ela era um lugar sagrado, ao qual não estava bem certa se Liam pertenceria. Por enquanto. Ou talvez nunca viesse a pertencer. Precisava de apalpar o terreno, por assim dizer, em relação a esse assunto, e não estava com muita pressa de se decidir.

Durante a semana andou mais atarefada do que esperara, comparecendo a várias recepções, além de ter almoçado com Alana, que estava muito feliz com o seu casamento, gastando cada cêntimo do dinheiro do seu novo marido, e de ter jantado com Tatiana. Entretanto, Liam telefonava-lhe regularmente para a pôr ao corrente de como as coisas estavam a correr com os filhos.

Ao princípio, teve alguma dificuldade com o mais velho. Tom culpava-o inteiramente pelo divórcio, pois Beth pusera-o a par dos pormenores mais sórdidos do incidente com Becky; Liam ficou lívido quando soube disso, o que contou a Sasha. Ela disse-lhe que se acalmasse e tentasse resolver a situação com o filho. No final da semana, as coisas já estavam a correr melhor.

Haviam passado uma noite a falar sobre o sucedido, por entre lágrimas de pesar e arrependimento, e pela manhã tanto o pai como o filho se sentiam melhor. George, o filho de doze anos, tinha ficado feliz por ver o pai, mas durante o último ano adquirira um tique nervoso que o obrigava a tomar medicamentos, os quais Liam era de opinião que ele não precisava, tendo-se recusado a dar-lhos. Porém, o garoto telefonara a Beth a contar-lhe e ela ameaçara ir buscar os filhos ao chalé caso Liam não desse os medicamentos a George, o que ele acabou por fazer.

Quanto a Charlotte, era uma garota adorável e era fácil lidar com ela, não cabendo em si de contente por ver o pai. O único problema foi ter caído ao andar de bicicleta, tendo torcido o pulso, mas, para além disso, tudo correra bem. Um fim-de-semana típico com os filhos, especialmente os filhos que ele não via há tanto tempo.

Nada do que lhe contou surpreendeu Sasha, embora ele se tivesse sentido chocado com parte do que se passou. Liam vivera em estado de negação quanto às consequências da sua ausência durante todo aquele tempo. Ver os filhos de novo fê-lo despertar para a realidade.

- Decorrido um ano é complicado voltar a entrar na vida deles, retomando a relação no ponto em que ficou - disse a Sasha numa noite em que a hora já ia avançada quando lhe telefonou. - Está tudo mudado, os três estão muito diferentes - acrescentou, em tom de queixa. No entanto, continuavam a ser os seus filhos, e ela dava-lhe todos os conselhos ao seu alcance sempre que ele ligava.

Liam estava-lhe grato pelo apoio, mostrando uma expressão de cansaço, mas também de satisfação, quando voltou ao apartamento de Nova Iorque, na sexta-feira, já noite adentro.

Tinha acabado de chegar de comboio, e era evidente que se sentia deleitado por a ver. Trazia o boné de basebol com a pala para a nuca, as calças de ganga rasgadas nos joelhos e havia uma semana que não se barbeava. Se não fosse a barba crescida, dir-se-ia um garoto que regressasse a casa depois de uma estada num campo de férias.

Sasha pôs a água a correr para o banho, preparou-lhe qualquer coisa de comer, deu-lhe uma taça cheia de sorvete e, por fim, Liam ficou deitado na cama a olhar para ela como se fosse um anjo que tivesse acabado de descer do Paraíso.

- Foi difícil, Sasha... - admitiu, enquanto comia o sorvete.

- Eu sabia que haveria de ser - afirmou ela calmamente, feliz por ele ter voltado. Mas eu não sabia. Acho que no fundo quis convencer-me que quando os visse tudo seria como antigamente. Enganei-me. Foi diferente. Eles mudaram. Ao princípio, foi como se não nos conhecêssemos. Estavam todos francamente chateados comigo.

- A única coisa surpreendente era o facto de ele não ter contado com isso. Havia andado em estado de negação, como se esperasse que o tempo tivesse parado. Todavia, com base no que dissera, depois de quatro dias com os filhos, abrira a porta que poderia sanar a relação com eles, possibilitando que esta melhorasse. Tinha sido uma viagem maravilhosa e os filhos eram uns garotos fantásticos.

- Tens de voltar para estares mais vezes com eles. Não está certo se não o fizeres. - Se fosse necessário, ela própria compraria a passagem aérea. Sabia quanto isso era importante, ainda que ele não se apercebesse, mas acreditava que agora, depois de os ter visto, compreendia melhor a situação. Os filhos amavam-no e precisavam dele nas suas vidas. Ele era o pai deles. Muito embora o futuro padrasto suprisse melhor as suas necessidades, os filhos amavam e precisavam de Liam, o que ele constatara pessoalmente. Decorridos os quatro dias da visita, foi com grande dificuldade que se despediu deles.

Sasha massajou-lhe as costas quando se deitou e depois fizeram amor. Era a primeira vez que ela fazia amor com ele naquela cama. Mas deixara de ser a cama dela e de Arthur. Agora passara a ser a cama dela e de Liam. Ele adormeceu quase no mesmo momento em que pararam de fazer amor; parecia um rapaz grande e muito belo deitado na sua cama, pensou Sasha ao lado dele, afagando-lhe o cabelo e beijando-o ao luar que banhava o quarto.

 

Quando Liam acordou na manhã de sábado, depois de ter chegado de Vermont, Sasha sugeriu-lhe que fossem passar o fim-de-semana a Southampton. Andara a pensar naquilo durante toda a semana, embora não lhe tivesse falado no assunto, por querer ter a certeza de que se sentia pronta para partilhar a casa dos Hamptons com ele. Porém, enquanto lhe preparava o pequeno-almoço, concluiu que era boa ideia, e Liam ficou muito entusiasmado. O dia estava soalheiro e quente e não havia nada que lhe pudesse dar mais prazer do que ir à praia.

Deixaram o apartamento de Nova Iorque pouco depois das onze horas e por volta das treze e trinta já haviam chegado ao seu destino. Durante o percurso Sasha manteve-se bastante calada. Foi Liam quem conduziu, e parecia relaxado enquanto trocavam algumas palavras de vez em quando, em geral acerca dos filhos e do tempo que passara com eles em Vermont. Liam continuava preocupado com o filho mais velho, Tom, por ter verificado que, desde a última vez que o vira, havia um ano, se tinha tornado um jovem muito ressentido.

No Outono iria para a Universidade da Pensilvânia, graças a uma bolsa de estudo e com a ajuda do futuro padrasto, que pagaria as despesas de alojamento. Tom censurara Liam em várias ocasiões, dizendo que o namorado da mãe fizera mais por ele durante os últimos seis meses do que Liam em toda a sua vida. Explicara a Tom que era um artista que passava fome, mas o filho retorquiu que se estava nas tintas para isso, dizendo que Liam era um fracassado e um pai asqueroso. Além disso também o confrontara com o facto de ter ido para a cama com a irmã gémea da mãe, e Liam continuava furioso com Beth por ter contado o que acontecera ao filho.

- Isso não é justo - disse Sasha com uma expressão de reprovação. - A tua ex-mulher não lhe devia ter contado.

Aquele episódio dava uma imagem terrível de Liam aos olhos dos filhos, o que Sasha lamentava por ele, apesar de reconhecer que Liam agira de maneira muito estúpida e irresponsável. Mas as pessoas cometiam erros de que posteriormente vinham a arrepender-se; era óbvio que fora o que acontecera com Liam. Sasha considerava que a infidelidade dele era um assunto que devia ter ficado exclusivamente entre ele e Beth.

- Ela não deixou muito por dizer. - Beth contara a Tom tudo a respeito do pai, a ocasião em que cometera adultério e a sua irresponsabilidade financeira ao longo de vinte anos. Como é que ela estava quando a viste? - perguntou Sasha, curiosa por saber mais acerca de Beth.

- Não cheguei a vê-la. Quando fui buscar os garotos tinha saído. A avó é que me recebeu, e nem sequer me dirigiu a palavra. A Becky estava lá em casa com o namorado da Beth quando trouxe os garotos de volta. Só espero que não faça a mesma proeza com ele... Mas o mais provável é ele ser mais esperto do que eu fui. - Suspirou, olhando para ela. Dá a impressão de ser um bom tipo, e os garotos gostam verdadeiramente dele. - Sasha podia adivinhar, ao ouvi-lo, que Liam se sentira posto de lado.

Mas, do mal o menos, fora visitar os filhos, voltando a restabelecer contacto com eles, ainda que, a princípio, tivesse sido difícil lidar com Tom. Liam dissera-lhe na noite anterior que este, finalmente, conseguira acalmar-se, tendo começado a mostrar-se mais caloroso para com o pai, mas primeiro quisera dar largas à sua cólera, sendo evidente que o tinha conseguido.

Sasha continuava a pensar que Beth não havia procedido bem por lhes ter falado sobre o erro do pai. Independentemente das consequências, o incidente, em si, devia ter continuado a ser apenas do conhecimento dos adultos.

Na sua opinião, as crianças não tinham necessidade de se inteirar dos pecados dos pais, ponto de vista que partilhou com Liam.

- Acho que ela ainda guarda muito rancor por causa do que eu lhe fiz, o que não tenta ocultar. A Beth e a Becky sempre tiveram ciúmes uma da outra. - Liam não dissera uma única palavra à ex-cunhada quando trouxe os filhos de

volta. Limitou-se a um acenar de cabeça antes de sair. Becky também não lhe dissera nada.

Entretanto chegaram à casa de Southampton. Era uma moradia vitoriana de construção irregular, pintada de branco, que lhes lembrara a Nova Inglaterra quando ela e Arthur a tinham comprado, havia vinte anos. Parecia o tipo de casas que haviam visto em Martha’s Vineyard e Nantucket. Tinha um alpendre coberto muito amplo em toda a volta. Ela e Arthur gostavam de se sentar aí nas noites quentes e, às vezes, até mesmo durante o Inverno, bem agasalhados e tomando um chocolate quente. Sasha tentou expulsar tais recordações da sua mente quando abriu a porta a Liam. Habitualmente, costumava entrar pela porta da cozinha, nas traseiras, mas desta feita decidiu entrar pela porta da frente, agindo de maneira diferente do que era seu costume.

- É uma casa antiga maravilhosa, Sasha - disse Liam, olhando à sua volta. Tinham mantido uma decoração simples e rústica, mas o ambiente era acolhedor e convidativo. Naquela casa não existia nada de pretensioso. Não parecia ter peças de arte valiosas, somente objectos bonitos, grandes sofás em pele muito confortáveis e duas poltronas forradas a lona. Foi então que Liam reparou numa pintura de Andrew Wyeth, pendurada por cima da lareira.

Era um quadro perfeito e maravilhoso que inspirava uma certa melancolia, uma das obras mais famosas deste pintor. Parecia a praia lá fora num dia de Inverno. Era uma paisagem com pequenos montículos de neve no solo, e ficava-se com a sensação de que da tela soprava uma brisa gélida que enevoava o ar. Era, sem dúvida alguma, o trabalho de um grande mestre.

- Uau! - exclamou Liam, olhando, assombrado, para o quadro. Sempre admirara as pinturas de Wyeth. - Eu daria tudo e mais alguma coisa para possuir um Wyeth - acrescentou com um assobio de admiração, enquanto Sasha se ria.

- Foi a prenda de casamento que o meu pai nos ofereceu. - Havia muitas peças como aquele quadro lá em casa, recordações, tesouros, coisas que as crianças tinham feito, mobiliário antigo norte-americano que ela e Arthur haviam

comprado aquando das viagens que tinham feito pela Nova Inglaterra nos primeiros tempos do casamento, ou quando Tatiana andava na faculdade e a iam visitar. Na casa de jantar sobressaía uma mesa antiga lindíssima, embora com muito uso, que em tempos pertencera ao refeitório de um convento e que Sasha comprara em França. Para onde quer que olhasse, Liam via coisas que, instintivamente, sabia que para ela tinham um valor incalculável.

Aquela casa tinha muito significado para Sasha, pelo que não lhe foi difícil compreender que, para ela, o facto de o ter levado ali era bastante expressivo. Mais ainda do que o apartamento de Nova Iorque. Muito mais! Aquela casa era, de longe, muito mais pessoal e importante para ela.

- Acho que, se tivesse uma casa como esta, não hesitaria em mudar-me para cá - disse Liam, sem ocultar a admiração que sentia, quando se estendeu no sofá, tirando o boné de basebol e olhando à sua volta.

- Quando os meus filhos eram pequenos, costumávamos passar os Verões aqui. Ainda hoje continuam a adorar a casa, se bem que nenhum deles venha cá com muita frequência. Estou em crer que nos entristece a todos. Era o grande amor de Arthur, e em tempos também foi o meu.

- E agora? - perguntou Liam, olhando-a cheio de ternura. Aquela era mais uma faceta dela que estava satisfeito

por conhecer. Sasha possuía tantas facetas como um diamante, cintilando com o mesmo brilho, embora pudesse ver que nos seus olhos se espelhava uma expressão de tristeza. - Desde que ele morreu só vim aqui uma vez. Mas não piquei. Não fui capaz. Porém, esta manhã senti que queria vir cá contigo. - Liam ficou comovido e lisonjeado; levantou-se e, aproximando-se dela, pôs-lhe um braço sobre os ombros.

Sasha estava a permitir que ele entrasse no seu mundo pessoal, o que ele sabia ser o que de mais precioso tinha para lhe dar. - Provavelmente, devia mudar algumas coisas e renovar a decoração. Está tudo com um aspecto um tanto estafado - disse ela, olhando em redor. O interior estava com pior aspecto do que se recordava, o que constatou subitamente ao ver através dos olhos de Liam.

- Gosto da decoração tal como está. Tem um ambiente que faz com que nos apeteça sentar e ficar para sempre. Sasha sorriu-lhe. Era isso precisamente que sempre sentira em relação àquela casa e, em certa medida, continuava a sentir. A única coisa que faltava era a presença de Arthur, mas agora tinha Liam ali, consigo.

- Tens fome? - perguntou Sasha, abrindo os cortinados e subindo as persianas. O sol entrou a jorros na sala e do sítio onde estavam podiam ver a praia e o oceano, ao longe. Ela trouxera um saco cheio de provisões da cidade para fazer o almoço e o pequeno-almoço para ele. Quanto ao jantar, pensou que seria agradável levá-lo a um dos restaurantes da localidade.

- Não tenho muita fome, mas podia preparar qualquer coisa para tu comeres - dizendo isto, levou o saco para a cozinha, onde o pousou. Era uma cozinha muito espaçosa e antiga, ao estilo rural, com uma mesa enorme com um tampo em madeira maciça e cantos desgastados pelo tempo. A casa tinha o aspecto de ter abrigado uma vida intensa e de ser muito amada, o que correspondia à verdade.Liam preparou sandes de peru para ambos e abriu duas latas de gasosa; bebeu a sua directamente da lata, enquanto Sasha bebia de um copo.

Assim que acabaram de comer, sugeriu que dessem um passeio pelo areal. Ainda não haviam subido até ao quarto, e tinha o pressentimento de que esse momento seria bastante difícil para ela. Aquela casa estava cheia de recordações, a par de um fantasma muito amado, o seu marido. Liam tencionava lidar cuidadosamente com a situação, e acreditava que um passeio ao ar livre faria bem a Sasha.

Passearam pela praia durante quase uma hora, grande parte do tempo de mãos dadas, mantendo-se num silêncio feito de bem-estar. De vez em quando Liam detinha-se para apanhar conchas, e quando chegaram à extremidade do areal ambos se sentaram, estendendo-se na areia a olhar para o firmamento. Estava de um azul cintilante e o Sol brilhava em todo o seu esplendor. Sentiam a areia quente sob o corpo.

- De todas as tuas casas, esta é a minha preferida - disse Liam, deitado ao lado dela e enlaçando-a com um braço.

- Adoro este lugar! - Sasha via que ele falava verdade. Quem me dera que os meus filhos pudessem vir cá um dia... Eles adoram a praia. - Tal como ele próprio, aliás.

- Talvez possam vir... - retorquiu ela em voz baixa, sentando-se e baixando o olhar até ele, sorrindo-lhe com ternura. Aos seus olhos, Liam parecia sempre tão belo, sobretudo ali, na praia, com os cabelos louros soltos e suavemente agitados pela brisa... Ela fizera uma trança, penteado por que optava com frequência quando estava na praia.

- Costumas nadar aqui? - perguntou ele com uma expressão de interesse.

- Nesta altura do ano a água ainda está bastante fria. Habitualmente, só depois do Quatro de Julho é que me aventuro a tomar banho, e mesmo nessa altura ainda está muito fria. Só em Agosto é que fica com uma temperatura mais agradável. - E nessa altura já ela estaria em Saint-Tropez com os filhos. Queria que Liam se juntasse a eles para passar, pelo menos, um fim-de-semana, o que já lhe tinha dito, mas ainda não haviam planeado nada nesse sentido.

- Tens algum fato de mergulho cá em casa? - perguntou Liam.

- Acho que o Xavier deixou um na última vez em que esteve cá.

- Talvez vá experimentar a água esta tarde. Queres fazer-me companhia? - Sasha respondeu-lhe com uma gargalhada.

- Ainda não estou maluca! na brincadeira, após o que se encaminharam para casa.

Liam descobriu o fato de mergulho na garagem, enquanto Sasha desembalava as coisas que ambos haviam levado no andar de cima; quando desceu vinha pálida. Sempre que entrava no quarto, deparando com a enorme cama de dossel, pensava na última vez em que vira Arthur, quando ele lhe dissera que a amava, na manhã em que ela partira para Paris.

E no dia seguinte estava morto. Mas não falou a Liam dos seus sentimentos. Era a sua cruz, que ela própria teria de carregar; além do mais, não queria estragar-lhe o fim-de-semana, fazendo que se sentisse constrangido na sua cama. Ele já tinha vestido o fato de mergulho quando ela desceu. Parecia uma foca loura e muito alta; prendera a cabeleira basta da cor do trigo num rabo-de-cavalo.

- Vou tomar banho no mar. Queres ficar a ver-me? Uma vez mais, trouxe-lhe à ideia memórias de quando Xavier era pequeno, altura em que, fizesse o que fizesse, estava sempre a gritar: ”Olha para mim, mãe!”

- Está bem - concordou, seguindo-o até à praia; sentou-se e ficou a vê-lo dirigir-se para o mar. Pelo menos, com o fato de mergulho, era possível entrar na água; de outra maneira, a temperatura seria insuportavelmente fria. Liam nadou durante alguns minutos antes de sair a pingar a água gelada do Atlântico à sua volta.

- Merda, até mesmo com o fato de mergulho está um gelo! - disse ele, sorrindo, apesar de estar a tremer.

- Eu avisei-te... - Mas ele parecia ter gostado do mergulho.

Voltaram para casa e Sasha levou-o ao andar de cima. Já tinha desemalado as coisas dele, pendurando a roupa no roupeiro ao lado da sua. No ano anterior mandara instalar uma fechadura no roupeiro de Arthur. Tudo o que havia sido dele continuava ali dentro. Ela ainda não tirara nada, nem sabia quando o faria, se é que alguma vez o chegaria a fazer. Aquela também era a casa dele, mesmo depois de ter morrido. Até certo ponto, seria sempre a casa dele. Liam era um convidado.

Aliás, foi isso precisamente que sentiu ao olhar para tudo o que se encontrava no quarto. Na decoração adivinhava-se uma forte influência masculina. Havia vários quadros a óleo de aves e peixes, assim como um outro de grandes dimensões representando um veleiro pendurado por cima da cabeceira da cama. Sasha não levara nenhum dos seus quadros de arte contemporânea para ali; a maior parte deles encontrava-se em Paris. Aquela era uma vida inteiramente diferente.

Até mesmo Liam tinha percepção da presença de Arthur, não obstante o facto de não o ter conhecido.

Depois de ter nadado no mar, Liam tomou um duche quente, após o que saborearam um bom vinho sentados no alpendre. Entretanto, Sasha reservara mesa num pequeno restaurante cuja especialidade eram pratos de peixe. Seguiram para lá de automóvel às dezanove horas e mandaram vir lagosta, que, como é óbvio, acompanharam com mais vinho. Enquanto trocavam banalidades durante o jantar, Liam via que Sasha começava a ficar mais descontraída.

Voltaram a sentar-se no alpendre quando chegaram a casa, falando em voz baixa, ao luar; à meia-noite dirigiram-se ao andar de cima. Liam apercebia-se de que aquele era outro dos lugares que para ela eram sagrados, e nessa noite não fez amor com Sasha. Limitaram-se a ficar deitados, estreitamente abraçados. Na manhã seguinte, ela não lhe disse que sonhara com Arthur. Tinha sido um sonho pacífico. Arthur caminhava pela praia, afastando-se dela, que não tentava apanhá-lo. E quando ele se virou e lhe sorriu, acenando-lhe com a mão, tinha uma expressão de felicidade no rosto; depois desapareceu. preparou um lauto pequeno-almoço para Liam: ovos mexidos e waffles.

Na cozinha havia uma chapa eléctrica enorme já com muito uso na preparação de waffles. Liam fez o café. Depois de comerem foram passear pela praia, sentaram-se no alpendre e Liam dormiu uma sesta na rede-espreguiçadeira. Ao final da tarde, quando o Sol já se punha no horizonte, decidiram ficar mais uma noite. O tempo que haviam passado na casa da praia tinha sido perfeito, exactamente aquilo de que ambos estavam a precisar.

Em conjunto, prepararam o jantar, dormiram sossegadamente, aninhados um no outro, e na tarde de segunda-feira voltaram para a cidade. Sasha nem sequer se deu ao incómodo de ir ao escritório. Nessa noite jantaram com amigos dele no Soho.

Encontraram-se num restaurante italiano; eram quatro pintores e dois escultores. Falaram de galerias e de exposições, assim como dos trabalhos que tinham em mãos. Eram mais novos do que Liam, e Sasha calculou que deviam ter entre vinte e trinta e poucos anos. Liam apresentou-a apenas pelo nome de Sasha.

Ela deixou-se ficar a ouvir atentamente quando um deles, durante a sobremesa, mencionou a sua galeria. Era uma jovem bonita, que disse tencionar deixar na galeria alguns diapositivos no dia seguinte; Sasha olhou para Liam, que lhe sorriu. Não revelou quem Sasha era, e já no táxi, a caminho da área residencial da cidade, ela perguntou-lhe se os trabalhos da rapariga eram bons.

- Hão-de ser, mas, para já, não está pronta para a tua galeria. - Para Sasha era divertido estar anonimamente entre eles. E mais engraçado ainda era eles não terem conhecimento de quem ela era. Havia algo naquela situação que lhe agradava, embora sentisse que, até certo ponto, estava a enganá-los, ouvindo-os a falar abertamente de galerias rivais e da sua própria galeria. Durante a conversa, o seu nome fora mencionado em mais de uma ocasião como sendo uma figura lendária.

- O que é que estás a pensar fazer amanhã? - perguntou por entre um bocejo, deitando-se na cama ao lado dele. Sentia falta da praia.

- Vou a um jogo dos Yankees - replicou Liam, com uma expressão de deleite.

Ambos levavam uma vida muito agradável: praia, amigos, pintores, jogos de basebol e trabalho. Parecia magia, uma maravilha para os dois, e Sasha sentia-se grata pela presença de Liam. Sem que a sua intenção tivesse sido essa, a verdade é que ele mudara a vida dela, acrescendo-lhe qualquer coisa que Sasha nunca tivera: uma faceta juvenil da vida que lhe escapara por ter casado muito jovem e ter tido filhos logo a seguir. Mas até mesmo antes disso Sasha tinha andado muito ocupada a aprender com o pai e, posteriormente, a trabalhar para ele.

Nunca levara a existência livre e despojada de convencionalismo de que Liam continuava a desfrutar aos quarenta anos de idade. Até ao momento, ainda nenhum dos seus amigos tinha saboreado o êxito, nem tão-pouco as responsabilidades e a pressão que o acompanhavam. Trabalhavam esforçadamente, mas não ganhavam quase nada. Eram poucos os que eram casados e apenas ela e Liam tinham filhos. Eram pessoas que davam a impressão de não ter qualquer tipo de responsabilidades. Liam tinha, mas as suas haviam sido delegadas noutrem, na sua ex-mulher e no futuro marido desta. Sasha gostava de poder conhecer os filhos dele.

alvez isso viesse a acontecer um dia. Mas, entretanto, Liam continuava a parecer-lhe uma criança.Nessa semana andou muito ocupada na galeria, a tratar dos preparativos para a exposição que seria inaugurada na semana seguinte. Era ela própria quem costumava tratar de tudo para as exposições, e às vezes até era ela quem pendurava os quadros, trabalhando pela noite fora.

Na sexta-feira sentia-se exausta e pronta para outro fim-de-semana na praia. Desta feita partiram ainda na sexta-feira, como ela e Arthur costumavam fazer. Chegaram por volta das vinte e uma horas, sentaram-se no alpendre a descansar e deitaram-se cedo. E desta vez, se bem que um pouco a medo, fizeram amor.

Parecia que estava tudo a correr bem. Sasha começava a acostumar-se a ter Liam no que de mais privado havia no seu mundo. Para ela, era um passo muito importante, ainda mais do que para Liam.

No sábado, quando passeavam pela praia, disse-lhe que fora convidada para uma festa, perguntando-lhe se gostaria de a acompanhar. A festa era oferecida por uma actriz de Hollywood muito conhecida. A gente do cinema descobrira os Hamptons recentemente e Sasha fora-lhe apresentada havia dois anos por uns amigos. Recebera o convite no mês anterior e Mareie lembrara-lhe da festa na sexta-feira, antes de sair da galeria.

Achou que talvez fosse divertido. Certamente seria uma grande festa na praia, com churrasco e música ao vivo. Quando ela lhe falou no assunto, Liam mostrou-se surpreendido. Sasha nunca o tinha convidado para ir a uma festa e Liam sabia que se sentia relutante em fazê-lo. Queres que eu vá contigo? - perguntou, lisonjeado. Sasha nunca se oferecera para o levar a qualquer outro evento social. Era a primeira vez.

- Sim. - Foi tudo o que ela disse, sem qualquer explicação. Ele também não lhe fez mais perguntas.

A festa começou às dezanove horas e eles chegaram às vinte. O convite informava tratar-se de um evento informal, todavia, Sasha sabia que algumas das mulheres presentes estariam vestidas de maneira requintada. Assim, optou por umas calças brancas, um casaco de seda branca e uma fieira de pérolas, prendendo o cabelo ao alto, mas num penteado solto.

Liam usava calças de ganga, uma camisola de algodão de manga curta e um casaco desportivo que ela tivera o cuidado de levar, embora sem lhe dizer por que motivo, juntamente com um par de sapatos de pala que encontrara no roupeiro dele no quarto de hóspedes.

- E não precisas de calçar meias - disse ela, trocista. Aqui é moda não usar meias. Sendo assim, talvez eu devesse calçá-las. Não me agradaria nada começar a estar na moda. - Durante toda a sua vida, sempre sentira uma enorme satisfação em remar contra a maré.

Liam acabou por não calçar meias, e ambos se sentiram imediatamente à vontade assim que chegaram à festa. Formavam um casal deslumbrante, e Liam admitiu, segredando-lhe ao ouvido, que se sentia impressionado por conhecer a actriz de cinema, a anfitriã, e os amigos famosos. Havia pelo menos uma dúzia de rostos que qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo, teria reconhecido num primeiro olhar.

- Quem me dera poder contar a alguém!... - continuou, num murmúrio. Mas a única pessoa com quem podia falar da festa era com ela.

- Eu também me sinto sempre impressionada quando conheço pessoas como estas - confessou Sasha.Ficaram na festa quase até à uma da manhã, dançando ao som da banda, que viera propositadamente de avião de Los Angeles, e ambos pareciam satisfeitos, embora cansados, quando voltaram para casa. Liam comportara-se como um verdadeiro cavalheiro durante toda a noite, o que fez que ela se sentisse totalmente à vontade na sua companhia.

Várias dasmulheres que se encontravam na festa estavam acompanhadas de homens mais novos, com diferenças de idade muito maiores do que a que existia entre ela e Liam. Em Hollywood estava na moda as mulheres já entradas andarem com homens mais novos. Sasha comentou isso com ele quando foram para a cama.

- Eu já te disse que detestava andar na moda - retorquiu ele, mostrando-se pouco incomodado. Tinha passado umas horas esplêndidas e sentira orgulho em sair com ela. Além do mais, nove anos não é uma diferença por aí além.

- Talvez não seja para ti - retorquiu ela, rindo-se à socapa e aninhando-se nele. Liam desligou o candeeiro. Não tenho bem a certeza de que os meus filhos sejam da mesma opinião. - E, nos dias maus, ela também não era.

- Quando é que vou poder conhecer a Tatiana? - perguntou ele na escuridão.

- Provavelmente, aquando da inauguração da exposição, esta semana. Ela nem sempre vai, mas disse que desta vez estaria presente.

- Achas que vai gostar de mim?

- Talvez. É difícil saber. Aliás, é praticamente impossível prever as reacções da Tatiana. Ela tem opiniões muito fortes. Adora algumas pessoas, mas detesta outras. Se bem que as coisas correrão muito melhor se não souber que andas envolvido comigo... - Sasha não tinha intenção de pôr nenhum dos filhos ao corrente da situação, pelo menos para já.

Ela e Liam ainda andavam a tentar dar a volta, a limar arestas, por assim dizer, na relação que mantinham. Ainda não se tinham decidido a dar o caso como certo. Contudo, até agora, não se estavam a sair nada mal. Até ela era forçada a admiti-lo, apesar de ter duvidado que fosse possível. Por enquanto, tudo corria sobre rodas.

 

Liam andava empolgado com a exposição na galeria de Sasha nessa semana, pois ia permitir-lhe ficar com uma ideia do que fariam relativamente ao seu trabalho daí a seis meses. Além do mais, gostava do pintor cujas obras seriam expostas. Eram um jovem do Minnesota que Sasha descobrira na mostra de artes plásticas de Chicago no ano anterior. Os seus trabalhos eram poderosos e provocadores.

Na noite anterior Sasha esteve na galeria até às duas da madrugada, a pendurar os quadros, após o que recuava para os observar; experimentava colocá-los em diversos pontos da sala, até encontrar o que lhe parecia melhor. Era uma perfeccionista em tudo o que fazia.

Liam tinha-se mantido pela galeria até à meia-noite a vê-la a fazer tudo aquilo, mas Sasha estava tão embrenhada e concentrada no trabalho que mal falara com ele, pelo que, finalmente, decidiu ir-se embora. Quando Sasha chegou a casa já ele dormia a sono solto na sua cama.

No dia seguinte, Sasha nem sequer saiu da galeria. Foi lá que tomou duche e mudou de roupa, e já estava a receber os convidados quando Liam chegou, às dezoito horas, para a recepção. Estava lindíssima, com um fato de linho branco que contrastava fortemente com o cabelo de um negro-azeviche, os olhos escuros e a pele bronzeada pelo sol do Verão. Os seus olhos tinham uma coloração de um castanho quente de marta e às vezes pareciam quase negros.

Assim que o viu entrar, Sasha sorriu-lhe. Apresentou-o ao pintor e a várias outras pessoas, após o que o deixou para cumprimentar outros convidados. Liam usava umas calças pretas e camisa branca, calçava os seus sapatos de pala, sem meias, e nada de casaco e gravata. Mas no mundo da gente das artes, o que ele vestia parecia apropriado, ao estilo pouco convencional dos artistas, e não destoava dos outros. Os artistas adoptavam todo o tipo de vestuário, enquanto os clientes dela usavam fato e gravata.

Na recepção estavam presentes várias modelos das mais famosas e um fotógrafo muito conhecido que lhe compravam quadros com frequência, além de escritores, argumentistas, críticos de arte, pessoas ligadas a museus e outras que haviam ido apenas porque era de borla e podiam beber champanhe e comer acepipes, o que era normal aquando da inauguração de exposições em Nova Iorque, e a Galeria Suvery encontrava-se entre as melhores.

Tatiana chegou às vinte horas, e nessa altura já as pessoas tinham começado a sair, mas ainda havia muitas espalhadas pelas diversas salas da exposição. Ia a caminho de um jantar algures, tendo passado pela galeria apenas porque ficara de ir lá. A inauguração das exposições da mãe eram coisa rotineira para ela. Usava um vestido de seda muito simples num tom turquesa e umas sandálias prateadas de salto alto que lhe davam um andar muito sensual; estava deslumbrante quando entrou.

Com o seu cabelo de um louro quase branco e uns olhos azuis enormes, não era nada parecida com a mãe. Liam reparou que ela parou para falar com Sasha, perguntando-se, cheio de curiosidade, quem seria aquela rapariga, mas então viu-a dar-lhe um beijo e as duas trocarem um abraço carinhoso, e deduziu que devia ser a filha de Sasha, mas nada na aparência física das duas nem na maneira de vestir teria sugerido que eram mãe e filha. Tatiana tinha formas coleantes e sensuais e dela transparecia uma atitude de frieza e distanciamento. Sasha, pelo contrário, era muito calorosa e animada, apresentando as pessoas sempre a sorrir e a conversar.

Na sua essência, Sasha era carinhosa e acolhedora. Ela dissera-lhe que Tatiana era tímida. A jovem manteve-se afastada de todos por momentos, enquanto percorria a sala com o olhar. Liam podia afirmar, sem sombra de dúvida, que estava acostumada às atenções dos homens. Com vinte e quatro anos, era de uma beleza estonteante, e encontrava-se no esplendor máximo da juventude. A mãe era muito mais despretensiosa e, embora também fosse uma mulher de grande beleza, parte do seu encanto residia precisamente em não ter consciência dessa beleza.

Sasha possuía um carisma e um encanto extraordinários. Observando-a à distância, Liam considerou que Tatiana

era intimidante. Manteve os olhos presos nela enquanto as pessoas se abeiravam para lhe falar, mas então, como se tivesse tido a percepção de que estava a ser observada, a jovem virou a cabeça e o seu olhar cruzou-se com o dele. Liam ficou com a impressão de que ela não gostou dele, até mesmo do extremo oposto da sala.

Esperou algum tempo antes de se aproximar para falar com ela, de modo que não desconfiasse de nada. Não queria dar a impressão de que estava ansioso ou a assediá-la.Quando passou por ela para se servir de uma bandeja de acepipes que na altura eram oferecidos aos convidados, foi por um triz que não chocaram. Estava rodeada por três jovens do sexo masculino, mostrando uma expressão reservada e bebendo pequenos goles de champanhe. Liam decidiu juntar-se ao grupo.

Olá - saudou afavelmente. - Chamo-me Liam Allison. Bela exposição, não acha? - Ela fitou-o como se ele tivesse dito alguma grosseria. Tudo na linguagem corporal de Tatiana lhe indicava que não entrasse no espaço dela. Pelo contrário, Sasha era muito mais acolhedora e afável para com as pessoas que a abordavam. Era a verdadeira mãe.

- Sim, é - retorquiu Tatiana, indiferente à presença dele. - Dedica-se à pintura? - Liam tinha a aparência de alguém cuja actividade fossem as artes plásticas, à semelhança de quase todos os que se encontravam ali, e, ao longo da sua vida, ela tinha conhecido um grande número de pintores. Não era facilmente impressionável.

- Sim, pinto. Em Dezembro vou apresentar os meus trabalhos aqui numa exposição individual.

- Que tipo de trabalhos? - Liam explicou-lhe as suas teorias artísticas, desconfiando que ela não prestava a mínima atenção às suas palavras, o que correspondia à verdade; já tinha ouvido tudo aquilo em ocasiões anteriores. Dava a impressão de que lhe faltava a candura da mãe, vitalidade e entusiasmo pela vida. Liam concluiu que gostava muito mais da maneira de ser de Sasha. Independentemente da relação que mantinha com a mãe dela, jamais tentaria conquistar aquela rapariga. Além disso, era velho de mais e com uma aparência demasiado boémia para ela.

Os homens com quem saía eram jovens convencionais que vinham de boas famílias e a maior parte deles trabalhava em Wall Street. Tatiana considerava que os homens que conhecia que se dedicavam às artes plásticas, até mesmo os que estavam associados à galeria da mãe, eram indivíduos egocêntricos e imbecis. Deduzia que ele seria como os demais. Após uma breve troca de palavras, ambos antipatizaram imediatamente um com o outro. Num esforço para amenizar um pouco a situação, quanto mais não fosse por causa de Sasha, Liam mencionou que conhecia o irmão dela.

Com um acenar de cabeça, Tatiana deu a impressão de que isso lhe era indiferente, mas foi então que se lembrou de que já ouvira o nome dele; porém, acontecia que todos os amigos de Xavier eram destrambelhados, além de terem um comportamento deplorável, o que não era o caso com Tatiana.Pouco depois, Sasha juntou-se a eles. Tinha-os observado a avaliarem-se mutuamente, e ficara apreensiva. Tatiana parecia irritada, o que não era bom sinal.

Quanto a Liam, mostrava uma expressão de curiosidade com respeito a ela, e Sasha receou que ele revelasse de mais caso lhe fizesse muitas perguntas, ou se se mostrasse excessivamente caloroso. Mas Tatiana dava a impressão de não desconfiar de nada. Muito simplesmente, não estava interessada em conhecê-lo, e não havia qualquer razão para isso, pelo menos tanto quanto soubesse.

-Já se apresentaram? - perguntou Sasha com naturalidade, pondo um braço à volta da filha e mantendo-se afastada de Liam, adoptando perante ele a atitude de uma negociante de arte e mãe, mais nada. E, obviamente, sem mostrar qualquer indício de ser sua amante.

- Sim, já nos apresentámos - respondeu Liam, esboÇando um sorriso caloroso para Sasha, que lhe retribuiu com o olhar.

- O Liam é um dos nossos pintores, além de ser amigo do Xavier; também vive em Londres. Foi através dele que o conheci. O teu irmão é que o descobriu. Em Dezembro vamos organizar uma exposição com os trabalhos dele. O que é que tens planeado para esta noite? - perguntou Sasha a Tatiana. Inegavelmente, a filha estava lindíssima, mas Sasha detestava que ela usasse vestidos de um tecido que deixasse transparecer as formas do corpo, o que era o caso nesse dia.

No entanto, não se diferenciava das outras jovens que se encontravam presentes na festa. Actualmente, todas se vestiam da mesma maneira naquela idade, o que não impedia que Sasha se sentisse contrariada, embora não tivesse feito qualquer comentário. Tatiana já tinha idade suficiente para se vestir como bem lhe apetecesse e fazer o que quisesse.

- Vou jantar ao Pastis com uns amigos - replicou ela sem acrescentar mais pormenores e olhando de fugida para o relógio de pulso. Era pequeno e de diamantes, um presente do pai no último Natal que haviam passado juntos.

- Foi muito gentil da tua parte teres vindo à galeria para este evento, minha querida - acrescentou Sasha com um sorriso de ternura. Sabia que Tatiana nunca ia à zona de Upper East Side, a menos que se tratasse de questões de trabalho. A exemplo da maior parte das pessoas da sua idade, a sua vida social decorria na zona da Baixa.

- Eu disse que viria... - retorquiu Tatiana, sorrindo à mãe. Era bem patente que as duas mantinham uma relação bastante chegada, ainda que tivessem personalidades muito diferentes. Tatiana tinha muito respeito pela mãe, se bem que não gostasse de conviver com as pessoas do mundo das artes plásticas com quem ela trabalhava.

Sentia-se impressionada com o que a mãe fazia e orgulhosa por esta ter conseguido expandir o império que o avô construíra. Tatiana ainda se recordava dele. O avô sempre a amedrontara quando viviam em Paris; Xavier tinha gostado mais dele.

- Nós vamos jantar ao La Goulue - disse Sasha distraidamente. Era um dos seus restaurantes preferidos, pelo que Tatiana não se surpreendeu. Ficava próximo da galeria, a comida era boa e tinha muito movimento, sempre cheio de pessoas conhecidas. Já lá levara Liam e ele gostara muito.

Tatiana saiu alguns minutos depois, altura em que Sasha voltou para junto de Liam, começando a conversar com ele.

- Então, simpatizaram um com o outro? - perguntou, apreensiva. Tinham parecido dois cães rondando-se mutuamente, atitude que haviam adoptado até Tatiana se ter ido embora.

- Ela é lindíssima - retorquiu Liam, falando com sinceridade. Ninguém podia negar essa realidade. - No entanto, achei-a um pouco intimidante. Não me parece que tenha gostado de mim.

- Não te sintas desanimado com a atitude dela. É a sua maneira de ser. Os homens passam a vida a abordá-la, o que a força a adoptar uma postura de quem está sempre na defensiva. - ”E com as garras de fora”, pensou Liam, mas jamais teria dito uma coisa dessas à mãe. Verdade fosse dita, sentira um desagrado visceral pela rapariga. Na sua opinião, não passava de um fedelho mimado. Xavier era uma pessoa totalmente diferente. Mas nem mesmo o facto de ele ser amigo do irmão a impressionara ou contara a seu favor. Liam estava convencido que não havia nada que alterasse a atitude da jovem.

Pouco depois, saíram para jantar. Sasha convidara algumas pessoas com as quais acreditava que ele simpatizaria, além do pintor cujos trabalhos estavam em exposição. Eram catorze os comensais que jantavam sentados a uma mesa comprida no La Goulue, além de Sasha; os empregados andavam numa azáfama à volta deles.

Sasha mantinha todos sob um olhar maternal, certificando-se de que os mínimos desejos dos seus convidados eram satisfeitos, para que todos tivessem um jantar agradável. A sua atitude atenta para com as necessidades dos outros era o que definia tudo o que Liam amava nela.

Era uma pessoa carinhosa e acalentadora, prestando atenção a todos. As raparigas como Tatiana preocupavam-se apenas com o seu bem-estar pessoal. Sasha mostrou-se francamente empenhada em fazer que Liam sentisse que era importante, bem-vindo, e para que estivesse à vontade; ele amou-a profundamente por ter essa atitude. Era o que mais precisava da parte dela.

Nessa noite, nada na postura de Sasha poderia sugerir a quem quer que fosse que entre os dois houvesse algum envolvimento amoroso. Ela não dava a mínima indicação, um olhar, um toque, uma palavra. Deixou bem claro que ele era importante para si na qualidade de pintor ligado à sua galeria e nada mais, portando-se como a negociante de arte sempre atenta. Mostrava-se tão simpática no trato com os outros como com ele. Liam cumprimentou-a por essa atitude quando já voltavam para o apartamento, onde, agora, se sentia como se estivesse em sua casa.

Tatiana teria ficado ao rubro se o tivesse visto todo esparramado a fumar um charuto na poltrona preferida do pai, no quarto que este partilhara com a mãe. Felizmente, não estava ali para ver isso. No que dizia respeito a Tatiana, tudo o que havia pertencido ao pai era sagrado, incluindo a mãe, e dizia muitas vezes que se sentia satisfeita por a mãe não ter começado a sair com outro homem, tendo esperança de que jamais viesse a fazê-lo. O irmão, mais velho do que ela, era muito mais realista. Tudo o que queria era que a mãe fosse feliz, independentemente do que fizesse e da pessoa com quem esse objectivo fosse atingido.

- Sasha, és espantosa! - elogiou Liam, sorrindo-lhe por entre os anéis de fumo. Ela até lhe permitia que fumasse no quarto, dizendo que gostava do cheiro do charuto, o que, de facto, era verdade. Arthur também apreciava bons charutos cubanos. - A inauguração da exposição foi fantástica. Conseguiste fazer com que toda a gente sentisse que era importante, até mesmo eu. O Hotchkiss adorou.

- Hotchkiss era o pintor cujos trabalhos estavam expostos. - Sentia-se como se tivesse morrido e ido para o Paraíso. Não se cansou de me dizer que eu tinha muita sorte por seres tu a representar-me, e nem sequer sabe da missa a metade... - acrescentou Liam, rindo-se e fazendo Sasha rir-se também.

- Fico contente por teres gostado - retorquiu ela, mostrando-se muito satisfeita. Era uma negociante de arte que gostava de tratar pessoalmente de tudo, em especial em relação a ele. No entanto, o empenho com que lidava tanto com os artistas que representava como com os clientes fazia parte da sua maneira de ser. Adorava a sua actividade, pondo-a em prática de maneira brilhante.

- E quem é que não teria gostado? - retrucou Liam, olhando-a com uma expressão de admiração enquanto ela vestia a camisa de noite. Sasha sentia-se inteiramente à vontade na presença dele, tendo a sensação de que viviam juntos havia muitos anos. - A Tatiana inspirou-me receio - comessou, quando já acabava de fumar o charuto. Sasha deitou-se e ficou a olhar para ele.

- Não sejas tonto, ela é apenas uma miúda. É o feitio dela; é uma pessoa fria. Era muito apegada ao pai, além de ser demasiado possessiva em relação a mim. Eu já te tinha dito que ela era do estilo ”preto no branco” em relação às coisas. No entanto, é como diz o ditado, ”cão que ladra não morde”. O mais certo é ter pensado que eras mais um artista excitado e cheio de luxúria por ela. De facto, quem me dera que não usasse vestidos como o que tinha hoje. Não admira que os homens a assediem constantemente!...

- A verdade é que ela é linda de morrer - admitiu Liam, apesar de não se sentir tão entusiasmado em relação a Tatiana como a mãe. Mas era evidente que Sasha conhecia a filha melhor do que ele. - Ela é muito diferente do Xavier. Ele é capaz de falar a um sem-abrigo, fazendo que se sinta como se fosse um rei. Eu sinto-me como se fosse lixo debaixo dos pés dela. - É claro que isto era um exagero, mas não muito, e Sasha ficou preocupada ao ouvir o que ele dizia. - Ela é um pouco mimada de mais, e isso por causa da atenção que recebe de toda a gente. Acho que esta noite estava muito bonita.

- Ela é linda - concordou Liam, se bem que a sua maneira de ser, fria e distante, lhe desagradasse profundamente. Sasha era como a chama cintilante de uma vela que brilhasse de dentro para fora; Tatiana era como um icebergue, ou, pelo menos, era o que parecia aos olhos dele.

- Ela é muito parecida com o meu pai. Ele também inspirava temor, muito embora acredite que terias gostado dele.

- Na verdade, Sasha tinha consciência de que o pai não teria mostrado o mínimo interesse pelos trabalhos de Liam. Os pintores em princípio de carreira nunca o haviam impressionado, atitude que se manteve até ao fim da vida, se bem que os lucros que a paixão dela lhe havia proporcionado lhe agradassem bastante. No entanto, a arte moderna era uma expressão artística que ele nunca compreendeu e pela qual nunca se interessou.

- O que é que estás a pensar fazer amanhã? - perguntou Liam quando se deitou na cama ao lado dela. Tinha um brilho muito especial nos olhos e uma expressão de desejo, ao que Sasha não se opunha. A sua cama passara a ser dos dois. Pensei que poderíamos ir até aos Hamptons - replicou Sasha quando Liam a envolveu nos seus braços.

- Parece-me boa ideia - disse ele, beijando-a no escuro.

- Concordo plenamente - segredou ela, retribuindo-lhe o beijo, após o que esqueceu tudo que não fosse ele.

Sasha foi para a galeria no dia seguinte, tendo ficado muito satisfeita ao ler as críticas relativas à sua exposição. Depois do jantar partiram para Southampton. No caminho pararam numa mercearia para comprar alguns géneros alimentares, tendo chegado à casa da praia às vinte e duas horas. Sentaram-se no alpendre e ficaram a conversar durante algum tempo, enquanto Liam comia sorvete; não falaram sobre nada em especial. Deitaram-se cedo, voltaram a fazer amor e na manhã seguinte levantaram-se e foram dar um passeio pela praia.

Estavam a entrar numa rotina de vida sem sobressaltos e que lhes proporcionava bem-estar. Nessa tarde, sentados na praia, ele falou sobre mudar o seu estúdio para Paris, o que estava a pensar levar a cabo no Outono. Seria mais fácil do que fazer a viagem de Londres para Paris todos os fins-de-semana, o que era cansativo, além de muito dispendioso, ao que acrescia o facto de querer estar perto dela durante toda a semana.

Ambos sabiam que, mais cedo ou mais tarde, as pessoas acabariam por se aperceber da relação que mantinham, o que já acontecera com Bernard, mas não se podia dizer que Liam tentasse entrar na vida dela à viva força. Reconhecia que havia diferenças no estilo de vida e na maneira de ser de cada um, mas, no que lhe dizia respeito, o que haviam partilhado até ao momento só lhe proporcionara bem-estar e felicidade. Aquilo era, sem sombra de dúvida, possível. Considerava a relação entre ambos magnífica, e Sasha, a pouco e pouco, começava a ficar convencida. Ao contrário do que receara no início, de facto, não era impossível.

Nessa noite foram ao cinema em Southampton; quando regressaram foram para a cama, aconchegando-se um no outro e rindo à socapa enquanto conversavam, quando, de súbito, ouviram barulho. Pareceu-lhes que havia alguém no andar de baixo e ambos pensaram que fosse um ladrão.

- Tens um botão de alerta no sistema de alarme? perguntou Liam num murmúrio, e Sasha respondeu-lhe com um abanar de cabeça.

- Tenho uma coisa dessas algures, mas não sei onde segredou-lhe ela. Sem dúvida que conseguiam ouvir o barulho de alguém que se encontrava no piso térreo, e depois aperceberam-se que essa pessoa começava a subir as escadas. Liam olhou à sua volta, observando o interior do quarto, iluminado apenas pelo luar, e pegou no atiçador da lareira, após o que puxou a porta de rompante, abrindo-a na sua direcção, ligou o interruptor e deixou-se ficar na ombreira da porta, completamente nu e empunhando o atiçador. Estupefacto, deu consigo a menos de meio metro de Tatiana, que o olhava fixamente com uma expressão de assombro.

Logo atrás dela, no patamar, encontrava-se um jovem. Quando viu Liam, Tatiana soltou um grito, o que ele também fez. Era uma cena inimaginável! O jovem que a acompanhava deu um passo em direcção a Liam, enquanto Sasha saltava da cama, colocando-se logo atrás de Liam. Também estava completamente nua e perplexa ao deparar com a filha. Tatiana não lhe dissera que tencionava ir à casa da praia naquele fim-de-semana. Na verdade, pensava que a mãe tinha deixado de lá ir. Sasha não mencionara as viagens que recentemente fizera até aos Hamptons e não tinha a mínima vontade de explicar a presença de Liam na sua vida.

- Meu Deus, mãe, o que é que está a fazer aqui? perguntou Tatiana, acometida de uma crise repentina de choro. O jovem que a acompanhava, discretamente, começou a descer as escadas para o piso térreo. Não tardara a perceber o que se estava a passar, pelo que achou melhor afastar-se, o que era uma decisão bastante acertada. - Por acaso a mãe enlouqueceu?

- E depois, lavada em lágrimas, focou-se em Liam. - Grande cabrão! O que é que pensa que está a fazer na cama do meu pai? Aonde é que vocês dois têm a cabeça? Não tem um mínimo de respeito pela memória do pai?

- gritou à mãe. - Como é que foi capaz de trazer um homem para esta casa? Como? É isto que costuma fazer quando está em Paris? Passa a vida a ir para a cama com os seus artistas? - Sem pensar, e pela primeira vez na sua vida, tremendo da cabeça aos pés, Sasha deu uma bofetada à filha, que lhe pagou na mesma moeda, esbofeteando-a, enquanto Liam, desorientado, pousava o atiçador.

Também tremia que nem varas verdes, correndo para o interior do quarto, a fim de vestir qualquer coisa. Com o aturdimento que a situação lhe causara, só conseguiu encontrar os boxer shorts, o que não era uma grande ajuda, mas era melhor do que estar ali especado completamente nu. Não tinha tido tempo de se vestir quando pensou que precisava de proteger Sasha de um gatuno. Na verdade, teria preferido enfrentar um homem de arma em punho do que ver-se perante Tatiana.

- Por favor... vejam se conseguem acalmar-se... - pediu às duas mulheres, lavadas em lágrimas, mas os seus esforços foram inúteis. Tatiana continuava a gritar com a mãe, num estado que se assemelhava muito à histeria.

- Parem com isso! Vamos lá para baixo e conversemos como pessoas adultas - sugeriu, no tom de voz mais calmo que conseguiu. Mas nenhuma delas lhe deu ouvidos, e foi então que Tatiana voltou a concentrar-se nele.

- Saia imediatamente da casa dos meus pais, grande canalha! Não tem nada a fazer aqui! - Liam ficou sem palavras perante a fúria que ela mostrava para consigo. Nunca se vira numa situação daquelas. Agradecia a Deus por Beth não o ter encontrado na mesma figura com Becky, o que poderia ter tido maus resultados, muito embora lhe fosse difícil imaginar uma situação pior do que aquela, ser alvo dos impropérios da filha de Sasha, que não conseguia conter a cólera, ao que se juntava a expressão de horror que se espelhava nos olhos de Sasha. Aquilo era um autêntico pesadelo!

- Não fales com ele nesses termos! - gritava Sasha à filha. - Ele é meu convidado!

- Ele não é seu convidado, ele é seu amante! E ambos me metem nojo! - Tatiana parecia cuspir cada palavra no rosto da mãe. Dito isto, girou sobre os calcanhares e correu pelas escadas abaixo; segundos depois ouviram o estrondo do bater da porta da frente, seguido do barulho do motor do automóvel em que o casal viera e que arrancava. Se Tatiana planeara um fim-de-semana romântico, deparara com algo muito diferente, a exemplo do que sucedera com Sasha e Liam. Esta sentou-se nos degraus da escada com o rosto escondido nas mãos a chorar convulsivamente. Liam envolveu-a nos braços. Não era daquela maneira que ela

queria que Tatiana se inteirasse da relação entre os dois. Sentia-se devastada e chorou horas a fio.

- Ela nunca mais voltará a respeitar-me, Liam. Está convencida de que desonrei a memória do pai, e suponho que tenha feito isso mesmo... - disse Sasha, mostrando-se morbidamente deprimida e abalada. - Ela chamou-me puta e, ordinária... Oh!, meu Deus... não consigo acreditar que isto tenha acontecido. - Nenhum deles conseguia, e havia muito pouco que Liam pudesse fazer para mitigar a tristeza que se apoderara dela, além de a confortar, tentando fazê-la sentir-se melhor.

Achava que Tatiana se comportara como um monstro, por muito chocada ou surpreendida que se tivesse sentido. Dissera coisas à mãe que jamais poderiam ser esquecidas ou apagadas, ainda que Sasha decidisse perdoar-lhe, o que, conhecendo-a como a conhecia, tinha a certeza de ser o que viria a acontecer.

- Isto não é um assunto que lhe diga respeito - declarou Liam com firmeza depois de ter conseguido convencê-la a voltar para a cama, para o que precisou de várias horas. Nem sequer tinha a certeza se devia estar na cama com ela, mas a verdade é que Sasha precisava de si, o que o levou a decidir-se a ficar. - Não fizeste nada de condenável. És uma mulher adulta e o teu marido faleceu há quase dois anos. Tens direito a uma nova vida sem ele.

Estavas na privacidade da tua própria casa, acompanhada de um homem que te ama. Não tens qualquer razão para te desculpares - declarou Liam, beijando-a com ternura. - Ela é que te deve um pedido de desculpa, Sasha. O que te disse é imperdoável! E ainda que fosse essa a intenção de Sasha, ele não estava disposto a desculpar o comportamento de Tatiana nem a perdoar-lhe nos tempos mais próximos. Ela chamara-lhe monte de merda e chulo ordinário, o que o ofendera profundamente. Aliás, teria tido um grande prazer em esbofeteá-la, mas é claro que não cedeu aos seus desejos, se mais não fosse, por causa de Sasha.

Não valia a pena pôr mais lenha na fogueira. Ambos estavam a tentar recompor-se do ataque verbal de Tatiana e de quanto se mostrara ultrajada ao deparar com a mãe e Liam na cama que esta em tempos partilhara com o pai.

- Ao fim e ao cabo, esta casa também é dela - disse Sasha, tristíssima. - Tem todo o direito de vir cá. Eu só não queria que ela soubesse o que se passa entre nós nos tempos mais próximos, e nunca nestas circunstâncias. - Sentia-se como uma prostituta que tivesse sido apanhada na cama com um cliente.

De facto, a filha fizera que se considerasse o ser mais indigno à face da Terra. O Sol já começava a despontar quando finalmente conseguiu conciliar o sono, depois de ter falado sobre o assunto durante umas quatro horas, até cansar. Adormeceu nos braços dele, a chorar, e ambos despertaram às nove e meia, ao som da campainha do telefone. Era Xavier que lhe ligava de Londres. A irmã telefonara-lhe na noite anterior, pondo-o ao corrente do que se passara. A versão dela era bastante escabrosa.

Tatiana disse que Liam andava a pavonear-se pela casa todo nu quando ela entrou, sendo evidente que tinha estado a fornicar com a mãe. Inicialmente Xavier ficou espantado, em especial ao imaginar o quadro que a irmã lhe descrevia, mas quando se acalmou, tendo reflectido sobre o assunto durante algumas horas, chegou à conclusão de que não se opunha muito àquela relação da mãe.

De facto, não se opunha absolutamente nada. Gostava de Liam. Lamentava apenas, por todos os envolvidos, que se tivessem inteirado da relação daquela maneira. Eram catorze horas e trinta minutos em Londres quando Xavier ligou à mãe. Sasha começou a chorar assim que ouviu a voz do filho; sentia-se profundamente arrependida.

- Querido, estou tão triste... não podia... pensei que... as coisas não são como possam ter parecido à Tati... Oh!, meu Deus, o que é que vou fazer? - Tinha a certeza de que a relação com a filha ficara destruída para sempre, além de que nunca se sentira tão envergonhada em toda a sua vida. Nenhuma relação amorosa valia a desunião da sua família. Amava Liam, ou acreditava que amava, mas os filhos continuavam a estar em primeiro lugar na sua vida. Além disso, sentia-se aterrada ao pensar que Xavier talvez viesse a mostrar-se encolerizado com o seu comportamento.

- Primeiro, a mãe precisa de se acalmar - aconselhou Xavier com grande sensatez. Dissera a mesma coisa a Tatiana quando ela lhe telefonara às seis da manhã, hora de Londres, a chorar e a gritar histericamente, apelidando a mãe de puta. Ele ordenara-lhe que se calasse imediatamente, ao que a irmã obedecera. Ficaram a falar horas a fio. Xavier assegurara-lhe que Liam era um sujeito correcto e decente, um dos seus melhores amigos, e que tinha sido ele a apresentá-lo à mãe, embora nunca tivesse esperado que aquilo viesse a acontecer.

Na verdade, foi coisa que nem sequer lhe ocorrera. No entanto, achava que a mãe tinha todo o direito de ser feliz com quem quisesse. Tal não dependia dos filhos. Era evidente que a mãe agira com toda a discrição, o que fez notar a Tatiana, uma vez que, aparentemente, até então ninguém tivera conhecimento da relação. Nem mesmo ele desconfiara de nada quando os vira juntos. E sem dúvida que a mãe não era nenhuma ”puta”. Era apenas uma mulher muito sozinha que tinha um amante que, por mero acaso, era alguns anos mais novo do que ela, um assunto que não dizia respeito a nenhum dos filhos.

- Como é que ela consegue fazer uma coisa destas na cama do pai? É nojento! replicara Tatiana, lacrimosa. Adorava o pai e ainda lhe custava a acreditar que ele tivesse falecido. E agora, para que se sentisse ainda mais infeliz devido à perda dele, alguém havia ocupado o seu lugar e deitava-se na sua cama.

- Tati, a cama também é da mãe. Para onde é que estás à espera que ela vá? Temos sorte por permitir que usemos a casa da praia, não é obrigada a isso. O pai deixou-lhe a casa.

- Sim, mas podia ir para um hotel.

- Isso seria sórdido! A mãe tem todo o direito de fazer o que quiser, Tati. Além do mais, posso garantir-te que ele é um tipo decente; conheço-o muito bem.

- Uma porra é que é! É um artista a morrer de fome que só quer o dinheiro dela. O nosso dinheiro... - recordara ao irmão, na esperança de conseguir virá-lo contra o amigo. Não resultou. Xavier sabia que Liam não era como ela o pintava.

- Não me parece - retorquira Xavier, pensativo. - Não acredito nisso. Acho que ele gosta mesmo dela. - Pelo menos, era o que esperava, e foi para tentar certificar-se disso que telefonou à mãe.

- Isso é a sério, mãe? - perguntou-lhe com toda a sinceridade, e Sasha hesitou. Não sabia o que dizer ao filho, nem tão-pouco como classificar a sua relação com Liam. Amavam-se, mas ainda não tinham chegado a uma conclusão definitiva quanto ao resto. Era precisamente o que ambos estavam a tentar descobrir.Não sei - replicou ela, falando ao filho com igual sinceridade. Tinha por hábito ser franca com os filhos. Não lhes mentira a respeito de Liam, apenas lhes ocultara a verdade. Era um pecado de omissão, não de perpetração, embora tivesse consciência de que a diferença entre um e outro era muito vaga.

- Há quanto tempo é que isso dura? - insistiu Xavier, na esperança de que não se tratasse de uma relação de uma noite, ou de um mero impulso irresistível, o que faria de si um mentiroso aos olhos de Tatiana, uma vez que dissera que a mãe não fazia nada de ânimo leve e que aquele assunto, provavelmente, era importante para ela. O que, aliás, só fez com que a irmã chorasse ainda mais.

Não queria que a mãe viesse a casar com um pintor ridículo mais novo do que ela. Seria demasiado embaraçoso e muito difícil de engolir. Queria que a mãe chorasse a morte do pai para todo o sempre, por muito infantil e egoísta que a sua atitude pudesse ser.

- É uma relação que já dura há seis meses, desde Janeiro, tendo sido interrompida e retomada uma ou duas vezes, - respondeu Sasha, pesarosa. Liam ouvia tudo o que ela dizia, deitado ao seu lado na cama, acabando por se decidir a deixá-la sozinha a falar com o filho. Levantou-se e desceu ao piso térreo para fazer café.

- Tenciona casar com ele? - continuou Xavier.

- Deus me valha!... Não sei... Passo a vida a dizer-lhe que a nossa relação é impossível. Estou em crer que a Tatiana provou isso ontem à noite. Não tenciono fazer nada que possa separar-me de vocês dois. Eu e o Liam ainda não chegámos a qualquer conclusão quanto ao desfecho que esta relação terá. Até é possível que não tenha futuro.

- Não será isso que a afastará de nós, mãe. Não existe nada que possa separar-nos. Nós amamo-la. A Tatiana há-de

conseguir pôr o assunto para trás das costas. Acontece é que ela ficou muito surpreendida, foi completamente inesperado. Queremos que a mãe seja feliz. - Xavier falava por si e pela irmã, o que Sasha sabia não corresponder à realidade. Pelo menos, de momento.

Sasha gemeu, arrependida, ao recordar-se da cena da noite anterior, com ela e Liam completamente nus e todos a gritarem uns com os outros. Tatiana descrevera a situação ao irmão com bastante fidelidade.

- Foi horroroso! Nós pensámos que ela era um gatuno. O Liam saiu para o corredor, levando o atiçador e sem ter nada vestido.

- Foi precisamente o que ela me contou - disse Xavier, sem qualquer comentário. Era dois anos mais velho do que a irmã, o que explicava a diferença de atitude. Ao que acrescia o facto de Liam ser seu amigo, portanto, uma pessoa que conhecia. Inicialmente, a relação entre ele e a sua mãe também o deixara surpreendido, mas, do mal o menos, sabia que era um homem decente. Tatiana, pelo contrário, não sabia nada a respeito de Liam. - Foi uma sorte ele não ter desferido o atiçador, atingindo-a na escuridão.

- Ele ligou as luzes, o que só serviu para piorar as coisas quando a Tati nos viu. - Desta vez Xavier, sem conseguir reprimir-se, riu-se.

- Pois bem, mãe, foi posta a descoberto. Mas se está feliz, é tudo o que nos interessa. Eu trato de falar com a Tatiana mais tarde. Disse-lhe que tomasse um Valium e que fosse para a cama.

- Ela costuma tomar Valium? - perguntou a mãe, que pareceu ter ficado chocada. Tanto quanto lhe era dado saber, os filhos nunca haviam tomado qualquer medicamento que pudesse criar habituação.

- Não, mas tenho a certeza de que conhecerá alguém que o tome. Ontem à noite pareceu-me que era disso mesmo que ela estava a precisar. A mãe devia tê-la acalmado com uma mangueira de incêndios... Quando me telefonou, estava completamente fora de si. - E nessa altura já havia tomado uma bebida alcoólica pura, tendo parecido ao irmão que estava meio embriagada.

Tatiana mostrara-se extremamente perturbada, pelo que o irmão lhe dissera que se deitasse e que lhe voltasse a ligar mais tarde. - Posso falar com o Liam? - Sasha foi ter com ele à cozinha. Ele deu-lhe uma chávena de café e ela passou-lhe o telefone. Assim que ouviu a voz de Liam, Xavier riu-se à socapa. - Então, agora vou passar a tratar-te por papá?

- O que é muito melhor do que os nomes que a tua irmã me chamou. Xavier lamento muito, a sério que sim. Não foi minha intenção criar esta confusão toda. Nunca faria isso à tua mãe por nada neste mundo, nem tão-pouco a ti.

- Não te preocupes. Merdas como essa por vezes acontecem. - Xavier assumiu o papel de chefe de família, saindo em defesa dos interesses da mãe. - Tu ama-la de verdade?

- perguntou, circunspecto. Xavier esperava que sim, porque Liam era boa pessoa e queria acreditar que o amigo estava a portar-se de maneira honrada e não apenas movido por um capricho. Não queria que se aproveitassem da mãe, especialmente um dos seus amigos.

- Sim, amo - confirmou Liam alto e bom som, olhando de relance para Sasha, que se sentara à mesa da cozinha com uma postura de desânimo, continuando a mostrar-se muito perturbada. Sentia-se profundamente humilhada.

- Ainda é cedo de mais para te perguntar quais são as tuas intenções?

- Provavelmente,   sim.   Ambos continuamos a tentar chegar a uma conclusão clara em relação a este assunto.

Ainda é cedo de mais. Tive de me esforçar bastante para conseguir convencer a tua mãe de que isto era boa ideia. Não me parece que a cena da noite passada tenha ajudado muito. Além do mais, ainda nem sequer estou divorciado. - Foi então a vez de Liam questionar Xavier. - Se decidíssemos seguir em frente com a nossa relação, aprovarias?

Xavier hesitou durante algum tempo, pensando naquilo. A situação também era uma novidade para si.

- Calculo que sim, caso acreditem que serão capazes de vir a ser felizes juntos. Não é o que eu esperava, mas, às vezes, a vida prega-nos partidas engraçadas. Talvez a vossa relação resulte. Vou deixar que vocês dois cheguem a uma conclusão. Entretanto, eu trato de falar com a minha irmã.

- Fico-te muito grato - retorquiu Liam com um ligeiro tremor na voz. Aquilo a que dava mais apreço era ao facto de o amigo ter abençoado a relação, mais ainda do que pudesse fazer para apaziguar a irmã, embora isso também fosse um grande contributo, além de ter muito significado para Sasha, que continuava extremamente acabrunhada. Liam devolveu-lhe o telefone e saiu para o alpendre, ficando a contemplar a praia. O dia estava enevoado, o que se coadunava com o seu estado de espírito.

Xavier tentou serenar a mãe quando retomou a conversa telefónica com ela. Sasha chorava de mansinho e ele sentiu-se extremamente pesaroso por ela. Não lhe era difícil aperceber-se de quanto aquela situação devia ser penosa para ela.

- Mãe, procure acalmar-se. Eu falo com a Tatiana. Tente passar um fim-de-semana minimamente agradável. Ela há-de acabar por pôr o assunto para trás das costas, tal como a mãe. Ela tem bom fundo. O Liam diz que a ama. É tudo o que precisa de saber.

- Eu também o amo - confessou Sasha, fungando, lacrimosa -, mas não estou disposta a perder os meus filhos por causa dele.

- E isso não acontecerá. Ela vai gritar, berrar e bater o pé durante mais algum tempo, mas depois passa-lhe. Ela porta-se sempre como uma diva. A Tatiana é assim mesmo! A mãe tem todo o direito de levar a relação avante, se for isso que deseja. Pode contar com o meu apoio. E se a mãe não ceder e a relação resultar, também acabará por contar com o apoio dela. Se isso não acontecer, encare o assunto como uma experiência, e há-de chegar o dia em que todos nos riremos do que aconteceu.

- Mas a verdade é que, por enquanto, ninguém estava a rir-se. Xavier mostrava-se extraordinariamente generoso e maturo, muito mais do que a irmã.

Sasha agradeceu-lhe, emocionada, e continuaram a falar mais alguns minutos antes de desligarem. Em seguida foi ter com Liam, que continuava sentado no alpendre. Olhava para o mar com uma expressão pensativa, virando-se quando ela se sentou no banco-balouço ao lado dele.

- Lamento muito o que aconteceu, Sasha. Não foi minha intenção criar esta confusão toda que tanto te magoa - disse ele, mostrando-se genuinamente pesaroso pelo sucedido.

- Não criaste confusão nenhuma. Tinha de acontecer, mais nada. Era inevitável que eles viessem a descobrir, mais cedo ou mais tarde. - O que também aconteceria com outras pessoas, mas aquela não era a forma como ela queria que a relação passasse a ser do conhecimento geral, para dizer o mínimo. Nenhum dos dois o desejara.

Passaram o resto do fim-de-semana tranquilamente, tendo voltado para a cidade no domingo à noite. Sasha tentara várias vezes falar com Tatiana através do telemóvel, mas só conseguira chegar à opção de mensagens. Quando ligou para o apartamento, também ninguém respondeu, tendo deixado várias mensagens cheias de ternura à filha no atendedor de chamadas. Liam detestava ouvi-la a falar de modo tão submisso, mas sabia quanto o amor da filha era importante para ela.

Na sua opinião, Tatiana merecia uma boa sova, mas não disse nada a Sasha quanto a isso. A partir de agora, ela é que teria de encontrar a melhor forma de lidar com o assunto.

Xavier também deixou várias mensagens à irmã, que lhe retribuiu, ligando-lhe para Londres. No entanto, mostrou-se intransigente quando ele tentou chamá-la à razão, além de ter ficado furiosa quando se apercebeu de que o irmão apoiava Liam.

- És tão destrambelhado como eles! Por amor de Deus, ele é quase vinte anos mais novo do que ela! Até que ponto é que ela é louca?

- A mãe não é louca, Tatiana, está muito sozinha. E ele é apenas uns oito ou nove anos mais novo do que ela - replicou Xavier calmamente, esforçando-se, em vão, por tentar chamá-la à razão.

- Parece um miúdo...

- Sob certos aspectos, de facto, é. Às vezes porta-se como um garoto, mas não é assim, é um homem decente. Ele diz que a ama. Estou em crer que ela também o ama. Quer esse amor nos agrade, quer não, a mãe tem o direito de estar com quem muito bem lhe apetecer. E digo-te que prefiro que seja com ele do que com algum idiota pomposo que detestaríamos ou com um tipo qualquer que só estivesse interessado no dinheiro dela.

- Isto é doentio, Zav, e o mais provável é ele andar atrás do dinheiro dela.

- Não me parece. Além da pintura, não tem outro interesse. É um indivíduo decente, que esteve casado durante vinte anos e tem três filhos. - Xavier teve o cuidado de não dizer à irmã que o casamento acabara por ele ter ido para a cama com a irmã da mulher. - Vais ter de confiar no discernimento da mãe em relação a esta situação. Quem sabe se a paixão não lhes passará... Não estão a causar mal a ninguém.

- Sim, mas ela vai fazer uma figura ridícula, tal como nós, caso alguém venha a descobrir ou se começar a apresentar-se em público com ele - insistiu Tatiana, recalcitrante. Eu já fiz coisas muito piores, acredita. Tal como tu própria... - Xavier estava a par de todos os segredos da irmã, e havia umas quantas relações amorosas que ela também não desejaria que fossem do conhecimento geral.

Além disso, era inegável que Sasha não andava a fazer alarde da sua relação com Liam, pelo contrário, mantinha o assunto em segredo, ocultando-o na casa nos Hamptons. Mas, mesmo que as pessoas se inteirassem, não havia nada de censurável que se pudesse atribuir a Liam.

- Ela é a tua mãe! - gritou Tatiana, sentindo-se furiosa com o irmão. Não estava disposta a ceder um milímetro que fosse naquele assunto. E quando Tatiana assumia uma posição de firmeza, não havia nada que conseguisse demovê-la das suas convicções. Pelo menos, num futuro próximo.

- É disso mesmo que estamos a falar! Dá-lhe uma oportunidade, Tati. Porta-te decentemente para com ela. A mãe precisa de compreensão. Ficou infelicíssima quando o pai faleceu. Quero que volte a ser feliz!

- Mas não com ele! - ripostou Tatiana, que, sem sombra de dúvida, declarara guerra aos dois e estava firmemente disposta a manter essa posição. Queria banir Liam da vida da mãe de uma vez por todas, custasse o que custasse. Estava determinada a salvar a mãe de si própria, quanto mais não fosse, em memória do pai.Ficaram a discutir sobre o assunto durante quase uma hora, sem que Tatiana cedesse um milímetro sequer. Disse a Xavier que não descansaria até que Liam desaparecesse da vida

deles e, pela maneira como se expressou, Xavier acreditou nela. Pensou que era uma pena. Só lhe restava esperar que Liam procedesse de maneira mais firme e com mais tenacidade do que a irmã. Tatiana era implacável quando assestava baterias no que quer que fosse. O que acontecera naquele caso.

 

Sasha parecia morbidamente deprimida quando chegou à galeria, na segunda-feira. Karen, a directora, reparou nisso, enquanto Mareie lhe perguntou gentilmente se havia algum problema quando lhe entregou mais umas quantas críticas relativas à exposição inaugurada na semana anterior.

- Está a sentir-se bem? - indagou, solícita, quando Sasha ergueu a cabeça com lágrimas nos olhos. Tatiana não lhe retribuíra um único dos seus telefonemas e nessa manhã, quando ligara para o escritório da filha, haviam-lhe dito que ela estava fora. Não queria ter de a seguir de modo furtivo, mas a verdade é que Tatiana se recusava terminantemente a atender os seus telefonemas.

- Durante o fim-de-semana tive um problema com a Tatiana - disse à sua assistente, sem adiantar mais pormenores. Não seria capaz de descrever a cena, com Liam completamente nu na ombreira da porta do quarto, armado com um atiçador, enquanto Tatiana vociferava, dirigindo aos dois toda a espécie de insultos. Sempre que pensava naquilo, toda ela se arrepiava, recomeçando a chorar. Tinha sido uma cena demasiado escabrosa.

- Ela está bem? - Apesar de não ter filhos e de nunca se ter casado, Mareie era o tipo de mãe acalentadora, um dos aspectos de que Sasha mais gostava na sua personalidade. Não só desempenhava as suas funções profissionais na perfeição, como também era extremamente generosa e cordial na maneira como lidava com Sasha.

- Não sei, ela recusa-se a falar comigo. Tivemos uma discussão horrível. Pior do que se possa imaginar - Mareie sabia que essa situação não era invulgar quando Tatiana era mais nova, contudo, nos últimos anos, mãe e filha davam a impressão de se entenderem muito bem. Até agora.

- Vai ver que isso lhe passa... - redarguiu Mareie, mostrando-se confiante. A questão agora era saber se o mesmo aconteceria com Sasha.

- Não sei se as coisas serão assim tão fáceis - disse Sasha, assoando-se e limpando os olhos com um dos seus lenços de renda. Aprendera com a mãe a guardar sempre um lenço antes de sair de casa. Era uma das recordações mais ternas que conservava da mãe no fundo do seu coração; Sasha trazia sempre um lenço na mala. - Foi horrível!... - reiterou, enquanto Mareie parecia uma galinha à volta dos pintainhos, tendo ido fazer um chá, após o que foi buscar um copo de água e um prato de biscoitos. Sasha fitou-a e sorriu. Obrigada, Mareie.

- Esta pareceu hesitar antes de sair do gabinete, perguntando a Sasha se havia alguma coisa que pudesse fazer para ajudar. Não queria parecer intrometida. Quem me dera que pudesse, mas não é possível, Mareie respondeu Sasha, recomeçando a chorar ainda mais do que antes. Perante tal reacção, Mareie não foi capaz de se conter, abeirando-se de Sasha e abraçando-a, num gesto caloroso.

- O que quer que esteja a acontecer, garanto-lhe que acabará por passar acrescentou Mareie, ela própria à beira das lágrimas.

- Não, não passa - retorquiu Sasha, voltando a assoar-se, lágrimas continuavam a correr-lhe pelo rosto. - Trata-se do Liam - confessou finalmente, para grande confusão de Mareie, que ficou a fitá-la com uma expressão de perplexidade.

- O Liam?! - O que é que ele teria a ver com o assunto? Mareie não era capaz de adivinhar. - A Tatiana conhece-o? - Como é que ele teria participado na discussão entre mãe e filha? Definitivamente, tudo aquilo era muito confuso.

- Teve oportunidade de o conhecer melhor do que desejava na noite da exposição. Ele estava comigo na minha casa de Southampton. - Apesar daquela explicação adicional, Mareie continuava sem entender nada, o que não a impedia de olhar para Sasha com uma expressão compreensiva enquanto esta tentava pô-la ao corrente da situação o melhor que conseguia.

- E eles discutiram um com o outro?

- Ela chamou-lhe, assim como a mim, todos os nomes possíveis e imaginários: puta, ordinária, chulo, sacana... E isso foi só o princípio...

- Meu Deus! Mas o que é que aconteceu? - perguntou Mareie, mostrando-se deveras chocada.

Sasha olhou-a atentamente durante uns momentos. Confiava na sua assistente. Havia muitos anos que a conhecia e gostava muito dela. Não quisera partilhar aquele assunto com ninguém até ao momento, mas agora precisava de desabafar com alguém.

- Ela apareceu-nos de surpresa na casa de Southampton. Eu não fazia a mínima ideia de que ela tencionava ir lá. Estávamos na cama. Ela chegou de imprevisto, até pensámos que era um ladrão. Completamente nu, o Liam saiu do quarto empunhando o atiçador da lareira, e foi por um triz que não lhe deu com ele na cabeça. Depois disso, a confusão instalou-se e foi o caos absoluto.

- O Liam?! Mas o que é que o Liam estava a fazer no seu quarto? - perguntou Mareie, que não entendia patavina, fazendo com que Sasha, apesar das lágrimas, se risse.

- Por amor de Deus, Mareie! O que é que lhe parece que ele estava a fazer no meu quarto? Acredite em mim, a Tatiana descobriu imediatamente, sobretudo por ele ter ficado especado à frente dela todo nu. Além do mais, ela trazia um namorado, sendo óbvio que tencionava fazer precisamente a mesma coisa que nós dois estávamos a fazer e que temos vindo a fazer de há seis meses a esta parte, mais ou menos. Deixámos de nos ver numa ou duas ocasiões. Tenho a certeza de que isto não contribuirá em nada para o sucesso da relação.

- A Sasha e o Liam? - Mareie dava a impressão de ter sido atingida na cabeça com o atiçador da lareira. - Você e o Liam?

- Parece-lhe assim tão mal? - perguntou Sasha, voltando a mostrar-se mortificada. Os últimos três dias haviam sido os mais humilhantes de toda a sua existência, e agora até Mareie se mostrava chocada, o que a levou a arrepender-se de se ter aberto com ela.

- Mal? Está a brincar? Se eu pudesse deitar a mão a um homem como ele, passaria a ser crente para todo o sempre. Ele é lindo de morrer, talentoso e simpático. Que mais é que uma mulher pode desejar? O que é que ela quer? Talvez esteja com ciúmes.

- Não, não tem ciúmes. Ela odeia-o. A Tatiana não gosta das pessoas do mundo das artes; ao longo dos anos conheceu tantos artistas destrambelhados que acredita que são todos desmiolados, e, diga-se em abono da verdade, na maior parte dos casos, tem toda a razão.

Por vezes ele também se comporta assim, mas acontece que eu estou apaixonada pelo Liam e ele diz que também está apaixonado por mim. No entanto, agora a Tatiana está capaz de o matar, e o mais certo é nunca mais voltar a falar comigo.

- Claro que há-de falar... Mas como é que eu não fui capaz de perceber o que se estava a passar? - perguntou Mareie, sentindo-se um pouco idiota. - Até que ponto sou burra e cega?

- Nós temos feito todos os esforços para manter a relação em segredo, pelo menos até nós próprios conseguirmos chegar a uma conclusão definitiva. Verdade seja dita, as coisas têm estado a correr muito bem desde Abril, mas são apenas três meses.

- De que é que tem receio? - perguntou Mareie, mostrando-se compreensiva. Não era a primeira vez que Sasha partilhava com ela assuntos relativos à sua vida pessoal e Mareie sempre lhe dera conselhos bastante sensatos.

- Está a brincar? Ele é como um garoto de doze anos. Eu pareço mãe dele, e não quero ser mãe de ninguém, além dos meus próprios filhos.

- Em primeiro lugar, a Sasha não parece mãe dele, aliás, nem sequer parece ter idade suficiente para ser mãe do Xavier ou da Tatiana, e, em segundo lugar, todos os homens são um pouco como as crianças e não existe uma mulher no mundo que não acabe por desempenhar o papel de mãe deles. Caso não se proceda dessa maneira, acabam por fugir com outra mulher que esteja disposta a fazê-lo.

- Ou que daqui a dez anos seja mais nova... Não quero apaixonar-me por um homem que possa vir a deixar-me por uma mulher de vinte. É possível que isso viesse a acontecer.

- Ele é assim? - perguntou Mareie, preocupada.

- Quem sabe? Não acho que seja. Esteve casado durante vinte anos, até ter dado cabo do casamento por causa de uma coisa bastante estúpida. Além disso, é extremamente irreverente... como ele próprio costuma dizer, é um artista louco.

- Ainda que, ultimamente, essa sua faceta não tivesse estado muito em evidência. - Nunca me passou pela cabeça que pudesse vir a apaixonar-me por um homem nove anos mais novo do que eu e, para cúmulo, um dos meus pintores. Parece uma espécie de justiça do estilo ”cá se fazem, cá se pagam”, uma ironia de Deus, uma brincadeira de mau gosto ou algo do género.

Com o Arthur, tinha a vida mais respeitável do mundo, mas agora apaixonei-me por um garoto crescido, e toda a minha existência ficou de pernas para o ar. E, para cúmulo, a Tatiana nunca mais voltará a falar comigo.

- Se não falar, eu própria me encarregarei de lhe dar uma tareia. Mas isso há-de passar-lhe. O mais provável foi ter ficado demasiado chocada com a situação com que se deparou. Na verdade, deve ter sido um choque para todos. Sasha esboçou um sorriso de tristeza, olhando para a amiga. Aquilo desafiava a imaginação de qualquer pessoa.

- Ali estávamos os dois, completamente nus, o Liam com o atiçador na mão, enquanto ela nos insultava, impropério atrás de impropério, e o rapaz que a acompanhava parecia querer apenas poder esconder-se em qualquer canto, mas quem é que pode censurá-lo? Eu dei-lhe uma bofetada e ela pagou-me na mesma moeda.

Eu nunca lhe tinha batido e tenciono jamais voltar a fazê-lo. Foi como uma cena de um filme de muito má qualidade. Ali estava eu, com o meu jovem amante, na cama do pai dela, como ela põe a questão, e ambos completamente em pêlo. Meu Deus, Mareie, a situação não poderia ter sido pior! Não muito - concordou Mareie, fazendo uma careta sorridente.

- Mas pense na questão desta maneira: ele podia ser velho, gordo, careca, feio e já com os pés para a cova, e idepois imagine qual seria o seu aspecto todo nu e de atiçador em riste. Se quer saber a minha opinião, teve muita sorte por ter sido o Liam. Ouça uma coisa, a Sasha esteve solteira durante dez minutos, por assim dizer. Enquanto eu tenho sido Solteira toda a minha vida e, provavelmente, assim continuarei, não por adorar esta situação, mas sim por não haver homem por aí que me esteja destinado.

Os homens disponíveis ou são divorciados amargurados que são obrigados a pagar pensões de alimentos e, por isso, sentem rancor por todas as mulheres. Ou são viúvos mentalmente perturbados que acreditam que as falecidas esposas eram perfeitas, tendo-se esquecido de quanto as odiavam quando eram vivas. Logo, ninguém conseguirá estar à altura delas; depois seguem-se os que têm fobia quanto a assumir compromissos.

Os bêbedos, os drogados, os violentos, os abusadores, tipos que odeiam as mulheres, indivíduos que, pela calada, são maricas e outros que são maricas assumidos e só querem usar os nossos vestidos, e também temos os enfadonhos, com quem nem vale a pena travar conversa, e os que cheiram mal, que têm mau aspecto, os que são maus, e os velhos, que nem sequer são capazes de ficar de pau feito, mesmo que tomem Viagra. Em dez anos, nunca consegui encontrar um homem por quem pudesse vir a enamorar-me, e há três anos que não vou para a cama com ninguém.

Há já muito tempo que deIsisti da ideia de vir a apaixonar-me pelos tipos com quem fui para a cama, tal como não acredito que eles pudessem apaixonar-se por mim. Porque se eu não abdicar dos meus princípios, os quais costumavam ser muito importantes para mim, então, de certeza absoluta, nunca mais me deitarei com homem nenhum, o que, seja como for, talvez nunca mais venha a acontecer.

Tudo aponta nesse sentido. Portanto, a Sasha está preocupada por causa de uma diferença de idade de nove anos entre si e um homem esplendoroso, talentoso e simpático por quem está apaixonada e que é louco por si? Diga à Tatiana que ponha uma rolha e que se deixe de parvoíces. Se não lhe disser, eu própria me encarregarei de o fazer.

Foi um discurso e tanto, e Sasha sabia que tinha vindo bem do fundo do coração de Mareie. Ela era uma mulher maravilhosa, embora não fosse bonita, mas de aspecto atraente, que se vestia razoavelmente, com uns seis quilos a mais de peso, se bem que não fosse nada com que qualquer pessoa não pudesse viver. Era inteligente, instruída e ganhava bem, além de ser uma das pessoas mais simpáticas que Sasha conhecia. Também sabia que havia vários anos que não existia qualquer homem na vida de Mareie. Não havia nada de estranho com ela, pura e simplesmente não conseguia encontrar um homem como devia ser.

E nenhum até ao momento tentara conquistá-la. Existiam muitas mulheres na mesma situação, do que ambas tinham conhecimento, de todos os estratos sociais e de todas as idades. Hoje em dia, ficava-se com a impressão de que as pessoas não conseguiam conhecer-se, razão por que os encontros combinados através do computador eram tão atractivos.

Em várias ocasiões, Sasha incentivara Mareie a recorrer a esse método, mas ela sentia-se demasiado receosa, e Sasha não estava inteiramente convencida de que ela estivesse errada; conhecer estranhos através da Internet parecia-lhe uma prática perigosa. O que ela dizia a Sasha era sensato e esta sabia que Mareie só tinha a melhor das intenções. Acreditava que Sasha era a mulher com mais sorte em todo o mundo por ter Liam, enquanto ele era o homem mais afortunado por a ter a ela.

E se isso não agradava a Tatiana, tanto pior para ela. Mareie ficou ao rubro quando se inteirou das coisas que Tatiana dissera à mãe.

- Não acha sinceramente que é chocante eu ser nove anos mais velha do que ele? - perguntou Sasha um pouco a medo e mostrando algum acanhamento. Sentia-se grata por saber que Mareie aprovava a relação.

- Por amor de Deus, não se pode dizer que ele tenha vinte e dois anos! É maior e vacinado. Até tem filhos! Vocês parecem ter a mesma idade. Além do mais, nos tempos que correm, há muitas pessoas que mantêm relações como a vossa. Depois de uma certa idade, parece fazer mais sentido. A Sasha teve um matrimónio respeitável, teve os seus filhos... Naturalmente, nesta altura da sua vida não procura as mesmas coisas de há vinte e cinco anos. Agora precisa de alguém com quem possa levar uma existência agradável, que a trate com carinho e com quem tenha algo em comum.

E sem dúvida que vocês dois têm muito em comum. Não é obrigatório que as pessoas estejam juntas a todo o momento nem que vivam juntas, a menos que o desejem. É claro que o podem fazer, se quiserem, mas cada um pode ter a sua vida, os seus amigos, e tirar o máximo partido daquilo que os dois partilham. Na minha opinião, parece-me uma forma de vida perfeita. E ouça o que lhe digo, se não o quiser para si, terei todo o prazer em ficar com ele.

O Liam é apenas três anos mais novo do que eu. Seria com a maior satisfação que sofreIria a humilhação de ser vista com ele em público. De facto, sentir-me-ia deveras empolgada. - Sasha já tinha deixado de chorar, ouvindo o que Mareie lhe dizia. Sorria. Mareie fizera com que sentisse que estava a proceder bem e que tudo haveria de correr pelo melhor. De facto, levou-a a aperceber-se da sorte que tinha por amar um homem como Liam e ser correspondida e que a relação deles, provavelmente, não iria chocar a maior parte das pessoas.

Tudo o que Mareie dizia tinha razão de ser. Os nove anos de diferença de idade que fossem para o inferno! Se ele era um pintor louco, ela podia lidar bem com essa situação. Além do mais, ultimamente Liam comportara-se na perfeição.

- E o que é que faço em relação à Tatiana? - perguntou Sasha, voltando a mostrar uma expressão de desânimo.

- Nada. Deixe que ela esfrie os ânimos. É evidente que sentiu que a Sasha traiu a memória do pai. Sabe como ela adorava o pai... Acreditava que ele era capaz de caminhar sobre a água. De facto, era um homem maravilhoso, mas enfrentemos a realidade, Sasha, ele faleceu, por muita tristeza que isso nos possa causar, e nunca mais voltará. Tenho a certeza de que ele se sentiria aliviado por saber que você é feliz, caso isso seja verdade. Era um dos homens mais compreensivos que conheci. Não me parece que ele quisesse que ficasse sozinha para o resto da vida.

A Tatiana precisa de crescer e aceitar a realidade. Acho que devia deixá-la sozinha por uns tempos, até ela começar a ver a razão. É impossível que trave esta batalha para sempre. - Mas Sasha sabia que a filha era de uma teimosia irredutível e a lealdade para com a memória do pai podia ser cega, incondicional e feroz. Manifestara-se na adolescência, e agora que ele tinha falecido, amava-o ainda mais. Era a maneira de continuar apegada ao pai. No entanto, deixá-la sozinha por uns tempos não parecia má ideia.

- Deixei-lhe uma série de mensagens, mas ela não as retribui nem tão-pouco atende os meus telefonemas. Nesse caso, deve deixá-la em paz. É possível que se sinta envergonhada por tudo o que lhe disse. Devia estar! Como é que o Liam reagiu a essa situação tão confrangedora?

- Bastante bem - replicou Sasha. - Mostrou-se deveras compreensivo. A Tatiana telefonou ao Xavier, que nos ligou na manhã de domingo. Falou connosco de uma maneira extremamente gentil. Ele gosta muito do Liam, são amigos, e foi através do meu filho que o conheci. Desde então tem tentado acalmar a Tatiana.

Estou a referir-me ao Xavier e não ao Liam, claro. Agora o Liam tem pavor dela, o que irá complicar a situação ainda mais. A reacção da Tati deve ter sido um choque dos diabos para ele.

- Sim, mas acabará por se recompor.

Meia hora depois de terem acabado de conversar, Liam chegou ao escritório, e quando passou pela sua secretária, Mareie olhou para ele e sorriu-lhe. Queria que, no mínimo, sentisse que era bem-vindo ali. Ao fim e ao cabo, acabara de passar um fim-de-semana bastante atribulado.

- Olá, Liam! - saudou Mareie com um aceno cordial. Ele retribuiu-lhe o sorriso, com uma expressão de gratidão.

- Olá, Mareie - retorquiu antes de entrar no gabinete de Sasha, após o que fechou a porta com um semblante de apreensão. - Como é que as coisas estão a correr? - perguntou-lhe, beijando-a.

- Bem - replicou Sasha, sem mencionar a conversa que tivera com Mareie. Tinha sido uma conversa entre mulheres, que fizera que se sentisse bastante mais confiante. - Soubeste alguma coisa da Tatiana? - Liam andara preocupado por causa da rapariga durante todo o dia, apesar de o ter passado na Tribeca com os amigos. - Não. Acho que a vou deixar em paz por uns tempos, até esfriar os ânimos.

- Boa ideia. - Sentia-se impressionado perante a capacidade de discernimento que Sasha demonstrava. Parecia que ela tinha acalmado bastante desde essa manhã. - Tenho bilhetes para o jogo de basebol desta noite. O que te parece? - Queria fazer qualquer coisa que lhe animasse o estado de espírito.

Sasha teria preferido ir ver um filme, ou ir jantar a um restaurante sossegado com ele, ou mesmo a um local barulhento como o La Goulue, contudo, sabia quanto o baseIbol era importante para Liam, pelo que estava disposta a fazer isso por ele. Depois de ter falado com Mareie, sentia-se mais grata do que nunca por poder estar com Liam, por o ter na sua vida.

quarenta e nove anos, sabia que não era grande o número de homens disponíveis para as mulheres da sua idade. As opções que Mareie descrevera, ou a falta delas, pareciam cómicas, mas correspondiam à verdade. Liam era maravilhoso, sendo a proverbial agulha no palheiro, pelo que tencionava ficar junto dele, quer agradasse à filha quer não.

 

Liam e Sasha passaram o fim-de-semana do Quatro de Julho em Southampton. Fez um calor abrasador durante todo o dia e o Sol nunca deixou de brilhar. Cozinharam, foram jantar fora, deitaram-se na praia, nadaram e foram convidados para uma festa na noite do dia quatro. Era um churrasco oferecido por pessoas que Sasha conhecia, embora não intimamente, mas ambos concordaram que talvez fosse divertido.

Sasha decidiu aceitar o convite, e às seis da tarde seguiram para a festa, ambos de calças de ganga, T-shirts e sandálias, em conformidade com o que o convite especificava. Sasha comprara lenços em tons de vermelho, branco e azul que ambos ataram à volta do pescoço. Liam sorriu, olhando para ela quando já saíam de casa, e disse-lhe que nunca em toda a sua vida se sentira tão feliz.

- Agora parecemos gémeos - comentou, o que era engraçado, porque ele era tão louro quanto ela era morena, era alto enquanto ela era baixa... Sasha já tinha começado a esquecer a diferença de idade entre os dois. Tanto Mareie como Xavier haviam ajudado muito, reforçando-lhe o nível de confiança ao darem-lhe o seu apoio e aprovação. Desde o encontro fatídico e inesperado em Southampton, no fim-de-semana anterior, que não tinha notícias de Tatiana, mas continuava a dar tempo à filha para que esfriasse as ideias.

Havia cerca de duzentos convidados na festa, que comiam em mesas compridas as delícias que haviam sido cozinhadas num churrasco gigantesco, enquanto eram entretidos por um grupo de dança em linha; também havia uma tenda enorme repleta de jogos de feira. Todos estavam divertidos, incluindo eles próprios.Encontravam-se os dois sentados num tronco, lado a lado, a comer cachorros-quentes e hambúrgueres, quando Sasha reparou, pela primeira vez, que Liam estava ligeiramente embriagado, não ao ponto de se comportar de modo chocante, mas o suficiente para ficar um tanto ou quanto fora decontrolo.

A meio do jantar, disse que estava com calor e despiu a camisola de algodão, atirando-a para a fogueira e fazendo uma careta risonha a Sasha.

O garoto incontrolável que existia dentro dele começou a revelar-se, e à medida que a noite se foi alongando a sua atitude piorou. Piorou e muito! Sasha esforçou-se por convencê-lo a voltar para casa, mas ele insistia que estava a divertir-se e que queria ficar. Já estava demasiado bêbedo para se aperceber de que ela estava a ficar irritada.

Liam tinha começado por beber ponche com rum, o que depois trocou por cerveja, passando para o vinho a acompanhar o jantar. Pouco depois, houve alguém que lhe sugeriu que provasse um mojito, e Sasha ficou horrorizada ao vê-lo emborcar três de seguida, sem sequer fazer uma pausa para respirar.

Nessa altura, já estava a cair de bêbedo. Mas pior do que isso era o facto de ela estar completamente sóbria, o que fazia que a sua irritação aumentasse com o passar do tempo, no que ele também não reparou. Estava a divertir-se de mais para atentar nesses pormenores.O grupo de dança em linha voltou a entrar em acção, e Liam apressou-se a saltar para o meio da pista, agarrando-se a uma das dançarinas, que, como seria de esperar, era a mais jovem e bonita, dando início a uma dança cheia de sensualidade; a rapariga não se fez rogada, entrando no espírito da dança e começando a abrir-lhe o fecho das calças de ganga.

Depois não fizeram mais nada chocante, mas, para Sasha, aquilo chegou. Via bem as expressões de troça e reprovação à sua volta, e quando ele voltou para junto dela, depois de ter acabado de dançar, fechou a braguilha e deu-lhe um beijo cheio de ardor na boca, ao mesmo tempo que com as duas mãos lhe agarrava as nádegas, o que não deixou nada à imaginação dos presentes quanto ao tipo de relação que existia entre os dois. Antes disso, tinha-o apresentado aos demais convidados como sendo um dos artistas que representava e que estava de visita, vindo de Londres.

- O que É que se passa, minha doçura? - perguntou-lhe ele; tinha a voz entaramelada e os olhos avermelhados. Sasha estava capaz de o matar e só queria sair dali para fora. Não lhe passara despercebido que a rapariga com quem ele dançara parecia uma adolescente, provavelmente não teria mais de vinte anos, logo, era mais nova do que a sua própria filha.

- Vamos voltar para casa, Liam - disse Sasha em voz baixa. Não queria perder a calma com ele, mas também não queria continuar na festa. Ele não sabia o que fazia e a cada minuto que passava ia ficando cada vez mais descontrolado. Mandou vir uma vodca com sumo de laranja, mas Sasha tirou o copo da mão do empregado que servia as bebidas assim que este o levou a Liam.

- O que é que estás a fazer? - perguntou ele, tentando tirar-lhe o copo da mão. Apercebendo-se do que estava a acontecer, o empregado apressou-se a voltar a pousar o copo na bandeja, afastando-se rapidamente.

-Já bebeste de mais. Acho que está na altura de irmos para casa.

- Não tens o direito de me dizer o que devo fazer ripostou, desequilibrando-se quando se pôs de pé diante dela. Foi por pouco que não caiu nos braços de Sasha, e depois tentou retomar as manifestações de carinho. Ela lançou-lhe um olhar de repreensão, mas estava bem patente que não havia maneira de o levar dali para fora. Liam estava a divertir-se à tripa-forra. - Não sou teu filho - acrescentou, pondo um braço à volta dos ombros dela.

- Nesse caso, não te portes como uma criança! - ripostou ela, entre dentes. Estava a comportar-se como um delinquente juvenil ou, no mínimo, como um bêbedo. Não podes controlar-me... - repetiu Liam, e ela fez um aceno de cabeça, reparando que as pessoas continuavam a observá-los pelo canto do olho, após o que desviavam o olhar. Ouviu um homem comentar que Liam iria ter uma ressaca dos diabos no dia seguinte, ao que o seu interlocutor respondeu com uma gargalhada. Sasha conhecia os dois indivíduos. Haviam sido amigos de Arthur, o que não ajudava a situação.

- Liam, estou exausta, quero ir para casa - implorou Sasha.

- Nesse caso, dorme uma soneca. Podes esperar dentro do carro. Eu quero divertir-me. Estou a divertir-me à grande e à francesa! - Voltou a desequilibrar-se para a frente e, para grande receio de Sasha, desapareceu entre a multidão. Quando conseguiu encontrá-lo estava escarranchado em cima do Kavalo que puxava a carroça em que os convidados davam ”passeios. O cavalo estava a ficar nervoso e o cocheiro pedia-lhe que saísse de cima do animal, mas em vão.

Liam tinha interrompido o passeio de algumas pessoas, enquanto os outros por perto ficaram a olhar. Finalmente, foram precisos três empregados de mesa da empresa que fornecera a comida e o anfitrião para o tirarem do cavalo. Entretanto, não parara de soltar gritos a acicatar o animal, ao mesmo tempo que lhe batia com os calcanhares. Sasha sentia um impulso quase irresistível de o matar.

O anfitrião ajudou-a a levá-lo para o automóvel. Liam [perdeu a consciência no assento do passageiro da frente e ela foi para casa. Quando chegaram, não conseguiu acordá-lo, pelo que decidiu deixá-lo dentro do carro a curar a bebedeira. Sentiu-o a deitar-se na cama ao seu lado eram já sete da manhã. Quando se levantou, às nove horas, constatou que ele estava morto para o mundo. Só ao meio-dia é que Liam desceu do quarto; vinha de óculos escuros e queixou-se da luminosidade do sol. Sasha não lhe deu réplica, sentada à mesa da cozinha a ler o jornal enquanto ele se servia de uma chávena de café, de que estava muito necessitado.

Pouco depois, Liam foi sentar-se ao lado dela, que, finalmente, desviou o olhar do jornal, dando-lhe os bons-dias. O seu tom de voz era de uma frialdade de gelo.

- A festa de ontem à noite foi de arromba - comentou, tentando falar naturalmente, enquanto ela fixava o olhar nele. - Imagino que tenha bebido de mais, a julgar pela ressaca com que estou - acrescentou, rindo-se. Mas Sasha não se riu.

- Sim, de facto bebeste de mais - foi tudo o que ela disse.

- Foi muito mau? - perguntou ele, a medo. Não se recordava do que acontecera na noite anterior. Mas ela lembrava-se de tudo.

- Muito mau - respondeu Sasha, começando a enumerar as suas façanhas, entre elas o facto de a ter agarrado pelo traseiro, o que fizera com que o segredo em que a relação fora mantida tivesse sido revelado diante dos amigos e conhecidos dela. - É claro que a minha preferida foi o episódio com o cavalo. Estavas absolutamente encantador, a assustar o animal e as crianças, a fazer de vaqueiro e a gritar ”Yippee-kie-yay!” Estou em crer que toda a gente daqui até Chicago ouviu os teus gritos.

- Sasha não achava graça nenhuma e ele também não se mostrava divertido. Liam não queria que ela o tratasse como se fosse uma criança nem queria ser repreendido por ela. Era um homem adulto e achava que podia comportar-se como muito bem lhe apetecesse ou, pelo menos, era o que afirmava. Disse a Sasha que havia muito tempo que agia com toda a sensatez. Estava a precisar de uma válvula de escape.

- Eu disse-te, Sasha, não podes controlar-me. A minha família já tentou, e não vou permitir que faças isso comigo. Há ocasiões em que todos precisam de se descontrair, portanto, foda-se!, o que é que eu fiz de mais? - Liam adoptava uma postura defensiva, apesar de estar a sentir-se de rastos.

- Envergonhaste-me - replicou ela, fitando-o. Liam tinha voltado a acentuar a tónica no impossível, o que era uma pena, dado que as coisas tinham estado a correr tão bem até aí. Sasha estivera disposta a que ele a acompanhasse em público, permitindo-lhe o acesso ao seu mundo pessoal, mas não caso ele se comportasse daquela maneira, reivindicando o direito a uma liberdade total só porque era um artista. Se não queria ser controlado, então teria de aprender a dominar os seus instintos.

- Não tenciono voltar a sair em público contigo se continuares a agir dessa maneira - acrescentou Sasha cheia de tristeza, sentindo-se ainda mais desanimada por ele não mostrar o mínimo remorso perante aquela situação. Sendo assim, não saias! - ripostou Liam num tom de desafio. - Tu pareces o meu pai a falar, e não estou disposto a aceitar merdas dessas de ti. Não podes punir-me e deixar-me de castigo em casa só porque bebi uns copos numa festa!

- Tu não bebeste uns copos, bebeste até cair, além de te teres certificado de que todos os que estavam presentes, a observar, ficassem a saber que temos uma relação amorosa.

- Estou farto de manter a relação em segredo! - Na verdade, ao longo do mês de estada em Nova Iorque esse seIgredo passara a ser cada vez mais do domínio público. Bernard inteirara-se desde o início. Mareie já sabia, e Tatiana também, assim como Xavier, e Deus sabe quem mais desconfiaria... Mas desde que ele se comportasse à altura, Sasha estava disposta a assumir a situação, mais cedo ou mais tarde, mas nunca se ele agisse da maneira como fizera na noite anterior.

- Então porta-te como uma pessoa crescida, e deixarás de ser um segredo!

- Se me amasses de verdade, não haverias de querer que a nossa relação continuasse a ser segredo! - Liam expressava-se como uma criança injustiçada, e era como realmente se sentia. Queria ser merecedor da aprovação de Sasha e que se sentisse orgulhosa dele, não envergonhada.

- Eu amo-te, mas não vou permitir que me exponhas ao ridículo. As coisas já são suficientemente difíceis devido à diferença de idade entre nós. Preciso de tempo para me habituar a isso. Quanto a ti, tenho a impressão de que estás a precisar de tempo para cresceres.

- Por amor de Deus, Sasha, nove anos não são nada! Desiste dessa! Eu já sou crescidinho. Sou um artista e um espírito livre. Recuso-me a ser domesticado como um cão de circo para que possas impressionar os teus amigos e apaziguar a tua filha. Ou me amas como sou ou não amas!

- Toda esta situação se resume a isso? À Tatiana? Liam, ela precisa de tempo para se acalmar. Isto foi um choque enorme para ela, está convencida de que atraiçoei a memória do pai. Ela adorava-o! Isto foi um golpe tremendo! E tu a comportares-te como um irresponsável nas festas a que comparecemos não vai ajudar a convencer ninguém de que esta relação é viável, e muito menos a mim própria.

- Ele não disse nada, limitando-se a sair da cozinha, batendo com a porta da frente. Sasha ficou a vê-lo pelas janelas da sala de estar deambulando pela praia. Ambos estavam perturbados; a noite anterior fora um pesadelo. Mas o pior era o facto de partirem para a Europa no dia seguinte, ela rumo a Paris e ele com destino a Londres. Não dispunham de tempo para tentarem remediar o mal feito caso se envolvessem numa discussão no último dia antes da partida.

Quando regressaram de automóvel à cidade, nessa noite, Liam continuava amuado, e quando Sasha se ofereceu para lhe preparar o jantar, disse que não tinha fome. Depois do que bebera na noite anterior, pensou Sasha, o mais provável, realmente, era não ter fome. De qualquer maneira, preparou-lhe um prato de massa, e quando os dois se sentaram à mesa, por fim, ele começou a relaxar. Peço desculpa por me ter comportado como um cretino ontem à noite. O que fiz foi uma estupidez. Não sei dizer porquê, mas não estou acostumado a todas estas responsabilidades e restrições.

Não quero ter de agir de uma determinada maneira para conseguir merecer a tua aprovação e a das outras pessoas. Só quero poder ser eu mesmo e que me ames como sou. Que diabo, Sasha, há ocasiões em que me apetece beber uma cerveja com o porteiro! Ele parece ser um tipo simpático.

- Tenho a certeza de que é. Lamento muito que a minha vida te pareça tão restritiva - retorquiu Sasha, mostrando-se triste ao constatar o que dizia. Era precisamente o que a preocupara desde o início, em virtude da fobia dele quanto a ser ”controlado”. Qualquer tipo de expectativas ou de comportamento civilizado, na sua perspectiva, eram formas de controlo. Mas a vida dela era assim mesmo.

Sasha não era livre de poder fazer o que lhe desse na veneta. E se ele ficasse com ela, também não poderia fazer o que bem lhe apetecesse. A verdade, porém, é que ele estava a ter grandes dificuldades em aceitar essa realidade, o que correspondia exactamente ao que ela receara. Talvez, ao fim e ao cabo, aquela relação não fosse possível. - Não sei o que dizer, Liam. Não quero que te sintas infeliz, mas a verdade é que não podes fazer loucuras sempre que te dá para isso.

- Felizmente, tinha sido a única vez em que aquilo acontecera, mas ele não se ficara por meias-medidas. Para ambos. Ele havia tentado marcar uma posição. Ou, simplesmente, perdera o controlo, e de que maneira...

- O que é que vai acontecer quando voltarmos? - perguntou Liam, mostrando-se preocupado. Não queria perdê-la por causa do modo como se portara na noite anterior, mas, por outro lado, também não queria que ela lhe dissesse como é que devia agir. Pretendia o amor e a aceitação incondicionais dela, o que lhe deu a saber. Todavia, por vezes essa entrega entre adultos era difícil, particularmente se passar das palavras aos actos tivesse um preço demasiado elevado. E, na opinião de Sasha, era esse o caso. Era um dilema para ambos, e bastante sério. Para provar o amor que lhe dedicava, teria de se pôr a si própria numa situação de risco.

E no fim, se as coisas não resultassem entre os dois, as pessoas ficariam a rir-se dela, pelo menos, era o que Sasha pensava. Isso era algo que a incomodava muito. Queria que mantivessem a relação o mais discretamente possível até chegarem a conclusões palpáveis. Mas as restrições que isso impunha a Liam estavam a dar com ele em doido, afectando o seu amor-próprio, já bastante abalado. juntos, queria saber que teria liberdade para agir em conformidade com a sua maneira de ser. Quanto a Sasha, tudo o que queria era que ele crescesse; precisamente a única coisa que ele não estava disposto a fazer e que nunca fizera.

E subjacente a toda esta situação encontrava-se a preocupação de Sasha quanto à reacção que a filha tivera perante ele. Inegavelmente, Tatiana e Liam tinham começado da pior maneira possível.

- Vou ficar a trabalhar em Paris durante o resto do mês de Julho - disse Sasha em resposta à pergunta dele sobre o que aconteceria quando voltassem. - Poderás aparecer sempre que quiseres. No dia um de Agosto parto de férias com os meus filhos.

- E depois, o que é que acontece? - perguntou ele, e Sasha fitou-o com um ar inexpressivo; não compreendia o que ele queria dizer.

- O que é que acontece quando fores de férias com os teus filhos? - acrescentou.

-Já te tinha dito. Vamos para Saint-Tropez e aluguei um barco. Estarei fora durante três semanas. Quando regressar poderemos ir para qualquer lado, se quiseres. Tenho de voltar a Nova Iorque durante mais ou menos uma semana em Setembro; podes acompanhar-me. Mas nessa altura devias estar a trabalhar para a tua exposição. - Parecia simultaneamente a sua mãe e a sua negociante de arte, posição em que por vezes a colocava, ao invés de ser somente a mulher que amava.

- E com respeito ao período em que estiveres com os teus filhos? Também serei bem-vindo se aparecer lá? - perguntou Liam com uma expressão que era, mais uma vez, um misto de mágoa e desafio.

De fato tinham falado da possibilidade de ele se lhes juntar no barco durante alguns dias, especialmente porque Xavier também estaria presente, o que permitiria que Liam fingisse que ia só para passar uns dias com o amigo, o que seria natural, mas agora tornara-se impensável. Tudo isso teria sido possível antes de Tatiana os ter apanhado nus na casa de Southampton e a situação ter descambado num caos total. Agora, tanto o filho como a filha estavam inteirados do papel que Liam desempenhava na vida de Sasha.

- Liam, depois do que aconteceu com a Tatiana, não podes esperar vir connosco. Vai ser preciso algum tempo para que a situação volte a acalmar. - Sasha ainda não tinha conseguido falar com a filha.

Tatiana continuava a recusar-se a atender ou a retribuir os telefonemas da mãe, o que, finalmente, levara Sasha a enviar-lhe uma mensagem, na esperança de conseguir restabelecer a paz com a filha, mas, até ao momento, ainda não tivera notícias dela. Tanto quanto lhe era dado perceber, a guerra continuava, e Xavier também não sabia nada dela. Sasha falara várias vezes com o filho, que

continuava a acreditar que a irmã acabaria por se acalmar, mas, por enquanto, isso ainda não tinha acontecido. Ele dizia que Tatiana estava a portar-se de maneira infantil e com muita teimosia, tendo-a acusado de ser um fedelho birrento, portanto, agora também estava zangada com o irmão.

- Talvez não fosse má ideia se lhe fizesses frente e lhe dissesses umas quantas verdades! - retorquiu Liam, manifestamente irritado. Estava furioso com a filha de Sasha, pelo que esta não o censurava. No entanto, não queria arriscar-se a um corte de relações permanente com a filha por causa dele.

- Primeiro vou ter de falar com ela, antes de poder explicar-lhe o que quer que seja.

- E tencionas fazer isso? Estás disposta a defender-me, ou vais limitar-te a permitir que ela faça gato-sapato de mim, enquanto lhe lambes as botas?

- Liam, não estás a ser justo - replicou Sasha, sentindo o ardor das lágrimas nos olhos. - Ela é minha filha. Não estou disposta a perdê-la por causa disto, até mesmo por ti. Primeiro preciso de fazer as pazes com ela. E vamos ter de ver em que é que a nossa relação dará. Se resultar, tratarei de resolver a situação com a Tatiana, mas a verdade é que ainda não temos certezas - facto de que ele próprio estava bem ciente, mas que não queria admitir perante ela.

- Durante quanto tempo esperas que eu preste provas ante ti? - perguntou Liam, levantando-se e olhando para ela, que soergueu a cabeça, fitando-o.

- Não estás a prestar provas, estamos a tentar ver se isto resulta. Existem inúmeras diferenças entre nós. Não se pode dizer que tenhamos sido talhados um para o outro...

- Pois eu pensei que tínhamos sido talhados um para o outro! - ripostou ele, saindo da cozinha. Emalou as suas coisas no quarto de hóspedes, enquanto ela emalava as suas. Sasha perguntava-se se ele se deitaria consigo nessa noite, sentindo-se aliviada quando ele foi para a sua cama.

Não fizeram amor, limitando-se a ficar abraçados. Sasha adormeceu, enquanto Liam permaneceu acordado durante grande parte da noite, com os olhos pregados no tecto e uma expressão de pesar no rosto. Sentia o coração despedaçado por ela não estar disposta a tomar o seu partido, defendendo-o perante Tatiana. Liam prometera-lhe em Abril que manteria a relação entre os dois em segredo, pelo menos durante algum tempo, mas quando se comprometeu não fazia a mínima ideia até que ponto isso viria a magoá-lo. Nessa noite, deitado na cama, Liam reflectia sobre tudo isso, sentindo uma angústia excruciante.

 

Sasha e Liam regressaram à Europa em voos separados, ela com destino a Paris e ele a Londres. Aterraram mais ou menos à mesma hora e ela telefonou-lhe nessa noite. Ele pareceu-lhe distante. Conversaram durante algum tempo e Liam prometeu-lhe que nesse fim-de-semana iria a Paris. Sasha perguntou-se se iria realmente; parecia estar pouco satisfeito com ela. Tatiana magoara-o, assim como prejudicara a relação entre os dois, e bastante. Também magoara a mãe, mas a verdade é que Sasha não estava disposta a discutir irreparavelmente com a filha por causa dele. Tatiana era sua filha, pelo que gozava do direito, por nascimento, ao amor incondicional que Liam exigia dela. Todavia, ele não gozava do mesmo direito.

Nessa semana, Liam jantou com Xavier, discutindo o assunto com ele, mas este tinha tido uma infância e juventude muito mais fáceis do que ele. Tivera uns pais fantásticos e sabia que o amavam. Não era o caso de Liam, e tinha as cicatrizes emocionais que o provavam. Neste momento estavam a reflectir-se em Sasha, do mesmo modo que o que ela sofrera na juventude, inevitavelmente, se reflectia nele, fazendo ambos sofrer.

A maneira de viver de cada um e a diferença de idade entre os dois também eram factores adversos. Uma vez mais, Sasha via-se forçada a perguntar-se se a relação amorosa entre eles teria futuro. Queria que resultasse, mas não se o preço fosse ter de se aliar a ele contra a filha. Para ela, era um preço demasiado elevado a pagar pelo amor que lhe dedicava.

Na noite de sexta-feira Liam seguiu de automóvel para Paris e passaram um fim-de-semana sossegado juntos. Ele ficou para o feriado do Catorze de Julho e foram ver o desfile militar nos Campos Elísios. Liam disse que era divertido, mas que tinha saudades dos Yankees. Também sentia a falta dos filhos. Quisera visitá-los de novo antes de deixar os Estados Unidos, mas na altura andavam em viagem com Beth, e prometera-lhes que iria visitá-los de novo em Setembro.A galeria tinha sempre pouco movimento em Julho e era com expectativa que Sasha antevia as férias com os filhos. Falava o mínimo possível com Liam a respeito disso, a fim de não o magoar ainda mais por não ter sido convidado a juntar-se-lhes.

Finalmente, Tatiana voltara a falar com a mãe, ainda que apenas o mínimo indispensável. Sasha conversara com Xavier e o filho tinha concordado com ela, achando que seria preferível que Liam não fosse ter com eles durante as férias. O mais certo, se tal acontecesse, seria Tatiana perder as estribeiras outra vez, o que resultaria numa confrontação acesa. E Xavier disse isso mesmo a Liam, uma conversa que relatou à mãe. Tatiana não estava a portar-se de maneira razoável e só o tempo apaziguaria os ânimos exaltados. Andava obcecada com a existência de Liam na vida da mãe, considerando que era um desrespeito para com a memória do pai.

No último fim-de-semana antes das férias, quando passeavam pelo Bosque de Bolonha com a cadelita, Liam virou-se para Sasha, fitando-a.

- O que é que tencionas fazer quanto às tuas férias? A pergunta apanhou-a de surpresa. Pensava que aquele assunto estava arrumado, muito embora o sacrifício que teriam de fazer não agradasse a nenhum dos dois. Ela também queria estar com ele, mas essa possibilidade estava fora de questão.

Como Sasha veio a constatar, Liam esperara que ela ou Tatiana mudassem de ideias. O facto de tal não se ter concretizado foi interpretado por ele como a derradeira traição por parte de Sasha. Ela não tomava o seu partido, saindo em sua defesa. Na opinião de Sasha, aquela era uma atitude infantil e despropositada. No entanto, para ele era uma questão fundamental.

- O que é que queres dizer? O que é que tenciono fazer? Pensei que tínhamos concordado que este ano não seria possível ires connosco.

- Caso continuassem juntos, o que ela esperava que viesse a acontecer, existiriam outros períodos de férias para gozar. Quanto a estas, não era possível que as passassem juntos. Sasha precisava de tempo para resolver os diferendos com Tatiana.

- Tu não tens intenção de a confrontar, pois não? Insistiu Liam. Sasha fitou-o, suspirando. O seu rosto tinha uma expressão empedernida.

- Neste momento, não. Fá-lo-ei mais tarde, se tal for necessário. Tenho esperança em não ter de o fazer. Com o tempo, ela acabará por aceitar a relação entre nós dois. Por vezes, até mesmo os adultos sentem dificuldade em aceitar que um dos progenitores ande envolvido com outra pessoa, - Sasha atribuía a relutância de Tatiana a esse aspecto e não à cena escabrosa que tivera lugar em Southampton, o que, sem margem para dúvida, fora uma maneira muito pouco [auspiciosa de o apresentar à filha.

- A menos que tu a forces a isso, ela jamais me aceitará - continuou Liam, obstinado.

- Só na semana passada é que ela voltou a falar comigo

- retorquiu Sasha, com tristeza. Forçosamente, alguém perderia naquela situação; não queria que fossem eles. - Não posso enfiar-lhe isto pela garganta abaixo, Liam. Ela precisa de tempo para reconsiderar.

- Ela está a comportar-se como um fedelho! - ripostou ele, o que correspondia à verdade, mas era pouco simpático. Sasha também estava ciente disso, mas Tatiana continuava a ser sua filha. Liam falara num tom de voz maldoso, o que a deixou furiosa.

- Tal como tu próprio - retrucou, sem se exaltar. Liam virou-lhe as costas, afastando-se e começando a brincar com a cadela. Já no automóvel, a caminho de casa, manteve-se em silêncio. Exibia uma expressão de petulância e irritação, como um garoto furioso com a mãe. Um homem atraiçoado pela mulher que amava.

Sasha estava a preparar o jantar para os dois quando Liam desceu as escadas com a mochila na mão e entrou na cozinha.

- O que é que estás a fazer? - perguntou Sasha, sentindo um calafrio de medo percorrer-lhe a espinha. Sabia de antemão o que ele lhe responderia.

- Vou-me embora. Recuso-me a ser tratado por ti como se fosse um segredo repugnante, tal como não permito que a tua filha me humilhe.

- Liam, por favor... - disse ela, sentindo que o pânico se apoderava da sua voz. - Tens de nos dar uma oportunidade. Desde o princípio que sabíamos que esta situação levaria o seu tempo. E tu não és segredo nenhum. - Tatiana sabia da existência dele, e era aí que o problema residia.

- Não, eu sou uma desgraça! Tens vergonha de mim! Ambos se recordaram do churrasco do Quatro de Julho, quando ele disse aquilo e Sasha não lhe deu resposta.

- Eu não tenho vergonha de ti. Amo-te. Mas estás-me a pedir que escolha entre ti e um dos meus filhos. Isso não é justo. Não me peças que faça uma coisa dessas - retorquiu Sasha com os olhos marejados de lágrimas. Liam pedia-lhe que fizesse o impossível por ele, condenando a relação entre os dois caso não agisse como ele queria.

- Por vezes, essa decisão é o preço a pagar. Preciso que me ames e me respeites, o que não fazes.

- Se me amasses e respeitasses, nunca me pedirias que escolhesse entre ti e a minha filha! - Liam mantinha-se de pé a olhar para ela, sem dizer nada. Finalmente, algum tempo depois, voltou a falar, pegando na mochila.

- Acabou, Sasha. Estou farto. Já usámos todos os nossos recursos. Desde o princípio que tinhas razão: é uma relação impossível. Pensei que conseguiríamos levá-la avante. Estava enganado e tu estavas certa. - Mas ela não queria ter razão, queria estar enganada. Queria isso mais do que nunca! Tinha a impressão de que desta vez haviam estado tão perto de conseguirem... Até ele a ter posto perante aquela escolha atroz.

Sasha tentou abeirar-se dele, mas Liam estendeu o braço para a impedir de se aproximar.

- Não faças isso! Amo-te, mas vou voltar para Londres. Não me telefones. Está tudo acabado. - E em seguida, a crueldade final: - Dá os meus cumprimentos à Tatiana. Diz-lhe que ganhou. - Sem mais palavras, Liam saiu de casa dela. Desta feita, fechou a porta suavemente. Sasha ouviu o barulho do portão de bronze maciço a bater pouco depois, quando se fechou, vendo-se sozinha na cozinha, a olhar fixamente para o sítio onde ele estivera momentos antes, com as lágrimas a correrem-lhe pelas faces.

Desde que perdera Arthur que nunca se sentira tão mal.Sentou-se no chão da cozinha, junto da cadela, afagando-lhe o pêlo, enquanto chorava convulsivamente. Agora a Peúgas era tudo o que lhe restava dele. Liam tinha partido, voltara para o seu mundo, e ela sabia que desta feita era a sério.Deixou-se ficar sentada no chão da cozinha, às escuras, durante muito tempo. Não se deu ao trabalho de ligar as luzes. Permaneceu onde estava sem parar de chorar, murmurando uma palavra na escuridão:

- Impossível...

Nessa altura já Liam seguia pela estrada a caminho de Londres, convencido da mesma coisa.

 

O tempo passado em Saint-Tropez teria sido divertido para Sasha se não tivesse o coração despedaçado. Xavier apercebeu-se imediatamente quando chegou de que devia ter acontecido alguma coisa terrível, e foi ter com a mãe ao Hotel Byblos, onde os três estavam alojados. Não via a mãe com uma expressão tão angustiada desde o dia, havia vinte e dois meses, em que o pai falecera.

Xavier tinha desconfiado de qualquer coisa quando encontrou Liam num pub na noite anterior à sua partida acompanhado de uma jovem lindíssima. Liam beijava-a e estava completamente embriagado. Xavier sentiu-se como se o coração lhe tivesse caído aos pés. Foi nessa altura que teve percepção de que a relação entre ele e a sua mãe devia ter acabado. Com excepção do pequeno deslize que levara ao seu divórcio, Liam não era um homem infiel, portanto, se ele estava acompanhado de outra mulher em público, isso queria dizer que a relação com Sasha acabara.

- Vocês dois discutiram? - perguntou Xavier à mãe em voz baixa quando tomavam um Pernod no terraço.

- Ele pretendia que eu confrontasse a Tatiana, e eu disse-lhe que ainda era demasiado cedo para isso. Ele queria vir de férias connosco... Talvez tenha razão, mas não quero arriscar-me a prejudicar o meu relacionamento com a tua irmã. Ele exigiu de mais prematuramente, e eu não consegui fazer o que ele queria. A Tati ainda não está preparada para ceder. Penso que a atitude dele tem origem na sua vivência com a família.

Durante toda a vida disseram-lhe que não era suficientemente bom, colocando-o à margem, e ele achou que eu estava a agir da mesma maneira, mas não, eu só queria que a Tati tivesse algum tempo para se acalmar depois do que aconteceu em Southampton, e estas férias eram cedo de mais para isso.

- Às vezes, Liam comportava-se como uma criança, o que ambos sabiam. Sob certos aspectos, era como um garoto brilhante e cheio de talento que tinha birras sempre que sentia que era rejeitado. Mas o pior era Sasha ter consciência de que o amava. No entanto, tinha ainda mais amor à filha.

- Foi uma atitude estúpida da parte dele - retorquiu Xavier, irritado. Apesar de ter apenas vinte e seis anos, era muito mais maduro do que Liam. - Eu disse-lhe a mesma coisa que a mãe: tudo o que havia a fazer era relaxar e deixar correr o tempo.

- Imagino que não tenha conseguido adoptar essa atitude. - Os ecos do passado de Liam continuavam a ser demasiado fortes e talvez nunca viessem a desaparecer. Chegadas a uma certa altura, as pessoas que se amavam tinham de aprender a aceitar o modo de vida do outro; caso não fossem capazes de o fazer, a relação não resultaria. Com Liam, não resultara.

Xavier olhou de fugida para a mãe, dizendo, sem pensar: - Encontrei-o na noite antes de deixar Londres. Foi num pub, e estava tão bêbedo que nem sabia o que fazia, Não me pareceu que fosse a ocasião mais apropriada para lhe [fazer perguntas, mas apercebi-me de que devia ter acontecido alguma coisa. - O modo como o filho se expressou disse mais a Sasha do que ele tencionara dar-lhe a perceber. Olhando bem fundo nos olhos do filho, fez-lhe uma pergunta que lhe diria tudo o que precisava de saber. Ele estava sozinho? - indagou Sasha, mal conseguindo articular as palavras. Sentia-se como se um torno lhe apertasse o peito

Xavier não lhe deu resposta durante o que pareceu uma eternidade, mas depois abanou a cabeça. l Estava com uma rapariga qualquer, uma perfeita idiota. O mais certo é tê-la conhecido no pub. Isso não quer dizer nada, mãe, ele estava perdido de bêbedo. Tenho a certeza de que não a conhecia. - Xavier não lhe contou que Liam estava a beijar a rapariga e que ela aparentava ter uns vinte e dois anos, mas até mesmo com o pouco que ele disse, Sasha sentiu-se como se o seu coração tivesse sido trespassado por um punhal. Era inegável que a relação acabara.

Depois desta conversa, o resto da viagem, para ela, foi uma verdadeira agonia. O que, de qualquer maneira, teria sido. A culpa não era de Xavier. Liam saíra da sua vida. Não conseguia pensar noutra coisa.

Passaram duas semanas em Saint-Tropez, encontrando-se com pessoas amigas, indo para a praia de dia e a restaurantes à noite. Almoçaram no Clube 55, foram tomar umas bebidas ao Gorilla Bar e, depois de Tatiana chegar, ela e a mãe foram dar uma vista de olhos pelas lojas. Sasha dava a impressão de estar numa agonia constante de manhã à noite, no que Tatiana parecia não reparar. Nenhuma delas mencionou o nome de Liam. Quanto a Xavier, não se atrevia a voltar a falar nele.

Pela expressão que se espelhava nos olhos da mãe, via até que ponto se sentia infeliz, até mesmo quando tentava mostrar-se animada, fingindo que estava tudo bem, o que fazia durante a maior parte do tempo. E quando se recolhia no seu quarto, à noite, adormecia sempre a chorar. Sentia uma falta excruciante de Liam, mas tinha noção de que não havia nada a fazer para que ele voltasse; só lhe restava aceitar o inevitável. Não podia telefonar-lhe para o convidar a juntar-se a eles em Saint-Tropez; Tatiana teria partido caso o fizesse. Sasha não queria arriscar-se a isso.

Foram convidados para sair por amigos em várias ocasiões, o que Sasha aceitava quando quem a convidava tinha filhos mais ou menos da idade dos seus ou era cliente das suas galerias. Porém, ter de estar com outras pessoas e manter uma conversa dava-lhe vontade de rastejar para fora da própria pele. Nunca se sentira assim em toda a sua vida. Depois da morte de Arthur, mantivera-se em reclusão durante vários meses, mas agora voltara ao convívio social, fingindo que estava tudo bem consigo, o que se tornava quase insuportável.

Nada do que fizesse lhe proporcionava o mínimo alívio ou satisfação. Dia e noite sofria com a ausência de Liam, sabendo de antemão que ele não podia ser seu. Não lhe ligou e ele também não lhe telefonou uma só vez. Noite após noite, imaginava-o pelos bares a conquistar mulheres jovens. O sofrimento era tanto que se sentia enlouquecer quando entraram a bordo do barco que alugara para as férias. Foi um alívio quando levantaram âncora, deixando Saint-Tropez rumo ao mar alto.

Tanto Xavier como Tatiana tinham convidado amigos, por sugestão de Sasha. Todos gostavam da companhia uns dos outros, pelo que não precisava de os entreter.

Podia deitar-se no convés e fechar os olhos próximo da proa do barco a pensar nele, sentindo uma dor incomensurável. À noite, quando os jovens iam a terra, ela optava por ficar no barco. Alegava que não lhes queria estragar o divertimento, mas a verdade é que não sentia vontade de falar com quem quer que fosse. Precisava de tempo a sós com o desgosto que se apoderara dela.

Foram a Portofino, onde se decidiu a ir a terra, mas por pouco tempo. Jantaram no Splendido, para celebrar o facto de Sasha ter finalmente concordado em sair com eles. No entanto, a despeito de todos os seus esforços, esteve com um aspecto tão infeliz durante o jantar que Tatiana perguntou ao irmão o que é que afligia a mãe depois de esta ter voltado para o barco, alegando que tinha dores de cabeça.

- A mãe está doente? - perguntou Tatiana, totalmente alheada do mal que causara ou a portar-se como se não tivesse acontecido nada de anormal; Xavier não sabia bem qual das hipóteses estava certa.

- Não - respondeu, pesaroso -, sente-se extremamente infeliz. Desde a morte do pai que eu não a via neste estado - acrescentou, olhando-a com uma expressão de censura, mas ela não lhe deu resposta. - Tornaste as coisas terrivelmente difíceis para ela, Tati. Ela não merecia isso. A mãe e o Liam acabaram tudo antes de ela ter vindo para Saint-Tropez. - Xavier sentia-se entristecido pelos dois, pois acreditava que se amavam, independentemente da diferença de idades.

Na noite em que o vira, Liam também lhe parecera estar fora de si, com a diferença de o expressar de modo diverso do de Sasha. Ele dava largas aos seus sentimentos, enquanto ela guardava todo o seu sofrimento dentro de si. Tatiana, porém, não mostrou quaisquer remorsos quando a pôs a par do que se estava a passar.

- A mãe está melhor assim. Ele é um canalha! - ripostou Tatiana, o que fez Xavier sentir uma enorme vontade de a esbofetear.

- É maldade dizeres uma coisa dessas! Por que razão queres vê-la tão infeliz? - Estava furioso com a atitude da irmã. - Eu disse-te que ele é um bom tipo e que a ama, e é evidente que ela está apaixonada por ele. O que é que estás a pensar fazer agora? Sentares-te ao pé dela para lhe fazeres companhia? Isso é que era bom! Tens a tua própria vida. Tal como eu, e, por isso, ela volta a ficar sozinha. - Estava extremamente encolerizado e angustiado por causa da mãe. Ela ama o pai! - ripostou Tatiana, insistente e teimosamente.

- Amou. Agora ama o Liam!

- Ela andava a fazer uma figura ridícula e, seja como for, o mais provável é ele ter andado a rir-se à custa dela. Além do mais, era uma relação muito censurável para com a memória do pai.

- A mãe não fez nada de ofensivo à memória do pai. Ele morreu, Tati, nunca mais voltará. Ela tem o direito de ter uma vida feliz, quer tu aproves quer não. A razão por que acabaram com a relação deveu-se ao facto de ela não querer ficar de mal contigo, caso o tivesse convidado para passar uns dias connosco. Deves um pedido de desculpas à mãe. Talvez ainda não seja tarde de mais para ela remediar as coisas. Eles amam-se. Têm direito a esse amor. E tu não tens nada que interferir!

- Mas eu não quero que ela remedeie as coisas... - retrucou Tatiana, devastada.

- Depois de tudo o que ela faz por nós, como é que tens coragem de ser tão egoísta? - Xavier sentia uma vontade quase irresistível de estrangular a irmã pela sua atitude e falta de compaixão para com a mãe, que estava a sofrer terrivelmente por causa de Liam, o que mais do que convencia Xavier de quanto o amava.

- Talvez eu lhe tenha feito um favor...

- Precisavas de umas boas palmadas no traseiro. O Liam tem toda a razão, és um fedelho birrento!

- Foi isso que ele disse de mim? - perguntou Tatiana, de novo furiosa.

- Patife! Ali estava ele com a picha pendurada, pronto para me agredir com o atiçador, depois de ter fornicado com a nossa mãe! - acrescentou num timbre de voz que acreditava transmitir a afronta de que fora vítima. Xavier pensava apenas que ela estava a portar-se como uma megera, o que lhe disse, e só serviu para a enraivecer ainda mais.

- Tu metes nojo! Talvez ele devesse ter-te batido com o atiçador. Merecias isso! - ripostou Xavier, encolerizado. Após esta troca de palavras, Tatiana afastou-se, indignada. No dia seguinte, Sasha reparou que os filhos não se falavam, mas não fazia a mínima ideia porquê. Nem sequer lhe passou pela cabeça que tivessem discutido por causa de si e de Liam.

Depois do episódio com a irmã, Xavier passou a ser ainda mais gentil na maneira como tratava a mãe e Tatiana também se mostrou mais afável. Sentia alívio por Liam estar fora de cena, considerando a sua ausência uma bênção. Nunca disse nada a respeito dele nas suas conversas com a mãe, e esta decidira não mencionar o assunto, para não voltar a exacerbar os ânimos. Agora não valia a pena bater na mesma tecla; ele tinha desaparecido da sua vida, e falar sobre isso magoava-a de mais.

Tiveram uma estada bastante agradável no barco, a despeito da tristeza de Sasha, e todos se sentiram nostálgicos quando atracaram no porto do Mónaco. Fizeram um último jantar a bordo e depois os mais jovens foram ao casino; Sasha deitou-se cedo. Na manhã seguinte, todos partiram. Tatiana apanhou um voo de regresso a Nova Iorque, Xavier voltou para Londres, tendo prometido à mãe que iria visitá-la dentro em pouco, e Sasha seguiu de avião para Paris, depois de os outros jovens terem ido cada um para seu lado. Para ela tinham sido três semanas muito longas.

Havia desfrutado da companhia dos filhos, mas sentia-se aliviada por poder voltar para casa e ir para a cama com a Peúgas. A residência, em Paris, pareceu-lhe insuportavelmente silenciosa e vazia quando regressou.

Agora não tinha nada na vida por que ansiasse, excepto o trabalho, o que lhe permitira continuar em frente outrora, depois da morte de Arthur. Mas desta vez a situação pareceu-lhe mais difícil. Quando Arthur falecera, a única alternativa que lhe restara tinha sido aceitar o inevitável e ajustar-se às novas circunstâncias, por muito doloroso que isso fosse. Não havia outra opção! Mas agora, sabendo que Liam estava vivo e de boa saúde, a trabalhar no seu estúdio e, provavelmente, dedicado à conquista de mulheres jovens, a situação tornava-se mais difícil de ultrapassar.

Claro que existia sempre a possibilidade, ainda que remota, de ele lhe telefonar ou mesmo de voltar para junto dela, mas Sasha estava ciente de que isso não aconteceria. Ele era demasiado casmurro e Sasha sabia até que ponto se sentia atraiçoado por ela se ter recusado a fazer frente à filha.

Para ele, tal atitude abrira muitas feridas antigas de abandono e traição, e Sasha sabia que Liam não era capaz de ultrapassar essas adversidades. Conhecia-o bem de mais e estava certa no seu raciocínio.

No primeiro dia de trabalho depois de voltar de férias, como quem não quer a coisa, dissera a Bernard que se Liam telefonasse queria que fosse ele próprio a tratar de tudo. Ela não atenderia as chamadas dele. Sabia que Liam talvez ligasse para a galeria para tratar de assuntos relacionados com a exposição em que os seus trabalhos seriam exibidos e não era capaz de encarar a hipótese de falar com ele. Era demasiado doloroso.

- Passa-se alguma coisa de errado? - perguntou Bernard, mostrando preocupação. Ela não parecia estar bem, apesar das férias bastante prolongadas. Sob o bronzeado que adquirira a bordo, tinha umas olheiras muito acentuadas, além de dar a impressão de estar tensa. Também achava que perdera peso, o que era verdade.

- Não - respondeu Sasha, começando a dizer qualquer coisa, mas depois decidiu falar com franqueza. - Está tudo acabado. - Os seus olhos reflectiam o desânimo que lhe ia na alma.

- Oh! - exclamou Bernard, que não sabia o que dizer, olhando para ela. Apercebia-se de quanto se sentia infeliz, um sentimento que estava em proporção directa com a felicidade que mostrara havia apenas alguns meses na companhia de Liam. - Continuamos a fazer a exposição em Nova Iorque com os trabalhos dele? - perguntou Bernard.

- Claro que sim. Somos os seus negociantes - replicou ela, adoptando uma atitude de profissionalismo, após o que, sem acrescentar mais nada, se dirigiu para o seu gabinete, fechando a porta depois de entrar. O assunto ”Liam” estava tão encerrado como aquela porta.

Eugénie também reparou que ela andava muito calada. Quando Sasha partiu para Nova Iorque, em Setembro, a fim de tratar dos preparativos para uma exposição, Mareie sentia-se apreensiva por causa dela. Sasha couraçara-se para não chorar quando lhe disse que estava tudo acabado entre si e Liam. Já haviam passado dois meses. Sentia-se como se tivesse rastejado por cima de arame farpado desde Julho e tinha uma aparência de exaustão, agora que o bronzeado já havia desaparecido.

Mareie achou que ela estava com um aspecto horrível, o que correspondia ao que Sasha sentia. Não havia nada que não o trouxesse à memória, tudo lhe parecia vazio sem a presença dele. A sua cama em Paris era demasiado grande; a da casa de Nova Iorque era uma autêntica agonia. O porteiro perguntou-lhe se ele estava bem. Muito embora ambos tivessem sido extremamente cuidadosos para que ninguém soubesse da relação, todos perguntavam por ele, todos gostavam dele.

E, pior ainda, também ela gostava. Só Tatiana é que o detestava. Nem sequer dera a entender que sabia que ele já não fazia parte da vida da mãe. Xavier, pelo contrário, telefonava-lhe com frequência, e para ela era sempre um prazer poder falar com o filho.

Xavier encontrara-se várias vezes com Liam, mas não partilhou isso com a mãe. Quando falava com ela, nunca aludia ao nome dele. Cada vez que o vira, estava acompanhado de uma mulher diferente. Dava a impressão de tentar recuperar o tempo perdido, falando constantemente sobre o seu divórcio. Nunca referia o nome de Sasha, o que levava Xavier a desconfiar de que continuava apaixonado por ela. O facto de ele não a mencionar parecia-lhe bastante estranho.

Em Outubro, Xavier passou um fim-de-semana em Paris com a mãe. O tempo estava maravilhoso e decidiram ir jantar ao Le Voltaire, um restaurante que ambos adoravam. Nessa altura Sasha já estava com melhor aspecto. Havia regressado há pouco de Amesterdão, depois de ter assinado contratos com dois artistas. Não mencionou o assunto a Xavier, mas andava a reunir coragem para ir a Nova Iorque, a fim de preparar a exposição de Liam. Ainda faltavam seis semanas...

Enfim, seis semanas era o tempo de que dispunha para ficar suficientemente forte para quando se encontrasse com ele, altura em que não queria mostrar qualquer reacção, independentemente do que sentisse no seu íntimo. Decidira que adoptaria uma atitude exclusivamente profissional em relação ao assunto; ao fim e ao cabo, era ela quem negociava os trabalhos dele.

Xavier já tinha visto os seus trabalhos mais recentes, dizendo que eram muito bons. Bernard também fora a Londres para ver esses novos quadros, e ficara deveras satisfeito, estando certo de que Sasha também haveria de os considerar excelentes.

A exposição abriria ao público no primeiro dia de Dezembro. Sasha e os filhos tinham combinado reunir-se em Nova Iorque para celebrarem juntos o Dia de Acção de Graças, uma vez que ela teria de estar na galeria de Nova Iorque na segunda-feira a seguir ao feriado. Durante esse fim-de-semana tencionava tratar dos preparativos para a exposição. O Dia de Acção de Graças passado em Paris nunca fizera grande sentido para ela. Seria mais divertido para todos se o celebrassem em Nova Iorque.

Pouco antes de partir, Xavier encontrou-se com Liam. Passou pelo estúdio dele, tendo deparado com uma jovem; não fazia ideia se era a sua nova namorada ou não. Aparentava ter uns vinte e cinco anos, e Xavier só pedia aos santinhos que ele não a levasse para Nova Iorque. Se o fizesse, isso mataria a mãe, e esperava que Liam tivesse o bom senso de ir sozinho, se bem que qualquer deles tivesse o direito de seguir a sua própria vida da maneira que melhor satisfizesse os seus desejos.

Todavia, Xavier sabia quanto a presença de outra mulher ao lado de Liam magoaria a mãe. Ela nunca mais voltara a sair com outro homem, segundo o que Xavier apurou durante o jantar no Le Voltaire; os seus olhos ficaram rasos de água quando Xavier falou nisso, respondendo apenas com um abanar de cabeça.

Xavier não voltou a tocar no assunto. Tinha o pressentimento assustador de que a mãe desistira de voltar a ser feliz. Aos quarenta e nove anos, na sua opinião, parecia-lhe um grande desperdício, mas a verdade é que ela dava a impressão de se ter fechado dentro de si própria, excepto quando estava a trabalhar. A galeria parecia ser a única coisa que conseguia abstraí-la do desgosto, pelo que ele se sentia agradecido.

- Vemo-nos em Nova Iorque! - disse Liam alegremente à guisa de despedida quando Xavier saiu. Estava entusiasmado com a exposição, mas não falara em Sasha uma única vez.

Sasha e os filhos passaram o Dia de Acção de Graças no apartamento. Depois do jantar, ela e Xavier foram ao cinema, enquanto Tatiana optou por sair com os amigos. Era o terceiro Dia de Acção de Graças que passavam sem Arthur e o mais doloroso até agora. Durante o resto do fim-de-semana, Sasha andou muito ocupada a tratar da exposição de Liam.

Os quadros, constatou à medida que os ia tirando das grades de embalagem, eram magníficos. Sasha recuou para poder admirá-los melhor, sentindo-se muito orgulhosa dele. Fizera uns trabalhos fantásticos para a exposição. Os quadros chegaram todos em perfeitas condições. Entusiasmada, começou a encostá-los às paredes, colocando-os ao alto à volta da galeria antes de decidir onde os iria pendurar.

A noite de domingo já ia adiantada e Sasha ainda estava na galeria, tentando decidir qual de dois quadros espectaculares havia de pendurar à frente, de maneira que as pessoas o vissem assim que entrassem. Nem sequer o ouviu chegar. A porta da galeria não estava trancada. Xavier passara por lá de fugida e Sasha esquecera-se de a trancar depois de ele ter saído; estivera demasiado ocupada a pendurar os quadros de Liam.

Observava atentamente as duas pinturas maiores quando ouviu uma voz atrás de si que lhe era familiar e que fez o seu coração bater mais depressa. Era Liam, que acabara de chegar de avião; trazia uma camisola preta de gola alta e calças de ganga, o habitual boné de basebol, botas de motociclista e um casaco de cabedal também preto e já com muito uso. O cabelo louro e comprido estava preso num rabo-de-cavalo que lhe caía pelas costas. Mais do que nunca, a sua parecença com James Dean era notória.

E já não lhe pertencia, disse Sasha para si própria quando se voltou para falar com ele numa voz enganadoramente calma, olhando-o bem de frente. Liam não se apercebeu de nada, mas a verdade é que lhe custou imenso afivelar aquela fachada de desprendimento.

- Fizeste um trabalho magnífico! - disse ela numa voz suave. Agora era apenas a pessoa que negociava os seus quadros, recordou a si mesma, e nada mais. Os olhos dos dois prenderam-se enquanto se observavam à distância. Ele não se aproximou dela para lhe dar um beijo na face. Manteve-se no extremo oposto da galeria a olhar para ela, que também mantinha o olhar fixo nele. Os tempos haviam mudado. Liam tinha uma expressão de tristeza, cansaço e seriedade, mas estava lindo como sempre. - Pintaste um número inacreditável de quadros! - De facto, era impressionante.

- Tenho andado bastante ocupado - adiantou ele em voz baixa.

- Desconfiei que estarias - retorquiu ela, mas arrependeu-se imediatamente do seu comentário.

O que ele fazia nos seus tempos livres deixara de ser assunto que lhe dissesse respeito. Sasha parecia agitada quando voltou a dirigir-lhe a palavra. - De qual é que gostas mais para a frente? Há uma hora que estou aqui especada a tentar decidir.

- Daquele - replicou Liam, apontando para o quadro maior e com cores mais vibrantes sem a mínima hesitação.

- Não concordas? - Continuava a prezar a opinião dela. Sasha tinha um golpe de vista infalível, o que o levava a ter o maior respeito pelo que ela fazia e pela sua competência.

- Sim, concordo. Tens razão. - Sasha pegou no quadro, levando-o para o sítio onde queria pendurá-lo, e ele aproximou-se para a ajudar. O quadro era demasiado grande para o poder levar sozinha, mas Sasha não se importava. Era frequente que trabalhasse à noite até tarde, ficando sozinha a pendurar quadros, travando uma verdadeira batalha com as molduras, o escadote, a fita métrica, o nível de bolha de ar, os pregos e o martelo. Liam sorriu ao vê-la a pregar um prego na parede, após o que pegou no quadro, enquanto ele o erguia para ela.

Mostrava-se tão teimosa e determinada como sempre. Nada havia mudado. Ele continuava a sorrir quando ela desceu do escadote para poder admirar o seu trabalho. Magnífico! Está perfeito!

Liam concordou com um acenar de cabeça, observando o quadro com o olhar crítico de um pintor, mas também estava satisfeito.

- Sim, de facto fica bem aí. - Olhou à sua volta, sentindo-se satisfeitíssimo ao ver a disposição que ela dera aos seus trabalhos para a exposição, tal como, aliás, sabia que aconteceria. Ao olhar para ele, Sasha teve uma percepção muito clara de que era a primeira vez que o via em quatro meses e alguns dias. Tentou não pensar nisso quando passou por ele para guardar as ferramentas.

Só de sentir a sua presença no mesmo espaço em que se encontrava era-lhe difícil acalmar-se. a sentir-se percorrida pela mesma sensação electrizante que sempre experimentara junto dele, mas agora teria de ignorar isso, para bem de ambos. Liam dava a impressão de não sentir absolutamente nada por ela, o que era deprimente, no entanto, disse para si mesma que talvez fosse preferível assim. Era a única maneira possível.

Sasha desligou as luzes da galeria depois de ele ter visto todos os seus trabalhos e como ela os havia pendurado. Quando saíram, ficou espantada ao ver que estava a nevar. Tinha ficado todo o dia e grande parte da noite na galeria a trabalhar para a exposição dele.

- Onde é que vais ficar? - perguntou com naturalidade, ligando o alarme e fechando a porta à chave. Ele seguiu atrás dela, reparando quanto parecia cansada e como havia emagrecido. Ao olhar para ele, e sabendo a idade das mulheres com quem andava provavelmente a sair, Sasha sentiu-se como se tivesse cem anos. Liam, porém, achou que ela estava lindíssima, apesar de ter emagrecido, esperando que não estivesse doente.

- Estou em casa de uns amigos na Tribeca - respondeu de forma propositadamente vaga. Não queria agir de maneira muito pessoal com ela. - Vou visitar os meus filhos a Vermont na semana que vem, depois da inauguração da exposição. A Beth vai casar-se na véspera do Ano Novo. - Liam não sabia por que razão lhe dissera aquilo, mas era bom voltar a vê-la. Bom, embora estranho. Era tão esquisito ter amado alguém, como ambos tinham amado, e agora nem sequer serem amigos... Apenas um pintor e a sua negociante de arte... Depois desta exposição, Sasha não fazia a mínima ideia de quando voltaria a vê-lo.

- Como é que estão os garotos? - perguntou-lhe enquanto esperavam que passassem táxis. A neve acumulava-se no solo, tendo já uma altura de alguns centímetros, e táxis nem vê-los. Finalmente, apareceu um.

- Os garotos estão óptimos - respondeu Liam, disposto a que ela ficasse com o táxi. Seguiam em direcções opostas, pelo que um não podia deixar o outro pelo caminho. Em qualquer dos casos, Sasha não queria seguir no mesmo táxi. Estar tão perto dele teria sido demasiado difícil para ela. Mas então teve consciência de que Liam talvez fosse forçado a esperar durante mais uma hora que passasse outro táxi. Tinham esperado quase vinte minutos até aquele ter aparecido.

- Queres deixar-me em minha casa e depois continuas em direcção a Tribeca? És capaz de ter de ficar aqui durante horas à espera de outro táxi... - ofereceu Sasha, generosamente. A neve caía com mais intensidade, aumentando a camada no solo. Se não estivesse tanto frio e humidade, teria sido bonito de observar. Liam hesitou, mas depois aceitou com um aceno de cabeça. O que ela sugerira, na sua opinião, tinha toda a razão de ser. Assim, ambos entraram no táxi.

Sasha indicou o endereço ao taxista e ficaram em silêncio.

- Espero que não caia um nevão, porque isso complicaria a vida das pessoas que quisessem ver a exposição - comentou Sasha, olhando pela janela do táxi.

- Gosto de Nova Iorque quando neva - disse ele, sorrindo, a olhar para a neve que rodopiava em redor do carro. Mais do que nunca, parecia um garoto, o que nele não era nada de novo. - Como é que passaste o teu Dia de Acção de Graças? - perguntou cortesmente.

- Passou-se bem. Os feriados já não são como antigamente, mas foi melhor do que o do ano anterior e do que o outro antes desse - replicou Sasha, referindo-se a Arthur. No entanto, tinha sido muito pior sob outros aspectos por causa dele. Entretanto chegaram diante do prédio em que ela vivia. O porteiro abriu-lhe a porta do táxi e ela saiu, agradecendo a Liam pela boleia. - Vemo-nos amanhã. Depois disso passarás a ser uma estrela - continuou ela, sorrindo-lhe, e depois acrescentou: - O que já és. Boa sorte para amanhã.

- Obrigado, Sasha. - Liam estava-lhe grato apesar de, em termos amorosos, as coisas não terem corrido bem entre eles.

O táxi começou a afastar-se quando Sasha chocou com Tatiana, que passara por lá para ir buscar um vestido que a mãe tinha prometido que lhe emprestaria para uma festa a que ela ia nessa semana. Sasha viu que a filha olhava de relance para o táxi, tendo reconhecido quem se encontrava no interior. Já no elevador, não fez qualquer comentário, mas assim que entrou no apartamento com a mãe, Tatiana não escondeu a irritação que sentia.

- Quem era aquele? - perguntou ela num tom de voz extremamente agreste, que fez Sasha ranger os dentes. Mas estava determinada a não reagir, por isso não mordeu o isco. Desde Julho que não discutiam por causa de Liam, havia cinco meses. Sabes bem quem era - replicou Sasha muito calma.

- A exposição dele abre amanhã ao público.

- Voltou a andar com ele? - perguntou Tatiana à mãe com uma expressão de censura, como se esta fosse uma falhada aos olhos da filha caso isso se confirmasse, o que irritou Sasha ainda mais. Tatiana já causara estragos suficientes. Não estava disposta a permitir-lhe que causasse mais problemas.

- Não, não voltei - respondeu Sasha, embora desejasse que sim. Mas era tarde de mais para isso.

- O mais provável é ele andar a sair com raparigas com metade da sua idade... - ripostou Tatiana, malévola, e Sasha perdeu a paciência.

-Já chega! - disse a mãe com firmeza, num tom de voz que surpreendeu Tatiana. - O que ele faça, ou não faça, é assunto que não me diz respeito, nem tão-pouco a ti.

- Continua apaixonada por ele, não é verdade? - retorquiu Tatiana como se estivesse a acusá-la, e Sasha olhou-a bem de frente.

- Sim, continuo.

- Isso é patético!

- A única coisa patética aqui é tu seres tão malévola ao ponto de teres dito o que acabaste de dizer, por não dares tréguas a esta espécie de vingança que tentas dignificar em nome do teu pai. Isto não tem nada a ver com ele, nem tão-pouco contigo, e, nesta altura, nem sequer comigo. O Liam é um homem decente, Tatiana. As coisas não correram bem entre nós dois, o que, podes crer, lamento bastante. Se a tua intenção é esfregar vinagre nas minhas feridas, sai daqui o mais rápido possível. A minha vida já é bastante difícil e suficientemente solitária e triste, sem que seja preciso que a tornes ainda mais amargurada.

- Havia lágrimas nos olhos de Sasha quando Tatiana olhou para ela, perplexa ao ver a veemência com que a mãe reagira às suas palavras. Xavier dissera-lhe que ela estava apaixonada por Liam, mas Tatiana recusara-se a acreditar no irmão. Pensava que a relação era somente de natureza sexual, mas agora podia constatar que se tratava de muito mais do que isso. Nunca esperara que Sasha a atacasse com todas as armas ao seu dispor.

- Peço desculpa, mãe - disse, contrita. - Não me tinha apercebido de que gostava assim tanto dele. - Subitamente, Tatiana deu-se conta do que fizera e do preço que a mãe pagara pela sua atitude. Pela primeira vez, sentiu-se culpada.Sim, gosto muito dele, embora nesta altura isso não me sirva de nada - disse Sasha com toda a franqueza, despindo o casaco e limpando as lágrimas. Pela primeira vez desde aquela noite fatídica nos Hamptons, Tatiana sentiu sinceramente pena da mãe. A única coisa em que pensava era na falta que sentia do pai, e não como a mãe se sentiria sozinha e infeliz.

- Eu só queria que a mãe optasse por alguém mais parecido com o pai - continuou Tatiana numa voz cheia de suavidade, agora que estava tão arrependida do que lhe dissera antes. Foi nessa altura que, pela primeira vez, admitiu a verdade, ficando com os olhos marejados de lágrimas. O que eu disse não é exacto - corrigiu-se -, eu não queria que a mãe tivesse quem quer que fosse, queria que permanecesse fiel à memória do pai.

- Sei que sim - retorquiu Sasha por entre lágrimas, puxando Tatiana para os seus braços. - Eu também sinto a falta dele, minha querida, pensei que morreria quando faleceu. Nunca esperei vir a apaixonar-me pelo Liam, foi algo que aconteceu. Não tive qualquer intenção, mas as coisas são assim mesmo. - Sasha fechou os olhos enquanto as duas se abraçavam. - Mas agora isso não interessa. Está tudo acabado - ao dizer isto, as lágrimas caíam-lhe pelas faces.

- Talvez ele volte... - alegou Tatiana, sentindo-se pesarosa pela mãe e cheia de remorsos pelo que fizera. Tinha sido preciso muito tempo, mesmo muito, para a compreender.

- Não, é impossível - redarguiu Sasha em voz baixa; Tatiana chorava nos seus braços. - A culpa não foi tua, Tati. Se ele me amasse verdadeiramente, não se teria afastado de mim. Em qualquer dos casos, a relação estava destinada a acabar. Era impossível desde o princípio. Tinhas razão

- acrescentou com um sorriso cheio de tristeza -, sou demasiado velha para ele. Preciso de um homem adulto, o que quer que seja que isso signifique.

- O pai era um adulto - retorquiu Tatiana, mostrando-se tão triste como a mãe. Sentia-se responsável pelo que tinha acontecido.

- Sim, era. Não há muitos homens como ele. - Sasha recordou-se da conversa que tivera com Mareie nesse Verão a respeito dos falhados e dos imbecis que andavam por aí. Sasha acreditava nas suas palavras. Ela própria tinha conhecido alguns depois de ter enviuvado. Pelo menos, Liam havia sido sincero e honesto, além de a ter amado, ainda que, por vezes, se comportasse de maneira imatura e infantil. Se mais não fosse, no mínimo era decente e generoso. Não podia dizer o mesmo quanto aos outros homens que conhecera.

Sabia que, provavelmente, haveria algures um homem como devia ser, mas já não possuía a energia nem a vontade necessárias para o tentar encontrar nem para confiar nele. Era demasiado difícil; não queria mais nenhum homem na sua vida. Sasha chorava a perda de dois homens - Arthur e Liam.

Pouco depois, Tatiana despediu-se da mãe com um beijo, saindo com o vestido que lhe pedira emprestado e deixando Sasha a pensar no que se passara entre as duas nessa noite. Tatiana começara, uma vez mais, a implicar com Liam, mas desta feita a mãe fizera-lhe frente. Precisamente o que Liam quisera que ela fizesse em Julho, mas que Sasha não conseguira nessa altura.

Tinha sido uma boa ideia, mas no momento errado. Ficara a dever isso a Liam e agora, finalmente, fizera-o, mas quando ele pretendeu que ela agisse dessa maneira teria sido demasiado prematuro. Infelizmente para ela e para Liam, agora era tarde de mais. Contudo, fosse como fosse, sentia-se satisfeita por ter feito aquilo. Tatiana precisava de ouvir o que a mãe lhe disse, e ela havia sentido necessidade de o fazer. Como se fosse uma última prenda para

ambos, finalmente procedera a um ajuste de contas em nome dele. Não que isso tivesse grande importância agora, mas há muito que devia ter assumido essa posição, além de lhe ter feito bem dizer o que tinha a dizer à filha, dando a saber a Tatiana quanto amava Liam. Era como uma última prenda que lhe oferecesse.

 

Na manhã seguinte, a neve parou de cair; as ruas foram varridas e a noite estava de uma limpidez cristalina, apesar do frio gélido. Sasha vestia-se para a exposição de Liam. Como fazia sempre, optou por um traje escuro e simples. Desta feita escolheu um vestido preto de cocktail muito sóbrio, sem nada de folhos nem plissados. Queria que o destaque se centrasse nos quadros, e não em si.Mareie dissera a Liam que estivesse na galeria às dezassete e trinta, a fim de falar com um crítico de arte; queriam fotografá-lo junto dos seus trabalhos.

As pessoas que haviam sido convidadas deviam começar a chegar por volta das dezoito horas.Sasha delegou em Mareie a tarefa de se ocupar de Liam e do crítico de arte e quando saiu do seu gabinete, pontualmente à hora marcada para a inauguração, o crítico e o fotógrafo já tinham partido. Liam estava na galeria, denotando bastante nervosismo; vestia um fato preto e camisa branca, com uma gravata de um vermelho-púrpura, e calçava sapatos pretos com atacadores sóbrios; penteara o cabelo todo para trás, prendendo-o num rabo-de-cavalo. Sasha esboçou um sorriso quando viu que ele usava meias pretas.

Liam estava impecavelmente trajado e penteado e, embora contra sua vontade, Sasha sentiu que o seu coração batia com mais força. Porém, o seu semblante não traía os sentimentos que ele despertava nela. Era a imagem da negociante de arte fria e profissional, pronta a orientá-lo na sua primeira exposição importante.

- Estás uma maravilha, Liam - disse Sasha cortesmente, e os olhos dele prenderam-se na figura dela, muito elegante no seu vestido de seda preta.

- Também tu - retorquiu, retribuindo o cumprimento. Entretanto passou um empregado que lhe ofereceu uma taça de champanhe, que ele aceitou, olhando um tanto constrangido para ela. - Não te preocupes, prometo comportar-me como deve ser.

- Nem sequer me passou pela cabeça que te portasses de outra forma - retorquiu ela, sorrindo-lhe com uma expressão reservada.

- Espero que esta noite não haja passeios de carroça...

- continuou ele, numa alusão ao churrasco em que ficara perdido de bêbedo, tendo-se comportado de maneira tão censurável.

- Não - disse ela com um brilhozinho nos olhos. Pensei que depois da exposição poderíamos dar um passeio de trenó.

Liam abanou a cabeça; pouco conseguia lembrar-se desse feriado do Quatro de Julho.Sasha sorriu e não disse mais nada sobre o assunto, optando por lhe fazer um brinde.

- Ao sucesso da tua primeira exposição na Galeria Suvery.

- Obrigado, Sasha. À minha negociante de arte! - brindou ele, quando os primeiros convidados já começavam a chegar. Depois disso, instalou-se uma espécie de ”caos organizado”. Havia centenas de pessoas que andavam de um lado para o outro pela galeria para ver os quadros dele, conversando, trocando banalidades, rindo-se, cruzando-se com conhecidos e cumprimentando-se.

Fizeram-se apresentações e perguntas, viram-se listas de preços e ouviram-se críticas de um misto de curiosos e de entendidos que admiravam o talento do pintor. Sasha não voltou a ter oportunidade de falar com Liam durante toda a noite. Instruíra Mareie para que se mantivesse a postos, a fim de o apresentar aos convidados, de o manter satisfeito e de se certificar de que ele se comportava como devia ser, não fosse o diabo tecê-las.

Mas não houve qualquer problema, nada de situações infelizes nem tão-pouco surpresas desagradáveis. A única surpresa, mas não para Sasha, e esta bastante agradável, foi o facto de terem vendido todos os quadros, com excepção de dois. Liam não conseguia acreditar, e ficou a olhar fixamente

para Sasha quando ela lhe deu a notícia; foi por pouco que não desatou a chorar.

- É deveras impressionante, Liam. É raro que isto aconteça, excepto no caso de pintores muito, mas mesmo muito, famosos, o que significa que compreenderam e apreciaram o teu trabalho. Tens razão para estares orgulhoso de ti próprio.

- E logo de seguida acrescentou: - Eu estou muito orgulhosa de ti!

Sem dizer nada, Liam abraçou-a, mas depois ficou com uma expressão de embaraço; sentia-se avassalado.

- Portanto, agora não só és um artista reconhecidamente talentoso, como também não tardará que sejas rico. Conta com isso dentro de muito pouco tempo. - Sasha já tinha decidido que aumentaria o preço dos quadros dele depois da exposição. - Acho que devemos agora organizar uma exposição em Paris com os teus trabalhos. O mercado não é tão animado como aqui, mas depois de se ter triunfado em Nova Iorque, regra geral, as coisas também correm muito bem por lá. Vamos ter de falar sobre isso antes de voltares para Londres.Liam ainda não conseguia acreditar, parecendo que continuava em estado de choque quando já iam a caminho do La Goulue.

Sasha mandou-o seguir à frente com Mareie e Karen, enquanto reunia as outras pessoas. Algumas das que convidara para jantar eram amigos dele, e as outras eram clientes que queria apresentar-lhe e que nessa noite haviam comprado quadros seus. Reservara mesa para vinte pessoas; ela e Liam sentar-se-iam à cabeceira, cada um do seu lado. Rodeara-o dos amigos.

Sasha sentia alguma estranheza por estar ali com ele, mas agora tinha de se incumbir das suas responsabilidades, o que devia fazer da melhor forma possível, independentemente do que pudesse sentir por ele. Várias das pessoas do seu círculo que lhe pedira que convidasse eram mulheres; já fora apresentada à maior parte delas e, pelo menos que se apercebesse, a relação que mantinham era apenas de amizade. Não fazia a mais pequena ideia quanto à pessoa com quem andaria actualmente, nem tão-pouco queria saber.

As únicas pessoas da idade de Sasha que se encontravam à mesa eram clientes; os demais convidados eram consideravelmente mais novos do que Liam. Havia coisas que nunca mudavam. E agora já não existia razão alguma para que viessem a mudar. Ele regressara ao mundo com o qual estava familiarizado.

Deixara de precisar de fazer ajustamentos por causa dela, tal como não era obrigado a comportar-se devidamente. Mas nessa noite mostrou-se muito circunspecto, não só por opção pessoal, mas também por deferência para com ela. Era uma noite importante para Liam, em que alcançara um sucesso enorme.

No decorrer do jantar, Sasha declarou que tinha algo a anunciar: um dos clientes que se sentava perto da cabeceira da mesa onde ela estava acabara de decidir comprar os dois últimos quadros que restavam. Na noite da inauguração da exposição haviam vendido todas as pinturas de Liam! Pondo-se de pé no seu extremo da mesa, depois de ter partilhado com os outros a notícia, Sasha voltou a fazer um brinde a Liam. Desta vez, ele deixou-se ficar sentado onde estava a olhar para ela.

Em seguida fez-lhe um brinde, assim como ao cliente, numa voz pouco clara, devido à emoção, afirmando que não sabia o que dizer, a não ser agradecer a toda a gente, especialmente a Sasha, a Karen, a Mareie e aos clientes que haviam adquirido os seus quadros. Mostrava-se francamente aturdido, o que comoveu Sasha.

Da sua cabeceira da mesa, ela sorriu-lhe numa ou duas ocasiões, mas a expressão dos seus olhos não espelhava qualquer significado mais profundo. Simplesmente, sentia-se feliz por ele, por a exposição ter alcançado um êxito tão grande. Ao fim e ao cabo, esse havia sido o objectivo, desde o princípio, da aliança entre os dois. O resto não fora mais do que um bónus suplementar, e não o motivo que a levara a assinar um contrato com Liam. Ambos haviam conseguido alcançar o que ela sempre quisera para ele: sucesso.

O jantar prolongou-se para lá da meia-noite e, como fazia sempre, Sasha ficou até o último convidado partir.

Pagou a conta, agradeceu à gerência do restaurante e saiu acompanhada de Liam para o frio gélido da noite de Dezembro, que estava de uma limpidez cristalina. Fazia tanto frio que quando respirava parecia sentir picadas nos pulmões.

- Não tenho palavras para te agradecer - disse Liam com uma expressão de êxtase. Os vinhos que Sasha seleccionara para o jantar tinham sido excelentes, mas era evidente que ele não bebera mais do que a conta. Portara-se exemplarmente durante toda a noite, sob todos os aspectos, e, de certa forma, dava a impressão de ter amadurecido.

- Não tens nada que me agradecer - retorquiu Sasha com simplicidade -, é este o meu trabalho: introduzir artistas em princípio de carreira mas com talento no mundo das artes plásticas. - E nessa noite, sem dúvida alguma, Liam havia marcado presença. - Além do mais, metade dos lucros são meus. Eu é que devia estar-te agradecida.

- Obrigado por teres acreditado em mim, tendo-me dado uma oportunidade. Mal posso esperar para dizer aos meus filhos... - retorquiu Liam, sorrindo e voltando a olhar para Sasha. Com as suas botas de Inverno sem salto, ao lado dele, ela parecia ainda mais baixa. - Permites que te convide para tomar um copo num lugar qualquer?

- Sasha começou por recusar, mas depois acenou que sim. Provavelmente, aquela seria a sua última oportunidade. Não aconteceria nada de mais. Haviam deixado tudo para trás.

Decidiram ir ao bar do Carlyle. Durante o trajecto, no táxi, falaram sobre a exposição. Liam queria inteirar-se de todos os pormenores, de tudo o que as pessoas haviam dito. Sasha pô-lo a par de tudo o que era do seu conhecimento, das observações e elogios que as pessoas haviam feito. Ele parecia beber as suas palavras.

Já no Carlyle, Liam mandou vir um conhaque e Sasha um chá. Bebera vinho que chegasse durante o jantar e a última coisa que desejava era beber de mais na companhia dele. Não queria perder o domínio das emoções. Com o tempo seria mais fácil, mas aquela era a primeira vez que saíam depois da relação tórrida entre os dois. Teria de encontrar uma nova maneira de o encarar e tratar com ele. Para Sasha, a relação estritamente profissional entre eles era algo muito estranho.

Falaram durante algum tempo sobre trivialidades, sem focar nada em especial, mas de súbito deu consigo a contar-lhe a conversa que tivera com Tatiana na noite anterior. Não tivera intenção de lhe falar sobre o assunto, mas, contra sua vontade e sem se conseguir conter, foi o que aconteceu.

- Não sei o que me levou a contar-te isto - disse Sasha, obviamente constrangida. - Talvez quisesse que soubesses que, ao fim e ao cabo, acabei por te defender. Tarde de mais para nós, mas não tarde de mais para ti. O mais estúpido de toda esta situação é a Tatiana ter cedido assim que me mostrei firme com ela. - Sasha olhou para Liam com uma expressão contrita.

- Aconteceu apenas que em Julho eu ainda não estava preparada para assumir esta posição. Talvez devesse ter agido logo assim. Sei que era o que tu precisavas que eu fizesse. Mas, do mal o menos, fi-lo agora. Sasha não lhe dizia aquilo para o impressionar, só queria que Liam soubesse que, por fim, defendera a honra dele, assim como a sua.

- Sasha, está tudo bem - assegurou Liam gentilmente.

- Eu compreendo. Estavas numa situação muito difícil. Ambos estávamos. É engraçado como essas coisas por vezes acontecem. Tudo colide ao mesmo tempo, o passado, o presente e o futuro. Novas pessoas, pessoas de antigamente e fantasmas vindos do passado. Por vezes, fico confuso entre a minha família e as outras pessoas. É uma situação que mexe muito comigo. Ela é apenas uma garota, mas é tua filha. Eu devia ter compreendido isso. Agora compreendo, mas precisei de muito tempo. Demasiado tempo, na verdade... rematou, com tristeza.

- Obrigada por mostrares compreensão para com este assunto - redarguiu Sasha, sorrindo-lhe. - Sei que foi terrível para ti. Para mim também foi muito difícil, mas tens razão, ela é minha filha. E a verdade é que, tanto quanto me diz respeito, ela é uma mulher adulta, mas não se comportou como tal. Talvez todos nós, por vezes, nos comportemos como crianças.

- O que para mim é ponto de honra - retorquiu ele com uma careta de pesar, fazendo com que ambos se rissem.

- De facto, tenho orgulho nisso. Para mim, agir de modo imaturo é o meu percurso de vida. O que é que te leva a dizer isso? - perguntou Sasha com uma expressão divertida. Havia ocasiões em que ele era bastante engraçado. Ao olhar para Liam, uma vez mais, deu-se conta de quanto sentira a sua falta durante os últimos quatro meses, e sabia que seria sempre assim.

- A idade, presumo eu. Estou quase a fazer quarenta e um anos. - Ao ouvi-lo dizer isto, Sasha gemeu.

- Por favor, não me venhas com histórias de fazer chorar as pedras da calçada... Em Maio vou fazer cinquenta anos. Merda!, como é que eu fiquei tão velha? - ”E tão estúpida”, apeteceu-lhe acrescentar. Subitamente, lamentou não ter feito frente a Tatiana em Julho, mas, para ela, essa não teria sido a altura mais apropriada. Tu não és velha, Sasha. Continuas a ser jovem e lindíssima. Não consigo perceber por que razão toda a gente se preocupa tanto com a idade.

Eu também. Continuo a querer fingir que sou um garoto, quando não sou. Estou a crescer, por muito que deteste ter de o admitir. Não sei por que motivo acreditamos que a juventude é maravilhosa. Se me recordo correctamente, a minha foi uma porcaria. Tal como a minha capacidade de discernimento nessa altura. As coisas são muito melhores agora.

- Quem me dera poder dizer a mesma coisa!... - redarguiu Sasha, recostando-se toda para trás no assento estofado ao longo da parede e olhando para ele. Era estranho. Tinham passado de amantes a negociante de arte e pintor e talvez agora, por fim, acabassem por ser amigos. Sasha conseguia falar mais facilmente com ele do que com qualquer outra pessoa, com excepção, talvez, de Xavier. Mas este era seu filho.

Havia coisas que era capaz de admitir perante Liam que nunca admitiria face ao filho. - Há ocasiões em que penso que quanto mais velha sou menos sei.

- Tu sabes muita coisa. És a pessoa mais inteligente que conheço, sob muitos aspectos. Além de seres a melhor negociante de arte do mundo...

- Formamos uma boa parceria - retorquiu Sasha, mas logo se conteve, apercebendo-se do que acabara de dizer e sentindo-se subitamente embaraçada. Não queria que ele pensasse que estava a tentar reatar alguma coisa. Não estava. Fazia um esforço deliberado para não dar essa impressão, o que não lhe era nada fácil. - Estou a referir-me à nossa associação profissional.

Não nos saímos muito mal como parceria em outras coisas, a maior parte das vezes. Acontece apenas que, numa ou outra ocasião, perdemos o controlo da situação. - O que não correspondia à realidade dos factos, do ponto de vista de Sasha. Durante os onze meses de duração da relação entre ambos haviam estado separados duas vezes, num total de seis meses, o que significava que não tinham conseguido entender-se durante a maior parte do tempo.

- Estás a ser generoso de mais... - disse ela, acabando de beber o seu chá. Havia duas horas que cavaqueavam no bar do Carlyle. Estava na hora de ir para casa. Não podiam prolongar a conversa por mais tempo, até porque o bar estava a fechar.O porteiro chamou-lhes um táxi e Liam deixou-a em casa. Sasha teria adorado convidá-lo para entrar, mas sabia que não o devia fazer; só serviria para o desejar ainda mais. Essa experiência de uma vida em comum estava acabada, e desta feita de vez, do que ambos estavam bem cientes.

Não havia forma de fugir à realidade. Não fora a questão da diferença de idade que condenara a relação, mas sim a vida, assim como os valores morais de cada um e a forma de comportamento, com a participação de Tatiana. Fora o destino. Não estava escrito que resultasse, por muito que se sentissem atraídos, sendo evidente que essa atracção perdurava.

Ele fitou-a por momentos antes de ela sair do táxi.

- Obrigado pela exposição fantástica que organizaste agradeceu Liam, hesitando, mas acabando por lhe tocar na mão. - Na sexta-feira parto para Vermont. - Não sabia durante quanto tempo ela ficaria em Nova Iorque. - Posso convidar-te para jantar amanhã, Sasha? Para te agradecer por esta noite e pelos velhos tempos? - Ela nem sequer sabia se ele tinha alguma namorada. Acreditava verdadeiramente que Liam queria convidá-la para jantar como amiga. Não sei se será boa ideia. Quando fazemos isso, acabamos sempre por arranjar problemas - disse ela, falando-lhe com sinceridade e fazendo-o rir.

- Podes confiar em mim. Prometo portar-me como deve ser.

- É em mim que eu não confio - retorquiu ela, usando da maior franqueza com ele, o que era seu apanágio e sempre fora desde o primeiro momento.

- Aí está uma ideia deveras atractiva. ”Pintor em princípio de carreira arrebatado por negociante de arte processa-a judicialmente por assédio sexual.” Confio em ti, mas, se te atirares a mim, não hesitarei em te violar. E que tal se experimentássemos? - Liam conseguiu retirar toda a carga de tensão ao convite e ela concordou com um aceno de cabeça. Adorava estar com ele, conversar com ele...

- Prometo tentar controlar-me - replicou com um sorriso endiabrado. Liam estava morto por lhe dar um beijo de boas-noites, mas resistiu. Não queria estragar as coisas entre os dois, além de não lhe ser difícil ver que ela estava receosa. Tal como ele próprio.

- Vou buscar-te à galeria às seis da tarde. Quero aproveitar para entrar e admirar os meus quadros, principalmente agora, que foram todos vendidos. - Sasha riu-se, saiu do taxi e despediu-se, acenando com a mão e dirigindo-se para a entrada do prédio. Ele também lhe acenou, após o que o táxi arrancou.

Sasha abriu a porta do apartamento vazio, recordando as ocasiões em que ele estivera ali consigo.

Tinha a sensação de que em casa, agora, só havia fantasmas. Arthur... Liam... Até mesmo os filhos já tinham saído de casa. A realidade da sua existência era o facto de estar sozinha, provavelmente para

sempre. A única coisa que não podia permitir-se, disse para si própria enquanto despia o casaco, era apaixonar-se irremediavelmente por Liam outra vez, por muito encantador que ele fosse. Já haviam provado em duas ocasiões que a relação entre eles era impossível. Não havia necessidade de repetirem a experiência.

 

Liam foi buscá-la à galeria pontualmente às dezoito horas, tal como prometera. Antes de saírem lançou um último olhar aos seus quadros. Tinha uma sensação estranha por saber que nunca mais voltaria a vê-los. Era como se tivesse de ceder os seus filhos para adopção. Por assim dizer, ”dera-os à luz”, e agora era forçado a separar-se deles. Continuou a sentir uma certa nostalgia quando já iam no táxi a caminho da Baixa. Reservara mesa para os dois no Da Silvano, um restaurante a que haviam ido com bastante frequência em Julho.

Era um restaurante italiano muito popular na Baixa, onde os empregados de mesa cantavam enquanto serviam a comida, que era muito boa.

Falaram sobre arte, como de costume, e de pessoas que ambos conheciam, dos amigos dele que ela conhecera, dos filhos. Liam disse que Tom ia muito bem na faculdade e que os outros também estavam óptimos. Casualmente, falou de Beth, e admitiu que era uma sensação estranha saber que ela estava prestes a voltar a casar. Por altura do Natal, o divórcio estaria concluído. Ela ainda não lhe perdoara a infidelidade com Becky, e Liam sabia que jamais lhe desculparia esse deslize.

- Pensei que, no mínimo, poderíamos ficar amigos, mas, aparentemente, nem sequer isso é possível. Pelo menos, tu e eu parece que conseguimos encontrar uma maneira de ficarmos amigos, o que já é alguma coisa. - Todavia, ambos estavam cientes de que existiria sempre algo mais, embora não o deixassem transparecer, entre os dois. A atracção que sentiam um pelo outro era forte de mais.

Sasha não conseguia evitar sentir-se preocupada com isso nessa noite, sentados à mesa em frente um do outro, a comer um prato de massa acompanhado de um vinho tinto corrente.

Depois falaram da viagem que haviam feito a Itália, a qual fora verdadeiramente mágica para os dois. E então, por casualidade, ele olhou para o pulso dela, vendo o bracelete que lhe comprara. Ela continuava a usá-lo. Mesmo depois deterem acabado tudo, nunca o tirara. Sasha ficou constrangida quando viu que ele reparara nisso.

- É uma idiotice da minha parte. Sou muito sentimental no que toca a pequenas coisas como esta.Também eu - retorquiu ele, sem fazer qualquer outro comentário em relação ao assunto.

- O que é que estás a pensar fazer no Natal?

- Ainda não sei. Depois de visitar os meus filhos, tenciono voltar para Londres. Devo passar apenas um fim-de-semana em Vermont. Vamos ficar num motel, uma vez que o chalé perto do lago não tem condições para lá estar no Inverno, visto que não possui isolamento nem aquecimento. - Sasha acenou com a cabeça, pensando nos filhos dele. Não os conhecia, mas gostava de ter tido essa oportunidade.

Era possível que um dia viesse a conhecê-los. Talvez ele os levasse à galeria para verem uma das suas exposições. Haveria de decorrer um ano até à próxima, talvez mesmo dois. Sasha tencionava organizar a próxima exposição dos trabalhos dele em Paris e, depois, outra vez em Nova Iorque, no ano seguinte. Como negociante dos quadros dele, tinha planos grandiosos; como mulher, não tinha nenhum.

Depois de tudo por que ambos haviam passado, tinha os olhos mais abertos. - E quanto a ti? Tencionas passar o Natal em Paris?

- Ainda não tenho a certeza. Este ano a Tatiana vai para fora com uns amigos e o Xavier tem uma nova namorada com quem quer estar. Acho que vou continuar aqui durante mais algumas semanas, mas é provável que volte a Paris por ocasião do Natal. Estava a pensar em dizer ao Xavier que podia levar a namorada. O tempo não pára... - Sasha sorriu, tentando mostrar coragem, mas continuava a sentir um aperto no coração sempre que pensava no Natal, em especial sem Arthur, e agora sem ele.

Conseguiram chegar ao fim do jantar sem magoar os sentimentos um ao outro, tal como não trouxeram à baila recordações penosas. Evitaram-nas com todo o cuidado, como se pisassem um campo minado, o que permitiu que a noite tivesse corrido bastante bem. Liam ofereceu-se para a acompanhar

de táxi, mas ela disse-lhe que era escusado, uma vez que ele teria de voltar para a Tribeca, na Baixa, a pouca distância do restaurante, enquanto ela teria de fazer todo o percurso até à parte alta da cidade, a área residencial em que vivia.Não me importo - insistiu ele. Porém, o que quer que decidissem, era mau para ela. Se ele adoptasse uma atitude apenas amigável, sentir-se-ia rejeitada, mas se voltasse a mostrar interesse nela como mulher, Sasha sabia que ambos viriam a arrepender-se. Estava na altura de deixar que o assunto ficasse por ali.

Deu-lhe um abraço e um beijo na face, agradecendo-lhe o convite para jantar, e entrou no táxi sozinha. No entanto, sentiu que estava a portar-se de maneira idiota, e chorou durante todo o caminho até casa. Tentou reagir, recordando a si própria que, por muito sedutoras que algumas coisas pudessem parecer, não estavam destinadas a acontecer. E aquele era um desses casos. Tivera a sorte de ele lhe ter pertencido por algum tempo. Durante um curto período, haviam sido uma bênção na vida um do outro. Na verdade, tendo em conta as zangas, haviam passado somente cinco meses juntos, o que não era nada no decurso de uma vida e não se podia comparar de forma alguma com os vinte e cinco anos que estivera casada com Arthur.

O caso amoroso de Sasha com Liam havia sido breve e doce, excitante e apaixonante, cheio de raios e coriscos. Tinha consciência de que, com vista a uma relação duradoura, as pessoas precisavam de algo mais simples, fácil, tranquilo e sólido. Não existia nada de fácil nem de tranquilo com respeito a Liam. E talvez mesmo com respeito a si própria.Quando chegou a casa ligou as luzes, vestiu a camisa de noite, lavou os dentes e foi para a cama. Tinha acabado de desligar a luz quando ouviu o som abafado do intercomunicador. Era o porteiro. Não fazia a mínima ideia por que razão ele queria falar consigo, mas saiu da cama para lhe responder. O homem informou-a de que tinha uma visita.

- Não, não tenho. Não estou à espera de ninguém disse ela com uma expressão alheada. - Quem é? - O homem entregou o telefone à pessoa que queria falar com ela.

- Sou eu - disse ele, parecendo pouco à vontade. Posso subir? - Era Liam.

- Não! - replicou ela de imediato, quase a gritar. Não podes subir. Já estou deitada. O que é que vieste fazer aqui? - Era uma coisa estúpida da parte dele e Sasha sentia-se furiosa com tal atitude. Não queria ser tentada... embora, verdade fosse dita, a tentação lhe agradasse muito. Mas não permitiria que ele lhe fizesse uma coisa dessas. Não outra vez.

- Quero falar contigo - retrucou ele em voz baixa, consciente de que o porteiro ouvia tudo o que dizia. Era uma situação em que nunca se tinha visto.

- Mas eu não quero falar contigo. Telefona-me amanhã de manhã.

- Subo já - retorquiu ele, sorrindo ao porteiro e desligando o telefone. Sem qualquer hesitação, dirigiu-se para o elevador, sendo óbvio que conhecia o caminho. O porteiro não o deteve e Liam fez-lhe um aceno de agradecimento. Dois minutos depois, tocou à campainha da porta dela. Sasha ouviu a campainha, mas não abriu.

Também não tinha coragem de chamar o porteiro para que o expulsasse dali para fora, o que podia ter feito e lhe disse através da porta fechada.

- Vai-te embora!

- Não tenciono sair daqui - respondeu ele calmamente.

- Não te abro a porta!

- Esplêndido. Podemos falar assim. Tenho a certeza de que os teus vizinhos ficarão fascinados com a nossa conversa

- replicou com toda a tranquilidade, enquanto ela se encostava à porta, cruzando os braços e cerrando os olhos.

- Não faças isto, Liam. Não temos nada a dizer um ao outro.

- Fala por ti. Eu tenho muito a dizer. - E, imperturbável, começou a cantar. Sasha sabia que os vizinhos ficariam furiosos e que se queixariam. Não tinha alternativa. Abriu a porta e olhou-o com uma expressão que não augurava nada de bom.

- Se me tocares, podes crer que chamo a Polícia e acuso-te de violação!

- Perfeito. Isso só servirá para reforçar a minha reputação. E se tu me tocares, eu digo-lhes que abusaste de mim sexualmente. Não te preocupes. Não tenho más intenções. Liam passou por ela com um tal à-vontade que até parecia ser habitual que ficasse ali regularmente. Sasha, que continuava de camisa de noite, seguiu-o. Liam entrou na cozinha e foi direito ao congelador.

- Perfeito. Rocky Road. - Mostrou-se deliciado; tirando a caixa do congelador, foi buscar uma tigela e serviu-se de uma porção enorme de sorvete, depois de o oferecer a Sasha. Ela respondeu com um abanar de cabeça, dando a impressão de estar prestes a bater-lhe. O que teria feito, caso tivesse coragem para isso. Ele era a imagem da despreocupação quando se sentou à mesa da cozinha. Já tinha atirado o casaco para cima de uma cadeira no vestíbulo. Continuava a usar a camisola de lã grossa e as calças pretas que tinha ao jantar. E meias. Lá fora fazia frio. Até mesmo ele calçava peúgas no Inverno. Mas continuava a ser o Liam de sempre, irreprimível e indomável. O pintor louco preferido de Sasha.

- Não comas isso, já deve estar queimado pelo gelo. Tem estado no congelador desde que te foste embora. Não me importo - retorquiu Liam, continuando a comer o sorvete e olhando para ela.

- Então, afinal, o que é que tens a dizer? - perguntou Sasha, que mantinha uma expressão furiosa, o que o fez sorrir.

- Queria dizer que te amo. Pensei que devias saber.

- Eu também te amo, mas isso não faz diferença nenhuma. Nós estávamos a dar em doidos... Magoei os teus sentimentos. Tu partiste o meu coração. Deixaste-me. É impossível, sabemos bem que sim. Não precisamos de voltar a provar essa impossibilidade. Fizemo-lo por duas vezes. Para mim, é mais do que suficiente. - Tinham decorrido quatro meses e ela ainda não se esquecera dele.

Se Liam a voltasse a deixar, precisaria ainda de mais tempo para o esquecer. Chegara-lhe perdê-lo duas vezes; não estava disposta a tentar de novo, por muito irresistível que ele fosse. Desta feita, Sasha iria dar ouvidos à cabeça e não ao coração. O coração já lhe causara problemas de mais, sempre que reatara a relação com ele.

- À terceira é de vez - disse ele, acabando de comer o sorvete; passou a tigela por água e meteu-a na máquina de lavar louça. - Estás a ver como estou bem domesticado? Porque haverias de estar a perder tempo com outra pessoa?

- Tu apenas aparentas estar ”domesticado”. És como aqueles cães enormes que se babam e abanam a cauda, que vão buscar o que lhes atiram e brincam com bolas. Mas não estás ensinado, o que sei muito bem.

- Nem tu. Merecemo-nos um ao outro - retorquiu Liam, confiante.

 

- Isso não é verdade. Sou uma pessoa extremamente civilizada, sob todos os aspectos - disse Sasha, endireitando-se o mais possível para assumir uma postura intimidante, mas fracassou redondamente. Liam não ficou impressionado nem se sentiu intimidado. Estava apaixonado por ela e não receoso.

- Sim, és uma pessoa civilizada, o que admito, mas nem por isso deixas de ser a mulher mais teimosa que conheço.

- Por acaso andaste a fazer alguma sondagem? - perguntou ela, mostrando-se desconfiada. - O Xavier disse-me que te viu e que estavas com uma rapariga qualquer mais nova do que a Tati.

- Tem havido uma série de raparigas desde que fui suficientemente estúpido para te deixar. Matam-me de enfado. Sasha, não sei o que me fizeste quando nos conhecemos, mas a verdade é que não posso viver sem ti. Quero voltar para ti. Amo-te. Prometo que desta vez me portarei bem.

- Da última vez portaste-te bem - retorquiu ela, olhando-o com uma expressão de tristeza. - Foste fantástico e sentia-me feliz contigo. Eu também te amo, mas não sou capaz de lidar com as tuas merdas de artista louco. Sempre que espero que te comportes respeitavelmente, pensas logo que estou a tentar controlar-te. Ficas magoado se sentes que estás a ser criticado, seja em relação ao que for, imaginando que estou a votar-te ao ostracismo, como o teu pai fez. É óbvio que não é o caso, mas não posso fazer constantemente o que tu queres, e, para ti, isso é como uma espécie de bomba de Hiroshima. Sempre que te sentes insultado, decides sair da minha vida.

- Senti-me excluído - justificou-se Liam, como se isso fizesse a diferença. Mas o resultado final não deixava de ser ele ter acabado tudo, batendo com a porta. Entretanto, haviam passado quatro meses. Era tarde de mais para ela ou, pelo menos, era o que Sasha desejava que ele acreditasse.

- Sei que te sentiste posto à margem, e tenho tido uma vida de merda sem ti. Mas não queria perder a minha filha para sempre por ter tomado o teu partido. Era cedo de mais.Agora compreendo isso. Levei algum tempo a perceber, mas agora entendo bem. - Liam continuava sentado à mesa da cozinha, como se estivesse à espera de assinar um contrato com ela.

- O que é que pretendes de mim, Liam? - perguntou Sasha, mostrando-se assustada e frustrada. - Tu dás comigo em doida!

- Nós somos doidos, tanto tu como eu! Loucamente apaixonados! Talvez seja uma doença, não sei. Se calhar devíamos receber tratamento para isso. A verdade é que, sempre que te vejo, sei que não consigo viver sem ti. E não me venhas dizer que não sentes a mesma coisa... Sei que sentes! És apenas mais refinada do que eu e mais adulta, ou qualquer coisa no género.

Esta noite quis entrar no táxi contigo, mas prescindiste da minha companhia, portanto, decidi apanhar outro táxi e vir a tua casa para falar contigo. No mínimo, podias ter-me convidado a vir até cá para tomar um copo - disse Liam, dando a impressão de estar ofendido. Mas não estava. Falava na brincadeira, o que Sasha sabia perfeitamente. Ofereci-me para te trazer a casa e estava a falar a sério.

- Para quê? Para fazermos algum disparate? E o que é que acontece a seguir? Passamos um, dois ou mesmo três meses maravilhosos e depois deixas-me outra vez assim que eu voltar a ferir os teus sentimentos. Liam, não quero repetir essa experiência.

- Pois bem, não tenciono sair daqui até concordares em voltar para mim. Quero passar o Natal contigo. Verdade seja dita, quero passar o resto da minha vida contigo. Preciso de ti. És a única mulher que me compreende e que se preocupa comigo, a única que cuida de mim.

- Mas acontece que eu não quero ser tua mãe, Liam - redarguiu Sasha, irredutível -, independentemente da minha idade.

- Todos os homens desejam uma mulher maternal. É a natureza da besta. - Tinha havido outra pessoa que já dissera aquilo a Sasha, mas não se recordava de quem fora. Tentou lembrar-se, mas isso não importava. O que Liam estava a dizer era um disparate, por muito bonito, sedutor e sensual que ele fosse. - Gosto que sejas mais velha. Tens muito mais sensatez e discernimento do que eu.

- Isso porque tu te recusas a crescer - ripostou Sasha.

- Mas tu podes crescer pelos dois. Dou-te autorização para isso. - Liam parecia acreditar que acabara de resolver o problema, mas não, pelo menos no que dizia respeito a Sasha.

- Tu também tens de crescer.

- Odeio essa parte! - retorquiu ele, dando estalos com os dedos. - Não posso continuar a ser um pintor louco até fazer oitenta anos? Nessa altura só terás de dizer às pessoas que estou a ficar senil.

- Podes ser um artista louco agora, mas não em todas as situações. - Não que ele se tivesse comportado sempre assim, apenas selectivamente, como na ocasião em que foram ao churrasco, onde se portou de maneira ultrajante, e não apenas louca. Ninguém conseguiria esquecer essa noite, e ela mais do que qualquer outra pessoa. - Não interessa aquilo em que possamos estar de acordo, Liam. Esta situação nunca resultaria. Pura e simplesmente, não nos levaria a nada. Não resultou antes e não resultará agora. É impossível!

- Só estás a dizer merdas, Sasha! É possível. Só que tu não queres que o seja!

- E por que razão eu haveria de não querer que fosse possível? Por que motivo não haveria de querer estar contigo se te amasse, o que é o caso? Nunca deixei de te amar. Foste tu que me deixaste, não fui eu quem acabou com tudo. Tu é que tornaste a situação impossível, o que provaste. Conseguiste convencer-me. Nessa altura, já eu tinha começado a acreditar que era possível, mas foi então que ficaste destrambelhado por causa da Tati, embora seja forçada a admitir que ela se portou de uma maneira deplorável.

- Ela portou-se mal e eu fui estúpido. Não sei, Sasha. O que é que posso dizer-te? Além da Beth, tu és a única mulher que amei em toda a minha vida. Talvez eu seja lento a aprender, disléxico, ou qualquer coisa assim. Tudo o que quero dizer é que agora compreendo.

- Agora é tarde de mais - retorquiu Sasha, com ar triste. Não queria que as coisas fossem assim, mas eram. Para ambos. Não poderiam repetir aquilo que haviam partilhado, por muito tentador que fosse.

- Não é tarde de mais... - insistiu ele.

- É, sim - contrapôs Sasha, mostrando-se tão teimosa como ele. Desta feita, mais ainda.

- Vou embebedar-me daqui a pouco se não parares de discutir comigo. Não me deixas alternativa...

- Queres tomar uma bebida? - perguntou Sasha, que por instantes pensou que ele falava a sério. Não, quero-te a ti. - Liam baixou-se, dobrando um joelho no chão da cozinha. Nunca tinham feito amor na cozinha e Sasha riu-se dele.

- Estás a fazer uma figura ridícula, pára com isso... Por amor de Deus, põe-te de pé!Não ponho até concordares em tentar de novo. Que diabo, Sasha, o que é que temos a perder?

- A nossa sanidade mental. Pelo menos, a minha. Foi por pouco que isso não aconteceu da última vez.

- Não volto a fazer o mesmo. Prometo que não.

- Farás qualquer outra coisa ainda pior. Sei que é isso que irá acontecer.

- E o que é que isso tem de mais? Discutimos durante algum tempo, mas depois resolvemos a situação. É um processo de aprendizagem. Eu sou lento a aprender, mas, meu Deus, mulher, eu amo-te!

- Tu és impossível!...

- Talvez seja, mas isso não se aplica a esta relação. - Dizendo isto, Liam aproximou-se dela, fazendo o que desejara durante toda a noite e na noite anterior, mas a que não se atrevera. Beijou-a, envolvendo-a nos seus braços. Não parou de a beijar até que ambos ficaram sem respiração. - Amo-te

- disse ele numa voz enrouquecida.

- Eu também te amo - sussurrou ela. - Por favor, Liam... não me faças isto. - Sasha estava absolutamente incapaz de lhe resistir, do que tinha plena consciência. Desejava-o demasiado.

- Sasha, dá-nos uma oportunidade... - retorquiu ele, no mesmo timbre de voz murmurado. Ela olhou para ele intensa e demoradamente e depois, como se houvesse outrem a decidir por si, sem qualquer domínio sobre as suas emoções, acenou que sim e fechou os olhos.

Com um só gesto, ele tomou-a nos braços e levou-a para o quarto, deitando-a na cama que ambos haviam partilhado nesse Verão. Sasha deixou-se ficar deitada, observando-o a despir-se, interrogando-se quanto à irresponsabilidade do que estavam a fazer, embora completamente incapaz de lhe resistir.

- Parece-me que estou possessa - disse ela, olhando para ele, que nesse momento descalçava os sapatos e a seguir despiu as calças. - Estou a precisar de um exorcista. E eu estou a precisar de ti - retorquiu ele, deixando cair as calças no chão e depois a camisa. Sasha quase desfaleceu ao vê-lo despir-se, após o que ele apagou a luz. - Tudo de que preciso é de ti - acrescentou Liam, juntando-se a elana cama.

- Amo-te, Liam... é bom que desta vez acertemos advertiu Sasha quando ele começou a fazer amor com ela.

- Acertaremos, Sasha, prometo-te.

Fizeram amor como se estivessem viciados um no outro. O que partilhavam estava para lá da racionalidade, de qualquer promessa, de quaisquer palavras. A única coisa que sabiam, quando já estavam nos braços um do outro, era que ambos acreditavam uma vez mais que era possível.

 

Na manhã seguinte, Sasha despertou ao lado de Liam, e a sua única reacção, desta vez, foi rir-se. Diz-me que estou a sonhar. Devo ter usado uma droga qualquer... estamos ambos loucos, para tentarmos isto de novo.

- Sim - retorquiu ele, voltando-se e ficando deitado de costas com um sorriso nos lábios -, e estou a adorar. Pensa como a vida seria enfadonha se não fosse assim.

- Sim, e talvez até mesmo racional. Só Deus sabe o que isso seria!... Já me esqueci de como é.

- Ser bom do juízo é aborrecido - retrucou ele, sorrindo-lhe.

- Oh, meu Deus! Não me digas uma coisa dessas...

- O que é que vamos fazer hoje?

- Quanto a ti, não sei, ”Sir Pintor Louco”. No que me diz respeito, necessito de trabalhar para ganhar a vida. Tenho filhos e artistas que preciso de sustentar.

- Eu não. Vendi todos os meus quadros - disse ele com uma expressão de regozijo, virando-se para a beijar. Uma vez mais, sentiam-se felizes. A vida era maravilhosa. Quando vier de Vermont volto para aqui.

- Tinha planeado apanhar um avião em Boston para Londres, mas agora, num abrir e fechar de olhos, todos os seus planos se haviam alterado. - Posso fazer a viagem para Paris contigo, se desejares, mas pensa primeiro no assunto. Não quero intrometer-me no teu Natal com o Xavier. Posso voltar para Londres por uns dias.

- Não - retorquiu Sasha com firmeza. - Quero que estejas lá. O Xavier vai adorar. - Em qualquer dos casos, Tatiana não passaria o Natal com ela. Desde a morte do pai achava que o Natal era demasiado deprimente passado apenas com a mãe e o irmão, mas Xavier, como sempre, mostrava uma lealdade a toda a prova para com a mãe, pelo que nunca a teria deixado passar o Natal sozinha. - Liam – começou ela a dizer com uma expressão de seriedade, sentando-se na cama. Parecia que queria anunciar alguma coisa importante.

- Desta vez não estou disposta a perder-te. Farei o que for preciso para que isso não aconteça. Não quero voltar a estragar a nossa vida. E se decidires largar tudo, desta vez irei contigo. Quero que isto fique bem claro entre nós. Ou conseguimos fazer com que isto resulte ou vamos matar-nos um ao outro a tentar. Raios me partam se vou fracassar de novo!

- Sim, minha senhora - anuiu ele, fazendo-lhe continência e marchando para o chuveiro. Era tão bom vê-lo de novo em casa, com o seu corpo másculo, em toda a sua magnificência, e o cabelo louro comprido...

- Estou a falar a sério! - gritou Sasha quando ele abriu a torneira do chuveiro. - E hoje vou dizer isso mesmo à Tatiana. - Sasha dizia aquilo tanto para ele como para si própria. Sabia que desta vez Tatiana não levantaria qualquer objecção, e, fosse como fosse, era a sua vida que estava em jogo, não a dos filhos.

- Amo-te! - gritou-lhe ele do chuveiro em resposta ao que quer que fosse que ela lhe tivesse dito. Na sua perspectiva, aquilo servia para dar resposta a tudo.

Sasha preparou toucinho fumado, ovos estrelados e pãezinhos torrados com manteiga para o pequeno-almoço. Uma hora mais tarde, ele voltara para a cama, onde lia o jornal, e ela estava pronta para ir trabalhar. Liam parecia nunca ter saído daquela casa, e era essa também a sensação que Sasha tinha.

- A mulher-a-dias vem ao meio-dia - recordou-lhe, sorrindo-lhe da porta com a pasta na mão.

- Eu sei, não me esqueci. A essa hora já estarei a pé. Hoje estás com uma aparência de pessoa crescida - comentou Liam, divertido.

- E sou.

- Não, não és. Não me mintas, Sasha. Não és mais crescida do que eu. Se fosses, não estarias a fazer isto. - Mas ela sentia-se satisfeita pelo que acontecera. Muito contente. Tal como ele. Na verdade, Liam estava em êxtase. Sasha sentia-se como se tivesse acabado de recuperar a sua vida, mas o que ela recuperara era Liam. A realidade é que ela fazia com que ele crescesse e ele fazia com que ela se sentisse mais jovem. Algures no meio encontrava-se o ”reino da possibilidade”, que haviam procurado durante um ano e que, aparentemente, tinham conseguido encontrar.

Mas o segredo estava em mantê-lo. Ela sentia-se preparada para enfrentar esse desafio, tal como ele. Ambos sabiam que não seria fácil, mas valia a pena fazer um esforço. - Tens tempo para almoçar? - Ela respondeu-lhe afirmativamente com um acenar de cabeça. Vou buscar-te à uma hora. Primeiro tenho de tratar de uns assuntos. Quero fazer umas compras de Natal para os garotos. O que é que achas que eles gostariam que lhes oferecesse?

- Eu nem sequer os conheço, Liam... - retorquiu ela, rindo-se da sua pergunta. Ele limitara-se a voltar para sua casa, e ali estava na cama dela como se fosse o rei e senhor de tudo.

- Quero mudar isso dentro de muito pouco tempo. Sugiro que, na próxima vez que voltes a Nova Iorque, vamos juntos até Vermont.

- Está combinado. - A partir de agora, não existiriam segredos na relação entre os dois. Se estavam determinados a ir em frente, sabia que teriam de levar tudo a sério e sem que nada fosse mantido em segredo. Sasha estava preparada para isso, tal como Liam. Haviam precisado de um ano para acertarem o passo, o que, bem vistas as coisas, não era assim tão mau como poderia parecer. O facto de o ter perdido durante quatro meses mostrara a Sasha o quanto ele era importante na sua vida. Por seu lado, Liam chegara à mesma conclusão.

Ela beijou-o antes de sair de casa e Liam saltou da cama pouco depois. Também queria comprar um presente de Natal para ela, o que tencionava fazer nessa mesma tarde. Desta vez não lhe ofereceria apenas um bracelete dourado, queria qualquer coisa melhor. Ganhara muito dinheiro nessa semana, e mal podia esperar para gastar algum com ela. Foi buscá-la à galeria às treze horas.

Almoçaram no Gino’s e depois ele acompanhou-a a pé de regresso à galeria, antes de ter ido tratar dos seus assuntos. Voltou à tarde e ficou a conversar com Mareie enquanto Sasha acabava de falar com um cliente. Antes de este sair, apresentou-o a Liam, dizendo que ele era o jovem pintor mais prometedor que representavam. Nessa altura beijou Liam na face, tendo ficado bem patente que, para si, ele era bastante mais do que um pintor que representava. A relação entre os dois deixara de ser segredo. Liam estava radiante quando saíram da galeria.

- Foi encantador, o que acabaste de fazer ali dentro.

- O quê?! Apresentar-te a um cliente? - perguntou ela, embora soubesse muito bem a que é que ele se estava a referir, sentindo-se feliz por o seu gesto lhe ter agradado. Compreendia bem quanto significava para ele ser aceite e mesmo, por vezes, exibido. Ele precisava disso, e se contribuía para o tornar feliz, estava mais do que disposta a fazê-lo. Aliás, fá-lo-ia com todo o prazer. Queria proceder dessa maneira porque o amava e sabia que ele também a amava.

Era espantosa, na percepção dos dois, a rapidez com que tudo voltara a ajustar-se, como se nunca se tivessem separado. Ele mudou-se para o apartamento dela, deixando a casa dos amigos na Tribeca. Sasha disse a Tatiana e ela telefonou a Xavier, que estava em Londres. Desta vez não arranjou confusões.

Não via Liam com bons olhos, mas aceitava a decisão da mãe, estando mesmo na disposição de lhe dar uma oportunidade. Agora compreendia quanto a mãe o amava.

Tudo voltara a entrar nos eixos, as coisas estavam melhores do que nunca. Era como se, de cada vez que se separavam, quando voltavam a juntar-se, a malha da rede que os unia se fosse apertando cada vez mais, fazendo-os ficar mais unidos. Desta vez, Sasha quase se sentia como se fosse casada com ele, o que Liam também comentou. Sasha perguntava-se se alguma vez viriam a casar, mas isso não lhe parecia uma questão muito importante.

Tudo o que lhe interessava era terem voltado a estar juntos. A relação entre os dois nunca lhe parecera ter tantas condições para ser possível como desta vez, sentindo-se absolutamente certa de que tudo correria bem e que a relação se manteria. Nessa mesma manhã, dissera precisamente isso a Mareie, que se sentia muito feliz por ela.

Durante os dois dias seguintes almoçaram e jantaram juntos, foram às compras, e ele deixava-se ficar pela galeria se ela estivesse ocupada; entraram numa rotina familiar em que faziam amor à noite e de manhã e, de quando em vez, nos intervalos. Liam partiria para Vermont na manhã seguinte, e já tinha guardado os presentes que ia oferecer aos filhos.

ambém comprara uma prenda para Sasha, que escondera numa gaveta no quarto de Xavier. Desta feita escolhera uma pulseira fina de diamantes, semelhante à que lhe tinha oferecido antes, mas esta cintilava e era muito mais própria de ”gente crescida”.

 

Agora possuía dinheiro para essas extravagâncias, o que não havia sido o caso em Maio. Depois da exposição dos seus quadros tudo mudara. Finalmente, estava prestes a receber bastante dinheiro, e sentia-se ansioso por voltar a trabalhar.

Nessa noite, era já muito tarde quando o telemóvel dele tocou; já se tinham deitado e só passado algum tempo é que ouviram. O aparelho estava no carregador que Liam deixara na casa de banho, mas o toque era tão insistente que Sasha, finalmente, ouviu, dando-lhe uma pequena cotovelada e dizendo-lhe que era o telemóvel dele.

Liam já tinha adormecido. Ainda atordoado, dirigiu-se para a casa de banho para atender, perguntando-se quem é que estaria a ligar-lhe a uma hora daquelas. Era Beth. Alguns segundos depois, Liam já estava completamente acordado, a olhar fixamente para Sasha com uma expressão de pânico.

- É muito grave? - perguntou, ficando em silêncio bastante tempo, enquanto Beth lhe explicava o que se passara. Sasha ainda não sabia com quem é que ele estava a falar. Contudo, não lhe parecia que fosse coisa boa, ao ver que Liam empalidecera. Quando, por fim, desligou, tinha lágrimas nos olhos.

- O que é que se passa? - indagou Sasha, preocupada.

Os telefonemas àquela hora e com o tipo de perguntas que ele fizera nunca significavam boas notícias, e Sasha pressentiu imediatamente que se devia tratar de alguma coisa relacionada com os filhos dele.

- É a Charlotte. Foi a Beth que me ligou. Foram ver a casa que o futuro marido está a construir para eles e que ainda não está acabada. A Charlotte pisou uma lona que estava a tapar um buraco e caiu da altura de um andar em cima de um monte de materiais de construção sobre um chão de cimento.

- Oh, meu Deus!... - exclamou Sasha, mostrando-se tão horrorizada quanto ele. Liam tremia quando pousou o telemóvel; estendeu a mão a Sasha, apertando a dela com tanta força que a magoou enquanto lhe contava o resto que sucedera.

- Ela sofreu uma lesão nas costas, e ainda não sabem até que ponto é grave. É possível que volte a andar, mas também pode ficar paralisada do pescoço para baixo, ainda não sabem. Também sofreu uma concussão na cabeça, embora não tão grave como a das costas. Está consciente, mas com dores atrozes. - Começou a chorar quando Sasha o abraçou.

Tinha de partir imediatamente, não podia esperar pela manhã. Sasha telefonou para uma agência de aluguer de carros e queria ir com ele, mas pensou que, naquelas circunstâncias, seria difícil para Beth e para os dois rapazes terem uma pessoa estranha por perto. No entanto desejou profundamente poder estar lá para dar o seu apoio a Liam. Sabia que ele precisava da sua presença.

Menos de dez minutos depois já haviam saído de casa. Liam levava o saco de viagem quando apanharam um táxi que os conduziria à agência de aluguer de automóveis para que Sasha telefonara. Passados trinta minutos Liam estava pronto para se fazer à estrada a caminho de Vermont.

- Quem me dera poder ir contigo... - disse Sasha, falando com toda a sinceridade, mas ele concordou com o raciocínio dela. A sua presença provocaria algum mal-estar. Tanto ele como Beth teriam de se manter à cabeceira da cama de Charlotte na Unidade de Traumas, e Liam sabia que Beth ficaria perturbada caso Sasha o acompanhasse.

- Assim que souber mais alguma coisa telefono-te - prometeu Liam, dando-lhe um último abraço apertado de despedida. Precisava de toda a força que ela pudesse incutir-lhe. Era uma da manhã, e tinha pela frente uma viagem de seis horas ao volante, talvez menos, se o tempo estivesse a seu favor, ou mais, se as condições atmosféricas fossem adversas. Beth dissera-lhe que nevava onde eles se encontravam.

- Vou ficar a pensar em ti a todo o instante - disse Sasha, beijando-o pela janela do carro. Acenou-lhe com o braço e ele arrancou. Pouco depois, apanhou um táxi que a levaria de regresso à parte alta da cidade. Tinha o telemóvel consigo.

Liam telefonou-lhe antes mesmo de ter chegado ao apartamento. Estava extremamente emocionado, tendo chorado enquanto falava com ela.

- Amo-te, Sasha... obrigado por me teres apoiado quando precisei de ti...

- Estou aqui para ti, querido, para te apoiar. Estarei sempre aqui, a rezar por todos vós. - Pobrezinha da Charlotte. Só por milagre é que a garota não tinha morrido. Sasha esperava, tal como Liam, que a lesão não fosse tão grave quanto receavam. - Guia com cuidado, meu amor... Se puderes, telefona-me quando chegares.

Nessa mesma noite ele ligou-lhe várias vezes para a informar do estado de saúde da filha, informações que lhe eram dadas por Beth pelo telefone. A garota encontrava-se em estado crítico, mas estável. Os médicos iam operá-la na manhã seguinte, quando ele chegasse. Sasha sentia-se mortificada ao pensar na aflição por que estariam a passar. Era uma situação de pesadelo.

Não lhe ocorria nada pior do que ter um filho gravemente doente. Liam chegou às nove horas e Sasha ficou à espera de ter notícias dele. Ficara a pé durante toda a noite, partilhando da aflição dele, falando com ele de meia em meia hora. Não o deixara por um minuto. E quando ele não lhe ligava, era ela que lhe telefonava. Dava graças por terem voltado a ficar juntos, o que lhe permitia, pelo menos, dar-lhe todo o seu apoio durante aquela prova terrível.

Sasha só voltou a ter notícias de Liam à hora do almoço, quando Charlotte foi para o Bloco Operatório. Os cirurgiões haviam dito que a operação só terminaria ao fim da tarde. No outro lado da linha, Liam chorava desconsoladamente ao descrever o estado em que a filha se encontrava. Sasha também estava lavada em lágrimas, na galeria, à espera de novidades. Os resultados da operação pareciam ser promissores. O estado da garota não era tão sério como haviam temido inicialmente, mas nem por isso menos grave.

Quando tiveram oportunidade de falar sobre o assunto, Liam disse que o namorado de Beth estava absolutamente fora de si, inconsolável por acreditar que a culpa do acidente fora sua. Charlotte encontrava-se com ele na altura, a ver o lugar que viria a ser o seu quarto; ele virara costas por instantes para lhe mostrar qualquer coisa, e foi então que ela caiu. Liam acrescentou que Beth o culpava, mas não mais do que ele próprio se culpava. Pelo que ele contava, Sasha deduzia que ambos estariam a passar por uma situação extremamente penosa.

Tom, o filho mais velho de Liam, já saíra da faculdade, tendo viajado de avião para poder estar perto da irmã. Pelo menos, a família estava junta. Sasha sentia muita pena por não poder estar com eles. Ainda pensou em seguir para lá de avião, alojando-se num hotel próximo do hospital, de modo a poder dar todo o seu apoio a Liam, mas este disse-lhe que estavam a dormir no quarto de Charlotte e em divãs no corredor, pelo que nem sequer teria oportunidade de estar com ela. Assim, Sasha decidiu quedar-se por Nova Iorque, certificando-se de que tinha o telemóvel sempre à mão.

Saiu da galeria às dezanove horas, mantendo-se sempre perto do telefone quando chegou ao apartamento. Nessa noite, Liam ligou-lhe várias vezes. Pela manhã, as notícias eram um pouco mais animadoras, depois de uma noite em que ninguém havia pregado olho, incluindo Sasha e Liam. Este disse que, apesar de Beth se mostrar tensa, se portava civilizadamente para com ele, acrescentando que ela andava de cabeça perdida.

Haviam sido forçados a cancelar o casamento, que estava marcado para daí a três semanas, tendo decidido adiá-lo até Janeiro, altura em que a evolução e o estado de Charlotte se encontrariam mais definidos. Subitamente, a vida de todos eles ficara virado do avesso, o que se manteria enquanto Charlotte se encontrasse numa situação crítica, e ainda não se podia dizer, de maneira alguma, que a garota estava livre de perigo.

Os dias arrastavam-se interminavelmente; no final da semana já sabiam que ela não ficaria quadriplégica, mas ainda não tinham a certeza quanto ao grau de mobilidade das pernas que conseguiria recuperar.

Tudo dependia do desenrolar do estado da medula espinal. Existia uma grande probabilidade de que voltasse a andar, mas nada era certo; se recuperasse o movimento das pernas, seriam necessários meses, ou talvez mesmo anos, para que voltasse a andar normalmente, além de ter pela frente várias operações cirúrgicas. Sasha detestou fazer aquela pergunta, mas sentiu um grande alívio ao saber que eles possuíam um bom seguro de saúde, caso contrário, o acidente teria sido também uma verdadeira catástrofe financeira. A convalescença levaria anos e custaria uma fortuna para que a garota voltasse a ficar a cem por cento.

Charlotte ainda passaria por tempos muito difíceis, assim como Beth, que teria de cuidar da filha. Quando falou sobre esse assunto, Liam pareceu sentir-se culpado, mas alguém teria de cuidar de Charlotte, e ele não podia estar ao pé dela. Liam vivia em Londres e passaria a residir em Paris com Sasha. Andava preocupado por talvez não poder passar o Natal com ela, mas esse era o menor dos problemas, de momento. Ao ouvir o que ele dizia, Sasha decidiu que passaria a quadra natalícia em Nova Iorque.

Se houvesse alguma possibilidade de ele poder afastar-se da filha, ainda que apenas por um dia, para poder passar o Natal com ela, seria muito mais fácil ir a Nova Iorque do que a Paris, onde Sasha inicialmente planeara passá-lo. Além do mais, a gestão da galeria em Paris continuaria a fazer-se sem problemas apesar da sua ausência, como sempre acontecia, graças a Bernard.

Telefonou a Xavier, pondo-o ao corrente da situação, e ele manifestou o seu pesar por Liam, partilhando dos sentimentos da mãe. Xavier conhecia Charlotte, pois vira a garota em várias ocasiões antes de Beth ter saído de casa, e ficou com o coração despedaçado ao pensar na menina paralisada, esperando sinceramente que tal não viesse a acontecer. Pediu à mãe que dissesse a Liam que desejava que tudo corresse pelo melhor e que iria à igreja rezar pela sua pequenita. Nessa mesma manhã, Sasha acendera uma vela por ela, além de ter ido à missa para orar pela garota, uma coisa que não fazia com muita frequência.

Xavier ofereceu-se para ir a Nova Iorque passar o Natal com a mãe, mas era evidente que desejava passá-lo em Londres com a nova namorada, além de que ela já o tinha convidado para ir esquiar, pelo que Sasha decidiu dizer-lhe que ignorasse o que haviam combinado. De certeza absoluta que se divertiria muito mais em Londres. Xavier agradeceu à mãe pela sua compreensão, prometendo-lhe que passaria o próximo Natal com ela. Com um pouco de sorte, nessa altura Tatiana e Liam também estariam com eles, mas este ano existiam tantos motivos de preocupação que o Natal havia sido relegado para segundo plano.

No decurso das duas semanas seguintes, Liam continuou a dar notícias sobre o estado de saúde da filha; nessa altura já estavam a poucos dias do Natal. Porém, para os membros da família, que não arredavam pé do hospital, o Natal deixara de existir, preocupados apenas com Charlotte e à espera dos prognósticos clínicos, os quais, apesar de animadores, não eram de molde a tranquilizá-los completamente.

A situação era de uma tensão extrema para todos. Liam sentia-se tão exausto que começara a manifestar algum mau humor quando falava com Sasha, tendo passado a telefonar com menos frequência, porque se mantinha à cabeceira da cama de Charlotte durante turnos de oito horas, para aliviar um pouco Beth. Em seguida, geralmente, adormecia no divã colocado no corredor, antes mesmo de ter tempo de lhe ligar. Sasha compreendia a enorme pressão sob que ele se encontrava, ou tentava compreender.

Sentia-se esgotada, apesar de se manter a par da situação somente à distância, imaginando o que seria para os que permaneciam dia e noite na Unidade de Traumas do hospital à espera que a garota mostrasse melhoras. Liam disse que Charlotte estava com muitas dores e que para ele era uma verdadeira agonia ver a filha naquele sofrimento. Era um pesadelo para todos!

Sempre que falava com ele, Sasha sentia um aperto no coração. Liam não se cansava de prometer que dentro em pouco iria a Nova Iorque para a ver, assim que lhe fosse possível. No entanto ela não fazia a mais pequena ideia de quando é que isso seria, mas também não perguntava. A sua intenção era aliviar as agruras por que ele estava a passar, e não acrescê-las.

Dois dias antes do Natal, os médicos ofereceram a Charlotte e à família a melhor prenda de todas: disseram-lhes que iria ser preciso muito tempo, mas que a garota voltaria a andar. Talvez ficasse a coxear ou a arrastar os pés ligeiramente, e também era possível que viesse a necessitar de apoios metálicos, mas poderia voltar a andar. A medula espinal escapara à destruição total, embora existissem algumas lesões irreversíveis. Ia ser um processo bastante longo, mas o futuro da garota era muito mais risonho do que aquilo que todos haviam receado.

Continuaria hospitalizada durante, pelo menos, três meses, talvez mais, mas os médicos estavam confiantes em que acabaria por ter uma boa recuperação e, muito importante, não ficaria com lesões cerebrais. Charlotte teria de ser corajosa face às várias operações a que seria submetida, mas estavam optimistas. Nesse mesmo dia, retiraram-na da lista dos doentes em estado crítico. Quando Liam lhe ligou para lhe dar a notícia, Sasha ficou lavada em lágrimas. O seu choro juntou-se ao dele. Apesar de a situação continuar a ser bastante preocupante, aquilo já era um grande alívio. As coisas podiam ter sido muito piores, e durante várias semanas tudo apontara para que assim fosse.Quero ir ver-te - disse Liam numa voz em que se adivinhava um cansaço extremo.

- E se eu me metesse no carro e fosse até aí? Não quero que conduzas no estado em que te encontras.

- Estou óptimo - retorquiu ele, embora não fosse essa a impressão que deixava transparecer. Estivera num estado de exaustão e pressão extremas, quase à beira do colapso, durante mais de duas semanas. Perante tal realidade, Sasha detestava a ideia de ele se sentar várias horas ao volante de um automóvel. Todavia, Liam insistiu, dizendo que no dia seguinte estaria em Nova Iorque para poder passar a véspera de Natal com ela, acrescentando que teria de voltar para o hospital logo a seguir.

Continuavam a velar a doente por turnos, em que ele alternava com Beth e Becky, o que a Sasha pareceu bastante peculiar. Contudo, numa situação de crise como aquela, não lhes restava outra opção. Havia um deles permanentemente à cabeceira da cama da garota; os avós também ajudavam tanto quanto lhes era possível, assim como o noivo de Beth.

Charlotte estava rodeada de um exército de pessoas que lhe queriam bem e que lhe davam todo o seu apoio, podendo contar ainda com as orações de Sasha e de Xavier. Esta também mencionara o ocorrido a Tatiana, que ficou horrorizada, pedindo à mãe que dissesse a Liam que lamentava sinceramente o que sucedera à filha. Sasha transmitiu-lhe a mensagem e ele confessou ter ficado muito sensibilizado, pedindo-lhe que agradecesse a Tatiana. A jovem era mimada e não era de trato fácil, mas possuía bom coração.

Durante toda a viagem de Liam de Vermont para sul, a preocupação de Sasha foi constante. Telefonou-lhe de hora a hora, mas ele parecia-lhe alerta e bem-disposto; tivera o cuidado de dormir como devia ser na noite anterior. Sasha estava ansiosa por voltar a vê-lo, sentindo-se extremamente satisfeita por ele estar prestes a chegar para passar o Natal consigo, a despeito de tudo o que acontecera.

Enquanto Liam estivera ausente, Sasha fizera a árvore de Natal e enfeitara-a para ele. Junto da árvore colocara alguns presentes que lhe ia oferecer: uma camisa patusca, um novo boné de basebol e um livro que pertencera ao pai, assim como um relógio Cartier. Esperava-o ansiosamente quando ele chegou, às seis da tarde. Fizera a viagem a boa velocidade, o que lhe fora possível por as estradas estarem desimpedidas de neve.

No mesmo instante em que o viu, Sasha desatou a chorar.

Ele tinha um aspecto abatido e angustiado, e quando o abraçou, Liam começou a chorar convulsivamente nos seus braços. Sentia-se como se tivesse estado prestes a afogar-se durante as últimas duas semanas. Nunca em toda a sua vida passara por emoções tão aterradoras! Aos olhos de Sasha, ele deixara de ser um rapaz; tinha-se transformado num homem mais velho do que a sua idade indicava, uma mudança que acontecera quase da noite para o dia.

Dava a impressão de ter envelhecido dez anos nas últimas semanas. Sasha sentiu-se mortificada ao vê-lo naquele estado, com uma expressão nos olhos que espelhava tanta dor e tensão. Liam tentou descrever-lhe aquilo por que passara, e, só de ouvir o que ele lhe contava, Sasha sentiu o estômago às voltas. Era horrível! Mas, do mal o menos, agora Charlotte estava melhor e havia esperança para o seu futuro.

- Como é que a Beth está a aguentar-se? - Sasha até se mostrava preocupada com ela.Tem sido   extraordinária.   Não   sai   do   hospital. O George está em casa de uns amigos e o Tom tem alternado

connosco à cabeceira da cama da Charlotte. - Toda a família se unira, até mesmo Becky, da qual Liam não falou muito. Continuava a sentir-se constrangido na presença da cunhada, o que, provavelmente, perduraria para sempre. Sasha não sentia a mínima preocupação por causa dela, tinha sido uma aventura inconsequente e irresponsável de uma noite, pela qual Liam pagara um preço muito elevado. Sasha sentia-se satisfeita por ele ter podido ficar no hospital com Charlotte. Era uma daquelas coisas que uma criança jamais esquecia, e o mesmo aconteceria com ele e até com a própria Sasha.

Preparou-lhe uma esplêndida ceia de Natal, pôs-lhe a água a correr para o banho e depois aconchegou-o quando ele se deitou. Durante muito tempo, sem dizer nada, Liam ficou a olhar para Sasha, com a mão dela na sua. Sentia-se de tal maneira exausto que pouco falou. Porém, não tirou os olhos dela, e à meia-noite trocaram presentes. Ela levou-lhe os dele à cama, altura em que Liam se levantou para ir ao quarto de Xavier, onde guardara a prenda que tinha comprado para ela. Quando viu o bracelete de diamantes, Sasha ficou estupefacta, colocando-o à volta do pulso.

- É lindíssimo... Estragas-me com mimos - disse ela, beijando-o e dando graças pela bênção de o ter ali. Liam adorou tudo o que Sasha lhe ofereceu, especialmente o relógio de pulso e o livro que pertencera ao pai dela.

Liam deixou-se ficar imóvel na cama com os olhos fixos no tecto quando ela se deitou. Não fez qualquer tentativa para fazer amor e Sasha procedeu do mesmo modo. Depois de tudo aquilo por que ele havia passado, Sasha considerou que seria de muito mau gosto. Além do mais, parecia extremamente exausto. O sexo era a última coisa que tinha em mente, assim como ela. Queriam apenas ficar ao lado um do outro, deitados sossegadamente de mão dada.

Era quase uma da madrugada quando ele se virou e se pôs a olhar para ela. Sentira-se demasiado cansado para ir à Missa do Galo e ela também não havia sugerido que fossem. Tinha a certeza de que Deus compreenderia.

- Pareces tão cansado, meu querido. Porque é que não dormes? - perguntou Sasha, a quem só apetecia embalá-lo como se fosse uma criança. Do que ele, aliás, estava a precisar desesperadamente, e os problemas ainda não haviam ficado por ali. Logo pela manhã, voltaria para a linha da frente. Aquela era a sua única noite de tréguas, e tinha guiado durante quase sete horas até chegar a Nova Iorque.

- Não quero dormir. Esta noite só quero estar contigo, reter cada minuto. - Eram imagens que teriam de perdurar na sua memória durante muito tempo.

- Estou aqui. Tu precisas de dormir, caso contrário, amanhã estarás demasiado cansado para conduzires. - Liam queria estar com os filhos ao cair da tarde do Dia de Natal, ou mais cedo, se conseguisse. Tencionava partir às sete da manhã. Quando as coisas acalmarem um pouco, vou lá para te ver.

- Ainda era demasiado cedo para conhecer os filhos dele, embora Liam parecesse não fazer a mínima ideia de quanto mais tempo estaria ausente. Pacientemente, Sasha ficaria à sua espera.

- Preciso de falar contigo, Sasha - disse ele, soerguendo-se sobre um cotovelo.

- Acerca de quê? - Durante um momento indefinível, perguntou-se se ele lhe iria propor casamento, mas a ocasião não lhe parecia ser a mais propícia. As emoções estavam à flor da pele. Sorriu-lhe, olhando-o com ternura. Sentia-se tão feliz por Liam estar ali como ele próprio. Porém, mesmo longe do horror que vivera no hospital, ele mantinha uma expressão de tristeza.

Passara por momentos de grande angústia e vira sofrimento de mais para conseguir apagar essas recordações de um momento para o outro. Iria ser preciso muito tempo para que todos eles conseguissem ultrapassar tanta mágoa; além de Charlotte, todos haviam sofrido. Toda a família ficara traumatizada por causa do acidente que a garota sofrera.

- Nem sequer sei por onde começar - continuou ele, fechando os olhos. Quando voltou a abri-los, Sasha fitava-o sem desviar o olhar. Aquilo parecia importante e ela prestava-lhe toda a atenção. - A Charlotte vai precisar de cuidados redobrados, de enfermagem, de fisioterapia e de toda uma série de terapias.

Vai continuar internada durante vários meses, após o que nós mesmos poderemos ajudá-la a fazer alguns exercícios de reabilitação física em casa, porque ela ainda é muito novinha, ou então terá de ficar num centro de reabilitação física. Existe um em Burlington. - Foi nesta altura que Sasha compreendeu o que o preocupava. Não existia a mais pequena dúvida na sua mente. Faria tudo o que estivesse ao seu alcance para o ajudar, o que desejara ter-lhe dito há mais tempo, mas não queria que ele pensasse que estava a intrometer-se no que não lhe dizia respeito.

- A resposta é ”sim” - replicou simplesmente, inclinando-se para ele e beijando-o. Liam ficou com uma expressão de surpresa.

- Sim a quê? - Ela apanhara-o desprevenido. A situação, em si, já era suficientemente difícil de explicar.

- Sim, se precisares de um adiantamento. Com um acidente como esse deves gastar uma fortuna. Farei tudo o que for possível para ajudar. A galeria fa-lo-á, tal como eu pessoalmente. - As lágrimas assomaram-lhe aos olhos.

- Amo-te. Não és obrigada a fazer isso.

- Mas quero fazer - respondeu ela - é tão simples quanto isso.

- Estamos bem, o nosso seguro de saúde é dos melhores que existem. Graças a Deus que a Beth sempre foi uma maníaca em relação ao seguro de saúde. Deus sabe que eu nunca me preocupei com isso. Sempre pensei que o que pagávamos pelo seguro que tínhamos era uma exorbitância. Afinal, graças a Deus que o fizemos; agora precisamos dele. Estou em crer que os pais da Beth tratarão do resto.

Ao longo dos anos, conseguiram poupar bastante dinheiro. Além disso, o noivo da Beth também quer ajudar. Não acho bem, mas ele sente-se responsável pelo que aconteceu. Enfim, mais tarde teremos tempo para resolver esse assunto. Ainda nem sequer recebemos nenhuma conta... Mas agradeço-te teres-te oferecido para ajudar.

- Muito bem... então o que é que se passa? - inquiriu Sasha, sorrindo. Liam respirou fundo. Não quero pedir-te nada, Sasha. Só queria dizer-te uma coisa, e não pedir-te o que quer que seja. Foi por essa razão que vim. Para te dizer. - Liam tinha os olhos brilhantes de lágrimas.

- Dizer-me o quê?

Ele fechou os olhos por alguns minutos e depois abriu-os, exalando as palavras. Sentia-se como se fosse um assassino armado de um machado ao dizer-lhe aquilo, mas não lhe restava outra alternativa.

- Vou voltar para junto da Beth. - Sasha ficou a olhar para ele durante muito tempo, como se não compreendesse o que acabara de lhe dizer.

- Vou voltar para a Beth - repetiu Liam, e Sasha sentiu-se como se tivesse sido atingida por um raio, sentando-se repentinamente na cama.

- Estás a querer dizer que amanhã vais voltar para Vermont, não é verdade? - Não conseguia respirar, sentindo-se como se a sua vida estivesse por um fio. Ele abanou a cabeça.

- Estou a dizer que vamos dar outra oportunidade ao nosso casamento. Ela não é capaz de fazer isto sozinha. Vão ser precisos meses, ou mesmo anos, até que a Charlotte volte a pôr-se de pé, literalmente, e é muito possível que jamais venha a conseguir fazê-lo. Ainda não sabemos. - Nesse momento, Liam também estava sentado na cama. - Eu nunca estive ao lado da Beth quando passámos por dificuldades, portanto, agora tenho a obrigação de o fazer. Ela quer que eu volte, só Deus sabe porquê.

Acho que é doida! Durante vinte anos fui um péssimo marido. Andei ocupado a fazer o papel de pintor louco, passando o tempo a pintar, sem a ajudar no que quer que fosse. Mas agora tenho de fazer isto. Não posso deixá-la sozinha a braços com este problema, Sasha. Não posso! Assim que o acidente teve lugar rompeu o noivado, alegando que nunca seria capaz de perdoar ao futuro marido.

Foi então que me pediu que voltasse. - Liam deixou-se ficar a olhar para Sasha com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto. Estava apaixonado por ela, mas também amava a mulher. E ela agora precisava dele mais do que nunca. Era precisamente a decência que fazia dele o homem que era e a razão por que Sasha o amava, mas também era essa atitude que o obrigava agora a deixá-la.

- Isso não é motivo para reatar um casamento. Fica lá durante uns seis meses, se pensas que é isso que deves fazer... Um ano, se for necessário... Mas ninguém tenta refazer um casamento só porque é preciso cuidar de um filho doente. O que é que vai acontecer quando a Charlotte estiver melhor? Terás o teu casamento e a Beth para o resto da vida.

- Não fui eu que a deixei, Sasha - recordou-lhe Liam.

- Ela é que me deixou, o que eu mereci. Eu jamais a teria deixado, ou às crianças.

- Oh, meu Deus! Não acredito no que estou a ouvir!

- Tinham acabado de reatar a relação e ele encontrava-se ali, na cama com ela. No entanto, não lhe havia tocado durante toda a noite. Tinha ido a sua casa apenas para poder estar com ela uma última vez e para lhe dizer pessoalmente que ia deixá-la, o que, desta feita, seria de vez. - Não me parece que estejas suficientemente lúcido para tomar uma decisão dessas neste momento, o que se aplica a todos vós.

- Sasha lutava pela sua vida, pelo seu amor, mas, ao olhar para o rosto dele, apercebeu-se de que já tinha perdido. Desta vez não havia maneira de sair a ganhar. Estava tudo acabado. Realmente, era impossível, mas por razões muito diferentes, e ela não possuía armas para lutar por ele.

Beth tinha a seu favor vinte anos de casamento, além de três crianças, uma delas gravemente doente. Sasha não tinha a mínima hipótese. Não podes esperar mais um tempo até tomares essa decisão? Até depois de teres dormido algumas horas e teres as ideias mais claras?

- Sasha, nesta situação não há outra decisão a tomar. Não posso deixar a Beth sozinha com este problema nas mãos, não posso abandonar os meus filhos. - Liam tinha crescido, tornara-se um homem responsável, e agora já não a queria na sua vida. E nem sequer podia discutir com ele, porque sabia que estava a fazer o que era certo para todos. Excepto para ela. Sentiu-se como se ele a tivesse atingido com um maquinismo de demolição, o que acontecera.

Liam envolveu-a nos seus braços e Sasha chorou convulsiva e descontroladamente, tal como ele próprio. - Lamento muito, Sasha. Amo-te. Queria estar contigo, conseguir que a nossa relação resultasse... mas tenho de voltar para eles. Juro-te que teria casado contigo se isto não tivesse acontecido. Era o que eu mais desejava.

Mas agora não posso. - Era uma tragédia para os dois. Porém, ele também amava Beth, o que Sasha não ignorava. Podia vê-lo nos seus olhos. Era uma situação completamente absurda, mas verdadeira: Liam amava as duas. Mas devia mais a Beth do que a ela. Inevitavelmente, Sasha teria de sair a perder. Ela era o sacrifício que ele sentia ter de fazer pela filha.

Deixaram-se ficar na cama, nos braços um do outro, a chorar durante horas a fio, desejando que as coisas fossem diferentes.

Ela queria sentir-se zangada, mesmo furiosa, queria odiá-lo, mas não lhe era possível. Não estava encolerizada, apenas com o coração desfeito. Aquilo era tão mau, ou mesmo pior, do que quando perdera Arthur, porque assim que Liam voltasse para Beth, passaria a estar morto para ela. Desta vez era mesmo verdade, Liam nunca mais voltaria, e ambos estavam cientes disso.

- Se preferires, ponho fim ao meu contrato com a galeria. Não quero tornar a situação ainda mais difícil para ti do que já é.

- Não é necessário que tomes uma decisão dessas, não seria justo para ti. Podes passar a tratar dos teus assuntos com a Karen e o Bernard. - Sasha sabia que depois daquilo não poderia continuar a vê-lo ou mesmo a falar com ele. Se o fizesse, seria o mesmo que estar a matar-se a pouco e pouco. Nunca em toda a sua vida havia passado por um sofrimento como aquele ou, pelo menos, desde que Arthur falecera.

Às seis da manhã continuavam nos braços um do outro. Às seis e meia, Liam levantou-se. Ambos estavam com o aspecto de quem levara uma tareia. O pior de tudo era ela ter consciência de que ele estava a agir da maneira mais correcta. Na decisão que tomara não havia qualquer vestígio do pintor louco. Era a decisão de um homem generoso e nobre, o qual tinha noção de que estava em dívida para com a mulher e os filhos e que não hesitava em cumprir as suas obrigações, para o melhor e para o pior. A sua atitude só fazia que Sasha o amasse ainda mais.

- E se as coisas não resultarem? - perguntou quando ele já se vestia. - E se quando a Charlotte melhorar vocês dois não forem capazes de se suportar? Nesse caso, o que é que acontecerá?

- Não sei - respondeu ele com toda a franqueza, olhando para ela. Ambos estavam devastados.

- Deve ter acontecido qualquer coisa muito estranha para tu teres ido para a cama com a Becky. Os homens não costumam fazer coisas dessas, a menos que sejam infelizes com as mulheres com quem estão casados.

- Talvez não. Acho que estávamos fartos um do outro. A Beth estava cansada de ser pobre e havia alturas em que eu me sentia assoberbado pelas crianças. Vi-me sobrecarregado com mais responsabilidades do que previra, além de não estar preparado para as assumir. Que diabo, casei-me com ela apenas com dezanove anos!

- Mas é para essa vida que vais voltar - alegou Sasha lugubremente. - Pensa bem nisso antes de tomares uma decisão definitiva. Nada te impede de cuidar da Charlotte durante o tempo que quiseres, sem seres obrigado a voltar para a Beth. Sasha, está feito - retorquiu Liam. Para ela, aquilo parecia uma sentença de morte. - Não posso proceder de outro modo. Ela precisa de mim, não conseguirá levar isto avante sozinha. A Beth não é uma mulher suficientemente forte.

- Sasha respondeu com um aceno de cabeça. Não lhe restavam mais argumentos. Já utilizara todos, sem êxito. Além disso, não tinha coragem de tentar convencê-lo de algo que sabia estar errado. Liam tinha consciência de que devia voltar para Beth somente por ser essa a atitude correcta, e não por ela lhe ter pedido. Ele próprio pensara nisso. Agora Sasha sabia que ele procederia dessa forma. Não obstante o seu comportamento por vezes chocante e a sua maneira de ser irreverente, basicamente, era um homem bom e decente.

Sasha ofereceu-se para lhe preparar o pequeno-almoço, mas ele limitou-se a responder-lhe com um abanar de cabeça; não conseguia comer. Nenhum dos dois tinha dormido. Liam sentia-se a desistir da sua vida por estar prestes a abandonar Sasha. Queria desesperadamente construir uma vida com ela, mas o destino privara-os dessa felicidade; nenhum deles era culpado pelo desenrolar da situação.

Era a mão de Deus, o destino. Ambos tinham de desistir dos seus sonhos, que se desmoronavam de um momento para o outro. Agora era a vez de Beth, de Charlotte e dos rapazes. Liam pertencia-lhes. Fizera um juramento a Beth havia vinte e dois anos, e chegara a hora de o cumprir. Sentia que não lhe restava outra alternativa. Sasha era o seu sonho, Beth a sua vida.

Guardou os presentes que ela lhe oferecera na mochila e ela mirou o bracelete que ele lhe dera e depois olhou para ele.

- Nunca mais o tirarei. Amo-te para todo o sempre, Liam.

- Não digas isso - retorquiu ele, com as lágrimas a correrem-lhe pelo rosto, misturando-se com as dela quando lhe deu um último beijo. - Esquece-me. Esquece-nos. Guarda essa recordação algures no teu coração, tal como eu farei. Estarás sempre aqui comigo - disse Liam, apontando para o coração, e Sasha acenou com a cabeça.

Agarrou-se a ele como se fosse morrer quando ele partisse, certa de que isso sucederia realmente. Este era um adeus que não lhe fora possível dizer a Arthur. Nessa noite com Liam tudo havia sido dito entre eles. Ele ia deixá-la, apesar de todo o amor que lhe dedicara ao longo do último ano; de facto, amara-a mais do que a qualquer outra pessoa em toda a sua vida.

Sasha chorava de mansinho quando o acompanhou até ao elevador. Liam carregou no botão. Ela estava apenas com a camisa de noite e descalça, com o cabelo preto comprido solto como o de uma criança. Quando o ascensor chegou, ele olhou-a intensamente e entrou; o olhar dela cruzou-se com o dele, a porta fechou-se e Liam desapareceu. Quando regressou ao apartamento, Sasha lembrou-se que era a manhã do Dia de Natal.

 

Para ela, aquele Natal era como uma imagem desfocada, um pesadelo em que era impossível acreditar. Tatiana e Xavier telefonaram-lhe para lhe desejarem boas-festas e para saberem como estava. Sasha garantiu-lhes que estava tudo bem, embora Xavier tivesse desconfiado que havia qualquer coisa de estranho, o que o levou a voltar a ligar-lhe mais tarde. Perguntou se Liam estava com ela, e Sasha respondeu-lhe que estivera, mas que já regressara a Vermont.

O seu sofrimento era demasiado grande para poder partilhá-lo com quem quer que fosse. Era uma dor tão excruciante que ficou sentada numa poltrona durante todo o dia, mal se mexendo. Deixou-se ficar simplesmente sentada a olhar para o vazio. Encontrava-se em estado de choque.

No dia a seguir ao Natal, chegou à galeria às dez horas, como era seu costume, e quando Mareie entrou, deparou com ela sentada à secretária do seu gabinete. Tinha o cabelo todo puxado para trás, não se maquilhara e o rosto estava lívido. Sentada com uma postura extremamente rígida, separava alguns dos papéis que tinha em cima da mesa, como se estivesse em estado de choque, e quando Mareie viu a expressão que se reflectia nos seus olhos, pensou que Charlotte teria morrido. De facto, Sasha é que tinha morrido.

- Oh!, meu Deus, aconteceu alguma coisa à... - Mareie interrompeu-se, levando a mão à boca. Era óbvio que acontecera alguma coisa terrível. Sasha parecia um fantasma quando abanou a cabeça e desviou o olhar.

Durante as últimas três horas não parara de chorar, inconsolável. Sabia que nunca mais voltaria a ouvir a voz dele. Antes de partir, ela e Liam haviam prometido que não telefonariam um ao outro; fazê-lo seria uma crueldade para qualquer dos dois. Sasha nunca fizera nada tão difícil em toda a sua vida, honrar o que tinham decidido, mas fê-lo pelo muito amor que lhe dedicava.

 

Sempre soubera que o amava, mas só agora tinha noção de quão forte era esse amor. - Sasha, está a sentir-se bem?

- perguntou Mareie, que, ao olhar para ela, ficou assustada.

- Estou óptima - respondeu Sasha num tom de voz monocórdico e sem olhar para Mareie. Entregou-lhe alguns papéis que acabara de assinar. Tinha dado início ao resto da sua vida, que se estendia à sua frente, qual vasta terra árida de vazio e perda. Sentia-se como se tudo nela, cada fibra do seu ser, tivesse morrido.Mareie saiu do gabinete sem dizer mais nada, mas mencionou o assunto a Karen, que passou pelo gabinete de Sasha para ver se ela estava melhor, embora tivesse disfarçado o motivo que a levara lá, após o que se apressou a voltar para junto de Mareie.

- Deve ter acontecido alguma catástrofe. Perguntaste-lhe o que se passou?

- Ela não diz nada...

Ambas concordaram que Sasha parecia pior, muito pior, do que quando Arthur morrera. Mas entretanto haviam decorrido mais de dois anos e esta era a maior perda que ela sofria, combinando-se com o impacto da anterior. Duas perdas colossais que se haviam transformado numa só. Aquela situação trouxe-lhe à memória o que sofrera aquando da morte de Arthur, ao que acrescia agora a perda de Liam, desta vez para sempre. Desta feita não haveria lugar a moratória, e ela sabia disso. Liam nunca mais voltaria. No que dizia respeito à sua vida, era como se tivesse morrido.

Nenhuma das duas mulheres conseguiu desvendar o mistério e Sasha não falou durante todo o dia. Não comeu nem bebeu nada. Não se mexeu, limitando-se a permanecer sentada à secretária a mexer em papéis. Pensou em matar-se, mas tinha consciência de que não podia fazer uma coisa dessas a Xavier e a Tatiana. Estava condenada a viver, o que, no seu caso, parecia pior do que se tivesse sido condenada à morte. Sasha havia sido sentenciada a uma eternidade sem a presença de Liam.

Ao volante do automóvel a caminho de Vermont, ele sentia precisamente a mesma coisa, mas não telefonou a Sasha. Sabia que nunca mais poderia falar com ela. Era forçado a confiá-la nas mãos do destino, tal como fizera em relação a si próprio. Tudo o que podia fazer a partir de agora era recordar que existia uma mulher que jamais voltaria a ver, mas que em tempos amara inteiramente de corpo e alma.

Nessa tarde, Sasha disse a Mareie que tencionava regressar a Paris na manhã seguinte, pedindo-lhe que marcasse a passagem aérea. Mareie disse que assim faria, detendo-se para voltar a tentar saber o que se passava com ela.

- Tem a certeza de que está bem? - Sasha respondeu-lhe com um aceno de cabeça e Mareie perguntou-se se se teria passado alguma coisa com Liam. Talvez tivessem discutido, pondo fim à relação uma vez mais. - Que é feito do Liam? - foi tudo o que Mareie lhe perguntou. Sasha respondeu-lhe que ele regressara a Vermont e que estava bem. Sabia que só daí a muitos meses, ou mesmo anos, seria capaz de confiar a alguém o que acontecera entre os dois.

O vazio que ele deixara dentro de si ficara a transbordar de dor. Mareie saiu do gabinete e foi tratar da reserva da passagem aérea para Paris, mas depois fez algo que nunca fizera, nem mesmo quando Arthur falecera. Telefonou a Xavier para lhe dizer que se sentia muito preocupada por causa da mãe. Ele concordou que ela também lhe parecera estranha quando lhe falara no Dia de Natal.

- Ela está com um aspecto horrível acrescentou Mareie, desolada por ter de lhe causar preocupações, mas não sabia a quem mais poderia telefonar. Tatiana estava fora, e Mareie não fazia a mínima ideia onde, tal como Xavier não sabia do paradeiro da irmã.

- Talvez eu apanhe um avião para Paris este fim-de-semana para a ver - disse ele, pensando no assunto. Não era uma hipótese que lhe agradasse por aí além, uma vez que seria na véspera do Ano Novo, mas a verdade é que estava preocupado com a mãe. Tinha-se passado alguma coisa e a mãe não falava do assunto com ninguém.

Nessa noite, Xavier ligou-lhe para casa, mas Sasha não atendeu o telefone. Estava deitada na cama às escuras a pensar em Liam, perguntando-se o que é que ele estaria a fazer nesse momento, se o estado de Charlotte teria evoluído e o que é que ele teria dito a Beth. Nem sequer sabia se ela tinha conhecimento da sua existência. Da noite para o dia, passara a ser a mulher esquecida.

Sentia-se como se fosse invisível, intocável, não amada e completamente isolada do mundo. Ao sair da galeria, mal se despedira de Mareie e de Karen; limitara-se a dar-lhes as boas-noites, como fazia habitualmente, após o que saiu. Foi para casa a pé e já ia a meio do caminho quando se apercebeu de que estava a chover. Quando chegou a casa, estava encharcada até aos ossos. Mas isso não lhe importava. Nada lhe interessava.

No dia seguinte partiu de avião para Paris; não falou com ninguém durante a viagem e também não comeu nada, nem tão-pouco viu nenhum filme; por fim conseguiu adormecer. Era um voo relativamente curto e quando chegou a casa apercebeu-se de que havia alguns dias que não comia. Mas agora isso também não lhe interessava.

Quando Xavier chegou a Paris, no sábado seguinte, ficou chocado ao ver a mãe. Havia perdido peso, os olhos tinham um brilho febril e estava com uma aparência emaciada. Xavier, que se fizera acompanhar da actual namorada, conseguiu convencê-la a comer um pouco. Quando perguntou à mãe por Liam, ela mostrou-se satisfeita e vaga, limitando-se a dizer que ele se encontrava em Vermont com Beth e os filhos.

Uma semana mais tarde, querendo saber como é que as coisas estariam a correr, Xavier ligou para o telemóvel de Liam. Não mencionou o estado em que a mãe se encontrava, a fim de não preocupar o amigo; ele já tinha bastante com que se preocupar, por causa de Charlotte. Casualmente, Xavier perguntou-lhe quando é que pensava voltar para Londres.

- Não tenciono voltar - retorquiu Liam numa voz em que transparecia uma tristeza que deixou Xavier apreensivo. O tom de voz dele não se diferenciava muito do que ouvira recentemente sempre que falava com a mãe, não deixando adivinhar nada.

- O que é que queres dizer com isso? - perguntou Xavier, confuso. - Vais ter de ficar em Vermont durante muito mais tempo?

- Calculo que para sempre - respondeu Liam num tom enigmático. - Um dia destes terei de voltar a Londres para fechar o meu estúdio - acrescentou, dizendo que Charlotte ficaria hospitalizada durante mais alguns meses e, possivelmente, teria de fazer fisioterapia depois de ter alta.

- É muito decente da tua parte estares aí com ela numa situação como esta - elogiou Xavier perante o longo silêncio por parte de Liam. Este sabia que não podia adiar contar-lhe o que se passava. Não fazia a mais pequena ideia sobre o que Sasha teria dito ao filho, mas Xavier dava a impressão de não estar a par do que acontecera, o que o surpreendeu. Sabia quanto mãe e filho eram chegados, o que o levara a deduzir que ela o teria posto ao corrente da situação. Não conseguia imaginar qualquer razão que justificasse ela não lhe ter contado nada. Nem sequer lhe ocorreu que Sasha pudesse continuar em estado de choque, sentindo-se demasiado devastada para pôr Xavier ao corrente do que acontecera.

- Voltei para a Beth - informou Liam. No outro lado da linha, Xavier ficou em silêncio, completamente aturdido.

- Fui forçado a voltar. Ela precisa de mim aqui, assim como os meus filhos. Telefono-te quando voltar a Londres para encerrar o estúdio. - Xavier desejou-lhe sorte, tendo ficado durante um bocado a pensar no que Liam lhe dissera. Tinha a sensação de ter sido atirado contra uma parede. Mal conseguia imaginar o que a mãe teria sentido ao ouvir aquelas mesmas palavras. Agora percebia tudo.

 

Sasha viveu cada dia da sua existência durante grande parte de Janeiro como se fosse um autómato. Ia para a galeria e à noite voltava para casa, falando pouco com quem quer que fosse e fazendo o seu trabalho. Entregara a Bernard todas as pastas respeitantes a Liam sem fazer qualquer comentário, embora actualmente ele não estivesse a trabalhar, por se encontrar a cuidar de Charlotte, e, portanto, não houvesse nada a tratar em relação a ele.

Tinham recebido duas encomendas para Liam, mas ele informou que só daí a seis meses poderia começar a trabalhar nesses quadros, por conseguinte, tudo o que se relacionava com Liam encontrava-se suspenso. Exactamente como a vida de Sasha.Depois de saber o que tinha acontecido, Xavier foi visitar a mãe, mas esta recusou-se a falar do assunto. Durante a sua estada, deram alguns passeios no parque com a cadela. Xavier tentou levá-la a jantar fora, mas Sasha não quis ir; nos últimos tempos, dava a impressão de que não ia a lugar nenhum. Eugénie disse que ela recusava sistematicamente todos os convites que recebia, tendo feito o mesmo em Fevereiro, quando estivera em Nova Iorque.

À excepção do trabalho, era como se se tivesse recolhido, fechando-se para o mundo.Xavier teve uma longa conversa com Tatiana sobre o que se passava com a mãe, o que levou a irmã a ficar uma noite em casa da mãe, mas, aparentemente, não havia nada que despertasse Sasha daquela espécie de letargia. Entretanto o tempo foi passando, e em Abril já regressara a Paris. Em seguida teve de ir a Nova Iorque para organizar uma exposição, e Mareie ficou muito aliviada ao ver que ela parecia estar com melhor aspecto.

Continuava magra e pálida, além de ter um ar cansado, mas, do mal o menos, a aparência fantasmagórica dos últimos meses tinha desaparecido. Apesar do semblante triste, pelo menos parecia humana. Não era segredo para quem a conhecia e se preocupava com ela que Sasha passara por um período terrível. Em segredo, comentavam entre si a razão para tanta tristeza, embora ninguém falasse com ela sobre o assunto. Era óbvio que se tratava de uma questão que, no que lhe dizia respeito, não estava aberta ao diálogo com quem quer que fosse. Sasha isolara-se completamente do mundo à sua volta. O seu corpo encontrava-se presente, mas o espírito mantinha-se ausente.

Liam voltara a Londres em Março para fechar o estúdio, despachando todos os seus pertences para Vermont. Deixou uma mensagem a Xavier, mas, quando este retribuiu o telefonema, ficou a saber que Liam já havia deixado a cidade; a estada fora apenas de dois dias. Xavier assumiu, com razão, que Liam provavelmente, não quisera encontrar-se com ele. O que acontecera, o acidente que Charlotte sofrera e a decisão de Liam de voltar para Vermont, para junto de Beth, tudo isso havia sido demasiado traumatizante para os dois. Tinham feito os possíveis por enterrar o assunto, ultrapassando-o cada um à sua maneira. Xavier nem sequer mencionou à mãe que Liam estivera em Londres. Pareceu-lhe mais assisado não voltar a falar-lhe dele, exemplo que era seguido por todos com quem ela convivia.

Mareie não classificaria de recuperação o que viu em Abril, mas, pelo menos, o sangue da vida que se derramara da alma de Sasha dava a impressão de ter estancado.

Parecia que ela tinha chegado ao fundo e era aí que se mantinha, o que representava uma grande melhoria em relação ao que todos haviam observado antes. A espiral descendente que levara Sasha ao abismo do desespero fora algo aterrador de observar, contudo, ela insistia em dizer que se sentia melhor, chegando mesmo a ir à casa nos Hamptons quando voltou a Nova Iorque, em Maio.À semelhança do que acontecia com todos os outros lugares, a casa estava cheia de recordações de Liam, mas, quaisquer que fossem os seus pensamentos, não os partilhava com ninguém. Havia vários meses que não tinham notícias suas na galeria.

Tudo o que sabiam, através de Sasha e de uma ou outra mensagem por correio electrónico que ele enviava, eraque continuava em Vermont junto da família, tendo informado que Charlotte estava melhor. A garota encontrava-se agora no centro de reabilitação física e já conseguia pôr-se de pé. Quanto a Sasha, mantinha-se mais ou menos na mesma; o seu estado de espírito parecia capaz de se pôr de pé, mas ainda não conseguia andar.

Preocupados, tanto os filhos como os que trabalhavam na galeria sentiam-se ansiosos por voltar a ver qualquer sinal de vida, e foi por pouco que Mareie não se pôs de pé e aplaudiu quando a viu esboçar um sorriso, em Maio. Desde Dezembro que não se recordava de lhe ter visto um único sorriso, altura em que ela e Liam reataram a relação por algum tempo, antes de ele ter voltado a partir.

Xavier foi a Nova Iorque para celebrar o quinquagésimo aniversário da mãe junto dela. Tudo o que Sasha desejava era passar uma noite tranquila com ele e com Tatiana, porém os filhos haviam insistido em que, pelo menos, fossem jantar fora, e ela optara por um pequeno restaurante italiano na Village que disse ser um lugar sossegado. Não obstante os longos meses a chorar a ausência de Liam, Sasha passou uns momentos muito agradáveis com os filhos. Não consigo acreditar que já tenho cinquenta anos disse ela, deixando transparecer alguma nostalgia. - Como é que fiquei tão velha?

- Não é nada velha, mãe! - contrapôs Xavier gentilmente. Ele e Tatiana tinham-lhe oferecido um alfinete de peito em diamantes, dois corações entrelaçados, que Sasha adorou. Continuava a usar o bracelete de diamantes que Liam lhe oferecera no Natal. Nunca o tirava do pulso.

Mareie e Karen tinham proposto fazer uma pequena festa, mas ela não aceitara a sugestão. As únicas festas a que comparecia ultimamente eram as que dava por ocasião da inauguração de exposições na galeria. Durante os últimos cinco meses, desde a partida de Liam, pusera de parte a sua vida social. Era como um animal cansado que hibernasse no pico do Inverno. Todos os que a amavam aguardavam algum sinal da chegada da Primavera. Por muito difícil que fosse, ela teria de esquecer Liam, mas esse processo parecia eternizar-se.

Era como se a alma dos dois estivesse inextrincavelmente entrelaçada e agora, sem a outra metade, ela se fechasse em si própria para morrer. Como se fossem gémeos siameses. No espaço de um ano, haviam passado a ser parte um do outro. A vida de Sasha sem ele era inexoravelmente sombria. No fim-de-semana do feriado do Memorial Day, na última segunda-feira de Maio, Sasha continuava em Nova Iorque, e decidiu ir à casa de Southampton.

Tatiana tinha ido para fora e Xavier encontrava-se em Londres. Sasha tencionava voltar para Paris na semana seguinte, no entanto, era com satisfação que esperava poder passar o último fim-de-semana na praia antes de partir. O tempo ainda estava frio, mas o perfume da Primavera já andava no ar, e quando saiu da galeria, na sexta-feira à noite, Mareie achou que ela estava com melhor aspecto. Actualmente, Sasha era alvo de observação e atenção constantes de todos os que lhe queriam bem, consultando-se entre si sobre o seu estado de espírito. A insistência constante em dizer que se sentia bem só servia para se convencer a si própria e mais ninguém.

Na sexta-feira à noite, quando seguia de automóvel a caminho de Southampton, constatou que o trânsito intenso tornaria a viagem muito mais demorada. De tempos a tempos, quando era forçada a parar num engarrafamento, pensava em Liam. Era um luxo que nos últimos tempos só muito raramente se permitia. Sabia que não podia entregar-se às recordações, e embora os outros não se apercebessem disso, a verdade é que se esforçava para se sentir melhor.

Deixar-se ficar sentada a pensar nele era algo que só muito raramente concedia a si própria. Não obstante, Liam continuava no seu pensamento quando abriu a porta da casa da praia, quatro horas depois. Já passava das vinte e três horas, e quando se deitou era meia-noite. Adormeceu a pensar nele. Quando despertou, na manhã seguinte, sentia-se melhor. Era como se ao permitir-se ficar embrenhada nas recordações que guardava dele durante algumas horas tivesse aliviado parte da tensão em que andara.

Navegar pelos baixios do sofrimento emocional era algo que se lhe tornara familiar. Sabia, com base na experiência da morte de Arthur, que a perda de alguém era um processo demorado e difícil de ultrapassar; não nos desprendíamos de um momento para o outro, mas sim dia a dia, centímetro a centímetro. Sasha precisara de um ano depois de Arthur ter falecido para voltar a sentir-se como um ser humano normal. E agora já haviam decorrido cinco meses desde que Liam a deixara. Sabia que um dia, num futuro próximo, conseguiria chegar lá, acordando uma bela manhã sem sentir aquela opressão no peito. A pouco e pouco, a opressão ia diminuindo.

De tempos a tempos, perguntava-se como é que ele se sentiria ou se já se teria esquecido dela. Agora Liam tinha outras coisas que lhe ocupavam a mente, mas ficou satisfeita quando Mareie lhe disse que ele os havia informado de que Charlotte estava muito melhor. Sasha não conseguiu evitar perguntar-se se ele se sentiria feliz com Beth. De qualquer forma, não tinha maneira de saber, e talvez isso não interessasse. Para o melhor ou para o pior, acontecesse o que acontecesse, Liam agora pertencia-lhe. Sasha sabia que ele jamais a deixaria, do mesmo modo que nunca teria tomado a iniciativa de o fazer quando ela o deixou. Liam era o género de homem que não quebrava um compromisso depois de o ter assumido.

A situação havia sido diferente com eles porque, por muito que se tivessem amado, o compromisso nunca chegara a ser assumido. Tal como previra desde o princípio, para eles tinha sido uma relação impossível, e não apenas pelas razões que ela temera. Nunca lhe ocorrera, nem sequer remotamente, que ele pudesse voltar para Beth. Sem o acidente de Charlotte, que quase lhe custara a vida, sabia que Liam nunca teria voltado para ela, mas o destino encarregara-se de intervir.

Nesse dia, já ao pôr do Sol, quando passeava pela praia, forçou-se uma vez mais a bani-lo dos seus pensamentos. Deixou que a sua mente se concentrasse noutras coisas, como Arthur e os filhos. Desde Fevereiro que Tatiana tinha um namorado a sério, um rapaz que, finalmente, merecia a aprovação de Sasha. Quanto a Xavier, havia começado a falar em ir viver com a rapariga com quem andava desde o Natal passado,

o que, para ele, era uma mudança enorme. Estava na altura de assentar. Já fizera vinte e sete anos.

Sasha sentia-se bem e tinha uma grande paz de espírito, pela primeira vez de há muito tempo a esta parte, quando se sentou por baixo de um telheiro entre as dunas cobertas de vegetação para admirar o pôr do Sol. O ar continuava bastante fresco, mas o Sol aquecera o dia, e Sasha deitou-se na areia a pensar nos filhos e nos momentos que os três haviam partilhado. Nesse Verão tinha alugado outro barco para eles, mas era ali, na praia, que ela passava algum tempo a sós consigo própria. Momentos que para si eram preciosos e em que se dedicava a reflectir, dando graças pela sua vida, que ia recuperando a pouco e pouco. Sabia que, a despeito das perdas que sofrera, tinha de dar graças por muitas outras bênçãos recebidas, pelas quais se sentia agradecida.

Observava o Sol, que se escondia rapidamente, perguntando-se se conseguiria ver o clarão esverdeado no momento em que desaparecesse na linha do horizonte. Adorava esperar para o contemplar, e enquanto continuava ali ia saboreando cada momento. Não desejava mais nada além do que tinha agora. Não precisava de nada e não queria ninguém. Sentia-se como se estivesse suspensa no espaço, sem peso e sem os fardos da vida. Pela primeira vez desde Dezembro, sentia-se bem na sua própria pele. Finalmente, o processo de cicatrização emocional, que tanto tempo levara a iniciar-se, estava a começar.

De súbito viu o clarão esverdeado, sorrindo quando este surgiu no horizonte. Era como um prenúncio de coisas melhores que estariam para acontecer. Continuava a ver pontinhos luminosos diante dos olhos, por ter mantido a vista fixa no Sol enquanto este se punha, e o que vislumbrou pareceu-lhe uma visão. Não conseguia vê-lo com clareza, mas distinguiu a silhueta dele. Sabia que aquilo era fruto da sua imaginação, certamente estaria com alucinações, mas então ouviu a sua voz. Era Liam. Ele encontrava-se defronte dela, de costas para o clarão do pôr do Sol, como num filme. Sasha deixou-se ficar deitada a olhar fixamente para ele, sem dizer nada.

- Olá, Sasha. - Ela não fazia ideia da razão que o levara ali. A última vez que o vira, ambos haviam chorado. Desta feita, limitou-se a olhá-lo e a sorrir. Tinham passado cinco meses desde a última vez que haviam estado juntos.

- Tenho estado a contemplar o pôr do Sol.

- Eu vi-te do alpendre.

- Como é que a Charlotte tem passado? - Não queria saber como é que Beth estava.

- Está muito melhor. Recomeçou a andar há pouco tempo.

Sasha não o convidou a sentar-se. Fez apenas um ligeiro aceno de cabeça.

- O que é que te trouxe aqui?

- Vou voltar. Só quis vir cá para me despedir de ti.

-Já nos despedimos. - Era estranho haver uma conversa tão desarticulada entre duas pessoas que se tinham amado e se haviam perdido. Já se tinham despedido uma vez, cinco meses antes. Por que razão teria voltado para dizer adeus de novo? - Quando é que vais voltar? - Era uma pergunta sem qualquer significado. O seu regresso deixara de ter o mínimo interesse para ela. Ele já tinha partido, o que fizera havia cinco meses.

- Amanhã - respondeu Liam, após o que, finalmente, se sentou na areia, ao seu lado. Sentira-se pouco à vontade de pé a olhar para ela, que continuava sentada. Sasha parecia-lhe mais baixa do que se lembrava, assim como mais pálida, e o cabelo mais escuro, em contraste com a pele do rosto, de um branco de marfim.

Estava muito mais bonita do que se recordava, e tinha pensado nela com muita frequência. Na verdade, Sasha não lhe saíra do pensamento, atormentando-o, como alguém que ele tivesse assassinado, sendo forçado a viver com aquela imagem em suspenso e amargurada do rosto dela quando lhe dissera adeus.

- Só queria ver-te uma vez mais antes de voltar. Pensei que tínhamos concordado em que não faríamos isso. - O olhar dela foi ao encontro do dele. Esquecera-se como os olhos dela tinham uma expressão penetrante simultaneamente suave e intensa. Ela cumprira a sua parte do que haviam combinado; nunca lhe telefonara. E, ao contrário do que ele fazia nesse momento, nunca aparecera inesperadamente em Vermont. Voltar com o intuito de a torturar uma última vez parecia a Sasha uma atitude que não merecia, lamentando que ele a tivesse procurado. Uma vez mais, ver-se-ia forçada a escalar a montanha da cicatrização emocional. Era um sacrifício que já lhe custara bastante.

- Não te telefonei porque pensei que te recusarias a encontrares-te comigo.

- E tens toda a razão, não teria concordado. Para mim, um adeus chegou. - A verdade é que tinha havido mais de um adeus ao longo do ano que haviam partilhado. - Porque é que vieste? - Sasha sabia que existia outra razão de que ele ainda não tinha falado. Conhecia-o melhor do que ele se conhecia a si próprio.

Todavia, não lhe passava despercebido quanto também mudara durante os últimos cinco meses. No rosto de feições bonitas não se vislumbrava um único traço da juvenilidade de antes, restando apenas um ar de masculinidade. Depois de ter partido, empreendera a sua própria jornada de sofrimento emocional. Porém, diariamente, estivera acompanhado da mulher e dos três filhos ao longo dessa jornada. Quanto a Sasha, só pudera contar consigo própria, pelo que fora muito mais difícil para ela.

- Odeias-me? - perguntou Liam. Devia tê-lo odiado. Mas, para ela, isso eram águas passadas e, fosse como fosse, nunca teria ido por esse caminho. Respondeu-lhe com um abanar de cabeça. Ele não tinha culpa do que acontecera.

- Não. Amo-te. Provavelmente, amar-te-ei para sempre

- confessou Sasha. Os olhos dele fixaram-se na mão dela, vendo que os dois braceletes que lhe oferecera continuavam no pulso.

- Também eu. - O Sol desaparecera por completo e o tempo arrefecera. - Queres que me vá embora agora?

- Ainda não - respondeu com sinceridade. Talvez fosse a última vez que o via. Queria saborear aquele momento antes de ele a deixar.

- Ainda tenho de conduzir até Nova Iorque esta noite retorquiu Liam, que não sabia que mais poderia acrescentar. Nada do que tencionara dizer-lhe parecia fazer sentido nesse momento. Ela transformara-se numa pessoa diferente. Melhor, mais forte e mais profunda. Passara por uma espécie de baptismo de fogo; embora parecesse estranho, essa provação parecia tê-la purificado.

- Porquê Nova Iorque?

- Porque vou voltar - respondeu ele com ar enigmático, o que a deixou confundida.

- Voltar para onde? Para Vermont?

Liam sorriu, abanando a cabeça. Ela não tinha compreendido.

- Não, vou voltar para Londres.

- Porquê para lá?

Foi nesse momento que Liam sentiu que tinha de lhe dizer. Afinal, fora isso que o levara ali. Compreendeu, quando a viu, que lhe causara um grande sofrimento. E ainda que ela continuasse a amá-lo, as portas haviam-se fechado. Não lhe era difícil ver isso na expressão do seu rosto.

- Deixei a Beth, as coisas não resultaram. Ao fim de um mês, ambos percebemos isso, mas mesmo assim continuámos a tentar, quanto mais não fosse pelas crianças, mas as coisas não resultam sem amor. Separámo-nos como bons amigos.

- Liam riu-se de mansinho. - Ela está feliz por se ter visto livre de mim. - Sasha observava-o atentamente, tentando apreender o que ele acabara de lhe dizer. Subitamente, perguntou-se se teria imaginado a presença dele e tudo o que lhe dizia. Talvez ele nem sequer estivesse ali. Quiçá fosse apenas uma visão que tivesse invocado em sonhos, uma alucinação que parecia extraída da vida.

- O que é que acabaste de dizer? - perguntou Sasha.

- Disse que eu e a Beth pusemos fim ao casamento; o divórcio é final. Amanhã volto para Londres, mas queria ver-te antes de partir, quanto mais não seja, porque te devo um pedido de desculpas. - Tinha noção de que o que lhe fizera em Dezembro não tinha perdão, mas procedera dessa maneira pela mulher e pelos filhos. Como desculpa era um pouco esfarrapada, mas na altura pareceu-lhe ser o comportamento mais adequado. Sasha também sabia isso.

- Não me deves desculpa nenhuma - retorquiu ela gentilmente. - Limitaste-te a fazer o que sentiste ser teu dever.

- E foi por pouco que não acabei contigo...

- Continuo aqui - disse ela, levantando-se lentamente.

- Sou mais rija do que pensas.

- Não. És mais rija do que tu própria pensas. Não houve um único dia em que não pensasse em ti. Constantemente. - Liam estendeu o braço e ela viu o relógio.

- Também eu pensei em ti - confessou Sasha. E agora, o que é que fazemos? - Os seus olhos encontraram-se, mas não se aproximaram um do outro. Não se tinham tocado, e talvez isso nunca mais voltasse a acontecer.

- Impossível ou possível? Depende de ti... - acrescentou Liam em voz baixa. O vento arrefecera e ele acercou-se mais dela. Estavam quase a tocar-se, mas ainda não. O que te parece?

- Nunca me passou pela cabeça que pudesses voltar, Liam - replicou Sasha com tristeza. Era difícil acreditar que ele regressara ou saber por que razão o fizera. Ele já a tinha deixado várias vezes, e ela morrera igual número de vezes às mãos dele.

- Eu também não pensei que voltaria. Não acreditei que fosse capaz. - Liam queria beijá-la, mas agora a decisão cabia inteiramente a Sasha. Da última vez ele é que tomara a decisão. Desta feita, a decisão era dela. Liam respeitaria o que ela resolvesse.

- O que é que decides? - perguntou ele; embora não quisesse pressioná-la, tinha de saber.

- Não sei - respondeu ela, sentando-se a olhar para o mar. Pouco depois voltou-se para ele e sorriu-lhe. - Ou talvez saiba... Qualquer que seja a decisão que eu tomar, talvez tenha deixado de interessar. A vida só nos concede um determinado número de oportunidades, mas por vezes concede-nos

mais uma. As pessoas morrem, as pessoas partem, as pessoas voltam... Talvez isso não importe quando as pessoas se amam. E eu amo-te, Liam. Sempre te amei. Mais do que eu própria sabia.

- Também eu; amo-te mais do que imaginava. Quando te deixei, pensei que morria, mas tinha de o fazer.

- Eu sei - retorquiu ela, voltando a sorrir-lhe, e ele beijou-a suavemente, um pouco a medo. Era como se estivesse a tocar numa brisa de Verão. Nunca se esquecera do que sentia quando a beijava e a tinha nos braços. Ao fim e ao cabo, era como se a tivesse levado consigo. Beth apercebera-se disso mesmo antes de ele próprio o ter compreendido, e porque era uma mulher generosa, mandara-o embora para que voltasse para junto dela.

Liam beijou-a de novo, abraçando-a, e ela murmurou qualquer coisa que se perdeu no peito dele. Sentiu mais as palavras do que as ouviu, baixando o olhar para o rosto de Sasha.

- O que é que disseste?

- Possível... - sussurrou ela numa voz que mal se ouvia, mas desta vez ele conseguiu ouvir. - Possível - repetiu Sasha. Era tudo o que ele queria ouvir, o que lhe dera alento durante os meses em que estivera afastado dela. Enlaçou-a com mais força e ela ergueu os olhos para o rosto que fazia parte de si desde o início; riu-se. - Possível. Desta vez, de certeza absoluta.

 

                                                                                Danielle Steel  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

           Voltar à Página do Autor