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Os dias em Inverness eram muito frios. Talvez por isso busquei por ele...
Mal pude acreditar quando descobri ser herdeira de um lindo castelo no norte da Escócia. A vida não havia sido muito fácil para mim em Edimburgo, e planejei tomar posse das terras ao redor de Castelo Black, enquanto reconstruía minha vida.
Mas, nada me preparou para um vizinho como Logan Fraser.
Eu sabia que meus sentimentos por ele eram indecentes, mas meu senso moral perdeu-se no charme bruto daquele fazendeiro.
Capítulo Um
Emília
Nunca fui uma vítima.
Talvez porque desde muito cedo eu descobri que chorar por conta das consequências das ações – minhas ou dos outros – de nada adiantava.
Ficou o pouco aprendizado que recebi dos meus pais: ninguém liga para as suas lágrimas, então engula a porcaria do seu choro e aprenda a viver com a indiferença social.
Por isso, não sou uma vítima. Vítimas choram. As pessoas se apiedam de vítimas. De mim, ninguém nunca teve o menor dó.
Talvez seja minha postura firme. Minha voz elevada. Meu tom sério. Meu olhar indisciplinado.
Ou talvez seja apenas porque ninguém se importa.
Deixe-me explicar melhor:
Eu me chamo Emília Kerr. Sou uma secretária executiva que, no momento, está desempregada. E a culpa disso é minha.
Em primeiro lugar, jamais deveria ter me envolvido com meu chefe. Especialmente porque o idiota se apaixonou e eu sou incapaz de demonstrar qualquer sentimento. Não que não gostasse de Victor; ora, bem da verdade até sonhei em construir uma vida ao lado dele.
Contudo, ele me incomodava com músicas românticas ou flores em momentos inoportunos.
Então, em poucos meses, minha paixonite virou aversão. Como eu amava meu emprego e não queria ser vilã naquela história, consegui colocar no caminho dele uma jovem assistente que há muito andava de olho no meu namorado.
Foi fácil descobrir que Victor deixou-se enredar pelo sorriso da jovem e, quando os flagrei transando no escritório, choraminguei como se sentisse profundamente aquela traição e pedi uns dias de folga.
Usei esses dias para colocar minhas séries da Netflix em dia. Foram dias maravilhosos.
Ao retornar, acreditei que teríamos uma relação profissional normal, mas ele me surpreendeu com um pedido choroso de perdão e uma aliança nos dedos.
Eu aceitei me casar com ele para não perder meu trabalho tão precioso. E aceitei pagar diversas garotas para que ele se desencantasse por mim pelo mesmo motivo. Nada funcionou.
Por fim, a poucos dias da cerimônia, ele pediu para que eu deixasse de trabalhar. Quase gargalhei diante da sugestão. Eu estava comprometida exatamente para NÃO DEIXAR DE TRABALHAR, mas Victor pensava que seria bom ter uma esposa em casa, cuidando de suas necessidades.
Foi o limite. Atirei a verdade em sua face. Perdi o noivado e o emprego. Lamentei pelo emprego.
Por favor, sei que parece que sou apenas uma pessoa fria e sem coração. Mas, nada é assim tão descomplicado.
Não sou um monstro sem sentimentos. Na verdade, acredito no amor. Mas, o amor existe apenas numa única raça existente: os cães.
Eu sei disso porque Baltazar, ou Barth, como eu chamo meu pequeno yorkshire, é o único ser do universo que definitivamente me ama incondicionalmente, e recebe de mim o mesmo sentimento.
Meus pais se separaram quando eu era pequena. Contudo, antes disso, me lembro da completa apatia que me tratavam. Após o divórcio, passei a ser uma batata quente que nenhum deles queria segurar.
Enfiaram-me num colégio interno e sequer me visitavam, mesmo em datas festivas ou no meu aniversário.
Minha mãe morreu num acidente de carro, que vitimou toda a sua nova família. Ela tinha um marido bonito e um par de gêmeos que foram arremessados do banco de trás do veículo porque o cinto havia sido mal encaixado.
Lembro-me da Madre Superiora da escola me liberar para ir ao velório. Um automóvel bonito veio me buscar e, ali, conheci alguns familiares do meu padrasto, que não me deram maior atenção.
Não chorei por ela, porque sei que ela não choraria por mim.
Alguns anos depois, foi à vez do meu pai. Um infarto fulminante durante o jantar com uma modelo. Sequer fui lembrada para ir ao funeral.
Conclui os estudos graças ao seguro educacional que eles pagavam e, após terminar o colegial, recebi minha herança que não era grande coisa, pois meus pais gostavam de gastar e nunca economizavam muito.
Um apartamento e uma pequena quantia em dinheiro me deu um começo. Formei-me e consegui trabalho na empresa de Victor.
E durante todos esses anos, eu sempre acreditei que não era uma vítima e que chorar não adiantava de nada.
Fiz bem. Porque realmente ninguém se importa.
Ninguém além de Barth, claro.
A propósito deixe-me contar como conheci o amor da minha vida.
Nunca tive animais, até porque fui criada numa escola de freiras onde nada era permitido nos dormitórios.
Então, eu era completamente acostumada à solidão dos meus próprios pensamentos. E nunca pensei em ter uma companhia até passar em frente a um petshop .
Sei o que vai me dizer: animais não se compram. E você está certo, eu jamais compraria um cachorro se tendo tantos para adotar. Mas, o olhar de Barth cruzou o meu pela vitrine e eu soube imediatamente que aquela amizade seria eterna.
Fomos para casa no mesmo dia, juntos, unidos como se sempre fôssemos um do outro. E ele me deu tanto amor e carinho como jamais poderia imaginar. Nunca vacilou, nunca me detestou, mesmo quando mandei castrá-lo após flagrá-lo estuprando a almofada do sofá.
Cães amam. E eu era capaz de retribuir o amor do meu cachorro.
Portanto, isso é o que precisam saber sobre mim. Eu sou Emília, eu sou incapaz de amar alguém além de Barth, eu não choro e eu preciso de um emprego porque o ócio nunca foi um grande motivador na minha vida.
Ah, quase ia me esquecendo: as minhas séries favoritas na Netflix estão em dia.
Eu soube de Castelo Black por um advogado que apareceu na minha porta numa manhã instável de segunda-feira.
— É datado da época de William Wallace — ele me explicou.
— De Coração Valente? — citei o filme.
— O heroi da independência — o homem contrapôs.
— Do filme Coração Valente? — completei, insistindo.
Após um suspiro resignado, o homem concordou.
— Mais de três mil metros quadrados, cercado por uma área extensa e um lago lindíssimo. Pertencia a sua tia-avó Joan.
— Nunca ouvi falar dela.
— Nem ela de ti. Na verdade, deixou um testamento informando que se não encontrasse parentes vivos, o castelo passaria a cargo de um vizinho. Não desejava que o governo o tomasse, pois não quer transformá-lo em visitação para os interessados nos Highlands . Considera que o local é sagrado, já que fica entre montanhas, onde a névoa percorre quilômetros, e é margem do famoso lago Ness.
Eu ergui as sobrancelhas para tentar parecer interessada.
— E vale alguma coisa? — questionei, em seguida.
— São hectares de terra e um castelo magnífico com séculos de existência. Isso vale algo para você?
Desviei o olhar do advogado e o foquei no meu cachorro.
— O que acha, Barth?
Ele latiu, parecendo animado.
Estava decidido. Inverness era minha futura cidade. Castelo Black seria meu lar.
Os meus móveis foram colocados em um caminhão, mas meu cão e eu não perderíamos uma viagem de carro aonde podíamos ir parando para tirar fotos e postar no instagram – é, minha vida era uma merda, mas ao menos ninguém sabia daquilo e eu podia fingir ser feliz nas redes sociais — . Um trajeto de pouco mais de oito horas que me causou muito espanto. Não entendia como fechei os olhos para a beleza das terras altas durante tanto tempo. O caminho de Edimburgo até Inverness era belo e acolhedor. Estava extremamente feliz por fazê-lo.
Então, após aquele tempo em que desfrutamos de uma visão paradísiaca, enfim chegamos diante de Castelo Black.
E não posso dizer que não fiquei completamente eufórica com a visão. Era enorme, um amontoado de pedras bem alinhadas, que formavam ângulos perfeitos e escuros. Parecia-se com um palácio de princesa, como dos contos que eu lia na infância.
Seja quem fosse Joan, minha tia-avó solteira que nunca teve qualquer vontade de aproximar-se dos parentes, ela amava aquele lugar e o cuidou com dedicação.
— Bom — murmurei, sorrindo. — Agora é a minha vez de passar meus dias solitários nesse lugar perfeito.
Porque eu amava a solidão.
A solidão não envolvia pessoas.
E sem pessoas não havia dor.
Capítulo Dois
LOGAN
O caminhão chegou alguns minutos depois de mim. Parecia que, apesar do meu trajeto ter sido feito em paradas vagarosas, a mudança envolvia uma velocidade inferior.
Não me preocupei com aquilo. Minhas coisas estavam seguras e agora eram levadas para o interior do castelo. Homens cruzavam enquanto me questionavam onde deviam colocar os móveis.
— Deixem aí — indiquei.
O castelo era lindíssimo e já mobiliado. Não queria estragar aquela decoração. Assim, imaginei que devia guardar as minhas coisas em alguma das muitas peças do lugar. Foi quando decidi caminhar entre os corredores.
Quartos e mais quartos com móveis cobertos por lençóis brancos passavam por mim. Mas, um deles, o que ficava exatamente abaixo da janela central de entrada, foi o que me encantou intensamente. Uma cama de dossel no centro, com diversos adornos em volta, parecia um convite.
Na parede atrás da cama havia um quadro de uma mulher com uma espada na mão. Aproximei-me lentamente e li o nome escrito abaixo da figura valente: Esmeralda . Minha parente devia ser fã das antigas lendas de guerreiros.
Não sei por que, gostei muito desse fato.
— Não vai ter medo de ficar sozinha aqui, senhora? — um dos homens me questionou, quando trouxe meu computador para o quarto.
— Como?
— Um castelo desse tamanho... Parece mal assombrado.
PUTA QUE PARIU! REALMENTE, PARECIA MAL ASSOMBRADO!
— Já sou adulta — disse, dando os ombros.
Mas, no instante que me dei conta de que aquele lugar era exatamente como nos filmes de terror, minha coragem esmoreceu.
— Ao menos tenho Barth — murmurei para mim mesma.
Só então percebi que, tão logo cheguei, havia soltado meu cão para correr no enorme gramado e ele ainda não havia retornado.
Conforme os homens iam rareando e as coisas começaram a se amontoar no salão, considerei que era a hora de encontrar meu cãozinho.
Cruzei pela área onde se criavam ovelhas. Vi quatro delas, muito fofas e bem cuidadas. Comecei a pensar no tempo de falecimento de Joan e percebi que alguém havia alimentado as ovelhas e as galinhas – sim, havia visto um galinheiro – até minha chegada.
Por fim, Barth.
Meu coração quase parou. Uma parte de mim esvaneceu, senti que iria desmaiar. Meu pequeno filho estava encolhido e tremia tanto diante de um monstro negro que parecia ameaçador.
— Meu Deus! — eu gritei.
Mãe de cachorro é igual à mãe de qualquer coisa. Você nem pensa, você avança. E enquanto aquele enorme rottweiler preto encarava meu pequeno Barth como se fosse uma coisinha de nada que poderia ser esmagada a qualquer instante, eu me pus a correr em sua direção.
— Sai demônio! — gritei, agarrando Barth do chão e o segurando contra meu peito.
Ouvi uma risada no fundo. Algo masculino e debochador.
Retrocedi alguns passos. O cachorro enorme não se moveu.
— Vá... — tentei afastá-lo. — Vá embora — movi as mãos, abanando o ar.
Mais risadas. Só então volvi o olhar para onde vinha o som.
Dei de frente com um homem enorme, de vestes velhas, barba grande e olhar inquietante. Uma figura viril, mas intimidadora.
— Athena! — ele chamou o cachorro. — Afaste-se.
O animal obedeceu imediatamente.
— Desculpe-me se minha cadela lhe assustou. Mas, é muito mansa.
— Ela não me assustou — quase gritei. — Assustou meu cachorro.
— Esse negócio aí é um cachorro? — ele apontou, rindo. — Parece um ratinho.
Como se atrevia?
— Baltazar é um yorkshire puro, uma raça superior, educado e adestrado como...
— Meu Deus — ele riu, parecendo nem se dar conta da minha fala. — É tão pequenininho — fez carinho na cabeça do meu cachorro. — Terei que cuidar para não pisar em cima.
Como ele se atrevia?
— Quem diabos é você? — questionei.
Só então aquele bruto pareceu se dar conta de que não havia se apresentado.
— Fraser — disse primeiro o sobrenome, como se eu me importasse com isso. — Logan Fraser.
— E isso deve me dizer alguma coisa?
— Sou seu vizinho — apontou. — O único que tem em quilômetros.
O observei melhor. Era uma mistura de macho das cavernas cheirando a cavalo e suor com aqueles brutamontes de academia.
— O que faz nas minhas terras?
— Eu ajudo a cuidar dos animais desde que a senhora Joan caiu de cama, doente. Ninguém apareceu no funeral, não sabia que tinha uma parente.
— Eu não a conhecia — apontei.
Por algum motivo, aquele olhar que me media de cima a baixo parecia me inquietar.
— Bom — pigarreei. — Seus serviços não são mais necessários.
Ele soltou uma gargalhada irônica que fez meu estômago queimar.
— Mulher, não sou empregado. Cuidava dos animais porque a senhora Joan era como uma avó para mim.
— Todavia, agora estou aqui.
— E você sabe como cuidar de ovelhas?
Para mim a resposta era óbvia.
— Eu vejo no google — apontei.
— No quê?
Céus, de onde havia surgido criatura mais antiquada?
— Bom, como pode ver estou muito ocupada porque acabei de me mudar.
— Certo — ele assentiu. — Mas, se precisar de algo não hesite em me chamar. Ah, o telefone não funciona, mas tem um rádio amador na cozinha com minha frequência anotada num papel.
— Como assim o telefone não funciona?
Que lugar fim de mundo eu havia me enfiado? Puxei rapidamente o celular do bolso e fiquei pasma em ver que não havia sinal.
— Não fique preocupada, mulher, porque estou há poucos minutos daqui...
E daí?
— Como vou ficar sem acesso a internet? Sem ver minhas séries?
— Foi um problema na torre de transmissão, mas eles irão arrumar em breve — tentou me consolar.
Fiquei furiosa pelo tom benevolente.
— Mal cheguei e já odeio esse lugar!
O riso baixo me atiçou mais.
— Que nada, mulher. Tanta coisa pra ver. Pode andar a cavalo, cuidar dos bichos, e no verão tomar banho no lago...
Eu o encarava como se não acreditasse que ele realmente achava que uma vida na natureza poderia compensar minhas séries favoritas e minha existência focada em uma vida virtual.
— Me diga que na cidade, ao menos, há um petshop — implorei, pensando em Barth.
— Para o seu cachorro de madame? Bom, tem um veterinário no distrito. Ele cuida dos meus porcos.
A minha vontade era de sentar e chorar. Mas, como eu sempre pensei, eu não era uma vítima das circunstâncias. Eu devia ter me informado melhor sobre Castelo Black e sobre as condições de vida naquele lugar.
— Ok, Emília... Respire fundo — disse a mim mesma.
— Emília? É esse seu nome?
Só então me dei conta de que não havia me apresentado àquele homem.
— Emília Kerr — estendi a mão.
Ele deslizou o olhar por todo o meu corpo. Depois, coçou a barba. Achei aquilo extremamente repulsivo.
— Prefiro chamá-la de mulher — disse, antes de apertar.
Puxei a mão rapidamente. Meu estado mental estava esgotado. Eu havia dirigido por mais de oito horas para descobrir que estava no meio do nada e sem acesso a informação. Para piorar, meu único vizinho era claramente um machista rude e grosseiro, sem o menor tato.
— Mulher?
— Ficará mais fácil para quando eu incluir o “minha” depois que nos casarmos.
Desgraçado! Estúpido! Arrogante! Presunçoso!
— Isso é algum tipo de piada?
— Seja bem vinda a Inverness, mulher — ele sorriu e se afastou. A cadela negra seguiu seus passos. — Se precisar de algum calor humano já sabe onde me encontrar.
Eu preferiria congelar a clamar por aquele bárbaro infeliz!
Capítulo Tr ês
A PRIMEIRA NOITE FRIA
Q uando aquele infeliz do advogado havia surgido em meu pequeno apartamento, falou-me da beleza de Castelo Black, mas não fez nenhuma menção do maldito frio que fazia a noite.
O castelo havia sido modernizado. Tinha uma cozinha bonita, luz elétrica e o encanamento não era ruim. Todavia, claramente, o sistema de aquecimento da casa era impossível de lidar ou não existia.
Mas, a pior parte com certeza era o completo isolamento que ocorria a noite, quando os animais da fazenda dormiam e apenas Barth e eu nos afundávamos embaixo dos cobertores, assustados com nossas próprias sombras.
Você pode ser a pessoa mais cética que existe no planeta. Mesmo assim, passará a acreditar em fantasmas se ficar sozinho em uma casa secular.
De qualquer maneira, havia sido um dia corrido, eu estava exausta, e o frio era tão intenso que não me atrevia a tirar a cabeça debaixo das mantas.
Aos poucos, o torpor do sono foi me tomando. O corpinho quente de Barth perto de mim, sua respiração ritmada, foi me acalmando, e acabei dormindo.
Não sonhei. Ou não me lembro de sonhar. Sonhos não faziam parte da minha rotina. Nem mesmo aqueles fantasiosos onde nós nos guardamos em idílicos desejos.
Contudo, um sobressalto me fez abrir os olhos.
Ao meu lado, Barth se ergueu. Eu sabia, pelo tremor no corpo, que ele também havia ouvido. Era uma batida forte, como se alguém houvesse arrombado a porta ou uma das janelas.
Imagens surgiram na minha mente. Talvez um dos entregadores, sabendo que eu era uma mulher sozinha, decidiu voltar. Ou alguém da cidade... E se fosse aquele vizinho machista e estúpido?
Uma vez assisti a um filme chamado Doce Vingança, onde uma escritora se isola numa cabana para escrever e é atacada de madrugada, estuprada e tantas coisas mais que mal conseguia articular em minha mente medrosa. Subitamente, me vi na mesma posição.
Decidi me erguer. O frio me gelou tão logo pulei da cama. Corri até o robe de lã, e depois até a lareira. O atiçador de fogo era de ferro maciço e eu sabia que não deixaria ninguém me pegar sem me defender.
Barth me seguiu. Estava quieto, como se calculasse os passos. Dizem que tudo que não é parecido com o dono é roubado. Barth era definitivamente meu, tão medroso qual.
Pé ante pé, fomos descendo a escadaria. Mais um estralo alto. Era um “ baque ” tão forte que a cada estrondo eu me sobressaltava.
— Tem alguém aí? — gritei.
Nem sei por que diabos fiz a merda da pergunta. Se você assiste terror e um dos personagens questiona isso, você o chama de retardado. Era o meu caso, naquele momento.
Uma parte de mim esperava ouvir um “ Olá, tem sim. Sou um demônio que vive há anos no castelo e vai te matar ” ou um “ Olá, sou um estuprador assassino que vai matar seu cachorro depois de te cortar aos pedaços ”. Mas a única resposta que recebi era novamente o “ baque ”.
Recordei-me então da única ajuda que eu poderia ter – caso não fosse o dito aquele que invadia meu lar.
Aproximei-me do rádio amador que estava exatamente na cozinha, e observei os números.
E então? Como se usa essa merda?
“ Baque ”.
Agora, mais forte. Barth choramingou e começou a pular em volta de mim, pedindo para que eu o pegasse no colo.
Céus, como meu cachorro era covarde!
Observei o aparelho, buscando alguma indicação de como usar. Peguei o que imaginava ser o comunicador e percebi um botão com algumas coisas escritas, uma delas “ talk ”. Senti um alívio profundo por reconhecer a palavra “ falar ”.
Apertei-o. Um bipe. Silêncio.
— Alô?
Nada.
Apertei de novo.
— Alô? Logan? Está aí?
Achei que falava ao vazio, quando uma mensagem surgiu.
— Deve repetir meu nome duas vezes, prossiga, câmbio — ele avisou.
Era uma voz máscula e bruta, como ele. Parecia sonolento.
— Logan, câmbio. Logan câmbio — disse, duas vezes, como ordenado.
— O câmbio é apenas uma vez no final da frase transmitida, câmbio — ele explicou.
Ele realmente queria me dar aula de rádio amador numa situação daquelas? Minha vontade era mandar um “ vá se foder, câmbio ”, mas decidi ser mais gentil, pois precisava de sua ajuda.
— Acho que tem alguém na casa, câmbio — contei, minha voz saiu mais tremula que de costume. — Vem me ajudar, câmbio.
Merda! Câmbio duas vezes de novo!
Eu quase podia vê-lo rindo de mim, naquele momento. Todavia, quando o som retornou, senti um profundo alívio.
— Chego em cinco minutos, câmbio, desligo.
Eu o aguardei do lado externo da casa. Não sei por que, mas a escuridão da noite e o vento gelado pareciam mais acolhedores que aquele castelo secular.
Com Barth em um braço e o atiçador de fogo no outro, eu suspirei de alívio quando ouvi as passadas do cavalo. A visão daquele homenzarrão quase me fez atirar-me em seus braços.
— É sério? — ele indagou. — Se isso é um convite, poderia ter me aguardado dentro de casa.
Logan tinha a capacidade inexplicável de me levar do amor ao ódio em segundos.
— Que tipo de homem você pensa que é? — retruquei. — Acha mesmo que eu estaria aqui, congelando, apenas para seduzi-lo? Para chamá-lo em minha casa?
— Estou vendo seus mamilos — ele murmurou enquanto ia prender o cavalo em um banco de madeira, poupando-me da vergonha de enrubescer diante dos seus olhos.
Larguei Barth e o atiçador de fogo no chão, enquanto me cobria melhor. Maldita camisola transparente!
— Tem alguém na casa — avisei, logo que ele voltou.
— Você deve estar louca porque ninguém vem para esse lado da cidade.
— Ah é? Então vou te mostrar — segurei seu braço e praticamente o forcei para o interior.
Mal cruzamos a porta e ouvimos o “ baque ”.
— Viu? — quase gritei. Era a prova irrefutável de que eu não mentia.
— O barulho vem do porão — ele percebeu.
Do porão? Estava tão apavorada que nem havia me dado conta de onde vinha aquele som. Assim, de súbito, saltei para trás quando percebi Logan puxando uma arma do coldre, na cintura.
— O que é isso?
— Aqui em Inverness chamamos de revólver — brincou.
— É perigoso — briguei.
— É para o cara que estiver lá embaixo — ele riu. — Caso realmente tenha alguém. Você sabe que castelos seculares fazem barulhos, não sabe?
Então, como se estivesse simplesmente indo dar um passeio, Logan começou a rumar em direção à porta que dava no porão.
Atrás dele, Barth e eu avançávamos receosos com o desfecho.
A porta abriu. Aquele som característico, rangido, como se um fantasma estivesse logo ali, a nossa espera.
Logan acendeu uma das luzes. O local parecia uma masmorra, um ponto de sacrifícios.
— Céus, o que é isso?
— Coisas que se usam numa fazenda — ele retrucou.
— Isso tudo?
— Você acha que se mata animais, retira a pele, corta-se aos pedaços, apenas com dedos?
“ Baque ”.
Saltei em cima dele por puro impulso. O olhar amuado me fez soltá-lo.
— Desculpe.
— Não é que eu não goste de uma mulher se esfregando em mim — ele retrucou, meu âmago esquentou de raiva. — Mas, passei o dia todo trabalhando e nesse horário eu prefiro dormir.
Filho da...
“ Baque ”.
— Vem do poço — percebeu.
— Poço? Tem um poço aqui?
Por que diabos se teria um poço dentro de casa?
E se Joan fosse alguma psicopata que matava pessoas e jogava seus cadáveres...?
— Manter um poço dentro do castelo foi muito útil no inverno, antes dos encanamentos — ele explicou, interrompendo meus pensamentos fúnebres. — Mas, está seco e selado há anos.
Puxou uma lona escura do chão. A poeira me fez tossir.
Percebi várias madeiras pregadas em um concreto oval.
“ Baque ”.
Sem nem me preparar para o que pudesse ser, Logan puxou uma das tábuas e um enorme rato saltou do lugar.
— Por onde será que ele entrou? — Logan questionou enquanto Barth correu para cima e eu o segui.
Mas, a porta estava emperrada.
— Meu Deus! — eu gritei.
Era pior que um fantasma ou um assassino. Era uma enorme ratazana que havia se escondido em algum lugar naquele ambiente e eu estava presa ali com ela.
— Está aqui — Logan disse, puxando um móvel do lugar.
O rato correu para o outro lado, em direção à escada. Comecei a gritar histericamente, enquanto Barth choramingava e Logan ria.
— Calma, eu vou pegar... Oh, — ele fez uma pequena pausa. — Tem tetas.
O que diabos aquela observação queria dizer?
— Quê?
— É fêmea. Tem filhotes.
Naquele momento pude sentir mil pezinhos de roedores passeando pelo meu corpo. Não pude mais me conter e corri até Logan, saltando por cima dele.
— Abre a porta — implorei.
Estava agarrada em seu pescoço e os pés erguidos, bem longe do chão. Ele mal parecia perceber meu peso, pois era enorme.
— O quê?
— A porta emperrou, eu quero sair daqui.
— Está bem, mas não é mais fácil você me soltar?
— Não.
— Mulher, preciso subir a escada.
— Sobe comigo.
— Está brincando? Olha, está esbarrando em algo que está ficando duro — ele riu, e eu soube que era inofensivo mesmo sendo asqueroso e machista.
Nem me movi. Tinha mais medo do rato que da coisa dura dele.
— Eu preciso que me solte — ele pareceu mais firme.
— Eu não consigo — admiti.
Estava travada, meu corpo inteiro parecia tremer.
Então aquelas mãos másculas me ergueram, pegando-me no colo. Achei muita gentileza de Logan me levar até o topo da escada.
— Muito obrigada.
— Quando eu matar o rato, você podia aproveitar e me agradecer de forma mais entusiasta — ele sugeriu. — Estamos os dois sozinhos no meio da madrugada... Enfim... Podíamos aproveitar.
Pronto, acabou a simpatia.
— Você é um babaca.
— Ainda assim, o único que pode livrá-la do rato.
Ele empurrou a porta. Trancada. Contudo, deu dois fortes chutes e ela abriu.
Fiquei no topo, observando a cena que começou a se desenvolver lá embaixo. Ouvia o chiado desesperado da rata e abaixei um pouco o corpo para ver a cena. Foi quando meus olhos perceberam os pavorosos – e mesmo assim adoráveis — ratinhos.
Céus, era apenas uma mãezinha tentando proteger os filhotes. Eu tinha pavor de olhá-la e a temia profundamente, mas não queria que morresse apenas porque me causava asco.
— Logan, espere! — berrei.
— O que é?
— Tem uma gaiola ali no canto — apontei. — Coloca a rata e os ratinhos dentro.
— Para quê?
— Para soltá-los na floresta.
Dois passos e ele surgiu no final da escada. Encarou-me como se eu estivesse louca.
— Por favor — pedi, e fiz um olhar lacrimoso que sabia que o tocaria.
Porque naqueles poucos momentos juntos, já havia percebido que ele era um brutamontes com um ponto fraco por mulheres.
— Me sinto um idiota fazendo isso — o ouvi reclamar.
Mas fez.
A rata era horrível e seus bebês horripilantes, mas eu os observei com uma réstia de piedade latente.
— Obrigada por ter me ajudado — disse, ao percebê-lo preparar-se para sair.
— Sou o único homem que tem em quilômetros. Isso faz de mim sua única alternativa.
Por que aquela frase parecia ter duplo sentido?
— Então, mulher — ele coçou a barba. — Vou levar os ratos para o mato. Se quiser que eu volte...
Bati com a porta na sua cara. Era melhor isso que dar-lhe uma resposta malcriada após ele ter sido o herói daquela noite.
Capítulo Quatro
Mary Margareth
A geladeira estava vazia. Não completamente, havia alguns vidros com frutas cristalizadas, mas no geral não havia nada além de ovos.
No dia anterior não havia me dado conta do fato. Estava exausta da mudança, e também havia comido algumas porcarias na estrada. Fora que minha bolsa estava cheia de chocolates e bolachinhas. Mas, agora, desejava um bom bife com batatas.
Mas, não apenas a geladeira, a despensa também estava vazia.
Barth me encarou, como se me questionasse o que faríamos. A ração dele estava quase acabando – sim, havia trazido seu pacote na mudança – e eu precisava de comida de verdade.
Em Edimburgo, quando eu não queria cozinhar, bastava usar um aplicativo e pedir comida pelo celular. Agora, contudo, eu sabia que precisava ter meu estoque de alimentos e precisava cuidar daquelas terras.
— Vou pra cidade comprar algo — avisei Barth que pareceu aliviado e abanou seu rabinho.
Costumava levá-lo comigo para todos os lugares, mas não sabia como a população do distrito de Inverness reagiria a uma nova moradora que tratava seu cachorro como filho. Assim, deixei-o em casa.
O dia gelado parecia trazer um ar ainda mais bonito e charmoso para aquele norte da Escócia. Apesar de eu ainda não saber exatamente o que faria de minha vida dali em diante, estava animada com o leque de oportunidades que se abriam.
Talvez eu investisse em plantar frutos. Ou talvez na tosa das ovelhas. Não sabia exatamente como minha tia havia conseguido manter o castelo e a fazenda, mas eu sabia que meu vizinho poderia me indicar o caminho a andar.
Enquanto isso, eu tinha minhas reservas e podia aproveitar Castelo Black sem grandes preocupações.
Logo cheguei até um pequeno mercado próximo da estrada principal. Estacionei diante do comércio e entrei, rumando reto em direção ao frango.
Percebi alguns olhares curiosos em minha direção. Aquele local era pequeno e provavelmente todos se conheciam. Eu sabia que devia tentar fazer parte da comunidade, apresentar-me, enfim, ao menos dar um sorriso, mas não sentia vontade.
Afinal, agradar os outros nunca fez parte do meu trabalho.
— Com dezenas de galinhas em Castelo Black, irá comprar frango?
O tom de voz atrás de mim me arrepiou.
Volvi.
O que diabos estava acontecendo? Logan Fraser estava me seguindo?
— O que faz aqui?
— Vim comprar alguns mantimentos — ele mostrou um carrinho com sacos de açúcar e farinha. — E você?
— Estou apenas...
— Você não tem coragem de matar uma galinha, não é?
Havia algo naquele olhar e naquele tom que beirava o deboche. Era um desafio. Obviamente, ele me observava como uma típica garota da cidade, com sapato de salto alto e roupa social, alheia a uma vida no campo.
— Eu tenho coragem de matar qualquer coisa — resmunguei.
Estava inflamada por uma raiva sem explicação coerente.
Tão-somente, aquele homem grande, barbudo e rude parecia atiçar algo em meu âmago. Ele não me dava medo, mas me arrepiava, me energizava, como se uma usina nuclear explodisse na minha cerne. Eu sentia vontade de bater nele apenas para que aquele sorriso sumisse de sua face.
— Devia voltar para a cidade grande, mulher — ele murmurou. — Você não tem brio para cuidar de uma fazenda.
Céus, não sei como me contive.
— Não passa de um machista que despreza as mulheres, não é?
— Eu só acho que uma mulher deve cuidar da casa, e o homem da fazenda. Você não serve para uma coisa nem outra. Mas, com certeza conseguiria um bom casamento com algum homem da cidade que lhe dará empregadas, pois é muito bonita.
DESGRAÇADO!
— Pois está muito enganado sobre mim — avancei, ficando a centímetros dele. — Eu sempre trabalhei, e era muito boa em meu ofício. Não tenho medo de nada, eu posso muito bem cuidar de Castelo Black!
— Não tem medo? Esqueceu-se que me tirou da cama ontem à noite por causa de um ratinho?
O calor dele, por fim, pareceu me tocar. Eu podia sentir seu hálito de canela e tabaco.
— Arrogante — ofendi, com vontade. — Não se preocupe porque nunca mais em minha vida irei ligar para você e te pedir qualquer ajuda!
Sem lembrar-me do frango ou das compras, sumi do mercado, entrei no carro e dirigi em alta velocidade para Castelo Black.
Logan Fraser engoliria suas palavras.
O porão não me assustava mais. Talvez fosse meu orgulho ferido, talvez aquela raiva recém-despertada, mas eu desci aquelas escadas com passos corajosos e peguei o machado sem sequer meditar muito no que fazia.
Barth me seguiu. Parecia assustado e incrédulo.
Sua mãezinha pegaria uma galinha e cortaria o pescoço dela com aquela arma afiada. Definitivamente, aquela cena era bem longe da antiga Emília.
Mas, a velha eu ficou em Edimburgo. A nova precisava criar uma rotina onde se mata para comer.
Caminhei até o galinheiro. Um amontoado de cacarejos chegou a mim. Meu salto afundou na lama, mas simplesmente tirei o calçado.
— Fica longe — disse para Barth.
Ele me olhou como se dissesse: “ É claro que ficarei. Acha que sou louco de me sujar nessa imundície?”.
Comecei a correr atrás das brancas. Pareciam mais vagarosas. Começou-se uma gritaria, enquanto eu avançava sobre uma, outra cruzava por mim, e eu jurava que nenhuma conseguiria ser capturada até que uma multicolorida foi parar em minhas mãos.
Era quente e macia. Suas penas eram muito delicadas e bonitas.
Não a olhei. Rumei para fora do galinheiro, em direção a uma mesa de madeira onde eu decapitaria aquele ser vivo porque ele era abaixo de mim na cadeia alimentar e era assim que a vida era.
Os grandes comiam os pequenos.
Mas, meus olhos cruzaram com os dela. Por imperceptíveis momentos, eu pude perceber seu medo.
Pus a galinha sobre a mesa. Peguei o machado.
Ela gritou. Eu ergui a arma.
Ao meu lado, Barth parecia horrorizado.
Emília Kerr parecia alguém distante.
Não sei dizer quanto tempo fiquei com aquela galinha no colo, sentada diante da escadaria de pedra, a encarar o horizonte.
Só dei-me conta de que o tempo havia passado quando Logan surgiu diante de mim.
— Era seu almoço? — ele perguntou, percebendo-me com a galinha nos braços.
— O nome dela é Mary Margareth — contei. A galinha cacarejou como se confirmasse.
— Não se dá nome a comida — ele disse.
— Eu sei. Ela não é comida. Nenhum dos animais do Castelo Black é.
Eu estava envergonhada e acabada. Eu realmente não nasci para cuidar daquele lugar.
— Eu trouxe frango — ele contou. Eu quase cobri o ouvido de Mary Margareth diante da história. — Como um pedido de desculpas.
Eu encarei a sacola e depois seu rosto.
— Você faz a janta — eu avisei, levantando. — Porque eu não sei cozinhar direito.
Soltei Mary Margareth que correu em direção ao galinheiro.
Logan rumou para o Castelo e eu o segui. Apesar de tudo, estava com fome.
Capítulo Cinco
O JANTAR
O cheiro era maravilhoso. Apesar de machista e bruto, percebi que aquele homenzarrão era muito bom na cozinha.
— Por que “Mary Margareth”? — ele questionou, enchendo minha taça de vinho.
— Baltazar e Mary Margareth seriam os nomes dos meus filhos, caso um dia eu os tivesse.
— São nomes bonitos.
— É, eu sei.
— E desistiu dos filhos? — ele indagou.
O observei. Não podia ver o rosto de Logan. Estava voltado para o fogão. Não sabia se a pergunta era inocente ou carregada de julgamentos.
— Nunca tive muita sorte com esse lance de família.
Ele volveu para mim. Havia uma infinidade de inquietações em seu íntimo, mas ele tão-somente encheu meu cálice com mais vinho, como se nem tudo pudesse ser dito em palavras.
Contudo, a verdade é que eu estava interessada. Não sei exatamente porque, mas aquele homem me trazia muitas dúvidas e uma parte de mim queria decifrar aquele mistério.
Como eu já disse, Logan era grande. Enorme. Tinha mais de um metro e noventa. Mas, não era robusto. Era muito musculoso, forte, como se malhasse em academias diariamente.
No entanto, era nítido que aquele tipo físico era derivado do seu estilo de vida. Ele tinha mãos calejadas e eu sabia que trabalhava muito no campo. Subitamente, senti um forte desejo do toque daquelas mãos ásperas contra minha pele.
— Eu sinto muito — a frase dele interrompeu meus pensamentos devassos.
— Como?
— Lá na mercearia. — explicou-se. — Não era meu direito falar aquilo.
Céus, ele tinha um cheiro bom. Não sei se era a fome e o simbolismo que aquele homem me alimentaria, ou algum hormônio fora do normal, mas eu mal conseguia tirar os olhos dos ombros largos.
— Você lembra a minha mãe — ele murmurou.
PUTA QUE PARIU! Se eu tivesse um pênis ele tinha broxado naquela hora.
— O quê?
— Minha mãe também era mulher da cidade. Recusava-se a colocar botas, mesmo que os saltos vivessem cheios de lama. Casou-se por amor e viveu para se arrepender. Odiava o campo e tentou convencer, por anos, meu pai a vender as terras.
Fiquei surpresa com aquela confissão.
— E no que isso lembra a mim?
— Você também é mulher da cidade. Não sei quanto tempo viverá por aqui.
— Castelo Black é meu lar e eu ficarei — retorqui.
— Nem consegue matar uma galinha — ele deu os ombros.
— Eu posso virar vegetariana! — apontei, irritada.
Ele deu espaço e eu pude ver o lindo e suculento frango assando no forno. Meu estômago reclamou por mim.
— Não quero te desanimar, mas sinto que podemos ser bons amigos — ele disse, sentando-se à minha frente.
— E no que isso é ruim?
— Não quero gostar de você porque irá embora — despejou.
Quase sempre que falava, parecia sarcástico e debochado. Agora, estava sério.
— Já disse que não irei a lugar nenhum.
— Minha mãe aguentou algum tempo depois que nasci. Mas, quando eu tinha cinco anos ela se foi. Casou-se com um homem no Sul, e vive confortavelmente num apartamento com sua nova família. Nunca mais deu notícias. Meu pai passou a beber depois disso. Foi difícil vê-lo se destruindo. Joan cuidou de mim, eu a amava como amaria minha mãe.
Eu sabia que Logan estava abrindo seu coração. E havia um mar de medos ali.
— Não vou a lugar nenhum — insisti na ideia.
De alguma maneira, era verdade. Não apenas pelo Castelo, mas também porque eu sabia que aquele vizinho estava mexendo com as minhas estruturas.
Balancei a face, afastando os pensamentos.
Isso era falta de sexo...
Ou da Netflix .
Talvez dos dois.
— Logan, por que não é casado?
— Talvez estivesse esperando por você — ele brincou.
O forno apitou. Meu estômago roncou alto e eu não contive a vergonha.
— Bom, então vamos ver se é um bom dono de casa. Assim, quem sabe, eu me caso com você.
— Promete?
O que diabos era aquilo? Aquela implicação? Estava começando a ficar nervosa.
— Sabe o que mais gosto nesse isolamento?
Estávamos sentados na escadaria do Castelo. Minha barriga estava estufada do tanto que havia comido. Barth, ao meu lado, também havia degustado um pedaço do frango e parecia muito satisfeito.
— Do quê?
— Da sensação de que não há nada que possa nos ferir.
Eu ri.
— Não consigo sentir isso. Lembra-se que tive minha noite atazanada por um rato?
— Como eu esqueceria? — ele sorriu. — Mas, está segura, Emília. Estou há pouca distância e você sempre poderá ir até mim.
Subitamente, dei-me conta de que não conhecia a casa dele.
— Onde fica? — questionei, explicitando seu lar.
— Siga a trilha à esquerda. Alguns quilômetros. Não é um castelo, mas é um rancho muito bom. Meu pai mesmo construiu.
Houve um breve silêncio.
— Está segura, Emília — ele repetiu, baixo. — Eu nunca a machucaria.
Eu sabia que não era no sentido físico. Seu tom me deixou quente e eufórica. Mas, para minha decepção, Logan simplesmente aproximou-se de sua égua e subiu nela.
— Até, mulher — ele abanou. — Tenha uma boa noite.
Eu teria uma boa noite se ele ficasse. Mas, isso era algo que eu jamais pediria a um homem.
Mesmo que ele me fizesse estremecer, bambalear as pernas e suspirar, simplesmente com sua presença máscula.
Maldito seja, Logan Fraser.
Capítulo Seis
TEMPESTADE
H avia um total de cinco ovelhas em Castelo Black. Logan me disse alguns dias antes que Joan mantinha uma grande criação, mas precisou se desfazer dela ao ficar doente, mesmo que o vizinho se dispusesse a cuidar dos animais.
Joan não era do tipo que gostava de incomodar. Logan tinha seus próprios afazeres, e ela sabia que ovelhas eram animais que sempre precisavam de cuidados extras.
Especialmente porque eram essencialmente dóceis e frágeis.
Eu me apaixonei por aqueles amontoados de lã em poucos dias. Barth e eu costumávamos levá-las para passear, pastar em uma área aberta, e depois sempre a conduzíamos ao celeiro para dormirem.
Eram carinhosas. Eu usava a ração para alimentá-las, e as bonitinhas sempre esperavam que eu enchesse os comedouros antes de irem comer.
Além disso, algumas até se atreviam a irem a mim, e berrarem gentilmente, como se pedissem afagos.
Eu estava apaixonada. Pelas galinhas, pelas ovelhas, pelo Castelo. Com o passar dos dias, minha necessidade pela vida virtual começou a se desfazer, e mesmo quando o telefone tocou, anunciando que as linhas haviam sido consertadas, eu não religuei meu celular, preocupada mais em aproveitar aquele ar puro e aquela liberdade incomum.
Foi assim que me enfiei numa daquelas confusões inexplicáveis que apenas alguém com minha sina conseguir se meter.
Como o dia havia se tornado aquele montante de nuvens escuras e ventos arrebatadores, eu jamais desconfiaria.
Ao deitar-me na relva, abaixo de uma bonita macieira e com Barth ao meu lado, havia no máximo um vento ameno e frio, e o sol estava isolado no horizonte.
Aos meus pés, eu podia visualizar as ovelhas se alimentando da relva verdejante, e aquilo me trouxe calma.
Estava sozinha naquele canto do paraíso, confortavelmente protegida pelo isolamento e com quem me importava – meu cão – a me fazer companhia.
Um torpor de sono foi tomando-me.
Havia muito tempo que eu não descansava verdadeiramente, sem nenhum pensamento incômodo de temor ao futuro me importunando. E agora, ali, eu realmente me sentia livre e sem obrigações.
Então eu sonhei...
E eu sei o que está pensando. Eu já havia dito antes que não sonhava. Nem no meu subconsciente, nem acordada, com planos futuros. Mas, em algum momento desde que fui morar em Castelo Black, coisas estranhas passaram a ocorrer comigo.
Sonhei com Joan, apesar de nunca tê-la visto. Sonhei com a sua felicidade, mesmo que o mundo pudesse considerá-la uma mulher sozinha e afastada da família.
Porque, definitivamente, muitos viviam sós cercados de gente, mas Joan conseguia ser completa apenas consigo mesma. Eu a invejei.
— Mulher!
Era a voz de Logan. E a voz dele parecia tão acalorada...
Entendi, assim, que mesmo que eu me considerasse sozinha, não estava inteiramente. A presença daquele homem grande me enfraquecia e me fortalecia ao mesmo tempo.
Os motivos eram escusos. Ele me irritava demasiadamente, ao mesmo tempo em que eu não podia negar uma atração absurda.
Talvez porque fosse diferente de todos os homens que já conheci.
Afinal, cresci num ambiente requintado. Escola particular e faculdade. Foi com acadêmicos meus primeiros namoros. Após, um Ceo, Victor, com quem noivei. Homens sempre bem vestidos e cheirando a perfumes caros.
Logan era completamente oposto, com suas calças jeans velhas e suas camisas de flanela. E o cheiro dele era aquela coisa que mexia com meus brios.
— Mulher! — dessa vez o grito me acordou.
Observei assustada um Logan com rosto sério e preocupado.
— O que foi?
Só então reparei no vento. Era muito forte. Clarões de raios se expandiam pela colina, e as ovelhas berravam desesperadas, correndo de um lado para o outro, como se perdidas e atacadas por algum animal invisível.
— Pegue a menor — ele avisou. — A que é filhote. Vou levar as demais para o celeiro.
Eu sentia a irritação na voz dele. Percebi, pelo seu olhar, que ele me culpava por não ter dado a devida atenção aos animais. Ovelhas não deviam se molhar, especialmente em tempos tão frios. Mas, realmente, não senti a culpa. Desde que minha vida tornou-se um turbilhão, com o final do noivado, o desemprego e, por fim, a herança de Joan, eu não havia conseguido relaxar.
Aquele lapso não se repetiria.
Peguei a ovelhinha filhote. Ela pareceu me agradecer por resgatá-la daquele tempo horrível.
Observei ao longe que três ovelhas haviam corrido campo afora, e que Logan a cercava com seu alazão escuro. Athena, a cadela forte e aguerrida, seguia o trote.
Corri, assim, em direção ao celeiro. Tão logo cheguei lá, ouvi o som ritmado da chuva chocando-se no telhado. Logan surgiu depois, com as ovelhas o seguindo até seus cantos de feno.
— Você é irresponsável! — ele gritou.
Nunca um homem havia gritado comigo antes.
— Baixe seu tom — o enfrentei.
— Se eu não tivesse aparecido, todos os animais estariam mortos. Você não serve para Castelo Black.
Eu não sei por que ergui a mão. Não sei por que a desferi no rosto másculo de Logan.
Aquela não parecia eu. Emília Kerr tinha autocontrole. Logan Fraser era a pessoa capaz de destruir tudo isso.
Quando o olhar masculino voltou para mim, percebi o vermelho da minha mão na sua face.
— Mulher nenhuma me bate — ele murmurou.
E eu gelei.
— Então me trate com respeito — enfatizei, exigindo.
Só então senti seu empurrão. Desabei sobre um amontoado de feno que nem percebi que estivesse ali antes.
Assustei-me com seu ato. O que ele queria? Bater-me em retribuição?
Logo seu corpo estava sobre o meu. Comecei a me remexer, em desespero. Suas mãos seguraram a minhas fortemente, juntas, em cima da minha cabeça. Não havia nenhum toque além desse.
Logan mantinha o corpo ereto e erguido, apoiado em um dos joelhos que estava no meio de minhas pernas.
— Falta um homem na sua vida — ele disse, e aquilo foi muito insultante.
— Desgraçado!
— Mal amada — xingou. — Falta um pau para te foder, assim, enfim, será mais dócil.
Usei tudo que podia. Minhas coxas se ergueram, tentei empurrá-lo com o pé. Mas, era como um metal poderoso, incapaz de mover-se.
— Sabe o que eu devia fazer com você, Emília? — ele murmurou. Dessa vez o tom da voz era quente, quase um gemido. Meu corpo inteiro travou. — Tirar essas suas roupas de cidade, sem graça, me deslumbrar com esse seu corpo gostoso...
Era como se houvesse outra mulher dentro de mim. Antes, intocável pela minha vida monótona. Logan foi capaz de despertá-la com uma única frase, e eu parei de me mover, deixando-me apenas a ouvi-lo. Porque eu queria saber... Queria tudo que ele quisesse por mais degradante que isso parecesse.
— Então eu poderia te agarrar pelos cabelos, puxando sua cabeça para trás, deixando esse pescoço delicioso ao alcance dos meus dentes. Seria assim que eu te morderia.
Minhas coxas amoleceram. Meu corpo inclinou-se em busca do dele. Logan afastou-se levemente. Ainda estava presa, mas agora não apenas pelas suas mãos, mas também pela sua voz máscula.
— Depois eu iria te chupar — ele gemeu. — Enfiar minha língua dentro de você, sentir seu gosto, saber como você é de todas as maneiras. Talvez eu também te fizesse me chupar como uma vadia qualquer, que eu pegaria num puteiro da rodovia.
Meu corpo deu uma primeira convulsão. Uma onda de prazer indescritível tocando-me. Arrasando-me.
— Por favor... Por favor — implorei.
Pelo quê?
— Você gostaria disso? Chupar-me até que eu gozasse na sua boca linda? — ele indagou. — Ou preferia que eu gozasse na sua bocetinha?
A onda intensificou-se à medida que meus olhos encheram-se de lágrimas. Logan Fraser estava me fazendo gozar sem sequer tocar meu corpo, apenas com palavras. Eu nem sabia que aquilo era possível! E pior, com frases que normalmente – e provavelmente – ele diria para qualquer vagabunda que cruzasse seu caminho.
Mas, eu não era assim... Eu não queria ser assim...
Consegui desvencilhar minha mão. Pensei em afastá-lo, mas, tarde demais, dei-me conta de que meus dedos tocaram sua pele, num carinho confortador.
Então vi as lágrimas. As dele. Estavam ali, cravadas como facas entre nós.
Logan me soltou e se afastou. Meu corpo insatisfeito doeu diante daquela renúncia.
— Nunca mais deixe as ovelhas desprotegidas em tempo assim — ele disse.
E saiu do celeiro.
Meu coração estava despedaçado.
Capítulo Sete
SEM VOCÊ
E
le não voltou. Nem naquela noite, nem nos dias que se sucederam aquele encontro no celeiro.
Eu sabia que o que quer que houvesse ocorrido entre nós, havia ido longe demais. Mas, não conseguia culpar Logan por tudo. Devia admitir que eu tinha minha participação naquele erro.
A verdade é que eu jamais havia sentido algo tão intenso por alguém. Especialmente por uma pessoa em tudo diferente da minha própria personalidade.
Mas, Logan me deixou irracional de muitas formas. A maneira como ele me conduziu a quase um orgasmo apenas com palavras naquele dia chuvoso era a prova de que quanto mais afastados estivéssemos, melhor seria para ambos.
Todavia...
Quando dei por mim, seguia a trilha que levava até seu rancho. Uma parte de mim dizia para não ir até ele porque era prenúncio de dor. Mas, outra — e essa sobressaía a toda razão — estava ansiosa para revê-lo e talvez terminar o que havíamos começado.
Por que alguém como Logan mexeu tanto comigo era um mistério. Mas, eu não conseguia mais negar a urgência em tê-lo.
Subitamente, travei. Ali estava o rancho, próximo de uma colina. Era um local de sonhos, feito de madeira com estrutura de alvenaria. Exalava fumaça por uma das chaminés, e era tão organizado, com um jardim florido diante da casa, que eu sorri.
No passado eu costumava admirar lugares assim em fotos de revistas. Simples, mas encantadores.
Todo o encanto se desvaiu quando a porta se abriu. Sem saber por que, me agachei próximo de um arbusto.
Estava com medo. Não queria que me visse. O que era completamente irônico. Se eu estava ali, era exatamente porque o queria. Mas, à menção do confronto, meu corpo desesperava-se.
Ergui a face e observei o movimento. Repentinamente, uma garota loira com cabelos atados num rabo de cavalo jovial saiu sorrindo da casa.
Não precisava ser algum gênio para entender o que havia se passado. Praticamente toda a aparência dela denotava o quão estava satisfeita.
Logan a seguiu. Eles se guiaram até um carro popular, e ela lhe beijou antes de entrar no veículo.
Então, foi embora. Logan não observou o carro afastando-se. Simplesmente foi até Athena e, com a cadela, seguiu para seus afazeres.
E eu? Permaneci sentada ali mais alguns minutos, sem saber exatamente o que sentir, o que pensar, o que fazer.
Então, recolhi meu resto de dignidade e afastei-me, retornando para Castelo Black.
Joan estava certa em seu isolamento. Abrir o coração a alguém machucava demais.
A chuva havia se intensificado naquela noite. Eu podia ouvir ao longe o sussurro do vento, como se uma carícia terna pudesse tocar a terra.
Na escuridão, eu gemi. Uma mão passou pelos meus pés, chegando à coxa. Uma mão forte, áspera, firme. A mão de Logan.
— O que você faz aqui? — indaguei ainda sonolenta, reconhecendo sua silhueta na obscuridade.
Um dos dedos masculinos tocou meus lábios. Um sinal de silêncio.
— Só sinta, mulher — ele murmurou, e eu fechei os olhos.
Logo, aquela boca máscula, arrebatadora, levou-me aos céus, num beijo intenso e delicioso. Eu arqueei o corpo contra o dele, tão firme, sentindo-me preciosa por alguns instantes.
E daí que ele havia dormido com outra mulher? Era a mim que ele queria agora. Eu não conseguia mais me ater a qualquer traço de decoro. Estava entregue a Logan desde que ele pousou seus olhos sobre os meus pela primeira vez.
Sua língua resvalou sobre a minha, sua boca chupando meus lábios, arrepiando-me com muita intensidade. Era exatamente o tipo de beijo que uma mulher sempre quis receber.
O frio de Inverness logo se tornou inferno ardente. Meu peito arfou, meu coração parecia que saltaria do peito, um calor me tomou de tal forma que me vi arrancando a camisola, sentindo meu corpo nu amparando-se abaixo de Logan.
— É a mim que você quer, não é mulher? — ele murmurou em meu ouvido. — Quer meu pau na sua boceta? Quer sentir minha carne dura se enfiando em ti? Minhas bolas se esfregando nos teus pelos?
Nunca fui acostumada àquele linguajar. Uma parte de mim estava ultrajada. Outra, eufórica e carregada de tesão.
— Me come... — murmurei.
— Repete! — ele parecia zangado e raivoso.
— Me come gostoso — implorei.
E então tudo acabou. Logan, a chuva, a escuridão. Repentinamente, abri meus olhos e o dia claro anunciou a janela aberta.
Havia sido um sonho...
Barth me encarou como se esperasse que eu me levantasse logo e fosse arrumar sua ração. Mas, eu era incapaz de me mover.
De repente, algo molhado em minha face.
Lágrimas...
Algo que não sentia há muito tempo.
Chorar faz de ti uma vítima, e eu não sou uma vítima, eu não sou...
O pranto incontrolável me fez contorcer-me na cama.
Era o irremediável. Eu estava desesperadamente apaixonada por aquele homem. E ele sequer me queria ou precisava de mim.
Enquanto eu lavava meu rosto com um pranto incontrolável, Logan Fraser dormia com mulheres diversas em seu rancho perfeito.
O destino era injusto.
Capítulo Oito
AMARGO E DOCE
O tempo costuma ser engraçado. Ele passa diferente para cada pessoa. Quando você está feliz, costuma senti-lo galopante, como se cada segundo fosse tão precioso que precisasse ser aproveitado ao extremo. Mas, quando seus dias são melancólicos e sem cor, as horas parecem pesar no relógio, como se não levassem apenas os segundos, mas uma infinidade de sensações dolorosas em seu arrastar.
Era assim que eu me sentia. Logan não apareceu na primeira semana, nem na segunda, e sequer na terceira, após nossa cena no celeiro. Meus sonhos com ele intensificaram de sentidos e sabores. Eu sempre acordava insatisfeita, como se não tê-lo fosse algo sobrenaturalmente doloroso.
E isso era cômico. Como você pode sentir falta de algo que nunca teve?
Nas manhãs, levantava cedo, preparava meu café e depois passava o dia cuidando dos animais.
Ajeitei o jardim, consegui organizar uma horta, e até podei algumas árvores do pomar.
Com acesso ao Google , consegui descobrir como cuidar de plantas e a melhor forma de cultivo sem agrotóxicos.
Estava feliz, naquele vínculo profissional. Parecia satisfeita por ser capaz de cuidar do que Joan — aquela tia que nunca vi, mas que me deixou tudo que tinha — cuidava com tanto apreço.
Contudo, minhas noites eram pesadas pela dor do abandono. Pela primeira vez na vida experimentei a sensação impiedosa de não ter tido pais presentes para me amparar, e de não ter sonhos ou esperanças de ter uma família.
A Emília Kerr de Edimburgo parecia tão longínqua que eu tinha medo até de deitar-me na cama, porque o descanso me trazia sonhos, e aqueles delírios com Logan passaram a ser uma rotina que me levava ao puro desalento quando acordava.
Assim, meu corpo pareceu se programar para pequenos cochilos. Antes de eu sentir o torpor a me tomar, acordava, erguia-me, ia buscar água.
Barth odiava aquele costume, então passou a dormir no sofá. Eu o perdoei. Estava mesmo insuportável.
O cheiro do café invadiu meu quarto. Busquei um livro e sentei-me na cama. A noite estava chuvosa, e eu preferi não ligar a televisão. Ler e beber café parecia um bom atrativo para um momento como aquele.
Um relâmpago cruzou o céu, iluminando meu quarto. Larguei a xícara de lado e me ergui, preparando-me para ir até a janela, fechar as cortinas.
Subitamente, minha visão percebeu a figura de um homem. Meu coração saltou, e minha boca secou.
Eu o reconheci de imediato. Logan estava ali, na chuva, a olhar para Castelo Black.
Por quê?
Virei-me de costas e corri até a parte inferior do Castelo. Depois, abri a porta e fui até ele.
— Por que está aqui? — a pergunta que eu não queria fazer despertou em meu íntimo e saiu pela minha garganta.
Céus, eu sentia tanto a falta dele. Falta daquele tamanho grande que parecia me proteger do mundo, daquela voz rouca que me atiçava, daquele calor que parecia me conduzir ao paraíso.
— Já faz algum tempo que não nos vemos — ele murmurou.
Meu coração acelerou. Mas, era errado. Não queria sentir aquilo.
— Sim, você esteve ocupado...
— Emília...
— Eu fui até sua casa. Estava com uma garota... — eu despejei, porque não conseguia evitar a mágoa.
Eu sabia que não havia motivos para cobranças. Nada éramos além de vizinhos, mas seríamos tolos o suficiente para negarmos que existia algo que as convenções sociais não podiam explanar?
Minha confissão pareceu pegá-lo de surpresa.
— O nome dela é Anne — ele murmurou. — Uma pessoa muito legal...
Eu entendia aquilo. E estava tudo bem. Contanto que não mais fizesse parte da minha monótona existência, que ele ficasse com quem desejasse.
— Estive no bar, conversamos, e acabamos transando — ele contou. E não sei por que diabos eu fiquei ali, ouvindo aquilo. — Mas, no dia seguinte tudo que eu queria era vir aqui para ficar perto de ti.
Senti meus olhos embargarem.
— Mas não veio — contrapus.
— Não quero sentir por você o que sinto — confessou, e todo meu ser pareceu derreter. — Não sei exatamente o que é, mas estou ficando louco...
Só então pareceu ter coragem para avançar. Uma parte de mim dizia para fugir, para que evitasse a dor que seguramente viria, mas tudo que eu conseguia entender era para aceitá-lo, para amá-lo, porque eu o queria como nunca quis ninguém naquela vida.
A boca de Logan tomou a minha. Diferente do beijo do meu sonho, ele era mais possessivo, mais direto. Havia uma necessidade latente em seus atos que eram explícitas na forma como ele me conduziu para dentro do Castelo Black.
Quando eu era adolescente, gostava de fantasiar o momento de dormir com quem amasse como um ato gentil e delicado.
Fazer amor...
De alguma forma, era assim que me sentia, ali, com Logan. Não era sexo, puro e carnal. Havia algo mais implicado em cada detalhe da forma como ele arrancava minha roupa – e as dele – e me conduzia para a cama.
— O que fez comigo, mulher? — perguntou apenas de cueca.
Eu podia ver aquela saliência deliciosa e justa embaixo do tecido. Fiquei em êxtase.
— O quê?
— Você me deixou louco — ele murmurou.
Ele se aproximou e me apertou nos braços, beijando-me. Senti aquela pressão embaixo do ventre, aquela urgência de macho, e cravei as unhas em seus ombros, querendo mais.
Rebolei sobre seu mastro, deixando que o tecido molhasse com minha excitação. Logan me deixou louca, eu jamais faria isso com outro homem, mas o que ele me despertou, não imaginava vivenciar com mais ninguém.
— Ah, você é tão gostosa — ele me empurrou na cama, ficando por cima. — Tão atrevida. Acho que nunca quis tanto foder uma mulher como quero agora, com você.
Baixou o corpo. Sua barba raspou nos meus seios antes de seus dentes capturarem um dos meus mamilos eretos e duros.
Abri as pernas, permitindo que ele tivesse mais acesso ao que quer que fosse que desejasse. Percebi Logan arrancando a própria cueca para que nosso toque fosse inteiro.
Ali estava eu, Emília Kerr, aberta aquele homem bruto e selvagem como jamais estive a qualquer outro em minha existência.
Suas mãos seguraram minhas coxas, afastando-as mais. Então, ele enterrou completamente seu mastro no meu cerne molhado.
Eu gritei. Não por dor, mas por prazer.
Parecia uma cadela no cio, nas mãos daquele homem.
— Ah, você gosta disso, não é? Gosta quando eu meto meu pau em você? — ele riu, e meu corpo convulsionou de prazer.
— Eu gosto...
— Quer assim? — ele deslizou para fora e retornou lentamente para dentro. — Ou assim? — Dessa vez retirou rápido e enfiou fundo e forte.
Eu gemi forte.
— Mete forte — implorei. — Mais forte. Mete mais!
Quem era aquela aspirante à estrela pornô, gritando como uma puta? Eu praticamente não me reconhecia mais.
Minha pélvis deslizava contra a pele firme e dura, e eu gemia a cada entocada, sentindo que queria mais e mais, e que nada bastava porque tudo que eu obtivesse de Logan ainda seria pouco, ainda não bastaria por toda uma vida.
— Eu nunca vou te deixar ir, mulher — ele murmurou contra meus ouvidos. — Entende isso? Nunca vai se afastar de mim!
Era quase como uma ameaça. Não me importei. Meu orgulho estava atirado às traças enquanto meu corpo subia aquele ápice do prazer.
— Goza com meu pau dentro, minha mulher — ele gemeu, seus jatos quentes arrancando meu resto de sanidade. — Goza assim, gostosa... goza no meu cacete...
Meu corpo tremia tanto que eu achei que fosse arrebentar em mil pedaços. Então senti aquele clímax que só um bom sexo pode te dar.
Era como chegar ao final de uma maratona e saber-se a campeã. Havia um sorriso de alívio em meu rosto, mas uma réstia de orgasmo que ainda fazia meu centro contorcer.
— Logan... — eu murmurei, queria dizer tantas coisas.
Ele caiu ao meu lado.
— Não precisa dizer nada, princesa — ele murmurou, parecia com sono.
— Mas, eu quero que saiba que importou muito para mim.
Seus dedos deslizaram pelo meu ventre. Sua frase seguinte arrepiou minha espinha.
— Não usei proteção. Espero que tenhamos um Fraser a caminho. Eu adoraria que fosse a mãe dos meus filhos.
Capítulo Nove
A BONANÇA
A thena e Barth criaram uma amizade intensa nos dias que Logan praticamente mudou-se para Castelo Black.
Oficialmente, não tínhamos qualquer compromisso. Mas, subitamente, ele sempre aparecia à noite para jantar, e depois passávamos um tempo conversando na cozinha antes de irmos para a cama, fazer amor.
Nossos cães sentiram que aquela relação seria duradoura e desenvolveram uma amizade. Era confortável e animador levantar-se de madrugada para ir beber água e encontrá-los dormindo juntos no tapete da sala.
E, por mim, a vida poderia ser sempre assim. Um amontoado de momentos preciosos, cruzando por uma vida cheia de alegria.
O problema de tudo é que me esqueci ao lado de quem estava seguindo nesse ritmo:
— Frutos? — ele indagou, numa manhã, ao ouvir minha ideia para as terras.
— Laranjas — expliquei. — Penso em investir nisso. Preciso de um contrato com uma indústria de sucos, mas acho que posso abastecer bem com os laranjais que existem e desenvolver outros. O que pensa?
— Não sei — deu os ombros. — Eu sempre criei ovelhas. A lã sempre pagou bem.
— Sim — confirmei. — Você — apontei. — Mas, nesse caso, sou eu — expliquei.
— Como assim?
— Como assim? — repeti, rindo. — Você cria ovelhas e isso é ótimo, mas eu preciso fazer algo com minhas terras.
— Eu cuido das suas terras — apontou. — Crio as suas ovelhas, vendo sua lã e lhe pago sua parte.
— E vou fazer o quê?
— Se não matar as ovelhas de frio, será ótimo.
— Estou falando sério — irritei-me.
— Eu também. É mulher. Pode simplesmente cuidar da casa.
Ali estava o velho Logan, me inferiorizando ao ponto de não ver em mim nada além do que um sexo frágil que não pode administrar suas próprias terras.
— É impossível falar com você — explodi. — Me veja como igual!
— Igual no quê?
— Na vida. Alguém capaz de cuidar de tudo, ter uma própria profissão.
— Eu não neguei isso.
Da maneira como ele falava, até parecia que era inocente.
— Apenas, minha mulher não precisa trabalhar.
Ergui-me da mesa onde estávamos tomando o café da manhã.
— Vai — apontei para a porta.
Ele me encarou por alguns segundos como se eu fosse louca.
Mas, não discutiu. Apenas assoviou para Athena e se afastou.
Nada nunca parecia abalá-lo.
Quando apareceu a noite, nem parecia que tínhamos tido uma discussão.
— Trouxe comida — ele ergueu duas sacolas com mantimentos trazidos, provavelmente, de algum restaurante local.
— Não acha mesmo que vai me bajular dessa forma, acha? Eu não me esqueci o que disse!
— Sua negativa seria mais convincente se não estivesse salivando — ele riu.
Maldição!
— Traga a comida — ordenei.
E, por hora, era assim que eu precisava aceitar aquela relação. Era péssima em tudo que ele era excelente. Senti-me como uma mulher das cavernas, a aguardar sempre o macho surgir para satisfazê-la. E Logan parecia ser bom nisso, cuidar de mim de todas as formas, especialmente na cama.
— Nós podemos fazer um trato — eu murmurei, a cabeça apoiada no seu peito.
— Hum?
Aquele gemido sonolento parecia longínquo.
— Me dê três meses. Se eu conseguir um contrato para o laranjal, e conseguir lucrar com isso, você terá que admitir que eu sei administrar as terras melhor do que nunca.
— É uma aposta? Esse é seu prêmio?
— Não. Meu prêmio é você se tornar um “dono de casa”, e usar avental durante algumas noites, enquanto prepara minha janta.
— Eu sempre uso avental quando preparo a sua janta.
— Apenas avental — eu murmurei e senti que ele se atiçou com a malícia.
— Certo — aceitou de imediato. Eu ri. — E se eu ganhar, qual meu prêmio?
— O que você quer?
— Um monte de filhos — ele murmurou. — Um monte mesmo — insistiu. — Para eu ensinar a andar a cavalo e a cuidar da terra.
— E se vier uma menina?
— Poderei testar minha mira nos pretendentes quando ela for jovem — gargalhou.
Era estranho que mal havíamos falado de sentimentos ou de compromisso, mas ele tecia um futuro onde estávamos juntos e tínhamos uma família grande.
Eu aceitei a oferta. Eu venceria mesmo que perdesse.
Senti seus lábios deslizando pelas minhas costas. Dei um muxoxo baixo, incomodada por ser acordada.
Logan era muito enérgico. Estava sempre ativo. Acordava cedo, não importando o tempo que gastávamos a noite fazendo amor.
— Eu acho que te amo — ele murmurou.
Foi muito baixo. Quase um sussurro. Por alguns instantes imaginei se era minha cabeça ainda no torpor do sono que havia me pregado uma peça.
Não soube o que responder. Talvez porque nunca tivesse ouvido algo parecido.
Então, Logan simplesmente se ergueu e foi tomar banho.
Parecia pronto para começar um novo dia.
Afundei o rosto no travesseiro, fechando os olhos. Fingi dormir até ter a certeza de que ele havia saído do quarto.
Amor...
Era confortável e ao mesmo tempo assustador.
E se machucasse? E se me ferisse ao ponto de eu jamais me recuperar?
Ouvi Barth latindo e soube que ele seguia com Logan para o celeiro.
Mais segura, também me levantei. Na janela, observei o movimento dos animais, naquele dia que iniciava.
Amor...
Quem estava pronto para algo assim? Quem não queria algo assim?
Pensei em meus pais e no quanto não me amaram. Dei-me conta, então, que não sabia como funcionava tal sentimento.
Como retribuir?
Como receber?
Eram perguntas que eu teria que encontrar a resposta. Porque eu também o amava, irremediavelmente.
Capítulo Dez
O PASSADO
L evava-se em torno de três anos para que os laranjais começassem a produzir massivamente. Com sorte, com os pés de laranja já existentes, eu poderia cobrir alguns mercados da região, mas para fornecer à indústria, teria que arcar com custos altos e sem retorno imediato.
Mesmo assim, os primeiros estudos daquele projeto não esmoreceram meus desejos.
O primeiro passo dado foi buscar as melhores mudas. O terreno era bom, profundo e úmido. O tempo também ajudava. Eu sabia que conseguiria produzir boas laranjas se me empenhasse nisso. Então, não pestanejei em mexer em minhas economias no banco e ir atrás de informação.
Mas, claro, eu também precisava de garantias. Por isso passei a visitar algumas fábricas de sucos pasteurizados da região.
— É um contrato de risco — um dos gerentes me comentou.
— Eu sei que parece isso, mas veja a longo prazo — pedi. — Seus custos de transporte irão diminuir, pois somos praticamente vizinhos. Além disso, pretendo trabalhar com laranjas orgânicas e sem uso de agrotóxicos. Poderá usar disso a seu favor em uma nova campanha de marketing.
No final daquela tarde eu saí com um acordo fechado.
Meus planos estavam começando a dar certo. Senti-me poderosa diante disso.
Contudo, nos dias em que passei minha empreitada por meu novo negócio, não me ative a detalhes que me expuseram bastante.
Eu havia sido secretária executiva de uma empresa importante em Edimburgo. No ramo dos negócios, alguns já haviam ouvido falar de mim. E assim começou uma fofoca ritmada entre acionistas diversos, o que ocasionou num problema singular.
Posso até imaginá-los, no final de uma reunião qualquer, a comentar: “ Ei, soube de secretária que era noiva do gerente fulano de tal e que era muito promissora, mas foi demitida sem causa divulgada? Pois agora irá cultivar laranjas! ”.
Comentários normalmente não me prejudicavam, nem me incomodavam, mas quando um carro esportivo parou diante de Castelo Black e Victor, meu antigo noivo, saiu dele, percebi que retornar ao mundo dos negócios me deixava imediatamente a mercê do retorno do meu antigo chefe a minha vida.
— O que está fazendo aqui? — indaguei, assim que ele se aproximou.
Ainda era muito bonito. Usava um terno caro, uma colônia adocicada, os cabelos bem tratados.
— Eu te procurei no seu apartamento, mas havia se mudado. Sumiu. Não consegui sequer contato pelo celular.
— A região ficou sem sinal quando cheguei — expliquei. Não sei por quê. No que importava a procura dele? — Mas, insisto, o que faz aqui?
— Você sabe o quê, Emília. — ele pareceu desejar ser charmoso.
Mas, eu não conseguia focar naquilo. Aos poucos fui me dando conta de que Logan poderia chegar a qualquer momento e eu conhecia o temperamento do fazendeiro. Não estava disposta a lidar com ciúmes.
— Precisa de uma secretária? — chutei.
Ele gargalhou.
— Victor, estou fora do ramo. Meu foco agora é outro.
— Emília, você sempre foi assim... Tão livre de pensamento quando se trata de relacionamentos — voltar a se aproximar.
Um passo atrás do outro. Passos que faziam uma angústia tremenda me tomar. Minha vontade era de correr, mas fiquei estacada no lugar.
— No começo, pensei que poderia mudá-la, mas foi muito difícil. Depois, me confessou que havia colocado mulheres no meu caminho apenas para que eu a traísse, assim poderia terminar tudo entre nós... Achei-te um monstro. Como uma mulher podia ser tão fria e calculista com um cara que realmente queria um futuro ao seu lado? Entretanto, por fim, percebi que apenas estava com medo.
Eu estava com medo! Mas, não no passado, e sim agora!
— Olhe...
— Nós iríamos nos casar — ele voltou a observar. — Eu já tinha a data programada. Já pesquisava até o melhor lugar para a lua-de-mel... — finalmente, ele estava a centímetros de mim. — Só que então te perdi... E isso doeu muito.
— Ah, não deve ter doído tanto assim — tentei ser otimista.
Ele riu.
— Eu te aceito.
— Quê?
— Aceito como é. Eu te amo, te quero na minha vida. Aceito que queira continuar trabalhando. Aliás, nunca consegui outra secretária tão boa quanto você. Seremos uma grande dupla.
— Eu...
Por que diabos estava tão chocada ao ponto de não conseguir articular as palavras? Aquilo não era bem a cara de Victor? Romântico, brega e idiota?
— Eu estou bem — expliquei, da maneira mais gentil que pude. — Aqui, achei meu lugar.
— Compreendo. Não quer trabalhar na empresa e sim focar no cultivo de frutas, é isso? Eu aceito. Eu respeito. Eu te amo, serei seu companheiro, sempre admirando a mulher incrível que você é.
Naquele instante, percebi que a idiota era eu. Ali estava o homem perfeito, livre de preconceitos e machismo, me oferecendo o paraíso.
Mas, o inferno ao lado de Logan era muito mais tentador...
— Me desculpe, mas precisa ir — avisei, afastando-me.
— Emília...
— Estou apaixonada por outra pessoa — fui franca.
Ele pareceu chocado.
— Apaixonada? Ou apenas usando outro cara até cansar-se dele?
Onde estava o romântico gentil que há segundos me dizia doçuras? Um alívio tremendo me tomou. Eu não era um monstro. Eu era apenas franca e direta. Victor, ao contrário, preferia as palavras mansas, mas enfurecia-se quando eu não estava de acordo com elas.
Uma parte de mim percebeu que Logan era como eu. Claro, éramos opostos em muitas coisas, mas ao menos nisso, iguais.
E, de alguma maneira eu sabia que, por ser tão diferente de mim nas outras situações, Logan sempre seria um desafio. E, talvez por isso, eu jamais perderia o interesse.
— Não foi certo o que fiz contigo, me perdoe — pedi. — Mas, eu acho que encontrei a pessoa ideal pra mim. Nunca senti por ninguém o que sinto por ele. O que explícita mais o quanto foi errado nossa relação. Desejo que seja feliz.
Ele não parecia desejar o mesmo que eu. Nitidamente enfurecido, voltou ao carro e saiu cantando pneu.
Estava ansiosa para me encontrar com Logan naquela noite. Queria contar a ele tudo que acontecera durante o dia. Mas, estranhamente e sem sobreaviso, ele não apareceu.
Quando o relógio badalou nove horas, eu cansei de esperar e jantei sozinha.
Dormi sozinha também. Uma parte de mim dizia para ir chamá-lo no radio amador, mas outra me murmurava que talvez ele não quisesse me ver porque estivesse com outra ou estava cansado daquele nosso súbito romance.
E eu não era mulher de rastejar atrás de homem.
Todavia, não podia negar que a falta do compromisso e das promessas estava me torturando. Quando eu o visse, precisava saber o que exatamente estava ocorrendo entre nós.
Pela primeira vez na vida eu quis dar um nome a nossa relação. Namoro ou amizade, eu queria saber. Eu queria entender o quão profundo ou rasos eram seus sentimentos para que eu também não arriscasse tudo.
Então, quando levantei de manhã, a primeira coisa que fiz foi rumar em direção ao seu rancho.
Logo o vi. Estava arrastando um montante de feno. Athena balançou seu rabo cortado em minha direção.
— O que aconteceu? — eu questionei de supetão, ao perceber seu olhar sério em minha direção.
— Não aconteceu nada.
Ele simplesmente me deu as costas e rumou ao seu celeiro. Aquilo me deixou em polvorosa. Parecia que falava com alguém sem valor.
— É isso que faz com as mulheres? Tem alguns dias de sexo fácil, depois as deixa sem nem mesmo uma justificativa ou uma despedida?
— O sexo foi bem fácil mesmo — ouvi o murmuro.
Foi baixo. Mas, eu o ouvi. Fiquei em choque.
Não havia muito que dizer. Senti-me subjugada por anos e anos de questionamentos morais atirados contra as mulheres. Era eu ali, representando milhares.
Eu me deitei com ele porque eu havia me apaixonado, mal percebi o quanto ele me usou. Mas, agora ele apenas me definia como sua foda rápida e sem esforço.
Foi minha vez de fugir. Saí do celeiro em passos rápidos, cortei a trilha do seu rancho quase numa corrida, e quando cheguei à estrada eu já despejava um choro sufocado e envergonhado.
Eu sabia que não tinha do que sentir vergonha, mas sentia. Eu sabia que não estava errada, mas minha mente nublada me chamava de vagabunda, sem cessar.
— Espere! — uma mão forte apertou meu braço.
Ele havia me seguido. Era ultrajante. Enrubesci.
— Me deixe agora! — ordenei.
— O que você quer de mim?
Que tipo de pergunta era aquela?
— Como assim? O que eu poderia querer de você?
— Por que está chorando? — parecia enfurecido e era eu que estava revoltada. — Estou te deixando livre pra ficar com seu noivo!
Uma parte de mim ouviu aquela explicação com tal incredulidade que mal conseguia articular um pensamento coerente.
Então, inesperadamente, comecei a gargalhar freneticamente.
Eu ria tanto que as lágrimas voltaram, escorregando pela minha face, enquanto eu precisava me apoiar nele pra não cair.
— Mulher! O que está acontecendo?
Eu tentei conter o riso, mas a histeria havia tomado conta de minha alma.
Logan era o ser mais sobrenaturalmente idiota que eu já havia conhecido.
— O quanto você ouviu? — indaguei, entre o riso.
— O suficiente.
— O suficiente? — gargalhei mais.
— Pare com isso, está me irritando.
— Por que diabos você acha que eu quero ficar com Victor?
— Ele combina com você. Roupas chiques, palavras bem articuladas, um bom carro, um bom emprego. Por que trocaria o cara perfeito pelo caipira pobretão?
Subitamente, aquele cara grande e autossuficiente parecia um garotinho agarrado à barra da saia da mãe. Foi então que entendi que Logan me via como sua genitora, em muitos sentidos. Devíamos ser parecidas pela maneira de nos vestirmos. E como ela o havia abandonado, ele temia que eu fizesse o mesmo.
— Você tem medo de terminar como seu pai? — indaguei, num tom gentil. — Isso nunca vai acontecer. Estou irremediavelmente apaixonada por você.
Seu semblante não escondeu a surpresa diante da confissão.
— Tem certeza?
— Uma coisa que não sabe sobre mim, Logan, é que quando eu quero algo eu não desisto. E eu quero você, e nada nem ninguém me fará desistir disso.
Capítulo Onze
A ESCOLHA
O
sol ainda brilhava no horizonte quando Logan e eu resolvemos nos recolhermos mais cedo.
Durante todo o dia, após minha confissão, passamos a um estado de fervor, como se aguardássemos o instante em que pudéssemos ser um do outro.
Meu corpo tremia de antecipação. Sabia que o dele se retesava na mesma urgência.
Durante o lanche da tarde, ao cruzar por mim na cozinha, ele esbarrou demoradamente nas minhas costas. Senti sua saliência contra meu bumbum e uma parte de mim quase desistiu de aguardar.
Gemi, sentindo as mãos dele firmes na minha cintura, empurrando-me contra a mesa.
Mas, Athena latiu e Logan me soltou, percebendo que alguma coisa ocorria no galinheiro — Athena era treinada para proteger os animais de predadores.
Quando voltou, o clima ainda existia, mas ele não insistiu nele.
Era como se uma parte de Logan insistisse que teríamos o resto da vida para aquilo. E uma parte de mim concordava.
Então, quando ele terminou seus afazeres, voltou a Castelo Black e foi tomar banho. Não jantamos. Quando ele saiu do banheiro, eu já o aguardava, ansiosa.
E sem nenhuma palavra, ele aproximou-se da cama, me beijou com urgência enquanto me deitava sobre os lençóis de linho claro.
Eu sentia aquela necessidade desesperada formigando meu corpo, atiçando minha alma, mas também entendia que ele queria ir devagar.
E dei-me conta de que quando mais vagaroso fosse, mais prazer eu sentiria.
Então a barba aranhou meus ombros, enquanto os dedos firmes abriam aos botões da minha camisa.
Meus seios logo foram tomados pelos lábios generosos, a língua dançando entre as aréolas, os dentes capturando um dos mamilos.
Arquejei o corpo para frente. Logan sorriu.
— Você é muito ansiosa, mulher — ele murmurou.
— Quando nos conhecemos, você disse que eu seria sua — o lembrei. — Naquele dia te achei um abusado.
— Mas eu estava certo.
— Estava — gargalhei. — Estava sim, Logan.
— Então, minha mulher — ele ergueu-se um pouco, para tirar minha calça. — Entenda isso. Um homem é sempre o cabeça de uma família, e eu sempre darei a última palavra dentro dessa casa.
Eu sorri.
— Sei exatamente qual será essa palavra.
— Serão duas, na verdade.
— Oh sim — O riso me tomou. — Duas palavras. Repita para mim agora — ordenei.
— “ Sim, senhora ” — ele sorriu. — As últimas palavras serão sempre “ sim, senhora ” — riu. — Satisfeita?
— Ainda não. — Entrelacei minhas pernas contra sua cintura. — Quero mais, Logan. Quero tudo.
— Eu te amo — ele disse por fim. — Será a mãe dos meus filhos.
Estava ali, todos os meus sonhos que eram incapazes de serem manifestados pela minha mente covarde, que temia tecer desejos idílicos que jamais se realizariam. Mas, enfim, estava ali...
— Uma família — suspirei. — Quer se casar comigo?
— É o homem que tem que pedir.
— Está respondendo errado. Lembre-se que sempre dará as palavras finais.
Ele riu. Então, beijou-me com intensidade.
— Sim, senhora. Eu quero me casar com você.
Treze anos depois...
Eu podia ouvir o suspiro zangado de Yan ao longe. Com certeza meu filho pré-adolescente achava um absurdo vivenciar um momento daqueles em pleno sábado ensolarado.
— Alguém quer dizer alguma coisa? — eu indaguei.
— Isso é sério? — ele me encarou com espanto.
Subitamente, Logan deu um leve tapa em sua cabeça.
— Tenha respeito com a sua mãe, garoto!
Yan me encarou. Depois, suspirou.
— Desculpe-me — disse.
E eu sorri. Ele era tão parecido com o pai que nunca me permitia ficar zangada muito tempo com meu primogênito.
— Eu quero dizer — Sara, minha única garotinha, no auge dos seus sete anos, ergueu sua mão.
No colo do pai, o caçula Arthur também ergueu a mão, porque adorava acompanhar a irmã.
— Fale amor — pedi.
— Mary Margareth era uma galinha muito especial e todos nós sentimos muito que ela morreu. Eu espero que ela esteja no céu dos animais junto com Barth e com Athena.
Com aquela bela homenagem, por fim, pus uma pedra simbólica sobre o túmulo de minha galinha de estimação, enquanto meus filhos se afastavam, respeitosamente.
— Foi uma bonita cerimônia — Logan comentou, percebendo meus olhos cheios de lágrimas.
Eu sempre chorava pelos animais. Chorei por Athena, que foi a primeira a morrer de velhice em seus quase quatorze anos. Depois, Balthazar também se foi, pouco antes de eu ganhar Sara. Quase tive um aborto diante do estado nervoso. E então, após muito tempo, foi a vez de Mary Margareth.
— Mas você tem que ser forte, porque temos muitos animais que precisam do seu amor e cuidado.
Como ele conseguia sempre ser tão delicado e generoso, eu jamais entenderia. Claro, não era perfeito, mas se esforçava para me fazer feliz.
Aproximei-me e beijei o pequeno Arthur. Depois, foi a vez do meu marido.
Eu era muito grata a Logan. Não apenas pela família que construímos juntos, mas também porque com o tempo ele passou a valorizar meus próprios sonhos.
Nosso laranjal já era o principal meio de fornecimento de matéria prima para as indústrias do norte, e os animais da nossa fazenda não eram comida. Eu sei que ele optou por criar todas as ovelhas e galinhas como animais de estimação por minha causa.
Ele queria me ver feliz...
E eu era...
— Minha mulher — ouvi Logan me chamando, enquanto andava em direção a Castelo Black. — O funeral da sua galinha já terminou. E Arthur está com fome. Não posso ajudar nisso — brincou.
Eu sabia, nosso caçula ainda mamava no peito.
— Diga-me esposo — pedi, seguindo atrás dele. — O quanto você me ama?
Ele volveu o olhar para mim, parecia em dúvida.
— O que vai me pedir?
Gargalhei.
— Nada. É apenas para ouvir algo romântico.
Ele sorriu. Eu sempre sentia calafrios em todo o corpo quando seu sorriso másculo era dado em minha direção.
— Minha senhora, eu a amo muito — ele murmurou.
Era uma melodia de amor que parecia adentrar minha alma. Uma sinfonia de sensações que me fizeram sorrir.
— Eu te amo, Logan — respondi, em seguida.
— E essa troca de juras tem que finalidade?
Da última vez que insistira para que Logan me fizesse jurar amor, o convencera a comprar um bonito pônei para Yan.
Eu gargalhei.
— À noite te conto.
Percebi a animação imediata nos seus olhos.
— Mãe! — um grito feminino ao longe clamou por mim.
Sara queria almoçar. Arthur também parecia com fome. Yan logo sairia para se encontrar com os amigos da escola.
A vida podia ser monótona. Mas, ao lado de Logan, era verdadeiramente maravilhosa.
Josiane Biancon da Veiga
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