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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A Prima Caipira
A Prima Caipira

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A PRIMA CAIPIRA

 

 

Cocoricóooo… Cocoricóooo…

O cantar do galo, naquela manhã, foi bem mais forte e animado. Na verdade foi um canto eufórico e cheio de felicidade. Ele sabia que aquele era um dia especial e se sentia orgulhoso de ter nele a incumbência de acordar os animais do sítio e o pessoal da casa. Todos, gente e animais, dali ao ouvirem o seu canto despertaram felizes. Ninguém teve preguiça ou vontade de continuar a dormir.
A família inteira foi pro terreiro, logo depois, cheios de animação. Até os animais pareciam perceber e participar dessa euforia que marcava aquele dia. No galinheiro estava uma verdadeira balburdia, os porcos estavam agitados e o velho cavalo comia a sua grama e a tudo observava.
A preparação já tinha sido iniciada há dias. O dono da terra, da mulher, dos filhos, dos empregados, dos bichos, senhor absoluto daquilo tudo ali, tinha passado ele mesmo um dia inteirinho na mata cortando a lenha que amontoara no centro do terreiro. Por todo ele estavam penduradas, em fios de barbante esticado, dezenas de bandeirolas coloridas que as crianças tinham cortado e ajudadas pela dona da casa colaram com a pasta de farinha de trigo e água que ela fizera.
Nos arredores todo mundo tinha colaborado. O dono do alambique, próximo dali, presenteara a cachaça pra ter bastante quentão e um pouquinho dela tinha sido reservada para aqueles que preferiam uma purinha. Um sitiante de perto, que tinha tido naquele ano uma boa safra, dera dois sacos de milho para fazer a pamonha, o curau, os bolos e ainda ia sobrar muita espiga pra ser assada na brasa. O pessoal da redondeza, por mais pobre que fosse, tinha dado ao menos uma galinha, um pato ou qualquer outro animal que tinha e até um leitão assado, com o couro douradinho, ia ter naquela noite.
A batata doce foi tirada ali mesmo da terra e ia ser assada, junto com o milho verde, na brasa da fogueira que ia queimar até o amanhecer.
A dona da casa e as suas comadres, que moravam ali por perto, passaram dias na cozinha - que ficou pequena pra tanta mulher - a temperarem as carnes, ralarem a mandioca e a prepararem toda a comilança.
A festa de Santo Antonio daquele ano ia ser estupenda. O baile no terreiro ia ser animado por dois violeiros que até na radio já tinham tocado.
O pessoal que morava pelos arredores ia estar todo lá. No meio da tarde já ia ter gente chegando a cavalo, famílias que viriam em suas carroças e tinha até quem ia sair cedinho de casa e caminhar descalço pela estrada de terra pra não deixar de comparecer. E olha que chiqueza, até gente da cidade ia estar presente.




- Você vai sim, João Paulo. O seu pai disse que é pra você ir.

- Pra que é que eu tenho que ir? Não quero e não tenho o que fazer no meio daquela gente caipira.

- Mas meu filho a festa é no sítio do seu tio. Não fale assim perto de seu pai. É o irmão dele e ele prometeu que ia e levava toda a família. Você tem de ir.

- O pai nem liga pra esse irmão. Já faz anos que ele não o vê. Não sei o que deu agora no velho de querer ir nessa festa. Eu vou é pra praia com o pessoal.

- Você é que sabe. Tenho certeza que se você não for o seu pai vai cortar a sua mesada. Você conhece bem ele.

- Merda...

E assim o João Paulo teve que deixar de ir a praia, com a namorada e alguns amigos, para ir a festa. Que saco.
Ele se lembrava do tio, que vira quando ainda era menino, um velho capiau ignorante, da tia que tinha achado uma chata e de sua prima Maria Rosa, uma menina magrela, cheia de sardas e espinhas na cara que além de feia era burra e falava tudo errado.
Há alguns anos esse seu tio viera passar alguns dias na cidade e trouxe com ele a família. Eles ficaram hospedados na sua casa. Ele se lembra do inferno que foram aqueles dias. A sua mãe mandou que ele levasse a prima para conhecer a cidade e estava vivo em sua lembrança a vergonha que passou. Os seus amigos caçoaram com ele um tempão por causa da priminha caipira.
Ainda bem que eles foram logo embora e nunca mais voltaram.
E agora essa história do seu pai. Tinha que ir, mas ia contra a vontade e não pretendia ser gentil com ninguém.




Todo mundo da casa tomou banho naquele dia. Até o tio do João Paulo, mesmo contra sua vontade, também tomou. A sua mulher falou, falou e ele concordou se não ela não parava de falar:

- Véio, ocê tem que toma banho pra bota ropa limpa pra festa.

- Que banho o que! Sábado tomei um e hoje tenho muito o que faze.

- Dexa de se porco home. Hoje não é sábado, mas é dia do santo. Eu fiz ropa nova pro cê e ocê qué botá ela todo sujo. Vai toma banho sim.

- Mas muié...

- Nem mais nem menos. Ocê si esquece que nois tem visita. Eu não quero passa vergonha por sua causa não.

- Ta bão, ta bão... eu tomo, mas só na hora de botá a ropa.




Maria Rosa, a filha deles, que estudou em colégio, sabia bordar, tocar música e até falava francês, mesmo morando com seus pais, ali no sítio, era uma moça muito limpa. Passou um tempão tomando o seu banho, lavou e arrumou o cabelo, colocou maquiagem - coisa que ali ninguém usava - e passou horas se arrumando. Quando estava pronta pra festa ela usava um vestido amarelo bastante curto - motivo pro seu pai achar ruim, mas que ela nem deu bola - sandálias de salto e usava até um par de brincos, sua única jóia que tinha ganhado no seu aniversário de quinze anos. Eram roupas muito simples, mas que cobrindo a sua beleza natural tornavam-se bonitas. Se a festa fosse na cidade a Maria Rosa deixaria muita moça elegante se roendo de inveja. Ali no sítio de seu pai, ela ia brilhar e seria a moça mais bonita que nela estaria.




Quando o pai do João Paulo chegou, há muito que a festa já tinha começado. Ele encostou o seu carro em um espaço aberto, bem perto da porteira, e comentou com a mulher e o filho:

- Parece que o pessoal está animado. Essa gente da roça costuma fazer festas muito bonitas em dias de santo.

- Merda, o que eu estou fazendo aqui? - Numa espécie de grunhido o João Paulo perguntou pra ele mesmo enquanto descia do carro.

Sua mãe que estava ao seu lado, e ouviu o que ele sussurrou, lhe disse:

-Olha menino, vê se você se comporta. Nem eu nem seu pai queremos passar vergonha por termos um filho mal educado.

- Ta legal. Eu falei que não queria vir. Agora não me peça pra eu gostar dessa porcaria de festa.

Eles se aproximaram do terreiro e o tio do João Paulo os recebeu com muita alegria e falou:

- Que bão que oceis vêio. Vem cá que eu apresentá a gente do lugar pro ceis. Ta todo mundo curioso pra conhece o meu irmão que mora na cidade.

Eles seguiram o dono da casa e foram gentis ao serem apresentados para aquela gente humilde. Só o João Paulo estava de cara feia e não abria a boca. Alguns minutos depois ele já estava entediado e a raiva que sentia de estar ali ficava cada vez maior.
Foi quando ele viu uma moça que saiu de casa. Ela era muito bonita. Seus cabelos castanhos brilhavam sob a luz da lua e seu semblante refletia uma pureza sem igual. Muito alta e dona de um corpo lindo, suas pernas eram longas e atraentes. Ele ficou maravilhado com ela. Cutucou a mãe, que estava ao seu lado, e perguntou pra ela:

- Mãe, quem é aquela moça de amarelo que está saindo da casa?

- Você não se lembra dela? É a sua prima Maria Rosa. Ela esteve há algum tempo lá em casa e você passou o tempo todo brigando com ela.

- Essa é aquela menina magrela e chata que me fez passar tanta raiva? Puta merda, ela ficou uma morena deliciosa!

- Olha a boca, menino. Não se esqueça de que ela é filha do irmão do seu pai. Trate de respeitá-la.




O João Paulo, desse momento em diante, mudou radicalmente o seu comportamento. Interessou-se pela festa e até passou a achar ela bonita. Via tudo com outros olhos e não conseguia tirar eles de sua prima. Quando as chamas da enorme fogueira estavam altas, e o baile do terreiro estava tão quente quanto elas, ele esperou os violeiros tocarem uma música romântica e lhe falou:

- Oi, eu sou o João Paulo, você se lembra de mim?

- Lembro sim, ela respondeu. Só que você está diferente. Eu te conheci quando ainda era menina, numa vez que meu pai me levou na sua casa, lá na cidade. Você era um moleque briguento e vivia implicando comigo naquela época.

- Sou eu mesmo. Só que naquele tempo eu era uma criança e muito bobo. Me desculpa, ta? Venha dançar essa música comigo pra mostrar que eu estou perdoado.

- Ta legal.

E foram dançar. Colaram os rostos, seus corpos se juntaram e ele ficou admirado com a leveza com que ela se deixava conduzir naquela dança.
O corpo dela roçava nele com muita suavidade e ele sentindo o calor que dele emanava começou a sentir uma ereção. Dançaram até parar a música, com Maria Rosa mantendo os seus passos com muita naturalidade como se não tivesse percebido. Quando a música parou, ela disse pra ela:

- João Paulo, a noite está tão bonita e quente, vamos dar uma volta pelos arredores?

- Vamos sim, ele respondeu. Estava empolgado com aquela sua prima caipira e tudo o que queria era estar perto dela.

Afastaram-se da festa e saíram caminhando. Estava muito claro porque era noite de lua cheia e os raios dela iluminavam o caminho pelo qual percorriam. Quando chegaram, perto da árvore em que o pai do João Carlos tinha deixado o seu carro, ela falou pra ele:

- Vamos sentar ali, debaixo daquela árvore, pra gente conversar um pouco.

Eles sentaram-se na grama, mas algum tempo se passou sem que nenhum dos dois dissesse coisa alguma. Ele não sabia o que dizer. Sentia-se atraído por ela, mas ao mesmo tempo ficava retraído naquela situação. Se fosse uma moça que ele tivesse conhecido na cidade, tudo seria bem mais fácil e natural. Ali, ao lado dela, ele tinha receio de dizer alguma coisa, que diria naturalmente para outra mulher, com medo de ofendê-la. Afinal ela era uma moça da roça e, além disso, sua prima. Ela quebrou o silêncio, e o deixou surpreso, com a pergunta que lhe fez e muito mais com o seu comentário:

- Todo mundo na cidade é acanhado desse jeito? Se fosse um moço daqui, ele já tinha me dito que eu era bonita e me dado um beijo.

Ele ficou olhando para ela de boca aberta, sem saber o que responder. Aquela sua priminha da roça o surpreendia com a sua desenvoltura e a sua cara de pau. Ela então continuou falando coisas que o surpreenderam mais ainda:

- Lá no terreiro você não tirava os olhos das minhas pernas. Na hora que a gente tava dançando você ficou roçando em mim e agora que a gente ta sozinho você fica me olhando com essa cara assustada. Vem, deita aqui e me da um beijo.

Ele não acreditava no que estava rolando. Dolores nem tinha terminado de falar e já o puxava sobre ela. Juntou seus lábios ao dele e enfiou a língua em sua boa. Enquanto era beijado ele sentiu que a mão dela percorria o seu corpo e pouco depois estavam deitados na grama fazendo amor.
Ela mostrou-se uma amante experiente e fez com que ele delirasse de prazer. Ele nunca tivera em seus braços uma mulher como ela. Por mais experiente, desenvolta e liberal que fosse uma mulher que ele já tivesse tido, essa sua priminha a superava como amante.
Depois, quando os dois estavam estendidos na grama satisfeitos e exaustos, ela perguntou pra ele cheia de ironia:

- E então priminho. Eu consegui mudar a opinião que você tinha sobre as moças da roça? Lá na cidade você já encontrou uma mulher que te desse tanto prazer como esta sua prima caipira?




Quando a festa terminou o pai de João Paulo voltou para a sua casa lá na cidade. Na viagem de volta ele perguntou para o filho:

- Então Joãozinho, a festa foi tão ruim assim?

- Foi não pai, eu gostei pra burro. Eu acho que estava sendo injusto e arrogante julgando eles só porque são da roça. To até pensando em voltar aqui mais vezes para visitá-los.

 

Carlos Cunha Autoria & Produção Visual