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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A MELHOR AMIGA / Artur Azevedo
A MELHOR AMIGA / Artur Azevedo

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A MELHOR AMIGA

 

I

 

A mais ingênua e virtuosa das esposas, D. Ritinha Torres, adquiriu há tempos a dolorosa certeza de que o marido a enganava, namorando escandalosamente uma senhora, vizinha deles, que exercia, ou fingia exercer a profissão de modista.

Havia muitas manhãs que Venâncio Torres - assim se chamava o pérfido - acordava muito cedo, tomava o seu banho frio, saboreava sua xícara de café, acendia o seu cigarro e ia ler a Gazeta de Noticias debruçado a uma das janelas da sala de visitas.

Como D. Ritinha estranhasse o fato, porque havia já quatro anos que estava casada com Venâncio, e sempre o conhecera pouco madrugador, uma bela manhã levantou-se da cama, envolveu-se numa colcha, e foi, pé ante pé, sem ser pressentida, dar com ele a namorar a vizinha, que o namorava também.

A pobre senhora não disse nada: voltou para o quarto, deitou-se de novo, e à hora do costume simulou que só então despertava.

Tivera até aquela data o marido na conta de um irrepreensível modelo de todas as virtudes conjugais; todavia, soube aparar o golpe: não deu a perceber o seu desgosto, não articulou uma queixa, não deixou escapar um suspiro.

Mas às dez horas, quando Venâncio Torres, perfeitamente almoçado, tomou o caminho da repartição, ela vestiu-se, saiu também, e foi bater à porta da sua melhor amiga, D. Ubaldina de MeIo, que se mostrou admiradíssima.

 

- Que é isto? Tu aqui a estas horas! Temos novidade?

 

- Temos... temos uma grande novidade; meu marido engana-me

 

E deixando-se cair numa cadeira, D. Ritinha prorrompeu em soluços.

 

- Engana-te? perguntou a outra, que empalidecera de súbito.

 

- E adivinha com quem?... Com aquela modista... aquela sujeita que mora defronte de nossa casa!...

 

- Oh, Ritinha! isso é lá possível!...

 

- Não me disseram: vi; vi com estes olhos que a terra há de comer! Um namoro desbragado, escandaloso, de janela para janela!

 

- Olha que as aparências enganam...

 

- E os homens ainda mais que as aparências.

 

O pranto recrudescia.

 

- E eu que tinha tanta confian... an... ça naquele ingra... a ..to!

 

- Que queres tu que te faça? perguntou D. Ubaldina, quando a amiga lhe pareceu mais serenada.

 

- Vim consultar-te... peço-te que me aconselhes... que me digas o que devo fazer... Não tenho cabeça para tomar uma resolução qualquer!

 

- Disseste-lhe alguma coisa?

 

- A quem?

 

- A teu marido.

 

- Não; não lhe disse nada, absolutamente nada. Contive-me quanto pude. Não quis decidir coisa alguma antes de te falar, antes de ouvir a minha melhor amiga.

 

D. Ubaldina sentou-se ao lado dela, agradeceu com um beijo prolongado e sonoro essa prova decisiva de confiança e amizade, e, tomando-lhe carinhosamente as mãos, assim falou:

 

- Ritinha, o casamento é uma cruz que é mister saber carregar. Teu marido engana-te... se é que te engana...

 

- Engana-me!..

 

- Pois bem, engana-te, sim, mas... com quem? Reflete um pouco, e vê que esse ridículo namoro de janela, que o obriga a madrugar, sair dos seus hábitos, é uma fantasia passageira, um divertimento efêmero que não vale a pena tomar a serio.

 

- Achas então que...

 

- Filha, não há no mundo marido algum que seja absolutamente fiel. Faze como eu, que fecho os olhos às bilontrices do Melo, e digo como dizia a outra: - Enquanto andar lá fora, passeie o coração à vontade, contanto que mo restitua quando se recolher ao lar doméstico.

 

- Filosofia no caso!

 

- Vejo que não sente por teu marido o mesmo que sinto pelo meu...

 

A filósofa conservou-se calada alguns segundos, e, dando em D. Ritinha outro beijo, ainda mais prolongado e sonoro que o primeiro, prosseguiu assim:

 

- Se fizeres cenas de ciúmes a teu marido, apenas conseguirás que ele se afeiçoe deveras à tal modista; o que por enquanto não passa, felizmente, de um namoro sem conseqüências, poderá um dia transformar-se em paixão desordenada e furiosa!

 

- Mas...

 

- Não há mais nem meio! Cala-te, resigna-te, devora em silêncio tuas lágrimas, e observa. Se daqui a oito ou dez dias durar ainda esse pequeno escândalo, vem de novo ter comigo, e juntas combinaremos então o que deverás fazer.

 

- Aceito de bom grado os conselhos, minha amiga, mas não sei se terei forças para sofrear a minha indignação e os meus ciúmes.

 

- Faze o possível por sofreares. Lembra-te que és mãe. Quando um casal não vive na mais perfeita harmonia, a educação dos filhos torna-se extremamente difícil.

 

Alentada por esses conselhos amistosos e sensatos, D. Ritinha Torres despediu-se da sua melhor amiga, e foi para casa muito disposta a carregar com resignação a cruz do casamento.

 

II

 

Logo que ficou sozinha, D. Ubaldina que até então a custo se contivera, teve também uma longa crise de lágrimas.

Mas, serenada que foi essa violenta exacerbação dos nervos, a moça correu ao telefone, e pediu que a comunicasse com a repartição onde Venâncio Torres era empregado.

 

- Alô! Alô!

 

- Quem fala?

 

- O Sr. Venâncio está?

 

- Está. Vou chamá-lo.

 

Minutos depois D. Ubaldina telefonava ao marido de D. Ritinha que precisava falar-lhe com toda urgência.

Ele correu imediatamente à casa dela, onde foi recebido com uma explosão de lágrimas e imprecações.

 

- Que é isto?! que é isto?! perguntou atônito.

 

- Sei tudo! bradou ela. Tua mulher esteve aqui e contou-me o teu namoro com a modista de defronte!

 

Venâncio ficou aterrado.

 

- A idiota veio perguntar-me, a mim, que sou tua amante, o que devia fazer! Eu disse-lhe que fechasse os olhos, que se resignasse.

 

E agarrando-o com impetuosidade:

 

- Ah! mas eu é que me não resigno, sabes? Eu não sou tua mulher, sabes? Eu amo-te, sabes?

 

- Isso é uma invenção tola. Eu não namoro modistas.

 

- Olha, Venâncio, se continuares, tudo saberei, porque incumbi a tua própria mulher de me pôr ao fato de tudo quanto se passar! Se persistires em namorar essa costureira, darei um escândalo descomunal, nunca visto... - Afianço-te que te arrependerás amargamente! Tu ainda não me conheces!..

 

Venâncio tinha lábias: desfez-se em desculpas e explicou, o melhor que pôde, as suas madrugadas.

D. Ubaldina, que ardia em desejo de perdoar, aceitou a explicação. Entretanto, ameaçava-o sempre:

 

- Olha que se me constar que... Não te digo mais nada!...

 

Pouco antes da hora em que devia chegar o dono da casa com o seu coração intacto, Venâncio, que descia a escada, parou, e retrocedeu três ou quatro degraus para dizer a D. Ubaldina:

 

- Queres saber de uma coisa? Essa história da modista é bem boa: serve perfeitamente para desviar qualquer suspeita que minha mulher possa ter da sua melhor amiga.

 

E desceu.

 

III

 

Oito dias depois, D. Ubaldina de Melo recebia um bilhete concebido nos seguintes termos:

"Minha boa amiga. - Parece que tudo acabou, felizmente. Depois que estive contigo, nunca mais Venâncio madrugou nem foi à janela. Queira Deus que isto dure! Como sou feliz! - Tua do coração, Ritinha Torres."

A Melhor Vingança

O Vieirinha namorou durante dois anos a Xandoca; mas o pai dele, quando soube do namoro, fez intervir a sua autoridade paterna.

 

- A rapariga não tem eira nem beira, meu rapaz; o pai é um simples empregado público que mal ganha para sustentar a família! Foge dela antes que as coisas assumam proporções maiores, porque, se te casares com essa moça, não contes absolutamente comigo - faze de conta que morri, e morri sem te deixar vintém. Tu és bonito, inteligente, e tens a ventura de ser meu filho; podes fazer um bom casamento.

 

Não sei se o Víeirinha gostava deveras da Xandoca; só sei que depois dessa observação do Comendador Vieira nunca mais passou pela Rua Francisco Eugênio, onde a rapariga todas as tardes o esperava com um sorriso nos lábios e o coração a palpitar de esperança e de amor.

O brusco desaparecimento do moço fez com que ela sofresse muito, pois que já se considerava noiva, e era tida como tal por toda a vizinhança; faltava apenas o pedido oficial.

Entretanto, Xandoca, passado algum tempo, começou a consolar-se, porque outro homem, se bem que menos jovem, menos bonito e menos elegante que o Vieirinha, entrou a requestá-la seriamente, e não tardou a oferecer-lhe o seu nome. Pouco tempo depois estavam casados.

Dir-se-ia que Xandoca foi uma boa fada que entrou em casa desse homem. Logo que ele se casou, o seu estabelecimento comercial entrou num maravilhoso período de prosperidade. Em pouco mais de dois anos, Cardoso - era esse o seu nome - estava rico; e era um dos negociantes mais considerados e mais adulados da praça do Rio de Janeiro.

Ele e Xandoca amavam-se e viviam na mais perfeita harmonia, gozando, sem ostentação, os seus haveres e de vez em quando correndo mundo.

Uma tarde em que D. Alexandrina (já ninguém a chamava Xandoca) estava à janela do seu palacete, em companhia do marido, viu passar na rua um bêbedo maltrapilho, que servia de divertimento aos garotos, e reconheceu, surpresa, que o desgraçado era o Víeirinha.

Ficou tão comovida, que o Cardoso suspeitou, naturalmente, que ela conhecesse o pobre-diabo, e interrogou-a neste sentido.

 

- Antes de nos casarmos, respondeu ela, confessei-te, com toda a lealdade, que tinha sido namorada e noiva, ou quase noiva, de um miserável que fugiu de mim, sem me dar a menor satisfação, para obedecer a uma intimação do pai.

 

- Bem sei, o tal Víeirinha, filho do Comendador Vieira, que morreu há três ou quatro anos, depois de ter perdido em especulações da bolsa tudo quanto possuía.

 

- Pois bem - o Vieirinha ali está!

 

E Alexandrina apontou para o bêbado, que afinal caíra sobre a calçada, e dormia.

 

- Pois, filha, disse o Cardoso, tens agora uma boa ocasião de te vingares!

 

- Queres tu melhor vingança?

 

- Certamente, muito melhor, e, se me dás licença, agirei por ti.

 

- Faze o que quiseres, contanto que não lhe faças mal.

 

- Pelo contrário.

 

Quando no dia seguinte o Víeirinha despertou, estava comodamente deitado numa cama limpa e tinha diante de si um homem de confiança do Cardoso.

 

- Onde estou eu?

 

- Não se importe. Levante-se para tomar banho!

 

O Vieirínha deixou-se levar como uma criança. Tomou banho, vestiu roupas novas, foi submetido à tesoura e à navalha de uni barbeiro, e almoçou como um príncipe.

Depois de tudo isso, foi levado pelo mesmo homem a uma fábrica, onde, por ordem do Cardoso, ficou empregado.

Antes de se retirar, o homem que o levava deu-lhe algum dinheiro e disse-lhe:

 

- O senhor fica empregado nesta fábrica até o dia em que torne a beber.

 

- Mas a quem devo tantos benefícios?

 

- A uma pessoa que se compadeceu do senhor e deseja guardar o incógnito.

 

O Vieirinha atribuiu tudo a qualquer velho amigo do pai; deixou de beber, tomou caminho, não é mau empregado, e há de morrer sem nunca ter sabido que a sua regeneração foi uma vingança

 

                                                                                             Artur Azevedo

 

Carlos Cunha Arte & Produção Visual

 

 

 

 

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