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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A Brusca Poesia da Mulher Amada/Vinicius de Moraes
A Brusca Poesia da Mulher Amada/Vinicius de Moraes

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A Brusca Poesia da Mulher Amada

 

 

 

 

I

 

Longe dos pescadores os rios infindáveis vão morrendo de sede lentamente...

Eles foram vistos caminhando de noite para o amor – oh, a mulher amada é como a fonte!

A mulher amada é como o pensamento do filósofo sofrendo

A mulher amada é como o lago dormindo no cerro perdido

Mas quem é essa misteriosa que é como um círio crepitando no peito?

Essa que tem olhos, lábios e dedos dentro da forma inexistente?

Pelo trigo a nascer nas campinas de sol a terra amorosa elevou a face pálida dos lírios.

E os lavradores foram se mudando em príncipes de mãos finas e rostos transfigurados...

Oh, a mulher amada é como a onda sozinha correndo distante das praias

 Pousada no fundo estará a estrela, e mais além.

 

II

 

A mulher amada carrega o cetro, o seu fastígio

 É máximo. A mulher amada é aquela que aponta para a noite

 E de cujo seio surge a aurora. A mulher amada

 É quem traça a curva do horizonte e dá linha ao movimento dos  astros.

 Não há solidão sem que sobrevenha a mulher amada

 Em seu acúmen. A mulher amada é o padrão índigo da cúpula

 E o elemento verde antagônico. A mulher amada

 É o tempo passado no tempo presente no tempo futuro

 No sem tempo. A mulher amada é o navio submerso

 É o tempo submerso, é a montanha imersa em líquen.

 É o mar, é o mar, é o mar a mulher amada

 E sua ausência. Longe, no fundo plácido da noite

 Outra coisa não é senão o seio da mulher amada

 Que ilumina a cegueira dos homens. Alta, tranqüila e trágica

 É essa que eu chamo pelo nome de mulher amada.

 Nascitura. Nascitura da mulher amada

 É a mulher amada. A mulher amada é a mulher amada é a mulher amada

 É a mulher amada. Quem é que semeia o vento? – a mulher amada!

 Quem colhe a tempestade? – a mulher amada!

 Quem determina os meridianos? – a mulher amada!

 Quem a misteriosa portadora de si mesma? A mulher amada.

 Talvegue, estrela, petardo

 Nada a não ser a mulher amada necessariamente amada

 Quando! E de outro não seja, pois é ela

 A coluna e o gral, a fé e o símbolo, implícita

 Na criação. Por isso, seja ela! A ela o canto e a oferenda

 O gozo e o privilégio, a taça erguida e o sangue do poeta

 Correndo pelas ruas e iluminando as perplexidades.

 Eia, a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas.

 Poder geral, completo, absoluto à mulher amada!

 

III

 

Minha mãe, alisa de minha fronte todas as cicatrizes do passado

 Minha irmã, conta-me histórias da infância em que que eu haja sido  herói sem mácula

 Meu irmão, verifica-me a pressão, o colesterol, a turvação do timol, a  bilirrubina

 Maria, prepara-me uma dieta baixa em calorias, preciso perder cinco quilos

 Chamem-me a massagista, o florista, o amigo fiel para as confidências

 E comprem bastante papel; quero todas as minhas esferográficas

 Alinhadas sobre a mesa, as pontas prestes à poesia.

 Eis que se anuncia de modo sumamente grave

 A vinda da mulher amada, de cuja fragrância já me chega o rastro.

 É ela uma menina, parece de plumas

 E seu canto inaudível acompanha desde muito a migração dos  ventos

 Empós meu canto. É ela uma menina.

 Como um jovem pássaro, uma súbita e lenta dançarina

 Que para mim caminha em pontas, os braços suplicantes

 Do meu amor em solidão. Sim, eis que os arautos

 Da descrença começam a encapuçar-se em negros mantos

 Para cantar seus réquiens e os falsos profetas

 A ganhar rapidamente os logradouros para gritar suas mentiras.

 Mas nada a detém; ela avança, rigorosa

 Em rodopios nítidos

 Criando vácuos onde morrem as aves.

 Seu corpo, pouco a pouco

 Abre-se em pétalas... Ei-la que vem vindo

 Como uma escura rosa voltejante

 Surgida de um jardim imenso em trevas.

 Ela vem vindo... Desnudai-me, aversos!

 Lavai-me, chuvas! Enxugai-me, ventos!

 Alvoroçai-me, auroras nascituras!

 Eis que chega de longe, como a estrela

 De longe, como o tempo

 A minha amada última!

 

                                                                               Vinicius de Moraes

 

Carlos Cunha      Arte & Produção Visual

 

 

 

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