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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A cidade antiga / Vinicius de Moraes
A cidade antiga / Vinicius de Moraes

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A cidade antiga

 

 

Houve tempo em que a cidade tinha pêlo na axila

 E em que os parques usavam cinto de castidade

 As gaivotas do Pharoux não contavam em absoluto

 Com a posterior invenção dos kamikazes

 De resto, a metrópole era inexpugnável

 Com Joãozinho da Lapa e Ataliba de Lara.

 

Houve tempo em que se dizia: LU-GO-LI-NA

 U, loura; O, morena; I, ruiva; A, mulata!

 Vogais! tônico para o cabelo da poesia

 Já escrevi, certa vez, vossa triste balada

 Entre os minuetos sutis do comércio imediato

 As portadoras de êxtase e de permanganato!

 

Houve um tempo em que um morro era apenas um morro

 E não um camelô de colete brilhante

 Piscando intermitente o grito de socorro

 Da livre concorrência: um pequeno gigante

 Que nunca se curvava, ou somente nos dias

 Em que o Melo Maluco praticava acrobacias.

 

Houve tempo em que se exclamava: Asfalto!

 Em que se comentava: Verso livre! com receio...

 Em que, para se mostrar, alguém dizia alto:

 "Então às seis, sob a marquise do Passeio..."

 Em que se ia ver a bem-amada sepulcral

 Decompor o espectro de um sorvete na Paschoal

 

Houve tempo em que o amor era melancolia

 E a tuberculose se chamava consumpção

 De geométrico na cidade só existia

 A palamenta dos ioles, de manhã...

 Mas em compensação, que abundância de tudo!

 Água, sonhos, marfim, nádegas, pão, veludo!

 

Houve tempo em que apareceu diante do espelho

 A flapper cheia de it, a esfuziante miss

 A boca em coração, a saia acima do joelho

 Sempre a tremelicar os ombros e os quadris

 Nos shimmies: a mulher moderna... Ó Nancy! Ó Nita!

 Que vos transformastes em dízima infinita...

 

Houve tempo... e em verdade eu vos digo: havia tempo

 Tempo para a peteca e tempo para o soneto

 Tempo para trabalhar e para dar tempo ao tempo

 Tempo para envelhecer sem ficar obsoleto...

 Eis por que, para que volte o tempo, e o sonho, e a rima

 Eu fiz, de humor irônico, esta poesia acima.

 

                                                                                              Vinicius de Moraes

Carlos Cunha    Arte & Produção Visual

 

 

 

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