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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Caçadora de maridos / Lynne Graham
Caçadora de maridos / Lynne Graham

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Caçadora de maridos

 

CAPÍTULO I

Raul extraiu uma foto da pasta de documentos.

- Essa é Polly Johnson. Dentro de seis meses ela dará à luz meu filho, e preciso encontrá-la antes disso.

Certo de que veria uma loura exuberante com rosto e corpo de modelo internacional, Digby não escondeu a sur­presa ao deparar-se com uma jovem magra de cabelos castanhos, olhos azuis e profundos e um sorriso muito doce. Parecia tão jovem e saudável que não era difícil imaginá-la no papel de mãe de aluguel.

Como advogado respeitado em Londres, Digby Carson lidara com casos complexos e difíceis. Mas um arranjo como aquele não podia dar errado. Uma mãe de aluguel que fugia, provavelmente disposta a ficar com o bebê? Olhou para o cliente rico e influente e sentiu um aperto no coração.

A fortuna de Raul Zaforteza era baseada em minas de ouro e diamantes. Ele era um empresário brilhante, um jogador de pólo quase lendário e, de acordo com as colunas sociais, um mulherengo notório. E também lembrava uma pantera negra pronta para atacar. Com quase um metro e noventa de altura, um corpo esculpido pela prática esportiva e um temperamento explosivo herdado de seus ancestrais, compunha uma imagem assustadora, até mesmo para um homem que o conhecia desde a infância.

- Digby... imagino que meu advogado em Nova York já o informou sobre a situação.

- Ele disse que o assunto era confidencial e delicado demais para ser tratado por telefone. E eu nem imaginava que pretendia se tornar pai através de métodos tão... pouco convencionais. Por que assumiu um risco tão grande?

- Por Dios! Você me viu crescer! Como tem coragem de perguntar?

Digby estava incomodado. Como empregado do falecido pai de Raul, testemunhara a infância lamentável do garoto rico e solitário que, apesar de toda a fortuna, não tivera sorte na loteria dos pais.

Com o rosto bronzeado tenso, Raul respirou fundo.

- Há muito tempo decidi que jamais me casaria. Não daria a mulher alguma tamanho poder sobre mim ou, ainda pior, sobre os filhos que eu viesse a ter. Mas sempre gostei de crianças... Muitos casamentos terminam em divórcio, e normalmente é a mãe quem fica com os filhos. O procedi­mento que acabei escolhendo me impressionou por ser a maneira mais prática de me tornar pai fora dos laços do casamento. Não foi uma decisão impulsiva, Digby. Tomei todas as precauções possíveis para escolher a mulher mais adequada para gerar meu filho.

- Adequada? - O advogado não escondia a surpresa.

- Quando a equipe legal de Nova York pôs um anúncio procurando por uma mãe de aluguel, o escritório foi invadido por uma verdadeira enxurrada de cartas de candidatas. Con­tratei um médico e um psicólogo para que as mais adequadas fossem apontadas através de testes e exames específicos, mas a decisão final teria de ser minha.

Digby olhou mais uma vez para a foto de Polly Johnson.

- Quantos anos ela tem?

- Vinte e um.    

- E era a única candidata adequada?

- O psicólogo tinha algumas restrições, mas decidi igno­rá-las. Tudo que ele via em Polly era o que eu procurava na mãe de meu filho. Foi uma espécie de instinto, e segui o sentimento sem questioná-lo. Sim, ela era jovem e cheia de ideais, mas tinha os valores morais que eu desejava encontrar. Não era movida pela ganância, mas por um desejo desesperado de financiar a cirurgia que poderia prolongar a vida da mãe.

- Fico me perguntando se esse desespero não prejudicou sua habilidade de tomar uma decisão racional, de avaliar a situação em que estava se envolvendo.

- Levantar hipóteses é um exercício inútil agora que ela está grávida. Mas eu a encontrarei. O passado dessa jovem foi investigado de maneira exaustiva. Sei que há dois meses ela esteve na casa da madrinha em Surrey. Ainda não sei para onde ela seguiu de lá, e antes de localizá-la preciso conhecer todos os meus direitos neste país.

Digby preferia tomar conhecimento de todos os fatos antes de dar as más notícias. A lei britânica não apoiava proce­dimentos alternativos de paternidade. Se a mãe quisesse ficar com a criança em vez de entregá-la, nenhum contrato convenceria um juiz inglês a decretar o contrário.

- Conte-me o resto da história - pediu.

Enquanto resumia os fatos, Raul olhava para a janela e lembrava a primeira vez em que vira Polly através de um espelho no escritório de advocacia em Nova York. Ela o fizera pensar em uma pequena boneca de porcelana. Frágil, delicada e dona de uma beleza sutil que poucos teriam notado.

E se mostrara brava e honesta. E bondosa, uma carac­terística que ele nunca havia procurado nas mulheres com quem se relacionara, mas que julgara positiva ao levar em consideração que aquela mulher poderia transmitir certos valores e traços à criança que traria ao mundo. Polly era mais jovem e menos experiente do que podia ter desejado, mas reconhecera nela uma força interior que era tão es­sencial quanto sua natureza tranqüila.

E quanto mais a observara, quanto mais soubera sobre aquela mulher, mais desejara conhecê-la pessoalmente, de forma que no futuro pudesse responder a todas as perguntas que seu filho fizesse sobre a mulher que o gerara. Mas o advogado em Nova York o proibira de ir procurá-la, dizendo que o anonimato era a única proteção de que dispunha con­tra qualquer tipo de assédio no futuro. Mas Raul sempre fora um transgressor de regras, impelido pela fé inabalável nos próprios instintos naturais, e nunca hesitara diante de qualquer oportunidade de satisfazer um desejo.

Movido por essa arrogância essencial, acabara por arrui­nar um plano bem traçado Pior ainda, ele, que sempre se orgulhara de sua inteligência e de um incrível poder de percepção, não notara os sinais de problema no horizonte.

- Em resumo, assim que soube que a jovem havia con­cebido, você a instalou em uma casa em Vermont e destacou uma criada de confiança de sua família para cuidar dela - Digby recapitulou. - Onde estava a mãe de Polly en­quanto tudo acontecia?

- Assim que Polly assinou o contrato, a mãe dela foi enviada para uma clínica de recuperação onde deveria se fortalecer para a cirurgia. A pobre mulher estava muito doente, e ignorava o contrato de concepção assistida. Algu­mas semanas depois da inseminação bem-sucedida, a mãe de Polly foi submetida à cirurgia. Polly sabia que as chances de sobrevivência eram de cinqüenta por cento, no máximo. Dois dias depois a mulher faleceu.

- Que lástima.

Raul lançou um olhar fulminante na direção do advogado. Lástima? Polly ficara devastada. E Ele tomara consciência de que sua única razão para gerar um filho que não criaria deixara de existir naquele mesmo dia. Informado por Sole­dad, a criada de confiança, sobre a profunda depressão que dominava a jovem grávida, não havia sido capaz de man­ter-se afastado e incógnito, como havia sugerido o advogado.

Sua maior preocupação havia sido a possibilidade de um aborto espontâneo. E julgara-se no dever de oferecer apoio. Isolada em um país que nem era o dela, com vinte e um anos de, idade, grávida do filho de um estranho e imersa num processo de luto para o qual sua natureza otimista não a preparara, a mãe de seu filho precisava realmente de um ombro amigo.

- Decidi fazer contato com ela - Raul admitiu pesaroso. - Como não podia revelar que era o pai do bebê, tive de inventar algumas boas desculpas para ir ao encontro dela.

Sem querer, Digby fechou os olhos e franziu a testa. Raul devia ter evitado qualquer tipo de contato pessoal. Mas o herdeiro dos Zaforteza era um homem complexo. Um empresário poderoso e inimigo perigoso. Várias mulheres ha­viam chorado sua capacidade natural de distanciar-se emo­cionalmente. Mas Raul também era um filantropo renoma­do, o mais verdadeiro dos amigos para alguns poucos esco­lhidos e um homem capaz de respostas emocionais intensas.

Raul comprimiu os lábios.

- Aluguei uma casa perto de onde ela estava hospedada e fiz com que nossos caminhos se cruzassem. Não escondi minha identidade; não julguei necessário, já que o nome Zaforteza não significava nada para ela. Ao longo dos meses seguintes, voei para lá regularmente e a visitava. Nunca fiquei muito tempo... ela só precisava de alguém com quem conversar. Tratei-a como a uma irmã mais nova e nunca fui mais que um visitante casual.

Digby não comentou que, sendo filho único, Raul não podia ter mais que uma vaga idéia de como alguém tratava a irmã mais nova. E o advogado tinha três filhas, todas absolutamente fascinadas pelo famoso empresário. Na úl­tima vez em que o convidara para jantar, tivera de suportar o embaraço de ver as três filhas, uma mais bem vestida que a outra, disputando sua atenção. Até a esposa comen­tara que Raul Zaforteza poderia ter sido inventado pelo demônio com o único propósito de tentar o sexo feminino.

Imaginou uma jovem solitária que só havia compreendido o significado do contrato que assinara depois da morte da mãe. Ao descobrir-se recebendo em sua casa um membro da sociedade internacional tão seguro, sofisticado e caris­mático quanto Raul, que tipo de efeito ela sofrera?

- Quando ela desapareceu? - perguntou.

- Há três meses. Certo dia, Soledad saiu para fazer compras e a deixou sozinha. - E respirou fundo. - Nesses três meses, não tive uma única noite de sono decente. Passo o tempo todo preocupado...

- Já pensou que ela pode ter interrompido a gravidez?

- Por Dios... Polly não faria isso com meu filho!

Satisfeito por tê-lo feito compreender essa possibilidade, Digby não discutiu.

- Ela é suave, feminina, carinhosa... jamais escolheria esse caminho! - Raul insistiu determinado.

- Você perguntou sobre seus direitos. - Tinha de estar preparado para a explosão que ocorreria dentro de alguns instantes. - Sinto muito, Raul, mas a lei britânica não reconhece os direitos de um pai solteiro.

Ele o encarou incrédulo. - Isso é impossível!

- Não vai poder afirmar que a jovem será uma mãe inadequada. Afinal, foi você quem a escolheu. E a descreveu como uma jovem respeitável que só se envolveu nisso tudo para tentar salvar a mãe. Por outro lado, a corte não veria com bons olhos um estrangeiro que usou sua fortuna para convencê-la a aceitar um arranjo que mais tarde...

- Ela está desrespeitando um contrato legal – Raul cortou furioso. - Tudo que quero é voltar para a Venezuela com meu filho. Não tenho o menor desejo de levar o caso aos tribunais. Deve haver algum outro jeito pelo qual eu possa garantir a custódia.

- Sim, existe uma solução. Você pode se casar com ela.

- Se está tentando ser engraçado, Digby, saiba que essa foi uma piada de péssimo gosto.

 

Henry puxou uma cadeira e esperou que Polly se sentasse à mesa do jantar. A mãe dele, Janice Grey, franziu a testa para os olhos azuis e tristonhos e as faces proeminentes da jovem. Aos oito meses de gravidez, Polly parecia retraída e doente.

- Devia estar descansando nesse estágio da gestação ­Janice censurou-a. - Se casar-se com Henry agora, poderá desistir do trabalho. Poderá repousar enquanto ele cuida do testamento de sua madrinha.

- Sim, seria a decisão mais sensata. - Sólido e grisalho, Henry apoiou os argumentos da mãe. - Vai ter de tomar muito cuidado para não perder boa parte da herança para a Receita Federal.

- Não quero me casar com ninguém. - Sob os cabelos fartos e castanhos, o rosto de Polly se tornava tenso e perturbado.

Um silêncio incômodo invadiu a sala enquanto mãe e filho trocavam um olhar significativo.

Polly concentrou-se na refeição sem nenhum apetite. Ha­via sido um engano instalar-se na confortável casa dos Grey. Mas como poderia imaginar que a confiável governanta de sua finada madrinha a convidara para hospedar-se em sua casa movida por razões ulteriores?

Janice e o filho conheciam os estranhos termos do testa­mento de Nancy Leeward. Sabiam que Polly herdaria um milhão de libras se encontrasse um marido em um ano e permanecesse casada por pelo menos seis meses. Janice estava determinada a convencer Polly de que o casamento com seu filho seria a solução mágica para todos os problemas.

Para Janice, a proposta era apenas uma troca justa. Afi­nal, Polly seria mãe solteira e não poderia reclamar o di­nheiro deixado pela madrinha sem um marido. Henry era solteiro, e odiava o emprego que tinha. Mesmo uma pequena parcela de um milhão de libras seria suficiente para que ele se estabelecesse como consultor de impostos em um es­critório próprio. Janice faria de tudo para apoiar os planos do filho, e Henry era o tipo de homem que jamais conseguiria se livrar da influência materna.

- Bebês dão trabalho - ela disse assim que o filho saiu da sala. - Criar uma criança sozinha não é fácil. Falo por experiência própria.

- Eu sei. - Mas a simples menção da palavra bebê foi suficiente para desenhar um sorriso vago no rosto da futura mamãe.

- Só estou tentando aconselhá-la, Polly. Não está apai­xonada por Henry, mas aonde o amor a levou?

O breve devaneio foi cruelmente devastado pelo comen­tário direto.

- A lugar nenhum - concordou distraída.

- Nunca gostei de interferir no que não é da minha conta, mas é óbvio que o pai de seu filho sumiu assim que soube sobre a gravidez. Irresponsável e egoísta. Não pode acusar meu Henry de nenhuma dessas coisas.

Polly lembrou o ar eternamente frustrado e triste de Hen­ry e suprimiu um suspiro.

- Nem todas as pessoas se casam por amor. Existem casais que se formam por razões surpreendentes, outros por motivos mais práticos e concretos. Segurança, compa­nheirismo, um lar sólido...

- Lamento, mas preciso de mais que isso. - Polly le­vantou-se devagar. - Acho que vou me deitar um pouco antes de ir para o trabalho.

Ofegante depois de subir a escada, estendeu-se na cama do quarto simples, porém confortável. Jamais se casaria com Henry para atender à cláusula do testamento de Nancy Leeward e herdar aquele dinheiro.

Afinal, havia sido o desejo de fazer fortuna que a em­purrara para a situação em que se encontrava. Seu finado pai, um homem muito religioso, costumava dizer que o di­nheiro é a raiz de todos os males. E, pensando na decisão absurda e insana que tomara meses atrás, Polly compreen­dia que havia confirmado a exatidão do ditado.

A mãe estava morrendo. Como poderia ter se conformado com o fato de perder a mãe com quem não crescera, a mulher que mal tivera tempo de conhecer? Não acreditara que a mão do destino pudesse ser tão cruel. Armada por uma determinação poderosa, ultrapassara os limites da razão e do bom senso, esforçara-se além de suas possibilidades, e acabara descobrindo que canalizara toda a sua energia de maneira errada.

Como pudera acreditar que seria capaz de entregar seu filho a estranhos? Como havia imaginado que abriria mão de todos os direitos, cederia uma criatura que levava no corpo seu sangue e sua carne e concordaria nunca mais tentar ver o próprio filho? Havia sido uma idéia estúpida e imatura. Assim, fugira de uma situação insustentável, sabendo que seria perseguida e eventualmente encontrada...

Em sua opinião, não era melhor que uma criminosa. As­sinara um contrato no qual prometera entregar o bebê. As­sistira impassível enquanto uma imensa fortuna era gasta no tratamento médico da mãe e depois fugira. Transgredira a lei e, apesar de ter sido enganada e envolvida para que assinasse o contrato, não tinha provas disso.

Às vezes acordava de um pesadelo no qual era extraditada para os Estados unidos e julgada. Seu bebê era arrancado de seus braços e levado para uma vida de luxo e riqueza com o pai imoral e inescrupuloso na Venezuela. Como se não bas­tassem os pesadelos, alcançara um estágio da gravidez em que era difícil dormir por mais de uma ou duas horas seguidas.

E era nesses momentos de cansaço e fraqueza que podia quase ver Raul Zaforteza, moreno, devastador e perigoso. Fora uma vítima confiante e patética. Apaixonara-se pela primeira vez na vida, e justamente por um homem que não merecia seu amor. Vivera contando os dias entre um en­contro e outro, temendo que ele não aparecesse e atormentada pelo segredo que acreditara estar guardado. Um sorriso frio distendeu seus lábios. Raul sempre soubera sobre a gravidez. Afinal, ele era o pai da criança...

Uma hora mais tarde, Polly saiu para o trabalho. Era uma noite fresca e úmida de verão, e ela decidiu caminhar. Estava economizando cada centavo que tinha, inclusive o que teria gasto com o ônibus, porque logo não poderia mais trabalhar, e precisaria das economias para sustentar o filho nos primeiros meses.

O supermercado onde trabalhava era uma ilha iluminada no meio da rua central. Polly estava pendurando o casaco e a bolsa no vestiário dos empregados, quando a gerente entrou e examinou-a com ar preocupado.

- Você parece muito cansada, querida. Espero que seu médico não esteja cometendo um erro ao permitir que con­tinue trabalhando.

O comentário provocou um rubor que ela tentou esconder. Não consultara médico algum nos últimos dois meses, mas na última visita fora orientada no sentido de descansar. Como poderia pensar em descanso quando tinha de garantir o próprio sustento? E se procurasse ajuda no serviço social do Estado, eles fariam dezenas de perguntas inoportunas. Por isso vivia em estado permanente de exaustão, com dores nas costas, tornozelos inchados e respiração difícil, sem falar nas horríveis dores de cabeça e nas vertigens que a atacavam quando se esforçava demais.

No final do plantão em um dos caixas Polly estava exaus­ta, e respirou aliviada ao lembrar que no dia seguinte estaria de folga. A chuva havia parado, mas as luzes cintilavam no pavimento molhado e carros espalhavam a água que se juntara nas poças do asfalto.

Polly nem tentou fechar o casaco. Somente uma barraca seria grande o bastante para esconder o ventre distendido, e o peso do próprio corpo contribuía para a fadiga que sentia. Faltava pouco tempo. Tinha a sensação de estar grávida desde sempre, mas logo poderia ver o rosto do bebê e co­nhecê-lo como um indivíduo.

Imersa nos pensamentos doces, caminhando de cabeça baixa, não registrou a presença de um grande obstáculo no caminho. No último instante, quando se deu conta de que havia alguém parado na calçada, tentou desviar a fim de evitar a colisão e acabou perdendo o equilíbrio, mais uma conseqüência das mudanças físicas que haviam transforma­do seu corpo nos últimos meses.

Mãos fortes a seguraram pelos ombros e impediram o tombo. Apreensiva, levantou a cabeça para ver o rosto acima da gravata de seda cinza.

Raul Zaforteza a encarava de sua estatura elevada, os músculos faciais transformando os traços bronzeados em uma máscara impassiva cuja frieza era assustadora.

Chocada, Polly tremia e tentava dizer alguma coisa, mas a boca aberta não emitia som algum. O pânico estava es­tampado em seus olhos e a palidez acentuava o ar cansado do rosto.

- Não existe um único lugar em todo o mundo onde poderia ter se escondido de mim - Raul anunciou com tom contido e determinado, a voz grave e o sotaque cadenciado e marcado despertando lembranças que só serviriam para atormentá-Ia. - O jogo acabou.

 

CAPÍTULO II

- Solte-me, Raul! - Polly exigiu apavorada.

- Não posso. Está esperando um filho meu. Que homem seria capaz de ignorar esse fato?

Uma dor súbita e intensa explodiu em sua cabeça, ar­rancando um gemido de seu peito. Polly levou a mão à cabeça e sentiu-se dominada por uma forte vertigem, o es­tômago contraído pela náusea.

- Por Dios... O que está havendo? - Raul segurou-a com mais força ao perceber que ela perdia o equilíbrio.

No instante seguinte ele a tomava nos braços, carregan­do-a com uma facilidade espantosa. A luz da rua iluminou o rosto sem cor e ele resmungou alguma coisa em espanhol.

- Ponha-me no chão... - Apesar do mal-estar, sentia-se perturbada pela ironia do primeiro contato físico.

Mas, em vez de atender ao pedido, ele fez um, movimento sutil com a cabeça e segundos depois a limusine parava junto ao meio-fio, bem perto de onde estavam. O motorista saltou e correu a abrir a porta do passageiro. Raul acomodou-a no banco de couro, mas antes que pudesse sentar-se ao lado dela, Polly mergulhou para fora do carro e vomitou na sarjeta.

Depois de alguns instantes, quando conseguiu recuperar forças suficientes para encará-Io, notou que ele a estudava com um misto de preocupação e espanto.

- Acha que pode sentar-se, ou prefere ir deitada? Polly não respondeu. Constrangida, sentou-se no banco do automóvel e respirou fundo.

- Então conseguiu me encontrar - murmurou, os olhos perdidos em algum ponto distante.

- Era só uma questão de tempo. Primeiro estive na casa onde foi se hospedar. Janice Grey não foi muito útil, mas felizmente eu já sabia onde você trabalhava.

Podia sentir a barreira entre eles, alta e impenetrável como vidro temperado, e a tensão que dominava a atmosfera com­binada à poderosa energia que Raul sempre emanava. Mas sentia-se entorpecida, como se houvesse sofrido um acidente. Ele a encontrara. Tomara todas as providências para não ser localizada; mudara-se para Londres e mentira para os amigos e conhecidos a fim de que ninguém tivesse um endereço ou um número de telefone através do qual pudesse ser encon­trada. Mas todos os esforços haviam sido em vão.

Uma nova pontada na cabeça obrigou-a a fechar os olhos.

- O que foi? - Raul perguntou.

- Tenho a impressão de que minha cabeça vai explodir. Abriu os olhos e viu que ele observava seu ventre com um fascínio que era ofensivo e profundamente invasor.

O bebê chutou, provocando um sobressalto. Raul levantou a cabeça e ela foi invadida pelo brilho intenso dos olhos dourados e curiosos.

- Posso?

A pergunta chamou sua atenção para a mão estendida, e só depois de um instante ela compreendeu chocada a origem de seu interesse. Raul olhava para sua barriga com um sorriso tão temo que toda a tensão desapareceu do rosto moreno.

- Posso sentir os movimentos de meu filho? – pediu ansioso.

Polly o condenou com os olhos e tentou cobrir-se com o casaco.

- Não se atreva a me tocar!           

- Talvez tenha razão. Tocar não é mesmo uma boa idéia. - Furioso, ele buscou refúgio no canto mais distante do banco.

Polly experimentava uma estranha mistura de raiva e tristeza. Raul jamais a olhara daquela maneira em Vermont, mas sempre sentira a paixão primária no temperamento que ele mantinha controlado. Naquela época, como agora, essa mesma natureza exercera o mais assustador fascínio sobre ela. Aquele era um homem completamente oposto a ela, um indivíduo civilizado e sofisticado nas maneiras, no discurso e no comportamento, mas tão imprevisível e peri­goso quanto um animal selvagem.

- Leve-me para casa - pediu. - Prometo encontrá-lo amanhã para conversarmos.

Ele pegou o fone e deu ordens rápidas em espanhol. O motorista ligou o motor e arrancou com o carro.

Polly lembrava-se dele em Vermont, falando com Soledad naquele mesmo tom autoritário. Lembrava o desconforto da criada e sua inegável submissão. Sempre que Raul estivera por perto, Soledad desaparecia em algum recanto da casa, simples demais para compreender a complexidade cruel da situação em que fora envolvida. Aos olhos de Raul ela não passara de uma criada. Raul Zaforteza não era um homem acostumado a levar em conta as necessidades e os senti­mentos de seres inferiores... e no caso de Soledad ele pagara um preço mais alto do que jamais reconheceria em sua arrogância.

Uma freada mais forte obrigou-a a voltar ao presente. En­quanto Raul usava o telefone do carro para uma longa conversa em espanhol, ela o observava com discrição. Examinou os om­bros largos sob o paletó de corte perfeito, o peito poderoso e as pernas musculosas sob a calça de tecido elegante.

- Não posso tocá-la, mas cada olhar seu é um ataque físico - Raul comentou depois de desligar. - É melhor parar com isso, ou não responderei por meus atos.

Uma nova onda de dor obrigou-a a fechar os olhos. Como ele se atrevia a falar naquele tom? Eram tantas as recor­dações que se sentia tonta. Raul, terno e risonho, fitando-a com um calor que era ao mesmo tempo suave e envolvente como a luz do sol ao amanhecer, sem a menor sombra da frieza que só conhecera mais tarde. E toda aquela ternura, toda aquela preocupação, haviam sido dirigidas unicamente ao ser que se desenvolvia em seu útero, ao corpo físico que nutria e abrigava seu filho, não à pessoa de Polly. Para ele, nunca havia sido mais que uma simples incubadora na qual seu herdeiro, o filho que ele tanto queria, era mantido calmo, satisfeito e saudável. Mas como poderia ter imagi­nado tão devastadora realidade?

- Você parece péssima - Raul comentou objetivo. ­Perdeu tanto peso que posso ver os ossos em seu rosto.

- Não seja ridículo. Se há algo de que ninguém pode me acusar neste momento é de ter emagrecido.

- Seus tornozelos estão inchados.

Polly apoiou a cabeça no encosto, sem se importar com sua aparência. Estivera dez vezes mais apresentável em Vermont e não conseguira atraí-Io, embora só houvesse reconhecido o fracasso mais tarde.

- Não terá o meu bebê - preveniu-o. - De jeito nenhum.

- Acalme-se. Ansiedade só servirá para piorar seu estado de saúde.

- É claro. Minha saúde está sempre em primeiro lugar, certo?

- É claro que sim.

Ela se encolheu ao sentir uma nova pontada nas têmpo­ras. Ouviu quando Raul abriu um compartimento, tirou a tampa de uma garrafa contendo uma bebida gasosa e des­pejou o líquido em um copo. Instantes depois sentiu a toalha fria pressionada contra sua testa.

- Vou cuidar de você. Não foi o que fiz antes? E olhe só como está, magra e pálida... - Raul condenou furioso. - Queria poder gritar com você, mas não tenho coragem de censurá-Ia no estado lastimável em que se encontra.

Indefesa na dor, fitou os olhos frustrados e zangados e descobriu que tratá-Ia com gentileza era mais que um cas­tigo para ele. E receber aquela gentileza era uma espécie de morte em vida para ela.

- Você me ensinou a odiar - disse, tomada por uma súbita ferocidade estranha à natureza pacata e serena de antes.

- Bobagem. Não existe nada entre nós se não meu filho. Nenhuma outra conexão. E só discutiremos esse assunto quando for capaz de dominar as emoções e lembrar-se de que assinou um contrato.

O ódio era como uma estrela cadente viajando por todo seu ser. E precisava daquele sentimento como necessitava do ar que respirava. Só o ódio poderia engolir e abafar a dor que Raul provocava.

- Bastardo! - explodiu. - Mentiroso, trapaceiro, sujo...

Nesse exato momento a limusine parou. O motorista abriu a porta e Polly notou um edifício muito alto e ilumi­nado além de um jardim bem cuidado.

- Onde estamos? - perguntou apreensiva.

Uma enfermeira uniformizada passou pela porta princi­pal empurrado uma cadeira de rodas.

- Precisa de cuidados médicos - Raul anunciou antes de descer.

Dominada pelo pânico, lembrou todas as coisas que lera sobre Raul Zaforteza nos jornais antigos que encontrara em bibliotecas públicas.

- Não vai me internar em um asilo para loucos!

- Controle sua imaginação, chica. Eu não faria nada para prejudicar a, mãe de meu filho. E não se atreva a causar uma cena quando minha preocupação é com seu bem-estar - preveniu-a, inclinando-se para tirá-Ia do carro sem nenhum esforço aparente.

- A cadeira de rodas, senhor - a enfermeira ofereceu.

- Não se preocupe. Ela é tão leve que posso carregá-Ia.

- Passou pela porta segurando-a com a o cuidado de quem transporta um objeto muito frágil. A mãe de seu filho. Temia que a incubadora humana fosse menos eficiente do que ima­ginara. Mas, fraca e atormentada pela dor, com a visão turva e o estômago enjoado, tudo que pôde fazer foi apoiar a cabeça no ombro forte e musculoso.

- Odeio você - murmurava com insistência, disposta a repetir as palavras até o último suspiro de morte, porque sabia que essa era sua única defesa.

- Não é dura o bastante para odiar - Raul respondeu.

Um homem de avental branco aproximou-se. Ele falou algumas palavras em espanhol e, sério, o médico os conduziu a uma sala de exames naquele mesmo andar.

- Por que ninguém fala em inglês? Estamos em Londres! - Polly reclamou.

- Desculpe-me. Rodney Bevan trabalhou durante muitos anos em minha clínica na Venezuela, e falo mais depressa em meu idioma. - Ele colocou-a com cuidado sobre uma mesa de exames.

- Vá embora - Polly exigiu determinada.

Mas ele se manteve onde estava. O médico disse alguma coisa em espanhol, e as palavras tiveram o poder de pintar um rubor em seu rosto. Em seguida Raul saiu e fechou a porta.

- O que foi que disse? - perguntou Polly, incapaz de esconder o espanto.

A enfermeira aproximou-se para ajudá-Ia a tirar o casaco e o médico sorriu.

- Você é a estrela aqui, não ele.

A enfermeira mediu sua pressão sangüínea. Por que exi­biam expressões tão solenes? Teriam encontrado algum pro­blema sério? O corpo era como um grande peso morto puxando-a para baixo.

- Precisa relaxar e manter a calma, Polly - o médico murmurou. - Vou lhe dar um sedativo bem suave e depois farei alguns exames de rotina.

- Não. Quero ir para casa - protestou, sabendo que falava como uma criança assustada. Não podia confiar em alguém tão íntimo de Raul.

As vozes se afastaram. O tom grave e profundo de Raul penetrou em seus pensamentos confusos.

- Polly... por favor, deixe-o fazer o que for necessário.

Com esforço, abriu os olhos e viu o rosto bronzeado envolto      por uma estranha névoa.

- Não posso confiar em você... porque o conhece.

Apesar do estado em que se encontrava, viu o choque provocado por sua acusação apavorada. Raul empalideceu, os traços enrijecidos por uma tensão súbita e poderosa. Ele agarrou sua mão, os olhos brilhantes e sérios.

- Precisa confiar nele... Não poderia ter encontrado obstetra melhor.

- Mas ele é seu amigo.

- Sim, mas também é um médico.

- Não quero dormir e acordar na Venezuela. Acha que não sei o que é capaz de fazer quando contrariado?

- Eu nunca transgredi a lei!

- Mas não hesitaria em cometer atos criminosos por seu filho.

- Polly, você não está bem. Se não acredita em mim, se não confia na equipe do hospital, pense ao menos nas necessidades do bebê e tente colocá-Ias acima de tudo.

Uma expressão retraída contraiu seu rosto exausto. Polly fez um movimento sutil com a cabeça, mas olhou para a parede. Um minuto mais tarde sentiu uma picada no braço e o corpo foi perdendo peso, como se flutuasse. Teria feito qualquer coisa para fugir da dor e esquecer aquele olhar injusto, de cruel reprovação, que recebera de Raul.

Enquanto vagava pela periferia da consciência, todos os piores momentos de sua vida desfilavam diante de seus olhos como cenas de um filme de horror.

A memória mais remota era do pai gritando com a mãe, que chorava. Certa manhã, quando tinha sete anos de idade, acordara e descobrira que a mãe havia partido. O pai fora tomado por um ataque de fúria quando, inocente, havia ten­tado questioná-Io. Pouco depois disso fora enviada para a casa da madrinha. Nancy Leeward explicara cautelosa que sua mãe havia cometido a tolice de fugir com outro homem, Os pais estavam se divorciando, mas dentro de algum tempo, quando o pai desse permissão, Leah iria visitá-Ia.

Mas isso jamais havia acontecido. Polly fora criada pela madrinha. E tivera de esperar até os vinte anos de idade para, dias depois do funeral do pai, enquanto limpava sua escrivaninha, encontrar as cartas atormentadas de uma mãe desesperada que supostamente a abandonara.

Leah fora para Nova York e acabara se casando com o amante. Estivera na Inglaterra meia dúzia de vezes, gastando um dinheiro de que não poderia ter disposto, sempre com o objetivo de rever a filha, um propósito cuja realização o ex-­marido amargurado jamais permitira. Para impedir o encon­tro, ele chegara ao extremo de enviar a filha para um colégio interno cujo nome nunca revelara a ninguém. Polly ficara arrasada com a descoberta, mas feliz por saber que a mãe a amara afinal, apesar de tudo que o pai dissera em contrário.

Em Nova York, tivera um encontro emocionante e lindo com Leah, cujo segundo marido falecera um ano antes. En­contrara uma mulher fraca, ofegante e envelhecida demais para sua idade. A gravidade do mal cardíaco tornara-se evidente. Leah vivia em um asilo, pois esgotara todas as possibilidades oferecidas pelo seguro médico. Sob pressão, o médico da clínica contara a Polly que havia uma possi­bilidade, uma cirurgia delicada realizada por um famoso cirurgião cujos honorários estavam além das posses de seres humanos comuns.

Altos e baixos... Assim fora sua vida recentemente, e com mais baixos do que aItos.

E então vira Raul, caminhando pelo bosque glorioso que ela percorria todos os dias, fugindo da atenção constante e incômoda de Soledad para chorar em paz a perda da mãe. Vestindo roupas casuais, porém elegantes e caras, ele exi­bira uma surpresa tão natural ao encontrá-Ia que não des­pertara suspeitas.

Ao ver os olhos dourados de âmbar cintilante... Mergu­lhara em um poço cujo fundo ficava no inferno, embora houvesse acreditado em sua ingenuidade que chegaria ao paraíso conduzida por aquele sorriso.

Na manhã seguinte, Polly acordou usando uma horrível camisola verde. Estava instalada em um quarto com ba­nheiro privativo e a cabeça já não doía, embora o cansaço ainda a deixasse letárgica.

A enfermeira que entrou pouco depois submeteu-a a exames de rotina e, sorridente, ajudou-a a tomar banho enquanto evi­tava a maioria das perguntas ansiosas. Depois de consultar um prontuário, ela informou que Polly deveria permanecer na cama e repousar. O médico iria visitá-Ia na hora do almoço.

Duas horas depois do café, o motorista de Raul entrou com uma mala que Polly logo reconheceu como a dela. E estava tão cheia, que devia conter todos os pertences que julgara ter deixado seguros na casa dos Grey. Uma criada uniformizada entrou e ajudou-a a vestir uma de suas ca­misolas. Em seguida Polly apanhou um envelope pardo no interior da mala. Era hora de confrontar Raul com a pior de todas as mentiras de que fora vítima.

Por volta do meio da manhã, estava sentada com os om­bros eretos e uma expressão furiosa e impaciente no rosto que, pela primeira vez em semanas, exibia uma cor mais saudável. Deslizando os dedos pelos cabelos castanhos e fartos, olhava para a porta como quem se prepara para uma batalha e espera ansiosamente por ela.

Finalmente Raul entrou. E ela prendeu o fõlego.

Elegante e poderoso no terno bege de verão, emanava confiança e poder suficientes para perturbá-Ia. Polly perdeu a cor, assustada com a intensa resposta física provocada por aquela visão fascinante e encantadora. Sabia que ele usava o físico atraente e a aparência harmoniosa para ma­nipular, e nem assim conseguia controlar-se.

Os olhos que a fitavam eram completamente negros, sem a sombra dourada normalmente tão marcante. Frios, impes­soais, sem nenhum sinal de incerteza que pudesse confortá-Ia.

- Parece estar bem melhor - ele comentou com indiferença.

- Sinto-me melhor. Mas não posso fitar aqui...

- É claro que pode. Está recebendo cuidados que não encontraria em nenhum outro lugar.

- Tenho algo aqui que gostaria que explicasse - anun­ciou com coragem.

Raul olhou para os envelopes entre os dedos trêmulos. - O que é isso?

- Oh, não é nenhuma prova concreta das mentiras de que fui vítima... Não precisa se preocupar. Seu advogado foi esperto o bastante para não permitir que eu ficasse com os documentos originais, mas tirei cópias.

- Vá direto ao ponto, por favor. De que mentiras está falando?

- Refiro-me aos registros. Foi muito inteligente dar-me a impressão de que estava tendo a oportunidade de obter informações confidenciais.

- Não entendi.

Polly jogou O envelope sobre a cama.

- Como pode olhar para mim e afirmar que jamais sa­berei... E não finja que não está entendendo. Antes de as­sinar o contrato, eu disse que precisava saber algumas coisas sobre o casal que me contratava.

- O... casal? - Raul perguntou surpreso, abrindo o en­velope para extrair dele algumas folhas datilografadas.

- Seu advogado disse que isso seria impossível, porque os clientes faziam questão do mais completo anonimato. Por isso parti. Quarenta e oito horas mais tarde recebi um telefonema. Fui a um café onde encontrei um jovem que se dizia funcionário do escritório de seu advogado. O rapaz disse compreender minha preocupação quanto às pessoas que criariam meu filho, e mostrou-se disposto a arriscar o emprego para que eu pudesse dar uma rápida olhada em documentos supostamente confidenciais.

- Que documentos?

- Ele me entregou um perfIl sobre o tal casal, uma espécie de resumo elaborado por uma renomada agência de adoção. Não havia nomes nem detalhes que pudessem servir para identificá-Ios... - Polly não podia mais conter as lágrimas, e a voz tremia sob a força dos sentimentos. - Fiquei muito abalada com o que li, com todas aquelas afirmações pessoais e a honestidade demonstrada por aquelas pessoas imaginárias. Era como se o único sonho de suas vidas fosse constituir uma família. Eram pessoas maravilhosas que já haviam feito todos os esforços e sacrificios para terem um filho...

- Madre mía...

- Enfim, gostei do que li. Senti o sofrimento daquelas pessoas e concluí que seriam pais maravilhosos, capazes de criar um lar de amor e tranqüilidade onde qualquer criança poderia crescer feliz e bem orientada... - Um soluço brotou de seu peito e ela levou a mão à boca, os olhos cravados no rosto de Raul com um brilho de acusação e ressentimento. - Como pôde descer tanto?

Raul a encarava com expressão perplexa.

Respirando com dificuldade, Polly prosseguiu:

- Pedi ao tal funcionário que deixasse os documentos comigo durante uma hora para que eu pudesse lê-Ios, e aproveitei para copiá-Ios. Naquela mesma tarde assinei o contrato. Pensei estar fazendo algo de muito bom. Acredi­tava poder dar alguma felicidade àquelas pessoas... e acabei me tornando cega à realidade.

O silêncio tenso prolongou-se por alguns minutos. E então Raul recuperou a capacidade de ação. Num gesto quase violento, abriu a pasta que permanecia em sua mão e caminhou até a janela, dando as costas para o quarto sem conseguir esconder a tensão que dominava seus músculos.

Polly lutou contra as lágrimas que ameaçavam cair novamente.

Pouco depois ele a encarou, o rosto sério e compenetrado.

- Essa mentira absurda não foi criada por mim - de­clarou. - Não sabia que havia solicitado mais informações ou que relutara antes de assinar o contrato.

- Como posso acreditar no que diz?

- Esteja certa de que os responsáveis terão de assumir as conseqüências do que fizeram. Em nenhum estágio do processo dei instruções que pudessem sugerir que eu apoia­ria mentiras ou truques para obter meu propósito. Não havia necessidade de recorrer a manipulações dessa espécie, por­que existiam candidatas bem menos escrupulosas dispostas a aceitar minha proposta.

- Realmente? - ela perguntou, percebendo que podia ter dado a mesma impressão.

Raul estava tão chocado e furioso que os dedos tremeram quando ele fechou a pasta. Sua sinceridade era convincente.

- Agora sei porque não acredita em mim. Não foi a decisão de esconder minha identidade em Vermont que a levou a descumprir o contrato.

Era uma lembrança infeliz. A menção da farsa foi sufi­ciente para enchê-Ia novamente de dor e ressentimento.

- Jamais teria aceito um pai solteiro para meu filho, e quando descobri quem era você de verdade, fiquei apa­vorada e...

- Apavorada? Que exagero!

- Não é exagero. Não daria um coelho para ser criado por um homem com sua reputação, muito menos um bebê indefeso e inocente!

- Qual é o problema com minha reputação?

- Leia sua própria publicidade! - aconselhou com des­gosto, pensando na interminável lista de mulheres com quem ele fora fotografado pelas colunas sociais. Não havia nada de respeitável ou estável no estilo de vida de Zaforteza.

Ultrajado, ele teve de respirar fundo antes de responder

- Que direito acha que tem para me julgar dessa maneira? Reconheço que foram usados subterfúgios para persuadi-Ia a conceber meu filho, e lamento que tenha sido assim, mas nada vai alterar a situação em que nos encontramos agora. A criança que cresce em seu ventre ainda é meu filho.

- E meu também.

- O Julgamento de Salomão. Vai sugerir que cortemos a criança em duas metades iguais? Saiba que lutarei com todas as forças para impedir que aquele idiota que conheci ontem à noite participe da vida de meu filho.

- Idiota? De quem está falando?

- Henry Grey me contou que estão noivos. Sei que vai dizer que esse é um problema seu, mas tudo que esteja de alguma forma relacionado ao futuro de meu filho também é problema meu.

Surpresa com a ousadia de Henry, Polly encarou o homem furioso que andava de um lado para o outro como um animal enjaulado. Por que sentia vontade de abraçá-lo e acalmá-Io?

- Acho melhor ir embora, Raul. - A voz firme e profunda chamou a atenção dos dois para a porta, onde o médico havia parado.

- Sair? - Raul perguntou incrédulo.

 

- Apenas os visitantes silenciosos e controlados têm aces­so à minha paciente - Rodney Bevan declarou.

Usando um vestido de crepe indiano tão azul quanto seus olhos, Polly virou o rosto para o sol e ajeitou-se na espre­guiçadeira estofada. O jardim no interior da clínica era um local encantador num dia de verão. Nem mesmo a desagra­dável visita de Henry conseguia diminuir o prazer de estar novamente cercada por plantas e pássaros.

Ele a fitava com ar de acusação.

- Qualquer um pensaria que está se divertindo aqui.

- É tudo muito tranqüilo.

Só percebera quanto o assédio constante de Henry e sua mãe a incomodavam depois de ter passado três dias longe deles. Estava farta de ser pressionada e empurrada em di­reções que preferia não seguir. Agora que Raul a encontrara, deixara de ser uma fugitiva. E depois que esclarecesse tudo com ele, poderia retomar o comando da própria vida.

- Mamãe acha que você devia ir para casa – Henry controu com o mesmo tom de censura.

- Ainda não explicou por que disse a Raul que somos noivos.

- Porque esperava que assim ele nos deixasse em paz. De que adianta aproximar-se agora? Ele só está complicando tudo, e ainda age como se fosse seu dono!

Estranho como até mesmo um homem insensível como Henry percebera que Raul comportava-se como se a pos­suísse. Mas não era ela, e sim o bebê que crescia em seu ventre que despertava nele o instinto de posse. Em que confusão se metera! Não havia retorno. Seu filho seria para sempre o filho de Raul, e não havia nada que pudesse fazer para alterar esse lamentável dado de realidade.

Foi muita bondade sua ter vindo me visitar, Henry. Diga a sua mãe que aprecio a preocupação e a generosidade, mas não voltarei a me hospedar em sua casa e...

- O que está dizendo? - Henry estava vermelho e zangado.

- Não quero me casar com você. Sinto muito.

- Virei vê-Ia no final da semana, quando estiver nova­mente de posse de suas faculdades mentais.

Assim que Henry partiu, Polly percebeu que sentia-se mais lúcida do que nas últimas semanas. Afastar-se da fonte de exaustão e pressão a ajudara a pensar.

Estava se levantando lentamente, quando Raul surgiu numa porta na extremidade do pátio e olhou para os pacientes que tomavam banho de sol na ampla área interna. Protegida por arbustos exuberantes, não tentou chamar a atenção dele.

Em vez disso, aproveitou para estudá-lo discretamente. O terno cinzento de uma grife famosa enfatizava o corpo musculoso e perfeito, e havia uma sensualidade nele que tiraria o fôlego de qualquer mulher. A mídia dizia que ele pensava em sexo pelo menos uma vez por minuto, e um olhar foi suficiente para convencê-la disso.

Mas sempre que estava perto de Raul sentia-se ameaçada por sentimentos de inadequação e rejeição. Como pudera acre­ditar que um homem como aquele se interessaria por ela? Como fora cega! Se uma mulher o excitava, ele certamente investia com precisão fatal no primeiro encontro, e nunca ten­tara sequer beijá-la. Sempre a tratara com cordialidade, simpatia e gentileza, mas nunca dera o menor sinal de estar interessado em um relacionamento mais íntimo.

Era ridículo, mas havia acreditado que um dos mais fa­mosos e cobiçados mulherengos do mundo era um sujeito cauteloso e decente, maduro o bastante para desejar conhe­cer uma mulher e criar laços de amizade com ela antes de dar um passo à frente na relação. Julgara Raul perfeito, maravilhoso, e acreditara ter despertado seu interesse por­que ele sempre voltava em busca de sua companhia.

Raul finalmente a encontrou atrás do arbusto, e ela abai­xou a cabeça para disfarçar o constrangimento.

- O que está fazendo fora da cama? Vou levá-la de volta ao quarto agora mesmo.

- Tenho autorização para respirar ar fresco e tomar um pouco de sol, desde que não exagere.

- Mesmo assim, vamos entrar. Não podemos discutir negócios confidenciais aqui fora.

- Negócios? A vida me fez aprender da maneira mais dura possível que meu bebê não é uma mercadoria.

- E acha que penso diferente? Acredita que foi a única a ter aprendido duras lições com toda esta confusão?

No elevador, Polly não pôde deixar de fitá-lo. Raul se mantinha ereto e imponente, indiferente as duas enfermei­ras que o estudavam com admiração evidente. Ao sentir que ele também a olhava, abaixou a cabeça para esconder o rubor que tingiu seu rosto.

Havia uma pergunta que desejava fazer. Por que um homem de apenas trinta e um anos, sexy e atraente, hete­rossexual saudável sentira necessidade de contratar uma mãe de aluguel para conceber seu filho? Por que não per­correra o caminho mais simples e prático do casamento? Ou ainda, por que não persuadira uma de suas inúmeras namoradas a aceitar a maternidade?

No momento em que Polly sentou-se no sofá do quarto, ele respirou fundo.

- Ainda está zangada comigo por causa do que aconteceu em Vermont. Temos de lidar com isso e resolver a questão de uma vez por todas, porque ela está prejudicando a solução de conflitos mais importantes e urgentes.

- Tem razão, ainda estou muito aborrecida, mas não vejo razão para falarmos sobre isso. O passado deve ser deixado para trás.

Raul aproximou-se da janela e pôs as mãos nos bolsos da calça, atraindo os olhos de Polly para uma parte bastante específica de seu corpo. Vermelha, tentou desviar os olhos, mas era difícil. Jamais pudera apreciar aquela parte da anatomia masculina, e era estranho estar grávida de um homem com quem não havia se deitado, com quem quem nunca tivera intimidade de espécie alguma. E Raul Zaforteza era um homem, um anúncio vivo de testosterona e virilidade. Por que ele preferira ter um filho concebido por uma inse­minação artificial e com uma estranha?

- Honestamente, quis conhecê-la e conversar com você desde o instante em que assinou o contrato - Raul confessou.

- Por quê?

- Porque sabia que meu filho faria perguntas sobre a mãe. Um dia ele vai querer saber como você era.

Um arrepio de repulsa percorreu sua espinha. Era uma motivação tão prática e impessoal, tão insensível e fria!

- Depois da morte de sua mãe, soube que estava en­frentando um período difícil de stress e sofrimento. Precisava de apoio... e ninguém era melhor que eu para oferecê-Io. Se não houvesse descoberto que era o pai do bebê, não teria ficado tão perturbada. Aliás, não acha que já é hora de revelar como conseguiu desvendar esse segredo?

Polly imaginou Soledad e todos os membros de sua nu­merosa família sendo retirados do velho rancho na Venezuela, o lugar que ela descrevera com tanto carinho.

- Você mesmo acabou por traí-lo. Seu comportamento... bem, levantou suspeitas. Descobri a verdade sozinha - improvisou.

- Mentirosa! Soledad lhe contou. - E riu. - Eu devia ter previsto. Duas mulheres presas durante várias semanas na mesma casa... As, barreiras caíram e se tornaram amigas.

- Soledad jamais o teria traído se você não houvesse entrado em minha vida sem revelar quem era! - Polly defendeu a criada. - Ela não suportou ser forçada a fingir que não o conhecia.

- Sim, eu errei - ele admitiu abertamente, surpreen­dendo-a com a reação sincera. - Agora sei disso. Vermont foi um engano... porque tornou pessoal o que devia ter sido incógnito e comprometeu meu senso de honra.

Um engano? Uma graciosa confissão de culpa, um pedido de desculpas. Engolindo uma torrente de palavras furiosas e reveladoras, Polly pensou em feri-lo fisicamente para fazê­-lo sentir um centésimo da dor que havia conhecido.

- Agora que sabe como descobri tudo, vai manter Soledad e sua família trabalhando para você?

- A família dela continua a meu serviço, mas Soledad voltou para Caracas para cuidar dos netos enquanto a filha trabalha.

As suaves batidas na porta anunciaram a entrada de uma criada com o chá da tarde. Raul pediu café puro, sem levar em consideração que, como visitante em uma clínica, talvez não tivesse direito a certos serviços. Ruborizando de maneira violenta, a jovem correu a atender o pedido.

Pouco depois ele ia se sentar na cadeira mais próxima da dela, a xícara de porcelana entre suas mãos fortes.

- Está bem instalada aqui?

- É tudo perfeito.

- Deve ser aborrecido ficar aqui sentada ou deitada durante a maior parte do tempo, sem nada para fazer. Vou providenciar um videocassete, algumas fitas, livros... Sei do que gosta ­afirmou confiante. - Devia ter pensado nisso antes.

- Não pense que não sei quanto este lugar vai lhe custar. Saiba que não gosto disso, especialmente agora, quando já sabemos que não vou honrar aquele contrato.

Raul estudou os olhos azuis e ansiosos. Um sorriso rápido encurvou a boca sensual e ampla.

- Precisa de tempo e espaço para reconsiderar essa decisão. No momento, não tenho a menor intenção de pressioná-Ia...

- Estar com você no mesmo quarto já é uma forma de pressão. E saber que está pagando minhas contas torna tudo pior.

- O que quer que aconteça, ainda sou e serei sempre o pai de seu filho. Isso faz de você uma de minhas responsabilidades.

- Essa história de pegar mais moscas com açúcar do que com vinagre não vai funcionar comigo. Estou farta de ouvir as pessoas dizendo que não sei o que quero, ou que não tenho idéia do que estou fazendo. A verdade é que cresci muito nos últimos meses.

Raul ergueu a mão num gesto tão natural que, sem que­rer, Polly silenciou.

- Em um ano você perdeu as três pessoas que mais amava. Seu pai, sua mãe e sua madrinha. Isso certamente acaba por afetar a capacidade de julgamento e a visão de futuro de qualquer ser humano. Tudo que desejo é oferecer outro ponto de vista.

Deixando de lado a xícara de café, ele se levantou e en­carou-a, o olhar intenso provocando uma reação estranha e poderosa que Polly preferia não estudar. De repente Raul parecia perturbado e, com movimentos bruscos, virou-se e foi abrir a janela.

- Está abafado aqui. Como eu dizia, quero que tenha uma nova visão sobre o futuro. Duvido que queira realmente casar-se com um idiota.como Henry Grey.

Surpresa, Polly ergueu o corpo no sofá.

- Como pode ter tanta certeza?

- Ele não passa de um canalha ganancioso. Não olharia duas vezes para uma mulher grávida de outro homem, a menos que ela fosse uma herdeira.

- Então já sabe sobre o testamento de minha madrinha...

- Naturalmente. E a boa notícia é que não precisa se casar com Henry para herdar todo aquele dinheiro e começar uma nova vida. Você tem vinte e dois anos e uma vida inteira pela frente... Por que prender-se a um sujeito como esse tal Henry? Um homem aborrecido, cheio de preconceitos e falsos valores morais... Estou disposto a lhe oferecer aquele milhão de libras, desde que desfaça o noivado com ele.

Chocada, Polly abriu a boca e começou a se levantar.

- O que... o que foi que disse? - gaguejou, certa de que ele não podia ter dito o que julgava ter ouvido.

- Você ouviu. Esqueça aquele testamento estúpido e, por enquanto, o bebê também. Livre-se daquele fracassado!

Ela arregalou os olhos. Boquiaberta, deu um passo à fren­te e foi tomada pela fúria.

- Como se atreve a tentar me subornar para obter as respostas que deseja?

A expressão calma de Raul deu lugar ao ar zangado que expressava emoções mais próximas da realidade.

- Pense bem. É melhor continuar solteira e se tornar rica a passar o resto da vida ao lado de um idiota como Henry.

Sem um instante de hesitação, Polly agarrou a jarra de água sobre a mesa-de-cabeceira e virou-a sobre a cabeça dele.

- Isto é o que eu penso de sua oferta nojenta! Não estou mais à venda, sr. Zaforteza. E nunca mais estarei.

Ensopado, surpreso com o ataque e a explosão emocional, Raul permaneceu alguns minutos onde estava, pingando no tapete. De repente ele passou a mão pelos cabelos e os olhos foram tomados por um fogo selvagem.

- Não vou dizer que lamento. Nem pretendo pedir des­culpas - ela se adiantou.

- Por Dios... Vou sair daqui antes que acabe fazendo ou dizendo algo de que me arrependerei mais tarde.

A porta se fechou atrás dele. Polly respirou fundo e só então percebeu que estava tremendo. Jamais enfrentara temperamento tão perigoso antes.

 

CAPÍTULO III

No dia seguinte o quarto da clínica foi equi­pado com um videocassete e uma coleção completa de fitas românticas, suas favoritas.

Polly sabia que o gesto havia sido calculado para fazê-Ia sentir culpa, e era inquietante saber que alguém que con­siderava quase um estranho a conhecia tão bem.

Raul Zaforteza despertava nela um temperamento que nem sabia possuir. Era capaz de enchê-Ia de emoções con­fusas, violentas e amargas. Odiava-o, e odiava-se ainda mais quando reagia à humilhante atração sexual.

Pior, Raul podia entendê-Ia e prever suas respostas por­que, em Vermont, fora tão confiante que revelara pensa­mentos e sentimentos privados, enquanto ele a avaliara fria­mente como um cientista que estuda um ser interessante sob a lente do microscópio. E por quê?

Para responder às perguntas que o filho faria no futuro.

Era impossível obter distância maior de outro ser huma­no. Mas quantas vezes ele enfatizara a inexistência de qual­quer laço entre eles, de qualquer ligação além daquele odioso contrato? E por que ainda torturava-se com a realidade?

Raul oferecera um milhão de libras para que ela permane­cesse solteira, simplesmente por sentir-se ameaçado pela pos­sibilidade de um casamento. Caso se casasse, ele teria de afastar-se enquanto outro homem criava seu filho. E por que não dissera que não tinha a menor intenção de se casar com Henry?

Porque o assunto não era da conta de Raul de Zaforteza. Além do mais, o suposto noivado serviria de escudo protetor, um sinal de que sua vida mudara desde Vermont. Mas Raul destruíra a farsa. Conhecia o teor do testamento de sua madrinha, e por isso sabia que Henry só se mostrava dis­posto a assumi-Ia como esposa por uma única razão.

Enquanto ele sabia tudo sobre sua vida, Polly se mantinha na mais completa ignorância quanto ao sexo oposto. Era ri­dículo estar prestes a tomar-se mãe e não saber nada sobre os homens. Mas seu pai havia sido um puritano radical, um chefe de família rígido cujas regras e restrições impossibili­taram o desenvolvimento social da única filha. Havia sido difícil até mesmo manter as amizades femininas, pois o pai estava sempre ofendendo todas as meninas com críticas duras sobre suas roupas e o comportamento que exibiam.

Fora apaixonada por um garoto na adolescência, mas ele perdera o interesse rapidamente assim que seu pai a proibira de sair em sua companhia. Quando ingressara no curso universitário, que jamais havia concluído, morava tão perto do campus que pouco mudara em sua rotina de reclusa na própria casa. Cuidava das tarefas domésticas, ajudava o pai nas ativi­dades da igreja e, quando a papelaria que ele possuía começara a falir, ajudara-o a manter em dia o trabalho burocrático.

Algumas vezes conseguira escapar para uma ou outra festa. Cheia de culpa por ter mentido, não conseguira di­vertir-se e várias vezes perguntara-se por que as amigas demonstravam tanto entusiasmo com os namorados. Odiava quando os rapazes a convidavam para dançar e tomavam liberdades que beiravam a grosseira.

Conhecera outro rapaz enquanto ainda estudante. Como os antecessores, aquele também se negara a ir visitá-Ia em casa e conhecer o pai severo a quem teria de pedir permissão para um simples passeio. A princípio ele considerara diver­tido encontrá-Ia apenas durante o dia. Então, em certa oca­sião, depois de um almoço num restaurante local, ele a le­vara até seu apartamento e tentara seduzi-Ia. Polly dissera não e ouvira desaforos inesquecíveis e humilhantes. Fora chamada de “virgenzinha aborrecida" e substituída por uma garota mais disponível, alguém que não exigia amor e com­promisso em troca de sexo.

Fora preciso conhecer Raul Zaforteza para descobrir coi­sas que nunca sentira antes... aquela necessidade urgente de contato físico, uma carência tão incômoda quanto a sede ou a fome.

Naquela noite, Polly ainda estava acordada quando Raul apareceu. O horário de visita terminava às nove, e já eram quase onze.

- Como conseguiu entrar?

Num terno escuro usado com gravata borboleta e camisa branca, ele transpirava sofisticação.

- Enganei o guarda de segurança e a recepcionista da noite. - Devagar, aproximou-se e ofereceu um pote de sor­vete. - Menta... seu favorito. Minha oferta de paz.

O sorriso foi suficiente para atordoá-Ia.

- Coma antes que derreta - aconselhou, apontando para a colher descartável antes de ir sentar-se aos pés da cama.

Pega de surpresa pela gentileza, ela assentiu e abriu o pote.

- Henry mentiu - confessou. - Não vou me casar com ele. E também não somos noivos.

- Sabia que podia contar com seu bom senso. Não se casaria com um homem tão... desprovido de encantos.

- Henry não é tão mau. É honesto... e jamais fingiria para me conquistar.

- Porque é tolo.

A resposta deixou-a tão perturbada que ela decidiu mudar de assunto.

- Por que decidiu contratar uma mãe de aluguel? Não faz sentido.

- Queria ter um filho enquanto ainda sou jovem o bas­tante para brincar com ele.

- E não encontrou a mulher ideal?

- Não foi bem assim. Gosto das mulheres, mas aprecio ainda mais minha liberdade. É isso.

- Lamento ter assinado aquele contrato. Não sei como pude pensar que seria capaz de cumpri-Io. Acho que não, estava pensando em nada além da doença de minha mãe.

- Eu não devia tê-Ia escolhido. O psicólogo me preveniu sobre seu caráter delicado. Ele disse não estar certo de que você havia compreendido como seria difícil abrir mão do próprio filho.

- Oh...

- E também disse que você era intensa, idealista.

- Então, por que fui escolhida?

- Porque gostei de você. Não queria ter um bebê com uma mulher de quem nem gostasse.

- Fez uma péssima escolha. Devia ter ouvido os conse­lhos do psicólogo.

- Jamais escuto o que não quero ouvir - ele riu. – As pessoas que trabalham para mim sabem disso e se esforçam para me agradar. Por isso foi enganada para assinar o con­trato. Um advogado inexperiente e sem escrúpulos decidiu interferir para garantir o processo, e só contou o que havia feito depois de tudo concluído. Esperava que o chefe o pro­movesse pelo que considerava um golpe de mestre, mas tudo que conseguiu foi uma demissão sumária.

- O rapaz foi demitido?

- Sim, mas meu advogado preferiu não me informar sobre o que havia acontecido.Na verdade, ele não imaginava que algum dia um de nós poderia descobrir tudo.

Polly saboreou o sorvete sem pressa, consciente dos olhos que a observavam. Era agradável ouvir o silêncio da noite e desfrutar de um prazer tão simples; e estava começando a acreditar que finalmente encontraria a paz necessária para uma boa noite de sono, quando o bebê decidiu se fazer presente.

O movimento vigoroso arrancou um gemido de seus lábios.

- O que foi? - Raul perguntou ansioso.

- O bebê... é sempre mais agitado à noite. - De repente tomou uma decisão. Deixando o pote vazio de lado, afastou as cobertas certa de que estava decentemente coberta pela camisola de algodão, mas encabulada com o próprio gesto.

Raul aproximou-se e pousou a mão em seu ventre. Ao sentir os movimentos sob os dedos, uma expressão fascinada iluminou seu rosto e ele sorriu.

- É surpreendente. Já sabe qual é o sexo?

- O dr. Bevan perguntou se eu gostaria de saber, mas preferi manter o mistério até o fim. Adoro surpresas.

Raul afastou-se e ajeitou o lençol sobre o corpo volumoso. As mãos tremiam e, notando a reação, Polly tentou imaginar por quê. A atração que sentia por aquele homem era tão forte que seria tolice tentar negá-Ia.

- Você é capaz de uma doçura surpreendente... - a voz de Raul soou grave e profunda. - E tentadora - concluiu, proximando os lábios dos dela.

Foi um beijo excitante e atrevido, e Polly sentiu-se ime­diatamente dominada por um fogo intenso. Deslizou as mãos pelos cabelos negros e brilhantes como sempre desejara fa­zer, aturdida com o zumbido constante que parecia ecoar ele algum ponto muito afastado, quase irreal.

Raul soltou-a, resmungou alguma coisa em espanhol e le­vantou-se. Tonta, Polly o viu atender o telefone celular. O silêncio era tão intenso que pôde ouvir uma voz feminina do outro lado da linha antes que ela encostasse o aparelho na orelha.

- Dios... estarei aí num instante - ele disse, guardando o telefone a caminho da saída.

- Lamento, mas tenho de ir. Há alguém esperando por mim no carro. Buenas noches.

No instante em que ele saiu, Polly se levantou com cui­dado. Aproximou-se da janela e afastou a cortina. Viu a limusine... e a bela loura no vestido vermelho e justo, os passos rápidos traindo impaciência e desagrado.

Raul saiu da clínica. A loura atirou-se em seus braços. Polly fechou a cortina e os olhos, sentindo um misto de ódio e compaixão de si mesma.

Por que permitira aquele beijo? Humilhada, voltou para a cama consciente de que, naquela noite, Raul se divertia em companhia de sua última conquista. Deviam estar a caminho de uma boate elegante, ou de um cenário mais íntimo. Mal podia acreditar que ele aparecera para uma visita no meio da noite, e de um encontro com outra mulher, relaxado e despreocupado como se estivesse habituado a impor suas normas e leis.

Era repugnante! Raul só tivera de sorrir uma ou duas vezes, comprar um pote de sorvete e beijá-Ia... e todas as defesas haviam ruído como um castelo de cartas. E nem havia sido um beijo verdadeiro, um beijo provocado por de­sejo ou atração física. Não...

Raul sentira os movimentos do filho, e a experiência o per­turbara num nível emocional profundo e incontrolável. Pela primeira vez haviam atravessado a barreira representada pelo contrato e compartilhado de alguma coisa relativa ao bebê. No calor do momento, Raul reagira promovendo um contato físico. A tensão que havia exibido antes de sair confirmara o quanto havia ficado aborrecido com o episódio. Tinha certeza de que ele nunca mais permitiria aproximações desse tipo.

E mesmo assim, Polly sentia-se como um viciado afastado da droga. Desprezava-se e envergonhava-se por ter reagido com tanto entusiasmo. E o odiava também. Teoricamente ainda era virgem, mas sabia que sentimentos sexuais po­diam tentar e confundir. Sua reação não podia ser relacio­nada a amor ou inteligência.

Deixara de amar Raul no dia em que descobrira como ele a enganara em Vermont. Mas a complexidade da relação a mantinha em constante e crescente confusão. Afinal, que tipo de relacionamento existia entre eles? Não eram aman­tes, mas esperava um filho dele. E não podia sequer afirmar que eram amigos, podia?

 

No dia seguinte Raul enviou um magnífico arranjo de flores. Polly pediu à atendente para entregá-Io a outra pa­ciente qualquer. Não queria lembrar-se do pai de seu filho cada vez que olhasse para o lado.

Ele telefonou à tarde.

- Como vai?

- Recusando convites - respondeu com amargura. ­ - Consultando a agenda para decidir o que vou fazer hoje. Preciso mesmo continuar aqui?

- Rod acredita que sim. Escute, estarei fora cuidando de negócios durante a próxima semana. Quero deixar um telefone de contato, caso tenha de me localizar.

- Por que acha que terei de localizá-Io, se vou passar todo esse tempo cercada por médicos e enfermeiras, sendo servida como se fosse uma princesa medieval?

- Nesse caso, eu telefonarei...

- Vai ficar muito ofendido se eu pedir para não ligar?

- Não gosto de ter esse tipo de conversa por telefone. Está usando uma arma de guerra muito antiga e feminina.

- Só estou pedindo um pouco de espaço. Nas atuais circunstâncias, não creio que seja um pedido absurdo. Você pode ser o pai de meu filho, mas não existe um relaciona­mento pessoal entre nós.

- Voltaremos a conversar quando eu voltar de Paris.

A ligação foi interrompida, mas ela continuou segurando o fone com força. Não queria vê-Io, não queria receber no­ticias de Raul Zaforteza. Estava chorando, mas não por cau­sa dele. No final da gravidez, todas as mulheres ficavam mais sensíveis e emotivas.

 

Na semana seguinte, Polly havia acabado de trocar a camisola por um vestido vermelho de mangas curtas quando Raul chegou para visitá-Ia. As batidas na porta anunciaram sua entrada, mas não a prepararam para a resposta intensa que ela provocaria.

Era como se houvesse passado décadas sem vê-Io.

- Creio que devo pedir desculpas por meu comporta­mento na última vez em que estive aqui - disse sem rodeios.

- Pelo amor de Deus! - Polly forçou um sorriso. – Não precisa se desculpar. Foi só um beijo!

Uma luz brilhante passou pelos olhos dele e sumiu ra­pidamente, substituída por um sorriso relaxado.

- Bueno... Estava pensando se gostaria de ir almoçar fora.

Surpresa e encantada com a possibilidade de deixar a clinica, Polly não pensou antes de responder:

- Seria maravilhoso!

Encontraram Janice Grey quando passavam pelo saguão a caminho da porta.

- Oh, céus! Veio visitar-me? - Polly perguntou com um misto culpa e alívio. - Sinto muito. Estava saindo para almoçar.

- Realmente? Estou surpresa. Pensei que estivesse aqui para descansar.

- O médico me deu todas as orientações necessárias para que o passeio não seja prejudicial, sra. Grey – Raul intercedeu com um sorriso simpático, porém impessoal. ­Quero aproveitar a oportunidade por todo o apoio que deu a Polly recentemente.

Ela respondeu com um sorriso frio e se virou para Polly.

- Henry disse que não mais voltar a se hospedar em nossa casa. - E olhou para Raul com evidente hostilidade.

- Estou ouvindo sinos nupciais no ar?

- Estou certo de que Polly a manterá informada sobre os eventos, sra. Grey - ele respondeu, empurrando-a para a porta antes que Janice tivesse tempo para formular mais alguma pergunta embaraçosa. - Que mulher! - reclamou aborrecido quando entraram na limusine. - É um alívio saber que não confiou nela o bastante para falar sobre o nosso acordo legal. Mas por que estava tão incomodada?

Polly pensou naquelas loucas semanas em Vermont, quando estivera apaixonada por Raul. Os estúpidos sonhos de adolescente em torno de um casamento romântico com o herdeiro dos Zaforteza era algo que preferia não recordar. E como se não bastasse, ainda tinha de pensar depressa e inventar uma explicação qualquer para o desconforto que não conseguira esconder.

- Janice foi muito generosa... mas não teria me acolhido se não soubesse sobre a herança. Ela não conseguiu entender por que não aceitei o pedido de Henry para receber o dinheiro. Várias vezes me acusou de estar sendo tola e imprevidente.

- Não precisa fazer uma escolha como essa agora. De qualquer maneira, gatita, ainda é jovem demais para pensar em casamento.

Um silêncio estranho os envolveu. Polly sentia-se tensa, prevendo uma discussão sobre o futuro do bebê ou o contrato que não pretendia cumprir. Sabia que ele não a levaria para almoçar pelo simples prazer de sua companhia, mas iludira-se mais uma vez. Não poderiam mais evitar uma discussão sobre o futuro, e dessa vez tentaria ser tão calma e racional quanto fosse possível.

- Esperar para ouvir o que tem a dizer me deixa muito nervosa - começou. - Sei que estou grávida, mas não vou desmaiar diante de qualquer má notícia. Por favor, preciso saber... Vai me levar à corte depois do nascimento do bebê?

- De que adiantaria? Embora isso seja absurdo, neste país não tenho direito algum como pai de seu filho.

- Fala sério? E quanto ao contrato?

- Esqueça o contrato. Eu não seria capaz de levar uma questão tão íntima à corte.

- Não quis ofendê-Io, mas... às vezes tinha pesadelos sobre ser extraditada para os Estados Unidos.

- A força bruta não surtiria nenhum efeito numa situa­ção como a nossa.

Por isso estava disposto a usar de persuasão? Polly foi in­vadida pela preocupação. Queria ficar com o filho e sabia que ele não tinha a menor chance de convencê-Ia do contrário, mas em alguns 'momentos era atormentada pela culpa de não estar sendo justa. A melhor solução seria encontrarem um meio-termo que pudesse ser satisfatório para ambos.

Ele a levou a um elegante apartamento em Mayfair. Polly sentiu-se intimidada pela grandiosidade do ambiente. O al­moço foi servido por um copeiro sério e silencioso e, durante a refeição, Raul falou sobre a viagem de negócios que fizera a Paris. Era uma companhia muito agradável, sofisticada e interessante. Mas, enquanto respondia com sorrisos e gar­galhadas, Polly só pensava em como aquele verniz caris­mático fora suficiente para enganá-Ia em Vermont. E não fora capaz nem de obter algumas informações essenciais!

Tantas visitas, e o que descobrira? Apenas que ele não tinha familiares próximos, que era um empresário que via­java muito e nascera na Venezuela. Quase nada.

- Tenho a sensação de que não está aqui - ele co­mentou atento.

- Talvez seja o cansaço.

Raul levantou-se.

- Então é melhor ir descansar um pouco em um dos reservados.

- Não... precisamos conversar. Quero encerrar esse as­sunto de uma vez por todas.

Mesmo assim, deixaram a mesa e foram tomar o café em uma saleta mobiliada com confortáveis poltronas estofadas.

- Odeio vê-Ia tão ansiosa. Sinto-me truculento.

- Pelo contrário. Você tem sido mais paciente e com­preensivo do que eu esperava.

- Creio que tenho uma solução para o nosso caso. A maior diferença entre nós é que eu planejei ser pai desde o início da nossa associação. Mas você não. Quando ficou grávida, não esperava assumir a responsabilidade por essa criança. E é jovem demais para enfrentar tantas dificulda­des sozinha. Entendo que tenha se ligado ao bebê e esteja preocupada com o futuro e o bem-estar desse ser. Mas se decidir ficar com a criança vai ter de abrir mão da liberdade que muitas jovens tomam por certa.

- Eu sei disso. Mas não poderei sentir falta daquilo que não conheço

- Mas poderia ter essa liberdade agora. Devia estar fa­zendo planos para voltar à universidade e concluir o curso. Se me deixar levar a criança para a Venezuela, terá direito a visitas regulares, relatórios, fotos... Concordarei com toda e qualquer solicitação, desde que seja razoável. Meu filho a reconhecerá como mãe, mas você não será a principal responsável por ele.

Sabia que, para um homem como Raul Zaforteza, a oferta era generosa.

- Acredito que toda criança merece um pai e uma mãe. De preferência juntos.

- Isso é impossível.

- Fui criada por meu pai, e não houve um único dia em que não tenha sentido falta de minha mãe.

- Nosso filho pode ser um menino.

- Isso não faz diferença. Depois de tudo que vivi, não suportaria viver longe de meu filho. O que quer que acon­teça, quero estar perto desta criança e me esforçar para ser uma boa mãe. E uma pena que não tenha pensado nisso antes de assinar o contrato... mas não imaginava o que sentiria depois de grávida.

- Está falando sobre o passado. E temos de nos concen­trar no presente. Se quer mesmo ser uma boa mãe para essa criança... deve permitir que eu a leve para a Venezuela,

- Venezuela?

- Quero que vá morar lá, numa casa confortável onde terá tudo de que precisar, inclusive seu filho.

- Eu não poderia...

- Por favor, tente ser justa. Se a criança precisa da mãe, também sente falta de um pai. E esse bebê vai herdar tudo que tenho.

- Dinheiro não é tudo, Raul...

- Não seja teimosa. Estou falando sobre um estilo de vida do qual não tem a menor idéia. Seja pelo menos prática, Polly. Meu filho precisa conhecer a herança venezuelana, a linguagem, as pessoas, a cultura... Se não for para lá, o que farei? Com toda a pressão exercida pelo meu trabalho, não poderei visitar o Reino Unido com freqüência suficiente para formar uma relação verdadeira com meu filho.

Polly tentou imaginar a vida na Venezuela, com Raul pagando suas contas, entrando e saindo de sua casa com uma namorada diferente a cada semana e eventualmente escolhendo uma esposa. Porque, independente do que pensasse, mais cedo ou mais tarde acabaria sucumbindo à idéia do matrimônio. Numa situação como essa seria sempre a forasteira, a intrusa, nem família nem amiga, e muita gente concluiria que era simplesmente uma amante abandonada. Sabia que jamais seria capaz de aceitar uma existência tão dependente e humilhante à margem do mundo de Raul, Precisava construir uma vida própria, e era hora de ser honesta a respeito dessa realidade.

- Raul... quero ficar no Reino Unido com meu bebê. Não quero ir viver na Venezuela, com você supervisionando cada movimento meu. Tem todo o direito de participar do futuro de seu filho, mas está esquecendo que esse futuro tampém inclui minha vida. Além do mais, embora não pense nisso agora, um dia vai acabar se casando, tendo outros filhos...

- Prefiro a morte!

- Mas... eu não penso assim. Gosto de pensar que encontrarei alguém que me queira, mesmo sendo mãe solteira.

- Dizer tal coisa neste momento é o mesmo que fazer chantagem, Polly. Não quero outro homem envolvido na criação de meu filho.

A declaração a enfureceu. Raul julgava-se no direito de exigir que vivesse como uma freira pelo resto de seus dias? Sozinha, sem amor, sem companhia ou carinho, sem os pra­zeres do sexo... Sim, sabia que era o que ele queria e o que tentaria impor, se não obtivesse a custódia do filho.

Levantando-se, encarou-o com expressão acusadora.

- Você não passa de um sujeito egoísta e mimado!

Surpreso, ele se aproximou alguns passos.

- Não acredito que esteja me dizendo essas coisas!

- Oh, nem eu esperava que acreditasse. Já disse que as pessoas só dizem aquilo que deseja ouvir, só agem para satisfazê-Io. Pois bem, não sou uma dessas pessoas!

- Tentei ser justo.

- A que preço? Acha que fez algum sacrifício pessoal? É um playboy com uma reputação bastante sólida. Aprecia sua liberdade, não?

- É claro que sim. Não minto para as mulheres que passam por minha vida. Não prometo permanência ou amor eterno.

- Porque nunca foi forçado a fazer tais promessas. Sabe de uma coisa? Ouvindo você falar, chego a desprezar meu próprio sexo. Mas desprezo você acima de tudo. Acha que deve existir uma regra para você e outra para mim... Assume um duplo padrão machista e hipócrita que seria perfeito para os homens das cavernas. Diz que quer este filho, mas não quer um,filho com intensidade suficiente para assumir um compromisso como outros homens. E o que me oferece?

- As únicas duas soluções possíveis para a confusão em que nos encontramos agora. Não vou pedir desculpas porque você não aprecia o som da realidade.

- Realidade? Chama de realidade obrigar-me a escolher entre duas alternativas absurdas? Ou abro mão de meu filho... ou vou viver como uma freira na Venezuela?

- Espera que eu lhe dê autorização para dormir com quem bem entender, quando julgar apropriado?

- Sabe muito bem que não é isso que estou tentando dizer!

- Mas não me aceitaria em sua cama sem o amor idea­lista, o compromisso e a permanência que considera indis­pensáveis, não é... querida? A verdade é uma só. Não po­demos ter o que você quer e o que eu quero, porque buscamos coisas diferentes.

Pálida, Polly tentou controlar o tom de voz.

- Não quero você... dessa maneira.

- Oh, sim, você quer... Essa atração sexual existe entre nós desde o momento em que nos conhecemos.

- Não...

- Não tirei proveito disso porque sabia que qualquer associação terminaria em sofrimento para você.

- Não se iluda, Raul. Eu o teria rejeitado antes disso. E saiba que me valorizo muito mais do que suas louras exuberantes e fúteis!

- Isso é algo que admiro.. Tem valores morais muito rígidos, gatita. E sabendo disso, tomei o cuidado de manter distância em Vermont.

Polly estremeceu tomada por uma raiva que não podia controlar, uma fúria que tinha raízes na dor e no ressen­timento. Estava perturbada com a queda repentina de todas as barreiras que haviam tomado possível deslizarem pela superficie do complexo relacionamento. Sem essas barreiras, desprovida de todas as defesas, sentia-se desmoronar aos olhos de Raul.

O ódio estava estampado em seu rosto, e a resposta foi um reflexo desse sentimento.

- Se me conhece tão bem, deve saber que a única ma­neira de me levar para a Venezuela... o único jeito de obter a custódia de seu filho... será se casando comigo, Raul.

O silêncio caiu sobre eles como uma nuvem gigantesca.

Os olhos de Raul, sempre tão brilhantes e vivos, expres­savam apenas incredulidade.

- Isso não tem graça nenhuma, Polly. Retire o que aca­bou de dizer.

- Por quê? Prefere que eu minta? Estou sendo honesta. Se permanecer no Reino Unido, voltarei a cuidar da minha vida, e você não vai interferir nela! Não estou disposta a embarcar para a Venezuela em outra condição que não seja a de esposa.

- Está brincando...

Polly o encarou com tanta amargura, que estranhou ainda não ter explodido como uma arma destrutiva.

- Não. Vamos ver se é tão bom para fazer sacrifícios quanto para exigi-Ios. Por que acha que eu tenho de fazer todas as concessões? Por que não sou rica e poderosa como você? Ou por que serei a mãe de seu filho, e em sua opinião uma mãe perde o direito à vida própria?

Raul ficou vermelho como se houvesse sido atingido por uma bofetada.    ­

Dessa vez o silêncio era carregado de ameaças.

As mãos dele estavam cerradas, traindo o esforço para se manter controlado. E, o mais assustador, pelo menos para Polly, era que pela primeira vez Raul a fitava com ódio. Chocada, sentiu que a força a abandonava, levando com ela toda a raiva e o desejo de lutar, deixando apenas o medo em seu lugar.

- Vou levá-Ia de volta à clínica - ele anunciou. - E inútil continuarmos com esse diálogo ofensivo e ridículo.

 

CAPÍTULO IV

Dois dias mais tarde, Polly tentava distrair-se lendo uma revista do mês anterior quando descobriu que Maxie Kendall, sua amiga de infância, havia se casado. Maxie e o marido, Ângelo Petronides, haviam man­tido a união em segredo até estarem prontos para um anúncio público. Polly leu o artigo e viu as fotos com grande interesse e um sorriso satisfeito pela felicidade da amiga.

Encontrara Maxie pela última vez na leitura do testamento de Nancy Leeward. A madrinha tinha três afilhadas, Polly, Maxie e Darcy. Embora houvessem sido amigas íntimas até a adolescência, seguiram direções diferentes na vida adulta.

Maxie tornara-se uma modelo famosa em Londres, onde envolvera-se em inúmeros casos amorosos. Darcy era mãe solteira e raramente deixava sua casa em Cornwall. Polly tentara manter contato com as duas, mas o afastamento fora inevitável.

- Ela não é linda? - uma das enfermeiras perguntou, olhando por cima de seu ombro para a foto de Maxie na passarela. - Daria um braço para ser tão bonita.

- Quem não gostaria de possuir tamanha beleza? - O sor­riso de Polly desapareceu quando ela se deu conta de que Maxie devia ser o ideal de Raul com relação ao sexo oposto. Alta, loura e extrovertida. E lá estava ela, uma morena de um metro e sessenta e três que nunca havia sido sequer charmosa.

Jamais esqueceria a humilhação de ouvir Raul Zaforteza comentar sobre a atração que sentia por ele e esmagar seu orgulho ferido.

E pensar que acreditara ter sido discreta com relação aos próprios sentimentos! Raul sempre soubera de tudo. Tinha de admitir que havia sido gentil da parte dele fingir que tam­bém se sentira tentado, embora não acreditasse nisso.

Culpava-o por ter se enganado naquela época. Ele devia ter mencionado a existência de outras mulheres em sua vida. A mais sutil referência a outro relacionamento teria servido para colocá-Ia em estado de alerta. Mas não, Raul preferira deixá-Ia imaginar o que quisesse. Escolhera o ca­minho mais conveniente, em vez de optar por uma hones­tidade que poderia tê-Ia levado a questionar seus verdadei­ros motivos para procuráIa.

Portanto, não pediria desculpas por ter colocado o casamento como condição essencial para acompanhá-Io a Vene­zuela. Não esperava que ele considerasse o matrimônio como uma solução para o problema que enfrentavam, mas dese­jara chocá-Io tanto quanto fora chocada, e conseguira al­cançar o objetivo.  

Mas a hostilidade e o desgosto que provocara não haviam sido um resultado agradável. Na verdade, a reação de Raul a assustara e envergonhara, porque ainda não aprendera a enfrentá-Io de forma impessoal.

Naquela noite, Raul chegou quando ela estava deitada no sofá, assistindo ao filme Uma linda mulher. Ele entrou na parte em que a heroína mostrava uma coleção de preser­vativos ao herói.

- Nunca entendi como alguém pode ver tanto roman­tismo em uma prostituta.

Polly quase caiu do sofá na tentativa aflita de desligar a tevê. Vermelha, encarou-o e viu a frieza em seus olhos, o distanciamento nas roupas elegantes, e formais.

- Consegui uma licença especial. Vamos nos casar dentro de quarenta e oito horas aqui mesmo na clínica.

- O quê?

- Você deixou bem claro que não aceitaria qualquer outra alternativa.

- Mas não esperava... quero dizer, pelo amor de Deus, Raul... Não podemos...

- Não? Vai mudar de idéia? Decidiu permitir que eu volte para a Venezuela levando o bebê?

- Não!

- Está disposta a tentar a vida em meu país em outros termos?

- Não, mas...

- Então, não me faça perder tempo com protestos vazios. Afinal, conseguiu o que queria.

- Não se ainda sente repulsa pela idéia do casamento. E não era exatamente isso que eu queria.

- Não? Agora vai dizer que não me quer?

- Eu... eu...

- No seu lugar, eu nem tentaria discutir esse ponto. Seria capaz de fazê-Ia engolir todos os argumentos em menos de um minuto.

- Quando falei em casamento, não pensei que fosse con­siderá-Io como uma possibilidade.

- Não. Colocou o casamento como o preço final, o último sacrifício. E vou me acostumar com a idéia. Será um casa­mento de conveniência, nada mais. Não permitirei que meu filho cresça sem mim. E não sou radical a ponto de não admitir que contar com o pai e a mãe será muito melhor para a criança.

Dominada por uma enxurrada de sentimentos confusos, Polly murmurou:

- Mas... e nós?

- O bebê é a única coisa que deve importar para nós. Por que ele deveria pagar o preço desse fiasco?

Raul tinha razão. Polly abaixou a cabeça, todos os sen­timentos anteriores substituídos pela culpa. Mesmo assim, não pôde deixar de dizer:

- Esperava me casar com alguém que me amasse...

- E eu não esperava me casar.      ­

- Preciso pensar um pouco...

- Bobagem. Quero uma resposta agora. Não estou com disposição para táticas de prima-dona!

Polly sentiu vontade de mandá-lo para o inferno. Mas então pensou em se casar com Raul e outras emoções a invadiram. Com o tempo poderiam construir uma relação razoável. E teriam o bebê para uni-Ios. Deixando o orgulho de lado, Polly admitiu que teria feito qualquer coisa por uma chance de conquistá-Io. Se não tomasse uma decisão imediata, não haveria uma segunda oportunidade.

- Está bem, vamos nos casar - disse.

- Muy bien. - Ele consultou o relógio com frieza des­concertante. - Lamento não poder ficar, mas tenho um compromisso.

- Raul...

Ele se virou da porta.

- Acha que será capaz de viver com essa decisão?

- Certamente. Só espero que tenha a mesma facilidade de adaptação.

 

Dois dias mais tarde, Polly esperava no quarto usando um vestido simples de algodão branco.

Rod Bevan contara que havia sugerido o jardim da clínica para a realização da cerimônia, mas Raul optara por um ce­nário mais discreto. Era difícil acreditar que aquele era o dia de seu casamento. Sem flores, sem convidados, nada que pu­desse ser interpretado como uma tentativa de celebrar o even­to. Teria sido loucura concordar com aquela união?

Passara metade da noite preocupada com isso, e a outra metade lutando contra uma dor nas costas que começara a incomodá-Ia no dia anterior. Sentia-se deprimida, com pena de si mesma, e prestes a cometer o maior engano de sua vida.

Mas o próprio Raul oferecera a desculpa perfeita. Poriam o bebê sempre em primeiro lugar, e assim a criança teria o pai e a mãe a seu lado. Só havia uma nuvem no horizonte... uma nuvem que se tornava maior e mais escura cada vez que a examinava.

Raul não queria se casar com ela. Atormentava-se com a certeza de que jamais seria amada como sonhara, mas não tinha outra alternativa. Só o casamento garantiria aos dois a convivência com o filho.

Erguendo os ombros, massageou as costas e deixou es­capar um suspiro profundo. Raul entrou naquele momento.

-Dios... vamos acabar com isso o mais depressa possível.

Trinta segundos depois Rod Bevan entrou acompanhado por dois outros homens. Um era o juiz que realizaria a cerimônia, o outro Raul apresentou como seu advogado, Dig­by Carson. O ofício foi muito rápido. Quando terminou, todos apertaram as mãos e sorriram... com exceção de Raul. A frieza e a impassividade não haviam desaparecido de seu rosto nem por um minuto.

No meio de uma conversa muito cada vez mais estranha, uma sensação aguda e opressora formou-se em torno do abdome de Polly. Foi impossível conter um grito.

- O que foi? - Raul perguntou ansioso.

- Acho melhor esquecermos o café com biscoitos – Rod Bevan deduziu sorrindo enquanto acompanhava os dois ou­tros homens até a porta. Enquanto isso, Raul tomou-a nos braços e levou-a até a cama.

A impassividade desaparecera, dando lugar à preocupação.

- O bebê não devia nascer se não daqui a duas semanas - ele disse.

- Bebês têm um cronograma próprio, meu amigo. E o seu parece ter um ótimo senso de oportunidade.

- Vou ficar com você, Polly - prometeu Raul.

- Não vai! Não o quero aqui comigo!

- Quero ver meu filho nascer.

- Não! - Como poderia compartilhar de um momento tão íntimo com um homem em cuja cama jamais estivera?

O médico disse alguma coisa em espanhol e ele saiu ba­tendo a porta.

- Raul ficou furioso! - Polly soluçou, dividida entre o ressentimento e um estranho sentimento de culpa.

- Não... apenas magoado. Para um homem frio como Raul, essa foi uma oferta bastante generosa.

Polly olhou fascinada para o bebê e apaixonou-se perdida­mente pela segunda vez na vida. Ele era lindo. Tinha cabelos negros e grandes olhos escuros, e um choro que parecia afetá-Ia de maneira primitiva e profunda. Era grande e saudável, e ela nunca havia experimentado felicidade maior.

A enfermeira acabara de colocá-Io no berço, quando Raul entrou acompanhado por Rod Bevan. Apesar do medicamento que a deixava sonolenta e confusa, Polly notou o cansaço es­tampado no rosto moreno. A gravata havia desaparecido, o paletó estava amassado e a camisa fora aberta no colarinho.

- O que aconteceu? - perguntou preocupada.

Raul examinou o filho com emoção evidente.

- Ele é lindo. Mas não tem consciência do perigo em que a colocou.

- Raul está comparando uma cesariana a uma doença fatal - o médico explicou antes de sair com a enfermeira.

Assim que ficaram sozinhos, Zaforteza aproximou-se da cama e segurou a mão dela com força.

- Não estava preparado para uma intervenção cirúrgica. Por que não me preveniu?

Polly balançou a cabeça.

- Rod me disse que você sabia desde o início que o bebê nasceria dessa maneira.

- É uma prática bastante comum. - disse, tentando manter os olhos abertos, apesar do sono.

- Entendo. Você é tão pequena que... Oh, eu devia ter imaginado.

- Já passou.

- Meu filho é lindo. Pelo menos tudo correu bem.

- Nosso filho.

- Vamos chamá-Io de Rodrigo.

Polly encolheu-se.

- Jorge?

Ela fez uma careta.

- Emílio?

Um suspiro.

- Luís?

Polly sorriu.

- Luís... Zaforteza - Raul declarou com tom solene. E Polly adormeceu.

 

Polly estudou as quatro paredes do quarto e sorriu. No dia seguinte deixaria a clínica. O sorriso deu lugar à apreen­são. Passariam alguns dias no apartamento de Raul e depois viajariam para a Venezuela. Vestida num luxuoso robe de seda, saiu do quarto. Luís era levado ao berçário diaria­mente para que ela pudesse descansar. Receber o filho de volta tornara-se o ponto alto de suas tardes.

Uma pequena ruga marcou sua testa. No dia em que Luís nascera, Raul havia se mostrado tão preocupado com ela, tão acessível... Mas nos últimos cinco dias as barreiras surgiram novamente, mais altas que antes.

O fascínio pelo filho era inegável, mas o ser que acreditara capaz de reuni-los só parecia afastá-los ainda mais. Sempre que Raul ia visitá-los, sentia-se como uma peça extra e supérflua, embora bem paga. Talvez por causa dos presentes extravagantes que ele sempre oferecia, exibindo uma indi­ferença digna de um consumidor exigente oferecendo uma gorjeta sem importância.

No primeiro dia havia sido um bracelete de diamantes. No segundo, meia dúzia de luxuosos conjuntos de camisolas e robes. No terceiro, um relógio Cartier. No quarto, um magnífico anel solitário. A situação havia se tornado em­baraçosa. Raul era rico. E agora era seu marido. Mas era estranho receber presentes caros de um homem frio e dis­tante que jamais a tocara.

Ao aproximar-se do berçário, viu Raul conversando com Digby Carson diante do visor de vidro. Nenhum dos dois notara sua presença, e ela se escondeu num recanto menos iluminado. Não queria ser vista em trajes tão íntimos por pessoas com quem não tinha nenhuma intimidade.

- Como se sente sobre esse... desdobramento? - O ad­vogado estava perguntando.

- Muito feliz, Digby.

- Falando sério, Raul...

- Isso não foi humor, mas sarcasmo. Minha jovem esposa é mais esperta que a maioria das caçadoras de dotes que conheço. Ela usou meu filho para fazer chantagem e me obrigar a aceitar o casamento.

Chocada com a acusação, Polly apoiou-se na parede para não cair.

- Mas, o que quer que aconteça de agora em diante, ficarei com meu filho.

Uma estranha tontura a envolveu. Sabia que o advogado estava dizendo alguma coisa, mas não conseguia decifrar as palavras. Quando finalmente abriu os olhos, não havia mais ninguém no corredor.

Sem pensar no que fazia, correu de volta para o quarto.

Caçadora de dotes... chantagista!

Raul a desprezava. O que tentara dizer quando afirmara que ficaria com o filho, quaisquer que fossem as circunstân­cias? Era aquele o marido com quem esperava construir uma nova vida na Venezuela? Um homem que a odiava e despre­zava? No meio da confusão emocional, apenas um fato estava claro. Não podia mais confiar em Raul... e não correria o risco de levar o filho para a Venezuela sem essa confiança.

Minutos mais tarde, uma enfermeira entrou carregando Luís.

- Vejo que estava pronta para ir buscá-Io. Seu marido disse que havia estado aqui antes e que você ainda dormia, mas sei que prefere amamentá-lo a deixá-Io no berçário.

Sozinha com a criança, fitou o rosto inocente e tomou uma decisão.

Abriu a gaveta do criado-mudo e pegou a agenda de en­dereços. Virando as páginas, encontrou o telefone que Maxie insistira em lhe dar quando se despediram depois da leitura do testamento de Nancy Leeward.

- Liz sempre sabe onde encontrar-me - ela dissera.

Usando o aparelho ao lado da cama, Polly ligou para Liz Blake, com quem obteve o número do telefone de Maxie. E ao ouvir a voz familiar do outro lado da linha, quase des­maiou de alívio.

- Maxie, sou eu, Polly. Preciso de um lugar para ficar...

Uma hora depois da conversa, Polly deixou a clínica com Luís nos braços e entrou no táxi que a esperava na porta. Sobre o criado-mudo, deixara um bilhete para Raul com algumas explicações. Felizmente a recepcionista estava ocu­pada com uma emergência e nem notou a partida silenciosa.

 

CAPÍTULO V

Polly empurrou o carrinho até a espaçosa sala de estar.

- Ele é tão lindo que poderia roubá-Io! - Maxie exclamou ao ver Luís dormindo tranqüilamente.

O bebê estava com quatro semanas e crescia depressa. Polly lamentava o fato de Raul não estar convivendo com o filho e, impelida pelo remorso, enviara duas cartas con­tendo fotos do menino para Rod Bevan na clínica, certa de que ele as entregaria ao amigo.

O apartamento de cobertura onde fora viver pertencia a Maxie e Ângelo, que moravam em um imóvel ainda maior no centro de Londres. Estava servindo como uma espécie de zeladora enquanto os andares inferiores eram reformados para adquirirem o mesmo ar luxuoso. Quando o trabalho estivesse completo, Ângelo colocaria o edifício no mercado e a cobertura seria uma espécie de modelo para os eventuais compradores.

- Como se sente? - Maxie perguntou enquanto toma­vam café.

- Culpada - Polly confessou com um sorriso forçado.

- Tolice. Precisava desse tempo para pensar e reencon­trar-se. Esse último ano foi difícil para você.

- E tornei as coisas ainda piores cometendo erros ter­ríveis. Não devia ter me casado com Raul. Foi injusto e egoísta. Ainda não entendo o que deu em mim!

- O amor nos leva a cometer atos muito estranhos. As vezes ficamos tão amargas e furiosas que queremos ferir fundo, e isso só cria mais sofrimento. É quando tudo parece perdido e irremediável que recuperamos o senso de realidade e voltamos ao normal.

- Gostaria de ter alcançado esse ponto antes de casar-me com Raul.

- Mas ele também cometeu enganos. Também enviou mensagens bastante confusas sobre o que esperava de você. Mas se for honesta quando encontrá-Io novamente, talvez possa aparar algumas arestas e chegar mais perto de uma solução para o conflito.

Polly tentou imaginar-se dizendo a Raul que o amava e encolheu-se. Que bela desculpa para obrigá-Io a se casar com ela! Porque havia sido exatamente isso que fizera. Do­minada por um sentimento intenso, não fora capaz de en­xergar o que acontecia dentro do próprio coração. Optara pelo caminho que parecera mais simples e lógico, mas agora compreendia que o casamento só teria sido uma alternativa viável se Raul também estivesse interessado nela.

- No início Ângelo também não se mostrava muito en­tusiasmado com a idéia de se casar - Maxie revelou, pe­gando a amiga de surpresa.

- Ele alguma vez disse que preferia a morte?

- Bem, não...    .

Não. Ângelo era apaixonado pela esposa, que também o amava. E Maxie era linda. Naturalmente, a atração física fora responsável pela aproximação inicial. Ângelo não olhara para Maxie e pensara, gosto dela... ela vai dar uma boa mãe de aluguel.

Depois da visita de Maxie, Polly passou o resto do dia olhando para todos os aparelhos de telefone espalhados pelo apartamento. Sabia que era hora de entrar em contato com Raul. Mais de três semanas haviam se passado desde que deixara a clínica num momento de desespero, dor e medo depois de ter tomado conhecimento da opinião dele a seu respeito. Mas o tempo amenizara a raiva, levando-a a ad­mitir que Raul tinha mais direito de estar amargo do que pudera reconhecer.

Pelo menos agora sabia o que tinha de fazer, refletiu, usando o banheiro da suíte para uma ducha rápida. Estava pronta para reconhecer seu engano e sugerir a anulação do casamento. Voltariam ao ponto de partida, mas a liberdade serviria para aplacar parte da hostilidade que identificara nas palavras dele.

Passava das nove da noite quando finalmente criou coragem para discar o número que Raul havia fornecido na clínica.

- Sou eu, Polly...

O silêncio prolongou-se por tanto tempo que ela temeu ter ligado para o número errado. .

- Raul?

- Estou ouvindo. Onde você está?

- Acho melhor esclarecermos algumas coisas por telefone antes de nos encontrarmos. Recebeu meu bilhete?

- Três páginas não configuram exatamente um bilhete.

- Fiquei muito perturbada quando ouvi você falando sobre mim daquela maneira.

- Eu entendi a mensagem. Naquele dia estava apenas desabafando. Não imaginei que pudesse estar ouvindo.

Polly relaxou um pouco.

- Como está meu fIlho? - Raul quis saber.

- Será que pode se referir ao bebê como nosso filho, nem que seja apenas uma vez?

- É difícil. Tratá-Io dessa maneira seria o mesmo que admitir que compartilhamos de alguma coisa, e no momento você não está exatamente dividindo alguma coisa comigo.

Polly empalideceu, mas disse a si mesma que tinha de manter a firmeza.

- Eu não queria... não planejei obrigá-Io a aceitar um casamento que não queria - disse.

- Entendo. Tropeçou e caiu com o dedo dentro daquela aliança....

Vermelha, olhou para a jóia que havia deixado sobre a mesa de café desde o primeiro dia, quando a reconhecera como o símbolo de uma farsa.

- Onde você está?

- No meu carro. Ia dizer mais alguma coisa? – Raul perguntou impaciente.

- Não temos de continuar casados. Sei que ainda está muito aborrecido com o fato de eu ter deixado a clínica, mas... bem, de repente senti que não podia confiar em você, e foi como se me descobrisse presa em uma armadilha. Foi uma decisão impulsiva ditada pelo medo.

- Sua tendência a agir impelida por impulsos está co­meçando a se tornar cansativa, gatita. E esta conversa já me irritou.

A ligação foi interrompida. Confusa, Polly olhou para o aparelho por alguns instantes, até compreender que Raul havia desligado sem ao menos se despedir. O silêncio do apartamento era opressor. Apenas a luz do abajur sobre uma mesa de canto iluminava a imensa sala de estar.

Levantando-se, ajeitou a camisola de renda e cetim e foi ao quarto do filho. Luís dormia profundamente, mas logo acordaria para mamar. Na cozinha elegante, lavou os pratos que usara no jantar e preparou uma mamadeira, sempre pensando na conversa que tivera com Raul. Ele soara tão estranho... Tenso, perturbado, furioso...

A campainha soou, provocando um sobressalto. Em se­guida Polly relaxou. Maxie era a única pessoa que a visitava, e as vezes aparecia tarde da noite, quando Ângelo viajava a negócios ou tinha de comparecer a jantares com clientes e fornecedores. Sem se importar com o interfone, acionou o controle eletrônico que dava acesso ao elevador privativo na garagem do subsolo.

Enquanto esperava na porta, ouviu o som do elevador subindo, o estalido metálico provocado pela parada da cabine no último andar e viu as portas se abrindo.

Mas não era Maxie quem caminhava em sua direção.

Era... Raul!

Apavorada, tentou recuar e fechar a porta, mas era tarde demais.

- Onde está com a cabeça? - ele perguntou furioso. ­Toda essa tecnologia para garantir a segurança dos mora­dores, e você nem verifica quem está tocando a campinha antes de abrir a porta!

- Eu... pensei que fosse Maxie...

- Não tem juízo? Podia estar sendo atacada por um bandido, um assaltante, um estuprador! E aposto que está sozinha no apartamento.

- Como... como me encontrou?

- Foi fácil. Meu celular indica o número do aparelho de quem está ligando, e só tive de entrar em contato com a companhia telefônica para descobrir o endereço de onde provinha a chamada. Dios mio! Ângelo vai ter de me dar explicações sobre tudo isso.

- Ângelo? Conhece o marido de MaXie?

- É claro que sim. Este edifício pertence a Petronides. Pensei que ele fosse um homem mais sensato, mas vejo que me enganei. Foi muita ousadia esconder minha esposa de mim.

- Ele não tem culpa. Eu nem conheço o marido de Maxie. Fui procurá-Ia para pedir ajuda e ela me trouxe para cá. Disse que precisavam de alguém para cuidar do aparta­mento. Aposto que ela nem sabe que você e Ângelo se co­nhecem. Como implorei por discrição, Maxie disse ao marido que estava hospedando uma amiga, mas não revelou meu nome nem qualquer outro detalhe. - Quando parou de falar, Polly notou que Raul a olhava com um brilho estranho nos olhos, e só então lembrou que ainda vestia a camisola fina e transparente sobre o corpo novamente esguio. - Não sabe que é indelicado olhar fixamente para outra pessoa? - per­guntou constrangida.

- lndelicado? Estou olhando para minha esposa.

A situação a perturbava, mas tinha de conter-se a qual­ quer custo. Não podia deixar que ele percebesse o efeito devastador que exercia sobre ela.

- Vou vestir alguma coisa e depois continuaremos com essa conversa.

- Deixe-me ver Luís - ele exigiu, segurando-a pelo braço antes que pudesse sair da sala.

- Está bem, mas... - Enquanto o conduzia ao quarto do bebê, Polly aproveitou para dar algumas explicações. - ­Raul, eu precisava de tempo e espaço para pensar.

- Teve meses para pensar sem minha presença. Além do mais, precisa entender que o que ouviu no corredor da maternidade foi uma conversa privada com um velho amigo. Imagino que você e Maxie tenham me acusado de várias coisas nos últimos dias...

Pega de surpresa pelo comentário preciso, Polly ficou vermelha.

- Vê? - Ele sorriu, parando ao lado do berço para apre­ciar o rosto sereno do filho. - Alguma vez me viu tão agitado por causa de um simples fato da vida? É capaz de imagi­nar-me escrevendo uma carta de três páginas e desapare­cendo depois de ouvir uma conversa qualquer?

- Não, mas...

- Só as mulheres exibem esse tipo de comportamento. Rod achou que podia ser uma espécie de depressão pós-par­to, mas eu sabia que a história era outra.

- Eu errei. Devia tê-Io confrontado - concedeu resignada.

- Tem razão. E é melhor esclarecermos algumas coisas, Polly. Nunca mais permitirei que use meu filho como uma arma para atingir-me.

Nesse momento Luís chorou. Abalada com o tom de amea­ça, Polly agarrou a oportunidade de interromper a conversa. Mas Raul alcançou o filho primeiro e o tirou do berço com confiança surpreendente. Sorrindo, murmurou algumas pa­lavras em espanhol e conseguiu acalmar o menino.

Num piscar de olhos, transformara-se do homem ríspido e perigoso em uma pessoa terna. A facilidade com que mu­dava de disposição era assustadora.

- Vou buscar a mamadeira - ela disse.

A caminho da cozinha, passou pelo quarto para vestir um robe sobre a camisola. Quando retornou, Raul levantou-se da cadeira para que ela pudesse se sentar e receber o filho nos braços, exibindo espanto ao presenciar a vora­cidade com que o bebê sugava o leite.

- Meu Deus! Agora entendo por que ele cresceu tanto!

- Quero que saiba que jamais usaria Luís como uma arma.

- Já usou. Em disputas entre casais, os filhos são sempre usados como meios de atingir o parceiro. Devia saber disso. Quando o casamento de seus pais acabou, seu pai a manteve ­longe de sua mãe, porque queria puni-Ia por tê-Io trocado por outro homem. O amor se transforma em ódio com grande facilidade. E nunca é eterno.

- Para algumas pessoas o amor é eterno. Lembra-se do que eu disse ao telefone sobre o casamento? Não pre­cisamos mantê-Io.

Raul a encarava com expressão impenetrável.

- Eu sei.

- Escute, por que não espera na sala enquanto eu aco­modo Luís?

Alguns minutos mais tarde, Luís estava novamente em seu berço, alimentado e seco.

Quando entrou na sala, Polly viu Raul parado ao lado da lareira, os olhos perdidos em um ponto distante. Ele se virou ao ouvir seus passos.

- Não vou concordar com um divórcio - disparou.

- Mas... não precisamos nos divorciar. Podemos pedir uma anulação e tudo estará resolvido. Será como se esse casamento Jamais houvesse existido.

- Anulação? - ele repetiu perplexo, como se a idéia nem houvesse passado por sua cabeça.

- É a solução mais simples.

- Vamos ver se entendi bem. Casou-se comigo há um mês, e agora, sem ter convivido comigo nem mesmo por um dia, mudou de idéia?

- Está falando como se eu fosse maluca. Errei quando aceitei seu pedido de casamento, sabendo que não queria seguir por esse caminho. Agora estou admitindo...

- É tarde demais.

- Por quê? Você mesmo disse que não chegamos a con­viver. Não quer continuar casado comigo.

- Tem razão, não queria o nosso casamento, mas aprendi a conviver com o fato de sermos casados.

- Acho que nós dois merecemos mais de um casamento. Fomos precipitados...

- Eu não me precipitei. Só queria encerrar o assunto de uma vez por todas.

- E acredita que essa atitude sirva de base para um casamento? Pensei que gostaria de recuperar sua liberdade.

- A liberdade é um estado de espírito. Hoje compreendo que o casamento não precisa mudar minha vida. Você é minha esposa e mãe do meu filho. Sugiro que tente se con­formar com isso - concluiu furioso e ameaçador.

-Mas...

- Às vezes você fala demais, gatita.

- O que significa... essa palavra que vive repetindo?

- Gatita? - Raul riu e aproximou-se. - Significa ga­tinha. O formato do rosto e a cor dos seus olhos me fazem pensar num animal pequeno e peludo, embora não demons­tre a docilidade dos felinos.

- Afinal, o que pensa que sou? Algum tipo de novidade? ­perguntou, tentando não se deixar intimidar pela proximidade.

- Se eu pudesse identificar o que me atrai em você, a atração já teria desaparecido.

- Você nunca sentiu atração por mim.

- Esforcei-me para controlar meus instintos básicos, mas perdi as contas de quantas vezes quase sucumbi à tentação de tomá-Ia em meus braços em Vermont. Depois consegui me convencer de que todo o apelo residia no fato de estar grávida, esperando um filho meu. Finalmente compreendi o que nos empurrou para a situação em que estamos agora. Foi uma decisão inconsciente, mas eu a escolhi para ser mãe de meu filho porque você mexeu com meus hormônios. Assim que cheguei a essa conclusão, tudo começou a fazer sentido. - Num gesto repentino, ele a tomou nos braços e apertou-a contra o peito.

- O que está fazendo? - Polly perguntou chocada.

- Um marido não precisa controlar seus impulsos básicos.

- Ponha-me no chão!

Mas ele a silenciou com um beijo.

Polly viu estrelas. Era como se centenas de fogos de artifício explodissem em todos os recantos de seu corpo. A sexualidade do contato era tão envolvente que ela sentia medo. Uma es­tranha reação em cadeia desencadeou-se em seu corpo, pro­vocando um desejo intenso e incontrolável de obter mais.

Estrangulando um gemido de prazer e pavor, agarrou-se aos ombros fortes e correspondeu ao beijo sem reservas.

E foi então que Raul levantou a cabeça, ergueu-a nos braços e atravessou o corredor para o quarto.

- Meu Deus... seria capaz de passar a noite fazendo amor com você, mas sei que ainda não está pronta para isso.

Vencendo a confusão que a impedia de raciocinar, ela olhou em volta.

- Aonde está me levando?

Ele entrou na suíte principal e colocou-a sobre o sofá estofado que ficava em um canto do aposento confortável. Depois ergueu o corpo, acendeu o abajur e sorriu.

Polly apoiou-se nos cotovelos.

- Está pensando que vou para a cama com você?

- É claro que sim. Você é minha esposa.

- Nosso casamento não é normal!

- Esse é o maior problema. Quanto mais cedo transfor­mamos o nosso casamento em uma união comum, melhor. - E tirou a gravata e o paletó. - É hora de esquecermos como começamos.

- Mas não começamos nada! Eu fiquei grávida antes mesmo de conhecê-Io!

- Pare de complicar as coisas. Você ficou grávida de um filho meu, e isso criou uma intimidade especial entre nós. Naturalmente, esse fato fez diferença com relação à maneira como reagia à sua presença...

- Em Vermont? Quando aparecia do nada sempre que julgava conveniente?

- Era difícil ser casual sem apelar para alguns artifícios, como longos períodos de afastamento.

- Estou falando sério, Raul!

- Então diga alguma coisa importante para o momento que vivemos agora. Vermont faz parte do passado. Naquela época eu acreditava que iria embora levando meu filho. E mudamos muito desde então.

Ele despiu a camisa.

- Pare com isso! - pediu desesperada, impressionada com a visão do peito musculoso. - Não estou preparada para certas... intimidades.

- Estou preparado por nós dois.

- Mas eu não tive tempo para prevenir-me. Quando che­gou aqui esta noite, pensei que discutiríamos os detalhes do processo de anulação que poria fim ao nosso casamento. E sexo não é um assunto que eu consiga tratar casualmente.

- É bom saber disso.

- E... nunca fiz isso antes - confessou encabulada.

O silêncio estendeu-se por alguns segundos.

- Como? - Raul perguntou num sussurro.

- Nunca tive um amante.

- Não é possível!

- Por que não? Algumas mulheres preferem não pular na cama com todos os homens que encontram!

- Mas você esteve na universidade... deve ter tido pelo menos um relacionamento.

- Sim, mas não do tipo que está imaginando. Não acre­dito em intimidade sem compromisso, e compromisso é uma palavra ofensiva para a maioria dos homens hoje em dia. Posso ser antiquada, mas não tenho vergonha do que penso.

- Virgem... É surpreendente! Bem, como minha esposa, não pode questionar a profundidade do compromisso exis­tente entre nós.

- Mas você nunca quis esse compromisso.

- Vou acabar me acostumando.

Polly respirou fundo para reunir coragem.

- Se nos deitarmos juntos, saiba que exigirei fidelidade.

- Nenhuma mulher me diz o que fazer. Nem você.

Polly teve de se esforçar para não gritar.

- Fidelidade é o menor compromisso que posso aceitar.

- Dios... - Raul resmungou, recuperando a camisa que jogara para vesti-Ia. - Encontrou outra arma. Sou capaz de relacionar pelo menos doze homens e mulheres que traem seus companheiros. Acha que eles não fizeram promessas?

- Mas isso não...

- Nosso casamento é uma experiência, como qualquer novo relacionamento. Acredita que viver na mesma casa como irmão e irmã será um teste justo para um homem e uma mulher? Pensa que vou esperar sentado como um monge, enquanto você pondera se confia em mim o suficiente para me recom­pensar com o direito de compartilhar de sua cama?

- Não foi isso que eu disse!

- Até agora conseguiu impor sua vontade, mas já chega. Se pretende se recusar a agir como uma esposa normal, não espere que eu faça o papel de marido!

Chocada com a intensidade da raiva que havia desenca­deado, Polly agarrou-o pelo braço quando o viu vestir o paletó.

- Raul, eu...

Ele se virou e enlaçou-a pela cintura, aprisionando-a.

- Primeiro negocia com meu filho, agora com sexo.

- Eu não...

- Não vai ditar normas, Polly. Não para mim. Não ad­mito que exija garantias tolas e sem nenhum significado. Uma esposa correta não põe preço no próprio corpo!

- Eu... não fiz nada...

- O casamento está em fase de testes. Eu não! Não serei julgado por meu passado! E quer saber de uma coisa? Você não passa de uma hipócrita. Gosta de se fazer de in­gênua, mas é como um maço de dinamite esperando pela chama que a fará explodir.

- Não sei do que está. falando...

Antes que pudesse compreender o que acontecia, Raul prendeu-a sobre a cama usando uma das pernas e beijou-a.

Depois de alguns instantes interrompeu o beijo e enca­rou-a com um sorriso vitorioso.

- Sei que posso despertar respostas poderosas, Polly. Poderia possuí-Ia no instante em que quisesse... e um dia a possuirei

- Não pode me obrigar a fazer algo que não quero!

- Oh, sim, eu posso, gatita Não aprendeu nada durante os últimos dois minutos? Você é uma criatura apaixonada que não resiste aos apelos do sexo. Quando terminar de lhe dar uma boa lição, estará implorando por minha presença em sua cama.

Polly sentia-se devastada pela cruel e humilhante de­monstração de poder sexual. Raul não hesitara em tirar proveito de sua fraqueza, e era assustador descobrir que um ser humano podia ser tão frio e diabólico.

- Um carro virá buscá-Ia amanhã à tarde. Iremos para casa. - Raul caminhou até a porta. - Buenas noches, señora Zaforteza.

Com os punhos cerrados, ouviu os passos que se afasta­vam pelo corredor. Queria gritar e extravasar toda a frus­tração, a fúria e a dor. Odiava-o, mas odiava ainda mais a si mesma. Porque quando ele a beijara, todo o resto perdera a importância. Sentia o corpo doer de insatisfação, era ator­mentada pela culpa e pela vergonha, e ainda tinha de re­conhecer que sentia coisas absolutamente contrárias a todos os princípios em que sempre acreditara. Estava descobrindo como era difícil resistir à tentação física.

E Raul? Simplesmente saíra, contente por ter provado seu ponto de vista da maneira mais destruidora possível.

 

CAPÍTULO VI

Polly esperava na confortável cabine do jato particular de Raul. Luís dormia no cesto e Raul ainda não chegara.

Irena, a comissária de bordo, não se afastava da porta da aeronave, examinando a pista com olhos ansiosos e preo­cupados. Ao ver que Zaforteza se aproximava, ela sorriu e correu a recebê-lo.

Polly tentava sufocar a onda de ciúme e ressentimento que a invadia.

- Desculpe o atraso - ele pediu com tom frio, olhando para o filho antes de ir instalar-se em sua poltrona. - Luís é sempre tão calmo!

- Porque nunca o viu agitado. Seu filho me manteve acordada por mais da metade da noite! - reclamou, sem pensar no que fazia.

Numa reação surpreendente, Raul riu e acomodou-se na cadeira à frente da dela. A visão causou um impacto que arruinou a tranqüilidade estudada que pretendia aparentar. Na noite anterior ele finalmente vencera as últimas defesas e a fizera trair-se em seus braços. De repente descobria que não seria capaz de fingir indiferença ou distanciamento.

- Quando chegarmos ao rancho, a criadagem ficará en­cantada com nosso filho - ele prometeu despreocupado. Haverá tanta gente para ajudá-Ia que nunca mais terá de se levantar no meio da noite.

Polly não via o menor reflexo da tensão que sentia. Ele falava sobre o destino da viagem, o rancho isolado onde seus ancestrais haviam vivido por gerações consecutivas, uma propriedade localizada nas planícies de gado que Raul chamava de llanos. O clima seria quente, possivelmente úmido, já que a estação das chuvas ainda não terminara, ele a preveniu. .

Pouco depois do jato decolar, ele soltou o cinto de segu­rança e ajudou-a a fazer o mesmo. Em pé, segurou-a pelos ombros e a fez levantar-se para tomá-Ia nos braços.

- O que está...?

- Lição número um sobre ser uma boa esposa - mur­murou com um sorriso divertido. - Mesmo que esteja muito zangada comigo, demonstre sempre alegria por me ver de­pois de um período de afastamento.

A proximidade a fez tremer.

- Você é tão mutável! Ontem à noite estava furioso comigo...

- O fato é que não estou habituado a respostas negativas no quarto. E depois de ter sido forçado a vencer antigas resistências para me tornar um homem casado, essa nega­tiva foi ainda mais difícil de aceitar.

- Mas eu tentei explicar o que sentia...

- Ofereceu uma explicação que não posso levar a sério, Polly. Você me quer. Eu a quero. Tem uma aliança em seu dedo para satisfazer seus princípios. O sexo é apenas uma necessidade física, um apetite... nada importante o bastante para se tornar uma questão divisória entre nós.

A terminologia empregada por ele afastava qualquer pe­rigo de Polly interpretar a atração física como algo mais profundo ou duradouro.

Ele a encarou com ar solene.

- Se esperar muito de mim, acabarei por desapontá-Ia. Não faça isso conosco. Tente satisfazer-se com o que temos.

- E o que nós temos?

Em resposta, ele atacou sua maior fraqueza. Abraçou-a com força e beijou-a como se precisasse de seus lábios para viver. Como sempre acontecia, o contato físico desencadeou reações que ela não podia controlar ou compreender, e quan­do Raul a soltou, Polly descobriu que estava sentada em seu colo, sem saber ao menos como fora parar ali.

- Pelo menos temos um ponto de partida, gatita. É o bastante. Agora, acho que deve ir descansar um pouco.

- Descansar? - repetiu aturdida.

- Parece estar exausta, e o vôo será longo.

- Mas Luís...?

- Posso cuidar dele por algumas horas.

Polly levantou-se com o rosto tingido por um rubor intenso.

Usando a desculpa que ele mesmo oferecera, buscou refúgio na cabine no fundo da aeronave, onde examinou o que sentia. Estava furiosa! Primeiro ele a tratava como um brinquedo, depois a mandava embora como se fosse uma criança que acabara de receber um beijo de boa-noite. O conjunto e atitudes a levava a sentir-se controlada e vulnerável, porque nunca sabia o que Raul faria no instante seguinte. E tudo porque, inexperiente, havia se deparado com um verdadeiro especia­lista na arte do relacionamento entre homens e mulheres.

Mas em um ponto ele acertara. Estava realmente exausta. Talvez se sentisse melhor equipada para enfrentá-Io depois de algumas horas de sono.

 

Polly acordou devagar, e levou alguns instantes para lem­brar que estava no avião de Zaforteza. Ao consultar o relógio, não pôde conter uma exclamação assustada. Acabara de desfrutar do equivalente a uma noite inteira de sono, o que não acontecia desde o nascimento do filho... Luís! Preocu­pada, levantou-se e voltou à porção frontal do avião, onde se deparou com uma cena inesperada e assustadora.

Falando em espanhol e empregando um tom de voz baixo e íntimo, Irena se debruçava sobre Raul enquanto ele se­gurava o bebê. Estava tão próxima que podia ser tomada por uma amante. Seus grandes olhos castanhos estudaram o rosto ainda sonolento de Polly e as roupas amarrotadas com uma mistura de reprovação e hostilidade.

- Por que não me acordou mais cedo? - Polly perguntou ao marido.

- Porque estava exausta, e Irena se ofereceu para ajudar. Devia ter mudado de roupa. Vamos aterrissar em Maiquetia dentro de uma hora.

A comissária mantinha uma das mãos sobre o ombro de Raul como se tivesse todo o direito de tocá-Io. Polly assus­tou-se ao constatar que a origem da tensão que a dominava era inegável e ridícula onda de ciúmes que alimentava sus­peitas terríveis. O que haviam feito enquanto ela dormia? Teria sido esse o motivo que o levava a sugerir que fosse repousar? E por que lrena a fitava como se houvesse con­quistado uma importante vitória?

Enquanto o estudava com um misto de desconfiança, amar­gura e desejo, Raul levantou-se e acomodou o filho no cesto.

- Preciso me barbear.

- Conseguiu dormir? - Polly perguntou com tom irônico.

- Sim, descansei um pouco. O suficiente. Não preciso de muitas horas de sono. - E desapareceu além da porta da cabine.

- Seu marido é um verdadeiro exemplo de energia e vitalidade, señora. Ele trabalhou durante a maior parte do vôo. - A aeromoça sorria com ar malicioso. - Mas não se preocupe, fiz com que ele dedicasse algum tempo ao descanso e à alimentação.

Pálida, Polly voltou à cabine, mas Raul desaparecera no pequeno banheiro contíguo. Ela tocou o vestido branco que deixara pendurado em um cabide e alisou as pregas da saia enquanto esperava pelo marido. Finalmente a porta se abriu. A essa altura sentia-se envenenada pelo ciúme e pelas desconfianças que a atormentavam.

- Você dorme com lrena?

Raul a encarou sem revelar qualquer emoção.

- Por favor, diga-me que não ouvi isso.

- Depois do que disse sobre não se comportar como um marido... e depois de testemunhar o comportamento daquela mulher em sua presença... é evidente que tenho suspeitas.

- Se eu responder a essa pergunta insana, acabarei per­             dendo a calma com você.

- Não confio em você!

- Não vou suportar cenas de ciúme. Na verdade, nada me aborreceria mais ou me afastaria mais depressa. Não durmo com minhas empregadas. No presente só existe uma mulher em minha vida, e essa mulher é você.

Polly relaxou e respirou fundo.

- Quero acreditar nisso, mas...

- Mas sente ciúme de Irena. Seria por que ela se esforça para ter a aparência de uma mulher adulta e atraente, enquanto você ainda se veste como uma adolescente que não quer crescer?

Despreparada para o contra-ataque, Polly encarou-o boquiaberta.

Raul. apontou para o vestido branco no cabide.

- Uma menina de três anos poderia usar essa roupa. Flores bordadas no pescoço, pregas na saia, cintura solta...

- Fui criada usando roupas como esta. Não sei comprar nada diferente.

- Vamos dar um jeito nisso.

- E não estou com ciúme daquela mulher. Não tente mudar de assunto, porque...

- Não estou tentando coisa alguma, Polly. Simplesmente me recuso a falar sobre isso. Use o cérebro. Irena é vene­zuelana, e as mulheres de meu país são naturalmente gla­mourosas, confiantes e sedutoras.

- Meu Deus, mal posso esperar para conhecer os homens venezuelanos. Vou me divertir muito em seu país! - Polly disparou furiosa.

Raul deu um passo à frente e agarrou-a pelo braço.

- O que é meu é meu! Seria capaz de parti-Ia em mil pedaços antes de permitir que outro homem a toque! - E soltou-a com a mesma violência com que a segurara. ­Não sou um homem ciumento, mas prezo minha honra e farei o que for preciso para garantir a estabilidade de que meu filho precisa para crescer feliz.

Polly limitou-se a assentir como uma marionete sem von­tade, temendo provocar uma nova explosão de raiva como a que testemunhara.

- Espero que me desculpe pela reação exagerada... ­ele pediu. - Deve ser o cansaço. Sei que não é esse tipo de mulher, ou não teria me casaco com você.

Que tipo de mulher? A infiel? Que pensamento peculiar para um homem como Raul! Quantas mulheres correriam o risco de perdê-Io na cama de outro homem?

- Irei encontrá-Ia no rancho em alguns dias – Raul anunciou.

- Encontrar-me? Do que está falando? Para onde vai?

- Passarei esta noite em Caracas, e amanhã irei para Maracaibo, onde passarei os dois próximos dias. Tenho ne­gócios urgentes para resolver. Passei muitas semanas fora do país, e algumas transações dependem de minha presença.

Sozinha novamente, Polly tomou uma ducha e vestiu-se sem nenhum entusiasmo. Quando voltou à cabine, não con­seguiu ignorar os olhares freqüentes que Irena lançava na direção de Raul. Pensando bem, havia mesmo reagido como uma menina imatura e tola. Raul estava tão habituado a ser alvo das atenções femininas, que nem notava o ardor com que a aeromoça o assediava.

- Tudo bem, admito que temos um problema - ele sus­surrou ao vê-Ia sentada, surpreendendo-a com o reconheci­mento. - Nós dois estávamos certos e errados, em propor­ções idênticas, mas juro que jamais ofereci nenhum tipo de encorajamento.

Polly assentiu num silêncio embaraçado, preferindo encer­rar o assunto que já havia causado tanto constrangimento.

No aeroporto, Raul despediu-se dela com a frieza de um conhecido distante, e Irena a acompanhou ao avião que a levaria ao rancho dos Zaforteza.

Polly sentia o coração oprimido pela angústia. Como era humilhante suspeitar que Raul havia planejado acompanhá-Ia até o destino final da longa viagem, mas mudara de idéia depois da lamentável cena de ciúme que fizera no jatinho!

Chovia forte quando Polly desceu do avião, protegida por um enorme guarda-chuva colocado principalmente sobre Luís pelo piloto. Ele a ajudou a entrar no automóvel, mas nem o piloto nem o motorista pareciam conhecer uma única palavra em inglês. De repente a culpa foi substituída pela raiva. Como Raul esperava que chegasse sozinha ao rancho, onde ninguém a conhecia e ninguém seria capaz sequer de falar com ela?

Através das janelas embaçadas, viu uma grande coleção de edifícios. Palmeiras eram sacudidas pelo violento tem­poral, mas o calor era tão intenso quanto a umidade. Era como chegar ao inferno, Polly decidiu mal-humorada.

Em meio à chuva, no alto de uma colina, viu uma casa em estilo colonial adornada por varandas espaçosas e um balcão suspenso por onde era possível chegar através de uma escada externa. Segurando o filho junto ao peito. Polly esperou que o motorista abrisse a porta do carro e correu sob a torrente, escalando os degraus da entrada para surgir no hall provido de ar-condicionado sem sequer olhar para os lados.

Teve um segundo para recuperar o fôlego e notar o luxo do ambiente antes de se dar conta dê um verdadeiro exército de criadas esperava atrás da porta, todas com os olhos cra­vados nela e no bebê.

Uma loura alta e muito elegante surgiu de uma porta lateral. Franzindo a testa para Polly, ela disse alguma coisa em espanhol.

- Desculpe, mas não falo...

- Sou a condessa Melina D'Agnolo. Onde está Raul?­ - a mulher perguntou num inglês carregado de sotaque, po­rém correto.

- Ele ficou em Caracas. - Notando que as empregadas desapareciam além da porta como ratos tentando fugir de um gato, examinou a loura exuberante. Vestida num con­junto de saia e jaqueta cor de cereja, coberta por jóias que contribuíam para o ar imperioso, ela exibia impaciência.

- Caracas?! - gritou desapontada.

O grito acordou Luís que, assustado, começou a chorar.

Melina D'Agnolo aproximou-se para estudar a criança com evidente desgosto.

- Então, esse é o menino sobre o qual ouvi rumores. Ele existe. Bem, o que está esperando? Faça-o parar com esse barulho horrível!

- Ele está com fome...

- Quando Raul voltará ao rancho?

- Dentro de dois dias.

- Então ficarei esperando por ele. E trate de manter essa criança lá em cima, longe dos meus olhos e dos meus ouvidos.

- Não tenho a menor intenção... - Polly começou irritada.

- Não vou tolerar impertinência. Vai cumprir as ordens que receber, ou logo estará desempregada. Na ausência de Raul, eu sou a autoridade nesta casa.

Percebendo que fora confundida com uma empregada, Polly ergueu a cabeça para explicar que era a esposa de Raul. Mas a loura já se havia afastado para dar uma ordem rápida em espanhol. Uma mulher de meia-idade num ves­tido negro apareceu tão depressa que devia estar esperando em algum local próximo. Melina deu instruções rápidas.

A criada olhou para Polly com um misto de receio e desânimo.

- A govemanta vai levá-Ia ao segundo andar, onde fica o quarto da criança. Poderá fazer suas refeições ali mesmo. Não quero ser incomodada pelo choro do bebê. Entendeu?

- Por que diz que é autoridade aqui? Por acaso é parente de Raul?

- Jamais tive de me identificar nesta casa. Raul e eu somos amigos íntimos há muito tempo.

Polly empalideceu. O significado da declaração era claro. Depois da cena ridícula que causara no avião, era castigada pelo destino deparando-se com uma rival de verdade, e sozinha.

 - Por que está olhando para mim desse jeito? – Melina perguntou altiva.

- Acho que está havendo um mal-entendido. Raul e eu nos casamos há um mês.

O silêncio parecia reverberar nos ouvidos de Polly, e então Luís voltou a chorar.

A loura encarou-a com as sobrancelhas erguidas.

- Não é possível que tenha se casado com Raul...

- É como estou lhe dizendo...

Sentindo a tensão, a govemanta deu um passo à frente.

- Deixe-me levar o bebê para o quarto e alimentá-Io, señora.

- Señora? - Melina repetiu com sarcasmo. – Creio que precisamos conversar.

Polly não sabia o que fazer. Por que Raul não informara a amante sobre o casamento? Relutante, encarou a loura com uma firmeza que estava longe de sentir.

- Acho que não seria uma boa idéia.

- Se preferir, podemos conversar aqui mesmo, onde todos os criados poderão ouvir.

Tensa, Polly a seguiu para uma saleta mobiliada com peças antigas e muito elegantes.

- Não sei o que podemos ter para conversar...

- É evidente que Raul se casou com você por causa do bebê. O truque é muito antigo. Não me importo de admitir que estou chocada. Há dez anos Raul me amava, mas se recusou a assumir um casamento, e por isso me casei com outro homem para dar a ele uma lição. Sendo assim, nem tente dizer que Raul a ama, porque não acreditarei nessa tolice. Eu sou a única mulher que ele amou. E nunca me preocupei com seus pequenos flertes sem importância.

- Não estou interessada no que tem a dizer.

- Seu casamento não vai durar mais que seis meses. Raul aprecia a liberdade. Quando meu marido morreu, de­cidi ser paciente. Nunca interferi na vida dele.

- Então não comece agora.

- Se acha que eu cometeria tamanha tolice, é mais in­fantil do que parece. E saiba que no mês que vem terá de preparar uma recepção para duzentos convidados, uma festa que se estenderá por todo o final de semana. Haverá um rodeio, um jogo de polo entre amigos e uma grande come­moração. Está acostumada a se relacionar com a elite? Sabe montar? Normalmente sou a anfitriã na casa de Raul, mas de agora em diante a função será sua. E se não demonstrar competência, ele ficará furioso.

- Tenho certeza de que saberei...

- Raul vai voltar para mim. Eu sei que vai. É só uma questão de tempo. Chego a sentir pena de você. Quando está zangado, Raul pode ser cruel, crítico e hostil

- Acho que é melhor ir embora.

- Se fosse você, não mencionaria este encontro – Melina murmurou a caminho da porta. - Raul detesta cenas de ciúme. Seria muito mais sensato de sua parte fingir que nunca nos vimos.

- Por que está me dando conselhos?

- Porque já tem mais problemas do que pode resol­ver. Vai ser divertido assistir a seus esforços para ocu­par meu lugar.

Polly viu a condessa passar pela porta e subir a escada. Só precisara encontrá-Ia para ter certeza de que as suspeitas com relação a Irena, a comissária de bordo, haviam sido ridículas. Melina era muito mais convincente no papel de amante. Mas não deixaria os pensamentos seguirem por esse caminho. Raul havia dito que ela era a única mulher em sua vida e não dera motivos para que duvidasse de sua since­ridade. Fora forçada a enfrentar um encontro embaraçoso e sofrera todo o tipo de ataque por parte de Melina D'Agnolo, mas em breve ela partiria e não teria mais de vê-Ia. Assunto encerrado. O passado de Raul não era de sua conta.

Quando conseguiu encontrar o quarto de Luís, Polly de­parou-se com meia dúzia de criadas reunidas em torno do berço, sorrindo e cochichando. Limpo e satisfeito, Luís pa­recia estar gostando de ser o centro das atenções.

- Há muito não temos uma criança nesta casa – a governanta contou.

- Este berço foi de Raul? - Polly perguntou interessada.

A criada parecia perturbada.

- Não, señora. Foi do pai dele.

Sem saber o que dissera para deixá-Ia tão desconcertada,

Polly se deixou conduzir pelo corredor até outro dormitório, uma suíte fabulosa mobiliada com requinte. Havia parado de chover, e por isso ela abriu as portas da varanda para apreciar a bela paisagem do jardim. Gramados exuberantes e vegetação colorida desfrutavam da sombra proporcionada por árvores frondosas. Ao longe era possível ver um pequeno edifício cuja extravagância arquitetônica chamou sua aten­ção. Torres como aquelas pertenciam ao estilo gótico, e até então não vira nenhum sinal da antiga tendência em outras, construções da propriedade.

- Para que é usada aquela casa? - perguntou à governanta. A tensão foi imediata.

- Para nada, señora.

- Que desperdício... É tão linda!

- Aquele lugar é cheio de fantasmas. - E aproximou-se da porta. - Vou preparar uma refeição leve, señora. Deve estar com fome depois da viagem.

À noite, Polly desfrutava dos prazeres de um banho de imersão temperado com óleos perfumados e muita espuma. Sentia-se como uma rainha solitária.

Melina D'Agnolo havia desaparecido, deixando-a sem sa­ber como partira. De helicóptero? De carro? Afinal, o rancho localizava-se bem no meio de uma infinita planície.

À tarde, Polly caminhara até o limite mais distante do jardim e vira os campos que se estendiam até onde a vista podia alcançar, e em todas as direções, uma paisagem cuja monotonia era quebrada apenas pelos ocasionais conjuntos de árvores, por riachos que brilhavam sob o sol inclemente e um terreno que parecia mergulhar em vales profundos para depois se elevar numa tentativa ousada de tocar o céu azul.

Fechou os olhos e pensou em Raul. Como podia pensar em disputá-lo com uma mulher como Melina? O medo a invadiu e ela tentou superar a emoção provocada pela in­segurança.

- Lição número dois sobre ser uma boa esposa... – a voz profunda soou na porta. - Se pretende estar no banho quando eu chegar em casa, tome providências para que eu possa compartilhar desse momento de prazer. E esqueça a espuma perfumada.

 

CAPÍTULO VII

POllY quase desmaiou ao ver Raul parado na porta.

- Não podia ter batido na porta? - perguntou assustada.

- Como, se ela estava aberta? - E fechou-a. Sentiu minha falta?

- É claro que não. Se o vi hoje de manhã!

- Acho que você precisa de mais que algumas lições sobre como ser uma boa esposa. Vai ter de passar por um curso intensivo. O que preciso fazer para obter uma resposta agradável? Torturá-Ia?

- Talvez não esteja habituada a dividir o banheiro.

- Então começaremos por esse ponto.

Começar o quê, e por onde? Mas estava tão confusa que não conseguia formular as perguntas.

- Dios... Não acredito que tenha voado até aqui só para estar com você.

- Pensei que seus negócios fossem mais importantes que tudo.

- A perspectiva de ter minha esposa na cama foi irresistível.

- Raul! Precisa ser tão... vulgar?

Sem aviso, mãos fortes agarraram seus braços e a sus­penderam no ar. Raul a mantinha suspensa, sem se importar com a água que escorria de seu corpo.

- Onde estão as respostas rápidas? Perdeu a língua?

- Solte-me!

Ele atendeu sem retrucar.

- As vezes você é pior que um bebê. Não ia machucá-Ia.

- Desculpe-me. Não sei por que sou tão ríspida com você - mentiu, porque sabia muito bem. - Normalmente trato as pessoas com mais civilidade.

- Sim, eu sei. Ainda me lembro da doçura com que me tratou em Vermont. Onde foi que tudo mudou?

No ponto em que se apaixonara perdidamente e desco­brira que ele não a amava, não acreditava no amor. Daí em diante havia decidido que não poderia correr o risco de ter seus sentimentos desmascarados.

Raul despiu o paletó e jogou-o sobre uma cadeira. Em seguida foi a vez da gravata. Arrancada da reflexão pelos gestos inesperados, Polly arregalou os olhos.

Ele estava tirando os sapatos e as meias.

- O que está fazendo?

- Por favor, Polly. Perder a virgindade não é equivalente a uma consulta com o dentista.

- Como pode saber?

- Eu sei - ele sorriu. - E tenho certeza de que amanhã me dará razão.

A camisa foi jogada no chão. Polly perdeu ao ar ao vê-Io despir a calça com a tranqüilidade de quem desembrulha um bombom.

- Esta é minha lição de anatomia? - perguntou, usando a ironia como defesa.

- Precisa de uma?

Queria desviar os olhos, mas não podia.

- Está começando a me deixar embaraçado - ele reclamou.

Constrangida, Polly virou a cabeça depressa e escondeu o rosto vermelho.

- Duvido que alguma coisa o embaraçe - condenou.

- Então é realmente tímida... Pensei que houvesse re­presentado em Vermont. Afinal, era tão desinibida e franca em outros aspectos...

- Eu não represento. E não posso fazer nada para mudar a criação que recebi.

- O que quer dizer?

- Meu pai acreditava que meninas deviam ser recatadas, quietas e discretas, e minha madrinha era da mesma opinião.

- O que aconteceu com o "quieta"?

A brincadeira teve o poder de relaxá-Ia, mas os momentos de alívio duraram pouco. Logo depois Raul entrou na ba­nheira, e ela abraçou os joelhos junto ao peito para evitar qualquer contato físico.

- Escute, por que não podemos fazer isso na cama como a maioria das pessoas? - sugeriu desesperada. - Está fazendo de tudo para tornar a experiência ainda mais difícil para mim.

Raul deu uma gargalhada.

- É isso! - ela o acusou furiosa. - Eu sabia! – Estava tão zangada que se levantou sem medo de expor o corpo.

Raul segurou-a pela mão e, aproveitando o momento de desequilíbrio, puxou-a sobre o próprio corpo.

- Solte-me! - ela exigiu ofegante, temendo afogar-se na banheira.

- Pare com isso! Não estou pensando em consumar nosso casamento aqui. Só queria conversar...

- Conversar? - E afastou-se, encolhendo as pernas para evitar novos contatos.

- Não precisa entrar em pânico. Ainda não... Em minha inocência, julguei que esse seria um primeiro passo relati­vamente simples na direção de maior intimidade.

- Costuma usar o banheiro como sala de visitas com todas as mulheres que conhece?

- Você é obcecada! - ele se irritou. - O ciúme é um sentimento muito destrutivo. Quer nos destruir, antes mesmo de termos começado, com esses ataques constantes? Não vou viver dessa maneira com mulher alguma. É como lutar contra um inimigo invisível. O que quer que eu faça, estará sempre desconfiada. - E saiu da banheira, envolvendo o corpo mus­culoso em uma das toalhas disponíveis numa prateleira.

Sozinha, Polly foi forçada a admitir que cometera mais um lamentável engano. Podia ver o casamento desmoro­nando. A chance que recebera do destino estava sendo jo­gada fora por causa do orgulho tolo, porque se negava a assumir as próprias inseguranças e seus inúmeros defeitos.

Raul não fizera amor com ela em Vermont. Fora ela quem interpretara de maneira errada suas intenções. Solteiro e livre, ele tinha todo o direito de dedicar-se a outros rela­cionamentos. Essa era a realidade que jamais conseguira aceitar, porque se apaixonara pelo pai de seu filho. E o que estava fazendo, se não afastá-Io de sua vida, apesar de nunca ter tido motivos para suspeitar da conduta de Raul?

Em pânico, saiu da banheira e vestiu o roupão atoalhado que encontrou atrás da porta.

- Raul! Desculpe-me - gritou, temendo que ele já hou­vesse deixado o quarto.

- Esqueça. Só preciso de um pouco de ar fresco.

Ele havia vestido calça de montaria, e fora sentar-se numa poltrona para calçar as botas.

- Vai cavalgar? Mas... está escurecendo.

- Volte para o seu banho de espuma.. Vá perfumar esse corpo que protege com tanto empenho... e deixe-me em paz!

- Já pedi desculpas! O que quer que eu faça? Vou ter de rastejar?

- Como está sua habilidade na arte de desaparecer? Porque, neste momento, a única coisa que quero é ficar bem longe de você! Por favor, Polly, volte para o banheiro antes que diga alguma coisa capaz de ferir seus delicados sentimentos. Não me sinto capaz de medir as palavras.

- Não temo o que tem a dizer.

- Pare de me provocar! Detesto insinuações e comentá­rios indiretos. Se tem alguma coisa para me dizer, fale de uma vez em alto e bom som, porque não tenho tempo para perder com atitudes infantis e tolas!

Melina surgiu em sua mente como a bruxa dos contos de fada. Polly queria defender-se. Gostaria de explicar como havia sido desagradável e ameaçador aquele encontro. Mas temia que mencionar o nome de outra mulher fosse o bastante para provocar uma nova e fatal explosão.

- Não tenho nada a dizer - respondeu, usando um tom baixo que, esperava, poria um fim na situação de tensão.

Mas o resultado foi justamente o oposto. Raul levantou-se de um salto e encarou-a como se tivesse fogo no lugar dos olhos.

- Você não tem fibra! Tenho vergonha de estar casado com uma mulher tão fraca e covarde!

-Talvez... talvez tenha mais controle sobre as emoções do que você - gaguejou, tentando manter a calma.

- Esta manhã eu a deixei no aeroporto. Fugi do conflito. Passei os últimos dez anos repetindo essa mesma atitude com absoluto sucesso. Vi meu pai fazer a mesma coisa com as mulheres durante toda a vida. Então me dei conta de que estou casado com você, e que nosso casamento não terá a menor chance de futuro se eu fugir dos sentimentos, se me afastar sempre que estiver zangado ou aborrecido.

- Raul, eu...

- Cállate! Estou falando. Esse seu ciúme irracional e interminável me incomoda muito. E para alguém tão repri­mida a ponto de quase desmaiar diante da idéia de tomar banho com o marido, considero ainda mais estranho que queira saber o que fiz com outras mulheres quando era livre e independente.

Comprimindo os lábios para impedir que tremessem como o resto do corpo, ela respirou fundo antes de responder:

- Não quero saber. Ou melhor...

- Nunca mais farei o menor sacrifício por esse casa­mento. Tenho meu filho... o que mais posso desejar? Cer­tamente não uma garota tola que treme de medo da pos­sibilidade de fazer amor comigo.

- Raul, por favor...

Mas ele já havia saído, gritando algumas ordens pelo corredor. Assustada, Polly aproximou-se da porta e viu uma criada correr ao encontro dele com expressão ansiosa.

Raul deu instruções em espanhol. A empregada assentiu e desapareceu novamente além do corredor. . Raul olhou por cima de um ombro, e Polly viu que seus olhos expressavam apenas desprezo.

- Não precisa mais temer minhas abordagens indesejadas, mi esposa. A criada vai levar suas coisas para outro quarto.

 

CAPÍTULO VIII

Mais calma, se não mais feliz depois que havia chorado, Polly fez uma análise crítica do próprio comportamento e não gostou das conclusões. Por que havia se comportado como uma idiota?

Porque amava Raul, e queria, precisava ser mais que um corpo conveniente na cama dele. Mesmo que aceitasse o papel humilhante, não queria ser uma parceira inexperiente depois de uma coleção de mulheres sofisticadas e sensuais com corpos perfeitos e maneiras sedutoras. Em resumo, por orgulho, res­sentimento e vergonha, acabara por afastá-lo.

Se houvesse dito tudo sobre Melina D'Agnolo desde o primeiro instante, Raul teria compreendido porque estava tão aborrecida. Mas perdera a oportunidade, e sabia que seria loucura abordar um assunto tão explosivo depois da discussão que haviam tido. Nem mesmo a tortura que ele mencionara a obrigaria a dizer o nome de Melina D'Agnolo. Não quando ele já a considerava ciumenta e obsessiva.

Vendo os olhos inchados no espelho, Polly lavou o rosto com água fria. Depois lavou os cabelos, aplicou uma ma­quiagem suave, um leve toque de perfume, e vestiu uma das camisolas de seda que ganhara do marido. Percorrendo o corredor como uma assaltante protegida pelas sombras da noite, voltou para a suíte principal e acomodou-se na grande cama de casal para apreciar os desenhos projetados no teto pela luz da lua.

Devia ter dormido, porque acordou assustada, ouvindo passos apressados e vozes alteradas no corredor. Ajeitando os cabelos com as mãos, acendeu a luz e levantou-se para ir até a porta, de onde poderia ver o que estava acontecendo.

Algumas empregadas aflitas cercavam Raul. Coberto de lama, e muito diferente do homem contido e imaculado de sem­pre, ele se mostrava aflito, fazendo perguntas sucessivas e ges­ticulando com uma velocidade que sugeria fúria e preocupação.

- Raul? - chamou-o. - O que está acontecendo?

Todas as empregadas a encararam como se estivessem diante de um fantasma.

- Onde esteve? - ele devolveu com tom de acusação.

- Na cama... dormindo. Por quê?

A criadagem se afastava com a discrição habitual. Raul entrou no quarto e olhou para a cama desfeita com incre­dulidade e espanto.

- Lição número três sobre ser uma boa esposa - Polly sussurrou a sentença ensaiada antes que perdesse a cora­gem. - Nunca deixe o sol se pôr sobre uma discussão.

- O sol está nascendo. - E abraçou-a, tirando-a do chão para colocá-Ia na cama.

- Não importa - ela riu. - O que estava acontecendo lá fora?

- Você não estava onde eu esperava encontrá-Ia. Pensei que houvesse fugido outra vez.

- Fugido para onde?

- Como posso saber? Tenho dois helicópteros, uma coleção de carros e um estábulo cheio de cavalos dentro do rancho. Se quisesse fugir, teria encontrado o meio ideal de transporte. Minha cama era o último lugar onde esperava encontrá-Ia.

- Quer que eu vá embora?

- Não. Sei reconhecer uma oliveira quando alguém a estende em minha direção.

- Você quer dizer um ramo de oliveira... - ela riu. ­- Deve ter cavalgado por muito tempo.

- Sim, fui muito longe. Depois visitei uma... uma vizinha. - E levantou-se. - Estou imundo. Preciso de um banho.

Se Raul não a quisesse mais em sua cama, como sairia da delicada situação sem perder a compostura?

- Talvez deva voltar ao meu quarto - sussurrou.

Silêncio. Descalço e sem camisa, Raul apareceu na porta do banheiro com a testa franzida.

- Faça o que julgar mais conveniente - disse. – Se quiser dormir aqui, sinta-se à vontade.

- Certo.

Seu sofisticado e confiante marido estava tentando li­vrar-se dela de maneira gentil. E agora estava encurralada, porque pular da cama e correr para o quarto de hóspedes seria patético.

Ouviu o chuveiro sendo desligado e encolheu-se. As luzes se apagaram. O colchão cedeu do outro lado da cama.

- Se dormir mais perto da beirada, vai acabar caindo - ele comentou sonolento.

- Não quero ficar no seu caminho.

Raul respirou fundo.

- Não tem nada a temer, gatita. Já percebi que tenho sido... indelicado - disse depois de alguma hesitação. ­Quero que seja feliz.

- Não. Você só quer o que é melhor para Luís.

- Dios... Quando pensei que houvesse partido, nem me lembrei de ir ao quarto do nosso filho!

Raul havia pensado nela primeiro? Surpresa, sentiu que o nó do ressentimento se desfazia. Não era mais a esposa indesejada, a mãe do filho que ele punha acima de tudo.

- Não vou mais fugir - disse.

- Entendo que tenha entrado em pânico em Vermont. E na clínica, também. O passado não tem mais importância.

- Mesmo assim, vir para cá foi um grande engano para mim.

- E um enorme desafio para mim. - Raul segurou a mão dela sob o lençol e venceu a distância que os separava.

O hálito quente a envolveu numa onda de esperança e ela se aninhou nos braços do marido. Raul fitou-a e viu em seus olhos azuis um convite silencioso.

- Você tem olhos lindos. Esse foi o primeiro detalhe que chamou minha atenção quando a vi.

- Em Vermont?

- Eu a vi muito antes disso.

- Como?

- Sua foto. E depois, durante a entrevista inicial com o advogado. Estava na sala vizinha ao escritório e acompa­nhei tudo por um espelho.

- Você é diabólico.

- Não. Apenas cauteloso. - E beijou-a.

Tomada pelo desejo, Polly enlaçou-o e correspondeu ao beijo com ardor surpreendente.

- Isso é um sim? - Raul perguntou, levantando a cabeça para fitá-Ia.

- Sim... sim... sim...

- Quero que entenda que também terei minha primeira vez num certo sentido. Jamais me deitei com uma virgem. Isso faz de você um acontecimento muito especial.

- Nunca sei quando está brincando e quando fala sério.

- Só um homem muito estúpido faria piadas em sua noite de núpcias - Raul respondeu antes de beijá-Ia novamente. Aos poucos, enquanto as mãos acariciavam e exploravam, as roupas iam sendo removidas para permitir uma proxi­midade maior entre os corpos.

- Quero olhar para você - Raul murmurou entre um beijo e outro. - Quero tocá-Ia...

Com mãos trêmulas, porém experientes, ele conseguiu retirar a camisola que a cobria para apreciar o corpo no­vamente esguio. Notando que o constrangimento a levava a buscar o lençol para se cobrir, Raul impediu o movimento.

- Esperei muito tempo para vê-Ia assim. Admita... é excitante ser  admirada, saber que desperta desejo e paixão. O que esperava, querida? Que eu caísse sobre você como um garoto egoísta e fosse dormir em minutos? Não é assim que eu faço amor.

- Não... - ela concordou atordoada, incapaz de raciocinar.

- Quero que isso seja bom para você. Quero que passe o dia todo esperando pelo momento de estar novamente em meus braços.

Tremendo, dominada por um calor intenso que a tornava ousada e desinibida, Polly murmurou:

- Ambicioso...

- Sempre. Em tudo. Está no meu sangue.

Os lábios iniciaram uma viagem alucinante por seu corpo, tocando locais que jamais imaginara que pudessem ser bei­jados. Polly sentia-se consumida por um fogo poderoso e incontrolável, dominada por sensações que eram ao mesmo tempo uma agonia e um êxtase. Cada carícia despertava novas emoções e levava a contatos mais íntimos e atrevidos, e ela se contorcia intoxicada por respostas físicas que jamais experimentara antes.

- Devagar, gatita. Não estamos apostando uma corrida...

- Eu... não sabia que seria assim...

- Como um incêndio no qual se pode arder com prazer?

E beijou-a.

Polly nem pensou em reagir quando ele afastou suas per­nas e se dedicou a uma invasão mais íntima, tocando-a onde jamais esperara ser tocada.

Então Raul deitou-se sobre seu corpo e penetrou-a antes que pudesse ter medo do desconhecido. No início houve uma dor intensa e aguda que a fez gritar de espanto, e depois, um segundo mais tarde, um intenso e inesperado prazer.

Raul levou-a ao ponto mais alto do prazer, entregando-se completamente ao êxtase quando, pela última vez, mergu­lhou em seu corpo com força quase compulsiva.

Juntos, explodiram num êxtase poderoso. Com os olhos cheios de lágrimas provocadas pela intensidade das emoções, Polly abraçou-o e deixou-se envolver pela doçura pelo mo­mento. Era surpreendente como se sentia muito mais pró­xima de Raul. Queria que aqueles momentos de tranqüili­dade fossem eternos. Sentir o calor daqueles braços e saber que o satisfizera, apesar da inexperiência, era o bastante para enchê-Ia de orgulho e confiança.

Um instante mais tarde Raul livrou-se do abraço e dei­tou-se de costas na cama.

- Como deve ter percebido, amor e gratificação sexual não significam necessariamente a mesma coisa.

Ferida pela velocidade com que ele se afastara, Polly encarou-o dominada por um terrível pressentimento.

- Há alguma intenção nesse comentário?

- Creio que já entendeu a mensagem.

- Vai voltar àquela história sobre não esperar muito de você? Meu Deus! Tem tanto medo dos sentimentos que chego a sentir pena de você. E por que se preocupa tanto com a possibilidade de desapontar-me? Afinal, é o que tem feito desde que nos conhecemos.

Atingido pela acusação direta, Raul encarou-a com ar gelado.

- Realmente?

- Sim, realmente... mas não importa. Não tenho nada a perder e me recuso a reduzir minhas necessidades ao nível das suas. Você está em fase de experiência, Raul.

Furioso com o discurso superior, ele se livrou do lençol e deixou a cama.

- Eu... Raul Zaforteza... em experiência?

- E até agora não tem se saído muito bem. Parece pensar que me fez um grande favor se casando comigo... mas per­gunte-me o que sinto daqui a cinco meses...

- Por quê? O que vai acontecer em cinco meses?

- Herdarei o dinheiro de minha madrinha, e se não estiver satisfeita a seu lado, pode ter certeza de que não passarei o resto da minha vida infeliz.

- Infeliz? - Raul repetiu ultrajado.

- Não é o que estou sentindo atualmente - Polly revelou com honestidade. - Mas não pense que só vai ter de me cobrir com diamantes para me fazer feliz. Jóias são muito bonitas, mas não sinto necessidade de possuí-Ias.

- Bonitas? - Raul parecia dominado por uma espécie de torpor.

- Existem outras coisas mais importantes para mim. Respeito, afeição e carinho. Sei que deve ter passado toda sua vida adulta oferecendo presentes valiosos às mulheres com quem se envolveu para compensar sua incapacidade de lidar com sentimentos, mas...

- Como se atreve a dizer que sou incapaz de alguma coisa?

- Foi você mesmo quem disse. Afirmou que prefere se afastar quando a situação começa a ficar difícil.

Raul estudou-a em silêncio por alguns instantes, ferido e ressentido. Depois virou-se e abriu uma gaveta, de onde tirou uma calça jeans. Polly sabia que ele se controlava a muito custo, tal a intensidade de sua fúria.

- Sei que estou muito longe da perfeição, e muitas das coisas que faço devem irritá-lo... mas não quero sentir que só voltou para casa esta noite a fim de fazer sexo comigo - Polly indicou, mantendo os olhos bem abertos para conter as lágrimas. - Como se eu fosse uma novidade... E depois, sem se dar conta dos meus sentimentos, sem se importar comigo ou com qualquer outra coisa, vangloriar-se de mais uma conquista e...

A acusação fez com que ele se virasse.

- Tudo que eu disse foi que amor e gratificação...

- Eu ouvi cada palavra de suas preciosas opiniões sobre o assunto. A questão é: por que disse isso? - perguntou, cansada de fingir. - Sabe que não é verdade. Deve saber o que sinto por você. Creio que sempre soube...

Raul ficou rígido. Os olhos escuros buscaram o chão numa tentativa desesperada de fuga.

- Vai se arrepender disso...

- Não, não vou. Já ultrapassei o limite do orgulho. Amo você, Raul, e acredito que tenha tomado consciência disso antes mesmo de eu perceber o que sentia. Se tivesse um mínimo de decência, teria se afastado definitivamente em Vermont. Sabia por que eu aceitei sua proposta de casamento... e mesmo assim disse a Digby que sou uma caçadora de dotes, uma chantagista. É como um grande e sombrio segredo que prefere não reconhecer, mas eu me recuso a viver uma mentira.

Esgotada depois da explosão emocional, Polly abandonou a cama e caminhou na direção da porta.

- Dios... não posso lhe dar amor! - Raul disparou com verdadeira selvageria.

- Mas com algum esforço pode garantir um mínimo de respeito, pelo menos. Porque, se não for assim, deixarei de amá-lo, e amor é tudo que tenho para oferecer. É a única coisa que me mantém a seu lado. Não serei um capacho. Não permitirei que pise em mim.

Sem olhar para trás, vestiu a camisola que havia reco­lhido no caminho e saiu, fechando a porta sem fazer barulho.

Estava atordoada, chocada pelo que acabara de fazer e dizer. Trêmula, buscou a privacidade do quarto de hóspedes para extravasar a dor que ameaçava dilacerá-Ia, mas havia aca­bado de entrar quando a porta se abriu novamente e Raul entrou, o rosto dominado por uma estranha emoção.

- Também tenho defeitos - ele disse sem rodeios. - Mas, ao contrário de você, sei reconhecê-Ios. Se acha que a desa­pontei em Vermont, saiba que também me decepcionou. Se fosse realmente a mulher honesta que gosta de acreditar que é, teria falado sobre a gravidez. Mas, quando o silêncio serve aos seus propósitos, prefere negligenciar a verdade. E foi o que fez. Escondeu um fato importante de sua vida, como eu ocultei minha identidade. Creio que estamos empatados.

Um rubor suave, porém incômodo, tingiu o rosto de Polly.

Era terrível ter de admitir que também cometera erros.

- Tem razão - reconheceu.

- E quanto à noite passada, quanto a sua convicção de que só voltei para ir para a cama com você... acha mesmo que sou tão imaturo, ou que estava tão desesperado por alívio sexual? Só voltei porque percebi que não devia tê-Ia deixado, porque me dei conta de que esse comportamento apenas reforçaria seus temores sobre o futuro. E não pense que contribuiu para a estabilidade do nosso casamento com essa ameaça ridícula de abandonar-me em cinco meses.

Polly encolheu-se como se houvesse sido atingida por um chicote. Sentia-se como uma criança sendo censurada por mau comportamento.

- Agora vai chorar. Vai confirmar o que penso a seu respeito. Não passa de uma menina imatura e apavorada que se encolhe diante de qualquer dificuldade.

Ela conseguiu engolir o nó que havia se formado em sua garganta.

- Tem razão - disse. - Vou chorar...

 

CAPÍTULO IX

O centro eqüestre da propriedade de Raul era uma instalação vasta cerca de um qui­lômetro e meio distante do rancho. Polly acomodou Luís no carrinho e caminhou pela linha de asfalto sob o calor escaldante, tentando não demonstrar que estava procurando pelo marido. Mas a verdade era que começava a sentir-se deses­perada, porque praticamente não vira Raul nos últimos dias.

Ele se levantava ao amanhecer e saía cedo para cavalgar. Nunca voltava para o café da manhã, e passava o resto do dia envolvido em reuniões de negócios ou cuidando do centro eqüestre. Mas todas as noites comiam juntos na atmosfera formal da sala de jantar.

E, mais assustador ainda, era como se o confronto daquela noite jamais houvesse acontecido, apesar do abismo que se criara entre eles. Raul não precisava afastar-se fisicamente para mantê-Ia distante. Era capaz de conversar e expressar um desejo cortês de saber sobre seu dia, discutir os progressos de Luís e tratá-Ia como uma hóspede de honra em sua casa, alguém com quem, infelizmente, não dispunha de muito tempo para conviver. Oh, sim, e a deixava dormir na cama do quarto de hóspedes sem nenhum constrangimento.

Por isso, quando o viu conversando com um homem de cabelos claros na porta de um dos estábulos, tentou se mostrar surpresa por encontrá-lo. Queria comportar-se com um mínimo de normalidade, sem dar a impressão de que fora procurá-lo.

Arrepios embaraçosos percorreram sua espinha quando se aproximou dele.

- Luís e eu estávamos dando um passeio - comentou, lamentando o tom apreensivo da voz.

- Este é Patrick Gorman - Raul apresentou o jovem louro que já estendia a mão para cumprimentá-Ia.

- Ele administra o programa de fertilização para os pôneis de pólo.

- É um prazer conhecê-Ia, sra. Zaforteza.

- Oh, é inglês! - ela constatou com surpresa e alegria.

- Aposto que reconheço esse acento. Newcastle?

- Exatamente!

Ela riu.

- Nasci em Blyth, mas meus pais se mudaram para o sul quando eu tinha seis anos de idade.

- Em busca de melhores oportunidades, certamente. - E inclinou-se sobre o carrinho. - Sou louco por bebês! Ele é tão pequeno - disse, tocando o rosto de Luís com a ponta do dedo.

- Na verdade, ele é grande demais para a idade que tem - Polly afirmou orgulhosa, satisfeita por ter se depa­rado com um inglês simpático cuja conversa a ajudava a manter a farsa do encontro casual.

- Minha sobrinha tem um ano de idade, e já dava muito trabalho na última vez em que a vi.

- Luís ainda não faz muito mais do que comer e dormir.

- Você não perde por esperar. Quer conhecer o estábulo?

Raul tem ligações importantes para fazer e...

- As ligações podem esperar - ele interrompeu.

Polly encarou o marido e reconheceu a tensão no rosto bronzeado.

- Tem certeza?

- É claro que sim. - E pousou um braço sobre seus ombros.

- Disse algo de errado? - Polly perguntou assim que se afastaram do jovem Gorman.

- Não. Mas falou mais com um estranho em dois minutos do que comigo em três dias. E já que estamos falando sobre o assunto, é melhor manter uma certa distância de Patrick.

- Por quê?

- Não se deixe enganar por toda aquela simpatia. O homem é um mulherengo compulsivo. - E mudou de as­sunto antes que ela pudesse responder. - Sabia que aca­baria aparecendo perto dos estábulos. As inglesas adoram cavalos, não? Especialmente as criadas no campo. Soube que algumas levam seus pôneis para o colégio interno. Apos­to que cavalga muito bem.

O tom de aprovação tão incomum a impediu de revelar que nunca estivera sequer perto de um cavalo.

- Eu... bem...

- Nunca conheci uma inglesa que não soubesse cavalgar. E como os cavalos ocupam um lugar de destaque em minha vida, creio que esse é um interesse de que podemos compartilhar.

- Devo estar um pouco... enferrujada - disse. Mas como desencorajar o primeiro sinal de interesse por parte de Raul? Como negar a possibilidade de dividirem alguma coisa além de uma cama?

Aprenderia a cavalgar. Não podia ser tão difícil. Enquanto não soubesse se manter sobre um cavalo, inventaria des­culpas para adiar a temível experiência.

Raul exibia os animais com orgulho.

- É tudo tão fascinante! - ela comentou com sinceridade depois de alguns minutos. Sabia que estava encantada com o entusiasmo de Raul, com a paixão com que falava sobre o assunto.

De repente ele registrou o brilho intenso nos olhos azuis e sorriu:

- Parece mais feliz hoje, querida.

A forma de tratamento a pegou de surpresa. Perturbada, passou a ponta da língua pelos lábios enquanto pensava numa resposta adequada. Raul registrou o pequeno movi­mento e aproximou-se para enlaçá-Ia pela cintura.

- Está tremendo...

E ele sabia por quê. Emanava uma energia sexual tão poderosa que sobrepujava todo e qualquer esforço que Polly pudesse fazer para esconder as próprias reações. E quando ele a puxou de encontro ao corpo, quando a envolveu naquele calor intenso e delicioso, tudo que pôde fazer foi encostar o rosto no ombro musculoso.

lnebriada, deixou-se invadir pelo aroma másculo da loção de barba. As barreiras haviam ruído. Raul a tocava novamen­te. Não era mais território proibido, como uma obra de arte protegida por uma redoma transparente. E ele a queria. Oh, sim, Raul a desejava, e daquela vez o desejo seria suficiente.

- Tenho uma idéia - ele murmurou com voz rouca. ­- Irei buscá-Ia para um piquenique às três da tarde. Deixe Luís em casa. - E olhou para o carrinho com um sorriso orgulhoso. - Fizemos um filho lindo, Polly. Só lamento que não o tenhamos concebido na cama.

Vermelha, tentou oferecer uma resposta racional.

- Não há muito que possamos fazer além de lamentar.

- Oh, sim, há algo que podemos fazer - ele riu. – Da próxima vez, seguiremos os procedimentos habituais.

Polly voltou para casa como se pisasse em nuvens, pen­sando no que o marido dissera sobre terem outro filho. Era como se ele esperasse fazer do casamento um arranjo per­manente, como se tivesse planos para um futuro em comum!

No quarto, encontrou uma criada pendurando roupas que jamais vira antes. Os tecidos finos e as etiquetas de estilistas famosos indicavam que uma verdadeira fortuna fora gasta na coleção. Raul havia comprado roupas para ela? Sem con­sultá-Ia? Sem sugerir que ela mesma saísse para escolher o que mais a agradasse?

Mas estava tão feliz, que nem se importava com a pre­sunção do marido.

Meia hora mais tarde, usando um vestido azul da nova coleção disponível em seu guarda-roupa, procurou pela governanta e pediu a chave da pequena construção gótica ao sul do jardim. Dispunha de algumas horas antes das três da tarde, e no dia anterior espiara pelas frestas das janelas trancadas.

- Ninguém vai àquele lugar, señora. - A mulher res­mungou alguma coisa em espanhol sobre el patrón, mas acabou entregando as chaves com ar relutante.

Os empregados podiam alimentar superstições sobre o lugar, mas Polly não temia os comentários sobre maus es­píritos e outras tolices. Raul não se importaria se fosse explorar o terreno. Afinal, aquela era sua casa, e tinha o direito de ir aonde bem entendesse.

Ao abrir a porta da frente, deparou-se com uma sala espaçosa ocupada por móveis empoeirados. As paredes es­tavam descascadas, as cortinas em avançado estado de de­sintegração. Vagou pelos aposentos silenciosos e passou pela cozinha antes de encontrar uma escada de ferro fundido.

Havia um banheiro espaçoso entre dois dormitórios. Polly parou a caminho do terceiro quarto. Era um aposento in­fantil, com pequeninos carros enferrujados sobre as prate­leiras e fotos amareladas presas a um painel na parede, como se o garoto que ali residia houvesse partido de repente e nunca mais voltado. Era lúgubre.

Olhou para as fotos e numa delas reconheceu o pai de Raul. Vira dois retratos no rancho e deduzira serem dos pais dele. Eduardo, que exibia uma semelhança marcante com Raul, e Yolanda, uma loura de olhos azuis que não se parecia em nada com o filho. Não reconheceu a morena sorridente com olhos de tigresa, embora já os houvesse visto em alguém. De repente percebeu que os olhos da foto eram idênticos aos de Raul.

O som de passos na escada levou-a de volta à sala. Era Raul, ainda vestido no traje de montaria e ofegante como se houvesse corrido.

- O que está fazendo aqui? - perguntou nervoso.

- Bem, eu... estava curiosa e... Quem viveu nesta casa?

Ele encolheu os ombros.

- Pensei que soubesse. Todos sabem. O passado de mi­nha família foi investigado e exposto pela mídia de maneira quase exaustiva.

Raul agia como alguém em estado de choque, os olhos va­gando pelo ambiente e exibindo uma vulnerabilidade que ja­mais sonhara presenciar num homem tão forte e dominador.

- Morei aqui com minha mãe até os nove anos de idade - ele revelou com tom neutro.

- Seus pais eram separados?

- Minha mãe era amante de meu pai. Eles nunca se casaram.

- Mas... a loura no retrato da sala do rancho...

- Yolanda era a esposa de meu pai. Nosso estilo de vida não era funcional.

Não? Eduardo mantinha uma esposa em casa e uma aman­te na casa ao sul do jardim? O que podia ser mais prático?

Mas Raul não estava brincando, e por isso Polly preferiu esperar em silêncio.

Ele explicou tudo com palavras rápidas e tom casual.

Sua mãe, Pilar, era filha de um lavrador que trabalhava no rancho vizinho. Pilar já esperava Raul quando Eduardo Zaforteza se casara com sua bela herdeira do petróleo.

- Quando Yolanda descobriu sobre minha mãe, trancou a porta do quarto, e meu pai usou a atitude da esposa como uma desculpa para nos trazer para cá, para dentro de sua propriedade. Depois da morte de minha mãe, ele deu a Yo­landa metade de tudo que possuía para que ela concordasse com minha adoção.

- Quantos anos tinha quando sua mãe morreu?

- Nove. Havia uma piscina perto da casa. Ela morreu afogada depois de beber muito. Na verdade, ela estava sem­pre embriagada. O que meu pai chamava de amor a des­truiu... e destruiu a vida de todos nós.

- Yolanda não teve filhos?

- Ela sofria abortos constantes. A porta do quarto even­tualmente foi aberta. Creio que meu pai gostava de ter duas mulheres brigando por ele. Quando se sentia sufocado ou incomodado pelas demandas de atenção, simplesmente viajava e as deixava sozinhas por algum tempo. Ele e Yo­landa morreram num acidente aéreo há quase dez anos.

Polly sentia náuseas. De repente entendia tudo, e podia até imaginar as terríveis cenas que Raul havia testemu­nhado durante os primeiros anos da infância. A mãe, uma mulher infeliz, entregara-se ao alcoolismo. Não havia vida familiar, nem segurança, nada além de confusas e tensas relações entre os adultos que o cercavam, nada exceto ten­são, rancor, acusações e ressentimentos.

A esposa traída odiara Raul e sua mãe, e não queria nem pensar em como havia sido a convivência entre ele e Yolanda quando ainda era apenas um menino de nove anos. Uma mulher amargurada que obrigara o marido a pagar pelo direito de adotar o filho ilegítimo... De repente entendia porque Raul era incapaz de acreditar no amor e no casamento.

- Devia mandar limpar este lugar - disse, esforçando-se para falar com tom normal.

- Não punha os pés aqui há anos. Foi meu pai quem insistiu em manter a casa intocada. Ele gostava de vir para cá quando sentia saudades...

Polly estava bastante perturbada com o que ouvira, mas lutava para esconder os sentimentos.

- Vou mandar esvaziar esta casa... certo? - pergun­tou, buscando consentimento para o que considerava um ato necessário.

Raul encolheu os ombros. O olhar distante com que a examinou falava de dor e nostalgia.

- As roupas chegaram... Eu as escolhi enquanto estava em Caracas. Pelo menos tem algo decente para usar até sair e fazer suas próprias compras - apontou, como se até então ela estivesse usando trapos.

Meia hora mais tarde, entraram no jipe e partiram para o piquenique. Deixaram a pista asfaltada que cruzava os cam­pos do rancho para percorrerem a terra batida e acidentada que os levou a uma porção deserta da propriedade. Árvores frondosas e coqueiros exuberantes substituíram as construções sólidas. Bandos de pássaros coloridos deixavam os galhos mais altos a medida em que passavam com o automóvel.

O céu era claro, sem nuvens, e o sol banhava a savana.

Para Polly o local era estranho e surpreendente, repleto de uma beleza selvagem e ameaçadora.

- Para onde vamos? - ela perguntou.

- Espere só para ver.

Pouco depois ele parou o carro e saltou. Ao segui-Io, tudo que viu foi uma linha densa de árvores e vegetação. Raul extraiu uma cesta de vime do porta-malas e levou-a por um caminho estreito entre as árvores. Caminharam por al­guns metros e ela prendeu o fôlego. Num vale protegido pela vegetação, uma pequena cachoeira descia por uma en­costa rochosa para alcançar um lago cristalino.

- Houve um tempo em que um afluente do rio Orinoco passava por aqui... hoje isso é tudo que resta. - Raul deixou a cesta sobre a relva à sombra de uma palmeira.

- É lindo!

- Minha mãe costumava me trazer aqui quando eu era criança. Este lugar era especial para ela. Suspeito de que fui concebido aqui.

- Não tem parentes vivos?

- Sim, meu avô. O nome dele é Fidélio. Mas ele deserdou minha mãe. É um homem muito orgulhoso que ainda se recusa a reconhecer nossa ligação. Mas contei a ele sobre Luís na semana passada.

- Desculpe-me por ter sido tão ríspida e temperamental - Polly disse de repente.

- Também tenho estado exaltado. Esta situação entre nós dois... é novidade para mim.

O sorriso sincero tocou-a de maneira profunda. Polly reu­niu toda a coragem de que dispunha e abraçou-o.

Assustado, Raul encarou-a por alguns instantes antes de recuperar a capacidade de ação.

- Eu tinha a intenção de ser um cavalheiro, gatita. Pla­nejava esperar ao menos até termos comido. - E deitou-se sobre a relva, acomodando-a sobre o próprio corpo. - Mas como estamos interessados na mesma coisa...

O beijo levou a carícias mais íntimas e ousadas. Minutos depois estavam nus e arfantes, entregues à paixão que os dominava.

- Estou maluco por você - ele gemeu. - Mais uma noite com você à mesa do jantar e a teria possuído sobre o tapete.

- Não demonstrou o que sentia.

- Não? Fico excitado sempre que estamos no mesmo ambiente! Acho que nunca me senti frustrado em toda mi­nha vida! Pensei em possuí-Ia no estábulo esta manhã e... infierno! Meu desejo por você é tão forte que nem consigo raciocinar.

Polly estava surpresa e confusa com as revelações. Jamais sonhara ouvi-lo dizer aquelas coisas, e as palavras incen­diavam seu sangue como um combustível poderoso.

- Também quero você - disse.

Fizeram amor ao ar livre, dominados por uma paixão incontrolável. Depois, saciada e feliz nos braços do marido, Polly teve certeza de que haviam transposto um importante limite para a formação de laços mais profundos e verdadeiros.

Ela dormiu por algum tempo. Quando acordou, tomada por uma timidez que era quase ridícula nas circunstâncias, encontrou Raul deitado a seu lado, porém vestido. Presu­mindo que estivesse dormindo, ela se sentou e tocou o rosto relaxado e sereno.

Ele abriu os olhos e Polly parou, assustada como uma ladra pega em flagrante.

- Você me faz sentir bem - Raul confessou, segurando a mão dela.

A onda de amor que a invadiu deixou-a entorpecida. Sem soltá-Ia, ele também se sentou.

- O que pensa sobre ter outro bebê daqui a nove meses?

- O... que disse?

- Não tomei nenhuma precaução. Não pensei que... Bem, estávamos tão excitados que...

Segurando contra o corpo o vestido com que o marido a cobrira enquanto dormia, Polly pensou no que acabara de ouvir. Era a esposa dele... e um dia fora escolhida como uma espécie de máquina de procriar. Sem dúvida, Raul presumira que uma nova gravidez não a incomodaria. Mas a idéia de engordar novamente depois de tão pouco tempo, quando ainda não se habituara a ser sexualmente atraente, a desagradava a ponto de fazê-Ia encolher-se.

- Desculpe... - ele murmurou depois de alguns instantes de silêncio.

- Sei que não vai entender, mas... não quero ficar gorda e disforme novamente. Pelo menos não tão cedo.

- Você nunca foi gorda e disforme. Sempre foi uma mu­lher linda e atraente.

- Raul, por favor! Sei que nunca fui bonita.

- Não? Então, por que me senti tão tentado quando a vi na clínica?

- Sentiu-se tentado? Por mim?

- Nunca vi uma mulher tão sexy. Era como estar diante de um pêssego suculento e maduro.

Pêssegos também eram redondos. Mesmo assim, enca­rou-o e viu a sinceridade estampada em seus olhos.

- Meu corpo ainda não voltou ao normal - disse. ­- Não sei se uma nova gravidez seria arriscada.

Enquanto ela se vestia, Raul consultou o relógio e assustou-se.

- Caramba! O tempo passou depressa. E temos convi­dados para o jantar.

- Convidados? Quem?

- Melina D'Agnolo e... Cuidado! - ele disse, estendendo a mão para segurá-Ia.

Na tentativa de levantar-se, Polly foi pega de surpresa pela revelação e quase perdeu o equilíbrio.

- O que estava dizendo?

- Melina, nossa vizinha mais próxima. Ela cresceu no rancho que atualmente aluga do Estado. E trará os Drydons, amigos que temos em comum. Patrick também estará pre­sente. Ele já trabalhou para Rob Drydon.

- Vai ser um prazer conhecer seus amigos.

Então Melina era vizinha do rancho. As planícies pare­ciam vazias por quilômetros intermináveis, mas abrigavam a venenosa condessa D'Agnolo. E Raul esperava que rece­besse sua ex-amante. Era mais frio que um cubo de gelo. Mas por que agiria diferente, se nem desconfiava de que pudesse saber sobre o antigo relacionamento? Antigo, repe­tiu para si mesma.

Raul era um homem sofisticado e estava sendo ingênua. Seu relacionamento íntimo com Melina D' Agnolo podia ter acabado, mas isso não significava que ele a excluiria de sua vida. Tinha de encarar o encontro social de maneira adulta e equilibrada.

 

CAPÍTULO X

- Estou muito feliz por vocês dois ­Melina murmurou com um sorriso radiante.

Polly sentira-se muito bem no vestido vermelho de ombros baixos, até descer a escada e deparar-se com a condessa.

A caminho da sala de jantar, Melina apoiou-se no braço de Raul e sorriu para os Drydon. O grupo caminhava na frente enquanto ela seguia atrás, sentindo-se deslocada e esquecida. Patrick Gorman alcançou-a.

- A condessa vai atropelá-Ia se não reagir.

- O que...

- A cena que ela criou em sua chegada está sendo co­mentada por todos os empregados. Creio que a única pessoa por aqui que ainda ignora o que aconteceu é Raul.

- Não julguei necessário envolvê-Io.

- Se houvesse contado tudo a seu marido, Melina não estaria aqui arruinando sua noite.

Todos se acomodaram e, ao encontrar os olhos atentos de Raul, Polly ficou vermelha e pegou o copo de vinho, bus­cando algum consolo na bebida gelada.

- Raul me pediu para escolher uma montaria para você - Patrick comentou.

- É capaz de guardar um segredo?

- Depende...

- Nunca montei em toda minha vida.

Depois de uma pausa surpresa, ele riu.

- Não sejam egoístas - Raul interferiu com tom seco. - Estamos curiosos para ouvir a piada.

- Não se trata de nenhuma piada - Polly respondeu constrangida.

- O senso de humor dos ingleses é muito diferente do nosso - Melina opinou. - Chega a ser juvenil.

- Pois eu prefiro um humor juvenil ao drama que os italianos tanto adoram - Patrick respondeu. Assim que todos voltaram a conversar, ele se virou para Polly e baixou a voz. - Estarei esperando por você amanhã, às seis, para sua primeira aula. Aprenderá o necessário para se manter em cima do cavalo, e depois poderá dizer a Raul que está     sem prática.

- Você é muito generoso.

Depois do jantar, passaram à sala de estar para uma rodada de drinques.

- Quero saber tudo sobre você, Polly - Melina anunciou sorridente. - O que está achando do casamento?

- Maravilhoso. - E esvaziou o copo de um só gole, percebendo que Raul as observava do outro lado do aposento.

- Seu marido não vai gostar de vê-Ia bebendo tanto. Ele raramente ingere álcool. Apenas um ou outro copo de champanhe em ocasiões importantes. Mas creio que já deve saber... Não pode ignorar uma informação tão fundamental sobre o homem com quem se casou.

- Isso não é da sua conta! - Polly respondeu furiosa.

- Raul é da minha conta, e sempre será. Fez uma da­quelas cenas quando soube que ele havia ido me ver naquela mesma noite?

Gelada, ela se virou devagar, sentindo a cabeça latejar.

- O que está dizendo?

- Apenas que nem eu o esperava tão cedo. Não precisei de um diploma de psicologia para saber que haviam discu­tido. Sua primeira noite na nova casa, e Raul preferiu ir visitar-me.

- Está mentindo... não acredito em você.

Mas Raul admitira ter ido visitar uma vizinha, não? Polly deixou que a criada enchesse seu copo. Melina era uma vizinha. Tecnicamente, o marido não mentira.

- Ele me procurou para conversar. Raul precisa de uma mulher, não de uma menininha insegura e assustada.

Polly bebeu metade do copo de vinho.

- Ele precisa de você tanto quanto necessita de uma dor de cabeça! - disse.

- Espero que esteja se sentindo melhor na próxima vez em que a vir, Polly. - Graciosa, Melina levantou-se.

Uma voz gelada como uma arma letal sussurrou no ouvido de Polly:

- Vou acompanhar nossos convidados até a porta, mi esposa. É melhor permanecer sentada, ou vai acabar caindo e me obrigando a enfiá-Ia no chuveiro gelado.

Devastada por perceber que o marido devia ter ouvido a última resposta que dera a Melina, ficou onde estava enquanto todos saíam, lançando olhares preocupados em sua direção e trocando, murmúrios de surpresa e desgosto quando Raul mencionou que a esposa sentia-se um pouco tonta.

Dois minutos mais tarde, Raul retornou e ergueu-a do sofá.

- Sinto-me miserável! - Polly soluçou desesperada.

Pego de surpresa, Raul abraçou-a com força e murmurou algumas palavras em espanhol. Devagar, levou-a para o quarto e depositou-a sobre a cama, onde a livrou dos sapatos.

- Vou morrer de dor de cabeça!

- Você está embriagada. - E abriu o zíper de seu vestido.

- Minha cabeça vai explodir!

Raul ajudou-a a despir o vestido e massageou os om­bros tensos.

- Precisa relaxar. Vou buscar um analgésico.

Teria tirado conclusões precipitadas? Ele não ouvira o que dissera a Melina, afinal? Já devia ter feito algum co­mentário, talvez reprovado sua rispidez aparentemente sem propósito.

- Por que estava zangado comigo? - murmurou.

- Porque estava flertando com Patrick.

- Eu? Flertando?

- Esqueça - Raul suspirou. - Não sabia que estava se sentindo mal. Para ser franco, fiquei surpreso quando a vi bebendo tanto.

- Sabia que teria uma dor de cabeça quando desci para receber os convidados. - Polly deixou que ele terminasse de despi-Ia. - Tenho a sensação de que vou morrer.

- Devia ter me contado. Melina disse que estavam fa­lando sobre a festa anual aqui no rancho. É verdade?

Polly ficou tensa.

- Não me lembro de nada. Minha cabeça dói muito. Você parece conhecê-Ia bem.

- Muito bem.

- Quando a convidou para o jantar de hoje?

- Na noite em que visitei meu avô. Fidélio é capataz do rancho que Melina aluga.

- Oh... Oh... - gemeu, unindo todas as informações e chegando a uma conclusão.

Raul fora procurar por Fidélio naquela noite para contar que ele tinha um bisneto. E fora então que encontrara Me­lina. Como fora tola! E por que não havia deduzido que em algum momento ele teria de encontrá-Ia pessoalmente para contar que se casara? Ao pensar nessa explicação simples e racional, Polly foi invadida por uma gigantesca onda de alívio.

- Estou muito cansada - confessou.

Raul levantou-a para ajudá-Ia a vestir o casaco do pijama de seda, cujas mangas enrolou com cuidado.

- Tenho uma vila no litoral. Acho que devemos ir passar alguns dias lá...

- Seria ótimo. - E fechou os olhos.

Polly dormiu profundamente, mas tenho sonhos horríveis e acordou assustada, suando e tremendo. Quando abriu os olhos, viu Raul parado na porta em seu traje de equitação.

- Que horas são?

- Cinco e meia. Volte a dormir.

Lembrando o que havia combinado com Patrick Gorman, pulou da cama no instante em que o viu fechar a porta.

Depois de uma ducha rápida, vestiu jeans e camiseta e saiu apressada, temendo atrasar-se. No corredor, decidiu passar pelo quarto do filho para vê-Io, como fazia todas as manhãs ao se levantar, e a cena que encontrou a encheu de espanto e desânimo.

Raul estava reclinado em uma cadeira enquanto o bebê dormia sobre seu peito.

- Pensei que já houvesse saído... - A voz soou fraca, porque de repente sentia o peso da mentira tola que pregara no marido.

- Nada é mais fascinante que a experiência de alimentar meu filho.

- Você mesmo o alimentou?

- Como o acordei ao entrar, achei que seria injusto não oferecer a mamadeira. Ele mamou como se não comesse há dias! Depois a babá trocou a fralda de Luís e eu fiquei aqui com ele.

Polly inclinou-se para pegar o filho e acomodá-lo no berço.

- O jeans significa que decidiu ir cavalgar comigo? Devia ter vestido algo mais confortável. Por outro lado, se está habituada...

Sem outra alternativa, Polly o seguiu até o estábulo.

- Não monto há anos - disse enquanto caminhavam.

- Mas essa é uma habilidade que ninguém perde. Al­gumas horas sobre a sela e estará se perguntando como conseguiu passar tanto tempo longe de um cavalo.

Horas? Polly estava assustada.

Patrick Gorman saiu do galpão ao ouvir os passos do lado de fora e parou ao ver Raul.

- Não estou acostumado a vê-Io por aqui à esta hora, Patrick. Polly decidiu me acompanhar esta manhã.

- É claro. Se precisarem de mim, estarei no escritório - disse sem encará-Ia.

Polly esperou como uma estátua de pedra enquanto dois empregados iam buscar os animais, EI Lobo, o grande ga­ranhão preto de Raul, e uma égua tão doce que parecia ainda estar dormindo.

Raul colocou um chapéu sobre a cabeça da esposa e er­gueu-a pela cintura, depositando-a sobre a sela.

Foi impossível conter o terror.

- Não sei cavalgar... Raul, não sei cavalgar! - ela gritou.

- Eu sei. - A resposta soou tranqüila. - Só um idiota completo não teria notado.

- Você... sabia? - Polly repetiu incrédula ao vê-lo montar.

- É claro que sim. Notei como ficou tensa quando se aproximou dos cavalos pela primeira vez. E como se não bastasse, era evidente que não tinha idéia sobre o que eu estava falando.

Polly ficou vermelha.

- Achei que me julgaria aborrecida se eu confessasse que jamais havia montado.

- Não pode ser tão ingênua a respeito dos homens. Qual deles não apreciaria compartilhar seus conhecimentos sobre qualquer assunto com uma mulher?

- Ontem à noite contei a Patrick que não sabia caval­gar... e ele se ofereceu para ensinar-me o básico esta manhã.

- Eu já suspeitava. Vou lhe dizer uma coisa, Polly. Não quero que minha esposa mantenha associações com os empregados.

- Não foi uma associação...

- E de agora em diante, nunca mais ficará sozinha com Patrick. Trate de garantir sempre a presença de uma ter­ceira pessoa.

- Não seja ridículo! - ela reagiu irritada.

- Como seu marido, tenho o direito de exigir um deter­minado padrão de comportamento.

- Não está sendo razoável. Patrick só queria...

- Se insistir em desafiar-me, serei forçado a demiti-lo.

Polly sabia que era inútil protestar, e por isso tratou de concentrar-se na aula de equitação. Finalmente Raul a levou para a planície num ritmo moderado.

- Está se saindo muito bem para uma principiante, mi esposa.

O comentário provocou uma reação intensa e inesperada. Era impossível não se surpreender com os contrastes da personalidade do homem com quem se casara. Num minuto era como um cavaleiro medieval questionando a honra de qualquer um que se aproximasse de sua prometida, e no outro um representante da mais moderna teoria da libertação feminina, incentivando a aquisição de novas habili­dades e elogiando seu progresso.

De repente Raul franziu a testa e Polly viu alguém se aproximando pela planície. Era um homem idoso com um vasto bigode prateado e um poncho muito antigo sob um chapéu de abas largas.

Raul falou com ele em espanhol.

- Meu avô, Fidélio Navarro - apresentou com tom seco.

O homem acenou com a cabeça, a expressão tão carran­cuda quando a de Raul. Ao vê-los trocando um cumprimento formal e gelado, Polly tomou uma decisão.

Sorrindo, estendeu a mão e esperou que Fidélio se apro­ximasse para apertá-la, o que aconteceu depois de alguma hesitação.

- Ficaria muito feliz se fosse conhecer nosso filho ­ela disse.

- Meu avô não fala inglês.

- Então, por favor, traduza o convite. E diga também que, como não tenho parentes vivos, seria muito impor­tante para mim se Luís tivesse a chance de conviver com o bisavô.

Depois de um silêncio tenso, Raul atendeu ao pedido. Fidélio encontrou o olhar ansioso de Polly e respondeu com palavras que soavam secas.

- Ele agradece por sua generosidade - Raul interpretou. - E promete que vai pensar no assunto.

Mas havia mais que isso nos olhos escuros de Fidélio; como se os traços perdessem parte da frieza e da rigidez que os tornavam tão austeros. Quando se despediram e seguiram em direções opostas, Polly ouviu Raul soltar o ar que havia retido nos pulmões.

- Por que interferiu num assunto que não é da sua conta? Acha que nunca o convidei para ir à minha casa?

- Se rosna para ele cada vez que o convida, não é de estranhar que ele nunca tenha aceito o convite. Quer saber de uma coisa? Você e Fidélio têm medo de abrir mão do orgulho para enfrentarem uma conversa franca.

- Não tenho medo de nada, e você não tinha o direito de...

- Fiz isso por Luís - mentiu. Agira pensando em Raul, que certamente desejava forjar laços mais próximos com o avô. - Nenhum de nós tem uma família para ofe­recer a ele.

- O que sei sobre família?

- Acha que eu sei mais do que você? Mas agora somos uma família, e podemos aprender como todas as pessoas do mundo.

- Uma... família? - ele repetiu perplexo. - Sim, supo­nho que esteja certa.

 

Depois de informá-la que partiriam para a vila no Caribe naquela mesma tarde, Raul entregou os cavalos ao criado e desapareceu. Polly tomou um banho para atenuar as dores no corpo e tentou imaginar como havia sido a infância do marido. Os anos entre o nascimento e a vida adulta deviam ter sido traumáticos.

Filho da amante de Eduardo Zaforteza, a mãe isolada em função de um relacionamento exibido diante do povo do lugar, quando o mais aceitável teria sido escondê-lo... Pilar devia ter sido humilhada e desprezada, e o tratamento cer­tamente afetara Raul. Até a adoção, nada havia sido certo ou seguro na vida dele.

Finalmente começava a entender o homem que amava, e o desânimo crescia na mesma proporção da compreensão. Em algum estágio da infância amargurada Raul aprendera a defender-se evitando os laços emocionais que poderiam ameaçá-Io.

E isso significava que estava alimentando esperanças vãs. Raul jamais a amaria. Para que o casamento sobrevivesse, tinha de organizar as próprias prioridades a fim de não esperar mais do que Raul podia oferecer.

Instalado confortavelmente na cadeira de cana-da-índia, Raul estudou-a com um sorriso divertido no rosto bronzeado, enquanto Polly observava fascinada os dançarinos na praia os tambores geravam o ritmo frenético que embalava corpos masculinos e femininos sacudidos por movimentos sinuosos.

- Sabia que ia gostar disso - ele murmurou satisfeito. - Então organizei a apresentação.

Polly obrigou-se a permanecer atenta aos bailarinos. Os movimentos sensuais se tornavam cada vez mais primitivos e envolventes.

Raul mantinha um braço sobre seus ombros, gerando um calor que a envolvia rapidamente. Nos últimos doze dias ele a ensinara o valor de cada hora que passaram juntos, de cada manhã que acordava a seu lado, esperando apreen­siva que ele anunciasse o momento de deixarem a vila. Afinal, no próximo final de semana aconteceria a festa anual no rancho. Mas Polly só queria permanecer quieta e silen­ciosa, porque ali nada parecia tocá-los.

Raul dava diversos telefonemas diários e usava um com­putador para acompanhar o progresso dos negócios, mas passava quase todo o tempo com ela, mais relaxado e sereno do que jamais o vira. Nunca se mostrava aborrecido. Pelo contrário. Era sempre uma companhia divertida, um ouvinte interessado e um amante terno e apaixonado. A única diferença entre o homem que conhecera recente­mente e aquele por quem se apaixonara em Vermont re­sidia na profundidade do relacionamento conferida pela intimidade sexual.

Mas havia uma nuvem no céu azul. Por quanto tempo suportaria conviver com o terror secreto de que um dia Raul voltasse à discreta ligação com Melina D'Agnolo?

Depois da apresentação, voltaram para a luxuosa sala de mármore da vila. Construída numa praia de areia muito branca e águas azuis, cercada por palmeiras e vegetação exuberante, a vila era um verdadeiro paraíso tropical.

Passaram pelo quarto de Luís e constataram que ele dor­mia profundamente em seu berço.

- Ele é realmente especial - Raul comentou, um braço em torno da cintura da esposa.

- Naturalmente... é seu filho!

Sorrindo, seguiram para a suíte principal e fizeram amor com o mesmo ardor das noites anteriores. Era impossível que Raul pensasse em outra mulher e ainda conseguisse amá-la com tanta paixão, como se ninguém mais o infla­masse como ela.

Satisfeita, Polly fechou os olhos e pensou na intensidade com que ele tratava o sexo. Para alguém que descrevera o ato como um mero apetite físico, Raul parecia disposto a provar que cada encontro era uma variação de um mesmo tema fascinante.

- Conte-me sobre a primeira vez em que se apaixonou - ele pediu.

Polly o encarou com ar surpreso. Raul não fazia perguntas pessoais. Além do mais, não tinha muito o que contar.

- Bem, ele se chamava...

- Não quero saber o nome. Apenas o que sentia.

- Bem, tonta e ridícula, acho. E depois fiz o que pude para esconder o que sentia. Assim que soube como ele realmente era, não consegui entender o que me havia atraído tanto.

- Quer dizer que a paixão acabou rapidamente? Por quê? O que aconteceu?

- Ele me empurrou para o quarto depois de um almoço rápido e disse que aquele era meu dia de sorte.

- Está brincando!

- Quando eu disse não, ele passou a insistir com uma mistura de fúria e irritação. Deve ter pensado que eu estava tentando me valorizar.

- Quantos anos tinha esse sujeito?

- Dezenove.

- Todos os adolescentes são insistentes. É como se não compreendessem o significado da palavra não.

- Você não era muito mais velho quando se envolveu com Melina e... quero dizer... - Havia falado demais, e era muito tarde para recuar. Por isso continuou: ­Melina contou que já houve uma ligação mais... íntima entre vocês.              

- Oh, ela contou? - Alguns instantes de silêncio indi­caram que o assunto havia chegado ao fim. - Voltaremos para casa na sexta-feira de manhã.

- Mas a festa... Temos de tomar dezenas de providências, e ainda nem comecei...

- Depois de todos esses anos de prática, os empregados já sabem organizar a festa sozinhos.

Polly estudou-o com a intensidade de uma mulher apaixonada. Se ele a traísse, morreria. Se o casamento acabasse, o futuro seria vazio. Não suportava pensar na vida sem ele. Queria agarrar-se a Raul como uma planta, mas isso seria o mesmo que fazer perguntas pessoais cujas respostas talvez não gostasse de ouvir.

 

Polly acordou sozinha na manhã da partida. Não havia nada de incomum nisso. Era um desafio manter Raul na cama depois do amanhecer. Tentando não ficar triste por estarem deixando a vila, ela foi tomar uma ducha.

Enquanto examinava o guarda-roupa que crescia a cada dia, lembrou momentos preciosos da estadia no Caribe. Os passeios de mãos dadas pelo boulevard Paseo Colón em Puerta Ia Cruz, a brisa fresca que vinha do oceano, os pas­seios de lancha pelos mangues sinistros no Parque Nacional Mochina, os churros crocantes recheados com chocolate que saborearam em Isla Margarita, as compras em Caracas e no shopping Paseo Ias Mercedes... Havia sido encantador descobrir um homem capaz de desfrutar do prazer de uma tarde de compras.

Estava feliz. Sim, tinha de admitir que era uma mulher muito, muito feliz. Sentindo-se bem no conjunto de saia e jaqueta verdes, abriu a porta do quarto de Luís e sorriu ao ver o berço vazio. O bebê devia estar no carrinho acompa­nhando os movimentos do pai no escritório, talvez sorrindo e fazendo ruídos graciosos enquanto Raul falava ao telefone.

Podia ouvir a voz dele à medida em que se aproximava, sorridente, aproximou-se da porta entreaberta.

- ...aborrecido, eu? - Raul perguntava com tom diver­tido. - Em minha lua-de-mel, Melina? Francamente! Nos últimos dias tenho pensado em inglês.

Polly parou onde estava. O coração batia tão depressa que parecia ecoar no interior do cérebro, e teve de se esforçar para continuar ouvindo. Mas tudo que escutava era o si­lêncio. Olhou pela pequena fresta e viu Raul apoiado na mesa, os dedos tamborilando sobre a superfície polida.

- É claro que aprecio sua lealdade, Melina - ele con­tinuou com tom rouco. - Também estou ansioso para vê-Ia esta noite. Não, acho que não será difícil. Ainda não estou usando coleira.

 

CAPÍTULO XI

Não era o bastante. Ouvira coisas capazes de deixá-Ia doente de ódio e tristeza, mas não dispunha de evidencias para confrontá-lo e exigir a ver­dade. E sem provas, não correria o risco de destruir o ca­samento por causa de ciúmes.

Estava terminando de vestir roupas limpas depois do ba­nho prolongado na suíte do rancho, quando Raul entrou para anunciar a chegada de um visitante.

- Meu avô está aqui - ele contou entusiasmado.

Fidélio Navarro esperava no hall, girando o chapéu entre as mãos. Polly desceu a escada e correu para abraçá-Io e beijá-Io como se recebesse um parente próximo e querido. Ele sorriu e relaxou.

Minutos depois estavam no escritório, e Fidélio segurava o bisneto nos braços com evidente emoção.

- Ele disse que o menino tem os olhos de minha mãe - Raul traduziu as palavras pronunciadas num espanhol rápido.

Sentindo que era hora de promover a tão esperada re­conciliação, Polly pegou o filho e dirigiu-se à porta.

- Convide-o para um drinque de reconciliação - sugeriu ao marido. - E conversem. Fale sobre sua mãe, sobre como a amava, sobre as coisas serão diferentes agora que forma­mos uma família.

Sabia que as barreiras existentes entre os dois homens cairiam por terra.

Duas horas mais tarde, através da janela do quarto, viu Fidélio abraçar Raul antes de montar no cavalo e partir. Uma onda de alívio a invadiu. Ao menos conseguira uma vitória naquele casamento até então destinado ao fracasso.

 

- Não é exatamente um presente - Raul explicou depois de ajudá-Ia a fechar o colar de diamantes que fazia conjunto com os brincos. - As jóias foram de minha mãe, e agora são suas.

Polly olhou para o espelho e sentiu um nó se formando em sua garganta.

- São lindos...

- Ninguém jamais a viu usá-los. Meu pai não costumava aparecer em locais públicos com minha mãe, nem permitia que ela os freqüentasse sozinha.

- Oh, céus... que tristeza!

- Não, mi esposa. Não é hora para tristeza. Perten­cemos a outra geração e a família Zaforteza acaba de passar por um renascimento. Sou muito grato pela ter­nura com que nos ajudou a cicatrizar antigas feridas do passado e pelo empenho em convencer Fidélio a se tornar parte de nossas vidas.

Respirando fundo para conter as lágrimas de emoção e surpresa, Polly virou-se para o espelho. Estava elegante com os cabelos presos num coque elaborado. O vestido verde com aquele maravilhoso decote canoa e mangas retas na altura dos ombros enfatizava a silhueta esguia, sem men­cionar o salto alto e fino dos sapatos italianos e o mar de diamantes com que Raul a cobrira. Mas nada disso impor­tava comparado à sinceridade que havia iluminado os olhos dele. Polly tinha a impressão de que explodiria de amor e felicidade.

E então, como se algo tomasse corpo em sua alma, como se já não pudesse mais conter-se, ele segurou suas mãos e encarou-a.

- Acho que amo você...

Polly arregalou os olhos e foi tomada de assalto pela dor. Os dedos soltaram os dele com um movimento brusco que falava de repúdio.

- Não! O que sente é apenas gratidão. Por isso está mais sentimental e afetuoso. Desculpe-me se dei a impressão de que só o verdadeiro amor poderia satisfazer-me. Fran­camente, sou capaz de contentar-me com fidelidade. Está vendo? Finalmente baixei o nível das minhas expectativas para um patamar mais realista!

Raul a encarava pálido e tenso. Abriu a boca para responder, mas batidas vigorosas na porta o impediram de falar.

- Nossos convidados estão chegando - ele deduziu. Não foi um bom momento para descer a escada e descobrir que Melina D'Agnolo havia chegado com a primeira turma de convidados. Espetacular no vestido vermelho e arrojado, com os cabelos louros soltos sobre os ombros numa cascata brilhante, ela ostentava um sorriso radiante na boca rosada.

Dezenas de malas eram levadas para o segundo andar. Nem todos ficariam hospedados no rancho durante todo o final de semana, e poucos dormiriam na casa. O centro eqüestre possuía acomodações espaçosas e confortáveis onde Raul costumava instalar seus hóspedes por oca­sião das conferências e partidas de pólo que organizava, e a maioria dos convidados ficaria na porção mais afastada da propriedade. Depois de um instante de pânico, Polly res­pirou fundo e assumiu seu lugar ao lado do marido.

Como ser simpática e fazer amizades sempre havia sido um de seus pontos fortes, logo conseguiu relaxar e até divertir-se, especialmente quando viu o brilho de aprovação nos olhos do marido.

À certa altura, depois do espetáculo de fogos de artifício, Melina finalmente conseguiu surpreendê-la sozinha.

- Está cuidando dele como uma mãe devotada, não é? - A condessa não escondia o desgosto. - Coberta de dia­mantes valiosos... Espero que eles a consolem nas noites que passa sozinha em sua cama.

Pálida, Polly viu Melina afastar-se com um sorriso vitorioso.

Segundos depois mãos fortes a seguraram pelos ombros.

- Melina está muito simpática esta noite! - Raul co­mentou em voz baixa.

Ela pulou como se houvesse sido chicoteada.

- Na verdade...

- Sim?

- Ela estava admirando meus diamantes.

- Oh, sim, Melina adora jóias... mas não as que já per­tencem a outras mulheres.

A afirmação só serviu para confirmar que Raul conhecia profundamente o caráter da condessa, o que a fez sentir-se ainda mais isolada e infeliz.

Afinal, por que Raul havia falado de amor, se era incapaz de amar? Para compensá-la, como Melina havia sugerido? As palavras eram fáceis de dizer. Teria sido culpa? Sabendo que estava prestes a traí-Ia, oferecera a declaração de amor como um prêmio de consolação? Ou para desviar qualquer possível suspeita sobre sua fidelidade? Mas o comentário que ele fizera sobre o caráter da condessa... era quase como se não confiasse nela.

Como também não confiava nele? A comparação incons­ciente teve o poder de chocá-la. Porque havia confiado nele até ouvir aquele telefonema. E só não contara todas as coisas horríveis que Melina dissera no dia em que havia chegado ao rancho por medo de repetir a terrível cena que protago­nizara no jato, a caminho da Venezuela, quando ele a cha­mara de ciumenta obsessiva. Por outro lado, o que estava esperando para provocar uma conversa franca e direta? Sur­preendê-lo nos braços da amante?

Não! Agiria enquanto ainda tinha esperanças de con­quistá-lo, antes que Melina desse o último e definitivo golpe. E o momento era mais do que oportuno, porque a condessa conversava com seu marido e o cobria de aten­ção, tocando seu braço enquanto inclinava a cabeça para falar em voz baixa, sugerindo uma intimidade que talvez nem existisse.

Determinada, aproximou-se dos dois antes que perdesse a coragem.

- Raul... gostaria de dançar? - Horrorizada, esperou pela humilhação de ser rejeitada em público, e diante dos olhos atentos da condessa D'Agnolo.

Mas, em vez de recusar seu convite, ele a enlaçou pela cintura e levou-a para um canto discreto do jardim.

- Não queria mesmo dançar - Polly confessou, tentando descobrir por que ele parecia tão zangado. - Precisava con­versar com você em particular. E se está aborrecido agora, vai ficar ainda mais furioso quando eu terminar de falar. Se quiser esperar até mais tarde...

- Fale agora.

- Bem, eu... ouvi quando conversava com Melina pelo telefone da vila.

- Ouviu?

Não era a resposta que esperava, mas agora que havia começado, iria até o fim.

- Quero que saiba que até aquele momento confiei em você. Deve estar estranhando essa conversa, mas o fato é que Melina contou que era sua amante assim que pus os pés nesta casa, e ela afirmou que você voltaria para ela. Depois ela disse que havia ido procurá-la, e embora tenha me contado que esteve com Fidélio...

- Um ponto de cada vez - Raul a interrompeu. – Melina me telefonou na vila para dizer que, depois de uma dura batalha com uma consciência que nem possui, ela decidiu que tinha o dever de revelar que você estava se encontrando com Patrick Gorman.

Chocada, Polly só conseguiu encará-lo com a boca aberta e os olhos arregalados.

Raul riu.

- Sabia que isso a faria parar de falar.

Então a diabólica condessa estivera se empenhando em duas frentes!

- Dividir e conquistar - ele concluiu com um suspiro indiferente. - Não acreditei em uma palavra do que Melina disse, mas fingi levá-la a sério para descobrir até onde ela iria em sua determinação de criar problemas entre nós. Agora sei que ela também estava tentando envolvê-la com suas mentiras sórdidas. - Chamou uma criada que passava e disse algumas palavras em espanhol antes de dispensá-Ia.

- Quero saber tudo que Melina andou lhe dizendo.

- É melhor sentar-se, porque ela falou muito.

- E pelo que vejo, o veneno caiu em solo fértil. Naquela primeira noite em que a convidei para jantar, observei-a a seu lado e logo suspeitei do comportamento doce e atencioso. Devia ter me contato tudo antes. Mas você não disse nada, e cheguei a pensar que havia sido injusto com Melina.

- Não queria que me considerasse ciumenta outra vez. Segurando-a pela mão, Raul levou-a de volta ao interior da casa.

- Precisa de provas para confiar em mim? - perguntou. - Pois bem, vamos confrontar aquela víbora juntos! Mandei a criada dizer a Melina que estaria esperando por ela no escritório.

Raul abriu a porta. A condessa estava lá dentro, apoia­da num canto da escrivaninha. Ela se preparou para re­cebê-lo com uma demonstração de carinho, mas o sorriso desapareceu de seus lábíos assim que Polly surgiu ao lado do marido.

- Depois de todas as mentiras que andou contanto, estou surpreso por ainda ser capaz de encarar-me - Raul dispa­rou com tom frio.

Surpresa com o ataque direto, ela se mostrou ofendida.

- Mas o que....

- Fui mais que justo com você. Quando me procurou há um ano, preocupada com problemas financeiros, fui com­preensivo e solidário.

Um vermelho intenso tingiu o rosto de Melina.

- Queria mais que solidariedade, Raul!

- Você foi uma excelente anfitriã em minha casa, mas recebeu muito bem por seu trabalho. Foi apenas uma tran­sação comercial.

- Não fosse por essa mulher e aquele bebê, poderíamos ter ido muito  além disso.

- Nunca pensei nessa possibilidade. Aprendi quem é você quando eu tinha dezenove anos, mas estava disposto a ajudá-Ia como amigo. As mentiras que inventou para me separar de Polly só provam que não mudou nada, Melina. Não reconheceria o amor nem que fosse atropelada por ele!

E ganância e ambição continuam me repelindo tanto quanto no passado. Espero que desocupe a casa onde mora até o final do mês, porque não tenho nenhuma intenção de con­tinuar pagando o aluguel. E quanto às visitas freqüentes que sempre fez à minha casa... saiba que a partir deste momento não é mais bem-vinda aqui. Mandarei o motorista levá-Ia embora imediatamente.

Sem dizer mais nada, Raul saiu do escritório levando a esposa.

- Então... ela nunca foi sua amante! - Polly concluiu entusiasmada, tomada por uma súbita e envolvente onda de esperança.

- Tivemos um caso muito breve quando eu tinha deze­nove anos. Embora não soubesse disso, não fui o único aman­te de Melina naquela época. Ela é vários anos mais velha que eu, e acabou me envolvendo com seu charme estudado e sua sofisticação. Mas não era um idiota completo, e Melina nunca foi capaz de esconder sua ganância. Por mais caro que fosse o presente, ela sempre queria mais. Quando per­cebeu que eu não tinha planos de casar-me, a condessa envolveu um rico industrial de mais de sessenta anos e tornou-se sua esposa.

- E ele morreu...

- Não. Melina se casou duas vezes. O primeiro marido pediu o divórcio, o segundo morreu e deixou-a na miséria.

- E foi então que ela o procurou em busca de ajuda?

- Exatamente. Não devia tê-Ia ajudado. Sempre soube que essa mulher é uma víbora, mas... Meu Deus, nem per­cebi que ela esperava retomar aquela ligação do passado.

- Não se recrimine, Raul. Eu fui a grande idiota.

- É verdade. Devia ter me contado toda a verdade. Aca­bou por protegê-Ia com seu silêncio.

Voltaram à festa e tiveram de esperar várias horas até que todos os convidados se retirassem e eles pudessem desfrutar de alguma privacidade.

- Não teremos muitos momentos de solidão durante o final de semana, mas felizmente partiremos para Londres na segunda-feira - ele comentou assim que fechou a porta da suíte.  - Tenho uma surpresa para você. É seu aniver­sário, não?

- Londres? Uma surpresa de aniversário? - ela repetiu entusiasmada. - Do que se trata?

- Se eu contar, estragarei a surpresa. Mas há algo que quero que saiba desde já.

- O que é?

- Apaixonei-me por você em Vermont - ele confessou, passando os braços em torno de sua cintura. - Mas só me dei conta disso  recentemente. Sentia-me possessivo, mas nunca gostei de analisar meus sentimentos. Quando desa­pareceu levando meu filho em seu ventre, nem precisei in­ventar desculpas para ir procurá-Ia. E quando descobri que manter nossa relação num nível impessoal era um grande desafio, disse a mim mesmo que só me sentia atraído porque você era a mãe de meu filho.

- E conseguiu convencer-se disso.

- Tive até uma boa desculpa para casar-me com você.

- Eu o forcei a aceitar o casamento.

- Mas eu podia ter dito não, e aceitei a imposição. Você me ajudou a ignorar a necessidade de tê-Ia meu lado a qualquer custo... e depois desapareceu quando eu já me sentia novamente dominado pela frustração. Fiquei furioso como jamais estive em toda minha vida, mas o maior sen­timento era o medo de não conseguir encontrá-Ia pela se­gunda vez. Então decidi que só precisava fazer amor com você para voltar ao normal, recuperar a frieza e a clareza de raciocínio. Mas não foi bem assim.

- Não?

- Quando retornei daquela cavalgada noturna e não a encontrei em seu quarto, quase enlouqueci de medo e de­sespero. Foi então que me dei conta do poder que você tinha sobre mim... e essa foi uma descoberta assustadora. Senti ciúme de Patrick como jamais imaginei ser possível, passei a agir de maneira irracional, infantil... Até que, finamente, não pude mais deixar de reconhecer que estava apaixonado. Amo você, Polly. - E tomou-a nos braços para um beijo ardente e sensual.

- Oh, Raul! Também amo você!

Minutos depois estavam na cama, nus, selando as pala­vras de amor com carícias tão apaixonadas que o êxtase foi rápido e intenso.

 

- Por que me trouxe aqui? - Polly perguntou três dias mais tarde, quando a limusine parou diante da casa que havia sido de sua madrinha em Surrey.

- Feliz aniversário! Comprei a mansão há alguns meses, nem sei por quê. Vim procurar por você e lembrei-me de que sempre falava desse lugar com carinho e saudade. O corretor de imóveis estava mostrando a propriedade a um casal, e a mulher falava sobre cortar as roseiras do jardim onde você e sua madrinha costumavam conversar.

- Comprou a casa... para mim?

- Exatamente.

Só então Polly percebeu que havia um helicóptero no pátio dos fundos e outra limusine na entrada do jardim.

- Quem está aqui? - perguntou intrigada.

- Suas amigas Maxie e Darcy.

- Maxie e Darcy?

- Tentei levá-Ias para a festa, mas Maxie está grávida, e não suportou a idéia de uma longa viagem de avião. Por isso providenciei uma reunião aqui.

- Raul... Na última vez em que estive com Maxie e Darcy, tive medo de ter de separar um confronto físico. Éramos grandes amigas, até que, há três anos, as duas se afastaram. Darcy ia se casar e Maxie era uma das damas de honra. O noivo de Darcy apaixonou-se por ela e as duas nunca mais voltaram a se falar sem trocarem agressões.

- Mas agora tudo mudou, e as duas estão aqui para vê-Ia.

Minutos mais tarde, Polly entrava na biblioteca onde ha­via sido lido o testamento de Nancy Leeward e era abraçada pelas amigas. Maxie e Darcy falavam sem parar, revelando um entusiasmo que há muito não testemunhava nos even­tuais encontros entre as duas.

- Sei que aquele é Ângelo, porque vi diversas fotos dele nas colunas sociais - Polly sussurrou. - Mas quem é o outro?

- Meu marido, Luca - Darcy anunciou orgulhosa. ­- Gianluca Raffacani. O pai de Zia.

Como Polly tinha idéias completamente diferentes a res­peito da identidade do pai da filha de Darcy, os dois anúncios a deixaram sem fala.

- Que tal sairmos daqui por meia hora? - Maxie sugeriu num sussurro, apontando para os homens reunidos no canto oposto da sala.

As três partiram para uma suposta turnê pela casa. Polly foi informada sobre como Darcy havia telefonado para Maxie algumas semanas antes para promover a reconciliação.

- Somos amigas novamente - Darcy completou.

- Isso é maravilhoso! Parabéns pelo casamento. Eu soube que você está grávida, Maxie!

- Nunca me senti tão enjoada em toda minha vida. Mas o médico já disse que tudo isso vai passar dentro de algumas semanas. E todo o sofrimento será recompensado, se eu tiver um bebê tão lindo como o seu.

- Acham que Nancy está satisfeita conosco agora? ­

Darcy perguntou com um suspiro melancólico.

- Não sei, mas posso afirmar que ela me fez um favor - Maxie confessou. - Por causa do testamento me apro­ximei de Ângelo.

- Lucas mudou minha vida - Darcy confidenciou.

As duas olharam para Polly, que ficou vermelha.

- Raul é fabuloso.

- Oh, não! - Maxie exclamou. - Que triste destino o nosso! Apaixonadas, amadas, ricas e felizes!

 

Horas mais tarde, quando se deitou ao lado do marido na enorme cama de casal da suíte principal da casa que havia sido da madrinha, Polly temia explodir de felicidade.

- Sobre o que falaram tanto hoje à tarde? - ele per­guntou, referindo-se ao tempo que a esposa havia passado no jardim com as amigas.

- Não posso revelar um segredo da irmandade.

- Estavam falando sobre nós. E nós falávamos sobre negócios.

- Mentiroso! Ficamos atrás da porta da biblioteca ou­vindo Ângelo dizer como Maxie será uma mãe maravi­lhosa. Luca falava sobre o vasto conhecimento de Darcy no campo das artes, e você elogiava meu talento inato para a equitação!

Raul virou-se e imobilizou-a sob o peso do corpo.

- Reconheço que exagerei um pouco, mas todos os outros estavam se gabando, e não quis ficar para trás... Na verdade, o que gostaria mesmo de dizer era que a amo. Amo você como nunca imaginei que pudesse amar alguém.

- Também amo você, Raul. - E Polly entregou-se como se não houvesse mais nada no mundo além do prazer de estar nos braços do homem amado.

 

                                                                                            Lynne Graham

 

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

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