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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A BELA ESPIÃ / Barbara Cartland
A BELA ESPIÃ / Barbara Cartland

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A BELA ESPIÃ

 

Disfarçada de dama de companhia, a missão de Zuleika era, na verdade, servir de espiã para descobrir uma trama para invadir o pequeno principado da Silésia. Tudo ia muito bem, até aparecer o príncipe Vaslov. Vaslov achava a dama de companhia da princesa refinada demais, bela demais.

Uma mulher como aquela devia ser o porto-seguro para um homem acostumado a viver tensões e conflitos. E era isso que ele queria. Uma mulher que não representasse perigo. Mas era aí que ele estava enganado!

 

CAPÍTULO I

1820

A princesa Zuleika desmontou do excepcional puro-sangue negro, agradeceu ao cavalariço a quem entregou as rédeas do animal e entrou no palácio.

- Onde está Sua Alteza Real? - perguntou ao ajudante-de-ordens.

- Na biblioteca, Alteza - ele informou.

Ansiosa para ver o pai, a jovem princesa correu pelos recantos do palácio. Tinha certeza de que encontraria o príncipe sentado à escrivaninha, concentrado no livro que escrevia sobre a história da Silésia.

Ouvindo a porta abrir-se, o príncipe ergueu a cabeça e sorriu para a filha.

- Ah, minha querida, é muito bom vê-la de volta.

- Vim dizer-lhe, papai, que o cabalo novo é extraordinário e muito veloz! O senhor e eu podemos apostar uma corrida - propôs Zuleika.

- Está bem. Que tal amanhã? Acredito que não estarei muito ocupado. - O príncipe levantou-se e ficou de pé junto à lareira que, por ser verão, estava repleta de flores. - Quero falar-lhe, minha filha. Sente-se perto de mim.

Sua expressão tornou-se tão séria que Zuleika olhou para ele, surpresa.

O príncipe Laszlo era muito bonito. Seus cabelos já começavam a ficar grisalhos nas têmporas, mas ele era activo, excelente cavaleiro e tinha um físico de atleta.

Zuleika sentou-se e aguardou, apreensiva.

- Receio que você não gostará do que lhe vou dizer - o príncipe começou. - No entanto, trata-se de algo que terá de fazer, minha filha.

- Terei de fazer? O que é, papai?

- Esta manhã chegou do palácio um emissário de Krnov. O primeiro-ministro daquele principado mandou convidá-la, minha filha, para ser dama de companhia da princesa Adele.

- Dama de companhia! - Zuleika repetiu, perplexa. - Espero que o senhor tenha dito "não", papai!

- Pedi algum tempo para discutir com você. Na minha opinião, não pode recusar o convite - ponderou o príncipe.

- É claro que não quero morar em Krnov! Não posso deixá-lo, papai! - Zuleika protestou. - Sentirei saudades do senhor.

- Também sentirei muito sua falta. É claro que eu teria dito "não" se ignorasse que a situação em Krnov é muito séria - o príncipe argumentou.

- Séria? Por que diz isso, papai?

- Você sabe tão bem quanto eu, filha, que Opava, Krnov e Cieszyn são os únicos principados independentes daquilo que já foi uma Silésia livre.

- Sim, papai. Conheço bem a história da Silésia.

Zuleika lembrou que em 1742, de acordo com o Tratado de Berlim, a rainha Maria Teresa da Áustria fora obrigada a ceder a Alta e a Baixa Silésia ao rei Frederico II da Prússia, com excepção dos três principados: Krnov, Opava e Cieszyn, que ergueram a cabeça e mantiveram sua independência.

Rica em carvão, chumbo, zinco e ferro que, extraídos das minas, eram utilizados nas fábricas, a Silésia tornara-se um dos mais importantes distritos industriais da Europa.

Na Guerra dos Sete Anos, de 1756 a 1763, os austríacos tentaram recuperar a Silésia, mas não conseguiram.

- Como soberano de Opava, orgulho-me de dizer que nosso povo tem demonstrado que merece sua independência. Acredito que conquistamos o respeito até mesmo de nossos vizinhos prussianos - prosseguiu o príncipe, interrompendo os pensamentos da filha.

- Conquistamos esse respeito graças ao senhor, que tem sido maravilhoso e sabe lidar com nossos vizinhos com tacto e diplomacia. No passado os prussianos nos desprezavam - Zuleika observou.

- O que me aborrece é a atitude do príncipe Majmir. Ele não procura ser cordial com nenhum de seus vizinhos livres. Mas não posso julgá-lo, pois mal o conheço.

- No entanto, o senhor tem ouvido comentários a respeito dele - lembrou Zuleika.

- Comentários desabonadores, infelizmente. - O príncipe suspirou. - Ao contrário do que aconteceu em Opava, Krnov estacionou. Sua Alteza Real não tem fomentado o progresso de Krnov e não explora suas riquezas minerais. Meu receio é que os prussianos acabem assumindo o poder daquele principado.

- Eles não podem fazer isso! - Zuleika exclamou. - Se o fizerem, invadirão também Opava e Cieszyn.

- É o que eu receio. Compreende agora, minha filha, que a sua ida a Krnov será providencial? Você é inteligente e poderá ser muito útil se estiver dentro do palácio. Eu não posso interferir, pois o príncipe Majmir, provavelmente, dirá para eu cuidar de minha própria vida. Mas você poderá ver o que há de errado e mostrará o que deve ser feito.

- Duvido que eu possa ajudar em alguma coisa. O príncipe não me ouvirá - Zuleika contrapôs.

- Bem, minha filha, o que quero é obter informações sobre o que está acontecendo realmente. Se eu ficar sabendo que há perigo iminente de invasão dos prussianos, me aliarei ao príncipe Vaslov, de Cieszyn. Juntos teremos mais condições de manter a independência.

- Como é o príncipe Vaslov? - Zuleika interessou-se em saber.

- Há anos que não vejo o jovem príncipe. Depois de terminar a universidade com brilhantismo ele decidiu viajar pelo mundo - o pai esclareceu.

- Faz muito bem. Ele subiu ao trono recentemente, não?

- Sim, o pai morreu seis meses atrás. Disseram-me que, com suas idéias novas, o príncipe Vaslov está transformando o principado. Em poucos meses Cieszyn já dá mostras de progresso em vários sectores.

- O príncipe Vaslov demonstra que tem amor à sua gente e ao país. Ele será um óptimo aliado, papai.

- É o que eu quero. Nós, os soberanos dos três principados independentes, devemos deixar de lado a nossa individualidade e nos unir. Caso contrário, seremos engolidos pelos prussianos da Alta e Baixa Silésia. É por esse motivo que estou ansioso para saber o que acontece em Krnov.

- Compreendo. Entretanto, embora seja assustador ficar no palácio como informante, o que mais me desagrada é afastar-me do senhor, papai - Zuleika queixou-se.

- E você acha que não sofro só de pensar na nossa separação, minha querida? Agora que suas aulas com preceptores e sua governanta terminaram, eu tinha grandes planos para ficarmos juntos mais tempo. Só você consegue me alegrar e impedir que eu caia em depressão como aconteceu há um ano, quando sua mãe morreu - disse o príncipe com uma nota na voz que revelava o quanto ele sofria por ter perdido a esposa.

- Ainda sinto muito a falta de mamãe - Zuleika murmurou.

A morte da princesa Helen fora inesperada. Sua Alteza Real era extremamente feliz e demonstrava ser muito saudável. Visitava com frequência os pobres, velhos e doentes, achando que era dever fazer isso.

Por ocasião da visita a uma família onde havia um homem recém-chegado do Oriente, a princesa contraia uma doença desconhecida dos médicos de Opava, mas que não parecia grave.

Notando que apesar do tratamento a esposa piorava, o príncipe Laszlo mandou vir de Viena o médico mais renomeado. Mas quando ele chegou a princesa já estava morta.

A morte de sua alteza Real foi um golpe para todo o principado, pois a princesa Helen era muito querida; os pobres veneravam-na por sua bondade e dedicação.

Inglesa de nascimento e parente distante da rainha Vitória, a princesa Helen fora prometida em casamento ao príncipe Laszlo. Quando os noivos se conheceram apaixonaram-se e foram gloriosamente felizes.

A princesa Helen lamentava não ter dado ao marido um filho que sucedesse no trono. Mas o casal adorava a filha, para eles um anjo enviado do céu.

Lembrando-se da mãe, Zuleika perguntou ao príncipe:

- O senhor acha, papai, que, se vivesse, mamãe aprovaria minha ida a Krnov para ser dama de companhia da princesa Adele?

- Com toda certeza - o pai respondeu. - Helen jamais deixaria de atender alguém que a ela tivesse pedido ajuda.

- Pedido ajuda? - Zuleika estranhou. - A meu ver o primeiro-ministro me fez apenas um convite.

- Engana-se, filha - o príncipe discordou. - Entendi nas entrelinhas que o primeiro-ministro recorreu a mim porque ele e todo o gabinete estão preocupados. Eles precisam do meu apoio e da minha ajuda. Portanto, tenho de saber qual é a verdadeira situação em Krnov.

- E o senhor acha que eu conseguirei as informações de que precisa, papai? Isso não será fácil para uma dama de companhia da princesa - Zuleika considerou.

- Pelo menos você pode tentar. Confio na sua intuição e sua inteligência. - Havia uma ruga funda na testa do príncipe.

Um estremecimento passou pelo corpo de Zuleika. O que menos desejava era ficar sob o jugo da Prússia. Os prussianos eram um povo dinâmico, eficiente e progressista, porém ambicioso e opressor.

Era verdade que a Silésia tornara-se muito mais rica e poderosa após ter ficado sob domínio da Prússia, mas nem por isso os silesianos eram felizes.

Ouvia-se falar sobre perseguições e protestos do povo contra os altos impostos.

Após um instante em silêncio, Zuleika quis saber:

- Se eu aceitar o convite feito pelo primeiro-ministro, quanto tempo devo ficar em Krnov?

- Vai depender das informações que você obtiver. O principal é descobrir se precisamos reforçar nossas defesas antes que seja tarde demais.

- Se os prussianos estão interessados em Krnov, eles já devem ter colocado lá seus agentes e sabem melhor do que ninguém de tudo o que está acontecendo - Zuleika argumentou.

- Posso afirmar que a situação não é tão crítica a esse ponto - disse o príncipe. - Por enquanto, há tranquilidade em Krnov e o povo parece feliz. Porém, o actual primeiro-ministro, homem inteligente e com experiência, embora ocupe o cargo há pouco tempo, está apreensivo, achando que o laisser-faire poderá vir a ser desastroso.

A princesa Zuleika era inteligente e muito culta. Apreciava bons livros e dava grande valor à biblioteca enorme que havia no palácio. Tanto ela como o pai gostavam de ler os novos livros publicados para discutir sobre o que haviam lido.

Embora não demonstrassem, Zuleika e o pai não gostavam dos prussianos porque eles se beneficiavam das riquezas da Alta e da Baixa Silésia e da quantia fabulosa que arrecadavam com taxas e impostos, mas tratavam o povo com desdém.

Na verdade, não havia ninguém na Silésia que não preferisse a distância dos Habsburgos à dos Huhenzollern.

Alguns anos passados, quando as minas de ouro e prata se esgotaram, os prussianos, irritados com a queda na arrecadação, tiraram dos silesianos o que puderam.

Conhecedores da ganância e da agressividade dos conquistadores da Silésia, os três principados independentes mantinham-se bem armados e atentos. Porém, recentemente, Krnov não vinha seguindo o exemplo dos outros dois principados e isso preocupava o príncipe Laszlo.

Graças à união e ao eficiente sistema de defesa, os principados de Krnov, Opava e Cieszyn, eram respeitados e asseguravam sua liberdade. Com um deles enfraquecido ou se os três não mantivessem a união, seriam presas fáceis para um inimigo poderosíssimo como era a Prússia.

Zuleika foi até a janela e olhou para o jardim repleto de flores. Nesse instante pombas brancas, pousadas no largo peitoril, voaram na direcção da linda fonte de mármore.

- Como suportarei afastar-me do senhor e de tudo isto, que é tão lindo, e que amo tanto, papai? - ela questionou.

- Nada nos impede de recusarmos o convite do primeiro-ministro e continuarmos aqui, felizes. Mas devemos ser honestos o bastante para reconhecer que o nosso povo corre perigo. - O príncipe sentou-se à escrivaninha e esmurrou-a, demonstrando indignação. - Por que o príncipe Majmir não é um soberano mais devotado a seu povo? O que estará acontecendo para ele mostrar-se tão negligente? É verdade que Majmir perdeu a esposa, mas sua morte ocorreu há alguns anos e já houve tempo de recuperar-se. Além disso, segundo dizem, Majmir não a amava. Receio que o príncipe não dê atenção à filha, da mesma forma que negligencia o país.

- Como pode ser isso? O príncipe Majmir deve estar doente - Zuleika opinou.

- É uma possibilidade. O emissário apenas insinuou que o príncipe não se interessa pelo que acontece no dia-a-dia e deixa o governo do país aos cuidados do gabinete. O primeiro-ministro anterior foi um desastre.

- E o primeiro-ministro actual está tentando organizar o governo e modernizar o país - Zuleika deduziu.

- Sim, mas será uma tarefa árdua. O emissário do primeiro-ministro insinuou que a princesa Adele deve ter uma dama de companhia capaz de ajudá-la a preparar-se para ocupar o trono - revelou o príncipe Laszlo.

- Como, papai? - Zuleika arregalou os olhos. - Então o príncipe Majmir está pensando em abdicar?

- Espero que não. O primeiro-ministro está apreensivo porque a princesa Adele, apesar de ter completado dezoito anos, é imatura.

- Uma princesa imatura no trono seria uma oportunidade excelente para os prussianos ocuparem Krnov - Zuleika raciocinou.

- Você acaba de expor o meu pensamento.

Zuleika deu um profundo suspiro.

- Está bem, papai, irei a Krnov - decidiu. - Ficarei com a princesa até descobrir o que está acontecendo. Acredito que em pouco tempo conseguirei as informações que o senhor precisa. Então, com a desculpa de que estou com saudades do senhor, virei contar-lhe o que descobri. Uma vez em casa, eu "ficarei" gravemente enferma e o primeiro-ministro terá de encontrar outra dama de companhia para substituir-me.

- Você está indo depressa demais, filha! - protestou o príncipe erguendo as mãos. - Temos de vencer um obstáculo de cada vez. O primeiro deles é você aceitar o convite do primeiro-ministro e instalar-se no palácio como dama de companhia da princesa Adele. Então veremos o que fazer.

- Estive pensando que os prussianos adorariam colocar as mãos tanto em Opava como em Krnov. Ambos os principados têm muitas riquezas, entre elas chumbo, ferro e zinco em grande quantidade e há procura cada vez maior desses metais.

- Pois os prussianos não terão nada do que é nosso - o príncipe falou com determinação. - Você irá para o palácio do príncipe Majmir, querida filhinha e, tenho certeza, com sua perspicácia e inteligência, descobrirá o que se passa em Krnov. Suas informações serão precisas.

- Não temos comunicação diplomática com Krnov? - Zuleika perguntou.

- Não. Nunca precisamos disso. Nada queremos daquele principado e eles, excepto agora, nunca precisaram de nós. - O príncipe Laszlo deixou a escrivaninha e foi sentar-se perto da filha. - Devo ser honesto para admitir que eu já devia ter feito alguma coisa por Krnov. Eu pressentia que algo não ia bem no principado de Majmir, mas não dava ouvido a uma voz interior que me dizia para tomar alguma providência. Fui protelando, mas como hoje recebi o emissário do primeiro-ministro, convenci-me de que chegou o momento de agir. Eu daria tudo para não expô-la dessa forma, mas devemos pensar na segurança, não apenas de Opava, mas dos três principados independentes da Silésia.

- Pelo bem de todos, tentarei descobrir o que há de errado em Krnov e com o príncipe Majmir, papai. - Zuleika inspirou fundo. - Quando devo partir?

- O mais depressa possível. Acredito que ficaremos pelo menos um mês sem nos ver. Será um período triste e sombrio para mim, querida - declarou o príncipe.

- Onde se encontra o emissário do primeiro-ministro de Krnov?

- Mandei-o falar com os membros do Conselho. Mas tenho certeza de que o rapaz foi instruído para não revelar coisa alguma, por mais que lhe fizesse perguntas.

- Ao que tudo indica, terei dificuldade de conseguir informações no palácio de Krnov - Zuleika conjecturou.

O pai sorriu.

- Nunca soube que você tenha ficado sem descobrir algo que fosse do seu interesse, minha filha. A ocasião será mais do que propícia para você usar o "terceiro olho" como aprendeu a fazer desde criança - enfatizou o príncipe.

Zuleika sorriu ao lembrar-se da infância, quando ouvira falar sobre o "terceiro olho" pela primeira vez.

A princesinha Zuleika estava com seis anos quando ganhou um livro sobre o Egipto e viu numa das ilustrações um faraó com um olho desenhado na testa, pouco acima do nariz. O pai explicou-lhe que aquilo era a representação do que os egípcios chamavam de "terceiro olho".

Os faraós usavam esse "terceiro olho" para captar instintivamente e com clarividência coisas que outras pessoas não percebiam ou não viam.

Zuleika achou tão engraçada a explicação que chegou a fazer uma marca na testa e disse aos pais que também possuía um "terceiro olho" - estava com doze anos - entendeu que, na verdade, o que para os egípcios era o "terceiro olho", podia ser chamado de intuição, sexto sentido ou percepção intuitiva.

O pai contou-lhe histórias de pessoas que se salvaram da morte certa ou fizeram grandes descobertas graças à sua intuição.

Achando o assunto apaixonante, Zuleika passou a ler o que encontrasse sobre o mesmo e também começou a exercitar-se para desenvolver sua intuição.

Obteve tanto sucesso que ela se orgulhava de conhecer, quase imediatamente, o carácter e a personalidade de homens e mulheres a quem era apresentada.

Sua percepção intuitiva era tão aguçada que o príncipe Laszlo, sempre que ia empregar um ajudante-de-ordens ou um criado, pedia para a filha permanecer no fundo do gabinete observando o candidato que estava sendo entrevistado. Depois que este saía, Zuleika dava sua opinião sobre ele.

Não raramente o príncipe perguntava à filha que impressão ela havia tido de pessoas convidadas para o jantar e constatava, satisfeito, que ela não se enganava ao apontar as suas qualidades e pontos fracos.

Até para escolher suas amigas Zuleika usava o que passara a chamar de seus "poderes".

Dois anos atrás, quando a princesa Helen ainda era viva, aconteceu um facto curioso. Um cavalheiro convidado para uma recepção no palácio trouxe consigo uma senhora para fazer-lhe companhia.

Essa senhora mostrou-se extremamente gentil e cativou a bondosa princesa Helen. Dias depois a mesma senhora mandou flores e presentes para a princesa e também para Zuleika.

- Essa mulher é má e falsa, mamãe. Não quero os presentes que ela mandou e a senhora também não deve aceitá-los - Zuleika aconselhou a mãe.

- Não podemos recusá-los, filha. Seria indelicado de nossa parte - alegou a princesa.

Sem argumentar, Zuleika pegou as flores e os presentes, fez com eles uma fogueira e esperou-os queimar até tudo virar cinzas.

- Por que fez tamanha tolice - indagou a princesa Helen quando a filha lhe contou o que fizera. - Você poderia dar os presentes para pessoas pobres que os receberiam com prazer.

- Não, mamãe, seria um erro alguém tocá-los - Zuleika replicou com firmeza.

Meses depois a mulher em questão foi presa por tráfico de drogas

Quando a princesa Helen perguntou à filha como ela ficara sabendo que a tal mulher era má, Zuleika respondeu:

- Usei meu "terceiro olho", mamãe.

O emissário do primeiro-ministro, o jovem Anton Bauer, entrou na sala e foi apresentado a Zuleika que logo simpatizou com ele.

- Fale-me sobre a princesa Adele - Zuleika pediu. - Ela também é filha única como eu, não?

- Sim, Alteza. A princesa sente-se muito só. Será óptimo para ela ter a companhia de outra jovem - Anton Bauer respondeu.

Zuleika fez outras perguntas para o rapaz, porém ele mostrou-se evasivo.

O príncipe Laszlo saiu do gabinete e Anton Bauer ficou mais descontraído.

- Eu gostaria de saber como é o palácio de Krnov - Zuleika falou em tom persuasivo.

- Ah, sim. Eu trouxe um folheto com ilustrações sobre o palácio, inclusive com a planta do mesmo, justamente para mostrá-la a Vossa Alteza.

- É muita gentileza sua. Obrigada. Deixa-me vê-lo.

Anton Bauer tirou do bolso o folheto em questão e mostrou a Zuleika a entrada majestosa do palácio, o hall e os salões de recepções que ficavam no andar térreo.

- Em que ala ficam os aposentos principais? - Zuleika quis saber.

- Ficam nestas duas alas. São suítes luxuosas e amplas. Estas são as do príncipe Majmir e sua família. Aqui ficam as suítes reservadas aos hóspedes importantes. - Anton Bauer foi indicando os cómodos enquanto falava. - Raramente há visitantes no palácio, de modo que os aposentos estão sempre fechados.

- Deve ser extremamente aborrecido para uma moça de dezoito anos, como a princesa, ficar sozinha nesse palácio tão grande - Zuleika observou. - Mas, fale-me um pouco mais sobre as suítes. Qual delas é a mais bonita, depois das de Sua Alteza Real, claro.

- Todas são amplas, lindas e têm nomes de flores. A meu ver a "Suíte das Rosas" é a mais encantadora - opinou Anton Bauer. - Não há quem a não a admire.

- Suponho que a decoração seja toda cor-de-rosa.

- Sim, e as paredes são pintadas de rosa, dourado e branco.

- Quais são os aposentos da princesa Adele?

- Como a princesa ainda tem aulas com a governanta e preceptores, seus aposentos ficam no segundo andar da ala Leste. É uma suíte ampla e consta de quartos, sala de estudos, de estar e de brinquedos. Também há uma pequena cozinha - Anton Bauer mencionou.

- Mas você está descrevendo os aposentos infantis do palácio! - Zuleika admirou-se. - Aos dezoito anos a princesa não pensa em mudar-se para os aposentos do primeiro andar, reservado à família?

- Oh, não!

Embora achasse estranho, Zuleika não quis fazer mais perguntas sobre o palácio. Passou a falar sobre sua chegada a Krnov.

- Eu mesma irei recebê-la na fronteira, numa carruagem do palácio - informou o rapaz. - Estarei na hospedaria que há logo à entrada de Krnov. Ali almoçaremos e então seguiremos para o palácio.

Não era o que Zuleika esperava. Imaginou que o primeiro-ministro teria mais consideração para com a filha de um soberano.

- Está bem. Era o que eu queria saber. Obrigada pelas informações - Zuleika agradeceu e dispensou o jovem emissário.

Ficando sozinha ela reflectiu que era muito estranho a princesa Adele, aos dezoito anos, ocupar ainda os aposentos infantis.

O príncipe Laszlo informou Anton Bauer que a princesa Zuleika partiria para Krnov dentro de três dias.

Para seus acompanhantes ela escolheu, além de Marla, sua criada pessoal, de inteira confiança, um ajudante-de-ordens, Pieter Seitz, senhor de quarenta anos, que havia quase duas décadas trabalhava no palácio de Opava.

Pieter Seitz, Zuleika reflectiu, poderia agir fora do palácio de Krnov, teria muitas oportunidades de conversar com empregados, com o povo, e de ir a lugares aonde ela não teria como chegar.

Na véspera da viagem Zuleika e o pai jantaram a sós na sala de jantar privativa de Sua Alteza Real.

- Cuide-se bem, papai, e pense em mim todos os dias - ela recomendou.

- Você sabe que farei ambas as coisas. Sentirei muita falta de nossos passeios a cavalo. - Em voz mais baixa o príncipe acrescentou: - Quando cavalgávamos pelos campos, sozinhos, podíamos ter certeza de que ninguém nos ouvia.

- Por falar nisso, já me ocorreu que no palácio de Krnov deve haver buracos bem escondidos nas paredes, através dos quais um agente poderá ver e ouvir o que se passa ou é dito no cómodo contíguo. Já li que isso é muito comum nos palácios de diversos países, principalmente nos da Rússia.

- Não acredito que Anton Bauer tenha tido a mais leve suspeita de que você está indo para Krnov interessada em descobrir o que se passa naquele principado. Assim, você será tratada como uma garota cuja única preocupação é ser uma companhia agradável para a princesinha Adele.

- Mas estarei de olhos bem abertos e ouvidos aguçados!- Zuleika ressaltou.

- Por favor, não faça anotações sobre o que descobrir - recomendou o príncipe.

- Não farei isso, claro! - Zuleika prometeu. - Sei que será comprometedor. Precisamos combinar uma maneira de transmitir ao senhor o que eu descobrir.

- Já pensei nisso e decidi mandar com você um outro ajudante-de-ordens em quem confio plenamente. Com a desculpa de trazer-me notícias suas ou de levar-lhe presentes ou coisas de que você precise, ele servirá de nosso mensageiro.

- Creio que um mensageiro é óptima idéia. Em todo caso, se for muito sério o que eu tiver que lhe dizer, papai, virei avisá-lo pessoalmente - disse Zuleika.

- Só lhe peço que não se arrisque, minha querida. Também não faça nada que possa levantar suspeitas sobre você - o pai aconselhou.

- Não se preocupe, papai, serei muito cautelosa - a princesa assegurou. - Enquanto permanecer em Krnov estarei atenta. Tudo farei para não perdermos a nossa independência, que é preciosa demais.

- Confio em você, minha querida. - O príncipe colocou a mão sobre o ombro da filha. - Quando você voltar para Opava vamos oferecer o mais lindo baile que já houve neste palácio. Sinto-me culpado por não ter-lhe oferecido mais festas, como sua mãe gostaria que eu tivesse feito.

- Os bailes podem esperar e também os rapazes. Prefiro sua companhia à de pessoas jovens como eu.

- Você completou dezoito anos e creio que chegou o momento de eu começar a concentrar-me nos pretendentes aceitáveis que há nas redondezas.

- Pretendentes à minha mão?! - Zuleika surpreendeu-se. - Ainda não estou pensando em casamento, papai!

- Porque diz isso? Toda a jovem pensa em se casar aos dezoito ou dezanove anos - apontou o príncipe.

- Bem, a questão não é a idade. Tenho medo de casamentos arranjados. O senhor e mamãe foram felizes porque se apaixonaram um pelo outro assim que se conheceram. Casos assim dificilmente acontecem. Vocês poderiam se detestar - Zuleika considerou. - Então, como seria?

- Honestamente, receei que isso acontecesse - o príncipe confessou. - Mas fui educado para ser o futuro soberano de Opava e desde muito cedo aprendi que a pátria deve estar sempre em primeiro lugar, portanto, acima de meus sentimentos.

- Também sou herdeira do trono, mas não abro mão da minha felicidade no casamento e espero encontrar o verdadeiro amor.

- Vamos rezar para que você o encontre - sugeriu o príncipe. - Também a aconselho a usar o seu "terceiro olho" sempre que um apaixonado colocar o coração aos seus pés.

Zuleika riu.

Em outro tom o príncipe acrescentou:

- Algo me diz, minha filha, que você encontrará a felicidade quando menos esperar.

- Acredito que sim. Rezo sempre para mamãe e sei que posso contar com a sua ajuda - Zuleika falou suavemente.

- Claro, filhinha.

- Bem, partirei amanhã e devo pensar na minha nova vida. Eu gostaria que o palácio de Krnov fosse movimentado e alegre como o nosso. Mas, suponho que, ao contrário, lá haverá pessoas se curvando e fazendo mesuras a cada minuto; a comida deve ser insossa e nada acontece, excepto tempestades com trovoadas!

Como Zuleika esperava, seu modo de falar provocou o riso do pai.

- Espero que não seja tão mau assim.

- Lembro-me do modo como mamãe descrevia os palácios onde havia estado. Ela falava da pompa, do protocolo e da rigidez que neles reinavam e que os tornavam insuportáveis. Quando casou com o senhor fez questão de que este palácio fosse alegre e florido; um lugar onde as pessoas se sentissem felizes.

- É verdade. Mesmo depois de Helen ter partido nós dois conseguimos manter aqui esta atmosfera de alegria e beleza que ela criou.

- Conseguimos, claro. É desanimador pensar que em Krnov nada será como aqui - Zuleika queixou-se.

- Não faça juízos antecipados. Espere chegar lá para ter sua opinião sobre Krnov e o príncipe Majmir - o pai a aconselhou e deu-lhe um beijo de boa noite.

Afastando-se do pai, Zuleika pensou na solidão e na infelicidade dele quando ela partisse.

"Talvez o meu dever seja permanecer aqui, do lado de papai", reflectiu ao dirigir-se para a escada.

No mesmo instante lhe ocorreu que estava indo para Krnov por uma razão muito séria. Então uma cena dramática formou-se em sua mente.

Imaginou as colunas de soldados prussianos uniformizados, com seus canhões, aguardando na fronteira. A seguir eles marchavam para Krnov e o principado perdia a sua independência.

Com um estremecimento, Zuleika afastou da mente aquela cena.

"Tenho de salvar Krnov do domínio da Prússia", pensou.

Como iria fazer isso, não tinha a menor idéia.

O pior era que se sentia amedrontada como nunca se sentira na vida.

 

CAPÍTULO II

Ao entrar em seu quarto Zuleika tinha um plano em mente. Queria causar impacto quando chegasse a Krnov.

Se o povo da cidade, o pessoal do palácio e o próprio príncipe Majmir fossem apáticos como ela estava imaginando, iria fazê-los despertar.

Pretendia, logo ao chegar, impressionar a todos, impor-se e fazer valer sua autoridade. Para isso alguma encenação seria necessária.

Marla, a criada pessoal da princesa estava à sua espera e Zuleika segredou-lhe:

- Vou precisar da sua ajuda, Marla. Quero chamar a atenção quando chegar a Krnov e meus vestidos, apesar de lindos, são próprios para uma debutante. Só agora me ocorreu que eu deveria ter comprado pelo menos um traje de viagem mais sofisticado e um ou dois para usar no palácio. Como não comprei, estive pensando que você poderia alterar dois deles para mim, deixando-os mais enfeitados. Que adereços podemos escolher para deixar esses dois vestidos mais... vistosos?

A criada ficou pensativa, depois sugeriu timidamente:

- Vossa Alteza poderia usar alguns vestidos de sua mãe. Sei que eles lhe servirão como uma luva.

- Óptima idéia - Zuleika aprovou. - Eu nem pensaria em usar as roupas de mamãe se não tivesse um motivo muito importante para isso. Sei que papai não gosta que alguém mexa em nada que pertenceu a ela.

Jóias, ela já possuía. Na noite anterior, finalmente, o príncipe Laszlo havia tirado do cofre algumas jóias que pertenceram à princesa Helen e as entregara à filha, dizendo:

- Agora que você está mais velha, pode usar jóias como um colar de pérolas ou um bracelete. Neste porta-jóias estão as peças mais delicadas de sua mãe.

Zuleika e Marla foram até o quarto da falecida princesa. Tudo ali estava como ela havia deixado. O príncipe não permitira que mexessem em nada.

Os vestidos de festas da princesa Helen estavam pendurados no guarda-roupa e eram carinhosamente guardados pela governanta. Zuleika escolheu dois vestidos de baile, ricamente bordados e salpicados com pedras brilhantes, além dos chapéus ou arranjos para a cabeça, das estolas e bolsas que acompanhavam as toaletes.

- Para a viagem Vossa Alteza poderia usar o conjunto novo e a capa que pertenceram à princesa Helen. - Marla sugeriu. - Foram usados apenas uma vez.

Aceitando a sugestão, Zuleika tirou do guarda-roupa um lindo conjunto azul-claro com passamanaria branca, bem como a capa que o protegeria do pó da estrada, e o chapéu combinando com o traje.

As duas voltaram para o quarto com as roupas e acessórios e tudo foi guardado cuidadosamente em um baú, excepto o conjunto para a viagem.

Por fim, Zuleika trocou-se e deitou-se. Embora estivesse emocionada demais por ser a véspera da viagem, dormiu, vencida pelo cansaço.

Pela manhã Zuleika vestiu o conjunto de viagem e desceu para o breakfast, achando que o pai não se lembraria daquele traje. Ele, porém, não só se lembrou do conjunto como da única ocasião em que a esposa o havia usado.

Mas não fez comentário algum. Estava emocionado porque a filha iria partir.

- Sentirei muito a sua falta, minha querida - disse quando Zuleika sentou-se à mesa. - Escreva-me apenas para dizer como está.

- Escreverei - a filha respondeu. - Por sugestão de Peter Seitz, escolhi para meu segundo ajudante-de-ordens e mensageiro alguém que iria surpreender o senhor.

- Quem é?

- O conde von Hofmannstall.

De facto, o príncipe ficou muito surpreso.

- O conde! Por que você convidou-o?

- Porque a minha intenção é impressionar, ou melhor, acordar o príncipe Majmir e seu entourage - Zuleika respondeu. - Além disso, o conde é inteligente, jovem, tem excelentes idéias e talvez consiga descobrir muito mais coisas do que eu serei capaz.

Por um instante o príncipe ficou em silêncio, reflectindo.

Franz Von Hofmannstall era o filho caçula do arquiduque, um dos mais distintos e importantes homens da Áustria, e neto do imperador.

O arquiduque mandara o jovem Franz para Opava porque era grande amigo do príncipe Laszlo e também porque seus cavalos eram famosos. O rapaz, excelente cavaleiro, queria ser ainda melhor do que já era.

Na carta enviada ao príncipe o arquiduque havia escrito:

Uma mudança de ares fará bem a Franz. Como não quero ver meu filho muito distante de mim, mando-o para Opava.

Enquanto ele permanecer em seu palácio, Laszlo, permita-lhe cavalgar diariamente. Espero que Franz volte para casa exímio cavaleiro como você é.

Também quero que meu filho conheça os três principados austríacos que ainda se mantém livres do jogo prussiano.

Recomendarei a Franz para não usar seu verdadeiro título de nobreza, assim não chamará a atenção sobre si mesmo e poderá andar à vontade entre o povo. Portanto, ele será apenas o conde Franz von Hofmannstall.

O príncipe Laszlo recebera o conde de braços abertos. Agora estava um tanto preocupado porque a filha escolhera justamente Franz para seu ajudante-de-ordens.

- O conde ficará pouco tempo no palácio de Krnov, papai - disse Zuleika, adivinhando o pensamento do pai. - Será bom para ele conhecer o principado e saber como estão as coisas lá. Na primeira oportunidade ele voltará para Opava com notícias.

- Entendo o seu raciocínio, filha. A escolha não podia ter sido melhor - louvou o príncipe. - O conde é um jovem muito inteligente e capaz.

- E monta bem. Encarreguei-o da minha escolta montada. Ele, Pieter Seitz e quatro outros saldados da cavalaria acompanharão o coche no qual viajarei.

O príncipe inclinou a cabeça para trás e deu uma sonora risada.

- Sem dúvida você vai chegar a Krnov em grande estilo! Mas tem razão! Mostre a todos, desde o início, que você pertence à realeza e merece ser tratada como tal.

Eles tomaram o café e comeram sem pressa, pois eram apenas três horas de viagem até a fronteira, onde Anton Bauer estaria à espera da princesa Zuleika para o almoço.

Terminando o breakfast Zuleika subiu para pegar o chapéu e a capa. Depois despediu-se do pai.

- Adeus, querido papai. Não fique aborrecido nem se preocupe comigo. Estou começando a ver tudo isso como uma grande aventura - disse ela, tranquilizando o príncipe. - Eu só gostaria que o senhor pudesse me acompanhar.

- Nada me deixaria mais contente. Escreva-me contando qual foi a reacção de todos em Krnov quando a virem chegar com toda a pompa. Não duvido que você os impressionará. - O príncipe sorrio para a filha.

- É essa a minha intenção - tornou Zuleika , sorrindo também.

Realmente, a princesa Zuleika iria viajar em grande estilo. À frente do palácio estavam toda a escolta de Sua Alteza Real e as duas carruagens. A maior, reservada à princesa e Pieter Seitz, era um coche muito luxuoso, puxado por quatro cavalos brancos bem emparelhados.

Marla e o valete do conde já estavam na outra carruagem com toda a bagagem. Em cada uma das boleias iam um cocheiro e um lacaio usando elegante libré.

O conde, montando no cavalo mais sensacional do príncipe, usava um uniforme de gala e um chapéu com plumas. Subordinados a ele havia quatro soldados de cavalaria, elegantemente uniformizados.

Zuleika abraçou e beijou o pai e subiu na carruagem. Pieter Seitz também ocupou seu assento do lado da princesa e os cavalos puseram-se em movimento. Assim que alcançaram a estrada, aumentaram a velocidade.

As estradas de todo o principado de Opava eram amplas e bem cuidadas, de modo a permitir que as viagens fossem rápidas e confortáveis. Zuleika e Pieter Seitz começaram a conversar.

- Você já está a par da nossa missão e tem idéias de como ela é importante - observou Zuleika. Seria tão bom se ao chegarmos a Krnov pudéssemos constatar que nossos temores eram infundados e que o principado é progressista e bem administrado.

- Seria óptimo, realmente. Mas, a meu ver, a situação é bem pior do que imaginamos - Pieter Seitz opinou. - Tive oportunidade de falar com o emissário de Sua Alteza Real e pude perceber que Krnov está praticamente sem governo. O novo primeiro-ministro, sim, acaba de assumir o cargo e tentar salvar o país.

- Papai e eu conseguimos poucas informações com Anton Bauer. Tive a impressão de que ele ficou receoso de falar o que não devia quando conversou com papai e mostrou-se evasivo. Quanto a mim, ele certamente imaginou que, por ser muito jovem, eu era fútil e não me interessava por assuntos sérios!

Pieter Seitz riu.

- A maioria das pessoas não acredita que uma moça bonita como Vossa Alteza também possa ter um cérebro brilhante.

- Bem, não quero que saibam em Krnov que tenho "cérebro brilhante" como você colocou. Será muito mais vantajoso que todos pensem que sou tola e fútil - Zuleika apontou. - Dessa forma não terão receio de falar abertamente sobre o que se passa no principado. Quanto mais depressa nós descobrirmos o que acontece lá, melhor.

- Foi o que o príncipe Laszlo me recomendou. Mas receio que não descobriremos nada tão rapidamente quanto ele espera - contrapôs Pieter Seitz.

- Faremos o que estiver ao nosso alcance - Zuleika declarou. - Mas ainda não tive ocasião de lhe dizer que estou feliz por poder contar com a sua ajuda.

- Prometo não desapontá-la, Alteza - Pieter assegurou.

A região próxima à fronteira era agreste e a distância alteavam-se as montanhas ricas em jazidas minerais, as quais contribuíam em grande parte para a prosperidade de Opava.

A cadeia de montanhas estendia-se por todo o principado de Krnov e muito além deste. Entretanto, pelo que Zuleika fora informada, o príncipe Majmir, ao contrário dos vizinhos, não se interessava em explorar as riquezas do seu solo.

O príncipe Laszlo mandara vir da Europa peritos na prospecção de minerais para o trabalho nas minas. O resultado fora, além do enriquecimento do principado, a geração de emprego.

"Por que o príncipe Majmir é tão interessante?", Zuleika questionou-se ao olhar para os picos das montanhas banhados pelo sol.

Ao transpor a fronteira ela achou que o principado de Krnov tinha as mesmas características de seu próprio país, porém a aldeia por onde estavam passando era pobre e seus moradores estavam mal vestidos.

A hospedaria, como Anton Bauer dissera, ficava perto da fronteira. Ele estava aguardando a princesa e quando viu as duas carruagens e o conde à frente da escolta por Pieter Seitz.

- Você está sozinho? - Zuleika perguntou, imprimindo na voz, deliberadamente, uma nota de espanto.

- Sim, Alteza. Pediram-me para vir recebê-la e levá-la até o palácio. Eu não sabia que Vossa Alteza Real faria questão de uma escolta montada - ele respondeu um tanto constrangido.

Zuleika deu um sorriso

- Mas é claro! Meu pai jamais permitiria que eu viajasse desacompanhada de uma escolta montada.

Anton Bauer mostrou-se tão desapontado que Zuleika mudou o tom de voz.

- Não tem importância. Minha escolta, comandada pelo conde Franz von Hofmannstall, me acompanhará até o palácio.

Eles iam entrar na hospedaria quando Zuleika viu no pátio uma carruagem puxada por dois cavalos.

- Tive uma idéia! - exclamou. - Fizemos a viagem até aqui em tempo recorde porque minha carruagem, puxada por quatro cavalos, é muito veloz. Logicamente, chegarei ao palácio bem antes do que estou sendo esperada. Portanto, acho conveniente você retornar para avisar o primeiro-ministro, o camareiro-mor e a princesa Adele que estarei no palácio uma hora antes do que estava previsto.

Notando o embaraço e a indecisão de Anton Bauer, a princesa argumentou em tom persuasivo:

- Tenho certeza de que eles ficarão contrariados se eu chegar sem que estejam preparados para me receber.

Sempre atenta à expressão de Anton Bauer, Zuleika teve a impressão de que o camareiro-mor, e mesmo o primeiro-ministro, pouca importância estavam dando à chegada de uma jovem que seria a dama de companhia da princesa Adele.

Certamente os dois achavam que era mais do que suficiente terem mandado o jovem Anton Bauer até à fronteira com uma carruagem para recebê-la.

Disposta a causar impacto, Zuleika prosseguiu:

- Você deve dizer aos cavalheiros que o mandaram receber-me, que meus dois ajudantes-de-ordens são Pieter Seitz, o qual você conheceu quando esteve em Opava, e o conde von Hofmannstall. A propósito, o code é o filho mais novo de um aristocrata importante do palácio de Viena. Por certo Sua Alteza Real terá muito prazer em conhecê-lo.

No interior da hospedaria os recém-chegados forram recebidos pelo proprietário, que se curvou diante da princesa quase até ao chão.

- O almoço está pronto e será servido numa sala privativa - avisou. - Espero que Vossa Alteza aprecie os pratos que preparamos.

- Certamente. Seremos três à mesa: meus ajudantes-de-ordens e eu - informou Zuleika. - Providencie também o almoço para minha criada pessoal, os cavalarianos que compõem a minha escolta, os cocheiros e os lacaios.

- Todos serão atendidos prontamente, Alteza - tornou o homem, curvando-se ainda mais.

O proprietário conduziu Zuleika e os dois ajudantes-de-ordens até uma sala e quando se afastou, Anton Bauer conversou com ele em voz baixa.

Zuleika teve certeza de que o rapaz lhe dizia que as refeições extras seriam pagas posteriormente, pois ele não tinha dinheiro consigo.

"Ninguém no palácio jamais imaginou que eu iria chegar com tal comitiva. Espero que todos fiquem tão admirados como Anton Bauer ficou ao me ver chegando", Zuleika reflectiu, satisfeita.

Os ajudantes-de-ordens esperaram a princesa sentar-se e então ocuparam seus lugares à mesa. Zuleika notou que eles se divertiam com a situação. De facto, Pieter Seitz comentou com um sorriso:

- O pobre Bauer vai passar fome, pois foi despedido sem almoço.

Uma criada serviu-os. A refeição nada teve de especial e nenhum tipo de vinho lhes foi oferecido.

- Papai nunca trataria seus visitantes dessa forma - Zuleika criticou. - A falta não é de Bauer, naturalmente, mas o primeiro-ministro deveria receber melhor uma princesa.

- Ouvi dizer que no palácio de Krnov não se dá ao protocolo a atenção de antigamente - observou Pieter Seitz. - Depois do que Anton Bauer presenciou e do que Vossa Alteza disse a ele, acredito que haverá nos degraus do palácio uma comissão para recebê-la.

O conde aproveitou a ocasião e contou passagens sobre a diferença de tratamento que recebia quando se apresentava como o neto do imperador ou filho do arquiduque e quando se fazia passar por um homem comum.

- Assim que terminei a universidade viajei pelo mundo durante meses e nunca usei meu título, só para ver como viviam as pessoas que não tinham privilégios como eu. Foi uma experiência um tanto desconfortável, porém gratificante.

- Admiro-o por ter feito isso - a princesa declarou. - Tal experiência lhe será útil se você quiser seguir a carreira diplomática.

- A carreira diplomática me atrai, mas nunca serei um diplomata. Devo, sim, administrar as inúmeras propriedades e as grandes extensões de terra que meu pai possui por toda a Áustria.

O modo como o conde falou revelou a Zuleika que ele gostava de exercer sua autoridade sobre as pessoas e de ser obedecido. Essa tendência para liderança seria muito útil a ela; por outro lado, a estada em Krnov iria ser de grande ajuda para ele próprio no futuro.

Para haver tempo suficiente de Anton Bauer chegar ao palácio, Zuleika não teve pressa de terminar a refeição e prosseguir viagem.

Por fim eles partiram. Não tardaram a alcançar uma região linda, com vegetação luxuriante, porém as cidades e aldeias pelas quais passavam não pareciam prósperas.

Mais uma vez Zuleika reflectiu que o príncipe Majmir não cuidava do seu principado como devia.

Depois de quase duas horas de viagem eles alcançaram a capital onde o palácio estava situado. Os habitantes olharam atónitos para a carruagem da princesa e a escolta montada.

Construído inteiramente de pedras brancas, o majestoso palácio ficava no alto de uma colina e podia ser visto de qualquer parte da cidade onde estivesse.

Quando a elegante escolta chegou à frente dos portões, as sentinelas tomaram posição de sentido.

Os jardins do palácio estavam floridos, porém Zuleika disse a si mesma que não se comparavam aos do palácio de Opava.

Apesar de ter-se arrumado na hospedaria, a princesa olhou-se ao espelho e ajeitou os cabelos assim que a carruagem começou a subir pelo caminho de pedras de acesso ao palácio.

Finalmente os cavalos foram refreados à frente dos degraus de mármore. Anton Bauer esperava por Sua Alteza Real. Atrás dele, havia três pessoas.

- Ele fez o que pedi - Zuleika sussurrou para Pieter Seitz. - Tenho certeza de que os dois cavalheiros são o primeiro-ministro e camareiro-mor. A mocinha é a princesa Adele.

- Só podem ser - anuiu o ajudante-de-ordens. - Vossa Alteza foi muito habilidosa em conseguir uma recepção à sua altura.

Nesse instante a porta da carruagem foi aberta por um lacaio do palácio trajando a libré real.

Zuleika desceu e foi até à princesa Adele. Achou-a muito bonita mas surpreendeu-se ao notar que ela parecia amedrontada.

De facto, o camareiro-mor precisara colocar a mão nas costas da mocinha para que ela se aproximasse de Zuleika.

- É um grande prazer conhecer Vossa Alteza Real - disse Zuleika depois de beijar as faces de Adele.

- Bem-vinda a... Krnov - murmurou a princesa. - é uma... grande honra... tê-la connosco.

- Estou muito feliz por ter vindo. Espero que passemos bons momentos juntas - Zuleika falou alegremente.

Virando-se para o primeiro-ministro ela estendeu a mão sobre a qual ele curvou-se. Em seguida fez-lhe um discurso de boas-vindas.

Então Zuleika voltou-se para o camareiro-mor que também a saudou e perguntou pouco depois de modo um tanto incisivo:

- Vossa Alteza Real veio acompanhada de grande escolta. Os cavalarianos voltarão para Opava esta noite?

- Oh, isso é impossível! - Zuleika exclamou com uma expressão horrorizada. - Será exigir demais dos cavalos! Espero que o senhor lhes permita passar a noite no palácio. Mas quero, antes de mais nada, apresentar à princesa Adele e, claro, aos senhores, o conde Franz von Hofmannstall que aceitou, gentilmente, acompanhar-me como meu ajudante-de-ordens.

O primeiro-ministro e o camareiro-mor curvaram-se respeitosos diante do conde. Sem dúvida conheciam a família Hofmannstall, muito importante na história da Áustria.

Entrando no hall do palácio Zuleika achou-o majestoso, porém mal cuidado.

- Vossa Alteza gostaria de subir para seu quarto antes do chá? - indagou o camareiro-mor.

- Ah, sim, meu quarto. A propósito, vi a planta do palácio e imagino que me foi reservado um dos aposentos principais - replicou Zuleika sem rodeios.

O camareiro-mor não disfarçou seu espanto. Por certo nem lhe passara pela cabeça oferecer à visitante um daqueles belos aposentos.

- O senhor sabe a que aposentos me refiro. Tenho predilecção por rosas e ficarei desapontada se não puder ocupar a Suíte das Rosas.

Nada havia que o camareiro-mor pudesse fazer senão oferecer à visitante os aposentos de seu agrado. A contragosto ele murmurou que a levaria à Suíte das Rosas.

Cada vez mais contente de ver que tudo estava acontecendo conforme planeara, Zuleika sorriu para a princesa Adele. Agora só faltava transferi-la do segundo andar para uma das lindas suítes. Disse então ao camareiro-mor:

- Ainda não sei onde ficam os aposentos de Sua Alteza Real, mas será conveniente que ela e eu fiquemos uma perto da outra. De acordo com a planta do palácio, a Suíte dos Lírios, por ser vizinha à das Rosas, será perfeita para a princesa Adele.

- É verdade. Quero ir para a Suíte dos Lírios - a princesa Adele manifestou-se. - Até agora me convenceram a ficar no segundo andar com minha governanta e também para receber aulas com meus preceptores. Mas minhas aulas terminaram e a Suíte dos Lírios é linda!

Evidentemente surpreso com aquela reacção, o camareiro-mor concordou secamente:

- Tudo será providenciado para a mudança, Alteza.

- Maravilhoso! - Zuleika exclamou. - Poderemos conversar, ler ou tocar piano sempre que estivermos desocupadas. Imagino que como eu, você goste de festas, bailes e de receber seus amigos.

Desta vez o rosto do camareiro-mor transformou-se, tal seu assombro. Mas foi o primeiro-ministro quem perguntou:

- Vossa Alteza pretende oferecer festas no palácio?

- Bem, pretendo apenas orientar a princesa Adele. Ela oferecerá as festas - Zuleika assinalou. - Pelo que entendi, vim para este palácio com a finalidade de preparar a princesa Adele, herdeira do trono, para assumir suas obrigações reais.

- Sim, sim, naturalmente - anuiu o primeiro-ministro. - Fiz o convite a Vossa Alteza para ser a dama de companhia da princesa Adele com essa finalidade.

- Eu gostaria muito de falar com o senhor, amanhã, sobre os meus deveres, entre outras coisas. Por favor, marque a hora que lhe for conveniente. - Zuleika voltou-se para o camareiro-mor e pediu-lhe: - Agora eu gostaria que o senhor me mostrasse onde ficam os meus aposentos. Quero tirar o chapéu e lavar-me.

Sem esperar o assentimento, ela dirigiu-se para a escada e começou a subir os degraus. O camareiro-mor seguiu-a.

No primeiro patamar estava a governanta usando o tradicional vestido de seda preta e trazendo à cintura a grossa corrente de prata na extremidade do qual estava o molho de chaves. O camareiro-mor apresentou-a:

- Esta é frau Leuger que atenderá Vossa Alteza.

A governanta fez uma mesura e Zuleika estendeu-lhe a mão. Disse em seguida:

- É um prazer estar neste palácio, frau Leuger. É grande a minha ansiedade para ver a Suíte das Rosas, a qual, me disseram, é linda.

Também a governanta ficou admirada e o camareiro-mor apressou-se em dizer:

- Sua Alteza ocupará a Suíte das Rosas e a princesa Adele a Suíte dos Lírios, dessa forma ambas ficarão bem perto uma da outra.

- Isso eu não esperava, milorde - replicou a governanta. - Mas não há problema algum. Esses aposentos estão desocupados. Vou ordenar que sejam preparados para Suas Altezas.

O camareiro-mor não se dignou a responder e a governanta conduziu-os pelo corredor.

As duas suítes encantaram Zuleika, porém ela notou que não eram usadas há muito tempo. O cheiro também indicava que aqueles cómodos não eram arejados.

Em cada uma das suítes a governanta foi de cómodo em cómodo afastando as cortinas e abrindo as janelas.

- Ambas as suítes são encantadoras! - Zuleika falou com entusiasmo. - Agora eu gostaria que a minha criada pessoal subisse imediatamente para ajudar-me a refazer o penteado.

O camareiro-mor saiu do quarto seguido da governanta. Ouviu-os discutindo sobre a mudança dos aposentos, Zuleika esboçou um sorriso.

A princesa Adele, que também havia subido para ver as suítes mas ficara quietinha a um canto, aproximou-se de Zuleika e agradeceu-lhe.

- Muito obrigada por sugerir que eu devia ocupar a Suíte dos Lírios. Toda a vez que eu falo em me mudar para um dos aposentos deste andar, eles alegam que é mais prático eu ficar perto da sala de aula. Mas já faz algum tempo que meus estudos terminaram.

- Aqueles aposentos infantis serão fechados e esquecidos! - Zuleika sorriu para a princesa. - Você já completou dezoito anos e é uma pessoa muito importante. Tanto, que fui convidada para ser a sua dama de companhia. Vamos nos divertir, mesmo que todos esses antiquados, conservadores, pomposos e impertinentes assessores de seu pai se escandalizem com o nosso comportamento.

A princesa bateu palmas.

- Você acha que poderemos oferecer uma festa no palácio?

- Naturalmente! - Zuleika afirmou. - Não será apenas uma e sim muitas festas. Mas em primeiro lugar você precisa me apresentar a seus amigos.

- Não tenho amigos. Papai nunca se importou comigo; estive sempre aos cuidados de uma governanta - a princesa queixou-se.

- Tudo isso pertence ao passado. Vamos transformar este palácio! Entretanto, se quisermos ser bem-sucedidas, devemos nos unir e você, como dona da casa, terá de me apoiar.

- É claro que a apoiarei. Na verdade, nunca tive coragem de fazer prevalecer a minha vontade. Mas agora, com você do meu lado, sinto-me confiante. Obrigada por ter vindo.

Zuleika havia tirado o chapéu e se questionava onde Marla poderia estar para demorar-se tanto, quando a criada apareceu, indignada.

- Vossa Alteza não vai acreditar quando eu lhe disser como é o quarto que eles lhe haviam reservado! - desabafou. - Além de desconfortável é tão pequeno que há lugar para pôr metade dos seus vestidos.

- Foi o que imaginei. Mas aqui estou, na Suíte das Rosas! - Zuleika voltou-se para a princesa e apresentou-lhe a criada.

- Esta é Marla, minha criada pessoal que há seis anos cuida de mim. Ela tem muita prática e saberá orientar sua criada pessoal, Adele, de forma que ela a deixará ainda mais bonita do que já é.

- Eu não tenho criada pessoal - a princesa revelou

- Não?! - Zuleika admirou-se. - Pois terá uma e Marla irá orientá-la. Você também precisa de roupas novas.

- Roupas novas?!

- Isso mesmo! - Zuleika sentou-se diante do espelho para Marla retocar-lhe o penteado. - Espero que você me diga quais são as melhores e mais caras lojas da cidade. Vamos comprar vestidos de baile, trajes para o dia, para a tarde e para montar. Um enxoval completo.

Adele deu um pulo de alegria.

- Vou adorar ter roupas novas e de acordo com a moda. Detesto os vestidos feitos pela costureira do palácio. Sabe que eu não podia escolher os modelos do meu gosto?

- Pois agora terá os trajes mais lindos que houver e que mais lhe agradarem. Mas vamos descer para o chá. - Zuleika deu a mão a Adele e ambas saíram do quarto rindo, felizes.

No salão azul o primeiro-ministro e o camareiro-mor esperavam pelas princesas.

- Vossa Alteza gostaria de servir o chá? - convidou o camareiro-mor.

- Com prazer - Zuleika respondeu. - Vejo que o chef preparou algumas coisas gostosas, as quais são bem-vindas, já que o almoço foi tão insípido.

O primeiro-ministro e o camareiro-mor se entreolharam e o último falou, ligeiramente embaraçado.

- Nessas pequenas hospedarias não há muito o que escolher. Anton Bauer poderia ter levado algum prato especial preparado pelo nosso chef. A falta de lembrança foi minha.

- Também não nos foi servido champanhe. Depois de uma longa viagem nada é tão refrescante quanto um champanhe gelado - Zuleika acrescentou, decidida a não perdoar a falta de atenção dos dois cavalheiros.

- Bem, só posso prometer que Vossa Alteza terá champanhe ao jantar - disse o camareiro-mor.

Zuleika dirigiu-lhe um sorriso encantador, em seguida perguntou:

- Seria possível eu ter uma audiência com o príncipe ou devo esperar para falar-lhe durante o jantar?

Fez-se um silêncio desconfortável.

Zuleika não teve dúvidas de que nem havia passado pela mente do camareiro-mor que ela iria sentar-se à mesa com o príncipe.

Por fim, ele observou:

- A princesa Adele costuma jantar sozinha em seus aposentos.

- Sozinha?! - Zuleika repetiu, surpresa. - Sua Alteza, certamente, já tem idade para sentar-se à mesa com o pai e com as pessoas que estiverem hospedadas no palácio. Por falar nisso, será interessante haver aqui bailes, festas e recepções. Terei prazer de organizar tudo, desde que os senhores providenciem a lista de nomes de pessoas jovens que possam ser convidadas.

Se uma bomba explodisse aos pés dos dois cavalheiros eles não teriam ficado tão atónitos. Zuleika prosseguiu:

- Vejo que ambos estão surpresos. Mas não há razão para esse espanto. A princesa Adele é jovem e precisa ter vida social. Por outro lado, como herdeira do trono, ela deve preparar-se para o papel que será seu um dia. Tenho certeza de que o primeiro-ministro se encarregará de arranjar para a princesa compromissos públicos importantes.

- Anseio por fazer tudo isso que a princesa Zuleika está dizendo - a princesa Adele declarou. - Eu não suportava mais ficar nos meus aposentos, só saindo dali quando alguém me levava para cavalgar.

- De hoje em diante você não dependerá de ninguém para fazer um passeio a cavalo. Você dará ordens e dirá aonde e quando quer ir. Adora cavalgar e poderemos montar cada dia um cavalo diferente. Se quisermos companhia, o conde von Hofmannstall terá prazer de cavalgar connosco. Ele é excelente cavaleiro.

Achando que a princesa Zuleika estava indo depressa demais, o camareiro-mor fez uma objecção:

- Lamento, Alteza, mas nada pode ser decidido sem a aprovação de Sua Alteza Real, o príncipe Majmir. Quando, por sugestão do primeiro-ministro, o príncipe concordou que a filha tivesse uma dama de companhia, ele, certamente, não imaginou que fosse ocorrer tantas mudanças no palácio e na vida da princesa Adele.

- Se vocês não me querem aqui, posso voltar para Opava amanhã mesmo - Zuleika redarguiu. - Asseguro-lhes que deixei uma série de obrigações para trás e meu pai sente muito a minha falta.

- Por favor, não é isso - acudiu o primeiro-ministro. - Estamos felizes detê-la connosco. Pessoalmente, concordo com o que Vossa Alteza expôs. De facto, a princesa tem vivido muito reclusa, agora deve ir a festas e ter amigos.

- Vejo que o senhor me compreende - Zuleika alegrou-se. - Como eu já disse à princesa, precisamos sair para fazer compras.

- Compras! - exclamou o camareiro-mor. - Para quê?

- Toda debutante precisa de um enxoval - alegou Zuleika.

- Correcto - aprovou o primeiro-ministro. - Confio no seu gosto, Alteza. Sei que escolherá trajes adequados para a princesa Adele.

- Também quero escolher minhas roupas - a princesa interpôs. - Será maravilhoso poder opinar sobre o que eu mesma irei vestir.

- Claro. Você terá o que for do seu agrado - Zuleika concordou. - Se aqui não houver bons artigos, mandará buscá-los em Viena. Tenho vestidos lindos comprados em Viena.

Olhando para o camareiro-mor Zuleika teve vontade de rir. O pobre homem não conseguia esconder suas exasperação ao ouvir aquela conversa.

Era evidente que ele havia imaginado que a dama de companhia da princesa seria tímida, calada, sem vontade própria e que se sentiria honrada de estar no palácio, num quarto acanhado e sem conforto.

Zuleika serviu mais uma xícara de chá ao primeiro-ministro e percebeu que ele se divertia intimamente ao notar a consternação do austero camareiro-mor.

Este terminou o chá e ficou de pé.

- Se me der licença, Alteza, vou informar Sua Alteza Real de sua chegada - disse ele a Zuleika.

- Por favor, diga a Sua Alteza Real que estou ansiosa para conhecê-lo - Zuleika pediu - Compreendo que estava muito ocupado para nos receber, mas assim que ele tiver tempo livre eu gostaria de falar-lhe sobre diversos assuntos.

Assim que o camareiro-mor deixou o salão, o primeiro-ministro disse:

- Está de parabéns, Alteza! Nunca imaginei que Vossa Alteza começasse a afastar as teias de aranha logo à sua chegada. Agradeço-lhe do fundo do coração por ter vindo a Krnov.

- Precisarei da sua ajuda - disse Zuleika.

- Bastará pedir e farei tudo ao meu alcance para ajudá-la, com o maior prazer.

A porta abriu-se antes de Zuleika ter tempo de responder. Pieter Seitz e o conde entraram no salão.

- Disseram-nos que Vossa Alteza estava aqui. Viemos apenas tranquilizá-la sobre os cavalos; todos estão confortavelmente instalados e foram bem tratados - informou Pieter Seitz.

- Obrigada. Vou servir-lhes uma xícara de chá.

Os dois sentaram-se e o primeiro-ministro perguntou ao conde:

- Como está seu pai? Sou seu grande admirador. Espero conseguir persuadi-lo a fazer-nos uma visita.

- Certamente ele receberá seu convite com prazer - adiantou o conde. - Quanto a mim, é a primeira vez que venho a Krnov e espero conhecer muitas pessoas. Gosto de fazer novas amizades.

- Vou apresentá-lo a pessoas interessantes e serei cuidadoso na selecção. Quero lembrá-lo, porém, que fui nomeado para o cargo recentemente e ainda ando com muita cautela, por assim dizer. Estou empenhado em fazer as reformas mais urgentes, mas esta é uma tarefa árdua.

- Compreendo. As reformas e inovações são sempre uma questão delicada. Há inevitavelmente aqueles acomodados que são contra novas idéias, novos interesses, e entravam o nosso trabalho. Tive o mesmo problema no ano anterior com os empregados e assessores de papai. Precisei usar muita diplomacia, mas consegui introduzir novos métodos e novas técnicas nas propriedades - mencionou o conde.

- Se conseguiu, está de parabéns! - louvou o primeiro-ministro. - O pior é quando há necessidade de renovar. Sofremos pressões de todos os lados. Mas nós sabemos que não se deve pôr vinho novo em odres velhos.

Eles riram.

O conde perguntou a Zuleika:

- Qual é o programa para esta noite, Alteza?

- É o que estou querendo saber - ela respondeu. - Mesmo estando com dezoito anos e sendo herdeira do trono, a princesa Adele não tem permissão de sentar-se à mesa com o pai. Como exigi que Sua Alteza Real faça valer seus direitos, está havendo uma revolução no palácio.

Houve novas risadas.

- O que Vossa Alteza acha de tudo isto? - o conde indagou à princesa Adele.

- Para mim é a coisa mais maravilhosa que poderia acontecer. Estou vibrando de alegria! - tornou a princesa, empolgada. - Vocês caíram do céu e lhes sou imensamente grata por terem vindo.

- Não tardaremos a fazer grandes mudanças no palácio - prometeu o conde. - Acaba de me ocorrer que se houver alguém que saiba tocar piano, podemos dançar esta noite.

- Por que não? - Zuleika aceitou a idéia. - Deve haver um salão de música no palácio.

- Claro que há - assegurou a princesa Adele. - Há também um salão de baile, mas é enorme e está sempre fechado.

- Será aberto em breve - assegurou o conde. - Mas se quisermos dançar, precisamos de um pianista.

Neste instante Anton Bauer entrou no salão e o conde voltou-se para ele.

- Oh, acaba de chegar o homem que resolverá o problema. Você mora aqui e vai arranjar-nos alguém para tocar piano. Se souber também de um violinista, melhor ainda. Queremos dançar.

- Dançar?! - repetiu Anton Bauer, admirado, como se tivesse ouvido algo extraordinário.

- Foi o que me ocorreu - disse o conde. - O que mais há para nos divertir à noite neste palácio?

Não houve resposta à pergunta, pois o camareiro-mor entrou no salão. Todos os olhares fixaram-se nele, indagativos. Ele dirigiu-se a Zuleika:

- Falei com Sua Alteza Real. Ele ficará encantado se Vossa Alteza jantar com ele esta noite, às oito.

- E meus acompanhantes? - Zuleika inquiriu.

- Sua Alteza Real espera que a filha, o conde Franz von Hofmannstall e herr Pieter Seitz acompanhem Vossa Alteza - completou o camareiro-mor.

A princesa Adele, que a cada instante tornava-se mais descontraída, bateu palmas e exclamou:

- Um jantar com convidados! Que bom!

- Não há ajudantes-de-ordens no palácio? - Zuleika quis saber. - Eles também poderiam sentar-se à mesa.

- Normalmente eles jantam com Sua Alteza Real mas como já são idosos, preferem jantar em seus aposentos esta noite.

Não foi difícil para Zuleika deduzir que o príncipe, por estar cercado de pessoas idosas e aborrecidas, tornara-se apático.

"Em poucas horas já derrubei algumas barreiras. Serei vencedora nesta corrida de obstáculos", ela pensou com determinação.

 

CAPÍTULO III

Após o chá Zuleika e a princesa Adele subiram e na Suíte das Rosas encontraram Marla que já desfizera a bagagem, guardara as roupas e estava preparando o banho de Zuleika.

- Nem acredito que passarei a ocupar estes aposentos tão lindos e amplos onde entrei tão poucas vezes - disse a princesa, eufórica.

- Tenha sempre em mente que este palácio é seu. Deixaremos nossas suítes ainda mais lindas enfeitando-as com flores. Também pedirei para as arrumadeiras colocarem mais flores em todos os salões.

- Eu sabia que Vossa Alteza iria sentir falta de flores - Marla observou.

- Venha comigo, Zuleika. Vamos ver como ficou a Suíte dos Lírios depois de arrumada - convidou a princesa Adele.

Em vez de irem pelo corredor elas passaram por uma porta de comunicação entre as duas suítes, atravessaram a saleta de estar e chegaram ao quarto de Adele.

A grande cama dourada com colunas e dossel entalhados representando lírios estava arrumada e coberta com uma colcha de renda branca.

A governanta as aguardava para saber se aprovavam o que havia sido feito nos aposentos e a princesa Adele agradeceu-lhe entusiasticamente:

- Meu quarto está lindo! Obrigada, frau Leuger! Obrigada! Nem acredito que me mudei para este andar e esta suíte encantadora.

- Foi muito gentil de sua parte ter deixado os cómodos prontos em tão pouco tempo. Obrigada - Foi a vez de Zuleika agradecer. - Amanhã a princesa e eu queremos ver muitas flores em nossos aposentos. Sinto-me perdida sem elas.

- Providenciei as flores, Alteza - disse frau Leuger.

Antes de Zuleika voltar para seu quarto, a princesa perguntou-lhe:

- Que roupa devo usar? Francamente, não tenho um traje de noite sequer. Terei de escolher um dos vestidos que eu usava à tarde para tomar chá com minha governanta.

- Amanhã iremos fazer compras e para esta noite posso emprestar-lhe um dos meus vestidos. Dessa forma você não se sentirá constrangida. Somos quase do mesmo tamanho.

- Você me emprestará um de seus vestidos elegantes? - surpreendeu-se a princesa.

- Venha comigo e escolha o traje que for do seu agrado - disse Zuleika puxando a princesa pela mão.

Já estavam ambas à porta quando Zuleika lembrou-se de dizer à governanta.

- Voltaremos logo. Como a princesa ainda não tem sua criada pessoal, por favor, ajude-a vestir-se, frau Leuger.

No outro quarto, Marla ficou a par do que as princesas queriam e tirou dois vestidos do guarda-roupa. Zuleika deixou a escolha a cargo da princesa Adele e esta preferiu o mais simples e exultou.

- É lindíssimo! Nunca tive nada igual!

- Estou contente porque você gostou do vestido. Vá para seu quarto e quando já estiver pronta, volte aqui para Marla penteá-la. Agora que está crescida, Adele, você terá de preocupar-se com seu penteado, entre outras coisas. Espero que haja um bom cabeleireiro na cidade.

- Há, sim, e ele vem ocasionalmente ao palácio para atender a algumas das hóspedes - Adele informou.

- Mandaremos chamá-lo amanhã - Zuleika declarou. - Um profissional saberá dizer que tipo de penteado ficará bem em você.

As duas jovens eram completamente diferentes. A princesa Adele, com ascendentes russos pelo lado materno, tinha cabelos e olhos negros, mas a pele era alva e os lábios bem rosados.

Zuleika herdara da mãe os cabelos dourados, os olhos azuis e a pele rósea, características sempre associadas às beldades inglesas. Mas o que tornava Zuleika tão encantadora eram as centelhas em seus olhos, sua vivacidade e a joie de vivre que pareciam irradiar de sua pessoa como um raio de sol.

O tempo estava passando e Zuleika correu para a banheira que estava sobre um tapete, à frente da lareira.

Meia hora depois estava pronta usando um vestido cor-de-rosa e um colar de pérolas. Sua preocupação era deixar o príncipe muito bem impressionado.

Marla terminara de fazer-lhe um gracioso penteado quando a princesa Adele entrou no quarto, radiante.

- Olhem para mim! Vejam como estou! Não me acham elegante?

Aquela nem parecia a mesma garota encabulada, tímida e mal vestida a quem Zuleika fora apresentada ao chegar.

- Você está adorável - Zuleika falou com sinceridade. - E é assim que você irá apresentar-se a partir deste momento.

- Duvido - Adele murmurou, inclinando a cabeça para o lado. - Talvez não encontremos aqui em Krnov vestidos como este.

- Se não encontrarmos, mandaremos vir de Viena os mais belos trajes que houver. Então você se transformará numa princesa de contos de fada que deslumbrará Krnov.

As duas princesas desceram a escadaria de mãos dadas e o ajudante-de-ordens, bem idoso, que as aguardava no hall, acompanhou-as até os aposentos privativos do príncipe.

Os três percorreram vários corredores de teto muito alto até chegarem ao fim do palácio. O velho ajudante-de-ordens abriu uma porta e indicou que as jovens deviam entrar.

Na sala não havia sinal do príncipe; ali estavam apenas Pieter Seitz e o conde.

- Eu já começava imaginar que as havia perdido quando vocês surgem como dois anjos do céu - disse o conde efusivamente.

- Não é mau sermos comparadas a anjos, mas a princesa e eu esperávamos ouvir outro tipo de elogio - Zuleika replicou.

- Isso foi só a introdução - explicou o conde, rindo. - Devo agora dizer que estou orgulhoso de ter ao jantar a companhia de duas lindas e jovens ladies.

Para alegria de Zuleika, a princesa parecia maravilhada e olhava para o conde com os olhos muito abertos. Certamente esse era o primeiro elogio que um cavalheiro lhe fazia.

Pieter Seitz foi muito discreto. Beijou a mão das princesas e disse apenas:

- Sinto-me honrado por estar aqui esta noite. Acredito que este jantar será o início de um novo capítulo na história de Krnov e a presença de duas jovens princesas torna-o mais memorável.

Um outro ajudante-de-ordens, ainda mais idoso do que o anterior, anunciou:

- Sua Alteza Real está pronto para receber seus hóspedes.

Do outro lado do corredor, numa sala ampla, estava o príncipe Majmir, de pé, usando um traje de noite que não lhe assentava bem. Seus cabelos, que começavam a ficar grisalhos, pareciam não ter sido penteados.

Embora não tivesse idealizado como seria o príncipe, Zuleika surpreendeu-se ao ver aquele homem decrépito. Aproximou-se e ao fazer uma mesura, teve certeza de que havia algo errado, não apenas com ele, mas também naquele palácio.

- Seja bem-vinda - a Krnov - disse o príncipe, depois de curvar-se. - Espero que Vossa Alteza sinta-se bem entre nós.

- Obrigada - Zuleika respondeu. - Foi muito amável de sua parte convidar-me para vir a este palácio. É uma honra ser sua hóspede.

Em seguida ela apresentou o conde. Atenta à reacção do príncipe, Zuleika percebeu que ele ficou muito impressionado com o facto de um aristocrata tão distinto e importante fazer parte da comitiva da princesa.

Para com Pieter Seitz o príncipe mostrou-se condescendente, como se não o considerasse digno de atenção.

Anton Bauer entrou na sala e, por sua agitação, Zuleika deduziu que ele estivera ocupado até ao momento com os preparativos para o jantar.

Pouco depois todos se dirigiram para a sala de jantar privativa do príncipe, vizinha da sala de estar, onde eles foram recebidos.

Foi grande a decepção de Zuleika ao ver que não havia flores na mesa e que a prataria precisava de polimento.

O príncipe convidou a visitante para sentar-se à sua direita e a filha à sua esquerda. Do lado da princesa Adele sentou-se o conde, e Pieter Seitz ocupou o lugar do lado de Zuleika, vindo Anton Bauer logo a seguir.

Os pratos servidos embora não fossem ruins, não se podia dizer que eram deliciosos. Felizmente, o champanhe era de excelente safra e óptima qualidade.

O que chamou a atenção de Zuleika foi que o príncipe não tomou champanhe e sim outra bebida da qual parecia gostar muito, pois esvaziava o copo depressa e o criado o enchia imediatamente.

Durante todo o jantar o príncipe falou muito pouco, mas o conde animou a refeição contando passagens interessantes sobre suas viagens pelo mundo e sobre corridas que organizava no seu país.

A princesa Adele ouviu-o encantada e o tempo todo olhou para ele com admiração.

"Esta deve ser a primeira vez que Adele tem permissão de jantar na companhia de um belo rapaz", Zuleika pensou ao notar o interesse da princesa pelo conde. "Ainda bem que o temos connosco; ele impedirá que as nossas noites neste palácio sombrio sejam deprimentes."

Pieter Seitz, sempre tão discreto e calado, revelou-se um grande contador de casos divertidos, provocando o riso de todos, excepto do príncipe que parecia ter o pensa mento distante dali.

Os pratos se seguiram e quando a sobremesa foi servida Zuleika percebeu que o anfitrião tinha os olhos fechados. O conde e Anton Bauer levantaram-se depressa, ajudaram o príncipe a ficar de pé e praticamente o carregaram para o quarto.

- Já me disseram que isto acontece todas as noites - Pieter Seitz revelou a Zuleika em voz baixa.

- Você quer dizer que ele está bêbado? - ela perguntou sussurrando.

- Está. Ele é um alcoólatra. Será mais conveniente não jantarmos com Sua Alteza Real - Pieter Seitz aconselhou.

- Eu não fazia idéia que ele bebia!

Minutos depois o conde e Anton Bauer estavam de volta e sentaram-se à mesa como se nada tivesse acontecido.

Terminada a sobremesa, Zuleika perguntou a Anton Bauer.- Aqui em Krnov as ladies saem da sala de jantar e deixam os cavalheiros à mesa apreciando seu vinho do Porto?

- Não temos esse costume - Anton Bauer respondeu.

- Eu, pessoalmente, não gosto de vinho do Porto mas podemos ir para uma outra sala onde nos servirão café e licores - sugeriu o conde.

- Também não temos esse hábito, mas providenciarei para que sejam servidos - disse Anton Bauer. - A princesa Adele os levará até uma sala onde poderão ficar mais à vontade.

- Você se refere à sala de estar que me mostrou ontem? - quis saber a princesa.

Anton Bauer assentiu e Adele levou os hóspedes para uma sala decorada com extremo bom gosto que ficava em outra parte do palácio.

O contraste dessa sala com aquela ocupada pelo príncipe, onde haviam estado, era espantoso. As telas das paredes eram obras-primas e tinham, como os espelhos de cristal, preciosas molduras douradas.

Sobre as peças do mobiliário, todas elas primorosamente entalhadas e com detalhes em ouro, viam-se objectos de arte de valor inestimável.

- Todos os cómodos desta ala foram decorados pela mãe da princesa Adele, pouco antes de ela morrer. O príncipe prefere que eles fiquem fechados porque fazem-no lembrar da esposa - esclareceu Anton Bauer tendo notado o olhar indagativo de Zuleika.- Há uma sala de jantar nesta ala? - Zuleika indagou.

- Sim, claro. Há também uma sala de música, uma biblioteca e a sala de leitura. Todos os cómodos são luxuosos e decorados com muito bom gosto.

- Irei à biblioteca na primeira oportunidade. Estou interessada em encontrar um livro sobre a história de Krnov.

- Temos vários livros sobre a nossa história. Todos eles estão às ordens de Vossa Alteza - ofereceu Anton Bauer.

- Eu gostaria de ver a sala de música, mas acredito que seja muito tarde para dançarmos esta noite - aparteou o conde. - Porém, insisto em termos um baile amanhã. Fiquei sabendo que um dos oficiais é excelente pianista e que há na cidade uma pequena orquestra. Estou pensando em contratá-la.

- Você não perde tempo - Zuleika observou, rindo

- O tempo não deve ser desperdiçado.

Ao dizer isso o conde olhou para Zuleika de modo significativo e ela entendeu que ele se referia ao que teriam de descobrir sobre o perigo que Krnov corria de perder sua independência.

Para distraí-los Anton Bauer sugeriu que eles jogassem cartas. A sugestão foi aceite mas foram escolhidos jogos infantis tão ridículos que todos acabaram rindo e provocando uns aos outros.

Finalmente, às onze, Zuleika achou que já era hora de irem para a cama.

- Amanhã teremos um dia agitado - alegou, pondo-se de pé.

- O que Vossa Alteza deseja que seja providenciado para amanhã? - perguntou Anton Bauer enquanto a princesa Adele conversava com o conde.

- A primeira coisa, e a mais importante no momento, é comprar roupas para a princesa - expôs Zuleika. - Ela só tem trajes horrorosos. Para esta noite emprestei-lhe o vestido que está usando.

- Foi o que pensei ao vê-la tão elegante - Anton Bauer comentou. - Vou providenciar uma carruagem para ambas irem à cidade fazer compras.

- A carruagem só não basta. Quero que a princesa Adele chame a atenção, portanto iremos à cidade em grande estilo.

- Vossa Alteza quer dizer que precisam de uma escolta?

- Perfeitamente.

- Isso jamais aconteceu antes e certamente causará sensação.

- É essa a minha intenção - admitiu Zuleika.

- Está bem. O que mais, Alteza?

- Organize uma lista de rapazes e moças que regulem de idade com a princesa ou pouco mais velhos. Vamos convidá-los para as festas que iremos oferecer. - Zuleika ia chamar a princesa quando se lembrou de mais uma coisa. - Ah, também quero ver o chef para combinarmos o jantar de amanhã. O conde falou que seremos vinte à mesa.

- Não sei o que o camareiro-mor irá dizer a respeito de tudo isso - falou Anton Bauer com uma ruga de preocupação marcando-lhe a testa.

- Tenho certeza de que você saberá lidar com ele - tornou Zuleika em tom lisonjeiro. - Marque também para amanhã uma audiência com o primeiro-ministro. Preciso falar-lhe a sós.

- Com o primeiro-ministro? - Anton Bauer arqueou as sobrancelhas.

- Foi ele quem me convidou para ser dama de companhia da princesa e sinto-me na obrigação de falar-lhe sobre o que estou fazendo e sobre o que pretendo fazer.

- Compreendo. Quero aproveitar a oportunidade para dizer-lhe que lamento o que aconteceu no final do jantar. Imaginei que Sua Alteza Real seria mais cuidadoso esta noite, uma vez que Vossa Alteza acaba de chegar.

- Ele bebe muito?

- Demais e com frequência, lamentavelmente.

- Que bebida era aquela?

- Vodca.

- Vodca é uma bebida muito forte. - Zuleika suspirou.

Começava a compreender por que Krnov estava tão abandonada. Mas o que poderia fazer?

Por enquanto não sabia a resposta.

Ela deu boa noite a todos e foi para junto da princesa que conversava com o conde. Relutante, ela levantou-se da cadeira e as duas deixaram a sala.

Ainda estavam no corredor quando o conde correu atrás delas para falar com Zuleika.

- Esqueci-me de perguntar-lhe se pretende cavalgar amanhã.

- Naturalmente. Receio que os cavalos de Sua Alteza Real nos desapontem. Neste caso, montaremos os nossos.

- Foi o que pensei. Tive uma idéia mas falarei sobre ela amanhã, enquanto cavalgarmos - disse o conde.

- Poderemos sair às oito. Este horário está bem para você?

- Está perfeito. Voltaremos às nove para o breakfast.

O conde ia retornar à sala quando a princesa Adele perguntou:

- Posso cavalgar com vocês?

- É claro que pode! Nós não pretendíamos fazer o passeio sem você - Zuleika falou com veemência. - O conde escolherá dois cavalos excelentes para nós.

- Prometo fazer isso - declarou o conde. - Estarei com os animais à porta da frente do palácio, às oito.

As duas princesas agradeceram, despediram-se do conde e ele afastou-se.

- Não acredito que tudo isto esteja acontecendo realmente. Chego a pensar que estou sonhando - disse Adele quando ambas chegaram à Suíte das Rosas.

- Isto é só o começo - avisou Zuleika. - Sua vida irá tornar-se cada dia mais alegre.

Ambas se despediram com um abraço e um beijo.

- É maravilhoso ter você aqui. Por favor, não vá embora tão cedo - pediu Adele.

- Ficarei o máximo que puder. Mas deixei papai sozinho e sei que ele sente muito a minha falta. - Zuleika viu o desapontamento nos olhos da princesa e completou depressa: - Mas não vamos falar da minha partida se acabei de chegar. O que temos a fazer é ir para a cama para acordarmos bem dispostas, amanhã.

- Não vejo a hora de amanhecer para irmos cavalgar. - A princesa deu outro beijo na amiga e foi para seu quarto.

Ficando a sós com a criada pessoal, Zuleika sentou-se na banqueta à frente do espelho para escovar os cabelos e perguntou:

- O que você tem para me contar? Como os criados reagiram à nossa chegada?

- Todos estão na maior agitação. Os mais velhos reclamam que o serviço vai aumentar e os mais novos estão felizes porque a chegada de Vossa Alteza trouxe vida nova ao palácio. "Já não era sem tempo", eles disseram.

- O serviço irá aumentar, claro. O conde pretende organizar festas todas as noites. Mas novos criados serão contratados.

- Pelo que ouvi dizer, o príncipe não tomará parte em festa nenhuma.

- O que lhe contaram sobre o príncipe Majmir?

- Eles comentaram que Sua Alteza Real bebe toda a noite até cair. Os criados, então, levam-no para a cama.

- Isso é péssimo para o país e não pode continuar - Zuleika falou com firmeza. - Temos de encontrar uma solução para esse problema.

Ela ficou em silêncio, reflectindo. Ainda estava impressionada com a cena lamentável que presenciara ao jantar. O pai tinha razão de estar muito preocupado com Krnov.

As notícias voavam nas asas do vento e os criados sempre falavam mais do que deviam. Portanto, o vício do príncipe devia ser conhecido no principado e até fora dele.

Zuleika suspeitava que os prussianos já tinham agentes infiltrados em Krnov para causar tumultos e preparar o caminho para a Prússia tomar o país.

"Tenho de fazer alguma coisa para que Krnov mantenha a sua independência", Zuleika pensou. "Mas, o quê?"

Aquele havia sido um longo dia e ela adormeceu quase no mesmo instante em que pousou a cabeça no travesseiro.

Assim que Marla afastou as cortinas, Zuleika despertou. Eram sete e meia e o sol brilhava lá fora.

"Está um dia perfeito para um passeio a cavalo?", Zuleika pensou satisfeita.

Tendo sido informada de que uma das criadas já havia acordado a princesa, ela saltou da cama, lavou o rosto e vestiu o conjunto de montaria que a criada acabara de tirar do guarda-roupa. Era quase novo e muito elegante. O chapéu tinha ao redor da copa alta uma longa faixa de chiffon azul, do mesmo tom do conjunto, cujas pontas caíam-lhe às costas.

Ao descer a escada Zuleika notou que o conde e os três jovens cavalheiros que se achavam no hall olhavam-na admirados.

Não havia sinal de Pieter Seitz ou de Anton Bauer.

Os cavalheiros, todos eles oficiais do regimento mais importante de Krnov, acabavam de ser apresentados a Zuleika quando a princesa Adele desceu a escada correndo, um pouco atrasada.

Seu rosto corado indicava empolgação, não só por antecipar o prazer do passeio, como por conhecer três rapazes belos e elegantes.

- Os oficiais vão levar-nos a um lugar excelente para galopar - avisou o conde. - Eu mesmo me encarreguei de escolher um cavalo magnífico para a princesa Adele.

Todos montaram e Zuleika ficou por um instante apreensiva, atenta à princesa, receando que ela não soubesse montar. Porém, assim que partiram, Adele mostrou que não desmerecia o sangue russo nas veias.

Guiados por um dos oficiais, cavaleiros e amazonas atravessaram o jardim do palácio e seguiram por um atalho que conduzia a uma planície marginando um rio.

Uma vez na extensa faixa de terra coberta de relva e florinhas silvestres, sobre as quais adejavam centenas de borboletas amarelas, eles puseram-se a galope.

O sol brilhava intensamente e muito ao longe avistavam-se as montanhas. Aquela parte de Krnov, Zuleika pensou, era tão encantadora quanto Opava.

Galoparam várias milhas, depois refrearam os animais. O conde conduziu seu cavalo para o lado de Zuleika e ambos ficaram, deliberadamente, para trás.

- Quero expor-lhe a minha idéia - disse o conde.

- Estou ansiosa para saber do que se trata - falou Zuleika demonstrando interesse.

- Fui ontem à sala dos oficiais e quando me apresentei, os que me conheciam de nome e sabiam da minha grande perícia como cavaleiro, passaram a falar sobre cavalos - começou o conde. - Percebi que eles têm paixão por corridas e equitação.

- Não é de surpreender. - Zuleika sorriu.

- Também fiquei sabendo que o Exército é bem pequeno - o conde prosseguiu. - O comandante e os oficiais que vieram cavalgar connosco querem recrutar voluntários. O problema é o desinteresse por parte da população. Tive então a idéia de sugerir ao comandante para anunciar que todos os que se alistarem serão treinados por mim, um campeão. Se houver muitos voluntários poderei contar com a ajuda de alguns oficiais. O que você acha?

- É uma idéia excelente! - Zuleika aprovou. - Notei que o palácio não é bem guardado.

- O Exército não conta com a metade dos soldados que seriam necessários para defender o país. Da mesma forma que você, estou muito preocupado com Krnov.

- Como sabe que estou preocupada com Krnov? - perguntou Zuleika, surpresa.

- Não sou tolo - falou o conde com um sorriso. - Logo que cheguei a Opava percebi que seu pai e os homens inteligentes do governo estão extremamente apreensivos com o que está acontecendo neste país.

- Eu nem imaginei que você tivesse notado isso.

- Na verdade meu pai também alertou-me sobre a situação reinante em Krnov e compreendi que alguma coisa devia ser feita. Então fui para Opava.

- Estou muito contente por saber de tudo isto e também que você está tão preocupado quanto papai e eu. Naturalmente, você não ignora que aceitei o convite do primeiro-ministro para ser dama de companhia da princesa Adele para descobrir o que se passa em Krnov e ajudar o principado no que for possível. - Zuleika suspirou. - Papai tem muito medo de que a queda de Krnov ponha em perigo a independência de Opava e, claro, de Cieszyn.

- O príncipe Laszlo tem motivos para estar temeroso - falou o conde, assentindo com a cabeça. - Krnov não tem condições de se defender de um ataque dos prussianos.

- Alguma coisa deve ser feita e com urgência. Pretendo ter hoje uma audiência com o primeiro-ministro. Sei que ele também teme pela segurança do país.

- Quando você estiver com ele, exponha-lhe o meu plano - pediu o conde. - Todos os que se alistarem como voluntários aprenderão comigo e alguns oficiais a montar e também a atirar. Mas o primeiro-ministro deve reunir-se com o ministro da guerra e alguns generais para iniciarem imediatamente uma campanha de recrutamento e treinamento de jovens para o Exército.

- Farei isso. à noite eu lhe transmitirei o que foi decidido na audiência.

Os dois fustigaram seus cavalos e saíram a galope para alcançar os oficiais e a princesa que se haviam distanciado deles. Estava na hora de voltarem para o palácio.

- Foi um passeio absolutamente maravilhoso! - Adele exclamou quando chegaram ao pátio das cocheiras.

- Vamos cavalgar amanhã novamente - propôs o conde. - Devo dar os parabéns a Vossa Alteza, pois monta excepcionalmente bem.

- Obrigada. - Um lindo sorriso iluminou o rosto da princesa. - Sinto-me muito lisonjeada por receber um elogio desses de um cavaleiro que monta tão bem. Receei não estar à altura do excelente cavalo que você escolheu para mim.

Antes de o cavalo ser levado para a baia a princesa deu umas palmadinhas em seu pescoço.

Observando-a Zuleika reflectiu que era pena alguém tão adorável e sensível viver tão isolada, sozinha e sem afeição, pois o príncipe parecia não se importar com a filha.

Até os criados e funcionários do palácio tratavam a princesa como se ela não tivesse importância. Zuleika ficara sabendo que Adele só deixava seus aposentos para dar uma volta no jardim do palácio e quando cavalgava era acompanhada apenas por um dos velhos cavalariços.

Ninguém considerava a herdeira ao trono suficientemente importante para ter uma escolta apropriada ou mesmo um ajudante-de-ordens para acompanhá-la.

"As coisas serão diferentes daqui por diante", Zuleika disse a si mesma com convicção ao entrar com o grupo no palácio.

Muito surpresa, ela notou que, àquela hora, quase nove, não havia nenhum dos ajudantes-de-ordens do príncipe nem o mordomo em serviço. Eles foram recebidos apenas por dois lacaios.

"Todo o palácio é mal administrado e o culpado disso é o camareiro-mor", ela pensou, ao subir a escada para ir ao quarto tirar o chapéu. "Ontem ele não foi nem um pouco cordial. Receio que seja antes um inimigo do que amigo."

O pensamento a fez sentir um calafrio. Excepto pelo conde, estava sozinha naquela luta, sem armas e sem apoio. Era muito pouco para ter a certeza de vencer.

Para alegria de Adele os oficiais tomaram o breakfast com elas e o conde. Quando se despediram eles prometeram que as acompanhariam no passeio a cavalo na manhã seguinte.

Antes de subir com a princesa para trocar-se, Zuleika falou com o mais idoso dos ajudantes-de-ordens do príncipe.

- Eu gostaria que uma carruagem estivesse à frente do palácio em meia hora. Vou acompanhar a princesa Adele às compras. Por favor, mande um mensageiro à loja mais importante da cidade avisar que Sua Alteza Real Estará chegando e exige toda a atenção do gerente e dos chefes de todos os departamentos.

O velho ouviu-a perplexo e contestou:

- Isso nunca foi feito antes, Alteza.

- Mais uma razão para ser feito agora! - Zuleika replicou em tom firme. - Por favor, dê as ordens imediatamente ou eles não estarão preparados para receber-nos quando chegarmos.

O conde que estava ouvindo, falou:

- Anton Bauer me disse que vocês precisavam de uma escolta.

- Precisamos, claro.

- Bem, pelo que vi até agora, o pessoal do palácio parece não conhecer seus deveres. Convém eu mandar dois soldados que vieram connosco de Opava acompanharem dois do palácio. É o modo mais rápido de ensiná-los a proceder correctamente - sugeriu o conde.

- É uma idéia excelente. Faça isso - Zuleika concordou.

Mal ela acabou de falar uma voz zangada soou às suas costas.

- É um facto sem precedentes a princesa Adele exigir uma escolta para ir à cidade!

- Bom dia - Zuleika cumprimentou o camareiro-mor com exagerada polidez.

- Bom dia - tornou o camareiro-mor secamente - Como acabei de salientar, não há necessidade de a princesa Adele ter uma escolta para ir às compras.

- Mas há necessidade de uma escolta para mim - Zuleika falou altivamente. - Meu pai jamais permitiria que eu andasse pelas ruas de uma cidade estranha sem uma escolta. Quanto à princesa Adele, creio que ela deve começar a apresentar-se em lugares públicos para que a conheçam e tenham por ela profundo respeito.

- E para isso a princesa deve ter uma escolta? - o camareiro-mor indagou de modo agressivo.

- É imprescindível! Da mesma forma, é imprescindível que ela tenha roupas próprias para uma princesa. Só um cego não vê que os trajes de Sua Alteza são os de uma garota de colégio. Ela não pode aparecer em público usando roupas tão inadequadas!

Sem ter como argumentar, o camareiro-mor resmungou alguma coisa para si mesmo e afastou-se sem se curvar, como seria correcto fazer diante de uma princesa.

O conde não conteve o riso e sussurrou para Zuleika:

- Você terá de livrar-se dele.

- É o que desejo fazer, mas não sei como - ela respondeu também em voz baixa.

- Não será fácil. Esse homem irá agarrar-se ao cargo como se fosse uma tábua de salvação, o que, na verdade, é. Se ele sair do palácio quem empregará um velho tão ranzinza?

Para Adele ir à cidade Zuleika emprestou-lhe outro vestido. Não tinha propósito a herdeira do trono sair do palácio com toda a pompa e apresentar-se mal trajada.

A carruagem com a capota descida e a escolta já se achavam à frente do palácio quando as duas princesas desceram.

Por mais que o conde tivesse tentado deixar elegantes os dois soldados do palácio, eles destoavam daqueles vinos de Opava.

Como Zuleika esperava, a carruagem e a escolta da princesa Adele chamaram a atenção. As crianças apontavam para elas e as pessoas que caminhavam nas calçadas paravam para ver a novidade.

Adele acenava para todos que olhavam para ela com interesse, mas ninguém respondia aos acenos. Pelo menos, Zuleika pensou, a princesa chama a atenção e o povo teria o que comentar em Krnov.

Elas chegaram a uma grande loja de departamento. Vários transeuntes ficaram parados a certa distância curiosos, porém silenciosos, esperando as duas princesas descerem da carruagem.

O mensageiro já havia avisado ao gerente da loja que a princesa Adele estava a caminho e ele curvou-se respeitosamente para ela e Zuleika. Em seguida perguntou que departamento elas queriam ver em primeiro lugar.

- Desejamos ver as melhores e mais elegantes roupas que houver, para todas as ocasiões - Zuleika respondeu.

O gerente vibrou com o pedido e levou pessoalmente as duas princesas ao primeiro andar. Chamou a chefe e as vendedoras de cada departamento, orientou-as e afastou-se.

Depois de quase duas horas Adele tinha o que Zuleika considerou um enxoval básico e digno de uma princesa.

- Nunca imaginei que eu fosse ter roupas e complementos tão maravilhosos e em tão grande quantidade - Adele segredou a Zuleika. - Será que papai irá pagar a conta de bom grado?

- Na minha opinião ele ficará muito feliz ao ver a filha linda e elegante - Zuleika respondeu.

Intimamente ela considerou que, pelo que vira no palácio, não seria muito fácil para o príncipe obter do tesouro tanto dinheiro. Porém, ela confiava no primeiro-ministro; sabia que ele teria argumentos para apresentar e conseguiria o que fosse necessário para cobrir as despesas.

As duas deixaram a loja acompanhadas pelo gerente que era todo mesuras. Naquele curto espaço de tempo ele conseguira dois buquês de flores para presentear as princesas.

Ao entregá-los agradeceu mil vezes a preferência dada à loja e prometeu entregar toda a compra no palácio o mais depressa possível.

Na carruagem, de volta ao palácio, Adele não cabia em si de contentamento.

- Nunca imaginei que isso fosse acontecer! É maravilhoso! Estou tão feliz! - ela ficou repetindo. - Papai não ficará zangado, não é mesmo?

- Não vejo razão para ele zangar-se. O príncipe terá de se acostumar a vê-la bonita, elegante e, claro, crescida - Zuleika apontou.

- É verdade. Papai não pode esperar que eu permaneça criança para sempre - Adele murmurou.

Para mudar de assunto, Zuleika falou com entusiasmo:

- O conde prometeu convidar alguns rapazes para jantar connosco. Depois vamos dançar. Você deve usar o vestido mais lindo esta noite. Será sua apresentação ao mundo social.

Ao dizer isso Zuleika olhou ao redor. A cidade e o povo pareceram-lhe tão pobres. Um pensamento sombrio deixou-a apreensiva.

Se os prussianos estivessem planeando tomar Krnov, o momento era o mais propício. Eles encontrariam bem pouca oposição tanto do governo como do povo.

 

CAPÍTULO IV

De volta ao palácio Zuleika e Adele almoçaram com Anton Bauer. Não havia sinal do conde ou de Pieter Seitz.

Logo após o almoço um dos ajudantes-de-ordens informou a Zuleika que o primeiro-ministro teria a honra de recebê-la à tarde em seu gabinete, no prédio do Parlamento.

Novamente Zuleika mandou preparar a carruagem e pediu a Adele para ver se a sala de música estava limpa e em ordem.

- Será bom você verificar se o salão de baile também está arrumado - a princesa completou. - Se o conde convidar muitas pessoas a sala de música será pequena para todos nós. Ah, providencie para que haja flores, muitas flores, por toda a parte.

A princesa afastou-se apressada, feliz por supervisionar o trabalho dos criados e mais por ter a oportunidade de dar ordens.

O edifício do Parlamento não ficava distante do palácio. Assim que se apresentou, Zuleika foi levada à presença do primeiro-ministro.

- Devo desculpar-me por ter-lhe pedido que viesse até meu gabinete - disse o primeiro-ministro quando ele e Zuleika ficaram a sós. - Tive receio de que no palácio alguém nos pudesse ouvir.

- O senhor suspeita de alguém?

O primeiro-ministro mostrou-se hesitante e Zuleika achou que ele não iria responder à pergunta. Pouco depois ele falou:

- Tenho notado que o camareiro-mor é abertamente contra toda a inovação, seja no palácio ou no país.

- Tive a mesma impressão - Zuleika revelou. - Reconheço que não será fácil, mas o senhor deve dispensá-lo do cargo.

O gesto que o primeiro-ministro fez com as mãos traduziu seu desalento por não poder agir.

- O camareiro-mor, como Vossa Alteza sabe, é nomeado pelo soberano e tenho certeza de que Sua Alteza Real não está interessado em despedir ninguém.

- Naturalmente o senhor não ignora que a independência do país está ameaçada - Zuleika assinalou.

- Tenho plena consciência disso - afirmou o primeiro-ministro. - Assumi o cargo recentemente e não posso compreender como foi possível o país chegar ao estado em que se encontra. O Exército é praticamente inoperante e as fortificações estão desmoronando.

- Foi exactamente isso que meu pai suspeitou que eu iria encontrar aqui. Papai quer obter todas as informações possíveis sobre o país para poder, juntamente com o príncipe Vaslov de Cieszyn, ajudar Krnov.

            A revelação fez com que o primeiro-ministro ficasse muito erecto na cadeira.

- O príncipe Vaslov! Esta é uma óptima notícia! Ele é um soberano dinâmico e tem feito muito por seu país. Os prussianos não só o respeitam como o temem.

- Outra pessoa com quem podemos contar é com o conde. Procure falar com ele - o primeiro-ministro sugeriu. - Ele tem muitas idéias. Como também é jovem e entusiasmado, atrairá para o Exército aqueles que estão desempregados e sem dinheiro.

- Fiquei sabendo que ele pretende recrutar voluntários para a cavalaria, mas precisamos de mais soldados para a infantaria. - O primeiro-ministro suspirou. - Os generais são todos idosos e não querem mais trabalhar. Estou esperando receber mais armas e não há soldados para manejá-las.

- No momento, enquanto meu pai não convencer o príncipe Vaslov a aliar-se a nós, acho que o senhor deve conversar com o conde - Zuleika insistiu.

- Sim, falarei com ele.

- O conde também está empenhado em alegrar o ambiente no palácio. Teremos convidados para jantar desta noite e depois um pequeno baile. Achamos que será uma boa maneira de demonstrar aos prussianos que o clima não é de inquietação.

- Vocês estão certos - aprovou o primeiro-ministro. - As notícias do que está acontecendo no palácio circularão pela cidade e fora dela.

- Pretendo mandar Pieter Seitz a Opava imediatamente para relatar a meu pai como está a situação aqui em Krnov. Também pedirei a papai que nos mande cavalos.

- Temos muitos e bons cavalos em nosso país, porém, não se comparam aos magníficos puros-sangues de Sua Alteza Real - admitiu o primeiro-ministro. - Ficaremos muito agradecidos pelos que ele nos mandar.

- Mandarei dizer isso a meu pai. - Em outro tom Zuleika pediu: - Estou com um pequeno problema e vou precisar da sua ajuda.

- Em que poderei ajudá-la? - O primeiro-ministro pareceu surpreso. - É claro que farei o que Vossa Alteza desejar.

- Sua Alteza e eu saímos para fazer compras e, precisando de roupas como a princesa estava, a conta a ser mandada ao palácio é bem grande - Zuleika expôs. - Receio que o camareiro-mor se mostre desagradável; se for assim, posso mandar-lhe a conta? O senhor compreende, claro, que o facto de Sua Alteza apresentar-se em público e mostrar-se sempre bem vestida não deixa de ser uma arma contra o inimigo.

O primeiro-ministro riu.

- Os argumentos que Vossa Alteza usa para persuadir-me são diferentes de tudo o que já ouvi antes. É claro que pagarei todas as contas que me forem enviadas. Vossa Alteza está fazendo exactamente o que achei que era necessário e só posso dizer que lhe sou imensamente grato.

A primeira providência de Zuleika quando chegou ao palácio foi mandar chamar Pieter Seitz.

- Vamos dar uma volta pelo jardim. Está uma tarde linda - ela convidou o ajudante-de-ordens assim que ele entrou na sala, apressado.

Ele olhou para a princesa de modo a dizer, sem palavras, que havia entendido que ela precisava falar-lhe sem que os ouvissem. Respondeu sem hesitar:

- é uma excelente idéia, Alteza. Há no jardim algumas plantas que não temos em Opava e que talvez a interessem.

- Ah, sim. Adoro flores.

Eles foram para o jardim e caminharam pelo gramado até uma fonte. Ficaram ali parados como se estivessem admirando os peixinhos dourados que nadaram no tanque ou a água que caía e ao sol parecia feita de milhares de minúsculos arco-íris.

Resumidamente, Zuleika expôs a Pieter Seitz o que havia conversado com o primeiro-ministro.

- Se não for cansativo demais, pois chegamos ontem, eu gostaria que você partisse para Opava imediatamente - Zuleika completou. - Quanto mais cedo papai for informado do que se passa aqui, melhor.

- Partirei em seguida - Pieter Seitz declarou. - Já percebi que devemos ter muito cuidado com o camareiro-mor. Para não levantar suspeitas ou aguçar sua curiosidade, direi que vou a Opava buscar algumas jóias para Vossa Alteza porque haverá festas no palácio.

- É uma desculpa perfeita. Peça a papai para mandar-me a mais delicada das tiaras e um colar, peças das quais mamãe gostava muito, dessa forma não haverá dúvidas sobre o motivo de sua viagem.

- Está bem, Alteza.

- Não comente com ninguém sobre o que conversamos, excepto com o conde - a princesa recomendou.

- Tudo será mantido em segredo - asseverou Pieter Seitz. - Da mesma forma que nós, o conde está muito preocupado com a situação. Ontem à noite, depois que Vossa Alteza e a princesa Adele se retiraram da sala, o conde e eu fomos até à cidade. Ninguém sabia quem nós éramos e circulamos entre o povo, fomos a alguns bares e à grande praça central.

- Vocês descobriram alguma coisa? - Ao fazer a pergunta Zuleika olhou, instintivamente sobre o ombro para certificar-se de que não havia ninguém por perto.

- Sim. - Pieter Seitz baixou mais a voz. - Temos certeza de que os prussianos estão se infiltrando na capital e nas outras cidades. O pior é que eles já começaram a fazer a prospecção de mineiros nas montanhas mais distantes e delimitaram as áreas onde há as mais ricas jazidas, as quais os krnovianos não se preocupam em explorar.

- Como eles podem ser tão imbecis? - Zuleika indignou-se.

- Há falta de governo neste país - lamentou o ajudante-de-ordens. - Vossa Alteza presenciou a cena deplorável de ontem à noite. O príncipe Majmir é fraco e deixou-se dominar pela bebida.

- Mas o país não pode cair nas mãos dos prussianos! Se eles tomarem Krnov. Voltar-se-ão, cobiçosos, para Opava e Cieszyn!

Pieter Seitz assentiu com a cabeça. Não havia necessidade de palavras para dizer o que ambos já sabiam.

- Vou preparar-me para partir o quanto antes - avisou. - Imagino que Vossa Alteza queira escrever para o príncipe Laszlo. Mas deve ser uma carta muito discreta, pois há sempre o perigo de eu ser interceptado na estrada.

Os grandes olhos azuis de Zuleika tornaram-se ainda maiores.

- Oh, você não está pensando que isso irá acontecer, não é mesmo?

- Espero que não; e irei rezando para chegar a Opava sem problemas.

- Bem, será mais seguro se você viajar acompanhado - Zuleika aconselhou. - Fale com o conde e ele providenciará dois dos mesmos cavalarianos, devidamente armados, para servir-lhe de escolta. Quanto ao motivo da viagem eu mesma direi ao camareiro-mor e a quem mais estiver interessado porque o mandei até meu pai.

- Só para buscar uma tiara, naturalmente - Pieter Seitz completou com afectada gravidade.

Ambos deram um meio-sorriso que serviu para descontraí-los. Mas havia muita coisa em jogo e eles voltaram para o palácio.

Em seu quarto Zuleika escreveu uma cartinha para o pai e entregou-a a Pieter Seitz.

As duas princesas não viram o conde nem souberam o que ele estivera fazendo, senão à hora do chá.

- Estou faminto! Meu almoço foi apenas um sanduíche - disse ele ao sentar-se numa poltrona confortável para comer um grande pedaço de bolo confeitado que Zuleika lhe ofereceu. - Tive muito trabalho, mas tomei todas as providências para o baile desta noite ser um sucesso.

- Você conseguiu! - exclamou a princesa Adele, radiante.

- Todos os convidados já foram avisados que esta noite será a primeira de uma série de festividades em sua honra, Alteza - acrescentou o conde.

A princesa Adele olhava para ele com uma expressão radiosa.

- Conte-nos o que você preparou para esta noite - pediu Zuleika.

- Não tive tempo de entrar em contacto com todas as pessoas com quem eu pretendia falar, portanto, o baile desta noite será mais simples. Mas haverá um grandioso baile para a princesa Adele na próxima semana. Os secretários já estão enviando os convites.

- Um grande baile para mim? - Havia um brilho de estrelas nos olhos da princesa e enlevo em sua voz.

- Todo seu - o conde confirmou. - Você deve usar o vestido de baile mais lindo que houver e todas as suas jóias para ficar resplendente qual uma árvore de Natal.

- Exageros à parte, pode ter certeza de que brilharei mesmo nesse baile - tornou a princesa, rindo. - Comprei roupas deslumbrantes! Tudo está sendo tão maravilhoso que mal posso acreditar que seja verdade.

- Também estou organizando uma corrida a ser realizada na semana que vem. A pista está abandonada e precisa de alguns reparos, pois não há corridas aqui há cinco anos. Já contratei quase cem homens para deixar tudo impecável para a corrida. - O conde tinha um sorriso no canto da boca ao acrescentar: - Estamos movimentando a cidade. Há mensageiros anunciando pelos quatro cantos do principado quando será a corrida e avisando que todos que tiverem cavalos em condições de usar as quatro pernas devem inscrevê-los, pois haverá diversas modalidades de provas. Inclusive algumas bem divertidas.

- Você é fantástico! - Zuleika elogiou-o, sorridente. - Já imaginou que as corridas serão um grande acontecimento na cidade. Todos, velhos e moços, homens e mulheres gostam de corridas.

- Vou participar das corridas e estou interessado em saber quem aceita competir comigo.

Oh, não! - Zuleika protestou. - Você vencerá todas as provas, a não ser que conceda vantagens ao adversário mais fraco.

- Nada de conceder vantagens - foi a vez de o conde protestar. - Prova é prova. Que vença o melhor!

- Você não está sendo cavalheiro - retorquiu Zuleika.

- Bem, se meu adversário for uma lady, posso dar-lhe alguma vantagem - considerou o conde. - Estive pensando se não seria interessante incluir ladies nas provas.

- Ladies? - Zuleika olhou para o conde, perplexa. - Nunca ouvi dizer que ladies se inscrevessem em corridas.

A princesa Adele, ao contrário, vibrou com a idéia.

- Eu quero participar de uma prova pelo menos! Será a coisa mais empolgante da minha vida! Por favor, posso inscrever-me?

- O que você acha? - O conde consultou Zuleika.

Ela fez um gesto com as mãos. Começava a gostar da idéia.

- É algo incomum - opinou - mas fará com que o povo fale sobre o assunto.

- É o que queremos - ele replicou.

Não foi preciso nenhum deles dizer mais nada. Os comentários fervilhariam se fossem realizadas corridas nas quais mulheres tomassem parte.

- Tenho outras idéias, mas não vamos discuti-las agora. - Em outro tom o conde recomendou às princesas: - O jantar precisa ser melhor do que o da noite anterior e isso é departamento de vocês duas.

- Oh, eu pretendia falar com o chef logo pela manhã e acabei esquecendo - Zuleika falou, pesarosa. - Mas mandarei chamá-lo e verei o que se pode fazer.

- Enquanto você fala com o chef, a princesa Adele vai levar-me até o salão de baile e à sala de música. - O conde ficou de pé. - Acredito que a sala comporta os convidados desta noite que não são muitos.

Os dois saíram e Zuleika tocou uma campainha. Quando o mordomo apareceu ela avisou-o que precisava ver o chef.

Poucos minutos depois ela falava com um francês ainda jovem. Na língua dele perguntou-lhe há quanto tempo trabalhava no palácio.

- Vim de Paris há poucos meses, Alteza - ele respondeu. - Minha intenção é trabalhar em diferentes países para aprender pratos típicos especiais e também para ensinar a outros chefes um pouco da culinária francesa.

- Aqui em Krnov, pelo menos, isso é necessário - observou Zuleika com um sorriso. - Temos no palácio, em Opava, um chef francês. Os franceses são os que mais entendem de cozinha em toda a Europa.

O chef curvou-se, lisonjeado.

- Vossa Alteza é muito amável. Posso preparar as iguarias mais finas se tiver condições para tal.

- É sobre isso que desejo falar com você.

O chef expôs que seguia as ordens do camareiro-mor e queixou-se de não ter os ingredientes que pedia, nem ajudantes.

Se o problema era tão simples, Zuleika esclareceu, a cozinha e a despensa seriam abastecidas com o que houvesse de melhor. Ela também autorizou o chef a empregar quantos ajudantes julgasse necessário. Expôs também que haveria no palácio festas constantes em homenagem à princesa Adele.

- São boas notícias, Alteza - o chef falou com um brilho no olhar. - Com bons ingredientes e mais ajudantes, sou capaz de operar milagres. Mas Vossa Alteza compreende... recebo ordens do camareiro-mor.

- Falarei com o camareiro-mor sobre a contratação de pessoal da cozinha e sobre o salário que lhes será pago - Zuleika tranquilizou o rapaz. - Quanto a você, bastará entrevistar alguns candidatos e seleccionar aqueles que julgar competentes.

O chef afastou-se reanimado e Zuleika falou com o mordomo.

Era inadmissível ver num palácio a mesa posta negligentemente, sem uma decoração adequada e com a prataria manchada.

Ao ouvir que o jantar seria para trinta convidados, o mordomo ergueu as mãos e emitiu uma exclamação de horror.

- Impossível, Alteza! Inteiramente impossível!

- Receio que terá de ser possível - Zuleika contra-argumentou. - As pessoas já foram convidadas em nome de Sua Alteza, a princesa Adele. Este é o primeiro baile, mas muitos outros virão.

- Contamos com um número reduzido de lacaios, Alteza - o mordomo queixou-se.

- Contrate quantos lacaios forem necessários - redarguiu Zuleika.

- Receio que o camareiro-mor não seja da mesma opinião, Alteza - alegou o mordomo cada vez mais inquieto.

- No momento eu dirijo o palácio. Estou aqui a pedido do primeiro-ministro e ele deu-me liberdade de fazer o que julgasse melhor para o bem de Krnov. Como tudo não pode ser feito ao mesmo tempo, estou começando por este palácio. Ou o senhor colabora comigo ou será substituído por alguém que ame este país e esteja disposto a trabalhar pelo seu bem - Zuleika admoestou o mordomo. - Lamento dizer que este país, que antes se igualava a Opava e Cieszyn, está dando péssima impressão aos seus vizinhos.

- Tentarei fazer o que Vossa Alteza deseja - disse o mordomo humildemente, receando perder o emprego. - Sei, no entanto, que não será fácil.

- Nada é fácil - frisou Zuleika. - Pelo contrário, tudo é difícil de ser consertado num lugar como este palácio, que tem sido negligenciado há anos. Eu já o autorizei a empregar mais lacaios. E espero que esta noite a prataria esteja reluzente. Tire do cofre os enfeites mais lindos e preciosos para decorar a mesa e o salão de jantar.

Notando a falta de reacção do mordomo e seu ar angustiado, Zuleika abrandou o tom de voz.

- Posso fazer-lhe uma sugestão? Como há muita coisa a ser feita em pouco tempo, por que o senhor não contrata alguns garçons do melhor restaurante da cidade? Providenciarei para que o camareiro-mor pague condignamente pelos serviços prestados.

O pobre homem pareceu criar nova alma.

- Oh, sim, claro, posso fazer isso, Alteza. Conheço o melhor restaurante da cidade e sei que o proprietário se sentirá honrado em ceder alguns garçons para servir o palácio.

- Está resolvido - finalizou Zuleika. - Vá pessoalmente contratar seus ajudantes ou mande um dos lacaios até o restaurante.

O mordomo deixou a sala apressado.

Sentindo que travara dois combates, Zuleika serviu para si própria outra xícara de chá.

Saboreava a bebida quente e reconfortante quando o camareiro-mor veio falar-lhe. Sua expressão zangada não a surpreendeu. Suas palavras também foram exactamente as que ela esperava.

- Realmente, não consigo entender o que está acontecendo, Alteza. Por que está dando ordens sem me consultar?

- Para quê aborrecê-lo? O conde convidou, em nome da princesa Adele, um grande número de pessoa para jantar e pediu-me para falar com o chef e o mordomo.

- Um grande número de pessoas para jantar! - repetiu o camareiro-mor, atónito. - Como será possível tantos convidados, em cima da hora?

- Não será impossível nem difícil - Zuleika discordou. - As pessoas encarregadas dessa tarefa já foram orientadas sobre o que fazer.

- Mas os gastos? Festas, jantares custam muito dinheiro.. Tenho certeza de que Sua Alteza, o príncipe, irá considerar desnecessária tal extravagância - argumentou o camareiro-mor.

- Sua Alteza Real, o príncipe, compreenderá perfeitamente o que estamos fazendo - Zuleika falou devagar. - Decidi que será melhor eu falar com ele. Vou explicar-lhe o que vim fazer aqui e por que é necessário demonstrarmos que o estado deste palácio não é tão deplorável quanto dizem e que há vida em seu interior.

- O que Vossa Alteza está dizendo? - esbravejou o camareiro-mor , fitando Zuleika com uma expressão de perplexidade. - Estado deplorável do palácio? Quem anda espalhando mentiras sobre nós?

- São mentiras? - Zuleika encarou o camareiro-mor de modo desafiador. - O senhor não pode ser tão cego a ponto de não ver que Krnov não se compara, de forma alguma, com os outros dois principados que se mantém austríacos e livres do jogo da Prússia. O povo de Krnov empobreceu porque as riquezas minerais não são exploradas; o solo não é cultivado adequadamente e não há incentivo à lavoura. É grande o desemprego e, se quer a verdade, senhor, o Exército é uma vergonha! Dessa forma vocês não conseguirão preservar sua independência!

Atónito demais por ter ouvido todas aquelas verdades, o camareiro-mor não soube o que dizer. Naquele momento desejou com todas as suas forças expulsar a princesa do palácio. Mas não ousou.

Inspirando fundo e enquanto procurava, desorientado, palavras para argumentar, Zuleika voltou a falar.

- O melhor que tem a fazer, senhor, é deixar que eu realize meu trabalho sem interferências. Saiba que tenho todo o apoio do primeiro-ministro. E agora, por favor, com a sua autoridade, exija que este palácio esteja sempre impecável. Já falei com o mordomo. Receberemos hóspedes e convidados e não quero que fiquem chocados como eu fiquei ao entrar aqui.

Sem esperar resposta Zuleika afastou-se. O camareiro-mor permaneceu no mesmo lugar, como se pregado ao chão e não se adiantou para abrir a porta.

Ofegante após o desabafo, Zuleika caminhou sem pressa para a sala de música. Encontrou ali, como esperava, o conde e a princesa Adele. Ambos refaziam os arranjos de flores que os jardineiros haviam feito sem o menor cuidado ou senso de estética.

- Se queremos uma coisa bem feita teremos de fazê-la nós mesmos - disse o conde ao ver Zuleika.

- É isso mesmo. "Quem não quer, manda" - Zuleika citou o provérbio. - Deixe os jardineiros por minha conta. Já falei com o chef sobre o jantar desta noite. Você não ficará surpreso se eu disser que não há no palácio, criados suficientes para servirem à mesa. Sugeri ao mordomo que contrate garçons extras.

- De facto, não me surpreendo - respondeu o conde, rindo. - Espero que o jantar esteja bem melhor do que o de ontem.

- Descobri que o chef é francês.

- Isso me alegra. Agora olhe ao redor. O que acha da sala? Está bonita?

A princesa terminara de fazer um lindo arranjo de flores sobre a coruja da lareira e ao redor do estrado no qual estava o piano de cauda e onde ficariam os músicos.

- Falta alguma coisa ao fundo do tablado - Zuleika deu sua opinião. - Ali ficaria bem um grande arranjo com folhagem como palmeiras e aspidistras, além de flores, claro.

- Eu também estava achando aquela parte muito vazia - a princesa concordou. - Gostei da sua sugestão. Vou pedir mais folhagens; flores ainda há bastante.

O conde tocou a campainha e um dos lacaios apareceu alguns minutos depois, o que para Zuleika não era aceitável. Na sua opinião um criado em serviço devia atender ao chamamento imediatamente.

- Traga até aqui o jardineiro-chefe e outro jardineiro. Depressa! - o conde ordenou com inequívoca autoridade.

O homem pareceu alarmado e pouco depois praticamente corria pelos corredores.

Zuleika riu.

- Se continuarmos assim, deixando todos em polvorosa e com tanta movimentação, corremos o risco de ver o tecto desabando sobre nossas cabeças.

- Nem fale nisso. Já notei que há rachaduras nas paredes - observou o conde.

Zuleika riu novamente, mas reconheceu que a situação não era nada cómica.

A princesa Adele estava distraída, arrumando botões de rosas em um vaso e o conde segredou a Zuleika:

- Estamos correndo contra o tempo e isso me assusta.

- Sei disso. Minha esperança é nos mantermos um lance à frente do inimigo e vencê-lo pela inteligência, já que não podemos superá-lo com armamento e soldados.

- Bem, de minha parte, amo um desafio e uma luta, adorável princesa. Sei que venceremos - declarou o conde com veemência.

Naquela época do ano escurecia muito tarde. A princesa terminara de arrumar o vaso e ao colocá-lo sobre um móvel ficou iluminada pelo sol que entrava por uma das janelas. Vendo-a tão adorável usando um dos vestidos novos, Zuleika reflectiu que seria terrível se os prussianos tomassem o país.

Se não a matassem, ela e o príncipe Majmir seriam exilados e viveriam na miséria em algum país estranho. Notando que o conde também olhava para a princesa com admiração, disse suavemente:

- Temos de vencer por amor a ela.

- Era nisso que eu estava pensando - o conde murmurou. - Adele não tem mais ninguém,, excepto um pai alcoólatra. E agora, ela pode contar com você, o que é uma bênção de Deus.

- Você não inclui a si próprio. Nestas vinte e quatro horas você fez por Krnov e pela princesa o que ninguém fez em muitos anos. - Movida pelo entusiasmo Zuleika acrescentou: - Há muito o que fazer e, como eu disse, venceremos pela inteligência.

A princesa Adele aproximou-se deles.

- A meu ver, só falta melhorar o arranjo do fundo do tablado com mais folhagens - disse. - O que vocês acham da sala?

- Está linda! - Zuleika aprovou.

- Ficará ainda mais encantadora na hora do baile com a sua presença - completou o conde. - Você deslumbrará seus convidados e quando eles forem para casa terão o que falar.

- Devo tudo a vocês dois. Ambos têm sido maravilhosos! Como conseguiram fazer com que acontecessem coisas tão emocionantes? - falou a princesa, vibrando de alegria.

- Isto é só o começo - declarou o conde. - Mas o sucesso do baile vai depender de você. Sorria para todos e faça-os sentirem que jamais passaram uma noite tão sensacional.

- Será que vou conseguir? - duvidou a princesa. - Receio não ser boa anfitriã.

- Não precisa ficar nervosa. Lembre-se de que para os jovens que virão aqui esta noite bastará a empolgação de terem sido convidados para uma festa no palácio, coisa que não acontece há muito tempo.

O lacaio que havia saído poucos minutos atrás estava de volta com três jardineiros. O conde adiantou-se e perguntou quem era o chefe. O mais velho dos três, aparentando quarenta anos, apresentou-se.

- Preciso da sua ajuda - pediu o conde. - A princesa Zuleika e eu chegamos ontem a Krnov e notamos que este lindo palácio tem sido negligenciado. Os cómodos são sombrios, tristes e, em sua maioria, ficam fechados. O que nos encantou foram os jardins. Vocês são competentes.

O jardineiro-chefe endireitou os ombros, satisfeito. O conde prosseguiu:

- O que lhes vou pedir não será muito fácil de ser feito, mas sei que vocês não me desapontarão.

- O que é, senhor? - indagou o jardineiro-chefe.

- Vocês têm cerca de duas horas para enfeitar a entrada do palácio, corredores e todos os cómodos que estarão abertos aos convidados. Esta sala já está pronta, excepto a parte de trás do estrado e os cantos que devem ser completados. Precisamos de folhagem como folhas de palmeira, de aspidistra ou outra à sua escolha.

Era evidente a inquietação dos jardineiros. Um tanto receoso o chefe disse:

- Faremos o possível, senhor, mas não creio que haja nos jardins, estufas e viveiros, tantas flores e plantas.

- Se for necessário, comprem vasos de folhagens para os corredores - sugeriu o conde. - Deve haver floriculturas na cidade.

- Comprar plantas! - exclamou o jardineiro-chefe.

- Só dei uma sugestão. Mas não hesitem em comprar plantas se acharem que isso é preciso. Providenciarei o pagamento - o conde prometeu. - Confio na arte de vocês e sei que deixarão o interior do palácio tão lindo por dentro como é por fora. O trabalho que realizarem será elogiado, o que será excelente para a reputação de vocês, como jardineiros.

O jardineiro-chefe sorriu, lisonjeado.

- Eu só queria ter um pouco mais de tempo, senhor.

- Vocês terão a oportunidade de mostrar melhor o seu talento na semana que vem. Haverá no palácio um grande baile em homenagem à Sua Alteza Real, a princesa Adele - avisou o conde.

- Um grande baile! - repetiu o jardineiro-chefe boquiaberto.

- Nessa ocasião usaremos o salão de baile e aí, sim, precisaremos de flores e mais flores - frisou o conde. - Bem, estão dispensados. Lembrem-se que há muito tempo não há festas no palácio e queremos impressionar nossos convidados.

Os três saíram da sala apressados. Zuleika, que se mantivera calada, elogiou o conde:

- Você foi brilhante! Soube apelar para os brios dos jardineiros.

- Vocês estão se empenhando tanto e exigindo o máximo de todos para que o jantar e o baile sejam um sucesso... mas... e se ninguém aparecer? - indagou Adele, temerosa.

Zuleika e o conde riram.

- Todos os convidados virão! - afirmou o conde. - Pode ter certeza de que os poucos convites que os secretários redigiram e mandaram foram recebidos e aceites com euforia. Há pessoas mortificadas porque não foram incluídas na lista dos privilegiados.

- Ainda bem - a princesa suspirou.

- Você deve agradecer ao secretário particular de seu pai que conhece todas as pessoas distintas de Krnov e organizou essa lista - acrescentou o conde. - Agradeça também a todos que o ajudaram.

- Devo ir agradecer-lhes agora?

- Eles ficarão felizes se você for até eles.

Compenetrada, a princesa foi até à porta, mas antes de sair parou e voltou-se para o conde.

- Devo apertar a mão de todos?

- Será uma grande honra para eles. Isso é uma coisa que você fará muito no futuro.

A princesa afastou-se e o conde comentou:

- Ela é adorável e inocente.

- Temos de salvá-la e orientá-la - Zuleika murmurou. Uma ruga na testa demonstrava a sua preocupação.

- Não sei como uma garota como ela, sem experiência e nada sabendo do mundo será capaz de governar seu país. Espero que o príncipe Majmir não morra tão cedo; mesmo sendo inútil, dadas as condições em que se encontra, sua presença é necessária.

Por um instante Zuleika pensou que se os prussianos tomassem Krnov a princesa Adele jamais subiria ao trono.

Lembrando-se do que Pieter Seitz lhe dissera no jardim, um estremecimento percorreu-lhe todo o corpo.

Imaginou que um gigante caminhava na direcção deles e nada os salvaria de serem agarrados e esmagados por sua mão descomunal.

O que poderiam ela e o conde fazer? O esforço de ambos era muito pequeno perante o poder e a força bélica dos prussianos.

Sem dúvida, eles precisavam de um milagre.

Em silêncio, mas do fundo do coração, Zuleika orou com fervor:

Ajude-nos, meu Deus! Só o Senhor pode nos salvar!

 

CAPÍTULO V

Zuleika respirou aliviada. Tivera tanto medo de que, no último instante, alguma coisa saísse errada, mas o baile estava sendo um sucesso e o jantar havia sido bem melhor do que ela esperava.

O conjunto musical era pequeno, mas animado e tocava todas as músicas em voga. Até a noite estava linda e a luz brilhava no céu.

As janelas e duas portas abriam-se para o jardim. O conde conseguira, com muita habilidade e a ajuda de criados, pendurar lanternas nas árvores e colocar pequeninas lanternas de vidro colorido ao redor da fonte.

A princesa Adele, além de encantadora, estava felicíssima e seus olhos brilhavam como estrelas. Os rapazes faziam o possível para que ela lhes reservasse uma dança.

à uma hora o conde deu o baile por encerrado.

- Oh, mas é tão cedo! - Adele queixou-se. - Não podemos continuar?

- Não. Temos muito trabalho amanhã - replicou o conde. - Lembre-se de que haverá um baile de gala em sua homenagem na próxima semana.

- Se esse outro baile for tão sensacional como o desta noite, vou divertir-me a valer - a princesa alegrou-se. - Obrigada por tudo. Você está sendo maravilhoso.

- Você merece muito mais. Estou orgulhoso por ter feito tanto sucesso. Como eu previa, os jovens cavalheiros aclamaram-na a "Bela do Baile" - apontou o conde.

- A "Bela do Baile"! - festejou Adele. - Devo tudo a você e, naturalmente, à princesa Zuleika.

Os músicos tocaram o Hino Nacional de Krnov. Terminada a execução todos se despediram, relutantes.

- Foi uma noite maravilhosa - disseram os convidados, um após outro.

Por fim só ficaram na sala as princesas e o conde.

- Tive receio de que alguma coisa não desse certo, mas tudo saiu perfeito, além das expectativas - Zuleika falou, satisfeita. - Começo a acreditar que você tem poderes mágicos.

- Eu não duvido que você seja um mago - reiterou Adele. - Desde que chegou ao palácio tudo se transformou, num passe de mágica.

Zuleika olhou para o conde e ambos pensaram a mesma coisa: Quanto tempo iria durar aquele clima de euforia?

Até quando poderiam eles alegrar a princesa e manter a paz?

Os três subiram para outro andar onde ficavam seus aposentos. Depois de dar um beijo de boa noite em Zuleika a princesa abraçou o conde com a espontaneidade de uma criança e agradeceu:

- Obrigada! Obrigada! Por mim eu ficaria dizendo isso mil vezes!

O conde beijou-a no rosto e ela correu para o quarto.

- Ninguém pode ser mais adorável nem mais agradecida - Zuleika disse ao conde.

- E eu estou muitíssimo grato a você - ele falou por sua vez. - Eu temia que o jantar fosse um fracasso, mas esteve excelente.

- Esperamos ter o mesmo sucesso nas demais festas que pretendemos oferecer. Agora devemos dormir - Zuleika aconselhou. - No ritmo em que estamos indo precisamos de nossas energias e de nossa presença de espírito.

- É verdade. Boa noite e Deus a abençoe.

Em seu quarto Zuleika reflectiu que o conde tinha inúmeras qualidades: era muito inteligente, habilidoso e amável. Uma pena que, como o filho mais novo do arquiduque, Franz nunca iria herdar o título de nobreza do pai, nem suas propriedades; tudo iria para o irmão mais velho.

"Com o seu talento Franz encontrará algo que fazer", pensou Zuleika entrando no quarto onde Marla a aguardava para ajudá-la a trocar-se.

Eram oito horas quando Marla chamou Zuleika. Ela acordou com a sensação de ter dormido apenas uma hora.

Porém o sol que entrava pela janela cujas cortinas a criada acabara de afastar, revelava que já era tarde e ela prometera cavalgar com a princesa, o conde e os oficiais. Não iria perder o passeio por nada.

A princesa apareceu no quarto de Zuleika usando um dos conjuntos de montaria que havia comprado e esperou a amiga terminar de arrumar-se.

Como na véspera, galoparam pela planície, mas não foram tão longe porque haviam saído mais tarde para o passeio.

Na volta para o palácio a princesa foi à frente, escoltada pelos oficiais, e o conde ficou para trás com Zuleika.

- Você descobriu mais alguma coisa? - ela quis saber.

- Descobri e não tenho boas notícias - respondeu o conde.

- O que aconteceu?

- Mandei meu valete à cidade e ele ouviu dizer que há soldados prussianos do outro lado da fronteira, ao sul.

- Ao sul! - Zuleika repetiu, atónita. - Nesse caso eles estão a poucas milhas da cidade e do palácio! Você acha que eles pretendem invadir a capital!

- Acredito que sim - o conde opinou. - Eles não estariam ali por outra razão.

- O que podemos fazer?

- Ainda estou tentando organizar minhas idéias. Se pusermos os soldados de que dispomos cercando ostensivamente a cidade, os habitantes entrarão em pânico. Por outro lado, se deixarmos a cidade desguarnecida, os prussianos a tomarão sem encontrar resistência.

- Então, que podemos fazer?

- Só posso pedir para você rezar - respondeu o conde para surpresa de Zuleika.

Sem dizer mais nada ele esporeou o cavalo e afastou-se a galope.

A manhã parecia arrastar-se. Nunca em sua vida Zuleika sentira tanto medo. Depois do que o conde lhe revelara ela imaginava que só mesmo um milagre salvaria Krnov.

A princesa Adele, ao contrário, estava radiante e não fazia idéia de que alguma coisa pudesse destruir sua felicidade. Falou empolgada sobre o baile da véspera, sobre os preparativos para o grandioso baile e expôs suas idéias sobre a decoração do salão.

Havia ainda muitas coisas para a princesa comprar, entre elas bonitas camisolas e roupas íntimas enfeitadas com rendas, mas para Zuleika isso pareceu tão sem importância, uma vez que Adele e o pai, provavelmente, teriam de fugir do palácio para salvar a vida, deixando tudo para trás.

Sabendo, entretanto, que de nada adiantava sofrer por antecipação, Zuleika forçou um sorriso e participou da alegria da princesa. Depois do almoço foram fazer compras.

A caminho das lojas, não cabendo em si de ansiedade, Zuleika pediu ao cocheiro que parasse em frente do prédio do Parlamento.

Disse à princesa que estaria de volta dentro de alguns minutos, portanto, não havia necessidade de ela descer. Adele não protestou; era sempre muito meiga e aceitava o que lhe fosse sugerido.

Para alívio de Zuleika o primeiro-ministro pôde atendê-la e estava sozinho.

- Fiquei sabendo que sua festa ontem à noite foi um grande sucesso - disse o primeiro-ministro depois de cumprimentar Zuleika.

- É verdade. Foi além das nossas expectativas. Receio, porém, que jamais possamos oferecer outra festa no palácio - Zuleika falou, apreensiva. - Certamente o conde já esteve aqui para falar-lhe sobre o que está acontecendo na fronteira, ao sul.

- Sim, já fui informado sobre isso. As tropas de que dispomos estão de prontidão e o conde mandou um mensageiro a Opava para pedir ajuda a seu pai, Alteza.

- O senhor refere-se a reforços? Não seria perigoso tropas de Opava se deslocarem para cá? - Zuleika perguntou. - Se os prussianos souberem que o senhor está ciente do que eles estão fazendo, podem atacar a cidade mais cedo do que pretendiam.

- Asseguro-lhe que não estamos cometendo nenhuma insensatez, Alteza - o primeiro-ministro falou em tom tranquilizador. - Também não pretendemos demonstrar que receamos alguma acção dos prussianos contra nós.

- Mas o senhor sabe, naturalmente, que eles já se infiltraram na cidade - Zuleika insistiu.

- Sim, claro. Tenho homens de inteira confiança observando-os. Recebo informações constantes sobre o que eles planeam e sei onde se reúnem secretamente.

- Vejo que estou nervosa sem motivo. Minha maior preocupação é com a princesa Adele. Eu sofreria muito se algo lhe acontecer. Ela está tão radiante e fascinada com este mundo novo que se abriu à sua frente. Nem posso imaginá-la exilada do seu país, sem apoio, sozinha, excepto com o pai.

- É justamente isso que desejamos e vamos evitar! - enfatizou o primeiro-ministro. - Para ser franco, deposito inteira confiança no conde. Jamais conheci um jovem tão inteligente e tão cheio de idéias em situações de emergência.

- Também confio nele. Creio que o conde encontrará um meio de nos defender. Perdoe-me por ter vindo aborrecê-lo com minha apreensões - Zuleika desculpou-se e levantou-se da cadeira.

- Vossa Alteza é bem-vinda a qualquer hora. Na verdade eu a aguardava. - O primeiro-ministro também ficou de pé. - Continue com o trabalho excelente que vem realizando no palácio e transforme a nossa princesa numa beldade. Todos já estão falando a respeito dela.

O primeiro-ministro acompanhou Zuleika até a carruagem e surpreenderam-se quando viram a princesa Adele no gramado que cercava o prédio do Parlamento, conversando com algumas crianças. Suas mães se achavam a pouca distância dali, observando-as.

Ao ver o primeiro-ministro e Zuleika, a princesa falou com seu entusiasmo natural:

- Estas crianças estavam brincando e vim até aqui para vê-las de perto. Os garotinhos dão cambalhotas sensacionais e as meninas pulam corda cem vezes, sem parar.

- Sei que Vossa Alteza é excelente amazona! - O primeiro-ministro aproveitou a ocasião para elogiar a princesa. - Também fui informado que irá participar de uma corrida.

- Eu gostaria muito de tomar parte numa corrida - tornou a princesa - mas não sei se devo. Nenhuma mulher até hoje participou de corridas aqui em Krnov.

- Por que não ser a primeira? Vossa Alteza já está introduzindo tantas coisas novas no país - alegou o primeiro-ministro.

A princesa riu.

- Devo tudo a Zuleika e ao conde. Nem sei como lhes agradecer.

- De minha parte já lhes expressei meus agradecimentos. Estou muito feliz por ver que Vossa Alteza procura ser conhecida dos cidadãos.

O primeiro-ministro olhou ao redor e notou que as crianças haviam parado de brincar e olhavam cheias de curiosidade para eles três.

- Esta jovem lady é a princesa de vocês - disse ele à garotada, estendendo a mão para indicar Adele. - Agora a princesa Adele precisa partir e vocês devem acenar-lhe.

Tímidas a princípio, as crianças apenas acenaram para Adele com a mão. Quando ela e Zuleika subiram na carruagem a garotada acenou-lhes e deu vivas de alegria.

A carruagem distanciou-se e Adele consultou Zuleika:

- Fiz mal em descer da carruagem para ver as crianças?

- Você agiu correctamente - louvou Zuleika. - Faça isso sempre que puder. Quando eu era pequena costumava falar com as pessoas que nos visitavam no palácio e sempre que eu ia com mamãe à cidade as pessoas nos saudavam com acenos e vivas.

- Ninguém me saúda no presente - Adele queixou-se.

- Mas saudarão no futuro - afirmou Zuleika. - Só agora o povo está conhecendo a sua princesa. Demonstre que você se preocupa com os cidadãos de Krnov e que eles são importantes para você.

- Mas isso é verdade - enfatizou a princesa. - É claro que só quero o bem de todos, mas nunca pude demonstrar o que sinto, pois eu não tinha permissão de sair do palácio.

- Agora você terá inúmeras oportunidades de apresentar-se em público, de ver o povo e falar com as pessoas.

Ao dizer isso Zuleika desejou que de facto acontecesse.

O dia anterior transcorreu sem novidades e foi uma repetição do dia que o precedera.

Nessa manhã, depois do habitual passeio a cavalo e do breakfast, Zuleika foi à biblioteca e Adele foi ao jardim. Depois do almoço quis comprar sapatos de salto alto. De volta ao palácio, Zuleika desejou que tudo estivesse calmo.

Adele subiu para tirar o chapéu e surpreendeu-se ao ver a governanta à sua espera para apresentar-lhe sua criada pessoal.

Zuleika não quis subir. Saiu do palácio por uma porta lateral e foi para o jardim. Sempre que tinha alguma preocupação nada a tranquilizava mais do que o contacto com a natureza.

Atravessou o gramado, caminhou beirando uma sebe de arbustos e chegou a uma cascata que ficava atrás do palácio. Suas águas desciam coleantes pelo lado do jardim, atravessavam o parque e continuavam fluindo além dos limites do palácio.

Havia bancos entre as árvores e Zuleika sentou-se à sombra, distraída ouvindo o murmúrio das águas, o canto dos pássaros e admirando a beleza das flores.

Lembrando-se de que era hora do chá, retomou o caminho de volta para o palácio com a esperança de ver o conde. Precisava saber o que estava acontecendo.

Andou um pouco e viu um homem atravessando o gramado e vindo ao seu encontro. Ofuscada pelo sol, imaginou que aquele era um dos oficiais amigos do conde.

Ao vê-lo mais perto Zuleika notou que se enganara. Não conhecia o cavalheiro. Ele era alto, muito bonito, tinha ombros largos, cabelos escuros, testa ampla e franca, feições clássicas.

Não era, certamente, krnoviano, tampouco se parecia com os habitantes de Opava.

Quem poderia ser?

Foi a pergunta que Zuleika fez a si própria.

O estranho sorriu para ela e estendeu-lhe a mão.

- Estou me questionando se você é a princesa Adele ou a princesa Zuleika.

- E eu me perguntava, ao vê-lo se aproximando, quem seria você - disse Zuleika com um sorriso. - Sou a princesa Zuleika.

O estranho segurou a mão de Zuleika e ela sentiu vir dele uma vibração diferente que nunca sentira ao tocar outra pessoa.

- Sou Vaslov e acabo de chegar de Cieszyn - o cavalheiro apresentou-se.

- O príncipe Vaslov! - Zuleika exclamou. - O que o trouxe aqui?

- Imaginei que talvez precisem de mim - respondeu de modo evasivo. - A propósito, ouvi dizer que vocês estão organizando uma corrida de cavalos para muito breve.

- Como você pode ter ouvido falar sobre essa corrida? - Zuleika estranhou. - A notícia não pode ter chegado a Cieszyn!

- Conversei com seu pai e ele falou-me sobre o motivo de você estar aqui e sobre a sua preocupação com Krnov.

- Então você pode imaginar que a situação deste principado é séria.

- Seríssima. Sei que um conde austríaco a acompanhou como seu ajudante-de-ordens. Tenho um plano em mente que poderá salvar o principado, portanto, quero ver o conde o mais depressa possível.

- Oh, por favor, diga-me do que se trata - Zuleika pediu, ansiosa. - O conde e eu estamos muito apreensivos, mas não sabemos o que fazer.

- Então ouça, princesa - pediu o príncipe. - Fui informado sobre a festa realizada no palácio, dois dias atrás, estou sabendo que haverá um grandioso baile na semana que vem e também que está sendo organizada, para grande alegria do povo de Krnov, uma corrida de cavalos. Pois bem, minha idéia é contribuir para que haja na cidade um evento popular grandioso. Um Torneio Real.

- Torneio Real? - Zuleika repetiu, parecendo confusa.

- Sim, um torneio como os que há na Inglaterra anualmente. O Exército dá uma demonstração de suas habilidades com marchas, bandas militares e, claro, uma demonstração do uso de armas - explicou o príncipe.

- Ah, sim! Meu pai já me falou sobre esses torneios que despertam grande interesse por parte do público - Zuleika lembrou-se.

- Exactamente. Se houver um torneio desse tipo em Krnov, o evento não apenas despertará o interesse dos habitantes do principado, como daqueles que estão do outro lado da fronteira, à espreita, atentos a tudo o que se passa aqui.

- É isso que nos preocupa - observou Zuleika, entendendo a quem o príncipe se referia.

- Meu plano é trazer para a cidade trezentos dos melhores soldados com nossas melhores armas, desde que haja acomodação para todos - expôs o príncipe.

- Trezentos soldados!

- Poderá haver ainda mais se contarmos a banda militar. Bem, o número será decidido depois que eu falar com o conde Franz e souber onde poderemos montar nossas barracas.

- Acredito que você nos salvará - Zuleika falou suavemente. - Se Krnov cair nas mãos do inimigo a independência de Opava e Cieszyn também estará ameaçada.

- Quando seu pai me advertiu que devíamos salvar Krnov, compreendi que eu havia sido negligente em não ter tido, há mais tempo, consciência do que ocorria aqui - admitiu o príncipe Vaslov.

- Como poderíamos adivinhar que a situação em Krnov era tão grave? O príncipe Majmir não mantinha boas relações com os vizinhos e não nos convidava para visitá-lo - Zuleika argumentou. - Felizmente, esse novo primeiro-ministro tem consciência do perigo que o país corre e pediu-me para vir até aqui como dama de companhia da princesa Adele.

- Sei que o actual primeiro-ministro é um homem sensato e confiável - observou o príncipe.

- Essa também é a minha opinião e o conde Franz é absolutamente maravilhoso. Ambos tentam salvar Krnov, mas o Exército praticamente não existe. Agora, com a chegada dos seus soldados, tenho certeza de que os prussianos ficarão à distância. Essa demonstração de força nos manterá em segurança durante o tempo necessário para tornarmos o Exército mais eficiente do que é no momento - Zuleika raciocinou.

- Vocês podem contar com as minhas tropas de elite, mas é claro que poderei enviar mais reforços caso haja necessidade disso. - O príncipe Vaslov olhou ao redor para certificar-se de que não podiam ser ouvidos e acrescentou: - Nossos inimigos não podem saber que já descobrimos quais são as suas intenções. É muito importante que eles pensem que estamos apenas festejando os dezoito anos da princesa Adele, a herdeira do trono.

- Como você sabe até desse detalhe? - Zuleika surpreendeu-se.

- Aprendi a manter os ouvidos abertos! Agora interesso-me pelos meus vizinhos e fico muito curioso para saber de tudo o que eles fazem, inclusive o que faz a linda princesa de Opava.

Zuleika sorriu.

- É estranho que tenhamos nos conhecido só agora e em circunstâncias tão inusitadas.

- Viajei muito enquanto meu pai era vivo. Agora que me tornei o soberano de Cieszyn, estou determinado a não permitir que os prussianos nos roubem a liberdade, custe o que custar.

O príncipe Vaslov ficou um instante pensativo, depois acrescentou:

- Creio que devo ser fraco com você e revelar-lhe qual é a solução definitiva para o problema de segurança de Krnov.

- Se você tem a solução, por favor, diga qual é - instou Zuleika. - O conde e eu temos estado muito aflitos pensando no destino de Krnov. A princesa Adele é muito suave, mas não vejo como será possível ela governar sozinha este país.

- É justamente por isso que decidi desposar a princesa Adele e unir Krnov e Cieszyn. Afinal, os dois principados fazem fronteira um com o outro.

Zuleika encarou o príncipe, atónita.

- Você... pretende casar com... Adele?

- Não a conheço pessoalmente, mas já ouvi falar muito a seu respeito. Sei que ela é linda e será uma esposa dócil, enquanto que eu governarei os dois principados e assegurarei a nossa independência. Tanto você como eu sabemos que para um soberano o país vem em primeiro lugar.

- Compreendo... De facto será uma forma definitiva, como você colocou, de salvar Krnov - Zuleika concordou. - Tenho certeza de que você fará tudo para Adele ser feliz.

- É claro que sim. Tem minha palavra - o príncipe falou em tom solene. - Agora eu gostaria de conhecer a minha futura esposa.

- Devo preveni-lo de que Adele não tem experiência alguma do mundo aqui de fora e não faz idéia do perigo que paira sobre Krnov. Ela também não conhecia rapazes até nós chegarmos. Antes de ontem foi a primeira vez que ela dançou num salão com um cavalheiro e não na sala de aula com seu professor ou professora de dança.

- Noutras palavras, você está querendo dizer para eu não assustá-la. Mas não se preocupe, terei muito tacto e serei muito gentil; quero que Adele também compreenda que o nosso casamento e a união dos dois principados assegurará a independência de Krnov, Opava e Cieszyn.

- Não resta dúvida que essa é a melhor solução para o problema de segurança de Krnov - Zuleika concluiu. - Acredito que você verá o conde no palácio. Ele costuma tomar chá connosco. Então vocês poderão conversar sobre suas idéias e seus propósitos e saberá também onde poderá armar as barracas para os soldados.

- Quero ter as tropas bem perto do palácio - pediu o príncipe - Isso é muito importante porque meus soldados devem proteger duas vidas muito preciosas.

Sabendo que ele se referia a ela e a Adele, Zuleika sorriu.

- Você é linda - declarou o príncipe inesperadamente. - Por que é que não a conheci antes?

- Você já respondeu a essa pergunta anteriormente: porque esteve viajando pelo mundo. E eu, claro, ainda estava nos bancos escolares. Dessa forma nunca fui a Cieszyn quando meus pais visitaram os seus.

- Uma resposta convincente - disse o príncipe, rindo. - Mas, realmente, foi uma pena não nos encontrarmos antes. Além de bonita, você é muito inteligente, decidida e dinâmica. Depois de saber o que você fez aqui nestes poucos dias, percebo quanto tempo perdi por não tê-la conhecido há muito tempo.

- Bem, não é tarde para recuperar o tempo perdido. Mas não entendo como você sabe de tudo o que aconteceu aqui desde que eu cheguei.

- Tenho os meus espiões - o príncipe disse francamente.

- Espiões! Quer dizer...

- Quero dizer que de uns tempos para cá tenho estado atento ao que está acontecendo em Krnov - o príncipe interrompeu-a. - Felizmente, não é tarde demais para salvar este principado.

Eles chegaram ao palácio e Zuleika conduziu o príncipe ao Salão Azul onde o chá costuma ser servido.

Foi sem a menor surpresa que Zuleika encontrou Adele conversando animadamente com o conde. Este, ao ver quem acompanhava Zuleika, ficou de pé e imediatamente exclamou, feliz:

- Vaslov! De onde você surgiu? Eu estava perguntando a mim mesmo se não chegara o momento de mandar chamá-lo.

- Eu sabia que precisavam de mim - respondeu o príncipe. - Cheguei com um entourage que o deixará maravilhado.

- Maravilhado? Por quê?

- Trezentos homens para tomar parte em um Torneio Real que vamos organizar - informou o príncipe.

- É exactamente o que precisamos! - exclamou o conde, eufórico. - Só mesmo você, Vaslov, para aparecer de repente e trazer um barco salva-vidas quando mais precisamos dele.

- Bem, o barco salva-vidas ainda está a caminho, mas há lugar para todos nele - brincou o príncipe.

Só então ele notou que Adele fitava-o muito surpresa e dirigiu-se a ela.

- Perdoe-me, Alteza, por ter ficado conversando com meu velho amigo Franz e não me apresentar.

- Sei que você é o príncipe Vaslov de Cieszyn - Adele adiantou-se. - Sempre tive muita vontade de conhecê-lo.

- Bem, agora nos conhecemos e certamente nos veremos muitas vezes nos próximos dias.

Zuleika serviu o chá e ao entregar a xícara ao príncipe olhou-o de modo a lembrá-lo para não alarmar a Adele. Ele captou a mensagem e perguntou:

- Vocês estão organizando um grande baile e ma corrida, não?

- Sim - respondeu o conde. - As providências para o baile e as corridas já estão sendo tomadas. Estamos correndo contra o tempo.

- Bem, arranje tempo de pensar onde posso acomodar meus homens. Uma parte chegará no começo da noite e o resto amanhã cedo. Tive a idéia desse Torneio Real para homenagear a princesa Adele.

- Um torneio em minha homenagem! Muito obrigada - Adele agradeceu, encantada. - Nunca houve um torneio desses aqui em Krnov.

- Este será o primeiro de muitos outros. Sei que o povo vibrará com a novidade - disse o príncipe.

- Somos muito gratos ao príncipe por ter vindo com seus homens para o torneio, justamente quando o conde já estava sem inspiração e sem idéias - Zuleika falou num tom provocativo.

- Você está me ofendendo - o conde queixou-se. - Idéias não me faltam, mas aprendi que se deve fazer uma coisa de cada vez.

- O amigo Franz tem razão - o príncipe veio em defesa do conde. - Agora é a vez de ele concentrar-se nos preparativos do grandioso baile. Se o primeiro foi um sucesso, imagino como não será este outro!

- Foi uma pena você não estar presente ao baile - lamentou Adele.

Observando o príncipe e Adele enquanto conversavam, Zuleika reflectiu que ambos pareciam estar apreciando muito a companhia um do outro.

"Ele saberá fazê-la feliz", pensou.

Ao mesmo tempo, não aprovava casamentos arranjados ou por interesse. Passou-lhe pela mente que o príncipe e Adele talvez se apaixonassem um pelo outro.

A princesa era linda. O vestido cor-de-rosa que usava no momento realçava-lhe os cabelos negros e a pele alva. Mas o que encantava nela era aquela meiguice e sua simplicidade quase infantil.

Inexperiente como era, Adele precisava mesmo de um marido como o príncipe Vaslov que, apesar de jovem, pois completara vinte e sete anos, conhecia o mundo, era inteligente e capaz de governar os dois principados.

"Sim, eles serão felizes", Zuleika concluiu o pensamento.

O que a surpreendeu a seguir foi ver o conde com expressão de desagrado, a testa franzida. O que o estaria preocupando?, ela questionou-se.

Seu o problema mais angustiante estava resolvido com a chegada do príncipe Vaslov e seus trezentos soldados, pois os prussianos não se aventurariam a enfrentar tropas bem armadas. Eles não esperavam grande resistência do Exército de Krnov, muito menos dos cidadãos.

A intuição de Zuleika, ou seu "terceiro olho", a fazia pressentir que o inimigo planeava ir-se infiltrando aos poucos na cidade e, em dado momento, tomaria os prédios do Parlamento e o palácio. Os membros do governo seriam presos ou mortos, seriam exilados.

A chegada do príncipe Vaslov iria dificultar a estratégia dos prussianos.

Zuleika deixou de lado suas divagações e levantou-se da mesa.

- Espero que Vossa Alteza Real jante connosco - ela convidou o príncipe. - Quantas são as pessoas do seu entourage?

- Quatro oficiais. Mas eu gostaria de saber se posso hospedar-me no palácio - o príncipe questionou.

- Naturalmente, Alteza - Zuleika afirmou com veemência. - Jamais me ocorreu que houvesse dúvida a esse respeito. Estamos felizes e honrados com a sua presença neste palácio.

- Devo acrescentar que só um génio como você para ter a idéia desse torneio - disse o conde.

- Será um sucesso! Nosso povo vibrará com o torneio e também com as corridas - Adele falou empolgada.

- Faço questão de participar das corridas e antecipo que vencerei todas as modalidades - o príncipe vangloriou-se.

- Não é justo! - protestou a princesa. - Quem está organizando as provas é Franz e ele pretende vencer a grande corrida.

- Veremos! - tornou o príncipe. - Não ouvi vocês falarem em prémios. O que será oferecido aos vencedores das provas?

- Não pensei em prémios. Mas como foi você quem deu essa idéia, aceito a sua contribuição - retrucou o conde.

- Quem faz perguntas tolas, ouve respostas tolas. Por que é que eu não fiquei calado? - O príncipe suspirou. - Está bem, Franz. Ofereço uma taça de ouro ao vencedor da corrida principal ou outro prémio à sua escolha. Mas prepare-se, porque farei o possível para ser o vencedor.

- Também farei o possível - replicou o conde.

Os dois amigos não se contiveram e começaram a rir.

- Nós poderíamos dançar depois do jantar ao som do piano - Adele sugeriu.

Zuleika olhou para o conde.

- Você ouviu a sugestão, Franz?

- Ouvi, mas há mais cavalheiros do que ladies. - O conde voltou-se para o príncipe. - A não ser que o amigo Vaslov conheça algumas ladies, os oficiais serão um par do outro.

Zuleika reflectiu um pouco e decidiu:

- O baile ficará para amanhã. Podemos jogar cartas depois do jantar.

Todos concordaram com a idéia.

O príncipe afastou-se com o conde e foram escolher o terreno onde seria possível armarem as barracas. As duas princesas subiram para seus aposentos.

- Venha comigo até meu quarto - pediu Adele segurando a mão de Zuleika. - Ajude-me a escolher um vestido para eu usar esta noite.

- Ajudo, claro. Mas diga-me, o que você achou do príncipe Vaslov? Naturalmente você quer ficar linda para ele, não? - Zuleika perguntou, querendo ouvir a opinião da princesa sobre seu futuro marido.

- Vaslov é muito bonito, gentil, simpático, mas é velho para mim. Eu aprecio muito mais da companhia de Franz, gosto do seu jeito de ser, do modo como ele fala comigo e adoro dançar com ele!

 

CAPÍTULO VI

O chef, posto em brios e tendo ajudantes, apresentou no jantar pratos requintados e deliciosos.

Quando todos deixaram o salão de jantar, os oficiais, o príncipe Vaslov e Anton Bauer quiseram verificar se os homens haviam terminado de armar as barracas e se estavam confortáveis.

Por sugestão do conde, os soldados que haviam chegado no começo da noite - cerca de cem - ocuparam uma área ampla de terreno ao redor do palácio, além dos limites dos jardins.

A princesa Adele receara que o pai se zangasse

- O príncipe compreenderá que precisamos ter os soldados perto do palácio, caso contrário haverá necessidade de carroças e cavalos para chegarmos até eles - argumentara o conde.

Ouvindo isso Zuleika dirigira a ele e ao príncipe Vaslov um olhar de advertência. A princesa Adele ainda não sabia que as tropas estavam ali para defender a cidade de um possível ataque dos prussianos.

As princesas e o conde conversavam no Salão Azul quando Anton Bauer apareceu e relatou-lhe o que estava acontecendo no acampamento improvisado.

- Os soldados estão bem acomodados nas barracas, mas o príncipe Vaslov quer saber se os oficiais que já chegaram e os que chegarão amanhã cedo poderão ocupar uma das alas do palácio - ele perguntou a Adele.

- Fale com o camareiro-mor - a princesa aconselhou-o.

- O palácio está praticamente vazio e o camareiro-mor não poderá apresentar dificuldade alguma para acomodar os oficiais - alegou Zuleika.

De facto, o camareiro-mor não teve alternativa e concordou, embora a contragosto, em receber mais hóspedes.

Foi a vez do príncipe Vaslov entrar no salão, contente por estar tudo arranjado.

- Agora quero pedir à princesa Adele para receber a banda militar que chegará amanhã cedo, seguida de mais duzentos soldados.

- Você ficará no palanque que meus homens estão erguendo na praça principal. Os soldados entrarão na cidade marchando e se formarão à frente do palanque.

- E o que devo dizer? Nunca fiz um discurso... para o povo - assinalou a princesa, receosa.

- Está na hora de aprender a falar em público; você será capaz - o príncipe incentivou-a. - Amanhã bastará você expressar, em seu nome e no dos cidadãos, seus agradecimentos aos soldados do país vizinho, que abrilhantarão o Torneio Real. Seja amável, simples e breve. Ninguém aprecia discursos longos e empolados. A propósito, já encarreguei vários homens a dar a notícia do torneio pelas cidades e aldeias do principado. Todos hão de querer estar presentes ao evento.

- Falta fazer muita coisa, claro, mas estaremos preparados para receber grande número de pessoas. Haverá muitos lugares nas arquibancadas e espaço à vontade para quem preferir circular pelo terreno - disse o conde.

- Como vocês podem ver, quando dois homens como nós resolvem fazer alguma coisa, tudo sai perfeito e em tempo recorde - observou o príncipe, sorrindo.

- Vocês não são nada modestos, mas nós os admiramos - Zuleika falou, sorrindo também. Ela voltou-se para Adele. - Posso redigir o seu discurso. Se você decorá-lo, sentirá mais confiança em si mesma.

- Obrigada! Muito obrigada! - Adele agradeceu calorosamente. Já fiz vários discursos, mas para as minhas governantas e professores.

- Desta vez você falará para milhares de pessoas e todas elas estarão achando você maravilhosa - o príncipe disse, com convicção.

- Será? - Adele duvidou. - Receio ser um fracasso. Neste caso... todos ficarão desapontados... comigo.

O conde ficou de pé, segurou a mão de Adele e levou-a até o espelho com rica moldura entalhada que havia no salão.

- Olhe para este espelho mágico - ele pediu.

A princesa obedeceu.

- O que está vendo?

- Só vejo eu mesma.

- Exacto! O povo também só verá você. Verá uma jovem lady linda, elegante e, claro, que ama o país e sua gente. Portanto, quando você estiver no palanque da praça, lembre que todos estarão vendo essa figura do espelho. O que há de amedrontador nisso?

- Ora, Franz, você está zombando de mim - Adele reclamou, rindo. - Em todo caso, vou lembrar-me do que acaba de me dizer.

Atenta aos dois, Zuleika achou que o conde sabia como lidar com a princesa e ambos pareciam se entender muito bem.

De repente ela lembrou que não vira sinal do príncipe Majmir desde o dia de sua chegada. Inclinou-se para o príncipe Vaslov ela perguntou em voz baixa, para Adele não ouvir:

- Você tem idéia de onde possa estar Sua Alteza Real?

- Imagino que ele esteja muito feliz, bebendo em seus aposentos, completamente alheio ao que está acontecendo no país - o príncipe Vaslov falou com desdém. - Parece que a única pessoa que o vê é o camareiro-mor.

Um estranho pressentimento deixou Zuleika inquieta, mas ela não fez comentário algum. Levantou-se da poltrona e disse:

- Quero deitar-me mais cedo. Tenho muito o que fazer amanhã e ainda vou escrever o discurso para Adele decorar. Vocês, homens, também devem ir para os seus aposentos.

- Tentaremos obedecê-la. Mas antes de subir quero mostrar a Franz um dispositivo que inventei para alertar os soldados em caso de perigo.

- Que perigo pode haver? - indagou Adele que se aproximara com o conde.

- Até os soldados sofrem acidentes com suas armas e seus cavalos - Zuleika respondeu depressa. - E você já deve ter percebido que ao príncipe Vaslov não faltam idéias brilhantes.

As duas deram boa noite e saíram do salão.

- Estou pensando no desfile dos soldados - disse Adele quando elas estavam no corredor. - O povo vai vibrar ao ouvir a Banda Militar de Cieszyn.

- Também gosto de ouvir uma banda. É tão alegre - observou Zuleika. - Agora dê-me alguns minutos para eu escrever o discurso. Leia-o diversas vezes antes de dormir e releia-o amanhã cedo. Verá como conseguirá falar ao povo calmamente e será um sucesso.

Em seu quarto Zuleika foi até a secretária, seguida de Adele e redigiu sem dificuldade um discurso pequeno mas objectivo.

- Aqui está o discurso. - Zuleika entregou à princesa, pouco depois, a folha de papel. - Leia-o, decore os pontos importantes e dirija-se ao povo como se falasse com amigos. Demonstre que deseja o bem de sua gente. É o que todos querem ouvir.

- Seguirei seus conselhos e os de Franz. - Adele deu um grande abraço na amiga. - Você é tão bondosa e paciente comigo. Também parece uma fada para ter transformado tudo neste palácio e na minha vida desde que chegou.

- As mudanças continuarão, para melhor, naturalmente - Zuleika finalizou.

Ficando sozinha ela pensou no príncipe Vaslov. Era encantador. Quanto mais conversava com ele mais o admirava. Seu país, por certo, era muito bem governado e o povo viria feliz.

Era estranho, mas ela sentira várias vezes que podia ler o pensamento do príncipe e ele também parecia estar lendo o dela.

"Talvez ele também tenha um "terceiro olho" o que é raro, mas não é impossível", considerou.

Depois de deitada Zuleika continuou a pensar em Vaslov. Só de lembrar que o veria logo pela manhã sentiu o coração pulsar mais forte. Era uma pena que não pudessem cavalgar, pois iriam à praça ver a chegada dos soldados e da banda militar.

Sem dúvida, ele era o homem mais belo, mais simpático, mais inteligente e especial que ela já conhecera.

às nove e meia as princesas, o príncipe Vaslov e o conde já se achavam no hall, elegantemente trajados para ir à praça. Deviam estar lá às dez em ponto.

Adele usava um chapeuzinho que não lhe escondia o rosto. Na verdade ela havia escolhido um chapéu de aba larga, certamente encantador, porém Zuleika a aconselhara:

- É um erro a realeza esconder o rosto. Este outro chapeuzinho deixa ver seus olhos que são muito expressivos e traduzem o que você está sentindo realmente.

- Nunca pensei nisso antes. Não sei o que faria sem a sua orientação - dissera Adele suavemente.

Até os velhos ajudantes-de-ordens admiraram as princesas. O camareiro-mor, porém, tinha a expressão carrancuda de sempre.

Zuleika sabia que ele estava horrorizado com o que acontecia ao redor do palácio.

- O camareiro-mor quase teve um ataque quando lhe dissemos que os oficiais de Cieszyn iriam ocupar a ala oeste - sussurrou o conde a Zuleika, pouco antes de ela subir na carruagem. - Ele frisou que não aceitaria mais nenhum hóspede no palácio.

- Se a princesa Adele concordar em receber mais hóspedes ele terá de obedecê-la. Esse homem não pode ser mais desagradável, mas o primeiro-ministro disse que é quase impossível nos livrarmos dele - Zuleika observou também em voz baixa.

- O melhor a fazer é ignorá-lo - o conde aconselhou.

As princesas foram para a praça numa carruagem aberta puxada por quatro cavalos brancos. Anton Bauer e Pieter Seitz acompanharam-nas.

O príncipe Vaslov e o conde, cada um deles montando um magnífico puro-sangue, foram à frente da escolta. Trajavam uniforme de gala e chapéu com plumas.

Nas ruas da cidade a princesa e sua escolta chamaram a atenção de todos. Como a carruagem seguia devagar, várias pessoas acompanharam-na até à praça.

No palanque, decorado com as cores de Krnov e flores, havia cadeiras para as princesas e todas as autoridades. O primeiro-ministro já se achava à entrada do palanque e ofereceu a cada uma das princesas um buquê de rosas.

Pouco depois de todos estarem acomodados ouviu-se ao longe o som da banda militar.

- Está chegando o reforço que esperávamos - segredou Zuleika ao primeiro-ministro que estava do seu lado.

- Vou agradecer ao príncipe Vaslov por ter chegado no momento exacto, como respostas às nossas preces - murmurou o primeiro-ministro.

A banda estava mais próxima e a multidão ficou atenta, olhando na direcção de onde o som vibrante de uma marcha militar.

Os soldados, trajando vistosos uniformes formados de túnica vermelha com dragonas e galões dourados, calças brancas e impressionante chapéu emplumado, entraram na praça e tomaram suas posições em frente do palanque.

Quando todos os pelotões se alinharam e tomaram posições de sentido, a banda militar executou o Hino Nacional de Krnov.

Nesse momento todos ficaram atentos ao hino e à princesa Adele que ficara sozinha, de pé, à frente de todos os que se achavam no palanque.

Terminado o Hino Nacional os soldados apresentaram armas e a princesa Adele fez seu discurso. Falou devagar, com clareza e espontaneidade, encantando a todos.

Foi tão aplaudida que Zuleika custou a acreditar que aquela gente que batia palmas e acenava era o mesmo povo apático que já se acostumara a ver nas ruas. A princesa também acenou para sua gente.

Todos fizeram silêncio quando o primeiro-ministro foi para a frente do palanque e ficou de pé junto da princesa para fazer também um pequeno discurso.

Deu as boas-vindas ao príncipe Vaslov e agradeceu-lhe por trazer parte do seu Exército para o Torneio Real, um evento jamais acontecido antes em Krnov e que, sem dúvida, deixaria os cidadãos felizes.

Finalizou dizendo que o Torneio Real fazia parte de uma série de eventos comemorativos do décimo oitavo aniversário da princesa Adele.

Atingindo a maioridade Sua Alteza Real passaria a governar o principado, uma vez que o príncipe Majmir não se encontrava bem de saúde.

Como soberana, a princesa Adele pretendia trazer a Krnov um progresso jamais visto até então. As riquezas minerais seriam exploradas, as terras cultivadas, haveria mais escolas e mais hospitais.

O primeiro-ministro também foi muito aplaudido.

A banda começou a tocar e os soldados fizeram demonstrações interessantes de táctica militares, exercícios e marchas.

Por fim, o povo foi convidado para assistir ao torneio que seria realizado do lado do palácio, a partir do dia seguinte, durante uma semana.

A volta da princesa Adele ao palácio foi triunfal. O príncipe Vaslov e o conde cavalgaram à frente da banda militar até o local onde seria realizado o torneio.

Atrás da banda seguiram os pelotões de soldados e por fim a carruagem com a princesa Adele e seus acompanhantes.

O povo acenou para a princesa e várias crianças seguiram saltitantes atrás da carruagem.

Após o excelente almoço o príncipe Vaslov disse ao conde.

- Ainda temos muitas coisas para fazer. Quero ver os treinos dos soldados. Será um vexame se alguma coisa não sair perfeita.

- Se fosse outra pessoa que estivesse organizando tudo isto eu teria medo de o espectáculo não sair a contento. Mas você consegue até o impossível. Começo a acreditar que seja capaz de tornar uma pedra em ouro - exagerou o conde.

- Seria bom se fosse verdade - disse o príncipe rindo. - Mas admito que até o momento tudo saiu bem melhor do que eu esperava.

Ele voltou-se para a princesa.

- Você falou muito bem, Adele - elogiou-a. - Não parecia que era a primeira vez que falava em público.

- Saí-me bem... mesmo? - a princesa indagou, encabulada.

- Foi um discurso perfeito - aparteou o conde. - E você estava ainda mais adorável do que ontem à noite quando a coloquei diante do espelho.

Adele enrubesceu.

- Graças a você e a Zuleika tive confiança em mim. Se eu pudesse, gostaria de dar-lhe um bonito presente. Mas receio que papai se zangue.

- Para mim, e acredito que também para o conde, o maior presente é vê-la feliz e pondo em prática tudo o que ensinamos ou sugerimos que você faça. - Zuleika olhou para o príncipe Vaslov e completou: - Quanto ao príncipe Vaslov, não posso responder por ele.

- Eu? - Vaslov pareceu surpreso. - Só desejo a felicidade da adorável princesa Adele.

Embora falasse com Adele, o príncipe dirigiu a Zuleika um olhar tão penetrante que pareceu tocar-lhe a alma. Ao mesmo tempo ela viu-se invadida por uma emoção estranha, mas maravilhosa, indescritível.

Por alguns segundos ela não conseguiu deixar de olhar para o príncipe.

- Vamos, Vaslov - a voz do conde a fez voltar à realidade. - Temos muito trabalho à nossa espera. Eu o ajudarei nas barracas, depois você me ajudará a tomar algumas providências para o grandioso baile.

- Se o baile é em minha homenagem, quero fazer um pedido: podemos organizar um cotillon? - Adele perguntou a Franz.

- Claro! - ele assentiu. - Não há problema nenhum. Mas você e Zuleika ficam encarregadas de arranjar os presentes.

- Arranjaremos - Adele prometeu. - Pode deixar isso por nossa conta.

- Além do cotillon podemos ir pensando em mais alguma coisa interessante para o seu baile - propôs o conde.

- Você é tão amável! É o homem mais maravilhoso que já conheci. - Adele abraçou o conde e deu-lhe um beijo no rosto.

- Quero um presente como este no cotillon - pediu ele. - Mas exijo exclusividade!

- Prometo que terá - Adele assegurou. - Ninguém tem feito mais por mim do que você e Zuleika.

Os dois amigos saíram apressados da sala e as princesas trocaram idéias sobre os presentes que poderiam ser oferecidos no cotillon.

Chegaram à conclusão que a melhor coisa a fazer seria mandar Anton Bauer à cidade pedir a alguns lojistas que mandassem ao palácio uma variedade de presentinhos, próprios para o cotillon, para Sua Alteza Real escolher.

Depois de ter falado com Anton Bauer, Zuleika apoiou os pés em uma banqueta e disse à amiga:

- Vou descansar um pouco, afinal eu mereço.

- Claro que merece! - Adele concordou. - Eu vou dizer aos jardineiros como eu quero os arranjos de flores no salão de baile.

Quando a princesa se afastou Zuleika seguiu-a com o olhar aprovador. Era muito bom ver que Adele começava a tomar decisões e a dar ordens.

Zuleika fechou os olhos e adormeceu, vencida pelo cansaço. Sonhou que dançava com Vaslov. Sentia-se tão feliz no sonho que acordou com um sorriso nos lábios.

Ao abrir os olhos, viu o príncipe à sua frente, fitando-a.

- Eu... adormeci - murmurou como se precisasse desculpar-se.

- Eu fiquei aqui admirando-a em silêncio e comparando-a à Bela Adormecida. Não! Você é muito mais linda do que a Bela Adormecida ou qualquer outra mulher - Vaslov corrigiu.

Ele sentou-se do lado de Zuleika e sua expressão tornou-se grave.

- Estou muito preocupado, Zuleika.

- Por quê?

- Já houve muitas mulheres na minha vida, mas nunca encontrei alguém como você. Você é diferente.

Era o que ela também pensava a respeito dele, mas sentiu-se incapaz de dizer alguma coisa. Baixou os olhos, um pouco embaraçada por que sabia que enrubescera.

- Você é incrivelmente linda - o príncipe prosseguiu - entretanto, não creio que tenha havido muitos homens em sua vida.

Zuleika sorriu.

- Até vir para Krnov eu era muito feliz com meu pai e convivi com pessoas mais velhas, da idade dele.

- O que você já fez neste palácio e pela princesa Adele é algo extraordinário. Até parece que você tem uma varinha de condão.

- Não duvido disso, mas o que farei com o que sinto por você?

- O que você quer dizer com isso? - Zuleika arregalou os olhos, pasmada.

- Não preciso responder a essa pergunta, pois você sabe muito bem o que eu quis dizer.

O príncipe ficou de pé e saiu do salão.

Quando a porta se fechou atrás dele, Zuleika levou a mão ao peito para aquietar a agitação interior.

Estava apaixonada.

Sabia agora que se apaixonara por Vaslov assim que o conhecera. Aquela vibração que viera dele quando se tocaram e aquela facilidade com que parecia ler seus pensamentos só podia ser amor.

Todavia, o príncipe Vaslov estava decidido a casar com Adele para salvar Krnov e os outros dois principados independentes da ganância dos prussianos.

De que adiantava ambos se amarem se esse amor era impossível?

O príncipe Vaslov não apareceu para o chá e o conde ficou no salão apenas durante alguns minutos. Teria de voltar para as barracas para acabar de alojar os soldados que haviam chegado.

- Parece impossível que poucos dias atrás não sabíamos o que fazer para defender Krnov - lembrou o conde. - Agora temos quase excesso de soldados.

- Não podemos afirmar que são os prussianos infiltrados na cidade e quantos nos espreitam do outro lado da fronteira.

- Sei disso e estamos tomando todas as precauções para que o inimigo não nos surpreenda. Há soldados cercando todo o palácio. É claro que o primeiro alvo do inimigo é o príncipe Majmir. Ébrio ou não, ele é o soberano e se for eliminado os prussianos terão Krnov praticamente de mão beijada.

Os presentes para o cotillon chegaram e Adele passou um bom tempo seleccionando os que achava mais bonitos e apropriados para a dança. Zuleika procurou não opinar e deu liberdade de escolha para a princesa.

Só na hora de pagar a conta as duas lembraram-se que seriam obrigadas a falar com o camareiro-mor.

- Tenho medo de falar com aquele homem - alegou Adele. - O que farei se ele se negar a pagar a conta?

- Ele não criará problemas. A quantia não é tão alta assim - Zuleika argumentou.

Quinze minutos depois de ter sido chamado, o velho camareiro-mor entrou no salão.

- Lamento aborrecê-lo, mas eu precisava entregar-lhe esta lista dos artigos que Sua Alteza Real comprou para que o pagamento seja efectuado.

- Pagamento? Que artigos são esses?

- Sua Alteza Real comprou alguns presentes para o cotillon. Não é muito dinheiro.

- Cotillon? Que cotillon?

- No grande baile em homenagem à princesa Adele haverá um cotillon.

- Outro baile? Não podemos gastar tanto dinheiro com futilidades - replicou o camareiro-mor agressivamente.

- Está bem. vou pedir ao primeiro-ministro que pague essa pequena compra. Eu acho um absurdo recorrer a ele por causa dessa quantia irrisória.

O camareiro-mor ergueu as mãos, exasperado.

- O que está acontecendo aqui? Já não há ordem neste palácio! Vejo soldados por toda a parte e a todo instante chegam mais hóspedes. E tudo isto com permissão de quem?

- O senhor não pode negar hospitalidade a soldados e oficiais que tentam salvar Krnov de ser tomado por prussianos.

- Nosso país pode ser tomado pelos prussianos? Nunca ouvi tamanho absurdo!

- Se não está apreensivo ou, pior ainda, se duvida, senhor, aconselho-o a falar com o príncipe Vaslov. Sua Alteza Real veio até aqui com seus soldados para assegurar independência de Krnov.

A expressão do camareiro-mor era de perplexidade.

- Não acredito - declarou.

- Então fale com o primeiro-ministro, senhor. Ele parece ser a única pessoa do governo a enxergar o perigo que corremos. E se o príncipe Vaslov e o meu pai decidiram intervir, é porque estão muito preocupados. Se Krnov perder a independência, Opava e Cieszyn também poderão cair nas mãos dos prussianos.

- Para mim, tudo o que está dizendo é um contra-senso - rematou o camareiro-mor e afastou-se zangado.

Zuleika olhou para a lista com os preços dos presentes e suspirou.

Teve então a idéia de recorrer ao príncipe Vaslov, que era muito rico e generoso. Ele pagaria com prazer aquele pequeno gasto feito com a princesa Adele, com quem ele iria casar.

O pensamento a fez sentir forte dor no coração. Foi como se tivesse recebido uma punhalada.

"Como posso ser tola a ponto de me apaixonar por um homem que mal conheço?" censurou-se.

Era estranho que, embora a razão lhe dissesse que seu amor pelo príncipe era impossível, ela sentia que Vaslov era o homem dos seus sonhos e que haviam sido feitos um para o outro.

Ao jantar foi muito difícil para Zuleika comportar-se com naturalidade. Não se atrevia a olhar para Vaslov, receando que ele pudesse ler seus pensamentos.

Ela chegara a alterar a disposição das pessoas à mesa para sentar-se perto de um dos oficiais. Devia manter-se o mais distante de Vaslov quanto possível.

Depois do jantar, quando Zuleika e Adele deram boa noite e iam subir para seus aposentos, o conde avisou-as.

- Amanhã a princesa Adele deve inspeccionar a pista de corridas e o terreno onde será realizado o torneio. Até lá as obras devem estar quase concluídas. Sairemos do palácio às dez.

A princesa, naturalmente, exultou com a notícia, já antecipando o prazer do passeio na companhia do conde.

Zuleika deu-lhe a mão e quase precisou arrastá-la para fora do salão, a caminho da escada.

Zuleika acordou de repente.

Lembrou-se de que se deitara pensando em Vaslov e sentindo-se extremamente infeliz porque ele iria se casar com a princesa Adele.

Certa de que não suportaria assistir ao casamento de ambos, chegara a pensar em voltar para casa.

Por fim, adormecera e sonhara com o príncipe. Estavam ambos no jardim, como no dia em que o vira pela primeira vez. Então, despertara.

Zuleika abriu os olhos. O quarto estava em silêncio e na penumbra. Uma ténue claridade filtrava-se pelos lados das cortinas.

Tudo parecia tranquilo, porém Zuleika teve certeza de que havia alguma coisa errada. Eles corriam perigo.

Sua intuição, ou "terceiro olho", a alertava que o perigo era cada vez mais iminente.

Ela tentou se convencer de que estava enganada, mas seu pressentimento era forte demais para ser considerado fruto da imaginação.

Saltou da cama, correu até à janela e afastou uma das cortinas. Viu o jardim e a fonte prateada pelo luar e teria ficado ali admirando o cenário, não fosse ter percebido alguns arbustos se mexendo.

Como não ventava, ficou atenta. Percebeu então que alguém se movia entre as plantas, protegido pela sombra das árvores. Logo constatou que não era uma pessoa, mas diversas, e vinham na direcção do palácio.

Agora via o perigo que antes só pressentira. Tinha de agir imediatamente.

Sem pensar duas vezes, saiu correndo do quarto, só de camisola, e entrou no cómodo vizinho sem bater; sabia que era o quarto do príncipe Vaslov.

- Acorde! Depressa, acorde! - Zuleika sussurrou ao chegar perto do grande leito dossel onde o príncipe dormia.

Ele acordou imediatamente.

- O que foi? - indagou com a prontidão de um soldado.

- Vi da minha janela várias pessoas andando entre os arbustos e indo para a outra ala do palácio - Zuleika informou em voz baixa.

- Acorde Franz. Enquanto isso eu me levanto e me visto.

Zuleika obedeceu.

- Era o que eu esperava - disse o conde ao ouvir a informação de Zuleika. - Volte e avise Vaslov para dar o alarme,. Vou proteger Adele.

No corredor Zuleika encontrou o príncipe já vestido e carregando um grande objecto . em voz baixa deu-lhe o recado do conde sobre disparar o alarme.

- É o que vou fazer.

Ele entrou no quarto de Zuleika e foi até a janela. Tudo estava em silêncio; a folhagem, ao luar, não se mexia. O príncipe foi depressa para a outra janela e, de facto, percebeu que havia pessoas sob uma árvore e atrás de um canteiro.

Ele ergueu o objecto que tinha na mão e o arremessou para fora da janela e bem alto. O objecto explodiu e emitiu uma luz brilhante. Foi tudo tão inesperado que Zuleika deu um grito.

- Está tudo bem, querida - Vaslov acalmou-a. - Esse disparo foi para nos trazer reforços.

O príncipe tomou Zuleika nos braços e beijou-a suavemente.

O contacto dos seus lábios com os de Vaslov fez com que ela se sentisse flutuando.

Quando voltou à realidade teve consciência do perigo que eles corriam.

- Agora fique escondida do lado da cama. - Vaslov aconselhou-a.

Ela abaixou-se junto de uma coluna e ficou atenta a Vaslov, que não se afastava da janela.

Carregava na mão um revólver que acabara de tirar do cinto.

 

CAPÍTULO VII

O silêncio voltou a reinar.

Ansiosa para saber o que estava acontecendo, Zuleika ergueu-se, foi até a janela e ficou ao lado de Vaslov. Ele dirigiu-lhe um ligeiro sorriso e continuou atento ao que se passava lá fora.

Zuleika percebeu que dali era possível observar a ala do palácio onde ficavam os aposentos do príncipe Majmir.

Para não atrapalhar o príncipe, Zuleika foi para a janela vizinha e espiou por um vão, tendo o cuidado de manter-se colada à parede para se proteger. Viu lá embaixo, ao fim do jardim, homens se movendo apressados entre os arbustos, as folhagens e sob as árvores. Eram muitos.

Subitamente o príncipe inclinou-se para a frente e deu um tiro. Em resposta houve outro. Então começou o tiroteio. O barulho era ensurdecedor.

Zuleika compreendeu que os soldados do príncipe combatiam os prussianos.

Quanto tempo durou o ataque ela não teve idéia. De repente o fogo cessou. Vários corpos estavam estendidos no jardim, além da fonte.

O príncipe e Zuleika permaneceram quietos, aguardando. Quando ele teve certeza de que não haveria mais resposta do inimigo, guardou o revólver no cinto.

- Vou procurar Franz. Depois teremos de descer para verificar o que aconteceu. Receio que o inimigo tenha tido tempo de alcançar o palácio. - Inclinando a cabeça ele beijou a testa de Zuleika. - Você foi maravilhosa - acrescentou. Graças a seu aviso o ataque dos prussianos fracassou.

- Eu acordei com o pressentimento de que corríamos perigo - Zuleika murmurou.

- Bem, espere-me aqui.

- Prefiro acompanhá-lo. O conde disse que ia ficar com a princesa para protegê-la - Zuleika informou. - Quando você e ele descerem, farei companhia a Adele.

Eram apenas alguns passos até o quarto de Adele. Eles encontraram a porta entreaberta e o príncipe Vaslov empurrou-a mais um pouco.

No fundo do cómodo, abraçados, estavam Franz e Adele se beijando, seus corpos delineados contra a claridade da janela. O príncipe ficou tenso e presenciou a cena romântica, como se não acreditasse no que via.

Então fechou a porta em silêncio e tomou Zuleika nos braços. Seu olhar era todo ternura.

- Se é daquele lado que sopra o vento, para mim é mais do que conveniente - declarou. - Agora, minha querida, estou livre para dizer-lhe que a amo.

Não houve chance de Zuleika responder porque os lábios dele mantiveram-na cativa.

Vaslov a beijou apaixonada, louca e sofregamente, como se temesse perdê-la.

Foi um momento glorioso e mágico. A impressão de Zuleika era a de que o palácio ficara lá embaixo e ela alcançava as estrelas.

- Amo você! - A voz de Vaslov soou instável e enrouquecida. - Mas agora devo deixá-la. Mais tarde falaremos sobre o nosso futuro.

Nesse instante o conde abriu a porta.

- Ah, Vaslov! Eu estava indo à sua procura. Vamos ver como está a confusão lá embaixo.

- Vamos. - O príncipe virou-se para Zuleika. - Você, garota, fique aqui com a princesa Adele.

Adele estava logo atrás do conde e perguntou, assustada:

- Será que alguns dos nossos homens... estão mortos?

- Eu me surpreenderei se houver um morto que seja. Todos os meus soldados são muito bem treinados - o conde tranquilizou-a. - Não se preocupe. Voltem para a cama. Amanhã darei todas as informações sobre o que aconteceu.

O príncipe já ia descer a escada e o conde correu para alcançá-lo. Adele deu a mão a Zuleika.

- Será que não corremos mais perigo?

- Não creio que tenha ficado algum soldado inimigo para nos fazer mal - Zuleika respondeu. - Vamos nos deitar e tentar dormir um pouco. Amanhã teremos muitas novidades.

- Não sei... estou preocupada com Franz... - Adele murmurou. - Receio que algo lhe aconteça.

- É claro que nada acontecerá a Franz nem a Vaslov - Zuleika falou com firmeza. - Venha comigo. Na minha cama há lugar para nós duas.

- Oh... posso... mesmo dormir no seu quarto? Tenho medo de... ficar sozinha.

- Pois ficaremos juntas e faremos uma oração de agradecimento a Deus por termos a protecção de dois homens maravilhosos.

A grande preocupação da princesa com Franz revelava que ela amava o rapaz. Mas será que seu amor era correspondido?

Era verdade que os vira abraçados e se beijando, mas isso não significava que Franz amasse Adele ou que tivesse sérias intenções com ela.

Possivelmente ela tivera medo ao ouvir os tiros e o conde a tomara nos braços para confortá-la e afugentar-lhes os temores.

Por outro lado, Zuleika reflectiu, o conde não poderia ficar imune aos encantos da jovem princesa. Adele era linda, delicada e inocente.

Entrando no quarto, Zuleika fechou as janelas que haviam sido abertas e correu as cortinas. Antes de ela e a princesa entrarem sob as cobertas, ajoelharam-se para rezar.

Quando se deitou Zuleika ficou algum tempo acordada reflectindo sobre os últimos acontecimentos e sobre a declaração que Vaslov lhe fizera.

"Também o amo e quero ser sua esposa. Quero ficar com ele... para sempre", ficou repetindo mentalmente.

Naquele limiar entre sono e a vigília a última imagem que sua mente registou foi aquela em que estava nos braços de Vaslov e ele a beijava.

- Que horas são? - perguntou Adele a Marla que acabara de entrar no quarto.

- Nove, Alteza. Pediram-me para avisá-las que não devem descer e que o breakfast será servido na sala de estar desta suíte.

Zuleika ficou apreensiva. Teve certeza de que Vaslov e o conde não queriam que elas descessem porque havia acontecido alguma coisa grave.

As princesas levantaram-se, vestiram-se e foram para a sala de estar. Durante o breakfast Adele queixou-se:

- Não sei por que ninguém sobe para nos dizer o que está acontecendo.

- Saberemos de tudo no devido tempo - Zuleika falou calmamente.

Ocorreu-lhe que lá embaixo todos estavam muito ocupados com a remoção dos corpos do jardim e cuidando dos feridos. Se os prussianos tivessem conseguido entrar no palácio talvez houvesse guardas mortos.

Duas horas depois as suspeitas de Zuleika se confirmaram.

As princesas estavam nervosíssimas quando um escudeiro entrou na sala de estar para comunicar:

- Sua Alteza Real, o príncipe Vaslov, aguarda Vossa Alteza no Salão Azul.

As duas jovens puseram-se de pé imediatamente e seguiram o escudeiro.

Para alívio de ambas logo à entrada do salão estavam o príncipe e o conde, sozinhos. Eles sorriam ao vê-las.

Zuleika andou devagar até os dois, mas Adele correu para o conde e atirou-se nos seus braços.

- Oh, Franz... você está bem! Não se feriu! Tive tanto medo de que... alguma coisa lhe acontecesse! - exclamou.

- Nada me aconteceu, querida, excepto que fiquei muitas horas longe de você - tornou o conde.

Os dois se fitaram, embevecidos. Não se contendo, ele tomou Adele nos braços e beijou-a suavemente.

- Venham. Vamos nos sentar - ele disse em seguida. - Vaslov quer nos dizer muitas coisas e não temos muito tempo.

"Não temos muito tempo para quê?", Zuleika desejou perguntar.

O príncipe tocou-lhe o braço de leve e levou-a até ao sofá. Os três sentaram-se mas ele ficou de pé, de costas para a lareira.

- Em primeiro lugar, quero agradecer a vocês duas por se comportarem muito bem numa situação tão inusitada - ele começou.

Não se contendo Zuleika indagou:

- O que aconteceu?

- O que Franz e eu prevíamos. Os prussianos viram meus soldados chegando e compreenderam que não tinham mais chances de tomar a cidade como pretendiam - Vaslov informou.

- Então... estávamos certos ao supor que eles planeavam invadir Krnov - Zuleika murmurou como se falasse consigo mesmo.

- Estávamos - Vaslov afirmou. - O que não sabíamos com exactidão era o número de homens que eles tinham na fronteira e infiltrados na cidade. Mas eu confiava que meus soldados eram mais do que suficientes para derrotá-los.

O príncipe fez uma pausa, depois prosseguiu:

- Completando o que eu estava dizendo, os prussianos entenderam que, se não podiam tomar a cidade, sua única chance era sequestrar o príncipe Majmir e obrigá-lo a renunciar sob a mira de um revólver.

- Oh, não! - Adele gritou, horrorizada. - Eles... levaram... papai?

- Era o que pretendiam fazer, mas não tiveram tempo - respondeu o príncipe. - Zuleika, felizmente, viu-os se movimentando no jardim e me avisou. Franz e eu já esperávamos que os prussianos iriam agir dessa forma, mas eles vieram antes do que imaginávamos.

- Mas eles... chegaram até os aposentos... de papai?

- Sim. Eles iam carregando Sua Alteza Real por que ele não tinha condições de andar. Então o fogo começou e os homens soltaram-no.

- Graças a Deus! - Adele respirou aliviada. - Papai está vivo.

- Está vivo, mas, lamento dizer, sofreu um derrame cerebral. Ele ainda está inconsciente e aos cuidados dos médicos.

- Pelo menos papai não está morto - Adele falou com voz sumida.

- Também não caiu nas mãos do inimigo - completou o príncipe. - Compreenda, Adele, e procure ser forte. Seu pai talvez não viva por muito tempo. Portanto, é importantíssimo que você faça o que lhe vamos pedir.

- O... que... é? - A voz de Adele demonstrou seu nervosismo.

- Para salvar o seu país você deve aceitar o pedido de casamento de um príncipe. Um príncipe a quem o inimigo tema e o povo respeite - declarou o príncipe Vaslov. - Você se casará com o filho do arquiduque von Hofmannstall, um dos homens mais importantes de Viena.

Adele empalideceu e parecia ter perdido a voz. A custo conseguiu balbuciar:

- Eu... não... compreendo. De quem você... está falando? Eu... amo Franz.

- Creio que é chegado o momento de lhe revelar, Adele, que você apaixonou-se por um conde, mas se cassará com um príncipe. Franz é neto do imperador da Áustria - o príncipe Vaslov esclareceu.

Adele ficou perplexa.

- Um príncipe... austríaco?!

- Franz veio para cá acompanhando Zuleika para ajudá-la a transformar este palácio, tão negligenciado pelo príncipe Majmir, numa autêntica residência real.

- Vocês dois têm sido extraordinários! - Adele dirigiu um lindo sorriso a Zuleika e a Franz.

- Não importa, querida, que eu seja um conde ou um príncipe, e sim o que sinto por você - declarou Franz abraçando Adele. - Eu a adoro, quero que seja minha esposa e que nosso casamento seja celebrado depois de amanhã.

- Depois de amanhã?! Mas é o dia do meu grande baile! - Adele lembrou.

Franz riu.

- Pode haver maneira melhor de celebrarmos nosso casamento do que dançar com nossos amigos em vez de oferecermos a tradicional e aborrecida recepção?

- Pelo menos será... algo novo... e diferente - Adele riu também.

- Certo. Tudo será novo e diferente em Krnov quando você e eu o governarmos juntos. Será estimulante procurar tornar este país digno de sua beleza, minha adorada. O povo está vibrando com as atracções e divertimentos que Vaslov trouxe para cá e com certeza está achando que já começamos a transformar Krnov num reino de contos de fada.

- E eu encontrei meu príncipe encantado.

- Se vocês pretendem casar depois de amanhã, temos de correr para comprar seu vestido de noiva - Zuleika apontou.

- Oh, o vestido de noiva! - Adele exclamou. - Quero estar bem bonita para Franz e... claro... para o nosso povo.

- Já mandei um oficial falar com o arcebispo - avisou Vaslov. - Anton Bauer foi ver o primeiro-ministro para relatar-lhe o que aconteceu e informá-lo sobre o casamento de vocês.

Franz e Adele saíram do salão de mãos dadas, enamorados, segredando juras de amor.

Sentando-se do lado de Zuleika, o príncipe disse:

- Vou responder à pergunta que vejo em seus olhos. Após o casamento deles e o grande baile, vou levá-la para junto do seu pai. Sei que você quer se casar no seu país. Depois do casamento teremos nossa lua-de-mel em Cieszyn mesmo, num chalé das montanhas. Então poderei dizer-lhe o quanto a amo.

- Adoro ouvi-lo - sussurrou Zuleika.

- Eu não pensava em me casar porque idealizava uma esposa tão perfeita que seria muito difícil, senão impossível, de encontrar. Mas no instante em que a vi eu soube que você era quem eu buscava. - Vaslov deu um profundo suspiro. - Para mim foi uma agonia tomar a decisão de renunciar ao meu amor pelo bem de meu país e Krnov.

- Compreendo. Mas tudo se resolveu de modo tão perfeito. - Zuleika colocou a mão no braço de Vaslov. - Somos afortunados.

- Sim, muito. Franz e Adele também. Eles tomaram a decisão certa de se casarem depois de amanhã. Os médicos acham que o príncipe Majmir não viverá mais de uma semana - Vaslov revelou. - Então Franz governará este país tendo para apoiá-lo o poder e a importância da Áustria.

- De agora em diante nossos três principados conhecerão a paz e a prosperidade - Zuleika profetizou.

- Sem dúvida. Mas voltemos a falar sobre nós e o nosso casamento - pediu Vaslov. - Eu não estou disposto a esperar muito tempo para torná-la minha esposa e minha princesa.

- Papai concordará que o casamento seja realizado o mais depressa possível. Ele o admira muito, Vaslov, e terá orgulho de ser seu sogro.

- Também admiro demais o príncipe Laszlo e o que ele tem feito por Opava.

Vaslov contemplou Zuleika longa e amorosamente. Tinha os olhos repletos de felicidade.

A bondade divina tornara possível o impossível e acreditável o inacreditável.

Ambos haviam encontrado o amor que buscavam. O amor verdadeiro que vinha de Deus e que perduraria por toda a eternidade.

 

                                                                                            Barbara Cartland

 

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

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