Criar um Site Grátis Fantástico
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A COMENDA / Anton Tchekhov
A COMENDA / Anton Tchekhov

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A COMENDA

 

O mestre-escola Leon Pustiakof mora ao lado da casa de seu amigo, o tenente Ladenzof. Para lá se dirige na manhã do dia de Ano Novo.

- Verás de que se trata, amigo Gricha - diz-lhe depois das felicitações de boas-festas usuais. - Não te aborreceria se não se tratasse de um assunto urgente. Empresta-me, por hoje, tua comenda de Santo Estanislau. Fui convidado para cear em casa do comerciante Spitchkin, aquele imbecil que conheces. É louco por condecorações. Alem disso tem duas filhas: Nastia e Zina... E... como és amigo, compreendes, meu caro? Rogo-te, pois, que ma emprestes.

Todo este discurso é balbuciado timidamente. Pustiakof, vermelho de confusão, a cada palavra volta-se, olhando ansiosamente para a porta de entrada. O tenente diverte-se, porém cede-lhe a comenda.

Naquela mesma tarde, às duas horas, Pustiakof, num carro de aluguél, dirige-se para a casa de Spitchkin. Leva o capote entreaberto e contempla o peito, onde, com esmalte de cor e pontas douradas, resplandece a comenda alheia.

- Qualquer cidadão sente-se mais considerado graças a esta coisinha - pensa. - Um traste tão insignificante custará, quando muito, cinco rublos, e quanta importância tem!

Ao chegar em frente da casa de Spitchkin, abre completamente o casaco e tira o dinheiro para pagar a condução, parecendo-lhe que o homem aturdira-se ao ver suas ombreiras, os botões reluzentes e a comenda.

Pustiakof tosse satisfeito e entra na casa. Ao tirar o casaco na antecâmara, olha o salão, onde já se acham uns quinze convidados. Ouve-se o rumor das vozes e o barulho de pratos.

- Quem é? - pergunta o anfitrião. - Olá! É você, Leon? Boas Festas! Chega um pouco tarde, porém, isso não importa. Acabamos de nos sentar.

Pustiakof, com o peito alçado e cabeça erguida, entra esfregando as mãos.

No mesmo instante vê algo desagradável: ao lado de Zina senta-se um companheiro seu, o professor de francês Tramblin. Deixá-lo ver a comenda seria expor-se a uma infinidade de perguntas e averiguações importunas.

Seu primeiro impulso é arrancar a comenda ou pôr-se a correr, mas ela está fortemente presa, e não é mais possível retroceder.

Tapando o peito com a mão direita e encolhendo-se o mais que pode, entra rapidamente, faz uma saudação geral e senta-se na primeira cadeira vazia que encontra, que, por coincidência, fica em frente ao francês.

- Certamente bebeu um pouco - pensa Spitchkin ao notar seu rosto contrafeito.

- Desculpe-me... Fui visitar o cônego, e ele não só me convidou, como me obrigou a comer.

Desgosta-se, incomodado; cresce-lhe a raiva. O peixe tem, verdadeiramente, um aspecto apetitoso. Experimenta deixar livre a mão direita, enquanto cobre, com a esquerda, a comenda. A posição é desagradável. "Dará na vista estar com a mão posta sobre o peito como um tenor que se prepara para cantar. Meu Deus, como demora essa comida! Quero comer alguma coisa".

Depois do terceiro prato, levanta timidamente os olhos para o francês.

Tramblin está também, visivelmente incomodado; olha-o com ar desconfiado e também não come. Ao cruzarem o olhar, ambos se envergonham e desviam-no para os pratos vazios.

- O maroto já percebeu tudo, pelo seu jeito noto que já viu a comenda - pensa desesperadamente Pustiakof. - Esse sujeito é um miserável, um intrigante; contarei o que sei dele, amanhã, ao diretor.

Servem o quarto prato, e o quinto... Um cavalheiro alto, narinas largas e cabeludas, olhos pequenos, levanta-se, alisa a cabeça e exclama: "Brindo à saúde das senhoras." Os comensais põem-se, ruidosamente, de pé e levantam as taças. Alegre "Viva" ressoa por toda a casa. As senhoras sorriem, levantando-se também para o brinde. Pustiakof, por sua vez, ergue-se e apanha a taça com a mão esquerda.

- Por favor, Leon; dê esta taça à sua vizinha, a fim de que também ela beba - diz um dos convidados ao mestre-escola.

Não há mais remédio. Pustiakof, muito a contragosto, tira a mão do peito para pegar o copo, e a comenda, com a fita vermelha enrugada, resplandece à luz do dia. O mestre-escola empalidece, baixa a cabeça e lança uma furtiva olhadela ao francês que a contempla cheio de assombro e surpresa, um sorriso malicioso esboçando-lhe nos lábios, enquanto o mal-estar vai-lhe desaparecendo do semblante.

- Juli Avgestovitch - diz o anfitrião ao francês; - quer, por obséquio, passar-me a garrafa que tem à frente?

Tramblin, indeciso, estica a mão e - que felicidade! - Pustiakof vê brilhar também no seu peito uma comenda. E não é a de Santo Estanisláu: É a de Santana! Com que então o francês usou do mesmo truque! Pustiakof, cheio de contentamento, põe-se a rir e reclina-se na cadeira. Já não tem razão para ocultar a comenda: os dois pecaram e um não pode acusar o outro.

- "Ah!" - exclama o anfitrião, ao notar a comenda no peito do francês.

- É interessante. Poucos foram condecorados em nossa escola - diz Pustiakof ao francês. Um pessoal tão numeroso, e somos nós dois os únicos agraciados.

Tramblin saúda-o alegremente com a mão e ergue-se em toda a sua majestade, para que lhe vejam, de todos os lados, o peito ornado com a comenda de Santana, de terceira categoria.

Depois do repasto, Pustiakof passeia por todos os aposentos, e com festiva imponência exibe às senhoritas a comenda. Enche-se de satisfação e alegria, apesar de ter vazio o estômago.

- Se eu soubesse - pensa olhando com inveja a Santana do francês, que conversa com o anfitrião sobre condecorações - teria pedido a de São Valdomiro.

Somente isso o aborrece um pouco. De resto, sente-se verdadeiramente feliz.

                                                                                            Anton Tchekhov

 

Carlos Cunha        Arte & Produção Visual

 

 

Planeta Criança                                                             Literatura Licenciosa