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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Entrega Especial / Danielle Stel
Entrega Especial / Danielle Stel

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Entrega Especial

  

Jack Watson, de 59 anos, possui uma das boutiques mais sofisticadas de Beverly Hills. Depois de duas experiências amorosas fracassadas, converteu-se no solteiro perfeito. Para Amanda, Jack não é mais do que o sogro de sua filha e playboy incorrigível. Porém, quando fica viúva de modo inesperado, encontra-se num terreno desconhecido e, para seu assombro, começa a se sentir atraída por Jack.

E, ainda pior, isso a agrada: é um homem com mais valores do que ela imaginava. A relação entre eles escandalizará ambas as famílias. De imediato, tudo será obstáculo e incompreensão. No entanto, um facto excepcional dará um rumo inesperado à difícil situação.

 

 

          

 

A Ferrari vermelha cantou os pneus ao fazer a curva e entrar com estilo na vaga onde Jack Watson costumava estacioná-la, em sua loja em Beverly Hills: a Julie's. Há exactos vinte anos, ele batizou a loja em homenagem à filha de nove anos. Tudo começou como um hobby, algo a que ele iria se dedicar por puro prazer depois que parou de produzir filmes.

Jack produziu sete ou oito filmes de baixo orçamento, nenhum dos quais dignos de nota, tendo passado os seis anos posteriores à formatura na faculdade trabalhando aqui e ali como ator. Sua carreira cinematográfica durou pouco e foi permeada por esperanças e promessas que nunca se concretizavam como planejado, acabando sempre em decepção. Mas sua sorte mudou quando resolveu entrar para o mundo do varejo, depois que recebeu a ajuda inesperada da herança de um tio. Aparentemente sem muito esforço, ele inaugurou a loja pela qual todas as mulheres de Los Angeles matariam para ser clientes. No início, sua mulher o ajudou na aquisição das mercadorias, mas em menos de dois anos percebeu que tinha muito mais inclinação para o negócio. E, para desgosto da esposa, tinha inclinação também para as mulheres que vestiam sua marca. Cada mulher na cidade, de atrizes, socialites e modelos, a donas de casa com dinheiro no bolso, desejava ir à Julie's... e conhecer Jack Watson. Ele era o tipo de homem que não precisava fazer qualquer esforço para se fazer notar. As mulheres eram atraídas para ele como abelhas por mel. E ele amava isso. E a elas.

Dois anos após a abertura da loja, para surpresa sua e demais ninguém, a mulher o deixou. E, nos últimos dezoito anos, tinha de admitir, nunca sentira sua falta. Ele a conheceu no set de um de seus filmes quando ela foi fazer um teste e acabou passando as duas semanas seguintes perdida de paixão na casa de veraneio de Jack, em Malibu. De início, ele ficara loucamente apaixonado e acabaram se casando seis meses depois. Esta foi a primeira e única incursão de Jack ao casamento. Durou quinze anos e dois filhos, mas acabou em amargura e rancor, o que, em sua opinião, era inevitável a qualquer casamento. A única vez em que se sentiu tentado a casar novamente aconteceu anos mais tarde, com uma mulher que acabou se mostrando esperta demais para aceitar o pedido. Ela foi a única mulher que o fez querer ser fiel, e de facto o foi, pelo menos daquela vez. Ele estava com quarenta e poucos anos e ela, uma actriz francesa de sucesso, de 39. Viveram juntos por dois anos, e quando ela morreu num acidente de carro, indo ao seu encontro em Palm Springs, ele pensou que jamais superaria a perda. Pela primeira vez na vida, Jack Watson soube o que era de facto sentir dor. Ela era tudo com que ele sempre sonhara, e, em raros momentos de seriedade, até mesmo agora, admitia ter sido ela a única mulher que amara na vida, e falava a sério. Dorianne Matthieu era alegre e irreverente, sexy e bonita, e, à sua maneira, absolutamente original. Ela não planejava nada com ele, e dizia que só uma tola se casaria com um homem assim, mas em nenhum momento sequer Jack duvidara do quanto ela o amava. E a adorava. Ela o levou a Paris para conhecer seus amigos e viajaram para todos os lugares juntos: Europa, Ásia, África, América do Sul. Para ele, os momentos passados ao seu lado pareciam ter um toque de mágica. Até que ela morreu e o deixou com um vazio enorme e com uma sensação tão esmagadora de perda que chegou a pensar que iria morrer de dor.

Houve mulheres desde então, muitas delas, preenchendo suas noites e dias. Nos doze anos que se seguiram à tragédia, ele mal conseguiu ficar sozinho por alguns instantes, pelo menos fisicamente, mas nunca mais amou outra mulher daquela maneira. Na verdade não queria mais amar. Até onde sabia, amar era doloroso demais. Aos 59 anos, Jack Watson tinha tudo o que sempre quisera ter: um negócio que parecia nunca parar de crescer e de fazer dinheiro.

Ele abrira uma loja em Palm Springs, antes da morte de Dori, e outra em Nova York, cinco anos depois. E, nos últimos dois anos, vinha pensando em abrir uma em San Francisco. Mas, com sua idade, não tinha mais certeza de querer as dores de cabeça inevitáveis a mais uma expansão. Talvez se seu filho, Paul, viesse trabalhar com ele... Mas até agora não fora muito feliz na tentativa de tirar Paul de sua própria carreira como cineasta. Aos 32 anos, Paul já era um jovem produtor de sucesso. Era muito mais bem-sucedido do que o pai o fora em sua época, e gostava sinceramente do que fazia. Mas Jack tinha um profundo ressentimento quanto às inseguranças geradas pela indústria cinematográfica, e às desilusões que inevitavelmente trazia consigo. Ele teria dado tudo para atrair Paul para os seus negócios. Talvez um dia. Mas, certamente, não agora. Paul não Lhe dava ouvidos.

Paul amava seu trabalho, e sua mulher. Estava casado há dois anos, e a única coisa que parecia estar faltando em sua vida, pelo menos assim o dizia, era um filho. Jack não tinha certeza se Paul se importava muito com filhos, mas Jan sim, Com certeza. Ela trabalhava em uma galeria de arte e Jack tinha a impressão de que ela ansiava ter filhos. Na sua opinião, ela parecia ser um pouco frágil, mas era uma boa garota e obviamente fazia Paul muito feliz. Era também muito bonita. Sua mãe era a actriz Amanda Robbins, há muito aposentada, mas de aparência espetacular. Amanda era alta, magra e loura, um colírio para os olhos mesmo aos cinquenta anos. Ela desistira de uma carreira cinematográfica extraordinária há vinte e seis anos para se casar com um banqueiro muito sério, respeitável e, na opinião de Jack, extremamente enfadonho chamado Matthew Kingston. Eles tinham duas filhas lindas, uma mansão em Bel Air e frequentavam os círculos mais respeitáveis da sociedade.

Amanda era uma das poucas mulheres em Los Angeles que nunca fizera compras na loja de Jack, e, nas raras ocasiões em que seus caminhos se cruzavam, ele sempre se divertia com a idéia de ela não o suportar de modo algum. Ela parecia odiar tudo o que ele era e o que representava. Não o surpreenderia em nada se viesse a descobrir que Amanda fizera tudo ao seu alcance para dissuadir a filha de casar com Paul Watson. Ela e seu marido pareciam não confiar no show business, e tinham certeza de que, mais cedo ou mais tarde, Paul se tornaria tão promíscuo quanto o pai. Mas isso não era verdade. Paul era um jovem adulto sério e já havia provado ser um marido estável e digno de confiança. Eles acabaram aceitando-o no seio de sua família, ainda que jamais tenham sido cordiais com seu pai. A reputação de Jack era bastante conhecida em Los Angeles. Ele era boa-pinta e podia ser visto em todos os lugares. Era famoso por circular pelas camas de cada estrela em início de carreira e modelo que cruzasse seu caminho, e isso sem precisar se justificar para ninguém. Era sempre gentil com as mulheres com quem saía; na verdade, era gentil até demais. Era generoso e inteligente. Sua presença e companhia eram sempre agradáveis. As mulheres que namorava o adoravam e, vez por outra, uma delas demonstrava ser tola o bastante ao achar que poderia “prendê-lo” por algo mais do que um caso fugaz· Mas Jack Watson era muito esperto para se deixar agarrar. Ele fazia com que entrassem e saíssem de sua vida antes de criar raízes, ou de ter tempo de começar a deixar as roupas em seu armário. E fazia questão de ser dolorosamente honesto com elas. Não fazia promessas, nem criava falsas ilusões. Proporcionava-lhes bons momentos, levava-as a todos os lugares sobre os quais liam e com os quais sonhavam, bebia e jantava com elas nos melhores restaurantes e, antes que percebessem, ele já tinha ido embora, para a próxima. E elas eram abandonadas com a lembrança agradável, ainda que breve, de um caso com um homem sexy e charmoso, que as deixou ansiando por mais e desejando ter sido capazes de segurá-lo mais um pouquinho.

Era impossível ter raiva de Jack, ou mesmo guardar mágoas por muito tempo. Tudo nele era irresistivelmente charmoso, até o modo como as abandonava. Ele saía com mulheres casadas de vez em quando, e só tinha coisas maravilhosas a dizer a respeito de seus maridos. Jack Watson era um cara divertido, óptimo de cama e um playboy incurável, e nunca pretendeu, por um milésimo de segundo sequer, ser nada diferente. E, aos 59 anos, mantinha uma aparência muitos anos mais nova. Fazia ginástica quando tinha tempo, nadava na praia quase sempre, frequentava sua casa em Malibu e amava suas mulheres quase tanto quanto sua Ferrari vermelha. As únicas coisas com as quais ele realmente se importava, e tratava com seriedade, eram seus filhos. Julie e Paul eram e sempre seriam a luz de seu viver. A mãe deles era apenas uma lembrança sombria, e só havia um facto que o deixava feliz ao se lembrar dela: o bom senso que ela tivera em deixá-lo. Nos últimos dezoito anos, ele fizera exactamente o que queria, até mesmo quando estava com Dori. Era mimado, tinha dinheiro, seus negócios eram um verdadeiro sucesso e era irresistível junto às mulheres. E, o que é pior, tinha consciência disso. Por mais estranho que possa parecer, isso não o tornava nem um pouco arrogante. Apenas sexy, divertido e quase sempre feliz. Ele adorava aproveitar a vida. “Adorável” era uma palavra que as mulheres sempre usavam para descrevê-lo. Elas gostavam dele, que correspondia.

- Bom dia, Jack. - A gerente da Julie's sorriu para Jack, enquanto ele corria pela loja na direcção do elevador privativo que o levaria directo a seu escritório. Este ficava no quarto andar e era inteiramente prateado e decorado com couro preto. Fora projectado por uma famosa arquitecta de interiores italiana, outra mulher com a qual se envolveu.

Ela quis deixar o marido arquitecto e os três filhos para ficar Com Jack, mas ele lhe assegurou que a vida a seu lado poderia levá-la completamente à loucura. E, na época em que o caso terminou, ele conseguira convencê-la quase por completo. Observar Jack em Seu pequeno mundo privado era ao mesmo tempo excitante e de certa forma alarmante. 

Ele sabia que haveria café à sua espera lá em cima, e até mesmo um almoço leve. Deu uma olhada no relógio. Decidira chegar meia hora atrasado no trabalho para poder nadar, mesmo sendo janeiro. O clima estava quente, ainda que a água não. Ele adorava nadar no mar, adorava sua casa na praia e tudo o mais no seu mundo de negócios E, apesar de seu passatempo com as mulheres, era inflexivelmente disciplinado no trabalho. Não era por acaso que a Julie's era Uma das pequenas cadeias de maior sucesso no mercado varejista. Várias pessoas O abordaram durante anos para que abrisse sociedade, mas Jack não estava preparado, Ele gostava de manter o controle e ser o único dono. Não precisava consultar mais ninguém ao tomar as decisões, nem responder a nada, ou dar explicações, nem se aborrecer com alguém. A Julie's era cem por cento sua. 

Ao chegar ao escritório, havia uma pilha de mensagens organizadamente dispostas em sua mesa, uma lista de compromissos para aquela tarde e algumas amostras de tecido que ele vinha esperando de Paris. Eram esplêndidas. Foi Dori quem apresentara o milagre dos tecidos franceses a ele... e a comida francesa... e o vinho francês... e as mulheres francesas. Ele ainda tinha uma queda por coisas francesas, e muitas das mercadorias que trazia para a Julie's eram importadas. O melhor do que há de melhor, era o que prometia, e cumpria. 

O telefone tocou quase ao mesmo tempo em que Jack se sentou. Era o ramal interno. Ele apertou o botão enquanto continuava a olhar para os tecidos franceses. 

- Oi -, falou casualmente para a máquina, com o tipo de voz que levava as mulheres à loucura, mas não sua secretária, Gladdie. Ela o conhecia bem demais para se deixar afetar. Trabalhava para ele há cinco anos e sabia tudo o que havia para saber sobre seu chefe. 

O único grupo de mulheres sagradas para Jack, com as quais nunca mexia, eram as que trabalhavam em seu escritório. Esta era uma das poucas regras que a respeito das mulheres que ele nunca desrespeitara. 

- Quem é!

- Paul está na linha. Você quer falar com ele, ou digo que está ocupado? A pessoa marcada para as dez e quinze deve chegar a qualquer momento. 

- Essa pessoa pode esperar. - Marcara um encontro com um fabricante de bolsas de Milão que trabalhava principalmente com couro de jacaré e de lagarto. - Distraia o cara por alguns minutos. Quero falar com Paul primeiro. - Sempre que possível, ele tentava não deixar suas crianças para depois. Já tinha um sorriso nos lábios quando pegou o fone. Paul era um grande garoto, sempre fora, e Jack era louco por ele. - E aí, filho, o que há?

- Pensei em ligar para ver se você gostaria que eu o apanhasse. Ou prefere encontrar com a gente lá? - Ainda que Paul tivesse um temperamento tranquilo por natureza, ao contrário de Jack, hoje ele soava estranhamente melancólico. 

- Encontrar onde? - A oferta de Paul de apanhá-lo não fazia sentido algum. Não tinha qualquer lembrança de terem marcado um encontro. Geralmente, pelo menos no tocante a seus filhos, ele se lembraria, mas não desta vez. 

- Pare com isso, pai. - Paul soou levemente exasperado e um tanto estressado. Certamente não gostou do que o pai disse. - Isto é sério! Não brinque. 

- Não estou brincando - disse Jack, colocando a amostra de tecidos franceses na mesa e olhando para os papéis que estavam por ali, à procura de alguma pista para entender o que o filho estava dizendo. - Aonde vamos! - E então, com súbita sensação de constrangimento, ele se lembrou. - Oh, Deus, eu... - O funeral do sogro de Paul. Como ele pode ter esquecido? Deixara de anotar na agenda e não devia ter dito nada a Gladdie, do contrário ela o teria alertado tanto na noite anterior quanto pela manhã. 

- Esqueceu, não é pai! - O tom de voz de Paul se tornou repentinamente acusador. É óbvio que ele não estava para brincadeiras. - Não posso acreditar. 

- Não esqueci, apenas não estava pensando nisso. 

- Conversa. Você esqueceu. A cerimónia começa ao meio-dia e haverá um almoço em seguida na casa deles. Você não precisa ir, mas acho que seria bom que desse pelo menos uma passada. - Sua irmã, Julie, prometera ir também.

- Quantas pessoas você acha que vão receber? - perguntou Jack, tentando encontrar rapidamente uma solução para vários dos seus compromissos daquela tarde. Não seria nada fácil, mas se significava alguma coisa para Paul, então tentaria comparecer. 

- No almoço? Não sei... eles conhecem um monte de gente, provavelmente umas duzentas ou trezentas pessoas. - Jack ficara impressionado ao ver mais de quinhentas pessoas no casamento do filho. - Veio gente de todo canto por causa dos Kingstons. 

 - Bom, assim eles não sentirão minha falta no almoço - disse Jack, sendo lacónico -, e obrigado por oferecer a carona. Encontro vocês lá. É melhor que fique ao lado de Jan e da mãe dela. Estarei em algum lugar à distância. 

- Faça com que Amanda saiba que você apareceu - instruiu Paul. - Jan ficaria muito chateada se a mãe pensasse que você não esteve no funeral. 

- Acho que ela ficaria muito mais feliz se eu não fosse. - Jack riu, sem fazer mistério a respeito da leve animosidade que existia entre eles. Dançaram juntos no casamento dos filhos, e Amanda Kingston deixou claro, sem precisar dizer uma palavra, que não gostava mesmo dele. Assim como todos na cidade, ela lia notícias a seu respeito o tempo todo nos jornais. E a partir do momento em que desistiu da carreira de atriz, adotara a opinião bastante moderada do marido de que uma pessoa só deve aparecer nos jornais ao nascer, morrer ou casar. Jack virava notícia por ter sido visto com atrizes relativamente conhecidas, com estrelas em ascensão, ou por ter dado alguma festa de arromba na Julie's. 

A loja era famosa, tanto quanto ele, por suas maravilhosas festas só para estilistas e clientes. As pessoas imploravam por convites. Todos menos os Kingstons. E, já sabendo que não compareceriam, Jack nunca se deu ao trabalho de convidá-los. 

- Bom, de qualquer maneira, chegue na hora, pai. Você se atrasaria para seu próprio enterro, se pudesse. 

- O que, espero, não acontecerá tão cedo, muito obrigado - disse Jack, pensando no infarto que matara Matthew Kingston. Ele morrera há quatro dias, na quadra de tênis, e era dois anos mais novo que Jack. Amanda acabara de fazer cinquenta. Os homens que estavam jogando tênis com ele fizeram todo o possível para reanimá-lo, mas foram infelizes em sua tentativa. Aos 57 anos, sua morte estava sendo lamentada pela família, por toda a comunidade banqueira, e por todos aqueles que o conheciam. Mas Jack jamais gostara dele. Achava-o pomposo, enfadonho e tedioso. 

- Vejo você lá, pai. Tenho que pegar Jan na casa da mãe. Ela passou a noite lá. 

- Será que ela precisa de alguma coisa? Um chapéu? Um vestido? Posso fazer com que uma das meninas separe algumas pesas para que você apanhe quando estiver a caminho de lá, se precisar. 

- Obrigado, pai. - Paul sorriu por causa do tom de voz do pai. Ele era um pé no saco às vezes, mas no fundo era um cara decente e Paul o amava. - Acho que Amanda já providenciou tudo de que elas precisam. Ela está arrasada por causa de Matt, mas nem assim deixa de ser incrivelmente organizada. É uma mulher e tanto. 

- A Rainha de Gelo - disse Jack, e se arrependeu no mesmo instante, mas as palavras saíram antes que pudesse impedir. 

- Que coisa horrível de se dizer de uma mulher que acabou de perder o marido! 

- Desculpe. Não foi por mal. - Mas ele não estava muito longe da verdade. Ela parecia estar sempre sob controle, e era absolutamente perfeita em tudo. Só de olhar para ela, Jack sentia uma vontade quase irresistível de desarrumar seu cabelo e de tirar sua roupa. Esse simples pensamento o fez rir ao desligar o telefone. E o levou a pensar nela, o que raramente acontecia. 

Ele sentia muito por sua perda - ainda podia se lembrar claramente do que sentira quando Dori morrera - mas havia algo tão frio e distante na sogra de Paul que ficava difícil sentir pena de verdade. Ela era insuportavelmente perfeita. 

E era impressionante como ainda possuía a mesma aparência da Amanda Robbins que abandonou as telas aos 24 anos para se casar com Matthew Kingston. Fora um casamento badalado, recheado de convidados da alta sociedade e de Hollywood, e por muito tempo as pessoas fizeram apostas ou tentaram adivinhar se ela ficaria entediada e se voltaria ao trabalho. Mas isso não aconteceu. Ela manteve a óptima aparência e a beleza gelada, mas sua carreira terminara para sempre. Era fácil prever que Matthew Kingston não permitiria que isto acontecesse. Ele agia como se fosse seu dono. 

Jack abriu o armário em seu closet e ficou feliz por ter deixado um terno escuro ali dentro. Não era um de seus melhores, mas ao menos era apropriado para a ocasião, ainda que todas as gravatas da pequena colecção que mantinha ali para emergências fossem vermelhas, azuis ou amarelas. Então teve que sair rapidamente do escritório à procura de Gladdie. 

- Por que você não me lembrou do funeral? - reclamou, sem estar exactamente zangado, e ela sabia disso. Ele era uma daquelas poucas pessoas que sempre se responsabilizava por seus próprios erros, e esta era uma das principais razões pelas quais adorava trabalhar para ele. E a despeito de sua reputação de irreverente e irresponsável, ela o conhecia a fundo e melhor do que ninguém. Como chefe, era interessado, generoso, confiável, sendo um verdadeiro prazer trabalhar com ele. 

- Achei que não esqueceria. Esqueceu? - perguntou, com um riso contido, e ele fez que sim com a cabeça, meio constrangido. 

- Acto falho, acho. Odeio ir a enterros de homens mais novos do que eu. Faça-me um favor, Glad. Vá até a Hermès e me traga uma gravata preta. Nada simples demais, mas sério o suficiente para que eu não envergonhe Paul. Nada com mulheres peladas. - Ela riu dele, e pegou sua carteira na hora em que o fabricante de bolsas e seu assistente entraram. Ia ser uma reunião extremamente rápida. 

Jack já tinha encomendado uma centena de bolsas às Onze horas, quando Gladdie voltou da Hermès com uma gravata cinza-azulada com pequenas figuras geométricas. Era perfeita. 

- Bom trabalho - disse ele, agradecido, colocando-a em volta do pescoço e dando um nó impecável, sem olhar no espelho. Ele usava um terno cinza-escuro com uma camisa branca, e um par de oxfords franceses feitos à mão. Estava maravilhoso em seu traje, combinando com os cabelos loiros, os olhos castanhos e as feições bem-delineadas. - Estou respeitável?

- Não tenho certeza se esta é a palavra certa para descrevê-lo... talvez lindo seja mais apropriado. - Ela sorriu, já acostumada a seu charme, o que Jack achava bom nela. Estar com Gladdie era sempre muito agradável. Ela não dava a mínima para sua aparência, reputação, ou para o facto de ser mulherengo; só o que lhe interessava era seu trabalho. - Você está óptimo, juro. Paul ficará orgulhoso. 

- Espero que sim. Talvez aquela senhora charmosa que ele tem como sogra desista de chamar a polícia quando me vir esta manhã. Deus, odeio enterros. - Ele já podia sentir uma nuvem pairando sobre sua cabeça, ainda se lembrando de Dori. Cristo, aquilo fora horrível... o choque, e aquela dor insuportável. A angústia absoluta de tentar entender que ela se fora para sempre. Passaram-se anos até que conseguisse superar a perda, apesar de ter tentado preencher o vazio com milhares de mulheres. Mas nunca mais houve uma mulher como Dori. Ela era tão calorosa, tão bonita, tão sexy, maliciosa e atraente. Era uma mulher sensacional, e esse simples pensamento, que cruzou sua mente enquanto pegava o elevador quando já era quase meio-dia, vestido naquele terno sóbrio, conseguiu deprimi-lo profundamente. Fazia doze anos desde sua morte, e Jack ainda sentia muito a sua falta. 

Estava tão distraído que nem notou a mulher que olhava para ele admirada, enquanto saía da loja, e deslizava por trás do volante de sua Ferrari. Ele arrancou da calçada já em velocidade, com o poderoso motor roncando, e cinco minutos mais tarde estava no Santa Mônica Boulevard, indo em direcção à igreja episcopal All Saints, onde estava acontecendo a cerimónia. Já tinham se passado dez minutos do meio-dia e o tráfego estava pior do que esperara. O tempo estava quente para uma tarde de janeiro em Los Angeles, e todas as pessoas do mundo pareciam estar em seus carros indo para algum lugar. Chegou vinte minutos atrasado na All Saints e sentou silenciosamente na parte de trás da igreja. Era impossível calcular quantas pessoas estavam naquele lugar. De onde estava sentado, parecia que havia umas setecentas ou oitocentas, mas não era possível que este número fosse verdadeiro. 

Procurou a filha com os olhos, mas ela devia estar perdida no meio da multidão em algum lugar. Só conseguiu ver a silhueta de Paul na parte da frente da igreja, sentado entre a mulher e a irmã dela. E a figura da viúva estava completamente encoberta. Tudo o que Jack conseguia ver era a inevitabilidade inexorável do caixão, tão rígido e severo, de mogno maciço com alças de bronze, coberto por uma camada de rosas e pequenas orquídeas brancas. Elas possuíam uma certa beleza, ainda que carregada de pesar, assim como todas as outras flores na igreja. Havia orquídeas por toda a parte e, de alguma forma, mesmo sem pensar muito, Jack sabia que Amanda cuidara de tudo. Havia ali o mesmo tipo de atenção impecável aos detalhes, mesmo numa hora como essa, que ela demonstrara no casamento dos filhos. 

Mas Jack rapidamente parou de pensar nela e perdeu-se em seus próprios pensamentos, lembrando de sua própria mortalidade durante o serviço episcopal. Um amigo discursou, assim como os dois genros. As palavras de Paul foram breves e directas, mas bastante comoventes, e, sem querer, lágrimas brotaram dos olhos de Jack quando foi elogiar o filho depois de terminada a cerimónia. 

- Aquilo foi muito bonito, filho - disse, perdendo a voz por um momento. - Você já pode discursar no meu enterro, quando chegar a hora. - Ele tentou fazer uma gracinha, mas Paul balançou a cabeça em desaprovação e colocou o braço no ombro dele. 

- Deixe de ser convencido. Eu não saberia dizer nem uma palavra decente sobre você. Acho que ninguém saberia, então não precisa se preocupar. 

- Obrigado, vou me lembrar disto. Talvez eu deva parar de jogar tênis. 

- Pai... - Paul o repreendeu, dando-lhe um rápido olhar de advertência. Amanda se aproximava, lentamente se movimentando por entre a multidão até o lugar em que deveria ficar para cumprimentar algumas pessoas. E, antes que Jack pudesse fazer qualquer movimento, percebeu que estava olhando directamente para ela. Amanda estava impressionantemente bonita e, mesmo depois de tantos anos, ainda parecia uma estrela de cinema. Ela usava um chapéu preto de abas largas com um véu, e um tailleur preto muito distinto, que Jack suspeitou imediatamente ter sido confeccionado por um estilista francês. 

- Olá, Jack - disse ela, calmamente. Parecia estar bastante controlada, mas seus expressivos olhos azuis carregavam tanta dor que ele ficou sinceramente penalizado. 

- Sinto muito, Amanda. - Mesmo não sendo muito chegado a ela, era fácil ver como estava devastada pela perda do marido. Não pôde dizer mais muita coisa ao vê-la olhando ao longe por alguns instantes, com a cabeça inclinada. Então saiu dali. Paul foi à procura de Jan, que estava ao lado da irmã. 

Jack ficou por mais um ou dois minutos, não encontrou ninguém conhecido, e então decidiu sair de mansinho sem incomodar o filho. Paul estava obviamente ocupado demais. 

Meia hora depois, Jack estava de volta ao escritório, mas permaneceu quieto por toda a tarde, pensando neles, na família que perdera, o homem que os mantinha unidos. Ainda que não gostasse dele, o homem merecia respeito, é fácil sentir pena dos que o amavam e que foram privados de sua presença tão repentinamente. Durante a tarde inteira, não importa o que estivesse fazendo, Jack era assombrado pela lembrança de Dori. Até que pegou uma fotografia dela, algo que raramente fazia. A foto ficava escondida em sua mesa justamente para esses momentos. E quando viu aquela expressão Sorridente na praia em Saint-Tropez, sentiu-se mais desolado do que nunca. 

Gladdie foi ver se ele precisava de alguma coisa, uma ou duas vezes, e sentiu que Jack queria mesmo era ficar sozinho. Até mandou que ela cancelasse os dois últimos compromissos do dia. Mas, mesmo deprimido, Jack continuava lindo naquele traje escuro com a gravata nova que Gladdie comprara. E mal sabia ele que, naquele exacto momento, em sua casa em Bel Air, Amanda Kingston estava falando a seu respeito. 

- Seu pai foi muito gentil em ter vindo - disse ela a Paul, assim que o último convidado se retirou. Todos tiveram a impressão de que aquela tarde não acabaria nunca, e, apesar de sua postura inabalável, até Amanda parecia exausta. 

- Ele ficou muito triste com o que aconteceu a Matthew - disse Paul, tocando em seu braço com carinho. 

Amanda balançou a cabeça com uma expressão de pesar e Olhou para as filhas. 

As duas estavam arrasadas com a perda do pai, o que as fez até parar de brigar, pelo menos uma vez na vida. Entre Jan e a irmã, Louise, havia uma diferença de pouco mais de Um ano, mas elas eram completamente diferentes, em todos os aspectos. As duas brigavam, dia e noite, desde a infância. Mas, dadas as circunstâncias, tiveram que fazer as pazes para poder consolar a mãe. Paul saiu calmamente, deixando-as a sós. Foi até a cozinha para tomar uma xícara de café. O pessoal do bufê ainda estava lá, lavando os pratos e os copos que serviram às mais de trezentas pessoas que foram prestar condolências aos Kingstons. 

- Não consigo acreditar que ele se foi - disse Amanda, num sussurro, parada de costas para as filhas e olhando para o seu jardim tão bem-cuidado. 

- Nem eu - acrescentou Jan, enquanto as lágrimas rolavam em seu rosto mais uma vez. Neste momento, Louise deu um suspiro. Ela o amava, mas nunca se dera muito bem com ele. Sempre teve certeza de que era mais rígido com ela do que com Jan, e de que exigia muito mais dela. O pai ficara furioso quando Louise decidiu não entrar para a faculdade de direito e, em vez disso, resolveu se caçar logo após ter terminado o segundo grau. Mas seu casamento era sólido e, nos primeiros cinco anos, dera à luz três filhos. 

Matthew achava que estava tendo filhos demais. Mas não o incomodava de modo algum o facto de Jan nunca ter tido uma carreira de verdade, nem sequer a vontade de escolher uma, e ter se casado com um homem do show business, filho de um simples comerciante da Rodeo Drive. Louise não gostava de Paul, e não fazia muita questão de esconder isto. Seu marido era um dos advogados da firma Loeb & Loeb, ou seja, um candidato mais apropriado para se casar com uma Kingston. 

Enquanto Jan chorava, naquela tarde do funeral, tudo em que Louise podia pensar era o quanto seu pai a criticara, em como tinha sido difícil lidar com ele e em quantas vezes chegara a duvidar do amor paterno. Ela se sentiria melhor se pudesse desabafar com alguém, mas sabia que nem a mãe nem a irmã teriam entendido. Sua mãe sempre odiava quando fazia algum comentário crítico sobre o pai. 

E, na opinião de Amanda, Matt já tinha virado santo a uma hora dessas. 

- Quero que vocês duas se lembrem do homem maravilhoso que seu pai foi - disse Amanda, virando na direcção delas, o queixo trêmulo e os olhos cheios de lágrimas. 

O cabelo loiro estava preso em um coque, e as filhas tinham plena consciência de que sua mãe era muito mais bonita do que elas. Sempre o fora. Ela era de uma beleza extraordinária, e Louise a odiava por isto. Era impossível, comparar com a mãe. E, para piorar, ela sempre tivera a expectativa de que as filhas fossem igualmente perfeitas. 

Louise nunca chegou a conhecer o lado mais humano da mãe, sua vulnerabilidade, as inseguranças que a acompanharam no decorrer da vida e que se esconderam por trás de uma fachada de requinte e beleza. Jan era mais chegada a Amanda, o que aumentava ainda mais o ressentimento eterno entre as irmãs. Louise sempre acusara Jan de ser a favorita dos pais, e Jan sempre se sentira acusada injustamente sem entender o motivo. 

- Quero que saibam que ele as amava muito, muito mesmo - continuou Amanda, mas não pôde mais prosseguir porque começou a soluçar baixinho. Ela ainda não conseguia acreditar que ele se fora, que nunca mais poderia aconchegar-se em seus braços novamente. Seu pior pesadelo se tornara realidade. Ela sempre dependera completamente dele, e era quase impossível imaginar a vida sem Matt a seu lado. 

- Mãe... - Jan aninhou a mãe em seus braços como uma criança, enquanto ela soluçava. Louise saiu sorrateiramente do ambiente e encontrou Paul na cozinha. Ele estava sentado à mesa, bebendo uma xícara de café. 

- Como ela está? - perguntou Paul, com um ar de preocupação. Louise deu de ombros. Sua dor era extremamente visível, mas, como sempre, vinha misturada com muita raiva. Seus filhos tinham ido para casa com a babá e o marido voltara para o escritório. E, gostasse ela ou não, não havia ninguém mais com quem conversar a não ser Paul. 

- Péssima. Ela dependia dele para tudo. Papai determinava a que horas ela deveria acordar ou dormir, dizia o que fazer, o que não fazer, e até escolhia suas amizades. Não sei por que o deixava fazer isso. Chegava a ser repugnante. 

- Talvez fosse disso que ela precisava - disse Paul, olhando com interesse para a irmã de sua mulher. Ela estava sempre tão carregada de raivas e ressentimentos que Paul se perguntava em silêncio se era realmente feliz com o marido. Como em todas as famílias, elas tinham suas agendas individuais e vidas particulares. Sempre o intrigava o modo como as duas falavam da mãe. Cada uma delas a via de uma maneira diferente, mas a mulher que conheciam era muito diferente do que deixava transparecer para o resto do mundo: uma pessoa de aparência tranquila e serena. Elas viam na mãe um ser completamente dominado e assustado. Paul ficou imaginando se esta teria sido a razão verdadeira pela qual Amanda nunca mais voltara a fazer cinema. Talvez, além de Matthew não querer que voltasse, ela tivesse um medo muito grande que a impedia de retomar a carreira. - Ela ficará bem - ele consolou Louise, não sabendo mais o que dizer. Ela colocou um pouco de vinho para si, deixando transparecer alguns sinais de uma mulher infeliz. - Jan vai tomar conta dela - acrescentou ele com a intenção de acalmar a cunhada, mas o comentário apenas a deixou com mais raiva ainda. 

- É, aposto que vai. Ela está sempre puxando o saco da mamãe. A vida inteira foi assim, mesmo quando éramos crianças. Estou surpresa que vocês não tenham se oferecido para vir morar aqui com ela. Isto iria causar uma óptima impressão. Você sabe, ela vai precisar de muita ajuda para tocar o inventário. Tenho certeza de que você e Jan ficariam muito felizes em ajudá-la. 

- Por que você não relaxa, Lou? - perguntou ele, usando o apelido com que Jan costumava chamar a irmã. Ela olhou-o com uma expressão contida, surpreendentemente parecida com o tipo de olhar da mãe, mas, no fundo, ela era igual ao pai. Apenas bonita; e nada mais. Entre as duas, Jan tinha uma aparência melhor. - Ninguém está tentando magoá-la. 

- Tarde demais - disse ela, enchendo mais uma vez a taça de vinho, imediatamente após ter terminado a primeira. - Eles fazem isto comigo há anos. Talvez mamãe consiga finalmente amadurecer sem papai por perto. E mais provável que todas possamos amadurecer a partir de agora. - Dito isto, Louise colocou a taça na mesa e saiu na direcção do jardim. Paul não fez menção de segui-la. 

Jan e Amanda puderam ver Louise através da janela. 

- Ela está com raiva de mim de novo - disse Jan. - Ela está sempre zangada comigo por algum motivo. 

- Eu gostaria que vocês parassem de brigar - disse Amanda, olhando com tristeza para a filha mais nova. - Sempre achei que tudo seria diferente quando vocês crescessem, que seriam grandes amigas, especialmente depois que ambas estivessem casadas e com filhos. - Isso era tudo o que ela desejara para as filhas desde o seu nascimento. Nesse momento, Jan exibiu um olhar de pesar ao ouvir as palavras da mãe. 

- Bem, eu não... eu... 

- O quê? - A mãe ficou confusa por um momento, e parecia tão triste que, ao olhar para ela, Jan ficou com o coração partido. 

- Ter filhos. - Algo na entonação de Jan prendeu a atenção da mãe. 

- Você não quer ter filhos? - Amanda pareceu surpresa. A simples idéia de que a filha não quisesse ter filhos já seria considerado uma traição. 

- Quero - respondeu Jan e olhou para a irmã através da janela. Lou tivera três filhos em cinco anos, tão logo decidiu que queria ter. E agora era Jan quem tinha ciúmes dela. - Claro que quero. Estamos tentando há um ano, e nada acontece. 

- Isso não significa nada - afirmou Amanda, mostrando um sorriso para a filha. - Às vezes leva algum tempo. Seja paciente. 

- Não levou algum tempo com você. Você e papai nos tiveram nos dois primeiros anos de casamento. - Ela suspirou, enquanto Amanda acariciava suas mãos. A seguir, olhou fundo nos olhos da mãe. E o que Amanda viu naqueles olhos partiu seu coração. Não era apenas pesar, mas medo e decepção. - Quero que Paul vá a um médico comigo, mas ele se recusa. Ele acha que não tenho motivos para ficar preocupada. 

- Já falou com seu médico? Ele acha que há algum problema? - Amanda começava a ficar seriamente preocupada. 

- Ele não sabe, mas acha que vale a pena investigar. Ele me deu o nome de um especialista, mas Paul ficou furioso só de eu falar nisso. Ele disse que sua irmã tem filhos, assim como Lou, e que não haveria motivos para que justamente nós tivéssemos algum tipo de problema. Mas não é tão simples assim. - De repente, Amanda ficou imaginando se existiria alguma coisa da qual não tinha conhecimento, alguma doença terrível na juventude da filha, alguma atitude inconsequente, um aborto, mas não ousou perguntar. Era melhor deixar tudo com o médico. 

- Bom, talvez você devesse dar ouvidos a Paul, pelo menos durante algum tempo, e tentar não ficar preocupada. 

- Isso é tudo em que penso, mãe - confessou, com lágrimas rolando pelo rosto e caindo no vestido, enquanto a mãe observava sua angústia. - Eu quero tanto um bebé... e tenho tanto medo de nunca conseguir. 

- É claro que você vai conseguir... - Ela não suportava ver sua filha tão infeliz, especialmente agora, tendo acabado de perder o pai. - Mas existe sempre a possibilidade de adoção, se as coisas continuarem deste jeito. 

- Paul diz que jamais adotará uma criança. Ele quer seus próprios filhos. - Amanda teve de conter a língua para não dizer que Paul parecia não só estar dificultando as coisas, como sendo extremamente dogmático e egoísta. 

- Você pode fazê-lo mudar de idéia. Mas por que não relaxa agora? Aposto que você ficará grávida antes do que imagina. - Jan aceitou, fazendo um gesto afirmativo com a cabeça, mas era claro, pelo seu olhar, que não estava convencida. Ela vinha se preocupando com isto há um ano, e esta preocupação já estava se transformando em pânico. Mas, se algo de bom pudesse ser extraído desta situação, seria o canal que se abrira entre mãe e filha. 

- E quanto a você, mãe? Ficará bem sem o papai? - Esta pergunta fora dolorosa demais. Tanto que os olhos de Amanda se encheram de lágrimas mais uma vez. Ela fez que não com a cabeça e comes ou a chorar abertamente. 

- Não posso nem imaginar a vida sem ele. Nunca mais haverá outra pessoa, Jan. Nunca. Eu não conseguiria. Éramos casados há vinte e seis anos. Mais do que a metade da minha vida inteira. Não consigo nem começar a pensar sobre o que farei agora... como vou acordar todas as manhãs... - Jan abraçou a mãe e deixou-a chorar, desejando poder prometer que tudo ficaria bem, mas ela mesma também não podia imaginar sua mãe vivendo sem ele. Matt era a força vital da família. Ele protegia Amanda do mundo, dizia a ela o que fazer em todas as circunstâncias e, mesmo sendo apenas sete anos mais velho, de alguma forma fora como um pai para ela. - Não vou conseguir viver sem ele - completou, e Jan sabia que esse sentimento era verdadeiro. Mãe e filha continuaram sentadas conversando sobre Matt por mais uma hora, quando finalmente Paul voltou para onde elas estavam. Lou fora embora sem se despedir, depois de começar a chorar ao ver as duas através da janela. Paul tinha coisas a fazer em casa. Eram quase seis horas e, mais cedo ou mais tarde, teriam que deixar Amanda, mesmo que isso fosse doloroso para ela. Tinha de começar a aprender a enfrentar a vida sozinha. 

A figura de sua mãe, parada nos degraus da entrada da casa de Bel Air, vestida com aquele tailleur preto e acenando para eles enquanto se despediam, era tão digna de pena que Jan irrompeu em lágrimas no instante em que dobravam a esquina. 

- Meu Deus, Paul, ela vai morrer sem o papai. - Jan não conseguia parar de chorar ao pensar no pai que se fora, na irmã que a odiava, na mãe que estava sofrendo tanto e no bebé que temia nunca viria a nascer. A sensação era esmagadora. Paul segurou sua mão, enquanto se dirigiam para casa, e tentou consolá-la. 

- Logo ela estará bem. Você vai ver. Olhe para ela. Ainda é jovem e bonita. Diabos, em seis meses, toda Los Angeles estará em sua porta, convidando-a para sair. Talvez até consiga voltar para o cinema. Ela ainda é jovem o suficiente para isto. 

- Ela nunca o faria, mesmo que quisesse, porque sabe que era contra a vontade de papai. Ele a queria para si, e mamãe se submeteu à vontade dele porque o amava. - Paul não ousou dizer que, se isto fosse mesmo verdade, então Matthew Kingston fora o cara mais egoísta que já existiu na face da terra. Mas Paul não falou nada porque sabia que Jan o mataria. - Como é que se atreve a simplesmente sugerir que minha mãe sairia com alguém? Isso é ultrajante. 

- Não é ultrajante, não - disse, calmamente. - É a verdade. Ela tem cinquenta anos, Jan. E foi seu pai quem morreu, não ela. Você não pode estar esperando que ela fique sozinha pelo resto da vida - completou Paul com um sorriso no rosto, o que fez Jan olhar furiosa para ele. 

- É claro que ela não vai sair com ninguém. Pelo amor de Deus, ela não é como seu pai. Mamãe teve o casamento perfeito e amava papai. 

- Então é possível que ela queira se casar de novo. Seria um crime se não o fizesse. 

- Não consigo acreditar no que acaba de dizer - falou Jan, quase perdendo o fôlego. Afastou a mão da dele e o encarou. - Você realmente pensa que minha mãe vai sair com um homem? Você é doente, e não tem respeito por nada. E, além do mais, não conhece minha mãe. 

- É. Acho que não, amor - disse, delicadamente. - Mas conheço as pessoas. - Jan não disse mais uma palavra, e olhou pela janela do seu lado, furiosa com o que o marido dissera, enquanto continuavam a caminho de casa, em silêncio. Jan teria jurado numa pilha de bíblias que sua mãe seria fiel à memória do marido pelo resto da vida. 

 

Amanda Kingston levou as filhas para o Hotel Biltmore, em Santa Barbara, em junho. Paul estava em Nova York, trabalhando nos últimos detalhes da negociação de um filme, e o marido de Louise, Jerry, estava numa conferência que reunia alguns advogados em Denver. Aquela pareceu a oportunidade perfeita para passarem um tempo juntas. Mas assim que chegaram ao hotel e conseguiram finalmente sentar e conversar, as mais jovens perceberam o quanto a mãe estava mal. Ela ainda vestia preto constantemente, os cabelos ficavam presos para trás e não usava qualquer maquiagem, o que lhe dava uma aparência ainda mais séria. E, quando Jan perguntou como estava indo, ela irrompeu em lágrimas e não conseguiu mais parar de chorar.

Esta era uma daquelas raras ocasiões em que as garotas colocavam de lado sua animosidade e se uniam na preocupação com a mãe. Enquanto Amanda ainda dormia, as duas desceram para o restaurante para tomar o café da manhã Juntas naquele domingo.

- Ela deveria ir a um médico. Está deprimida demais - disse Louise, que usava um pancake lilás. - Ela me assusta. Talvez devesse estar tomando comprimidos de Prozac... ou Valium, ou algum outro desses.

- Isso só iria piorar a situação. Ela precisa sair e encontrar os amigos. Estive com a Sra. Auberman na semana passada, que disse não ver mamãe desde o enterro. Já faz cinco meses. Ela não pode simplesmente ficar sentada em casa chorando para sempre.

- Talvez possa - disse Louise, olhando nos olhos da irmã, tentando imaginar, como sempre fazia, se elas teriam qualquer coisa em comum. - Você sabe, é o que papai gostaria que ela fizesse. Se ele tivesse tido tempo de deixar instruções para depois de sua morte, teria deixado ordens para que enterrássemos mamãe junto com ele.

- Isto é um absurdo. - Jan olhou para a irmã mais velha com uma expressão de fúria. - Você sabe como ele odiava ver mamãe triste!

- E você sabe como papai odiava quando ela tinha algum tipo de divertimento além de assistir à nossa aula de bale ou de jogar bridge com as mulheres de seus amigos. Eu acho que, no fundo, ela pensa que isso era o que ele teria desejado. Que ficasse tão arrasada quanto está. Acho que mamãe deveria ir a um psiquiatra - completou Louise, bruscamente.

- Por que não a levamos numa viagem de férias? - Esta pareceu uma boa idéia para Jan, que poderia facilmente tirar uns dias de folga lá na galeria, mas Louise não via como deixar as crianças. - Talvez em setembro, quando as aulas recomeçarem. Nós poderíamos levá-la a Paris.

- Acho que ia ser uma boa - disse Louise, mas quando deram a idéia a Amanda no almoço, esta negou de imediato com um movimento de cabeça, dizendo que não podia.

- Não há qualquer possibilidade de eu viajar para longe agora - disse, com firmeza. - Ainda tenho muita coisa a organizar com relação ao inventário de seu pai. Não quero deixar que isto vire uma pendência eterna em minha vida.

- Mas todas ali sabiam que era apenas uma desculpa. Ela não queria mesmo voltar a frequentar o mundo dos vivos, não sem Matthew.

- Deixe que os advogados cuidem disto, mãe - disse Lou, tentando ser prática. - Isso é função deles. Mudar um pouco de ares vai fazer bem a você.

Amanda hesitou por um longo momento, e então balançou a cabeça enquanto as lágrimas enchiam seus olhos mais uma vez, e foi honesta com elas.

- Não quero. Eu me sentiria culpada.

- Culpada pelo quê? Por gastar algum dinheiro? Você certamente pode pagar uma viagem a Paris. - Aliás, muitas e muitas delas, como todas sabiam. Essa não era a questão. O problema verdadeiro era muito mais profundo.

- Eu simplesmente não, eu não... eu sinto como se não tivesse o direito de fazer algo assim sem o Matthew... Que motivo eu teria para sair e pular de alegria? Para que devo aproveitar a vida? - Ela começou a soluçar, mas era preciso falar, e as meninas continuaram prestando atenção. - Por que ainda estou viva e ele não? É tão injusto. Por que isto tinha de acontecer? - Ela sofria da síndrome da culpa dos sobreviventes, mas não deixara transparecer este sentimento para as filhas até hoje.

- Aconteceu, mãe - disse Jan, com delicadeza. - Simplesmente aconteceu. Não foi culpa sua, ou dele, ou de ninguém. Foi apenas um terrível azar, mas você deve continuar vivendo... por si mesma... por nós... pense nisso. Se não quer ir a Paris, podemos ir a Nova York por alguns dias, ou a San Francisco. Mas você tem de fazer alguma coisa. Não pode simplesmente desistir da vida, mãe. Papai não gostaria que você fizesse isto. - Mas era óbvio, como puderam ver na conversa que tiveram a caminho de casa, que ela não estava Preparada para aquilo. Ainda se sentia tão presa ao luto do marido que era difícil querer continuar vivendo, quanto mais Pensar em fazer qualquer coisa construtiva ou divertida.

- Como está ela? - perguntou Paul ao voltar de Nova York, no domingo à noite. Jan foi buscá-lo no aeroporto.

- Completamente desinteressada da vida e muito deprimida. Lou acha que ela deveria tomar Prozac. Não sei o que eu acho. É como se ela tivesse se enterrado junto com papai.

- Talvez esta fosse a vontade dele. E acho que ela sabe disto.

- Você parece minha irmã falando - disse Jan, olhando pela janela, e depois olhando de volta para ele. - Há uma pergunta que quero lhe fazer. - Jan falou tão solenemente que ele até sorriu. Estava feliz em vê-la depois da viagem para Nova York. Sentira sua falta de verdade.

- Claro. Você quer que eu resolva o problema aproximando-a de papai? Sem problemas. Pode deixar comigo. Ele vai adorar. - Essa idéia era tão ultrajante que Jan até riu, mas, um minuto depois, seus olhos voltaram a ficar sérios. O que quer que fosse, Paul podia sentir que devia ser algo importante para ela.

- Estou pensando em outra coisa - disse ela, meio nervosa, sem ter muita certeza de como trazer o assunto à tona, mas desesperada para convencê-lo.

- Fale logo, Jan. Estou esperando.

- Quero ir ao médico junto com você. Ao especialista. Já faz seis meses desde a última vez em que tocamos no assunto, e nada aconteceu. - Ela falava com certo cuidado e ao mesmo tempo com um ar aterrorizado, mas Paul foi tudo menos compreensivo.

- Cristo! Isso de novo! Você não desiste? Venho trabalhando no melhor contrato de um filme que já apareceu nos últimos seis meses, e tudo em que você pensa é engravidar. Não me espanta que nada tenha acontecido, Jan. Passei mais tempo voando do que em casa. Como pode afirmar que temos algum problema físico? - Para Jan, Paul estava apenas se esquivando. Dava sempre as mesmas desculpas, colocava a culpa em coisas até plausíveis, mas a verdade é que eles haviam tentado mais vezes do que ele poderia admitir e ela não engravidara.

- Eu só quero saber se há algo errado. Talvez nós dois sejamos saudáveis, ou talvez o problema seja comigo. Quero saber, para que possamos lidar com isso. É só. Você acha que é pedir demais? - Seus olhos se encheram de lágrimas, e ele suspirou, olhando para ela.

- Por que você não marca uma consulta com este especialista? E quando chegar lá, provavelmente já estará grávida. - Mas ela já não tinha mais tanta certeza disso. Já fazia mais de um ano e meio desde que começaram a tentar. Até seu ginecologista começou a ficar preocupado, e a fez prometer que iria explorar a fundo o problema. Ela não contou a Paul que tinha ido ao especialista sozinha há três semanas, e que até agora ele não encontrara nada de errado com ela, o que significava que era a vez de Paul.

- Você irá também, depois que eu for?

“Talvez” foi a única palavra de compromisso que ele pôde emitir. Depois disso, Paul ligou o rádio nas alturas, e Jan olhou tristemente pela janela. Não parecia haver muitas esperanças para aquela situação, especialmente por causa da atitude dele.

Em agosto, o especialista confirmara que não havia nada errado com ela, e que ou o esperma dele era incompatível com os óvulos dela de alguma forma, ou talvez o problema, se é que havia um, estava em seu marido. Quando Jan tocou novamente no assunto, Paul ficou furioso. Ele não gostava de se sentir pressionado. Aquele estava sendo um período ruim. Seu grande contrato ia por água abaixo, e ele estava cansado de ter que marcar hora para fazer sexo e depois ter de aguentar a histeria de Jan duas semanas depois, quando ela descobria que não estava grávida.

- Esqueça isto por um tempo! - gritou ele, certa noite, quando Jan tentou convencê-lo a fazer amor porque estava no período fértil.

Foi então que decidiu sair para tomar um drinque com o pai. Jack estava namorando alguém, uma actriz conhecida, o que o levava de volta às páginas dos jornais.

Mais do que nunca, Jack desejava que o filho viesse trabalhar com ele, o que parecia estar absolutamente fora de questão. Paul sentia como se todas as pessoas em sua vida estivessem exigindo algo dele.

Em setembro, Louise e Jan tentaram novamente falar com Amanda sobre a viagem, mas não obtiveram sucesso. Ela perdera sete quilos, estava magra demais, continuava deprimida e sem rumo na vida. Em dezembro, ambas as filhas entraram em pânico.

- Temos que fazer alguma coisa - disse Jan ao telefone para Louise, certa tarde, duas semanas após o Dia de Ação de Graças, que foi um desastre. Sua mãe chorara durante toda a refeição, e estava com uma aparência tão desoladora que aquilo começava até a irritar as filhas. - Não consigo mais aguentar esta situação.

- Talvez devêssemos deixá-la sozinha - disse Louise, filosofando. - Talvez prefira viver desta maneira pelo resto da vida. Quem somos nós para decidir o contrário?

- Somos suas filhas, não podemos simplesmente deixá-la vivendo deste jeito. Eu não deixarei.

- Então pense em alguma coisa. Ela não quer ouvir nada de mim. Nunca quis. Você é a preferida. Vai todos os dias à casa dela e dissolve comprimidos em seu suco de laranja. Acho que ela tem o direito de viver do jeito que quiser.

- Louise, pelo amor de Deus! Ela está morrendo - disse Jan, começando a entrar em desespero. - Você não consegue ver o que está acontecendo? Ela desistiu completamente da vida. Ela pode ter morrido junto com papai.

- Eu não tenho todas as respostas, Jan. Ela é adulta, e não sou psiquiatra. E, francamente, já estou farta de vê-la sentindo pena de si mesma. Odeio olhar para ela, odeio ouvir sua voz. Sua vida é patética, mas ela adora. Está nadando em culpa porque está viva, e papai, não. Então vamos deixá-la de lado. Talvez, de alguma forma mórbida, ela esteja feliz.

- Não deixarei que afunde desta maneira - insistiu Jan.

- É impossível trazê-la de volta à vida, Jan. É preciso ela querer, e não é o caso. Admita. Pelo menos uma vez na vida, ela está no controle, e talvez queira continuar vivendo assim. Pelo menos papai não está mais dizendo a ela o que fazer.

- Você fala como se ele fosse um monstro - reclamou Jan.

- Às vezes era. Pelo menos comigo.

Como sempre, as irmãs não concordavam em nada.

Na semana anterior ao Natal, Paul e Jan receberam um convite de Jack para ir à festa de fim de ano na Julie's, mas Jan não andava muito animada para este tipo de coisa, pelo menos este ano. Paul ainda se recusava a ir ao especialista, o que fazia com que ela ficasse deprimida. Além de cada vez mais preocupada com a mãe. Mas Paul argumentou que seu pai ficaria magoado se eles não fizessem um esforço de pelo menos dar uma passada na festa.

- Por que você não vai sem mim? - perguntou Jan, na manhã do dia da festa. Ela não estava com a mínima vontade de ir. - Eu prometi a mamãe que iria visitá-la esta tarde, e provavelmente me sentirei ainda pior depois de vê-la. - Amanda estava escorregando directo para o fundo do poço, e isso estava levando Jan à loucura. Ela se sentia impotente por não conseguir tirá-la deste estado.

- Por que não convida sua mãe para ir com você? - sugeriu Paul, de improviso, enquanto se arrumava para sair Para o trabalho. Jan olhou para ele profundamente irritada.

- Você não ouviu nada do que eu disse este ano inteiro? Ela está deprimida, perdendo peso, e não está saindo com ninguém. Sua posição é sentada, esperando a hora da morte, será que não entende? Você acha realmente que ela iria a uma das festas de arromba do seu pai? Deve estar sonhando.

- Talvez essa ida acabasse fazendo bem a ela. Pelo menos, convide-a. - Ele disse isto com um sorriso maroto, e Jan quis atirar alguma coisa em cima dele. Paul não conseguia entender.

- Você não conhece minha mãe.

- Só dê a idéia.

- Eu poderia também pedir a ela que tirasse toda a roupa e saísse correndo nua pelas ruas de Bel Air.

- Pelo menos os vizinhos iam adorar. - Mesmo deprimida, Amanda ainda continuava com uma aparência espetacular. Paul tivera até a idéia maluca de convidá-la para participar de seu próximo filme, mas teve medo de pedir a opinião de Jan. Ele já sabia o que ela iria dizer. - Bom, diga que meu pai ficaria feliz se ela fosse. A presença dela traria um ar de respeitabilidade à loja - provocou Paul, dando um beijo de despedida em Jan, que, mesmo sem querer, deixou-se beijar. Ela estava extremamente chateada com o marido porque ele insistia em não querer marcar a consulta com o médico, numa tentativa de descobrir o que os impedia de ter filhos. Jan já estava começando a acreditar que jamais haveria uma criança em suas vidas. De certa forma, andava quase tão deprimida quanto a mãe, apenas não demonstrava. Sentia-se tão mal quanto ela na maior parte do dia.

Mas, quando viu Amanda naquela tarde, seu coração se partiu em mil pedaços de tanta pena que sentiu. Ela estava mais magra, cansada e pálida e parecia que não tinha mais qualquer motivo para continuar vivendo. Aos cinquenta, Amanda sentia como se sua vida tivesse acabado. Jan tentou de tudo, sugeriu de tudo um pouco, tentou persuadi-la, implorou, ameaçou-a, disse que se ela não começasse logo a juntar os pedaços e voltasse a agir como uma pessoa normal, ela e Louise viriam e ficariam com ela ou a arrastariam para fora de casa se fosse preciso.

- Vocês duas têm coisas melhores para fazer com seu tempo do que ficar se preocupando comigo. Como está indo o novo filme de Paul? - Ela sempre mudava de assunto para outro completamente diferente. No fim da tarde, Jan estava tão chateada que começava a sentir raiva da mãe.

- Sabe? Você está conseguindo me deixar realmente com raiva. Você tem tanto a agradecer... Uma boa vida, uma linda casa, duas filhas que a amam... E tudo o que faz é ficar sentada aqui, sentindo pena de si mesma e chorando por causa de papai. Você não nos ama, mãe? Será que não consegue parar de pensar em si mesma pelo menos por um momento? Será que não está vendo o quanto estamos preocupadas? Cristo, isto é tudo em que venho pensando ultimamente. Nisto e no fato de que nunca terei filhos. - E, sem querer, Jan começou a chorar. Sua mãe abraçou-a e pediu desculpas pela dor e pela preocupação que estava causando a elas. As duas estavam chorando, mas pelo menos desta vez as coisas que Jan disse serviram como catarse, e Amanda pareceu recobrar ligeiramente as forças. - Você nem usa mais maquiagem, mãe. Não se veste bem. Seu cabelo está horrível. - Aquele modo honesto de falar fez bem a Jan, e pela primeira vez Amanda riu por entre as lágrimas e olhou-se no espelho com olhar crítico. E o que viu não a agradou. O que ambas viam no espelho era uma mulher bonita, triste, pálida e desarrumada. E, de repente, Jan decidiu tentar a tática de Paul. Falou para a mãe sobre a festa de Jack na Julie's aquela noite.

- Ir aonde? À loja? - Como Jan previra, Amanda ficou horrorizada com a sugestão. Isto é loucura.

- Loucura é o que você tem feito consigo mesma nesse ultimo ano. Vamos, mãe, faça isso por mim. Ponha um vestido qualquer e alguma maquiagem e iremos juntas. Isto deixaria Paul muito feliz.

- Eu saio para jantar com vocês dois um dia desses. Ele vai gostar. Levo vocês ao Spago's.

- Quero que você saia comigo agora. Você não precisa ficar muito tempo. Cinco minutos. Faça um esforço. Por mim... por Lou... por papai... ele não gostaria de ver você assim, mãe. De verdade. - Ela quase prendeu a respiração ao olhar para a mãe. Estava absolutamente certa de que não haveria qualquer possibilidade de a mãe sair com ela, mas Amanda ficou pensativa, observando-a por alguns instantes, incerta.

- Você realmente acha que seu pai desejaria que eu fizesse isto? - perguntou ela e Jan fez que sim com a cabeça. Era impressionante o quanto aquilo ainda significava para ela.

- Acho, mãe. - Era mentira, mas ela quis que a mãe acreditasse naquilo. E então, concordando lentamente com a cabeça, Amanda deu meia-volta e foi em direcção ao quarto, enquanto Jan a seguia, espantada. Nem ousou perguntar à mãe o que estava fazendo. Mas Amanda caminhara até o closet, e Jan pôde ouvi-la mexendo nos vestidos e afastando os cabides. Foram necessários cinco minutos para que ela reaparecesse, carregando um vestido preto.

- O que você acha deste? - perguntou, ao que Jan abriu os olhos, esbugalhados, não conseguindo acreditar que tinha conseguido. Finalmente conseguira desarmar a mãe e, de alguma forma, conseguira forçá-la a sair de casa e do luto do marido. Era mais do que surpreendente.

- Acho um pouco fechado demais, você não acha? - Ela seguiu a mãe de volta ao closet, temendo desencorajá-la de vez, mas o vestido era realmente deprimente. - O que acha deste? - Apontou para um vestido púrpura que sabia que a mãe adorava, mas isso a fez lembrar de que o marido também o adorava, o que a fez dizer que não para Jan na mesma hora em que apontou para ele. Em vez disso, escolheu um vestido de lã azul-marinho que sempre ficara apertado, mas que agora lhe caía perfeitamente bem, e ainda era mais jovial do que o primeiro. Era, de certa maneira, tão distinto quanto ela. E, quando experimentou o vestido e se olhou no espelho, percebeu que estava com a mesma aparência da estrela de cinema que um dia fora. Calçou um par de sandálias de salto alto azul-marinho, colocou um par de brincos de safira e escovou o cabelo para trás, enrolando-o no coque fofo que fora sua marca em muitas das fotografias que tirou. Colocou tão pouca maquiagem que Jan nem conseguia vê-la. - E se você colocasse um pouco mais de maquiagem? O que acha? - Amanda olhou para si mesma, se analisando, e concordou.

- É. Talvez um pouquinho mais. Também não quero ficar parecendo uma prostituta.

- Acho que para isso seria preciso muito mais produção do que esta aqui, e acho que não teríamos tempo suficiente para isso. - Jan sorriu satisfeita ao olhar para a mãe. Ela estava lindíssima. Agora sim parecia a mulher que ela conhecera e amara por toda a vida, não o espantalho que se tornara neste último ano, enquanto chorava pelo marido.

- O que você acha? - perguntou Amanda, meio nervosa. - Esta sou eu mesma ou a trapalhona que vinha tomando conta de mim? - Algumas lágrimas brilharam em seus olhos.

- É você mesma, mãe - respondeu Jan, também com lágrimas nos olhos, grata aos deuses que finalmente a convenceram. - Oh, Deus, eu amo você - disse ao abraçá-la. Amanda assoou delicadamente o nariz num lenço, retocou o batom mais uma vez com mãos experientes, e então colocou algumas coisas de que iria precisar em uma bolsa de mão azul-marinho. Então olhou para a filha com admiração. Jan estava usando um vestido de lá vermelho que amava e que usava todo Natal. Paradas lado a lado de vermelho e azul, as duas pareciam quase irmãs.

- Você é uma óptima garota, Jan, e eu amo você - suspirou ela e as duas partiram em direcção à porta da frente. Amanda ainda não podia acreditar que Jan conseguira convencê-la a fazer isto, mas agora estava determinada a ir. - Nós não vamos ficar muito tempo, vamos? - perguntou, ainda nervosa, ao pegar um casaco de pele que estava pendurado no closet perto da porta. Ela não o usava desde o funeral do marido, mas evitou pensar nisso agora. Estava fazendo aquilo pela filha. - Não quero ficar mais do que cinco minutos.

- Trago você em casa a hora que quiser, mãe. Prometo.

- Então, tudo bem - disse, parecendo surpreendentemente jovem e vulnerável ao seguir Jan até a porta. Como se estivesse dizendo adeus a alguém que não se encontrava ali, deu uma olhada por cima dos ombros durante alguns instantes, fez uma pausa, e então fechou a porta calmamente atrás dela.

 

Os preparativos para a festa na Julie's começaram de manhã bem cedo. Havia arranjos com flores nas portas e enfeites nas janelas. A loja foi fechada às quatro em ponto. Havia lá dentro uma linda árvore de Natal, toda decorada em prata. Jack ficou encantado ao vê-la.

- Sei que elas não são mais politicamente corretas. Mas adorei. Esta em particular está uma beleza. - Jack deu uma olhada em volta e viu que a loja estava toda brilhando. Havia três bares espalhados pelo local e muito champanhe francês gelando na cozinha. Ele contratara quatro músicos para tocar e manter o clima de festa, não necessariamente para dançar. Estavam aguardando umas duzentas pessoas. Esta era uma de suas festas mais exclusivas, apenas para os clientes mais especiais e uma lista de celebridades que ele sabia que iriam; uns tipos que não costumavam participar em muitos acontecimentos assim, mas que sempre iam às festas de Jack. Todos o amavam, e também as festas na Julie's.

- E aí, Gladdie, o que você está achando de tudo? - Perguntou Jack, dando mais uma olhada na loja pela última vez antes de ir se arrumar. Ele comprara um novo terno Armani para a ocasião.

- Para mim, está tudo óptimo, Jack. Muito bom - disse ela, admirando todos os detalhes. Gladdie adorava as festas dele. Eram sempre o máximo.

- Fique de olho em tudo por aí. Vou subir e me trocar - disse e desapareceu elevador adentro. Quando voltou, vinte minutos depois, mais parecia um modelo de capa de revista. O terno era azul-escuro, nada formal, e o modo como o vestia fazia parecer um modelo masculino.

- Muito bonito - disse Gladdie, num tom de voz abaixo do seu, quando ele voltou para o térreo. - Você está maravilhoso. Tem alguma companhia para hoje à noite? - perguntou, com interesse. A última estrela passara em suas mãos várias semanas atrás, e ela sabia que atualmente ele estava cercando uma modelo muito conhecida.

- Pelo menos uma dúzia delas - riu. - Infelizmente, Starr foi a Paris hoje de manhã. Mas fez com que eu convidasse sua irmã.

- Uma atitude muito generosa da parte dela... ou muito estúpida... - comentou Gladdie, com um sorriso irónico.

- Acho que ela tem um amigo em Paris - sorriu, sentindo-se de bem com a vida, e livre. Era assim que ele gostava que as coisas fossem.

- As crianças vêm à festa hoje? - perguntou Gladdie e pegou uma taça de champanhe assim que os primeiros convidados começaram a entrar pela porta. Elizabeth Taylor acabara de chegar, acompanhada por Michael Jackson. Barbara Streisand e um amigo vinham logo atrás.

- Eles disseram que tentariam vir - respondeu Jack, de maneira casual, enquanto ia cumprimentar seus convidados. Meia hora depois, o lugar fervilhava. A música gerava um ambiente festivo, as celebridades circulavam livremente, e do lado de fora os fotógrafos tentavam registrar alguma cena com suas câmeras. Jack jamais deixaria que entrassem no prédio. Ele queria que todos relaxassem e aproveitassem a festa, sem medo da imprensa, dos tablóides ou das câmeras.

Eram quase sete horas quando Jan e Amanda chegaram à Julie's. Jan entregou o carro para o manobrista e se encaminhou com a mãe para a porta de entrada. Ela ficara preocupada no caminho com a possibilidade de Amanda entrar em pânico de repente e mudar de idéia. E os fotógrafos que voaram em cima delas em sua chegada quase conseguiram que isso acontecesse. Mas Jan empurrou-a para dentro da loja o mais rápido que pôde. Assim que entrou, Amanda se sentiu sufocada e um pouco sobressaltada. Era tudo tão deslumbrante, tão festivo e tão cheio. Havia rostos que podia reconhecer por toda parte. Duas das atrizes com as quais trabalhara anos atrás repentinamente correram até ela e a abraçaram com fervor. Estavam obviamente encantadas em vê-la e queriam saber tudo o que vinha fazendo. Ela conseguiu contar sobre Matt sem se abalar, e acrescentou que aquela era a primeira vez que saía desde a morte dele. E de uma distância pequena, enquanto se dirigia até Julie, sua cunhada, Jan observava a mãe com orgulho.

Do outro lado da sala, de onde conversava com um grande amigo, Jack olhou para elas, surpreso.

- Não acredito... - sussurrou, prendendo a respiração, e pediu licença para ir cumprimentar Jan. - Seria rude de minha parte dizer que eu estou impressionado? - murmurou para ela, olhando para Amanda. Jan riu ao responder.

- Não tão impressionado quanto eu. Eu venho tentando tirá-la de casa o ano todo. Esta é a primeira vez que mamãe sai desde a morte de papai, e provavelmente a primeira vez que ela vai a uma festa dessas desde que abandonou o cinema.

- Sinto-me honrado - disse Jack, e parecia estar sendo sincero. Esperou pacientemente Amanda acabar sua conversa, e então foi até ela e agradeceu sua vinda. - A Julie's nunca mais será a mesma depois disso - sorriu para ela. - Você finalmente nos deu a distinção que sempre achei que merecíamos, mas que jamais conseguiríamos alcançar sem a sua presença. - Ele a estava provocando, mas só um pouquinho.

- Duvido, Jack. É bom ver você. A festa está linda. Já encontrei velhos amigos por aqui.

- Garanto que estão todos felizes em ver você. É preciso que volte mais vezes. Faremos uma festa toda vez que quiser vir fazer compras. - Ele parecia estar de bom humor, e Amanda aceitou uma taça de champanhe de um garçom que passava. Ao fazer esse movimento, Jack reparou que a mão dela tremia um pouco. Mas não havia qualquer outra indicação de que estivesse nervosa. Ela era extremamente bem-educada, e, ao contrário de algumas de suas colegas de cinema, conseguia ser ao mesmo tempo bonita e distinta. - Você está linda, Amanda - disse ele, torcendo para não ter soado muito ousado, mas era impossível não admirar sua aparência em qualquer lugar, mesmo num lugar repleto como esse. E no meio de vestidos de lantejoulas e cetim, sua roupa bem-cortada de lã azul-marinho e seus brincos de safira faziam-na ficar ainda mais espetacular do que as outras. - Você está indo bem? - perguntou ele, educadamente.

Ela hesitou por um instante.

- Mais ou menos - disse honestamente, com um sorriso triste. - Este ano tem sido bastante difícil. Olhando para trás, acho que tenho sorte em ter sobrevivido. - E ela estava sendo sincera.

- Já passei por isso uma vez - disse ele, pensativo, lembrando-se repentinamente de Dori. Era a segunda vez que Amanda o fazia se lembrar dela, mais devido às circunstâncias do que qualquer semelhança física. Talvez a semelhança estivesse nos sentimentos.

- Pensei que você fosse divorciado - disse Amanda, confusa. Neste momento, as pessoas em todo o salão a reconheciam e apontavam discretamente para ela... olhe... ali... é Amanda Robbins... será que ela está em algum filme?... não a vejo há anos... ela está fabulosa... você acha que ela fez plástica?... a mesma óptima aparência... A sala começava a ecoar um burburinho, o qual Amanda ignorava solenemente. Ela era dona de uma presença e pose incríveis.

- Eu sou divorciado - disse Jack, calmamente, explicando por que dissera aquilo. Em seu terno escuro, parado junto a ela, mais parecia seu acompanhante. - Mas uma amiga minha íntima morreu há treze anos. Não foi o mesmo pelo que você passou, mas foi muito ruim. Ela era uma pessoa muito especial.

- Sinto muito - disse Amanda, gentilmente, com um olhar que o atingiu como uma flecha em chamas, acendendo algo que assustou-o assim que começou a sentir. Por trás da fachada de gelo havia uma mulher poderosa, com um magnetismo fora do comum. Por incrível que pareça, depois de um ano agonizante, ela parecia mais viva aos seus olhos do que quando estava com Matthew. Mas antes que pudesse dizer qualquer outra coisa para ela, Jack foi chamado para resolver um problema de menor importância com a lista de convidados. Duas estrelas de grande magnitude apareceram na porta, sem ter sido convidadas. Jack disse aos seguranças para deixar que elas entrassem, mas logo depois foi levado por algum outro motivo por Gladdie. Neste momento, Jan foi checar se estava tudo bem com a mãe.

- Como vão as coisas, mãe? Tudo bem? - Ela rezava para que Amanda não quisesse ir embora logo. Jan achava uma boa que ela ficasse mais um pouco, e, além do mais, a festa estava perfeita.

- Estou óptima, querida. Obrigada por ter me trazido. Não via algumas dessas pessoas há anos, e Jack está sendo muito gentil. - Esse comentário era quase uma desculpa pelas coisas que dissera a seu respeito nos últimos três anos. Mas é que ele estava muito mais respeitável agora do que antes, e bastante à vontade em seu próprio ambiente. Ela teria odiado admitir, mas estava quase começando a gostar dele. - A que horas Paul vai chegar?

- A qualquer momento, espero. Ele estava numa reunião.

Pouco tempo depois, Gladdie avisou que havia uma chamada ao telefone para Jan. Era Paul. A reunião parecia que nunca mais ia acabar, mas ele prometeu que estaria lá assim que terminasse.

- Você não vai adivinhar quem está aqui - disse ela, com a voz animada e maliciosa. Paul riu na mesma hora. Jan estava com um humor muito melhor do que vinha tendo há semanas e ele ficou feliz em ouvi-la. A tensão entre eles estava se tornando muito estressante.

- Conhecendo meu pai como conheço, poderia ser qualquer um. Tom Cruise... Madonna...

- Melhor do que isso - ela sorriu ao segurar o fone. - Amanda Robbins.

- Você conseguiu levá-la até aí? Bom trabalho, garota. Estou orgulhoso de você. Como está se saindo?

- Ela conhece praticamente todos os que estão aqui, e está linda. Ela ajeitou o cabelo, colocou um pouco de maquiagem e, num passe de mágica, a estrela de cinema estava de volta. Eu queria ter a aparência dela.

- Você tem os genes dela, amor. Nunca se esqueça.

- Eu amo você - disse, sensibilizada pelo modo como Paul dissera aquilo, mesmo que estivesse apenas sendo gentil.

- Só não deixe meu pai se aproximar dela, já que está tão maravilhosa. Esta é uma dor de cabeça que não precisamos arrumar. Ela nunca mais falaria comigo, nem você.

- Não acho que ela corra perigo - Jan riu do que Paul acabara de dizer. - Mas ele está sendo óptimo com ela. O lugar está lotado e seu pai anda bastante ocupado. Algumas celebridades chegam a todo momento querendo penetrar na festa.

- Aposto que todas mulheres. Pobre papai. Elas provavelmente irão comê-lo vivo e arrancar seu terno fora... a vida é dura com alguns de nós. Este é meu pai. Bom, querida estarei aí o mais rápido que eu puder. Aguente firme. Ligarei ao sair do escritório.

- Até logo, então. - Esta fora a conversa mais tranquila e amigável que os dois tiveram em semanas. Quando Jan procurou sua mãe novamente, viu que ela estava conversando com Jack mais uma vez, e decidiu deixá-los sozinhos. Não seria tão ruim assim se eles fossem amigos, no final das contas, e parassem de reclamar um do outro. À distância, enquanto conversavam, Jan pôde ver que sua mãe estava rindo, e Jack parecia bastante interessado.

Ele estava contando suas viagens à Europa para comprar tecidos. Disse o quanto detestava Milão e que preferia Paris. E os dois trocaram experiências vividas na Claridge's, em Londres. Eles pareciam grandes amigos.

Jan saiu de onde estava e foi bater papo com algum conhecido, e mais uma hora se passou quando Paul ligou de novo, mas desta vez ele estava exausto. A reunião não saíra como o esperado, e quando ele desceu para ir embora, descobriu que seu carro fora rebocado, e que não tinha como ir para a festa senão chamando um táxi. Queria que Jan fosse buscá-lo, e, em troca, prometeu que a levaria para jantar fora. Era realmente muito tarde para que tentasse chegar na festa.

- Mas e quanto a mamãe? Não posso simplesmente deixá-la aqui - disse, preocupada.

- Por que você não pede a papai para colocá-la em um táxi? Ele deve até ter uma limusine ou duas a seu serviço aí fora. Geralmente faz isso para grandes estrelas que precisam de uma carona para algum lugar. Peça a ele.

- Está bem. Vou tentar. Mas se ela der um ataque, ligo para você. Talvez tenha que levá-la em casa. Do contrário, estarei aí em dez minutos.

- Venha logo - disse ele, com firmeza. - Tive uma tarde horrível e quero ver você. - Um jantar em algum restaurante tranquilo e fino pareceu uma boa idéia para ela também. Jan começou a torcer para que a mãe aceitasse a idéia de Jack a colocar num táxi ou numa limusine.

Quando os encontrou novamente, ainda juntos num canto da sala, Jan explicou a situação e, por um instante, a mãe pareceu entrar em pânico. Mas Jack tomou a frente antes que Amanda pudesse dizer qualquer coisa à filha.

- Paul está certo. Tenho dois carros à minha disposição aí fora. Na hora em que sua mãe quiser ir, peço que um deles a leve. O que você acha? - perguntou, virando-se para Amanda, que ainda estava assustada pelo facto de Jan a estar abandonando, mas ao mesmo tempo não querendo ser um estorvo para a filha.

- Eu... está bem... Você nem precisa se preocupar, Jack. Posso pegar um táxi. Estou a um pulo de casa. Chamarei um táxi.

- Não - disse ele, tranquilo, mas firme. - Você vai de limusine. Não é bom ficar rodando a esta hora de táxi. - Amanda riu diante de tanta decisão e da demonstração de cuidado, e concordou em ir de limusine. Na verdade, ela começou a manifestar o desejo de ir embora, mas Jack ficou tão desapontado que Amanda se constrangeu e concordou em ficar mais um pouco. Ela estava se divertindo de verdade. Matthew sempre odiara festas, e eles raramente iam a uma.

Jan deu um beijo de despedida na mãe e foi pegar o carro para buscar Paul. Jack não deixou que nada faltasse para Amanda, providenciando para que ela estivesse sempre bebendo algo, que um prato de hors d'oeuvres estivesse sempre à sua disposição, que fosse apresentada a seus amigos e que se sentisse completamente à vontade na festa. Ela ficou chocada ao perceber que era uma das últimas a sair, e já eram quase oito e meia.

- Que vergonha... você vai ter que me chutar porta afora para se ver livre de mim - disse ela, se desculpando, e estendeu a mão para cumprimentá-lo, mas ele insistiu em levá-la pessoalmente até em casa na limusine.

- Não seja boba, Amanda. Não é trabalho algum. Nós somos uma família. Além disso, é óptimo ter a chance de jogar conversa fora depois de todos esses anos. Isso me dará um enorme prazer.

Não havia como convencer Jack a deixar Amanda ir sozinha para casa e, ao sair, ele passou todas as instruções necessárias para Gladdie. A festa tinha acabado e os amigos com os quais combinara sair para jantar já tinham ido embora sem ele. Jack se desculpara, dizendo que provavelmente iria encontrá-los mais tarde, ou não, mas que não ficassem esperando porque poderia surgir algum outro programa. E ele não tinha nenhuma outra obrigação com ninguém. Quando estavam dentro do carro, já na Rodeo Drive, ele perguntou casualmente se ela não gostaria de parar em algum lugar para comer alguma coisa, nem que fosse apenas um hambúrguer ou uma salada. Seria uma óptima oportunidade de conversarem a respeito dos filhos. Ela hesitou, argumentando que devia realmente ir para casa, mas a verdade era que não havia ninguém lá que justificasse sua presença. E estava com um pouquinho de fome. Jack conseguiu convencê-la com o argumento certo. Ela estava preocupada com Jan e Paul ultimamente, e começou a se perguntar se ele não teria notado também alguma tensão entre eles. Talvez esse fosse mesmo o motivo de ele querer jantar com ela. Assim deduziu, decidindo que seria uma boa idéia, e aceitou o convite de bom grado.

Jack deu instruções ao motorista para levá-los ao Ivy, na North Robertson. E, no restaurante, conhecendo-o como ninguém, o maitre colocou-o numa mesa de canto, num local bem tranquilo. George Christy também estava lá, com um grupo de amigos, e acenou quando viu Jack. Seus olhos se esbugalharam ao notar que ele estava acompanhado de Amanda Robbins.

Pediram massa e salada e Jack puxou novamente assunto para preencher o vazio que se interpusera entre eles. Assim como ocorrera na loja, ele falou sobre uma grande variedade de coisas, pintura, arte, viagem, literatura, teatro. Ele era impressionantemente bem-informado e bom de papo, e ela percebeu logo que ele não era o homem metido a conquistador que pensava que fosse. Finalmente, quando a comida chegou, abordaram o assunto dos filhos.

- Você acha que eles estão bem? - Jack parecia preocupado, mas perfeitamente à vontade. A esta altura, eles seriam capazes de falar de qualquer assunto.

- Não sei - respondeu Amanda, honestamente. - Tenho estado preocupada com eles há algum tempo, mas acho que não fui de muita ajuda para Jan. Estive tão trancada em mim mesma no último ano, que me sinto como se tivesse pecado por omissão como mãe.

- Isso não faz o menor sentido - disse ele, gentil. - Este foi o tempo de que precisou para si mesma. Não se pode estar disponível o tempo todo. Tenho certeza de que Jan entendeu sua postura. Ela é uma óptima garota... Só espero que Paul a esteja tratando bem. Ela não parece muito feliz.

Amanda suspirou, sem querer revelar uma confidência, mas ansiosa por compartilhar o que sabia com o pai de Paul. Esta era a oportunidade perfeita para ajudar seus filhos.

- Eu não gostaria de ter que revelar um segredo, Jack, mas acho que ela está muito chateada porque não consegue engravidar.

- Achei que este deveria ser o problema - disse ele, olhando para Amanda, pensativo. - Será que estão se esforçando para conseguir? Paul nunca me fala nada.

- Pelo que sei, já faz dois anos que eles tentam. Isto pode ser muito desgastante.

- Ou pode significar muita diversão, dependendo do modo como você encara a situação - completou, com irreverência, e ela riu sem querer. Mas depois os dois voltaram a ficar sérios.

- Não parece que eles estejam se divertindo, ainda que hoje ela parecesse melhor do que o que vinha transparecendo nestes últimos tempos. Parecia uma adolescente quando saiu para buscar Paul.

- Talvez estivesse apenas aliviada por ver você se sentindo melhor - disse ele, sempre gentil, e Amanda concordou.

- Talvez. Mas da última vez que soube algo sobre o assunto, ela já estava tentando convencer Paul a ir a um especialista há um ano, mas ele sempre se recusa.

- Então a coisa é séria. Essa é uma péssima notícia. Você acha que há alguma possibilidade de ele ter ido se consultar com um especialista ultimamente?

- Acho que não, mas sei que Jan foi.

- E?

- Não sei de todos os detalhes - admitiu Amanda. - Mas sei que eles não estão conseguindo a gravidez. Pelo menos, acho que não.

- Eles teriam nos contado se estivessem. Este é um problema angustiante. Eu andei provocando Paul uma vez ou outra... grande idiota que sou... e agora, é claro, percebo que não deveria ter brincado com isso. Será que eu conseguiria puxar esse assunto com ele? - E se perdeu em seus próprios pensamentos.

- Acho que ele se preocupa muito com seu trabalho - disse Amanda, sendo sincera. Paul tinha se tornado uma pessoa chegada nos últimos três anos, assim como Jan ficara amiga de Jack. Eram óptimas pessoas.

- Paul se preocupa com tudo - disse Jack, franzindo o cenho. - Ele é esse tipo de pessoa. É por isso que é tão bom no que faz, e vai ser um grande peso na indústria cinematográfica um dia. Ao contrário de seu pai, que produziu alguns dos piores filmes a que Hollywood jamais assistiu. Superados apenas pêlos filmes nos quais atuei. Sou muito melhor com vestidos femininos.

- Tenho certeza de que está sendo modesto - riu Amanda, e então disse a ele o quanto gostara da loja. - É linda, Jack. Tenho que voltar um dia à tarde para fazer compras. - Ela gostou do que vira lá, e para sua surpresa gostara dele também. Ele era inteligente, interessante e uma óptima companhia. A noite passou como um raio. Quando saíram do restaurante, Jack prometeu que falaria com Paul a respeito da ida ao especialista com Jan.

- Ele provavelmente não vai gostar que eu me meta, mas vou tentar.

- Eu ficaria extremamente grata se fizesse isto - disse ela, enquanto eles entravam na limusine.

- Manterei você informada sobre o que acontecer - prometeu. - Pense bem. Se dermos a cartada certa, poderemos ser avós nesta mesma época, ano que vem. Eis algo em que ainda não havia pensado. Vou fazer sessenta anos logo após o Natal. Seria muito ruim não adicionar mais netos à minha lista... para um homem como eu, isto poderia destruir completamente minha reputação. - Ela gostava do modo como Jack fazia graça daquilo, e não pôde evitar rir com ele. Depois, num momento de seriedade, ele falou novamente de Dori, do quanto ela significara, e do facto de nunca ter desejado se envolver seriamente com ninguém desde então. - É muito doloroso - disse ele, honestamente. - Não quero gostar de ninguém desse jeito, exceto de meus filhos. Quando a mulher que está na minha vida vai embora, faço questão de acenar em despedida e esquecê-la. Não quero ficar chorando por dois anos e lembrando dela pelo resto da vida com tristeza. Não tenho mais forças para isso.

- Talvez a pessoa certa ainda não tenha aparecido novamente, Jack - disse ela, com ternura, pensando em Matthew. Ela também não podia se imaginar amando ninguém de novo, e disse isso.

- Com você é diferente - disse ele, tentando ser do. - Você foi casada por vinte e seis anos. Não esteve ciscando aqui e ali como eu. Eu vinha apenas me divertindo, e isso é tudo o que quero. Você deveria tentar viver com outra pessoa, se é o que deseja, depois de procurar por algum tempo. Faz tempo que você não se distrai. Pode acabar gostando.

- Duvido - disse, honestamente. - Não consigo me imaginar marcando encontros de novo, Jack. Não depois desses anos todos. Minha hora já passou.

- Nunca se sabe o que pode acontecer na vida, ou quem pode aparecer. De alguma forma, a vida nos dá presentes quando menos esperamos, ou um bom chute na bunda. Tanto faz. Mas nunca é como você espera que seja.

Ela concordou, sorrindo ao ouvir o que ele acabara de dizer. Havia um pouco de verdade naquilo. Então, ela olhou para Jack e lhe fez uma pergunta.

- Como era a mãe de Paul? - Ela lhe fora apresentada rapidamente no casamento, o que não fora o suficiente para conhecê-la de facto. Havia tantas coisas a organizar, tantos convidados, tantos detalhes importantes.

- Barbara? - Ele pareceu ficar surpreso com a pergunta. - Ela era um monstro. Na verdade, ela foi a pessoa que me curou da doença de querer casar. E tenho certeza de que diria a mesma coisa de mim, se você perguntasse isso a ela. Excepto, é claro, pelo facto de ter sido estúpida o suficiente para se casar de novo. Mal consigo me lembrar de ter sido casado com ela, felizmente. Ela me deixou há dezenove anos. Ano que vem, estou planejando uma festa para comemorar o vigésimo aniversário de minha independência. - Os dois começaram a rir com o comentário de Jack.

- Jack Watson, você é terrível e irreverente. Tenho certeza de que, se a mulher certa aparecesse, você se casaria com ela no mesmo instante. Só que anda muito ocupado caçando estrelas e modelos para poder encontrá-la.

- Como sabe? - perguntou, fingindo inocência, sem seguir enganar a ninguém, muito menos Amanda.

- Eu leio os jornais - disse ela, presunçosa, e ele fez o chame parecer envergonhado por um instante.

- Bem, mesmo que isso seja verdade, posso assegurar que se eu conhecer a Senhora ou a Senhorita Perfeita, procurarei o prédio mais alto e me lançarei ao solo imediatamente. Aprendi minha lição. Estou sendo honesto com você, Amanda. Eu não conseguiria.

- É como me sinto agora, ainda que por motivos diferentes. Mas, felizmente, este não é um problema que eu tenha que encarar pelo menos por ora - disse ela, suspirando longamente. Seguiram até à porta da casa de Amanda, e ela se virou para agradecer-lhe. - Adorei a noite, Jack, Obrigada por tomar conta de mim tão bem e por me levar para jantar e conversar sobre as crianças. - Ele ficou meio surpreso ao ouvir aquilo. Então sorriu e concordou.

- Ligarei para você para contar o que Paul disser - reiterou e ela agradeceu mais uma vez. Abriu a porta, entrou e fechou-a atrás de si. Pôde ouvir a limusine indo embora enquanto acendia a luz, e ficou surpresa ao perceber como estava errada a respeito dele. Claro que ele era mulherengo, mas isso não era nenhum segredo, só que havia muito mais nele do que isso. Havia algo peculiarmente cativante em Jack, como um jovem rebelde, mas com uma expressão no olhar que fazia você querer abraçá-lo.

Por um instante, Amanda quase precisou fazer com que sinos de alerta soassem em sua cabeça. Homens como Jack eram perigosos, até mesmo para uma viúva de cinquenta anos. Mas, ao mesmo tempo, ela sabia que não havia nada a temer. Ele tinha sua cota de mulheres, e tudo o que tinham em comum era suas crianças.

Mas, quando Jack pegou a Rodeo Drive de volta, para ver se a loja tinha sido fechada direito, resolveu entrar e se sentar um pouco. E, ao recostar-se numa poltrona, fechou os olhos e tudo o que pôde ver em sua mente era Amanda.

 

Amanda não teve notícias de Jan durante alguns dias. Jack ligou uma semana depois da festa, dizendo que tinha algo a lhe contar, e convidou-a a ir até a loja para que almoçassem em seu escritório. Ela aceitou sem hesitar. Sabia muito bem que o único motivo para o convite era para falar de suas crianças.

Ele estava esperando no térreo quando Amanda chegou. Os dois subiram para o escritório de Jack, onde o almoço fora servido num estilo formal, com toalha e guardanapos colocados na mesa de reunião. Eles foram deixados sozinhos, e comeram a salada de lagosta, o caviar e beberam o champanhe. O almoço foi perfeito.

- Você faz isso todo dia? - perguntou ela, provocando-o. Ele respondeu que só fazia aquilo quando queria impressionar alguém. - Considere-me devidamente impressionada, porque é como estou. Eu almoço iogurte praticamente todo dia.

- Bem, parece funcionar. Você tem um corpo incrível, Amanda. - Ela enrubesceu por causa do comentário, e eles mudaram de assunto e passaram a falar dos filhos. Ele contou que almoçara com Paul e que tocara no assunto de maneira casual, o mais casual que alguém, tocando num assunto como aquele, poderia ser. Jack perguntara por que os dois não faziam algo para ter filhos, e contou que o filho fora bastante honesto, dizendo quase a mesma coisa que Amanda já dissera. Ele também admitira que não queria mesmo ir ao médico. Paul achava a situação embaraçosa e sentia como se sua masculinidade e virilidade estivessem sendo questionadas. Mas, após uma longa conversa com o pai, finalmente concordou em fazer algo a respeito, mesmo sem querer. Ele prometeu ir ao médico com Jan logo depois do Natal. Aparentemente, o médico estaria de férias até então.

- Então, poderíamos dizer, nossa missão foi cumprida, Pelo menos o primeiro estágio dela. A Operação Neto está em seu estágio inicial.

Amanda estava impressionada com o bom resultado da investida de Jack e com o facto de ele ter se preocupado tanto a ponto de levar aquilo tudo adiante. Ela se recostou na cadeira e sorriu para ele, estupefata.

- Jack Watson, você é mesmo incrível. Não consigo acreditar. A pobre da Jan implorou o ano inteiro para que Paul fosse ao médico com ela e não conseguiu nada.

- Acho que ele tem medo de mim. Disse que iria deserdá-lo se não fosse ao médico. - Jack sorriu para ela, satisfeito com sua reação. Era óbvio que estava agradecida pelo que ele fizera.

- Falando sério, Jack. Obrigada. Minha pequena Jan quer tanto um filho...

- O que você acha que vai acontecer se eles forem estéries? - Ele pareceu bastante preocupado ao fazer esta pergunta, e Amanda reagiu demonstrando certa intranquilidade, já que Jan lhe contara que Paul era contra a adoção.

- Acho que eles vão ter de aprender a conviver com isso aos poucos. Há sempre a possibilidade de adoção se a gravidez não der certo, mas é difícil acreditar que, numa época tão avançada, com tantos métodos desenvolvidos para resolver os problemas relacionados com a infertilidade, não haja um método apropriado para o caso deles. Tenho certeza de que tudo vai dar certo, é só eles terem paciência.

- Hoje em dia é tudo tão complicado... Na minha época, se você fosse um cara de sorte, perderia seis meses para levar alguma garota para o banco de trás do carro do seu pai no meio de um filme no drive-in. E ela engravidava só de você apertar sua mão. Agora, todo mundo faz tratamento para infertilidade e tem filhos numa placa de Petri. Com certeza isso tira toda a graça do namoro. - Amanda não conseguiu conter o riso depois de ouvir o que ele acabara de dizer. Era verdade que, mesmo em seu casamento com Matt, ela frequentemente se preocupava com a possibilidade de engravidar. Ela apenas esperava que Paul e Jan dessem sorte e conseguissem ter um filho. - Continuarei mantendo você informada se ouvir algo mais - prometeu Jack.

- Eu também - assegurou ela. Então ele se ofereceu para acompanhar Amanda pela loja, que não resistiu e experimentou algumas roupas. Finalmente, Jack a deixou em companhia da gerente da loja e das melhores vendedoras disponíveis. Duas horas depois, Amanda apareceu em seu escritório para agradecer mais uma vez.

- Você se divertiu? - perguntou a ela, depois que entrou no escritório e parou diante de sua mesa. Ela estava feliz e relaxada, e parecia que tinha passado bons momentos na Julie's.

- Eu enlouqueci e comprei tudo o que vi pela frente, incluindo meia dúzia de maiôs para o próximo verão da sua linha de praia. - Também comprara várias camisolas, um vestido novo, e uma sensacional bolsa de mão feita de couro Jacaré. - Comprei tudo o que estava ao alcance dos meus olhos - disse mais uma vez, com certo embaraço. - Nunca fui tão extravagante assim em toda minha vida, mas tenho que admitir que adorei. - Riu ao confessar, e ele se pegou admirando sua beleza e imaginando como faria para levá-la para jantar.

- Você gosta de comida tailandesa? - perguntou Jack pegando-a de surpresa.

- Por quê? Você vende isso também? Será que pulei esse departamento? Uma delicatessen? - Ela estava rindo dele, o que fez com que sua aparência ficasse ainda mais sensual, jovem e alegre do que antes.

- Na verdade, sim. Mostrarei a você onde fica - disse, tentando ser convincente. - Mas teremos que ir para nossa outra loja, e você terá que vir em meu carro.

- Que péssimo mentiroso você é, Jack Watson. A verdade é que está tentando me raptar e exigir resgate, sei disso.

- Boa idéia - disse, rindo dela. - Quais são as minhas chances?

- Agora? Hoje à noite? - Já eram quase cinco e meia, mas a loja ficaria aberta até às nove para que os clientes pudessem fazer as compras de Natal. - Você já me deu almoço hoje, não será preciso me alimentar à noite também. Tenho outra idéia. Por que você não vai até lá em casa mais tarde, e eu faço o jantar para você? Nada sofisticado, apenas o que eu achar na geladeira. Eu lhe devo uma, uma bem grande, por ter conseguido convencer Paul a ir ao médico.

- Adorei a idéia. - Ele aceitou o convite imediatamente e prometeu chegar lá às sete horas para poder ajudá-la. E tão logo Amanda foi embora, Jack pegou o telefone e cancelou o encontro que marcara semanas antes para aquela noite. Ele deu a desculpa de que estava gripado e a garota para quem ligou apenas riu. Ela não dava a mínima, mas conhecia Jack melhor do que ele suspeitava.

- Qual é o nome dela? - A garota não resistiu a uma pequena provocação.

- Por que acha que existe outra mulher?

 - Porque você não é gay e porque provavelmente não desde os dois anos de idade. E me parece óptimo, boa sorte com quem quer que seja. - De qualquer forma, ela também estava saindo com outra pessoa. Jack ficou grato por ela ter sido tão compreensiva.

Chegou à porta da casa de Amanda exactamente às sete horas. Ela usava calças compridas cinza com um suéter azul-claro e um colar de pérolas. Parecia uma jovem rainha, mas com um avental amarrado na cintura.

- Uma cena bastante doméstica - comentou ele ao entrar e dar para ela uma garrafa de um vinho famoso que comprara para a ocasião.

Amanda riu diante daquele comentário.

- Espero que sim, depois de vinte e seis anos de casamento.

- Sabe... Eu nunca havia pensado em você assim. Quero dizer, doméstica - confessou Jack e seguiu-a até a cozinha enquanto ela agradecia pelo vinho. Era um excelente vinho, de óptima safra. - Sempre pensei em você como uma estrela de cinema. É difícil esquecer quem você foi um dia. É que continua a mesma. De facto, na minha cabeça, sempre vejo você como Amanda Robbins, não como Amanda Kingston.

- Matt odiava esta frase - disse, simplesmente. - Muitas pessoas gostavam de dizer isso.

- Foi por isso que você nunca voltou a atuar? - Ele estava curioso a seu respeito.

- Provavelmente. De qualquer maneira, Matt não teria permitido que eu voltasse. Conversamos muito a respeito antes de nos casarmos. Mas eu estava pronta para desistir de tudo... por algo melhor... um homem que eu amasse e uma família.

- E foi melhor? Você foi feliz? - perguntou ele, enquanto a observava.

- Eu amava ficar com minhas filhas, e com Matt. Levávamos uma vida boa. - Ela pareceu pensativa naquele momento, enquanto se perdia em suas lembranças. - É duro acreditar que tudo acabou. Tudo desmoronou tão rápido. Num minuto ele estava saindo de casa com sua raquete de tênis na mão, e no minuto seguinte estava morto, nas duas horas depois. É difícil se acostumar a isso.

Jack fez um gesto com a cabeça.

- Parece uma coisa boba de se dizer, mas pelo menos ele não sofreu.

- Pode até ser verdade, mas nós sofremos. Eu não estava preparada. Ele parecia tão jovem. Nunca sequer havíamos conversado sobre o que aconteceria se um de nós morresse. Não tivemos tempo de pensar nisso, nem de dizer adeus, nem... - Seus olhos se encheram de lágrimas. Amanda deu as costas para Jack, que se postou rapidamente atrás dela e colocou as mãos em seus ombros.

- Está tudo bem... Eu sei... foi isso o que aconteceu comigo e com a Dori. Ela sofreu um acidente de carro quando ia me encontrar. Bateu de frente. Ela jamais soube o que a atingiu. Mas eu soube. Sentia como se aquele maldito caminhão tivesse batido em mim. Por um bom tempo, desejei que tivesse acontecido. Queria que fosse eu naquele carro, não ela... Senti tanta culpa.

- Eu também - disse Amanda e virou-se para fitar Jack. Os olhos dele estavam cheios de ternura. Eram de um castanho vivo e contrastavam com seus cabelos louros salpicados por fios grisalhos. Ele era surpreendentemente bonito. - Durante o último ano, desejei ter morrido no lugar de Matt. Mas nas duas últimas semanas, percebi que fui feliz em ter sobrevivido. Estou voltando a ter um relacionamento normal com minhas filhas e fazendo certas coisas. É engraçado como quando algo muda só um pouquinho, mesmo assim faz tanta diferença. - Ele concordou e amarrou um avental na cintura, que passou a proteger a calça, o suéter de gola alta que estava usando.

- Bom. Chega dessa conversa séria, madame. O que temos para o jantar? Você quer que eu corte, rale ou amasse? Ou prefere me ver ficar bêbado na sua cozinha? Posso fazer qualquer coisa. - Ela riu e lançou-lhe um olhar de admiração. Era tão fácil conviver com ele.

- Por que não senta e relaxa? Está quase tudo pronto. - Amanda colocou um pouco de vinho para Jack, arrumou algumas coisas na cozinha e, meia hora depois, comeram carne, batatas coradas e salada. Ela era uma grande cozinheira. Conversaram durante horas, sentados à mesa da cozinha. Depois, passaram à sala de estar e ele pôde admirar algumas fotos. Formavam uma família bonita, ainda que sempre tenha achado Matt meio desajeitado, mas Amanda estava linda em todas as fotos.

- É uma pena que você e suas filhas sejam tão feias.

- Os seus filhos são tão bonitos quanto as minhas filhas - ela retrucou e ele riu.

- Acontece que somos pessoas extremamente atraentes. Todos em Los Angeles o são. Os feios são mandados para outros estados, ou para outras cidades, ou são jogados para o lado de lá da fronteira na calada da noite. Eles são agrupados e eliminados, e nunca mais ninguém os vê novamente... puff... nada de pessoas feias por aqui. - Ele adorava fazer piadas para ela, e provocá-la. Era fácil perceber por que fazia tanto sucesso com as mulheres.

- Você não se cansa? - perguntou ela honestamente, enquanto se sentavam. Era impressionante a sensação e ela podia perguntar o que quisesse a ele. Eles agora eram amigos. - Quero dizer, todas essas mulheres. Eu acharia muito cansativo ficar com estranhos o tempo todo. Não consigo nem imaginar como lidar com isso, começar tudo de novo, todo dia, fazer todas aquelas mesmas perguntas idiotas...

- Pare! - Ele levantou a mão e murmurou: - Você vai destruindo meu estilo de vida. Se fizer com que eu questione a vida que levo, talvez não consiga achar sentido para ela. Esse é apenas um jeito de nunca me envolver com alguém. É tudo. É disso que preciso desde Dori.

- Eu prefiro ver TV, ou ler um livro - disse Amanda com franqueza e ele riu.

- Bem, na verdade... essa deve ser a essência da diferença entre homens e mulheres. Mas se você me forçar pensar nisso com seriedade, vou acabar tendo de comprar uma nova TV amanhã de manhã.

- Você não tem jeito.

- Não tenho mesmo. Antigamente isso fazia parte de meu charme, mas estou vendo que agora está se tornando um defeito. Talvez fosse melhor não falarmos mais disso.

E conversaram sobre outras coisas. Suas famílias na época em que eram jovens, seus sonhos, ambições, carreiras, e, mais uma vez, os filhos. E a noite voou novamente. Era mais de meia-noite quando ele foi embora. E não eram nem nove horas da manhã quando ligou para agradecer pelo jantar. Ela ainda estava dormindo.

- Acordei você? - Ele ficou surpreso. Ela parecia uma dessas pessoas que acordam cedo, e esse era o seu normal, mas acabara ficando acordada até tarde na noite anterior, tentando ler, e pensando nele.

- Não. De jeito nenhum. Eu já estava de pé - mentiu, olhando para o relógio e tomando um susto com a hora. Ela tinha uma consulta marcada no dentista para fazer uma limpeza, e já estava atrasada.

- Você está mentindo - disse ele, dando uma risada ao final da frase. - Está com voz de sono. Eu a acordei. A vida de uma rica preguiçosa. Estou trabalhando desde as oito e meia. - Ele tinha uma série de ligações para fazer para a Europa, onde eram nove horas mais tarde. Mas como Amanda não saía de sua cabeça, decidiu ligar para ela seguindo o ímpeto do momento. E agora, ouvindo sua voz, ele ficara inesperadamente nervoso. - O que você acha de jantarmos hoje à noite? - perguntou, sem preâmbulos, e os olhos dela se abriram totalmente, tentando entender se ouvira direito.

- Hoje à noite? - Ela disse que não tinha nada planejado ainda que tivesse sido convidada para uma festa de fim de ano. - Eu... você não vai se cansar de mim?

- Não acho que isso seja possível, e temos um monte de assuntos para pôr em dia, não temos?

- Como o quê, por exemplo? - Ela deitou e se espreguiçou, lembrando exactamente das feições dele.

- Nossas vidas. Somando, são cento e dez anos, o que levaria algum tempo para colocarmos em dia, mas acho que deveríamos começar logo, ainda que tenhamos feito um grande avanço ontem à noite.

- É essa a sua tática? - ela sorriu. - Todo esse charme? Cento e dez anos... que maneira de ver as coisas. Bem, está certo. Já que é assim, melhor começarmos logo mesmo. O que tem em mente?

- Que tal um jantar no L'Orangerie? Pego você às sete e meia.

- Óptimo. Estarei pronta à sua espera. - Mas, assim que desligou, Amanda entrou em pânico. Sentou-se na cama e olhou para o quarto que dividira por 26 anos com seu marido. O que, em nome de Deus, ela estava fazendo? Estava brincando de “a garota do momento” com Jack Watson? Como era estúpida. Levantou-se da cama e decidiu ligar para ele e cancelar. Mas, assim que conseguiu ligar, Gladdie disse que ele acabara de sair para uma reunião. Perguntou se gostaria de deixar algum recado, mas Amanda achou que seria rude de sua parte deixar uma mensagem cancelando o Jantar. Então disse que não se tratava de nada importante.

De qualquer forma, Jack ligou para ela ao meio-dia. Quando atendeu, Amanda notou que ele parecia preocupado.

- Alguma coisa errada? Você está bem? - Ele realmente soou como se se importasse, o que tornava as coisas mais difíceis.

- Eu estou bem... Apenas pensei... ah, não sei, Jack, Só estava me sentindo meio estúpida. Não quero ser a “bola da vez”. Sou uma mulher casada, ou pelo menos era... ou ainda sou... na minha cabeça. Não sei que diabos estou fazendo com você, ou que tipo de jogo estou brincando aqui. Não consigo nem tirar minha aliança de casamento, e agora estou jantando com você todas as noites, sem saber exactamente o que está acontecendo. - Ela parecia, e realmente se sentia, exausta, quando terminou de falar. Depois disso, ele falou calmamente, ainda que no fundo não estivesse tão calmo assim.

- Também não sei até onde vamos com isso. E, se você se sentir melhor, eu compro uma aliança também. Pelo menos ficaremos quites. As pessoas vão pensar que estamos traindo nossos cônjuges. Só sei que há muito tempo eu não gosto de uma companhia assim como a sua. Talvez nunca tenha gostado tanto. E digo mais. De repente, a vida que eu vinha levando há vinte anos parece uma piada de mau gosto daquelas que saem na última página da Playboy. Estou envergonhado. Quero me livrar dessa vida. E, Deus me ajude, mas quero ser o tipo de pessoa com a qual você fica orgulhosa de ser vista, porque estou tão orgulhoso de estar com você que parece que vou explodir.

- Mas não estou pronta para um relacionamento - disse ela, tristemente. - Não quero começar a namorar. Só faz um ano que perdi Matt, e não sei o que estou fazendo, mas adoro conversar com você também... e não quero parar, mas talvez nós devêssemos. Você acha que devemos cancelar o jantar de hoje à noite? Acha que estamos agindo da maneira errada? - Ela parecia tão preocupada que Jack teve vontade de abraçá-la.

- Tudo vai ficar bem - disse ele, gentilmente. - Não faremos nada que você não queira. Vamos apenas falar de nossos filhos e relaxar. Não precisa ser mais do que isso, pelo menos agora... ou talvez para sempre. - Custou tanto dizer aquilo, mas ele não queria assustá-la, ou, pior, perdê-la antes mesmo de tê-la conquistado. Repentinamente, aquilo tudo significava muito para ele. Então, ele teve outra idéia. - Talvez devêssemos ir a algum lugar menos público para jantar... - L'Orangerie era um dos melhores restaurantes de Los Angeles, e com certeza seriam vistos e identificados lá. - Que tal um pequeno bistrô, ou mesmo uma pizzaria?

- Óptima idéia, Jack. E sinto muito por eu ser tão neurótica. Eu só não esperava por essa, de sermos amigos, ou o que quer que sejamos... - Ela deu uma risada nervosa e ele tentou confortá-la.

- Pego você. Pode usar jeans, se quiser.

- Óptimo. - Ela seguiu o conselho à risca. Quando Jack chegou, ela vestia jeans desbotados e justos naquele corpo espetacular e um suéter confortável de lã rosa-choque. Ele ficou morrendo de vontade de dizer o quanto ela estava bonita, mas não quis amedrontá-la.

Foram até La Cienega e pararam num pequeno restaurante que ela nunca vira antes. Estavam conversando animadamente enquanto entravam no lugar quando, de repente, ela apertou o braço dele, e virou de costas com um olhar de terror.

- O que foi? - Se Amanda fosse casada, Jack teria imaginado que ela acabara de ver o marido no canto, com outra mulher. Tudo o que podia ver era um casal jantando, mas ela já estava lá fora, e seu coração estava pulando. - Quem era?

- Minha filha Louise com o marido, Jerry.

- Deus do céu. Tudo bem. Não nos é permitido jantar? Nós dois estamos vestidos. - Ele tentou amenizar a Situação, mas ela parecia querer sair correndo, e ele não queria que isso acontecesse. Voltaram para o carro e conversaram um pouco mais, já que estavam a salvo ali dentro.

- Ela jamais entenderia.

- Pelo amor de Deus, Amanda. Ela já é adulta. O que suas filhas esperam? Que você fique em casa pelo resto da vida? Sou o sogro de Jan. Sou inofensivo. - Ele tentou fazer cara de inocente, e Amanda acabou rindo dele.

- Você é tudo menos inofensivo, e sabe disso. E minhas filhas pensam que você é um conquistador inveterado.

- Isso é óptimo. Só espero que Jan não pense que... bem, pensando bem, talvez ela pense. Acho que, durante um tempo, eu fui assim. Mas há sempre a possibilidade de recuperação. Será que isso é atenuante?

- Não. E, principalmente, não hoje à noite. Talvez devesse ir para casa.

- Decidi. Vamos ao Johnny Rocket. - Ela riu da sugestão. Este era o lugar que as crianças frequentavam, bebendo milkshake, comendo hambúrguer, tal qual eles mesmos faziam nos anos cinquenta.

Quando chegaram, sentaram ao balcão, comeram cachorro-quente e batata frita e beberam milkshake. E Amanda conseguiu até rir de si mesma, antes de pedirem um café.

- Fiquei parecendo uma completa idiota fugindo de lá não fiquei? - Ela estava agindo que nem uma criança que acabara de cometer uma enorme gafe e que não acreditava no que tinha feito, mas Jack adorava tudo nela.

- Não. Você parecia uma mulher casada no meio de um encontro amoroso e que acabara de ver o marido.

- Foi assim que me senti - confessou com um suspiro e então olhou para ele. - Jack, não estou pronta para isso. Sinceramente. Não estou mesmo. Acho que você deveria voltar à sua rotina novamente. Estará melhor com elas acredite em mim.

- Acho que você deve deixar que eu decida. - E então, mudando de assunto, ele perguntou o que ela faria na semana seguinte para o Natal.

- As meninas irão à minha casa na véspera de Natal, assim como acontece todos os anos. E, neste ano, iremos à casa de Louise no dia de Natal. Por quê? O que você vai fazer?

- Dormir, como sempre... Não há nada mais exótico do que isso. Natal no mundo do varejo é um pesadelo. Ficamos abertos até à meia-noite na véspera de Natal para atender os clientes que não têm tempo de fazer suas compras até às nove, a maioria deles maridos. É como se eles perdessem suas agendas todo ano e descobrissem às seis da tarde que é véspera de Natal... Oh, meu Deus. É Natal! Geralmente fico até o final e vou para casa e durmo por dois dias inteiros. Isso me faz bem, mas eu estava pensando se você não gostaria de ir esquiar comigo no dia seguinte. Você sabe, quartos separados, apenas bons amigos, todo esse papo.

- Não acho que devo. E se alguém me vir? Ainda não faz um ano exactamente.

- Quando é que completa um ano? - Ele não conseguia lembrar, honestamente.

- No dia quatro de janeiro - disse ela, solene. - Além do mais, não sei esquiar muito bem.

- Foi só uma idéia. Achei que pegar um pouco de ar fresco e fugir um pouco fariam bem a você. Poderíamos ir a Lake Tahoe ou parar em San Francisco.

- Talvez um dia - disse ela, vagamente, e ele concordou. Estava começando a pressioná-la e sabia disso. Ela ainda não estava preparada.

- Não se preocupe. Por que não passa na loja um dia desses? Estarei lá durante toda a semana. Podemos comer caviar em meu escritório. - Ela sorriu com a sugestão. Apesar de sua reputação, e do facto de ela não estar pronta, gostava muito dele. Ele parecia entender tudo o que ela estava sentindo. Havia um lado sensível e atencioso nele que pegou-a de surpresa e desarmou-a completamente. E ele parecia tão mais novo do que Matt, tão cheio de vida, tão feliz em estar com ela. Por mais que não quisesse sentir nada por ele, percebeu que amava sua companhia.

Falaram sobre isso aquela noite, no carro, a caminho de casa, e Jack confessou que ela não era aquilo que ele esperava que fosse, só vindo a descobrir depois que passou a conhecê-la melhor. Ela era divertida, sincera, gentil, compassiva, e bastante vulnerável. Tudo o que dizia ou fazia o instigava a querer protegê-la.

- Você conseguiria ser apenas meu amigo por um tempo? - perguntou ela, honestamente. - Ou até mesmo para sempre? Não sei se vou voltar a querer me envolver com alguém. Não tenho certeza se faria isto de novo.

- Ninguém está forçando você a tomar essa decisão - disse ele sensatamente e ela se acalmou e parou de se sentir culpada. Ele entrou por alguns instantes, e eles beberam chá de menta na cozinha. Depois, acabaram acendendo a lareira na sala de estar e conversaram durante um bom tempo sobre as coisas que eram importantes para eles.

Eram duas da manhã quando ele foi embora, e ela não sabia para onde a noite tinha ido. As horas pareciam voar quando estavam juntos. Na manhã seguinte, ele estava ocupado na loja e ela passou o dia cuidando dos últimos detalhes da preparação para o Natal. Já comprara a árvore, e a estava decorando à noite quando ele telefonou.

- O que está fazendo? - perguntou Jack, parecendo cansado. Ele ficara na loja durante doze horas seguidas e estava exausto.

- Decorando a árvore - respondeu Amanda, mas com uma voz triste. Ela colocara música de Natal para tocar, o que de repente a fez ficar ainda mais triste. Este era o primeiro Natal sem Matt, e o seu primeiro como viúva.

- Quer que eu passe aí? Devo sair da loja daqui a meia hora, e sua casa fica no caminho para a minha casa. Adoraria ver você.

- Acho melhor não - disse ela, honestamente. Ainda precisava de um tempo de luto, e esse era um dos momentos em que gostaria de um pouco de privacidade. Conversaram Por um tempo e quando desligaram, ela se sentiu um pouco melhor. Mas Jack se sentiu pior, e desesperadamente sozinho. Ele ficou imaginando se ela um dia conseguiria se desvencilhar de Matt, ou se estaria pronta para deixar alguém ultrapassar seus muros. Jack sabia que conseguira vislumbrar seu coração, mas Amanda ainda estava com medo de deixá-lo se aproximar. Talvez fosse ser assim para sempre.

Jack passou lentamente de carro pela casa dela a caminho da dele, e pôde ver as luzes piscando na árvore, mas não conseguiu vê-la. Amanda estava sentada em seu quarto, chorando, sentindo um medo desesperado de estar se apaixonando por Jack. Ela não queria que acontecesse. Não era justo com Matt, e, mais do que tudo, ela não queria traí-lo. Depois de 26 anos, ela devia a ele muito mais do que isso, mais do que simplesmente se apaixonar pelo primeiro homem que aparecesse, não importando quão charmoso esse homem fosse. E o que aconteceria se ela se tornasse mais uma das garotas em sua lista? Teria se rebaixado por nada. E sabia com absoluta certeza que, para o bem de Matt, e para o seu próprio, não devia deixar isso acontecer.

Jack ligou para ela quando chegou em casa, mas Amanda não atendeu ao telefone. Soube instintivamente que era ele, e não queria conversa. Era melhor terminar tudo antes mesmo de começar.

Ela apagou as luzes e foi dormir. Deixou a música tocando, e os acordes de Noite Feliz se espalharam pela casa enquanto ela chorava por dois homens; um que ela amara por tanto tempo, e o outro que jamais saberia se teria amado ou não. Era difícil dizer no momento qual dor era maior, e por qual delas ela mais ansiava.

 

Só ligou para Amanda uma ou duas vezes nos dias que se seguiram. Era fácil imaginar o que estava se passando com ela, numa época tão difícil quanto as festas de fim de ano. Dori morrera em novembro, e ele ficara bêbado a semana inteira entre Natal e Ano-Novo.

Então, sabiamente, deixou Amanda sozinha para que pudesse lidar com seus sentimentos em particular. Mas, na manhã da véspera de Natal, Jack deixou um presente para ela em sua casa. Era um pequeno quadro do século XVIII, que retratava um anjo, e que ela admirara na loja. Realmente era muito bonito. Ele colocou um pequeno bilhete junto ao presente, onde dizia que esperava que um anjo estivesse sempre tomando conta dela, neste Natal e Por todos os que virão, e terminou assinando simplesmente “Jack”. Ela ficou muito emocionada ao ver o presente e, pouco depois, ligou para agradecer. Ela parecia ainda mais distante do que antes, mas pelo menos se achava mais calma. Obviamente, estava chegando a um acordo com o que quer que estivesse sentindo. E, ainda que estivesse contente por estar ouvindo sua voz, Jack preferiu não assustá-la e evitou ser muito íntimo em sua conversa. Além do mais, estava totalmente absorto nos problemas da loja. Eles tiveram alguns contratempos, como um pequeno roubo, um princípio de infarto no dia anterior, e um pequeno exército de crianças perdidas. Mas isso era normal nessa época do ano. Tinham também perdido o vestido dourado de lantejoulas de uma estrela de sucesso, e depois o acharam como que por milagre. Duas mulheres famosas brigaram por causa de um homem, na seção de cosméticos. O que não faltou ao Natal foi agitação.

- Espero que se divirta com suas filhas hoje à noite, apesar de que será difícil sem Matt.

- Ele gostava de trinchar o peru assado para a ceia - disse Amanda, com tristeza na voz. Ela parecia tão frágil, que tudo o que Jack queria era aconchegá-la em seus braços.

- Peça ao Paul para fazer isto - sugeriu Jack, gentilmente. - Ensinei a ele tudo o que sei. A respeito de trinchar assados, não de mulheres. - Ela riu e perguntou se havia alguma novidade sobre o filho dele. Jack contou que Paul havia marcado consulta com o especialista entre o Natal e o Ano-Novo. - Espero que tudo corra bem - disse Jack, esperançoso.

- Eu também - concordou Amanda, e de repente desejou tê-lo convidado para a ceia, mas as crianças não teriam entendido a razão de sua presença. De qualquer maneira, ele não poderia deixar a loja sozinha. Que diferença fazia tê-lo convidado ou não? Ela não iria levar adiante nenhum relacionamento íntimo com ele. Já tomara esta decisão, e Jack podia sentir isso em sua voz enquanto falavam ao telefone. A distância entre os dois já estava estabelecida por ela. Ele pensou em convidar alguém para sair no Ano-Novo. Mas, pela primeira vez na vida, estava sem disposição. Já fizera a reserva para Lake Tahoe no dia seguinte ao Natal,e iria sozinho.

- Feliz Natal, Amanda - desejou ele, carinhoso, antes de desligar. Ficou sentado em seu escritório por um bom tempo, pensando nela. Nunca conhecera alguém como Amanda. E, naquela noite, ao andar pela loja, arrumando o que ainda precisava ser organizado, pensou neles ceiando na casa dela, nas crianças, na árvore, em seu próprio filho, nas duas filhas dela... de repente percebeu como sua vida era vazia. Ele passara os últimos dez anos correndo atrás de garotinhas em suas calças jeans apertadas, e o que ganhara com isso? Absolutamente nada.

- Você não parece estar se divertindo neste Natal - disse Gladdie, antes de ir embora para casa aquela noite. Ele lhe dera de presente um lindo casaco de cashmere e uma gratificação polpuda. - Alguma coisa errada? As crianças estão bem? - Estava preocupada com ele. Já que sabia que não havia nenhuma garota no páreo no momento. Também sabia que ele ligara várias vezes para a sogra de Paul, o que a fez imaginar se alguém estaria doente, ou se havia algo de errado com o casamento dos filhos, mas Jack preferiu não falar nada a respeito.

- Não há nada errado. Estou bem - mentiu. Excepto pelo facto de eu ter desperdiçado minha vida, de a única mulher que amei na vida ter morrido há treze anos, e de a melhor mulher que já conheci desde então querer se enterrar junto com o marido. Nada de mais, Gladdie. Feliz Natal. Estou apenas cansado, acho. O Natal neste negócio de moda Pode ser mortal.

- Todo ano digo a mim mesma que nunca conseguiremos passar do Natal, mas sempre conseguimos - sorriu. - Financeiramente, este foi o melhor ano que já tiveram. Quais são seus planos para hoje à noite? - Ele sorriu para Gladdie ao vê-la colocando o casaco novo. A cor era azul-claro e ela adorara.

- Dormir com o meu marido. Literalmente. O coitado me vê acordada há seis semanas e, provavelmente, não verá por mais uma semana.

- Deveria tirar uns dias de folga. Você merece.

- Talvez quando você estiver em Lake Tahoe. - Mas sabia que não seria capaz. Nunca o era. Ela era o único ser humano que ele conhecia que trabalhava mais do que ele.

Como fazia todo ano, Jack trabalhou até depois de meia-noite, e era quase uma hora quando fechou a loja e se despediu do vigia noturno.

- Feliz Natal, Sr. Watson.

- Obrigado, Harry. Para você também. - Ele acenou e entrou lentamente na Ferrari vermelha. Mas estava tão cansado que não conseguiu dormir ao chegar em casa. Assistiu a um pouco de televisão e pensou em ligar para alguém mas já eram três da manhã. E por alguma estranha razão percebeu que seus dias de glória tinham acabado. Ele já não fazia mais questão de companhia. Não havia pernas compridas, peitos grandes ou pele macia o suficiente para conquistar seu interesse.

- Cristo, talvez eu esteja morrendo - disse em voz alta e então riu de si mesmo ao se deitar. Talvez fosse a idade. Os quase sessenta deviam ser os responsáveis por aquela sensação, não apenas Amanda. Nada como agir como um idiota, e ele tinha sido um, com certeza.

Ele dormiu até o meio-dia do dia seguinte, e pensou em ligar para Amanda, mas, quando o fez, ela já havia saído. Fora à casa de Louise comemorar com sua família comer as sobras da ceia. Ele foi até um restaurante e comprou comida chinesa para viagem, e comeu-a em sua cama desfeita, assistindo a uma partida de futebol americano. Depois disso, ligou para algumas garotas, pensando convidar uma delas para jantar naquela noite, mas todas estavam fora, e no fundo ele ficou aliviado em não tê-las encontrado.

Ele sabia que Amanda estava em casa à noite, mas não ligou. O que poderia dizer a ela? Já esqueceu seu marido? De repente, ele se sentiu um tolo ao ser tão insistente. Passou a noite inteira se revirando na cama, e pensando nela. Por fim na manhã seguinte, não conseguiu mais se controlar. Estava indo para Tahoe naquela tarde, mas quando Amanda atendeu ao telefone, Jack perguntou se poderia passar lá para tomar uma xícara de café.

Ela pareceu surpresa, e um tanto preocupada, mas aceitou sua ida lá mesmo assim. Havia sempre a possibilidade de ele querer falar em Paul, ou em Jan, o que poderia não ser tão provável assim. No fundo, ela sabia disso. No momento em que viu seu rosto, ao abrir a porta, à uma hora da tarde, soube com certeza que aquilo não tinha nada a ver com as crianças.

- Você parece cansado - disse ela, ficando preocupada.

- Estou. Não consigo mais dormir. A chegada aos sessenta é pior do que eu imaginava - disse, com um sorriso torto. - Acho que finalmente estou perdendo a sanidade.

- O que quer dizer com isso? - Ele a seguiu para dentro da casa, e eles foram até a cozinha bastante confortável de Amanda. Ela estava acabando de fazer o café e ofereceu-lhe uma xícara. Os dois se sentaram à mesa.

Jack olhou para Amanda por detrás da xícara de café e perguntou, abruptamente.

- Eu me tornei um inconveniente, né? Acho que conquistadores nunca sabem quando parar. Creio que me empolguei demais. Sinto muito se fiz você se sentir desconfortável. Não era essa a minha intenção. - Ele parecia desesperadamente infeliz ao dizer aquilo, e com menos idade do que sessenta. Ele parecia e se sentia como uma criança novamente, visitando a única garota da turma que não queria sair com ele. - Sei que essa época está sendo difícil para você. Sinto muito se piorei as coisas.

- Você não piorou nada, Jack - disse ela, gentilmente, seu olhar penetrando no dele. Ela estava tão infeliz quanto ele, mas tão perdida que não sabia o que fazer a respeito. - Sei que não deveria dizer isto a você, mas senti sua falta. - Ele pretendia manter a calma, mas seu coração começou a palpitar quando ela disse aquilo.

- Sentiu? Quando?

- Nos últimos dias. Senti falta de conversar e de me encontrar com você. Juro por Deus que não sei o que estou fazendo.

- Eu também não. Tenho me sentido o mais idiota dos homens. E o mais chato. Venho tentando deixar você em paz, já que é disso que deve estar precisando.

- É. Eu precisava mesmo. - Mas sua voz saiu embargada ao dizer aquilo.

- E agora? - Ele prendeu a respiração enquanto esperava a resposta.

- Não sei. - Amanda olhou para Jack com olhos que mais pareciam um camafeu e tudo o que ele teve vontade de fazer foi beijá-la. Mas sabia que não podia.

- Fique tranquila. Não precisa tomar nenhuma decisão. Vá com calma. Estou aqui. Não vou a lugar algum... - E então ele se lembrou, com uma careta. - Excepto a Lake Tahoe.

- Agora? - Amanda sorriu. Realmente gostava de sua companhia.

- Mais tarde. Ainda preciso voltar em casa e arrumar a mala. Deveria ter feito isto ontem, mas estava muito cansado.

Os dois continuaram conversando e, algum tempo depois, voltaram a ficar relaxados na companhia um do outro. Ela já estava rindo dele. Ele descrevia o incidente que ocorrera na loja quando duas mulheres começaram a brigar, dando socos uma na outra, por causa de um namorado em comum.

- Você pode imaginar o que os tablóides teriam feito com isto? E, é claro, se eles tivessem acesso a essa história, ambas teriam nos acusado de delatores. - Ele ainda dissera a ela quem eram as mulheres, e sabia que não. Ele era surpreendentemente discreto quando se tratava de seus negócios. - O que pretende fazer esta semana?

- Nada de mais. Talvez vá ver as meninas, se não estiverem muito ocupadas. - Mas ele não insistiu em seu convite para Lake Tahoe. Sabia que ela ainda não estava pronta. - Talvez vá ao cinema. E você? Vai levar alguém? - Ela ainda estava tentando convencer a si mesma de que eram apenas amigos, e que não a incomodaria em nada saber que ele estava levando uma mulher a tiracolo. Mas isso não era verdade, e ela sabia disso.

- Não. Vou sozinho. Esquio melhor desse jeito. - E então, cansado de fazer joguinhos com ela, pegou sua mão na dele e a segurou firmemente. - Vou sentir sua falta. - Amanda balançou a cabeça e não disse nada. Só olhou para ele de uma forma que teria derretido sua alma se fosse feita de amianto. - O que pretende fazer na noite de Ano-Novo? - perguntou Jack casualmente e ela riu dele.

- A mesma coisa que faço todos os anos. Matt odiava essa data. Íamos para a cama às dez da noite, e desejávamos feliz Ano-Novo um ao outro na manhã seguinte.

- Que boa pedida. - Ele riu.

- E você? - perguntou ela, com interesse.

- O meu Ano-Novo vai ser mais ou menos igual ao seu este ano. Devo ficar em Lake Tahoe. - E, então, quando olhou para ela, sentiu-se repentinamente um estúpido. - Por outro lado, Amanda... poderíamos fazer alguma coisa diferente. Poderíamos passear juntos por aí. Apenas como amigos. Veríamos algum filme na televisão ou no cinema juntos. Não tenho que ir trabalhar e creio que não existe uma lei que diga que não podemos ser amigos, existe?

- E sua viagem?

- Tenho mesmo um problema no joelho. - Ele fez uma cara engraçada. - Meu ortopedista iria agradecer a você.

- E depois? Quero dizer, depois disso... essa é a parte que me assusta. - Estranhamente, ela achou fácil ser honesta com ele.

- Não temos que nos preocupar com essa parte, ainda Temos o direito de não passar o feriado sozinhos. A quem estamos querendo provar alguma coisa? A você? A nossos filhos? A Matt? Já faz um ano. Você já pagou sua cota de sofrimento. No mínimo, temos o direito a um pouco de conforto e amizade. O que poderia haver de errado irmos ao cinema? - Seu discurso era bastante convincente.

- Com você? Provavelmente mais do que ouso imaginar.

- Eu sento sozinho na última fila. Nem chego perto de você.

- Você é louco. - Ela sacudiu a cabeça ao olhar para ele, tentando se forçar a dizer não e a mandá-lo embora. Ela sabia que era isso o que deveria fazer, mas tudo nele era tão atraente...

- Cheguei a essa mesma conclusão ontem: que sou louco. Na verdade isso quase me fez ficar preocupado.

- Eu também - ela riu novamente. - Tudo em você me preocupa. Se eu tivesse algum juízo, diria que não quero ver você de novo até o batizado do primeiro filho de Paul e Jan.

- Isso pode levar um tempo. No mínimo, estamos falando de nove meses. Isso é muito tempo sem ir ao cinema. O que me diz?

- O que digo é: vá para Lake Tahoe, divirta-se bastante. Ligue-me quando voltar, qualquer dia desses.

- Tudo bem - disse ele. Jack já era velho e perspicaz o suficiente para saber quando não iria ganhar. Ter que deixá-la quase o matou, mas ele se levantou, desejando ter conseguido convencê-la. - Feliz Ano-Novo - disse, e beijou sua testa antes de sair da cozinha. Ele já estava na porta da frente, e já a tinha aberto, quando ouviu Amanda dizer alguma coisa. Virou-se e a viu parada no hall. - O que você disse? - O brilho nos olhos dela quase o tiraram do prumo. Ela parecia assustada, mas forte, e seus olhos não se desgrudaram dos dele.

- Eu disse que há um filme que quero ver no Beverly Center. Começa às quatro horas, se você quiser me fazer companhia.

- Tem certeza? - A voz dele saiu como num sussurro.

- Acho que sim... Eu quero... mas ainda não sei.

- Pego você às três e meia. Coloque calças jeans. Nós vamos jantar no restaurante tailandês depois, OK? - Um pequeno sorriso se fez notar nos lábios de Jack quando Amanda concordou. E, sem dizer mais uma palavra, antes que ela pudesse mudar de idéia novamente, ele foi rapidamente até casa para cancelar a reserva para Tahoe.

 

Os cinco dias que se seguiram foram mágicos. Eles pareciam estar suspensos no espaço, numa curva do tempo. Iam ao cinema, andavam no parque, falavam sobre tudo o que vinha à cabeça, ou só ficavam sentados, em silêncio. Parecia não haver qualquer pressão de ambos os lados. Jack ligou para a loja, mas não chegou a ir até lá. E claro que Gladdie estava sempre a postos. Ela não tirou um dia sequer de folga. Mas, pela primeira vez em sua vida, ele não estava nem aí para a Julie's. Só queria estar com Amanda. Nada foi dito, nenhuma pergunta foi feita, nenhuma resposta foi dada e não houve promessas de nenhuma parte. Eles apenas passaram um tempo juntos. E era isso exactamente o que estavam precisando e querendo.

Era como se, dia após dia, Amanda estivesse sentindo uma cura gradativa. Ele viu que estava se tornando o homem que um dia fora, com Dori, só que melhor. Estava mais velho e mais sábio. Pena que desperdiçara um bocado de tempo nestes últimos treze anos. A impressão que tinha e que aquela fora a vida de outra pessoa, e que nada daquilo importava mais.

Ela falava sobre Matt, às vezes, e uma vez até chorou por ele, mas dava para notar que o sentimento aos poucos ia se abrandando. Começava a aceitar que ele tinha morrido e que ela estava viva, e queria parar de se sentir culpada. E, sem dizer uma palavra a Jack, tirara a aliança de casada e a guardara na caixa de jóias. Ela chorou ao fazer aquilo, mas não achava direito continuar usando a aliança. No exacto instante em que a tirou do dedo, teve a sensação de que seu coração iria se partir em mil pedaços. Ela não mencionou nada daquilo a Jack, mas ele notou a ausência da aliança quando saíram para jantar. E, sabendo que grande passo devia ter sido para ela, tomou a decisão diplomática de não fazer qualquer comentário.

Jantaram muito bem, em vários restaurantes espalhados por toda a cidade, onde felizmente não encontraram nenhum conhecido, e assistiram aos piores filmes já produzidos, rindo até não poder mais. Ele voltava sempre para casa à noite, mas os dois hesitavam na entrada da casa dela durante horas, só conversando e tentando se despedir. Nada aconteceu até o dia anterior ao Ano-Novo, quando, sem pensar, enquanto Amanda preparava o jantar, Jack chegou mais perto, puxou-a junto a si e beijou-a. Ele desejava fazer aquilo há muito tempo, mas receava assustá-la novamente, como já acontecera uma vez. Mas Amanda parecia estar tudo menos assustada ao olhar para Jack com um sorriso, logo depois do beijo. Isso fez com que ele sentisse um enorme alívio. Não a perdera. Não disseram nada, mas ele a beijou novamente mais tarde, ainda naquela noite, ao sentarem na sala de estar, no escuro, de mãos dadas e olhando para a lareira que ele acendera. Ela se sentia inteiramente à vontade com ele.

E, à meia-noite, quando foi para casa, e assim que chegou lá, Jack ligou para Amanda.

- Estou me sentindo uma criança novamente, - disse ele, e soou irresistivelmente sexy.

- Eu também - sorriu ela. - Obrigada por ir devagar comigo. Esta foi uma semana incrível. Justamente do que eu estava precisando. Queria passar um tempo ao seu lado... e foi o verdadeiro presente... melhor do que o do Natal.

Eles riram pelo facto de o telefone ter tocado algumas vezes naquela noite. Ambos deduziram que deveriam ser as filhas dela, mas Amanda decidiu não atender. Ela queria aquele tempo para si mesma, e para ele. As crianças tiveram sua cota de atenção por todos esses anos, assim como Matt, e agora era sua vez. Era a primeira vez em anos em que levava uma vida de que ninguém tinha conhecimento e isso incluía sua família. Era bom para variar.

Eles planejaram patinar no gelo no dia seguinte, e talvez assistir a mais um filme. Tinham visto praticamente tudo o que estava em cartaz na cidade. Combinaram fazer o jantar na noite de Ano-Novo, beber champanhe e tentar ficar acordados até à meia-noite.

- Sinto muito por você não ter ido esquiar - disse ela, generosamente, ao telefone.

- Eu não - ele riu com a idéia. - Isto aqui é muito melhor. Esta é a coisa mais romântica que já fiz em toda a minha vida, e não a trocaria por nada neste mundo, muito menos pela companhia de um monte de magnatas.

Ele desejou-lhe boa-noite e ansiou poder beijá-la de novo. No dia seguinte, riram como duas crianças quando saíram para patinar, divertindo-se como nunca. E, mais tarde, na noite de Ano-Novo, Amanda preparou um peru assado e, de sobremesa, um pavê. Aquele foi um jantar Perfeito.

Eram dez horas quando se postaram novamente em frente à lareira. Jack a beijava e Amanda retribuía seus beijos com paixão. Ele serviu duas taças de champanhe, que beberam mais rápido do que o planejado. No calor do fogo, e sob efeito arrebatador do champanhe, seus beijos pareciam mais intensos do que nunca. Ela não fazia idéia de que horas eram quando a voz grave e sexy de Jack disse que a amava, e convidou-a a ir para a cama. Amanda não disse uma palavra. Apenas juntou seu corpo ao dele e concordou com um movimento de cabeça. Ela o queria mais do que tudo, e pela primeira vez ele não conseguiu parar para pensar se ela iria se arrepender. Ele a queria demais. Seguiu-a até o quarto. E o que descobriu ali o deixou maravilhado. Amanda tinha um corpo igual ao de uma garota, só que ainda melhor. Era esguia, alongada e seus seios tinham mais volume do que ele esperava. Ele não conseguia se afastar um milímetro dela. Amanda disse que o amava assim que ele a penetrou, e mal pôde respirar quando começaram a se mover vagarosamente. Ela nunca sonhara com algo assim, nem passara por isto antes, nem com o marido nem com nenhum dos dois homens que vieram antes dele. Para uma jovem em Hollywood naquela época, até que Amanda fora atípicamente casta, mas neste exacto momento não existia qualquer passado para eles. Tudo o que compartilhavam era sua paixão e o presente. E, quando gozaram, ela sentiu como se o universo tivesse explodido em sua cabeça. Amanda relaxou completamente, acalmando-se pouco a pouco. Ela adorou os gemidos dele, e o modo como a tocara, e a sensação de tê-lo dentro de si. Ela era inteiramente dele agora. Acabou dormindo em seus braços, muito depois da meia-noite. Não havia qualquer sinal de pesar ou de arrependimento. E nenhuma satisfação a dar. Até a manhã seguinte.

Ela acordou em seus braços, Jack acariciou-lhe os seios, sorrindo para ela, e a luz do sol invadiu o quarto que ela dividira com o marido. Amanda ficou quieta, deitada, por um bom tempo, e então olhou para Jack, sem saber ao certo se queria rir ou chorar, ou fazer amor com ele de novo, e no fundo querendo fazer as três coisas ao mesmo tempo. Em vez disso, saiu vagarosamente da cama, andou pelo quarto e virou-se para olhar para ele, como uma jovem antílope, e toda a sua glória.

- Tudo bem? - Ele a observou, cheio de desejo novamente, mas repentinamente preocupado. Ela parecia diferente.

-- Não sei direito - disse, e então sentou-se na cadeira ainda nua, olhando para ele, tentando decidir se era louca ou se estava apenas muito feliz. - Não posso acreditar que fiz isso a noite passada. - Nem ele, mas nunca estivera tão feliz em sua vida, e não queria desistir dela agora. Jack sabia quem e o que ela era, e a queria desesperadamente. E Amanda disse na noite anterior que o amava.

- Só não me diga que embebedei você... isso me mataria.

- Você não fez nada disso. - Olhou para ele nervosamente por baixo de suas pálpebras. - Mas eu estava bêbada? - Ela parecia assustada.

- Não vejo como... você só bebeu duas taças...

- Foi a lareira... e você me beijando... e...

- Amanda, não faça isso. Pare de se torturar. - Ele atravessou o quarto para ficar perto dela. Ajoelhou-se ao seu lado, seu próprio corpo mostrando-se tão em forma quanto o dela.

- Fiz amor com você na cama que dividi com meu marido. - Lágrimas encheram seus olhos repentinamente enquanto olhava para ele. - Não consigo acreditar que fiz isso. Meu Deus, Jack, que tipo de mulher sou eu? Fui casada com um homem por vinte e seis anos, e fiz amor com você na cama dele! - Ela se levantou e começou a andar de um lado para o outro. Jack fez força para não se deixar irritar com aquilo.

- Não fale como se tivesse cometido um crime, Amanda. Você fez amor comigo, e eu fiz amor com você. Amanda... eu amo você. Pelo amor de Deus, somos adultos. Ainda estamos vivos... meu Deus, você ainda está viva!... e estou mais vivo do que jamais estive em vinte ou trinta anos, talvez até na minha vida inteira. - O telefone tocou quando ele acabou de falar. Amanda não fez qualquer menção de atender. Ela não dava a mínima para quem estava ligando. Tudo o que podia pensar agora era em sua traição ao marido.

- É a cama dele. Nossa cama. - Ela chorava copiosamente enquanto ele a observava andar sem parar, com medo de tocá-la.

- Então compre uma nova - explodiu ele, sem pensar. - Essa é a sua cama, pelo amor de Deus. Nós faremos no chão da próxima vez... ou na minha casa...

- Você precisaria de um exorcista para purificar sua cama! - disse ela, por entre as lágrimas, e ele riu.

- Querida, acalme-se... por favor... isso é só um trauma. É a primeira vez. Eu entendo. Por Cristo, foi o melhor sexo que já fiz... nós nos amamos... passamos a semana inteira juntos e estamos loucos um pelo outro. O que você espera? Deus, nós vimos todos os piores filmes que estavam em cartaz. O que mais quer? Um noivado de dois anos?

- Talvez. Não faz nem um ano que ele morreu. - Ela se sentou novamente, e chorou como uma criança, e tudo o que ele ousou fazer foi entregar-lhe um lenço.

- O aniversário da morte dele é daqui a três dias. Nós vamos esperar. Vamos esquecer o que aconteceu.

- Melhor assim. Voltaremos a ser amigos. Vamos ao cinema, e não faremos sexo de novo. Nunca. - Ela estava tentando acertar as coisas consigo mesma, mas ele estava querendo ir em frente. Ele a amava demais para perder qualquer parte dela, particularmente as partes que tinha descoberto na noite anterior.

- Não vamos perder a cabeça por causa disso, está bem. Vamos tomar uma xícara de café e um banho, depois daremos uma volta bem grande por aí. Você vai se sentir melhor.

- Sou uma vagabunda, Jack. Exactamente como as outras garotas com quem você dorme. - O telefone tocou de novo, e os dois ignoraram.

- Você não é nenhuma vagabunda. E eu não durmo com mais ninguém além de você. Será que não entende? Não olho para outra mulher desde que você apareceu naquela festa na loja. Você acabou com a vida que eu levava, mas não vou deixar que acabe com o que estamos vivendo. Nós nos amamos, e você tem direito a isso. Entendeu?

- Não tenho o direito de dormir com ninguém na cama do meu marido. - Amanda estava confusa, e Jack começava a se exasperar. Acabou chegando mais perto dela, pegou firme em suas mãos, e levantou-a.

- Venha, vamos tomar uma xícara de café. - Nenhum dos dois fez nada para se cobrir e nem passou pela cabeça dela que estava completamente à vontade diante dele. Era como se estivessem juntos há anos.

Ele preparou uma xícara de café, nu, na cozinha, e passou-a para ela. Ela bebia café puro, e este estava tão quente que desceu queimando. Já estava um pouco mais calma quando se sentaram juntos à mesa da cozinha. O ambiente estava abafado, e ficaram ali, juntos, nus e bebendo o café quente.

- Você quer ler o jornal? - perguntou ela, casualmente, sentindo-se de repente como uma esquizofrênica de marca maior. Num momento, estava completamente à vontade com ele, no outro, falava coisas sem nexo, acometida por culpa e angústia. Mas estava se sentindo bem de novo agora, e ele concordou.

- Quero. Adoraria dar uma olhada no jornal de hoje.

- Vou pegar lá fora.

Ela andou na direcção da porta, com a xícara do café ainda na mão, abriu-a e se abaixou para pegar o jornal. Sua porta da frente era completamente protegida da vista de quem estava na rua, e ela sabia que ninguém a veria. Mas, assim que se abaixou, viu o carro de Jan entrando na casa, e tanto Jan como Paul olharam boquiabertos para ela. Ela pegou o jornal, correu para dentro, e foi directo para a cama jogando o jornal no chão e derramando o café. Jack virou para ela, assustado.

- Você tem que ir embora! - Ela olhava para ele com terror nos olhos.

- Agora!

- Sim... oh, droga... não, você não pode... eles estão lá fora... saia pela porta dos fundos... fica atrás da lavanderia - Ela apontou freneticamente na direcção para onde ele deveria ir.

- Você quer que eu saia desse jeito? Ou posso ter um minuto para colocar minhas roupas? - Mas assim que ele fez a pergunta, a campainha tocou e Amanda quase deu um pulo ao ouvi-la.

- Oh, meu Deus... são eles... oh, meu Deus... Jack, o que vamos fazer? - Ela recomeçou a chorar, e desta vez ele não pôde conter o riso.

- Quem poderia ser a esta hora? Pelo amor de Deus, estamos comemorando o Ano-Novo. Ignore quem quer que seja.

- São nossos filhos, seu idiota. Eles me viram... quando fui buscar o jornal.

- Que filhos?

- Por Deus, quantos filhos nós temos? Jan e Paul. Eles olharam para mim como se eu fosse uma louca.

- Bom, pelo menos eles acertaram em alguma coisa. Você quer que eu atenda a porta e deixe-os entrar?

- Não... quero que você vá embora... não... quero que você se esconda no quarto.

- Calma, querida. Apenas vá lá e diga que você está ocupada e que eles voltem mais tarde.

- Certo. - Ele foi rápido até o quarto e fechou a porta. Com as mãos tremendo, Amanda destrancou a porta e abriu o suficiente para que vissem apenas seu rosto e para que ela pudesse falar com a filha. - Oi. - Ela abriu o maior sorriso para eles por detrás da porta. - Feliz Ano Novo.

- Mãe, você está bem?

- Não, na verdade... sim... Estou bem. Estou meio nada... Estou com dor de cabeça... Ressaca, sabe? Bem, verdade, não estou. Tomei duas taças de champanhe ontem à noite. Acho que sou alérgica a champanhe.

- Mãe, por que você foi nua até a porta? Os vizinhos poderiam tê-la visto.

- Ninguém me viu.

- Nós vimos.

- Sinto muito. Bem, obrigado por você ter vindo, querida. Por que vocês dois não voltam mais tarde? Hoje à noite, talvez. Seria perfeito. - Suas palavras saíam como dardos.

- Por que não podemos entrar agora? - Jan parecia extremamente preocupada, mas Paul resolveu não insistir. Era obviamente a hora errada. Eles tentaram ligar antes, mas ela não atendera ao telefone. Pensaram que ela poderia nem estar lá.

- Vocês não podem entrar por causa da minha... da minha dor de cabeça... Eu estava dormindo.

- Você não estava dormindo. Já veio até buscar o jornal aqui fora. Mãe, o que está acontecendo?

- Nada. Eu amo você. Liguem-me da próxima vez que quiserem aparecer por aqui. É mais educado, querida... é falta de educação aparecer assim... mas estou feliz que tenha vindo... Falo com você mais tarde... - Ela acenou brevemente e fechou a porta na cara deles. Os dois ficaram parados na frente da porta por um minuto e então se viraram e voltaram para o carro, meio confusos. Só quando entraram no carro de novo é que Jan olhou para o marido com os olhos cheios de preocupação.

- Você acha que minha mãe está com algum problema com a bebida?

- É claro que não. Ela só não queria visitas a essa hora. Tem esse direito. Bem, talvez esteja tendo um caso com alguém, e o cara ainda pode estar lá dentro. Ainda é jovem o suficiente para fazer algo assim, você sabe... e seu pai já morreu há um ano... - Ele ficou surpreso com a própria sugestão e Jan olhou para o marido, sentindo-se ultrajada.

- Você está louco? Minha mãe? Você realmente acha que ela faria isto? Não seja ridículo, só porque seu pai nunca sai da cama, na idade dele, não significa que minha mãe vá se comportar deste jeito. Paul, isto é nojento.

- Coisas estranhas acontecem.

Eles já estavam a meio caminho de casa quando Amanda voltou para o quarto. Jack desligou o chuveiro e sorriu quando ela fechou a porta do quarto e se encostou nela, como estivesse fugindo da Interpol num país estrangeiro.

- O que disse a eles? Que eu mandava lembranças? - Ele ficou surpreso com a reação dela.

- Essa é a coisa mais constrangedora que já me aconteceu na vida. Minhas filhas nunca vão me perdoar.

- Por quê? Porque você não deixou Jan entrar? Eles deveriam ter ligado antes.

- Eles ligaram. Nós é que não atendemos.

- Eles não deveriam ter aparecido. Simples assim. Você quer tomar um banho?

- Não. Eu quero morrer. - Amanda se jogou na cama e Jack se sentou na beirada, olhando para ela com uma afeição profunda.

- Você se coloca numa situação muito ruim. Sabe disso?

- Eu mereço - disse ela, com lágrimas nos olhos novamente. - Sou uma pessoa terrível, e um dia minhas filhas saberão disso. - Então olhou para Jack ainda deitada. - Você não vai contar nada para Paul, Oh, meu Deus... ele vai falar para Jan, que por sua vez vai dizer para Louise...

- E, antes que você perceba, já terá virado manchete dos jornais. Diabos, querida, Paul e eu sempre falamos das mulheres com quem eu durmo. Você não pode tirar isso de mim agora. Ele vai pensar que fiquei muito velho para essas coisas...

- Oh, meu Deus. Apenas me mate. - Ela virou de bruços e encostou o rosto no travesseiro enquanto ele ria para ela e se inclinava para beijá-la nas costas. Ele a beijou do pescoço às nádegas. E quando massageou suas costas por um minuto, e Amanda virou-se lentamente, com um olhar que o fez lembrar da noite anterior, isso causou um efeito impressionante e instantâneo em Jack. Ela envolveu-o em seus braços. Sem dizer uma palavra, ele se inclinou para baixo e beijou-a, querendo-a mais do que nunca.

- Eu amo você, sua doida... Que manhã...

- Amo você também - sussurrou ela, a voz rouca, e puxou-o em sua direcção. Só que, desta vez, Jack resolveu fazer uma pergunta.

- Espere um minuto, antes que você me coloque dentro deste moinho de vento de novo, gostaria de ir para outro quarto, ou sair da cama, talvez... o que você acha do sofá ou da banheira? - perguntou, acariciando-lhe gentilmente os seios e deixando as mãos descerem calmamente.

- Deixa pra lá... está tudo bem... - Amanda sorriu e Jack não pôde conter uma risada.

- Você diz isso agora... mas e depois? - sussurrou ele.

- É provável que você tenha de fazer amor comigo de novo, só para me acalmar... Acho que isso tem um efeito calmante... é muito terapêutico... - disse ela, procurando por ele e tocando-o com os lábios até que ele começasse a gemer baixinho. - Eu amo você, Jack - disse, ao tocar nele novamente.

- Amo você também, querida - disse Jack, e então a paixão tomou conta, e a loucura da manhã foi instantaneamente esquecida.

 

O restante do feriado do Ano-Novo transcorreu pacífico. Jan ligou para a mãe a fim de se certificar de que estava tudo bem, e Amanda tratou de tranquilizar a filha. Ela ligou para Louise, também, e Jack ligou para Julie, e depois para Jan e Paul, desejando a eles um feliz Ano-Novo.

Jack e Amanda ficaram na casa dela no primeiro dia do ano, fizeram amor mais uma vez naquela tarde, e à noite foram para Malibu. Ele tinha uma casa lá, pequena mas confortável, na qual vivera durante muitos anos, cheia de objetos queridos e charmosamente antigos. Havia cadeiras confortáveis de couro, mesas cobertas de livros, e algumas obras de arte lindas. Amanda ficou surpresa ao descobrir como se sentia em casa ali.

Eles andaram na praia no dia seguinte, de mãos dadas, e falaram sobre seus filhos. Amanda ainda estava preocupada com Jan, e tinha esperanças de que a filha conseguiria engravidar.

- Vai ser um baque se ela não conseguir - disse Amanda, com pesar. Ser mãe era uma coisa que significava muito para ela. Era fácil imaginar como seria traumático para ela não realizar este sonho.

- E quanto a você? - perguntou Jack, a caminho da casa naquela tarde.

- Quanto a mim o quê? - Ela não entendeu a pergunta.

- Não quero que você engravide - disse ele, honestamente. - Acho que ainda corremos este risco. - Aos cinquenta, Amanda ainda estava no auge, e era tão jovem em tantos aspectos, que Jack achava que seu corpo não mudara em nada ainda. De qualquer maneira, eles tomavam cuidado, porque Jack tinha consciência do risco da AIDS, principalmente por causa de sua vida preversa na libertinagem, Mas a preocupação não era tão grande porque ele ficara inativo durante algum tempo, não muito por convicção, mas por coincidência e devido às circunstâncias, e também por causa da enorme demanda da temporada de Natal na Julie's, E desde que Amanda cruzara seu caminho, ele perdeu interesse por qualquer outra mulher. Jack pretendia parar de usar camisinha depois que chegasse o resultado do último teste de AIDS a que se submetera, e que ficaria pronto em alguns dias. Mas a última coisa que queria era que Amanda engravidasse.

- Nunca pensei nisso - disse ela, olhando para Jack. Ela fora fiel ao marido durante 27 anos, incluindo o ano posterior à sua morte. - Não consigo nem imaginar que na minha idade isto possa vir a ser um problema. - Ela não engravidara em vinte anos, não desde um descuido que tivera quando Jan estava no jardim de infância. Ainda se lembrava de como ficara chateada e de como aquilo tinha sido traumático. Mas o pensamento de ficar grávida agora era tão absurdo... E foi o que disse para ele.

- Isso não é nem metade tão absurdo quanto imaginar uma fuga minha para o Brasil, ou como eu resolver me alistar na marinha mercante - disse bruscamente e ela riu, mas ele não. Já passara por esta situação muitas vezes em todos esses anos. Mulheres que diziam estar grávidas dele, que ligavam para dizer que a menstruação atrasara, ou que tinham esquecido de tomar a pílula. Era uma dor de cabeça constante.

- Bem, espere um pouco - sorriu ela. - Um dia desses acho que não será mais problema. - Ela pensava na menopausa, mas ainda não havia qualquer sinal dela. Seu médico dissera que poderia não acontecer nada por mais um ano ou dois, de repente mais. E ao contrário de Jan, ela nunca teve problemas em engravidar.

- Mal posso esperar - ele fez uma careta, mas também concordava com ela. Mesmo que tecnicamente ainda houvesse a possibilidade de Amanda engravidar, aos cinquenta era mais ou menos improvável.

Jack preparou o jantar para ela naquela noite, e os dois se sentaram à frente da lareira e ficaram admirando a lua que jazia refletida sobre o oceano. Aquele lugar era mais tranquilo para Amanda, pois não tinha que pensar em Matt. De repente, parecia estar vivendo uma vida inteiramente nova com Jack Watson. Ela achava surpreendente o facto de, depois da agonia do último ano, e de ter sentido que sua vida terminara, voltar a se sentir assim, renovada, jovem e viva, como se tivessem sido feitos um para o outro. Ela ficava tentando descobrir se era errado ir por esse caminho, mas sabia que, mesmo se fosse, não havia mais como voltar atrás. Tudo o que queria era estar com ele.

Sentiram-se meio órfãos quando ele teve de voltar a trabalhar. Amanda não sabia o que fazer, e Jack ligava para ela uma meia dúzia de vezes durante o dia. Ia à casa dela para almoçar, para fazer amor, ou apenas para ficar ao seu lado. E, quando ele voltava para a loja, ela sempre pensava em milhões de razões para ligar, ou para perguntar-lhe alguma coisa.

- Estou sendo uma chata? - perguntou Amanda, certo dia. Era a segunda vez que ligava em menos de uma hora, E ele a havia deixado em casa apenas uma meia hora além disso. Eles iriam ao restaurante tailandês favorito deles à noite. Era o esconderijo perfeito. Sabiam que não iriam deparar com nenhum conhecido lá. Ela ainda não queria dar de cara com as filhas naquelas circunstâncias. Pelo menos naquele momento, eles concordaram em manter o romance em segredo.

- Você nunca é chata. Adoro falar com você - sorriu ele, colocando os pés sobre a mesa, quando Gladdie entrou com uma xícara de café e ele agradeceu. E então teve uma idéia. - Por que não vamos a San Francisco no fim de semana? Estou querendo dar uma olhada num novo ponto lá, na Post Street.

- Eu adoraria - respondeu ela. Decidiram ir naquela semana e, depois que desligou, Jack chamou Gladdie em seu escritório.

Ela entrou de cenho franzido, o bloco de anotações na mão.

- Algo errado? - Ele olhou para ela. Nos últimos seis meses, haviam tido seis remessas presas na alfândega.

- Talvez eu não devesse perguntar - disse ela, obviamente preocupada -, mas as crianças estão bem?

- Claro. Por quê? - Ele pareceu surpreso. Talvez ela soubesse de alguma coisa que ele não sabia.

- Reparei que a Sra. Kingston vem ligando para você. Pensei que talvez... Imaginei se Paul e Jan... - Ela estava sem jeito de perguntar. Mas eles estavam casados há três anos, não tinham filhos, e o mundo girava bem rápido em Los Angeles. Talvez estivessem tendo problemas, ela e Jack andavam conversando sobre eles.

- Não. Eles estão bem - respondeu, mostrando um sorriso enigmático, e, quando seus olhos se encontraram, Gladdie ficou pensativa. Ninguém mais ligara para ele desde o Natal. Pelo menos ninguém importante. E quando ligavam, ele fazia com que Gladdie dissesse às “garotas” que estava ocupado. Levou alguns minutos, mas a astuta Gladdie entendeu o que estava acontecendo.

- Sei - disse ela, surpresa. Amanda era demais. Mas Gladdie nunca teria imaginado... a vida é realmente engraçada.

- Só não deixe que ninguém mais saiba, Glad. Não queremos que as crianças saibam ainda.

- Isso é sério? - Ela era tão chegada a ele, e trabalhara durante tanto tempo ali, que se sentia à vontade para perguntar coisas que ninguém jamais ousaria. Ela acabava sempre ficando a par de tudo o que acontecia.

Ele hesitou um instante antes de responder.

- Pode ser... - E então decidiu ser honesto com ela. Estava louco por Amanda. Nunca sentira nada assim por mulher alguma desde Dori, e Gladdie nem a conhecera. Desde que chegara para trabalhar com ele, tudo o que via era uma colecção de mulheres bonitas que entravam e saíam de sua vida. - É sério. - Seus olhares se cruzaram quando ele fez que sim com a cabeça, e parecia mais feliz e jovem do que Gladdie jamais vira antes.

- Uau! Estou impressionada. As crianças vão adorar, não vão?

- Acho que sim, mas Amanda acha que não. Vamos esperar um pouco para ver o que acontece antes de contarmos a eles. - Então Jack pediu que Gladdie fizesse reservas para os dois na suíte presidencial no Hotel Fairmont, e que marcasse uma reunião com o corretor de imóveis para ver o ponto na Post Street.

Eles voaram para San Francisco na sexta-feira à tarde, e, ao andar por aquela suíte fabulosa com uma vista inesquecível, Amanda sentiu-se em lua-de-mel. Eles jantaram no Fleur de Lys na primeira noite, e comeram na suíte na noite seguinte. No sábado, foram conhecer o ponto comercial. Jack ficou excitadíssimo com o local. Apesar das dores de cabeça inevitáveis resultantes de se abrir uma nova loja, ele morreu de amores pela idéia de levar a Julie's para San Francisco e externou sua decisão para Amanda.

- Devo ser louco só de pensar nas dores de cabeça que virão com isso na minha idade. - Mas, ultimamente ele vinha se sentindo trinta anos mais novo, desde que começara a sair com Amanda. E não conseguiu mais parar de falar de suas idéias para a nova loja, a arquitetura, a decoração, as mercadorias diferenciadas que gostaria de vender ali. Sentia-se como uma criança novamente. Sempre tivera uma atração por San Francisco.

Ele realmente não se importaria em ter de passar algum tempo ali, particularmente se Amanda estivesse com ele. Eles falaram sobre isso enquanto voltavam a pé para o hotel, vindo da Union Square. Era uma caminhada e tanto naquela ladeira íngreme, e os dois estavam sem fôlego, mas muito animados, quando chegaram de volta ao Fairmont. Jack estava com um humor óptimo, assim como Amanda, especialmente quando passaram o resto da manhã na cama.

Ela odiou ter de voltar no domingo. Aquele fim de semana foi perfeito. Na segunda-feira tinha um almoço marcado com as filhas no Bistrô. Louise estava bem, mas Jan parecia um tanto deprimida, e Amanda estava preocupada com a possibilidade de a filha ter tido más notícias do médico. Mas, antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa às filhas, elas comentaram o facto de a mãe estar muito bem.

- Você está óptima, mãe - disse Jan, aliviada. Ela ficara preocupada com a mãe desde o Ano-Novo. Talvez aquela tenha sido apenas uma manhã ruim, mas o comportamento da mãe foi muito estranho.

- Obrigada, querida. Você também. - Mas o olhar de Jan era extremamente triste. Estavam no meio do almoço quando ela trouxe o assunto à tona.

- Bem, Paul finalmente foi ao médico - disse ela, depois de uma pausa, e as lágrimas tomaram conta de seus olhos enquanto continuava a falar. Amanda chegou mais perto da filha e tocou sua mão. E, pela primeira vez na vida, até Louise parecia preocupada com ela.

- E? - inquiriu a irmã. - Ele é estéril?

- Não - respondeu Jan, enxugando uma lágrima -, ele é normal. E eu também. Eles não fazem idéia de por que não engravidei ainda. Disseram apenas que pode levar mais algum tempo, ou talvez que nunca venha a acontecer. Disseram que, algumas vezes, até mesmo pessoas perfeitamente saudáveis não conseguem engravidar. Ninguém sabe por quê. Acho que não era para acontecer mesmo. - Ela recomeçou a chorar e Amanda procurou por um lenço na bolsa. Jan assuou o nariz, suspirou e continuou. - Talvez nunca tenhamos filhos. Sondei Paul de novo a respeito da possibilidade de adoção e ele disse que, se fosse assim, preferia não ter filhos. Ele só quer um bebé se este fizer parte de sua família biológica, o que elimina qualquer possibilidade de adoção. - Ela parecia arrasada e Amanda ficou com o coração partido.

- Ele ainda pode mudar de idéia, querida. E você ainda pode engravidar. Tenho certeza de que vai conseguir. Às vezes demora um tempo para algumas pessoas. E, depois, você vai acabar tendo quatro de uma vez e vai desejar poder parar de ter tantos filhos. - Ambas tentaram animá-la, mas era óbvio por seu olhar que Jan não estava aceitando nada do que diziam. E, à noite, quando Amanda contou a Jack o que acontecera, ele ficou penalizado pêlos dois.

- Pobres crianças. Puxa, e quando penso nas tantas vezes em que o provoquei! Ele deve estar pronto para me matar.

- Não sei se Paul está tão chateado quanto Jan - disse Amanda, pensativa. Ela estava profundamente preocupada com a filha. Ela parecia bastante deprimida e desesperançada.

- Talvez, se eles esquecessem disso por algum tempo simplesmente aconteceria.

- Foi o que eu disse para ela. Mas acho que, numa circunstância como essa, é só no que se pode pensar. Tenho amigas que passaram por isto. - Ele concordou e mudaram de assunto. Eles sempre pareciam ter mil coisas para dizer um ao outro. Ele falava bastante sobre a loja, e pedia sua opinião a respeito de mercadorias que estava comprando, particularmente as mais bem-acabadas. Ela tinha bom gosto e um óptimo olho, e já dera sugestões bastante úteis. E, agora, Jack estava particularmente interessado em suas idéias para a loja que estava planejando abrir em San Francisco. A inauguração só aconteceria depois de um ano ou mais, mas ele queria começar as obras.

Amanda adorava ir à loja na Rodeo Drive para visitá-lo e Gladdie ficava impressionada toda vez que a via. Não havia dúvida de que Amanda chamava bastante a atenção, mas era também muito humana, e as duas batiam papo às vezes. Gladdie era a única confidente deles e amava saber esse segredo.

O mês inteiro voou. Eles passaram um fim de semana em Palm Springs e, em fevereiro, ele a levou para esquiar em Aspen. Passaram óptimos momentos juntos e depararam com vários amigos dele, todos os quais reconheciam Amanda. Eles ficavam impressionados em ver Jack com ela e, para constrangimento de Amanda, um jornal de Aspen publicou uma nota sobre eles.

- Espero que ninguém ligue para Los Angeles. Essa seria a pior maneira de as crianças saberem.

- Talvez devêssemos contar tudo a eles um dia desses. - Os dois estavam inseparáveis há quase dois meses. E tiveram o cuidado de evitar a imprensa de Los Angeles, mantendo à distância do tipo de evento que eles cobriam.

Mas, quando ela almoçou com Jan e Louise novamente, Jan estava ainda tão deprimida que Amanda não teve coragem de contar nada. Parecia egoísmo se gabar de sua própria felicidade quando Jan estava tão infeliz. A única vez em que esboçou um sorriso foi quando disse algo sobre o pai de Paul.

.- Paul acha que ele está namorando firme. Parece que tomou jeito. Paul disse que o pai parece estar com metade de sua verdadeira idade e que anda sorrindo à toa. Mas não fala nada sobre ela. Deve ser alguma garotinha de dezenove anos. Mas, quem quer que seja, parece que está conseguindo fazê-lo feliz e mantendo-o longe de problemas.

- Conhecendo-o como nós conhecemos - disse Louise, com olhar de desdém -, eu diria que deve estar saindo com umas cinco logo de uma vez.

- O que é isso, meninas? Pobre homem... ele tem direito à sua própria vida - disse Amanda, com um certo nervosismo, ficando constrangida.

- Desde quando ficou tolerante com ele? - perguntou Louise e então a conversa tomou outros rumos. Amanda que parecia que tinha engolido o guardanapo quando olhou para elas, tentando imaginar como iria contar tudo para as filhas.

Naquela noite, Amanda comentou com Jack o episódio no almoço e ele riu.

- Você age como se esperasse que elas pensem que você é virgem.,.

- Pior. Sou a mãe delas. Você sabe o que isso significa. Nada de sexo, homens, intimidades, excepto com o pai delas.

- Elas são adultas. Vão acabar entendendo.

- Talvez. - Mas ele não a convencera. Ela conhecia as filhas.

Eles estavam indo muitas vezes a Malibu nestes últimos dias. O tempo estava quente, a praia estava divina, e ela adorava ficar na casa dele, ainda mais com sua companhia. Mesmo depois do choque inicial de ter dormido com Jack, Amanda ainda se sentia um pouco desconfortável em sua própria casa. Era mais fácil ficar na casa de Jack. E ela fazia o café da manhã todos os dias, antes que ele saísse para trabalho, e depois voltava para sua casa.

Ela estava preparando ovos mexidos uma semana antes do Dia dos Namorados quando ele entrou na cozinha e surpreendeu-se ao vê-la com um semblante tristonho.

- Alguma coisa errada? - Ela era sempre tão radiante pela manhã, que Jack estranhou aquela expressão em seu rosto. Ele estava com o jornal debaixo do braço e parou para beijá-la no meio do caminho para pegar o café.

- Não sei... não ao certo... Não me sinto bem. - Ela tivera uma dor de cabeça no dia anterior, e estava se sentindo ligeiramente nauseada. Ultimamente, mesmo achando que isso nunca aconteceria com ela, começou a reparar que seu corpo estava sofrendo mudanças. Os sinais eram sutis, mas mesmo assim ela notara e ficara tentando imaginar o que poderia ser. - Os filhos da Louise estavam gripados na semana passada quando fui visitá-la. Provavelmente peguei a gripe deles. - Ela olhou para Jack por sobre o ombro e sorriu. - Não é nenhuma doença terminal. Vou sobreviver.

- Espero que sim - disse ele, parecendo mais alegre e relaxado quando passou para Amanda a caneca de café. Ela a colocou na mesa e foi terminar de preparar os ovos e a torrada. Preparou uma salada de frutas para ele e mordiscou um pedaço de torrada seca ao sentar à mesa, bebendo seu café. Ao tomar um gole, o simples cheiro do café fez com que enjoasse, e ele percebeu. - Você está bem?

- Estou. Mas acho que há algo errado com o café. Será que o pó está velho?

Ele balançou a cabeça, negando, e então pegou o jornal.

- Acabei de comprar esse café. Da mesma marca que sempre compro. Achei que você gostava dele. - Ele ficou meio desapontado. Adorava agradá-la e fazia tudo o que podia para vê-la feliz.

- Normalmente, eu gosto. Não devo estar bem. Mas estarei boa logo. - Mas, assim que ele saiu para o trabalho, ela se deitou, e ainda se sentia nauseada quando Jack voltou para casa mais tarde naquela manhã. Ele ligou para ela e ofereceu-se para encontrá-la em algum lugar para almoçar, mas ela disse que achava melhor ficar deitada até a dor de cabeça passar. E, à noite, quando Jack foi buscá-la, Amanda estava se sentindo melhor. Já estava óptima no dia seguinte. Era claro que tinha sido uma gripe. No terceiro dia, o café estava delicioso, e ela estava radiante como sempre. Isso até o Dia dos Namorados, quando ele deu-lhe de presente uma caixa de bombons.

- Bom Deus! Vou acabar pesando uns duzentos quilos se comer isto.

- Óptimo. Você precisa mesmo de alguns quilinhos. - Ele mandara duas dúzias de rosas vermelhas naquela manhã, e a levaria para jantar no L'Orangerie, dizendo que não dava a mínima se seus filhos os vissem. Ele abriu a caixa de bombons para ela, que escolheu um dos que mais gostava. Mas, no momento em que o colocou na boca, não conseguiu comê-lo até o fim. Ele viu aquela expressão em seu rosto, e levantou uma sobrancelha. - Você está passando mal de novo? - Ela esteve bem durante toda a semana, mas, assim como o café da semana anterior, o bombom fez com que ficasse nauseada.

- Estou bem - assegurou e forçou-se a comer o bombom. Mas, quando Jack pediu caviar no L'Orangerie, Amanda fez aquela cara de novo, e por mais que tentasse, não conseguiu engoli-lo, ainda que normalmente adorasse caviar.

- Acho que deveria ir ao médico. - Ele parecia preocupado. Amanda costumava ser tão saudável, tão exuberante, que esse mal súbito o assustava mais do que poderia confessar.

- Os filhos de Louise estão com esta virose já há três semanas. Honestamente, não é nada. - Mas sua cor estava esverdeada e ela mal tocou na comida.

Apesar de sua preocupação, Jack teve uma óptima noite. Eles estavam bem-humorados, e acabaram dormindo na casa dela. Fizeram amor quando chegaram e aquele foi o melhor Dia dos Namorados que ela já tivera na vida.

E, na manhã seguinte, sentada à mesa da cozinha, ela finalmente concordou em contar tudo para os filhos.

- Por que não dividir nossa felicidade com eles? - perguntou ele. O relacionamento deles era tão maravilhoso que Jack queria que os filhos soubessem o que estavam sentindo.

- Talvez você esteja certo - concordou ela. - Eles já são bem grandinhos para saberem como lidar com isso.

- Espero que sim. Nós somos avós, e se eles não conseguirem aceitar nossa relação, merecem ser espancados.

Naquela tarde, Jack ligou para Julie, e Amanda ligou para Louise e para Jan para convidá-las para jantar na casa de Amanda. Ela faria o jantar e, depois, regados a champanhe, eles contariam tudo. E então, Jack lembrou bem, eles poderiam sair do anonimato e ir a qualquer lugar que desejassem. Só queriam que os filhos soubessem que estavam felizes e apaixonados. Os dois nunca falaram em casamento, e Amanda sabia o quanto Jack era contra esta instituição. Sua primeira esposa o traumatizara para sempre.

Marcaram a data do jantar para a semana seguinte, na qual, milagrosamente, todos estavam disponíveis. Jack prometeu levar o champanhe, e Amanda se ocupou de organizar o jantar. Aquela era uma ocasião muito especial e comovente. E ela não pôde deixar de pensar em Matt naquela tarde, e em como sua vida havia mudado. Ela o amara tão profundamente por tantos anos, mas ele se fora, e ela, não. Sua vida mudara. E, mesmo sendo difícil de acreditar depois de tanto tempo, ela estava extremamente apaixonada por Jack Watson.

Amanda trabalhou freneticamente durante toda a sema na organizando o jantar. Chegado o dia do evento, estava uma pilha de nervos. Mas, quando Jack chegou com o vinho a mesa já estava posta, o jantar pronto e Amanda tinha uma aparência óptima.

- Detesto ter que dizer isto, mas você não parece mãe de ninguém. Certamente não de um bando de crianças da idade que os nossos têm.

- Obrigada - sorriu e beijou-o, sentindo seu desejo ao abraçá-la. Amanda riu quando Jack olhou para o relógio e depois para ela, o que a levou a fazer um movimento de negação com a cabeça. - Nós não temos tempo, seu monstro.

- Bem, se você abrir a porta nua novamente, não teremos que dizer nada. Veja por este lado.

- Mais tarde - prometeu ela, e o beijou de novo. Só o facto de tocar nela o levava à loucura.

Julie, Louise e os respectivos maridos chegaram na hora. Jan e Paul chegaram logo depois. Todos estavam bem-arrumados, e comentaram a respeito de a casa estar linda. Amanda colocara flores por toda a parte, o que emprestava uma aura de celebração ao ambiente. Mas, tanto Jan quanto Louise ficaram bastante surpresas ao ver Jack lá. Ele saiu da cozinha, abrindo uma garrafa de vinho, e cumprimentou a todos de longe; depois deu um beijo em Jan e em sua filha. Julie já captara tudo o que estava acontecendo por ali. Ela ficara se perguntando a semana toda por que ele a havia convidado para jantar na casa de Amanda, e ficou bastante desconfiada. Depois disso, não foi difícil deduzir, pelo menos para ela, o que os dois iriam contar para eles. Tudo o que queria saber era se eles iriam se casar, mas decidiu esperar e ver o que diriam.

Jan tratou-o com frieza e Louise foi incisivamente rude, ignorando-o abertamente. E todos, à exceção de Julie, pareciam preocupados. Julie era adepta do lema “viva e deixe viver”, o que sempre fez com que todos a amassem. Possuía um casamento feliz, filhos óptimos, e sempre amara o pai, apesar de seu comportamento duvidoso. Paul sempre fora mais crítico com relação ao pai, e Julie suspeitava que isso era pura demonstração de ciúmes. Paul era tão mais meigo mas amedrontado, e, ainda que fosse bonito, nunca chegou perto da aparência sensacional do pai. Ao sentar no sofá da sala de estar de Amanda, Paul já estava furioso e começou a trocar olhares de suspeita com a esposa.

A conversa durante o jantar foi tensa, ainda que a comida estivesse óptima, e era óbvio que Amanda estava passando por momentos de turbulência. E Jack fez o melhor que pôde para ajudá-la, demonstrando tranquilidade ao falar com todos, tentando puxar assunto com eles, mas era como tentar arrastar um piano de cauda. E, finalmente, na sobremesa, ele serviu o champanhe, deu uma olhada em todos, e disse que havia algo que ele e Amanda gostariam de dizer.

- Oh, Deus, não acredito - disse Louise em voz alta.

- Por que não espera até nós acabarmos? - interveio Jack, com delicadeza, e ela lançou-lhe um olhar furioso. Jamais gostara dele. E nem Amanda... ela teria adorado lembrar isso à mãe naquele momento. - Sua mãe e eu - ele olhou para Jan e Louise, e depois para seus filhos -, Amanda e eu estamos saindo juntos há algum tempo. Gostamos muito da companhia um do outro, e estamos felizes assim, e gostaríamos que vocês soubessem disto. Só isso nada mais, mas achamos que vocês deveriam saber o que estava acontecendo entre nós e tínhamos certeza de que ficariam felizes por nós. - Ele sorriu para a mulher que trouxera tanta alegria para sua vida nestes últimos dois meses e meio.

- Bem, não estejam tão certos - disse Louise, destilando seu veneno, e Amanda ficou ao mesmo tempo angustiada e atemorizada. - Isso é ridículo. Vocês nos trouxeram aqui para dizer isso? Que estão dormindo juntos, esperam que nós os parabenizemos por isso? É muito desagradável.

- Assim como a sua atitude, Louise - disse Amanda, com firmeza. - É algo extremamente rude de se dizer. - Ela deu um olhar pedindo desculpas a Jack, e voltou a olhar para a filha.

- Isso é algo rude de se fazer - replicou Louise, em fúria declarada. - Trazer-nos aqui, para a casa de meu pai, para contar que estão tendo um caso. Meu Deus, onde está a sua decência, mãe? E quanto a papai?

- Quanto a seu pai? - exclamou Amanda, olhando directamente para a filha. - Eu amei demais o seu pai, e você sabe disso. Mas ele se foi, Louise. Foi um terrível choque para todos nós, especialmente para mim. Houve momentos no último ano em que pensei que não iria sobreviver, em que até quis me matar porque não queria viver sem ele. Mas tenho o direito de recomeçar minha vida, e Jack tem sido maravilhoso para mim. - Amanda chegou perto dele, tocou sua mão e dirigiu-lhe o olhar. Jack parecia chateado e preocupado. - Ele é um homem gentil, decente, e me faz muito feliz, Louise.

- Por que você não nos fala também de sua vida sexual, mamãe? E há quanto tempo isto já vem acontecendo? Começou antes da morte de papai? Você estava tendo um caso com ele já naquela época? É isso?

- Louise! Como se atreve a dizer uma coisa dessas?! Você sabe que não é verdade. Comecei a sair com Jack depois que a Jan me levou a uma festa na Julie's.

-- Oh, meu Deus... Não posso acreditar... - Jan olhou Para a mãe e começou a chorar, e Paul lançava olhares inflamados para o pai. Jerry, o marido de Louise, ficava olhando para o prato, e desejando não ter que estar ali. Aquilo não era problema seu.

- Por que vocês não se acalmam por um minuto e começam a agir como se todos fôssemos pessoas adultas, hem? - Julie era a voz da razão, e Amanda ficou repentinamente grata a ela, ainda que mal a conhecesse.

- Acho que esta é uma boa idéia - disse Jack, durante a pequena brecha em que todos tentavam reorganizar suas forças. - Vamos tomar champanhe. - Ele serviu o champanhe para todos, e um silêncio mortal inundou a sala. Ele pegou sua taça, e levantou um brinde à Amanda. - Para você, querida, obrigado por este jantar maravilhoso. - Havia lágrimas nos olhos de Amanda, e ninguém mais tocou em suas taças.

- Então, quando é que vocês vão se casar? - Louise olhava para eles com revolta e fúria.

- Nós não vamos nos casar. - Jack respondeu pelos dois. - Não há razão para isso. Não temos a idade de vocês, Não planejamos ter filhos. Podemos levar uma vida agradável juntos sem precisar oficializá-la legalmente. - Julie sorriu. Ela o conhecia bem e o quanto ele odiava até mesmo o conceito de casamento. - Ninguém vai perder dinheiro com esse negócio, se é essa a preocupação de vocês. - Jack estava ficando bastante irritado com eles e Amanda percebeu isso em sua voz. - Ninguém vai perder nada. Mas vocês ganharam pais felizes. Amamos vocês e queremos compartilhar nossa felicidade. Não acho que seja pedir muito, que vocês se sintam felizes por nós, e que ajam com simpatia. - Ele ficou furioso com a reação deles.

- Como você pôde fazer isso, mãe? - perguntou Jan com lágrimas escorrendo por seu rosto. - Você odeia ele. - disse, fulminando Jack com o olhar. Ele riu, dando o braço para Amanda.

- Acho que não, Jan. E nós nos preocupamos demais com sua felicidade e de Paul. Falamos de vocês o tempo todo... por isso é tão importante para nós contar para você.

- Bom, acho que vocês dois são deploráveis e patéticos - disse Louise, levantando-se da cadeira. - Pessoas da idade de vocês não devem sair por aí arriando as calças. Meu pai só está morto há um ano e, pelo que vejo, a velhinha transviada aí não via a hora de sair para se divertir.

- Louise! - Amanda levantou-se com fúria nos olhos. - Você se lembra de como eu fiquei deprimida, e o quanto vocês duas ficaram preocupadas comigo?

- Mal sabíamos o que você faria quando se recuperasse. Bem - disse ela com desdém, lançando um olhar severo para o marido, que logo se postou a seu lado -, a noite foi bastante agradável, e espero que os dois coelhinhos sejam muito felizes. - Com isso, Louise andou decididamente até à entrada, pegou seu casaco e bateu a porta, saindo, enquanto Jan voltava às lágrimas e Paul a abraçava.

- Jan, por favor - disse Amanda, com um olhar de tristeza. Aquela noite fora terrível para todos eles, mas pior para Jack e para ela.

- Mãe, como pôde fazer isso? Por que nos contou? Não imagina o quanto isso é constrangedor? Não queremos saber nada.

- Por que não? - perguntou Jack, sem pestanejar. - Por que sua mãe deve se privar de compartilhar sua vida com você? Você não quer vê-la feliz? - Aquela frase pareceu tão razoável que Jan olhou para ele e parou de chorar.

- Por que ela não pode ser feliz sozinha, com a lembrança de papai?

- Porque ela é jovem, cheia de vida e uma mulher linda, Jan. Por que deveria ficar sozinha? É o que você faria se algo acontecesse a Paul?

- É diferente.

- Por quê? Porque você é mais nova que ela? Até as pessoas da nossa idade têm o direito de buscar uma companhia, de correr atrás da felicidade, do amor...

- Não se trata de amor - disse Paul, sombriamente. - Todos conhecemos você, pai.

- Talvez você não me conheça tão bem quanto pensa, filho.

- Estou feliz por vocês, pai - disse Julie, calmamente e contornou a mesa para beijá-lo, depois foi até Amanda e fez o mesmo. Ela agradeceu com lágrimas nos olhos, fora a única a agir de maneira decente com eles. Os outros pareciam saídos de um pesadelo.

- Sinto muito que isto esteja sendo tão difícil para você - disse Amanda, com um tom de voz mais tranquilo e enxugando os olhos com o guardanapo. Ela sentia como se fosse começar a chorar copiosamente a qualquer momento, não queria dar a eles mais esta satisfação, o que era extrema mente difícil de segurar. - Não queríamos chatear vocês, pareceu mais honesto contar tudo. Não queríamos ter que mentir. - E olhou para Jan. No mesmo instante, Jan se deu conta de que Paul estivera certo com aquela sugestão absurda que dera no Ano-Novo. Havia um homem na casa. O pai dele. Ela fechou os olhos, horrorizada.

- Esperamos que vocês se acostumem, com o tempo - disse Jack.

Paul murmurou algo a Jan e os dois se levantaram e saí ram da mesa, indo colocar seus casacos.

- Estamos indo - disse Jan, parecendo uma criança enraivecida ao olhar para eles já na porta. Era exactamente o modo como teria olhado aos cinco anos de idade, preparando um ataque de fúria.

- Amo você - disse Amanda, com tristeza, muito sentida para se levantar ou para impedir a filha de ir embora. E a porta se fechou de leve atrás deles. Com isso, Julie e o marido se levantaram e ela foi novamente para perto do pai. Era uma garota bonita e parecia-se muito com ele.

- Sinto muito, pai. Eles foram horríveis.

- Foram mesmo. - Jack olhou para Amanda com uma expressão de preocupação no rosto. Ela havia previsto que seria difícil para eles, mas ninguém poderia esperar um momento tão violento como aquele.

- As meninas vão acabar superando. Acho que essa reação foi causada pelo choque de saber que seu pai foi substituído de alguma forma - então ela riu - é difícil pensar em nossos pais se divertindo... e fazendo sexo. Ela enrubesceu. - O que esperamos de vocês é que sejam instituições, não pessoas - disse sabiamente, e o pai sorriu para ela com orgulho. Era uma jovem-mulher extraordinária. As outras também, mas não tinham a grandeza de espírito de Julie.

- Acho que foi demais para eles. Você estava certo. - Jack olhou para Amanda. - Não deveríamos ter contado nada.

- Estou feliz que o tenhamos feito - disse ela, o que o surpreendeu totalmente. Ela saiu do lugar que ocupava à mesa e foi para perto dele, com Julie e o marido. - Fizemos a coisa certa, e se eles não podem viver com isso ou até mesmo tentar lidar com a situação, não é problema nosso. Temos direito a ser mais na vida do que apenas pais. A única coisa que me incomoda é que nunca me dei conta de que tinha filhas tão egoístas. Mas não vou desistir da minha vida por causa delas. Não deixarei de estar à sua disposição para o que precisarem, ou de amá-las, e se não conseguem me apoiar num momento como esse, quem perde são elas. - Então Julie a abraçou e o queixo de Amanda tremeu quando retribuiu o abraço. Alguns minutos depois, Julie e o marido foram embora, e Jack pegou Amanda nos braços, o que a fez soluçar, tomada por um sentimento de tristeza profunda. Ele sentiu muito por ela. A noite tinha sido muito frustrante.

- Sinto muito, querida. Que bando de filhos horríveis nós temos - disse ele com um sorriso nos lábios. Sentia raiva deles por terem magoado Amanda.

- Os seus são legais, pelo menos Julie. As minhas duas é que são terríveis.

.- Elas querem o pai de volta. E não acham que você tem direito a viver com mais ninguém por perto. Simples assim, não é nada pessoal. Compreendo. Mas odeio que façam isso com você. Elas vão acabar superando.

- Talvez. - Ela não parecia muito convencida, mas pelo menos aquela reação não fez com que se arrependesse de nada do que tinha feito. Aquilo tudo só a aproximou mais de Jack. Naquela noite, os dois foram para Malibu depois que Amanda arrumou a sala de jantar e colocou a louça na máquina de lavar. Ela não queria ficar na casa onde suas filhas tinham sido tão desagradáveis com eles. Queria ficar na casa de Jack, em sua cama enorme e confortável, em seus braços, esquecendo de tudo o que havia acontecido.

Ela ainda parecia estar triste quando foram para a cama naquela noite. Ele aninhou-a em seus braços, e os dois ficaram conversando durante um bom tempo sobre tudo aquilo. Ele desejava que houvesse uma maneira de amenizar a situação.

- Dê tempo a eles, querida. Acho que, mesmo na idade deles, nossa relação representa um grande ajuste que terão que fazer em suas cabeças.

- Elas são felizes. Por que não posso ser também?

- Porque é a mãe delas. Você ouviu o que Julie disse. Não se espera que os pais, e certas pessoas na nossa idade, façam sexo, Deus me perdoe. Eles acham isso deplorável.

- Se eles soubessem... é muito melhor do que na idade deles.

- Shhh... vamos manter isso em segredo! - disse Jack e beijou-a com ternura. No momento seguinte, Amanda pôde sentir como ele estava excitado e o quanto a desejava. Ela também o queria com a mesma intensidade. Fizeram amor vorazmente e, depois, ele ouviu um risinho de leve na escuridão. - Do que está rindo? - Mas ficou contente por perceber que, obviamente, ela estava se sentindo melhor.

- Naquela manhã do Ano-Novo, quando Jan me viu pelada na porta e em que eu não a deixei entrar. Ela deve estar colocando os pingos nos is. Acho que fiquei parecendo uma idiota.

- Você parecia muito bem, na minha opinião... “idiota” não seria a palavra que eu usaria para descrever você. - ela fora uma boba naquele dia, e ambos sabiam disso.

Ela entrara em pânico total.

. - Talvez devêssemos oferecer as crianças em adoção - disse, sonolentamente, virando de lado, de frente para ele, ao que ele lhe deu um beijo.

- Óptima idéia. Vamos convidá-los para jantar e contamos a eles.

- Hummmm... boa idéia... você traz o champanhe... - Mas ela já estava dormindo em seus braços assim que acabou de dizer isto, e Jack olhou para ela com um sorriso. Amanda era uma mulher e tanto, e ele não desistiria desse amor por nada no mundo, não importa o que os filhos dissessem, se ficassem com raiva ou não. Ele iria se agarrar a ela com toda sua força.

 

O resto do mês de fevereiro passou num piscar de olhos. Até março, as meninas ainda estavam frias com Amanda. Ela e Jack conversavam sobre isso de tempos em tempos, e ele sabia o quanto aquilo a chateava. Mas não havia nada que pudessem fazer, excepto esperar que os procurassem assim que conseguissem aceitar a situação. Jan quase não ligou mais para a mãe. Louise era acintosamente hostil sempre que Amanda ia visitar os netos. No caso de Louise, essa reação era difícil de se entender, já que ela nunca se dera bem com o pai.

Mas Amanda e Jack andavam tão ocupados naqueles dias Que, na maior parte do tempo, ela ficava distraída com outras coisas. Só que não havia como negar que a reação das filhas era um preço muito alto que vinha pagando. Ela parecia ter dores de estômago o dia inteiro, e muitas vezes até a indegestão. E Jack continuava insistindo para que fosse ao médico.

- Já vem acontecendo há algum tempo. Acho que você deveria ser examinada. É possível que esteja a desenvolver uma úlcera.

- Pode ser. - Ela não conseguia beber café há semanas e sentia um cansaço enorme, desde o infeliz encontro com as filhas. Mas achava que isso se devia mais às suas próprias emoções. Amanda odiara vê-las tão enraivecidas. E, de vez em quando, tinha pesadelos com Matthew. Ele sempre a acusava de alguma forma. Qualquer psiquiatra teria dito que ela se sentia culpada. Mas nada disso era suficiente para mudar seus sentimentos. Ela estava mais apaixonada por Jack do que nunca. E o romance ia de vento em popa.

Ele a convidou para assistir à entrega do Oscar em março. A Academia adiantou a data da cerimónia este ano. Jack era sempre convidado por seus clientes mais importantes. Amanda não comparecia há anos, desde que fora premiada, e ficou excitada com a possibilidade de ir com Jack. Ele encomendou um vestido para ela da Julie's. Era um Jean-Louis Scherrer de cetim branco enfeitado com paetês negros nos ombros e uma pequena cauda que se prolongava elegantemente. Quando chegou a grande noite e Jack foi buscar Amanda, a visão que teve chegou a tirar-lhe o fôlego. Ela parecia uma rainha da cabeça aos pés, a grande estrela de cinema que um dia fora. Era como se, com ele, Amanda tivesse recuperado o que havia sido um dia, e acrescentado algo mais. Nos últimos meses, ela adicionara uma camada de felicidade ao seu antigo glamour.

- Uau! - exclamou ele, em admiração. O vestido não parecera nem metade tão bonito quando o vira pela primeira vez. Em Amanda parecia ainda mais requintado, moldando cada polegada de sua maravilhosa silhueta. Seus cabelos longos e loiros estavam arrumados no alto da cabeça em leves cachos, fazendo um estilo francês. E ela usava brincos e pulseiras de diamante. Estava esplêndida. - Você está incrível! - disse Jack, assoviando baixinho. Sua pele era tão pálida quanto o branco do cetim. - Os fotógrafos vão enlouquecer.

- Duvido muito - disse ela, com modéstia, e deu o braço a Jack, indo juntos até a limusine. Ele estava carregando o pequeno casaco de pele branco de Amanda.

Quando os dois saíram do carro na porta do Shrine Auditorium, a multidão aplaudiu Amanda. Eles a reconheceram imediatamente e gritaram seu nome. Assim como Jack previra, uma parede de fotógrafos os engoliu. Ele pôde sentir a mão dela tremendo um pouco, o que o fez sorrir para ela. Seu marido a mantivera longe dali por mais de vinte anos e agora, de repente, ela estava de volta, só que desacostumada com aquilo. A elegância e a graça de Amanda naquele momento faziam com que ficasse ainda mais atraente.

- Você está bem? - perguntou ele, olhando-a com preocupação. Ela parecia um pouco nervosa, mas deu um sorriso e negou com a cabeça.

Conseguiram se livrar da imprensa e da multidão reunida na entrada e foram ocupar seus lugares no auditório, no meio de todas aquelas estrelas que o país inteiro e o mundo todo adorava e ansiava ver. Várias pessoas os cumprimentaram e Jack sorriu para muitos de seus clientes. Ele parecia muito orgulhoso e à vontade, completamente confortável por estar ali.

A cerimónia começou e, como sempre, demorou uma eternidade. As câmeras de TV passavam por eles constantemente e, no final, todos tinham a impressão de ter ficado um ano inteiro ali naquele auditório. Este ano, o Oscar para melhor actor foi dado a um estreante, e o de melhor actriz foi para uma veterana, a grande favorita, que segurou a estatueta no alto e deu um grito de alegria enquanto todos se levantavam e a ovacionavam.

- Até que enfim! - exclamou, com um sorriso enorme no rosto. Ela esperara quarenta anos para ser premiada. E não pôde deixar de lembrar de como se sentira há trinta anos, numa noite como essa. Foi uma das coisas mais excitantes que Já acontecera em sua vida. Agora, tudo parecia tão distante, mas ainda uma lembrança vívida, embora muito menos importante.

- Como foi a sensação de ser premiada? - Jack perguntou a ela com um sorriso, enquanto eles deixavam o auditório no meio de uma multidão que mal parecia se mover, Era pior do que andar no metro de Nova York.

- Foi incrível - respondeu, retribuindo o sorriso. -, Pensei que ia explodir de tão excitada que fiquei. Nunca poderia imaginar que seria sequer indicada, quanto mais que ganharia o prémio. Eu estava com vinte e dois anos... foi maravilhoso. - Era bom poder admitir o quanto aquilo significara para ela. Seu marido jamais gostara de falar a respeito.

Dez minutos depois, mal tinham andado três metros e as pessoas continuavam vindo até eles, para conversar e comentar sobre as premiações, ou apenas para dizer oi, enquanto todos aguardavam para sair do teatro. A imprensa estava dificultando tudo, parando as estrelas na saída e entrevistando-as no meio da multidão, criando engarrafamentos quase impossíveis de transpor.

- Você acha que conseguiremos sair daqui hoje à noite? - Jack Nicholson perguntou ao cruzarem com ele. Amanda balançou a cabeça com um sorriso. Ela nunca fora apresentada a ele, mas era uma grande admiradora.

- Você o conhece? - perguntou Jack, demonstrando interesse.

- Não. Mas adoro seus filmes.

- Podemos alugar um filme estrelado por você algum dia desses - disse. Nunca tinha pensado nisto antes. Ela falava muito pouco de sua carreira. Matthew a ensinara a não fazê-lo.

- Seria deprimente. - Amanda riu. - Não consigo pensar em nada pior do que ver como eu era há trinta anos e depois me olhar no espelho. Além disso, eu não era uma actriz tão boa assim.

Jack balançou a cabeça em desaprovação à sua modéstia. Conseguiram andar alguns centímetros até que ficaram mais uma vez presos no lugar. O calor e a multidão ao redor começavam a se tornar opressivos. Amanda parecia que ia derreter. Dava para imaginar como Jack se sentia dentro do smoking. Mas, apesar do desconforto, as pessoas estavam de bom humor, rindo, falando e acenando para os amigos dos quais não conseguiam se aproximar. Quando Jack viu um de seus clientes favoritos, a uns seis metros deles, Amanda começou a passar mal. Jack gritava fragmentos de uma conversa, apontava para as saídas e dava sinais de impaciência. Amanda então ouviu um zumbido e sua cabeça começou a latejar. Mas Jack não notou nada. Depois de algum tempo, ela deu um puxão na manga do smoking e, ao olhar para ela, Jack ficou surpreso ao ver que se tornara extremamente pálida em poucos minutos.

- Não estou me sentindo muito bem - murmurou para ele. - Está tão quente aqui... Sinto muito...

- Você quer se sentar? - Ele não podia culpá-la. Aquela situação estava provocando uma dor de cabeça nele também, e as luzes das câmeras ainda viradas em sua direcção não ajudavam muito. O calor estava realmente opressivo. Era quase impossível voltar para as poltronas. Eles estavam presos nas laterais e só poderiam chegar lá se fossem voando. Jack percebeu isso assim que acabou de formular a pergunta. Quando olhou para o rosto de Amanda de novo, ela não estava mais somente pálida; estava verde, e piscava como se estivesse com problemas de visão. Jack pegou firmemente em seu braço e tentou tirá-la de onde estavam, ali no meio da multidão, mas sua tentativa foi inútil.

- Jack... - disse ela, sentindo-se cada vez mais fraca e tentando fixar o olhar nele. Assim que Jack virou em sua direcção, suas Pálpebras trepidaram, os olhos reviraram e ela desmaiou. Ele conseguiu segurá-la enquanto a multidão começava a se agitar, provocando um burburinho. Uma mulher deu um gritinho sufocado ao ver o que estava acontecendo. Jack segurou Amanda em seus braços. Alguém começou a gritar. As pessoas tentavam se afastar deles, perguntando o que tinha acontecido. Jack estava morrendo de preocupação.

- Nos dêem um pouco de ar, por favor... afastem-se! -. gritava um homem atrás deles. - Chamem os paramédicos! - De repente, a histeria tomou conta dos que estavam ao redor. Amanda ainda jazia inerte em seus braços. Ele levantou-a no colo e a cabeça de Amanda ficou apoiada em seu peito. Nesta hora, dois porteiros surgiram, como que por encanto, com sal e um saco de gelo, querendo saber exactamente o que estava acontecendo. Mas, no mesmo instante, Amanda começou a se mexer, e olhou para Jack confusa, sem saber o que havia acontecido.

- Você desmaiou, querida... é o calor... fique calma... - E, assim como o mar Vermelho, aquele grupo de pessoas se abriu, movendo-se o suficiente para permitir que ele a carregasse até uma fileira de cadeiras, onde a colocou delicadamente. Em alguns segundos, uma equipe de paramédicos chegou e se aproximou de Amanda, enquanto Jack explicava que ela havia desmaiado.

- Como se sente agora? - perguntou um dos paramédicos.

- Incrivelmente tola - respondeu Amanda, sorrindo sem forças para Jack, com um olhar de quem pede desculpas. - Sinto muito.

- Não seja boba - disse ele, preocupado. Ela ainda estava visivelmente tonta. Não parecia que conseguiria se levantar e sair do teatro andando, mas queria tentar.

- Vou pegar uma cadeira de rodas - ofereceu um dos porteiros e Amanda fez uma cara de horror.

- Não, mesmo... Estou bem... Sairemos daqui quando a multidão tiver dispersado um pouco.

Mas o porteiro sugeriu levá-la para uma saída nos fundos. Jack agradeceu e implorou para que fossem logo. O paramédico garantiu que ela poderia sair, se estivesse bem, mas sugeriu que fosse a um médico pela manhã. Jack reforçou essa ordem com uma expressão severa. Ele vinha insistindo para que ela fosse a um médico há um mês, mas Amanda não lhe dava atenção.

Jack colocou o braço fortemente na cintura dela, servindo de apoio, enquanto se dirigiam à saída junto com os porteiros. Em poucos instantes estavam do lado de fora, podendo respirar direito. Só assim Amanda pôde se sentir melhor. Ela inspirou profundamente e agradeceu a todos, desculpando-se pelo trabalho que causara. Sentiu-se bastante aliviada pelo facto de não ter sido fotografada por ninguém da imprensa. Não havia qualquer pessoa esperando por eles ali fora, e Jack deixou-a com os porteiros o tempo suficiente para achar a limusine. Voltou logo que pôde e colocou Amanda para dentro do carro. Cinco minutos depois, já estavam indo para casa, e ela se deixou afundar no banco com uma expressão de cansaço extremo.

- Sinto tanto - disse ela, pela milésima vez. - Não sei o que aconteceu.

- É por isso que você tem que ir ao médico.

- Acho que foram o calor e a multidão. De repente, não consegui respirar - disse ela, sorvendo um copo de água que Jack pegara do bar da limusine. - As pessoas sempre desmaiam na entrega do Oscar, Jack. Sinto muito que este ano tenha sido eu.

- Bem, não faça mais isso! - Jack se inclinou para beijá-la. Amanda ainda estava linda, mas muito pálida. E ele estava muito preocupado. - Você me assustou mesmo lá dentro. O bom de haver tanta gente ali foi evitar que você caísse no chão ao desmaiar. Pelo menos não bateu com a cabeça ou coisa assim.

- Obrigada, Jack. - Ele cuidava muito bem dela. E quando os dois voltaram para casa, Amanda tirou o vestido, e Jack a colocou na cama. Ela parecia uma adolescente com aquele penteado magnífico em seus cabelos loiros, com aqueles brincos de diamante e ainda maquiada. Então ela deu uma risada. - Não acredito que fiz isso.

- Foi muito dramático - ralhou ele, afrouxando a gravata e sorrindo para ela. - Quer que eu pegue alguma coisa para você? Água? Chá? - Ela franziu as sobrancelhas ao pensar no que iria pedir e de repente abriu um sorriso. Estava morrendo de fome.

- Que tal um sorvete?

- Sorvete? - Ele ficou espantado com o pedido. - Você deve estar se sentindo bem melhor. Vou ver se tenho sorvete aqui em casa. Que sabor?

- Ha... Café.

- É pra já! - Ele fez uma continência e voltou dois minutos depois com um pote cheio. Preparou um para ele também e sentou-se na cama ao seu lado enquanto tomavam o sorvete. - Talvez você só estivesse com fome - disse Jack, esperando que fosse apenas isso, mas sem acreditar muito no que dizia. Ela estava pálida há alguns dias, mas Jack fingia não perceber. Ela estivera bem por um tempo, só que, ultimamente, parecia cansada. E ele sabia que Amanda ainda estava chateada com as filhas, o que não ajudavam em nada à sua saúde. Elas se recusavam a reconhecer, quanto mais a aceitar, o relacionamento da mãe com Jack Watson.

Mas Jack resolveu assumir as rédeas da situação e tomou uma atitude para resolver de uma vez o problema de saúde de Amanda. Assim que levantou, no dia seguinte, pegou o telefone e ligou para o médico dela. Contou à enfermeira o que acontecera na noite anterior, e pediu para marcar uma consulta para aquela manhã mesmo, em nome de Amanda Kingston.

- E você é? - perguntou a enfermeira, directamente. Ela era nova ali e não conhecia Amanda.

- Sr. Watson - respondeu ele, anotando a hora da consulta num papel.

- Você é o marido da Sra. Kingston?

- Não... Sou amigo dela. Irei à consulta para acompanhá-la.

- Muito bem, Sr. Watson. Esperamos vocês aqui às onze horas. - O consultório ficava em Beverly Hills. Depois de levar um copo de chá para Amanda, e de informar sobre o horário da consulta, Jack decidiu sair para dar uma volta na praia sozinho. Amanda parecia estar gostando de ficar na cama naquela manhã, e Jack suspeitou que ela não se sentia tão bem quanto estava demonstrando. E estava certo. Mas resolveu não discutir. Eles tinham a esperança de descobrir o que estava acontecendo quando fossem ao médico.

Mas, enquanto andava na praia sozinho, seus pensamentos pareceram voar em todas as direcções, e Jack começou a correr, como se quisesse escapar das coisas terríveis que estava imaginando. Tudo era possível... ela poderia ter um tumor no cérebro... câncer nos ossos... algo que tivesse crescido e se espalhado em metástases sem que eles nem soubessem que estava lá. Ele só conseguia imaginar as piores coisas, e quando finalmente parou de correr e se sentou, percebeu que chorava. Estava acontecendo tudo de novo. Ele encontrara uma mulher em milhões que poderia amar e algo terrível estava se passando com ela. Temia que ela estivesse morrendo. Seria igual a Dori, pensou enquanto soluçava. Iria perdê-la e seria impossível aguentar. Ele colocou o rosto entre os joelhos e ficou ali debruçado, chorando como uma criança, sem ter condições de voltar para confortá-la. Jack não queria assustar Amanda, mas, acima de tudo, não queria perdê-la.

Ele já estava na praia há quase uma hora. Quando voltou, Amanda o aguardava. Parecia melhor do que estivera mais cedo, mas Jack ainda estava preocupado. Nada iria consolá-lo agora, excepto a palavra de um médico garantindo que ela não sofria de nada terminal ou maligno. Ele não poderia aguentar. Falou com ela numa alegria forçada enquanto vestia o casaco e olhava o relógio. Era hora de ir, pois podiam pegar algum engarrafamento.

- Tudo pronto? - perguntou Jack, nervoso. Ele não sabia porquê, mas sentia como se estivessem indo para a forca. Era como se sua vida nunca mais voltasse a ser a mesma; como se nunca mais fosse voltar para esta casa com a mesma tranquilidade. Estava se preparando para as piores notícias imagináveis, porque a amava.

- Querido - disse Amanda gentilmente antes de saírem, olhando para Jack com um olhar que cortou seu coração. - Estou óptima. Juro. Eles provavelmente dirão que tenho uma úlcera. Tive uma há alguns anos, quando as meninas eram pequenas, e hoje em dia é muito fácil lidar com isso. Alguns comprimidos e ela desaparece como num passe de mágica.

- Você já deveria ter ido ao médico há semanas - repreendeu Jack, enquanto andavam em direcção à Ferrari.

- Eu estava ocupada - respondeu ela, num tom formal, e entrou no carro. Ela adorava andar na Ferrari, mas naquela manhã, a caminho da cidade, as curvas rápidas e os movimentos bruscos fizeram-na enjoar. De modo algum deixou que Jack percebesse, pois que ele teria ficado ainda mais preocupado.

O consultório ficava no centro médico na North Bedford, 435. A sala de espera estava cheia quando chegaram, e parecia que levaria horas até que fossem atendidos. Jack leu revistas e Amanda ficou apenas sentada ali, com os olhos fechados, esperando. Ele olhava para ela de vez em quando e odiava ver aquela palidez e a óbvia aparência de desconforto. Sabia que Amanda não estava sentindo dores, pois perguntou-lhe isso e ela respondeu que simplesmente não se sentia bem. E não havia mais como tentar sustentar aquela história de ter pegado o resfriado dos filhos de Louise, o que fazia mais de um mês. O que quer que fosse, parecia ser algo muito mais assustador.

Uma enfermeira veio até à porta e finalmente chamou Amanda. Jack observou enquanto ela entrava, e sorriu com um olhar encorajador quando ela se virou e o encarou por sobre o ombro. Também estava nervosa, mas os dois sempre tentavam disfarçar o nervosismo adotando uma postura tranquila. Mas nenhum dos dois conseguia ser muito convincente.

Amanda tinha de admitir que era um alívio finalmente ficar frente a frente com o médico. Ele era gentil e tinha um rosto bastante familiar. Amanda era sua cliente há mais de vinte anos. Também fora médico de Matt, e perguntou se ela se sentia muito sozinha agora. Amanda ficou constrangida com a idéia de contar a respeito de Jack, mesmo ele estando logo ali na sala de espera. Então, simplesmente balançou a cabeça em negação e partiu para a descrição dos sintomas. Contou da gripe que tivera um mês antes, dos enjôos ocasionais e da incapacidade absoluta de comer chocolate ou de tomar café, sinais que ela deduzira como sendo uma evidência clara de úlcera.

O médico perguntou se Amanda tinha ido ao ginecologista recentemente, feito uma mamografia e um exame de Papanicolau, e ela admitiu que não. Estava para fazer esses exames quando Matt morreu, tão repentinamente, que não pensou mais neles desde então.

- Você deveria fazer, e sabe disso - o médico lhe disse, categórico. - Na sua idade, deveria fazer todo ano. - Ela prometeu que ia cuidar disso imediatamente. Então, ele perguntou se Amanda via qualquer sinal que indicasse a menopausa. Ela explicou que vinha observando alguns sinais nos últimos tempos.

Aos cinquenta anos, aquilo não o surpreendia.

- Calores?

- Não. Ainda não. Apenas muito cansaço. E a menstruação anda irregular. - Muitas amigas reclamavam de fadiga o tempo todo, ainda que Amanda nunca tivesse se sentido assim antes. Mas, ultimamente, ficava exausta o tempo todo. De início, pensara que era um efeito de sua nova vida amorosa. Mas, nas últimas semanas, duvidou que fosse isso. Mal podia colocar um pé na frente do outro.

O médico perguntou várias outras coisas, e acabou concordando com ela. Provavelmente aquilo era o início da menopausa, ou quem sabe uma úlcera.

- Vou mandar você para o hospital para fazer uma ultra-sonografia - explicou a ela. - Vamos ver o que a ultra vai mostrar. Depois disso, se houver indicação clínica, podemos fazer uma série de exames, mas não vamos nos precipitar ainda. Quero que você vá a seu ginecologista amanhã. Ele pode receitar algum tratamento de reposição hormonal para colocar seu organismo em ordem quase imediatamente. Vale a pena conversar com ele. - Amanda ouviu e concordou com um movimento de cabeça. O médico entregou um pedaço de papel e disse exactamente em que departamento do Hospital Cedars Sinai ela deveria ir. Informou que, ou eles dariam o resultado lá mesmo, se o radiologista estivesse de plantão, ou ele ligaria para ela no dia seguinte para dizer se estava mesmo com úlcera. - Tudo bem? - O médico sorriu para Amanda e levantou-se, levando-a até a porta do consultório. Ela foi ao encontro de Jack, que parecia irritado de tanto esperar. Mas, mesmo assim, abriu um sorriso no minuto em que a viu. Parecia uma criança que se perdera da mãe e que finalmente a encontrara. Ela ficara lá dentro quase uma hora.

- O que ele disse?

- Quase tudo o que eu já imaginava. Algumas... mudanças em meu corpo... e talvez uma úlcera. Tenho de ir ao hospital para fazer uma ultra-sonografia agora. Você quer que eu o deixe na loja no caminho? Odeio fazer você perder o dia inteiro por causa dessa besteira. O médico demorou.

- Vou com você - disse Jack, com firmeza, e ficou aliviado porque nada pior fora detectado, pelo menos não até agora. - Ele acha que não há nada com que se preocupar? - perguntou, ao chegarem ao carro, e Amanda fez que não com a cabeça, parecendo um pouco triste.

- Ele acha que posso estar precisando de uns hormônios. Isso é tão deprimente. Sinto-me uma velha.

- Oh, querida... que é isso... Você é um bebé. - Jack sempre fazia com que Amanda se sentisse melhor, e sorriu envergonhada ao se sentar no banco do carona da Ferrari. Jack seguiu pela North Bedford em direcção ao Cedars Sinai.

Já no hospital, tiveram que esperar bastante tempo de novo. Quando finalmente a chamaram, Jack decidiu entrar com ela desta vez. Não gostava de hospitais, nem de ficarem mexendo nela sem uma pessoa por perto para supervisionar. Uma técnica de ultra-som já explicara a eles que não havia nada de traumático naquele exame. Eles colocariam um gel em seu abdômen e rolariam um aparelho na superfície, o que faria com que uma imagem aparecesse na tela. Esta imagem poderia mostrar a presença ou não de um tumor ou de cistos, ou até mesmo uma úlcera. Parecia um procedimento bastante simples. Mas mesmo assim Jack ainda fazia questão de ficar ao lado dela.

Amanda se despiu atrás de um biombo e saiu vestida com um roupão branco e de sapatos. Sentia-se uma idiota. Jack sorriu para ela enquanto se deitava. Ele foi colocado num banco bem atrás da cabeça de Amanda, de onde podia ver a tela também, embora tudo o que ele via era algo como um mapa meteorológico de Atlanta. O gel foi aplicado e a técnica começou a rolar pelo estômago um aparelho que parecia um microfone, fazendo uma suave pressão. Tudo o que sentia era frio. Todo aquele processo era bastante entediante. Neste momento, ambos viram a técnica franzir o cenho concentrar numa área na parte baixa de seu estômago. A passagem do aparelho gerou uma pequena sensação de desconforto, em Amanda e a técnica ficou insistindo no movimento localizado. Então, pediu licença e disse que voltaria logo, indo chamar alguém para checar a imagem junto com ela. Foi então que surgiu um jovem residente, que se apresentou a eles e depois olhou para a ultra com interesse.

- Algo de errado? - perguntou Amanda, tentando aparentar uma calma que não existia. Estava começando a entrar em pânico. Era fácil ver que eles tinham notado algo que os preocupara ou que pelo menos os deixara perplexos. Mas o residente pareceu indiferente ao responder.

- De forma alguma. Só queremos ter certeza do que vemos. Quatro olhos são mais eficazes do que dois, às vezes, mas acho que temos uma situação bastante clara aqui. Quando foi a sua última menstruação, Sra. Kingston?

- Dois meses atrás - respondeu ela, com voz sufocada, Obviamente havia algo de errado com seus ovários... ou seu útero... não era menopausa... era câncer... Ela não conseguiu olhar para Jack ao responder, mas o residente balançou a cabeça.

- Parece mais do que normal - completou, ainda balançando a cabeça, e então deu um zoom na tela da ultra para ter uma visão mais aproximada, apertou um botão e um asterisco branco apareceu em cima de algo que estava palpitando. - Aqui. - Ele apontou para o asterisco com o dedo e sorriu para eles. - Vocês conseguem ver? - Ela negou, e Jack ficou olhando para a tela sem conseguir enxergar. Claramente, ali estava o cerne da questão. - Vocês sabem o que é isso, Sr. e Sra. Kingston? - Na idade deles ficara óbvio para o residente que os dois eram casados. Por que mais estariam juntos?

- Um tumor? - perguntou Amanda, com a voz rouca, ao que Jack fechou os olhos com horror.

- Um bebé. Diria que você está grávida de dois meses. Na verdade, se você esperar alguns minutos, posso calcular a data prevista para o nascimento.

- O quê? - Ela sentou-se como um raio e derrubou o aparelho que estava em seu estômago. - Eu estou o quê? - Amanda se virou para olhar para Jack e na mesma hora ouviu um barulho logo atrás, ainda dando tempo de vê-lo deslizar do banco onde estivera sentado directo para o chão. Ele desmaiara. - Oh, meu Deus... Eu o matei... alguém o ajude! - Suas nádegas descobertas ficaram ainda mais à mostra quando ela se inclinou sobre ele. Jack emitiu um gemido horrível e colocou a mão na cabeça ao se mexer. O residente apertou o botão de emergência e um time de paramédicos veio correndo. Jack já recuperara totalmente a consciência e Amanda pôde sentir o ovo na parte de trás da cabeça dele quando se ajoelhou ao seu lado. - Oh, Deus... Sinto muito... Você está bem?... - O residente ordenou que os paramédicos fossem embora e saiu para pegar um saco de gelo. Jack se levantou e sentou-se vagarosamente.

- Estou bem. Só estava tentando cometer suicídio, é tudo. Por que você me impediu?

- Acho que isto foi uma surpresa para vocês - sorriu o residente. - Isso acontece algumas vezes, principalmente numa gravidez tardia.

- Tardia? - Amanda virou-se para olhar para ele. - Eu achei que o show tivesse acabado.

- Você achou que o que estava sentindo eram os sinais da menopausa? - perguntou. Amanda fez que sim e foi ajudar Jack a ir para a maca. Ele deitou e ela aplicou o saco de gelo que a técnica trouxera para eles.

- Acha que ele sofreu uma concussão? - perguntou, ocupada, mas o médico iluminou os olhos de Jack com a lanterninha e assegurou que não.

- Você tem sorte de eu não ter sofrido um ataque cardíaco - disse Jack para Amanda. - Como isso foi acontecer? - Mas ambos sabiam. Eles pararam de usar camisinha em janeiro, depois do resultado do teste de AIDS dele. Amanda estava certa de que jamais engravidaria novamente. Nunca passou pela sua cabeça que pudesse acontecer. - Não consigo acreditar - Jack gemeu de novo e fechou os olhos. Estava com uma dor de cabeça inacreditável.

- Nem eu - disse Amanda, baixinho, olhando para a imagem congelada na tela, que vinha a ser seu bebé. A data “3 de outubro” apareceu na tela de repente.

- Esta é a data provável para o nascimento - disse o residente, todo contente, e Jack sentiu um desejo irresistível de matá-lo. - Nós mandaremos um laudo para o seu médico. Parabéns! - E, com isso, ele saiu da sala para atender outro paciente. A técnica entregou-lhes uma foto impressa pela máquina.

- Esta é a primeira foto do seu bebé. - Ela sorriu para os dois e começou a preparar o equipamento para o próximo paciente. Eles precisavam da sala, o que fez com que Jack se levantasse calmamente, olhando para Amanda.

- Não acredito - disse ele, com voz rouca. Ele parecia pior do que ela. Amanda se sentia muito melhor ao saber pelo menos que não tinha câncer, ou mesmo uma úlcera Apenas um bebé.

- Também não acredito - olhou para ele, constrangida. - Vou me vestir. - Estava de volta em um minuto e andaram vagarosamente para fora da sala, ainda carregando o saco com as pedras de gelo. Jack parecia o paciente. Nenhum dos dois disse uma palavra até chegarem ao exterior. Então Jack parou e olhou para Amanda. Ele sentia como se toda a sua vida estivesse passando na sua frente. Já acontecera antes, mas não desse jeito, não com uma mulher com a qual se preocupava tanto e por quem tinha tanto carinho, nem de uma maneira totalmente inesperada como essa. Aos trinta anos você sabia que teria problemas se não tomasse cuidado. Mas aos cinquenta e um?

- Jesus. - Não acredito que estou grávida. - Ela ainda segurava a foto e ele percebeu.

- Jogue isso fora. Me dá medo. - A pequena coisa que estava palpitando era o coração do bebé, e o doutor dissera que o fecto era saudável. Amanda agarrou a foto e ficou olhando para ela ao se sentar na Ferrari. - Você quer ir a algum lugar e conversar? Ou quer ir para casa e tentar assimilar isto? - Ele sabia que este seria um grande passo para ela e sentia muito. Era uma pena que tivesse acontecido com ele. Mas, no final, talvez servisse para aproximá-los mais ainda, pelo menos assim ele esperava. E planejava estar lá ao lado dela para o que precisasse.

- Você tem que ir trabalhar?

- Provavelmente. Mas se você quer conversar, ligarei para Gladdie. É melhor que você ligue para seu médico. - Ela concordou enquanto ele ligava o carro e telefonava para Gladdie.

- Não sei o que dizer - falou Amanda, com tranquilidade, olhando para ele. Aquilo era aterrador e surpreendente. Não conseguia nem pensar ainda em todas as implicações que aquilo acarretaria.

- É culpa minha - disse ele, taciturno. - Eu deveria ter tomado cuidado. Estava tão feliz de me ver livre daquelas coisas horrorosas depois de todos esses anos, que acho que me deixei levar... e fiquei um tanto estúpido.

- Nunca pensei que isso pudesse acontecer - disse ela, ainda em choque.

- É. Gravidez de adolescente descuidada depois dos cinquenta - sorriu para ela ao dizer isso e se inclinou para beijá-la. - Eu amo você. Estou feliz que esteja tudo bem e que não tenha havido nada pior. - Ele ficara aliviado com resultado, mas sentia muita pena dela. - Pelo menos é uma coisa que pode ser consertada - disse, tentando apaziguá-la, no momento em que pararam no sinal. Amanda olhou para ele meio confusa.

- O que isso significa? - Sua voz saiu muito baixa e tensa ao fazer a pergunta.

- Bem, você não vai levar esta gravidez adiante, na sua idade. É ridículo. E, além do mais, nenhum de nós quer mais filhos. O que faríamos com um bebé?

- O que o resto das pessoas fazem?

- Em geral elas têm vinte anos a menos do que nós, e são casadas. - Quando Jack olhou para o rosto de Amanda, reagiu bruscamente, parando o carro no acostamento. - Você está me dizendo que quer manter a gravidez? - Ela não respondeu, mas seu olhar provocou terror em Jack. - Você está louca? Tenho sessenta anos e você tem cinquenta e um. Nós não somos casados, e suas filhas me odeiam. Como é que você acha que elas reagiriam a esta pequena notícia? - Não podia acreditar. Não tinha percebido que ela poderia querer ter um filho.

- É a nossa vida, não a deles... e a vida do bebé, Jack, você está me pedindo para matar um ser humano. - Seus olhos estavam cheios de dor agora.

- Bobagem. - Ele estava aumentando o tom de voz com Amanda pela primeira vez desde que a conhecera. - Estou pedindo para você ser razoável, pelo amor de Deus, Amanda. Você não pode nem pensar em ficar com esse bebé.

- Eu não vou matá-lo. - Ela ainda não tinha pensado no que iria fazer, mas naquele instante soube, sem dúvida, que não faria um aborto.

- Isso ainda não é um bebé. É uma gota. É um nada numa tela de TV. E é uma ameaça à nossa sanidade, e nossa vida juntos. Você não entende? Não podemos ir adiante com esta história! - gritou Jack. Amanda olhou para ele com um olhar furioso e não disse uma palavra. - Eu não quero um filho. Eu não terei um filho, e você não pode me forçar a isso! Já passei por isso antes, e não serei forçado a ter um filho na minha idade. Você tem que fazer um aborto. - Ele tinha vontade de sacudi-la, mas nunca teria coragem de encostar a mão nela com violência, nem mesmo num estado de cólera daqueles.

- Eu não tenho que fazer nada, Jack. Não sou uma ninfeta tentando forçar você a se casar comigo. Eu também não queria isto. Mas não serei forçada a fazer algo que abomino por causa da sua incapacidade em lidar com esta pequena realidade aqui. Eu estou grávida, e este é o nosso bebé.

- E você é louca. Devem ser os hormônios. Oh, meu Deus, não acredito nisso - disse ele, dando a partida no carro e indo em direcção a Bel Air, para a casa dela. - Olhe - disse, virando-se para ela enquanto dirigia a toda velocidade pela Rodeo -, você pode fazer o que quiser, Amanda, mas eu não quero este filho. Não vou passar de novo por aquelas noites insones, pelas dores de ouvido, ou pêlos campeonatos de beisebol. Não vou me fazer de idiota indo à formatura dele com noventa anos.

- Você teria apenas oitenta. Oitenta e dois, para ser mais exacta. E sabe o que mais? Você é um covarde. - Ao terminar a frase, Amanda começou a chorar. Jack tentou se controlar e conversar com ela.

- Olhe, querida... Sei como você deve estar se sentindo, é um choque. Primeiro pensamos que havia algo de errado com você, e agora você está grávida. É difícil pensar com clareza numa hora dessas. Aborto é uma coisa horrível. Sei disso. Entendo você. Mas pense no que isso faria com as nossas vidas, não só com a minha. Você quer realmente começar tudo de novo? Voltar a dirigir para levar as crianças e seus amigos de carro de um lado para o outro?

- Você parece dirigir bem para a sua idade. Tenho certeza de que posso administrar uma carteira de motorista pelos nove anos, se fizer tudo direitinho. E não, não foi o que escolhi para mim. Não sou burra. Não foi uma escolha, nem minha nem sua, e sim de Deus. Ele nos deu um presente incrível. Não temos o direito de jogar fora assim desse jeito... - Recomeçou a chorar quando olhou para ele, tentando convencê-lo. Mas pôde ver que sua tentativa era inútil. Então baixou a cabeça e continuou chorando. - Jack, não posso fazer isso.

- Você nunca me disse que era religiosa - disse tristemente, sentindo-se traído, e com pena dela, mas ao mesmo tempo com raiva. Ela não tinha o direito de fazer aquilo com ele. Dori nunca o teria feito.

- Estou certa do que estou fazendo - disse Amanda clara e directamente, enquanto o carro parava na frente de sua casa e Jack se virava para olhá-la.

- Eu também, Amanda. E nada do que você disser vai me comover. Não tomarei parte desta loucura. Não quero tomar conhecimento. Se você fizer um aborto, ficarei ao seu lado. Abraçado com você. Chorando com você. Meu amor será eterno. Mas não serei forçado a ter um filho na minha idade. - E ele falava a sério.

- Muitos outros homens na sua idade vivem esta situação. Especialmente aqui em Los Angeles. Metade dos pais que vejo no consultório do meu ginecologista, suas esposas de uns trinta e poucos anos - ela apontou o dedo para Jack e ele quase recuou -, são mais velhos do que você.

- Então eles são senis. Tenho certeza das minhas convicções. Se você tiver esse filho, Amanda, eu cairei fora.

- Então, adeus - disse ela, sentindo um ódio súbito - Faça o que bem entender, é a sua vida. Mas esta é a minha vida, e este é o meu corpo, e o meu bebé. Nada disso é seu, então para o diabo com você, Jack Watson. Volte as suas ninfetas estúpidas, e espero que engravide todas. Você merece.

- Foi bom enquanto durou - disse Jack ao tempo em que ela saía do carro batendo a porta com tanta força que balançou tudo. E Amanda não olhou mais para trás correndo para entrar em casa. Trancou a porta e desapareceu lá dentro.

Cinco segundos depois, ouviu o ronco da Ferrari, sentou-se no hall e começou a soluçar. Ela perdera tudo... mas não iria desistir. Não havia escolha agora. Teria o bebé. Mas o que, em nome de Deus, ela diria às meninas?

 

Os três dias seguintes foram um pesadelo para ambos. Pela primeira vez em tantos anos, Jack até gritara com Gladdie. Ela não sabia o que havia de errado com ele, mas o que quer que fosse, parecia ser algo muito grave. E o facto de que Amanda não estava ligando não passou despercebido. Ele não estava aceitando nem as ligações de Julie e Paul. Não falava com ninguém.

Amanda se trancou em casa e agiu como se tivesse voltado ao luto. Louise apareceu com as crianças, mas sua mãe não os deixou entrar. Alegou que estava com uma enxaqueca, o que parecia verdade. Sua aparência era horrível.

- O que há de errado com mamãe? - Louise finalmente ligou para Jan a fim de perguntar se ela sabia de algo, mas tudo o que Jan disse foi que o sogro também não estava falando com Paul. - Talvez eles tenham terminado, os “sexólatras”. Queira Deus que isso seja verdade. Aleluia.

- Que é isso, Lou? - Jan censurou a irmã mais velha e Louise ficou surpresa.

- O quê? Você passou para o time deles?

- Não. Mas sabe como é. Eles são adultos, e papai está morto. Talvez eles tenham o direito de fazer o que bem entendem, desde que sejam discretos.

- Não me venha com essa. Eles são deploráveis - disse Louise, rudemente.

- O que foi que aconteceu com todas aquelas coisas que você disse depois da morte de papai? Que mamãe tinha o direito de ter sua própria vida e tudo mais? Talvez não tenhamos o direito de interferir, ou até mesmo de desaprovar. O que nos faz pensar que podemos julgá-los?

- Merda, Jan. O que você fez? Converteu-se a alguma religião? Ela é sua mãe. E está se comportando como uma vadia. Ela está tendo um caso.

- Ela é solteira e tem mais de cinquenta anos. Acho que ela tem o direito de fazer o que desejar. Estou começando a pensar que todos nós nos comportamos como idiotas quando eles contaram que estavam juntos.

- Bom, eu não acho. Só espero que ele tenha terminado com ela.

- Talvez tenha sido ela que terminou com ele.

- Contanto que alguém tenha feito isso, tudo bem.

No fim da semana, Amanda ainda não estava falando com ninguém, e ninguém a tinha visto. E as filhas estavam preocupadas. O facto é que ficava encolhida, chorando o tempo todo, perdida em meio a um turbilhão de emoções, pelo choque de ter perdido Jack e por culpa dos hormônios. Ela sentia como se sua vida tivesse terminado e, ao mesmo tempo, estava perplexa com a perspectiva de uma nova vida apenas começando. Mas ela não podia imaginar a vida sem Jack. Não ouvira nada sobre ele desde a última vez em que se viram. Ele nem ligara para ela.

Jack estava gritando com qualquer empregado que cruzasse seu caminho e trabalhando até meia-noite todos os dias. E quando chegava em casa sentava no sofá, mirando o espaço vazio, tentando não pensar nela e em como ela o havia traído. Ainda não conseguia acreditar. Como pôde fazer isso com ele? Não era culpa dela que tivesse engravidado, pelo menos não totalmente dela, mas o facto de não querer se livrar daquilo era a maior das traições. E então, com a mesma intensidade que estava pensando em como sentia raiva dela, começou a se lembrar das coisas que ela dizia, e que fazia... ou do modo como olhava para ele enquanto faziam amor, ou de como acordava de manhã. Jack sentia tanta falta de Amanda que achou que iria morrer. Porém, estava determinado a não procurá-la.

Mas tudo em que podia pensar, tudo com que sonhava ou tudo o que queria era Amanda. Ela o estava levando à loucura. Andou pela praia de Malibu durante horas no domingo de manhã. Nadou, correu e ficou sentado, olhando o mar, pensando nela, e concluiu que não iria aguentar nem mais um dia. Tinha que ligar para ela.

Lutou consigo mesmo durante toda a tarde e, às oito horas, acabou cedendo. Ele nem sabia o que dizer. Só queria ouvir sua voz de novo. Só por um instante. Mas não queria vê-la. Não havia mais motivos para isso. Ele não queria se deixar envolver na crise de insanidade que estava atacando Amanda.

Mas assim que a ligação foi completada, a secretária eletrônica atendeu, e Amanda não. Ela nem soube que ele ligara até a manhã seguinte, quando foi ouvir os recados. Ultimamente, não se preocupava mais em checar as mensagens na secretária. Nos primeiros dias depois da separação, checava a máquina de hora em hora. Mas, quando chegou o fim de semana, desistiu. Já fazia oito dias. Até que, finalmente, ele fez contato. Ela quase não conseguiu acreditar. Começava a pensar que ele havia desaparecido de sua vida Para sempre. Amanda ouviu a mensagem, e sentiu tensão e desconforto em sua voz. Disse que só queria saber se estava tudo bem, e se ela se sentia bem. Depois desligou. Ela apagou a mensagem e voltou para a cama. Tudo o que queria era dormir. Estava exausta. Lembrava desta sensação nas suas gestações anteriores, só que desta vez era pior. Estava ainda mais cansada. Não sabia ao certo se era por causa da idade, ou se pelo facto de Jack tê-la deixado. Mas o que quer que fosse, estava fazendo Amanda dormir dezoito horas por dia.

Ela não retornou aquela ligação e, na terça-feira, Jack começou a pensar que Amanda não tinha recebido a mensagem. Talvez a secretária eletrônica não estivesse funcionando direito. Desta vez ligou para ela do escritório, num intervalo entre suas reuniões. E disse quase a mesma coisa que dissera na primeira vez. Ela ouviu a mensagem tarde da noite e ficou se perguntando por que ele estaria ligando. Por que se preocupar? Ele deixara claro a sua posição. Nunca mais queria vê-lo, ou falar com ele. Chorou enquanto ouvia o recado e acabou voltando para a cama com um pote de sorvete na mão. Isso era só o que ela comia agora.

As únicas ligações que ela retornou foram as de suas filhas. Não queria que as meninas fossem lá, por isso achou melhor ligar para elas. Contou que estava com um vírus terrível, tanto que precisava até tomar antibióticos, e que voltaria a entrar em contato quando se sentisse melhor. Nenhuma das duas acreditou nela.

- Ela está mentindo - disse Louise quando ligou para Jan na terça-feira. - Fisicamente, ela parece bem. Talvez esteja passando por um colapso nervoso.

- Por que não a deixamos em paz? - sugeriu Jan. Mas naquela noite ela contou para Paul que achava que o romance dos pais havia terminado. Ele concordou. Seu pai estava agindo como Godzilla.

- Fui até a loja esta tarde. Parece que ele não escova o cabelo há uma semana, e age como se estivesse a ponto de matar alguém. Acho que ela deu o fora nele.

- Talvez tenha sido ele quem tomou a iniciativa - disse Jan, tristemente, imaginando se o que estava acontecendo não teria sido culpa deles, e começando a se sentir culpada. Sua mãe não merecia o que eles tinham feito a ela, mas não havia nada que pudessem fazer agora.

E quando a moça da faxina chegou, encontrou Amanda vendo televisão de dia. Ela se tornara viciada em novelas e programas de entrevistas onde mulheres choravam por causa dos maridos que estavam dormindo com a vizinha, com um pastor alemão e com pelo menos duas de suas irmãs. Ela assistia àquilo e chorava, enquanto comia sorvete.

- Acho que vou engordar - anunciou para o aparelho de TV certa tarde, comendo o segundo pote de sorvete. - E daí? - respondeu. Ela ficaria muito, muito gorda, e nenhuma pessoa decente jamais falaria com ela de novo. E Jack Watson era um canalha. Provavelmente já voltara a dormir com suas starlets.

Mas, em vez disso, Jack continuava gritando com Gladdie e tornando a vida de todos um inferno. Já fazia quase duas semanas.

- Olhe, Jack, quero que você me faça um favor - disse Gladdie finalmente na tarde de sexta-feira, depois de aguentar duas semanas de um comportamento insano. - Você poderia ao menos falar com ela? Talvez vocês possam se acertar de alguma forma. Se não, você vai acabar levando todos nós à loucura. Essa loja inteira está precisando tomar Prozac graças a você. Ligue para ela.

- O que a faz pensar que não estou falando com ela? - perguntou, envergonhado, tentando imaginar como Gladdie sempre sabia de tudo. Ele achava que ela era vidente.

- Já se olhou no espelho, Jack? Só faz a barba duas vezes por semana, Deus sabe quando foi a última vez que penteou o cabelo, além de vestir o mesmo terno há três dias. Você já está começando a parecer um mendigo. Acredite em mim, esta aparência não é boa para os negócios.

- Sinto muito. Tenho andado chateado - disse ele, transparecendo sua tristeza. Estava se sentindo quase tão mal quanto na perda de Dori. Só que Amanda ainda estava viva, e por perto, e ele ainda a amava. Isso era o pior que tudo. Mas ele se comportara como um monstro, e ela não retornara suas ligações. Já havia telefonado quatro vezes. - Além do mais, ela não quer falar comigo - concluiu tristemente e Gladdie deu um tapinha em seu ombro como uma mãe faria.

- Vá por mim, ela quer falar com você, sim. Deve estar pior do que você. Afinal de contas, o que foi que você fez a ela? - Gladdie deduziu que a culpa tinha sido dele, do contrário não estaria se sentindo tão arrasado.

- Você não gostaria de saber - respondeu, envergonhado.

- Provavelmente não - admitiu Gladdie. - Por que não passa na casa dela?

- Ela não me deixaria entrar. Por que deveria deixar? Eu a deixei sozinha no momento em que ela mais precisava de mim... Eu a deixei acuada, Glad... Fui um completo imbecil.

- Ela ainda deve amá-lo mesmo assim. As mulheres são desse jeito. Têm um alto grau de tolerância com imbecis. Na verdade, algumas até amam homens assim. Vá vê-la.

- Não posso. - Ele parecia uma criança, e Gladdie balançou a cabeça com impaciência.

- Eu levo você. Mas vá.

- Tá bem, tá bem. Vou amanhã.

- Agora - disse ela, fechando a agenda dele. - Você não tem mais nenhum compromisso e ninguém aqui consegue aguentar sua presença. Faça um favor a todos. Vá vê-la. Ou então vou iniciar um abaixo-assinado.

- Você é uma chata. - Deu um sorriso enviesado para ela e se levantou. Já parecia melhor. - Mas amo você. - E olhou para Gladdie com ternura. - Obrigado. Se ela bater com a porta na minha cara, ou não me deixar entrar, estarei de volta em dez minutos.

- Vou acender umas velas - disse ela enquanto já saía pela porta, ansioso por chegar lá, por vê-la, por dizer o que andava pensando e rezando para que ela o recebesse. Jack chegou à casa de Amanda em menos de cinco minutos com sua Ferrari. Tocou a campainha durante um bom tempo, mas ela não veio abrir a porta. Não tinha certeza se estava em casa. A garagem estava trancada, de modo que ele não podia ver se seu carro estava lá dentro. Então contornou a casa e começou a bater na janela de seu quarto.

E Amanda, deitada em sua cama, assistindo a um programa de entrevistas, ouviu um barulho.

De início, pensou que fosse um passarinho, ou um gato, e depois começou a entrar em pânico. Pensou que poderia ser um ladrão, checando se havia alguém em casa. Ela já ia chamar a polícia quando decidiu ir até a janela do banheiro e afastar um pouco as cortinas para ver se conseguia avistar alguém. Andou na ponta dos pés até o outro quarto, com a mão no botão do alarme, até que o viu. Ele estava horrível, e ainda batia na janela do quarto.

Amanda abriu a janela do banheiro e pôs a cabeça do lado de fora.

- O que está fazendo? - Ela estava tão mal quanto ele. Também não penteava o cabelo há dias, e o mantinha preso com um elástico. Não usava maquiagem desde a última vez em que o vira. - Pare com isso! - gritou com ele. - Você vai acabar quebrando minha janela.

- Então me deixe entrar - disse ele, sorrindo. Era tão bom vê-la. Mas Amanda balançou a cabeça negativamente. Ela estava péssima e ele reparou que seu rosto parecia mais cheio. Ainda assim, continuava muito bonita.

- Não quero ver você - disse ela, fechando com violência a janela. Então Jack resolveu ir até a janela do banheiro, e os dois se olharam através do vidro. Ela não podia acreditar no quanto ainda o amava, e como estava feliz em vê-lo. Odiava a si mesma por isso. - Vá embora! - falou aos berros, fazendo gestos de quem está tentando enxotar alguém. Mas Jack pressionou o rosto contra o vidro e fez caretas horríveis. Sem querer, Amanda começou a rir.

- Vamos, Amanda, por favor - implorou ele. Ela pensou por um instante, e depois desapareceu. Jack não tinha a mínima idéia do que ela estava fazendo. Mas, um minuto depois, Amanda veio pela porta dos fundos, descalça e vestindo uma camisola. O coração dele começou a saltar ao vê-la.

- A que horas você anda dormindo? - Eram quatro da tarde. Ele se lembrava daquela camisola, ainda que Amanda não a tivesse usado com frequência quando estava com ele.

- Fui para a cama para dormir há duas semanas. E fiquei lá desde então, comendo sorvete e vendo televisão. Vou ficar gorda e feia e não dou a mínima - disse ela, entrando em casa, enquanto Jack a seguia para a cozinha. Então ela se virou e olhou para ele. Havia algo tão vulnerável nos olhos de Amanda que tocou Jack no fundo de sua alma, e ele se perguntou mais uma vez como pôde ter sido tão estúpido a ponto de abandoná-la. - Por que veio me ver? - perguntou, com um olhar triste que partiu o coração dele.

- Porque amo você, e porque sou um idiota... e porque Gladdie me obrigou. - Ele sorriu envergonhado ao dizer aquilo. - Ela disse que ninguém está me aguentando mais. Tenho estado péssimo. Por que não retornou as minhas ligações? - Ele demonstrou estar magoado ao perguntar isso a Amanda, mas ela deu de ombros e abriu o freezer.

- Você quer sorvete? - perguntou. Aquilo já estava se tornando uma obsessão e Jack se divertiu com a cena. Ele se lembrou de quando os dois comiam sorvete juntos na cama. O sabor favorito deles era café. - Tudo o que ainda tenho aqui é baunilha.

- Isso é patético. Você comeu alguma outra coisa nas duas últimas semanas? - perguntou com um olhar de preocupação, e ela sacudiu a cabeça enquanto servia dois potes de sorvete de baunilha. - Isso não é bom para o bebé.

- O que é que você tem com isso? - Ela olhou directamente nos olhos dele ao fazer a pergunta. - É um pouco hipócrita de sua parte, você não acha? Já que queria que eu matasse o bebé. - Ela entregou o pote de sorvete e ambos sentaram-se à mesa da cozinha.

- Eu não queria que você o matasse. Só estava tentando preservar minha sanidade, e nossa vida... sem pensar em você... - finalizou, tristemente. - Fui um canalha. Sinto muito, Amanda. - Ele empurrou o pote de sorvete para longe, e foi se sentar na frente dela, do outro lado da mesa, enquanto ela o observava. - Eu estava em estado de choque. Eu não esperava por isso. - Aquela era a declaração mais incoerente que ela já vira na vida, o que a fez sorrir.

- Nem eu. - De um só golpe, ela perdera o homem e ganhara um bebé, e não quisera ou esperara que nenhuma das duas coisas acontecesse. - Sinto muito, Jack. - Ele pegou as mãos de Amanda por cima da mesa.

- Não é culpa sua... não inteiramente... - Ele sabia que ela não o havia enganado. Nunca passara pela cabeça deles, pelo menos não com a seriedade com que deveria passar, que ela poderia engravidar. Eles simplesmente deixaram para lá. - Como está se sentindo?

- Gorda - ela riu. - Devo ter ganhado uns três quilos por causa do sorvete.

- Não parece. - Mas havia uma suavidade em seu rosto, um brilho diferente nos olhos. Ele se lembrava desse tipo de modificação facial em sua ex-mulher quando estava grávida de seus filhos. Ela emanava um brilho intenso. - Você está linda.

- Deve ser o penteado. - Ela sorriu com tristeza. Ao olhar para ele, Amanda se lembrou do quanto sentiu sua falta. Ainda não sabia por que tinha vindo vê-la e deduziu que era para terminar a relação de modo que não restasse Qualquer tipo de ressentimento entre eles. Pelo menos era uma maneira mais distinta de se fazer isso. E talvez um dia mesmo sem querer, ele viesse ver o bebé.

- Não creio que vá querer sair comigo para jantar... e se nós fôssemos a uma sorveteria? - perguntou ele, com um olhar maroto.

- Para quê? - O que ele estava querendo agora?

- Porque sinto falta de você. Fiquei completamente maluco nas duas últimas semanas. É um milagre Gladdie não ter pedido demissão.

- Também não agi de maneira exemplar. Dormi e comi sorvete o dia todo. E chorei vendo televisão com a programação da tarde.

- Eu queria poder ter estado aqui com você.

- Eu também - disse ela, num sussurro, e desviou os olhos para outro lado. Era muito doloroso olhar para ele. Então, Jack se levantou e contornou a mesa.

- Eu amo você, Amanda... Quero voltar, se é que me aceita de volta. Prometo que não vou agir mais como um canalha. Farei o que quiser. Você pode ter o bebé. Comprarei uns sapatinhos para ele. E mais sorvete para você. Só não quero perdê-la. - Havia lágrimas em seus olhos enquanto ele falava. Amanda olhou para Jack, sem poder acreditar no que estava ouvindo.

- Isso é sério?

- O quê? Sobre eu comprar o sorvete? Eu juro... É sério. Não vou deixar você enfrentar esta situação sozinha. Acho que é loucura, mas amo você e este é meu bebé também, Deus me ajude. Só não ria quando eu me confundir e empurrar o carrinho do bebé na direcção do tráfego quando estiver numa crise de Alzheimer. Contrate uma enfermeira para mim, se eu precisar.

- Faço qualquer coisa por você - disse ela e se levantou, indo aninhar-se nos braços de Jack, abraçando-o com afecto. - Amo tanto você. Achei que ia morrer.

- Eu também - disse ele e abraçou-a com mais força.

- Deus, Amanda... Eu não quero perder você. - E então, com uma expressão preocupada, perguntou se ela achava que deveriam se casar.

- Você não tem de fazer isso - disse ela, enquanto se dirigiam vagarosamente para o quarto. - Não acho necessário.

- Não, mas talvez o garoto queira. Talvez devêssemos perguntar a ele.

- Pode ser uma garota.

- Não vamos falar sobre isso. Você está me deixando nervoso. Vamos casar ou não? - Ele estava preparado para acertar os ponteiros com ela, a qualquer preço, mas Amanda acabou surpreendendo-o.

- Não. Não temos que casar. Não há lei que diga que somos obrigados a isso. Talvez mais tarde. Vamos deixar as coisas acontecerem.

- A senhora é muito moderna, Sra. Kingston.

- Não, eu só amo você. - Eles já estavam no quarto a essa altura, e Jack a tinha nos braços e a beijava com ardor. Ele estava de volta, e Amanda nunca mais deixaria que fosse embora. E, antes que percebessem, a camisola dela estava no chão, junto com as roupas dele, e já estavam na cama onde fizeram amor pela primeira vez e onde, provavelmente, conceberam a criança. Aquela era a cama dele agora, a cama deles, não de Matthew ou de ninguém mais. E enquanto fazia amor com ela, Jack soube com uma certeza absoluta o quanto a amava.

E quando ficaram deitados, abraçados, naquela noite, falaram no que iriam fazer, e em como contariam para os filhos. - Mal posso esperar - riu ele. - Se você achou que o último jantar foi ruim, espere por este. - Ela teve que rir também. Era tudo o que se podia fazer naquelas circunstâncias. Então Amanda se virou para Jack e perguntou o quanto ele a amava. - Mais do que você pode imaginar, mais do que a vida em si. Por quê? O que você tinha em mente?

- Eu só estava me perguntando se você me amava o suficiente para pegar um pote de sorvete e trazer para mim. - Ele olhou para ela e riu, apoiando-se em um cotovelo.

- Talvez devêssemos trazer o freezer para o quarto.

- Óptima idéia. - Amanda riu dele, que a beijou de novo, um pouco antes de ambos se lembrarem do sorvete.

 

Desta vez decidiram não se iludir, fingindo acreditar que os filhos ficariam felizes por eles. E Amanda decidiu, ao planejar o encontro com Jack, não fazer um jantar. Eles iriam convidá-los para tomar um drinque. Tudo seria muito rápido e direto, e provavelmente um desastre. Mas diriam a todos que ela estava grávida. E o teto cairia sobre suas cabeças. Pelo menos desta vez sabiam com antecedência o que iria acontecer.

Todos chegaram às seis e quinze. Julie foi amável com eles, mas Jan e Louise estavam tensas. Paul foi mais cordial com o pai do que o normal. Conversaram antes entre si e estavam preparados para o que estava por vir. Concluíram que Jack e Amanda iriam comunicar que decidiram se casar. Eles não concordavam muito com aquilo, e Louise já deixara claro que tentaria tirar essa idéia da cabeça da mãe. Mas pelo menos eles já sabiam o que ia acontecer.

Todos se sentaram na sala de estar. Jack serviu os drinques. Preparou um copo de uísque para si, e os outros preferiram vinho. Amanda não tomou nada. E Louise quis água. E resolveu, como se diz, pegar o touro à unha, enquanto os outros esperavam educadamente.

- Tudo bem - disse ela, parecendo à vontade -, Quando é o casamento?

- Não é - disse Amanda, calmamente. - Nós não vamos nos casar. Pelo menos não por enquanto. Decidimos esperar. Mas queríamos que vocês soubessem que estou grávida. - Teria sido possível ouvir um alfinete cair no chão. Louise ficou branca enquanto olhava estarrecida para a mãe.

- Diga que você está brincando. É primeiro de abril e esqueci de olhar o calendário. Diga que não falou isso.

- Falei. Também foi um choque para nós. Mas é isso. Não há por que fugir da verdade. O nascimento do bebé está previsto para outubro. - Ela deu uma olhada em Jack, que levantou os dois polegares num gesto de apoio. Ela estava indo bem, e demorou alguns minutos para que todos se dessem conta do que estava acontecendo.

- Então posso deduzir que você não vai fazer um aborto. - Como sempre, Louise era a porta-voz das irmãs. Jan reagiu ao choque ficando em silêncio. E, desta vez, até Julie ficou quieta. Paul fulminava o pai com os olhos.

- Não. Eu não vou fazer um aborto. Nós conversamos sobre isso - disse ela, distorcendo um pouco a verdade -, mas não quero. Na minha idade, esse tipo de coisa é como se fosse um presente, e quero esse presente. Sei como isso vai ser difícil para vocês. No início até eu fiquei meio atordoada. Mas é isso, gente... Eu sou humana. - Havia lágrimas em seus olhos. Jack atravessou a sala e sentou-se ao seu lado, colocando o braço em seu ombro.

- Acho que a mãe de vocês tem muita coragem. Muitas mulheres da idade dela jamais fariam isso.

- Acho que minha mãe tem um parafuso solto - disse Louise ao se levantar e fazer um sinal para o marido, Que ficou de pé com uma expressão meio distraída. - Você é louca, mãe. Acho que vocês dois estão senis. Vocês farão o possível para nos constranger. Não quero nem pensar o que papai diria. Essa situação transcende qualquer pensamento.

- Bem, Louise, ele não está aqui para poder pensar. Esta é a minha vida - disse Amanda, calmamente.

- E a nossa, pela qual você não dá a mínima. - Mas, antes que ela terminasse a frase, todos ouviram Jan soluçando, já de pé, e olhando para a mãe com ódio.

- Não acredito que tenha feito isso comigo, mãe. Eu não posso ter filhos, então você prova para todo mundo que ainda pode ter um. Que crueldade. Que golpe baixo. Como você pôde fazer isso conosco? - Era óbvio pelo olhar de Paul que ele concordava cem por cento com a mulher. As filhas de Amanda e seus maridos começaram a ir embora sem dizer mais uma palavra, e Jan estava transtornada e se apoiando no marido. Amanda tentou alcançá-la, mas Paul a impediu.

- Por que não nos deixa em paz pelo menos uma vez, e mantém toda e qualquer boa notícia entre vocês para variar? O que querem de nós? Sangue? Parabéns? Bem, vão para o inferno. Como acham que Jan está se sentindo?

- Posso ver como Jan está se sentindo, Paul - disse Amanda com lágrimas descendo pelo rosto. - A última coisa que eu queria na face da terra era magoá-la. Mas simplesmente aconteceu. Essa é a nossa vida, o nosso problema, e nosso bebé.

- Bem, boa sorte com ele. E não nos convidem para o batizado, pai. - Ele olhou para Jack com uma fúria enorme nos olhos. - Nós não iremos. - A porta bateu com violência atrás deles. Amanda chorou nos braços de Jack, enquanto Julie olhava para eles. Ela estava quieta desta vez, e quando Amanda se acalmou, ela falou para os dois. Mas era óbvio que ainda estava chocada.

- Sinto muito, pai. Sinto muito por vocês dois. Isso não deve estar sendo fácil para vocês. Mas é difícil para nós também. Aparentemente, é uma transição muito brusca para todos nós. Mas quem sabe, talvez no fim acabe sendo uma bênção. Pelo menos é o que espero.

- Eu também - disse Jack, suavemente, olhando para Amanda. Ela escolhera o caminho mais difícil ao se decidir por ter o bebé, mas sabia o que estava fazendo. E eles tinham previsto que seria difícil na hora de contar para as crianças. Julie e o marido foram embora calmamente. E Jack e Amanda ficaram sentados, olhando um para o outro em silêncio.

- Você sabia que seria assim - disse ele, educadamente.

- Eu sei - fungou ela. - Mas a gente sempre espera que seja diferente. Que elas vão pular no seu pescoço e dar um abraço enorme, como faziam quando eram crianças, bem pequenas, e dizer o quanto amam você e que está tudo bem, que acham você maravilhosa. Em vez disso, elas estão sempre julgando, e com raiva, e pensando que o que quer que se esteja fazendo é para magoá-las. É como se sua única função na vida, como pais, fosse existir da forma que elas querem que você exista. Qualquer coisa diferente, ou fora do comum, ou qualquer inconveniente, faz com que fiquem com raiva. Por que será que os filhos, de todas as idades, nunca sentem compaixão pêlos pais?

- Talvez nós não mereçamos - disse ele, parecendo cansado. - Talvez eles pensem que somos egoístas. E às vezes somos. Mas temos o direito a isso. Nós damos muito a eles quando são pequenos, e quando pensamos que finalmente os papéis vão se inverter, eles se viram para nós e dizem que não. Nós não temos vez. Na cabeça deles, estamos vivendo o momento deles. Acho que você deve fazer o que está fazendo, e construir sua própria vida. Se elas conseguirem conviver com isso, tudo bem. Se não, deixe que se resolvam por lá. Não podemos desistir do resto da nossa vida por causa de nossos filhos. A única coisa que me angustia é saber que estamos prestes a começar tudo de novo. Vou chegar ao fim da vida com um merdinha me dizendo que canalha eu sou, e como arruinei sua vida porque ainda durmo com a mãe dele. E, acredite, ainda estarei dormindo com você. Planejo fazer amor com você até que me coloquem debaixo da terra. E se ficar grávida de novo, da próxima vez, juro que nunca mais durmo com você. Quero que tome pílulas anticoncepcionais até os oitenta anos. - Ela não pôde conter o riso ao ouvir tudo aquilo. Grande parte era verdade. Alguns filhos pensam que você deve tudo a eles, e que eles não devem nada a você. Era um conceito interessante.

- Estou me sentindo tão mal por Jan - disse ela. O que a filha tinha dito foi torturante e doloroso.

- Eu também. Paul me olhou como se quisesse me matar. É como se tivéssemos feito isso para que eu pudesse provar minha virilidade e fazer com que ele parecesse incapaz. Cristo, eu faria qualquer coisa para vê-los tendo um filho.

- Sinto a mesma coisa - disse ela.

Então, para tirar esses pensamentos da cabeça, ele a levou para jantar. Por ora, desistiram da comida tailandesa. Amanda não conseguia nem pensar nessa comida que já sentia azia.

E, naquela noite, eles se deitaram na cama e conversaram por longo tempo. Jack acabou dormindo, mas Amanda não. Ela se levantou e preparou um copo de leite quente e um chá de camomila, mas sua mente parecia dar voltas. Ela continuava a pensar em Jan e no que ela dissera. Amanda dormiu mal aquela noite, acordando a toda hora, e no dia seguinte, olhou para Jack tristemente na hora do café da manhã.

- Tenho algo a dizer para você - declarou e ele levantou a cabeça para olhá-la. Ela parecia cansada.

-- Tudo bem com você? - Jack estava sempre preocupado com Amanda, e agora se preocupava também como ele. Isso era tudo o que ele não queria.

- Estou bem - tranquilizou-o. Mas não parecia. Ela estava com a aparência horrível. - Tive uma idéia a noite passada.

- No seu estado, deve ser algo perigoso. Você provavelmente quer que eu compre uma fábrica de sorvete ou coisa assim.

- Estou falando sério.

- Eu também. Estou comprando ações de uma empresa fabricante de sorvetes. Você é a maior consumidora individual de sorvete das montanhas Rochosas. - Ela já engordara quatro quilos e só estava grávida de três meses incompletos,

- Tá bem, tá bem, eu falo sério. O que é?

Ela começou a chorar antes mesmo de falar, e ele pôde perceber instantaneamente que a coisa era séria mesmo. Mas ela falou sobre Jan e Paul e no que eles disseram na noite passada, e em como aquilo a magoara.

- Querida, isso me chateou também. Mas não há nada que possamos fazer. Eles simplesmente devem ver o que acontece, e continuar tentando.

- Não necessariamente. Esta é a minha idéia. Você não queria mesmo esse bebé, Jack. E talvez estejamos muito velhos. Talvez este seja o maior presente que poderíamos dar para eles. Quem sabe isso não aconteceu para que pudéssemos ajudá-los? Quero dar o bebé para eles.

Ele ficou boquiaberto ao ouvir aquilo.

- Está falando sério? Você quer dar o bebé para eles? - Ela balançou a cabeça afirmativamente, e ele a abraçou.

- Não acho que você deva fazer isso. Esse bebé é seu. É nosso. Seria muito difícil para você desistir dele depois de tê-lo.

- Não me importo. Quero fazer isso pela Jan, e por Paul. Você deixa?

- Você pode fazer o que quiser. Seria um gesto extraordinário, e as pessoas falariam a respeito. Mas quem se importa? Se for o que você quer, e se eles concordarem, então faça.

- Eu quis perguntar a você primeiro.

Ele balançou a cabeça.

- Acho que este é o maior presente que você poderia dar a eles, e já que Paul é tão contra a adoção, isto certamente resolveria o problema genético. Só quero que tenha certeza do que está fazendo.

- Tenho certeza. E quero fazer isto. Se você concorda, quero falar com ela ainda hoje pela manhã. Você liga para o Paul?

- Ligo. Vou combinar de almoçar com ele. Se ele ainda quiser me ver.

- Farei com que Jan ligue para Paul depois que eu falar com ela, avisando-o que o assunto é importante.

- Você é uma mulher maravilhosa, querida. Cheia de desprendimento e virtudes. - Ele ainda estava surpreso com a atitude dela quando foi para a loja naquela manhã. Ela não se deu ao trabalho de ligar para Jan. Resolveu passar em sua casa antes que saísse para a galeria. Jan ficou tão surpresa que, apesar da resistência, abriu a porta para a mãe. E quando Amanda falou o que tinha em mente, as duas sentaram e choraram. No início, Jan ficou chocada e não aceitou, mas depois de Amanda conversar com ela por um tempo, passou a querer o bebé desesperadamente.

- Você faria isso por mim, mãe?

- Lógico que faria - disse Amanda, categoricamente, secando as lágrimas e sorrindo para a filha. - Não há nada que me fizesse mais feliz.

- E se você mudar de idéia? E Jack?

-- Nós não mudaremos de idéia. Se dermos nossa palavra, iremos até o fim. Isto é algo que nós dois queremos fazer. Muito. Espero que concordem.

- Falarei com Paul. - Jan parecia animada ao correr para o telefone e ficou surpresa ao saber que Jack já ligara para ele. Paul já tinha uma vaga idéia do motivo pelo qual queria vê-lo. Jan explicou o resto para ele, e havia lágrimas nos seus olhos enquanto ouvia.

- Não acredito que farão isso - sussurrou ele. - Por quê?

- Porque eles nos amam - disse Jan, começando a chorar de novo enquanto a mãe ficava em pé ao seu lado. - Mamãe disse que nós dois podemos ficar junto dela na hora que o bebé nascer, e que ele será nosso a partir deste momento.

- E se eles mudarem de idéia?

- Não acho que eles mudarão, Paul. Ela realmente quer que nós fiquemos com o bebé.

- Depois nós falaremos mais a respeito - disse ele, temendo aumentar demais suas expectativas. Mas ele encontrou o pai na hora do almoço e conversou com Jan naquela noite e, na manhã seguinte, ligaram para Jack e Amanda dizendo que aceitavam. Eles estavam exultantes, e Amanda sentiu-se bem por ter feito algo tão gratificante e maravilhoso, e ela sabia que nunca iria se arrepender.

- Você não existe - disse Jack, em admiração. - Só espero que depois você não venha a ficar com pena de ter feito isso.

- Não vou. Tenho certeza absoluta. Não quero saber o quanto amarei este bebé depois que ele nascer, ele é da Jan e do Paul. Provavelmente você está certo. Talvez eu seja muito velha para andar com o carro cheio de crianças, dando carona para os amiguinhos dele, aos sessenta anos.

- Você continuará uma gracinha em qualquer idade. E pelo menos você pode ver o bebé quando quiser. - Isso já era algo. Ele sabia que não seria fácil para ela. E então teve uma idéia. - Por que nós não vamos a algum lugar? Só nós dois, de férias. O que você acha de Paris?

- Uau! Adorei a idéia. - As garotas tinham sugerido esta viagem para a mãe no verão anterior, mas ela não estava bem naquela época. Agora, ela não poderia pensar em nada mais adorável do que viajar para Paris com Jack Watson.

Foram em junho, quando ela já estava com cinco meses e meio de gravidez. Ficaram hospedados no Ritz e viveram dias maravilhosos. Saíram para jantar todas as noites, fizeram compras, foram ao Louvre, ao balé e andaram a pé por toda Paris. Ela nunca se sentira melhor. Apesar do sorvete, não ganhara muito peso, e Jack achava que ela estava linda. Tudo o que diziam sobre a beleza da mulher grávida parecia se encaixar direitinho com ela. A única coisa de que Amanda se ressentia era não poder comprar roupas chiques por causa da barriga.

- Voltaremos em novembro, prometo. - Ele estava preocupado com o facto de que ela talvez ficasse deprimida nesta época. Jack ainda achava que dar o bebé seria difícil para ela, mas Amanda não hesitou um só instante em sua decisão de dar o bebé para seus filhos.

Eles aproveitaram muito a viagem e pararam em Londres por alguns dias antes de voltar para casa. E em julho ele levou-a para Lake Tahoe. Mas em agosto o médico disse que ela não poderia mais viajar. Estava com sete meses e meio de gravidez, e já não era tão nova para ficar fazendo extravagâncias. O bebé era grande, e o médico temia que nascesse prematuramente.

- Minhas outras filhas nasceram depois de completados os nove meses - disse ela, confiante, e o obstetra riu abertamente.

- E quantos anos você tinha na época?

- Tudo bem, tudo bem. Vou me comportar. Prometo.

Eles sabiam que o bebé era saudável, e que era um menino. Ela fez a amniocentese antes de ir para a Europa. E Jan e Paul estavam loucos à procura de nomes para a criança. Louise, por outro lado, continuava ausente e mal falou com a mãe desde então.

- Ela vai superar - consolou-a Jack. Ele só queria que Amanda ficasse feliz. E fazia tudo para distraí-la. Mas tudo em que ela pensava agora era no bebé. Queria comprar roupas para ele, ursos de pelúcia, berço e cuecas mínimas, e montes e montes de fraldas. Ela saía para fazer compras todos os dias e, sempre que possível, insistia para que ele fosse com ela.

- Pelo amor de Deus, o que as pessoas vão pensar? Eu pareço o avô do bebé. - Ele ainda ficava mortificado toda vez que saía com ela para fazer compras, tanto que quando todos perguntavam, ele dizia que o que eles estavam comprando ali era para o neto deles.

- O que isso me faz de você? Sua filha?

- O que você acha de minha esposa? Você sabe, poderíamos providenciar isso. - Eles já estavam juntos há oito meses, mas sempre que ele trazia o assunto à tona, ela o ignorava. Amanda não queria pensar em mais nada no momento, só no bebé. Ela até fez Jack ir ao médico com ela.

A primeira vez em que ele a acompanhou foi horrível, e a única coisa que quis foi sair rastejando pela porta com uma máscara na cara. Em vez disso, ele segurou o jornal na frente do rosto e tentou fingir que não a conhecia.

- Eu não vou entrar - sussurrou por detrás do Los Angeles Times. Todos os que estavam na sala de espera pareciam ter catorze anos. Parecia o encontro mundial das mães solteiras. Eram todas meninas bonitas de Beverly Hills, com cabelos loiros e shorts mínimos. Os dois ali pareciam estar roubando doce da boca de criança.

- Não seja ridículo. Tudo o que eles fazem lá dentro é ouvir o batimento cardíaco da criança. É emocionante - sussurrou ela em contrapartida, e então Jack deu uma olhada através do jornal. Havia um garoto de calça jeans na frente dele. Parecia um actor mirim.

- Você me conta depois. Vou ficar esperando no carro - disse ele, com firmeza. Mas ela deixou transparecer um olhar tão decepcionado quando ele ameaçou sair, que Jack teve de se sentar de novo, e o fez com uma expressão contrariada no rosto. O rapaz de jeans perguntou se aquele era seu primeiro filho. - Meus filhos são mais velhos que você - Jack, meio grosseiramente. O garoto disse que tinha 23 anos, e que aquele era o seu segundo filho. Mas que seu pai e sua madrasta tiveram outro filho no ano anterior.

- Papai tem sessenta e cinco anos - disse o garoto, com um sorriso largo nos lábios.

- Ele sobreviveu?

- Lógico. Eles tiveram gêmeos. In vitro. Tentaram por dois anos. Minha madrasta tem quarenta.

- Sortudos esses diabinhos - disse Jack, de esguelha, e comentou com Amanda, já na sala dos exames, que as pessoas são loucas. - Por que um homem de sessenta e cinco anos quer ter um filho? Imagine fazer um filho in vitro. Pelo menos nós nos divertimos enquanto fabricávamos o nosso.

- Quer tentar de novo? - ela provocou e ele revirou os olhos. Mas quando o médico entregou-lhe o estetoscópio, e ele ouviu a batida do coração do bebé, acabou ficando emocionado. Tudo pareceu repentinamente tão real que lágrimas brotaram de seus olhos.

- Este é meu neto! - disse ele, alto demais, porque o estetoscópio em seus ouvidos fazia com que ele achasse que estava falando baixo, o que não era verdade.

- Este é seu pai? - perguntou o médico, um pouco confuso. - Pensei que era seu marido.

- Na verdade, meu marido morreu há um ano e meio - explicou ela e o médico sorriu para ela, benignamente. Como todas as pessoas em Beverly Hills, essas eram claramente mais do que um pouco excêntricas.

Mas estava tudo bem com o bebé e Jack não conseguiu parar de falar nisso no caminho de volta para a Julie's.

- Da próxima vez, deveríamos trazer Jan e Paul - disse ele e Amanda concordou, satisfeita pelo facto de ele estar animado com o bebé. Ela tinha que ir ao médico quase toda a semana agora. Ele queria acompanhar a gravidez de perto. Ainda estava preocupado com a possibilidade de o bebé nascer prematuramente. Pelo menos para Jack, sua barriga parecia enorme. Ele não conseguia se lembrar de seus filhos daquele tamanho no útero, mas Amanda era magra, o que fazia com que a barriga sobressaísse ainda mais.

Mas a pior experiência para ele foi ter que frequentar as aulas de Lamaze que começaram no dia 15 de agosto. Eram doze casais, a maioria de shorts, barbas, deitados no chão de uma sala de conferências no Cedars Sinai. Jack tinha vindo de uma reunião no escritório vestido com um terno Brioni, camisa e gravata, e olharam-no como se fosse um visitante de outro planeta. Amanda já estava lá, esperando por ele, e parecia bastante à vontade em seus shorts brancos, em uma blusa pink enorme e sandálias. Ela acabara de fazer as unhas, e parecia uma modelo. As pessoas que estavam ali eram jovens demais para saber que ela fora uma actriz de sucesso. Lá fora, a temperatura estava altíssima, e Jack estava suado e em frangalhos ao chegar.

- Desculpe-me pelo atraso, querida. Não consegui me livrar dos caras dos tecidos de Paris. Eles não queriam parar de bater papo.

- Tudo bem - sussurrou ela com um sorriso -, eles começaram agora mesmo. - Havia quadros na parede mostrando os vários estágios de dilatação da mulher em trabalho de parto. E Jack olhou para eles com horror.

- O que é isso?

- O colo do útero. Dilatado. Não se preocupe com isso.

- Parece horrível. - Ele estivera em um bar na hora do nascimento de seus filhos, se embebedando com um amigo. Naquela época, os pais não tinham que fazer nada mais do que aparecer na maternidade depois, com um buquê de rosas para a mulher.

Ele olhou de novo pela sala e percebeu, como sempre que todos eles eram da idade de seus filhos. Mas Jack já estava quase acostumado. As coisas com que ele não conseguia se acostumar eram as fotos, os diagramas e os filmes que mostravam ao final da sessão. Isso o deixava apavorado. A única parte que ele achava um tanto remotamente suportável, ainda que constrangedora, eram os exercícios que tinha que fazer com Amanda, segurando suas pernas ou ajudando-a a respirar. E a instrutora falava constantemente dos momentos aflitivos de algo chamado “transição”.

- O que é uso? - perguntou ele para sua “esposa” depois da sexta vez em que a mulher mencionou o termo. Mas ele perguntou muito alto, e a instrutora ouviu.

- É a parte mais dolorosa do trabalho de parto - disse ela com um sorriso sádico. - É quando vocês passam disso... - e apontou para o quadro - ...para isso. É mais ou menos como pegar o seu lábio superior e puxá-lo até a parte de cima da cabeça. - Ela passou para a próxima pergunta.

- Isso não assusta você? - sussurrou ele, muito mais baixo desta vez, para Amanda.

- Não - sussurrou ela de volta. - Já passei por isso antes.

- Vocês fazem isso sem anestesia? - A instrutora ficava sempre alertando para os perigos da anestesia, e deixara claro que mulheres “de verdade” não pediam remédios.

- É claro que não. - Amanda fez um esgar de dor para Jack durante os exercícios de respiração em que ficava ofegante. - Eles podem me dar todos os remédios que possuem. De preferência, quando eu chegar no estacionamento. Não sou nenhuma heroína.

- Fico feliz em saber. E quanto a mim? Eles vão me dar algum medicamento? - Ele começava a achar que ia Precisar também. Odiava as pessoas desta aula, odiava sua aparência, as coisas que diziam e as perguntas estúpidas que formulavam. Era um milagre que tivessem conseguido engravidar. Aparentemente, até débeis mentais conseguiam. Mas quem ele odiava mais era a instrutora.

E quando ela anunciou que o filme de hoje era uma cesariana, Jack começou a olhar ansiosamente para a saída.

- Você não quer algo para beber, querida? - perguntou ele, casualmente. - Está tão quente aqui. Na verdade, o ar-condicionado estava ligado e estava gelando o ambiente.

- Fique de olhos fechados. Eu não conto o que está acontecendo. - O propósito do filme era preparar os maridos para o caso de uma emergência durante a cirurgia. Se eles assistissem ao filme, e mostrassem o certificado emitido pelo curso para provar que o viram, poderiam ficar na sala de operação e assistir ao parto. Se não, teriam de esperar do lado de fora, com os covardes. Mas Jack sabia que não havia jeito de ele participar disto pessoalmente, não sem anestesia geral.

- Volto já - sussurrou ele, alto demais de novo.

- Aonde você vai? - perguntou Amanda.

- Ao banheiro - sussurrou ele em resposta.

- Nós esperaremos por você, Sr. Kingston! - A voz que veio da frente da sala proclamou em alto e bom som. - Você não vai querer perder isso. - Ele lançou um olhar abrandado para a “esposa”, e estava de volta em menos de cinco minutos.

Então começaram a passar o filme que quase o matou. Ele esteve no exército por dois anos, mas nenhum filme de treinamento que mostraram lá chegava a ser um adversário à altura deste. Até o filme que mostrava uma gonorréia era uma lembrança agradável comparado ao que parecia serrar uma pobre mulher ao meio. A mulher chorava quase o tempo todo, parecendo estar sentindo uma dor profunda, e antes que as luzes se acendessem, Jack sussurrou para Amanda que ele estava com náuseas.

- Eu disse para você. Não olhe. - Ela apertou as dele nas suas e se inclinou para beijá-lo.

- Kingstons! - A voz do inferno se propagou pela sala. - Vocês estão prestando atenção? Vou fazer um pequeno questionário a respeito do assunto.

- Merda. Por que nós não podemos assistir a uma operação de hemorróidas?

- Shhh... - Amanda estava rindo dele. Não havia esperanças para Jack. Nunca mais eles voltaram para o curso. Ela não queria tentar o parto normal mesmo. Ela tentara o normal por uma hora com Louise, mas desistira.

Mas as últimas semanas de gravidez pareceram bastante fáceis para ela. No feriado do Dia do Trabalho, ela estava com oito meses, e suficientemente entediada. Eles foram ao cinema, comeram comida chinesa e andaram na praia de Malibu, o que não foi tão fácil quanto era antes. Ela se sentia bem, mas estava lenta e enorme.

Eles estavam sentados no deque da casa dele, tomando chá gelado, quando Paul ligou. Ele queria saber como Amanda estava passando e perguntou se os dois poderiam passar lá à noite. E Jack contou, ao desligar o telefone, que Paul parecia um pouco nervoso.

- Você acha que há algo de errado? - perguntou Amanda, ficando preocupada.

- Acho que não. Talvez eles estejam apenas ficando ansiosos por causa do bebé.

- É. De repente é isso - disse ela, sem estar convencida. Ela esteve admiravelmente calma desde o início. - Se minha barriga aumentar mais um centímetro não vou conseguir entrar no elevador do Cedars Sinai.

-- Homens são assim - disse Jack com um sorriso. - Paul também foi um bebé grande. A mãe dele ficou com raiva de mim durante seis meses. Ela era tão amável.

- Ela lhe deu filhos maravilhosos - lembrou Amanda, benevolamente, e ele revirou os olhos.

- Não seja tão condescendente. Ela era uma bruxa, acredite.

Paul e Jan chegaram no final da tarde, e Jack preparou os drinques enquanto estavam no deque com Amanda, vendo o pôr-do-sol. Era uma tarde linda, e Amanda estava pensando em ir nadar.

- O bebé está bem? - perguntou Jan, olhando para a mãe com um ar de preocupação. Ela estava tão enorme que dava medo, mas Amanda parecia não se incomodar. Estava surpreendentemente calma.

- Ele está bem. Esperando por você, querida - disse Amanda com um sorriso. Jack voltou e serviu sangria para todos. Ele notou que os dois tomaram longos goles antes de voltarem a falar. E ficou imaginando o que seria que teriam para dizer.

- Algo errado? - Jack decidiu quebrar o gelo, e o jovem casal balançou a cabeça ao mesmo tempo, com ares de adolescentes culpados. Depois riram nervosamente, ao olharem para a mãe dela e para o pai dele.

- Não - falou Paul. Jan estava muito nervosa para falar. - Mas há algo que queremos contar para vocês... ou pelo menos achamos que deveríamos falar. Vocês devem ser os primeiros a saber...

Jan interveio, com lágrimas nos olhos ao olhar para a mãe.

- Mãe, eu estou grávida.

- Jura? Oh, querida, isto é maravilhoso. Quando aconteceu?

- Há seis semanas mais ou menos. Eu quis ter certeza absoluta antes de contar para vocês. Mas o médico confirmou e disse que está tudo bem. Fiz uma ultra esta semana e tudo está normal. Eles até nos deram uma foto.

- Eu me lembro disso - disse Jack, olhando para eles. Mas sabia que havia mais do que isso. A história não acabara por ali, ele sabia, e esperou.

Jan e Paul suspiraram profundamente, se entreolharam e olharam para os pais.

- Sei que isso provavelmente vai arruinar seus planos, mas nós não sabemos... não achamos... não estou certo se deveríamos...

Jack completou a frase para ajudá-los.

- Vocês não querem o nosso bebé.

Amanda olhou surpresa ao ver os dois balançando afirmativamente a cabeça e depois suavizando a situação.

- A menos que vocês não queiram mesmo ficar com ele. Se não quiserem, então, é claro... - Paul estava tentando ser justo com eles, mas era óbvio que agora que estavam para ter seu próprio filho, não queriam mais o da mãe dela. - Sentimos muito. De verdade.

- Tudo bem, filho - disse Jack, calmamente. - Às vezes as coisas mudam para melhor. Agora, por que vocês dois não vão embora? - Ele olhou para sua nora e a parabenizou com um beijo e um abraço. - Quero falar com sua mãe.

- Nós entendemos. Sei que isto deve ser um pouco difícil para você, pai. - Eles soavam jovens e insensíveis e alheios a tudo e, ao mesmo tempo, Jack não os culpava. E ele não estava chateado também.

- Está tudo bem, filho.

Eles foram embora dez minutos depois, e Amanda sentia como se alguém tivesse esvaziado seus pneus. Aquilo definitivamente iria exigir uma reorganização em sua vida. Ela fizera tudo para não se apegar a essa criança, e agora, de repente, voltava a ser sua. Tudo teria de ser repensado.

- Uau, houve uma rápida mudança de rumo aqui. Mesmo assim estou feliz por eles. - Olhou para Jack de onde estava sentada, esperando para ver se ele demonstrava qualquer reação negativa, mas isso não aconteceu. Ele parecia estar aceitando bem. Mas do jeito que as coisas eram, ele também não tinha nenhuma obrigação real. - Acho que isso nos leva de volta ao início.

- Talvez - disse ele, evasivamente. - Por que não deixamos a poeira baixar por um dia ou dois e falamos nisso mais tarde? - sugeriu ele, o que pareceu uma boa idéia para Amanda. Os dois precisavam de um tempo para rir aquilo, ainda que fosse do temperamento dela resolver os problemas de imediato. Mas isto era diferente. Envolvia tomadas de decisão mais importantes. Ou não. O nascimento do bebé estava previsto para dali a quatro semanas. Não havia mais o que decidir agora. E ela comprara tudo de que o neném iria precisar, para dar a sua filha. Tudo o que tinha a fazer agora era ficar com tudo para si. - Vamos andar um pouco na praia. - Ela não disse nada, mas eles acabaram não indo muito longe. Voltaram logo depois, e Amanda foi direto para a cama dele.

Ela fora tão feliz aqui. Eles passaram ótimos momentos na companhia um do outro. E seu amor cresceu demais da conta nos nove meses que estavam juntos.

- Quer tirar uma soneca? - ele ofereceu, casualmente, ao entrar no quarto atrás dela.

- Quero. Estou exausta. - O choque emocional de ter o bebé “devolvido” deixou Amanda extenuada, por um lado entusiasmada, e por outro assustada e preocupada. E, mais do que tudo, ansiosa pela reação de Jack. Aquela solução tinha sido tão perfeita, e os dois se sentiram à vontade com ela. - Você vai me abandonar de novo? - perguntou ela, com a voz baixa, tentando não parecer tão assustada quanto realmente estava, enquanto o sol poente se refletia na janela panorâmica do quarto dele.

- É claro que não. Eu amo você... e eu amo este garoto... pobre garoto, ele está sendo jogado de um lado para o outro como uma bola numa partida de futebol.

- De onde estou, parece que é ele quem está dando todos os chutes. - Jack adorava sentir a criança se mexendo, chutando e dançando dentro da barriga. Às vezes, quando ela se deitava encostada nele e dormia, Jack começava a sorrir só de sentir o filho. Ele sabia o quanto ela devia estar preocupada agora. Ela não merecia aquilo. E ele percebeu o tolo que tinha sido desde o início.

Ele se deitou ao lado dela e começou a beijá-la vagarosamente.

- Quais são as minhas chances de fazer amor com você a essa altura do campeonato? - Eles já não tentavam há duas semanas, quando já tinha sido um desafio. Ela sorriu diante da proposta.

- O médico disse que podemos fazer amor até mesmo a caminho do hospital, se você quiser.

- Eu quero. - E ele parecia estar dizendo a verdade.

- Você é um homem corajoso - sussurrou ela com um sorriso, e ele tirou sua roupa de banho e passou a mão na barriga. Naquele exacto momento, o bebé deu um chute enorme e ambos riram.

- Acho que ele ouviu o que propus a você, e não tenho certeza se gostou muito da idéia. - Ficaram deitados por um tempo e Jack a abraçou. De repente, a paixão tomou conta. Eles fizeram os movimentos vagarosamente e com cuidado, e foi melhor do que ambos esperavam. E então Amanda caiu no sono ao seu lado. Jack colocou seu calção de volta e saiu para andar de novo na praia. Havia muito em que pensar, muitas coisas para decidir. E ele sorriu, ao olhar para ela da porta da frente.

 

Jack fez o jantar para ela naquela noite, e Amanda o achou muito quieto. Temia que estivesse chateado com o que Jan e Paul tinham dito. Mas quando perguntou, Jack negou que estivesse chateado. Ele parecia muito à vontade, e em paz consigo mesmo, e quando sentaram no deque mais tarde e olharam para as estrelas, Jack pegou a mão de Amanda e se inclinou para beijá-la. Era uma noite perfeita.

- Há algo que quero pedir a você - disse ele, finalmente. Ela não podia imaginar o que estava por vir. Virou-se para olhá-lo, franzindo a testa. - Hoje à tarde pensei bastante. Na verdade, venho pensando muito ultimamente. Parecia tão fácil deixar que Jan e Paul ficassem com o bebé. Foi mais fácil deixar você tomar essa decisão.

- Achei que era uma coisa boa a fazer por eles. - Ela Parecia decepcionada. Ainda não tinha certeza do que estava sentindo.

- E era. Você foi incrível ao tomar aquela decisão. Mas não era certo. Talvez os céus soubessem disso e fizeram com que ela engravidasse. - Ele fez uma pausa, mas apenas por um instante. - Quero que fiquemos com o bebé. Ele é nosso filho... eu o quero muito. - Havia lágrimas em seus olhos, mas como estava escuro, Amanda não podia vê-las.

- Você quer? - Pela segunda vez naquele dia ela se sentia como se alguém pudesse derrubá-la ao toque de uma pluma. - Tem certeza?

- É claro que tenho certeza. E estou cansado deste papo moderno e estúpido. Quero casar com você. Agora. Amanhã. Imediatamente. Não quero que nosso filho seja considerado ilegítimo.

- Ainda temos quatro semanas. - Amanda sorriu para ele, tentando descobrir se realmente dizia a verdade ou se estava apenas tentando tomar uma atitude nobre. - Você não precisa fazer isso. Eu amo você tanto quanto amaria se fôssemos casados.

- Eu também. Então, por que não? Essa é uma maneira idiota de viver. Eu moro em Malibu, você mora em Bel Air e dormimos juntos nos fins de semana? Quero estar por perto para a mamada da noite e para o nariz escorrendo. Quero assistir ao primeiro passo, ao primeiro dente, e ao seu primeiro cabelo branco, e... - Ele estava sorrindo para Amanda, que dava gargalhadas.

- Odeio ter que dizer isso, mas esta parte você já perdeu. Há uns dez anos mais ou menos.

- Então não quero perder o resto. Não sei onde estava com a cabeça. Estive tão ocupado protegendo a mim mesmo nos últimos vinte anos que acabei esquecendo de proteger você. E, mais importante ainda, esqueci como isso pode ser bom. Eu não quero viver pela metade, ou aproveitar só os momentos bons. Quero tudo a que tenho direito. Quero estar por perto se você ficar doente, ou feliz, ou triste, ou se precisar de mim. E quero que você esteja por perto se eu também precisar. Principalmente se eu começar a babar ao mesmo tempo que ele. - Jack tocou delicadamente na barriga de Amanda, que levou o dedo dele até os lábios e beijou-o.

- Estarei sempre ao seu lado - disse, com ternura. - E você está sempre presente. - E então, de repente, ela pareceu ficar mais uma vez preocupada. - Você não acha que é muito cedo? - Então, neste momento, Jack deu uma gargalhada tão alta que os vizinhos poderiam ter ouvido.

- Amanda, eu amo você. Você já deu uma olhada no espelho? Isso é que é silhueta. Não, não é cedo demais. Nem um minuto. Vamos nos casar na semana que vem. Ligarei para as crianças, e se um deles fizer algum comentário desagradável, vou deserdá-los, e vou dizer isso a eles. E isso inclui Louise! É hora de essas crianças darem algum apoio a você para variar um pouco, em vez de só exigirem, ou esperarem que você as aceite, vamos deixar que elas digam alguma coisa que lhe agrade. Quero ver sorrisos desta vez, e ouvir parabéns! Eles nos devem uma. - E ela podia ver no fogo que seus olhos estavam emitindo que ele não estava brincando, e adorou aquilo.

No dia seguinte, ele fez exactamente o que disse que faria. Ligou para os três filhos e contou que iriam se casar. O casamento estava marcado para o próximo sábado. Jack pedira a um amigo de longa data, um juiz, para casá-los. Ele celebraria o casamento na loja e depois dariam uma recepção para duzentas pessoas. E Jack e Gladdie cuidaram de tudo. Apesar de Amanda odiar ter que admitir, ela estava finalmente muito cansada para fazer alguma coisa. Ela se sentia com catorze meses de gravidez, e parecia mesmo.

Ele encontrou um vestido para ela, um Gazar creme que caia sobre seu corpo avantajado como pétalas. Era perfeito. Ela iria usar flores no cabelo e carregar um buquê de angélicas, orquídeas e frésia. Ambas as filhas concordaram em comparecer à cerimónia, e Jack propôs que as duas passassem na loja para pegar seus vestidos. Jan foi de bom grado, é claro que Louise não. Mesmo assim prometeu a Jack pelo telefone que no dia do casamento seria cordial. Ficou furiosa por Jack ter ligado. Ela achava que a mãe é que deveria ter feito isso. Louise estava sempre furiosa com alguma coisa.

E quando o dia do casamento chegou, Jack e Amanda saíram para uma curta caminhada pela praia de Malibu, Então ela voltou em sua casa para se vestir com suas filhas. Ambas concordaram em ajudá-la. Estava nervosa como qualquer outra noiva, e suas mãos tremiam quando colocou o vestido. O cabeleireiro veio fazer seu penteado, um coque fofo que tinha sido sua marca registrada, e estava espetacular, mesmo com oito meses e meio de gravidez.

- Você está ótima, mãe. - Louise se postou atrás dela e falou para a imagem refletida no espelho, quando Jan desceu as escadas para ver se as flores estavam prontas.

- Obrigada - disse Amanda e então se virou vagarosamente para olhar a filha. - Você não está com raiva de mim? - Mas mesmo que estivesse, Amanda fazia exactamente o que queria.

- Não estou com raiva. Ainda sinto falta de papai. Mesmo que às vezes ele fosse um pé no saco. - Seus olhos se encheram de lágrimas enquanto falava. Ela não só perdoara a mãe, finalmente, como também ao pai.

- Sinto falta dele também, Lou. - Amanda abraçou a filha mais velha por um momento e depois se afastou para olhá-la. Ele era difícil, mas no fundo era uma pessoa decente. - Mas também amo Jack.

- Ele é um cara legal - admitiu Louise, e então seus olhos se anuviaram novamente. Havia algo que tinha de perguntar à mãe. - Você teria feito isso por mim, mãe? Quero dizer, me dar o bebé, se eu não pudesse ter um filho? - Esta dúvida a havia atormentado desde o início.

- É claro que sim. Faria isso por qualquer uma de vocês.

- Sempre achei que você a amava mais. Ela sempre foi tão especial para você. - A voz de Louise foi abafada por soluços, e a mãe ficou chocada com o que ela estava dizendo.

- Você também. Vocês duas são especiais. Amo as duas da mesma forma. É claro que eu teria feito isso por você. Como você pôde pensar o contrário?

- Estupidez minha, acho. Jerry disse que você o faria quando conversei com ele a respeito.

- Então ele é mais esperto do que você.

Neste momento, Louise a surpreendeu ainda mais.

- Estou feliz que você tenha ficado com o bebé. Vai ser bom para vocês. Trará sua juventude de volta... ou então os levará à loucura.

- Provavelmente as duas coisas ao mesmo tempo. - Amanda riu por entre suas próprias lágrimas. Jan entrou no quarto e Amanda abraçou Louise mais uma vez e lançou-lhe um olhar de cumplicidade. Nada assim jamais acontecera antes. E então ela virou para as duas e perguntou se elas estariam ao seu lado quando o bebé nascesse. - Não acho que Jack vá conseguir. Ele quase saiu correndo da aula de Lamaze.

Louise riu do que a mãe disse, e pareceu lisonjeada.

- Jerry também. Mas ele se comportou quando chegou a hora. Talvez Jack também se comporte.

- Não creio que a geração dele saiba lidar com partos.

- Bem, estaremos lá. - Jan colocou o braço no ombro da irmã e ambas sorriram para a mãe.

- Ainda vai demorar umas duas ou três semanas. Estejam por perto nesse período para que eu possa encontrá-las quando chegar a hora.

- Não se preocupe, mãe - disseram as duas em coro, e com isso a limusine chegou, trazendo o fotógrafo. Quase aqueceram o buquê. Amanda estava tão nervosa que o fôlego se esvaía, mas estava linda. E as filhas ajudaram-na a entrar no carro, rindo da dificuldade que era fazer isso. A mãe mal podia se mover agora.

Quando chegaram à loja, as três estavam deslumbrantes. As flores estavam espetaculares e havia literalmente um forro de flores acima delas. Havia orquídeas, rosas e lírios-do-campo. Era a coisa mais linda que Amanda já vira, e quando parou ao lado de Jack à frente do juiz, e com as filhas por perto, foi acometida por súbita emoção. Aquilo significava tanto para ela, ou talvez mais ainda, do que seu primeiro casamento. Ela era mais experiente agora, e sabia o quanto tinha sorte por tê-lo. E nesta época de suas vidas, eles se completavam perfeitamente.

O juiz declarou-os marido e mulher, e nesta hora, como Jack havia exigido, os filhos sorriram e os parabenizaram só que espontaneamente. A família inteira fez pose para fotos, bebendo champanhe, exceto Amanda, que bebeu cerveja sem álcool. E vinte minutos depois, os convidados chegaram. Parecia um megacasamento.

Todos os convidados ainda estavam lá à meia-noite, e Amanda se achava tão cansada que Jack não ousou fazer com que ela ficasse lá por mais um momento sequer. Ela jogou o buquê do alto da escada, e Gladdie foi quem o pegou, enquanto George Christy anotava os nomes. Ele era o único membro da imprensa convidado por Jack. E quando eles correram para o carro, as pessoas jogaram pétalas de rosas neles. Eles não iriam longe. Passariam dois dias no Hotel Bel Air, dois quarteirões de distância da casa de Amanda, mas ela mal podia esperar para chegar logo e tirar as roupas. Aquele fora o dia mais feliz de sua vida, mas já estava mais do que exausta, e sua aparência denunciava seu cansaço. Jack abraçou-a ainda dentro do carro. Ele insistira em levá-la para o Bel Air em sua Ferrari vermelha, que estava coberta de bolas e fitas de cetim brancas, e onde alguém escrevera com creme de barbear “recém-casados”.

- Sinto-me como um adolescente de novo - Jack sorriu exultante para ela. Ele adorara o casamento.

- E eu me sinto como uma avó - riu -, uma avó muito gorda. Você e Gladdie fizeram um trabalho maravilhoso. Estava tudo perfeito. Mal posso esperar para ver as fotos.

Ele pediu champanhe no quarto, e mais cerveja sem álcool para ela. Havia uma grande quantidade de vídeos no quarto. Assim que o mensageiro foi embora, Jack ajudou Amanda a tirar a roupa. Ela mal pôde se mover ao deitar na cama ainda de meia-calça e corpete. Estava com dor nas costas há horas, mas não quis estragar o momento dizendo isso a ele. Ela se recostou na cama suspirando de felicidade, e se deixou afundar numa montanha de travesseiros.

- Oh, meu Deus... Eu morri e fui para o paraíso... - disse ela com um sorriso, ao que ele olhou para ela, sentindo-se um homem feliz. Isso era tudo o que ele desejara. O passado ficara para trás.

- Você quer alguma coisa? - perguntou ele, ao tirar a gravata.

- Um guindaste - respondeu, sorrindo. - Eu não vou conseguir levantar se tiver que ir ao banheiro.

- Eu carrego você - disse ele, galantemente.

- Isso iria matá-lo.

Ele jogou o terno numa cadeira e foi se deitar ao lado dela, bebendo champanhe e comendo os morangos e as trufas que o hotel deixara ao lado de sua cama.

- Experimente um desses - disse ele, colocando um chocolate na boca de Amanda. Ela suspirou de satisfação. Então, ele começou a manusear os vídeos. - O que você acha de um pornô?

- Não sei se estou com muita disposição - riu ela.

- Na nossa noite de núpcias? - Ele pareceu ficar desapontado.

- Eu ajudo você - disse, esperançoso, mas ela pôde notar que ele tomara muito vinho e não o levou a sério. Amanda se arrastou para fora da cama e foi ao banheiro. Já tinha ido ao banheiro milhares de vezes naquela noite e por incrível que pareça, o facto de se deitar fez com que sua dor nas costas piorasse, em vez de melhorar.

- Acho que vou tomar um banho - disse, a caminho do banheiro.

- Agora? - Já era uma hora da manhã, mas, de alguma forma, ela achou que aquilo iria fazer com que se sentisse melhor. Estava para lá de exausta. Odiava se sentir assim na noite de núpcias, mas o dia e a noite foram bastante longos. E ela ficara de pé durante horas.

E, de fato, o banho provocou uma melhora. Quando voltou para a cama, a TV ainda estava passando o pornô, mas Jack já estava roncando. Sentou-se na cama por alguns instantes e olhou para ele, pensando em como a vida era estranha. Ela reúne pessoas diferentes em momentos diversos. A essa altura, Amanda não conseguia se imaginar com qualquer outra pessoa que não Jack.

Ele se mexeu ligeiramente quando ela deslizou para a cama ao seu lado e, um minuto depois, desligou a luz e a TV. Mas, assim que deitou, o bebé começou a chutar. Essa noite estava prometendo ser longa, pensou ela. Ficou deitada pelo que pareceram séculos, mas não conseguiu dormir. Ainda estava com a dor nas costas e agora, além disso, começava a sentir uma pressão estranha, como se o bebé estivesse empurrando a cabeça para baixo. E então, de repente, uma pontada na parte baixa de seu ventre fez tocar um acorde em sua memória. Estava em trabalho de parto. E as pontadas eram as contrações.

As contrações começaram a se manifestar suaves. E Amanda reparou que se passaram dez minutos de uma para outra. Eram lentas, firmes e regulares. Às três da manhã ainda deitada no escuro ao lado de Jack, começou a senti-lo de cinco em cinco minutos. Não sabia se o acordava. Poderia ser uma atitude tola se ainda fosse cedo demais. Mas ele ouviu quando ela foi novamente ao banheiro.

- Você está bem? - murmurou Jack, sonolento, quando ela voltou para a cama e se aconchegou nele.

- Acho que o bebé está querendo nascer - sussurrou ela.

Ele se sentou num pulo.

- Agora? Aqui? Vou ligar para o médico. - Ele acendeu a luz de imediato e ambos semicerraram os olhos.

- Acho que ainda não é a hora. - Mas, ao dizer isso, Amanda sentiu uma dor terrível que a fez trincar os dentes e se contorcer ao lado dele. Felizmente, a dor desapareceu em menos de um minuto.

- Você está maluca? Quer ter o bebé aqui? - Ele pulou da cama e colocou as calças, e Amanda estava rindo dele quando a dor voltou. De repente, estava voltando a cada dois minutos.

- Eu nem fiz minha mala - disse ela entre uma contração e outra. - Queria passar pelo menos uma noite aqui.

- Trago você de volta, prometo, depois que tivermos o bebé. A qualquer hora que você quiser. Agora, veja se levanta dessa cama para que possamos ir ao médico antes que a criança nasça.

- O que eu quero dizer é que eu não tenho nada para vestir.

- O que há de errado com o que você estava vestindo?

- Não posso ir de vestido de noiva para o hospital. Eu iria parecer uma tola.

- Prometo que eu não conto para ninguém que é um vestido de noiva. Vista-se logo, Amanda, pelo amor de Deus... O que você está fazendo?...

- Tendo uma contração - disse ela, por entre os dentes trincados de novo. Neste instante, Jack sentiu o estômago embrulhar.

- Acho que o champanhe estava envenenado.

- Talvez você também esteja em trabalho de parto - disse ela, quando a dor parou. - Ligue para Jan e para Louise - pediu, rastejando para fora da cama. Agora Amanda estava tendo uma certa dificuldade em se levantar.

- Vou chamar uma ambulância.

- Não quero uma ambulância. - Ela estava entre lágrimas e risos quando a contração seguinte aconteceu. - Você vai me levar de carro.

- Não posso. Estou bêbado. Não dá para perceber?

- Não. Você parece ótimo na minha opinião. Então eu dirijo. Apenas ligue para Jan e Louise.

- Não sei o número do telefone delas, e se você não colocar esse vestido de noiva agora mesmo, vou chamar a polícia e levar você presa.

- Isso seria bom - disse ela, num tom abafado, enquanto colocava o vestido de noiva pela cabeça e segurava a barriga. Mas quando tentou calçar os sapatos, seus pés estavam inchados demais e ela não conseguiu. - Vou ter que ir descalça - disse, já pensando sob um aspecto prático.

- Pelo amor de Deus... Amanda... por favor... - Ele atirou a mala dela na cama e começou a remexê-la. E, como que por milagre, ele achou um par de chinelos. - Calce isto.

- Qual é o problema de vocês do varejo? Por que não posso ir descalça, simplesmente?

- Você ficaria ridícula. - Eles já estavam na porta do quarto a essa altura, e já passava um pouco de quatro horas da manhã, mas a contração seguinte foi tão forte que ela teve de se recostar na porta. Só de olhar para ela, Jack começou a gemer. Ela colocou o braço no ombro dele ao deixarem o quarto e andarem vagarosamente até a frente do hotel, onde ele estacionara o carro. O tempo que eles levaram até lá pareceu uma eternidade. Na verdade, levou mais do que dez minutos, e ela estava começando a se preocupar, receando ter o bebé antes até de conseguirem chegar na Ferrari.

Ela sentou-se no assento do motorista e esticou a mão para Jack, rezando para que ele tivesse lembrado de trazer as chaves. Não queria ter de esperar nem mais um minuto. Mas, felizmente, as chaves estavam no bolso das calças dele. Jack as entregou para ela e entrou no carro a seu lado. Enquanto eles saíam do estacionamento e atravessavam Bel Air, ela deu-lhe o número do telefone de Jan e mandou-o ligar.

- Diga a ela para ligar para Louise. Apenas diga para elas se encontrarem comigo na maternidade. Estaremos lá em cinco minutos.

- Eles provavelmente vão me mandar para a geriatria.

- Relaxe, você vai ficar bem - disse, rindo dele. Esta era uma maneira e tanto de passar uma lua-de-mel. A qualquer minuto estariam tendo um bebé. A iminência era tal que ela teve que parar no acostamento para aguentar a contração seguinte.

- Oh, meu Deus - gritou ele -, o que você está fazendo?

- Estou tentando não destruir sua Ferrari enquanto estou tendo uma contração - disse ela, parecendo mais a garota em O Exorcista do que a mulher com quem acabara de casar. Ele olhou para ela com uma expressão de medo.

- Merda! Acho que você está na transição!

- Não me diga o que está acontecendo comigo, apenas cale a boca e ligue para minha filha.

- É isso... É isso... Foi exactamente isso que a bruxa lá do hospital disse que iria acontecer... ela disse que você começaria a agir como alguém que nunca vi na vida. Isto é a transição! - Ela não estava certa se queria rir ou matá-lo. Mas pelo menos ele ligou para Jan, e avisou que a mãe estava na transição.

- Isso é algum tipo de piada? - perguntou Jan. Ela estava sonolenta e não tinha idéia do que ele estava falando. Era óbvio que Jack abusara da bebida durante a festa de casamento.

- É claro que não é uma piada - gritou ele no telefone, ficando histérico. - Ela está tendo o bebé e nós estamos a caminho do hospital, e ela está na transição. Está agindo como uma completa estranha.

- Tem certeza de que é a mamãe? - Jan riu. Ele estava se comportando de uma forma ainda mais histérica do que a mãe previra.

- Bem, pelo menos ela está com o vestido de casamento de sua mãe. E quer que você ligue para Louise. Mas se apresse!

- Estaremos lá em dez minutos! - disse ela e desligou ao mesmo tempo em que Amanda cantava os pneus ao entrar no estacionamento do hospital, abrindo a porta da Ferrari e lançando um olhar exasperado para o recém-declarado marido.

- Você estaciona. Estou ocupada. E não arranhe o carro, ou meu marido vai matar você.

- Muito engraçado, madame. Muito engraçado, quem quer que você seja. E ainda se parece com a minha esposa - disse ele para o guarda da noite, que balançou a cabeça e apontou para o lugar onde Jack poderia deixar o carro. Ele deduziu que os dois deveriam estar drogados, assim como o resto de Los Angeles.

Amanda já estava no lobby a esta altura, e sentada numa cadeira de rodas. Ela informou a eles o nome do médico que a atendia e, assim como lhe fora ensinado no curso de Lamaze, ela estava ofegante e fazia a respiração de cachorrinho. As contrações estavam piorando.

- O que você está fazendo? - perguntou Jack ao olhar para ela, e então se lembrou. - Esqueci meu cronômetro. - Mas uma enfermeira já estava levando-a para o elevador, enquanto Amanda se agarrava à cadeira de rodas. Ela estava fazendo com que Jack ficasse nervoso. - Querida, você está bem?... Quero dizer, de verdade...

- O que você acha? - Sua voz mal podia ser ouvida por causa da contração, mas ela parecia um pouco mais consigo mesma agora. Talvez não estivesse mais na transição.

- Acho que você está desconfortável - disse ele, honestamente -, pior do que isso.

- Estou pior do que isso. Sinto como se alguém estivesse arrancando minhas tripas com uma serra.

- O que aconteceu com a coisa do lábio superior?

- Isso vem depois.

- Mal posso esperar.

Eles a levaram até uma sala no terceiro andar e a fizeram trocar de roupa e colocar um avental do hospital. Deram a Jack uma touca e um tipo de pijama verde.

- Para que isso? - Ele entrou em pânico.

- Para você, caso queira assistir ao nascimento do bebé - disse a enfermeira, sem-cerimônia, e então chamou um residente para checar Amanda.

Ele apareceu na sala de parto dois minutos depois, enquanto Jack estava trocando de roupa, e anunciou que Amanda estava com oito centímetros de dilatação e crescendo rapidamente. Ela já estava indo para os nove centímetros quando ele acabou de checá-la.

- Quero uma peridural - disse ela, agarrando as barras da lateral da cama durante a contração seguinte... - Morfina... Demerol... qualquer coisa... quero algum remédio...

- Já é tarde, Sra. Kingston - disse a enfermeira, delicadamente. - Você deveria ter chegado aqui com sete centímetros.

- Eu estava ocupada. Eu estava dirigindo até o hospital na Ferrari do meu marido. - Ela já começara a chorar. Aquilo não era engraçado. E ela virou para olhar para o residente e para a enfermeira com raiva. - Vocês estão me dizendo que se eu tivesse chegado aqui há meia hora poderia ser anestesiada com uma peridural? É culpa sua - disse ela para Jack, no momento em que ele saiu do banheiro parecendo uma enfermeira novata.

- O que é minha culpa? Disso... - ele olhou para a enorme barriga -, acho que é sim. E a propósito - ele se virou para o médico, imperiosamente -, ela não é a Sra. Kingston.

- Não? - Ele pareceu ficar confuso e pegou a prancheta. Estava claro ali. - Aqui diz que ela é a Sra. Kingston.

- Ela é a Sra. Watson - corrigiu Jack, ainda bêbado por causa da quantidade incontável de champanhe que ingerira no casamento.

Seriam preciso horas, até dias, até que ele ficasse sóbrio, e Amanda sabia disso.

- Não importa quem eu sou. Apenas chame o meu médico. Onde está ele?

- Estou aqui, Amanda - disse uma voz da porta.

- Bom. Eu quero algum tipo de anestésico, e eles não estão querendo me dar. - Ele conversou durante um minuto com o residente e então balançou a cabeça.

- O que você acha de um pouco de morfina?

- Parece ótimo. - Eles a conectaram a um monitor, deram a injeção e administraram um intravenoso nela, tudo em menos de cinco minutos. Só de olhar os médicos fazendo aquilo tudo fez Jack sentir uma náusea violenta. Ele estava sentado numa cadeira no canto, com os olhos fechados, e a sala rodava ao seu redor.

- Vamos pegar uma xícara de café amargo, vamos? - disse o médico e a enfermeira levantou uma sobrancelha.

- Na veia?

- Boa idéia. - A equipe médica deu risadinhas. Jack abriu um olho e olhou para eles enquanto Amanda passava pelo sofrimento de mais uma contração, mas pelo menos a morfina a aliviara um pouco.

- Por que todos estão falando tão alto por aqui? - reclamou Jack no momento em que Jan e Louise entravam e iam direto para a mãe.

- Você não deveria estar aqui - Amanda falou para Jan, meio grogue. A morfina estava fazendo com que ela ficasse meio sonolenta.

- Por que não, mãe? - Ela tocou no seu rosto gentilmente e passou a mão pêlos cabelos, enquanto Louise saía para buscar gelo moído para ela. Quando estava em trabalho de parto, isso tinha sido tudo o que mais desejara.

- Pode ser traumatizante e você nunca vai querer ter filhos. Isso é horrível. - E então acrescentou, como um complemento ao que acabara de dizer, tendo fechado os olhos por um instante - Mas vale a pena. Eu amo você, querida - sussurrou para a filha e então recomeçou a se acalmar, na hora em que Louise voltou com as raspas de gelo. - Eu amo você também, Louise - disse ela, e aceitou agradecida o gelo. Jack ainda estava sentado no canto, bebendo o café.

E às cinco horas da manhã, quando o doutor foi verificar novamente sua dilatação, decidiram que já era hora de ela ir para a sala de parto. A essa altura, a morfina já estava perdendo o efeito e Amanda começou a reclamar.

- Eu me sinto péssima... por que me sinto tão mal assim...?

- Porque está tendo um bebé - disse Louise. Jack andou até ela e ficou a seu lado. Ele parecia estar um pouco mais sóbrio.

- Como está indo, querida? - perguntou ele, tentando ser solidário.

- Estou péssima.

- Aposto que sim. - E então ele olhou para a enfermeira, contrariado. - Não pode dar algo para ela? Por que você não dá uma anestesia geral, pelo amor de Deus?

- Por que ela está tendo um bebé, não uma cirurgia no cérebro, e precisa ajudar fazendo força.

- Não quero fazer força. Odeio fazer força. Odeio tudo. Odeio isso. - Toda a morfina aplicada fez com que ela se sentisse grogue e ausente, mas ainda sentia muita dor.

- Tudo vai acabar logo - disse ele ao seguir a maca até a sala de parto, tentando entender como fora parar ali. Ele não queria ver aquilo, mas ao mesmo tempo não que­ria deixá-la sozinha. E as meninas o seguiam de perto. O equipamento naquela sala já o fez ficar tonto. Eles ofereceram a cada um deles um banco perto da cabeça de Amanda. Colocaram-na numa posição quase sentada, co­locando seus pés em um apoio. E no canto da sala havia um pequeno berço de plástico, com uma luz quente nele, para mantê-lo aquecido para o bebé. Tudo fez sentido para ele naquele instante. Eles estavam lá por uma razão. Algo maravilhoso estava acontecendo: Eles não estavam ali só para vê-la sofrendo.

Mas depois de algum tempo, parecia mesmo que este era o único motivo. Ela fez força durante duas horas e nada acontecia. O bebé era enorme. Havia sussurros entre a equipe médica. O médico olhou para o relógio e balançou a cabeça.

- Vamos dar a ela mais dez minutos. - Jack já estava alerta e ouviu o que ele disse.

- O que significa isso?

- O bebé não está se mexendo muito, Jack - disse o médico, controladamente. - E Amanda já está cansada. É possível que tenhamos que dar uma ajuda aqui.

- Que tipo de ajuda? - Ele parecia estar entrando em pânico. Ele já sabia o que o médico ia dizer. O filme de treinamento. A cesariana. Aquele que parecia que tinham serrado a mulher ao meio. Então ele olhou para o médico horrorizado. - É preciso?

- Vamos ver. Talvez não, se ela nos ajudar. - Amanda estava cada vez pior. Estava chorando e fechando as mãos com força. Suas filhas pareciam preocupadas. Mas Jack es­tava mais histérico do que elas. E cinco minutos depois, não houve qualquer melhora. Eles estavam parados esperando pela próxima contração quando soou um alarme, e a sala inteira pareceu se encher de barulhos, com todo mundo entrando rapidamente em acção em volta dela.

- O que é isso? O que aconteceu? - Jack voltou a ficar em pânico, e totalmente sóbrio.

- Este é o monitor fetal, Jack. O bebé está com problemas - explicou o médico, mas estava muito ocupado para se alongar na explicação. Havia instruções sendo dadas por todos os lados, e o anestesista estava dizendo algo para Amanda, que chorava.

- Que tipo de problemas? - Jack estava desesperado para saber o que estava acontecendo e ninguém lhe dizia nada.

- Vocês vão ter que deixar a sala agora. Todos vocês - disse o médico em voz alta e então se virou para falar com o anestesista. - Nós temos tempo para uma peridural?

- Vou tentar - respondeu ele. Mais correria, mais instruções, barulhos por todo lado, e Amanda tentando alcançar a mão de Jack como um animal ferido, deitada ali. As meninas já tinham saído da sala, mas Jack sabia que não poderia abandoná-la. Não podia fazer isso com ela.

- Eu assisti à aula - disse ele, para quem quisesse ou­vir. - Assisti à aula de Lamaze com o filme de cesarianas... - Mas ninguém estava ouvindo, seus olhos estavam grudados no monitor, e ainda estavam tentando sem sucesso tirar seu filho de dentro de Amanda.

A peridural fez efeito e o médico olhou para Jack severa­mente.

- Sente-se e converse com ela.

Colocaram uma tela na frente dela, de modo que ele não pudesse ver a cirurgia, apenas o rosto de Amanda, e o anestesista parecia estar fazendo um milhão de coisas ao mesmo tempo. Havia bandejas de instrumentos sendo movimentadas de um lado para outro e Jack procurava não olhar para elas. Tudo o que podia ver agora eram seus olhos, seu rosto, e o terror evidente de Amanda.

- Está tudo bem, querida. Estou aqui. Tudo vai dar certo. Eles vão tirar o bebé em um minuto. - Ele percebeu que estava rezando em silêncio para que não estivesse mentindo para ela.

- Ele está bem? O bebé está bem, Jack? - Ela estava chorando e falando um monte de coisas ao mesmo tempo, mas pelo menos não sentia mais dores, apenas vários puxões e empurrões. E Jack mantinha os olhos nela, dizendo-lhe o quanto a amava.

- O bebé está bem - dizia o tempo todo, esperando que isso fosse verdade, rezando para que nada tivesse acontecido com o bebé. Ele não queria que isso acontecesse com ela. Amanda já passara por muito sofrimento. O bebé tinha que sobreviver. Mas a cirurgia parecia durar uma eternidade. Havia suor caindo do rosto de Jack no pano que havia a seu lado, e suas lágrimas se misturavam às dela enquanto eles esperavam. O som de uma pulsação constante preenchia a sala e, de repente, um silêncio súbito fez com que ela começasse a chorar desesperadamente. Era como se soubesse, como se sentisse que algo terrível estava para acontecer, e tudo o que ele pôde fazer foi beijá-la e dizer o quanto a amava. Como ele poderia fazer com que ela o perdoasse se o bebé morresse? Ele sabia que, não importa o que fizesse, jamais conseguiria. E ao olhar para ela, torcendo para que o filho vivesse, escutaram um choro ao fundo que encheu a sala, e os olhos de Amanda se abriram, e ela ficou maravilhada.

- Ele é normal? - Ela estava completamente exausta, mas era tudo o que precisava saber agora, e o médico tratou de tranquilizá-lo rapidamente.

- Ele é perfeito. - Cortaram o cordão umbilical e o colocaram numa balança para pesá-lo. Neste momento, Jack foi ver seu garoto, seu filho. Quatro quilos e oitocentos gramas. Quase cinco. Ele tivera que lutar para chegar ali. Tinha os olhos azuis da mãe, e uma expressão de espanto em seu rosto como se tivesse chegado antes do que previra. E tinha. Ele estava quase três semanas adiantado.

Eles o limparam e o enrolaram num cueiro, deitando-o ao lado da mãe, mas seus braços ainda estavam amarrados à cama e ela não pôde abraçá-lo. Jack o segurou para ela e seus olhos se encheram de lágrimas ao ver Amanda olhando para seu filho pela primeira vez, acariciando-o com o rosto. Nada o comovera mais do que essa mulher que ele aprendera a amar tanto e o bebé que nenhum dos dois esperava. Ele era um pequeno sonho nascendo, uma grande esperança para o futuro, uma entrega especial dos céus. E de repente Jack não se sentiu velho, mas jovem, ao olhar para eles. Era um presente de magia para o futuro. Como uma janela aberta para a luz do sol.

- Ele é tão lindo - sussurrou ela, ao olhar para Jack. - Parece com você.

- Espero que não - disse ele, com lágrimas rolando por sua face enquanto se inclinava para beijá-la. - Obrigado - disse Jack para Amanda - ...por não ter desistido dele... por querer ficar com ele quando eu não o quis.

- Amo você - disse ela, sonolenta. Já eram oito horas da manhã, e seu filho já tinha dez minutos de idade.

- Amo você também - disse ele, observando-a enquanto Amanda caía no sono e eles levavam o bebé para o berçário e terminavam de atender à mãe. Jack ficou sentado por um longo tempo, olhando para a mulher, e quando finalmente a levaram de volta a seu quarto, Amanda ainda estava dormindo. Jack continuou com ela.

Os outros estavam esperando por eles e já sabiam que tudo tinha ido bem. Paul também estava presente, e todos estavam sorrindo.

- Parabéns! - Louise foi a primeira a dar os parabéns e, pela primeira vez, estava sendo sincera.

 

                                                                                            Danielle Stel

 

 

                      

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