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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O Chalé / Danielle Stel
O Chalé / Danielle Stel

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O Chalé

 

          

 

O sol banhava o elegante telhado da mansarda do Chalé quando Abe Braunstein fez a última curva do caminho que conduzia ao edifício. Qualquer outra pessoa teria ficado sem respiração ao avistar a imponente mansão. Um espetáculo! Mas Abe já ali estivera dezenas de vezes.

 

O Chalé era uma das últimas casas lendárias de Hollywood. Uma reminiscência dos palácios que os Vanderbilt e os Astor haviam edificado em Newport, Rhode Island, na virada do século.

 

O estilo era o dos palacetes franceses do século XVII: opulento, belo, elegante e requintado em todos os seus pormenores. Fora construído em 1918, para Vera Harper, uma das grandes estrelas do cinema mudo e uma das poucas atrizes dessa época que conseguira manter a fortuna. Casara mais de uma vez e ali vivera até morrer, com idade avançada, em 1959.

 

Cooper Winslow comprara-o um ano depois. Como Vera não tinha filhos nem herdeiros, havia deixado todos os seus bens, inclusive o Chalé, à Igreja Católica. Já nessa altura, Cooper, cuja carreira profissional conhecia um êxito estrondoso, pagara uma boa quantia por ele. A compra provocara grande agitação no meio social: a casa e a propriedade eram bens extraordinários para um jovem de vinte e oito anos. Coop não hesitara um segundo em ir viver para o suntuoso Palacete, que considerava estar à altura do seu estatuto de estrela.

 

A casa, no coração de Bel Air, encontrava-se rodeada de um parque com cinco hectares e meio de superfície e jardins impecavelmente tratados; tinha um campo de tênis e uma enorme piscina revestida de azulejos azuis e dourados, e havia fontes em vários pontos da propriedade. O traçado dos jardins fora alegadamente copiado dos de Versalhes.

 

 No interior da mansão, viam-se enormes tetos abobadados, muitos dos quais pintados por artistas franceses trazidos especialmente para o efeito. A sala de jantar e a biblioteca eram revestidas de lambris de madeira, e o madeiramento das paredes e chão da sala de estar haviam sido trazidos de um palacete francês.

 

Abe Braunstein estava satisfeito por Cooper Winslow, em 1960, ter comprado a casa e o terreno à vista, embora os houvesse posteriormente hipotecado por duas vezes. Mas nem isso os desvalorizara. Esta era, de longe, a propriedade mais valiosa de Bel Air. Hoje em dia teria sido extremamente difícil atribuir-lhe um preço. Não havia casas semelhantes na zona, ou onde quer que fosse, à excepção, talvez, em Newport; mas a propriedade valia muito mais em Bel Air do que em qualquer outro sítio, apesar de já estar a precisar de obras.

 

Quando Abe saiu do carro, dois jardineiros que arrancavam ervas em torno da fonte principal, e outros dois que trabalhavam num canteiro próximo trouxeram-lhe à mente a necessidade de reduzir o pessoal de jardinagem pelo menos a metade. À medida que olhava à sua volta, só via números e notas de dólar a voar pelas janelas. Sabia, quase até os centavos, quanto custava a manutenção da propriedade. Era uma despesa louca, pelos padrões de uma pessoa normal e, naturalmente, pelos de Abe.

 

 Tratava da contabilidade de pelo menos meia dúzia das estrelas mais conhecidas de Hollywood e há muito que não o espantava nem chocava aquilo que gastavam em casas, carros, peles e colares de diamantes para as namoradas. Porém, todas essas extravagâncias juntas nada eram, quando comparadas com as de Cooper Winslow. Abe estava convencido de que Coop Winslow gastava mais do que o rei Faruk.

 

 Há quase cinqüenta anos que esbanjava dinheiro como água, e há mais de vinte que não interpretava um papel importante num grande filme. Nos últimos dez anos, limitara-se a papéis secundários e participações especiais, trabalhos pelos quais recebia muito pouco. Cooper sempre desempenhara papéis de galã. No entanto, e por mais irresistível que ainda fosse no meio, cada vez lhe davam menos papéis. De fato, há mais de dois anos que Coop não trabalhava em cinema. Mas afirmava encontrar-se com realizadores e produtores todos os dias.

 

 Abe viera falar com ele, sem papas na língua, acerca desse assunto e da necessidade de reduzir radicalmente as despesas a curto prazo. Há cinco anos que vivia atolado em dívidas e em promessas. E Abe estava-se nas tintas para o fato de Coop fazer anúncios para o talho do bairro. Só tinha uma opção: sair de casa e ir trabalhar... e o mais depressa possível! Teria de alterar muita coisa na sua vida: reduzir drasticamente as despesas e o pessoal, vender alguns dos seus carros, deixar de comprar roupas e de se instalar nos melhores hotéis mundiais. Ou isso, ou vender o Palacete, que era a alternativa preferida de Abe.

 

Quando o mordomo, de fraque, abriu a porta principal, Abe, que envergava um terno de verão cinzento, camisa branca, e gravata branca e cinzenta, exibia um ar severo. O criado reconheceu o contabilista de imediato e cumprimentou-o com um ligeiro e silencioso gesto de cabeça. Livermore sabia, por experiência, que sempre que o contabilista aparecia, o patrão ficava num estado de espírito terrível. Por vezes, só uma garrafa de champanhe Cristal e uma lata de caviar conseguiam devolver-lhe o habitual bom humor. Já pusera ambas as coisas em gelo quando Liz Sullivan, a secretária de Coop, o avisara de que o contabilista viria ao meio-dia.

 

Liz atravessou o vestíbulo, com um sorriso nos lábios, mal ouviu a campainha. Desde as dez da manhã que se encontrava na biblioteca a passar uma vista de olhos por alguns documentos, preparando a reunião com Abe, sentia um aperto no estômago desde a noite anterior. Na véspera tentara avisar Coop do conteúdo da reunião, mas ele andara demasiado ocupado para lhe dar ouvidos. Como ia a uma festa de cerimônia, fora ao barbeiro e ao massagista e dormira uma soneca antes de sair. E, nessa manhã, Liz ainda nem sequer o vira. Coop não estava em casa: fora tomar o pequeno-almoço ao Beverly Hills Hotel com um produtor, que lhe telefonara a propor um papel num filme. Era difícil segurar Coop, especialmente quando suspeitava que lhe queriam dar más notícias. Havia nele algo de instintivo, uma espécie de radar supersônico que detectava as coisas que não queria ouvir. Como se de mísseis Scud se tratasse, sabia esquivar-se delas com a maior das facilidades. Mas, desta vez, tinha de dar ouvidos a Liz. Prometera regressar por volta do meio-dia. Isso queria dizer cerca das duas horas.

 

-Olá, Abe! Prazer em vê-lo! - cumprimentou Liz, num tom caloroso. Trazia calças  caqui, camisa branca e um colar de pérolas, que em nada a favoreciam, pois engordara consideravelmente ao longo dos vinte e dois anos em que trabalhara para Coop. Mas tinha um rosto agradável e cabelos loiros. Possuía uma beleza genuína quando Coop a contratara. Parecia modelo de um anúncio ao Shampoo Breck. Fora amor à primeira vista. Não literalmente, pelo menos da parte de Coop. Ele achava-a espetacular, e prezava a eficiência e a forma maternal como ela o tratava desde o primeiro momento. Quando a contratou, Liz contava trinta anos, e ele, quarenta e oito. Ela adorara-o e há anos que tinha um fraquinho por ele. Dedicara-se de alma e coração à gestão impecável da vida de Cooper Winslow, trabalhando catorze horas por dia, às vezes os sete dias da semana. Com o decorrer do tempo, esquecera-se de casar e ter filhos. Um sacrifício que fizera de bom grado pelo velho ator. E continuava a pensar que ele o merecia. Passava boa parte do seu tempo preocupada com ele, especialmente nos últimos anos.

 A realidade não era importante para Cooper Winslow. Considerava-a um incomodo, como um mosquito a zunir-lhe à volta da cabeça, e evitava-a a todo o custo. A maior parte das vezes com êxito, pelo menos do seu ponto de vista. De fato, quase sempre Coop só ouvia aquilo que queria ouvir, isto é, as boas notícias. E filtrava o resto muito antes de chegar ao cérebro ou aos ouvidos. Até agora, não se saíra mal. Abe viera, nessa manhã, para lhe dar conta da realidade, quer ele gostasse, quer não.

 

- Olá, Liz! Ele está em casa? - indagou Abe, de semblante carregado.

 

Detestava tratar do que quer que fosse com Coop. Tinham visões opostas em relação a tudo.

 

- Ainda não chegou - respondeu Liz, com um sorriso afável, enquanto o conduzia até à biblioteca. - Mas não tardará. Foi a uma reunião por causa de um papel principal.

- Em quê? Num filme de desenhos animados?

Liz, com muita diplomacia, não respondeu. Detestava que as pessoas fossem indelicadas com Coop. Mas também sabia que o contabilista estava extremamente irritado com ele.

 

Coop não seguira nenhum dos seus conselhos, e a situação financeira tornara-se desastrosa nos últimos dois anos. As últimas palavras de Abe para Liz, ao telefone, no dia anterior, haviam sido: ”Isto tem de acabar!” E era isso mesmo que vinha dizer a Coop. Mas, como de costume, Coop estava atrasado, fato que o aborrecia. Nunca chegava pontualmente a lugar nenhum. E, por ser quem era e pela sua personalidade cativante, as pessoas acabavam sempre por ficar à espera dele. Até Abe.

 

- Quer uma bebida? - perguntou Liz, fazendo as honras da casa, enquanto Livermore se mantinha impassível. No seu rosto, nunca se vislumbrava qualquer expressão. Era um aspecto que parecia adaptar-se bem ao seu papel. Embora se dissesse que, por uma ou duas vezes, esboçara um sorriso, quando Cooper o havia provocado implacavelmente por uma coisa qualquer, nunca ninguém o vira efetivamente sorrir. Mas Cooper jurava de pés juntos que vira.

 

- Não, obrigado - respondeu Abe, com um ar tão imperturbável como o do mordomo, embora Liz se apercebesse de que a irritação começava a tomar conta dele a um ritmo galopante.

 

- Chá gelado? - perguntou Liz, tentando pô-lo à vontade.

 

- Pode ser. A que horas acha que ele chega?

 

Era meio-dia e cinco. Ambos sabiam que a Coop pouco lhe importava chegar uma ou duas horas atrasado. Mas viria com uma desculpa plausível engatilhada, e um sorriso deslumbrante, que faria qualquer mulher cair de joelhos, mas não surtiria qualquer efeito em Abe.

 

- Creio que não deve demorar muito. É uma simples reunião preliminar, para lhe apresentarem o projeto.

 

- Para quê?

 

Nos seus últimos trabalhos, limitara-se a aparecer como figurante, entrando ou saindo de uma cerimônia de pré-estréia, ou conversando num bar com uma moça qualquer. Desempenhava quase todos os papéis em traje de cerimônia. E tinha tanto charme na tela como na vida real. Conseguia sempre ficar com os trajes que usava nos filmes, feitos nos seus costureiros favoritos de Paris, Londres e Milão. Mas, para contrariedade de Abe, não deixava de comprar roupa, e gastar cada vez mais em antiguidades, cristais, linhos e objetos de arte de preços exorbitantes. As faturas iam-se amontoando em cima da secretária de Abe, juntamente com a do seu mais recente Rolls Royce. Dizia-se que, ultimamente, andava de olho numa série limitada de um Bentley Azure conversível a turbo, que custava a módica quantia de meio milhão de dólares. Seria um belo acréscimo aos dois Rolls, um conversível e um sedan, e à limusine Bentley, mandada fazer de encomenda, que tinha na garagem. Coop via os carros e o guarda-roupa como necessidades da vida, não como luxos. Tudo o resto era secundário.

 

Um criado apareceu então com dois copos de chá gelado numa bandeja de prata. Livermore desaparecera. Abe olhou para Liz, de sobrolho franzido, ainda o jovem nem sequer abandonara a sala.

 

- Ele tem de despedir pessoal. Quero que o faça ainda hoje.

 

O criado olhou para trás, por sobre o ombro, com ar preocupado, e Liz esboçou um sorriso tranqüilizador. Uma das suas funções era manter toda a gente satisfeita e pagar as contas. Os salários dos criados encontravam-se no topo da sua lista de prioridades, porém, às vezes, até esses pagamentos tinham de ser protelados. Os criados já estavam habituados. E ela própria não recebia há seis meses. Tivera alguma dificuldade em explicar esse fato ao noivo. Geralmente, só depois de Coop fazer um anúncio ou de receber um pequeno papel num filme é que ela via algum dinheiro. Podia dar-se a esse luxo. Ao contrário de Coop, tinha um pé-de-meia e, durante anos, vivera com alguma frugalidade. Sempre que podia, Coop era extremamente generoso com ela.

 

- Talvez pudéssemos deixar isso para mais tarde, Abe. Vai ser muito duro para eles.

 

A situação financeira de Coop não permite pagar-lhes os salários, Liz. Você sabe disso muito bem. Vou aconselhá-lo a vender os carros e a casa. Não receberá muito pelos carros, mas, se vender a casa, podemos pagar a hipoteca e as dívidas, e Coop poderá levar uma vida decente e descansada. Pode comprar um apartamento em Beverly Hills e voltar de novo à ribalta. - Há muito que estava afastado dela.

 

Mas Liz sabia que a casa fazia parte de Coop, como um braço ou uma perna. Era o seu coração. Há mais de quarenta anos que fazia parte da sua identidade. Coop preferiria morrer a vender o Palacete. E não se desfaria dos carros. Disso tinha ela a certeza. A idéia de Coop ao volante de um carro que não fosse um Rolls ou um Bentley era impensável. Era essa a sua imagem de marca. Muitas pessoas não faziam a menor idéia de que se encontrava numa situação financeira extremamente complicada. Achavam apenas que se desleixava um pouco a pagar as suas contas. Há alguns anos, tivera um pequeno problema com o IRS, que Liz resolvera com os dinheiros que ele havia recebido pela sua participação num filme na Europa. Essa situação nunca mais voltara a repetir-se. Mas, agora, as coisas estavam pretas. Só precisava de entrar num grande filme, costumava ele dizer. Liz fez saber isso mesmo a Abe. Sempre defendera Coop. Há vinte e dois anos que o fazia. Porém, nos últimos tempos, cada vez se tornava mais difícil, devido à forma irresponsável como ele se comportava. Mas esse era o Coop que ambos bem conheciam.

 

Abe estava farto.

 

- Ele já tem setenta anos. Há dois anos que não entra num filme, e há vinte que não lhe dão um papel principal. Se fizesse mais anúncios ajudaria um pouco. Mas não é suficiente. Não podemos manter esta situação durante muito mais tempo, Liz. Se Coop não pagar tudo o que deve, irá parar à cadeia.

 

Há mais de um ano que Liz utilizava cartões de crédito para pagar cartões de crédito. Esta situação estava deixando Abe  doido. Havia ainda uma série de outras contas por pagar. A idéia de Coop na cadeia era absurda.

 

Era uma hora da tarde quando Liz pediu a Livermore para trazer um sanduíche para Abe, que parecia prestes a soltar fumaça pelos ouvidos. Estava furioso com Coop, e só a devoção à profissão o mantinha ali sentado. A determinação de fazer o que se propusera mantinha-se, com ou sem a ajuda de Coop. Gostaria de saber como é que Liz ainda se aguentava ao pé dele, ao fim daqueles anos todos. Sempre suspeitara de que havia um romance entre eles e ficaria espantado se lhe dissessem o contrário. Tanto Coop como Liz eram pessoas inteligentes. Ela adorava-o há anos e nunca fora para a cama com ele. Nem ele lhe pedira tal coisa. Para Coop, algumas relações eram sagradas, e esta, nunca ousaria manchá-la. Afinal de contas era um cavalheiro.

 

Abe acabou a sanduíche à uma e meia, altura em que Liz conseguira fazer versar a conversa sobre os Dodgers, o clube favorito do contabilista. Sabia que ele era um apaixonado do basebol. Pôr as pessoas à vontade era uma das coisas que Liz fazia melhor. Abe quase esquecera as horas quando ela virou a cabeça para o lado. Conhecia o barulho do carro na entrada. Abe não ouvira coisa alguma.

 

- Aí está ele! - exclamou Liz, com um largo sorriso nos lábios, como se anunciasse a chegada dos três Reis Magos.

 

E, como sempre, Liz tinha razão. Coop vinha ao volante do Bentley Azure conversível que o vendedor lhe emprestara há várias semanas. Era uma máquina esplêndida, talhada na perfeição para ele. Ouvia um CD de La Bohème, quando fez a última curva e parou o carro diante da casa. Era um homem elegante, de cortar a respiração, com traços finos e queixo fendido. Tinha olhos azul-escuros, pele clara e macia, e cabelos cor de prata, imaculadamente tratados e penteados. Mesmo com a capota descida, não trazia um único cabelo fora do lugar. Nunca se lhe via tal coisa. Cooper Winslow era o epítome da perfeição em todos os pormenores. Másculo, elegante, com extraordinário à vontade. Raramente perdia as estribeiras ou se mostrava desanimado. Tinha um ar de elegância aristocrática, que aperfeiçoara como uma arte e se lhe tornara natural. Provinha de uma antiga família de Nova Yorque, com antepassados distintos e sem dinheiro.

 

No início da sua carreira, desempenhava todos os papéis de menino rico, de classe abastada, uma espécie de Cary Grant dos nossos dias, com ares de Gary Cooper. Nunca fizera de vilão ou de duro, só papéis de playboy e de fogosos heróis impecavelmente vestidos. As mulheres adoravam os seus olhos meigos. Nunca teve má índole, nem nunca foi mesquinho ou cruel. As mulheres com quem saía adoravam-no, mesmo depois de se separarem dele. Conseguia quase sempre engendrar maneira de o deixarem, quando já estava cansado delas. Era perito em lidar com as mulheres, e a maior parte daquelas com quem mantivera um romance dizia bem dele. Achavam-no divertido. Coop tratava-as com extrema cortesia enquanto o romance durava. E quase todas as grandes estrelas femininas de Hollywood haviam sido vistas, em uma ou outra ocasião, nos seus braços. Fora sempre um celibatário e um playboy. Aos setenta anos, conseguira escapar daquilo a que chamava ”a rede”. E não aparentava a idade que tinha.

 

Sempre tivera um cuidado extremo consigo. Nunca pareceu ter mais de cinqüenta e cinco anos. Quando saiu do suntuoso carro, envergando blazer, calças cinzentas, e uma imaculada camisa azul mandada fazer em Paris, evidenciaram-se os ombros largos, físico impecável e pernas intermináveis. Tinha um metro e noventa e três, coisa rara em Hollywood, onde a maioria das estrelas havia sido sempre de baixa estatura. Acenou para os jardineiros em sinal de cumprimento, com um radioso sorriso onde se salientava a dentadura cuidada; mas uma mulher teria também reparado nas mãos, igualmente bem tratadas. Cooper Winslow parecia ser o homem perfeito. E, num raio de oitenta quilômetros, podia constatar-se o fascínio que exercia sobre as pessoas. Era um ímam, tanto para as mulheres como para os homens. Apenas um reduzido número dos seus conhecidos, entre os quais Abe Braunstein, se mostrava indiferente ao seu charme. Para todas as outras pessoas, porém, havia nele um irresistível magnetismo, uma espécie de aura, que fazia com que se virassem e esboçassem um sorriso de admiração. Em suma, era um homem de espetacular aparência.

 

Livermore, que também o vira chegar, abriu-lhe a porta.

 

- Estás com bom aspecto, Livermore. Morreu alguém hoje?

Coop metia-se sempre com o mordomo por causa do seu ar sisudo. Fazê-lo sorrir era para si um desafio. Há quatro anos que Livermore trabalhava para Coop, e o velho ator estava imensamente satisfeito com ele: agradavam-lhe a sua dignidade, a firmeza, a sua eficiência e estilo. Emprestavam à casa precisamente o tipo de imagem que Coop pretendia alcançar. E Livermore tomava conta do guarda-roupa de forma irrepreensível, o que era importante para Coop. Tratava-se de uma das principais tarefas do mordomo.

 

- Não, senhor. Miss Sullivan e Mister Braunstein estão na biblioteca. Acabaram de almoçar.

 

Não lhe disse que o esperavam desde o meio-dia. De qualquer forma, Cooper não estaria dando muita importância para esse fato. Do seu ponto de vista Abe Braunstein trabalhava para si, e se tivera de esperar a única coisa que tinha a fazer era cobrar-lhe esse tempo de espera.

 

Ao entrar na biblioteca, em passadas largas, Coop lançou um sorriso cativante a Abe, parecendo algo divertido, como se acabasse de ouvir uma piada. Cooper Winslow dançava ao seu próprio ritmo.

 

- Espero que lhe tenham servido um almoço decente afirmou, como se houvesse chegado a tempo, e não quase duas horas atrasado. Geralmente, o seu estilo fazia com que as pessoas baixassem a guarda, esquecendo a irritação por causa do atraso, mas Abe não se deixou levar em manobras de diversão e foi direto ao assunto.

 

- Estamos aqui para falar de finanças, Coop. Temos de tomar algumas decisões.

 

- Claro! - retorquiu Coop, rindo, ao mesmo tempo que se sentava no sofá e cruzava as pernas. Sabia que, dentro de segundos, Livermore lhe traria um cálice de champanhe, e assim aconteceu. Era o vintage Cristal que costumava beber, servido à temperatura ideal. Possuía dúzias de caixas dele na adega, além de outros vinhos franceses fabulosos. Tanto a adega como o seu gosto eram lendários. - Vamos dar um aumento a Liz. - E sorriu para a secretária, cujo coração começou a bater mais depressa. Também ela tinha más notícias a comunicar-lhe. Receara dá-las durante toda a semana, esperando pelo fim-de-semana para esse efeito.

 

- Vou despedir todo o seu pessoal doméstico hoje, declarou Abe sem cerimônia. Coop soltou uma gargalhada, enquanto Livermore abandonava a sala com o seu habitual ar impassível, como se nada tivesse sido dito. Coop bebeu um gole de champanhe e pousou o copo em cima de uma mesa de mármore que comprara em Venice, na ocasião da venda do palacete de um amigo.

 

- É uma idéia brilhante. Como é que se lembrou disso? Não seria melhor crucificá-los, ou dar-lhes um tiro? Para quê despedi-los? Isso são coisas de classe média!

 

- Estou falando sério. Têm de ser despedidos. Acabamos de lhes pagar os salários. Há três meses que não recebiam. E não temos possibilidades de voltar a lhes pagar. Não podemos continuar com esta despesa, Coop. - Havia um tom de lamento na voz do contabilista, como se soubesse que nada do que dissesse ou fizesse poderia convencer o velho ator a levá-lo a sério. Quando falava com Coop, tinha sempre a sensação de estar a falar para um boneco. - Vou avisá-los da demissão ainda hoje. Têm de sair no espaço de duas semanas. Vou deixar-lhe uma criada.

 

- Maravilhoso! E sabe engomar trajes? Qual é que me vai deixar?

 

Tinha três criadas, uma cozinheira, o criado que servira o almoço, Livermore, oito jardineiros e um motorista em regime de temporário para os eventos importantes. Um autêntico exército, embora pudesse prescindir de muitos deles. Mas gostava de ser bem servido e de satisfazer todos os seus desejos.

 

- Vou deixar-lhe a Paloma Váldez. É a que tem o salário mais baixo - sentenciou Abe, pragmático.

 

- Qual delas é? - Coop olhou para Liz com ar inquisitivo. Não se lembrava de ninguém com aquele nome. Duas das criadas eram francesas, Jeanne e Louise, e essas sabia quem eram, mas o nome Paloma não lhe dizia nada.

 

- É a salvadorenha que contratei o mês passado. Pensei que gostasse dela - respondeu Liz, como se estivesse a falar com uma criança. Coop parecia confuso.

 

- Pensei que o nome dela era Maria, e é isso que lhe tenho chamado, mas nunca me responde. Ela não vai conseguir dar conta da casa toda. É ridículo - disse Coop, em tom jovial, enquanto olhava para Abe, não parecendo perturbado pela notícia.

 

- Não tem alternativa - respondeu Abe bruscamente. Tem de despedir pessoal, vender os carros e, durante o próximo ano, não comprar rigorosamente nada, mas nada mesmo: nem carros, nem roupas, nem um par de meias, nem quadros, nem uma toalhinha de mesa. E, então, talvez consiga começar a sair do buraco em que está metido. Gostaria de vê-lo vender a casa ou, pelo menos, arrendar a casa do caseiro, e talvez até parte desta, o que faria entrar algum dinheiro. Liz disse-me que a ala de hóspedes nunca é utilizada. Podia arrendá-la. Por ela e pela casa do caseiro era capaz de receber bom dinheiro. Não precisa de nenhuma delas. - Ponderara com maturidade esta questão. Era uma pessoa muito conscienciosa das suas obrigações.

 

- É ridículo arrendar parte da casa. Porque não a transformamos num colégio interno? Ou numa escola de etiqueta? Que idéia mais estapafúrdia essa de arrendar a casa! Coop estava deleitado com a situação, não mostrando qualquer intenção de fazer o que quer que fosse. Abe fitava-o de semblante carregado.

 

- Acho que não está visualizando bem a situação em que está metido. Se não seguir os meus conselhos, vai ter de pôr a casa à venda e ficar sem ela no espaço de seis meses. Está quase na bancarrota, Coop.

 

- Isso é ridículo. A única coisa de que preciso é entrar num grande filme. Hoje deram-me para ler um argumento espetacular - retorquiu Coop, esboçando um sorriso de satisfação.

 

- O seu papel é importante? - indagou Abe, impiedoso. Continuava a bater na mesma tecla.

 

- Ainda não sei. Disseram que depois me escrevem. O papel pode ter a importância que eu quiser.

 

- Cheira-me a participação especial - comentou Abe, perante o ar crispado de Liz. Detestava que as pessoas fossem cruéis com Coop. E a realidade parecia ser sempre cruel para ele, tanto que Coop não lhe ligava a miníma. Evitava-a. A única coisa que queria da vida era que fosse agradável, divertida, fácil e bela em todas as ocasiões. Para si, era. Só não tinha condições econômicas para manter esse estilo de vida, mas isso nunca o impedira de viver como queria. Nunca hesitara em comprar um carro novo, em mandar fazer meia dúzia de trajes, ou em comprar uma peça de joalharia para oferecer a uma mulher. E as pessoas estavam sempre dispostas a fazer negócio com ele. Queriam o prestígio de o ter a exibiras suas coisas. Acreditavam que ele acabaria por pagar, o que acontecia quase sempre. Fosse como fosse, as contas apareciam pagas, muitas das vezes graças a Liz.

 

- Abe, você sabe tão bem como eu que, com um grande filme, ficaremos novamente a nadar em dinheiro. Na próxima semana posso receber dez, quinze milhões de dólares por um filme. - Continuava a viver num sonho.

 

- Receba-os, se tiver sorte. Até pode receber quinhentos mil, ou três, ou dois, tanto me faz. Você já não consegue receber grandes cachés, Coop. - A única coisa que não disse foi que a época áurea de Cooper Winslow já passara. Até Abe sabia que não podia dizer-lhe tudo o que pensava. Mas a verdade é que o velho ator teria muita sorte se recebesse cem ou duzentos mil dólares. Por muito bem-parecido que fosse, Cooper Winslow era demasiado idoso para ator principal. Esses tempos haviam acabado para sempre. - Não pode continuar a valer-se da sorte. Se disser ao seu agente que quer trabalho, talvez ele lhe arranje anúncios por cinqüenta ou cem mil dólares, se o produto for de peso. Não podemos estar à espera de uma grande quantia, Coop. Tem de fazer cortes no orçamento até isso acontecer. Pare de gastar dinheiro como água, reduza o pessoal ao mínimo, arrende a casa do caseiro e parte desta, e talvez o panorama fique menos sombrio nos próximos meses. Se não o fizer, terá de vender a casa ainda antes do final do ano. Seria a melhor coisa a fazer. Mas a Liz acha que você está determinado a não sair daqui.

 

- Sair do Chalé? - Coop riu-se ainda com mais vontade. - Mas que idéia mais estapafúrdia! Vivo aqui há mais de quarenta anos.

 

- Bem, mas deixará de viver, se não começar a apertar o cinto. Não é segredo nenhum, Coop. Já lhe chamei a atenção para isso há dois anos.

 

-Pois chamou, e ainda aqui me mantenho, e não estou nem na bancarrota nem na cadeia. Tem de tomar antidepressivos, Abe. Talvez o ajudem a ver as coisas de forma menos sombria. - Costumava dizer a Liz que Abe parecia um vendedor de tralhas, até na forma de vestir. Coop nunca lho dissera, mas não gostava mesmo nada que ele andasse de traje de verão em Fevereiro. Esse tipo de coisas aborrecia-o, mas não queria embaraçá-lo comentando-as. Pelo menos, não estava a sugerir a Coop que vendesse também o guarda-roupa.

  • Está mesmo falando sério acerca dessa questão do pessoal, não está? –

     Coop olhou de relance para Liz, que o observava com ar complacente. Imaginava o desconforto que ele devia estar sentindo.

     

    - O Abe tem razão. Você está gastando demasiado em salários, Coop. Talvez devesse fazer uns cortes durante uns tempos, até haver mais dinheiro. - Liz deixava-o sempre ter os seus sonhos. Precisava deles.

     

    - Como é que uma salvadorenha, sozinha, pode dar conta da casa toda? - perguntou Coop, perplexo. Era uma idéia absurda. Pelo menos, para ele.

     

    - Ela não terá de o fazer, se você arrendar parte da casa

    - retorquiu Abe, pragmático. - Pelo menos, isso resolverá um problema.

     

    - Há dois anos que a ala de hóspedes não é utilizada, e há quase três que a casa do caseiro se encontra fechada. Julgo que tanto uma como outra não lhe farão falta - lembrou Liz, num tom afável, parecendo uma mãe a tentar convencer o filho a dar alguns dos seus brinquedos aos pobres ou a comer a carne.

     

- Por que carga de água iria eu querer estranhos na minha casa? - indagou Cooper, algo aturdido.

 

- Porque você não quer vender a casa, só por isso replicou Abe -, e não tem alternativa. Estou a falar muito a sério, Coop.

 

- Bem, vou pensar no assunto - prometeu Coop, algo hesitante. A idéia não fazia o menor sentido. Ainda tentava imaginar como seria a vida sem qualquer tipo de apoio. Não devia ser muito divertida. - E não está à espera que eu me ponha a cozinhar, não é ? - Parecia desorientado.

 

- A julgar pelos seus cartões de crédito, costuma ir jantar fora todas as noites. Nunca irá sentir falta da cozinheira. Ou do resto dos criados. Podemos mandar vir um serviço de limpeza, de tempos a tempos, se as coisas começarem a andar fora dos eixos.

 

- Que maravilha! E porque não um porteiro? E talvez também pudéssemos contratar um grupo de presos em liberdade condicional. - Os olhos de Coop faiscavam, perante o ar exasperado de Abe.

 

-Já tenho os cheques e as cartas de demissão replicou Abe, com ar severo. Queria ter a certeza de que Coop percebia que ele ia mesmo despedi-los. Não havia outra alternativa.

 

- Vou falar com um corretor imobiliário na segunda-feira - informou Liz, numa voz sumida. Detestava irritá-lo, mas ele tinha de saber. Não podia fazer uma coisa daquelas sem lhe dar conhecimento. Também achava que o arrendamento dos dois espaços não era má idéia. Coop não teria de abandonar o Palacete e receberia uma boa quantia. Era uma das melhores idéias de Abe. E seria muito mais fácil para Coop do que vender a casa.

 

-Está bem, está bem. Mas certifiquem-se de que não me metem um assassino dentro de casa. E nada de crianças, por amor de Deus, ou cães a ladrar. Para dizer a verdade, só estou interessado em inquilinas, e bonitas. Eu próprio faço as entrevistas - assentiu, meio a brincar. Liz achava que ele estava a ser extremamente razoável, e ia tentar arranjar inquilinos o mais depressa possível, antes que ele desse o dito por não dito.

  •  

- É tudo? - perguntou a Abe, enquanto se levantava para mostrar que já estava farto. Fora uma dose forte de realidade para Coop. E era óbvio que queria que Abe se fosse embora.

 

- Por agora, é tudo - respondeu Abe, pondo-se de pé. Eu estava mesmo a falar a sério, Coop. Não compre nada!

 

- Prometo. Terei o cuidado de ver se as meias e as cuecas têm buracos. Deixo-o dar-lhes uma olhadela da próxima vez que  vier.

 

Abe não respondeu e encaminhou-se para a porta. Entregou os envelopes que trouxera a Livermore, pedindo-lhe para os distribuir pelo pessoal. Tinham todos de sair no espaço de duas semanas.

 

- Que homenzinho desagradável - comentou Coop para Liz, sorrindo, depois de Abe sair. - Deve ter tido uma infância terrível, para pensar daquela maneira. Provavelmente, passava o tempo a arrancar as asas das moscas. E, por amor de Deus, arrume alguém que ponha fogo nos trajes com que anda!

 

- As intenções dele são as melhores, Coop. Lamento, foi uma reunião muito dura. Farei o meu melhor para que a Paloma esteja preparada dentro de duas semanas. Vou pedir ao Livermore que lhe ensine como se trata do seu guarda-roupa.

 

- Estremeço só de pensar nisso. Espero que ela não me meta os trajes na máquina de lavar. Talvez tenha de mudar de visual. - Esforçava-se por não se deixar abater pela situação e continuava, pelo menos aparentemente, divertido. - Vai ser uma calmaria aqui em casa: só você, eu e a Paloma, ou Maria, ou seja lá como é que ela se chama. - Os olhos de Liz adquiriram um brilho estranho. - Que é isso? Ele não  vai despedi-la, pois não?

 

Por uma fração de segundos, Liz vislumbrou um olhar de pânico no velho ator, que quase lhe despedaçou o coração. Só a custo, ao fim de um        lapso de tempo, é que conseguiu articular a resposta.

 

- Não, não vai, Coop... mas vou-me embora na mesma... - sussurrou. Contara a Abe no dia anterior, e fora esse o único motivo por que ele não a despedira também.

 

- Não seja tonta. Preferia vender o Palacete a vê-la ir-se embora, Liz. Vou esfregar escadas, se for preciso, para ficar com você.

 

- É que... - tinha os olhos marejados de lágrimas. Vou-me casar.

 

- Vai quê? Com quem? Não é com aquele dentista ridículo de San Diego, pois não?

 

Isso fora há cinco anos. Coop já não estava a par desse tipo de coisas. Não conseguia conceber o fato de perder Liz e nunca lhe passara pela cabeça que ela pudesse casar-se. Tinha cinqüenta e dois anos, e tudo levava a crer que iria ficar lá em casa eternamente. Ao fim de todos aqueles anos, eram como família.

 

- É corretor da Bolsa em São Francisco. - As lágrimas corriam-lhe pelas faces.

 

- Quando é que começaram a namorar? - indagou Coop, com ar chocado.

 

- Há cerca de três anos. Nunca me passou pela cabeça que acabaríamos por casar. O ano passado, falei-lhe nele.

 

Sempre imaginei que iríamos namorar a vida inteira. Mas ele vai-se reformar este ano e quer que eu vá viajar com ele. As filhas já são adultas, e disse-me que era agora ou nunca. Acho melhor aproveitar a oportunidade.

 

- Que idade tem ele? - Coop estava horrorizado. Era a última má notícia que esperava ouvir.

 

- Cinqüenta e nove. Está muito bem conservado. Tem um apartamento em Londres e uma bela casa em São Francisco. Vendeu-a há pouco tempo, e vamo-nos mudar para um apartamento em Nob Hill.

 

- Em São Francisco? Vai morrer de tédio, ou enterrada num terremoto. Liz, você vai detestar. - Coop mostrava-se chocado. Não se imaginava sem ela. Liz não conseguia parar de chorar.

 

- Talvez. É provável que até volte a correr para cá. Mas achei que devia casar-me, pelo menos uma vez, quanto mais não seja para poder dizer que já fui casada. Pode telefonar-me quando quiser, Coop, esteja eu onde estiver.

 

- Quem vai fazer as minhas reservas e falar com o meu agente? Não me diga que vai ser a Paloma, ou seja lá como é que ela se chama!

 

- Da agência disseram-me que farão tudo o que puderem por você. Abe tratará da contabilidade. Pouca coisa me resta. - A não ser atender os telefonemas das namoradas, dar notícias frescas ao agente de imprensa, sobretudo acerca das mulheres com quem ele saía. Coop teria de começar a fazer os seus próprios telefonemas. Seria uma nova experiência. Liz sentia-se como se estivesse a traí-lo, a abandoná-lo.

 

- Está realmente apaixonada por esse tipo ou, simplesmente, entrou em pânico? - Ao longo dos anos, nunca lhe ocorrera que ela ainda desejasse casar. Liz nunca lhe contara nada, e ele também nada lhe perguntara, acerca da sua vida amorosa. Andara tão ocupada a tratar dos encontros, das compras, das festas e das viagens de Coop que, no ano anterior, poucas vezes se encontrara com o homem com quem ia casar, fato que o levara a apressar o pedido de casamento. Queria afastá-la de Cooper Winslow, que considerava narcisista e egocêntrico.

 

- Acho que estou apaixonada. Ele é uma pessoa maravilhosa, muito atencioso comigo. Quer tomar conta de mim e tem duas filhas muito simpáticas.

 

- Que idade têm? Não a consigo imaginar com filhos, Liz.

 

- Dezenove e vinte e três. Gosto delas, e elas também parecem gostar de mim. A mãe morreu quando ainda eram muito pequenas, e foi o Ted que teve de  educá-las sozinho. E com bons resultados. Uma trabalha em Nova Iorque, e a outra está em Stanford, no curso preparatório para Medicina.

 

- Não posso acreditar! - Coop estava completamente destroçado. O dia para si começara de forma desastrosa. Nem sequer se lembrava de que estava prestes a arrendar a casa do caseiro e a ala de hóspedes. A única coisa que o preocupava naquele momento era o fato de  perder Liz. - Quando é que casam?

 

- Dentro de duas semanas, logo que eu saia daqui. E desatou a chorar. De súbito, até ela começava a achar a idéia horrível.

 

- Quer realizar a cerimônia aqui?

 

- Vamos realizá-la em casa de um amigo, em Napa.

 

- Muitos convidados? - Coop estava perplexo. Nunca esperara isto.

 

- Não. Só nós dois, as filhas dele e os donos da casa. Se fosse uma cerimônia maior, tê-lo-ia convidado, Coop. Não tivera tempo para planejar a cerimônia do casamento. Andara demasiado atarefada a tratar dos assuntos de Coop. E Ted não queria esperar mais. Sabia que, se o fizesse, ela nunca abandonaria Coop, sentia-se responsável por ele.

 

- Quando é que resolveu tomar essa decisão?

 

- Há uma semana.

 

Ted viera passar o fim-de-semana com ela e pressionara-a. A decisão coincidira com o propósito de Abe despedir o pessoal. Por um lado, sabia estar fazendo um favor a Coop, que não se encontrava em condições econômicas de mantê-la ao seu serviço. Mas sabia também que a despedida seria muito dura para ambos. Não se imaginava a deixá-lo, e só de pensar nisso ficava com o coração despedaçado. Estragara-o com mimos, nos últimos vinte e dois anos. Andava constantemente preocupada, cuidando dele como uma mãe. Sabia que, em São Francisco, ficaria muitas noites acordada por sua causa. Avizinhava-se um terrível período de adaptação para ambos. Coop era, para ela, o filho que nunca tivera e que, há anos atrás, deixara de desejar.

 

Coop ainda estava sob o efeito do choque quando Liz saiu, depois de atender um telefonema. Era Pamela, o último romance do velho ator. Tinha vinte e dois anos, demasiado jovem, mesmo para os seus próprios padrões. Era modelo e aspirava a ser atriz. Conhecera-a numas filmagens que fizera para a GQ. A revista contratara meia dúzia de modelos para posarem ao seu lado, e a beleza de Pamela chamara a atenção de Coop. Há cerca de um mês que namoravam. A rapariga estava perdida de amores por ele, embora Coop tivesse idade suficiente para ser seu avô e não parecesse andar muito satisfeito com a relação. Ia levá-la a jantar ao The Ivy, e Liz lembrou-lhe que ficara de ir buscá-la às sete e meia. Coop abraçou Liz calorosamente antes de ela sair, e lembrou-lhe que poderia regressar se a vida de casada não lhe agradasse. No fundo, esperava que isso acontecesse. Coop tinha a sensação de estar perdendo a irmã mais nova, a melhor amiga.

 

Já no carro, Liz recomeçou a chorar. Amava Ted, mas não imaginava a sua vida sem Coop. Ao longo dos anos, ele fora a sua família, o seu melhor amigo, o seu irmão, o seu herói. Adorava-o. Tivera de apelar a todas as suas forças a fim de ganhar coragem para aceitar casar com Ted e contar a Coop. Na semana anterior, não pregara olho e, antes de Coop chegar a casa, andara desgostosa toda a manhã. Sentia-se desalentada. Deixar Coop seria como abandonar o convento ou sair do ventre da mãe. Só esperava ter tomado a decisão certa.

 

Depois de Liz sair, Coop manteve-se na biblioteca. Encheu outro cálice de champanhe e bebeu um gole. Depois subiu lentamente as escadas e dirigiu-se para o quarto. No caminho, cruzou-se com uma mulher pequena, de bata branca, que aspirava ruidosamente as escadas. Exibia uma enorme nódoa na parte da frente da bata, de sumo de tomate ou de sopa. Os cabelos estavam arrumados numa longa trança que lhe caía pelas costas, e usava óculos escuros, fato que chamou a atenção de Cooper.

 

- Paloma? - perguntou, cautelosamente, como se estivesse a vê-la pela primeira vez. Trazia uns tênis imitando pele de  leopardo, o que o deixou estarrecido.

 

- Paloma Jess. Mister Weenglow?

 

Havia nela algo de muito independente. Não tirou os óculos, continuando a fitá-lo por detrás das lentes escuras. Era impossível dizer ao certo quantos anos teria, mas devia rondar a meia-idade.

 

- Winslow, Paloma. Tiveste algum acidente? - Cooper referia-se à nódoa na bata. Dava a sensação de que alguém lhe atirara com uma pizza.

 

- Comemos ”esbarguete” no almoço, e deixei cair a colher em cima da ”pata”. E não tenho nenhuma lavada.

 

-Isto está bonito - murmurou Cooper, entre dentes, continuando o seu caminho, ainda abalado com a notícia da partida de Liz e a matutar em como seria quando Paloma começasse a tratar do seu guarda-roupa.

 Assim que fechou a porta do quarto, Paloma, que o olhava fixamente, revirou os olhos em sinal de enfado. Era a primeira vez que falava com Cooper, mas, pelo pouco que conhecia do patrão, nunca morrera de amores por ele. Saía com mulheres que tinham idade para serem suas filhas e parecia estar crivado de dívidas. Não conseguia lembrar-se de nada que lhe agradasse nele. Abanou a cabeça em sinal de desaprovação e continuou a aspirar as escadas. Também não lhe agradava nada ficar sozinha com ele na casa. Mas não iria barafustar. Tinha muitos familiares em São Salvador para sustentar e precisava do dinheiro.

Mesmo que isso significasse trabalhar para uma pessoa como ele.

Mark Friedman acabara de assinar o último documento. Depois, na companhia da corretora imobiliária, deteve-se um pouco a olhar a casa vazia, de coração destroçado. A casa fora vendida em apenas três semanas. Haviam conseguido um bom preço por ela, mas isso nada significava para Mark. Olhar as paredes e as salas vazias onde vivera com a família durante dez anos era como ver o último dos seus sonhos desaparecer.

 

Ainda pensara em ficar com a casa, mas Janet pedira-lhe para a vender logo que ela chegasse a Nova Yorque. Percebeu então que, independentemente do que dissera nas semanas anteriores, Janet não tinha intenção de voltar para ele. Só duas semanas antes de partir lhe dissera que ia deixá-lo. E o advogado dela já contactara com o seu. Toda a sua vida se desfizera nas últimas cinco semanas. A mobília já ia a caminho de Nova Iorque. Dera tudo o que tinha à mulher e aos filhos. Estava alojado num hotel perto do escritório e acordava todas as manhãs com desejo de morrer. Vivera dez anos em Los Angeles e estivera casado durante dezesseis.

 

Mark tinha quarenta e dois anos, era alto, magro, loiro e de olhos azuis, e até há cinco semanas atrás estivera convencido de que era feliz no casamento. Conhecera Janet na Faculdade de Direito, e casaram-se mal acabaram o curso. Ela engravidara quase de imediato. Jessica nasceu no dia em que faziam um ano de casados e tinha agora quinze anos. Jason tinha treze. Mark era advogado de Direito Fiscal numa importante firma de advocacia e, dez anos antes, fora transferido de Nova Iorque para Los Angeles. No princípio, custara-lhe um pouco adaptar-se à cidade, mas acabou por se apaixonar por ela. Descobrira a casa em Beverly Hills ao fim de poucas semanas, ainda antes de Janet e os filhos chegarem de Nova Iorque. Parecera-lhe perfeita para eles. Tinha um enorme jardim e uma pequena piscina. E, agora, as pessoas que acabavam de a comprar queriam fechar o negócio o mais depressa possível pois estavam à espera de gêmeos dentro de seis semanas. Enquanto dava uma última volta pela casa, perdido nestes pensamentos, Mark não conseguiu deixar de pensar que a vida daquele casal estava no início, ao passo que a sua havia acabado. Ainda não acreditava no que lhe acontecera.

 

Seis semanas antes, era um homem feliz, com uma mulher bonita por quem estava loucamente apaixonado, um emprego que adorava, uma casa maravilhosa e dois filhos lindíssimos. Não tinham problemas de dinheiro e estavam todos de perfeita saúde. Seis semanas mais tarde, a mulher deixara-o, a casa fora vendida, a família vivia em Nova Iorque, e ele ia divorciar-se.

 

A corretora não o acompanhou na sua deambulação pelas salas vazias. Os bons momentos que ali partilhara com a mulher eram os únicos pensamentos que lhe povoavam a cabeça. Na sua perspectiva, não houvera nada de errado no seu casamento, e até Janet admitira que fora feliz com ele.

 

”Não sei o que aconteceu”, dissera, lavada em lágrimas, quando lhe disse que queria se separar. ”Talvez fosse o tédio... talvez eu devesse ter voltado a trabalhar depois de o Jason nascer...” Mas nada disto explicava por que razão ela o trocara por outro homem. Há cinco semanas, admitira estar loucamente apaixonada por um médico de Nova Iorque.

 

Um ano e meio antes, a mãe de Janet adoecera gravemente. Primeiro, um ataque cardíaco, depois, herpes zóster, e, por fim, um derrame cerebral. Fora um infindável período de sete meses em que Janet viajara constantemente entre Los Angeles e Nova Iorque. O pai dela estava arrasado e contraíra Alzheimer, a mãe sofria crises atrás de crises. Mark tomava conta das crianças durante os períodos de ausência de Janet. O primeiro desses períodos, após o ataque cardíaco, durara seis semanas. Mas ela telefonava-lhe três, quatro vezes por dia. Mark nunca suspeitara de nada. Mas as coisas não tinham acontecido de repente. Com o decorrer do tempo, Janet apaixonara-se pelo médico da mãe, um indivíduo simpático, carinhoso, extremamente atencioso. Certa noite, tinham ido jantar juntos e fora assim que tudo começara.

 

Janet manteve este tipo de relação durante um ano. Foi uma situação desgastante. Achava que era uma coisa passageira e que, mais cedo ou mais tarde, iria encontrar uma solução para o problema. Asseverou a Mark que tentara acabar várias vezes. Mas a paixão que ela e o médico nutriam um pelo outro era tão grande que se tornara uma obsessão.

Estar com Adam, como contou, era como estar viciada em drogas. Mark ainda sugeriu terapia e aconselhamento de casais, mas Janet recusou. Já decidira o que fazer. Voltaria para Nova Iorque e veria até onde as coisas iriam dar. Precisava estar fora do casamento, pelo menos durante algum tempo, de modo a poder gozar o romance livre de pressões. Mal chegou a Nova Iorque, disse a Mark que queria o divórcio e pediu-lhe que vendesse a casa. Queria metade do dinheiro da venda, para comprar um apartamento. Enquanto passeava o olhar pelas paredes vazias do quarto, Mark pensava na última conversa que tivera com Janet. Nunca se sentira tão perdido e só na vida. Tudo aquilo em que acreditara, com que contara e em que pensara, se perdera. E o pior é que não fizera nada de errado, pelo menos achava que não. Talvez se tivesse dedicado em demasia ao trabalho, ou não a tivesse levado a jantar fora as vezes suficientes, mas parecia haver um ótimo relacionamento entre os dois, e ela nunca se queixara.

 

O segundo pior dia da sua vida, depois daquele em que ela lhe falou do romance com o médico, foi quando contaram aos filhos que iam separar-se. Estes queriam saber se ele e a mamã iam divorciar-se, e ele respondera-lhes honestamente que ainda não sabia. Mas, nesta altura Janet já sabia. Só ainda não queria dizê-lo aos filhos, ou a Mark.

 

Os pequenos choraram muito e, sem razão aparente, ao princípio, Jessica culpara o pai de tudo. Para eles, a separação não fazia qualquer sentido. Aos quinze e treze anos, fazia ainda menos sentido do que para Mark. Pelo menos, ele sabia o motivo da separação. Mas, para eles, era um mistério inexplicável. Nunca haviam visto os pais discutir ou em desacordo, coisa que raramente acontecera. Talvez houvessem discutido por causa da decoração da árvore de Natal e, uma vez, Mark tivera um acesso de fúria quando Janet espatifou o carro novo, mas acabara por lhe pedir desculpa, dando graças a Deus por ela não ter se ferido. Era um indivíduo calmo e íntegro.

Adam era mais animado do que Mark. Tinha quarenta e oito anos, uma intensa atividade profissional, e vivia em Nova Yorque. Possuía um veleiro em Long Island e estivera no Place Corps durante quatro anos. Tinha amigos interessantes e uma vida divertida. Era divorciado e nunca tivera filhos. A ex-mulher nunca engravidara, e também não quiseram adotar nenhuma criança. E estava radiante com a idéia de poder ter os filhos de Janet. Queria dois. Mas Janet não contou esse fato nem a Mark nem aos filhos, que ainda não sabiam nada acerca dele. Estava pensando apresentá-lo logo que se instalassem em Nova Iorque. Mark suspeitava que ela não tinha intenção de lhes contar que se divorciara por causa de Adam.

 

Mark sabia que era mais sisudo do que Adam. Gostava do seu trabalho, adorava Direito Sucessório, mas esse era um assunto que não podia discutir em profundidade com Janet. Ela pensara em seguir Direito Criminal, ou ser advogada de menores, e sempre achara o Direito Comercial aborrecido. Ela e Mark jogavam tênis várias vezes por semana, iam ao cinema, passeavam com os filhos, jantavam com amigos. Fora uma vida tranqüila para todos os elementos da família. E agora, a tranquilidade acabara. A angústia que sentia tornara-se praticamente uma dor física. Nas últimas cinco semanas, vivera constantemente com a sensação de ter uma faca na barriga. Começara a ir a um terapeuta, por sugestão do médico, depois de lhe ter telefonado a pedir calmantes, porque já não conseguia dormir. A vida tornara-se um inferno. Tinha saudades dela, dos filhos e da vida que levavam. Num piscar de olhos, tudo desaparecera, até a casa.

 

- Pronto, Mark? - perguntou a corretora, espreitando à porta do quarto. Mark estava imóvel, olhando para o ar, perdido nos seus pensamentos.

 

- Ah, claro - respondeu, saindo, não sem antes deitar um último olhar ao aposento. Era como se estivesse a despedir-se de um mundo perdido, ou de um velho amigo. Seguiu a corretora até à porta, e foi ela que a fechou. Dera-lhe as chaves todas. O dinheiro, que ia dividir com Janet, seria depositado na sua conta nessa mesma tarde. Haviam conseguido um bom preço, mas isso pouco lhe importava.

 

-Já está em condições de procurar alguma coisa para si?

- indagou a corretora, esperançosa. - Tenho umas casas pequenas, no cimo das colinas, que são ótimas. E há uma, que é uma autêntica jóia, em Hancock Park. Também se podem encontrar por aí uns apartamentos muito engraçados. Fevereiro sempre fora um bom mês para procurar casa. O remanso das férias acabara e na Primavera apareciam boas oportunidades no mercado. A corretora sabia que Mark possuía dinheiro suficiente para comprar uma casa nova, apesar de só ter direito a metade do valor da que vendera. Além disso, tinha um bom emprego. O dinheiro não era problema para Mark.Se todos os seus problemas fossem esses!

 

- Estou bem no hotel - retorquiu Mark, entrando no Mercedes, depois de lhe agradecer de novo.

 

A corretora fizera um bom trabalho, fechando o negócio da venda em tempo recorde. Quase desejou que ela não tivesse sido tão eficiente, ou nem sequer tivesse conseguido vender a casa. Ainda não se sentia preparado para ir viver noutro lugar. Tinha de falar sobre isso com o terapeuta. Nunca fora a um terapeuta, e este parecia ser boa pessoa, mas Mark não sabia muito bem se a experiência viria a resultar. Talvez pudesse ajudá-lo a resolver o problema do sono, mas, quanto ao resto, que poderia ele fazer? Por mais coisas que dissesse nas sessões de terapia, a verdade é que Janet e os filhos não estavam consigo e, sem eles, a sua vida não fazia qualquer sentido. Não queria uma nova vida. Só queria tê-los. Agora, Janet tinha outra pessoa, e talvez os seus filhos viessem a gostar mais de Adam do que dele. Era um pensamento avassalador. Nunca se sentira tão indefeso e tão perdido na vida.

 

Ao meio-dia, estava de novo no escritório, sentado à mesa de trabalho. Ditou uma pilha de cartas à secretária e analisou alguns relatórios. Nessa tarde, tinha uma reunião com os seus sócios. Nem sequer se preocupou em almoçar. Perdera uns quatro ou cinco quilos nas últimas cinco semanas. Só lhe restava continuar o seu caminho, pôr um pé à frente do outro e tentar não pensar mais no assunto. À noite, voltava a lembrar-se de tudo e ouvia as palavras de Janet vezes sem conta, bem como o choro dos filhos. Telefonava-lhes todas as noites. Prometera ir visitá-los dentro de semanas. Ia levá-los às Caraíbas nas férias da Páscoa. Depois, viriam passar uns dias consigo no Verão, mas agora não tinha onde alojá-los. Pensar em tudo isto deixava-o muito deprimido.

 

Quando, ao fim da tarde, encontrou Abe Braunstein, numa reunião sobre as novas leis fiscais, estava com ar de quem tem uma doença terminal. O contabilista ficou perplexo. Mark costumava exibir um ar saudável, jovem e atlético, e estava sempre de bom humor. Agora, parecia alguém que perdera um ente querido. E era isso mesmo que sentia.

 

- Sente-se bem? - perguntou Abe, preocupado.

 

- Sim... estou bem - respondeu Mark, com ar distante, apático. Estava pálido, abatido.

 

- Você está com ar adoentado e muito mais magro. Mark fez que sim com a cabeça, sem articular qualquer resposta. Depois da reunião, sentiu-se um imbecil por não ter reagido à preocupação de Abe. Seria a segunda pessoa a quem ia contar o seu problema. A primeira fora o terapeuta. Não tivera estômago para contar a ninguém. Era uma situação humilhante, que dava dele a imagem de um perdedor, e preocupava-o o fato de as pessoas poderem pensar que fora uma besta para a esposa. Queria explicar o que se passara, mas sentia-se dividido entre a vontade de desabafar e a necessidade de se esconder.

 

- A Janet foi-se embora - disse Mark, disfarçadamente, ao saírem da reunião. Eram quase seis horas. As palavras saíram de tal modo sumidas que ele próprio mal as ouviu. Dava a sensação de que a alma se separara do corpo. Abe não percebeu o que ele queria dizer.

 

- Foi viajar? - perguntou, confuso.

 

- Não. De vez - explicou Mark, amargurado. Contar a verdade era, de certa forma, um alívio. - Mudou-se para Nova Iorque, com as crianças. Há três semanas. Acabei de vender a casa. Vamo-nos divorciar.

 

- Lamento muito - disse Abe, sentindo pena dele. A pobre criatura estava de rastos. Mas era jovem e poderia arranjar outra mulher, e até ter mais filhos. Era um homem bem-parecido. - É uma situação muito difícil. Não sabia. Não ouvira o mínimo rumor acerca do assunto, embora fizesse muito trabalho de contabilidade para a firma de Mark.

 

Mas geralmente falavam de leis fiscais ou de clientes, não dos seus assuntos pessoais.

 - Onde é que está vivendo agora?

 

-Num hotel, a dois quarteirões daqui. Não é grande coisa, mas, por agora, não está mal.

 

- Quer ir comer qualquer coisa? - Abe tinha a mulher à sua espera em casa, mas Mark parecia precisar de um ombro amigo. E precisava, mas sentia-se demasiado abatido para ir onde quer que fosse.

 

- Não, obrigado. - Mark conseguiu, a muito custo, esboçar um sorriso. - Talvez em outra hora.

 

- Eu telefono - prometeu Abe, e foi-se embora.

 

Não sabia de quem era a culpa do divórcio, mas era evidente que Mark não estava feliz com a situação. Não parecia que tivesse outra mulher. Perguntou a si mesmo se Janet não teria um amante. Era uma mulher atraente. Sempre os vira como o protótipo do casal americano. Ambos loiros e de olhos azuis, e com dois filhos que pareciam saídos de posters publicitários do estilo de vida americano. Dava a impressão de terem vindo de uma quinta do Midwest, embora houvessem crescido entre os prédios de Nova Iorque. Foram aos mesmos bailes de liceu, mas nunca se encontraram. Ela fora para Vassar, ele, para Brown, e conheceram-se, finalmente, na Faculdade de Direito de Yale. Levavam a chamada vida perfeita. Mas nada mais de que isso.

 

Mark ficou no escritório, a remexer os papéis em cima da secretária, até às oito horas. Depois, voltou para o hotel. Ainda pensara comprar uma sanduíche no caminho, mas não tinha fome. Mais uma vez. Prometera, tanto ao médico como ao terapeuta, que iria fazer um esforço para comer. ”Amanhã”, prometeu a si próprio. Só lhe apetecia ir para a cama e ficar a olhar para a televisão. E talvez acabasse por adormecer.

 

O telefone estava a tocar quando chegou no quarto. Era Jessica. Fora muito bem num teste. Estava no décimo primeiro ano do secundário, mas detestava a nova escola. O mesmo acontecia com Jason, que freqüentava o oitavo ano. A adaptação estava sendo difícil para ambos. Jason jogava futebol e Jessica fazia parte da equipe de hóquei no campo da escola. Mas dizia que os rapazes de Nova Yorque eram todos uns tolos. E continuava a culpar Mark por tudo e a não entender o divórcio.

Mark não lhe contou que vendera a casa nesse dia. Limitou-se a prometer que iria em breve a Nova Iorque e pediu-lhe que desse cumprimentos à mãe. Depois de desligar, ficou imóvel, em cima da cama, a olhar para a televisão, enquanto as lágrimas lhe corriam silenciosamente pelo rosto.
 

Jimmy O’Connor era seco de carnes e de compleição atlética: ombros largos e braços fortes. Jogava golfe e tênis. Andara em Harvard e fizera parte da equipe de hóquei no gelo. Fora um atleta soberbo enquanto estudante, e ainda mantinha essas características. Fizera o mestrado em Psicologia na UCLA, ao mesmo tempo que se dedicava ao trabalho de voluntariado em Watts. No ano seguinte, voltara à universidade para tirar a licenciatura em Assistência Social, e nunca mais saiu de Watts. Aos trinta e três anos, tinha uma vida e uma carreira profissional que adorava, e ainda conseguia arranjar tempo para o esporte. Organizara uma equipe de futebol e outra de softball para as crianças com quem trabalhava. Punha-as em lares de acolhimento e tirava-as das casas onde eram molestadas. Levava as que mostrassem sinais de subnutrição, ou de queimaduras, aos serviços de urgência. E, por mais de uma vez, ficara com elas em sua própria casa até encontrarem um lar de acolhimento adequado. Os colegas diziam que tinha um coração de ouro.

 

As suas feições eram tipicamente irlandesas: cabelos negros como o azeviche, pele cor de marfim e enormes olhos escuros. Os lábios, sensuais, desenhavam um sorriso que faria qualquer mulher cair nos seus braços. E foi o que aconteceu a Maggie. Margaret Monaghan. Eram ambos de Boston, tinham-se conhecido em Harvard e vindo para a costa oeste depois de se formarem. Viviam juntos desde o terceiro ano da faculdade. Haviam casado há seis anos. Sobretudo para saírem de casa dos pais. E, embora afirmassem que o casamento lhes era indiferente, acabariam por admitir que fora a melhor decisão que podiam ter tomado.

 

Maggie era um ano mais nova do que Jimmy e a mulher mais inteligente que ele alguma vez conhecera. Não havia mulher igual no mundo. Também tinha o mestrado em Psicologia e estava pensando em fazer o doutorado. Mas ainda não se decidira. E, tal como ele, trabalhava com crianças dos bairros mais pobres da cidade. Preferia adotar uma série delas, a ter os seus próprios filhos. Ele era filho único e ela, a mais velha de nove irmãos. Provinha de uma sólida família de Boston, com raízes em County Cork. Os pais haviam nascido na Irlanda e tinham um acentuado sotaque irlandês, que ela imitava na perfeição. A família de Jimmy deixara a Irlanda quatro gerações atrás. Era primo afastado dos Kennedy, e, ao sabê-lo, Maggie troçara dele, chamando-lhe ”menino bem”. Mas guardou o segredo para si. Gostava de entrar com ele por tudo e por nada. Jimmy adorava essa sua faceta. Brilhante, irreverente, linda, corajosa, de cabelos ruivos flamejantes, olhos verdes e pele sardenta, era a mulher dos seus sonhos. Não havia a mínima coisa que lhe desagradasse nela, à exceção, talvez, do fato de não saber cozinhar e nem sequer se incomodar com isso. Era ele que fazia a comida, e não deixava os seus créditos de cozinheiro por mãos alheias.

 

Jimmy estava  encaixotando os utensílios de cozinha quando o administrador do condomínio tocou à campainha e entrou. Cumprimentou Jimmy em voz alta para que este soubesse que ia entrar. Não gostava de incomodar, mas tinha de mostrar a casa. Tratava-se de um pequeníssimo apartamento em Venice Beach. Tinham gostado muito de viver ali. Maggie adorava andar de patins pelas ruas abaixo. E a praia era o máximo.

 

Jimmy avisara na semana anterior que se mudaria no final do mês. Só não sabia para onde. Qualquer lugar lhe servia, menos aquele.

 

O administrador do condomínio estava a mostrar o apartamento a um jovem casal. Ambos vestiam calças de ganga, camisas de lã e sandálias, e pareciam jovens e inocentes. Tinham vinte e poucos anos, haviam acabado a universidade e provinham do Midwest. Estavam apaixonados por Los Angeles e adoraram o apartamento.   

      Venice era a sua cidade favorita. O administrador apresentou-os a Jimmy, que os cumprimentou e recomeçou de imediato a encaixotar os utensílios de cozinha, deixando-os ver o apartamento à vontade. Era um espaço pequeno, mas bem desenhado: uma pequena sala de estar, um quarto muito pequeno, pouco maior do que a cama, um banheiro onde mal cabiam duas pessoas, e a cozinha onde Jimmy se encontrava. Para eles servira muito bem, nunca haviam sentido necessidade de mais espaço. Maggie sempre insistira em pagar metade do valor da renda e não tinha dinheiro para mais. Era teimosa nessas questões. Desde o dia em que se haviam conhecido que dividiam as despesas.

 

”Não vou viver à tua custa, Jimmy O’Connor!”, dissera, imitando o sotaque dos pais, enquanto os flamejantes cabelos ruivos lhe dançavam em torno do rosto. Jimmy queria filhos de Maggie só para ter uma casa cheia de miúdos de cabelo ruivo. Nos últimos seis meses, haviam conversado acerca de uma possível gravidez, mas Maggie também queria adotar crianças, possibilitando-lhes uma vida que, de outro modo, nunca teriam.

 

”Que tal seis de cada?”, perguntou Jimmy, piscando para ela. ”Seis nossos, seis adotados. Quais é que queres sustentar?” Maggie admitira deixá-lo sustentar os filhos, pelo menos alguns. Não podiam dar-se ao luxo de terem tantos como gostariam. Mas haviam falado em cinco ou seis muitas vezes.

 

- O fogão é a gás? - indagou a provável inquilina, com um sorriso.

 

Jimmy fez que sim com a cabeça, não articulando qualquer palavra.

 

- Adoro cozinhar.

 

Ele poderia ter-lhe dito que também adorava, mas não lhe apetecia alimentar a menor conversa com o casal. Limitou-se a acenar de novo com a cabeça, continuando a empacotar as suas coisas. Cinco minutos depois, o casal e o administrador, que agradeceu a disponibilidade de Jimmy para os receber, saíram. Depois de a porta se fechar, ouviu-se um ruído abafado de vozes no corredor. E Jimmy perguntou a si mesmo se iriam ficar com o apartamento. Mas isso pouco lhe interessava. Fosse como fosse, era um prédio impecável, limpo e com boa vista. Maggie insistira numa casa com boa vista, apesar de ter de puxar os cordões à bolsa. ”Não vale a pena viver em Venice num lugar sem boa vista”, dissera, com sotaque carregado. Falava freqüentemente com sotaque, para regalo de Jimmy. Às vezes, iam a uma pizzaria, e passava o jantar todo a fingir que era irlandesa, deixando toda a gente atônita. Também sabia falar gaélico e francês. E queria aprender chinês, para poder trabalhar e conversar com as crianças dos bairros chineses.

 

- Ele não é lá muito simpático - sussurrou um dos novos inquilinos. Haviam conferenciado no banheiro e resolvido ficar com o apartamento. Tinham possibilidades econômicas e adoravam a vista, apesar de as divisões serem pequenas.

 

- É boa pessoa - defendeu-o o administrador do condomínio. Sempre gostara dele e da esposa. - Está a atravessar um período difícil - acrescentou, cautelosamente, sem saber se haveria de contar-lhes ou não. De qualquer forma, mais cedo ou mais tarde ficariam sabendo. Todos no prédio gostavam dos O’Connor, e ele lamentava ver Jimmy partir. Mas compreendia a situação. Teria feito a mesma coisa.

 

Os dois jovens não sabiam muito bem se Jimmy fora posto na rua ou convidado a sair, de tal modo se mostrara antipático com eles.

 

- Tinha uma mulher espetacular. Trinta e dois anos, cabelos ruivos e muito inteligente.

 

- Separaram-se? - perguntou a mulher, simpatizando um pouco mais com Jimmy. Este fora extremamente seco, quando estava a enfiar as caçarolas numa caixa de papelão.

 

- Morreu. Há um mês. Uma coisa terrível. Um tumor no cérebro. Começou a ter dores de cabeça há uns meses. Dizia que eram enxaquecas. Há três meses, internaram-na para lhe fazerem exames. Descobriram-lhe um tumor na cabeça. Ainda tentaram operá-la, mas o tumor era muito grande e já se tinha espalhado. Morreu no espaço de dois meses. Ainda pensei que a morte dela o matasse também. Nunca vi duas pessoas tão apaixonadas uma pela outra. Estavam sempre a rir, a falar, a brincar. Ele avisou-me que se ia embora na semana passada. Diz que não agüenta ficar aqui na casa. Sinto tanta pena dele. É um bom homem. - O administrador tinha os olhos marejados de lágrimas.

 

- Que horror! - exclamou a mulher, também com os olhos a quererem inundar-se de lágrimas. Era uma história horripilante. Vira fotografias dos dois um pouco por todo o lado. - Deve ter sido um choque terrível para ele!

 

- Ela era muito corajosa. Até há pouco tempo, ainda davam os seus passeios, ele fazia o jantar e levava-a até à praia. Vai levar muito tempo a recompor-se. Nunca encontrará outra mulher igual.

 

O administrador do condomínio, que era conhecido pelo seu ar de seriedade, limpou uma lágrima que teimava em saltar, e o jovem casal seguiu-o pelas escadas abaixo. A história perseguiu-os o resto do dia. Ao final da tarde, o administrador enfiou um bilhete por baixo da porta de Jimmy, para avisá-lo de que o jovem casal resolvera comprar o apartamento. O apartamento estaria disponível dentro de três semanas.

 

Jimmy fitou o bilhete por uns instantes. Era exatamente aquilo que queria, apesar de ainda não saber onde é que iria morar. Mas isso já não era importante para si. Estava pouco se importando com isso. Até poderia dormir dentro de um saco-cama, na rua. Talvez fosse assim que as pessoas se tornavam sem-abrigo. Ainda pensara em matar-se quando Maggie faleceu, entrando pelo oceano adentro, sem um murmúrio, sem qualquer queixume. Teria sido um enorme alívio. No dia  seguinte à morte de Maggie, ficara horas esquecidas na praia, sentado na areia, apensando nisso. Então, como se conseguisse ouvi-la, imaginou-a a chamar-lhe, em tom enfurecido, covarde. Até lhe notou o sotaque. Já era noite avançada quando regressou ao apartamento. Atirou-se para cima do sofá e chorou convulsivamente durante horas.

 

As famílias de ambos tinham vindo de Boston nessa noite. O rosário e o funeral consumiram os dois dias seguintes. Recusara-se a enterrá-la em Boston. Maggie manifestara o desejo de ficar na Califórnia com ele, por isso foi lá que a sepultou. Depois de todos partirem, ficou, de novo, sozinho. Os pais, irmãos e irmãs de Maggie estavam destroçados. Porém, ninguém estava mais afetado do que ele, ninguém sabia o quanto ele perdera, ou o que ela significava para si. Maggie fora a sua vida, e Jimmy tinha a certeza absoluta de que nunca amaria outra mulher como  amara a ela. Não conseguia conceber outra mulher na sua vida. Seria uma autêntica hipocrisia. E quem é que lhe chegaria aos calcanhares? Ninguém a igualaria em fogosidade, paixão, gênio e coragem. Fora o ser humano mais corajoso que alguma vez conhecera.

 

Nem sequer tivera medo da morte. Aceitara-a como algo que fazia parte do seu destino. Ele é que chorara, suplicara a Deus que a salvasse, ele é que ficara aterrado e não conseguia imaginar-se a viver sem ela. Era uma situação impensável, insuportável. E, agora, ali estava. Só. Maggie partira há’ um mês. Semanas, dias, horas, nada fazia sentido. A única coisa que lhe restava era arrastar-se até ao fim da vida.

 

Regressara ao trabalho uma semana depois da morte de Maggie, e toda a gente o

tratava com extremo desvelo. Mas já não havia alegria na sua vida.

Parte dele queria ficar no apartamento, a outra não suportava acordar todas as manhãs sem Maggie a seu lado. Sabia que tinha de sair dali. Não lhe importava para onde. Vira o nome de uma agência imobiliária num anúncio e telefonou para lá. Todos os corretores haviam saído. Deixou o nome e o número de telefone, e continuou a fazer as malas. Mas, quando deparou com as roupas de Maggie no armário, sentiu como que um enorme soco no peito. Ficou lívido. A realidade era tão dura e poderosa que lhe sugara o ar dos pulmões e o sangue do coração. E assim ficou, como que petrificado, durante longos momentos. Sentia o seu perfume, a sua presença como se ela ainda estivesse ao seu lado.

 

- O que faço eu agora? - bradou, agarrado à soleira da porta, ao mesmo tempo que os olhos se inundavam de lágrimas. Era como se uma força sobrenatural o tivesse levado quase ao tapete. O peso da perda de Maggie era tão grande que mal se conseguia pôr de pé.

 

”Levanta a cabeça, Jimmy!”, incitou-o uma voz dentro de si. ”Não te podes deixar abater!!” As palavras eram ditas num cerrado sotaque irlandês.

 

- Mas por que raio é que não posso deixar de viver? Maggie nunca se deixara abater, nunca desistira. Lutara até ao fim. No dia em que faleceu, ainda pôs batom, lavou o cabelo e vestiu a blusa de que mais gostava. Nunca se dera por vencida. - Não quero continuar a viver! - berrou, a plenos pulmões, para a voz que ouvia dentro de si, para o rosto que nunca mais voltaria a ver.

 

”Levanta esse rabo e bola para a frente!”, ouviu com perfeita nitidez. De súbito, por entre as lágrimas, deixou escapar uma gargalhada, ao olhar para as roupas dela.

 

- Está bem, Maggie... está bem... -retorquiu, enquanto pegava nos vestidos dela e os colocava cuidadosamente dobrados dentro de uma caixa, como se ela um dia ainda viesse à procura deles.

 

No domingo, no dia seguinte a Cooper ter concordado em arrendar a casa do caseiro e a ala de hóspedes, Liz voltou ao Palacete, para se encontrar com a corretora imobiliária. Queria que ela apressasse as coisas antes que Coop mudasse de idéias. Esta entrada de capital dava-lhe um jeitão. E queria fazer tudo o que podia por ele antes de se ir embora.

 

Combinara encontrar-se com a corretora às onze. Quando ambas chegaram ao Palacete, Coop não se encontrava em casa. Levara Pamela, a modelo de vinte e dois anos, a tomar o pequeno-almoço ao Beverly Hills Hotel, e prometera ir com ela às compras à Rodeo Drive no dia seguinte.

 

Pamela era muito vistosa, mas tinha pouco que vestir e estragar as mulheres com mimos era uma das coisas que Coop fazia melhor. Adorava fazer-lhes compras. Abe teria um ataque de coração quando visse a conta. Mas Cooper nunca se preocupava com isso. Prometera levá-la à Valentino, à Dior, à Ferre, a qualquer loja onde ela quisesse ir; depois, à Fred Segai. Ia ser, de certeza, uma festança para uns cinqüenta mil dólares, ou mais. Especialmente se passassem pela Van Cleef ou a Cartier, caso alguma coisa na vitrine despertasse o interesse de Coop. A Pamela nunca lhe ocorreria dizer-lhe que a sua generosidade era excessiva. Para uma rapariga de vinte e dois anos vinda do Oklahoma, este era um sonho que se tornava realidade.

 

- Espanta-me que Mister Winslow queira ter inquilinos na propriedade, especialmente numa ala do edifício principal

- disse a corretora, ao entrar na ala de hóspedes. Andava à pesca de bisbilhotices para, mais tarde, partilhar com os futuros inquilinos, coisa que não agradava a Liz. Mas o falatório era um mal inevitável e, ao mesmo tempo, necessário, uma vez que pretendiam arrendar parte da casa. Estavam à mercê das interpretações das pessoas, que nunca eram muito favoráveis às estrelas de cinema mais conhecidas, ou a quaisquer outras celebridades. Fazia parte do negócio.

 

-- A ala de hóspedes tem, naturalmente, uma porta independente, como tal, os inquilinos nunca se encontrarão com Coop. Além disso, ele viaja tanto que nem sei se dará pela presença deles. Aliás, os inquilinos serão uma proteção, se as pessoas souberem que há gente a viver permanentemente na propriedade. Caso contrário, poderia haver intrusões, ou outro tipo de problemas. Isto é, de fato, uma segurança.

 

Era uma perspectiva que a corretora não encarara, mas fazia sentido. Embora desconfiasse de que se passava algo mais. Há anos que Cooper Winslow não interpretava um papel principal. Já nem se lembrava de qual fora o último filme em que ele entrara, embora ainda fosse uma grande estrela e provocasse grande agitação onde quer que aparecesse. Era uma das maiores lendas de Hollywood de todos os tempos e um fator de grande prestígio para os inquilinos. A propriedade, única no país, se não mesmo no mundo, tornava-se ainda mais valiosa pelo fato de ele a habitar, pelo menos durante parte do tempo. E, com um pouco de sorte, os inquilinos poderiam vê-lo a jogar tênis, ou na piscina. Ia pôr isso na brochura.

 

A porta da ala de hóspedes rangeu ao abrir-se. Liz ainda pensara em mandar limpar os aposentos antes da vinda dos novos ocupantes, mas não houvera tempo, e ela queria mudar-se o mais rapidamente possível. Porém, de um modo geral, não estavam muito maus. Era um espaço muito bonito. Tinha os mesmos tetos altos que havia no resto da casa e elegantes janelas francesas com vista para os terrenos circundantes. Havia ainda um magnífico terraço em pedra, ladeado por sebes, com bancos e mesas em mármore, que Coop comprara em Itália anos antes. A sala de estar encontrava-se cheia de antiguidades francesas. Contíguo a esta, um pequeno escritório, e, ao cimo de um pequeno lançe de escadas, uma suíte enorme, forrada a cetim azul-claro e com mobiliário espelhado Art Déco, que Coop trouxera de França.

 

Ao lado da suíte, havia um enorme banheiro, todo em mármore, e um quarto de vestir com mais roupeiros do que os necessários para uma pessoa normal, se bem que para Cooper fossem insuficientes. Ao fundo da sala de estar, dois quartos pequenos, decorados com chita inglesa com flores e antiguidades. A cozinha, de estilo rústico, com uma enorme mesa ao centro, fazia lembrar uma cozinha provençal. Não havia sala de jantar, mas Liz observou que a sala de estar era tão ampla que os inquilinos poderiam lá pôr uma mesa. Também poderiam comer na cozinha, que, além de acolhedora, era um espaço divertido e informal. Tinha um velho fogão francês, uma lareira em tijolo a um canto e painéis de azulejos nas paredes. Vendo bem as coisas, este espaço, inserido nos terrenos da propriedade mais bonita de Bel Air, seria um apartamento perfeito para qualquer pessoa; além disso, os inquilinos teriam acesso aos campos de tênis e à piscina.

 

- Quanto é que ele quer de renda? - Os olhos da corretora brilharam de excitação. Nunca vira lugar igual e já imaginava outra estrela de cinema a arrendar o espaço, apenas por uma questão de prestígio. Talvez um ator em filmagens, ou de passagem em Los Angeles por um ano. O fato de estar mobiliada faria da ala um verdadeiro bônus para quem quer que fosse. Com umas flores e uma pequena limpeza, a ala de hóspedes ganharia outra vida.

 

- Quanto sugere? - indagou Liz. Não fazia a menor idéia. Há muito que não realizava qualquer negócio imobiliário e há mais de vinte anos que se mantinha no seu modesto apartamento.

 

- Pelo menos dez mil por mês. Talvez doze. Com determinadas pessoas, podemos ir até aos quinze. Mas nunca menos de dez.

 

Liz ficou satisfeita. Juntamente com a casa do caseiro, Coop arrecadaria uma boa quantia todos os meses, se lhe tirassem os cartões de crédito das mãos. Preocupavam-na as asneiras que poderia fazer depois de ela se ir embora, sem ninguém para controlá-lo ou para o chama-lhe a atenção. Não que ela tivesse qualquer controle sobre ele, mas, pelo menos, de vez em quando, podia aconselhá-lo a não se deixar afundar mais.

 

Logo que Liz fechou a porta que dava para a ala de hóspedes, dirigiram-se ao extremo norte da propriedade, onde se situava a casa do caseiro, isolada no meio de um jardim algo escondido. Ficava um pouco afastada do portão principal, e tinha tanta vegetação e terreno à volta que parecia fazer parte de outra propriedade. Toda em pedra, encontrava-se totalmente coberta de trepadeiras de um dos lados, fazendo lembrar uma casa rústica inglesa. Vislumbrava-se nela um certo toque de magia. No interior, os painéis de madeira conviviam, lado a lado, com a pedra das paredes, em perfeita harmonia. Era uma justaposição interessante de dois mundos, completamente diferente da elegante decoração francesa da ala de hóspedes.

 

- Oh, meu Deus, é fabuloso! - exclamou a corretora, entusiasmada, ao entrar, depois de passar por um roseiral que circundava a casa. - É como se estivéssemos num outro mundo!

 

As divisões eram pequenas e bem proporcionadas, com tetos em madeira e mobílias inglesas. Havia ainda um comprido sofá em couro, que Cooper comprara num clube inglês. Na sala de estar, sobressaía uma enorme lareira. A cozinha, com uma área razoável, também rústica, exibia um aparador de utensílios. No andar de cima, havia dois quartos, com móveis de estilo Jorge III, que Cooper colecionara durante algum tempo. Podiam ver-se bonitos tapetes feitos à mão em todos os aposentos. Na pequena sala de jantar, em cima de um aparador, estava a prataria. As porcelanas que se encontravam no armário eram Spode. Tratava-se, efetivamente, de uma pequena casa rústica inglesa. Ficava mais próxima dos campos de tênis de que o edifício central, mas mais afastada da piscina, situada junto à ala de hóspedes. Assim, cada uma das casas tinha as suas virtudes, as suas comodidades e o seu estilo próprio.

 

- Este é o local perfeito para o inquilino certo - disse a corretora, com indisfarçável alegria. - Eu própria adoraria viver aqui.

 

- Também já pensei nisso - retorquiu Liz, esboçando um sorriso. Certa vez, perguntara a Coop se podia ali passar um fim-de-semana, mas acabara por nunca o fazer. E, tal como a ala de hóspedes, a casa estava bem apetrechada de toalhas de linho, cortinados, louça de porcelana, além de todos os utensílios de cozinha e de mesa necessários.

 

- Por esta também consigo pelo menos dez mil por mês afirmou a corretora, entusiasmada. - Talvez mais. É pequena, mas é lindíssima e muito acolhedora. - A ala de hóspedes, apesar da sua grandiosidade e luxo, era também muito acolhedora. Mas tinha os tetos mais altos e ocupava uma área muito maior: a sala de estar, a suíte e a cozinha eram enormes. Fosse como fosse, ambas as casas eram de uma grande beleza, e a corretora estava convicta de que conseguiria arrendá-las num piscar de olhos. - Na próxima semana, gostaria de vir tirar umas fotografias de ambas as casas, e nem sequer as vou mostrar já aos meus colegas. Primeiro, vou ver quem temos à procura de casas mobiliadas para arrendar. Propriedades como esta não aparecem todos os dias, e faço votos de arranjar o inquilino certo para Coop.

 

- Seria muito importante para ele - aprovou Liz, num tom solene.

 

- Há alguma restrição que eu deva conhecer? - indagou a corretora, rabiscando no bloco umas notas relativas ao tamanho, às instalações e ao número de divisões.

 

- Para ser franca, ele não morre de amores por crianças e não gostaria de ver nada estragado. Os cães também não estão no seu lote de preferências. Quanto ao resto, desde que se trate de uma pessoa respeitável e que tenha condições para pagar a renda, julgo que não haverá qualquer tipo de problema. - Não lhe disse que ele só queria inquilinos do sexo feminino.

 

- Temos de ter cuidado com a questão dos pequenos. Não quero que nos acusem de discriminação - avisou a corretora. - Mas lembrar-me-ei, quando estiver amostrando as casas. De qualquer forma, estas são casas muito sofisticadas e com uma renda de tal modo elevada que o populacho não lhe chega. - A não ser que as arrendassem a estrelas de rock. Esse era sempre um elemento imprevisível, e a corretora já tivera problemas com algumas. Aliás, como toda a gente.

 

A corretora abandonou a propriedade passava pouco do meio-dia. Liz voltou para o seu apartamento, depois de verificar que estava tudo em ordem no Palacete. Os criados ainda se encontravam um pouco abalados pela terrível notícia do dia anterior. No entanto, dados os constantes atrasos no pagamento dos vencimentos, a situação era previsível. Livermore já anunciara que ia para Monte Carlo, trabalhar para um príncipe árabe. Andava a ser assediado há meses e telefonara-lhe, nessa manhã, e aceitara a proposta de emprego. Não parecia muito aborrecido por deixar Cooper e, mesmo que  estivesse, também não o demonstraria.

 Partiria para o Sul de França no fim-de-semana seguinte, o que iria ser um enorme choque para Coop.

 

Ao fim da tarde, Coop regressou a casa, acompanhado de Pamela. Depois de um prolongado almoço, tinham-se sentado na piscina do Beverly Hills Hotel, a conversar com alguns amigos do velho ator, todos eles figuras conhecidas de Hollywood. Pamela nem queria acreditar que estivesse a dar-se com aquele tipo de gente, e ficou de tal modo impressionada que mal conseguia falar quando abandonaram o hotel. Meia hora depois, estavam na cama, com um cálice de Cristal gelado ao lado. Jantaram na cama e, por insistência de Pamela, viram os vídeos de dois antigos filmes de Coop. Depois, ele levou-a para casa, pois tinha encontro marcado com o seu treinador e acupunturista de manhã cedo. Além disso, gostava de dormir sozinho. Dormir com uma mulher, por mais bonita que fosse, perturbava-lhe o sono.

 

Na manhã seguinte, a corretora já tinha preparado dois prospectos com todos os pormenores para o arrendamento de ambas as casas. Telefonou a vários clientes que andavam à procura de residências fora do vulgar. Combinou mostrar a casa do caseiro a dois solteirões, e a ala de hóspedes a um jovem casal que se mudara recentemente para Los Angeles. Pouco depois, tocou o telefone. Era Jimmy.

 

Parecia uma pessoa séria e calma. Andava à procura de uma casa para arrendar. Não importava onde, desde que fosse pequena, acolhedora, funcional e com uma boa cozinha. Ultimamente, não fazia comida em casa, mas poderia querer recomeçar a qualquer momento. A culinária, além do esporte, era uma das poucas coisas que o relaxava. Também pouco lhe importava se a casa estava ou não mobiliada. Ele e Maggie tinham os móveis essenciais, mas preferia não os levar consigo- Talvez assim se lembrasse menos dela, e o sofrimento fosse menor. As únicas coisas que levaria capazes de o fazer lembrar-se de Maggie seriam as fotografias. Todas as outras que lhe haviam pertencido seriam guardadas. Assim, não teria de as ver todos os dias.

 

A corretora perguntou-lhe se tinha preferência por algum local, mas ele respondeu que não. Hollywood, Beverly Hills, Los Angeles, Malibu, qualquer lugar. Disse que gostava do mar, mas isso também lhe recordaria a falecida esposa. Não havia nada que não lhe trouxesse Maggie à lembrança.

 

Uma vez que Jimmy não colocou qualquer restrição a respeito de preços, a corretora resolveu arriscar e falou-lhe da casa do caseiro. Não mencionou o valor da renda, mas descreveu-a. Após alguns instantes de hesitação, Jimmy disse que gostaria de ver. Marcaram encontro às cinco da tarde, depois, a corretora perguntou-lhe em que zona da cidade trabalhava.

 

- Watts - respondeu Jimmy, parecendo algo distraído, como se para si não houvesse nada de anormal na pergunta. A corretora ficou alarmada.

 

- Oh, percebo. - Interrogou-se se ele não seria afro-americano, mas, obviamente, não  podia perguntar-lhe isso, nem se teria posses para pagar a renda. - Tem algum orçamento definido, Mister O’Connor?

 

- Não propriamente - respondeu Jimmy, olhando para o relógio. Tinha de ir correndo para um encontro com uma família por causa de dois dos seus filhos adotivos. - Então, encontramo-nos às cinco.

 

A corretora já não estava muito segura de que ele fosse o inquilino certo. Uma pessoa que trabalhava em Watts não tinha condições econômicas para arrendar a casa do caseiro de Cooper Winslow. Ao fim da tarde, quando se encontrou com ele, ficou ainda mais convencida disso.

 

Jimmy chegou ao volante do velho Honda Civk que Maggie insistira em comprar, embora ele houvesse preferido adquirir um carro melhor quando se mudaram para a Califórnia. Tentara explicar-lhe que a vida na Califórnia exigia um bom carro, mas, como de costume, ela acabara por convencê-lo do contrário. Para o tipo de trabalho que faziam, não podiam ter um carro muito caro, embora pudessem perfeitamente dar-se a esse luxo. O fato de ele provir de uma família endinheirada sempre fora um segredo muito bem guardado, até mesmo entre os seus amigos.

 

Vestia calças de jeans desbotadas, com um pequeno rasgão no joelho, uma camisa de Harvard desbotada, já com uma dúzia de anos, e um par de botas gastas. Nos sítios onde visitava as famílias, havia, muitas vezes, ratazanas, e não queria que elas lhe mordessem. Em contraste com o vestuário que envergava, tinha a barba feita, era inteligente, bem-educado, e cortara o cabelo recentemente. Era um interessante conjunto de elementos contraditórios, o que confundiu completamente a corretora.

 

- Trabalha em quê, Mister O’Connor? - indagou, enquanto abria a porta da casa do caseiro. Já a havia mostrado três vezes nessa tarde, mas o primeiro homem que a vira achara-a demasiado pequena, o segundo, demasiado isolada, e o terceiro preferia um apartamento. Como tal, ainda estava disponível, embora tivesse quase a certeza de que Jimmy não ganhava o suficiente para pagar o aluguel. Muito menos com o ordenado de assistente social. Porém, fosse como fosse, era seu dever mostrá-la.

 

Quando atravessou a cerca, Jimmy suspendeu a respiração. Parecia uma casa rústica irlandesa, e vieram-lhe à memória as viagens que fizera à Irlanda na companhia de Maggie. No instante em que pôs o pé na sala de estar, sentiu-se transportado até à Irlanda ou à Inglaterra. Era a casa ideal para um celibatário: simples e despretensiosa. Pareceu satisfeito quando viu a cozinha. Também pareceu gostar do quarto. Mas o que mais lhe agradava era a sensação de estar no campo. Ao contrário do outro homem, Jimmy gostava de isolamento. Era o que melhor se coadunava com o seu estado de espírito.

 

- A sua esposa não quer ver a casa? - inquiriu a corretora, averiguando, delicadamente, se Jimmy era casado. Era uma pessoa bem-parecida, em boa forma física. Também tinha curiosidade de saber se ele andara efetivamente em Harvard, ou se comprara a camisa na Goodwill.

 

- Não, ela... - começou por balbuciar, mas não conseguiu acabar a frase. - Sou... Vou viver aqui sozinho. Ainda não conseguia pronunciar a palavra ”viúvo”. Sentia como que uma faca a atravessar-lhe o coração de cada vez que tentava proferi-la. Usar a palavra ”solteiro” seria patético e pouco honesto da sua parte. Às vezes, ainda tinha vontade de dizer que era casado. Ainda usaria aliança, se a tivesse. Maggie nunca lhe oferecera nenhuma, e a que usava fora enterrada com ela. - Gosto da casa - afirmou, pausadamente, enquanto caminhava novamente por todas as divisões e abria todos os armários. Viver numa propriedade assim parecia-lhe grandioso de mais para si, mas achou que talvez pudesse dizer aos colegas, quando os trouxesse ali, que estava a tomar conta da casa, ou a trabalhar na propriedade.

 

Poderia inventar muitas histórias, se fosse preciso, e já não era a primeira vez que o fazia. Sabia que Maggie também teria gostado da casa. Mas nunca teria concordado em viver ali, porque não teria hipóteses de cooparticipar com os seus cinqüenta por cento. Pensar nisso fê-lo sorrir. Estava tentado a ficar com a casa. Mas resolveu esperar e deixar amadurecer a decisão, prometendo telefonar à corretora no dia seguinte.

 

- Gostaria de pensar um pouco mais no assunto - disse, quando se foi embora.

 

A corretora ficou convencida de que ele só estava livrando a cara.. Pelo carro, pelas roupas e pelo emprego, sabia que’ Jimmy não tinha meios para pagar um aluguel tão alto. Mas parecia-lhe boa pessoa, e estava sendo simpática com ele. Nunca se sabia com quem se estava lidando. Às vezes, dava-se de cara com pessoas desconhecidas e com ar humilde que se vinha depois a descobrir serem herdeiros de grandes fortunas. Aprendera isso logo no início da atividade como corretora, sendo assim  tratava-o com cortesia.

 

No caminho de volta, Jimmy pensava na casa. Era bonita e parecia um retiro tranqüilo. Teria adorado viver ali com Maggie e perguntou-se se aquele seria o refúgio ideal. Já não sabia o que era melhor. Não havia lugar nenhum onde pudesse esconder-se da grande mágoa que sentia. Quando chegou em casa, recomeçou a tarefa de encaixotar as coisas, apenas para se distrair. O apartamento já estava praticamente vazio. Comeu uma tigela de sopa e sentou-se à janela, em silêncio, de olhar perdido no espaço.

 

Ficou acordado a maior parte da noite, pensando em Maggie e nos conselhos que ela lhe daria. Ainda pensara na hipótese de arranjar um apartamento nos arrabaldes de Watts, o que seria prático, e os perigos não o alarmavam. Ou um apartamento talvez em Los Angeles. Porém, nessa noite, deitado na cama, não conseguia deixar de pensar na casa do caseiro. E sabia que Maggie também a teria adorado e tinha meios econômicos para pagar o aluguel. Estava na dúvida se, por uma vez na vida, deveria ceder ao desejo. E gostava da história de trabalhar na propriedade em troca de uma renda reduzida. Parecia uma história plausível. Além disso, adorava a cozinha, a sala de estar, a lareira e o jardim a toda a volta.

                      

Às oito da manhã, enquanto se barbeava, ligou para o celular da corretora.

 

- Fico com a casa. - E esboçou um sorriso. Era a primeira vez, em várias semanas, que sorria. Estava entusiasmado com a casa. Era o refúgio ideal.

 

- A sério? - A corretora estava perplexa. Nunca acreditara que Jimmy voltasse a telefonar e ficou sem saber se ele percebera o preço quando ela lho disse: ”São dez mil dólares por mês, Mister O’Connor. Não há problema?” Não tinha coragem para voltar a lembrá-lo. Nunca pensara que fosse tão fácil arrendar a casa. Viver em completo isolamento numa propriedade não era para toda a gente, mas ele parecia adorar.

 

- A sério - asseverou Jimmy. - Quer que apresente referências bancárias, ou que faça um depósito de sinal? Agora que se decidira pelo arrendamento da casa, não queria perdê-la.

 

- Bem, não... eu... temos de pedir as referências bancárias, primeiro. - Estava convencida de que este pedido acabaria com as pretensões de Jimmy, mas, por lei, tinha de percorrer todos os passos do processo.

 

- Não quero perdê-la. Entretanto, pode aparecer outra pessoa. - Parecia preocupado. Já não era tão descuidado como antes. Ultimamente, ficava mais ansioso com coisas em que outrora nem sequer pensava. Maggie sempre se preocupava por ele. Agora, era diferente.

 

  • Eu a reservo. Tem direito de preferência.

     

                - Quanto tempo demora o banco a dar as referências?

     

    - Poucos dias. Ultimamente, os bancos estão um pouco demorados com as referências bancárias.

     

- Porque não telefona ao diretor do meu banco? E deu-lhe o nome do diretor do Bank of America. - Talvez ele consiga apressar um pouco mais as coisas. - Jimmy costumava agir com discrição, mas também sabia que, mal ela lhe telefonasse, tudo começaria a andar sobre rodas. Não tinha problemas de dinheiro, nunca tivera.

 

- Terei muito gosto em fazê-lo, Mister O’Connor. Pode dar-me o seu contato?

 

Jimmy deu-lhe o número do escritório e pediu-lhe para deixar recado no voice mail, caso lá não se encontrasse.

 

- Estarei no escritório durante toda a manhã. - Tinha uma montanha de papéis em cima da secretária. Às dez da manhã, a corretora telefonou-lhe.

 

O pedido de referências bancárias decorrera tal e qual ele imaginara. Ela telefonou para o diretor do banco privado, por uma questão de rotina, e, mal proferiu o nome de Jimmy, o diretor asseverou-lhe, sem qualquer sombra de dúvida, que não haveria o mínimo problema. A conta era excelente, não podiam revelar o saldo, mas o seu montante colocava Jimmy no escalão mais elevado de clientes.

 

- Ele vai comprar uma casa? - perguntou o banqueiro, interessado.

 

Esperava que sim, embora Jimmy ainda não houvesse abordado esse assunto. Depois da tragédia recente da morte da esposa, este era um sinal de esperança. Jimmy tinha meios econômicos mais do que suficientes para comprar uma casa, e, se quisesse, até podia comprar o Palacete.

 

- Não, vai arrendar uma casa de caseiro. O aluguel é muito elevado - informou a corretora, procurando comprovar o que ele lhe dissera e certificar-se de que não havia qualquer mal-entendido. - Dez mil dólares por mês, mais os valores do primeiro e último mês, e um depósito de segurança de vinte e cinco mil dólares.

 

O diretor do banco asseverou-lhe, uma vez mais, que não havia qualquer problema. A curiosidade da corretora aumentou, e, numa rara explosão de indiscrição, perguntou-lhe:

 

- Quem é ele?

 

- Exatamente quem diz ser. James Thomas O’Connor. É um dos nossos clientes mais sólidos. - Era a única coisa que podia dizer-lhe, deixando-a ainda mais intrigada.

 

- Fiquei um pouco preocupada porque com a profissão de assistente social, certamente... não é normal encontrar-se alguém com capacidade para pagar uma renda tão elevada.

 

- É pena não haver mais pessoas como ele. Há mais alguma coisa que deseje saber?

 

- Importa-se de me enviar uma carta por fax?

 

- De modo nenhum. Quer que lhe enviemos um cheque passado em nome dele, ou ele próprio o passa?

 

- Eu pergunto-lhe - respondeu a corretora, percebendo que acabara de arrendar a casa.

 

Telefonou a Jimmy e deu-lhe a boa notícia, dizendo-lhe que podia.ficar com a casa e as chaves logo que quisesse. Ele prometeu encontrar-se com ela à hora do almoço, para alinhavar todos os pormenores do contrato, e disse que só se mudaria dali a algumas semanas, quando desocupasse o apartamento. Queria gozar a última coisa que partilhara com Maggie durante o máximo de tempo possível, apesar de estar entusiasmado com a casa. Além disso, sabia que, para onde quer que fosse, ela acompanhá-lo-ia.

 

- Espero que seja muito feliz na casa, Mister O’Connor. É uma jóia autêntica. E estou certa de que gostará de conhecer Mister Winslow.

 

Quando desligou, Jimmy riu-se ao pensar no que Maggie teria dito do fato de ter uma estrela de cinema como senhorio. Porém, pela primeira vez na vida, ia ceder ao desejo de cometer uma loucura. De qualquer forma, no seu íntimo, sentia que Maggie não só teria aprovado como adorado a casa.

 

Na manhã seguinte, depois de outra noite de pesadelo, praticamente sem ter dormido nada, Mark chegou ao escritório. Pouco depois, tocou o telefone. Era Abe Braunstein.

 

- Sinto muito por  aquilo que me disse ontem - começou Abe. Pensara nele a noite anterior e, de repente, lembrou-se de que Mark poderia andar à procura de um apartamento. Não podia ficar eternamente num hotel. - Ontem à noite, tive uma idéia meio estapafúrdia. Não sei se anda à procura de casa, nem quais são as suas necessidades, mas surgiu no mercado uma casa excepcional. Um dos meus clientes, Cooper Winslow, quer arrendar a ala de hóspedes. Está num aperto tremendo. Tem uma propriedade e uma casa fantástica em Bel Air. Quer arrendar a casa do caseiro e a ala de hóspedes. Começaram a mostrá-las ontem, e não creio que já estejam arrendadas. Só pensei em falar-lhe nisto porque é um lugar espetacular para se viver, uma espécie de country club. Talvez gostasse de vê-la.

 

- Não tenho pensado muito nisso. - Mark ainda não se recuperara do choque, se bem que viver na propriedade de Cooper Winslow, em Bel Air, não lhe parecesse má idéia, e até seria um ótimo cenário para quando os filhos viessem visitá-lo.

 

- Se quiser, passo por aí, à hora de almoço, e levo-o até lá. Mesmo que não esteja interessado, vale a pena a visita. É uma propriedade magnífica. Campos de tênis, piscina, cinco hectares e meio de jardim, no centro da cidade.

 

- Adoraria conhecê-la. - Não queria ser indelicado com Abe, mas não se sentia com disposição para ver casas, mesmo a de Cooper Winslow. No entanto, achou por bem aceitar o convite, talvez fosse uma casa boa para os filhos.

 

- Passo por aí ao meio-dia e meia. Vou telefonar à corretora, para lá ir ter conosco. O aluguel é alto, mas julgo que você tem condições para a pagar. - E sorriu. Sabia que Mark era um dos sócios mais bem pagos da firma. Direito Fiscal não era uma área muito excitante, mas rendera-lhe bons proventos, embora não houvesse nele o menor sinal de ostentação. Apesar de ter um Mercedes, era uma pessoa pragmática e despretensiosa.

 

Durante o resto da manhã, Mark esqueceu o assunto. A ala de hóspedes do Palacete não passava de uma miragem. Só ia vê-la por uma questão de cortesia para com Abe, e porque não tinha nada que fazer à hora de almoço. Agora que mal comia, sobrava-lhe mais tempo. A roupa já começava a ficar-lhe larga.

 

Abe chegou ao escritório à hora combinada e disse a Mark que a corretora estaria no Palacete dentro de um quarto de hora. Durante toda a viagem, falaram da nova lei fiscal, que, segundo parecia, tinha algumas falhas, o que interessava a ambos. Estavam de tal modo embrenhados na conversa que, quando chegaram ao portão principal, Mark ficou mudo de espanto. O Palacete tinha uma entrada imponente. Abe introduziu o código e entraram, zigue-zagueando pelo caminho , por entre árvores e jardins sem fim, cuidadosamente tratados. Mark soltou uma gargalhada quando deparou com a casa. Não conseguia imaginar-se a viver num lugar assim. Parecia um palácio.

 

- Meu Deus! É ali que ele vive? - perguntou, ao ver as colunas e as escadas de mármore, e uma enorme fonte que lhe fazia lembrar a Praça da Concórdia, em Paris.

 

- Foi construída para Vera Harper. Winslow tem-na há mais de quarenta anos. A manutenção custa-lhe uma fortuna.

 

- Imagino. Quantos criados tem?

 

- Agora, perto de vinte. Dentro de duas semanas, um na casa e três jardineiros. De momento, tem oito. Diz que estou a seguir uma política de terra queimada e não está muito satisfeito com isso. Também vou obrigá-lo a vender os carros. Se estiver interessado num Rolls ou num Bentley... É um tipo interessante, mas um gastador inveterado. A propriedade foi feita à sua medida, tenho de admitir.

 

Abe era tudo o que Coop não era: prático, pragmático, frugal, e não tinha a mínima ponta de elegância ou estilo; mas era mais compassivo do que Coop pensava, e por isso trazia Mark a ver a casa. Tinha pena dele e queria ajudá-lo. Ele próprio também nunca vira a ala de hóspedes, mas Liz dissera-lhe que era espetacular.

 

Mark soltou um assobio de espanto quando a corretora o convidou a entrar. Olhou, deslumbrado, para os tetos altos e as janelas francesas. Os jardins eram de uma beleza indescritível. Tinha a sensação de estar num velho palacete francês. O mobiliário também era de um grande requinte. A cozinha era um pouco antiquada, mas isso não lhe fazia diferença, e, como a corretora referiu, era muito acolhedora. Ficou maravilhado com a grandiosidade da suíte. Não gostava muito do cetim azul, apesar de dar um certo toque de classe ao aposento. Mantê-lo-ia durante um ano, enquanto pensava no que fazer da sua vida. Seria a melhor solução. O espaço exterior era seguro para os seus filhos. Ainda pensara em mudar-se para Nova Iorque, para estar perto deles, mas não queria invadir o espaço de Janet e tinha muitos clientes em Los Angeles que contavam com ele. A única coisa que Mark não queria fazer era tomar uma decisão precipitada. Para que isso não acontecesse, precisava de um lar. Esta casa poderia ser esse lar, apesar de não ser sua. E seria muito menos deprimente do que viver num hotel, a ouvir as pessoas a puxar carrinhos e a bater com as portas.

 

- É uma casa esplêndida! - exclamou, esboçando um sorriso. Nunca lhe passara pela cabeça que houvesse pessoas vivendo assim. Tivera uma casa confortável e bem decorada, mas a ala de hóspedes parecia um cenário de cinema. Seria divertido viver ali. E achava que os filhos adorariam a propriedade, especialmente os campos de tênis e a piscina. Obrigado por me trazer aqui, Abe. - E sorriu, com ar agradecido, para Abe.

 

- Pensei nisso ontem à noite, e achei que valia a pena vir ver a casa. Não pode viver eternamente num hotel.

 

Mark dera toda a mobília a Janet, por isso, o fato de a casa já estar mobiliada era menos uma dor de cabeça.

 

- Quanto é o aluguel? - indagou

 

- Dez mil dólares por mês - respondeu a corretora, sem pestanejar. - Mas não há outra casa como esta. Algumas pessoas pagariam dez vezes mais para ficarem com ela. Hoje de manhã, fechei negócio com um senhor muito simpático que vai ficar com a casa do caseiro.

 

A sério? - Abe parecia satisfeito com a notícia. -

Alguém que conheçamos? - Estava habituado às celebridades e estrelas de cinema que eram seus clientes e amigos de Coop.

 

- Não, não creio. É assistente social - respondeu a corretora. Abe ficou espantado.

 

- E tem dinheiro para pagar o valor estipulado? - Como contabilista de Coop, tinha todo o interesse em fazer este tipo de perguntas.

 

- Parece que sim. O director do Bank of America diz que é um dos seus clientes mais sólidos. Enviou-me um fax a confirmar esse fato, dez minutos depois de ter falado comigo, e o inquilino passou um cheque para pagar o primeiro e o último mês de renda e o seguro. Hoje à noite, vou entregar-lhe o contrato de arrendamento. Vive em Venice Beach.

 

- Interessante - comentou Abe, e centrou, de novo, a atenção em Mark, que estava a inspecionar os armários. Havia armários de sobra. Gostou, em especial, dos dois quartos para os filhos, decorados com muito bom gosto.

 

Enquanto perambulava pela casa, Mark matutava no valor do aluguel, mas tinha plena consciência de que podia pagá-la. Só não sabia se queria despender tanto dinheiro. Se fechasse negócio, seria a primeira extravagância de toda a sua vida, e talvez já fosse tempo de cometer uma ousadia. Janet ousara sair porta fora, para os braços de outro homem, enquanto ele se limitaria a arrendar um apartamento caro durante um ano. Talvez voltasse a dormir bem. Poderia dar umas braçadas na piscina quando regressasse do trabalho, ou jogar tênis, se arranjasse parceiro. Não se imaginava a convidar Cooper Winslow para jogar consigo.

 

- Ele costuma andar por aí? - perguntou à corretora.

 

- Como viaja muito, quer inquilinos, para haver sempre alguém na propriedade  além dos criados.

 

Abe percebeu, de imediato, que aquela justificação fora encomendada por Liz, sempre tão diplomática e defensora da reputação de Cooper. Também não quis contar à corretora que, dentro de duas semanas, deixaria de haver criados na casa.

 

- Faz sentido - aprovou Mark, fazendo um gesto de concordância com a cabeça. - É uma segurança para ele.

 

Mas também sabia o que Abe lhe contara, em jeito de confidência, acerca da situação financeira de Cooper. Partilhavam um sem-número de informações daquele gênero sobre os seus clientes.

 

- É casado, Mister Friedman? - Queria certificar-se de que Mark não tinha dez filhos, mas era muito pouco provável. E o fato de ter sido o próprio contabilista de Cooper a trazê-lo significava que não havia necessidade de um desgastante processo de recolha de informações pessoais, o que tornava as coisas muito mais fáceis para todos os envolvidos.

 

- Eu... hum... não... vou-me divorciar. - Quase estremeceu ao articular as palavras.

 

- Os seus filhos vivem consigo?

 

- Não, vivem em Nova Iorque. - Cortava-lhe o coração dizer aquilo. - Irei vê-los o maior número de vezes possível. Só podem vir até cá nas férias. E sabe como são os filhos, gostam de estar perto dos amigos. Já me contento se aqui vierem uma vez por ano - acrescentou, com tristeza.

 

A corretora ficou mais aliviada. Era um candidato perfeito: um homem sozinho, com filhos que nem sequer moravam na mesma cidade e que raramente viriam visitá-lo. Não se podia pedir melhor. E, obviamente, era endinheirado, já que fora Abe a trazê-lo. Enquanto voltavam para a sala de estar, Mark anunciou:

 

- Fico com ela!

 

Abe ficou perplexo. Mark exibia um largo sorriso, e a corretora, um ar de incontida satisfação. Conseguira arrendar a casa e a ala de hóspedes logo nos dois primeiros dias em que os imóveis haviam sido colocados no mercado, e a bom preço. Achava que dez mil dólares por cada um era um valor justo; além disso, Liz dissera que Coop ficaria satisfeito se conseguisse arrendá-las por esse preço. Mark parecia estar em êxtase. De repente, sentiu um desejo incontrolável de sair do hotel e mudar-se quanto antes para ali. A corretora informou-o de que poderia ocupar a casa dentro de poucos dias, logo que o processo de referências bancárias estivesse completo. Depois, era só receber as chaves.

 

- Acho que me vou mudar já este fim-de-semana anunciou Mark, radiante, enquanto apertava a mão da corretora, selando o acordo, e agradecia a Abe por o ter trazido a ver a casa.

 

- Foi muito mais fácil e mais produtivo do que eu esperava. E mais rápido. - Abe sorriu, radiante. Sempre julgara que Mark demoraria uma eternidade a decidir-se.

 

- É, provavelmente, a maior loucura que alguma vez cometi. Mas talvez precise de ser um pouco louco de vez em quando. - Era sempre sério, responsável e contido em tudo o que fazia. Talvez tivesse sido por isso que perdera Janet para outro homem, muito mais divertido do que ele. - Obrigado, Abe. Adoro a casa, e acho que os meus filhos também a vão adorar.

 

- Vai-lhe fazer bem durante uns tempos - afirmou Abe, compassivo.

 

Nessa noite, Mark telefonou a Jessica e a Jason, e disse-lhes que acabara de arrendar a ala de hóspedes de Cooper.

 

- Quem é ele? - indagou Jason.

 

- Acho que é um velho actor de cinema do tempo em que o papá era pequeno - explicou Jessica.

 

- É mais ou menos isso - retorquiu Mark, satisfeito. Mas o mais importante é que a casa é soberba, e temos a nossa própria ala, numa propriedade lindíssima, com campo de tênis e piscina. Acho que vai ser divertido quando vocês os dois me vierem visitar. - Estavam os três ao telefone ao mesmo tempo.

 

- Tenho saudades da nossa antiga casa - disse Jason, algo nostálgico.

 

- Detesto a escola - intrometeu-se Jessica. - As raparigas e os rapazes são uma cambada de estúpidos.

 

- Dá tempo ao tempo - retorquiu Mark, com diplomacia. Não fora dele a idéia de acabar com o casamento, ou de levar os filhos para Nova Iorque. Mas não queria tecer nenhuma crítica à ex-mulher. Seria melhor para as crianças. Leva algum tempo, a adaptação a uma nova escola. E vou vê-los muito em breve. - Em Fevereiro, ia passar um fim-de-semana com eles em Nova Iorque. Já haviam feito as reservas em Saint Bart’s, para a interrupção letiva de Março. Além disso, estava pensando em alugar um pequeno barco para as férias nas Caraíbas. Tentou mudar de conversa. - Como está a mamã?

 

- Está boa, só que sai muito - queixou-se Jason, sem fazer qualquer referência ao novo namorado da mãe.

 

Mark tinha quase a certeza de que ela ainda não os apresentara. Devia estar à espera que as coisas assentassem. Ainda só se haviam passado três semanas, quase quatro. Não era muito tempo, embora, a si, lhe parecesse uma eternidade.

 

- Porque não podemos ficar com a antiga casa? - indagou Jessica, pesarosa.

 

Quando Mark lhes respondeu que já a vendera, desataram os dois a chorar. Era mais uma conversa que acabava com uma nota de tristeza. Haviam tido muitas assim. E Jessica parecia querer sempre culpá-lo de tudo. Ainda não se apercebera de que fora a mãe que quisera o divórcio. Mark não queria acusar Janet de nada. Só estava à espera que ela assumisse as suas responsabilidades, mas, até ao momento, ainda não o fizera. Janet apenas lhes dissera que ela e o pai não se davam bem, o que era mentira. As coisas haviam corrido bem até Adam aparecer. Mark tinha curiosidade em saber como iria ela explicar aos filhos o papel daquele homem na sua vida. Se calhar, apresentá-lo-ia como alguém que acabara de conhecer. Provavelmente, só ao fim de alguns anos eles se aperceberiam do que realmente acontecera. Entretanto, continuariam a responsabilizá-lo pelo divórcio. O seu maior receio era que os filhos gostassem tanto de Adam como a mãe, acabando por esquecê-lo. Encontrava-se a cerca de cinco mil quilômetros de distância, em Los Angeles, e não os via com a freqüência desejada. Mal conseguia esperar pela hora de voltar a vê-los em Saint Bart’s, nas férias. Escolhera esse local por achar que seria divertido para os três.

 

Prometeu telefonar-lhes no dia seguinte, como era costume. Nessa noite, informou o hotel de que se mudaria no fim-de-semana. Estava ansioso por se instalar na nova casa. Adorava-a. Era a primeira coisa agradável que lhe acontecia desde que Janet lhe dera a terrível notícia de que ia para Nova Iorque. Estivera como que em estado de choque nas últimas cinco semanas. Nessa noite, saiu e foi comer um hambúrguer, antes de ir para a cama. Pela primeira vez em semanas, estava realmente com fome.

 

Na sexta-feira à noite, meteu as suas roupas em duas malas e, no sábado de manhã, partiu para a propriedade. Tinha o código do portão e abriu-o. Quando entrou na ala de hóspedes, esta encontrava-se imaculadamente limpa. Fora tudo aspirado, e os móveis reluziam. Não se via uma única nódoa na cozinha e na cama haviam posto lençóis lavados. Por momentos, teve a sensação de que regressava a casa.

 

Depois de desfazer as malas, deu uma volta pelos terrenos ajardinados em redor da casa. Estavam tratados com desvelo. Foi às compras e fez o almoço. Depois, deitou-se junto à piscina, a apanhar sol. Nessa tarde, quando telefonou aos filhos, encontrava-se muito bem-disposto. Em Nova Iorque, chegava ao fim mais um dia de neve. As crianças pareciam aborrecidas, fartas de estarem fechadas em casa. Jessica ia sair com amigos nessa noite, mas Jason não tinha nada que fazer. Sentia saudades do pai, da casa, dos amigos e da escola. Aparentemente, não havia nada de que gostasse em Nova Iorque.

 

- Agüenta mais um pouco. Vou vê-los dentro de duas semanas. Havemos de arranjar alguma coisa para fazer. Já jogaste futebol esta semana?

 

- Nunca podemos jogar por causa da neve. -Jason detestava Nova Iorque. Era um garoto da Califórnia, fora lá que vivera desde os três anos. Nem sequer se lembrava de ter morado em Nova Yorque. A única coisa que queria era voltar para a Califórnia, pois só aí se sentia em casa.

 

Conversaram durante mais algum tempo. Finalmente, Mark desligou e foi verificar o lugar das coisas na cozinha. À noite, pôs um vídeo, e achou graça no fato de Cooper Winslow ter uma aparição fugaz no filme. Era um homem bem apessoado, e Mark perguntou-se quando, e se algum dia, se encontrariam. Nessa tarde, ao chegar a casa, vira um homem atrás dele, num Rolls Royce conversível, com uma garota bonita sentada a seu lado. Cooper devia ter uma vida muito mais interessante do que a sua. Depois de dezesseis anos de felicidade conjugal, nem sequer imaginava como seria recomeçar a namorar, e nem sentia qualquer vontade. Tinha o espírito ocupado com demasiadas recordações e desgostos, e só conseguia pensar nos filhos. De momento, na sua vida, não havia espaço para uma mulher. Espaço, talvez, mas coração, não. Deu graças a Deus por, nessa noite, ter dormido como uma criança, e por ter acordado feliz na manhã seguinte, depois de sonhar que os filhos viviam consigo. Isso sim, seria uma vida perfeita. Mas só estaria com eles dentro de duas semanas. A única coisa a fazer era esperar.

 

Foi arranjar o pequeno-almoço, e ficou espantado ao descobrir que o fogão não funcionava. Pensou em telefonar à corretora, mas não chegou a fazê-lo. Contentou-se com suco de laranja e torradas. Quase nunca cozinhava, exceto quando estava com os filhos.

 

Entretanto, na parte principal da casa, Cooper fazia descobertas semelhantes. A cozinheira fora-se embora no início da semana, depois de arranjar outro emprego. Livermore já partira. As duas criadas de quarto haviam ido passar o fim-de-semana fora e partiriam na semana seguinte. Paloma não vinha trabalhar aos fins-de-semana. Pamela é que estava fazendo o pequeno-almoço. Dizia-se uma excelente cozinheira, mas os ovos mexidos ressequidos e o bacon queimado que serviu, num prato,para  Cooper não comprovavam esses dotes.

 

- És uma garota inteligente - elogiou Coop, enquanto olhava, com ar preocupado, para os ovos. - Presumo que não encontraste os tabuleiros.

 

- Que tabuleiros, querido? - perguntou, com sotaque do Oklahoma.

 

Estava orgulhosa de si própria, e esquecera-se igualmente dos guardanapos e dos talheres de prata. Voltou à cozinha para buscá-los, enquanto Cooper tocou com a ponta do dedo nos ovos. Estavam ressequidos e frios. Pamela distraíra-se  conversando ao telefone com uma amiga. Cozinhar nunca fora o seu forte, mas sim o que fazia na cama. O único problema era não saber falar. Extremamente limitada, não era, no entanto, a sua conversa que fascinava Coop. Gostava da sua companhia. Havia nas jovens algo que o revigorava. E ele atraía-as por vários motivos: a idade, a afabilidade, a jovialidade, a vasta cultura e a sofisticação; além disso, levava-as às compras quase todos os dias. Pamela nunca se divertira tanto na vida como com Coop. Pouco lhe importava a sua idade. Tinha um novo guarda-roupa, e, na semana anterior, ele oferecera-lhe um par de brincos de diamantes e um bracelete, também de diamantes. Não havia dúvidas. O velho ator sabia como viver a vida.

 

Coop atirou com os ovos para dentro d sanitário quando Pamela foi à cozinha arranjar-lhe um copo de suco de laranja. A jovem sentiu uma ponta de orgulho ao ver que ele comera tudo. Mal ela acabou de comer os ovos, Coop puxou-a para a cama, onde passaram a tarde. Nessa noite, levou-a a jantar no Lê Dome. Pamela também gostava de ir ao Spago. Sentia um arrepio de emoção ao ver toda a gente a olhar para si, curiosa por saber quem era a acompanhante de Coop. Os homens olhavam-no com inveja, enquanto as mulheres os fitavam com ar de espanto.

 

Nessa noite, depois de jantar, Coop foi levá-la ao apartamento onde ela vivia. Passara um fim-de-semana divertido na sua companhia, mas tinha uma semana muito ocupada à frente. Ia gravar um anúncio de um carro, que lhe iria proporcionar uma boa quantia. Além disso, era a última semana de trabalho de Liz.

 

Nessa noite, quando se meteu na cama, sozinho, Coop sentia-se feliz. Pamela era muito divertida, mas, afinal de contas, não passava de uma criança, coisa que ele já não era. Precisava de um sono reparador. Deitou-se às dez horas e dormiu que nem uma pedra até à manhã seguinte, altura em que Paloma afastou as cortinas e levantou as persianas. Acordou sobressaltado e sentou-se na cama, de olhos pregados nela.

 

- Por que raio estás fazendo isso? - Não conseguia imaginar o que estava ela fazendo no quarto, e ficou aliviado por reparar que vestira um pijama de seda na noite anterior. Caso contrário, ela poderia tê-lo encontrado esparramado, todo nu, em cima da cama. - O que estás fazendo aqui?

 

A criada trazia uma bata branca, óculos de sol de aros brilhantes e sapatos vermelhos de salto alto. Parecia uma cartomante cigana vestida de enfermeira. Cooper não ficou nada satisfeito.

 

- Miss Liz disse para acordá-lo às oito horas - respondeu Paloma, lançando-lhe um olhar fulminante. Nutria uma forte antipatia por ele, e demonstrava-o. Cooper também não morria de amores por ela.

 

- Não podias ter batido à porta? - resmungou, deixando-se cair para trás, de olhos fechados. Ela acordara-o de um sono profundo.

 

- Eu bato. Senhor não responde. Por isso, entro. Agora, acorda. Miss Liz diz que senhor tem de ir para trabalho.

 

- Muito obrigado - disse Coop, em tom formal, os olhos ainda fechados. - Importas-te de me fazer o pequeno-almoço? - Não havia mais ninguém a quem pudesse formular aquele pedido. - Gosto ovos mexidos e torradas. Suco de laranja. Café simples. Obrigado.

 

Quando abandonou o quarto, Paloma ia resmungando algo para os seus botões. Coop estava ciente de que a aliança entre os dois seria dolorosa. Por que diabo tivera de ser ela a escolhida? Porque não haviam escolhido outra? Ah, claro, queixou-se para consigo... tinha um salário baixo. Porém, vinte minutos depois, quando saiu da ducha e encontrou os ovos num tabuleiro em cima da cama, teve de admitir que estavam excelentes. Melhores que os de Pamela. Apesar de Paloma ter feito huevos rancheros, em vez de ovos mexidos. Teve vontade de a repreender por não ter cozinhado aquilo que lhe pedira, mas não o fez. Os ovos estavam ótimos, e devorou tudo num instante.

 

Meia hora depois, Cooper saía, impecavelmente vestido, de blazer, calças cinzentas e camisa azul, gravata azul-escura Hermes, e cabelos imaculadamente penteados, como sempre. Ao entrar para o velho Rolls Royce, era a imagem da elegância e da sofisticação. E arrancou. Mark, que ia para o escritório, seguiu-o. Não imaginava onde Cooper iria àquela hora.

 

Liz cruzou-se com os dois e acenou a Cooper. Ainda não acreditava que aquela era a sua última semana         no      Chalé.

 

Os últimos dias de Liz ao serviço de Coop foram um misto de tristeza e felicidade. O velho ator nunca havia sido tão doce, nem tão generoso com ela. Ofereceu-lhe um anel de diamantes que, segundo disse, fora da mãe - uma daquelas histórias a que Liz não dava grande crédito. Mas, tivesse ou não sido da mãe de Coop, o anel era lindo e ficava muito bem na mão de Liz, que prometeu andar sempre com ele.

 

Na sexta-feira à noite, a convite de Coop, foi ao Spago, onde bebeu demais. Quando ele a levou a casa, estava lavada em lágrimas, e não parava de dizer que ia ser uma infeliz. Mas Coop já se resignara com a sua partida e asseverou-lhe que ela estava fazendo  o que devia. Depois de se despedir, regressou a casa, onde tinha uma nova brasa à sua espera. Pamela estava em Milão, a rodar exteriores para uma revista. Na ocasião da gravação do anúncio para um carro, Coop conhecera Charlene, uma mulher estonteante, com vinte e nove anos, e o corpo mais extraordinário que alguma vez vira. E já vira muitos. O dela merecia figurar no Palácio da Fama de Cooper Winslow: enormes seios, que Charlene dizia não terem silicone, e uma cintura que duas mãos conseguiam enlaçar; longos cabelos negros, e enormes olhos verdes amendoados (tinha uma avó japonesa). Dotada de extraordinária beleza, estava completamente rendida ao charme de Coop e era mais inteligente do que Pamela, o que constituía um grande alívio. Charlene vivera dois anos em Paris, aliando a profissão de modelo à atividade de estudante na Sorbonne, e crescera no Brasil. Fora para a cama com Coop logo no segundo dia de filmagens. O velho ator tivera uma semana bem cheia.

 

Convidara-a para passar o fim-de-semana consigo, e ela aceitara com um gritinho de alegria. Já estava pensando em levá-la ao Hotel du Cap. Ficaria um espetáculo de biquíni na piscina. Quando chegou em casa, depois do jantar com Liz, ela já o esperava na cama e Coop deitou-se a seu lado. Passaram uma noite muito interessante, algo acrobática, e, no sábado,foram almoçar em Santa Bárbara e regressaram ainda a tempo de irem jantar no L’Orangerie. Estava adorando a companhia da jovem e pensando em dar um pontapé em  Pamela. Charlene tinha muito mais para oferecer e uma idade que se coadunava mais com a sua.

 

Na segunda-feira de manhã, quando Paloma regressou ao trabalho, Charlene ainda estava com ele. Cooper pediu-lhe para trazer duas bandejas, o que ela fez com uma expressão de desagrado estampada no rosto. Lançou um olhar furioso ao patrão, pousou abruptamente as bandejas em cima da cama e saiu do quarto, com ar empertigado. Trazia sapatos de salto alto cor-de-rosa. Os acessórios que costumava usar com a bata sempre haviam fascinado Coop.

 

- Ela não gosta de mim - queixou-se Charlene, desanimada. - Acho que desaprova o nosso relacionamento.

 

- Não te preocupes. Está loucamente apaixonada por mim. Não tenhas medo se ela fizer uma cena de ciúmes retorquiu Coop, sarcástico, enquanto comia algo parecido com ovos de borracha, cobertos de uma grossa camada de pimenta, o que fez com que Coop quase sufocasse e Charlene não parasse de espirrar. Era uma versão mais forte dos huevos rancheros que comera na semana anterior. Paloma ganhara este round, mas Cooper estava determinado a dar-lhe uma palavrinha depois de Charlene  ir embora, o que aconteceu ao princípio da tarde.

 

- Serviste um pequeno-almoço interessante esta manhã, Paloma. - Cooper fitava-a com ar gélido. - A pimenta dá um agradável toque agressivo, mas desnecessário. Quase precisei de uma serra para cortar os ovos. Com que é que os fizeste? Com cola de borracha, ou com vulgar cola de papel?

 

- Não sei do que fala - respondeu a criada, com ar de mistério, enquanto areava uma peça de prata que Livermore lhe dissera para limpar todas as semanas. Usava novamente os óculos de aros brilhantes. Eram, obviamente, os seus óculos favoritos, e estavam também a tornar-se os favoritos de Cooper. Interrogou-se se haveria a mais remota possibilidade de a fazer cumprir as suas ordens. Caso contrário, teria de substituí-la, dissesse Abe o que dissesse. - Não gosta dos meus ovos? - perguntou, com ar angelical, enquanto Cooper a olhava de sobrolho franzido.

 

- Sabes muito bem do que estou falando.

 

- Miss Pamela telefonou de Itália, hoje de manhã, às oito horas - anunciou Paloma, com ar de indiferença, perante o olhar estupefato de Cooper. De súbito, o sotaque desaparecera.

 

- O que é que disseste?

 

- Eu disse... - Olhou-o com um sorriso inocente nos lábios. - Miss Pamela telefonou às oitos horas. - O sotaque reaparecera. Devia estar a brincar com ele.

 

- Há um minuto atrás não falaste dessa maneira, pois não, Paloma? Onde é que queres chegar? - Coop estava visivelmente chateado. Ela olhou-o com indiferença, depois, encolheu os ombros.

 

- Não era do que estava merecendo? Andou dois meses a chamar-me Maria. - Ainda se percebia um sotaque salvadorenho nas suas palavras, mas muito leve. O seu inglês era quase tão bom como o de Cooper.

 

- Não fomos devidamente apresentados - desculpou-se Coop. E, embora o não admitisse, estava ligeiramente divertido: Paloma escondera-se dele fingindo que mal sabia falar inglês. Devia ser esperta e, provavelmente, também, boa cozinheira. - O que é que fazias no teu país, Paloma? - indagou, intrigado.

 

- Era enfermeira - respondeu, continuando a arear a peça de prata. Aquela tarefa repugnava-a. Sentia quase tantas saudades de Livermore como Coop.

 

- Que pena - retorquiu Cooper, esboçando um sorriso. - Pensei que me ias dizer que eras costureira. Pelo menos, poderias cuidar das minhas roupas. Felizmente, não estou necessitado dos teus préstimos como enfermeira.

 

- Ganho mais, aqui. E o senhor tem muita roupa - respondeu Paloma, acentuando novamente o sotaque, como se este fosse uma peça de vestuário que punha e tirava quando muito bem lhe apetecia. Era como se andasse a brincar às escondidas com ele.

 

- Também tens uns acessórios interessantes - acrescentou Coop, olhando para os sapatos cor-de-rosa da criada. A propósito, por que razão não me avisaste que Pamela telefonou?

 

Já tomara a decisão de acabar com ela. Mas ficara sempre amigo de todas as mulheres com quem tinha andado. A sua generosidade era tal que elas lhe perdoavam todos os caprichos e pecados. E estava certo de que o mesmo aconteceria com Pamela.

 

- O senhor estava ocupado com a outra quando ela telefonou. Não sei o nome dela. - O sotaque desaparecera de novo.

 

- Charlene. - Paloma pareceu não ligar grande importância à informação. - Obrigado, Paloma.

 

Coop preferiu dar por finda a conversa enquanto estava em vantagem, e saiu. Ela nunca escrevera um único recado, e só os dava quando se lembrava, fato que o deixava deveras preocupado. Mas parecia conhecer as regras do jogo. Pelo menos, até agora. E, pouco a pouco, estava a tornando-se uma personagem interessante.

 

Paloma conhecera Mark na semana anterior, e oferecera-se para lhe tratar da roupa quando ele lhe contou que a máquina de lavar estava avariada. Assim como o fogão. Disse-lhe ainda que poderia utilizar a cozinha do edifício central, se precisasse, e que Coop nunca vinha à cozinha durante a manhã. Deu-lhe, então, uma chave da porta que ligava a ala de hóspedes ao edifício central. A máquina de café também não funcionava. Mark fizera uma lista de todas as coisas avariadas, e a corretora prometera que tudo seria reparado, mas, com a partida de Liz, não havia ninguém que tomasse conta deste tipo de ocorrências, à exceção de Coop, e era muito pouco provável que ele o fizesse. Mark passou a levar a sua roupa à lavanderia, enquanto Paloma tratava dos lençóis e das toalhas. Aos fins-de-semana, usava a máquina de café de Coop. Em vez do fogão, utilizava o microondas. Só precisaria do fogão quando os filhos viessem visitá-lo. E nessa altura já estaria arranjado. A corretora prometeu ver o que poderia fazer. Mas Coop nunca respondeu aos seus telefonemas, nem aos dela, nem aos de Mark. Entretanto, Coop ia fazer outro anúncio nessa semana, para uma marca de pastilhas elásticas. Era um anúncio ridículo, mas bem pago, o seu agente convencera-o a aceitar. Ultimamente, andava a trabalhar mais do que era hábito, embora ainda não tivesse surgido qualquer convite para um filme. O agente fora a várias produtoras, mas em vão. Coop ainda gozava de boa reputação em Hollywood, mas já era velho para o papel de galã. Ainda não se sentia preparado para desempenhar papéis de pai ou de avô. E há vários anos que não aparecia qualquer convite para o papel de velho playboy.

 

Nessa semana, Charlene passou quase todas as noites com Coop. Andava tentando arranjar emprego como atriz, mas ainda tinha menos trabalho do que ele. Desde que chegara a Hollywood, apenas participara em dois vídeos eróticos, um dos quais havia sido exibido na televisão às quatro da manhã. Percebeu que nenhum desses filmes ficaria bem no seu currículo. Charlene já perguntara a Coop se não podia interceder a seu favor, e ele prometera ver o que poderia fazer. Começara como modelo de lingerie na Sétima Avenida, depois de trabalho no mesmo ramo em Paris. Possuía um corpo escultural, mas Coop tinha sérias dúvidas de que tivesse queda para a representação. As suas verdadeiras aptidões encontravam-se numa área muito mais apelativa para Coop, mas que nada tinha a ver com representação, trabalho de modelo ou televisão.

 

Coop adorava a sua companhia. E ficou aliviado quando ao regressar de Milão Pamela lhe contou que se envolvera com o fotógrafo. Essas coisas, especialmente no mundo de Coop, aconteciam com naturalidade. Tudo girava em torno de corpos, alianças temporárias e aventuras amorosas fugazes. Quando saía com atrizes famosas, logo surgiam rumores de namoro e casamento. Mas não queria nada disso com Charlene. Andava radiante de felicidade na sua companhia e já fora, por duas vezes, às compras com ela, o que fizera desaparecer num ápice o dinheiro dos dois cheques que os seus inquilinos lhe haviam passado. Mas achava que a moça merecia, como explicou a Abe, quando este lhe telefonou a avisar que teria de vender a casa se não se portasse bem.

 

- Tem de deixar de andar com modelos e atrizes, Coop. Precisa de arranjar uma mulher rica.

 

Coop soltou uma gargalhada e respondeu que ia pensar no assunto, mas o casamento nunca o atraíra. A única coisa que queria era gozar a vida, e era isso mesmo que faria até morrer.

 

Na semana seguinte, Mark foi a Nova Yorque visitar os filhos. Já falara deles a Paloma. Esta já dera uma pequena limpeza aos seus aposentos, pela qual recebera uma boa remuneração. Mas tê-lo-ia feito de graça. Quando Mark lhe contou que a esposa o trocara por outro homem, sentiu pena dele, e começou a deixar-lhe frutas numa taça em cima da mesa da cozinha, além de tortilhas que ela própria confeccionava. Gostava de o ouvir falar dos filhos. Via-se que os adorava. Havia fotografias deles por todo o lado, e outras de Mark com a ex-mulher.

 

Esse fim-de-semana era um desafio para Mark: ia encontrar-se com os filhos pela primeira vez desde que haviam deixado Los Angeles, há mais de um mês. Janet declarou que ele devia ter esperado mais algum tempo antes de  visita-los e mostrava algum nervosismo e hostilidade. Levava uma vida dupla, fingindo-se uma pessoa livre quando estava com os filhos e prosseguindo clandestinamente o seu romance, apesar de Adam já lhe ter perguntado quando iria conhecer seus filhos. Ela prometera-lhe que em breve, mas não queria que eles suspeitassem de que fora esse o motivo por que haviam sido obrigados a mudar-se para Nova Yorque. Aterrorizava-a pensar que os filhos não simpatizassem com Adam e entrassem em guerra com ele, quanto mais não fosse por uma questão de lealdade para com o pai. Quando Mark a viu, achou-a extremamente nervosa, e pareceu-lhe que alguma coisa estava a correndo mal. Os filhos também se mostravam tristes, apesar da excitação de reencontrarem o pai.

 

Ficaram alojados no Plaza com Mark e passaram o tempo todo a telefonar para o serviço de quarto. Mark levou-os ao teatro e ao cinema. Foi às compras com Jessica e deu um longo passeio na chuva com Jason. No domingo à tarde, custou-lhe muito deixá-los, partindo com a sensação de que a visita foi muito curta. Durante toda a viagem de regresso, sentiu-se deprimido. Começava a perguntar a si mesmo se não seria melhor mudar-se para Nova Yorque. No sábado seguinte, enquanto apanhava sol à beira da piscina, ainda pensando no assunto, reparou que alguém estava se mudando, finalmente, para a casa do caseiro. Encaminhou-se para lá e viu Jimmy tirando uma série de caixas de dentro de um carrinho de carga. Ofereceu-se para  ajudar.

 

Jimmy hesitou mas acabou por aceitar a ajuda de bom grado. Ele próprio estava espantado com a quantidade de coisas que tinha. Desfizera-se de muitas delas, mas ficara com um bom número de fotografias emolduradas, alguns troféus, o equipamento desportivo e a roupa. Trouxera também a aparelhagem. Eram tantas coisas que, mesmo com a ajuda de Mark, demoraram duas horas a despejar o carrinho. Quando, finalmente, se sentaram, Jimmy ofereceu-lhe uma cerveja.

 

- Você tem aqui um arsenal de coisas! - exclamou Mark, sorrindo enquanto bebericava a cerveja. - E de um peso! Trouxe a coleção de bolas de boliche ou quê?

 

Jimmy sorriu e encolheu os ombros.

 

- Diabos me carreguem se sei! E não trouxe as coisas todas.

 

Tinha uma quantidade enorme de livros, papéis e CDs que parecia não ter fim, mas desapareceu tudo com a maior das facilidades, nas gavetas, armários, estantes e roupeiros da casa.Quando abriu a primeira caixa, Jimmy pegou numa fotografia da falecida esposa, colocou-a em cima da lareira e ficou parado olhando para ela. Era uma das suas favoritas. Maggie acabara de apanhar um peixe num lago, numa das viagens à Irlanda, e exibia um ar vitorioso e satisfeito, os cabelos ruivos apanhados no alto da cabeça, os olhos semicerrados por causa do sol. Parecia uma garota de catorze anos. Fora tirada no verão anterior, antes de Maggie adoecer, há apenas cerca de sete meses. Parecia ter sido há uma eternidade. Quando se virou, Mark olhava-o fixamente. Jimmy desviou o olhar, sem articular qualquer palavra.

 

- É bonita. Namorada?

 

Jimmy abanou a cabeça e demorou bastante tempo a responder. Quando o fez, sentiu um nó na garganta. Já estava habituado. Às vezes, num ápice, o nó transformava-se numa crise de choro.

 

- É a minha mulher - respondeu num tom triste.

 

- Lamento - retorquiu Mark, presumindo que também estivesse divorciado. - Há quanto tempo?

 

- Faz amanhã à noite sete semanas.

 

Jimmy respirou fundo. Nunca falava do assunto, mas sabia que tinha de aprender a lidar com ele, e talvez esta fosse uma boa altura para começar. Mark parecia ser boa pessoa e, vivendo na mesma propriedade, talvez ainda se tornassem amigos. Fez um esforço para evitar que a voz se lhe embargasse e baixou os olhos.

 

- No meu caso, seis. No fim-de-semana passado, fui a Nova Iorque visitar os meus filhos. Sinto tantas saudades deles... A minha mulher deixou-me por causa de outro tipo explicou Mark, em tom amargurado.

 

- Sinto muito. - Jimmy conseguia ver a dor estampada no olhar de Mark. - É duro. Que idade têm os seus filhos?

 

- Quinze e treze, uma garota e um rapaz. O Jason e a Jessica. São filhos maravilhosos e, até agora, estão detestando Nova Iorque. E ainda bem que o tipo não é daqui. As crianças ainda não o conhecem. E você? Tem filhos?

 

- Não. Chegamos a falar no assunto, mas nunca nos decidimos.

 

Estava espantado com a quantidade de coisas que queria contar a Mark. Era como se existisse entre eles um estranho elo invisível. O elo da amargura, do sentimento de perda, da tragédia inesperada. As desgraças que a vida nos traz quando menos esperamos.

 

- Talvez seja mais fácil divorciarmo-nos quando não temos filhos - afirmou Mark, com um misto de compaixão e humildade. De repente, Jimmy percebeu o que ele queria dizer.

 

- Mas eu não me estou me divorciando - balbuciou, com voz embargada.

 

- Então, pode ser que façam as pazes - vaticinou Mark, com alguma inveja, continuando a não perceber o que acontecera. Só então reparou no olhar amargurado de Jimmy.

 

- A minha mulher morreu.

 

- Oh, meu Deus... os meus sinceros pêsames... pensei que... Que aconteceu? Acidente?

 

Olhou de novo para a fotografia, subitamente horrorizado com o fato de a bonita mulher que exibia o peixe ter morrido. Era fácil perceber a dor de Jimmy.

 

- Um tumor cerebral. Começou a ter dores de cabeça... enxaquecas... fez exames. Foi-se em dois meses. Num piscar de olhos. Evito falar no assunto. Ela teria adorado este lugar. A família era irlandesa, de County Cork. Era cem por cento irlandesa. Uma mulher extraordinária. Quem me dera valer só metade do que ela valia.

 

Mark quase chorou ao ouvi-lo. As lágrimas cintilavam nos olhos de Jimmy. Mas Mark não podia fazer mais nada a não ser olhá-lo, condoído. Depois, ajudou-o a transportar o resto das caixas e levou pelo menos meia dúzia para o primeiro andar. Durante algum tempo, não trocaram qualquer palavra, mas Jimmy parecia já recomposto quando acabaram de levar as caixas para as salas respectivas e Mark o ajudava a abrir algumas delas.

 

- Nem sei como agradecer-lhe. Acho que estou cometendo uma pequena loucura, ao mudar-me para cá. Tínhamos um apartamento magnífico em Venice Beach. Só que eu tinha de sair de lá, depois aconteceu isto. Achei que, de momento, era a melhor coisa a fazer. - Precisava de um lugar para recuperar, sem ter que deparar com uma série de coisas que lhe fizesse lembrar os momentos passados com Maggie.

 

- Eu vivia num hotel, a dois quarteirões do escritório, e passava a noite a ouvir pessoas a tossir. Um colega meu, um contabilista que trabalha para Coop, disse-me que ele ia arrendar a casa do caseiro e a ala de hóspedes. Fiquei apaixonado pela casa logo que a vi e acho que este espaço circundante é ótimo para as crianças. É como viver num parque. Mudei-me há duas semanas, e isto é tão sossegado... Durmo que nem um bebê. Quer ver os meus aposentos? São muito diferentes destes. Você fechou o negócio no dia em que eu vim ver a ala de hóspedes. Mas acho que a minha casa é melhor para as crianças.

 

Não conseguia deixar de pensar neles, especialmente depois de tê-los visto no fim-de-semana anterior e de se ter apercebido de que eram infelizes em Nova Iorque. Jessica passava a vida às turras com a mãe e Jason parecia desligado de tudo e de todos, isolando-se do que o rodeava. Nem eles, nem a mãe estavam bem. Nunca a vira tão nervosa. Reduzira a vida de todos a farrapos, mas Mark ainda alimentava a esperança de que ela percebesse que a vida que escolhera não era tão idílica como pensara. Optara por um caminho árduo e pedregoso, não só para eles, mas também para si própria.

 

- Vou tomar uma ducha - anunciou Jimmy, sorrindo.

- Já apareço lá. Não me demoro. Quer jogar uma partida de tênis logo mais à tarde? - Não jogava desde que Maggie falecera.

 

- Claro. Não tenho tido ninguém com quem jogar. Mas tenho ido até à piscina. É ótima. Fica mesmo ao lado da casa.

 

- Tem visto Coop? - indagou Jimmy, com um sorriso, dando a impressão de estar sentindo-se melhor.

 

- Ainda não, quer dizer, já o vi mas não falei com ele. Só ao longe, entrando e saindo. E anda  com umas brasas! Deve ter um bando de garotas novas.

 

- Tem de fazer jus à reputação. Acho que é o que tem feito de melhor ao longo da vida. Há anos que não o vejo num filme.

 

- Deve andar em baixa de finanças, e foi por isso que nos arrendou as casas - explicou Mark, pragmático.

 

- Também acho. O caso da ala de hóspedes é paradigmático. Por que razão quereria ele arrendar parte da sua própria casa se não precisasse de dinheiro? A manutenção desta propriedade deve custar-lhe uma fortuna.

 

- O contabilista dele despediu a criadagem quase toda. Talvez ainda o vejamos, um destes dias, a tratar do jardim.

 

Riram-se ambos da idéia. Pouco depois, Mark voltou para casa, satisfeito por ter conhecido Jimmy. Estava impressionado com o trabalho que ele realizava com crianças, em Watts, e sentia imensa pena do que sucedera à esposa. Que pouca sorte! Era pior do que o que lhe acontecera. Pelo menos, ele ainda tinha os filhos e, embora Janet lhe houvesse destroçado o coração e a vida, não morrera. Mark não conseguia imaginar nada pior do que o que acontecera ao seu novo amigo.

 

Jimmy apareceu meia hora depois, com ar fresco e limpo, e cabelo lavado. Vestia calções e T-shirt, e trazia uma raquete de tênis. Ficou deslumbrado quando viu a ala onde Mark vivia. Era, de fato, um espaço completamente diferente do seu. Jimmy preferia a sua casa, mas achava que a ala seria

muito melhor para os filhos de Mark. Havia muito mais espaço. E estariam mais próximos da piscina.

 

- Coop não levantou objeções ao fato de você ter filhos? - perguntou Jimmy, enquanto se encaminhavam para o campo de tênis.

 

- Não. Porquê? - Mark parecia espantado. - Disse à corretora que eles viviam em Nova Yorque e, infelizmente, não vão passar aqui muito tempo, exceto nas férias. É mais fácil se eu for até lá.

 

- Fiquei com a impressão de que ele não gosta de crianças. É fácil perceber porquê. Tem coisas de muito valor em ambas as casas. Para mim, foi ótimo. Tinha pouca mobília, o apartamento era muito pequeno. Não trouxe nada. É bom começar de novo. E você?

 

- Deixei a Janet levar tudo, exceto as minhas roupas. Pensei que seria melhor para as crianças terem com eles todas as coisas que lhes eram familiares. Este lugar foi uma dádiva dos céus. De outra forma, teria de comprar uma montanha de móveis. Acho que, se tivesse de fazer isso, teria preferido ficar no hotel. Pelo menos, por uns tempos. Não estava com disposição para mobiliar um apartamento. Aqui, foi só chegar com as malas, desfazê-las e, como que por artes mágicas... zás!... estou em casa!

 

- Foi o que aconteceu comigo.

 

Chegaram ao campo de tênis facilmente, mas ficaram desapontados ao descobrir que se encontrava em muito mau estado. Ainda tentaram jogar, mas o piso estava esburacado e irregular. Acabaram por se limitar a bater umas bolas de um lado para o outro. Depois, foram até à piscina. Mark deu umas braçadas, enquanto Jimmy ficou a apanhar sol. Antes de regressar a casa, Jimmy convidou Mark para jantar nessa noite. Ia fazer churrasco de costela e, contra o que era seu hábito, comprara dois.

 

- Aceito com todo o gosto. Eu levo o vinho - prontificou-se Mark.

 

Apareceu uma hora depois, com uma garrafa de colheita muito razoável, e sentaram-se no terraço a falar da vida, de esportes, dos respectivos empregos, dos filhos de Mark, e dos filhos que Jimmy gostaria de ter tido e ainda poderia vir a ter, mas falaram o menos possível das mulheres. A dor era ainda muito forte. Mark admitiu a sua relutância em voltar a sair com uma mulher, enquanto Jimmy pôs a hipótese de nunca mais o fazer. De momento, tinha sérias dúvidas de que isso acontecesse, porém, aos trinta e três anos, era uma decisão difícil de tomar. Ambos achavam que iriam andar ao sabor da corrente por uns tempos. A conversa acabou por estender-se a Coop e ao tipo de vida que levava. Jimmy era do parecer que, quando uma pessoa vivia ao estilo de Hollywood durante tanto tempo como ele, acabava por ficar defasada da realidade. Parecia uma teoria plausível, pelo que ambos haviam lido acerca de Coop.

 

Nesse preciso momento, o velho ator encontrava-se em casa, na cama com Charlene. A jovem era um verdadeiro pitéu sexual, e já haviam feito coisas que ele nunca pensara fazer na vida. O sexo rejuvenescia-o e era um desafio que colocava a si próprio. Charlene movimentava-se com ar felino, atirando-se a ele como uma leoa esfaimada e deixando-o louco de prazer. Manteve-o ocupado durante grande parte da noite. E na manhã seguinte, esgueirou-se até à cozinha para lhe arranjar o pequeno-almoço. Ia surpreendê-lo com uma revigorante refeição e, depois, voltariam a fazer amor. Estava na cozinha, apenas com umas minúsculas calcinhas e uns sapatos altos vermelhos, quando ouviu a porta abrir-se. Virou-se e encarou com Mark, em cuecas e de cabelos desgrenhados. Parecia um garoto de dezoito anos, com ar ensonado e embasbacado a olhar para a jovem, que não fez qualquer tentativa para se cobrir, limitando-se a sorrir-lhe.

 

- Olá, sou Charlene - apresentou-se, com a maior naturalidade, como se estivesse de roupão e chinelos.

 

Mark nem sequer lhe viu a cara, incapaz de desviar o olhar dos enormes seios, das minúsculas calcinhas e das intermináveis pernas. Só ao fim de algum tempo se deteve no seu rosto.

 

- Oh... meu Deus... desculpe... Paloma disse-me que Coop nunca usa a cozinha aos fins-de-semana... o meu fogão e a máquina de café estão avariados... só vinha fazer um café... ela deu-me a chave... - gaguejou Mark. Mas Charlene não parecia minimamente preocupada. Pelo contrário, exibia um ar afável e divertido.

 

- Eu lhe faço o café. Coop está dormindo.

 

Mark supunha que se tratasse de uma atriz ou de um modelo que Coop trouxera para casa, ou então de uma das suas namoradas. Há semanas, vira-o acompanhado de uma loura, mas não sabia se era ela. De qualquer forma, tratava-se de uma autêntica brasa.

 

- Não... vou-me embora... peço imensa desculpa... Charlene mantinha-se impávida e sorridente, com os seios quase a tocarem no rosto de Mark.

 

- Não há nenhum problema. - Não parecia minimamente incomodada com o fato de estar praticamente nua diante de Mark, que, se a cena não fosse tão embaraçosa, teria rebentado a rir. Continuou a olhá-la, envergonhado, enquanto ela lhe preparava o café. - É o novo inquilino? indagou, quando Mark, segurando a chícara fumegante, tentava sair da cozinha o mais rapidamente possível.

 

- Sou. - Que outra pessoa poderia ser? Um ladrão? Não voltarei a entrar aqui. Vou comprar uma máquina de café. Talvez seja melhor não contar nada a Coop - pediu, nervoso. Charlene era uma mulher deslumbrante.

 

- Está bem - retorquiu amavelmente, enquanto fazia suco de laranja para Cooper. - Quer suco de laranja? perguntou, antes de Mark sair da cozinha.

 

- Não, obrigado... Obrigado pelo café - respondeu Mark, desaparecendo o mais depressa que pôde.

 

Fechou novamente a porta à chave e encaminhou-se para a sala de estar. Nem queria acreditar no que lhe acontecera. Parecia uma cena de um mau filme. Mas ela tinha lá um corpo e uns cabelos negros!

 

Mal se vestiu, não conseguiu resistir a ir contar a Jimmy o que se passara. Prometera a si próprio comprar uma máquina de café nessa tarde.

 

Jimmy estava sentado no pátio da casa, bebendo uma caneca de café e lendo o jornal, quando levantou os olhos e viu Mark com um sorriso de orelha a orelha.

 

- Nem imagina onde, nem com quem é que tomei café esta manhã.

 

- Não faço a menor idéia, mas, pelo seu ar de felicidade, deve ter sido bom.

 

Mark falou-lhe, então, de Paloma e da chave, do fogão e da máquina de café avariados, e de Charlene, praticamente nua, apenas com umas minúsculas calcinhas e uns sapatos de saltos altos, enquanto lhe preparava o café, sem se mostrar minimamente perturbada com a sua presença.

 

- Foi uma cena digna de filme. Agora, imagine o que seria se ele aparecesse de repente. Se calhar, punha-me logo na rua.

 

- Ou pior. - Jimmy também estava deleitado com a história, imaginando o cômico da situação: Mark de cuecas, com uma mulher completamente nua a servir-lhe café.

 

- Também me ofereceu suco de laranja. Mas acho que estaria a abusar da sorte se lá passasse mais um minuto que fosse.

 

- Quer outro café? Se bem que aqui o serviço seja um pouco mais mundano.

 

- Claro.

 

Na vida destes dois homens havia afinidades suficientes para criar entre eles laços de amizade. E o fato de serem vizinhos dava-lhes uma paz de espírito incrível. Ambos tinham os seus próprios amigos e as suas próprias vidas, mas, ultimamente, tentavam evitar esses círculos de amizade. As tragédias por que haviam passado tinham-nos afastado e feito sentir embaraçados até com os amigos mais chegados. Haviam-se isolado e, agora, tinham encontrado um companheiro de infortúnio. Era mais fácil do que estar com as pessoas que os haviam conhecido quando estavam casados. Era como começar do zero. Por vezes, tornava-se difícil suportar o ar de comiseração dos velhos amigos.

 

Meia hora depois, Mark voltou para casa. Trouxera trabalho do escritório. Mas tornaram a encontrar-se mais tarde, na piscina. Mark comprara uma nova máquina de café, e Jimmy já acabara de desencaixotar as suas coisas. Colocara meia dúzia de fotografias de Maggie em lugares estratégicos. Por estranho que pudesse parecer, olhar para o rosto dela fazia-o sentir-se menos só. Às vezes, às tantas da noite, sentia um profundo terror de se esquecer das suas feições.

 

-Já acabou o trabalho? - perguntou Jimmy, sentado confortavelmente numa enorme poltrona..

 

-Já - respondeu Mark, de sorriso nos lábios. E comprei uma nova máquina de café. Amanhã de manhã, vou entregar a chave a Paloma. Nunca mais voltarei à cozinha. - A visão de Charlene, de calcinhas, ainda o fazia sorrir.

 

- Esperava outra coisa dele? - perguntou Jimmy, referindo-se ao senhorio.

 

- Talvez não. Só não estava à espera de assistir à sua vida sexual na primeira fila.

 

Meia hora depois, ainda conversavam calmamente, quando ouviram um portão ranger e, depois, fechar-se com algum estrondo. E, num ápice, surgiu diante deles um homem alto, de cabelos cor de prata, e sorriso aberto. Vestia calças de sarja e uma camisa branca imaculadamente passada, e calçava sapatos castanhos de pele de crocodilo. Era uma visão da perfeição, e ambos se puseram em pé de um pulo, como dois garotos que tivessem sido apanhados a fazer algo que não deviam. Mas fora-lhes concedido acesso livre à piscina, e o único motivo por que Coop aparecera fora para os conhecer. Já os vira do terraço. Charlene encontrava-se no piso de cima, na ducha, a lavar o cabelo.

 

- Desculpem incomodá-los. Só vim apresentar os meus cumprimentos. Uma vez que são meus convidados, queria conhecê-los. - Ambos tiveram a mesma sensação de gozo por terem sido chamados de ”convidados”. Por dez mil dólares por mês, não eram seus ”convidados”, mas seus inquilinos. - Olá, sou Cooper Winslow - apresentou-se, com um largo sorriso, enquanto lhes dava um aperto de mão. Qual de vocês vive aqui? Já se conheciam? - Estava tão curioso acerca deles como eles acerca de si.

 

- Chamo-me Mark Friedman, vivo na ala de hóspedes. E só nos conhecemos ontem, quando Jimmy estava fazendo a mudança.

 

- Chamo-me Jimmy O’Connor. - E deu um aperto de mão no homem que se erguia, que nem uma torre, diante de si. Ambos tinham a sensação de serem novos alunos a apresentarem-se ao professor. Cooper fazia jus à sua reputação de pessoa charmosa. Exibia grande simpatia, além de grande elegância no vestir. As calças, impecavelmente passadas a ferro, assentavam-lhe que nem uma luva, realçando as longas pernas, que pareciam não ter fim. Nenhum dos dois lhe daria sessenta anos. Tinha um ar muito mais jovem. E a verdade é que já tinha setenta. Não havia qualquer mistério acerca do motivo por que as mulheres o adoravam. Mesmo de calças de sarja, emanava estilo e charme. Era uma estrela de Hollywood.

 

- Espero que se sintam confortáveis nas suas casas.

 

- Muito - apressou-se Mark a responder, rezando para que Charlene não lhe tivesse contado o que se passara naquela manhã. Receava que sim e achava que era por isso que Coop viera visitá-los. - É uma casa esplêndida - acrescentou, em tom de admiração, procurando não pensar na mulher de calcinhas que lhe servira o café. Entretanto, sentindo que era nisso que Mark estava a pensar, Jimmy sorriu e lançou-lhe um olhar travesso. Tratava-se de uma história deliciosa.

 

- Sempre adorei viver aqui - disse Coop, referindo-se ao Palacete. -- Têm de aparecer, de vez em quando, no edifício principal. Um jantar, porque não? - De repente, lembrou-se de que já não tinha cozinheira, nem mordomo, nem ninguém que soubesse servir com requinte. Teria de contratar uma empresa de serviço de refeições. Não arriscaria pedir a Paloma outra coisa a não ser pizzas e tacos, apesar das melhoras que o inglês dela sofrera. Com ou sem sotaque, era uma pessoa rebelde e assustadoramente independente. Se lhe pedisse para servir o jantar, não sabia como é que ela se comportaria. - Donde são?

 

- Eu sou de Boston - respondeu Jimmy. - Há oito anos que vivo em Hollywood, desde que me formei. E adoro.

 

- Eu vivo cá há dez - explicou Mark. - Vim de Nova Iorque.

 

Esteve prestes a acrescentar: ”Com a minha mulher e os meus filhos”, mas conteve-se. Seria patético, especialmente se tivesse de explicar por que razão já não estavam consigo.

 

- Acho que vocês tomaram a decisão certa. Também sou do Leste, e já não conseguia agüentar o tempo, sobretudo os invernos. A vida aqui é muito melhor.

 

- Especialmente numa propriedade como esta - elogiou Jimmy, completamente fascinado com Cooper Winslow, que parecia estar  extraordinariamente à-vontade. Estava, obviamente, habituado a que lhe dessem atenção e o adulassem. Não havia qualquer dúvida de que tinha perfeita consciência do fascínio que exercia sobre as pessoas. Vivera dele durante meio século. E o que era impressionante era o fato de ainda o manter, em especial devido à sua boa forma física.

 

- Bem, espero que se sintam bem aqui. Informem-me se precisarem de alguma coisa.

 

Mark nem sequer esboçou qualquer tentativa de se queixar do fogão ou da máquina de café. Já resolvera mandá-los consertar por sua conta e deduzir a despesa no recibo do mês. Não queria puxar a conversa do café da manhã, com receio de que a mulher de seios enormes tivesse contado a Coop o que se passara, apesar de ter prometido que não o faria. Mark não sabia até que ponto podia confiar nela.

 

Coop esboçou novamente um sorriso cativante, conversou durante mais alguns instantes e foi-se embora, enquanto os dois homens, muito mais jovens de que ele, olhavam um para o outro, atônitos. Só ao fim de alguns minutos reataram a conversa, para dar tempo a que Coop chegasse a casa e não ouvisse os seus comentários.

- Virgem Santíssima! - Mark falou primeiro. - Viu o aspecto dele? Vou  é pendurar as botas. Quem é que pode competir com ele?

 

Nunca nenhum homem, na sua vida, o impressionara tanto. Cooper Winslow era o homem com mais charme que alguma vez vira. Porém, Jimmy parecia menos impressionado quando respondeu, com ar pensativo:

 

- Só há um problema - sussurrou. Não queria que Coop ouvisse. - Será que há também um coração por trás de todo aquele charme, daquele ar atraente, daquelas roupas?

 

- Talvez seja suficiente - respondeu Mark, pensando em Janet. Ela nunca teria abandonado um homem com o aspecto, a cultura e o charme de Cooper Winslow. Mark sentia-se um puto ao lado dele. Todas as suas inseguranças haviam surgido à superfície no instante em que Cooper aparecera.

 

- Não, não é - retorquiu Jimmy. - O tipo não passa de uma concha. Nada do que ele diz significa o que quer que seja. Tudo gira à volta da beleza e de todas essas merdas. E olhe para as mulheres com quem ele anda. Daqui a trinta anos, vai preferir uma menina com ferradura na cabeça, de calcinhas, a servir-lhe o pequeno-almoço, ou uma mulher a sério, com quem possa conversar?

 

- Tenho de pensar - respondeu Mark, e desataram ambos a rir.

 

- Por uns tempos é capaz de ser divertido, e depois? Seria uma situação que me deixaria doido. - Maggie fora uma mulher completa. Inteligente, verdadeira, bonita, divertida e sensual. Ela fora tudo aquilo que ele sempre desejara. A última coisa que Jimmy queria era uma mulher fútil. Mark só queria Janet. Porém, aparentemente, Cooper Winslow era um homem completo. Jimmy também tinha de admitir que o velho ator causava uma forte impressão nas pessoas. Bem, ele que fique com a mulher das mamas. Eu prefiro os sapatos. São espetaculares.

 

- Então, fique lá com os sapatos, que eu fico com a mulher. Ainda bem que não falou do meu encontro com ela na cozinha esta manhã - rematou Mark, aliviado.

 

- Eu já adivinhava que fosse essa a sua escolha - comentou Jimmy, a rir. Simpatizava com Mark. Era um tipo porreta, íntegro. Adorava conversar com ele e compreendia perfeitamente o seu estado de espírito, causado pelas saudades imensas que sentia dos filhos. - Bem, agora já o conhecemos. Parece mesmo uma estrela de cinema, não acha? - indagou Jimmy, voltando a lembrar-se do breve encontro de há momentos atrás. - Gostava de saber quem é que lhe passa a roupa. A minha está toda amarrotada desde que saí de casa. A Maggie não passava a ferro. Dizia que era contra a sua religião.

 

Mantivera-se fiel à Igreja Católica Romana, além de ter sido uma feminista ferrenha. A primeira vez que ele lhe pedira para lavar a roupa, quase lhe batera.

 

- Tenho levado a roupa toda à lavanderia - contou Mark. - Fiquei sem camisas a semana passada, e tive de comprar seis. A lida da casa não é o meu forte. Tenho pago à Paloma para me fazer a limpeza. Talvez se lhe pedir, ela também lhe faça.

 

A salvadorenha estava sendo impecável com ele. E não só era uma pessoa prestativa e capaz, mas também muito inteligente. Já falara demoradamente com ela sobre os filhos, e tudo o que Paloma lhe dissera fora de uma grande simpatia e sensibilidade. Mark nutria um grande respeito por ela.

 

- Eu não me queixo - acrescentou Jimmy. - Acompanhado de uma garrafa de Windex, sou um verdadeiro artista a aspirar o pó. A Maggie também não pegava no aspirador.

 

Nessa mesma tarde, Jimmy contou que tinham se conhecido em Harvard. Era uma garota muito atraente.

 

- Eu e a Janet conhecemo-nos na Faculdade de Direito. Mas ela nunca exerceu. Engravidou mal casamos e ficou em casa com as crianças.

 

- Foi por isso que nós nunca quisemos ter filhos. A Maggie esteve sempre dividida entre deixar a carreira profissional e ficar em casa com as crianças. Tinha uma perspectiva de vida muito irlandesa. Achava que as mães deviam ficar em casa com os filhos. Suponho que, mais cedo ou mais tarde, acabaríamos por nos resolver a tê-los.

 

Pouco depois, retomaram a conversa sobre Cooper. Às seis horas, Jimmy voltou para casa. Ia jantar com uns amigos. Convidou Mark, mas este recusou, dizendo que tinha de arrumar alguma papelada e ler a nova legislação fiscal. E despediram-se com a convicção de terem passado um bom fim-de-semana. Haviam arranjado um novo amigo e sentiam-se felizes com as novas casas, além de terem conhecido Cooper Winslow, que não os desiludiu. Coop era tudo aquilo que diziam dele: uma autêntica lenda viva de Hollywood.

 

Jimmy e Mark prometeram encontrar-se para jantar na semana seguinte. Enquanto Jimmy se dirigia para casa, Mark entrava na ala de hóspedes, sorridente, lembrando-se do café da manhã e da mulher que o fizera. Cooper Winslow era um sortudo!

 

Na manhã seguinte, Liz telefonou a Coop, que ficou encantado por voltar a ouvir a voz da antiga secretária. Casara há uma semana e ainda se encontrava em lua-de-mel, mas estava preocupada com ele.

 

- Onde está? - indagou Cooper, ao ouvir a voz familiar. Ainda não se habituara ao fato de não ver o seu rosto todas as manhãs.

 

- No Havaí - respondeu Liz, orgulhosa.

 

Usava o nome de casada em todas as ocasiões e, embora achasse estranho, adorava e tinha pena de não se ter casado há mais tempo. Estar casada com Ted parecia um sonho.

 

- Que coisa mais plebéia! - espicaçou-a Cooper. Ainda tenho esperanças de que lhe dê com os pés e volte para mim. O casamento pode ser anulado num instante.

 

- Nem pense! Gosto de ser uma mulher casada e respeitável. - Muito mais do que alguma vez imaginara.

 

- Liz, estou desapontado com você. Sempre pensei que tivesse mais caráter. Você e eu éramos os últimos solteirões. Agora, só resto eu.

 

- Bem, talvez devesse também casar-se. Não é assim tão mau. Além disso, há mais benefícios fiscais.

 

A verdade era que adorava estar casada, e fizera-o com o homem certo. Ted era um marido maravilhoso. Coop estava feliz por ela, apesar dos transtornos que aquele casamento lhe causara.

 

- O Abe também diz que me devo casar e arranjar uma mulher rica. É de uma crueldade extrema.

 

- Não é má idéia - brincou.

 

Não conseguia imaginar Cooper casado. A vida para ele tinha muito mais gozo assim. Não conseguia vê-lo amarrado a uma única mulher. Ele precisava de ter um harém para estar no sétimo céu.

 

- De qualquer modo, há anos que não ando com uma mulher rica. Nem sei onde é que elas se escondem. Além disso, prefiro as filhas.

 

Ou as netas, como acontecia ultimamente. Ao longo da vida, tivera romances com mulheres muito ricas, herdeiras de grandes fortunas, mas sempre preferira as mais jovens. Chegara a andar com uma princesa indiana e duas sauditas riquíssimas. Porém, por mais ricas que fossem, rapidamente se fartava delas. Havia sempre uma mais bonita ou mais excitante ao virar de cada esquina. Liz suspeitava que ele continuaria assim até ao fim dos seus dias. Adorava ser livre.

- Só queria certificar-me de que está se comportando bem.

- Liz estava cheia de saudades. Tinha um enorme afeto por ele. – Como está se saindo a Paloma?

 

- Extraordinariamente bem - respondeu Cooper, num tom convincente. - Faz ovos de borracha, põe pimenta nas torradas, transformou as minhas meias de caxemira em botinhas de bebê e tem um gosto requintado. Já  começo a me habituar aos óculos cheios de brilhantes. Isto para não falar nos sapatos cor-de-rosa que usa com a bata, quando não traz os tênis imitando pele de leopardo. É uma autêntica ave rara, Liz. Só Deus sabe onde você a desencantou.

 

Mas a verdade era que, por mais que ela o irritasse, estava começando a gostar da animosidade que se criara entre ambos.

 

- É boa rapariga, Coop. Ensine-a, ela aprende. Trabalhou com as outras durante um mês, é provável que tenha se esquecido de algumas coisas.

 

- Acho que o Livermore a pôs a ferros no quarto. Também tenho de experimentar esse estratagema. Oh, a propósito, ontem conheci os meus convidados.

 

- Convidados? - Liz ficou perplexa. Não sabia que ele tinha convidados.

 

- Os dois homens que estão residindo na casa do caseiro e na ala de hóspedes. - Os meus inquilinos.

 

- Ah, esses convidados. Que tal são?

 

- Pareceram-me pessoas respeitáveis. Um é advogado e o outro, assistente social. O que é assistente parece um garoto e andou em Harvard. O advogado parece um bocado nervoso, mas é simpático. Dão a sensação de serem bem-comportados. Só espero que não comecem a atirar garrafas para dentro da piscina ou a adotar órfãos irrequietos. Não têm ar de criminosos, nem de viciados em heroína. Acho que tivemos sorte.

 

- Também acho. A corretora assegurou-me que eram pessoas de bem.

 

- Reservo o meu julgamento para mais tarde. Mas, de momento, não prevejo qualquer tipo de problemas. - Ouvir isto era um grande alívio para Liz. - Por que razão me telefonou? Devia estar fazendo amor na praia com esse encanador com quem casou.

 

- Não é encanador, é corretor na Bolsa. E foi jogar uma partida de golfe com um cliente.

 

- Levou clientes para a lua-de-mel? É mau sinal, Liz. Divorcie-se imediatamente.

 

Cooper soltou uma gargalhada, e Liz ficou muito mais aliviada por sentir que ele estava bem.

 

- Encontrou o cliente aqui - explicou Liz, a rir. Dentro de uma semana, estarei em casa. Agora, porte-se bem, não compre nenhuma pulseira de diamantes esta semana. Ainda arranja uma úlcera para  Abe Braunstein.

 

- É o que ele merece. É o homem mais sisudo e com menos gosto sobre a Terra. Você é que merece uma pulseira de diamantes.

 

- Tenho usado o bonito anel que me ofereceu quando  vim embora - recordou Liz. - Falamos quando eu regressar. Cuide-se, Coop.

 

- Fique descansada, Liz. Obrigado pelo telefonema.

 

Adorava conversar com ela e, embora não o quisesse admitir, tinha saudades. Imensas. Sentia-se um bocado à deriva desde que Liz partira. A sua casa e a sua vida pareciam um navio sem leme. Ainda não conseguia imaginar o que iria fazer sem ela.

 

Nessa manhã, quando passou o olhar pela agenda, viu a cuidada caligrafia de Liz. A noite, tinha um jantar em casa dos Schwartz. Ele era um dos maiores produtores de Hollywood e ela fora uma atriz de grande beleza nos anos cinqüenta. Coop não tinha muita vontade de ir, mas sabia que eles ficariam aborrecidos se não fosse. Estava muito mais interessado em passar a noite com Charlene, e não queria levá-la consigo. Era um pouco ousada para aquele círculo. Charlene era o gênero de garota com quem ele gostava de gozar os prazeres do sexo, não alguém com quem gostasse de ser visto em jantares de cerimônia. Tinha várias categorias de mulheres. Charlene era uma mulher ”para ter em casa”. As principais estrelas de cinema destinava-as às pré-estréias dos filmes, onde causavam um impacto redobrado na imprensa. Havia ainda um grupo de jovens atrizes e modelos com quem gostava de sair. Porém, preferia ir sozinho à festa dos Schwartz.

 

Costumavam ter a casa a abarrotar de gente interessante, e nunca sabia quem lá iria encontrar. Preferia ir sozinho, e eles também gostavam de o ter lá como solteirão. Nutria um carinho especial por Arnold e Louise Schwartz. Telefonou a Charlene e disse-lhe que não podiam encontrar-se nessa noite. Ela reagiu esportivamente, respondendo que precisava do seu ”sono de beleza”, coisa que Coop sabia que ela dispensava. Ainda que passasse a noite toda sem pregar olho, de manhã, exibia sempre o mesmo encanto. E ele, sempre um desejo insaciável. Mas esta noite pertencia aos Schwartz.

 

Coop encontrou-se com um produtor no almoço, depois, foi ao massagista e à manicura. Dormiu a sesta, ao acordar bebeu um cálice de champanhe e, às oito horas, saía de casa envergando um traje de cerimônia. O motorista que costumava contratar quando ia às festas aguardava-o no Bentley. Coop estava mais elegante do que nunca, com um smoking de fino corte e os cabelos cor de prata meticulosamente penteados.

 

- Boa noite, Mister Winslow - cumprimentou o motorista.

 

Há anos que conduzia Coop, além de outras estrelas. Ganhava bem como motorista por conta própria. Para Coop, não fazia sentido ter um motorista o tempo inteiro. A maioria das vezes, preferia ser ele próprio a dirigir.

 

Quando Coop chegou à enorme mansão dos Schwartz, na Brooklawn Drive, já havia uma centena de pessoas no salão principal, bebendo champanhe. Louise Schwartz, que exibia uma fabulosa coleção de safiras, estava deslumbrante num vestido de noite azul-escuro. À sua volta, viam-se as figuras habituais nestas ocasiões: ex-presidentes e ex-primeiras damas, políticos, negociantes de arte, produtores, realizadores, advogados de renome internacional e, como não podia deixar de ser, uns quantos atores de cinema, alguns mais novos do que Coop, mas nenhum tão famoso. Num ápice, Coop viu-se rodeado de uma horda de admiradores de ambos os sexos. Uma hora depois, passaram à sala de jantar. Coop ficou na mesma mesa de um ator conhecido da sua geração, juntamente com dois escritores famosos, um importante agente de Hollywood e o diretor de um dos maiores estúdios. Pensou em falar com ele depois do jantar, pois ouvira dizer que tinham um papel perfeito para ele. Conhecia a mulher que estava sentada à sua  direita: uma das matronas mais famosas de Hollywood, cujas festas tentavam em vão rivalizar com as dos Schwartz. À sua esquerda, sentava-se uma jovem que nunca vira antes. Tinha um rosto delicado, de traços aristocráticos, enormes olhos castanhos, pele cor de marfim, e cabelos escuros apanhados num coque, como uma bailarina de Dégas.

 

- Boa noite - cumprimentou Coop.

 

Reparou que a jovem era pequena e ágil, levando a crer ser bailarina. Enquanto uma brigada de criados servia o primeiro prato, Coop perguntou-lhe se era mesmo bailarina, e ela riu-se. Não era a primeira vez que lhe faziam essa pergunta, e declarou-se lisonjeada. Sabia muito bem quem ele era. O cartão em cima da mesa tinha escrito Alexandra Madison, nome que, a Cooper, não dizia nada.

 

- Sou estagiária - afirmou, como se isso explicasse tudo.

 

- Estagiária onde? - indagou Cooper, divertido. Não era o seu tipo de mulher, embora a achasse muito bonita. Reparou que tinha umas mãos encantadoras, com unhas curtas e sem esmalte. Trazia um vestido de cetim branco, que condizia perfeitamente com o rosto e a silhueta jovens.

 

 Num hospital. Sou médica.

 

- Que interessante - comentou Cooper, parecendo impressionado. - De que especialidade? Algo de que eu precise?

 

- Não, a não ser que tenha filhos. Sou pediatra, ou melhor, neonatologista, para ser mais exata.

 

- Detesto crianças. Como-as ao jantar - retorquiu Cooper, com um largo sorriso, exibindo a bela dentadura branca pela qual era conhecido.

 

- Não acredito - contrariou a jovem, esboçando um sorriso.

 

- É verdade. E as crianças também me detestam. Sabem que eu as como. Só gosto delas quando chegam à idade adulta. Especialmente as mulheres. - Pelo menos, estava sendo honesto. Durante toda a sua vida, sentira desconfiança e aversão relativamente às crianças. Geralmente, escolhia mulheres sem filhos. As crianças complicavam tudo e já lhe haviam estragado muitas noites. As mulheres sem filhos eram muito mais divertidas. Não é preciso arranjar baby-sitters, e não têm crianças que babam ou que despejam suco por cima de nós, nem dizem que nos detestam. Estes eram alguns dos motivos da sua preferência por mulheres jovens. Acima dos trinta, quase todas as mulheres tinham filhos. - Porque não escolheu uma profissão mais divertida? Domadora de leões, por exemplo. Bailarina também lhe serviria que nem uma luva. Acho que devia considerar a hipótese de mudar de profissão, antes que seja demasiado tarde.

 

Alexandra estava divertidíssima e Coop, apesar da infeliz escolha da profissão e do penteado de extrema simplicidade, começava a gostar dela.

 

- Terei de pensar melhor no assunto. Que tal veterinária? Seria melhor? - perguntou Alexandra, com ar inocente.

 

- Também não gosto de cães. São seres asquerosos. Largam pêlo, mordem e cheiram mal. São quase tão maus como as crianças. Não tanto, mas não lhes ficam muito atrás. Temos de pensar numa profissão totalmente diferente para si. Que tal atriz?

 

- Não creio. - Alexandra soltou uma gargalhada, enquanto o criado deitava uma colher de caviar por cima do blini. Coop adorava a comida servida nos jantares dos Schwartz. Alexandra também mostrava-se à-vontade, dando a impressão de ter passado toda a sua vida em salões como aquele. Tudo indicava que sim, apesar de não usar jóias de grande valor: um colar de pérolas e um par de brincos de diamantes e pérolas. Porém, havia algo nela que indiciava tratar-se de uma pessoa endinheirada. - E o senhor? - perguntou, mudando a conversa para o campo dele. Era uma rapariga inteligente, e isso também agradou a Coop. - Por que razão é ator? - inquiriu, em tom de desafio.

 

- Acho divertido. Não acha? Imagine-se a representar todos os dias e a usar roupas bonitas. É, de fato, uma profissão muito agradável. Bastante mais interessante do que a sua. Você tem de usar uma horrível bata branca toda amarrotada e é obrigada a lidar com pequerruchos que passam o tempo a babar em você e a berrar mal a vêem.

 

- Lá isso é verdade. Mas as crianças com quem lido são demasiado pequenas para fazerem isso tudo. Trabalho na Unidade de Cuidados Intensivos, sobretudo com bebês prematuros.

 

- Que horror! - exclamou Cooper, fingindo-se horrorizado. - Devem ter o tamanho de ratos. Até pode apanhar raiva. É uma profissão ainda mais perigosa do que eu pensava. -- Estava a divertir-se à grande. Um dos convivas observava-o com ar deleitado. Era um regalo ver Coop fazer charme. Mas Alexandra dava-lhe luta. Era suficientemente sensível e inteligente para não se deixar seduzir. - Que faz mais? - perguntou, continuando o interrogatório.

 

- Vôo no meu avião desde os dezoito anos. Adoro fazer asa delta. Fazia pára-quedismo até há pouco tempo, mas prometi à minha mãe nunca mais fazer. Jogo tênis e faço esqui. Também cheguei a fazer motociclismo, mas prometi ao meu pai deixar de fazer. Passei ainda um ano no Quênia, nos serviços de saúde, antes de entrar para a Faculdade de Medicina.

 

- Você parece ter instintos suicidas. E os seus pais parecem interferir bastante nas suas atividades atléticas. Costuma estar com eles?

 

- Quando tem de ser.

 

Era muito senhora do seu nariz. Coop estava fascinado.

 

- Onde vivem?

 

, no inverno. Em Newport, no verão. É tudo muito aborrecido e previsível, e eu sou um bocadinho rebelde.

 

- É casada?

 

Cooper reparara que ela não usava aliança, e não esperava resposta positiva. Sempre tivera excelente intuição para essas coisas.

 

- Não - respondeu, após uma ligeira hesitação. - Estive prestes a casar-me - acrescentou, de imediato. Geralmente, não falava do assunto, mas estava gostando de ser sincera com Coop. Era um homem de diálogo fácil e muito perspicaz.

 

- Que aconteceu?

 

O rosto cor de marfim ficou lívido, embora mantivesse o sorriso. Mas os olhos encheram-se de tristeza. Só Coop notou.

 

- Fui abandonada no altar. Na noite anterior, para ser mais precisa.

 

- Que falta de gosto! Detesto as pessoas que fazem baixezas dessas. - Alexandra mantinha o ar amargurado e, por instantes, Coop arrependeu-se de lhe ter feito a pergunta. Espero que ele tenha caído num fosso cheio de cobras e crocodilos. Era o que merecia.

 

- E caiu. Casou com a minha irmã.

 

Era uma história complicada para um primeiro encontro. Mas Alexandra achava que não voltaria a ver Coop e resolveu contá-la.

 

- É uma atitude inqualificável. Ainda fala com a sua irmã?

 

- Só quando não tenho outra alternativa. Por exemplo, quando fui para o Quênia. Foi um ano muito interessante. Adorei - respondeu Alexandra, mudando de conversa, sinal de que não queria continuar a discutir o assunto.

 

Fora sincera com Coop, e ele admirava-a por isso. Coop falou-lhe então do seu último safári e das desventuras por que passara. Haviam-no convidado para uma reserva de caça e torturado com todo o tipo de horrores possíveis e imaginários. Detestara todos os minutos que lá passara, mas relatou os fatos de forma hilariante, fazendo com que Alexandra risse a bandeiras despregadas.

 

Passaram uns momentos agradáveis a conversar um com o outro, ignorando os restantes convivas. Alexandra ainda ria quando o jantar acabou. Entretanto, teve de se levantar para ir falar com alguns velhos amigos dos pais que se encontravam noutra mesa. Mas, antes, disse a Coop que gostara imenso de conhecê-lo, e estava a ser sincera. Fora uma noite memorável.

 

- Não tenho muito tempo para sair. E a Sra. Schwartz foi muito simpática em ter-me convidado. É amiga dos meus pais. Só vim porque consegui uma folga. Passo a maior parte do tempo no hospital. Ainda bem que vim.

 

E deu um firme aperto de mão a Cooper. Pouco depois, Louise Schwartz aproximou-se dele e, com um risinho sufocado, avisou-o:

 

- Tem cuidado, Coop! Ela é uma garota muito problemática. Se a engatas, o pai mata-te.

 

- Porquê? Ele é da máfia ou coisa parecida? Ela parece muito respeitável.

 

- E é. É por isso que ele te matará. O Arthur Madison. Um nome sobejamente conhecido. Tratava-se da maior e mais antiga fortuna do país, na área do aço. Era médico. Uma combinação interessante. As palavras de Abe Braunstein ecoaram nos seus ouvidos quando Louise pronunciou o nome. Alexandra era não só uma mulher rica, mas, possivelmente, uma das mais ricas. Simples e despretensiosa, e uma das mulheres mais inteligentes que alguma vez conhecera. E, melhor do que isso, tinha um grande sentido de humor. Era difícil uma pessoa não se sentir atraída por ela. Coop observava-a, com ar interessado, enquanto ela falava com uma série de pessoas. Ficara com um fraquinho por ela. E, sem a perder de vista, fez coincidir a sua saída da festa com a dela, convidando-a a entrar no Bentley.

 

- Posso oferecer-lhe carona?

 

O tom de voz era afável e inofensivo. Calculara que ela devia andar pelos trinta anos, e não errara. Tinha exatamente quarenta anos, mas, pelo menos, não parecia. Gostava dela. Era uma mulher que, tudo levava a crer, não admitia atitudes disparatadas. Como fora magoada, mostrava-se cautelosa. Coop sentia-se atraído por ela, independentemente de o pai ser quem era e do dinheiro que tinha. Gostava de Alexandra tal como era.

 

- Obrigada, trouxe o meu carro - respondeu, delicadamente, exibindo um largo sorriso. Ao dizer isto, um dos criados que estava de serviço ao parque trouxe-lhe o seu velho Volkswagen, a cair de podre.

 

- Estou impressionado. Extremamente despretensiosa. Admiro a sua discrição - gracejou Cooper.

 

- Não gosto de queimar dinheiro em carros. Raramente ando com ele. Nunca vou a lado nenhum. Estou sempre a trabalhar.

 

- Não admira. Com todos aqueles ratinhos medonhos. E um instituto de beleza? Alguma vez pensou nisso?

 

- Foi a minha primeira escolha profissional, mas não passei nos exames. Chumbava sempre na parte de frisar o cabelo. - Era tão rápida e irreverente como ele.

 

- Tive muito prazer em conhecê-la, Alexandra - disse Coop, olhando-a fixamente com os olhos azuis, que, juntamente com o queixo fendido, fizeram dele uma lenda, e o tornaram irresistível para as mulheres.

 

- Trate-me por Alex. Também tive muito prazer em conhecê-lo, Sr. Winslow.

 

- Talvez devesse tratá-la por doutora Madison. Preferia?

 

- Claro. - E, com um sorriso nos lábios, meteu-se no carro. Estava furiosa pelo fato de ter vindo à festa dos Schwartz num carro que parecia ter sido abandonado na beira da auto-estrada. - Boa noite! - E, dando-lhe adeus com a mão, arrancou.

 

- Boa noite, doutora! Tome duas aspirinas e telefone-me de manhã! - despediu-se Cooper, e sentou-se no banco traseiro do Bentley.

 

Fez questão de não se esquecer de mandar flores a Louise, logo pela manhã. Estava muito satisfeito por ter resolvido não se encontrar com Charlene nessa noite. Passara uma noite magnífica na companhia de Alex Madison. Era uma mulher singular, e uma perspectiva muito interessante de romance.

 

Na manhã seguinte, Coop enviou um enorme ramo de flores a Louise Schwartz. Pensou em telefonar à secretária desta a pedir o número de telefone de Alex Madison, mas resolveu ligar diretamente para o hospital. Pediu para entrar em contacto com a Unidade de Cuidados Intensivos de Neonatologia e deram-lhe o número do pager de Alex. Ligou-lhe, mas ela não respondeu. Explicaram-lhe que Alexandra estava de serviço e não podia ser chamada ao telefone. A informação deixou-o algo desapontado.

 

Dois dias depois, Coop voltava a vestir o smoking. Fora convidado para a cerimônia de entrega dos Globos de Ouro, embora não fosse nomeado há mais de vinte anos. Mas, tal como todos os outros atores conhecidos, dava uma nota de animação e cor ao evento. Ia acompanhado de Rita Waverly, uma das maiores estrelas de Hollywood nas últimas três décadas. Gostava de aparecer com ela nos grandes eventos. A atenção que recebiam da imprensa era espantosa e, ao longo dos anos, haviam mesmo corrido rumores de que houvera entre eles uma relação amorosa. O seu agente de imprensa fizera, certa vez, constar que iam casar-se, e Rita ficara aborrecida com Coop. Aparecer ao lado dela realçava ainda mais o charme de Coop. Era uma mulher de incrível beleza, apesar da idade. A brochura distribuída à imprensa atribuía-lhe quarenta e nove anos, mas Coop sabia que ela tinha cinqüenta e oito.

 

Quando foi buscá-la em seu apartamento, em Beverly Hills, Rita surgiu com um vestido de cetim branco de decote em V, que lhe assentava na perfeição e realçava a silhueta. Nos últimos anos, submetera-se a dietas rigorosas e a diversos tipos de operações plásticas: a pele fora puxada e repuxada, de todas as maneiras, com ótimos resultados. E, sobressaindo no decote, um colar de diamantes no valor de três milhões de dólares, cedido pela Van Cleef. Exibia ainda um casaco de pele de marta até aos pés. Era o epítome de uma estrela de Hollywood, tal como Coop. Quando chegaram à entrada do local onde a cerimônia ia realizar-se, os repórteres entraram em histeria. Dava a sensação de que ambos tinham vinte e cinco anos e haviam ganho o Oscar nesse ano.

 

- Para aqui!!!... Aqui!!!... Rita!!!... Coop!!! - gritavam os repórteres à procura do melhor ângulo, enquanto os fãs agitavam livros de autógrafos, e milhares de flashs atingiam os seus rostos sorridentes. Era uma noite que alimentaria os respectivos egos durante dez anos. Mas eles já estavam habituados, e Coop ria quando as equipes de televisão os detinham, de meia em meia dúzia de passos, para lhes perguntarem o que achavam dos nomeados daquele ano.

 

- Maravilhosos... um trabalho verdadeiramente impressionante... faz-nos sentir orgulhosos de sermos atores... dizia Coop, com ar de entendido, enquanto Rita seguia a seu lado, toda satisfeita.

 

Com as constantes paradas para o interminável dilúvio de bajulações, sob os olhares da multidão, levaram quase meia hora até chegarem à sua mesa, no salão onde seria servida uma refeição antes do espetáculo televisionado. Coop era todo atenções com Rita, inclinando-se gentilmente para ela enquanto lhe oferecia um cálice de champanhe ou lhe pegava no casaco.

 

- Quase me fazes sentir pena de não ter casado contigo- gracejou Rita.

 

Mas sabia, tão bem como ele, que aquilo era só espetáculo, embora Coop gostasse dela. Porém, a amizade entre os dois era boa para a reputação de ambos, e até os rumores de romance ao longo dos anos lhes haviam sido vantajosos, chamando sobre si as atenções do público. A verdade era que nunca haviam estado perto de uma relação mais íntima. Coop beijara-a uma vez, mas Rita era tão narcisista que ele tinha a noção, tal como ele, de que a relação não duraria mais de uma semana. Nesse aspecto, eram ambos muito perspicazes.

 

Mal o espetáculo começou, e depois de as câmaras perscrutarem durante alguns segundos a assistência, surgiu um grande e demorado plano dos dois.

 

- Minha nossa! - exclamou Mark, de repente, ao olhar para o televisor, enquanto bebia uma cerveja na companhia de Jimmy. Nenhum deles arranjara melhor coisa para a noite, e haviam combinado encontrar-se em casa de Jimmy para assistir à cerimônia de entrega dos prêmios. Haviam mesmo brincado com o fato de Cooper poder aparecer, mas nenhum deles esperara vê-lo durante tanto tempo. O grande plano parecia nunca mais ter fim. - Olhem só para aquilo! Perante o ar espantado de Mark, Jimmy sorria.

 

- Quem é aquela que está ao lado dele? A Rita Waverly? Meu Deus, ele conhece toda a gente! - Até Jimmy parecia impressionado. - Está muito bem conservada para a idade.

 

Lembrou-se, então, de que Maggie adorava ver todas as cerimônias de entrega de prêmios: os Globos de Ouro, os Óscars, os Grammys, os Emmys, e até os relativos às telenovelas. Adorava reconhecer todas as estrelas. Mas reconhecer Cooper e Rita Waverly até um ceguinho conseguiria.

 

- Que fato espetacular! - comentou Mark, quando a câmara se deteve noutro assistente famoso. - Não é todos os dias que vemos o nosso senhorio na televisão nacional.

 

- Tive um, em Boston, que foi preso por um crime grave, e vi-o, durante alguns segundos, no telejornal da noite. Acho que andava a vender crack.

 

Jimmy abriu outra cerveja. A amizade entre ambos tornara-se cômoda e confortável, viviam próximos um do outro, eram inteligentes, e,  além do trabalho, pouco mais tinham na vida. Ambos haviam passado por situações recentes de dor e solidão, e nenhum dos dois estava ainda em condições psicológicas de voltar a sair com uma mulher. Comer um bife e beber umas quantas cervejas, de vez em quando, ajudava a passar as noites. Logo que Cooper desapareceu da tela, instalaram-se para ver os Globos de Ouro. Jimmy pusera um saco de pipocas no microondas.

 

- Começo a sentir-me um dos tipos do Odd Couple gracejou, enquanto passava o saco de pipocas a Mark. Entretanto, na cerimônia, tocavam trechos das músicas nomeadas para a categoria de melhor tema para filme dramático.

 

- Também eu - retorquiu Mark. - Mas, por agora, não há problema. Um dia, gostaria de dar uma olhadela na agenda de Cooper e combinar um encontro com uma das suas meninas, mas ainda é muito cedo para isso.

 

Jimmy fizera praticamente um voto de celibato para toda a vida. Não tencionava trair a memória de Maggie no futuro mais próximo, nem talvez nunca. De momento, a amizade entre os dois era a melhor bênção que poderiam ter recebido. A camaradagem preenchia os serões sem nada para fazer.

 

Nessa noite, Alex Madison estava de serviço no hospital, para compensar aquela em que fora à festa dos Schwartz e conhecera Cooper. Substituía outro médico estagiário, que tinha um encontro com a mulher dos seus sonhos. Fora uma troca fácil.

 

Já tivera uma noite muito agitada, quando se dirigiu à sala de espera para falar com os pais de um bebê de duas semanas que estivera em risco de vida desde manhã, mas que melhorara entretanto. Queria assegurar-lhes que os sinais vitais da criança permaneciam estáveis, e que ela adormecera. Porém, quando entrou na sala de espera, presumiu que tinham ido comer. Ao olhar à sua volta, passou os olhos pelo televisor que estava ligado, como sempre, e ficou perplexa ao dar de cara com Coop. As câmaras acabavam de o focar de perto. Alexandra ficou estática e, com um esfuziante sorriso, soltou um grito que ecoou pela sala vazia.

 

- Conheço-o!

 

Coop, com o seu charme habitual, oferecia um cálice de champanhe a Rita Waverly. Era uma sensação estranha pensar que ele fizera a mesma coisa consigo, com aquele mesmo olhar, na festa dos Schwartz, dois dias antes.

 

Coop era um homem muito bonito, e Rita Waverly não lhe ficava atrás.

 

- Gostava de saber quantas plásticas é que ela já fez! disse Alexandra, novamente em voz alta, sem dar por isso.

 

Era engraçado pensar na distância que existia entre o mundo deles e o seu. Ela passava os dias e as noites a salvar vidas e a confortar pais cujos filhos haviam estado às portas da morte. Enquanto isso, pessoas como Coop e Rita Waverly passavam o tempo em festas, de casaco de peles, jóias e vestidos de noite. Alexandra quase nunca tinha oportunidade deusar maquiagem, e andava sempre de calças e casaco verdes, todos amarrotados, com as iniciais da Unidade de Cuidados Intensivos de Neonatologia, ”UCIN”, estampadas, em grandes caracteres, no peito. Nunca iria aparecer em nenhuma lista das mais bem-vestidas, mas fora esta a profissão que escolhera, e gostava deste tipo de vida. Se não fosse assim, teria voltado para o mundo pretensioso e hipócrita dos pais. Muitas vezes, chegava a pensar que talvez não tivesse sido mau de todo não ter casado com Cárter. Agora que casara com a irmã, andava de tal modo embrenhado nas lides sociais que se tornara tão esnobe e arrogante como os outros homens que ela detestava no mundo de onde provinha. Coop era de uma estirpe completamente diferente. Era uma estrela de cinema, uma celebridade. Pelo menos tinha uma desculpa para se apresentar e comportar daquela forma. A sua profissão era mesmo assim. A dela, não.

 

Pouco depois, voltou para o seu mundo, cheio de incubadoras e bebês pequeníssimos ligados a aparelhos e a tubos, esquecendo Cooper e os Globos de Ouro. Nem sequer viu a mensagem dele no bipe. Nesse momento, ele era a última pessoa que poderia passar-lhe pela cabeça.

 

Porém, contrastando com o regozijo de Mark, Jimmy e Alex por verem Coop na televisão, Charlene assistia à cerimônia de sobrolho carregado. Dois dias antes, Coop dissera-lhe que não poderia levá-la à festa dos Schwartz porque precisavam dele para fazer o papel de homem descomprometido, e que seria uma chatice para ela, argumento que utilizava sempre que queria ir sozinho a qualquer lado. Mas acompanhá-lo aos Globos de Ouro já teria sido uma coisa muito diferente. Estava furiosa por ele a ter preterido a favor de Rita Waverly. Porém, pelo menos do ponto de vista profissional, levar Charlene à cerimônia não lhe traria qualquer benefício.

 

- Cabra! - vociferou, com ar petulante, para o televisor. - Já deves ter uns oitenta anos!

 

Havia muita coisa que lhe apetecia dizer a Coop. Vira-o pôr o braço por cima de Rita e segredar-lhe qualquer coisa ao ouvido. Rita desmanchara-se a rir, enquanto a câmara fazia novo plano de outra estrela sentada nas proximidades.

 

Charlene deixara-lhe uma dúzia de mensagens no celular, e estava a ferver de raiva quando, por fim, conseguiu contatar com ele, às duas da manhã.

 

- Onde diabo estás, Coop?

 

Charlene não sabia se estava com vontade de explodir de raiva, ou desatar a chorar.

 

- Boa noite, querida! - retorquiu Coop, num tom calmo e imperturbável.

 

- Estou na cama. E tu, onde é que estás?

 

Coop sabia muito bem por que razão ela estava irritada. Era previsível, mas inevitável. Nem no próximo milhão de anos a teria levado aos Globos de Ouro. A relação que mantinham não era suficientemente séria ou importante para justificar publicidade. Além disso, ser visto na companhia de Rita Waverly teria muito mais impacto. Gostava muito de Charlene, mas em privado. Não sentia o mínimo desejo de a mostrar ao mundo.

 

- A Rita Waverly está contigo? - insistiu Charlene, com um tom de histeria a tomar-lhe conta da voz.

 

Coop sabia que a conversa não tardaria a baixar de nível. Este tipo de interrogatórios sempre o encorajara a partir para a próxima candidata na lista de espera. Por mais bonita que fosse, Charlene estava prestes a perder o seu lugar ao sol. Havia sempre outras jovens à espera. Estava na altura de virar outra página do livro.

 

- Claro que não. Por que razão estaria ela aqui? - perguntou, num tom inocente.

 

- Quando os vi na televisão, fiquei logo com a sensação de que não tardaria a pulares em cima dela..

 

A altura chegara.

 

- Não sejas grosseira - admoestou Coop, como se falasse com uma criança mal comportada que tentara agredi-lo.

 

Quando na dúvida, Coop tomava sempre uma de duas atitudes: ou saía de cena ou pisava primeiro. Mas não tinha qualquer necessidade de fazer isso a Charlene. Sabia que a única coisa que lhe restava era desaparecer calmamente.

 

- Foi uma chatice! - exclamou, com um bocejo. - É sempre. É trabalho, minha querida.

 

- Então, onde é que ela está?

 

Charlene bebera quase uma garrafa de vinho enquanto tentava contatá-lo. Mas Coop desligara o celular durante a cerimônia e só voltara a ligá-lo depois de chegar em casa.

 

- Quem?

 

Coop não fazia a mínima idéia a quem ela se referia. Parecia estar com um copo a mais. As horas que esperara para falar com ele levaram-na quase ao desespero.

 

- A Rita! - insistiu Charlene.

 

- Não faço a mínima idéia de onde é que ela está. Na cama dela, presumo. E eu, minha querida, vou dormir. Tenho de me levantar cedo. E já não tenho a tua idade. Preciso dormir.

 

- De carinhos, é que precisas! Se eu estivesse aí, não pregaríamos olho toda a noite, e sabes bem que não estou a mentir!

 

- Eu sei. É por isso que não estás aqui. Precisamos  dormir.

 

- Porque não vou ter contigo agora?

 

Charlene mal conseguia articular as palavras. Parecia estar mais bêbeda do que inicialmente, e continuava a beber enquanto falava.

 

- Estou cansado, Charlene. E tu também pareces não estar em muito boas condições. Porque não descansamos esta noite?

 

Começava a notar-se algum enfado na voz de Coop.

 

- Eu vou já para aí.

 

- Não vens, não!

 

- Salto o portão.

 

- Os seguranças apanhavam-te, e seria embaraçoso para ti. Vamos dormir e falamos com mais calma amanhã.

 

Coop não tinha a mínima vontade de entrar em discussão com a moça, especialmente estando ela ébria e encolerizada.

 

- Falar amanhã? Estás me traindo com a Rita Waverly?

 

- O que faço ou não faço não é da tua conta. O termo trair pressupõe um compromisso sério entre nós, coisa que, efetivamente, não existe. Agora, fica lá com as tuas maluquices. Boa noite, Charlene! - disse, com firmeza, e desligou de imediato.

 

O celular tocou logo a seguir, mas Coop não atendeu.

 

Charlene tentou para o telefone fixo. Nas duas horas seguintes, o telefone não parou de tocar, até que Coop o desligou da tomada. Detestava mulheres possessivas que faziam cenas. Estava na hora dela desaparecer da sua vida. Tinha pena que Liz não estivesse por perto. Fora sempre uma pessoa impecável para lidar com aquele tipo de situações. Se Charlene tivesse sido mais importante para ele, ter-lhe-ia mandado uma pulseira de diamantes, uma coisa desse gênero, para agradecer o tempo que haviam passado juntos. Mas não era esse o caso, e um presente só a encorajaria a tentar reatar a relação. Charlene era o tipo de mulher com quem se tinha de acabar de repente, evitando qualquer contato posterior. Que pena ter feito aquela cena, meditou, enquanto adormecia. Se não tivesse reagido daquela maneira, teria andado com ela mais umas duas ou três semanas, mas não mais do que isso. Porém, depois daquela noite, Charlene estava destinada a uma saída de cena a toda a velocidade. Coop ficou convicto disso ao ouvir o telefone, ao longe, pela centésima vez antes de adormecer. A moça já pertencia ao passado. Adeus, Charlene!

 

Na manhã seguinte, quando Paloma lhe serviu o pequeno-almoço num tabuleiro, Coop falou-lhe, com alguma discrição, de Charlene. A salvadorenha estava melhor do que nos primeiros dias, embora lhe tivesse servido os ovos estrelados carregados de pimenta, a tal ponto que, mesmo tendo-os cuspido para o prato por não agüentar o ardor, passou o resto do dia com a boca abrasada. Ela dissera-lhe que aquele prato era um banquete, ao que Cooper lhe suplicou que não voltasse a oferecer-lhe tal ”banquete”.

 

- Paloma, se Charlene telefonar, diz-lhe, por favor, que saí, esteja ou não em casa. Percebeste?

 

Paloma olhou-o de sobrolho franzido. Coop já se habituara a vê-la com os óculos de aros brilhantes. De qualquer forma, pela expressão do rosto, era fácil perceber o seu estado de espírito: reprovação, desdém, raiva. Entre amigos, costumava referir-se a Coop como ”o velho nojento”.

 

-Já não gosta dela?

 

Deixara de usar o sotaque quando falava com ele. Tinha outros truques na manga. Adorava provocá-lo das mais variadas formas.

 

- A questão não é essa. Só que... o nosso curto interlúdio... chegou ao fim.

 

Nunca teria tido de dar qualquer explicação a Liz, e muito menos à criada. Mas Paloma parecia determinada a ser a campeã da defesa das vítimas da injustiça social e da condição feminina.

 

- Interlúdio? Interlúdio? Isso quer dizer que nunca mais irá dormir com ela?

 

Coop estremeceu.

 

- É uma forma grosseira de encarar a questão, mas correta. Não me voltes a passar os telefonemas dela, por favor. Não poderia ter sido mais claro.

 

Meia hora depois, Paloma estava a dizer-lhe que tinha uma chamada.

- Quem é? - perguntou, distraído. Lia um argumento na cama, e tentava descobrir se haveria algum papel à sua medida.

 

- Não sei. Parece a voz de uma secretária - respondeu Paloma.

 

Coop pegou no telefone. Era Charlene.

 

Estava histérica, a soluçar, e dizia que queria vê-lo imediatamente, e que, se isso não acontecesse, teria um esgotamento nervoso. Só após uma hora é que Coop conseguiu desligar o telefone, depois de lhe dizer que a relação não era boa para ela, que seria mais sensato se deixassem de se ver durante uns tempos, que este era o tipo de dramatismo que sempre evitara na vida e que não tinha intenção de voltar a vê-la. Charlene ainda chorava, mas já sem histerismo, quando Coop desligou, finalmente, o telefone. E foi de imediato ter com Paloma. Ainda estava de pijama, quando a encontrou na sala de estar, a aspirar o pó. Tinha uns tênis novos calçados, de veludo cor-de-rosa, que condiziam, naturalmente, com os óculos de aros brilhantes. Paloma não ouviu uma palavra do que ele estava a dizer-lhe. Coop desligou o aspirador e ela olhou-o com indiferença.

 

- Sabias muito bem quem era - acusou Coop. Dificilmente perdia a calma com quem quer que fosse, mas Paloma punha-o fora de si. Sentia vontade de a estrangular, a ela e a Abe, por ter despedido o resto do pessoal e a ter escolhido para ficar com ele. Era uma autêntica bruxa.

 

- Não. Quem? - perguntou, com ar inocente. - Rita Waverly?

 

Paloma também o vira na cerimônia do Globo de Ouro, e dissera a todos os seus amigos que ele não passava de um estupor. Coop não teria gostado de ouvir os comentários que ela tecera a seu respeito.

 

- Era a Charlene. Foi uma baixeza, aquilo que me fizeste. Não só a irritou a ela como a mim. Ficou histérica. Não é propriamente assim que gosto de começar o dia. E aviso-te mais uma vez: se a deixares entrar nesta casa, ponho-as às duas na rua, chamo a polícia e acuso-as de invasão de propriedade.

 

- Não fique tão nervoso - retorquiu Paloma, com ar adocicado.

 

- Não estou nervoso, estou zangado, Paloma! Dei-te instruções precisas de que não queria falar com Charlene.

 

- Esqueci-me. Ou então não lhe reconheci a voz. Está bem, não volto a atender o telefone.

 

Mais uma vitória da sua parte, e mais uma tarefa que deixava de realizar, o que ainda o enfureceu mais.

 

- Vais, e vais mesmo, atender o telefone, Paloma! E não vais dizer à Charlene que estou em casa. Entendido?

 

A salvadorenha fez um gesto afirmativo com a cabeça e ligou novamente o aspirador, em ar de desafio. Sabia provocá-lo na perfeição. Dominava também a técnica da agressão passiva.

 

- Ótimo. Obrigado - concluiu Coop, voltando-lhe as costas e subindo as escadas que nem um furacão.

 

Quando chegou à cama, não conseguiu concentrar-se no argumento que estava lendo. Mais do que furioso com Paloma, estava aborrecido com Charlene, que se mostrava maçadora, histérica e grosseira. Detestava mulheres que adotavam aquele tipo de comportamento. Quando se chegava ao fim de um romance, havia formas de se sair dele com elegância, coisa que não era, certamente, o forte de Charlene. Palpitava-lhe que a moça iria ser um osso duro de roer. Ainda estava irritado quando, finalmente, saiu da cama, tomou uma ducha, fez a barba e se vestiu.

 

Ia almoçar no Spago com um realizador com quem trabalhara anos antes. Telefonara-lhe para convidá-lo para o almoço. Queria saber quais eram os seus projetos. Nunca se sabia quando é que alguém ia fazer um filme com um papel na sua medida. Estes pensamentos afastaram Charlene do seu espírito. A caminho do Spago, lembrou-se de que nunca mais soubera nada de Alex, e resolveu mandar-lhe nova mensagem. Deixou-lhe o número do celular no bipe.

 

Ficou surpreso, e satisfeito, quando, desta vez, ela lhe telefonou quase de imediato. Acabara de largar o celular no assento a seu lado.

 

- Sim? Fala a doutora Madison. Com quem estou falando? - Não reconhecera o número.

 

- Fala Coop. Como está, doutora Madison?

 

Alex ficou surpreendida, mas contente, ao ouvir a voz de Coop.

 

- Ontem à noite, eu o vi no Globo de Ouro. - Tal como meio mundo e toda a Hollywood.

 

- Não sabia que tinha tempo para ver televisão.

 

- E não tenho. Passei pela sala de espera, à procura dos pais de um dos meus doentes, e lá estava você, acompanhado da Rita Waverly. Estavam ambos esplendorosos - acrescentou.

Era a mesma voz juvenil e a mesma franqueza que apreciara nela quando se conheceram. Não havia artifícios, só beleza e inteligência, ao contrário do que acontecia com Charlene. Mas a comparação era injusta. Alex Madison tinha tudo a seu favor: a beleza, o charme, a inteligência, a educação. Provinha de outro mundo. Por outro lado, Charlene fazia coisas que mulheres como Alex desconheciam. No mundo de Coop havia espaço para ambas, ou teria havido, até à noite anterior. Mas sabia que, no seu mundo, nunca faltariam mulheres do gênero de Charlene. Havia-as aos montes. Mulheres como Alex é que eram raras. - Acho que foi você que ligou para o meu bipe, ontem - disse, com voz cândida. - Não reconheci o número e não tive tempo para lhe responder. Aliás, só hoje é que vi a mensagem. Mas quando vi o mesmo número há pouco, achei por bem telefonar-lhe logo. Pensei que fosse algum colega meu. Ainda bem que você não é médico.

 

- Também acho. Especialmente daqueles que tratam as criaturas pequeninas, parecidas com ratos, com que você lida. Preferia ser barbeiro a fazer aquilo que você faz. - Este horror fictício fazia parte do jogo.

 

- Que tal foi a cerimônia? Divertida? A Rita Waverly é muito bonita. É simpática?

 

A pergunta fê-lo sorrir. ”Simpática” não era propriamente o termo que teria escolhido para descrever Rita Waverly. A simpatia não era uma virtude muito prezada em Hollywood. Porém, tratava-se de uma personalidade importante, influente, bonita e charmosa, apesar de já um pouco avançada na idade.

 

- Acho que o termo ”interessante” é mais apropriado. Divertida. Tem muito de estrela de cinema - respondeu diplomaticamente.

 

- Como você - retorquiu Alex. Coop soltou uma gargalhada.

 

- Na  mosca. O que é que vai fazer hoje? - Queria encontrar-se com ela, se, por acaso, conseguisse desviá-la dos afazeres na Unidade de Cuidados Intensivos.

 

- Trabalho até às seis, depois, vou para casa dormir umas doze horas. Tenho de estar no hospital às oito da manhã.

 

- Trabalha demasiado, Alex.

 

- Ser médica estagiária é assim mesmo. É uma forma de escravidão. Acabamos por nos habituar.

 

- É de uma grande nobreza de caráter. Acha que pode prescindir de uns minutinhos do seu precioso sono para jantar comigo logo à noite?

 

- Consigo e com a Rita Waverly? - gracejou, mas sem a malícia que Coop detectara na voz de Charlene, tanto na noite anterior como nessa manhã.

 

Alex não era da mesma estirpe. Toda ela era candura e decência. Era uma lufada de ar fresco no mundo sofisticado de Cooper. E o fato de ser filha de Arthur Madison também tinha o seu peso. Não podia ignorar-se tamanha fortuna.

 

- Posso convidar a Rita, se quiser. Pensei que quisesse jantar a sós comigo.

 

- Adoraria. - Alex sentia-se lisonjeada pelo convite de Coop. - Mas não sei se me aguentarei acordada até à hora do jantar.

 

- Pode dormir durante o banquete. Depois, digo-lhe o que comi. O que é que acha?

 

- Infelizmente, é a realidade. Talvez pudéssemos encontrar-nos mais cedo. Há cerca de vinte horas que não prego olho.

 

A sua ética profissional era inconcebível para Coop, mas admirava-a por isso.

 

- Será interessante tentar. Aceito o desafio. Onde é que posso ir buscá-la?

 

- Que tal a minha casa? - Alex deu-lhe o endereço do seu apartamento, no Wilshire Boulevard, num edifício de boa qualidade, mas não muito luxuoso. Era auto-suficiente do ponto de vista financeiro, não dependendo do salário de médica estagiária para levar uma vida desafogada. No entanto, o apartamento era muito pequeno. - Posso estar pronta por volta das sete. Mas não queria voltar para casa muito tarde. Amanhã, no hospital, tenho de estar bem acordada e na posse de todas as minhas faculdades.

 

- Compreendo. Apanho-a às sete e vamos a um lugar simples e calmo. Prometo.

 

- Obrigada.

 

Alex nem queria acreditar que ia jantar com Cooper Winslow. Se contasse, ninguém acreditaria. Mal desligou, voltou para os seus afazeres, e Coop lá continuou o seu caminho em direção do Spago.

 

O almoço não deu os frutos por que ansiara. Ofereceram-lhe outro papel num anúncio, desta vez para roupa interior masculina, mas recusou. Ao longo da carreira, nunca descuidara a importância da imagem. Porém, as ameaças de Abe mantinham-se frescas no seu espírito. Por muito que detestasse ser movido por questões financeiras, sabia que tinha de fazer dinheiro. A única coisa de que precisava era de um papel principal num filme de grande envergadura. Isso nunca lhe parecera impossível, ou sequer improvável. Era apenas uma questão de tempo. Entretanto, tinha de se sujeitar a aparições fugazes em alguns filmes, como ator convidado, e a participações em anúncios. E havia jovens como Alex Madison. Mas não andava atrás do dinheiro dela. Tratava-se de pura amizade.

 

Coop foi buscar Alex às sete em ponto, ao Wilshire Boulevard. Ela saiu ainda antes de ele ter tempo de chegar à porta da entrada. O edifício tinha um ar respeitável, embora um pouco deteriorado. Chegou a admitir, no carro, que o apartamento era horrível.

 

- Porque não compra uma casa? - perguntou Coop, ao volante do seu Rolls favorito.

 

O dinheiro não representava grande coisa para Alex. Mostrava-se muito discreta, sem qualquer tipo de jóias e com um vestuário simples. Trazia calças pretas, camisa de gola alta, também preta, e um blusão da marinha em segunda mão. Ele envergava calças cinzentas, camisa de caxemira preta, um casaco de cabedal e sapatos de pele de crocodilo. Ao ver o tipo de roupa que ela usava, Coop optou por levá-la a um restaurante chinês. Quando lhe disse, Alex ficou deleitada.

 

- Não preciso de uma casa. Raramente estou em casa, e quando estou, aproveito para dormir, e não sei se vou ficar aqui. Quando acabar o internato, não sei para onde vou, embora não me importasse de ficar em Los Angeles.

 

O único lugar para onde sabia que não voltaria era para Palm Beach, para casa dos pais. Tratava-se de um capítulo da sua vida que se encontrava encerrado. Só ia lá nas férias e em ocasiões muito especiais, e o menor número de vezes possível.

 

Coop passou uma noite fascinante na companhia de Alex. Falaram de milhares de assuntos diferentes: do Quênia, da Indonésia, por onde ela viajara depois de acabar a universidade; de Bali, um dos seus locais favoritos, juntamente com o Nepal, onde realizara longas e árduas caminhadas. Falou dos livros que lia, a maioria dos quais de escritores conceituados. E tinha um gosto muito eclético no campo musical. Possuía ainda vastos conhecimentos sobre antiguidades e arquitetura. Interessava-se por política, especialmente a de saúde, e estava a par da legislação mais recente sobre o tema. Coop nunca conhecera ninguém como ela. Era uma mulher de ideias muito arrumadas. Cooper tinha de dar o máximo de si para conseguir acompanhá-la, e gostava disso. Quando lhe perguntou a idade, Alex respondeu que tinha trinta anos. Quanto à idade de Cooper, achava que devia andar nos cinquenta e muitos, sessenta e poucos. Sabia que ele fazia filmes há muito tempo, mas não tinha a menor ideia da idade com que começara. Teria ficado boquiaberta se soubesse que Coop já fizera setenta anos.

 

Alex passou uma noite maravilhosa na sua companhia, e foi isso mesmo que lhe disse no caminho de regresso a casa. Eram apenas nove e meia. Coop tivera o cuidado de não retê-la até muito tarde, pois, caso contrário, ela mostrar-se-ia relutante em voltar a sair com ele. Sabia que Alex tinha de levantar-se às seis e meia da manhã.

 

- Foi muito gentil em aceitar o meu convite. Teria ficado desapontado se não o tivesse aceito.

 

- Foi uma gentileza da sua parte, Coop. Diverti-me imenso e o jantar estava delicioso.

 

Simples, mas bem feito. E Coop fora uma companhia excelente, melhor do que ela esperava. Não lhe pareceu um homem cheio de tiques de estrela, mas inteligente, afável e bem informado. Não ficou com a sensação de que ele estivesse a representar.

 

- Gostaria de voltar a vê-la, Alex, se tiver tempo e não estiver comprometida.

 

Ainda não lhe perguntara se tinha namorado. Embora nenhum homem o tivesse alguma vez desviado dos seus intentos.

 

- De momento, não estou comprometida com ninguém. Nem tenho sequer tempo para isso. Não sou uma pessoa em quem se possa confiar muito na marcação de encontros. Ou estou de serviço normal ou de plantão.

 

- Eu sei - disse Coop, sorrindo. - Ou a dormir. Já lhe tinha dito, gosto de desafios.

 

 Mas mesmo muito.

 

- Graças ao seu cunhado? - indagou Coop, e ela fez um gesto afirmativo com a cabeça.

 

- Ele deu-me algumas lições muito dolorosas. Desde aí, não me tenho aventurado muito para águas mais profundas. Prefiro ficar com a água pelos joelhos. Assim, consigo dominar as situações.

 

- Mas se for o homem certo, terá de arriscar.

 

Havia alguma verdade nas palavras de Coop. Mas Alex tinha um terror imenso de voltar a ser magoada e não tornara a envolver-se seriamente com ninguém desde que rompera com aquele que viria a ser seu cunhado.

 

- A minha vida é o meu trabalho, Coop. Desde que ambos compreendamos isso, poderemos continuar a encontrar-nos.

 

- Ótimo. Eu telefono-lhe.

 

Mas isso só aconteceria dali a algum tempo. Tinha instinto para estas coisas. Queria que ela sentisse saudades suas e começasse a ficar ansiosa por um telefonema seu. Coop sabia exatamente como lidar com as mulheres.

 

Alex despediu-se de Coop sem o beijar, agradecendo, mais uma vez, a estupenda noite passada na sua companhia. Coop aguardou mais uns instantes, até ela entrar em segurança no edifício. Ao arrancar, fez um gesto de despedida com a mão, deixando-a algo pensativa. Mantinha ainda algum ceticismo relativamente aos reais intentos do velho ator. Seria fácil apaixonar-se por uma pessoa tão afável e com tanto charme como ele, mas ainda não o conhecia suficientemente bem para saber que tipo de conseqüências daí poderiam advir. Ao entrar no apartamento, ainda se perguntava se deveria ou não voltar a sair com ele, ou se seria arriscado. Coop era um homem muito experiente.

 

Despiu-se e atirou a roupa para cima de uma cadeira, onde já havia uma pilha de roupa dos últimos três dias. Nunca arranjava tempo para ir à lavanderia.

 

Ao volante do carro, a caminho de casa, Coop irradiava felicidade. As coisas haviam corrido tal qual pensara. E, fossem quais fossem as intenções, tanto dele como dela, fora um bom começo. Mas primeiro tinha de ver para que lado soprava o vento. Alex Madison era uma boa opção.

 

Não estava muito preocupado com essa questão, e Alex também não tinha energia suficiente para isso, adormecendo ainda antes de Coop chegar ao Chalé.
 

Nessa noite, Charlene telefonara meia dúzia de vezes; e, pelo menos, mais uma dúzia na manhã seguinte. Mas, desta vez, Paloma não desrespeitara as ordens de Coop. Sabia que ele a teria matado. Dois dias depois, Cooper atendeu, finalmente, um telefonema de Charlene. Tentava acabar a relação de forma delicada, se bem que não falar com ela durante dois dias não correspondesse ao conceito que Charlene fazia de delicadeza.

 

- Que se passa? - perguntou Coop, num tom despreocupado, ao atender a chamada. - Como estás?

 

- Estou ficando maluca, é assim que estou - retorquiu Charlene, furiosa. - Onde diabo tens andado?

 

- Tenho andado a fazer um anúncio. - Uma mentira que a acalmou por instantes.

 

- Podias, pelo menos, ter-me telefonado. - Parecia ofendida.

 

- Pensei nisso - mentiu -, mas não tive tempo. E também achei que estávamos precisando de algum tempo para pôr as idéias no lugar. Isto não vai dar em nada, Charlene. Espero que também tenhas plena consciência disso.

 

- E porque é que não há-de dar certo? Temo-nos entendido lindamente.

 

- Pois temos. Mas, seja como for, sou demasiado velho para ti. Precisas de encontrar alguém da mesma idade com quem te possas divertir. - Nunca lhe ocorrera que ela só tinha menos um ano do que Alex.

 

- Esse fato nunca te impediu de fazeres tudo o que te apeteceu. - Sabia, pelos tablóides e pelas pessoas que o conheciam, que ele chegara a andar com mulheres ainda mais novas do que ela. - Isso não passa de uma desculpa, Coop. E tinha razão, mas o velho ator nunca o teria admitido.

 

- No mundo do cinema, é difícil manter uma relação durante muito tempo - retorquiu Coop, tentando outra abordagem do problema.

 

Mas esse argumento também não era plausível. Ambos sabiam que andara durante longos períodos de tempo com algumas atrizes. Só com Charlene é que não queria continuar. Achava-a vulgar, pelo menos na forma como se vestia, e era obsessiva. Além disso, ela aborrecia-o. Estava muito mais interessado em Alex. E a sua fortuna também não lhe era indiferente. Não que fosse esse o seu principal atrativo, mas era mais um estímulo a acrescentar ao desejo e ao fascínio que sentia por ela. Charlene não tinha nada disso para oferecer. E Coop estava perfeitamente ciente de que, se queria cortejar Alex, não poderia andar atrás de outro rabo de saias. Aparecer nos tablóides com uma rapariga que começara como atriz porno não iria beneficiar em nada os seus intentos de conquistar Alex. De momento, era Alex o objecto do seu interesse. Charlene já passara à história. Tivera muitas garotas como ela, e sempre se cansara rapidamente. E os poucos aspectos exóticos que possuía, como o fato de ter uma avó japonesa, ter vivido em Paris e crescido no Brasil, não ocultavam o que lhe faltava em educação. Além disso, parecia ser uma pessoa de baixa formação moral e algo desequilibrada. E ainda não percebera que chegara a altura de desaparecer, mais parecendo um pit buli agarrado a um osso, coisa que Coop detestava. Preferia acabar as relações de forma calma, sem ressentimentos, e não daquela forma tempestuosa. Sentia-se magoado com Charlene por isso, e tinha sempre a sensação claustrofóbica de estar caindo numa armadilha cada vez que falava com ela.

 

- Telefono-te dentro de alguns dias, Charlene - disse Coop, o que a enfureceu mais.

 

- Não, não vais telefonar nada. Estás mentindo.

 

- Eu não minto - respondeu Coop, num tom de quem se sente ofendido. - Tenho uma chamada em espera na outra linha. Preciso  desligar.

 

- És um mentiroso! - gritou Charlene, ao mesmo tempo que Coop desligava calmamente.

 

Não lhe agradava nada a forma como ela estava se comportando. Durante a noite, os constantes telefonemas da moça foram um problema tremendo. Coop pouco podia fazer. Ela acabaria por desistir, mas, entretanto, estava sendo muito desagradável com o velho ator.

 

Nessa tarde, Coop telefonou a Alex, mas ela só pôde responder ao telefonema à noite, deixando-lhe uma mensagem no voice mail. Dizia que ia para a cama às nove, pois tinha de se levantar às quatro da manhã. Estabelecer uma relação com ela não ia ser tarefa fácil, mas decerto valeria a pena.

 

Na tarde seguinte, conseguiu entrar em contato com Alex, que dispunha de pouquíssimos minutos para falar, e estava de serviço nos dias seguintes, o que não a impediu de aceitar o convite para jantar no domingo, apesar de estar de plantão.

 

- Que é isso de estar de plantão? Telefonaram-lhe a pedir conselhos? - perguntou, esperançado.

 

Não se lembrava de alguma vez ter saído com uma médica, mas já andara com enfermeiras e até com uma quiroprática.

 

- Não - respondeu Alex, soltando uma gargalhada, para deleite de Cooper. - Significa que tenho de sair imediatamente se me mandarem um bipe.

 

- Nesse caso, tenho de lhe confiscar o bipe.

 

- Há dias em que dava um jeitão. Tem a certeza de que quer me convidar para jantar se eu estiver de plantão?

 

-  Certeza absoluta. Se tiver de sair, levo-lhe um saquinho com os restos.

 

- Não prefere esperar até eu ter um dia completamente livre? Tenho um, na próxima semana.

 

- Não, quero vê-la o mais breve possível, Alex. Faço uma coisa simples.

 

- Vai cozinhar? - Parecia impressionada. Até ele estava impressionado: a única coisa que sabia fazer eram torradas para caviar, ou ferver água para o chá.

 

- Arranjo uma coisa qualquer.

 

A vida sem cozinheira era um novo desafio para Coop. Estava  pensando em telefonar para o Wolfgang Puck e encomendar massa e pizza de salmão. A idéia agradou-lhe e, no sábado, ligou  pedindo que lhe enviassem uma refeição simples para duas pessoas e um garçon.

 

Alex chegou às cinco da tarde de domingo, no seu próprio carro, pois poderia precisar dele caso fosse chamada ao hospital. Quando viu o Chalé, ficou bastante impressionada. Ao contrário de garotas como Charlene, já vira casas daquele gênero. Aliás, já vivera em várias. A casa dos pais em Newport era muito parecida, só que maior. Mas não comentou esse fato com Coop, não queria ser indelicada. Achou a casa e os jardins maravilhosos e estava ansiosa por dar um mergulho na piscina. Coop dissera-lhe para trazer o traje de banho, e ela acabara de se meter na água, nadando, com braçadas suaves de uma ponta à outra da piscina, perante o olhar deleitado de Coop, quando Mark e Jimmy apareceram, de calções, depois de jogarem uma partida de tênis, ficaram espantados por encontrarem Coop na companhia de uma jovem tão bonita, e ela também ficou espantada ao vê-los conversar com Coop.

 

Alex nadou até a beira da piscina, e Mark quase arregalou os olhos. Achou-a bonita e muito mais interessante do que a garota que lhe fizera o café.

 

- Alex, gostariaa de lhe apresentar os meus convidados declarou Coop, com alguma pompa.

 

- Este lugar é maravilhoso - Alex falava-lhes com um sorriso. - São uns privilegiados.

 

Mark e Jimmy concordaram e, poucos minutos depois, juntaram-se a ela na piscina. Coop raramente nadava. Apesar de ter sido capitão da equipe de natação na universidade, preferia ficar a apanhar sol e a tagarelar, deliciando toda a gente com as suas histórias de Hollywood.

 

Ficaram junto à borda da piscina até às seis horas. Coop mostrou a casa a Alex, que aproveitou para vestir roupas secas. Entretanto, o criado do Wolfgang andava atarefado na cozinha, preparando o jantar para as sete, como Coop lhe pedira. Na biblioteca, ainda antes de se sentarem, Coop ofereceu um cálice de champanhe a Alex, que recusou: estar de plantão significava que não podia tocar em álcool, pois poderia ter de voltar ao hospital a qualquer momento. Mas, para alívio de ambos, o bipe continuava mudo.

 

- Os seus convidados parecem muito simpáticos - comentou Alex, enquanto Coop bebericava um cálice de Cristal e o criado servia hors d’oeuvres. - Donde é que os conhece?

 

- São amigos do meu contabilista - respondeu Coop, descontraidamente, o que era meia verdade, mas explicava a presença deles na sua propriedade.

 


- É muito simpático da sua parte deixá-los ficar aqui. Parecem adorando.

 

Mark dissera que ia fazer um churrasco nessa noite e convidara Coop e Alex, mas o velho ator declinara o convite, afirmando ter outros planos. Mark mostrara-se interessado em Alex e tecera alguns comentários, em voz baixa, sobre ela, depois de a jovem e Cooper voltarem para casa.

 

- Uma jovem muito engraçada - afirmou Mark, mas Jimmy não reparara nesse aspecto. O seu espírito continuava muito conturbado, e não mostrava qualquer interesse por mulheres. Mark estava recompondo-se mais rapidamente e o seu rancor por Janet tornava as outras mulheres mais atraentes. A sua mágoa era muito diferente da de Jimmy. - Surpreende-me que Coop esteja interessado nela.

 

- Porquê?

 

Jimmy parecia espantado. Não reparara muito no aspecto físico de Alex, mas apercebera-se de que era inteligente e ouvira Coop dizer que era médica.

 

- Muita inteligência, mamas pequenas. Não é o tipo de mulher que ele aprecie, por aquilo que me foi dado ver até agora - explicou Mark.

 

- Talvez goste de outros tipos - sugeriu Jimmy. Havia nela algo que lhe era familiar. Não sabia se por ser o tipo de mulher mais freqüente em Boston, ou se por alguma vez a ter visto. Não lhe perguntara qual a especialidade de Medicina que exercia, pois Coop monopolizara a maioria das conversas com as suas histórias. Sempre divertidas. Era fácil perceber por que razão as mulheres gostavam da sua companhia. Tinha imenso charme, era bonito e inteligente.

 

No preciso momento em que Cooper e Alex se sentaram à mesa, Mark começara a fazer o churrasco. Era a primeira vez que usava o sua grelha; na semana anterior, haviam usado a de Jimmy, e as costeletas tinham ficado excelentes. Mark ia fazer hambúrgueres com salada. Estava tudo  correndo bem, quando, de repente, ao deitar um pouco de combustível a mais por cima do carvão, as chamas se atearam de tal maneira que, por instantes, pareceram ficar fora de controle.

 

- Merda, há muito que não me acontecia uma destas! desculpou-se, tentando apagar as chamas e salvar o jantar.

 

Mas, um minuto depois, ouviu-se uma pequena explosão. Coop e Alex também a ouviram na sala de jantar, onde se deliciavam com um elegante jantar, oferecido devido à gentileza do Wolfgang. Comiam pato à Pequim, acompanhado por três tipos de massa, uma enorme salada de legumes chineses e pão caseiro.

 

- Que foi aquilo? - perguntou Alex, com ar preocupado.

 

- O IRA, presumo - retorquiu Coop, aparentemente indiferente e retomando a refeição. - Devem ter sido os meus convidados que fizeram a ala de hóspedes ir pelos ares.

 

Mas quando Alex olhou, por sobre o ombro, para a janela, viam-se nuvens de fumo asaindo de entre as árvores e um pequeno arbusto a pegar fogo.

 

- Oh, meu Deus, Coop... acho que as árvores estão a arder!

 

Coop ia dizer-lhe que não se preocupasse, quando se virou e deparou com o mesmo espetáculo.

 

- Vou buscar um extintor - anunciou, sem sequer saber se tinha um e, se o tinha, onde estava.

 

- É melhor telefonar para os bombeiros. - Alex tirou o celular da bolsa e fez a ligação, enquanto Coop saía  correndo.

 

Mark estava como que petrificado, junto a grelha, enquanto Coop e Jimmy tentavam abafar as chamas com toalhas. Em vão. Dez minutos depois, quando os bombeiros chegaram, já o fogo começava a tomar proporções alarmantes. Alex estava horrorizada. A única preocupação de Coop era a casa. Os bombeiros dominaram o fogo em menos de três minutos. Os estragos não foram muitos, à exceção de vários arbustos que ficaram bastante queimados. Os bombeiros rodearam Coop que, durante dez minutos, não fez outra coisa senão dar autógrafos, e contar histórias da guerra e das suas experiências como bombeiro voluntário em Malibu, trinta anos antes.

 

Ofereceu um copo de vinho a cada um, que eles declinaram, mas, meia hora depois, ainda ali estavam, ouvindo as histórias do velho ator, enquanto Mark continuava a desculpar-se. Coop asseverou-lhe que os estragos não haviam sido de grande monta. Entretanto, Alex recebeu uma mensagem no bipe e teve de telefonar para o hospital.

 

Afastou-se do local onde todos conversavam para poder ouvir melhor. O estado de saúde de dois dos seus bebês prematuros agravara-se, e um deles acabara por morrer. O médico de serviço não sabia mais o que fazer e precisava da sua ajuda. E um outro prematuro com problemas de hidrocefalia estava prestes a dar entrada no hospital. Ao aproximar-se novamente do grupo, Alex olhou para o relógio. Prometera estar no hospital dentro de um quarto de hora, ou menos, se possível.

 

- Qual é a sua especialidade? - indagou Jimmy, enquanto os outros continuavam a conversar.

 

Coop não nem dera pelo bipe, nem pelo telefonema. Jimmy, porém, ficara intrigado com as perguntas que a ouvira fazer ao celular. Alex parecia muito competente.

 

- Neonatologia. Sou estagiária da UCLA.

 

- Deve ser interessante - retorquiu Jimmy, enquanto Alex chamava a atenção de Coop e lhe dizia que tinha de se ir embora.

 

- Não se deixe assustar por estes dois incendiários gracejou Coop, sorrindo na direção de Mark. Estava a encarar o incidente na desportiva, o que deixou Alex impressionada. O seu pai teria tido um ataque.

 

- De modo nenhum. Que mal tem uma fogueirinha entre amigos? Telefonaram-me do hospital. Tenho mesmo de ir.

 

- Telefonaram? Quando? Não ouvi nada.

 

- Estava conversando. Tenho de  estar lá dentro de dez minutos. Peço imensa desculpa.

 

Já o havia avisado, mas era sempre uma situação aborrecida. Além disso, passara uns momentos muito agradáveis na sua companhia.

 

- Porque não come qualquer coisa rapidamente antes de ir? A comida está excelente.

 

- Eu sei. Adoraria ficar, mas estão precisando de mim. Tiveram duas emergências, e já vem outra a caminho. Tenho de me apressar - desculpou-se. Cooper parecia desconsolado, tal como Alex. Só que ela já estava habituada. - Mas gostei muito deste bocadinho. Adorei a piscina.

 

Passara ali quase três horas, o que era um recorde quando estava de plantão. Despediu-se de Jimmy e de Mark, e Cooper acompanhou-a até ao carro. Prometeu telefonar-lhe mais tarde. Dois minutos depois, Coop estava de volta, sempre de sorriso nos lábios.

 

- Foi bom mas ficou pouco tempo - comentou para os seus inquilinos, com alguma tristeza no olhar. Eles já estavam a habituar-se a serem chamados de convidados. E dava a impressão de que Coop os considerava como tal.

 

- Muito simpática! - elogiou Mark, com pena de que ela pertencesse a Cooper (ou, pelo menos, assim parecia), embora um pouco nova para si. Mas mais nova ainda para Cooper. Tal como a maioria das mulheres com quem ele andava, que poderiam ser suas netas.

 

- Os cavalheiros importam-se que os convide para jantar? - sugeriu a Jimmy e Mark, cujos hambúrgueres se haviam transformado em carvão. - O Wolfgang Puck mandou uma refeição muito bem feita. Além disso, detesto comer sozinho.

 

Meia hora depois, Coop e os seus convidados deleitavam-se com o pato à Pequim, o sortido de massas e a pizza de salmão. Enquanto isso, o velho ator regalava-os com mais algumas das suas histórias. O vinho foi servido com liberalidade, pelo que, quando Mark e Jimmy saíram, às dez horas, já haviam bebido bastante e tinham a sensação de que Coop não era um novo amigo, mas um amigo de longa data. Se o vinho era excepcional, o jantar então estava delicioso.

 

- É um tipo genial - comentou Mark para Jimmy, a caminho da ala de hóspedes.

 

- Sem dúvida - concordou Jimmy, calculando, pela névoa que o cercava, da terrível dor de cabeça que o esperava ao acordar. Mas, de momento, achava que valera a pena. Fora uma noite muito divertida. Mais do que poderia ter imaginado. O fato de conviver com uma estrela de cinema ainda lhe parecia irreal.

 

Osdois amigos despediram-se e regressaram às respectivas casas, enquanto Coop, sentado na biblioteca, saboreava um cálice de porto. Fora uma noite agradável, se bem que muito diferente daquilo que esperara. Lamentava que Alex tivesse sido obrigada a ir-se embora tão cedo, mas os seus dois inquilinos eram divertidos e acabaram por revelar-se uma companhia agradável. E os bombeiros também tinham contribuído para animar o serão.

 

Era meia-noite quando Alex se sentou no consultório, a beber uma chávena de café - demasiado tarde para telefonar a Coop. Também não tivera a noite que esperara. O bebê hidrocéfalo encontrava-se em estado crítico. O primeiro bebê, que estivera entre a vida e a morte, melhorara muito. A morte do outro constituíra um enorme choque para todo o corpo clínico. Alex perguntava a si mesma se alguma vez se habituaria àquele tipo de situação, mas, no fundo, era esta a natureza da sua profissão. Enquanto se acomodava num divã do seu consultório, interrogava-se sobre o que aconteceria se alguma vez levasse Coop a sério. Era difícil saber quem se escondia por detrás de todo aquele charme, argúcia e histórias. Se não era só fachada. Sentia-se tentada a descobrir.

 

A diferença de idades era considerável, mas Alex não se importava. Havia algo em Coop que a fazia ignorar todos os possíveis riscos de se envolver com ele, algo que a encantava, hipnotizava e cativava. Por outro lado, tentava convencer-se de que sair com ele poderia não ser uma idéia sensata. Era muito mais velho do que ela, era uma estrela de cinema, e vivera sempre rodeado de mulheres. Porém, a única coisa em que pensava era no fascínio que o velho ator exercia sobre ela. A atração que sentia por Coop parecia sobrepor-se aos contras que povoavam a sua cabeça. Estava se apaixonando. Ao mergulhar no sono, ainda ouviu umas campainhas de alerta, mas resolveu ignorá-las e ver até onde iriam as coisas.

 Mark encontrava-se mergulhado num sono profundo, quando ouviu o telefone. Ainda fez um esforço para acordar, mas achou que era imaginação. Bebera de mais e sabia que, se abrisse os olhos, teria uma enorme dor de cabeça, por isso manteve-os fechados e continuou a dormir. O telefone não parava de tocar. Abriu finalmente um olho e viu que eram quatro da manhã. Resmungou qualquer coisa enquanto se virava na cama e percebeu que não se tratava de um sonho. O telefone estava mesmo a tocando, e não imaginava quem poderia ser àquela hora. Pegou o fone e deixou-se ficar de barriga para cima e de olhos fechados. A dor de cabeça já começava a fazer-se sentir.

 

- Quem fala? - perguntou, com voz roufenha, enquanto o quarto parecia andar às voltas. Por instantes, a única coisa que conseguiu ouvir foi um choro. - Quem é? - Ainda pensou que fosse engano. Era a filha, a telefonar-lhe de Nova Iorque. - Jessie? Querida, estás bem? O que é que aconteceu? - Talvez tivesse acontecido qualquer coisa a Janet ou a Jason. Porém, Jessica apenas conseguia chorar. Soluçava de dor, como se tratasse de um animal ferido. Só se lembrava de a ter visto assim, quando o cão dela morrera. - Fala comigo, Jess... o que é que se passa? - Estava  entrando em pânico.

 

- É a mamãe... - E lá voltaram os soluços.

 

- Teve algum acidente?

 

Mark sentou-se na cama e estremeceu. Sentia-se como se o houvessem atingido com um tijolo na cabeça, mas a adrenalina continuava a subir. E se ela tivesse morrido? Ficou agoniado só de pensar nessa eventualidade. Embora o houvesse abandonado, ainda a amava, e teria ficado de coração dilacerado.

 

- A mamãe tem um namorado! - gemeu Jessica. Mark apercebeu-se de que eram sete da manhã em Nova Iorque, mas apenas quatro na Califórnia. – Nó o conhecemos ontem à noite. É um paspalho!

 

-Estou certo que não, querida - contrariou Mark, tentando ser justo. Mas havia outra

parte de si que se sentia aliviada por Jessica não gostar dele.

 

- É um dissimulado, papai. Finge que é um tipo porreta, mas passa a vida a dar ordens à mamãe, como se fosse dono dela. Ela diz que o conheceu há poucas semanas, mas eu não acredito. Sei que está mentindo. Ele passa a vida a falar de coisas que fizeram há seis meses e o ano passado, e a mamãe continua a agir como se não soubesse do que ele está falando, e está sempre a mandá-lo calar. Achas que foi por isso que ela quis que nos mudássemos para Nova Yorque?

 

O céu desabara sobre a cabeça de Jessica e Janet fora insensata ao mentir às crianças. Sempre tivera curiosidade em saber como, e quando iria lidar com o problema. O fato é que já o havia feito, mas mal, a julgar pelos soluços de Jessie.

 

- Não sei, Jess. Tens de lhe perguntar.

 

- Foi por isso que te deixou? - Eram questões complicadas e às quais não queria responder, muito menos no meio da noite e com uma ressaca tremenda. A dor de cabeça começava a adquirir proporções assustadoras. - Achas que a mamãe já andava com ele? Era por isso que ela passava o tempo todo a viajar para Nova Yorque quando a vovó estava doente e depois de morrer?

 

- Ela dizia que estava preocupada com o avô. E a avó esteve doente durante muito tempo. Ela precisava estar lá.

 

A resposta de Mark foi franca. Achava que competia a Janet contar-lhe o resto. Caso contrário, Jessie nunca mais confiaria na mãe. E ninguém poderia censurá-la. Ele também deixara de confiar nela.

 

- Quero voltar para a Califórnia - pediu Jessica, a fungar. Já não soluçava.

 

- Eu também - repetiu Jason, que acompanhava a conversa noutra extensão. Não chorava, mas parecia seriamente abalado. – Eu o detesto, papai. E tu também o devias detestar. É um autêntico cara de cu.

 

- Nova Iorque parece que não te melhorou a linguagem. Têm de discutir isso tudo calmamente com a tua mãe, não no calor do momento. E, por muito que me custe dizê-lo, devem dar uma oportunidade a esse tipo. – Era pouco provável que eles pudessem ficar entusiasmados com um namorado da mãe. Ou com alguém com quem ele um dia andasse. Mas ainda não chegara a essa fase. - Não importa há quanto tempo é que ele conhece a mamãe, pode ser um tipo legal. E, se é importante para ela, vocês não têm outro remédio a não ser habituarem-se a ele. Não devem fazer juízos precipitados.

 

Procurava ser sensato, tanto para bem deles como para bem dela, mas os filhos não queriam dar-lhe ouvidos. Porém, atear ainda mais o fogo contra o homem por quem a mãe se apaixonara, e por quem abandonara o pai, apenas os tornaria mais infelizes. Se ela acabasse por casar com Adam, teriam de aceitá-lo. Não havia outra alternativa.

 

- Jantamos com ele, papai - contou Jason, com voz triste. - Trata a mamãe como se pudesse obrigá-la a fazer tudo o que lhe apetece, e a mamãe come e cala. Quando ele foi embora, ela gritou conosco e, depois, chorou. Acho que gosta mesmo dele.

 

- Talvez - retorquiu Mark, com alguma tristeza na voz.

 

- Quero voltar para casa, papai - suplicou Jessica. Mas já não havia casa. Fora vendida. - Quero voltar para a antiga escola e viver contigo - insistiu.

 

- Eu também - repetiu Jason.

 

- Por falar em escola, não são horas de os meninos irem para a escola?

 

Eram quase sete e meia em Nova Iorque e ouviu Janet dizer qualquer coisa em fundo. Não tinha a certeza, mas parecia estar aos gritos. E teria gritado ainda mais se soubesse o que eles lhe haviam contado. Mas suspeitava que Janet não fazia a menor idéia de que ele estava no telefone e que haviam sido as crianças a telefonar-lhe.

 

- Falas com a mamãe sobre o nosso regresso para a Califórnia? - perguntou Jessica, numa voz quase imperceptível, confirmando as suspeitas de Mark.

 

- Não. Vocês os dois têm de lhe dar uma oportunidade. Ainda é muito cedo para se tomar uma atitude drástica. Só quero que vocês sejam sensatos nos juízos que fizerem. E, agora, quero que vão para a escola. Voltaremos a falar do assunto mais tarde.

 

Muito mais tarde. Quando a ressaca lhe passasse.

 

Estavam tristes quando desligaram e, pela primeira vez em dois meses, Jessica disse-lhe que o adorava. Sentiam-se revoltados com a mãe. A raiva acabaria por desvanecer-se e até poderiam vir a gostar de Adam, à medida que o fossem conhecendo melhor. Janet dizia que era um homem maravilhoso. Porém, lá bem no fundo, Mark alimentava a esperança de que o detestassem ainda mais. Devido ao que ela fizera, era difícil não acalentar esse desejo.

 

Depois de desligar, ficou pensativo, a matutar no que deveria fazer. De momento, nada, concluiu. Iria deixar as coisas assentar e ver o que acontecia. Deu meia volta na cama e tentou adormecer de novo, mas a cabeça não parava de fervilhar, e estava preocupado com os miúdos. Eram seis horas quando, finalmente, cedeu à ansiedade e telefonou à mãe dos seus filhos. Também ela lhe pareceu triste.

 

- Ainda bem que telefonaste - disse Janet, surpreendida ao ouvir a voz de Mark. – As crianças conheceram o Adam ontem à noite e foram horríveis para ele.

 

- Não me surpreende. Ainda é muito cedo para eles aceitarem a idéia de te verem andar com outro homem. E talvez suspeitem de que já o conheces há mais tempo.

 

- Foi disso que a Jessie me acusou. Não lhe contaste, não é? - perguntou, numa voz que denotava algum pânico.

 

- Não, mas acho que devias lhes dizer. Caso contrário, um dia um de vocês escorrega e eles ficam  sabendo. Já suspeitam, por causa de algumas coisas que ele disse.

 

- Como é que sabes? - indagou, perplexa, mas Mark resolveu ser franco com ela.

 

- Eles telefonaram-me. Estavam muito tristes.

 

- A Jessie, no meio do jantar, zarpou para o quarto e trancou-se. E o Jason recusa-se a falar com ele e comigo. A Jessie diz que me odeia - contou Janet, com a voz embargada.

 

- Ela não te odeia. Sente-se magoada e revoltada, e suspeita de ti. E tem razão. Ambos sabemos que sim.

 

- A Jessie não teve nada a ver com isso – respondeu Janet, num tom algo acalorado, com o sentimento de culpa à flor da pele.

 

- Talvez não, mas ela acha que sim. Devias ter esperado mais algum tempo.

 

Janet não queria dizer a Mark que Adam a pressionara para o apresentar às crianças e ela cedera aos seus desejos. Também achava que eles ainda não estavam preparados, mas Adam dizia que se recusava a andar com ela às escondidas. Se os sentimentos de Janet eram sinceros, queria conhecer as crianças. E acabou por ser um desastre. Depois do jantar, haviam tido uma tremenda discussão e ele partira, batendo com a porta. Fora uma noite de pesadelo.

 

- O que é que eu faço agora? - perguntou, preocupada e, ao mesmo tempo, ansiosa.

 

- Tens de esperar e levar as coisas com calma. Dá-lhes tempo.

 

Janet omitiu que Adam pretendia mudar-se imediatamente lá para casa, não estava disposto a esperar até se casarem, e ela não sabia como demovê-lo. Não o queria perder. Nem aos filhos. Sentia-se pressionada dos dois lados.

 

- Não é tão fácil como pensas - retorquiu, em tom queixoso, como se fosse ela a vítima.

 

- Só não quero que as crianças saiam magoados disso tudo - avisou Mark. - Não estás à espera, com certeza, que tanto eu quanto eles encaremos tudo isto com um sorriso nos lábios. A verdade é que foste tu que rompeste o casamento e, mais tarde ou mais cedo, eles vão acabar por saber. E vão ter muito que engolir. - Também ele engolira muita coisa, pelo amor que sentira, e ainda sentia, por ela. - Têm todo o direito de estar revoltados com vocês os dois.

 

Tentava encarar as coisas de um ponto de vista racional. Detestava ser sempre ele o pacificador, mas sempre conseguira analisar os problemas sob vários pontos de vista, e não apenas do seu. Era um dos seus pontos fortes, ao contrário de Janet.

 

- Sim, talvez tenhas razão. Mas não sei se ele irá compreender a situação. Não tem filhos, por isso, custa-lhe entender certas coisas.

 

- Talvez devesses arranjar outro tipo. Um tipo como eu, por exemplo.

 

Janet não fez qualquer comentário e Mark sentiu-se um idiota por ter dito tal coisa. O vinho, o porto, o brande não estavam a ajudar, nem a dor de cabeça. A ressaca já se fazia sentir em toda a sua plenitude e ele ainda nem sequer se levantara. Até o momento, estava  sendo uma manhã muito agitada.

 

- Acho que eles vão acabar por habituar-se - disse Janet, esperançosa. Adam não aceitaria outra coisa. Queria que as crianças gostassem dele, mas sentira-se insultado pela forma como se haviam comportado, e pusera Janet entre a espada e a parede.

 

- Mantém-te em contato comigo - concluiu Mark, e desligou.

 

Ficou na cama mais duas horas, incapaz de adormecer, com a cabeça a estalar. Eram quase nove horas quando se levantou e já passava das dez quando chegou ao escritório. À hora de almoço, os filhos voltaram a telefonar. Tinham acabado de chegar da escola e insistiam que queriam ir viver com ele, mas Mark disse-lhes que não ia fazer nada apressadamente. Primeiro, queria que esfriassem a cabeça e que, pelo menos, procurassem ser justos com a mãe. Mas Jessica apenas dizia que detestava a mãe e que nunca mais lhe falaria se ela se casasse com Adam.

 

- Queremos ir viver contigo, papai. - Estava sendo cruel com a mãe.

 

- E se eu sair com uma pessoa de que não gostes? Temos de encarar os problemas de frente, Jessie.

 

- Andas com alguém, papá? - Parecia chocada. Nem ela nem Jason haviam pensado nessa hipótese.

 

- Não, mas um dia, muito provavelmente, andarei, e também pode acontecere de não gostares da pessoa.

 

- Mas tu não deixaste a mamã por causa de outra mulher. A mamãe é que te deixou pelo Adam. - As suspeitas de Jessica estavam corretas. Não queria contar-lhe a verdade, mas também não queria mentir-lhe. - Se nos obrigares a viver com ela, fugimos, papai.

 

- Não faças ameaças, Jess. Não é justo. Já tens idade suficiente para perceber as coisas. E desculpas de andar a espicassar o teu irmão. Falamos disso tudo quando estivermos juntos, nas férias. Pode ser que já tenhas mudado de opinião e que acabes por gostar dele.

 

- Nunca!

 

Nas duas semanas que se seguiram, foi uma batalha constante. Lágrimas, ameaças, telefonemas no meio da noite. Adam fora suficientemente idiota a ponto de lhes dizer que queria viver com eles e com a mãe. Quando Mark  foi buscá-los em Nova Iorque, estavam em guerra aberta com a mãe. E foi essa a conversa dominante nas férias. Janet estava de mãos e pés atados com Adam, que passava a vida a dizer-lhe que ela estava a preteri-lo em favor dos filhos, que já esperara tempo suficiente, que queria viver com ela e com os filhos. Mas estes não o queriam. E, por arrasto, também não queriam a mãe. No final das férias, Mark conversou com Janet e explicou-lhe que não fazia a menor idéia de como convencê-los a ficar com ela. Jessica ameaçava contratar um advogado especialista em questões de crianças e pedir ao tribunal que a deixasse ir viver com o pai. E tanto ela como Jason já tinham idade para levar o caso ao tribunal.

 

- Acho que tens um problema dos diabos em mãos disse Mark. - Não há maneira de inverter a situação. Que achas de eles voltarem para Los Angeles até ao fim do ano letivo? Depois, podes tentar dar-lhes a volta para regressarem a Nova Iorque. Acho que, se os obrigares a ficar, só vais piorar as coisas. Não dão ouvidos a ninguém, nem querem entrar em qualquer tipo de acordo.

 

Janet tentara resolver a situação da pior forma possível e, agora, estava a pagar a fatura. Encontrava-se dividida entre a lealdade a Adam e a lealdade aos filhos. As duas facções estavam em confronto direto o tempo todo.

 

- Vais mandá-los  de volta no final do ano letivo? - perguntou, em pânico.

 

Não queria perder os filhos. Nem Adam. E este já lhe dissera que pretendia casar logo que o divórcio estivesse assinado e ter um, dois filhos dela. O problema é que não estava a imaginar-se a contar isso aos filhos. Mas trataria disso mais tarde. Agora, eles ameaçavam sair de casa e voltar para junto do pai.

 

- Não sei o que fazer - retorquiu Mark, referindo-se ao ano letivo seguinte. - Depende daquilo que eles quiserem.

 

Janet transformara a sua vida num autêntico inferno e Mark quase sentia pena dela. Mas também se encontrava dividido relativamente ao que sentia. Ela quase o matara de desgosto ao deixá-lo, e o pior de tudo era que ainda a amava, mas não se atrevia a dizer-lhe. Janet vivia completamente obcecada por Adam, o suficiente para destruir, não só o casamento, mas também a sua relação com os filhos. Aos olhos de Mark, ela não ganhara com a troca. Ele nunca teria preterido os filhos em relação ao que quer que fosse, e eles sabiam-no. Era por isso que queriam voltar a viver com ele.

 

- Podes inscrevê-los na antiga escola? -- perguntou Janet, limpando uma lágrima. Nunca imaginara chegar a uma situação daquelas.

 

- Não sei. Talvez. Vou tentar. ---

 

- A tua casa tem espaço que chegue?

 

Estava praticamente resignada à idéia. Via que não tinha outra alternativa, a não ser que deixasse de se encontrar com Adam, ou que o escondesse dos filhos, e ele nunca lhe permitiria tal coisa.

 

- É a casa ideal para eles - asseverou Mark. Descreveu o Chalé e todo o espaço envolvente. Janet ouvia e chorava. Sabia que iria sentir-se infeliz sem os filhos, mas esperava que o tempo passado com o pai os acalmasse e os levasse a encarar a situação com outros olhos, quando voltassem para Nova Iorque. - Vou ver o que posso fazer. Depois telefono-te.

 

Depois de falar com Janet, os dois miúdos assaltaram-no de imediato, querendo saber os termos do acordo a que os pais haviam chegado.

 

- Não há nada de concreto. Veremos o que se pode fazer. Nem sequer sei se vocês podem voltar para a escola. E, aconteça o que acontecer, quero que sejam simpáticos com a vossa mãe. É uma situação muito dolorosa para ela, que os adora.

 

- Se ela gostasse de nós, teria ficado contigo - respondeu Jessica, com aspereza, os olhos a transbordar de rancor.

 

A bonita adolescente, de cabelos louros, tinha o coração dilacerado. E Mark esperava que a situação não viesse a afetá-la negativamente no futuro. Não queria que o divórcio destruísse as crianças.

 

- As coisas não funcionam assim, Jess - retorquiu, com ar triste. - As pessoas mudam... as vidas mudam... nem sempre podemos ter aquilo que pensamos ter, ou fazer aquilo que dissemos que faríamos. A vida dá muitas voltas.

 

Mas eles não estavam dispostos a dar-lhe ouvidos. Continuavam furiosos com a mãe e o namorado.

 

Nessa noite, Mark apanhou o avião de regresso à Califórnia, e passou a semana seguinte em negociações com a escola, para que esta aceitasse de novo os seus filhos. Haviam saído há menos de três meses e freqüentavam uma excelente escola em Nova Iorque, por isso, não havia qualquer problema relativamente a matéria não lecionada. No final da semana, a escola autorizou a transferência. O resto era simples. A única coisa que tinha a fazer era contratar uma baby-sitter, para tomar conta deles enquanto estivesse a trabalhar, e ele os levaria às atividades desportivas, ao fim da tarde. Telefonou para Janet no fim-de-semana.

 

- Está tudo resolvido. As crianças podem regressar à escola na segunda-feira, se quiserem, mas achei que gostarias de os ter aí mais uma semana, para poderem fazer as pazes. Manda-os vir quando quiseres.

 

- Obrigada, Mark. Obrigada por tudo. Acho que não mereço tanto. Vou ter tantas saudades deles... - respondeu Janet, começando a chorar novamente.

 

- Eles também vão ter saudades tuas. Quando já não estiverem chateados contigo, talvez queiram regressar à escola de Nova Iorque, depois das férias.

 

- Não sei. Eles são tão peremptórios quando falam do Adam... e ele tem dificuldade em lidar com adolescentes, sobretudo porque nunca teve filhos.

 

Do ponto de vista de Mark, a situação não era brilhante. Janet nunca soubera lidar com o stresse, e Mark sempre tivera de resolver as situações mais delicadas. Mas, neste caso, Janet conduzira as coisas à sua maneira, e o resultado estava à vista.

 

Quando, no domingo, informou os filhos de que podiam partir, eles nem sequer se preocuparam em fingir que tinham pena de a deixar. Ficaram radiantes e Jessica começou a fazer as malas meia hora depois. Por vontade deles, teriam partido logo no dia seguinte, mas Janet insistiu para que ficassem mais uma semana. Contou-lhes que voltariam para Nova Iorque no Verão. Ela e Adam já haviam chegado a acordo para se casarem em Julho, quando o processo de divórcio estivesse concluído, mas não lhes disse nada. Receava que não voltassem se lhes desse a notícia. Teria de pensar numa forma de o fazer mais tarde.

 

Janet passou toda a semana mergulhada numa profunda amargura, sabendo que os filhos iam deixá-la. No sábado seguinte, colocou-os num avião rumo à Califórnia. Mark resolvera não contratar uma baby-sitter. Fizera um acordo com a governanta do seu senhorio. Ela tomaria conta deles. E seria Mark a levá-los às atividades desportivas, encurtando o dia de trabalho, se necessário fosse. Os filhos mereciam um esforço da sua parte.

 

Foi com ar destroçado que Janet se despediu dos filhos, abraçando-os ternamente. Jason ainda hesitou durante um bom bocado. Mesmo não querendo ficar, sentia pena da mãe. Jessica nem sequer se deu ao trabalho de olhar para trás, depois de se despedir da mãe com um beijo. Mal via a hora de chegar à Califórnia para se encontrar com o pai.

 

Quando as crianças chegaram, foi num clima de incontido júbilo que se deu o reencontro. Mal o viram, correram para ele, radiantes de felicidade. Foi com os olhos marejados de lágrimas que abraçaram Mark. As coisas estavam a melhorar para ele. Perdera Janet, talvez até por culpa sua, mas agora já tinha os filhos consigo. Era tudo o que queria na vida.

 

O horário de trabalho de Alex era um mundo completamente novo para Cooper Winslow. Nunca conhecera uma mulher como ela. Chegara a andar com executivas, com advogadas, mas nunca com uma médica. E muito menos estagiária. Quando saíam juntos, iam a pizzarias, a restaurantes de comida rápida ou chineses, ao cinema, e quase todos os seus encontros eram interrompidos por telefonemas do hospital. Alex nada podia fazer. Era por isso que a maioria dos estagiários não tinha vida pessoal e muitos deles saíam com colegas. Sair com uma estrela de cinema era uma experiência inteiramente nova para ela. Mas tinha pouco tempo e procurava geri-lo da melhor forma possível. Coop fazia o melhor que podia para se adaptar a esta nova realidade. Andava entusiasmadíssimo e a maior parte do tempo nem se lembrava de que ela era rica. De vez em quando, lá lhe ocorria a idéia, mas a fortuna de Alex não passava de um pequeno pormenor que embelezava ainda mais o embrulho. Era como o laçarote vermelho num presente de Natal. No entanto, procurava não pensar nisso. A única coisa que o preocupava era o que os pais de Alex poderiam pensar dele. Até ao momento, não se atrevera a discutir o assunto com ela.

 

As coisas avançavam a um ritmo lento, em parte devido ao elevado número de horas de trabalho de Alex, e em parte por ela já se ter escaldado uma vez. Mostrava-se cautelosa, não queria cometer outro erro e não tinha intenção de que as coisas com Coop se precipitassem. Ele beijara-a quando saíram juntos pela quinta vez, mas ficaram por aí, e ele também não a pressionou. Era, não só perspicaz, como muito paciente. Só iria para a cama com Alex quando ela lho pedisse. Sabia, instintivamente, que, se a pressionasse, ela poderia ficar de pé atrás, e não queria que isso acontecesse. Estava disposto a esperar. A sua paciência não tinha limites.

 

Entretanto, Charlene nunca mais dera sinal de vida. Durante duas semanas não atendera os seus telefonemas, e ela deixara de ligar. Até Paloma aprovava a relação com Alex.

 

Mas sentia pena da jovem e perguntava-se se ela saberia onde ia meter-se, embora Coop, desta vez, andasse a portar-se bem. Quando não estava com Alex, passava as noites em casa, a ler argumentos para filmes, ou saía com amigos. Foi a outro jantar em casa dos Schwartz, mas Alex não pôde comparecer por se encontrar trabalhando. Não perguntou por ela e achou melhor não dizer a ninguém que andavam a sair juntos. Queria mantê-la afastada de possíveis escândalos. Sabia que ela detestaria aparecer nas primeiras páginas dos tablóides. Alex conhecia a reputação de playboy de Coop, mas ele preferia não tocar nesse assunto.

 

Além disso, nos lugares onde costumavam jantar, nunca despertariam a atenção dos jornais. Coop ainda não a levara a um restaurante de luxo, simplesmente porque ela não tinha tempo ou energia para uma noite de algum requinte. Estava sempre a trabalhar. A primeira ida ao cinema foi uma vitória. E Alex adorava ir até o Chalé aos fins-de-semana, quando estava de folga. Nadava na piscina e, uma noite, até fez o jantar, depois nem sequer o provou, pois teve de sair apressadamente para o hospital. Já estava habituada. Coop é que tinha alguma dificuldade em se adaptar a essa realidade. Não fazia a menor idéia daquilo em que estava a meter-se. Mas parecia-lhe um bom desafio, e ela era tão bela e inteligente que os obstáculos e os inconvenientes pareciam valer a pena.

 

Alex adorava conversar com Mark, quando o encontrava na piscina. Ele falava muito dos filhos e, certa noite, até lhe contou os seus problemas com os filhos e com Janet... e Adam. Confidenciou-lhe que não queria que eles gostassem do homem que destruíra o seu casamento, mas, ao mesmo tempo, não queria ver os filhos infelizes. Alex sentia pena de Mark e gostava de falar com ele.

 

Via-o mais vezes do que a Jimmy, que devia trabalhar quase tanto como ela. Passava muitas noites em visitas a lares de acolhimento e era treinador de uma equipa de softball Mas Mark falava sempre dele como um tipo legal e chegou a contar a Alex o que sabia de Maggie, deixando-a de coração destroçado. No entanto, quando se encontrava com ela, Jimmy nunca falava da esposa. Mantinha-se calado a maior parte do tempo, parecendo pouco à vontade com as mulheres. Detestava ser outra vez um homem descomprometido. No seu coração, continuava casado. Entretanto, Alex apercebera-se de que Mark e Jimmy eram inquilinos de Coop, que nunca admitira tal fato, embora ela também nunca o houvesse questionado sobre o assunto. Achava que não tinha nada a ver com isso.

 

Três semanas após terem começado a sair juntos, Coop convidou Alex para passarem um fim-de-semana fora. Ela respondeu que iria ver se conseguia arranjar tempo, embora duvidasse, e ficou espantada ao descobrir que era possível. A sua única condição era terem quartos separados no hotel. Ainda não estava preparada para lhe entregar aquilo que de mais íntimo possuía. Queria dar tempo ao tempo, e ir com calma, mas a atração que sentia por ele era cada vez maior. E disse a Coop que seria ela a pagar o seu quarto. Iriam para uma estância balneária que ele conhecia no México. Alex ficou excitadíssima com a idéia. Desde que começara o internato, ainda não tivera férias, além disso, adorava viajar. Dois dias de sol e divertimento seriam como o céu. E o fato de irem para o México evitaria qualquer mexerico por parte dos tablóides. Era uma ingenuidade da sua parte, mas Coop não a desenganou: pretendia levá-la para longe, e não queria desencorajá-la de ir por causa dos mexericos da imprensa. O seu único desejo era que tudo corresse de forma simples e agradável.

 

Partiram numa sexta-feira à noite, e o hotel era ainda mais luxuoso do que ele lhe garantira. Os quartos, contíguos, tinham uma enorme sala de estar, terraço, piscina privativa e uma pequena praia, também privativa. Ao fim da tarde, iam até à cidade, faziam compras e sentavam-se nas esplanadas a beber margaritas. Parecia que estavam em lua-de-mel. Na segunda noite, tal como Coop esperava, Alex seduziu-o. Nem sequer estava bêbeda quando o fez. Era um desejo incontrolável. Estava ficando apaixonada. Nenhum outro homem fora tão meigo e tão gentil consigo. Não só era uma companhia maravilhosa e um grande amigo, como o amante perfeito. Cooper Winslow sabia lidar com as mulheres. Sabia o que queriam, o que gostavam de fazer, como gostavam de ser tratadas e do que precisavam. Alex nunca gostara tanto de fazer compras com outra pessoa como com Coop, nem falara com tanta franqueza e rira tanto nem recebera tantos mimos. Nunca conhecera ninguém assim.

 

Também ficou surpreendida com a quantidade de autógrafos que o velho ator deu, assim como com o número de pessoas que parava para o fotografar. Parecia que o mundo inteiro o conhecia. Mas não tão bem como ela. Pelo menos, era a sensação que tinha. Coop dava mostras, por mais surpreendente que isso pudesse ser, de querer partilhar com ela não só a sua vida e história, mas também os seus segredos mais íntimos. O mesmo acontecia com Alex. Estava a abrir-se completamente com ele.

 

- Que irão os teus pais pensar de nós? - perguntou Coop, depois de terem feito amor pela primeira vez.

 

Fora uma experiência inolvidável. Sentaram-se na piscina, completamente nus, ao luar, enquanto se ouvia música ao longe. Fora a noite mais romântica da vida de Alex.

 

- Só Deus sabe. O meu pai nunca gostou de ninguém na vida, nem sequer dos filhos nem da minha mãe. Desconfia de toda a gente. Mas não estou a imaginá-lo a não gostar de ti, Coop. És um homem respeitável, de boa família, delicado, inteligente, charmoso e, além disso, bem-sucedido. O que é que ele pode ter contra ti?

 

- Pode não gostar da nossa diferença de idades.

 

- É possível. Mas, às vezes, pareces mais novo do que eu.

 

E beijaram-se de novo. Coop só não lhe disse que também havia uma diferença nas respectivas situações financeiras, que ela era solvente e ele não. Custava-lhe admiti-lo. Não era uma realidade que encarasse com muita freqüência. Porém, era bom saber que Alex não dependia financeiramente dele. Fora sempre um problema com que se debatera. Nunca quisera comprometer-se a casar quando a sua situação financeira não era estável e, a maioria das vezes, não era. Mesmo quando tinha dinheiro, ele esfumava-se num instante. Não precisava de ajuda para gastar, e muitas das mulheres com quem andara haviam-lhe ficado extremamente caras. Alex não, tinha o seu próprio dinheiro, por isso, não haveria problema. Pela primeira vez na vida, estava a pensar seriamente em casar-se. Era algo ainda muito vago, muito distante, mas que já não o amedrontava tanto. Para seu próprio espanto, já se conseguia ver casado com Alex, sem precisar do Dr. Kevorkian1 para celebrar o matrimônio. Sempre achara que preferia o suicídio ao casamento, se bem que os considerasse a ambos letais e sinônimos. Porém, com Alex, tudo era diferente. E foi isso mesmo que lhe disse, na mágica noite mexicana, enquanto a beijava.

 

- Ainda não cheguei aí, Coop - disse Alex, com voz meiga, sempre franca com ele.

 

Amava-o, mas não queria criar-lhe falsas ilusões. Ainda não se sentia preparada para o casamento, tanto por causa da carreira de médica, como pelo trauma de ter sido abandonada pelo noivo quando estava prestes a subir ao altar. Não queria passar por outra desilusão, apesar de Cooper não ser homem para lhe fazer essa afronta.

 

- Também ainda não cheguei aí - murmurou Cooper. Mas, pelo menos, já não fico com herpes ao pensar no assunto. Acho que estou a melhorar.

 

Alex gostava do fato de ambos encararem cautelosamente a questão do casamento. E tanto assim era que ele nunca casara. Quando ela lhe perguntou porquê, respondeu-lhe que nunca encontrara a mulher certa. Mas, agora, acreditava que sim. Alex era uma mulher com quem valia a pena viver até ao fim da vida.

 

Foi um fim-de-semana mágico. No vôo de regresso, vinham ambos com um ar perdidamente apaixonado e cheios de pena por terem de se separar.

 

- Queres passar a noite comigo? - perguntou Coop, enquanto a levava para casa. Alex ficou pensativa, indecisa.

 

- Querer, queria. Mas não sei se devo. - Continuava a querer avançar com muita cautela. Tinha medo de se acostumar e que, depois, algo corresse mal, deitando tudo a perder. - Mas vou sentir imensas saudades tuas, esta noite.

-Também eu. - Coop sentia-se outro homem. E insistiu em levar as malas dela até ao apartamento. Nunca lá estivera, e ficou chocado e perplexo ao ver as pilhas de roupa, os livros de Medicina espalhados pelo chão e o banheiro sem o mínimo de condições.

1 Médico adepto da eutanásia. (N. do T.)


 Sabonete, papel higiênico e toalhas foi tudo o que viu. A mobília era escassa, não havia cortinas nem tapetes, e a decoração era nula.

 

- Por amor de Deus, Alex, isto parece uma barraca. Alex nunca se dera ao trabalho de decorar o apartamento. Não tinha tempo, e também nunca se preocupara com isso. Só lá ia dormir. - Se alguém vir o estado em que tens o apartamento, ainda te condena. - Ao olhar para aquele caos, Coop não podia fazer outra coisa senão rir. Uma mulher tão requintada e tão delicada, e apenas se preocupava com a atividade médica. Já vira postos de gasolina com aspecto bem mais convidativo. - Acho que o melhor que tens a fazer é pegares num fósforo, deitares fogo a esta tralha toda e mudares imediatamente para minha casa.

 

Mas sabia que ela não o faria. Era demasiado cautelosa e independente. Porém, apesar da cama por fazer e do ar lúgubre do apartamento, passou a noite com ela e levantou-se ao mesmo tempo, às seis da manhã. Quando chegou ao Chalé, as saudades eram muitas. Nunca sentira nada semelhante por mulher alguma.

 

Ao fim da manhã, quando entrou no quarto e viu o ar de felicidade estampado no rosto de Coop, Paloma ficou intrigada. Começava a desconfiar que ele estava mesmo apaixonado pela jovem médica. Quase sentiu desejo de gostar mais dele. Afinal de contas, talvez Coop tivesse coração.

 

Durante toda a tarde, Coop cumpriu uma série de compromissos, entre os quais o de posar para a capa da GQ. Eram seis horas quando chegou a casa e ficou a saber que Alex ainda estava a trabalhar. Ficaria no hospital até à manhã seguinte. Tinha de fazer os turnos dos colegas que a haviam substituído quando da viagem ao México, trabalhando durante vários dias.

 

Coop acabara de se instalar na biblioteca com um cálice de champanhe na mão, depois de pôr um disco a tocar, quando ouviu um barulho pavoroso junto à porta principal. Parecia o som de uma metralhadora ou de uma série de explosões, dando a impressão de que parte da casa estava a desmoronar-se. Saltou do sofá e foi espreitar à janela. A princípio,  não vislumbrou nada. Só ao fim de alguns instantes é que deu pela presença de um garoto. O pequeno diabrete descia os degraus de mármore em cima de um skate, fazendo uma série de piruetas. Coop precipitou-se para a porta e abriu-a de supetão, com ar furioso. O mármore encontrava-se ali desde 1918, imaculado, e o jovem delinqüente iria destruí-lo com o skate.

 

- Que raio é que pensas que estás  fazendo? Vou chamar a polícia se não saires daqui dentro de três segundos. Como é que entraste na propriedade?

 

Os alarmes deveriam ter soado quando ele saltara o portão. Coop não conseguia imaginar outra forma de ele chegar até ali. O garoto ficou parado  olhando para o velho ator, aterrorizado e, ao mesmo tempo, espantado.

 

- O meu pai vive aqui - conseguiu balbuciar, numa voz entrecortada, com o skate apertado contra o peito.

 

Nunca lhe passara pela cabeça que pudesse estragar o mármore. Só achara o lugar ótimo para andar de skate e estava se divertindo muito, quando Coop abriu a porta e gritou com ele, ameaçando mandá-lo prender.

 

- O que é que queres dizer com isso de o teu pai viver aqui? Eu é que vivo aqui e, graças a Deus, não sou teu pai! retorquiu Coop, ainda furioso. - Quem és tu?

 

-Jason Friedman. - O pequeno parecia tremer e deixou cair o skate com tal estardalhaço que ambos deram um pulo. - O meu pai vive na ala de hóspedes.

 

Chegara na noite anterior, de Nova Iorque, com a irmã. E adorava o lugar. Passara a tarde toda a explorar a propriedade, depois de regressar da escola. Na noite anterior, Mark apresentara-os, a ele e à irmã, a Jimmy. Jason só sabia da existência de Coop por referências que o pai lhe fizera. Além disso, quando chegaram, Coop encontrava-se no México. E, para complicar ainda mais a situação, Jason olhou para Coop e acrescentou:

 

- E agora também vivo aqui com a minha irmã. Chegamos ontem, de Nova Iorque.

 

Só não queria ser preso. Estava disposto a dar todas as informações possíveis e imaginárias para evitar que isso acontecesse.

 

- O que é que queres dizer com isso de ”viveres” aqui? Até quando é que vais aqui ficar?

 

Coop queria saber por quanto tempo teria de suportar a presença do inimigo dentro das suas fronteiras. Lembrava-se, vagamente, de Liz lhe haver dito que Mark tinha filhos que viriam visitá-lo, de tempos a tempos, mas só durante alguns dias, e muito raramente.

 

- Deixamos a nossa mãe em Nova Iorque e viemos viver com o nosso pai. Detestávamos o namorado dela.

 

Eram mais informações do que aquelas que, em condições normais, disponibilizaria, e Coop estava começando a ficar assustado.

 

- Estou certo de que ele também te detestaria, se andasses com o skate nos degraus de mármore. Se voltares a andar aqui com o skate, sou eu que te dou umas chicotadas.

 

- O meu pai não deixaria - respondeu Jason, em tom ameaçador. Já chegara à conclusão de que o homem era maluco. Sabia que se tratava de uma estrela de cinema, mas, primeiro, ameaçara mandá-lo prender, e, agora, ameaçava chicoteá-lo.

 

- E o senhor acabaria por ir parar na cadeia. De qualquer modo, desculpe. Não os estraguei.

 

- Mas podias ter estragado. Com que então, acabaste de te mudar para aqui... - Era a pior notícia que poderia ter recebido e esperava que o rapaz estivesse mentindo. - O teu pai não me disse que vocês vinham para morar aqui.

 

- Foi uma decisão de última hora, por causa do namorado da minha mãe. Chegamos ontem e voltamos para a nossa antiga escola. A minha irmã já está no secundário.

 

- A notícia não é muito animadora. - Coop olhava-o com ar angustiado. Isto não podia estar a acontecer-lhe. Aqueles dois garotos não podiam ter vindo viver na ala de hóspedes. Teria de lhes mover uma ação de despejo. E o mais rapidamente possível, antes que lhe deitassem fogo à casa, ou lhe estragassem qualquer coisa. Ia chamar o advogado.

 

 Vou falar com o teu pai - anunciou, em tom ameaçador. - E dá-me isso! - ordenou, estendendo o braço na direção do skate.

 

Mas Jason recuou, determinado a não lhe entregar. Era propriedade sua e trouxera-o de Nova Iorque.

 

-Já lhe pedi desculpa.

 

- Disseste muitas coisas, a maior parte das quais acerca do namorado da tua mãe.

 

Do alto das escadas, Coop fitava o rapaz com ar imperial. Era um homem alto, e Jason encontrava-se no fundo das escadas. Do lugar onde estava, Coop parecia um gigante.

 

- É um cara de cu. Detestamo-lo - apressou-se Jason a dizer do namorado da mãe.

 

- É uma situação complicada. Mas isso não lhes dá o direito de vir morar na minha casa. Diz ao teu pai que quero falar com ele, amanhã de manhã.

 

E voltou para casa, fechando a porta com estrondo, enquanto Jason regressava à ala de hóspedes, onde contou ao pai uma versão ligeiramente diferente do seu encontro com Coop.

 

- Não devias andar nos degraus com o skate, Jason. É uma casa velha e podias tê-los estragado.

 

- Pedi-lhe desculpa. Mas ele parecia que estava aparvalhado.

 

- É um tipo legal. Só que não está habituado a ter garotos aqui. Com ele, temos de levar as coisas com calma.

 

- Ele pode pôr-nos na rua?

 

- Acho que não. Seria discriminação. A não ser que faças um disparate qualquer e lhe dês motivo para despejo. Faz-me um favor: tenta não fazer disparates.

 

As crianças adoravam a propriedade. E Mark estava deliciado por as ter consigo. Na escola, haviam tido uma recepção espetacular por parte dos velhos amigos. Jessica estava ao telefone com alguém que conhecia. Mark fizera o jantar. Nessa tarde, apresentara-os a Paloma, que os adorou. O mesmo não se poderia dizer do patrão, que ainda não sabia que, de vez em quando, nos seus tempos livres, ela lavava a roupa a Mark, além de dar uma mãozinha na limpeza da ala de hóspedes.

 

Depois de bater com a porta, Coop encheu um copo de bebida forte e ingeriu-a de um só gole. Sentou-se e enviou uma mensagem para o bipe de Alex. Cinco minutos depois, ela telefonou-lhe. Pelo tom de voz, Alex apercebeu-se, de imediato, que algo de grave acontecera.

 

- A minha casa foi invadida por extraterrestres! - explicou Coop, numa voz tão trêmula que nem parecia ele.

 

-- Estás bem? - Parecia preocupada.

 

- Não, não estou. Os filhos do Mark mudaram-se para cá. Só conheci um deles e deu para perceber que é um delinqüente juvenil. Vou começar a tratar da ação de despejo imediatamente. Só que, até lá, sou capaz de ter um esgotamento nervoso. O miúdo estava a andar de skate na escadaria principal, a fazer piruetas em cima do mármore.

 

Alex riu-se e ficou aliviada por não ser nada de grave. Mas Cooper falava como se a casa tivesse desabado.

 

- Acho que não podes pô-los na rua. Há uma série de leis que protegem as pessoas que têm crianças - retorquiu Alex, divertida com o estado de irritação de Coop. Ele não gostava mesmo nada de crianças, como confessara. - Isso quer dizer que não vamos ter filhos, não é?

 

Alex tentava provocá-lo e Coop pensou, de imediato, que esse fato poderia ser um obstáculo importante para ela: era suficientemente nova para querer filhos. No entanto, fosse como fosse, não estava com disposição para pensar nisso agora.

 

- Podemos, naturalmente, discutir esse assunto - respondeu Cooper, esforçando-se por ser razoável. - Os teus filhos seriam civilizados. Os do Mark não são. Pelo menos, este não é. Diz que a irmã está no secundário. Se duvidar fuma crack e passa droga na escola.

 

- Também não devem ser assim tão maus como isso, Coop. Quanto tempo é que vão ficar aí?

 

- Parece que para sempre. Amanhã de manhã vou telefonar ao Mark e perguntar-lhe.

 

- Bem, vê lá se não deixas que isso te enerve. Mas já estava nervoso.

 

- Vou tornar-me um alcólatra. Acho que sofro de alergia a pessoas com menos de vinte e cinco anos. O Mark que não pense que pode ter os miúdos aqui  vivendo com ele. E se eu não puder pô-los na rua?

 

- Faremos o melhor que pudermos para lhes ensinar as regras da boa educação.

 

 É muito boa vontade da tua parte, meu amor. Mas algumas pessoas não conseguem aprender. Disse-lhe que o chicoteava se voltasse a vê-lo a andar de skate nos degraus, e ele retorquiu que me mandava para a cadeia.

 

O primeiro encontro entre os dois não correra da melhor forma, mas ameaçar o garoto de que o chicotearia não fora politicamente correto.

 

- Basta dizeres ao Mark que não os queres ver por perto. Ele é boa pessoa e, com certeza, vai entender.

 

No dia seguinte, quando Coop lhe telefonou, Mark pediu imensas desculpas por qualquer incômodo que Jason pudesse ter causado. Explicou ainda as circunstâncias que haviam motivado a vinda dos filhos para junto de si, e acrescentou que os filhos voltariam outra vez para Janet, no final do ano letivo. Apenas ficariam ali três meses, no máximo.

 

Para Coop, aquelas palavras soaram-lhe como uma sentença de morte. A única coisa que queria ouvir era que eles partiriam no dia seguinte. Mas não havia a mínima hipótese de que isso viesse a acontecer. Mark deu a sua palavra de honra de que os filhos se portariam bem, e Cooper teve de resignar-se à idéia de viver, lado a lado, com as crianças. Sabia que não tinha alternativa.    Telefonara ao advogado antes de falar com Mark, e Alex tinha razão. Ficara com Jason e Jessica atravessados na garganta, e nem sequer a carta de desculpas que Mark obrigou Jason a escrever lhe amoleceu o coração. Estava furioso. Não dirigia uma escola, nem um orfanato, nem uma associação de escoteiros, nem um parque de skate. Queria ver as crianças a milhas da sua casa e da sua vida. Só esperava que o romance da mãe deles acabasse rapidamente e que voltassem para junto dela o mais depressa possível.

 

Depois do seu primeiro desentendimento com Cooper, Mark disse a Jason para nunca se aproximar da ala principal da casa, e só andar de skate junto à entrada da propriedade. Jason viu Coop entrar umas quantas vezes, mas não houve mais nenhum incidente, pelo menos durante as duas primeiras semanas. Jason e Jessica andavam felizes por estarem novamente em Los Angeles com os velhos amigos, adoravam a escola e achavam que o novo lar era ”fixo”, apesar do senhorio rabugento. Coop continuava a não conseguir ver os garotos com bons olhos, mas tanto a corretora imobiliária como os advogados lhe tinham dito que não havia nada a fazer. A legislação contra a discriminação de crianças era rígida. Além disso, Mark avisara-o de que os filhos viriam visitá-lo de tempos a tempos. Tinha direito a viver ali com eles, apesar de agora estarem a morar permanentemente consigo. Coop não tinha outra alternativa senão habituar-se à idéia, e queixar-se quando eles fizessem qualquer coisa de errado. Mas além de Jason usar a escadaria principal como rampa de skate no primeiro dia, até ao momento, não houvera quaisquer outros problemas.

 

Mas, no primeiro fim-de-semana que Alex passou na casa com Coop, acordaram ambos ao meio-dia, com uma barulheira infernal, vinda da piscina. Era como se lá estivessem umas quinhentas pessoas, aos gritos umas com as outras. Em fundo, música rap em altos berros. Alex não conseguiu evitar um sorriso ao ouvir as letras. Eram de um vernáculo atroz, mas muito divertidas e irreverentes, sobre os adultos e aquilo que os jovens pensavam deles. Uma mensagem para Coop.

 

- Oh, meu Deus, o que está acontecendo? - perguntou o velho ator, horrorizado, enquanto levantava a cabeça da almofada.

 

- Parece uma festa - respondeu Alex, com um bocejo, enquanto se espreguiçava e se aninhava a seu lado.

 

Trocara quatro turnos para estar ali, e as coisas pareciam ir bem entre os dois. Coop tentava  adaptar-se à vida atarefada de Alex. Há anos que não gostava tanto de uma mulher. E apesar da considerável diferença de idades, Alex sentia-se bem na sua companhia. Coop parecia muito mais novo e interessante do que muitos homens da idade dela.

 

- Devem ser novamente os extraterrestres. Acho que acabou de aterrissar outro OVNI. - Cooper mal se apercebera da presença dos adolescentes nas últimas três semanas, dando a impressão de que Mark estava  conseguindo mantê-los sob apertado controle... até essa manhã. E ainda não sabia que Paloma fazia as vezes de baby-sitter de vez em quando. - Devem ser surdos. Aquilo deve ouvir-se em Chicago. - Saiu da cama e foi à janela ver o que se passava. - Oh, meu Deus, Alex, são aos milhares!

           

Alex pulou da cama e foi ver também. Havia vinte ou trinta adolescentes a rir, aos berros e a atirar coisas, na piscina.

 

- Deve ser a festa de aniversário de um deles.

 

Alex adorava ver jovens de ar são e feliz a divertir-se. Depois de todas as cenas de agonia e tragédia a que assistia no seu quotidiano, achava aquele quadro de alegria perfeitamente normal. Porém, a seu lado, Coop estava horrorizado.

 

- Os extraterrestres não fazem anos, Alex. Nascem nas alturas mais inconvenientes, e depois, vêm para a Terra para partirem tudo o que lhes aparece pela frente. Foram enviados para destruírem a nossa raça e o planeta Terra.

 

- Queres que vá lá pedir-lhes para desligarem a música? Prontificou-se Alex, ao ver que Coop estava mesmo transtornado. Adorava ter uma vida tranqüila e ordenada, e gostava que tudo se mantivesse bonito e elegante à sua volta.

 

- Seria ótimo.

 

Alex vestiu umas calças e uma T-shirt, e enfiou umas sandálias. Estava um lindo dia de Primavera e ela prometeu fazer o pequeno-almoço assim que voltasse. Entretanto, Coop foi tomar uma ducha. Exibia sempre um aspecto impecável, mesmo quando acordava. Ao contrário de Alex, que acordava de cabelos desgrenhados e ar cansado, como se tivesse sido arrastada por um cavalo durante toda a noite. Porém, tinha a vantagem de ser jovem. E até parecia uma garota, quando saiu porta fora, para ir transmitir a mensagem de Coop.

 

Ao chegar à piscina, viu que Mark também lá se encontrava. Jessica estava no meio de raparigas de biquíni e monoquíni, às risadas e aos gritinhos. Os rapazes estavam na onda deles, sem ligarem às garotas, enquanto Mark tentava organizar um jogo de pólo na piscina.

 

- Olá! Como vai? Já não a via há um tempinho cumprimentou Mark, com ar prazenteiro, ao avistar Alex.

 

Começara a interrogar-se se Coop já deixara de andar com ela. Há semanas que as coisas se mantinham relativamente calmas por aqueles lados.

 

- Tenho andado a trabalhar. Que se passa aqui? Festa de aniversário?

 

- Foi a Jessie que quis juntar os velhos amigos e celebrar o seu regresso a Los Angeles.

 

Jessica estava extasiada por ter voltado para junto do pai e, de momento, recusava-se a falar com a mãe, para consternação de Mark, que não conseguia convencê-la a mudar de idéia. Este continuava a pedir um pouco mais de paciência a Janet, mas Jessica mantinha-se relutante. Jason ainda mostrava alguma vontade de falar com ela, mas não escondia a sua alegria por estar vivendo com o pai.

 

- Não queria incomodá-lo, eles estão divertidíssimos desculpou-se Alex -, mas o barulho está incomodando Coop. Acha que eles se importariam de baixar um bocadinho o volume?

 

Mark ficou perplexo, depois esboçou um sorriso, dando-se conta da barulheira que estariam fazendo. Estava tão habituado ao caos que era ter jovens à volta que nem se apercebera. Talvez devesse ter avisado Coop da festa, mas agora receava dizer-lhe o que quer que fosse sobre os filhos.

 

- Peço imensa desculpa. Alguém deve ter aumentado o volume sem eu ter percebido. Sabe como são os garotos.

 

Alex mostrou-se bastante compreensiva e ficou muito mais aliviada ao constatar que eram garotos perfeitamente normais, sem tatuagens ou cabelos à Mohawk. Viam-se muitos de brincos e um ou outro de pieráng no nariz. Mas nenhum com ar assustador. E também não tinham ar de delinqüentes ou de drogados, contrariamente àquilo que Coop lhe dissera. Eram ”extraterrestres” perfeitamente normais.

 

Mark saiu da piscina e foi baixar o som. Alex ainda ficou mais alguns instantes, de sorriso nos lábios, a olhar para as crianças. Reparou que Jessica era uma rapariga muito bonita, com longos cabelos loiros e um corpo bem torneado, e ria descontroladamente no meio de um grupo de amigas, enquanto vários rapazes a apreciavam. Entretanto, viu Jason aproximar-se com Jimmy. Trazia uma luva e uma bola de basebol, e falava animadamente com Jimmy, que acabara de lhe ensinar como fazer um lançamento de precisão infalível, dando um determinado efeito à bola. Era uma técnica que Jason nunca dominara, mas em que Jimmy era especialista.

 

- Olá - cumprimentou Alex, num tom jovial. Por instantes, Jimmy pareceu pouco à vontade, depois, apresentou-a a Jason. Jimmy tinha sempre um ar angustiado. O mesmo ar abalado que Alex via nos olhos dos pais que acabavam de perder os seus bebês. Porém, falando com Jason, parecia mais descontraído do que quando estava com adultos. - Como tem passado? Tem feito bons churrascos ultimamente? - Já não o via desde que Mark quase provocara um incêndio de grandes proporções com o churrasco e ela recebera um bipe para voltar ao hospital. - Foi  um  grande susto!

 

E ambos sorriram, recordando o sucedido. Alex ainda se lembrava nitidamente de Coop a dar autógrafos aos bombeiros, enquanto os arbustos ardiam.

 

- E jantei maravilhosamente bem - retorquiu Jimmy, com um sorriso tímido. - Acho que comemos o seu jantar. Foi pena ter de voltar para o hospital. Mas, se isso não tivesse acontecido, não teríamos jantado. Foi uma noite daquelas! Não tinha uma ressaca assim desde os tempos da faculdade. Na manhã seguinte, só às onze horas é que consegui ir trabalhar. A comida estava excelente, em quantidade e qualidade.

 

- Parece que perdi uma noite bem passada. Centrou a atenção em Jason, perguntando-lhe em que posição jogava. Ele respondeu que era ”entre bases”.

 

-Já faz uns lançamentos muito bons - elogiou Jimmy. E  um bom batedor! Esta manhã, perdemos três bolas que passaram por cima da vedação.

 

- Estou espantada. Eu nem consigo acertar na bola.

 

- A minha mulher também não conseguia - replicou Jimmy, sem pensar. As palavras saíram-lhe da boca antes que pudesse detê-las e Alex apercebeu-se de que o fizeram sofrer. - A maioria das mulheres não consegue nem bater uma bola, nem fazer um lançamento. Têm outras virtudes acrescentou, tentando generalizar o comentário.

 

- Também não sei muito bem se possuo essas outras virtudes - retorquiu Alex, sentindo que fora um momento desconfortável para ele. - Nem cozinhar sei. Mas sei fazer um sanduíche de manteiga de amendoim ótimo e costumo pedir uma pizza espetacular.

 

-Já não é mau. Eu sempre cozinhei melhor do que a minha mulher.

 

Bolas! Lá estava ele outra vez a bater na mesma tecla. Depois de fazer o comentário, mergulhou num profundo silêncio, enquanto Alex conversava com Jason, que desapareceu pouco depois para ir ao encontro da irmã e dos amigos.

 

- São bons garotos - comentou Alex, esforçando-se por pô-lo à vontade.

 

Apercebia-se de que Jimmy atravessava um mau momento e tinha vontade de lhe dizer o quanto lamentava a situação, mas não queria perturbá-lo ainda mais.

 

- O Mark está louco de alegria por  tê-los aqui. Estava mortinho de saudades deles - disse Jimmy, tentando afastar-se do precipício. Estava constantemente a cair no abismo da agonia. Tudo o que dizia ou fazia trazia-lhe Maggie à memória. - Como é que o nosso senhorio está lidando com esta nova situação?

 

- Está fazendo uma terapia de choque sob forte medicação para alterar o humor - afirmou Alex, em tom solene, e Jimmy soltou uma gargalhada. Foi um som maravilhoso, contrastando com o estado de espírito em que ele geralmente se encontrava.

 

- Está assim tão mal?

 

- Está péssimo. Na semana passada, esteve à beira do coma. Estava vendo que tinha de lhe fazer a reanimação cardio-respiratória. Por falar nisso, deixei-o ligado ao ventilador. Acho melhor voltar para  perto dele. Vim aqui pedir aos garotos que baixassem a música.

 

- O que é que vai ser? - indagou Jimmy.

 

- Até agora, tem sido rap, com umas letras muito interessantes. - E esboçou um largo sorriso.

 

- Não, refiro-me ao pequeno-almoço. Manteiga de amendoim ou pizza?

 

- Hummm... é uma questão interessante. Ainda não pensei no assunto. Pessoalmente, optaria por pizza requentada, com donuts ressequidos como sobremesa. Coop tem um gosto mais requintado, por isso, talvez, bacon com ovos.

 

- Consegue desenrascar-se sozinha? - perguntou Jimmy, solícito.

 

Gostava de Alex, achava-a carinhosa e compassiva. Já não se lembrava muito bem do que ela fazia, mas sabia que era algo relacionado com bebês. E parecia-lhe uma profissional competente. Era uma pessoa inteligente e, aparentemente, muito afável. Jimmy ainda não conseguira descortinar o que ela via em Cooper Winslow. Era uma união estranha, mas nem sempre se conseguem explicar as escolhas que as pessoas fazem dos parceiros. Cooper tinha idade suficiente para ser pai dela, e Alex não parecia ser o tipo de mulher com atração pela fama ou pelo glamour. Talvez Coop tivesse mais qualidades do que aparentava. Apesar da noite magnífica que passara com ele, Jimmy não ficara com muito boa impressão do velho ator. Uma pessoa com charme e bem-parecida, sem sombra de dúvida, mas com pouca substância, muito superficial.

 

- Posso chamar o cento e doze para servir o pequeno-almoço? - perguntou Alex, continuando a dar um tom bem-humorado à conversa.

 

- Claro, só tem de mandar a conta a Coop - respondeu Jimmy, com alguma indelicadeza, apressando-se a pedir desculpa. Não tinha a menor razão para ser indelicado com ele. - Desculpe, foi sem querer.

 

- Tudo bem, ele tem imenso sentido de humor, mesmo em relação ao que lhe diz respeito. É uma das coisas que me agrada nele.

 

Jimmy teve vontade de lhe perguntar que outras coisas lhe agradavam, mas não o fez.

 

- Bem, é melhor voltar. Acho que, hoje, não viremos à piscina. Coop nunca encararia este cenário com bons olhos. Teríamos de refrear-lhe os ânimos.

 

E riram-se. Alex acenou a Mark e voltou para a ala principal, onde encontrou Coop com ar petulante, a debater-se com o pequeno-almoço. Deixara queimar os muffins e rebentar as gemas dos quatro ovos, o bacon ficara irreconhecível de tão queimado que estava, e havia suco de laranja espalhado pela mesa.

 

- Afinal, sabes cozinhar! - exclamou Alex, com ar espantado e de sorriso aberto ao deparar com o caos que grassava na cozinha. Não teria feito muito melhor. Era mais desenvolta nos Cuidados Intensivos do que na cozinha. Estou impressionada.

 

- Bem, eu não. Onde diabo estiveste? Pensei que os extraterrestres te tivessem raptado.

 

- São garotos simpáticos, Coop. Não precisas de te preocupar. Estive a falar com o Mark, o Jimmy e o Jason, o filho do Mark. Todos os garotos me pareceram educados e bem-comportados.

 

Coop virou-se para ela, com uma espátula na mão, enquanto os ovos esturricavam na frigideira.

 

- Oh, meu Deus... os marcianos... transformaram-te... és um deles... quem és tu?

 

Coop tinha o mesmo ar aterrorizado de certos filmes de ficção científica.

 

- Ainda sou eu. Eles são simpáticos. Acho que não  deves te preocupar.

 

- Demoraste tanto tempo. Pensei que já tivesses fugido com eles, por isso, fiz eu próprio o meu pequeno-almoço... aliás, o nosso pequeno-almoço - corrigiu, ao mesmo tempo que esboçava um ar apavorado. - Queres ir comer fora? Acho que nada disto está comestível.

 

- Acho melhor pedir uma pizza.

 

- Para o pequeno-almoço? - Coop pôs-se de pé, com a indignação estampada no rosto. - Alex, os teus hábitos alimentares são péssimos! Não te ensinaram nada de nutrição na Faculdade de Medicina? Pizza não é o ideal para o pequeno-almoço.

 

- Desculpa - retorquiu, com ar submisso, pondo mais dois muffins na torradeira. Depois, limpou o suco de laranja espalhado em cima da mesa e encheu mais dois copos.

 

- Isto é trabalho de mulher - declarou Coop, com alívio machista. - Dá-me apenas suco de laranja e café.

 

Porém, cinco minutos mais tarde, Alex fez ovos mexidos, bacon, muffins, suco e café, e levou tudo num tabuleiro até ao terraço, em pratos de porcelana chinesa, copos de cristal, e guardanapos de papel.

 

- A empregada é excelente... o serviço de mesa é que precisa de uns ligeiros retoques... o linho dá sempre um toque simpático quando se usa porcelana chinesa desta qualidade - provocou-a, enquanto pousava o jornal.

 

- Graças a Deus, não usei papel higiênico. É o que fazemos no hospital quando acabam os guardanapos. Combina bem com pratos de papel e copos de plástico. Vou ver se arranjo alguns da próxima vez.

 

- Ouvir isso dá-me um grande alívio - retorquiu Coop, num tom pomposo. Alex conseguia sempre evitar o ar pretensioso, apesar da educação que tivera e do apelido que ostentava. Quando acabaram os excelentes ovos que preparara, Cooper fez-lhe a pergunta em que andava pensando há já algum tempo: - O que é que achas que a tua família vai pensar de mim? Isto é, de nós.

 

Parecia preocupado. Cada dia que passava, sentia que os seus sentimentos por ela eram cada vez mais sérios. Quanto a Alex, pelo menos até agora, gostava de tudo nele, mas ainda era muito cedo para assumir um tipo de relação mais sério. Andavam juntos há pouco mais de um mês e, à medida que se fossem conhecendo melhor, muitas coisas poderiam mudar, muitos problemas poderiam surgir.

 

- Que diferença é que isso faz? Eles não mandam na minha vida, Coop. Eu é que decido com quem passo o meu tempo.

 

- E não têm nenhuma opinião sobre o assunto? É pouco provável.

 

Por aquilo que lera, Arthur Madison tinha opiniões sobre tudo o que se passava no planeta e, de certeza, sobre tudo o que se relacionava com a filha. E Coop também sabia que ele não dizia nem fazia nada com punhos de renda. Era o candidato perfeito para se opor ao envolvimento da filha com Cooper Winslow.

 

- Eu e a minha família não nos damos bem. Mantenho-os a uma certa distância. Essa é uma das razões por que estou aqui contigo. - Os pais haviam-na criticado durante toda a vida, e o pai nunca tivera uma palavra meiga para ela. A sua única irmã fugira com o noivo na véspera do casamento. Havia muito pouca coisa, ou mesmo nenhuma, de que gostasse neles. A mãe era uma pessoa fria, que abdicara de ter vida própria há já vários anos. Deixava o marido fazer e dizer tudo o que lhe apetecia, mesmo que contra os próprios filhos. Alex sempre sentira ter crescido num ambiente familiar desprovido de amor, onde era cada um por si, doesse a quem doesse. E não havia dinheiro ou pergaminhos familiares que alterassem isso. - Eles é que são os extraterrestres de que falas. Vieram de outra galáxia impor o seu modo de vida na Terra. E fazem-no com extrema facilidade: não têm coração, o cérebro é de reduzidas dimensões e processa apenas o óbvio, e têm dinheiro a rodos, que usam, quase exclusivamente, em proveito próprio. O plano de conquistarem o mundo tem corrido relativamente bem. O meu pai é rei e senhor de tudo, e não está se importando com qualquer outro ser humano que não seja ele próprio. Para ser franca, Coop, não gosto deles. E eles também não gostam muito de mim. Nunca entrarei no seu jogo. Por isso, pensem o que pensarem de nós, se acabarem por vir a saber da nossa relação, estou pouco me lixando.

 

- Bem, isso explica muita coisa. - Coop parecia surpreso pela veemência do discurso de Alex. Era fácil perceber o quanto a haviam magoado, especialmente o pai. Coop sempre ouvira dizer que era um homem cruel, sem coração. - Mas, pelo que tenho lido, o teu pai é um filantropo.

 

- Ele tem é um responsável pelas relações públicas. O meu pai só faz doações a causas que lhe possam trazer benefícios ou prestígio. Doou cem milhões de dólares a Harvard. Quem é que quer saber de Harvard, quando há crianças a morrer à fome por todo o mundo e pessoas a morrer de doenças que podiam ter cura? Ele não tem nada de filantropo.

 

Ela sim. Todos os anos doava noventa por cento dos rendimentos que obtinha do fundo fiduciário e gastava apenas o indispensável para viver. Só se permitia pequenos luxos, como o apartamento no Wilshire Boulevard, mas muito raramente. Sentia ter responsabilidades para com o mundo por ser quem era, e fora também por isso que passara um ano a trabalhar no Quénia. Foi também aí que soube que a irmã fizera o enorme favor de lhe roubar o noivo. Ela e Cárter ter-se-iam matado um ao outro. Levara anos a aperceber-se de que ele era tal e qual o pai, e que a irmã era tal e qual a mãe: só lhe importava o nome, o dinheiro, a segurança e o prestígio que o fato de estar casada com uma pessoa importante lhe proporcionava. Não dava a mínima para ele. E a única coisa que Cárter queria era ser o homem mais importante do planeta. O pai só queria saber de si, tal como Cárter. Alex nunca fora muito chegada à irmã, mas há anos que suspeitava que ela não era feliz, e tinha pena dela. Era uma pessoa sem idéias, só, insípida, inútil.

 

- Estás a querer dizer que se aparecer nos tablóides, ou onde quer que seja, que temos um romance, o teu pai não se importa? - indagou Cooper, incrédulo.

 

- Não, não estou. Estou a querer dizer-te que ele, provavelmente,  vai se importar, e muito. Mas eu não estou preocupada com isso. Já sou uma mulher adulta.

 

- Ele, provavelmente, não vai gostar que andes metida com uma estrela de cinema, e ainda por cima com a minha idade.

 

Ou com a sua reputação. Afinal de contas, durante anos, fora um famoso playboy. Alex estava ciente de que até o pai sabia disso.

 

- Possivelmente - retorquiu Alex. - Só tem menos três anos do que tu.

 

A informação de que o pai poderia reagir mal à relação dos dois deixou Coop preocupado. Arthur Madison poderia causar-lhes sérios problemas. Não sabia bem como, mas uma pessoa tão poderosa como ele, geralmente, arranjava maneira de o fazer.

 

- Ele pode deitar a mão ao teu dinheiro? - perguntou, nervoso.

 

- Não - respondeu Alex, sorrindo calmamente, dando a entender que Coop não tinha nada a ver com isso. Mas desconfiava de que ele não queria ser responsável por quaisquer problemas que a família pudesse lhe causar. Era uma doçura da sua parte preocupar-se com essa eventualidade. A maior parte do dinheiro que tenho herdei-o do meu avô. O resto já o meu pai aplicou num fundo irrevogável. E, mesmo que ele metesse a mão no dinheiro, não me importaria. Ganho para o meu sustento. Sou médica. - Era a mulher mais independente que Cooper conhecera. Não queria nada de ninguém, e muito menos dele. Não precisava de Coop, apenas o amava. Nem sequer do ponto de vista emocional estava dependente. Gostava da sua companhia, mas poderia desaparecer a qualquer momento, se preciso fosse. Era uma posição invejável. Jovem, inteligente, livre, rica, bonita e independente. A mulher perfeita. Se bem que Coop a preferisse um pouco mais dependente. Com Alex não tinha quaisquer garantias. Estava com ele por opção própria, até quando muito bem quisesse. - Isso responde a todas as tuas questões? perguntou a Coop, enquanto se inclinava para ele e o beijava, com os longos cabelos escuros caindo-lhe pelos ombros. Parecia uma das adolescentes que estavam na piscina, descalça, de calções e T-shirt.

 

- Por enquanto, responde. Só não quero arranjar problemas entre ti e a tua família. Seria um preço demasiado alto a pagar por um romance.

 

-Já paguei esse preço, Coop - retorquiu, pensativa. Falava como se tivesse estado no inferno, quando a irmã fugiu com o noivo.

 

Passaram o resto do dia de forma agradável. Leram o jornal, apanharam sol no terraço e fizeram amor no meio da tarde. Os adolescentes acabaram por se acalmar e mal se ouviam. Depois de os jovens partirem, Alex e Coop foram dar umas braçadas antes do jantar. Na piscina não se via nada sujo ou fora do lugar. Parecia estar tudo em ordem. Mark fizera um bom trabalho de vigilância, obrigando os jovens a arrumar tudo antes de a festa acabar.

 

Nessa noite, Alex e Coop foram ao cinema. Na bilheteira, várias cabeças se viraram na sua direção, e duas pessoas pediram autógrafos a Coop enquanto ele comprava pipocas. Alex já estava habituando-se a que reparassem neles em todo o lugar, e achava graça quando lhe pediam que se afastasse para fotografarem Cooper, geralmente na companhia de um ou dois elementos dos grupos de pessoas que os abordavam.

 

- É famosa? - costumavam perguntar-lhe com alguma brusquidão.

 

- Não, não sou - respondia, com um sorriso humilde.

 

- Chega-te um bocadinho mais para a frente, por favor pedia Alex, enquanto ria e lhe fazia caretas atrás da máquina fotográfica. Não ficava aborrecida, achava graça e adorava provocá-lo.

 

Depois do cinema, foram comer uma sanduíche e voltaram cedo para casa. Alex tinha de se levantar às seis da manhã, pois precisava de estar no hospital às sete. O fim-de-semana fora magnífico, e ela andava radiante de felicidade. Quando se levantou, teve o cuidado de não o acordar. Coop nem sequer a ouviu sair, e sorriu ao ver o bilhetinho ao lado da máquina de barbear.

 

”Querido Coop, obrigada pelo fim-de-semana maravilhoso... calmo e relaxante... Se quiseres uma fotografia autografada, telefona ao meu agente... falamos logo. Amo-te. Alex.”

 

O engraçado é que Coop também a amava. Nunca esperara que isso acontecesse. Sempre pensara que a atração que sentia se devia ao fato de ela ser diferente das outras mulheres com quem geralmente andava. Era pura, honrada e meiga. Não fazia a menor ideia do que devia fazer. Em circunstâncias normais, teria gozado a relação durante umas semanas ou uns meses e passado à conquista seguinte. Porém, devido ao que Alex representava, e ao que tinha, deu consigo a pensar no futuro. As palavras de Abe não haviam caído em saco roto. Já que ele o queria casado com uma mulher rica, Alex era a mulher perfeita. As vezes, quase desejava que ela não fosse quem era, porque não conseguia esquecer que se tratava de uma das mulheres mais ricas do país. E não sabia ao certo o que teria sentido por ela se Alex não fosse quem era. Esse fato complicava as coisas e dava-lhes mais cor. Coop suspeitava dos seus próprios motivos, mais ainda do que Alex. E, no entanto, apesar de tudo, estava ciente de que a amava, significasse isso o que significasse, ou viesse a significar no futuro.

 

- Relaxa e diverte-te! - disse Coop para a sua própria imagem refletida no espelho, enquanto pegava na máquina de barbear.

 

A sensação de desconforto tinha a ver com o fato de ela o obrigar a questionar-se, a desafiar a sua própria consciência. Amava-a? Ou seria apenas uma jovem muito rica que poderia resolver todos os seus problemas se casasse com ela? Se o pai deixasse. Ainda não estava inteiramente convencido de que Alex não se importava com aquilo que o pai pudesse dizer. Afinal de contas, era uma Madison, o que implicava uma certa responsabilidade no que concerne à escolha de um marido e à gestão do dinheiro.

 

E havia outra questão... os filhos... continuava avesso à idéia de ter filhos, por mais ricos que fossem. Achava que só serviam para dar dores de cabeça. Porém, Alex era muito jovem para desistir da idéia. Ainda não haviam conversado a sério sobre o assunto, mas tinha praticamente a certeza de que ela esperava ter filhos um dia. As idéias ainda estavam muito baralhadas na sua cabeça, assim como na de Alex. E, pior que tudo, não queria magoá-la. Fora uma questão que nunca o preocupara com qualquer uma das mulheres com quem andara. Alex conseguira fazer brotar o que havia de melhor dentro de si, mas ainda não sabia muito bem se iria gostar disso. Ser responsável e respeitável era um fardo muito pesado.

 

O telefone tocou enquanto fazia a barba. Não o atendeu. Sabia que Paloma estava e,m algum lugar na casa, mas, onde quer que estivesse, ignorou-o, e o telefone continuou a tocar. Pensou que talvez fosse Alex, que estava a fazer vários turnos seguidos para conseguir passar o fim-de-semana com ele. Correu para o telefone, ainda com espuma de barbear na cara, e ficou irritado mal ouviu a voz de Charlene.

 

- Telefonei-te na semana passada e não me respondeste acusou-o em tom irado.

 

- Não recebi o recado. Deixaste mensagem no voice mail. - perguntou Coop, limpando o resto da espuma à toalha.

 

- Falei com a Paloma - respondeu Charlene.

 

Só de ouvi-la, Coop estava a ficar com os nervos em frangalhos. A breve ligação que mantivera com ela parecia estar a anos-luz. Tinha um romance respeitável com uma mulher honrada, não estava num circo sexual com uma jovem que mal conhecia. As duas mulheres, e os sentimentos que nutria por elas, pertenciam a mundos totalmente opostos.

 

- Então, está tudo explicado. - Queria que ela desligasse o telefone quanto antes. Não alimentava o menor desejo de voltar a vê-la. E estava grato aos tablóides por nunca terem feito qualquer alusão ao relacionamento, mas também não haviam saído juntos com muita freqüência. Passara a maior parte do tempo com ela na cama. - A Paloma nunca me dá os recados, só quando lhe apetece, e isso não acontece muitas vezes.

 

- Tenho de me encontrar contigo.

 

- Não acho que seja muito boa idéia - disparou Coop, com alguma rudeza na voz. - Aliás, vou partir em viagem esta tarde. - Era mentira, mas tratava-se de uma desculpa que, geralmente, desencorajava as mulheres. - Creio que já não temos mais nada para dizer um ao outro, Charlene. Foi bom, para os dois, mas acabou.

 

Andara com ela apenas algumas semanas, no período que mediara entre Pamela e Alex. Não havia agora motivos para dramas.

 

- Estou grávida!

 

Acreditara que Cooper ia mesmo ausentar-se da cidade e achou melhor dar-lhe a novidade, enquanto tinha oportunidade para isso.

 

Coop mergulhou num longo e pensativo silêncio. Já antes se deparara com situações idênticas, e sempre se haviam resolvido com relativa facilidade. Algumas lágrimas, um pouco de apoio emocional e dinheiro para pagar o aborto. E pronto. Este caso não seria diferente.

 

- Lamento ouvir isso. Não quero ser grosseiro, mas tens a certeza de que é meu?

 

As mulheres detestavam ouvir esta pergunta, mas algumas não tinham mesmo a certeza de quem era o pai. E, no caso de Charlene, a pergunta justificava-se. Coop sabia que ela tivera uma carreira romântica muito ativa antes de andar com ele, e sabe-se lá se durante e depois de a relação terminar.

 

O sexo era o pilar principal da vida de Charlene e o seu principal meio de comunicação. Enquanto para algumas mulheres eram a comida ou as compras que funcionavam como base das suas vidas, para ela, era a atividade sexual. Sentiu-se insultada e respondeu de imediato:

 

- Claro que tenho a certeza que é teu! Achas que te telefonava se não fosse?

 

- É uma pergunta interessante. De qualquer modo, lamento. Conheces um bom médico?

 

A notícia da gravidez pô-lo imediatamente de pé atrás. Estava sentindo-se ameaçado.

 

- Não. Além disso, não tenho dinheiro.

 

- Vou pedir ao meu contabilista que te mande um cheque para cobrir as despesas- Nos dias que corriam, fazer um aborto era relativamente fácil. Noutros tempos, teria sido preciso atravessar a fronteira mexicana ou voar até à Europa. Agora, era uma operação de rotina, como fazer uma limpeza nos dentes, isenta de perigos e pouco cara. - Vou enviar-te o nome de alguns médicos.

 

Este problema não passava de uma pequena onda no oceano da sua vida. Piores coisas poderiam ter acontecido. Como um escândalo público, que, de momento, queria evitar a todo o custo, por causa de Alex.

 

- Estou decidida a ter o bebê! - anunciou Charlene, de chofre.

 

Parecia obstinada, teimosa, perigosa até. A única coisa que Coop queria era proteger a sua vida e a de Alex, e Charlene representava uma ameaça. Nunca o amara. E tudo indiciava que se tratava de chantagem. Era difícil sentir o que quer que fosse por Charlene. Qualquer sentimento protetor que tivesse não era por ela, mas por Alex. Não queria que este pesadelo a atormentasse.

 

  • Não acho que seja boa idéia, Charlene - retorqui Coop, tentando manter as distâncias

    Ela bem poderia ter resolvido a situação sozinha, sem lhe dizer o que quer que fosse. A relação não fora tão prolongada assim. Mas o que a moça realmente queria era arrastá-lo também para o seu drama. Ter um filho de uma estrela de cinema, para algumas mulheres, era não só algo que as atraía, mas também uma forma de pressão para arranjar dinheiro. - Não nos conhecemos assim tão bem. Além disso, és muito nova e bonita para ficares já com um bebê nos braços. Dão uma trabalheira dos diabos.

     

    Era um argumento que fazia sentido e que ele sempre defendera, mas Charlene não parecia ter intenção de recuar. Na verdade, por que razão é que ela quereria ter um filho de um homem que era praticamente um estranho? Só que, neste caso, o estranho chamava-se Cooper Winslow.

     

    -Já fiz seis abortos. Não posso fazer outro, Coop. E, além disso, quero ter o nosso filho. - O nosso filho! Era aí que residia a chave do problema. Charlene estava a pressioná-lo a voltar para ela. E Coop questionou-se se ela estaria mesmo grávida e se isto não passaria de um estratagema para lhe tirar dinheiro. - Quero encontrar-me contigo.

     

    - Também não é uma boa idéia. - A última coisa que Coop queria na vida era ter um encontro histérico com ela. O que Charlene realmente pretendia era tê-lo de volta e fazê-lo sentir que tinha obrigações para com ela, mas o velho ator não estava tentado a isso. Não acreditava que Charlene estivesse sendo sincera e não estava disposto a fazer nada que pudesse deitar por terra a sua relação com Alex. O romance com Charlene durara umas meras três semanas. O que mantinha com Alex poderia durar uma vida. - Não te posso obrigar a fazer o que quer que seja, mas acho que devias fazer o aborto.

     

    Não iria rebaixar-se ao ponto de lhe suplicar que o fizesse. Preferia estrangulá-los aos dois, a ela e ao bebê, caso houvesse algum. Continuava a não acreditar que ela estivesse grávida e, se estava, que não fosse ele o pai.

     

    - Não vou fazer nenhum aborto! - respondeu Charlene, num tom decidido, e começou a chorar. Disse-lhe, então, que o amava muito, que sempre pensara viver com ele até à morte, que achava que Coop também a amava e que não sabia o que iria fazer com uma criança sem pai nos braços.

     

    - A questão é precisamente essa - retorquiu Coop, num tom glacial, determinado a não lhe dar a entender que estava preocupado. - Nenhum filho merece um pai que não o reconhece. Não me vou casar contigo. Nem sequer te quero ver, nem a ti nem ao bebê. Não quero ser pai. Aliás, nunca te dei a entender que te amava. Somos dois adultos que fizemos sexo durante umas semanas e nada mais do que isso. Não confundas as coisas.

     

- Bem, é assim que se fazem os bebês - respondeu Charlene, soltando, de repente, uma risadinha. Coop sentiu-se como se estivesse num filme medíocre e não gostou. - Também é teu filho, Coop - acrescentou, num tom melado.

 

- O bebê não é meu. Nesta altura, não é de ninguém. Não é nada, não passa de uma célula do tamanho da cabeça de um alfinete, e não significa nada. Nem sequer sentirás a sua falta.

 

Coop sabia que o que estava a dizer não era inteiramente verdade, porque os hormônios a fariam acreditar que o amava.

 

- Sou católica!

 

- Também eu, Charlene. Mas, se isso fosse assim tão importante para qualquer um de nós, não teríamos dormido juntos fora dos laços do casamento. Acho que não tens alternativa. Ou adotas uma atitude sensata ou uma atitude pateta. Não vou entrar nesse jogo. Se tiveres esse bebê, será sem o meu apoio ou a minha bênção.

 

Coop queria que ela soubesse, desde o início, que a sua posição era inabalável, e que não devia alimentar qualquer tipo de ilusões.

 

- Mas terás de dar apoio. Está na lei. Além disso, não posso trabalhar enquanto estiver grávida. Não posso fazer passagens de modelos ou entrar num filme com uma barriga enorme. Vais ter de me ajudar. - Coop mal tinha dinheiro para si, quanto mais para ela. - Acho melhor encontrarmo-nos para discutir o assunto. - A voz adquiriu, subitamente, um tom mais animado. Coop desconfiou que Charlene achava que acabaria por convencê-lo a encontrar-se com ela, e até a casar-se, caso tivesse o bebê. Odiou-a. Charlene estava a ameaçar não só as suas finanças, mas também a sua relação com Alex, que prezava acima de tudo.

 

- Não me vou encontrar contigo - declarou Coop, num tom de fria determinação.

 

- Acho melhor vires, Coop - retorquiu Charlene, em tom ameaçador. - Que pensarão as pessoas se souberem que não queres saber nem de mim nem da criança?

           

Quem a ouvisse, pensaria que ele a deixara com sete filhos nos braços, ao fim de dez anos de casamento. A rapariga com quem dormira algumas semanas transformara-se numa chantagista e num pesadelo.

 

- E que pensarão as pessoas quando souberem que me estás  chantageando? - respondeu Cooper, com aspereza.

 

- Não se trata de chantagem, mas sim de paternidade. É isso que as pessoas pensarão, Coop. As pessoas casam-se e têm bebês. Outras vezes, têm bebês e casam-se.

 

Havia um tom de inevitabilidade na sua voz, e Coop sentiu vontade de a esbofetear. Nunca ninguém lhe fizera nada de semelhante na vida, e ainda por cima com tal sangue-frio. Todas as mulheres que engravidara haviam sido razoáveis. Mas, para Charlene, esta era a sua oportunidade de ouro.

 

- Não me vou casar contigo, Charlene, quer tenhas a criança, quer não. Que isto fique bem claro. E estou-me lixando para aquilo que fizeres. Pago o aborto, mas mais nada. E, se estás à espera que te dê uma pensão, terás de me mover um processo.

 

Não tinha agora a menor dúvida de que ela o faria. E com o máximo de repercussão pública, muito provavelmente.

 

- Isso é algo que eu detestaria fazer. Seria publicidade negativa para ambos. Poderia prejudicar as nossas carreiras.

 

Coop teve vontade de lhe dizer que ela não tinha carreira alguma, e a verdade é que, de momento, ele também não. Ninguém o contratava para papéis importantes, só para participações especiais e, de vez em quando, para anúncios. No entanto, não queria que ela o arrastasse para um escândalo. Nunca se vira envolvido em nada do gênero. Poderia ser conhecido por frívolo, por playboy, mas nunca ninguém tivera nada de escandaloso a apontar-lhe. Mas, se Charlene fosse avante com os seus intentos, tudo mudaria. Além disso, por causa do romance com Alex, o momento não podia ser pior. Arthur Madison iria adorar.

 

- Posso encontrar-me contigo ao almoço, antes de partires? - O tom era doce e inocente. Tão depressa vestia a pele de lobo como a de cordeiro.

 

- Não, não podes. Mando-te um cheque ainda de manhã. O que fizeres é contigo, mas asseguro-te que não vou mudar de idéia. Não me vou meter nesta autêntica loucura, se tiveres o meu bebê.

 

- Estás vendo? - Parecia satisfeita. - Também já estás a pensar nele como sendo teu filho. É o nosso filho, Coop. E vai ser um bebê  lindo.

 

Coop sentiu-se enojado.

 

- Estás louca varrida. Adeus, Charlene!

 

- Adeus, papai! - murmurou Charlene, e desligou, enquanto Coop se sentava, de olhos fixos no telefone, aterrorizado. Sentia-se no meio de um pesadelo.

 

Interrogava-se sobre o que ela iria fazer: se percebera que ele não estava disposto a entrar no jogo e faria o aborto, ou se insistiria em ter o bebê. Se isso acontecesse, originaria uma escandaleira tremenda, especialmente com Alex. Em condições normais, Coop não lhe teria dito nada, mas havia tanta coisa em jogo que achava preferível ter uma conversa franca com ela para a pôr ao corrente de todo este imbróglio. Charlene parecia obstinada nos seus intentos e não havia forma de a dissuadir. Por muito que lhe custasse, Coop sabia que havia duas coisas a fazer de imediato.

 

Primeiro, tinha de mandar um cheque a Charlene para cobrir as despesas do aborto. Depois, tinha de se encontrar com Alex e contar-lhe o sucedido. Foi buscar o livro de cheques e passou um num valor que lhe pareceu razoável. Telefonou a Alex, que se encontrava no hospital, e deixou mensagem para que ela lhe ligasse quando tivesse um minuto livre. Nunca pensou ter de lhe contar, mas era a coisa mais sensata a fazer, dadas as circunstâncias. Só esperava que ela não acabasse com a relação depois de ouvi-lo.

 

Alex telefonou meia hora depois. Andara atarefada a tratar da papelada de admissão de um prematuro, depois, tivera de assistir outro com um problema na válvula coronária. O problema era solucionável, mas o bebê precisava  ficar sob vigilância.

 

- Como estás?

 

- Manhã complicada? - Coop estava nervoso, mas não queria que ela  percebesse. Não queria magoá-la e, muito menos, perdê-la.

 

- Nem por isso. As coisas estão andando. - Parecia ter tudo sob controle. Ficava radiante sempre que Coop lhe telefonava. Adorava conversar com ele, quando tinha um minuto disponível.

 

- Tens tempo para um almoço rápido? - perguntou Coop, tentando mostrar-se despreocupado.

 

- Lamento, mas não posso sair daqui. Sou a chefe de turno e tenho de ficar até ao fim. - Estava de serviço até à manhã seguinte. - Nem sequer posso sair do edifício.

 

- Mas não precisas de sair. E se eu fosse até aí beber um café?

 

- Seria ótimo. Passa-se alguma coisa?

 

Era a primeira vez que Coop se prontificava a ir ter com ela ao hospital. Talvez estivesse com saudades, pensou Alex.

 

- Não, só quero ver-te.

 

A maneira como Coop proferira estas palavras quase a pusera nervosa. Dissera que apareceria por volta do meio-dia.

 

Mal desligou, Alex centrou a atenção numa urgência que, surgira neste meio tempo.. Ainda estava acabando de assinar a papelada que deixara pendente, quando a funcionária da recepção a informou de que alguém a procurava.

 

- É quem eu penso? - perguntou a mulher, quando ligou para o gabinete de Alex. Estava maravilhada, e Alex riu-se.

 

- Acho que sim.

 

- Bolas, é mesmo um sortudo! - comentou, baixinho, num tom de admiração, enquanto Alex pousava os papéis.

 

- Pois é. Diz-lhe que vou já para aí.

 

Era um bom momento para fazer uma pausa. Pôs apressadamente o casaco branco sobre os ombros e dirigiu-se à recepção. Trazia meias e tamancos, um estetoscópio ao pescoço e um par de luvas de borracha pendurado do bolso do casaco. Os cabelos estavam presos numa trança e, como de costume quando estava de serviço, não usava maquiagem.

 

- Olá, Coop - cumprimentou Alex, enquanto o pessoal que se encontrava na Unidade de Cuidados Intensivos o olhava discretamente. O velho ator estava impecável, como sempre, de casaco desportivo de tweed, camisa de gola alta bege, calças caqui imaculadamente passadas e sapatos castanhos. Parecia saído de uma revista de moda, e Alex sentia-se como se tivesse sido arrastada por entre arbustos.

 

Alex informou, na recepção, que ia à cafeteria comer qualquer coisa e pediu que lhe enviassem um bipe se precisassem dela.

 

- Com um pouco de sorte, pode ser que me dêem dez minutos. - Alex pôs-se na ponta dos pés para dar um beijo nas faces de Coop, que, pondo-lhe o braço por cima, a conduziu até ao elevador. Quando as portas se fecharam, todas as pessoas tinham os olhos cravados neles. Coop era uma autêntica visão. - Aumentaste a minha importância aqui no hospital em quatrocentos por cento. Estás espetacular.

 

Coop, com ar apaixonado, puxou-a mais para si.

 

- Também tu. Estás com um ar muito profissional, com toda essa tralha que trazes contigo.

 

Alex trazia o bipe, o estetoscópio e uma pinça esquecida presa ao bolso. Os instrumentos de trabalho davam-lhe um ar mais adulto. Coop ficara impressionado com o modo desenvolto e firme como ela, ao passar na recepção, dera instruções a uma das enfermeiras. Já tinha um certo estatuto no hospital. Coop estava cada vez mais nervoso, à medida que o momento de lhe contar o problema com Charlene se aproximava. Não fazia a menor idéia de como ela iria reagir. Mas tinha de lhe contar, antes que soubesse do caso por outra pessoa. Graças a Charlene, as coisas entre ele e Alex podiam complicar-se.

 

Ambos escolheram sanduíches, que puseram num tabuleiro, e Alex encheu duas chícaras de café.

 

- Isto é um veneno - avisou, apontando para o café. Diz a lenda que lhe põem veneno para os ratos, e eu acredito. Se te sentires mal, levo-te para a  Urgência, depois de almoço.

 

- Ainda bem que és médica - disse, enquanto pagava.

           

Seguiu-a até uma mesa de canto. Graças a Deus, não havia ninguém por perto e, até o momento, ninguém o reconhecera. Queria passar uns minutos de sossego com Alex. Ela já comia o sanduíche, e Coop ainda não desembrulhara o seu. Levou alguns minutos tentando manter a compostura, e Alex reparou que as mãos do velho ator tremiam ao pôr o açúcar no café.

 

- Que se passa, Coop? - Estava calma e fitava-o com olhar meigo.

 

- Nada... não... não é verdade... aconteceu-me uma coisa esta manhã.

 

Alex reparou que o olhar de Coop denotava alguma preocupação. Nem sequer tocara n sanduíche e no café.

 

- Uma coisa má?

 

- Uma coisa aborrecida. E é sobre isso que quero falar contigo. - Alex não conseguia imaginar o que seria. O olhar do velho ator também não denunciava o que quer que fosse. Coop conteve a respiração e lançou-se de cabeça para aquilo que receava vir rapidamente a transformar-se em águas tempestuosas. - Tenho cometido algumas loucuras ao longo da minha vida, Alex. Não muitas, mas algumas. E passei mais momentos bons do que maus. Nunca magoei ninguém. Sempre joguei limpo com pessoas que jogavam limpo.

 

Alex começou a ficar em pânico. Pressentia que Coop ia dizer-lhe que estava tudo acabado entre os dois. As palavras que o velho ator acabara de proferir pareciam ser a introdução. Já passara por uma cena semelhante há relativamente pouco tempo. E nunca mais se entregara a ninguém. Até aparecer Coop. Ficara deslumbrada desde o instante em que o conhecera. E, agora, tudo isto soava a discurso de despedida. Recostou-se na cadeira e fitou-o em silêncio. Quanto mais não fosse, iria assumir as suas responsabilidades com dignidade e coragem. Coop reparou que ela estava retraída. Era o instinto de autodefesa. Mas continuou. Tinha de fazê-lo.

 

- Nunca me aproveitei de ninguém. Nunca enganei nenhuma mulher. Muitas das mulheres com quem andei tinham perfeita consciência do que estavam a fazer. Cometi alguns erros, mas tenho a folha limpa. Sem vítimas. E quando as coisas acabavam, bastava um obrigado e um adeus, de parte a parte. Tanto quanto sei, não há ninguém que me deteste. Muitas das mulheres com quem andei gostam de mim, e eu gosto delas. E os erros foram rapidamente corrigidos.

 

- E agora? A nossa relação é um erro, Coop? - Alex esforçava-se por conter as lágrimas. Estaria ele tentando corrigir um desses erros?

 

- Claro que não! Pensavas que eu me estava me referindo a nós? Oh, querida... não tem nada a ver conosco. Tem a ver com uma estupidez que fiz antes de te conhecer. - E tomou as mãos dela nas suas, deixando-a muito mais aliviada. - Vou tentar ir direto ao assunto, sem mais rodeios. Antes de te conhecer, andei um tempinho com uma jovem. Teria sido melhor não o ter feito. É uma garota simples, aspirante a atriz, e os seus únicos papéis foram em filmes pornográficos. Não tem muitos atributos, mas achei-a doce e entramos no jogo. Ela conhecia as regras, já não era propriamente uma menina inocente. E nunca lhe criei falsas ilusões. Nunca fingi que a amava. Foi um interlúdio sexual para ambos e nada mais do que isso. E tudo acabou ao fim de pouco tempo. Parecia simples e completamente inofensivo.

 

- E depois? - Já não conseguia agüentar o suspense. Mas, se não estava apaixonado pela jovem, por que razão lhe estava a contar tudo aquilo?

 

- Telefonou-me esta manhã. Está grávida.

 

- Merda! - exclamou Alex, com uma enorme sensação de alívio. - Pelo menos não é uma doença terminal. É um problema que se pode resolver com relativa facilidade.

 

Sentia-se extremamente aliviada por Coop não lhe ter dito que estava apaixonado pela outra mulher. A ele, por seu turno, parecia-lhe que tinha tirado um peso de meia tonelada de cima das costas. Alex não se levantara da mesa para sair porta fora, nem lhe dissera que nunca mais queria vê-lo. Mas também ainda não conhecia a história toda.

 

- O problema reside mesmo aí. Ela quer ter o bebê.

 

- Só vejo dois motivos para ela querer ter o bebê: ser mãe de um filho de uma estrela, ou fazer chantagem contigo.

 

Alex estava a analisar o problema de forma pragmática e inteligente, o que tornava a conversa mais fácil do que Coop imaginara.

 

- Mais ou menos. Quer dinheiro. Diz que não pode trabalhar enquanto estiver grávida. Suponho que não fazem filmes pornográficos com mulheres grávidas - respondeu Coop, num tom sombrio, e Alex apertou-lhe as mãos, tentando confortá-lo. - Quer que os apoie monetariamente, a ela e ao bebê. Disse-lhe que não quero ter filhos, nem dela nem de outra pessoa qualquer... a não ser de ti - acrescentou, com um sorriso triste. Tinha a sensação de estar a fazer papel de idiota, mas sentia-se na obrigação de lhe confessar tudo. - Não lhe falei de ti. Receei que ela pegasse em armas. Aliás, já está em pé de guerra. Parecia doida: tão depressa chora, como ameaça, como fala num tom delicado-doce do ”nosso bebê”. É uma situação nauseabunda e, ao mesmo tempo, aterradora. Não faço a menor idéia de quais são os seus intentos: se vai, efetivamente, ter a criança, ou se vai pôr os tablóides ao corrente da situação. Dá-me a sensação de que é pessoa para se pôr a disparar em todas as direções. Já lhe mandei um cheque para pagar o aborto, mas é a única coisa que, de momento, estou disposto a fazer. O romance durou três semanas. Nem sequer devia ter começado. Na minha idade, já devia estar precavido contra este tipo de situações. Mas eu andava aborrecido e ela era divertida. No entanto, o que está acontecendo não tem nada de divertido - disse, cheio de remorsos. - Lamento muito, Alex, ter trazido toda esta confusão para as nossas vidas, mas achei melhor pôr-te ao corrente de tudo. Tens todo o direito de saber, especialmente se ela for para os jornais. É muito capaz disso. Eles adorariam.

 

- Ela, provavelmente, também. Tens a certeza de que está grávida? Pode estar só vendo o que pode arrancar de ti. Não me parece ser pessoa de boa índole.

 

- É evidente que não é. Não sei se está realmente grávida ou não, ou sequer se a criança é minha.

 

- Mas podes mandar fazer os testes de DNA, especialmente se ela estiver disposta a fazer a amniocentese. Podem fazer-lhe os testes nessa altura. Mas ainda é cedo. Ela está de quanto tempo?

 

- Acho que falou em dois meses. Uma coisa desse gênero.

 

Alex andava com Coop há seis semanas, portanto ele estava a falar verdade quando dizia que andara com a jovem até pouco antes de a conhecer. Duas semanas, no máximo. Mas ela não tinha nada a ver com aquilo que ele fizera antes de a conhecer.

 

- O que é que vais fazer?

 

Gostara da atitude de grande honestidade de Coop, que os aproximara ainda mais. Ambos sabiam que estas coisas aconteciam. Especialmente no mundo de Coop, a homens que eram estrelas e alvos fáceis de extorsão e chantagem.

 

- Ainda não sei. De momento, pouca coisa posso fazer, a não ser esperar para ver o que ela faz. Quis avisar-te para estarmos cientes das armadilhas que podem surgir no nosso caminho, caso ela vá para os jornais.

 

- Casarias com a garota se ela tivesse o bebê?

 

- Estás louca? De modo nenhum. Mal a conheço. E,  além de umas pernas bonitas e outros atributos afins, daquilo que conheço, não gosto. Não estou apaixonado por ela, nunca estive, nem nunca estarei. E nem sou tolo nem nenhum samaritano para me casar nestas circunstâncias. Na pior das hipóteses, terei de dar uma pensão à criança. Disse-lhe que nunca veria a criança e frisei bem que estava falando a sério.

 

Mas isso era outra história, tinha a ver com a responsabilidade e a moral. Alex sabia que ele teria de rever a situação mais tarde, se Charlene viesse realmente a ter a criança. Pelo menos, não estava apaixonado pela garota e não tinha intenção de casar com ela. No essencial, este problema, não afetava em nada a relação de Coop e Alex. À exceção de algum barulho que poderia surgir, mais tarde, nos tablóides, e que não preocupava Alex. A única coisa que a preocupava era o que Coop sentia por ela.

 

- Estas coisas acontecem com alguma regularidade. São situações desagradáveis, mas não é o fim do mundo. Sinto-me muito melhor por saber o que se passa e não acho que seja um problema assim tão grande. Talvez embaraçoso, se sair nos jornais. Mas coisas deste gênero estão constantemente  acontecendo. Sinto-me muito melhor. - E esboçou um sorriso de alívio. - Pensei que fosses me dizer que estava tudo acabado entre nós.

 

- És uma mulher maravilhosa. - Coop recostou-se na cadeira, ao mesmo tempo que soltava um suspiro de alívio e lhe lançava um prolongado olhar de gratidão. - Amo-te do fundo do coração. Estava com medo que me mandasses dar meia volta e me atirar ao rio.

 

- Pouco provável. - Nenhum deles almoçara, tal a atenção com que haviam seguido a conversa. De repente, ouviu-se um bipe. - Merda! - exclamou Alex, ao olhar para a mensagem. Bebeu um gole de café às pressa e levantou-se. - É uma emergência... tenho de ir... não te preocupes, vai correr tudo bem... amo-te... telefono-te mais tarde...

 

Ela ia já a meio da cafeteria, em passo apressado, quando Coop se ergueu e, com os olhares de toda a gente à sua volta fixos em si, gritou:

 

- Amo-te!

 

Alex virou-se para trás, radiante de felicidade, e acenou-lhe, enquanto o funcionário que limpava as mesas com um pano úmido sorriu para Coop.

 

O velho ator saiu de coração mais leve e alma renascida. Era uma mulher extraordinária, e apesar do que acontecera, ainda era sua.

 

Sentado na cozinha, Jimmy analisava uma pilha de papelada que trouxera do trabalho, ao mesmo tempo que tentava arranjar vontade para fazer o jantar. Raramente jantava, exceto quando os colegas o convidavam ou quando Mark lhe trazia um hambúrguer. Não queria saber se comia ou não, se vivia ou não. Passava os dias a desejar que chegassem ao fim o mais depressa possível. E as noites eram intermináveis.

 

Já haviam decorrido três meses desde a morte de Maggie, e começava a perguntar-se se chegaria a recuperar completamente da morte da esposa. Não vislumbrava um fim para a angústia que o ia consumindo. À noite, deitava-se na cama e chorava. Nunca adormecia antes das três ou quatro da manhã e, às vezes, já era de dia e ainda não conseguira adormecer.

 

Sabia que mudar-se para esta casa fora uma boa opção, mas o que agora também sabia era que trouxera Maggie consigo. Levava-a para todo o lado, no coração, na cabeça, nos ossos, no corpo. Fazia parte dele, de todos os seus pensamentos e reações, do modo como olhava para as coisas, parte das suas crenças e desejos. Por vezes, sentia-se mais Maggie do que Jimmy. Via tudo através dos seus olhos. E aprendera tanto com ela que chegava a interrogar-se se não teria sido por isso que Maggie morrera. A dor e as saudades que sentia, dia e noite, eram insuportáveis. Não havia nada que melhorasse o seu estado de espírito. Às vezes, durante algumas horas, conseguia libertar-se dessa dor, como quando estava com Mark, ou ia trabalhar, ou treinava a equipa de softball. No entanto, estava sempre ali, à sua espera, como uma velha amiga, a dor que o perseguia por todo o lado e procurava vencê-lo. De momento, era a dor que ganhava.

 

Acabara de decidir não fazer nada para o jantar, quando ouviu bater à porta. Levantou-se e foi ver quem era. Estava com um ar cansado e os cabelos em desalinho. Esboçou um sorriso quando deparou com Mark. Ultimamente, via-o com menos freqüência, porque andava sempre ocupado com os filhos. Tinha de cozinhar para eles e ajudá-los a fazer os trabalhos de casa. Mas telefonava muitas vezes a convidá-lo para jantar. Jimmy gostava de Jessica e de Jason, achava-os divertidos. Também eles o faziam sentir-se mais só. Lembravam-lhe que ele e Maggie deveriam ter tido filhos. Nunca mais poderia tê-los, nem sentir os braços dela a enlaçarem-no.

 

- Comprei comida. Lembrei-me de passar por aqui para ver se queres jantar conosco. - Às vezes, como Mark bem sabia, o melhor era aparecer de repente e puxá-lo para fora da ”toca”. Isolava-se muito. Mark sabia que Jimmy estava passando um mau bocado. E, ultimamente, parecia pior. Dava a impressão de que, com a chegada do bom tempo, com o cheiro da primavera por todo o lado, se sentia ainda mais só.

 

- Não... tudo bem... em todo o caso, obrigado... Trouxe uma porrada de coisas do trabalho. Passo a vida em visitas domiciliares e nunca consigo arranjar tempo para pegar nas coisas que tenho no escritório.

 

Tinha um ar pálido e cansado. Mark conhecia bem o sofrimento por que ele passava. Mas as coisas haviam melhorado substancialmente para si, com a chegada dos filhos. Só esperava que a Jimmy acontecesse também algo de positivo. Era um tipo simpático, bonito e inteligente. Ultimamente, nem sequer haviam batido umas bolas de tênis. Os filhos mantinham-no muito ocupado e não dispunha de tempo livre.

 

- Mas, de qualquer forma, tens de comer. Porque é que não me deixas preparar qualquer coisa? Vou fazer costeletas e hambúrgueres. - O regime alimentar era pouco variado. Já prometera aos garotos comprar um livro de cozinha para aprender a fazer outros pratos.

 

- Falando sério, estou bem - retorquiu Jimmy, com ar cansado. Sabia que Mark estava tentando ajudá-lo, mas não tinha vontade de conviver com outras pessoas. Há meses que  era assim, e ultimamente piorava. Nem sequer ia ao cinema. A última vez que vira um filme fora na companhia de Maggie. Dava a impressão de que não queria fazer a sua vida normal, para não lhe ser infiel.

 

- Oh, quase me esquecia... - disse Mark, com um largo sorriso. - Tenho uma notícia bombástica sobre o nosso senhorio. - E passou-lhe o exemplar de um jornal. Era uma notícia desagradável, mas estava deleitado com ela. - Página dois.

 

Jimmy abriu o tablóide e ficou surpreendido.

 

- Que bronca! - Havia uma fotografia de Coop que cobria meia página e, ao lado, outra de uma mulher sensual, de longos cabelos negros e olhos asiáticos. O artigo estava recheado de alegados pormenores e insinuações acerca do apaixonado romance, da criança adorável que vinha a caminho, de mexericos sobre Coop e uma lista de mulheres conhecidas com quem ele mantivera ligações. – Com a  breca! - exclamou, com um sorriso de espanto, enquanto devolvia o jornal a Mark. - Será que Alex já viu isto? Não é muito divertido andar com um tipo que está metido numa confusão destas. E ela parece ser mulher de pêlo na venta.

 

- Não acho que vá haver grande problema entre eles conjecturou Mark. - Andam um com o outro há pouquíssimo tempo. As mulheres com Coop não parecem aquecer o lugar por muito tempo. Desde que estou aqui, já vi por aí umas três. Torna as coisas mais interessantes.

 

- Pelo menos, para ele. Aposto que está borrado de medo com aquela coisa do bebê. - Não conseguiu conter uma gargalhada. - Ser pai com esta idade deve ser uma sensação!

 

- Terá perto de noventa anos quando o pimpolho for para a faculdade.

 

- E, se calhar, ainda vai dormir com algumas colegas do filho - aventou Jimmy, deliciado com o conteúdo do artigo. Quando Mark se despediu, Jimmy prometeu ir jantar com eles no fim-de-semana.

 

Nessa noite, ao jantar, discutindo o artigo com Alex, Coop não estava com um ar tão divertido. O fato de a notícia ter saído no jornal deixara-o extremamente irritado. Contudo, sentia também algum alívio por ter avisado Alex com antecedência.

 

-Já saíste um monte de vezes nos jornais. Faz parte da tua profissão. Se não fosses quem és, ninguém estaria interessado em saber com quem dormes.

 

- É uma sacanagem da parte dela ir para os jornais.

 

- Era de esperar - Alex tentava acalmá-lo, assegurando-lhe que este problema não a afetava minimamente. As pessoas acabariam por esquecer. - Nem toda a gente lê jornais. - Coop sentia-se aliviado por ela se mostrar tão compreensiva. As coisas assim ficavam muito mais fáceis.

 

Nessa noite, foram comer uma pizza e Alex fez todo o possível para o distraí-lo. Mas não foi tarefa fácil. Coop estava mal-humorado. Quando voltaram para casa, convidou-a para o acompanhar à cerimônia de entrega do Óscar. Alex ficou perplexa e, ao mesmo tempo, deleitada. Depois, o seu semblante adquiriu um ar preocupado.

 

- Terei de ver se me posso ausentar do hospital. Acho que estou de serviço.

 

- Não podes trocar? - Já conhecia o esquema.

 

- Vou tentar. Tenho feito muitas trocas ultimamente. Estou esgotando o estoque.

 

- Mas esta é uma festa de arromba. - Coop fazia votos para que Alex fosse. Não queria apenas a sua companhia, queria também ser visto com ela. Alex emprestar-lhe-ia a aura de respeitabilidade de que precisava para contrapor à porcaria que Charlene andava a vomitar. Mas não queria explicar-lhe isso. Essas eram as maquinações internas de Hollywood e achava que devia poupar-lhe os pormenores.

 

Alex ia passar novamente a noite com ele, embora, inicialmente, se tivesse mostrado um pouco relutante. Mas Coop sentia-se constrangido no apartamento, que se encontrava sempre num autêntico caos. Mais parecia um gigantesco cesto de lavanderia do que um apartamento. Coop chamava-lhe ”o cesto da roupa suja”. E Alex adorava estar no Chalé. Sentia um prazer imenso em nadar à noite e não se importava nada de encontrar os filhos de Mark na piscina. O lugar transmitia-lhe tranqüilidade. Era fácil perceber porque é que Coop tinha uma adoração especial pela propriedade.

 

Dois dias depois, Alex disse-lhe que já conseguira arranjar a troca para poder ir à cerimônia. Entretanto, ficou em pânico quando se apercebeu de que não tinha nada para vestir, nem tempo para ir às compras. O seu único vestido de noite era o que usara para ir à festa dos Schwartz. E precisava de uma roupa mais chique, já que ia à cerimônia da entrega do Óscar na companhia de Cooper Winslow.

 

- Nunca na vida me passou pela cabeça ir a uma coisa dessas - disse, soltando uma risada, enquanto se aninhava ao lado de Coop, que estava radiante por ela  poder acompanha-lo. Entretanto, num outro jornal, surgira mais um artigo sobre Charlene. O bombardeamento intensificava-se. Coop, porém, estava feliz por poder partilhar um evento daquela envergadura com Alex. - Não sei se sabes, mas não tenho nada para vestir. Se calhar, vou ter de levar o jaleco com que ando no hospital. Até lá, não tenho muito tempo para ir às compras.

 

- Deixa isso comigo - retorquiu Coop, misteriosamente. Sabia muito mais de roupa do que ela. Já fizera o guarda-roupa de muitas mulheres. Era uma das coisas em que era perito. Além de ser um mão-aberta.

 

- Se comprares qualquer coisa, faço questão de pagar recordou-lhe Alex. Não tinha a menor intenção de se transformar numa mulher monetariamente dependente do amante. E, ao contrário das outras mulheres com quem Coop andara, Alex podia pagar as suas próprias extravagâncias e fazia sempre questão disso. No entanto, apreciara o fato de Cooper se ter oferecido para lhe comprar a roupa que levaria à cerimônia.

 

Nessa noite, Alex sonhou que estava num baile com um enorme vestido de noite e que rodopiava pelo salão, conduzida por um príncipe de imensa beleza. Esse príncipe era Coop. E estava  começando a sentir-se uma princesa dos contos de fadas. O fato de uma das súditas ir ter um filho dele não a preocupava minimamente.

 

A noite da cerimônia de entrega do Óscar chegou mais depressa do que Alex esperava. Haviam-se passado duas semanas desde que Coop a convidara, e, este ano, realizava-se mais tarde do que era costume: na terceira semana de Abril. E, fiel à sua palavra, o velho ator arranjara-lhe um vestido fabuloso no Valentino. Era de cetim azul-escuro, decote em V e justo ao corpo, realçando a sua silhueta de traços perfeitos. Conseguira ainda um casaco de pele de zibelina, cedido pela Dior, além de um colar de safiras, que a deixou sem respiração, com uma pulseira e um par de brincos combinando.

 

- Sinto-me como a Gata Borralheira - disse Alex, passeando com o vestido diante de Coop. Este contratara também um cabeleireiro e um maquiador. E, para poupar tempo, Alex vestiu-se no Chalé.

 

Quando chegou do hospital, mais parecia uma pedinte. Três horas depois, estava deslumbrante, como uma princesa. Melhor do que isso. Parecia uma jovem rainha, ao descer a escadaria principal. Coop aguardava-a ao pé das escadas, de sorriso nos lábios. Estava deslumbrante. Tudo nela deixava transparecer a aristocrata que efetivamente era. Quando se olhou ao espelho, ficou espantada ao perceber que estava parecida com a mãe. Lembrava-se de  tê-la visto ir a bailes assim vestida. Até se lembrava de um vestido azul semelhante a este. Mas nem mesmo a mãe alguma vez tivera safiras como as que a Van Cleef & Arpeis cedera a Coop. Eram enormes e ficavam-lhe espantosamente bem.

 

- Uau! - exclamou Coop, fazendo uma vênia. Envergava um dos muitos casacos de cerimônia que possuía, mandado fazer no seu alfaiate de Londres. Os sapatos eram de pele e os botões de punho tinham safiras. Haviam sido um presente de uma princesa saudita, cujo pai fizera o possível e o impossível para evitar que ela casasse com Coop. Por aquilo que ele dizia, o pai teria preferido vendê-la a vê-la como Mrs. Cooper. - Estás espantosa, meu amor!

 

Nada do que Coop lhe dissera a preparara para a grande agitação com que iria deparar-se na cerimônia. Ainda era dia quando chegaram. Havia uma comprida passadeira vermelha à entrada e uma interminável fila de limusines à espera que os convidados ilustres saíssem. Mulheres deslumbrantes, de vestidos lindíssimos e jóias de brilho ofuscante, eram a norma, enquanto os repórteres se acotovelavam para as fotografar. Muitas delas, atrizes bem conhecidas, haviam acompanhado Coop noutras ocasiões, mas este ano preferira ir com Alex, que significava muito mais para si. Eram o epítome da respeitabilidade aristocrática à medida que avançavam lentamente pela passadeira vermelha. Alex, de braço dado com Coop, seguia nos seus sapatos de salto alto de cetim azul-escuro, esboçando tímidos sorrisos, enquanto eram disparados centenas de flashs. Coop não lhe dissera, mas Alex lembrava-lhe Audrey Hepburn em Boneca de Luxo. Ele acenava para as câmaras, como se de um chefe de estado se tratasse. Enquanto isto, na ala de hóspedes do Palacete ouvia-se um coro de exclamações.

 

- Oh, meu Deus!... É ela!... É a... como é que ela se chama?... Alex!!! E ele! - gritou Jessica, apontando para o televisor, ao mesmo tempo que todas as cabeças se voltavam. Jimmy assistia à cerimônia, tal como já acontecera quando da entrega do Globo de Ouro, na companhia de Mark. Está deslumbrante! - como a conhecia, Jessica estava mais excitada por ver Alex do que as estrelas de cinema.

 

- Está magnífica! - exclamou Mark, de olhos fixos em Alex, tal como todos os outros. - Gostaria de saber onde é que ela arranjou o colar.

 

- Se duvidar, emprestaram-no - aventou Jimmy, ainda sem perceber o que ela via em Cooper. Achava que era uma estupidez da parte de Alex andar com um homem como Coop. Merecia coisa melhor.

 

- Nunca me apercebi de que fosse tão bonita. Está um espanto, assim vestida! - comentou Mark.

 

Só a vira de calções e T-shirt na piscina e na noite em que pegara fogo aos arbustos. Mas, com aquele vestido, tinha de admitir, estava impressionante. Começava a olhar para as mulheres com outros olhos, ao contrário de Jimmy, cujo interesse pelo sexo oposto parecia ter morrido com Maggie. Mas Mark ainda não começara a sair com ninguém. Apenas olhava. De qualquer forma, não tinha tempo, andava demasiado ocupado com os filhos.

 

Coop e Alex desapareceram do foco e entraram na sala onde iria desenrolar-se a cerimônia. Voltaram a vê-los mais tarde, já sentados: um grande plano de Alex a rir e a segredar qualquer coisa ao ouvido de Coop, que soltou uma gargalhada como resposta. Pareciam muito felizes na companhia um do outro. Mais tarde, os fãs viram-nos entrar na festa da Vanity Fair, no Morton’s. Alex vestia o casaco de pele de zibelina e emanava o mesmo glamour de qualquer estrela de cinema. Talvez até mais, pois era autêntico.

 

Passara uma noite fabulosa e não encontrava palavras para agradecer a Coop. Regressavam a casa no Bentley, conduzido por um motorista. O conversível Azure já se fora há muito, porque Coop não tinha dinheiro para o comprar. Mas a limusine Bentley, de uma elegância ímpar, era sua há vários anos.

 

- Que noite incrível! - Não cabia em si de contente. Eram três da manhã. Vira todas as estrelas de que já ouvira falar, e embora nunca houvesse tido nenhuma fixação por estrelas de cinema, tinha de admitir que fora excitante. Especialmente na companhia de Coop, que lhe contara muitos dos mexericos do mundo do cinema, e a apresentara a muita gente que ela já vira nalguns filmes. Sentia-se como a Gata Borralheira. - Tenho a impressão de que o coche se vai transformar numa abóbora - gracejou, encostando-se mais a ele. - Tenho de estar no hospital dentro de três horas. Se calhar, é melhor nem me deitar.

 

- É uma opção. Estiveste magnífica, Alex. Todos pensaram que eras uma nova estrela. Se calhar, amanhã, terás uma dúzia de produtores a mandarem-te roteiros.

 

- Não é provável - retorquiu Alex, soltando uma gargalhada, ao mesmo tempo que saía do carro. Era reconfortante chegar a casa depois de uma noite tão longa. Tivera uma noite como nunca sonhara, graças a Coop, que fizera tudo o que lhe fora possível para a tornar memorável: o cabeleireiro, o maquiador e o colar de safiras.

 

- Devia tê-lo comprado - afirmou Coop, arrependido, quando Alex lhe devolveu o colar, que guardou no cofre, juntamente com os brincos e a pulseira. - Quem me dera poder.

 

Custava três milhões de dólares, como Alex verificara na etiqueta. Uma nota preta. Era a primeira vez que Coop admitia haver coisas que estavam para além das suas posses. Se bem que, neste caso, estaria para além das posses de muito boa gente. Não ficou surpreendida e, de qualquer forma, também não o teria aceito. Foi divertido usá-lo. Louise Schwartz também usara um semelhante, se bem que maior. Coop sabia que Louise tinha um igual, mas com rubis. Ela também estivera deslumbrante num vestido espetacular, feto propositadamente por Valentino.

 

- Bem, princesa, vamos para a cama? - perguntou Coop, enquanto tirava o casaco e a gravata. Continuava tão elegante como no início da noite.

 

-Já sou outra vez a Gata Borralheira? - indagou Alex, sonolenta, enquanto subia as escadas com os sapatos na mão. Parecia uma princesa exausta.

 

- Não, meu amor, nem nunca serás.

 

Para Alex, estar com ele era como viver um conto de fadas. Por vezes, tinha a sensação de que tudo o que a rodeava era irreal. Tinha de se lembrar que trabalhava num hospital com bebês prematuros doentes e que vivia num apartamento a abarrotar de roupa suja. Embora tivesse outras opções, há muito que resolvera rejeitá-las. O glamour e as únicas extravagâncias que tinha eram-lhe proporcionados por Coop.

 

Adormeceu nos braços dele ao fim de pouco tempo. Quando o despertador tocou, às cinco da manhã, deu meia volta, preparando-se para continuar a dormir, mas Cooper empurrou-a delicadamente para fora da cama e disse-lhe que telefonaria mais tarde. Vinte minutos depois, já estava ao volante do seu carro velho, ainda meio sonolenta. A noite anterior continuava a parecer-lhe um sonho. Até se ver nos jornais da manhã, que exibiam uma enorme fotografia sua ao lado de Coop.

 

- É parecida contigo - disse uma das enfermeiras.

 

E, de repente, fez um ar de espanto, ao ver o nome dela sob a fotografia: Alexandra Madison. Coop esquecera-se de dizer aos jornalistas que ela era médica, e Alex tinha gracejado com ele, dizendo que trabalhara muito pelo título e esperava que ele lhe desse uso.

 

”Não lhes posso dizer que és a minha enfermeira psiquiátrica?”, perguntara Coop, gracejando também. Alex exibia um ar radiante nas fotografias, de mão dada com Coop, que sorria. Era uma forma de dizer a toda a gente que tudo estava bem com ele e que não precisava de esconder-se. Fora essa a mensagem que tentara fazer passar, e o seu agente de imprensa deu-lhe os parabéns ao fim da manhã.

 

- Foi ótimo para a sua imagem, Coop.

 

Sem dizer uma palavra, a fotografia contrariava todas as porcarias e boatos veiculados pelos tablóides. A mensagem subliminar era a de que, apesar dos rumores de ter engravidado uma atriz pornô de segunda, continuava o mesmo homem íntegro e a andar com mulheres respeitáveis.

 

Saiu ainda uma outra fotografia deles no jornal da tarde. Quando Coop telefonou a Alex, disse-lhe que vários colunistas sociais de jornais respeitáveis, não de tablóides, lhe haviam telefonado.

 

- Querem saber quem és.

 

- E disseste-lhes?

 

- Claro. E, desta vez, disse-lhes que eras médica. Também queriam saber se nos vamos casar. Respondi-lhes que ainda era muito cedo para tecer comentários a esse respeito, mas que és a mulher da minha vida e que te adoro.

 

- Bem, isso vai mantê-los ocupados durante algum tempo - comentou Alex, enquanto levava um copo de plástico de café frio à boca. Acabara de fazer doze horas seguidas, mas o dia fora relativamente calmo. Sentia-se mais cansada do que esperara. Não estava habituada a andar na farra toda a noite e a trabalhar o dia todo. Coop dormira até às onze, depois, fora ao massagista, à manicura e ao barbeiro. - Fizeram alguma pergunta acerca do bebê? - indagou, preocupada. Sabia que o assunto o aborrecia.

 

- Nem uma palavra. - Também não voltara a ter notícias de Charlene, que andava demasiado ocupada a dar entrevistas aos tablóides.

 

Porém, duas semanas depois, o advogado dela contatou-o. O mês de Maio dava ainda os primeiros passos e Charlene dizia estar grávida de três meses. Queria uma pensão de gravidez, e estava disposta a começar a negociar a pensão de alimentos para si e para a criança.

 

- Pensão de alimentos? Por um caso de três semanas? Está louca! - indignou-se Coop, em conversa com o seu advogado. Mas Charlene alegava que não podia trabalhar até ter a criança; estava permanentemente com enjôos. - Mas para dar as entrevistas já não tem enjôos. Meu Deus, esta mulher é um monstro!

 

- Reze para que o bebê não seja o seu monstrinho respondeu o advogado. Concordaram, então, que a pensão estaria sempre dependente do fato de ela fazer uma amniocentese que incluísse testes de DNA. - Quais são as hipóteses do bebê ser seu, Coop?

 

- Cinqüenta por cento. As mesmas de qualquer outra pessoa. Dormi com ela, e o preservativo rompeu-se. Que hipóteses tenho de ganhar a causa?

 

- Terei de estudar o caso primeiro - respondeu o advogado, num tom sombrio. - Não quero ser grosseiro, mas, como se costuma dizer: ”Da fama já não se livra!” Espero que tenha muito cuidado agora, Coop. Vi-o com uma mulher muito bonita, no Óscar.

 

- E muito inteligente - acrescentou, orgulhoso. É médica.

 

- E espero bem que não seja uma garimpeira como a última, que também é muito bonita. Tem traços euro-asiáticos, não tem? Mas, seja como for, o coração parecido com uma caixa registradora. O resto era melhor?

 

- Não me lembro - respondeu, e passou logo à defesa de Alex. - A minha amiga médica é tudo menos garimpeira. Com a família que tem, não precisa de mim para nada.

 

- A sério? Quem é a família dela?

 

- O pai é o Arthur Madison.

 

O advogado soltou um assobio de espanto.

 

- Interessante. Já teve notícias dele, desde que surgiu esta história da gravidez da garota?

 

- Não.

 

- Mais cedo ou mais tarde, vai entrar em cena. Ele já sabe que você anda com a filha?

 

- Não sei. Ele e Alex não parecem entender-se muito bem.

 

- Não é nenhum segredo. Vocês os dois aparecem em todos os jornais nacionais.

 

- Podia ter acontecido algo pior. - E já acontecera. Charlene aparecia em todos os tablóides.

 

Uma semana depois, foi a vez de Alex aparecer também nos tablóides. Continuavam a explorar a história da gravidez de Charlene, só que agora acrescentavam fotografias de Alex às de Coop e Charlene. Parecia uma rainha, e as manchetes, como era de esperar, eram horríveis. Mark continuava a comprar todos os jornais para mostrar a Jimmy. Jessica estava encantada com Alex, que encontrava regularmente na piscina. Tinham-se tornado amigas, embora Alex não falasse disso com Coop. Sabia o que ele pensava dos garotos e, além de mais, achava que ele já tinha aborrecimentos suficientes.

 

Ultimamente também Abe telefonara várias vezes a Coop, a lembrar-lhe que andava a gastar demasiado dinheiro, e preocupado com a pensão que teria de pagar a Charlene.

 

- Você não está em condições econômicas de pagar uma pensão, Coop. Além disso, se falhar um pagamento que seja, ela espeta consigo na cadeia. É assim que as coisas funcionam. E, por aquilo que me é dado observar, é mulher para isso.

 

- Obrigado pela boa notícia, Abe.

 

Coop andava a gastar menos dinheiro do que era costume, porque Alex tinha gostos simples, mas segundo o contabilista continuava numa situação deficitária.

 

- É melhor casar com a Madison - gracejou Abe, perguntando-se se não seria devido à sua difícil situação econômica que Coop andava com ela. Dado Alex pertencer à família a que pertencia, era difícil imaginar que assim não fosse. Porém, a cada dia que passava, o velho ator estava mais convencido de que a amava.

 

Liz também lhe telefonara por causa do falatório que vinha nos tablóides. Sentia-se revoltada.

 

- Que situação mais degradante! Nunca devia ter andado com ela, Coop!

 

- A quem o diz!... E o seu casamento, como é que vai?

 

- Estou adorando, embora esteja custando um pouco habituar a São Francisco. Estou sempre com frio, e a cidade é demasiado calma para meu gosto.

 

- Bem, nesse caso, pode deixar o seu marido e voltar para mim. Estou sempre necessitado dos seus préstimos.

 

- Obrigada, Coop. - Vivia feliz com Ted e adorava as filhas dele. Só estava arrependida de não ter casado há mais tempo. Sacrificara-se muito por Coop. Adoraria ter tido os seus próprios filhos, mas agora era demasiado tarde. Aos cinqüenta e dois anos, tinha de se contentar com as filhas de Ted. - Como é Alex?

 

- Um anjo misericordioso - respondeu Coop, sorrindo. - É aquela pessoa que está sempre ao nosso lado. A Audrey Hepburn. O doutor Kildare. É espetacular. Você iria gostar dela.

 

- Venham passar o fim-de-semana a São Francisco.

 

- Adoraria, mas ela passa o tempo no hospital. Tratava-se de uma ligação estranha, não conseguiu Liz deixar de pensar, mas Alex era indubitavelmente muito bonita. E os jornais diziam que tinha trinta anos, a idade máxima de que Coop gostava numa mulher.

 

Perguntou-lhe ainda se estava com muito trabalho. Não o vira aparecer em nenhum filme, nem tampouco em qualquer anúncio publicitário. Coop já falara com o seu agente a esse respeito, mas não havia nada em perspectiva. Como o agente lhe dissera, já não era propriamente um jovem.

 

- Estou a trabalhar menos do que gostaria, mas tenho alguns papéis em perspectiva. Esta manhã falei com três produtores.

 

- O que você precisa é de um papel principal. Depois, todos o quererão contratar. Sabe bem que os produtores são uma cambada de medrosos, Coop. - Liz não lho quis dizer, mas ele precisava de um papel importante como pai de alguém. O problema era que Coop só aceitava ser o ator principal, e ninguém queria contratá-lo para esse efeito. Coop não se imaginava a fazer papel de velho e era por isso que se sentia tão bem na companhia de Alex. Nunca lhe passara pela cabeça que tinha mais quarenta anos do que ela, nem a Alex. Ao princípio, ainda ponderara esse assunto. Entretanto, à medida que o ia conhecendo melhor e ficando cada vez mais apaixonada, nunca mais pensou nisso. Nesse fim-de-semana, estavam deitados no terraço a conversar, quando o bipe tocou. Ao olhar para o visor, Alex viu que não era do hospital. Reconheceu de imediato o número mas só ao fim de meia hora pegou no celular para fazer o telefonema. Coop estava estendido numa cadeira de lona, a seu lado, lendo o jornal e ouvindo vagamente a conversa. É - Sim, tudo bem. Diverti-me bastante. Como é que estás? - Não fazia a menor idéia com quem ela falava, mas a troca de palavras não parecia muito amigável, e Alex estava de sobrolho franzido. - Quando?... Acho que estou de serviço... podemos encontrar-nos à hora de almoço no hospital, se ficar alguém a substituir-me. Quanto tempo vais ficar por aqui?... Ótimo... até terça!

 

Não sabia se Alex estivera a falar com um amigo, ou com um advogado, mas fosse como fosse, estava com cara de poucos amigos.

 

 - Quem era? - perguntou, confundido. - O meu pai. Vem a Los Angeles, na terça-feira, por causa de uma reunião. Quer encontrar-se comigo. - Deve ser um encontro interessante. Disse alguma coisa a meu respeito?

 

- Só que me viu no Óscar. Nunca referiu o teu nome. Está a guardar-se para mais tarde.

 

- Achas que o levemos a jantar fora? - perguntou

 

Coop, prontificando-se a tomar a iniciativa de o convidar, embora o enervasse pensar que o homem era mais novo do que ele, e muito mais importante. Arthur Madison não era só dinheiro, era também poder.

 

- Não! - respondeu Alex. Estava de óculos escuros, de modo que Coop não conseguia vislumbrar a expressão dos seus olhos. Mas não era certamente uma expressão efusiva por voltar a ver o pai. - De qualquer forma, obrigada. Encontro-me com ele ao almoço, no hospital. Parte no avião logo a seguir à reunião. - Coop sabia que o velho Madison tinha o seu próprio Boeing 727.

           

- Talvez para a próxima vez - disse, reparando que Alex não mostrava qualquer vontade de que o encontro se realizasse. Dez minutos depois, foi chamada ao hospital para um caso de urgência.

 

Só voltou à hora do jantar, aproveitando, então, para dar um salto até à piscina, onde encontrou Jimmy, Mark e os filhos. E, pela primeira vez desde que o conhecera, achou Jimmy mais animado. Os garotos ficaram delirantes ao vê-la. Jessica teceu-lhe um elogio, dizendo que estava muito bonita na cerimônia da entrega do Óscar.

 

- Foi muito divertido - afirmou Alex, com ar descontraído, depois de nadar durante meia hora. Enquanto Jessica e Mark faziam companhia a Alex na piscina, Jimmy e Jason treinavam lançamentos de basebol. Jimmy explicava a Jason como corrigir o lançamento.

 

Dez minutos depois, quando Jessica interrogava Alex acerca do modo como as estrelas se tinham apresentado na cerimônia, uma bola passou que nem um míssil sobre as suas cabeças, direitinha à janela da sala de estar de Coop.

 

- Merda! - exclamou Mark, entre dentes, perante o olhar espantado de Jessica e Alex.

 

- Que tiraço! - gritou Jimmy para Jason, eufórico, antes de se aperceber do local onde a bola caíra. O som de vidros partidos pontuou a sua exclamação, enquanto Mark e Alex olhavam um para o outro, e Jason ficava tomado de pânico.

 

Em questão de segundos, Coop apareceu na piscina, mal podendo conter a fúria.

 

- Estão a treinar para os Yankees, ou foi apenas um ato de vandalismo? - Dirigia-se a todos, deixando Alex constrangida. Não havia dúvidas: Coop detestava barafunda e crianças.

 

- Foi um acidente - justificou Alex, calmamente.

 

- Por que diabo andas a atirar bolas de basebol às minhas janelas? - perguntou Cooper a Jason, em tom irado. Reparara que era ele que tinha a luva, por isso não havia qualquer dúvida sobre quem realizara o lançamento. Jason estava de lágrimas nos olhos e tinha a certeza de que iria ter chatice com o pai, que já o avisara para não fazer nada que aborrecesse Mr. Winslow.

 

- Fui eu, Coop. Peço imensa desculpa - acusou-se Jimmy. Estava de coração destroçado face à atrapalhação do seu jovem amigo e Coop pouco podia fazer contra si. - Eu mando substituir os vidros.

 

- Espero bem que sim. Se bem que não acredite em si. Acho que foi aqui o jovem Mister Friedman que atirou a bola. - Coop olhou para Jason, depois para Mark e, de novo, para Jimmy, enquanto Alex saía da piscina e agarrava na toalha.

 

- Eu mando substituir os vidros, se quiseres - ofereceu-se Alex. - Ninguém fez de propósito.

 

- Mas isto aqui não é nenhum campo de treinos - retorquiu Coop, ainda irado. - Aquelas janelas levaram uma eternidade a fazer e a instalação é praticamente impossível. Eram janelas em arco abatido, feitas propositadamente para a casa. O arranjo ia custar uma fortuna. - Controle um pouco mais os seus filhos, Friedman - admoestou, num tom desagradável, e voltou para casa.

 

- Desculpem - disse Alex, em voz baixa. Era uma faceta de Coop de que não gostava, mas o velho ator avisara várias vezes que detestava crianças.

 

- Que cara de cu! - exclamou Jessica, em voz alta. -Jessie! - repreendeu Mark, enquanto Jimmy olhava para Alex.

 

- Concordo com ela, mas lamento o sucedido. Devíamos ter ido para o campo de tênis. Nunca pensei que ele atirasse uma bola contra a janela.

 

- Não faz mal - retorquiu Alex. - Só que Coop não está habituado a lidar com crianças. Gosta de tudo calmo e no seu lugar.

 

- Mas a vida não é assim - contrapôs Jimmy. Lidava com crianças todos os dias e nunca havia calma ou perfeição, mas era isso mesmo que ele adorava. - Pelo menos, a minha não é.

 

- Nem a minha - corroborou Alex -, mas a dele é. Ou gosta de pensar que é. - Todos se lembraram da confusão que andava nos tablóides. - Não te preocupes, Jason. É só uma janela. Não é uma pessoa. As coisas podem substituir-se. As pessoas, não.

 

- Tem razão - concordou Jimmy, em voz sumida.

 

- Desculpe... não me referia a isso... - Alex ficou horrorizada.

 

- Referia, sim. E tem toda a razão. Às vezes, todos nós nos esquecemos disso. Ligamo-nos demasiado às nossas ”coisas”. As pessoas é que importam. O resto é conversa.

 

- Lido com essa realidade diariamente - disse Alex, e Jimmy fez um gesto de concordância com a cabeça.

 

- Aprendi essa lição da maneira mais difícil. - E esboçou um sorriso. Gostava dela. Não conseguia perceber o que a atraía num homem que era só ostentação e tão pretencioso. Tudo nela parecia sincero e verdadeiro. - Obrigado por ter sido tão simpática com o Jason. Tentarei resolver o assunto da melhor maneira.

 

- Não, eu é que vou tratar do assunto - interrompeu Mark. - Ele é meu filho. Eu é que pago o arranjo. E tenham mais cuidado, da próxima vez - acrescentou, dirigindo-se a Jason e a Jimmy.

 

- Desculpa, papai - retorquiu Jimmy, e todos se riram. Jason safara-se ileso da situação, só não se livrara da bronca de Coop. Sempre esperara que o pai o matasse, quando viu a bola entrar pela janela dentro. - De qualquer forma, foi um bom lançamento. Estou orgulhoso de ti.

 

- Não vamos abusar - atalhou Mark. Não queria dar a Coop qualquer desculpa para que os pusesse na rua. - De agora em diante, vamos limitar os esportes de bola ao campo de tênis. Combinado?

 

Tanto Jason como Jimmy fizeram que sim com a cabeça, enquanto Alex vestia os calções e a T-shirt por cima do traje de banho molhado.

 

- Até logo, rapaziada! - despediu-se, com os cabelos molhados a caírem-lhe pelas costas. Os dois homens ficaram de olhos fixos nela e, ao fim de alguns instantes, Mark comentou:

 

- A Jessie tem razão. O velho é mesmo um cara de cu. Mas ela é uma grande mulher. Ele não a merece, por mais bem-parecido que seja. Vai fazer dela gato-sapato.

 

- Acho que ele vai casar com ela -- acrescentou Jessica, metendo-se na conversa. Gostaria que o pai encontrasse com alguém como Alex.

 

- Espero  que não - retorquiu Jimmy, pondo um braço por cima de Jason. E foram os quatro até à ala de hóspedes. Mark ia fazer outro churrasco, e Jimmy aceitara jantar com eles.

 

Entretanto, noutro ponto da casa, Alex chamava a atenção de Coop, que continuava a espumar de raiva.

 

- Ele não passa de um garoto, Coop. Não fazias coisas daquelas quando eras criança?

 

- Nunca fui criança. Nasci de terno e gravata, e saltei logo para o mundo dos adultos, sempre com boas maneiras.

 

- Não sejas cabeça-dura - gracejou Alex, enquanto o beijava.

 

- Porque não? Adoro ter acessos de fúria. Além disso, sabes bem como detesto crianças.

 

- E se te dissesse que estou grávida? - perguntou Alex, com um olhar que quase o deixou sem um pingo de sangue.

 

- Estás?

 

- Não. E se estivesse? Terias de te habituar a ver skates, janelas partidas, fraldas com cocô, manteiga de amendoim e pão com geléia por todo o lado. É uma coisa em que tens de pensar.

 

- Tenho? Estou a ficar com náuseas. A doutora Madison tem um sentido de humor muito requintado. Só espero que o teu pai te dê uma sova quando estiver contigo.

 

- Não tenhas a menor dúvida - retorquiu Alex, com alguma frieza na voz. - Já é costume.

 

- É o que mereces. - Daria tudo para assistir àquele encontro. Mas Alex não o convidara e não tencionava fazê-lo. - Quando é o vosso encontro?

 

- Na terça-feira.

 

- Porque é que achas que ele se quer encontrar contigo? - indagou, curioso. Estava convencido de que o encontro tinha a ver com ele.

 

-Veremos - respondeu Alex, enquanto se encaminhavam, de braço dado, para o quarto.

 Ela sabia como curar os acessos de fúria do velho ator. O incidente com a bola de basebol já estava praticamente esquecido quando o beijou. Pouco depois, a janela partida era a última coisa que poderia passar-lhe pela cabeça.

 

Na terça-feira, o encontro de Alex com o pai correu como todos os outros encontros entre eles.

 

Arthur Madison chegou cinco minutos mais cedo e esperou por Alex na cafeteria. Era alto e magro, tinha cabelos grisalhos e olhos azuis, e estava de semblante carregado. Quando se encontrava com a filha, tinha sempre vários pontos em agenda. Não conseguia conversar, nem sequer lhe perguntava como ela estava. Em vez disso, ia abordando os vários pontos que tinha em mente, como se estivesse a dirigir uma reunião. A única coisa carinhosa que dizia, e que indiciava haver uma relação de parentesco entre eles, era que a mãe lhe mandava beijos. E esta não era mais afável, por isso estava casada há tantos anos. Mas o pai é que controlava tudo e todos. Exceto Alex. Fora sempre esse o ponto da discórdia.

 

Mal se encontraram frente a frente, Arthur Madison não perdeu tempo e foi logo direto ao assunto.

 

- Quero falar contigo acerca do Cooper Winslow. Não o quis fazer por telefone.

 

A Alex, tanto se lhe dava. As suas conversas eram tão distantes e insípidas que o fato de serem cara a cara não alterava nada.

 

- Porquê?

 

- Pensei que este fosse um assunto suficientemente importante para justificar uma conversa cara a cara. - Para Alex, o fato de ser seu pai justificaria, por si só, um encontro, mas ele nunca vira as coisas assim. Tinha de haver sempre um motivo. - É um assunto delicado, e não vou estar com rodeios. - Nunca estivera, tal como ela. Neste aspecto, Alex assemelhava-se a ele. Era frontal e exigente, não só com os outros mas consigo própria. Seguia determinados princípios de conduta e mostrava-se firme nas suas convicções. A grande diferença entre eles era Alex ser simpática, e ele, não. Arthur Madison não perdia tempo com emoções e não era homem de meias palavras. - O romance entre vocês os dois é coisa séria? - indagou, de sobrolho franzido.

 

Conhecia bem a filha. Sabia que ela não lhe mentiria, mas era pouco provável que lhe dissesse o que sentia por Coop. O assunto só a ela dizia respeito.

 

- Ainda não sei - respondeu Alex, com alguma cautela. E não era mentira nenhuma.

 

- Sabes que o homem está atolado em dívidas até ao pescoço?

 

Coop nunca tocara nesse assunto, mas o fato de ter inquilinos já indiciava que as coisas não iam bem do ponto de vista financeiro. Além disso, há muitos anos que tinha pouco trabalho. Alex presumia que ele tivesse algum dinheiro de parte. E o Chalé valia muito. Mas Arthur sabia que este era o único bem do velho ator e que existia uma enorme hipoteca sobre ele.

 

- Nunca falei com ele sobre os seus problemas financeiros. Não tenho nada a ver com isso. E ele também não tem nada a ver com o meu dinheiro.

 

- Já te perguntou alguma coisa sobre os teus rendimentos, ou sobre a herança?

 

  • Claro que não. Ele é uma pessoa educada.

     

- E também bastante astuto. É bem possível que tenha mandado fazer uma investigação detalhada sobre ti, como o que eu mandei fazer sobre ele. Tenho um dossiê completo em cima da secretária. E as notícias não são boas. Há anos que anda a viver acima das suas possibilidades e tem uma montanha de dívidas. Não tem crédito algum. Não creio que consiga sequer requisitar um livro na biblioteca. E tem jeito para atrair mulheres ricas. Já andou com pelo menos cinco.

 

- Ele tem jeito para atrair todas as mulheres - corrigiu Alex. - Está a querer dizer que ele anda atrás de mim por causa do meu dinheiro? - Alex ficou magoada com a insinuação de que Coop a via apenas como uma maneira de resolver os seus problemas financeiros. Sabia bem o quanto ele a amava.

 

- Estou. É muito possível que as suas intenções não sejam tão puras como gostarias. Está a criar-te falsas ilusões. Talvez até inconscientemente. Se duvidar, nem ele próprio se dá conta disso. O homem está numa situação aflitiva. O desespero não é bom conselheiro. Pode até levá-lo a casar contigo, quando, noutra situação, não aconteceria. Além disso, é demasiado velho para ti. Acho que não fazes a menor idéia daquilo em que te estás a meter. Eu nem sequer sabia que andavas com ele. A tua mãe é que os viu na cerimônia de entrega do Óscar. Ficamos bastante chocados. Dava a sensação de que te conhecia há muitos anos. Não fez nada que não estivesse adequado à situação, mas já te anda rondando há muito tempo. E julgo que também já deves saber do escândalo com a atriz pornô.

 

- Pode acontecer a qualquer um - retorquiu Alex, calmamente, odiando o pai por todas as palavras que ele proferira, embora mantivesse um ar impassível. Sempre conseguira dissimular todas as suas emoções diante dele.

 

- Essas coisas não acontecem a homens responsáveis. Ele não passa de um playboy. Teve uma vida cheia de extravagâncias. Não poupou um centavo sequer. E as dívidas ascendem, atualmente, a quase dois milhões de dólares, para não falar da hipoteca sobre a casa.

 

- Se ele obtivesse um bom papel num filme - disse Alex, acorrendo em defesa do velho ator -, conseguiria saldar as dívidas. - Amava-o, independentemente daquilo que o pai dissesse.

 

- O problema é que ele não consegue arranjar trabalho. Já está com idade a mais. E, mesmo que surgisse uma boa proposta, o que é pouco provável, iria detonar o dinheiro num abrir e fechar de olhos, como sempre fez. É com uma pessoa destas que queres casar, Alex? Um homem que irá detonar todos os centavos que arranjar? E, se calhar, até os teus. Porque é que achas que ele anda atrás de ti? É impossível ele não saber quem tu és e quem eu sou.

 

- É claro que sabe. Nunca lhe dei um centavo sequer, e ele também nunca me pediu dinheiro. É orgulhoso.

 

- Ele anda é sempre todo inchado, mais parece um pavão. Como se costuma dizer: ”Muita parreira, pouca uva...” Não tem um mínimo de condições financeiras para te sustentar, nem a ti nem a ele. E a mulher que está à espera de bebê? Que pensa ele fazer?

 

- Dar-lhe uma pensão. Ainda nem sequer sabe se o filho é dele. Ela vai ter de fazer o teste de DNA em Julho.

 

- A garota não o acusaria se o bebê não fosse dele.

 

- Talvez. Mas estou-me lixando para isso. Não é uma situação agradável, mas também não é o fim do mundo. Estas coisas acontecem. O que me interessa é que ele seja bom para mim, e tem sido.

 

- Porque é que não havia de ser? És rica e solteira, já para não falar no fato de seres uma mulher atraente. Mas, se o teu apelido não fosse Madison, acho que ele não gastaria um segundo contigo.

 

- Não acredito em nada disso. Mas nunca viremos a saber, pois não, papai? Sou quem sou e tenho o que tenho, e não vou escolher os homens da minha vida pela conta bancária. Ele provém de uma família respeitável. É boa pessoa. Algumas pessoas não têm dinheiro. As coisas são assim mesmo. E estou-me lixando para isso.

 

- Ele é honesto contigo, Alex? Alguma vez te disse que está atolado em dívidas?

 

Arthur Madison continuava a bater na mesma tecla, tentando minar tudo o que ela pudesse sentir por Coop, e ele por ela. Mas Alex não lhe dava ouvidos. Mesmo sem nunca ter visto o saldo da conta de Coop, sabia bem quem ele era, quais as suas virtudes e quais os seus defeitos. E amava-o tal como era. A única coisa que a preocupava era o fato de ele não querer ter filhos. Ao contrário de si, que ansiava imenso tê-los.

 

-Já disse que não discutimos questões financeiras, nem dele, nem minhas.

 

- O homem tem mais quarenta anos do que tu. Se casares com ele, que Deus o proíba!, irás acabar por ser sua enfermeira.

 

            - Talvez seja um risco que tenho de correr. Mas não seria o fim do mundo.

 

-É o que dizes agora. Quando tiveres quarenta anos,: ele terá oitenta, o dobro da tua idade. É ridículo, Alex. Vê se encaras o problema com alguma sensatez e inteligência. Acho que o homem anda mas é atrás do teu dinheiro., - É repugnante, o que está dizendo - respondeu Alex, em tom crispado.

 

- Quem lhe pode levar a mal? Está a precaver-se para a velhice e tu és a sua única tábua de salvação. A rapariga que vai ter o filho dele não poderá sustentá-lo. Custa dizer isto, mas é mesmo assim que as coisas devem ser vistas. Não estou a pedir-te que deixes de o ver, se sentes alguma coisa por ele. Mas, por amor de Deus, tem cuidado, e não cases com ele. Se a tua intenção for essa, posso assegurar-te de que farei tudo o que estiver ao meu alcance para o evitar. Falarei com ele, se for preciso, e pô-lo-ei à tabela. Vai ter um poderoso inimigo em mim.

 

- Sabia que podia contar com o seu apoio - replicou Alex, com um sorriso cansado.

 

Mesmo que as intenções do pai fossem as melhores, falava num tom ameaçador. Sempre fora assim que lidara com a filha. Era tudo uma questão de poder e de controle. Já quando Cárter fugira com a irmã, horas antes do casamento, Arthur Madison atribuíra as culpas a Alex, dizendo-lhe que, se ela tivesse lidado com o noivo de outra forma, ele nunca teria feito o que fez. Alex é que fora a culpada de tudo. Se bem que Cárter tivesse baixado alguns pontos na consideração de Arthur Madison. Investira uns bons milhares do dinheiro da mulher na Bolsa e perdera tudo. Felizmente, ela ainda tinha muito de lado. Mas, fosse como fosse, era a prova provada de que não era muito inteligente.

 

- Sei que achas que o que estou a dizer é muito desagradável, e é. Fiquei preocupado com ele e contigo. E, quando comecei as investigações, fiquei horrorizado com o que descobri. Ele pode ser atraente, e é; tem charme, não o nego; é uma companhia divertida, indubitavelmente; mas não te podes deixar iludir. Tudo o resto nele é um autêntico desastre. E não acredito que, a longo prazo, te possa fazer feliz, se chegar a casar contigo. Nunca se casou. Nunca viu necessidade de o fazer. Depois de se divertir com uma mulher, passa à seguinte. Não é uma pessoa séria. Não é isso que quero para ti. Não quero que se aproveite de ti e depois te dê um chute. Ou, pior ainda, que se case contigo para resolver necessidades financeiras. Podia estar enganado, mas acho que não - disse, num tom triste.

 

Mas, fosse como fosse, estas palavras só aumentavam ainda mais a devoção de Alex por Coop. O discurso do pai tivera o efeito contrário. Ouvir que a dívida de Coop se cifrava naquele montante fê-la ter pena do velho ator.

 

De repente, o bipe tocou. Não se tratava de uma urgência, mas Alex aproveitou o fato como pretexto para terminar com o encontro. Não haviam tocado na comida. O que ele tinha para dizer era muito mais importante e fazia parte das suas obrigações de pai. Já discutira o assunto com a mãe, que, como de costume, não queria meter-se. Mas incitara-o a falar com Alex. Alguém tinha de fazê-lo. E ele estava sempre disposto a fazer o trabalho ingrato. Fora uma hora muito desagradável para ambos.

 

- Tenho de voltar para o hospital - anunciou Alex, levantando-se.

 

- Acho que o melhor que tens a fazer é afastares-te. Seres vista com ele só irá prejudicar a tua reputação. Terás todos os caçadores de fortunas do mundo atrás de ti. - Até agora, principalmente devido aos seus próprios esforços e ao seu modo de vida, Alex conseguira evitar isso. As pessoas com quem trabalhava não faziam idéa de quem ela era ou, mais importante ainda, de quem era o seu progenitor. Irão seguir o rasto do teu sangue na água, depois de Winslow te dar um pontapé. - Outra bonita imagem. Madison via a filha como engodo para os tubarões. Alex sabia que o pai se preocupava com ela, mas o modo como se expressava era revoltante. A percepção que tinha do mundo parecia-lhe patética. Suspeitava de toda a gente e só via o lado negativo das coisas. Para ele, era inconcebível que, independentemente da reputação ou situação financeira de Coop, este pudesse estar efetivamente apaixonado por ela. - Vais a Newport no Verão? - perguntou, tentando amenizar o tom da conversa.

 

Alex fez que não com a cabeça.

 

- Não posso deixar o trabalho.

 

Mesmo que pudesse, preferia ficar em Los Angeles. Não tinha o menor desejo de ver a mãe, a irmã, Cárter ou o pai, ou qualquer um dos seus amigos. Há muito que renunciara àquele mundo. Ficaria na Califórnia com Cooper.

 

- Vai telefonando - disse Madison, num tom frio, enquanto lhe dava um beijo de despedida.

 

 

- Eu telefono. Dê cumprimentos à mamãe.

 

Esta não vinha ver Alex. Nunca viera. Esperava que Alex fosse visitá-la em Palm Beach. No entanto, estava sempre pronta para ir visitar os amigos a qualquer canto do mundo. Não havia nada em comum entre as duas. A mãe nunca sabia o que dizer-lhe, por isso, raramente telefonava. Sempre considerara a filha mais velha a ovelha negra da família, e nunca percebera a sua inclinação pela carreira médica. Deveria ter ficado em casa e casado com um rapaz bonito de Palm Beach. Apesar de as coisas não terem dado certo com Cárter, havia muitos outros homens como ele. Mas Alex não queria ninguém como Cárter. De momento, estava feliz com Coop, apesar de tudo o que o pai dissera.

 

Arthur Madison acompanhou a filha até ao elevador e, mal as portas se fecharam, virou-se e foi-se embora, enquanto Alex fechava os olhos, ao mesmo tempo que sentia o corpo entorpecido. O pai provocava sempre esse efeito nela.

 

Enquanto Alex se encontrava com o pai, Coop descansava debaixo de uma árvore, junto à piscina. Tinha o cuidado de não se expor ao sol, para proteger a pele. Essa era uma das razões por que parecia nunca envelhecer. Adorava a tranqüilidade da piscina durante a semana. Não se via viva-alma em redor. Mark e Jimmy tinham ido trabalhar, e as crianças estavam na escola. Com ar pensativo, tentava imaginar o que Arthur Madison estaria a dizer. Tinha quase a certeza de que o tema da conversa era ele. E não alimentava a menor dúvida de que o velho Madison não daria o aval ao seu romance com a filha. Só esperava que Alex não viesse aborrecida do encontro. Mas até Coop se via forçado a admitir que Madison, enquanto pai, tinha motivos para estar preocupado. Já devia saber dos graves problemas financeiros que o afligiam.

 

Pela primeira vez na vida, Coop estava aborrecido com o que alguém poderia pensar dele. Apesar das dificuldades financeiras que enfrentava, fora sempre de uma grande honestidade para com Alex e nunca tentara aproveitar-se dela, embora essa idéia ainda o houvesse assaltado. Aliás, começava a suspeitar que estava mesmo apaixonado por ela, fosse qual fosse o significado da palavra paixão. Ao longo dos anos, o termo significara coisas diferentes. Ultimamente, era sinônimo de uma relação tranqüila e sem sobressaltos. Às vezes, o fato de sentir que gostava de Alex era suficiente. Havia tantas mulheres da laia de Charlene...

 

Era muito mais reconfortante estar com Alex, uma mulher justa, meiga, divertida, e sem grandes exigências. E como era auto-suficiente do ponto de vista financeiro, Coop sabia que, se ficasse numa situação econômica desesperada, poderia contar com ela. O dinheiro de Alex era como um fundo de garantia. Ainda não precisava dele, mas poderia vir a precisar. Não era por isso que a namorava, mas o seu dinheiro dava-lhe uma certa segurança.

 

A única coisa que não lhe agradava era o fato de ela querer filhos. Um mal terrível. E uma mancha na sua relação.

 

Não se podia ter tudo. Talvez o fato de ser filha de Arthur Madison fosse suficiente para servir de compensação. Ainda não pensara a sério nesse assunto. Mas, mais cedo ou mais tarde, teria de fazê-lo. Alex ainda não o pressionara nesse sentido.

 

Quando voltou para casa, Coop deu de caras com Paloma, que limpava o pó, ao mesmo tempo que comia uma sanduíche. E, enquanto o fazia, ia deixando cair pingos de maionese em cima do tapete. Coop chamou-lhe a atenção para esse fato.

 

- Desculpe - replicou Paloma, enquanto pisava a nódoa com os tênis a imitar pele de leopardo.

 

Coop já desistira de a ensinar. Tentavam viver lado a lado, evitando confrontos. Percebera, semanas antes, de que Paloma também trabalhava para os Friedman, mas, desde que fizesse tudo o que tinha de fazer para si, não se importava. Estava a tornar-se mais tolerante. Talvez por influência de Alex. Os vidraceiros arranjavam a janela da sala de estar. Ainda não esquecera o incidente com a bola de basebol. Se um dia tivesse filhos, esperava que não fossem rapazes. Só de pensar nisso sentia náuseas. E lembrou-se da maldita Charlene. Pelo menos, nessa semana, não aparecera nos tablóides.

 

Estava servindo chá gelado num copo quando o telefone tocou. Pensou que talvez fosse Alex, mas não reconheceu a voz do outro lado do fio. Era uma mulher chamada Taryn Dougherty, que queria encontrar-se com ele.

 

- É produtora? - indagou Coop. Desde que rebentara o escândalo com Charlene, descuidara um pouco as questões de trabalho. Tinha outras coisas em mente.

 

- Não, sou designer. Mas não foi por isso que telefonei. Gostaria de discutir um assunto consigo.

 

Coop desconfiou, de imediato, que pudesse ser uma repórter, e arrependeu-se de ter atendido o telefone e de já se ter identificado. Mas agora não podia dizer que era o mordomo e que Mr. Winslow não se encontrava em casa, como costumava fazer às vezes, desde que Livermore partira.

 

- Que tipo de assunto? - perguntou, num tom frio. Nos últimos tempos, não confiava em ninguém.

 

- É um assunto pessoal. Tenho uma carta de uma velha amiga sua.

 

Tudo aquilo lhe parecia misterioso. Talvez se tratasse de uma artimanha. Provavelmente da parte de Charlene. Mas o tom de voz da mulher era agradável.

 

- De quem?

 

-Jane Axman. Não sei se o nome lhe dirá alguma coisa.

 

- Não. É advogada dela? - Também era possível que ele lhe devesse dinheiro. Recebia muitos telefonemas desse gênero.

 

- Sou filha dela.

 

A mulher não parecia querer adiantar mais nada, mas frisou que era importante e que não lhe roubaria muito tempo. Coop ficou intrigado. Esteve tentado a combinar um encontro no Beverly Hills Hotel, mas não lhe apetecia sair. Além disso, aguardava notícias de Alex. Receava que estivesse aborrecida. E não queria atender o celular no meio de um restaurante.

 

- Onde é que está instalada?

 

- No Bel Air Hotel. Acabei de chegar de Nova Iorque. Pelo menos estava alojada num bom hotel. Finalmente, a curiosidade foi mais forte.

 

- A minha casa não fica longe do hotel. Porque não vem até cá?

 

- Obrigada, Mister Winslow. Não lhe tomarei muito tempo. - Apenas queria vê-lo. E mostrar-lhe a carta da mãe.

 

Dez minutos depois, a mulher estava ao portão. Entrou na propriedade, ao volante de um carro alugado. Quando saiu, Coop reparou que se tratava de uma mulher alta e loira, com ar de trinta e muitos anos - trinta e nove, mais exatamente -, muito bonita e elegante, e com uma saia curta. Havia nela algo de familiar, mas não sabia o quê. Não lhe parecia que alguma vez se tivessem encontrado. Quando se aproximou, sorriu, estendeu a mão e cumprimentou Coop.

 

- Obrigada por ter a gentileza de me receber. Peço imensa desculpa pelo incômodo. Só quis tratar deste assunto quanto antes. Há muito que ando com vontade de lhe escrever.

 

- O que é que a trouxe à Califórnia? - indagou Cooper, enquanto a conduzia até à biblioteca. Ofereceu-lhe um copo de vinho, que ela recusou. Pediu um copo de água. Estava um dia quente.

 

- Ainda não sei. Tinha uma empresa de design em Nova Iorque. Vendi-a. O meu sonho sempre foi desenhar guarda-roupas para filmes, mas acho que é uma idéia meio amalucada. Pensei vir até cá ver o que se pode arranjar por aí. E conhecê-lo.

 

- Isso quer dizer que não é casada - deduziu Coop, oferecendo-lhe um copo de água, como ela pedira.

 

- Sou divorciada. Divorciei-me, vendi a empresa, a minha mãe morreu... tudo no espaço de poucos meses. Esta é uma daquelas raros momentos em que não tenho nada que me estorve e posso fazer o que muito bem entender. Ainda não sei se vou gostar, ou se vou ficar aterrada de medo - retorquiu a mulher, sorrindo. Não parecia receosa, muito pelo contrário.

 

- Então, o que é que diz essa famosa carta? Deixaram-me dinheiro de herança? - perguntou Cooper, soltando uma gargalhada.

 

- Receio que não.

 

Coop recebeu a carta. Era longa e, enquanto a lia, levantou várias vezes a cabeça, olhando, espantado, para a mulher. Quando acabou de ler recostou-se no sofá e fixou-a durante algum tempo, sem saber o que dizer ou o que ela pretendia. Devolveu-lhe a carta de semblante carregado. Se se tratasse de chantagem, não estava disposto a admiti-la.

 

- Que quer de mim? - indagou Coop, com brusquidão.

 

A pergunta entristeceu-a. Sempre esperara uma reação mais calorosa da parte dele.

 

- Absolutamente nada. Só quis conhecê-lo. Achava que também tivesse vontade de me conhecer. É um choque, admito. Para mim também foi. A minha mãe nunca me disse nada. Só encontrei a carta, como ela pretendia, depois da sua morte. O meu pai já morreu há anos. Não sei se ele alguma vez soube.

 

- Espero que não - respondeu Coop, num tom solene. Ainda se encontrava sob o efeito do choque. Mas aliviado por a mulher não querer nada de si. Acreditou nela. Tinha ar de pessoa honesta e era muito bonita. Noutro contexto ter-se-ia sentido atraído por ela.

 

- Acho que não se teria importado. Era muito bom para mim. Deixou-me grande parte do seu dinheiro. Não tinha mais filhos. E se por acaso viesse a saber, não me parece que se voltasse contra a minha mãe ou contra mim. Era um homem muito bom.

- Sorte a sua.

 

Coop não tirava os olhos dela. De repente, percebeu por que razão o seu rosto lhe era familiar. Parecia-se com ele. A carta referia que a mãe tivera um romance com Coop quarenta anos antes. Encontravam-se ambos em Londres, a representar uma peça, e o romance fora breve. Quando a peça acabou e ela voltou para Chicago, descobriu que estava grávida. Mas resolveu não dizer nada a Coop. Achava que não o conhecia suficientemente bem para o obrigar a assumir um compromisso mais sério. Era uma idéia estranha, especialmente numa mulher que resolvera levar a gravidez até ao fim. Casou com outro homem, teve a filha, e nunca lhe disse que o homem que ela acreditava ser seu pai não o era. Em vez disso, deixou-lhe uma carta que explicava tudo. Agora, estavam os dois sentados, a examinarem-se um ao outro. O homem que pensava que não tinha filhos via-se, de repente, a braços com dois: esta mulher de trinta e nove anos e o bebê que Charlene carregava. Era uma situação bizarra, para um homem que detestava crianças. Mas Taryn já não era nenhuma criança. Era uma mulher adulta, parecia respeitável e inteligente, e tinha dinheiro.

 

- Como era a sua mãe? Tem alguma fotografia que me possa mostrar? - Sentia curiosidade de saber se ainda se lembrava dela.

 

- Trouxe uma. Julgo que foi tirada mais ou menos nessa época.

 

Retirou-a cuidadosamente da bolsa e passou-a a Cooper. O rosto não lhe era estranho. Ainda se lembrava do papel que ela desempenhava na peça e de estar com ela em palco. Mas de pouco mais. Nessa altura, ele próprio era um doidivanas e bebia muito. Desde então, tivera um sem-número de mulheres. Contava trinta anos quando Taryn foi concebida.

 

- Isto é tudo muito estranho - disse Coop, devolvendo a fotografia à filha, sem tirar os olhos dela. Era muito bonita, dentro do estilo clássico, e muito alta. Devia ter cerca de um metro e oitenta. Ele tinha pouco mais de um metro e noventa. A mãe também era alta. - Não sei o que dizer.

 

- Não faz mal - respondeu Taryn Dougherty, num tom afável. - Só quis conhecê-lo. Tive uma vida boa e uns pais maravilhosos. Fui filha única. Não tenho nada a apontar-lhe. Nunca soube que eu existia. A minha mãe sempre guardou segredo, mas também não a censuro. Não tenho qualquer motivo para ficar desapontada com o que quer que seja.

 

- Tem filhos? - indagou Cooper, com voz trêmula. Fora um choque descobrir que tinha uma filha já adulta, e ainda não estava preparado para ter netos.

 

- Não. Sempre trabalhei. E nunca quis ter filhos. É embaraçoso, tenho de admitir.

 

- Não é embaraçoso. É genético - retorquiu Cooper, com um sorriso malicioso. - Também nunca quis ter filhos. Fazem muito barulho, andam sempre sujos e cheiram mal.

 

Taryn riu-se. Estava a gostar dele e começava a perceber por que razão a mãe se apaixonara e resolvera levar a gravidez até ao fim. Tinha charme e era divertido. Em suma, um cavalheiro da velha escola. Embora não parecesse muito velho, custava a acreditar que ele e a mãe tivessem a mesma idade. A mãe estivera doente durante anos. Este homem parecia ser muito mais novo do que efetivamente era.

 

- Vais ficar por estas bandas durante uns tempos? - indagou, interessado. Gostava dela e tinha a sensação de que uma espécie de laço os ligava. Mas precisava de tempo para perceber que tipo de laço era esse.

 

- Acho que sim. - Ainda não sabia ao certo o que queria fazer. Mas sentia-se aliviada. Agora que já conhecia o pai verdadeiro, podia levar sua vida, embora mantivesse ou não em contacto com ele.

 

- Posso ir ter contigo ao Bel Air? Talvez nos devêssemos nos encontrar de novo. Podias vir aqui jantar uma noite destas.

 

- Seria maravilhoso - respondeu Taryn, levantando-se e dando por terminado o encontro, que não ultrapassara a meia hora. Fora fiel à sua palavra. Não queria estar com mais delongas. Fizera o que tinha a fazer. Conhecera o pai verdadeiro. E, agora, ia voltar à sua vida. - E quero frisar que não tenho intençao de falar com a imprensa. Isto fica entre nós.

 

- Obrigado - disse Coop, sensibilizado com a atitude da filha. Era uma mulher extraordinária. Não queria nada dele. Taryn gostou do que viu. Cooper também. - Talvez seja uma tolice o que vou dizer, mas deves ter sido uma menina bem-comportada. A tua mãe devia ser uma mulher direita. - Especialmente por não lhe ter arranjado problemas e por ter arcado com todas as responsabilidades. - Lamento que tenha morrido. - Era uma sensação estranha saber que, enquanto prosseguia a sua vida, em algum lugar no mundo, havia uma filha sua, de cuja existência nunca soubera.

 

- Obrigada. Também lamento muito. Adorava-a.

 

Coop deu-lhe um beijo na face. Taryn sorriu. Era o mesmo sorriso que ele via no espelho todos os dias, e que os amigos tão bem conheciam. Olhar para ela causava-lhe uma sensação estranha. As semelhanças consigo eram evidentes, e a mãe, certamente, também reparara nisso. Só esperava que o marido nunca tivesse sabido.

 

Coop manteve-se em silêncio o resto do dia. Tinha muito em que pensar. Quando Alex chegou, às sete horas, ainda estava pensativo, e ela perguntou-lhe se  sentia-se bem. Coop quis saber como correra o encontro com o pai. Ela respondeu que bem, mas não adiantou mais nada.

 

- Foi grosseiro contigo? Alex encolheu os ombros.

 

- Ele é quem é. Não é o pai que eu teria escolhido, mas é o que tenho - retorquiu Alex. E encheu um copo de vinho.

 

Fora um dia longo para ambos. Coop só lhe falou de Taryn ao jantar. Paloma deixara frango, e Alex acrescentou-lhe massa e fez uma salada. Foi suficiente. O semblante de Coop adquiriu uma expressão estranha.

 

- Tenho uma filha - anunciou, enigmático.

 

- Ainda é muito cedo para ela saber isso, Coop. Está a mentir. Quer ver se te amolece o coração.

 

 

Alex estava irritada com aquilo que pensava ser outro dos truques de Charlene.

 

- Não estou a falar dela.

 

Coop parecia aturdido. Estivera toda a tarde a pensar em Taryn. O encontro com a filha abalara-o profundamente.

 

- Há mais alguém que vá ter um filho teu? - perguntou Alex, chocada.

 

- Ao que parece, já teve. Há trinta e nove anos. Coop falou-lhe de Taryn, sem conseguir disfarçar a emoção.

 

- Que história extraordinária! - exclamou Alex, estupefata. - Como é que a mãe conseguiu guardar esse segredo ao longo destes anos todos? Como é que ela é? - Estava intrigada.

 

- Bonita. Gosto dela. E muito parecida comigo. Mas mais bonita, claro. Gostei muito dela. É uma pessoa muito... íntegra. Nesse aspecto, é como tu. Frontal e séria. Não queria nada de mim, e disse que não ia contar nada à imprensa. Só queria conhecer-me.

 

- Porque não a convidas a vir cá em casa outra vez? - sugeriu Alex, vendo que a vontade de Coop era também essa.

 

- Acho que é o que vou fazer.

 

Porém, em vez disso, foi almoçar com ela ao Bel Air no dia seguinte. Falaram de si próprios e ficaram admirados com as muitas semelhanças que havia entre eles, com os gostos que partilhavam, desde o sorvete e a sobremesa favoritos ao tipo de livros de que gostavam. No final do almoço, Coop teve uma idéia estranha.

 

- Não queres ficar alojada no Chalé? - sugeriu. Queria passar mais tempo com a filha. De repente, Taryn surgia na sua vida como uma dádiva do céu e não queria perdê-la. Só queria tê-la perto de si, pelo menos durante uns dias, umas semanas. Taryn também adorou a idéia.

 

- Não quero aborrecer - disse, cautelosamente, mas a idéia atraía-a.

 

- Não aborreces em nada.

 

Coop lamentava agora ter inquilinos, tanto na casa do caseiro como na ala de hóspedes. Seriam ótimos alojamentos para ela. Mas também dispunha de uma enorme suíte de hóspedes na ala principal da casa, e Alex não levantaria qualquer objeção.

 

Taryn prometeu mudar-se no dia seguinte e Alex mostrou-se entusiasmada com a idéia. Esta ainda não contara a Coop o que o pai dissera, nem nunca o faria. Sabia que o coração de Coop ficaria destroçado e não havia necessidade de o magoar.

 

Taryn, pelo contrário, parecia ter trazido uma nova alma a Coop. Desde que o conhecia, há poucos meses, Alex nunca o vira assim. Parecia muito mais calmo, totalmente em paz consigo mesmo.

 

Taryn mudou-se para o Palacete com muito pouca bagagem e praticamente sem reboliço. Era uma pessoa discreta, educada, afável e de fácil trato. Não pediu nada a Paloma e teve o cuidado de não importunar Coop. Quando conheceu Alex, criou-se, de imediato, uma empatia entre as duas. Eram ambas pessoas íntegras e fortes, que primavam pela simpatia. E Alex também achou Taryn parecida com Coop. Até tinha o mesmo ar aristocrático. Mas diferia dele em duas coisas: viajava com muito pouca bagagem e era estável do ponto de vista financeiro.

 

Passaram vários dias tentando conhecer-se melhor, a falar dos respectivos passados e a partilhar opiniões sobre tudo e mais alguma coisa. Havia diferenças e semelhanças que os deixavam a ambos intrigados. Depois de se conhecerem melhor, Taryn perguntou-lhe se as suas intenções para com Alex eram sérias, e Coop respondeu-lhe que ainda não sabia. Estava sendo de uma grande sinceridade. Embora se conhecessem há pouco tempo, Taryn conseguira despertar o que de melhor havia em Coop, ainda mais do que Alex. Dava a impressão de que o seu desígnio era esse. Agora que sabia que o pai existia, queria saber quem ele era, e gostava do que via, apesar de ver também as suas fraquezas.

 

- Estou num dilema em relação a Alex - confessou Coop.

 

- Por ser tão nova?

 

Taryn estava deitada à sombra, junto à piscina. Tinha a mesma pele clara do pai e, tal como ele, evitava expor-se ao sol. Coop costumava dizer que era devido aos seus antepassados britânicos que tinha a pele ”inglesa”.

 

- Não, já estou habituado a isso. As mulheres novas não me chateiam - respondeu Coop, esboçando um sorriso. Ela até já é um pouco velha para mim. - E ambos riram do comentário. Também já lhe falara de Charlene. - O pai é o Arthur Madison. Sabes o que isso quer dizer. Estou sempre a questionar-me sobre as razões por que ando com ela. Além disso, estou atolado em dívidas. - A sua sinceridade provocava admiração em Taryn. - Às vezes, tenho a sensação de que ando atrás do dinheiro dela. Outras vezes, já não sinto isso. Seria uma forma fácil de resolver os meus problemas financeiros. Talvez demasiado fácil. Será que a amaria da mesma forma se ela não tivesse um tostão furado?, pergunto-me muitas vezes. Ainda não sei a resposta. Estou confuso.

 

- Talvez isso não tenha importância.

 

- Mas talvez tenha - replicou Coop. Taryn era a única pessoa com quem podia falar com toda a franqueza, porque não tinha qualquer interesse na questão e ele não queria nada dela. A única coisa que queria era tê-la na sua vida. Pela primeira vez estava próximo do amor incondicional. E tudo acontecera de um dia para o outro, como se já estivesse à espera que Taryn entrasse na sua vida. Precisava dela. E talvez Taryn também precisasse dele. - Quando o sexo e o dinheiro se encontram, dá confusão. Tem sido sempre assim ao longo da minha vida. - Estava adorando partilhar os seus segredos com ela, e surpreendido consigo mesmo.

 

- Talvez tenha razão. Também tive um problema desses com o meu marido. Pusemos a empresa de pé e acabamos por ir cada um para seu lado. Ele só se importava com o lucro. Eu fazia a parte de design e recebia os louros do trabalho, o que o deixava morto de ciúmes. No processo de divórcio, tentou ficar com a empresa. Chegou a dormir com a minha assistente, acabando por ir viver com ela, e eu quase fiquei de rastos por causa disso.

 

- Lá está. Dinheiro e sexo. É uma mistura explosiva.

 

- As suas dívidas são muito elevadas? - indagou Taryn, preocupada.

 

- Muito, mesmo. A Alex não sabe. Nunca toquei nesse assunto. Não queria que ela pensasse que andava atrás do dinheiro dela para pagar as minhas dívidas.

 

- E anda?

 

- Não tenho a certeza. Seria muito mais fácil do que andar a esfalfar-me a fazer anúncios e sabe Deus que mais. Mas é uma mulher impecável e não quero dinheiro dela. Se fosse outra, talvez. E também não quero dinheiro teu. Não queria misturar as coisas, nem estragar o que já tinham alcançado. Gostava das coisas tal como estavam. Tudo era claro entre eles, e era assim que queria continuar. - A única coisa de que preciso é de um papel num filme decente, um bom papel, para levantar a cabeça. Mas sabe-se lá quando é que isso irá acontecer. Se calhar, nunca. Não é fácil dizer isto.

 

- E se esse papel não aparecer? - Taryn parecia preocupada. Coop encarava as questões econômicas com alguma superficialidade.

 

- Acaba sempre por aparecer qualquer coisa.

 

E se isso não acontecesse, lá teria de se voltar para Alex. De repente, apontou para os pés de Taryn.

 

- Algum problema? - Taryn estivera na pedicure e pintara as unhas de cor-de-rosa. Pensou que talvez ele preferisse vermelho. Mas sempre usara aquela cor. O verniz vermelho lembrava-lhe sangue.

 

- Tens os pés iguais aos meus! - exclamou Coop, espantado. Pôs os pés ao lado dos dela e riram-se. Pareciam gêmeos. Tinham os mesmos pés compridos e elegantes. - E as mesmas mãos!

 

Não havia qualquer dúvida de que era mesmo sua filha. Não que quisesse que não fosse. Ainda pensara apresentá-la como sobrinha. Mas, à medida que se iam conhecendo melhor, só a queria apresentar como filha. E perguntou-lhe o que achava.

 

- Acho ótimo, desde que isso não o prejudique.

 

- Não vejo porquê. Podemos dizer que tens catorze anos.

 

- Prometo não dizer a ninguém que idade tenho - retorquiu Taryn, e riu-se. Até o riso era praticamente igual. Para mim, é ótimo. Com a minha idade, é uma chatice estar outra vez solteira. Estou quase com quarenta. Casei-me aos vinte e dois.

 

-Que seca deve ter sido a tua vida! - comentou Coop, em tom de censura, fazendo com que Taryn se risse. Adoravam estar um com o outro. - Já estava no momento de fazeres uma mudança. Tens de arranjar um namorado.

          

- Ainda não. Não estou preparada. Preciso ganhar fôlego. Perdi o marido, a empresa e a minha mãe, e ganhei um pai, tudo no espaço de meses. Preciso de tempo. Tenho muita coisa para assimilar.

 


- E o trabalho? Vais procurar alguma coisa por estes lados? - O instinto protetor de Coop estava começando a se manifestar.

 

- Não sei. Sempre quis desenhar roupa, mas é capaz de ser uma idéia extravagante. Não preciso de trabalhar. A empresa foi muito bem vendida e a minha mãe deixou-me o que tinha. O meu pai... o meu outro pai - corrigiu, com um sorriso - também me arranjou um bom pé-de-meia. Talvez eu o possa ajudar. Sou extremamente organizada e sei o que é necessário fazer para sair de uma situação difícil.

 

- Devem ser os genes da tua mãe. Eu sou ao contrário. O caos financeiro é algo que já me é familiar - comentou Coop, com grande sentido de humor e humildade, o que deixou Taryn ainda mais cativada.

 

- Descreva-me a sua situação financeira e eu dir-lhe-ei o que penso.

 

- Talvez consigas interpretar aquilo que o meu contabilista diz e que é essencialmente isto: ”Não compre nada e venda a casa.” É um homenzinho chato.

 

Quando Alex estava presente, faziam o jantar juntos, iam ao cinema e tinham conversas intermináveis. Mas, se via que estava a mais, Taryn desaparecia discretamente. Não queria fazer de pau-de-cabeleira. Gostava muito de Alex e tinha um grande respeito pelo seu trabalho.

 

Um sábado de manhã, Taryn e Alex estavam deitadas junto à piscina, a conversar sobre o trabalho de Alex, quando Mark e os filhos saíram da ala de hóspedes. Coop encontrava-se no terraço, a ler um livro. Estava constipado e não lhe apetecia nadar.

 

Alex apresentou Taryn aos Friedman, sem referir quem ela era. Mark perguntou se ela e Cooper eram familiares. Havia uma estranha semelhança entre eles, e perguntou a Alex se também já reparara nisso. As duas mulheres desataram a rir.

 

- Para ser franca, ele é meu pai. Já não nos víamos há muitíssimo tempo.

 

As palavras foram ditas com tal naturalidade que Alex teve de conter o riso. Taryn saíra-se bastante bem.

 

- Não sabia que Coop tinha uma filha - disse Mark, espantado.

 

- Nem ele - retorquiu Taryn, com um sorriso. E mergulhou na piscina.

 

-- Que disse ela? - perguntou Mark a Alex, confuso.

 

- É uma longa história. Pode ser que um dia lhe contem.

 

Poucos minutos depois, apareceu Jimmy. O dia estava quente e todos queriam dar um mergulho na piscina. Mark conversava com Taryn, enquanto os filhos recebiam um grupo de amigos que acabava de chegar. Alex pediu-lhes que não ouvissem música, pois Coop estava um pouco adoentado, e eles juntaram-se na outra extremidade da piscina, a falar e a rir, o que deu oportunidade a Alex de conversar calmamente com Jimmy.

 

- Que tal vão as coisas? - perguntou ela, num tom descontraído, deitada numa cadeira, enquanto Jimmy punha protetor solar nos braços. Apesar dos cabelos escuros, tinha pele clara. Alex ofereceu-se, de imediato, para lhe pôr creme nas costas. Jimmy hesitou por instantes, depois agradeceu-lhe e virou-se. Mais ninguém lhe fizera tal coisa desde a morte de Maggie.

 

- Mais ou menos. E você? Como vai o trabalho?

 

- Muito trabalho. Às vezes, penso que o mundo só tem prematuros e bebês com problemas. Nunca mais vejo bebês saudáveis.

 

- Deve ser um trabalho deprimente.

 

- Não propriamente. Muitos deles ficam bons. Outros, não. Ainda não me habituei a essa idéia. - Ficava de rastos quando um bebê morria. Era uma tristeza para toda a gente. Mas as vitórias eram saborosas. - Os pequenos com quem trabalha também não têm uma vida fácil. Custa imaginar como algumas pessoas tratam os filhos.

 

- Também nunca conseguirei  me habituar a isso.

 

Tanto um como outro já haviam assistido a muitas situações dramáticas. E cada um à sua maneira tentava salvar vidas.

 

- O que a levou a querer ser médica?

 

- A minha mãe.

 

- Também é médica?

 

- Não, leva uma vida de total futilidade. Passa o tempo nas compras, em festas e na manicura. A minha irmã também. E eu queria fazer algo diferente de tudo isso, custasse o que custasse. Quando era pequena, queria ser piloto de aeronaves. Mas também me pareceu uma profissão chata. É quase como ser motorista de ônibus. O que faço é mais interessante, é diferente todos os dias.

 

- O meu trabalho também é assim. Quando andava em Harvard, queria ser jogador de hóquei no gelo, nos Bruins. Mas a minha namorada convenceu-me de que ficaria com um aspecto horrível sem dentes. Acabei por lhe dar razão. Mas ainda gosto de patinar. - Ele e Maggie costumavam patinar muito, mas procurou não pensar nisso. - Quem é a mulher que está a falar com o Mark? - indagou, visivelmente interessado, e Alex sorriu.

 

- É filha de Coop. Vai ficar com ele durante uns tempos. Acabou de chegar de Nova Iorque.

 

- Não sabia que ele tinha uma filha. - Jimmy parecia surpreendido.

 

- Para ele também foi uma surpresa.

 

- Deve ter um monte de filhas destas.

 

- Esta foi uma boa surpresa. É uma jóia de pessoa. Mark também parecia partilhar da mesma opinião. Há uma hora que estavam a conversar, e Jessica metralhava-a com perguntas. Jason andava atarefado a empurrar os amigos para dentro da piscina. - São bons garotos.

 

- Sem dúvida.  Mark é um homem de sorte, pelo menos com os filhos. Mas não devem tardar a voltar para a mãe. Vai sentir imensas saudades deles.

 

- Talvez também volte para lá. E você? Vai ficar por aqui ou vai voltar para o Este?

 

Alex sabia que Jimmy era de Boston e, de repente, lembrou-se que ele talvez conhecesse um primo seu, que andara em Harvard no mesmo tempo.

 

- Gostaria de ficar por aqui - respondeu Jimmy, com ar pensativo. - Embora esteja com pena da minha mãe. O meu pai morreu e ela está sozinha. Sou a única pessoa que tem no mundo. - Alex perguntou-lhe se conhecia o primo.

 

Jimmy esboçou um sorriso. - Luke Madison era um dos meus melhores amigos. Vivíamos na mesma irmandade. Costumávamos apanhar valentes jogadas aos fins-de-semana. Se duvidar, já não nos vemos há uns bons dez anos. Acho que foi para Londres quando acabamos o curso e perdi-lhe o rasto.

 

- Ainda está lá. E tem seis filhos. Todos rapazes. Também não o vejo com muita freqüência, só nos casamentos. E mesmo a esses vou muito raramente.

 

- Alguma razão particular?

 

Jimmy continuava a não perceber a atração de Alex por Coop. Achava que não fazia qualquer sentido, mas, como é óbvio, não tocou no assunto. Não morria de amores pelo velho ator. Não sabia muito bem porquê. Tratava-se de uma aversão instintiva. Talvez ciúmes. Coop não passava de um mulherengo que só pensava nos prazeres carnais. E isso ia contra os seus princípios.

 

-Já uma vez tive um mau... casamento. Isto é... Alex explicou o que se passara e Jimmy riu-se.

 

- Foi pena. Os bons podem ser extraordinários. O meu foi. Não a boda em si, mas o casamento, enquanto relação. Maggie era uma mulher espetacular.

 

- Lamento muito o que se passou.

 

Alex sentia imensa pena dele, mas Jimmy parecia melhor. Não andava tão angustiado, nem tão pálido. E já engordara uns quilinhos. Os serões passados com os Friedman faziam-lhe bem e, pelo menos, comia. Além de nutrir uma grande amizade pelos jovens.

 

- Há dias em que a tristeza parece que me vai matar. Outras vezes, dá a impressão de que nem sequer a sinto. Nunca sei com que disposição é que vou acordar no dia seguinte. Um dia que está correndo bem pode transformar-se num pesadelo. E um dia que começa da pior maneira, em que só tenho vontade de morrer, pode, de repente, dar a volta. É como uma dor ou uma doença, nunca se sabe como vai evoluir. Acho que já estou habituando-me. Ao fim de algum tempo, passa a ser um modo de vida.

 

-Julgo que só o tempo conseguirá sarar essa dor. - Era um lugar-comum, mas Alex achava que correspondia à verdade. Maggie falecera há quase cinco meses. Quando se mudou para ali, Jimmy parecia meio morto. - Muitas coisas são assim, embora talvez não tão duras. Levei muito tempo a digerir o casamento que nem sequer  chegou a  se realizar.

 

- Acho que são casos diferentes. O seu tem a ver com confiança. O meu, com perda. É mais puro. Não há ninguém a quem culpar. Dói muito. - Falava com toda a sinceridade e Alex achou que lhe estava fazendo bem desabafar. Quanto tempo ainda vai durar a sua especialização?

 

- Mais um ano. Às vezes parece uma eternidade. São muitos dias, muitas noites. Provavelmente, ficarei na UCLA, mesmo depois de acabar a especialização, se me quiserem. Têm uma Unidade de Cuidados Intensivos de Neonatologia extraordinária. É uma especialidade difícil, não há muitos neonatologistas. Ia ser uma simples pediatra, mas fiquei fascinada pela Neonatologia. Andamos sempre com a adrenalina no máximo, nunca morremos de tédio.

 

Entretanto, Taryn e Mark, que haviam estado a conversar sobre legislação fiscal e paraísos fiscais, aproximaram-se de Jimmiy, que esboçou um sorriso ao vê-los. Taryn era quase da mesma altura que Mark. Formavam um casal engraçado e eram quase da mesma idade.

 

- De que estão vocês os dois a falar? - perguntou Mark, enquanto se sentava.

 

- Trabalho. De que mais poderia ser? - gracejou Alex.

 

- Também nós.

 

E enquanto falavam, uma chusma de adolescentes atirou-se para dentro da piscina. Alex sentiu um grande alívio por Coop não se encontrar ali. Teria ficado doente. Fora esplêndido que a sua única filha só tivesse aparecido aos trinta e nove anos. Para ele, era a idade ideal de um filho. Alex comentara isso com Taryn no dia anterior e não conseguiram evitar o riso. Coop tinha uma fobia visceral a crianças.

 

Cinco minutos depois, os jovens começaram um animado jogo de pólo, e Mark e Jimmy juntaram-se a eles.

 

- É um bom homem - disse Taryn, referindo-se a Mark. - Acho que ficou muito pra abaixo quando a mulher o abandonou. Foi uma sorte para ele os filhos terem resolvido voltar.

 

- O Coop é que não ficou lá muito contente - comentou Alex. - Mas são crianças adoráveis - afiançou.

 

- Como é o Jimmy? - perguntou Taryn, interessada.

 

- É uma pessoa triste. Perdeu a mulher há quase cinco meses. Tem sido muito duro para ele.

 

- Outro?

 

Parecia uma epidemia, mas Alex apressou-se a fazer um gesto negativo com a cabeça.

 

- Não. Cancro. Tinha trinta e dois anos - sussurrou. Jimmy acabava de marcar um ponto para a sua equipe. No instante seguinte, passou a bola a Jason, que marcou outro ponto. O jogo estava a ser disputado com grande algazarra e impetuosidade. Entretanto, do lugar onde se encontrava, Coop fez-lhes sinal para voltarem. Estava pronto para almoçar. - Acho que o mestre nos chama.

 

- É feliz com ele, Alex? - inquiriu Taryn.

 

- Sou. Só é pena ele não gostar de crianças.

 

- Não se importa com a diferença de idades?

 

- No princípio, ainda pensei nisso, mas não acho que tenha importância. Às vezes, parece um garoto.

 

- Mas não é.

 

- É o que o meu pai diz.

 

- Ele não aprova? - Não ficou espantada. Ter Coop como genro não era o sonho de nenhum pai, a menos que tivesse uma fixação especial por estrelas de cinema, o que parecia pouco provável, sendo o pai de Alex quem era.

 

- Para dizer a verdade, ele nunca aprova o que eu faço. E está preocupado com Coop.

 

- É natural. Pela vida que ele tem levado. Está preocupada com a mulher que diz que vai ter um filho dele?

 

- Não. Porque ele também está se lixando para ela. E ainda não se sabe se o filho é dele.

 

- E se for? Encolheu os ombros.

 

- A única coisa que ele terá de fazer é mandar-lhe um cheque todos os meses. Diz que nem sequer quer ver a criança. Está furioso com ela.

 

-- É compreensível. É pena ela não querer fazer um aborto. Tornaria as coisas mais simples para todos.

 

- Por um lado, é verdade. Mas se a sua mãe tivesse feito o aborto, você não estaria aqui. E ainda bem que não o fez.

 

Especialmente por Coop. Tê-la como filha significa muito para ele. - Alex achava que era uma bênção para os dois.

 

- Ele também significa muito para mim. Nunca imaginei que isso viesse a acontecer. Ou talvez imaginasse. Foi por isso que vim. Estava mortinha de curiosidade. Tenho uma grande amizade por ele. Não sei que tipo de pai é que ele teria sido quando eu era nova, mas agora é um amigo maravilhoso.

 

A aparição de Taryn tivera um efeito positivo em Cooper. Era como se tivesse encontrado a peça que faltava no puzzle da sua vida, uma peça que nem ele próprio sabia estar perdida.

 

As duas acenaram para todos os outros em sinal de despedida e voltaram, em passo lento, para casa. Coop aguardava-as.

 

- Estão a fazer uma barulheira infernal! - queixou-se. A constipação causava-lhe mal-estar.

 

- Não tardam a sair da piscina - assegurou-lhe Alex. Está na hora de almoço.

 

- E se fôssemos os três almoçar ao Ivy? - sugeriu Coop. E ambas adoraram a idéia. Foram mudar de roupa e voltaram, vinte minutos depois, vestidas e prontas para sair.

 

Coop conduziu-as até North Robertson, no velho Rolls Royce. Foram o caminho todo a rir e a conversar. Chegados ao restaurante, sentaram-se no terraço. Estava uma tarde magnífica. Alex olhou para Coop e trocaram um sorriso. Sabia que estava tudo bem no mundo dele, assim como no seu.

 

O mês de Maio estava quase no fim quando Alex, que fazia um turno de dois dias no hospital, foi chamada à recepção para atender um telefonema. Acabara de passar um relaxante fim-de-semana na companhia de Coop, e as coisas nos Cuidados Intensivos, contra o que era costume, estavam relativamente calmas.

 

- Quem é? - perguntou, ao pegar o telefone. Acabara de chegar do almoço.

 

- Não sei - respondeu a funcionária. - É uma chamada interna.

 

Alex pensou tratar-se de um colega.

 

- Doutora Madison - disse, num tom de voz formal. --Estou impressionado.

 

Alex não reconheceu a voz.

 

- Quem fala?

 

- É o Jimmy. Tive de vir fazer umas análises e lembrei-me de telefonar. Muito trabalho?

 

- Não, nem por isso. Escolheu um momento ótimo. Acho que estão todos a dormir. Não devia dizer isto em voz alta, mas não houve nenhuma situação de crise durante todo o dia. Onde é que está?

 

Estava contente por Jimmy lhe ter telefonado. Gostara da última conversa que haviam tido. Era uma pessoa impecável, mas com um azar dos diabos. Precisava de amigos, e ela seria a primeira a oferecer-lhe um ombro amigo, sempre que ele precisasse de desabafar.

 

- Estou no laboratório principal.

 

Jimmy parecia perdido e Alex ficou preocupada com a saúde dele. Talvez fosse o stresse. Já para não falar na mágoa que o consumia.

 

- Não quer vir ter comigo? Não posso sair daqui, mas posso oferecer-lhe uma caneca do nosso café intragável, se o seu estômago aguentar.

 

- Adoraria.

 

Era do que estava à espera, quando tomou a liberdade de telefonar. Alex deu-lhe todas as indicações para ele conseguir dar com a Unidade de Cuidados Intensivos.

 

Quando Jimmy saiu do elevador, Alex encontrava-se na recepção a falar ao telefone com uma mãe que acabava de levar a filha para casa. A bebê estava a reagir bastante bem. Estivera cinco meses internada. Era uma das estrelas de Alex.

 

- Então é aqui que trabalha - disse Jimmy, olhando em volta.

 

Havia uma vitrina atrás do balcão da recepção, onde se podia ver uma confusão de equipamentos, incubadoras, luzes e pessoal médico de máscara. Alex também tinha uma à volta do pescoço, além de um estetoscópio. Estava impressionado. Alex encontrava-se no seu elemento natural.

 

- É um prazer vê-lo por aqui - congratulou-se Alex, ao entrar no seu minúsculo gabinete, com o divã onde dormira ainda por arrumar. Costumava atender os pais na sala de espera. - O que é que o traz por cá? Algum problema de saúde? - indagou, preocupada.

 

- Não, simples exames de rotina. Tenho de fazer um exame completo todos os anos, por causa do trabalho. Radiografia do tórax, o teste da tuberculina, esse tipo de coisas. Já devia ter feito isso tudo há mais tempo, mas não tenho tido disponibilidade. Fartaram-se de me mandar avisos. Agora, disseram-me que só posso ir trabalhar na próxima semana se fizer os exames. Por isso, aqui estou. Tive de pedir dispensa da parte da tarde, porque nunca se sabe quanto tempo é que isto demora. Provavelmente, terei de trabalhar no sábado para compensar.

 

- É o que acontece comigo. - Alex sentiu um grande alívio por ele não estar doente. E deu consigo a perscrutar os olhos castanho-escuros de Jimmy, onde ainda eram visíveis as marcas da dor que o vinha atormentando há meses. - Em que consiste o seu trabalho? - perguntou, interessada, enquanto lhe oferecia um copo de plástico de café intragável.

 

Jimmy bebeu um gole e deixou escapar uma risada.

 

- Vocês servem o mesmo veneno para ratos que nós. Ao nosso, costumamos juntar-lhe uma pitada de areia, dá-lhe um toque especial. - Alex riu-se. Já estava habituada ao café, mas também não gostava dele. - Em que consiste o meu trabalho? Tiro crianças de lares onde sofrem os piores maus tratos, desde serem sodomizados pelo pai, pelo tio e por dois irmãos mais velhos... mando crianças para o hospital com queimaduras de cigarros por todo o corpo... ouço os queixumes de mães desesperadas, que não conseguem arranjar comida para os filhos, pois têm sete bocas para alimentar e, ainda por cima, o pai bate-lhes... ponho garotos de nove, onze anos, em programas de reintegração social... às vezes, limito-me a ouvir... ou a dar uns pontapés numa bola com alguns. -Julgo que era incapaz de fazer isso. Ficaria deprimida. Lido com pequeninos seres que vêm ao mundo já com mazelas, e fazemos o melhor que podemos para lhes proporcionar boas condições de saúde. Mas acho que o seu trabalho dava cabo de mim.

 

- O engraçado é que não dá. - Bebeu um gole de café e arrepiou-se. Era pior do que aquele que bebia no trabalho. Às vezes, dá-nos esperança. Acreditamos sempre que alguma coisa vai mudar. E o que é fato é que, de vez em quando, isso acontece. É o suficiente para recarregar as energias. E, independentemente daquilo que possamos sentir, temos de lá estar. Caso contrário, as coisas complicar-se-ão com certeza. E se o inferno das crianças piorar ainda mais...

 

Entretanto, os seus olhos encontraram-se e Alex teve uma idéia.

 

- Quer ir dar uma volta?

 

- Pela UCI? - Parecia espantado. - Não há problema?

 

- Se alguém perguntar, digo que é um médico externo. Se houver uma situação de emergência, mantenha a calma.

 

E deu-lhe um casaco branco para vestir. Era de tamanho médio, ficava-lhe apertado nos ombros e curto nos braços, mas ninguém notaria. O que interessava era o que eles faziam, não a forma como andavam vestidos.

 

- Não se preocupe. Se houver uma urgência, fugirei o mais depressa que puder.

 

Mas nada aconteceu. Nem sequer a solicitaram para o que quer que fosse. Enquanto perambulavam pela unidade, Alex explicava o que estava acontecendo em cada caso, de que problema se tratava e que tipo de tratamento estavam fazendo aos bebês que se encontravam nas incubadoras. Alguns deles eram tão pequenos que nem sequer usavam fraldas. Jimmy nunca vira tantos tubos e tantas máquinas, nem bebês tão franzinos. O mais débil pesava cerca de setecentos gramas, mas as suas hipóteses de sobrevivência eram praticamente nulas. Mas lá já haviam estado bebês com menos peso. Os mais pesados tinham mais chances de sobrevivência, mas até esses corriam sérios riscos. Jimmy ficou de coração dilacerado ao ver as mães sentadas junto às incubadoras, a tocar nos minúsculos dedos dos filhos, aguardando um sinal de esperança. O momento mágico do nascimento tornara-se um pesadelo e, por vezes, tinham de viver nesse stresse durante meses, até saberem como o estado dos bebês evoluiria. Quando saíram da unidade, Jimmy vinha abalado. Nunca conseguiria lidar com todo aquele stresse.

 

- Meu Deus, Alex, é incrível. Como é que consegue aguentar a pressão? - Se cometessem o menor erro, por um segundo que fosse, a vida de uma criança estaria em jogo, e o curso da história de uma família seria alterado irremediavelmente. Era um fardo que ele nunca conseguiria carregar. Mas Alex conseguia, o que fazia com que Jimmy tivesse por ela uma tremenda admiração. - Acho que acordaria todos os dias com medo de vir trabalhar.

 

- Mas o seu trabalho é tão duro como o meu. Se você falha nalguma coisa, ou não faz o diagnóstico correcto da situação, ou se precipita, uma pobre criança pode morrer, ou ser morta, ou ficar com marcas para a vida inteira. Tem de ter o mesmo tipo de instinto que eu tenho. No fundo, a idéia é a mesma, o lugar é que é diferente.

 

- Também é preciso ter um coração enorme para fazer o que você faz.

 

Alex tinha-o. Jimmy já se apercebera disso há muito tempo, daí que não entendesse o relacionamento de Alex com Coop. Enquanto para este tudo tinha de girar à sua volta, para Alex, o centro das atenções eram os seus doentes, e era ela que girava à volta deles. Talvez fosse por isso que a relação entre os dois funcionava.

 

Ficaram a conversar mais um pouco, junto ao balcão da recepção. Entretanto, chamaram Alex para avaliar o estado de saúde de um doente e dar uma consulta, e Jimmy teve de se despedir.

 

- Obrigado por me ter permitido vir até aqui. Estou impressionado.

 

- Tem tudo a ver com o trabalho de equipe. Sou uma peça muito pequena no meio de toda esta engrenagem retorquiu Alex, com humildade, enquanto Jimmy lhe dava um abraço de despedida. E à medida que as portas do elevador se fechavam e Jimmy lhe dizia adeus, Alex retomou o trabalho.

 

Alex só voltou a vê-lo no sábado seguinte, à tarde. Por milagre, conseguira outro sábado livre, mas tinha de trabalhar no domingo. Quando Jimmy apareceu na piscina, já ela, Taryn, Cooper, Mark e os filhos lá estavam. Taryn trazia um enorme chapéu de aba larga e, como de costume, Coop estava sentado à sombra da sua árvore favorita. Ele atribuía o aspecto jovem da sua pele ao facto de nunca se expor ao sol. E estava satisfeito por ver que Taryn procedia da mesma forma. Com Alex, acontecia o contrário, o que fazia com que passasse o tempo a chateá-la por apanhar demasiado sol.

 

Quando apareceu, Jimmy aparentava um ar mais calmo. Mal viu Alex, sorriu-lhe. Cumprimentou, então, Coop, enquanto Mark e Taryn continuavam a conversar sobre algo que parecia fasciná-los. Os jovens não haviam convidado os amigos, por isso o ambiente era bastante calmo. Com o bom tempo, a piscina estava em festa permanente, mas, desta vez, eram apenas os residentes do Chalé - um alívio para Coop.

 

Desde que Taryn se mudara, Coop andava de muito bom humor. Passava muito tempo com ela, e já a levara a almoçar ao Spago e ao Lê Dome, e a todos os lugares que habitualmente frequentava. Gostava que o vissem a seu lado e de a apresentar como filha. Ninguém parecia espantado, apenas fingiam haver esquecido que ele tinha uma filha já crescida. Além disso, Taryn era uma mulher respeitável. Coop apresentava-a a toda a gente, e ela parecia gostar de Hollywood. Era um mundo novo e divertido. Mais cedo ou mais tarde, teria de decidir se regressaria ou não a Nova Iorque, ou se arranjaria um negócio em Los Angeles. Não queria tomar uma decisão precipitada. Estava a divertir-se e não se sentia pressionada a fazer fosse o que fosse.

 

Alex achava que Taryn exercia uma boa influência sobre Coop. Embora já antes fosse uma pessoa maravilhosa, parecia menos egocêntrico e mais interessado na vida das outras pessoas. Ao ponto de perguntar a Alex o que fizera no hospital. Mas quando ela lhe falava das complicadas intervenções médicas em que participava, parecia não perceber patavina, como aconteceria com qualquer outra pessoa. Andava feliz e descontraído.

 

Arranjara alguns trabalhos, mas ainda não era suficiente para equilibrar as contas. Abe continuava a queixar-se. Liz também lhe telefonou. Ficou espantada com o número de pessoas que viviam na propriedade e algo preocupada com a possibilidade de os jovens o aborrecerem. A história de Taryn ter encontrado o pai, ao fim de tantos anos, comoveu-a.

 

- Não o posso deixar sozinho cinco minutos que trata logo de arranjar um novo mundo de pessoas à sua volta.

 

Tal como Alex, também Liz o achava muito mais descontraído e feliz. Mais do que alguma vez estivera. Quando lhe perguntou por Alex, Coop foi vago. Tinha as suas próprias dúvidas a esse respeito, mas não as partilhava com ninguém. Havia uma idéia que ia tomando forma na sua cabeça: se casasse com Alex, nunca mais teria de trabalhar; se não casasse, teria de andar atrás de papéis de participação especial até ao fim da vida. Seria fácil deixar-se guiar pelo coração, mas não queria ir pelo caminho mais cômodo, embora uma parte de si o pressionasse nesse sentido. Alex era uma pessoa tão séria e correcta, e trabalhava tanto que seria indigno da sua parte aproveitar-se dela. No entanto, amava-a, e a vida fácil era algo de muito tentador. As suas preocupações financeiras desapareceriam de uma vez por todas. Por outro lado, receava que, cedendo a essa tentação, Alex o controlasse. Achar-se-ia no direito de o obrigar a fazer aquilo que quisesse, e isso seria um anátema para ambos. De momento, o problema ainda parecia insolúvel. E Alex não fazia a menor idéia do dilema em que ele se debatia, achava que tudo corria bem entre os dois. E assim era, com exceção dos problemas de consciência de Coop, que pareciam alastrar como um tumor benigno dentro de si. Muito por culpa de Alex e Taryn, que haviam conseguido estimular o que de melhor havia nele. Eram mulheres extraordinárias, e exerciam forte influência sobre Coop. Mais do que ele alguma vez sonhara ou desejara. A sua vida sempre fora extremamente simples, sem o fardo da consciência. Mas a voz da consciência parecia ter vindo para ficar. Agora só precisava de descobrir as respostas às perguntas que ela lhe fazia.

 

Ao fim da tarde, Jimmy fora com Jason comprar equipamento desportivo novo, Jessie estava sentada no extremo da piscina a arranjar as unhas na companhia de uma amiga, Taryn e Mark continuavam a conversar calmamente e Coop dormia debaixo da árvore. De repente, Mark virou-se para Alex e convidou os residentes da ala principal da casa para jantar. Os olhos de Alex voaram para os de Taryn, que fez um gesto afirmativo quase imperceptível com a cabeça. Alex aceitou o convite em nome de todos.

 

- Acho que já nos andamos a encontrar de mais queixou-se Coop.

 

Mark e Taryn tentavam jogar tênis, e não havia ninguém por perto, por isso, Alex podia ser franca com ele.

 

- Acho que a Taryn gosta do Mark. Parece-me que a atração é mútua, e ela queria que eu aceitasse. Não somos obrigados a ir se não quiseres. Ela pode ir sozinha.

 

- Não, tudo bem. Faço tudo o que estiver ao meu alcance pela minha única filha - gracejou, num tom magnânimo. - Todos os sacrifícios são poucos pelos nossos filhos.

 

Na verdade, adorava ter uma filha de quase quarenta anos, embora ela não aparentasse essa idade. Ao dizer isto, lembrou-se de Charlene. Tinha-lhe exigido mais dinheiro. Queria um apartamento maior, num bairro melhor, de preferência perto dele, em Bel Air, e estava a pensar em utilizar a piscina, uma vez que, segundo alegava, se sentia demasiado debilitada para ir a outro lugar. Coop ficou fora de si quando o advogado lhe telefonou e respondeu-lhe que não daria nada a Charlene antes de saber o resultado do exame do DNA, dali a cinco ou seis semanas. Até lá, e atendendo ao modo como ela estava a comportar-se, era persona non grata no Chalé.

 

Alex sentia pena de Coop. Compreensivelmente, era uma situação que ele detestava. E que os trazia a todos sob tensão. Recentemente, uma jovem recebera uma pensão, de vinte mil dólares mensais, de um homem com quem andara envolvida durante dois meses. Mas o pai do bebê em questão era uma estrela de rock com rendimentos astronômicos. O que não era o caso de Coop. Alex estava a par da sua situação econômica, depois de ter conversado com o pai. O velho ator nunca lhe falara das suas dívidas e continuava a gastar dinheiro com absoluto desprendimento. Embora não demonstrasse, estava preocupado com a quantia que teria de pagar a Charlene, caso o filho fosse seu.

 

Às sete da noite, dirigiram-se os três até à ala de hóspedes. Taryn vestia um conjunto de calça-e-casaco de seda azul-clara, que ela própria desenhara para a estação anterior. Alex trazia um par de calças de seda vermelha, uma camisa branca e umas sandálias de salto alto douradas. Parecia mais uma modelo ou uma bailarina do que uma médica. Eram vestes que nada tinham a ver com as que geralmente usava no hospital. Jimmy adorou o contraste quando a viu, ao jantar.

 

Descreveu o seu passeio pela Unidade de Cuidados Intensivos, enquanto Taryn e Jessie ajudavam a servir o excelente spaghetti a la carbonara feito por Mark. Jimmy trouxera a salada. E havia tiramisu para sobremesa. Cooper trouxera duas garrafas de vintage Pouilly-Fuissé. E todos ouviram, fascinados, o que Jimmy tinha a dizer do trabalho de Alex. Ela ficou impressionada com a atenção com que ele ouvira as suas explicações, e só o corrigiu uma vez, a respeito de um bebê com graves problemas de coração e pulmões. Mas lembrava-se corretamente de tudo o resto.

 

- Ele sabe muita coisa sobre o teu trabalho - comentou Cooper, secamente, quando voltaram para o quarto. Já passava da meia-noite. Taryn resolvera ficar mais um pouco. Estava a gostar de conversar com Mark e Jimmy. Os garotos haviam saído com amigos e iam passar a noite em casa deles. Fora um serão agradável. - Quando é que ele te foi visitar no hospital? - indagou, com frieza. Alex ficou espantada. Estava com ciúmes. Não havia razão para tal, mas sentiu-se lisonjeada. Era sinal de que a amava.

 

- Esta semana. Foi fazer exames, por causa do trabalho. Bebemos um café e, depois, fui mostrar-lhe a UCI. Ouviu tudo o que lhe disse com muita atenção.

 

Nem ela imaginava com quanta atenção ele a ouvira. Mas Coop estava mais ciente disso. Sabia como os homens cortejavam as mulheres. E reparara que Jimmy não só se sentara ao lado dela, como também a monopolizara durante grande parte da noite. Alex não se apercebera e não tirara os olhos de Coop, que estava sentado no outro extremo da mesa, entre Taryn e Mark. Mas da outra ponta, onde Mark o colocara, o velho ator tinha boa visão sobre todos os presentes. E não tirara os olhos de Jimmy durante toda a noite.

 

- Acho que ele tem um fraquinho por ti - disparou, com aspereza.

 

A diferença de idades entre Jimmy e Alex não era muito grande e as suas profissões tinham muitos pontos comuns. Coop pertencia a outra galáxia e não estava disposto a competir com homens com metade da sua idade. Era uma indignidade que não toleraria e por que nunca passara. Estava habituado a ser a única estrela no firmamento. Gostava que tudo girasse à sua volta.

 

- Não sejas pateta! Ele anda demasiado deprimido para ter fraquinhos por quem quer que seja. É um farrapo desde que a mulher morreu. Diz que ainda não consegue dormir nem ter apetite. No outro dia, quando conversei com ele, fiquei preocupada. Acho que devia tomar antidepressivos. Mas não lhe disse nada, não o quis chatear.

 

- Porque não receitas para ele? - respondeu, num tom desagradável. Alex pôs-lhe as mãos à volta do pescoço e beijou-o.

 

- Não sou médica dele. A ti é que te vou receitar uma coisa. - E meteu-lhe as mãos por baixo da camisa. Era evidente que Coop não gostara da noite, apesar de Alex ter adorado. Gostava de conversar com Mark e Jimmy. Era divertido ter pessoas como eles no Chalé. - Por falar em romances, acho que o Mark e a Taryn se sentem atraídos um pelo outro. Não achas?

 

Coop ficou hesitante, depois fez que sim com a cabeça. Achava Mark um chato.

 

- Penso que ela pode arranjar coisa melhor. É uma garota fabulosa e quero apresentá-la a alguns produtores que conheço. Teve uma vida chata, e o marido era um estupor. Ela precisa é de glamour e de animação.

 

Alex achava que ele não estava entendendo a questão. Taryn não se interessava pelo mundo das estrelas. Era uma pessoa sincera e terra a terra, e precisava de um homem de carne e osso. Coop queria apresentá-la aos colegas e amigos. Sentia-se orgulhoso dela.

 

- Veremos o que acontece - disse Alex.

 

Foram para a cama e fizeram amor. Coop sentiu-se muito melhor depois disso, como se tivesse acabado de conquistar o seu território. Enervava-o ver homens mais novos a arrastar a asa a Alex, especialmente quando via que ela também lhes dava troco.

 

Quando acordou, na manhã seguinte, já Alex saíra para o hospital. Eram quase dez da noite quando lhe telefonou, depois de regressar de Malibu, onde fora com Taryn visitar uns amigos. Alex tivera um dia agitado. No tom de voz de Coop não havia o menor sinal da petulância que ela detectara na noite anterior. Alex disse-lhe que só poderiam encontrar-se na noite seguinte, quando saísse de serviço. Prometeu levá-la a um filme que ela há muito queria ver.

 

Alex falou ainda com Taryn. Agora, já quase pareciam uma família. Taryn contou-lhe que ia jantar com Mark no dia seguinte, o que deixou Alex feliz.

 

Pouco depois, foi para a cama. Dormia sempre vestida quando estava de serviço. E deixava as meias ao lado do divã, para o caso de ter de sair a correr devido a uma emergência. Nunca adormecia profundamente, ficava sempre de ouvido meio à escuta do telefone. Quando este tocou, às quatro da manhã, deu um pulo do divã e agarrou o aparelho.

 

- Madison - respondeu, totalmente desperta. E ficou espantada ao ouvir Mark. Pensou que talvez tivesse acontecido algo a um dos filhos, ou até a Coop. Mas, se tivesse alguma coisa a ver com Coop, teria sido Taryn a telefonar-lhe. Algum problema? - perguntou, de chofre. A hora do telefonema deu-lhe a resposta antes de Mark.

 

- Houve um acidente - respondeu ele, aflito.

 

- Em casa?

 

Talvez algum acidente com Taryn e Cooper. Mas Taryn não estava com Cooper. Mark não lhe disse que ela dormia a seu lado. Viera beber um copo, ao fim da noite, e os filhos haviam dormido em casa de amigos, proporcionando aos dois uma liberdade inesperada.

 

- Um acidente de carro.

 

- Coop? - indagou Alex, contendo a respiração.

 

- Não. Jimmy. Não sei o que aconteceu. No outro dia, estávamos a falar acerca do fato de não termos nenhum parente próximo a quem se pudesse telefonar em caso de emergência. Deve ter posto o meu nome nos documentos. Acabaram de me telefonar. Levaram-no para a UCLA. Julgo que está na Unidade de Traumatologia. Pensei que você talvez pudesse ir. Eu e a Taryn vamos já para aí.

 

- Disseram-lhe qual era o estado clínico dele? - perguntou, preocupada.

 

- Não, só me disseram que era grave. Saiu da pista em Malibu e caiu de uma ravina com uns trinta metros. O carro ficou destruido.

 

- Merda! - Pensou, de imediato, que poderia ter sido algo mais do que um simples acidente. Jimmy andava deprimido desde a morte de Maggie. - Viu-o hoje, Mark?

 

- Não.

 

Vira-o na noite anterior, mas isso não queria dizer nada. Muitas vezes, os suicidas entram num estado de felicidade, de euforia até, quando tomam a decisão de se matar. Mas, na noite de sábado, ao jantar, parecera-lhe perfeitamente normal.

 

- Vou à Unidade de Traumatologia logo que arranje alguém que me substitua.

 

Assim que Mark desligou, Alex telefonou de imediato para um colega que conhecia bem e já a substituíra noutras ocasiões. Contou-lhe o que se passara e disse-lhe que só precisava de meia hora para ir à Unidade de Traumatologia. Ele mostrou-se disponível e, dez minutos depois, apareceu, com ar ensonado. Entretanto, telefonara para a unidade e a única coisa que lhe puderam dizer por telefone foi que Jimmy se encontrava em estado crítico. Já  estava lá há uma hora e havia uma equipe a tratar dele.

 

Quando lá chegou, falou com o chefe da equipe médica, que a informou de que Jimmy partira as duas pernas, um braço e a bacia, tinha um traumatismo craniano e estava em coma. Não era um quadro muito animador. Entrou na sala e manteve-se a alguma distância para não perturbar o trabalho dos colegas. Já o haviam entubado, e estava ligado a uma série de máquinas. Os sinais vitais eram irregulares, e o rosto tinha tantos cortes e hematomas que estava praticamente irreconhecível. Doeu-lhe o coração quando o viu.

 

- O traumatismo craniano é grave? - perguntou ao chefe da equipe.

 

- Ainda não sabemos. Talvez tenha tido sorte. O electroencefalograma está bastante bom. Mas está em coma profundo. Tudo depende do aumento da pressão craniana, que não se pode prever, e do tempo que estiver em coma. - De momento, haviam decidido não o operar para aliviar a pressão craniana. Esperavam que esta voltasse ao normal sem intervenção cirúrgica. O tempo era fundamental. E a sorte. Alex aproximou-se e observou-o durante alguns instantes, em silêncio. Já lhe haviam tratado das fracturas das pernas e do braço, e limpado as feridas, mas Jimmy estava gravemente ferido.

 

Dirigiu-se até à sala de estar, onde já se encontravam Mark e Taryn.

 

- Está muito mal? - indagou Taryn, ainda antes que Mark conseguisse articular qualquer palavra.

 

- Muito. Mas poderia ter sido pior. E o estado dele inda pode piorar, antes de melhorar.

 

Não disse ”se melhorar”, mas pensou.

 

- O que é que acha que aconteceu? - perguntou Mark.

 

Jimmy não bebia muito e era pouco provável que estivesse a conduzir embriagado. Mas Alex não queria partilhar as suas suspeitas com eles. Partilhara-as com o médico assistente. Não que fizesse muita diferença nessa altura. Talvez mais tarde: se Jimmy tentara suicidar-se, teria de vigiá-lo de perto quando saísse de coma.

 

”Conhece este tipo?”, perguntara-lhe o médico assistente, e Alex respondera-lhe que eram amigos. Falara-lhe ainda de Maggie. Ele tomou nota desse fato no quadro, com um ponto de interrogação vermelho.

 

Alex explicou a Mark e Taryn, da forma mais simples que conseguiu, quais os perigos do aumento da pressão craniana e o que isso poderia significar para Jimmy.

 

- Quer dizer que ele pode ter morte cerebral? - Mark ficou horrorizado. Ele e Jimmy tinham-se tornado bons amigos, e não queria que nada de terrível lhe acontecesse.

 

- Pode, mas temos esperança de que isso não aconteça. Tudo depende do tempo que demorar a sair de coma. Dentro de pouco tempo, já saberemos se o seu estado sofreu alterações.

 

- Meu Deus! - Mark passou as mãos pelo cabelo, transtornado. Taryn partilhava a mesma angústia. - Talvez devêssemos telefonar à mãe.

 

- Também acho - retorquiu Alex. Havia sempre a possibilidade de ele morrer. O seu estado era crítico. Quer que eu telefone? - Não eram telefonemas fáceis de fazer, mas dar más notícias fazia parte do seu trabalho.

 

- Não, eu telefono. Devo isso ao Jimmy. - Mark não era pessoa que fugisse às responsabilidades. Encaminhou-se para o telefone e tirou da carteira um número que Jimmy lhe dera para uma eventualidade como aquela. Nunca lhe passara pela cabeça que tivesse de o usar um dia. E ali estava ele a telefonar à mãe, a informá-la de que o filho estava em coma.

 

- Que tal é que ele está? - perguntou Taryn a Alex, em voz baixa, quando Mark foi telefonar. Alex tinha um ar desolado.

 

- Está muito maltratado.

 

Alex deu as mãos a Taryn, enquanto esperavam que Mark voltasse. Quando regressou vinha comovido e levou alguns instantes a recompor-se.

 

- Pobre mulher. Senti-me como se lhe tivesse dado uma machadada no coração. Por aquilo que Jimmy dizia, ele é a única pessoa que tem na vida. É viúva, e ele é filho único.

 

- É muito velha? - indagou Alex, preocupada com o seu bem-estar.

 

- Não sei, nunca perguntei ao Jimmy - respondeu Mark, pensativo. - Não me pareceu muito velha, mas não sei dizer. Desatou a chorar mal lhe contei. Disse que ia apanhar o próximo avião para Los Angeles. Deve chegar dentro de oito, nove horas.

 

Alex foi ver Jimmy novamente, mas ainda não houvera qualquer alteração. E teve de voltar para a sua unidade, deixando Mark e Taryn na sala de estar. Mark perguntou-lhe se ia telefonar a Coop. Eram cinco da manhã.

 

- Espero mais algumas horas e ligo-lhe por volta das oito.

 

Alex deu-lhe o número da sua extensão e do bipe, e pediu que lhe telefonassem se acontecesse alguma coisa. Quando saiu, estavam abraçados um ao outro, e Taryn tinha a cabeça sobre o ombro de Mark.

 

Nessa manhã, graças a Deus, as coisas estavam calmas na Unidade de Cuidados Intensivos de Neonatologia, e Alex, tal como havia dito, telefonou a Coop pouco passava das oito. O velho ator ainda estava a dormir e ficou surpreendido por Alex lhe telefonar tão cedo, mas não se importou. Tinha de se levantar, de qualquer das formas, e Paloma não tardaria com o pequeno-almoço.

 

- O Jimmy teve um acidente ontem à noite - informou Alex, num tom sombrio, logo que Coop ficou completamente desperto.

 

- Como é que sabes? - indagou, desconfiado.

 

- O Mark telefonou-me. Ele e a Taryn estão na Unidade de Traumatologia. Saiu da pista na Canyon Road, em Malibu. Tem uma série de fracturas e está em coma.

 

Coop ficou impressionado com a notícia.

 

- Achas que ele se safa?

 

- Nesta altura, é difícil dizer. Não se sabe ainda como é que o estado dele vai evoluir. Depende muito da pressão craniana, das partes do cérebro afetadas e do tempo que demorar a sair do coma. Os ossos fraturados não o vão matar. O mesmo não se podia dizer do resto.

 

- Pobre tipo. Não tem uma pontinha de sorte. Primeiro, a mulher, e agora, isto. - Alex não lhe falou das suas suspeitas de ter sido ele a provocar o acidente. Não possuía dados que pudessem confirmar a sua tese, apenas o seu instinto, e o pouco que conhecia dele. - Bem, vai-me dando notícias.

 

- Não queres vir ter conosco?

 

Alex achava que a iniciativa deveria ter partido dele, mas a Coop não lhe havia ocorrido tal coisa. Não havia nada que ele pudesse fazer por Jimmy. Além disso, detestava hospitais. Deixavam-no nervoso.

 

- Não adianta nada eu ir ter com eles. Além disso, já é tarde para desmarcar o meu preparador físico.

 

Era uma desculpa esfarrapada, mas não tinha a menor vontade de ver Jimmy todo entubado. Esse tipo de coisas dava-lhe náuseas.

 

- Eles estão extremamente abalados com a situação pressionou-o Alex, mas Coop não mordeu a isca.

 

- É compreensível. Descobri, há anos, que ficar sentado na sala de espera de um hospital não ajuda ninguém. Só serve para ficarmos mais deprimidos e chatearmos os médicos. Diz-lhes que os levo a almoçar fora, se ainda estiverem aí à hora de almoço.

 

Coop recusava-se a admitir a gravidade da situação, o que tornava as coisas mais fáceis para si.

 

- Não acho que queiram deixar o Jimmy sozinho. Nem estariam com disposição para ir almoçar fora. Mas

 

Coop evitava o drama a todo o custo. O hospital era um sítio onde não poria os pés, em nenhuma circunstância.

 

- Se aquilo que me estás a dizer é verdade, e acredito que sim, tanto faz eles estarem aí na sala de estar, angustiados, como a almoçar no Spago.

 

Alex achou as suas palavras de um profundo mau gosto, mas não lhe disse nada. Era uma perspectiva completamente diferente da sua. E sabia, por experiência própria, que as pessoas tinham reações estranhas em situações de stresse. Coop parecia querer evitar a situação.

 

Alex telefonou para a Unidade de Traumatologia às dez, mas não se registava ainda qualquer evolução no estado de Jimmy. A única coisa que Mark sabia era que Mrs. O’Connor já apanhara um avião. Esperava-se que ela chegasse ao hospital pouco depois do meio-dia, se tudo corresse normalmente. Mal arranjou tempo livre, Alex deslocou-se de imediato à Unidade de Traumatologia. Mark e Taryn ainda se encontravam no mesmo lugar. Mark estava com ar destroçado, e Taryn tinha acabado de ir fumar um cigarro. Alex dirigiu-se aos Cuidados Intensivos. Falou com as enfermeiras, que a informaram que Jimmy se encontrava num coma ainda mais profundo. As esperanças de sobrevivência não eram muitas.

 

Alex postou-se, então, em silêncio, ao lado dele, e tocou-lhe, muito de leve, no ombro nu. Estava ligado a um sem-número de monitores e ainda tinha agulhas intravenosas em ambos os braços. Fora necessário fazer-lhe uma transfusão de sangue, para compensar as hemorragias internas.

 

- Olá, garoto - disse Alex, em voz baixa, logo que uma das enfermeiras se foi embora e a deixou a sós com ele. Que raio estás fazendo aqui? Acho melhor acordares já... - Os olhos encheram-se-lhe de lágrimas. Assistia a tragédias todos os dias, mas esta era diferente. Tratava-se de um amigo, e não queria vê-lo morrer. - Sei que tens saudades da Maggie, Jimmy... mas todos te adoramos... tens uma vida inteira à tua frente... o Jason vai ficar destroçado se te acontecer alguma coisa... tens de voltar já, Jimmy!... tens de...

 

As lágrimas corriam-lhe pelas faces. Continuou ao lado dele, a falar-lhe, num tom firme mas meigo, durante uma boa meia hora. No fim, beijou-o na face, tocou-lhe ao de leve no braço e voltou para a sala de estar.

 

- Como é que ele está? - Mark continuava em pânico. Taryn estava exausta. Tinha a cabeça encostada a uma cadeira e os olhos fechados. Mal ouviu Alex, abriu-os e sentou-se.

 

- Mais ou menos na mesma. Pode ser que reaja, quando ouvir a voz da mãe.

 

- Achas que poderá ter algum efeito nele? - Taryn parecia perplexa. Já ouvira falar no assunto, mas nunca acreditara.

 

- Não sei. Contaram-me que os doentes em coma conseguem ouvir as pessoas que falam com eles. As pessoas regressam dos limiares da morte das formas mais estranhas. A Medicina tem tanto de arte como de ciência. Eu não hesitaria um segundo sequer, se soubesse que isso poderia ajudar um dos meus bebês.

 

- Talvez devêssemos tentar - propôs Mark, ansioso. Estava com medo da reação da mãe de Jimmy. Não fazia a mínima ideia da idade que teria, pois, se fosse já muito idosa e débil, talvez não resistisse ao choque. - Podemos vê-lo?

 

Já o tinham visto, por instantes, da porta. Mas agora, parecia haver menos frenesi à sua volta. Alex foi perguntar se podiam vê-lo. Fez-lhes sinal para entrar. Taryn só aguentou um ou dois minutos, depois saiu, lavada em lágrimas. Mark manteve-se firme ao lado do amigo e falou com ele, como Alex sugerira. Porém, ao fim de alguns minutos, ficou com a voz de tal modo embargada que teve de parar de falar. Jimmy não tinha boa cor, e embora ainda não estivesse-às portas da morte, parecia moribundo. Alex sabia que essa possibilidade existia, e até Mark se apercebia disso.

 

Sentaram-se os três, na sala de estar e choraram pelo amigo. Fora uma manhã de pesadelo e encontravam-se todos assustados e exaustos.

 

Antes de Alex voltar para o serviço, Mark perguntou-lhe se Coop viria ao hospital.

 

- Não creio. Tem um compromisso esta manhã. Não teve coragem de lhes dizer que o compromisso era com o preparador físico. Sabia que se tratava de uma desculpa, e algo lhe dizia que Coop tinha um medo pavoroso de hospitais.

 

Foi telefonando para a Unidade de Traumatologia de hora a hora. Ao meio-dia e meia, Mark enviou-lhe uma mensagem a dizer que Mrs. O’Connor já se encontrava no hospital. Tinha ido ver o filho mal chegara.

 

- Como é que ela está? - perguntou Alex, extremamente preocupada.

 

- Está desolada. Mas quem é que não está?

 

- Vou para aí dentro de minutos - prometeu Alex, mas eram quase duas horas quando lá chegou. Tinha surgido uma situação de emergência. - Onde está a mãe do Jimmy?

 

- Ainda está lá dentro com ele. Há quase uma hora. Não sabiam se seria bom se mau sinal. Mas Alex não a censurava. Mesmo com trinta e três anos, Jimmy continuava a ser o seu menino. Não era muito diferente das mães que se sentavam, com ar angustiado, horas a fio, a olhar para os seus bebês. Só que ela conhecia-o melhor e tivera mais tempo para o amar. Mas também tinha mais a perder, se ele morresse.

 

- Não quero intrometer-me - disse, cautelosamente, mas Mark e Taryn convenceram-na a ir dar uma olhadela. Quando entrou, ficou espantada com o que viu. Não deparou com nenhuma senhora de idade, mas com uma mulher pequenina, muito atraente, de cinquenta e poucos anos. Com os cabelos escuros apanhados num rabo-de-cavalo e sem maquilhagem, parecia ainda mais nova. Envergava calças jeans e uma camisa de gola alta preta. Era a versão feminina de Jimmy, à excepção da silhueta, mais magra e nada atlética, e dos olhos, enormes e azuis, e não castanho-escuros como os dele. Mas as feições eram muito parecidas com as do filho.

 

Estava a falar-lhe calmamente em voz baixa, tal como Alex fizera nessa manhã. E levantou os olhos quando a viu. Julgou tratar-se de uma enfermeira, ou de uma médica.

 

- Há algum problema? - indagou, em pânico, olhando para os monitores e, depois, novamente para Alex.

 

- Não, desculpe... sou amiga de Jimmy... Trabalho aqui. É uma visita informal.

 

Valerie O’Connor fitou-a com olhar triste, durante alguns instantes, depois, continuou a falar com Jimmy. Quando levantou novamente os olhos, Alex ainda se encontrava junto dela e Valerie agradeceu-lhe.

 

Alex voltou para junto de Mark e de Taryn. Estava mais aliviada por a mãe de Jimmy ser suficientemente jovem para aguentar o choque. Nem sequer aparentava idade para ter um filho com trinta e três anos.

 

- É uma senhora simpática - comentou Alex, enquanto se sentava ao lado deles, exausta. Era mais difícil lidar com amigos do que com pacientes.

 

- O Jimmy é louco por ela - acrescentou Mark.

 

- Vocês já comeram? - Ambos fizeram que não com a cabeça. - Deviam ir comer qualquer coisa na cafeteria.

 

- Não consigo comer nada - disse Taryn, com ar abatido.

 

- Eu também não - acrescentou Mark. Não fora trabalhar e encontrava-se na sala de espera há nove horas.

 

- O Coop vem para cá? - indagou Mark de novo. Estava espantado por o velho ator ainda não ter aparecido. Achava que ele também deveria estar ali.

 

- Não sei. Tenho de lhe telefonar - respondeu Alex. Ia sair de serviço dentro de três horas e estava pensando voltar a passar por Jimmy, nessa altura, para ver a evolução do seu estado. Mark também teria de voltar para casa por causa dos filhos. Taryn precisava de descansar, estava arrasada. Aguentava ali, com grande estoicismo, desde a primeira hora. Alex telefonou a Coop quando chegou à UCI. Acabara de lanchar junto à piscina e parecia estar de muito bom humor.

 

- Como vai, doutor Kildare? - gracejou. Alex achou o tom inadequado para a ocasião. Apercebeu-se, então, de que ele não tinha a menor ideia da gravidade do estado de Jimmy. Explicou-lhe detalhadamente o que se passava. - Eu sei, querida, eu sei. Mas não posso fazer nada e acho melhor não ficar deprimido. Já basta vocês os três. Nada posso fazer para melhorar o estado dele. E ficar aqui feito histérico junto contigo também não o vai ajudar em nada. - Tinha razão, mas estas palavras não caíram bem a Alex. Parecia fingir que nada acontecera, e ela continuava a pensar que Coop também deveria estar perto de Jimmy, gostasse ou não de hospitais. Jimmy podia morrer a qualquer momento, e a atitude de Coop chocava-a. - Além disso, detesto hospitais, exceto quando vou ter contigo. Todos aqueles aparelhos me deixam nervoso rapidinho. É tão desagradável...

 

”A vida, às vezes, também é desagradável”, pensou Alex. Também Jimmy tivera de passar por uma situação ”desagradável” aquando da morte de Maggie. Tratara dela até ao último momento e recusara-se a aceitar a ajuda de uma enfermeira. Achou que era esse o seu dever e quis cumpri-lo até ao fim. Mas as pessoas eram diferentes. Coop não gostava de lidar com coisas que não fossem nem bonitas nem agradáveis. E os comas não eram agradáveis, nem os acidentes, nem o aspecto de Jimmy. Mas, ao evitar uma situação destas, Coop não estava dando apoio a ninguém.

 

- Quando é que voltas para casa? - perguntou, como se nada tivesse acontecido. - Sempre vamos ao cinema?

 

Ao ouvir aquilo, Alex sentiu como que um baque.

 

- Não posso. Não sou capaz. Vou ficar por aqui mais um pouco a tentar dar apoio à mãe dele. O Mark e a Taryn não tardam a ir para casa. Acho que não ficaria bem com a minha consciência se deixasse uma mãe sozinha com o filho comatoso numa cidade estranha.

 

- Que ternura! - ripostou Cooper, em tom de mofa. Não achas que estás levando isto longe de mais, Alex? Por amor de Deus! Ele não é teu namorado! Pelo menos, espero que não.

 

Alex nem sequer se dignou responder-lhe. O comentário era insultuoso e denotava grande insensibilidade. Os ciúmes que Coop sentia de Jimmy eram inteiramente despropositados.

 

- Vou para casa mais tarde.

 

- Talvez Taryn queira ir ao cinema comigo.

 

O tom era petulante, e Alex sentiu um arrepio. Coop estava a comportar-se como um menino mimado, não como uma pessoa adulta. Esta faceta infantil fazia parte do seu charme.

 

- Não creio que ela vá, mas não custa perguntares-lhe. Até logo! - retorquiu Alex, num tom brusco, e desligou. A reação de Coop estava a transtorná-la.

 

Às seis horas, quando saiu de serviço e foi ter com Mark e Taryn, já eles estavam de saída. A mãe de Jimmy encontrava-se também na sala de espera. Aparentava uma certa compostura, apesar do ar triste. Mas não parecia tão abatida quanto eles. Também tivera um dia difícil, com o choque da notícia e as várias horas de voo desde Boston até Los Angeles. Mark e Taryn partiram pouco depois. Alex ofereceu-se para lhe ir buscar uma sopa e uma torrada ou um café.

 

- É muito simpática - agradeceu Valerie, esboçando um sorriso -, mas acho que não consigo comer o que quer que seja. - Acabou por aceitar um pacote de bolachas e uma tigela de sopa que Alex lhe trouxe do bar das enfermeiras. - Que sorte a senhora conhecer os cantinhos aqui no hospital - comentou, reconhecida. - Ainda não acredito que isto aconteceu. Coitado do Jimmy. Tem tido uma vida muito complicada. Primeiro, foi a Maggie que adoeceu e morreu, e agora isto. Estou preocupada com ele.

 

- Também eu - disse Alex, com voz sumida.

 

- Ainda bem que ele tem excelentes amigos aqui. Graças a Deus que deu o meu número de telefone ao Mark.

 

E as duas mulheres ficaram a conversar durante algum tempo. Valerie quis saber coisas do trabalho de Alex e já tinha conhecimento da sua relação com Coop. Mark explicara-lhe a situação a fim de evitar que ela pensasse que se tratava da namorada de Jimmy. Mas o filho já lhe dissera, nos muitos telefonemas que haviam trocado, que não voltara a sair com uma mulher desde a morte de Maggie. E Valerie receava que ele nunca mais andasse com ninguém. Jimmy e Maggie formavam um casal perfeito, tinham tido um casamento invejável, tal como ela. Há dez anos que era viúva e há dez anos que não sentia qualquer atracção por ninguém. Aos seus olhos, não havia outro homem na Terra como o pai de Jimmy. Ninguém conseguiria substituí-lo e ela também não tinha qualquer vontade de tentar.

 

Conversaram durante bastante tempo. Valerie pediu a Alex que a acompanhasse da próxima vez que fosse ver Jimmy. Confessou que o fato de ir acompanhada lhe dava mais coragem. No final da conversa, Valerie não conseguiu conter a emoção e chorou. Não imaginava a vida sem ele. Era tudo o que tinha no mundo, embora levasse uma vida muito ocupada. Fazia trabalho de voluntariado com cegos e sem-abrigo, em Boston. Mas Jimmy era o seu único filho, e o simples fato de saber que ele estava longe no mundo, mesmo que longe dela, fazia com que a vida tivesse sentido.

 

Eram quase dez horas quando Alex pediu a uma enfermeira que preparasse uma cama para Valerie no corredor . Não queria deixar o filho sozinho. Preferia ficar no hospital, para o caso de acontecer alguma coisa.

 

Eram dez e meia quando Alex telefonou a Coop, mas ele não estava em casa. Taryn informou-a de que o pai fora ao cinema.

 

- Acho que os hospitais o põem nervoso - explicou, mas Alex já sabia disso há muito. Continuava a irritá-la o fato de ele nem sequer tentar enfrentar a situação, preferindo fazer de conta que nada acontecera.

 

- Diz-lhe que, hoje, durmo em minha casa. Tenho de estar no hospital às cinco da manhã. E não quero acordá-lo quando me levantar.

 

- Deixo-lhe um bilhete. Também estou demolida.

 

Alex disse-lhe que o estado de Jimmy continuava estacionário.

 

Quando foi despedir-se de Valerie, já ela caíra no sono. Saiu na ponta dos pés e, nessa noite, ao deitar-se, pensou em Coop, tentando perceber o que sentia. Quando, por fim, se aninhou para adormecer, já chegara à conclusão de que não estava zangada, apenas desapontada. Pela primeira vez, vira uma faceta de Coop de que não gostava. Ainda o amava, mas deixara de o respeitar. Desiludira-a profundamente.

 

Na manhã seguinte, no hospital, Alex telefonou a Coop, que lhe disse que ela perdera um filme magnífico. Continuava a recusar-se a encarar a situação. Nem sequer lhe perguntara como Jimmy estava. No entanto, Alex prontificou-se a informá-lo de que o seu estado continuava estacionário. Mas Coop tratou logo de mudar de assunto.

 

- A saga continua - comentou, como se o que Alex acabara de dizer lhe fosse indiferente. Teve vontade de sacudi-lo. Não entendia que a vida de um homem estava por um fio?

 

Quando encontrou Taryn, na Unidade de Traumatologia, falou-lhe no assunto. Mark e Valerie estavam com Jimmy.

 

- Acho que ele não gosta de lidar com situações difíceis reconheceu Taryn.

 

Também ficara um pouco espantada com a reação do pai, que, ao pequeno-almoço, lhe falara na necessidade de evitar a ”energia negativa”. Mas Taryn suspeitava que o sentimento de culpa o torturava. Por mais natural que fosse a sua reação, Coop tinha consciência de que não estava a agir corretamente. Mas o que mais aborrecia Alex era a forma como ele conseguia alhear-se por completo da situação. Nem sequer oferecera os seus préstimos a ninguém. Alex sentia-se enganada. E pensou, com alguma preocupação, no que ele faria se, um dia, lhe acontecesse alguma coisa ”negativa” a ela. Enfrentaria a situação, ou iria ao cinema? Era assustador vê-lo fazer tudo o que podia para fugir.

 

Nesse dia, depois de sair do hospital, Alex foi até ao Chalé. Mas não queria pressionar demasiado Coop. Ele recebeu-a com toda a amabilidade, e até encomendara um delicioso jantar no Spago. Era a sua forma de a compensar pelo que não fizera. Para ele, a palavra ”desagradável” não existia. Tudo tinha de ser bonito, divertido, elegante. Conseguira expulsar da sua vida as coisas de que não gostava, ou que o assustavam, e só admitia as que achava divertidas e lhe davam prazer. O problema era que a vida real não era assim. Na vida, havia mais coisas desagradáveis do que agradáveis. Mas não no mundo de Coop. Aí, não deixava entrar as coisas más, fingindo, para si e para todos quantos o rodeavam, que não existiam. O que contava era o gozar as coisas boas da vida. Apesar de tudo, tiveram uma noite maravilhosa, relaxante. Aos olhos de Alex, uma noite surrealista.

 

Entretanto, Alex telefonou para o hospital para se inteirar do estado de Jimmy, mas não disse nada a Coop. Não houvera qualquer alteração. As esperanças começavam a ser mais tênues. Estava em coma há quase quarenta e oito horas. E, a cada dia que passava, as hipóteses de uma recuperação total iam diminuindo. Jimmy tinha mais um, dois dias para acordar do coma. A partir daí, a possibilidade de uma recuperação total estaria definitivamente posta de lado. Poderia sobreviver, mas não seria a mesma pessoa. A única coisa que Alex podia fazer agora era... rezar. Nessa noite, quando se deitou ao lado de Coop, Alex sentia-se profundamente angustiada, não apenas por causa de Jimmy, mas por causa da faceta de Coop que acabava de descobrir e a deixava deprimida.

 

No dia seguinte, estava de folga, mas, mesmo assim, foi ao hospital, para conversar um pouco com Valerie e visitar Jimmy.

 

- Obrigada por me vir fazer companhia - disse Valerie.

 

Estiveram sozinhas durante todo o dia. Mark fora trabalhar. Coop andava em filmagens para um anúncio a uma empresa farmacêutica nacional, e insistira em levar Taryn consigo.

 

Valerie e Alex ficaram na sala de estar durante horas e iam, de quando em quando, junto de Jimmy. Falavam sem parar, como se ele conseguisse ouvi-las. Entretanto, num desses períodos de vigília, Alex, que se encontrava aos pés da cama enquanto Valerie falava com ele, viu-o mexer um dedo do pé. Ao princípio, ainda pensou tratar-se de um reflexo. Então, todo o pé se mexeu. Alex olhou para o monitor, depois, para a enfermeira. Esta também vira. De seguida, muito lentamente, Jimmy procurou a mão da mãe e apertou-a. Havia lágrimas no rosto de Alex e Valerie, que não parou de falar, dizendo-lhe, numa voz muito calma, que o amava muito e que estava muito feliz por ele se sentir melhor, embora na realidade os sinais fossem ainda muito tênues. Só ao fim de meia hora é que Jimmy abriu os olhos e, quando o fez, olhou para a mãe.

 

- Olá, mãe - murmurou.

 

- Olá, Jimmy - respondeu Valerie, sorrindo por entre lágrimas.

 

Alex teve de conter um soluço que quase a sufocava.

 

- Que aconteceu?

 

- És um péssimo motorista- respondeu a mãe, e até a enfermeira se riu.

 

- Como está o carro?

 

- Em pior estado do que tu. Terei todo o prazer em comprar-te um novo.

 

- Está bem. - Jimmy fechou os olhos, para os abrir de novo e encarar com Alex. - Que fazes aqui?

 

- Estou de folga e aproveitei para te vir visitar.

 

- Obrigado, Alex - retorquiu Jimmy, adormecendo. O médico assistente apareceu, minutos depois, para o examinar.

 

- Conseguimos! - exclamou, com um sorriso radiante. Tratava-se de uma vitória de toda a equipa. E, enquanto examinavam Jimmy, Valerie soluçava nos braços de Alex, no corredor. Chegara a pensar que o filho não resistiria. Sentia um alívio imenso.

 

-Já passou... vai correr tudo bem... - confortou-a Alex, enquanto a abraçava. Fora uma terrível provação para Valerie.

 

Alex conseguiu, finalmente, convencê-la a passar a noite em casa de Jimmy. Descobrira uma chave sobressalente. Coop ainda se encontrava nas filmagens quando chegaram. Alex verificou se Valerie tinha tudo o que precisava.

 

- Tem sido maravilhosa comigo - agradeceu Valerie, com os olhos marejados de lágrimas. Tudo a fazia chorar. Haviam sido dois dias de autêntico pesadelo, e começava a sentir-se seriamente abalada. - Quem me dera ter uma filha como você!


- E quem me dera ter uma mãe como a senhora! - retorquiu Alex, sorrindo, antes de a deixar.

 

Alex sentia-se agora bastante aliviada. Às onze horas, quando Coop chegou, já ela tomara um banho e lavara a cabeça. Também fora um dia desgastante para ele.

 

- Oh, meu Deus, estou exausto! - queixou-se Coop, enquanto enchia três cálices de champanhe. - Fiz peças na Broadway que demoraram menos tempo do que as filmagens para este anúncio horroroso.

 

Mas, pelo menos, pagaram-lhe bem, e Taryn achara interessante o que vira. Conseguira abstrair-se um pouco da situação de Jimmy, mas fizera vários telefonemas ao longo do dia para se inteirar do seu estado.

 

- Que tal foi o teu dia, querida? - perguntou Coop, num tom descontraído.

 

- Excelente. - Alex sorriu para Taryn, que já sabia da novidade. - Jimmy acordou hoje. Vai ficar internado por uns tempos, mas vai conseguir recuperar.

 

A voz ficou embargada. Fora uma experiência emocionante para todos, exceto para Coop.

 

- E viveram todos muito felizes - acrescentou ele, esboçando um sorriso de superioridade. - Como vês, minha querida, as coisas acabam por se resolver por si só. É muito mais fácil deixá-las na mão de Deus e continuarmos a nossa vida.

 

Estas palavras eram a negação do que Alex fazia, da sua profissão. Indubitavelmente que Deus controlava tudo, mas ela também contribuía com o seu quinhão.

 

- É uma forma de ver as coisas - retorquiu, calmamente.

 

- Como está a mãe dele? - indagou Taryn, preocupada.

 

- Um pouco abatida. Levei-a para casa do Jimmy.

 

- Com a idade dela, teria sido preferível ficar num hotel, sempre têm serviço de quartos - disse Coop. Como de costume, tinha o mesmo aspecto imaculado e elegante daquela manhã, quando saíra para as filmagens.

 

- Talvez não tenha dinheiro para ficar num hotel, e não é tão velha como esperávamos.

 

- Que idade é que ela tem? - perguntou Coop, parecendo surpreso.

 

- Cinqüenta e três anos - respondeu Taryn. - Já lhe perguntei. É uma mulher muito bonita. Mais parece irmã dele.

 

- Bem, pelo menos não temos de nos preocupar com a hipótese de ela cair e fraturar a anca - gracejou Coop, feliz com aquele desenlace e, naturalmente, aliviado por Jimmy ter se salvo. Só não gostava de melodramas. Agora todos podiam voltar a fazer a sua vida normal. - Bem, o que é que vamos fazer amanhã? - perguntou, com ar radiante.

 

Ganhara algum dinheiro e estava extremamente bem-disposto. E, agora, Jimmy também ia ficar bom. Alex sentiu-se aliviada por ver que Coop estava feliz com a recuperação de Jimmy.

 

- Vou trabalhar - respondeu Alex, a rir.

 

- Outra vez? - Coop parecia desapontado. - Que chatice! Pensei que estivesses de folga e pudéssemos ir fazer compras à Rodeo Drive.

 

- Adoraria. - Alex sorriu. Às vezes, Coop ficava com um ar tão infantil que ela não conseguia continuar zangada com ele. A sua atitude relativamente a Jimmy desgostara-a bastante. - Acho que, no hospital, não gostariam muito de saber que eu não tinha ido trabalhar para andar às compras. Seria difícil de explicar.

 

- Diz-lhes que estás com dor de cabeça, ou que achas que há amianto no hospital e os vais processar..

 

- Talvez vá trabalhar - insistiu Alex, rindo.

 

À meia-noite, foram todos para a cama. Alex e Coop fizeram amor. Na manhã seguinte, ela beijou-o antes de sair. Perdoara-lhe a falta de simpatia por Jimmy. Algumas pessoas não sabem lidar com emergências ou problemas médicos. Estes eram-lhe tão familiares que tinha dificuldade em aceitar que outras pessoas não conseguissem agir como ela. Mas nem toda a gente conseguia fazer o que ela fazia. Sentia uma necessidade premente de arranjar desculpas para o comportamento de Coop. Estava disposta a desculpá-lo desta vez. Era algo que tinha de fazer. O amor, pelo menos aos seus olhos, tinha a ver com compaixão, compromisso e perdão. A definição de Coop talvez fosse um pouco diferente. Teria a ver com beleza, elegância e romance.

 

Nesse dia, durante a sua hora de almoço, Alex aproveitou para ir ver Jimmy. A mãe fora à cafeteria comprar um sanduíche, e falaram dela por uns instantes. Alex disse que a adorava. Jimmy concordou. Estava calmamente deitado na cama. Ia deixar a UCI no dia seguinte.

 

- Obrigado por teres estado ao pé de mim enquanto estive em coma. A minha mãe disse-me que, ontem, estiveste aqui o dia todo. Foi muito simpático da tua parte. Obrigado.

 

- Não queria que ela ficasse aqui sozinha. É um lugar aterrador para qualquer pessoa - explicou Alex, de olhos fixos nele. Então, resolveu desafiá-lo. Jimmy já se encontrava em condições de responder à pergunta que andava a atormentá-la desde o dia do acidente. - Como é que aconteceu o acidente? Presumo que não andaste abebendo. - Estava sentada muito perto dele, e, sem pensar, Jimmy pegou-lhe na mão.

 

- Não, não bebi... não sei, julgo que o carro ficou descontrolado. Pneus velhos... freios velhos... qualquer coisa velha...

 

- O acidente aconteceu por acaso ou foi provocado? A voz de Alex mais parecia um murmúrio. Jimmy fez uma longa pausa, depois, olhou-a nos olhos.

 

- Para ser sincero, Alex, não tenho a certeza... já fiz essa pergunta a mim mesmo. Estava pensando nela... fazia anos no domingo que... foi  numa fração de segundos. Acho que comecei a derrapar, e deixei-me ir, e, quando tentei parar, não consegui dominar o carro. Depois, tudo se apagou, e acordei aqui. Era exatamente aquilo  que ela suspeitara. Jimmy estava tão horrorizado como Alex. - Jamais voltaria a fazer uma coisa assim, mas naquela fração de segundos atirei-me para os anjinhos... felizmente, eles não me quiseram lá e mandaram-me de volta.

 

- Foi um susto tremendo - disse Alex, num tom triste. Magoava-a pensar na dor que o atormentara durante tanto tempo. Aprendera a lição da pior forma. Confrontara todas as suas angústias e terrores, e sobrevivera para contar a sua experiência. - Acho que o acidente foi uma boa terapia.

 

- Sim. Também acho. Tenho pensado muito nisso. Já não suportava a constante sensação de angústia. Sentia-me a afundar e não conseguia vir à superfície. Pode parecer uma loucura dizer isto, mas sinto-me muito melhor agora.

 

- Folgo em ouvir isso. Não vou tirar os olhos de cima de ti. Só vou te largar quando conseguir ver-te pular de alegria à porta de casa.

 

Jimmy riu-se da imagem que Alex criara.

 

- Não creio que vá dar muitos saltos.

 

Ia andar de cadeira de rodas durante um tempo, depois passaria para muletas canadenses. A mãe prontificara-se a ficar para o acompanhar durante o período de recuperação. Os médicos achavam que, dentro de seis, oito semanas, Jimmy já poderia andar. Estava ansioso por voltar ao trabalho, o que era um bom sinal.

 

- Alex - disse, cautelosamente -, obrigado pelo apoio que me tens dado. Mas como é que soubeste o que aconteceu?

 

- Sou médica, lembras-te?

 

- Sim, mas os prematuros não conduzem carros por ravinas abaixo.

 

- Simples intuição. Não sei porquê, mas, quando o Mark me deu a notícia, desconfiei logo.

 

- És uma mulher inteligente.

 

- Gosto muito de ti - retorquiu Alex, num tom sério. Jimmy também gostava dela, mas não se atrevia a dizer-lhe.

 

Quando Valerie regressou com o sanduíche, Alex voltou aos seus afazeres. Valerie teceu-lhe, então, um monte de elogios e estava ansiosa por saber mais coisas sobre ela.

 

- O Mark diz que é a namorada do Cooper Winslow. Não o achas um pouco velho para ela?

 

Ainda não se encontrara com Coop, mas sabia quem ele era. O filho, Mark e Alex já lhe haviam falado muito nele.

 

- Aparentemente, ela não é da mesma opinião.

 

- Como é que ele é? - perguntou, enquanto comia o sanduíche de pão integral com peru.

 

Jimmy estava de dieta e, ao vê-la comer, ficou esfomeado. Era a primeira vez, em muito tempo, que se lembrava de sentir fome. Começava a acreditar que talvez tivesse conseguido exorcizar os seus demônios. Talvez o acidente acabasse por se revelar uma bênção.

 

- Coop é arrogante, bem-parecido, charmoso, cortês e egoísta. O problema é que ela não vê isso.

 

- Não estejas tão seguro disso - retorquiu, desconfiada de que o filho estava apaixonado por Alex. - Nós, as mulheres, temos uma maneira especial de ver as coisas: só lidamos com elas quando nos convém. Temo-las em arquivo. Mas não quer dizer que não as vejamos. Além disso, Alex é uma mulher jovem e inteligente.

 

- É brilhante - acrescentou Jimmy, confirmando as suspeitas da mãe.

 

- Sem dúvida. Não irá cometer erros. Talvez só esteja interessada em andar com ele algum tempo, embora deva dizer que me parece uma combinação muito estranha, por tudo aquilo que tenho ouvido dele.

 

Mas ficou muito impressionada, no dia seguinte, quando mandaram Jimmy para um quarto particular, e Coop enviou um gigantesco ramo de flores ao filho. Ainda pensou que talvez tivesse sido Alex, mas concluiu que não. Era o tipo de buquê que um homem mandava, não uma mulher. Um homem que está acostumado a deixar as mulheres encantadas. Nem sequer passara pela cabeça de Coop mandar menos de quatro dúzias de rosas.

 

- Achas que ele quer casar comigo?

 

- Espero que não! - retorquiu Valerie.

 

Mas também esperava que Coop não casasse com Alex. Merecia melhor do que um ator de cinema idoso. Precisava de um homem jovem, que a amasse, que estivesse a seu lado e lhe desse filhos. Um homem como Jimmy. Mas Valerie não lhes diria nada.

 

Alex vinha visitar Jimmy todos os dias, quer estivesse a trabalhar, quer estivesse de folga. Trazia-lhe livros para o manter entretido e contava-lhe histórias engraçadas. Chegou a trazer-lhe um ”simulador de gases intestinais” com controlo remoto, para ele se meter com as enfermeiras. Não era uma coisa muito digna, mas Jimmy adorava. À noite, costumava vir ter com ele e passavam longas horas a conversar. Do trabalho dele, do dela, do casamento dos pais dele, da vida com Maggie, da angústia que sentiu quando a perdeu. Alex falava-lhe de Cárter, da irmã, dos pais e da relação que quisera manter com eles em pequena e que eles nunca haviam sido capazes de lhe proporcionar. E pouco a pouco, iam desvendando os seus segredos e aumentando a simpatia que sentiam um pelo outro. Se lhes perguntassem o que os unia, responderiam que não passava de pura amizade. Só Valerie tinha consciência de que se tratava de mais do que isso. Estavam a preparar uma mistura explosiva. O único entrave era Coop.

 

Nesse fim-de-semana, Valerie viu com os seus próprios olhos o entrave em pessoa. E teve de admitir que ficou impressionada. Era tudo aquilo que Jimmy dissera: egocêntrico, arrogante, divertido e charmoso. Mas Coop era mais do que isso. Jimmy ainda não tinha idade suficiente para se aperceber do resto. O que Valerie viu em Coop foi um homem vulnerável e assustado. Independentemente do seu aspecto jovem ou do número de mulheres jovens de que se fazia acompanhar, sabia que o jogo estava quase no fim. Sentia-se aterrorizado. Tinha medo de adoecer, de envelhecer, de perder o aspecto jovem, de morrer. A forma como tentara alhear-se do acidente de Jimmy era sinal disso. E os seus olhos indiciavam o mesmo. Por detrás da gargalhada, escondia-se um homem triste. E, por mais charmoso que fosse, Valerie sentia pena dele. Era um homem que tinha pavor de enfrentar os seus próprios demônios. E a história disparatada da jovem que ia ter um filho seu apenas servia para lhe alimentar o ego. E, mesmo que se queixasse da situação, aproveitava-se da história para torturar Alex, lembrando-lhe, subliminarmente, que havia outras mulheres que queriam ter filhos seus. Isso significava que não só era jovem como potente.

 

Não acreditava que Alex estivesse genuinamente apaixonada pelo velho ator. Ele mais não era do que o pai atencioso por que ela sempre ansiara e que nunca conquistara. Eram um grupo interessante. E Mark e Taryn também formavam um casal perfeito.

 

Apesar de tudo, Valerie achava as complexidades de Coop fascinantes. À primeira vista, ela não lhe despertara qualquer interesse. Não correspondia, de forma alguma, ao perfil das mulheres que costumava cortejar. Já tinha idade suficiente para ser mãe delas. O que lhe agradou, como mais tarde confidenciou a Alex, foi a sua graciosidade, o estilo e a elegância de Valerie. Não havia nela nada de pretensioso e não tentava aparentar a juventude que não tinha.

 

- É uma pena ela não ter dinheiro - comentou Coop.

- Mas tem ar disso. No fundo - riu-se -, todos temos ar de endinheirados.

 

Alex era, de todos eles, a única que tinha dinheiro, mas não o ostentava nem esbanjava em futilidades. Na opinião de Coop, o dinheiro só servia para gastar e para passar um bom bocado. Alex escondia o seu, ou ignorava-o. Precisava de lições para aprender a gastá-lo. Lições que ele poderia dar-lhe, mas, de momento, hesitava em fazê-lo. Uma vez mais os problemas de consciência, que continuava a tentar ultrapassar. Algo que era novo nele e que estava a tornar-se um aborrecimento infernal.

 

No dia seguinte, encontrou novamente Valerie na piscina. Estava sentada à sombra da árvore favorita de Coop. Só iria visitar Jimmy à noite. Envergava um biquíni preto e exibia um corpo muito razoável. Tanto Alex como Taryn o invejavam e só esperavam chegar à idade dela e terem metade da sua beleza. Ao ouvir estes comentários, Valerie limitou-se a dizer que era uma sortuda por ter bons genes, e que fazia muito pouca coisa para se manter assim. Mas sentiu-se lisonjeada.

 

Mais tarde, Coop convidou-a para beber um cálice de champanhe. Valerie ficou espantada com a casa. Não tinha nada de estravagante. A decoração era de um bom gosto irrepreensível. As peças de antiguidade, esplêndidas e os tecidos, de um grande requinte. Era a casa de um homem maduro, como comentou, mais tarde, com Jimmy. E, mais uma vez, achou que Alex estava deslocada naquele cenário. No entanto, parecia reinar a felicidade entre os dois.

 

E começava a acreditar que as intenções dele relativamente a Alex eram sérias. Mostrava-se solícito, atento e carinhoso. Era evidente que estava apaixonado por ela, mas, tratando-se de Coop, era difícil dizer qual a profundidade do seu amor. Mantinha tudo na vida à superfície, especialmente as emoções. No entanto, a hipótese de casar com Alex pelas piores razões não era de descartar: quer para provar algo a si próprio, quer para deitar a mão ao dinheiro dos Madison.

 

Mas Valerie esperava, para bem de Alex, que houvesse mais sinceridade da parte dele. Fosse como fosse, Alex não parecia preocupada com o assunto. Sentia-se perfeitamente à vontade com Coop e feliz por estar no Chalé, especialmente na companhia de Taryn.

 

- Tens uns amigos adoráveis - comentou Valerie para Jimmy, nessa noite, quando o visitou no hospital. E disse-lhe que gostara tanto da casa de Coop como da casa do caseiro.

- Percebo porque adoras a tua casa. - Tinha um ar rural e transmitia uma sensação de tranqüilidade.

 

- Coop te fez a corte?

 

- Claro que não. Sou uns trinta anos mais nova do que ele. É um sabidão. As mulheres da minha idade é que o topam. A ele até lhe faria bem, mas já não tenho energia suficiente para um homem como ele.

 

Não tinha nem energia nem desejo. Esse tempo já passara, como costumava dizer. Estava feliz por viver sozinha e por passar algum tempo com Jimmy. Prometera a si mesma acompanhá-lo durante todo o período de convalescença. E ele só pensava em estar com ela, tal como fizera ao longo de anos. Adorava a sua companhia. Além de serem mãe e filho, eram excelentes amigos.

 

- Talvez também devesses entrar na corrida pelo velho.

 

- Pouco provável, querido - e riu-se -, a Alex ganhar-me-ia nas calmas. Ela merece.

 

Se era ou não bom para ela, essa era uma questão que ficava em aberto.

 

Em Junho, o romance entre Mark e Taryn ia de vento em popa. Agiam com a máxima discrição possível. Nem ela nem ele queriam aborrecer as crianças. Mas tanto Jessica como Jason simpatizavam com Taryn, de tal modo que, no final do ano letivo, não queriam ir a Nova Iorque visitar a mãe, que só os vira uma vez desde que estavam em Los Angeles. Quando telefonou a Mark para falar no assunto, Janet insistiu para que eles fossem visitá-la. Além disso, queria que ficassem consigo até depois do casamento. Ia casar-se com Adam depois do fim-de-semana do 4 de Julho.

 

- Eu não vou - sentenciou Jessica, quando falou do assunto com o pai. Jason já dissera que faria o que a irmã fizesse. Jessica continuava furiosa com a mãe. - Quero ficar aqui contigo e com os meus amigos. E não vou ao casamento.

 

- Isso é outra questão. Podemos falar nisso mais tarde. Não te podes recusar a ir visitar a tua mãe, Jessica.

 

- Ai, isso é que posso. Ela deixou-te por aquele cara de cu.

 

- Esse é um assunto entre mim e a tua mãe. Não tens nada a ver com isso - retorquiu Mark, num tom firme. Janet conseguira deteriorar, se não mesmo destruir, a ligação com os filhos. E Adam não a ajudara. Sentira-se relegado para segundo plano pelos garotos e não conseguira dissimular que andara envolvido com Janet quando ela ainda estava na Califórnia. Uma estupidez. A única coisa que conseguira fora pôr os miúdos em conflito com a mãe. Mas Mark achava que, mais cedo ou mais tarde, eles teriam de lhe perdoar. Tens de ir vê-la. Vá lá, Jess! Ela adora vocês!!

 

- Também a adoro - retorquiu Jessie -, mas estou zangada com ela. - Fizera dezesseis anos há pouco tempo e estava em conflito aberto com a mãe. Jason tomara uma posição mais de expectativa, mas era evidente que se sentia profundamente desapontado. Tanto ele como Jessie viviam muito mais felizes com o pai. - E não vou voltar para a escola de lá.

 

Mark não tocara sequer nesse assunto. Janet queria-os consigo o mais rápido possível e na escola de Nova Iorque, no Outono.

 

Mark acabou por ter de telefonar a Janet para discutir o assunto.

 

- Não consigo convencê-los. Estou tentando, mas eles não me dão ouvidos. Não querem voltar para Nova Iorque e recusam-se a ir ao casamento.

 

- Não me podem fazer uma desfeita dessas! - E desfez-se em lágrimas. - Tens de os convencê-los.

 

- Não  posso droga-los  e meter dentro de um avião numa mala - retorquiu Mark. Ela é que fizera a cama em que se deitara. Porém, não havia qualquer sentimento de vingança no modo como estava a abordando o problema. Sentia-se feliz com Taryn. - Porque não vens até aqui e falas tu própria com eles? Talvez facilite um pouco as coisas - sugeriu, mas Janet pôs logo a idéia de parte.

 

- Não tenho tempo. Ando demasiado atarefada com os preparativos para o casamento.

 

Janet e Adam haviam alugado uma casa em Connecticut e iam ter duzentos e cinqüenta convidados.

 

- Bem, os teus filhos não vão estar lá, a não ser que faças algo para alterar a situação. Fiz tudo o que me era possível.

 

- Obriga-os! - disse Janet, completamente fora de si. Carrego eles em tribunal, se tiver de ser.

 

-Já têm idade suficiente para serem ouvidos em tribunal. Com catorze e dezesseis anos, já não são  bebês.

 

- Estão a comportar-se como delinqüentes juvenis.

 

- Não estão nada - defendeu-os Mark, calmamente.

- Só estão magoados contigo. Acham que lhes mentiste acerca do Adam. E é verdade. Ele fez todos o possível para lhes dar a entender que me deixaste por causa dele. Julgo que era o seu ego falando. Mas eles perceberam bastante bem.

 

- O Adam não está habituado a lidar com crianças. Janet defendia-o, mas sabia que Mark tinha razão.

 

- A honestidade é a melhor política. - Nunca mentira aos filhos, Janet também não, até conhecer Adam. Este embriagara-a completamente. E, agora, fazia tudo o que ele queria, levando-a a entrar em ruptura com os filhos. – Não consigo ajudar-te, a menos que também faças alguma coisa para ajudar. Porque não vens cá passar o fim-de-semana?

 

Por fim, acedeu. Instalou-se no Bel Air Hotel durante dois dias e Mark convenceu os filhos a ficarem com a mãe. As coisas ainda não estavam resolvidas no final da estada, mas as crianças concordaram em ir a Nova Iorque passar o resto do mês de Junho. Janet prometera não os obrigar a ir ao casamento se não quisessem. Estava certa de que logo que lá estivessem, conseguiria convencê-los. Mas Jessica deixara bem claro que voltariam para Los Angeles, para a escola. Jason era da mesma opinião. A mãe sabia que não podia obrigá-los a ficar, mas disse a Mark que eles teriam de ir passar pelo menos um fim-de-semana por mês em Nova Iorque. Ele concordou e prometeu tentar convencê-los. Achavam que fora uma vitória Janet ter acedido a que continuassem a viver com o pai. Mark era da mesma opinião. Na semana seguinte, quando partiram para Nova Iorque, o seu estado de espírito era muito melhor. Iam lá passar quatro semanas. Logo que  partiram, Taryn mudou-se para a ala de hóspedes. Ela e Jessica já eram grandes amigas. A jovem reagira de modo completamente diferente com Taryn do que reagira com Adam, e o mesmo acontecera com Jason. Mas Taryn fora sincera com eles e não acabara com o casamento dos pais, o que era uma vantagem.

 

Taryn nunca gostara dos filhos de ninguém e estava espantada com a excelente relação que estabelecera com os de Mark. Achava-os respeitadores, afáveis e engraçados, e havia entre eles uma amizade recíproca.

 

- Se eles ficarem comigo permanentemente - disse Mark a Taryn, com ar pensativo, poucos dias depois de os filhos terem partido -, tenho de procurar casa. Não posso ficar aqui eternamente. Temos de ter o nosso próprio espaço.

 

Não havia pressa, mas iria começar a procurar no Verão. E se a casa precisasse de obras de remodelação, poderiam ficar na ala de hóspedes até Fevereiro.

 

Este assunto trouxe à baila a questão da relação entre os dois.

 

- Que acharias da idéia de ires viver conosco? - indagou Mark, num tom sério.

 

Cinco meses antes, ficara completamente destroçado quando Janet o deixou. E, agora, descobrira esta mulher maravilhosa, que parecia ser não só a esposa, mas também a madrasta ideal para os filhos.

 

- É uma idéia interessante. - E, inclinando-se para ele, beijou-o. - Mas temos de conversar melhor sobre o assunto. - Não tinha pressa de voltar a casar e Coop já lhe dissera que podia ficar com a ala de hóspedes, se Mark saísse, ou com a casa do caseiro, se Jimmy saísse. - Tens de te certificar de que as crianças não se vão importar. Não quero ser uma intrusa.

 

- O Adam é que é um intruso, não tu, querida.

 

E esboçou um sorriso triste. Pensou que seria altamente improvável que os filhos fossem assistir ao casamento da mãe e não sabia se havia de censurá-los ou não. Era um sapo difícil de engolir.

 

O tempo que Mark e Taryn passaram juntos durante a permanência dos miúdos em Nova Iorque solidificou ainda mais a sua relação e fez amadurecer a idéia de que tinham de resolver a situação a curto prazo.

 

As coisas estavam a desenvolver-se com tal rapidez que Taryn se viu obrigada a falar com o pai. Coop não foi apanhado de surpresa, mas ficou um pouco desapontado.

 

- Adoraria ver-te com um homem mais excitante comentou, como se ela estivesse consigo desde pequena. Taryn conseguira estimular o seu instinto protetor. Em três meses, conquistara não só o seu coração, como também a sua vida.

 

- Não quero um homem excitante, já o tenho - confidenciou-lhe. Era uma mulher sensível. - Tenho um pai excitante, não preciso de um marido excitante. Quero uma pessoa calma, em quem possa confiar, e que seja estável. O Mark tem todos esses atributos. É uma excelente pessoa.

 

Coop não podia negar, embora falar de Direito Fiscal o aborrecesse.

 

- E os filhos? Não te esqueças do horror genético que lhes temos. Achas que vais conseguir viver com esses delinqüentes juvenis?

 

Ainda não comentara com ninguém, mas já os achava menos pestinhas e já os suportava um pouco mais. Mas dentro de determinados limites.

 

- Gosto deles. Não, mais do que isso. Acho que os adoro.

 

- Oh, meu Deus, isso não! - E revirou os olhos, fingindo-se horrorizado. - Isso pode ser fatal. Pior do que isso

- acrescentou, tomando consciência de outro pormenor. Os monstrinhos serão meus netos. Mato-os se disserem isso a alguém. Nunca serei avô de ninguém. Podem tratar-me por Mister Winslow. - E riu-se.

 

Conversaram mais um pouco sobre o assunto. Ela e Mark já haviam falado em casar-se no Inverno seguinte. Ambos achavam que os garotos não poriam qualquer objeção ao casamento.

 

- E a sua relação com Alex? - perguntou Taryn, depois de terem esgotado o assunto dos seus planos com Mark. Estava tudo a correr bem e, como é óbvio, sentia-se feliz.

 

- Não sei - respondeu Coop, algo atrapalhado. - Os pais dela convidaram-na a ir a Newport, mas ela recusou. Acho que devia ir. Eu é que não. O pai não está muito entusiasmado com a relação. Imagino porquê. Não sei, Taryn. Acho que não estou sendo justo com ela. Foi uma questão com que nunca me preocupei. Devo estar ficando senil.

 

- Ou mais maduro.

 

Já conhecia muitas das fraquezas do pai. Era muito diferente do pai com que crescera. Vivera num outro mundo toda a sua vida. Tudo girara sempre à sua volta. Por isso, não era de estranhar que não tivesse desenvolvido a personalidade nalgumas áreas. Nunca fora obrigado a isso. Mas Alex fizera-o olhar para coisas às quais nunca prestara atenção e desafiando todo o seu sistema de crenças e valores. Taryn também contribuíra para isso. E, gostasse ou não, Coop era outro homem.

 

Nessa tarde, ainda a pensar no assunto, foi sozinho até à piscina dar um mergulho. Taryn e Mark haviam saído, e Alex, como de costume, estava no hospital. Jimmy já viera para casa dias antes e continuava de cama, na companhia da mãe. Coop estava satisfeito por ter algum tempo para si, para pensar calmamente, e ficou espantado quando deu de caras com Valerie a nadar descontraidamente. Tinha o cabelo amarrado no alto da cabeça, usava pouca ou nenhuma maquiagem e envergava um traje de banho preto liso, que realçava a sua silhueta jovem. Não podia negar que se tratava de uma mulher bonita. Era de trato fácil, sensível e tinha uma visão pragmática da vida.

 

- Olá, Coop! - cumprimentou Valerie, com um sorriso, enquanto o velho ator se sentava numa das cadeiras de lona. Resolvera não tomar banho. Preferia ficar a observá-la. Tinha demasiadas preocupações. Alex. E Charlene só faria o teste de DNA daí a algumas semanas. Esse era outro problema.

 

- Boa tarde, Valerie. Como está o Jimmy? - perguntou, delicadamente.

 

- Está bom. Chateado, por ainda não conseguir andar. Está dormindo. É difícil andar a ampará-lo com aquelas muletas. - Além disso, Jimmy era muito pesado para ela.

 

- Devia arranjar-lhe uma enfermeira. Não pode fazer todo esse esforço sozinha.

 

- Gosto de tratar dele. Há muito tempo que não tinha oportunidade de o fazer. E é, provavelmente, a minha última oportunidade.

 

Coop apercebeu-se, então, da sua falta de tato. Provavelmente não tinha meios para contratar uma enfermeira. Embora tivesse estilo, não deveria ser muito endinheirada. A única prova em contrário era o aluguel alto que Jimmy pagava, mas esse dinheiro também podia provir do seguro de vida de Maggie e, mais cedo ou mais tarde, também se esgotaria. Mas, fosse como fosse, Valerie O’Connor era uma mulher muito distinta.

 

- A Alex está no hospital? - perguntou Valerie, quando saiu da piscina e  veio sentar ao lado dele. Não ia demorar-se muito tempo. Não queria aborrecê-lo. Achou-o pensativo.

 

- Claro. Trabalha que nem uma escrava, mas gosta daquilo que faz. - E, à sua maneira, admirava-a por isso. Ela não precisava do trabalho para nada, o que tornava a sua atitude ainda mais nobre, ou mais estúpida, dependendo da perspectiva com que se encarasse o fato.

 

- Ontem vi um dos seus filmes antigos. - E disse-lhe qual. Vira-o no meio da noite, quando tratava de Jimmy. -

 

Você é um excelente ator, Coop. - Ficara surpresa.

 

- É um excelente filme. - O oposto do tipo de trabalhos em que ele agora entrava. - Você era um ator muito sóbrio e ainda poderia sê-lo.

 

- Estou muito preguiçoso. E velho. Fazer um filme desses exige muito esforço. Já estou acomodado.

 

- Talvez não. - Valerie parecia ter mais fé em Coop do que ele próprio. Ficara espantada com a excelência do filme. Nunca o vira, nem ouvira falar nele. Coop deveria ter uns cinqüenta anos quando o rodou e estava deslumbrante.

 

- Gosta do seu trabalho, Coop?

 

-Já gostei mais. As coisas que faço atualmente não são muito motivantes. - Em todos os níveis. O que interessava agora era arranjar dinheiro o mais rapidamente possível e com pouco esforço. - Continuo à espera de um papel importante. Mas há muito tempo que isso não acontece. - Parecia triste e desmotivado.

 

- Talvez se surpreenda a si próprio, se fizer um esforço. O mundo merece vê-lo de novo num grande filme. Gostei bastante do que vi.

 

- Folgo muito que tenha gostado. - Coop sorriu e ficaram em silêncio por instantes, enquanto ele pensava no que Valerie dissera. Sabia que havia alguma verdade nisso. Lamento o que aconteceu ao seu filho. Deve ter sido um pesadelo. - Pela primeira vez, ao olhar para Valerie, viu a mãe devotada que se escondia por detrás daquela figurinha frágil.

 

- E foi. Ele é tudo o que tenho. A vida, para mim, deixaria de ter sentido se o tivesse perdido.

 

Devido à relação que mantinha com Taryn, Cooper conseguia imaginar a angústia que seria se a perdesse. Era o seu primeiro sinal de compaixão desde o acidente de Jimmy, e Valerie sentia isso mesmo e estava-lhe grata.

 

- Há quanto tempo é que enviuvou?

 

- Há dez anos. Parece uma eternidade. - Estava em paz consigo própria, apesar dos rudes golpes que sofrera na vida. Coop achava que ela tinha uma enorme força interior. E não se enganava. - Já estou habituada.

 

- Alguma vez pensou em voltar a casar?

 

Era uma conversa estranha aquela que estavam tendo debaixo das árvores, junto à piscina, num dia quente de Junho, a pensar na vida e naquilo que representava para eles. Valerie tinha idade suficiente para entender o modo como ele via as coisas, mas não era ainda tão velha que tivesse perdido o gosto pela vida, e por todos os prazeres que ela proporcionava. Estava gostando de falar com Valerie. E, por muito surpreendente que parecesse, achava-a jovem. Tinha menos dezessete anos do que ele. Em oposição aos quarenta que o separavam de Alex.

 

- Nunca pensei nisso. Nem me preocupei em andar à procura. Sempre achei que, se houvesse outro homem que me pudesse interessar, ele encontrar-me-ia. E, até agora, isso não aconteceu. Mas não me importo. Já tive um homem bom. Não preciso de outro.

 

- Talvez alguém a surpreenda, mais cedo ou mais tarde.

 

- Talvez. - Tanto se lhe dava que aparecesse ou não um homem que lhe pudesse interessar. Coop achava engraçado esse modo de encarar as coisas. Detestava o desespero. Você tem muito mais energia para essas coisas do que eu. E sorriu, pensando que, se seguisse o exemplo dele, andaria a namorar com Jason. Mas não fez qualquer comentário.

 

- Que vai fazer logo à noite?

 

Com Alex no hospital, Coop estava desocupado. Era-lhe difícil, às vezes, ser fiel a apenas uma mulher, principalmente a uma mulher que estava sempre a trabalhar. No passado, andava com várias ao mesmo tempo, de modo a nunca ter de passar noites só, como acontecia agora. E sentir-se-ia ainda mais só se não tivesse Taryn. Fora uma dádiva divina.

 

- O jantar para o Jimmy. Não quer vir jantar conosco? Estou certa de que o Jimmy gostaria muito de vê-lo.

 

Já fora visitá-lo uma vez, mas pouco se demorara, porque, como viria a confidenciar a Alex mais tarde, detestava quartos de doentes.

 

- Posso encomendar o jantar no Spago, se quiser - sugeriu, subitamente grato pelo convite. Gostava dela e apreciava a amizade que estava a surgir entre os dois. Era quase como uma irmã para ele.

 

- Faço melhor massa do que eles - disse Valerie, orgulhosa, e soltou uma gargalhada.

 


- Não vou dizer ao Wolfgang que você disse isso, mas gostaria de experimentar.

 

Nessa noite, quando Coop apareceu para jantar, Jimmy ficou surpreso. A mãe esquecera-se de lhe dizer que convidara Coop para jantar. Ao princípio, Jimmy sentiu algum desconforto. Passara muito tempo com Alex, quando ela o visitava, e contara-lhe todos os seus segredos, assim como ela lhe contara muitos dos seus. Não sabia muito bem se estaria com ciúmes dele. Mas Coop parecia muito mais interessado em conversar com a sua mãe, tendo elogiado prontamente a qualidade da massa que ela preparara.

 

- Devia abrir um restaurante. Talvez devêssemos transformar o Chalé num hotel.

 

Abe voltara a avisá-lo de que, se não fizesse um corte nas despesas, teria de o vender. E ao contrário do que o contabilista pensava, Coop não via Alex como a solução ideal.

 

Após o jantar, Jimmy foi para a cama. Depois de o ajudar a deitar, Valerie sentou-se com Coop e falaram, durante horas, de Boston, da Europa, dos filmes que ele fizera, das pessoas que conhecia, e ficaram ambos espantados ao descobrirem o número de amigos que tinham em comum. Valerie dizia que levava uma vida calma, mas Coop ficou surpreendido ao saber que ela conhecia algumas pessoas bem aceleradas. Do marido, apenas disse que fora banqueiro, mas não desenvolveu o assunto e ele também não insistiu. Gostava da sua companhia. E ficaram espantados ao ver que eram duas da manhã quando Coop voltou para casa. Passara uma noite maravilhosa com Valerie.

 

Alex telefonara-lhe várias vezes nessa noite e ficara admirada por ele não estar em casa. Coop não lhe dissera nada a respeito do jantar. Alex achava-o algo intranqüilo e não sabia o que fazer para alterar esse estado de espírito. Nunca lhe passou pela cabeça telefonar-lhe as duas da manhã, nem que ele poderia ter ido jantar com os O’Connor. Mas, ao fim de cinco meses de relação, esperava tudo dele.

 

Nessa noite, Coop ficou acordado durante muito tempo a matutar naquilo que conversara com Valerie. Tinha muitas coisas em que pensar e algumas decisões a tomar. Finalmente, adormeceu, passando o resto da noite a sonhar com Charlene e o bebê.

 

Depois do jantar com Jimmy e Valerie, as coisas ficaram consideravelmente piores para Coop. No dia seguinte, teve uma reunião com Abe, que lhe disse que, se ele não conseguisse alterar a situação dentro de três meses, teria de vender o Chalé.

 

- Tem os impostos em atraso, deve nas lojas e nos hotéis, tem de pagar oitenta mil dólares ao alfaiate em Londres. Deve a joalheiros, deve a quase toda a gente do planeta. E, se não pagar o que deve de IRS até ao fim do ano, já para não falar nos cartões de crédito, confiscam-lhe a propriedade. As coisas estavam ainda mais negras do que pensara e, contra o que era costume, deu-lhe ouvidos. - Acho que deve casar com Alex.

 

Mas Coop ficou ofendido com a sugestão.

 

- A minha vida amorosa não tem nada a ver com os meus problemas financeiros, Abe.

 

O contabilista achava estes escrúpulos uma estupidez. Era uma oportunidade de ouro que Coop tinha à sua frente. Porque não tirar partido disso? Casar com Alex seria o golpe de sorte de que ele precisava desesperadamente.

 

Uma noite, Alex chegou a casa, exausta, depois de três dias seguidos no hospital. Estivera a substituir dois colegas e tivera uma série de situações de urgência: bebês em situações críticas, mães histéricas, um pai que ameaçara um médico com uma arma quando o filho morreu inesperadamente. Mark e Taryn haviam ido passar dois dias fora. A única coisa que Alex queria era tomar um banho e ir dormir ao lado de Coop. Nem sequer tivera energia suficiente para lhe descrever tudo aquilo por que passara.

 

- Correu mal o dia?

 

Alex limitou-se a abanar a cabeça, prestes a rebentar em choro devido ao cansaço. Sentia vontade de ir ver Jimmy, mas as forças faltavam-lhe. Prometera lá ir de manhã. Jimmy já estava farto de estar em casa. Alex telefonava-lhe o mais que podia, mas nos últimos dois dias, nem tempo para isso tivera. Tinha a sensação de ter estado refém noutro planeta.

 

- Três dias péssimos - explicou Alex, enquanto Coop se oferecia para fazer o jantar. - Nem forças teria para mastigar. Só quero tomar um banho e, depois, ir para a cama. Desculpa. Amanhã já estarei boa.

 

Mas, de manhã, Coop estava estranhamente calado. Sentou-se, com olhar ausente, à mesa do pequeno-almoço. Alex preparou-lhe bacon com ovos e suco de laranja. Quando acabou de comer, olhou para ela com uma expressão triste.

 

- Estás triste? - Alex sentia-se melhor depois do sono reparador e do pequeno-almoço. Como era mais nova do que ele, recuperava rapidamente.

 

- Tenho uma coisa para te dizer - anunciou Coop, com ar angustiado.

 

- Há algum problema? - Alex não sabia porquê, mas tinha a sensação de que a relação estava a esmorecer.

 

- Alex... há coisas que não sabes de mim. Coisas que não te quis dizer. Nem a mim quis dizer. - E esboçou um sorriso triste. - Estou endividado até à ponta dos cabelos. Acho que sou um pouco como o filho pródigo e tenho gasto tudo numa ”vida de pecado”. O problema é que, ao contrário dele, não posso voltar para casa do meu pai. Já morreu há muito e não tinha dinheiro. Perdeu tudo na Grande Depressão. Estou com a corda na garganta, como se costuma dizer. Se não pagar os impostos e as dívidas, vou ter de arcar com as conseqüências um destes dias. E posso até ter de vender o Chalé.

 

Alex ainda pensou, por instantes, que ele ia pedir-lhe dinheiro emprestado. Não teria ficado aborrecida se o tivesse feito. Tinham confiança suficiente um com o outro para ser franco. Preferia isso a segredos entre eles, mesmo que a verdade fosse desagradável. Sabia da difícil situação financeira de Coop pela boca do pai.

 

- Lamento, Coop. Mas não é o fim do mundo. Há coisas piores. - Como a morte, a doença, o cancro, e aquilo que acontecera a Maggie.

 

- Para mim, não. O meu estilo de vida é importante ao ponto de ter chegado a vender a alma de vez em quando, fazendo maus filmes, ou gastando o dinheiro que não tinha, de modo a continuar a viver da maneira que queria e que achava que merecia. Não é algo de que me orgulhe, mas fiz.

 

Coop falava sério da situação. Sabia que tinha de fazê-lo. Era a voz da consciência a falar.

 

- Queres que te ajude?

 

Alex olhou-o com ar apaixonado. Sentia um grande amor por ele, independentemente de querer ou não ter filhos. Já resolvera fazer esse sacrifício por ele, se fosse esse o seu desejo. Achava que Coop merecia todos os sacrifícios.

 

Mas ficou perplexa com a resposta do velho ator.

 

- Não. É por isso que estou a falar contigo. Casar contigo seria o caminho mais fácil para resolver a situação. E, a longo prazo, o mais difícil. Se casasse contigo, nunca teria a certeza da razão por que o teria feito. Se por ti, se pelo dinheiro.

 

- Talvez não tenhas de saber. Essas coisas vêm todas misturadas, como se tratasse de um pacote. Não precisas fazer opções.

 

- Para ser sincero, não sei sequer se te amo. Pelo menos, o suficiente para nos casarmos. Adoro estar contigo, és uma mulher divertida. Nunca conheci ninguém como tu. Mas és uma solução para mim. A resposta a todas as minhas preces e problemas. E depois? Todos achariam que me comportara como um gigolô e, teriam razão. E tu também acabarias por achar. E do teu pai nem se fala. Até o meu contabilista acha que devo casar contigo. Seria muito mais fácil do que esfalfar-me a trabalhar para pagar os impostos. Mas não é essa pessoa que quero ser. E talvez te ame, porque me preocupo contigo o suficiente para te dizer que não é comigo que quero que cases.

 

- Estás  falando sério? - Alex estava horrorizada. O que é que me vais dizer a seguir? -Já suspeitava, mas não queria ouvir.

 

- Sou demasiado velho para ti. Tenho idade suficiente para ser teu avô. Não quero filhos. Nem teus, nem da Charlene, nem de ninguém. Já tenho uma filha, graças a Deus. É adulta e uma jóia de pessoa, e nunca fiz nada por ela. Sou um velho pobre e cansado, e tu és jovem e muito rica. Temos de acabar com isto.

 

Alex ficou com o pequeno-almoço como que colado à garganta.

 

- Porquê? Nem sequer te estou a pedir para casares comigo. Não preciso de me casar, Coop. E ao dizeres que sou muito rica, é discriminação.

 

Sorriu com a resposta de Alex, mas havia lágrimas nos seus olhos, e nos dele também. Detestava fazer isto, mas tinha de ser.

 

- Deves casar e ter filhos. Montes deles. Darás uma mãe sensacional. Além disso, a qualquer momento, aquela cabra da Charlene vai transformar a minha vida num atoleiro. Nada posso fazer, mas, pelo menos, posso poupar-te ao embaraço de também o atravessares. Não posso fazer isso. Não vou deixar que resolvas os meus problemas financeiros. Estou falando sério. Se casar contigo, nunca saberei porque o fiz. Para ser sincero, o mais provável é que seja pelo dinheiro. Se não tivesse estes problemas, talvez nem me passasse pela cabeça casar. Divertir-me-ia apenas.

 

Nunca fora tão sincero com ninguém, mas sentia que lhe devia isso.

 

- Não me amas?

 

Alex sentia-se uma garotinha que acabara de ser expulsa do orfanato. Coop rejeitara-a. Tal como os pais. E Cárter. Ao olhar para o velho ator, tinha a sensação de que o mundo desabara sobre si.

 

- Para ser franco, não sei. Nem sequer sei o que é o amor. Mas seja o que for, não deve acontecer entre uma jovem da tua idade e um homem da minha. Não é natural e não está certo. Não é a ordem correta das coisas. E casar contigo por aquilo que podes fazer por mim não melhora nada. Pela primeira vez na vida, quero ter alguma dignidade, e não fingir que a tenho. Quero fazer aquilo que for mais correto, para os dois. E o correto neste caso é libertar-te e organizar a minha vida, custe o que custar. - Fora muito difícil para Coop dizer tudo aquilo a Alex, que estava completamente destroçada. Só tinha vontade de a envolver nos braços e de lhe dizer que a amava (porque era isso mesmo que sentia), o suficiente para não lhe estragar a vida casando com ela. - Acho que devias ir para casa, Alex - sugeriu, num tom triste. - É uma situação difícil para os dois. Mas, acredita, é a coisa mais acertada a fazer.

 

Alex chorava convulsivamente. Pouco depois, foi até ao quarto e fez as malas. Quando desceu, Coop encontrava-se na biblioteca, com ar mórbido. Detestava o que estava a fazer, mas sabia que era esse o seu dever.

 

- A consciência é uma coisa terrível, não é?

 

- Amo-te! - sussurrou Alex, de olhos fixos em Coop, à espera que ele mudasse de idéia e lhe pedisse para ficar. Mas este não o fez. Não podia.

 

- Também te amo, pequerrucha... tem cuidado contigo respondeu, não esboçando qualquer movimento na sua direção.

 

Alex fez que sim com a cabeça e saiu. Sentia que a vida de princesa dos contos de fadas acabara. Estava a ser expulsa de casa e lançada nas trevas e na solidão. Não conseguia entender por que motivo ele fizera isto. Não conseguia deixar de pensar se não haveria outra pessoa. E havia: Coop. Encontrara-se a si próprio. Descobrira a peça que sempre lhe faltara. A peça que sempre receara encontrar.

 

Ao transpor o portão, lavada em lágrimas, Alex sabia, sem qualquer sombra de dúvida, que o seu coche se transformara em abóbora. Mas ela fora sempre a mesma pessoa. Coop é que, finalmente, se transformara num príncipe. De carne e osso.

 

Jimmy não conseguia perceber por que razão Alex não dava sinal de vida há já algum tempo. Nem telefonara nem viera visitá-lo. E Valerie disse que não a vira na piscina durante toda a semana. Também não vira Coop. Quando, finalmente, o encontrou, o velho ator estava com um ar triste e abatido. Valerie ainda hesitou em falar-lhe.

 

Só ao fim de algum tempo é que ele lhe perguntou como estava Jimmy.

 

- Está melhor. Passa a vida a queixar-se. Está a ficar farto de mim. Far-lhe-á bem quando puder andar por aí de muletas.

 

Coop limitou-se a fazer que sim com a cabeça. Valerie perguntou-lhe, então, por Alex. Seguiu-se um silêncio interminável. E, quando Coop olhou para ela, Valerie viu no seu olhar algo que nunca vira antes. Parecia infelicíssimo, o que não era normal nele. Sempre conseguira dissimular aquilo que sentia. Fora brilhante nisso. Mas esse tempo acabara. Já não era um deus, era um mortal. E os mortais sofrem. Às vezes, muito.

 

- Deixamo-nos - disse, triste, enquanto Valerie secava o cabelo com uma toalha.

 

- Lamento muito. - Não se atreveu a perguntar o que acontecera.

 

Coop já contara a Taryn, que almoçara com Alex e constatara o estado de profunda tristeza em que ela se encontrava mergulhada. Tinha pena de ambos, mas achava que o pai tomara a decisão mais acertada. Alex levaria algum tempo a ver isso. Coop sentiu-se muito melhor quando a filha lhe disse. Precisava do seu apoio.

 

- Também lamento. Acabar com ela foi como acabar com as minhas últimas ilusões. Foi melhor assim.

 

Não lhe falou nas dívidas, nem no fato de não casar com Alex por causa do dinheiro. Nessa noite, Coop teve imensas saudades dela. E não sentiu o mínimo desejo de ir a correr à procura de outra mulher, de preferência jovem, fato que ocorria pela primeira vez.

 

-- É uma treta sermos pessoas maduras, não é? Eu detesto.

 

- Também eu - retorquiu Cooper, com um sorriso. Era uma mulher impecável. Tal como Alex. E fora por isso que se recusara a valer-se dela. Talvez pela primeira vez na vida tivesse estado apaixonado.

 

- Quer jantar conosco?

 

Coop fez que não com a cabeça. Pela primeira vez na vida, não queria ver ninguém. Não lhe apetecia falar nem brincar.

 

- Você e o Jimmy podem carpir as vossas mágoas - insistiu Valerie.

 

- Estou quase tentado - replicou Coop a rir. - Talvez daqui a dias.

 

Ou daí a anos. Ou a séculos. Estava surpreso com as saudades que sentia. Alex tornara-se um hábito delicioso. Com o tempo, tê-la-ia sufocado, ou mesmo magoado, e isso era algo que nunca lhe faria.

 

Durante alguns dias, Valerie não disse nada a Jimmy, mas, quando este começou a impacientar-se com o silêncio de Alex, teve de contar-lhe.

 

- Acho que anda mal do coração.

 

- Que quer dizer com isso? - resmungou Jimmy. Estava farto da cadeira de rodas e do gesso nas pernas.

 

E estava zangado com Alex. Esquecera-se completamente dele.

 

- Acho que ela e o Coop se deixaram. Aliás, tenho a certeza. Há dias, vi-o na piscina, e ele contou-me. Acho que estão os dois chateados com o fato. Deve ser por isso que ela ainda não te disse nada.

 

Jimmy ficou em silêncio. Depois de matutar sobre o assunto durante uns dias, telefonou para o hospital, mas disseram-lhe que Alex estava de folga. E não tinha o número de casa. Enviou-lhe uma mensagem para o bipe, mas ela não respondeu. Só ao fim de uma semana a apanhou no hospital.

 

- O que é que se passa contigo? Morreste ou quê?

 

Jimmy andara a rabujar com a mãe durante toda a manhã. Estava cheio de saudades de conversar com Alex. Fora a única pessoa a quem abrira o coração.

 

- Sim, morri... mais ou menos... tenho tido muito trabalho.

 

A voz saiu embargada. Há duas semanas que não fazia outra coisa senão chorar.

 

-Já sei - retorquiu Jimmy, num tom afável, percebendo que Alex se encontrava mergulhada numa profunda amargura. - A minha mãe contou-me o que aconteceu.

 

- Como é que ela sabe? - Parecia perplexa.

 

- Acho que Coop lhe contou. Encontraram-se na piscina, uma coisa do gênero. Lamento, Alex. Imagino que estejas na fossa.

 

Achava que fora o melhor que ele fizera, mas não lho queria dizer, para não a aborrecer mais.

 

- E estou. É muito complicado. Ele teve uma crise de consciência.

 

- É bom saber que ele também tem consciência. Jimmy nunca morrera de amores por Coop. Especialmente depois de ter magoado Alex. Mas a dor era inevitável nessas situações. - Vão-me tirar boa parte do gesso na próxima semana. Posso ver-te nessa altura?

 

- Claro. Adoraria.

 

Não queria ir vê-lo em casa e arriscar-se a dar de caras com Coop. Seria doloroso para ela e talvez até para ele.

 

- Posso telefonar-te de vez em quando? Não sei como entrar em contacto contigo. Andas sempre atarefada a trabalhar, e não tenho o teu número de casa.

 

- Não tenho telefone em casa. Durmo em cima de uma pilha de roupa suja.

 

- Isso é algo que me seduz.

 

- Oh, merda, Jimmy! Sinto-me na fossa. Ele tem razão, mas acho que o amava. Diz que é muito velho para mim e que não quer ter filhos. E... tem uma série de problemas e não quer que eu os resolva. Acho que estava a ter uma atitude nobre. Que idéa estúpida!

 

- Acho que ele teve um ato de grande dignidade ao fazer aquilo que devia fazer. Ele tem razão. É demasiado velho para ti. Deves ter filhos. Quando tiveres cinqüenta anos, ele terá noventa.

 

- Talvez isso não importe.

 

Alex continuava a sentir imensas saudades. Nunca conhecera ninguém como Coop.

 

- Talvez importe. Não queres ter filhos? E, mesmo que o convencesses a ter filhos, ele nunca participaria na educação deles.

 

Alex sabia que Jimmy tinha razão. Quando ele teve o acidente, Coop demitira-se da obrigação de o ir ver ao hospital, com a desculpa de que era uma coisa ”desagradável”. Ela precisava de um homem que estivesse disposto a fazer tanto as coisas ”desagradáveis” como as ”agradáveis”. Coop nunca seria esse homem. Alex não gostara dessa sua faceta.

 

- Não sei. Sinto-me na merda.

 

Era uma sensação boa poder desabafar novamente com Jimmy. Tivera saudades da sua amizade. A única pessoa com quem falara desde que se separara de Coop fora com Taryn, que se mostrara compreensiva, mas também achara que a decisão de Cooper fora a mais acertada.

 

- Provavelmente, vais andar uns tempos na merda. Sabia bastante bem o que isso era. Fora como se sentira desde a morte de Maggie. Porém, sentia-se muito melhor desde o acidente. Fora uma espécie de epifânia para si. - Quando tirar o gesso, levo-te a jantar fora e ao cinema.

 

- Sou uma péssima companhia.

 

- Também eu. Tenho passado a vida a chatear a cabeça à minha mãe. Nem sei como é que ela me consegue aturar.

 

- Acho que ela te ama.

 

Ambos sabiam que Valerie o adorava.

 

Jimmy prometeu telefonar-lhe no dia seguinte. Quando o fez, Alex sentia-se muito melhor. Continuou a telefonar-lhe todos os dias, até lhe tirarem o gesso. Nesse dia, levou-a a jantar fora. Valerie é que conduziu e ficou aliviada ao ver que Alex se encontrava com melhor disposição. A separação fora dolorosa, mas também a coisa mais acertada que Alex e Coop poderiam ter feito. Coop andava a rodar uma série de anúncios, o que o distraía. E, de momento, estava preocupado com o teste de DNA de Charlene. A última coisa de que precisava era de um filho para sustentar, já para não falar de Charlene, com quem continuava furioso.

 

-Juro - dissera a Valerie, no dia anterior. - Não volto a sair com mais nenhuma mulher. - Espumava de raiva.

 

- Porque será que não acredito em ti? Mesmo que tivesses noventa e oito anos e te encontrasses no leito de morte, não teria acreditado numa afirmação dessas. Toda a tua vida girou em torno de mulheres.

 

Nas últimas semanas, haviam-se tornado amigos, e Coop falava com toda a franqueza com Valerie, e ela com ele.

 

- É verdade. Mas, na maior parte das vezes, as mulheres erradas. A Alex não era uma mulher errada e, se nunca tivesse sabido do dinheiro, as coisas teriam sido diferentes. Soube disso desde o primeiro momento em que a conheci. Foi sempre um fator que influenciou os meus sentimentos por ela. Nunca consegui separar os dois elementos: aquilo que sentia e aquilo que precisava dela. Era tudo muito confuso.

 

Analisara a questão milhares de vezes, mas acabava sempre confuso. Por fim, chegara à conclusão de que tomara a decisão mais acertada.

 

- Continuo a achar que fizeste bem, Coop. Embora compreendesse, se tivesses casado com ela. É uma pessoa muito especial e ama-te.

 

Mas Valerie sempre esperara que isso não viesse a acontecer. Para bem de Alex.

 

- Também a amo. Mas a verdade é que não queria casar com ela. Nem ter filhos. E senti que tinha de casar com ela, porque precisava do dinheiro. Era isso que o meu contabilista queria que eu fizesse.

 

- O que é que vais fazer agora, para resolver esses problemas?

 

- Fazer um grande filme, ou uma série de anúncios muito maus.

 

Já dissera ao agente que estava disposto a aceitar papéis muito diferentes daqueles que representara até aí. Poderia fazer de idoso ou de pai. Já não esperava desempenhar o papel de ator principal. O agente ficara mudo de espanto. Mas sempre alimentara mais esperanças do que o próprio Coop na última década.

 

No dia 1 de Julho, tanto Coop como Alex já davam sinais de ter ultrapassado a mágoa em que haviam estado mergulhados desde a separação. Valerie levara Jimmy a visitar Alex ao hospital várias vezes. E, num fim-de-semana em que Coop não se encontrava em casa, Alex viera jantar com Mark e Taryn. As crianças só voltariam depois do 4 de Julho. Haviam, finalmente, concordado em ir ao casamento da mãe. Continuavam a dizer que Adam era um cara-de-cu, mas fariam esse sacrifício pela mãe, para orgulho de Mark.

 

- Vamos casar-nos - anunciou Mark, olhando orgulhoso para Taryn.

 

Sentiam-se envergonhados, mas era fácil ver que estavam ambos excitados e apaixonados.

 

- Parabéns! - disse Alex, sentindo um aperto no coração. Continuava com saudades de Coop e do tempo que haviam passado juntos. Nunca esperara que as coisas acabassem tão rapidamente e ainda sentia uma mágoa profunda.

 

Jimmy coxeava pela sala, agarrado às muletas, e a mãe tentava convencê-lo a ir para a sua casa em Cape Cod, no final do Verão.

 

- Não posso abandonar o trabalho. Mais cedo ou mais tarde, tenho de voltar.

 

Prometera regressar ao trabalho na semana seguinte. De muletas, não poderia fazer visitas domiciliares. Mas, pelo menos, poderia fazer atendimento no seu gabinete. Valerie o levaria. Estava pensando em ficar até ele poder andar pelos seus próprios meios e dirigirr.

 

- Sinto-me um menino, com a minha mãe a ter de me levar a todo o lado, inclusive ao banheiro- confessou a Alex.

 

- Agradece a Deus por teres uma mãe como ela - repreendeu-o Alex.

 

Nessa noite, ao regressar a casa, Alex perguntou a si própria o que Coop estaria a fazer. Sabia que fora passar dois dias na Florida, fazer um anúncio num barco à vela. Mas não lhe telefonara. Coop achava melhor não falarem durante uns tempos, embora esperasse que ficassem amigos. De momento, essa não era uma perspectiva muito animadora. Continuava apaixonada pelo velho ator.

 

Os filhos de Mark voltaram para casa após o 4 de Julho. Três dias depois, Alex viu no calendário que chegara o dia do teste de DNA de Charlene. O resultado saber-se-ia dentro de dez dias. Tinha curiosidade em ver o que iria acontecer.

 

Duas semanas depois, Coop telefonou-lhe. Estava eufórico e queria partilhar a novidade com Alex. Mal soube do resultado, pegou no telefone e ligou-lhe.

 

- Não é meu! - exclamou, exuberante, depois de lhe perguntar como estava. - Telefonei-te porque pensei que gostasses de saber. Não é maravilhoso? Safei-me desta cilada.

 

- De quem é? Sabes?

 

Alex estava feliz por ele, embora sentisse um aperto no coração ao ouvi-lo.

 

- Não, estou furioso. Só me interessa saber que não é meu. Nunca senti um alívio tão grande na vida. Sou demasiado velho para ter filhos, legítimos ou ilegítimos.

 

Coop queria recordar-lhe que não era o homem certo para ela, para o caso de Alex ainda alimentar esperanças de reconciliação. Também sentia saudades dela, mas, a cada dia que passava, mais se convencia de que fora a melhor coisa que poderia ter feito. E cada vez estava mais desejoso de que ela arranjasse um homem que quisesse ter filhos.

 

- Aposto que a Charlene está desapontada - comentou Alex, pensativa, ainda a digerir o que ele acabara de dizer. Sabia que era um tremendo alívio para Coop, depois dos meses de autêntica tortura por que passara.

 

- Provavelmente, vai dar um tiro na cabeça. O pai é capaz de ser empregado numa estação de serviço, como tal, o sonho da pensão e de um apartamento em Bel Air vai por água abaixo.

 

E riram-se. Há muitos meses que Coop não se mostrava tão descontraído. Na semana seguinte, na primeira página dos tablóides surgiu a manchete: COOP WINSLOW NÃO É PAI DA CRIANÇA! Alex sabia que era obra do agente dele. Coop vingara-se. Estava inocente e completamente livre. Mas ainda com dívidas e Alex na expectativa. Tornara, no entanto, a deixar claro que não voltaria para ela, para bem de ambos. Já não lhe parecia correto andar com uma mulher quarenta anos mais nova do que ele. Os tempos haviam mudado. Tal como Copp.

 

- Tens toda a razão - anuiu Alex, quando Jimmy a censurou por trabalhar mais do que era hábito: não voltara a vê-la. - Mas ainda sinto a falta dele. Não há muitas pessoas como Coop.

 

- Talvez seja essa a solução para trabalhares menos. Jimmy recomeçara a trabalhar e há muito tempo que não se sentia tão bem. Dormia lindamente e dizia que estava a engordar por causa dos cozinhados da mãe. Tinha ainda mais um mês de fisioterapia à sua frente e só depois é que poria as muletas de lado. De vez em quando, levava Alex a jantar fora ou ao cinema, sempre com a mãe a servir de motorista. Mas andava muito mais bem-disposto e, à medida que o tempo ia passando, o mesmo acontecia com Alex. Parecia a mesma de há meses atrás e adorava estar com ele. As feridas emocionais começavam a sarar. Maggie morrera há já seis meses e Coop acabara com Alex há um.

 

- Acho que devias começar a andar com alguém - disse Jimmy a Alex, uma noite, durante um jantar, num restaurante chinês. Apanhara, pela primeira vez, um táxi. A mãe fora jantar fora e não queria abusar da sua boa vontade. Alex prontificara-se a levá-lo a casa.

 

- A sério? E quem é que te nomeou guardião da minha vida amorosa?

 

- É para isso que os amigos servem. És muito nova para andares a carpir mágoas por um tipo com quem andaste quatro ou cinco meses. Tens de te abrir outra vez ao mundo e começar de novo.

 

Parecia um pai a falar. Passavam bons momentos juntos e não havia um único assunto entre eles que fosse sagrado. Alex era franca com ele, tal como ele com ela. A amizade que partilhavam tinha um grande significado para ambos.

 

- Bem... obrigada, doutor Estranho Amor. Mas ainda não estou preparada.

 

- Não me venhas com histórias. És uma freira.

 

- Não sou nada. Está bem, sou - emendou. - E, além disso, ando com muito trabalho. Não tenho tempo para namoricos. Sou médica.

 

- Mas também eras médica quando andavas com Coop. Qual é a diferença?

 

- Eu. Ainda me sinto magoada.

 

Mas o olhar irradiava felicidade. Ainda não encontrara ninguém com quem desejasse namorar, e Coop era difícil de substituir. Fora maravilhoso para ela, apesar de não se tratar do homem da sua vida.

 

- Não creio que estejas magoada. Estás mas é com preguiça e com medo.

 

- E tu?

 

- Estou aterrorizado. É uma situação diferente. Além disso, estou de luto - retorquiu Jimmy, num tom sério. Mas não estava tão destroçado, nem de perto nem de longe, como quando se conheceram. Estava muito mais animado. Mas, dentro de algum tempo, também começarei a sair com alguém. Eu e a minha mãe temos falado muito no assunto. Ela passou pelo mesmo quando o meu pai morreu, e diz que cometeu um grande erro não voltando a andar com ninguém. Acho que está arrependida.

 

- A tua mãe é uma mulher muito bonita - elogiou Alex. Tinha um grande afeto por ela e achava que Jimmy era um homem de sorte por ter uma mãe assim.

 

- Sim, eu sei. Acho que se sente muito só. E adora estar aqui comigo. Já lhe disse que devia mudar-se para cá.

 

- Acreditas que ela venha?

 

- Para ser sincero, não. Gosta de Boston. Sente-se bem lá. E adora a casa de Cape Cod. Geralmente, passa lá o Verão. Logo que eu deixe de andar com as muletas, vai para lá. Já deve estar ansiosa. Quando lá está, adora andar de um lado para o outro, a pôr as coisas no lugar.

 

- Gostas de lá ?

 

- Às vezes.

 

Havia lá muitas coisas que lhe traziam Maggie à memória. Resolvera lá ir no Verão do ano seguinte. Nessa altura, sentir-se-ia muito melhor, do ponto de vista psicológico, para enfrentar todas essas recordações. E a mãe compreendia. Sempre fora uma pessoa muito compreensiva para com ele. Especialmente agora. Estava grata por ele estar vivo.

 

- Detesto a nossa casa de Newport. Parece a casa de Coop, só que maior. Sempre achei uma estupidez tê-la para casa de praia. Quando era pequena, queria ter uma casa simples, como as outras crianças. Sempre tive tudo aquilo que era maior, melhor e mais caro. Era embaraçoso.

 

E a casa de Palm Beach era ainda maior, e também a detestava.

 

- E ficaste traumatizada - gracejou Jimmy, enquanto bebia o chá. Alex já parara de comer, estava cheia. Pareciam dois miúdos a entrar um com o outro. - Agora já percebo porque nunca andas com roupas decentes. Não deves ter um par de calças jeans que não esteja desbotado. Andas com um carro que parece ter sido comprado num ferro-velho e, por aquilo que me contas, o teu apartamento mais parece uma lixeira. É notório que tens uma fobia psicótica relativamente a tudo o que é decente ou caro.

 

Não lhe passou sequer pela cabeça, mas este discurso podia ter sido dirigido a Maggie, e fizera-o muitas vezes.

 

- Estás a queixar-te do modo como me visto?

 

Alex estava divertida com a conversa e não se sentia minimamente insultada.

 

- Não, andas bem-vestida, atendendo a que passas noventa por cento do tempo com o uniforme do hospital. Estou a queixar-me do carro e do apartamento.

 

- Queixa-te também da minha vida amorosa, ou da falta dela. Não te esqueças. Há mais alguma coisa de que se queira queixar, Mister O’Connor?

 

- Há - retorquiu Jimmy, olhando-a nos olhos, e reparando que estes eram de um castanho aveludado. - Não me levas a sério, Alex. - A sua voz adquirira um tom estranho.

 

- Que devo fazer para te levar a sério? - Alex parecia perplexa.

 

- Acho que estou ficando apaixonado por ti - murmurou Jimmy, sem saber qual seria a reação de Alex, e aterrorizado com a eventualidade de ela o detestar por isso. Na noite anterior, quando conversaram sobre o assunto, a mãe encorajara-o a declarar-se.

 

- Tu, quê? Estás louco? - Estava perplexa.

 

- Não era propriamente dessa resposta que estava à espera. Mas acho que sim, que estou apaixonado. Detestava ver-te com o Coop. Sempre achei que ele era o tipo errado para ti. Só que eu não estava preparado para ser o tipo certo.

- Alex continuava de olhos fixos nele, boquiaberta. E ainda não sei se serei. Mas, um dia, gostaria de ser. Quando muito, tentar ser. A princípio, talvez seja difícil, como penso. É como tirar o gesso e recomeçar a andar. É a mesma coisa. Tu és a única mulher que conheço por quem sinto a mesma coisa que senti pela Maggie. Era uma mulher espetacular, como tu... já não sei o que estou dizendo, só sei que estou aqui e gosto muito de ti, e que gostaria de ver o que acontecerá se nos dermos uma oportunidade. Provavelmente, estás pensando que sou um lunático, porque estou dizendo coisas sem sentido, mais pareço um paspalho.

 

Jimmy não conseguia esconder o embaraço. Alex estendeu, então, a mão para tocar na dele.

 

- Tudo bem - murmurou. - Também estou assustada... e também gosto de ti... sempre gostei... fiquei aterrorizada quando pensei que ias morrer, depois do acidente, e a única coisa que queria era que acordasses do coma e voltasses à vida... e voltaste... e, agora, Coop já faz parte do passado. Também não sei o que acontecerá. Deixemos as coisas irem devagar... e veremos o que acontece...

 

E ficaram os dois de olhos fixos um no outro, a sorrir, sem saberem muito bem o que cada um deles dissera ou sentia. Mas de uma coisa tinham a certeza: gostavam um do outro. Talvez fosse suficiente. Eram boas pessoas e mereciam encontrar o parceiro certo. Se o eram ou não, o futuro o diria. Haviam aberto as portas e agora estavam no limiar de algo novo. Porém, naquele momento, nenhum deles se sentia ainda preparado para palmilhar esse novo caminho que se abria à sua frente.

 

Nessa noite, ao regressarem a casa, experimentavam um misto de sentimentos diversos. Se, por um lado, sentiam um grande bem-estar interior e uma esperança imensa no futuro, por outro, sentiam-se embaraçados e assustados. Quando chegaram, Alex ajudou Jimmy a sair do carro e a subir as escadas. Jimmy voltou-se para ela e, com um sorriso radioso nos lábios, beijou-a, quase escorregando e caindo. Alex soltou um grito.

 

- Estás louco? Queres-nos matar? Podíamos ter caído os dois pelas escadas abaixo!

 

Riu-se, não tirando os olhos de Alex. Sempre a adorara, e cada vez se sentia mais atraído por ela.

 

- Pára de gritar comigo! - retorquiu Jimmy, bem-humorado.

 

- Então não faças maluquices!

 

Jimmy beijou-a de novo. Poucos minutos depois, Alex foi-se embora, mas não sem gritar da sala de estar:

 

- Diz à tua mãe que lhe agradeço!

 

Por aquilo que ela lhes proporcionara, por encorajar Jimmy a viver de novo e por fazê-lo esquecer Maggie, pelo menos um pouco. Não havia nem promessas nem garantias. Mas havia esperança para ambos. Eram jovens, e a vida ainda lhes reservava muito. A caminho de casa, não conseguiu conter um sorriso ao pensar nele. Enquanto isso, no seu quarto, Jimmy, com ar pensativo, também sorriu. A vida, por vezes, era uma estrada perigosa, repleta de demônios e infortúnios. A mãe tinha razão. Era tempo de começar uma nova vida.

 

Nessa noite, enquanto Alex e Jimmy estavam no restaurante chinês, Coop saíra com Valerie. Prometera levá-la ao L’Orangerie. Há quase dois meses que Valerie tratava do filho, e Coop achou que ela merecia uma noite bem passada. Além de apreciar a sua amizade, não voltara a sair com nenhuma mulher desde que deixara Alex. No passado, teria ido logo a correr à procura de novos romances, para sarar as ”feridas do amor”, mas, desta feita, preferira passar algum tempo sozinho. Pela primeira vez na vida. Era também a primeira vez que ia a um restaurante no espaço de um mês, e Valerie revelou-se uma excelente companhia. Partilhavam os mesmos pontos de vista sobre uma série de assuntos.

 

Gostavam das mesmas óperas, da mesma música, das mesmas cidades européias. Coop conhecia Boston quase tão bem como ela e, além disso, adoravam Nova Iorque. Valerie passara algum tempo em Londres com o marido, antes de Jimmy nascer, e Coop adorava ir lá. Até gostavam da mesma comida e dos mesmos restaurantes. Passaram uma noite descontraída e falaram de Mark e Taryn. Coop contou como Taryn entrara na sua vida. E Valerie falou de Jimmy e do pai, e das parecenças que havia entre eles. Coop falou ainda de Alex.

 

- Para ser franco, Valerie, fui louco por ela, mas acho que as coisas não iriam dar certo. Não sei se ela já conseguiu perceber isso, mas acabaríamos por nos tornar infelizes um ao outro. No último mês, pensei amiúde na nossa relação, mas, egoísticamente, não queria deixá-la.

 

Falaram ainda de Charlene e da situação embaraçosa em que a jovem o envolvera. Não havia segredos entre eles. Alex ensinara-lhe isso. A sinceridade também já lhe era familiar. Falou-lhe dos problemas financeiros com que se deparava. Vendera recentemente um Rolls Royce, o que já era um passo importante. Pelo menos, por uma vez na vida, estava a enfrentar as coisas. Liz teria ficado orgulhosa dele. E já pouco faltava para o próprio Abe sentir também uma pontinha de orgulho. O agente dizia que andava atrás de um papel importante. Mas sempre dissera isso.

 

- Talvez não seja assim tão mau ser uma pessoa madura. É uma novidade para mim. Nunca o fui. - Mas essa falta de responsabilidade fizera sempre parte do seu charme. Só que o preço a pagar era demasiado elevado. E, agora, só lhe restava arcar com as conseqüências. - Queria ir à Europa, no Verão. - Falara a Alex do Hotel du Cap, mas ela não podia deixar o trabalho. De qualquer forma, Coop não tinha dinheiro para a viagem. - Mas vou ficar por aqui, tentando arranjar trabalho.

 

- Queres ir passar uns dias a Cape Cod? Tenho lá uma casa antiga, mas confortável. Era da minha avó, e não tenho cuidado lá muito bem dela. Está a cair aos pedaços, mas tem muito charme. Desde criança que passo lá os Verões.

 

A casa significava muito para Valerie, e agradava-lhe a idéia de a mostrar a Coop. Estava certa de que ele a apreciaria.

 

- Adoraria.

 

O velho ator esboçou um sorriso afável. Gostava de estar com ela. Via-se que era uma mulher que sofrera bastante, mas que tirara da vida muitos ensinamentos, aproveitando-os ao máximo. Não era uma pessoa triste nem deprimida. Era calma e inteligente. Sentia-se bem junto dela. Percebera isso desde o início. Gostava dela como amiga, e não era difícil imaginar a amizade a crescer com o passar do tempo. Nunca se sentira atraído por mulheres da idade de Valerie, mas começava a perceber que mesmo estas tinham os seus atrativos. Ficara desgostoso com as mulheres do tipo de Charlene e não queria magoar ou desapontar ninguém, como acontecera com Alex. Finalmente, chegara a hora de brincar com garotas de idade mais próxima da sua. Afinal de contas, Valerie era quase vinte anos mais nova do que ele. Já era um grande avanço relativamente ao que andara a fazer nos últimos anos, com jovens com metade da idade de Valerie.

 

- Há alguém na tua vida, Valerie? - indagou Cooper, curioso. Queria certificar-se de que não havia ninguém à espera dela em Boston ou em Cape Cod.

 

Valerie fez um gesto negativo com a cabeça e sorriu.

 

- Não me envolvi com ninguém desde a morte do meu marido. E isso já foi há dez anos.

 

Cooper pareceu chocado.

 

- Que desperdício! - Era uma mulher bonita e merecia ter alguém ao seu lado.

 

- Estou começando a pensar no assunto. E suponho que o Jimmy também. Tenho-o incentivado bastante. Vai levar algum tempo, mas ele não pode passar o resto da vida a pensar na Maggie. Era uma pessoa fantástica e uma excelente esposa. Mas morreu. Ele vai ter de enfrentar essa realidade um dia.

 

- Com certeza que o fará. A natureza encarregar-se-á disso. - E riu-se. - Foi o que aconteceu comigo. Demasiadas vezes. - Depois, com um ar mais sério: - Mas também nunca passei por uma situação tão angustiante como aquela por que ele passou. - Lembrou-se de Alex: esperava que recuperasse rapidamente e que não lhe ficasse com rancor. Sabia como Cárter a magoara, e não queria contribuir para a magoar ainda mais. Só desejava que ela encontrasse o seu próprio caminho.

 

Quando chegaram ao Chalé, deram um passeio pela propriedade. Estava uma noite agradável. Sentaram-se durante algum tempo junto à piscina e conversaram. Ouviam-se risos na ala de hóspedes. Coop sabia que Taryn se encontrava lá com Mark e os filhos, embora estivesse a dormir de novo na ala principal, pois os garotos já haviam voltado para casa.

 

- Acho que estão bem um para o outro - disse Coop, e Valerie concordou. - É engraçado como as coisas mudam de repente. Agora, tem a Taryn, e os filhos querem viver com ele. De certeza que nunca lhe passou pela cabeça que qualquer uma destas coisas acontecesse. O destino é uma coisa espantosa.

 

- Ainda hoje disse isso ao Jimmy. Ele tem de acreditar que as coisas se irão compor.

 

- E contigo, Valerie? As coisas estão a compor-se? E envolveu as mãos dela nas suas.

 

- Tenho tudo o que preciso - respondeu Valerie, contente com o seu destino. Já pouco esperava da vida. Jimmy sobrevivera. De momento, chegava-lhe. Não se atrevia a pedir mais.

 

- Sério? Que coisa rara. A maioria das pessoas não diria que tem tudo o que precisa. Talvez estejas a pedir pouco.

 

- É possível. Talvez alguém com quem partilhar a vida. Mas, se essa pessoa não aparecer, tudo bem .

 

- Gostaria de te ir visitar a Cape Cod, se, realmente, estavas a falar a sério.

 

- Claro que estava. Teria um grande prazer em receber-te.

 

- Adoro casas antigas. E sempre gostei de Cape Cod. Mantém a excelência de outrora. Não tem a grandeza de Newport, que sempre me pareceu um pouco despropositada, embora as casas sejam magníficas.

 

Teria gostado de visitar a casa dos Madison, embora isso já não fosse possível, pelo menos por agora. Talvez um dia, quando reatasse a amizade com Alex, como era seu desejo. Mas agradava-lhe a idéia de visitar Valerie em Cape Cod. Estava desejoso de passar uns dias numa casa acolhedora, com uma mulher de quem gostava e com quem podia conversar. Também lhe agradava o fato de saber que não queria nada dela, nem ela, dele. O que quer que dessem um ao outro, viria do fundo do coração. Não haveria segundas intenções, nem nada a ganhar ou a perder. Era tudo muito simples e claro.

 

Ficaram em silêncio durante uns instantes. Coop acompanhou-a, então, até à porta de casa. Desta vez, queria ir com calma. Não tinha pressa. Tinham toda uma vida à sua frente. Valerie também não queria precipitar-se.

 

- Passei uma noite maravilhosa. Obrigado por teres aceito o convite para jantar.

 

- Também tive uma noite maravilhosa. Boa noite.

 

- Telefono-te amanhã - prometeu Coop, enquanto Valerie fazia um ligeiro aceno de despedida com a mão e entrava em casa. Nunca esperara que a amizade com Coop chegasse a este ponto. Mas não estava arrependida, pelo contrário. Por agora, não precisava de mais, e não sabia se alguma vez viria a precisar. Mas, de momento, isto era algo de especial para ambos.

 

Coop tinha intenção de telefonar a Valerie, como prometera, no dia seguinte, mas recebeu uma chamada do agente a pedir-lhe que fosse o mais depressa possível ao seu escritório. Não queria dar-lhe a notícia por telefone. Coop ficou irritado com o mistério. Quando apareceu no escritório do agente, às onze horas, este não proferiu qualquer palavra e limitou-se a entregar-lhe um roteiro.

 

- O que é? - perguntou Coop.

 

- Leia-o e, depois, diga-me o que pensa. É o melhor roteiro que já li.

 

Coop estava à espera de mais uma participação especial. Há anos que não lhe ofereciam outra coisa.

 

- Eles vão pôr o meu nome em consideração?

 

- Não precisam. Este roteiro foi escrito pensando em ti.

 

- Quanto é que vão pagar?

 

- Discutimos isso depois de ler o roteiro. Telefone-me logo à tarde.

 

- Qual é o meu papel?

 

- De pai - respondeu o agente.

 

Não era o papel de ator principal, mas Coop não se queixou. Não se encontrava em posição de o fazer.

 

Levou o roteiro para casa, leu-o, e ficou impressionado. Era um papel potencialmente extraordinário, dependendo do realizador e da quantia que estivessem dispostos a pagar-lhe.

 

- Pronto, já o li - disse Coop, quando telefonou ao agente. Estava interessado no papel, mas não se sentia eufórico: havia muitas coisas que ainda não sabia. - Agora, conte-me o resto.

 

O agente relatou os nomes.

 

- O Schaffer é o produtor. O Oxenberg, o realizador. O ator principal é o Tom Stone, que vai contracenar com a Wanda Fox ou a Jane Frank. Tu, querem-te para o papel de pai. Com um elenco destes, vai ganhar, com certeza, um Oscar.

 

- Quanto é que eles oferecem? - perguntou Coop, tentando mostrar-se calmo. Há anos que não aparecia integrado num elenco daquela qualidade. Era um dos melhores filmes em que entraria, se aceitasse o papel. Mas estava certo de que não iriam pagar-lhe muito. No entanto, por uma questão de fama, talvez valesse a pena. As filmagens decorreriam em Nova Iorque e em Los Angeles, e estava convencido de que, atendendo ao tamanho do papel, durariam três a seis meses. Não tinha mais nada para fazer, à exceção de um monte de anúncios. - Quanto? - insistiu, preparado para receber a má notícia.

 

- Cinco milhões de dólares, e cinco por cento da bilheteira. Que tal?

 

Coop ficou bastante tempo em silêncio.

 

- Está a falar a sério?

 

- Claro que estou. Nunca pensei conseguir arranjar-lhe um papel destes. É seu, se quiser. Querem uma resposta nossa ainda hoje.

 

- Telefone-lhes. Assino ainda esta noite, se eles quiserem. Não deixe fugir isto.

 

Coop mal conseguia controlar a respiração, de tão aturdido que estava. Nem queria acreditar na sua boa sorte. Finalmente!

 

- Eles não vão fugir para lado nenhum. Estão ansiosos por o ter no elenco. Você é o homem perfeito para o papel, e eles sabem.

 

- Oh, meu Deus! - exclamou Coop, trêmulo, quando pousou o fone. Foi contar a Taryn, porque não sabia a quem mais dar a novidade. - Tens consciência do que isto significa? Posso ficar com o Chalé, pagar as dívidas e pôr algum dinheiro de lado para a minha velhice.

 

Era um sonho que se tornava realidade, a sua última oportunidade. Fez uma ligeira pausa e olhou para Taryn. Lembrou-se de que podia dizer a Alex que, agora, tinha dinheiro para prover ao seu sustento, mas o engraçado é que já não sentia vontade de lhe telefonar. Em vez disso, precipitou-se para a porta da entrada. E Taryn gritou-lhe:

 

- Parabéns, Coop! Onde é que vai?

 

Mas o velho ator não respondeu. Dirigiu-se, em passadas largas, até à casa de Jimmy e bateu à porta.

 

Valerie abriu a porta, envergando calças de linho e uma T-shirt branca, e ficou espantada ao vê-lo. Parecia um louco, com os olhos esbugalhados, e cabelos em desalinho. Nunca o vira assim, ninguém vira. Mas ele estava-se pouco ligando para isso. Só sabia que tinha de dar a novidade a Valerie.

 

- Valerie, acabei de receber um papel espetacular num filme que vai ganhar todos os Óscars no próximo ano. E, mesmo que isso não aconteça, posso resolver todas as minhas... responsabilidades... É um milagre. Não faço idéia do que aconteceu. Vou ao escritório do meu agente assinar o contrato - gaguejou Coop, mal contendo a excitação.

 

- Que bom para ti, Coop! Ninguém merece mais do que tu.

 

- É exatamente como tu disseste: vou fazer o papel de pai em vez do de ator principal.

 

- Tenho a certeza de que vais fazer um papel fabuloso.

 

- Obrigado. Queres ir jantar comigo esta noite? Tinha de comemorar com ela. E ia convidar também Jimmy, Taryn e Mark. Tinha pena de não convidar Alex, mas sabia que não era uma atitude sensata, por enquanto. Mas ia telefonar-lhe a dizer que já arranjara a solução para sair do aperto econômico em que vivia.

 

- Tens a certeza de que queres jantar outra vez comigo? Ainda ontem jantaste. Assim não consigo manter a elegância.

 

- Tens de jantar comigo - insistiu Coop, tentando mostrar um ar severo, mas não conseguindo reprimir um largo sorriso.

 

- Está bem. Terei muito gosto.

 

- E traz o Jimmy.

 

- Não posso. Ele saiu. - Valerie sabia que o filho continuava a encontrar-se com Alex. Andavam a explorar novas facetas de uma velha relação. Sabia que Jimmy não poderia trazê-la consigo, pois seria muito duro para ela. - Mas digo-lhe que o convidaste.

 

De qualquer das formas, o filho recusaria o convite. Preferia estar com Alex a estar com Coop. Não sentia qualquer animosidade para com o velho ator, mas estava mais interessado em reconstruir a sua vida amorosa.

 

- Telefono-te quando chegar, e digo-te onde vamos. Talvez ao Spago - despediu-se Coop, acenando, enquanto se dirigia apressadamente para o carro.

 

Cinco minutos depois, estava a caminho do escritório do agente. Uma hora mais tarde, já havia regressado a casa. Assinara o contrato. Disse a Valerie e a Taryn que fizera uma reserva no Spago para as oito horas. Entretanto, telefonou a Alex, que atendeu de imediato. Era a primeira vez que lhe telefonava desde o dia em que soubera os resultados do teste de DNA de Charlene, havia cerca de um mês. O coração de Alex começou a bater descontroladamente e as mãos não paravam de tremer, mas tentou mostrar-se calma.

 

Coop contou-lhe o que acontecera, e Alex não escondeu o seu contentamento ao ouvir todos os pormenores. Instalou-se, então, um longo silêncio. Ele sabia muito bem o que ela estava a pensar e qual era a resposta. Matutara nisso durante toda a viagem de regresso a casa e, por um ou dois minutos, ainda se sentira tentado.

 

- Esta situação altera alguma coisa entre nós, Coop? indagou Alex, contendo a respiração. Nem sequer tinha a certeza do que queria agora, mas sabia que tinha de perguntar.

 

- Ainda há pouco pensei nisso. E adoraria dizer que sim. Mas não, não altera nada. Não está certo. Mesmo com as dívidas pagas, sou demasiado velho para ti. Pensariam sempre que eu andava atrás do teu dinheiro. E não é correto uma jovem da tua idade andar com um homem da minha. Precisas de ter um marido e filhos, e uma vida a sério, talvez com alguém do teu próprio mundo, ou com alguém que faça o mesmo tipo de trabalho que tu. Acho que, se tentássemos fazer com que as coisas entre nós resultassem, seria um erro tremendo. Lamento imenso se te magôo. Aprendi muito contigo, e talvez não andasse contigo por causa do dinheiro. Mas não seria justo. Talvez precisemos de pessoas próximas da nossa idade. Não sei porquê, mas o instinto diz-me que precisamos de nos afastar, para não estragarmos tudo. Se te servir de consolo, leva um pedaço do meu coração contigo. E guarda-o bem junto a ti. Mas não reatemos a relação. Seria um grande erro, de que nos arrependeríamos amargamente mais tarde. Penso que o nosso caminho é para a frente, e não para trás.

 

À luz do tempo que haviam passado juntos e do que sentira por ele, Alex ainda alimentara esperanças de que Coop dissesse algo diferente, mas não discordava dele. Nas últimas semanas, também pensara maduramente no assunto, e as conclusões a que chegara não eram muito diferentes. Sentia muitas saudades e passara tempos maravilhosos com Coop, mas algo lhe dizia que não devia voltar para o velho ator.

 

De momento, o que verdadeiramente lhe interessava era aprofundar a sua relação com Jimmy. Ambos tinham as mesmas paixões, o mesmo amor por crianças, de tal modo que isso se estendia ao tipo de trabalho que realizavam. Jimmy estava fascinado pelo que ela fazia. Coop sempre se mostrara algo repugnado. Aliás, ela nunca pertencera ao mundo de Coop. Gostara de estar nesse mundo com ele, mas sentira-se sempre uma visita, uma turista, nunca conseguira imaginar-se a viver lá até ao fim dos seus dias. E tinha muito mais em comum com Jimmy do que com Coop. Se as coisas iriam ou não dar certo com Jimmy, isso era outra questão. Nenhum deles poderia ter a certeza. Com Coop, não haviam dado certo. Pelo menos, para ele, e talvez tivesse razão. Agora, era mais fácil andar para a frente do que voltar para trás, como ele dizia.

 

- Compreendo, Coop. E custa-me dizer que concordo. A cabeça já concorda, o coração acabará também por concordar.

 

Uma parte dela não queria deixá-lo, talvez porque Coop era o pai meigo e bonacheirão que nunca tivera.

 

- És uma garota corajosa.

 

- Obrigada. Convidas-me para a pré-estréia?

 

- Claro. E podes ir ver-me receber um Oscar.

 

- Combinado.

 

Alex sentiu-se muito melhor depois de falar com Coop. Era como se esta virada na vida profissional do velho ator os tivesse libertado. Ele precisava desesperadamente do dinheiro, não só para pagar as suas contas, mas também para a sua paz de espírito e auto-estima. Agora, poderia fazer o que muito bem entendesse. Nessa noite, quando Jimmy foi te com ela ao hospital, o estado de espírito de Alex melhorara consideravelmente, como ele próprio pôde comprovar, ao entrar no carro. Iam jantar fora e ao cinema.

 

- Que aconteceu para estares tão contente?

 

- Hoje falei com Coop. Conseguiu um papel importante num filme, o que vai permitir-lhe resolver muitos dos seus problemas.

 

Jimmy ficou em pânico, embora soubesse que a mãe fora jantar com Coop. Mas não queria dizer nada a Alex.

 

- Que tipo de problemas? Têm a ver com vocês os dois?

 

- Sim, e com outras coisas. - Alex não queria falar-lhe das dívidas do velho ator. - Chegamos à conclusão de que não era correto mantermos a relação. Foi divertido, mas, a longo prazo, precisaríamos de uma coisa diferente.

 

- Que queres dizer com isso de precisarem de uma coisa diferente? Diferente como? - indagou Jimmy, algo nervoso.

 

- Como tu, meu palerma.

 

- Foi isso que ele disse?

 

- Não especificou, mas deduzi. Lembra-te que sou médica.

 

Alex conseguira assustá-lo. Coop era um opositor formidável para qualquer homem, e Jimmy sentia-se em desvantagem. Coop tinha um metro e noventa e imenso charme. Mas aquilo que Jimmy poderia oferecer a Alex seduzia-a muito mais. Era um homem terno e de uma grande pureza de sentimentos, qualidades que haviam conquistado o seu coração. E tinha mais a ver com ela do que Coop. De alguma forma, Alex e Jimmy eram a resposta às preces um do outro.

 

Nessa noite, tal como prometera, Coop levou Valerie, Mark e Taryn a jantar ao Spago. Estava eufórico. As pessoas não paravam de o abordar. A notícia já se espalhara. No dia seguinte, sairia um artigo sobre o assunto nos jornais. Coop era o homem do momento.

 

- Quando começam as filmagens? - perguntou Mark, com ar interessado.

 

- Vamos para Nova Iorque em Outubro. E devemos voltar por altura do Natal. Aqui, as filmagens decorrerão num estúdio. - Coop tinha dois meses para se divertir. Antes de começar, gostaria de ir à Europa, em Setembro. E olhou para Valerie. Talvez pudessem ir os dois, depois da visita a Cape Cod. Agora tinha condições econômicas para o fazer. - Que te parece? - perguntou, em voz baixa, a Valerie, pouco depois, enquanto Mark e Taryn conversavam.

 

- Interessante - retorquiu Valerie, com um sorriso de Mona Lisa. - Veremos como as coisas correm em Cape Cod. - Havia muita coisa que ainda não sabiam.

 

- Não sejas tão racional. - Coop tinha a sensação de ter finalmente conhecido a mulher da sua vida. - Adoraria ficar no Hotel du Cap.

 

Valerie parecia tentada. Ambos sentiam o mesmo irresistível impulso. Mas deixariam andar as coisas. Não iriam forçá-las. Mais tarde, enquanto davam uma volta pela propriedade, Valerie disse isso mesmo a Coop, que concordou. Estavam a acontecer muitas coisas ao mesmo tempo, e o velho ator parecia um menino numa loja de doces, a querer partilhar tudo com Valerie.

 

Falou-lhe da conversa que tivera com Alex nessa tarde, e disse-lhe que se sentia de consciência mais tranqüila. Ambos sabiam que agira corretamente ao acabar com Alex, por mais dolorosa que a separação tivesse sido.

 

- Acho que a Alex e o Jimmy começaram a sair juntos

- informou Valerie, com algumas cautelas. Não queria ser indiscreta, nem embaraçar Jimmy, especialmente agora. Coop ficou pensativo por instantes, depois soltou um suspiro e olhou para Valerie. Por segundos, sentira ciúmes, mas acalmou-se quase de imediato.

 

- Acho que isso lhes fará bem. A ambos. E a nós também - retorquiu Coop, pegando-lhe na mão.

 

Nessa noite, quando se despediram à porta de casa, beijou-a. Era engraçada a forma como o destino cruzara os seus caminhos. Coop Winslow não era o homem por quem Valerie ansiara, mas estava feliz por ele ter aparecido na sua vida. Não se sentia a Gata Borralheira, mas uma mulher que começava a apaixonar-se pelo seu melhor amigo. A caminho de casa, Coop sentia exatamente o mesmo, e não via a hora de estarem juntos em Cape Cod.

 

No princípio de Agosto, como previsto, Jimmy tirou o gesso. A notícia do próximo filme de Coop fazia manchete nos jornais. O velho ator era um herói na cidade. Toda a gente o felicitava. E, de repente, começou a ter mais ofertas de trabalho. Mas estava decidido a sair da cidade com Valerie durante umas semanas. Depois, iria para a Europa, independentemente de ela o acompanhar ou não. Valerie dizia que só decidiria após as férias em Cape Cod.

 

Quando partiram, Jimmy já andava bastante bem pelos seus próprios meios. Continuava a encontrar-se com Alex, e a relação parecia ir de vento em popa. Mark e Taryn iam passar duas semanas em Tahoe com os garotos. Só Jimmy e Alex ficariam na cidade, por motivos profissionais.

 

Na noite anterior à partida para Cape Cod, Valerie preparou um dos seus memoráveis jantares de massa. Iriam de avião até Boston, e depois, de carro até Cape Cod. Alex não viera ao jantar, pois estava de serviço. Mas Valerie fora despedir-se dela ao hospital, e haviam almoçado juntas. Mark, Taryn e as crianças é que não faltaram ao repasto. Coop perguntou a Jason, num fingido tom rezingão, se partira alguma janela ultimamente. Jason empalideceu. Coop convidou-o, então, para assistir às filmagens em Los Angeles, e o garoto ficou radiante. Jessica perguntou logo se também podia ir e levar alguns amigos.

 

-Julgo que não vou ter outra alternativa. Algo me diz que vamos ser familiares dentro de pouco tempo. Farei tudo o que quiserem, desde que prometam nunca me tratarem por avô, ou coisa do gênero. A minha reputação tem sofrido inúmeros golpes ao longo dos anos, mas acho que não sobreviveria a esse. Passariam a dar-me papéis de velho de noventa anos.

 

E todos se riram. Jessica e Jason começavam a habituar-se a Coop  pouco a pouco. Eram loucos por Taryn e estavam dispostos a aceitar o velho ator como parte do acordo. Havia a hipótese de todos ficarem ligados por laços familiares, de uma maneira ou de outra, mais cedo ou mais tarde, o que era uma idéia exótica. E então, se Alex e Jimmy se casassem e Coop ficasse com Valerie, o que ele desejava ardentemente, as relações tornar-se-iam algo promíscuas. Mas todos sairiam a ganhar, até os filhos de Mark.

 

- Espero que os sanitários não estejam entupidos quando chegarem à Marisol - gracejou Jimmy, enquanto acabavam a sobremesa.

 

Coop olhou-o, intrigado, enquanto Valerie o repreendia por estar a assustar Cooper.

 

- Não é tão má quanto isso. É apenas uma casa muito velha.

 

- Esperem lá... Quem é a Marisol? - indagou Cooper, com uma expressão estranha no olhar.

 

- Não é ”quem”, é ”o quê” - corrigiu Jimmy. - É a casa da minha mãe em Cape Cod. Foi mandada construir pelos meus bisavós e é uma combinação dos seus nomes: Marianne e Solomon.

 

Coop parecia ter sido atingido por um raio. Ficou boquiaberto.

 

- Oh, meu Deus! Marisol. Nunca me disseste nada dirigindo-se a Valerie. Reagia como se lhe tivessem dito que ela estivera presa nos últimos dez anos. Essa novidade até talvez fosse mais fácil de digerir do que esta.

 

- O que é que nunca te disse? - perguntou Valerie, com ar inocente, enchendo outro copo de vinho. O jantar fora excelente, mas não era nele que Coop pensava.

 

- Sabes muito bem o que quero dizer. Mentiste-me acusou, de semblante carregado.

 

- Não te menti. Só não te expliquei. Achei que não interessava.

 

Mas Valerie sabia muito bem que interessava e receava que interessasse.

 

- E o teu nome de solteira é Westerfield, presumo. Valerie fez um gesto afirmativo com a cabeça. - És uma impostora! Devias envergonhar-te! A fingir que eras uma pobretona!

 

Coop estava chocado. A fortuna Westerfield era uma das maiores do mundo.

 

- Não fingi nada. Só não discuti o assunto contigo retorquiu Valerie, nervosa, esforçando-se por se mostrar calma. Por instantes, ficou preocupada com a reação de Coop. Era muita coisa para engolir de uma só vez.

 

-Já estive uma vez na Marisol. A tua mãe convidou-me, quando eu estava a rodar um filme lá perto. A casa é maior do que o Hotel du Cap e, se a transformasses num hotel, poderias cobrar ainda mais. Mas isso seria concorrência desleal.

 

Coop não estava tão zangado como ela receara. A verdade é que os Westerfield eram a maior família de banqueiros do Este. Eram os Rothschild da América dos primeiros tempos, e tinham ligações aos Astor, aos Vanderbilt, aos Rockefeller e a metade das famílias de sangue azul dos Estados Unidos, se não mesmo do mundo. Os Madison ao pé deles pareciam pedintes. Mas Valerie era uma mulher madura e não tinha de responder pelos seus atos. Era a pessoa mais despretensiosa do mundo. Coop sempre pensara que ela não passava de uma viúva com poucos rendimentos. Agora percebia por que razão Jimmy alugara a casa com tanta facilidade, bem como muitas outras coisas relacionadas com as pessoas que Valerie conhecia e com os lugares onde estivera. Coop fitou-a durante uns instantes, depois, recostou-se na cadeira e riu-se.

 

- Bem, de uma coisa podes estar certa: nunca mais vou ter pena de ti! - Mas também não ia deixar que ela o sustentasse. Se casassem, seria ele a sustentá-la. Valerie poderia continuar a ser parcimoniosa nos seus gastos pessoais, mas, quanto às extravagâncias, e haveria muitas, seria Coop a arcar com elas. - E mando chamar um encanador, se a descarga não funcionar. O que é que terias feito se eu não conseguisse este papel no filme?

 

Mas, com Valerie não se levantariam os problemas que se haviam levantado com Alex. Valerie era uma mulher mais madura. Com Alex, o problema não fora apenas o dinheiro, mas também a diferença de idades, o não querer ter filhos, o não querer passar por gigolô e o fato de Arthur Madison desaprovar o seu romance com a filha. Nenhuma dessas questões se colocava com Valerie. Além disso, estava novamente de boa saúde financeira. Aliás, melhor do que nunca.

 

- Se chamar um encanador - avisou Jimmy, com um sorriso nos lábios -, a minha mãe tem um ataque. Ela acha que isso faz parte do charme. Tal como o telhado, que deixa entrar água, e as persianas, que estão a cair aos bocados. No ano passado, quase parti uma perna quando o alpendre sul se desmoronou. A minha mãe adora fazer remendos na casa.

 

- Estou ansioso por ver isso tudo com os meus próprios olhos.

 

Mas Coop já conhecia a casa, e ficara apaixonado por ela desde que lá estivera a convite da mãe de Valerie. Era uma das casas mais famosas do Este. Os Kennedy haviam-na visitado inúmeras vezes quando estavam em Hyannis Port, e o próprio presidente chegara a lá ficar instalado. Coop ainda abanava a cabeça quando os restantes convivas saíram.

 

- Nunca mais me mintas.

 

- Mas eu não te menti. Só quis ser discreta.

 

- Um pouco discreta de mais, não achas?

 

- Nunca se é discreto de mais.

 

Coop adorava a elegância e a simplicidade de Valerie. Era isso que a distinguia das outras mulheres. Mesmo de camisa branca e calças jeans, não perdia o inegável ar aristocrático. De repente, lembrou-se de Alex. Jimmy era exatamente o homem de que ela precisava: fazia parte do seu mundo e era, igualmente, um renegado. E nem Arthur Madison teria argumentos para se opor à relação. Coop sentia uma grande satisfação por as coisas estarem a tomar o rumo devido. Não só para si, mas também para Alex, embora esta ainda não soubesse que estava no caminho certo. Então, enquanto Valerie levantava a mesa e punha a louça na máquina, Coop perguntou-lhe:

 

- A Alex sabe?

 

- Por aquilo que conheço do Jimmy, não. Ainda dá menos importância a isso do que eu.

 

Estava-lhes no sangue. Já tinham nascido assim. Viviam da forma que haviam escolhido. E Alex era da mesma estirpe. Não gostava de ostentar a riqueza, preferia viver como uma pessoa de poucas posses.

 

- Como é que me vou adaptar a tudo isso? - perguntou Coop, puxando-a para si.

 

Valerie era a mulher da sua vida, soubesse ela ou não. Mas Coop estava decidido a convencê-la disso. Não pelo dinheiro, mas simplesmente por ela e por aquilo que significava para si.

 

- Vais-te adaptar bem. Já estás habituado. Aliás, nós não te chegamos aos calcanhares em questão de elegância.

 

Durante grande parte da sua vida, Coop vivera folgadamente, apesar de extremamente gastador. Agora, com o filme, poderia saciar não só os seus caprichos como os dela.

 

- Acho que me vou adaptar. Para já, vou gastar todo o meu dinheiro a reparar a tua casa velha.

 

- Não sejas tonto. Gosto dela como está, caindo aos pedaços. Dá um certo charme.

 

- Tu também tens charme e não estás  caindo aos pedaços. - Mas sabia que, mesmo quando ela fosse atacada pela velhice, continuaria a amá-la. Provavelmente, seria Coop o primeiro a ser atacado, porque, afinal de contas, tinha mais dezessete anos do que Valerie. - Queres casar comigo? perguntou, enquanto Jimmy subia as escadas, na ponta dos pés. Era engraçado como gostava mais de Coop, agora que Alex já não andava com ele. Começava a achá-lo uma ótima pessoa.

 

- Finalmente - respondeu Valerie, esboçando um sorriso. Coop beijou-a apaixonadamente e saiu. Iam partir de madrugada.

 

Na manhã seguinte, o motorista conduziu-os ao aeroporto, no Bentley. Coop levava quatro malas de viagem, que haviam demorado uma eternidade a fazer. Mas era preciso não esquecer que depois da estada em Cape Cod partiria para a Europa. Valerie só levava uma, que fizera num abrir e fechar de olhos.

 

Coop despediu-se de Taryn à porta de casa. Valerie deu um apertado abraço ao filho, depois, beijou-o.

 

- Tem cuidado contigo, Jimmy - disse Valerie. Cooper e Jimmy quase tiveram de arrastá-la porta fora, para não perderem o avião.

 

Partiram para o aeroporto com ótima disposição, e aproveitaram para dormir durante o voo. Quando acordaram, estavam quase a chegar a Boston. Valerie contou-lhe parte da história da casa, que ele desconhecia. Cooper ficou fascinado e estava ansioso por a rever e partilhar com a sua amada.

 

No aeroporto, alugaram um carro e dirigiram-se para Cape Cod. Quando chegaram, a Marisol estava exatamente como Coop a recordava desde a última vez que lá estivera. Só que melhor: agora contava com a companhia de Valerie.

 

Coop ajudou Valerie a pregar pregos, a arranjar as persianas e a reparar algumas peças de mobiliário em vime. Passaram lá três semanas, o velho ator nunca se sentira tão feliz, embora tivesse trabalhado como nunca trabalhara em toda a sua vida. Mas adorara desempenhar todas essas tarefas com Valerie, que andava sempre com um martelo e pregos no bolso, e a cara manchada de tinta.

 

No fim-de-semana do Primeiro de Maio, voaram até Londres, onde passaram três semanas. Daí, Coop partiu diretamente para Nova Iorque, para começar a rodar o filme. Valerie voltou a Boston, onde passou uns dias; depois, voou também para Nova Iorque. Durante as filmagens, ficaram instalados no Plaza Hotel. Antes do Dia de Ação de Graças, regressaram à Califórnia. Entretanto, Taryn e Mark já estavam casados. A cerimônia realizara-se em Lake Tahoe, na semana anterior, apenas com a presença de Jason e Jessica. Havia muita coisa para festejar. Alex deixara o apartamento e mudara-se para casa de Jimmy, transformando o quarto deste num cesto de roupa suja. Estava prestes a concluir a especialização e continuaria como neonatologista na UCLA. Já falara com Jimmy acerca da hipótese de se casarem, mas ainda não se encontrara com o pai.

 

No Dia de Ação de Graças, Coop conseguiu reunir todos ao jantar, inclusive Alex, que estava radiante na companhia de Jimmy. Wolfgang mandou um peru, que Paloma serviu, com os tênis de imitação de pele de leopardo calçados e a nova farda cor-de-rosa. Os óculos de aros brilhantes não os usava durante os meses de Inverno. E, para alívio de todos, gostava de Valerie. Esta também gostava dela.

 

Na semana antes do Natal, os tablóides deram a notícia. Assim como a People, a Time, a Newsweek, os jornais respeitáveis, as rádios e a CNN. As manchetes pouco diferiam: VIÚVA RICA CASA COM ESTRELA DE CINEMA; COOPER WINSLOW CASA COM HERDEIRA DA FORTUNA DOS WESTERFIELD.Asfotografias mostravam-nos, felizes e sorridentes, numa recepção que ofereceram. O agente de Coop fornecera-as à imprensa. No dia seguinte, Valerie descia as escadas com um monte de toalhas que encontrara num armário.

 

- Estas servem muito bem, Coop.

 

As filmagens só recomeçavam daí a uma semana em Los Angeles, e Coop tentava convencê-la a ir passar uma semana a Saint Moritz, mas, até ao momento, Valerie não parecia interessada. Sentia-se feliz em casa com Coop - e ele também nunca fora tão feliz em toda a sua vida.

 

- Que é isso? - perguntou Coop, enquanto dava uma olhadela às alterações no roteiro. As filmagens estavam a correr bastante bem, e já havia propostas para outros filmes na Primavera. Os seus proventos haviam subido substancialmente, e Abe estava satisfeito.

 

- Encontrei um monte de toalhas com a tua inicial que suponho que já não usas e, uma vez que também tenho um W no nome, pensei que talvez pudéssemos mandá-las para a Marisol. Precisamos urgentemente de toalhas lá.

 

- Desconfio que foi por isso que casaste comigo. Vamos mas é comprar toalhas novas. Posso oferecer-te umas quantas como prenda de casamento?

 

- Claro que não. Estas estão ótimas. Para quê comprar toalhas novas se as velhas servem?

 

- Amo-te, Valerie - disse Coop, levantando-se e dirigindo-se para ela. Abraçou-a e forçou-a a pousar as toalhas no chão. - Podes ter as toalhas que quiseres. Talvez consigamos encontrar também lençóis com a minha inicial. Se não, podemos comprar uns quantos no Goodwill.

 

- Obrigada, Coop - disse Valerie, e beijou-o. Fora um ano maravilhoso.

 

                                                                                            Danielle Stel

 

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades