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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Tenho Medo de Amar / Corin Tellado
Tenho Medo de Amar / Corin Tellado

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Tenho Medo de Amar

 

Ele não concebia que uma mulher tão jovem, a julgar por seu aspecto, pudesse viver ali sozinha. E, sem dúvida vivia, pois não se ouvia outra voz. Apenas o relincho do cavalo, o rosnar do cão e o cântico dos passarinhos.

E pôde ver também, com olhos bem abertos, o abandono da casa. Limpa, sim. Notava-se nela, à medida que avançava pela casa, a mão da mulher asseada. Mas as paredes, de madeira, estavam rachadas em vários lugares. O piso, levantado. O muro, rachado. A terra, removida em alguns lugares, mas em outros, tão morta e árida como se estivesse abandonada há anos.

— Entre aí — disse ela, passando ante a porta da rua, que pelo visto não fechava direito, porque estava meio tombada de lado.

Jackie obedeceu.

Sentia nas costas o cano da arma.

— Sente-se nesse banco.

— Pare de me apontar.

— O que faz por aqui? Jamais se vê uma pessoa que não venha diretamente a esta granja.

— Não creio que seja possível chegar aqui com objetivo determinado ou concreto.

— Chegam a cada ano os que compram o trigo ou o milho.

— Não me diga que você sozinha...

— Não falo de mim — disse cortante. — Falava no senhor. Como se chama?

Jackie pensou num nome. Seu nome-de-guerra, que havia escolhido quando saiu da prisão de Dallas.

— Walter Blier.

— Seu nome não me diz nada.

— E o seu?

A mulher agitou a arma.

— Coma — ordenou, indicando com o cano da arma um copo de leite e um pedaço de pão. — Depois me provará que é a pessoa que diz ser.

E indo sentar-se no outro lado da cozinha, sem soltar a arma, apontando-a sempre, tirou um cigarro e começou a fumar.

— Daria tudo por um cigarro — suspirou Jackie, a voz rouca.

A mulher atirou-o pelo ar, de má vontade.

— É preciso racioná-los — disse cortante. — Não terei fumo até que venham recolher os sacos com os cereais, mas ainda faltam dois meses.

E depois, como se já tivesse dito o bastante, ordenou:

— Coma!

— Ouça...

— Coma, já disse!

Levantou-se, sempre com a arma na mão e foi à porta da cozinha. Não deixava de mirá-lo, mas se distraiu um pouco, do que Jackie se aproveitou e deu um salto, tirando-lhe a arma.

 

Houve entre eles um segundo de terrível tensão.

A mulher o fitava com espanto. Parecia mais humana. Sem arma, talvez fosse um ser indefeso.

Jackie jamais manejou uma arma como aquela. Por isso, depois do momento de tensão, jogou a arma longe. Ouviu-se um ruído seco e, depois, a voz apaziguadora de Jackie.

— Não sou um criminoso, já lhe disse. Estou de passagem. Sei que o caminho é duro e que me falta muito a caminhar. Mas se algo detesto neste mundo é a violência. Não tema...

— Eu nunca temo — gritou ela.

— É pena. É muito bonita.

— Cale-se!

Parecia terrivelmente ofendida.

Jackie deu de ombros, apanhou o copo na mesa e tomou o leite todo, sem deixar de fitá-la, impedindo-a assim de apanhar de novo a arma.

— Não penso matá-la. Nem abusar de sua fraqueza.

— Não lhe permitiria.

— Claro. Imagino-o. Só preciso de uns dias de descanso. Dê-me o direito de ficar um pouco em sua casa... — olhou em torno. — Vejo que há muito o que fazer. Pagarei com meu trabalho.

— Não preciso de ninguém.

Jackie compreendeu que vivia sozinha.

— É possível que viva aqui sozinha?

— Importar-lhe saber?

— Seja mais humana.

— O que me deu a humanidade?

Claro. A ele também. O que lhe deu? Nada.

Um julgamento, um cárcere, uns anos inúteis, uma liberdade conseguida à base de boa conduta.

Talvez a mulher estivesse tão ferida quanto ele. Mas... ali. Quem a teria magoado, se não havia ser humano a não ser ele, que se atrevera a cruzar aquelas planícies?

— Pagarei minha hospitalidade com trabalho — disse, como se não tivesse ouvido a réplica feminina. — Darei duro. Não estou acostumado com esse tipo de trabalho, mas me esforçarei. Só peço que me deixe tomar um banho, fazer a barba e vestir uma roupa limpa, que trago na mochila.

— Não o quero aqui.

— Uma semana. Prometo-lhe que, ao cabo de uma semana, irei embora.

— Não poderá jamais chegar a pé às montanhas. E muito menos à fronteira canadense.

— Com um cavalo, sim.

A mulher riu. Um riso seco, sem alegria.

— Antes de deixá-lo levar meu cavalo, eu o mataria. É só o que tenho.

— Então, deixe-me ficar aqui, até que venham comprar o cereal.

— Dois meses? — alterou-se ela, mostrando os dentes muito brancos. — Acha que o suportaria aqui por dois meses? E depois, não o levariam. Vêem em carretas. Expõem sua vida, porque meu preço é irrisório. E jamais pagam com dinheiro. Trazem víveres, fumo, gás e querosene, em troca do cereal, que venderão por um preço absurdo.

— Não entendo como uma mulher pode viver aqui sozinha.

Parecia que aquela simples frase comoveu a mulher. Seu peito se agitou, Subitamente, girou sobre si.

— Durma. Amanhã conversaremos.

— Não estou com sono. Só quero tomar um banho.

A mulher, de um salto, ficou sobre a carabina. Jackie não tentou alcançá-la.

— Lave-se — disse ela, empunhando a arma. — Depois... falaremos.

Desapareceu.

Jackie deu de ombros. Não compreendia aquilo. Não a arma empunhada pela mulher e sim aquela solidão horrível e o sentido complexo de tudo.

Tirou a camisa rasgada. Procurou a mochila, tirou dela a roupa limpa, a navalha e se dispôs a se assear.

Não se via a mulher por ali. Mas ouvia-se em algum lugar umas marteladas. Deve ter transcorrido muito tempo. Jackie sentia-se mais seguro de si mesmo. Olhou-se o reflexo da água na bacia. O sol batia em cheio em suas costas. Seu calor era reconfortante.

Estava mais tranqüilo. Uma mulher! Bah, nunca poderia matar! Embora aquela mulher fosse diferente das outras.

Mas ele só queria, após dois anos preso, respirar um ar puro, a plenos pulmões... Era como uma compensação pela terrível escuridão em que viveu durante aquele tempo em que esteve encarcerado...

 Uma vez pronto, apalpou o bolso da calça. Ali o tinha.

Para que servia? Ele se preocuparia de que jamais servisse para nada.

Jamais.

Andou pelo pátio. As marteladas estavam mais perto. Também ouviu um som que não soube distinguir. Deteve-se e olhou para a casa. O rumor persistia. Haveria alguém dentro de casa?

Deu de ombros e seguiu adiante, distraído. Súbito, parou.

A mulher — como se chamaria?— batia no muro. Notava-se que já havia restaurado uma boa parte do paredão. A jovem, com o cabelo algo despenteado, tinha um saco com pregos a seus pés. Ia pregando as tábuas, metodicamente.

— Por que não me deixa fazê-lo? Assim, eu pagaria pela sua hospitalidade.

A mulher levou um susto e parou o que estava fazendo.

— Terminou de lavar-se?

E o fitava, de cima abaixo, com seus olhos verdes, muito grandes. Deve tê-lo achado menos perigosos, porque ordenou:

— Se vai ficar aqui alguns dias, pode ir me ajudando. Mas se espera as carroças, posso lhe dizer desde já que procedem de Denver.

— Denver?

— Naturalmente — disse com desdém. — Voltaria sobre seus passos e não creio que isso lhe agrade.

— Estou indo para o Canadá.

— Pois terá que caminhar a pé mais de seis meses. É muito difícil atravessar tudo isto — e, com indiferença, indicou as montanhas. — Não é o primeiro que tenta vencer essa distância e fica na metade do caminho.

— Não há... meio de locomoção?

— Não — taxativa. — Mas não pense nisso agora — riu, sarcástica. — Será melhor que me ajude, se pretende comer hoje.

Não trazia mais a carabina, mas tinha um cinturão, com um revólver. Pelo visto, nunca andava desarmada.

— Está bem — decidiu Jackie. — Eu a ajudarei. E esta noite pensarei no que vou fazer.

— Será melhor que o decida logo. Não gosto de hóspedes. Ainda mais de estranhos.

— Já lhe dei o meu nome.

Ao falar, ia-lhe passando a madeira, que ia pregando.

— Nomes não me dizem nada. Conheci uma jovem de dezesseis anos, que conheceu um homem. Chamava-se... — sacudiu os ombros. O martelo caiu sobre o prego. — Que importa! O fato é que se apaixonou por ele. Tinha dezesseis anos! Ainda se lembra de ter tido essa idade?

— Claro.

— Terá se apaixonado pela criada de sua mãe, se é que a teve e, se não a tinha, pela garçonete do bar que freqüentava. Não é isso?

— Nunca fui de me apaixonar à toa. Mas o que aconteceu com essa sua amiga?

Súbito, ouviu-se um choro. A jovem largou tudo e saiu correndo em direção a casa. Jackie franziu o cenho. Depois, relaxou-se. Então, era isso. Havia uma criança. Um filho...

Começou a fazer o serviço que ela largara. De repente, apareceu um menino. Ao ver Jackie, ficou parado, espantado.

— Mike — gritou a mãe, atrás da criança. — Vá brincar dó outro lado.

Em seguida, aproximou-se mais da cerca de madeira.

— Fez um bom trabalho — comentou. — É carpinteiro?

Jackie Haupt riu. Um riso breve e frio. Carpinteiro, ele! Mas era homem que sabia fazer de tudo.

— Terminarei o que falta — disse, sem perguntar quem era o menino que saíra correndo.

— Depois, venha comer algo e depois prepararei o arado.

Dito o qual, voltou-se e se perdeu no pórtico.

Jackie terminou o serviço e se dirigiu a casa. Avistou o menino, que teria no máximo dois anos, brincando com o cão.

Era moreno. Parecia-se com a jovem, que se não fosse a mãe, seria a irmã.

Deu de ombros. Aquilo não era seu problema.

Deteve-se, porém, ante a criança. Seus olhos eram verdes. Via-se que era sadia, limpinha. Suas roupas eram rústicas, mas estavam limpíssimas. Calçava botas, um tanto fortes para seus pés delicados.

— Como se chama?

O menino se encolheu. O cão rosnou, ameaçador.

— Cale a boca, "Ted" — disse Jackie suavemente. — Não quero fazer mal ao seu amiguinho — e, olhando em volta, inclinou-se para o menino: — Como se chama?

O mesmo silêncio hostil.

Jackie ficou pensando. Quantos anos teria a moça? Apesar da pele curtida, da dureza de seu olhar e da crispação na boca, não devia ter mais de vinte anos.

Pensou em sua situação, ali no meio daquelas montanhas, com uma mulher e uma criança.

Podia ter pedido dinheiro ao deixar a prisão.

Preferiu, porém, partir sem pedir dinheiro a ninguém. E embarcou naquele trem de carga. Em Denver, trabalhou numa loja até recuperar um pouco as forças. Depois, embarcou em outro trem de carga, até que este chegou ao fim da linha. Foi quando iniciou um caminho desconhecido.

Olhou para o menino de novo.

— Você é Mike — disse, mansamente.

Inclinou-se para ele, o cão rosnou.

— Calma, "Ted".

O cão continuou enfrentando-o, ameaçador.

— Venha comer — chamou a mulher, de uma janela.

— Até logo, Mike.

O menino nem piscou. Jackie entrou na casa.

— Aí tem ovos fritos e toucinho — disse a jovem. — É só o que tenho.

— É muito para minha pequena ambição.

— Ninguém deixa de ser ambicioso.

Fitou-a e, em seguida, sentou-se no banco.

— Por que tem essa idéia de tudo e de todos? Sempre há exceções.

Ela cruzou os braços no peito. Fitou-o, fixamente.

— Por que há de ser você a exceção?

Jackie pensou que era melhor comer.

O trabalho lhe despertara o apetite.

— Depois, irá para o campo. Enquanto come, prepararei o arado com o cavalo.

— Nunca arei antes — disse Jackie, se alterar.

— Aprenderá.

E saiu, com o revólver na cintura.

— Eh, ouça! — gritou-lhe Jackie, apontando para sua cintura. — Por que não tira isso? Já deve ter compreendido que não sou nenhum assassino.

A jovem saiu sem responder e, claro, sem tirar a arma.

Durante todo o dia, arou a terra. Viu-a rachando e carregando lenha, lavando o bebedouro dos animais e dando banho no menino. Depois, ela sumiu e voltou trazendo dois coelhos mortos.

Era bonita e corajosa. Tinha uma personalidade incrível.

Quando terminou o seu trabalho, soltou o cavalo, limpou-o e deu-lhe de comer. Guardou o arado onde a vira apanhá-lo e depois foi se lavar.

Em breve, seria noite. Ao se aproximar do menino, notou que o cão rosnava menos. Estava se acostumando com sua presença. Mike também, pois esboçou um sorriso. Fez-lhe uma festa na cabeça.

— Você não pode ficar aqui fora, Mike. Com o sereno, pode se resfriar. Por que não entra?

— Que lhe importa o menino?

Virou-se. Ali estava a jovem. Parecia cansada. Tinha olheiras. A roupa era a mesma, mas não parecia suja.

— É... seu irmão?

A mulher se virou. Mas sua voz soou firme.

— É meu filho.

Claro. Já o esperava. Mas ainda assim se espantou.

Bem, mas o que lhe importava? Tinha seus próprios problemas já. Toda uma vida magnífica, mas cheia de sacrifícios, para chegar a um fim e quando julgou ter chegado... tudo aquilo.

Sacudiu a cabeça e seguiu a mulher para a cozinha.

Enquanto ela arrumava a mesa, ele tirava água do poço e acendia o fogão a lenha. Em dado momento, ele perguntou:

— Como se chama?

— Por que pergunta?

— Gosto de chamar as pessoas pelo nome. O meu, já o disse, é Walter Blier.

— O meu é Sandra — disse de má vontade. — Basta?

— Basta, Sandra — murmurou Jackie, saindo de novo.

Fora apanhar mais água no poço e viu Mike ainda brincando com o cachorro.

— Por que não entra, Mike? Se ficar aqui mais tempo, acabará doente.

O menino obedeceu, docemente. Jackie também entrou em casa, pouco depois.

Ao olhar para o lado de Sandra, ficou espantado. A jovem, sentada à mesa, dava a comida ao filho. Sua expressão já não era dura. Estava suave, meiga, maternal. Jackie percebeu que ela adorava o filho.

E o marido?

— Pode se servir — disse Sandra, de repente, de novo com a expressão carregada. — Temos coelho ensopado e toucinho frito na frigideira.

Não era uma comida atraente, mas Jackie apressou-se em se servir.

Sentou-se depois frente a ela. Mike comia e o fitava com certa admiração ou assombro.

— Você é um menino bacana — dizia Jackie suavemente.

— Deixe o menino em paz.

— Não posso brincar com ele?

— Cale-se.

Jackie comeu em silêncio. Sentiu sede e se levantou para apanhar água. Quando acabou de se servir, já não encontrou Sandra nem Mike na cozinha.

Terminada a refeição, ficou sem saber o que fazer. Não sabia nem que horas eram.

Resolveu conhecer a casa.

Saiu ao corredor e viu duas portas. Empurrou uma. Um quarto vazio, exceto por uma cama ao fundo. Fechou a porta e abriu outra.

Ali, só havia cereal. Nem um móvel.

Fechou a porta e procurou outras. No fim do corredor, havia outra, mas ouviu a voz de Mike e calculou que era ali que mãe e filo dormiam.

Mesmo sem querer, ouviu o que a criança dizia.

— Quem é esse homem, mamãe?

— Um peão.

— Vai ficar aqui?

— Só algum tempo — a voz de Sandra era cheia de ternura.

Jackie se admirou.

— Muito tempo? — insistia o menino, em sua linguagem infantil.

— Não sei.

— Ele é bom?

Jackie não ouviu mais, pois se afastou lentamente.

 

Abrindo outra porta, viu uma mesa redonda, rústica e duas cadeiras, além de uma estante.

Saiu dali e não procurou mais portas, pois viu que não as havia mais. Subiu uma escadinha e encontrou-se em um quartinho que só continha algumas cebolas, milho e batatas. Ali se devia guardar a colheita. Havia vários sacos amontoados. Uma pequena abertura deixava entrar o ar, para que as coisas não se estragassem.

Apalpou os sacos. Farinha. Sem dúvida, era o que atraía as carroças de Denver. O que ocorreria ali, quando as chuvas invadissem o campo? Não haveria colheita e aquela pequena família morreria de fome.

Por que diabo aquela mulher não vivia junto à civilização? Ela não parecia ter nascido e se criado ali.

Deu de ombros, voltou atrás em seus passos. Na cozinha, encontrou-a lavando os pratos e talheres.

— Vou secando?

Virou-se. Tinha o mesmo olhar duro de sempre, salvo quando falava com o filho.

— Vá se deitar. Amanhã o chamarei bem cedo. É preciso semear, se é que não vai embora já.

— Não posso ir — disse, calmamente. — Só espero não estar atrapalhando.

— Se trabalhar... — fez uma pausa, dando de ombros — não estará me atrapalhando.

— Obrigado.

— Sua cama fica à esquerda no corredor.

— Novamente obrigado.

Mas, de repente, antes de sair, virou-se de novo e olhou para as costas da jovem.

— Esta tarde, enquanto arrumávamos a cerca, você me contava algo, Sandra. Sobre uma garota que se casou aos dezesseis anos.

— Bah!

— A estória acaba ali, onde você a interrompeu?

— Sim — foi cortante. — Boa noite.

— Boa noite.

Ia sair, mas ainda se deteve no umbral.

— Eu, em seu lugar, não deixaria o menino exposto ao sereno tanto tempo. Hoje, já estava com o cabelo úmido.

Agora, ela se voltou para ele. Tinha um prato na mão.

— O que tem com isso? Mike se criou assim...

— Eu sei. Ele parece ser uma criança forte, mas um dia pode se dar mal. Já observei que adora seu filho — e após uma pausa, que ela não interrompeu, perguntou: — Seu pai morreu?

Sandra virou-se de costas.

— Boa noite — disse.

Jackie compreendeu que não devia insistir e saiu. Deitou-se na cama de roupa e tudo e cochilou. Súbito, ouviu um ruído na porta de entrada.

Ficou curioso. Seria algum forasteiro que chegava?

Olhou pela janela e ficou espantado em ver Sandra do lado de fora, com uma vela na mão. Parecia um fantasma. Não tinha aspecto de louca, isso não. Mas... aonde iria com aquela vela?

Ficou observando. Viu quando Sandra se detinha no alto de um montículo e se ajoelhava. Demorou-se um longo tempo, naquela posição.

Jackie notou então que, o que parecera uma vela, era só uma lamparina.

De repente, ela se ergueu e começou a voltar para casa.

Jackie deixou a janela. Estava tenso. Ouviu os passos se aproximando da casa, depois, já no corredor.

"Amanhã vou ver o que há na colina", pensou Jackie.

Amanhecia quando ouviu batidas na porta do quarto.

— Já vou — disse.

— O desjejum está à mesa.

Levantou-se e lavou o rosto na bacia do quarto. Quando saiu, sentia-se bem disposto e cheio de vigor.

Era muito alto e magro e parecia ainda mais comprido com aquela calça cinzenta, que não combinava nada com o ambiente do campo. Os sapatos também não eram próprios para a terra e muito menos a camisa branca, fina.

Louro, barbeado, com a roupa limpa, Walter Blier, como se fazia chamar, era um tipo muito atraente para aquele lugar. Chegou na cozinha quando a jovem levava uma caçarola ao fogo. Devia estar pesada, pois ela se esforçava para levantá-la. Jackie se aproximou, querendo ajudá-la.

— Não precisa.

— Por quê? Não sou seu criado, até que possa ir nas carroças, ou mesmo a pé?

Deixou a caçarola e virou-se para ele.

— Coma — disse, desviando os olhos.

— O que devo fazer hoje?

— Precisamos de lenha. Enquanto o dia não nasce totalmente, vá ao bosque e traga alguma.

— O bosque é seu?

Sandra o fitou com ironia. Pela primeira vez, parecia zombar dele.

— Tudo o que há em muitas léguas ao redor é meu. Sem escritura — acrescentou secamente. — Aqui não existe a lei. Ninguém reclama nada. É tudo da natureza, ou de quem queira apropriar-se dela — ia até a porta. — Uma vez cortada a lenha, traga-a.

— O que farei depois?

Súbito, ela olhou para suas mãos, que sustinham o garfo.

— Lamento por suas mãos. Vê-se que não trabalhava no pesado.

— Vou me acostumando.

— É bom.

Como Sandra já alcançava a porta, Jackie disse com visível ironia:

— Continua com o revólver? Ainda não se deu conta de que não sou um bandido?

Ela tocou na arma, à cintura fina.

— Prefiro andar armada.

— Quer que lhe fale de minha vida?

Fitou-o fixamente. Sem piscar. Sem mover um músculo do rosto. Estava linda.

— Não me interessa sua estória. Guarde-a para si mesmo.

E se retirou.

Jackie terminou de comer e se decidiu a ir logo ao bosque, mas antes passaria pela colina. Estava intrigado.

Foi direto ao local onde vira Sandra ajoelhada. Olhou para trás. A jovem não estava visível. Provavelmente, estaria lavando roupa.

Chegou no alto da colina e olhou em volta.

Nada.

A terra parecia removida num canto e sobre ela, duas flores secas. Alçou uma sobrancelha.

O que haveria sob aquela terra?

Perplexo, com a testa enrugada, decidiu deixar aquele lugar. Deslizou para o outro lado e chegou ao curral.

Sandra estava pendurando a roupa no varal. O dia estava mais claro, mas Jackie calculou que seriam aproximadamente seis da manhã.

Em pleno verão, era dia quase completo. Claro que as montanhas que rodeavam aquele lugar impediam que o sol se visse a tais horas, embora já se avistasse o disco avermelhado que ia estendendo-se através das montanhas, saltando sobre elas e cobrindo todo o campo.

Pendurou o machado no ombro e se dirigiu, com firmeza, para o interior do bosque.

 

Jackie calculou que transcorreram três horas, desde que começou a cortar os pinheiros. Pelo combinado, Sandra viria com a carreta, para pegar a lenha acumulada por ele.

Passou-se mais meia hora, mais ou menos e, como Sandra não aparecia, ele mesmo resolveu ir buscar o cavalo com a carroça. Mas ao chegar perto da casa, não viu sinal de Sandra, nem do menino.

— Sandra! — chamou, entrando em casa.

O cão saiu do quarto do menino, ladrando furiosamente.

— Sandra! — o cão barrava-lhe o caminho. — Saia da frente, "Ted". Fique calado.

Jackie ouviu a tosse do menino. Depois, deu um safanão no cachorro e passou por ele.

— Sandra — chamou.

A jovem estava ajoelhada ao lado do leito, onde o filho parecia arder em febre.

— O que houve? — perguntou rouca-mente. — Mike está doente?

Sandra nem levantou a cabeça. Naquele instante, não parecia a jovem valente que sabia usar um revólver. Era a mãe desesperada, que mal podia se mover, tal era o medo que sentia.

— Deixe-me vê-lo — pediu Jackie.

Ela se abraçou ao menino.

— Não... não... — sua voz era um gemido abafado. — Não o toque.

Mas Jackie compreendeu que não havia tempo a perder. Afastou Sandra com firmeza. Inclinou-se sobre o menino. Tomou-lhe o pulso.

A mulher o fitava, parecendo recordar uma cena semelhante.

— Traga-me uma toalha ou um lençol molhado em água fria. Depressa!

A mulher não parecia ouvi-lo. De repente, Jackie se comoveu intensamente. A mulher violenta, quase feroz, cheia de energia, convertia-se numa pobre mãe desvalida. Ocultava o rosto entre as mãos e chorava, soluçando forte.

— Depressa, já disse! Chore depois. Agora, traga um pano qualquer, molhado.

Sandra não se movia. Súbito, começou a bater com a cabeça na parede, com força. Então, Jackie a alcançou e a esbofeteou duas vezes.

— Se quer salvar seu filho, ajude-me!

 Durante um dia e uma noite a luta foi indescritível.

Depois das duas bofetadas, Sandra parecia um robô, fazendo tudo que lhe era mandado.

Não havia remédios. Só a água, o ar, o calor e a esperança em Deus, para salvar Mike da pneumonia.

Em mangas de camisa, agitado algumas vezes, outras vezes silencioso, Jackie Haupt trabalhava sem cessar. De vez em quando olhava para Sandra, que parecia meio sumida no chão.

— Deviam ter pelo menos aspirina em casa — dizia Jackie, rompendo o silêncio pesado.

— Acabaram-se.

— Quem as tomou?

Silêncio.

Pálida. Com olheiras, os cabelos caindo pelo rosto, Sandra parecia uma demente pacífica.

— Isso é terrível — dizia Jackie de vez em quando. — A toalha está seca. Traga-me outra.

Durante seis dias, quase não saíram dali para nada. Mal comiam e dormiam muito pouco.

— Você precisa se alimentar — disse ele, no sexto dia. — E dormir também. Vá para a minha cama.

— Não! — ficou histérica. — Não! Quando eu acordar... terão levado Mike.

— Dou-lhe minha palavra de honra.

— Honra? O que é honra?

— Escute. Não sei nada de sua vida. Não sei o que houve, o que a deixou assim. Mas sei que não viveu sempre aqui. Sei que é inteligente e tem alguma cultura. Que diabo veio fazer aqui com seu filho? — empurrou-a para fora. — Eu lhe garanto que Mike está fora de perigo.

— Como pode saber?

— Não quero bater-lhe outra vez — disse Jackie calmamente, empurrando-a. — Vou dar leite para ele. Mike já melhorou. A febre cedeu. Daqui a alguns dias, estará correndo por ai.

— Mentira. Ele morrerá, como... — apertou os lábios. Ficou tremendo, encostada à parede.

Jackie se inclinou para a frente.

Como..., quem? Quem teria morrido naquela casa?

De repente pensou na colina. Nas flores murchas.

— Alguém morreu? Seu marido?

Sandra girou. Ficou com o rosto colado à parede.

— Depois me contará — disse Jackie suavemente. — Agora, vá descansar. Eu cuidarei de seu filho. Ele não vai morrer.

— Como sabe?

Ele não respondeu. Empurrou-a brandamente para fora. As pernas dela vergaram. O cansaço era demais. Jackie a amparou nos braços e a carregou para o outro quarto, deitando-a.

— Durma, Sandra — murmurou. — E quando acordar, verá seu filho também desperto.

A jovem tentou se erguer ainda, mas não pôde. Foi vencida pelo sono de muitos dias. Adormecida, já, começou a dizer coisas desconexas.

— Mike, Mike. Douglas, querido. Meu Douglas...

Jackie, que fechava os postigos, ficou tenso.

Douglas? Seria o marido? Olhou para Sandra. Esta, caíra em um sono profundo. Silencioso.

 O menino dormia placidamente. "Ted", o cão, entrou no quarto de mansinho.

— Pena que você não fale, "Ted" — Poderia me dizer quem é Douglas. Teria abandonado a sua mulher?

Inclinou-se para Mike, adormecido. A toalha que o cobria estava seca. Sua respiração era compassada.

— Ele vai viver, "Ted" — disse, baixando as mangas da camisa, porque começava a sentir frio. — Seu amiguinho não vai morrer, "Ted".

Fechou a janela.

Era noite fechada. Sandra dormia desde a manhã. Despertaria lúcida. Saberia que o filho estava fora de perigo.

Quem era Douglas?

Não devia lhe interessar, mas a verdade é que não podia deixar de pensar naquilo.

Saiu de casa. Subiu a colina. Ficou parado ante aquele monte de terra. De onde teriam vindo aquelas rosas?

Eram silvestres. Provavelmente, nasciam junto ao rio.

O que havia sob a terra?

O marido de Sandra?

Desceu de novo. Não se ouvia ruído algum. Apenas o da água, correndo mansamente. Chegou ao curral e se lembrou que estava com fome. E que o úbere da vaca estava a ponto de rebentar.

Apanhou um balde na cozinha, lavou-o bem e foi para o curral de novo, a fim de tirar o leite, coisa que jamais fizera antes. Foi então, ao chegar à quadra, que viu Sandra.

— Sandra — exclamou. — Já está de pé...

Sandra o fitou. Estava examinando a vaca, com delicadeza. Já não trazia o revólver à cinta.

— Acabo de me levantar.

— Você foi ver Mike?

Ela o fitou, agradecida, com um suave sorriso nos lábios.

— Você o salvou.

Fez uma pausa. Depois...

— Se quiser ir embora, eu lhe dou o cavalo.

Ele ficou emocionado.

— Não, Sandra. Mas aceitaria se me fizesse algo quente para comer. Estou morto de fome. Quanto a Mike, dentro de cinco ou seis dias, estará de pé.

— Você o salvou — murmurou, baixinho.

E de repente, ficou de pé, na ponta dos pés e o beijou na face.

Jackie ficou como enfeitiçado.

  Não saiu correndo nem disse uma palavra que denotasse sua emoção e espanto. Ficou ali paralisado, vendo a jovem tirar o leite da vaca.

Nem uma palavra. Nem um gesto.

Pelo visto, a expansão de agradecimento, para ela que era tão fechada, introvertida, era mais do que suficiente.

Súbito, Jackie girou sobre si e lentamente dirigiu-se à cozinha. Tudo estava escuro. Por isso, com cuidado, começou a acender a lamparina. Faltava-lhe querosene. Foi procurá-lo e ao encontrar a garrafa, viu que havia pouco. Se os carroções se demorassem muito, eles ficariam no escuro. A farinha também que estava guardada não era muita.

Pensativo e preocupado, acendeu a lamparina e a deixou num ponto mais alto, a fim de ver melhor a cozinha. Juntou a lenha. Se viessem as chuvas, eles morreriam de frio, já que não houve tempo de se acumular lenha suficiente.

Iria para o bosque logo de manhã bem cedo. Mike estava bem. Com um pouco mais de cuidado, estaria restabelecido.

Acendeu o fogo, procurou ovos e toucinho e fez chá. Estava procurando os ovos, quando deparou com as caixas vazias.

— Não os recolhemos durante toda uma semana.

Virou-se. Sandra estava ali. Com sua calça de vaqueiro, suas botas curtas, sua blusa de xadrez, o lenço no pescoço e o cabelo trançado em volta da cabeça.

Trazia o balde com o leite na mão. Jackie apanhou-o e o pôs no fogão.

— É melhor que ferva — disse um tanto aturdido. — O leite esteve muito tempo retido no úbere da vaca.

— É um leite sadio. O primeiro que saiu.

— Ah!

Um silêncio.

Como confusos, eles que sempre se olharam receosos. Era outro receio. Tudo diferente. Até ver aquela cintura fina sem o cinturão e o revólver, parecia diferente.

— Enquanto se derrete o toucinho, irei ao galinheiro, apanhar uns ovos — disse Sandra rapidamente. — E amanhã, matarei uma galinha. Mike precisa de um bom caldo.

— Será melhor...

Voltou-se o fogão. Começou a manejar nele. Sorria.

Quantas coisas se aprende, na hora da necessidade. Ele, que nunca mexeu em fogão, ali estava, preparando algo para comerem.

— Há bastante ovos — reapareceu Sandra, quase contente. — Teremos que comê-los a semana inteira.

E como Jackie não respondesse e voltasse a fitá-la, Sandra acrescentou nervosamente, um tanto encolhida por causa do olhar masculino.

— Esperemos que a carroça do Sr. Wilson não se atrase este ano. Estamos com falta de tudo.

— De onde vem o Sr. Wilson?

— De Kansas City. Trabalha na loja de um homem. Possuem vários armazéns em Denver — quebrava os ovos e os arrumava num prato, enquanto falava.

O toucinho estava todo derretido, bem quente.

— Pode pôr os ovos — disse ela, indo para o lado da cozinha. — Esta noite, só comeremos isso. Amanhã, tentarei trazer alguma caça, enquanto "Ted" cuida de Mike.

— Confia em "Ted"?

— Sim — afirmou, categórica. — Sim, caso Mike não tenha febre. E você me disse que ele estava fora de perigo — fitou-o fixamente. Seus olhos verdes tinham algo novo, como uma súbita curiosidade. — Como sabe que ele está fora de perigo?

Jackie começou a fritar os ovos.

— Porque ele está — disse, girando e depositando os ovos em uma travessa. — Pode sentar-se e comer.

— Como o sabe?

— Houve tempo — disse procurando pão em uma gaveta — em que ajudei um médico, num hospital.

Pareceu convencê-la.

— Ah! — disse apenas.

Os dois sentaram-se ante a mesa. Comeram com vontade. Na verdade era a primeira comida de sal que botavam na boca, em sete dias.

 A pergunta surgiu de repente.

Ele não era curioso. Além do quê, tinha seu próprio drama íntimo a atormentá-lo, para querer saber de coisas da vida de Sandra. Mas aquela terra fofa na colina, com as flores em cima, deixaram-no curioso.

— Quem foi... Douglas?

Sandra ficou tensa.

Jackie percebeu que ela estava intensamente emocionada.

— Como pode saber algo de Douglas? Quem lhe falou de sua existência?

Estava de novo desafiante, quase agressiva.

Jackie recomeçou a comer. Estava faminto, na verdade.

— Você mesma, quando a levei para a cama. Estava exausta. Ficou seis dias ao lado de Mike.

— Devo responder, não?

Ficou espantado.

— Por que diz isso?

— Devo-lhe muito. Devo-lhe a vida de Mike. Sem dúvida, não é um bandido. É um homem bom. E eu quero lhe pagar de alguma forma a minha dívida.

Jackie ficou inquieto. Nervosamente, levou o copo aos lábios e tomou um gole da água.

— Não — disse, com súbita energia. — Você não me deve nada. Irei embora daqui, tão logo chegue a carroça — e, como querendo afastar a impressão causada pela pergunta, acrescentou: — Quando acha que vai chegar a carroça do Sr. Wilson?

— Às vezes se atrasa um pouco. Quinze dias, um mês. Outras, adianta-se uma semana. Depende do tempo que esteja fazendo. De qualquer jeito, tenho um calendário comigo. Estamos a quinze de agosto.

— Agosto? Pensei que era julho.

— É agosto. Pode ver por si mesmo ali — e apontou para a folhinha pendurada na parede.

Instintivamente, Jackie olhou.

— É verdade. A menos que você tenha se esquecido de virar a folhinha do dia, durante esta última semana.

— Acertei-as esta manhã. E o calor que faz, é mesmo de agosto. Não faz nem vinte dias que tirei todo o trigo do campo.

— Sozinha?

— Com a ajuda dos dois "Ted" — respondeu, risonha. — Não é à toa que se chamam assim. São muito trabalhadores.

— O que tem o nome a ver com isso?

Ela se agitou.

— Nada, nada. Bem, como eu ia dizendo, estamos em agosto. A carroça deverá chegar em outubro. Devem vir o Sr. Wilson e seus dois filhos. Trarão de tudo, menos dinheiro. Para que eu ia querer dinheiro? Trazem-me comestíveis e objetos às que preciso.

— O dinheiro serviria, quando sair daqui.

Pareceu espantada.

— Sair daqui? Não penso fazê-lo.

— Mas... não tem medo de viver aqui, isolada?

Já teve medo. Atualmente, só temia as doenças. Ali, não havia ninguém para incomodar. Algum bicho perigoso, ela matava com o revólver ou a carabina.

Sem responder, levantou-se e começou a recolher os pratos.

— Você não descansou em muitos dias — disse Jackie. — Vá se deitar. Eu ficarei com Mike.

— Antes então, irei vê-lo um pouco.

Já na porta, Sandra disse, sem fitá-lo:

— Mude de roupa amanhã. Esta que usa, já está muito surrada. A outra está no armário, já lavada. E também encontrará calças grossas e botas para calçar.

Jackie e encarou, ao perguntar:

— A quem... pertenceram?

A forma como respondeu fez com que Jackie se estremecesse.

— Eram de Ted.

Não se atreveu a perguntar quem era Ted. Viu a crispação no rosto feminino e teve piedade.

Foi ao quarto de Mike. O menino dormia, velado pelo cão.

Acordou muito cedo.

Nem tempo teve para perguntar quem eram Douglas e Ted. Que nenhum dos dois morava ali na granja, isto era óbvio. Mas qual dos dois dormiria o sono eterno, lá na colina?

Apanhou no armário a calça grossa e as botas, que lhe ficaram grandes, mas confortáveis; uma camisa de pano rústico, e até um lenço que o protegeria do calor. Com um chapéu de aba larga na mão, saiu de casa, disposto a preparar a carreta.

Ficou paralisado. Sandra estava ali. Vestida como sempre. Com o rosto recém-lavado, fresco, juvenil.

Ao vê-lo, ficou meio confusa, mas disse:

— Irei apanhar a lenha que você cortou aquele dia.

— Então, iremos os dois, a menos que me deixe ir só.

Ele hesitou. De um salto, sentou-se na boléia e empunhou as rédeas.

— Suba — disse num tom amigável. Estava mudada e muito. Chegava quase a ser suave.

— Como passou Mike a noite?

— Calmo. Acordou e eu lhe dei um copo de leite. Tornou a dormir.

— E se acordar?

— "Ted" estará com ele. Não vai subir?

— Mas "Ted" é apenas um cachorro.

Ao falar, Jackie pulou na carroça, que começou a andar, puxada pelo cavalo.

— Um cão que às vezes é melhor que muita gente. "Ted" cuida de Mike com um carinho especial. E não deixa nada, nem ninguém aproximar-se dele. Se não fosse assim — fitou-o, por um segundo — como eu poderia trabalhar, como sempre fiz?

— Não me disse ainda quem era Douglas.

A jovem ficou logo de cenho carregado.O peito oscilava.

Pela primeira vez, Jackie ficou inquieto em sua presença. A solidão, a natureza, a beleza daquela jovem, sua incrível personalidade... não seriam um perigo em sua vida? Gostaria que o tempo voasse e o Sr. Wilson chegasse logo, para ele poder dizer adeus aquele lugar.

— Não... quero falar disso — murmurou ela, de repente.

— Você gostava dele.

Sandra se agitou. Seus olhos tinham um brilho fora do comum.

— Muito.

— Era seu marido.

Fitou-o, assombradíssima.

— Não! — e baixo, como se beijasse as sílabas: — Era meu filho!

E sua voz se extinguiu num gemido. A ferida estava aberta.

Compreendeu porque aquele desespero, quando viu Mike ardendo em febre.

— Seu filho...

Ela assentiu. Engraçado. Ela, que era uma mulher dura e precisando sê-lo, para criar sozinha um filho naquele ermo, trabalhando no pesado; naquele momento, parecia feita de vidro. Jackie ficou comovido, ao ver duas lágrimas deslizando dos olhos verdes.

Suas mãos apertaram aquelas que seguravam as rédeas.

Por pouco tempo. A jovem, conseguindo dominar seu momento de franqueza, secou as lágrimas e tirou as mãos dele das suas. Fizeram o resto do trajeto em silêncio.

Foi só na volta, já com a carroça carregada, que Jackie tomou a falar.

— Outro dia, você estava me contando a estória de uma garota de dezesseis anos...

— Foi uma triste estória — murmurou Sandra, após um longo silêncio. — A princípio, bonita. Bonita, como tudo que se começa na juventude, quando se tem tantas ilusões...

— Não quer me contar?

— Não sei.

— Creio, Sandra, que começamos a ser amigos. O infortúnio ou o destino nos uniu nesta solidão. Algo devemos nos dizer. Encher os silêncios e as horas, de alguma maneira.

— Você tem seu drama... não é verdade?

Jackie olhou em frente.

— Agora, daria algo por um cigarro.

Sandra sorriu.

— Terminei-os. Como com as aspirinas.

Fitou-a tão intensamente, que ela desviou os olhos.

— Douglas... acabou com as aspirinas.

Ela assentiu com um movimento de cabeça.

— Sem resultado.

— Tudo começou como Mike.

— Há muito tempo?

— Há... dois meses.

Outro silêncio. A jovem apertava as rédeas com força.

— Desculpe. Não queria forçá-la e recordar momentos tristes — e depois, de forma mais baixa, suave, consoladora: — Está enterrado no alto da colina.

Sandra assentiu.

— Não vai me contar... aquela estória.

— Era uma menina rica. Estudava, passeava. A vida para ela era bela.

Sua voz soava amargurada. Jackie respeitava seus silêncios prolongados.

— Vivia com sua tia, órfã de pais, viveu sempre com aquela parenta. Um dia, a garota da minha estória, conheceu um homem. A dama e a sobrinha moravam em Chicago. Aquele homem entrou como um furacão na vida da moça. A tia disse que não era homem para ela. Que, casando com ele, não receberia um tostão seu. Que importava o dinheiro! Aos dezesseis anos... o dinheiro não tem a mínima importância. Continuou saindo com aquele homem.

Outra pausa comprida. Jackie esperou.

— Casaram-se sem o consentimento da tia. Foram vê-la, depois... A dama não quis recebê-los. O marido da jovem ficou furioso. Ela não compreendeu o que ele desejava, que era o dinheiro da tia. Aquela mesma noite, ele a levou para longe de Chicago. Ela ia feliz, pois o amava e estava com ele.

Já podiam avistar a casa. "Ted", o cão, não estava do lado de fora. Ainda estava ao lado de Mike.

— Depois — continuou Sandra — ele comprou uma carroça, meteu a esposa ali, mais alguns objetos e saiu pelo mundo, pelos campos e pradarias. Ela descobriu que era um fugitivo. Não pagara uma dívida de jogo, por isso vivia fugindo. A jovem se viu numa casa no meio do mato e chorou. Mas, quanto mais chorava, mais apanhava. E passou a trabalhar como um burro de carga, enquanto ele bebia até cair. Assim, durante anos. Um dia, Ted morreu.

— E o Sr. Wilson? Por que a jovem não chamou o Sr. Wilson? Por que não lhe contou o que se passava?

— O Sr. Wilson tinha um trato com Ted, vinha raramente à granja. A moça esperava um filho. Depois, mais outro.

— E por que ela não se foi quando o marido morreu?

— Porque o filho mais velho morreu e foi enterrado ali. Ela não tinha mais coragem de ir embora, sabendo que o corpinho do menino estava enterrado ali.

Jackie fez menção de tocar em suas mãos, mas Sandra as afastou, quase bruscamente.

— De que morreu Ted?

— Sei lá. Estava junto ao rio. Eu o empurrei com o pé, a correnteza o levou. Dei o seu nome ao cavalo e ao cão, embora esses animais sejam bons. Mas são animais e, nisso, são como Ted...

Haviam chegado. Jackie pulou fora da carroça. Ainda tinha muitas perguntas a fazer, mas calou-se. Começou a descarregar a lenha, protegendo-a da chuva que começou a cair.

Sandra entrou em casa, mas logo voltou.

— Mike está brincando — disse.

Cada vez que pensava, mais queria saber detalhes.

— Sandra — perguntou — o que foi feito de sua tia?

— Morreu, deixando tudo o que tinha a uma instituição de caridade — virou-se. Continuou falando, de costas para ele: — Mas não importa. Só importa Douglas enterrado.

— Mas; você é jovem. Quantos anos tem?

Um riso duro.

Jackie pensou, por um segundo, que ainda levava o revólver à cinta. Mas não... A jovem não carregava mais a arma.

— Que importam os anos, quando a alma já envelheceu? — gritou-lhe, desaparecendo.

Jackie continuou o seu trabalho e, quando este terminou, entrou em casa e foi direto à cozinha.

O fogão já estava aceso. O cheiro do toucinho com os ovos despertou seu apetite.

Mas estava cansado.

— Sente-se — disse Sandra, maquinalmente.

Obedeceu. Mas fitava-a intensamente, enquanto ela caminhava pela cozinha.

— Não passa dos vinte e três — disse, de repente.

Sandra colocou o avental na cintura.

— Ainda não completei.

E saiu, pisando forte. Jackie ficou estarrecido. Tão jovem e já tão sofrida.

Se ao menos pudesse ajudá-la em algo.

Comeu em silêncio. Depois, foi ao curral e atou o arado ao cavalo.

Passou toda a manhã trabalhando.

 

Foi bem depois. Quase no fim da manhã. Ele acabara de ir ver Mike no quarto. "Ted" rosnava atrás dele.

— Vá para o lado de Mike — disse, rindo. — Fique com Mike, "Ted", e me deixe, vá.

O cão ainda ameaçou um pouco, mostrando os dentes, mas acabou indo para o quarto do menino, que já o chamava aos gritos.

Saiu ao pórtico. E a viu ali. Viu-a? Pressentiu-a.

Havia como uma tenda de lona, formando um círculo. Um barulho de água caindo. Viu suas roupas penduradas a um canto. Sua calça grossa, sua blusa, sua roupa íntima.

A sensação que teve o perturbou bastante. Sentiu um súbito desejo sexual por ela. Imaginou-a nua, atrás daquela lona. Teve vontade de ir espiar.

Ela deve tê-lo visto, porque gritou com a maior naturalidade:

— Tire a vaca do terreno, Walter. Eu irei em seguida.

Não se moveu. Queria se mover, mas não podia. Seus olhos estavam fixos naquelas roupas penduradas.

— Ouviu, Walter?

A água caía sobre o corpo de Sandra.

— Depois — disse ela, de onde estava — se quiser, tome um banho. A água sai quase quente.

Não se moveu. Que tipo de homem era ele? Será que a solidão começava a afetá-lo?

Ele nunca foi materialista. Era um homem dedicado a seus semelhantes, e no entanto, naquele momento sentia-se atraído.

A solidão?

A paisagem exótica?

— Walter, não está me ouvindo?

Respirou fundo. Por um segundo, o instinto do homem primitivo quase o fez invadir o recinto e segurar aquela mulher de qualquer jeito e possuí-la.

Mas, com um supremo esforço, dominou-se.

— A vaca está presa — dizia ela, sem assomar a cabeça.

— Vou soltá-la.

— Esteve com Mike?

— Sim... — dirigia-se ao curral. — Ele está ótimo.

— Graças a você.

Teve um louco desejo de cobrar aquela dívida dela. Afinal, valia a pena se conter?

Não. Aquilo seria indigno. Apertou o passo, saiu e foi soltar a vaca. Deixou-a pastando. Dali, de onde estava, olhou para o local onde Sandra acabava de tomar banho. Viu seu braço, apanhando a toalha, depois as peças de roupa, uma a uma.

Virou-se de costas, apertando os punhos. Não. Não podia abusar da confiança que ela começava a ter nele. Não podia se comportar como um animal selvagem.

— Soltou a vaca, Walter?

Ali a tinha. Ainda úmida. Com o cabelo molhado, cheirando a sabonete.

— Soltou-a? — ela perguntou ainda.

— Sim — grunhiu, desviando os olhos.

E se lançou no campo, como se quisesse fugir do próprio diabo.

Trabalhou a tarde toda, procurando se cansar e não pensar mais naquilo que lhe estava tirando a calma.

Já anoitecia, quando ouviu sua voz.

— Walter... onde está você?

Estava deitado na relva, com o rosto próximo ao capim gelado.

Pensou em sua vida, em sua tragédia e suas múltiplas renúncias. O que procurava na fronteira do Canadá? Fugir. Deixar tudo para trás.

Aí, encontrava em seu caminho uma mulher a quem a vida maltratara tanto quanto a ele.

— Walter...

— Estou aqui.

— Você me assustou.

Ele preferia que ela não o procurasse. Gostaria de ter coragem suficiente para roubar o cavalo e partir para longe.

— O jantar está na mesa — dizia ela, do umbral.

Mal avistava sua figura. Jackie se aproximou, de mãos nos bolsos. Odiou aquela calça, que pertencera a um homem horrível, como era Ted.

— Ah, ainda bem que me ouviu! — exclamou a voz feminina, suave e calma. — Pensei que tinha ido para o rio.

Talvez fosse melhor mesmo. Ir para o rio. Atirar-se nele.

Passou por ela. Seu corpo roçou o dela.

— O que foi, Walter? Está doente?

Aquela voz meiga. Aquela respiração junto de seu braço...

Odiando a si mesmo, por sentir o que estava sentindo, passou por ela como se fugisse a um perigo. Entrou na cozinha.

Odiou até a comida. Odiava a tudo e a todos.

Ao Sr. Dylan e ao Sr. Granam. À prisão que o manteve preso durante aqueles anos e o dia que lhe entregaram aqueles documentos.

— A comida vai esfriar, Walter — dizia Sandra, do umbral.

Foi quando ia pegar a moringa para pegar água. Não pôde mais. Ela estava muito perto. Inclinada para ele, passando-lhe a moringa. Segurou as duas mãos femininas e ergueu a cabeça.

— Walter... o que foi? Está doente?

Walter não pronunciava palavra. Apertava aquelas mãos entre as suas.

E a fitava. Fixa, inquietantemente.

— Wal... Walter...

Dava-se conta ela do que se passava com ele?

Com certeza, sim. Porque, devagar, retirou as mãos. Endireitou-se, olhou para a frente.

— Walter... por favor.

— Você entende.

Começava a entendê-lo. Seu olhar era eloqüente demais.

— Sandra, você sabe...

— Não — gemeu. — Não.

Sandra saiu. Ele ouviu seus passos, correndo. A porta do quarto de Mike.

Chamou-se absurdo, vil, bestial...

E começou a comer, mal sentindo o gosto da comida.

Estava no pórtico. Mais calmo. Sorriu mesmo, ao ver o cachorro passar correndo atrás de um coelho.

De repente, ouviu a voz feminina:

— Vamos, vamos, "Ted".

Olhou. À luz do luar, seus cabelos negros tinham um brilho prateado. Não quis pensar.

Queria ser o homem de sempre. Tinha trinta e dois anos. Levara uma vida inteira de lutas e sacrifícios e desenganos. Para no fim, dar naquilo...

— Oh! — ouviu-a exclamar. — Está aqui!

Estava bem mais calmo, mais controlado.

— Sim...

Ela ia passar por ele, mas "Ted" meteu-se entre suas pernas, saltando.

— Quieto, "Ted".

O cão correu em direção ao corredor, onde estava o quarto de Mike. Sandra ficou ali, firme. Do outro lado da porta, em cujo marco se recostava Walter.

— Mike... está bem?

— Sim — murmurou ela. — Eu saí um pouco para "Ted" fazer suas necessidades. Ele é um cão muito limpo.

— "Ted" é diferente do outro Ted.

Falou com raiva. Sandra se encolheu.

— A carroça não deve demorar — disse, de repente angustiada. — Poderá ir-se embora. Outro mundo se abre para você, lá fora.

— E você? — perguntou roucamente.

— Eu... ficarei. Para sempre.

— Destruindo sua juventude. Não se dá conta?

— Vou descansar — murmurou baixo.

Ele não lhe deu passagem.

— Estamos sozinhos... — disse de modo estranho. — Terrivelmente sozinhos.

Ela entendia o que se passava com ele. Por isso, fitou-o abertamente e disse:

— Eu confio em você.

— E o que importa a vida? O que há atrás dessas montanhas? — tornava a se inflamar. — Diga, o que há? Uma civilização incivilizada. O que nos derem, a mim e a você? Surras! Só isso.

— Por favor, Walter... Acalme-se.

— E você?

Ela se agitou também. Seu busto oscilou sob a blusa.

Quis passar por ele, mas Walter a reteve por um braço.

Foi quando ela o fitou, suplicante.

— Pense em Mike. Lembre-se de Douglas. Eu o enterrei, há tão pouco tempo. Ouviu? — olhou para os dedos que apertavam seu braço. — Vi um filho meu morrer e nem ao menos pude lhe dar um caixão decente. Depois, vi o outro ser salvo. Por você. Quer me fazer perder a confiança que tenho em você?

Walter a soltou. E se dirigiu, rígido, para o meio do campo. Ela sentia a atração que ele mesmo sentia.

— Walter...

Ele não olhou. Caminhou sempre em frente. O sereno da noite trouxe-lhe um pouco de tranqüilidade...

De manhã, sentia-se bem mais controlado, mais seguro.

Sandra já estava na cozinha quando ele entrou.

— Bom dia...

Virou-se. Havia doçura e compreensão em seu olhar. Ele já não se admirava disso. Sandra podia ser a mulher que apontava uma arma e gritava com rispidez e, ao mesmo tempo era a mãe terna e carinhosa.

— Olá, Walter. Não precisava levantar tão cedo.

Ele se deixou cair no banquinho.

— Você sabe porquê.

— Sim.

Não usariam de subterfúgios. Não era do jeito de nenhum deles.

— Vou lhe dar uma xícara de café com leite.

Walter ficou envergonhado de si mesmo, pois nunca fora homem de se aproveitar de nenhuma situação. E estava a ponto de fazê-lo, na noite anterior.

— O café está acabando — ela ria, nervosa. — Se a carroça demorar muito... teremos que passar sem ele.

— Você o sabe.

Sandra lhe serviu o café com o leite e um pedaço de pão.

— Amanhã — disse, confusa — terei que assar mais pão. Só nos resta este e já está duro. Seria bom se você trouxesse um saco de farinha, lá do sótão.

— Você o sabe.

— Sim, mas...

— Sandra — ele se agitou — ao menos me diga o que você sente. Talvez seja um consolo para mim. Conhecer seu esforço, sua coragem para dominar seus sentimentos.

— A carroça... não deve demorar.

— Sabe que eu não irei nela.

Sandra se virou. Tão bruscamente, que a trança se soltou e ficou caída no ombro.

— Irá — gemeu. — Aqui... não poderá ficar. Você é... diferente. Eu tenho um filho enterrado ali — olhava para o alto.

— Não me respondeu ainda. O que importa o que eu faça? Falta muito tempo. Dois meses. Minutos intermináveis. Segundos infinitos... Não compreende?

Não queria compreender. Era como voltar a começar. Como sentir tudo arder dentro do ser. E não podia.

Tinha que esquecer-se de si mesma e pensar apenas em viver para Mike.

— Se eu lhe pedisse...

Deteve-se. Walter procurou seus olhos.

— Diga-me. Você... também — murmurou.

— Eu... Walter, você irá embora um dia. Procurará uma vida longe daqui.

— Não lhe interessa saber porque... estou aqui.

— Não — categórica.

De fato não queria. Já não bastavam seus dramas íntimos?

— Sandra, se eu um dia sair daqui, será levando você e Mike.

— Cale-se.

O melhor mesmo era calar-se. E sair. Sentir a frescura da manhã que se iniciava. Tentar se acalmar, aplacar o desejo.

— É a primeira vez que amo — disse, levantando-se.

— Não tomou o café.

Não tinha fome. Fome de comer, não. De amor, de paixão, de compreensão, sim.

Mas atravessou a cozinha, como fugindo de si mesmo e da voz que o empurrava para Sandra.

— Tinha que ocorrer — disse. — É solidão demais... para evitar o inevitável.

Não o reteve. Ele já alcançara a porta.

— Nunca me apaixonei. Entreguei-me a uma paixão, mas não era amorosa. Vivi para ela, mas a destruíram. Sabe de onde eu vinha, quando cheguei aqui?

— Não... não me diga.

— Está vendo? E diz que me compreende.

— Não vê esta solidão? — gritou ela, por sua vez. — Não vê que tudo nos prende? O que podemos fazer para evitar as tentações humilhantes?

— Não vê a vida como eu a vejo.

— Tanto tempo estive aqui, sozinha... com Deus, apenas. Só assim, pude resistir. É isso que você precisa compreender!

Não a compreendia. Por isso, queria fugir. Mas, de repente, olhou para ela. Não havia mais paixão em seu olhar. Já, não.

Havia, pelo contrário, uma grande ternura. Uma grande paz.

— Preciso dizer-lhe de onde eu vinha, ao chegar aqui.

— Se eu lhe pedisse...

— Vinha da prisão. Dois anos, três. Afastei da minha vida o calendário. Sabe? Fui preso injustamente. É essa a revolta que trago dentro de mim. Como você, que foi levada ao casamento acreditando num amor que era de interesse. Não é verdade que me entende melhor?

Não esperou resposta. Lançou-se para fora. O dia começava a despontar.

Ela o contemplava, do umbral.

 

O que a fez segui-lo?

Sua paixão? Sua ternura? Sua compreensão?

Começava a compreendê-lo e, por isso, sofria com ele. Viu-o sentar-se na relva. Como um fardo, como se a vida deixasse de ter interesse para ele.

Ouviu o ladrar do cão. Voltou atrás em seus passos. Foi ao quarto do filho.

— Mike.

A criança ria.

— "Ted" é bobo, mamãe — disse. E depois, ansiosamente: — Walter se foi?

— Não, meu filho. Está lá fora.

— Ah, bom. Não quero que ele se vá.

Apertou-o contra si. Beijou-o mil vezes.

— Vou trazer para você um copo de leite e pão. Espere.

Sandra voltou à cozinha. Era preciso assar o pão. Apanhar o saco de farinha no sótão. Acender o forno. Tirar a vaca e o cavalo. Preparar a terra para semear.

Mas não fez nada disso. Estava agitada, inquieta.

Nunca sentira aquilo. Nem quando conheceu Ted... Era uma ternura imensa, que doía por dentro.

Ela se conhecia, sabia como podia sentir. Como sentira junto a Ted. E como tal sentimento fora morrendo, até se transformar na mais absoluta indiferença.

Agora, era tudo diferente. Era uma mistura de paixão e ternura, que inundava todo o seu ser. Teria razão Walter? Não seria tolice renunciar à felicidade, por algo que já não sentia ou, se sentia, estava como oculto, perdido num canto obscuro de seu ser?

Correu para fora e se ajoelhou ao lado de Walter.

— Vai ficar resfriado.

Ele não abriu os olhos. Mas Sandra sentiu seus dedos deslizarem até sua mão e ficar como presos, acariciantes em seu braço.

— Walter...

— Já sei.

— Não sabe...

Sua voz é um gemido.

Era toda ela um gemido, uma súplica.

Como se lhe gritasse sem palavras, apenas com os olhos: "Não faça disto uma tragédia. Domine-se. Pense em tudo o que perdemos, ao gozar o nosso amor. Pense..."

Mas soavam ridículas aquelas palavras não pronunciadas. O que podia se perder naquela solidão? Era só o Sr. Wilson adoecer... e eles ficariam isolados, para o resto de seus dias.

— Walter...

Ele a atraiu para si. Sandra se deixou abraçar. E, com um carinho infinito, alisou seu cabelo.

Não era a mulher que sabia usar uma arma, nem era a mãe dedicada. Era só uma mulher cheia de ansiedade e de ternura.

 Era tudo novo e diferente. Por isso, ficou encolhidinha sobre a relva, olhando em frente.

— Não lhe peço perdão — disse Walter. — Mas quero lhe dizer algo.

— Algo?

— De mim, de minha vida.

— Não diga. É... é tudo tão diáfano. Vê obscuridade? E, no entanto, apesar da obscuridade que se leva por dentro pela situação difícil que vivemos, tudo é diáfano. Não há mais que sentimentos. Pode-se negar?

— Venha.

— Não. Seja forte.

— E você?

— Não o sou. Junto a você... não o sou.

Ia se levantar. Walter quis retê-la. Não o conseguiu.

— O que nos salvou foi a claridade, a verdade. A sinceridade de nossos sentimentos que se contêm.

— Até quando?

— Precisa ajudar-me.

Walter tirou o cabelo da testa.

— Não sou um bandido. Sempre fui um homem honrado. E me prenderam e me julgaram como um criminoso.

— Que importa isso? Significa algo a viagem desta vida, ante a eternidade?

— Sandra, estamos vivos.

Já o sabia. Tentava salvar a situação por meio de uma evocação santificada. Mas ambos eram humanos. E se queriam.

— Walter, quero apenas que pense... que para mim também é difícil. Muito difícil.

Viu-a levantar-se e desaparecer.

Um beijo. Só um, mas quanto dizia. Como se as almas se fundissem. Como se os corpos se agitassem sob uma união que ia ser sempre assim, até o fim de suas vidas. Ah, longe dali, na outra vida ou nesta, que diferença fazia?

— Sandra...

Ela continuou caminhando em direção a casa.

— É preciso assar o pão...

Era a realidade.

Seus dedos crispados, suas ansiedades, suas paixões, tudo se desvanecia ante a realidade que doía mais que a própria vida.

Quis chamá-la.

A voz lhe faltou.

Como um autômato, ficou de pé e se dirigiu ao sótão. Começou a subir.

— Não temos pão para amanhã — dizia ela, do curral, como se entre eles tivesse havido nada. — Será melhor assá-lo hoje.

— Sim.

— Traga a farinha.

— Sim, Sandra.

— E por favor... deixe no sótão essa sua ansiedade, que me condena.

Do degrau da escada, olhou para ela.

— É... muito honesta e pura para viver assim.

— Igual a você.

— Não confie em mim — gritou. — Sou homem.

Ela sorriu, apenas.

— Um homem honrado, Walter — e acrescentou, antes que ele pudesse replicar: — Desça logo!

Foi para o forno, que ficava no outro lado do curral.

Dali, olhou para a janela do quarto que partilhava com Mike e gritou para este:

— Não saia daí. Fique quietinho.

Ouviu o latido de "Ted", que parecia dizer-lhe: "Eu cuidarei dele".

 

Mike já havia tomado o café da manhã. Eram nove horas.

Walter alimentava o fogo do forno.

— Vê-se que nunca fez isso — riu Sandra, aparecendo de novo, depois de ter alimentado o filho.

— Nunca mesmo.

— O que fazia?

Ele se voltou com o rosto corado pelo calor das chamas.

— Ainda bem jovem, fui auxiliar de farmácia. Adolescente, já aplicava injeções a domicilio.

— Onde morava?

— Disse que não queria saber de nada.

Sandra deu a volta.

— Irei amassar o pão. Quando o forno estiver quente, pare de pôr lenha, mas conserve a brasa. Enquanto isso, vou sovando a massa. Avise-me quando estiver no ponto.

— Sandra...

— Interessa-me saber — disse, sem se virar, entrando pela cozinha. — Mas... depois você me contará.

Uma hora depois, Walter apareceu na cozinha. Estava afogueado e suado. Já ia beber um pouco de água, quando Sandra o impediu com um grito.

— Não faça isso! Ficaria doente.

Walter a fitou, zombeteiro. Não havia mais desejo em seu olhar. Era o olhar terno do marido compreensivo, a ironia de um amigo.

— Vem dizer isso a mim... a mim.

E bebeu a água, tranqüilamente. Sandra, que estava coberta de farinha, ficou séria.

— Não devia ter feito isso. É loucura.

— Não o creia, querida. Sei como bebê-la.

E sentou-se ante a mesa onde ela amassava a farinha.

— Que vontade de fumar um cigarrinho — murmurou.

— Não tenho mais nenhum. Não que eu fume muito, mas é que Wilson me traz poucos maços. Aquele dia, quando você surgiu aqui, era o meu último cigarro.

— Há muito que não fumo — murmurou Walter, limpando o suor com o lenço do pescoço — mas a vontade de fumar não passa nunca. É como um veneno, como um amor... A gente o vive com ansiedade, quanto mais se tem mais se quer. E se um dia se perde, sendo verdadeiro, morre-se de dor.

— Sem fumar, não se morre.

— Mas sofre-se.

E depois, sem que ela retrucasse:

— Posso ajudá-la?

— Não... É coisa de mulheres.

— Aqui não existe isso. Sabe o que estive pensando? Quando o Sr. Wilson vier, iremos os quatro embora.

Sandra levantou a cabeça. Encarou-o.

— Os quatro?

— O cavalo, o cão, Mike, eu e você. Cinco, aliás. Iremos por estes mundos. Faremos uma nova vida, longe daqui. Em Kansas City? Em Denver? Tanto faz. Talvez mais longe.

Súbito, Sandra sussurrou:

— Fale-me de você. Quer?

— Pensei que você não queria.

— Agora, quero. De repente, sinto necessidade de ouvi-lo falar de si.

Walter apoiou a mão sobre a mesa.

— Tudo é triste. Como a sua vida. Percebe? Duas tragédias, duas vidas, dois seres que podiam ter morrido de raiva e de dor. Mas subsistem e são fortes e se compreendem...

— Quero vê-lo sereno, plácido, tranqüilo.

Walter se agitou. Levantou a mão. Agitou-a no ar.

Pôs-se de pé e foi beber água, novamente.

— Não o faça, por favor.

Ele não se voltou. Sua voz soou rouca.

— Sou médico.

Sandra deixou de amassar. Tirou o cabelo do rosto. Alguns vestígios da farinha ficaram em seu cabelo.

Podia ter dito algo. Ter exclamado qualquer coisa.

Mas os dias passados ao lado de seu filho fizeram-na ter uma idéia da realidade. Soube que Mike só se curou porque fora atendido por um médico. Talvez até Douglas se salvasse, se ele chegasse ali a tempo...

Por isso, nervosamente, disse apenas:

— Tenho que envolver a massa. O forno pode esfriar...

Coisa estranha.

Walter não disse mais nada sobre si. Começou a ajudá-la e a falar do pão, com precipitação.

Logo, estavam deixando o pão no forno.

Estavam descansando, recostados na parede. Vermelhos, suados, mas em paz consigo mesmos.

— Hoje é um dia bonito — comentou Sandra, como se quisesse concentrar toda sua atenção no panorama e obrigar Walter a imitá-la.

Mas não o conseguiu.

Por detrás das costas, apoiadas as duas mãos na parede da casa, não longe do forno fechado. Sentiu o leve toque de uns dedos nos seus.

Aconteceu assim.

Como se a ansiedade ao contato daqueles dedos se avivasse ainda mais.

Fechou os seus na mão de Walter.

Quanto tempo sem uma proteção?

De repente, sentia aquela proteção, estava ali, compartilhava sua solidão, seus sentimentos e seus desejos.

— Meu nome é Jackie Haupt.

Assim.

Os dedos se oprimiram.

— É que...

Ela o sabia.

Que ele falasse de si mesmo.

Que se esquecesse dos sentimentos que os empurravam um para o outro.

Dois meses ainda... Era possível suportá-los, paralelamente? Não. Não era possível.

Jackie era um homem duro e, ao mesmo tempo, brando, sensível. E ela? O que era ela?

O que teve ela?

Uma ilusão, que durou muito pouco. Bestava alguma lembrança grata daquela ilusão?

Douglas morto. Enterrado quando ainda tinha o corpo quente. E Mike. Mike, ali junto a "Ted", o cão fiel.

Sentiu a boca de Jackie na sua.

Era mais alto.

Teve que inclinar-se para beijá-la.

Abriu seus lábios.

Podia evitá-lo?

Um longo suspiro escapou de seu peito.

Não soube quando se esquivou dele. Sentia frio e, no entanto, estava calor, o sol brilhava no céu.

— Sandra...

Era como um gemido rouco. Uma chamada. Quase nem a ela, a sua própria consciência.

— O pão vai queimar... Juro que vai — disse ela, num tom de voz tênue.

O seio oscilava.

Walter girou sobre si.

Ficou tenso, olhando em frente.

— Sei, sei — quase gritou, como se lutasse contra um demônio no corpo. — Sei. Mas... faltam dois meses. Não se dá conta? Dois meses!

Sandra se dirigia ao forno. Tirou a tampa. Um bafo quente a envolveu.

— Não se queimou — disse com simplicidade. Mas era tudo falso.

Como falsa era sua força, como falso era aquele instante. Não tinha montões de coisas a dizer?

Mil coisas e só soube dizer que o pão não se queimara.

Automaticamente, tampou-o de novo.

— Dentro de duas horas, poderemos vê-lo de novo. Não se deve abrir muitas vezes. Fica solado.

Como um autômato, ia para casa. Jackie não a deteve.

 — Tinha um cliente muito rico, chamado Dylan.

Voltou-se rapidamente.

Estava lidando com a vaca. Sentada em um tronco de madeira, com o balde sob o úbere do animal.

Só moveu um pouco a cabeça. Viu-o sentar-se sobre a palha quase aos pés do cavalo.

Notou que queria falar de si mesmo.

Ela já o conhecia bem. Não se interessava em saber o motivo que levou Jackie Haupt a parar nas Montanhas Rochosas... Não podia admitir que um homem como Jackie fosse culpado de nada.

— Era muito rico, como eu dizia. Confiava nele. Este Sr. Dylan tinha um sócio tão poderoso quanto ele, o Sr. Graham. Dedicavam-se à criação de gado. Cavalos. Um dia, o Sr. Dylan me chamou à sua casa. Fui. Cuidava de todos os seus criados... — fez uma pausa. Súbito, exclamou, nervoso: — Droga de cigarro! Que vontade de fumar...

Sandra tirava o leite da vaca.

— O Sr. Dylan me deu um endereço e um nome. Devia ir a certo apartamento situado nos arredores de Dallas e atender a uma jovem... O Sr. Dylan era casado. Segundo soube depois, toda a fortuna pertencia a sua mulher. Ele não podia pedir o divórcio.

A espuma do leite subia. Os dedos que seguravam o peito do animal tremiam. Jackie se atirou na relva seca. Quase tropeçou nas patas do cavalo.

— Chegue para lá, "Ted" — disse baixo. E depois de outra pausa, acrescentou, com amargura: — Mas era amante daquela jovem... Ela tinha uma doença passageira. Cuidei dela. Um dia atrás do outro. A moça foi se recuperando. Dylan, nunca apareceu no apartamento. Um dia, me chamou. Seu sócio estava presente. Olharam-me. "Você tem que eliminar essa mulher", disse-me Dylan com voz vibrante.

Outra pausa.

A espuma transbordava do balde.

Sandra não o percebia e continuava espremendo o peita da vaca. Foi ele quem disse:

— Solte o peito do animal.

— Oh!

Assim o fez. Ficou tensa, rígida.

— Neguei-me redondamente — continuou falando Jackie. — Fui ameaçado. Lutei. Saí daquela casa e não voltei. Mas, dois dias depois, a moça falecia. Resolvi contar tudo à polícia. Não tive tempo. Quando caí em mim, estava preso. Acusado da morte da jovem. Houve um processo. Pelo que soube depois, aquela pobre mulher era secretária do Sr. Dylan na cidade. Portanto, ele erigiu-se em seu defensor. Todas as provas me acusavam. A moça fora envenenada. Fui condenado à prisão perpétua. E perdi meu título.

Uma pausa.

Sandra não fez um comentário. Mas estava lívida.

— Ao fim de alguns anos, poucos, o Sr. Graham ficou doente de morte. A consciência deve ter-lhe doído. Eu é que estava arrasado para sempre. Não lhe agradeci, quando fez a declaração, antes de morrer. Minha conduta na prisão evitara que fosse tratado como os demais criminosos. Iam me dar licença. Quando a deram, devolveram-me o título. Fugi. Não esperei mais nada. Nem sei se Dylan foi processado. Cheguei aqui. Não recorri aos amigos. Quando precisei deles, viraram-me as costas. Quando deixei a prisão, não tinha um centavo. Entrei num trem de carga. Isso é tudo. Mas posso exercer minha profissão de novo.

Conseguiu ficar de pé. Seu rosto rápido estava crispado.

— Sabe Deus que eu não queria exercê-la. Mas agora... tenho você. Tenho Mike, "Ted". Tenho algo. Há um mês e meio, nada tinha. É por isso que quero tentar uma nova vida.

Sandra se ergueu lentamente, com o balde na mão. Mas, no mesmo silêncio, Jackie tirou-lhe o balde da mão e caminhou diante dela.

Podia dizer-se muitas coisas.

Podiam comentar o ocorrido, mas não disseram uma palavra. Caminharam para a casa e quando chegavam à porta, Sandra murmurou:

— Temos que semear. Deixarei o leite na cozinha e o ajudarei.

O assunto ficava encerrado.

Mas estava latente. Ela já o sabia.

 

Estavam os quatro na cozinha, incluindo o cachorro.

Este dormitava junto ao fogão. Mike brincava com sua cauda. Sandra aprontava a comida.

— Que horas são? — perguntou Jackie, em voz baixa.

— Oito, suponho. O sol ainda aparece.

— Guardarei o cavalo.

Tudo parecia verdadeiro, mas era falso. Falso, pelo que tinha de violento para ambos, Jackie e Sandra.

Uma tarde inteira arando. Silenciosos, concentrados, graves.

Foi ao sair naquele instante que ela soltou a panela e atravessou na porta. Houve uma troca de olhares. Ansiosos e suaves, a um só tempo. Dizendo mil coisas que os lábios não se atreviam a dizer.

— Não era preciso que me contasse nada. Sei como você é.

Era a primeira alusão, em muitas horas.

Jackie ficou paralisado, mas, de repente, a segurou pelos dois braços e apertou-a contra si. Só isso. Olhos nos olhos. Como se ardessem dentro daquela fogueira de renúncia voluntária que não se confessavam um ao outro, mas ambos sabiam que existia.

— Não ficaremos aqui sempre — sussurrou ele.

— Não.

— Iremos embora, todos juntos.

— Sim.

— Podemos ir em nossa carroça, agora mesmo.

— Não.

— Não?

Os dedos masculinos apertavam seus braços.

Sentiu-a palpitar junto a si. Todo o peso de seu corpo no seu. De repente, Jackie apertou-a mais. Ia beijá-la. Tremiam os lábios dos dois.

— Sandra...

Ela pôs a palma da mão em sua, boca.

— Não... Seria... pior.

— Você é mais forte do que eu.

— Não — quase gemeu. — Não. Mas... mas... quero que possamos olharmos de frente com coragem. Não se dá conta?

Como podia?

Naquela solidão, importava muito medir a força moral de cada um?

— Vá... vá... guardar a vaca. Por favor, vá...

Não queria soltá-la.

Mas seus dedos se fizeram carícia nos braços femininos. Resvalaram até aqueles outros dedos. Ficaram ali um momento.

— Podemos — ainda sussurrou — ir na carroça.

— Seria um suicídio.

— Importa, morrer juntos?

— Importa viver — quase gemeu. — Importa muito.

E com suavidade, que era ternura viva, empurrou-o para fora. Ele começou a andar, como se os pés lhe pesassem.

Não regressou em seguida.

Deu de comer a Mike, levou-o para a cama. O menino se restabelecia depressa.

"Ted", atrás deles, ia todo alegre, abanando a cauda.

Ao cabo de meia hora, a voz feminina, emocionada e vibrante, chamou, da porta do pórtico.

— Jac... Jack!

Viu que algo se movia junto ao curral. Estava escuro, a lua ainda não saíra de todo.

— Jack! Aonde está você? Ainda não comeu.

A figura masculina surgiu diante dela.

— Venha, Jack... Venha comer.

O homem passou por ela. Houve um minuto de tensão quando se viram frente à frente.

— Jack — sussurrou Sandra — o jantar...

— Importa muito?

A voz soava abafada, sufocada. Sandra apertou sua mão. Surgiu assim. Quase sem querer. Jackie se inclinou para ela.

— Oh, Jack!

Jackie não prenunciou palavra. Estava ali, com a cabeça apoiada no ombro feminino, como um menino desvalido. Os dedos de Sandra, maquinalmente, alisaram seus cabelos.

— Logo virá Wilson, Jack. O tempo passa depressa. E nós nos iremos, sabe. Sim, nós cinco, como você quer. O cavalo, o cachorro e nós três. Uma vida longe daqui. Temos tempo, Jack. Começaremos do nada, mas... começaremos, que é o importante — e suavemente, empurrando-o diante dela: — Ande, vamos jantar... Mike já está dormindo. E "Ted" vela seu sono. Por favor, tenha mais um pouco de paciência... Já tivemos até agora, não podemos fraquejar, quando está tão perto o nosso dia de libertação.

Docemente, Jackie se deixou levar para a cozinha.

 

Não foi aquele dia, nem o outro, nem o outro.

Foi, isso sim, uma luta silenciosa, titânica, agônica, às vezes entre os dois.

Era ele quem mais fugia.

Como se temesse ficar a sós com ela. Sandra aceitava aquele isolamento provocado por ele. Era a única forma de escapar de uma realidade que os dois sentiam com força dentro de si, porque eram humanos, porque se amavam, porque estavam sozinhos em meio a um imenso vale margeado de montanhas.

— Aposto como Wilson chega na semana que vem — dizia Sandra, como se aquelas palavras tivessem o dom de tranqüilizá-lo. — Será melhor que arrumemos tudo, Jack.

— Está tudo arrumado — replicava ele, sem fitá-la.

Outras vezes o encontrava de cabeça baixa, apoiada nos braços, sobre a mesa.

Passava os dedos em seu cabelo, suavemente.

— Jack — sussurrava. — Meu querido Jack...

E Jack a fitava com desespero.

— Não me fale assim. Não sou criança. Não sou idiota.

Era o que mais doía.

Aquele rebelar-se de Jackie, contra tudo e contra todos, inclusive ela. Virava-se e ia para o fogão. Era quando ele se arrependia e se levantava, indo por trás dela, enlaçando-a pela cintura e beijando-a no pescoço. Em seguida, beijava-a na boca. Sandra não se esquivava.

Mas depois era pior. Jackie a soltava e se ia. Naquele dia, ocorreu assim.

Ele saiu.

— Jack, venha comer, por favor...

Há dias que ele se alimentava mal. Correu atrás dele. A noite era estrelada.

Sandra viu a figura alta de Jackie se perder no campo.

— Jack...

Tinha a doçura de seus lábios na boca. O ardor de suas mãos na carne. A ansiedade de seus olhos nos seus.

— Jack — gemeu. — Venha. Já é tarde.

Não sabia a hora. Não importava muito. A figura masculina se deteve. Sandra o viu sentar-se no chão, ficando imóvel.

Correu até ali. Caiu ao lado dele e, como se Jackie fosse um menino grande muito querido, muito sensível, inclinou-se sobre ele e segurou-lhe o rosto entre as mãos.

— Jack, querido...

Ele não dizia nada. Tinha os olhos fechados e aquela crispação na boca que ela já conhecia.

— Tem que pensar que dentro de alguns dias...

— Quando?

Era como um grito lancinante. Sandra apertou seu rosto contra o dele,

— Logo. Prometo-lhe que logo nos iremos.

— Enquanto isso, morre-se um pouco cada um de nós.

Sandra procurava incutir-lhe força, mas a verdade é que ela mesma sofria para se dominar.

— Começaremos nova vida em Kansas City. Ali, você exercerá sua profissão. A princípio, não terá clientes, mas depois... E, além disso, eu estarei ao seu lado, com Mike e "Ted"...

A voz se extinguia na boca aberta de Jack. Dizia-lhe mil coisas, até que seus lábios caíam nos de Jackie.

 Amanhecia.

Não se fitaram. Sandra tinha uma lágrima presa nos olhos.

— Sandra...

Caminhava. As pernas tremiam-lhe um pouco.

— Sandra, você não sabe...

Sim, sabia. Tinha que saber.

Ela não era criança. Era uma mulher. Começou a sofrer cedo demais. A lutar, a querer sem saber bem o que queria.

Na ocasião, já o sabia.

Por isso, tinha a mão de Jackie entre as suas. E por isso, como duas sombras, caminhavam para casa.

— Sandra...

— Sim, Jack.

— Nunca...

Fitou-o. Meiga.

— Já sei, Jack. Mas esqueça.

— E você?

Era como um grito. Sandra apertou-lhe a mão e entraram juntos em casa.

— Teremos que nos levantar daqui a pouco — sussurrou Sandra à meia voz. — Está amanhecendo.

— Não quer falar nisso.

— Não!

Tremiam-lhe os lábios.

Jackie segurou sua mão e a levou aos lábios.

— Deixe-me, Jack.

Subitamente, ela o atraiu para si.

— Jack, esqueça isso.

— E você...

— Eu também.

E cambaleante, caminhou corredor abaixo.

— Sandra...

Fitou-o, já na porta do quarto.

— Por favor... Descanse umas horas.

— Escute... Temos uma desculpa...

Não a tinham.

Ela pensava que só a ternura que os unia podia ser aquela desculpa, mas sabia também que podiam dominar aquela ansiedade.

Mas não podia nem queria censurar Jackie.

Jackie estava ávido por carinho. Era um homem bom, mas igual a ela, maltratado pela vida.

— Até logo, Jack querido. Durma bem.

— Estou... desesperado.

Perdeu-se em seu quarto. Ficou olhando muito para Mike.

"Ted" despertou. Pulou da cama e começou a dar voltas em torno dela, abanando a cauda.

 

Ao sair de seu quarto, duas horas depois, o dia clareava.

Bateu duas vezes na porta de Jackie e foi para a cozinha. Ficou paralisada no umbral.

Jackie acendia o fogão. Tinha o balde com o leite a seus pés. O pão recém-assado sobre a mesa.

Sandra se agitou.

Não podia falar daquilo.

Tinha que distrair Jackie. Tirar-lhe a idéia de culpa.

— Não me diga que já ordenhou.

— Ali — murmurou baixíssimo. — Está aí...

— Um médico, ordenhando uma vaca... É muito engraçado!

Tentava rir.

Fugir do olhar de Jackie.

— É capaz de Wilson chegar hoje ou amanhã. Já está demorando muito — e, precipitadamente, como se nada de quanto dizia estivesse pensando, acrescentou: — Será melhor irmos prendendo a carroça. Pode meter nela dois sacos de trigo. Desta vez, não os venderemos todos por comestíveis. Wilson compreenderá. Voltará com o seu carregamento.

Falava e falava, enquanto ia ajeitando as coisas que ainda precisavam ser feitas.

Foi ao passar junto dele, que parecia mudo e estático, que Jackie a segurou pelo braço.

Ficaram ambos como paralisados.

— Depois...

— Sim, Jack.

Tinha que pensar como ele. Faltava pouco!

— Vamos tomar café — disse baixinho. — Não... tem apetite?

Tinha, mas não a soltou. Inclinou-se, para ver-lhe melhor os olhos. Fixou-os ali, nos de Sandra.

— Prometo-lhe...

— Sim, Jack.

— Vou conseguir. Amo-a demais. Esse carinho...

Tirou-lhe a mão do braço com suavidade e começou a mover-se pela cozinha, como se tivesse muita pressa.

— Fritarei uns ovos. O trabalho de hoje será duro.

Com a frigideira na mão, foi procurar uns ovos no cesto. Jackie sentou-se.

— Eu faria uma coisa — disse, depois de pensar um pouco. — Carregaria a colheita e iria ao encontro de Wilson. Não creio que Kansas City seja tão longe daqui... A espera se faria mais curta e não obrigaríamos o Sr. Wilson a vir até aqui.

— A carroça não é boa — replicou Sandra — e o cavalo podia não agüentar.

— Iríamos nós dois a pé. O cachorro e Mike podiam...

— Não pode ser, Jack. Tenha calma. Já esperou tanto...!

— Tenho medo — quase gritou. — Medo de não ser o homem que você quer que eu seja.

Voltou-se com a frigideira fumegante, os ovos fritos.

Deixou-os no prato de barro e não se moveu dali.

— Vai ter forças. Eu garanto que sim.

— E você?

Ele fechou os olhos.

— Eu... — sua voz vibrava. — Eu... também.

— Temos um acordo.

— Ainda assim — cortou.

E seu peito arfou, com a recordação. Voltou para junto do fogão.

— Nunca a vi de saia — disse Jackie de repente, com voz diferente, mais calma.

Ela riu.

— Não tenho saia nem vestido.

— Não? Por quê?

— Ted era assim. Foi cruel desde o primeiro instante. Assim que soube que a fortuna de minha tia jamais chegaria as suas mãos. Tirou-me a minha mala, vendeu minhas coisas antes de virmos para cá.

— A primeira coisa que farei será comprar-lhe um vestido — disse Jackie.

 

A luta surda dos dois durou ainda uma semana. Foi num sábado, quando "Ted", o cachorro entrou ladrando na casa, como se pressentisse que o que acabava de ver era o que seus amos esperavam.

Sandra saiu da cozinha.

— O que foi, "Ted"? Por que está latindo?

Mike também estava agitado, chorando. Jackie apareceu, vindo do curral.

— O que houve?

Súbito, o relincho do cavalo deixou-os atentos.

— Parece que todos ficaram loucos.

— Mamãe, mamãe! — gritava Mike. — Jack, veja quem está aí!

Os dois saíram à porta. Avistaram a caravana de Wilson. Três carroças e um homem a cavalo, galopando em volta.

— É Wilson — quase gemeu Sandra. Segurou a mão de Jack, que estava do seu lado.

— É Wilson quem chega, Jack.

— Sim.

E Jackie passou o braço em torno do ombro de Sandra.

Quase em seguida, o homem a cavalo chegou diante deles.

— Boa tarde, Sra. Wildrig. Estamos atrasados, eh? — olhou para Jackie, boquiaberto. — Não sabia que tivesse companhia...

— Chegou aqui há coisa de dois ou três meses — disse Sandra, sem se afastar de Jack. — Ficou conosco. Venha, Sr. Wilson. Deve estar cansado. Venha tomar algo fresco.

O homem pulou no chão.

Era forte e seco. Teria uns quarenta e oito anos, ou mais, a julgar pelas inúmeras rugas em volta dos olhos. Usava a barba comprida e o bigode era farto. Vestia calças de montar e calçava botas longas.

— Entre — disse Jackie.

Wilson o fitou, detidamente.

— Seu rosto me é familiar. De onde vem?

Não o disse. Não o diria jamais. Tinha que começar uma nova vida e ninguém o obrigaria a recordar o passado.

— Não sei exatamente — disse, entrando na cozinha atrás de Wilson. — Um dia me cansei de viver na civilização e me mandei para estes lugares. Vim parar aqui.

— Ah, isso é bom!

— Mas pensamos em ir com o senhor, Sr. Wilson— disse Sandra, deixando sobre a mesa o jarro com o leite.

Fitou-os sorridente.

— Sempre lhe disse — exclamou alegremente — que este lugar não era bom para se criar uma família. Afinal, tem dois filhos, precisa dar-lhes educação, colégio.

Como Mike se aproximava dele, sorrindo, o Sr. Wilson perguntou:

— Onde está seu irmãozinho? Douglas, trouxe-lhe o que me pediu. Uma bola para os dois jogarem — como ninguém, dizia nada e todos pareciam petrificados, o Sr. Wilson acrescentou: — É uma bola bonita. Sua mãe vai me pagar por ela duas dúzias de ovos de ave de raça.

Fitou-os, assombrado.

— Aconteceu algo?

— Douglas... morreu.

— Oh — e ficou completamente pálido e sem jeito, com o copo de leite na mão.

— Vamos carregar as carroças — disse Jackie, empurrando Sandra. — Será melhor acabar o quanto antes.

— Sinto muito — disse o Sr. Wilson, emocionado. — Muito mesmo, Sra. Wildrig.

Ninguém parecia escutá-lo.

Com o semblante alterado, tanto Jackie como Sandra começaram a carregar as carroças. O rapaz que as guiava, ajudado por Wilson, dava-lhes uma mão.

Durante toda a manhã, trabalhou-se sem descanso. Estava anoitecendo e ainda estavam trabalhando.

— Dormiremos no curral — disse Wilson — e amanhã, ao amanhecer, tomaremos o caminho para Kansas City. É possível que, com todo o material, só cheguemos ao nosso destino em duas semanas.

 

Foi uma viagem penosa, terrível.

Duas semanas depois, divisaram as primeiras casas dos arredores de Kansas City, mas as carroças iam menos carregadas, pois tiveram de jogar fora parte da carga, para não matar os cavalos.

— De qualquer jeito — dizia Jackie no ouvido de Sandra, acomodados em suas carroça, enquanto Mike e "Ted" dormiam — haverá bastante cereal para com o dinheiro comprarmos móveis. Será uma casa pequena. Comprarei o instrumental e pendurarei na porta uma placa dizendo "médico".

Sandra tinha uma mão de Jackie entre as suas.

— Sim, Jack — sussurrou, oprimindo-a. — Será... uma nova vida. Uma vida que nos realizará. Que nos ajudará a educar Mike.

— E os filhos que tivermos.

— Sim.

— Ficou encabulada.

Ela riu. Um riso nervoso e baixo.

— Não seja... bobinho.

Apertou-a contra si.

Sandra fechou os olhos e rodeou com seus dois braços o pescoço de Jackie.

— Querida...

O Sr. Wilson gritava, de fora:

— Estamos chegando. Todos para fora.

Os dois se ergueram depressa.

— Parece mentira — sussurrou Sandra. — Ver tanta gente... Depois de tantos anos isolada...

Jackie a puxou, sem fitá-la.

— Vamos — gritava o Sr. Wilson. — Temos muito que trabalhar. Onde irão morar? Calculo que se casarão...

Os dois pularam da carroça.

A cidade estava ali mesmo. Ante as quatro carroças paradas, havia uma loja em cuja porta estava escrito: "Wilson".

— É minha — ria Wilson, feliz. — Aqui, há de tudo.

— Causamos-lhe um transtorno.

— A mim? Que nada! Gosto de ajudar os jovens. Só espero que se casem. Sou um homem vivido, conheço a juventude. Vocês se amam — não lhes deixou falar, acrescentando logo: — Alugarei para vocês uma casinha que tenho nesta mesma rua. Usavam-na uns homens solteiros, mas um morreu e o outro partiu para Denver. Ela está desocupada agora.

Depois, sem esperar resposta, ajudando a descer Mike, gritou para seus criados:

— Tirem tudo para fora! Quando as carroças estiverem vazias... levem-nas para o pátio — e, olhando para eles: — Eu lhes comprarei o material. Desse modo, terão dinheiro para começar a nova vida — olhou para Jackie. — O que sabe fazer?

— Sou... médico.

Wilson deu um tapa na própria testa.

— Jackie Haupt. Bem que eu o reconheci de algum lugar. Foi processado e seu rosto saiu nos jornais. Não era certo o que diziam que fez. O que lhe parece que ocorreu a Dylan?

— Não... sei de nada. Deixei o cárcere e parti. Fui dar na casa de Sandra.

Apertou-a contra si. Mike dava a mão ao Sr. Wilson.

— Condenaram-no à morte. Não se preocupe, seu nome foi reabilitado. Todos os jornais falaram o caso. Mas aqui — fez um gesto vago — ninguém o reconhecerá. São poucos os que lêem os jornais de Dallas.

Dito o qual, mandou-os entrar na loja.

— Escolha os vestidos que mais gostar, Sandra — disse rindo. — Eu descontarei no preço do trigo. Depois, tratem do casamento.

— Já nem sei como são os vestidos de agora — murmurou Sandra, coibida. — Será melhor que me ajude, Jack.

— Claro.

Durante um momento, percorreram toda a loja.

Finalmente, Sandra foi para a cabine, com alguns vestidos na mão.

— Arranjou uma esposa e tanto — comentou o Sr. Wilson. — Conheço-a há anos. Também conheci o patife do Ted. Mas é melhor não falar mais nele. Tenho pena dela — acrescentou: — Douglas adorava sua mãe. Era um menino formidável.

Sandra apareceu ante eles.

Jackie ficou deslumbrado, depois foi se aproximando dela, lentamente.

— Não... é possível — sussurrou. — Está... linda.

Com aquele vestido leve, vaporoso, juvenil, sua beleza estava realçada ao máximo.

De repente, Sandra começou a chorar e caiu nos braços de Jackie.

— Querida... minha querida... — sussurrava, abraçando-a.

— Agora — disse o Sr. Wilson, sem soltar a mão de Mike e fazendo força para conter a emoção — vamos ao casamento. Querem me seguir?

 

 — Na entrada, poremos um console e um espelho.

— Hum!...

— E na parte de baixo, seu consultório. Sabe que Wilson tem muitos amigos em Kansas City? Vai ajudá-lo. Wilson é muito bom. Mas..., não me ouve?

Jack não a ouvia.

Fitava-a e a beijava, enquanto ela falava.

— Jack, não me ouve.

— Não.

— Mas...

Ria em sua boca.

E ela parecia séria, mas, de repente, abraçava-se mais com ele e ria como ele, nervosamente, algo excitada.

— Mike dormiu. E "Ted" está do seu lado, como sempre. Mike parece tão feliz, nesta casa...

— Sim.

— Jack... não está me ouvindo.

Estava adorando-a, feito um louco. Tinham uma casa.

Wilson prometera encomendar a placa onde se poderia ler a palavra "Médico". Um novo começo. E com Sandra a seu lado. Sandra!

— Está me sufocando.

— Amo-a.

— Jack, não sei o que tenho dentro. Algo parece me sufocar. Será emoção?

— E amor.

— Jack... Você parece estar sonhando.

Ele ria.

Um riso que ia morrer em seus lábios, com volúpia.

Depois lhe dizia ao ouvido:

— Tenho muitos dias para amá-la. Mas... este instante, é o mais belo de minha vida. Começar assim e do seu lado... Quando eu era médico em Dallas, vivia só. Não sabia que você estava em alguma parte, me esperando. Agora, sei que está aqui e que é maravilhosa, que me deixa louco de paixão, que...

Tudo era diferente.

— Quero... que Mike seja médico, igual a você.

— E os outros?

— Que outros?

— Os que vão nascer...

— Louco!

Estava louco, sim. Por ela. Ouviu-se o grunhido de "Ted".

— Pensa que estamos no campo e quer nos acordar — riu Jack. — Vá se deitar, "Ted" — gritou-lhe, sem soltar a mulher.

— Vá para junto de Mike. Depois, nós o acordaremos.

Ouviram o caminhar do cão. E a porta se fechar sozinha.

Jackie sussurrou:

— Garota, eu a adoro. Sabia?

Ouviu-se um suspiro. Só um. Quantas coisas dizia Sandra naquele suspiro!

 

                                                                                            CorinTellado

 

 

                      

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