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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Beijos que Conquistam / Nora Roberts
Beijos que Conquistam / Nora Roberts

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Beijos que Conquistam

 

De uma hora para a outra, Darcy Wallace passou de jogada à própria sorte a milionária, com direito a jantar à luz de velas com Robert MacGregor Blade. Mac é o homem mais sedutor que ela já conheceu, mas certamente não é do tipo que se casa. No entanto, Darcy estava se sentindo numa maré de sorte... Assim, com beijos ingênuos e um charme frágil, a bela inocente decide fazê-lo perceber que o amor é o maior dos jogos... e que ele terá de apostar...

 

Quando, de repente, o escapamento ex­plodiu e o motor do carro parou de funcionar a poucos quilômetros de Las Vegas, Darcy Wallace considerou a possibilidade de permanecer onde estava e deixar-se esvaecer sob o brutal sol do deserto. Tinha apenas nove dólares e trinta e sete centavos no bolso e uma longa estrada atrás de si que não levava a lugar algum.

Felizmente, guardara aqueles trocados antes que a bolsa fosse roubada durante o jantar em Utah, na noite anterior. O sanduíche de frango havia sido a última refeição que tivera, e imaginava que ter ainda os quase dez dólares no bolso era um verdadeiro milagre.

O trabalho e a casa em Kansas não existiam mais. Não possuía família, ninguém a quem recorrer. Ti­vera todas as razões do mundo para arrumar as malas e fugir da cidade que, certa vez, fora seu lar.

Viajou rumo ao oeste porque simplesmente seu carro apontava para essa direção e achou que era um bom presságio. Prometera a si própria uma aven­tura, uma odisséia pessoal e uma nova vida.

Ler sobre mulheres ousadas que desbravavam o inundo, corriam riscos e aceitavam desafios não era mais suficiente para lhe alimentar a alma. Estava na hora de fazer algo por si mesma; ou, ao menos tentar, pensava ela enquanto percorria quilômetros e quilômetros de estrada no velho carro.

Se ficasse, teria de se comportar. Outra vez. Fazer o que lhe fora ensinado. Novamente. E passar resto da vida lamentando os sonhos não realizados

Mas agora, uma semana após ter saído da cidade no meio da noite, tal qual um ladrão, Darcy se per­guntava se não era melhor ser comum. Talvez de­vesse seguir todas as regras, como sempre fizera, Talvez devesse se contentar com o que a vida lhe oferecia, e manter os olhos baixos, em vez de tentar descobrir o que havia além da curva na esquina.

Gerald teria lhe proporcionado uma vida tranqüila, algo que muitas mulheres invejariam. Com ele, Darcy viveria em uma adorável casa, com armários repletos de roupas chiques, teria uma residência de verão em Bar Harbor e passaria as férias de inverno em lugares de clima tropical. Ela jamais passaria fome.

Tudo isso pelo preço de fazer o que lhe fora en­sinado. Conforto e segurança em troca de ver seus sonhos mais secretos massacrados pela rotina.

Fechando os olhos, Darcy encostou a testa na direção. Por que Gerald a queria tanto?, pensou. Não havia nada de especial nela. Era inteligente mas tinha um rosto comum. A própria mãe a havia des­crito como uma garota trivial.

Não acreditava que Gerald estava atraído fisica­mente, embora Darcy suspeitasse que ele apreciava o fato de ter uma mulher de baixa estatura ao lado, para poder dominá-la mais facilmente.

Deus, ele a assustava.

Lembrava-se de quão furioso Gerald ficara quando ela mesma cortara os enormes cabelos, até deixá-los um pouco acima dos ombros.

Ora, Darcy gostava de cortes ousados, concluiu com ar beligerante. E os cabelos eram dela, afinal, acrescentou em pensamento, enquanto acariciava as pontas disformes nas mechas castanhas. Graças a Deus, não haviam se casado. Ele não tinha direito de dizer-lhe como se vestir, como se comportar.

Ela jamais deveria ter aceito o pedido de casamento. Estava tão cansada, tão assustada e confusa. Embora o arrependimento e as dúvidas a ameaçassem, apesar de ter devolvido o anel com um pedido de desculpas, Darcy achara melhor fugir a enfrentar a ira de Gerald e as fofocas em torno do noivado desfeito.

Mas descobrira que Gerald fora o responsável por ela perder o emprego e pela ameaça de despejo de seu apartamento.

Ele a queria submissa e sem recursos. E Darcy quase cedera às pressões, concluía agora enquanto limpava o suor do rosto.

Em um impulso, abriu a porta do carro e saiu. Tinha menos de dez dólares, nenhum transporte e aproxima­damente dois quilômetros de caminhada à frente. Es­tava livre da tirania de Gerald. Encontrava-se, enfim. com vinte e três anos e à mercê de si própria.

Deixando a valise no porta-malas, Darcy pegou a pesada sacola de couro, que continha tudo o que pre­cisava, e começou a caminhar. Havia chegado o mo­mento de ver o que existia depois da curva na esquina.

 

Chegou a seu destino depois de uma hora de ca­minhada. Não sabia explicar por que se mantinha naquela rodovia, longe de hotéis, postos de gasolina, e andando em direção às coloridas luzes de Las Vegas. Só tinha certeza de que desejava estar lá, entre os prédios exóticos e o burburinho da cidade em constante festa.

O sol começava a se pôr, colorindo o céu de ver­melho, tal qual um oásis perdido no deserto. De tanto cansaço e calor, a fome havia desaparecido. Darcy chegou a pensar em parar para se alimentar mas existia algo de terapêutico em pôr um pé na frente do outro e manter os olhos atentos aos espetaculares hotéis adiante.

Como seriam por dentro? Ela imaginava uma at­mosfera de sexo e jogos, desespero e triunfo, de olha­res maliciosos à procura de aventura. Haveria ho­mens charmosos e mulheres atraentes. Se conse­guisse um trabalho em um daqueles cassinos, po­deria assistir aos shows todos os dias.

Oh, como adoraria experimentar essa vida.

Queria multidões ao redor, o barulho das máqui­nas, o sangue quente e os nervos à flor da pele. Tudo que representasse o oposto do que já havia vivido. E mais, Darcy desejava sentir emoções fortes, avassaladoras, de euforia e excitamento. E poderia escrever a respeito das experiências, convenceu-se, tocando a bolsa de couro, repleta de anotações e páginas manuscritas que pesavam feito chumbo. Em local reservado, ela escreveria acerca de tudo.

Tonta de exaustão, Darcy quase se arrastou pela calçada, até a próxima esquina. Ao virá-la, deteve-se de repente. As ruas estavam repletas de pessoas que corriam de um lado para o outro. Mesmo com a lu­minosidade do entardecer, as luzes da cidade pisca­vam, ininterruptamente, seus dizeres: Ganhe você também!, Dê asas a sua sorte! Faça os dados rolarem!

Havia famílias de turistas, pais de bermudas, crianças de olhos atentos, mães frenéticas tentando apreender todos os estímulos visuais.

Os olhos de Darcy estavam arregalados, embora também estivessem fadigados. O homem-vulcão foi lançado para o ar, causando gritos e comentários sur­presos da multidão que se amontoava para assistir ao espetáculo. O barulho estrondoso parecia ainda ecoar nos ouvidos de Darcy minutos após a explosão. Aturdida, ela foi arrastada pela multidão e viu-se diante de duas estátuas romanas, contornadas com luzes de néon. Ao lado daquelas esculturas de gesso, havia uma fonte enorme, iluminada com luzes de todas as cores. Parecia a terra da fantasia. Fasci­nada, Darcy sentia-se a própria Alice, perdida na­quele país das maravilhas.

De súbito,  encontrou-se  diante  de  duas  torres imensas, tão brancas quanto a lua e unidas por uma ponte curva com centenas de janelas. Ao redor do prédio havia flores, selvagens e exóticas, e piscinas de água transparente alimentada por uma fantás­tica cachoeira que caía de uma montanha artificial. A entrada da ponte era vigiada por uma poderosa estátua, de tamanho natural, de um chefe índio so­bre seu cavalo dourado. A pele do rosto e do peito largo era avermelhada. O majestoso cocar, enfeitado de penas vermelhas, azuis e verdes, combinava com a postura altiva de guerreiro. Na mão esquerda, o índio carregava uma lança brilhante, cravada por pedras preciosas.

A escultura era tão magnífica que Darcy sentiu-se orgulhosa e confiante. Podia jurar que os olhos da es­tátua estavam vivos, fixos nela. O chefe índio a desa­fiava a chegar mais perto, a entrar e arriscar a sorte.

Darcy entrou no Comanche e arrepiou-se com a súbita queda de temperatura por causa do ar condicionado.

O hall era imenso, e o chão fora enfeitado de ladrilhos cor de esmeralda e safira. Vasos de cactos e palmeiras estavam espalhados pelo salão. Casti­çais de velas coloridas enfeitavam as minúsculas mesas, e o aroma de lilás era tão forte que provo­cou-lhe lágrimas nos olhos.

Ela caminhou devagar, encantada com a cascata que nascia em uma pedra, caindo sobre uma pe­quena lagoa de peixes dourados. As luzes se refletiam, brilhantes, na superfície da água. O lugar pos­suía brilhos e cores inusitados, retratando uma rea­lidade que Darcy jamais sonhara existir.

Uma gargalhada ameaçou surgir, mas Darcy a reprimiu, tapando a boca com as mãos. Não era hora nem lugar de fazer-se notar. Não pertencia aquele local tão glamouroso.

Deu mais alguns passos e virou-se em direção ao barulho inconfundível do cassino. Sinos, vozes e o ruído de moedas ecoavam pelo ar. O som das roletas se misturava a gritos e risadas. Ondas de adrenalina começaram a fluir por suas veias.

Havia máquinas em todos os cantos; olhares es­perançosos fitavam o painel dos caça-níqueis. As pessoas se amontoavam ao redor das máquinas, em pé, sentadas, alimentando os visores com potes re­pletos de moedas. Darcy observou uma mulher aper­tar um botão vermelho, esperar que a pequena roda parasse de girar, e então gritou de delírio quando três barras idênticas se alinharam no visor. Cente­nas de moedas caíram sobre uma bandeja de prata.

Aquela cena fez Darcy sorrir.

Tudo parecia engraçado, luminoso e impulsivo. Havia possibilidades de várias proporções. E vida, barulho, confusão e calor.

Nunca jogara em sua vida, não por dinheiro. Dinheiro era algo para ser conquistado, poupado e cuidadosamente gasto. Colocou a mão no bolso e, com a ponta dos dedos, roçou as últimas notas que tinha. Se não for agora, quando será?, perguntou-se, con­trolando a risada. Que faria com nove dólares e trin­ta e sete centavos? Poderia pagar uma refeição. Mas e depois?

Tentada, Darcy caminhou pelos corredores, enca­rando as pessoas e as máquinas. Todos arriscavam a sorte, pensou. Por isso estavam ali. E ela, por que entrara naquele cassino? Então divisou algo grande, fascinante e solitário. A máquina, bem maior que Darcy, possuía estrelas e luas reluzentes. A alavanca vermelha encontra­va-se próxima a sua mão.

Chamava-se o Comanche Mágico. A palavra jackpot cintilava entre os motivos coloridos do fantástico aparelho. Imitações de rubis brilhavam ao redor da moldura metálica. Darcy fitou, encantada, os números que piscavam sobre a máquina. U$ 1.800.079,37.

Que quantia intrigante. Nove dólares e trinta e sete centavos, ela disse em pensamento, esfregando o dinheiro no bolso. Talvez fosse um sinal.

Quanto deveria ser a aposta? Aproximando-se, leu os dizeres que explicavam as regras do jogo. Trata­va-se de uma máquina progressiva; a quantia ia sendo acumulada conforme os jogadores investiam dinheiro. Poderia apostar um dólar, Darcy leu, mas não alcançaria o prêmio acumulado mesmo se as estrelas e as luas se alinhassem nas três colunas. Para jogar de verdade, ela teria de arriscar três dólares. Pouco menos de todo o dinheiro que possuía no mundo.

Experimente, uma voz parecia sussurrar em seus ouvidos.

“Não seja tola.” Uma voz grave mostrou-se repreensiva e familiar demais. Não pode jogar todo seu di­nheiro fora.

Viva ao menos uma vez. Havia excitamento e se­dução naquele sussurro. O que está esperando?

— Não sei — murmurou. — Mas estou cansada de esperar.

Diante do clima desafiador da máquina, Darcy retirou o dinheiro do bolso devagar.

 

Enquanto circulava entre as mesas do cassino, Robert MacGregor Blade rubricou suas iniciais em algumas notas. O homem da cadeira três não fazia por menos, pensou, apostava tudo o que podia para ganhar. Mac estranhou ao vê-lo completar quinze pontos com o rei.

Se quer desafiar a casa com apostas de cem dó­lares, ele pensou quando a banca apresentou sete pontos, deveria saber como fazê-lo.

Em um gesto casual, Mac chamou um dos seguranças.

— Fique de olho nele — Mac avisou-o, apontando para o apostador. — Ele está prestes a criar problemas.

—  Sim, senhor.

Prever confusões e problemas era algo inato em Mac. Sendo a terceira geração de uma família de jogadores, ele desenvolvera tal intuição. Seu avô, Daniel MacGregor, havia feito fortuna em mesas de jogo. Propriedades de valor eram o primeiro amor de Daniel, e ele continuava a comprá-las e vendê-las para aumentar e preservar seu patrimônio, embora já estivesse com quase noventa anos.

Os pais de Mac haviam se conhecido em um cas­sino. Sua mãe distribuía cartas em uma mesa de blackjack, e seu pai sempre fora um ótimo jogador.

Os dois se encontraram e se apaixonaram, alheios às manobras que Daniel articulara para vê-los ca­sados e dando seqüência à linhagem dos MacGregor.

Justin Blade possuía, na época, o Comanche em Las Vegas e outro cassino em Atlantic City. Serena MacGregor tornara-se sua sócia e depois, esposa.

O filho mais velho do casal já nascera sabendo jogar dados.

Agora, perto dos trinta anos, Mac tinha o Coman­che sob sua responsabilidade. Seus pais lhe haviam confiado o cassino, e ele fazia de tudo para que não se arrependessem da decisão.

Administrava a propriedade de forma honesta e com pulso firme. Fazia-o rentável porque pertencia às empresas Blade-MacGregor.

De fato, apostava em si mesmo, e sempre vencia.

Sorriu ao ver uma mulher conseguir vinte e um e aplaudir-se pela vitória. Alguns venciam, Mac refletiu, a maioria não. A vida era um jogo, e a casa sempre determinava o limite.

Mac era um homem alto, movia-se entre as mesas com facilidade, vestia, naquela noite, um elegante terno azul-marinho. Além do Comanche, ele rece­bera como herança a pele morena, os cabelos negros e o corpo musculoso.

Mas seus olhos eram azuis, tal qual seus ances­trais escoceses.

Expressou um sorriso rápido e simpático quando um cliente regular o cumprimentou. Mas não parou para perder tempo com conversas fúteis. Havia mui­to trabalho esperando por ele no escritório, no andar superior do cassino.

— Sr. Blade?

Mac se virou e parou de andar, ao ver uma das garçonetes aproximando-se.

—  Sim?

—  Acabo de vir do setor de caça-níqueis. __ A garçonete tentou não suspirar quando Mac a fitou com os brilhantes olhos azuis. — Há uma mulher estranha na máquina do prêmio acumulado. Ela é encrenca na certa, sr. Blade. Está suja de poeira e um tanto assustada. Deve estar aprontando alguma. Permanece parada, falando consigo mesma... Acho melhor chamar a segurança.

— Vou até lá.

— Ela age de modo patético. Não me parece honesta — acrescentou a garçonete. — Creio que está doente.

—  Obrigado, vou cuidar disso.

Em vez de retornar aos deveres em seu escritório, Mac resolveu verificar a história pessoalmente. A segurança poderia resolver esse tipo de problema, mas ele gostava de se inteirar do que acontecia em sua propriedade.

 

Darcy apostou os últimos três dólares.

—  Você é louca — disse a si mesma, enquanto inseria as notas na máquina. — Perdeu o juízo. — O coração parecia gritar de desespero quando o imenso aparelho brilhante engoliu o derradeiro dó­lar. Mas era emocionante cometer aquela loucura.

Fechou os olhos por um instante, respirou fundo e abriu-os novamente. Segurou a alavanca com a mão tremula.

E puxou-a.

Estrelas e luas corriam sob o monitor na frente de Darcy; luzes coloridas piscavam, e sinos tocavam em vários tons. Ela se viu sorrindo diante do absurdo da situação.

Aquela era sua vida, concluiu, absorvida pelas figuras que rodavam a sua frente sem cessar. Quan­do parariam? Para onde iriam?

Sorriu ainda mais ao notar que as estrelas e luas começaram a deter-se na tela. Eram lindas. Valia a pena simplesmente observar o funcionamento da má­quina e saber que arriscara a sorte pela primeira vez.

Luas cheias e estrelas brilhantes. Darcy queria estar atenta a cada movimento, ouvir todos os sons. Não era incrível ver aquelas figuras se alinharem?, pensou e apoiou-se na máquina antes que perdesse o equilíbrio com a fraqueza súbita que sentiu.

Mas, no momento em que tocou o metal frio, o movimento parou. E o mundo explodiu.

Sirenes ecoavam pelo ar, fazendo-a recuar, cho­cada. Luzes coloridas acendiam, descompassadas, sobre a máquina, e o som de um tambor começou a repercutir. Todas as pessoas ao redor gritavam e se aproximavam.

O que ela fizera? Oh, o que teria acontecido?

— Santo Deus, você ganhou o prêmio acumulado!

Alguém agarrou-a pela cintura e rodopiou-a pela sala. Darcy não conseguia respirar direito, sentia-se fraca para fugir dali.

Todos a puxavam e empurravam, gritando pala­vras que ela não podia compreender. Rostos passa­vam diante dela, e corpos a empurravam até pren­sá-la contra a máquina.

Ela sentiu-se sufocada.

Mac abriu espaço em meio à multidão, empurrando alguns clientes. Então ele viu de relance uma mulher que, apesar de jovem, parecia ter idade suficiente para estar no cassino. Os cabelos castanhos, na altura dos ombros, eram mal cortados. Os olhos verdes estavam arregalados de medo, e o rosto, pálido.

As roupas estavam em péssimo estado; na verda­de, a mulher parecia ter dormido com elas mesmo depois de horas vagando no deserto.

Não era bebedeira, Mac deduziu ao tocar no braço trémulo. Era temor.

Darcy virou o rosto e o fitou. Viu, naquele ins­tante, o chefe índio emanando poder, desafio e ro­mance. Ele a salvaria... ou a mataria.

— Não pretendia... o que aconteceu? Sorrindo, Mac divertiu-se com a ingenuidade da garota.

— Você apostou e ganhou.

—  Oh, verdade?

Então ela desmaiou.

 

Havia algo macio roçando-lhe as faces. Asseme­lhava-se à seda, Darcy concluiu, ainda atordoada. Sempre adorara a maciez da seda.

Certa vez, gastara todo o salário comprando uma blusa de seda bege com pequenos botões dourados. Ficou sem almoçar durante duas semanas, mas sen­tir o tecido sobre a pele compensara o sacrifício.

Suspirou, lembrando-se daquele momento.

— Vamos, está na hora de acordar.

—  O quê? — Ela piscou várias vezes, e divisou um lustre luxuoso no teto.

— Tente beber isso. — Mac segurou-a pela nuca e ergueu a cabeça dela para ajudá-la a tomar um pouco de água.

— O quê?

— Está sendo repetitiva. Beba mais.

—  Certo. — Obediente, Darcy tomou outro gole, estudando a pele morena da mão que segurava o copo. Estava em uma cama coberta de lençóis decetim- — Oh, Deus. — Levantou os olhos até visualizar o rosto dele. — Pensei que você fosse o chefe índio.

—. Quase. — Mac colocou o copo na mesa e sen­tou-se na beirada da cama. Riu quando ela se afas­tou, mantendo certa distância. — Sou Mac Blade. Dirijo o cassino.

— Darcy. Sou Darcy Wallace. Por que estou aqui?

— Achei melhor trazê-la para cá em vez de dei­xá-la caída no chão do cassino. Você desmaiou.

— Mesmo? — Mortificada, ela fechou os olhos. — Sim, acho que desmaiei. Desculpe.

— Não é uma reação fora do comum para alguém que ganhou quase dois milhões de dólares.

Abrindo os olhos, ela levou as mãos ao peito.

—  Sinto muito, estou um tanto confusa. Disse que ganhei quase dois milhões de dólares?

— Colocou o dinheiro na máquina, puxou a alavanca e ganhou o prêmio acumulado. — Não havia cor no rosto dela. — Resolveremos os trâmites legais quando estiver se sentindo melhor. Quer ver um médico?

—  Não, eu... estou bem. Não consigo raciocinar. Minha cabeça está girando.

— Fique à vontade. — Mac ajeitou os travesseiros e a acomodou. — Quer que eu chame algum conhe­cido seu para vir ajudá-la?

— Não! Por favor!

Embora espantado com a reação, Mac assentiu.

—  Tudo bem.

— Não há ninguém — Darcy explicou mais calma. — Estou viajando. Minha bolsa foi roubada ontem em Utah. Meu carro quebrou a poucos quilômetros daqui. Creio que foi o óleo dessa vez.

— Pode ser — ele murmurou. — Como chegou aqui?

—  Andando. — Ou ao menos ela imaginava ter sido assim. Era difícil lembrar-se dos detalhes. — Eu tinha apenas nove dólares e trinta e sete centavos...

—  Entendo. — Mac não sabia se se tratava de uma lunática ou uma jogadora profissional. — Bem, agora possui um milhão, oitocentos mil, oitenta e nove dólares e trinta e sete centavos.

—  Oh... — Darcy ocultou o rosto com as mãos e começou a soluçar.

Houvera mulheres suficientes na vida de Mac para deixá-lo incomodado com lágrimas femininas. Sentado onde estava, observou-a chorar.

Que figura peculiar, pensou. Quando ela desmaiou em seus braços parecia tão lânguida e não pesava mais que uma criança. Agora dizia-lhe que cami­nhara sob o sol do deserto e arriscara todo seu di­nheiro no cassino.

Tal ato requeria tanto coragem quanto insanidade.

De qualquer forma, ela ganhara o grande prêmio. Agora estava rica e, por enquanto, sob a responsabilidade de Mac.

— Desculpe. — Darcy descobriu o delicado rosto ainda molhado pelas lágrimas. — Não sou sempre assim. Juro. Mas não consegui me conter. — Aceitou o lenço que Mac lhe oferecia e assoou o nariz. — Não sei o que fazer.

—  Vamos começar com o básico. Quando foi a última vez que se alimentou?

—  Ontem à noite... bem, comprei uma barra de chocolate hoje de manhã, mas derreteu antes que eu pudesse terminá-la. Então o doce não conta.

— Vou pedir uma refeição para você. Preciso descer e dar algumas instruções. Por que não toma um banho quente e relaxa?

— Não tenho roupas. Deixei minha mala no carro. Oh! Minha bolsa. Eu estava com minha bolsa.

— Está aqui. — Como ela se tornava pálida de novo, Mac apressou-se em pegar a bolsa de couro. __ É esta?

__Sim, obrigada. — Aliviada, Darcy voltou a re­laxar. — Pensei que a tivesse perdido. Não são rou­pas — acrescentou, suspirando. — É meu trabalho.

—  Está seguro aqui. Há um robe no armário. Darcy clareou a voz. A despeito de quão gentil aquele homem estava sendo, encontrava-se sozinha com ele, um perfeito estranho em um opulento e luxuoso quarto.

— Agradeço a atenção. Mas, se puder me adiantar algum dinheiro, posso encontrar um hotel.

— Há algo errado com este?

—  Como?

—  Este hotel — Mac respondeu com admirável paciência. — Esse quarto.

— Não, nada. É lindo.

—  Então, sinta-se à vontade. O quarto será re­gistrado em seu nome durante sua estada...

—  Desculpe? — Darcy se sentou, assustada. — Posso ficar neste quarto?

— E o procedimento habitual para os ganhadores. — Ele sorriu outra vez, fazendo o coração de Darcy disparar. — Você está qualificada.

—  Estou?

— O gerente espera que você devolva ao hotel um pouco do que ganhou. Nas mesas de jogo ou nas lojas. Seu quarto e refeições são por conta da casa.

— Vou me hospedar aqui de graça porque ganhei dinheiro de seu cassino?

Dessa vez, Mac sorriu de modo malicioso.

—  Quero a chance de recuperar a quantia. Céus, ele era lindo. Como um herói de romances.

Tal pensamento ativou-lhe o cérebro.

— Muito justo. Obrigada, sr. MacBlade.

—  Não é MacBlade — ele a corrigiu, apertando a mão que Darcy lhe oferecia. — É Mac. Mac Blade.

—  Creio que não ando muito coerente.

— Vai se sentir melhor depois que se alimentar e dormir.

—  Estou certa que sim.

— Que tal conversarmos pela manhã? Às dez ho­ras em meu escritório?

—  Sim, está perfeito.

— Bem vinda a Las Vegas, srta. Wallace. — Mac se levantou e caminhou até a escada que dava acesso à sala.

— Obrigada mais uma vez. — Darcy forçou as pernas trêmulas para alcançar o corrimão. Mas sentiu-se tonta ao olhar para baixo e ver a requintada sala com móveis cor de ébano e flores tropicais. — Sr. Blade?

— Sim? — Mac se virou. Ela parecia uma criança de doze anos perdida no parque.

—  O que vou fazer com tanto dinheiro?

—  Vai conseguir pensar em algo. — Então ele pressionou um botão e, quando as portas se abriram, entrou no que parecia ser um elevador privativo.

Depois que as portas se fecharam, Darcy deixou-se vencer pela emoção e ajoelhou-se no carpete. Res­pirava ofegante. Se fosse um sonho, alguma aluci­nação causada pelo cansaço e excesso de sol, espe­rava nunca mais acordar.

Ela não somente escapara da vida infeliz que ti­nha, como agora estava livre para viver.

 

Darcy acordou às seis horas da manhã e fitou, estarrecida, seu reflexo no es­pelho que cobria o teto. Ergueu a mão e observou-se tocar o rosto. Sentiu os dedos, viu-os deslizar sobre as faces até atingir a testa.

Apesar de fora do comum, aquela situação tinha de ser real. Nunca se vira deitada antes. Parecia tão divertido ver-se estirada na cama.

Espreguiçou-se, empurrando a pilha de travessei­ros. Tudo amanhecera diferente. Durante quantos anos acordara em sua velha cama todas as manhãs?

Anos de uma vida tediosa pareciam se tornar séculos.

De algum modo, a mera possibilidade de nunca mais ter de acomodar o corpo àquela cama descon­fortável a deixou tão feliz que começou a gargalhar até quase perder o fôlego.

Rolou de um lado para o outro na imensa cama, sacudiu as pernas no ar, espalhou os travesseiros e, como se não bastasse, dançou sobre o colchão.

Depois de alguns minutos, jogou-se sobre os len­çóis e abraçou os joelhos. Usava uma camisola de seda branca, um dos vários artigos de uso pessoal que recebera após o jantar. Tinham vindo da butique do hotel como presente de cortesia do Comanche.

Darcy nem sequer se preocupou com o fato de o maravilhoso Mac Blade tê-la despido. Não depois de admirar-se naquela fabulosa camisola de seda. Pulou da cama para explorar a suíte. Na noite anterior estivera tão exaurida que apenas vagara pelo quarto sem reparar em nada. Agora era o mo­mento de brincar.

Pegou um controle remoto e apertou os botões. As cortinas azuis do mezanino onde dormira se abriam e fechavam, fazendo-a sorrir como uma tola. Ao abri-las novamente, divisou através da janela a cidade de Las Vegas.

O céu azul estendia-se sobre o vasto deserto. Ima­ginou em que andar estaria já que a vista era tão magnifícente. No vigésimo? Trigésimo? Pouco im­portava. Encontrava-se no topo de um novo mundo. Pressionando outro botão, Darcy abriu um painel da parede da sala, revelando uma enorme tela de televisão, um videocassete e um complicado aparelho de som. Só sossegou quando ouviu uma canção suave invadir o ambiente e então desceu a escada.

Abriu todas as cortinas, sentiu o aroma adocicado das flores e experimentou o conforto dos dois sofás e das seis cadeiras. Encantou-se com a lareira e admirou o piano branco no canto da saleta de estar. Como não houvesse ninguém para reprimi-la, sen­tou-se diante do instrumento e tocou a primeira me­lodia que lhe veio à mente.

Enquanto as notas fluíam pelo espaço da suíte, ela ria de felicidade.

Atrás do balcão do bar viu uma pequena geladeira e sorriu ao encontrar duas garrafas de champanhe. Caminhou até o toalete e maravilhou-se com o tele­fone, a minúscula televisão e todos os lindos acessórios de higiene arrumados dentro de uma cesta de vime.

Cantarolando, voltou a subir a escada. A sala de banho representava o que havia de mais luxuoso no mundo. A banheira de hidromassagem ocupava metade do espaço, e o espelho, rodeado de luzes, era capaz de refletir boa parte do corpo de Darcy. Somente o mezanino, onde ficava o quarto, era muito maior do que seu apartamento em Kansas.

Ela poderia viver o resto da vida naquele hotel, pensou, contente consigo mesma. Plantas naturais en­feitavam a beirada da banheira. Em um canto havia potes de vidro com xampu e sabonetes. Sais de banho coloridos jaziam dentro de uma bela taça de cristal. O perfume da sala inebriava-lhe os sentidos.

No armário havia um robe felpudo e um par de pantufas com o logotipo do Comanche. Além de duas elegantes poltronas ao lado da cama, havia uma mesa redonda, com um belo vaso de flores, diante da janela.

Tratava-se do tipo de ostentação que ela só vira em filmes e revistas. Veludos, plumas e paetês. Agora que o impacto inicial havia sido amenizado, Darcy se questionava acerca daquela extravagante situação.

Como acontecera? O tempo e as circunstâncias que a levaram àquela cidade surgiram em sua men­te. As luzes coloridas da máquina, os gritos de excitamento das pessoas e o inacreditável charme de Mac Blade tornaram-se claros.

— Não se questione — sussurrou. — Não estrague tudo. Mesmo que a fantasia acabe em uma hora, você tem de aproveitar.

Mordendo o lábio inferior, ela pegou o telefone e chamou o serviço de quarto.

—  Serviço de quarto. Bom dia, srta. Wallace.

—  Oh, Deus. — Darcy piscou várias vezes, sen­tindo-se observada. — Eu queria saber se posso to­mar um café.

—  Claro. E o desjejum?

— Bem... — Ela não pretendia explorar ninguém. — Talvez algumas torradas.

— Apenas isso, senhorita?

—  Sim, por favor.

—  Seu café da manhã será servido em quinze minutos. Obrigado, srta. Wallace.

— Por nada... Quero dizer, obrigada.

Após desligar o telefone, Darcy correu para a sa­leta e ligou a televisão a fim de verificar se havia alguma notícia sobre de uma possível epidemia de alucinação em massa.

 

Em seu escritório, Mac mantinha os olhos atentos às telas de segurança que registravam o movimento nas mesas de jogos. Alguns jogadores haviam pas­sado a noite em claro, tentando a sorte nas roletas. Vestidos de gala confundiam-se com roupas casuais.

Dez da noite ou da manhã não fazia qualquer diferença. O tempo em Las Vegas tinha outra lógica e, para alguns apostadores, a realidade se resumia apenas nas cartas. Mac ignorou o fax que acabara de chegar. Caminhava pelo escritório, tomando uma xícara de café e conversando com o pai ao telefone.

Imaginava que o velho Justin Blade fazia o mesmo no escritório em Reno.

— Vou conversar com ela em poucos minutos — Mac prosseguia. — Quero dar-lhe algum tempo para descansar.

— Fale-me dela — Justin pediu, sabendo que os instintos do filho lhe dariam uma ótima imagem da vencedora.

— Não sei muito ainda. Ela é jovem. — Mac fitava as telas, verificando o trabalho dos seguranças e a atitude dos jogadores. — E insegura — acrescentou. — Parece-me que está fugindo de algum problema, pelo que tudo indica, nunca havia entrado em um cassino antes.

A imagem de Darcy invadiu-lhe a mente, e Mac pôde ouvir a voz delicada outra vez.

—  Eu diria que veio de uma cidade pequena do meio-oeste. Ela me faz pensar em uma professora do jardim de infância. Estava falida e apavorada quando ganhou.

— Então foi seu dia de sorte. Se alguém tem de ganhar, que seja uma professora interiorana de jardim de infância.

Mac sorriu.

— Ela se desculpa por tudo. É nervosa como um rato em uma convenção de gatos. Mas é bonita — revelou, enfim, lembrando-se dos grandes olhos dou­rados. — E ingênua. Os lobos a farão em pedaços se não a prevenirmos.

Houve uma pequena pausa.

— Planeja se colocar entre ela e os lobos, Mac?

—  Somente orientá-la na direção certa — Mac murmurou. Sua reputação de cão de guarda na fa­mília era famosa. — A imprensa já começou a as­sediar o Comanche. A garota precisa de um advo­gado e de uma orientação séria porque, você sabe, os urubus virão logo atrás dos lobos.

Ele imaginou a batelada de perguntas e pedidos que chegariam a Darcy, implorando-lhe contribui­ções e oferecendo investimentos.

— Mantenha-me informado.

—  Claro. Como está mamãe?

—  Ótima. Ela organizou uma festa a fim de an­gariar fundos para alguma instituição de caridade. E está dizendo que pretende passar por Las Vegas quando formos a Boston. Uma rápida visita — Justin acrescentou. — Ela sente saudade do bebê.

—  Sei. — Mac sorriu. Sabia que seu pai faria tudo por uma mínima chance de visitar a única neta, em Boston. — Como vai a pequena Anna?

—  Fantástica.  Os dentes  começaram  a crescer. Gwen e Bran não têm dormido muito durante a noite.

—  É o preço a pagar pela paternidade.

— Tive muitas noites insones com você, filho.

—  Como eu disse... — Mac riu. — Você faz a escolha e arca com as conseqüências. — De repente, alguém bateu à porta. — Deve ser a fada ansiosa.

—  Quem?

— Nossa recente milionária. Entre! — Mac gritou e acenou para Darcy, que parou, hesitante, à soleira da porta. — Ligo para você mais tarde. Cumpri­mente mamãe por mim.

— Tenho o pressentimento de que poderá cumprimentá-la pessoalmente em poucos dias.

—  Ótimo. Até breve.

No minuto em que ele desligou o telefone, Darcy encheu-se de culpa.

—  Sinto muito. Não sabia que estava ocupado. Sua assistente, ou secretária, disse-me que eu po­deria entrar. Mas voltarei mais tarde. Depois que terminar seu trabalho.

Paciente, Mac esperou que ela parasse de falar. Isso lhe deu a oportunidade de ver como uma re­feição e uma boa noite de sono faziam bem à beleza das mulheres. Darcy parecia menos frágil e incri­velmente... composta, usando aquela saia e blusa que ele pedira à butique para entregar na suíte.

Porém, continuava nervosa e aflita.

— Por que não se senta?

— Está bem. — Ela ajeitou a saia e sentou-se na confortável poltrona de couro verde. — Eu estava me perguntando... se não houve algum engano.

A poltrona a envolvia, fazendo-o visualizá-la como uma pequena fada sentada sobre um imenso cogu­melo encantado.

—  Engano?

— Sim, o dinheiro. Hoje de manhã me dei conta de que tudo pode não ter acontecido.

—  Aqui em Las Vegas tudo pode acontecer. — Esperando deixá-la mais à vontade, Mac sentou-se na ponta de sua escrivaninha. — Você já tem vinte e um anos, certo?

— Vinte e três. Farei vinte e quatro em setembro. Oh, esqueci de lhe agradecer pelas roupas. — Darcy se forçou a não pensar nos conjuntos de lingerie, tampouco considerar que ele poderia lembrar-se de que a despira. Mas, mesmo assim, o rubor subiu-lhe às faces. — Foi muita gentileza.

— As peças serviram?

—  Sim. — O rubor aumentou. O sutiã de rendas era exatamente de seu tamanho. Ela não queria es­pecular como Mac pôde ser tão preciso. — Perfeitas.

—  Dormiu bem?

—  Como se alguém houvesse me enfeitiçado — ela brincou. — Acho que vinha dormindo mal nos últimos tempos. Não costumo viajar.

Havia pequenas sardas sobre o nariz de Darcy, ele notou. Um detalhe imprescindível somado aos maravilhosos olhos dourados. O perfume suave de lavanda tomava conta do ambiente.

— De onde você é?

— Tradei's Corners, uma pequena cidade do Kansas.

Mac acertara a origem interiorana de Darcy Wallace. Agora era hora de dar a segunda cartada.

—  Mesmo? Por que deixou a cidade?

— Eu fugi — Darcy confessou, sem pensar. Mac tinha um sorriso lindo, e a fitava como se estivesse interessado em saber. De alguma maneira, ele facilitava o bate-papo espontâneo.

Dando um passo à frente, Mac sentou-se no braço da poltrona de couro para que ficassem mais próximos.

— Em que tipo de encrenca se meteu, Darcy? — ele perguntou com gentileza e carinho.

— Em nenhuma. Eu estaria encrencada se ficasse, mas... — Então, ela arregalou os olhos. — Não fiz nada de ilegal. Isto é, não fugi da polícia.

Como Darcy estivesse assustada, Mac soltou uma gargalhada, ocultando o desejo de dizer que ela seria incapaz de cometer até mesmo uma in-fração de trânsito.

— Não foi isso que pensei, mas em geral as pessoas têm uma razão específica para fugir de casa. Sua família sabe onde está?

— Não tenho família. Perdi meus pais há um ano.

—  Sinto muito.

— Foi um acidente. A casa pegou fogo durante a noite. — Darcy ergueu as mãos e pousou-as no colo outra vez. — Eles não acordaram.

— Deve ser difícil superar esse sofrimento.

— Não havia nada a fazer. Eles se foram, a casa virou cinzas. Tudo que tínhamos desapareceu. Fi­quei sem lar. Mudei-me para um apartamento pou­cas semanas depois do acidente. Eu... — Darcy es­fregou a gola da blusa, distraída. — Bem, acho que foi o destino.

—  Então decidiu fugir?

Para simplificar a explicação seria melhor con­cordar. Mas não era a verdade; e ela jamais fora mentirosa.

— Não exatamente. Perdi meu emprego semanas atrás. — A humilhação ainda feria a alma de Darcy. __ E estava prestes aperder meu apartamento. Di­nheiro era um problema. O seguro de vida de meus pais tornou-se ínfimo perto da hipoteca da casa. E havia também as contas. De qualquer maneira, sem um salário, eu não consegui pagar o aluguel. Nunca tive muito dinheiro para poupar. Aliás, não sou mui­to boa em finanças.

— Dinheiro não será mais problema agora — Mac lembrou-a, tentando fazê-la sorrir.

— Não entendo como pode me dar quase dois mi­lhões de dólares.

— Você ganhou quase dois milhões de dólares. Veja. — Ele a tomou pelas mãos, conduzindo-a até as telas.— As pessoas se amontoam ao redor das mesas o dia inteiro. Algumas vencem, outras perdem. Há aquelas que jogam por diversão, ou pelo prazer de quebrar a banca. Apenas uma vez. Existem jogadores profissio­nais, e os que agem por intuição.

Fascinada, Darcy observava as imagens nas telas. Todos se moviam em silêncio. Cartas eram embaralhadas, dados rolavam sobre o veludo das mesas, e a roleta girava sem emitir ruído algum.

—  O que você faz?

— Oh, jogo profissionalmente. Às vezes, sigo uns palpites.

—  É como um imenso teatro — ela murmurou.

—Tem razão. Um teatro sem intervalos. Você tem um advogado?

— Um advogado? — O brilho nos olhos de Darcy desapareceu, de repente. — Preciso de um advogado?

— Eu lhe recomendaria um. Você acabou de ga­nhar uma grande soma em dinheiro. A Receita Fe­deral vai querer uma parte. Depois disso, descobrirá que tem amigos dos quais nunca ouviu falar, e as pessoas vão lhe oferecer oportunidades incríveis de investimento. Assim que sua história chegar à im­prensa, os repórteres aparecerão aos montes.

— Imprensa? Jornais? Televisão? Não, não posso aparecer! — Darcy exclamou, apavorada. — Não vou falar com repórteres.

Estava certo, concluía Mac, aquela jovem inocente iria precisar de alguém para ajudá-la a atravessar a densa floresta da fama sem se perder.

— A jovem órfã, moradora de uma pequena cidade no interior do Kansas, gasta seu último dólar no Comanche em Las Vegas e...

— Não era meu último dólar — ela o corrigiu.

— ...em segundos, ganha um milhão e oitocentos mil dólares. Querida, a imprensa vai delirar com sua história.

Claro que Mac Blade tinha razão. A história de sua vida era emocionante. Até Darcy gostaria de registrá-la em um romance.

— Não quero que outras pessoas saibam. Há te­levisões e jornais em Trader's Corners.

A expressão de pânico no olhar de Darcy deixou-o desconfiado. Havia algo estranho naquela história.

—  Talvez batizem uma rua da cidade com seu nome — ironizou para instigá-la a dizer a verdade.

— Não quero que ninguém saiba onde estou. Eu não lhe disse tudo. — Agarrando-se à esperança de que Mac pudesse ajudá-la, ela se sentou novamente. — Não lhe contei a razão principal que me levou a sair da cidade. Há um homem. Gerald Peterson. É de uma família muito influente em Kansas. Possui terras e a maior parte do comércio local. Gerald, por algum motivo, quer se casar comigo. Na verdade, insiste com essa idéia.

—  As mulheres são livres para dizer "não" em sua cidade, suponho.

— Claro que sim. — Parecia tão simples dito da­quela forma. Mac devia achá-la uma tola. — Mas Gerald é muito determinado. Sempre encontra um jeito de conseguir o que deseja.

— E ele a deseja — Mac completou.

—  Bem, sim. Ao menos parece que sim. Meus pais haviam ficado muito contentes com o interesse de Gerald. Quem iria imaginar que eu poderia atrair um homem como ele?

—  Está brincando?

—  Como?

— Não importa. — Mac deu de ombros. — Então Gerald quer se casar, e imagino que você não o quei­ra. O que mais?

— Meses atrás eu aceitei o pedido. Parecia a única atitude sensata a tomar. Bem, ele assumiu que es­távamos noivos. — Envergonhada, Darcy baixou o rosto. — Gerald não sabe lidar com frustrações. Acho que é genético. Concordar com o casamento foi es­túpido e me arrependi no mesmo instante. Eu não podia levar o compromisso adiante, mas ele não quer entender isso. Havia até um anel de noivado — acrescentou com um suspiro.

— Anel de noivado — Mac repetiu, entretido no relato.

—  Foi tolice. Eu jamais desejei um solitário de diamante. Queria apenas viver algo... diferente. Mas Gerald não deu a menor atenção. Peguei o anel,que estava devidamente assegurado, claro. Ele me explicou tudo acerca do valor do investimento. — Darcy fechou os olhos. — Não tinha a menor vontade de ouvir aquele discurso financeiro.

— Não imagino que tivesse — Mac murmurou.

— Não esperava romance. Bem, de certa forma, esperava. Mas sabia que não iria acontecer. Pensei em me estabelecer com segurança. Eu deveria ser capaz de suportar aquele noivado.

— Por quê?

— Porque todos comentavam a respeito da sorte que eu tivera em conquistar aquele homem. Mas sentia-me presa. Gerald ficou furioso quando devolvi o anel. Não disse nada, mas parecia colérico. De repente, tudo mudou. Mostrou-se calmo e me disse que eu logo voltaria à razão. Assim que isso acon­tecesse, nós reataríamos o compromisso.Duas se­manas depois, perdi o emprego.

Ao erguer o rosto, Darcy notou a atenção de Mac. Ele a estava escutando, reparou surpresa. Era raro alguém se dispor a ouvi-la.

— Alegaram contenção de despesas — ela pros­seguiu. — Fiquei tão chocada na hora que somente após algum tempo pude perceber que Gerald havia tramado tudo. Os Peterson fazem gordas contribui­ções à biblioteca da cidade. E são proprietários do prédio em que eu morava. A intenção de Gerald era me obrigar a lhe pedir ajuda.

—  Mas você não se intimidou com as ameaças. Ele merecia muito mais do que ser abandonado...

— Gerald deve estar se sentindo humilhado e mui­to, muito zangado. Por isso não quero que saiba onde estou. Tenho medo dele.

Uma terrível possibilidade resvalou a mente de Mac.

—  Ele a feriu?

— Não. Gerald não usa a força física para inti­midar as pessoas. Preciso desaparecer por um tem­po. Ele me quer de volta porque não suporta recusas. Não há amor. Sou o perfil da esposa ideal que ele deseja. Comportada, quieta e bem-educada.

— Vai se sentir melhor se o enfrentar.

—  Eu sei. Mas tenho medo de não conseguir.

— Faremos o possível para mantê-la no anonimato — prometeu Mac. — A mídia terá de se divertir com a misteriosa ganhadora por enquanto. Mas vai durar pouco tempo, Darcy.

— Estou ciente disso.

—  Certo. Ainda não posso lhe entregar a soma em dinheiro que ganhou. Você não tem identificação alguma, o que complica os trâmites burocráticos. Precisa tirar a segunda via de sua identidade, da certidão de nascimento e da carteira de motorista. Portanto voltamos ao problema do advogado.

— Não conheço advogado algum. Somente a firma que organizou a documentação quando meus pais morreram. Mas não quero contatá-los.

— Suponho que não. Você quer começar uma nova vida. Certo?

Quando Darcy sorriu, Mac fixou a atenção na cur­va sensual dos lábios rubros.

— Pois é isso mesmo que desejo fazer. Quero es­crever livros — ela confessou.

— Muito justo. Já que é bibliotecária, deve amar os livros. Por que não escrevê-los?

Os lindos olhos dourados adquiriram um brilho diferente.

— Você foi a primeira pessoa que me incentivou a escrever. Gerald nunca se importou com meus anseios.

— Gerald é um idiota — Mac resmungou. — Creio que precisa apenas comprar um computador e co­meçar a trabalhar.

Atônita, Darcy levou as mãos ao rosto.

— Posso fazer isso? — Quando seus olhos se en­cheram de lágrimas, ela meneou a cabeça. — Não vou chorar de novo. Oh, mas a vida pode mudar por completo em um piscar de olhos.

— Está se saindo muito bem. Logo, vai conseguir suportar o resto.

Mac se levantou e não reparou no olhar afetuoso de Darcy. Ninguém jamais confiara nela.

—  Não sei se é ético, mas posso falar com meu tio. Ele é advogado. Uma pessoa da mais absoluta confiança.

— Muito obrigada, sr. Blade. Eu lhe serei grata...

— Mac — ele a interrompeu. — Já que terei de entregar-lhe quase dois milhões de dólares, dispenso formalidades.

Tão logo liberou uma gargalhada, Darcy cobriu os lábios com as mãos.

— Desculpe. É estranho ouvir o valor dessa quan­tia. Dois milhões de dólares.

— É um número e tanto — Mac disse secamente, acabando com a diversão de Darcy.

— Nunca atinei com relação a sua parte. Quero dizer, no cassino. Não precisa me pagar tudo de uma só vez — ela se explicou. — Pode parcelar.

Em um impulso, ele se abaixou e segurou-a pelo queixo.

— Você é incrivelmente doce, Darcy de Kansas. A voz soava rouca, e os olhos eram tão azuis que Darcy sentiu o coração pular no peito, como se fosse explodir.

- O que disse? Desculpe?

Com o dedo, Mac acariciou a pele macia. "Tão alva como uma fada", pensou, absorvido pelas sensações. De súbito, sentiu-se pego em flagrante e se afastou. "Não ouse ir por esse caminho, Mac", ad­vertiu-se em pensamento.

— O Comanche nunca lança uma aposta que não possa cobrir. E, afinal, meu avô não precisa mesmo daquela cirurgia.

- Oh, Deus.

— Estou brincando — Ainda mais encantado por ela, Mac riu. — Você se deixa enganar muito facil­mente. — Os lobos a comeriam viva, refletiu, preo­cupado. — Faça um favor a si mesma. Não chame muita atenção até que meu tio dê entrada nos do­cumentos. Vou lhe adiantar algum dinheiro.

Sentando-se à escrivaninha, ele abriu uma gaveta onde mantinha alguma soma em dinheiro.

— Dois mil dólares devem ser suficientes por en­quanto. Imagino que queira pegar seu carro e man­dar consertá-lo.

— Não consigo respirar direito — Darcy sussur­rou, quase sem forças. — Desculpe.

Alarmado, Mac a encarou. Darcy inclinou-se para a frente, colocando a cabeça entre os joelhos.

—  Estarei bem em um minuto — ela explicou quando sentiu a mão de Mac em suas costas. — Sinto muito. Só estou lhe causando problemas.

— Não está. Mas prefiro que não desmaie de novo.

— Não vou desmaiar. Preciso apenas de algum tem­po nessa posição. — Quando o telefone tocou, ela se endireitou na poltrona. — Estou tomando seu tempo.

— Acalme-se — Mac ordenou e pegou o telefone. - Deb, diga a quem quer que seja que telefonareimais tarde. — Virando-se, ele sentiu uma grande sen­sação de alívio ao vê-la recuperar a cor. — Está melhor?

—  Sim. Desculpe-me pelo inconveniente.

— Pare de se desculpar. É um hábito muito ruim.

— Descu... — Darcy cerrou os lábios.

— Ótimo. — Mac pegou o maço de dinheiro e entregou-o a Darcy. — Faça compras — sugeriu. — Vá brincar. Marque uma hora no salão de beleza, descanse na piscina. Divirta-se. Jante comigo hoje à noite. — Ele não pretendia dizer isso, e não tinha idéia de como fizera tal proposta.

A expressão séria de Mac deixou Darcy ainda mais confusa.

—  Eu adoraria. — Sentindo-se inadequada, ela se levantou e guardou o dinheiro no bolso. Havia esquecido de trazer a linda bolsa que a butique lhe enviara porque não tinha nada para pôr dentro. — Não sei o que fazer primeiro.

— Não importa. Faça tudo.

— Que maneira maravilhosa de pensar. — Inca­paz de evitar, ela o plagiou. — Faça tudo. Tentarei. Vou deixá-lo voltar ao trabalho agora. — Darcy ca­minhou até a porta, mas Mac foi mais rápido e abriu-a. Fitou-o sem saber que palavras usar. — Você salvou minha vida. Sei que soa dramático, mas é como me sinto.

—  Salvou-se a si mesma. Agora cuide bem de sua vida.

— Vou cuidar.

Ela estendeu a mão para se despedir e, porque era irresistível, Mac beijou a ponta dos delicados dedos.

— Nos veremos mais tarde.

— Claro. — Darcy se virou e caminhou, como se tivesse o poder de flutuar sobre o chão.

Depois de fechar a porta, Mac colocou as mãos nos bolsos da calça. Darcy, a bibliotecária de Kansas, não era seu tipo de mulher. Na verdade, ele estava apenas preocupado com o bem-estar da jovem. Uma preocupação quase fraterna.

Quase.

Eram aqueles olhos dourados que o perturbavam. Como um homem poderia resistir a olhos tão grandes e brilhantes? Havia também a tímida hesitação na voz de Darcy, seguida por uma explosão de entusiasmo. E a sincera docilidade. Nada além de pura inocência.

Contudo, ela ainda não fazia o tipo de Mac. Mu­lheres eram mais seguras quando conheciam o jogo da sedução. Darcy Wallace não tinha a menor idéia de como agir.

Bem, não seria justo entregar-lhe todo o dinheiro e deixá-la à mercê da própria sorte. Ou seria?

Iria somente indicar-lhe a direção correta, Mac prometeu a si mesmo. Depois diria adeus.

Ainda pensativo, pegou o telefone.

— Deb, ligue para o escritório de Caine MacGregor em Boston.

 

Sem dúvida era um mundo diferente. Seria um outro planeta? Darcy perguntava-se enquanto entrava cautelosa na butique do cassino.

A Darcy Wallace que costumava fitar as extra­vagantes vitrines do lado de fora, agora estava den­tro da loja. E podia comprar o que bem quisesse.

Embora não ousasse tocar em nada, ela se deu conta de que poderia obter tudo. Porque o mundo virara de cabeça para baixo, e ela, de alguma ma­neira, chegara ao topo.

Dando mais um passo à frente, encantou-se com o pequeno armário de vidro. Requintados objetos reluziam sobre a prateleira: brincos, pulseiras e anéis com os mais variados desenhos. Ela sempre tivera vontade de usar algo brilhante.

Por mais estranho que parecesse, Darcy não havia apreciado o solitário de diamante que Gerald lhe dera. Na verdade, o anel era propriedade dele. Claro, jamais pertencera a Darcy.

— Posso ajudá-la?

Assustada, Darcy desviou seu olhar das jóias.

—  Não sei.

—  Está procurando algo especial? — A mulher atrás do balcão sorriu.

— Tudo me parece especial.

O sorriso da vendedora aumentou.

— Fico feliz em saber. Temos orgulho de nossa coleção. Terei prazer em ajudá-la, se puder. Caso contrário, sinta-se à vontade para admirar o que quiser.

—  Na verdade, tenho um jantar hoje à noite, e nada para vestir.

— É sempre assim, não é?

—  Literalmente não possuo nada para vestir — Darcy enfatizou. Como a mulher não se mostrasse chocada, prosseguiu, corajosa: — Acho que preciso de um vestido.

—  Formal ou casual?

—  Não tenho a menor idéia. — Confusa, Darcy voltou a fitar as jóias sobre a pequena prateleira. — Ele não me disse.

— Jantar para dois?

— Isso mesmo. Mas não é exatamente um encontro.

Divertindo-se com o jogo de adivinhação, a ven­dedora lançou outra pergunta.

— Negócios? — disse.

— De certa forma, sim. — Darcy jogou para trás a mecha de cabelo que lhe caía à testa. — Creio que deve ser isso.

— Ele é atraente?

— E um adjetivo fraco para descrevê-lo.

— Interessante?

—  Pode listar todas as qualidades do mundo e jamais conseguirá defini-lo. Mas...

— Vamos ver. — Pensativa, a mulher fitou Darcy da cabeça aos pés. Feminina, mas não em exagero. Sexy, mas nada óbvia. — Acho que tenho o que você precisa.

Myra Proctor trabalhava na butique mais luxuosa do Comanche havia cinco anos, desde que ela e o marido tinham se mudado para Las Vegas. Ele era bancário, e Myra ocupara-se com moda durante a maior parte de sua vida adulta. Tinha dois filhos, um menino e uma menina. A filha de treze anos entrava na adolescência, causando preocupação em demasia à mãe.

Darcy já sabia de tudo aquilo porque não se can­sava de fazer perguntas à vendedora. Conversar a deixava relaxada enquanto Myra aprovava ou re­jeitava os modelos.

Depois de escolher um vestido elegante, uma ja­queta de linho, uma bolsa para noite e brincos res­plandecentes, Myra indicou-lhe o salão de beleza.

— Pergunte por Charles — avisou-a. — Diga-lhe que eu a mandei. Ele é absolutamente genial.

 

— O que aconteceu a seus cabelos? — Charles per­guntou quando Darcy sentou-se na cadeira do salão. — Um acidente? Uma doença terminal? Ratos?

Constrangida, ela encolheu-se sob o avental bran­co que lhe fora colocado minutos antes.

— Eu mesma cortei meus cabelos.

—  Seria capaz de remover o próprio apêndice? Quando Charles aproximou-se com os olhos verdes de raiva, Darcy se encolheu ainda mais.

—  Creio que não.

— Os cabelos são parte de seu corpo e devem ser tratados por um profissional experiente.

— Eu sei. Tem toda a razão. — Darcy segurou a risada. Não era hora de brincadeiras, repreendeu-se, apesar de nervosa. Tentou sorrir, desculpando-se. — Foi um impulso. Na realidade, um ato rebelde.

— Contra o quê? — Charles passou os dedos entre os fios, detendo-se nas pontas desformes.

— Bem, havia um homem que me dizia sempre o que fazer, como agir, andar e ser. Ele me deixava furiosa. Então cortei os cabelos.

—  Esse homem era seu cabeleireiro?

— Não. Ele é empresário.

— Ah... Nesse caso, ele não tinha a menor noção do que estava falando. Cortar os próprios cabelos foi corajoso. Tolo, mas corajoso. Na próxima vez que quiser se rebelar, contrate um profissional.

— Farei isso. Pode me ajudar?

— Minha querida criança, faço milagres em con­dições bem piores. — Ele estalou os dedos. — Xampu — ordenou à assistente.

 

Darcy nunca se sentira tão bajulada em sua vida. Era maravilhoso ter alguém para lavar-lhe os ca­belos e massagear o couro cabeludo. Deliciava-se com os dedos delicados da assistente de Charles.

Ao retornar à cadeira diante do espelho, não mais se sentia apreensiva ou nervosa.

— Precisa de uma manicure — Charles resolveu e se virou. — Sheila, temos de cuidar das mãos e dos pés de... Como é seu nome, querida?

— Darcy. Pés? — Imaginar as unhas dos pés pin­tadas lhe parecia exótico demais.

— Exato. E pare de roer as unhas imediatamente. - Envergonhada, Darcy escondeu as mãos sob a capa.

—  E um péssimo hábito.

— Pouco atraente. Mas você tem sorte. Seus ca­belos são finos e saudáveis. A coré linda. Não vamos mexer nessa parte. — Charles puxou os cabelos de Darcy para trás. — Costuma usar maquiagem?

— Apenas creme hidratante. Mas eu o perdi. —-Darcy esfregou o nariz, distraída.

—  As sardas dão um toque de charme. Não mexa nelas.

— Mas eu preferiria...

—  Pretende usar um bisturi para extraí-las? — ele perguntou, franzindo a testa. Depois que Darcy meneou a cabeça, Charles ficou satisfeito. — Vou maquiá-la pessoalmente. Se não gostar, não precisa pagar. Agora, se gostar, não só vai pagar como tam­bém comprará os produtos.

Outro astuto jogador, pensou Darcy.

— Está certo.

— Está agindo corretamente, garota. Vamos ver... — Ele virou o rosto de Darcy, estudando-a. — Fale-me de sua vida amorosa.

— Não tenho nenhuma.

— Vai ter. — Charles sorriu, pretensioso. — Meu trabalho nunca falha.

 

Eram quase três horas quando Darcy retornou à suíte. Estava carregada de sacolas e radiante de felicidade. Em um impulso, jogou-as sobre o sofá e fitou-se no espelho. Myra tinha razão. Charles era genial. O corte ficara fantástico. Quase um requinte de sofisticação. Embora estivessem bem mais curtos, os cabelos haviam tomado forma e brilho.

A franja não mais cacheava, mas caía solta sobre a testa. E o rosto... não era impressionante o que alguns cremes, tubos e pincéis podiam fazer? A maquiagem realçara os traços, e Darcy sentia-se bonita. — Quase linda — disse para o próprio reflexo. — É verdade mesmo. Oh, os brincos! — Correu e vasculhou as sacolas até encontrar o último detalhe para compor o novo visual.

Então notou a luz vermelha que piscava no telefone.

Ninguém sabia onde ela estava. Como alguém po­deria lhe telefonar? A imprensa? Teria a mídia des­coberto seu paradeiro? Não, pensou, esfregando as mãos. Mac havia prometido mantê-la no anonimato. Ele não seria capaz de traí-la.

Com a pulsação acelerada, Darcy pegou o telefone e apertou a tecla vermelha. Foi informada de que havia dois recados para ela. O primeiro era da as­sistente de Mac. Respirou aliviada. O sr. Blade a pegaria para jantar às sete e meia. Se não fosse de seu agrado, precisava apenas ligar e remarcar.

— Sete e meia está ótimo — murmurou consigo mesma. — Sete e meia é perfeito.

A segunda mensagem vinha de Caine MacGregor, que se identificava como tio de Mac e pediu-lhe que retornasse a ligação quando possível.

Hesitante, Darcy não queria enfrentar os negócios tão depressa. Seria mais emocionante se tudo per­manecesse nas sombras. Mas fora educada para re­tornar ligações caso fosse solicitada. Portanto, sen­tou-se à mesa e ligou para Boston.

 

Quando abriu a porta e encontrou Mac segurando uma única rosa branca, Darcy soube que milagres aconteciam. O homem parecia ter saído dos romances que ela escrevia em seus cadernos. Alto, moreno, ele­gantemente masculino, charmoso e com um olhar pe­rigosamente sensual, o que o tornava mais atraente.

O milagre consistia no fato de ele estar ali, se­gurando a flor e sorrindo para Darcy.

Desde aquela tarde, quando telefonara a Boston, havia uma questão que a incomodava e sobre a qual gostaria de conversar.

— Caine MacGregor é seu tio?

— Sim, ele é.

— Era o principal advogado do governo dos Es­tados Unidos.

— Isso mesmo. — Mac depositou a rosa na mão de Darcy. — Ele era, sim.

— Alan MacGregor foi presidente.

— Eu sei. Ouvi essa história em algum lugar. Vai me convidar para entrar?

— Oh, claro. Seu tio foi presidente — ela repetiu devagar, — Por oito anos.

— Você passou na prova de história. — Mac fechou a porta e ficou um bom tempo fitando Darcy. Soltou um murmúrio de aprovação. — Está fabulosa.

— Acha mesmo? — Lisonjeada com o comentário, ela olhou para baixo. — Eu jamais optaria por esse vestido — confessou, alisando a saia curta. Aquela roupa era a mais ousada que tivera. — Myra... da butique do hotel, o escolheu. Disse que sou como uma jóia colorida.

— Myra tem excelentes olhos. — E merecia um au­mento, Mac concluiu, girando o dedo. — Dê uma volta.

— Volta... — Darcy ria enquanto executava a ordem. Na verdade, uma promoção, ele decidiu fitando a saia rodada que salientava as pernas esguias.

— Não estão aqui.

—  O quê? — Ela se assustou. — O que não está aqui?

— As asas. Esperava ver asas de fada. - Ruborizada, Darcy riu outra vez.

— Se a noite for igual ao dia que tive, não ficarei surpresa se as vir.

—  Por que não tomamos um drinque antes do jantar? Assim poderá me contar como foi seu dia.

Mac caminhou até o bar e pegou uma garrafa de champanhe na pequena geladeira. Ela adorava observá-lo se mover. Tinha charme e confiança nos movimentos. Mas exalava perigo. Soltou um suspiro profundo. Mac Blade era melhor do que seus per­sonagens imaginários.

—  Charles cortou meus cabelos — ela começou, estremecendo ao escutar o estampido da rolha do champanhe.

— Charles?

— Do salão de beleza.

— Ah, aquele Charles. — Mac pegou duas taças e encheu-as com o líquido borbulhante. — Os clien­tes se apavoram, mas sempre acabam voltando para Charles.

— Pensei que ele fosse me expulsar do salão quan­do viu o que fiz. Mas acho que ficou com pena de mim. Charles tem opiniões bem definidas.

Mac fitou os cabelos sedosos.

— Eu diria que ele viu as asas.

— A partir de hoje só pego em uma tesoura para cortar papéis. — Darcy aceitou a taça que Mac lhe oferecia. — Ou terei de arcar com as conseqüências. Se roer minhas unhas, serei punida. Tive medo de perguntar a ele qual seria a punição. Oh, isto é maravilhoso — murmurou depois do primeiro gole. Fechou os olhos e bebeu novamente. — Por que as pessoas tomam outras bebidas?

O prazer puro e sensual estampado no rosto de Darcy fez ferver o sangue de Mac. Uma criança per­dida na floresta, lembrou-se. Seria difícil manter uma barreira entre ambos.

— O que mais você fez?

— Oh, fiquei no salão por uma eternidade. Charles ocupou-me o tempo todo. Fiz os pés. — Ela ria, di­vertindo-se com as novidades. — Não tinha idéia de quão relaxante era uma massagem nos pés. Shei­la passou parafina em meus pés. Pode imaginar? Nas mãos também. Sinta.

Inocente, ela ofereceu as mãos para Mac. A pele era tão macia quanto a de uma criança.

— Estão muito gostosas.

— Não estão? — Feliz, Darcy acariciou as próprias mãos, sorrindo. — Charles disse que preciso me sub­meter a cuidados mais intensos, como banho de lama e outras coisas das quais não consigo me lembrar. Escreveu todos os itens e me mandou falar com Alice no spa. Ela marcou as consultas. Tenho de estar lá às dez, depois de fazer exercícios na sala de ginás­tica. Charles acredita que tenho negligenciado o cor­po também. Ele é muito exigente. Posso tomar mais champanhe?

— Claro. — Uma pequena guerra entre o diver­timento e o desejo se travava no interior de Mac enquanto servia-lhe champanhe.

— Este lugar éincrível. Surpresas maravilhosas nos aguardam em cada esquina. É como viver em um castelo. — Darcy fechava os olhos enquanto be­bia. — Quando criança, eu queria ser uma princesa. Em meus sonhos o príncipe escalaria os muros altos do castelo, depois de enfrentar o dragão... Nunca gostei de histórias onde dragões morrem. Afinal, são tão mágicos e poderosos. Bem, o príncipe aparece, e o feitiço acaba, trazendo vida de volta ao castelo. Cores e melodias. Haveria o baile final e todos vi­veriam felizes para sempre.

De repente, ela parou e começou a rir. Mac fitou-a encantado e sorriu.

- O champanhe está me subindo à cabeça. Não era a respeito disso que eu queria conversar com você. Seu tio...

— Conversaremos durante o jantar. — Mac pegou a taça da mão dela. Em seguida, viu a bolsa sobre a mesa e entregou-a a Darcy.

— Posso tomar champanhe durante o jantar? — ela lhe perguntou no elevador.

Agora foi Mac quem riu.

— Querida, pode fazer o que desejar.

- Imagine. — Suspirando, Darcy encostou-se na parede de vidro do elevador panorâmico.

Sorrindo, Mac apertou o botão do restaurante da cobertura. Ela usara perfume, uma fragrância suave e sensual. Para evitar maiores problemas, Mac co­locou as duas mãos no bolso.

— Foi ao cassino?

— Não. Havia tanto a fazer. Dei uma volta entre as mesas, mas não sabia por onde começar.

—  Em minha opinião você começou muito bem. As portas do elevador se abriram, dando acesso a um hall acarpetado. Mac conduziu-a a uma sala iluminada à luz de velas e rodeada de janelas, de onde se podia avistar Las Vegas.

— Boa noite, sr. Blade. Madame—o maitre saudou-os.

Darcy estava fascinada com aquele mundo de fan­tasias. Quando se acomodaram à mesa próxima à janela, ela desejou nunca mais sair dali.

— A dama prefere champanhe, Steven.

—  Claro. A bebida será servida em um instante.

— Deve ser emocionante morar aqui. É como um mundo à parte. Você gosta, não?

—  Gosto muito. Nasci com um par de dados em uma mão e um baralho na outra. Meus pais se conheceram em uma mesa de blackjack. Ela traba­lhava como crupiê durante um cruzeiro marítimo e ele a desejou no instante em que a viu.

— Um romance em alto-mar. — Darcy suspirou. — Ela era linda?

—  Sim, ela é linda.

— E ele devia ser moreno, elegante e talvez um tanto perigoso.

— Mais do que isso. Minha mãe adora jogar.

— Ambos ganharam. — Ela entreabriu os lábios, sedutora. — Você tem uma família grande.

— E alegre.

— Crianças têm sempre inveja de famílias gran­des e alegres. Aposto que nunca está sozinho.

—  Não. Mas a solidão às vezes é bem-vinda. — Ele aprovou a escolha da safra do champanhe enquanto o garçom a mostrava.

Entretida com o ritual, Darcy observava cada passo do impecável rapaz de roupas brancas que manuseava a garrafa. A um discreto sinal de Mac, uma pequena dose foi servida a ela para que provasse o líquido.

— Está ótimo. É como beber ouro.

O garçom sorriu diante do comentário e terminou de servir o champanhe, antes de colocar a garrafa em um balde de prata, repleto de gelo.

—  Saúde. — Mac tocou a taça de Darcy com a sua. — Então conversou com meu tio.

— Conversei. Não me dei conta de quem era até fazer a ligação. Quando falei: Caine MacGregor, juro que comecei a gaguejar. Ele foi muito paciente co­migo. — Darcy riu, de repente. — Um dos maiores advogados do país agora trabalha para mim. É tão esquisito. Seu tio me disse que irá cuidar de minha certidão de nascimento e de tudo mais. E ainda afir­mou que não levará muito tempo.

- Os MacGregor têm suas estratégias.

— Li muitos artigos acerca de sua família. — Dar­cy aceitou o menu, distraída. — Seu avô é uma lenda.

— Ele vai adorar escutar isso. Tem personalidade. Você gostaria de conhecê-lo.

— Verdade? Como é a personalidade dele? Como definir Daniel MacGregor? Mac refletiu por alguns segundos.

—  Ele é ousado. Grande, forte e fala alto. Um escocês que construiu um império e ainda age com simplicidade. Fuma charutos escondido, quando mi­nha avó não está por perto. É capaz de envolvê-la em segundos. Ninguém consegue blefar diante dele. Possui um coração generoso. Para Daniel MacGregor a família vem primeiro, depois e sempre.

— Você o ama.

—  Demais.

Porque ela estava adorando a conversa, Mac con­tou-lhe como o jovem e intrépido Daniel chegara a Boston, procurando por uma esposa. Ao fixar os olhos em Anna Whitfield, apaixonou-se perdidamen­te, conquistou-a e casou-se com ela.

—  Ela foi corajosa por se tornar médica. Havia tantos obstáculos para as mulheres naquela época.

—  Ela é extraordinária.

— Você tem irmãos, Mac?

— Um irmão, duas irmãs, dezenas de primos, so­brinhas e sobrinhos. Quando estamos todos juntos formamos... uma espécie de hospício — ele comple­tou, fazendo-a rir.

— Você não mudaria isso por nada nesse mundo.

— Não, jamais. Darcy abriu o cardápio.

—  Sempre imaginei como seria...  Oh, Deus!

Olhe isso. Como alguém consegue escolher entre tantos pratos?

— Do que gostaria?

Com os olhos brilhantes, ela o fitou, constrangida.

— De tudo.

 

Animada, Darcy experimentou um pouco de cada prato. Pato assado com molho francês, salmão de­fumado ao caviar e outras iguarias refinadas. Inca­paz de resistir, Mac cortou uma fatia de seu filé e colocou-a entre os lábios rosados.

De olhos fechados, ela saboreou a carne, soltando um frágil gemido de prazer. Mac sentiu o sangue ferver nas veias.

Nunca conhecera uma mulher tão aberta a sim­ples prazeres da vida. Darcy devia ser estupenda na cama, sensual, sensível a cada toque, cada gosto, cada movimento. Podia imaginar claramente os pe­quenos sinais, sussurros e delírios.

Mais uma vez, ela soltou um suspiro e sorriu.

— Está uma delícia. Aliás, tudo está maravilhoso. Era como se as novidades fluíssem por dentro dela, aumentando ainda mais a intensidade dos sa­bores do vinho, da comida e do olhar de Mac Blade. Darcy aproximou-se.

— Você é tão atraente. Tem um rosto forte. Adoro observá-lo.

Vindo de qualquer outra mulher, o elogio soaria como um convite. No caso de Darcy, Mac preveniu-se, era uma mistura de vinho e ingenuidade.

— De onde você veio?

— De Kansas. — Ela sorriu. — Não foi isso que quis dizer, certo? Não tenho a menor sutileza. — confessou. — E quando relaxo, geralmente falo tudo que me vem à mente. Em geral fico nervosa ao lado de homens. Nunca sei como agir.

— Com certeza, eu não a deixo nervosa. Estou arrasado.

— Mulheres sempre criam fantasias a respeito de homens como você. Mas não me deixa nervosa porque sei que não tem segundas intenções em relação a mim.

— Não?

— Os homens nunca têm. — Darcy tomou mais um gole de champanhe. — Eles não se sentem atraí­dos por mulheres sem uma bela aparência física. Loiras exóticas — prosseguiu, fitando o prato de Mac e imaginando como pedir outra fatia daquela carne —, morenas suntuosas, ruivas sensuais. A atenção é toda delas. É algo natural. Homens atraen­tes procuram mulheres bonitas.

— De onde tirou essas conclusões?

— Gosto de observar as pessoas e ver de que forma se aproximam umas das outras.

— Talvez não tenha reparado bem, Darcy. Você é muito atraente. — Mac divertiu-se com a expressão surpresa no rosto dela. — Sensual — murmurou, ce­dendo ao impulso de tocar-lhe o pescoço. — E adorável.

Os olhos dourados fixaram-se nos lábios de Mac. Então a respiração se tornou ofegante. Era tentador demais manter-se àquela distância, concretizando a teoria de Darcy, Contudo, ela começou a tremer como um pássaro assustado.

—  Veja só — ele disse. — Agora você se calou. Está nervosa?

Meneando a cabeça devagar, Darcy sentiu os lá­bios quentes tocarem os dela. O beijo foi firme e profundo. Os dedos másculos acariciavam-lhe o pes­coço, fazendo-a estremecer. O coração disparou, como se fosse saltar do peito.

O pânico estampado naqueles olhos dourados o fez segurá-la pela nuca.

— Não deveria desafiar um jogador, Darcy. — Mac se afastou, depois de sorrir de modo amigável. — Sobremesa?

—  Sobremesa?

—  Quer sorvete?

— Não sei se agüento. — Seus dedos mal conse­guiam segurar o garfo.

— Quer tentar a sorte? — ele sugeriu, vendo-a corar. — No cassino?

—  Oh, sim. Eu adoraria.

 

— O que devo jogar? — Darcy perguntou quando entraram no cassino.

— Você escolhe.

— Bem. — Ela mordeu o lábio inferior, tentando esquecer que a mão de Mac estava em suas costas.

— Talvez blackjack. Afinal, é só somar os pontos.

— É apenas parte do jogo. A mesa de cinco dólares — ele decidiu. — Até adquirir o ritmo. — Mac con­duziu-a à mesa de um crupiê especialista em nova­tos. — Com quanto quer começar?

— Vinte?

— Vinte mil é pouco para uma iniciante. Embora atônita, Darcy riu.

—  Quis dizer dólares. Vinte dólares.

— Dólares — Mac repetiu. — Está certo... se puder controlar a empolgação.

Quando ele pegou a carteira no bolso, Darcy interveio:

— Não. Tenho algum dinheiro. — Puxou uma nota de vinte dólares da bolsa. — Dessa forma sinto que a quantia é minha.

— E é sua — ele a lembrou. — Posso começar a recuperar meu dinheiro com vinte dólares.

—  Talvez eu ganhe. — Darcy fitou o homem a seu lado de paletó azul-marinho. — Está ganhando?

Ele tomou um gole de cerveja, antes de responder.

— Já consegui cinqüenta dólares, mas esse ho­mem — ele apontou o crupiê — é duro na queda.

— Mesmo assim continua a freqüentar minha mesa, certo, sr. Renoke? — brincou o crupiê. — Deve ser meu charme.

Renoke fez uma careta e avaliou as cartas.

— Dê-me mais uma, amigo. O crupiê abriu um quatro.

— Seu desejo é uma ordem.

— Lá vamos nós. — Renoke comemorou os dezenove pontos que fizera. Quando o crupiê completou dezoito, Renoke bateu levemente no ombro de Darcy.

— Parece que você me trouxe sorte.

— Espero que sim. Eu quero jogar.

— Trocando vinte. — O crupiê pegou a nota de Darcy e devolveu-lhe quatro fichas de cinco dólares.

— Apostas?

— Ponha uma ficha naquela faixa — Mac instruiu-a. As cartas se moviam rápido, escorregavam sobre o veludo e desapareciam quase que imediatamente. Darcy tinha um seis e um oito, e o crupiê mostrou-lhe um dez.

—  O que faço agora?

— Arrisque.

— Mas vou passar de vinte e um pontos com esse dez. Posso perder a jogada, não?

— A vantagem é conseguir dois pontos a menos do que a mesa. Corra o risco.

—  Certo. Vamos lá. — Darcy arriscou. — Perdi.

— Mas perdeu corretamente — explicou o crupiê. Por mais duas vezes, ela perdeu da forma correta. Totalmente concentrada apostou a última fi­cha e ganhou.

— Nem precisei fazer nada. — Darcy acomodou-se na cadeira e fitou Mac. — Acho que vou jogar de modo incorreto por enquanto para ver se aprendo.

—  O jogo é seu.

Com certa surpresa, Mac observou-a jogar contra a lógica e ganhar dez fichas. Logo a pilha se reduziu para três fichas e então multiplicou-se outra vez. Enquanto apostava de maneira inteligente, Darcy conversava com Renoke, descobrindo que ele tinha dois filhos da universidade.

Os vinte dólares já haviam se transformado em duzentos, Mac notou, admirado. A mulher era muito esperta.

Um crupiê de outra mesa fez um sinal para Mac, indicando confusão.

— Volto já — ele murmurou para Darcy.

Não foi difícil divisar onde se encontrava o centro do problema. Um homem esbravejava por ter per­dido trezentos dólares em fichas. Mac julgou-o um mau perdedor, apesar de embriagado.

—  Escute, se não consegue jogar limpo, é melhor ser despedido. — O homem apontava o dedo em riste para o crupiê, enquanto outros jogadores se retiravam, procurando uma mesa mais calma. — Não posso ga­nhar mais do que uma mão de dez. E aquela mulher sem graça antes de você era pior. Quero ver ação nesta pocilga. — Ele socou a mesa com o punho fechado.

— Algum problema? — Mac se aproximou da mesa.

— Dê o fora. Não é problema seu.

— Pode apostar que é. — Um sinal sutil fez com que seguranças se dirigem até a mesa. — Sou Blade e esta "pocilga" me pertence.

— Oh, é mesmo? — O homem ergueu o copo. — pois saiba que seu cassino é uma droga. Os crupiês pensam que podem roubar, mas estou de olho. — Ele pôs o copo na mesa. — Já me tiraram trezentos dólares. Sei quando tentam trapacear.

A voz de Mac permaneceu baixa e os olhos, frios.

—  Se tem queixas a fazer, será bem-vindo em meu escritório.

— Não tenho de ir a seu escritório. — Com um gesto violento, ele atirou o copo no chão. — Exijo uma satisfação.

Mac ergueu a mão para impedir dois seguranças que já se moviam em sua direção.

— Não vai conseguir nenhuma. Sugiro que troque suas fichas e vá a outro lugar.

— Está me expulsando? — O homem se levantou. Embora cambaleasse, ele fechou os punhos, furioso. — Não pode me chutar daqui.

Uma violência contida inflamava os olhos de Mac.

—  Quer apostar?

Era visível que o homem tremia de raiva. Porém, bêbado ou não, ele teria de se retirar do cassino.

— Que droga. — Ele pegou as fichas. — Eu devia saber que não se pode confiar em índios.

Mac agarrou-o pelo colarinho, quase tirando-lhe os pés do chão.

—  Saia de meu cassino. — A voz era feroz, e os olhos faiscavam. — Se o vir aqui novamente, não vou deixá-lo sair ileso. Acompanhem esse... senhor até o caixa. — Instruiu os seguranças. — Depois mostrem-lhe a saída.

—  Sim, senhor.

— Seu calhorda — esbravejou o homem enquanto se afastava.

Quando sentiu um toque no braço, Mac se virou depressa. Darcy esquivou-se ao ver aquela expressão colérica. Os músculos sob seus dedos pareciam duros como aço. Ele estava irado.

—  Há muitos outros de onde ele veio.

Darcy só podia pensar que jamais vira um olhar tão frio em sua vida.

—  Não posso acreditar. — Ela se abaixou e co­meçou a recolher os cacos do copo que se espatifara no chão. Mas Mac a puxou pelo braço, erguendo-a.

—  O que está fazendo?

— Eu ia limpar a sujeira...

— Pare, — Ele ainda estava furioso com a cena horrível da qual participara. — Você não pertence a este lugar—murmurou, arrastando-a entre a mul­tidão de jogadores. — Não se trata de diversão. E não é um castelo encantado. Há pessoas como ele em todos os cantos.

—  Sim, mas... — Mac andou com tanta rapidez pela área do hotel que ela precisou correr para acompanhá-lo.

— Deve voltar para Kansas e retomar seu traba­lho na biblioteca.

— Não quero voltar para Kansas.- Colocando-a no elevador, ele inseriu o cartão mag­nético para enviá-la à suíte.

—  Eles vão devorá-la em segundos. Eu mesmo quase o fiz.

— Não sei do que está falando.

—  Exato. — Mac sentia-se frustrado, furioso e irritado.

Os olhos de Darcy se tornaram brilhantes e os lábios começaram a tremer.

—  Esse é o problema — Mac disse, tentando se acalmar. — Preciso voltar e cuidar do cassino. Fique em seu quarto.

— Mas...

— Obedeça — ordenou, tirando-a do elevador. In­dicou-lhe a direção da suíte antes que cometesse algo insano. Como beijá-la até perder o fôlego. — Você me preocupa — murmurou, fitando-a. — Está começando a me preocupar.

E continuaram a se olhar até que as portas do elevador se fechassem.

 

Na manhã seguinte, Darcy compareceu às sessões do spa porque achou dese­legante desmarcá-las. Mas sua mente e coração não estavam ali. Mesmo sendo massageada com óleos exó­ticos por uma egípcia e submetendo-se a uma minu­ciosa limpeza de pele não conseguia se empolgar.

Mac a queria longe de Las Vegas. Mas Darcy não tinha para onde ir.

Poderia viajar por lugares desconhecidos, tão logo sua documentação ficasse pronta, mas nada disso parecia importante. Queria ficar naquele maravi­lhoso e excitante hotel, deslumbrando-se com todas as luzes e sons do cassino, e centenas de pessoas ávidas por emoções.

Desejava jogar outra vez, tomar champanhe, com­prar outro par de brincos. Queria apenas um pouco mais de tempo naquele lugar repleto de homens charmosos.

Mais do que tudo, queria viver dias mágicos com Mac, antes que sua carruagem voltasse a ser uma abóbora, e o sapato de cristal sumisse.

Era maravilhoso vê-lo sorrir para ela. A cada sor­riso o rosto de Mac se transformava em uma re­quintada obra de arte.

Ele não era apenas lindo, mas também uma pes­soa adorável com quem conviver. Os expressivos olhos azuis a faziam pensar que realmente se im­portava com o que ela dizia ou pensava.

Nunca fora capaz de conversar com um homem do modo como fazia com Mac Blade, sem sentir-se inadequada ou tola.

Mas já havia tomado muito do precioso tempo do empresário. Darcy sempre se mantivera à margem das situações, observando pessoas. No instante em que deu um passo adiante, sob as luzes da ribalta, acabou espantando aquele que mais a havia amparado.

O dinheiro não mudaria quem ela era. Um lindo vestido, um novo corte de cabelo... eram somente aparência. Por dentro, continuava a ser comum e sem graça.

— Vai adorar isso.

Interrompida em seus pensamentos, ela olhou para a esteticista. Havia se esquecido do nome da mulher, algo que, na opinião de Darcy, fora tão rude quanto pensar em desmarcar as sessões.

Deitada sobre a maca, fitou o crachá de identifi­cação pregado ao uniforme alvo.

— Vou, Angie?

—  Claro.

Para o horror de Darcy, Angie puxou o lençol bran­co e começou a passar lama sobre seus seios.

—  Oh, Deus!

— Está muito quente?

—  Não. — Ela não iria corar. Nunca mais. — Para que serve a lama?

—  Para tornar sua pele irresistível.

— Ninguém verá minha pele — Darcy resmungou, e Angie caiu na gargalhada.

— Estamos em Las Vegas. Sua sorte pode mudar a qualquer momento.

— Talvez tenha razão. — Desistindo, Darcy fechou os olhos e relaxou.

 

Ela e sua irresistível pele mal haviam entrado na suíte quando a campainha tocou. Ao abrir a porta, deparou-se com Mac.

—  Tem um minuto? — ele perguntou e entrou no quarto. — Não tenho muito tempo, mas queria que soubesse que a imprensa está me pressionando. A mulher misteriosa já foi noticiada. Os jornalistas vão continuar a especular, mas não será só isso. Cedo ou tarde, sua identidade virá à tona. Precisa estar preparada.

— Não vou voltar para Kansas. — A frase surgiu de forma tão inesperada que espantou a ambos.

—  Se é assim que deseja — Mac disse, confuso.

— Não pretendo voltar — ela repetiu. — A quantia que você me adiantou é suficiente para me hospedar em outro hotel.

— E faria isso porque...

— Você disse que não me quer aqui.

— Não creio. — Mas ele se lembrou da explosão na noite anterior e imaginou ter dito algo seme­lhante. — Com certeza, não foi o que quis dizer. — Aborrecido consigo mesmo, passou a mão entre os cabelos. — Darcy...

— Já abusei demais de seu tempo. Sente-se res­ponsável por mim, mas não é necessário. Vou ficar fora do caminho. Posso permanecer aqui e escrever. Aliás, fiz isso a noite passada depois...

Mac ergueu a mão, impedindo-a de prosseguir.

—  Desculpe. Eu estava muito nervoso. Aquele idiota me deixou irado e descontei em você. — Co­locou as mãos no bolso, frustrado. — Mas não de­veria circular pelo cassino sozinha.

Darcy encontrava-se prestes a ceder quando o úl­timo comentário a fez desistir.

— Acha que sou estúpida e ingênua.

— Não acho que seja estúpida.

Os olhos dourados faiscaram, fascinando Mac.

—  Só ingênua. Talvez um pouco incompetente e muito... — Sua mente trabalhava feroz, procurando a palavra certa. — Muito caipira para cuidar de mim mesma nesta grande e cruel cidade.

Irritado, Mac franziu a testa, tornando-se ainda mais charmoso.

—  Foi você quem entrou na cidade com menos de dez dólares no bolso, sem documento, e vestindo apenas a roupa do corpo, não foi?

— E daí? Consegui chegar até aqui, não?

— Estamos empatados — ele resmungou.

— E ontem à noite não foi a primeira vez que vi um homem bêbado. Sou de Kansas, não de Dog-patch. Há muitos bêbados de onde eu venho.

—  Posso imaginar. — Mac precisou se controlar para não rir.

— Não se sinta obrigado a me proteger como se eu fosse um bichinho de estimação perdido no meio do tráfego. Não há razão para se preocupar comigo.

— Eu não falei que estava preocupado com você. Disse que você me preocupa.

—  É a mesma coisa.

—  E totalmente diferente.

—  Como assim?

Por um instante, Mac a estudou. As faces estavam rosadas, e os olhos se tornaram escuros e brilhantes.

Darcy estava com o orgulho ferido. E a culpa era dele. Suspirou, aborrecido.

— Não está me deixando outra escolha. Você real­mente me preocupa — repetiu, tocando-a nos om­bros. — Porque... — Deslizou as mãos ao longo dos braços delicados e segurou-a pela cintura. Viu os lábios se entreabrirem e cobriu-os com os dele.

O mundo pareceu parar. Cada pensamento coe­rente desapareceu em segundos. Os lábios de Mac eram como ela os sentira na noite anterior: quentes, firmes e decididos. Mas agora, enquanto se via trans­portada por sensações ininteligíveis, tudo parecia chocante. Cores salpicavam ao redor até se derre­terem no corpo de Darcy.

Afoito, Mac aprofundou o beijo, estimulando-a, convidando-a e brincando com a súbita intimidade. Ela se sentiu inebriada de prazer, como se estivesse mergulhada em uma piscina aquecida.

Ao perder o equilíbrio, Darcy agarrou os braços fortes. Mac pôde sentir a pressão dos dedos através da roupa e também a volúpia ansiosa dos lábios dela. Rendição e desejo, uma perigosa mistura, pon­tuavam a fragilidade daquele momento. A sensação parecia muito mais profunda do que ele previra. Queria mais, mais do que havia esperado.

Então algo começou a perturbá-lo. Precisava ter­minar aquele interlúdio a seu modo. Darcy estava excitada. Ele também. Apesar de inocente, não se tratava de uma criança. E Mac a desejava. Deus, como a queria.

Quando ele se afastou, os olhos de Darcy permaneceram fechados. Fitou-a umedecer os lábios, como se ainda quisesse sentir o sabor do beijo. Ondas de prazer fluíam entre ambos.

Darcy abriu os olhos e o encarou. Em seguida, suas faces ficaram vermelhas. Suspirou, embevecida.

— Por que... — Darcy respirava ofegante. — Por que fez isso?

"Seja cuidadoso com ela", advertia-se em pensa­mento. "Muito cuidadoso".

—  Porque eu quis. Há algum problema?

— Não — ela respondeu com tamanha seriedade que quase o fez rir. — Creio que não.

—  Que bom. Porque ainda não terminei.

Mac estreitou o abraço, colando seu corpo ao dela.

—  Bem... — Darcy sorriu. — Fique à vontade.

Sua inocência era tão clara quanto a lua, e tremendamente sedutora. Não, não se tratava de uma criança, Mac concluiu outra vez, mas as vantagens daquele jogo estavam todas contra ela. Não tinha o direito de se aproveitar daquela frágil condição.

Readquirindo controle, encostou sua testa na dela. "Vá devagar", ordenou a si mesmo. "Ou melhor, pare".

— Darcy, você é uma mulher perigosa.

— Eu? — Os olhos se arregalaram de espanto. O choque no tom de voz não aliviou a tensão de Mac. Não se tratava de mero desejo, mas sim de desejo puro e real por ela. Uma sensação específica e completamente imprópria.

—  Letal — murmurou e se afastou. Contudo, manteve as mãos sobre os ombros finos, incapaz de romper o contato. Ela o fitava, curiosa. Os olhos dourados ainda possuíam brilho, e os lábios antecipavam outro beijo.

— Já teve intimidade com algum namorado? Piscando várias vezes, Darcy olhou para a camisa de Mac. Era de seda preta. Sentira a maciez do tecido sob seus dedos. Queria tocá-lo de novo.

— Não exatamente.

— A despeito das infinitas variedades, sexo ainda é um ótimo passatempo.

Por fim, ela teve a nítida impressão de que Mac não pretendia beijá-la novamente. Frustração sexual era algo novo e nada agradável. Um tanto ofendida, voltou a encará-lo.

—  Sei o que é sexo.

"Não, querida", pensou, "não sabe". Darcy não ti­nha uma ínfima idéia do que Mac pretendia dela e com ela. Caso contrário, agitaria as invisíveis asas de fada e fugiria para bem longe.

— Você não me conhece, Darcy. Não sabe como são as regras por aqui.

— Posso aprender. Não sou idiota.

— Prefiro que não aprenda determinadas coisas. — Ele apertou-lhe com suavidade os ombros quando o telefone começou a tocar. — É melhor atender.

Virando-se, ela caminhou a passos largos e pegou o aparelho.

— Sim? Alô?

—  Quem está falando?

A repentina pergunta soou tão enfática que Darcy se apressou em responder.

— É Darcy Wallace.

— Wallace? É parente de William Wallace, o gran­de herói da Escócia?

— Na verdade... — Darcy ficou intrigada. — Ele é meu ancestral por parte de pai.

— Santo Deus! Sinta-se orgulhosa de sua descen­dência, garota. Darcy, certo? É uma mulher casada, Darcy Wallace?

—  Não, não sou. Eu... Desculpe-me, mas quem está falando?

— Sou Daniel MacGregor, e é um prazer conhecê-la. Darcy quase perdeu o fôlego de tanta emoção.

— Como vai, sr. MacGregor?

— Estou ótimo, Darcy Wallace. Fui informado de que meu neto estaria com você.

—  Sim, está aqui. — Não podia acreditar que conversava ao telefone com o famoso Daniel Mac­Gregor. — Gostaria de falar com ele?

—  Gostaria, sim. Possui uma voz clara e muito suave, Darcy Wallace. Quantos anos tem?

— Vinte e três.

— Aposto que também é saudável. Divertindo-se, ela assentiu.

— Sim, sou saudável. — Só notou a presença de Mac quando ele roubou-lhe o telefone.

— Quer que eu verifique os dentes dela tam­bém, vovô?

— Aí está você. — Feliz, mas nada arrependido, Daniel aumentou o tom de voz — Sua secretária trans­feriu a ligação. Claro, eu jamais a deixaria fazê-lo se meu neto mais velho se importasse em telefonar algu­mas vezes para sua avó. Ela se sente negligenciada.

Como sempre, Daniel usava de artimanhas para conseguir o que queria.

— Faz menos de uma semana que falei com vocês dois — Mac se defendeu.

— Em nossa idade, garoto, uma semana repre­senta anos.

— Vocês vão viver para sempre. — Mac sorriu.

— Esse é o plano. Sua mãe, que telefona com freqüência, me disse que perdeu quase dois milhões.

Mac olhou para Darcy, que estava parada diante da janela.

— Às vezes ganhamos, outras vezes perdemos.

— Sem dúvida. E foi a garota com quem acabei de falar que o escalpelou?

— Foi.

— Uma Wallace. Boa maneiras, voz clara. Ela é bonita?

Sentando-se à mesa, Mac franziu a testa. Conhe­cia muito bem seu avô.

— A composição é perfeita. Os olhos são indes­critíveis. — Distraído, ele folheou o caderno sobre a mesa enquanto ouvia a gargalhada de Daniel.

— Então ela é linda. Fique de olho nela, certo?

Desviando a atenção de páginas e páginas ma­nuscritas, Mac fitou a postura de Darcy. O sol ilu­minava os cabelos sedosos. De braços cruzados, ela fitava a paisagem através da janela. Parecia tão delicada quanto uma linda flor perdida no deserto.

— Não — respondeu, convicto. — Não vou ficar.

— Por que não? Pretende permanecer solteiro a vida toda? Um homem de sua idade precisa de es­posa. Devia começar uma família.

Enquanto Daniel discursava a respeito de responsabilidade, dever e o nome da família, Mac leu uma das páginas. Descrevia uma mulher, sozinha no es­curo, observando as luzes da cidade pela janela. O sentido de solidão e tristeza era comovente.

Pensativo, fechou o caderno e estudou Darcy apreciando a cidade.

— Mas estou me divertindo, vovô — disse quando, enfim, Daniel fez uma pausa. — Trabalho do meu jeito com as garotas do show.

Daniel soltou outra gargalhada descontraída.

— Você é incorrigível. Sinto saudade, Robbie. - Seu avô era o único que ainda o chamava pelo apelido de infância.

—Também estou com saudade. De todos vocês, aliás.

— Bem, se abandonasse as garotas do show por al­guns dias, poderia vir visitar sua pobre e infeliz vovó.

Claro que Anna MacGregor não estava perto do marido. Mac podia imaginar a cena, caso ela escu­tasse Daniel chamando-a de "pobre" e "infeliz".

—  Diga-lhe que mando beijos.

—  Farei isso, embora ela prefira recebê-los pessoalmente. Ponha a garota de volta ao telefone.

—  Não.

—  Que falta de respeito — Daniel murmurou. — Eu deveria ter lhe dado uma boa surra quando criança.

—  Tarde demais. Comporte-se, vovô. Ligo para você em breve.

— Vou esperar.

Mac permaneceu onde estava depois de desligar o telefone.

— Perdoe o interrogatório do velho MacGregor.

—  Está tudo bem. — Ela continuava em frente à janela, sob os raios dourados do sol. — Ele me pareceu formidável.

— Aparentemente é duro mas tem um bom coração.

— Sei...

Ela não era bisbilhoteira, mas não pôde deixar de escutar parte da conversa de Mac. O tom amoroso e, ao mesmo tempo, irritado a incomodou. E certas palavras lhe haviam aumentado a confusão.

As garotas do show. Nada mais normal do que se sentir atraído por longas pernas, belos corpos, rostos exóticos. Devia estar curioso, supôs, desani­mada. A curiosidade justificava o beijo.

Ele despertara em Darcy a doce necessidade de sentir mais uma vez aquele turbulento sabor do pecado.

— Eu me distraí e não disse a verdadeira razãoque me trouxe aqui, — Mac esperou que ela se virasse. A postura fria e correta contradiziam a expressão con­turbada dos lindos olhos. — Está zangada.

—  Não, estou irritada, mas não zangada. Qual foi a razão... — Darcy interrompeu-se de repente para dar mais ênfase às palavras seguintes — que o trouxe aqui?

Aquele sarcasmo o surpreendeu. A súbita distân­cia o fez se levantar e colocar as mãos no bolso.

—  A imprensa. Sei quanto se preocupa com a possibilidade de seu nome sair no noticiário. Esta­mos sendo assediados por telefonemas constantes. Posso manter sua identidade em segredo, mas logo saberão de tudo, Darcy. Há centenas de empregados no hotel e várias pessoas já a conhecem. Mais cedo ou mais tarde, alguém informará aos repórteres.

— Estou certa de que tem razão. — Ela devia se sentir grata por Mac lhe oferecer mais preocupações? — Você pensa que sou uma covarde por não querer que Gerald saiba onde me encontro.

— Penso que isso é problema seu.

— Pois sou uma covarde — Darcy ergueu o queixo, desafiadora, contradizendo as próprias palavras. — Acho melhor concordar do que lutar, fugir a enfrentar. E é por isso que estou aqui, certo? Covardia combina comigo.

— Ele não pode feri-la, Darcy.

— Claro que pode. — Erguendo as mãos, ela sus­pirou, resignada. — As palavras ferem, machucam o coração e dilaceram a alma. Prefiro ser esbofeteada a ouvir certas frases. — Então ela sacudiu a cabeça. — Bem, que assim seja. Quanto tempo ainda tenho até que meu nome venha à baila?

— Um dia ou dois.

— Nesse caso, vou aproveitar o anonimato en­quanto posso. Agradeço sua preocupação. Você deve estar ocupado. Não quero incomodá-lo mais.

— Está me mandando embora?

— Ambos sabemos que você tem trabalho a fazer. __Darcy tentou sorrir. — Não preciso de babá.

Mac caminhou até a porta, mas parou com a mão na maçaneta.

— Quis beijá-la novamente. — O rosto de Darcy ficou pálido. — Um pouco ousado demais para seu próprio bem, e talvez para o meu.

— Estou cansada de pensar em meu próprio bem e disposta a jogar.

Algo nos olhos de Mac a fez estremecer.

— A aposta é muito alta. Um risco excessivo para uma novata, Darcy de Kansas. Regra número um: nunca faça uma aposta que não possa cobrir.

Depois que Mac se retirou e fechou a porta, ela se jogou no sofá.

—  Por que acha que não serei capaz de cobrir a aposta?

 

Durante o resto do dia, Darcy ficou no quarto, escrevendo furiosamente. O mecânico do hotel havia rebocado seu carro e feito os reparos necessários. Em um impulso, ela lhe perguntou quanto podia valer o veículo, caso pretendesse vendê-lo. Com exceção dos cadernos que trouxera, queria eliminar qualquer vestígio do passado em Trader's Corners.

Quando o mecânico lhe ofereceu mil dólares, ela acei­tou no ato e apressou-se em assinar toda a papelada.

Havia um pequeno computador portátil sobre a mesa quando retornou à suíte, com um bilhete di­zendo que o aparelho seria dela durante a estada no Comanche.

Empolgada, Darcy ligou o computador, examinou-o e experimentou-o. Depois de familiarizar-se com o aparelho, transcreveu suas notas na tela.

Trabalhou noite adentro até seus olhos começa­ram a turvar e os dedos a doer. De repente, sentiu fome. Era tentador pegar o telefone e pedir a refeição no quarto, somente para ficar escondida.

Porém, ergueu os ombros e agarrou a bolsa. Pre­cisava sair, decidiu, mais animada. Aproveitaria a oportunidade de fazer o que bem quisesse. E, depois do jantar, iria ao cassino.

 

Todas as mesas de jogo estavam abarrotadas de clientes, e a fumaça dos cigarros se misturava com aromas de perfumes variados. A princípio, ela ape­nas estudou o movimento do cassino. Refletiu acerca das vantagens, como dissera Mac. Precisava apren­der as regras do jogo.

Darcy gostava daquele mundo, de testar os limites e da emoção de correr riscos.

Aproximou-se de uma mesa de blackjack. Por algum tempo, observou um homem, com um charuto no canto da boca, perder cinco mil dólares sem pestanejar.

Impressionante.

Analisou a roleta e as inúmeras apostas que depen­diam da minúscula bola de prata que saltitava de acor­do com a velocidade da roda. Viu o movimento frenético de fichas e mais fichas. Pretas ou vermelhas, as mar­cações do feltro verde pareciam adquirir vida própria.

Fascinante.

Do outro lado do cassino, as máquinas de caça-níqueis não paravam de funcionar. Luzes piscavam e sirenes ecoavam pelo ambiente. Jackpot. Darcy ob­servou a técnica de uma senhora que apertava botões e conversava com o aparelho brilhante. Quando as moedas caíram na bandeja, ela gritou de satisfação.

- Cinqüenta dólares — disse a mulher, sorrindo para Darcy. — Já era hora de essa máquina me devolver alguma quantia.

— Parabéns. É pôquer, não é?

—  Isso mesmo. Estou jogando há mais de duas horas. Mas agora ganhei. — Ela deu um tapa ami­gável na máquina e apertou o botão vermelho. — Vamos lá, doçura.

Devia ser muito divertido, pensou Darcy. Simples, descomplicado e um excelente lugar para começar. Caminhou pelo corredor de caça-níqueis até encon­trar uma máquina desocupada. Após ler as instru­ções, inseriu vinte dólares e viu as luzes se acen­derem. Apertou o botão e sorriu quando as cartas foram distribuídas.

 

Em seu escritório, Mac a vigiava através da tela. Não podia acreditar. Darcy jogava com inexperiên­cia. Se queria ganhar, tinha de aumentar os créditos. Agora ela segurava dois reis em vez de arriscar o straight flush.

Era óbvio que ela jamais jogara pôquer em sua vida.

Bem, a alternativa seria impedir que Darcy perdesse mais de cem dólares, pensou, lamentando a ousadia.

Olhou para a porta quando ouviu alguém bater e sorriu ao ver sua mãe entrar no escritório.

—  Olá, bonitão.

—  Olá, beleza. — Mac a abraçou pela cintura e beijou-lhe o rosto. — Só esperava vê-la aqui amanhã ou depois.

— Terminamos mais cedo. — Ela o segurou pelo rosto e o fitou. — E eu queria ver meu menino.

—  Onde está papai?

— Logo estará aqui. Ele parou para conversar na, recepção e então o abandonei.

Mac riu e a beijou de novo. Ela era tão linda com aquela pele macia e olhos verdes. A expressão forte e de rara beleza fora a garantia de uma infância feliz e segura.

— Sente-se, mãe. Deixe-me servir-lhe um drinque.

— Eu adoraria uma taça de vinho. O dia foi longo e cansativo. — Suspirando, Serena sentou-se em uma das poltronas de couro. — Falei com Caine hoje de manhã. Ele já conseguiu a papelada da mulher que ganhou o prêmio acumulado. A imprensa tem feito muitos comentários a respeito da Madame X.

Rindo, Mac serviu o vinho favorito de sua mãe.

—  Não posso imaginar em um título mais ade­quado para ela.

— Verdade? Como ela é?

— Veja por si mesma. — Ele apontou para uma das telas. — É aquela mulher de blusa azul em frente à máquina de pôquer.

Serena aproximou-se e observou enquanto degus­tava o vinho. Franziu a testa quando Darcy segurou um par de oito e dispensou o que poderia ser a grande cartada.

— Não joga muito bem, não é?

— Tão verde quanto as uvas.

O coração de jogadora de Serena se apertou no instante em que Darcy puxou mais dois oitos.

— Mas tem sorte. E é bonita. É verdade que estava falida quando chegou aqui?

— Prestes a perder o último dólar.

— Que bom para ela. — Serena ergueu a taça diante da tela e brindou. — Estou querendo conhe­cê-la. Oh, alguém resolveu ajudá-la.

—  O quê?

Alerta, Mac fitou a tela e viu um homem se aproximando da máquina. O olhar predador era evidente quando ele colocou a mão sobre o ombro de Darcy.

— Cretino.

Mac se precipitou em direção à porta, antes que Serena pudesse impedi-lo.

— Mac?

— Tenho de descer.

—  Mas por que...

Serena decidiu que havia apenas um meio de des­cobrir, já que o filho desaparecera. Deixou o vinho de lado e correu atrás dele.

 

As pessoas eram tão gentis e amigáveis, pensou Darcy, enquanto sorria para o atraente homem que usava chapéu de vaqueiro. Ele se mostrou atencioso ao oferecer-lhe ajuda com a máquina. Seu nome era Jake e morava em Dallas, o que, segundo ele, os tornava praticamente vizinhos.

— Sou novata em matéria de jogos — Darcy confidenciou-lhe, admirando os brilhantes olhos verdes de Jake.

—  Pude perceber isso no primeiro instante, do­çura. Como lhe disse, você precisa aumentar o nú­mero de créditos, caso contrário não conseguirá uma quantia considerável quando ganhar.

—  Certo. — Darcy apertou o botão e estudou as cartas. — Tenho um par de três, portanto vou segurá-lo.

— Pode ser. — Jake agarrou-lhe a mão antes que ela fizesse qualquer movimento. — Mas, pense, está atrás da grande cartada, certo? O prêmio é acumu­lado. Você tem o ás, a rainha e o valete de copas. Um par de três não vai lhe servir para nada. Mesmo três cartas iguais apenas a manteriam no jogo.

— Devo me livrar dos três?

— Se quer jogar de verdade... — Ele aproximou-se muito do rosto dela. — Arrisque.

— Vamos ver.

Concentrada, ela dispensou as duas cartas iguais, Em seguida, conseguiu um ás e um cinco.

— Não é nada bom. — Lembrando-se do que o crupiê lhe dissera, Darcy se virou para Jake e sorriu. — Mas perdi corretamente.

— Esse é o espírito. — Ela era linda como uma flor delicada, pensou Jake, e muito fácil de conquis­tar. Interessado, aproximou-se ainda mais. — Por que não conversamos acerca das estratégias do pôquer tomando um drinque no bar?

— A dama não está disponível. — Mac abraçou Darcy pelos ombros de forma possessiva.

Tensa, ela virou o rosto.

— Mac... — sussurrou.

Ele estava com aquele olhar frio outra vez. Mas não era para Darcy. A frieza se direcionava exclusivamente a seu novo amigo.

— Esse é Jake. Ele está me ensinando a jogar pôquer na máquina.

— Entendo. A dama está comigo.

Após alguns segundos de reflexão, Jake decidiu não arriscar sua integridade física.

— Desculpe, colega. Não sabia que estava inva­dindo seu território. — Tirando o chapéu, ele olhou para Darcy. — Da próxima vez, fique atenta à gran­de cartada.

— Obrigada. — Ela estendeu a mão para se des­pedir. Mas ficou confusa quando Jake fitou Mac, antes de aceitar o cumprimento.

— Foi um prazer. — Depois de uma rápida troca de olhares com Mac, Jake se retirou.

— Eu estava fazendo tudo errado — Darcy co­meçou a se explicar.

— Não lhe disse para não vir ao cassino sozinha? — O fato de ele estar falando baixo não diminuía a fúria por trás das palavras.

— Que ridículo. — Darcy queria, na verdade, gri­tar, mas conteve-se. — Não espera que eu fique sentada em meu quarto a noite toda? Eu só...

— Dez minutos na máquina foram suficientes para ele flertar com você.

— Não era flerte. Ele estava me ajudando. O rude murmúrio de Mac deixou-a ofendida,

—  Não fale palavrões na minha frente.

— Não era com você. — Ele a segurou pelos braços, puxando-a. — O vaqueiro não pretendia pagar-lhe um drinque apenas para ser gentil. Estava prepa­rando o terreno. E, acredite-me, você é presa fácil.

Trêmula, Darcy sentia o sangue ferver nas veias de tanta raiva.

— Bem, se ele pretendia mesmo flertar comigo, isso é problema meu.

— O cassino me pertence. Logo o problema é meu. Irritada, ela tentou se desvencilhar em vão.

— Solte-me. Não preciso me submeter a isso. Se quisesse um homem possessivo a meu lado, teria ficado em Kansas.

— Você não está mais em Kansas.

— Nada mais óbvio e original, sr. Blade. Agora deixe-me ir. Há muitos outros lugares onde posso jogar e fazer amizades sem ser interrompida pelo gerente.

— Quer jogar? — Para espanto e prazer de Darcy, ele a prensou contra a máquina, fitando-a com olhos de puro desejo. — Quer fazer amizades?

— Mac? — Decidindo que já havia presenciado o suficiente, Serena aproximou-se e sorriu. — Não vai me apresentar à jovem?

Pego de surpresa, ele se virou. Tinha se esquecido completamente de sua mãe. Além do sorriso gentil havia uma expressão de comando nos olhos de Serena, Sentiu-se como se voltasse a ter doze anos outra vez.

— Claro. — Relutante, Mac largou os braços de Darcy. Sentiu o rosto corar de constrangimento. — Serena MacGregor Blade, Darcy Wallace. Darcy, essa é minha mãe.

— Oh, Deus. — Darcy não conseguia esconder a vergonha. — Sra. Blade, como vai?

— Estou feliz em conhecê-la. Acabei de chegar à cidade e perguntei de você a Mac. — Ainda sorrindo, Serena passou o braço ao redor dos ombros de Darcy. — Agora podemos conversar pessoalmente. Vamos tomar uma bebida. Mac — ela fitou o filho —, es­taremos no bar do hotel. Avise seu pai onde me encontro, certo?

— Claro — Mac murmurou. — Está certo. — Ele hesitou por alguns segundos, antes de se afastar de Darcy.

 

Em um canto sossegado do bar do hotel, sentada na macia poltrona de veludo, Darcy deslizava os dedos ao longo da taça de vinho. Havia tomado so­mente um gole para molhar a garganta, pois tinha medo de exagerar.

Mac estava certo apenas em uma questão, pensou. Ela não sabia se controlar quando se tratava de bebida.

— Sra. Blade, sinto muito mesmo.

—  Por quê? — Serena acomodou-se na poltrona e estudou a face da jovem a sua frente. A beleza delicada, quase etérea, tornava-a linda.  Grandes olhos inocentes, lábios de boneca e mãos nervosas.

Não era o tipo de mulher que seu filho olharia duas vezes.

—  Agora sei o que Mac quis dizer com asas de fada. Parabéns por sua sorte, Darcy.

— Obrigada. Ainda não parece real. — Ela olhou ao redor. — Aliás, nada disso me parece verdadeiro.

—  Tem planos para o novo futuro? Ou vai nos dar a chance de recuperar parte da quantia?

—  Oh, ele é como o senhor. Na verdade, ganho um pouco mais cada vez que jogo. — Darcy tentou ser educada, mas estragou tudo com uma risada nervosa. — Mas irei devolver alguma parte nas lojas e no salão de beleza.

— Uma mulher com meu coração — Serena brin­cou. — Temos lojas incríveis aqui.

— E as vendedoras ajoelham quando a vêem. — Justin começou a acariciar uma mecha dos cabelos de Serena.

O gesto simples fez Darcy se dar conta de que jamais vira seus pais se tocarem assim. Não havia intimidade entre eles, e tal constatação a entristeceu.

— Outra rodada, senhoras? — Justin acenou para a garçonete.

— Para mim, não. Obrigada. Preciso dormir. Pen­sei em procurar um carro novo amanhã.

—  Quer companhia?

Darcy pegou a bolsa e se levantou. Sorriu hesi­tante para Serena.

—  Sim, gostaria muito.

— Adoro compras. Ligue para meu quarto quando decidir sair. Mesmo que eu não esteja, alguém vai me encontrar.

— Está certo. Foi ótimo conhecê-los. Boa noite. Antes de fitar a esposa, Justin esperou que Darcy se afastasse.

—  Que idéias mirabolantes estão passando por sua cabeça, Serena?

—  Idéias de todos os tipos. — Ela virou o rosto e beijou os lábios do marido.

—  Tanto assim?

— Nosso primogênito quase esbofeteou um vaqueiro por estar flertando com nossa jovem do Kansas.

— Outra dose de vinho para mim e minha mulher, Carol — ele pediu à garçonete. — Deve estar exage­rando, Serena. Duncan é o único filho capaz de arrumar briga por causa de uma mulher. Mac jamais fez isso.

— Não estou exagerando. Senti aquele cheiro tí­pico de assassinato no ar, Blade — ela murmurou. — Acho que Mac foi seriamente fisgado.

— Fisgado? — A palavra o fez rir. Mas, de repente, parou, ansioso. — Defina "seriamente".

— Justin — Serena acariciou o rosto do marido —, ele tem quase trinta anos. Isso iria acontecer algum dia.

— Ela não faz o tipo de Mac.

— Exato. Ela não faz o tipo dele, mas ainda assim é perfeita para nosso filho. — Serena conteve as lá­grimas que começaram a surgir. — Na realidade, pre­tendo descobrir se ela é mesmo perfeita para Mac.

—  Serena, você está falando como seu pai.

— Não seja ridículo. — As lágrimas secaram dian­te da ofensa. — Não tenho intenção de manipular ou esquematizar estratégias. Vou apenas...   .

—  Interferir.

— Discretamente — ela completou. — Você está muito atraente hoje. — Serena tocou as mechas de cabelos grisalhos de Justin. — Por que não levamos o vinho até nosso quarto, chefe índio?

— Está tentando me distrair.

—  Claro que estou. — Ela sorriu, sedutora. — Funcionou?

Tomando-lhe a mão, Justin ajudou-a a se levantar.

—  Sempre funciona. — Beijou-lhe os dedos.

 

Como de hábito, Mac dormia das três da manhã até às nove, apesar de finalizar a jornada de trabalho durante a madrugada. Podia deixar a responsabili­dade do cassino com os seguranças. A rotina da manhã era dedicada às pilhas de documentos que o Comanche exigia: extratos de banco, contas, reuniões com a equi­pe, contratação e dispensa de funcionários.

Havia assumido a direção do Comanche em Las Vegas quando completara vinte e quatro anos. Por fora o ambiente era amigável, barulhento, movimentado e agitado. Mas, nos bastidores, organização e limites geravam lucros e dividendos.

Sagaz, ele podia identificar trapaças ao observar uma mesa de jogo por apenas cinco minutos. De­terminava até onde os jogadores poderiam ir ou quando parar. Dos empregados esperava honestida­de e confiança. Aqueles que cumpriam as expecta­tivas eram recompensados. Os que não o faziam eram despedidos.

Não havia segunda chance.

Seu pai construíra o Comanche com coragem e trabalho duro, tornando o estabelecimento a jóia rara do deserto. A responsabilidade de Mac era mantê-lo no topo, e ele levava muito a sério aquela tarefa.

—  A primeira metade do ano me parece ótima. — Justin acomodou-se na poltrona e tirou os óculos de leitura. Então devolveu a Mac o impresso do com­putador. — Cinco por cento a mais comparado ao ano passado.

—  Seis — Mac o corrigiu. — E um quarto.

— Você herdou a destreza de sua mãe para cálculos.

— Vivo de números, pai. A propósito, onde está mamãe? Pensei que ela viesse a esta reunião.

—  Saiu com Darcy.

Mac jogou a folha sobre a mesa.

—  Com Darcy?

— Foram às compras. É uma jovem muito agra­dável. — O rosto de Justin tornou-se pálido. — As­sim fica difícil lamentar os sete dígitos que vamos entregar a ela.

—  Tem razão. — Mac tamborilava os dedos na superfície da mesa. —A imprensa está pressionando para saber quem é ela. Tenho uma dúzia de fun­cionários atendendo ligações o dia todo.

— Nada disso atrapalhará os negócios.

— O hotel recebeu inúmeras reservas nos últimos dois dias. A vitória de Darcy já nos rendeu trinta por cento do orçamento.

—  Quando a história vier à tona, e aquele lindo rosto sair na televisão, os turistas irão correr para o Comanche.

— Vou colocar três homens extras no cassino. E pretendo promover Jonny Hawber para chefe de segurança.

—  Você conhece sua equipe. — Justin acendeu um charuto. — Teremos quase o mesmo efeito em outras localizações. — Quando Mac abriu o arquivo no computador, Justin soltou uma baforada do cha­ruto. — O que aconteceu àquela morena que adorava bacará e conhaque?

— Pamela. — Seu pai não perdia nada, Mac pen­sou. — Creio que ela está jogando bacará e tomando conhaque no Mirage hoje em dia.

— Que pena. Ela acrescentava certo brilho às mesas.

— Estava procurando um marido rico. Decidi romper a relação.

— Está saindo com alguém? — Justin sorriu dian­te da expressão desconfiada do filho. — Só quero me atualizar, Mac. Duncan troca tanto de parceiras que até perdi a conta.

—  Duncan é viciado em mulheres, pai. Prefiro uma de cada vez. É menos complicado. E não, não estou saindo com ninguém. Pode dizer ao vovô que o neto mais velho continua um solteiro invicto.

—  Creio que quatro lindos bisnetos vão satisfazê-lo por enquanto. — Justin riu.

—  Nada irá satisfazê-lo até que todos nós este­jamos casados e com uma penca de filhos. Ao menos ele poderia atormentar um de meus primos. Talvez em Washington.

—  Ele já está fazendo isso. Alan me disse que Daniel não vai largar de Ian até conseguir vê-lo casado. Mas seu primo morrerá solteiro a despeito do avô. —Justin gargalhou. — Ian sorri para Daniel, concorda com tudo e educadamente o ignora.

— Talvez eu sugira outro nome em nossa próxima conversa e distraia Daniel por mais algum tempo. Para me preservar, claro.

A porta se abriu de repente.

— Falando no vovô... — Mac se levantou. MacGregor parou à soleira da porta e sorriu. Os cabelos brancos emolduravam um rosto arredonda­do, e os olhos azuis brilhavam, transmitindo a ale­gria de Daniel. Os ombros largos o tornavam ainda mais acolhedor. Ele bateu a imensa mão nas costas de Justin, cumprimentando o genro.

— Passe-me um desses charutos — Daniel pediu e abraçou Mac com extremo afeto. — Sirva-me uma dose de uísque, garoto. Atravessar o país naquele avião me deixou sedento.

— Já tomou uísque durante o vôo. — Caine Mac­Gregor entrou na sala. — E flertou com a aeromoça quando eu não estava olhando. Se mamãe descobrir, vai me matar.

— O que os olhos não vêem o coração não sente. — Daniel jogou-se na poltrona de couro e fitou o escritório com grande prazer. — Bem, e quanto ao charuto?

Conhecendo as regras e a personalidade de Anna MacGregor, Justin voltou-se para o cunhado.

— Anna o deixou sob sua responsabilidade?

— Ah! — Daniel ergueu a bengala que utilizava mais para se exibir do que por necessidade.

— Ele não conseguia ficar quieto em casa. Mamãe mandou lembranças a todos. É bom vê-los. — Caine abraçou Justin e Mac. — Onde está Serena?

— Fazendo compras — Justin respondeu. — Logo estará de volta.

— Quer, por favor, me dar aquele charuto — Da­niel esbravejou e levantou de novo a bengala. — E onde está a jovem que lhe tirou quase dois milhões?

Mac se virou para fitar o avô. Formidável, Darcy teria dito. No mínimo, ela iria descobrir por si só quão formidável seria conhecer Daniel.

 

Cansada e com sede, Darcy entrou na suíte, car­regando sacolas e caixas. Serena, também na mesma condição, vinha logo atrás.

— Oh, foi tão divertido. — Suspirando, Serena jogou os pacotes no chão e se sentou no sofá. — Meus pés estão me matando. Mas é sinal de boas compras.

—  Nem sequer me lembro do que comprei. Vi tantas coisas bonitas.

— Sou uma péssima influência.

—  Você foi maravilhosa. — Havia sido um dos dias mais magníficos da vida de Darcy. De loja em loja, ela provou modelos e desfilou para os olhos argutos de Serena. — Sabe tudo acerca de roupas.

— Tenho uma vida inteira de experiência. Darcy, suba e vista aquele vestido amarelo. Estou louca para vê-la outra vez com ele. Calce as sandálias brancas também. — Serena se levantou e conduziu-a à escada. — Faça isso por mim, querida. Vou pedir um refresco gelado para nós duas.

— Está bem. — Após subir alguns degraus, Dar­cy se virou. — Foi um passeio encantador, Serena. Mas não sei se quero aquele carro esporte. E tão... desconfortável.

—  Pensaremos nisso depois. — Resmungando consigo mesma, Serena pediu limonada ao serviço de quarto.

A jovem estava sedenta por atenção, pensou, penalizada. Quando Darcy falava de sua infância era muito fácil perceber-lhe toda a carência afetiva. Se­rena duvidava de que alguém, algum dia, a tivesse levado para fazer compras, ou se divertir em uma loja de lingeries, ou dizer quão linda ficava naquele vestido amarelo.

Ainda se lembrava da expressão de espanto no rosto de Darcy quando, após um debate acerca de que brin­cos escolher, Serena riu e a abraçou. E o olhar pen­sativo diante do carro esporte azul, antes de notar o sóbrio seda que ela achou mais conveniente.

Pelo pouco que Serena pôde avaliar, Darcy tivera raros momentos de alegria durante a vida.

Determinada, resolveu que isso iria mudar.

Quando o telefone tocou, Darcy gritou do quarto:

— Por favor, atenda. Estou...

— Pode deixar. — Serena pegou o aparelho. —Suíte da srta. Wallace, — Ela sorriu ao escutar a voz do outro lado da linha. — Sim, acabamos de chegar. Sua mente trabalhou rápido, imaginando o orgu­lho que Daniel sentiria ao ver a nova milionária.

— Por que não resolvemos tudo aqui? Estou certa de que ela se sentirá mais confortável. Sim, agora está ótimo. Até logo.

Novamente resmungando, Serena se aproximou da escada.

— Precisa de ajuda?

— Não, obrigada. Há tantas caixas. Acabei de encontrar o vestido.

— Leve o tempo que quiser. Era Justin no tele­fone. Importa-se de fazermos uma pequena reunião de negócios aqui?

— De forma alguma. Fique à vontade.

— Ótimo. Vou pedir uns drinques. — Champanhe, ela decidiu.

 

Enquanto descia a escada, dez minutos mais tar­de, Darcy escutou passos depois que as portas do elevador se abriram. Parou onde estava, assustada com a mistura de vozes masculinas e a súbita onda de energia que adentrou o quarto.

Então viu Mac.

Atenta, Serena observou o brilho revelador nos olhos do filho quando ele fitou Darcy. Agora suas suspeitas haviam se confirmado.

— Minha garota. — Daniel envolveu a filha entre os braços fortes. — Você telefona pouco para sua mãe. Ela está triste.

— Tenho passado boa parte do tempo atormen­tando minhas crianças. — Serena beijou o rosto do pai e virou-se para abraçar o irmão. — Como vai, querido? E Diana? Os garotos?

— Todos vão ótimos. Diana está no meio de uma causa importante por isso não pôde vir. Sente sau­dade de você.

— Ora, vejam só. — Daniel fitou a mulher parada na escada. — Você é muito pequena, garota. Desça para que possamos vê-la melhor.

— Ele não morde. — Mac subiu alguns degraus e estendeu a mão para Darcy.

As pernas bambeavam, e os dedos estavam agar­rados ao corrimão para sustentá-las. Portanto Darcy fingiu ignorar a gentileza de Mac. Mas, mesmo as­sim, ele tomou-lhe a mão com firmeza.

— Darcy Wallace, MacGregor.

Ela sentia tanto medo que não conseguia falar. Daniel parecia tão grande e tão orgulhoso de si com aqueles cabelos brancos e olhos azuis.

— Prazer em conhecê-lo, sr. MacGregor.

Por algum momento, Daniel encarou-a apenas. Em seguida, seus lábios de abriram em um sorriso amistoso.

— Tão brilhante quanto o raio de sol. — Ele tocou a face de Darcy com a mão enorme. — E pequena como um elfo.

— O senhor é muito grande — brincou Darcy. — Se William da Escócia tivesse enfrentado homens como o senhor, ele não ganharia a batalha.

Daniel soltou uma gargalhada.

—  Que garota! Venha sentar-se comigo.

— Poderá interrogá-la mais tarde, pai. Sou Caine MacGregor.

Emocionada, Darcy fitou o homem alto de cabelos grisalhos e olhos também azuis.

—  Sim. Prazer em conhecê-lo. Estou tão nervosa. — Quantas figuras legendárias ela poderia conhecer em um só dia? — Li muito a respeito do senhor na escola. Todos imaginavam que chegaria à presidência.

— Deixei a política para Alan. Sou somente um advogado. Seu advogado, aliás — ele acrescentou, con­duzindo-a à mesa. — Primeiro, chame-me de Caine. Quer privacidade enquanto tratamos de negócios?

— Oh, não, por favor. — Darcy olhou ao redor e deteve-se em Mac. — Todos aqui fazem parte disso.

— Como quiser. — Caine abriu sua maleta. — Tenho sua certidão de nascimento, seguro social e uma cópia do boletim da polícia, relatando o roubo de sua bolsa. Talvez nunca mais consiga recuperá-la.

— Não há problema. — Darcy fitou os papéis que ele lhe entregava. — Você trabalhou rápido.

— Tenho boas relações. — Caine sorriu. — Tirei cópias das duas últimas declarações do imposto de renda. Há alguns formulários que precisa preencher e assinar. Vários, aliás.

— Está bem. — Ela tentou não se mostrar confusa.

— Por onde começo?

— Vou explicar tudo conforme formos conversan­do. — Caine voltou-se para os olhares curiosos da família. — Não têm nada melhor a fazer?

— Não. — Daniel acomodou-se em uma cadeira.

— Um homem pode tomar uma bebida enquanto essa transação acontece?

— Já pedi. — Para distraí-lo, Serena começou a lhe contar as últimas peripécias dos netos.

Ouvindo atentamente, Darcy preencheu cada um dos formulários. Hesitou quanto ao endereço, mas resolveu colocar o nome do hotel. Como Caine não a corrigisse, relaxou e prosseguiu com a burocracia.

— Sua identidade está em ordem — Caine infor­mou-lhe. — Pode tirar a segunda via da carteira de motorista, solicitar cartões de crédito e tudo mais. Você não indicou um banco.

— Um banco?

— A transferência de fundos é feita automaticamente de conta para conta. O cheque que Mac vai lhe apre­sentar é apenas fachada. Trata-se de uma estratégia publicitária para o Comanche. A quantia que recebeu sairá da conta bancária do cassino para a sua. Quer que enviemos o dinheiro ao banco de Kansas?

— Não — ela respondeu veemente e ficou calada.

— Onde quer que o dinheiro seja depositado, Darcy? — Caine perguntou, paciente.

—  Não sei. Talvez possa ficar em algum banco aqui em Las Vegas.

— Não tem problema. Está ciente de que a Receita Federal vai pegar uma parte, não?

Darcy assentiu, assinando seu nome no último formulário. Pelo canto dos olhos, viu Mac abrir a porta para o serviço de quarto.

Ele vestia terno preto e camisa branca. O tecido parecia macio e leve. Darcy imaginou poder sentir a textura da roupa, acariciando o corpo viril.

— Vai precisar de um consultor financeiro.

—  O quê? — Corando por não prestar atenção, ela encarou Caine. — Desculpe.

— Amanhã de manha, irá receber uma grande quan­tia em dinheiro. Precisa de um consultor financeiro.

— Você não pode cuidar disso?

— Posso lhe dar as coordenadas iniciais. Depois vai necessitar de um especialista. Escreverei alguns nomes confiáveis.

—  Obrigada,

— Bem, abriremos uma conta para você, e o di­nheiro será transferido.

— Acabou?

— Acabou.

— Oh, Deus. — Darcy pressionou a mão sobre o ventre. Mais uma vez procurou Mac, esperando que lhe dissesse o que fazer ou como agir. Mas ele so­mente a fitava com uma expressão enigmática.

Impaciente diante da atitude passiva do filho, Se­rena se levantou.

— Temos de comemorar. Mac querido, abra o champanhe. Darcy, você recebe a primeira taça.

— Vocês são tão gentis comigo que... — Ela pulou ao escutar o barulho da rolha.

— Nunca perdi mais de um milhão para alguém tão educado. — Justin pegou a taça e entregou-a a Darcy. — Aproveite. — Então beijou-lhe o rosto.

Comovida com a manifestação de carinho, ela sen­tiu as faces corarem.

— Obrigada.

— Parabéns. — Caine tomou-lhe a mão, em um gesto caloroso.

Todos ergueram as taças e começaram a conver­sar. Darcy foi abraçada e beijada por cada um, exceto por Mac. Ele apenas passou o dedo sobre a face rosada e sorriu.

Houve risadas e discussões a respeito de onde a família iria jantar. E Darcy notou, chocada, que es­tava incluída no evento.

Distraída, Serena passou o braço ao redor dos om­bros de Darcy enquanto dizia a Caine que era inad­missível pedir pizza para uma ocasião como aquela.

Uma avalanche de emoções invadia o coração de Dar­cy, causando-lhe lágrimas nos olhos. Sentiu a respira­ção sôfrega e não conteve a súbita vontade de chorar.

— Com licença. — Subiu a escada, correndo, antes que caísse em prantos.

Horrorizada, notou que todos pararam de falar, antes de trancar-se na sala de banho. Abriu a tor­neira da pia para que ninguém a ouvisse chorar.

Sentou-se no chão, encolheu-se como um bebê e começou a soluçar.

 

A suíte encontrava-se silenciosa quando Darcy abriu a porta da sala de banho. Não sabia se deveria se sentir aliviada ou mortifi­cada por todos terem ido embora.

Precisaria pedir desculpas e explicar-se, pensou, lamentando a situação. Mas, por enquanto, apro­veitaria a solidão para organizar os sentimentos.

Fitou o quarto repleto de sacolas e caixas. Arru­mar aquela bagunça seria uma maneira de começar a ordenar uma parte de sua vida.

Estava desempacotando uma blusa quando ouviu passos na escada. Depois de ajeitá-la no cabide, viu Mac aproximar-se.

— Você está bem?

— Estou. Achei que todos haviam saído.

— Eu fiquei — ele disse, displicente, e fitou a blusa no cabide. — Que cor bonita.

— É verdade. Sua mãe a escolheu. — Sentindo-se tola, Darcy pendurou o cabide no armário. — Fui tão grosseira ao me retirar daquele jeito. Vou me desculpar com todos.

— Não há necessidade.

— Claro que há. — Passou vários segundos ajei­tando as mangas da blusa como se fosse de fundamental importância. — Senti centenas de emoções ao mesmo tempo. — Ela pegou um par de sapatos para guardar na sapateira.

— É compreensível, Darcy. Trata-se de muito di­nheiro. Vai mudar sua vida.

— O dinheiro? — Distraída, ela contorceu as mãos. — Sim, suponho que o dinheiro tenha a ver com isso.

—  O que mais?

Darcy pegou uma caixa, mas logo colocou-a de volta na cama e fitou a janela. Sentia-se estranha naquele mundo que apenas começara a conhecer.

— Sua família é... maravilhosa. Você não tem idéia do que possui. Mas como poderia? Sempre es­tiveram a seu lado, nunca viveu sem eles.

Luzes coloridas piscavam nos luminosos dos cas­sinos, atraindo os turistas.

Ganhar não era tão ruim, afinal. Mas havia um preço muito alto a pagar pela vitória.

— Sou uma observadora, Mac. E o faço muito bem. Por isso quero escrever. Tenho necessidade de relatar tudo que vejo, sinto ou experimento. — Darcy cruzou os braços e se virou para ele. — Observei sua família.

Ela parecia tão adorável, concluiu Mac. E tão perdida.

— E o que viu?

— Seu pai acariciando os cabelos de Serena ontem à noite no bar do hotel. — Darcy notou a confusão nos olhos de Mac e sorriu. — Você está tão habituado a manifestações de afeto que nem repara quando acontecem. Por que o faria? — murmurou, sentindo inveja. — Justin a abraçou, e ela recostou a cabeça nos ombros dele... porque sabia que ele a acolheria.

De olhos fechados, Darcy tocou o peito, relem­brando a cena.

— Enquanto ele conversava comigo, afagava as mechas dos cabelos de Serena. Os nos sedosos se confundiam com os dedos. Foi adorável. Os olhos de sua mãe brilhavam. Pergunto-me se alguém já se deu conta da suavidade do gesto.

Abrindo os olhos, ela sorriu.

Ouvindo-a descrever as sutilezas da cena, Mac pôde visualizá-la por si só. Darcy tinha razão. Era algo natural e rotineiro na família, logo, nunca notara.

— Nunca vi meus pais se tocarem dessa maneira. Eles se amavam, sei disso, mas jamais demonstra­ram afeto de forma tão natural. Talvez fossem ape­nas retraídas.

Mac aproximou-se dela.

— Oh, não estou sendo coerente — ela sussurrou.

— Está, sim.

— É mais que isso. Todos aqui agiam com extrema naturalidade. Você também não deve ter notado. O modo como seu avô abraçou sua mãe. Um abraço forte e seguro. Por um instante, Serena tornou-se o centro do mundo de seu pai e vice-versa. Quando ela se sentou no braço da poltrona para conversar com Daniel, ele, por sua vez, pousou a mão sobre a perna da filha. Foi lindo. A discussão entre Serena e Caine acerca do lugar onde jantar e como riram juntos. Cada toque e olhar representava a união de pessoas que se amam.

— Eles realmente se amam. — Mac pôde perceber que havia lágrimas nos olhos de Darcy e tocou-lhe os cabelos. — O que foi?

— Foram tão amorosos comigo. Estou tirando di­nheiro deles, muito dinheiro, mas todos beberam champanhe em minha homenagem. Sua mãe colocou o braço ao redor de meus ombros. — Darcy lutou contra as lágrimas. — Parece ridículo, eu sei. Con­tudo, se eu não tivesse fugido, seria capaz de me atirar nos braços de Serena e chorar. Ela pensaria que sou louca.

Solitária? Mac já havia notado quão solitária era?

— Ela entenderia que você só queria um abraço. — Mac passou os braços em torno dela, sentindo-a tremer. — Vamos, chore quanto quiser. Está tudo bem.

Estreitando o contato, ele roçou o rosto nos cabelos macios. Podia sentir a hesitação, a batalha de emoções que ainda a mantinha rígida. De súbito, Darcy relaxou e o abraçou. Respirou fundo e soltou bem devagar.

— Abraços e beijos são comuns em minha família. Você não chocaria nenhum de nós, Darcy.

Era tão bom repousar a cabeça naquele tórax for­te, ouvir as batidas do coração e sentir o aroma do perfume masculino. Darcy fechou os olhos outra vez, permitindo-se absorver o conforto das suaves carí­cias em suas costas.

—  É tudo tão novo para mim. Todos eles. Espe­cialmente você.

A voz soava rouca e baixa. A fragrância dos cabelos sedosos inebriavam os sentidos de Mac. Lembrou-se de que aquele corpo moldado ao dele significava afeto, e não prazer. Amizade, mas nunca paixão.

Então ela ergueu o rosto como se pressentisse as necessidades emergentes.

— Sente-se melhor? — Começou a se afastar, mas Darcy segurou-o. Mac beijou-lhe a testa. Ficaram abraçados  somente  porque ela precisava e nada mais, argumentou em pensamento.

O vestido tinha pequenos botões ao longo das cos­tas. Com os dedos, Mac percorreu cada um deles. Darcy soltou um longo suspiro de prazer.

Os lábios sedentos de Mac deslizaram sobre a face rosada e a beijaram.

Por instantes, ele se esqueceu de ser gentil. Darcy colou-se a Mac, tal qual um dourado e quente raio de sol. O beijo exigia rendição, e ela se submeteu ao ato, derretendo-se nos braços de Mac, como se hou­vesse esperado a vida toda para se entregar àquele homem. A força e o poder daqueles braços apertando-a possessivamente eram arrebatadores. Mesmo sabendo quão frágil estava, rendeu-se, glorificada, às carícias. Tratava-se de necessidade, refletiu. Um desejo sel­vagem que energizava-lhe o corpo. A pulsação au­mentava, e o calor a consumia.

Entorpecida, ela mergulhou em Mac. Em um gesto brusco, ele agarrou os quadris arredondados, pressionando-os contra seu próprio cor­po. Mac absorvia os lábios ansiosos, impedindo novos gemidos e murmúrios. Podia imaginar-se ardendo de desejo, possuindo-a até que as ondas de prazer se acalmassem.

No momento em que suas mãos começaram a desabotoar o vestido com certa violência, Mac se de­teve. Fitou aqueles grandes olhos dourados ainda inundados de lágrimas.

Recuou de forma tão abrupta que assustou Darcy. Ela levou a mão ao peito como se pudesse" assim acalmar as batidas frenéticas do coração.

— Você confia em qualquer um. — As palavras a atingiram tal qual um punhal. — E um milagre que tenha sobrevivido até hoje.

"Oh, meu Deus". Foi tudo em que ela pôde pensar. Seu sangue deveria ferver daquele jeito? A pele pa­recia arder em chamas. Darcy roçou os lábios com os dedos, sentindo-os ainda úmidos.

— Sei que não vai me ferir.

Mac chegara perto, muito perto de arrancar-lhe as roupas e possuí-la sem o menor cuidado ou gen­tileza. Ela se encontrava ali, fitando-o nos olhos de maneira confiante e sensual.

— Como não? — esbravejou. — Você não me co­nhece. Tampouco sabe jogar. Siga meu conselho, Darcy, não aposte contra a casa. A casa sempre ga­nha no final. Sempre.

Ela mal podia respirar.

— Mas eu ganhei.

— Continue aqui — ele a desafiou. — Vou pegar tudo de volta. E mais. Mais do que você quer perder. Portanto seja esperta.

Tomando-a de assalto, Mac agarrou-lhe a nuca. Queria vê-la apavorada. Assim talvez conseguisse controlar o enorme desejo.

Ela fitou-o sem pestanejar.

— Fuja. Pegue o dinheiro e fuja para bem longe. Compre uma casa com um jardim e plante árvores. Porque este mundo não é seu.

Atônita, Darcy quase vacilou. Mas, se cedesse à pressão, estaria provando que ele tinha razão.

—  Gosto daqui.

Malicioso, e um tanto cruel, ele sorriu.

—  Querida, nem sequer sabe onde está.

— Estou com você. — E era exatamente isso que ela queria, descobriu, emocionada.

— Acha que pode jogar comigo? — Mac segurou-a pelos ombros. — Pequena Darcy de Kansas? Cresça antes de se atrever a jogar.

— Você não me assusta, Mac.

— Não? — Ficou furioso. — Você nem tem cora­gem de arriscar aparecer em público, temendo queaquele idiota a encontre. Achou melhor fugir na ca­lada da noite como um ladrão a enfrentar o proble­ma. Acredita mesmo que pode jogar com profissio­nais? — Rindo, ele a soltou. — De jeito nenhum.

As agressivas palavras a envergonharam. Sentiu-se estremecer, mas controlou-se.

— Tem razão.

No topo da escada, Mac se virou. Darcy permanecia próxima à janela, de braços cruzados e olhos que con­trastavam a paixão com uma aparência defensiva.

Desesperado, ele queria voltar e tomá-la nos bra­ços para nunca mais soltá-la. Não só porque Darcy precisava, deu-se conta de repente em pânico, mas por ele próprio.

—  Está absolutamente certo — ela explodiu. — De que maneira podemos fazer isso?

Apoiando-se no corrimão, Mac visualizou imagens de puro êxtase sexual.

—  Como disse?

— Como fazemos para informar a imprensa? Você apenas fornece meu nome ou precisamos marcar uma entrevista coletiva?

A combinação de vergonha e raiva que ela sentia era letal. Esfregou o rosto, buscando controle.

—  Darcy, não há motivos para se apressar.

— Por que esperar mais? Disse que mais cedo ou mais tarde tudo viria à tona. Prefiro acelerar o pro­cesso. Se eu continuar a me esconder, nunca irá me respeitar.

—  Nada disso se refere a mim. Pare de pensar nos outros e preocupe-se consigo própria.

— Pois é isso que estou fazendo. Estou pensando em mim. — Por mais estranho que parecesse, ela começou a se sentir calma. — Não se trata de manobras ou pressões. Posso não ser uma jogadora pro­fissional, Mac, mas já me sinto pronta para apostar. Antes que pudesse mudar de idéia, Darcy preci­pitou-se até o telefone.

— Você liga ou quer que eu o faça? Esperando vê-la desistir, ele a fitou por alguns segundos. Mas a postura decidida permanecia. Quie­to, Mac pegou o telefone e apertou os botões.

— Aqui é Blade. Quero que marque uma reunião com a imprensa. Usaremos a sala de conferências. Em uma hora.

 

— Eu a forcei. — Na sala contígua ao auditório, Mac colocou as mãos no bolso enquanto observava Caine instruir Darcy.

—  Você lhe deu tempo para respirar — Serena o corrigiu. — Se não tivesse interferido, ela seria engolida pela mídia, sem a oportunidade de se pre­parar. — Afetuosa, tocou o braço do filho. — E sem o apoio de um dos melhores advogados do país.

— Ela não está pronta, mamãe.

— Acho que a subestima.

—  Você não a viu uma hora atrás.

—  Não. — Imaginando o que se passara entre Darcy e Mac, ela começou a rezar, esperançosa. — Mas a estou vendo agora. Diria que está pronta.

Serena apertou a mão do filho e observou a mulher que escutava as palavras de Caine. Darcy usava um casaco de linho branco sobre o vestido amarelo. Um toque de requinte, concluiu, satisfeita.

Ela estava pálida, mas conseguia se conter.

—  Darcy vai se surpreender — murmurou. "E você também", acrescentou em pensamento. — Cai­ne estará ao lado dela e nós lhe daremos suporte.

Justin entrou na sala.

— Tudo certo. Os repórteres estão agitados. Quer que eu faça o pronunciamento? — perguntou a Mac.

— Não, pai. Eu mesmo o farei.

Mac observou então o modo como Serena tocava o ombro do marido e como os corpos se roçavam. Formavam uma unidade. Eram movimentos tão na­turais e constantes que ele nunca os notara. Até conhecer Darcy.

— Ainda não os agradeci. — Mac segurou a mão de ambos. — Não o suficiente.

Intrigado, Justin observou-o aproximar-se de Darcy.

—  Por que ele disse isso?

— Não sei — Serena sorriu. — Mas gostei. Vamos distrair MacGregor. Assim Darcy poderá enfrentar a imprensa com tranqüilidade.

Darcy estava atemorizada. Tudo que Caine lhe dissera parecia dançar em seu cérebro. O orgulho a manteve no lugar enquanto se imaginava fugindo como um coelho assustado.

O coração bateu descompassado quando Mac veio em sua direção.

— Pronta?

Era hora de parar de fugir.

—  Sim.

—  Vou dar uma breve explicação. Depois você vem e responde algumas perguntas. E só isso.

Não faria a menor diferença caso ela tivesse de sapatear diante do público. Mas assentiu de qual­quer forma.

—  Seu tio me explicou como funciona.

— A menina não é idiota — Daniel interveio. — Ela sabe falar por si. Certo, garota?

Os brilhantes olhos azuis emanavam confiança.

- Vamos descobrir. — Endireitando os ombros,

Darcy espiou o auditório pela fresta da porta.

— Quantas pessoas! — Sentiu-se tonta diante de tantos rostos. — Bem, um ou cem é a mesma coisa.

—  Não responda nada, se não se sentir à von­tade — Mac disse rapidamente e entrou na sala de conferências.

O barulho diminuiu quando ele subiu os degraus da extensa plataforma.

Havia confiança e classe na maneira com que ele se movia e ajeitava o microfone. A voz soou clara, e o sorriso era adorável. Quando todos começaram a rir, Darcy se espantou.

Não escutara o que fora dito, apenas o tom. Entendia que Mac tentava manter o clima amigável e casual.

Uma atitude muita espontânea da parte dele, Darcy concluiu. Encarar desconhecidos, manter os pés no chão, ser controlado. Os rostos que o fitavam não o deixavam nervoso; as questões tampouco o assustavam.

— Tudo bem? — Caine tocou o ombro de Darcy.

— Tudo bem — respondeu, suspirando.

Toda a atenção se voltou para ela quando aden­trou o auditório. Câmaras disparavam enquanto fo­tógrafos tentavam pegar o melhor ângulo. Os holo­fotes da televisão ofuscavam-lhe a vista. Uma ba­telada de perguntas ecoou pelo ambiente tão logo Darcy se posicionou diante do microfone. Recuou quando Mac ajustou-o para ela.

—  Eu... — Sua voz ecoou nas caixas acústicas, fazendo-a rir. — Sou Darcy Wallace. Eu... — Limpou a garganta para conseguir tempo de pensar em algo coerente. — Ganhei o jackpot.

Houve risadas e aplausos. Em seguida, as per­guntas começaram em uma velocidade incrível.

— De onde veio?

—  Como se sente?

—  O que está fazendo em Las Vegas?

—  O que aconteceu quando... Por quê? Onde? Como?

—  Desculpe. — Sua voz falhou. Mas quando Mac fez menção de se aproximar, ela o impediu. Precisava continuar, havia prometido a si mesma. E iria até o fim sem bancar a tola. — Desculpe — repetiu. — Nunca falei com jornalistas antes. Logo não sei como agir. Talvez seja melhor eu lhes contar o que aconteceu.

Contar uma história facilitava e diminuía a ten­são. Enquanto falava, a voz de Darcy tornou-se fluí­da e os dedos que apertavam o microfone começaram a relaxar.

—  Qual foi o primeiro pensamento que lhe veio à mente quando ganhou?

— Antes ou depois de desmaiar? — Algumas pessoas riram. — O sr. Blade me ofereceu um quarto... quero dizer, uma suíte. Hã lindos cômodos aqui, tal qual nos filmes e livros. Possuem piano, lareira e belas flores. Só comecei a me sentir rica no dia seguinte. Então a primeira atitude que tomei foi comprar um vestido.

—  A garota tem um jeito muito especial de ser — comentou Daniel.

— Conseguiu conquistá-los. — Serena estava or­gulhosa. — Ela não tem idéia de quão charmosa é.

— Nosso garoto está cuidando dela. — Daniel sor­riu ao ver expressão admirada da filha. — Veja como Mac a protege, está atento a qualquer um que ouse se aproximar de Darcy. Foi fisgado.

Porém Serena não iria lhe dar a satisfação de concordar. Não ainda.

— Eles só se conhecem há poucos dias.

Daniel chegou mais perto e sussurrou:

__Quanto tempo levou para se apaixonar por ele? - E indicou Justin.

—  Menos tempo do que precisei para descobrir que você nos estava manipulando.

— Estão casados há trinta anos. Não, querida, não me agradeça. — Daniel acariciou o rosto da filha. — Chega um dia em que um homem precisa constituir família. Terão lindos filhos, não acha, Serena?

— Ao menos, tente ser sutil, papai.

— Sutileza é meu nome — Daniel argumentou.

 

—  Bom trabalho — Caine cumprimentou Darcy no instante em que a porta se fechou.

—  Foi difícil, mas creio que consegui. — Darcy se sentia aliviada. — Agora tudo acabou.

—  Está apenas começando — Caine corrigiu-a e lamentou vê-la assustada. — Mac os manterá ocu­pados por enquanto — disse, vendo o sobrinho con­versar com a imprensa.

— Mas eu lhes disse tudo.

— Sempre querem mais. Haverá muitos telefo­nemas para entrevistas e fotos. Ofertas tentadoras com relação à história de sua vida.

— Minha história — Darcy riu. — Eu mal tinha uma história dias atrás.

— O contraste irá somente acrescentar interesse. Os tablóides vão explorar sua vida. Portanto esteja preparada para delírios do tipo: alienígenas a trou­xeram a Las Vegas.

Quando Darcy riu, Caine guiou-a em direção ao elevador de serviço. Ele não pretendia assustá-la ou es­tragar a sensação de sucesso, mas precisava preveni-la. — As pessoas vão lhe oferecer grandes investimentos e oportunidades inovadoras. Consultores financeiros, legítimos ou não, irão bater a sua porta. O cunhado da prima da criança que sentava atrás de você na escola primária tentará persuadi-la a investir.

— Deve ser Patty Anderson — brincou Darcy. - Nunca gostei dela.

— Muito bem. Para facilitar, não atenda o telefone durante alguns dias. Melhor ainda. Podemos pedir a Mac que impeça a telefonista de transferir as ligações.

—  É o mesmo que fugir outra vez, não?

— Não. Está se protegendo, Darcy. Se quiser en­trevistas, poderá marcá-las. Quando descobrir como investir o dinheiro, contrate um consultor. O que quer que queira fazer, faça-o com calma, ponderadamente.

— Agora é comigo — Darcy deduziu quando che­garam à porta da suíte.

— Exato. Se tiver alguma pergunta, pode me te­lefonar. Estarei aqui até amanhã. Depois, me en­contrará em Boston.

— Não sei como lhe agradecer.

—  Aproveite a vida. E não se esqueça de quão divertido foi comprar um vestido novo.

— Parece tão simples — ela murmurou.

—  Seja você mesma, garota. — Caine beijou-lhe o rosto. — Nos veremos mais tarde.

Sozinha, Darcy entrou na suíte. Era uma mulher rica que tivera quinze minutos de fama. O sinal de mensagem no telefone piscava, e o aparelho começou a tocar. Seguindo o conselho de Caine, ignorou-o até que parasse e então retirou o fone do gancho.

O primeiro problema estava resolvido.

Mas algo mais complexo a perturbava.

Estava apaixonada e sabia não existir meios de combater ou negar o sentimento. Jamais duvidara de seu coração. A bem da verdade, confiava nele.

Com freqüência, sonhara com a emoção de estarapaixonada. Sempre imaginara quem seria aquele que a faria estremecer de paixão. Como ficariam juntos... Em seus devaneios, ele a amaria com a mesma intensidade.

Mas não se tratava de sonho ou imaginação. Amar Mac era a mais pura realidade, com direito a necessidades físicas. Parecia vital que ela fosse capaz de controlar a emoção.

Darcy o queria; desejava tocá-lo, sentir seus beijos frenéticos. Queria conhecer a sensação de perder-se naquele amor.

Não obstante, necessitava provocá-lo para saber se era bem-vinda. Até mesmo esperada. Queria tro­car olhares cúmplices, viver a verdadeira intimida­de, dar e receber amor.

Não era uma questão simples.

Entretanto, algo em Darcy o atraía e isso era um grande milagre. Se ele a quisesse, talvez houvesse uma chance. Não devia ser mais difícil que ganhar quase dois milhões de dólares, supôs.

Animada, acomodou-se no sofá e deitou a cabeça sobre a almofada macia.

Sonhou com as lindas mulheres do show, dúzias de pernas esguias e seios avantajados sob roupas coloridas e brilhantes.

Muito mais baixa, Darcy estava entre elas, cla­mando para ser notada. Um canário em meio a pás­saros exóticos.

As longas pernas e os corpos esbeltos dançavam enquanto ela se misturava à complexa rotina. Não conseguia competir. Quanto mais tentava, mais in­ferior se sentia.

Mac observava com um sutil sorriso nos lábios. Lin­das mulheres o seduziam com seus corpos curvilíneos.

Os olhos azuis se fixaram nela quando Darcy co­locou-se à frente de Mac.

— De onde você veio? Não pertence a este lugar.

— Mas quero ficar.

— Não é lugar para você, Darcy de Kansas. Nem sabe onde está.

— Sei, sim. E posso pertencer a este lugar. Quero pertencer.

E havia Gerald, agarrando-lhe a mão e puxando-a. Ele tinha aquela expressão impaciente no rosto e irritação nos olhos. É hora de parar com tolices. Se insistir em fingir o que não é, vai fazer papel de tola. Estou cansado de esperar seu bom senso. Va­mos voltar para Kansas.

— Não vou voltar — Darcy murmurou, acordando com o som da própria voz. — Não mesmo — disse, veemente, quando abriu os olhos e viu o quarto às escuras.

Ainda permaneceu deitada por um momento, refletindo acerca do sonho e da tristeza que o acompanhava.

— Vou ficar aqui. — Abraçou a almofada.

 

Darcy estava no Comanche havia uma se­mana e se surpreendia com a aparente infinidade de lugares ainda por explorar no hotel.

Conseguiu assistir ao espetáculo em um dos au­ditórios, onde homens, usando roupas indígenas, montavam cavalos exuberantes, divulgando os cos­tumes da comunidade Comanche.

Caminhou à beira da enorme piscina de águas cristalinas e molhou os dedos na pequena lagoa, rodeada de palmeiras e alimentada por uma cachoei­ra que emitia notas musicais.

Aproveitou o tratamento oferecido no spa; ocu­pou-se em visitar as lojas; e ainda encontrou tempo para conhecer os três teatros ou caminhar pelos vá­rios salões e salas de conferência. Encontrou até uma desculpa para visitar o centro financeiro.

Quanto mais vasculhava as áreas entre o hotel e o cassino, mais extenso se tornava o Comanche.

Quando o elevador abriu as portas da cobertura, Darcy entrou em um espantoso oásis de palmeiras e flores do deserto. O sol da manhã se estendia sobre a água azul da piscina, formando raios de diamantes na superfície.

Mesas e cadeiras cor de safira estavam arranjadas para oferecer luz e sombra conforme a preferência do hóspede.

Sentado a uma das mesas, protegido por um guarda-sol amarelo, estava Daniel MacGregor.

Ele se levantou ao vê-la. Darcy sentiu-se de novo mobilizada com o poder do homem que vivera quase um século, construíra um império, criara um pre­sidente e uma fascinante família.

— Muito obrigada por concordar em me ver nessas circunstâncias, sr. MacGregor.

Daniel ofereceu-lhe uma cadeira.

—  Se uma linda mulher me telefona solicitando um encontro a sós, eu seria um tolo caso não acei­tasse. — Ele se sentou diante de Darcy. Em segun­dos, um garçom apareceu. — Quer me acompanhar no café da manhã, garota?

— Não, obrigada. Estou nervosa demais para comer.

— Você precisa se alimentar. Traga ovos com ba­con para a menina — ordenou Daniel ao garçom. — Ovos mexidos. E não os deixe queimar na frigi­deira. O mesmo para mim.

— É para já, sr. MacGregor.

Darcy sorriu diante da pressa do garçom. Aquela atitude era típica das pessoas que rodeavam Daniel MacGregor. Todos corriam para obedecer a suas ordens.

—  Depois de comer, vai se sentir melhor — ex­plicou Daniel, tomando um gole de café. — Muito lhe aconteceu em tão pouco tempo. Meu neto está cuidando bem de você?

— Sim, ele tem sido maravilhoso. Todos vocês são muito gentis.

— Mas o chão parece estar se abrindo sob seus pés.

— É verdade. — Ela soltou um suspiro de alívio diante da compreensão. — O mundo tornou-se tão estranho... e excitante, ao mesmo tempo — Darcy acrescentou, fitando o jardim. — Sinto-me como se tivesse caído dentro de um livro. E me vejo vagando nos primeiros capítulos, sem saber como vai terminar a história.

- Não há nada de errado no fato de aproveitar a página em que se encontra.

— Não, e tenho aproveitado muito. — Distraída, Darcy tocou o brinco de prata na orelha. — Mas fico pensando no que vai acontecer quando eu virar a página. Não posso comprar roupas e brincos o resto da vida. Dinheiro é responsabilidade, não?

Inclinando-se, Daniel a estudou. Ela era delicada, pensou, mas não havia nada de delicado com relação ao cérebro. Tinha o pressentimento de que era sagaz como uma raposa. Melhor assim, ele decidiu. Seu neto precisava casar-se com uma mulher inteligente.

— Isso mesmo, garota — respondeu e sorriu.

O sorriso a confundiu. Era tão... prudente. E havia segredos por trás daquele brilho nos olhos azuis. Constrangida, ela pegou a xícara de café, esquecen­do-se da costumeira dose de creme.

— A telefonista me passou dúzias de recados hoje de manhã.

—  Era de esperar.

—  Sim, eu sei. Mac me disse que isso iria acon­tecer, mas nunca imaginei tamanha quantidade de interesses. Repórteres... — Darcy riu. — Represen­tantes de revistas que sempre li, shows de televisão a que costumava assistir querem falar comigo. Não fiz nada. Não salvei a vida de alguém, nem descobri a cura do câncer, ou dei à luz quíntuplos.

- Há essa possibilidades em sua família? — in­dagou Daniel, curioso.

— Não.

— Que pena. — Ele teria gostado de ter bisnetos gêmeos. — Está vivendo uma fantasia normal, Darcy. É jovem, bonita e veio de uma cidade pequena com poucos dólares no bolso. É uma história e tanto. Muitas pessoas podem se identificar com você.

— Suponho que sim. — Darcy se deteve quando o garçom trouxe os pratos. Fitou, admirada, a far­tura de comida.

— Alimente-se, garota. Precisa de energia.

— Não sabia que serviam refeições aqui.

— Não servem. — Daniel sorriu. — Somente drin­ques e aperitivos. Mas adoro quebrar regras de vez em quando. Você queria um lugar sossegado, certo? Poucas pessoas freqüentam essa área do hotel du­rante a manhã. Os restaurantes devem estar lotados de hóspedes.

— Há seis restaurantes — Darcy contou-lhe. — Li a respeito deles no guia do hotel. E quatro piscinas.

— As pessoas precisam comer e ser vistas ao redor da piscina quando não estão jogando.

— Não consigo dimensionar o tamanho deste ho­tel. Teatros, bares, auditório ao ar livre. E fantástico.

— E todos os caminhos levam ao cassino. Não é uma arquitetura casual. Pode fazer o que quiser em um hotel desta natureza, mas jogar é o objetivo.

—  É tão emocionante. Daqui de cima, podemos avistar o deserto. Adoro admirar essa paisagem.

— Por isso não há janelas no cassino. Não que­remos distração. — Daniel fitou-a, desconfiado. - Depois de saborear o farto café da manhã, vá tomar um banho de piscina. Eu costumo nadar todos os dias. O esporte me mantém jovem.

Havia muito mais que juventude, pensou Darcy.

Daniel tinha energia, interesse pela vida e o desafio diante das dificuldades lhe garantia disposição.

— Sr. MacGregor, Caine me forneceu uma lista de nomes de consultores financeiros.

Como não houvesse ninguém mais ao redor, Da­niel colocou sal nas batatas.

—  Precisa proteger seu capital, Darcy.

—  Compreendo bem isso, já que a maior parte das ligações que recebi é de pessoas que querem conversar sobre finanças. Ofereceram-me até um vôo a Los Angeles, com hospedagem no Beverly Wilshire.

Franzindo a testa, Darcy pegou uma torrada. Daniel a acompanhou e comeu com satisfação.

— A maioria deles parece muito interessada em discutir investimentos, mas nenhum está na lista que seu filho me deu.

—  Isso não me surpreende.

— Escrevi todos os nomes. Agora tenho duas lis­tas. Pensei em mostrá-las ao senhor. Sei que Caine me ofereceu os melhores profissionais, mas prefiro que alguém me aponte uma direção específica.

—  Deixe-me olhar as listas. — Daniel pegou os óculos enquanto Darcy lhe entregava os papéis. — Ah! Esqueça! São todos ladrões. — Bastou apenas um rápido olhar para identificar os nomes. — Fique longe desses interesseiros, garota.

—  Foi o que imaginei. Veja os nomes que seu filho me ofereceu.

Daniel tamborilava os dedos na mesa enquanto lia a segunda lista.

— O rapaz aprendeu bastante, não? — Sorriu sa­tisfeito com os nomes que Caine fornecera. — Qual­quer um deles servirá a seus propósitos. O melhor é conversar com os donos de cada uma das firmas. De­pois, é só escolher o que mais lhe inspira confiança.

Darcy já havia feito sua escolha, mas tinha receio de confessá-la.

— Nunca tive dinheiro. Jamais tive de me preo­cupar com finanças. Mesmo assim, extratos bancá­rios sempre me confundiram. Ontem à noite, tentei imaginar como seria um milhão de dólares. Não con­segui. E agora, mesmo depois dos impostos, ainda tenho mais do que posso dimensionar.

Atento às palavras, Daniel serviu-se de café. Anna o mataria, pensou, se o visse consumindo tanta cafeína.

— Diga-me o que quer fazer com o dinheiro.

— Tempo — disse, de imediato. — Preciso de tem­po livre para realizar meu maior desejo. Sempre quis escrever e nunca tive tempo disponível. Preciso terminar meu novo livro e começar outro. Quero ser escritora e só conseguirei escrevendo.

— É boa nisso?

—  Sou, sim. E a única atividade que sei fazer bem. Só preciso de algumas semanas para terminar o romance que estou compondo.

— O dinheiro lhe comprará mais do que algumas semanas.

—  Sei disso. E também pretendo me divertir. — Darcy se aproximou. — Descobri que divertimento nunca fez parte de minha vida. Vou mudar tal con­dição. — Ela riu e se afastou. — Vou explorar a felicidade, sr. MacGregor.

—  Muito justo.

—  Acho que é. Felicidade não é algo que se en­contra a cada esquina. Mas preciso experimentar.

— Tem sido tão infeliz assim? — Daniel tocou-lhe a mão.

— De certa forma, sim. Mas agora tenho a oportu­nidade de agir conforme meus desejos. Faz toda a diferença do mundo. Portanto, quero fazer boas escolhas.

— Acho que já as fez. — Ele apertou-lhe a mão. — Começou muito bem, garota.

—  Quero usar o dinheiro e devolvê-lo também.

— A meu neto?

Darcy riu outra vez e se apoiou na mesa.

— Ao cassino. É parte da diversão, não? Mas pre­tendo usufruir do dinheiro para ter tempo e fornecer felicidade. Quero fazer doações. É razoável?

—  Claro que é. — Daniel acariciou o rosto de Darcy. — E combina com você.

—  Contudo, não sei como fazê-lo. Pensei que o senhor talvez pudesse me ajudar.

— Ficarei feliz em ajudá-la. — Quando o garçom apareceu para retirar os pratos, Daniel o impediu. — Deixe o dela. Ainda não se alimentou o suficiente. — Ao ver a expressão consternada de Darcy, ele pros­seguiu: — Terá tempo, oportunidade e fará doações. A menos que queira jogar dinheiro fora, e não me parece o caso. Você tem planos específicos. O que quer?

— Mais. — Darcy assustou-se quando Daniel sol­tou uma gargalhada.

— Agora vejo uma garota com a cabeça no lugar. Eu sabia.

—  Parece demais, mas...

— Parece saudável — ele a corrigiu. — Por que querer menos? Mais é melhor, afinal. Quer que seu dinheiro trabalhe para você. Eu a chamaria de tola caso desejasse o oposto.

— Sr. MacGregor? — Darcy respirou fundo e rolou os dados. — Quero que pegue meu dinheiro e o faça trabalhar para mim.

—  Quer mesmo? Por quê?

— Porque serei uma tola se não escolher o melhor. Os olhos de Daniel a fitavam com tanta intensidade que Darcy imaginou ter ido longe demais. En­vergonhada, começou a gaguejar pedidos de desculpa. Então, os lábios dele se abriram em um sorriso enorme.

— Não somos tolos, certo, garota?

—  Certo, senhor.

—  Muito bem. — Enquanto esfregava o enfeite de ouro da bengala, Daniel sentiu-se desafiado. Pe­gou um charuto do bolso e o acendeu. Após algumas baforadas, seus olhos brilhavam de prazer.

—  Sei que é pedir muito, sr. MacGregor, mas...

— Daniel — ele a interrompeu. — Somos sócios, certo? Coma — ordenou ao ver a surpresa de Darcy. — Tenho algumas idéias de como conseguir "mais". É uma jogadora, menina?

Com o coração repleto de alegria, Darcy comeu um pedaço de bacon.

— Parece que sou.

 

Mac mantinha a mente ocupada. A mídia tentava ter acesso a Darcy. Repórteres clamavam por en­trevistas e encontros pessoais. As várias edições dos jornais estampavam notícias sobre o mesmo tema.

Darcy de Kansas ganha o grande prêmio no cassino.

De Kansas para uma aposta de três dólares.

Além do arco-íris com a bibliotecária milionária do Kansas.

Em situações normais, Mac teria aproveitado a publicidade positiva que a história gerava para o Comanche. O hotel estava lotado de turistas e ainda recebia pedidos de reservas. Não tinha dúvidas de que o cassino receberia três vezes mais jogadores enquanto o nome de Darcy estivesse nas manchetes.

Podia lidar com a demanda incessante de entrevistas e fotos. Talvez até acrescentasse novos mem­bros na equipe de segurança e dirigiria pessoalmen­te o esquema no cassino nos períodos de pico. Na verdade, seus pais já haviam concordado em pro­longar a estada. E ele preferia, naquele momento, ocupar-se apenas de trabalho.

Deus sabia quanto precisava distrair sua libido. Era impressionante o que um lindo par de olhos e um belo sorriso podiam fazer com ele.

Não pretendia ter um relacionamento sério, tam­pouco intencionava envolver-se com uma inocente e ingênua mulher que não sabia jogar pôquer.

Considerava-se um homem disciplinado, capaz de controlar os instintos e resistir a tentações. Não brincava com o amor tal qual seu irmão, Duncan. Muito menos se considerava um bom samaritano. Não possuía a menor intenção de se estabelecer e constituir uma família naquele estágio da vida, como sua irmã, Gwen, estava fazendo.

Para Mac, amor era algo eventual, quando hou­vesse tempo, circunstâncias favoráveis e uma boa chance de multiplicar as fichas.

No fundo, queria o que seus pais possuíam. Talvez não o soubesse até que Darcy apontou-lhe aquela abundância de afeto. Mas precisava admitir que sempre os usara como referencial quando se tratava de relações amorosas.

Era essa a razão que o levara a evitar longos relacionamentos.

Amava as mulheres. Mas envolver-se além de um certo nível poderia causar complicações; e compli­cações sempre geravam dor para uma das partes ou ambas. Havia sido cauteloso em não ferir ne­nhuma das mulheres com que saiu.

Não tinha a menor disposição de quebrar essa regra agora.

Pensando no bem-estar de Darcy, Mac decidiu não apostar nesse jogo perigoso. Ela era inexperiente e vulnerável demais. Não suportaria ir até o fim.

Amizade, convenceu-se. Uma atitude solidária até que Darcy conseguisse caminhar sozinha. E nada mais.

Mas, ao chegar à cobertura, Mac a viu.

Ela estava em uma das mesas, os grandes olhos dourados fixos no rosto de seu avô. Ambos se en­contravam muito próximos, como conspiradores. Mac ficou intrigado. O que havia entre os dois?

Darcy parecia tão... frágil, concluiu absorvido pela visão. Ela mantinha a postura de uma menina que prestava muita atenção à aula. De pernas cruzadas, balançava o pé esquerdo, exibindo as unhas pintadas com um leve tom de rosa.

A vontade de beijar aqueles pés delicados aque­ceu-lhe o corpo, causando sensações abrasadoras.

O desejo sexual, algo que sempre aceitara com naturalidade e o divertira, começava a deixá-lo fora de controle.

Sentiu-se subitamente irritado. Caminhou a passos largos entre as palmeiras em direção à mesa. Daniel recostou-a na cadeira e ergueu as sobrancelhas.

—  Ora, veja quem chegou. Quer café, garoto?

—  Aceito uma xícara. — Como conhecesse bem seu avô, Mac não confiava naquela conversa aparentemente casual. Puxou uma cadeira e se sentou, encarando o rosto inocente de Daniel. — O que esta havendo aqui?

—  Estou tomando meu desjejum com essa linda jovem. Algo que você deveria fazer, em vez de ficar trabalhando.

—  Tenho um cassino para administrar. — Mac virou-se e fitou Darcy. — Conseguiu dormir?

—  Sim, obrigada. — Ela pulou quando Daniel bateu o punho na mesa.

—  Que maneira é essa de cumprimentar uma dama logo de manhã, menino? Por que não lhe diz quão bonita está ou a convida para passear de carro hoje à noite?

—  Vou trabalhar hoje à noite — Mac rebateu, mais irritado.

— No dia em que um MacGregor não puder en­contrar tempo para uma bela mulher, haverá apenas o caos. Gostaria de passear de carro, garota? Entre as colinas e sob a luz do luar?

—  Gostaria, mas...

— Ouviu? — Daniel socou a mesa novamente. — Vai tomar uma atitude, Mac? Ou me deixará passar por esse vexame?

Considerando as perguntas, Mac pegou o charuto ainda aceso no cinzeiro. Estudou-o por algum tempo.

— O que significa isso? — Ele sorriu para o avô. — Não é seu, certo, vovô?

Daniel desviou o rosto.

— Não sei do que está falando.

— Vovó ficaria muito triste se soubesse que anda fumando charutos escondido outra vez. — Mac bateu as cinzas no cinzeiro. — Muito aborrecida, aliás.

—  É meu — Darcy precipitou-se, e os dois a encararam.

—  Seu? — Mac perguntou, irônico.

—  Sim. — Ela ergueu os ombros, arrogante. — E daí?

— Aproveite então. — Mac entregou-lhe o charuto aceso.

O desafio estampado nos olhos azuis não admitia recusa. Darcy pegou o charuto e tragou. Em segun­dos, sua cabeça começou a girar, a garganta travou, mas conseguiu suportar o mal-estar sem tossir.

— É forte — comentou, quase desfalecendo.

Os olhos de Darcy começaram a lacrimejar quando ela tragou outra vez o charuto. Mac resistiu à ur­gência de tomá-la nos braços.

— Posso ver. Quer uma dose de conhaque para acompanhar o charuto?

— Não antes do almoço. — Tonta, Darcy começou a sentir náuseas. — Seu avô... — Piscou várias vezes, e lágrimas escorreram pelas faces. — Seu avô e eu estávamos discutindo negócios.

— Não permita que eu os atrapalhe. Já terminou? — Mac pegou uma fatia de bacon do prato de Darcy e comeu-a. O rosto começava a adquirir uma tona­lidade esverdeada. — Ponha isso no cinzeiro, que­rida, antes que desmaie.

— Estou ótima.

— Você é uma raridade, Darcy. — Admirando-a, Daniel se levantou. Segurou-a pelo queixo e beijou-lhe o rosto. — Vou iniciar aquela transação sobre a qual conversamos. — Em seguida, lançou um olhar repreensivo para o neto. — Não me envergonhe, Robbie.

—  Quem é Robbie? — Darcy perguntou quando Daniel se retirou.

— Sou eu. Ele me chama assim desde a infância.

—  Que adorável.

— Vai acabar doente, Darcy. — Mac tirou o cha­ruto da mão dela. — Não creio que precise continuar a farsa.

— Não sei do que está falando. Suspirando, ele pegou um copo de água e ofere­ceu-o a Darcy.

— Acreditou mesmo que eu iria delatar meu avô? Vamos, tome um pouco de água. A fumaça vai lhe fazer mal.

— Não foi tão ruim. Acho que gostei da experiên­cia. — Ela sorriu. — Não seria capaz de contar nada a sua avó, certo?

— Não faria a menor diferença. Minha avó sabe que ele, às vezes, fuma escondido.

—  Gostaria que Daniel fosse meu avô. Ele é o homem mais maravilhoso do mundo.

—  Ele também gosta de você. Sente-se melhor?

— Sim. — Darcy fitou o que havia restado do cha­ruto no cinzeiro. — Creio que exagerei. — Tomou mais água para limpar a garganta. — Ele não devia ter lhe provocado daquele jeito. Quero dizer, com re­lação à proposta de me levar para passear de carro.

Com um gesto violento demais, Mac apagou o charuto.

—  Meu avô acha que você combina comigo.

— Verdade? — A idéia aqueceu o coração de Darcy.

—  O objetivo principal de meu avô é ver todos os netos casados e com filhos. Ele conseguiu casar minha irmã e duas primas minhas, forçando-as a conhecer homens que ele próprio havia selecionado.

—  O que aconteceu?

— Nos três casos funcionou. O que o torna ainda mais ousado. Ele é ardiloso. E agora... — Mac a fitou. — Acredita que você é perfeita para mim.

—  Entendo. — O arrepio que sentiu pelo corpo era um tanto inadequado, ponderou Darcy. Mas não pôde evitar a vontade de sorrir. — Estou lisonjeada.

— Devia estar mesmo. Sou, afinal, o neto mais velho e me aborreço quando insistem para que me case.

—  Isso o irrita?

— De certa forma — ele admitiu. — Mesmo aman­do meu avô, não tenho a menor intenção de cair em seus esquemas. Peço-lhe desculpas por ele a ter trazido aqui para colocar idéias absurdas em sua cabeça. Não estou interessado em casamento.

—  Como disse? — Darcy arregalou os olhos.

— Quando vi vocês dois juntos aqui, imaginei que ele estivesse arquitetando algum esquema.

O calor que ela havia sentido minutos atrás se transformou em gelo.

— E é claro que alguém como eu se submeteria perfeitamente a esses esquemas.

O tom de voz foi tão neutro que Mac não notou a ironia.

—  Daniel não consegue evitar. E por ser uma Wallace, ele ficou empolgado. O forte sangue escocês. — Mac riu. — Meu avô a considera ideal para con­ceber meus filhos.

—  E já que você não está pensando em esposa e filhos, achou justo me prevenir a respeito das idéias que ele pode ter colocado em minha mente vulnerável.

— Mais ou menos. — Mac, enfim, percebeu a iro­nia. — Darcy...

—  Seu cretino arrogante! — Ela se levantou tão rápido que, ao fazê-lo, esbarrou na mesa, derruban­do o copo de água. Fechou os punhos, na tentativa de controlar a fúria. — Não sou a idiota sem tutano que pensa que sou.

—  Não foi o que quis dizer. — Aturdido, Mac também se levantou. — De jeito nenhum.

— Não ouse me dar explicações. Sei perfeitamente bem quando sou chamada de imbecil. Não é o primeiro a cometer esse erro. Mas juro por Deus que será o último. Estou consciente de que não me quer, sr. Blade.

— Eu nunca disse...

— Sei que não sou seu tipo de mulher. — Irada, Darcy empurrou a cadeira e quebrou um copo. — Você prefere mulheres com seios exuberantes.

— O quê? De onde tirou isso?

Do sonho que tivera na noite anterior, mas jamais iria revelar a Mac.

— Não tenho ilusões com relação a nada. Só por­que eu aceitaria dormir com você não significa que espero ser levada ao altar. Se quisesse me casar, teria ficado em Kansas.

Apesar de furiosa, ela ainda parecia uma fada, Mac refletiu, constrangido por ser tão idiota.

— Antes que quebre mais copos, deixe-me pedir desculpas. — Ele segurou a cadeira, impedindo que Darcy a jogasse sobre a mesa. — Não quero que meu avô a coloque em uma situação desconfortável.

— Não tire conclusões precipitadas, Mac Blade. — A raiva corou-lhe as faces. — Para seu governo, eu pedi a Daniel que me encontrasse aqui hoje de manhã. Apesar de ofender seu ego inflado, o assunto não girou em torno de você. Foi uma reunião de negócios.

— Negócios? — Mac fitou curioso. — Que tipo de negócios?

— Não é da sua conta — ela rebateu, friamente. — Mas, pelo bem de Daniel, vou contar. Ele aceitou ser meu consultor financeiro.

Intrigado, Mac levou as mãos ao bolso.

— Pediu-lhe que investisse seu dinheiro?

— Há algum problema nisso?

— Não. — Esperando abrandar a raiva de Darcy, ele tentou sorrir. — Fez uma ótima escolha.

— Exato.

— Darcy...

— Não quero desculpas. — A voz era dura como gelo. — Tampouco preciso de sua piedade. Acredito que ambos compreendemos nossa relação. — Ela pegou a bolsa. — Pode incluir o custo dos copos em minha conta.

Mac não conseguiu impedi-la de se retirar. Estava boquiaberto, fitando os cacos de vidro no chão.

Limpar aquela bagunça seria o problema menor, pensou, infeliz.

O segundo problema era muito mais complexo.

Como conseguiria lidar com o fato de aquela mu­lher, que o colocara em seu devido lugar, ser o maior fascínio de sua vida?

 

Durante dois dias consecutivos, Darcy se concentrou em escrever. Pela pri­meira vez em sua vida agia da maneira que queria.

Se preferia trabalhar no decorrer da madrugada e dormir até o meio-dia, não havia ninguém para criticá-la. Jantar à meia-noite? Por que não?

A vida lhe pertencia e, em meio às primeiras horas de trabalho, tomou consciência de que a estava vivendo.

Sentiria saudade de Daniel, pensou. Ele voltaria para o leste no dia seguinte com a promessa de manter contato acerca dos investimentos. Insistira em convi­dá-la para conhecer sua casa em Hyannis Port.

Darcy pretendia aceitar o convite. Havia sido mui­to bem acolhida entre os MacGregor. Eram genero­sos e cordiais, apesar de um dos membros do clã ser arrogante, grosseiro e egocêntrico.

Mac havia pensado que mandar flores poderia apagar o mal-entendido. Darcy respirou fundo, ab­sorvendo o perfume das rosas brancas que haviam sido postas sobre a mesa da saleta.

Eram as mais lindas flores que ela já vira. Mas não seriam suficientes para abrandar seu coração. Tampouco a adorável cesta de margaridas que ela colocara na sala de banho ou o vaso de gerânios sobre a escrivaninha do quarto.

As rosas haviam chegado primeiro, ela se lembrou, tamborilando os dedos na mesa. Menos de uma hora depois daquela discussão com Mac, o entregador batia à porta da suíte. O cartão junto às flores continha um pedido de desculpas que ela fez questão de ignorar.

Ninguém poderia condená-la por ter jogado o tal cartão no lixo.

As margaridas chegaram no dia seguinte, com a solicitação de que Darcy telefonasse para ele assim que possível. Ela se livrou desse cartão também e desprezou o pedido. Tal qual fizera quando o ouviu bater à porta na noite anterior.

Naquela manhã, Mac enviara hibiscos com uma súplica.

Droga, Darcy. Abra a porta.

Rindo, ligou o computador. Não pretendia deixá-lo entrar. Não iria abrir a porta do quarto, nem a porta simbólica de seu coração.

Não era somente o fato de ter se apaixonado por ele que a mortificava. Mas também aquele típico pensamento machista.

Pobre e solitária mulher encontra homem char­moso e sofisticado e caí aos pés dele.

Pois Darcy mudaria o rumo dessa história. Mac podia lhe mandar um acre de flores e uma pilha de cartões, mas não conseguiria se redimir.

Estava encarregada de si mesma agora. Tão logo terminasse o último capítulo do livro iria comprar uma casa. Uma residência grande e colorida de fren­te para o misterioso deserto com sua majestosa ca­deia de montanhas.

Queria uma piscina ao ar livre, decidiu. Sempre gostara da luz das estrelas.

A decisão de morar em Las Vegas não tinha nada a ver com Mac. Gostava da região. Adorava o vento quente do deserto, a vida agitada e a promessa de ultrapassar os limites. Las Vegas era a cidade mais promissora dos Estados Unidos e mais habitável.

Ao menos era isso que dizia o guia do hotel em seu quarto.

Por que não viver naquela balbúrdia?

Quando o telefone tocou, ela nem sequer fitou o aparelho. Se Mac pretendia falar com ela, podia mu­dar de idéia. Darcy ignorou o chamado, ajeitou-se na cadeira e voltou ao livro.

 

Mac caminhava pelo escritório enquanto sua mãe estudava o caderno de eventos para os próximos seis meses,

— Você está com uma programação espetacular.

— Sei. — Ele não conseguia se concentrar, e isso o enfurecia.

Apenas quisera preveni-la da tendência inata de seu avô em armar esquemas e armadilhas. Somente para o bem de Darcy, refletia Mac, andando de ja­nela a janela sem ater-se a nada.

Havia se desculpado repetidas vezes. Ela nem se­quer tivera a cortesia de agradecer as flores.

Por pouco não usara seu cartão magnético para acionar o elevador privativo de Darcy. Mas tal atitude teria sido uma imperdoável invasão de privacidade e anularia suas responsabilidades no Comanche.

Mas o que ela fazia na suíte, afinal? Não saíra para almoçar ou jantar desde o café da manhã na cobertura. Muito menos colocara os pés no cassino ou no bar do hotel.

De tanto ser ignorado Mac estava de mau humor.

— E o que mereço por me preocupar com dela — murmurou.

— Como? — Serena olhou para o filho. Já havia notado que ele estava alheio a tudo na última meia hora. — Mac, o que houve?

— Nada. Quer ver a programação de entretenimento?

— Já a estou olhando.

— Oh. Certo. — Ele voltou a percorrer as janelas. Suspirando, Serena deixou os papéis de lado.

— Precisa me dizer o que o está incomodando. Senão, vou atormentá-lo até falar.

— Quem pensaria que ela podia ser tão teimosa? — As palavras surgiram de repente. — Como con­segue ser tão fria? Pergunto-me até onde irá sus­tentar essa situação.

Serena encostou-se na poltrona e cruzou as per­nas. Mulheres raramente perturbavam Mac. Era um bom sinal.

—  Suponho que esteja se referindo a Darcy.

—  Claro que estou falando de Darcy. — Havia frustração nos olhos dele. — Não sei o que ela faz trancada naquela suíte dia e noite.

— Ela está escrevendo.

—  O que quer dizer com "escrevendo"?

— Seu livro — Serena respondeu, paciente. — Está tentando terminar seu livro. Ela quer finali­zá-lo antes de contatar agentes.

—  Como sabe?

— Darcy me disse. Tomamos chá ontem.

Foi preciso um controle monumental para Mac manter a boa educação.

— Ela a deixou entrar?

— Claro que sim. Conversamos durante uma pau­sa no meio da tarde. Ela é uma mulher muito dis­ciplinada e decidida. E tem talento.

— Talento?

— Eu a persuadi a me deixar ler algumas páginas do livro que ela escreveu no ano passado. — Serena sorriu, orgulhosa. — Fiquei impressionada. E ab­sorvida na leitura. Está surpreso?

—  Não. Então ela está trabalhando?

—  Isso mesmo.

—  Não é desculpa para ser rude.

—  Rude? Darcy?

— Estou cansado desse silêncio — Mac resmungou.

—  Darcy não conversa com você? O que fez? Mac cerrou os dentes e encarou Serena.

—  Por que acha que fiz alguma coisa?

—  Querido. — Ela se levantou e segurou-lhe o rosto. — Por mais que eu o ame, você é homem. O que fez para aborrecê-la?

— Tentei explicar a ela o comportamento do velho MacGregor. Peguei-os conversando em sigilo na co­bertura, e vovô começou a sugerir que eu a levasse para passear de carro sob o luar. Bem, você conhece essa história.

— E como conheço! — Daniel, o sutil MacGregor, Serena lembrou-se, resignada. — O que tentou explicar a ela exatamente?

— Disse que Daniel queria ver todos os netos casados e com descendentes e que ele havia escolhido Darcy para mim. Desculpei-me pelo comportamento inadequado de meu avô e expliquei que eu não que­ria me casar, portanto ela não deveria levá-lo a sério.

Serena deu um passo para trás a fim de melhor visualizar o filho.

— Você costumava ser uma criança inteligente.

— Só estava pensando nela, mãe. Imaginei que fosse mais uma das artimanhas de Daniel. Como eu poderia saber que ela pretendia contratá-lo comoconsultor financeiro? Admito que passei dos limites. — Mac colocou as mãos no bolso. — Pedi desculpas várias vezes. Mandei flores, telefonei... O que eu deveria fazer? Rastejar?

— Talvez servisse para acalmá-lo. — Serena riu da expressão irada de Mac. — Por que está tão preo­cupado, filho? O que sente por ela?

— Preocupo-me com ela. Darcy apareceu aqui para se esconder. Precisa de alguém que a oriente.

— Então seus sentimentos por ela são... fraternos. Por um momento longo demais, ele hesitou.

— Deveriam ser.

— São?

— Não sei.

Adorando aquela indecisão, Serena acariciou os cabelos do filho.

— Talvez deva descobrir.

— Como? Ela não quer falar comigo.

— Um homem que tem o sangue dos MacGregor e dos Blade nas veias não permitiria que uma porta o impedisse. — Ela o beijou no rosto. — Aposto minhas fichas em você.

 

Os olhos de Darcy estavam fechados enquanto ten­tava visualizar a cena antes de escolher as palavras. Enfim, depois de superar vários obstáculos, os dois personagens principais iriam ficar juntos. Haviam resis­tido aos impulsos primitivos e negado as necessidades mais básicas do coração. Mas agora iriam finalmente se encontrar. O instante tinha de ser precioso.

O cômodo estava frio, e o aroma de lenha quei­mada se espalhava pelo ambiente. Os raios da lua de inverno penetravam pelas janelas.

Ele iria tocá-la. Como o faria? Um roçar de mãosno rosto macio? A respiração tornava-se ofegante. Sentiria ela o calor daquele corpo se ele se aproximasse? Que pensamento lhe ocorreria segundos an­tes de os lábios afoitos cobrirem os dela?

Insanidade, Darcy resolveu.

Mantendo os olhos fechados, Darcy deixou as pa­lavras fluírem de sua mente para a tela do compu­tador. A repentina campainha do telefone soou tão estridente que ela agarrou o aparelho, sem pensar.

— Sim, alô?

— Darcy. — A voz era grave, irritante e muito familiar.

— Gerald. — A paixão e a promessa da cena se dissiparam, dando lugar à tensão. — Ah, como vai?

— Como acha que estou? Você só me causou problemas.

— Sinto muito. — O pedido de desculpas foi au­tomático, fazendo-a congelar no instante em que pro­feriu as palavras.

— Não posso imaginar o que está pensando. Vamos discutir o assunto. Dê-me o número de seu quarto.

— O número do quarto? — Ela começou a sentir pânico. — Onde você está?

— No hall deste ridículo lugar que escolheu como casa. E mais do que inadequado... mas corresponde a seu bizarro comportamento dos últimos dias. No entanto, pretendo resolver essa questão. O número do quarto, Darcy.

Seu quarto? Seu refúgio? Não, não o deixaria in­vadir sua vida.

—  Vou descer — disse, rápido. — Há algumas poltronas ao lado da cachoeira, à esquerda da re­cepção. Consegue ver o local?

—  Não é difícil notá-lo. Não se demore.

— Não, já estou indo.

Darcy desligou o computador. O desespero come­çou a crescer em seu coração. Ele não poderia obri­gá-la a nada, disse para si mesma. Gerald não tinha poder ou controle em Las Vegas. Não haveria meios de dissuadi-la a voltar.

Mas, quando pegou a bolsa, suas mãos tremiam. As pernas mal lhe obedeciam ao entrar no elevador. Concentrou-se em respirar profundamente até che­gar ao andar térreo.

O hall estava repleto de pessoas; famílias de tu­ristas que atiravam moedas na base da cachoeira ou assistiam a espetáculos no anfiteatro ao ar livre. Hóspedes chegavam e partiam. Outros se sentiam atraídos pelo som mágico das máquinas do cassino. Gerald estava sentado em uma das poltronas per­to da piscina. O terno preto e bem talhado não pos­suía nenhuma marca ou vinco; o rosto permanecia sério enquanto observava a atividade do hotel.

Ele parecia imponente na opinião de Darcy. Des­tacava-se do caos ao redor. Frio, concluiu. Era aquela natureza gélida que sempre a assustara.

Ao vê-la se aproximar, os olhos a fitaram da ca­beça aos pés, desaprovando a saia verde e a blusa cor de pêssego. Em seguida, ele se levantou. Boas maneiras, Darcy pensou. Gerald sempre fora educado.

—  Presumo que tenha explicações para me dar. —  Ele lhe indicou uma poltrona.

O gesto era um modo de manter controle. E ela sempre obedecia.

Dessa vez ficou em pé.

—  Decidi mudar.

— Não seja absurda. — Gerald segurou-a pelo braço e a puxou para a poltrona. — Tem idéia de quanto constrangimento me causou? Esgueirando-se pela noite...

— Não me esgueirei. — Claro que o fizera, mas não iria concordar com ele.

—  Você saiu sem uma palavra. Foi irresponsável como eu já devia esperar. Fazer uma viagem dessa sem planejamento algum. O que pretendia conseguir?

Fugir, respondeu em pensamento. Aventura. Vida. Darcy cruzou as mãos e pousou-as sobre o colo.

— Não se trata de uma viagem. Eu resolvi partir. Não há nada para mim em Trader's Corners.

—  É seu lar.

— Agora não é mais.

— Não seja mais tola do que o necessário. Sabe em que tipo de situação me colocou com essa atitude infantil? Minha noiva desapareceu e...

—  Não sou sua noiva, Gerald. Rompi o compro­misso meses atrás.

— Tive muita paciência, permitindo que você vol­tasse a si e se acalmasse. E veja o que fez. Las Vegas, meu Deus!

Inclinando-se, Gerald baixou o tom de voz.

— As pessoas estão falando de você agora. Tudo isso me afeta negativamente. Seu rosto apareceu nos noticiários da televisão.

— Ganhei quase dois milhões de dólares, Gerald. Foi isso que aconteceu.

— Jogando em um cassino! — Ele fez uma careta de repulsa. — Claro que consegui manipular a im­prensa. A novidade vai logo se dissipar. E apenas uma questão de tempo para o lado sórdido desaparecer.

—  Sórdido? Pus meu dinheiro em uma máquina. Ganhei o prêmio acumulado. O que há de sórdido nisso?

—  Não espero que compreenda a profundidade da situação, Darcy. Sua inocência lhe dá crédito. Vamos transferir o dinheiro e...

— Não. — O coração começou a bater acelerado.

— Pode morar em Nevada. Meu contador investirá o dinheiro de maneira rentável. Farei questão de que tenha um bom salário.

Salário? Darcy estava estonteada com tantos ab­surdos. Somente se fosse uma criança precisaria de alguém para controlar seus gastos.

— A quantia está sendo devidamente investida. O sr. MacGregor, Daniel MacGregor, é responsável.

Chocado, Gerald agarrou-lhe as mãos.

— Meu Deus, Darcy, não me diga que entregou mais de um milhão de dólares a um estranho?

—  Não é um estranho. Aliás, com os impostos e despesas para viver, a quantia já diminuiu um pouco.

— Como pôde ser tão estúpida? — O tom de voz aumentou, fazendo-a recuar. Havia fúria nos olhos de Gerald. — Avalie a situação. MacGregor tem in­teresses financeiros neste hotel. E agora conseguiu o dinheiro que você, indiretamente, tirou dele.

— Não sou estúpida — Darcy rebateu. — E Daniel MacGregor não é ladrão,

—  Meu advogado cuidará dos documentos neces­sários para transferir os fundos... ou o que restou dele. Temos de trabalhar depressa. — Ele olhou o relógio. — Preciso ligar para ele. Será inconveniente neste horário, mas não pode ser evitado. Suba e faça as malas enquanto cuido dessa confusão em que se meteu. Quanto antes chegarmos em casa, melhor será.

—  Você veio pelo dinheiro ou por mim, Gerald?

Darcy jamais conseguiria sustentar agressões fí­sicas. Portanto concentrou os esforços e a raiva na estratégia verbal.

— Ocorreu-me de repente que você teria mandado um funcionário me buscar. Jamais largaria seus compromissos para vir pessoalmente. Estava certo de que eu, humilhada e infeliz, voltaria para Trader's Corner, seguindo suas ordens.

— Não temos tempo para infantilidades, Darcy. Vá fazer as malas e vista uma roupa mais apropriada.

—  Não vou a lugar algum.

Irado, Gerald pegou-lhe a mão e forçou-a a se levantar.

— Faça o que eu lhe disse. Agora. Não vou tolerar uma cena em público.

— Então vá embora. Porque só vai conseguir um escândalo.

De súbito, ela sentiu um toque no ombro. Sabia, antes de ouvi-lo, que era Mac.

—  Há algum problema aqui?

—  Não. — Darcy não fitou Mac. — Gerald, esse é Mac Blade. Ele administra o Comanche. Mac, Ge­rald está de saída.

—  Adeus, Gerald — Mac disse em um tom que poderia arrasar qualquer criatura. — Creio que a dama gostaria que largasse sua mão.

—  Dispenso sua interferência.

Mac deu um passo à frente até que ficaram face a face.

— Não comecei a interferir, mas ficaria feliz em fazê-lo. — Ele sorriu, maquiavélico. — Na verdade, tenho procurado essa oportunidade.

—  Não. — Sentindo-se mais zangada, Darcy co­locou-se entre os dois homens. — Sou perfeitamente capaz de resolver meus problemas.

— É nisso que está se metendo, Darcy? — Gerald parecia enojado. — Deixou-se seduzir por essa... pessoa? Iludiu-se, imaginando que ele queira algo mais do que dinheiro e sexo barato?

No mesmo instante, Darcy sentiu a tensão no cor­po de Mac e agarrou-lhe os braços.

— Por favor, não. Por favor. — Os músculos dele pareciam vibrar de ódio. — Não vai ajudar em nada, Mac. Por favor.

Curiosos fingiam estar ocupados enquanto obser­vavam discretamente a cena. Talvez o fato de estar firmemente ancorada pelo sólido corpo de Mac a ajudasse. Mas Darcy precisava enfrentar aquela si­tuação sozinha ou nunca mais seria capaz de fazê-lo.

— Gerald, o que faço e onde estou não tem nada a ver com você. Peço desculpas por ter aceitado o pedido de casamento. Foi um erro que tentei retificar, mas nunca quis me ouvir. Além disso, não tenho razões para me preocupar.

Enquanto observava a ira no rosto de Gerald, res­pirou aliviada. Ele queria esbofeteá-la e ela não ficou surpresa com a constatação. Caso Darcy não encon­trasse coragem para fugir, Gerald seria capaz de usar a força bruta. Cedo ou tarde, intimidações não seriam suficientes.

A certeza da própria liberdade lhe forneceu con­dições para prosseguir.

— Você me manipulou quanto pôde. Por isso quis se casar comigo... a princípio. Depois, passou a insistir porque não foi capaz de aceitar a recusa e precisava explicar o rompimento do noivado aos vizinhos.

— Não vou ficar aqui enquanto você expõe nossos assuntos pessoais em público. — Gerald tornou-se ainda mais frio.

— É livre para partir quando quiser, Gerald. Veio até aqui porque, de repente, ganhei uma grandesoma em dinheiro. É conveniente, afinal, a imprensa está atrás de mim agora. Tenho certeza de que al­guns repórteres apareceram em Trader's Corners e descobriram nosso antigo noivado. Foi constrange­dor para você, mas não pôde ser evitado. — Respi­rando fundo, ela continuou: — Escute bem, Gerald. Você jamais irá colocar as mãos em mim ou em meu dinheiro. Eu nunca mais vou voltar. Moro aqui e gosto da cidade. Não gosto de você. Ele deu um passo para trás.

— Posso ver agora que você não é a pessoa cordata que imaginei.

— Não consigo dizer quanto isso me faz feliz. Vá embora, Gerald.

Franzindo a testa, ele fitou Darcy e Mac com desdém.

—  Pelo que pude ver vocês dois combinam com esse lugar. Se mencionar meu nome para a mídia, serei obrigado a processá-la.

— Não se preocupe — Darcy murmurou. — Acho até que já me esqueci de seu nome.

— Muito bem! — Incapaz de resistir, Mac beijou o rosto de Darcy.

—  Está feito. Acabou. Obrigada pela ajuda.

— Você não parecia precisar. — Mas Mac sentiu-a estremecer. — Vou levá-la para a suíte.

—  Sei o caminho.

— Darcy. — Ele a fitou, segurando-a pelos ombros. — Você não me deu a satisfação de quebrar o nariz de Gerald. Está me devendo.

—  Certo. Sempre pago minhas dívidas. - Abraçando-a, Mac guiou-a até o elevador. Por ins­tinto, acariciava o braço, tentando aplacar o tremor.

— Recebeu minhas flores?

—  Sim, são lindas. Obrigada — agradeceu em voz baixa.

Em seguida, entraram no elevador.

— Minha mãe me disse que esteve trabalhando.

—  É verdade.

— Por isso não atendeu meus telefonemas nem mesmo abriu a porta? Continua magoada comigo?

— Não costumo guardar mágoas — ela retrucou.

— Mas abriu uma exceção para mim.

— Talvez.

— Está certo. Temos duas escolhas. Pode me per­doar por ser arrogante e grosseiro, como você mesma disse, ou serei obrigado a ir atrás de Gerald e de­sabafar minhas frustrações nele.

— Não faria isso.

—  Oh, sim, faria.

Quando as portas do elevador se abriram, Darcy o fitou, intrigada.

— Faria — disse com um misto de medo e deleite.

— Mas não iria resolver nada.

— Contudo, eu me divertiria. Vai me convidar para entrar ou devo procurá-lo?

Dando de ombros, ela tentou não se mostrar contente.

— Entre. Não conseguirei retomar meu trabalho.

— Obrigado. — Mac olhou o computador sobre a mesa. — Como está se saindo?

— Muito bem.

— Minha mãe me disse que a deixou ler algumas páginas.

— Ela dificulta qualquer negativa. Quer tomar algo? Um café?

— Agora não, obrigado. Posso ler seu livro?

—  Quando for publicado poderá lê-lo.

Virando-se, Mac a encarou. As faces delicadas ha­viam readquirido a cor natural. Um alívio para ele. Darcy parecera tão pálida e frágil diante de Gerald.

— Posso dificultar as coisas também. É genético. Mas, como está muito atordoada no momento, vou esperar.

— É apenas uma reação. — Darcy cruzou os braços, apreensiva. — Fiquei apavorada quando ele ligou.

— Mas desceu para encontrá-lo.

— Tinha de ser feito.

— Podia ter me chamado. Não precisava enfren­tá-lo sozinha.

— Precisava, sim. Tinha de saber que podia. Pa­rece ridículo agora me imaginar intimidada por ele. Gerald é tão patético. — Darcy jamais vira o lado frágil do ex-noivo. Sentia pena dele. — Porém, se eu não houvesse arriscado tudo, não estaria aqui. Não teria conhecido você. Agradeço a Deus por isso.

Mac sorriu.

—  Obrigada por não agredi-lo quando ele o in­sultou daquela maneira.

— Eu não o teria agredido por mim. - Novas emoções invadiam o coração de Darcy.

— Soube, no momento em que você apareceu, que tudo ficaria bem. Não senti mais medo. Gerald pen­sou que estávamos... Bem, fiquei feliz porque nunca o deixei me tocar, e ele imagina que você o fez.

Embora soubesse o erro que cometia, Mac se aproximou.

— Ele vai se atormentar por algum tempo. E qua­se tão prazeroso quanto quebrar-lhe o nariz.

O amor que ela sentia crescia a cada momento.

— Ainda bem que você estava lá comigo.

—  Sim. Voltamos a ser amigos?

Ao sentir os dedos roçarem seu rosto, Darcy quase perdeu o fôlego.

— É isso que quer ser?

Os olhos dourados adquiriram outra tonalidade. Os lábios se entreabriam, convidativos, irresistíveis.

— Não exatamente — Mac murmurou e a beijou.

De súbito, ela soube que pensamentos surgiam segundos antes do beijo. Imagens selvagens e de­sesperadas despontavam sem qualquer definição. Na ponta dos pés, Darcy colou-se ao corpo másculo e agarrou os ombros largos, mergulhando na explo­são de cores que espocavam em sua mente.

Os lábios rubros, quentes e dadivosos, estavam ávidos de paixão. Mac queria mais. O corpo feminino parecia tão glamouroso e... preparado. Desejava ab­sorvê-lo por inteiro. A necessidade era urgente, for­çando-o a buscar controle.

— Darcy... — Começou a se afastar, porém ela o impediu.

—  Por favor. — A voz soava rouca, sensual. — Toque em mim...

O pedido sussurrado transparecia fervor. Um de­sejo irracional o invadiu a ponto de enlouquecê-lo.

— Tocar não será,suficiente.

— Pode ter o suficiente. — Darcy não conseguia conter a vontade avassaladora de provar aquelas sensações. — Faça amor comigo. — Beijava-o, de­sesperada. — Leve-me para a cama.

Além da exigência, havia a oferta tentadora. Mac precisava corresponder a ambas.

— Quero você. — Beijou o pescoço macio. — Estou ficando louco de tanto desejá-la.

—  Não quero ser louca. Tampouco quero vê-lo enlouquecido. Apenas uma vez... fique comigo.

Carregando-a nos braços, Mac viu os olhos dou­rados se tornarem ainda mais brilhantes. O fato de ela pesar pouco mais que uma criança o apavorava.

—  Não vou machucá-la.

—  Não me importo.

Mas ele sim. Carregou-a até a escada e começou a subir os degraus.

— Na primeira vez em que a trouxe aqui, fiquei intrigado. Quem é ela? De onde veio? — Mac deitou-a sobre a cama. — O que vou fazer com ela? Ainda não descobri.

—  Quando acordei e o vi, pensei que estava so­nhando. — Darcy acariciou o rosto a sua frente. — Parte de mim ainda sonha.

Virando a face, ele beijou-lhe a mão.

— Vou parar se me pedir. — Afoito, Mac cobriu-lhe os lábios com os dele. — Por Deus, não me peça.

Como poderia? Por que Darcy seria capaz de in­terromper a realização daquela infinita necessidade? As mãos experientes acendiam chamas ao longo das curvas do corpo. Os lábios de Mac percorriam a pele alva, revelando regiões nunca estimuladas.

Ninguém jamais a fizera sentir-se assim.

Os dedos aflitos exploravam as partes mais deli­cadas. E quando ele atingiu o seio, a mente de Darcy se esvaziou.

Extasiada, respondia a cada toque, convidando-o a fazer o que quisesse. Mac obrigava-se a ser gentil com ela. Precisava conter o desejo feroz para não assustá-la. Entre beijos e carícias, desabotoou a blu­sa e deliciou-se.

Os tremores o incitavam, quase brutalmente. Cada um dos músculos de Darcy era um milagre a ser explorado e saboreado. A textura da pele nas curvas dos seios aumentavam-lhe a pulsação.

Erguendo-a, ele a beijou nos lábios enquanto re­tirava a blusa.

Hesitante, Darcy começou a desabotoar a camisa de Mac. Queria tocá-lo, vê-lo. Conhecê-lo. Um som de puro prazer escapou de sua boca ao divisar o tórax moreno.

Tão forte, pensou, fascinada com os músculos sob suas mãos. Poderoso como um homem poderia ser. Emocionada, ela pressionou os lábios sobre os om­bros largos, absorvendo-lhe o sabor.

Mac sentiu uma violenta necessidade de devorar aquela mulher. No entanto, segurou-a pelo rosto, observando-a, sorvendo-a com beijos ousados.

Encantado com a expressão de surpresa, mistu­rada ao prazer nos olhos dela, tirou o sutiã e aca­riciou os seios, sentindo os mamilos intumescerem. Então, com os lábios úmidos, estimulou a ponta sensível. 

Foi o mesmo que sentir o corpo se desfalecer. Dar­cy fechou os punhos, envolvida em ondas de prazer. O fogo da paixão queimava-lhe a alma. Ouviu-se gemer e se agarrou em Mac.

— Calma. — Ele não tinha certeza se queria acal­má-la ou a si próprio. Mas os movimentos sinuosos roubavam-lhe o controle das mãos.

Rolaram sobre a cama, mergulhando na piscina de travesseiros. Mac tirou-lhe a saia, jogando-a no chão, e logo se livrou da última barreira de rendas.

— Oh, Deus. — Os olhos de Darcy ficaram turvos, impedindo-lhe a visão. — Não posso...

— Você deveria estar bailando na floresta encantada sob a luz do luar — ele sussurrou, maravilhado com o corpo alvo que respondia a cada toque sutil. Traçou as curvas do ventre e sorriu. — Consegue imaginar?

Em um rompante de desejo, ele beijou a região entre as pernas.

Invadida por uma sensação indescritível, Darcy agarrou os lençóis, tentando respirar. O calor crescia como uma bola de fogo. Ficou cega de prazer e con­teve um grito mudo na garganta.

Arriscando movimentos sedutores, ela largou os lençóis e apoiou-se nos ombros de Mac.

Tão quente, ele pensou, e suas mãos ainda não haviam percorrido todos os lugares mais almejados. Mas Darcy estava pronta. Sentiu uma emoção inu­sitada quando os olhos dourados o fitaram, absortos.

—  Nunca...

— Eu sei. — Mac era o primeiro e, por essa razão, o desejo de possuí-la crescia a patamares inimagi­náveis. Aproximou-a de si. Darcy arqueou o corpo, convidando-o.

Quando a penetrou, os músculos pareceram cla­mar por satisfação.

—  Apenas sinta, querida. — Mac segurou-lhe as mãos.

Novamente, Darcy sentiu-se flutuar sobre um oceano de prazer incalculável. A dor e o choque se misturavam às sensações alucinantes que ela não conseguia discernir. Recebeu-o com todo seu amor. A união foi completa.

Sussurros e magia se fundiam na doçura do mo­mento. O corpo estremeceu, antes de perder-se em uma piscina de cores e êxtase.

Unida a Mac, ela o abraçou e suspirou seu nome.

 

Darcy podia sentir o aroma exótico das flores tropicais sobre a cômoda. Os raios de sol invadiam o quarto, aquecendo-lhe as faces.

Se mantivesse os olhos fechados, era possível visualizar-se no meio do deserto, totalmente nua e envolvida pelos braços de seu amor.

Seu amante. Que palavra maravilhosa era aquela.

Feliz, Darcy a repetia inúmeras vezes em pensa­mento enquanto se virava para beijar o pescoço de Mac. Mas quando ele começou a se mover, estreitou o abraço.

— Precisa se mexer?

A mente de Mac parecia não querer refletir. Darcy ocupava-lhe os pensamentos, como se ainda estives­sem em pleno ato amoroso.

— Você é tão pequena.

—  Estou trabalhando para mudar isso. — Ela desejava apenas sentir o roçar dos lábios na pele morena. — Já adquiri músculos.

Mac teve de sorrir. Segurou o braço fino e delicado, apertando o frágil músculo.

— Nossa!

—  Certo. Estou quase adquirindo músculos. Em poucas semanas, ninguém mais vai me chamar de magricela.

—  Não é magricela — ele murmurou, absorvido pela textura da pele macia. — É esguia. Delgada.

Fascinada, Darcy observava os olhos azuis con­centrados enquanto Mac deslizava os dedos ao longo do braço. Teria ele noção dos efeitos que aquele gesto simples causava nela?

Aquele perfil escultural, que Darcy não cansava de admirar, por alguns momentos pertenceu somen­te a ela. Teria sido o amor profundo que proporcio­nara magia ao ato sexual? Talvez porque fosse o primeiro, o único, Darcy jamais pudesse se imaginar tão íntima de alguém.

A despeito das razões, iria resguardar o que Mac lhe dera. E esperava ter podido retribuir a mesma emoção.

— Preciso perguntar. — Sorriu, envergonhada. — Sei que pode parecer idiotice, mas... tenho de saber.

Temeroso, Mac a fitou. Receava que Darcy lhe per­guntasse como se sentia. Por ainda estar admirado com a união abrasadora, não sabia o que pensar.

— Eu fui... — Como expressar-se em uma frase? — Foi bom? — ela indagou, por fim.

A tensão se dissolveu.

—  Darcy. — Tomado por uma onda de ternura, ele a beijou nos lábios. — O que acha?

— Não sou mais capaz de raciocinar. Tudo me pareceu tão repentino. Sempre imaginei que iria me lembrar dos detalhes, passo a passo. Mas não prestei atenção. Havia muito para sentir.

— As vezes... — Mac queria possuir aqueles lábios outra vez. — Pensar atrapalha.

— Os pensamentos somem de minha cabeça quan­do você faz isso. — Darcy o abraçou e o beijou. — E, ao me tocar, tudo se torna tão... quente.

Ofegante, ela voltou a sentir o desejo crescer. murou e entregou-se aos braços ávidos de paixão.

— Mais — pediu Mac. — Ofereça-me muito mais dessa vez. — E deixou-se envolver por aquela emo­ção tão assustadora.

 

Mais tarde, sozinha na cama, Darcy fitou a pró­pria imagem refletida no espelho do teto. Os olhos se arregalaram ao ver os cabelos despenteados e o corpo nu entre os lençóis.

Era mesmo Darcy Wallace? A filha comportada, a bibliotecária consciente e a tímida donzela de Kansas? Parecia... viva. Ciente da própria natureza. Oh, e muito satisfeita. Mordeu o lábio inferior, imagi­nando se teria coragem de se mirar no espelho du­rante o próximo ato de amor com Mac. Sim, haveria outros.

Alegre, agarrou o travesseiro e rolou na cama. Ele a queria. Darcy não se importava com as razão, já era o bastante desejá-la.

Havia uma suave promessa por trás dos beijo que trocaram antes de ele sair. Mac a havia convidado para jantar em seu escritório. Ele a queria.

Tinha de encontrar uma maneira de mantê-lo sempre por perto. Talvez pudesse até vir a se apai­xonar por ela.

Seria o mesmo que jogar. Darcy precisaria arriscar o que já tinha e esperar por mais.

Com todo seu coração, ela desejava se casar e constituir uma família. Queria ser mãe. Necessitava desesperadamente partilhar o profundo amor que sentia com aqueles que amava.

E, pelo menos uma vez, precisava se sentir amada.

Mas não queria um afeto duvidoso. O que a atraía ?era a perigosa paixão capaz de cegar e fazê-la co­meter atos insanos.

O tipo de amor que podia ferir. Darcy fechou os olhos, preocupada. Um sentimento forte o bastante para escalar montanhas e exigir gritos de deleite e terror.

Almejava tudo isso. E queria vivê-lo com Mac Blade.

De que forma poderia ganhar seu coração? Res­pirou fundo, acomodando-se entre os travesseiros. Precisava descobrir um meio, prometeu a si mesma, e adormeceu.

Afinal, só quem jogava poderia ganhar. E Darcy tinha muita sorte no jogo.

 

Vestiu a jaqueta de linho branco pela qual se apai­xonara no primeiro dia que passara no hotel. Sob ela, usava um lindo vestido vermelho. O casaco lhe dava confiança e a fazia sentir-se glamourosa.

O vestido a tornava pecadora.

Pensou em tentar o blackjack outra vez. Se pre­tendia morar em Las Vegas e envolver-se com o dono do cassino, precisava praticar estratégias de jogo.

Os caça-níqueis não exigiam destreza. Provara isso a si própria. A roleta parecia um pouco repe­titiva, embora fosse excitante, mas Darcy não con­seguia acompanhar a velocidade da bola.

Entretanto, as cartas surgiam em uma intrigante ordem e demandavam estratégias de raciocínio.

Vagou pelo cassino, divertindo-se com a multidão, os sons estridentes e a energia. As mesas estavam todas ocupadas naquela noite, e as cartas se moviam rápidas. Considerava a possibilidade de arriscar cem dólares quando Serena apareceu.

— Estou feliz em ver que decidiu sair um pouco. — Atenta como sempre, Serena admirou a escolha das roupas. — Alguma comemoração?

Darcy sentiu-se corar. Não podia revelar à mãe de Mac que estava comemorando o fato de ter feito amor com ele.

— Resolvi me arrumar hoje. Comprei muitas rou­pas e visto sempre short e camiseta.

— Sei como se sente. Nada como um belo vestido para alimentar a alma feminina. E este é maravi­lhoso, Darcy.

— Obrigada. Não acha muito... vermelho?

— De forma alguma. Vai tentar a sorte aqui?

— Estou pensando a respeito. Detesto me juntar a uma mesa onde todos sabem o que estão fazendo. Deve ser irritante ter uma novata cometendo erros durante o jogo.

— É parte da brincadeira, e a sorte sempre acom­panha os principiantes. Se optar pela mesa de cinco ou dez dólares, as pessoas estarão dispostas a ajudá-la.

— Você foi crupiê?

—  Sim, fui. E muito boa, por sinal.

— Pode me ensinar?

— A distribuir cartas?

— A jogar. — Darcy sorriu. — E ganhar.

— Bem... — Serena adquiriu um brilho diferente no olhar. — Escolha uma mesa no bar para nós. Eu a encontrarei em um minuto.

 

—  Separe os dois setes.

Atenta, Darcy seguia instruções, abaixando as duas cartas sobre a mesa do bar.

— E isso deve ser bom, certo? Porque tenho duas mãos com que me preocupar.

Serena apenas sorriu.

— Cubra sua aposta da segunda mão. — Ele for­neceu mais duas cartas a Darcy. — Três por dez na primeira mão, e seis por treze na segunda. A mesa tem um oito. O que você vai fazer?

— Dobro a aposta da primeira mão e arrisco. — Lembrando-se do ritual que lhe fora ensinado, ela contou os amendoins que substituíam as fichas. — Três mais treze pontos. Tenho de pegar outra.

— Vai manter os dezenove?

— Sim. Agora temos isso. — Darcy bateu os dedos sobre a segunda mão e fitou o rei. — Bem, ao menos fui rápida.

— Estourou com vinte e três. — Serena virou as outras cartas que estavam de cabeça para baixo. — A mesa tem onze, quatorze e quebrou com vinte e cinco.

—  Então ganhei a primeira mão. Mas dobrei a aposta, portanto é o mesmo que vencer duas vezes. Que bom.

— Está aprendendo. Agora, se quer vencer a casa, deixe a aposta correr na segunda mão.

Darcy olhou o punhado de amendoins.

—  É muito... vinte amendoins em uma só mão.

— Dois mil. — Serena a fitou. — Não mencionei que cada amendoim valia cem dólares?

— Meu Deus, já comi mais de uma dúzia. Vamos continuar.

—  O jogo está aberto, senhoras?

Serena ergueu o rosto para receber o beijo do marido.

—  Chegou na hora. Puxe uma cadeira.

Justin pegou um pote de amendoins em outra mesa.

— Acho que posso arriscar algumas mãos.

— As fichas são de cem dólares. Somos jogadoras de alto nível. — Deliciando-se com o jogo, Serena embaralhou as cartas. — Façam suas apostas.

Quando Mac os encontrou meia hora depois, Darcy estava sentada ao lado de Justin e ria da pilha de amendoins que conseguira acumular.

— Não vai ganhar com dezessete se o crupiê está mostrando um dois — Darcy explicou, enquanto Jus­tin baforava um charuto. — Por que fez isso?

— Ele conta as cartas. — Mac puxou uma cadeira e sentou-se entre os pais. — Não gostamos de tru­ques aqui. Pedimos educadamente que se retirem.

— Eu lhe ensinei a contar cartas antes de apren­der a andar, Mac.

— É verdade. — Mac sorriu. — Por isso consigo identificar os trapaceiros.

—  Seu pai continua tão rápido quanto na época em que apostou um passeio comigo pelo convés do navio durante um jogo de vinte e um. Ele ganhou com dezessete.

—  Que romântico. — Darcy suspirou.

—  Serena não achou nada romântico. — Justin sorriu para a esposa. — Mas a fiz mudar de idéia.

— Eu o achei arrogante e perigoso. Ainda tenho a mesma opinião — Serena acrescentou, tomando um gole de vinho. — Apenas aprendi a gostar de você assim.

— Vocês dois vão flertar um com o outro ou jogar? — Mac perguntou.

—  Podem fazer tudo ao mesmo tempo — Darcy informou-o. — Estive observando.

— Aprendeu algo?

O tom suave e sensual das palavras a atingiram-na.

Ela o fitou, encantada.

—  Se não apostar, não ganha.

— Tenho algumas horas de folga — Mac explicou para todos, mas mantinha os olhos em Darcy quando se levantou. — Vejo vocês amanhã — despediu-se dos pais e tomou a mão de Darcy. — Vamos sair.

—  Sair?

— Há muito mais em Las Vegas do que o Comanche.

— Boa noite — ela gritou, enquanto Mac a puxava. Justin tirou o charuto dos lábios.

—  O garoto é um caso perdido.

No instante em que pôs os pés fora do hotel, Darcy se deu conta de que não saíra à noite desde que chegara a Las Vegas. Por um momento, permaneceu parada entre as fontes luminosas e a grande estátua do chefe índio.

O tráfego estava intenso. Havia luzes, sirenes, ousadia e sedução.

—  É tão... grande.

—  E sempre há mais. O Strip fica a poucos quar­teirões daqui, mas pode sentir o dinheiro em cada metro quadrado. Jogar é o objetivo, contudo, a cidade oferece outras diversões. Cantores famosos, espetáculos circen­ses, sinos de casamento e parques para crianças.

Mac voltou o olhar para as imensas colunas do Comanche.

— Construímos cem quartos no ano passado. Po­deríamos construir mais cem, e ainda haveria hóspedes para ocupá-los.

— Dirigir uma empresa desse porte requer muita responsabilidade.

—  Gosto do trabalho.

—  Do desafio? — ela perguntou. — Do poder ou da emoção?

—  De tudo.

Virando-se, Mac deu um passo para trás. Não havia reparado no rosto de Darcy quando estava no bar. Aqueles olhos sempre o capturavam. Notou a elegân­cia da jaqueta de linho e o convidativo vestido vermelho.

—  Eu devia ter tirado a noite inteira de folga. Você precisa conhecer o resto da cidade.

— Satisfaço-me com algumas horas. Para onde vamos?

— Não posso imaginar um passeio entre as colinas sob o luar, mas posso levá-la para conhecer um túnel repleto de fantasias.

Ele a levou para caminhar na Freemont, uma ave­nida coberta de luzes. Cores pipocavam a cada canto, ordenadas em notas musicais tal qual uma festa co­memorativa. Darcy ficou maravilhada com o espetáculo e deliciou-se ao som das canções enquanto andava de mãos dadas com Mac, como namorados. Tomaram sorvete e riram.

Subiram no elevador da Estratosfera. Embora es­tivesse com medo, ela arriscou a aventura de experimentar a montanha-russa, o Strip. Fitou as es­truturas que compunham aquela imensa pista de aço e viu o silencioso desafio nos olhos de Mac quan­do acomodaram-se no carro.

—  Nunca brinquei em uma montanha-russa em minha vida.

— Pois precisa começar com um campeão — ele brincou.

— Já passeei em roda gigante, mas... —Darcy olhou o cinto de segurança. — Tem certeza de que é seguro?

—  Quase todos que viajam no Strip conseguem sobreviver. — Ele,riu diante do pavor estampado nos olhos de Darcy.

Ao receber o sinal de partida do funcionário, Mac resolveu tirar vantagem quando ela se agarrou a seus braços.

—  Quero beijá-la.

—  Tudo bem, mas devia ter feito isso enquanto estávamos no chão. — Darcy mergulhou o rosto nos ombros de Mac.

— Ainda não — ele murmurou. — Em breve. - tranqüila, ela sorriu, e o coração começou a bater normalmente.

— Não é tão ruim. Nunca imaginei que pudesse ser tão lento.

De repente, eles mergulharam em um precipício de aço, fazendo Darcy perder a voz de tanto medo.

— Agora. — Ele a beijou quando subiram ao topo do mundo.

Darcy não podia respirar. Não havia nem sequer fôlego para gritar. Voavam pelos ares, como se o carro saísse dos trilhos, em seguida despencavam em uma velocidade impressionante. Mac pegava-a de surpresa com beijos e carícias, deixando-a estupefata.

Velocidade, cores, gritos. E uma tempestade de adrenalina que parecia não ter fim.

Quase sem poder respirar, Darcy se agarrou a Mac. E ofereceu-lhe o que tanto esperava: loucura e rendição.

Quando o carro parou, ela ainda estava zonza. Continuou pregada ao braço de Mac, como se jamais conseguisse soltá-lo.

— Deus! — exclamou, apavorada. — Nunca senti nada semelhante. Podemos ir outra vez?

—  Oh, sim.

Ao retornarem às ruas, Darcy parecia bêbada de tantas emoções.

—  Foi maravilhoso. Minha cabeça ainda está gi­rando. — Riu quando ele a abraçou pela cintura. — Não serei capaz de andar em linha reta durante horas.

— Nesse caso, tem de se apoiar em mim... o que faz parte de meu plano.

Novamente rindo, ela olhou para cima, apreciando a explosão de fogos. Chuvas coloridas invadiam o céu negro e se espalhavam.

— É um mundo tão brilhante. Tudo é muito alto, grande e rápido. — Voltou-se para fitá-lo. — Nada é impossível.

Passando os braços ao redor do pescoço de Mac, Darcy o beijou com uma paixão que havia séculos esperava por nascer.

— Quero experimentar tudo. E repetir umas duas vezes, depois escolher o melhor e fazer de novo.

Mac deslizou as mãos sob a jaqueta de linho e descobriu, para seu deleite, que o vestido deixava nuas as costas de Darcy.

— Temos mais algum tempo antes de voltar. O que gostaria de fazer?

—  Bem... — Ela fitou os letreiros de néon. — Quero ver uma dança exótica.

— E a segunda opção?

— Fico imaginando como devem ser aquelas boa­tes onde mulheres seminuas dançam para o público.

— Não vou levá-la a um show de strip-tease, Darcy.

— Já vi mulheres nuas,

— Não.

— Está certo. — Ela deu de ombros e começou a caminhar. — Vou sozinha.

Cerrando os lábios, Mac a fitou desconfiado. Con­siderou aquela atitude um blefe. Mas resolveu não arriscar.

— Dez minutos — murmurou. — E você não diz uma palavra enquanto estivermos lá dentro.

— Dez minutos é perfeito. — Feliz com a vitória, Darcy passou o braço ao redor do dele.

 

— Tenho certeza de que a patriótica foi a melhor de todas. — Satisfeita em viver outra fascinante experiência, Darcy entrou no escritório de Mac. — Aquela com uma pequena bandeira na...

— Sei a quem se refere.

Cada vez que imaginava prever as reações de Dar­cy, ela o surpreendia. Durante o show de strip-tease não ficara constrangida ou chocada. Pelo contrário, parecia fascinada.

—  O modo como dançavam ao redor daquela pilastra... Elas devem ter praticado horas a fio. O controle muscular era fenomenal.

—  Não acredito que me persuadiu a levá-la em um lugar como aquele.

— Não sabia.

—  Obvio que não.

—  Não. Refiro-me a você. — Ela se sentou no braço da cadeira. Mac estava diante das telas, ob­servando o movimento do cassino.

—  Como assim?

— Por baixo desse exterior sofisticado, você tem um coração tradicional.

Incerto se deveria se sentir ofendido, Mac a olhou.

— Pois saiba que antes de tudo sou um cavalheiro.

—  Sei disso.

— Está com fome?

— Não muito. — Darcy caminhou pela sala. Não conseguia ficar parada. — Foi o dia mais incrível que já vivi. Todas as sensações ainda borbulham dentro de mim. — Ela cruzou os braços, contendo as experiências. — Não sei se há espaço para comida.

Mas fitava-lhe o rosto radiante.

—  Champanhe?

— Sempre há lugar para champanhe. Jamais ima­ginei que um dia diria isso. Cada minuto de minha vida em Las Vegas é um pequeno milagre.

Mac pegou uma garrafa no bar e, enquanto a abria, observava Darcy. A repentina maturidade eraevidente nos olhos, lábios e rosto. As novidades pul­savam com energia e contentamento.

Vê-la, senti-la e tocá-la parecia aumentar o desejo que nutria por ela. Fique comigo, Darcy pedira. Es­tar juntos, caminhar pelas ruas, jantar à luz de velas, tudo de repente se tornava vital.

Mas, mesmo assim, ela continuava encantadora. Como conseguir desviar os olhos daquela mulher tão... sensual?

— Gosto de vê-la feliz.

— Então deve ter se divertido com o passeio tam­bém. Nunca me senti tão feliz. — Aceitou a taça que ele lhe oferecia e bebeu o champanhe. — Posso ficar aqui com você, observando as pessoas?

Teria Darcy a noção de quanto o afetava?

— Fique o tempo que quiser.

— Vai me dizer o que está vendo enquanto olha para as telas? Não vejo nada além de pessoas.

— Problemas, trapaças, maneirismos.

—  O que são maneirismos?

—  Todos possuem maneirismos. Gestos, hábitos repetitivos que nos revelam o que estão pensando.  — Mac sorriu. — Você torce as mãos quando está nervosa. Assim não precisa roer as unhas. Também inclina a cabeça quando está concentrada.

— Do jeito que você põe as mãos no bolso quando se sente frustrado... ou quer socar o nariz de alguém?

— Muito bom.

—  É fácil observar algumas pessoas, mas aqui há tantas. — Ela indicou as telas. — Como consegue ficar atento à multidão?

— Precisa saber o que procurar. A primeira linha de defesa contra trapaceiros é o crupiê. — Mac colocou-se atrás de Darcy para poderem olhar as telasjuntos. — O chefe de segurança que circula no cas­sino é o maior referencial. As câmaras no teto vas­culham todos os cantos.

—  Mas só você tem acesso às imagens.

—  Não. Há uma sala de controle com centenas de monitores como esses. A equipe observa o cassino de cada ângulo e se comunica com os homens es­palhados pela multidão através de aparelhos de rá­dio ultramodernos. Eles avistam um safardana...

—  Um o quê?

— Um trapaceiro. O artista que consegue esconder cartas na manga e engana os olhos do crupiê. Roubo é um problema. Ainda mais agora que existem dados viciados e mãos rápidas. Estamos falando de pessoas que utilizam um computador dentro do cérebro.

Computador cerebral, refletiu Darcy, safardanas na arte de roubar. Não seria um tema fascinante para escrever um livro?

— O que faz quando surpreende alguém roubando?

—  Mostro-lhe a porta de saída.

—  Só isso?

— Ninguém sai daqui com nosso dinheiro. O timbre assustador da voz a fez virar-se.

— Aposto que não.

— Queremos um jogo limpo. As câmaras só servem para manter a ordem e a honestidade. Mas a casa estabelece o limite. Não é tão difícil ganhar dinheiro aqui no Comanche, mas requer muito trabalho.

— Porque as pessoas querem continuar jogando. — Ela podia compreender quão difícil era parar quando havia chance para mais.

— E quanto mais jogam, mais investem.

— Mas vale a pena, não? Se estiver se divertindo ou se sentindo feliz, o dinheiro compensa.

— É um risco constante. — Mac segurou-a pelos ombros, sabendo que não mais conversavam acerca de jogos e dinheiro.

—  O perigo faz parte da diversão. — Darcy ficou ofegante quando ele pegou sua taça e colocou-a de lado.

— E há também o sabor do pecado. Você leva jeito.

— Por que provar um pedaço ou dois quando se pode ter tudo? — Mac fitou os lábios semi-abertos.

— Tire a jaqueta.

—  Estamos em seu escritório.

Um sorriso lento e perigoso surgiu nos lábios dele.

— Quis possuí-la no primeiro dia em que entrou aqui. Agora vou tê-la. Tire o casaco.

Obediente, ela tirou a jaqueta e jogou-a sobre a poltrona. Ao se dar conta de que contorcia os dedos, parou. E o fez sorrir novamente.

— Não me importo que esteja nervosa. Gosto dis­so. É excitante saber que tem medo. — Ele brincou com a alça vermelha do vestido. — O que há por baixo da roupa, Darcy?

—  Quase nada.

—  Não quero ser gentil dessa vez. Vai arriscar? Ela assentiu. Teria falado algo, mas Mac impediu-a com um beijo arrebatador. Seus lábios pareciam tra­gá-la, como se estivessem famintos de paixão.

Em segundos, ele a deitou no chão e regozijou-se no afã de beijos e carícias. As mãos ávidas percor­riam as curvas do corpo, possuindo, incitando sen­sações furiosas.

De súbito, Darcy sentiu-se mais uma vez na montanha-russa, tudo era rápido e estimulante. Glori­ficando o momento, tirou o paletó de Mac e apressou-se em desabotoar-lhe a camisa, enquanto a pulsação de ambos aumentava desmedidamente.

Após jogar o vestido sobre o tapete, Mac sentiu o sangue, agora quente, correr nas veias. Sucumbiu à tentação de beijar os seios pequenos e firmes. Darcy cravou as unhas em suas costas, pedindo mais. De­sesperado para absorver o sabor daquela pele, instigou as zonas erógenas até ouvi-la gemer de prazer.

Mas não era suficiente.

Percorreu com os lábios as partes mais quentes do corpo feminino. Os músculos tornavam-se tensos a cada toque, e a pele arrepiava-se conforme as mãos a percorriam. A respiração de Mac ficou descom­passada ao atingir as curvas dos quadris.

De repente, Darcy soltou um grito. Os afagos se transformaram em chamas de prazer, desorganizan­do o sistema racional com sensações de acurado en­tusiasmo. O clímax a invadiu, fragmentando-a em milhões de pedaços. Enfraquecida, ela se permitiu impregnar-se da emoção profunda que vivia.

Quando imaginou não poder suportar nada mais, Mac conduziu-a ao próximo nível.

Enquanto ele acabava de se despir, admirava o corpo plácido a sua frente. A pele alva brilhava sob as luzes. Os lábios rosados pareciam chamá-lo. Ao ser erguida, Darcy inclinou a cabeça para trás, oferecendo a alma.

— Fique comigo — Mac murmurou, beijando o pescoço sedutor e os ombros. Voltou a deitá-la no tapete e a penetrou, sentindo o calor infindável do ato.

Os gemidos se tornavam intensos e profundos. Ele fitou a expressão de puro prazer que fluía nos olhos dourados.

—  Faça o que quiser. — Ele acariciava os seios túrgidos com extremo delírio.

Darcy começou a se mexer. Seu corpo entrava emharmonia com os movimentos de Mac. Havia uma onda de poder que exigia ritmo e constância. Era tentador. Somente a loucura a conduzia naquele momento.

Em seu íntimo, tudo parecia brilhar e explodir como o mundo que ela havia presenciado nas ruas. Nenhum encontro poderia ser tão grande ou tão rápido.

Mac tremia quando a segurou pelos quadris. Uma nova sensação a invadiu. Sabia que ambos chega­riam juntos ao ponto culminante.

Fique comigo, ele havia pedido. E Darcy não faria nada além de obedecer a ele.

Quando o clímax aconteceu e ambos se fundiram em um só corpo, Mac abraçou-a com o coração em disparada.

 

A campainha do telefone a despertara por volta das nove. A velha jornada de trabalho de oito horas diárias havia acabado em sua vida, pensou. Às quatro da madrugada Darcy desmaiara de exaustão nos braços de Mac.

Como estivesse sozinha na imensa cama, imagi­nou que ele precisava apenas de poucas horas de sono para readquirir a disposição. Se Mac pôde se adaptar a esse ritmo, ela também poderia.

Bocejando, pegou o telefone ainda de olhos fechados.

— Alo?

Cinco minutos depois, estava sentada na cama, olhando para o nada. Talvez fosse um sonho, pensou antes de fitar o telefone. Havia mesmo conversado com um editor de Nova York? Ele realmente lhe pedira para ver um dos livros?

Pousou a mão sobre o peito. O coração batia ace­lerado. Podia sentir os efeitos do ar-condicionado sobre os ombros nus. Estava acordada sim. Não era um sonho, afinal.

Acomodou-se entre os travesseiros e fitou o teto. Não se tratava de nenhum devaneio.

Sua história fora divulgada pela mídia, como ha­via dito o editor. Darcy informara aos jornalistasque estava escrevendo um livro e agora o convite acontecia. Uma grande editora de Nova York queria conhecer seu trabalho.

E tudo porque os holofotes haviam se voltado para ela, concluiu, sem poder acreditar. Era uma pessoa famosa, tinha uma história, e o editor consideraria o manuscrito porque o público estava interessado na escritora e não no trabalho.

Porém, isso não a transformaria em uma escritora de verdade.

Mas que diferença faria? Sentou-se na cama e torceu as mãos, agitada. Já era um começo. Uma oportunidade para provar que seu trabalho possuía algum mérito.

Mandaria o primeiro livro e os capítulos iniciais do segundo. Dessa maneira, o editor poderia avaliar o trabalho com mais acuidade.

Jogando os lençóis de lado, pulou da cama, vestiu o robe e desceu a escada para imprimir os capítulos. Não diria nada a Mac ou a ninguém, pois temia estragar a chance. Superstição tornava-se outro tra­ço de seu caráter.

Trabalhou o dia todo, aperfeiçoando as frases e ado­rou o resultado. Nem mesmo ela sabia que era capaz de tanto. Enquanto as páginas eram impressas, ava­liou a lista de agentes. Se pretendia ser uma profis­sional, precisaria de um representante qualificado. Es­tava na hora de arriscar a grande cartada.

Entretanto, como saber qual daqueles nomes da lista escolher?

Lembrou-se de que apostara tudo que tinha de uma só vez, na máquina de caça-níqueis. Seguindo o impulso, Darcy fechou os olhos e colocou o dedo no papel aleatoriamente.

— Vamos ver como está minha sorte — murmurou a si mesma. Tinha cinco minutos para telefonar an­tes que os escritórios da costa leste encerrassem o expediente.

Vinte minutos mais tarde já tinha um represen­tante, ou ao menos a promessa de ler o manuscrito e negociá-lo com o editor.

Satisfeita consigo, Darcy reuniu seus escritos e chamou o rapaz da recepção para enviar os livros antes que mudasse de idéia.

Quase desistiu quando o garoto apareceu com o envelope do correio. Pensou em uma dúzia de des­culpas para não agir de maneira tão precipitada.

Não estava pronta. O livro ainda precisava de al­guns reparos. Precisava de mais tempo. Estava en­viando seu trabalho a estranhos. Talvez devesse pedir a opinião de alguém antes de mandar o material. Talvez devesse ligar para a agente e dizer que preferia terminar o segundo livro e trocá-lo pelo primeiro.

Covarde, repreendeu-se, erguendo o queixo en­quanto entregava o envelope ao rapaz.

— Vai ser enviado ainda hoje?

— Sim, senhora. Estará em... — ele olhou o endereço no destinatário — ...Nova York amanhã de manhã.

— Amanhã. — Darcy sentiu as faces esquentarem. — ótimo. Obrigada. — Deu uma gorjeta generosa ao rapaz. Depois de fechar a porta, sentou-se e co­locou a cabeça entre as pernas.

Estava feito. Não havia como voltar atrás. Em ques­tão de dias saberia se era boa o bastante. Finalmente seria uma escritora. Mas e se nada desse certo?

Não poderia suportar tal fracasso. Sempre dese­jara escrever, relatar suas idéias e percepções acerca do mundo. Já havia esperado muito tempo.

Endireitando a coluna, ela respirou fundo. A sorte estava lançada, só lhe restava aguardar os acontecimentos.

Quando o telefone tocou, ela o fitou, atemorizada. Seria o editor dizendo que tudo fora um tremendo engano?, imaginou desesperada.

Prendendo a respiração, atendeu o chamado.

— Alô? — disse, com os olhos fechados.

—  Olá, garota.

— Daniel. — O nome saiu em um soluço.

—  Sim. Há algo errado, querida?

— Não, não. — Ela pôs a mão no rosto e riu, nervosa. — Está tudo maravilhoso. E você, como vai?

— Fantástico. — O tom de voz comprovava a dis­posição. — Achei que você devia saber logo. Perdi cada centavo que me deu em um investimento mal sucedido.

—  Eu... — Darcy piscou várias vezes, atônita.

— Tudo?

A gargalhada de Daniel foi tão intensa que ela precisou afastar o telefone para não ficar surda.

—  Estou brincando com você, garota.

— Oh. — Darcy levou a mão ao peito. — Preciso me acostumar a seu bom humor.

— Ainda permanece sentada? Só liguei para lhe dizer que fizemos algum dinheiro.

— Algum dinheiro? Já?

— Sabe, Darcy, está usando o mesmo tom de voz tanto para notícias ruins quanto para as boas. É uma ótima demonstração de controle pessoal.

— Não me sinto controlada — admitiu. — Estou em pânico.

—  Acalme-se. Conseguimos uma soma razoável em pouco tempo. Acho que deveria comprar outro par de brincos.

—  De que valor?

—  Essa é minha garota. — Daniel soltou outra gargalhada. — Ganhamos cinqüenta com as aplica­ções que fiz.

—  Posso comprar um lindo par de brincos com cinqüenta dólares.

—  Cinqüenta mil.

— Mil — ela repetiu, surpresa. — Está brincando de novo?

— Compre brincos de brilhante. Fazer dinheiro é um ótimo passatempo, mas precisa aproveitá-lo bem. Agora diga-me quando virá me visitar. Minha Anna quer conhecê-la.

—  Devo estar indo para o leste, a negócios, em poucas semanas.

— Perfeito. Venha para cá e conheça o restante da família ou aqueles que eu conseguir agrupar. As crianças vão enlouquecê-la. É um crime. Minha mu­lher sofre com elas.

— Agradeço o convite, Daniel. Sinto saudade de você.

— Você é uma doçura, Darcy.

—  Daniel... — Tratava-se de um assunto muito delicado, mas Darcy tinha de falar. — Mac mencio­nou... Quero dizer, ele parece pensar que você apre­cia o fato de ficarmos juntos. Bem, ele acredita que está tentando nos unir.

— Tentando uni-los?! Ah! O garoto precisa de um puxão de orelha. Eu disse alguma coisa a respeito disso?

— Não exatamente, mas...

—  De onde tiraram essa idéia? Não a joguei no colo dele, certo?

— Mas, Daniel...

—  Isso não significa que os jovens não precisem de alguma ajuda para enxergarem o que é melhorpara eles. Alguns apenas vagueiam pela vida, sem compromissos. Minha mulher merece acalentar be­bês durante o século que ainda lhe resta, não acha?

—  Claro que sim. Só imaginei...

—  Eu... Ela merece — Daniel se apressou em corrigir. — Robbie vai fazer trinta anos e não co­meçou a constituir família... — ele prosseguiu, im­pedindo-a de falar. — O que há de errado em dar-lhe uma força, já que vocês combinam tão bem?

—  Combinamos? Tem certeza, Daniel?

— Se estou dizendo que combinam, quem irá du­vidar? — Após uma pausa, a voz de Daniel tornou-se suave. — Ele é um belo rapaz, não acha?

—  Sim, acho.

— Forte como pedra e tem cérebro. Possuí também um bom coração e é responsável. É solidário com os amigos e a família. Uma mulher não poderia fazer melhor opção que escolher meu Robbie.

— Não, não vejo como ela poderia,

— Não estamos falando de uma mulher hipotética — Daniel disse, impaciente. — É a respeito de você que conversamos. Gosta dele, não é, Darcy?

Ela se lembrou da cor e do barulho dos fogos de artifício que sentiu explodirem em seu quarto na noite anterior, para celebrar o momento de amor dos dois.

—  Daniel, estou desesperadamente apaixonada por ele.

—  Grande garota!

— Por favor. — O entusiasmo de Daniel apertou-lhe o coração. — Estou lhe revelando isso porque preciso desabafar com alguém.

— Por que não disse a ele?

—  Porque não quero assustá-lo. — Pronto, ela havia revelado enfim suas suspeitas.

— Entendo. Você quer lhe dar tempo para corteja-la e fazê-lo pensar que foi idéia dele.

—  Não imaginei algo tão diabólico. Mas...

—  O que há de errado em ser diabólico? Os fins justificam os meios nesse caso.

—  Suponho que sim. — Darcy sorriu. — Ele se importa comigo, sei disso. Mas acho que parte desse interesse vem do senso de responsabilidade. Estou disposta a esperar até que ele não se sinta responsável.

— Não espere muito tempo.

— Não se preocupe. Tenho algumas idéias em mente.

 

Ela estava no mercado para alugar um veículo. Comprar um automóvel teria de esperar até se de­cidir qual dos modelos mais se adequava a seu novo estilo de vida. Em segredo, esperava optar pelo carro esporte.

Armada com mapas, Darcy iniciou a tarefa de se familiarizar com as ruas da cidade. Atravessou o centro, notando os exuberantes arranha-céus. Sinais de desenvolvimento econômico despontavam em to­ldos os cantos, desde hotéis espetaculares a condomínios fechados.

Estacionou e passeou nos shoppings, galerias e lojas de variados artigos. Observou, enfim, a vida que pulsava fora dos cassinos de Las Vegas.

Viu crianças brincando em jardins, casas próxi­mas umas às outras em bairros distantes. Havia escolas, igrejas, ruas calmas e movimentadas. Avis­tou residências de frente para a paz do deserto e cadeias montanhosas mais além.

Na verdade, Darcy viu uma vida que ela própria podia construir.

No caminho de volta, entrou em uma bibliotecae resolveu obter maiores informações acerca do local que se transformaria em seu lar.

Já passava das sete horas quando voltou ao hotel. Ao entrar na suíte sentiu-se exaurida de cansaço. Havia percorrido pelo menos uns quarenta quilô­metros. Marcara um encontro com uma corretora de imóveis para visitar um imóvel no dia seguinte.

Em breve se tornaria proprietária de uma casa.

— Até que enfim você apareceu. — Mac saiu do elevador no instante em que as portas se abriram. — Estava preocupado.

—  Desculpe. Saí para explorar a cidade. — Ela jogou a bolsa no sofá e começou a sorrir, mas seus lábios foram logo arrebatados pelos dele.

Mac sabia que a imensa sensação de alívio era fora de propósito, mas ficara irritado por não tê-la encontrado em lugar algum do hotel.

— Não devia ter saído sozinha. Você ainda não conhece bem a cidade.

Responsabilidade, Darcy pensou, suspirando resignada.

— Comprei um mapa. Achei que já era hora de ver um pouco mais de Las Vegas.

Em um impulso, quase contou a respeito da casa que visitaria no dia seguinte, mas se conteve. A novidade por enquanto tinha de ser só dela, tal qual o telefonema que havia recebido de Nova York.

— Passou muito tempo sob o sol. — Mac deslizou o dedo sobre o nariz avermelhado, fazendo-a gemer de dor.

— Preciso me lembrar de usar chapéu antes que minhas sardas aumentem. O ar quente e seco é uma temeridade para a pele, mas adoro o clima daqui.

— E fácil desidratar com esse calor.

—  Tem razão. — Darcy pegou uma garrafa de água do bar. — Vi pessoas pelas ruas andando com garrafas de água. Muitos pareciam exploradores, com suas mochilas, chapéus e máquinas fotográficas. Vi também muitas máquinas de caça-níqueis em lojas de conveniência.

—  Foi a uma loja de conveniência?

—  Estava no centro da cidade e quis ver como era — explicou Darcy. — Depois fui visitar um bairro tranqüilo, com crianças e cachorros no quintal de lindas casas.

—  Eu a teria levado para conhecer os arredores de Las Vegas, se soubesse que queria ir.

— Você estava ocupado.

— Agora não estou mais. Meus pais me enxotaram do escritório, obrigando-me a tirar a noite de folga.

Um sorriso curvou os lábios de Darcy.

— Eu realmente amo seus pais.

— Eu também. Venha passear comigo. — Ele tomou-lhe a mão. — Encontraremos a lua cheia.

 

À distância, Las Vegas parecia uma miragem. O chão do deserto se estendia em todas as direções. A imensidão do céu estava repleta de incontáveis estrelas que rodeavam a lua branca.

Nas colinas distantes, um coiote urrou, e o som melancólico ecoou pelo ar.

Mac havia abaixado a capota do conversível para que Darcy pudesse admirar as estrelas. Ouvia-se apenas o sussurrar do vento, resvalando nas areias do deserto.

— E fácil esquecer de que toda essa beleza existe quando se está trancado dentro de casa. — Ela fitou as luzes da cidade. — O oeste selvagem é perigoso e lindo.

—  Está muito longe de Kansas. — Era tão fácil imaginá-la em Kansas, afastada do vento árido e das luzes coloridas. —Tem saudade do verde? Dos campos?

— Não. — Darcy nem sequer havia pensado nisso. — Há algo de poderoso nos tons dessa terra desér­tica. — Virou-se para fitá-lo. — Mas você também não cresceu aqui. Viveu no leste?

— A casa era em New Jersey. Meus pais não que­riam criar os filhos em quartos de hotéis e cassinos de Atlantic City. Mas passávamos a maior parte do tempo nesses lugares. Duncan e eu costumávamos ajudar a equipe de segurança subindo em cima das mesas. Antes da instalação de aparelhos eletrônicos era assim que eles vigiavam os cassinos. Minha mãe me mataria se soubesse que o levava comigo.

—  Claro. Devia ser muito perigoso.

— Era parte da aventura. — Mac sorria enquanto brincava com as mechas dos cabelos de Darcy. — Há a história do segurança que certa vez caiu de cima da mesa e espalhou fichas para todos os lados.

— Nossa! Ele ficou ferido? O que aconteceu?

— Os boatos diziam que um jogador apostou dez dólares como ele havia quebrado os quadris. As jo­gadas não cessam por nada.

Darcy riu e acomodou-se no ombro de Mac.

— Deve ter sido emocionante fazer parte de toda essa agitação. Por que resolveu trabalhar aqui e não em Atlantic City?

— Só há uma Las Vegas. Não escolho por menos, prefiro o melhor.

O coração de Darcy acelerou-se com aquela confissão.

— Todos de sua família trabalham com cassinos?

— Duncan administra um barco. Ele gosta de fazer cruzeiros pelo rio Mississipi e flertar com as mulheres.

— Vocês são próximos?

— Somos. Todos nós, aliás. A localização geográ­fica não atrapalha. Gwen é médica, mora em Bos­ton... assim como vários primos e primas. Ela teve um bebê meses atrás.

—  Menino ou menina?

— Menina. Anna, como minha avó. Tenho cente­nas de fotos — ele acrescentou —, se quiser vê-las. 

—  Eu adoraria. Você tem outra irmã, a caçula?

— Mel. Tem olhos de anjo e punho de um lutador de boxe.

—  Imagino que ela precise de ambos — Darcy comentou. — Você deve torturá-la todo o tempo.

— Não mais do que exige meu dever e minha obrigação. Além disso, foi eu quem a ensinou a lutar. Ninguém provoca minha irmã caçula sem levar o troco.

— Aposto que são todos lindos. Têm corações bon­dosos e sorrisos sedutores. — Ela voltou a fitar a lua. — Entre olhares e cumprimentos mostram-se confiantes e seguros.

— Pensei que a palavra fosse arrogante.

— E é, mas não significa uma crítica. Vocês bri­gam muito?

— Tanto quanto é humanamente possível.

— Ninguém discutia em minha casa. Sempre se procurava agir de maneira ponderada. Em uma bri­ga pelo menos temos a chance de ganhar.

— Notei que você é especialista nesta área.

— Sorte de principiante. Espere até eu me adap­tar. Serei um terror. — Ela riu. — Vou aprender a lutar boxe para o caso de a argumentação não funcionar.

Darcy ainda sorria quando Mac a beijou. Em se­gundos, o beijo se tornou profundo. Ambos se moviam e confundiam-se em carícias. A emoção surgiu tão poderosa e violenta que ele sentiu o controle esvaecer.

— Eu não devia desejá-la tanto. — Mac segurou-a pela nuca, aproximando o rosto delicado. Os olhos dourados refletiam o brilho do luar e faziam crescer o desejo que o atormentava. — É demais para um homem suportar.

Lembrando-se do que ele dissera na noite anterior,

Darcy respondeu:

— Faça o que quiser.

— Nem sei por onde começar.

As palavras garantiram uma nova disposição em Darcy. Eletrizada, ela se ajoelhou no banco e fitou as mãos de Mac enquanto acompanhava o ato de desabotoar a blusa.

— Tente outra vez — ela murmurou.

 

Ele nunca deveria tê-la tocado, Mac censurava-se pois sabia que agora não conseguiria parar de de­sejá-la. Dirigiu durante o longo trajeto de volta a Las Vegas com Darcy dormindo feito uma criança a seu lado.

Mac fizera amor com ela no banco do carro tal qual um adolescente descobrindo os prazeres do sexo. Deixou-se tragar pelo ato em cego desespero, como se sua vida dependesse daquilo.

E queria fazê-lo outra vez.

Quebrara todas as regras. Um homem que vivia de jogos e apostas devia conhecer as regras e saber quando e como ignorá-las. Não tinha o direito de estourar a banca.

Sozinha e inocente, ela confiara em Mac. Ambos haviam permitido que as necessidade primitivas sobrepujassem o bom senso. Agora Mac estava tão mer­gulhado em seus desejos que nada mais parecia claro.

Tinha de recuar. Não havia outro meio de impedir maiores danos. Darcy precisava de espaço para tes­tar suas asas de fada. Ninguém jamais lhe dera aquela oportunidade, nem mesmo ele.

Podia mantê-la a seu lado e sabia disso. Ela pen­sava que o amava, e Mac seria capaz de prolongar tal ilusão. Até que, eventualmente, o brilho radiante da fada começasse a desaparecer, e aquela luz maravilhosa de alegria sumisse dos olhos dourados.

Mas mantê-la consigo iria arruiná-la, mudá-la e destruí-la. Era o único jogo que ele não arriscaria.

A preocupação que nutria por ela lhe deixava ape­nas uma escolha. Tinha de se afastar e dar a Darcy a opção de transformar o rumo de sua vida. Procurar o caminho certo.

Contudo, ele precisaria fazer isso logo, para o bem de ambos.

Era a única mulher que entrava na mente de Mac sem ser convidada a qualquer hora do dia ou da noite. Queria eliminar tal possibilidade, mas se viu receando o momento em que Darcy ficaria ape­nas na memória.

Ficava furioso só de pensar que se tornaria so­mente uma mera lembrança para ela também.

Mas Darcy sempre pensaria nele, imaginou Mac, quando estivesse morando em um linda casa com jardim. Crianças brincariam ao redor dela, um ca­chorro dormiria sobre o gramado e um marido, que não apreciaria a magia da mulher, viria para jantar após o dia exaustivo de trabalho.

Era a um mundo assim que Darcy pertencia. Mac precisava cortar a forte ligação que os unia paraque ela pudesse seguir seu caminho. Tratava-se de gratidão, excitamento e sexo, ele deduziu, ignorando o fato de querê-la em todas suas aventuras.

Havia revelado a verdade quando disse que ela não pertencia ao mundo dos cassinos. Mac acreditava nisso piamente. Darcy chegaria à mesma conclusão quando a atração sexual diminuísse um pouco.

Virtude e pecado não eram bons companheiros.

Enquanto dirigia pela longa e movimentada ave­nida, ele fitou as luzes coloridas refletidas no rosto de Darcy. Teria de deixá-la partir, disse a si próprio.

Em breve.

 

A casa surgiu sobre a areia como um indo castelo de contornos mágicos e enfeitado de cores. Após o impacto inicial, Darcy apaixonou-se pela casa.

A residência era rodeada de palmeiras, e plantas do deserto cresciam displicentes em volta do deque. O vermelho suave do telhado contrastava com a pin­tura cor de marfim das paredes. A multiplicidade de níveis dava à casa harmonia, charme e estimu­lava a criatividade diante da arquitetura.

Havia um sótão, semelhante a uma pequena torre, que a fez imaginar um delicioso ninho de amor para princesas e cavaleiros, embora seu lado prático insis­tisse em visualizar um local perfeito para trabalhar.

Ao entrar, sentia que a casa já era dela. Nem sequer prestava muita atenção no discurso habitual da corretora.

A construção tem apenas três anos. Arquiteto renomado. A família se mudou há poucos meses. Acaba de entrar no mercado. Pronta para se morar.

— Sei... — Darcy respondia, distraída, enquanto caminhavam em direção à porta de vidro enfeitado de estrelas.

Estrelas lhe haviam dado sorte, pensou.

Fitou o teto. Luzes indiretas. Perfeito. O espaço era arejado, e as paredes estavam pintadas com um suave tom de amarelo. Não mudaria aquela cor, de­cidiu, ouvindo os próprios passos sobre o assoalho de tábua larga.

Nos fundos, havia uma imensa porta de vidro que dava acesso a outro deque e a um sossegado jardim. Não poria nenhum móvel escuro. Tudo tinha de ser claro e luminoso. Arregalou os olhos quando divisou, além do deque, as águas cristalinas da piscina.

Deixou a corretora expor as vantagens da cozinha, do refrigerador, dos armários e da pia de granito. Picou encantada com o espaço da copa rodeado de janelas. Fora feito para refeições em família, dedu­ziu. Para manhãs de domingo, dias agitados de aula, noites silenciosas e tardes de chá.

Adoraria cozinhar ali, pensava Darcy, avaliando o fogão e o forno de microondas. Sempre soubera preparar o trivial, mas queria experimentar novas receitas com temperos exóticos.

O quarto da criada e a área da lavanderia juntos eram maiores do que seu antigo apartamento em Kansas. Darcy sorriu diante da ironia.

No canto da sala de jantar mandaria instalar um bar com alguns bancos ao lado da lareira que serviria para aquecer as noites frias do deserto. A tonalidade clara da pintura das paredes requeria leveza e conforto.

Receberia convidados para jantares sofisticados. E haveria também churrascos à beira da piscina. Sim, ela poderia se tornar uma anfitriã especiali­zada em deixar os hóspedes à vontade.

Percorreu cada um dos quartos, verificando a vista das janelas, aprovando a escolha do assoalhos e o contraste dos ladrilhos dos banheiros.

Quase perdeu o fôlego ao ver a suíte principal.

Os dois níveis do cômodo revelavam um deque privativo com lareira e um imenso corredor de armários que dava acesso à sala de banho, muito semelhante à do Comanche. As luzes indiretas, instaladas no teto do banheiro, não atrapalhavam a vista do céu azul do deserto.

Haveria plantas ao redor da banheira, potes e mais potes, repletos de sais de banho e jogos de toalhas de todas as cores, um para cada semana. Darcy faria daquele espaço seu pequeno oásis de luxúria.

O sótão não era muito espaçoso, mas bem ilumi­nado pela farta quantidade de janelas. Seu refúgio para trabalhar seria na minúscula torre em frente ao deserto. Não poria uma escrivaninha; preferia um balcão com dúzias de gavetas e compartimentos ao longo das janelas.

Precisaria comprar seu próprio computador, um fax e impressora. Haveria pilhas imensas de papel, imaginou, deliciando-se de expectativa.

No extremo oposto ao balcão, colocaria uma pol­trona confortável, criando uma área de leitura, e haveria prateleiras pelas paredes, cheias de livros e pequenos tesouros.

Darcy ficaria no sótão, escrevendo durante horas, e saberia que cada detalhe fazia parte de sua alma.

A corretora permanecera em silêncio nos últimos minutos. Ela estava no ramo tempo suficiente para saber quando se calar e recuar na apresentação. O comprador em potencial precisaria negociar, pensou Darcy imaginando a comissão da profissional.

— É uma bela propriedade — falou, enfim, a cor­retora. — Uma vizinhança sossegada, bom comércio, mas longe o bastante da cidade para oferecer repouso e paz. — Ela sorriu para Darcy. — O que acha?

—  Sinto muito, mas esqueci seu nome — Darcy confessou, constrangida.

— É Marion. Marion Baines.

—  Sim, sra. Baines...

— Marion.

— Marion. Obrigada por dispor de seu tempo para me trazer aqui.

— Fico feliz em fazê-lo. — Marion sentiu um nó na garganta, ao perceber a hesitação de Darcy. — Talvez essa casa seja grande demais para suas necessidades. Você disse que é solteira.

—  Sim, sou solteira.

— A casa parece um tanto espaçosa. Mas enquan­to estiver vazia a sensação é inevitável. Ficará sur­presa ao enchê-la de móveis.

Darcy já havia imaginado toda a decoração em sua mente.

— Vou ficar com ela.

— Vai? — Marion surpreendeu-se. — Fantástico. Agora precisa fazer sua proposta. Se quiser usar a cozinha para preencher os papéis, posso apresentar a oferta aos proprietários ainda hoje à tarde.

— Disse que fico com a casa. Pagarei o preço que pedirem.

— Como?... — Algo a fez hesitar. Apesar de a ex­periência incitá-la a calar-se e fechar negócio, Marion se ateve a outra questão. — Srta. Wallace, Darcy... Os proprietários me contrataram para representá-los, e posso perceber que é a primeira vez que compra uma residência. Sinto-me obrigada a mencionar que é comum oferecer um preço... um pouco inferior ao pedido. Os donos podem aceitar ou recusar.

— Sei disso. Mas por que não lhes oferecer o que desejam? — Darcy se virou e fitou as janelas. — Quero essa casa de qualquer jeito.

Foi tudo muito simples. Alguns papéis para assinar e um cheque a preencher. Dinheiro vivo, dissera a corretora. Darcy gostava do som daquela expressão.

Quando as formas de pagamento lhe foram ex­plicadas, impostos e seguro foram calculados, ela decidira simplificar a situação e pagara em dinheiro.

Após acertarem a data da assinatura da escritura, Darcy entrou no carro alugado, excitada com a pos­sibilidade de em poucos dias ter um lar.

No minuto em que entrou na suíte, pegou o te­lefone. Precisava ligar para Caine, pedir-lhe que re­presentasse seus interesses durante a compra ou recomendasse algum colega da região. Tinha tam­bém de escolher uma companhia de seguros e ins­talar um sistema de segurança na casa. Queria com­prar os móveis, as louças e todos os acessórios ne­cessários. Oh, precisava medir as janelas para en­comendar as cortinas.

Mas, antes de tudo, queria partilhar as novidades.

—  Mac... O sr. Blade está ocupado? — ela per­guntou quando a secretária de Mac atendeu o tele­fone. — É Darcy Wallace.

— Olá, srta. Wallace. Desculpe, mas o sr. Blade está em uma reunião. Quer deixar algum recado?

— Oh... não, obrigada. Diga-lhe apenas que liguei. Desligando, imaginou levá-lo à casa e contar-lhe que ela a comprara. Mas tal alegria teria de esperar.

Mergulhou no trabalho, obrigando-se a terminar o livro. Se tivesse sorte e a agente que contratara quisesse ler mais alguns capítulos, Darcy precisaria estar preparada.

Duas horas se passaram, e Mac ainda não havia retornado a ligação. Ela resistiu à ansiedade de pe­gar o telefone novamente. Preparou um café e con­tinuou seu trabalho.

Quando o telefone tocou, ela o agarrou depressa.

— Alo?

— Darcy. Deb me disse que você ligou.

— Liguei. Imaginei se poderia dispor de uma hora. Há algo que quero lhe mostrar.

Houve uma pausa, um silêncio hesitante que a deixou incomodada.

— Desculpe. Tenho muitos compromissos. — Sen­tado à mesa de seu escritório, Mac soube que o primeiro passo era o mais difícil. — Não vou ter tempo para você.

— Então deve estar muito ocupado.

— Estou, sim. Se houver algo errado, posso enviar o gerente do hotel.

— Não há nada errado. — A fria formalidade na voz de Mac a fez estremecer. — Posso esperar. Se tiver tempo amanhã...

— Eu a avisarei se tiver algum tempo livre.

— Certo.

— Tenho de desligar. Até mais tarde.

Por alguns segundo, Darcy encarou o fone em sua mão, antes de colocá-lo no gancho. Ele parecia tão distante, tão diferente. Teria ouvido irritação na voz de Mac ou apenas impaciência?

Não, estava imaginando coisas. Vendo-se torcer os dedos, repreendeu-se e esfregou as mãos no tecido da saia.

Mac estava ocupado, e ela o interrompera. As pes­soas detestavam ser interrompidas. Era a própria frustração, ou tolice, que a fazia exagerar um inci­dente muito natural.

Haviam passado a noite anterior juntos, Darcy lembrou-se. Mac entregara-se a ela de forma selva­gem e desesperada. Ninguém poderia desejar tanto uma mulher em um dia e, no outro, espantá-la tal qual um mosquito irritante.

Claro que podia, admitiu e roçou os olhos. Era ingênuo, até mesmo estúpido, fingir que algo seme­lhante não aconteceria.

Mas não com Mac. Ele era gentil demais e muito honesto.

E Darcy estava apaixonada por ele.

Excesso de trabalho, insistiu consigo mesma. Nas duas últimas semanas, abusara do tempo e da generosidade dele. Claro, Mac precisava se concentrar nos negócios, necessitava de espaço para respirar.

Não iria criar um tempestade em um copo de água. Darcy endireitou os ombros e ajeitou-se na cadeira. Tinha de se concentrar no trabalho e apro­veitar a noite solitária que se anunciava.

Durante seis horas seguidas, escreveu sem parar, lembrando-se de acender as luzes só quando percebeu que estava no escuro. Tomou uma garrafa inteira de café e surpreendeu-se ao redigir o final do livro.

Terminado. Começo, meio e fim. O livro estava todo gravado na memória daquela pequena máquina e copiado em um disquete.

Para comemorar abriu uma garrafa de champa­nhe, embora com grande esforço, e tomou uma taça cheia. Em completo abandono, serviu-se uma segun­da vez, fartamente.

Somando as doze horas de trabalho à meia garrafa de champanhe e a uma quantidade grande de café, ela se jogou na cama, atordoada. Adormeceu e o mal-estar deu origem a um sonho estranho.

Ela se via sozinha na torre de sua nova casa. Solitária e rodeada por montanhas de papéis e um enorme computador. Através da janela podia ver cenas desconexas, como em uma tela de cinema. Festas e pessoas, crianças brincando, casais abra­çados. O barulho de risadas e música era abafado pelo vidro que a circundava.

Ao bater na janela, ninguém a escutou. Ninguém a via. Ninguém se importava com ela.

De repente, estava no cassino, sentada à mesa de blackjack. Mas não conseguia compreender as cartas, não podia fazer cálculos. Não sabia o que fazer.

Arriscar ou estagnar. Serena, como sempre ele­gante, a observava, impassível. Arrisque ou pare, ela dizia. Tem de fazer uma escolha e ir em frente.

Ela não sabe jogar. Mac apareceu e deu-lhe um amigável toque no ombro. Não conhece as regras, certo?

Mas Darcy conhecia sim. Só não podia somar as cartas. Havia muito em jogo. Eles não compreen­diam quanto havia naquela jogada?

Nunca faça uma aposta que não possa cobrir, Mac lhe disse, sorrindo. A casa sempre estabelece o limite.

Então encontrou-se outra vez sozinha, vagando por uma das rodovias do deserto enquanto as cores e as luzes de Las Vegas ficavam para atrás. Quanto mais caminhava, menos Darcy conseguia se apro­ximar das casas e das pessoas.

Entre nuvens de poeira, Mac surgiu com os ca­belos ao vento. Está indo na direção errada.

Porém ela não estava. Pretendia ir para casa.

Mac esticou o braço e tocou-lhe o rosto, em um gesto simples. Você não pertence a este lugar.

— Sim, pertenço. — O grito desesperado a des­pertou. Sentando-se na cama, ficou espantada com a extensão da raiva que sentia. Respirou fundo, na tentativa de se acalmar.

O sol batia em seu rosto porque se esquecera de fechar as cortinas na noite anterior.

—  Chega de exageros com champanhe, Darcy — murmurou, esfregando os olhos, ainda tomada pelo sonho.

Após anotar cada nítido detalhe do sonho, olhou o relógio e pegou o telefone. Serena atendeu no se­gundo toque.

—  Serena, bom dia, é Darcy. Espero não estar ligando muito cedo.

—  Não. Justin e eu estamos tomando o café da manhã.

—  Está ocupada hoje?

— A princípio, não. O que tem em mente?

 

Darcy torcia os dedos, nervosa, enquanto Serena caminhava pelo primeiro pavimento da casa.

—  Sei que foi uma decisão precipitada — Darcy comentou. — Foi a única propriedade que visitei. Mas já tinha uma imagem em minha cabeça do que queria, e esta casa... é ainda melhor.

Serena deu mais alguns passos ao longo da porta de vidro e sorriu.

—  É linda. Combina muito bem com você. Acho que fez a escolha perfeita.

— Verdade? — Explodindo de alegria, Darcy levou as mãos ao rosto. — Tive receio de que me achasse louca.

—  Não há loucura alguma em querer uma casa e investir em uma excelente propriedade.

—  Oh, quase morri de vontade de mostrá-la para alguém. Ontem, depois que assinei o contrato, corri para encontrar Mac. Mas ele estava ocupado, então...

Darcy deu de ombros e se afastou, antes que pudesse ver a expressão de Serena. Pelo que ela sabia, seu filho não andava mais ocupado que o normal.

—  Você lhe disse que comprou uma casa, e ele não teve tempo de vir conhecê-la?

—  Eu disse que desejava lhe mostrar algo... É tolice, mas queria que ele fosse o primeiro a ver a casa. Por favor, não conte nada a Mac.

— Não vou contar. Darcy, por que decidiu comprar uma casa aqui em Las Vegas?

Ela caminhou até a porta de vidro e fitou a imen­sidão do deserto.

— Isso me atrai. Determinadas pessoas se sentem magnetizadas pela água ou pelas montanhas ou até mesmo por grandes cidades. O que me atrai é o deserto. Não tinha a menor idéia disso até chegar aqui e conhecê-lo.

Sorrindo de prazer, Darcy se virou.

—  E adoro a fantasia, a mágica no ar, as luzes anunciando que tudo pode acontecer. Todos precisam de um lugar que os faça acreditar na beleza da vida. No fundo, as pessoas buscam apenas a felicidade.

—  Sim, acredito nisso e estou feliz por você ter encontrado seu lugar. — Serena atravessou a sala e tocou os cabelos de Darcy. — Mas tudo isso tem a ver com Mac também, não é?

Como ela não respondesse, Serena sorriu.

— Querida, posso ver como se sente a respeito dele.

— Não consigo deixar de amá-lo.

— Claro que não. Por que deveria? Comprou a casa pensando nele, Darcy?

— Sim. Mas também preciso de um lar. Por isso estou aqui. Não espero que Mac sinta o mesmo que eu. Mas pretendo apostar nisso. Se perder, ao menos saberei que joguei. Não vou mais ficar olhando pela janela — murmurou, referindo-se ao sonho.

— Aposto todo meu dinheiro em você.

— Devo confessar que me apaixonei pela família de Mac também.

— Oh, querida! — Serena abraçou-a, lembrando-se de que não havia criado filhos idiotas. Mac aca­baria caindo em si. — Mostre-me o resto da casa.

— Sim. Gostaria que me ajudasse a escolher os móveis. O que acha?

— ensei que nunca fosse pedir.

Manter-se ocupada foi a melhor terapia para Dar­cy. Havia centenas de assuntos borbulhando em sua mente. Cores, tecidos, lustres. O quarto menor de­veria se tornar uma biblioteca ou a saleta no andar inferior serviria melhor para o propósito?

Que tipo de árvore queria na entrada da casa, palmeiras ou fícus?

Cada decisão era absurdamente importante para ela, e cada escolha lhe causava extrema alegria.

Apesar de preferir partilhar as escolhas com Mac, resignou-se, pois não haviam passado um só mo­mento juntos durante os últimos dois dias.

 

Mac procurava manter a mente ocupada para não pensar em Darcy, Mas sentia uma enorme falta dela. Ambos necessitavam de tempo e espaço a fim de analisar o relacionamento.

 

Mac tentou convencer-se de que Darcy precisava de liberdade, enquanto caminhava pelo escritório, sem conseguir trabalhar. Ela não telefonara outra vez e, pelas informações que Mac obtivera de alguns funcionários, Darcy passava mais tempo fora que dentro do hotel.

Exercitando as asas de fada, ele imaginou, saudoso.

Na verdade, ele a impedira de fazer isso. Colara-se a Darcy, iludindo-se com o fato de que a estava ajudando com aquela atitude possessiva.

Ele a queria.

Dias antes, Darcy entrara na vida de Mac, perdida e desesperada por afeto. Ele, por sua vez, tirara vantagem disso. Os motivos não importavam pois o resultado era o mesmo.

Ela acreditava estar apaixonada. A idéia passara na mente de Mac mais de uma vez, e ele se apro­veitara disso para mantê-la próxima, a fim de ver até que ponto ela sustentaria a ilusão.

Darcy era inexperiente. Nenhum homem jamais a tocara como Mac o fizera. Ela baseava a própria existência em um inundo de fantasias, e Mac queria com­partilhar esse mundo. Seria fácil. E imperdoável.

Contudo, tinha dignidade e não ousaria amar­rá-la, prender suas asas de fada e observar a ino­cência cair em desgraça. A vida de Darcy estava apenas começando, lembrou-se. E a dele já havia sido estabelecida.

De súbito, ela entrou no escritório, pálida e com os olhos arregalados.

— Desculpe. Desculpe, sei que está ocupado. Eu não deveria perturbá-lo, mas...

— O que aconteceu? Está machucada? — Mac a agarrou pelos ombros, aflito.

— Não, não. — Enquanto Darcy meneava a ca­beça, segurava-o pela camisa. — Estou bem. Não, não estou nada bem. Na verdade, não tenho a menor idéia de como estou. Vendi meu livro. Vendi, Mac! Oh, Deus, fiquei tonta.

— Vendeu o livro? Respire devagar, vamos. Isso. Pensei que não havia terminado o livro.

— O outro. O que escrevi no ano passado. O editor disse que quer o novo também. Os dois. — Desistindo, Darcy apoiou a cabeça no ombro de Mac. — Preciso de um minuto. Não consigo pensar. — Então ergueu a cabeça e começou a rir. — É delicioso como sexo.

— Sente-se.

— Não posso me sentar. Será impossível ficar quie­ta. Eles compraram o livro, não, os livros. São dois contratos. Pode imaginar? Estourei a banca outra vez.

—  Quem comprou o livro, Darcy? E como?

— Sim, claro. — Ela respirou fundo. — Há alguns dias, recebi um telefonema de um editor de Nova York. Editora Eminence. Ele me viu no noticiário e pergun­tou se eu poderia enviar uma cópia de meu trabalho.

— Alguns dias? — O desapontamento foi instan­tâneo. — Nunca mencionou o fato.

—  Quis esperar até saber a resposta. Mas agora a tenho. — Ela levou as mãos ao rosto, e as lágrimas começaram a cair. — Não vou chorar. Ainda não. Escolhi um agente na lista. Sabia que o editor queria apenas ver meu trabalho por causa do estardalhaço da mídia, mas havia uma chance de ele gostar. Então contratei um agente.

—  Pelo telefone.

—  Sim. — A evidente desaprovação no tom de voz a fez suspirar. — Sei que foi um risco, mas não quis esperar. Minha agente ligou hoje de manhã e disse que a editora fez uma oferta, muito decente, aliás. Então ela me aconselhou a recusá-la.

Como sentisse um mal-estar repentino, Darcy co­locou as mãos na barriga.

— Não pude acreditar. A chance que sempre al­mejei estava a minha frente, e ela me aconselhou a dizer não.

—  Por quê?

— Foi o que perguntei. Ela disse... — Darcy fechou os olhos, relembrando o momento — ...que tenho um talento incrível e a história é sensacional, por­tanto eles terão de me pagar mais. Se não aceitarem, ela irá oferecer o livro a outra editora de renome. Minha agente acredita em mim. Resolvi arriscar. Dez minutos depois, o editor ligou e comprou os dois livros. Agora posso me sentar.

Exausta, ela se jogou na poltrona.

— Estou tão feliz por você, Darcy. — Mac se abai­xou diante dela. — E orgulhoso também.

— Durante toda minha vida quis ser escritora. Ninguém jamais acreditou em mim. — As lágrimas começaram a fluir. — "Seja educada, Darcy". "Man­tenha a cabeça no lugar". Sempre fiz o que mandavam, porque nunca pensei que fosse boa o bastante.

— Você é boa para fazer qualquer coisa — ele murmurou. — Mais que boa, aliás.

— Na escola, eu estudava muito. Meus pais eram professores, portanto sabia quanto isso significava para eles. Mas, apesar do esforço, minhas notas eram boas em vez de ótimas. Viam meu boletim e franziam a testa. Diziam que havia trabalhado bem, mas podia ser melhor se aumentasse a dedicação. No entanto, não conseguia. Era o melhor que eu podia fazer, embora nunca fosse o suficiente.

— Estavam errados.

— Não queriam ser tão críticos. Apenas não com­preendiam. — Darcy segurou as mãos de Mac. — Costumava mostrar-lhes as histórias que escrevia na esperança de vê-los entusiasmados.  Durante anos, esperei pela aprovação deles.

Suspirando, ela enxugou as lágrimas com as mãos.

— Nunca mostrei a ninguém meu primeiro livro. Jamais tive coragem. Creio que, no íntimo, sempre desejei que alguém me dissesse quão boa eu era. Agora consegui.

— Tome. — Mac entregou-lhe o lenço que havia tirado do bolso.

— Não estou triste. Mas há tantas emoções dentro de mim, tantos motivos para ficar feliz. Precisava lhe contar...

— Fico contente que o tenha feito. Notícias como essa não podem esperar. — Ele roçou a face delicada e, depois de um suspiro profundo, beijou-a na testa. — Temos de comemorar. — Mac fitou-a por alguns segundos e se levantou. — Vamos nos reunir para um drinque, assim poderá me contar seus planos.

— Planos?

— Você vai para Nova York por alguns dias, su­ponho. Precisa conhecer seu editor e sua agente.

—  Sim, talvez na semana que vem.

Tão cedo, ele pensou e olhou o lindo rosto ainda úmido pelas lágrimas.

— Vamos sentir sua falta por aqui — Mac co­mentou, casual. — Espero que mantenha contato e nos informe de seu novo endereço.

—  Endereço? Mas... vou voltar para Las Vegas.

— Voltar? — Mac se espantou. — Darcy, adoramos tê-la como hóspede, mas não pode morar em uma suíte. — Ele riu e sentou-se na beirada da mesa. — Você não é uma jogadora profissional. É bem-vinda para ficar até finalizar seus planos de viagem.

Mac estava administrando um negócio, ela pensou, nervosa. Havia tirado vantagem da generosidade dele, ocupando uma suíte cara por duas semanas.

—  Não imaginei. Desculpe. Vou me instalar em outro quarto quando eu voltar até...

— Darcy, não há razões para voltar a Las Vegas.

— Claro que há. — Seu coração começou a bater mais depressa. — Moro aqui.

— O Comanche não é sua casa. É minha. — Mac não mais sorria, e os olhos se tornaram frios e duros. Era o único jeito de encarar a expressão sofrida na­quele maravilhoso rosto. — É hora de iniciar uma nova vida. Acaba de acontecer algo extraordinário a você. Aproveite.

—  Você não me quer mais. Está me mandando embora de seu hotel. Expulsando-me de sua vida.

— Ninguém a está expulsando.

— Não? — Ela ensaiou uma gargalhada e apertou o lenço entre os dedos. — Quão estúpida acha que sou? Está me evitando há dias, Mac. Mal me tocou desde que entrei neste escritório. Agora diz adeus e me deseja boa sorte, longe de você, claro.

— Quero mesmo que tenha boa sorte — ele arriscou.

— Contanto que seja nos braços de outro homem — Darcy rebateu. — Bem, é uma pena porque vou viver minha vida aqui. Comprei uma casa.

Mac havia se preparado para presenciar uma explosão de lágrimas e recriminações. Mas ficou aparvalhado.

—  O quê? Comprou o quê?

— Comprei uma casa.

—  Perdeu a cabeça? Uma casa? Aqui? Em que estava pensando?

— Em mim. É um novo hábito que adquiri e que estou adorando.

— Não se compra uma casa da mesma forma que se adquire um vestido.

— Sei comprar uma propriedade e já o fiz, Mac Blade.

— Você não tem nada a ver com Las Vegas.

— Oh, verdade? — A tristeza a invadia de tal forma que ela não imaginava como ainda conseguia falar. — Você possui a cidade inteira ou apenas esse prédio? Saiba que encontrei um lugar que não per­tence a seu monopólio. Gosto daqui e vou ficar,

— A vida não é um cruzeiro sem fim no Strip.

— E Las Vegas não se restringe somente ao Strip. E uma cidade em pleno desenvolvimento e uma das mais habitáveis do país. Tem um sistema escolar ex­celente, oportunidades de trabalho e o custo de vida é bem acessível. A distribuição de água é um problema real, e as fontes terão sérios comprometimentos em um futuro próximo. De qualquer maneira, a crimina­lidade é menor em comparação a outras cidades, e a região continuará a evoluir no próximo milênio.

Fazendo uma pausa, Darcy tomou fôlego.

— Sou uma escritora. Já trabalhei como biblio­tecária. Sei muito bem como fazer pesquisas.

— Sua pesquisa revelou a quantidade de agiotas por metro quadrado? Relatou a prostituição, corrup­ção e lavagem de dinheiro que há nesta cidade?

—  Na realidade, sim — ela retrucou. — Talvez fique chocado, mas eu sabia de tudo isso antes de vir para cá.

— Você apenas não pesou as dificuldades.

—  Está enganado. Completamente errado. Não comprei essa casa às cegas. Comprei-a porque en­contrei o lugar com que sempre sonhei e jamais ima­ginei que poderia obtê-lo. Mas não se preocupe. Las Vegas é grande, portanto não será obrigado a es­barrar em mim toda hora.

—  Espere um minuto. Droga — ele murmurou, e segurou-a pelos ombros para virá-la, Darcy recuou e o encarou, furiosa, mantendo-se distante.

— Não ouse me tocar. Não preciso de piedade, tam­pouco vou fazer um escândalo. Sou grata por tudo e jamais esquecerei o que fez por mim. No entanto, quero manter relações com seus pais, sua família e não pretendo colocá-los, ou a você, em uma posição desagradável. Mas me magoou muito, Mac — confes­sou, em voz baixa. — E não deveria tê-lo feito.

Ao passar pela porta, Darcy bateua com toda a força atrás de si.

 

Bem, concordamos em perdoar os dois milhões que Harisuki e Tanaka perderam no bacará. — Justin ajeitou-se na cadeira, fingindo não notar a total falta de aten­ção do filho. — Ainda assim, eles devem ao cassino dez e doze milhões respectivamente. Computamos os quartos, as refeições, as contas do bar e as com­pras que suas esposas fizeram nas butiques. Vão voltar... — acrescentou, baforando o charuto — ...e deixarão mais alguns milhões aqui e não do outro lado da rua. Você já solicitou a limusine deles para amanhã? — Ele esperou um pouco. — Mac?

—  O quê? Sim. Já foi providenciada.

—  Ótimo. Agora que terminamos esse assunto, pode me contar o que está acontecendo com você?

—  Nada em particular. Quer uma cerveja? Justin assentiu.

— Temos sempre de implorar para que nos conte seus problemas. Sua determinação em resolver os entraves sozinho é admirável, mas também entediante. — Ele sorriu e aceitou a cerveja que o filho lhe entregava. — Nesse caso, não será necessário implorar. Já sei que o problema envolve Darcy.

— Não. Sim. Não. — Mac soltou um suspiro. — Ela vendeu o livro. Na verdade, os dois livros.

— Que maravilha! Ela deve estar muito feliz. Por que você não está?

— É claro que estou feliz por ela! Foi o que Darcy sempre quis. Sua vida agora vai tomar outro rumo.

— É isso que o preocupa? O fato de ela não pre­cisar mais de você?

— Não. O plano era deixá-la fazer as próprias escolhas, dar-lhe espaço para se descobrir.

— Era? Mac, está apaixonado por ela?

— A questão não é essa.

— É a única questão que conta, filho.

— Esse lugar não é o que ela procura. Eu não sou o homem ideal para ela. — Mac caminhou até a janela e observou as fontes coloridas e as luzes de néon. — Quando estiver mais calma, vai concluir isso.

—  Em minha opinião, formam um belo casal.

— Administro um cassino. Meus horários de maior atividade são quando as pessoas estão em casa dormindo. — Ele colocou as mãos no bolsos, apreensivo. — Darcy passou a vida se reprimindo. E mais, sem­pre se manteve à margem da sociedade, criando suas fantasias. Ela está começando a realizar seus sonhos. Não tenho o direito de interferir.

— Não creio que esteja vendo a situação com cla­reza, Mac. É um empresário, e dos bons. Ela é uma jovem interessante e cheia de vida.

— Desde que chegou aqui, semanas atrás — ele lembrou o pai —, Darcy teve sua vida virada de cabeça para baixo. Ela ainda não conseguiu orga­nizar os sentimentos.

— Você a está subestimando. E seus sentimentos, filho, não importam?

—  Deixei meus sentimentos sobrepujarem a ra­zão. Ela apareceu em Las Vegas intocável. — Macse virou com os olhos agoniados. — Eu devia ter mantido minhas mãos longe dela, mas não o fiz. Não pude resistir.

— Agora vai se punir por ser humano? — Justin perguntou. — Pretende negar um relacionamento que lhe faz bem porque acredita que é o melhor para ela.

— Ela está encantada com o sucesso — Mac in­sistiu, imaginando por que aquelas palavras agora soavam tão tolas. — Vê apenas o que quer ver. Com­prou uma casa, por Deus!

—  Sim, eu sei.

—  E... você sabia. — Mac encarou o pai.

—  Ela levou sua mãe para vê-la um dia depois de assinar o contrato. Também fui conhecer a casa. É uma bela propriedade.

— É ridículo comprar uma casa em um lugar que conhece há poucas semanas. Ela vive no mundo da fantasia.

— Não, não vive. Darcy sabe exatamente o que quer, e estou surpreso que não tenha percebido isso, Mac. Só consigo aceitar o fato de você se afastar dela se não a deseja.

— Eu a desejo todos os minutos de meu dia — ele confessou, desesperado. — Pensei que pudesse apagá-la de minha mente...

— Quando vi sua mãe pela primeira vez, eu a desejei muito. Mas amá-la me apavorava. E ainda apavora às vezes.

Surpreso, Mac sentou-se na cadeira.

— Não aparentam nada disso. Fazem o casamento parecer leve e descontraído. Vocês... combinam um com o outro.

— É esse o problema? — Justin se aproximou, tocando a mão do filho.

— Não. Os casamentos têm sucesso em nossa família. Embora as vantagens estejam contra, eles acontecem. — Mac fitou a aliança de ouro no dedo de seu pai. Trinta anos, pensou, e ainda servia. Era um milagre. — Imagino que funcionem porque todos agem com cautela na hora de encontrar uma par­ceira, no sentido literal da palavra. Uma sócia.

— Está vendo sua mãe e eu como sócios em um acordo de negócios, uma parceria perfeita. Não é verdade. Tivemos dificuldades no início do relacio­namento e ainda temos algumas, mas conseguimos superá-las porque nos amamos. Somos casados há trinta anos, Mac.

—  Mas vocês sempre caminharam juntos e na mesma direção.

— Sim. — Justin encostou na cadeira. — Tivemos muitas brigas ao longo do percurso, mas juntos construímos esse caminho.

— Está querendo me dizer que cometi um erro — Mac murmurou. — E talvez esteja certo. — Passou a mão sobre as faces. — Não tenho certeza de mais nada.

— Quer garantias? Não há nenhuma. Amar uma mulher é o maior risco que poder haver em um jogo. Você aposta e ganha, depois perde, em seguida, volta a ganhar o dobro. Mas se não arriscar, nunca vai vencer. Ela é a mulher que deseja?

— É.

— Vou perguntar de novo. Está apaixonado por Darcy?

— Estou. — Admitir intensificava o sentimento. — E, sim, é apavorante.

Solidário, Justin sorriu.

— O que vai fazer?

— Conquistá-la. — Mac respirou fundo, — Preciso tê-la de volta.

— Por que conquistá-la? O que fez, filho?

— Ah, pai... — Ele tomou consciência então de quão errada havia sido sua cartada. — Eu pratica­mente a mandei embora daqui.

— Nesse caso, é melhor correr e remediar o es­trago que fez.

— Vou correr. — Mac sentiu a energia renascer das cinzas. Sua sorte não o abandonaria. Precisava calcular todas as possibilidades. — Tenho de con­versar com ela. Darcy deve estar no quarto, sofrendo, quando deveria comemorar.

— Acho que perdeu essa rodada, filho — Justin murmurou, atento às telas.

—  Há um par de brincos de diamantes na joalheria do hotel. — Mac verificou o bolso para ter certeza de que seu cartão de acesso ao elevador es­tava lá. — Ela precisa de algo muito especial para celebrar a venda dos livros.

De repente, ficou nervoso, desconhecendo as sen­sações que o invadiam.

— Você acredita que brincos e flores são adequa­dos, pai?

— Não acredito que possa resolver a situação desse modo. Mas... não vai encontrar Darcy em seu quarto.

—  Como?

— Olhe para a tela três, segunda mesa à direita. Ansioso, Mac olhou a tela. Então, fitou-a com mais atenção. Sua linda fada, usando um sensual vestido vermelho, preparava-se para jogar os dados.

—  O que ela está fazendo?

—  Buscando um oito. Eis uma ótima pontuação. Cinco e três — Justin disse e sorriu, ao escutar o filho sair porta afora. — A dama vence a rodada.

 

— Vamos, boneca. Venha para o papai.

Como o homem ao lado de Darcy fosse velho o bastante para ser seu pai, ela não se importou quan­do ele lhe deu um tapinha no traseiro. Considerou que o gesto era para dar sorte.

Esfregou os dados entre as mãos, inclinou-se sobre a mesa e jogou-os sobre o feltro. Eles saltitavam, enquanto dinheiro e fichas passavam de um lado para o outro.

— Sete! — Ela ergueu os braços, vitoriosa. Depois de recolher as fichas, voltou a distribuí-las sobre a mesa. — Vamos ver... Cinco é meu ponto.

— Faça rolar os dados, loirinha. — O homem do lado oposto da mesa jogou uma nota de cem dólares.

— Você é boa nisso.

—  Sou mesmo.

Darcy esfregou os dados novamente e lançou-os através da fumaça de cigarro. Os cubos pararam com um três e um dois.

— Não sei por que achava esse jogo tão difícil...— Ela sorriu e entregou sua taça de champanhe a alguém. — Segure para mim, por favor. — Em seguida, pegou os dados. — É minha vez — disse ao crupiê.

— Deus, adoro dizer isso! — Jogou os dados com fé. Mac afastava e empurrava as pessoas para se aproximar da mesa. Avistou a seda vermelha do vestido de Darcy, e segurou-a pelo braço logo depois que ela jogou os dados. Suas palavras pareciam aba­fadas pelos comentários da multidão.

—  O que está fazendo?

Darcy virou o rosto, comemorando outra vitória.

— Não preciso mais de seus serviços nem de sua ajuda, sr. Blade. Afaste-se para eu possa ter espaço.

Mac agarrou-lhe o pulso quando ela se preparava para pegar os dados.

—  Recolha as fichas.

—  De jeito nenhum. Estou com sorte.

—  Vamos, amigo, deixe a dama jogar.

Em um gesto frio, Mac mal olhou para o homem do outro lado da mesa.

—  Recolha as fichas dela — ordenou ao crupiê, afastando Darcy da multidão.

— Não pode me fazer parar quando estou com sorte.

— Está enganada. O cassino é meu, e posso fazer qualquer jogador parar quando quiser. A casa estabelece o limite.

— Ótimo. — Ela puxou o braço. — Vou jogar em outro cassino. E direi a todos que o gerente do Comanche não consegue bancar um jogo honesto.

— Darcy, suba. Precisamos conversar.

—  Não me diga o que tenho de fazer! — ela ex­clamou, satisfeita por chamar a atenção de outros hóspedes. — Eu lhe disse que não pretendia enver­gonhá-lo. No entanto farei um escândalo se não me deixar em paz. Pode me expulsar do cassino e do hotel, mas não tem o direito de me dar ordens!

— Estou pedindo — Mac dizia, com considerável paciência — para vir comigo a fim de que possamos conversar.

—  E estou lhe dizendo que não atenderei a seu pedido.

— Certo. Será à força então. — Ele a agarrou pela cintura, colocando-a sobre o ombro. Apenas após alguns segundos, ela se recuperou do choque e começou a gritar. — Solte-me! Não pode me tratar desse jeito.

— Fez sua escolha. — Mac ignorou a expressão dos hóspedes e dos funcionários e carregou-a até o elevador.

— Não quero conversar com você. Já fiz as malas e vou partir amanhã de manhã. Agora me solte.

— De maneira nenhuma. — Ele colocou-a em pé no elevador. — Você é muito teimosa e...

Assim que se viu segura, Darcy deu um soco no estômago de Mac. Não doeu muito, mas o impacto foi forte o bastante para fazê-lo calar-se.

— Precisamos exercitar sua mão direita — ele brincou. Desistindo, Darcy cruzou os braços. Quando as portas do elevador se abriram, saiu apressada;

—  O hotel pode pertencer a você, mas o quarto é meu até amanhã, portanto não quero que entre.

— Temos de resolver nossas diferenças.

— As diferenças já estão bem resolvidas, graças a você.

—  Darcy, você não entendeu...

Com um gesto brusco, ela afastou as mãos de Mac.

—  A questão é essa. Você acha que não entendo nada. Pensa que sou uma tonta que não sabe se cuidar.

— Não acho que seja tonta.

— Mas idiota sim — Darcy rebateu, irada. — Sou esperta o bastante para perceber que se cansou de mim e que pretende me dispensar como se eu fosse uma criança irritante.

— Eu me cansei de você? — Já no limite de sua paciência, Mac passou a mão  entre os cabelos. — Sei que armei uma grande confusão entre nós. Dei­xe-me explicar.

— Não há nada para explicar. Você não me quer. Tudo bem. Não vou me atirar da cobertura por causa disso. — Darcy ergueu os ombros e se virou. — Sou jovem, rica e tenho uma carreira promissora. Você não é o único homem no mundo.

— Deixe-me falar...

— Foi o primeiro. — Ela o interrompeu e o fitou com desdém. — Mas isso não significa que tenha de ser o último.

Esse era o principal motivo que levara Mac a se afastar. Entretanto, ao ouvi-la pronunciar o fato e ver no olhar dela o calor e o desejo contido, seu corpo reagiu de maneira tão violenta que ele precisou se conter.

—  Cuidado com o que diz, Darcy.

— Tomei cuidado a vida inteira. Estou cansada. Agora me arrisco e depois penso nas conseqüências. Sou dona de minhas atitudes. Se eu cair, o problema será meu e de ninguém mais.

Mac sentiu um onda de pânico percorrer-lhe o corpo porque sabia que ela falava sério. Darcy po­deria se envolver com o primeiro que aparecesse.

— Você está apaixonada por mim — ele apelou. O coração de Darcy se partiu em pedaços.

— Porque dormi com você? Ora, não me subes­time tanto.

Apesar de as palavras soarem jocosas, ela começou a torcer as mãos. Era o sinal que Mac precisava para reconhecer o blefe.

— Não teria dormido comigo se não estivesse apaixonada. Se eu a abraçar ou a beijar, você me dará a prova sem dizer uma só palavra.

— Sabia disso o tempo todo e me usou. — Darcy sentiu suas últimas defesas se dissiparem.

— Pode ser. Passei mal bocados por causa disso e cometi muitos erros porque não pude superar meu desejo.

—  Sente culpa ou raiva, Mac? — Darcy voltou a ficar de costas para ele. — Você me magoou demais. Eu lhe dei meu coração sem reservas. E, como se não bastasse a rejeição, resolveu ignorar meus sentimentos.

— Eu tinha certeza de que estava fazendo o me­lhor para você.

— Para mim? — Ela soltou uma gargalhada. — Foi muita consideração de sua parte.

— Darcy. — Mac tentou tocá-la, mas ela recuou. Recolhendo-se, sentiu o peito se apertar. — Não vou tocá-la, mas ao menos olhe para mim.

— O que está querendo? Quer me ouvir dizer que compreendo? Sinto muito. Não pretendo lhe dar esse prazer. — Darcy tentava, em vão, conter as lágri­mas. — Não o entendo, Mac. Não é obrigado a sentir o mesmo que eu... a jogada foi minha, na verdade. Mas poderia ter sido mais gentil.

— Se tivesse revelado meus sentimentos, não estaríamos tendo essa conversa. Aliás, não deveríamos estar aqui. — Seguindo a própria intuição, Mac pe­diu: — Quero ver sua casa.

—  O quê?

—  Gostaria muito de conhecer sua casa. Agora.

— Agora? — Darcy esfregou os olhos. — É tarde. Estou cansada. E não tenho as chaves.

—  Quem é a corretora? Tem um cartão com o telefone dela?

—  Sim, está sobre a mesa. Mas...

—  Ótimo.

Para a confusão de Darcy, Mac caminhou até o telefone, ligou para a corretora de imóveis e, em menos de dois minutos, combinou tudo com Marion Baines.

— Ela vai nos dar as chaves — informou, depois de desligar o telefone. — Dentro de vinte minutos, passaremos na casa dela.

— É um homem poderoso — Darcy comentou, sem entusiasmo. — Que pretende conseguir com isso?

—  Quero uma chance. — Ele sorriu, desafiador. — Vamos ver sua nova casa. Precisa de um casaco?

Darcy meneou a cabeça em negativa. Disse a si mesma que deveria se recusar a acompanhá-lo se ain­da lhe restasse algum resquício de orgulho próprio.

Durante o trajeto não conversaram. Tanto melhor, ela pensou. Talvez o silêncio amenizasse a raiva, e acabassem, no final das contas, amigos, restando o mínimo de respeito um pelo outro.

Mac parecia conhecer o caminho. Pegou as chaves e dirigiu até as cercanias da cidade, onde despontava a silhueta da casa sob a luz do luar.

— Incrível — ele murmurou, observando o local. — Finalmente encontrou seu castelo.

O comentário quase a fez sorrir.

— Foi o que pensei na primeira vez em que a vi. Por isso já sabia que seria minha.

—  Convide-me para entrar.

— Você tem as chaves. — Ela abriu a porta do carro. Mac esperou que ela se aproximasse da entrada para entregar-lhe as chaves.

—  Convide-me para entrar, Darcy.

Infeliz, Darcy pegou as chaves, dizendo a si mes­ma que ele estava tentando fazer de tudo para tornar a situação menos miserável.

— Nunca estive aqui durante a noite. — Ela ca­minhou até a porta de vidro. — Há iluminação ao redor da casa e no jardim dos fundos.

Preocupado, Mac imaginou-a sozinha à noite na­quela mansão.

— Há algum sistema de segurança?

— Sim. Já sei o código. — Ela destrancou a porta e se virou para os botões na parede. Depois de desativar o alarme, acendeu as luzes.

Tal qual a mãe, ele entrou sem dizer nada. Mas, naquele caso, o silêncio a irritou.

—  Saí para ver móveis e encontrei peças lindas.

—  Há bastante espaço.

— Descobri que gosto de espaço.

Haveria plantas no deque, Mac imaginou. Vasos repletos de flores delicadas das quais ela própria cuidaria. Darcy compraria móveis de cores suaves, e enfeitaria a casa com alguns detalhes extravagantes.

Era surpreendente como ele podia imaginar a de­coração com tanta clareza se a conhecia havia tão pouco tempo.

Seguiu as luzes do lado de fora e viu as águas azuis da piscina, com o extenso deserto como pano de fundo.

Impressionante e poderoso, o deserto parecia acal­mar qualquer alma atormentada. Mac havia se esquecido daquela riqueza natural do outro lado do mundo em que vivia, e, por causa disso, recusara-se a aceitar que o lugar de Darcy era ali.

—  É isso que você quer.

—  Sim. É tudo que quero.

— A torre. Vai escrever no sótão. Espantada, Darcy tentou se conter. De que ma­neira ele poderia saber?

— Sim.

— Ainda não comemoramos. — Mac se voltou. Ela estava em pé no centro da sala, com as mãos cruzadas e olhos brilhantes. — Foi minha culpa. Quero que saiba, Darcy, quão feliz estou por você, e quão arrependido fiquei porque estraguei o mo­mento mais importante de sua vida.

"Sente-se culpado", ela pensou. Mac era um ho­mem honesto demais para ignorar as próprias falhas.

— Não tem importância.

— Tem, sim — ele a corrigiu. — Fiz uma grande besteira. Quero tentar me explicar. Gostaria que visse a situação de meu ponto de vista. Você caiu em meus braços, literalmente, na primeira vez em que a vi. Estava sozinha, assustada e completamente vulnerável. Eu a queria tanto e depressa. Sou bom quando se trata de resistir a tentações por isso tenho sucesso no que faço. Mas não consegui resistir a você.

— Não me seduziu ou me forçou a nada. Foi uma atração mútua.

— Mas não foi por acaso. — Mac deu um passo à frente, aliviado por ela não ter recuado. — Eu a escolhi porque a queria mesmo sabendo que você necessitava de muito mais do que eu poderia oferecer. Não pretendia lhe oferecer meu coração e nem poderia dar-lhe tudo isso. — Ele fez um amplo gesto com os braços.

— Eu quis correr o risco. Desde o início, sabia que não queria compromissos ou casamento. Mesmo assim quis me entregar a você, estava consciente da situação.

Surpreso, ele parou um instante.

— Jogou comigo para me fazer mudar de idéia?

— Havia a chance de não se apaixonar por mim, mas era ínfima. — Darcy sentiu a energia revigorar. —  Seu avô acha que sou perfeita para você. E sua mãe também.

— Conversou com minha mãe? — Mac ficou chocado.

—  Adoro sua mãe — ela disse, passional. — E tenho o direito de conversar com quem quiser.

— Não quis dizer isso. Estamos mudando de assunto. —  Ele suspirou. — Pensei que precisasse de tempo para se organizar, explorar as possibilidades, enfim, divertir-se ao máximo. Você jogaria um pouco no cas­sino, gastaria algum dinheiro... Descobriria o sexo...

—  Então você bancava meu tutor? Quantos in­sultos ainda lhe restam, Mac?

— Não estou tentando insultá-la. Só quero fazê-la entender que agora sei que agi errado.

— Ainda não começou a dizer que está arrepen­dido. Talvez devesse começar.

—  Você sempre tem as respostas na ponta da língua. — Ele colocou as mãos nos bolsos, frustrado. — Não havia percebido isso antes.

—  Guardei o melhor para o fim. Então a caipira do interior chega à cidade grande e o esperto rapaz lhe mostra o verdadeiro sabor do pecado. Depois a dispensa antes que ela entregue sua alma à perdi­ção. É o suficiente?

— Você está sendo cruel consigo mesma. Estava so­zinha e apavorada quando chegou a Las Vegas, Darcy.

— E resolveu me consolar.

—  Fique quieta. — Impaciente, ele agarrou os braços de Darcy. — Ninguém jamais lhe deu es­colha. Você mesma me disse. Ninguém nunca per­mitiu que desabrochasse. Deus, Darcy, desde que chegou aqui, sua alma adquiriu cor, brilho e ale­gria. Como eu podia lhe tirar isso tudo? Nunca foi outra pessoa. Jamais esteve com um homem. Não queria vê-la morando no hotel, passeando pelo cassino, fechando-se para o mundo porque não co­nhecia nada melhor.

—  Esse é seu jeito de possibilitar que eu faça minhas próprias escolhas? Engraçado, mas é justa­mente o tipo de opção que as pessoas me deram a vida toda.

— Eu sei. Sinto muito.

— Também sinto. — Darcy segurou-o pelas mãos e puxou-as até se soltar. — Já terminamos?

— Ainda não.

— Oh, o que há mais para ser dito? — Ela começou a caminhar pela sala. — Por que não vem conhecer o resto da casa? Devemos fingir que somos amigos? O que viemos fazer aqui?

—  Queria terminar a conversa aqui porque nãoé meu lugar. É seu. — Mac esperou até ela se virar. — A casa sempre oferece vantagem a seu dono.

— Não sei do que está falando.

— Meu pai me disse algo hoje que nunca consi­derei. Falou que esperar os problemas se resolverem é fácil, mas amar é apavorante. — Mac a fitou nos olhos. — Você me apavora, Darcy. Fico em pânico quando estamos juntos.

Aflita, ela cruzou os braços.

— Quando a vejo, perco os sentidos.

— Não faça isso. Não é justo.

— Tentei ser justo, e tudo que consegui foi ma­goá-la e me fazer infeliz. Estou mostrando minhas cartas agora. Não há meios de recuar. Vou continuar a ir atrás de você. Comprou este castelo sozinha. Eu tinha de deixá-la ir em frente.

Aproximando-se, Mac acariciou os braços finos.

— Está tremendo. Será medo? — Beijou-a no can­to dos lábios. — Talvez ainda me ame...

A respiração de Darcy tornou-se sôfrega.

—  Não sinta pena de mim. Eu não...

O beijo foi repentino e violento. Ela sentiu as ba­tidas descompassadas do coração e o calor que per­corria-lhe o corpo.

— Acha mesmo que sinto pena de você? — Mac cobriu-lhe os lábios outra vez, aprofundando o beijo. — Esse vestido me deixa louco. Eu poderia ter matado cada homem daquela mesa hoje só por olhar para você. Preciso comprar mais uma dúzia desses vestidos.

— Não está falando com coerência. Não compreen­do o que diz.

— Amo você.

Dessa vez, o coração de Darcy pareceu parar.

— Ama?

— Amo tudo que diz respeito a você. — Mac tomou-lhe as mãos delicadas e beijou a ponta dos de­dos. — Estou lhe pedindo para reconsiderar minhas atitudes e me dar outra chance.

— Posso ser muito generosa quando se trata de outra chance. — Darcy sorriu.

— Eu estava contando com isso. — Ele a beijou de novo, mas com ternura. — Creio que vai ter de me deixar morar aqui.

— Aqui? — Ela devia estar sonhando. — Quer se mudar para cá?

— Bem, imagino que queira criar nossos filhos aqui.

— Filhos? — Darcy arregalou os olhos, incrédula.

— Deseja ter filhos, não? — Mac sorriu, vendo-a assentir com a cabeça. — Gosto de famílias grandes e sou tradicional. Já que vamos ter filhos juntos, você precisará se casar comigo.

— Mac... — Foi tudo que ela pôde dizer. O nome do único homem que amava.

— Está disposta a arriscar, Darcy? — Ele pousou as mãos delicadas sobre o próprio peito. — Quer apostar em nós dois?

Sob as mãos, ela sentia as batidas do coração de Mac.

— Como sempre acontece — Darcy sorriu, mara­vilhada —, estou com sorte.

Rindo, ele a tomou nos braços e rodopiou-a pela sala.

— Eu não tenho dúvida disso.

                                                                                            Nora Roberts

 

 

                      

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