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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Fora da Lei / Nora Roberts
Fora da Lei / Nora Roberts

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Fora da Lei

 

Precisava beber um whisky barato e quente. Depois de seis semanas na estrada, queria também a mesma tipo de mulher. Alguns homens fixavam-se nelas para conseguir o que queriam. Ele era um deles.

Sem hesitar, Jake decidiu que a mulher podia esperar, mas o whisky não.

Mas tinha um  caminho longo e poeirento antes de chegar em casa. Se é que podia considerar a pensão de Lone Bluff uma casa.

Para ele, sua casa podia ser o espaço que ocupava sua sombra. Mas nos últimos meses, Lone Bluff tinha sido um lugar tão bom quanto qualquer outro. Ali podia conseguir um quarto, um banho e uma mulher por um preço razoável. Era um povoado onde um homem podia evitar problemas ou buscá-los, dependendo do seu estado de ânimo.

 

Agora, com a poeira da estrada na garganta e o estômago vazio, com exceção do whisky que acabava de tomar, estava muito cansado para arranjar problemas. Tomaria mais um copo, uma comida decente e seguiria a estrada.

 

O sol da tarde entrava pela parte superior das portas do bar. Alguém havia colocado na parede uma foto de uma mulher enfeitada com plumas vermelhas, mas aquela era toda a companhia feminina que havia. Os lugares como aquele não proporcionavam mulheres aos seus clientes, só bebida e jogo.

 

Mas mesmo em uma cidade tão pequena com apenas um bar ou dois. Um homem podia contar sempre com isso. Mas não era meio dia e já estavam ocupadas a metade das mesas. O ar estava carregado com o  cheiro do fumo que o barman vendia.

O lugar cheirava a whisky e suor e cigarro, mas Jake supunha que ele mesmo não devia estar cheirando bem. Havia cavalgado diretamente desde do Novo México e gostaria de chegar a Lone Bluff sem parar, mas desejava dar um descanso ao seu cavalo e dar ao seu estomago, algo diferente de carne seca que levava com ele.

 

Os bares sempre tinham melhor aspecto à noite e aquele não era uma exceção. O balcão estava oleoso e o chão não era mais do que terra batida, acostumada a absorver o whisky e o sangue que derramavam sobre ele. Jake pensou que já havia estado em lugares piores e se perguntou se podia se permitir o luxo de um cigarro, ou devia esperar para depois da comida.

 

Se assim desejava sempre podia comprar mais tabaco. No seu bolso levava um mês de salário. E pensava se voltaria a conduzir gado. Aquela era uma vida para jovens e estúpidos, ou talvez só para estúpidos.

Quando estava sem dinheiro, podia buscar emprego nas diligencias através do território índio. A linha de transporte sempre estava buscando homens que fossem rápidos com o revolver e era melhor que conduzir gado. Estava  em meados de 1875 e continuava chegando gente do Leste em busca de ouro e terra para cultivar. Alguns deles ficavam pelo território do Arizona, à caminho da Califórnia, porque terminavam o dinheiro e a energia. Jake sentia pena deles. Mesmo sendo nascido ali, sabia que não era o lugar mais hospitaleiro do mundo.

O clima era quente, pegajoso e duro, mas ele gostava.

- Redman?

Levantou os olhos e observou o homem que havia falado. Jovem e com  aspecto agitado. Usava o chapéu caído nos olhos e seu pescoço brilhava de suor. Jake estava a ponto de suspirar. Conhecia bem aquele tipo de pessoas, eram os que buscavam problemas a todo custo.

-Sim?

-Jake Redman ?

-E aí?

-Sou Barlow, Tom Barlow – secou as mãos nas coxas. – Me chamam de Slim.

Pelo jeito como falou, Jake estava certo que o moço esperava ser reconhecido. Decidiu que o whisky não era bom o bastante para tomar mais um copo e colocou umas moedas sobre o balcão.

-Existe algum lugar por aqui onde se possa encontrar um bom bife? – perguntou ao barman.

-No Grody´s – ele respondeu e se afastou com cautela – Não queremos problemas por aqui.

-Eu não estou causando nenhum – respondeu.

-Estou falando com você, Redman.

Barlow separou as pernas e baixou a mão até o coldre do revolver. Uma cicatriz cruzava o dorso da sua mão. Usava um coldre, apenas um, com a pele desgastada na borda.

Tranqüilo, sem se mover mais do que o necessário, Jake olhou-o nos olhos.

-Quer me dizer alguma coisa?

-Você tem fama de ser rápido, ouvi dizer que acabou com Freemont em Tombstone.

Jake se voltou completamente para ele. O rapaz usava um Colt 44, com a extremidade negra, bem limpa. Jake não duvidava que devia haver entalhes nela. Barlow parecia o tipo de pessoa que se orgulhava de matar.

-Está bem informado.

Barlow abriu e fechou os dedos. Dois homens que jogavam poker no canto deixaram as cartas para olhar e apostar neles.

- Sou rápido, mais rápido que Freemont e mais  rápido que você. E nesta cidade não tenho concorrência.

Jake balançou a cabeça.

- Felicitações- disse.

Quis sair, mas o outro se colocou na frente dele, Jake olhou-o com frieza.

-Por que não briga com outra pessoa, eu só quero um bife e uma cama.

-Em minha cidade, não.

Jake não estava disposto a perder tempo com um pistoleiro que só buscava aumentar sua fama.

-Quer morrer por um bife? – perguntou.

Barlow sorriu, sem dúvida não achava que ia morrer por isso. Os sujeitos como ele não pensavam.

-Por que não vem me procurar daqui uns cinco anos? – perguntou Jake – Estarei ansioso para  atirar em você.

-Já  encontrei você agora. Quando  eu matá-lo não haverá ninguém a oeste do Mississipi que não conhecerá Slim Barlow.

-Então facilitemos as coisas para nós dois. – disse Jake começando a andar para a porta – Diga a todos que me matou.

- Me disseram que sua mãe era índia – gritou Barlow – Suponho que por isso é tão covarde.

Jake se deteve e se voltou para ele. Sentia raiva, mas fez o possível para controlá-la. Se tivesse que lutar, preferia fazê-lo com a mente clara.

-Minha avó era apache – respondeu.

Barlow sorriu, limpou a boca com as costas da mão esquerda.

-Então é um mestiço, certo ? Não queremos índios por aqui. Acho que tenho que limpar a cidade.

E sacou a arma. Jake percebeu o movimento, não na sua mão, mas nos seus olhos, e sacou  sua arma. Viu-se uma luz e se ouviu o disparo da arma. Ele não se moveu, apenas atirou de onde estava, na cadeira, confiando no seu instinto e experiência. Voltou  para a saída com um movimento rápido. Tom Barlow estava no solo do bar.

Jake saiu pela porta e se dirigiu ao seu cavalo. Não sabia se havia matado ou não o homem e não se importava. Aquele maldito episódio havia tirado seu apetite.

 

Sarah  tinha muito medo de perder a pouca comida que havia ganhado em sua última parada. Não sabia como podia sobreviver,  naquelas condições extremas. Pelo que podia ver , o Oeste era um lugar bom apenas para serpentes e foragidos.

Fechou os olhos, secou o suor do pescoço com um lenço e rezou para sobreviver às horas seguintes. Pelo menos podia dar graças a Deus por não ter que passar outra noite nas horríveis pousadas das diligências. Tinha temido que a matassem enquanto dormia e não havia nenhuma  privacidade.

Se bem que aquilo já não tinha importância, estava no final da viagem. Depois de dois anos, voltaria a ver seu pai e cuidaria da linda casa que havia construído nos arredores de Lone Bluff.

Quando tinha seis anos, seu pai deixou-as aos cuidados de umas freiras e partiu para encontrar fortuna. Sarah havia chorado muitas noites pensando nele. Depois, a medida que os anos passavam, tinha que olhar a foto desgastada para poder lembrar seu rosto. Mas sempre  lhe escrevia, e as cartas, apesar da caligrafia infantil, expressavam sempre muito amor e esperança.

Sarah recebia noticias suas uma vez ao mês, de qualquer cidade em que parava. Depois de dezoito meses e outras tantas cartas, lhe escreveu desde o Arizona, onde se instalou e se dispôs a construir sua fortuna.

Convenceu-a que havia sido uma boa idéia deixá-la no convento na Filadélfia, onde podia ser educada como uma dama, até que fosse adulta o suficiente para viver com ele. A garota estava com quase dezoito anos e ia encontrar-se com seu pai. Sem dúvida a casa que havia construído, precisava de um toque feminino.

Como seu pai não tinha voltado a casar-se, Sarah  o imaginava como um solteirão desatento, que não sabia onde estavam suas camisas limpas nem quem cozinharia o jantar. Ela se encarregaria de tudo isso.

Um homem da sua posição teria que receber pessoas e para isso precisava de uma anfitriã. Sarah Conway sabia exatamente como preparar um elegante jantar e um baile formal.

É verdade que o que havia lido sobre o território do Arizona era muito perturbador. Histórias de pistoleiros sem lei e índios selvagens. Mas afinal, estavam em 1875. Sarah não tinha dúvidas de que mesmo um território tão distante quanto o Arizona, devia estar sob o controle da lei. Era evidente que os jornais exageravam as histórias no afã de vender mais. Mas não haviam exagerado a respeito do clima.

Moveu-se no seu assento, buscando uma posição melhor. O volume da mulher sentada ao seu lado e seu próprio espartilho lhe deixavam pouco espaço para respirar. E o fedor era terrível. Por mais que colocasse água de lavanda no seu lenço, não conseguia escapar dele. Havia sete passageiros no interior da diligencia.

Faltava ar e isso acentuava o fedor do suor, o mau hálito  e o álcool que bebia sem parar o homem sentado em frente a ela. Fechou os olhos, apertou os dentes e ignorou os companheiros de viagem. Mas pelo que ela via, a paisagem do Arizona não era mais do que milhas e milhas de deserto.Os primeiros cactos que viu, a fascinaram, até o ponto que pensou em desenhar  alguns deles. Alguns eram tão grandes quanto um homem com os braços estendidos ao céu. Outros eram pequenos e quadrados e estavam cobertos por centenas de agulhas. No entanto, depois de ver dezenas deles e mais um pouco, haviam perdido a novidade.

Achava que as rochas deviam ser  interessantes. Aqueles platôs que se erguiam na areia, possuiam um certo encanto selvagem, em particular quando se erguiam contra o azul do céu, mas preferia as limpas ruas de Filadélfia, com suas lojas e salões de chá.

Seria diferente quando estivesse com seu pai. Ele estaria orgulhoso dela e ela necessitava disso. Havia trabalhado todos aqueles anos, aprendendo e praticando para poder converter-se na dama educada que ele desejava que fosse a sua filha. Se perguntou se a reconheceria. Ela lhe havia enviado um  auto-retrato, datado do Natal anterior, mas não estava certa de que estava muito parecido. Sempre havia pensado que era uma tristeza não ser bonita, de modo suave e arredondado como sua amiga Lucilla, ela não necessitava usar blush. De fato havia vezes em que pensava que seu aspecto era saudável demais. Sua boa era cheia e larga, seus olhos eram castanhos , em vez de azuis que tão bem combinariam com seu cabelo vermelho. Mesmo assim estava limpa e confortável, ou havia estado antes de começar a viagem. 

 

De repente sentiu que tudo aquilo tinha valido a pena. Quando se encontrasse com seu pai e fosse morar na adorável casa que ele tinha construído, uma casa com quatro dormitórios e uma sala com as janelas voltadas para o Oeste. Sem dúvida teria que trocar a decoração de alguns quartos. Os homens não pensavam muito em coisas como cortinas e almofadas combinando. Aproveitaria com ele. E quando visse os vidros brilhantes e flores frescas nos vasos, ele se daria conta de quanto precisava dela. E então os dois seriam compensados por todos os anos que haviam passado separados.

Sentiu um jorro de suor nas costas. A primeira coisa que queria fazer era tomar um banho, um agradável banho morno, perfumado com os sais de banho de lilás que Lucilla lhe dera como presente de despedida. Suspirou.

Então a carruagem parou e Sarah se viu jogada contra a mulher gorda à sua esquerda. Antes de entender o que acontecera, um jorro de whisky caiu em sua saia.

-Senhor!.

Mas antes que pudesse se secar, ouviu um disparo e gritos.

-Índios! – A mulher gorda se apertou contra ela – Vão nos matar.

-Não seja louca.

Sarah lutou para se libertar. Se inclinou para a janela para chamar o cocheiro, ao fazê-lo, viu o rosto do ajudante do cocheiro. Caio de boca no chão em segundos, mas foi suficiente para que ela pudesse ver o sangue que saia por entre seus lábios e a flecha cravada em seu peito.

-Índios – gritou de novo a mulher gorda, ao seu lado. – Que Deus tenha piedade. Arrancaram nossos escalpos.

-Apaches – murmurou o homem do whisky, terminando a garrafa. – Devem ter matado o cocheiro, os cavalos correm soltos.

E assim dizendo, sacou o revolver, foi para a janela oposta e começou a disparar seguidamente.

Sarah continuou olhando pela janela. Ouvia gritos e o som dos cascos dos cavalos, mas custava a entender o que via. Aquilo era impossível, ridículo. Os Estados Unidos tinham quase um século de existência. Ulisses S. Grant era presidente. Os  navios cruzavam o Atlântico em menos de duas semanas. Naquela época não podiam existir diabos sanguinários.

Então viu um, com o peito nu, o cabelo ondulante, montado num cavalo resistente. Sarah olhou nos olhos dele e viu uma febre neles, tão claramente como via sua pintura no rosto a poeira que cobria seus pés. Levantou seu arco e de repente caiu do cavalo.

Outro cavaleiro apareceu diante dela, montava agachado e usava pistolas nas mãos. Não era um índio, apesar de Sarah, na sua confusão, o achasse muito parecido com um selvagem. Usava o chapéu cinza sobre o cabelo negro e sua pele era quase tão escura quanto a dos apaches. Em seus olhos, quando se encontraram com os dela, não havia febre, e sim uma frieza absoluta.

Não disparou contra ela, e sim sobre seu ombro, disparou diversas vezes, inclusive quando uma flecha passou sobre sua cabeça.

A jovem pensou que era admirável. Magnífico, com o rosto coberto de suor, os olhos frios como o gelo e o corpo junto ao cavalo. Então a mulher gorda se grudou a ela e começo a gemer.

Jake disparou a suas costas, agarrando-se ao cavalo com os joelhos, com tanta facilidade como qualquer guerreiro apache. Havia visto os passageiros, em particular a jovem pálida de olhos escuros. Pensou com frieza que seus primos apaches gostariam daquela mulher.

Podia ver que o cocheiro que com uma flecha cravada no ombro, lutava para recuperar o controle dos cavalos. Fazia o que podia, apesar da dor, mas não era bastante forte para frear. Jake pegou velocidade e aproximou o cavalo do veículo.

Sarah o viu pular e subir logo ao banco. A mulher voltou a gritar ao seu lado e depois desmaiou quando o veículo parou. Aterrorizada demais para ficar sentada. Sarah abriu a porta com um empurrão e saiu .

O homem de chapéu cinza, descia da carruagem.

-Senhor - disse ao ir para seu lado.

A jovem levou a mão ao coração. Nenhum herói havia feito nada tão heróico.

-O senhor salvou nossas vidas -  sussurrou. Mas ele nem se quer a olhou.

-Redman – disse o passageiro do whisky, saindo da carruagem – Estou feliz que esteja aqui.

-Lucius – disse Jake, passando a mão pelo seu cavalo para tranqüilizá-lo – Eram só seis.

-Fugiram – interveio Sarah – Vão deixar que escapem?

Jake olhou a nuvem de poeira que os cavalos faziam ao afastar-se e depois para Sarah. Era pequena e seu aspecto indicava claramente que era uma mulher do Leste. Parecia que acabava de sair da escola, mas cheirava como um salão barato. Sorriu.

-Sim.

-Mas não pode deixar. – sua idéia de herói começou a se embaçar – Mataram um homem.

-Ele conhecia o perigo que corria. A diligência paga bem por este trabalho..

-Eles o assassinaram - repetiu ela. Está ali, morto, com uma flecha no peito. - Ao menos você poderia voltar e recolher seu corpo. Não podemos deixá-lo ali.

-Os mortos estão mortos.

-Isso é terrível - Sarah pensou que fosse desmaiar e se abanou com o chapéu. Esse homem merece um enterro decente. Que está fazendo?

Jake olhou pra ela. Decidiu que era bonita, talvez mais bonita agora que o chapéu não lhe cobria o cabelo.

-Amarrando meu cavalo.

A jovem deixou os braços caírem ao longo do corpo. Ela não se sentia enjoada. E rapidamente não estava mais impressionada. Estava furiosa.

-Senhor, pelo que parece, se preocupa mais com esse cavalo do que com o homem.

Jake parou e olhou para ela um momento.

-Isso mesmo. Este homem está morto e meu cavalo não. Eu em seu lugar voltaria para dentro, senhora. Seria muito ruim ficar aqui em pé quando os apaches retornarem.

Aquilo a fez olhar nervosa em volta. O deserto estava em silêncio, com exceção do grito de um pássaro que ela não identificou. Era um abutre.

-Voltarei para buscá-lo eu mesma - disse entre dentes;.

-Como queira – Jake se dirigiu ao estribo do veículo. Coloque essa mulher estúpida dentro da carruagem – disse a Lucius – E não lhe de mais bebida.

Sarah olhou para ele com a boca aberta. Antes que ela pudesse dizer alguma coisa. Lucius a segurou por um braço.

-Não faça caso, senhorita. Ele disse o que queria, mas tem razão. Os apaches podem voltar e devemos sair daqui.

Sarah subiu no coche com toda a dignidade que foi capaz. A mulher gorda continuava soluçando. A jovem se sentou na ponta do banco e o coche voltou a andar. Sarah voltou a colocar o chapéu e olhou para Lucius.

-Quem é este homem terrível? Perguntou

-Jake? É Jake Redman, senhorita. E permita que lhe diga que tivemos muita sorte que ele estivesse por perto. Onde põe o olho, põe uma bala.

-De verdade? Suponho que devemos lhe agradecer, mas ele parecia muito frio.

-Há quem diga que tem gelo nas veias. Ainda mais de sangue apache.

-Quer dizer que ele é índio?

-Do lado de sua avó. Eu não me preocuparia com ele, senhorita. É um consolo tê-lo ao lado quando as coisas estão ruins.

“Que homem podia matar seu próprio povo? Sarah estremeceu e ficou em silencio. Não queria pensar naquilo.

No banco do cocheiro, Jake controlava os cavalos com mão firme. O cocheiro levou uma mão ao ombro ferido e recusou a duvidosa comodidade do interior do coche.

-Você seria muito útil nesse trabalho. –disse a Jake.

-Estou pensando nisso. Mas na verdade pensava na moça de olhos castanhos e cabelo cor de mel. – Quem é esta garota, aquela do vestido azul?

-Conway. . De Filadélfia. Disse que é filha de Matt Conway.

-Sério?

A senhorita Conway de Filadélfia, não se parecia com seu pai. Mas Jake se lembrou que Matt  falava muito da filha que tinha no leste.

-Veio visitar seu pai?

-Disse que veio para ficar.

Jake soltou uma gargalhada.

-Não ficará uma semana. Mulheres como ela, não ficam.

-Acredita que ficará - indicou os baús com um movimento de polegar - A maior parte da bagagem é dela.

Jake fez uma careta e ajustou seu chapéu.

- Imagino.

Sarah viu pela primeira vez Lone Bluff, através da janela da diligência,  estendia-se  como uma porção de rochas na base da montanha. Montanhas duras, de aspecto frio.

Havia se recuperado o suficiente para colocar a cabeça para fora da janela, mas não podia ver Jake Redman, a menos que colocasse meio corpo para fora da janela. De qualquer forma, não estava interessada, só curiosa. Quando fosse escrever para Lucilla e às irmãs, queria descrever todas as diferenças do lugar.

Não havia duvida que aquele homem era diferente. Montava como um guerreiro, arriscando a vida por desconhecidos, esquecia seu dever cristão e abandonava um cadáver no deserto. E a havia chamado de estúpida.

Nunca em sua vida haviam lhe chamado de estúpida. Para dizer a verdade, quase todo mundo admirava sua inteligência e sabedoria. Era bem educada, falava francês fluentemente e sabia tocar piano de modo passável.

Se lembrou que não precisava da aprovação de um homem como Jake Redman. Quando se encontrasse com seu pai e ocupasse o lugar na sociedade local, era pouco provável que tornasse a vê-lo. Logicamente lhe agradeceria de modo adequado. Tirou um lenço limpo da bolsa de mão e secou as faces. O fato dele não ter modos, não era desculpa para ela esquecer dos seus. Supôs que poderia pedir ao seu pai que o recompensasse.

Encanta com a idéia, voltou a olhar pela janela e gaguejou surpreendida. Aquilo não poda ser Lone Bluff. Seu pai não teria ficado em um lugar tão patético. Não havia mais que um grupo de edifícios e um caminho largo e poeirento que fazia as vezes de avenida. Passaram por dois bares, um restaurante e o que lhe parecera uma pousada. Viam-se cavalos atados a postes e um punhado de crianças com o rosto sujo correndo ao lado da diligencia, gritando e disparando pistolas de madeira. Sara viu duas mulheres passeando de braços dados sobre as pranchas de madeira que faziam as vezes de calçada.

Quando a diligencia parou, ouviu Jake pedir um médico. Os passageiros estavam saindo do veículo. Resignada, a moça saiu e sacudiu a saia.

-Senhor Redman, porque paramos aqui?

-Fim do trajeto, senhora.

Alguns homens ajudavam o cocheiro a descer, assim Jake se dispôs a descer a bagagem do teto da carruagem.

-Fim do trajeto? Onde estamos?

-Bem vinda a Lone Bluff, senhorita.

A jovem respirou fundo e se voltou. A luz ressaltava toda a sujeira e a deterioração da cidade.

Então aquela era o final da sua viagem. Falou para si mesma que não importava. Ela não tinha que viver na cidade.E sem duvida, o ouro da mina de seu pai atrairia mais gente e progresso rapidamente. Não  importava. Encolheu os ombros. A única coisa que importava era voltar a ver seu pai.

Se voltou a tempo de ver Jake entregar um de seus baús para Lucius.

-Senhor Redman, por favor cuide da minha bagagem.

Jake levantou o pacote seguinte e o deixou para Lucius.

-Sim, senhora.

A jovem esperou que ele descesse ao seu lado.

-Apesar do que eu disse antes, estou muito agradecia por ter vindo em nossa ajuda, senhor Redman. O senhor demonstrou ser muito valente. Estou certa  que meu pai irá querer recompensá-lo por me fazer chegar a salvo.

Jake não havia ninguém falar de todo tão fino, desde que passara uma semana em ST Louis, alguns anos atrás. Tirou o chapéu e a olhou por um tempo, até que ela ficar vermelha.

-Esqueça. – disse.

Sarah o viu dar uma volta. Esquecer? Se era esse o modo que aceitava a sua gratidão, pois então faria isso rápido. Arrebanhou as saias e avançou para a rua para esperar seu pai. Jake entrou na pousada com a sela no ombro. Era um lugar que nunca parecia estar muito limpo e sempre cheirava a cebolas e café forte. Como a porta estava aberta, o vestíbulo estava cheio de moscas.

-Maggie - saudou a mulher que estava de pé nas escadas – Tem um  quarto?

Maggie O´Rourke era tão dura quanto seus bifes. Seu  cabelo era grisalho, amarrado em um coque, e tinha o rosto cheio de rugas. Conduzia se negócio com mão de ferro, uma Winchester de repetição e esforçando-se para aborrecer a todos que podia.

Deu uma olhada em Jake e escondeu o prazer que tinha em vê-lo de novo.

-Mas olha quem chegou? A lei está procurando você, Jake, ou uma mulher?

-Nenhuma das duas coisas – fechou a porta com a bota, perguntando-se porque sempre voltava ali. A velha não lhe dava um momento de paz e sua comida era terrível. – Tem um quarto, Maggie e um pouco de água quente?

-Você tem um dólar?

Estendeu a mão quando ele depositou uma moeda, e a mordeu com os poucos dentes que lhe restavam.

-Pode ficar com o da última vez. Está vago.

-Ótimo – disse ele, começando a subir as escadas.

-Não houve nada de interessante desde que partiu. Alguns bêbados se atracaram perto de Bird Cage. Uns inúteis, mas só um morreu. O xerife deixou o outro livre, depois chamou o médico. A Jovem Mary Sue Brody se meteu em problemas com um tal de Mitchel. Sempre lhe disse que a garota era muito ansiosa. Mas se casaram como se deve, no mês passado.

Jake continuou andando, mas aquilo não impediu Maggie. Do seu ponto de vista, um dos privilégios de ter uma pousada era dar e receber informações.

-O que aconteceu ao Velho Matt Conway, foi uma tragédia.

Aquilo o deteve. Voltou-se para ela.

-Que aconteceu com Matt Conway - perguntou.

-Morreu na velha mina. Um desabamento. Foi enterrado há dois dias.

 

O calor era terrível, e cada vez que passava um cavaleiro, levantava uma nuvem de poeira amarela que parecia suspensa no ar durante um tempo. Sarah ansiava poder beber algo frio e sentar-se à sombra, mas a julgar pelo aspecto da rua, não parecia haver um lugar onde uma dama pudesse encontrar o que ela queria. E depois do que acontecera, tinha medo de deixar sua bagagem na calçada e arriscar-se a desencontrar com seu pai.

Estava certa de que ele estaria esperando, mas por outro lado devia haver uma porção de compromissos para um homem da sua posição.Lembrou a si mesma que havia esperado doze anos, podia esperar um pouco mais.

Passou uma carruagem que levantou ainda mais poeira, e teve que levar o lenço à boca, para se proteger. Sua saia e sua jaqueta estavam cobertas de poeira. Com um suspiro, olhou a sua blusa, que parecia amarela em vez de branca. Não era vaidade, mas não gostaria que o pai a visse pela primeira vez suja da viagem e quase esgotada. Gostaria de estar bonita para aquele primeiro encontro.

Sabia que sua aparência não era boa, mas  ela compensaria isso depois. Aquela noite poderia jantar com seu vestido de musselina branca, coma a saia bordada  de botões de rosa. Seu pai ficaria orgulhoso dela.

Jake cruzou a rua depois de perder a batalha consigo mesmo. Não era assunto seu dar a notícia para a jovem. Mas estava há dez minutos parado observando-a ali de pé, esperando, e pode notar o olhar de esperança cada vez que passava um cavalo, ou se aproximava um coche. Alguém teria que dizer-lhe que seu pai não iria buscá-la.

Sarah o viu se aproximando. O homem andava com facilidade apesar dos revolveres pendurados, era como se houvesse nascido com eles. E a olhava de um modo que sabia não devia ser muito correto. O coração começou a bater forte. Lucilla sempre falava de  corações palpitantes e imagina cenas românticas de fora-da-leis e lugares selvagens. Sarah preferia algo mais realista em seus sonhos.

-Senhora....

-Senhor Redman - sorriu ela, decidida a ser educada.

O homem enfiou as mãos nos bolsos.

-Tenho notícias de seu pai.

Sarah sorriu abertamente. Seus olhos tornaram-se dourados com a luz do sol e Jake sentiu um baque no peito.

-Ele deixou em recado para mim? Obrigada por me dizer. Poderia ficar esperando aqui por horas.

-Senhora...

-Ele deixou um bilhete?

-Não – Jake desejava terminar com aquilo logo – Matt está morto. Houve um acidente na mina.

Estava preparado para vê-la chorar, gemer, mas os olhos dela o olharam com fúria , não com lágrimas.

-Como se atreve a mentir sobre algo assim?

Tentou passar por ele, mas Jake segurou-lhe o braço. A jovem o olhou, mas não disse nada.

-Ele foi enterrado há dois dias – percebeu que ela ficou muito quieta e pálida – Não desmaie agora.

Era verdade, ela podia ler a verdade no rosto dele com tanta claridade como lia seu desgosto por ter sido ele a lhe contar.

-Um acidente? – conseguiu perguntar.

-Um desabamento – se sentiu aliviado ao ver que ela não ia desmaiar, mas não gostava do olhar vidrado dela – È melhor falar com o xerife.

-O xerife? – repetiu ela sem compreender.

-O escritório dele é do outro lado da rua.

A moça sacudiu a cabeça e o fitou, mordendo o lábio inferior para conter as emoções. Se tivesse desmaiado, Jake a deixaria tranqüilamente na rua, aos cuidados de alguma mulher que passasse, mas o comoveu ver o esforço que ela fazia para agüentar com firmeza.

O homem tinha que cuidar dela, segurou em seu braço com suavidade e a guiou pela rua.

O xerife Barker estava em seu escritório, inclinado sobre seus papeis, com uma caneca de café na mão. Começava a ficar calvo e tinha um pouco de barriga, culpa, sem dúvida dos pasteis de sua esposa. Mantinha a lei em Lone Bluff, mas não se preocupava muito com a ordem. Não era um homem corrupto, apenas preguiçoso.

-Então voltou! Pensei que tivesse gostado do Novo México -  levantou as sobrancelhas ao ver Sarah entrar, e se levantou – Senhora.

-Esta é a filha de Matt Conway.

-Meu Deus! Desculpe senhora. Estava para lhe enviar uma carta.

-Xerife...

-Barker, senhora.

Saiu de traz da mesa e lhe ofereceu uma cadeira.

-Sherife Barker – Sarah se sentou – O senhor Redman acaba de me dizer que meu pai....

Não consegui falar mais, não conseguia pronunciar as palavras.

-Sim, senhora. Sinto Muito. Alguns garotos passaram brincando pela mina e o encontraram. Ao que parece estava trabalhando na mina, quando cederam algumas estacas -Ao ver que ela não dizia nada, abriu uma gaveta de cima  do arquivo – Usava este relógio e um pouco de tabaco. Achamos que gostaria de ser enterrado com o anel do casamento.

-Obrigada.

A jovem guardou o relógio e a bolsa de tabaco, como se estivesse em transe. Lembrava-se daquele relógio.

-Gostaria de ver onde está enterrado. E tenho que levar minha bagagem até a casa.

-Senhoria Conway, se me permite um conselho, não acredito que gostaria de ficar ali. Não é um lugar adequado para uma  dama jovem e sozinha. Minha esposa ficará encantada em hospedá-la em nossa casa, até que volte ao leste.

-É muito amável da sua parte – segurou a cadeira para ficar de pé - Mas prefiro passar a noite na casa do meu pai. – Engoliu a saliva e descobriu que garganta estava muito seca – Devo algo ao senhor pelo enterro?

-Não senhora. Aqui cuidamos dos nossos cidadãos.

-Obrigada.

Precisava de ar. Apertou o relógio em sua mão e abriu a porta. Se apoiou contra um poste e lutou para recobrar-se.

-Deveria aceitar a oferta do Xerife.

Voltou a cabeça para olhar Jake.

-Ficarei na casa do meu pai. Você pode me levar?

O homem coçou o queixo barbudo. Fazia uma semana que não fazia a barba.

-Tenho outras coisas para fazer.

-Eu pago – disse ela com rapidez, vendo que ele se afastava.

O Homem parou e olhou - Não havia duvida que era uma mulher decidida, mas queria ver até que ponto.

-Quanto? Perguntou

-Dois dólares - ao ver que ele continuava a olhá-la sem dizer nada, continuou – Cinco.

-Tem cinco dólares?

Sarah desgastada, enfiou a mão no bolso.

-Tome.

Jake olhou a nota que ela tinha nas mãos.

-Que é isso?

-São cinco dólares.

-Não aqui. Isso aqui é só um pedaço de papel.

Sarah devolveu a nota ao bolso e tirou uma moeda.

-Isto lhe parece melhor?

Jake pegou a moeda, olhou-a e guardou-a no bolso.

-Isso dá. Vou buscar um coche.

A jovem o viu afastar-se com raiva. Era um homem miserável e o odiava. E odiava ainda mais precisar dele.

Não disse nada durante o trajeto. Já não lhe importava a desolação da paisagem, o calor, nem a frieza do homem ao seu lado. Seus sentimentos pareciam congelados.

Jake Redman não parecia precisar de conversa. Conduzia o coche em silencio, além das pistolas, levava um rifle cruzado sobre os joelhos. Havia tempo que não havia problemas por ali, mas um ataque de índios poderia mudar a situação.

Reconheceu Lobo Forte no grupo que atacou a diligencia. Se o guerreiro apache havia decidido atacar os arredores, antes ou depois, atacaria a casa de Conway.

Não cruzaram com ninguém no caminho, só areai, rochas e um falcão voando.

Quando o carro parou, Sarah não viu mais que uma pequena casa de adobe e uns poucos cabritinhos empoeirados num pedaço de terra seca.

-Porque paramos aqui? Perguntou.

Jake saltou do carro.

-Esta é a casa de Matt Conway.

-Não seja ridículo – disse ela, descendo também – Senhor Redman, paguei o senhor para me levar a casa do meu pai e espero que cumpra o acordo.

O Homem colocou um dos baús ao chão, antes que ela pudesse impedi-lo.

-O que você está fazendo?

-Descarregando sua bagagem.

-Não se atreva a tirar mais nada desse coche. Sarah o segurou pela camisa e o obrigou virar-se pra ela. – Insisto que me leve imediatamente para a casa do meu pai.

Jake pensou que alem de idiota ela também era irritante.

-Ótimo – disse.

Passou os braços pela cintura dela e a colocou nos ombros.

À princípio Sarah ficou surpresa demais para se mover. Nunca havia tocado em homem nenhum e esse maldito se atrevia a segurá-la nos braços, e ainda estavam sozinhos, completamente sozinhos.

Começou a se debater, mas antes que gritasse, ele a colocou de novo no chão.

-Assim está bem?

Sarah o olhou sem deixar de pensar em todas as coisas horríveis que podiam  acontecer a uma mulher sozinha e indefesa. Deu um passo para trás e rezou para poder chegar a um acordo com ele.

Senhor Redman, tenho pouco dinheiro comigo, nada que valha a pena roubar.

O homem a olhou com um brilho perigoso nos olhos.

-Eu não sou um ladrão. - declarou.

Sarah molhou os lábios.

-Vai me matar? Perguntou.

Jake estava a ponto de começar a rir. Em vez disso se recostou contra a parede da cabana.

Havia algo nela que não o deixava indiferente. Não sabia o que era, nem porque, mas não gostava nada do sentimento.

-Provavelmente não. Quer dar uma volta para conhecer o lugar? – A jovem negou com  a cabeça - Me disseram que ele foi enterrado na parte de trás, perto da entrada da mina.Vou ver os cavalos de Matt e dar de beber à parelha.

Quando saiu, Sarah continuou olhando o umbral vazio. Aquilo era uma loucura. Por acaso aquele homem achava que seu pai tinha vivido ali? Ela tinha dezenas de cartas nas quais ele falava da casa que estava construindo, a casa que tinha terminado, a casa que estaria pronta para recebê-la quando fosse grande o bastante para encontrar-se com ele.

A mina. Sim a mina estava perto, talvez encontrasse ali alguém com quem pudesse falar. Olhou para fora com cuidado e logo saiu correndo ao redor da casa.

Cruzou o que deveria ser o começo de uma horta, seca naquele momento por causa do sol. Havia uma cobertura que se passava por um estábulo e um curral vazio, construído com uns pedaços de madeira.

Foi até o ponto em que o chão começava a elevar-se com a subida da montanha.

Encontrou facilmente a entrada da mina, que não era nada mais que um buraco na parede da rocha. Na parte superior viu uma placa de madeira com umas palavras gravadas – “O Orgulho de Sarah”

Então começou a chorar. Ali não havia trabalhadores, nem carros cheios de rochas nem ferramentas para a extração do ouro. Entendeu a realidade: o sonho de um homem que não tinha sido outra coisa. Seu pai não havia sido um homem importante, que buscava fortuna, e sim um homem que cava a rocha em busca de algo.

Então viu a sepultura. Ele havia sido enterrado a poucos metros da entrada. Alguém teve a gentileza de fazer uma espécie de cruz de madeira e gravar o nome do seu pai nela. Se ajoelhou e passou a palma da mão sobre a madeira.

Ele havia mentido pra ela. Havia mentido durante doze anos, contando-lhe histórias de veias  ricas em ouro, uma casa grande com salão de festas e jardins com flores. Não seria porque havia sentido a necessidade de acreditar naquilo?

Quando a deixou, havia lhe prometido que algum dia teria tudo o que desejava e havia cumprido a promessa, com uma exceção, não havia lhe dado ele mesmo. E durante todos esses anos ela só tinha desejado estar com seu pai.

Pensou que havia vivido em uma casa de barro no meio do deserto para que ela pudesse ter vestidos bonitos e meias novas. Para que pudesse aprender a servir o chá e dançar valsas. Devia gastar tudo que ganhava para mantê-la naquela escola do leste.

E agora estava morto, ela só podia lembrar do seu rosto e estava morto. Ela o tinha perdido.

-Ah.. papai, não sabia que isso não me importava?

Caiu sobre a sepultura e deixou que as lágrimas saírem.

Jake a esperava na casa. Estava a ponto de ir buscá-la, quando a viu perto da mina. A jovem se deteve para olhar para a casa que seu pai vivera durante mais de uma década. Havia tirado o chapéu e o levava seguro pelas fitas. Parou um momento imóvel, como uma estátua, com o rosto pálido, o corpo esbelto e elegante. O cabelo estava preso, mas algumas mechas haviam se soltado e caiam pelo rosto. O sol brilhava sobre ele. Lembrando a Jake a pele de um cervo jovem.

O homem deu a última baforada  do cigarro que estava fumando. De pé ali contra a rocha, aquela jovem representava uma figura incrível.

-Senhor Redman – disse ela com voz forte - Gostaria que me desculpasse pela cena da chegada.

Aquilo o deixou quieto um momento, sem palavras.

-Ouvi. Está pronta pra regressar?

-Como disse?

Jake apontou para o coche, Sarah notou que sua bagagem tinha sido colocada de volta.

-Perguntei se está pronta pra voltar.

A jovem olhou para as mãos e respirou com força.

-Acreditei que tinha entendido que ia ficar na casa do meu pai.

-Não seja estúpida. Uma mulher como você não tem nada pra fazer aqui.

-Verdade? – perguntou com um olhar duro pra ele. Pois não penso em partir. Agradeceria se colocasse os baús dentro de casa. – continuou passando por ele.

-Não durará um dia.

Sara parou e olhou para ele por cima do ombro. Jake teve que admitir que era uma mulher decidida.

-Esta é a sua opinião, sr.Redman?

-É um fato.

-Quer apostar?

-Olhe, duquesa, este é um país duro mesmo para as pessoas que nasceram aqui, Calor, cobras, animais selvagens, isso sem mencionar os apaches.

-Agradeço por me lembrar de tudo isso, sr. Redman. Agora pode trazer minha bagagem?

-Maldita estúpida - rosnou ele, indo para o coche. – Se quiser ficar aqui, não é assunto meu.

Levou um dos baús para dentro, enquanto ela o olhava com os braços cruzados.

-Sua linguagem, sr.Redman, é completamente inadequada.

Jake disse uma imprecação, e segurou o segundo baú.

-Quando a noite chegar, vai mudar de idéia, não haverá ninguém aqui.

-Não vou mudar de idéia, mas obrigada pela preocupação.

-Não estou preocupado – rosnou ele novamente, ignorando o sarcasmo dela. Espero que tenha trazido algumas provisões, alem de vestidos bonitos.

-Asseguro-lhe que estarei bem – foi para a porta e se voltou para ele – Talvez possa me dizer onde posso encontrar água.

-Existe um riacho meia milha a leste daqui.

A moça tentou esconder o desalento.

-Entendo.

Olhou para fora, colocando a mão como viseira nos olhos. Jake lançou outra imprecação,  segurou-a pelos ombros e virou-a na direção correta.

-É por aqui, duquesa.

-É lógico que sim - deu um passo para trás. Obrigada novamente, sr. Redman e adeus - acrescentou antes de fechar-lhe a porta no rosto.

Ouviu-o soltar uma enxurrada de palavrões, enquanto desatava os cavalos. Se não estivesse tão cansada, poderia ter sido divertido. Ma estava cansada demais para escandalizar-se com o vocabulário do outro. Se ia ficar por lá tinha que se acostumar aos maus modos. E tinha a intenção de ficar.

Se aquilo era a única casa que tinha, trataria de tirar o melhor dali.

Foi até a  abertura redonda que fazia às vezes de janela e ficou olhando Jake se afastar.

Ele havia deixado o coche para ela e havia guardado os cavalos alugados junto com os do seu pai.Sarah suspirou. Não achava que isso ia ajudá-la muito, pois não sabia atar o coche aos cavalos e também não sabia montar.

Continuou olhando Jake até que se transformou numa nuvem de poeira na distancia. Estava sozinha. Completamente sozinha. Não tinha ninguém e não tinha quase nada.

Mas tinha a si mesma. E mesmo que não tivesse nada mais que uma cabana de barro, encontraria um modo de sobreviver, nada iria levá-la dali.

Voltou-se, tirou a jaqueta, dobrou as mangas da blusa. As freiras sempre haviam lhe ensinado que o trabalho duro ajudava a mente e limpava a alma. Estava pronta para colocar a prova aquela afirmação.

Uma hora depois encontrou as cartas. Quando as viu num espaço que fazia às vezes de dormitório, limpou as mãos o melhor que pode no avental bordado que tinha tirado de um dos baús.

Seu pai havia guardado todas, da primeira à última. Sentiu vontade de chorar, mas se conteve. As lágrimas não iam servir da nada naquele momento.Mas era bom pensar que ele havia guardado suas cartas. Saber que havia pensado nela, tanto quanto ela nele.

A última que informava que viria encontrá-lo, devia ter recebido pouco antes de sua morte.

Sarah a havia deixando no correio, quando estava embarcando no trem. Disse a si mesma que era porque desejava fazer-lhe uma surpresa, mas também queria assegurar-se de que ele não teria tempo de impedi-la de ir.

Se perguntou se seu pai iria impedi-la de vir, ou se por fim iria contar-lhe toda a verdade. Talvez acreditasse que ela era frágil demais para compartilhar com ele  a vida que escolhera. Seria verdade?

Olhou em volta com um suspiro. A casa era um pouco maior que o quarto que ela compartilhava com Lucilla na escola. Percebeu logo que a casa era muito pequena para todas as coisas que tinha trazido com ela.,mas havia ajeitado para colocar os baús num canto. Tinha suas coisas favoritas do baú, um arranjo de flores, um vidro de cristal de perfume suave,uma almofada bordada, e uma boneca de porcelana que seu pai lhe enviara quando fizera doze anos. Mesmo que aquelas coisas, por si só, não faziam da cabana um lar, mas pelo menos ajudavam.

Deixou as cartas na caixa de metal, colocada ao lado da cama, e se levantou. Tinhas coisas práticas que pensar. A primeira era dinheiro. Depois de pagar os cinco dólares, só lhe sobraram mais vinte. Não tinha idéia de quanto tempo poderia sobreviver com aquela quantia, mas duvidava que seria por muito. Depois a comida, aquilo era algo que tinha que providenciar de imediato.

Havia encontrado farinha, algumas latas de feijões, manteiga e uma garrafa de whisky. Levou a mão ao estomago e decidiu que teria que se conformar com os feijões.A única coisa que tinha que fazer era ver como se acendia o fogo naquela cozinha velha.Encontrou alguma lenha num caixão de madeira e uma caixa de fósforos. Meia hora e muitas frustrações depois, tinha que admitir que era um fracasso.

Jake Redman. Chateada, colocou de lado as aparas chamuscadas. Ele poderia ao menos ter se oferecido para acender o fogo e lhe trazer água. Ela havia ido uma vez ao riacho, de onde trouxe meio balde de água, que não derramou pelo caminho. Comeria os feijões frios. Mostraria a Jake que se arranjaria muito bem sozinha.

Pegou a navalha do seu pai, estremeceu ao ver a lâmina afiada e com ela começou a abrir as latas de feijões. Sentou-se ao lado de um banco de pedra e devorou-as.

Disse a si mesma que faria daquilo uma aventura. Algo sobre o qual poderia escrever a suas amigas na Filadélfia. Quando terminou de comer, limpou a boca com as costas da mão, se apoiou sobre o  banco, mas a pedra cedeu, perdeu o equilíbrio e bateu o cotovelo. Se pôs em pé e estava pensando em mover a pedra, quando alguma coisa atraiu sua atenção. Voltou a agachar-se e colocou a mão numa pequena abertura que descobriu e tirou uma bolsa. Abriu-a e encontrou várias moedas de ouro que caíram sobre a sua saia. Duzentos e trinta dólares. Sarah levou as mãos à boca, engoliu a saliva e voltou a contar. Estava certo. Até aquele momento não sabia o que poderia significar o dinheiro. Poderia comprar comida decente, combustível, e tudo o que necessitava para sobreviver.

Devolveu as moedas a bolsa e colocou novamente a mão na abertura. Desta vez encontro a escritura da mina. Seu pai devia ter sido um homem muito estranho para esconder seus pertences atrás de uma pedra.

A última coisa que encontrou foi o diário do seu pai. Ficou muito alegre. O pequeno livro marrom. Cheio com a escrita do seu pai, significava mais para ela do que todas as moedas de outro do Arizona. Estreitou-o contra o peito e  antes de levantar-se, guardou as moedas e a escritura, debaixo da pedra.

Leria cada tarde um dos dias do seu pai. Seria como um presente, algo que a aproximaria do homem que nunca havia conhecido. Agora voltaria ao riacho, tomaria um banho e recolheria água para a manhã seguinte.

 

Jake a observou sair da cabana com um balde na mão e uma lanterna na outra. Havia se escondido e se colocado confortável entre as rochas, na sela levava carne seca suficiente para um jantar passável, não exatamente o que havia planejado, mas passável.

Não tinha idéia do porque havia decidido vigiá-la. Aquela mulher não era assunto seu. Mas assim que saiu dali, maldizendo sua teimosia e disposto a ir à cidade, sabia que não poderia partir e deixá-la ali sozinha.

Talvez porque sabia o que era perder todos que amava. Ou talvez porque estivesse sozinha há mais tempo  que poderia se lembrar. Pode ser também que tivesse a ver com o modo que ela o olhou ao descer a ladeira, com o chapéu nas mãos, e as lágrimas secando em seu rosto. Não sabia que tinha um ponto fraco. E ainda. Não no que se referia a mulheres. Se pôs de pé e disse a si mesmo que estava ali porque não tinha nada melhor pra fazer.

Seguiu-a a distância. Conseguia locomover-se em silêncio pelas rochas tanto em dia claro como à noite. Era uma questão de costume como também algo inato nele, em sua juventude passou alguns anos com o povo da sua avó e aprendeu a seguir rastros sem deixar pistas e a caçar sem fazer ruído.

Enquanto isso, a  mulher usava a saia elegante com  babados e sapatos mais apropriados para a cidade do que o solo do campo. Jake teve que parar várias vezes se não a alcançaria.

Estava pensando que provavelmente ela cairia e quebraria o tornozelo antes de voltar para casa. E aquilo era o que de menos grave poderia lhe a acontecer, pois ai poderia levá-la de volta à cidade. Sorriu ao ouvi-la gritar e cair sobre suas saias, quando um coelho cruzou-lhe a frente.

Não, aquela duquesa da Filadélfia não duraria nem um dia.

Sarah levou a mão ao coração e lutou para recobrar-se. Nunca em sua vida havia visto um coelho tão grande. Percebeu com raiva, que havia rasgado o babado da saia. Começou a andar, perguntando-se como se arranjavam as mulheres por ali. Com aquele calor, o espartilho parecia um ferro em brasa e a saia elegante a impedia de andar de outro modo a não ser com passos delicados.

Quando chegou ao riacho, deixou-se cair sobre uma rocha e começou a desabotoar os laços dos sapatos. Era um prazer ficar descalça. Tinha uma bolha no dedão, mas se preocuparia com isso mais tarde. Naquele momento, a única coisa em que pensava era banhar-se naquela água fria.

Olhou com cuidado em sua volta. Não poderia haver ninguém ali. Supôs que era natural uma mulher sozinha no campo se sentir observada. Tirou o broche que usava no pescoço e guardou com cuidado no bolso da saia. Era a única recordação da sua mãe.

Começou a cantar para fazer-se companhia, tirou a blusa, dobrou-a e colocou sobre a rocha. Tirou em seguida o espartilho, e com grande alívio o colocou sobre a blusa. Era a primeira vez em todo o dia que podia respirar com liberdade. Ficou com a camisa de baixo e tirou a meias. Era fantástico. Fechou os olhos e emitiu um gemido de prazer ao entrar no riacho, que lhe chegava até os tornozelos. A água que vinha das montanhas era limpa e fria como o gelo.

 

Que diabos ela achava que estava fazendo? Jake xingou e apertou os olhos. Quem iria imaginar que aquela mulher tiraria a roupa e começaria a se banhar quando estava quase escurecendo? Viu-a  jogar água no rosto, entre eles não havia mais nada do que sombras e a luz do crepúsculo.

A água ensopou a camisa de algodão que ela usava e a grudou no corpo. Agachado atrás de uma rocha, Jake começou a maldizer a si mesmo, em vez dela.

A culpa era toda dele. Por acaso não sabia que o melhor modo de sobreviver era se preocupar apenas com seus problemas. Deveria estar chegando na casa de Carlotta e passando a noite com uma mulher numa cama de plumas. Com a classe de mulher que um homem necessita e que não fazia perguntas. A classe de mulher que não esperava que ele fosse tomar chá no domingo.

Voltou a olhá-la e viu que as alças da camisa de Sarah haviam caído e que suas pernas estavam úmidas e brilhantes. Seus ombros estavam pálidos, suaves e nus.

Jake pensou que estava a muito tempo sozinho. Só assim poderia explicar porque um homem começava a sonhar com mulheres da cidade que não sabiam distinguir o leste do oeste.

Sarah encheu o balde melhor que pode e logo saiu do riacho. Escurecia mais depressa do que esperava. Mas começava a se sentir quase humana. Só a idéia de colocar de novo o espartilho era dolorida, assim o ignorou. Colocou a blusa e se perguntou se voltaria a colocar as meias e os sapatos. Ali não havia ninguém, assim colocou a saia, fez um pacote com o resto de suas coisas. Com a água caindo do balde e iniciou cuidadosamente o caminho de volta.

Teve que conter-se para não começar a correr. Ao cair da tarde, o ar esfriava com rapidez e havia mais barulhos. Ruídos que não conhecia e não gostava. As pedras grudavam nos seus pés descalços e a lanterna dava mais sombra do que luz. A meia milha lhe pareceu muito mais longa que antes.

Voltou a sentir que alguém a observava. Apaches? Animais selvagens? Maldito Jake Redman! A pequena cabana de adobe lhe pareceu um refugio paradisíaco. Entrou meio correndo pela porta e fechou as suas costas.

O primeiro coiote lançou um uivo para a lua.

Sarah fechou os olhos. Se sobrevivesse àquela noite, engoliria seu orgulho e voltaria a cidade.

Nas rochas, não muito longe dali, Jake se dispôs a dormir.

 

Sarah despertou pouco depois do amanhecer, rígida, dolorida e faminta. Virou-se desejando voltar a dormir até que Lucilla entrasse com o chocolate da manhã.

Havia tido um sonho horrível, com um homem de olhos cinza que a levava para um lugar quente e desolado. Ele era atraente e de modos rudes, pouco civilizado. Tinha a pele cor de bronze, malares altos e quase exóticos e uma sombra de barba. Seu cabelo era tão negro quanto carvão, e grosso muito grosso.

Sentiu algo familiar nele, quase como se o conhecesse. De fato,  quando a obrigou a beijá-lo, um nome cruzou a sua mente. Logo não foi necessário obrigá-la.

Sarah sorriu. Teria que falar com Lucilla sobre o sonho e ririam juntas antes de vestir-se.

Abriu os olhos devagar.

Aquela não era o quarto rosa e branco que ocupava quando visitava Lucilla e sua família. Nem tampouco o quarto familiar que usava na escola.

Então se lembrou de tudo. Aquela era a casa do seu pai, mas seu pai estava morto e ela estava só. Resistiu ao impulso de enterrar a cabeça no travesseiro e começar a chorar. Teria decidir o que fazer, e para isso era preciso pensar com clareza.

A noite anterior quando estava segura,  convenceu-se que o melhor era voltar a cidade e usar o dinheiro encontrado para pagar a passagem de volta ao leste.No melhor dos casos, a família de Lucila lhe daria abrigo, no pior, poderia regressar ao convento. Mas isso foi antes de começar a ler o diário do seu pai. Só precisou ler duas páginas para começar a ter dúvidas.

Seu pai começou o diário no dia em que a deixou para ir para o Oeste. O amor e a esperança que sentia estavam em cada palavra. E a tristeza. Estava sofrendo pela morte da mãe de Sarah.

A moça compreendeu pela primeira vez como era duro perder a mulher que amava por um tempo tão breve.E tão inútil se sentiu ao se ver responsável por uma garotinha. Havia prometido a sua esposa, no leito de morte, que se encarregaria  de cuidar da filha, da melhor forma possível.

Recordou as palavras exatas que seu pai escreveu no papel amarelado.

“Ela se foi. E não havia nada que eu pudesse fazer para evitar. Minha Ellen, minha pequena e delicada Ellen, que só pensava em mim e na nossa doce Sarah. Eu prometi a ela, minha promessa era o único consolo que eu pude lhe dar. Prometi que a nossa filha teria tudo o que Ellen queria pra ela. Iria para uma boa escola e assistiria a missa na igreja aos domingos. Seria educado do modo que a minha Ellen gostaria de tê-la educado, como uma dama. E teria uma boa casa e um pai do qual podia se orgulhar.”

E o pai tinha partido para o Arizona para tentar e havia feito o que podia. Agora cabia a ela decidir o que era melhor. E se tinha que pensar, precisava comer.

Vestiu-se com a saia e blusa mais velhas que possuía, voltou a  examinar o conteúdo do armário. Não podia comer mais feijões frios. Talvez houvesse uma dispensa em algum lugar, um cômodo com carne defumada, ou algo assim. Abriu a porta e o brilho do sol lhe fez cambalear.

A princípio pensou que fosse uma miragem. Mas as miragens não tem cheiro e aquela cheirava a carne assada e café fresco. Viu Jake sentado com as pernas diante de uma fogueira.

Recolheu a saia e esqueceu sua fome o tempo suficiente para se aproximar dele com raiva.

-Que você faz aqui?

O homem levantou os olhos e a saudou com uma inclinação de cabeça. Serviu-se de uma caneca de café.

-Tomando café.

-Você veio a cavalo até aqui só para tomar café?

A jovem não sabia que tipo de carne estava no espeto assando, mas seu estômago estava disposto a quase qualquer coisa.

Provou a carne e a considerou no ponto. – Não parti - indicou as rochas com a cabeça – Dormi ali.

-Ali? – olhou as rochas surpreendida. – Por quê?

Jake a olhou.

-Digamos que a cidade estava muito longe.

-Eu não esperava que ficasse aqui para me vigiar, sr. Redman, Já lhe expliquei que podia...Que é isso?

Comia com os dedos com evidente prazer.

-Coelho.

-Coelho? Então suponho que o tenha caçado na minha propriedade.

-É possível.

-Então o  mínimo que pode fazer é dar a minha parte.

Jake obediente lhe estendeu um pedaço de carne.

-Sirva-se.

-Será que não tem... Não importa.

Sarah pegou a carne e o café que ele oferecia e se sentou numa pedra.

-Você comeu algo ontem a noite? -Perguntou ele.

-Sim, obrigada - pensou que nunca tinha provado nada tão gostoso como aquele coelho assado. – Você é um ótimo cozinheiro, senhor Redman.

-Me viro – ele pegou outro pedaço.

-Não, é sério – se surpreendeu falando com a boca cheia e não se importou – Está delicioso,-disse lambendo os dedos.

-Em todo caso é melhor que feijões frios.

A jovem ergueu os olhos, mas ele não estava olhando para ela.

-Acredito que sim.

Era a primeira vez que tomava café com um homem e achou que era apropriado conversar com ele.

-Diga-me sr. Redman, qual é a sua profissão?

-Nunca pensei muito nisso.

-Mas deve trabalhar em algo.

-Não

Encostou-se numa pedra e tirando a bolsa de fumo, se preparou para fumar um cigarro. Pensou que a jovem parecia tão fresca e tão limpa como uma flor. Qualquer um pensaria que passara a noite num hotel de luxo e não numa cabana de barro.

-Você vive há muito tempo no Arizona? Perguntou ela.

-Por que?

-Simples curiosidade.

-Não sei na Filadélfia – Jake pegou um fósforo, raspou-o contra a pedra e acendeu o cigarro. – mas as pessoas daqui não gostam de perguntas.

-Compreendo – respondeu ela tensa. Nunca tinha conhecido ninguém tão rude. – Numa sociedade civilizada, as perguntas não são mais do que um modo de começar uma conversa.

-Por aqui são um modo de começar uma briga. – fumou o cigarro – Quer brigar comigo, duquesa?

-Agradeceria se me deixasse de chamar por esse nome.

-Jake sorriu.

-Você parece uma, especialmente quando está chateada.

A jovem levantou o queixo, mas respondeu tranqüilamente.

-Eu asseguro que não estou chateada, para dizer a verdade, você tem se mostrado muito descortês em várias ocasiões. Do lugar onde eu venho uma mulher tem direito de esperar mais gentileza da parte de um homem.

-Verdade – sacou o revolver devagar – Não se mova.

Mover-s? Ela nem se quer podia respirar. A única coisa que tinha feito era chamá-lo de descortês e ele ia lhe dar um tiro.

-Sr Redman, eu não....

A bala explodiu contra a rocha, a apenas umas polegadas de distancia dela. A jovem deu um grito e se jogou ao chão. Quando reuniu força suficiente para levantar os olhos, Jake estava de pé tirando algo morto da rocha.

-Uma cascavel, disse. Ao ver que a moça gemia e tampava os olhos, puxou-a e a colocou de pé. – De uma olhada, sugeriu, pondo a serpente em frente a ela – Se ficar aqui verá muitas mais.

-Quer fazer o favor de tirá-la daqui. - rosnou ela.

O homem xingou, colocou o animal morto de lado, e começou a reavivar o fogo. Sarah respirou fundo.

-Parece que salvou minha vida.-disse.

-Sim, mas não espalhe isso  por ai.

-Não farei, garanto – levantou, escondendo as mãos trêmulas nas dobras da saia - Agradeço a comida, sr. Redman, mas agora se me perdoa tenho muitas coisas para fazer.

-Pode começar subindo na carroça. Eu a levarei à cidade.

-Agradeço a oferta, na verdade agradeço muito, preciso de provisões.

-Olhe, espero que tenha um pouco se sensatez para ver que esse lugar não foi feito para você. São duas horas de estrada até a cidade e até lá não há nada a não ser serpentes e coiotes.

Sarah sabia que ele tinha razão. A noite que havia passado na cabana tinha sido a mais solitária e miserável da sua vida. Mas em algum momento naquela manhã tinha tomado sua decisão. A filha de Matt Conway não ia permitir que os esforços e sonhos do seu pai se transformassem em pó.

Ficaria e que Deus a ajudasse.

-Meu pai viveu aqui. Este lugar é importante para ele e vou ficar. – duvidava muito que Jake entendesse seus motivos. –E agora, se quiser atar a carroça, vou me trocar.

-Trocar o que?

-De vestido, lógico. Não posso ir a cidade vestida assim.

Jake olhou pra ela durante um tempo. Com sua blusa adamascada e a saia de algodão parecia bastante arrumada para qualquer atividade social importante na cidade.

-Lone Bluff não é Filadélfia. Se quiser que eu ate a carroça, eu farei, mas é melhor ver como eu faço, porque da próxima vez não terá ninguém que faça por você.

E assim colocou a sela no ombro e se afastou.

A jovem o seguiu com a cabeça alta. Observou-o tirar os cavalos , parecia muito fácil. Só tinha que prender algumas coisas e tudo estava pronto. Sem dúvida os homens exageram as tarefas mais fáceis.

-Obrigada, sr. Redman. Se esperar um momento, estarei pronta logo.

Jake colocou o chapéu sobre a cabeça. Aquela mulher não sabia nada de nada. Ele tinha saído com ela da cidade no dia anterior; e estaria voltando com ela agora de manhã. Sua reputação estaria arruinada, principalmente num lugar como Lone Bluff. Se havia decidido ficar, ao menos temporariamente, necessitaria de toda ajuda que pudesse conseguir das mulheres da cidade.

-Eu tenho assuntos que tratar, senhora.

-Mas...

Jake começou a encilhar seu cavalo e Sarah entrou na casa enfurecida. Acrescentou mais vinte dólares aos que já tinha, colocou na bolsa e rapidamente pegou o rifle  que estava pendurado na parede. Não tinha a menor idéia de como usá-lo, mas se sentia melhor com ele.

Jake  já estava montado quando ela saiu.

-A estrada a levará para a cidade,- disse ele. Se der um dólar a Lucius ele voltará com você e levará o coche e os cavalos de volta para devolvê-los ao estábulo. Matt tinha dois cavalos no estábulo, alguém está cuidando deles.

-Um dólar? Colocou o rifle na carroça – Você me pediu cinco.

Jake sorriu.

-Eu não sou Lucius- disse. Levou a mão ao chapéu e se afastou.

Sarah não demorou muito para subir na carroça. Mas teve que fazer um esforço grande antes de segurar as rédeas. Apesar de se considerar uma amazona excelente, nunca havia dirigido uma carroça. Quando em fim segurou as rédeas, os cavalos deram três voltas antes de se colocar a caminho.

Jake a observava do alto das rochas. Havia meses que não se divertia tanto.

Quando chegou a Lone Bluff, Sarah suava abundantemente, tinha as mãos doloridas e as costas ardiam. Parou em frente ao armazém da cidade e desceu com as pernas trêmulas. Alisou a saia e viu um garoto afiando um graveto.

-Perdão..conhece um homem chamado Lucius?

-Todo mundo conhece Lucius.

Satisfeita, Sarah tirou uma moeda do bolso.

-Se puder encontrá-lo e dizer-lhe que a senhorita Conway quer vê-lo, você ganhará um Centavo.

O garoto a olhou por um momento .

-Sim senhora – e saiu correndo.

Sarah entrou no armazém. Havia vários clientes pela loja, olhando a mercadoria e perguntando os preços. Todos se voltaram para olhá-la, antes de voltar às suas atividades. A jovem saiu de traz da vitrine e foi ao seu encontro.

-Bom dia. Posso ajudá-la em algo.

-Sim. Sou Sarah Conway.

-Eu sei – a garota sorriu – Você chegou a pouco na diligência. Sinto muito pelo seu pai. Todos gostavam muito dele.

-Obrigada – Sarah também sorriu – Preciso de algumas coisas.

-E verdade que ficará sozinha na casa de Matt?

-Sim pelo menos por enquanto.

-Eu morreria de medo. – a garota morena a olhou com admiração e lhe estendeu a mão.- Sou Liza Cody.

Bem vinda a Lone Bluff.

-Obrigada.

Liza a ajudou a escolher os mantimentos e lhe apresentou as outras pessoas. Em menos de vinte minutos, Sarah já tinha cumprimentado a metade das mulheres da cidade, recebido receitas de biscoitos e haviam lhe perguntado sobre um novo tecido de percal chegado de ST. Louis.

Aquilo levantou seu ânimo. Elas não se vestiam tão bem quanto suas amigas no leste, mas a fizeram se sentir bem vinda.

-Senhora...

Sarah deu meia volta e viu Lucius, com o chapéu na mão. Ao seu lado o garoto esperava seu centavo ansiosamente. E quando o recebeu correu para os doces e começou a negociar.

-Senhor...

-Só Lucius, senhora.

-Lucius, me disseram que você poderia me levar para casa e devolver os cavalos e a carroça ao estábulo.

O homem levou a mão às bochechas pensativo.

-Bem, talvez eu possa – disse.

-Estou disposta a dar-lhe um dólar pelo trabalho.

O homem sorriu, mostrando vários dentes amarelados e outro inexistentes.

-Ficaria encantado em ajudá-la, senhoria Conway.

-Poderia começar carregando os mantimentos.

Deixou com ele e voltou-se para Liza.

-Senhorita Cody.

-Liza, por favor.

-Liza eu gostaria de comprar chá e alguns ovos frescos.

-Não se vende muito chá por aqui, mas tenho um pouco lá atrás. –Abriu a porta do armazém e saíram três cachorrinhos correndo. – John Cody, seu pequeno monstro, já disse para deixar os cachorros lá fora.

Sarah agachou-se para acariciá-los.

-São lindos – disse.

-Um pode ser adorável, murmurou Lisa, Três são demais. Ontem a noite furaram um saco de farinha. Se meu pai souber dará uma surra em Jonnhy.

Um cachorro marrom com um circulo negro em torno do olho esquerdo saltou nos joelhos de Sarah.

-Você é lindo, sabia – riu a moça.

-É uma praga.

-Poderia me vender um?

-Vender –Lisa se esticou para pegar o chá na prateleira - Meu pai pagaria a você para levar um.

-Verdade? Sarah se levantou com o cachorro nos braços.- Adoraria ter um para me fazer companhia.

Liza acrescentou o chá e os ovos à compra de Sarah.

-Se quiser este, leve-o- sorriu ao ver o animal lamber-se o rosto- Acho que ele gostou de você.

-Cuidarei bem dele.-segurou o cachorro com uma mão e tirou o dinheiro pra pagar a conta. – Obrigada por tudo.

Liza contou as moedas, colocou no caixa, e deu o troco para Sarah. Seu pai ficaria contente não só pelo cachorro, mas sim porque a Srta. Conway pagava em dinheiro. Liza estava contente por Sarah ser uma jovem bonita e que com certeza sabia um monte de coisas sobre a última moda.

-Foi um prazer conhecê-la – disse acompanhado-a até a porta.Pode ser que eu vá visitá-la, se não se importar.

-Eu adoraria. Quando quiser.

Liza levantou a mão para arrumar o cabelo.

-Bom dia Sr. Carlson – disse.

-Liza está bonita como sempre - respondeu o homem, mas seus olhos iam para Sarah.

-Samuel Carlson, esta é a srta. Conway.

-Encantado.

O sorriso do jovem fazia com que parecesse ainda mais atraente. Ressaltava também o azul dos olhos. Levou a mão de Sarah aos lábios, num gesto cavalheiresco e a jovem se alegrou ainda mais por ter ido à cidade.

Ao que parecia, em Lone Bluff havia alguns cavalheiros, apesar de tudo. Samuel Carlson era esbelto, vestia uma bonita jaqueta de montaria e uma camisa branca imaculada. Seu bigode era aparado e do mesmo tom dos seus cabelos bem cuidados. Quando Liza os apresentou, tirou o chapéu, como faria um cavalheiro.

-Meus sentimentos por sua perda, srta. Conway. Seu pai era um bom homem e um grande amigo.

-Obrigada, e muito bom saber que gostavam dele.

-Dizem pela cidade que ficará pelo menos uma temporada – murmurou ele, acariciando o cachorro que respondeu com um grunhido.

-Quieto - admoestou Sarah – Sim decidi ficar, pelo menos por enquanto.

-Se eu puder fazer algo pela senhorita é só me dizer.-sorriu – Sem dúvida a vida por aqui não é a mesma com que está acostumada.

O modo como disse, deixava claro que era um comprimento. O senhor Carlson era obviamente um homem do mundo.

-Obrigada – entregou o cachorro a Lucius e agradou-a quando Carlson a ajudou a subir na carroça.

-Foi um prazer conhecê-lo, sr. Carlson.

-O prazer foi todo meu, srta. Conway.

-Adeus Liza, espero que me visite logo.

Segurou o cachorrinho nos joelhos e olhou para traz por um momento. Lá estava Jake, observando-a apoiado contra um poste, com as mãos nos bolsos. Sarah o cumprimentou com uma inclinação de cabeça e  voltou a olhar para frente. Lucius pôs a carroça em movimento.

Quando o carro se afastou, os homens se entreolharam. Entre eles não havia ninguém. Se limitaram a olhar-se com frieza e cautela.

Sarah estava muito alegre. Enquanto guardava os mantimentos, o cachorrinho não parava de andar em torno das suas pernas, parecendo tão feliz quanto ela por estar ali.Com o cão para fazer-lhe companhia suas noites não seriam tão solitárias. Conheceria pessoas e talvez fizesse amigos. Seu armário estava cheio, e Lucius tinha tido a gentileza de ensinar-lhe a acender o fogo.

Aquela noite depois de jantar, escreveria a Lucilla e à madre superiora. Leria uma página ou duas do diário de seu pai e dormiria.

Apesar do que Jake Redman pensava, ela seguiria adiante.

 

Com um copo de whisky. Jake observava Carlotta circulando pelo salão. Não havia dúvidas de que era algo especial. Seu cabelo era dourado, e os lábios tão vermelhos quanto as cortinas de veludo que adornavam seu quarto.

Aquela noite vestia um vestido vermelho de seda que brilhava e se ajustava ao seu corpo como uma segunda pele, e seus ombros estavam nus. Jake pensou em Sarah, de pé no riacho, com a água brilhando na pele, e tomou outro gole de whisky.

As meninas de Carlota também vestiam-se muito bem. Os homens do Estrela de Prata estavam com sorte aquela noite. O piano não parava de tocar e o whisky e as risadas fluíam com generosidade.

Em sua opinião Carlota dirigia uma das melhores casas do Arizona. Talvez uma das melhores a oeste do Mississipi. O whisky não era tão aguado e as meninas não eram ruins . Alguns podiam pensar que até gostavam do seu trabalho. E quanto a Carlotta, Jake tinha certeza que gostava.

Para ela o mais importante era o dinheiro. Isso ele sabia porque uma vez ela havia bebido o suficiente com ele para lhe segredar que ficava com um bom dinheiro do pagamento das meninas.

Sonhava em mudar seu negócio para São Francisco e comprar um lugar com candelabros de cristal, espelhos dourados e almofadas.vermelhas. Mas no momento, como todos os outros, estava presa em Lone Bluff.

Jake tomou mais um gole, enquanto a observava. Carlota se movia como uma rainha, seus lábios sempre sorridentes, mas os olhos vigilantes. Assegurava-se que as meninas convenciam os homens que as convidavam a beber. O que o barman servia para as meninas era um pouco mais do que água colorida, mas os homens pagavam felizes antes de subirem para os pequenos quartos de cima.

Jake acendeu um dos charutos que Carlotta fornecia aos clientes. Vinham de Cuba e tinham um sabor especial. Jake não duvidava que ela aumentava os preços do whisky e das meninas para pagar por eles. Negócio era negócio.

Umas da meninas chegou perto para acender-lhe o charuto. Ele recusou o convite com um movimento de cabeça. Era uma garota encantadora e cheirava como um ramo de rosas. Jake não conseguiu imaginar por que diabos não se sentia interessado.

-Vai ferir seus sentimentos – murmurou Carlota juntando-se a ele na mesa. Não viu nada que goste?

Jake  apoiou a cadeira na parede.

-Vejo muitas coisas que me agradam.

A mulher riu e levantou a mão para fazer um sinal sutil

-Me convida, Jake?

Antes que pudesse responder, apareceu uma garota com uma garrafa e um copo. Nada de licor aguado para Carlotta.

-Fazia tempo que não o via.

-Estive fora.

A mulher deu um gole.

-Vai ficar?

-É possível.

-Ouvi que houve um problema com a diligência. Não é muito comum a você fazer boas ações, Jake.- voltou a beber e colocou sua mão sobre a coxa dele.-É isso que eu gosto em você.

-Passava por acaso.

-Também me disseram que a filha de Matt Conway chegou a cidade.- tirou-lhe o charuto das mãos e deu uma tragada, sorridente. – Trabalha pra ela?

-Porque?

-Falam pela cidade que você a levou para casa. Não consigo imaginar você cavando rochas para buscar ouro, Jake. É mais fácil ...

-Até onde me lembro, naquela rocha nunca teve ouro nenhum para tirar - recuperou o charuto e o colocou entre os dentes- Sabe de outra coisa?

-Só sei o que ouço, e ouço muito sobre Conway.

Se serviu de mais um copo e tomou-o de um vez. Não queria falar sobre a mina de Matt Conway, nem do que sabia. Aquela noite parecia que algo no ar a deixava nervosa.Talvez precisasse mais de whisky.

-Fico feliz que tenha voltado, Jake. Tudo aqui estava muito tranqüilo sem você.

Dois homens começaram a discutir pela mesma garota. E logo o empregado negro de Carlota tirou os dois de lá. A mulher sorriu e se serviu de um terceiro copo.

-Se não se interessa por nenhuma das minhas garotas, poderíamos fazer outro arranjo.-Levantou o pequeno cálice numa saudação antes de bebê-lo. -Pelos velhos tempos.

Jake a olhou. Seus olhos brilhavam contra a pele branca. Seus lábios estavam entreabertos, seus seios subiam e desciam de um modo bastante insinuante. Sabia o que ela podia fazer por um homem quando estava inspirada e o desconcertava  saber que não conseguia excitá-lo - Talvez em noutra ocasião - disse.

Levantou-se, deixou umas moedas na mesa e saiu.

Os olhos de Carlotta se endureceram. Ela fazia aquela oferta a poucos e privilegiados clientes e não gostava de ser desprezada.

 

Com o cachorrinho dormindo aos seus pés, Sarah fechou o diário de seu pai. Havia escrito sobre o ataque dos índios aos vagão do trem que viajava e sua fuga milagrosa. Descrevia com palavras cheias de terror, a crueldade e o sentimento de tragédia. Sem hesitar, depois daquilo, tinha seguido adiante apenas porque queria ser alguém por sua filha.

Estremeceu e se esticou para colocar o livro debaixo da pedra. Havia lido aquilo quando estava na Filadélfia, mas tinha achado que seu pai exagerara, mas agora tinha certeza que não.

Suspirou olhou para suas mãos tão suaves e bem cuidadas, provavelmente nada adequadas para o trabalho na terra. Engraçado que só sentia aquela sensação de noite. Durante o dia achou que tinha feito tudo o que podia. Foi sozinha a cidade, encheu sua dispensa de mantimentos e plantou uma nova horta. As costas doíam e sabia que tinha trabalhado bastante. No dia seguinte voltaria a começar.

O uivo de um coiote acelerou seu pulso. Estreitou o cachorro junto ao peito e se deitou.

Estava deitada quando o cachorro começou a latir e a grunhir. Exasperada, segurou em seus braços.

-Esta bem, está bem. Se quer sair, saia, mas podia ter dito antes que eu me deitasse.

Segurou o cachorro e  desceu a escada de mão, que conduzia  para baixo. Viu o fogo da janela, correu até a porta.

-Meu Deus – quando a abriu o cachorro correu, latindo furiosamente. Sarah viu o fogo arrasar a madeira velha e seca do estábulo. Um grito soou na noite.

Lembrou dos cavalos do seu pai. E começou a correr. Os cavalos estavam como loucos, batendo as patas no chão e gritando no estábulo. Sarah desatou o primeiro e lhe bateu em seu flanco. O fogo avançava depressa, subindo pelas paredes e pelo teto o feno ardia com fúria.

Com os olhos ardendo pela fumaça, foi soltar o segundo cavalo. Tossindo e suando, lutou com o animal assustado. A seguir foi sua vez de gritar quando uma madeira incendiada caiu ao seu lado. O fogo chegava cada vez mis perto da barra da sua camisola. Tirou o xale dos ombros e o colocou sobre os olhos do cavalo e saiu com ele. Cega pela fumaça, se arrastou até pê-lo  a salvo. Ouviu as paredes caírem as suas costas e o rugido das chamas queimando a madeira. Desejava dar socos na terra e chorar. O fogo podia espalhar-se. O terror que sentiu ao pensar nisso a fez colocar-se de quatro. Tinha que impedir que as chamas se espalhassem. Ouviu o ruído de um cavalo que corria rápido  e estava se pondo de pé quando alguém a golpeou.

 

A noite estava clara com a meia lua e estrelas brilhantes. Jake cavalgava distraído, discutindo consigo mesmo. Era uma estupidez estar ali quando podia estar naquele momento se acarinhando com Carlota, exceto que Carlota não fazia carinhos, o que ela mais fazia era devorar. O sexo com ela era quente, apaixonado e direto. No final das contas, negocio era negocio.

Pelo menos com ela sabia o que o esperava. Usava os homens, mas Jake não se importava com isso. Carlotta não esperaria caixas de bombons, nem o convidaria a tomar chá aos domingos.

Sarah Conway era muito diferente. Uma mulher assim queria um homem que se vestisse bem para cortejá-la. E provavelmente flores. Pôs seu cavalo pra correr. Primeiro teria que lustrar as botas, antes de poder sentar-se a conversar coisas sem importância. Com ela o sexo seria... xingou-se. Não se acostumaria a uma mulher assim. Nem sequer pensava nele, e se pensasse...   

A ele não interessava.

Então que diabo estava fazendo indo a sua casa no meio da noite?

-Estúpido, murmurou.

Acima de sua cabeça um falcão noturno voou baixo para pegar sua presa sem fazer nenhum ruído. A vida era sobrevivência e sobrevivência implicava em ser duro. Jake compreendia isso e aceitava. Mas Sarah...balançou a cabeça. Para ela a sobrevivência consistia em verificar se suas fitas combinavam com o vestido.

O melhor que faria era voltar à cidade. Mas não fez isso.

Pelo que sabia, os maiores erros que homens cometiam sempre estavam relacionados com três coisas: dinheiro, whisky e mulheres. Nenhuma das três era importante o bastante para ele  ter que  lutar por eles, e não tinha a intenção de mudar isso.

Se bem que não havia dúvidas de que aquela mulher era diferente. E isso era o que mais lhe preocupava. Sempre tinha tido um bom olho para pessoas e essa qualidade lhe tinha ajudado a sobreviver. Não conhecia Sarah, não sabia o que o fazia sentir o desejo de protegê-la. Talvez estivesse se tornando mole com os anos, mas não acreditava nisso.

Não podia evitar sentir algo por ela, que havia viajado sozinha de tão longe, só para saber que seu pai tinha morrido. Tinha que admirar também a teimosia que a fazia ficar na mina velha. Era uma estupidez, mas a admirava por isto.

Encolheu os ombros e seguiu cavalgando. De qualquer forma estava perto da casa, e podia dar uma olhada para assegurar-se que não tinha atirado no próprio pé com o rifle do seu pai.

Ouviu o fogo antes de vê-lo, levantou a cabeça, como um lobo que pressente o inimigo. Seu cavalo se debateu e mostrou o branco dos olhos. Quando Jake viu a primeira chama, pôs o cavalo a galope.

Que aquela mulher estúpida tinha feito agora?

Em sua vida, tinha tido algumas ocasiões onde sentira o verdadeiro medo e não havia gostado do sabor. Então ele sentiu, enquanto em sua mente surgia a imagem de Sarah presa dentro da cabana em chamas.

Outra imagem voltou a sua cabeça, uma velha imagem, de fogo, choro e tiros. Então, também tinha conhecido o medo. O medo, o ódio e uma angústia que tinha jurado não sentir nunca mais.

Suspirou aliviado ao que era o estábulo que queimava e não a casa. Viu dois cavaleiros que se escondiam nas rochas e freou seu cavalo. Sacou o revolver e continuou seguindo. Então viu Sarah estendida no chão, saltou da cela e correu até ela. Estava pálida como a lua e cheirava a fumaça.Ao chegar a seu lado um cachorrinho marrom começou a grunhir. Jake colocou-o de lado.

-Se pensava em cuidar da casa, chegou muito tarde.

Colocou a mão no peito da moça e sorriu ao sentir as batidas. Ergueu-lhe a cabeça com gentileza, e então sentiu o sangue quente em seus dedos. Olhou de novo para as rochas, com olhos ameaçadores. Segurou-a com cuidado e a levou para dentro de casa.

O único lugar que podia deitá-la era o colchão. O cachorro começou a ganir e a saltar no pé da escada quando Jake começou a subir. O homem o fez ficar quieto e se preparou para colocar uma atadura na ferida.

Sarah com dores e enjoada, sentiu algo frio na cabeça. Por um momento acreditou que fosse irmã Angelica, a freira que cuidava dela no colégio, quando tinha febre. Mesmo estando toda dolorida, era um alívio estar ali, a salvo em sua cama, sabendo que alguém estava cuidando dela. A irmã cantava para ela e segurava sua mão quando ela pedia.

Sarah gemeu e buscou a mão da irmã Angélica. A mão que segurou a sua era tão dura quanto o ferro. Confusa pensou que seu pai tinha ido buscá-la e abriu olhos.

A princípio tudo lhe pareceu muito vago, como se olhasse a cena através da água. Lentamente conseguiu focar os olhos num rosto. Recordava as feições de linhas duras e a pele bronzeada, Um rosto sem lei. Havia sonhado com ele. Levantou uma mão para tocá-lo, era duro e morno. Uns olhos cinzas a observavam. Sim, havia sonhado com ele.

-Não, não me beije – sussurrou.

O rosto sorriu

-Acho que eu posso me controlar. Beba isto.

Levou a xícara aos lábios dela, que bebeu com vontade. O whisky a esquentou por dentro.

-É horrível, não quero.

-Trará um pouco de cor às suas faces – disse ele, mas deixou a xícara de lado.

-Eu só quero...

Mas o whisky reanimou Sarah, e Jake teve que segurá-la para que ela não saltasse da cama.

-Espere, se levantar agora, vai cair de cara no chão.

-Fogo – tossiu ela. Se agarrou a ele e deixou a cabeça cair em seu peito. – Está pegando fogo.

-Eu sei - uma onda de prazer e alívio o invadiu e ele lhe acariciou o cabelo. Ela tinha a face encostada em seu coração. – Está quase acabado.

-Pode espalhar. Tenho  que detê-lo.

-Não vai espalhar - acariciou as costas dela com gentileza – Não há nada para alimentá-lo e não há vento. O estábulo se perdeu e foi tudo.

-Consegui tirar os cavalos – murmurou ela.

A cabeça dava voltas, mas a voz dela e as carícias a tranqüilizavam. Fechou os olhos.

-Não sabia se poderia tirá-los de lá.

-Mas você fez muito bem - queria dizer mais coisas, mas não sabia como; passou-lhe um pano úmido pelo rosto – É melhor que descanse agora.

-Não vá embora .- a moça segurou a mão dele e levou-a às faces- Por favor não vá embora.

-Não irei a parte alguma - tirou-lhe o cabelo do rosto. – Durma.

Precisava se afastar dela. Se ela voltasse novamente os olhos para ele, se voltasse a tocá-lo, estaria perdido.

-O cachorro estava latindo. Achei que ele queria ir para fora, e...- voltou a si abruptamente – Sr Redman! Que faz aqui? – olhando ao redor do mesânino – Não estou vestida.

O homem deixou o pano cair no recipiente com água.

-Foi difícil não notar isso – pegou a manta e a cobriu com ela. – Está melhor assim?- perguntou.

-Sr Redman – disse ela envergonhada – Eu não entretenho cavalheiros no meu quarto.

Jake pegou a xícara de whisky e tomou um gole. Agora que ela tinha voltado ao normal, compreendeu o quanto ele estava assustado.

-Não há muito divertimento em tratar de um ferimento.

Sarah se apoiou nos cotovelos e o quarto deu voltas. Deu um gemido e colocou a mão na parte de traz da cabeça.

-Acho que me bateram na cabeça.

-Também acho – pensou nos cavaleiros, mas não disse nada.- Como eu a socorri e a trouxe até aqui, acho que tenho o direito de saber o que aconteceu.

-Eu mesma não sei - suspirou e se recostou no travesseiro que havia comprado aquela mesma manhã. – Eu ia me deitar quando o cachorro começou a latir. Ele queria sair, assim que desci vi o fogo. Não sei como começou, era dia ainda quando eu alimentei os cavalos, assim não levei o lampião para o estábulo, nem nada que pudesse provocar fogo.

Jake tinha suas próprias idéias a respeito, mas não disse nada. Sarah levou a mão à cabeça e fechou os olhos.

-Corri para desamarrar os cavalos. O estábulo queimava muito depressa. Nunca tinha visto nada igual. O teto começou a ceder e os cavalos estavam aterrorizados. Não conseguiam sair. Li em algum lugar que os cavalos se assustam tanto com o fogo que ficam paralisados e podem queimar vivos. Não ia permitir que isso acontecesse.

-Por isso entrou para livrá-los.

-Estavam gritando – franziu o cenho ao recordar-se. Pareciam mulheres gritando. Era horrível.

-Sim, eu sei – recordou outro estábulo, outro fogo no qual os cavalos não tiveram tanta sorte.

-Lembro que cai quando saí pela última vez. Acho que a fumaça que sufocava. Comecei a levantar. Não sabia o que fazer. Então senti um golpe. Talvez um dos cavalos, ou talvez eu voltei a cair. – Abriu os olhos e olhou para ele. Estava sentado na cama, com os cabelos despenteados e os olhos escuros e intensos - E logo você estava aqui. Porque está aqui?

-Passava pela estrada e vi o fogo – olhou para o whisky no copo – Também vi alguns cavaleiros se afastando.

-Afastando-se? – Sarah ficou indignada – Quer dizer que alguém passou por aqui e não tentou me ajudar?

Jake a olhou por um tempo. Parecia muito frágil, como uma louça frágil guardada numa cristaleira na sala. Mas frágil ou não, tinha que saber o que enfrentava. – Acho que não vieram ajudar.

Ficou olhando para ela até que percebeu que ela entendeu o que ele queria dizer. Em seus olhos ele viu um brilho de medo. Aquilo era o que ele esperava. O que ele não esperava, mas não deixou de admirar foi a paixão que acompanhava o medo.

-Vieram aqui para queimar meu estábulo. Por que?

Havia esquecido que vestia apenas uma camisola, que era mais de meia noite e estava sozinha com um homem. Ficou sentada, com as cobertas na cintura. Seus seios pequenos subiam e desciam com sua respiração. A raiva tinha devolvido a cor às faces e o brilho aos olhos dela.

Jake terminou o whisky, fazendo um esforço para afastar a imagem dela da mente.

-Parece lógico supor que queriam lhe causar problemas, talvez fazer com que fosse embora.

-Isso não faz sentido. Ninguém se importa com uma casa de adobe e um estábulo velho.

Jake colocou o copo no chão.

-Você se esqueceu da mina. Algumas pessoas são capazes de fazer coisas muito piores que incendiar algo, por causa de ouro.

Sarah emitiu um gemido de desgosto.

-Ouro? Acha que meu pai viveria assim se houvesse alguma quantidade significativa de ouro?

-Se você acredita  que não há ouro, porque permanece aqui?

Sarah olhou para ele.

-Não espero que entenda. É a única coisa que tenho. A única coisa que ficou do meu pai, foi este lugar e um relógio de ouro. – pegou o relógio da mesinha ao lado da cama e apertou em sua mão. – Eu tenho a intenção de conservar o que é meu. Se alguém estiver brincando comigo...

Jake a interrompeu.

-Não creio que tenha sido brincadeira. É mais provável que alguém ache que esse lugar vale mais do que você disse. Tentar queimar cavalos vivos e bater em mulheres não é o que se pode chamar de brincadeira. Nem aqui.

Sarah levou a mão novamente à ferida na cabeça. Ele estava dizendo que alguém a havia golpeado e provavelmente tinha razão.

-Ninguém vai me tirar daqui. Amanhã vou relatar o incidente ao xerife e encontrarei um modo de proteger minha propriedade.

-E como seria isso?

-Não sei – apertou o relógio com força - Mas encontrarei um jeito.

Jake pensou que talvez fosse assim, e talvez como não gostava de gente que ateava fogo às coisas, ele lhe ajudaria.

-É provável que alguém se ofereça para comprar sua propriedade – murmurou.

-Não vou vender. E não vou sair correndo. Se voltar à Filadélfia será porque eu decidi que quero fazer isso, não porque me obrigaram.

Aquela era uma atitude que ele respeitava.

-Certo. Acho que amanhã terá muito trabalho, então será melhor dormir.

Dormir? Como poderia dormir? E se voltassem?

-Se não se importa, dormirei lá fora.

Sarah olhou-o bem nos olhos. Ele cuidaria dela, só teria que pedir-lhe. Mas não podia fazer isso.

-Bem se quiser ficar, será bem vindo, sr.Redman – puxou a manta até os ombros – Estou novamente em dívida com você. Você está sempre me ajudando.

-Isso não é nada. – começou a se erguer, mas mudou de idéia – Tenho que lhe perguntar uma coisa.

A jovem sorriu.

-Sim?

-Por que me pediu para não beijá-la?

Sarah apertou a manta com força.

-Como disse?

-Quando voltou a si, me olhou e disse para não beijá-la.

A jovem sentiu que corava, mas lutou para manter a dignidade.

-Acho que eu não estava no meu juízo perfeito.

Jake pensou por um momento e sorriu, estendeu a mão para tocar seu cabelo.

-Um homem poderia entender isso de várias maneiras.

A jovem deu um suspiro. A luz iluminava-lhe o rosto, dando um aspecto misterioso e excitante.

-Sr. Redman, eu garanto...

-Me deixe pensar – chegou mais perto dela, tanto que a jovem sentiu sua respiração, sobre os lábios – Talvez estivesse sonhando com meus beijos.

-Lógico que não!!!

Mas sua negativa não foi nada firme e os dois perceberam.

-Tenho que pensar nisso também.

O problema era que tinha pensado muito naquilo. A aparência dela, com seu cabelo solto pelos ombros e os olhos escuros, um pouco assustados, tirava dele toda a vontade de pensar. Sabia que se tocasse nela, cairia na cama com ela e tomaria tudo que desejava.

Sarah pensou que ele ia beijá-la. Teria que chegar só um pouco mais perto e seus lábios cobririam os dela. Poderia tomá-la em seus braços, naquele momento e não haveria nada que ela pudesse fazer. Talvez não quisesse fazer nada a respeito.

Mas ele se levantou. Pela primeira vez ela se deu conta que ele tinha que se abaixar para não bater a cabeça no teto. Seu corpo se colocou  na frente da luz. O coração dela batia com tanta força que ela achava que ele estava ouvindo. Mas não consegui decidir se era de medo ou excitação.Ele se inclinou e apagou a vela.

E na escuridão, desceu e se perdeu na noite.

Sarah se encolheu debaixo da manta. Não sabia o que sentia, tinha certeza que não conseguiria dormir. Mas dormiu assim que terminou de pensar.

Quando Sarah despertou, a cabeça doía. Gemeu e sentou-se na borda da cama. Apoiou a cabeça nas mãos. Gostaria de pensar que tudo tinha sido um pesadelo, mas a dor que sentia na base do crânio, lhe dizia que era tudo verdade.

Começou a vestir-se cuidadosamente. O melhor que podia fazer no momento era avaliar os prejuízos e torcer para que os cavalos voltassem. Não tinha dinheiro para comprar outros dois.

A luz do sol a fez cambalear. Se apoiou contra a porta para reunir forças antes de sair.

O estábulo havia desaparecido, em sue lugar havia um monte de madeira enegrecida e queimada.

Decidida, Sarah foi até lá. Podia ainda sentir a fumaça. Se fechasse os olhos podia ainda ouvir o ruído das chamas comendo a madeira seca. E o calor. Nunca se esqueceria do calor intenso.

Mesmo que o estábulo não valesse muita coisa, era seu. Numa sociedade civilizada, um vândalo teria que ser punido por destruir propriedade alheia, e ela se asseguraria que a justiça fosse feita. Mas, no momento, estava sozinha.

Sozinha. Ficou parada escutando. Nunca havia ouvido tanto silencio. O único ruído que escutou foi a respiração do cachorro, que estava sentado a seus pés.

Os cavalos haviam sumido, e pelo visto Jake também. Decidiu que era melhor assim, já que se recordava muito bem do que sentira quando ele tocara seu cabelo, sentado na sua cama. Era uma estúpida. Era terrível admitir, mas se sentia estúpida e fraca, e o pior de tudo é que queria se entregar.

Não tinha vergonha disso, mas se considerava mais preparada, para que voltasse a ocorrer. Um homem como Jake Redman não era alguém com quem uma mulher pudesse se envolver sem risco. Ela realmente não tinha muita experiência com homens, mas reconhecia um homem perigoso quando via um.

Não duvidava que havia muitas mulheres atraídas por ele. Um homem que matava sem arrependimentos, que ia e vinha de acordo com sua vontade. Mas ela não. Quando resolvesse entregar seu coração seria para alguém que a compreendesse e respeitasse.

Suspirou e se agachou para acariciar o cachorro. Pensou que quando se casasse, seria com um homem digno e educado, um homem que a queria e protegeria, não com armas  e punhos, mas com sua honra. Se amariam muito e criariam uma família. Ele seria educado e forte e respeitado na sociedade.

Essas eram as qualidades que haviam ensinado a ela a buscar num marido. Sarah acariciou a cabeça do cachorrinho e pensou pela primeira vez em sua vida que talvez o que haviam lhe ensinado não era necessariamente verdade.

Bem, e dai? Naquele momento tinha muito mais coisas que pensar do que em romance. Teria que reconstruir o estábulo, depois teria que buscar uma carroça e cavalos.

Tirou um pouco de madeira queimada dos sapatos. Estava a ponto de ceder a tentação de dar um pontapé, quando ouviu o som de cavalos se aproximando.

Entrou em pânico e ia começar a gritar pedindo ajuda. Logo pensou que Deus ajudava aqueles que se ajudavam, então correu para a casa, com o cachorro atrás.

Quando voltou a sair, os joelhos estavam tremendo, mas segurava o rifle de seu pai com as duas mãos.

Jake a observou, de pé no umbral da porta, com uma expressão de raiva e medo nos olhos, e compreendeu tristemente, que aquela era um tipo de mulher pela qual um homem estaria disposto a morrer.

Desmontou do cavalo.

-Agradeceria se apontasse a arma em outra direção.

A jovem suspirou aliviada.

-Sr.Redman, achei que tinha partido.

Baixou o rifle e se sentiu uma boba, mas não pela arma, e sim porque quando o viu, esqueceu todas as idéias sobre o que queria e não queria e teve que reprimir o desejo de atirar-se em seus braços.

-Encontrei os cavalos.

Jake ficou um tempo amarrando os cavalos, e então se voltou para ela.

-Não estavam muito longe.

Tirou-lhe o rifle e o apoiou contra a parede da casa.

-Agradeço-lhe muito.

Como estava nervosa se agachou para pegar o cão nos braços. Jake não tinha se afastando ainda e recordava muito bem a sensação do rosto dela contra a palma da sua mão.

-Não sei o que fazer com eles até a contração do novo estábulo. – olhou para ele – Já tomou café?

O homem colocou o chapéu para traz.

-Não.

-Se você conseguir arranjar um local para proteger os cavalos, ficarei encantada em preparar-lhe o café.

Jake ia fazer aquilo de qualquer jeito, mas se ela lhe oferecia algo em troca, estava mais do que disposto a aceitar.

-Você sabe cozinhar?

-Naturalmente. Cozinhar foi uma parte muito importante da minha educação.

-Trato feito, então.

Começou a se afastar e Sarah ficou observando.

-Sr. Redman? Como prefere seus ovos?

-Quentes – respondeu sem se voltar.

Sarah entrou em casa e começou a arrumar as panelas. Faria para ele o melhor café da manhã de sua vida. Respirou fundo e se esforçou para se concentrar. Pensou na receita de biscoitos que haviam lhe dado no dia anterior e pôs mãos a obra.

Trinta minutos mais tarde, Jake estava de pé no umbral da porta. O cheiro era maravilhoso. Havia esperado encontrar o prato cheio de ovos queimados e em vez disso, viu um prato cheio de biscoitos recém assados cobertos com um pano limpo. Sara se movia pela cozinha, cantando uma canção. E o cachorro se espalhava num dos cantos.

Jake nunca pensava em como seria ter uma casa, mas se tivesse pensado, seria algo parecido com aquilo. Uma mulher bem vestida que cantava na cozinha  e um cheiro apetitoso no ar. Um homem podia fazer quase qualquer coisa se soubesse que a mulher certa o aguardava.

-Bem a tempo – disse ela contente consigo mesma. Tem água fresca na tina  pra você se lavar.Temo não poder oferecer muita coisa. Estou pensando em comprar algumas galinhas. Na escola nos ensinaram como criá-las. Ovos frescos são uma maravilha, não?

Jake levantou os olhos da tina e a observou. Suas faces estavam rosadas pelo esforço, e ela havia dobrado as mangas da blusa, e mostravam braços com a pele branca como leite. Sem dizer nada, sentou-se.

Sarah não sabia quando ficava mais nervosa, se quando falava ou se quando ficava quieto olhando-a Voltou a tentar conversar.

-A senhora Cobb me deu a receita dos biscoitos. Espero que sejam tão bons como ela disse.

Jake pegou um e mordeu.

-Estão bons – disse.

-Por favor, sr. Redman, seus tão efusivos comprimentos vão me subir a cabeça – tirou uma porção de ovos da frigideira – Me apresentaram várias senhoras da cidade, pareceram muito amáveis.

-Não conheço muitas senhoras na cidade – ele comentou.

-Compreendo – pegou um biscoito e comprovou deliciada que estavam ótimos. – Liza Cody é muito simpática. Teve a gentileza de me dar um cachorro.

Jake olhou para o cão.

-Foi assim que o conseguiu?

-Sim, queria ter companhia.

Jake partiu um pedaço de biscoito e deu para o cachorro.

-Ele é pequeno agora, mas crescerá bastante.

-Verdade? – A jovem se inclinou para olhar o cachorro. – Como sabe?

-Por suas patas. Ele anda meio esquisito porque são grandes para ele.

-Que ótimo ter um cachorro grande.

-Talvez isso não lhe sirva muito - situou ele, inclinando-se para acariciá-lo – Acho que tem um nome.

-Lafite.

Jake parou com o garfo a meio caminho da boca.

-Que tipo de nome é esse para um cachorro?

-É o nome de um pirata que tinha a mesma marca preta ao redor do olho. Como um retalho.

-É um nome muito pomposo. Bandido seria melhor.

Sarah ergueu as sobrancelhas.

-Eu nunca poria um nome assim.

-Mas um pirata é um bandido, não é?

-Pode ser, mas fica Lafite.

Jake olhou o cachorro sem deixar de mastigar.

-Aposto que você  acha esse nome bobo, não é, amigo?

-Você quer mais café, sr. Redman?

Sarah se levantou, frustrada, pegou o café do fogão. Sem esperar resposta, se colocou do lado de Jake e encheu sua xícara.

O homem pensou como ela cheirava bem. De um jeito suave e sutil, como um jardim de flores silvestres na primavera.

-A ensinaram muito bem. – murmurou.

-Como disse?, perguntou, olhando-o.

-Cozinha muito bem.

Colocou a mão sobre a dela, para evitar que o café se derramasse da xícara. Em seguida a deixou ali, sentindo a textura da pele e a rapidez de seu pulso. A jovem não se ruborizou, nem tirou a mão. Simplesmente olhou de volta para ele.

-Obrigada – disse – Fiquei feliz que gostou.

-Você se arrisca demais – comentou ele.

Quando se assegurou que ela entendia o que ele disse, tirou a mão devagar.

A jovem levantou o queixo e colocou o bule  no fogão. Como se atrevia ele a fazê-la sentir-se assim e depois deixá-la.

-Você não me assusta, senhor Redman. Se queria me machucar, já me machucou.

-Talvez sim, talvez, não. As mulheres como você esgotam os homens.

-As mulheres como eu? - perguntou ela desafiadora – E  como são as mulheres como eu?

-Suaves. Suaves e teimosas e sempre prontas a se jogarem nos braços de um homem.

-Está totalmente enganado. – respondeu ela, friamente - Não tenho nenhum interesse em jogar-me nos seus braços, e nem de homem nenhum. O meu único interesse no momento é proteger minha propriedade.

-Pode ser que eu esteja enganado. Podemos ver isso depois. – Enquanto isso, o que pensa em fazer para proteger a propriedade.

A jovem começou a recolher os pratos.

-Logicamente, vou informar o xerife.

-Isso não a prejudicará, mas também não irá ajudar em nada, se voltar a ter problemas. O xerife está há dez milhas daqui.

-E o que você sugere?

Jake havia pensado naquilo e tinha a resposta pronta.

-Se eu fosse você contrataria alguém para ajudá-la aqui. Alguém que pudesse dar uma mão no trabalho e que saiba usar um revolver.

A jovem sentiu um brilho de interesse, mas o afastou para responder com calma.

-Você mesmo, suponho.

Jake sorriu – Não duquesa, não quero um trabalho assim. Estava pensando em Lucius.

A jovem franziu o cenho e começou a esfregar a frigideira.

-Ele bebe.

-E quem não? Dê-lhe duas refeições e um lugar para dormir, e ele trabalhará bem. Uma mulher vivendo aqui sozinha, está pedindo problemas.Os homens que colocaram fogo no estábulo, podem fazer coisa muito pior que dar-lhe apenas uma dor de cabeça.

-Talvez tenha razão.

-Eu tenho. Alguém tão inocente como você, não tem senso comum para fazer outra coisa a não ser morrer aqui fora.

-Não precisa me insultar.

-È verdade, duquesa.

A jovem apertou os lábios.

-Eu disse que não...

-Vou lhe fazer uma pergunta – ele interrompeu – Que teria feito esta manhã se não fosse eu que lhe trouxesse os cavalos?

-Me defenderia.

-Já atirou com um rifle antes?

-Não, nunca, mas acho que não é complicado. Além do mais não tenho intenção de atirar.

-O que pensa fazer com ele? Dançar?

Sarah pegou um prato.

-Sr. Redman, estou farta de vê-lo se divertir às minhas custas. Compreendo que para você não tem importância matar um homem, mas me ensinaram que matar é pecado.

-Você se engana - ele sussurrou – Sobreviver não é pecado. É a única coisa que importa.

-Se você pensa assim, tenho pena.

Jake não queria a compaixão dela. Mas queria que ela vivesse. Aproximou-se dela, tirou-lhe os pratos da mão.

-Se você ver uma serpente, a matará, ou vai ficar esperando que ela pique você?

-É completamente diferente.

-Se ficar aqui por algum tempo, não vai parecer tão diferente. Onde estão os cartuchos do rifle?

Sarah olhou para a estante às suas costas. Jake pegou os cartuchos, examinou-os e depois a segurou pelo braço.

-Vamos, Vou lhe dar uma aula.

-Não terminei de lavar os pratos.

-Pode esperar.

-Não lhe pedi que me ensinasse nada. – disse ela seguindo-o.

-Se for segurar uma arma, tem que saber utilizá-la - pegou o rifle e sorriu. A menos que tenha medo de não aprender.

Sarah desamarrou o avental e o deixou sobre a porta.

-Não tenho medo de nada.

 

Jake supôs que a melhor forma de conseguir a cooperação dela, era desafiando-a. Sarah caminhava a seu lado, com o queixo alto, olhando para frente.

O homem pegou um dos pedaços de madeira queimada do estábulo, colocou três deles em cima de uma rocha.

-A primeira coisa a aprender é como carregá-lo, sem dar um tiro no pé.-Abriu a câmara do rifle e voltou a carregá-lo – Você tem que respeitar as armas e não segurá-las como se fosse varrer o pó com elas.

Montou o rifle, apontou e disparou três vezes. Os três pedaços de madeira saltaram quase ao mesmo tempo.

-As balas podem machucar muito um homem. – disse ele baixando a arma.

Sarah engoliu a saliva. O ruído dos disparos permanecia no ar.

-Eu sei disso muito bem, sr. Redman. Não tenho intenção de atirar em ninguém.

-A maioria das pessoas não levanta de manhã pensado que vão fazer isso - Se aproximou das rochas e colocou um pedaço maior de madeira. – A menos que pense em voltar à Filadélfia agora mesmo, é melhor aprender a usar o rifle.

-Não vou a lugar nenhum.

Jake assentiu, abriu a arma e lhe estendeu a munição.

-Carregue-o.

Sarah não gostou da sensação das balas em suas mãos. Eram frias e suaves. Apertou-as e se perguntou como era possível as pessoas usá-las para matar seus semelhantes. Parecia-lhe inconcebível.

-Vai brincar com elas, ou carregar o rifle?

A jovem não disse nada e carregou a arma. Jake afastou o cano de seu corpo.

-Você aprende depressa.

-Já me disseram isso outras vezes.- murmurou ela.

Incapaz de resistir, ele afastou-lhe os cabelos dos olhos.

-Não fique chateada – se colocou atrás dela e lhe deu a arma - Segure-o bem.

-Estou segurando – murmurou ela.

Desejava que ele não estivesse tão perto. Cheirava a couro e suor, uma combinação que, não sabia como explicar, lhe parecia muito excitante. Uma das mãos dele lhe segurava o braço com firmeza e a outra se apoiava no seu ombro, não se podia dizer que era uma carícia, mas sem dúvida, seu corpo respondia aquele contato de um modo que nunca respondeu antes aos outros que recebera na Filadélfia. Só precisava se encostar um pouco mais para trás, e se apoiaria no corpo dele.

Fez um esforço para tirar aqueles pensamentos da cabeça e se concentrar no que fazia.

-Vê o ponto de mira? – perguntou ele.

-Essa coisa que se sobressai para cima?

Jake fechou os olhos por um momento.

-Sim essa coisa. Utilize-o para apontar – Sarah apertou os lábios – Calma. Ponha o dedo no gatilho. Não empurre, aperte lentamente.

A jovem fechou os olhos e obedeceu. O rifle explodiu em suas mãos, e a teria derrubado se ele não a estivesse segurando. Sarah deu um grito, com medo de ter atingido a si mesma.

-Errou.

A jovem se voltou e Jake tirou a arma de suas mãos.

-Poderia ter me avisado – levou uma mão ao ombro dolorido – Foi como se tivessem me acertado com uma pedra.

-É sempre bom saber as coisas por si mesmo. Volte a tentar.

A jovem apertou os dentes, segurou o rifle e se ajeitou para colocá-lo em posição.

-Desta vez procure equilibrar com o braço e não com ombro. Incline um pouco.

-Meus ouvidos estão zumbindo.

-Vai se acostumar – colocou a mão na cintura dela – Será mais fácil se manter os olhos abertos. Devagar. Aperte o gatilho.

Daquela vez estava preparada para o soco da arma e apenas cambaleou ligeiramente. Jake manteve a mão na sua cintura e olhou sobre a cabeça dela.

-Acertou o canto.

-Verdade? – olhou também – Acertei! Ficou a rir e olhou para ele por  cima do ombro. - Vamos de novo.

Levantou o rifle e não protestou quando Jake virou o cano do rifle ligeiramente para a direita. Daquela vez manteve os olhos abertos ao apertar o gatilho. A madeira saiu voando e Sarah deu um grito de triunfo.

-Acertei!

-É parece.

-Acertei, ...- moveu a cabeça e começou a rir – O meu braço dói.

-Vai passar.

Surpreendeu-o ser capaz de falar. A imagem dela rindo,  fazia um nó em sua garganta. Não era um homem de falar muito, mas naquele momento pensou que ela parecia um anjo, com o cabelo cor de trigo úmido e os olhos cor de poeira brilhante.

Desejava-a como havia desejado muito poucas coisas em sua vida. Devagar, para dar um tempo a si mesmo para recuperar o controle, foi para junto das rochas para pegar o alvo.

Havia acertado mesmo. O buraco estava na parte superior e à direita, mas havia acertado.

Voltou colocou a madeira nas mãos dela e viu sorrir.

-O problema é que a maioria das coisas contra a qual se dispara, não ficam quietas como um pedaço de madeira.

Sarah pensou que estava decidido à diminuir o seu triunfo. Aquele homem era incompreensível. Estava pronto para se sacrificar para ensiná-la a manejar um rifle, e se recusava a dar-lhe o mais simples cumprimento.

-Sr.Redman, é evidente que não faço nada que o agrade - jogou o pedaço de madeira no chão – Não é uma sorte para nós que isso não me importe.

E sem mais, agarrou as saias e começou a voltar para a casa. Jake a alcançou em seguida e a obrigou a voltar-se para ele. Sarah o olhou e acreditou reconhecer o olhar dele. Era o mesmo que vira quando passou pela diligencia disparando a pistola, por sobre o ombro. Não tinha idéia de como tratá-lo naquele momento, assim disse a primeira coisa que lhe veio à mente.

-Tire as mãos de cima de mim.

-Eu a avisei que se arriscava demais - viu que ela tentava se soltar e apertou com mais firmeza.- Não é inteligente dar as costas a um homem com uma arma carregada.

-Vai atirar em mim pelas costas, sr. Redman? Era uma acusação injusta ela sabia. Mas desejava fazer desaparecer aquele olhar dos olhos dele - Não ficaria muito surpresa. Você é o homem mais grosseiro e pouco cavalheiro que eu conheci. Agradeceria se montasse em seu cavalo e fosse embora da minha propriedade.

Jake havia resistido outras vezes aos desafios, mas não estava disposto a desistir daquele. Aquela mulher não deixava de brigar com ele desde que a conhecia e havia chegado a hora de vingar-se.

-Acho que precisa de outra lição, duquesa.

-Não preciso, nem quero nada de você. E não me chame por esse nome ridículo.

Jake a apertou contra si, e a jovem respirou trêmula. Seus olhos se abriram surpresos.

-Então não a chamarei de modo algum - continuava segurando o rifle. Sem deixar de olhá-la, ele segurou-lhe os cabelos - De qualquer jeito, não gosto mesmo de falar.

A jovem se debateu, pelo menos precisava acreditar que tinha se debatido. Apesar dos seus esforços, a boca se fechou sobre a dela, e ela sentiu que alguém tinha levado o sol, jogando-a numa noite muito escura e profunda.

O corpo dele era como o aço. Seus braços a apertavam contra ele, de tal modo que ela não tinha outra opção, a não ser se concentrar no contato.Ele lhe lembrava o rifle, delgado, duro e letal. Apesar da surpresa, do medo e da excitação, sentiu as batidas do coração dele contra o peito.

Seu sangue se transformara em um líquido quente e exótico que acelerava as  batidas de seu coração. A barba arranhava sua pele e então ela gemeu. As mãos dela subiram para os ombros dele, mas não para afastá-lo, e sim para agarrar-se mais a ele.

Jake se perguntou se ela tinha alguma idéia do efeito que causava nele. Nunca soubera que algo tão doce podia ser tão forte. Que algo tão delicado, pudesse ser tão potente. Sentia-se preso e nem sequer notava. E ele queria mais. Colocou a cabeça dela ainda mais para trás, num movimento desesperado demais para ser terno.

Sarah deu um suspiro e quando pode respirar, tomou o ar, e antes de se recuperar a boca dele tornou a cobrir a sua, a língua dele invadiu-lhe a boca, excitando-a de um modo que ela não acreditava ser possível, e nunca tinha imaginado.

Voltou a gemer, mas daquela vez era de prazer. Indecisa a princípio, depois mais decididamente, respondeu ao beijo. Passou as mãos pelo cabelo, pelo rosto dele, sem deixar de saborear o gosto salgado e morno dos seus lábios. Era fantástico. Ninguém lhe havia avisado que um beijo podia fazer seu corpo arder e tremer de desejo. Gemeu de prazer.

Aquele som, incendiou ainda mais os sentidos, o fogo que ele sabia não podia arder livremente. Ela era inocente. Qualquer estúpido podia ver isso. E ele nunca conhecera a inocência. Havia limites que cruzava e leis que violava, mas tinha que respeitar aquele limite. Lutou para recuperar o controle, mas era muito difícil. As mãos dela estavam em seu pescoço, trazendo-o para mais perto. E a sua boca... o coração batia com tanta força, adoraria poder mergulhar dentro dela.

Assustado, a empurrou. Os olhos de Sarah estavam escuros e confusos, tal como estiveram na noite em que recuperou os sentidos. Ficou de certa forma contente por que ela tinha ficado tão abalada quanto ele.

-Como eu disse antes, você aprende rápido, Sarah – disse.

Percebeu que sua mão tremia e a segurou com raiva. Teve uma visão repentina de como seria atirá-la ao solo e tirar tudo o que queria dela. Mas antes que pudesse fazer alguma coisa, ouviu o som de cavalos se aproximando.

-Você tem companhia – ele soltou o rifle e se afastou.

Que tinha feito? Sarah levou a mão à cabeça. Ele havia abusado dela...A tinha usado até que ela o desejou como nunca havia desejado nada: até que aquele desejo fosse o único no mundo.

Como um sonho. Mas aquilo não era sonho. Era real e agora se afastava dela como se ela não tivesse nenhuma importância. O orgulho era uma emoção tão perigosa  quanto a raiva.

-Sr. Redman.

Quando ele se voltou, a viu com o rifle na mão. A julgar pelo olhar dela, ele achou que ela ia usá-lo.

-Pelo que vejo, você também se arrisca. – moveu a cabeça desafiadoramente – Este rifle está carregado.

-Sim está – e levou a mão ao chapéu para saudá-la.É muito mais difícil atirar num alvo de carne e osso, mas continue. A esta distância você não vai errar.

Ela gostaria de poder atirar. Gostaria de ter habilidade para atirar entre os seus pés para vê-lo saltar. Levantou o queixo e caminhou de volta a casa.

-A diferença entre você e eu, sr. Redman é que eu tenho consciência.

-Há algo verdadeiro nisso - respondeu ele caminhando ao seu lado- E já que me convidou para o café e tudo isso, por que não me chama de Jake?

Saltou sobre a cela no momento em que chegava um coche.

-Sarah?

Com as mãos sobre os olhos, Liza olhou para sua nova amiga e depois o cavaleiro.. Sabia que não devia  admirar os homens como o sr. Redman, mas era difícil deixar se admirar quando ele lhe parecia tão atraente e excitante.

-Espero que não se importe de termos vindo.

O garoto  desceu da carruagem e começou a brincar com o cachorrinho que corria em círculos.

-Em absoluto, estou encantada – Sarah colocou a mão sobre os olhos para protegê-los do sol e ver Jake nitidamente- O Sr. Redman já estava indo.

John Cody acariciou o pescoço do cavalo cinza de Jake, e olhou para a coronha de madeira de um dos seus colts. Sabia quem era Jake Redman, mas nunca tinha estado tão perto dele.

-É mesmo?

Ignorando as garotas, Jake se voltou na cela para olhar para o menino, que não tinha mais de dez anos e o olhava com admiração.

-Acho que o Sr. é o homem que saca mais rápido no mundo.

-John Cody – interveio Liza, que seguia de volta com a carroça -Não devia incomodar o sr. Redman.

Jake a olhou divertido, será que ela achava que ele iria atirar no garoto porque tinha falado com ele.

-Não me incomodou, senhora – voltou a olhar para Johnny – Não acredite em tudo que ouve.

-Minha mão me disse que se o senhor ajudou a salvar a diligência, significa que tem algo de bom.

Daquela vez Liza falou o nome do irmão com desespero. Jake sorriu. Voltou sua atenção para a Sarah e viu que ela estava tensa, como um poste,  com o rosto escarlate.

-É muito amável da parte dela. Contarei ao xerife o que aconteceu, srta Conway. Acredito que ele venha vê-la.

-Obrigada. Sr. Redman. Bom dia.

Jake a saudou com um toque no chapéu e fez o mesmo para Liza.

-Até a vista, Johnny.

Virou-se no cavalo e se afastou.

-Sim, sr – gritou o garoto às suas costas - Sim, sr.

-John Cody – Liza saltou da carruagem, mas o garoto a ignorou e voltou a correr com o cachorro.-este é o meu irmão.

-Sim, já imaginava.

Liza olhou para Johnny com desgosto e em seguida se voltou para Sarah.

-Minha mãe ficou na loja hoje, e queria que eu lhe trouxesse isto. Uma rosca de canela.

-É muito amável da parte dela e da sua também em trazer. Pode ficar um pouco comigo?

Liza sorriu.

-Estava esperando você convidar.

-Entre por favor, vou fazer um chá.

Enquanto Sarah se ocupava na cozinha, Liza olhou em torno. A cabana estava muito limpa.

-Não está tão mal quanto eu pensava – levou a mão a boca, arrependida das palavras - Desculpe-me, minha mãe sempre diz que eu falo demais.

-Não importa – Sarah colocou as xícaras sobre a mesa – Eu também sou assim.

Liza sentou-se numa das cadeiras.

-Não esperava encontrar Jake Redman por aqui.

Sarah cortou um pedaço de pão.

-Nem eu.

-Ele disse que você teve problemas.

Sua anfitriã tocou seus lábios, num gesto inconsciente. Sem dúvidas tinha problemas.

-Alguém pôs fogo no estábulo ontem a noite.

-OH não Sarah!! Quem? Porque?

-Não sei. Ainda bem que o sr. Redman passava por aqui.

-Acredita que tenha sido ele?

Sarah franziu o cenho e considerou a pergunta. Lembrou o modo como havia cuidado dela.

-Não, estou certa que não foi ele. Creio que o Sr. Redman é muito mais direto em suas ações.

-Acho que tem razão. Não posso dizer que tenha provocado algum acidente por aqui, em Lone Bluff, mas acho que participou de alguns.

-O que você sabe dele?

-Não acho que ninguém saiba muito. Chegou à cidade há uns seis meses. Claro que todo mundo tinha ouvido falar de Jake Redman. Há quem diga que matou mais de vinte homens em tiroteios.

-Matou? – Sarah olhou para ela atônita – Mas por quê?

-Não sei se sempre há um porque. Me contaram que um rancheiro do norte o contratou, pois tinha tido uns problemas com seu rebanho.

-Contratou-o? – murmurou Sarah – Para matar?

-Acredito que sim. Alguns ficaram nervosos quando ele chegou e se hospedou num quarto na pensão de Maggie O`Rourke, mas não parecia estar buscando problemas, mas algumas semanas depois os encontrou por acaso..

Um assassino pago!!!! O estômago de Sarah se revoltou.E ela o havia beijado! Beijado de um modo que uma mulher não beija um homem, a menos que seja seu marido.

-Que aconteceu? – perguntou.

-Jim Carlson estava no Jaula Dourada, é um dos bares da cidade.

-Carlson?

-Sim. É irmão de Samuel Carlson – prosseguiu Liza, apertando os lábios – Mas ninguém diria. Não se parece em nada com ele. Gostava de alardear sua coragem se fazer se machão. Roubava nas cartas, mas ninguém tinha coragem de acusá-lo até que Jake chegou.

Tomou um gole de chá, e escutou os gritos do irmão no quintal.

-Pelo que me contaram, discutiram durante o jogo. Jim estava bêbado e se descuidou quando roubava, Jake o acusou e os outros homens o apoiou. Dizem que Jim sacou o revolver e todo mundo pensou que Jake atiraria nele ali mesmo, mas ele se limitou a dar-lhe um soco.

-Não atirou? – perguntou Sarah aliviada.

-Não, pelo menos o que me contaram é que depois do soco, pegou o revolver de Jim e o deu ao barman. Alguém tinha ido buscar o xerife. Quando ele chegou, Jake estava no balcão tomando whisky e Jim se levantava. Acho que Barker  pensava em prender Jim até que a bebedeira passasse, mas quando o segurou, Jim tirou o revolver do xerife da cartucheira, mas Jake foi mais rápido e disparou primeiro.

-E o matou?

-Não, apesar que muitos da cidade gostariam que ele tivesse feito. Os Carlson são muito poderosos por aqui, mas havia muitas testemunhas, incluindo o xerife que iriam  considerar legítima defesa.

-Compreendo – mas não compreendia uma justiça que tinha que ser feita com armas e balas – Me surpreende que o Sr. Redman não tenha partido, depois disso.

-Deve gostar daqui. E você o que acha? Não sente medo vivendo aqui sozinha?

Sarah pensou em sua primeira noite.

-Um pouco.

-Depois de ter vivido no leste, não me surpreende – para Liza, Filadélfia era um lugar tão exótico como Paris ou Londres – Já viu muitas coisas e tem roupas muito elegantes.

Sarah sentiu uma angústia repentina.

-Já esteve no Leste? – perguntou.

-Não, mas vi fotos – olhou para os baús de Sarah – as mulheres se vestem muito bem.

-Gostaria de ver meus vestidos?

O rosto de Liza se iluminou.

-Adoraria.

Nos vinte minutos seguintes, Liza admirou sem reservas as roupas de Sarah. Sentadas no chão, falaram de coisas importantes como bolsas, laços e o melhor modo de amarrar o chapéu, enquanto Johnny continuava brincando com o cachorro.

-Olhe este! – Liza encantada se levantou com o vestido em frente a ela. –Queria muito que tivesse um espelho.

Era um vestido de musselina branca com a saia bordada de botões de rosa. O vestido que pensava colocar no primeiro jantar com seu pai. E ela não o veria nunca mais.

-Que foi? – perguntou Liza – Parece tão triste.

-Estava pensando em meu pai, no tanto que trabalhou para me sustentar.

Liza se esqueceu da roupa.

-Ele adorava você. Quando vinha a loja, falava sempre de você, do que escrevia nas cartas. Lembro que uma vez trouxe um retrato seu. Queria que todo mundo visse como a filha dele era bonita. Estava muito orgulhoso de você.

Liza tocou-lhe o ombro com gentileza.

-Meu pai me deixa histérica às vezes, mas acredito que ficaria doente se algo acontecesse com ele.

-Bem, pelo menos tenho isto – olhou ao redor – Aqui eu me sinto mais perto dele.Gosto de imaginá-lo sentado à mesa me escrevendo. – fez um esforço para sorrir - Fiquei contente por você ter vindo.

Liza segurou-lhe a mão.

-Também fiquei contente de ter vindo.

Sarah se levantou e tocou as mangas do vestido que tinha encantado Liza.

-Deixe-me ser seu espelho. È um pouco mais alta que eu e tem mais curvas – apertou os lábios e deu uma volta ao redor de Liza – O decote ficaria bom, mas precisaria de uns enfeites em volta. E rosa seria a cor para você, ressaltaria sua pele e seus olhos.

-Acha que poderia vestir algo assim? – A garota fechou os olhos e começou a dar voltas lentamente - Teria que ser em um baile. Soltaria o cabelo nos ombros e colocaria um colar de pérolas no pescoço. Will Metcalf cairia de quatro.

-Quem é Will Metcalf?

Liza abriu os olhos e sorriu.

-Um homem. Um dos ajudantes do xerife. Ele gostaria de namorar comigo – sorriu com malícia – E pode ser que eu permita.

-Liza ama Will - cantarolou Johnny da janela.

-Quieto John Cody. Se não ficar, digo a mamãe quem quebrou o prato de porcelana chinesa.

-Liza ama Will – repetiu o garoto e saiu correndo.

-Nada é mais chato que irmãos pequenos – murmurou a jovem.

Deixou o vestido no baú e suspirou.

Sarah ficou pensativa um tempo e logo tomou uma decisão.

-Liza, gostaria de um vestido como esse em rosa. Vi uma musselina como essa rosa na sua loja.

-Acho que estaria no céu!!

-Que você acha de eu costurar um para você?

-Você? – Liza arregalou os olhos para Sarah – pode costurar?

-Adoro costurar – pegou de um dos baús uma fita métrica – Se você me der o material eu lhe dou o vestido; Se gostar. Conte às mulheres da cidade que vão à sua loja.

-Lógico – Liza obediente, levantou os braços para que Sarah tirasse suas medidas – Eu direi a todo mundo.

-E então talvez outras mulheres também queiram vestidos bonitos.

-Aposto que sim.

-Você consegue o material e eu lhe faço um vestido que fará Will Metcalf cair de joelhos.

Duas horas depois, Sarah estava regando sua horta. No calor da tarde com as costas doloridas pelo esforço e o sol queimando forte, perguntou-se adiantaria regar. Para conseguir uma horta ali, precisaria de um milagre. E ela havia preferido plantar flores.

Enquanto terminava de regar, lembrou a si mesma que flores não se podia  comer. O que teria que fazer era voltar para o riacho e encher o balde com mais água para cozinhar e lavar-se.

Ouviu o ruído de cavalos e ficou satisfeita ao notar que estava se habituando aos sons do seu novo lugar. Pôs a mão sobre o olhos, como uma viseira e observou os cavaleiros chegando à casa. Reconheceu Lucius e suspirou aliviada.

-Latiffe – gritou, mas o cachorro continuou latindo.

-Srta Conway. - O xerife Barker tirou o chapéu para saúda-la e sorriu ao ver o cachorro – Vejo que tem um guardião bastante furioso.

-Pelo menos faz barulho – disse Lucius, descendo do cavalo. Latiffe correu até ele e mordeu a barra das suas calças. Lucius o segurou pela pele do pescoço – Tome cuidado com seus modos, rapazinho.

E quando voltou ao chão, o cão foi se esconder nas saias de Sarah.

-Me disseram que houve problemas por aqui. – Barker mostrou os restos do estábulo – Foi esta noite?

-Foi. Se quiserem ficar, eu ia buscar água. Acredito que gostariam de um café depois da viagem.

-Eu pego a água, senhorita – disse Lucius, pegando o balde das mãos dela – Ei, garoto – sorriu para o cachorro – Porque não vem comigo?

Latiffe hesitou por um momento, mas logo começou a segui-lo.

-Está pensando em contratá-lo ?

Sarah olhou Lucius se afastar.

-Estava pensando nisso, sim.

-Seria uma boa idéia – Barker pegou um lenço para enxugar o pescoço.-Lucius adora uma garrafa, mas isso não parece alterá-lo. É um homem honrado, bêbado ou sóbrio, sempre é muito gentil.

Sarah sorriu.

-Acho que isso é uma recomendação, xerife.

O homem olhou para o estábulo.

-E agora porque não me conta o que aconteceu por aqui?

Sarah lhe contou tudo o que sabia. O xerife escutou tudo, sem falar nada.O que ouvia, encaixava com o que lhe havia dito Jake. Mas ele não disse que Jake havia seguido os rastros dos cavaleiros até umas rochas e descobriu restos de uma fogueira.

-Pode pensar em alguma razão para alguém fazer algo assim?

-Não, de jeito nenhum. Aqui não tem nada que possa interessar para alguém, além de mim mesma. Meu pai tinha inimigos?

Barker cuspiu o fumo no solo.

-Não creio. Tenho que dizer-lhe que não há muito o que eu possa fazer. Farei algumas perguntas e investigarei por ai. Pode ter sido alguém que estava de passagem e queria criar problemas.

-Eu também pensei nisso.

-Se sentirá mais segura com Lucius aqui.

A jovem observou Lucius se aproximar com o balde e o cachorro.

-Acho que tem razão - disse. Mas aquele homem não correspondia a sua idéia de protetor. – Estou certa que nos daremos bem. – afirmou com mais segurança do que sentia.

-Agora eu vou indo, e verei o que posso fazer – Barker montou no cavalo – Sabe senhorita Conway, Matt estava sempre tentando fazer uma horta ali, mas nunca conseguiu.

-Talvez eu tenha mais sorte. Boa tarde, xerife.

-Até a vista, senhorita.

Estendeu a mão a Lucius e se afastou cavalgando.

 

Em menos de uma semana já tinha costurado seis vestidos. Teve que fazer uso de toda sua criatividade e habilidade para costurá-los, utilizando seu vestuário e sua imaginação em lugar de moldes. Destinava três horas na manhã e três horas à tarde para costurar. Á noite, quando ia para a cama, os olhos e os dedos doíam. Uma ou duas vezes, o cansaço a fez chorar até adormecer. A falta de seu pai ainda era muito recente e o local que a rodeava era extremamente inóspito.

Mas havia outros momentos, esses eram cada vez mais freqüentes, em que ia dormir com uma sensação de satisfação. Além dos vestidos, tinha feito uma linda cortina amarela para a janela e um jogo de toalhas para a mesa. Sonhava em comprar madeira para o assoalho, quando tivesse dinheiro suficiente. Enquanto isso, se alegrava com o que tinha e estava muito satisfeita com Lucius.

O homem havia construído o estábulo novo e estava ocupado reparando os outros cobertos. Mesmo reclamando, prometeu fazer-lhe o galinheiro que ela tinha pedido. E à noite dormia com os cavalos.

Algumas vezes a observava quando praticava com o rifle.

Não havia visto Jake Redman desde o dia em que quase lhe dera um tiro.Dizia a si mesma que era melhor assim. Depois de tudo, ela não deveria ter mais nada a ver com ele.

Era um pistoleiro. Um homem sem lealdade ou moral. Um vagabundo que ia de cidade em cidade, sempre disposto a sacar a arma e matar. E pensar que havia chegado a pensar que havia algo de bom e amável nele! Tinha lhe ajudado, não podia negar. Mas provavelmente não tinha nada melhor para fazer.Recordou o seu beijo e pensou que talvez tivesse feito aquilo porque queria algo dela. E ela tinha que admitir que tinha ficado disposta a dar tudo o que ele pedisse.

Segurou o espelho e examinou seu rosto, não por vaidade, mas como se buscasse ali algumas respostas. Como era possível que aquele homem a fizesse sentir daquele jeito apenas em poucos dias, apenas com um abraço? Às noites ela acordava sonhando com ele, recordando uma vez mais aquele momento em que a boca masculina cobria a sua e ela não tinha nenhuma dúvida que era assim que tinha que ser.

Deixou o espelho na mesa e disse a si mesma que havia sido um momento de loucura. Nunca mais se sentiria atraída por um homem que vivia como Jake Redman.

Era hora de esquecer. Talvez ele tivesse partido e ela não voltaria a vê-lo, mas não se importava. Ela tinha a sua própria vida, e com a ajuda de Liza, também uma profissão. Recolheu os três pacotes embrulhados em papel marrom, e sai de casa.

-Está certa que não quer que eu a leve à cidade, srta. Conway?

Sarah deixou os vestidos na parte de traz da carroça e olhou para Lucius.

-Não, obrigada.

Estava ciente que sua habilidade como condutora de charretes deixava muito a desejar, mas havia feito um trato por aquela charrete. O dono do estábulo tinha duas filhas e ela tinha feito dois vestidos em troca do carro. A jovem desejava levá-los pessoalmente. Sorriu para Lucius.

-Esperava que começasse hoje o galinheiro. Vou ver se a sra. Miller me vendo umas galinhas novas.

-Sim – Lucius movimentou os pés e limpou a garganta – Vai ser um dia quente e seco.

-Sim como todos. Estou levando uma garrafa com água, não se preocupe.

O homem esperou até que estivesse sentada na boleia.

-Tem uma coisa, srta. Conway.

Sarah segurou as rédeas, ansiosa para seguir.

-Sim, Lucius. Do que se trata?

-O meu whisky acabou.

A jovem ergueu as sobrancelhas.

-E?

-Bem, já que vai à cidade, pensei que pudesse me trazer uma garrafa.

-Eu? Não pode esperar que eu vá comprar whisky.

Ele tinha imaginado que ela diria algo assim.

-Talvez pudesse pedir a alguém para comprar uma garrafa. Eu lhe agradeceria muito.

Sarah abriu a boca disposta a passar-lhe um sermão sobre os malefícios da bebida, mas voltou a fechá-la de novo. Aquele homem trabalhava dura em troca de muito pouco e ela não lhe faria um sermão, pois ele ficaria uma fera.

-Vou ver o que posso fazer – disse.

O rosto de Lucius se iluminou de imediato.

-Você é muito amável, srta. Agora mesmo começarei a fazer o galinheiro. Esta muito bonita hoje, a senhorita  parece um quadro.

Sarah sorriu. Se alguém tivesse dito a uma semana que chegaria a gostar tanto de um homem bêbado e malcheiroso como Lucius, ela o chamaria de louco.

-Obrigada. Tem frango e pão fresco na cozinha- disse pondo-se a caminho.

Havia se vestido cuidadosamente para ir à cidade. Se queria que as mulheres lhe encomendassem vestidos bonitos, o melhor era fazer propaganda. Usava um vestido verde de decote alto, enfeitado com seu camafeu. O laço de fita rosa e a fileira de enfeites na saia, davam um aspecto mais descontraído. Completou com uma sombrinha combinando e se sentiu encantada com a sua escolha quando suas  jovens clientes saíram correndo do estábulo para admirá-la.

-Sarah!. Liza saiu de traz da vitrine e segurou as mãos dela nas suas. –Que vestido maravilhoso! Todas as mulheres da cidade vão querer um igual.

-Eu o coloquei para tentá-las – ela sorriu – É um dos meus favoritos.

-Não duvido. Está tudo bem? Faz dias que não consigo sair daqui.

-Está tudo bem. Não tive mais problemas – Se aproximou para observar alguns rolos de tecido – Estou certa que foi apenas um acidente isolado. Como disse o xerife, podem ter sido vagabundos.

Olhou por cima do ombro e sorriu.

-Olá, Sra. Cody – cumprimentou a mãe de Liza, que saia do armazém.

-Sarah, que bom ver você. Está muito bonita.

-Obrigada, trouxe o seu vestido.

-Nossa, você trabalhou depressa.

Anne Cody segurou o pacote e voltou imediatamente para casa.

-Não quero receber até que veja se gosta dele.

Anne sorriu.

-Um bom modo de fazer negócios. Meu Edi diria que tem boa cabeça sobre os ombros. Vamos vê-lo,então.

Abriu o pacote e duas de suas clientes se aproximaram para olhar.

-É lindo, Sarah. – exclamou Anne.

Segurou  o vestido na frente dela para vê-lo melhor. Era cinza, adequado para ser usado atrás do balcão, mas muito feminino, com enfeites no colo e nas mangas.

-Deus meu, querida! Tem uma ótima mão com as agulhas – Saiu detrás do balcão para que as suas clientes pudessem vê-lo – Olhe este trabalho Sra. Miller. Juro que não verá nada melhor.

Liza se voltou sorridente para Sarah.

-Antes de um minuto vai conseguir-lhe umas dez clientes – ela sussurrou em seu ouvido – Papai sempre diz que mamãe podia vender botas novas a um homem sem pernas.

-Aqui está, Sarah – Anne lhe deu o dinheiro – Vale o preço, sem dúvida.

-Srta – A senhora Miller examinou melhor as costuras do vestido novo – No próximo mês vou visitar minha irmã em Kansas City. Acho que um vestido desse mesmo tecido ma cairia bem.

-Oh, sim senhora – Sarah concordou, mas pensou que não havia muitas coisas que favoreceriam volumosa sra. Milller – A senhora tem bom gosto para cores. Este tecido bordado em roxo lhe ficaria muito bem.

Quando tudo terminou, Sarah tinha mais três pedidos e  vários rolos de tecido. Liza a acompanhou até a porta.

-Não sei como convenceu a sra. Miller a lhe fazer pedidos .

-Quer impressionar sua irmã. Terei que me assegurar que consiga.

-Não será fácil, tendo em conta o pouco tempo que tem para isso. E ainda lhe pediu muito por essas galinhas.

-Isso não importa - sorriu Sarah – Eu lhe pedirei bastante pelos vestidos. Tem tempo para um passeio comigo? Vou ver se a Sra. O´Rourke gosta desse tecido de listas brancas e azuis.

Começaram a andar. Um passos adiante e Liza segurou as saias para colocar-se de lado. Sarah observou a mulher escultural que se aproximava. Nunca em sua vida havia visto  um  cabelo daquela cor. Brilhava como as esculturas de bronze do seu colégio. O vestido azul de seda que usava era bastante ousado no corte, e o decote muito baixo para o dia. Os seios brancos e suaves se insinuavam por ele, o esquerdo era adornado por um pinta que fazia par com outra localizada nas bordas dos seus lábios vermelhos. Segurava uma sombrinha e caminhava movendo desavergonhadamente os quadris.

Ao chegar perto de Sarah, parou olhou-a de cima abaixo antes de prosseguir.

-Meu Deus!

-Era Carlota. A dona de A Estrela de Prata.

-Parece ....extraordinária

-Bem, é uma .. você sabe.

-Uma o que?

-Uma mulher de má reputação – sussurrou Liza.

-Oh! – Sarah abriu muito os olhos. Lógico que havia ouvido falar de mulheres assim, mas nunca havia cruzado com nenhuma. – Oh, me pergunto porque me olhou daquele jeito.

-Provavelmente porque Jake Redman esteve em sua casa algumas vezes. É um dos seus homens favoritos.

Fechou a boca. Se sua mãe ouvisse ela falar daquele modo, lhe esfolaria viva.

-Deveria ter adivinhado – Sarah começou a andar novamente, sem saber porque tinha tanta vontade de chorar.

A senhora O´Rourke a recebeu com prazer. Não só porque havia mais de um ano que não tinha um vestido novo, como também estava decidida a saber mais sobre a mulher que tinha alterado Jake daquele modo.

-Pensei que talvez gostasse deste tecido listrado,  sra O’Rourke

-Não é feio – Maggie tocou o algodão com sua mão enrijecida – Não duvido que possa cair bem. Meu primeiro marido, Michael Bailey, gostava de vestidos bonitos. Morreu muito jovem. Bebeu demais e errou de cavalo. Antes que se recuperasse da bebedeira, tinham-no pendurado pelo pescoço.

Sarah, que não sabia o que respondeu, murmurou um som inaudível.

-Estou certa de que as cores lhe ficarão bem;

Maggie gargalhou.

-Mocinha, já não tenho mais idade para adulações. Já enterrei dois maridos. O senhor O´Rourke, que Deus o tenha em sua glória, foi alvejado por um raio em 63. O bom Deus nem sempre protege os tolos e os bêbados, sabe? Depois de tudo não penso em encarregar-me de outro. A única razão que uma mulher se veste bem é para atrair um homem ou para segurar o seu – olhou atentamente para Sarah – Mas você está muito bonita hoje.

A jovem sorriu, disposta a aceitar o comentário como um cumprimento.

-Obrigada, se preferir outra estampa, posso...

-Sarah pode fazer-lhe um vestido prático, sra O´Rourke – interveio Liza – Minha mãe está encantada com o seu. A sra Miller já encomendou dois para sua viagem a Kansas City.

-Verdade? –Maggie sabia o quanto a Sra. Miller era chata – Suponho que não seria mal um vestido novo. Mas nada muito elegante, certo.? Não quero que meus hóspedes comecem a ter idéias erradas – sorriu.

-Se um homem tivesse algum interesse em você, Maggie, perderia todo ele quando provasse um prato do seu ensopado.

Sarah estremeceu ao ouvir a voz de Jake. Se voltou vagarosamente. O homem estava na metade das escadas.

-Alguns homens buscam mais do que um prato de ensopado numa mulher - replicou Maggie, sorridente – Vocês, senhoritas, devem ter cuidado com um homem que sorri deste modo. – acrescentou indicando Jake – Eu sei o que é isso, me casei com dois.

Enquanto falava observava o modo que Jake e Sarah se olhavam. Decidiu que ali havia rastro de fogo e não se importaria em atiçá-lo um pouco.

-Liza, toda essa conversa sobre comida, me lembrou que eu preciso de mais dez quilos de farinha. Traga-me correndo. Diga a sua mãe que ponha em minha conta.

-Eu também estou indo, sra O´Rourke.

-Espere um momento, lá em cima eu tenho um vestido que poderá usar como molde. Também precisa de uns remendos. Eu não me dou bem com agulhas. Liza, também preciso de alguns quilos de café. Vá agora.

-Só demoro um segundo- prometeu Liza, saindo.

Maggie encantada com suas manobras, começou a subir as escadas.

-Você é tão sutil como um tiro no peito – murmurou Jake para ela.

Com o tecido nas mãos, Sarah observou Jake se aproximar dela. Ele a olhava de um modo que fazia com que seus joelhos tremessem. Prometeu a si mesma, que se ela a tocasse, lhe daria uma bofetada que jogaria o chapéu dele no chão.

Jake havia sonhado em tocá-la, jogá-la ao chão e enterrar-se nela. Ao vê-la naquele momento tão bonita quanto uma flor, lembrou a si mesmo que aquilo só podia ser um sonho. Mas supôs que não tinha  motivos para não enervá-la um pouco.

-Bom dia duquesa. Veio me ver?

-Lógico que não.

Ele gostou do brilho dos olhos dela. Roçou com a ponta do dedo o tecido que ela tinha nas mãos e notou que ela ficava tensa.

-É bonito, mas eu gosto muito mais do vestido que você usa.

-Não é para mim. A Sra. O´Rourke me disse que queria um vestido.

-Então você também costura – olhou nos olhos dela – È cheia de surpresas.

-É um modo honrado de ganhar a vida – A jovem olhou deliberadamente para as armas dele – É uma lástima que nem todos possam dizer o mesmo.

O homem a olhou com uma mistura de dor e frieza que fez com que ela sentisse vontade de consolá-lo

-Vejo que  falaram de mim – disse – Sou um homem perigoso, Sarah – Segurou seu queiro para obrigá-la a olhar nos olhos dele. Saco um revolver e deixo viúvas e órfãos. O cheiro da pólvora e da morte me segue em toda parte. Tenho sangue apache nas veias, assim não gosto de matar como fazem os homens brancos. Eu atiro num homem do mesmo modo que um lobo nos corta a garganta. Porque nasceu para isso. Uma mulher como você fará bem se manter distância de mim.

A jovem percebeu que havia raiva em sua voz, mas também frustração. Antes que pudesse chegar a porta, ela o deteve.

-Sr. Redman, Sr. Redman, por favor – segurou as saias e saiu atrás dele – Jake.

Ele confuso se deteve e voltou-se quando ela cruzava a porta.

-Será melhor esperar Maggie ai dentro.

-Espere, por favor – pôs a mão no braço dele – Não compreendo o que faz ou o que é, mas me ajudou muito. Não me diga para esquecê-lo, por que não esquecerei.

-Você tem um talento especial para confundir os homens.

-Eu não pretendo...

-Não suponho que não. Quer dizer mais alguma coisa?

-Para dizer a verdade, eu...

Se interrompeu ao ouvir um tiroteio no edifício ao a lado. Olhou naquela direção e viu um homem sendo atirado pela porta e aterrissar num monte de terra. Sarah começou a andar até ele e Jake se colocou no caminho.

-Que acha que está fazendo?

-O homem pode estar ferido.

-Está bêbado demais para estar ferido.

Sarah olhou para o  homem com os olhos muito abertos.

-Mas é meio dia.

-É tão fácil embebedar-se de dia como de noite.

A jovem apertou os lábios.

-É tão ruim quanto - comentou. Lembrou-se do whisky que prometeu a Lucius – Será que posso lhe pedir outro favor?

-Pode pedir.

-Preciso de uma garrafa de whisky.

Jake tirou o chapéu, arrumou o cabelo, voltou a colocar o chapéu.

-Eu pensava que não gostasse.

-Não é para mim, é para Lucius – enfiou a mão na bolsa – Não sei quanto custa.

-A Lucius dão crédito, não se preocupe. Volte a entrar – disse-lhe, desaparecendo pelo salão.

-Isso é que é um homem, não?

Sarah levou a mão ao peito.

-Sra. O´Rourke, me assustou.

Maggie saiu sorridente.

-Estava pensando em outra coisa – estendeu-lhe um pacote – Jake é atraente, tem as costas fortes, boas mãos. Uma mulher dificilmente pode pedir mais. Você não tem noivo no leste, certo?

-Que? – Sarah distraída, se aproximou mais do bar. Odiava ter que admitir, mas estava com vontade de ver como era lá dentro. – Oh, não, pelo menos ninguém com eu queira me casar.

-Uma mulher pronta, sabe como fazer para que um homem se case e pense que a idéia foi dele. Olhe Jake por exemplo...

Interrompeu-se. Dois homens saíram do bar e rodearam a rua sem deixar de se bater.

-Deus meu! – Sarah observava a luta.

-Pensei ter dito para entrar em casa – disse Jake, saindo por sua vez do bar com uma garrafa de whisky na mão.

-Eu só...Oh!- viu um dos homens sangrar pelo nariz. – Isto é terrível. Tem que detê-los.

-Nada disso. Onde está sua charrete?

-Mas tem que fazer alguma  coisa – insistiu ela – Não pode ficar ai parado vendo dois homens brigando deste modo.

--Duquesa, se eu tentar intervir, eles vão começara a bater em mim - entregou-lhe a garrafa – Eu não gosto de matar ninguém.

Sarah colocou a garrafa e o pacote nas mãos dele.

-Neste caso eu mesma vou intervir.

-Seria uma tragédia perder alguns dentes tão bonitos.

Sarah olhou-o com desdém, abaixou-se e pegou a escarradeira que Maggie tinha perto da porta.

Segurando as saias numa mão e a arma na outra, avançou até o centro da luta.

-É uma mulher especial – sorriu Maggie – tem garra.

-Vá colocara água no seu ensopado.

A mulher começou a rir.

-E também tem você. Espero estar aqui quando você se der conta.

Sarah se aproximou dos homens. Ambos grunhiam e se xingavam enquanto continuavam a dar socos. Os dois fediam a suor e whisky. A jovem se afastou um pouco para fazer pontaria e em seguida atingiu a cabeça de um e depois do outro com a escarradeira. Uma gargalhada se fez ouvir de dentro do bar. Sarah ignorou as risadas e olhou para os dois homens que a olhavam, passando a mão pelas cabeças.

-Deveriam se envergonhar – disse para eles – Brigando pela rua  como dois cachorros. A única coisa que irão conseguir é encher a cara de sangue e dar  um espetáculo. Ponham-se em pé! – os dois homens pegaram seus chapéus e obedeceram – Estou certa que podem resolver suas diferenças de outro modo.

Satisfeita, inclinou a cabeça com educação e voltou para o lado de Jake e Maggie.

-Pronto – estendeu a escarradeira para sua dona e olhou para Jake com um sorriso de satisfação. – Era só uma questão de chamar a atenção deles e fazer-lhes voltar a razão.

Jake olhou por cima dela: os dois homens tinham voltado a brigar no chão.

-Sim, senhora – segurou o braço dela e começou a subir a rua antes que ela decidisse intervir de novo. – Aprendeu a bater assim naquela sua escola elegante?

-Tive chance de observar a técnica das freiras para terminar com as brigas.

-Alguma vez lhe bateram com uma escarradeira na cabeça?

A jovem moveu a cabeça, sorridente.

-Não, mas sei o que é uma reguada na cabeça.

Ao chegar à charrete, olhou para dentro da loja e viu Liza flertando com um homem de cabelo e botas marrons brilhantes.

-É Will Metcalf?

-Sim.

-Creio de Liza gosta dele.

Reprimiu um suspiro. Naquele momento o amor estava tão longe da sua vida quanto a linda casa que seu pai havia construído na sua imaginação. Se voltou e tropeçou com o peito  de Jake. O homem levantou as mãos para evitar que caísse, e depois a deixou sobre os braços dela.

-Tem que olhar para onde vai.

-Sempre faço – respondeu ela.

Pensou que ele a beijaria ali mesmo, no meio da cidade. Estava certa e sentia isso.

Jake queria beijá-la. Queria ficar cinco minutos sozinho com ela, mesmo sabendo que seria inútil, aquilo não tinha sentido.

-Sarah...

-Bom dia, Jake.

Carlota se aproximou da charrete, rodando a sua sombrinha, com uma mão. Ignorou o olhar de advertência que ele lhe dirigiu e voltou sua atenção para Sarah. Olhou-a de cima a baixo, sorridente e decidiu que era bastante comum. Jake se cansaria dela em uma semana. Mas enquanto isso, poderia ser um prazer aborrecê-la.

-Não vai me apresentar sua amiga?

Jake ignorou sua pergunta e segurou o braço de Sarah para ajudá-la a subir na charrete.

Sarah decidiu que não ia deixar que aquela mulher risse às suas costas.

-Sou Sarah Conway. – disse.

Não lhe ofereceu a mão apenas se limitou a acenar com a cabeça com uma atitude que foi tão insultante como o olhar desdenhoso de Carlota.

-Sei bem que é você – sorriu a outra – Conheci seu pai. Conheci-o muito bem.

Sorriu encantada quando o golpe surtiu o efeito desejado. Mas quando voltou os olhos para Jake, a maior parte do prazer que sentia se evaporou. Havia visto olhar daquele jeito para os homens que estava a ponto de matar. Moveu a cabeça e se afastou, decidindo que ele logo voltaria para ela. Os homens sempre voltavam.

Jake voltou a segurar o braço de Sarah, para ajudá-la, mas ela se afastou dele, brusca.

-Não toque em mim.

Se voltou e segurou as bordas da charrete até recuperar as forças. Todas as suas ilusões tinham se despedaçado. A idéia que seu pai pudesse ter estado com uma mulher daquele tipo era mais do que podia suportar.

Jake havia preferido partir, dar a volta e se afastar. Aborrecido, colocou as mãos nos bolsos.

-Deixe-me ajudá-la a subir nesta maldita charrete, Sarah.

-Não quero sua ajuda, - se voltou para ele – Não quero nada de você, entende?

-Não, mas suponho que não tenho que compreender.

-Você a beija do mesmo modo que me beijou? Pensa em mim do mesmo modo que pensa nela e nas mulheres da classe dela?

O homem estendeu a mão para impedi-la de subir na charrete.

-Quando a beijei, não pensei em nada. Este foi o meu grande erro.

-Srta Conway - Samuel Carlson parou seu cavalo ao lado da charrete – Está com algum problema?

-Não.

Sarah se colocou instintivamente entre os dois homens. O revolver de Carlson tinha um cabo de marfim e parecia mortal debaixo do seu paletó de brocado prateado. Já não a escandalizava pensar que mesmo homem tão educado quanto ele não hesitaria em usar a arma.

-O Sr. Redman tem me ajudado muito desde que cheguei aqui.

-Ouvi que teve problemas.

Sarah notou que os homens se encaravam com desafio.

-Sim, mas ainda bem que não tive grandes perdas.

-Fico contente em ouvir – Carlson se voltou para ela – Veio sozinha à cidade, srta Conway?

-Sim e para dizer a verdade já está na hora de voltar.

-Agradeceria muito se me deixasse acompanhá-la. É um caminho muito longo para uma mulher sozinha.

-O Sr. é muito amável, Sr. Carlson, não quero atrapalhá-lo.

-Não me atrapalharia – segurou  o braço dela e ajudou-a a subir – Pensava em ir até sua casa para cumprimentá-la. Seria um favor permitir me acompanhar.

A jovem estava a ponto de recusar quando olhou para Jake. Seus olhos espelhavam uma frieza absoluta. Não pode evitar pensar que olhava para Carlota de forma diferente.

-Ficaria encantada - disse. Esperou que Carlson prendesse seu cavalo à traseira da charrete – Bom dia Sr. Redman.

A maior parte do caminho não falaram nada importante, o clima, música, teatro. Sarah pensou que era um prazer poder passar uma ou duas horas na companhia de um homem que entendia de arte e apreciava a beleza.

-Espero que não se ofenda se eu lhe der um conselho, srta. Conway.

-Os conselhos são sempre bem vindos- sorriu ela – Mesmo que não se siga.

-Espero que siga o meu. Jake Redman é um homem perigoso, o tipo de homem que sempre cria problemas aos que o cercam. Afaste-se dele para seu próprio bem, senhorita.

A jovem não disse nada por um momento, surpresa pela força da raiva que havia naquelas palavras. Depois de tudo, Carlson não havia dito mais que a verdade e nada que ela já não tivesse dito a si mesma.

-Eu agradeço a sua preocupação.

-Mas não seguirá meu conselho – murmurou ele.

-Não acho que seja necessário. É improvável que eu volte a ver o Sr. Redman, agora que estou instalada.

Carlson balançou a cabeça e sorriu.

-Eu a ofendi.

-Em absoluto. Compreendo o que sente pelo Sr. Redman. Estou certa que a briga entre seu irmão e ele foi terrível para o senhor.

Carlson apertou os lábios.

-Ainda me dói dizer que Jim procurou por aquilo. Era jovem e valente. Redman é outra questão, vive do seu revolver e de sua reputação.

-Isso me parece uma vida muito pobre.

-Agora acho que tem pena dele. Não era essa minha intenção – tocou a mão dela gentilmente - Você é uma mulher muito bonita e sensível. Não quero vê-la sofrer.

-Obrigada, mas eu lhe asseguro que aprendo depressa a me cuidar sozinha.

Quando entraram na propriedade de Sarah, o cachorro se aproximou correndo e latindo.

-Ele cresceu, - comentou o homem, quando o cachorro se aproximou para lhe morder o tornozelo.

-Quieto, vamos.

Latiffe grunhiu ao ver Carlson ajudar Sarah a descer da charrete.

-Acho que será um  cachorro de guarda excelente. E graças a Deus se deu bem com Lucius. Gostaria de um café?

-Adoraria – uma vez dentro da casa, o homem olhou ao redor – É difícil imaginá-la num lugar assim. Combinaria muito mais com um quarto com papel de parede e cortinas de seda azul.

A jovem começou a rir e pôs a cafeteira no fogo.

-Acho que ainda vai demorar para eu colocar papel nas paredes e as cortinas, antes preciso de um chão de verdade. Sente-se, por favor.

Pegou os biscoitos na prateleira que havia preparado uns dias atrás. Ela gostou de poder oferecer-lhe

-Deve ser uma vida muito solitária para você.

-Não tenho tido tempo de me sentir sozinha, ainda que admita que não é a vida que eu esperava.

-É uma lástima que seu pai nunca tivesse encontrado ouro na mina.

-Dava esperança a ele – pensou no diário que estava lendo – Era um homem que necessitava mais de esperança do que de comida.

-Nisso tem razão – bebeu um gole de café que ela havia servido – Sabe me ofereci para comprar-lhe este lugar.

-Verdade? –Sarah se sentou em frente a ele – Por que?

-Razões sentimentais – sorriu envergonhado – É uma coisa boba. Meu avô era dono da mina. A perdeu numa partida de pocker e sempre se recordava com desgosto - voltou a sorrir e provou um dos biscoitos. Lógico que tinha o rancho. Mil e duzentos acres, com a melhor água que se pode encontrar por aqui, mas lamentou a perda da mina até o dia da sua morte.

-Deve haver algo aqui que atrai as pessoas. Meu pai sentia o mesmo.

-Matt comprou-s do jogador e começou a cavar. Sempre acreditou que encontraria um veio bom, mas não creio que exista. Quando morreu meu avô, eu me prometi que faria tudo para devolver a propriedade a família. Uma espécie de tributo. Mas Matt não quis vender.

-Tinha um sonho – murmurou Sarah – E no final o sonho o matou.

-Sinto que tenha feito você sofrer novamente. Não era minha intenção

-Não é nada. Mas acho que fiz muito pouco. Acho que sempre será assim.

-Talvez não seja bom ficar aqui tão perto de onde ele morreu.

-É o único lugar que tenho.

Carlson lhe deu uma palmadinha na mão.

-Como lhe disse, você é uma mulher sensível. Eu estava disposto a comprar esse lugar do seu pai e estou disposto a comprar de você, se quiser vendê-la.

-Vendê-la – perguntou ela surpresa – É muito generoso da sua parte, senhor Carlson.

-Gostaria que me chamasse de Samuel.

-É muito generoso e muito amável, Samuel – se aproximou da janela e olhou para fora – Mas acho que não estou pronta para deixar esse lugar.

-Não é necessário decidir agora. – se levantou e colocou a mão no ombro dela, com gentileza.

-Foi difícil me adaptar aqui. Contudo, sinto que não posso partir, que se eu fizer isso estarei abandonando meu pai.

-Eu sei bem o que é perder alguém da família. Precisa de tempo para recuperar-se – virou-a para ele. – Posso dizer que conhecia Matt bastante para estar certo que ele queria o melhor para você. Se decidir que quer ir, só precisa me dizer. Deixarei a oferta em aberto.

-Obrigada.

Olhou para ele, Carlson segurou-lhe as mãos e levou-a aos lábios.

-Quero ajudá-la Sarah. Espero que me deixe ajudá-la.

-Srta. Conway?

A jovem se sobressaltou  e depois suspirou ao ver Lucius no umbral da porta.

-Sim?

O homem olhou para Carlson e em seguida voltou a cabeça para cuspir.

-Quer que eu guarde os cavalos?

-Por favor.

Lucius ficou onde estava.

-Que faço com o outro cavalo?

-Estou indo. Obrigada pela companhia, Sarah.

-Foi um prazer.

Quando saiu, Carlson colocou o chapéu.

-Espero poder voltar.

-Lógico. Adeus, Samuel.

Esperou que ele se afastasse para se dirigir a Lucius.

-Foi muito grosseiro com ele.

-Se a senhorita diz...

-Eu digo sim. O sr. Carlson teve a amabilidade de acompanhar-me desde a cidade, e você olhou para ele como se quisesse dar um tiro na cabeça dele.

-É possível.

-Por que, pelo amor de Deus?

-Algumas serpentes não usam guizos.

A jovem levantou os olhos para o céu e decidiu não perguntar mais nada. Em vez disso tirou a garrafa da charrete e viu os olhos de Lucius se iluminarem.

-Se quiser isto, tire a camisa.

O homem olhou para ela com a boca aberta.

-Como disse, senhorita?

-E as calças também. Quero que tire agora mesmo.

Lucius tocou o lenço que levava no pescoço.

-Posso perguntar porque quer que eu faça isso?

-Vou lavar a sua roupa. Tolerei  seu cheiro por muito tempo. Enquanto eu lavo as roupas, você pode  se lavar com o sabão que comprei na cidade.

-Vamos. Senhorita, eu...

-Quando estiver limpo, e só quando estiver limpo, eu lhe darei esta garrafa. Pegue um balde de água e o sabão, entre no estábulo. Deixe a roupa para fora.

Lucius a olhou inseguro.

-E se não fizer?

-Atirarei o conteúdo da garrafa na terra.

O homem colocou a mão no peito e a viu afastar-se. Tinha um medo mortal que ela cumprisse a palavra.

 

Sarah enrolou as mangas da sua camisa mais velha e pôs mãos a obra.

Quando colocou as roupas de Lucius no rio, pensou que o melhor seria queimá-las. A água rapidamente ficou marrom. Começou a batê-la com um gemido de desgosto. Levaria tempo até deixá-la apresentável, mas estava disposta a acabar.

Deixou as calças na água e segurou a camisa do homem com a ponta dos dedos. Estava deplorável. Duvidava muito que as roupas tivessem visto água limpa em um ano. O que significava que a pele de Lucius levaria o mesmo tempo para lavar-se. Ela cuidaria que ele limpasse direito.

Começou a sorrir enquanto trabalhava. A expressão de seu rosto quando ameaçou tirar-lhe o whisky, foi algo digno de nota. Pobre Lucius! Podia parecer duro e perigoso, mas no fundo era um homem doce e confuso que necessitava de uma mulher que lhe indicasse o caminho.

A maioria dos homens precisava do mesmo. Ao menos era o que Lucilla dizia sempre. Enquanto batia a camisa contra as pedras, se perguntou o que o sua amiga pensaria do Sr. Redman. De cara ele não tinha nada de doce. Deveria tê-lo esbofeteado quando lhe beijou e desejou ter sido ela a se afastar. Da próxima vez... Mas não haveria próxima vez. Se Jake Redman voltasse a tocá-la ...teve que admitir que não sabia o que faria. Naquele momento ela o odiava por fazê-la desejar que a tocasse de novo.

Aquilo era absurdo. Ele era um homem que vivia do seu revolver, que pegava o que queria sem sentir remorsos.Sempre lhe ensinaram que a linha que dividia o bem e o mal era muito definida e que não deveria ser cruzada nunca.

Matar era um pecado gravíssimo, imperdoável. Sem hesitação ele havia matado e voltaria a matar de novo. Sabendo disso não deveria se importar com ele, mas se importava, o desejava e precisava dele.

Desejava que ele tivesse se oferecido para levá-la em casa. Em seguida pensou que aquilo era uma bobagem, ela queria uma vida ordenada. Pode não ter sido tão espetacular como imaginava antes, mas seria organizada e honesta. Se sentou nos calcanhares e olhou ao redor. O sol se punha lentamente, uma enorme bola de fogo no céu azul. Viu passar uma águia com as asas estendidas. E o riu avançava por entre as rochas.

De repente tudo aquilo lhe pareceu tão bonito. Levou a mão à garganta, surpreendida ao sentir que estava dolorida. Até então não tinha visto a beleza que havia em tudo aquilo. Pela primeira vez desde que chegara, se sentiu em paz com que a rodeava. Em paz consigo mesma. Havia feito bem em ficar ali, porque aquele era seu lugar.

Quando se levantou para estender a camisa numa pedra, sorria. Logo viu uma sombra e levantou a cabeça. Haviam cinco. Tinham o cabelo solto sobre os ombros nus e todos estavam a cavalo, menos um. Foi ele que se aproximou dela, sem fazer ruído. Uma cicatriz cortava o rosto da testa ao queixo. Viu a cicatriz e a faca em  sua mão e começou a gritar.

 

Lucius viu o cavaleiro se aproximar e colocou a pistola sobre as cuecas largas. Saiu do estábulo com o sabão escorrendo pelo rosto. Jake parou o cavalo e o olhou com curiosidade.

-Não me diga que já chegou a primavera.

-Malditas mulheres – cuspiu Lucius.

-É verdade? – desmontou e amarrou o cavalo a uma estava - Está indo a um baile?

-Não, não vou a parte alguma – Lucius olhou para a casa de mau humor – Ela me ameaçou. Disse que se eu não tomasse um banho e deixasse ela lavar minha roupa, jogaria o whisky na terra.

Jake acendeu um cigarro, sorridente.

-Pode ser que não seja tão estúpida quanto parece – disse.

-Não parece – resmungou Lucius – Mas é teimosa. Que faz aqui?

-Vim falar com você.

-Sei.Tenho olhos na cara. Ela não está.

-Eu disse que vim falar com você – insistiu Jake. –Trabalhou na mina?

-Dei uma olhada.Ela não me deixa muito tempo livre - pegou uma pedra e atirou para o cachorro pegá-la. –Sempre quer uma coisa ou outra. Mas cozinha bem. Disso não posso me queixar.

-Viu alguma coisa?

-Eu vi o lugar onde Matt trabalhava. E onde houve o desabamento- cuspiu – Não posso dizer que foi agradável passar por ali. Talvez se me dissesse o que buscar exatamente.

-Vai saber quando encontrar – olhou para a casa e viu que Sarah tinha posto cortinas nas janelas – Ela já foi lá alguma vez?

-Vai, mas não entra. Às vezes se senta ao lado da sepultura. É de cortar o coração.

-Você está ficando mole, velho.

-Eu no seu lugar, não falaria isso –começou a rir ao ver o olhar de Jake – Não fique bravo comigo, garoto. Faz muito tempo que o conheço. Pode ser que se interesse em saber que Samuel Carslon veio visitá-la.

Jake deu uma tragada no cigarro.

-Já sei. Ficou muito tempo?

-O bastante para beijar as mãos dela. As duas.

-Verdade? – perguntou Jake furioso – Onde ela está?

-Acho que no riacho.

Reprimiu uma gargalhada e se agachou para segurar o cachorro antes que ele saísse correndo atrás de Jake.

-Eu não faria isso se fosse você, amiguinho. Pode ser que sobre faíscas.

Jake não sabia bem o que faria, mas não acreditava que pudesse gostar de Sarah. Na realidade, esperava que não gostasse. Decidiu que ela precisava de rédeas curtas e ele se encarregaria de atá-la. A idéia de Carlson beijando-a, dava-lhe ciúmes horríveis.

Quando a ouviu gritar, sacou o revolver com rapidez. Atravessou o último pedaço do caminho com os gritos dela ressoando em seus ouvidos.

Quando chegou ao riacho, só viu a poeira que os cavalos levantaram ao se afastar. Mesmo àquela distância, reconheceu o perfil de Pequeno Urso. Guardou a arma no momento em que Lafitte chegava correndo pelo caminho.

-Chegou tarde de novo – disse ao cachorro.

Se voltou para Lucius, que também chegava.

-Que aconteceu?

Jake ficou calado e o velho se aproximou para examinar o chão.

-Apaches – viu sua camisa estendida ao sol – Malditos sejam – correu até Jake – Espere, vou por uma outra camisa e minhas botas. Não vão se afastar muito.

-Eu vou sozinho.

-Eram quatro pelo menos.

-Cinco – corrigiu Jake, voltando à clareira – Irei sozinho.

-Escute, garoto, mesmo que fosse Pequeno Urso, isso não garante nada. A última vez não eram mais que meninos e seguiram caminhos diferentes.

--Era Pequeno Urso e eu não preciso de garantia nenhuma – Saltou sobre a cela – Vou trazê-la de volta.

Lucius pôs a mão sobre a cela – Cuidado, por favor.

-Se eu não voltar até amanhã ao por do sol, vá buscar Barker. Deixarei um rastro para ele poder seguir.

Pôs o cavalo a galope e foi para o norte.

 

Sarah não tinha desmaiado, mas não estava certa se aquilo tinha sido bom. Tinham-na colocado sobre o lombo de um cavalo e se obrigou a segurá-lo pela crina para não cair. O índio da cicatriz montava atrás dela. Segurou-a pelo cabelo para colocá-la em cima do cavalo e parecia fascinado pelo seu cabelo. Sentiu que ele aproximava o nariz do seu pescoço, fechou os olhos e começou a rezar.

Avançavam depressa. Os cavalos pareciam descansados e era obvio que conheciam o terreno. O sol era impiedoso. Sarah fez força para não chorar. Não queria morrer chorando. Estava certa que a matariam. Mas mais que a morte o que a assustava e que poderiam fazer antes de matá-la.

Havia ouvido histórias horríveis sobre o que os índios faziam às prisioneiras brancas.

Seguiram subindo até que ar esfriou e as montanhas se encheram de vida, com pinos e riachos que corriam rápido. Quando os cavalos pararam, a jovem foi para a frente com os músculos doloridos pelo esforço da corrida.

Os índios falavam entre eles em uma língua que ela não conhecia. O tempo tinha perdido seu significado. Só sabia que tinham passado muitas horas porque o sol estava baixo e o céu começava a ficar vermelho no oeste.

Pararam e por um momento ela pensou em bater no cavalo para sair correndo. Em seguida a baixaram ao chão.

Três homens estavam se banhando na água do riacho. Um deles parecia pouco maior que uma criança, mas Sarah duvidou que a idade importava muito. Deram água para os cavalos e não lhe deram nenhuma atenção.

Se apoiou nos joelhos e viu o homem da cicatriz discutindo com aquele que ela supunha era o líder. Tinha um rosto muito bonito, sereno e frio. Usava uma pluma de águia no chapéu e ao redor do pescoço um colar de algo que pareciam dentes brancos pequenos. A examinou com frieza e em seguida fez um sinal ao outro homem. A jovem começou a rezar de novo ao ver o homem da cicatriz avançar para ela. Obrigou-a a ficar em pé e começou a brincar com seu cabelo. O líder resmungou um ordem, mas o guerreiro se limitou a fazer uma careta. Segurou a garganta e Sarah conteve um grito quando lhe arrancou o camafeu. Satisfeito, pelo menos por hora, empurrou-a até o riacho e deixou-a beber.

Sarah bebeu com avidez. Talvez a morte não estivesse tão perto quanto temia. Talvez pudesse escapar de algum modo. Disse a si mesma que não perderia a esperança. Refrescou-se com a água gelada. Estava certa que alguém iria salvá-la.

O bandido a segurou pelos cabelos e a obrigou a ficar de pé. O camafeu pendia em sua cintura, Sarah avançou sobre ele para tomar-lhe de volta. O índio a golpeou atirando-a ao solo e ela começou a lutar instintivamente, usando os dentes e as unhas. Ouviu um grito de dor e logo as risadas dos outros. Mesmo assim não deixou de debater-se e dar pontapés, outro índio não demorou a atar suas mãos com uma tira de couro. Então começou a soluçar de raiva. Voltaram a colocá-la sobre o cavalo e amarraram seus tornozelos por baixo do ventre do animal. Seguiram subindo.

Desejou ficar desacordada. Quando a dor nos braços e nas pernas se tornou insuportável, parecia a melhor forma de escapar. A altura a deixava tonta. Iam pela borda do cânion estreito que parecia ter uma queda sem fim.

Seja onde for que a estavam levando era um mundo diferente. Um mundo de bosques, rios e escarpas. Mas não importava. Morreria ou escaparia. Não havia outras opções. “Sobrevivência é a única coisa que importa”.

Quando Jake lhe disse aquilo, não tinha entendido, naquele momento sim. Havia ocasiões nas quais as únicas opções eram a vida ou a morte. Se para poder escapar tivesse que matar, ela mataria. Se não pudesse escapar e se eles lhe fizessem o que temia, encontraria um jeito de se matar.

Seguiram subindo interminavelmente. Ao seu redor, podia ouvir os gritos dos pássaros noturnos. O ar estava frio e ela estremecia em silencio. Em seguida frearam os cavalos. Cortaram as cordas dos seus tornozelos e a fizeram apear. Não tinha forças para chorar, assim ficou imóvel. Devia ter desmaiado, pois quando voltou a si, ouviu o crepitar do fogo e o silencioso murmúrio dos homens comendo..

Reprimiu um gemido e tentou levantar-se, mas antes que pudesse fazê-lo, uma mão pousou em seu ombro empurrando-a para traz.

O índio se inclinou sobre ela e disse algo que ela não entendeu. Tocou se cabelo, levantando as mechas e deixando-as cair. Devia agradá-lo, porque sorriu e sacou uma faca. A jovem desejou que cortasse sua garganta de uma vez. Em vez disso, começou a cortar-lhe a saia. Sarah bateu em suas pernas o mais forte que pode, mas ela a sujeitou com as suas. Ela então o golpeou com as mãos, e quando ele levantava o braço para bater nela, ouviu-se um grito. Seus seqüestradores se colocaram em pé com as flechas e rifles preparados. Sarah então viu o cavaleiro  aproximar-se da luz.

-Jake!!!!

Quis correr até ele, mas a empurraram com força para traz. Ele não lhe fez nenhum sinal, avançou imperturbável até o grupo de apaches. Quando falou, o fez em uma língua que ela não entendia.

-Se passou bastante tempo, Pequeno Urso.

-Não pensei em vê-lo de novo, Olhos Cinza.

Jake desmontou lentamente.

-Nossos caminhos se separaram. Agora voltam a cruzar-se – olhou para que conhecia tão bem com os seus próprios. Entre eles havia um amor que poucos homens compreenderiam – Recordo uma promessa que dois garotos fizeram. Juramos com sangue que nunca um levantaria a mão contra o outro.

-A promessa feita com sangue não foi esquecida – Pequeno Urso estendeu a mão e os dois se estreitaram com força, desde a mão até o cotovelo. – Quer comer?

Jake assentiu e se sentou ao lado do fogo para compartilhar a carne. Pelo rabo de olho viu que Sarah o olhava. Seu rosto estava pálido de medo e cansaço. Tinha a roupa rasgada e sabia que devia estar com frio, enquanto ele comia e bebia. Mas se queria salvar-lhe a vida, tinha que seguir a tradição.

-Onde está o resto da nossa tribo?

-Mortos. Perdidos. Fugindo – Pequeno Urso olhou para o fogo com tristeza –Os espadas largas nos têm caçado como aos cervos. Sobraram poucos e se esconderam nas montanhas. E seguem vivendo.

-Braço Torcido? Cesta de Palha?

-Vivem no norte, onde os invernos são longos e a caça é pouca – Olhou em seus olhos – As crianças não riem, Olhos Cinza, nem as mulheres cantam.

Falaram sobre as recordações compartilhadas pelos dois, de pessoas que haviam amado. Seu vinculo seguia sendo forte, tão forte como era quando Jake vivia e se sentia como um apache. Mas os dois sabiam que o tempo tinha passado e as coisas tinham mudado.

Quando acabaram de comer, Jake se levantou.

-Você levou a minha mulher, Pequeno Urso. Vim para levá-la de volta.

-Não é minha prisioneira e sim de Falcão Negro. Eu não posso devolvê-la.

-Então, terá que guardar a promessa entre nos dois – se voltou para o índio com a cicatriz – Você levou a minha mulher.

-Não terminei com ela – levou uma mão à faca – Ficarei com ela.

Podia ter negociado com ele. Um rifle era mais valioso que uma mulher. Mas teria perdido a honra.

Havia dito que Sarah era sua e só havia um meio de recuperá-la.

-Aquele que viver ficará com ela. Tirou os revolveres do cinturão e os estendeu a Pequeno Urso – Falarei com ela.

Avançou até Sarah, enquanto Falcão Negro começava a cantar, se preparando para a luta.

-Espero que tenha aproveitado bem a comida – disse ela – E eu que pensei que tivesse vindo me salvar.

-Estou trabalhando nisso.

-Eu percebi. Sentado ao lado do fogo, comendo, contando estórias. Meu Herói !!!

O homem sorriu e a estreitou contra ele.

-Você é uma grande mulher, Sarah, Fique quieta e deixe-me agir do meu modo.

-Leve-me pra casa – o orgulho a abandonou e ela se agarrou a sua camisa – Por favor, me leve pra casa.

-Eu o farei.

Segurou as mãos dela entre as suas e as apertou. Em seguida se levantou e começou seu próprio canto de luta.

Se existisse magia, queria que estivesse a seu lado.

Falcão Negro e Jake se colocaram lado a lado e o guerreiro mais jovem atou os punhos dos dois. O brilho das facas fez Sarah levantar-se. Pequeno Urso colocou a mão em seu ombro.

-Você não pode detê-lo – disse-lhe num inglês claro e preciso.

-Não! – debateu-se ao ver as adagas – Oh! Deus, não!

-Derramarei seu sangue branco, Olhos Cinza – resmungou Falcão Negro enquanto suas adagas se cruzavam.

Atados pelo pulso, atacaram, avançaram e se debateram. Jake lutava em silencio. Se perdesse, Falcão Negro celebraria sua vitória violando Sarah. Aquela idéia rompeu sua concentração e o índio rompeu sua guarda, e lhe cortou o ombro. O sangue começou a escorrer pelo braço. Se concentrou no seu cheiro para esquecer Sarah e lutou para sobreviver.

No ar frio da noite, seus rostos brilhavam de suor. O ruído das navalhas e o cheiro do sangue havia espantado os pássaros. Só se ouvia a respiração dos homens esforçando-se para matar. Os demais índios tinha formado um circulo ao redor e observavam.

Sarah estava de pé, com as mãos juntas na boca, reprimindo a vontade de gritar e gritar até ficar sem ar. Quando viu o sangue de Jake escorrer, tinha fechado os olhos. Mas o medo a fez abri-los de novo no instante seguinte.

Pequeno Urso continuava segurando-lhe o braço. Ela compreendeu que era uma espécie de troféu para o vencedor. Viu Jake afastar com esforço a navalha do índio e se voltou até o homem ao seu lado.

-Por favor, detenha-os, se deixar ele viver, irei com vocês. Não lutarei, nem tentarei escapar. Pequeno Urso afastou por um momento os olhos da luta. Olhos Cinza havia escolhido bem a sua mulher.

-Só a morte pode pará-lo agora.

Sarah viu um dos homens cair. Viu a faca de Falcão Negro cravar-se no chão, a uma polegada do rosto de Jake. Antes que pudesse tirar sua faca, Jake cravou a sua no corpo do oponente, e os dois rolaram até o fogo.

Jake não sentia o calor, só uma raiva fria. O fogo queimou-lhe a pele do braço antes que pudesse se afastar. O punho da sua faca estava escorregadio pelo suor, mas a lamina estava vermelha com o sangue de Falcão Negro.

Esgotado e manchado de sangue, Jake avançou até Sarah. Sem dizer nada, cortou o couro que atava suas mãos com sua faca, guardou-a na bota e pegou os revolveres das mãos de Pequeno Urso.

-Era um bom guerreiro – disse seu amigo índio.

Jake atou os revolveres ao cinturão.

-Morreu como um guerreiro – estendeu a mão – Que os espíritos o acompanhem, irmão.

-Digo-lhe o mesmo, Olhos Cinza.

Jake estendeu a mão para Sarah, mas ao ver que ela cambaleava, segurou-a nos braços e a levou até o cavalo.

-Segure-se – disse, montando atrás dela. Saiu do acampamento sem olhar para traz, certo de que nunca voltaria a ver Pequeno Urso.

Sarah não queria chorar, mas não pode evitar. Seu único consolo era que suas lágrimas eram silenciosas e ele não poderia ouvir. Pelo menos era o que achava. Levaram mais dez minutos cavalgando a passo lento, quando ele virou-a na sela para abraçá-la.

-Passou por um mau pedaço, Duquesa. Chore tudo que quiser.

Assim Sarah chorou livremente, com a face apoiada no peito dele.

-Fiquei com tanto medo. Achei que iam...

-Eu sei. Não pense mais nisso. Acabou.

-Virão atrás de nós?

-Não.

-Como pode saber?

-Não seria honroso.

-Honroso? – levantou a cabeça para olhá-lo – Mas são índios.

-É assim. Não traem sua honra tão facilmente como o homem branco.

-Mas...- a jovem havia esquecido por um momento que ele tinha sangue apache. – Você parecia conhecê-los.

-Vivi cindo anos com eles.Pequeno Urso, aquele da pluma de águia, é meu primo – freou o cavalo e desmontou – Você está com frio. Farei uma fogueira e você pode descansar um pouco.

Tirou uma manta do alforge e a colocou sobre os ombros dela. Cansada demais para discutir, Sarah se envolveu nela e sentou-se no chão.

Jake não demorou para acender o fogo e começou a fazer café. Sarah mordeu sem vacilar um pedaço de carne seca que ele lhe deu, e foi para mais perto do fogo.

-Conhecia também o homem que lutou com você?

-Sim.

A jovem pensou que havia matado por ela, e teve que se reprimir para não começar a chorar de novo.

-Eu sinto muito – murmurou.

-Por que?

Serviu-lhe uma xícara de café.

-Por tudo. Apareceram de repente e não pude fazer nada – bebeu um gole de café quente – Quanto estava na escola, lia os jornais, ouvia histórias. Nunca acreditava realmente. Estava certa que o exército já tinha tudo sob controle.

-Lia sobre os massacres – disse ele com raiva – Sobre os colonos assassinados e assaltos aos trens. Lia que os selvagens cortavam os cabelos das crianças. Está certo. Mas lia também que os soldados entravam nos acampamentos e matavam e seqüestravam as mulheres e as crianças, muito tempo depois de terem assinado o tratado? Lia algo sobre a comida envenenada e as mantas contaminadas que enviavam para as reservas?

-Mas isso não pode ser...

-O homem branco quer a terra e a terra não é sua. Ou não era. – sacou sua faca e limpou o chão – Mas se apodera dela a qualquer preço.

A jovem não queria acreditar, mas lia nos olhos dele que ele dizia a verdade.

-Eu não sabia.

-Isso foi há muito tempo. Pequeno Urso e os homens como ele estão quase acabados.

-Como escolheu entre uma vida e outra?

Ele encolheu os ombros. –Não houve escolha. Não tenho suficiente sangue apache para ser aceito como guerreiro e me educaram como os brancos. Homem vermelho. Assim chamavam meu pai – Se calou chateado. Não gostava de falar sobre si. – Pede montar?

A jovem gostaria que ele continuasse, que lhe contasse tudo sobre sua vida, mas o instinto a conteve. Se o pressionasse, talvez não se entenderiam nunca.

-Posso tentar – sorriu e lhe tocou o braço – Quero tentar. Oh, está sangrando.

Ele olhou para o braço.

-Por vários lugares.

-Deixe-me ver. Deveria já ter cuidado disso.

Se ajoelhou e rasgou a manga da camisa dele.

-Não há nada que agrade mais a um homem que uma mulher bonita arrancando-lhe a roupa.

-Eu agradeceria se você se comportasse bem – disse ela sorridente.

-Ouvi que obrigou Lucius a se despir. Ele disse que você o ameaçou.

A jovem começou a rir.

-Não tive outro remédio. Gostaria que tivesse visto a cara que lê fez quando lhe disse para tirar as calças.

-Espero que não faça o mesmo comigo.

-Só a camisa. Preciso enfaixar o braço.

Se pôs em pé para levantar as saias e rasgar uma anágua.

-Eu lhe agradeço muito – tirou a camisa – Eu me pergunto varias vezes quantas anáguas você usa.

-Isso não é um assunto apropriado para uma conversa. Mas é uma sorte que....

Voltou-se para ele e ficou sem fala. Nunca tinha visto o peito de um homem e nunca pensou que pudesse ser tão bonito. O de Jake era firme e delgado, com a pele escura e brilhante, à luz das chamas. Sentiu um calor repentino dentro de si.

-Preciso de água – murmurou – Tenho que lavar a ferida.

O homem estendeu-lhe o cantil sem deixar de olhá-la. Sarah não disse nada: se abaixou a seu lado e começou a curar-lhe o corte que ia desde o ombro até o pescoço.

-É profundo, terá que ir ao médico.

-Sim, senhora.

-Acho que ficará uma cicatriz.

-Tenho outras.

Sim, isso mesmo. Tinha o corpo de um herói, disciplinado, magnífico e cheio de cicatrizes.

-Eu lhe causei muitos problemas - murmurou.

-Mais do que eu imaginava – sussurrou ele.

A jovem atou a atadura e voltou sua atenção para um outro corte que tinha nas costas.

-Esse não parece tão grave, mas deve estar dolorido.

Sua voz estava rouca. Jake sentia sua respiração sobre a pele. Quando ela limpou a ferida, estremeceu, mas o que lhe doía não era a ferida, e sim a luz do fogo que refletindo-se no cabelo dela. Sarah inclinou-se para segurar a atadura e conteve a respiração.

-Tem alguns arranhões – tocou o peito dele fascinada – Precisa de um ungüento.

Ele sabia o que precisava. Sua mão segurou o pulso dela. A jovem o olhou, como atrapalhada pelo contraste da sua pele contra a dele. Moveu a mão e acariciou uma linha do peito de Jake. O fogo havia sido atiçado. Lentamente levantou a cabeça a olhou. Os olhos dele eram escuros, mas escuros do que jamais tinha visto.

Jake lhe acariciou as faces. Nunca tinha visto nada tão bonito e suave. Leu a paixão dos olhos dela. Se inclinou para ele com os olhos abertos, e ela se inclinou até ele, esperando. O homem a beijos com suavidade e a ouviu suspirar. Segurou-a mais perto contra si e sentiu o abandono dela. Sarah chegou mais perto do peito dele e correspondeu ao beijo, maravilhada. Se apertou contra ele, desejando mais.

Jake sentiu que o desejo invadia seu corpo. Disse o nome dela, sem deixar de beijá-la, e levou a mão à gola rasgada da blusa dela.

Sarah soltou um suspiro ao sentir a mão dele em seu seio. Sua palma era dura e calosa e ele voltou a beijá-la, e ela se apertou com força contra a mão dele. Havia experimentado a ameaça muito próxima da morte e agora, naquele momento, experimentava a vida e o amor.

Os lábios dele percorreram seu corto até que ela não sentiu outra coisa alem de desejo. Começou a tremer. Jake tinha o rosto enterrado na garganta dela. O sabor dela o havia invadido totalmente e ele não desejava outra coisa. Ela estremecia debaixo dele, seu corpo tremia debaixo do seu. Cravou os dedos no solo e se esforçou para separar-se. Havia esquecido quem ele era e quem ela era. Por acaso não estava a ponto de fazê-la sua no chão? Ao afastar-se ouviu-a gemer.

Sarah estava tonta, confusa, desesperada. Com os olhos semi-serrados, estendeu as mãos para ele.

E quando o tocou, ele se pôs de pé.

-Jake?

O homem sentiu uma dor horrível, como se tivesse levado um tiro no ventre e não fosse deixar de sangrar nunca. Em silencio, apagou a fogo e começou a levantar o acampamento.

Sarah percebeu enfim a sua distancia e estremeceu.

-Que aconteceu?

-Temos que partir.

-Mas...eu pensei, quer dizer, parecia...

-Maldição, mulher. Temos que ir – atirou a manta para ela. Ponha isso.

A jovem a segurou contra seu corpo e o viu encilhar o cavalo. Não queria chorar. Mordeu os lábios e jurou não chorar nunca por ele. Ele com certeza preferia outra classe de mulheres. Colocou a manta sobre os ombros e foi para perto do cavalo.

-Posso montar sozinha – disse com frieza, quando ele segurou o braço dela para ajudá-la.

Jake assentiu, se afastou e montou atrás dela.

 

Sarah mordeu os lábios e apertou o gatilho do rifle. A garrafa vazia de whisky explodiu no ar.

Enquanto enxugava a testa e voltava a carregar o rifle, pensou que sua pontaria estava melhorando. E estava decidida a melhorar ainda mais.

Lucius se aproximou com Latiffe nos calcanhares.

-Tem bons olhos, srta. Sarah.

-Obrigada, também acho.

Não queria voltar a precisar da ajuda de ninguém para defender-se das serpentes, dos apaches ou de quem fosse.

Nas semanas que passaram desde que Jake a deixou em sua casa e partiu sem dizer uma palavra, havia praticado diariamente com a arma. Sua pontaria havia melhorado muito desde  que começou a imaginar o rosto dele nas garrafas vazias e nas latas com que praticava.

-Já lhe disse Lucius, que não é necessário vigiar todos os meus movimentos. O que aconteceu não foi culpa sua.

-Não posso deixar de pensar que foi. Você me contratou para vigiar e eu falhei.

-Isso já passou, estou aqui e não me fizeram nada.

-Eu me alegro bastante. Se Jake não chegasse, eu teria tentado resgatá-la eu mesmo, senhorita, mas ele era o homem indicado para fazê-lo.

 

A jovem esteve a ponto de dizer algo cortante, mas se conteve. Ele a tinha salvo arriscando sua vida. O que havia acontecido depois, não era motivo para esquecer aquele fato.

-E estou muito grata a ele, Lucius.

-Jake só fez o que tinha que fazer.

Sarah se recordou da faca e estremeceu.

-Espero que não seja obrigado a voltar a fazer algo assim.

-Por isso preciso vigiá-la. E lhe asseguro que se preocupar com uma mulher não é tão ruim. Eu não tinha que fazer isso desde que minha mulher morreu.

-Ah, Lucius, não sabia que tinha sido casado.

-Faz alguns anos. Ela se chamava Água Silenciosa e eu a amava muito.

-Sua esposa era índia?

Sarah se sentou numa pedra, desejando ouvir mais.

O homem não falava com freqüência ou, pelo menos, não fazia isso quando estava sóbrio. Mas se sentia à vontade com ela, então continuou falando.

-Sim, srta. Era apache, da tribo de Pequeno Urso. Na verdade era sua tia. Eu a conheci quando era soldado por aqui. Lutamos bastante contra os cheyenes. Não me importava de lutar, mas me cansei de ter sempre que marchar. Me dirigi ao sul para buscar ouro, e me encontrei com John Redman. Era o pai de Jake.

-Conheceu o pai de Jake?

-Eu o conheci muito bem. Fomos sócios durante um tempo. Sua esposa e ele passaram momentos muito difíceis. Muita gente não gostava dele por que ele era meio apache. – encolheu os ombros – Uma vez me disse que sua tribo tampouco gostava dele, porque ele era meio branco.

-E que tipo de homem ele era?

-Teimoso, mas muito silencioso. Não dizia muita coisa, mas podia ser divertido. Às vezes eu não entendia suas brincadeiras, só depois de um tempo. Acho que foi o meu melhor amigo – Tirou a garrafa e sentiu-se aliviado porque ela não falou nada – John colocou na cabeça a idéia de criar gado. Assim eu o ajudava de vez em quando. Foi assim que conheci Água Silenciosa.

Sarah esticou a saia com ar casual.

 Lucius sorriu

– Era muito duro e continuei sendo. Estava passando uma temporada com a tribo de sua avó. Podia se confundir com um deles, senão fosse pelos olhos. Obviamente não era, eles sabiam e ele também. Como dizia John, é duro não ser uma coisa nem outra. Eu só me perguntava como seria se Água Silenciosa e eu tivéssemos tido filhos.

-Que aconteceu a ela, Lucius?

-Eu tinha ido buscar ouro – fechou os olhos – Ao que parece, uma semana depois apareceu um regimento. Algum colono havia dito que os apaches tinham roubado seu gado, assim os soldados apareceram para castigar os índios. Mataram quase todos, exceto aqueles que tinham se escondido nas rochas.

-Ah Lucius, sinto muito - exclamou a jovem, horrorizada.

-Quando voltei, tudo tinha terminado. Creio que fiquei louco. Fiquei por ai uns dias, sem ir a lugar nenhum. Acredito que esperava que alguém chegasse e me desse um tiro. Ai fui para a casa de Redman, Haviam incendiado a casa.

-Oh meu Deus!

-Não sobrou nada mais que cinzas.

-Foram os soldados?

-Não, pelo menos não usavam uniforme. Pelo que parece, alguns homens do povoado se embriagaram e decidiram que não queriam ninguém mestiço pelos arredores. John e sua esposa já tinham tido problemas outras vezes. Colocaram fogo no estábulo e logo um deles começou a atirar. Talvez tivessem planejado ou talvez não. Quando partiram, haviam queimado a casa e deixado a família como morta.

Sarah olhou para ele horrorizada.

-Jake devia ser apenas uma criança.

-Treze ou quatorze anos, acho. Mas não era uma criança. O encontrei onde havia enterrado a sua família. Estava ali sentado, entre as covas. Tinha na mão uma faca de caça que pertencia ao seu pai. Ainda a leva.

A jovem conhecia a faca. Havia visto cheia de sangue, mas naquele momento só pensava no menino.

-Pobrezinho, devia estar assustado.

-Não senhorita, Não creio que assustado seja a palavra certa. Cantarolava com em transe, como fazem os índios as vezes. Era um canto de guerra. Pensava em ir a cidade e buscar os homens que haviam matado os seus.

-Mas você disse que ele só tinha treze anos.

-Eu disse que ele não era uma criança. Consegui convencê-lo a esquecer a vingança por um tempo, até que soubesse manejar melhor uma arma. Aprendeu muito depressa. Não vi ninguém que faça com um revolver o que Jake pode fazer.

A jovem estremeceu.

-E foi buscá-los? – perguntou.

-Não sei, nunca perguntei. Pensei que o melhor seria que ir embora por uma temporada, até crescer um pouco mais, assim fomos para o sul. Não sabia o que fazer com ele. Comprei-lhe um cavalo e viajamos uma temporada juntos. Sempre pensei que acabaria unindo-se a alguns bandidos, mas nunca foi um homem que gostasse muito de companhia. Devia ter uns dezesseis anos, quando nos separamos. Desde então ouvia falar dele de vez em quando e o encontrei de novo quando apareceu em Lone Bluff, faz uns meses.

-Perder a todos desse modo – uma lágrima escorreu pela face – É surpreendente que não esteja cheio de ódio.

-Ele está dentro dele, mas é frio. Eu por exemplo, uso a garrafa para esquecer. Jake utiliza algo daqui – sinalizou a testa com a mão – Aquele garoto agüentou mais coisas que um homem devia suportar. Se explodir um dia, é  melhor estar longe dele.

-Você gosta dele.

-É o mais próximo de uma família que tenho. Sim. Gosto dele – olhou para os olhos dela – Acho que você também.

-Não sei o que sinto por ele.

Era mentira. Sabia muito bem o que sentia, inclusive começava a entender porque se sentia assim. Ele não era o homem que ela havia sonhado amar, mas era o único que ela queria.

-Não importa o que eu sinta, se ele não sente o mesmo. - Acrescentou.

-Talvez ele sinta.Pode ser que seja muito difícil para ele dizer com franqueza, mas eu sempre acreditei que uma mulher sabe adivinhar certas coisas.

-Nem sempre – se levantou com um suspiro - Temos trabalho, Lucius.

-Sim, senhorita.

-Uma pergunta mais. Que tem estado fazendo na mina?

-Na mina, senhorita Sarah?

-Você mesmo me disse que tenho bons olhos. Sei que tem estado lá, eu gostaria de saber por que?

-Bem, eu...-a mentira não era o ponto forte de Lucius. Tossiu, moveu os pés e olhou para o vazio – Só dando uma olhada.

-Para achar ouro?

-Pode ser.

-Acha que vai encontrar?

-Matt sempre acreditou que havia um veio rico nessa rocha e quando Jake ...– se interrompeu.

-Quando Jake o que? Pediu para você olhar.

-É possível que ele tenha sugerido, sim.

-Compreendo.

Olhou para a rocha. Sempre se perguntava o que Jake queria. Talvez tenha descoberto. O  ouro parecia atrair sempre os homens que amava.

-Não há inconveniente em que trabalhe na mina, Lucius. Para dizer a verdade, acho uma ótima idéia. Se precisar de alguma ferramenta, me diga - olhou-o friamente – E da próxima vez que for a cidade, pode dizer a Jake que a mina é minha.

-Sim, senhorita. Você manda.

-Insisto - olhou para a estrada. – Vem chegando uma carruagem.

Lucius cuspiu e desejou que não fosse Carlson. Na sua opinião aquele homem estava vindo muitas vezes à mina nas ultimas semanas.

Não era Carlson. Quando a carruagem chegou mais perto, Sarah viu uma mulher segurando as rédeas. Uma mulher morena e delicada que ela não conhecia.

-Bom dia – disse apoiando o rifle na parede da casa.

-Bom dia, senhora – a jovem sorriu nervosamente – Você mora muito longe.

-Sim – como sua visitante não parecia disposta a baixar, se aproximou da carruagem. –Sou Sarah Conway.

-Sim senhora. Eu sei. Eu sou Alice. Alice Johnson – sorriu para o cão e logo voltou a olhar para Sarah – Encantada em conhecê-la.

-É um prazer conhecê-la também, srta Johnson. Quer entrar para tomar uma xícara de chá?

-Não senhora, não poderia.

Sarah a olhou, surpresa pela reação horrorizada da moça.

-Se perdeu?

-Não. Vim mesmo falar com a senhora, mas não posso entrar. Não seria apropriado.

-Por que não?

-Bem, compreenda, srta. Conway. Sou uma das meninas de Carlotta.

Sarah a olhou com os olhos muito abertos. Alice era pouco mais que uma menina, um ano ou dois mais jovem que Sarah. Seu rosto estava muito limpo e se vestia de forma modesta. Ela corou ante o olhar de Sarah.

-Quer dizer que trabalha no Estrela de Prata?

-Sim, senhora. Há quase três meses.

-Mas...- viu que Alice mordia os lábios e engoliu as palavras. Srta. Johnson, se veio me ver, sugiro que falemos dentro de casa. Está muito calor para ficar no sol.

-Não posso. De verdade, não seria apropriado, srta. Conway.

-Apropriado ou não, não quero pegar uma insolação. Entre por favor.

Entrou em casa, Alice hesitou por um momento. Aquilo não lhe parecia adequado, mas se voltasse e dissesse a Carlota que não havia cumprido seu dever, ela ficaria furiosa.

Sarah olhou os passos tímidos da outra pelo umbral da porta, no momento que punha a água para ferver.

- É muito bonita. Era a primeira vez que tinha uma visita que pensava daquele modo.

–Sente-se, por favor, srta. Johnson. Estou fazendo chá.

-Você é muito amável, mas não é apropriado me servir chá.

-É a minha casa e você é minha convidada. Lógico que é apropriado. Espero que goste dos biscoitos. Eu os assei ontem.

Alice se sentou com ar nervoso.

-Obrigada, senhora. E não se preocupe. Não direi a ninguém que me sentei a sua mesa.

Sarah serviu o chá, intrigada.

-Por que não me diz a razão de ter vindo me ver?

-Carlotta viu os vestidos que você costurou para as mulheres da cidade. São muito bonitos, srta. Conway.

-Obrigada.

-Precisamente outro dia, quando partiu com Jake.

-Jake?

-Sim senhora - Alice tomou um gole do chá – Ele vai sempre ao Estrela de Prata. Carlotta gosta dele de verdade. Ela não trabalha muito mais, sabe? A menos que se trate de alguém como Jake.

-Sim, compreendo. Acredito que ela o ache um homem interessante.

-Com certeza, sim. Todas as garotas gostam de Jake.

-Estou certa disso.- murmurou Sarah.

-Bem, como lhe dizia, um dia quando ele partiu, Carlotta colocou na cabeça que devia fazer uma roupa nova. Algo elegante, como as damas usam. Me disse que Jake lhe havia indicado para costurar algo para ela assim.

-Verdade?

-Sim. Senhora. Falou que achava que Jake tinha tido uma boa idéia e me mandou para que eu pergunte a você, se poderia costurar um vestido para todas as meninas. Tenho as medidas de todas.

-Sinto muito, srta Johnson. Não posso. Mas diga à Carlotta que eu agradeço a oferta.

-Somos oito, senhora e Carlotta disse que pagaria adiantado. Tenho aqui o dinheiro.

-É muito generoso, mas não posso costurar. Quer outra xícara de chá?

-Eu não ...-confusa, Alice olhou sua xícara. Não conhecia ninguém que havia negado alguma coisa à Carlotta – Se não incomodar.

-Srta. Johnson.

-Pode me chamar de Alice. Todo mundo me chama assim.

-Alice, então. Importa-se em me dizer como chegou para trabalhar com Carlotta? Você é muito jovem para ser... você sabe.

-Meu pai me vendeu.

-Vendeu você?

-Em casa éramos dez, e tinha outro a caminho. Sempre que se embebedava, batia em nós ou fabricava outro. E bebia quase sempre. Há uns dois meses passou um homem por ali e meu pai me vendeu por vinte dólares. Escapei enquanto pude. Quando cheguei a Lone Bluff, fui trabalhar com  Carlotta. Sei que não é o melhor, mas foi o único trabalho que tinha. Como bem e tenho uma cama para mim quando termino de trabalhar. – encolheu os ombros – A maioria dos homens não são ruins.

-Seu pai não tinha o direito de vendê-la, Alice.

-Às vezes as pessoas fazem coisas que não tem direito.

-Se quiser deixar Carlotta, estou certa que posso encontrar outro trabalho na cidade. Um trabalho decente.

-Desculpe, srta. Conway. Mas isto não está certo. Nenhuma das damas da cidade me contrataria para nada. E é justo, como vão saber que eu não estive com seu marido?

Era uma boa pergunta, mas Sarah meneou a cabeça.

-Se quiser partir, eu lhe encontrarei trabalho.

Alice a olhou admirada.

-Você é muito amável. Sabia que era uma verdadeira dama, srta. Conway, e eu lhe agradeço muito. É melhor eu ir agora.

-Se quiser voltar a me visitar, ficarei feliz em vê-la, - disse Sarah acompanhando-a até fora da casa.

-Não senhora, Não seria apropriado. Obrigada pela chá, srta Conway.

Sarah pensou muito na visita de Alice. Naquela noite, enquanto lia o diário do seu pai, à luz da vela, pensou como seria se o próprio pai lhe vendesse como se fosse um cavalo, e estremeceu. Era certo que ela também tinha passado muitos anos com uma família de verdade, mas sempre havia sabido que seu pai a amava. O que tinha feito, fez pensando nela.

Em outro tempo, teria condenado de imediato a escolha de Alice, mas naquele momento, compreendia. A garota não conhecia coisa melhor.

Jake havia passado pela mesma situação? A crueldade na vida de um menino, o fez escolher uma vida de violência? Suas cicatrizes deviam ser muito profundas. As cicatrizes e o ódio.

Apesar de tudo sabia que em seu coração havia um lugar para ela. Debaixo daquele exterior de homem duro, havia um homem que acreditava na justiça, que era capaz de ser amável e ajudar as pessoas.

Então, por que no momento em que começou a entregar-se a ele, a aceitá-lo como ele era, ele tinha se voltado para outra mulher? Uma mulher cujo amor podia ser comprado por um punhado de moedas?

Fechou o diário de seu pai com um suspiro e se preparou para dormir. Havia sido uma estúpida por pensar que ele podia gostar dela. Ele era demasiado impulsivo para assentar-se e ela queria um homem a seu lado e filhos a seus pés. E enquanto amasse Jake, não teria nada daquilo.

Assim então, tinha que deixar de amá-lo, custasse o que custasse.

 

Jake odiava a si mesmo por isso, mas cavalgava em direção a casa de Sarah, inventando uma serie de desculpas. Se dizia que queria falar é com Lucius e ver se havia feito algum progresso com a mina, que queria se assegurar que ela não tinha sido atacada por nenhuma outra serpente, que queria dar um passeio e aquela lugar estava bom.

Mas era tudo mentira.

A verdade é que desejava voltar a vê-la. Queria olhar para ela, ouvi-la falar, cheirar seu cabelo. Ficara duas semanas afastado dela, então tinha direito, certo? Enquanto entrava na propriedade lembrou a si mesmo que não tinha direito a pensar nela, a desejá-la do modo que a desejava.

Sarah merecia um homem que pudesse fazer promessas e cumpri-las, que pudesse lhe dar o tipo de vida que ela havia nascido para levar.

Não voltaria a tocá-la. Aquilo era algo que havia prometido na última vez que a vira. Se ele a tocasse, não seria capaz de conter-se e isso só serviria para acabar com a felicidade dos dois.

Tudo estava em silêncio. Desceu do cavalo e deu uma olhada em volta. Não havia ninguém a vista. Abriu a porta da casa e escutou. Lá dentro também nenhum ruído. Relaxou. Aquele lugar havia mudado. E esse era mais um motivo para admirá-la. Tinha feito um lar com quase nada.

Havia quadros nas paredes. Um deles era uma aquarela de flores silvestres. Se aproximou do outro. Era um desenho a lápis, um croqui. Reconheceu o lugar, a rocha banhada pelo sol, e o riacho ao oeste. Não era um lugar vazio. Os apaches conheciam os espíritos que viviam ali. Ao olhar para o desenho, pensou que Sarah também devia conhecê-los. Nunca havia imaginado que ela passaria algum tempo desenhando algo é tão forte e árido, nem muito menos que iria pendurá-lo na parede, onde o veria todos os dias.

Se voltou com idéia de que ela entendia um pouco de magia. Por acaso a cabana não cheirava a magia?

Estava a ponto de sair quando viu o livro. Abriu-o sem pensar no que fazia. Pelo que parecia, Sarah havia começado um diário. Incapaz de resistir a tentação, começou a ler.

Havia descrito sua chegada a Lone Bluff. Sorriu ao ler a descrição do ataque dos apaches e sua chegada oportuna.

Havia uma longa passagem sobre seu pai e o que sentia por ele. Foi adiante, a dor era algo que sabia respeitar. Riu ao ler sua descrição da primeira noite que tinha passado ali, a lata de feijões frios e os ruídos que tinham mantido alerta e tremendo até de manhã. Em seguida viu seu nome.

“Jake Redman é um enigma. Não sei se trata de um diamante bruto, se bem que afinal, é um bruto. A sinceridade me obriga a admitir que me ajudou muito e se mostrou amável comigo. Não consigo compreender meus verdadeiros sentimentos por ele, e me pergunto se seria necessário tentar entender. É um homem que necessita muito de modos e cortesia. Sua reputação é terrível. É o que se chama de pistoleiro. E usa suas armas com tanta naturalidade, quanto um cavalheiro usa um relógio de bolso. Sem heistar, creio que se aprofundasse o bastante nele, seria possível encontrar algo de bom. Ainda bem que eu não tenho vontade e nem tempo de me aprofundar  nele.

Apesar dos seus modos e do seu estilo de vida, é certo que há algo atraente nele. Tem olhos lindos, cor cinza claro e uma boca que algumas mulheres chamariam de poética, principalmente quando sorri. E  mãos lindas.”

Jake olhou para suas mãos. Haviam qualificado suas mãos de muitas coisas, mas nunca de”lindas”. Não estava muito certo que se importasse com isso, mas tinha que admitir que ela sabia usar as palavras.

Virou a página e ia continuar a ler, mas ouviu um ruído às suas costas e se voltou com o revolver na mão.

Lucius lançou um impropério e baixou sua arma.

-Não viveu tanto tempo para que possas me balear.

Jake guardou o seu revolver.

-Devia ter mais cuidado quando se aproxima de um homem- disse – Não viu o meu cavalo?

-Sim eu o vi. Só queria ter certeza. Não esperava encontrá-lo espiando por aqui – olhou para o livro que Jake fechou sem dizer uma palavra.

-E eu não esperava encontrar a casa deserta.

Lucius tirou uma garrafa pequena de whisky do bolso.

-Estava na mina – anunciou.

-E?

-É interessante – deu um grande trago, limpou a boca com o dorso da mão – Não sei como Matt se deixou pegar pelo desabamento. Era muito esperto e lembro que as vigas eram bastante seguras. Parece que alguém teve que se esforçar bastante para tirá-las.

Jake assentiu e olhou para a aquarela na parede.

-Disse algo para ela?

-Não. Há mais alguma coisa que eu não disse – sorriu – Ali tem ouro, garoto. Matt encontrou o veio – bebeu outro trago da garrafa – Você supunha que havia, não?

-Tinha um pressentimento.

-Quer que eu guarde segredo?

-Por enquanto, sim.

-Não me agrada enganar a Srta. Conway, mas acho que tem suas razões.

-Eu tenho.

-Não vou perguntar quais são. E nem quais são os motivos de não vir aqui ultimamente. A senhorita Sarah está um pouco estranha desde que a trouxe das montanhas.

-Está doente?

Lucius colocou a mão na frente na boca para ocultar um sorriso.

-Creio que tem febre, sim. Febre de coração.

-Ela vai superar – murmurou Jake, saindo da casa.

-Também você está meio diferente. Ela é uma mulher especial. Parece fraca, mas é teimosa e não se rende nunca. Vê isso – indicou a horta – Conseguiu cultivar alguma coisa; Nunca acreditei que veria um talo verde, mas ali o tem. Rega todos os dias. É teimosa e uma mulher teimosa pode conseguir muitas coisas.

-Onde ela está?

Lucius esperava a pergunta.

-Saiu para um passeio a cavalo com Carlson. Vem aqui quase todos os dias,bebe chá – cuspiu – Beija os dedos dela e a mima. Mencionou que gostaria de levá-la para conhecer seu rancho. Faz mais de uma hora que se foram.

 

-Fazia tempo que não passava uma tarde tão agradável. –Sarah se ergueu da  mesa de jantar de Carlson. A comida estava deliciosa.

-O prazer foi todo meu – Samuel lhe segurou a mão. –Todo meu.

A jovem sorriu e afastou a mão dele com gentileza.

-Sua casa é muito bonita. Não esperava ver algo assim por aqui.

-Meu avo gostava de coisas bonitas –segurou seu cotovelo – Eu herdei esse amor dele. A maior parte dos móveis foram trazidos da Europa. Tivemos que fazer algumas concessões ao clima – disse, batendo na parede de adobe - mas não há razão para sacrificar as comodidades.

Conduziu-a até o retrato de uma mulher pálida e elegante, vestida de seda azul.

-Minha mãe. Ela era a alegria e o orgulho do meu avô. Sua esposa morreu antes que pudesse terminar a casa, A partir daquele dia, fez tudo pensando na filha.

-Era muito bonita.

-Era sim. Nem o amor e a devoção de meu avo conseguiram mantê-la viva. As mulheres da minha família sempre foram muito delicadas. Esta terra é dura, dura demais para os frágeis. Acabou com ela. Acho que é por isso que me preocupo tanto com você.

-Eu não sou tão delicada quanto você pensa.

-Você tem muita força de vontade. Acho isso muito atraente.

Voltou a segurar-lhe a mão. Antes que ela decidisse o que fazer, um homem entrou na casa. Era mais baixo e magro que Carlson, mas havia uma certa semelhança entre eles. Seu chapéu foi jogado para traz, seguro por um corda de couro amarrado ao pescoço. Trazia os polegares dentro dos bolsos das calças e a olhou de um modo que lhe gelou o sangue.

-Olha só quem vemos por aqui?

-Srta Conway,- replicou Carlson, em tom de advertência – gostaria de lhe apresentar meu irmão, Jim. Terá que desculpá-lo, ele estava trabalhando com o gado.

-Sam se ocupa do dinheiro e eu com o resto. Não tinha me avisado  que  tínhamos companhia. – se aproximou mais. Cheirava a couro e tabaco, mas Sarah não encontrou nada de atraente nele - E uma companhia tão bonita.

-Convidei a Srta. Conway para almoçar.

-E foi encantador, mas agora tenho que ir – interveio ela.

-Não pode sair correndo quando eu chego. Aqui não temos freqüentemente uma companhia como a sua. É tão bonita quanto um rosa. – olhou para o irmão de uma forma que ela não entendeu.

-Será melhor que a leve – disse Carlson – Temos que discutir umas coisas quando eu voltar.

-Sam só pensa em negócios – sorriu Jim – Eu prefiro outras coisas.

Sarah deu um suspiro de alívio quando Samuel a segurou pelo braço.

-Bom dia, sr. Carlson.

Jim olhou enquanto ela se afastava.

-Bom dia para você também.

-Terá que desculpá-lo – Samuel a ajudou a subir na carroça – Jim é um pouco mal educado. Espero que não tenha ficado chateada.

-Não em absoluto – disse ela, esforçando-se para sorrir com cortesia.

-Parece que se adaptou bem a sua nova vida – comentou Carlson.

-Para dizer a verdade, eu gosto.

-Me alegro, por ouvir isso, mas por razões egoístas. Tinha medo que ficasse desencorajada e partisse. – pôs os cavalos para andar e voltou-se sorrindo para ela. – Fico muito contente por ter ficado.

Ao chegar acima de uma colina, freou a carruagem para dar uma ultima olhada para o rancho. A casa brilhava, sob o sol. O estábulo e o celeiro se erguiam, numa extensão de terra atravessada por um riacho azul.

-É muito lindo, Samuel. Deve estar muito orgulhoso do rancho.

-O orgulho nem sempre é suficiente. Um lugar como esse precisa ser compartilhado. Lamento não ter uma família minha para herdá-lo. Até agora tinha quase que renunciado à esperança de encontrar uma mulher para compartilhá-lo comigo – segurou a mão dela e a levou aos lábios – Sarah, me faria o homem mais feliz se quisesse ser esta mulher.

A jovem ficou sem fala, ainda que dificilmente pudesse dizer que estava surpresa. Ele não tinha escondido o desejo de cortejá-la. Examinou o rosto dele em silencio. Era tudo o que poderia sonhar: atraente, elegante, um homem de sucesso. E estava oferecendo tudo aquilo com que havia sonhado: um lar, uma família, uma vida plena e feliz.

Desejava poder dizer que sim, acariciar sua face e sorrir. Mas não era possível. Desviou os olhos, procurando as palavras adequadas.

Então o viu. Apenas um pouco mais que uma silhueta no horizonte. Um homem anônimo a cavalo. Mas sem duvida se tratava de Jake.

Se virou deliberadamente.

-Samuel, não imagina o quanto sua oferta me tenta.

O homem percebeu que ela ia recusar e, mesmo louco de raiva, sorriu.

-Por favor, não responda agora. Quero que pense nisso. Creia, Sarah, compreendo que faz pouco tempo que nos conhecemos e que é possível que os seus sentimentos não sejam tão fortes como os meus. Dê-me a oportunidade de mudar isso.

-Obrigada-não protestou quando ele voltou a beijar-lhe a mão. Pensarei nisso. E lhe agradeço por ser tão paciente. Nestes momentos tenho muitas coisas para pensar. Minha vida está quase sob controle e agora vou abrir a mina.

-A mina? – a mão ficou tensa sobre a dela. – Vai reabrir a mina?

-Sim – ela o olhou surpresa.- Algo errado?

-Não, não. Só que me parece perigoso – Fez um esforço para controlar-se – Eu temo que abri-la pode afetá-la mais do que imagina. Afinal ela matou seu pai.

-Eu sei. Mas também lhe deu vida. Sinto que ele gostaria que eu seguisse adiante.

-Escute, faça algo por mim?

-Tentarei.

-Pense bem nisso. Você é muito importante para mim e não quero de se deixe levar por um sonho vazio – sorriu e segurou as rédeas do cavalo – E se casar comigo, contratarei alguém para trabalhar na mina para que você não sofra.

-Pensarei nisso.

Mas sua cabeça estava cheia de outros pensamentos: se virou e olhou para o cavaleiro solitário por cima do ombro.

 

Sarah nunca se sentiu tão excitada com um baile e nunca tinha trabalhado tanto. No momento em que se anunciou um baile na cidade para comemorar o dia da independência, começou a receber um monte de pedidos para vestidos. Deixou todo o trabalho para Lucius e costurou dia e noite.

Os dedos estavam doloridos e os olhos estavam meio embaçados, mas havia ganho o dinheiro que precisava para comprar a madeira para o assoalho, que tanto queria.

Depois do assoalho, pensava em comprar vidros para as janelas e um jogo de pratos decente. Depois, quando o tempo e o dinheiro permitissem, pediria a Lucius que construísse  um quarto de verdade.

Soltou uma gargalhada, fechou os olhos e se pôs a sonhar. Se a mina fosse bem, teria uma casa com quatro dormitórios e uma sala grande, mas no momento, teria que se conformar com um assoalho de verdade.

Mas antes de tudo havia o baile.

Mesmo que tenha caprichado bastante nos vestidos que havia feito, não deixaria nenhum ser mais bonito que o seu. No dia do baile a tarde, tirou seu melhor vestido de seda. Era azul pálido, a cor dos raios da lua no bosque. Um tira de fita branca, enfeitava o decote quadrado, que realçava a linha do sua garganta e insinuava a linha dos ombros. A barra das mangas era decorado com uma faixa azul mais forte.

Prendeu o cabelo no alto. Deseja estar muito bonita. Se Jake fosse ao baile, gostaria que ele visse o que havia perdido. Colocou um xale branco sobre o vestido, conferiu o conteúdo da bolsa, e saiu.

-Santo Deus!!!!

Lucius estava de pé ao lado da carroça com o chapéu na mão. Havia tomado banho sem que ela o obrigasse e até tinha se enfeitado um pouco.

-Lucius você está muito bonito.

-Diabos, srta. Sarah, Você sim está muito linda.

Sarah sorriu e estendeu a mão para Lucius ajudá-la a subir na carruagem.

-Eles vão ficar boquiabertos.

-Tomara. Reserve uma musica para mim, certo?

-Eu adoraria. Mesmo que seja eu que o diga, bêbado ou  não, danço muito bem.

-Talvez esta noite devesse se manter são.

Jake os viu chegar a cidade. Estava sentado à janela do seu quarto, fumando e observando os vaqueiros correndo pelas ruas, agitando os chapéus, disparando suas armas e gritando.

A cidade estava cheia de gente e barulho. A maioria dos vaqueiros se embebedavam e podiam atirar em si próprios em vez dos alvos que Cody tinha preparado para a competição. Ele não se importava com nada. Se limitava a olhar da janela.

Então ele a viu. E doeu vê-la. Inconscientemente, levou a mão ao peito, onde a dor se alojava. A ouviu rir e uma onda de desejo lhe atravessou o corpo.

Sarah desceu da carruagem e riu de novo ao ver Liza saindo da loja do seu pai. Deu uma volta diante da amiga e Jake viu a pele branca da sua garganta, a insinuação dos seios, a cintura pequena e o brilho dos seus olhos. O cigarro queimou seus dedos e ele xingou. Mas não deixou de olhar para ela.

-Vai ficar o dia todo nesta janela, ou vai me acompanhar ao baile como prometeu?- perguntou Maggie entrando no quarto com as mãos nos quadris.

-Eu não prometi nada.

-Prometeu sim, uma noite que estava tão bêbado que não podia ficar de pé.

Jake recordava muito bem daquela noite. Foi uma semana depois de descer com Sarah das montanhas, depois de sete dias indo ao Estrela de Prata para ver se conseguia se excitar ante a possibilidade de se deitar com Carlotta, ou qualquer outra mulher. Beber tinha sido mais sensato, mas foi a primeira vez que bebeu daquele jeito e não tinha intenção de repetir.

-Podia ter me deixado no chão.

-Não podia sequer subir as escadas. Vai comigo, ou não?

Jake grunhiu, mas se afastou da janela.

-Não há nada pior do que uma mulher insistente.

Maggie sorriu e lhe estendeu o chapéu. Acabavam de sair quando John Cody se aproximou deles, correndo.

-Sr. Redman, Sr. Redman. Estava esperando o senhor.

-Sim, mas para que?

-Para o concurso – sorriu o garoto – Meu pai organizou um concurso. O melhor atirador ganhará uma manta de cavalos nova. Vermelha. O sr.vai ganhar, não vai?

-Não pensava em participar.

-Por que não? Ninguém atira melhor que o sr. E a manta é muito bonita.

-Vamos, Jake – Maggie lhe deu um tapinha no braço – O garoto conta com você.

-Eu não atiro por diversão – quis continuar andando, mas viu o rosto decepcionado do garoto. – Uma manta vermelha? Perguntou.

-Sim, senhor. A manta mais bonita que eu já vi.

-Acho que posso dar uma olhada.

Antes que terminasse de falar o garoto segurou sua mão e o levou para o outro lado da rua.

Na parte de trás da loja, Cody tinha preparado uma fila de garrafas vazias e latas de vários tamanhos.Os concorrentes se colocavam atrás de uma linha riscada na terra e disparavam seis vezes. O solo estava cheio de vidros quebrados.

-Custa dois centavos participar – disse Johnny – Eu tenho um aqui se precisar.

Jake olhou para a moeda que o menino lhe oferecia. Aquele gesto o comoveu como só poderia comover a quem a vida tinha oferecido muito pouco.

-Obrigado, mas acho que tenho dois centavos.

-Você atira melhor que Jim Carlson. E ele está ganhando agora.

Jake deu o dinheiro ao garoto.

-Por que não vai me inscrever?

-Sim, senhor. Sim, senhor – e saiu correndo.

-Vai competir pela manta? –perguntou Licius às suas costas.

-Estou pensando nisso.

Mas olhava para Jim Carlson. Lembrou-se que Jim montava um cavalo branco e grande. Jake havia visto um cavalo branco na noite em que queimaram o estábulo de Sarah.

Lucius tirou o chapéu para Maggie.

-Senhora.

-É você, Lucius? Acho que é a primeira vez que o vejo sem barba.

O velho corou e se afastou uns passos.

-Acho que um homem pode se arrumar de vez em quando, sem que todo mundo se meta com ele.

-Tinha esquecido que havia um rosto por baixo da barba - comentou Jake, olhando Will Metcalf atirar em quatro das seis garrafas – Você também está interessado na manta?

-Não. Só vim para dizer-lhe que Burt Donley está na cidade.

Jake não mostrou nenhuma reação.

-Pensei que ele estivesse em Laramie.

-Não está mais. Chegou por aqui quando você estava no Novo México. E começou a trabalhar para Carlson.

Jake se voltou e observou  um lugar às suas costas.

-Donley não é vaqueiro.

-Também acho, mas pode ser que Carlson o tenha contratado para alguma outra coisa.

-Pode ser – murmurou Jake olhando Donley aproximando-se da multidão.

Era um homem grande, de ombros largos e cintura estreita. Tinha o cabelo grisalho e grande, tão grande que se untava a barba. E era rápido. Jake tinha bons motivos para saber que era rápido. Se a lei não ficasse entre eles dois anos atrás, um dos dois estaria morto.

-Ouvi que teve uns problemas com ele, algum tempo atrás.

-Tive sim.

Seus olhos se encontraram com os de Donley através da multidão. Não foi necessário que nenhum dos dois dissesse nada. Ambos sabiam que havia um negocio pendente entre eles.

Sarah, de pé ao lado de Liza, olhava para Jake. Percebeu algo estranho em seus olhos e estremeceu. Em seguida ouviu a multidão gritar quando um dos concorrentes atingiu as seis garrafas.

-Olhe! Liza deu um empurrão em Sarah – Jake vai atirar. Sei que não é direito, mas sempre quis ver como ele faz. Contam tantas historias. Tinha uma...

Abriu muito a boca quando ele deu primeiro tiro.

-Nem o vi sacar o revolver – murmurou.

-Acertou todas - Sarah apertou o xale com força. Jake mal tinha se movido. Seu revolver fumegava ainda quando o guardou novamente.

Donley se aproximou,  pagou os dois centavos e esperou que se montassem os alvos. Sarah viu sua mão apertar a coronha do revolver, sacar e disparar.

-Deus meu! Ele também acertou todas. Só ficaram Dave Jeffrey, Jim Carlson, Jake e Burt Donley.

-Quem é ele, perguntou Sarah, perguntando-se por que Jake o olhava com aquele olhar assassino. – Aquele homem grande com o casaco de couro.

-Donley? Trabalha para Samuel Carlson. Também ouvi falar muito dele. O mesmo tipo de histórias de Jake, mas...

-Mas?

-Bem, lembra que eu disse que Johnny estava perseguindo Jake? Não posso dizer que eu me preocupe, mas se ele chegar dez passos de Burt Donley, eu o esfolaria vivo,

A multidão se afastou e Cody afastou a linha cindo pés mais longe dos alvos. O primeiro que disparou errou duas garrafas. Sarah viu Johnny segurar o braço de Jake e falar algo em seu ouvido. Para  sua surpresa o homem sorriu e despenteou os cabelos do garoto. Mas uma vez via aquela gentileza tão sua. Lembrou-se do olhar que tinha visto em seus olhos momentos antes.

Jake virou a cabeça e seus olhos se encontraram com os dela e não se desviaram.

-Continue olhando para ela assim – resmungou Maggie – e terá que casar com ela ou sair fugindo na direção oposta.

-Fique quieta.

A mulher sorriu docemente.

-Acho que gostaria de saber que Carlson não está nada contente com suas olhadas.

Jake afastou os olhos e estes se encontraram com os de Carlson. O homem estava atrás de Sarah e tinha uma mão no ombro da jovem. Jake considerou a idéia de dar um tiro nele por isso.

-Ele não tem nenhum direito sobre ela.

-Não é por falta de vontade. Será melhor agir rápido, moço.

Os espectadores aplaudiram Jim Carlson que atirou em cinco das seis garrafas.

Jake carregou sua pistola e avançou até a linha. Os seis tiros soaram quase juntos. Quando abaixou o Colt as seis garrafas estavam quebradas.

Donley ocupou o seu lugar. Seis tiros, seis acertos.

A linha foi mais para trás.

-Não podem acertar dali – Liza sussurrou para Sarah – ninguém pode.

A jovem moveu a cabeça, aquilo já não era mais um jogo. Havia algo entre aqueles homens, algo muito mais profundo  e obscuro que um simples concurso de tiro. Outros perceberam isso também. Ouviu o murmúrio da multidão e percebeu os olhares nervosos de alguns.

Jake se colocou atrás da linha. Olhou para os alvos, calculando a distancia, apontando mentalmente. Em segui fez o melhor possível. Sacou e disparou por instinto. As garrafas explodiram uma a uma.

Fez-se um silêncio e Donley avançou até a linha. Sacou e disparou seis vezes. Quando terminou, ficou apenas uma garrafa inteira.

-Ganhou!! Redman.

Cody se aproximou com a manta, esperando  dissipar a tensão. Suspirou aliviado quando viu o xerife Barker se aproximar.

-Fizeram uma boa demonstração, rapazes. Espero que agora se divertão. Se um dos dois for atingido por um tiro, não terei dúvidas de onde partiu o tiro.

Sorriu amistosamente apesar da advertência. Carlson moveu a cabeça atrás de Sarah. Sem nada dizer, Donley começou a andar através da multidão, que se abriu para deixá-lo passar.

-Nunca vi ninguém atirar assim, disse Johnny maravilhado.

Jake jogou a manta para ele.

-Para você.

O garoto arregalou os olhos.

-Para mim????

-Você tem um cavalo, não?

-Sim senhor, tenho um pônei baio.

-Então a manta vermelha ficará muito bem nele. Por que não vai ver?

-Obrigada, sr. Redman. Muito obrigado.- disse o garoto, saindo correndo.

-Deu uma alegria ao garoto - comentou Barker.

-Eu não preciso de uma manta.

-Você é um enigma, Jake. Não posso evitar gostar de você.

-Isso sim é um enigma para mim, xerife. A maioria dos homens da lei pensam de outro modo.

-Pode ser que sim. Seja como for, agradeceria se não sacasse o revolver de novo esta noite. Não vai querer me contar o que houve entre você e Donley, não é?

Jake olhou nos olhos dele.

-Não.

-Acho que não ia mesmo. Bem vou buscar um pedaço de galinha e dançar com minha mulher.

Havia várias mesas alinhadas ao logo de uma das paredes. A metade da comida desapareceu antes que a musica começasse. As mulheres, jovens ou velhas, desfilavam, desejando mostrar seus melhores vestidos. Quando a música começou, a pista de dança se encheu de pares. Liza, encantadora no seu vestido de musselina rosa, segurou a mão de Will e saiu com ele. Carlson, muito elegante com seu traje marrom claro e uma gravata de listas, se inclinou para Sarah.

-Me sentirei honrado em dançar com você.

A jovem sorriu e fez uma reverência formal.

-Será um prazer.

A música era rápida e animada. Apesar do calor, muita gente dançava. Era diferente dos bailes que Sarah freqüentava na Filadélfia. Quando terminou de dançar com Carlson, dançou com Lucius.

-Tinha razão, disse ao acabar a música.

-Em que?

-Em dizer que dançava bem. E esta foi a melhor festa que já participei – se inclinou para ele e impulsivamente, lhe beijou o rosto.

-Quer um copo de ponche? Perguntou ele corando de vergonha e prazer.

-Será um prazer.

-Sarah! – Liza chamou, segurando-a pelo braço.

-Que aconteceu?

-Nada, não aconteceu nada – eu... nada – puxou-a para um canto – Mas se eu não falar com alguém vou explodir.

-Então me diga.

-Sai um pouco para tomar ar e Will me seguiu e me beijou.

-Sério?

-Duas vezes. Acho que meu coração parou de bater.

Sarah arqueou as sobrancelhas e reprimiu uma risada.

-Então acho que isso significa que quer namorar com você.

-Nós vamos nos casar – disse a outra.

-Verdade? Isso á maravilhoso – Sarah a abraçou – Estou muito feliz por você. Quando?

-Bem, antes ele vai falar com papai – a jovem mordeu os lábios – mas estou certa que não haverá nenhum problema. Papai gosta de Will.

-Lógico, Liza. Não imagina o quanto estou feliz por você.

-Eu sei – fez uma careta – Oh Deus. Estou com vontade de chorar.

-Não, não chore, ou vou chorar também.

Liza a abraçou sorridente.

-Não posso esperar. Não posso esperar. Você será a próxima.  Samuel Carlson, não tira os olhos de você. Tenho que admitir que estive um pouco caída por ele – sorriu com malícia – mas na verdade era para fazer ciúme para Will.

-Não vou me casar com Samuel. Acho que não vou me casar nunca.

-Não seja boba. Se não é Samuel, deve haver outro homem que lhe interesse.

A orquestra havia começado a tocar uma valsa. Sarah ouviu sorridente.

-O problema é que o que me interessa, não é o tipo de homem que pense em casamento.

-Quem....? – se interrompeu ao ver que Jake se aproximava. – OH! Meu Deus...- murmurou.

Sarah o viu também e imediatamente sentiu como se o resto das pessoas houvesse desaparecido e só existisse os dois. Não viu Carlson avançar até ela com intenção de convidá-la para dançar, e não o viu apertar o maxilar quando se deu conta de que ela não olhava para ele e sim para Jake. E ela só viu Jake avançando para ela.

Ele não disse nada. Parou diante dela e estendeu a mão. Sarah foi para os seus braços.

Pensou que estava sonhando. Jake a segurava nos braços e dançava com ela sem deixar de olhá-la. Sem pensar no que fazia, Sarah levantou uma mão para tocar-lhe o rosto. E ela viu seus olhos se tornarem escuros como uma noite de tempestade.

Envergonhada do seu comportamento, deixou cair de novo a mão.

-Não imaginava que sabia dançar.

-Minha mãe gostava.

-Não tem vindo me ver ultimamente.

-Não.

-Por que?

-Já sabe porque.

-Tem medo de me ver.

-Não – era mentira e ele não mentia freqüentemente – Mas você deveria ter.

-Você não me assusta, Jake.

-Isso é porque você não é sensata – quando a música parou, segurou-a por um instante a mais – Se fosse sensata, sairia correndo toda vez que me aproximo.

-É sempre você que sai correndo – resmungou ela.

Se afastou dele. Era difícil manter a compostura. E não sair correndo e gritando. Apertou os dentes e dançou a musica seguinte com o primeiro homem que a convidou. Quando voltou a procurar por ele, Jake havia desaparecido.

-Sarah – Carlson apareceu ao seu lado com um copo de limonada.

-Obrigada. Está uma linda festa, não é?

-Sim, e o mais importante para mim é o fato de você estar aqui.

A jovem bebeu um gole da limonada, e não respondeu.

-Não quero atrapalhar a festa, Sarah, mas acho que devo lhe dizer o que penso.

-Lógico, do que se trata?

-É muito perigoso se encontrar com o Jake Redman.

-Oh!. E por que Samuel?

-Tem que saber como ele é, querida. Um assassino, um pistoleiro contratado. Um homem assim vai tratá-la como se trata uma mulher qualquer.

-Apesar do que pensa dele, Samuel, ele me ajudou várias vezes. Eu o considero um amigo.

-Ele não é amigo de ninguém. Afaste-se dele, Sarah, para o seu próprio bem.

A jovem ficou tensa.

-Isso não está parecendo um desejo, e sim uma ordem.

O homem compreendeu que ela ficou chateada, e deu um passo para trás.

-Considere uma súplica – apertou a mão dela  – Gosto de pensar que há um compromisso entre nós.

-Sinto muito – afastou a mão com gentileza – Não é correto. Não concordei em casar-me com você, Samuel e até que eu o faça, não me considero obrigada atender suas súplicas. E agora se você me desculpar, preciso tomar um pouco de ar. Sozinha.

Sabendo que tinha sido desnecessariamente dura com ele, saiu apressadamente do armazém. A lua estava alta e quase cheia. Respirou fundo e a contemplou por um tempo.Decidiu andar um pouco para acalmar-se, mas não havia dado mais de seis passos, quando a sombra de um homem a fez parar.

Observou Jake acender um cigarro.

-Esta noite está muito calor para passear.

-Obrigada,não havia me dado conta - respondeu ela tensa, e seguiu o caminho.

-Esta noite há muitos bêbados. Muitos homens da cidade que não tem oportunidade de ver mulheres bonitas freqüentemente. Não é muito inteligente andar sozinha.

-Obrigada pelo conselho.

Ela seguiu andando e ele a segurou pelo braço.

-É preciso ser tão cáustica?

-Sim - libertou o braço – Se já disse tudo que queria, eu gostaria de ficar sozinha.

-Tenho mais coisas para dizer – tirou algo do bolso – Isto é seu.

Oh! – segurou o camafeu – Achei que o tinha perdido. Que tinha ficado com o índio da cicatriz.

-Eu o recuperei em seguida. Queria devolver-lhe, mas eu esqueci.

Aquilo era outra mentira. Tinha guardado porque queria ter algo dela, mesmo que fosse só por um tempo.

-Obrigada – abriu a bolsa e jogou o camafeu dentro – Significa muito para mim.

Ouviu umas risadas femininas, e apertou os lábios. Pelo que parecia aquela noite havia festa também no Estrela de Prata.

-Estou surpresa por você ainda estar por aqui. Pensei que gostava de festas, não quero atrapalhar.

-Maldição, já disse que não quero que passeie sozinha.

Sarah olhou para a mão que voltou a agarrar o seu braço.

-Não creio que seja obrigada a aceitar ordens suas. Solte-me.

-Volte para dentro.

-Vou aonde quiser, quando quiser. –Se libertou novamente – E com quiser.

-Se está se referindo à Carlson, lhe advirto que será melhor não se aproximar dele.

-Sério? Pode dizer o que quiser, mas não penso em escutá-lo. Verei Samuel sempre que eu queira.

-Para que ele possa beijar sua mão?.Para que toda cidade possa comentar que ele passou o dia na sua casa.

-Como se atreve?- sussurrou ela, furiosa - Precisamente você, que passa a noite com essa mulher e paga pela atenção dela. Como se atreve a insinuar que haja algo errado em meu comportamento? Se deixo que Samuel beije minha mão, isso é assunto meu. Ele me pediu em casamento.

A última coisa que esperava no mundo era que ele a segurasse firme e a levantasse no ar.

-Que você disse?- Perguntou.

-Eu disse que ele me pediu em casamento. Solte-me.

O homem a sacudiu no ar.

-Pois eu a advirto, Duquesa. É melhor que pense duas vezes antes de se casar com ele, porque no mesmo dia que se torna esposa dele, será sua viúva. Eu prometo.

A jovem sentiu que o seu coração lhe subia pela garganta.

-Sua resposta para tudo é um revolver?

Jake a colocou no chão lentamente, sem deixar de olhá-la.

-Fique aqui.

-Eu não...

-Por Deus que ficará aqui, ou a amarrarei numa estaca como um cavalo rebelde.

A jovem ficou quieta um momento, observando-o afastar-se. Em seguida abriu muito os olhos e começou a correr até ele.

-Você nunca escuta?

-Pensava...tive medo...

-De que eu fosse meter uma bala em Carlson?- apertou os dentes – Ainda há tempo para isso.

Segurou-a pelo braço e arrastou-a com ele.

-Que está fazendo?

-Vou levá-la para casa.

-Nada disso. Não vou voltar com você e também não quero ir agora.

-Que pena!!!!- Segurou-a nos braços.

-Solte-me agora mesmo ou vou começar a gritar.

-Grite.

Colocou-a na carroça. Ele fez um movimento para segurar as rédeas, mas ele foi mais rápido.

-Lucius me levará para casa quando eu quiser ir.

-Lucius ficará na cidade – bateu as rédeas- Porque não relaxa e aproveita o passeio? E não faça barulho, senão juro que coloco uma mordaça em você.

 

Sarah pensou em se esforçar para manter certa dignidade, mas era difícil tendo em conta a velocidade que Jake conduzia a carroça e seu próprio estado de ânimo, mas não esqueceria que era uma dama.

Gostaria de ser um homem para derrubá-lo com um soco.

Jake olhava para a cabeça dos cavalos e pensava que tinha que se controlar. Não era fácil, mas tinha exercitado muito o auto-controle durante toda a sua vida com seus revolveres e não estava disposto a perdê-lo naquele momento, fazendo algo que lamentasse depois.

O cão latiu com força quando chegaram em casa. Ouviu Sarah e seu acompanhante e começou a saltar de alegria.

Quando Jake parou os cavalos, a jovem saltou sem esperar ajuda. A pressa e seu mau humor fizeram com que se descuidasse e saia se enganchou. Puxou para soltá-la e a seda rasgou.

-Veja o que você fez - disse raivosa.

Jake saltou do carro pelo outro lado.

-Se tivesse esperado um momento, eu a teria ajudado a descer. – disse igualmente bravo.

-Sério? – Levantou o queixo e avançou até a parte da frente da carroça. Você nunca fez nada educado em sua vida. Come com chapéu, xinga, e entra e sai daqui sem dizer bom dia ou boa noite.

-É...são defeitos terríveis – ele ironizou.

-Defeitos? Nem comecei a enumerar seus defeitos. Se começasse não terminaria em um ano. Como se atreve a me jogar na carroça como um saco de farinha e trazer-me aqui contra minha vontade?

Estava linda a luz da lua, com as bochechas vermelhas de raiva e os olhos brilhantes de fúria.

-Tenho minhas razões.

-Verdade? Gostaria muito de ouvi-las.

Jake pensou que ele também. A verdade é que ele mesmo não sabia como chamar aquilo, a não ser de um ataque de ciúmes.

-Vá para a cama, Duquesa.

-Não tenho intenção de ir a parte alguma.-Segurou-o pelo braço antes que ele fosse cuidar dos cavalos - Nem você tampouco até que me explique. Você me maltratou e ameaçou matar Samuel Carlson.

-Não era uma ameaça – pegou-a pelo pulso e afastou a mão dela – A próxima vez que a tocar eu o matarei.

Sarah se deu conta que ele falava a serio.Ficou parada por um momento e logo saiu atrás dele.

-Está louco?

-É possível. 

-Que importância tem para você minha relação com Samuel Carlson? Asseguro a você que se não desejasse que um homem me tocasse, não tocaria.

-Quer dizer que você gosta? - Voltou-se para ela indignado – Gosta que ele a segure, que ele a beije?

Sarah preferia sofrer as penas do inferno a admitir que Samuel Carlson não havia feito nada mais do que beijar-lhe a ponta dos dedos. E que o único homem que havia feito algo mais, estava ali diante dela. Deu um passo para frente e ficou parada quase colada nele.

-Mesmo correndo o risco de me repetir, volto a dizer que isso não é da sua conta.

-Eu acho que é sim. – respondeu ele.

E levou os cavalos para o estábulo.

-Então acha errado - Sarah respondeu ainda, seguindo-o – O que acontece é assunto meu e só meu. Não fiz nada para me envergonhar e, muito menos algo que tenha que me justificar diante de você. Se permiti que Samuel me corteje, você não tem nada a dizer a respeito.

-É assim que você chama isso? Cortejar?

-Tem outro nome melhor?

-Talvez eu tenha me enganado com você. Achei que era especial. Mesmo agora, não me afastou quando a beijei.

A jovem fez menção de dar-lhe uma bofetada, mas ele lhe segurou a mão.

-Como se atreve a falar comigo assim? Não, não protestei quando me beijou. Tomara tivesse feito!  Me fez sentir...- parou um momento, buscando as palavras -  Me fez sentir coisas que eu não entendo. Você me fez desejá-lo quando não me  desejava. E depois de fazer isso, deu meia volta como se aquilo não significasse nada para você.

Jake sentiu uma dor aguda na boca do estomago. O que ela dizia era verdade, a dor que estava nos olhos dela era real.

-Está melhor assim - disse ele, voltando sua atenção para o cavalo.

-Está certo – sentiu uma vontade imensa de chorar – Mas se acredita que isso lhe da o direito de se intrometer na minha vida, está enganado. Está muito enganado.

-Você foi rapidamente dos meus braços para os dele.  – respondeu ele com amargura.

-Eu? – Furiosa, segurou com força a camisa dele – Não fui eu que corri: foi você. Deixou-me assim, sem dizer uma palavra e foi diretamente para o Estrela de Prata.Me beijou e logo limpou o gosto do meu beijo, para beijá-la.

-Quem? – segurou-a pelos ombros antes que se afastasse. –Quem?

-Não tenho mais nada para dizer.

-Você começou, agora termine. Com quem eu fui para a cama, Sarah?

-Carlotta. Me deixou para ir com ela. E como se a humilhação não fosse bastante, ainda sugeriu a ela que  me contratasse para fazer seus vestidos.

-Contratar você? Que diabo está falando?

-Você sabe muito bem que disse a ela que eu poderia estar fazendo vestidos para ela e para as meninas do salão.

-Costurar? – ele não sabia se ria ou se xingava. Soltou-a bem devagar. – Seja lá o que pense de mim, devia saber que eu não sou estúpido.

-Não sei o que pensar de você - respondeu ela,segurando as lágrimas.

-Eu nunca sugeri a Carlotta que a contratasse. E eu não tenho estado com...

Se interrompeu com uma maldição. Ela voltou a segurá-lo pelo braço, antes que ele se afastasse.

-Está me dizendo que não esteve no Estrela de Prata?

-Não, eu não disse isso.

-Compreendo – franziu as sobrancelhas –Encontrou outra mulher que o agrada mais. Pobre Carlotta deve estar muito triste.

-Ela precisa de muito mais que isso para que ela fique triste. E desde que voltei a cidade, a única coisa que comprei no Estrela de Prata foi whisky.

-Por que?

-Isso é assunto meu.

-Eu lhe fiz uma pergunta.

-E eu lhe dei a resposta – se virou para sair – Agora, vá para a cama.

-Nem eu nem você vamos a lugar nenhum até que me diga porque não esteve com ela e com ninguém.

-Porque não posso deixar de pensar em você.

Raivoso, ele a empurrou contra a parede com força e os laços do cabelo se soltaram e ele caiu solto até a cintura. Queria assustá-la, tanto quanto ela o assustava.

-Não está a salvo comigo, Duquesa. – se inclinou para ela – Não esqueça.

Sarah apertou as mãos úmidas contra a parede. Não era medo o que sentia. Era uma emoção forte e quente, mas não era medo.

-Você não me quer.

-Quero tanto você que até dói - Ele acariciou o pescoço dela.- Preferia que me dessem um tiro a sentir o que sinto por você.

-Como faço  você se sentir? - murmurou ela.

-Imprudente - era verdade, mas não era toda a verdade. E isso não é bom para nenhum de nós. Vou machucar você e não me importarei. Assim será melhor que fuja enquanto eu ainda  permito.

-Não penso em fugir – não poderia fazê-lo nem que quisesse, pois suas pernas tremiam e estava sem fôlego.-Mas você sim está fugindo. Se você prefere ameaçar. Se fosse o tipo de homem que diz que é, e  me desejasse, me  possuiria, aqui e agora.

Os olhos dele se escureceram. Se aproximou dela e a segurou pelos cabelos. A jovem não se intimidou; manteve o queixo erguido, com ar desafiador.

-Maldita, seja!

E a beijou com força. Disse a si mesmo que era para assustá-la, para que compreendesse de uma vez por todas quem ele era. A acariciou sem delicadeza, como se estivesse tocando uma prostituta. Queria fazê-la chorar, tremer e suplicar que a deixasse em paz. Talvez então pudesse realmente fazê-lo.

Ouviu o grito sufocado dela contra a sua boca e tentou afastar-se, mas os braços dela o rodearam, estreitando-o com força.

Sarah se entregou sem reservas ao abraço. Sabia que ele queria machucá-la. Mas não poderia. Teria que fazê-lo compreender que nos braços dele nada podia machucá-la. Sentiu a língua dele em sua garganta e deu um suspiro, apertando-se ainda mais contra ele. O contato dos dentes dele contra sua pele a fez gemer. Excitada demais para se envergonhar, tirou a camisa dele. Queria tocar a pele dele de novo, sentir sua quentura.

Jake começava a se perder nela. Não, já estava perdido. O cheiro dela lhe embriagava os sentidos. Sua boca fazia com que perdesse o controle. Então a ouviu sussurrar o nome dele e  se perdeu de vez.

A deitou sobre o feno, ansioso por possuí-la. Segurou-a pelos ombros para poder tirar-lhe o vestido, e chegar até a pele dela.

O terror se apoderou dela, mas não medo dele, e sim da necessidade que sentia dele, que tomava conta dela.Era mais forte que ela: a fazia esquecer completamente o certo e o errado. Tirou a camisa de Jake com a mesma força com que ele tirou seu vestido.

O homem abria os laços, maldizendo-os e maldizendo a si mesmo. Impaciente, acabou de tirar a camisa e conteve o fôlego quando sentiu que ela se apertava contra ele.

Ele lhe beijou o rosto repetidamente. Sarah não conseguia respirar livremente, nem quando ele lhe desatou o espartilho. Rolaram sobre o feno, enquanto lutavam para se libertar da barreira das roupas. A jovem se arqueou quando ele lhe segurou os seios nas mãos.

Era suave como a seda que acabara de rasgar, delicada como o cristal. Mas pensar da fragilidade, pode sentir também a força dela. Podia sentir o feno, os cavalos, a noite. Podia ver os olhos dela, os cabelos, a pele. Uma vez mais tentou recuperar o juízo. Por ela. Por si mesmo.

Em seguida ela levantou os braços e o abraçou.

Era esguio, firme e forte. Deixou de lado a sensatez esse entregou a necessidade que sentia. Os olhos dele estavam escuros e sua pele brilhava como o cobre à luz da lua.Ela viu a cicatriz no braço dele a acariciou com delicadeza.

Nenhum dos dois podia voltar atrás. Os cavalos pateavam nervosos no estábulo. Nas colinas um coiote gritou solitariamente. Eles não ouviram. Ela ouviu seu nome, sussurrado por ele, e foi tudo.

O homem a cobriu com seu corpo, e o feno arranhou sua pele nua, Sarah só suspirou. Jake percebeu que ela se entregava e colocou os um dos seios dela na boca.  Um gemido escapou da garganta dela. O prazer doloroso e belo, se espalhou dento dela. Era insuportável. Era glorioso. Desejava poder falar, desejava poder explicar, mas só conseguiu repetir o nome dele uma ou outra vez.

Ele acariciou-lhe a coxa e viu que tremia. Em seguida a ouviu dar um suspiro de surpresa quando tocou onde nenhum homem tinha se atrevido a tocar.

Penetrou-a com toda gentileza que foi capaz. Ela era dele. A jovem gritou e se apertou contra ele. Ele a beijou na boca e acelerou os movimentos.

Sarah se juntou e ele com desespero. Assim que era o amor. Aquilo era o que faziam um homem e uma mulher na intimidade da noite. Era mais, muito mais do que tinha se atrevido a sonhar. As lágrimas escorreram pela face, misturando-se com o suor que cobria o corpo de ambos.

-Por favor – sussurrou ela contra ele, sem saber o que pedia – Por favor.

Jake continuou com os movimentos até que sentiu que o corpo da jovem se tornava tenso embaixo do seu.

Sarah se viu correndo até o desconhecido, mas muito desejado. Como a vida, como respirar, como o amor. O instinto a fez mover os quadris e a alegria a impulsionou a grudar-se naquele homem. Perdeu a inocência numa explosão de prazer que parecia interminável.

 

A luz da lua iluminava seu rosto adormecido. Jake a observava. Enquanto seu corpo estava fatigado, sua mente não descansava. Estendida sobre o feno, como o cabelo comprido e a pele brilhante, parecia bonita demais para ser real.

Desde o principio tinha suspeitado que ela era uma mulher apaixonada. Se aproximara dele honesta e inocentemente. De todos os pecados que havia cometido, roubar-lhe a inocência tinha sido o maior.

Não tinha direto a isso. Apertou os olhos com os dedos. Não tinha tido escolha. A necessidade que sentia dela, não tinha deixado outra opção.

Estava apaixonado. Quase gargalhou. Aquele pensamento era perigoso: principalmente para Sarah. As coisas que amava sempre acabavam por destruir-se.

Moveu-se e começou a levantar, mas ela buscou a mão dele.

-Jake.

-Sim?

A jovem abriu os olhos, sorridente.Não tinha sonhado: ele estava ali, do lado dela. Podia cheirar e sentir o feno e via o brilho dos olhos dele na escuridão. Seu sorriso morreu.

-Que aconteceu? -perguntou.

-Não aconteceu nada – se virou, procurando as calças.

-Por que está bravo?

-Não estou bravo – levantou-se e colocou as calças – Por que razão estaria bravo.

-Não sei.

Estava decidida a manter a calma. Não queria estragar com brigas, algo tão bonito como o que havia acontecido entre eles. Procurou a camisa dele, e quando a vestia, percebeu que uma das mangas estava rasgada.

-Vai a algum lugar?

O homem segurou sua pistola.

-Não acho que queira ir andando até a cidade, e Lucius ficou com meu cavalo.

-Entendo. E essa é a única razão para que você fique?

Ele voltou-se para ela, disposto a soltar uma maldição. A jovem estava de pé, muito ereta, com o cabelo em torno do rosto e dos ombros. Sentiu a boca seca, e se limitou a negar com a cabeça.

Sarah sorriu e estendeu-lhe a mão.

-Venha para dentro de casa comigo. Fique comigo.

Parecia que não tinha escolha, então segurou a mão que ela lhe estendia.

     

Sarah despertou ao sentir que Latiffe lambia seu rosto.

-Saia – murmurou virando-se.

-Você me pediu para ficar.

Jake passou o braço da sua cintura e ela voltou a abrir os olhos surpresa.

-Eu falava com o cachorro - chegou mais perto dele –Ele aprendeu a subir, mas não sabe descer.

Jake se inclinou para acariciar a cabeça de Latiffe.

-Salte - ordenou ao cão.

Em seguida colocou Sarah sobre ele.

-Já é de manhã?

-Não.

Desceu a mão para segurar-lhe o seio e a beijou.

-Mas o sol já...- se interrompeu. Que importava se era dia ou noite? Ele estava ali com ela, levando-a de novo a todos os lugares maravilhosos que havia mostrado. Ela havia se deixado carregar até a cama ao amanhecer, como tinha acontecido sobre o monte de feno.

Ele lhe ensinou tudo que uma mulher podia saber sobre os prazeres do amor. Mostrou o que era amar com uma paixão tormentosa e o que era amar com suavidade. Aprendeu que o desejo podia doer, mas podia ser um prazer.

Mas, mesmo que ela não soubesse, ele também tinha aprendido muito, aprendeu que podia existir a beleza, o consolo e a esperança.

Os dois terminaram juntos, como o sol cada vez mais alto e o calor do dia alcançando seu ponto mais forte.

Mais tarde, sozinha na cabana, ela se refrescou, tomando um banho. Pensou sonhadora, que a vida podia ser assim: ela prepararia o café para ele todas as manhãs, enquanto ele alimentava os animais e recolhia água fresca do riacho. Ela cozinharia para ele e cuidaria da casa. Juntos fariam algo com a terra e com suas vidas. Algo bom e nobre.

Formariam uma família. Apertou ligeiramente a mão contra o ventre, e se perguntou se não haviam começado uma. Aquele parecia um jeito lindo de criar um filho.

Corou e secou-se. Não era correto pensar assim: depois de tudo, não estavam casados. Para dizer a verdade, ele nem sequer tinha pedido. Será que ele pediria? Colocou a roupa rapidamente. Ela mesmo não havia dito que ele não era o tipo de homem que se casava?

E sem duvida... Poderia amá-la como havia amado e não desejar passar a vida com ela? Que era mesmo que a Sr. O`Rourke falou? Algo sobre uma mulher inteligente sabe como convencer um homem a se casar e sobre ele pensar que a idéia foi dele. Começou a rir e se virou para a cozinha. Ela se considerava uma mulher inteligente.

-Alguma coisa engraçada?

Olhou Jake entrar na casa.

-Não, acho que estou apenas contente.

O homem colocou uma cesta de ovos sobre a mesa.

-Não recolhia ovos desde que minha mãe...desde muito tempo.

A jovem pegou os ovos e começou a preparar o café da manhã.

-Sua mãe tinha galinhas quando você era garoto? – perguntou com ar casual.

-Sim. Este café está quente?

-Sente-se, vou servir-lhe uma xícara.

Se deu conta que ele não queria falar sobre o passado e pensou que talvez não fosse o momento adequado.

-O sr. Cobb me deu um pedaço de bacon – disse, cortando umas fatias- Estive pensando em comprar uns porcos. Lucius começou a resmungar quando pedi a ele que construísse um chiqueiro, mas acredito que ele gostaria de comer presunto. Acredito que você não entenda nada de porcos, certo?

Jake a olhou sorridente. Era engraçado ouvir aquela Duquesa da Filadélfia falar em  criar porcos.

-Você merece algo melhor – respondeu.

-Melhor que o que? – perguntou ela, servindo o café para ele.

-Que este lugar. Porque não volta para o leste e vive como a educaram para viver?

A jovem estendeu-lhe a xícara.

-É isso que você quer Jake? Que eu vá embora?

-Não se trata do que eu quero.

Sarah sentou-se ao seu lado.

-Gostaria de saber o que realmente você quer.

-Café. – disse pegando a xícara.

-Seus desejos são muito simples. Na minha mesa, tire o chapéu – arrancou o chapéu da cabeça dele, e colocou de lado.

Jake sorriu e passou a mão pelo cabelo.

-Sim, senhora. Bom café, duquesa.

-É bom saber que algo que eu faço a agrada.

O homem a segurou por trás e a virou.

-Você faz muitas coisas que eu gosto – beijou-a longamente – Muitas.

-Verdade? – tirou os braços dele do pescoço – Que pena que eu não posso dizer o mesmo do senhor.

-Então acho que era outra mulher que não parava de me acariciar de noite - sorriu – Trouxe algumas coisas do estábulo. O vestido está um pouco rasgado, e quatro anáguas – ele mordeu o lóbulo da orelha dela e completou – Espero que não use tantas assim todos os dias.

-Não quero falar sobre...

-E essa coisa horrível em que se aperta. Tem sorte de não desmaiar. Não sei porque precisa disso. Sua cintura é menor que o circulo das minhas mãos juntas. Para que se submeter a esse horror?

-Não quero falar sobre minha roupa de baixo com você.

-Eu a despi. Não sei porque não poderia falar sobre ela.

A jovem corou até a raiz dos cabelos e se afastou.

-O bacon vai queimar.

O homem voltou a sentar-se e pegou a xícara de café.

-Quantas anáguas está usando agora?

Sarah tirou o bacon da frigideira e lhe lançou um olhar coquete, por cima do ombro.

-Vai ter que descobrir por si mesmo. -respondeu.

Jake levantou as sobrancelhas. Ele não estava seguro de como lidar com ela. Quando estava tomando o café na mesa com ela, ficou buscando desesperadamente o que dizer.

-Eu vi seus quadros na parede. Desenha muito bem.

-Obrigada. Sempre gostei de desenhar. Se eu soubesse como vivia papai, teria lhe mandado alguns quadros. Enviei-lhe uma pequena aquarela – franziu a testa – Era um auto -retrato. Achei que gostaria de saber como eu era agora. É estranho. Guardou todas as cartas que eu lhe escrevi nesta caixa de metal, mas o desenho eu não encontrei em lugar nenhum. Pensei em perguntar ao xerife se ele se esqueceu de me dar.

-Se estivesse com Barker ele o devolveria – não gostou dos pensamentos que cruzavam sua mente. – Esta certa que ele o recebeu? As vezes o correio extravia.

-Oh sim, ele me escreveu depois que recebeu. Liza também falou que meu pai estava encantado e o levou à loja, para mostrar para todos.

-Pode ser que apareça.

-Espero que sim – encolheu os ombros – Limpei muito bem este lugar, mas não o vi. Voltarei a procurar com mais cuidado quando Lucius colocar o assoalho.

-Assoalho??

-O assoalho de madeira que encomendei – mordeu uma torrada – Para dizer a verdade, encomendei bastante madeira. Quero fazer um quarto de verdade na parede oeste. O dinheiro que ganho esta me ajudando muito.

-Sarah, a noite você disse que Carlotta havia encomendado uns vestidos. Quando falou com ela?

A jovem ficou tensa.

-Não falei com ela. Nem tenho intenção de falar com essa mulher.

-E como soube da encomenda?

-Por Alice Johnson. Trabalha na casa dela. Pelo que parece, Carlota lhe pediu que viesse até aqui para contratar meus serviços.

-Alice – buscou em sua memória – É uma garota pequena, morena, de olhos grandes?

Sarah respondeu indignada.

-É uma ótima descrição. Parece conhecer muito bem as empregadas do lugar.

-Não sei se pode se chamar de empregadas, mas sim, eu conheço.

A jovem se levantou e retirou o prato vazio.

-E estou certa que elas também o conhecem muito bem – o viu sorrir e sentiu ganas de bater nele.  – Agradeceria se parasse de rir de mim.

-Sim, senhora. Mas fica muito linda, quando está brava.

-Se isso é um elogio, esta perdendo seu tempo – murmurou ela, menos brava.

-Não sou de fazer muitos elogios. Mas você é linda, isso é um fato. Acho que é a coisa mais linda que eu já vi. Especialmente quando fica brava.

-Por isso se esforça tanto para que eu fique brava.

-Acho que sim. Venha aqui.

A jovem alisou a saia.

-Não quero.

Jake se levantou e lentamente a estreitou contra si. Sarah se debateu por um momento e logo se deixou cair contra ele, sorridente.

O homem não disse nada. A abraçou com força e ela, contente, aproximou os lábios dos dele. Jake a beijou também e se afastou. Segurou as mãos dela entre as dele.

-Qual delas ele beijou? – perguntou.

-Não sei do que está falando.

-Carlson. Que mão ele beijou?

Sarah o olhou nos olhos.

-As duas – murmurou.

Viu que os olhos dele se enchiam de raiva e admirou que ele não tentasse escondê-la. Mas continuava olhando para ela, e ela sentia a raiva passando por ela.

-Jake...

O homem moveu a cabeça, em seguida levou as mãos dela aos lábios e as deixou cair.. Incomodado, colocou as mãos nos bolsos.

-Não quero que deixe ele fazer isso de novo.

-Não deixarei.

Sua resposta deveria deixá-lo tranqüilo, mas só serviu para aumentar a tensão.

-Assim sem mas?

-Sim. Assim, sem mas.

Jake deu meia volta e começou a andar. Franziu as sobrancelhas.

-Não tenho direito – disse com fúria.

-Tem todo o direito – replicou ela com suavidade – Estou apaixonada por você.

O homem ficou quieto, paralisado como se tivesse ouvido o ruído de uma arma pelas costas.

-Você não sabe o que diz – conseguiu dizer finalmente.

-É lógico que sei, e você também sabe. Aproximou-se dele sem deixar de mirá-lo nos olhos –Acha que eu poderia ficar com você como ontem a noite e hoje de manhã se não o amasse?

Jake se afastou antes que ela o tocasse. Fazia muito tempo que não amava ninguém, havia esquecido aquela sensação, era uma sensação como se fosse um rio com uma corrente muito forte.

-Não posso lhe oferecer nada, Sarah. Nada.

-Você mesmo – tocou de leve a bochecha dele – Não quero mais nada.

-Está confundindo o que aconteceu ontem com...

-Com o que? – interrompeu ela – Acredita que por você ter sido o primeiro, não conheço a diferença entre amor e luxuria? Pode dizer que já sentiu isto outras vezes? Pode dizer?

Não, ele não podia. Como também não iria dizer-lhe que nunca voltaria a sentir aquilo com nenhuma outra.

-Lucius voltará logo – disse – Vou trazer-lhe água antes de ir.

Sarah ficou confusa. Ele iria partir e voltaria a deixá-la sem dizer uma palavra. Primeiro pensou que ele não acreditava nela, mas logo se deu conta que ele se afastava, precisamente porque acreditava nela. Seu amor o confundia e assustava, tanto quanto aquela terra a tinha assustado no início. Era algo que ele não compreendia e era difícil aceitá-lo e compreender.

Mas ela podia mudar aquilo. Suspirou fundo e foi lavar os pratos. Mudaria ele do mesmo modo que tinha mudado a si mesma. Ela foi capaz de abraçar a terra e considerá-la sua. Algum dia ele faria o mesmo com ela.

Ouviu a porta abrir e se voltou sorridente.

-Jake....

Mas era Burt Donley, o homem que estava de pé no umbral.

 

-Onde está Redman?

A jovem o olhou com os olhos arregalados pelo pânico. A mão do homem se fechava em torno da coronha do revolver e Sarah viu nos olhos dele, algo que nunca tinha visto nos olhos de Jake, nem dos apaches que a seqüestraram: o desejo irresistível de matar.

Donley entrou na casa.

-Eu perguntei onde está Redman.

-Não está aqui. – se surpreendeu por sua voz soar tranqüila, quando seu coração batia com tanta força –Não o convidei a entrar.

O homem sorriu.

-Não vai me dizer que ele se incomodou em trazer-lhe ontem a noite até aqui e em seguida  deixou sozinha uma mulher tão linda?

Ela estava aterrorizada com a idéia de que Jake logo voltaria. Não tinha outro remédio se não agüentar firme.

-Não estou pensando em lhe dizer nada, mas como pode ver, estou sozinha.

-Já vi. É curioso, porque seu cavalo está na cidade, mas ele não. –Pegou uma torrada da mesa – Ouvi dizer que ele veio para cá.

-O sr. Redman vem às vezes de visita. Quando vier, direi que você está procurando por ele.

-Faça isso.

-Então bom dia.

Mas ele não partiu, pelo contrário se aproximou mais dela.

-É ainda mais bonita do que me lembrava.

A jovem umedeceu os lábios trêmulos.

-Não creio que nos conhecemos.

-Não, mas eu já vi você – Estendeu a mão para tocar-lhe o cabelo, mas ela se afastou. –Não se parece nada com seu pai.

-Por favor me desculpe, mas...

Tentou sair, mas ele a deteve.

-Sempre falava muito de você. E agora compreendo por que – colocou o resto da torrada na boca e  se aproximou ainda mais dela.-É uma lastima que tenha morrido na mina, deixando-a órfã. Um homem mais esperto, teria sobrevivido.

Sarah tentou sair novamente e ele voltou a impedir.

-Um acidente pode ocorrer a qualquer um – disse  a jovem.

-Talvez falemos disso mais tarde – levou a mão até o pescoço dela e desatou o laço da blusa. – Você parece mais esperta que seu pai.

Latiffe entrou correndo e latindo. Donley levou a mão ao revolver, mas Sarah segurou o braço dele.

-Não, por favor. É apenas um cachorro – Segurou rapidamente o cachorro nos braços –Não precisa fazer nada, ele é inofensivo.

-Donley gosta de matar seres inofensivos – disse a voz de Jake do umbral. Os homens estavam a dez pés de distancia. – Havia um rapaz em Laramie, Daniel Little, que também era inofensivo, não, Donley?

-Era um mestiço – respondeu o outro – Para mim matar um mestiço é como matar um cavalo doente.

-E ainda é mais fácil se matar pelas costas.

-Eu não estou atirando pelas suas costas, Redman.

-Afaste-se, Sarah.

-Jake, por favor.

-Afaste-se.

Já tinha esquecido o medo que sentira ao ver o cavalo de Donley fora da casa. Estava tranqüilo e impassível. Sua pistola pendia em seu quadril e suas mãos estavam seguras.

Donley se moveu um pouco.

-Esperei muito tempo por esse momento – disse.

-Alguns tem sorte e esperam muito tempo pela morte – respondeu Jake.

-Quanto o matar ficarei com sua mulher e o  ouro.

Sua mão se aproximou do revólver e apontou diretamente para o coração. Não havia dúvidas de que ele era rápido.

Ouviu-se um disparo e Sarah olhou horrorizada, Donley cair ao solo. Uma mancha vermelha se espalhava por sua camisa.

Jake continuava de pé à porta, com o rosto inexpressivo e a mente em calma. Nunca sentia a excitação que alguns homens diziam sentir quando matavam. Para ele, aquilo não era uma maldição, nem poder, era só uma questão de sobrevivência.

-Oh Meu Deus!

Sarah olhava para a cena apoiada contra a parede.Lattife saltou dos seus braços e se aproximou de Donley. A jovem sentiu que ia desmaiar, sem seguida notou que Jake a segurava nos braços.

-Ele fez algo com você?

-Não, eu...

-Saia da casa.

Sabia que estava próxima da histeria. Um homem tinha sido morto no chão da sua casa e o homem que a segurava nos braços, parecia um estranho.

-Jake...

-Saia da casa – repetiu ele, fazendo o possível para esconder o cadáver dela. Vá para o estábulo, ou para o riacho – puxou-a até a porta e a empurrou para fora. – Faça o que eu pedi.

-Que vai fazer?

-Vou levá-lo à cidade.

A jovem respirou fundo.

-Que vão fazer a você? Você o matou.

-Baker terá que acreditar em mim ou me prender.

-Não, mas – sentiu enjoada – Ele queria matá-lo.Veio buscá-lo.

-Assim são as coisas – segurou-a pelos braços e a obrigou a mirá-lo. – E amanhã, e na semana que vem, e no mês que vem, haverá outra pessoa que virá me buscar. Tenho mãos rápidas, Sarah, e sempre haverá alguém que irá querer provar que é mais rápido. Um dia, um deles será.

-Pode mudar isso. Tem que mudar. – Se soltou das suas mãos e o abraçou – Não pode ser que queira viver assim.

-O que eu quero, e o que tenho são coisas diferentes – afastou-a – Você é muito importante para mim, por isso que eu digo para você se afastar de mim.

Acabava de matar um homem diante dos olhos dela. E o havia matado com frieza. Sarah, apesar do seu horror, havia visto tudo. Mas viu também a frustração e a raiva de um homem preso a uma armadilha. Precisava de alguém que lhe desse uma saída, ou ao menos a esperança de uma. Se não podia fazer outra coisa, pelo menos podia dar-lhe esperança.

-Não – segurou o rosto dele entre as mãos – Não posso. Não farei isso.

As mãos de Jake tremeram.

-Você é uma boba.

-Sim. Você tem razão. Mas eu o amo.

Jake jamais poderia dizer o que sentiu ao ouvi-la dizer aquilo. Apertou-a contra ele e a beijou furiosamente.

-Saia da casa. Não quero que esteja aqui, quando eu o tirar de lá.

Sarah assentiu, respirou fundo e se afastou. A náusea tinha passado, mas continuava se sentindo mal.

-Antes estava certa que só existia o bem e o mal. E que matar outra pessoa era o mal maior.Mas não é assim, Jake. O que você fez, o que foi obrigado a fazer, foi para salvar sua vida. Para mim não há nada mais importante que isso. – fez uma pausa e tocou sua mão. – Volte.

O homem a viu afastar-se e andar na direção do túmulo do seu pai. Quando a perdeu de vista, voltou a entrar na casa.

 

Passaram dois dias e Sarah tentou seguir sua rotina habitual, e não se perguntar porque Jake hão havia ido procurá-la. Tinha a impressão que o mundo todo foi vê-la, menos Jake.

Baker foi interrogá-la sobre o que havia acontecido com Donley, e pareceu satisfeito com o que ouviu.

A historia se alastrou com rapidez. Depois de Baker,  chegaram Liza e Johnny para inteirar-se dos detalhes e comer biscoitos de aveia. Liza afastou o irmão da casa para poder falar com sua amiga sobre Will e o casamento. Pensava em fazer um vestido e já havia encomendado uma peça de seda rosa de Santa Fé.

Na manhã seguinte, o som de um cavaleiro fez Sarah sair correndo do galinheiro. Ao ver Samuel Carlson, teve que se esforçar para ocultar sua decepção.

-Sarah – desmontou rapidamente e se aproximou dela – Estava preocupado com você.

-Não é necessário – sorriu ela.

-Me assuntei ao saber que Donley e Redman haviam brigado na sua casa. É um milagre que não esteja ferida.

-Estava certa que aconteceria algo muito ruim se Jake não tivesse chegado a tempo. Donley se mostrou muito ameaçador.

-Estou me sentindo responsável.

-Você - a jovem parou diante da casa. – Por que?

-Donley trabalhava para mim. E sabia o tipo de homem que ele era. Mesmo que nunca tivesse tido problemas com ele, até que Redman voltou à cidade.

-Foi Donley que veio atrás de Jake, Samuel – respondeu ela com voz firme – Foi ele que provocou a briga. Eu estava presente.

-Claro que sim.

Colocou a mão no braço dela. A educação o impedia de entrar em casa sem ser convidado. Era bastante esperto para notar que algo havia mudado, e ela não ia convidá-lo.

-Não gosto de pensar que foi obrigada a presenciar uma morte dentro da sua própria casa. É terrível que tenha que continuar aqui.

-Não, não sou tão frágil - respondeu ela.

-É uma mulher forte, Sarah, mas é sensível. Estou preocupado com você.

-É muito amável da sua parte. Sua amizade é reconfortante.

-Sarah – lhe tocou a face com gentileza – Tem que compreender que desejo ser muito mais que um amigo.

-Eu sei – murmurou ela com pena – Mas não é possível, Samuel. Sinto muito.

Surpreendeu-se ao notar que os olhos dele expressavam raiva, ele se esforçou para dominá-la.

-É por causa de Redman, não é?

Sarah sentiu que não seria honesto da sua parte mentir.

-Sim.- admitiu.

-Eu pensava que você era mais sensata. É uma mulher inteligente e bem educada.Tem que compreender que Redman é um homem perigoso, um homem sem escrúpulos. Vive rodeado de violência: faz parte dele.

A jovem sorriu.

-Ele também se descreve assim. Creio que os dois estão errados.

-Só fará você sofrer.

-É possível, mas não posso mudar meus sentimentos, nem desejo fazê-lo. Tocou o braço dele com pena. – Sinto muito, Samuel.

-Confio no tempo para que supere esse capricho.

-Não faça isso.

-Não mude. Deu lhe um tapinha na mão – Confio em você. Foi feita para mim.

Aproximou-se para soltar o cavalo. Internamente, fervia de raiva. Desejava aquela mulher e o que ela tinha, e estava disposto a conseguir o queria fosse como fosse.

Quando se voltou, já montado, com as rédeas nas mãos, seu rosto só expressava afeto e preocupação.

-Isso não muda o fato de que eu me preocupo por você viver sozinha.

-Não estou sozinha. Tenho a Lucius.

Carlson  olhou  em torno expressivamente.

-Está na mina  - ela explicou – Se houver algum problema, descerá rapidamente.

-A mina – repetiu Carlson, olhando para as rochas. – Ao menos me prometa que não entrará lá. É um lugar muito perigoso.

-O ouro não me atrai – voltou a sorrir, aliviada por poderem continuar amigos.

-O ouro atrai todo mundo – respondeu ele.

A jovem ficou olhando enquanto ele se afastava. Talvez tivesse razão. O ouro tinha algo de especial. Mesmo sabendo no fundo do seu coração que a mina nunca seria lucrativa, era excitante saber que sempre havia uma possibilidade. Lucius passava horas ali e seu pai havia morrido por ela.

Nem mesmo Jake era imune. Foi ele que pediu a Lucius para continuar trabalhando onde seu pai estava. Mas tinha que descobrir por que. Recordou as ultimas palavras de Donley e uma suspeita cruzou sua mente.

Porque ia falar de ouro um homem como Donley antes de sacar o revolver? Por que iria recordar-se num momento daquele de uma mina sem valor? Por acaso ela tinha valor?

Esqueceu a promessa que fizera a Samuel, e começou a caminhar para as rochas.

Um movimento atraiu sua atenção, deu a volta e olhou para a estrada. Alguém se aproximava a pé. Ficou olhando e viu que a pessoa cambaleava e caia. Segurou as saias e começou a correr.

-Alice???

-Sarah apertou o passo. A garota estava ferida, mas até que chegou perto dela não podia ver o quanto.

-Oh, meu Deus!!!! – segurou a garota pela cintura e ajudou-a a ir até a casa. – Que aconteceu??? Quem fez isso?

-Srta Conway....

Alice apenas sussurrava porque os lábios estavam inchados. Seu olho esquerdo estava ferido e inflamado. Dois arranhões cruzavam as bochechas e ao respirar emitia um gemido de dor.

-Está bem, não se preocupe. Apóie-se em mim. Estamos quase chegando.

-Eu não sabia aonde ir. – murmurou a garota – Não deveria estar aqui.

-Não tente falar. Vamos para dentro. Lucius – suspirou aliviada ao vê-lo descer das rochas – Ajudem-me a colocá-la na cama. Está muito ferida.

-Que diabos...? – segurou Alice pelos braços – Você sabe quem é essa garota, srta. Conway?

-Sim, coloque-a na cama Lucius. Vou pegar água.

Alice desmaiou enquanto Lucius a subia pela escada.

-Ela desmaiou.

-Pode ser que seja melhor momento. Sarah se apressou para pegar a água fresca e alguns panos limpos – Deve estar sentindo muitas dores. Não consigo entender como chegou aqui a pé.

­-Deram-lhe uma boa surra.

Se afastou para dar lugar para Sarah perto da cama. A jovem começou a lavar com cuidado o rosto da garota. Quando viu que ela começava a desabotoar o vestido de Alice se voltou de costas.

-Oh. Meu Deus – Sarah terminou de desabotoar o resto dos botões – Ajude-me a tirar-lhe o vestido, Lucius. Parece  que a açoitaram.

O homem observou as marcas de Alice.

-A açoitaram como um cachorro. Gostaria de por as mãos no bastardo que fez isso.

Sarah cerrou os punhos com fúria.

-Por favor, Lucius, em cima da prateleira na cozinha, tem um ungüento. Traga-o para mim.

Lavou as mãos o melhor que pode. Alice abriu os olhos e gemeu. Sarah falou com ela, procurando tranqüilizá-la.

-Procure não se mover. Nós vamos curá-la. Agora esta salva. Prometo que está segura.

-Dói muito.

-Eu sei, eu sei.

Pegou o ungüento que Lucius lhe estendia, e começou a aplicá-lo nas marcas. Foi um processo lento e doloroso. Apesar dos dedos dela serem ligeiros e gentis, Alice gemia cada vez que a tocava. Suas costas estavam cobertas de linhas vermelhas, algumas das quais estavam abertas e sangravam. O suor escorria pelo rosto de  Sarah, mesmo assim ela não parou até que estivesse tratado e  cobertos os ferimentos  com ataduras, sem deixar de falar com Alice, tentando acalmá-la.

-Quer outro gole de água?

-Por favor – Sarah segurou-lhe a cabeça enquanto ela bebia - Sinto muito, srta. Conway. Sei que não deveria ter vindo aqui, mas não estava pensando claramente.

-Fez bem em vir até aqui.

-Você foi muito amável comigo aquela vez. Eu achei que não iria escapar.

-Não se preocupe. Dentro de um ou dois dias se sentirá muito melhor. Ai então poderemos pensar no que vai fazer. Por enquanto, fique aqui.

-Não posso.

-Pode ficar e ficará.- Passou ungüento nos arranhões do rosto – Se sente bem o bastante para contar-nos o que aconteceu? Foi um dos seus clientes que bateu em você?

-Não, senhora – Alice umedeceu os lábios – Foi Carlotta.

-Carlotta? Está me dizendo que Carlotta lhe bateu desse jeito?

-Nunca a tinha visto tão furiosa.às vezes fica chateada com algo que sai do jeito que quer, ou se bebe demais. Mas dessa vez, estava como uma louca. Creio que me mataria se as outras garotas não forçassem a porta e começassem a forçar a porta.

-Por que? Por que bateu em você desse jeito?

-Não estou certa. Acho que fiz algo errado- fechou os olhos – Quando Jake partiu, estava maluca. Eles discutiram. Nancy estava escutando do lado de fora do escritório de Carlota e disse que ele deve ter dito algo que a chateou e Carlotta começou a gritar e disse algo sobre você. Não sei muito bem o que. Quando ele foi embora, começou a quebrar coisas, e eu subi para o meu quarto. Ela me seguiu e me bateu muito mais que meu pai. Eli me tirou de lá.

-Eli é um negro grande que trabalha para Carlotta – explicou Lucius.

-Ele me tirou tão rápido como pode. Se ela sabe disso, castigará Eli. Ela me bateu com um cinturão de couro. Me batia sem parar, dizendo que  a culpa era minha por  Jake ter ido embora.

-Vagabunda – murmurou Lucius.- Desculpe Srta. Sarah.

-Não é necessário. Concordo com você.

Sentia uma raiva imensa. Olhou para a garota que agora estava dormindo em sua cama e viu o rosto ferido e inchado.

-Prepare a carroça, Lucius.

-Sim, sra. Quer que eu vá a algum lugar?

-Não, eu vou. Quero que fique aqui com Alice.

-Vou preparar o carro, srta Sarah, mas se está pensando em falar como xerife, não vai adiantar muito, Alice não falará com ele o que falou para você. Vai ter medo.

-Não vou falar com o xerife, Lucius. Prepare a carroça.

Apressou os cavalos, contente que a fúria não tinha diminuído ao chegar perto da cidade. Queria estar furiosa. Desde que chegara ao Oeste, havia aprendido a aceitar muitas coisas: a dor, a violência, o trabalho. Talvez fosse um lugar sem lei, mas mesmo ali tinha que haver alguma justiça.

Johnny saiu do armazém no momento em que Sarah passava e logo se voltou para queixar-se a Liza que a jovem não o tinha cumprimentado. Ela nem sequer o tinha visto. Na mente de Sarah só havia um rosto. Parou diante do Estrela de Prata. 

Três mulheres coberta de anágua e xales de plumas, cochilavam no que se podia consideram um salão. O quarto estava escuro e quase sem ar. Cortinas de veludo vermelho, pendiam das janelas. As molduras dos espelhos eram decoradas com folhas douradas, sem brilho.

Quando Sarah entrou, uma ruiva de olhos grandes, virou para olhá-la e começou a rir.

-Vejam, garotas! Temos companhia. Tire o jogo de chá.

As outras a olharam também. Uma delas ajeitou o xale nos ombros. Sarah ficou parada no umbral, com as mãos cruzadsa, observando tudo.

Então aquilo era um bordel. A verdade é que não via nada remotamente excitante: maia parecia um salão mal arrumado que precisava de uma boa limpeza. O perfume se misturava com o cheiro de suor. A jovem tirou as luvas devagar, dedo a dedo.

-Quero falar com Carlotta, por favor. Alguém pode fazer o favor de dizer a ela que eu estou aqui.

Ninguém se moveu. As garotas se limitaram a entreolhar-se. A ruiva em seguida começou a examinar as unhas.

Depois de um momento, Sarah resolveu seguir outra estratégia.

-Vim para falar sobre Alice.

Aquilo atraiu a atenção delas. Todas olharam para ela.

-Ela vai ficar comigo até que melhore - prosseguiu.

A ruiva se levantou.

-Você socorreu Alice?

-Sim, ela precisava de cuidados, srta...

-Sou Nancy - deu uma olhada furtiva – Por que  alguém como você vai cuidar de Alice?

-Por que ela precisa. Eu agradeceria se dissesse a Carlotta que quero falar com ela.

-Certo, vou dizer. Dê lembranças nossas para Alice.

-Será um prazer.

Nancy desapareceu escada a cima e Sarah tentou ignorar os olhares das outras mulheres. Havia colocado seu melhor traje de dia, era cinza claro, muito bonito. O chapéu, que combinava, tinha comprado um pouco antes de sua viagem ao oeste e era a última moda em Paris. Ao ver Carlotta descendo as escadas, não pode evitar pensar que apesar de tudo, não estava vestida de acordo com o lugar.

A dona do Estrela de Prata estava enfeitada com um traje vermelho resplandecente, que deixava parte dos seios à descoberto. A seda aderia ao seu corpo escultural e na mão trazia um leque que combinava. Quando parou diante dela, um forte perfume de rosas impregnou o ar.

Apesar dos seus sentimentos, Sarah não podia negar que a mulher era espetacular. Em outro lugar, em outra época, podia ter sido uma rainha.

-Mas vejam só, que honra, srta Conway.

Devia estar bebendo. Sarah sentiu o cheiro do whisky, junto com seu perfume.

-Esta não é uma visita de cortesia.

-Você me decepcionou - torceu a boca – Mas sempre posso empregar mais garotas aqui, não é verdade, senhoritas?

As outras mulheres se mexeram nervosas em suas cadeiras, mas ficaram em silencio.

-Pensei que tinha vindo aqui procurar emprego - Deu uma volta ao redor de Sarah, examinando-a - Um pouco magra, mas os homens gostam disso. Não lhe cairia mal um pouco de maquiagem, não meninas? Mas acho que poderia ganhar a vida.

-Não acho que gostaria de trabalhar para você, Carlotta.

-Verdade? – olhou-a com frieza. – Muito dama para cobrar, mas não tão dama para ganhá-lo.

Sarah apertou os punhos, e em seguida se esforçou para se  tranqüilizar.

-Não, não gostaria de trabalhar para alguém que surra seus empregados. Alice está na minha casa, Carlotta e ficará comigo. Se voltar a colocara as mãos nela, me encarregarei de fazer com que seja presa.

-Sério?- a outra a olhou entediada – Colocarei as mãos em cima de quem eu quiser – cutucou o peito de Sarah com o ele e completou – Nenhuma cadela puritana do leste vai me dizer como administrar meu negócio.

Sarah arrancou o leque das mãos dela, e o partiu em dois.

-Pois eu acabo de dizer.

Carlotta deu-lhe uma bofetada, e Sarah cambaleou. Num esforço para se equilibrar, segurou numa mesa e derrubou uma estátua que se fez em pedaços.

-As garotas do seu tipo me deixam doente - disse Carlotta com voz chorosa, inclinando-se para ela. – Aparentam que não deixariam que um homem as tocasse, mas abrem as pernas tão facilmente quanto qualquer uma. Acha que é especial só porque foi a uma escola e viveu numa mansão? Aqui você não é nada, nada.

-Que eu tenha ido a uma escola e vivido numa mansão não são as únicas coisas que nos separam – replicou Sarah muito tranqüila – Você não me deixa doente, você me dá pena.

-Eu não preciso que tenha pena de mim. Eu construí esse lugar. Tenho algo que não me foi dado por ninguém. Ninguém me dá dinheiro para comprar vestidos bonitos e chapéus elegantes. Eu ganho meu dinheiro – se aproximou mais dela. - Se acha que pode fazer com Jake o que quiser, se enganou, princesa. Quando ele se cansar de você, voltará. E fará comigo que faz com você agora.

-Não – surpreendentemente, a voz continuava tranqüila – Mesmo que ele volte e pague o que você pedir, nunca terá o que tenho com ele. Você sabe disso e por isso me odeia.

Começou a colocar a luva, sem deixar de observar Carlotta. Sabia que suas mãos começariam a tremer a qualquer instante e queria se retirar antes.

-Mas eu vim aqui para falar de Alice e não de Jake. Ela não trabalha mais para você.

-Eu decido quando aquela puta deixará de trabalhar para mim.

Tudo ocorreu tão rápido que Sarah nem teve consciência. Enquanto Carlotta a insultava, tinha conseguido conter o mau humor, mas ouvir como insultava Alice, sabendo que estava toda machucada, foi demais. Estendeu a mão que estava enluvada e bateu com força no rosto da outra. 

As mulheres deram um gritinho de surpresa, Sarah não teve tempo de se alegrar com seu feito, pois em seguida Carlotta agarrou seus cabelos. As duas caíram ao solo entre um reboliço de saias.

A jovem gritou quando sentiu que Carlotta queria arrancar seus cabelos, e deu outro golpe. Ouviu o gemido da outra e rolaram mais uma vez sobre as almofadas, bateram contra uma mesa sem parar de lutar. Sarah recebeu um soco no estomago, mas logo se aprumou para impedir o ataque das unhas da outra.

Carlotta a olhava com ódio, Sarah a segurou pelos punhos e os retorceu, pois sabia que se a outra pusesse as mãos no seu pescoço, apertaria até que ficasse sem respiração.

Não tinha intenção de deixar que a estrangulassem, ou que lhe batesse. Sua própria raiva a fez sentar-se em cima da sua oponente e puxar seu cabelo tingido. Quando sentiu os dentes da outra cravarem-se no seu braço, gritou a bateu nela com todas as forças, arrancando outro grito de dor. Ouviu outros gritos, mas estava concentrada na luta. Lutou com unhas e dentes, batendo com tanto afinco quanto Carlotta. Nesse momento eram iguais, sem barreiras de classe ou educação. Chocaram com outra mesa e um abajur se fez em cacos no chão.

-Que diabos está acontecendo aqui? Gritou Baker, entrando no salão. Viu a cena no solo e fechou os olhos. Preferia enfrentar cinco vaqueiros bêbados, do que duas mulheres que se arranhavam como gatas – Alguém vai sair ferido – suspirou – provavelmente eu.

Começou a intervir no momento em que Jake entrava.

-Vamos separá-las – disse o xerife- Escolha você.

Mas Jake já levantava Sarah do chão. A jovem serpenteou tentava se soltar.

-Guarde as unhas, Duquesa – Segurou-a pela cintura, enquanto Barker continha Carlotta.

-Tire-a daqui – Carlotta se afastou de Barker e ficou de pé com o vestido rasgado e o cabelo despenteado – Quero essa cadela presa. Entrou aqui e começou a destruir meu estabelecimento.

-Isso não me parece muito lógico – resmungou Barker – Srta Sarah, poderia me dizer o que você faz num lugar como esse.

-Assunto pessoal – resmungou ela de volta, afastando o cabelo dos olhos.

-Bem, acho que já terminou com seus assuntos. Por que não volta para casa?

Sarah se aprumou, adotando a postura mais digna possível, diante da situação.

-Obrigada, xerife - deu uma ultima olhada em Carlotta – Já terminei por aqui.

Foi para a porta.

Jake a segurou pelo braço no momento em que pisou fora.

-Espere um momento.

-Se me desculpar - disse ela secamente- tenho que ir para casa – alisou o cabelo – Meu chapéu.

-Acho que vi o que restava dele lá dentro.

Jake passou a língua pelos lábios sem deixar de observá-la. Tinha um machucado no olho, que não demoraria a inchar. Seu elegante vestido cinza, estava rasgado em vários lugares e o estado do seu cabelo era o mesmo de quem tivesse passado por um furacão. Colocou as mãos nos bolsos pensativo. Carlotta tinha se saído bem pior.

-Duquesa, não é fácil saber só de olhar para você, mas é bem forte.

A jovem alisou a saia.

-Já vi que isso o divertiu.

-Lógico que sim – sorriu – Estou me sentindo orgulhoso, mas não era necessário que brigasse por mim.

A jovem abriu a boca. Jake estava encantado. Ela estava ferida, humilhada e ele não parava de rir. Se esforçou para devolver-lhe o sorriso.

-Então acha que eu estava lutando com Carlotta por você? Porque estava com ciúmes?

-Não me ocorre nenhuma outra razão.

-Oh, eu lhe darei uma razão.

Levantou o punho e socou-lhe a mandíbula. Quando Barker saiu, Jake apalpava o queixo sem deixar de olhar para a jovem.

-Tem um bom gancho de direita - comentou o xerife. Na rua, as pessoas riam. Sarah tinha subido na carroça e se afastava – Filho, você é bem rápido no gatilho, joga bem poker e agüenta whisky como ninguém. Mas tem muito o que aprender sobre as mulheres.

-Acho que sim. - resmungou Jake, começando a desamarrar seu cavalo.

Sarah seguia furiosa para casa. Havia dado um espetáculo. Tinha se metido numa briga com uma mulher sem moral e conseguiu que metade da cidade saísse para olhá-la e rir dela. E ainda por cima tinha tido que suportar a cara sorridente e satisfeita de Jake.

Tinha lhe dado uma lição. Apertou os dentes e incitou os cavalos. Tinha machucado a mão, mas havia lhe dado uma lição. Aquele homem muito vaidoso para pensar que podia rebaixar-se até aquele ponto só por ciúmes.

Ouviu a aproximação de um cavaleiro, e olhou sobre o ombro. Deu um gritinho e incitou mais os cavalos. Não queria falar com Jake Redman naquele momento. Por ela Jake podia ir para o diabo.

Mas seus cavalos de trabalho não podiam competir com o mustangue de Jake. O homem não demorou a colocar-se lado a lado, seu aspecto era ameaçador.

-Para essa maldita carroça. – gritou.

A jovem voltou a incitar os cavalos. Jake calculou a distancia e a velocidade e saltou dentro da carroça. Quando ficou firme em pé, foi para o assento e apesar da resistência dela, deteve os cavalos.

-Que diabo está acontecendo, mulher? - disse segurando-a pelo braço para evitar que ela saltasse da carroça.

-Tire as mãos de cima de mim.

-Já não teve bastante briga por um dia? Sente-se antes que eu a machuque.

-Se quer o maldito carro, fique com ele. Eu não vou com você.

-Virá comigo, sim.

Impaciente, colocou-a sobre os joelhos e segurando-a com força. A jovem se debateu um pouco,  rígida como o ferro. Depois relaxou.Jake sentiu que ela cedia e cedeu também, beijando-a nos lábios.

-Tem um bom gancho, duquesa - afastou-a para tocar o queixo. - Quer contar porque me bateu?

A jovem se afastou furiosa consigo mesma.

-Por presumir que eu estava com ciúmes e lutaria por um homem inútil.

-Então agora eu sou um inútil. Bem pode ser, mas eu achava que gostava de me ter por perto.

Sarah se esforçou para arrumar o que restava do seu vestido.

-É possível que sim.

Jake precisava saber mais do que havia imaginado. Segurou-lhe o queixo e virou o rosto dela para ele.

-Mudou de idéia?  - perguntou.

A jovem voltou a suavizar-se naquela hora, pois viu a dúvida nos olhos dele.

-Não, não mudei de idéia – suspirou fundo – Mesmo que não tenha voltado a minha casa e sim ido ver Carlotta no Estrela de Prata.

-Pelo que parece, sabe uma porção de coisas. Não sei o que aconteceria se morasse mais perto da cidade.Fique na carroça até que eu amarre meu cavalo. Se fugir, voltarei a prendê-la.

-Não vou fugir.

Ficou em silencio até que ele voltou.

-Eu gostaria de saber por que ficou brava comigo. Por que não me conta como ficou sabendo que eu fui ver Carlotta.

-Alice me disse.

-Alice Johnson?

-Sim, Sua amiga Carlotta por pouco não a mata de pancadas.

O homem freou os cavalos de repente.

-Como?

A jovem voltou a ficar furiosa.

-Já me ouviu. Bateu nela cruelmente. Eli a ajudou a sair da cidade e em seguida andou até minha casa.

-Ficará bem?

-Com o tempo e cuidados, sim.

-E você vai cuidar dela?

-Sim – desafiou-o com o olhar - Tem alguma objeção?

-Não.

Tocou-lhe o rosto com gentileza, de um jeito diferente. Em seguida afastou a mão bruscamente e  voltou a segurar as rédeas.

-E então foi ao Estrela de Prata pra vingar-se de Alice em Carlotta.

-Nunca fiquei tão furiosa – Levou a mão aonde ele havia tocado – Alice é um pouco maior que uma criança. Não merece ser tratada daquele modo.

-Ela disse por que  Carlotta bateu nela?

-Ela não sabe. Só sabe que fez algo errado. Alice disse que Carlotta ficou como louca depois que você partiu.

Jake ficou pensativo um momento.

-E então bateu nela- disse.

-Por que foi lá? Por que foi vê-la. Se precisava....- deteve-se buscando as palavras certas. -Bem, eu não compreendo bem suas necessidades...já sabe que não tenho experiência nesses assuntos, mas...

Jake a beijou para fazê-la calar-se.

-Não existe ninguém que saiba tão bem o que eu preciso – a viu sorrir – Fui ver Carlotta para dizer-lhe que não quero que use meu nome como referência.

-E bateu em Alice, porque ela tinha vindo me ver. – Sarah moveu a cabeça – Ela só me disse o que Carlotta queria que dissesse. Não saiu como planejou então bateu nela.

-Acho que foi isso mesmo o que aconteceu.

Sarah cruzou os braços.

-Essa é a única razão pela qual foi vê-la?

-Não. Foi por isso e para dizer que não se aproxime de você. Com certeza, ainda não sabia que você ia arrebentar seus dentes.

-Eu fiz isso? – tentou esconder a alegria, mas não conseguiu. Consegui arrebentar seus dentes?

-E sangrava pelo nariz também. Acho que estava muito ocupada para notar.

-Nunca em minha vida tinha batido em ninguém – Tentou ser modesta, mas mudou de idéia - Eu gostei – admitiu.

Jake começou a rir e a estreitou contra ele.

-Você é uma gata selvagem, duquesa.

 

Jake descobriu algo novo ao ver Sarah cuidando de Alice. Sempre tinha pensado que uma mulher educada de um modo tão privilegiado condenaria automaticamente uma garota como Alice. Muitas mulheres que se consideravam decentes a tinham expulsado de sua casa como se fosse um cachorro com raiva.

Mas Sarah não. Ele demonstrou uma compaixão, interesse e compreensão, que não esperava encontrar nela.

E quanto a Alice era obvio que adorava sua benfeitora. Não a tinha visto, já que Sarah insistia que ela não podia receber visitas, mas ouvia o respeito e a timidez com que respondia as perguntas.

Levantou-se, saiu e foi até onde Lucius tentava sem sucesso ensinar Latife a dar a pata.

-Não é muito esperto – grunhiu – mas vai ficar grande- olhou para Jake- O que está fazendo aqui?

-Alguém tinha que trazê-la de volta.

-Acho que sim. Pode me explicar porque ela voltou com um jeito de que acabava de sair de uma briga de socos.

-Por que foi isso exatamente o que aconteceu.

Lucius fez uma careta.

-Não me diga!

-Com Carlotta.

O velho abriu muito os olhos e soltou uma gargalhada.

-Verdade? Está me dizendo que  a srta. Sarah foi lá e começou uma briga com Carlota?

-Deixou o nariz dela sangrando - Jake sorriu – E arrancou um monte de cabelo dela.

-Santo céu! Teria dado duas garrafas de whisky para ver isso. Você viu?

-Só o final. Quando entrei, elas rolavam pelo chão. Acho que Carlotta pesa mais, mas Sarah estava em cima dela com as saias levantadas e os olhos sanguinários. Foi incrível.

-Ela tem muita energia - Tirou a garrafa do whisky e brindou por Sarah- Sabia  que ela ia fazer alguma coisa, mas não me ocorreu que fosse brigar com Carlotta, apesar de não haver ninguém que mereça mais uma surra. Viu Alice?

-Não, Sarah disse que não devo falar com a garota até que ela esteja mais apresentável.

-Eu a levei para casa e posso dizer que eu nunca tinha visto um rosto tão machucado.Pelo que parece também bateu nela com um chicote. Tem as costas e os ombros cheios de vergões.Essa mulher devia estar louca.

-A loucura e a crueldade são coisas diferentes. Ela é só cruel.

-Suponho que a conheça bem.

Jake o observou tomar outro trago de whisky da garrafa.

-Há algum tempo paguei algumas vezes por seus serviços.

- Isso não significa que a conheça.

Lucius lhe estendeu a garrafa e começou a tossir.

-Srta. Sarah, não a tinha ouvido sair.

-Suponho mesmo que não. – respondeu a jovem com frieza - Talvez, se tiver acabado de beber whisky, queira fazer o favor de lavar as mãos para comer. Se não, pode comer aqui fora mesmo no chão.

Entrou em casa e fechou a porta com um baque.

Lucius segurou a garrafa e deu outro gole.

-Essa mulher tem gênio forte, rapaz. Se pensa em se envolver com ela, tenha bastante cuidado.

-Não penso em me envolver com ninguém.

-Pode ser que sim, pode ser que não – Lucius se levantou e sacudiu as calças – Mas ela sim, tem planos. E é muito difícil dizer não a uma mulher assim.

Sarah conversou cortesmente durante a refeição, com o mesmo ar de quem estivesse se dirigindo a convidados de um jantar formal. Tinha os cabelos enfeitados e presos e havia trocado o vestido. Serviu o cozido em frigideiras de ferro, mas o fez com tanta elegância como se estas fossem de fina porcelana.

Jake pensou em sua mãe e como gostava de servir a comida aos domingos.

A jovem não mencionou o que havia ocorrido na cidade e estava claro que não tinha nenhum interesse em ouvir falar sobre o assunto. Jake estava achando difícil acreditar que fora a mesma mulher que ele tinha tirado do chão do Estrela de Prata. Mas de deu  conta que de vez em quando ela fazia uma careta. Era evidente que tinha dores. Jake suprimiu um sorriso e se entreteve em imaginar como podia ajudá-la a melhorar quando o sol se escondesse.

-Quer mais cozido, Lucius?

-Não, srta. Estou satisfeito. Acho que vou dar um passeio antes de alimentar os animais. Vai ser uma noite muito bonita – deu uma olhada nos dois – Depois de uma comida assim, dormirei como um bebê. Acho que nem acordarei até amanhã. Foi um ótimo jantar, srta Sarah.

-Obrigada, Lucius.

Jake afastou sua cadeira também.

-Acho que também gostaria de um passeio.

-Vá em frente.

O homem a segurou pela mão.

-Preferia que viesse comigo.

Sarah sorriu. Era a primeira vez que ela a convidava para fazer algo tão comum e romântico como dar um passeio.

-É muito amável da sua parte, mas tenho que lavar os pratos. Alice pode acordar a qualquer momento. Acho que agora ela poderia comer um pouco.

-Acho que posso me ocupar por uma ou duas horas. Quando terminar vamos dar o passeio.

A jovem o olhou através dos cílios.

-Talvez – ele a sentou sobre os joelhos e ela começou a rir. Ora senhor Redman, o sr é muito bruto.

Jake acariciou com gentileza a linha dos olhos.

-Então será melhor ir com cuidado. Beije-me, Sarah.

-E se não beijar? – sorriu ela.

-Mas vai beijar –lambeu-lhe.o lábio inferior – Não vai?

E Sarah o beijou. Beijou com força e passou os braços pelo pescoço dele.

-Não demore muito – resmungou ele.

Voltou a beijá-la e em seguida a colocou de pé. A jovem suspirou e olhou até ele fechar a porta.

Quando terminou de cuidar de Alice, saiu à luz do crepúsculo. Fazia muito calor e ela nem pensou um pegar um xale, mas baixou as mangas do vestido e abotoou os punhos. Tinha marca nos braços que não gostaria de mostrar.

De onde estava, podia ouvir Lucius falando com Lafitte. Fechou os olhos e deixou que brisa acariciasse seu rosto. Se se concentrasse, podia sentir o suave aroma da sálvia. E se esforçasse, podia imaginar a si mesma sentada na varanda.que pensava ter, contemplando o por do sol, enquanto Jake fumava um cigarro e ouvia a seu lado a música da noite.

Voltou a realidade e olhou ao redor. Deu uns passos e ouviu o barulho de um martelo contra madeira. Sarah o viu, derrubando um velho poste. Tinha tirado a camisa e o suor cobria seu rosto.

Estremeceu e o contemplou por um momento. Lembrou do que ele a fizera sentir umas noites atrás e desejou poder repetir tudo.

Jake levantou a cabeça e a viu. O vento balançava sua saia e seu cabelo. Seus olhos, quando ela se aproximava dele pareciam maiores e escuros.

-Tem um jeito de andar que me dá água na boca, Duquesa.

-Não acho que tenha sido esse o objetivo das freiras quando me ensinaram a andar, mas fico contente.- foi para os braços dele com naturalidade - Fico muito contente.

Pela primeira vez em sua vida, se sentiu nervoso diante de uma mulher e a afastou.

-Estou suado.

-Eu sei – Tirou um lenço do bolso e limpou o rosto – Que está fazendo?

-Você disse que queria criar uns porcos. Vai precisar de um chiqueiro – pegou a camisa e a vestiu.- Que você está fazendo?

-Olhando você. Levou a mão ao peito dele, onde a camisa continuava aberta. – Lembrando. E me perguntando se ainda me deseja tanto como antes.

O homem afastou a mão dela.

-Não, já não a desejo mais – pegou a pistola, mas em vez de prendê-la no quadril, colocou-a no ombro. – Por que não damos aquele passeio?

A jovem segurou a mão dele, contente.

-Quando cheguei aqui, me perguntava o que prendia meu pai aqui. A princípio pensei que era por minha causa, porque queria me dar tudo que achava que eu precisava. E isso era muito dolorido. Depois comecei a compreender que, mesmo que isso fosse importante, e muito, ele era feliz aqui. É mais fácil aceitar a sua morte, sabendo que era feliz.

Começaram a andar em direção ao riacho que agora ela conhecia tão bem.

-Eu não acreditava que fosse ficar. Quando a trouxe aqui pela primeira vez, parecia que tinha levando uma pancada na cabeça.

-Eu acho que me sentia assim mesmo. Perder meu pai foi...Bem a verdade e que eu o havia perdido muitos anos antes. Para mim continuava sendo como no dia em que partiu. Não lhe contei que ele inventou uma historia. Contou-me que havia construído uma linda casa, com a veia de ouro que encontrou na mina. Ele a  descreveu, inclusive: tinha quatro dormitórios, um salão com as janelas dando para o oeste, uma ampla varanda com colunas redondas, - sorriu – Talvez achasse que eu precisava de tudo isso, ser dona de uma casa grande com escadarias  e paredes altas e frias.

-Você nasceu para isso – comentou ele, olhando para ela.

-Eu nasci para você. – Se levantou e lhe estendeu a mão.

-Eu desejo você, Sarah. Mas não posso oferecer mais que uma manta para estender no solo.

A jovem olhou as coisas que ele havia trazido até o riacho. Aproximou-se e pegou a manta. O sol já tinha se posto e o ar era mais suave. O céu tinha adquirido uma cor azul escuro.

Estendeu a manta no chão duro. Sarah estendeu os braços para ele.

Foi como a primeira vez, e sem duvida, diferente. O desejo e a paixão, continuavam ali, mas estavam acompanhados de um conhecimento, de uma magia que podia se fazer entre eles.

A jovem percebeu o desejo no beijo dele, mas também uma ternura com que tinha sempre sonhado.

Seduzida por ela, sussurrou o nome dele. A pele dele era suave, debaixo dos seus dedos. Seu corpo, tão diferente do dela, a atraía, obrigando-a a conhecê-lo melhor.

Uma suave languidez se apoderou dela, quando começou a tirar sua roupa. Os dedos dele se moviam devagar. Ao ficar nua, sentiu o vento contra a pele e em seguida a boca dele, movendo sobre ela. Suspirou.

Jake queria dar a ela algo que não havia dado nunca a outra mulher. O tipo de amor que ela merecia.

A ternura era algo novo para ele, mas parecia surgir de modo natural.

Sarah o desnudava também, mas as roupas não eram de algodão ou seda, e sim de cinismo e medo, a armadura que ele se utilizava para sobreviver, do mesmo modo como utilizava as pistolas.

Com ela, estava indefeso, mais vulnerável do que jamais havia estado, desde a infância. Com ela se sentia mais homem do que jamais havia esperado sentir.

A jovem percebeu a mudança, a explosão de sentimentos, necessidades e desejos que o invadiam, e ficou sem fôlego, sentindo ao mesmo tempo uma incrível força. Sem entender, sem que fosse pedido, respondeu com toda a força do sentimento que tinha no coração.

Em seguida veio a tormenta, selvagem, interminável. Sarah gritou ao sentir-se arrastada numa onde de paixão. Um onda de sensações a levou e perdida nela, apertou-se contra a cabeça de Jake.

Ela era como uma força selvagem que alguém acabara de desencadear. O homem sentiu seus tremores de prazer e pensou que a resposta dele era como um milagre, mesmo que fizesse tempo que ele não acreditasse mais neles. Podia dar muito pouco a ela, além do prazer do seu corpo, mas ao menos isso ele lhe daria.

Levantou a cabeça, beijou-lhe os lábios e se entregou a ela.

Muito depois da sua respiração ter se acalmado, Jake continuava caído sobre ela, com o rosto enterrado dos seus cabelos. Sarah tinha lhe dado paz, e mesmo que fosse por pouco tempo, nesse momento queria se regorgizar nela.

Não queria se apaixonar, não se atrevia a arriscar. E continuava sem poder confessar a ela, mesmo agora, quando não podia esconder dele mesmo.

-Lucius tinha razão – sussurrou ela.

-O que?

-É uma noite linda – acariciou as costas dele – É uma noite muito bonita.

-Está machucada?

-Não – Passou os braços em torno dele para estreitá-lo mais - Não se mova ainda.

-Sou pesado e você está com o corpo ferido.

-Eu tinha esquecido delas - sorriu ela.

O homem acariciou o rosto dela fascinado.

-Você é tão bonita quanto um sonho.

Sarah beijou a mão dele.

-Não tinha me dito que eu era bonita.

-Claro que disse – se moveu, frustrado por sua falta de palavras - Ou deveria ter dito.

A jovem se enroscou contra ele.

-Estou me sentindo bonita agora.

Jake a olhou por um momento em silencio.

-Está com frio – disse.

-Um pouco.

A homem se sentou e buscou a blusa dela no monte de roupas abandonado. Sarah sorriu e levantou os braços sobre a cabeça. Quando ele terminou de colocar a roupa, passou-lhe os braços em torno do pescoço.

-Eu achei que iria me esquentar de outro jeito – resmungou.

Jake soltou uma risada, e lhe acariciou o quadril.

-Acho que já disse outras vezes que você aprende depressa.- Baixou-se o ombro da camisa. Pode fazer algo para mim?

-Sim.

-Fique de pé dentro do riacho.

A jovem olhou para ele surpresa.

-O que disse?

-Eu gostaria de vê-la no riacho, coberta apenas pela camisa. Como naquela primeira noite.

-Que primeira noite? – ela continuava surpresa – Você estava me olhando enquanto eu...!

-Só queria me certificar que você estava bem.

-Você é terrível – tentou se afastar, mas ele não deixou.

-Foi então que eu percebi o quanto eu queria tocá-la. Aquela noite tive um trabalho muito grande para dormir - mordiscou a garganta dela. A verdade e que eu não tenho dormido bem desde que a conheci.

-Chega.

-Vai ficar em pé no riacho?

-Não - Jake voltou a deitá-la sobre a manta e ela soltou uma gargalhada.- Vou me vestir e ira até a casa para ver como está Alice.

-Não é preciso. Lucius está lá para cuidar dela.

-Ah, entendo. Você o encarregou de cuidar dela.

-Suponho que sim. Você não vai sair daqui a menos que seja para entrar no riacho, se puder convencê-la a fazer isso por mim.

-Não vai me convencer. E eu não tenho intenção de dormir ao ar livre.

-Eu não tinha pensado em dormir muito – apertou-a contra ela – Nunca dormiu ao ar livre, contemplando o céu e contando as estrelas?

-Não – mas o faria aquela noite. Não desejava outra coisa – Você já contou estrelas alguma vez, Jake?

-Quando era menino. Minha mãe apenas dizia que eram imagens. As vezes me dizia os nomes, mas nunca pude voltar a vê-las.

-Eu te ensinarei uma - segurou a mão dele e começou a desenhar no ar.- É um cavalo, um cavalo com asas. Se chama Pegassus –segurou o fôlego. Veja uma estrela cadente.

Fechou os olhos e fez um pedido.

-Você quer me falar da sua mãe? – perguntou.

Jake não disse nada por um tempo, limitou-se a contemplar o céu.

-Era professora. Veio de St. Louis.

-E conheceu seu pai.

-Não sei muito da história. Meu pai queria aprender a ler e escrever e ela o ensinou.

-E enquanto o ensinava, eles se apaixonaram.

Jake sorriu. Como ela falava a historia soava tão bem.

-Acredito que sim. Ela se casou com ele e não foi fácil porque ele era meio apache. Queriam construir uma casa. Lembro que meu pai falava da terra com orgulho. Queria deixar alguma coisa no mundo depois dele.

Sarah compreendia bem aquela sensação. Ela sentia a mesma coisa.

-Eram felizes? – perguntou.

-Riam com freqüência. Minha mãe sabia cantar. Papai sempre falava de compra-lhe um piano algum dia, para que pudesse tocá-lo com em ST Louis. Mamãe ria e dizia que antes queria cortinas com bordas. Tinha esquecido disso, ela queria cortinas com bordas, murmurou.

Sarah apoiou a cabeça no ombro dele.

-Lucius me contou o que aconteceu. Sinto muito.

Jake não tinha se dado conta até aquele momento, do quanto necessitava falar sobre aquilo, contar a ela.

-Chegaram da cidade, eram oito ou dez homens, nunca soube direito. Primeiro colocaram fogo no depósito de grãos. Talvez se meu pai tivesse ficado em casa, se ele tivesse deixado eles dispararem, gritarem e se aliviarem, não tivessem feito nada mais. Mas eles voltaram. Meu pai sabia. Pegou seu rifle e saiu para proteger o que era seu. Deram-lhe um tiro ali mesmo na porta.

Sarah o apertou com força, revivendo aquilo com ele.

-Saímos correndo. Haviam provado o sangue, como os lobos e não parariam por ali. Minha mãe chorava, abraçava meu pai e chorava. Dentro do estábulo os cavalos gritam. O céu estava tão iluminado que pude ver o rosto deles enquanto punham fogo no resto.

E também ouvia o ruído do fogo e os lamentos da sua mãe.

-Peguei o rifle.Era a primeira vez que eu queria matar. É como uma febre no meu sangue. Como se uma mão se apoderasse de você, apertando forte. Minha mãe começou a gritar. Vi um dos homens apontando para mim. Eu tinha o rifle na mão mas era lento.Naquela época era melhor com o arco e flecha. Minha mãe se colocou na minha frente e quanto o homem apertou o gatilho, a bala a atravessou.

Sarah o apertou com mais força, estava chorando em silêncio.

-Um deles me bateu com um rifle ao passar. Quando acordei, era dia. Tudo havia sido queimado. A casa continuava soltando fumaça. A terra estava dura e eu doente, assim demorei quase todo o dia para enterrá-los. Passei a noite ali entre os túmulos. Disse a mim mesmo que se vivesse até a manhã seguinte, iria atrás dos homens que tinham feito aquilo para matá-los. De manhã eu continuava vivo.

A jovem não disse nada. Não podia. Não era necessário perguntar o que havia feito. Ela sabia. Havia aprendido a usar um revolver e havia encontrado os homens, pelo menos alguns deles.

-Quando Lucius chegou, contei o que tinha acontecido. Essa foi a ultima vez que contei isso a alguém.

-Não pense nisso.

Jake sentia as lágrimas dela em seu peito. Até onde sabia, ninguém tinha chorado por ele.

Segurou a mão dela e a beijos.

-Me ensine a ver a imagem no céu, Sarah.

A jovem se virou e começou a fazer desenhos no ar.

-No leste, as estrelas não são tão grandes ou tão brilhantes – ficaram alguns momento quietos, abraçados, escutando os sons da noite – Eu levava um susto cada vez que ouvia um coiote. Agora gosto de ouvi-los. Todas as noites quando leio o diário de meu pai.

-Matt tinha um diário? Jake se levantou, arrastando-a com ele.

-Sim – os olhos dele estavam tão intensos que ela se assustou – Que aconteceu?

-Já o leu?

-Não todo. Eu leio algumas paginas por noite.

-Posso lê-lo?

Sarah se tranqüilizou, mas um arrepio lhe percorreu a pele.

-Sim, se me disser porque quer lê-lo.

Jake se virou para pegar o cigarro em seus alforges.

-Só preciso lê-lo.

A jovem o observou acender o cigarro.

-Tudo bem, confio em você. Quando vai confiar em mim, Jake?

O homem apagou o fósforo,e o jogou de lado.

-Pense que seu pai gostaria que eu o lesse.

A jovem segurou seu rosto e o voltou para ela.

-Por que? Repetiu.

-Uma intuição, só isso – se afastou e soltou uma baforada  de fumaça – As pessoas só tem uma razão para colocar fogo. Quando aconteceu aquilo com você, só me ocorreu uma razão, que queria ver você longe daqui.

-Isso é ridículo. Eu não conhecia ninguém, então. O xerife disse que podiam ser vagabundos – olhou o rosto dele – Mas você não acha isso.

-Não. E não acho que Barker também acredite nisso. Nesta terra só há uma coisa que essa gente pode querer e é o ouro.

Sarah se sentou sobre as pernas impaciente.

-Mas aqui não tem ouro nenhum.

-E se tiver? – Jake respirou fundo e observou o rosto dela.

-Do que está falando?

-Lucius encontrou um veia, a mesma que Matt encontrou – olhou a chama do cigarro – Vai ser uma mulher rica, duquesa.

-Espere -colocou a mão na testa – Está me dizendo que a mina tem valor?

-Segundo Lucius, sim.

-Não posso acreditar - soltou uma gargalhada e moveu a cabeça – Nunca pensei que fosse mais que um sonho. Esta manhã comecei a me perguntar se... espere. Quanto tempo faz que sabe disso?

-Um pouco.

-Um pouco? E não lhe pareceu importante o bastante para me contar?

-Sim achei que era muito importante para não contar – apagou o cigarro no chão. –Nunca conheci uma mulher capaz de manter a boca fechada.

-Verdade?

-Sim,. Senhora.

-Eu sou perfeitamente capaz de manter a boca fechada. Mas porque tenho que manter?

Não tinha remédio, devia ser sincero com ela.

-Matt encontrou ouro e então morreu.

-Foi um acidente - se interrompeu e ficou quieta gelada - Está tentando me dizer que meu pai foi assassinado? Não pode ser.

Começou a se levantar, mas ele estendeu o braço e a segurou.

-Durante dez anos trabalhou na mina sem tirar mais que algumas pepitas de vez em quando.Depois que encontrou a veia, acontece o desabamento e morre.

-Não quero pensar nisso.

-Vai ter que pensar. A mina e sua agora e ela tem ouro. Não vou permitir que aconteça a você o que aconteceu com Matt.

Sarah fechou os olhos. Era muito difícil aceitar tudo aquilo. Sentiu uma mistura de medo, desespero e uma nova dor. Levantou a mão para pegar a dele, e lutou para acalmar-se. Jake tinha razão. Tinha que pensar naquilo. Logo teria que fazer. Quando abriu os olhos, seu olhar era firme e claro.

-Diga o que quer que eu faça.

-Confie em mim.

Beijou-a e a deitou com suavidade sobre a manta. Ela havia lhe dado paz no começo da noite, agora era a vez dele de fazer o mesmo por ela.

 

-Estou me sentindo melhor, srta. Conway – disse Alice, bebendo da xícara.

Não queria se queixar das suas costas, nem da dor das feridas quando passava o ungüento. A luz da manhã iluminava os arranhões e parecia aumentá-los, dando-lhe um aspecto mais jovem e vulnerável.

-Está com aspecto melhor – disse Sarah.

Não estava sendo totalmente sincera, assim jurou mantê-la afastada do espelho alguns dias a mais.

Mesmo que a irritação havia melhorado bastante, a ferida no olho ainda preocupava, e decidiu ir à cidade com ela visitar o medico.

-Tente comer esse ovo cozido. Precisa recuperar as forças.

-Sim, senhora – obedeceu em silencio –Srta. Conway?

-Sim.

-Esta noite usei a sua cama. Não posso fazer isso. Não está certo.

Sarah afastou o prato de lado, sorridente.

-Alice, posso assegurar que esta noite estava muito bem acomodada.

-Mas, srta...

-Se continuar assim vou pensar que é mal agradecida.

-Oh! – Alice olhou para ela, horrorizada – Não, senhora.

-Bem então, esqueça- se levantou – Pode demonstrar sua gratidão sendo uma boa paciente e procurando descansar. Se você quiser, mais tarde pedirei a Lucius que a leve para baixo e poderemos sentar para conversar um pouco.

-Adoraria, srta. Conway, se não fosse por Eli e pela senhora, acho que teria morrido. Tenho algum dinheiro guardado. Não é muito, mas gostaria que aceitasse por todo o trabalho que causei.

-Não quero seu dinheiro, Alice.

A garota se ruborizou e afastou o olhar.

-Sei que acha que é dinheiro sujo, mas ...

-Não – segurou a mão dela com firmeza – Isso não tem nada a ver. Eli pediu dinheiro à você para tirá-la  da cidade?

-Não, mas Eli é um amigo.

-Eu gostaria de ser sua amiga também, se me permitir. Agora descanse e podemos falar disso mais tarde.

Apertou a mão dela, recolheu os pratos e começou a descer a escada. Sentiu uns dedos fecharem-se em sua  cintura e  reprimiu um grito.

-Já falei que você não precisa de espartilho.

Sarah o olhou por sobre o ombro.

-Por isso não conseguia encontrá-lo esta manhã?

-Estava lhe fazendo um favor.

Segurou-a nos braços e a beijou.

-Jake, Alice está...

-Não creio que vai desmaiar se ver o que estou fazendo – Soltou-a para vê-la melhor – É um prazer olhar você, Duquesa.

A jovem ficou ruborizada.

-Então por que não senta e fica me olhando enquanto eu preparo o café da manhã, perguntou.

-Eu adoraria, mas tenho algumas coisas para fazer – Acariciou o cabelo dela - Sarah, deixe-me ler o diário de  Matt.

Ela baixou os olhos. Durante a noite, depois de fazer amor e antes de dormir, não tinha deixado de  pensar no que Jake lhe dissera. Uma parte dela se perguntava se não seria melhor deixar as coisas como  estavam, não averiguar o que tinha ocorrido de verdade. Mas outra parte havia aceitado a necessidade de agir.

-Sim – se aproximou do lugar e removeu a pedra - Eu o encontrei na primeira noite. Seu diário, suas  economias e a escritura da mina;

Estendeu o livro a Jake ele reprimiu o desejo de abri-lo naquele instante. Se encontrasse o que procurasse, tinha uma serie de coisas para fazer antes de contar algo a ela.

-Se você não se importa, vou levá-lo comigo.

Sarah abriu a boca para protestar, mas lembrou que ele tinha pedido pára confiar nele.Talvez fosse a melhor forma de mostrar a ele que confiava.

-Está bem, disse.

-E a escritura: Deixe que eu a guarde até que descubra o que procuro.

A jovem a estendeu sem vacilar, nem fazer perguntas.

-Assim sem mais? – murmurou ele.

-Sim - sorriu – Assim sem mais.

Jake ficou se fala diante daquela demonstração de confiança.

-Sarah, quero...

Se interrompeu. O que ele queria? Cuidar dela, protegê-la, amá-la e possuí-la. Não tinha direito a isso.

-Vou cuidar disso-prometo.

A jovem levantou as sobrancelhas.

-Pensei que nós íamos cuidar disso juntos – comentou.

-Não-segurou o queixo dela – Deixe para mim. Não quero que aconteça nada com você.

-Por que? – sorriu ela

-Porque não. Quero que.. – se interrompeu e se aproximou da janela – Você tem companhia. Parece que é  a sra. Cody e sua Filha.

-Oh! – Sarah se apressou em prender o cabelo – Devo estar com um aspecto terrível.

-Está linda – assegurou ele abrindo a porta.

Sarah tirou o avental e foi para fora.

-Acho que souberam do acidente ... – murmurou.

-Acho que sim. –Jake enfiou a escritura e o diário no alforge.

-Não é preciso que fique com essa cara tão divertida – A jovem reprovou – Bom dia, sra Cody. Liza.

-Bom dia Sarah – Anne Cody parou os cavalos – Espero que não se importe com uma visita tão cedo.

-Em absoluto. Sempre é um prazer vê-las.

Anne olhou para o cão, que havia se aproximado, latindo para os cavalos.

-Olhe como ele cresceu – estendeu a mão – Sr. Redman?

Jake se aproximou para ajudá-las a descer da carruagem e logo colocou a silha no ombro.

-Tenho que ir – Levou a mão ao chapéu como saudação – Senhoras.

-Sr. Redman – Anne estendeu a mão para detê-lo – Posso falar um minuto com você?

O homem colocou a sela no chão.

-Sim, senhora.

-Meu filho John está há semanas perseguindo o senhor. Estou surpresa com a sua paciência com ele.

-Ele não me atrapalha, não me aborrece. – comentou.

Anne o observou com curiosidade.

-Você é um homem muito amável, sr, Redman, mas não sei se acredito.

-Johnny pode ser muito pesado – interveio Liza.

Sua mão a olhou com indulgência.

-Parece que meus filhos tem algo em comum – se virou para Jake – Está passando uma fase que acha que  todos os meninos da sua idade passam. As armas e as brigas o fascinam. Tenho que admitir que isso me  preocupa.

-Procurarei mantê-lo à distancia – disse Jake, virando-se para partir.

-Sr. Redman, espere. Ainda não terminei.

-Mamãe – Liza empalideceu ao ver o olhar frio dos olhos de Jake - Talvez devesse deixar o sr Redman em paz.

-Sua mãe tem algo a dizer – interveio Jake – E suponho que deveria dizê-lo.

-Obrigada – Anne tirou as luvas, satisfeita – Johnny estava muito excitado pelo que ocorreu aqui entre  Burt Donley e você. Durante dias não falou de outra coisa. Inclusive pediu a seu pai para lhe comprar  um revolver. O sr. Cody e eu estávamos começando a perder a paciência com ele.

Fez uma pausa medindo as palavras.

-Mas agora veio dizendo outra coisa. Disse que matar não fazia com que um homem fosse alguém importante. Disse que um homem bom não buscava brigas, e sim evitava o quanto pudesse e só lutava quando não houvesse outro remédio.

Anne sorriu pela primeira vez:

-Imagino que eu estava dizendo a mesa coisa, mas se ele ouvisse de mim ou de seu pai, não acreditaria em nós. Me pergunto quem o fez pensar dessa forma – voltou a estender a mão.- Quero dizer que agradeço muito.

Jake olhou para mão que ela lhe estendia. Estava tão pouco acostumado a aquele tipo de gesto que nunca sabia bem como devia reagir.

-Ele é um bom menino, sra Cody. Ele saberia disso antes ou depois.

Anne avançou até a porta da casa e logo se virou.

-Maggie O`Rourke tem uma ótima opinião sobre você. Creio que agora eu sei porque. Não vou prendê-lo mais, sr. Redman.

Não muito seguro do que responder. Jake levou a mão ao chapéu e foi para seu cavalo.

-Ele é um grande homem, Sarah – comentou Anne – Se eu fosse você, me despediria dele como se merece.

-Sim, eu..-olhou para a mulher e em seguida para Jake, sem saber o que fazer.

-Não se importa se eu preparar o chá, não é? – perguntou Anne, desaparecendo dentro da casa.

-Não por favor,  sinta-se em casa – olhou de novo para Jake – Só demoro um minuto – correu até ele- Jake!. Espere. Quando vai voltar?

O homem colocou a sela no cavalo.

-Mas eu ainda não fui.

-Esperava que viesse jantar.

-Isso é um convite?

-A menos que prefira fazer outra coisa.

Jake segurou-a pelo braço.

-Não recebo freqüentemente convite para jantar com mulheres bonitas.

Ficou olhando para a casa. Não havia duvida que algo dentro dele tinha mudado quando começava a pensar na idéia de ter um lar.Mas não sabia o que fazer a respeito.

-Se eu soubesse que ia demorar tanto tempo para responder, não teria me incomodado - comentou Sarah, chateada.

Jake a segurou entre os braços.

-Você se chateia facilmente – Beijou-a nos lábios – Essa é uma das coisas que mais gosto em você.

-Solte-me – mas rodeou-lhe o pescoço com os braços - A sra. Cody pode nos ver. Bem, vai vir jantar, sim ou não?

Jake montou de um salto.

-Sim, virei jantar.

-Estará pronta às sete- disse ela.

O viu afastar-se a galope e ficou contemplando até que desapareceu na distancia. Em seguida segurou as saias e correu para casa. Ao aproximar-se, ouviu o choro de Alice.

Liza estava de pé ao lado da cozinha, ocupando-se da água fervendo.

-Sarah, mamãe...

Mas a jovem subia correndo a escada disposta a defender a sua protegida.

Anne Cody tinha Alice nos braços, acarinhando-a com gentileza.

-Vamos, querida, chore tudo o que quer – murmurou- Assim irá esquecer mais facilmente.

Deu uma olhada de advertência para Sarah e a jovem viu que tinha os olhos úmidos. Desceu lentamente a escada.

-Alice chamou por você- explicou Liza – E mamãe subiu para ver se ela precisava de algo - deixou de lado a água do chá – Sarah, o que está havendo?

-Não estou muito certa de saber.

Liza olhou em direção à Alice e perguntou em voz baixa.

-Bateram muito nela?

-Sim, Foi horrível, Liza. Nunca tinha conhecido uma pessoa que pudesse machucar tanto a outra.

Começou a cortar um pedaço de torta de mel.

-Ela trabalhava mesmo para Carlota?

-Sim Liza, não é mais que uma menina, mas jovem que eu ou você.

-Verdade? – Liza se aproximou de Sarah – Mas no Estrela de Prata, deveria...

-Não teve escolha. Seu pai a vendeu a um homem por vinte dólares.

-Mas isso...- a curiosidade deu lugar à fúria – E nele que deveria ter batido. Seu próprio pai! Alguém deveria...

-Cale-se Liza – Anne desceu as escadas em silêncio – Ninguém merece uma surra.

-Mamãe, Sarah disse que seu pai a vendeu por dinheiro, como se fosse um cavalo.

Anne olhou para a dona da casa.

-Isso é verdade?

-Sim. Escapou e acabou no Estrela de Prata.

A mulher apertou os lábios.

-Agora preciso de uma xícara de chá.

-Muito bem – Sarah se aproximou da cozinha – Sente-se, por favor – tirou a toalha que tinha feito com retalhos – Espero que goste dessa torta. É uma receita que a cozinheira de uma amiga da Filadélfia me deu.

-Obrigada, querida. Anne esperou que se sentasse. Alice está dormindo. Não estava certa de que tivesse feito a coisa certa em acolhê-la aqui. A verdade é que vim esta manhã porque estava preocupada.

-Tinha que socorrê-la.

Não, não é certo, mas fez o correto e estou muito orgulhosa de você. Essa garota precisa de ajuda.

Suspirou e olhou para Liza. Seus filhos sempre tinham tido um prato de comida e um teto sólido sobre suas cabeças; e um pai que os amava. Decidiu que deveria agradecer a Deus por seu marido.

-Alice Johnson passou muito mal.

Anne bebeu um gole de chá. Havia tomado uma decisão. Só tinha que convencer o seu marido. Sorriu. Nunca era difícil convencer um homem de coração terno. As outras mulheres da cidade se mostrariam mais duras, mas ela conseguiria.

-O que essa garota precisa é de um trabalho honrado e uma casa de verdade. Quando estiver bem, creio que deveria vir trabalhar na loja.

-Oh Sra.Cody!!!

Anne levantou a mão para interromper Sarah.

-Quando Liza se casar com Will, vou precisar de ajuda. Pode ficar no quarto de Liza.

Sarah se inclinou para abraçar a mulher.

-A sra é muito amável. Falei com Alice sobre algo assim, mas me disse que as mulheres da cidade não a aceitariam nunca depois de ter trabalhado para Carlotta.

-Você não conhece a minha mãe - disse Liza com orgulho – Vai convencer a todos, uma por uma, não é mamãe?

Anne acariciou sua cabeça.

-Pode apostar o que quiser – satisfeita, mordeu um pedaço de torna – Sarah agora que já solucionamos isso, creio que tenho que falar agora sobre sua visita ao Estrela de Prata.

-Visita?

-Já sabe, quando brigou com Carlotta – interveio Liza – Todo a cidade só  fala no  modo como se comportou. Dizem que até deu um soco em Jake Redman. Eu gostaria de ter visto. – Captou o olhar de desaprovação da mãe – Ah..certo.

-Oh meu Deus – Sarah cobriu o rosto com as mãos – Toda a cidade?

-A sra Miller estava na porta quando entrou o xerife - Liza  pegou um pedaço de torta. Você sabe como ela gosta de falar.

Sarah gemeu e Anne balançou a cabeça.

-Querida, fique quieta um pouco – se voltou para Sarah e tirou-lhe as mãos do rosto – Tem que admitir que surpreendeu a todos entrando naquela casa e brigando com essa mulher. A verdade é que uma mulher decente como você, nem devia saber que esses lugares existem.

-Não se pode viver em Lone Bluff e não saber – Liza a interrompeu – Até Johnny...

-Fique quieta! – interveio a mãe- Como não tem família, decidi vir eu mesma para falar-lhe disso. – deu outro gole no chá – Bem, maldição. Agora que eu vi a garota, eu mesma gostaria de ter batido em Carlotta também.

-Mamãe – exclamou sua filha, encantada – Você não faria isso.

-Não – Anne se mexeu em sua cadeira – Mas eu gostaria. E isso não quer dizer que deva voltar àquele lugar, Sarah.

-Não – sorriu a jovem – Creio que não tenho nada a fazer ali.

-Também lhe deu um bom soco, hein? – disse a mulher observando seu olho.

-Sim, Sarah começou a rir – Mas feri seu lábio e provavelmente quebrei seu nariz.

-Serio? Gostaria de ter visto – comentou Liza, sua mãe a olhou ameaçadora – Bem, não é como se tivesse sido eu que tivesse entrado lá...

Anne voltou a beber seu chá e em seguida deixou de lado seu ar reprovador.

-Bem, maldição, vai nos contar como é o lugar por dentro, sim ou não?

 

Carlotta jazia em sua cama de plumas repassando mentalmente o ocorrido. A luz era suave. Apesar de ser ainda nove horas, se serviu de uma dose de whisky da garrafa colocada sobre a mesinha de cabeceira.

Deu uma olhada ao redor.

As paredes estavam cobertas com listas vermelhas e prateadas. As cortinas de veludo vermelho caiam pelas janelas. A faziam lembrar de rainhas e palácios. A almofada era da mesma cor, mas precisava de uma limpeza, mas Carlotta quase nunca notava a sujeira.

Na cômoda, decorada com anjinhos pintados, havia um conjunto de escovas de prata, decorado com um C elaborado. Aquele era o único monograma que usava. Não tinha sobrenome, pelo menos nenhum que gostasse de lembrar.

Sua mãe sempre havia tido um homem em sua cama. Carlotta sozinha dormia num colchão de palha em um canto. Odiava o modo como os homens usavam sua mãe, mas isso não era nada comparado ao desgosto de ver as lágrimas de sua mãe quando os homens partiam.

Recordou que a mulher só dizia que era uma prostituta para alimentar sua filha. Se isso fosse certo, por que sua filha passava tantas noites com fome? Examinou o líquido âmbar do copo e encontrou a resposta. Sua mãe gostava de whisky tanto quanto ela.

Lembrou a noite em que saiu daquele quarto pela última vez. Tinha quinze anos e havia economizado quase trinta dólares que ganhara se vendendo para os mineiros. Não demorou para perceber que os homens pagavam mais pelas jovens. Sua mão não supunha que sua filha era sua maior concorrente.

Mas ela desprezava os homens. Pegava seu dinheiro, abria as pernas, mas não deixava de odiá-los. O ódio era bom substituto para a paixão. Seus clientes partiam satisfeitos e ela economizava até a última moeda.

Uma noite empacotou seus pertences, roubou vinte dólares da lata onde sua mãe guardava o dinheiro e foi para o Oeste.

A princípio trabalhou em salões, desfilando com roupas e elegantes e cosméticos. Juntou dinheiro, mantendo sempre em segredo as gorjetas que os homens lhe davam. Quando completou dezoito anos, tinha dinheiro suficiente para abrir um local próprio. Seu primeiro bordel era pouco mais que um quartinho numa cidade afastada do leste do Texas. Mas providenciou para que as garotas fossem tão jovens e belas quanto possível.

Tinha uma aventura esporádica com um jogador que vestia coletes de brocado e gravatas listradas. Ele encheu-lhe a cabeça de candelabros de cristal e almofadas vermelhas. Quando o deixou, levou-lhe seu alfinete de pérolas, duzentos dólares em moedas e seus próprios salários.

Então abriu o Estrela de Prata.

Um dia voltaria a mudar-se, daquela vez para a Califórnia. Mas tinha a intenção de fazê-lo com estilo. Se prometeu que conseguiria aqueles candelabros de cristal e uma banheira de porcelana, com alças de ouro.Ouro.Isso era precisamente o que precisava para tornar seu sonho realidade. E isso era o que esperava ter.

O homem que estava a seu lado seria a ferramenta que usaria para consegui-lo. Olhou para o rosto de Jim Carlson. Sabia que ele era tolo, mesquinho e fácil de manipular. Mesmo assim, era mais atraente que muitos outros homens com os quais tinha se associado. Seu corpo era rijo e forte, mas ela preferia outros corpos mais delgados, como o de Jake.

Fez uma careta e levou o copo aos lábios. Com Jake Redman havia violado sua lei mais importante. Se permitiu desejá-lo como a nenhum outro homem. Seu corpo respondeu ao dele de tal modo que pela primeira vez em sua vida, não teve que fingir atingir o êxtase que os homens queriam ver numa prostituta. Sentiu verdadeiramente. E naquele momento desejava voltar a senti-lo, como desejava o ouro e o poder. E aquela cachorra o tinha roubado dela.

É, tinha muita coisa a agradecer a Sarah Conway. Levou a mão ao queixo, pensativa. Muitas. Se vingaria dela, e ao se vingar ficaria com Jake e com o ouro.

Jim Carlson, sem saber, iria ajudá-la a obter as três coisas.

Deixou o copo sobre a mesinha, se virou e despertou o homem.

-Quero falar com você.

-Falar? – o homem lhe segurou os seios - Querida, tem um jeito muito melhor de gastar o meu dinheiro do que falando.

A mulher deixou que ele a acariciasse.

-Seu dinheiro terminou ao amanhecer, querido.

-Tenho mais – Mordeu-a com força.

-Normas da casa, Jim. Primeiro o dinheiro.

O homem lançou uma maldição e considerou a possibilidade de forçá-la. Mas se a forçasse, mesmo que conseguisse fugir de Eli, não poderia voltar nunca. Fez um gesto para levantar-se, mas Carlotta acariciou-lhe o braço com um dedo.

-Conversamos, Jim e eu lhe dou o resto de graça.

O homem a olhou surpreendido.

-Você não faz nada de graça.

-Converse comigo. Antes temos que falar sobre o ouro – ela notou como ele ficou tenso, e sorriu – Não se preocupe, Jim, Não direi a ninguém. Não direi a ninguém que você e Donley mataram Matt Conway.

-Estava bêbado quando lhe contei – passou uma mão pelos lábios, debatendo-se entre o medo e o desejo - Um homem diz muitas coisas quando está bêbado.

A mulher soltou uma gargalhada.

-Ninguém sabe disso melhor que uma prostituta, ou uma esposa, querido. Fique calmo. Afinal, quem lhe disse que Matt havia encontrado ouro? Quem lhe disse que sua filha viria e que tinha que agir rapidamente? Não tente me enganar, querido. Lembre-se, isto é de nós dois.

Jim estendeu a mão para a garrafa.

-Já lhe disse que quando Sam conseguir a mina, receberá a sua parte.

-E o que Sam está fazendo para conseguir a mina?

-Já lhe contei isso – murmurou ele, tomando um gole.

-Sim, a idéia de Sam era casar com a cachorra para ficar com a mina. Já teve tempo de sobra. Todo mundo sabe que ela não gosta do seu irmão, e sim de Jake Redman.

-E quanto a você? – tocou-lhe o hematoma no queixo – De quem você gosta?

-Daquele que me dar mais, querido.

Passou a língua pelos lábios, satisfeita ao ver como ele seguia seus movimentos.

Levantou-se, acariciou o corpo, detendo-se um pouco mais nos seios.

-Sabe, Jim? – começou a vestir uma camisola vermelha, tão transparente como cristal – Sempre gostei de homens que correm riscos, que sabem o que querem e o fazem. A noite em que você e Donley arrastaram Matt e o mataram? Lembra  bem como passamos aquela noite quando subimos aqui?

O homem umedeceu os lábios.

-Lembro.

-Era excitante saber que tinha matado um homem. Matado para conseguir o que queria. Eu sabia que estava com um homem de verdade. O problema é que desde então nada mais aconteceu. E estou esperando.

-Já lhe disse, Sam...

-Ao diabo com Sam! – se esforçou para reprimir o mau humor e sorriu - É muito lento, muito precavido. Um homem de verdade agiria, sem mais. Se quer a garota, porque não a toma? Talvez você pudesse tomá-la no lugar dele – se aproximou mais dele – Ela é o único obstáculo  no nosso caminho, Jim. Cuide dela e desta vez não me refiro a queimar apenas o estábulo.

Olhou para ele duramente.

-Machuque-a, Jim e estará pronta para dar-lhe a escritura. Em seguida mate-a. Quando estiver morta, venha ver-me e faremos o que quiser. Tudo. E não lhe custará um centavo.

Jim a segurou pela cintura.

-Vai cuidar dela?

-Sim, maldição. Venha aqui!

Carlotta sorriu, olhando o teto enquanto Jim se deixava cair em cima dela.

Uma hora depois, a mulher viu Jake entrar na cidade, da sua janela. Apertou os punhos com raiva, mas também com desejo. Tinha que fazer ele voltar para ela.

Se virou sorridente para Jim que estava se vestindo.

-Acho que é um bom momento para fazer uma visita a Sarah Conway.

 

Quando Jake entrou na casa de Maggie, a mulher o olhou com as mãos nos quadris.

-Isso é hora de chegar, rapaz? Não imagino porque um homem paga por uma cama, se nunca dorme nela.

-Também pago pelos frangos e os assados e não sou tolo o bastante para comê-los.

Começou a subir as escadas com ar resignado, seguro de que ela o seguiria.

-Pois não parece que lhe falte comida. Devem estar se alimentando em outro lugar.

-É isso.

-Sarah é uma boa cozinheira?

Jake não respondeu, apenas abriu a porta do seu quarto.

-Não precisa fazer mistério comigo, rapaz. É tarde demais. Toda cidade viu como a olhava no baile e em seguida saiu correndo da cidade depois de levar um soco na mandíbula.

Viu que ele sorria e sorriu também.

-Isso é melhor. Sempre achei que podia matar um homem com o olhar, da mesma forma que com uma arma. Mas não precisa me olhar assim. Acho que Sarah Conway é justamente o que você precisa.

-Verdade? E suponho que antes de me deixar, vai me dizer por que.

-Escute-me – respondeu a mulher, ficando séria de repente – Algumas pessoas nascem para ser bonitas. Desde que nascem estão cercadas de seda e pérolas. E há outras que tem que lutar muito por qualquer coisa. Você e eu sabemos disso.

Jake a olhou sem dizer nada.

-Alguns tem fome e alguns a barriga cheia – prosseguiu ela – Só Deus sabe por que fez as coisas assim. Mas não fez um homem melhor que outro. São os homens que decidem ser fortes ou fracos, bons ou maus. As vezes uma mulher os empurra para um lado ou para o outro. Aceite Sarah Conway, Jake, ela o guiará para o bem.

-Pode ocorrer o contrário – murmurou ele – É mais fácil mudar uma mulher que um homem.

Maggie o olhou com ar divertido.

-Jake, rapaz, tem muito o que aprender sobre as mulheres.

Quando ficou sozinho, Jake pensou que era a segunda vez em dois dias que lhe diziam isso. Mas não era numa mulher que tinha que pensar naquele momento, e sim no ouro e num assassinato.

Pegou o diário de Matt Conway e começou a ler.

Diferente de Sarah, não se importou com as primeiras páginas. Leu algumas do meio, onde Matt havia escrito sobre seu trabalho na mina e suas esperanças de encontrar algo grande. Mencionava Sarah de vez em quando e seu arrependimento por ter que deixá-la na escola, assim como o orgulho que tinha com as  suas cartas. Sempre manifestava o desejo de buscá-la.

Mas antes tinha que construir para ela uma casa de verdade, como a que tinha ela lhe descrito. Estava convencido que a mina iria permitir isso. Não tinha nunca perdido a esperança.

“Cada vez que entro ali, eu sinto. Não é só esperança, é uma certeza. Sempre estou certo que será hoje. Ali tem ouro, ouro suficiente para dar a Sarah a vida de uma princesa, a vida que eu tanto desejei dar a sua mãe. Como se parecem as duas. A miniatura que Sarah me enviou no Natal, poderia ser o retrato da minha querida Ellen. Ao olhá-la todas as noites antes de dormir, sofro pela menina que eu deixei e pela mulher que se tornou minha filha”.

Era evidente que ele havia recebido o retrato. Jake passou diretamente às ultimas páginas.

“Em todos os meus anos como mineiro, aprendi que o sucesso é tanto escorregadio quanto o sonho. Um homem pode ter um mapa e ferramentas, pode ser trabalhador ou vadio, mas há um fato que não se pode comprar nem aprender. A sorte. Sem ela, pode se cavar durante anos sem encontrar nunca a veia que busca. E isso é que aconteceu comigo.

Foi o destino que fez martelar o dedo com o martele? E quando me levantei cambaleante e com lágrimas de frustração e dor nos olhos, foi o destino que me fez cavar mais e mais o interior do túnel, movendo o pico como um louco?

E ali estava, debaixo dos meus dedos, então sangrando, brilhando contra a rocha escura. Corria como um rio estreito que se perdia na boca escura da mina, tornando grande e poderoso em seguida. Sei que não pode ser mas sem dúvida, brilhava como um ser vivo. Meu Deus! Até que enfim!

Não me envergonho de dizer que me sentei sobre o chão poeirento da mina, com a lamparina entre os joelhos e comecei a chorar”.

Jake ficou pensativo. Matt havia encontrado. Já não era um sonho, nem um pressentimento, e sim um fato. Havia encontrado seu ouro e então morrido. Talvez nas páginas seguintes falasse do porque e do como.

“Os homens ficam estúpidos com a idade? É possível, mas, por outro lado, o whisky entontece tantos os velhos como os jovens. Não precisa buscar desculpas. Um homem encontra o que procura depois de anos de suor. E o que faz? Busca uma mulher e uma garrafa e encontra as duas coisas no Estrela de Prata.

Tinha intenção de manter meu descobrimento em segredo durante um tempo, mas a carta de Sarah mudou tudo. Ela vem para cá. Minha filha está a caminho para se encontrar comigo. Não tem como prepará-la para o que irá encontrar. Graças a Deus logo poderei lhe dar tudo o que prometi.

Não era minha intenção falar com Carlotta sobre o ouro e a chegada da minha filha. O whisky e a fraqueza foram a causa. Sem duvida, na manhã seguinte, pagarei por minha indiscrição com uma terrível dor de cabeça. E a visita de Samuel Carlson? Poderia ser coincidência que agora, depois de tantos anos, queira a mina? Sua oferta foi generosa. Muito generosa para que eu não acredite que seus motivos são unicamente sentimentais. Talvez minhas suspeitas sejam infundadas. Aceitou bem a minha negativa e deixou a oferta aberta. Sem duvida, tinha algo estranho no modo como fez calar seu irmão e o tal de Donley. Amanhã irei à cidade e contarei o que descobri para Barker. Talvez seja uma boa idéia contratar uns homens para me ajudem na mina. Quanto antes começar, mas rápido irei construir a casa que Sarah acredita que a está esperando”.

Aquilo foi a última coisa que ele havia escrito. Jake fechou o livro e se levantou. Já tinha o que procurava.

 

-Senhoria Sarah, parece que vai à cidade.

A jovem suspirou e ajustou o chapéu.

-Outra vez, Lucius?

O homem acariciou o queixo.

-Um homem passa muita sede com esse trabalho.

-Está bem.

Tinha conseguido curá-lo do seu ódio à água, mas sabia que tirar a sua paixão pelo whisky levaria mais tempo..

-Eu lhe agradeço, srta – sorriu – E veja se já chegou a madeira que encomendou. Ficarei muito feliz em construir o assoalho quando a trouxer.

-Pode terminar de construir o chiqueiro que Jake começou. Tenho intenção de comprar alguns porcos.

-Sim, sra. – cuspiu no chão. Construiria o maldito chiqueiro, mas se enganavam em pensar que iria cuidar dos porcos – Srta Sarah, estou com pouco fumo.

A jovem levantou os olhos para o céu.

-Verei o que posso fazer. Não se afaste muito de Alice. Faça com que tome o caldo e descanse.

Ouviu que ele murmurava algo sobre se passar por enfermeira e sorriu.

-Voltarei por volta das três horas. Esta noite quero preparar um jantar muito especial – Deu uma última olhada para ele – Será melhor trocar de camisa.

Segurou as rédeas e partiu antes de dar uma gargalhada.

A vida era maravilhosa. Talvez fosse rica, como havia dito Jake, mas o ouro não lhe importava. Muitas coisas que antes eram importantes haviam perdido o significado. Estava apaixonada e todo o ouro do mundo não podia comparar  o que sentia.

Ele a faria feliz. Podia levar tempo, dedicação e um pouco de paciência, mas faria Jake compreender que juntos podiam ter tudo o que desejassem. Um lar, filhos, raízes, uma vida maravilhosa.

Percebeu que um cavaleiro se aproximava, e por instante o coração bateu muito forte. Mas não era Jake. Observou Jim Carlson, acelerar o ritmo da cavalgada e se aproximar dela. Sarah tentou desviar, limitando-se a acenar com a cabeça, mas o outro fechou o caminho.

-Bom dia, senhora – inclinou-se para ela, cheirava a whisky – Está sozinha?

-Bom dia Sr. Carlson. Vou até a cidade e estou com um pouco de pressa.

-Verdade? – aquilo seria mais fácil do que tinha imaginado - É uma pena, eu estava indo para sua casa.

-OH! – ela não gostou do jeito dele olhar, e no caso dele o cheiro de whisky não parecia inofensivo – Posso fazer alguma coisa por você, sr. Carlson?

-Claro que sim – Tirou o revolver do coldre – Desça da carroça.

-Você deve estar louco – disse ela, fazendo um gesto para pegar o rifle.

-Nada de armas, sra. Seria uma pena que tivesse que decepar uma mão tão bonita. Disse para descer da carroça.

-Jake vai matá-lo se me tocar.

Jim tinha pensado nisso. Mas havia decidido mudar os planos de Carlotta. Não a mataria, a menos que ela fizesse alguma estupidez.

-Ah também tenho planos para Redman, preciosa. Não se preocupe. Desça da carroça antes que eu mate os cavalos.

Sarah não duvidou que ele cumpria a promessa. Desceu da carroça e ficou em pé de lado.

-Santo Céu! Como é bonita. Por isso Sam gostou tanto de você – desmontou do cavalo, sem soltar o revolver – Você tem o porte de uma dama, como nossa mãe. Já vi seu retrato na casa. Sam gosta muito de retratos.

Levantou uma mão para tocar o rosto da jovem, e ela imediatamente afastou o rosto.

-E você também é geniosa. Mamãe estava louca – se aproximou mais e a empurrou contra a lateral da carroça – Sam disse que ela era delicada. Essa é a palavra que ele usava. Mas estava louca, tanto que o velho tinha que prendê-la por dias inteiros. Um dia, quando abriu a porta, viu que ela tinha se enforcado com uma bonita echarpe de seda cor de rosa.

Sarah olhava para ele horrorizada.

-Solte-me. Se Samuel souber do que fez....

-Acha que eu tenho medo de Sam? Talvez pense que ele é mais educado que eu, mais honrado. Mas somos irmãos. – Cravou os dedos no braço dela – Alguma vez deixou que alguém ficasse tão perto de você? Ou se guarda para o mestiço?

Sarah o estapeou com toda a força que foi capaz. Em seguida tentou enfiar as unhas com força, numa vã esperança de poder chegar até o cavalo. Sentiu o cano do revolver um pouco abaixo do queixo e ouviu o ruído do gatilho.

-Repita isso e com ouro ou sem ouro, a deixo aqui estirada para que os abutres tomem conta de você. Seu pai também tentou escapar.

Ele adorou  o olhar surpreso dela, e lhe deu o argumento que precisava.

-Pense no que aconteceu a ele e tome cuidado.

Acariciou como dedo o gatilho. Tinha mentido quando disse que não tinha medo do irmão. Se não tivesse medo de suscitar a raiva de Samuel, tinha dado um tiro nela ali mesmo.

-Agora faço o que eu digo e talvez viva um pouco mais.

 

-Uma leitura bem interessante - Barker terminou de ler  o diário de Matt e se abanou com se chapéu. Matt escrevia muito bem.

-Bem ou não, está bastante claro.

Jake se aproximou da janela. Estava enojado consigo mesmo por ter recorrido à lei em vez de tratar ele mesmo daquilo. Pensou mais uma vez na influencia de Sarah sobre ele. Ele estava mudando.

-É evidente que Matt acreditava que tinha encontrado ouro.

-Ele realmente encontrou. Lucius cavou até onde ele chegou. Estava ali, tal como ele escreveu.

Barker fechou o livro e se recostou na cadeira.

-Pobre Matt!. Quando encontra a veia, acontece o desabamento.

-Estava morto antes das vigas cederem.

Barker começou a mascar um pedaço de tabaco.

-Bem, talvez esteja certo, mas terá que provar. Não é fácil ir até o rancho de Carlson e falar que ele é um assassino, só com o diário. Espere um momento – acrescentou o ver que Jake pegava o livro da mesa. – Não disse que não ia fazer isso, disse que não seria fácil.

Continuou se abanando com o chapéu. Tinha que pensar direito em tudo aquilo. A família Carlson era muito poderosa e isso o preocupava.

-Tenho mais uma pergunta, Jake. Por que me trouxe o diário, em vez de ir direto lá e acabar com eles?

O jovem olhou nos olhos do Xerife.

-Devido ao meu profundo respeito pela lei – respondeu.

Barker  soltou uma gargalhada e cuspiu na escarradeira.

-Uma vez, antes da sra. Barker, conheci uma  mulher que mentia assim tão bem – colocou o chapéu com um suspiro – Não podia deixar de admirá-la. Seja qual for a sua razão, você trouxe até a mim, tenho o dever de fazer algo a respeito. Mesmo que tenha que admitir que não há nada mais cansativo do que cumprir um dever.

Estendeu a mão para pegar a pistola no mesmo momento em que a porta se abria.

-Xerife – chamou baixinho Nancy do umbral – tenho que falar com o senhor.

-Terá que esperar até que eu volte. Se um dos vaqueiros está armando uma briga no Estrela de Prata, não vou sair correndo para lá.

-Será melhor que me escute. Se faço isso é por Alice- olhou para Jake- Carlotta me arrancaria pele se souber que eu vim até aqui, mas acho que a srta. Conway não tratou Alice muito bem e eu creio que devo fazer algo por ela.

-Deixe de enrolar e diga o tem a dizer.

-É sobre Carlotta – Nancy baixou a voz. -Está muito cruel hoje.

-Ela já nasceu cruel – resmungou Barker – Certo, continue.

-A noite passada, ela levou Jim Carlson para o quarto. Normalmente não quer que os homens fiquem toda a noite com ela, mas ele continuava lá esta manhã. Meu quarto é do lado do dela e eu ouvi a conversa deles.

Jake a segurou pelo braço e fez com que ela entrasse na delegacia.

-Por que não me conta o que eles disseram?

-Dizia que Jim e Donley haviam matado Matt Conway e que ela queria que matassem a filha de Matt- deu um grito quando Jake apertou os dedos no braço dela. – Eu não tenho nada a ver, só vim aqui por que ela cuidou de Alice, quando Carlotta por pouco não a matou.

-Parece que vou ter que falar já com Carlotta - murmurou Barker.

-Não, não pode fazer isso – gritou Nancy aterrorizada – Ela vai me matar. Além disso é tarde demais para isso.

-Por que? – perguntou Jake.

A jovem levou as mãos à boca.

-Carlotta disse para Jim dar um susto em Sarah e logo. E quando tivesse a escritura da mina, era para matá-la. Isso foi a uma hora atrás, e eu não consegui escapar antes disso.

Jake saiu correndo, quando Barker o alcançou ele já estava montando.

-Will e eu o seguiremos agora mesmo.

Jake pôs o cavalo à galope. Ouviu ruído de cavalos às suas costas, mas não se voltou. Quando viu a carroça, a raiva que o dominava se converteu em medo. Saltou da sela e examinou os cavalos.

Barker saltou ao seu lado com surpreendente agilidade.

-Fique calmo. Se ele a levou para algum lugar, nos a encontraremos.

Levantou uma mão antes que alguém pudesse falar. Além de Will, outros três homens os acompanhavam, incluindo John Cody que ainda usava seu avental.

-Nós cuidamos dos nossos, Jake. Conseguiremos resgatá-la.

Jake se inclinou em silêncio e pegou o camafeu atirado no chão. O alfinete estava quebrado. Viu uns fios de tecido azul enganchados nele. Imaginou Sarah se defendendo com unhas e dentes, e soube na hora aonde a tinham levado. Saltou sobre a sela e tomou a direção do rancho de Carlson.

Tinha as mãos amarradas à sela Se fosse possível teria saltado, mesmo que não tivesse nenhum lugar para se esconder, pelo menos teria tido a satisfação de fazê-lo suar.

Tudo o que Jake havia dito sobre o ouro e sobre a morte de seu pai estava certo. Sarah não tinha nenhuma duvida de que o responsável por tudo estava sentado a seu lado.

À princípio pensou que ele a levaria para as colinas ou o deserto, onde poderia matá-la e esconder o corpo. Se surpreendeu quando viu se aproximar o rancho de Carlson.

Quando chegaram, ouviu um cachorro latir e Samuel saiu da casa, olhou para seu irmão com o rosto pálido.

-O que você fez?

Jim afrouxou o nó da sela e desceu a jovem ao chão.

-Trouxe um presente para você.

-Sarah, querida – Samuel desamarrou as mãos - Não sei o que dizer. Eu não sabia...

Se interrompeu e começou a massagear-lhe os pulsos.

-Deve estar bêbado. Leve esse cavalo para o estábulo, idiota – ele gritou para Jim – E venha logo para dentro. Quero que me explique isso.

Sarah ficou atônita ao ver que Jim encolhia os ombros e levava o cavalo para o estábulo.

-Samuel...

-Querida, não sei o que dizer – Passou o braço em torno da cintura dela – Não sei como me desculpar pelo comportamento do meu irmão. Está ferida? Meu Deus! Seu vestido está rasgado – Segurou-a pelos ombros e o seu olhar gelou o sangue dela - Ele a tocou, abusou de você?

A jovem negou com a cabeça.

-Samuel, ele matou meu pai. E fez isso pelo ouro. Existe ouro na mina. Ele soube e matou o meu pai.

O homem a olhou sem dizer nada;  limitou-se a olhá-la até que Sarah sentiu vontade de gritar.

-Samuel, tem que acreditar em mim.

-Você está muito nervosa - disse ele com secura – Não é de se estranhar. Venha para dentro.

-Mas ele...

-Não se preocupe com Jim. –Ele a conduziu para dentro – Não vai aborrecê-la mais, tem minha palavra. Quero que me espere no escritório – disse fazendo-a entrar num cômodo – Procure se acalmar. Vou resolver tudo.

-Samuel tenha cuidado, ele pode lhe fazer algo.

-Não se preocupe. Fará apenas o que eu disser.

Quando a porta se fechou, Sarah cobriu o rosto com as mãos. Não estava entendendo nada. Estava certa que Jim iria matá-la, então por que a tinha trazido até ali, onde Samuel poderia protegê-la?

Aquilo era uma loucura. Jim Carlson estava tão louco como sua mãe, mas em vez de matar a si próprio, tinha matado seu pai. Desejava chorar, mas não podia. Não podia chorar e nem ficar sentada ali.

Começou a andar pelo quarto. O escritório era pequeno, mas muito bem mobiliado. Havia delicados bibelôs de porcelana e uma aquarela. Refletia  o gosto de Samuel por coisas elegantes e bonitas. Pensou em quanto diferentes eram os dois irmãos.

Caim e Abel.

Levou a mão ao peito e correu até a porta. Se um dos irmãos matasse o outro seria por sua causa, não se perdoaria nunca.

Mas a porta estava trancada. Por um momento pensou que seus nervos não a deixavam abri-la. Em seguida respirou fundo e tentou de novo. A porta continuou trancada.

Virou-se e olhou ao redor. Por que a tinha trancado ali? Para protegê-la? Talvez Samuel pensasse que estaria mais segura trancada, até que viesse buscá-la. E se fosse Jim que voltasse com a chave? Sentiu o coração na garganta e procurou desesperadamente uma arma.

Abriu as gavetas da mesa, empurrando os papeis. Se não encontrasse uma pistola, ao menos haveria uma faca ou um abridor de cartas. Não queria que a pegassem desprevenida outra vez. Abriu a gaveta do meio e ficou paralisada ao ver a miniatura. Sua miniatura.

Pegou-a sem saber bem o que faria.

Era o auto-retrato que ela enviara para o seu pai,  no ano anterior e que não conseguiu achar entre as suas coisas: sem duvida, porque os assassinos dele o haviam levado.

Quando ouviu a chave girar na fechadura, não se importou em fechar a gaveta, nem esconder o que tinha na mão. Levantou-se para enfrentá-lo.

-Foi você – murmurou quando Samuel entrou no escritório e fechou a porta atrás dele – Você matou meu pai.

 

Carlson se aproximou até que estivessem separados apenas pela mesa.

-Sarah – murmurou ele com voz paciente, estendendo-lhe uma taça de chá fumegante – Compreendo que está alterada depois do indesculpável comportamento de Jim. Por que não senta e se acalma?

-Você matou meu pai – repetiu ela.

-Isso é ridículo – sua voz era gentil – Eu não matei ninguém. Tome, querida. Eu lhe trouxe uma xícara de chá.  Vai ajudar a se acalmar.

A sinceridade nos olhos dele a fez hesitar. Samuel deve ter notado, porque sorriu e deu um passo adiante. Sarah retrocedeu de imediato.

-O que isso faz em seu escritório?

Carlson olhou para a miniatura que ela tinha na mão.

-Uma mulher não devia revirar os pertences pessoais de um homem – disse com ar indulgente, deixando a xícara sobre a mesa. Mas, como já fez, vou confessar. Suponho que posso dizer que sou muito romântico. E quando o vi, fiquei apaixonado por você. Desejei desde o momento em que vi o seu rosto. Vamos Sarah, não pode me condenar por isso.

A jovem moveu a cabeça confusa.

-Como isso chegou até seu escritório.

Samuel olhou para ela com impaciência.

-Por acaso não basta que eu desnude minha alma para você? Você sabe desde o princípio o que eu sinto por você. Você me enganou.

E a olhou de um modo que a fez tremer.

-Não sei do que está falando – disse depressa, sem deixar de olhá-lo – Mas tem razão, estou fora de mim, e não sou eu mesma. Preferia ir para casa e deixar essa conversa para mais tarde.

Saiu de trás da mesa com o retrato apertado na mão e avançou até a porta. O homem a segurou com violência e a jogou contra a parede.

-É tarde demais. A interferência de Jim mudou tudo. A interferência dele e a sua curiosidade. Eu queria ser paciente com você, Sarah. Agora é tarde demais.

Seu rosto estava bem perto dela, perto o bastante para a jovem lesse claramente em seus olhos. Se perguntou com medo como não havia visto antes. A loucura era visível no olhar dele. Tentou falar, mas teve que engolir a saliva antes.

-Samuel, está me machucando.

-Eu a transformaria numa rainha - estendeu a mão e acariciou-lhe o rosto. A jovem estremeceu, mas não se moveu. –Eu lhe daria tudo o que uma mulher pode desejar: seda, diamantes; ouro... Meus Deus, Sarah!. O ouro me pertencia. Meu avô tinha direito a me legar essa parte da minha herança. E seu pai não tinha direito de negar o que era meu.

Sarah pensou que, se mantivesse a calma, talvez conseguisse acalmá-lo.

-Ele fez por mim – disse – queria assegurar-se que não me faltaria nada.

-Claro que sim. O mesmo que eu. Haveria de ser tanto seu quanto meu. Como minha esposa teria tido todos os luxos. Poderíamos voltar ao leste juntos. Esse era o meu plano. Eu a seguiria para o leste e a cortejaria lá. Mas você ficou. Não devia ter ficado, Sarah. Este não é lugar para você. Eu soube desde o momento que vi seu retrato. Estava lá, naquela cabana miserável, do lado do colchão. O encontrei quando procurava a escritura da mina.

Sua expressão mudou de novo. Estava petulante como uma criança par a qual negaram um pedaço a mais de torta.

-Fiquei muito chateado quando meu irmão e Donley mataram seu pai. Foi uma traição. Só tinha que convencer você a me dar a escritura. Logo em seguida, me ocorreu provocar o desabamento para esconder o que tinham feito. Não encontrei a escritura, mas sim, o seu retrato.

Sarah não acreditava que  estivesse ciente do quanto lhe apertava o braço.  Nem tampouco estava certa do quanto lhe dizia. Permaneceu quieta, em silencio, pois sabia que sua maior esperança era ganhar tempo.

-Delicada – murmurou ele – Um rosto tão delicado. A inocência brilhando em seus olhos, na curva suave da boca. Era mentira, certo? Não havia delicadeza, ou inocência. Brincou comigo, oferecendo-me sorrisos, só sorrisos, enquanto se entregava a Redman como uma prostituta. Devia estar morto por tocar no que era meu. Deveriam estar os dois mortos.

-Sam! – Jim apareceu na porta.

-Que faz aqui? Já pedi para livrar os cavalos da carroça.

-Já fiz isso. Vi cavaleiros. Estão vindo para cá. São Redman, o Xerife  e alguns homens da cidade. – olhou para Sarah – Estão procurando por ela.

A jovem tentou se afastar, mas Samuel a segurou pela garganta.

-Você se estrepou todo, trazendo-a para cá.

-Só fiz isso por que você a desejava. Podia tê-la matado no caminho. Diabos! Podia ter acabado com ela na noite em que colocamos fogo no estábulo, mas você falou que não queria que ela se machucasse.

Carlson apertou o braço e Sarah começou a sentir dificuldade para respirar. Ouvia muito longe, as vozes dos outros.

-Quanto tempo?

-Dez minutos, não mais. Mate-a agora.

-Aqui não idiota. Tente detê-los nas colinas.

O último pensamento de Sarah antes de desmaiar foi que Jake estava próximo, mas era tarde demais.

 

-Escutem-me – Barker levantou a mão para deter os homens – Sei que gostaria de entrar lá como um demônio, mas pare um pouco  para pensar. Se eles a tem, temos que ir depressa.

-Eles a tem – em sua mente, os irmãos Carlson já estavam mortos.

-Então, temos que resgatá-la com vida. Will, quero se aproxime pelo galinheiro. John, você vai pela parte de trás. Não quero que ninguém dispare antes que seja necessário.

Jim observou os homens se aproximarem e enxugou o suor da testa. Umedeceu os lábios e equilibrou o rifle. Sam havia dito para esperar até que se aproximassem. Então mataria tantos quanto pudesse, começando por Redman.

Jake sentiu a bala roçar a sua face. Rápido como um raio, ele se deixou cair de lado na sela. Com o revolver pronto, avançou até a casa, enquanto Barker gritava ordens. Viu os homens se protegerem e devolver os tiros, mas ele só pensava em uma coisa: entrar na casa e resgatar Sarah.

Ao chegar a porta, saltou do cavalo. Quando abriu com um pontapé, tinha os dois revolveres na mão. O vestíbulo estava vazio. Ouvia os gritos do homens e o barulho dos tiros. Começou a subir as escadas.

Quando abriu a porta, Jim estava de costas para ele.

-Onde ela está?

Jim se virou lentamente.

-Está com Sam – sorriu e levantou o rifle. Tinha esperado meses por uma oportunidade de matar Redman e não estava disposto a desperdiçar aquela.

Quando caiu para frente, continuava sorrindo. Jake guardou as armas e começou a procurar pela casa. Barker se encontrou com ele nas escadas.

-Não está aqui – lhe estendeu a miniatura de Sarah – Encontrei isso no chão.

Jake olhou por um momento e saiu correndo para fora, com Barker seguindo de perto. Ccruzaram com dois homens que transportavam Will Metcalf.

-Não está morto – John Cody o colocou no chão, segurando sua cabeça. Mas temos que levá-lo ao médico.

Barker se inclinou sobre ele e o viu abrir os olhos.

-Fique bem, filho.

-Ele me pegou de surpresa – respondeu Will, com esforço – Era Sam Carlson, xerife. Estava montado num cavalo. Acredito que estava indo para o oeste.

-Bom trabalho, Will – Barker limpou o suor da testa dele, com seu lenço. Um de vocês pegue uma carroça e atrele os cavalos, e busquem cobertores. Você leva este garoto ao médico, John. Redman e eu seguiremos Carlson.

Mas, quando se pôs de pé, o único rastro que viu de Jake foi a nuvem de poeira que o cavalo levantava em seu galope.

 

Sarah recuperou os sentidos com uma sensação de náusea. Tentou levar a mão à cabeça, mas tinha os pulsos atados à sela. Por um momento pensou que ainda estava com Jim. Logo se recordou de tudo.

O cavalo subia, abrindo o caminho entre as rochas poeirentas. O homem sentado às suas costas balançava.Lutou para manter a calma e tentou guardar na memória o caminho que percorriam. Quando escapasse, e estava certa que iria escapar, não queria se perder.

Carlson deteve o cavalo próximo da borda do cânion. Muito longe, lá embaixo se via uma  linha de água de um rio. Uma águia cruzou o espaço aberto, regressando depressa para o ninho construído na parede alta da rocha.

-Samuel, por favor. –gritou quando ele tirou as tiras que prendiam seus punhos e a colocou no chão.

O homem a olhou com olhos vidrados. Seu rosto estava pálido e coberto de suor. O viu olhar ao redor com cautela, como se esperasse que algo saísse de dentro das rochas.

O homem que tirava o chapéu diante dela e lhe beijava os dedos, não estava ali naquele momento. Se alguma vez tivesse sido parte de Samuel Carlson, tinha desaparecido. O homem que a olhava agora estava louco e ficava tão selvagem como qualquer fera que vivia nas colinas.

-Que vai fazer?

-Ele vem vindo – levou uma mão à boca – Está vindo atrás de nós. Quando vier buscá-la, estarei pronto.

Arrastou-a para colocá-la de pé.

-Vou matá-lo, Sarah. Eu o matarei como um cachorro - sacou o revolver e lhe passou o cano pela bochecha com gentileza, como numa carícia - E você irá ver tudo. Quero me vejas matá-lo. Assim compreenderá tudo. É importante que compreenda. Um homem assim, merece morrer com um tiro. Ele não é ninguém: um pistoleiro com sangue de índia. E lhe tocou. Eu o matarei por você, Sarah. E em seguida iremos juntos, eu e você.

-Não!!!

Com um esforço, conseguiu soltar-se. O cânion estava às suas costas. Se desse um passo para trás, caíria até o nada. Tinha medo, mas não era por ela mesma. Sabia que Jake iria buscá-la e alguém morreria.

-Não irei a lugar nenhum com você. Acabou, Samuel. Tem que entender. Sabem o que você fez e irão persegui-lo.

-O xerife? Ele riu e a segurou pelo braço antes que pudesse fugir. – Não é provável. Este é um grande país, Sarah. Não vão nos encontrar.

-Não irei com você. Tenho que escapar.

-Se for necessário, e prenderei como prenderam minha mãe. Pelo seu próprio bem.

A jovem ouviu um cavalo ao mesmo tempo que ele, e gritou uma advertência:

-Não, Jake, ele vai matá-lo.

Voltou a gritar desta vez de dor, quando Carlson lhe torceu o braço às costas. Apoiou  com calma, o cano do  revolver na cabeça dela.

-Eu vou matá-la, Redman. Saia devagar e ponha as mãos onde eu possa vê-las, ou a primeira bala entrará na cabeça dela – ele torceu o braço dela com força, porque queria que Jake a ouvisse gritar de novo. – Vamos, Redman, ou a matarei e jogarei o corpo no cânion.

-Não, Oh não. Com lagrimas nos olhos viu Jake sair em campo aberto - Por favor, não. Não ganhará nada matando-o. Eu irei com você – tentou virar-se para olhar nos olhos dele – Irei com você aonde quiser.

-Não ganharei nada – riu Samuel- Satisfação, querida. Será um prazer.

-Está ferida? – perguntou Jake com calma.

-Não- moveu a cabeça- Não me fez nada. E não vai fazer se você ir embora.

-Está errada, querida, muito errada. Terei que fazê-lo porque você não compreende. A menos que eu o mate por você, não compreenderá nada. Me de o revolver, Redman. Tire-a lentamente e deixe-a de lado.

-Não – a jovem tentou debater-se e só conseguiu que ele lhe torcesse o braço com mais força. – Eu matarei você. – gritou com raiva. Eu juro.

-Quando eu terminar com isso, querida, fará aquilo que eu mandar, quando eu mandar. Com o tempo irá compreender que isso é para o seu bem. Tire as armas, Redman - Olhou para ele sorridente e moveu a cabeça para que ele as afastasse com um chute – Isso, ai – afastou o revolver da cabeça de Sarah e apontou para o coração de Jake. Sabe? Nunca matei um homem, sempre achei mais civilizado contratar alguém, mas creio que vou gostar disso.

Os músculos do maxilar de Carlson,se contraíram.

-Você é um bastardo - disse.

Sarah gritou e jogou todo seu peso contra a mão que segurava a arma. Sentiu a explosão como se a bala a tivesse  atravessado. Caiu de joelhos e quase cedeu ao ver Jake caído ao chão, ensangüentado.

-Não! Meu Deus, não!

Carlson pôs a cabeça para trás e começou a rir.

-Eu tinha razão. Gostei. Mas ainda não está morto – disse levantando a arma de novo.

Sarah não pensou em nada. Estendeu a mão e segurou um dos revolveres de Jake. Enrolando-se no chão, fez pontaria.

-Samuel – murmurou e esperou que ele virasse a cabeça.

Quando disparou, o revolver saltou da sua mão. O ruído do tiro permaneceu durante um bom tempo no ar. Carlson a olhou sem dizer nada. Com medo de não ter acertado, Sarah se preparou para atirar de novo.

Então ele cambaleou. Olhou para ela e caiu para trás sem fazer nenhum som. Vacilou no ar e em seguida se precipitou pela borda do cânion.

 

A jovem ficou um momento imóvel. Em seguida começou a tremer e, tremendo ainda, se arrastou até Jake. Ele estava tentando se erguer sobre o cotovelo, e tinha uma faca na mão. Sarah rasgou as anáguas chorando e começou a tentar estancar o sangue da ferida das costas.

-Pensei que estivesse morto. Está sangrando muito. Precisa de um médico. Vou tirá-lo daqui, para poder estancar a hemorragia.- Fez uma pausa; a voz começou a tremer - Foi uma loucura vir atrás de mim desse jeito. Pensei que fosse mais sensato.

-Eu também - sentia uma dor aguda no corpo e só desejava tocá-la mais uma vez antes de morrer – Sarah...

-Não fale – as lágrimas abundantes, escorriam – Fique quieto. Vou cuidar de você. Não deixarei você morrer.

Jake não podia ver-lhe o rosto. Cansado do esforço, fechou os olhos. Achou que ouvia o som de cavalos se aproximando, mas não estava certo.

-Você é uma mulher formidável – murmurou e desmaiou.

 

Quando despertou, tudo estava escuro. Sentia um gosto amargo na boca e uma palpitação estranha na base do crânio. A dor nas costas seguia lá, mas um pouco mais fraca e constante. Ficou imóvel, se perguntando quanto tempo ficaria naquele inferno.

Fechou os olhos de novo pensando que não importava o tempo, mesmo porque não podia partir. Em seguida o sentiu. Sentiu o suave perfume de Sarah. Mesmo que custasse um grande esforço, tentou abrir os olhos de novo e tentou se erguer.

-Não, não faça isso.

A jovem o empurrou com gentileza contra o travesseiro, e colocou um pano com água fria em sua testa.

-Quanto tempo...? – foi tudo o que conseguiu sussurrar antes que as forças o abandonassem.

-Não se preocupe – apoiou a cabeça dele com um braço e levou-lhe uma xícara aos lábios. – Tome um pouco. Logo voltará a dormir. Estou aqui com você.

-Não posso...- tentou focar o rosto dela, mas só viu a silhueta – Não posso estar no inferno - resmungou antes de afundar de novo na escuridão.

Quando voltou a despertar, era dia. E ela estava ali, inclinada sobre ele, sorridente, murmurando algo que não conseguia entender. Mas tinha lágrimas no rosto. Sentou-se ao se lado, segurou sua mão e a levou aos lábios. Enquanto se esforçava para falar, voltou a perder os sentidos.

Sarah achava que iria ficar louca na primeira semana. Jake recuperava os sentidos apenas por breves momentos. Ardia em febre e o médico não lhe dava esperanças. Se sentou ao seu lado hora depois de hora, dia depois de dia, lavando-lhe a pele quente, acalmando-o quando estremecia, rezando quando perdia os sentidos.

Havia perdido muito sangue. Quando Barker chegou até eles, ela quase havia conseguido conter a hemorragia, mas quando voltaram para a cidade, ele perdeu mais sangue. E ainda mais quando o doutor teve que extrair a bala.

Em seguida, começou a febre, sem trégua. Em uma semana, havia despertado apenas umas poucas vezes, quase sempre delirando, ás vezes falando em uma língua que Lucius identificou como sendo apache, se não contivesse a febre, ele morreria.

Se sentou ao seu lado na cama e o observou a pálida luz do amanhecer.

O tempo se arrastava devagar. Havia perdido a conta dos minutos, das horas, dos dias. Quando chegava a manhã, segurava a mão dele entre as suas  e recordava os momentos que tinham vivido juntos.

Com ele havia encontrado algo maravilhoso e poderoso. Um amanhecer, um rio correndo rápido, uma tempestade. Sabia que o amor, o desejo, a paixão e o carinho podiam unir-se em uma só coisa.

Desde aquele noite no feno, ele tinha lhe dado mais que muitas mulheres recebiam a vida inteira.

-Mas eu sou gananciosa – sussurrou para ele – Quero mais, não me deixe, Jake. Não me prive do que podíamos ter.

Ouviu a porta se abrir, e tentou reprimir as lágrimas.

-Como ele está?

-Igual.

Ficou em pé e esperou que Maggie colocasse a bandeja sobre a cômoda. Fazia tempo que havia desistido de protestar contra a comida. Percebeu rapidamente que se queria ter forças para cuidar de Jake, necessitava de alimento.

-Não fui eu que preparei o café da manhã, e sim Anne Cody.

Sarah lutou para conter as lágrimas.

-É muito amável da parte dela.

-Ela perguntou por Jake e pediu que eu dissesse a você que Alice está bem.

-Fico contente – levantou sem interesse o guardanapo que cobria os biscoitos.

-Pelo que parece, Carlotta deixou a cidade.

-Não importa mais, o dano já está feito.

-Garota, você precisa dormir numa cama de verdade. Vá para o meu quarto. Eu fico cuidando dele.

-Não posso- ignorou os biscoitos e pegou uma xícara de café – As vezes ele me chama e tenho medo de possa morrer se eu for embora. Pode ser uma bobagem, mas não posso deixá-lo, Maggie.

-Eu sei – ouviu um ruído na porta e se voltou para olhar – Que está fazendo aqui, John Cody?

Johnny entrou no quarto e ficou em pé com o chapéu nas mãos.

-Só queria vê-lo um pouco, é tudo.

-O quarto de um doente não é lugar para um garoto.

-Não tem importância – Sarah lhe acenou para que entrasse e sorriu – Estou certa que Jake gostaria de saber que veio vê-lo.

-Ele não vai morrer, não é, Sarah?

-Não – recuperou a confiança que perdera durante a noite – Não, não vai morrer, Johnny.

-Mamãe disse que está cuidando muito bem dele - estendeu a mão e tocou a testa – Está muito quente.

-Sim, mas a febre logo vai passar – Sarah colocou a mão no ombro do garoto – Vai passar bem rápido.

-Will está melhor – disse ele, sorrindo – Tem o braço na tipóia, mas anda muito bem – Já nem deixa que Liza o mime.

-Não vai demorar muito, e Jake também não vai me deixar mais cuidar dele.

Horas depois adormeceu com o sol da tarde. Seu sono era curto, tinha a cabeça apoiada contra o encosto da poltrona e as mãos no joelho em cima do seu diário. Havia escrito tudo o que sentia naquelas paginas. Alguém pronunciou seu nome e ela levantou a mão como se quisesse afastar aquela voz. Só desejava dormir.

-Sarah.

Abriu os olhos de susto e saltou da cadeira. Jake estava meio sentado na cama, com jeito confuso, mas os olhos olhavam diretamente para ela, e não estavam mais vidrados.

-Que diabo esta acontecendo aqui? - perguntou.

Então viu atônito, a jovem cair sobre o leito e começar a chorar.

Passaram três semanas antes que tivesse forças para levantar-se e andar. Tinha tempo para pensar, talvez até demais, mas quando tentava fazer algo, ficava frágil como um bebê.

Aquilo o deixava furioso. Uma manhã brigou com Maggie duas vezes em pouco tempo e a mulher disse a Sarah que estava quase recuperado.

-Jake é duro – disse Maggie enquanto subiam as escadas – Disse que estava farto de mulheres que tentavam cuidar dele, dar-lhe de comer e banho.

-Não se pode dizer que ele seja bem agradecido – contrapôs Sarah, com uma gargalhada.

Sentiu uma tontura e teve que se agarrar ao corrimão para não cair. Maggie segurou-lhe o braço.

-Você está bem, querida?

-Sim, claro – encolheu os ombros e esperou que a náusea passasse. -Acho que estou muito cansada.

Viu que Maggie a fitava astuciosamente e deixou de fingir para sentar-se num degrau.

-De quanto tempo está?

Sarah se surpreendeu de que aquela pergunta direta não a fizesse corar. Em lugar disso, sorriu.

-Mais ou menos um mês – sabia o momento exato que tinha concebido o filho de Jake; no riacho – Faz uns dias que não consigo manter nada no estômago.

-Eu sei – Maggie sorriu encantada – Não acha que Jake vai cair de quatro quando souber?

-Não sei ainda se conto – disse a jovem – Não quero que saiba que nós ...- se interrompeu – Ainda não, Maggie.

-É você que deve contar.

-Sim. Você não contará a ninguém?

-Nem uma palavra.

Satisfeita Sarah se levantou e seguiu subindo as escadas.

-O doutor disse que logo começaria a andar. Mas não falamos de nada mais importante ainda.

Chamou da porta e a abriu em seguida.

-Maggie??- gritou

-Estava aqui há menos de uma hora. Não sei onde...

Mas a jovem já não a escutava, descia correndo as escadas.

-Sarah!! Sarah!!- exclamou Johnny, correndo até ela – Acabo de ver Jake sair da cidade. Parece estar bem melhor.

-Por onde??- segurou os ombros do surpreso garoto – Por onde ele foi?

-Por ali – indicou um caminho – Eu o chamei, mas acho que não me escutou.

-Maldito teimoso!- murmurou Maggie, da porta.

-E ele acha que pode partir assim, sem mais – disse Sarah entre dentes – Pois ele que espere uma boa surpresa. Preciso de um cavalo, Maggie. E um rifle.

Jake tinha pensado bem. Acreditava que Sarah ficasse brava, mas com o tempo superaria.

Com o tempo iria encontrar alguém que fosse melhor para ela.

Falar com ela não  tinha adiantado nada. Nunca conheceu uma mulher tão teimosa. Por isso, encilhou o cavalo e saiu de Lone Bluff, como havia partido antes de muitas cidades. Só que daquela vez, sentia uma dor profunda e aguda.

Disse a si mesmo que também superaria. Era bobagem seguir fingindo que ela podia ser dele. Não esqueceria nunca o aspecto de Sarah, enrolada no chão com seu revolver na mão e uma expressão de horror nos olhos. Ele a tinha ensinado a matar e não estava certo de algum dia se perdoar por isso.

A jovem havia salvado a vida dele. O que podia fazer de melhor por ela seria devolver-lhe o favor, saindo da vida dela.

Ainda mais agora que era rica. Poderia voltar para o Leste ou ficar  e construir a grande casa com salão da qual ela falava.

Ouviu que um cavaleiro se aproximava, virou-se no cavalo e levou instintivamente a mão à coronha do revolver. Lançou uma imprecação ao reconhecer Sarah , que não demorou para se aproximar dele.

-Você é um bastardo! – gritou

Jake a saudou com um movimento de cabeça.

-Não sabia que montava, duquesa. Veio aqui para se despedir?

-Tenho algo para lhe dizer – segurou as rédeas com força, tentando controlar a fúria – Acredita que pode partir assim, sem dizer nada a ninguém?

-Sim. Quando chega o momento de partir, parto e pronto.

-Quer dizer que não tem razão para ficar?

-Assim é – sabia que a verdade podia doer, mas não tinha imaginado que uma mentira pudesse machucar tanto – Você é uma linda mulher, duquesa. Será difícil encontrar alguém melhor.

A jovem devolveu-lhe o olhar com uma expressão de dor. E logo levantou o queixo.

-Isso é um cumprimento? Pois tem razão. Será difícil que encontre alguém melhor. Nunca vai amar outra mulher como me ama.

-Volte para a cidade, Sarah – começou a virar o cavalo, mas se deteve ao vê-la sacar o rifle e apontar-lhe para o coração – Você se importaria em apontar para outra direção?

Como resposta a jovem baixou o cano algumas polegadas e sorriu ao vê-lo franzir o cenho.

-Prefere que eu aponte para aí? -perguntou.

Jake se moveu ligeiramente.

-Duquesa, se é a mesma coisa para você, pode voltar a apontar para o peito.

-Desça do cavalo.

-Maldição, Sarah!

-Já disse para descer. Vamos.

O homem se inclinou na sela.

-Como vou saber que está carregado? -perguntou.

Sarah sorriu, aproximou o rifle do olho e disparou. O chapéu de Jake voou pelos ares.

-Está louca? - atônito, passou a mão pelo cabelo – Por pouco não me mata.

-Eu acertei onde queria. Não era isso que disse que eu devia aprender a fazer? – voltou a apontar-lhe – Agora desça do cavalo antes que eu volte para outra coisa mais vital.

Jake lançou outra maldição e obedeceu.

-Que diabo quer provar com isso?

-Não se mova daí. - sacudiu a cabeça.

-Está doente?

-Não – sorriu – Nunca na minha vida me senti melhor.

-Então está apenas louca – ele relaxou um pouco, mas a palidez dela ainda o preocupava- Bom, se decidiu me matar depois de passar um mês tentando me manter vivo, vá em frente.

-Tem razão em dizer que eu o mantive com vida, e se acredita que o fiz para que fosse  embora quando estivesse bem, se enganou. Eu fiz porque te amo, porque você é o único homem que eu amo. Agora me diga por que vai partir?

-Já lhe disse, chegou o momento.

-Você é um mentiroso. Mais ainda é um covarde.

Suas palavras tiveram o efeito desejado. Jake a olhou com raiva.

-Não me pressione, Sarah.

-Ainda nem comecei a pressioná-lo. Começarei por dizer a você por que foi embora. Foi embora porque tem medo de mim. Não, nem mesmo de mim, de você mesmo e do que sente por mim. Me amava o suficiente para se colocar desarmado diante de um louco, mas não o bastante para enfrentar o que sente.

-Você não sabe o que sinto.

-Não? Se acha isso mesmo, é que é mais bobo do que enganador. Não acha que eu  o sabia que cada vez que me tocava, cada vez que me beijava? – respirou fundo - Muito bem, pode subir nesse cavalo e partir. Pode seguir fugindo até mil milhas daqui. Talvez consiga se afastar de mim, mas antes de ir, tem que me falar.

-Falar o que?

-Quero que diga que me ama.

Jake a observou detidamente. Seus olhos brilhavam com determinação e suas faces estavam rubras de fúria. Devia saber que não tinha lugar nenhum para fugir.

-Um homem seria capaz de dizer qualquer coisa, quando estão apontando para sua virilha com um rifle.

-Pois diga.

Se agachou para pegar o chapéu e meteu um dedo no buraco.

-Amo você, Sarah – pôs o chapéu na cabeça – E agora, quer deixar de me apontar isso?

A jovem olhou nos olhos dele. A fúria a tinha abandonado, mas também a esperança. Sem dizer nada, se virou o e colocou o rifle na sela.

-Bem, eu tive que ameaçá-lo para que me dissesse, mas ao menos uma vez você disse. Vá em frente, parta. Não vou mais detê-lo. Ninguém mais está apontando para você com um rifle.

Jurou para si mesma que não ia chorar. Não o prenderia com lágrimas. Fazendo um grande esforço para se controlar, tentou voltar a montar. Jake tocou-lhe o braço com suavidade.

-Te amo, Sarah - repetiu – Mais do que devia. Muito mais do que posso suportar.

A jovem fechou os olhos, rezando para que tudo ficasse bem entre eles. Voltou-se para ele, lentamente.

-Se você for agora, eu vou segui-lo. Não importa para onde vá, eu estarei com você. E prometo que farei da sua vida um inferno.

Jake sorriu.

-E se eu não for?

-Só farei da sua vida um inferno algumas vezes.

-Acho que é uma proposta melhor – Baixou a cabeça e a beijou gentilmente. Em seguida a estreitou com força ao peito- Não acho que iria muito longe, mesmo que não tivesse disparado.

-Não queria correr riscos. Par sua sorte, apontei acima da sua cabeça.

O homem suspirou e a afastou um pouco.

-Me deve um chapéu. Acho que eu terei que casar com uma mulher que atira assim.

-Isso é uma proposta?

Jake encolheu os ombros.

-É o que parece.

Sarah levantou as sobrancelhas.

-Não acha que pode fazer melhor?

-Não me dou muito bem com as palavras. Tem um pastor que vem à cidade uma vez a cada poucas semanas. Pode nos casar com toda a cerimônia que queira. Eu vou construir uma casa para você, entre a mina e a cidade, com um salão, se é isso que quer, um assoalho de madeira e um quarto de verdade.

Para Sarah aquela era o mais eloqüente dos pedidos. 

-Vamos precisar de dois.

-De dois o que?

-Dois dormitórios.

-Escute, duquesa, ouvi que no Leste as pessoas tem alguns costumes estranhos, mas jamais pensei em deixar que minha mulher durma em outro quarto.

-Oh! Não – sorriu, toda feliz. Dormirei na mesma cama que você durante o resto da minha vida. Mas vamos precisar de dois quartos. Pelo menos na primavera, vamos precisar.

-Não entendo...

Então ele finalmente entendeu. Ficou olhando para ela, sem dizer nada, atônito.

-Está certa? – perguntou então.

-Sim! – Sarah conteve o fôlego – Vamos ter um filho.

Jake não estava certo de poder mover-se e menos ainda de poder falar. Segurou o rosto dela entre as mãos e a beijou com ternura. Em seguida, emocionado, apoiou a testa contra a dela.

-Dois quartos – murmurou – Para começar.

Sarah o abraçou feliz.

-Sim, para começar.

 

                                                                                            Nora Roberts

 

 

                      

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