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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Alarma Galático / Kurt Mahr
Alarma Galático / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Alarma Galático

 

O impossível acontece! Num ataque de surpresa, as superpotências terrenas destruíram, na superfície lunar, a nave dos arcônidas, uma raça semelhante aos homens, que domina um grande império galático.

Apenas dois arcônidas sobreviveram ao ataque e encontram-se em segurança junto a Perry Rhodan, o homem que descobriu a nave dos arcônidas e, com o auxílio dos recursos tecnológicos infinitamente superiores dos mesmos, formou a Terceira Potência. Perry Rhodan impediu a guerra mundial que há tanto tempo ameaçava a humanidade. E agora, quando um novo perigo, vindo do espaço cósmico desencadeia o Alarma Galático, mais uma vez a Terceira Potência realiza uma intervenção decisiva.

 

                  

 

— Você nunca compreenderá! Não conseguirá entender nenhum dos impulsos. Seu cérebro ficará confuso. Você...

Thora interrompeu-se em meio à frase. As palavras não lhe acudiam com a rapidez exigida por sua ânsia incontida.

“Como é fácil descobrir suas intenções”, pensou Perry Rhodan. “O que a deixa preocupada não é meu cérebro. Na verdade, quer convencer-me de que sou um ser tão subdesenvolvido que nunca chegarei a compreender seus segredos.”

— O que importa? — retrucou. — Você não tem nada a perder. Só poderá ficar satisfeita ao ver Perry Rhodan transformado num idiota balbuciante, não é?

Thora percebeu que Rhodan lhe armava uma cilada e ficou aborrecida por notar que isso era fácil para ele.

— Não se trata disso — respondeu em tom seco. — Os cristais informáticos só podem ser ativados um número limitado de vezes. Devemos evitar qualquer desperdício, especialmente quando a perspectiva de um fracasso é tão patente como no presente caso.

Perry Rhodan virou a palma da mão direita para cima.

— Thora, você está sendo injusta comigo! — disse em tom suplicante. — Não compreendemos tudo o que nos foi apresentado até agora?

Thora estalou os dedos, num gesto de desprezo.

— O que você aprendeu até agora não é nada em comparação ao que lhe está reservado.

Rhodan voltou-se para Crest que, como de costume, estava muito sério. Só quem o conhecesse adivinharia pelas rugas de sua testa o quanto estava se divertindo.

“Uma única situação destas vale mil programas de ficção”, pensou Crest. “Oh Senhor dos Mundos! A mais inteligente das arcônidas e um homem que é um verdadeiro semideus; e comportam-se como crianças.”

Na verdade, tratava-se de coisas muito mais importantes. Depois de alguma resistência, Thora acabara concordando em que Rhodan e Bell adquirissem parte da ciência arcônida através do método de ensino hipnótico. Mas, agora que Rhodan propusera que, para alcançar maior grau de eficiência, os últimos segredos lhe fossem revelados, ela passou a opor uma resistência encarniçada.

Todavia, Crest ponderou que os dois arcônidas só poderiam contar com a energia dos subdesenvolvidos, cujo auxílio poderia tornar-se muito mais eficiente se lhes fossem transmitidos os conhecimentos necessários.

Apesar disso, Crest teve de fazer valer a autoridade de que se achava investido na qualidade de membro da dinastia reinante dos arcônidas, e que também se estendia a Thora, para quebrar a resistência que a mesma opunha à sugestão de Rhodan.

Este sentia-se bastante atingido pela obstinação de Thora, muito mais do que se dava conta. Encerrando a palestra; disse:

— Muito obrigado pela confiança. Verá que a mesma não foi mal aplicada em mim e em Bell.

Dirigindo-se a Thora, observou:

— Com o tempo, você se convencerá de que não tenho a menor intenção de prejudicá-la ou ferir seu orgulho.

Achou necessário acrescentar essas palavras, embora soubesse que Thora não tinha a menor receptividade para elas. Ainda não tinha.

 

— Vá para o inferno! — disse Reginald Bell em tom exaltado.

Procurou disfarçar o susto que Tako Kakuta lhe metera ao surgir, repentinamente, ao seu lado, vindo do nada.

Um sorriso surgiu no rosto redondo e infantil de Tako.

— Por que devo ir para o inferno? — perguntou em voz fina. — Mereço coisa melhor. Trago notícias boas.

— Notícias boas? — perguntou Bell. — De que lugar, deste mundo de Deus, ainda podem vir notícias boas?

— As notícias vêm de Tai-tiang — disse Tako, sempre sorrindo. — Acabou reconhecendo que mesmo com a tal Divisão de Engenharia não conseguirá nada contra a Terceira Potência. Seus homens estão se retirando.

Bell já sabia que Tai-tiang não teria outra alternativa, depois que a Terceira Potência havia destruído a galeria por meio da qual pretendiam passar por baixo da cúpula energética, para destruir a nave dos arcônidas com uma explosão nuclear. Apesar disso, a notícia de Tako produziu um certo alívio em sua mente.

— Obrigado, Tako — disse com um ligeiro suspiro.

— Até logo, capitão — respondeu Tako e desapareceu.

Bell continuou fitando o lugar em que o japonês estivera. Parecia pensativo. Nos últimos meses conformara-se com a idéia de que só os arcônidas seriam capazes de oferecer novidades que pudessem espantar um homem à prova de choque como ele. Levaria algum tempo para aceitar o fato de que Tako Kakuta não era outro arcônida, mas um ser como ele. Ainda se assustava quando o teleportador surgia, vindo do nada, para depois de algum tempo voltar a desaparecer, como que dissolvido no ar.

Reginald Bell refletiu sobre o dom estranho da teleportação. Embora Tako lhe oferecesse várias demonstrações por dia, o fenômeno ainda lhe parecia tão inacreditável e apavorante como um cavalo que lhe desse bom-dia. Subitamente ouviu um zumbido, vindo da parede, e o brilho suave da tela interrompeu o crepúsculo frio que reinava na sala.

O rosto de Rhodan surgiu na tela.

— Bell, gostaria de falar com você — disse Rhodan. — Tem tempo?

— Tenho. E no seu camarote?

— É, sim. Crest também está aqui. Bell acenou e saiu da sala. A tela apagou-se.

Quando entrou no camarote de Rhodan, este disse:

— Pretendemos dizer adeus à Terra por alguns dias.

Bell aguçou os ouvidos. Crest continuou:

— Enquanto completam o treinamento hipnótico, os senhores precisam do máximo de repouso. Além disso, nossa excursão terá outra finalidade. Não é de supor que nossa nave pousada na Lua tenha sido totalmente destruída. Não acredito que um míssil terrestre tenha tamanho poder de destruição. Acho que, se procurarmos com calma conseguiremos salvar alguns objetos importantes.

A decolagem da nave foi marcada para dali a dois dias. Enquanto isso, a tripulação, especialmente Bell e Rhodan, desenvolvia uma atividade que fez retumbar os corredores da nave.

Em virtude das funções que lhe cabiam, a nave dispunha de um grupo de robôs de reparo. Para Rhodan, qualquer segundo durante o qual estes permaneciam inativos, atirados ou encostados no depósito, representava um desperdício. Por isso, pediu a Crest que elaborasse um programa das atividades dos robôs.

— Quando estará pronto o programa? — indagou.

— Daqui a dez minutos.

— Caramba! — exclamou Rhodan. — Em dez minutos?

Crest confirmou com um movimento de cabeça e dirigiu-se à escrivaninha. Rhodan, ao sair, marcou a hora.

Pensativo, dobrou um ângulo do corredor. Não vira a pessoa que se aproximava do outro lado. Quase esbarrou em Thora.

— Oh, desculpe! — disse com um sorriso, ligeiramente perturbado.

Thora parecia estar de bom humor. Lançou-lhe um olhar irônico.

— Se continuar a desenvolver tanta energia, um dia acabará atravessando a parede, sem precisar fazer a curva.

— E se um belo dia você conseguir ser menos presunçosa, até que será uma mulher passável — respondeu Rhodan.

Thora estreitou os lábios. Virou-se abruptamente e desapareceu em outra curva do corredor. Suspirando, Rhodan continuou seu caminho.

Tako Kakuta estava esperando por ele. Rhodan entregou-lhe um maço de papéis com anotações.

— Leia isto, Tako. Depois falaremos a respeito.

Sem perda de tempo, Tako pôs-se a examinar as anotações de Rhodan. Este hesitou um pouco antes de por-se a caminho para junto de Crest.

— Chegou bem na hora, Rhodan — disse o cientista. — Acabei neste instante.

Tomaram um elevador e desceram ao depósito de robôs.

— Fiz um programa para cada um deles — disse Crest com certo orgulho. — Quando voltar, ficará admirado com o trabalho destas máquinas.

Havia uns vinte robôs-trabalhadores com funções universais. Todos eles tinham forma humanóide. Os arcônidas haviam descoberto que esta representava o tipo ideal em meio ao arsenal inesgotável das gerações. Dessa forma, haviam dotado seus robôs de dois braços, duas pernas, mãos com cinco dedos, inclusive um polegar, uma cabeça que continha o equivalente positrônico de um cérebro humano, inclusive os órgãos dos sentidos mais importantes. A postura ereta permitia aos robôs contemplarem o mundo da mesma perspectiva que os seus construtores. Apesar das suas funções universais, podiam receber uma programação específica para determinadas tarefas.

O programa que Crest elaborara para cada uma das máquinas estava registrado numa delgadíssima fita de plástico.

— Aqui estão registrados todos os impulsos — explicou.

Pôs-se a introduzir os programas nos robôs. Essa atividade consistiu tão-somente em colocar a fita de plástico numa fenda, que era encontrada num ponto diferente em cada uma das máquinas. Feito isso, era só esperar que o robô emitisse um zumbido e desse sinal de que estava pronto a entrar em funcionamento.

— Depois de uma pausa tão longa, a ativação demorará alguns segundos — explicou Crest.

Para Rhodan, alguns segundos pareciam um tempo insignificante em comparação com a atividade que as máquinas logo começaram a desenvolver. Zumbindo como abelhas, começaram a se movimentar, afastando-se de sua posição primitiva. Desviando-se uns dos outros sempre que corriam risco de esbarrar, marcharam em direção ao elevador pelo qual Crest e Rhodan haviam descido poucos minutos antes. Quando a última máquina acabou de subir, Rhodan deu uma risada.

— Meus Deus! — suspirou. — Nunca seria capaz de imaginar que uma coisa dessas pudesse existir realmente.

— Pois ficará admirado de ver o que estes robôs sabem fazer — respondeu Crest. — Trata-se de robôs genuínos, que, até certo ponto, são capazes de pensar e agir de forma independente. Não sei o que seria da cultura arcônida se não existissem estas máquinas.

 

Os robôs não saíram diretamente da nave. Antes disso, reuniram os objetos que, segundo o programa, tinham de levar para fora.

Ao conceber seu plano, Rhodan tivera a idéia de não desperdiçar um instante do tempo de que dispunham para cumprir as tarefas ambiciosas que se haviam imposto. Rhodan percebeu uma chance que não deveria perder e que lhe permitiria obter, das indústrias terrenas, as peças necessárias à construção de uma nave ultraveloz e de raio de ação ilimitado, desde que fizesse encomendas bem definidas. Mas a montagem da nave só poderia ser realizada sob a proteção da cúpula energética. Face às condições reinantes na Terra, ele cometeria um erro de extrema gravidade se assumisse o risco de incumbir a indústria terrestre da construção da nave. Esse receio tinha sua origem tanto na política das grandes potências, como no caráter humano.

Rhodan sabia perfeitamente que o espaço existente sob a cúpula energética seria bastante para realizar a montagem final, mas nunca pensara em comprimir todo o processo produtivo numa área de apenas oitenta quilômetros quadrados.

Ficou entusiasmado com a atividade enérgica e resoluta dos robôs. Depois de haverem retirado da nave os materiais de que precisavam para seu trabalho, empilharam os mesmos num local afastado e puseram-se a aplainar o solo.

Rhodan tinha certeza de que, quando retornassem de sua viagem, grande parte do serviço estaria concluída.

 

Tako Kakuta concluíra a leitura das anotações. Quando Rhodan entrou em seu camarote, estava reclinado numa poltrona giratória, olhando, pensativo, para o alto.

— Compreendeu tudo? — perguntou Rhodan laconicamente.

— Sim, senhor. Não será nada fácil... Rhodan pegou uma cadeira e sentou em frente de Tako.

— Ouça, Tako! — começou a falar em tom insistente. — O assunto é muito sério. Para conservar a amizade de Crest e daquela mulher, teremos de construir uma nave cujo raio de ação seja bastante amplo. Se não conseguirmos levá-los ao seu planeta natal e trazê-los de volta, morreremos de velhice antes de conseguirmos fazer alguma coisa que imponha respeito aos habitantes da Terra. Precisamos do auxílio de Crest e, para conseguirmos que este faça por nós tudo que estiver ao seu alcance, precisamos de uma boa nave.

— Sim, compreendo — disse Tako.

— Estarão atrás de você — prosseguiu Rhodan. — Será caçado pelos serviços secretos e terá de cuidar-se o mais possível. Encontrará muita gente que, de olho no dinheiro, gostará de entrar em negócios conosco e estará disposta a fornecer qualquer coisa de que precisemos. Mas não duvide de que, entre essa gente, haverá pessoas que lhe farão ofertas fabulosas e avisarão a polícia assim que você lhes der as costas. Nunca confie demais na faculdade especial de que é dotado. O serviço secreto levará uns cinco ou seis dias para descobrir que é um teleportador. Daí em diante, atirarão sem avisar, à traição, se for necessário. Você receberá um traje protetor dos arcônidas, que lhe prestará bons serviços. Mas, em última análise, o responsável pela sua segurança será você mesmo.

Tako confirmou com um movimento de cabeça e repetiu:

— Sim, compreendo.

— Você mesmo decidirá por onde vai começar o seu trabalho. Talvez tenha mais sorte junto às empresas privadas. Dar-lhe-ei uma relação completa dos artigos de que precisamos. Na opinião de Crest, a nave deve ter, pelo menos, trezentos metros de diâmetro. Muita gente pensará que você está louco, quando pedir andaimes para uma construção de plástico de trezentos metros de altura, ou alguns geradores na base de fusão com uma potência de cem milhões de megawatts. Além disso, deverá ter cuidado para que nenhuma firma forneça tantas peças que se possa adivinhar para que servirão. Não se iluda. Trata-se da tarefa mais difícil que já lhe foi confiada. Deverá estar preparado até o momento de nossa decolagem.

Rhodan levantou-se. Tako também se levantou e fez uma mesura. Rhodan sorriu e deu-lhe uma palmadinha no ombro.

— Faça um serviço bem feito, Tako! Muita coisa depende disso.

 

Rhodan estava preparando a relação que seria entregue a Tako. Eram muitas as peças que teriam de ser providenciadas num breve espaço de tempo.

A indústria terrena não seria capaz de fornecer os mecanismos propulsores de velocidade superior à da luz. Crest esperava encontrar, na nave destruída, algumas peças que poderiam ser utilizadas. Quanto ao resto, encomendariam as partes separadas, que teriam de ser montadas sob a cúpula energética.

Rhodan sentiu uma tensão eletrizante ao lembrar-se de que faltavam menos de setenta horas até o momento em que conheceria o segredo da propulsão a velocidade superior à da luz.

Fitando a lâmpada mortiça do camarote, deixou que seus pensamentos vagassem livremente.

Bell entrou correndo, sem anunciar-se. Estava exaltado e fungava.

— Klein está dando sinal! — disse apressadamente. — Temos de mandar Tako para fora.

— Klein?

Bell fez que sim.

— Acho que devíamos apressar-nos. Klein não gostará de ficar rastejando por muito tempo pelo deserto sob o olhar de Tai-tiang.

Rhodan ligou o equipamento de intercomunicação. O rosto sorridente de Tako surgiu na tela.

— Explique a ele! — pediu Rhodan, dirigindo-se a Bell.

— Klein transmitiu o sinal convencionado — disse pela segunda vez. — OPQ na faixa de 6,3 megahertz. Está esperando no lugar combinado. Você deve-se pôr-se a caminho o quanto antes.

Tako fez que sim.

— Irei imediatamente, capitão.

Nem deu tempo para desligar o aparelho. Viram que de um instante para outro ele desapareceu do lugar em que se encontrava.

O capitão Klein ocupava três funções como agente: em caráter profissional, trabalhava para o Conselho Internacional de Defesa; por convicção, lutava pela paz e o entendimento entre os povos; e, finalmente, como aliado da Terceira Potência, também desempenhava suas funções de agente secreto. Conforme se esperava dele, reunira-se às suas tropas, juntamente com seus companheiros Kosnow e Li e se retirara em companhia delas. Se assumia o risco de abandonar a segurança proporcionada pelo acampamento militar para aventurar-se até as proximidades da cúpula energética, devia ter uma razão muito forte para isso.

O sinal OPQ na faixa de 6,3 megahertz significava uma pequena elevação, situada a cerca de seis quilômetros ao sudoeste do lago. Klein dispunha de várias senhas para entrar em contato com a equipe de Rhodan. Cada uma delas indicava um lugar de encontro.

Tako Kakuta voltou após quinze minutos. Rhodan e Bell fitavam a tela de telecomunicação, para vê-lo materializar-se. Mas, em vez de fazer sua aparição em seu próprio camarote, surgiu inopinadamente na sala em que Rhodan se encontrava.

Bell sobressaltou-se.

Tako não lhe deu atenção. Voltou-se para Rhodan. Parecia muito nervoso.

— Tenho notícias más, senhor! Pequim deu instruções a todos os setores da indústria estatal para entregar imediatamente ao serviço secreto qualquer dos nossos agentes que procure estabelecer contato com eles. Moscou deu ordens idênticas para o seu território e, na área da OTAN, a partir de hoje, qualquer empresário que entabule negociações conosco está sujeito a penas bastante graves.

Rhodan ficou pensativo por um instante.

— Algum espertalhão deve ter descoberto os nossos planos — disse com a voz pausada. Deu dois passos, virou-se abruptamente e encarou o japonês. — Tako! Sua tarefa continua inalterada. Apenas receio que terá de ser ainda mais cauteloso.

 

A nave decolou conforme fora previsto. Os robôs haviam trabalhado durante dois dias, e a tarefa de que foram incumbidos estava adquirindo uma certa forma.

Havia um número suficiente de geradores de campo para manter a cúpula energética, durante a ausência da nave. Alguns dos aparelhos foram colocados a bordo para frustrar os planos que os comandos militares da Terra elaboraram assim que lhes foi comunicada a decolagem da nave.

Durante a viagem, não havia qualquer serviço a executar. O equipamento de direção automática da nave funcionou de acordo com os dados introduzidos por Crest.

A oitocentos quilômetros da Terra os equipamentos de bordo localizaram o primeiro foguete. Em poucos segundos, surgiu nas telas de vigilância ótica sob a forma de um fugaz raio metálico. Rhodan não conseguiu impedir que o susto lhe gelasse o sangue e o fizesse prender a respiração por um instante. Viu a esfera incandescente gerada pela explosão e só se acalmou quando comprovou que nada tinha sido alterado no interior da nave. O brilho da explosão dissolveu-se no espaço e foi desaparecendo. A nave dos arcônidas afastava-se a uma velocidade cada vez maior.

Rhodan virou-se. Bell estava atrás dele. Ambos conseguiram esboçar um sorriso amarelo.

— Até parece uma festa de Natal — disse numa voz a que não conseguiu imprimir firmeza suficiente para ocultar o medo de que, poucos momentos antes, se sentira possuído.

Crest exibiu seu sorriso manhoso, mas amável. Thora manteve-se impassível. Seu rosto imóvel continuou a contemplar a tela.

Houve uma série de novos ataques, entre oitocentos e três mil quilômetros de altitude. O invólucro protetor da nave repeliu ao todo quinze foguetes sem que se sentisse a mais leve oscilação.

Após isso, o bombardeio cessou e a nave entrou numa órbita situada a quatorze mil quilômetros da superfície da Terra.

— Podemos dar início à instrução — disse Crest. — Como viram, os foguetes não nos fazem nada. Mesmo que o bombardeio fosse reiniciado, isso não nos perturbaria.

Rhodan estava de acordo. Uma vez vencido o pavor do impacto de algum dos foguetes, sentiu-se tomado de novo pela curiosidade de conhecer os últimos segredos da ciência dos arcônidas.

O procedimento era idêntico ao que ele e Bell já tinham experimentado por várias vezes. Deitados confortavelmente, foram ligados aos informadores-transmissores.

— O processo durará cerca de três horas — disse Crest. — Desta vez vamos lidar com um assunto extremamente difícil; até para mim.

Depois de examinar o equipamento, perguntou:

— Estão prontos?

— Estamos — responderam Rhodan e Bell.

A consciência de Rhodan desvaneceu-se em meio ao pensamento a respeito dos motivos por que Thora não teria vindo para assistir ao início da operação.

Rhodan nunca saberia contar o que sentira durante o tratamento. Só conseguia lembrar-se de um torvelinho de informações fragmentadas, das quais não conseguia extrair qualquer sentido. Não experimentava qualquer sensação corporal. Percebia nitidamente o que estava acontecendo, notava tudo que se passava em seu cérebro. Mas, se não fosse o processo de indução hipnótica que garantia a eficácia da instrução, não saberia o que fazer das informações desconexas de que ainda se lembrava.

Sabia que o processo normal de instrução incluía um período de recuperação cerebral, após a operação de indução hipnótica. Lembrava-se de que das vezes anteriores em que adquirira uma parcela do saber arcônida através desse método, despertara alegre e bem disposto.

Por isso, ao despertar com uma dor de cabeça latejante, soube imediatamente que algo de imprevisto havia acontecido.

Crest, de pé ao seu lado, olhava-o com uma expressão de perplexidade.

Rhodan despertou imediatamente.

— O que houve? — gritou para Crest.

Ao lado dele Bell gemia. Rhodan não se preocupou com ele. Bell ainda levaria algum tempo para recuperar a consciência. Crest estremeceu.

— Está passando bem? — perguntou Crest.

— Sim, estou passando muito bem. O que houve?

Não estava passando bem coisa alguma. A dor de cabeça era quase insuportável.

— Foi Thora — balbuciou Crest. — Ela...

Rhodan lembrava-se de que receara algo semelhante. A facilidade com que Thora concordara com o projeto da instrução hipnótica fora suspeita. Deviam ter compreendido logo que ela estava tramando alguma coisa.

Levantou-se, arrancando os fios de comunicação com o transmissor. Crest recuou apavorado.

— Onde está essa mulher? — berrou.

— Na sala de comando! — disse Crest com voz lamentosa.

Rhodan não lhe deu mais atenção. A última coisa que ouviu ao sair da sala foi a voz de Bell.

— Vá na frente, chefe! Daqui a pouco eu vou.

Rhodan passou pelo corredor que levava ao centro da nave. Pôs a mão no quadril e tirou do coldre a pequena pistola Smith & Wesson que sempre trazia consigo. Por um instante, lamentou não ter consigo nenhuma das armas dos arcônidas. Os pequenos projéteis revestidos de aço seriam totalmente inúteis diante da escotilha da sala de comando se Thora a tivesse fechado.

Ela a tinha fechado.

Não iria assumir qualquer risco face a dois homens cuja energia, medonha para as concepções de um arcônida, já por diversas vezes lhe causara verdadeiro pavor.

Rhodan acionou o dispositivo de chamada e martelou a escotilha com os punhos cerrados. Nenhuma resposta. Recuou três passos, até o local em que se encontrava a primeira tomada de intercomunicação. Fez a ligação e esperou ansiosamente que a tela se iluminasse.

Thora já esperava a chamada. Seu rosto tomou toda a extensão da tela. Rhodan assustou-se. Nunca vira tamanho ódio no rosto de qualquer ser vivo.

— O que houve? — perguntou Thora calmamente.

Rhodan refletiu. Chegou à conclusão de que não adiantaria gritar com ela. Desde que a conhecia sempre alcançara melhores resultados quando aplicava o método de fazê-la sentir que se considerava superior a ela.

— Que tolice foi inventar desta vez? — perguntou tranqüilamente, com um sorriso de escárnio.

Ao que parecia Thora se pusera de sobreaviso contra esse método. Não havia o menor sinal do estreitamento instantâneo dos olhos que, das outras vezes, indicara o quanto a ironia de Rhodan a ofendera.

Falou em arcônida, para dar a entender que considerava o assunto exclusivamente seu.

— Estou cansada de me deixar tocar de um lado para outro por um homem-macaco. É só.

Rhodan refletiu na resposta. Ouviu os passos de Bell, que se aproximava pelo corredor. Com a mão direita, que Thora não poderia ver refletida na tela, fez-lhe sinal de que se mantivesse afastado. Bell obedeceu prontamente.

— Diga-me uma coisa — voltou a falar Rhodan. — O que acha que pode fazer para livrar-se de nós?

Pela primeira vez, notou um sinal de inquietação em seu rosto.

— Pousarei na Terra e cuidarei pessoalmente de tudo — respondeu Thora.

— De que coisas? Acha que conseguirá comprar uma nave novinha em folha por aí?

— Não. Mas posso obrigar os homens a construir uma.

— Obrigar? — Rhodan riu. — Como?

Thora recuou um passo. Na tela, Rhodan pôde enxergar para além dela. Subitamente descobriu como teria de fazer para dissuadi-la da loucura que pretendia cometer.

— Você sabe perfeitamente que com as armas que tenho a bordo desta nave posso acabar com qualquer mundo igual ao seu — respondeu Thora.

Rhodan passou a desenvolver uma atividade febril. Não tirou os olhos do rosto dela; aproximou-se mais do aparelho de intercomunicação. Com a mão direita fez um sinal a Bell, sem que Thora o visse. Apontou para o lugar em que o soalho do corredor se encontrava com a parede oposta.

Enquanto isso, Thora prosseguia:

— Pousarei no interior da cúpula energética e farei com que os governos da Terra compreendam do que preciso.

Rhodan abanou a cabeça, enquanto abria os dedos da mão direita. O indicador continuou a apontar para o soalho do corredor, mas o polegar mostrava a imagem que se via na tela do intercomunicador. Não podia ver se Bell o estava entendendo.

— Quero deixar claro que transformarei seu planeta num montão de cinzas se meus desejos não forem cumpridos.

— Para você é a maneira mais segura de ir para casa, não é? — perguntou Rhodan em tom irônico.

Enquanto falava, modificou os gestos que fazia com a mão direita. Curvou o dorso da mão, enquanto o dedo médio apontava para cima. Depois de algum tempo, o indicador passou a fazer movimentos de quem aperta o gatilho de uma pistola.

Rhodan percebeu que começava a transpirar.

— Pense bem! — disse com toda calma de que era capaz. — Então pretende destruir a Terra, porque ela não cumpre seus desejos. O que lhe restará depois disso? Um fim de vida miserável em Marte ou Vênus. É isso que pretende?

Thora fez um gesto de desprezo.

— Acredita que os terrenos deixarão que as coisas cheguem a esse ponto? Farei com que compreendam que não poderão esperar a menor compaixão da minha parte.

Rhodan passou a odiá-la por essas palavras.

— Os homens zombarão de você — disse em tom de escárnio. Fez uma ligeira pausa de triunfo, ao ouvir que atrás dele Bell se afastava sorrateiramente. — Farão pouco de você; procurarão abrigar-se e terão a satisfação de ver que, uma vez devastada a Terra, você estará em situação muito mais difícil que antes.

Thora pareceu crescer em altura.

— Não farão nada disso! — respondeu fungando. — Ninguém se deixa matar quando pode evitá-lo.

Rhodan encostou-se tranqüilamente à parede, para mostrar que estava disposto a entreter uma palestra prolongada.

— Pois é isso! Neste ponto você subestima os homens. Não se iluda. De qualquer maneira, uns poucos covardes que se disponham a ceder às suas exigências para poupar a vida não poderão fazer muito por você.

Pretendia dizer mais alguma coisa. Mas, nesse instante, percebeu um movimento na tela. Na parede da cabina de comando, perto do lugar em que Thora se encontrava, havia uma abertura do tamanho aproximado de uma cabeça humana, e que servia à insuflação de ar. Essa abertura dava para um conduto de metro e meio de largura, que atravessava a nave em sentido vertical e distribuía o ar puro vindo das câmaras de tratamento.

Na abertura surgiu primeiro o cano de uma pistola e, logo a seguir, uma mão coberta de pêlos.

— Tudo em ordem, chefe! — disse Bell de tal forma que Rhodan podia ouvi-lo pelo intercomunicador. — Vire-se para mim e levante as mãos, menina!

Thora não chegou a virar-se. Ao ouvir a voz de Bell, fez menção de voltar a cabeça. Mas, em meio ao movimento, foi dominada pelo susto. Estendeu os braços e, de bruços, caiu ruidosamente no piso.

— Muito bem! — exclamou Bell. — Ela quis assim. Chefe, arrebente logo a porta, antes que ela desperte.

Rhodan fez-lhe um sinal de aprovação. Chamando por Crest, correu pelo corredor em direção à sala de informações, onde ele e Bell haviam estado deitados sob a influência do radiador hipnótico.

Crest estava de pé na escotilha aberta.

— Dê-me uma de suas armas! — disse Rhodan esbaforido. — Preciso de uma arma com que possa abrir a escotilha da sala de comando. Thora está inconsciente. Se não nos apressarmos despertará e tudo terá sido em vão.

Crest saiu correndo.

Voltou dentro de trinta segundos. Respirando com dificuldade, entregou a Rhodan a pesada pistola de raios perfuradores.

— Aqui está! — disse. — Mas tenha cuidado.

Rhodan precipitou-se corredor afora. Enquanto corria engatilhou a arma. Parou a cinco metros da escotilha e dirigiu o feixe compacto de raios energéticos para o dispositivo eletrônico de travamento.

O metal chiou, soltou bolhas e derreteu-se. Um furo abriu-se na escotilha. Assim que pôde olhar através dele, Rhodan suspendeu o bombardeio energético.

A escotilha já não representava o menor obstáculo. Rhodan abriu-a sem dificuldade. Ouviu o desabafo de Bell, vindo do orifício de insuflação de ar:

— Graças a Deus! Não seria capaz de atirar nela.

Thora ainda estava inconsciente. Depois de levantá-la Rhodan acomodou-a num dos leitos encostados à parede. Pôs a funcionar o intercomunicador e chamou Crest.

— Faça o favor de vir até aqui — disse com a voz tranqüila. — Gostaria que estivesse presente quando ela despertar.

Bell nem se dera tempo para enxugar o suor que lhe escorria pela testa. Mas um largo sorriso cobria-lhe o rosto.

— Você nem imagina o orgulho que sinto por ter entendido a linguagem codificada dos três dedos.

Rhodan lançou-lhe um olhar sério.

— Afinal, você é um menino inteligente.

Crest entrou.

— Como foi que fez isso? — perguntou sacudindo a cabeça.

— Foi assim — respondeu Bell, cortando o ar com os dedos da mão direita.

Rhodan riu.

— Encontramos em tempo o conduto de ar — explicou a Crest. — Bell desceu por ele. Quando Thora percebeu que ele estava perto dela, desmaiou.

Crest sentou na beirada do leito em que Thora estava deitada.

— Não é de estranhar — disse em tom pensativo. — Quase morri há poucos minutos quando vi que os senhores se levantavam.

— Por quê?

— Na fase inicial da aplicação da técnica de treinamento hipnótico, quando mal havíamos construído os primeiros aparelhos e ainda não dispúnhamos da experiência necessária, houve alguns casos lamentáveis, em que o processo de treinamento teve de ser interrompido. Isso foi devido a influências exteriores. Em todos esses casos, a pessoa cujo treinamento foi interrompido perdeu a razão. A explicação é simples: no curso do processo de treinamento hipnótico, o cérebro encontra-se num estado de ativação muito intensa. Se não tiver oportunidade de retornar lentamente às suas funções normais, a confusão instala-se nele. Em conseqüência disso, surge uma forma de loucura que nem mesmo os nossos psiquiatras conseguem curar.

Ergueu os olhos e fitou primeiro Rhodan, depois Bell.

— Compreendem o que quero dizer? Desde os primórdios do treinamento hipnótico não existe, em Árcon e nos mundos submetidos às leis arcônidas, nenhum crime mais grave que a interrupção de um processo de treinamento. Enquanto vocês estavam ligados ao transmissor, Thora não receava qualquer interferência de sua parte. Sabia perfeitamente que não me atreveria a despertá-los antes de concluído o treinamento. E dentro de três horas ela poderia ter levado a nave à Terra e tomado as providências necessárias para que você, Rhodan, não representasse mais qualquer perigo para ela.

Crest fez uma pausa.

— Assim mesmo você nos despertou! — disse Rhodan, falando pausadamente e com a voz grave.

Crest fez que sim e baixou os olhos.

— Foi uma decisão muito difícil. Mas não me restava outra alternativa senão agir de acordo com os fatos. Se não os tivesse despertado, Thora pousaria na Terra e inutilizaria os resultados dos nossos esforços. Não tenho a menor dúvida de que as idéias dela teriam causado a destruição do planeta e desta nave.

Ergueu os olhos e sorriu.

— O resto não passou de um exercício de matemática infantil. De qualquer maneira teríamos morrido. Por que, então, não iria aproveitar a única chance de continuarmos vivos? Tinha uma leve esperança de que a estrutura do cérebro de vocês fosse diferente da dos arcônidas, de forma que estivessem em condições de resistir ao choque provocado pela interrupção do treinamento.

De repente mostrou-se radiante.

— Não me enganei! A humanidade terrena...

Nesse instante Crest foi interrompido de forma grotesca.

Atrás dele, alguma coisa começou a mexer-se no leito. Sem conseguir dominar a voz, Thora disse:

— Crest, você é um traidor miserável!

Rhodan virou-se abruptamente. Bell levantou-se de um salto e postou-se aos pés do leito. Crest não se abalou: continuou sentado. Um sorriso triste esboçou-se em seu rosto. Respondeu com a voz tranqüila:

— Não, minha filha; não sou nenhum traidor. Você ainda há de compreender. Apenas receio que isso ainda leve muito tempo.

Thora fechou os olhos.

Rhodan lançou um olhar sério para ela. Quando esta voltou a abrir os olhos, estremeceu.

— Ouça! — disse em tom ríspido. — Já estamos fartos da sua idiotice, da sua obstinação e da sua repugnante arrogância. Daqui em diante cuidaremos para que não nos atrapalhe mais, enquanto não aprender a usar a inteligência. Não tem nada a recear de nós. Não lhe faremos mal. Mas é bom que saiba uma coisa: deste momento em diante assumo o comando desta nave e qualquer tentativa de realizar programas tresloucados será considerado como amotinação, e punido de acordo com as leis terrenas.

Thora não soube o que responder. Seu rosto impassível não revelava o que se passava dentro de sua cabeça.

Rhodan não restringiu sua liberdade de movimentos. Apenas incumbiu Bell de exercer uma vigilância cuidadosa sobre ela, enquanto estivesse em condições de fazê-lo. Por enquanto pretendia continuar o treinamento hipnótico e concluí-lo o quanto antes.

Rhodan lamentou não ter trazido o Dr. Manoli ou o australiano. Qualquer um deles poderia ficar de olho em Thora, enquanto ele e Bell estivessem ligados ao transmissor de conhecimentos.

Nas condições em que se encontrava, não lhe restava outra alternativa senão entregar a pistola de radiação energética a Crest, recomendando-lhe encarecidamente que a usasse se Thora tentasse interferir novamente.

Feito isso, reclinou-se na poltrona e esperou pacientemente que Crest substituísse o equipamento transmissor que fora arrancado e começasse a prepará-lo para o reinicio do processo.

Depois foi a vez de Bell.

— Pronto? — perguntou Crest.

— Pronto! — Veio a resposta. Seguiu-se imediatamente a inconsciência abrupta e profunda causada pelo treinamento hipnótico, que sempre voltava a surpreender. Parecia que alguém havia arremessado uma capa que cobria todo o mundo.

 

Tako Kakuta estava numa loja, renovando seu guarda-roupa. Lembrou-se de que o suprimento de dinheiro estava se transformando num problema bastante sério para a Terceira Potência. Com a perda da nave dos arcônidas, pousada na Lua, os meios de troca tinham-se tornado escassos. Tinham de ser reservados para as transações mais importantes.

Tako chegara a Petersburgo sem encontrar o menor obstáculo. Rhodan dera-lhe ampla liberdade na escolha de seu itinerário. Decidira visitar em primeiro lugar os Estados da Nova Inglaterra, que abrigavam a maior concentração da indústria norte-americana.

Tako abandonara a cúpula energética durante a noite, junto ao lago salgado de Goshun. Sua vestimenta especial permitiu-lhe voar em direção sul até Wuwei. Chegou ao raiar do sol e aproveitou a primeira conexão para Lantchou. Ali abriam-se duas alternativas: voar a Tchunking ou a Pequim, para tomar um vôo intercontinental destinado aos Estados Unidos. Optou por Tchunking, pois Pequim, um lugar em que a polícia secreta desenvolvia uma atividade intensa, era um sítio muito perigoso para um homem como ele.

Tako estava consciente da vantagem que levava fora da cúpula energética sobre qualquer dos membros da Terceira Potência: não era conhecido. Ninguém desconfiava de que era um homem de Rhodan. Nunca era mencionado nos noticiários sobre a Terceira Potência, irradiados periodicamente pelas emissoras de TV de todo o mundo.

Decidiu aproveitar essa vantagem enquanto fosse possível. Teria de deixar cair a máscara no momento em que iniciasse as negociações.

Uma vez provido de boas roupas, pôs-se a trabalhar. Pegou um táxi e foi à usina de ferro-plástico, um local que parecia oferecer-lhe oportunidades bastante promissoras para a realização dos seus objetivos.

A empresa Ferroplastics Limited pertencia ao grupo Dupont, uma das famílias mais importantes dos Estados Unidos.

Tako soube dar-se uma impressão imponente. Ao anunciar-se, asseguraram-lhe que fariam o possível para conseguir, quanto antes, uma audiência com um dos diretores.

Tako acrescentou com a maior ênfase:

— Não se esqueça de mencionar que se trata de encomenda muito importante.

Adotara um nome suposto, que constava do passaporte que trazia consigo. Não dissera nada sobre sua procedência ou sobre a identidade de quem o incumbira de fazer a encomenda. Por enquanto, poderiam acreditar que estavam lidando com um representante da Federação Asiática. Todo mundo sabia que no setor dos metais plastificados a Federação Asiática ainda engatinhava atrás das indústrias do Bloco Oriental e do mundo ocidental.

Fizeram-no esperar uns vinte minutos no enorme hall. Mergulhou na leitura das revistas destinadas aos visitantes, mas fazia-o de maneira a utilizar a borda superior como horizonte visual, por cima do qual observava os arredores. Através do hall fluíam e refluíam as vagas humanas desencadeadas pela atividade febril da grande usina. Não havia nada que devesse preocupar Tako.

Dentro de vinte minutos o homem que o havia recebido voltou a aparecer. Sorria.

— Consegui, senhor — disse no seu falar arrastado de americano. — O patrão quer recebê-lo imediatamente.

Tako esboçou um sorriso de cortesia.

— Meu caro, o senhor está enganado — respondeu. — Sou eu que quero ser recebido pelo patrão. Como é o nome dele?

— La... Lafitte — gaguejou o jovem. — Quer fazer o favor de subir comigo?

Tako levantou-se.

O escritório de Lafitte ficava no último andar do imponente edifício. Enquanto era conduzido Tako desfrutou a visão panorâmica sobre a cidade.

Assim que ele entrou, Lafitte levantou-se atrás da mesa. O jovem que o havia acompanhado ficou do lado de fora; fechando a porta dupla.

— Queira sentar! — disse Lafitte, apontando para uma poltrona confortável.

Tako sentou. Recusou o cigarro que lhe foi oferecido. Passou tranqüilamente os olhos pela sala. Lafitte começou a ficar nervoso, mas Tako não se sentiu perturbado com isso.

Finalmente levantou os olhos e disse:

— Onde poderíamos conversar?

Lafitte parecia perplexo.

— Por quê? Não gosta daqui? Costumo discutir os meus negócios neste escritório.

Tako concordou com um sorriso.

— Minha missão é muito difícil e delicada — disse com a voz fina. — Não posso correr o menor risco. O senhor compreende? Veja, por exemplo, esse vaso de flores. Não acha que seria um ótimo esconderijo para um microfone? Compreendo suas precauções, senhor Lafitte; peço-lhe que também procure compreender as minhas.

A expressão do rosto de Lafitte mudou do espanto e do desagrado para um princípio de contrariedade e terminou num sorriso matreiro.

— Tenho a impressão de que não me mandaram nenhum tolo — disse com a voz ligeiramente manhosa, que não permitiu a Tako sentir-se seguro.

Levantou-se e saiu de trás da mesa.

— É claro que estou disposto a conversar num lugar que lhe seja agradável — prosseguiu. — Faça uma sugestão.

— Que tal meu hotel? Reservarei uma sala de conferências.

Lafitte apontou para o telefone. Tako chamou o hotel em que estava hospedado e reservou uma das menores salas de conferências.

Enquanto desciam pelo elevador, observou Lafitte com os olhos atentos. Não notou que este tivesse feito sinal para que alguém os seguisse. Assim mesmo Tako acreditava que estava tramando alguma coisa que não se harmonizava com seus planos.

A viagem de táxi decorreu sem contratempos. Por várias vezes Tako olhou pelo vidro traseiro; ao que parecia, ninguém os estava seguindo. A não ser que se tratasse de uma pessoa muito hábil; e Tako não excluía essa possibilidade.

A sala de conferências fora preparada. Tako deu instruções para que ninguém os perturbasse. Sentaram-se a uma mesa pequena e baixa; Tako começou a agir. Colocou Lafitte sob a influência de seu minúsculo aparelho hipnotizador e ditou suas exigências.

— ...um revestimento de 0.75 metros de espessura para uma esfera com exatamente 310 metros de diâmetro. O material deverá ser de ferroplástico A-10 com um aditivo de volfrâmio e terá de ser fornecido em peças facilmente transportáveis. Ainda lhe transmitiremos instruções precisas sobre a forma de entrega. A título de compensação meu comitente lhe remeterá um gerador anti-gravitacional. Trata-se de um aparelho capaz de neutralizar um campo gravitacional até uma potência de dez vezes o da Terra. Com isso obterá um valor que representa muito mais que o das chapas de ferroplástico. Não se esqueça de que terei de insistir no exato cumprimento do prazo de entrega. Se esta não se verificar dentro de trinta dias, nosso acordo ficará sem efeito. Não celebraremos nenhum contrato escrito. Temos plena confiança um no outro.

Tako levantou-se. Lafitte olhava-o com a expressão apagada de quem se encontra sob influência hipnótica.

— Se acreditar que sou um agente da Terceira Potência, faça o favor de abandonar essa idéia — concluiu Tako com um sorriso. — Trabalho sob as ordens da Federação Asiática que, conforme sabe, está atrasada no setor do ferroplástico. A esfera que pretendemos construir servirá como envoltório de um grande reator nuclear, cuja construção está sendo iniciada. Faço votos para que a encomenda seja executada a contento de meu comitente. Aqui estão as instruções sobre a forma de entrega.

Entregou a Lafitte um maço de papéis que ele mesmo escrevera no dia anterior, numa máquina emprestada pelo hotel.

Desligou o hipnotizador e notou que o rosto de Lafitte retornou à expressão normal. Ele levantou-se e estendeu a mão a Tako.

— Fico satisfeito por termos chegado a um acordo tão depressa — disse. — Ainda hoje submeterei o assunto ao Conselho Fiscal. Acredito que não haverá dificuldades. Afinal, teremos uma recompensa regia.

Tako abriu a porta da sala de conferências. O corredor estava vazio. O sol penetrava por uma ampla janela de frente, refletindo-se na passadeira brilhante.

— Não se esqueça de me informar sobre a decisão do Conselho Fiscal — pediu Tako. — Meu comitente está empenhado em receber o material com a maior rapidez. Caso não haja interesse de sua parte, terei de procurar outro fornecedor.

Sorrindo, Lafitte fez um gesto negativo.

— Não se preocupe. Tudo irá bem. Darei uma solução ainda hoje.

Tako acompanhou Lafitte até o elevador. Assim que este começou a descer, correu à janela e olhou para fora. Lafitte saiu do prédio e chamou um táxi. Não olhou para trás; entrou no carro que partiu imediatamente.

Tako esperou. Poucos minutos depois um carro cinza afastou-se do meio-fio do lado oposto da rua e disparou na mesma direção seguida pelo táxi de Lafitte.

Tako voltou ao seu apartamento. Estava pensativo. O carro cinza não provava que ele fora seguido por alguém que lhe controlava os passos. Mas não se podia saber...

Tako pediu à telefonista que o ligasse com a Ferroplastics Limited. Uma voz feminina respondeu.

— Meu nome é Yamakura — disse Tako. — Há poucos minutos tive a honra de falar com o senhor Lafitte a respeito de uma grande encomenda. Ele disse que convocaria imediatamente uma reunião do Conselho Fiscal. É possível que daqui a pouco tenha que telefonar novamente, para dar outras informações a ele. Será que poderei ligar para aí? As reuniões do Conselho Fiscal costumam ser realizadas nesse edifício?

— Por este telefone o senhor poderá alcançar o senhor Lafitte a qualquer momento, senhor Yamakura — respondeu a voz feminina. — A sala de sessões fica neste edifício, perto da sala em que me encontro.

— Muito obrigado — disse Tako — A senhora me prestou uma grande ajuda.

Logo a seguir, Tako tirou o terno recém-adquirido e pôs a vestimenta transportadora que Crest lhe dera, Colocou uma arma no bolso e também levou o hipnotizador.

O rosto do porteiro assumiu uma expressão pateta, quando viu o hóspede passar diante dele em tais trajes. Mas Tako confiara em que nos hóspedes exóticos seriam toleradas certas excentricidades.

Tako tomou um táxi e pediu ao motorista que o levasse à sede da Ferroplastics Limited. Durante a viagem ficou refletindo, para ver se descobria algum ponto vulnerável em seus planos. Tudo parecia de uma simplicidade tão extrema, que Tako desconfiou da coordenação primária de suas idéias. Mas teve de reconhecer que os recursos extraordinários de que dispunha justificavam até certo ponto a simplicidade do plano. Isso o tranqüilizou.

 

Quase no mesmo instante Lafitte entrava apressadamente no hall da Ferroplastics Limited. Já avisara os membros mais importantes do Conselho Fiscal e tinha certeza de que dentro de uma hora o órgão emitiria uma deliberação que correspondesse às suas intenções.

Ao passar pela mesa telefônica, a senhorita Defoe chamou-o.

— O que houve? — perguntou em tom impaciente. — Não tenho tempo.

A jovem esboçou um sorriso suave.

— O senhor Yamakura acaba de telefonar. Perguntou se por este telefone pode falar com a sala de sessões do Conselho Fiscal.

— O senhor Yamakura? — Lafitte franziu a testa. — O que é que ele quer?

— Por enquanto nada. Diz que talvez tenha de falar com um dos conselheiros durante a sessão.

— Está bem. Ligue-me imediatamente com ele, se... O que houve desta vez?

Um homem alto e jovem atravessou o hall e parou perto de Lafitte. Notava-se que queria dizer alguma coisa.

— Eu o segui, patrão, conforme combinamos. Está tudo em ordem?

— Sim, Morgan, tudo está em ordem.

Morgan hesitou. Ia afastar-se, mas continuou parado.

— Tem certeza de que tudo está em ordem?

Lafitte bateu o pé.

— Tenho, sim. Que inferno! Tenho certeza absoluta!

Morgan não se abalou.

— Muito bem — murmurou.

Afastou-se e saiu. Tirou o carro de junto da escadaria e estacionou-o no lugar reservado. Voltou para junto da telefonista. Lafitte já se afastara.

— Que história é essa, Morgan? — perguntou ela, nervosa. — Por que está com medo?

Morgan pegou uma cadeira e sentou junto à mesa telefônica. Deu de ombros.

— Não sei... Parece que fizeram um grande negócio. Lafitte correu que nem um louco para reunir o Conselho Fiscal ainda hoje. Acontece...

A telefonista sacudiu a cabeça.

— Não vejo nada de errado nisso.

— Já viu alguma vez como Lafitte costuma fazer seus negócios?

— Nunca.

— O tempo que Lafitte leva para tomar uma decisão costuma ser proporcional ao valor da encomenda. Nunca levou menos de cinco horas para discutir um negócio. E desta vez levou cinco minutos, ou talvez quinze, se contarmos tudo. E agora convoca o Conselho Fiscal. Deve tratar-se de um negócio muito importante. Se não fosse assim, Lafitte decidiria sozinho. Concluiu um negócio enorme em quinze minutos. É isso que me deixa preocupado.

A telefonista sorriu.

— Ora essa! Só por isso faz tanto drama?

Morgan fez que sim.

— Você me deixaria escutar quando esse Yamakura...

— Não — respondeu ela em tom ríspido. — Nunca permito que alguém escute os telefonemas dos outros.

Mas Morgan conseguiu convencê-la.

Por algum tempo conversaram sobre assuntos banais. Subitamente a porta do hall abriu-se. Ao ouvir o ruído, Morgan virou-se. Viu o batente largo girar para fora, voltar para dentro e oscilar até atingir sua posição de repouso. Esfregou os olhos. Nem por isso o quadro se alterou. No hall desenvolvia-se a agitação de um dia movimentado. Não havia ninguém perto da porta.

A jovem teve a atenção despertada.

— O que houve?

— A porta abriu-se, mas não entrou ninguém.

O telefone chamou. Ela fez uma ligação e voltou a colocar o fone no gancho. Depois disse:

— Você devia tirar férias, Morgan. Já está se tornando ridículo com essa mania de ver fantasmas.

Morgan protestou.

Nesse instante aconteceu uma coisa estranha. Um velho mensageiro estava atravessando o hall com uma pasta. Subitamente parou, como se tivesse esbarrado em alguma coisa, deixou cair a pasta, atirou os braços para o alto e soltou um grito de pavor. Num segundo, Morgan colocou-se ao seu lado.

— O que houve?

O velho estava com o rosto mortalmente pálido. Tremia e falou gaguejando.

— Eu... ele... por aqui havia alguma coisa e esbarrei. Foi aqui mesmo!

Morgan foi ao lugar apontado pelo velho.

— Tolice! — resmungou. — Aqui não há nada.

O homem sacudiu a cabeça.

— O que foi? — perguntou Morgan.

— Não sei dizer. Talvez tenha sido um homem. Se foi, não usava roupa igual a nós. Estava muito duro.

Morgan passou a mão pelo cabelo.

— Não viu nada?

— Aí que está! Não vi nada.

— Muito bem. — Morgan abaixou-se, levantou a pasta e colocou-a sob o braço do velho. — Esqueça-se disso e não conte a ninguém. De qualquer maneira, não acreditariam.

— Sim senhor. Muito obrigado — disse o velho, ainda perturbado.

Morgan voltou para junto da telefonista.

— O que houve? — indagou esta.

— O homem esbarrou em algo invisível.

Ela teve um acesso de riso.

— Fico me perguntando o que há de verdade em tudo isso — disse Morgan com a voz séria.

A moça olhou-o, incrédula, e interrompeu-se em meio à risada.

— Você não vai me dizer...

Morgan não respondeu. Apoiou a cabeça nas mãos e ficou refletindo.

Depois de algum tempo a porta do hall voltou a se abrir, desta vez para deixar passar dois membros do Conselho Fiscal, que haviam sido convocados por Lafitte.

Passaram junto à mesa telefônica e cumprimentaram a senhorita Defoe com um aceno de cabeça, sem interromper a palestra em que estavam entretidos. Morgan seguiu-os com os olhos. Para chegar à sala de sessões era necessário atravessar um corredor largo e curto, separado do hall por uma porta de vidro. Morgan viu perfeitamente que, quando os dois homens passaram pela mesma, o batente esquerdo logo voltou à posição normal, enquanto o direito continuou aberto até que os conselheiros já haviam andado uns três ou quatro passos pelo corredor.

Para Morgan já não havia a menor dúvida: uma pessoa que sabia tornar-se invisível seguira os dois membros do Conselho Fiscal. Estava a ponto de alarmar a guarda do estabelecimento. Mas lembrou-se de que não poderia apresentar qualquer motivo plausível. Zombariam dele e os guardas continuariam nos seus postos.

Se alguma coisa pudesse ser feita, ele mesmo teria de cuidar disso.

 

Notava-se que Lafitte se orgulhava da encomenda que conseguira negociar. Com uma enorme autoconfiança apresentou a oferta aos membros do Conselho Fiscal, sem perturbar-se com os rostos daqueles homens, que de minuto a minuto, assumiam uma expressão cada vez mais perplexa e contrariada.

Finalmente Whitmore levantou-se de um salto, dando um empurrão na cadeira que a fez deslizar no soalho.

— Senhor Lafitte — começou com a voz áspera. — Como membro do Conselho Fiscal quero dar expressão ao espanto causado pela sua oferta. — À medida que falava, enfurecia-se cada vez mais: — Acha que está fazendo uma boa piada ao arrancar-nos das nossas ocupações, arrastar-nos até aqui e submeter-nos essa oferta absurda? Levante-se, Lafitte, e explique-se. Se não o fizer, esta assembléia lhe dará uma lição de que nunca se esquecerá.

Assim era Whitmore. Ia sentar-se para dar uma oportunidade de defesa a Lafitte, que parecia bastante perturbado. Mas, enquanto puxava a cadeira, uma idéia pareceu surgir em sua mente.

— Espere — disse, fazendo um gesto nervoso em direção a Lafitte. — O que nos oferecem mesmo em pagamento?

— Um gerador antigravitacional — voltou a explicar Lafitte. — Trata-se de um aparelho capaz de neutralizar campos gravitacionais até a potência equivalente a dez vezes a gravidade terrestre. É um equipamento de transporte ideal, que ainda não existe em qualquer parte do mundo.

Whitmore confirmou com um movimento de cabeça.

— Já que é assim — disse, passando os olhos pelos homens sentados em torno da mesa de conferências — considero a oferta perfeitamente viável.

Os outros homens assentiram. Ninguém parecia lembrar-se de que há trinta segundos ainda consideravam a oferta de Lafitte uma piada de mau gosto. Ninguém teve a idéia de perguntar quem seria capaz, neste planeta, de fornecer um aparelho com que até então a ciência mal ousara sonhar. Subitamente, bastou-lhes que tal aparelho fosse oferecido. Não duvidavam da idoneidade do autor da encomenda.

Lafitte leu as condições de fornecimento e as instruções de embarque. Chegou-se à conclusão de que umas e outras poderiam ser cumpridas sem maiores dificuldades.

Segundo a promessa de Lafitte, a sessão terminou dentro de uma hora. A encomenda tinha sido aceita e as instruções correspondentes foram emitidas imediatamente. Os membros do Conselho Fiscal despediram-se na convicção de terem concluído o maior negócio da história da Ferroplastics Limited.

O homem que os ajudara a tomar essa decisão esperou até que todos tivessem saído da sala. Como não tivesse mais necessidade de concentrar todos os seus esforços — situação em que se encontrara quando começou a influenciar os membros do Conselho Fiscal — achou preferível não voltar pelo hall, para evitar o risco de novo incidente como aquele que há pouco tanto o assustara. Concentrou sua mente num local abandonado nas proximidades da sede da Ferroplastics Limited e para lá se transportou num telessalto.

Conforme imaginara, aterrissou perto da rua, num terreno baldio coberto de mato. Não havia ninguém que o visse surgir.

Atravessou a rua e esperou até que aparecesse um táxi vazio. Fez sinal. Poucos minutos depois desceu em frente ao hotel. Entretido nos seus pensamentos, passou pelo porteiro, entrou no elevador e subiu.

Estava satisfeito com o trabalho daquele dia.

A única coisa que o preocupava era o esbarrão no mensageiro.

Não pudera evitá-lo, porque um segundo antes tivera que desviar-se de outra pessoa. Notara perfeitamente que o jovem esbelto que correra em auxílio do mensageiro acreditara na história muito mais do que Tako teria gostado. Ao que parecia, alguém pretendia colocar-se no seu encalço. Se tivesse bastante senso objetivo para acreditar na história do homem invisível que esbarrara no mensageiro, poderia transformar-se num adversário temível.

Tako gravara bem seu rosto. Decidiu submetê-lo à sua vontade assim que tivesse oportunidade para isso.

 

Abriu a porta do apartamento e entrou. Quando já se encontrava perto da mesa, ouviu uma voz às suas costas:

— Não se assuste, cavalheiro! Não lhe farei nada.

Tako virou-se instantaneamente. Cerrou os olhos e, num movimento instantâneo, segurou a pistola.

Viu um homem de idade sentado numa poltrona perto da porta. Mantinha os braços erguidos, como que assustado com a pistola.

— Santo Deus! — gemeu. — Vire isso pra lá! Não trago nenhuma arma.

Tako baixou a pistola.

— Quem é o senhor?

— Será que isso vem ao caso? Sou uma figura sem a menor importância nesse jogo. Mandaram-me até aqui para dar-lhe um recado. Chame-me de Webster, se isso o agrada.

Tako fitou o velho. Pela idade usava roupas muito vistosas, o que lhe conferia um aspecto pouco sério.

— Qual é o recado?

— Preste atenção! Sabemos que está atrás de certas coisas que só poderá conseguir com muita dificuldade e enfrentando graves perigos. Oferecemo-nos como intermediários. Podemos comprometer-nos a conseguir qualquer coisa de que precise.

Com um sorriso de satisfação reclinou-se na poltrona.

— É claro que pedimos um preço adequado — acrescentou.

Tako fitou-o pensativo. Antes que pudesse formular qualquer pergunta, Webster voltou a retesar-se na poltrona:

— Antes que me esqueça: sabemos que o senhor dispõe de uma série enorme de truques. Provavelmente poderia influenciar-me para que lhe conte tudo que sei. Peço-lhe que não o faça. Primeiro, não conheço a pessoa que me confiou esta incumbência; depois, ela interpretaria seu truque como um voto de desconfiança, o que a levaria a suspender imediatamente as negociações. Se estiver disposto a pagar bem, seremos os sócios mais leais que poderia desejar.

— Quem seriam esses sócios? — perguntou Tako laconicamente.

Webster deu de ombros. Tako enrugou a testa, tomando lugar numa poltrona em frente a Webster.

— Como conseguiu entrar aqui? — perguntou.

— Ora! — disse Webster com um sorriso. — Para um homem do meu tipo existem inúmeras possibilidades.

— Estou disposto a ouvir sua oferta — disse Tako. — Onde poderei tomar conhecimento dela?

— Tenho o endereço. Espere! — interrompeu-se, quando Tako ia pegar o cartão. — Antes de mais nada: não experimente seus truques conosco. Antes de negociar com o senhor, submetê-lo-emos a todas as provas. Sabemos que nos expomos bastante ao submeter-lhe uma oferta. Por isso queremos que nosso risco seja o menor possível. Entendido? — entregou o cartão a Tako. — Manteremos nossa oferta pelo prazo de dez dias. Se quiser aparecer, telefone para este número e diga: Holoway chegará às quatorze horas, ou às oito horas, conforme lhe convenha. Entendido?

Tako fez que sim.

— Não terão de esperar muito por mim — disse com um sorriso.

Webster saiu. Deixou atrás de si um Tako muito pensativo. Aquilo que Webster designava como seus truques provavelmente eram seus dons extraordinários e os recursos que as vestes dos arcônidas lhe proporcionavam. Como poderiam saber disso?

A pessoa de Webster também representava um enigma para ele. Ao que tudo indicava, pertencia a uma das camadas inferiores da sociedade. Trajava-se e falava como tal. Quem o teria enviado? Sua resposta à pergunta de como entrara ali dava a entender que era um arrombador ou coisa semelhante. Será que um bando de arrombadores poderia prestar auxílio a Tako? Conseguiriam roubar as peças do equipamento de uma nave espacial de trezentos metros de diâmetro?

A idéia divertiu-o; recuperou a autoconfiança. Não teria que temer nada. Pelo menos enquanto usasse as vestes arcônidas e possuísse o dom da teleportação.

Assim, achou preferível não mudar de roupa para o jantar. Desceu à sala de refeições tal qual estava e não se perturbou com os olhares espantados dos outros hóspedes.

 

Webster entrou numa sala na qual só havia uma mesa, duas cadeiras e, sobre a mesa, um telefone e um aparelho de intercomunicação. Fechou a porta cuidadosamente, depois de ter apagado a luz. Comprimiu o botão do aparelho de intercomunicação. Uma luzinha acendeu-se e uma voz áspera perguntou:

— O que houve?

— Aqui fala Webster. Acho que o homem virá.

— Muito bem. Mais alguma coisa?

— Não.

— Mas eu tenho uma coisa para você, Web.

— Diga.

— Finch deu com um sujeito que vive espionando esse japonês. Seu nome é Morgan e vem da Ferroplastics. Descobrimos que é detetive da empresa. Você e Finch ficarão de olho nele até que Yamakura tenha fechado negócio conosco. Não podemos permitir que alguém fareje os nossos negócios. Não tenham a menor consideração por ele.

— Está bem, chefe — respondeu Webster em tom submisso.

— Outra coisa. Ligue o telefone para cá. Quero ouvir o telefonema do japonês.

— Perfeito.

Webster comprimiu um botão que ficava na base do aparelho.

— Finch instalou seu quartel-general no restaurante Fratellini. Procure chegar lá quanto antes.

— Sim, chefe.

— Fim.

Webster desligou o aparelho de intercomunicação, abriu a gaveta da mesa e tirou uma pistola. Feito isso levantou-se, apagou a luz e saiu.

Do outro lado da porta ficava um escritório. Via-se uma fileira de cadeiras e escrivaninhas. Tudo estava coberto por uma grossa camada de pó que só era interrompida no trajeto da porta pela qual Webster acabara de passar até a saída.

A Eastern Transport era uma firma que só existia na placa colocada na porta de entrada. Se alguém lhe quisesse confiar algum objeto para ser transportado, diriam, numa linguagem adequada, que infelizmente estavam tão sobrecarregados, que nas próximas oito ou dez semanas não podiam aceitar nenhum serviço.

A porta de entrada dava para um corredor situado no trigésimo andar de um arranha-céu. A essa hora, o corredor estava vazio. Webster foi até o elevador e desceu. Deu boa-noite ao porteiro, pegou um táxi e foi até a Sétima Avenida, onde ficava o restaurante de Fratellini. Finch estava sentado numa sala que o proprietário costumava reservar para hóspedes especiais.

Webster sentou à sua frente.

Finch levantou os olhos.

— Parece que o peixe acaba de escapar da nossa rede — disse, devagar e com a voz cansada.

 

Jesse Morgan contribuíra involuntariamente para o fracasso que os homens de Finch acabavam de sofrer. Morgan era um dos detetives de Pinkerton e fora destacado para o serviço da Ferroplastics Limited e não demorou a descobrir que, ao esforçar-se para entrar em contato com o japonês Yamakura, era seguido por vários homens, que se revezavam e agiam com uma habilidade extraordinária.

Gastou uma boa quantia em corridas de táxi, entradas de cinema, uma enorme porção de sorvete que nem chegou a tocar e uma boa dose de energia física para livrar-se de seus perseguidores. Mas, com isso, seu plano de entrar em contato com Yamakura no seu apartamento, ainda naquela noite, caíra n’água.

Ficou refletindo sobre quem seriam as pessoas que ficavam grudadas aos seus calcanhares. Depois que Lafitte se recusara a informá-lo sobre as excentricidades do japonês, Morgan encarou o assunto como objeto de sua curiosidade pessoal. Pouco lhe interessava se de suas investigações poderia resultar algo de útil para a Ferroplastics Limited.

Morgan tinha uma idéia bastante nítida do japonês. Até poucas semanas atrás, quando o noticiário entrou numa estranha maré baixa, os jornais costumavam encher-se de informações sobre os acontecimentos estranhos que se desenrolavam no deserto de Gobi e que tinham sua origem nas pessoas que costumavam designar-se como a Terceira Potência. No caminho da China para os Estados Unidos muitas informações foram distorcidas, adulteradas e exageradas a tal ponto que, nos jornais americanos, se liam coisas que mesmo numa pessoa completamente desinteressada só provocava risos. Acontece que Morgan sabia separar o joio do trigo, para fazer surgir aquilo que tinha foros de verdade. E, agindo assim, achou mais que provável que Yamakura não fosse nenhum encarregado da Federação Asiática, conforme Lafitte procurou dar a entender com suas insinuações, mas um agente da Terceira Potência.

Sendo assim, pensou Morgan, talvez caísse no truque barato que iria aplicar.

Quando se sentiu absolutamente seguro de que não estava mais sendo seguido por nenhum dos desconhecidos, entrou numa lanchonete, sentou a uma mesa que ficava no canto mais escondido e pediu um refresco. Passado algum tempo, levantou-se e foi até o telefone. O aparelho ficava numa cabine bem fechada. Ninguém ouviria o que pretendia dizer. Ligou para o Hotel Atlantic, onde Yamakura estava hospedado.

— Aqui fala Donovan. Quero falar com o senhor Yamakura.

A telefonista murmurou algumas palavras incompreensíveis. Houve uma pausa, Logo após veio a resposta.

— Sinto muito, mas o senhor Yamakura está jantando.

— No hotel?

— Sim.

— Queira chamá-lo.

— Um momento. Vou ligar para lá.

Ouviram-se ruídos, o rumor de passos e de vozes. Finalmente uma voz aguda respondeu:

— Alô!

— Aqui fala Donovan — disse Morgan, falando devagar e enfatizando as palavras. — Quero fazer-lhe uma oferta.

Yamakura parecia perplexo. Levou algum tempo para responder:

— E quem lhe diz que estou interessado nas suas ofertas?

— Eu mesmo. Disponho de muitas relações e posso conseguir num golpe aquilo que o senhor teria de reunir aos poucos e com muito esforço.

— Não diga! — disse o japonês em tom irônico. — Vai fazer isso por pura caridade?

— Não. Tenho meu preço.

— E daí?

— Que tal um encontro?

— Onde?

— Faça uma sugestão.

Yamakura refletiu.

— Não conheço a cidade. Que tal a primeira lanchonete na rua à esquerda do Atlantic?

— De acordo. Quando?

— Daqui a uma hora.

— Muito bem. Aguardarei o senhor.

O japonês desligou. Ao sair da cabina telefônica, Morgan não conseguiu disfarçar um sorriso de satisfação.

Uma pessoa que não dispusesse de recursos extraordinários não teria caído num truque desses. Morgan não duvidava de que, embora tivesse concordado, Yamakura contava com uma tentativa de capturá-lo. Pagou a conta e seguiu a pé em direção ao local de encontro. Tinha tempo de sobra, mas queria chegar antes de Yamakura.

 

Finch recebeu, quase ao mesmo tempo, duas informações diferentes. Uma lhe causava preocupações, outra deixou-o satisfeito.

— Pete diz que o japonês está saindo do hotel — resmungou para Webster. Mas logo seu rosto se iluminou. — Por outro lado, Vale voltou a descobrir o cão-de-fila da Ferroplastics. Está sentado num bar do Washington Boulevard.

Webster fitou-o atentamente.

— Acho que já está na hora de lhe darmos uma lição — disse Finch. — Quer encarregar-se disso?

Webster fez que sim e levantou-se.

— Qual é a idéia?

— Façam-no sair do bar, levem-no a algum lugar e dêem-lhe uma sova. Digam-lhe que, se continuar a enfiar o nariz em nossos negócios, vai levar mais.

— Muito bem.

Webster saiu, pegou um táxi e foi ao Washington Boulevard. Lá, pediu ao motorista que seguisse junto ao meio-fio do lado direito. Viu um dos homens de Finch, pagou o táxi e desceu.

— Onde está o homem? — perguntou a Vale.

Este apontou com o polegar por cima do ombro.

— Lá dentro.

Webster olhou para o lado da rua. O Hotel Atlantic, onde Yamakura estava hospedado, ficava a menos de trezentos metros. Isso deu que pensar a Webster. Será que ele tinha um encontro marcado com Yamakura?

Assustou-se quando reconheceu, à luz dos tubos fluorescentes, a figura do japonês, que subia pela rua. Estava a uns cem metros de distância. Como andasse devagar, parando de vez em quando diante das vitrinas, ainda tinham uma chance.

— Onde está seu carro? — perguntou a Vale.

Vale apontou para um velho Chrysler, estacionado junto à entrada do bar.

— Agüente o japonês por aí, se ele chegar muito cedo — disse Webster e entrou no bar.

Conhecia a descrição de Morgan e reconheceu-o assim que o viu. Aproximou-se calmamente de sua mesa e parou perto dele. Sabia que tinha de falar de maneira a despertar um mínimo de suspeita em Morgan.

Morgan ergueu os olhos.

— O que deseja?

— O senhor Yamakura quer falar-lhe. “Isso tem que dar certo”, pensou Webster.

— Ele não vem para cá?

No mesmo instante, Morgan teve vontade de arrancar a língua. Como podia ter certeza de que o outro havia sido enviado por Yamakura?

Webster ficou satisfeito com a dica. Continuou:

— Infelizmente ele não pôde vir. Pede-lhe para que me acompanhe até o hotel em que está hospedado.

Morgan refletiu. Webster começou a impacientar-se.

— Parece que o senhor Yamakura tem muita pressa. Quer viajar hoje de noite.

— Ora essa! — disse Morgan em tom de surpresa.

Chamou o garção e pagou, saindo em companhia de Webster.

— Meu carro está aqui — disse este.

— Obrigado — respondeu Morgan. — Prefiro andar este pedacinho.

Neste ínterim, Webster o havia empurrado até o meio-fio. Sem que os transeuntes o percebessem, encostou o cano de uma pistola em Morgan.

— Faça o que digo! — murmurou.

Um olhar rápido fê-lo notar que Vale esbarrou em Yamakura e procurava detê-lo.

— Abra a porta e entre — ordenou Webster.

Morgan obedeceu. A pistola apontada para ele não lhe deixava outra alternativa.

Webster sentou perto dele. Vale continuava ocupado com Yamakura. Webster rangeu os dentes. Seu companheiro estava perdendo muito tempo. Yamakura pôs-se a conversar com ele.

Webster baixou o vidro e deu um assobio. Vale procurou livrar-se de Yamakura. Mas o japonês grudou-se a ele com uma obstinação que fez porejar o suor na testa de Webster. Vale disse:

— Muito prazer, cavalheiro. Tenho que despedir-me.

Correu em volta do carro. Mas Yamakura pareceu não se conformar com uma despedida tão apressada. Aproximou-se do carro, olhou pelo vidro e, antes que Vale pudesse dar partida, descobriu Jesse Morgan. O motor roncou e Webster grunhiu entre os dentes:

— Vamos embora!

Antes que Vale pudesse obedecer, a voz enérgica de Yamakura fez-se ouvir pela janela entreaberta:

— Espere! Quero ir com os senhores. Webster sentiu-se inseguro.

— O senhor é um dos homens com quem se pode falar pelo telefone AN 23-551, não é? — perguntou o japonês.

Webster confirmou com um movimento instintivo da cabeça.

— Pois então, leve-me. Não gostaria que acontecesse qualquer coisa a este jovem. Posso obter a lealdade dele de uma forma muito mais conveniente.

— Entre!

Yamakura abriu a porta da frente e sentou-se perto de Vale.

— Para onde gostaria de ir? — perguntou a Webster, virando-se de tal forma que podia olhar confortavelmente para trás.

— Para fora da cidade — respondeu este.

— Faça isso! — recomendou o japonês. Vale partiu. O carro disparou pela Washington Boulevard.

Vale dirigia muito bem. Saiu da cidade pelo caminho mais curto, deixou a auto-estrada e entrou numa via secundária. Parou a cerca de um quilômetro da estrada.

— Ande mais um pedaço — disse Yamakura.

O motorista fitou-o. Depois lançou um olhar indagador para Webster. Este deu de ombros. Vale deu partida e andou mais dois quilômetros.

— Obrigado; já chega — disse o japonês.

Voltou-se novamente para trás e disse a Jesse Morgan:

— Desça!

Morgan obedeceu sem pestanejar. Desceu, fechou a porta com força e, como que absorto em pensamentos, foi andando devagar pelo caminho, em direção à auto-estrada.

— Espere aí! — protestou Webster. — Nada disso! Tenho ordens...

— Calma! — disse Yamakura com um sorriso amável. — Logo saberá quais as minhas intenções.

Olhou para Vale.

— O senhor se importaria de seguir mais um pedaço por este caminho antes de voltar?

Vale sacudiu a cabeça e partiu. Webster estava perplexo. Olhando pelo vidro traseiro, viu que Morgan retornava à estrada, sem dar a menor atenção ao carro que se afastava.

Andaram mais um quilômetro. Depois voltaram. Começara a chover.

Dali a dez minutos alcançaram Morgan.

— Quando ele fizer sinal, pare — disse Yamakura.

Morgan estava parado sob uma árvore. Cobrira a cabeça com o casaco e gesticulava.

Vale parou. Morgan aproximou-se correndo e abriu a porta.

— Graças a Deus! — disse, atirando-se no assento junto a Webster, que estava apavorado. — Estava atrás de um ladrão quando fui surpreendido pelo mau tempo. Pode levar-me até a cidade?

O japonês fez que sim.

— Com muito prazer. Conseguiu alguma coisa?

— Não. Acho que segui uma pista falsa.

No caminho ficou falando de um homem que seguira desde a cidade, porque julgava ser um ladrão. Alguém o trouxera da cidade até ali, deixando-o na entrada do caminho, porque era para ali que a pista conduzia.

Morgan conversava sem cessar. Yamakura ouviu com toda a atenção. Webster e Vale, perplexos, começavam a compreender que Morgan perdera a consciência do que realmente acontecera.

E não era só! O espírito de Morgan criara uma compensação, que preenchia o vazio. Nunca mais se lembraria de Yamakura, o japonês que chegara a perseguir.

Yamakura deixou-o num subúrbio. Webster, que já se recuperara do espanto, começou a fazer perguntas. O japonês interrompeu-o com um gesto.

— Leve-me a um telefone público — ordenou. — Quero telefonar para AN-23 551.

 

O caminho que o fizeram percorrer dava àquela palestra o aspecto de um complô. Webster insistiu em que ficasse com os olhos vendados. Tako não se opôs.

Não se esforçou para reter na memória as curvas e subidas do caminho. Não teve dúvida de que conseguiria conduzir as negociações a um desfecho favorável, e que dali retornaria sem venda nos olhos.

Estava satisfeito porque o caso Morgan terminara tão bem. O acaso interferira nos seus planos, poupando-lhe muito esforço.

Finalmente a andança pelos corredores e escadas chegou ao fim.

A venda foi retirada. Tako viu-se numa sala parcamente iluminada e decorada com um bom gosto excessivo. Os homens que, de pé, rodeavam a grande mesa e o encaravam com os olhos curiosos combinavam com o ambiente.

— Boa noite, cavalheiros! — disse Tako em tom amável.

Os homens sorriram.

— Boa noite! — respondeu um deles. Tako conhecia-o. Vira muitas vezes seu retrato nos jornais. Pelo que se dizia, Stan Brabham mandava mais no Sindicato dos Trabalhadores do Aço que o próprio chefe.

Tako não estava surpreso. Não esperava outra coisa. A primeira aparição de Webster já lhe sugerira a idéia de algum sindicato.

— Vamos sentar! — disse Brabham em tom cordato, pegando uma cadeira para Tako.

— E vamos tratar logo de negócios, senhor Brabham — acrescentou o japonês.

Brabham piscou os olhos.

— Caramba! Como sabe?

— Leio os jornais — respondeu Tako, lacônico. — Mas, tanto faz. Quer ajudar-me?

Brabham fez que sim.

— Por quê?

— Em primeiro lugar, por causa disto — Brabham esfregou o dedo indicador no polegar. — E depois, porque simpatizamos com a Terceira Potência.

— Por quê? — repetiu Tako, disfarçando a surpresa.

— Entre nós existe muita gente que sabe ficar de olhos abertos — explicou Brabham com um sorriso. — Também na Ferroplastics Limited, por exemplo. Encare a coisa por essa forma: farejamos a coisa e tivemos bastante inteligência para tirar nossas conclusões. Esta explicação lhe basta?

Tako fez que sim.

— O que pode fazer por nós? — perguntou.

Brabham brincou com um toco lápis.

— Podemos arranjar-lhe quase tudo de que precisa — respondeu em tom tranqüilo. — Não estou exagerando.

Tako acreditou. Estava informado sobre o prestígio dos grandes sindicatos dos Estados Unidos.

— O que pede em troca?

— Cinco por cento do preço de compra de cada lote — respondeu Brabham sem a menor emoção.

Não era pouco. Mas era muito menos do que Tako esperava.

— Por que vai trabalhar tão barato?

— É o que precisamos. Além disso, acho que os senhores são pessoas formidáveis; já lhe disse isso. Têm todas as possibilidades de transformar-se numa terceira potência. Nós, os trabalhadores, não queremos ficar de braços cruzados quando se trata de instaurar a paz perpétua.

— Sabe que está agindo contra as leis de sua pátria?

Brabham confirmou com um gesto indiferente.

— Essas leis são uma tolice. Dentro de poucos anos todo mundo reconhecerá isso.

Tako refletiu. Depois soltou sua primeira pergunta:

— Está em condições de arranjar garrafas magnéticas com uma capacidade útil de mil metros cúbicos por unidade?

Brabham olhou para o lado.

— O que diz, Jeff?

— Não há problema; podemos arranjar essas garrafas — respondeu um homem pequeno e magro.

Brabham voltou a dirigir-se a Tako.

— O senhor receberá as garrafas. Quantas quer?

— Cinco.

— Para quando?

— O mais rápido possível.

— Jeff, quanto tempo levaremos?

— Quatro a cinco semanas.

— Dentro de cinco semanas. Concorda?

— Concordo.

— Mais alguma coisa?

Tako sorriu.

— Por enquanto é só, senhor Brabham. Não quero mostrar-lhe todas as cartas antes que o senhor me dê uma prova da sua capacidade. Espero que este tipo de cautela não prejudique nossa cooperação.

Brabham soltou uma estrondosa gargalhada.

— Compreendo — disse. — Mas nós o convenceremos.

— Os senhores terão de descobrir um meio para que ninguém descubra quem é o autor da encomenda — prosseguiu Tako.

Brabham confirmou com um movimento da cabeça.

— Pode deixar por nossa conta. Não gostamos de nos expor.

Ainda havia algumas formalidades para acertar. Finalmente Tako retirou-se, satisfeito e sem venda nos olhos. Uma vez no hotel, pagou a conta e saiu de Petersburg ao amanhecer.

 

Raramente algum homem inspirara tamanha gratidão a Perry Rhodan como a que sentia por Crest, porque o mesmo não lhe apareceu depois de terminado o treinamento.

É verdade que por ali ainda se encontrava Bell, que poderia perturbá-lo. Mas quando este despertou e ergueu-se, ficou sentado de costas para Rhodan. Inclinou-se para a frente e apoiou a cabeça nas mãos, como se ela fosse muito pesada.

Passou-se uma hora sem que fosse pronunciada uma palavra. Rhodan testou seu cérebro; viu diante de si um complexo imenso com uma quantidade enorme de minúcias que se lhe apresentavam com toda clareza. Havia uma gama infinita de conhecimentos armazenados. Assim que formulava qualquer desejo em pensamento, a respectiva solução oferecia-se imediatamente, desde que se tratasse de um problema matemático ou científico.

Procurou avaliar as dimensões do complexo que constituía seu cérebro, mas não descobriu nenhum limite. Era infinito. Por mais que se aprofundasse, não encontrava nenhuma parede, sempre havia um caminho que o conduzia mais adiante.

Levantou a cabeça. Seus olhos caíram no aparelho de intercomunicação. Poderia apostar tranqüilamente que Thora o estava observando lá do seu camarote e estudava suas reações. Não estava disposto a nutrir seu orgulho, vendo-o cismar por muito tempo sobre as conquistas da ciência dos arcônidas.

Levantou-se. Bell fungou aborrecido.

Isso não o perturbava. Bastava que um dos dois não se mostrasse impressionado, para deixar Thora nervosa. Saiu e foi andando pelo corredor. A porta de seu camarote estava aberta. Crest, sentado numa poltrona giratória, fitava o camarote de Thora numa tela de intercomunicação.

Quando Rhodan entrou, Crest voltou a cabeça.

— Então? — perguntou com um sorriso, em tom ligeiramente preocupado.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Nada. Cometi um erro.

Crest endireitou-se abruptamente. A poltrona seguiu-lhe o movimento.

— Um erro?

— Isso mesmo. Ao que parece a solução do problema ocorreu numa data mais recente. Acredito que seus homens tenham sido muito indolentes para examinar todos os aspectos do problema.

Crest estremeceu. Rhodan piscou em direção ao intercomunicador, dando a entender que suas palavras destinavam-se a Thora.

— Que interessante! — cochichou Crest. — Que erro foi esse?

— Trata-se do problema da reprodutibilidade das hipertrajetórias. Está lembrado? — explicou no tom mais indiferente que conseguiu dar à voz. — A equação diferencial em que elas se baseiam é instável, além de formalmente insolúvel. Trata-se de uma equação diferencial de sétimo grau, com aplicação de um processo de aproximação numérica de décimo terceiro grau. Vê-se que o processo de aproximação ainda encerra mais alguns graus de instabilidade que a equação. E, quando nos movemos no terreno da instabilidade, um pequeno desvio produz um erro de grandes proporções.

Até mesmo a matemática terrena conhece soluções de aproximação de sétimo grau para equações fundamentais desse tipo. Quer que lhe diga por que esse erro foi cometido em Árcon?

Crest não soube dizer mais nada.

— É porque o processo de aproximação que foi empregado torna-se muito cômodo — disse Rhodan com a voz áspera e retumbante. — É porque, segundo deduzo de outras informações, esse processo está gravado nas calculadoras. Foi por pura indolência que ninguém se deu ao trabalho de examinar a equação fundamental quanto à sua estabilidade e foi ainda por indolência que se empregou o método usual; um décimo da energia prevista seria suficiente.

Sentiu-se triste com a forma pela qual Crest reagiu à sua explanação; encolhendo-se lentamente, este deixou que a cadeira voltasse a inclinar-se para trás. Crest sacudiu a cabeça e murmurou palavras desconexas.

Rhodan procurou não olhar para a tela. Sabia que Thora o observava, e, provavelmente, o compreenderia. O drama fora preparado para ela, não para Crest. O erro era verdadeiro, mas a maneira de expô-lo fora escolhida para impressionar Thora. Gostaria de ver seu rosto.

Aos poucos, Crest foi recuperando o autodomínio. Rhodan dirigiu-lhe um sorriso tranqüilizador, para que voltasse a ficar em forma mais depressa.

— Não pretendia falar com você sobre isso — disse. — Apenas pretendia agradecer-lhe por tudo que fez por nós. Nem imagina como nos sensibilizou.

Crest compreendeu; interrompeu Rhodan com um gesto. Contorceu o rosto, como se quisesse rir, mas apenas conseguiu esboçar uma careta.

— Pare, Rhodan — murmurou com a voz débil. — Você está desperdiçando seus agradecimentos com a pessoa errada. Nós é que temos de ficar gratos. Gratos ao destino, por nos ter proporcionado um encontro com uma raça como a sua.

Ergueu-se na poltrona.

— Sabe que você é a primeira pessoa que se atreve a absorver de uma só vez os dez estágios de desenvolvimento? Sabe por quanto tempo tive de observá-lo antes de ter certeza de que poderia dar esse passo sem que seu espírito corresse perigo? Acreditava que levasse alguns dias para recuperar-se do choque tremendo causado pelo treinamento dos dez estágios. Mas o que vejo? Mal o transmissor é desligado, levanta-se, dirige-se a mim e diz: estão vendo, seus idiotas? Aqui vocês erraram. Sabe o que significa isso?

Qualquer um saberia a resposta. Respirando profundamente, Crest voltou a recostar-se na poltrona.

No corredor ouviram-se os passos de Bell, que pareciam marteladas. Rhodan ouviu-o murmurar de si para si. Bell entrou pela escotilha.

— Ouça, chefe! — disse em tom enfático. — Sabe que essa gente cometeu um erro? Ao tentarem obter uma reprodução matemática de uma hipertrajetória, empregaram uma equação diferencial de sétimo grau. Para isso...

A tensão de Rhodan terminou numa estrondosa gargalhada. Ao ouvir os primeiros sons, Crest assustou-se. Até parecia que o riso lhe causava dor. Mas, por fim, controlou-se e conseguiu brindar a situação com um sorriso quieto e resignado.

 

Uma hora depois a nave abandonou a trajetória terrestre e tomou a direção da Lua. Rhodan assumira o comando, executando-o de acordo com os conhecimentos adquiridos no processo de treinamento.

Reginald Bell exercia as funções de co-piloto.

Crest, sentado nos fundos, olhava fixamente para a frente. Vez por outra, Rhodan virava a cabeça para vê-lo. Para um homem da sua substância espiritual seria necessário bastante tempo para recuperar o equilíbrio após o choque pelo qual passara.

Thora só entrou na sala de comando quando a nave já havia tomado a rota da Lua. Rhodan não se voltou à sua entrada. Ouviu sua voz:

— Rhodan, você está perdendo seu tempo. Esta nave está equipada com direção automática.

Procurara ser irônica; ficou desapontada ao notar que não o conseguira. Bell encarou-a.

— Conhecemos os autômatos dos arcônidas — disse com voz indiferente. — Um deles mostrou-se muito eficiente na defesa de três foguetes nucleares na Terra, não foi?

Rhodan não pôde ver a reação de Thora. Não voltou a ouvir sua voz. Quando pôde ver o rosto de Bell, notou que este repuxava os cantos da boca num contentamento disfarçado.

 

A nave dispunha de grande variedade de instrumentos destinados à medição de radiações. Rhodan fez a nave parar acima do lugar em que se encontravam os destroços do cruzador espacial e pediu a Bell que realizasse as medições.

Na Lua não se verificara nenhuma precipitação de partículas radioativas. A radioatividade gerada pelas bombas foi projetada para o espaço, ou fixou-se ao solo. A ausência de atmosfera reduzia os riscos a que se expunha a pessoa que quisesse descer na Lua.

Pelos destroços não se podia saber se alguma parte do gigantesco cruzador espacial tinha escapado à destruição. Rhodan sabia que existia alguma esperança em relação ao compartimento interno, cujas paredes eram feitas de um tipo de plástico metalizado que possuía um campo de cristalização dotado de uma dureza que ultrapassava o poder de imaginação da metalurgia terrena e uma resistência à temperatura que não possuía similar. Os envoltórios feitos desse metal tinham capacidade de resistir a qualquer tipo de tensão mecânica e a temperaturas de até 80.000 graus centígrados.

Todavia, o casco do cruzador espacial estava reduzido a uma confusão de material derretido e endurecido. Para atingir o compartimento interno, teriam de procurar um caminho através desse labirinto de plástico metalizado altamente radioativo.

Bell informou:

— Dois microroentgen por hora.

— Numa altitude de cinqüenta quilômetros — completou Rhodan. — É uma conta muito simples, não é? No local podemos esperar — levou algum tempo calculando — cinqüenta a cem roentgen por hora, se considerarmos as dimensões da fonte geradora de radioatividade.

Bell confirmou com um movimento de cabeça.

— Quer dizer que não podemos utilizar nossos trajes protetores.

Rhodan voltou-se para Crest.

— A bordo desta nave existem trajes protetores contra radiações intensas e uma instalação de descontaminação. Não há motivo para deixarmos de pousar e examinar o cruzador.

Crest fez que sim.

Rhodan realizou um pouso impecável. A nave estacionou a cerca de um quilômetro do limite da área pela qual estavam espalhados os destroços do cruzador dos arcônidas.

— Pretendo sair com Bell — disse Rhodan. — O que tem de ser feito deve ser feito sem demora e somos os homens indicados para isso. Crest, gostaria de manter comunicação ininterrupta com você. Não quero correr o menor risco.

Para reforçar suas palavras, dirigiu-se ao painel de comando e regulou para desempenho zero os reatores que geravam a força do mecanismo propulsor. Com isso a decolagem seria retardada por meia hora, que era o tempo necessário ao aquecimento dos reatores. Só assim estariam garantidos contra uma decolagem instantânea realizada por Thora, que os deixaria naquele inferno radioativo.

Crest esboçou um sorriso. Thora não se moveu, mas o vermelho dos seus olhos emitiu um brilho mais intenso que de costume. Bell saiu à procura dos trajes protetores.

Eram muito mais práticos que os trajes de que Rhodan e os demais tripulantes dispunham na Stardust. Para colocar um traje espacial terreno com observância das normas, realizando os controles devidos, era necessário pôr a paciência do indivíduo à prova por mais de vinte minutos. Os trajes dos arcônidas podiam ser enfiados no corpo como qualquer roupa e uma luz junto ao punho esquerdo era o sinal de que tudo estava em ordem. Não havia nenhum recipiente de oxigênio desajeitado, nenhum rádio de capacete pesava sobre a cabeça, nenhuma junta de pescoço comprimia a nuca quando se olhava para cima. O traje gerava o oxigênio por meio de pequeninos recipientes de produtos químicos. O telefone miniatura era do tamanho de uma unha. O capacete e o traje formavam uma única peça, de maneira que não havia necessidade de qualquer junta.

Rhodan e Bell levaram pistolas de radiação. Era provável que a explosão das três bombas não lhes tivesse aberto nenhum caminho para o interior do cruzador espacial. A energia das pistolas de radiação atingia, no foco central, uma temperatura de cerca de cinqüenta mil graus. Teriam de recorrer a instrumentos mais potentes e pesados, se nenhuma das escotilhas do compartimento interno pudesse ser aberta de forma normal.

Crest seguiu-os com os olhos, quando deixaram a nave por uma das duas escotilhas. Thora não lhes deu atenção. Parada diante de uma tela, fitava os destroços de seu cruzador.

— Fique de olho nela! — disse Rhodan, dirigindo-se ao arcônida. Pouco lhe importava que Thora ouvisse suas palavras ou não.

Ligaram os geradores e foram levados aos poucos para a área atingida pelas explosões. Vistos de perto, os destroços derretidos e disformes ofereciam um aspecto assustador.

Não trocaram uma única palavra. Só Crest falava de vez em quando.

— Tudo em ordem!

Rhodan pousou junto ao maior monte de destroços que conseguiu localizar. Tudo indicava que no interior do mesmo devia encontrar-se o compartimento interno do cruzador espacial.

Ao olhar para cima a fim de avaliar a altura da massa de metal, Bell começou a gemer.

Sem a menor perda de tempo, puseram-se a trabalhar. As pistolas de radiação desprenderam os destroços, pedaço por pedaço, abrindo um caminho. O dosímetro registrava dez roentgen; ainda não fazia dez minutos que se encontravam fora da nave. A única coisa tranqüilizadora em meio ao ambiente desolado era a voz de Crest.

— Tudo em ordem!

Numa hora conseguiram avançar uns vinte metros para dentro do monte.

Rhodan ficou preocupado; não sabia se aquele amontoado teria estabilidade bastante para sustentar as paredes de um túnel de cerca de vinte metros de extensão. Pediu que Bell suspendesse o trabalho por algum tempo e bateu no material. A cada batida descansava a mão no local em que dera a mesma, a fim de poder sentir qualquer reação anormal que se verificasse. Mas não percebeu nada além da vibração normal do plástico metalizado quando percutido.

Fez um sinal a Bell. O trabalho prosseguiu.

Dali a mais uma hora o monte foi se tornando menos denso. Prosseguindo pelas gretas que se abriam, avançaram um bom trecho sem usar a pistola de radiação.

— Já fizemos cinqüenta metros — murmurou Bell. — Acho que não falta muito.

Bell arquejava visivelmente.

— Pois então! — resmungou, dirigindo o raio de sua pistola contra o obstáculo que se lhe antepunha.

Dali a um minuto soltou um grito de triunfo:

— Veja! Chegamos!

Rhodan olhou por cima de seu ombro. Atrás do último pedaço de plástico metalizado que conseguiram desprender apareceu uma parede lisa. Ao primeiro lance de olhos notava-se que ela não fora afetada pelo calor da explosão.

Rhodan sabia que o plástico metalizado provido de um reforço de cristais elásticos era de cor azul-turquesa. E azul-turquesa era a cor da parede que Bell pusera à vista.

Intensificaram os esforços. Trabalhando encarniçadamente, conseguiram limpar metro por metro da parede. Crest começou a fazer perguntas, mas só lhe deram respostas lacônicas.

— Aqui há uma escotilha — disse Bell depois de algum tempo.

Como trabalhasse à frente de Rhodan, descobrira em primeiro lugar a estreita reentrância na parede. Estava em posição inclinada, o que indicava que a posição do compartimento interno se modificara com a explosão. Levaram quinze minutos para desobstruir a escotilha. Rhodan sabia que no momento da explosão ela se fechara automaticamente e só se abriria com um código especial, isso se o mecanismo ainda funcionasse.

Pegou o emissor de impulsos que trouxera da nave. Era um bastão da grossura de um lápis, com dez centímetros de comprimento, que trazia um minúsculo decodificador no seu interior. Comprimiu-o contra a escotilha.

Subitamente percebeu que o chão tremia sob seus pés. Parecia que a escotilha iria mover-se. Rangendo, abriu-se numa fresta de alguns milímetros, apenas para voltar a fechar-se, quando não pôde vencer as forças que a obstruíam.

Rhodan fez um sinal a Bell. A escotilha era leve e não muito grande. Com algum esforço, um homem poderia abri-la com a energia muscular.

Pela segunda vez, Rhodan pôs a funcionar o emissor de impulsos. O chão voltou a vibrar. Do lado direito da escotilha surgiu uma fresta. Desta vez era mais larga; Bell conseguiu enfiar nela as pontas dos dedos.

Apoiando o ombro contra a parede, puxou com toda força. Rhodan não tirou o emissor de impulsos de cima do material azul.

Bell mudou de posição e voltou a puxar. De repente, ele perdeu o apoio e, face à gravitação pouco intensa da lua, foi atirado com toda força contra a parede do túnel. O obstáculo fora vencido. Abrindo-se para o lado, a escotilha pôs à vista o corredor estreito e escuro de uma eclusa. A voz de Crest soou, longe:

— Tudo em ordem por aqui. O que houve com vocês?

— Encontramo-nos diante de uma decisão difícil — respondeu Rhodan.

— O que é?

— A escotilha está aberta. Ao que parece a eclusa está funcionando. Tivemos bastante trabalho com a escotilha. Se entrarmos normalmente, pode ser que não consigamos abrir a escotilha do lado de dentro.

— Não compreendo.

— Poderíamos abrir o outro lado da eclusa sem fechar a escotilha, mas nesse caso o ar que se encontra no compartimento interno escaparia de forma explosiva.

— Isso os incomoda? Não poderiam abrigar-se?

— A nós isso não incomoda nem um pouco. Mas pode ser que lá dentro alguém esteja vivo. E então?

Ouviram a respiração de Crest.

— Quais são as possibilidades? — perguntou. — Se alguém estivesse vivo, já teria tido possibilidade de comunicar-se conosco.

— Pode ser que esteja gravemente ferido e não possa movimentar-se.

Crest suspirou. Depois de algum tempo disse com a voz tranqüila:

— Abra de qualquer maneira! Não podemos correr nenhum risco. Temos muita pressa dos objetos que se encontram no compartimento interno.

Rhodan fez que sim. Se dependesse dele, teria tomado a mesma decisão. Mas, num momento desses, convinha dividir a responsabilidade com alguém.

Bell tirou o emissor de impulsos das mãos de Rhodan e dirigiu-se ao outro extremo da eclusa.

— Aqui há um lugar em que posso abrigar-me — disse em tom tranqüilo. — Fique do lado de fora, chefe.

A escotilha interna não apresentou o menor defeito. Os destroços tremeram quando o ar foi expelido num golpe. Juntamente com ele saiu uma nuvem de pó e alguns instrumentos menores que se encontravam soltos. A confusão não durou mais que um segundo. Quando Rhodan entrou, Bell estava saindo do esconderijo.

— Santo Deus! — gemeu. — Até parece que alguém jogou um saco de areia na minha cabeça.

Procurou olhar pela lâmina transparente.

Lá dentro estava escuro. Mas havia uma lâmpada nos seus capacetes. Acenderam-na para iluminar o caminho.

Rhodan notou que o interior do compartimento fora afetado pela explosão muito mais que o envoltório. Com a explosão, o compartimento ficara de cabeça para baixo. Alguns dos aparelhos mais pesados tinham sido arrancados de seus suportes e estavam inutilizados.

Mas havia muita coisa que ainda poderia ser aproveitada. Seria muito mais fácil se levassem para a Terra tudo que ali se encontrava.

Bell foi andando, curioso. Rhodan quis dizer-lhe alguma coisa. Mas nesse instante a voz trêmula de Crest fez-se ouvir.

— Pelo amor de Deus! Rhodan, Bell! Venham o mais rápido possível! Venham!

Rhodan parou.

— O que houve?

— Rápido! Venham logo!

Rhodan virou-se e saiu em disparada. Bell seguiu-o. Desligaram a gravitação e, fazendo movimentos vigorosos de nadador, avançaram velozmente pelo túnel que haviam aberto.

Uma vez do lado de fora, regularam os geradores para a potência máxima e saíram numa trajetória alta em direção à nave. Crest abrira a eclusa ou então nem chegara a fechá-la. Passaram alguns segundos de impaciência, enquanto os dispositivos acoplados à eclusa encheram-na de ar.

Crest esperava-os atrás da escotilha interna. Tremia e seus olhos brilhavam numa tonalidade vermelha.

— O que houve? — perguntou Rhodan.

— É uma coisa horrível! — suspirou Crest.

Rhodan correu em direção à sala de comando. Crest teve de esforçar-se para permanecer ao seu lado.

— Thora largou uma hipersonda. Isso não era contra nosso acordo, e, assim, não a impedi.

Rhodan confirmou com um movimento de cabeça. Enquanto andava, começou a tirar o traje espacial. Uma hipersonda servia para localizar o feixe de ondas de um hiperemissor. Esse feixe podia ser concentrado numa fração de centímetro e quem não o captasse diretamente, nada perceberia de sua existência. Existiam sondas inteiramente automatizadas, formadas de pequenas naves, cujo tamanho não ultrapassava o de uma mão humana e que vasculhavam determinada área, centímetro por centímetro, detectando qualquer onda direcional que ali se localizasse.

Entraram na sala de comando. Thora estava encostada ao painel de controle, com o rosto voltado para eles. Rhodan notou um traço de orgulho misturado com ironia. Limitou-se a contemplá-la com um olhar de esguelha.

— Por algum tempo a sonda ficou vagando por aí, sem encontrar nada — prosseguiu Crest com a voz exaltada. — Mas, de repente, encontrou alguma coisa.

— O que encontrou? — perguntou Rhodan com a voz impaciente.

— Descobriu os impulsos emitidos por nosso hiperemissor. — Crest apontou apressadamente para a tela que mostrava a nave destruída. — Os impulsos provêm da nave. São impulsos automáticos de emergência. Compreende?

Rhodan compreendeu de imediato. Mais que isso, logo percebeu as conseqüências. Todas as naves arcônidas eram equipadas com um hiperemissor. A energia emitida por ele tinha a mesma estrutura matemática do campo hipergravitacional que possibilitava as viagens espaciais a uma velocidade superior à da luz. As hiperondas propagavam-se de forma quase instantânea por qualquer distância, constituindo o meio de comunicação ideal de uma época que calculava em termos de milhares de anos-luz com a mesma naturalidade com que o homem lidava com quilômetros.

Todo hiperemissor era equipado com um dispositivo automático de emergência que o colocava em funcionamento logo que algo acontecesse à respectiva nave, tanto em virtude de um ataque vindo de fora como de um defeito interno. Dali em diante, o emissor irradiaria, em seqüência ininterrupta, um sinal predeterminado. Além disso, concentrava o feixe de ondas, orientando-o em direção ao receptor mais próximo.

Rhodan sabia que o receptor a que se destinava o sinal de emergência estava postado em Mira-4. Estava bem informado sobre isso. Era um planeta desolado e frio que ficava perto de um sol em extinção, a menos de oitocentos anos-luz do ponto em que se encontravam. Era tão inóspito que o Império só colocara nele uma divisão de vanguarda de naves robotizadas.

As conseqüências eram facilmente previsíveis. As naves robotizadas receberiam o sinal de emergência e decolariam em direção ao emissor. Constatariam que o cruzador fora destruído por um bombardeio de foguetes. Localizariam a base desses foguetes e empreenderiam uma ação de represália nas áreas adjacentes, empenhando nela todo o seu potencial.

No presente caso, a base de foguetes situava-se na Terra e a área adjacente compreendia todo o planeta. Sem dúvida as naves robotizadas estariam em condições de exercer uma represália à altura.

O fato de o emissor de emergência localizada na nave emitir o sinal convencionado significava apenas que dentro de quarenta e cinco dias, contados do momento em que o cruzador espacial foi destruído, alguém procuraria transformar a Terra num montão de cinzas. E, pelo que tudo indicava, esta não estaria em condições de defender-se contra o ataque. As únicas pessoas que poderiam vir em seu auxílio estavam separadas por profundas divergências.

Rhodan olhou para Crest. Este parecia adivinhar seus pensamentos.

— Já pus o reator em funcionamento — disse.

Rhodan fez um sinal de agradecimento.

— Partiremos o quanto antes.

 

O Fiorde de Umanaque, no estreito de Davis é um lugar que, para se distinguir o céu cinzento, das montanhas, também cinzentas de gelo, deve-se colocar a mão para sentir o gelo ou o ar entre os dedos.

Dificilmente haveria um trecho de terra mais desolado. E dificilmente haveria outro em que se tomavam decisões tão importantes como ali.

O fiorde de Umanaque servia de quartel-general ao Conselho Internacional de Defesa. No momento, o número dos agentes estrangeiros que o abarrotavam quase chegava a exceder o dos que pertenciam aos seus quadros.

Pouca coisa se via por cima do solo. Apenas algumas casas de espessas paredes de madeira pertencentes a uma sociedade comercial dinamarquesa e habitadas por esquimós. Numa das casas havia uma tábua sobre a qual alguém escrevera, em letras desajeitadas, que ali se vendiam peles. Mas, até então, nenhum mercador havia adquirido peles da Umanak Fur Company.

Os esquimós eram agentes bem treinados. O chefe do posto era um dinamarquês que ocupava o posto de primeiro-tenente e era bem visto por Allan D. Mercant.

O restante das instalações estavam ocultas sob o gelo e a rocha. A expressão “o restante” pode induzir em erro sobre a situação real. Mais de noventa e cinco por cento das atividades exercidas no fiorde de Umanaque desenrolavam-se abaixo do solo e a distribuição das instalações seguia a mesma proporção.

Umas quinhentas pessoas viviam constantemente em Umanaque, mas destas apenas dez conheciam todas as instalações subterrâneas. Os agentes da Federação Asiática e do Bloco Oriental, hospedados no local durante os dias de cooperação forçada, só conheciam os dois andares superiores.

Mercant residia no piso mais baixo do conjunto. Estava cercado de todos os lados por dispositivos de segurança. Não temia pela sua segurança pessoal. O que preocupava a ele, e aos que haviam instalado os dispositivos, era a quantidade enorme de documentos secretos, da mais alta importância, guardados nos cofres blindados do pavimento inferior.

Mercant possuía um escritório particular, montado segundo seu gosto pessoal. As dimensões dos móveis eram exageradas. O visitante que penetrasse pela primeira vez naquela sala enorme teria de procurar por algum tempo antes de encontrar o oficial de pequena estatura. Em geral, Mercant ficava sentado atrás da imensa mesa; reclinado numa poltrona que de tão grande dificilmente poderia ser confortável, só a cabeça aparecia por cima da tampa da mesa.

Não dividia as horas do dia. Trabalhava até sentir-se tão cansado que o prosseguimento das suas atividades não daria nenhum resultado; dormia e levantava-se quando se sentia razoavelmente descansado. A iluminação uniforme das peças por ele ocupadas ajudava-o a esquecer o ritmo harmônico do dia de vinte e quatro horas que prevalecia lá em cima.

Os verdadeiros prejudicados eram os ordenanças de Mercant. A maior parte deles apreciava uma atividade regular e um sono a horas certas. Mas Mercant defendia a opinião de que a segurança do mundo não devia ser negligenciada em benefício da predileção que alguns oficiais subalternos nutriam pelas rotinas da vida burguesa.

Naquele dia levantara às três horas. Não se interessou em saber se eram três horas da manhã ou da tarde. Começou a trabalhar em assuntos que tivera que deixar de lado ao deitar-se.

Às três e quinze apareceu o sargento O’Healey informando-o:

— Nenhum acontecimento extraordinário nas últimas quatro horas, senhor.

Saiu. Daí a alguns minutos, voltou com uma xícara de café e alguns biscoitos. Esperou tranqüilamente até que Mercant engolisse o primeiro gole do líquido fervente e formulasse a pergunta usual:

— Que horas são, sargento?

— Três horas e vinte e três minutos, senhor.

Olhando por cima da xícara, Mercant fitou o relógio. Eram três e vinte e dois.

— De que parte do dia?

— Da manhã, senhor.

Satisfeito, Mercant abanou a cabeça. O’Healey cumprimentou e saiu. Já se desacostumara de refletir sobre aquele cerimonial estranho. Quando iniciara o serviço junto a Mercant, o mesmo lhe parecia uma piada de mau gosto.

A cirurgia plástica conhecia uma porção de truques difíceis de desmascarar. Para garantir-se contra eles, Mercant obrigava os sargentos da sua guarda a dizerem um minuto mais que o real, quando perguntados a respeito da hora. Além disso deviam dizer “de manhã”, quando era de tarde ou de noite, e vice-versa.

O’Healey estava convencido de que Mercant o mataria na hora se por esquecimento dissesse a hora exata ou a metade verdadeira do dia.

No entanto, em parte, estava enganado. Mercant estaria satisfeito quanto à identidade de O’Healey se este lhe dissesse um minuto a mais que o tempo verdadeiro. A indicação da metade do dia em que se encontravam representava uma verdadeira informação para ele. Só quando O’Healey lhe dizia que era de manhã ficava sabendo que na verdade já era de tarde.

Meia hora depois de O’Healey ter saído o capitão Zimmermann veio apresentar seu relatório.

— O mais importante, senhor, é a conferência com os oficiais da Federação Asiática — principiou. — O major Pervuchin, de Moscou, participará como observador.

— O que pretende observar? — perguntou Mercant entediado. — Tem alguma idéia do que estes amarelos querem desta vez?

— Pelo que se diz, trazem uma porção de sugestões que gostariam de discutir com o senhor.

— Sugestões para quê? Para uma paz mundial duradoura?

— Não, senhor. Sobre a maneira de agarrar aqueles desertores no deserto de Gobi.

Mercant levantou a mão direita e examinou as unhas.

— Não fique chamando essa gente de desertores, Zimmermann. Ouvi muita coisa boa a respeito deles e não pretendo julgá-los antes de conhecer seus motivos.

Zimmermann não respondeu.

— Mais alguma coisa? — perguntou Mercant.

— Por enquanto nada, senhor.

— Obrigado.

Zimmermann fez continência e saiu.

 

Rhodan pousou a nave a trezentos quilômetros da costa, numa planície de gelo cinza-azulada. A planície não era muito extensa e estava cercada de todos os lados por montanhas bastante altas. Não havia o menor perigo de que alguém descobrisse a nave por acaso. Além disso, na Groenlândia trezentos quilômetros representavam uma distância mais que suficiente.

Face aos recursos técnicos de que dispunha a nave, Rhodan não teve a menor dificuldade de escapar às sondagens realizadas pelas bases de radar, bastante numerosas nos arredores do fiorde de Umanaque. Estava certo de que nas telas não surgiria o mais leve lampejo.

A possibilidade da localização ótica direta não preocupava Rhodan. As nuvens pendiam bem baixo sobre o solo da Groenlândia. Era mais fácil manter a nave acima dela do que cercá-la de uma cúpula defletora, que consumiria uma quantidade considerável de energia.

Ao retornar da Lua, avisara Tako do ocorrido e mandara-o de volta para o lago salgado de Goshun. No momento, havia coisa mais importante a fazer do que manobrar nas antecâmaras dos capitães-de-indústria. Rhodan tinha boas razões para acreditar que dentro de pouco tempo já não seria necessário transmitir os pedidos às escondidas, com um receio constante dos serviços secretos. Era bem verdade que, conforme provara a atuação de Tako, mesmo por essa forma podia se conseguir muita coisa.

Rhodan saiu da nave de tarde, com um traje transportador arcônida e uma pistola de radiação. Bell ficou para trás, já que, com a descoberta realizada na Lua, a rebeldia de Thora parecia ter entrado numa fase mais ativa e a vigilância exercida por Crest não era suficiente.

Com o traje transportador, venceu os trezentos quilômetros que o separavam do fiorde de Umanaque em uma hora e meia. O tédio da viagem, juntamente com a incerteza sobre aquilo que o esperava, mexiam com os nervos de Rhodan.

Nada indicava que Mercant seria acessível às suas solicitações, a não ser a revelação que o capitão Klein lhe fizera no deserto de Gobi, de que Mercant sabia do papel ambíguo que ele, Klein, estava desempenhando e, aparentemente, o aprovava.

Acionou o defletor a partir do momento em que deixou a nave. O campo de deflexão, alimentado pelo microgerador embutido no traje que Rhodan envergava, exercia sua influência sobre radiações eletromagnéticas de comprimento de onda situados no intervalo de 2.000 a 80.000 angstrom, obrigando-as a contorná-lo como as linhas de fluxo de um processo hidromecânico. Isso significava que a pessoa que envergasse um traje desse tipo não poderia ser vista através das radiações ultravioletas, da luz comum ou dos raios infravermelhos. O traje não podia desviar os raios do radar, mas o objeto era muito pequeno para ser localizado por esse meio.

Com o aprendizado que recebera, Rhodan compreendeu que as radiações eletromagnéticas submetidas à influência do campo defletor podem ser interpretadas de acordo com as equações da hidromecânica. No entanto, o campo defletor propriamente dito escapava às possibilidades da matemática terrena, já que sua descrição é realizada através de equações em que se inserem constantes situadas no espaço de cinco dimensões.

Rhodan pousou no interior do posto da Umanak Fur Company. Não sabia que direção deveria tomar para encontrar Mercant. A única coisa que sabia era que ele residia sob o solo. A primeira coisa que teria de fazer era localizar a entrada para as dependências situadas no subsolo.

Descobriu que, mesmo invisível, era difícil locomover-se entre as pessoas. No fiorde de Umanaque desenvolvia-se uma atividade febril. Quando duas pessoas se aproximavam dele, vindas de direções diferentes, via-se obrigado a concentrar-se totalmente no esforço de desviar-se delas.

Pelas quatro da tarde, Rhodan descobriu um lugar que, segundo lhe parecia, constituía o acesso às instalações subterrâneas. Pelo aspecto externo parecia um grande depósito, de telhado baixo. Parado nas proximidades, vira uma porção de gente desaparecer no interior do edifício ou sair dele.

Colocou-se junto à porta e esperou. Quando apareceu a primeira pessoa, esgueirou-se com ela porta a dentro. O interior do edifício estava profusamente iluminado por lâmpadas de plástico. Na parede oposta viu a desembocadura de uma galeria alta e larga.

O movimento intenso de pessoas no interior da galeria representava um perigo que não devia ser subestimado. No percurso de cinqüenta metros que separava a entrada da galeria dos elevadores teve de concentrar toda sua atenção para não esbarrar em ninguém.

Os elevadores eram quinze ao todo. Rhodan não se atreveu a utilizar um deles exclusivamente para si. Esperou que uma pessoa entrasse, para colocar-se a seu lado.

Infelizmente essa pessoa só desceu dois andares. Rhodan ficou sozinho no elevador. Viu um guarda uniformizado enfiar a cabeça.

— Tudo em ordem — murmurou o homem. — Pode andar.

Mal o guarda se retirou, Rhodan comprimiu o botão de baixo. O elevador arrancou e foi descendo.

Assim que parou, Rhodan desceu. A galeria estendia-se para ambos os lados. Era igual à de cima. Na parede oposta à dos elevadores via-se o número 15. Rhodan contara: era o décimo quinto andar a partir do nível do solo.

Junto à parede estavam postados vários guardas. Dois deles dirigiram-se ao elevador de que Rhodan acabara de sair. Examinaram a cabina. Um deles virou-se e gritou para os outros:

— Olhem só! Alguém apertou o botão do décimo quinto andar, do lado de dentro, mas o elevador está vazio.

Ao que parecia, essas palavras foram dirigidas a dois dos homens que se encontravam junto à parede. Eles aproximaram-se e também examinaram a cabina do elevador. Não pareciam satisfeitos com o resultado do exame. Um deles voltou e foi andando pela galeria. Rhodan teve que desviar-se dele. Viu o homem pegar um telefone e falar por algum tempo. Não entendeu o que dizia.

Rhodan amaldiçoou sua leviandade. Desde os tempos em que servira no Campo Espacial de Nevada sabia da existência de elevadores em cujas placas de comando se podia ler se os mesmos tinham sido colocados em movimento pelo lado de dentro ou pelo de fora. Bem que poderia ter imaginado que Mercant estaria usando o mesmo tipo de elevador.

O guarda voltou e disse aos homens que continuavam ocupados no exame do elevador:

— Bloquear imediatamente! Zimmermann quer ver isso.

Um dos guardas comprimiu o botão de parada no interior da cabina. Depois saíram e ficaram esperando por Zimmermann.

 

O’Healey disse:

— Lá em cima, no décimo quinto andar, aconteceu uma coisa estranha, senhor. Alguém fez o elevador descer lá, mas quando os guardas o examinaram, não havia ninguém.

Mercant ergueu o olhos.

— Não havia ninguém? O que diz Zimmermann?

— O capitão Zimmermann chamou alguns especialistas que deverão procurar impressões digitais e não sei mais o quê no interior da cabina.

Mercant levantou-se.

— Levarão três meses para examinar todas as impressões digitais. Onde foi mesmo que isso aconteceu? No décimo quinto andar?

— Sim, senhor.

— Venha comigo. Vamos subir até lá.

 

Rhodan já constatara que o décimo quinto andar não era o último. Foi ao encontro do capitão Zimmermann quando este se aproximou pelo corredor, e procurou descobrir de onde ele viera. Descobriu dois elevadores que conduziam apenas para baixo.

Esses elevadores eram vigiados com maior rigor que aqueles por onde ele descera. Não havia a menor dúvida de que os guardas reagiriam ao mais leve movimento de qualquer das cabinas.

Rhodan esperou. Dali a pouco, o capitão Zimmermann voltou em companhia de um sargento. Os guardas fizeram continência. Zimmermann e o sargento entraram no elevador do lado direito.

Rhodan seguiu-os sem fazer o menor ruído e comprimiu-se contra a parede do elevador para não tocar em nenhum deles.

Zimmermann disse:

— Que coisa estranha! Até dá para desconfiar que o sujeito saltou do elevador no meio da viagem. Mas isso é impossível!

O elevador parou de repente. Pela contagem de Rhodan, haviam descido mais seis andares.

Rhodan não saltou do elevador com a necessária rapidez, pois receava que os sapatos de seu traje fizessem ruído. O sargento, que não tinha nenhum motivo para esse tipo de receio, passou por ele e esbarrou em seu corpo.

Parou de chofre. Zimmermann esbarrou nele. Rhodan conteve a respiração e desviou-se para o lado em passos minúsculos.

— O que houve? — perguntou Zimmermann.

— Es... esbarrei em alguma coisa, capitão.

Zimmermann franziu a testa.

— Onde?

— Aqui, capitão — gaguejou o sargento, apontando para o nada.

Rhodan viu que se encontravam no fim do corredor. A parede ficava a dois metros dos elevadores. Comprimiu-se contra ela. Os guardas postados por ali aproximaram-se do elevador.

Zimmermann riu.

— Há quanto tempo está conosco, sargento?

— Há dois anos, capitão.

Este mostrou-se compreensivo.

— Isso explica tudo. Quando eu estava aqui dois anos, via pequeninos homens verdes marchando por estes corredores.

Com um gesto de mão procurou mostrar o tamanho dos homens, a fim de alegrar o sargento.

— De tanto segredo que se faz por aqui — disse em tom benevolente — todo mundo acaba sofrendo de alucinações. Isso só passa quando se está acostumado ao movimento que há por aqui.

O sargento retesou o corpo.

— Sim, senhor.

Rhodan sentiu-se aliviado. Zimmermann afastou-se em companhia do sargento. Os guardas sorriram. Andando cautelosamente, Rhodan seguiu os dois.

— Aí vem o capitão Zimmermann, coronel — avisou O’Healey ao abrir uma das portas de aço que dividiam a galeria inferior em vários setores distintos.

— Ah! — disse Mercant. Zimmermann fez continência.

— Este é o sargento Threash, coronel. Foi a primeira pessoa que notou a ocorrência.

Mercant cumprimentou o sargento com um movimento de cabeça.

— Deu instruções para que se procurassem impressões na cabina do elevador? — perguntou, dirigindo-se a Zimmermann.

— Sim, senhor. Não mandei examinar toda a cabina; apenas o botão de comando para o décimo quinto andar.

— Foi uma medida muito inteligente — observou Mercant em tom irônico. — Isso representa um tipo de terapia ocupacional para o staff de especialistas, não acha?

Ao ouvir a reprimenda, Zimmermann piscou os olhos.

— Achei...

— Ora, capitão. O senhor não vai me dizer que o homem — se é que esse homem existe — que foi bastante inteligente para penetrar no posto de Umanaque, não se valeu do velho recurso das luvas.

— É possível, coronel — concordou Zimmermann.

— É certo — disse Mercant em tom triunfante. — Sargento, quem mais viu a cabina vazia?

— Todos os guardas que se encontravam diante dos elevadores do décimo quinto pavimento, coronel — respondeu Threash em posição de sentido.

— Já mandou chamar os técnicos em eletrônica? — perguntou Mercant, dirigindo-se a Zimmermann. — Talvez seja um defeito do elevador.

— Ainda não, coronel. Mas providenciarei...

Nesse instante o inferno irrompeu por ali. Um uivo estridente superou todos os ruídos. A porta de aço sob a qual Mercant e O’Healey se encontravam pôs-se em movimento, deu um empurrão em Mercant, que arrastou O’Healey consigo, e fechou-se com um ruído seco. Zimmermann e Threash ficaram do outro lado.

— Alarma de radar! — disse Mercant com a voz ofegante. — Venha, O’Healey.

Saiu correndo pelo corredor. Não poderia chegar ao seu corredor. Durante o alarma, as portas de aço só se abririam mediante uma ordem especial e Mercant não pretendia transmitir essa ordem enquanto não soubesse de que se tratava. De qualquer maneira podia dispor das salas situadas no setor em que se encontrava.

Tomou lugar em uma mesa desocupada às pressas. Através do aparelho de intercomunicação entrou em contato com a central de vigilância.

— É Mercant! O que houve na galeria inferior?

— Alarma de radar no setor A, coronel.

— O que foi que desencadeou?

— Não sabemos, coronel. Captei todo o setor na tela de imagem que tenho diante de mim, mas não vejo nada de anormal.

— Entrou em contato com as salas do setor?

— Sim, coronel. Mas ninguém viu nada de extraordinário.

Mercant refletiu. O setor A era o primeiro a partir dos elevadores. Se alguém tivesse vindo de cima...

— Está bem! — disse com a voz áspera. — Pode suspender o alarma.

A sereia voltou a uivar no corredor. Mercant saiu em companhia de O’Healey e abriu a porta na qual dois minutos antes conversara com Zimmermann.

Este e o sargento Threash continuavam no mesmo lugar.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Mercant laconicamente.

— Nada, coronel. Permite que lhe pergunte...

— Há um fantasma por aí — respondeu Mercant com um sorriso. — Um homem que sabe tornar-se invisível.

Passando por Zimmermann, avançou cautelosamente pela galeria. Zimmermann e os dois sargentos fizeram menção de segui-lo, mas Mercant fez sinal para que continuassem onde estavam.

Uma das portas do lado esquerdo abriu-se. Com um gesto zangado, Mercant fez com que o homem que pretendia sair para o corredor voltasse.

Subitamente parou, como se tivesse encontrado alguma coisa. Voltou o rosto para o chão, depois para cima. Finalmente virou-se e voltou com um sorriso no rosto.

— Acho que fizemos papel de palhaço — disse em tom alegre. — Não há nada. Zimmermann!

— Sim, coronel!

— Mande esse pessoal das impressões digitais para casa. Acho que o caso será esclarecido de outra forma.

— Sim, senhor.

— O’Healey e Threash, voltem aos seus postos. O’Healey, o senhor me apresentará o relatório na hora de costume.

Voltou ao seu gabinete, sem dar atenção aos rostos espantados que deixou para trás.

Cautelosamente abriu a porta. Um sorriso de contentamento passou pelo seu rosto. Foi até a mesa, afundou na poltrona e abriu uma das gavetas. Tirou uma pesada pistola.

Apontou a arma para um ponto situado entre a porta e o armário mais próximo. Depois disse:

— Seja quem for o senhor, pode tirar seu disfarce. Não sei o que pretende aqui. Se quiser matar o velho Mercant, é bom que saiba que ainda terei forças para apertar o gatilho desta pistola. Já deve ter visto que sei perfeitamente onde está. Então?

Passaram-se alguns segundos. Subitamente uma espécie de nuvem começou a formar-se no lugar para o qual Mercant estava apontando sua arma. A nuvem assumiu formas definidas e acabou transformando-se num homem que envergava um traje estranho.

Mercant arregalou os olhos.

— Major Rhodan!

— Já não sou major! O major deu baixa. Meu Deus, como foi que você descobriu?

Mercant sorriu.

— Dizem que descubro a presença de um homem pelo faro. Nunca senti isso tanto como hoje. Sente-se, Rhodan.

Rhodan sentou. Mercant ofereceu-lhe um cigarro. Parecia inteiramente à vontade.

— Seu uniforme não o protege contra o radar, não é? — disse depois de algum tempo.

— Não; e não sabia que aqui embaixo existem detetores de radar.

— Assim mesmo é uma coisa extraordinária.

Rhodan descansou o cigarro no cinzeiro.

— Vamos logo ao que importa, Mercant. A coisa é muito mais séria do que você pensa.

— Muito bem; pode falar.

Rhodan relatou tudo que havia ocorrido na Lua. Concluiu da seguinte forma:

— Procure compreender: o que virá por aí é uma frota de naves robotizadas, e nenhuma delas estará interessada em saber se tínhamos algum direito de destruir o cruzador espacial dos arcônidas. Dispararão seus mísseis e não temos como defender-nos.

Se Mercant ficou impressionado, não o deixou perceber.

— E sua nave? Você não disse que está muito bem equipada? Não pode repelir o ataque com ela?

— Está bem equipada sob os padrões terrenos — respondeu Rhodan. — Mas as naves robotizadas que estão a caminho têm um equipamento muito superior. Faremos o que estiver ao nosso alcance, mas seria conveniente que o planeta Terra se preparasse.

— E quem me garante que você não está blefando para arrancar umas tantas vantagens para si e seus comparsas? — retrucou Mercant.

— Ninguém lhe garante — respondeu Rhodan em tom indiferente. — Acredite se quiser. Quando chegar o momento, verá que não estou blefando.

Mercant abanou a cabeça. Ainda não se mostrava impressionado. Parecia refletir. Na verdade, esforçou-se por captar tudo que era possível dos pensamentos de Rhodan. Mercant sabia perfeitamente que possuía um princípio do dom da telepatia. Podia perceber um pensamento muito intenso, desde que o indivíduo não estivesse muito distante dele. Às vezes conseguia captar a concepção geral de um fluxo de pensamentos, para saber se era verdadeiro ou falso.

O cérebro de Rhodan tinha algo de muito especial. Mercant conseguira perceber onde ele se encontrava; foi assim que pôde localizá-lo no corredor e no escritório. Mas Rhodan parecia ter posto uma tranca nos seus pensamentos. Mercant não conseguiu captar nenhum deles; mas percebeu que ele dizia a verdade.

Levantou-se.

— Esqueça-se disso. O que sugere?

— Divulgue o assunto entre as pessoas responsáveis — respondeu Rhodan. — Diga-lhes o que nos espera e faça-os compreender que só através da cooperação de todos conseguiremos montar uma defesa eficiente. Mais uma coisa: faça com que seja suspenso esse ridículo bloqueio de suprimentos decretado contra nós. Ainda que consigamos repelir o primeiro ataque, outros se seguirão. Para manter-nos, precisaremos de pelo menos uma nave de grande capacidade. Mesmo que as indústrias sejam autorizadas imediatamente a iniciar os fornecimentos, levaremos alguns meses para montar uma nave com as matérias-primas e os produtos semi-acabados que recebermos. Se tivermos de arranjar o material às escondidas, levaremos dois anos. Mercant olhou para o chão.

— Farei o possível, Rhodan. Sabe o que está pedindo de mim? Imagine só! Chego a Washington e digo ao pessoal: Escutem, Rhodan encontrou na Lua um hiperemissor que emite sinais de emergência. Dentro de quinze dias o mais tardar chegará uma frota de naves robotizadas e bombardeará a Terra. Rhodan quer que suspendam todo e qualquer embargo contra seu grupo. Já pensou no que dirá essa gente?

Como um movimento discreto Rhodan ativou o hipnorradiador oculto sob seu traje.

— Mercant, você tem uma influência pessoal extraordinária — disse com a voz baixa, mas em tom penetrante, fitando os olhos de seu interlocutor. — Usará essa influência para convencer aquela gente. Tomará todas as providências para que os preparativos de defesa sejam iniciados sem a menor demora. Compreendeu, Mercant? Não se dirija ao Senado, mas ao Presidente. Fale com as pessoas que confiam em você pelas suas qualidades pessoais, não por ser chefe do Serviço Secreto. Entendido?

Mercant confirmou com um movimento dócil da cabeça. Nem se deu conta de que, até então, ninguém se atrevera a falar-lhe nesse tom, isso porque a incumbência transmitida por Rhodan era de natureza pós-hipnótica. Mercant não poderia deixar de cumpri-la à risca.

Rhodan descontraiu-se.

Libertou Mercant da constrição mental a que o submetera.

— Ficarei muito grato se puder conduzir-me em segurança até lá em cima.

Mercant abriu a porta.

— Enquanto estiver comigo, ninguém o deterá.

Enquanto passavam pela galeria, Mercant disse:

— Terei de manter contato com você, Rhodan. Instrua o capitão Klein a transmitir qualquer comunicação dirigida a você pelo código ANP. Não se esquecerá?

Rhodan estacou. Mercant sorriu quando notou sua surpresa.

— A quem devo instruir? — perguntou Rhodan. — Klein? O capitão Klein?

— Isso mesmo.

— Como sabe que trabalha conosco?

— Não sei — respondeu Mercant. — Apenas suponho. É como lhe digo: farejo uma porção de coisas nas pessoas.

Rhodan dominou o espanto.

— Klein ficará satisfeito em saber disso. Anda com um medo terrível de uma lavagem cerebral.

Mercant riu.

— Não deve ter medo. Continuo a considerá-lo um dos melhores elementos de que disponho.

Quando chegaram ao elevador, os guardas, espantados, fizeram continência. Rhodan perguntou em voz baixa:

— Você poderia explicar isso, Mercant? Quero dizer, sua atitude para com Klein.

Mercant hesitou, mas acabou dando uma resposta franca e singela:

— Estou convencido de que a humanidade devia colaborar com você. Acredito que não quer nada de condenável, e que seria de vantagem para todo mundo se fizéssemos as pazes com a Terceira Potência.

Rhodan encarou-o estupefato. Quando o elevador chegou ao décimo quinto andar, disse:

— Obrigado, Mercant!

 

Allan D. Mercant era uma das pessoas que o Presidente dos Estados Unidos recebia a qualquer hora.

Quanto à soma dos poderes que enfeixavam em suas mãos, nenhum dos dois ficava devendo nada ao outro. Desta vez, porém, Mercant via-se diante de um caso especial, no qual precisava do auxílio do Presidente. Só este tinha o privilégio de desencadear um alarma nuclear.

O Presidente convocara seu conselheiro pessoal para a conferência. Tal qual Mercant, Wildinger era um dos homens do mundo livre dotados de maior dose de sangue-frio.

Mercant ainda não conseguira convencer o Presidente.

— Ninguém há de exigir que eu dê o alarma nuclear com base numa simples suspeita, atirando o dinheiro do povo pela janela — protestou o Presidente. — Sabe que um ato desses nos custa um bilhão de dólares?

Mercant sacudiu a cabeça.

— Não sabia. Mas também não sabia que num caso desses isso é tão importante — disse em tom indiferente.

— Wildinger! Abra a boca!

Até então, Wildinger se mantivera confortavelmente reclinado na sua poltrona. Agora deslocou o corpo para a frente, apoiando os cotovelos na mesa.

— É difícil dar um conselho — disse. — É bem possível que economizemos um bilhão de dólares, para sacrificar a vida dentro de poucos dias. Mas também é possível que o mais acertado seja não desencadear o alarma. Enquanto Mercant não nos fornecer informações mais precisas, nada podemos aventurar com uma probabilidade razoável, muito menos com um mínimo de certeza.

Acendeu um cigarro e prosseguiu:

— Poderíamos adotar uma solução conciliatória. Deixaríamos tudo preparado, para que o alarma pudesse ser desencadeado num tempo muito breve. Dessa forma só gastamos a décima parte e conservamos nossa liberdade de movimentos.

Mercant suspirou aliviado. Desde o início não esperara conseguir mais que isso. Insistira no alarma, para obter, ao menos, os preparativos.

O Presidente concordou com a sugestão que acabara de ser formulada. Mercant parecia indeciso; consentiu com uma expressão preocupada no rosto.

— Informarei os demais interessados — disse ao levantar-se. — Não quero que acreditem que estamos preparando uma guerra às escondidas.

Os “demais interessados” eram os homens de Pequim e Moscou. Johnston nada objetou contra as intenções de Mercant.

 

Em Pequim e Moscou o aviso de Mercant provocou o mesmo espanto que em Washington. Todavia, os agentes informaram que realmente o mundo ocidental se preparava para um alarma nuclear.

Para a manutenção do equilíbrio das forças tornava-se indispensável que as duas outras grandes potências seguissem o exemplo. Fizeram-no sem saber o que estava acontecendo.

A população não foi informada. Na Terra reinava a calma.

 

A nave dos arcônidas voltou à base, onde os robôs estavam concluindo seu trabalho.

Tako Kakuta regressara um dia antes. Trouxera a notícia do hiperemissor, que estava prestes a fazer desabar a desgraça sobre a Terra. Manoli e Haggard, isolados de outras notícias, tinham chegado ao auge do nervosismo quando a nave pousou junto à Stardust.

Rhodan chamou-os e informou-os de todos os detalhes. Para Manoli e o australiano, que não dispunham dos conhecimentos admiráveis de Rhodan e Bell, a notícia do perigo que os ameaçava foi um choque. Participaram calados e cabisbaixos da conferência dos membros da Terceira Potência, que Rhodan fez realizar imediatamente.

Também Thora manteve-se calada, mas não cabisbaixa. O triunfo continuava a brilhar nos seus olhos. Rhodan a compreendia. Estava para chegar o dia em que não dependeria mais da Terra. A nave decolaria para escapar ao ataque iminente, e uma das naves robotizadas colocaria a bordo o único remanescente aproveitável do cruzador dos arcônidas, garantindo a todos o regresso a Árcon.

Rhodan abriu a conferência com as seguintes palavras:

— Sabemos perfeitamente que não podemos exercer qualquer influência sobre as naves robotizadas. Em outras palavras, não temos nenhuma possibilidade de impedir que desencadeiem o ataque contra a Terra. A reação das naves robotizadas a um sinal de emergência processa-se de tal maneira que o inimigo cujo ataque deu origem à mensagem não tem a menor possibilidade de subtrair-se às medidas punitivas. Portanto, não devemos quebrar a cabeça com isso. A pergunta que tem de ser respondida é esta: temos alguma possibilidade de atacar os robôs antes que transformem a Terra num montão de cinzas?

A pergunta ficou no ar. Só Thora, Crest, Bell e Rhodan estavam em condições de conceber qualquer idéia a respeito. Tako, Haggard e Manoli não possuíam a capacidade necessária para isso. Uma das quatro pessoas que possuía essa capacidade — Thora — encerrou-se num obstinado mutismo. Um segundo, Crest, estava com a capacidade de raciocínio perturbada em virtude de idéias preconcebidas sobre a fatalidade da situação. Bell e Rhodan eram os únicos que podiam empenhar toda a capacidade intelectual na solução do problema.

— Vamos encarar a situação sob o ponto de vista tático — sugeriu Bell. — Segundo o código de emergência, devemos contar com a presença de cinco naves. O que nos interessa saber é como se comporta uma nave robotizada.

“Se ficarmos aqui sem fazer nada, aguardando os acontecimentos, se dirigirão em primeiro lugar ao cruzador destroçado, descobrirão a causa de sua destruição, verificarão que essa causa se localiza na Terra e atacarão nosso planeta. As naves robotizadas do Império Galático pensam em termos de mundos. Não devemos esperar que procurem saber se três foguetes provêm da China, da Rússia ou do Ocidente. Destruirão a Terra, não esta ou aquela nação.

“E se interferirmos com os robôs? O que farão as cinco naves robotizadas ao constatarem que o inimigo ainda se encontra nas proximidades do alvo destruído? O atacarão. Sabemos, ou melhor, quatro de nós sabem que os robôs possuem elevada habilidade tática. Não se lançarão todos de vez na perseguição de uma navezinha como a nossa. Calcularão que uma das suas naves será suficiente para nos destruir.

“Acho que aí está nossa única chance. Seria uma temeridade lutar contra cinco naves ao mesmo tempo. Mas se conseguirmos separá-las, para lidar com uma de cada vez, a situação mudará de figura.

Rhodan concordou. A idéia até chegou a despertar Crest da sua letargia. Via-se que recobrava as esperanças.

Thora continuou calada. Mas parecia que já não se sentia tão segura.

Continuaram a discutir o plano de Reginald Bell. Rhodan acrescentou alguns detalhes. Assim surgiu um projeto, que poderia ser introduzido nos computadores para ser interpretado. Rhodan traduziu-o em impulsos registrados em fitas que foram colocadas nos autômatos. Dessa forma seria informado sobre qualquer erro e poderia realizar as correções que se tornassem necessárias.

 

Na noite daquele dia, Rhodan teve uma palestra muito estranha. De tarde, o capitão Klein transmitira a informação de que nos três blocos de superpotências da Terra estavam sendo realizados preparativos para um alarma nuclear, a fim de que as áreas sujeitas a ataque pudessem ser evacuadas em poucas horas. Rhodan ficou satisfeito ao saber disso. A partir da localização ótica das naves robotizadas, que sem dúvida estariam imunes à localização pelo radar, tal qual a nave auxiliar, ainda passariam algumas horas até que descobrissem o que havia acontecido na Lua e iniciassem o ataque à Terra.

À noite, recebeu a visita de Thora. Era a primeira vez que ela entrava em seu camarote.

Rhodan ficou perplexo, tão perplexo que ela notou.

— É de admirar, não é? — disse Thora com uma ponta de ironia.

— É verdade! — confirmou Rhodan. — O que a traz aqui?

— Quero fazer-lhe uma proposta.

Rhodan apontou para uma poltrona.

— Queria sentar. Não imagina que prazer sinto ao ouvi-la.

Thora entesou o corpo, mas não havia o menor tom de zombaria nas palavras que ouvira. Sentou na poltrona que Rhodan lhe oferecera e reclinou-se profundamente.

— Dentro de cinco ou seis dias — principiou Thora — seu belo sonho da humanidade unida e da herança do Império Galático terá chegado ao fim.

Rhodan não a interrompeu, embora não concordasse com ela.

— Dentro de poucos dias — prosseguiu — nossos cruzadores robotizados chegarão, descobrirão as causas da destruição de nossa nave e transformarão a Terra num montão de rochas altamente radioativas — a Terra e todos que vivem nela. Existem algumas pessoas que merecem ser salvas da catástrofe. Você é uma dessas pessoas.

Rhodan sobressaltou-se. Inclinou o corpo para a frente, como se pudesse perseguir as palavras para voltar a introduzi-las no ouvido.

— Eu?

Thora confirmou com um gesto enfático.

— Sim, você. Talvez ainda seu companheiro Bell, que também recebeu nosso treinamento, e Haggard, que sabe curar a leucemia, e finalmente Tako Kakuta, por causa de suas faculdades extraordinárias. Ofereço-lhes a salvação. Minha posição de comandante de uma nave exploradora me dá esse direito. Irão a Árcon conosco e lá encontraremos uma maneira de aproveitá-los.

Rhodan começou a desconfiar do que havia atrás disso.

— Por que acha que justamente nós merecemos ser salvos? — perguntou.

— É por causa das faculdades que possuem — respondeu Thora prontamente. — Representariam uma aquisição valiosa para o Império. Poderiam ser utilizados em setores nos quais é necessária uma boa dose de energia. Dispõem dos conhecimentos necessários. Ainda poderíamos transmitir esses conhecimentos a Tako e Haggard.

Rhodan ficou em silêncio.

— Será que não pensa em utilizar-nos paracriar uma nova raça?

Thora não percebeu o tom de sua voz.

— Não acredito — respondeu Thora com voz mais fria que antes — que qualquer mulher arcônida se prestasse a manter relações com um ser terreno.

Rhodan confirmou com um movimento de cabeça e esperou.

Thora dispunha de uma extraordinária reserva de paciência. Levou uns quinze minutos para perguntar:

— Então?

Rhodan levantou-se. Foi para junto da tela que substituía a janela e olhou para a imensidão de areia do deserto de Gobi. As estrelas espalhavam um brilho mortiço e produziam sombras difusas, que faziam os sulcos feitos pelo vento parecerem mais fundos do que realmente eram.

— Ouça, Thora! — disse depois de algum tempo. — Para mim, uma mão de areia deste deserto vale mais que todo o seu império podre. Não tenho o menor interesse em ocupar um cargo mais ou menos importante nele. A única coisa que me preocupa é a Terra. Quer saber por quê?

Girou sobre os saltos dos sapatos.

— Não teremos de esperar muito; apenas uns trezentos ou quatrocentos anos, que afinal não representam nada em comparação com o longo caminho que trilhamos desde a Idade da Pedra, para que o monturo do seu império nos caia nas mãos em troca de nada. Não serei eu quem vai ensinar aos arcônidas os truques através dos quais poderão perturbar o progresso da humanidade terrena. Perturbar, não impedir.

Deu dois passos em sua direção.

Thora sentiu-se tomada por uma fúria cruel. Quis sair para deixá-lo falando só, mas aquela voz a prendia. Foi a primeira vez que Rhodan, sem que o soubesse, colocou nas palavras dirigidas à mulher toda a força de persuasão que lhe fora conferida pelo treinamento hipnótico.

— Preste atenção — prosseguiu. — O que acontecerá se não conseguirmos rechaçar suas naves robotizadas? Atacarão a Terra e a destruirão. Mas sempre sobrarão alguns homens — cem, mil, dez mil ou um milhão, pouco importa. Esses homens nunca se esquecerão do que aconteceu aos demais. Cuidarão para que nada de semelhante aconteça a eles ou aos seus descendentes. Acho que você ainda não conhece a energia que possuímos. Dentro de dois mil anos a Terra voltará a ser o que é hoje. E o Império Galático, que já está podre até a medula dos ossos, terá um inimigo encarniçado nessa Terra. E não haverá a menor dúvida de como terminará essa inimizade. Até onde atingem nossas recordações, sempre combatemos nossos inimigos até matá-los. Nesse caso acontecerá a mesma coisa, e o controle da Galáxia passará às nossas mãos.

Thora reuniu todas as forças para sair. Mas antes que atingisse a escotilha, Rhodan voltou a falar, deixando-a como que pregada ao solo.

— As coisas ainda não chegaram a este ponto. Você sabe perfeitamente que temos uma possibilidade real de destruir as naves robotizadas. No início, pensarão que somos sobreviventes inofensivos da expedição espacial. Talvez até nos recebam a bordo antes de atacar a Terra. Assim teremos a chance de que precisamos. A Terra ainda não está perdida; falta muito para isso.

Thora deu mais dois passos. Já se encontrava perto da escotilha, quando Rhodan deu um grito:

— Pare!

A energia brutal da voz do terreno, que quase chegava a exercer uma constrição física, causou-lhe dor de cabeça. Virou-se rapidamente.

Ficou espantada ao ver que Rhodan sorria.

— Aqui na Terra conhecemos casos semelhantes aos seus. Certas mocinhas criadas em casas ricas e bem cuidadas ficam apavoradas ao saberem que nem todos vivem como elas e seus pais; há muita gente pobre que tem de lutar pela vida.

“Você é igualzinha a essas moças. Acha que deve desprezar-nos só por sermos mais jovens que sua raça. No dia em que você chegar perto de mim para confessar que nestas últimas semanas tem sido muito tola, eu lhe direi quanto a amo.

Thora ficou perplexa. Perdeu alguns segundos preciosos antes de decidir se devia responder ou não.

Finalmente o orgulho venceu. Virou-se abruptamente e saiu.

A insinuação chocara-a mais do que ela mesma gostaria de admitir. No planeta de Árcon as regras do jogo do amor haviam sido adaptadas no curso dos milênios aos ditames da inteligência. Se em Árcon um homem fizesse uma declaração de amor a uma mulher que pouco antes insultara, isso seria encarado como sintoma de doença mental.

Apesar da raiva que a dominava, Thora não deixou de reconhecer que na Terra não se podiam aplicar os mesmos padrões. Compreendeu que a declaração que Rhodan proferira naquele instante constituía parte da manobra que engendrara. Sentiu-se impotente diante desse tipo de ilogismo programado.

Pela primeira vez reconheceu com toda a clareza — e com todo o pavor que esse conhecimento lhe despertava — a juventude incrível da raça terrena e as forças espantosas e assustadoras que se ocultavam detrás dessa juventude.

 

A sensação surgiu dali a dois dias. Rhodan não tivera mais notícias de Mercant. Isso significava que na Terra não havia maiores novidades. Os dirigentes aguardavam a concretização das ameaças vindas de fora.

Manoli operava o rádio. Os robôs tinham concluído seu trabalho, e voltaram para os depósitos onde Crest os desativou.

Thora aparecia raras vezes. Evitava Rhodan. Este compreendia.

Bell e Haggard dedicavam-se ao jogo de xadrez.

Geralmente Manoli não sabia o que fazer. A nave auxiliar possuía receptores excelentes. Captava tudo sem a menor dificuldade, desde a emissora da polícia de Pequim até as notícias transmitidas pela estação espacial Freedom I e os programas de ondas longas das emissoras inter-regionais. E, como nas últimas semanas as notícias sensacionais fossem uma raridade, o cargo de radioperador não oferecia maiores atrativos.

Mas, nesse dia, as coisas mudaram por completo. Manoli estava ouvindo um programa da estação espacial na faixa de 305 megahertz. Subitamente o mesmo foi interrompido para a transmissão de um comunicado urgente:

— Esquilo para raposa, esquilo para raposa. Localizamos objeto não identificável na direção Pi dois-um-zero. Teta zero-nove-cinco. Distância duas vezes dez na sexta potência metros, velocidade cerca de duas vezes dez na quarta potência metros por segundo, forma indefinível. Objeto prossegue em direção à Lua. Fim.

Raposa confirmou imediatamente e deu a seguinte indicação:

— Pedimos que comunicados subseqüentes sejam transmitidos em código.

Manoli taquigrafara o comunicado. Arrancou a folha do bloco e saiu correndo. Percorreu o corredor às escorregadelas. Mal a escotilha do camarote de Rhodan se abriu, precipitou-se para dentro e leu a notícia para Rhodan. Este ficou muito mais exaltado do que Manoli esperava.

— É inacreditável!

Sem dar a menor atenção a Manoli, que nada entendia do assunto, ligou para Crest. Só após isso voltou a falar com o médico para dar-lhe uma incumbência:

— Avise Tako para que preste atenção aos sinais de Klein. Daqui a pouco receberemos informações mais detalhadas.

Manoli confirmou com um movimento de cabeça e saiu correndo. Depois de algum tempo Crest chegou.

— A estação espacial anuncia um corpo estranho vindo da órbita de Marte, que se dirige à Lua — explicou Rhodan com a voz tranqüila. — Gostaria de saber o que acha disso.

Crest mostrou-se interessado.

— Dispõe de outras informações?

— A velocidade é de 2 vezes 104 m/seg.

— Qual é a forma do objeto?

— Desconhecida.

Crest olhou-o.

— Face ao treinamento que recebeu, deve supor a mesma coisa que eu.

Rhodan fez que sim.

— Qual é a sua suposição?

— A base situada em Mira-4 não se encontra mais em poder do Império. O que vem por aí não é nenhum cruzador robotizado, mas uma nave pertencente a alguma unidade rebelde da frota colonial, pilotada por uma tripulação inexperiente.

Crest confirmou.

— Tomara que seja só essa — acrescentou Rhodan.

Dali a meia hora, Klein forneceu outras informações. O objeto estranho aproximara-se mais da estação espacial, que pôde identificar sua forma. Enquanto Klein conversava com Tako Kakuta no limite da cúpula energética, as notícias chegavam constantemente e eram logo decifradas por Klein, que trouxera a chave de decodificação, e transmitidas à nave.

O objeto estranho tinha a forma de um fuso. Era parecido com dois torpedos cortados ao meio e ligados pelas extremidades pontudas.

A medida que Klein decifrava as mensagens, Rhodan ouvia. Sabia que as naves em forma de fuso pertenciam aos tipos mais antigos da frota do Império, usados quase exclusivamente nos mundos coloniais. Isso confirmava a suposição de que o objeto que fora localizado não podia ser um cruzador robotizado.

Crest acrescentou:

— Os habitantes de Fantan possuem várias naves em forma de fuso, porque não estão em condições de adquirir veículos mais dispendiosos. Aposto — sorriu para Rhodan e procurou descobrir se este ficara satisfeito com a expressão tomada de empréstimo à fala dos terrenos — aposto que é uma nave de Fantan. O grupo de Fantan não fica muito distante da base de Mira. É bem possível que tenham conquistado Mira-4 e captado o sinal de emergência.

O que mais reforçava essa suposição era o fato de que a nave em forma de fuso não se resguardava contra o radar, nem contra a localização ótica. Além disso, aproximava-se da Lua com uma lentidão incrível, como se estivesse só no mundo e não precisasse recear coisa alguma.

Nenhum outro objeto foi localizado.

Thora pusera-se em comunicação com o circuito e ouvira tudo que o capitão Klein informara lá de fora. Assim que Tako voltou, Rhodan pediu-lhe que fosse ao camarote de Thora para solicitar uma entrevista destinada a esclarecer a situação. O japonês encontrou a comandante caída ao solo. Estava inconsciente.

A decepção fora um golpe pesado demais para ela.

 

Os acontecimentos começaram a precipitar-se. Dali a uma hora o capitão Klein voltou a chamar:

— Os chefes do Serviço de Defesa pedem uma conferência com o senhor Rhodan.

Rhodan estava estupefato.

— Os chefes? — perguntou. — Que chefes são estes?

Klein parecia divertir-se com o espanto de Rhodan.

— Há alguns minutos existe um comitê de segurança internacional. Os dirigentes são Ivan Kosselov, do Serviço Secreto do Bloco Oriental, Mao Tsen, do Serviço Secreto da Federação Asiática, e Allan D. Mercant.

Rhodan compreendeu a situação.

— Estou pronto para receber os cavalheiros a qualquer momento. A que hora poderão estar aqui?

— Todos eles são de opinião que o assunto é muito urgente. Mercant já se encontra em Pequim. Ele e Mao Tsen não levarão mais que quarenta e cinco minutos na viagem até aqui. E Kosselov também não demorará mais que isso.

Rhodan refletiu.

— Ouça, capitão! Anuncie essa gente assim que tiverem chegado. Se necessário deixarei que entrem, um por um.

Dali a uma hora os chefes dos serviços secretos terrenos compareceram à nave auxiliar dos arcônidas.

Rhodan pediu que Crest participasse da conferência.

Soube que a evacuação da população e dos equipamentos industriais mais importantes estava sendo levada avante a todo vapor.

— Gostaríamos de saber — disse Mercant — para que servirão essas providências. Será que o ataque das naves robotizadas não transformará a Terra num reator superativado?

Rhodan expôs as suposições a que ele e Crest haviam chegado em relação à nave.

— Mostro-lhes as coisas como realmente são — acrescentou. — Temos uma boa chance de rechaçar esse atacante com um único tiro bem dirigido. Mas nem por isso acho que seria aconselhável suspender o alarma. Em primeiro lugar, apesar de tudo existe a possibilidade de uma falha. Depois, não teremos de lidar apenas com essa nave. Mesmo que consigamos destruí-la, outras, que também captaram o sinal de emergência, surgirão. Se conseguirmos nos livrar do primeiro atacante teremos uma pausa de algumas semanas, no máximo alguns meses. E nesse intervalo teremos de preparar-nos para enfrentar o novo ataque sem o menor risco.

Olhou para Mercant.

— O senhor sabe a que me refiro. A Terra não está em condições de manter o embargo que pesa sobre nós. Somos a única coisa que pode fazer alguma coisa pela defesa da Terra. Precisamos ter plena liberdade de ação; só assim poderemos explorar todas as possibilidades que se oferecem.

Mercant olhou para os seus acompanhantes. Depois voltou a encarar Rhodan.

— No setor da OTAN, consideramos findo o embargo. Depositamos nossa confiança irrestrita no senhor em tudo aquilo que diz respeito às medidas de defesa contra um ataque vindo de fora.

Rhodan encarou-o; parecia surpreso. Kosselov falou em seguida:

— Nosso governo coloca-se na mesma posição no que diz respeito ao senhor.

Mao Tsen concordou com um sorriso:

— A Federação Asiática assume a mesma posição, senhor Rhodan.

Rhodan oferecia o quadro de uma estupefação incontida. Finalmente um sorriso esboçou-se nos cantos da sua boca. Com um ligeiro tom de ironia na voz disse:

— Cavalheiros! No instante em que seus governos estiverem dispostos a estender sua confiança para além dos preparativos de defesa contra um ataque vindo de fora, no instante em que depositarem confiança plena em nós, em todos os setores, a Terceira Potência deixará de manter-se isolada. Estaremos dispostos a abrir nossa base e a colocar aquilo que temos à disposição de toda a Humanidade.

Passaram a discutir os detalhes. Rhodan explicou de que maneira pretendia rechaçar lá fora, no espaço, o ataque da nave em forma de fuso. Deu instruções sobre as medidas de proteção à população, que deveriam ser adotadas se não conseguisse seu intento. Mercant, Kosselov e Mao Tsen faziam anotações.

Ao concluir, disse:

— Não sei se já se deram conta de que não poderão contar mais com o apoio da Terceira Potência caso falhe nossa tentativa de destruir a nave no espaço ou sobre a Lua. Estaremos empenhados numa luta de vida e morte. De qualquer maneira, temos de encarar essa possibilidade. Por isso anotei várias coisas que julgo importantes para a Humanidade. O documento será depositado num lugar adequado a fim de que possa resistir ao eventual ataque à Terra. Acho que minhas informações lhes serão úteis. Se a Terra for destroçada, as anotações representarão um bom ponto de partida para os sobreviventes. Nunca mais devemos esquecer que não estamos sós no universo. Temos de conformar-nos com a existência de outras raças e devemos preparar-nos para a eventualidade de que algumas delas nos sejam hostis.

“Peço que os acontecimentos que lhes transmito através das minhas anotações sejam encarados nesta perspectiva.”

 

As anotações representaram um trabalho extenso, cuja confecção consumiu horas preciosas de Rhodan. A nave atingira a órbita lunar e realizava evoluções a uma distância constante de dez mil quilômetros do satélite da Terra.

Rhodan teve uma ligeira palestra com seus companheiros. Thora manteve-se afastada. Precisava de sossego. A sugestão de Rhodan, de que Tako Kakuta e o Dr. Manoli permanecessem na Terra, mereceu apoio de todos. Na cúpula energética ficariam protegidos contra qualquer agressão, e contra as conseqüências de uma eventual contaminação radioativa. Tako guardou as anotações de Rhodan, prometendo entregá-las à humanidade — ou aos seus remanescentes — somente quando não restasse a menor dúvida de que a nave dos arcônidas fora destruída na luta contra os seres estranhos.

Tako e Manoli instalaram-se na Stardust. Rhodan decolou imediatamente.

Subiu a cem quilômetros. O cumprimento dos seus objetivos não poderia ficar a cargo dos dispositivos automáticos. Bell serviu de co-piloto. Haggard e Crest permaneceram na sala de comando.

A nave permaneceu imóvel. Os bulbos das lâmpadas de controle automático emitiam um brilho negro. Uma pequena imagem projetada numa tela embutida no painel indicava a posição da nave em relação à superfície da Terra. Todos os instrumentos, com exceção do altímetro, indicavam o valor zero.

Só no painel de Bell se via a luz de cinco lâmpadas verdes. Bell virou a cabeça e disse, tranqüilo:

— Reatores a plena potência, chefe!

Rhodan confirmou com um movimento de cabeça, sem se voltar. Nos compartimentos de máquinas, cinco reatores de fusão, que eram verdadeiros gigantes na sua classe, forneciam energia a um depósito, que a liberaria no momento adequado.

A energia armazenada seria suficiente para envolver a nave num campo hipergravitacional que a isolaria do ambiente exterior e — para utilizarmos uma imagem — a retiraria do complexo quadridimensional tempo-espaço. Um corpo circundado por um campo hipergravitacional deixava de existir no espaço normal; era trasladado para uma ordem espacial superior, onde prevaleciam as mesmas leis do espaço ao qual acabava de subtrair-se, mas os princípios da Física estavam sujeitos a uma interpretação totalmente diversa. Depois de ter adquirido os conhecimentos dos arcônidas através do treinamento hipnótico, Rhodan passou a designar esse superespaço como “o caminho situado atrás da curva espacial”. O problema do hipervôo encontrava sua explicação nesse contexto. Um corpo, como, por exemplo, uma nave, rompia a superfície convexa do conjunto tempo-espaço, prosseguia em trajetória reta e, uma vez atingido o destino, voltava a ingressar no citado conjunto.

Até então, ninguém tentara vencer um trajeto de pouco mais de um segundo-luz num hipersalto dessa espécie. No presente caso havia uma dificuldade. A nave auxiliar, pequena e dotada de pouca energia em comparação com a nave principal, levaria algum tempo para acumular energia depois de terminado o salto. Os depósitos haviam sido dimensionados de tal forma que apenas eram suficientes à dupla travessia da superfície do conjunto tempo-espaço. Terminado o salto, teria de haver uma pausa antes que a nave pudesse reencetar a viagem. Se o salto não atingisse o lugar programado, essa pausa seria aproveitada pelo inimigo, que estaria em condições de localizar a nave e colocar-se em posição favorável para o combate.

Pelos cálculos de Rhodan, o salto terminaria na sombra projetada pela Lua. A nave dos habitantes de Fantan prosseguia na mesma trajetória. Continuaria em órbita lunar, dez mil quilômetros atrás da Lua. A nave auxiliar surgiria à frente da Lua.

Rhodan moveu a mão em direção à tecla vermelha que faria a nave dar o salto.

Apertou-a. A tecla deu um estalo e as telas de imagem apagaram-se imediatamente.

Dali a um segundo voltaram a entrar em atividade. A imagem era totalmente diferente. Diante da nave surgiu a foice lunar, iluminada pelo sol que acabava de surgir detrás da Terra.

— Alguma localização? — perguntou Rhodan.

— Nada! — respondeu Bell.

— Intensidade do salto?

— Correta.

Rhodan reclinou-se na poltrona. Dali a pouco virou-se e olhou para Crest, que estava radiante.

— Excelente! — disse.

Rhodan não descansou. Assim que terminaram os cinco minutos de que os reatores precisavam para reabastecer o depósito com a quantidade mínima de energia, pôs a nave em movimento; em direção à Lua.

O resto foi brincadeira. Rhodan conduziu a nave para um vale profundo, cheio de sombras. No centro deste vale encontravam-se os destroços da nave dos arcônidas. Estava convencido de que um dia os homens de Fantan se arriscariam a aproximar-se do cruzador espacial. A nave por ele tripulada correria um risco menor se aguardasse esse momento.

Crest pedira que não fosse obrigado a desempenhar qualquer papel nesse empreendimento. Rhodan concordara por conhecer a mentalidade de um cientista, de Árcon. A época em que os arcônidas eram uma raça guerreira como os homens e construíram seu império, ficava muito longe. A luta passara a ser uma coisa terrível.

Rhodan manteve Haggard ocupado nos aparelhos de localização, fáceis de operar, enquanto Bell permanecia a postos nos instrumentos de pontaria. Ele mesmo manteve-se no assento do piloto, pois era perfeitamente possível que surgisse a necessidade de manobrar a nave.

O armamento da nave podia ser dividido em duas categorias.

Havia as armas de grande alcance, isto é, até um minuto-luz, e as de pequeno raio de ação. Face às suas características as armas de longo alcance estavam rigidamente fixadas ao corpo da nave; os projéteis dispunham de dispositivos direcionais automáticos. Já as armas de pequeno raio de ação eram móveis. Possuíam um dispositivo de pontaria automático, mas também podiam ser orientadas oticamente.

Rhodan não estava disposto a lançar mão dos foguetes de grande alcance. Embora a nave de Fantan fosse um veículo antiquado, equipado com campos defensivos de reduzida potência, era de todo provável que nesse exemplar, destinado a uma viagem tão arriscada, tivessem sido introduzidos alguns aperfeiçoamentos. Um foguete teleguiado podia ser localizado antes do tempo. E, face à mentalidade de sua tripulação, a nave de Fantan provavelmente se poria em fuga. Acontece que Rhodan estava interessado numa vitória decisiva, não num triunfo passageiro que deixasse em aberto o risco do retorno do inimigo.

Passaram-se algumas horas. Crest deitara-se e fechara os olhos.

Ninguém proferiu uma única palavra. Haggard estava sentado diante dos instrumentos, mas estes não revelavam coisa alguma. Bell permanecia no lugar que poderia ser designado como o posto de combate, mas que na verdade não passava de um painel com uma série de botões e manivelas.

Bell abriu a boca uma única vez:

— Não estou gostando disso, chefe! Devíamos decolar e atacá-los. Não gosto de atirar à traição em alguém.

— Silêncio! — interrompeu Rhodan. — Não podemos assumir qualquer risco. Você conhece essa gente de Fantan, não conhece?

Depois disso não houve mais discussão. Algumas horas se passaram. Rhodan teve vontade de levantar-se para cuidar de Thora. Mas sabia perfeitamente que a calma de um segundo não lhe permitiria tirar conclusões sobre o caráter dos outros, ao menos nessa expedição.

 

— Localização! — anunciou Haggard com a voz embaraçada.

Não disse mais nada.

— Quem sabe se você não quer nos dizer onde? Que diabo! — resmungou Bell.

— Pi zero-um-cinco, Teta zero-três-zero. Distância oitocentos mil metros.

Bell manipulou os instrumentos do painel.

— Velocidade?

— Cinqüenta metros por segundo na direção Pi-zero. Seguem em direção ao cruzador.

Rhodan virou-se.

— Que tal nossa posição, Bell?

— Favorável. Mas poderíamos subir mais alguns metros em direção à beira do vale, para qualquer eventualidade.

— Combinado!

A nave obedeceu ao comando. Deslizando rente ao solo negro, subiu em direção ao cume das montanhas que cercavam o vale.

— Pare! — disse Bell. — Assim está bom.

No mesmo instante a nave de Fantan surgiu na tela. Rhodan examinou-a; parecia pensativo. Ainda se encontrava a uma distância de cerca de oitocentos quilômetros e a velocidade com que se aproximava não era muito superior à de um automóvel. O pessoal de Fantan estava desconfiado e, ao que parecia, achava que devia aproximar-se sorrateiramente para não assumir um risco excessivo.

A nave foi deslizando na altura do cume das montanhas. Teriam de levantá-la um pouco para ultrapassá-las. Embora a manobra pudesse ser completada com alguns movimentos das chaves de comando, ela exigiria um pouco de sua atenção. Seria, portanto, o momento adequado de atacar.

Face à reduzida velocidade da nave de Fantan, algumas horas poderiam passar-se até que isso acontecesse. A cadeia de montanhas em que se encontravam era uma das menores; a área por ela cercada tinha um diâmetro de cem quilômetros.

Rhodan fazia votos de que dedicassem toda sua atenção à cratera, não lançando os olhos para mais longe. Não havia dúvida de que a parte superior da nave auxiliar ultrapassava a cumeeira das montanhas por cerca de dois metros. Era pouco em comparação com aquele complexo de rochas, mas poderia ser o suficiente para um inimigo atento.

Virou-se.

— O que pretende fazer? — perguntou a Bell.

Este apontou para um botão amarelo e uma manivela.

— Usarei a neutralização do campo cristalino — respondeu. — A única coisa que sobrará será uma névoa turbilhonante de átomos de hidrogênio, carbono e alguns metais.

Rhodan concordou com um movimento de cabeça.

— Qual será o tempo de bombardeio?

— Até que não sobre nada.

— Isso será necessário?

Bell mostrou-se surpreso.

— Por que não? Não convém assumir qualquer risco.

— Gostaria de mostrar uma coisa a Haggard — disse Rhodan. — Basta demolir a nave. Depois disso a tripulação não representará mais qualquer perigo para nós.

— Está bem — concordou Bell. — Regularei a duração do bombardeio para vinte segundos.

Haggard anunciou com a voz um tanto apressada:

— Aumentaram a velocidade. Cem metros por segundo. Distância de seiscentos e cinqüenta mil metros.

No mesmo instante acrescentou:

— O que pretende mostrar-me, Rhodan?

— Alguma coisa que lhe interessa muito. Aguarde!

A tensão aumentou, e o tempo demorou mais a passar. A nave estranha cresceu na tela de imagem, revelando suas dimensões imponentes. Rhodan calculou seu comprimento em trezentos ou trezentos e cinqüenta metros. No centro, que era o lugar mais fino, havia um diâmetro de cerca de trinta metros. Não havia dúvida de que, embora fosse antiquada, dispunha de armamento mais poderoso que a nave dos arcônidas. Se não conseguissem destruir aquela nave, o destino da Terra estaria selado. O próprio Rhodan não estava tão confiante a respeito dos acontecimentos que viriam depois como procurara aparentar diante de Thora.

— Quatrocentos mil! — anunciou Haggard depois de um silêncio interminável.

A uma distância de cem mil, Bell começaria a atirar.

Rhodan não acreditava que sua nave já tivesse sido localizada. O temperamento do povo de Fantan não lhes permitira prosseguir calmamente na viagem depois de terem localizado um inimigo.

Todavia...

— Trezentos mil. Estão acelerando. Alguns minutos depois:

— Frearam. Estão parados.

A reação de Rhodan foi imediata.

— Fogo! — ordenou.

Bell bateu na tecla do desintegrador e gritou:

— Vamos sair daqui! Precisamos subir!

Rhodan deu partida imediatamente.

Com um forte solavanco a nave elevou-se algumas centenas de metros acima da cumeeira das montanhas. Enquanto isso Bell atirava ininterruptamente.

Não havia a menor dúvida de que estava acertando. Na tela de direção de tiro surgiu a imagem da nave inimiga que se desintegrava. Não conseguia sair do lugar. A estrutura cristalina do envoltório externo dissolveu-se. A proa transformou-se em pó que no vácuo caiu ao solo com uma velocidade espantosa. A arma de Bell foi penetrando cada vez mais na estrutura, até atingir o centro da nave inimiga.

Subitamente viram um raio ofuscante. Rhodan fechou os olhos; ao abri-los viu que o panorama da tela começou a dançar.

Ainda estavam atirando. Acertaram no envoltório energético da nave, fazendo-a oscilar.

— Mais rápido! — rosnou para Bell.

Este não reagiu. Com uma atenção obstinada orientou o raio direcional de descristalização, fazendo-o prosseguir pelo envoltório da nave-fuso.

Outro tiro foi disparado pelo inimigo. Ricocheteou no envoltório energético e mais uma vez fez oscilar a nave. Por um momento o raio direcional operado por Bell perdeu o alvo. Mas logo voltou a encontrá-lo e desta vez destruiu-o por completo.

Nada restou do envoltório da nave-fuso. Os geradores também foram destruídos. Os remanescentes, formados por peças de equipamento, paredes divisórias, escotilhas, instrumentos e os cadáveres da tripulação, caíram em espiral.

Bell respirou aliviado.

— Pronto!

Rhodan deu partida na nave. Passou a pouca altura sobre a cratera com os restos do cruzador espacial dos arcônidas e aproximou-se do lugar em que fora destruída a nave inimiga.

O serviço de Haggard junto aos instrumentos de localização estava concluído. Bastante tenso, contemplava as telas de imagem.

— Daqui não conseguirá enxergar nada — disse Rhodan. — É preferível esperar até que pousemos.

Fez descer a nave no limite da área circular em que havia caído a poeira metálica e os destroços da nave.

Fechou o capacete do traje especial e disse a Haggard:

— Venha comigo!

Haggard não esperou que Rhodan repetisse o convite. Saíram e em saltos largos voaram em direção ao lugar em que se amontoavam os destroços da nave de Fantan.

Não havia muita coisa para ver. A tripulação da nave de Fantan mantivera os trajes espaciais abertos durante a luta. A descompressão explosiva que se verificara no momento da dissolução da parede externa da nave esfacelara seus corpos juntamente com os trajes.

Haggard encontrou alguma coisa que parecia ser um retalho de pele.

— É só isto? — perguntou, um pouco desapontado.

Rhodan deu de ombros.

— Acho que com isso você já poderá fazer muita coisa.

Voltaram à nave. Rhodan poderia dar mais uma busca no cruzador espacial, para silenciar o emissor automático de emergência, ou retornar à Terra para informar a humanidade sobre o desfecho da luta que não puderam observar, já que a mesma se desenrolara na face oculta da Lua.

Optou pela última alternativa. Levado por forte motivo: no instante em que a nave-fuso foi atacada, por certo emitiu um sinal de emergência igual ou semelhante ao do cruzador espacial. E esse sinal seria tão bem orientado que chegaria ao receptor a que se destinava. Face a isso, Rhodan não estaria em condições de evitar novos ataques com a simples desativação do emissor que se encontrava no cruzador espacial.

Um jogo fora iniciado, um jogo que dali por diante estabeleceria suas próprias regras e não mais poderia ser influenciado por quem quer que fosse.

Rhodan viu nisso mais um motivo de apressar seu retorno à Terra. Cada segundo tornara-se ainda mais precioso que antes. O próximo inimigo a lançar-se ao ataque seria muito mais numeroso e sagaz que aquele que acabara de ser destruído.

 

Durante a viagem de volta só houve um acontecimento excitante. Através dos supermicroscópios montados no laboratório de bordo, Haggard descobriu quão estranho era o retalho de pele dos homens de Fantan.

— Até mesmo em condições normais a pele deles tem a consistência do couro e está coberta de pequenas escamas — disse com a voz exaltada. — Não existe a menor dúvida. E os pedaços de carne presos à pele apresentam uma estrutura muito menos definida que a do homem ou de qualquer animal conhecido.

Rhodan sorriu.

— Isso lhe permite tirar alguma conclusão, Haggard?

Haggard confirmou com um rápido movimento de cabeça.

— Deve haver uma diferença considerável entre nós e os habitantes de Fantan, isso no terreno biológico.

— Tem alguma idéia de como é essa gente?

Haggard sacudiu a cabeça.

— Não; uns farrapos de pele não são suficientes para isso.

— Pois imagine um cilindro de extremidades arredondadas — disse Rhodan em tom professoral. — Esse cilindro possui certa elasticidade e é recoberto de escamas finas em toda extensão. Na parte superior apresenta várias aberturas que para nós não passariam de buracos escuros mas na realidade desempenham funções tão diferenciadas como as da boca, dos olhos, dos ouvidos e do nariz. O cilindro apresenta, em lugares variáveis, seis membros entre os quais não se nota diferença. Servem à locomoção, ao suprimento de alimentos e aos outros fins que os homens alcançam com a utilização das mãos e dos pés. Só que, nos habitantes de Fantan, não existe a menor diferença entre mãos e pés. Os seis membros são equivalentes.

“Os habitantes de Fantan são assexuados, Dr. Haggard. Reproduzem-se por meio de certo tipo de broto, que nem as plantas de um vaso.

“São esses os habitantes de Fantan. Será que você pensava que todos os seres inteligentes da Galáxia se parecem comigo ou com Crest? Quando chegar a hora, veremos raças irmãs mais nojentas que vermes ou sapos dos pântanos.”

 

A notícia da vitória foi recebida na Terra com um júbilo indescritível. O alarma nuclear foi suspenso imediatamente, providenciando-se a volta das populações às cidades.

A interrupção das atividades econômicas custara à Terra cerca de oitenta bilhões de dólares, mas, em compensação, a humanidade deu um grande passo em direção à união dos homens.

No dia em que pousou, Perry Rhodan recebeu os embaixadores extraordinários das três superpotências. Vieram para transmitir-lhe em palavras exaltadas a gratidão da humanidade. Cada um conferiu-lhe uma alta condecoração em nome de seu país.

Sorrindo, Rhodan aguardou tranqüilamente até que chegasse a hora de usar a palavra.

— Sinto muito, cavalheiros — disse em tom sério — que não posso partilhar sua alegria imensa. Talvez não saibam, mas o confronto que tivemos com uma inteligência estranha e hostil foi apenas o primeiro de uma série. Tivemos sorte em repelir o ataque; foi só. Da próxima vez, só a sorte não será suficiente.

“Sinto-me feliz por notar que a opinião pública mundial aprova a atuação da Terceira Potência e até lhe confere uma recompensa através destas altas condecorações. (Haveria uma ponta de ironia em sua voz?) Mas convém que deixem bem claro aos seus governos que vencemos apenas a primeira batalha de uma guerra que poderá consistir em mil batalhas ou mais. Gostaria de encaixar na cabeça dos senhores e dos responsáveis pelos destinos da humanidade que nestes dias começará uma fase da história que durará vários séculos, ou talvez milênios. As deliberações que forem tomadas hoje decidirão todo o porvir da Humanidade.

“Transmitam esta mensagem aos seus governos. Digam-lhes que nunca terão um aliado mais leal que a Terceira Potência, sempre que se tratar do bem de toda a Humanidade.

“Pleiteamos o reconhecimento diplomático e plena liberdade de movimentos. Por enquanto somos os únicos que podem tomar medidas eficazes contra o novo ataque que nos espera.”

Fez uma pausa. Depois, condescendeu num sorriso.

— Trombeteiem esta mensagem pelo mundo a fora, cavalheiros! Façam com que a humanidade compreenda que se encontra no limiar de uma era nova e grandiosa de sua história. Temos de pensar em termos de milênios, se não quisermos perecer.

 

No dia seguinte chegou a primeira remessa de chapas de plástico metalizado de Petersburg. Foi transportada sem o menor contratempo, pelo caminho que teria sido utilizado por qualquer comerciante que quisesse transportar um lote de mercadorias inofensivas dos Estados Unidos ao deserto de Gobi.

Rhodan viu nisso um sinal de que os governos terrenos haviam correspondido prontamente aos seus desejos. Tal fato reforçou-o na esperança de que dentro de pouco tempo a humanidade compreenderia de que energias imensas poderia dispor, desde que se unisse.

Viu-se mais próximo do seu objetivo; do objetivo provisório de uma Terra unificada. Ficou surpreso ao dar-se conta do progresso enorme alcançado num tempo tão curto.

Compreendia perfeitamente que a energia e a rapidez dessa evolução não fora gerada por ela mesma. O hiperemissor automático e a nave de Fantan atraída pelo mesmo haviam sido fatores ponderáveis do processo de unificação. Nos próximos dias faria sua quarta viagem à Lua, para silenciar o emissor.

Na noite do mesmo dia, os embaixadores extraordinários com que falara no dia anterior entregaram-lhe um convite para uma conferência das grandes potências mundiais.

Rhodan aceitou o convite. Ficou satisfeito em perceber que no cérebro daqueles homens sua alocução representara algo como um comando. Sem que o percebessem, ficaram tão impressionados com os argumentos de Rhodan que passaram a trabalhar mais em prol dos seus objetivos que dos de seus governos, se é que ainda havia uma diferença entre uns e outros.

A Terceira Potência fora convidada não na qualidade de simples observador, mas na de participante efetivo com direito de voto.

 

Pouco depois, teve uma palestra com Thora. Pela primeira vez após a localização da nave-fuso pela estação espacial Freedom-I ela saiu do camarote e entrou no compartimento ocupado por Rhodan sem fazer-se anunciar, tal qual fizera poucos dias antes.

Rhodan ofereceu-lhe uma cadeira. Thora agradeceu com um sorriso gentil.

— Tive tempo para refletir sobre uma porção de coisas — principiou ela. — Acho que em muitas ocasiões não me comportei da forma que seria de esperar.

Rhodan ficou surpreso. Nunca esperara que Thora pudesse levar a auto-analise a este ponto.

— Aos poucos começo a compreender qual é o caminho que você trilha, e qual o objetivo que quer atingir — prosseguiu Thora. — Confio plenamente em você. Mas, no que diz respeito à humanidade, ainda não formei nenhum juízo. Os conhecimentos que adquiri a respeito dos homens são escassos e pouco animadores. Até agora quase só se ocuparam em degolar-se mutuamente. Desconfio de que as esperanças que deposita nos seus irmãos de raça sejam exageradas.

“Vim para dizer-lhe o seguinte: daqui para diante você não me deve considerar sua inimiga. Prefiro aguardar o resultado dos seus planos. Esses planos são bons. É possível que num futuro não muito distante a raça humana assuma a herança dos arcônidas no Império Galático. Mas prefiro adiar minha decisão até que chegue esse dia.”

Rhodan levantou-se e estendeu-lhe a mão. Sorriu.

— É um gesto humano — disse. — Aperte minha mão; ela lhe é oferecida em sinal de gratidão.

Num gesto hesitante Thora pegou a mão de Rhodan e retribuiu o aperto.

— Respeito sua opinião — acrescentou Rhodan. — Acredito que a atitude de Crest não será diferente.

Esperou uma palavra de protesto; por isso objetou.

— Não; não entretenha uma idéia errada sobre Crest. Ele pertence à mesma raça que você. O que fez por nós foi inspirado na gratidão pela cura, e talvez, em parte, numa compreensão melhor que a sua. Mas ele nunca deixará de ser um arcônida. Nunca se transformará num ser terreno.

Piscou os olhos, para dar a entender que considerava concluída a parte séria de sua palestra.

— Para você, ainda existe alguma esperança.

Pouco lhe importava que Thora se sentisse ofendida; ela contorceu o rosto e saiu. Sabia que os dias de seu orgulhoso isolamento estavam contados. Ao pensar nisso, voltou a notar que amava aquela mulher.

Lá fora os robôs estavam ocupados em empilhar as pesadas chapas de plástico metalizado.

“Tenho que pedir que apressem o fornecimento do andaime. Não há nada de que precisemos tanto como uma boa nave de combate”, disse Rhodan, para si mesmo.

                                                                                            Kurt Mahr

 

 

                      

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