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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Mistérios / Nora Roberts
Mistérios / Nora Roberts

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Mistérios

 

Ele a escolhera por causa do ambiente. Ryan teve certe­za disso no momento em que viu a casa no penhasco. Era cinza, solitária. Os fundos davam para o Pacífico. Não era uma estrutura simétrica, mas dispersa, com partes de alturas diferentes erguendo-se aqui e ali, dando-lhe um tipo de graça selvagem. No alto de uma estrada tortuosa no pe­nhasco, com o cenário de um céu enfurecido, a casa era tanto magnífica quanto lúgubre.

Parecia algo saído de um filme antigo, Ryan concluiu, ao engatar a primeira marcha e subir a ladeira. Ela tinha ouvido dizer que Pierce Atkins era excêntrico. A casa pare­cia atestar isso.

Tudo que precisa, ela refletiu, é de um trovão, um pou­co de neblina e o uivo de um lobo; apenas alguns peque­nos efeitos especiais. Divertindo-se com a idéia, ela parou o carro e examinou a casa de novo. Não se veriam muitas casas como aquela num raio de 250 quilômetros a norte de Los Angeles. Não se veriam, ela corrigiu em silêncio, mui­tas casas daquele estilo em qualquer lugar.

No momento em que saiu do carro, o vento a empurrou, agitando o cabelo em volta do rosto e puxando sua saia. Ela ficou tentada a ir até a muralha de proteção para dar uma olhada no mar, mas, em vez disso, subiu os degraus corren­do. Não viera para admirar a vista.

A aldrava era velha e pesada. Fez um barulho impres­sionante quando ela a bateu contra à porta. Ryan disse a si mesma que não estava nem um pouco nervosa, mas passava a mala de uma das mãos para a outra enquanto esperava. Seu pai ficaria furioso se ela fosse embora sem a assinatura de Pierce Atkins nos contratos que carregava. Não, furioso não, ela emendou. Silencioso. Ninguém conseguia utilizar o silêncio de forma mais eficaz que Bennett Swan.

Não vou embora de mãos vazias, ela assegurou a si mes­ma. Sei como lidar com artistas profissionais. Passei anos observando como se faz e...

Seus pensamentos foram interrompidos quando a porta se abriu. Ryan ficou olhando. À sua frente apareceu o maior homem que ela já havia visto. Ele tinha pelo menos l,90m com ombros que quase ocupavam todo o vão da porta. E seu rosto! Ryan decidiu que ele era, inquestionavelmente, o ser humano mais feio que ela já havia visto. Seu rosto largo era pálido. Seu nariz tinha sido, sem dúvida quebra­do e remendado num ângulo estranho. Seus olhos eram pequenos, um castanho desbotado que combinava com seu cabelo espesso. O ambiente, Ryan pensou mais uma vez. Atkins deve tê-lo escolhido por causa do ambiente.

— Boa tarde — ela conseguiu dizer. — Ryan Swan. O Sr. Atkins está me esperando.

— Srta. Swan.

A voz lenta e profunda lhe caía como uma luva. Quando o homem deu um passo atrás, Ryan relutou em entrar. Nu­vens de tempestade, um mordomo corpulento e uma casa soturna num penhasco. Ah, sim, ela concluiu. Atkins sabe como armar o palco. Ela entrou. Quando a porta se fechou, Ryan deu uma rápida olhada em volta.

— Espere aqui — disse o lacônico mordomo e caminhou pelo corredor, com passos leves para um homem grande.

— Claro, muito obrigada — ela respondeu para as costas do homem, pois ele já tinha se virado.

As paredes eram brancas e cobertas de tapeçaria. O ta­pete que estava mais próximo mostrava uma cena medieval desbotada exibindo o jovem Arthur retirando a espada da pedra, com Merlin, o mágico, em destaque ao fundo. Ryan assentiu. Era uma obra primorosa e adequada a um homem como Atkins. Ao se virar, ela olhou para sua própria ima­gem num espelho grande e impressionante.

Incomodava-lhe ver que seu cabelo estava desarrumado. Ela representava a Swan Produções. Ryan empurrou as mechas louras soltas e enevoadas. O verde de seus olhos tinha escurecido com um misto de ansiedade e excitação. Sua bochecha ficou corada. Ela respirou fundo e ordenou que se acalmasse. Endireitou a jaqueta.

Ao ouvir passos, rapidamente virou-se do espelho. Não queria ser pega examinando-se ou tentando fazer mudan­ças de última hora. Era o mordomo, novamente, sozinho. Ryan reprimiu uma onda de aborrecimento.

— Ele a verá no andar de baixo.

— Oh.

Ryan abriu a boca para dizer algo mais, porém ele já es­tava se retirando. Ela teve de se esforçar para acompanhá-lo. O corredor virou para a direita. Os saltos dos sapatos de Ryan emitiram o som de seus passos quando ela correu para alcançar o mordomo. Então, ele parou tão de repente que ela quase bateu em suas costas.

— Lá embaixo.

Ele tinha aberto uma porta e já estava se afastando.

— Mas...

Ryan franziu as sobrancelhas para ele e desceu os de­graus pouco iluminados em seguida. Isso era realmente ri­dículo, ela pensou. Uma reunião de negócios deveria ser conduzida num escritório, ou, pelo menos, num restauran­te apropriado. Show business, ela refletiu com desdém.

O som de seus próprios passos ecoava de volta para ela. Não havia som algum vindo do cômodo abaixo. Ah, sim, ela concluiu, Atkins sabe como armar o palco. Ela estava começan­do a ter profunda aversão por ele. Seu coração martelava desconfortavelmente quando ela fez a última curva na escada.

O andar de baixo era enorme, um cômodo imenso com caixotes, baús e uma parafernália empilhada em volta. As paredes eram apaineladas e o piso era ladrilhado, mas nin­guém tinha se importado com mais decoração. Ryan olhou em volta, franzindo as sobrancelhas, enquanto descia o úl­timo dos degraus.

Ele a observou. Tinha o talento para a imobilidade abso­luta, a concentração total. Era essencial para seu ofício. Também possuía a habilidade para formar a opinião sobre alguém rapidamente. Isso também fazia parte de sua pro­fissão. Ela era mais jovem do que ele esperava, uma mulher de aparência frágil, de baixa estatura, de compleição leve, com nuvens de cabelos claros e um rosto delicadamente moldado. Um queixo forte.

Ela estava chateada, ele notou, e nem um pouco apre­ensiva. Um sorriso repuxava sua boca. Mesmo depois de começar a vagar pela sala, ele não se mexeu para ir até onde ela estava. Muito metódica, ele pensou, em seu tailleur bem cortado, sapatos discretos, pasta cara e mãos muito femininas. Interessante.

— Srta. Swan.

Ryan fez um movimento brusco e então xingou a si mes­ma. Virando na direção da voz, ela viu apenas sombras.

— Muito pontual.

Ele então se mexeu, e Ryan viu que ele estava num pe­queno palco. Vestido de preto, misturando às sombras. Com esforço, ela afastou o aborrecimento da voz.

— Sr. Atkins. — Ryan foi então na sua direção, decidin­do-se por um sorriso artificial. — O senhor tem uma casa e tanto.

— Obrigado.

Ele não desceu até ela, permanecendo no palco. Ryan foi forçada a levantar os olhos até ele. Surpreendeu-se por ele ser mais dramático em pessoa que nas gravações. Normal­mente, ela descobria que ocorria o contrário. Tinha visto suas apresentações. Na verdade, desde que seu pai adoece­ra e relutara em passar Atkins para ela, Ryan havia passado duas noites inteiras assistindo a todos os vídeos disponíveis sobre Pierce Atkins.

Dramático, ela decidiu, notando um rosto ossudo com uma cabeleira preta espessa e ondulada. Havia uma pequena cicatriz na linha do maxilar, e sua boca era comprida e fina. Suas sobrancelhas eram arqueadas e tinham uma pequena in­clinação para cima nas extremidades. Mas foram os olhos que a atraíram. Ela nunca tinha visto olhos tão escuros, tão pro­fundos. Eles eram cinza? Pretos? No entanto, não era a cor deles que a desconcertava, era a concentração absoluta neles. Sentiu a garganta ressecar e engoliu em seco em sinal de defe­sa. Podia quase acreditar que ele estava lendo sua mente.

Ele tinha sido chamado de o maior mágico da década, al­guns diziam que era o maior da segunda metade do século. Seus truques e suas fugas eram ousados, impressionantes e inexplicáveis. Era comum ouvir referir-se a ele como um mago. Fitando seus olhos, Ryan começou a entender por quê. Livrou-se do estado de transe e começou novamente. Não acreditava em mágica.

— Sr. Atkins, meu pai pede desculpas por não poder vir. Espero...

— Ele está se sentindo melhor. Confusa, ela parou.

— Está. Está sim.

Ela se pegou olhando fixamente para ele. Pierce sorriu ao descer até ela.

— Ele telefonou uma hora atrás, Srta. Swan. Chamada de longa distância, nada de telepatia.

Ryan deu um olhar raivoso antes de conseguir se conter, mas o sorriso dele apenas aumentou.

— Fez uma boa viagem?

— Sim, obrigada.

— Mas foi longa — disse ele. — Sente-se.

Pierce apontou para uma mesa e então pegou uma ca­deira atrás dela. Ryan sentou-se em frente a ele.

— Sr. Atkins — ela começou a falar, sentindo-se mais à vontade agora que o negócio estava prestes a começar. — Sei que meu pai discutiu a proposta da Swan Produções com o senhor e com seu agente minuciosamente, mas tal­vez o senhor preferisse repassar os detalhes. — Ela colocou a pasta sobre a mesa. — Eu poderia esclarecer quaisquer dúvidas que possa ter.

— Trabalha há muito tempo para a Swan Produções, Srta. Swan?

A pergunta interrompeu o fluxo de sua apresentação, mas Ryan mudou os pensamentos. Freqüentemente, era preciso concordar com os artistas.

— Cinco anos, Sr. Atkins. Asseguro-lhe que estou qua­lificada para responder quaisquer perguntas e negociar os termos se necessário.

A voz dela era muito suave, mas ela estava muito ner­vosa. Pierce percebeu na maneira cuidadosa com que ela cruzou as mãos sobre a mesa.

— Tenho certeza de que é qualificada, Srta. Swan. Seu pai não é um homem fácil de agradar.

Surpresa e um traço de apreensão passaram por seus olhos.

— Não — disse ela calmamente. — Razão pela qual pode ter certeza de estar recebendo a melhor promoção, a me­lhor equipe de produção, o melhor contrato do mercado. Três especiais de tevê de uma hora, por três anos, horário nobre garantido, com um orçamento que assegura qualida­de. — Ela parou apenas por um momento. — Um acordo vantajoso para o senhor e para a Swan Produções.

— Talvez.

Ele estava olhando para ela de perto. Ryan forçou-se a não ficar se remexendo. Cinza, ela viu. Seus olhos eram cinza — o mais escuro possível, sem ser preto.

— Claro — ela continuou. — Sua carreira tem tido como objetivo principal as platéias ao vivo em clubes e teatros. Vegas, Tahoe, o London Palladium e assim por diante.

— Uma ilusão não significa nada em filme, Srta. Swan. O filme pode ser alterado.

— Sei disso. Para ter impacto, um truque deve ser exe­cutado ao vivo.

— Ilusão — Pierce corrigiu. — Não faço truques. Ryan parou. Seus olhos estavam fixos nos dela.

— Ilusão — ela consertou, assentindo com a cabeça. — Os especiais seriam transmitidos ao vivo, com uma platéia de estúdio também. A publicidade...

— Não acredita em mágica, não é, Srta. Swan? Surgiu o mais leve dos sorrisos na sua boca, o mais indisfarçado traço de diversão na voz.

— Sr. Atkins, o senhor é um homem muito talentoso — disse ela com cuidado. — Admiro seu trabalho.

— Uma diplomata — ele concluiu, inclinando-se para trás. — E uma cínica. Gosto disso.

Ryan não se sentiu elogiada. Ele estava rindo dela sem a menor tentativa de disfarce. Seu trabalho, ela lembrou-se enquanto seus dentes cerravam. Faça seu trabalho.

— Sr. Atkins, se pudéssemos discutir os termos do con­trato...

— Não faço negócios com ninguém até que saiba quem seja.

Ryan soltou um suspiro rápido.

— Meu pai...

— Não estou falando com seu pai — interrompeu Pierce de modo suave.

— Não pensei em trazer uma biografia — ela vociferou, e mordeu a língua em seguida. Droga! Ela não podia dar-se ao luxo de perder o controle. Mas Pierce sorriu, satisfeito.

— Acho que não será necessário.

Ele estava segurando a mão dela sem que ela tivesse per­cebido.

— Nunca mais.

A voz vinda de trás fez Ryan pular na cadeira.

— É só o Merlin — disse Pierce suavemente enquanto ela virava a cabeça.

Havia um grande mainá preto numa gaiola à sua direita. Ryan respirou fundo e tentou acalmar os nervos. O pássaro estava olhando para ela.

— Espertinho — ela conseguiu dizer, observando o pás­saro com certa reserva. — Ensinou-o a falar?

— Mmm.

— Posso lhe pagar uma bebida, querida?

De olhos arregalados, Ryan soltou um riso abafado quando se virou novamente para Pierce. Ele simplesmente lançou ao pássaro um olhar negligente.

— Não lhe ensinei boas maneiras.

Ela se esforçou para não demonstrar que achava graça.

— Sr. Atkins, se pudéssemos...

— Seu pai queria um filho. — Ryan esqueceu o que ia dizer e ficou olhando para ele. — Isso dificultou as coisas para você. — Pierce estava olhando nos olhos dela de novo, enquanto sua mão repousava frouxa na dele. — Não é ca­sada, vive sozinha. É uma realista que se considera muito prática. Acha difícil controlar seu temperamento, mas se esforça. É uma mulher muito cautelosa, Srta. Swan, leva tempo para confiar, tem cuidado nos relacionamentos. É impaciente porque tem algo a provar. A si mesma e ao seu pai.

Os olhos dele perderam a sinceridade intensa quando ele sorriu para ela.

— Um jogo de salão, Srta. Swan, ou telepatia? Quando Pierce soltou sua mão, Ryan tirou-a da mesa e

colocou-a sobre o colo. Ela não tinha gostado da precisão dele.

— Um pouco de psicologia amadora — disse ele à vonta­de, apreciando a expressão atordoada dela. — Conhecimen­to básico sobre Bemett Swan e interpretação de linguagem corporal. — Ele deu de ombros. — Não tem truque, Srta. Swan, apenas suposição, juntamente com conhecimento. Cheguei perto?

Ryan apertou as mãos no colo. Sua mão direita ainda estava quente com o calor da dele.

— Não vim aqui para ficar de joguinhos, Sr. Atkins.

— Não. — Ele sorriu mais uma vez, de modo encanta­dor. — Veio fechar um negócio, mas eu faço as coisas no meu próprio tempo, do meu próprio jeito. Minha profissão estimula a excentricidade, Srta. Swan. Tenha paciência co­migo.

— Estou fazendo o possível — respondeu Ryan, dando um suspiro profundo em seguida e recostando-se. — Acho seguro dizer que nós dois somos sérios em nossas profissões.

— De acordo.

— Então compreenda que é meu dever fazer com que assine o contrato com a Swan, Sr. Atkins. — Talvez um pouco de bajulação funcionasse, ela concluiu. — Queremos o senhor porque é o melhor no ramo.

— Estou ciente disso — respondeu ele sem pestanejar.

— Ciente de que o queremos ou de que é o melhor? — perguntou ela.

Ele deu um sorriso muito atraente.

— Os dois.

Ryan respirou fundo e lembrou-se que os artistas eram, muitas vezes, impossíveis.

— Sr. Atkins... — ela começou a dizer.

Com um bater de asas, Merlin saiu da gaiola e pousou em seu ombro. Ryan ofegou e congelou.

— Ai, meu Deus. — Isso era demais, pensou ela entorpe­cida. Realmente demais.

Pierce franziu as sobrancelhas para o pássaro quando ele acomodou as asas.

— Estranho, ele nunca fez isso com ninguém.

— Que sorte a minha — murmurou Ryan, permanecen­do sentada sem se mexer. Os pássaros mordem? Ela decidiu que não se importava de esperar para descobrir. — Acha que poderia... ah, convencê-lo a se empoleirar em outro lugar?

Um leve gesto da mão de Pierce fez com que Merlin saísse do ombro de Ryan e pousasse no seu.

— Sr. Atkins, por favor, acho que um homem na sua pro­fissão deveria cultivar um certo gosto por... bom ambiente. — Ryan respirou fundo para se acalmar, mas não funcio­nou. — É muito difícil falar de negócios em... numa masmorra — disse ela, fazendo um movimento circular com o braço. — Com um pássaro louco dando rasantes em cima de mim e...

A risada de Pierce a interrompeu. Sobre o ombro dele o pássaro acomodou as asas e ficou olhando, com olhos de aço, para Ryan.

— Ryan Swan, vou gostar de você. Trabalho nesta masmorra — explicou ele de modo afável. — É reservada e tranqüila. O ilusionismo exige mais que habilidade; exige uma boa dose de planejamento e preparação.

— Compreendo isso, Sr. Atkins, mas...

— Falaremos de negócios de modo mais convencional durante o jantar — ele interrompeu.

Ryan se levantou quando ele a interrompeu. Não tinha sido sua intenção ficar mais de uma hora ou duas. Era uma viagem de uns 30 minutos descendo a estrada do penhasco até seu hotel.

— Vai passar a noite aqui — Pierce acrescentou, como se tivesse realmente lido seus pensamentos.

— Aprecio sua hospitalidade, Sr. Atkins — ela começou a dizer, seguindo-o enquanto ele caminhava de volta para a escada, com o pássaro pousado placidamente em seu om­bro. — Fiz reserva num hotel da cidade. Amanhã...

— Está com suas malas?

Pierce parou para segurar seu braço antes de subir os degraus.

— Estão no carro, mas...

— Link cancelará sua reserva, Srta. Swan. Vamos ter uma tempestade. — Ele virou a cabeça para olhar para ela. — Não gostaria de vê-la dirigindo por essas estradas esta noite.

Como se fosse para acentuar suas palavras, um trovão saudou-os quando eles chegaram ao topo da escada. Ryan murmurou algo. Ela não tinha certeza de que queria pensar em passar a noite naquela casa.

— Nada na manga — Merlin anunciou. Ela disparou-lhe um olhar suspeito.

 

O jantar ajudou a acalmar a mente de Ryan. A sala de jantar era enorme, com uma lareira acesa numa das extremidades e uma coleção de peltres antigos na outra. A longa mesa de refeitório foi posta com porcelana de Sèvres e prata georgiana.

— Link é um excelente cozinheiro — disse-lhe Pierce quando o homem grande colocou uma galinha à moda da Cornualha à sua frente.

Ryan olhou de relance para as mãos enormes de Link antes de ele se retirar. Com cuidado, pegou o garfo.

— Ele é bem calado.

Pierce sorriu e encheu a taça dela com um vinho doura­do claro.

— Link só fala quando tem algo a dizer. Diga-me uma coisa, Srta. Swan, gosta de viver em Los Angeles?

Ryan olhou para ele. Os olhos dele estavam amistosos agora, nem intensos nem intrusos como antes. Ela se per­mitiu relaxar.

— Acho que sim. É conveniente para o meu trabalho.

— Cheio de gente? — Pierce cortou a ave.

— Sim, claro, mas estou acostumada.

— Sempre viveu em Los Angeles?

— Com exceção de quando estava na escola.

Pierce notou a suave mudança de tom, o mais leve sinal de ressentimento que ninguém mais teria percebido. Ele continuou a comer.

— Onde estudou?

— Na Suíça.

— Belo país. — Ele pegou o vinho. E ela não se importou de ser despachada, ele pensou. — Depois começou a trabalhar para a Swan Produções?

Com as sobrancelhas franzidas, Ryan ficou olhando o fogo.

— Quando meu pai percebeu que eu era determinada, ele concordou.

— E é uma mulher determinada — Pierce comentou.

— Sou — ela admitiu. — No primeiro ano, eu cuidava dos documentos, pegava café e ficava longe dos artistas. —As so­brancelhas se descontraíram. Um leve humor iluminou seus olhos. — Um dia alguns documentos apareceram na minha mesa, bem por acaso. Meu pai estava tentando contratar Mildred Chase para uma minissérie. Ela não estava cooperando. Fiz umas pesquisas e fui vê-la. — Rindo com a lembrança, ela lançou um sorriso para Pierce. — Essa foi uma experiência e tanto. Ela mora num local maravilhoso nas montanhas: seguranças, dezenas de cachorros. Faz muito o estilo da "velha Hollywood". Acho que me recebeu por curiosidade.

— O que achou dela? — perguntou ele, principalmente para que ela continuasse falando, continuasse sorrindo.

— Eu a achei maravilhosa. Uma verdadeira grande dame. Se meus joelhos não estivessem tremendo, tenho certeza que teria feito uma reverência. — E uma luz de triunfo co­briu seu rosto. — E quando fui embora, duas horas depois, sua assinatura estava no contrato.

— Como seu pai reagiu?

— Ele ficou furioso. — Ryan pegou o vinho. O fogo lançou um jogo de sombra e luz sobre a pele dela. Ela ia pensar na conversa mais tarde e ficar assombrada com sua própria expansividade. — Ele ficou com raiva de mim por cerca de uma hora. — Ela bebeu e colocou a taça sobre a mesa. — No dia seguinte, recebi uma promoção e um novo escritório. Bennett Swan aprecia as pessoas realiza­doras.

— É realizadora, Srta. Swan? — murmurou Pierce.

— Geralmente — ela respondeu tranqüilamente. — Sou boa em lidar com detalhes.

— E as pessoas?

Ryan hesitou. Os olhos dele estavam diretos novamente.

— A maioria das pessoas.

Ele sorriu, mas seu olhar permaneceu direto.

— Como está o jantar?

— Meu... — Ryan balançou a cabeça para se desvencilhar do olhar fixo e olhou para o prato. Ela ficou surpresa de ver que tinha comido boa porção da galinha. — Está muito bom. Seu...

Ela olhou de novo para ele, sem saber ao certo como chamar Link. Servente? Escravo?

— Amigo — Pierce interrompeu suavemente e deu um gole no vinho.

Ryan lutou com a sensação desconfortável de que ele enxergara dentro do seu cérebro.

— Seu amigo é um cozinheiro maravilhoso.

— As aparências freqüentemente enganam — Pierce sa­lientou, achando graça. — Nós dois exercemos profissões que mostram à platéia algo que não é real. A Swan Produ­ções lida com ilusões. E eu também. — Ele esticou o braço na sua direção, e Ryan recostou-se rapidamente. Na mão dele havia uma rosa vermelha de caule comprido.

— Oh! — Surpresa e satisfeita, Ryan pegou-a. Seu aroma era forte e doce. — Suponho que seja o tipo de coisa que se deve esperar quando se janta com um mágico — comentou ela, e sorriu para ele por cima da flor.

— Mulheres bonitas e flores andam juntas. — A cautela que surgiu nos olhos dela o intrigou. Uma mulher muito cautelosa, ele pensou novamente. Ele gostava de cautela, respeitava-a. Também gostava de ver as pessoas reagindo. — É uma mulher bonita, Ryan Swan.

— Obrigada.

Sua resposta foi quase recatada e fez a boca dele se con­trair.

— Mais vinho?

— Não, não, obrigada. Estou satisfeita. — Mas sua pul­sação estava um pouco acelerada. Colocou a rosa ao lado do prato e voltou à refeição. — Raramente estive tão longe assim da Costa — disse ela, em tom de conversa. — Mora aqui há bastante tempo, Sr. Atkins?

— Alguns anos. — Ele girou o vinho na taça, mas ela notou que ele tinha bebido muito pouco. — Não gosto de multidões — ele disse.

— Exceto numa apresentação — disse ela com um sor­riso.

— Naturalmente.

Ocorreu a Ryan, quando Pierce se levantou e sugeriu que fossem para a sala de estar, que eles não tinham falado sobre o contrato. Ela ia ter que levá-lo de volta ao assunto.

— Sr. Atkins... — ela começou a falar enquanto eles en­travam. — Oh! Que sala bonita!

Era como voltar ao século XVIII. Mas não havia teias de aranha nem sinais de idade. A mobília brilhava, e as flores eram frescas. Um pequeno piano de armário repousava num canto, com a partitura aberta. Havia pequenas estatuetas de vidro soprado sobre o console da lareira. Uma coleção de animais, ela notou ao observar de perto — unicórnios, cava­los alados, centauros, um cão de caça com três cabeças. Não havia animais convencionais na coleção de Pierce Atkins. O fogo na lareira estava brando, o abajur sobre uma mesa, com as extremidades elevadas e talhadas, era, certamente, da marca Tiffany. Era uma sala que Ryan esperava encon­trar numa aconchegante casa de campo inglesa.

— Fico feliz que esteja gostando — disse Pierce, de pé ao lado dela. — Parecia surpresa.

— Estava. O lado de fora parece uma propriedade de um filme de terror de 1945, mas... — Ryan se conteve, horrori­zada. — Ai, me desculpe, não quis dizer...

Mas ele estava sorrindo, obviamente deleitando-se com sua observação.

— Foi usada exatamente para isso mais de uma vez. Foi por isso que a comprei.

Ryan relaxou novamente enquanto vagava pela sala.

— Ocorreu-me que pudesse tê-la escolhido pelo ambiente. Pierce levantou uma das sobrancelhas.

— Tenho uma certa... afeição pelas coisas que aparentam ser verdadeiras para as outras pessoas. — Ele foi até uma mesa onde as xícaras já estavam dispostas. — Infelizmente não posso lhe oferecer café. Não uso cafeína. O chá é de ervas, e é muito bom.

Ele já estava servindo quando Ryan caminhou até o piano.

— Chá está bem — disse ela distraidamente. Não era partitura impressa que havia sobre o piano, ela observou, mas sim folhas soltas. Automaticamente, ela começou a es­colher as notas manuscritas. A melodia era extremamen­te romântica. — Isso é bonito. — Ryan virou-se para ele. — Muito bonito. Não sabia que compunha música.

— Não componho. — Pierce largou o bule de chá. — Link compõe. — Ele observou os olhos de Ryan se arrega­larem de assombro. — Aparências, Srta. Swan?

Ela olhou para as mãos.

— O senhor me deixa bastante envergonhada.

— Não tinha intenção de fazer isso. — Ele caminhou até ela e pegou sua mão novamente. — A maioria de nós sente atração pela beleza.

— O senhor não?

— Acho a beleza superficial atraente, Srta. Swan. — De forma rápida e meticulosa, ele observou o seu rosto. — De­pois, procuro algo mais.

Algo no contato fez com que ela se sentisse estranha. A voz dela não foi tão forte quanto deveria ter sido.

— E se não encontrar?

— Então, a descarto — disse ele, de modo simples. — Venha, seu chá vai esfriar.

— Sr. Atkins. — Ryan permitiu que ele a conduzisse até uma cadeira. — Não quero ofendê-lo. Não posso me dar ao luxo de ofendê-lo, mas... — Ela soltou um suspiro de frus­tração quando se sentou. — Acho que é um homem muito estranho.

Ele sorriu. Ela achou seu sorriso atraente, a maneira como seus olhos sorriram um milésimo de segundo antes de sua boca.

— Eu ficaria ofendido, Srta. Swan, se não pensasse as­sim. Não tenho desejo de ser comum.

Ele estava começando a fasciná-la. Ryan sempre tinha tido o cuidado de manter sua objetividade profissional ao lidar com os artistas. Era importante não ficar embevecida. Se ficasse embevecida, se veria adicionando cláusulas con­tratuais e fazendo promessas apressadas.

— Sr. Atkins, sobre a nossa proposta.

— Pensei bastante nela. — O estrondo de um trovão balançou as janelas. Ryan levantou os olhos quando ele le­vantou a taça. — As estradas estarão traiçoeiras esta noite. — Os olhos dele olharam novamente para os de Ryan. As mãos dela tinham se fechado com a explosão. — As tem­pestades a perturbam, Srta. Swan?

— Não, de modo algum. — Com cuidado, ela relaxou os dedos. — Mas sou grata por sua hospitalidade. Não gosto de dirigir em mau tempo. — Ela levantou a taça e tentou ignorar os raios. — Se tiver qualquer pergunta sobre os ter­mos, ficaria feliz em repassá-los com o senhor.

— Acho que está suficientemente claro. — Ele bebericou seu chá. — Meu agente está ansioso para que eu aceite o contrato.

— É?

Ryan teve que lutar para esconder o triunfo na voz. Se­ria um erro forçar a barra tão cedo.

— Nunca me comprometo com nada até ter certeza de que me convém. Amanhã lhe direi o que decidi.

Ela assentiu com a cabeça, aceitando. Ele não estava jo­gando, e ela sentia que nenhum agente, nem ninguém, o influenciaria além de certo ponto. Ele era dono do próprio nariz, completamente.

— Joga xadrez, Srta. Swan?

— O quê? — Distraída, ela levantou os olhos novamen­te. — O que disse?

— Joga xadrez? — ele repetiu.

— Bem, sim, jogo.

— Achei que sim. Sabe quando se mover e quando espe­rar. Gostaria de jogar?

— Sim — concordou ela sem hesitação. — Gostaria. Ele se levantou, ofereceu-lhe a mão e levou-a até uma

mesa perto das janelas. Do lado de fora, a chuva se atirava contra o vidro. Mas quando viu o tabuleiro de xadrez já preparado, ela esqueceu a tempestade.

— São primorosos! — Ryan levantou o rei branco. Era grande e esculpido em mármore. — Arthur — disse ela, e pegou a rainha. — E Guinevère. — Ela examinou as outras peças. — Lancelot, o cavaleiro; Merlin, o bispo; e, é claro, Camelot. — Ela virou a torre na mão. — Nunca vi nada assim.

— Fique com as brancas — ele ofereceu, sentando-se atrás das pretas. — Joga para ganhar, Srta. Swan?

Ela pegou a cadeira em frente a ele.

— Jogo. Todo mundo não joga?

Ele lançou-lhe um longo olhar insondável.

— Não. Alguns jogam apenas para competir.

Após 10 minutos, Ryan não ouviu mais a chuva nas ja­nelas. Pierce era um jogador astuto e calado. Ela se pegou observando suas mãos enquanto elas deslocavam as peças sobre o tabuleiro. Eram longas e estreitas, com dedos ágeis. Ele usava um anel de ouro no dedo mínimo com um sím­bolo gravado que ela não reconheceu. Ryan tinha ouvido dizer que aqueles dedos podiam abrir qualquer cadeado, desatar qualquer nó. Observando-os, ela pensou que eles eram mais adequados para afinar violino. Quando levantou os olhos rapidamente, ela o pegou observando-a com seu sorriso divertido e de quem sabe das coisas. Ela canalizou sua concentração para sua estratégia.

Ryan atacava, ele defendia. Ele avançava, ela contra-ata­cava. Pierce estava satisfeito de ter um parceiro à altura. Ela era uma jogadora cautelosa, dada a impulsos ocasio­nais. Ele sentia que sua maneira de jogar refletia quem ela era. Ela não seria facilmente enganada nem derrotada. Ele admirava tanto o pensamento rápido quanto a força que sentia nela. Tornava sua beleza mais atraente ainda.

As mãos dela eram macias. Quando ele capturou seu bispo, ele imaginou de modo despropositado se sua boca também seria macia, quando ele descobriria. Ele já tinha decidido que descobriria; agora era uma questão de tempo. Pierce compreendia a inestimável importância do senso de oportunidade.

— Xeque-mate — disse ele baixinho e ouviu a respiração entrecortada de surpresa de Ryan.

Ela examinou o tabuleiro por um momento e depois sor­riu para ele.

— Droga, não vi isso. Tem certeza de que não tem algu­mas peças extras enfiadas na manga?

— Nada na manga — disse Merlin rindo do outro lado da sala. Ryan lançou-lhe um olhar rápido e se perguntou quando ele tinha se juntado a eles.

— Não uso mágica quando a habilidade basta — dis­se-lhe Pierce, ignorando seu animal de estimação. — Joga bem, Srta. Swan.

— Joga melhor, Sr. Atkins.

— Desta vez — ele concordou. — Desperta meu inte­resse.

— Oh! — Ela olhou diretamente para ele. — Como?

— De várias maneiras. — Ele recostou-se e correu o dedo pela rainha preta. — Joga para ganhar, mas leva na esporti­va quando perde. Isso é sempre verdade?

— Não. — Ela riu, mas levantou-se da mesa. Ele a estava deixando nervosa novamente. — Leva na esportiva quando perde, Sr. Atkins?

— Não perco com freqüência.

Quando ela olhou para trás, ele estava parado perto de outra mesa, mexendo num baralho de cartas. Ryan não o tinha visto se mexer. Isso a deixou desconfortável.

— Conhece as cartas do tarô?

— Não. Quer dizer — corrigiu ela —, sei que são utiliza­das para prever o futuro ou algo do tipo, não são?

— Algo do tipo. — Ele deu um pequeno sorriso e em­baralhou as cartas suavemente. — Coisa sem sentido, Srta. Swan. Um instrumento para atrair a atenção de alguém e acrescentar mistério ao pensamento rápido e à observação. A maioria das pessoas prefere ser enganada. As explicações deixam as pessoas desapontadas. Até mesmo a maior parte dos realistas.

— Não acredita nessas cartas. — Ryan caminhou para junto dele. — Sabe que não pode prever o futuro com pa­pelão e cores bonitas.

— Uma ferramenta, uma diversão. — Pierce levantou os ombros. — Um jogo, se quiser. Os jogos me fazem relaxar.

Pierce embaralhou as cartas grandes num gesto rápido e eficaz e espalhou-as sobre a mesa.

— Faz isso muito bem — murmurou Ryan. Os nervos dela estavam tensos novamente, mas ela não sabia por quê.

— Uma habilidade básica — disse ele tranqüilamente.

— Poderia lhe ensinar bem rápido. Tem mãos competentes.

— Ele levantou uma, mas foi seu rosto que ele examinou, não sua palma. — Quer que eu escolha uma carta?

Ryan retirou a mão. Sua pulsação estava começando a ficar acelerada.

— É o seu jogo.

Com a ponta do dedo, Pierce retirou uma carta e colo­cou-a virada para cima. Era o Mago.

— Confiança, criatividade — murmurou Pierce.

— É a sua carta? — perguntou Ryan de brincadeira, a fim de esconder a tensão crescente.

— Assim poderia parecer. — Pierce colocou o dedo em outra carta e retirou-a. A Sacerdotisa. — Serenidade — dis­se ele baixinho. — Força. É a sua carta?

Ryan deu de ombros.

— É bastante simples para você tirar qualquer carta que quiser depois de ter empilhado o baralho.

Pierce sorriu, sem se sentir ofendido.

— O cínico deveria escolher a próxima para ver onde terminarão essas duas pessoas. Escolha uma carta, Srta. Swan — disse ele. — Qualquer carta.

Aborrecida, Ryan puxou uma e colocou-a virada para cima sobre a mesa. Após um suspiro estrangulado, ela ficou olhando para a carta em absoluto silêncio. Os Amantes. Seu coração martelou de leve na garganta.

— Fascinante — murmurou Pierce. Ele não estava sor­rindo agora, mas examinou a carta como se nunca a tivesse visto antes.

Ryan deu um passo para trás.

— Não gosto do seu jogo, Sr. Atkins.

— Hummm? — Ele levantou os olhos distraidamente e concentrou-se nela. — Não? Bem, então... — Ele juntou as cartas de modo negligente e empilhou-as. — Vou levá-la ao seu quarto.

 

Pierce havia ficado tão surpreso com a carta quanto Ryan. Mas ele sabia que a realidade freqüentemente era mais estranha que qualquer ilusão que ele pudesse criar. Ele tinha trabalho a fazer, muitos planos finais para seu compromisso em Las Vegas dentro de duas semanas. No entanto, enquanto estava sentado em seu quarto, ele pen­sava em Ryan, não no trabalho.

Havia algo nela quando ria, algo brilhante e vital. Agra­dava-lhe, da mesma maneira que sua voz mansa e prática o atraíra quando ela falou de contratos e cláusulas.

Ele já conhecia o contrato de trás para a frente. Não era o tipo de homem de deixar de lado a parte comercial da profissão. Pierce não assinava o nome em nada a não ser que compreendesse todas as nuances. Se o público o via como misterioso, espalhafatoso e estranho, isso era muito bom. A imagem era metade ilusão e metade realidade. Era assim que ele preferia. Tinha passado a segunda metade da vida organizando as coisas da maneira que as preferia.

Ryan Swan. Pierce tirou a camisa e jogou-a para o lado. Ele não tinha certeza quanto a ela ainda. Pretendia assinar os contratos até vê-la descer a escada. O instinto o fez he­sitar. Pierce confiava bastante em seus instintos. Agora ele precisava pensar um pouco.

As cartas não o influenciaram. Ele poderia fazer as car­tas se levantarem e dançarem se fosse o que ele queria. Mas a coincidência o deixou alerta. Foi estranho que Ryan virasse a carta simbolizando os amantes quando ele estava pensando qual seria a sensação de tê-la nos braços.

Ele riu, sentou-se e começou a rabiscar num bloco de papel. Os planos que estava fazendo para uma nova fuga teriam de ser rasgados ou revisados, mas pensar na fuga o fez relaxar, tal como quando pensava em Ryan.

Poderia ser prudente assinar os documentos de manhã e mandá-la embora. Ele não gostava de ter uma mulher in­terferindo em seus pensamentos. Mas Pierce nem sempre fazia o que era prudente. Se fizesse, ainda estaria se apre­sentando em clubes, tirando coelhos da cartola e lenços co­loridos do bolso em vários lugares. Agora ele transformava uma mulher em pantera e passava por um muro de tijolos.

Poof!, ele pensou. Mágica instantânea. E ninguém se lembrava dos anos de frustração, luta e fracasso. Isso tam­bém era exatamente como ele queria. Havia pouquíssimas pessoas que sabiam sua origem ou quem ele tinha sido an­tes dos 25 anos.

Pierce largou o lápis. Ryan Swan o estava deixando des­confortável. Ele desceria e trabalharia até que sua mente desanuviasse. Foi quando ele ouviu o grito dela.

 

Ryan se despiu de forma negligente. A irritação sempre a deixava negligente. Truques de salão, ela pensou furiosa e abaixou o zíper da saia. Já deveria estar acostumada com essas orquestrações. Lembrou-se de um encontro com um conhecido comediante no mês anterior. Ele tinha tentado um número de 20 minutos com ela antes de se sentar para discutir os planos de aparecer como convidado numa apre­sentação da Swan Produções. Toda a coisa com as cartas de taro havia sido apenas uma exibição com o intuito de im­pressioná-la, ela concluiu, e tirou os sapatos. Apenas mais um egocentrismo de um artista inseguro.

Ryan franziu as sobrancelhas enquanto desabotoava a blusa. Não conseguia concordar com suas próprias conclu­sões. Pierce Atkins não lhe parecia um homem inseguro — nem no palco, nem fora dele. E ela teria jurado que ele tinha ficado tão surpreso quanto ela quando ela virou a carta. Ryan tirou a blusa e jogou-a sobre uma cadeira. Bem, ele era um ator, ela lembrou-se. O que mais era um mágico que um ator hábil, com mãos hábeis?

Ela lembrou-se da aparência de suas mãos nas peças de xadrez de mármore preto, mãos magras e graciosas. Li­vrou-se da lembrança. Amanhã, ela colocaria o nome dele naquele contrato e partiria. Ele a deixara desconfortável; mesmo antes do pequeno número com as cartas, ele a deixara desconfortável. Aqueles olhos, Ryan pensou e tremeu. Existe algo naqueles olhos.

A personalidade dele era, simplesmente, muito forte, concluiu. Ele era magnético e, de fato, muito atraente. Ti­nha cultivado isso, tal como, sem dúvida, cultivara o ar misterioso e o sorriso enigmático.

Um raio seguido de trovoada assustou Ryan, e ela deu um pulo. Não tinha sido completamente honesta com Pierce: as tempestades arrasavam com seus nervos. Intelectualmente, ela podia ignorar, mas os raios e os trovões sempre provo­cavam um aperto em seu estômago. Ela odiava a fraqueza, uma fraqueza basicamente feminina. Pierce estava certo: Bennett Swan queria um filho. Ryan tinha passado a vida se esforçando para compensar o fato de ter nascido mulher.

Vá dormir, disse a si mesma. Vá dormir, puxe as cobertas por cima da cabeça e feche os olhos. Propositalmente, ela foi puxar as cortinas. Lançou um olhar fixo para a janela. Algo retribuiu o olhar. Ela gritou.

Ryan cruzou o quarto como um relâmpago. Suas mãos úmidas escorregaram da maçaneta. Quando Pierce abriu a porta, caiu nos seus braços e ele a agarrou firme.

— Ryan, o que está acontecendo?

Ele a teria afastado, mas os braços em volta de seu pes­coço estavam apertados. Ela era muito pequena sem os sa­patos de saltos. Ele podia sentir a forma do corpo dela uma vez que ela comprimiu-se desesperadamente contra o cor­po dele. Por causa da preocupação e da curiosidade, Pierce vivenciou uma rápida e poderosa onda de desejo. Incomo­dado, ele a afastou firme e segurou seus braços.

— O que é? — perguntou.

— A janela — ela conseguiu dizer, e teria voltado aos seus braços se ele não a tivesse mantido afastada. — Na janela perto da cama.

Ele colocou-a de lado e caminhou até a janela. Ryan le­vou as mãos à boca e recuou até a porta, fechando-a com força.

Ela ouviu o palavrão baixo que Pierce soltou quando levantou o vidro e olhou para fora. Pegou um gato preto muito grande e encharcado. Dando um gemido, Ryan cho­cou-se ruidosamente com a porta.

— Ai, meu Deus, qual será a próxima? — ela se pergun­tou em voz alta.

— Circe. — Pierce colocou a gata no chão. Ela se balan­çou uma vez e pulou para cima da cama. — Não percebi que ela estava lá fora com esse tempo. — Ele virou-se para olhar para Ryan. Se ele tivesse rido dela, ela nunca o te­ria perdoado. Mas havia um pedido de desculpas em seus olhos, não um ar de diversão. — Desculpe. Ela deve ter assustado bastante. Quer que pegue um conhaque?

— Não. — Ryan deu um longo suspiro. — Conhaque não cura um extremo constrangimento.

— Estar apavorada não é razão para se sentir constran­gida.

As pernas dela ainda estavam tremendo, então permane­ceu apoiada na porta.

— Poderia me avisar se tiver mais animais de estima­ção? — Fazendo um esforço, ela conseguiu dar um sorriso. — Assim, se eu acordar com um lobo na cama comigo, pos­so dar de ombros e voltar a dormir.

Ele não respondeu. Enquanto ela observava, os olhos dele desceram lentamente pelo seu corpo. Ryan tomou consciência de que estava usando apenas uma fina camisola de seda. Ficou ereta junto à porta. Mas quando os olhos dele retornaram aos dela, ela não conseguiu se mover, não conseguiu falar. Sua respiração tinha começado a ficar difí­cil antes de ele dar o primeiro passo na sua direção.

Diga-lhe para ir embora!, sua mente gritou, mas seus lá­bios se recusaram a formar as palavras. Ela não conseguiu afastar os olhos dos dele. Quando ele parou à sua frente, a cabeça dela inclinou-se para trás de modo que o olhar per­sistisse. Ela podia sentir a pulsação martelar nos pulsos, na garganta, nos seios. Todo o seu corpo vibrava com ela.

Eu o quero. Saber disso a deixou atordoada. Nunca desejei um homem como o desejo. A respiração dela estava audível agora. A dele estava calma e constante. Lenta. Pierce levou o dedo até seu ombro e puxou a alça para o lado. Ela caiu frouxa em seu braço. Ryan não se moveu. Ele a observou intensamente quando puxou a segunda alça. O corpete de sua camisola tremulou até as pontas de seus seios e ficou preso de forma tênue. Um movimento descuidado da mão dele o faria cair até os pés. Ela permanecia transfixada.

Pierce levantou as mãos, tirando o cabelo dela do ros­to. Deixou que suas mãos mergulhassem fundo nele. Ele aproximou-se mais e hesitou. Os lábios trêmulos de Ryan se abriram. Ele viu os olhos dela fecharem-se antes de sua boca tocar a dela.

Os lábios dele eram firmes e gentis. A princípio, mal to­caram os dela, apenas saborearam. Então, ele permaneceu por um momento, mantendo o beijo suave. Uma promessa ou uma ameaça; Ryan não tinha certeza. As pernas dela estavam prestes a se curvarem. Em sinal de defesa, ela en­roscou as mãos nos braços dele. Havia músculos, músculos duros e firmes, em que ela não pensaria até muito depois. Agora ela pensava apenas em sua boca. Ele mal a estava beijando, mas o choque do impacto a deixou sem fôlego.

Gradual e ardentemente ele aprofundou o beijo. Os de­dos de Ryan apertaram desesperadamente os braços dele. A boca dele roçou sobre a dela e depois voltou, com mais pressão. Sua língua passou como uma pena sobre a dela.

Ele apenas tocou seu cabelo, embora o corpo dela o sedu­zisse. Ele retirou cada grama de prazer apenas com a boca.

Ele sabia o que era ter fome — de comida, de amor, de uma mulher —, mas não experimentava esse doloroso e descontrolado desejo havia muitos anos. Queria o sabor dela, apenas o sabor dela. Era, ao mesmo tempo, doce e pungente. Quando a puxou para si, ele soube que chegaria um momento em que desejaria mais. Mas, por enquanto, seus lábios bastavam.

Quando descobriu que tinha alcançado a fronteira en­tre afastar-se e tomá-la, Pierce levantou a cabeça. Esperou Ryan abrir os olhos.

Os olhos verdes dela estavam escurecidos, enevoados. Ele viu que ela estava tão atordoada quanto excitada. Sabia que podia tomá-la ali, exatamente onde estavam. Ele tinha apenas que beijá-la novamente, apenas colocar de lado o pequeno tecido de seda que ela usava. Mas ele não fez ne­nhuma das duas coisas. Os dedos de Ryan se afrouxaram, e suas mãos largaram os braços dele. Sem dizer nada, Pierce deu a volta e abriu a porta. A gata pulou da cama para pas­sar pela porta aberta antes que Pierce a fechasse.

 

Pela manhã o único sinal da tempestade era o pingar constante de gotas da sacada da janela do quarto de Ryan. Ela se vestiu com cuidado. Era importante que es­tivesse em perfeito equilíbrio quando descesse. Teria sido mais fácil se ela pudesse ter se convencido de que estava sonhando — que Pierce não havia ido ao seu quarto, que ele não lhe dera aquele beijo estranho e extenuante. Mas não tinha sido sonho!

Ryan era realista demais para fingir o contrário ou arran­jar desculpas. Grande parte do que havia acontecido fora culpa sua, ela admitiu, ao dobrar o traje usado na noite anterior. Tinha agido como uma tola, gritando porque um gato tentara entrar no quarto por causa da chuva. Havia se lançado nos braços de Pierce com os nervos quase em frangalhos. E, por fim, e o mais perturbador, não demonstrou nenhuma objeção. Ryan foi forçada a admitir que Pierce tinha lhe dado bastante tempo para se opor. Mas ela não fez nada, não lutou, não mostrou indignação.

Talvez ele a tivesse hipnotizado, pensou assustada en­quanto escovava o cabelo. O jeito que ele olhou para ela, o modo como seus pensamentos fugiram... Com um tom de frustração, Ryan jogou a escova dentro da mala. Não se pode ser hipnotizado com um olhar.

Se quisesse lidar com o assunto, tinha, primeiro, que ad­mitir: desejara que ele a beijasse. E quando ele o fez, os sen­tidos dela a dominaram. Ryan fechou os cadeados da mala e depois a colocou ao lado da porta. Podia ter ido para a cama com ele. Era fato, não havia com negar. Se ele tivesse ficado, ela teria feito amor com ele — um homem que ela tinha conhecido havia poucas horas.

Ryan respirou fundou e demorou um instante antes de abrir a porta. Era uma verdade difícil de encarar para uma mulher que se orgulhava de agir com bom senso e praticidade. Fora obter a assinatura de Pierce num contrato, não dormir com ele.

Você ainda não fez nenhum dos dois, lembrou-se, fazendo uma careta. E era de manhã. Hora de se concentrar no pri­meiro e esquecer o segundo. Ryan abriu a porta e desceu.

A casa estava em silêncio. Depois de dar uma olhada na sala de estar e encontrá-la vazia, prosseguiu pelo corre­dor. Embora sua mente estivesse determinada a encontrar Pierce e fechar o negócio, que era seu objetivo, uma porta aberta à sua direita seduziu-a a parar. O primeiro olhar ti­rou dela um som de prazer.

Havia paredes — literalmente paredes — de livros. Ryan nunca tinha visto tantos em uma coleção particular, nem mesmo a de seu pai. De alguma forma, ela sabia que os li­vros eram mais que investimento, eram lidos. Pierce conhe­cia cada um deles. Ela entrou no recinto para dar uma olha­da mais de perto. Havia um aroma de couro e de velas.

As memórias de Robert-Houdin, de Houdini; Fronteiras do desconhecido, de Arthur Conan Doyle; Les Illusionistes et Leurs Secrets. Ryan esperava esses e dezenas de outros livros sobre mágica e mágicos. Mas também havia T.H. White, Shakespeare, Chaucer, os poemas de Byron e Shelley. Espalhadas entre eles estavam obras de Fitzgerald, Mailer e Bradbury. Nem todos tinham capa de couro ou eram antigos e valio­sos. Ryan pensou em seu pai, que conhecia o valor de cada um de seus livros até o último dólar e que havia lido não mais de uma dúzia de sua coleção.

Ele tem um gosto muito eclético, ela refletiu enquanto vagava pelo cômodo. Sobre o console da lareira estavam gravuras talhadas e pintadas que ela reconheceu como ha­bitantes da Terra Média, de O senhor dos anéis de Tolkien. Havia uma escultura de metal muito moderna sobre a es­crivaninha.

Quem é este homem?, Ryan se perguntou. Quem é ele real­mente? Lírico, excêntrico, com nuances de um firme realista por dentro. Incomodava-lhe perceber o quanto ela queria desco­brir o homem por inteiro.

— Srta. Swan?

Ryan se virou e viu a figura de Link no vão da porta.

— Ah, bom dia. — Ela não tinha certeza se a expressão dele era desaprovadora ou se era simplesmente sua impres­são a respeito do lamentável rosto dele. — Desculpe — ela acrescentou. — Eu não deveria ter entrado aqui?

Link encolheu os grandes ombros.

— Ele o teria trancado se quisesse que não entrasse.

— Sim, claro — murmurou Ryan, sem saber se deveria se sentir insultada ou rir.

— Pierce disse que pode esperar por ele lá embaixo de­pois de tomar o café-da-manhã.

— Ele saiu?

— Foi correr — disse Link de forma sucinta. — Ele corre oito quilômetros todo dia.

— Oito quilômetros?

Mas Link já estava se retirando. Ela atravessou o cômo­do às pressas para alcançá-lo.

— Vou preparar seu café-da-manhã — ele lhe disse.

— Apenas café... chá — ela corrigiu ao se lembrar. Ela não sabia como chamá-lo mas percebeu que logo estaria ofegante demais por tentar acompanhá-lo para chamá-lo de qualquer coisa. — Link. — Ryan tocou seu braço, e ele parou. — Vi seu trabalho no piano ontem à noite. — Ele estava olhando firme para ela, sem qualquer mudança de expressão. — Espero que não se importe. — Ele deu de om­bros novamente. Ryan concluiu que ele usava o gesto fre­qüentemente em vez das palavras. — É uma linda melodia — ela continuou. — Realmente maravilhosa.

Para seu espanto, ele corou. Ryan não pensou que fosse possível um homem do seu tamanho ficar sem graça.

— Não está concluído — ele murmurou, com seu rosto enorme e feio ficando mais rosado.

Ryan sorriu para ele, comovida.

— O que está concluído está bonito. Você tem um talen­to maravilhoso.

Ele arrastou os pés, murmurou alguma coisa sobre pegar o chá e saiu com passos pesados. Ryan sorriu de sua retira­da antes de caminhar para a sala de jantar.

Link trouxe torradas, resmungando sobre ela ter que comer alguma coisa. Ryan comeu tudo obedientemente, pensando no comentário de Pierce sobre aparências. Se nada mais adviesse de sua estranha visita, ela havia apren­dido algo. Ryan não acreditava que algum dia teria deci­sões precipitadas novamente sobre alguém com base na aparência.

Embora ela tivesse demorado a comer de propósito, não houve sinal de Pierce quando terminou. A relutância em enfrentar o andar inferior novamente fez com que bebesse o chá frio e esperasse. Por fim, com um suspiro, ela se le­vantou, pegou a maleta e desceu a escada.

Alguém tinha acendido as luzes, e Ryan ficou grata por isso. A sala não estava plenamente iluminada; era grande demais para que a luz alcançasse todos os cantos. Mas a sensação de apreensão que Ryan tinha vivenciado no dia anterior não se materializou. Dessa vez ela sabia o que es­perar.

Avistou Merlin em sua gaiola e caminhou até ele. A por­ta da gaiola estava aberta, então, cautelosamente, deu um passo para o lado enquanto o examinava. Não queria in­centivá-lo a empoleirar-se no seu ombro de novo, principal­mente porque Pierce não estava lá para afastá-lo.

— Bom dia — disse ela, curiosa para saber se ele conver­saria com ela quando estivesse sozinha.

Merlin observou-a por um momento.

— Posso lhe pagar uma bebida, querida?

Ryan riu e concluiu que o treinador de Merlin tinha um estranho senso de humor.

— Não caio nesse papo — ela lhe disse e curvou-se até que estivessem frente a frente. — O que mais você sabe dizer? — ela se perguntou, em alto som. — Aposto que ele ensinou bastante coisa. Ele teria paciência para isso. — Ela sorriu, achando graça do fato de que a ave parecia estar ouvindo sua conversa com atenção. — Você é um pássaro esperto, Merlin? — perguntou ela.

— Ai de mim, pobre Yorick! — disse ele obsequioso.

— Meu Deus, ele cita Hamlet. — Ryan balançou a cabe­ça e virou-se em direção ao palco. Havia dois grandes baús, um cesto de palha e uma mesa comprida na altura da cintura. Curiosa, Ryan largou a maleta e subiu a escada. Sobre a mesa havia um baralho de cartas, um par de cilindros vazios, garrafas, taças de vinho e um par de algemas.

Ryan pegou as cartas e perguntou-se de modo fugaz como ele as marcava. Não conseguiu ver nada, mesmo quando as segurou contra a luz. Colocou-as de lado e examinou as algemas. Elas pareciam ser assunto de polícia. Frias, de aço, insensíveis. Vasculhou a mesa em busca de uma chave e não achou nada.

Ryan tinha feito uma pesquisa detalhada sobre Pierce. Sabia que não havia um cadeado que pudesse detê-lo. Ele teve as mãos e os pés acorrentados e foi colocado em uma mala-armário com três cadeados. Em menos de três minu­tos ele tinha saído, livre de quaisquer grilhões. Impressio­nante, ela admitiu, ainda examinando as algemas. Onde estava o truque?

— Srta. Swan.

Ryan largou as algemas fazendo um grande barulho quando se virou. Pierce estava parado bem atrás dela. Mas ele não podia ter descido a escada, ela pensou. Ela teria ouvido, ou certamente visto. Obviamente, havia outra en­trada para a sala de trabalho. E há quanto tempo, ela se perguntou, ele estava parado observando? Ele estava fazen­do exatamente isso agora enquanto a gata se enroscava em seus tornozelos.

— Sr. Atkins — ela conseguiu dizer num tom de voz bastante tranqüilo.

— Espero que tenha dormido bem. — Ele caminhou até a mesa para ficar perto dela. — A tempestade não a man­teve acordada?

— Não.

Para um homem que tinha acabado de correr oito qui­lômetros, ele parecia estar notavelmente revigorado. Ryan lembrou-se dos músculos de seus braços. Havia força neles e é claro, vigor. Os olhos dele estavam fixos nos dela, quase avaliando. Não havia sinal da paixão refreada que ela sen­tira nele na noite anterior.

De repente, Pierce sorriu para ela e fez um gesto com a

mão.

— O que vê aqui?

Ryan olhou para a mesa de novo.

— Algumas de suas ferramentas.

— Ah, Srta. Swan, seus pés estão sempre no chão.

— Gosto de pensar que sim — respondeu ela, aborreci­da. — O que eu deveria ver?

Ele parecia satisfeito com a resposta dela e serviu uma pequena quantidade de vinho numa taça.

— A imaginação, Srta. Swan, é um dom incrível. Con­corda?

— Até certo ponto.

— Ele riu um pouco e lhe mostrou os cilindros vazios.

— Pode haver restrições sobre a imaginação? — Ele co­locou um cilindro dentro do outro. — Não acha as pos­sibilidades do poder da mente sobre as leis da natureza interessantes?

Pierce colocou os cilindros acima da garrafa de vinho, observando-a. Ryan estava franzindo as sobrancelhas para suas mãos agora.

— Como teoria — respondeu ela.

— Mas teoria apenas. — Pierce retirou um cilindro e colocou-o sobre a taça de vinho. Levantou o primeiro cilin­dro e lhe mostrou que a garrafa permanecia embaixo dele. — Não na prática.

— Não. — Ryan continuou olhando as mãos dele. Ele mal poderia sacar qualquer coisa bem debaixo de seu nariz.

— Onde está a taça, Srta. Swan?

— Está aí.

Ela apontou para o segundo cilindro.

— É? — Pierce levantou o tubo. A garrafa permaneceu embaixo dele. Com ar de frustração, Ryan olhou para o tubo. Pierce o levantou, revelando a taça parcialmente cheia. — Eles parecem ter achado a teoria mais viável — declarou ele, e colocou os cilindros de volta no lugar.

— Muito engenhoso — disse ela, irritada por estar a centímetros de distância e não ter visto o truque.

— Gostaria de um pouco de vinho, Srta. Swan?

— Não, eu...

Mesmo enquanto ela falava, Pierce levantou o cilindro. Ali, onde ela tinha acabado de ver a garrafa, estava a taça. Apesar de estar hipnotizada, ela riu.

— O senhor é muito bom, Sr. Atkins.

— Obrigado.

Ele disse isso de modo tão sóbrio que Ryan olhou nova­mente para ele. Os olhos dele estavam calmos e pensativos. Intrigada, ela inclinou a cabeça.

— Suponho que não vai me dizer como fez.

— Não.

— Achei que não. — Ela levantou as algemas. A mala ao pé do palco estava, por enquanto, esquecida. — Fazem parte do seu número também? Parecem reais.

— São bem reais — ele lhe disse. Ele estava sorrindo de novo, satisfeito por ela ter rido. Ele sabia que era um som que poderia ouvir com nitidez sempre que se lembras­se dela.

— Não tem chave — Ryan salientou.

— Não preciso de uma.

Ela passou as algemas de uma mão para a outra enquan­to o examinava.

— O senhor é muito seguro de si.

— Sou. — O ar de diversão na palavra fez com que ela imaginasse que rumo seus pensamentos tinham tomado. Ele esticou as mãos, colocando os pulsos próximos a ela.

— Vamos lá — disse ele. — Coloque-as.

Ryan hesitou apenas por um momento. Queria vê-lo fa­zer o truque — bem na frente dos seus olhos.

— Se não conseguir soltá-las — disse ela enquanto fe­chava as algemas —, vamos sentar e conversar sobre esses contratos. — Ela olhou para ele. Os olhos dela dançavam.

— Quando tiver assinado, poderemos mandar buscar um chaveiro.

— Acho que não precisaremos de um.

Pierce levantou as algemas, que pendiam abertas.

— Ah, mas agora... — Ela parou de falar e balançou a cabeça. — Não, foi rápido demais — ela insistiu, pegando-as dele novamente. Pierce gostou da maneira como sua ex­pressão passou de surpresa para dúvida. Era precisamente o que ele tinha esperado dela. — Mandou fazê-las. — Ela estava virando as algemas, examinando de perto. — Deve haver um botão ou algo do tipo.

— Por que não experimenta? — ele sugeriu e colocou as algemas em seus pulsos antes que ela pudesse recusar. Pier­ce esperou para ver se ela ficaria com raiva. Ela riu.

— Eu me meti nessa. — Ryan fez uma careta bem-hu­morada para ele e se concentrou nas algemas. Ela torceu os pulsos. — Certamente, parecem bem verdadeiras. — Em­bora ela tentasse diferentes ângulos, o aço permanecia fe­chado. — Se houver um botão — murmurou ela —, teria que deslocar o pulso primeiro para alcançá-lo. — Ela es­forçou-se mais uma vez e tentou escorregar as mãos pela abertura. — Tudo bem, você venceu — ela anunciou, desis­tindo. — São de verdade. — Ryan sorriu para ele. — Pode tirá-las?

— Talvez — murmurou ele, tomando seus pulsos nas mãos.

— É uma resposta de consolo — retrucou ela, mas eles dois sentiram a pulsação dela dar um salto quando o polegar dele roçou seu pulso. Ele continuou a olhar para ela até ela sentir a mesma fraqueza extenuante que tinha sentido na noite anterior. — Acho — ela começou a dizer, com a voz rouca enquanto ela lutava para torná-la clara. — Acho melhor você... — A frase parou no meio quando os dedos dele seguiram a veia em seu pulso. — Não faça isso — disse ela, sem saber ao certo o que estava tentando recusar.

Sem nada dizer, Pierce levantou as mãos dela, passando-as por cima da cabeça dele, de modo que ela ficou compri­mida ao seu corpo.

Ela não permitiria que isso acontecesse duas vezes. Des­sa vez ela protestaria.

— Não.

Ryan relutou uma vez, em vão, mas os lábios dele já es­tavam sobre os dela. Dessa vez sua boca não estava tão pa­ciente nem suas mãos tão imóveis. Pierce segurava o quadril dela enquanto sua língua forçava seus lábios a se abrirem. Ryan lutou com a impotência — a impotência que tinha mais a ver com suas próprias necessidades do que com as restrições em seus pulsos. Ele estava respondendo comple­tamente. Sob a pressão dos lábios dele, os dela estavam famintos. Os dele estavam frios e firmes enquanto os dela estavam aquecidos e amolecidos. Ela o ouviu murmurar al­guma coisa quando ele a puxou para mais perto. Feitiçaria, ela pensou meio desequilibrada. Ele a estava enfeitiçando, não havia outra explicação.

Mas foi um gemido de prazer, não de protesto, que saiu dela quando as mãos dele subiram até a parte lateral dos seios. Ele traçou lentos círculos de prazer antes de seus polegares escorregarem entre seus corpos para acariciar os mamilos. Ryan comprimiu-se mais, mordiscando o lábio infe­rior dele enquanto ansiava por mais. As mãos dele estavam nos cabelos dela, puxando sua cabeça para trás para que seus lábios tivessem controle total sobre os dela.

Talvez ele fosse feiticeiro. Sua boca era enfeitiçante. Ninguém mais a tinha feito desejar e arder apenas com um beijo.

Ryan queria tocá-lo, deixá-lo tão desesperadamente ávi­do quanto ela. Ela estava irritada com as limitações em seus pulsos e logo descobriu que suas mãos estavam livres. Seus dedos podiam acariciar o pescoço dele, tocar seus cabelos.

Depois, tão rápido quanto tinha sido capturada, ela foi solta. Pierce estava com as mãos em seus ombros, afastan­do-a.

Confusa, ainda ardendo, Ryan ficou olhando para ele.

— Por quê?

Pierce não respondeu por um momento. Distraidamente, acariciou seus ombros.

— Queria beijar a Srta. Swan. Ontem à noite beijei Ryan.

— Está sendo ridículo.

Ryan fez um movimento brusco para se afastar, mas as mãos dele tornaram-se repentinamente firmes.

— Não. A Srta. Swan usa tailleurs conservadores e se preo­cupa com contratos. Ryan usa seda e renda por baixo, e tem medo de tempestades. A combinação me fascina.

As palavras dele incomodaram-na o suficiente para tor­nar sua voz fria e aguda.

— Não estou aqui para fasciná-lo, Sr. Atkins.

— Isso ajuda a ambos, Srta. Swan.

Ele sorriu e depois beijou seus dedos. Ryan retirou a mão num movimento brusco.

— Está na hora de acertarmos nosso negócio de um jeito ou de outro.

— Tem razão, Srta. Swan. — Ela não gostou do tom de diversão nem do modo como ele enfatizou seu nome. Ryan descobriu que não se importava mais se ele assinasse os documentos que ela trouxera. Queria simplesmente liber­tar-se dele.

— Bem, então... — ela começou a dizer e curvou-se para pegar a maleta.

Pierce colocou a mão sobre a dela na alça. Os dedos dele se fecharam gentilmente.

— Estou disposto a assinar os contratos com alguns ajustes.

Ryan forçou-se a relaxar. Ajustes normalmente signifi­cavam dinheiro. Ela negociaria com ele e tudo estaria aca­bado.

— Terei prazer em discutir quaisquer alterações que pos­sa querer.

— Está bem. Vou querer que trabalhe comigo diretamen­te. Quero que cuide da parte de Swan na produção.

— Eu? — Os dedos de Ryan apertaram a alça de novo.

— Não me envolvo na parte de produção. Meu pai...

— Não vou trabalhar com seu pai, Srta. Swan, nem com qualquer outro produtor. — Sua mão ainda estava suave­mente fechada sobre a dela, com os contratos entre eles.

— Vou trabalhar com você.

— Sr. Atkins, aprecio...

— Precisarei de você em Vegas em duas semanas.

— Em Vegas? Por quê?

— Quero que assista às minhas apresentações de perto. Não há nada mais valioso para um ilusionista que um cíni­co. Vai me manter afiado. — Ele sorriu. — É muito crítica. Gosto disso.

Ryan deu um suspiro. Ela pensava que crítica aborrecia, não atraía.

— Sr. Atkins, sou uma mulher de negócios, não uma produtora.

— Disse-me que era boa em detalhes — ele lembrou-lhe de forma amável. — Se vou romper minha própria regra e me apresentar na televisão, quero alguém como você cui­dando dos detalhes. Para ser mais específico — ele conti­nuou —, quero você cuidando dos detalhes.

— Não está sendo prático, Sr. Atkins. Tenho certeza que seu agente concordaria. Há várias pessoas na Swan Pro­duções mais qualificadas para produzir seu especial. Não tenho experiência nesta parte do negócio.

— Srta. Swan, quer que eu assine os contratos?

— Sim, claro, mas...

— Então faça as alterações — disse ele simplesmente. — E esteja no Caesar's Palace em duas semanas. Tenho uma semana de apresentações. — Ele se abaixou e pegou a gata nos braços. — Estarei ansioso para trabalhar com você.

 

Quando entrou no seu escritório na Swan Produções quatro horas depois, Ryan ainda estava furiosa. Ela concluiu que ele era muito audacioso. Ela o colocaria em primeiro lugar em termos de audácia. Ele achou que a ti­nha encurralado. Ele, realmente, achava que era o único grande talento que ela poderia contratar para a Swan Pro­duções? Quanta presunção! Ryan largou a maleta em cima da mesa e afundou na cadeira. Pierce Atkins ia ter uma surpresa.

Recostando-se na cadeira, Ryan cruzou os braços e es­perou até que estivesse suficientemente calma para pen­sar. Pierce não conhecia Bennett Swan. Swan gostava de administrar tudo do seu jeito. Os conselhos poderiam ser levados em consideração, discutidos, mas ele nunca seria influenciado numa decisão importante. Para falar a ver­dade, ela refletiu, ele muito provavelmente iria na direção contrária da que fosse forçado. Não apreciava que lhe dis­sessem quem ele deveria colocar a cargo de uma produção.

Principalmente, pensou Ryan pesarosa, quando essa pessoa era sua filha.

Haveria uma explosão quando ela contasse a seu pai so­bre as condições de Pierce. Seu único arrependimento era que o mágico não estaria lá para sentir o impacto. Ryan encontraria outro grande artista para contratar, e Pierce po­deria voltar a fazer garrafas de vinho desaparecer.

Ficou olhando para o espaço, refletindo. A última coisa que ela queria fazer era se preocupar com ensaios e horá­rios de filmagem — e todos os milhares de outros pequenos detalhes envolvidos na produção de um show de uma hora —, para não mencionar toda a paranóia de ele ser trans­mitido ao vivo. O que ela sabia sobre lidar com problemas técnicos, regras de sindicato e montagem de. set? Produ­zir era um trabalho complicado. Ela nunca teve desejo de experimentar essa parte do negócio. Estava bem satisfeita com a papelada e os detalhes de pré-produção.

Inclinou-se à frente mais uma vez, com os cotovelos so­bre a mesa, e envolveu o queixo com as mãos. Como é idio­tice, ela refletiu, mentir para si. E como seria gratificante conduzir um projeto do começo ao fim. Ela tinha idéias — tantas idéias que estavam sempre sendo rejeitadas por detalhes legais.

Sempre que tentara convencer seu pai a lhe dar uma chance no lado criativo, ela sempre encontrou um muro inflexível. Não tinha experiência; era jovem demais. Ele, convenientemente, se esquecia que ela participara do negó­cio toda a vida e completaria 27 anos no mês seguinte.

Um dos diretores mais talentosos do ramo tinha feito um filme para a Swan e conquistara cinco Oscars. E ele tinha 26 anos!, lembrou-se Ryan indignada. Como Swan po­deria saber se suas idéias eram preciosas ou um lixo se não as ouvia? Tudo que ela precisava era uma oportunidade.

Não, ela precisava admitir que nada lhe conviria melhor do que conduzir um projeto desde a assinatura do contrato até a festa de conclusão. Mas não esse. Dessa vez ela ad­mitiria seu fracasso sem problemas e jogaria os contratos e Pierce Atkins de volta para o colo de seu pai. Havia brio suficiente dentro dela para reagir ao receber um ultimato.

Altere os contratos. Com um resfolegar de escárnio, Ryan abriu a maleta. Ele superestimou suas chances, pensou ela, e agora vai... Ela parou, lançando um olhar fixo para a pi­lha de documentos arrumados dentro da maleta. Sobre eles estava outra rosa de caule comprido.

— Mas como foi que ele...

A própria risada de Ryan a interrompeu. Ela recostou-se e girou a flor sob o nariz. Ele era esperto, ela pensou, inalando o aroma. Muito esperto. Mas que diabo era ele? O que fez com que agisse assim? Sentada no seu escritório organizado e feito sob medida para ela, Ryan decidiu o que ela mesma queria saber. Talvez valesse a pena uma explosão e um pouco de vista grossa para descobrir.

Havia poderes em um homem que falava baixinho e po­dia ter controle apenas com os olhos. Camadas, ela pensou. Quantas camadas ela teria que remover para chegar ao cerne dele? Seria arriscado, concluiu, mas... Balançando a cabeça, Ryan lembrou-se que, de qualquer modo, não ia conseguir a oportunidade para descobrir. Swan o contrataria segundo suas condições ou o esqueceria. Ela retirou os contratos e fe­chou a maleta. Pierce Atkins era problema de seu pai agora. Mesmo assim, ela continuou segurando a rosa.

A campainha do telefone lembrou-lhe que ela não tinha tempo para sonhar acordada.

— Sim, Barbara.

— O chefe quer vê-la.

Ryan fez uma careta para o aparelho de comunicação

interna.Swan saberia que ela havia voltado no momento que ela passasse pelo segurança no portão.

— Já estou indo — ela concordou. Largou a rosa sobre a mesa e levou os contratos.

Bennett Swan fumava um charuto cubano caro. Gostava de coisas caras. Mais do que isso, ele gostava de saber que seu dinheiro podia comprá-las. Se havia dois ternos com o mesmo corte e o mesmo acabamento, Swan escolhia o termo com a etiqueta de preço mais alto. Era uma questão de orgulho.

Os prêmios em seu escritório também eram uma ques­tão de orgulho. A Swan Produções era Bennett Swan. Os Oscars e os Emmys provavam que ele era um sucesso. As pinturas e esculturas que seu corretor de arte o tinha acon­selhado a comprar mostravam ao mundo que ele conhecia o valor do sucesso.

Ele amava a filha. Teria ficado chocado se alguém tivesse dito o contrário. Não havia dúvida em sua cabeça que ele era um excelente pai. Tinha sempre dado a Ryan tudo que seu dinheiro podia comprar: as melhores roupas, uma babá irlandesa quando sua mãe morreu, uma educação de alto custo, depois, um emprego confortável quando ela insistiu em trabalhar.

Tinha sido forçado a admitir que a menina estava mais inteirada do que ele esperara. Ryan possuía um cérebro afiado e um jeito especial de eliminar o supérfluo e chegar ao cerne de uma questão. Provou para ele que o dinheiro gasto na Suíça tinha sido bem utilizado. Não que ele se arrependesse de dar à filha a melhor educação. Swan espe­rava resultados.

Ele observou a fumaça formar uma espiral a partir da ponta do charuto. Ryan havia lhe retribuído. Ele gostava muito da filha.

Ryan bateu na porta e entrou quando ele a chamou. Ob­servou-a cruzar o espaço amplo coberto com um tapete es­pesso até sua mesa. Uma menina bonita, ele pensou. Parece com a mãe.

— Queria me ver?

Ela esperou o sinal para se sentar. Swan não era um ho­mem grande mas tinha compensado sua falta de tamanho com expansividade. O movimento amplo do braço dele in­dicou a ela que se sentasse. O rosto dele ainda era bonito, no modo vigoroso e natural que as mulheres achavam atraen­te. Tinha adquirido algum peso nos últimos cinco anos e perdido um pouco de cabelo. Essencialmente, no entanto, ele estava com a mesma aparência da lembrança mais anti­ga que Ryan tinha dele. Olhando para ele, ela sentiu a onda familiar de amor e frustração. Ryan conhecia bem demais os limites da afeição de seu pai por ela.

— Está se sentindo melhor? — perguntou ela, notando que sua luta com a gripe não havia deixado nenhuma mar­ca da enfermidade nele. Seu rosto tinha um tom vermelho saudável, seus olhos estavam claros.

Com outro gesto amplo, ele pôs a pergunta de lado. Swan era impaciente com doença, principalmente a sua própria. Não tinha tempo para ela.

— O que achou de Atkins? — perguntou ele no momento que Ryan se acomodou. Era uma das pequenas concessões feitas a ela, perguntar sua opinião sobre outra pessoa. Como sempre, Ryan pensou com cuidado antes de responder.

— Ele é um homem incomparável — ela começou a di­zer num tom que teria feito Pierce sorrir. — Tem um talen­to extraordinário e uma personalidade muito forte. Não tenho certeza se um é a causa do outro.

— Excêntrico?

— Não, não no sentido que faça coisas para promover uma imagem excêntrica. — Ryan franziu as sobrancelhas ao pensar na casa dele, em seu estilo de vida. Aparências. — Acho que ele é um homem muito profundo e que vive exatamente como decide. Sua profissão é mais que uma carreira. Ele se dedica a ela como um artista se dedica à pintura.

Swan assentiu com a cabeça e soltou uma nuvem de fu­maça cara.

— Ele é bilheteria quente.

Ryan sorriu e mexeu nos contratos.

— Sim, porque, provavelmente, é o melhor no que faz; além do mais, é dinâmico no palco e um pouco misterioso fora dele. Parece ter trancado a parte inicial da sua vida e jogado fora a chave. O público adora um enigma. Ele lhes dá um.

— E os contratos?

Aí vem, pensou Ryan, se preparando.

— Ele está disposto a assinar, mas com certas condições. Quer dizer, ele...

— Ele me falou de suas condições — interrompeu Swan.

O discurso preparado com cuidado por Ryan foi lançado aos ventos.

— Ele lhe contou?

— Telefonou algumas horas atrás. — Swan retirou o cha­ruto da boca. O diamante no seu dedo disparou uma luz quando ele olhou para a filha. — Ele diz que você é cínica e dedicada aos detalhes. É o que ele alega querer.

— Simplesmente, não acredito que seus truques sejam nada mais que hábil encenação — disse Ryan, chateada por Pierce ter falado com Swan antes dela. Ela sentiu-se pouco à vontade, como se estivesse jogando xadrez novamente.

Ele já a tinha vencido uma vez. — Ele tem o hábito de incorporar sua mágica ao dia-a-dia. É eficaz, mas perturba numa reunião de negócios.

— Parece que insultá-lo resolveu o problema — comen­tou Swan.

— Não o insultei! — Ryan levantou-se com os contratos na mão. — Passei 24 horas naquela casa com aves falantes e gatos pretos e não o insultei. Fiz tudo que pude para colocar sua assinatura nesses contratos menos deixá-lo me serrar ao meio. — Ela largou os papéis na mesa do pai. — Há limites até onde irei para satisfazer os caprichos de um artista, não importando o quanto ele seja bom de bilheteria.

Swan uniu os dedos e a observou.

— Ele também disse que não se importava com o seu temperamento. Não gosta de sentir tédio.

Ryan conteve as próximas palavras que vieram à mente. Com cuidado, ela sentou-se novamente.

— Tudo bem, o senhor me contou o que ele lhe disse. O que o senhor disse a ele?

Swan demorou a responder. Era a primeira vez que al­guém ligado aos negócios tinha feito referência ao tempera­mento de Ryan. Swan sabia disso e também sabia que ela o mantinha escrupulosamente sob controle no trabalho. Ele decidiu deixar passar.

— Disse-lhe que teríamos prazer em atendê-lo.

— O senhor... — Ryan engasgou com a palavra e tentou de novo. — O senhor concordou? Por quê?

— Nós o queremos. Ele quer você.

Sem explosão, ela pensou, nem um pouco confuso. Que feitiço Pierce tinha usado para conseguir isso? O que quer que tenha sido, disse ela a si mesma de modo sério, ela não estava sob o seu efeito. Levantou-se de novo.

— Posso opinar quanto a isso?

— Não enquanto trabalhar para mim. — Swan lançou um olhar vago para os contratos. — Você está louca para fazer algo desse tipo há alguns anos — ele lembrou-lhe.

— Estou lhe dando sua chance. E — ele então levantou os olhos e viu seu olhar — estarei observando-a de perto. Se você fizer besteira, eu a elimino.

— Não vou fazer besteira — ela retrucou, mal controlan­do uma nova onda de fúria. — Será o melhor especial que a Swan já produziu.

— Faça com que seja — ele alertou. — E não ultrapasse o orçamento. Cuide das alterações e envie os novos contratos para o agente dele. Quero que estejam assinados antes do final da semana.

— Estarão.

Ryan pegou os papéis antes de caminhar para a porta.

— Atkins disse que vocês dois trabalhariam bem juntos

— acrescentou Swan enquanto ela abria a porta. — Ele disse que estava nas cartas.

Ryan lançou um olhar furioso por cima do ombro antes de sair, batendo a porta com força ao passar.

Swan sorriu um pouco. Ela realmente se parecia com a mãe, ele pensou, e depois apertou um botão para chamar a secretária. Tinha outro compromisso.

Se havia uma coisa que Ryan detestava, era ser mani­pulada. Quando seu temperamento tinha se acalmado e ela estava de volta ao escritório, ocorreu-lhe com que ha­bilidade Pierce e seu pai a haviam manobrado. Ela não se importava tanto com Swan — ele levou anos para descobrir que sugerir que ela talvez não fosse capaz de lidar com algo era a maneira certa de fazer com que ela cuidasse do assunto. Pierce era outro caso. Ele não a conhecia, ou não deveria. No entanto, ele a manipulara, sutilmente, como um especialista, da mesma forma — "a mão é mais rápida que o olho" — que utilizou com os cilindros vazios. Tinha o que queria. Ryan rascunhou os novos contratos e ficou remoendo.

Ela havia ido além daquele pequeno ponto e tinha o que queria também. Decidiu olhar tudo de um novo ângulo. A Swan Produções teria Pierce para três especiais de horário nobre e ela, sua chance de produzir.

Ryan Swan, produtora executiva. Ela sorriu. Ela realmente gostava do som do título. Repetiu-o para si e sentiu o pri­meiro alvoroço de excitação. Pegou sua agenda, começou a calcular com que rapidez poderia finalizar os pequenos detalhes e dedicar-se à produção.

Ryan tinha trabalhado na papelada por uma hora quan­do o telefone a interrompeu.

— Ryan Swan — ela respondeu de modo apressado, apoiando o fone no ombro enquanto continuava a escre­ver.

— Srta. Swan, eu a interrompi.

Ninguém mais a chamava de Srta. Swan daquela maneira. Ryan parou a frase que estava escrevendo e a esqueceu.

— Tudo bem, Sr. Atkins. O que posso fazer pelo se­nhor?

Ele riu, aborrecendo-a instantaneamente.

— O que é tão engraçado?

— Tem uma maravilhosa voz de negócios, Srta. Swan

— disse ele com o traço de humor ainda presente. — Pen­sei, com o seu pendor para os detalhes, que gostaria de ter as datas quando precisarei dos seus serviços em Vegas.

— Os contratos ainda não estão assinados, Sr. Atkins

— disse ela, cautelosa.

— Estréio no dia 15 — ele disse, como se ela não tivesse falado. — Mas os ensaios começam no dia 12. Gostaria que participasse deles. — Ryan franziu as sobrancelhas, anotando as datas. Ela quase podia vê-lo sentado na bibliote­ca, segurando a gata no colo. — Encerro no dia 21. — Ela recordou que dia 21 era seu aniversário.

— Tudo bem. Podemos começar a esboçar a produção do especial na semana seguinte.

— Bom. — Pierce parou por um momento. — Será que poderia convidá-la para uma coisa, Srta. Swan?

— Poderia — disse Ryan com cautela. Pierce sorriu e coçou as orelhas de Circe.

— Tenho um compromisso em Los Angeles no dia 11. Viria comigo?

— No dia 11? — Ryan mudou o telefone de posição e vi­rou as páginas do seu calendário de mesa. — A que horas?

— Duas horas.

— Sim, tudo bem. — Ela anotou. — Onde devo encon­trá-lo?

— Eu a pegarei... uma e meia.

— Uma e meia, Sr. Atkins. — Ela hesitou e pegou a rosa sobre a mesa. — Obrigada pela rosa.

— De nada, Ryan.

Pierce desligou, depois ficou sentado por um momento perdido em pensamentos. Ele imaginou que Ryan estava segurando a rosa até agora. Ela sabia que sua pele era tão macia quanto pétalas? Seu rosto, bem na linha do maxilar — ele ainda podia sentir claramente sua textura na ponta de seus dedos. Ele os passou pelas costas da gata.

— O que você achou dela, Link?

O grandalhão continuou a colocar os livros de volta no lugar e não se virou.

— Ela tem uma risada agradável.

— É verdade. Eu também achei.

Pierce conseguia se lembrar do tom exatamente; tinha sido inesperada, um contraste forte com sua expressão séria do momento anterior. Tanto sua risada quanto sua paixão o haviam surpreendido. Ele se lembrou do modo como sua boca tinha se aquecido sob a dele. Ele não conseguira tra­balhar de jeito nenhum aquela noite inteira, pensando nela lá em cima na cama apenas com um pequeno pedaço de seda a cobrindo.

Não gostava que atrapalhassem sua concentração, mas ele a estava trazendo de volta. O instinto, ele se lembrou. Ele ainda estava seguindo seu instinto.

— Ela disse que gostou da minha música — murmurou Link, ainda mexendo nos livros.

Pierce levantou os olhos, reunindo seus pensamentos. Sabia quanto Link era sensível em relação à sua música.

— Ela realmente gostou muito. Achou que a melodia que você deixou no piano era bonita.

Link balançou a cabeça afirmativamente, sabendo que Pierce não lhe diria nada que não fosse verdade.

— O senhor gosta dela, não é?

— Gosto — respondeu Pierce distraidamente enquanto acariciava a gata. — Creio que sim.

— Acho que quer fazer essa coisa da tevê.

— É um desafio — respondeu Pierce. Link se virou então.

— Pierce?

— Humm?

Ele hesitou em perguntar, com medo que ele já soubesse a resposta.

— Vai fazer a nova fuga em Las Vegas?

— Não. — Pierce franziu as sobrancelhas, e Link sen­tiu uma enchente de alívio. Pierce lembrou-se que estava tentando trabalhar nessa fuga em especial na noite em que Ryan ficou na sua casa no quarto do final do corredor onde estava o seu. — Não, não preparei tudo ainda. — O alívio de Link durou pouco. — Mas vou usá-la para o especial.

— Não gosto disso. — Saiu rapidamente, fazendo com que Pierce levantasse os olhos de novo. — Coisas de mais podem sair errado.

— Nada vai dar errado, Link. Só preciso de mais prática antes de usar no número.

— O tempo é muito curto — insistiu Link, agindo de forma atípica ao argumentar. — Poderia fazer algumas mu­danças ou apenas adiá-la. Não gosto disso, Pierce — disse ele novamente, sabendo que era inútil.

Mas ele não estava pensando no mecanismo da sua fuga. Estava pensando em Ryan.

 

Ryan pegou-se observando o relógio. Uma e quinze. Os dias antes do dia 11 tinham passado rapidamente. Ela estivera até o pescoço com papelada, freqüentemente traba­lhando dez horas por dia tentando esvaziar a mesa antes da viagem para Las Vegas. Queria o caminho livre e nada de problemas contratuais remanescentes na sua cabeça as­sim que começasse a trabalhar no especial. Compensaria a falta de experiência dedicando ao projeto todo o tempo e atenção.

Ainda tinha algo a provar — para si, para seu pai e, ago­ra, para Pierce. Havia algo mais em Ryan Swan que contra­tos e cláusulas.

Sim, os dias tinham passado depressa, ela refletiu, mas esta última hora... uma e dezessete. Com um som de abor­recimento, Ryan retirou uma pasta do fichário e a abriu. Estava observando o relógio como se estivesse esperando um encontro e não um compromisso de negócios. Isso era ridículo. Mesmo assim, quando ouviu a batida, sua cabeça levantou rapidamente e ela esqueceu as páginas capricho­samente datilografadas na pasta. Afastando uma onda de expectativa, Ryan respondeu com calma.

— Sim, entre.

— Olá, Ryan.

Ela lutou com a decepção quando Ned Ross entrou na sala. Ele lhe lançou um sorriso reluzente.

— Olá, Ned.

Ned Ross — 32 anos, louro e atraente, com uma ele­gância californiana informal. Ele deixava o cabelo formar cachos livremente e usava calças caras de marca, com dis­cretas camisas de seda. Nada de gravata, Ryan observou. Ia contra sua imagem, tal como o cheiro sutil da leve água-de-colônia combinava com ela. Ned conhecia os efeitos de seu charme, que ele usava objetivamente.

Ryan repreendeu-se sem muito entusiasmo por ser crítica e retribuiu o sorriso, embora o dela fosse muito mais frio.

Ned era o segundo assistente de seu pai. Por vários me­ses, até algumas semanas atrás, ele tinha sido a companhia constante de Ryan. Ele a levara para jantar, dera-lhe algu­mas aulas emocionantes de surfe, mostrou-lhe a beleza da praia ao pôr-do-sol e fez com que ela acreditasse que era a mulher mais atraente e desejável que ele já conhecera. Foi uma decepção dolorosa quando ela descobriu que ele esta­va mais interessado em conquistar a filha de Bennett Swan do que a própria Ryan.

— O chefe queria que eu verificasse com você como as coisas estão indo antes de partir para Vegas. — Ele sentou-se no canto da mesa, depois se inclinou para dar-lhe um leve beijo. Ainda tinha planos para a filha do chefe. — E queria me despedir.

— Todo o meu trabalho está pronto — Ryan lhe disse, mexendo na pasta entre eles. Ainda era difícil acreditar que o rosto atraente e bronzeado e o sorriso amável escondiam um ambicioso mentiroso. — Eu mesma pretendia colocar o meu pai a par.

— Ele está ocupado — disse-lhe Ned calmamente e pe­gou a pasta para dar uma olhada. — Acabou de ir para Nova York. Algo numa filmagem externa que ele quer cui­dar pessoalmente. Só voltará no fim da semana.

— Oh! — Ryan olhou para as mãos. Ele poderia ter re­servado um instante para ligar para ela, pensou, depois sus­pirou. Quando ele tinha feito isso? E quando ela deixaria de esperar que ele o fizesse? — Bem, pode lhe dizer que cuidei de tudo. — Ela pegou a pasta de volta e colocou-a sobre a mesa novamente. — Tenho um relatório escrito.

— Sempre eficiente. — Ned sorriu para ela de novo mas não fez menção de ir embora. Sabia muito bem que tinha dado um passo em falso com Ryan e havia terreno perdido a recuperar. — Então, como se sente por tornar-se produtora?

— Estou ansiosa.

— Esse Atkins! — Ned continuou, ignorando a frieza. — Ele é um sujeito um pouco estranho, não é?

— Não o conheço suficientemente bem para dizer — disse Ryan de forma evasiva. Ela descobriu que não queria falar de Pierce com Ned. O dia que tinha passado com ele era algo pessoal. — Tenho um compromisso em alguns mi­nutos, Ned — ela continuou, levantando-se. — Então, se você...

— Ryan. — Ned pegou as mãos dela nas suas como fa­zia habitualmente quando namoraram. O gesto sempre a fizera sorrir. — Senti muita saudade de você nessas últimas semanas.

— Temos nos visto várias vezes, Ned.

Ryan permitiu que suas mãos repousassem sem energia nas dele.

— Ryan, você sabe o que quero dizer. — Ele massageou os pulsos dela suavemente mas não sentiu nenhum au­mento em sua pulsação. A voz dele ficou suave, persuasiva. — Você ainda está com raiva de mim por fazer aquela sugestão tola.

— Sobre usar minha influência com meu pai para que chefie a produção de O'Mara? — Ryan levantou uma das sobrancelhas. — Não, Ned — disse ela tranqüilamente. — Não estou com raiva de você. Ouvi dizer que Bishop ganhou o cargo — ela acrescentou, incapaz de resistir ao pequeno escárnio. — Espero que não esteja desapontado demais.

— Isso não é importante — respondeu ele, escondendo seu aborrecimento com um encolher de ombros. — Deixe-me levá-la para jantar hoje à noite. — Ned puxou-a um pouquinho mais para perto, e Ryan não resistiu. Até onde, ela se perguntou, ele iria? — Aquele lugarzinho francês de que você gosta tanto. Poderíamos dar um passeio pela costa e conversar.

— Não lhe passa pela cabeça que eu posso ter um en­contro?

A pergunta o impediu de abaixar sua boca até a dela. Não lhe ocorrera que ela estivesse se encontrando com al­guém. Ele tinha certeza que ela ainda era louca por ele. Ele gastara muito tempo e esforço conduzindo-a neste rumo. Concluiu que ela queria ser persuadida.

— Cancele — ele murmurou, e beijou-a suavemente, sem notar que seus olhos permaneciam abertos e frios.

— Não.

Ele não tinha esperado uma recusa seca e sem emoção. Sabia por experiência que as emoções de Ryan eram facil­mente manipuláveis. Estava disposto a desapontar uma diretora-assistente muito amiga para estar com Ryan de novo. Desprevenido, ele levantou a cabeça para olhar para ela.

— Vamos, Ryan,não seja...

— Desculpe-me.

Ela estava corada e furiosa por ter sido pega numa situa­ção constrangedora em seu próprio escritório. Por que ela não tinha dito a Ned para fechar a porta quando entrou?

— Ned, este é Pierce Atkins. Ned Ross é assistente do meu pai.

— Sr. Ross.

Pierce entrou na sala mas não estendeu a mão.

— É um prazer conhecê-lo, Sr. Atkins. — Ned exibiu um sorriso. — Sou um grande fã.

— É?

Pierce lançou-lhe um sorriso educado que fez com que Ned se sentisse como se tivesse sido jogado numa sala mui­to fria e muito escura. Os olhos dele vacilaram, e então ele se virou novamente para Ryan.

— Divirta-se em Las Vegas, Ryan. — Ele já estava a ca­minho da porta. — Foi bom tê-lo conhecido, Sr. Atkins.

Ryan observou a retirada apressada de Ned com as so­brancelhas franzidas. Ele, certamente, tinha perdido o esti­lo despreocupado que era sua característica.

— O que fez com ele? — perguntou ela quando a porta se fechou.

Pierce levantou uma das sobrancelhas ao caminhar até ela.

— O que acha que fiz?

— Não sei — murmurou Ryan. — Mas, o que tenha fei­to com ele, jamais faça comigo.

— Suas mãos estão frias, Ryan. — Ele tomou-as nas dele. — Por que não lhe disse simplesmente para ir embora?

Ele a irritava quando a chamava de Ryan. Ele a irrita­va quando a chamava de Srta. Swan no tom ligeiramente zombeteiro que usava. Ryan olhou para suas mãos unidas.

— Eu disse, quer dizer, eu ia... — Ela se conteve, surpre­sa por estar gaguejando uma explicação. — É melhor irmos se quiser chegar ao compromisso, Sr. Atkins.

— Srta. Swan. — Os olhos de Pierce estavam cheios de humor quando ele levou as mãos dela aos lábios. Elas não estavam mais frias. — Senti falta desse rosto sério e desse tom profissional. — Deixando-a sem palavras, Pierce to­mou seu braço e conduziu-a para fora da sala.

Assim que se acomodaram no carro dele e entraram no fluxo do tráfego, Ryan tentou estabelecer uma conversa in­formal. Se eles iam trabalhar juntos, ela devia estabelecer o relacionamento correto e depressa. Peão da rainha na casa 2 do bispo, ela pensou, lembrando-se do jogo de xadrez.

— Que tipo de compromisso tem esta tarde?

Pierce parou no sinal vermelho e olhou rapidamente para ela. Os olhos dele encontraram-se com os dela com uma intensidade breve, porém firme.

— Um compromisso é um compromisso — disse ele de forma enigmática. — Você não gosta do assistente do seu pai.

Ryan enrijeceu. Ele atacou, ela defendeu.

— Ele é bom no seu trabalho.

— Por que mentiu para ele? — perguntou Pierce em tom suave quando o sinal abriu. — Poderia ter lhe dito que não queria jantar com ele em vez de fingir que tinha um encontro.

— O que o faz pensar que estava fingindo? — perguntou Ryan de modo impulsivo, com o orgulho ferido na voz.

Pierce engatou a segunda para entrar numa curva.

— Simplesmente me perguntei por que você achava que tinha de fazê-lo.

Ryan não se importava com sua tranqüilidade.

— É assunto meu, Sr. Atkins.

— Acha que poderia deixar de lado o "Sr. Atkins" esta tarde?

Pierce entrou num pátio e estacionou o carro numa vaga. Depois, virando a cabeça, sorriu para ela. Ele ficava, Ryan concluiu, charmoso demais quando sorria daquele jeito.

— Talvez — concordou ela quando seus lábios se curva­ram para responder.

— Esta tarde. Pierce é seu nome de verdade?

— Pelo que sei.

Dito isso, ele saiu do carro. Quando Ryan saiu pelo seu lado, ela notou que eles estavam no estacionamento do Hospital Geral de Los Angeles.

— O que estamos fazendo aqui?

— Tenho uma exibição a fazer. — Pierce tirou do porta-malas uma maleta preta, não muito diferente da que talvez usasse um médico. — Instrumentos de trabalho — ele disse a Ryan enquanto ela fazia um exame curioso do objeto. — Nem seringa nem bisturi — ele prometeu, e estendeu a mão para ela. Os olhos dele estavam sobre os dela, pacien­tes enquanto ela hesitava. Ryan aceitou sua mão, e juntos passaram pela porta lateral.

Onde quer que Ryan tivesse esperado passar a tarde, não tinha sido na pediatria do Hospital Geral de Los Angeles. O que tivesse esperado de Pierce Atkins, não tinha sido uma confraternização com crianças. Após os primeiros cin­co minutos, Ryan viu que ele lhes dava mais que uma exi­bição e um monte de truques. Ele se dava.

Ora, ele é um homem bonito, ela percebeu um tanto sur­presa. Ele se exibe em Vegas por 35 dólares por cabeça, lota o Convent Garden, mas vem aqui para divertir um grupo de crianças. Não havia repórteres para observar seu traba­lho humanitário e noticiá-lo nas colunas do dia seguinte. Ele estava dedicando seu tempo e seu talento simplesmente para fazer crianças felizes. Ou talvez, de forma mais pre­cisa, ela pensou, para aliviar a infelicidade delas.

Esse foi o momento, embora ela não o tenha percebido, quando Ryan se apaixonou.

Ela observou quando ele passou uma bola pelos dedos num movimento contínuo. Ryan estava tão fascinada quan­to as crianças. Com um rápido movimento da mão, a bola desaparecia e era retirada da orelha de um menino, que gritava encantado.

Seus ilusionismos não eram sofisticados, pequenos tru­ques vistosos que um amador poderia ter feito. A pedia­tria estava um alvoroço, com gritos sufocados, risadinhas e aplausos. Obviamente, significava mais para Pierce que a aprovação estrondosa que ouvia no palco após um com­plicado truque de mágica. Suas raízes estavam ali, entre as crianças. Ele nunca tinha esquecido disso. Lembrava-se muito bem do cheiro anti-séptico e floral de um quarto de doente e do confinamento de um leito de hospital. O tédio, ele pensou, poderia ser a doença mais debilitante ali.

— Vocês notarão que trouxe comigo uma linda assistente — Pierce ressaltou. Ryan levou um momento para perceber que ele estava falando dela. Os olhos dela se arregalaram de surpresa, mas ele apenas sorriu. — Nenhum mágico viaja sem uma. Ryan.

Ele esticou a mão, com a palma para cima. Entre risos e aplausos, ela não teve escolha a não ser juntar-se a ele.

— O que está fazendo? — perguntou ela num rápido sussurro.

— Tornando-a uma estrela — disse ele tranqüilamente antes de se virar de novo para a platéia de crianças nos leitos e nas cadeiras de roda. — Ryan vai lhes contar que mantém seu lindo sorriso bebendo três copos de leite todo dia. Não é verdade, Ryan?

— Ah... sim. — Ela olhou em volta para os rostos em expectativa. — Sim, é verdade.

O que ele está fazendo? Ela nunca tinha tido tantos olhos grandes e curiosos sobre ela de uma vez.

— Tenho certeza que todos aqui sabem da importância de beber leite.

A resposta veio por meio de concordâncias sem entu­siasmo e alguns gemidos abafados. Pierce parecia surpreso quando enfiou a mão na maleta preta e retirou um copo já pela metade com um líquido branco. Ninguém questionou por que ele não tinha derramado.

— Vocês todos bebem leite, não bebem? — Houve risa­das dessa vez, juntamente com mais gemidos. Balançando a cabeça, Pierce retirou um jornal e começou a formar um funil com ele. — Isso é um negócio muito complicado. Não sei se consigo fazer isso, a não ser que todo mundo prometa beber leite hoje à noite.

Imediatamente surgiu um coro de promessas. Ryan viu que ele era tanto o Flautista de Hamelin quanto mágico, tanto psicólogo quanto artista. Talvez fosse tudo mesmo. Ela notou que Pierce a estava observando com uma das sobrancelhas levantadas.

— Ah, eu prometo — disse ela de forma agradável, e sorriu. Ela estava tão fascinada quanto as crianças.

— Vamos ver o que acontece — ele sugeriu. — Você acha que pode colocar o leite daquele copo aqui? — ele pergun­tou a Ryan, passando-lhe o copo. — Devagar — ele alertou, piscando para a platéia. — Não queremos derramar. É leite mágico, vocês sabem. O único tipo que os mágicos bebem.

Pierce pegou a mão dela e guiou-a, segurando a parte superior do funil logo acima do nível dos olhos. A mão dele estava quente e firme. Pairava em volta dele um aroma que ela não conseguia identificar. Era do campo, da flores­ta. Não era pinheiro, concluiu, mas algo mais escuro, mais profundo, mais próximo da terra. Sua reação a ele foi ines­perada e indesejada. Ela tentou se concentrar em segurar o copo diretamente acima da abertura do funil. Algumas gotas de leite pingaram pelo fundo.

— Onde você compra leite mágico? — uma das crianças quis saber.

— Ah, não se pode comprar — disse Pierce com ar cir­cunspecto. — Tenho que levantar muito cedo e jogar um feitiço numa vaca. Aí, agora, está bom. — Suavemente, Pierce jogou o copo vazio de volta na maleta. — Agora, se tudo saiu bem... — Ele parou e olhou dentro do funil com as sobrancelhas franzidas. — Era o meu leite, Ryan — disse ele com uma ponta de censura. — Poderia ter tomado o seu depois.

Quando ela abriu a boca para falar, ele abriu o funil. Automaticamente, ela ofegou e recuou para não se molhar. Mas o funil estava vazio. As crianças gritaram encantadas enquanto ela olhava surpresa para ele.

— Ela ainda é bonita — disse ele à platéia enquanto bei­java a mão de Ryan. — Mesmo sendo gulosa.

— Eu mesma verti o leite — declarou ela mais tarde enquanto eles percorriam o hospital do corredor até o ele­vador. — Estava pingando pelo jornal. Eu vi.

Pierce conduziu-a para o elevador.

— Como as coisas parecem e como as coisas são. Fasci­nante, não é, Ryan?

Ela sentiu o elevador iniciar sua descida e ficou em silên­cio por um momento.

— Você não é completamente o que parece, é?

— Não. Quem é?

— Você fez mais por aquelas crianças em uma hora que uma dúzia de médicos poderiam ter feito. — Ele olhou para ela enquanto ela continuava. — E acho que não é a primei­ra vez que fez esse tipo de coisa.

— Não.

— Por quê?

— É um inferno ficar em hospital quando se é criança — disse ele simplesmente. Foi toda a resposta que lhe daria.

— Elas não acharam isso hoje.

Pierce tomou sua mão na dele novamente quando eles chegaram ao primeiro nível.

— Não existe platéia mais difícil que crianças. Elas são muito práticas.

Ryan teve que rir.

— Suponho que tenha razão. Que adulto teria pensa­do em lhe perguntar onde você compra seu leite mágico? — Ela disparou um olhar para Pierce. — Achei que se saiu muito bem dessa.

— Ganhei um pouco de prática — ele lhe disse. — As crianças mantêm você de prontidão. Os adultos são mais facilmente distraídos por um ruído ou clarão. — Ele sor­riu para ela. — Até mesmo você. Embora me observe com olhos verdes muito intrigantes.

Ryan olhou para o outro lado do estacionamento quan­do eles saíram. Quando ele olhou para ela, não foi fácil se concentrar em outra coisa que não fosse ele, quando ele falou.

— Pierce, por que me convidou para vir com você hoje?

— Queria sua companhia.

Ryan virou-se novamente para ele.

— Acho que não entendo.

— Tem que entender? — perguntou ele. Na luz do sol seu cabelo tinha a cor do trigo. Pierce correu os dedos por ele, depois envolveu seu rosto com as mãos como tinha feito naquela primeira noite. — Sempre?

O coração de Ryan bateu na garganta.

— Sim, acho...

Mas a boca dele já estava sobre a dela, e ela não pôde mais pensar. Foi exatamente como da primeira vez. O bei­jo suave retirou tudo dela. Ela sentiu um desejo quente e palpitante passar pelo seu corpo quando os dedos dele ro­çaram sua têmpora e se deslocaram para logo abaixo do co­ração. As pessoas passaram perto deles, mas ela não soube. Havia sombras, fantasmas. As únicas coisas de substância eram a boca e as mãos de Pierce.

Foi o vento que ela sentiu ou os dedos dele deslizando so­bre sua pele? Ele murmurou alguma coisa ou tinha sido ela?

Pierce a afastou. Os olhos de Ryan estavam anuviados. Eles começaram a desanuviar e a se concentrar como se ela estivesse saindo de um sonho. Ele não estava pronto para o término do sonho. Trazendo-a de volta, ele tomou seus lábios de novo e provou seu sabor escuro e misterioso.

Teve de lutar com o desejo de esmagá-la contra seu cor­po, atacar sua boca quente e desejável. Ela era feita para o toque suave. O desejo o puxou violentamente, e ele o reprimiu. Houve momentos em que ficou trancado numa caixa escura e sem ar e que teve de afastar a necessidade de correr, o ímpeto de abrir caminho à força. Agora ele quase sentiu o mesmo pânico. O que ela estava fazendo com ele? A pergunta percorreu sua mente mesmo quando ele a obser­vou mais de perto. Pierce sabia apenas que a queria, com um desespero que não tinha pensado ser capaz.

Havia seda junto à sua pele de novo? Seda fina e frágil com o aroma da fragrância que ela usava? Ele queria fazer amor com ela à luz de vela ou num campo com o sol derramando-se sobre ela. Meu Deus, como ele a queria.

— Ryan, quero estar com você. — As palavras foram sussurradas dentro da boca de Ryan, e a fizeram tremer.

— Preciso estar com você. Venha comigo agora. — Com as mãos, ele inclinou a cabeça dela para outro ângulo e beijou-a de novo. — Agora, Ryan. Deixe-me amá-la.

— Pierce. — Ela estava afundando e lutando para en­contrar chão firme. Ela apoiou-se nele mesmo quando ba­lançou a cabeça. — Eu não conheço você.

Pierce controlou um violento desejo repentino de arras­tá-la para o seu carro, levá-la de volta para a casa dele. Para sua cama.

— Não. — Ele disse isso tanto para si mesmo quanto para Ryan. Afastando-a, segurou-a pelos ombros e a examinou.

— Não, não conhece. E a Srta. Swan precisaria conhecer.

— Ele não gostava do bater errático do seu coração. Calma e controle eram partes íntimas do seu trabalho e, portanto, dele. — Quando me conhecer — ele lhe disse baixinho —, seremos amantes.

— Não. — A objeção de Ryan ocorreu por causa do seu tom sem emoção, não pela declaração. — Não, Pierce, não seremos amantes a menos que seja o que quero. Faço acor­dos em contratos, não na minha vida pessoal.

Pierce sorriu, mais relaxado com a recusa dela do que te­ria ficado com a maleabilidade. Ele suspeitava de qualquer coisa fácil demais.

— Srta. Swan — murmurou ele ao tomar seu braço. — Já vimos as cartas.

 

Ryan chegou a Las Vegas sozinha. Tinha insistido nisso. Assim que seus nervos haviam se acalmado e ela fora capaz de pensar de modo prático, ela decidiu que não seria prudente ter muito contato pessoal com Pierce. Quando um homem conseguia fazê-la esquecer do mundo em volta com um beijo, era preciso manter distância. Essa era a nova regra de Ryan Swan.

Pela maior parte da sua vida, ela havia sido totalmen­te dominada pelo pai. Não conseguira fazer nada sem sua aprovação. Ele pode não ter lhe dado seu tempo, mas sem­pre dera sua opinião. E sua opinião era lei.

Foi só na casa dos vinte e poucos anos que Ryan co­meçou a explorar seus próprios talentos, sua própria in­dependência. O gosto de liberdade tinha sido muito doce. Ela não ia se permitir ser dominada de novo, certamente não por necessidades físicas. Sabia, por experiência, que os homens não eram muito confiáveis. Por que Pierce Atkins seria diferente?

Após pagar o táxi, Ryan olhou em volta por um mo­mento. Era sua primeira viagem a Vegas. Mesmo às dez da manhã, era surpreendente. A Sunset Strip se estendia bastante nas duas direções, e ao longo dela estavam nomes como The Dunes, The Sahara, The MGM. Os hotéis com­petiam por atenção com chafarizes, sofisticados letreiros luminosos e flores fabulosas.

Os outdoors anunciavam nomes famosos, em letras enor­mes. Estrelas, estrelas, estrelas! As mulheres mais bonitas do mundo, os artistas mais talentosos, os mais coloridos, os mais exóticos — estavam todos ali. Tudo estava junto; um parque de diversões para adultos cercado pelo deserto e rodeado de montanhas. O sol da manhã assava as ruas; à noite os letreiros luminosos as iluminavam.

Ryan se virou e olhou para o Caesar's Palace. Era enorme, branco e opulento. Acima de sua cabeça, em letras garrafais, estava o nome de Pierce e as datas de suas apresentações. Que tipo de sentimento dava a um homem como ele, ela imaginou, ver seu nome anunciado de forma tão visível?

Ela pegou as malas e tomou a esteira rolante que a trans­portaria pela fonte reluzente e pelas estátuas italianas. Na manhã tranqüila, ela podia ouvir a água jorrar e chapinhar. Ela imaginou que à noite as ruas seriam barulhentas, cheias de carros e gente.

No momento em que entrou no saguão do hotel, Ryan ouviu o barulho de metal dos caça-níqueis girando. Teve de conter um desejo de entrar no cassino para dar uma olhada em vez de ir para o balcão da recepção.

— Ryan Swan. — Ela largou as malas no chão, perto do longo balcão. — Tenho uma reserva.

— Sim, Srta. Swan. — O funcionário da recepção sorriu exultante para ela sem verificar os arquivos. — O carrega­dor levará suas malas. — Ele fez um sinal e entregou a cha­ve para o carregador. — Aproveite sua estada, Srta. Swan. Por favor, nos avise se houver algo que podemos fazer pela senhorita.

— Obrigada.

Ryan aceitou a deferência do funcionário sem pensar. Quando as pessoas sabiam que ela era filha de Bennett Swan, eles a tratavam como um dignitário em visita. Não era nada novo, apenas um pouco constrangedor.

O elevador levou-a até o último andar com o carregador mantendo um silêncio respeitoso. Ele foi à frente no corre­dor, destrancou a porta e se afastou para deixá-la entrar.

A primeira surpresa de Ryan foi que não era um quarto, mas uma suíte. A segunda foi que já estava ocupada. Pierce estava sentado no sofá trabalhando com documentos que tinha espalhado sobre a mesa diante dele.

— Ryan. — Ele se levantou e foi até o carregador entre­gar-lhe uma nota. — Obrigado.

— Eu é que agradeço, Sr. Atkins. Ryan esperou a porta fechar.

— O que está fazendo aqui? — perguntou ela.

— Tenho um ensaio programado para esta tarde — ele lembrou-lhe. — Como foi o vôo?

— Foi bom — ela respondeu, aborrecida com a evasiva dele e com as suspeitas em sua mente.

— Quer que eu pegue um drinque?

— Não, obrigada. — Ela olhou em volta do quarto bem mobiliado, olhou de relance pela janela e fez um gesto am­plo. — O que é isso?

Pierce levantou uma das sobrancelhas diante do seu tom mas respondeu suavemente.

— Nossa suíte.

— Ah, não — disse ela balançando a cabeça. — Sua suíte.

Ela pegou as malas e rumou para a porta.

— Ryan.

Foi o tom calmo da sua voz que a deteve — e que desen­cadeou seu mau gênio.

— Que truquezinho sujo! — Ryan largou as malas fa­zendo um grande barulho e virou-se para ele. — Realmente achou que eu poderia trocar minha reserva e... e...

— E o quê? — perguntou ele.

Ela fez um gesto em volta do quarto novamente.

— E me colocar aqui com você sem que eu ao menos murmurasse? Realmente achou que eu cairia confortavelmente na sua cama porque você a preparou tão bem? Como ousa? Como ousa mentir para mim sobre precisar que eu o assistisse fazer o número quando tudo o que queria era que eu mantivesse sua cama aquecida?

A voz dela tinha mudado de pequena acusação para grande fúria antes de Pierce agarrar seu pulso. A força em seus dedos fez com que ela ofegasse de surpresa e choque.

— Eu não minto — disse Pierce suavemente, mas seus olhos estavam mais escuros do que ela já vira. — E não pre­ciso de truques para encontrar uma mulher para a minha cama.

Ela não tentou se livrar. O instinto alertou-a para não fazer isso, mas ela não conseguiu controlar seu tempera­mento.

— Então, o que você chama isso? — perguntou ela de novo.

— Uma conveniência. — Ele sentiu a pulsação dela dis­parar sob seus dedos. A raiva tornou a voz dele perigosa­mente fria. Ele falou com determinação tranqüila, mas não afrouxou o aperto no pulso. — Não pretendo correr ao seu quarto toda vez que tiver algo a lhe dizer. Estou aqui para trabalhar — ele lembrou-lhe. — E você também.

— Devia ter me consultado.

— Não fiz isso — retrucou ele friamente. — E não dur­mo com uma mulher sem que ela queira, Srta. Swan.

— Não gosto que mude as coisas sem me consultar primeiro.

Ryan permaneceu firme, embora seus joelhos estivessem ameaçando tremer. A fúria dele ficou ainda mais apavoran­te ao ser contida.

— Eu alertei você antes. Faço as coisas do meu modo. Se estiver nervosa, tranque a porta.

O escárnio tornou a voz dela estridente.

— Funcionaria muito com você. Uma fechadura sequer o manteria do lado de fora.

Os dedos dele se apertaram no seu pulso rapidamente, dolorosamente, antes de ele afastá-lo para o lado.

— Talvez não. — Pierce abriu a porta. — Mas um sim­ples não manteria.

Ele se foi antes que Ryan pudesse dizer qualquer coisa. Ela encostou-se na porta enquanto os calafrios percorre­ram seu corpo. Até aquele momento, ela não tinha percebi­do o quanto estava apavorada. Estava acostumada a lidar com as explosões de mau gênio histriônicas ou os silêncios amuados de seu pai. Mas isso...

Havia uma violência gélida nos olhos de Pierce. Ryan preferia ter enfrentado os gritos de fúria de qualquer ho­mem do que o olhar que poderia congelá-la.

Sem saber que fizera isso, Ryan esfregou o pulso. Pulsava de leve em cada local que os dedos de Pierce tinham aperta­do. Ela estava certa quando disse que não o conhecia. Havia mais coisa nele do que ela podia imaginar. Tendo removido uma camada, ela não tinha certeza completa de que conse­guia lidar com o que havia descoberto. Por mais um instante ela ficou encostada na porta, esperando o tremor parar.

Olhou em volta. Finalmente, concluiu que talvez estives­se errada em ter tido uma reação tão forte a uma inofensiva situação de negócios. Dividir uma suíte era essencialmente a mesma coisa que ter quartos adjacentes. Se tivesse sido o caso, ela não teria achado nada de mais.

Mas ele também estava errado, ela lembrou-se. Poderiam ter chegado a um acordo fácil sobre a suíte se ele tivesse fa­lado com ela primeiro. Ela prometera a si mesma quando deixou a Suíça que não seria mais controlada.

E as palavras de Pierce deixaram-na preocupada. Ele não dormia com uma mulher sem que ela assim o quisesse. Ryan estava bem consciente que eles dois sabiam que ela o queria.

Um simples não o manteria afastado. Sim, ela refletiu enquanto pegou as malas. Com isso, ela podia contar. Ele nunca se imporia a nenhuma mulher — muito simplesmen­te, ele não precisaria. Ela imaginava quanto tempo levaria até que ela se esquecesse de dizer não.

Ryan balançou a cabeça. O projeto era tão importante para Pierce quanto para ela. Não inteligente começar dis­cutindo sobre onde dormir ou se preocupando com possibi­lidades remotas. Ela se conhecia. Foi desfazer as malas.

 

Quando Ryan desceu até o teatro, o ensaio já estava em andamento. Pierce permanecia no centro do palco. Havia uma mulher com ele. Embora ela estivesse usando apenas jeans e um moletom grande, Ryan reconheceu a ruiva escultural que era assistente de Pierce. Nos vídeos, Ryan se lembrou, ela usava pequenos trajes reluzentes ou vestidos muito leves. Nenhum mágico viaja sem uma assistente bonita.

Calma, Ryan, ela alertou-se. Não é da sua conta. Deva­gar, ela desceu e sentou-se no meio da platéia. Pierce não olhou na sua direção. Sem ter consciência do que fazia, Ryan começou a pensar em ângulos de câmera e cenários.

Cinco câmeras, ela pensou, e nada vistoso demais como fundo. Nada reluzente para não tirar a atenção dele. Algu­ma coisa escura, ela decidiu. Algo para acentuar a imagem de mago ou de bruxo e não de um homem de espetáculo.

Foi uma grande surpresa para ela quando a assistente de Pierce inclinou-se lentamente para trás até ficar deitada na horizontal em pleno ar. Ryan parou de planejar e obser­vou. Ela não usava a voz, apenas gestos — gestos amplos e majestosos que traziam à mente mantos e luz de vela. A mulher começou a girar, devagar a princípio e depois com maior velocidade.

Ryan tinha visto o truque no vídeo, mas vê-lo ao vivo era uma experiência totalmente diferente. Não havia aces­sórios para desviar a atenção dos dois no centro do palco, nem roupa, música ou luzes brilhantes para aumentar o clima. Ryan descobriu que estava prendendo a respiração e forçou-se a soltá-la. Os cachos ruivos da mulher tremula­vam enquanto ela girava. Seus olhos estavam fechados, seu rosto, completamente tranqüilo, enquanto suas mãos es­tavam colocadas, elegantemente, na cintura. Ryan assistiu de perto, procurando fios, truques. Frustrada, inclinou-se à frente.

Não conseguiu impedir um pequeno grito de admiração quando a mulher começou a rolar enquanto continuava a girar. A expressão calma no seu rosto permanecia inalte­rada, como se ela dormisse em vez de rodopiar e girar um metro acima do solo. Com um gesto, Pierce interrompeu o movimento, trazendo-a para a vertical de novo, devagar, até seus pés tocarem o chão. Quando ele passou a mão na frente do rosto dela, ela abriu os olhos e sorriu.

— Como foi?

Ryan quase sacolejou diante das palavras batidas que saltaram alegremente das paredes do teatro.

— Bom — disse Pierce simplesmente. — Será melhor com a música. Quero luzes vermelhas, algo quente. Co­mece suave e então aumente com a velocidade. — Ele deu essas ordens ao diretor de iluminação antes de se virar novamente para a assistente. — Treinaremos mais o tele-transporte.

Por uma hora Ryan assistiu fascinada, frustrada e, ine­gavelmente, entretida. O que lhe parecia impecável, Pierce repetiu várias vezes. Com cada ilusão, ele tinha suas pró­prias idéias dos efeitos técnicos que queria. Ryan podia ver que sua criatividade não se restringia à mágica. Ele sabia como usar a iluminação e o som para realçar, acentuar, enfatizar.

Um perfeccionista, Ryan observou. Ele trabalhava tran­qüilamente, sem a dinâmica que exibia numa apresentação. Nem havia nele a desenvoltura desleixada que ela havia vis­to quanto ele divertiu as crianças. Ele estava trabalhando. Era um fato puro e simples. Um mago, talvez, ela refletiu, com um sorriso, mas que conquista sua posição com lon­gas horas de trabalho e repetição. Quanto mais ela assistia, mais respeito sentia.

Ryan imaginara como seria trabalhar com ele. Agora ela via. Ele era implacável, incansável e tão fanático com os detalhes como ela própria. Eles iam discutir, ela previu, e começou a esperar ansiosamente por isso. Ia ser um espe­táculo e tanto.

— Ryan, suba, por favor.

Ela ficou surpresa quando ele a chamou. Ryan teria ju­rado que ele não sabia que ela estava no teatro. De forma fatalista, ela se levantou. Estava começando a parecer que não havia nada que ele não sabia. Quando Ryan adiantou-se, Pierce disse alguma coisa para a assistente. Ela deu uma breve e vigorosa risada e beijou-o no rosto.

— Pelo menos consigo ficar inteira nesse número — ela lhe disse, depois se virou para sorrir para Ryan enquanto ela subia ao palco.

— Ryan Swan — disse Pierce. — Bess Frye.

De perto Ryan viu que a mulher não era uma beldade. Suas feições eram grandes demais para uma beleza clássica. Seu cabelo era de um vermelho brilhante e caía em cachos em volta do rosto de ossos largos. Os olhos dela eram quase redondos e vários tons mais escuros que os olhos verdes de Ryan. Sua maquiagem era tão exótica quanto pareciam in­formais suas roupas, e ela era quase da altura de Pierce.

— Olá! — Houve uma explosão de simpatia na única palavra. Bess estendeu o braço para dar um entusiástico aperto de mão em Ryan. Era difícil acreditar que a mulher, sólida como uma sequóia, tinha girado um metro acima do palco. — Pierce me contou tudo sobre você.

— Oh?

Ryan olhou para ele.

— Ah, sim. — Ela repousou um dos cotovelos sobre seu ombro enquanto falava com Ryan. — Pierce acha você mui­to esperta. Gosta do tipo inteligente, mas não disse que era tão bonita. Por que não me disse que ela era tão bonita, querido?

Ryan não levou muito tempo para descobrir que Bess geralmente falava com trechos longos e explosivos.

— E me acusou de ver uma mulher apenas como um acessório de palco?

Ele enfiou as mãos nos bolsos. Bess deu outra risada vigorosa.

— Ele é esperto também — ela confidenciou a Ryan, dando um apertão em Pierce. — Vai ser a produtora desse especial?

— Vou. — Um pouco atordoada pela excessiva simpatia, Ryan sorriu. — Vou sim.

— Bom. Estava na hora de ter uma mulher coordenando as coisas. Sou cercada de homens nesse trabalho, querida. Apenas uma mulher na trupe. Vamos tomar um drinque em breve e nos conhecermos.

Posso lhe pagar uma bebida, querida?, Ryan se lembrou. Seu sorriso se ampliou.

— Gostaria muito.

— Bem, vou ver o que Link está tramando antes que o che­fe decida me mandar de volta ao trabalho. Vejo você depois.

Bess desceu do palco — l,80m de puro entusiasmo. Ryan observou-a o tempo todo.

— Ela é maravilhosa — murmurou Ryan.

— Sempre achei isso.

— Ela parecia tão fria e reservada no palco. — Ryan sor­riu para Pierce. — Está com você há muito tempo?

— Está.

O calor que Bess trouxera estava rapidamente desapare­cendo. Ryan limpou a garganta e começou de novo.

— O ensaio foi muito bom. Teremos que discutir quais ilusões pretende incorporar ao especial e quais as novas que pretende desenvolver.

— Tudo bem.

— Terá que haver alguns ajustes, naturalmente, para a televisão — ela continuou, tentando ignorar as respostas monossilábicas dele. — Mas, basicamente, imagino que de­seja uma versão condensada do seu número em clubes.

— Exatamente.

Em pouco tempo Ryan tinha conhecido Pierce. Veio a descobrir que ele possuía uma simpatia e um humor natu­rais. Agora ele estava olhando para ela com olhos precavi­dos, obviamente impaciente para que ela fosse embora. O pedido de desculpas que ela tinha planejado não pôde ser feito.

— Tenho certeza de que está ocupado — disse ela de modo resoluto e se virou. Doía, ela descobriu, ser excluída. Ele não tinha direito de magoá-la. Ryan saiu do palco sem olhar para trás.

Pierce observou-a até as portas no fundo do teatro se fecharem depois de ela passar. Com os olhos fixos na por­ta, ele comprimiu a bola que segurava na mão até ela ficar achatada. Tinha dedos muito fortes, suficientemente fortes para ter quebrado os ossos do pulso dela em vez de sim­plesmente machucá-los.

Ele não tinha gostado de ver os hematomas. Não gosta­va de se lembrar como ela o acusara de tentar enganá-la. Ele nunca precisou enganar qualquer mulher. Ryan Swan não seria diferente.

Poderia tê-la possuído naquela primeira noite com a tempestade rugindo no lado de fora e o corpo dela compri­mido junto ao dele.

E por que não fiz isso?, ele se perguntou, e jogou a bola esmagada para o lado. Por que não a tinha levado para a cama e feito todas as coisas que havia desejado fazer de forma tão desesperadora? Porque ela olhara para ele com os olhos cheios de pânico e aceitação. Estava vulnerável. Ele tinha percebido, com algo semelhante a medo, que estava vulnerável também. E ela ainda assombrava sua mente.

Quando ela entrou na suíte naquela manhã, Pierce tinha esquecido as anotações cuidadosas que fizera sobre uma nova ilusão. Ele a viu, caminhando vestida com um da­queles conjuntos curtos, e esqueceu tudo. Os cabelos dela estavam desalinhados por causa do vento durante a viagem de carro, como na primeira vez em que ele a viu. E tudo que ele quis fazer foi abraçá-la — sentir o pequeno corpo macio ceder junto ao dele.

Talvez a raiva dele tenha começado a crescer ali mesmo, a incendiar-se com as palavras e os olhos acusadores dela.

Ele não devia tê-la magoado. Pierce olhou para as mãos vazias e xingou. Ele não tinha o direito de marcar a pele dela — a coisa mais feia que uma pessoa poderia fazer a uma mulher. Ela era mais fraca que ele, e ele havia usado isso — usado seu temperamento e sua força, duas coisas que ele prometera a si mesmo muito tempo atrás que nun­ca usaria com uma mulher. Na sua mente, nenhuma pro­vocação poderia justificar tal reação. Só poderia culpar a si pelo deslize.

Não poderia mais ficar pensando nisso ou em Ryan e continuar a trabalhar. Precisava de concentração. A úni­ca coisa a fazer era restabelecer seu relacionamento para o ponto onde Ryan quis desde o começo. Eles trabalhariam juntos em busca do sucesso, e isso seria tudo. Ele tinha aprendido a controlar seu corpo por meio da mente. Pode­ria controlar suas necessidades e suas emoções da mesma forma.

Pierce soltou um xingamento final e voltou para falar com sua equipe sobre os acessórios.

 

Era difícil resistir a Las Vegas. Dentro dos cassinos não era dia nem noite. Sem relógios e com o tilintar contí­nuo das máquinas caça-níqueis, havia urna atemporalidade perpétua, uma intrigante desorientação. Ryan via as pesso­as com trajes a rigor jogando noite adentro até o fim da ma­nhã. Assistiu a milhares de dólares trocarem de mãos nas mesas de vinte-e-um e bacará. Mais de uma vez, controlou a respiração enquanto a roleta girava com uma pequena fortuna à mercê dos caprichos de uma bola prateada.

Descobriu que a febre vinha em muitas formas — fria, desapaixonada, desesperada, intensa. Havia a mulher co­locando a moeda na máquina de caça-níqueis e o jogador dedicado rolando os dados. A fumaça pairava no ar ao som de vitória ou derrota. Os rostos mudavam, mas o estado de ânimo permanecia. Apenas mais um lançar de dados, mais um puxar da alavanca.

Os anos na empertigada escola suíça tinham esfriado o ímpeto de jogar que Ryan havia herdado do pai. Agora, pela primeira vez, Ryan sentia a excitação do impulso de testar a Dama da Sorte. Ela recusou, dizendo a si mesma que estava satisfeita em assistir. Havia pouco mais que ela pudesse fazer.

Ela viu Pierce no palco durante os ensaios e dificilmente em outras situações. Era surpreendente para ela que duas pessoas pudessem dividir uma suíte e tão raramente tives­sem contato um com o outro. Por mais que levantasse cedo, ela não o encontrava mais. Uma ou duas vezes, após estar por muito tempo na cama, Ryan ouviu o estalo rápido da fechadura da porta da frente. Quando eles conversavam, era apenas para discutir idéias sobre como alterar seu nú­mero em clubes para a televisão. Suas conversas eram cal­mas e técnicas.

Ele está tentando me evitar, pensou ela na noite de es­tréia, e está fazendo um excelente trabalho. Se queria pro­var que dividir uma suíte não significava nada pessoal, ele havia se saído muito bem. Isso, é claro, era o que ela queria, mas sentia falta da camaradagem. Sentia falta de vê-lo sor­rir para ela.

Ryan decidiu assistir ao show dos bastidores. De lá ela teria uma visão perfeita e estaria numa posição para ob­servar o estilo e o timing de Pierce enquanto tinha uma perspectiva dos bastidores. Os ensaios haviam lhe dado uma idéia sobre os hábitos de trabalho dele, e agora ela o observaria atuar de um ponto de vista mais próximo que pudesse conseguir. Queria ver mais que a platéia ou uma câmera veria.

Tomando cuidado para não atrapalhar os trabalhadores e os maquinistas, Ryan acomodou-se num canto e ficou observando. Desde a primeira série de aplausos, quando foi apresentado, Pierce teve a platéia na palma da mão. Meu Deus, como ele é bonito!, pensou ela ao examinar seu estilo e seu brilho. Dinâmico, dramático, apenas sua personalidade teria dominado a platéia. O carisma dele não era ilusão, mas parte integrante dele, como a cor do seu cabelo. Esta­va vestido de preto, como habitualmente, sem precisar de cores brilhantes para manter os olhos grudados nele.

Falava enquanto se apresentava. Conversa fiada, como ele teria dito, mas era muito mais. Ele sintonizava o ambien­te com palavras e cadência. Podia iludi-los e deslumbrá-los completamente em seguida — uma chama disparando de sua mão, um pêndulo prateado resplandecente que girava no ar sem qualquer apoio. Não era mais pragmático, como fora nos ensaios, mas obscuro e misterioso.

Ryan assistiu quando ele foi trancado com cadeado num saco, colocado dentro de um baú e acorrentado. De pé so­bre ele, Bess puxou uma cortina e contou até 20. Quando a cortina caiu, o próprio Pierce estava de pé no baú, to­talmente liberto. E, é claro, quando ele destrancou o baú e abriu o saco, Bess estava lá dentro. Ele chamava isso de transporte. Ryan achava incrível.

Suas fugas a deixavam inquieta. Assistir voluntários da platéia pregá-lo a um caixote forte que ela mesma tinha examinado deixavam suas mãos úmidas. Ela podia imagi­ná-lo na caixa escura e sem ar e sentir sua própria respira­ção bloqueando os pulmões. Mas ele se livrava em menos de dois minutos.

Para o final, ele trancou Bess numa gaiola, cobriu-a com uma cortina e a fez elevar-se até o teto. Quando a abaixou, minutos depois, havia uma pantera no lugar de Bess. Assistindo-o, vendo a intensidade dos seus olhos, as cavidades e as sombras misteriosas de seu rosto, Ryan quase acredi­tou que ele tinha transcendido as leis da natureza. Porque, naquele momento, antes de a cortina descer, a pantera era Bess e ele era mais feiticeiro que homem de espetáculo.

Ryan queria lhe perguntar, convencê-lo a explicar apenas essa ilusão em termos que ela pudesse entender. Quando ele desceu do palco e seus olhos se encontraram, ela engo­liu as palavras.

O rosto dele estava úmido por causa das luzes e da sua própria concentração. Ela queria tocá-lo, descobrindo, para sua própria surpresa, que vê-lo se apresentar a tinha exci­tado. O impulso era mais básico e mais poderoso que qual­quer coisa que ela vivenciara. Ela podia imaginá-lo pegando-a com suas mãos fortes e hábeis. Depois sua boca, sua boca impossivelmente sensual, estaria sobre a dela, levan­do-a para aquele estranho mundo leve que ele conhecia. Se fosse até ele agora — oferecesse, exigisse —, ela o encontra­ria tão ávido quanto ela própria? Ele não diria nada, apenas a levaria embora para lhe mostrar sua mágica?

Pierce parou diante dela, e Ryan recuou, abalada com seus próprios pensamentos. Seu sangue estava aquecido, agitando-se sob sua pele, exigindo que ela fosse na sua direção. Cons­ciente, excitada porém sem vontade, ela manteve distância.

— Você estava maravilhoso — disse ela, mas ouviu a rigidez no elogio.

— Obrigado.

Pierce não disse nada mais ao passar por ela. Ryan sen­tiu dor na palma das mãos e descobriu que estava cravando as unhas na carne. Isso tem de parar, disse a si mesma, e virou-se para ir atrás dele.

— Ei, Ryan! — Ela parou quando Bess colocou a cabeça para fora do camarim. — O que achou do show?

— Foi maravilhoso. — Ela olhou ao longo do corredor; Pierce já tinha sumido. Talvez fosse melhor assim. — Acho que você não me revelaria o segredo do final — disse ela.

Bess riu.

— Não, se prezo minha vida, querida. Entre, venha con­versar enquanto me troco.

Ryan agradeceu, fechando a porta ao passar. O ar estava saturado com o cheiro de maquilagem e pó.

— Deve ser uma experiência e tanto ser transformada em pantera.

— Ah, Senhor, Pierce me transformou em tudo imagi­nável que anda, rasteja ou voa; me serrou em pedacinhos e me equilibrou sobre espadas. Em um dos números, ele me fez dormir sobre uma cama de pregos três metros acima do chão.

Enquanto falava, ela despia o traje com a mesma simpli­cidade de uma criança de cinco anos.

— Deve confiar nele — comentou Ryan enquanto olha­va em volta em busca de uma cadeira vazia.

Bess tinha o hábito de espalhar suas coisas em todos os espaços disponíveis.

— É só tirar alguma coisa do seu caminho — ela suge­riu ao pegar um robe azul-pavão do braço de uma cadeira.

— Confiar em Pierce? — continuou ela enquanto amarrava o cinto do robe. — Ele é o melhor. — Sentada no toucador, ela começou a tirar a maquiagem com creme. — Viu como ele é nos ensaios.

— Vi. — Ryan dobrou uma blusa amarrotada e colocou-a de lado. — Exigente.

— Não é nem metade. Planeja suas ilusões no papel, de­pois as repassa várias vezes naquela sua masmorra antes de sequer pensar em mostrar qualquer coisa a mim ou a Link.

— Ela olhou para Ryan com um dos olhos com maquiagem pesada e o outro limpo. — A maioria das pessoas não sabe o quanto ele trabalha porque ele faz com que pareça fácil. É assim que ele quer.

— Suas fugas — Ryan começou a falar enquanto endirei­tava as roupas de Bess. — São perigosas?

— Não gosto de algumas delas. — Bess retirou o restan­te do creme com lenço de papel. Seu rosto exótico estava inesperadamente jovem e fresco. Ela deu de ombros ao se levantar. — Mas jamais gostei quando ele faz sua versão da Tortura na Água de Houdini ou sua própria versão de Mil Cadeados.

— Por que ele faz, Bess? — Ryan separou um par de jeans mas continuou a vagar inquieta pelo cômodo. — Suas ilusões bastariam.

— Não para Pierce. — Bess largou o robe, colocando um sutiã em seguida. — As fugas e o perigo são importantes para ele. Sempre foram.

— Por quê?

— Porque ele quer se testar o tempo todo. Nunca está satisfeito com o que fez ontem.

— Se testar — murmurou Ryan. Ela própria tinha sen­tido isso, mas estava longe de entender. — Bess, há quanto tempo trabalha com ele?

— Desde o começo — Bess lhe disse enquanto enfiava o jeans. — Desde o comecinho.

— Quem é ele? — perguntou Ryan antes que pudesse se conter. — Quem é realmente ele?

Com uma blusa pendendo nas pontas dos dedos, Bess lançou a Ryan um olhar repentino e penetrante.

— Por que quer saber?

— Ele... — Ryan parou, sem saber o que dizer. — Não sei.

— Gosta dele?

Ryan não respondeu imediatamente. Quis dizer não e descartar o assunto.

— Gosto sim — ela ouviu-se dizer. — Gosto dele.

— Vamos tomar um drinque — sugeriu Bess e vestiu a blusa. — E conversar.

 

— Coquetéis de champanhe — pediu Bess quando elas se sentaram num compartimento do saguão. — Vou pagar.

— Ela pegou um cigarro e o acendeu. — Não conte a Pierce

— ela acrescentou, dando uma piscada. — Ele desaprova o uso de tabaco. É fanático com o cuidado do corpo.

— Link me disse que ele corre oito quilômetros todos os dias.

— É um velho hábito. Pierce raramente altera velhos hábitos. — Bess tragou a fumaça dando um suspiro. — Ele sempre foi muito determinado, sabia? Podia-se ver, mesmo quando criança.

— Conheceu Pierce quando ele era menino?

— Crescemos juntos: eu, Pierce e Link. — Bess olhou ra­pidamente para a garçonete quando os coquetéis foram ser­vidos. — Coloque na conta — disse ela e olhou de novo para Ryan. — Pierce não fala sobre aquele tempo, nem mesmo comigo ou com Link. Ele o eliminou, ou tentou eliminar.

— Pensei que estivesse tentando promover uma imagem

— murmurou Ryan.

— Ele não precisa fazer isso.

— Não. — Ryan olhou em seus olhos novamente. — Acho que não. Ele teve uma infância difícil?

— Minha nossa. — Ryan tomou um longe gole. — Mui­to. Foi uma criança muito franzina.

— Pierce?

Ryan pensou no corpo duro e musculoso e ficou olhando.

— É. — Bess soltou uma versão abafada de sua risada gutural. — Difícil de acreditar, mas é verdade. Era pequeno para sua idade, magro como barbante. As crianças maio­res o atormentavam. Acho que precisavam de alguém com quem implicar. Ninguém gosta de crescer num orfanato.

— Orfanato! — Ryan agarrou-se à última palavra. Exa­minando o rosto franco e amistoso de Bess, ela sentiu uma torrente de compaixão. — Todos vocês?

— Que inferno! — Bess deu de ombros. Os olhos de Ryan estavam cheios de eloqüente sofrimento. — Na ver­dade, não era tão ruim. Comida, um teto para cobrir a ca­beça, muita companhia. Não é como se lê em Oliver Twist.

— Você perdeu seus pais, Bess? — perguntou Ryan com interesse em vez da compaixão que ela viu que era indesejada.

— Quando tinha oito anos. Não havia mais ninguém para me levar. A mesma coisa com Link. — Ela continuou sem qualquer traço de autopiedade ou arrependimento. — Na maior parte das vezes, as pessoas querem adotar be­bês. As crianças mais velhas não são adotadas com tanta facilidade.

Ryan levantou a bebida e deu um gole, pensativa. Teria sido 20 anos atrás, antes da onda atual de interesse em crianças adotáveis.

— E Pierce?

— As coisas foram diferentes com ele. Ele tinha pais. Eles não quiseram assinar, então não podia ser adotado.

As sobrancelhas de Ryan formaram pregas com a con­fusão.

— Mas, se ele tinha pais, o que estava fazendo num orfanato?

— Os tribunais o tiraram deles. Seu pai... — Bess soltou uma longa corrente de fumaça. Ela estava se arriscando fa­lando daquele jeito. Pierce não ia gostar se descobrisse. Ela só podia desejar que compensasse. — O pai dele batia em sua mãe.

— Ai, meu Deus! — Os olhos horrorizados de Ryan gru­daram nos de Bess. — E... e Pierce?

— De vez em quando — respondeu Bess calmamente. — Mas principalmente sua mãe. Primeiro, ele se embebedava, depois, batia na esposa.

Uma onda de dor espalhou-se na boca do seu estômago. Ryan pegou a bebida novamente. Claro que ela sabia que tais coisas aconteciam, mas seu mundo tinha sido tão pro­tegido! Seus pais podem tê-la ignorado grande parte de sua vida, mas nenhum dos dois jamais levantou a mão para ela. É verdade que os gritos do seu pai apavoravam às vezes, mas nunca iam além de uma voz alterada ou de palavras impacientes. Ela nunca sofrerá violência física de qualquer tipo. Embora tentasse conceber o tipo de horror que Bess relatava calmamente, era distante demais.

— Conte-me — ela perguntou por fim. — Quero com­preendê-lo.

Era o que Bess queria ouvir. Deu a Ryan um voto de aprovação silencioso e continuou.

— Pierce tinha cinco anos. Dessa vez o pai dele bateu tanto em sua mãe que a colocou no hospital. Geralmente, ele trancava Pierce num armário antes de dar início a um de seus acessos de fúria, mas dessa vez ele o agrediu um pouquinho primeiro.

Ryan controlou o desejo de protestar contra o que estava ouvindo mas manteve-se em silêncio. Bess a observava com atenção enquanto falava.

— Foi quando as assistentes sociais assumiram o contro­le. Após a papelada de costume e as audiências, seus pais foram julgados incapazes, e ele foi colocado no orfanato.

— Bess, sua mãe. — Ryan balançou a cabeça, tentando refletir. — Por que ela não abandonou o marido e levou Pierce com ela? Que tipo de mulher...

— Não sou psiquiatra — Bess interrompeu. — Pelo que Pierce sabia, ela continuou com o pai.

— E abandonou o filho — murmurou Ryan. — Ele deve ter se sentido tão completamente rejeitado, tão apavorado e sozinho.

Que tipo de dano isso causa à cabeça de uma criança?, ela se perguntou. Que tipo de compensações uma criança assim faz? Ele se livrava de correntes, baús e cofres porque tinha sido outrora um menino trancado num armário es­curo? Buscava continuamente fazer o impossível por que havia sido tão desamparado?

— Ele era um solitário — continuou Bess enquanto pe­diu outra rodada. — Talvez seja uma das razões pelas quais as outras crianças o atormentavam. Pelo menos até Link aparecer. — Bess sorriu, gostando dessa parte de suas lem­branças. — Ninguém jamais tocava em Pierce quando Link estava por perto. Ele sempre foi duas vezes maior que qual­quer um. E aquela cara!

Ela riu de novo, mas não havia nada de crueldade na risada.

— Assim que Link chegou, nenhuma das crianças se aproximava dele. Com exceção de Pierce. Os dois eram ex­cluídos. Eu também. Link é ligado a Pierce desde então. Realmente não sei o que poderia ter acontecido a ele sem Pierce. Ou a mim.

— Você realmente o ama, não é? — perguntou Ryan, espiritualmente próxima da ruiva grande e exuberante.

— Ele é meu melhor amigo — respondeu Bess simples­mente. — Eles me deixaram entrar no seu clubinho quando eu tinha 10 anos. — Ela sorriu por cima da borda do copo. — Eu via Link vindo e subia numa árvore. Ele me amedron­tava. Nós o chamávamos de Missing Link.*

* Elo perdido. Jogo de palavras com o nome do personagem Link (elo). (N. do T.)

 

— As crianças, às vezes, são cruéis.

— Pode apostar nisso. Seja como for, exatamente quando ele estava passando embaixo, o galho quebrou e eu caí. Ele me pegou. — Ela inclinou-se à frente, envolvendo o queixo com as mãos. — Nunca me esquecerei disso. Num instante estou caindo e no outro ele está me segurando. Olhei para aquele rosto e me preparei para gritar muito. Então ele riu. Apaixonei-me imediatamente.

Ryan engoliu o champanhe imediatamente. Não havia como não perceber o olhar sonhador nos olhos de Bess.

— Você... você e Link?

— Bem, eu, sim — disse Bess, pesarosa. — Sou louca pelo grandalhão há 20 anos. Ele ainda acha que sou a Pe­quena Bess. Todo o meu l,80m. — Ela sorriu e piscou.

— Mas estou tentando convencê-lo.

— Pensei que você e Pierce... — Ryan começou a dizer, mas sua voz perdeu a intensidade.

— Eu e Pierce? — Bess soltou uma de suas vigorosas ri­sadas, fazendo as cabeças girarem. — Está brincando? Você conhece o mundo de entretenimento o suficiente para di­zer isso, querida. Pareço o tipo de Pierce?

— Bem, eu... — Constrangida com o humor sincero de Bess, Ryan deu de ombros. — Não teria idéia de qual seria seu tipo.

Bess riu dentro do copo.

— Você parecia ser mais inteligente — ela comentou.

— De qualquer forma, ele sempre foi uma criança calada, sempre... qual é a palavra? — Sua testa formou sulcos en­quanto pensava. — Intensa, sabe como é? Ele tinha um temperamento forte. — Sorrindo novamente, ela revirou os olhos. — Ele deixava todo mundo que encontrava de olho roxo nos primeiros tempos. Mas, depois de amadure­cer, ele se controlou. Estava bem claro que ele decidira não seguir os passos do pai. Quando Pierce toma uma decisão, é isso.

Ryan se lembrou da fúria fria, da violência gélida, e co­meçou a compreender.

— Quando ele tinha cerca de nove anos, eu acho, ele sofreu um acidente. — Bess bebeu e depois franziu as so­brancelhas. — Pelo menos era o que ele dizia. Caiu de cabe­ça num lance de escadas. Todo mundo sabia que ele tinha sido empurrado, mas ele nunca contou quem o empurrara. Acho que não queria que Link fizesse alguma coisa pela qual podia se meter numa enrascada. A queda machucou sua coluna. Achavam que ele não andaria novamente.

— Ai, não!

— É. — Bess deu outro longo gole. — Mas Pierce disse que ia andar. Ia correr oito quilômetros todos os dias pelo resto da vida.

— Oito quilômetros — murmurou Ryan.

— Ele era determinado. Fazia fisioterapia como se sua vida dependesse disso. Talvez dependesse — acrescentou ela pensativa. — Talvez sim. Ele passou seis meses no hospital.

— Entendo.

Ela estava vendo Pierce na enfermaria pediátrica, dan­do-se às crianças, conversando com elas, fazendo-as rir. Levando-lhes mágica.

— Enquanto estava lá, uma enfermeira lhe deu um kit de mágicas. Era como se estivesse esperando por isso, ou o kit esperando por ele. Quando ele saiu, conseguia fazer coisas que muitos dos caras do ramo têm dificuldade. — Amor e orgulho se misturaram na sua voz. — Ele tinha talento natural.

Ryan podia vê-lo: um menino moreno e intenso num leito branco de hospital, se aperfeiçoando, praticando, des­cobrindo.

— Preste atenção. — Bess riu novamente e inclinou-se à frente. Os olhos de Ryan revelavam muita coisa. — Uma vez, quando o visitei no hospital, ele colocou fogo no len­çol. — Ela parou quando a expressão de Ryan ficou horrori­zada. — Juro. Eu vi o lençol queimando. Então, ele apagou com a mão. — Ela demonstrou com a palma sobre a mesa. — Desapareceu e não havia nada. Nem queimado, nem buraco, nem mesmo um chamuscado. O danadinho me deixou morta de medo.

Ryan riu apesar da experiência penosa que ele deve ter tido. Ele tinha superado. Havia vencido.

— A Pierce — disse ela, e levantou o copo.

— Muito bem. — Bess brindou antes de engolir o cham­panhe. — Ele levantou vôo quando tinha 16 anos. Senti muita falta dele. Nunca pensei que veria ele ou Link no­vamente. Imagino que foram os dois anos mais solitários da minha vida. Depois, um dia eu estava trabalhando num restaurante em Denver, e ele entra. Não sei como me en­controu, nunca disse, mas entra e me diz para largar o em­prego. Eu ia trabalhar para ele.

— Assim? — perguntou Ryan.

— Assim.

— O que você disse?

— Não disse nada. Era o Pierce. — Com um sorriso, Bess sinalizou para a garçonete. — Larguei o emprego e caímos na estrada. Beba, querida, você tem menos um.

Ryan examinou-a por um momento, depois terminou seu drinque. Não era qualquer homem que poderia obter esse tipo de lealdade inquestionável de uma mulher forte.

— Geralmente paro no segundo — Ryan lhe disse, apon­tando para o coquetel.

— Esta noite, não — Bess anunciou. — Sempre bebo champanhe quando fico sentimental. Você não acreditaria em alguns dos locais em que nos apresentamos nos primei­ros anos — ela prosseguiu. — Festas de crianças, despedi­das de solteiros, fábricas. Ninguém controla um grupo ar­ruaceiro como Pierce faz. Quando ele olha para um sujeito e tira uma bola de fogo do seu bolso, o sujeito se acalma.

— Imagino que sim — concordou Ryan, e riu da ima­gem. — Nem mesmo tenho certeza de que ele precisaria da bola de fogo.

— Acertou — disse Bess, satisfeita. — Seja como for, ele sempre sabia que ia conseguir e me levava, e Link junto. Não precisava. Esse é exatamente o tipo de homem que ele é. Não deixa muitas pessoas se aproximarem, mas, os que deixa, é para sempre. — Ela mexeu o champanhe por um momento. — Sei que eu e Link nunca poderíamos acom­panhá-lo aqui em cima, sabe? — Ela bateu de leve na têm­pora. — Mas não faz diferença para Pierce. Somos seus amigos.

— Acho — disse Ryan devagar — que ele escolhe seus amigos muito bem.

Bess lançou-lhe um sorriso cintilante.

— Você é uma mulher legal, Ryan. Uma verdadeira dama também. Pierce é o tipo de homem que precisa de uma dama.

Ryan ficou muito interessada na cor de sua bebida.

— Por que diz isso?

— Porque ele tem classe, sempre tem. Precisa de uma mulher de classe e que seja afetuosa como ele é.

— Ele é afetuoso, Bess? — Os olhos de Bess se ergueram novamente, procurando algo. —Às vezes ele parece tão... distante.

— Sabe onde ele arrumou aquela gata boboca? — Ryan balançou a cabeça diante da pergunta. — Alguém a tinha atropelado e a deixou no acostamento. Pierce estava voltando após uma semana de apresentações em São Francisco. Ele pa­rou e levou-a ao veterinário. Duas horas da manhã e ele está acordando o veterinário e fazendo-o operar um gato de rua. Custou-lhe 300 dólares. Link me disse. — Ela pegou outro cigarro. — Quantas pessoas você conhece que fariam isso? Ryan olhou fixamente para ela.

— Pierce não gostaria de saber que você me contou tudo isso, não é?

— Não.

— Por que contou? Bess exibiu outro sorriso.

— É um truque que aprendi com ele ao longo dos anos. Você olha fundo nos olhos de alguém e sabe se pode confiar nelas.

Ryan olhou para ela e falou sério.

— Obrigada.

— E — acrescentou Bess de forma casual enquanto en­golia mais champanhe — você está apaixonada por ele.

As palavras que Ryan tinha começado a dizer emperra­ram na garganta. Ela começou a tossir de modo intermi­tente.

— Beba tudo, querida. Nada como o amor para fazê-la engasgar. Brindemos a ele. — Seu copo tilintou no de Ryan. — E boa sorte para nós duas.

— Sorte? — perguntou Ryan de forma débil.

— Com homens como aqueles dois, nós precisamos. Dessa vez Ryan fez sinal para mais uma rodada.

 

Quando Ryan atravessou o cassino com Bess, ela estava rindo. O vinho havia melhorado seu astral, mas, além disso, a companhia de Bess a tinha animado. Desde que re­tornara da escola, Ryan havia reservado pouco tempo para si para conquistar amizades. Achar uma tão rapidamente fez mais efeito que o champanhe.

— Comemorando?

As duas levantaram os olhos e avistaram Pierce. Em uníssono, seus rostos registraram a vergonha de crianças pegas com a mão na lata de biscoitos. A sobrancelha de Pierce se levantou. Dando uma risada, Bess se inclinou e beijou-o com entusiasmo.

— Apenas conversa de mulher, querido. Eu e Ryan des­cobrimos que temos muito em comum.

— É mesmo?

Ele observou quando Ryan comprimiu os dedos na boca para abafar um risinho. Estava aparente que elas tinham feito mais coisas que conversar.

— Ele não fica maravilhoso quando está sério e compe­netrado? — Bess perguntou a Ryan. — Ninguém faz isso melhor que Pierce. — Ela o beijou novamente. — Não embebedei sua dama, apenas a deixei um pouco mais solta do que está acostumada. Além do mais, ela é adulta. — An­da apoiando a mão no ombro dele, Bess olhou em volta. — Onde está Link?

— Vendo o tabuleiro de quino.

— Vejo você mais tarde.

Ela piscou para Ryan e foi embora.

— Ela é louca por ele, sabia? — disse Ryan confidencialmente.

— Sim, eu sei.

Ela deu um passo à frente.

— Existe alguma coisa que não saiba, Sr. Atkins? — Ela observou seus lábios se curvarem diante da ênfase no seu sobrenome. — Imaginei se faria isso de novo para mim.

— Fazer o quê?

— Sorrir. Não tem sorrido para mim há vários dias.

— Não?

Ele não conseguiu deter a onda de ternura mas conten­tou-se em retirar o cabelo do seu rosto.

— Não. Nem uma vez. Está arrependido?

— Estou. — Pierce equilibrou-a colocando uma das mãos no ombro dela e desejou que não olhasse para ele daquela maneira. Ele tinha conseguido conter as necessidades ao compartilhar o mesmo quarto que ela. Agora, cercado por barulho, pessoas e luzes, ele sentia a força do desejo crescer. Retirou a mão. — Gostaria que a levasse para cima?

— Vou jogar vinte-e-um — ela o informou, de forma eloqüente. — Há dias que sinto vontade, mas ficava me lembrando que jogar era tolice. Esqueci isso.

Pierce segurou o braço dela quando ela começou a cami­nhar para a mesa.

— Quanto dinheiro tem com você?

— Ah, não sei. — Ryan remexeu a bolsa. — Cerca de 75 dólares.

— Tudo bem.

Se ela perdesse, Pierce concluiu, 75 dólares não abririam um grande buraco na sua conta bancária. E foi com ela.

— Tenho assistido isso há dias — sussurrou ela ao sen­tar-se numa mesa de 10 dólares. — Tenho tudo calculado.

— Todo mundo não tem? — ele murmurou, e postou-se a seu lado. — Dê a senhora fichas no valor de 20 dólares

— ele disse à banca.

— Cinqüenta — Ryan corrigiu, contando as notas. Diante do sinal de aprovação de Pierce com a cabeça, a

banca trocou as notas por fichas coloridas.

— Vai jogar? — Ryan perguntou a ele.

— Não me arrisco.

Ela levantou as sobrancelhas.

— Como se chama ser pregado dentro de um caixote? Ele exibiu-lhe um de seus lentos sorrisos.

— Minha profissão.

Ela riu e lançou-lhe um sorriso de provocação.

— É contra o jogo e outros vícios, Sr. Atkins?

— Não. — Ele sentiu outro ímpeto de desejo e se conteve.

— Mas gosto de calcular minhas próprias probabilidades.

— Ele balançou a cabeça enquanto as cartas eram distribuí­das. — Nunca é fácil derrotar a casa em seu próprio jogo.

— Sinto que estou com sorte esta noite — ela disse.

O homem ao lado de Ryan girou um Bourbon e assinou seu nome numa folha de papel. Ele tinha acabado de apos­tar 2 mil dólares. Filosoficamente falando, ele comprou mais 5 mil dólares em fichas. Ryan viu um diamante cintilar no seu dedo mínimo enquanto as cartas eram distri­buídas. Três baralhos, ela se lembrou e levantou as pontas de suas cartas com cuidado. Viu um oito e um cinco. Uma jovem loura usando um Halston preto pegou uma batida e quebrou em 23. O homem do diamante manteve-se em 18. Ryan pegou outra batida e ficou satisfeita com mais cinco. Ela segurou e esperou pacientemente enquanto mais dois jogadores pegavam as cartas.

A banca tinha 14, virou a carta seguinte e chegou a 20. O homem com o diamante xingou baixinho quando perdeu mais 500 dólares.

Ryan contou suas cartas seguintes, assistiu as batidas e perdeu de novo. Determinada, ela esperou a terceira distri­buição. Tirou 17. Antes que pudesse sinalizar à banca que seguraria, Pierce fez sinal com a cabeça para que fosse dada a batida.

— Espere um minuto — disse Ryan.

— Pegue — disse ele simplesmente.

Com um ar zangado e dando de ombros, ela o fez. Bateu 20. Com os olhos arregalados, ela girou na cadeira para olhar para ele, mas ele estava observando as cartas. A ban­ca manteve 19 e pagou.

— Ganhei! — exclamou ela, satisfeita com a pilha de fichas acumuladas. — Como sabia?

Ele apenas sorriu para ela e continuou a observar as cartas.

Na mão seguinte ela tirou um dez e um seis. Teria pega­do a batida, mas Pierce tocou seu ombro e balançou a ca­beça. Engolindo o protesto, ela permaneceu firme. A banca quebrou em 22.

Ela riu, satisfeita, mas olhou para ele de novo.

— Como faz isso? — perguntou. — São três baralhos.

Não é possível que consiga se lembrar de todas as cartas distribuídas ou calcular o que restou. — Ele não disse nada,

e sua testa formou um vinco. — Consegue?

Pierce sorriu de novo e simplesmente balançou a cabeça. Então, ele conduziu Ryan a outra vitória.

— Quer dar uma olhada nas minhas? — perguntou o homem com o diamante, colocando desgostoso as cartas de lado.

Ryan inclinou-se na sua direção.

— Ele é um bruxo, sabia? Eu o levo a toda parte. A jovem loira colocou o cabelo atrás da orelha.

— Eu mesma gostaria de um ou dois feitiços. — Ela lan­çou um convite a Pierce. Ryan atraiu sua atenção quando as cartas foram distribuídas.

— As minhas — disse ela friamente e não viu a testa de Pierce subir. A loira voltou às cartas.

Na hora seguinte, a sorte de Ryan — ou de Pierce — se manteve. Quando a pilha de fichas à sua frente tinha cres­cido de forma considerável, ele abriu sua bolsa e enfiou-as dentro.

— Ah, mas espere. Estou apenas começando.

— O segredo de vencer é saber quando parar — disse-lhe Pierce, e ajudou-a a descer do banco. — Converta-as em dinheiro, Ryan, antes que meta na cabeça de perdê-las no bacará.

— Mas eu queria jogar — disse ela, olhando para trás.

— Esta noite, não.

Com um suspiro pesado, ela despejou o conteúdo da bolsa no caixa. Junto com as fichas estavam um pente, um batom e um centavo que tinha sido achatado pela roda de um trem.

— É para dar sorte — disse ela quando Pierce pegou a moeda para examinar.

— Superstição, Srta. Swan — murmurou ele. — Isso me surpreende.

— Não é superstição — ela insistiu, enfiando as notas na bolsa enquanto o caixa as contava. — É para dar sorte.

— Admito que errei.

— Gosto de você, Pierce. — Ryan enganchou seu braço no dele. — Achei que deveria lhe dizer.

— Gosta?

— Gosto — disse ela de modo definitivo.

Ela podia lhe dizer isso, pensou enquanto caminhavam para os elevadores. Isso era seguro e certamente verdade. Ela não lhe diria o que Bess tinha dito de forma tão ca­sual. Amá-lo? Não, isso estava longe de ser seguro, e não era necessariamente verdade. Embora... embora ela estivesse ficando cada vez mais temerosa que fosse.

— Gosta de mim? — Ryan virou-se para ele e sorriu quando a porta do elevador fechou.

— Gosto, Ryan. — Ele passou os nós dos dedos sobre seu rosto. — Gosto de você.

— Não tinha certeza. — Ela aproximou-se dele, e ele sen­tiu um formigamento na pele. — Está com raiva de mim.

— Não, não estou com raiva de você.

Ela estava olhando para ele. Pierce podia sentir o ar ficar denso, como acontecia quando a tampa se fechava sobre ele numa caixa ou num baú. Seu ritmo cardíaco acelerou e com pura determinação mental ele o nivelou. Não ia tocá-la de novo.

Ryan viu alguma coisa passar em seus olhos. Um desejo. O dela aumentou também, porém mais, ela sentiu uma ne­cessidade de tocar, de acalmar. Amar. Ela o conhecia agora, embora ele não estivesse ciente disso. Queria dar-lhe alguma coisa. Ela levantou a mão para tocar seu rosto, mas Pierce agarrou seus dedos nos dele quando a porta se abriu.

— Deve estar cansada — disse de modo pouco gentil e puxou-a para o corredor.

— Não.

Ryan riu com a nova sensação de poder. Ele estava ape­nas com um pouquinho de medo dela. Algo disparou den­tro dela — uma combinação de vinho e vitória e conheci­mento. E ela o queria.

— Está cansado, Pierce? — perguntou quando ele des­trancou a porta da suíte.

— É tarde.

— Não. Não, nunca é tarde em Las Vegas. — Ela jogou sua bolsa para o lado e se esticou. — Não existe tempo aqui, não sabe? Não há relógios. — Ela levantou o cabelo e deixou-o cair lentamente pelos dedos. — Como pode ser tarde quando não sabe que horas são. — Ela avistou os pa­péis sobre a mesa e foi até eles, tirando os sapatos enquan­to caminhava. — Trabalha demais, Sr. Atkins. — Rindo, ela se virou novamente para ele. — A Srta. Swan é assim, não é?

Seu cabelo tinha se enroscado nos dedos, e seu rosto es­tava corado. Seus olhos estavam vivos, dançando, seduzin­do. Neles ele viu que seus pensamentos não eram segredo para ela. O desejo era um golpe de martelo no seu estôma­go. Pierce não disse nada.

— Mas gosta da Srta. Swan — murmurou ela. — Eu, nem sempre. Venha se sentar. Explique isso para mim.

Ryan afundou no sofá e pegou um dos papéis dele. Es­tava coberto de desenhos e anotações que não faziam ne­nhum sentido para ela. Pierce então se mexeu, dizendo a si mesmo que era apenas para impedir que ela perturbasse seu trabalho.

— É complicado demais. — Ele pegou a folha de sua mão e colocou-a de volta.

— Tenho uma mente muito rápida. — Ryan puxou o braço dele até ele se sentar a seu lado. Ela olhou para ele e sorriu.

— Sabe que quando olhei pela primeira vez em seus olhos achei que meu coração tinha parado. — Ela colocou a mão no rosto dele. — Na primeira vez que você me beijou eu sei que ele parou.

Pierce pegou a mão dela novamente, sabendo que estava perto do limite. A mão livre dela subiu pela frente da cami­sa até sua garganta.

— Ryan, você deveria ir para a cama.

Ela podia ouvir o desejo na voz dele. Sob a ponta de seu dedo a pulsação da garganta dele latejava depressa. O cora­ção dela começou a equiparar-se com o ritmo.

— Ninguém nunca me beijou assim antes — murmurou ela e deslizou os dedos para o primeiro botão de sua cami­sa. Ela o desabotoou, observando seus olhos. — Ninguém nunca me fez sentir assim antes. Foi mágica, Pierce.

Ela afrouxou o segundo e o terceiro botões.

— Não.

Ele levantou o braço para deter os dedos afoitos que o estavam enlouquecendo.

— Acho que foi. — Ryan se moveu e prendeu seu lóbulo entre os dentes de leve. — Sei que foi.

A respiração em forma de sussurro foi diretamente para a boca do estômago dele, para alimentar as chamas. Elas estavam altas e ameaçavam explodir. Agarrando-a pelos ombros, Pierce começou a afastá-la, mas as mãos dela esta­vam em seu peito nu. Sua boca roçou a garganta dele. Seus dedos se apertaram enquanto o cabo-de-guerra prosseguia dentro dele.

— Ryan. — Embora ele se concentrasse, não conseguia controlar sua pulsação. — O que está tentando fazer?

— Estou tentando seduzi-lo — murmurou ela, seguindo o rastro dos dedos com os lábios. — Está funcionando?

As mãos dela desceram por seu tórax para brincar de leve sobre o seu estômago. Sentiu o tremor da reação e to­mou mais coragem.

— Sim, está funcionando com perfeição.

Ryan riu, um som gutural e quase zombeteiro que fez o sangue dele latejar. Embora ele não a tocasse, não era mais capaz de impedi-la de tocá-lo. As mãos dela eram macias e provocantes enquanto sua língua passava de leve em sua orelha.

— Tem certeza? — sussurrou ela, enquanto retirava a camisa de seus ombros. — Talvez eu esteja fazendo algo errado. — Ela levou a boca até o queixo dele e deixou a língua correr brevemente sobre seus lábios. — Talvez não queira que o toque assim. — Ela desceu com a ponta do dedo pelo centro do seu peito até o cós de seu jeans. — Ou assim. — Mordiscou seu lábio inferior, ainda observando seus olhos.

Não, ela estava errada. Eles eram pretos — pretos, não cinza. Seus desejos guiaram-na até ela pensar que seria tra­gada por eles. Poderia ser possível desejar tanto? Tanto que todo o seu corpo doía e latejava e ameaçava se despedaçar?

— Desejei você quando desceu do palco esta noite — disse ela com a voz rouca. Bem ali, enquanto acreditava que você era um mago, não um homem. E agora. — Ela correu os dedos pelo seu peito para colocá-los atrás de seu pescoço. — Agora, sabendo que você é homem, eu o quero mais. — Ela deixou seus olhos abaixarem até a boca dele, depois os ergueu de novo, até os olhos. — Mas talvez você não me queira. Talvez, eu não... o excite.

— Ryan. — Ele tinha perdido a habilidade de controlar sua pulsação, seus pensamentos, sua concentração. Havia perdido a vontade de tentar encontrá-la de novo. — Não

haverá nenhuma volta num momento.

Ela riu, atordoada com a excitação, guiada pelo desejo. Deixou seus lábios pairarem um pouco acima dos dele.

— Promete?

Ryan exultou com o poder do beijo. A boca dele esta­va sobre a dela de forma ardente, intensa. Ela ficou sob ele com tamanha velocidade que não sentiu o movimento, apenas seu corpo duro sobre o dela. Ele estava puxando sua blusa, impaciente com os botões. Dois voaram e ater­rissaram em algum lugar sobre o carpete antes de a mão dele agarrar seu seio. Ryan gemeu e arqueou o corpo contra o dele, desesperada para ser tocada. Sua língua foi fundo para enroscar-se com a dela.

O desejo era ardente — clarões de calor, borrifadas de cor. A pele dela chamuscava onde ele a tocava. Estava nua sem saber como acontecera, e a carne desnuda dele fundiu-se com a dela. Seus dentes estavam sobre o seio dela, bem no limite do controle, depois sua língua passou pelo seu mamilo até ela gemer e comprimir-se mais.

Pierce podia sentir a martelada da sua pulsação, qua­se saboreá-la enquanto sua boca apressava-se para o outro seio. Os gemidos e as mãos prementes dela estavam conduzindo-o além da razão. Ele estava preso numa fornalha, mas não haveria fuga dessa vez. Sabia que sua carne se derreteria dentro dela até que não restasse mais nada para mantê-lo separado. O calor, o cheiro dela, seu gosto, tudo rodopiava dentro da sua cabeça. Excitação? Não, isso era mais que excitação. Era obsessão. Deslizou os dedos dentro dela. Era tão macia, tão quente e úmida que não lhe restava mais controle.

Penetrou-a com um arrebatamento que atordoou os dois. Depois ela estava se movendo com ele, frenética e firme. Ele sentiu a dor do prazer impossível, sabendo que tinha sido o enfeitiçado, não o feiticeiro. Ele era inteiramente dela.

Ryan sentiu a respiração irregular dele junto ao seu pes­coço. O coração dele ainda estava acelerado. Por mim, pen­sou ela de forma onírica enquanto flutuava no momento seguinte à paixão. Meu, pensou ela de novo, e suspirou. Como Bess descobrira antes dela? Ryan fechou os olhos e deixou-se levar.

Deve estar estampado no meu rosto como uma placa lu­minosa. É cedo demais para lhe dizer?, ela se perguntou. Es­pere, ela decidiu, tocando seus cabelos. Ela se daria tempo para acostumar-se ao amor antes de proclamá-lo. Naquele momento, sentiu que tinha todo o tempo do mundo.

Murmurou um protesto quando Pierce retirou seu peso de cima dela. Pouco a pouco, ela abriu os olhos. Ele ficou olhando para as mãos. Estava se amaldiçoando completa­mente.

— Eu machuquei você? — perguntou ele de forma rápi­da e agitada.

— Não — disse ela, surpresa, e lembrou-se da história de Bess. — Não, não me machucou, Pierce. Não conseguiria. Você é um homem muito gentil.

Os olhos dele retornaram aos dela, entristecidos, angus­tiados. Não houve gentileza nele quando ele a amou. Ape­nas desejo e desespero.

— Nem sempre — disse ele subitamente e pegou o jeans.

— O que está fazendo?

— Vou descer e reservar outro quarto. — Ele estava se vestindo depressa quando ela olhou. — Sinto muito que isso tinha acontecido. Eu não vou... — Ele parou quan­do olhou e viu lágrimas brotando nos olhos dela. Alguma

coisa rompeu-se dentro de seu estômago. — Ryan, sinto muito. — Sentando-se ao lado dela de novo, ele enxugou uma lágrima com o polegar. —Jurei que não ia tocá-la. Não deveria ter feito isso. Você tinha bebido demais. Sabia disso e deveria ter...

— Droga! — Ela afastou a mão dele com um tapa. — Eu estava errada. Você consegue me machucar. Bem, não precisa reservar outro quarto. — Ela pegou a blusa. — Eu mesma vou reservar um. Não vou ficar aqui até você transformar algo maravilhoso em um erro.

Ela estava de pé e vestindo a blusa, que estava do lado avesso.

— Ryan, eu...

— Ora, cale a boca. — Vendo que os dois botões do meio estavam faltando, ela retirou a blusa de novo e ficou encarando-o, insolentemente nua, com os olhos em cha­mas. Ele quase a puxou para o chão e a tomou mais uma vez. — Sabia exatamente o que estava fazendo, ouviu bem? Exatamente! Se acha que bastam alguns drinques para me atirar a um homem, está errado. Queria você, achei que me quisesse. Então, se foi um erro, foi seu.

— Não foi um erro para mim, Ryan. — A voz dele tinha ficado suave, mas quando estendeu o braço para tocá-la, ela fez um movimento brusco para trás. Ele deixou a mão cair ao lado do corpo e escolheu as palavras com cuidado. — Queria você; talvez demais, pensei. E não fui tão gentil com você como gostaria de ter sido. É difícil para mim lidar com o fato de saber que não consegui me controlar.

Por um momento ela o examinou, depois enxugou as lágrimas com o dorso da mão.

— Queria se controlar?

— A questão é que tentei e não consegui. Nunca toquei uma mulher com menos... — Ele hesitou. — Cuidado — ele murmurou. — Você é muito pequena, muito frágil.

Frágil?, ela pensou, e levantou uma das sobrancelhas. Ninguém nunca a tinha classificado assim antes. Em outra ocasião, ela poderia ter gostado, mas agora sentia que havia apenas um jeito de lidar com um homem como Pierce.

— Tudo bem — ela disse, e respirou fundo. — Você tem duas escolhas.

Surpreso, Pierce uniu as sobrancelhas.

— Quais são?

— Pode reservar outro quarto ou pode me levar para a cama e fazer amor comigo de novo. — Ela deu um passo na sua direção. — Agora.

Ele viu o desafio em seus olhos e sorriu.

— Essas são minhas únicas escolhas?

— Acho que poderia seduzi-lo novamente se quiser bancar o teimoso — disse ela dando de ombros. — É com você.

Ele mergulhou os dedos nos cabelos dela enquanto a pu­xava para perto.

— E se uníssemos duas dessas escolhas? Ela lançou-lhe um olhar de consideração.

— Quais?

Ele abaixou sua boca até a dela para um beijo suave e demorado.

— Que tal se eu levá-la para a cama e você me seduzir? Ryan permitiu que ele a levantasse nos braços.

— Sou uma pessoa razoável — ela concordou, enquanto caminhava para o quarto. — Estou disposta a discutir uma solução conciliatória contanto que eu faça as coisas do meu jeito.

— Srta. Swan — Pierce murmurou enquanto a colocava gentilmente sobre a cama. — Gosto do seu estilo.

 

O corpo de Ryan doía. Suspirando, ela aconchegou-se mais no travesseiro. Era um desconforto agradável. Fez com que se lembrasse da noite — a noite que tinha durado até o amanhecer.

Ela não sabia que havia tanta paixão a dar ou tantas necessidades a preencher. Toda vez que pensara em si esgo­tada, de corpo e alma, bastava que ela o tocasse de novo, ou ele nela. A energia voltava ao seu corpo em grande quanti­dade e, com ela, as exigências inexoráveis do desejo.

Então eles dormiram abraçados, enquanto os tons cor-de-rosa do nascer do sol adentravam o quarto. Acordando, agarrando-se ao sono, Ryan moveu-se na direção de Pierce, querendo abraçá-lo novamente. Estava sozinha.

A confusão fez com que seus olhos se abrissem devagar. Deslizando as mãos sobre os lençóis a seu lado, Ryan en­controu-os frios. Foi embora?, pensou ela atordoada. Havia quanto tempo estava dormindo sozinha? Todo o seu prazer onírico chegou ao fim. Ryan tocou os lençóis novamente. Não, ela disse a si mesma, e se esticou, ele está apenas no outro quarto. Não teria me deixado sozinha.

O telefone fez um barulho estridente e a despertou com­pletamente.

— Sim, alô. — Ela atendeu no primeiro toque e tirou o cabelo do rosto com a mão livre. Por que a suíte estava tão tranqüila?

— Srta. Swan?

— Sim, é a Srta. Swan.

— Ligação de Bennett Swan. Por favor, fique na linha. Ryan se sentou, puxando automaticamente os lençóis

até os seios. Desorientada, imaginou que horas eram. E onde, pensou novamente, estava Pierce?

— Ryan, ponha-me a par.

A par?, ela repetiu em silêncio, ouvindo a voz do pai. Lutou para colocar os pensamentos em ordem.

— Ryan!

— Sim, desculpe.

— Não tenho o dia todo.

— Tenho assistido os ensaios de Pierce diariamente — ela começou, desejando uma xícara de café e alguns mo­mentos para se controlar. — Acho que vai descobrir que ele tem as áreas técnicas e a equipe nas mãos. — Ela olhou em volta do quarto em busca de algum sinal dele. — Ele estreou ontem à noite, de forma impecável. Já discutimos algumas alterações para o especial, mas nada foi firmado ainda. Nesse momento, qualquer número novo que tenha bolado, ele está guardando para si.

— Quero algumas estimativas firmes sobre o set dentro de duas semanas — ele lhe disse. — Poderemos ter uma alteração na programação. Você resolve com Atkins. Quero uma lista dos números propostos por ele e a margem de tempo para cada um.

— Já discuti isso com ele — disse Ryan friamente, cha­teada que seu pai estava invadindo seu território. — Sou a produtora, não sou?

— É — ele concordou. — Eu a verei no meu escritório quando voltar.

Ao ouvir o clique, Ryan desligou com um suspiro de exasperação. Tinha sido uma típica conversa de Bennett Swan. Ela esqueceu o telefonema e saiu da cama. O robe de Pierce estava dobrado sobre a cadeira, e Ryan o pegou e vestiu.

— Pierce? — Ryan correu para a área de estar da suí­te mas encontrou-a vazia. — Pierce? — ela chamou nova­mente, pisando em um dos botões perdidos de sua blusa. Distraidamente, Ryan o pegou e o enfiou no bolso do robe antes de atravessar a suíte.

Vazia. A dor começou em seu estômago e se espalhou. Ele a deixara sozinha. Balançando a cabeça, Ryan esquadri­nhou os quartos novamente. Ele deve ter lhe deixado um recado por que e onde tinha ido. Não acordaria simples­mente e a abandonaria, não após a noite passada.

Mas não havia nada. Ryan tremeu, sentindo um frio re­pentino.

Era o modelo da sua vida, decidiu. Caminhando até a ja­nela, ficou olhando para o letreiro apagado. Não importava de quem ela gostasse, a quem dava amor, as pessoas sempre seguiam seus caminhos. No entanto, de alguma forma, ela ainda esperava que fosse diferente.

Quando era pequena, havia sido sua mãe, uma jovem que adorava a vida glamourosa e seguia Bennett Swan por todo o mundo. Você é uma menina crescida, Ryan, e auto-sufi­ciente. Estarei de volta em alguns dias. Ou algumas semanas,

Ryan se lembrou. Sempre havia uma governanta ou outros empregados para cuidar dela. Não, ela nunca tinha sido abandonada nem maltratada. Apenas esquecida.

Depois foi seu pai, correndo daqui para ali em um minu­to. Mas, é claro, ele providenciara para que ela tivesse uma babá confiável, a quem ele pagava um salário substancial. Então, ela foi mandada para a Suíça, o melhor internato que existia. Aquela minha filha tem a cabeça no lugar. Está entre os dez melhores alunos da turma.

Havia um presente caro no seu aniversário com um car­tão imenso dizendo para prosseguir com o bom trabalho que estava fazendo. É claro que ela prosseguiu. Ela nunca teria arriscado desapontá-lo.

Nada muda, pensou Ryan enquanto se virava para se olhar no espelho. Ryan é forte. Ryan é prática. Ryan não precisa de todas as coisas que as outras mulheres precisam — abraços, gentileza, romance.

Eles estão certos, é claro, ela dizia a si mesma. É tolice ficar magoada. Nós nos queríamos. Passamos a noite jun­tos. Por que romantizar? Não tenho nenhum direito sobre Pierce. E ele não tem nenhum sobre mim. Ela tocou a lapela do seu robe e rapidamente soltou a mão. Movendo-se com rapidez, despiu-se e foi para o chuveiro.

Manteve a água numa temperatura insuportável, permi­tindo que ela tivesse impacto total contra sua pele. Não ia pensar. Ela se conhecia muito bem. Se mantivesse sua men­te com um espaço vazio, quando a abrisse de novo, saberia o que tinha de fazer.

O ar do banho estava fumegante e úmido quando ela saiu para se enxugar. Seus movimentos foram novamente bruscos. Havia trabalho a ser feito — anotações sobre idéias e planos. Ryan Swan, produtora executiva. Era no que ela devia se concentrar. Era hora de parar de se preocupar com as pessoas que não poderiam dar — ou não queriam dar — o que ela queria. Tinha que fazer seu próprio nome no meio. Era tudo que realmente importava.

Enquanto se vestia, sentiu-se em sua calma perfeita. Os sonhos eram para quando se dormia, e ela estava plenamen­te acordada. Havia dúzias de detalhes a serem providencia­dos. Tinha reuniões a organizar, chefes de departamento com quem negociar. Decisões precisavam ser tomadas. Es­tava em Las Vegas havia bastante tempo. Conhecia o esti­lo de Pierce melhor que jamais esperava conhecer. E, mais importante para ela no momento, sabia precisamente o que queria como produto final. De volta a Los Angeles, Ryan poderia começar a colocar suas idéias em movimento.

Ia ser sua primeira produção, mas ela estaria condenada se fosse sua última. Dessa vez tinha lugares próprios para ir.

Ryan pegou o pente e passou-o pelos cabelos úmidos. A porta abriu-se atrás dela.

— Então você está acordada.

Pierce sorriu e começou a caminhar até ela. O olhar nos olhos dela o deteve. Ressentimento e raiva — ele podia sentir as ondas dos sentimentos.

— Sim, estou acordada — disse ela tranqüilamente e continuou a pentear os cabelos. — Estou acordada faz um tempo. Meu pai ligou mais cedo. Queria um relato do an­damento do projeto.

— Oh? — Suas emoções não eram direcionadas a seu pai, Pierce decidiu, observando-a atentamente. — Pediu al­guma coisa para o serviço de quarto?

— Não.

— Deveria tomar café-da-manhã — disse ele, dando mais um passo em sua direção. Não foi mais adiante, sentindo a parede que ela havia erguido entre eles.

— Não, na verdade não quero. — Ryan pegou o rimei e começou a aplicá-lo com grande cuidado. — Vou tomar café no aeroporto. Vou voltar para Los Angeles esta manhã.

O tom frio e distante fez os músculos do estômago dele se contraírem. Ele poderia ter se enganado? A noite que tinham passado juntos significara tão pouco para ela?

— Esta manhã? — repetiu ele, utilizando o mesmo tom que ela. — Por quê?

— Acho que tenho uma boa idéia de como você traba­lha e do que vai querer para o especial. — Ela manteve os olhos focados apenas em sua própria imagem no espelho. — Deveria começar com os estágios preliminares, depois podemos marcar uma reunião quando você voltar para a Califórnia. Ligarei para seu agente.

Pierce conteve as palavras que queria dizer. Ele nunca acorrentava ninguém, a não ser ele mesmo.

— Se é o que quer.

Os dedos de Ryan se apertaram no tubo de rímel antes de ela colocá-lo de volta.

— Nós dois temos trabalho a fazer. O meu é em Los Angeles; o seu, no momento, é aqui.

Ela virou-se para ir ao armário, mas ele colocou a mão sobre seu ombro. Pierce soltou-a imediatamente quando ela enrijeceu.

— Ryan, eu magoei você?

— Magoou, a mim? — repetiu ela, e continuou o ca­minho até o armário. Seu tom foi como um encolher de ombros, mas ele não pôde ver seus olhos. — Como é que poderia ter me magoado?

— Não sei. — Sua voz veio diretamente de detrás dela. Ryan retirou uma braçada de roupas. — Mas eu magoei. — Ele virou-a de frente para ele. — Posso ver em seus olhos.

— Esqueça — ela lhe disse. — Eu esquecerei.

Ela começou a se afastar, mas dessa vez ele manteve suas mãos firmes.

— Não posso esquecer algo a menos que saiba o que é. Embora mantivesse suas mãos leves, o aborrecimento

estava no seu tom de voz.

— Ryan, me diga qual é o problema.

— Deixa para lá, Pierce.

— Não.

Ryan tentou se desvencilhar de novo e mais uma vez ele a conteve. Ela disse a si mesma para ficar calma.

— Você me abandonou! — disse ela em tom explosivo e jogou as roupas de lado. A paixão irrompeu dela tão rápido que o deixou com o olhar fixo e sem fala. — Acordei e você já tinha ido, sem dizer uma palavra. Não estou acostumada a encontros de uma noite.

Os olhos dele se incendiaram diante disso.

— Ryan...

— Não, não quero ouvir. — Ela balançou a cabeça de forma vigorosa. — Esperava outra coisa de você. Estava er­rada. Mas tudo bem. Uma mulher como eu não precisa de todas as sutilezas. Sou especialista em sobrevivência. — Ela torceu o corpo mas continuou presa junto ao dele. — Não faça isso! Me solta, tenho que arrumar as malas.

— Ryan. — Mesmo quando ela resistia, ele a abraçava mais firme. O sofrimento era profundo, ele pensou, e não tinha começado com ele. — Sinto muito.

— Quero que me solte, Pierce.

— Você não vai me ouvir se eu soltar. — Ele passou a mão pelos seus cabelos molhados. — Preciso que me escute.

— Não há nada a dizer.

A voz dela havia engrossado, e ele sentiu uma perversa punhalada de culpa. Como pôde ter sido tão idiota? Como pôde não ter visto o que seria tão importante para ela?

— Ryan conheçoencontros de uma noite muito bem.

— Pierce afastou-a, apenas o suficiente para que pudesse ver seus olhos. — Não foi o que a noite passada represen­tou para mim.

Ela balançou a cabeça com força, lutando para recobrar a serenidade.

— Você não precisa dizer isso.

— Eu disse a você, uma vez que não minto, Ryan. — Ele deslizou as mãos até seus ombros. — O que tivemos juntos na noite passada é muito importante para mim.

— Você não estava aqui quando acordei. — Ela engoliu em seco e fechou os olhos. — A cama estava fria.

— Desculpe. Fui resolver algumas coisas antes do show desta noite.

— Se tivesse me acordado...

— Não pensei em acordá-la, Ryan — disse ele baixinho.

— Como nunca pensei em como pudesse se sentir acordan­do sozinha. O sol estava entrando no quarto quando você adormeceu.

— Você ficou acordado tanto quanto eu. — Ela tentou se afastar novamente. — Pierce, por favor! — Ouvindo o desespero no pedido, ela mordeu o lábio. — Me solta.

Ele abaixou as mãos e observou quando ela juntou as roupas de novo.

— Ryan, nunca durmo mais de cinco ou seis horas. É tudo de que preciso. — Era pânico que ele estava sentindo vendo-a dobrar uma blusa e colocá-la na mala? — Pensei que ainda estaria dormindo quando eu voltasse...

— Procurei você — disse ela. — E você havia ido.

— Ryan...

— Não, não faz diferença. — Ela comprimiu as mãos nas têmporas e soltou um suspiro profundo. — Desculpe. Estou agindo como uma idiota. Você não fez nada, Pierce.

Sou eu. Sempre espero demais. Sempre me sinto confusa quando não consigo. — Rapidamente ela começou a fazer as malas de novo. — Não tive intenção de fazer uma cena. Por favor, esqueça.

— Não é algo que quero esquecer — murmurou ele.

— Eu me sentiria menos tola se soubesse que você es­queceria — disse ela, tentando suavizar a voz. — Basta atri­buir tudo à falta de sono e má disposição. Mas tenho que ir. Tenho muito trabalho a fazer.

Ele tinha visto as necessidades dela desde o princípio

— sua reação à gentileza, seu prazer ao receber uma flor de presente. Ela era uma mulher emotiva e romântica que se esforçava muito para não ser. Pierce se amaldiçoou, pen­sando como ela devia ter se sentido ao encontrar a cama vazia após a noite que passaram juntos.

— Ryan, não vá.

Era difícil para ele. Era algo que ele nunca pedira a nin­guém.

Os dedos dela hesitaram nos cadeados da mala. Ela os fechou, colocou a mala no chão e se virou.

— Pierce, não estou com raiva, honestamente. Um pou­co constrangida, talvez. — Ela conseguiu dar um sorriso.

— Realmente tenho que voltar e colocar as coisas em movi­mento. Talvez haja uma alteração na programação e...

— Fique — ele interrompeu, incapaz de se conter. — Por favor.

Ryan permaneceu em silêncio por um momento. Algo que ela viu em seus olhos fez com que um bloqueio se ins­talasse em sua garganta. Estava sendo um pouco difícil para ele perguntar. Tal como ia ser um pouco difícil para ela perguntar.

— Por quê?

— Preciso de você. — Ele inspirou após o que foi para ele uma assombrosa aceitação. — Não quero perdê-la.

Ryan deu um passo na sua direção.

— Faz diferença?

— Faz. Sim, faz diferença.

Ela esperou um momento mas não conseguiu se conven­cer a sair pela porta.

— Mostre — ela lhe disse.

Ele caminhou até ela e a abraçou firme. Ryan fechou os olhos. Era exatamente do que ela precisava — ser abraçada, ser simplesmente abraçada. O peito dele estava firme junto ao seu rosto, seus braços fortes em volta dela. Ela sabia, porém, que estava sendo abraçada como se fosse algo pre­cioso. Frágil, foi como ele a chamou. Pela primeira vez na vida Ryan queria ser.

— Ora, Pierce, não sou idiota.

— Não. — Ele levantou o queixo com o dedo e a beijou. — Você é tão doce. — Ele sorriu então e repousou a testa na dela. — Vai reclamar quando eu acordá-la após cinco horas de sono?

— Nunca. — Rindo, ela lançou os braços em volta do pescoço dele. — Talvez um pouquinho.

Ela sorriu para ele, mas os olhos dele ficaram repentina­mente sérios. Pierce envolveu sua nuca com a mão antes de sua boca abaixar-se até a dela.

Foi como da primeira vez — a suavidade, a leve pressão que transformou seu sangue em chama. Ela ficava comple­tamente impotente quando ele a beijava assim, sem conse­guir puxá-lo para mais perto, incapaz de exigir. Podia ape­nas deixar que ele fizesse tudo a seu tempo.

Pierce sabia que dessa vez o poder era apenas dele. Fez com que suas mãos se movessem suavemente enquanto a despiam. Deixou a blusa dela escorregar lentamente dos om­bros, descer pelas costas, até tremular no chão. A pele dela tremeu quando as mãos dele passaram sobre seu corpo.

Abrindo o fecho da calça dela, ele abraçou-a pela cintu­ra, deixando que seus dedos brincassem com o pequenino pedaço de seda e renda bem no alto de suas coxas. Todo o tempo sua boca mordiscava a dela. A respiração dela parou, então ela gemeu quando ele pôs um dos dedos dentro da seda. Mas não retirou. Em vez disso, deslizou a mão até seu seio para acariciar e provocar, até ela começar a tremer.

— Quero você — disse ela, trêmula. — Sabe quanto o quero?

— Sei. — Ele deu beijos suaves como borboletas em seu rosto. — Sei.

— Faça amor comigo — murmurou Ryan. — Pierce, faça amor comigo.

— Estou fazendo — murmurou ele, e comprimiu a boca na pulsação frenética do seu pescoço.

— Agora — ela pediu, fraca demais para puxá-lo para junto de seu corpo.

Ele riu, no fundo da garganta, e levou-a até a cama.

— Você me enlouqueceu ontem à noite, Srta. Swan, me tocando assim.

Pierce passou o dedo pelo centro do seu corpo, parando para demorar-se no suave monte entre suas pernas. Deva­gar, preguiçosamente, ele fez com que sua boca seguisse o rastro. De noite ele fora acometido por uma loucura. Co­nheceu a impaciência, o desespero. Ele a tomara várias ve­zes, de forma apaixonada, mas fora incapaz de saborear. Foi como se ele estivesse faminto, e a gula o conduzira. Agora, embora não a desejasse menos, podia refrear a necessidade. Podia saborear, experimentar e se deleitar.

Os membros de Ryan estavam pesados. Ela não conse­guia movê-los, podia apenas deixar que ele tocasse, acari­ciasse e beijasse qualquer lugar que desejasse. A força que a tinha conduzido na noite anterior havia sido substituída por uma fraqueza adocicada. Ela ficou encharcada dela.

A boca dele demorou-se em sua cintura, a língua fazen­do círculos mais embaixo enquanto ele corria as mãos de leve sobre ela, contornando o formato de seus seios, acari­ciando seu pescoço e seus ombros. Ele provocava, em vez de possuir; excitava, ao invés de satisfazer.

Prendeu o cós da seda em seus dentes e abaixou-a al­guns centímetros. Ryan arqueou e gemeu. Mas foi a pele da coxa dela que ele experimentou, saboreando até que ela soubesse que a loucura estava a um sopro de distância. Ela ouviu-se suspirando seu nome, um som suave e urgente, mas ele não respondeu. Sua boca estava ocupada fazendo maravilhas com a parte atrás do joelho dela.

Ryan sentiu a pele aquecida do peito dele roçar em sua perna, embora não tivesse idéia de como ou quando ele tinha se livrado da camisa. Nunca estivera mais consciente de seu próprio corpo. Descobriu o prazer entorpecente e celestial que podia vir do toque da ponta de um dedo sobre a pele.

Ele a estava levantando, pensou Ryan sem muita clare­za, embora suas costas estivessem comprimidas contra a cama. Ele a estava fazendo levitar, fazendo-a flutuar. Esta­va lhe mostrando mágica, mas esse estado hipnótico não era ilusão.

Os dois estavam nus agora, enrolados um no outro en­quanto a boca dele fez o caminho de volta até a dela. Ele a beijou devagar, profundamente, até que ela ficasse sem energia. Os dedos ágeis dele excitavam. Ela não sabia que a paixão poderia puxar para os dois lados ao mesmo tempo — para o fogo, que chamusca, e para as nuvens.

Ela estava arfante, mas, mesmo assim, ele esperou. Ele lhe daria tudo primeiro, todas as gotas de prazer, todas as misteriosas delícias que ele conhecia. A pele dela era como água nas mãos dele, fluindo, ondulando. Mordiscou e su­gou de leve seus lábios inchados, e esperou seu gemido fi­nal de rendição.

— E agora, amor? — perguntou ele, espalhando leves beijos sussurrantes em seu rosto. — E agora?

Ela não conseguiu responder. Estava além das palavras e da razão. Era onde ele queria que ela estivesse. Feliz, ele riu e comprimiu a boca na garganta dela.

— Você é minha, Ryan? Diga. Minha.

— Sou. — Saiu como um suspiro rouco, mal se ouvia. — Sua. — Mas a boca dele engoliu as palavras quando ela as disse. — Leve-me.

Ela não se ouviu dizer isso. Pensou que o pedido estava apenas em seu cérebro, mas, então, ele estava dentro dela. Ryan arfou e arqueou o corpo para encontrá-lo. E, ainda assim, ele se movia com doloroso vagar.

O sangue estava rugindo nos ouvidos dela quando ele teve o prazer final em sua forma plena. Os lábios dele roça­ram nos dela, capturando cada respiração trêmula.

De repente, ele comprimiu sua boca na dela — nada mais de suavidade, nada mais de provocação. Ela gritou quando ele a pegou com uma fúria repentina e selvagem. O fogo consumiu os dois, fundindo pele e lábios até Ryan pensar que eles dois tinham morrido.

Pierce deitou sobre ela, repousando a cabeça entre seus seios. Ele ouviu o som das batidas de seu coração. Ela ainda não tinha parado de tremer. Os braços dela estavam enro­lados em volta dele, com uma das mãos ainda emaranhada nos cabelos dele. Ele não queria se mover. Queria mantê-la assim — sozinha, nua, dele. O desejo ardente de possessão o perturbou. Não era seu jeito. Nunca tinha sido, antes de Ryan. O impulso era forte demais para resistir.

— Me diga de novo — ele pediu, levantando o rosto para observar o dela.

Os olhos de Ryan se abriram devagar. Ela estava entor­pecida de amor, saciada de prazer.

— Dizer o quê?

A boca dele voltou à dela mais uma vez, buscando, e demorou-se ao fazer a última prova. Quando levantou o rosto, seus olhos estavam escurecidos e exigentes.

— Diga-me que é minha, Ryan.

— Sua — murmurou ela, enquanto seus olhos se fecha­ram outra vez. Ela suspirou, caindo no sono. — Por quanto tempo você me quiser.

Pierce franziu as sobrancelhas diante de sua resposta e começou a falar, mas sua respiração estava lenta e constan­te. Ele mudou de posição, deitou ao lado dela e puxou-a para perto.

Dessa vez ele esperaria até que ela acordasse.

 

Ryan nunca vira o tempo passar tão rapidamente. De­via ter ficado feliz. Quando o compromisso de Pierce em Las Vegas terminou, eles puderam começar a trabalhar no especial. Era algo que ela estava ansiosa para fazer, por ela mesma e por ele. Sabia que poderia ser o momento de­cisivo de sua carreira.

Mas ela se viu desejando que as horas não passassem voando. Havia algo fantasioso sobre Las Vegas, com sua falta de sincronização de tempo, suas ruas com bares ba­rulhentos e cassinos reluzentes. Ali, com o toque de má­gica por toda parte, parecia natural amá-lo, compartilhar da vida que ele vivia. Ryan não tinha certeza que seria tão simples assim quando retornassem ao mundo real.

Os dois estavam vivendo um dia de cada vez. Não havia conversa sobre o futuro. A explosão de possessividade de Pierce não ocorreu novamente, e Ryan ficou admirada. Ela quase acreditou que tinha sonhado com aquelas palavras profundas e insistentes.

— Você é minha. Me diga.

Ele não tinha pedido de novo, nem havia lhe dedica­do palavras de amor. Ele era gentil, às vezes extremamente gentil, com palavras, olhares ou gestos. Mas nunca esta­va completamente livre com ela. Nem Ryan jamais estava completamente livre com ele. A confiança não vinha fácil para nenhum dos dois.

Na noite de encerramento Ryan vestiu-se com esmero. Queria uma noite especial. Champanhe, ela decidiu en­quanto colocava um vestido leve com um arco-íris de tons. Pediria que enviassem champanhe para a suíte após a apre­sentação. Eles tinham uma longa e última noite para passar juntos antes do término do idílio.

Ryan fez um auto-exame crítico no espelho. O vestido era transparente e muito mais ousado, ela notou, que seu estilo usual. Pierce diria que era mais Ryan que Srta. Swan, pensou e riu. Ele estaria certo, como sempre. No momento ela não se sentia absolutamente como a Srta. Swan. Ama­nhã seria cedo o bastante para traje passeio.

Ela colocou perfume nos pulsos e depois entre os seios.

— Ryan, se quiser jantar antes do show, terá que se apressar. São quase...

Pierce parou de repente ao entrar no quarto. Parou para olhar para ela. O vestido flutuava aqui, apertava ali, ajustando-se sedutoramente sobre seus seios em cores que se combinavam e escorriam como um quadro deixado na chuva.

— Você está tão linda — murmurou ele, sentindo a exci­tação familiar ao longo da pele. — Como algo com que eu talvez tenha sonhado.

Quando ele falava assim, fazia seu coração se derreter e a pulsação acelerar ao mesmo tempo.

— Um sonho? — Ryan caminhou até ele e passou os braços em volta do seu pescoço. — Que tipo de sonho você gostaria que eu fosse? — Ela beijou um dos lados de seu rosto e, depois, o outro. — Vai fazer aparecer um sonho para mim, Pierce?

— Você está cheirando a jasmim. — Ele enterrou o rosto no pescoço dela. Ele achava que nunca tinha querido nada, ninguém, tanto em sua vida. — Isso me deixa louco.

— Feitiço de mulher. — Ryan inclinou a cabeça para dar à boca de Pierce mais liberdade. — Enfeitiçar o feiticeiro.

— Funciona.

Ela deu uma risada gutural e comprimiu-se mais contra ele.

— Não foi um feitiço de mulher que causou a destruição de Merlin no fim?

— Andou pesquisando? — perguntou ele dentro de sua orelha. — Cuidado, estou no ramo há mais tempo que você. — Ele levantou o rosto e encostou seus lábios nos dela. — Você sabe que não é prudente se envolver com um mágico.

— Não sou nem um pouco prudente. — Ela deixou os dedos subirem pela nuca dele, depois pela sua espessa ca­beleira. — Nem um pouco.

Ele sentiu uma onda de poder — e uma onda de fraque­za. Era sempre a mesma coisa quando ela estava em seus braços. Pierce puxou-a para junto dele, outra vez, apenas para abraçá-la. Sentindo alguma resistência, Ryan permane­ceu passiva. Ele tinha tanto a dar, ela pensou, tanta emoção que ele oferecia ou continha. Ela nunca poderia ter certeza do que ele escolheria fazer. Mas não era a mesma coisa com ela?, se perguntou. Ela o amava, mas não conseguia dizer as palavras em voz alta. Mesmo enquanto o amor crescia, ela não conseguia dizê-las.

— Vai estar nos bastidores hoje à noite? — ele pergun­tou. — Gosto de saber que está lá.

— Vou. — Ryan inclinou a cabeça para trás e sorriu. Era tão raro ele pedir qualquer coisa. — Um dia desses vou per­ceber alguma coisa. Até mesmo sua mão não é sempre mais rápida que o olho.

— Não? — Ele sorriu, divertindo-se com sua determina­ção contínua em apanhá-lo. — Sobre o jantar — ele come­çou a dizer e brincou com o zíper na parte de trás do seu vestido. Ele estava começando a imaginar o que ela usava sob ele. Se ele decidisse, poderia colocar o vestido nos seus pés antes que ela conseguisse respirar.

— O que tem? — perguntou ela com um brilho de travessura nos olhos.

A batida na porta o fez praguejar.

— Por que não transforma quem quer que seja em sapo? — Ryan sugeriu. Depois, suspirando, ela repousou a cabeça no ombro dele. — Não, acho que seria grosseiro.

- — Gosto da idéia. Ela riu e recuou.

— Vou atender. Não posso ficar com isso na consciên­cia. — Brincando com o botão de cima da camisa dele, ela levantou uma das sobrancelhas. — Não vai se esquecer em que estava pensando enquanto os mando embora?

Ele sorriu.

— Tenho uma memória muito boa.

Pierce soltou-a e observou-a se afastar. Ele concluiu que a Srta. Swan não tinha escolhido aquele vestido, ecoando os primeiros pensamentos de Ryan.

— Encomenda para a Srta Ryan.

Ryan pegou a pequena caixa embrulhada sem enfeites e o cartão do mensageiro.

— Obrigada.

Após fechar a porta, ela largou o embrulho e abriu o en­velope. A mensagem era breve e estava datilografada.

 

Ryan,

Seu relatório está bom. Espero um relato minucioso sobre o projeto de Atkins na sua volta. Primeira reunião programada para uma semana a partir de hoje. Feliz ani­versário.

Seu pai

 

Ryan leu duas vezes e depois deu uma olhada rápida no embrulho. Ele não se esqueceria do meu aniversário, pen­sou enquanto passava uma terceira vista de olhos pelas pa­lavras datilografadas. Bennett Swan sempre cumpria suas obrigações. Ryan sentiu uma onda de desilusão, de raiva, de futilidade. Todas as emoções conhecidas da filha única de Swan.

Por quê?, ela se perguntou. Por que ele não tinha espe­rado e lhe dado algo pessoalmente? Por que tinha envia­do uma mensagem impessoal que parecia um telegrama e um presentinho apropriado que sua secretária tinha, sem dúvida, escolhido? Por que não poderia ter simplesmente enviado lembranças?

— Ryan? — Pierce a observava do vão da porta do quar­to. Ele a tinha visto ler a mensagem. Tinha visto o olhar vazio em seus olhos. — Notícia ruim?

— Não. — Rapidamente Ryan balançou a cabeça e en­fiou a mensagem na bolsa. — Não, não é nada. Vamos jan­tar, Pierce. Estou morrendo de fome.

Ela estava sorrindo, estendendo a mão em busca da dele, mas o sofrimento em seus olhos era indisfarçável. Sem di­zer nada, Pierce tomou sua mão. Enquanto saíam da suíte, ela olhou para o embrulho que não abriu.

Como Pierce tinha pedido, Ryan assistiu ao espetáculo dos bastidores. Ela bloqueara da mente todos os pen­samentos sobre seu pai. Era sua última noite de liberdade completa, e Ryan estava determinada a não permitir que algo a estragasse.

É meu aniversário, ela se lembrou. Vou fazer minha comemoração particular. Não tinha dito nada a Pierce a princípio porque havia se esquecido completamente do aniversário até a chegada da mensagem de seu pai. Agora, ela decidiu, seria tolice não mencionar. Afinal de contas, tinha 27 anos, estava velha demais para sentimentalismo por causa da passagem de um ano.

— Você estava maravilhoso, como sempre — ela disse a Pierce quando ele desceu do palco, com os aplausos retum­bantes atrás. — Quando vai me contar como faz aquela ilusão?

— A mágica, Srta. Swan, não tem explicação. Ela estreitou os olhos para ele.

— Por acaso sei que Beth está no seu camarim neste momento e que a pantera...

— As explicações desapontam — ele interrompeu. Ele pegou sua mão a fim de conduzi-la ao seu próprio cama­rim. — A mente é um paradoxo, Srta. Swan.

— Conte-me — disse ela secamente, sabendo muito bem que ele não ia explicar nada.

Ele conseguiu manter o rosto sério e tranqüilo enquanto tirava a camisa.

— A mente quer acreditar no impossível — ele conti­nuou a dizer enquanto entrava no banho para se lavar. — Mas não acredita. Aí está o encanto. Se o impossível não for possível, então, como foi feito diante dos seus olhos e debaixo do seu nariz?

— É o que desejo saber — Ryan reclamou com a voz en­cobrindo o som da água corrente. Quando ele voltou, com uma toalha sobre o ombro, ela disparou um olhar direto e observador para ele. — Como sua produtora neste especial, eu deveria...

— Produzir — ele terminou a frase e vestiu uma camisa limpa. — Farei o impossível.

— É enlouquecedor não saber — disse ela de modo triste mas abotoou ela própria os botões da camisa dele.

— É.

Pierce apenas sorriu quando ela lhe lançou um olhar fu­rioso.

— É apenas um truque — disse Ryan encolhendo os om­bros, esperando chateá-lo.

— É?

O sorriso dele permanecia irritantemente amável. Reco­nhecendo a derrota ao estar diante dela, Ryan suspirou.

— Suponho que sofreria de todos os tipos de tortura e não diria nada.

— Tinha alguma em mente?

Ela riu então e comprimiu a boca na dele.

— É apenas o começo — foi sua promessa perigosa. — Vou levá-lo para cima e enlouquecê-lo até falar.

— Interessante. — Pierce passou o braço em volta dos ombros dela e conduziu-a ao corredor. — Pode levar bas­tante tempo.

— Não estou com pressa — disse ela alegre.

Eles foram para o último andar, mas quando Pierce co­meçou a enfiar a chave na fechadura da suíte, Ryan colocou a mão sobre a dele.

— É sua última chance antes de eu ser mais incisiva — ela alertou. — Vou fazê-lo falar.

Ele apenas sorriu para ela e abriu a porta.

— Feliz aniversário!

Os olhos de Ryan se arregalaram de surpresa. Bess, ainda com a roupa do espetáculo, abriu uma garrafa de champa­nhe enquanto Link se esforçava ao máximo para colocar o líquido nas taças. Sem fala, Ryan ficou olhando para eles.

— Feliz aniversário, Ryan. Pierce beijou-a de leve.

— Mas como... — Ela parou para olhar para ele. — Como sabia?

— Tome. — Bess colocou uma taça de champanhe na mão de Ryan e depois lhe deu um rápido aperto. — Beba tudo, querida. Só se comemora o aniversário uma vez ao ano. Graças a Deus. O champanhe é por minha conta, uma garrafa agora e outra mais tarde.

Ela piscou para Pierce.

— Obrigada. — Ryan olhou para a taça com um ar im­potente. — Não sei o que dizer.

— Link tem uma coisa para você também — Bess disse a ela.

O grandalhão se mexeu de modo desconfortável enquan­to todos os olhos se viraram para ele.

— Trouxe um bolo — ele murmurou, e então limpou a garganta. — Você tem que ter um bolo de aniversário.

Ryan caminhou para ver um fino bolo decorado em cor-de-rosa e amarelo.

— Oh, Link. É maravilhoso.

— Você tem que cortar o primeiro pedaço — disse ele.

— Vou cortar, num minuto. — Levantando o braço, Ryan trouxe a cabeça dele para baixo até que pudesse alcançá-la na ponta dos pés e deu um beijo na sua boca. — Obrigada, Link.

Ele ficou rosado, sorriu e lançou um olhar agoniado para Bess.

— De nada.

— Tenho uma coisa para você. — Ainda sorrindo, Ryan se virou para Pierce. — Vai me beijar também? — ele per­guntou.

— Depois de ganhar meu presente.

— Interesseira — disse ele, e entregou-lhe uma pequena caixa de madeira.

Era antiga e talhada. Ryan passou o dedo sobre ela para sentir os locais que tinham ficado lisos com o tempo e o manuseio.

— É bonita — ela murmurou. Abriu-a e viu um pequeni­no símbolo de prata numa corrente. — Oh!

— Uma ankh — Pierce lhe disse, pegando-a para colocar em volta do seu pescoço. — Um símbolo egípcio da vida. Não é uma superstição — disse ele em tom sério. — É para dar sorte.

— Pierce. — Lembrando-se de seu centavo achatado, Ryan riu e lançou os braços em volta dele. — Nunca se esquece de nada?

— Não. Agora você me deve um beijo.

Ryan obedeceu, mas se esqueceu que havia olhares sobre eles.

— Ei, queremos um pouco desse bolo. Não queremos, Link?

Bess passou o braço em volta da sua grossa cintura e sorriu quando Ryan olhou.

— Será que é tão gostoso quanto parece? — Ryan se per­guntou em voz alta enquanto pegava a faca e cortava uma fatia. — Não sei quando foi a última vez que comi bolo de aniversário. Link, pegue o primeiro pedaço. — Ryan lam­beu o glacê do dedo quando ele pegou o bolo. — Maravi­lhoso — fez seu julgamento e começou a cortar outra fatia. — Não sei como você descobriu. Eu mesma tinha esque­cido até... — Ryan parou de cortar e endireitou o corpo.

— Você leu minha mensagem — ela acusou Pierce. Ele parecia convincentemente perplexo.

— Que mensagem?

Ela deu um suspiro impaciente, sem notar que Bess ti­nha pegado a faca e estava cortando o bolo.

— Foi na minha bolsa e leu a mensagem.

— Fui na sua bolsa? — Pierce repetiu, levantando uma das sobrancelhas. — Ora, Ryan, eu faria algo tão grosseiro?

Ela pensou nisso por um momento.

— Sim, faria.

Bess deu um riso abafado, mas ele apenas lançou-lhe um leve olhar. Aceitou um pedaço de bolo.

— Um mágico não precisa chegar a bater carteira para ter informação.

Link riu, um ruído surdo e profundo que pegou Ryan de surpresa.

— Como daquela vez que pegou as chaves do sujeito em Detroit? — ele lembrou a Pierce.

— Ou os brincos da senhora em Flatbush — disse Bess.

— Ninguém tem a mão mais leve que você, Pierce.

— É mesmo? — Ryan emitiu as palavras enquanto vol­tou o olhar para ele.

Pierce deu uma mordida no bolo e não disse nada.

— Ele sempre devolve no fim do show — Bess prosse­guiu. — Que bom que Pierce não se decidiu por uma vida criminosa. Pense no que aconteceria se ele começasse a ar­rombar cofres pelo lado de fora e não de dentro.

— Fascinante — concordou Ryan, estreitando os olhos para ele. — Adoraria saber mais sobre isso.

— E naquela vez em que você saiu daquela pequena cela em Wichita, Pierce? — Bess prosseguiu. — Sabe quando eles trancaram você por...

— Tome um pouco mais de champanhe, Bess — Pierce sugeriu, erguendo a garrafa e inclinando-a em sua taça.

Link deu outra risada vigorosa.

— Gostaria de ter visto a cara do delegado quando olhou e viu a cela vazia, completamente trancada e arrumada.

— Fuga de cela — refletiu Ryan, fascinada.

— Houdini fazia isso de forma rotineira. Pierce entregou-lhe uma taça de champanhe.

— É, mas ele combinava com os tiras primeiro.

Bess riu do olhar que Pierce deu para ela e cortou outro pedaço de bolo para Link.

— Bater carteiras, fugir de celas. — Ryan gostou do li­geiro desconforto que viu nos olhos de Pierce. Não era com freqüência que ela o tinha em desvantagem. — Existem outras coisas sobre as quais eu deveria saber?

— Parece que você já sabe demais — ele comentou.

— É. — Ela lhe deu um beijo sonoro, — E é o melhor presente de aniversário que já recebi.

— Vamos lá, Link. — Bess levantou a garrafa de cham­panhe, que estava pela metade. — Vamos acabar com isso e com o bolo. Vamos deixar que Pierce saia dessa. Você deve­ria contar a ela sobre aquele vendedor em Salt Lake City.

— Boa noite, Bess — disse Pierce de modo suave, e ga­nhou outra risada.

— Feliz aniversário, Ryan.

Bess deu um reluzente sorriso para Pierce enquanto pu­xava Link para fora do quarto.

— Obrigada, Bess. Obrigada, Link. — Ryan esperou até a porta se fechar antes de olhar novamente para Pierce. — Antes de falarmos sobre o vendedor em Salt Lake City, por que estava na cela em Wichita? — Os olhos dela riam para ele sobre a borda da taça.

— Um mal-entendido.

— É o que todos dizem. — Sua sobrancelha arqueou.

— Um marido ciumento, talvez?

— Não, um assistente de delegado que ficou chateado quando se viu preso ao banco do bar com suas próprias algemas. — Pierce deu de ombros. — Ele não ficou grato quando o soltei.

Ryan abafou uma risada.

— Não, imagino que não tenha ficado.

— Uma pequena aposta — Pierce acrescentou. — Ele perdeu.

— Então, em vez de pagar — Ryan concluiu —, ele jogou você no xadrez.

— Algo do tipo.

— Um criminoso desesperado. — Ryan deu um suspiro.

— Suponho que estou à sua mercê. — Ela largou a taça e foi até ele. — Foi muita delicadeza de sua parte fazer isso por mim. Obrigada.

Pierce pôs o cabelo dela para trás.

— Um rosto tão sério — murmurou ele e beijou seus olhos fechados. Pensou na dor que tinha visto neles quan­do ela leu a carta do pai. — Não vai abrir o presente do seu pai, Ryan?

Ela balançou a cabeça e colocou o rosto no ombro dele.

— Não, esta noite não. Já recebi os presentes que impor­tam.

— Ele não esqueceu de você, Ryan.

— Não, ele não esqueceria. Estaria marcado no seu ca­lendário. Ah, sinto muito. — Ela balançou a cabeça mais uma vez, afastando-se. — Isso foi mesquinho. Sempre quis demais. Ele realmente me ama, do seu próprio jeito.

Pierce tomou suas mãos nas dele.

— Só ele conhece seu próprio jeito.

Ryan olhou de novo para ele. Sua carranca se transfor­mou numa expressão de compreensão.

— É, você tem razão. Nunca pensei nisso desse jeito. Fico lutando para agradá-lo a fim de que ele se vire para mim um dia e diga "Ryan, eu amo você. Tenho orgulho de ser seu pai." É ridículo. — Ela suspirou. — Sou adulta, mas fico esperando.

— Nunca deixamos de querer isso de nossos pais. Pierce puxou-a para junto dele de novo. Ryan pensou na

infância dele enquanto imaginava a dela.

— Seríamos pessoas diferentes, não seríamos, se nossos pais tivessem agido de forma diferente?

— Sim — ele respondeu. — Seríamos. Ryan inclinou a cabeça para trás.

— Eu não gostaria que você fosse diferente, Pierce. Você é exatamente o que desejo. — Ávida, ela comprimiu sua boca na dele. — Leve-me para a cama — ela sussurrou. — Diga-me em que estava pensando naquelas horas antes de sermos interrompidos.

Pierce levantou-a, e ela se agarrou, deliciando-se com a força dos seus braços.

— Na verdade — ele começou a dizer, passando para o quarto —, estava imaginando o que você usava sob o ves­tido.

Ryan riu e comprimiu a boca na sua garganta.

— Bem, não há quase nada, para ficar imaginando.

O quarto estava escuro e tranqüilo, enquanto Ryan es­tava deitada enroscada ao lado de Pierce. Os dedos dele brincavam distraidamente com os cabelos dela. Ele pen­sou que ela estivesse dormindo; ela estava imóvel. Ele não se importava em estar acordado. Permitia-lhe aproveitar o toque da sua pele em contato com a dele, a textura sedosa dos cabelos dela. Enquanto ela dormia, ele podia tocá-la sem despertá-la, apenas para se consolar com sua presença. Ele não gostava de saber que ela não estaria na sua cama na noite seguinte.

— Em que está pensando? — ela murmurou, e o as­sustou.

— Em você. — Ele puxou-a para mais perto. — Pensei que estivesse dormindo.

— Não. — Ele sentiu o roçar das sobrancelhas dela no seu ombro quando ela abriu os olhos. — Estava pensando em você. — Ela levantou o dedo e contornou o maxilar dele. — Onde arrumou esta cicatriz?

Ele não respondeu imediatamente. Ryan percebeu que tinha inadvertidamente invadido seu passado.

— Acho que foi numa batalha com uma feiticeira — dis­se ela rapidamente, desejando poder retirar a pergunta.

— Não foi algo tão romântico. Rolei da escada quando era criança.

Ela prendeu a respiração um momento. Não tinha espe­rado que ele falasse nada sobre o passado, até mesmo um detalhe tão pequeno. Ela mudou de posição e repousou a cabeça em seu peito.

— Tropecei num banco uma vez e um dente ficou mole. Meu pai ficou furioso quando descobriu. Fiquei apavorada que o dente caísse e ele me repudiasse.

— Ele apavorava você tanto?

— Sua desaprovação, sim. Acho que era tolice.

— Não. — Fitando o teto escuro, Pierce continuou a afa­gar o cabelo dela. — Todos temos medo de alguma coisa.

— Até mesmo você? — perguntou ela com um meio sor­riso. — Acredito que não tenha medo de nada.

— De não conseguir sair uma vez que estiver dentro — murmurou ele.

Surpresa, Ryan levantou os olhos e viu o brilho dos olhos dele na escuridão.

— Está falando de uma de suas fugas?

— O quê?

Ele trouxe a atenção de volta para ela. Não tinha perce­bido que havia falado alto.

— Por que executa as fugas se este é o seu sentimento?

— Acha que se ignorar um medo ele desaparece? — ele perguntou. — Quando eu era pequeno — disse ele com calma —, foi um armário, e não consegui sair. Agora é uma mala-armário, ou um cofre, e eu consigo escapar.

— Oh, Pierce. — Ryan virou o rosto para o peito dele. — Desculpe. Não precisa falar sobre isso.

Mas ele foi forçado a fazer isso. Pela primeira vez desde sua infância Pierce se ouviu falando do assunto.

— Acho que a lembrança do cheiro permanece com você mais tempo do que qualquer outra coisa. Sempre conseguia lembrar do cheiro do meu pai de modo nítido. Só dez anos depois da última vez que o vi foi que descobri o que era. Ele cheirava a gim. Eu não poderia lhe dizer sobre sua aparên­cia, mas me lembrava do cheiro.

Ele continuava a fitar o teto enquanto falava. Ryan sabia que ele a tinha esquecido enquanto voltou ao passado.

— Uma noite, quando eu tinha cerca de 15 anos, eu estava no porão. Gostava de ficar lá quando todo mundo estava dormindo. Deparei com o zelador desmaiado num canto com uma garrafa de gim. Aquele cheiro — lembro-me de ter ficado apavorado por um momento, sem ter ne­nhuma idéia do motivo. Mas eu fui e peguei a garrafa, e então soube. Parei de ter medo.

Pierce ficou em silêncio por um longo tempo, e Ryan não disse nada. Ela esperou, querendo que ele continuasse mas sabendo que não podia lhe pedir isso. O quarto estava tranqüilo, a não ser pelo som do coração dele batendo sob seu ouvido.

— Ele era um homem muito cruel e muito doente — murmurou Pierce, e ela sabia que ele falava novamente do pai. — Por vários anos eu tinha certeza que isso queria dizer que eu estava com a mesma doença.

Apertando-o mais firme, Ryan balançou a cabeça.

— Não há nada de crueldade em você — ela sussurrou. — Nada.

— Pensaria isso se lhe dissesse de onde vim? — ele se perguntou. — Estaria disposta a me deixar tocá-la então?

Ryan levantou a cabeça e engoliu as lágrimas.

— Bess me contou há uma semana — disse ela com firme­za. — E eu estou aqui. — Ele não disse nada, mas ela sentiu a mão dele afastar-se dos seus cabelos. — Você não tem di­reito de ficar com raiva dela. Ela é a pessoa mais leal e mais amorosa que já conheci. Ela me contou porque sabia que eu me importava, sabia que eu precisava compreendê-lo.

Ele estava imóvel.

— Quando?

— Na noite... — Ryan hesitou e inspirou. — Na noite de estréia. — Ela gostaria de ver a expressão dele, mas a escuridão a ocultava. — Você disse que seríamos amantes quando o conheci. Você tinha razão. — Como a voz dela tremia, ela engoliu em seco. — Se arrepende?

Pareceu-lhe uma eternidade até ele responder.

— Não. — Pierce puxou-a para junto do corpo novamen­te. — Não. — Ele beijou sua têmpora. — Como poderia me arrependeu de ser seu amante?

— Então não lamente o fato de eu conhecê-lo. Você é o homem mais maravilhoso que já conheci.

Ele riu disso, divertindo-se um pouco e um pouco como­vido. E aliviado, ele descobriu. O alívio era tremendo. Fez com que ele risse de novo.

— Ryan, que coisa incrível você disse.

Ela inclinou o queixo para cima. Não haveria lágrimas para ele.

— É realmente verdade, mas não vou dizer novamente. Você vai ficar convencido. — Ela levou a mão até o rosto dele. — Mas só esta noite eu vou deixar você se deleitar. E, além disso — acrescentou ela, puxando a orelha dele —, gosto do jeito como suas sobrancelhas se levantam nas ex­tremidades. — Ela beijou sua boca e deixou que seus lábios vagassem pelo rosto dele. — E como assina seu nome.

— Como o quê? — perguntou ele.

— Nos contratos — Ryan explicou, ainda dando ligeiros beijos em todo o seu rosto. — É muito vistoso. — Ela sentiu o sorriso passar pelo rosto dele. — Do que gosta em mim? — perguntou ela.

— Do seu gosto — disse ele instantaneamente. — É im­pecável.

Ryan mordeu o lábio inferior dele, mas ele apenas virou-a de lado e transformou o castigo num beijo de muita satisfação.

— Sabia que deixaria você convencido — disse ela, com um ar de desgosto. — Vou dormir.

— Acho que não — Pierce comentou, e abaixou a boca. Mais uma vez ele tinha razão.

 

Despedir-se de Pierce foi uma das coisas mais difíceis que Ryan já havia feito. Ela ficara tentada a esquecer todas as obrigações, todas as suas ambições, e pedir que a levasse junto. O que eram as ambições senão objetivos vazios se ela não estava com ele? Ela lhe diria que o ama­va, que nada importava a não ser o fato de eles estarem juntos.

Mas quando eles se separaram no aeroporto, ela forçou-se a sorrir, dar-lhe um beijo de despedida e soltá-lo. Ela precisava ir para Los Angeles, e ele tinha que subir a costa. O trabalho que os unira também os separaria.

Não haviam falado do futuro. Ryan veio a descobrir que Pierce não falava do amanhã. O fato de que ele tinha lhe falado de seu passado, embora brevemente, a tranqüilizou. Era um passo adiante, talvez maior do que eles tinham per­cebido.

O tempo, Ryan pensou, diria se o que ocorreu entre eles em Las Vegas aumentaria ou terminaria. Era o perío­do de espera. Ela sabia que se ele tivesse arrependimentos, eles viriam à tona agora, enquanto estivessem separados. A distância nem sempre aumentava a saudade. Também permitia que o sangue e o cérebro esfriassem. As dúvidas costumavam se formar quando havia tempo para pensar. Quando ele estivesse em Los Angeles, para as primeiras reuniões, ela teria a resposta.

Quando Ryan entrou no escritório, deu uma olhada no relógio e infelizmente percebeu que o tempo e os horários faziam parte do seu mundo de novo. Tinha deixado Pierce havia apenas uma hora e já sentia uma intensa saudade dele. Ele estava pensando nela — agorinha, neste exato momento? Se ela se concentrasse bastante, ele saberia que ela pensava nele? Ryan deu um suspiro e sentou-se atrás da mesa. Desde que se envolvera com Pierce, se tornara mais livre em sua imaginação. Havia momentos, ela admitia, em que acreditava em mágica.

O que aconteceu com você, Srta. Swan?, perguntou a si mesma. Seus pés não estão no chão, onde é o seu lugar. O amor, ela refletiu, e apoiou o queixo nas mãos. Quando se está apaixonada, nada é impossível.

Quem poderia dizer por que seu pai tinha levado a mal e a enviado para Pierce? Que força havia guiado a mão dela a escolher aquela fatídica carta do baralho de tarô? Por que a gata tinha escolhido sua janela na tempestade? Certamen­te, havia explicações lógicas para cada etapa que a levara a se aproximar de onde estava naquele momento. Mas uma mulher apaixonada não deseja lógica.

Tinha sido mágica, pensou Ryan, dando um sorriso. Des­de o primeiro momento que seus olhos se encontraram, ela havia sentido isso. Ela, simplesmente, custara a aceitar. Agora que tinha aceitado, sua única escolha era esperar e ver se durava. Não, ela corrigiu, não era momento para es­colhas. Ela ia fazer com que durasse. Se exigisse paciência, então, seria paciente. Se exigisse ação, então, agiria. Mas ela ia fazer dar certo, mesmo que significasse ela própria experimentar a feitiçaria.

Balançou a cabeça e sentou-se na cadeira. Nada poderia ser feito até que ele estivesse novamente de volta à sua vida. Isso levaria uma semana. Por enquanto, ainda havia trabalho a ser feito. Não poderia agitar uma varinha de condão e fazer passar os dias até que ele voltasse. Tinha que preenchê-los. Abriu suas anotações sobre Pierce Atkins e começou a transcrevê-las. Menos de 30 minutos depois sua campainha soou.

— Sim, Barbara.

— O chefe quer vê-la.

Ryan franziu as sobrancelhas para o monte de documen­tos sobre sua mesa.

— Agora?

— Agora.

— Tudo bem, obrigada.

Xingando a meia voz, Ryan empilhou os documentos e separou o que estava em ordem para levar com ela. Ele podia ter lhe dado algumas horas para se organizar, pensou. Mas o fato ainda era que ele ia supervisionar o projeto por cima do seu ombro. Ela estava longe de provar seu valor para Bennett Swan. Sabendo disso, Ryan enfiou os docu­mentos numa pasta e foi ver o pai.

— Bom dia, Srta. Swan. — A secretária de Bennett Swan levantou os olhos quando Ryan entrou. — Como foi a viagem?

— Foi muito bem, obrigada.

Ryan observou os olhos da mulher deslocarem-se sua­vemente para as pérolas discretas e caras em suas orelhas. Havia colocado o presente do pai sabendo que ele desejaria vê-las para ter certeza de que eram corretas e tinham sido apreciadas.

— O Sr. Swan teve de sair um momento, mas logo estará com a senhorita. Ele gostaria que esperasse no escritório dele. O Sr. Ross já está lá dentro.

— Bem-vinda, Ryan.

Ned se levantou quando ela fechou a porta ao passar. O café que ele segurava na mão estava fumegante.

— Olá, Ned. Vai participar da reunião?

— O Sr. Swan quer que trabalhemos juntos nisso. — Ele lançou-lhe um sorriso encantador que era também um leve pedido de desculpas. — Espero que não se importe.

— Claro que não — disse ela francamente. Colocou a pasta sobre a mesa e aceitou o café que Ned lhe ofereceu. — Com que função?

— Serei coordenador de produção — ele disse. — O pro­jeto ainda é seu, Ryan.

— É.

Com você como meu inspetor, ela pensou de modo amargo. Swan estaria dando as cartas.

— Como foi em Las Vegas?

— Sem igual — Ryan lhe disse enquanto caminhava até a janela.

— Espero que tenha encontrado tempo para tentar a sorte. Você trabalha demais, Ryan.

Ela tocou a ankh no pescoço e sorriu.

— Joguei vinte-e-um um pouco. Ganhei.

— Não brinca! Que bom!

Depois de dar uns goles no café, ela colocou a xícara de lado.

— Acho que tenho uma base firme do que será conve­niente para Pierce, a Swan Produções e a emissora — ela prosseguiu. — Ele não precisa de grandes nomes para atrair audiência. Acho que mais de uma estrela convidada o per­turbaria. Quanto ao cenário, precisarei falar com os proje­tistas, mas tenho algo bem definido na cabeça. Quanto aos patrocinadores...

— Podemos falar de negócios mais tarde — Ned inter­rompeu. Ele foi até ela e enroscou as pontas dos cabelos dela nos dedos. Ryan ficou parada e olhou pela janela. — Senti sua falta, Ryan — disse Ned suavemente. — Parecia que você estava longe havia meses.

— Estranho — ela murmurou observando um avião cru­zar o céu. — Nunca vi uma semana passar tão rápido.

— Querida, quanto tempo você vai me castigar? — Ele beijou a parte de cima da cabeça dela. Ryan não tinha res­sentimento. Não sentia absolutamente nada. Estranha­mente, Ned se via mais atraído por ela desde que o rejeita­ra. Havia algo diferente nela agora, que ele não conseguia identificar bem. — Se me desse uma chance, eu poderia consertar tudo.

— Não o estou castigando, Ned. — Ryan virou-se de frente para ele. — Desculpe-me se é assim que parece.

— Anda está com raiva de mim.

— Não, eu lhe disse que não estava. — Ela suspirou, decidindo que seria melhor esclarecer as coisas entre eles.

— Eu estava com raiva e magoada, mas não durou. Nunca estive apaixonada por você, Ned.

Ele não gostou do leve pedido de desculpas na voz dela. Colocou-o na defensiva.

— Estávamos apenas nos conhecendo.

Quando ele começou a segurar suas mãos, ela balançou a cabeça.

— Não, acho que não me conhece nem um pouco. E — ela acrescentou — se vamos ser honestos, não era isso que você buscava.

— Ryan, quantas vezes tenho que pedir desculpas por aquela sugestão ridícula?

Havia um misto de dor e arrependimento na voz dele.

— Não quero um pedido de desculpas, Ned. Estou ten­tando me explicar. Você cometeu um erro supondo que eu podia influenciar meu pai. Você tem mais influência sobre ele que eu.

— Ryan...

— Não, me escute — ela insistiu. — Você achou que por eu ser filha de Bennett Swan ele me ouve. Não só não é verdade como nunca foi. Seus parceiros de negócios têm mais entrada com ele do que eu. Desperdiçou seu tempo cultivando minha amizade para chegar até ele. E, deixando isso de lado — ela continuou—, não estou interessada num homem que quer me usar como trampolim. Tenho certeza que trabalharemos muito bem juntos, mas não desejo vê-lo fora do escritório.

Os dois se viraram quando ouviram a porta do escritório se fechar.

— Ryan... Ross.

Bennett Swan caminhou até a mesa e se sentou.

— Bom dia. — Ryan se atrapalhou um pouco com o cumprimento antes de pegar uma cadeira. O que ele tinha ouvido?, ela se perguntou. Seu rosto não revelava nada, então Ryan pegou a pasta. — Esbocei meus pensamentos e idéias sobre Atkins — ela começou a dizer —, embora não tenha tido tempo para fazer um relatório completo.

— Dê-me o que tem.

Ele acenou para que Ned se sentasse e então acendeu um charuto.

— Ele tem um número para apresentações em clube muito conciso. — Ryan entrelaçou os dedos para mantê-los parados. — O senhor mesmo já viu os vídeos, então sabe que seu número varia de prestidigitação a grandes ilusões e fugas que levam dois ou três minutos. As fugas o manterão longe da câmera por esse período de tempo, mas o público espera isso. — Ela parou para cruzar as pernas. — É claro que sabemos que modificações para a televisão serão neces­sárias, mas não vejo problema. Ele é um homem extraordi­nariamente criativo.

Swan resmungou algo que poderia ter sido um sinal de concordância e estendeu a mão para o relatório de Ryan. Ela se levantou, entregou-o e sentou-se novamente. Ele não estava em um de seus melhores dias, ela observou. Alguém o desapontara. Ela só poderia agradecer que esse alguém não tivesse sido ela.

— Isso é muito pouco — comentou ele, franzindo as sobrancelhas para a pasta.

— Não será, até o fim do dia.

— Eu mesmo conversarei com Atkins na semana que vem — declarou Swan enquanto examinava superficial­mente os documentos. — Coogar vai dirigir.

— Bom. Eu gostaria de trabalhar com ele. Quero Bloomfield na montagem do set — disse ela casualmente e prendeu a respiração.

Swan levantou os olhos e ficou olhando para ela. Bloomfield tinha sido a escolha dele. Havia se decidido por ele menos de uma hora antes. Ryan encarou o olhar duro com determinação. Não tinha plena certeza se ele estava satisfeito ou chateado que sua filha estava um passo à sua frente.

— Vou refletir sobre o assunto — disse ele, e voltou ao relatório.

Sem fazer barulho, Ryan soltou o ar.

— Ele trará seu próprio diretor musical — ela prosse­guiu, pensando em Link. — E tem sua própria equipe e apetrechos. Se tivermos um problema, eu diria que será fazê-lo cooperar com o nosso pessoal na pré-produção e no set. Ele tem sua própria maneira de fazer as coisas.

— Isso pode ser resolvido — murmurou Swan. — Ross será seu coordenador de produção.

Ele levantou os olhos e viu os de Ryan.

— Assim entendo. — Ryan olhou da mesma forma.

— Não posso discutir com sua escolha, mas acho que se sou a produtora do projeto, deveria escolher minha própria equipe.

— Não quer trabalhar com Ross? — perguntou Swan como se Ned não estivesse sentado ao lado dela.

— Acho que eu e Ned trabalharemos muito bem juntos

— disse ela de forma suave. — E tenho certeza que Coogar sabe os operadores de câmera que quer. Seria ridículo inter­ferir em seu trabalho. No entanto — acrescentou ela com um ar de frieza na voz —, também sei quem eu quero que trabalhe no projeto.

Swan recostou-se e deu uma baforada no charuto. O rubor no seu rosto alertava sobre seu humor.

— O que é que você sabe sobre produção?

— O suficiente para produzir esse especial e torná-lo um sucesso — respondeu ela. — Como o senhor mandou que eu fizesse algumas semanas atrás.

Swan tinha tido tempo para arrepender-se do impulso que o fizera concordar com as condições de Pierce.

— Você é a produtora oficialmente — ele disse de forma ríspida. — Basta seguir as orientações.

Ryan sentiu o tremor no estômago mas manteve os olhos fixos.

— Se é assim que se sente, tire-me agora. — Ela levan­tou-se devagar. — Mas, se eu ficar, vou fazer mais que as­sistir meu nome passar nos créditos. Sei como o sujeito trabalha e conheço televisão. Se não for o suficiente para o senhor, arrume outra pessoa.

— Sente-se! — ele gritou com ela. Ned afundou um pouco mais em sua cadeira, mas Ryan permaneceu de pé.

— Não me dê ultimatos. Estou nesse negócio há 40 anos.

— Ele bateu a mão na mesa. — Quarenta anos! Então você conhece televisão — disse ele com desdém. — Fazer um show ao vivo não é como alterar um maldito contrato. Não posso ter uma menininha histérica correndo para mim cin­co minutos antes de entrar no ar me dizendo que existe uma falha no equipamento.

Ryan engoliu a pura raiva e respondeu, de modo frio.

— Não sou uma menininha histérica e nunca vim cor­rendo atrás do senhor para nada.

Completamente atordoado, ele ficou olhando para ela. A pontada de culpa tornou sua raiva ainda mais explosiva.

— Você está apenas começando — ele vociferou, en­quanto fechava a pasta. — E está começando porque eu quero. Vai aceitar meus conselhos quando eu lhe der.

— Seus conselhos? — perguntou Ryan. Os olhos dela cintilavam de emoções conflitantes, mas a voz estava muito firme.

— Sempre respeitei seus conselhos, mas não ouvi nenhum aqui hoje. Apenas ordens. Não quero nenhum favor seu.

Ela se virou e se dirigiu para a porta.

— Ryan! — Havia fúria completa na palavra. Ninguém jamais havia deixado Bennett Swan falando sozinho. — Volte aqui e sente-se. Menininha! — gritou ele quando ela ignorou a ordem.

— Não sou sua menininha — retrucou ela, virando-se novamente. — Sou sua empregada.

Confuso, ele ficou olhando para ela. Que resposta ele poderia dar a isso? Apontou para uma cadeira de forma impaciente.

— Senta — disse ele de novo, mas ela permaneceu na porta. — Senta, senta — repetiu ele com mais exasperação que mau gênio.

Ryan voltou e com calma retomou seu lugar.

— Pegue as anotações de Ryan e comece a trabalhar no orçamento — ele disse a Ned.

— Sim, senhor.

Grato por ser dispensado, Ned pegou a pasta e se reti­rou. Swan esperou a porta se fechar antes de olhar nova­mente para a filha.

— O que deseja? — ele perguntou pela primeira vez na vida.

O fato ocorreu aos dois no mesmo momento. Ryan de­morou a separar os sentimentos pessoais dos profissionais.

— O mesmo respeito que demonstraria a qualquer outro produtor.

— Você não tem uma folha de serviço — ele salientou.

— Não — ela concordou. — E nunca terei se o senhor amarrar minhas mãos.

Swan deu um suspiro, viu que seu charuto tinha apaga­do e colocou-o num cinzeiro.

— A emissora tem um horário experimental, o terceiro domingo de maio, dez para as nove no horário da Costa Leste.

— Isso só nos dá dois meses. Ele assentiu com a cabeça.

— Eles querem antes do verão. Com que rapidez conse­gue trabalhar?

Ryan levantou uma das sobrancelhas e sorriu.

— O suficiente. Quero Elaine Fisher como estrela con­vidada.

Swan estreitou os olhos para ela.

— É tudo? — perguntou ele secamente.

— Não, mas é um começo. Ela é talentosa, bonita e tão popular com as mulheres quanto com os homens. Além do mais, tem experiência em trabalhar com clubes e com teatro ao vivo — ela salientou, enquanto Swan franzia as sobrancelhas e não dizia nada. — Aquele seu olhar ingênuo e arregalado é o contraste perfeito para Pierce.

— Ela está filmando em Chicago.

— O filme termina na próxima semana. — Ryan lançou-lhe um sorriso calmo. — E ela tem contrato com a Swan. Se o filme passar uma ou duas semanas do programado, não fará diferença — ela acrescentou, enquanto ele permaneceu calado. — Não precisaremos dela na Califórnia por mais que alguns dias. Pierce conduz o show.

— Ela tem outros compromissos — Swan ressaltou.

— Ela se encaixará.

— Ligue para seu agente.

— Farei isso. — Ryan levantou-se novamente. — Mar­carei uma reunião com Coogar e entrarei em contato com o senhor de novo. — Ela parou por um momento e então, por impulso, deu a volta na mesa dele e parou a seu lado. — Eu o tenho observado trabalhar há anos — ela come­çou a dizer. — Não espero que tenha a confiança em mim que tem em si próprio ou em alguém com experiência. E se eu cometer erros, não gostaria que eles fossem ignora­dos. Mas se eu fizer um bom trabalho, e vou fazer, quero ter certeza que eu o fiz, não que apenas recebi o crédito por ele.

— É o seu show — disse ele simplesmente.

— Sim. — Ryan assentiu com a cabeça. — Exatamente. Existem muitas razões pelas quais o projeto é especialmen­te importante para mim. Não posso prometer não cometer erros, mas posso prometer que não existe ninguém mais que trabalhará com mais afinco nele.

— Não deixe Coogar lhe dar ordens — murmurou ele após um instante. — Ele gosta de enlouquecer os produ­tores.

Ryan sorriu.

— Ouvi as histórias, não se preocupe. — Ela estava indo embora novamente e então se lembrou. Após uma breve hesitação, ela inclinou-se para roçar os lábios em seu rosto. — Obrigado pelos brincos. São lindos.

Swan deu uma olhada neles. O joalheiro tinha assegu­rado à sua secretária que eram um presente apropriado e um bom investimento. O que ele tinha dito na mensagem que enviara com eles?, ele se perguntou. Envergonhado por não conseguir se lembrar, decidiu pedir uma cópia à secretária.

— Ryan. — Swan tomou sua mão. Vendo-a piscar de surpresa com o gesto, ele ficou olhando para os próprios dedos. Ele tinha ouvido toda a conversa dela com Ned an­tes de entrar no escritório. A conversa o tinha deixado com raiva, perturbado, e agora, quando viu a filha atordoada por ele pegar sua mão, ele ficou frustrado.

— Divertiu-se em Las Vegas? — perguntou, sem saber o que mais dizer.

— Sim. — Sem ter certeza do que fazer depois, Ryan vol­tou aos negócios. —Acho que foi um lance de esperteza. Ver Pierce trabalhar de perto me deu uma boa perspectiva. É uma visão muito mais geral que num vídeo. E conheci as pessoas que trabalham com ele. Não será problema quando eles tive­rem de trabalhar comigo. — Ela lançou outro olhar confuso para suas mãos unidas. Ele poderia estar doente?, ela se per­guntou, e olhou rapidamente para seu rosto. — Eu... terei um relatório muito mais conciso para o senhor até amanhã.

Swan esperou até ela terminar.

— Ryan, quantos anos completou ontem?

Ele a observou de perto. Os olhos dela passaram de con­fusos a tristes.

— Vinte e sete — ela lhe disse, sem demonstrar emo­ção.

Vinte e sete! Dando um longo suspiro, Swan soltou sua mão.

— Perdi alguns anos em algum lugar — ele murmurou. — Vá acertar as coisas com Coogar — ele lhe disse, e reme­xeu os papéis sobre a mesa. — Envie-me um memorando após contatar o agente de Fisher.

— Tudo bem.

Por cima dos papéis, Swan observou-a caminhar até a porta. Quando ela saiu, ele recostou-se na cadeira. Achava perturbador perceber que estava envelhecendo.

 

Produzir, Ryan descobriu, a mantinha tão mergulhada em papelada quanto os contratos a deixavam. Passou os dias atrás da mesa, ao telefone ou no escritório de outra pessoa. Era um trabalho árduo e estafante, com pouco glamour. As horas eram longas; os problemas, infinitos. Mas ela desco­briu que gostava. Era, afinal de contas, a filha de seu pai.

Swan não havia lhe dado liberdade, mas o confronto que tiveram na manhã do seu retorno a Los Angeles tinha tido seus benefícios. Ele a estava escutando. Na maior parte do tempo, ela o considerou surpreendentemente simpático às suas propostas. Não vetou de forma arbitrária como ela te­mera que faria, mas alterou, algumas vezes. Swan conhecia o negócio de todos os ângulos. Ryan ouviu e aprendeu.

Os dias dela eram cheios e caóticos. Suas noites, vazias. Ryan sabia que Pierce não telefonaria. Não era do seu esti­lo. Ficaria na sua sala de trabalho, planejando, praticando, aperfeiçoando. Ela duvidava que ele até mesmo notaria o tempo passar.

É claro que ela poderia telefonar para ele, pensou, en­quanto vagava pelo apartamento vazio. Poderia inventar inúmeras desculpas possíveis para ligar. Havia a mudança no horário de gravação. Era um motivo válido, embora ela soubesse que ele já tinha sido informado, por intermédio de seu agente. E havia pelo menos uma dúzia de pontos de menor importância que eles poderiam revisar antes da reunião da próxima semana.

Ryan olhou pensativa para o telefone e balançou a cabe­ça. Não era sobre negócios que ela queria falar com ele, e não usaria isso como cortina de fumaça. Foi até a cozinha e começou a preparar um jantar leve.

 

 

Pierce reviu a ilusão com a água pela terceira vez. Estava quase perfeita. Mas quase nunca era bom o bastante. Ele pensou, não pela primeira vez, que a lente da câmera seria infinitamente mais aguçada que o olho humano. Toda vez que se assistira em vídeo, ele tinha encontrado falhas. Não importava para Pierce que só ele sabia onde procurá-las. Só importava que elas existiam. Ele reviu mais uma vez.

Sua sala de trabalho estava em silêncio. Embora ele sou­besse que Link estava lá em cima, no piano, o som não chegava até ele. Mas ele não teria ouvido se eles estivessem na mesma sala. Ele olhou-se de forma crítica num longo espelho enquanto a água parecia tremer num tubo sem su­porte. O espelho o mostrava segurando-a, de cima a baixo, enquanto ela fluía de uma das mãos para a outra. Água. Era um dos quatro elementos que ele pretendia dominar para o especial de Ryan.

Ele pensava no especial como sendo dela, muito mais que seu. Pensava nela quando deveria estar pensando em seu trabalho. Com um movimento gracioso das mãos, fazia a água voltar para uma jarra de vidro.

Ele quase telefonara para ela uma dúzia de vezes. Uma vez, às três horas da manhã, sua mão chegou ao disco do telefone. Apenas sua voz... ele só queria ouvir sua voz. Não completou a chamada, lembrando-se de sua promessa de nunca impor nada a ninguém. Se ele telefonasse, significa­va que esperava que ela estivesse disponível para atendê-lo. Ryan era livre para fazer o que quisesse; ele não tinha direi­tos sobre ela. Nem sobre ninguém. Até a gaiola do pássaro ele mantinha aberta o tempo todo.

Não tinha havido ninguém em sua vida a quem ele per­tencera. As assistentes sociais ditavam regras e geravam compaixão, mas, no final das contas, ele era apenas mais um número em um arquivo. A lei providenciara para que ele fosse devidamente acomodado e cuidado. E a lei o mantivera atado a duas pessoas que não o queriam mas se recu­savam a libertá-lo.

Mesmo quando amava — como era o caso com Link e Bess —, ele aceitava, mas não exigia vínculos. Talvez fosse por isso que ele continuava a planejar fugas mais compli­cadas. Toda vez que alcançava sucesso, ficava provado que ninguém podia ficar preso para sempre.

Mas ele pensava em Ryan quando deveria estar traba­lhando.

Pegou as algemas e as examinou. Elas haviam se encai­xado sem problemas no pulso dela. Ele a tinha presa então. Sem qualquer propósito, ele colocou parte no seu pulso direito e brincou com a outra, imaginando a mão de Ryan presa à dele.

Era isso que ele queria?, se perguntou. Prendê-la a ele? Lembrou-se da sua quentura, de como ele ficava envolvido por ela após apenas um toque. Quem estaria preso a quem? Chateado, Pierce se libertou tão rapidamente quanto tinha fechado a algema.

— Uma posta de carne de serpente — Merlin crocitou do seu poleiro.

Com ar divertido, Pierce olhou para ele.

— Acho que você tem razão — murmurou, sacudindo as algemas na mão um instante. — Mas você também não conseguiu resistir a ela, não foi?

— Abracadabra.

— Abracadabra mesmo — Pierce concordou distraidamente. — Mas quem enfeitiçou quem?

 

Ryan estava prestes a entrar na banheira quando ouviu a batida na porta.

— Droga! — Irritada com a interrupção, vestiu nova­mente o robe e foi atender. Mesmo enquanto abria a porta, estava calculando como se livrar do visitante antes que a água da banheira esfriasse.

— Pierce!

Ele viu os olhos dela se arregalarem de surpresa. Depois, com um misto de alívio e prazer, constatou a alegria. Ryan lançou-se em seus braços.

— É você mesmo? — perguntou antes de sua boca unir-se à dele. Seu desejo disparou pelo corpo dele, igualando-se ao seu sentimento. — Cinco dias — murmurou Ryan, e agar­rou-se a ele. — Sabe quantas horas existem em cinco dias?

— Cento e vinte. — Pierce afastou-a para sorrir para ela. — É melhor entrarmos. Seus vizinhos estão achando isso muito divertido.

Ryan puxou-o para dentro e fechou a porta, comprimindo-o contra ela.

— Beije-me — ela exigiu. — Bastante. O suficiente para 120 horas.

A boca de Pierce desceu sobre a dela. Ela sentiu os dentes dele rasparem nos lábios dela enquanto ele gemia e comprimia o corpo dela contra o dele. Pierce esforçou-se para se lembrar da sua força e da fragilidade dela, mas a língua dela estava indo fundo, suas mãos estavam à procura. Ela estava dando a risada rouca e provocante que o enlouquecia.

— Oh, é você mesmo. — Ryan suspirou e repousou a cabeça no ombro dele. — É você mesmo.

Mas, e você?, ele se perguntou, um pouco atordoado pelo beijo.

Após o último abraço, ela saiu de seus braços.

— O que está fazendo aqui, Pierce? Só esperava vê-lo na segunda ou na terça.

— Queria vê-la — disse ele simplesmente e levou a mão ao seu rosto. — Tocá-la.

Ryan agarrou sua mão e comprimiu a palma em seus lábios. Um fogo se acendeu na boca do seu estômago.

— Senti sua falta — ela murmurou, enquanto seus olhos grudavam nos dele. —Tanto! Se eu soubesse que desejar que es­tivesse aqui o traria, eu teria desejado com mais intensidade.

— Não tinha certeza que estaria livre.

— Pierce — disse ela suavemente e pôs as mãos em seu peito. — Realmente acha que quero estar com outra pessoa?

Ele ficou olhando para ela sem falar, mas ela sentiu o aumento da sua pulsação sob a mão.

— Você interfere no meu trabalho — disse ele por fim. Perplexa, Ryan inclinou a cabeça.

— Interfiro? Como?

— Estando em minha mente quando não deveria estar.

— Sinto muito. — Mas ela sorriu, mostrando claramente que não sentia. — Tenho atrapalhado sua concentração?

— Tem.

Ela levou as mãos ao seu pescoço.

— Isso é muito ruim. — Sua voz estava zombeteira e sedutora. — O que vai fazer a respeito?

Como resposta, Pierce arrastou-a para o chão. O movi­mento foi tão rápido, tão inesperado, que Ryan ofegou, mas o som foi engolido pela boca dele. O robe foi arrancado dela antes que pudesse respirar. Pierce levou-a ao ápice tão rapi­damente que ela ficou impotente para fazer qualquer coisa a não ser corresponder ao mútuo desejo desesperado.

As roupas dele se foram mais rápido do que o razoável, mas ele não lhe deu tempo para explorá-lo. Num único mo­vimento, Pierce colocou-a sobre ele, e então, levantando-a como se ela não tivesse peso, ele abaixou seu corpo para mergulhar inteiramente dentro dela.

Ryan gritou, aturdida, feliz. A felicidade fez sua cabe­ça girar. O calor fez sua pele secar. Seus olhos se arregala­ram quando o prazer foi além de todas as possibilidades. Ela podia ver o rosto de Pierce, úmido de paixão, os olhos fechados. Podia ouvir cada respiração dilacerante quando ele cravava seus longos dedos no seu quadril para mantê-la movendo-se com ele. Então, uma película cobriu os olhos dela — uma película branca e enevoada que obscurecia sua visão. Ela comprimiu as mãos no seu peito para não cair. Mas ela estava caindo, lentamente, devagar, exaurida de tudo.

Quando a névoa desapareceu, Ryan descobriu que es­tava nos seus braços, com o rosto dele enterrado em seus cabelos. Os corpos úmidos estavam fundidos.

— Agora sei que você é de verdade também. — Pierce murmurou, e serviu-se de sua boca. — Como se sente?

— Aturdida — respondeu Ryan ofegante. — Maravilhosa. Pierce riu. Ele se levantou e tomou-a nos braços.

— Vou levá-la para a cama e amá-la mais uma vez, antes que se recupere.

— Humm, sim. — Ryan aconchegou-se no seu pescoço. — Eu deveria esvaziar a banheira primeiro.

Pierce levantou uma das sobrancelhas e depois sorriu. Com Ryan semi-adormecida em seus braços, ele vagou pelo apartamento até encontrar a banheira.

— Estava na banheira quando bati na porta?

— Quase. — Ryan suspirou e aninhou-se ao seu corpo.

— Ia me livrar de quem tivesse me interrompido. Estava muito aborrecida.

Com um movimento rápido da mão, Pierce abriu a água quente ao máximo.

— Não notei.

— Não viu como eu estava tentando me livrar de você?

— Sou muito insensível às vezes — ele confessou. — Acho que a água já deve ter esfriado um pouco.

— Provavelmente — ela concordou.

— Você gosta bastante de banho de espuma.

— Humm-hum. Oh!

Os olhos de Ryan se abriram de repente quando desco­briu que tinha sido colocada na banheira.

— Fria? — Ele sorriu para ela.

— Não. — Ryan levantou o braço e fechou a água que fumegava dentro da banheira. Por um momento ela permi­tiu que seus olhos se deleitassem com ele — o corpo com­prido e esguio, os músculos vigorosos e o quadril estreito. Ela inclinou a cabeça e fez a espuma girar, com o dedo.

— Gostaria de tomar banho comigo? — ela convidou edu­cadamente.

— A idéia tinha me ocorrido.

— Por favor. — Ela fez um gesto com a mão. — Seja meu convidado. Fui muito grosseira. Nem lhe ofereci um drinque.

Ela lhe deu um sorriso irreverente. A água levantou quando Pierce entrou nela. Ele sentou-se ao pé da banheira, de frente para ela.

— Não bebo com freqüência — ele lembrou-lhe.

— Eu sei. — Ela assentiu com a cabeça de forma discre­ta. — Não fuma, raramente bebe, quase nunca xinga. É um exemplo de virtude, Sr. Atkins.

Ele atirou um punhado de espuma nela.

— De qualquer forma — Ryan continuou, retirando a espuma do rosto —, eu realmente queria falar sobre os esbo­ços para a montagem do set com você. Quer o sabonete?

— Obrigado, Srta. Swan. — Ele o pegou. — Ia me falar sobre o set?

— Ah, sim, acho que aprovará os esboços, embora talvez queira fazer umas pequenas alterações. — Ela mudou de posição, suspirando um pouco quando suas pernas roçaram nas dele. — Disse a Bloomfield que queria algo um pouco excêntrico, medieval, mas não desorganizado demais.

— Sem armadura?

— Não, apenas o ambiente. Algo melancólico, como... — ela parou quando ele pegou seu pé e começou a ensa­boá-lo.

— Sim? — ele instigou.

— Um tom — disse ela enquanto suaves pulsações de prazer subiram pela sua perna. — Cores sem brilho. Do tipo que você tem na sua sala de estar.

Pierce começou a massagear sua panturrilha.

— Apenas um set?

Ryan tremeu na água quente quando ele deslizou os de­dos ensaboados pela sua perna acima.

— Sim, pensei... humm... pensei num tom básico...

Ele subiu e desceu com as mãos lentamente pelas suas pernas enquanto observava seu rosto.

— Que tom?

Ele levantou uma das mãos para ensaboar seu seio em círculos enquanto usava a outra para massagear a parte su­perior da sua coxa.

— Sexo — Ryan murmurou. — Você é muito sexy no palco.

— Sou?

Em meio a ondas de sensação entorpecedoras, ela ouviu o tom divertido na pergunta.

— Sim, dramático e muito friamente sexy. Quando o vejo se apresentar... — Ela parou de falar, lutando em busca de ar. O perfume estonteante dos sais de banho a cercou. Ela sentiu a água bater em seus seios, logo abaixo da mão ágil de Pierce. — Suas mãos — ela conseguiu dizer, imersa em prazer quente e torturante.

— O que têm elas? — perguntou ele enquanto deslizava o dedo dentro dela.

— Mágica. —A palavra saiu trêmula. — Pierce, não con­sigo falar com você fazendo essas coisas comigo.

— Quer que eu pare?

Ela não estava mais olhando para ele. Seus olhos esta­vam fechados, mas ele observava seu rosto, usando as pon­tas dos dedos apenas para excitá-la.

— Não.

Ryan encontrou sua mão sob a água e comprimiu-a jun­to ao seu corpo.

— Você é tão bonita, Ryan. — A água balançou quando ele se moveu para mordiscar seu seio e depois sua boca. — Tão macia. Eu conseguia vê-la quando estava sozinho no meio da noite. Podia imaginar tocá-la assim. Não con­seguia ficar longe.

— Não faça isso. — As mãos dela estavam nos cabelos dele, puxando a boca dele mais firme para a dela. — Não fique longe. Já esperei tanto tempo.

— Cinco dias — murmurou ele enquanto separava as pernas dela.

— Toda a minha vida.

Diante das palavras dela algo fluiu pelo corpo dele que a paixão não lhe permitiria explorar. Ele tinha que possuí-la, era tudo.

— Pierce — murmurou Ryan, confusa. — Vamos afundar.

— Prenda a respiração — ele sugeriu, e agarrou-a.

 

— Tenho certeza de que meu pai vai querer vê-lo — Ryan disse a Pierce na manhã seguinte ao estacionar na sua vaga no complexo do estacionamento da Swan Produções. — E imagino que você gostaria de ver Coogar.

— Já que estou aqui — Pierce concordou, e desligou o motor. — Mas vim ver você.

Ryan deu um sorriso e inclinou-se para beijá-lo.

— Estou tão feliz por ter feito isso. Pode ficar no fim de semana ou tem que voltar?

Ele colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha dela.

— Veremos.

Ela saiu do carro. Não poderia desejar melhor resposta.

— É claro que a primeira reunião geral só está progra­mada para a próxima semana, mas imagino que eles vão encaixá-lo. — Eles entraram no prédio. — Posso fazer as ligações do meu escritório.

Ryan seguiu na frente pelos corredores com passos enér­gicos, inclinando a cabeça ou respondendo às vezes quan­do alguém a cumprimentava. Ele notou que ela só pensava em negócios no momento em que passou pela porta da frente.

— Não sei onde Bloomfield está hoje — ela continuou, enquanto apertava o botão do elevador para o seu andar. — Mas se ele não estiver disponível, posso pegar os esboços e analisá-los com você sozinha. — Eles entraram, enquanto ela começava a resumir sua agenda do dia, ponderando e alterando para dar vez a Pierce. — Nós poderíamos rever o tempo do programa também — ela continuou. — Temos 52 minutos para preencher. E...

— Quer jantar comigo hoje à noite, Srta. Swan?

Ryan parou o que estava dizendo e o pegou sorrindo para ela. O olhar dele tornava difícil para ela recordar seus planos para o dia. Ela só conseguia se lembrar do que tinha feito de noite.

— Acho que poderia encaixar isso no meu horário, Sr. Atkins — murmurou, quando a porta do elevador se abriu.

— Vai verificar sua agenda? — perguntou ele e beijou sua mão.

— Vou. — Ryan teve que impedir a porta se fechasse de novo. — E não olhe desse jeito para mim hoje — disse ela ofegante. — Não conseguirei trabalhar.

— É mesmo? — Pierce deixou que ela o puxasse para o corredor. — Eu poderia considerar uma vingança adequada por todas as vezes que você tornou impossível que eu fizes­se meu trabalho.

Amedrontada, Ryan levou-o para o escritório.

— Se vamos fazer esse show... — ela começou a dizer.

— Ah, tenho plena confiança na Srta. Swan, ela é muito organizada e muito confiável — disse Pierce tranqüilamen­te. Ele pegou uma cadeira e esperou que ela se sentasse atrás da mesa.

— Vai ser difícil trabalhar com você, não vai?

— Muito provavelmente.

Franzindo a testa para ele, Ryan pegou o telefone e fez uma ligação.

— Ryan Swan — ela anunciou, afastando deliberadamente os olhos de Pierce. — Ele está livre?

— Por favor, espere, Srta. Swan.

Num instante ela ouviu a voz do pai responder de modo impaciente.

— Ande rápido, estou ocupado.

— Sinto muito por perturbá-lo — disse ela automatica­mente. — Estou com Pierce Atkins no escritório. Achei que talvez gostasse de vê-lo.

— O que ele está fazendo aqui? — perguntou Swan, continuando antes que Ryan pudesse responder. — Traga-o aqui em cima.

Ele desligou sem esperar que ela concordasse.

— Ele gostaria de vê-lo agora — disse Ryan enquanto colocava o fone no lugar.

Pierce assentiu com a cabeça, levantando quando ela o fez. A brevidade da conversa telefônica tinha lhe dito muita coisa. Minutos depois, após entrar no escritório de Swan, ele descobriu muito mais.

— Sr. Atkins. — Swan se levantou para dar a volta na mesa imponente com a mão estendida. — Que surpresa agradável. Só esperava encontrá-lo pessoalmente na sema­na que vem.

— Sr. Swan. — Pierce apertou a mão estendida e notou que Swan não cumprimentara a filha.

— Por favor, sente-se — ele sugeriu com um movimento amplo da mão. — O que gostaria de beber? Café?

— Não, nada.

— A Swan Produções tem enorme prazer em ter seu ta­lento, Sr. Atkins. — Swan instalou-se atrás da mesa nova­mente. — Vamos colocar muita energia nesse especial. A promoção e a mídia já foram acionadas.

— Eu sei. Ryan me mantém informado.

— Claro. — Swan balançou a cabeça rapidamente para ela. — Vamos filmar no estúdio 25. Ryan pode providen­ciar para que o veja hoje se quiser. E qualquer outra coisa que queira ver enquanto estiver aqui.

Ele lançou outro olhar para ela.

— Sim, claro — respondeu ela. — Achei que o Sr. Atkins pudesse querer ver Coogar e Bloomfield se eles estiverem disponíveis.

— Providencie isso — ele ordenou, dispensando-a. — Agora, Sr. Atkins, tenho uma carta do seu agente. Há al­guns pontos que poderíamos repassar antes de se encontrar com os membros mais artísticos da companhia.

Pierce esperou até que Ryan tivesse fechado a porta.

— Pretendo trabalhar com Ryan, Sr. Swan. Assinei o contrato com esta condição.

— Naturalmente — respondeu Swan, um pouco descon­certado. Como regra os artistas recebiam atenção especial.

— Posso lhe garantir que ela tem trabalhado arduamente em seu favor.

— Não duvido.

Swan encarou os olhos cinza que o avaliavam.

— Ryan está produzindo o especial a seu pedido.

— Sua filha é uma mulher muito interessante, Sr. Swan.

— Pierce esperou um momento, observando os olhos de Swan se estreitarem. — A nível profissional — continuou ele suavemente —, tenho total confiança em suas habili­dades. Ela é inteligente e observadora, e muito séria em relação ao negócio.

— Fico muito feliz que esteja satisfeito com ela — res­pondeu Swan, sem ter certeza do que havia além das pala­vras de Pierce.

— Teria que ser um homem extremamente burro para não estar satisfeito com ela — retrucou Pierce, e continuou antes que San pudesse reagir. — Não acha o talento e o profissionalismo agradáveis, Sr. Swan?

Swan examinou Pierce por um momento e recostou-se na cadeira.

— Não seria o presidente da Swan Produções se não pensasse assim — disse ele com um tom bem-humorado.

— Então nos entendemos — disse Pierce em tom suave.

— Exatamente quais pontos gostaria de resolver?

 

Eram seis horas quando Ryan conseguiu terminar a reu­nião com Bloomfield e Pierce. Ela correu o dia todo, organi­zando conferências repentinas e fazendo o trabalho que já havia sido programado. Não houve um momento de folga para um tête-à-tête com Pierce. Agora, enquanto percorriam o corredor juntos ao saírem do escritório de Bloomfield, ela deu um longo suspiro.

— Bem, parece que é isso. Nada como o aparecimen­to inesperado de um mágico para agitar todo mundo. Por mais experiente que Bloomfield seja, acho que ele estava esperando que você tirasse um coelho da cartola.

— Eu não tinha uma cartola — Pierce ressaltou.

— Isso o impediria? — Ryan riu e verificou o relógio.

— Terei que passar no escritório e resolver algumas coisas, falar com meu pai e avisá-lo que o artista foi devidamente atendido, então...

— Não.

— Não? — Ryan levantou os olhos, surpresa. — Existe mais alguma coisa que gostaria de ver? Tinha algo errado com os esboços?

— Não — disse Pierce novamente. — Você não vai vol­tar ao escritório para resolver nada nem falar com seu pai.

Ryan riu e continuou a caminhar.

— Não levará muito tempo. Vinte minutos.

— Concordou em jantar comigo, Srta. Swan — ele lembrou.

— Assim que limpar minha mesa.

— Pode fazer isso na segunda pela manhã. Existe algo urgente?

— Bem, não, mas... — Ela parou de falar quando sentiu algo no seu pulso e ficou olhando para a algema. — Pierce, o que está fazendo?

Ryan puxou o braço e viu que ele estava firmemente acorrentado ao dele.

— Levando-a para jantar.

— Pierce, tire isso — ela ordenou, irritada, mas achando graça. — É ridículo.

— Depois — ele prometeu, antes de puxá-la para o ele­vador.

Ele esperou calmamente até que chegasse ao andar deles enquanto duas secretárias os observavam e as algemas.

— Pierce — disse ela a meia voz. —Tire isso agora. Estão olhando para nós. Pierce, estou falando sério! — Ela soltou um gemido de frustração quando as portas se abriram e eles encontraram outros empregados da Swan Produções. Pierce entrou no elevador, não lhe deixando outra escolha que não fosse segui-lo. — Você vai pagar por isso — ela murmurou, tentando ignorar os olhares especulativos.

— Diga-me, Srta. Swan — disse Pierce com uma voz amistosa e arrastada —, é sempre tão difícil convencê-la a cumprir um compromisso para jantar?

Após um murmúrio ininteligível, Ryan ficou olhando para a frente.

Ainda algemada a Pierce, ela atravessou o estacionamento.

— Tudo bem, acabou a piada — ela insistiu. — Tire isso. Nunca fiquei tão constrangida em minha vida! Tem idéia de como...

Mas seu sermão acalorado foi interrompido pela boca de Pierce.

— Queria fazer isso o dia todo — Pierce lhe disse, e bei­jou-a de novo, antes que ela pudesse responder.

Ryan esforçou-se ao máximo para aferrar-se ao seu abor­recimento. Sua boca era tão macia! Sua mão, enquanto pressionava a parte de baixo de suas costas, era tão gen­til! Ela aproximou-se mais dele, mas quando começou a levantar os olhos para abraçar seu pescoço, as algemas a impediram.

— Não — disse ela de modo firme, lembrando-se. — Não vai sair dessa. — Ryan afastou-se, pronta para enfurecer-se com ele. Ele sorriu para ela. — Droga, Pierce — disse ela, dando um suspiro. — Beije-me de novo.

Ele a beijou suavemente.

— Fica muito excitante quando está com raiva, Srta. Swan — ele sussurrou.

— Eu estava com raiva — murmurou ela, retribuindo o beijo. — Estou com raiva.

— E excitante.

Ele puxou-a para o carro.

— Então? — Mantendo seus pulsos unidos no alto, ela lançou-lhe um olhar de indagação. Pierce abriu a porta do carro e fez um gesto para que ela entrasse. — Pierce! — Exasperada, Ryan sacudiu o braço. — Tire isso. Não pode dirigir assim.

— Claro que posso. Você terá que subir — disse ele, conduzindo-a para o carro.

Ryan sentou no assento do motorista por um momento e olhou furiosa para ele.

— Isso é absurdo.

— É — ele concordou. — E estou gostando. Chegue para

lá.

Ryan pensou em recusar, mas decidiu que ele simples­mente a tomaria nos braços e a colocaria no assento do passageiro. Com alguma dificuldade e pouco humor, ela conseguiu. Pierce deu outro sorriso ao acionar a ignição.

— Ponha sua mão no câmbio de marcha e nos sairemos muito bem.

Ryan obedeceu. A palma da mão dele repousava sobre o dorso da mão dela quando ele engatou a ré.

— Quando tempo vai deixar as algemas aí?

— Pergunta interessante. Não decidi.

Ele saiu do estacionamento e foi na direção norte. Ryan balançou a cabeça e riu apesar de não achar graça.

— Se tivesse me dito que estava com tanta fome assim, eu teria vindo pacificamente.

— Não estou com fome — disse ele tranqüilamente. — Pensei que iríamos parar e comer no caminho.

— No caminho? — Ryan repetiu. — No caminho para onde?

— Para casa.

— Casa? — Um olhar pela janela mostrou-lhe que ele estava saindo de Los Angeles na direção oposta ao apar­tamento dela. — Sua casa? — perguntou ela, incrédula. — Pierce, são 240 quilômetros daqui.

— Mais ou menos — ele concordou. — Não precisam de você em Los Angeles até segunda-feira.

— Segunda-feira! Quer dizer que vamos passar o fim de semana lá? Mas não posso. — Ela não tinha pensado que poderia ficar mais exasperada do que estava. — Não posso simplesmente entrar no carro e passar um fim de semana fora.

— Por que não?

— Bem, eu... — Ele fez tudo parecer tão razoável que ela teve que procurar as falhas. — Porque não posso. Por um lado, não tenho roupas, e...

— Não precisará delas.

Isso a fez se calar. Ryan fitou-o enquanto uma estranha mistura de excitação e pânico percorreu seu corpo.

— Acho que está me raptando.

— Exatamente.

— Oh!

— Alguma objeção? — perguntou ele, dando um breve olhar na sua direção.

— Vou lhe dizer na segunda-feira — ela lhe disse e aco­modou-se novamente no assento, disposta a aproveitar o seqüestro.

 

Ryan acordou na cama de Pierce. Ela abriu os olhos para a luz do sol. Mal tinha amanhecido quando Pier­ce a acordou para murmurar que ia descer para trabalhar. Ryan pegou o travesseiro dele, puxou-o para perto e ficou mais alguns minutos na cama.

Que homem surpreendente ele era, ela refletiu. Nunca te­ria pensado que ele faria algo tão incomum como algemá-la a ele e arrastá-la para um fim de semana apenas com as rou­pas do corpo. Ela deveria ter ficado com raiva, indignada.

Ryan enterrou o rosto no travesseiro. Como poderia estar assim? Era possível estar com raiva de um homem por lhe mostrar — com um olhar, com um toque — que você era querida e desejada? Poderia ficar indignada quando um ho­mem a queria o suficiente para raptá-la a fim de fazer amor como se você fosse a criatura mais preciosa da Terra?

Ryan deu uma grande espreguiçada e pegou o relógio da mesa-de-cabeceira. Nove e meia!, constatou, fazendo um movimento brusco. Como podia ser tão tarde? Parecia que Pierce a tinha deixado havia apenas alguns instantes. Pulou da cama e correu para o banho. Eles só tinham dois dias juntos; ela não ia desperdiçá-los dormindo.

Quando voltou ao quarto com uma toalha enrolada no corpo, Ryan examinou as roupas com um ar de dúvida. Era incrível ser seqüestrada por um mágico atraente, ela admi­tiu, mas realmente foi muito ruim ele não ter permitido que ela trouxesse alguma coisa. Enquanto pensava, ela co­meçou a colocar o tailleur que tinha usado no dia anterior. Decidiu que simplesmente teria que encontrar outra coisa para vestir, mas, por enquanto, se arranjaria.

Um pouco consternada, Ryan percebeu que não estava nem mesmo com a bolsa. Ainda estava na gaveta de bai­xo da sua mesa. Ela franziu o nariz diante da imagem no espelho. Seu cabelo estava desarrumado; o rosto, sem ma­quiagem. Nem mesmo um pente ou um batom, ela pensou, e suspirou. Pierce ia ter que fazer aparecer alguma coisa. Com isso em mente ela desceu para procurá-lo.

Quando chegou ao pé da escada, viu que Link estava se aprontando para sair.

— Bom dia.

Ryan hesitou, sem ter certeza do que dizer para ele. Ela não o tinha visto quando eles chegaram na noite anterior.

— Olá. — Ele sorriu para ela. — Pierce disse que estava aqui.

— Sim, eu... Ele me convidou para passar o fim de se­mana.

Pareceu a maneira mais simples de explicar.

— Fico feliz por ter vindo. Ele sentiu sua falta. Os olhos dela se iluminaram ao ouvir as palavras.

— Senti saudades dele também. Ele está aqui?

— Na biblioteca Está ao telefone.

Ele hesitou, e Ryan viu o leve rubor no seu rosto. Sorrin­do, ela desceu o último degrau.

— O que é, Link?

— Eu... hum... Eu terminei de escrever aquela canção de que você gostou.

— Maravilhoso. Adoraria ouvi-la.

— Está no piano. — Extremamente sem graça, ele olhou para os pés. — Pode tocá-la mais tarde, se quiser.

— Não vai estar aqui? — Ela quis pegar sua mão como faria com um menininho mas sentiu que apenas o deixaria mais constrangido. — Nunca o ouvi tocar.

— Não, eu... — Seu rubor aumentou e ele lhe deu uma rápida olhada. — Eu e Bess... bem, ela queria ir para São Francisco. — Ele limpou a garganta. — Ela gosta de andar de bonde.

— Que legal, Link. — Por impulso, Ryan decidiu ver se poderia dar uma ajuda a Bess. — Ela é uma mulher muito especial, não é?

— Oh, claro. Não existe ninguém como Bess — ele con­cordou prontamente, e olhou para os pés novamente.

— Ela sente a mesma coisa a seu respeito.

Os olhos dele dispararam em direção ao rosto dela e de­pois passaram por cima de seu ombro.

— Acha que sim?

— Ah, sim. — Embora quisesse muito sorrir, Ryan man­teve a voz séria. — Ela me contou como o conheceu. Achei incrivelmente romântico.

Link deu uma risadinha nervosa.

— Ela era muito bonita. Muitos caras dão em cima dela quando viajamos.

— Imagino que sim — Ryan concordou, e deu-lhe um tapinha na cabeça. — Mas acho que ela tem uma queda por músicos. Pianistas — ela acrescentou, quando ele olhou para ela. — Do tipo que sabe compor belas canções român­ticas. O tempo está passando, não acha?

Link estava olhando para ela como se estivesse tentando organizar suas palavras.

— Huh? Oh, sim. — Ele franziu a testa e balançou a cabeça afirmativamente. — É, imagino que sim. Tenho que ir pegá-la agora.

— Acho que é uma idéia muito boa. — Ela pegou sua mão, dando-lhe um pequeno aperto. — Divirtam-se.

— Tudo bem. — Ele sorriu e virou para a porta. Com a mão na maçaneta, ele parou para olhar por cima do ombro.

— Ryan, ela realmente gosta de pianistas?

— Sim, Link, ela realmente gosta. Ele sorriu novamente e abriu a porta.

— Tchau.

— Tchau, Link. Dê minhas lembranças a Bess.

Quando a porta se fechou, Ryan permaneceu onde esta­va por um momento. Que homem encantador, ela pensou, e cruzou os dedos por Bess. Eles seriam muito felizes juntos se conseguissem superar o obstáculo da timidez dele. Bem, Ryan pensou com um sorriso de satisfação, ela, certamen­te, tinha feito tudo que podia na sua primeira tentativa de formação de casais. O resto era com os dois.

Ela virou o corredor e foi para a biblioteca. A porta esta­va aberta, e ela podia ouvir a voz baixa de Pierce que che­gava até ela. Até mesmo este som revolvia algo dentro dela. Ele estava aqui com ela, e eles estavam sozinhos. Quando ela parou no vão da porta, os olhos dele se encontraram com os dela.

Pierce sorriu e continuou a conversa, fazendo um gesto para que ela entrasse.

— Vou lhe enviar as especificações exatas por escrito — disse ele, observando Ryan entrar e caminhar até uma estante. Por que é que, ele imaginou, vê-la num daqueles trajes de passeio nunca deixavam de excitá-lo? — Não, precisarei que esteja pronto em três semanas — ele continuou, os olhos fi­xos nas costas de Ryan. — Preciso de tempo para trabalhar nisso antes de ter certeza de que posso usá-lo.

Ryan se virou e, então, empoleirada no braço da cadei­ra, o observou. Ele estava usando jeans e um moletom de manga curta, e seus cabelos estavam desgrenhados, como se ele tivesse passado as mãos por ele. Ela pensou que ele nunca estivera mais atraente e afundou numa cadeira es­tofada, mais relaxada do que de costume. A energia ainda estava lá, a energia ativa que parecia emanar dele no palco e fora dele. Mas estava latente, ela refletiu. Ele ficava mais à vontade nesta casa do que em qualquer outro lugar.

Ele continuou a dar instruções com quem conversava, mas Ryan viu seus olhos a examinarem brevemente. Algo malicioso percorreu seu corpo. Talvez ela pudesse desfazer aquela calma dele.

Levantou-se preguiçosamente e começou a vagar pelo recinto outra vez, tirando os sapatos ao caminhar. Pegou um livro da prateleira, examinou-o superficialmente e co­locou-o de volta.

— Precisarei que a lista completa seja entregue aqui — declarou Pierce, e observou Ryan retirar o casaco do con­junto. Ela o pendurou no encosto de uma cadeira. — Sim, é exatamente o que desejo. Se você... — Ele parou quando ela começou a desabotoar a blusa. Ela levantou os olhos quando ele parou de falar e sorriu. — Se entrar em contato comigo quando tiver... —A blusa escorregou até o chão an­tes de ela abrir o zíper da saia de forma casual. — Quando tiver... — Pierce prosseguiu, lutando para se lembrar do que estava dizendo — os... ah... todos os itens, providenciarei o frete.

Curvando-se após retirar a saia, Ryan começou a tirar as meias.

— Não, isso não... não será necessário. — Ela jogou o cabelo para trás dos ombros e deu outro sorriso para Pierce. O olhar durou vários segundos mágicos. — Sim — Pierce murmurou no telefone. — Sim, está bem.

Jogando as meias sobre a saia que já havia sido tirada, ela endireitou o corpo. Sua blusa era amarrada na frente. Com o dedo, Ryan deu um puxão no pequeno laço entre os seios até afrouxá-lo. Ela continuava olhando em seus olhos, sorrindo de novo quando os viu se abaixarem até onde seus dedos manuseavam lentamente os laços.

— O quê? — Pierce balançou a cabeça. A voz do homem tinha sido apenas um zumbido ininteligível no ouvido dele. — O quê? — disse ele novamente, quando a seda se abriu. Muito devagar, Ryan a retirou. — Ligarei de volta.

Pierce colocou o fone de volta no gancho.

— Tudo terminado? — ela perguntou, enquanto cami­nhava até ele. — Queria falar com você sobre o meu guar­da-roupa.

— Gosto do que está usando.

Ele puxou-a para a cadeira onde estava e tomou sua boca. Saboreando o desejo selvagem, ela soltou o corpo.

— Era uma ligação importante? — perguntou ela quan­do os lábios dele deslocaram-se para seu pescoço. — Não quis perturbá-lo.

— Pro inferno que não quis. — Ele pegou seu seio, ge­mendo ao tomar posse. — Meu Deus, você me enlouquece! Ryan... — A voz dele estava áspera de premência quando ele a colocou no chão. — Agora.

— Sim — murmurou ela quando ele a penetrou.

Ele tremia quando se deitou por cima dela. Sua respi­ração estava irregular. Ninguém, pensou ele, ninguém tinha conseguido abalar seu controle desse jeito. Era aterrorizante. Parte dele queria se levantar e ir embora — provar que ainda podia ir embora. Mas ele ficou onde estava.

— Perigosa — murmurou ele na sua orelha pouco antes de a ponta de sua língua contorná-la. Ele ouviu o suspiro dela. — Você é uma mulher muito perigosa.

— Humm. Como assim?

— Conhece minhas fraquezas, Ryan Swan. Talvez você seja minha fraqueza.

— Isso é ruim? — murmurou ela.

— Não sei. — Ele levantou a cabeça e a fitou. — Não sei. Ryan levantou uma das mãos para retirar suavemente o

cabelo da testa.

— Não importa hoje. Hoje há somente nós dois.

O olhar que ele lançou foi longo e profundo, tão intenso quanto da primeira vez que haviam se encontrado.

— Quanto mais tempo estou com você, mais há apenas nós dois.

Ela sorriu e puxou-o novamente para embalá-lo em seus braços.

— Na primeira vez que você me beijou, o mundo inteiro se desfez. Tentei dizer a mim mesma que você havia me hipnotizado.

Pierce riu e levantou o braço para acariciar seu seio. O mamilo ainda estava rígido, e ela tremeu com o toque.

— Tem alguma idéia do quanto queria levá-la para a cama naquela noite? — Ele passou o dedo lentamente de um lado para o outro sobre a ponta do seio, ouvindo sua respiração aumentar enquanto ele falava. — Não conseguia trabalhar, não conseguia dormir. Ficava deitado pensando em você vestida de seda e renda.

— Eu queria você — disse Ryan com a voz rouca quan­do a paixão reacendeu. — Fiquei chocada porque o tinha conhecido havia algumas horas e o queria.

- Teria feito amor com você assim naquela noite.

Pierce roçou a boca na dela. Ele a beijou, usando os lábios só até os dela ficarem quentes, macios e ávidos. As mãos dele estavam nos cabelos dela agora, retirando-os do rosto enquanto sua língua explorava sua boca gentilmente.

Parecia que ele a beijaria eternamente. Houve sons ma­cios e murmurantes quando seus lábios se separaram e se encontraram novamente, e depois mais uma vez. Quente, estonteante, insuportavelmente doce. Ele afagou seus om­bros, permanecendo ali enquanto o beijo prosseguia. Ela sabia que o mundo se concentrava nos lábios dele.

Não importava onde mais ele tocava, a boca dele perma­necia sobre a dela. Ele podia passar a mão onde decidisse, mas seu beijo apenas a mantinha prisioneira. Ele parecia desejar seu sabor mais que desejava o ar. Ela agarrou os om­bros dele, cravando as unhas em sua carne, sem qualquer consciência disso. O único pensamento dela era que o beijo continuasse para sempre.

Ele sabia que o corpo dela era totalmente seu e tocava onde provocava o máximo prazer. Com o menor estímulo, ela se abriu para ele. Ele subiu e desceu com a ponta do dedo pela sua coxa, deleitando-se na sua textura sedosa e na sua reação. Passou sobre seu centro apenas de leve, no caminho para a outra coxa, brincando todo o tempo com os lábios dela.

Ele usou os dentes e a língua, depois, apenas os lábios. O murmurar delirante do seu nome fez novas emoções dis­pararem pelo corpo dele. Houve o sutil movimento do seu quadril para ser seguido, a curva da sua cintura. Os braços dela eram acetinados. Ele podia encontrar prazer infinito apenas ao tocá-los. Ela era dele — ele pensou mais uma vez, e teve que controlar um ímpeto explosivo de tomá-la rapidamente. Em vez disso, deixou que o beijo falasse em seu lugar. Ele falou de desejos obscuros e poderosos, de ternura infinita.

Mesmo ao penetrá-la, Pierce continuou a saborear sua boca. Ele atraiu-a devagar, esperando que seu desejo au­mentasse, contendo sua paixão até que não fosse mais pos­sível negá-la.

A boca dele ainda estava comprimida na dela quando ela gritou com a explosão final de prazer.

Ninguém, a não ser ela, pensou ele perplexo enquanto inalava o aroma do seu cabelo. Apenas ela. Os braços de Ryan envolveram o corpo dele a fim de mantê-lo próximo.

 

Horas depois Ryan colocou dois bifes na grelha. Usava agora um jeans de Pierce preso na cintura com uma correia e com as pernas enroladas várias vezes devido à diferen­ça de altura. A camisa de moletom fazia dobras sobre seu quadril. Ryan arregaçou as mangas acima dos cotovelos en­quanto o ajudava a preparar o jantar.

— Cozinha tão bem quanto Link? — perguntou ela, virando-se para observá-lo adicionar croutons à salada que es­tava preparando.

— Não. Quando se é seqüestrado, Srta. Swan, não se pode esperar pratos finos.

Ryan parou a seu lado e abraçou sua cintura.

— Vai exigir resgate?

Ela deu um suspiro e apoiou o rosto em suas costas. Nunca tinha estado tão feliz na vida.

— Talvez. Quando tiver terminado com você.

Ela o beliscou firme, mas ele nem mesmo se mexeu.

— Safado — disse ela afetuosamente, e colocou as mãos sob a sua camisa para tocar seu peito. Dessa vez ela o viu tremer.

— Está me distraindo Ryan.

— Era minha intenção. Saiba que é a coisa mais fácil de se fazer.

— Você tem tido uma série notável de êxitos — comen­tou ele enquanto ela passava as mãos em seus ombros.

— Você realmente consegue mover os ombros para se li­vrar de uma camisa-de-força? — ela perguntou em voz alta quando sentiu a intensidade da solidez deles.

Divertindo-se, ele continuou a cortar o queijo em cubos para a salada.

— Onde ouviu isso?

— Oh, em algum lugar — disse ela de forma vaga, não estando disposta a admitir que tinha devorado todos os ar­tigos que conseguira encontrar sobre ele. — Também ouvi que tem controle total sobre os músculos.

Eles se encresparam sob seus dedos curiosos. Ela com­primiu-se contra as costas, apreciando o leve odor de mato que havia nele.

— Também ouviu dizer que só como certas ervas e raízes que pego na lua cheia? — Ele colocou um pedaço de queijo na boca antes de se virar para abraçá-la. — Ou que estudei artes mágicas no Tibete quando tinha 12 anos?

— Li que teve aulas com o fantasma de Houdini — res­pondeu ela.

— É mesmo? Devo ter deixado essa escapar. Muito lisonjeiro.

— Realmente aprecia as coisas ridículas que publicam a seu respeito, não é?

— Claro. — Ele beijou seu nariz. — Teria um senso de humor lamentável se não apreciasse.

— E, é claro — ela acrescentou —, se o fato e a fantasia estão tão misturados, ninguém jamais sabe qual é qual e quem você é.

— Existe isso também. — Ele enroscou uma mecha do cabelo dela no dedo. — Quanto mais publicam sobre mim, mais privacidade de verdade eu tenho.

— E sua privacidade é importante para você.

— Quando se cresce como eu cresci, você aprende a va­lorizá-la.

Comprimindo o rosto no peito dele, Ryan agarrou-se a ele. Pierce colocou a mão sob o queixo dela e o levantou. Os olhos dela já cintilavam de lágrimas.

— Ryan — disse ele com cuidado —, não precisa sentir pena de mim.

— Não. — Ela balançou a cabeça, compreendendo sua relutância em aceitar a compaixão. Tinha sido a mesma coisa com Bess. — Sei disso, mas é difícil não sentir pena de um garotinho.

Ele sorriu, passando o dedo em seus lábios.

— Ele era muito adaptável. — Ele a afastou. — É melhor virar aqueles bifes.

Ryan ocupou-se dos bifes, sabendo que ele queria que mudasse de assunto. Como ela podia explicar que estava ávida por qualquer detalhe da sua vida, qualquer coisa que o aproximasse dela? E talvez ela estivesse errada, pensou, de tocar no passado quando tinha medo de tocar no futuro.

— Como prefere os bifes? — perguntou ao se curvar para a grelha.

— Humm, entre malpassado e ao ponto. — Ele estava mais interessado na visão que ela proporcionou quando se inclinou. — Link faz seu próprio molho para a salada. É muito bom.

— Onde ele aprendeu a cozinhar? — perguntou ela quando virou o segundo bife.

— Foi uma questão de necessidade — Pierce lhe disse. — Ele gosta de comer. As coisas eram escassas quando co­meçamos a viajar. O resultado foi que ele ganhou muito mais habilidade com uma lata de sopa do que eu ou Bess. Ryan se virou e deu-lhe um sorriso.

— Eles vão para São Francisco hoje.

— É. — Ele levantou uma das sobrancelhas. — Então?

— Ele é tão louco por ela quanto ela é por ele.

— Sei disso também.

— Você poderia ter feito algo para movimentar as coisas após todos esses anos — ela declarou, fazendo um gesto com o garfo. — Afinal de contas, eles são seus amigos.

— É exatamente por isso que não interfiro — disse ele em tom suave. — O que você fez?

— Bem, não interferi — disse ela. — Simplesmente lhe dei um leve empurrão na direção correta. Mencionei que Bess tem preferência por pianistas.

— Entendo.

— Ele é tão tímido — disse ela em tom exasperado. — Estará pronto para se aposentar antes de tomar a coragem para... para...

— Para quê?

— Para qualquer coisa — declarou Ryan. — E pare de me olhar com esse olhar malicioso.

— Eu?

— Sabe muito bem que estava. Seja como for...

Ela ofegou e fez barulho ao largar o garfo quando algu­ma coisa roçou nos seus tornozelos.

— É apenas Circe — disse Pierce, e sorriu quando Ryan suspirou. — Ela sente o cheiro da carne. — Ele pegou o garfo para lavar enquanto a gata esfregou-se nas pernas de Ryan e ronronou de forma carinhosa. — Ela se esforçará ao máximo para convencê-la de que merece um pouco.

— Seus animais de estimação têm o hábito de me pegar desprevenida.

— Sinto muito.

Mas ele sorriu, não parecendo sentir nada. Ryan pôs as mãos no quadril.

— Gosta de me ver nervosa, não é?

— Gosto de vê-la — respondeu ele simplesmente. Riu e tomou-a nos braços. — Embora tenha de admitir que há algo atraente em vê-la usar minhas roupas enquanto pas­seia pela cozinha de pés descalços.

— Oh — disse ela com conhecimento de causa. — A síndrome do homem das cavernas.

— Ah, não, Srta. Swan. — Ele cheirou seu pescoço. — Sou seu escravo.

— É mesmo? — Ryan refletiu sobre as possibilidades interessantes da declaração. — Então coloque a mesa — ela lhe disse. — Estou morrendo de fome.

Eles comeram à luz de velas. Ryan não deu uma única garfada na comida. Ela fartou-se de Pierce. Havia vinho — algo suave e delicado, mas, quanto a isso, poderia ter sido água. Usando moletom e jeans largos, ela nunca se sentira mais mulher. Os olhos dele lhe diziam constante­mente que ela era bonita, interessante, desejável. Parecia que eles nunca tinham sido amantes, nem íntimos. Ele a estava cortejando.

Ele a fazia sentir calor com um olhar, com uma palavra suave ou tocando sua mão. Nunca deixava de agradá-la, até mesmo de arrebatá-la, o fato de ele ter tanto romantismo dentro de si. Ele devia saber que ela estaria com ele em quaisquer circunstâncias, mas, mesmo assim, ele a corteja­va. Flores, luz de velas e as palavras de um homem cativa­vam. Ryan se apaixonou de novo.

Muito depois dos dois terem perdido interesse pela co­mida, permaneceram ali. O vinho esquentou, as velas per­deram a intensidade. Ele se contentava em vê-la na luz bruxuleante, deixando que sua voz mansa fluísse até ele. Quaisquer desejos que se acumulassem dentro dele, pode­riam ser mitigados simplesmente correndo os dedos sobre o dorso da mão dela. Queria apenas estar com ela.

A paixão viria depois, ele sabia. À noite, no escuro, quan­do ela estivesse deitada a seu lado. Mas, por enquanto, bas­tava vê-la sorrir.

— Quer esperar por mim na sala de estar? — ele mur­murou, e beijou seus dedos, um de cada vez. Um prazer eletrizante disparou pelo seu braço.

— Vou ajudar com os pratos.

Mas os pensamentos dela estavam longe, distantes das questões práticas.

— Não, eu cuido disso. — Pierce virou a mão dela e com­primiu seus lábios na sua palma. — Espere por mim.

Os joelhos dela tremiam, mas ela se levantou quando ele colocou-a de pé. Ela não conseguia tirar os olhos dele.

— Não vai demorar muito?

— Não. — Ele deslizou as mãos pelos seus braços. — Não vou demorar, querida.

Suavemente, ele a beijou. Ryan caminhou aturdida até a sala de estar. Não tinha sido o beijo mas a palavra de afei­ção que havia feito seu coração bater forte. Parecia impos­sível, depois do que tinham sido um para o outro, que uma simples palavra acelerasse sua pulsação. Mas Pierce tinha cuidado com as palavras.

E era uma noite de encantamento, ela pensou ao entrar na sala de estar. Uma noite feita para o amor e para o ro­mance. Ela caminhou até a janela para olhar para o céu. Até a lua estava cheia, como se soubesse que tinha de estar. Estava tão tranqüilo que ela conseguia ouvir o som das on­das contra o rochedo.

Estavam numa ilha, Ryan imaginou. Era uma ilha pequena e desprotegida, com um mar escuro. E as noites eram longas. Não havia telefone nem eletricidade. Por impulso, ela se virou da janela e começou a acender as velas que estavam espalha­das pela sala. A lareira estava preparada, e ela riscou um fósfo­ro sobre os gravetos. A madeira seca estalou ao se inflamar.

Levantou-se e olhou em volta da sala. A luz estava exa­tamente como ela queria — insubstancial, com sombras mudando de lugar. Adicionava apenas um toque de misté­rio e parecia refletir seus próprios sentimentos em relação a Pierce.

Ryan olhou para si rapidamente e bateu de leve no moletom. Se pelo menos tivesse algo encantador para usar, algo branco e diáfano. Mas talvez a imaginação de Pierce estivesse tão ativa quanto a dela.

Música, ela pensou de repente, e olhou em volta. Ele, certamente, tinha um aparelho de som, mas ela não sabia onde procurar. Inspirada, foi até o piano.

As partituras de Link estavam esperando. Entre o brilho do fogo atrás dela e as velas sobre o piano, Ryan podia ver as notas com suficiente nitidez. Sentou-se e começou a to­car. Levou apenas alguns momentos para que se envolvesse na melodia.

Pierce parou no vão da porta e a observou. Embora seus olhos estivessem fixos no papel à sua frente, eles pareciam estar sonhando. Ele nunca a vira assim — tão envolta em seus próprios pensamentos! Sem querer interromper seu estado de espírito, ele permaneceu onde estava. Poderia tê-la observado para sempre.

À luz de velas seus cabelos eram apenas uma névoa cain­do sobre os ombros. Sua pele era clara. Apenas seus olhos estavam escuros, comovidos com a música que executava. Ele captou o leve cheiro de fumaça da madeira e da cera derretendo. Era um momento do qual ele sabia que se lem­braria para o resto da vida. Anos e anos poderiam passar, e ele conseguiria fechar os olhos e vê-la assim, ouvir a música sendo tocada, sentir as velas queimando.

— Ryan.

Não tinha sido sua intenção falar alto. Na verdade, ele apenas sussurrara seu nome, mas os olhos dela se levanta­ram na sua direção. Ela sorriu, mas a luz bruxuleante cap­tou as cintilantes lágrimas.

— É tão bonita!

— É. — Pierce mal tinha confiança suficiente para falar. Uma palavra, um movimento em falso poderia estragar o momento. O que ele viu, o que sentiu, poderia ser apenas uma ilusão. — Por favor, toque de novo.

Mesmo após ela ter recomeçado, ele não se aproximou mais. Queria que a imagem permanecesse exatamente como estava. Os lábios dela estavam ligeiramente entreabertos. Ele podia saboreá-los de onde estava. Sabia qual seria a sensação do seu rosto se ele o tocasse agora. Ela olharia para ele e sorriria com aquele calor especial nos olhos. Mas ele não a tocaria, apenas absorveria tudo que ela era nesse momento especial.

As chamas das velas queimaram sem interrupção. Uma lenha mudou de posição na lareira sem fazer barulho. E então ela terminou.

Os olhos dela levantaram-se na sua direção. Pierce foi até ela.

— Nunca a desejei mais — disse ele com a voz baixa, quase sussurrada. — Nem tive mais medo de tocá-la.

— Medo? — Os dedos dela permaneciam ligeiramente sobre as teclas. — Por quê?

— Se eu a tocasse, minha mão poderia passar através do seu corpo. Afinal de contas, você poderia ser apenas um sonho.

Ryan pegou sua mão e comprimiu-a contra o rosto.

— Não é sonho — ela murmurou. — Não para nenhum de nós.

A pele dela estava quente e era real sob os dedos dele. Ele foi atingido por uma incrível onda de ternura. Levan­tou a outra mão, segurando-a como se fosse de porcelana.

— Se pudesse fazer um desejo, Ryan, apenas um, qual seria?

— Que esta noite, apenas esta noite, você não pensasse em nada nem ninguém que não fosse eu.

Os olhos dela brilhavam na pouca luz que se movia. Pierce colocou-a de pé e envolveu seu rosto com a mão.

— Você desperdiça seus desejos, Ryan, pedindo algo que já existe.

Ele beijou suas têmporas, depois os dois lados do rosto, deixando sua boca tremendo pelo sabor da dele.

— Quero preencher sua cabeça — ela disse com a voz vacilante — para que não haja espaço para nada mais. Esta noite quero que haja apenas eu. E amanhã...

— Shh. — Ele beijou sua boca para silenciá-la, mas tão de leve que ela ficou apenas com uma promessa do que estava por vir. — Não há ninguém a não ser você, Ryan.

— Os olhos dela estavam fechados, e ele roçou os lábios delicadamente sobre as pálpebras. — Venha para a cama

— murmurou ele. — Deixe-me provar.

Pegou sua mão, atravessou a sala e apagou as velas. Pe­gou uma, deixando que sua luz trêmula lhes iluminasse o caminho.

 

Eles tiveram que se separar novamente. Ryan sabia que isso era necessário durante a preparação do especial. Quando se sentia só, devido à ausência dele, ela só tinha que se lembrar da última noite mágica que tinham passado juntos. Seria o suficiente para confortá-la até poder vê-lo novamente.

Embora ela o tivesse visto esporadicamente durante as semanas seguintes, tinha sido tinha sido apenas profissio­nalmente. Ele a procurava para reuniões e para supervisio­nar certos pontos do seu próprio negócio. Guardava isso para si. Ryan ainda não sabia nada sobre a produção dos acessórios e das piadas que ele usaria. Ele lhe daria uma lista detalhada das ilusões que executaria, a seqüência de tempo e apenas a mais simples explicação de seu mecanismo.

Ryan achava isso frustrante, mas tinha pouco mais so­bre o que reclamar. O set estava sendo criado de acordo com o que ela, Bloomfield e Pierce tinham finalmente concordado. Elaine fora contratada como convidada. Ryan havia conseguido se sair bem na série de reuniões duras e cheias de emoção. E, ela se lembrou, achando graça, Pierce também.

Ele podia dizer mais com seus longos silêncios e uma ou duas palavras calmas do que uma dúzia de chefes de departamento frenéticos discutindo. Ele suportou as exi­gências e reclamações com total amabilidade e sempre saiu por cima.

Recusou-se a usar um roteiro profissional para o show. Era simples assim. Ele dizia não. E se ateve a isso — porque sabia que estava certo. Teve sua própria música, seu próprio diretor, sua própria equipe cênica. Nada o demoveria de usar seu próprio pessoal nos postos-chave. Rejeitou seis es­boços de vestuário com um negligente meneio de cabeça.

Pierce fazia as coisas a seu modo, e se curvava apenas quan­do era conveniente. Mas Ryan viu que o pessoal de criação, por mais temperamental que fosse, reclamava pouco dele. Ele os encantou, ela notou. Tinha habilidade com as pesso­as. Ele os aquecia ou os congelava — bastava um olhar.

Bess tinha que dar sua palavra final sobre o próprio guar­da-roupa. Pierce simplesmente declarou que ela sabia o que melhor lhe convinha. Ele se recusava a ensaiar a menos que o set estivesse fechado. Então, entreteve os ajudantes com ilusionismo e truques de cartas. Sabia como manter o con­trole sem precisar ser rígido.

Ryan, porém, achava difícil trabalhar com as restrições que ele impunha a ela e aos seus funcionários. Ela tentou discutir, argumentar, implorar. Não chegou a lugar algum.

— Pierce. — Ryan o encurralou no set durante um inter­valo nos ensaios. — Preciso falar com você.

— Hum? — Ele observou sua equipe armar as tochas para o próximo segmento. — Exatamente 20 centímetros de distância — ele lhes disse.

— Pierce, isso é importante.

— Sim, estou ouvindo.

— Não pode proibir a entrada de Ned no set durante o ensaio — disse ela, e puxou seu braço para ter atenção total.

— Posso, sim. E proibi. Ele não contou a você?

— Sim, ele me contou. — Ela soltou um suspiro de exas­peração. — Pierce, como coordenador de produção, ele tem direito de estar aqui.

— Ele atrapalha. Não se esqueça de deixar 30 centíme­tros entre as fileiras, por favor.

— Pierce!

— O que é? — disse ele de modo agradável, e virou-se novamente para ela. — Já disse que está linda hoje, Srta. Swan? — Ele passou a lapela da jaqueta entre o polegar e o indicador. — É um conjunto muito bonito.

— Preste atenção, Pierce: você tem que dar um pouco mais de espaço ao meu pessoal. — Ela tentou ignorar o sorriso nos olhos dele e continuou: — Sua equipe é muito eficiente, mas numa produção desse tamanho precisamos de mais gente. Seu pessoal conhece seu trabalho, mas não conhece televisão.

— Seu pessoal não pode mexer nos meus acessórios, Ryan. Nem ficar andando por aí quando estou armando tudo.

— Meu Deus, você quer que eles façam um juramento de sangue de não revelar seus segredos? — perguntou ela, agitando a prancheta. — Poderíamos marcar para a próxi­ma lua cheia.

— Boa idéia, mas não sei quantos dos seus funcionários concordariam. Pelo menos não o seu coordenador de pro­dução — ele acrescentou com um sorriso. — Acho que ele não se importaria em ver seu próprio sangue.

Ryan levantou uma das sobrancelhas.

— Está com ciúme?

Ele riu com uma satisfação tão grande que ela quis bater nele.

— Não seja ridícula. Ele não representa ameaça.

— Não é essa a questão — murmurou ela, amuada. — Ele é muito bom no seu trabalho, mas não pode fazê-lo se você se recusar a ser razoável.

— Ryan — disse ele, parecendo realmente surpreso — sou sempre razoável. O que gostaria que eu fizesse?

— Gostaria que deixasse Ned fazer o que ele tem de fa­zer. E gostaria que deixasse meu pessoal entrar no estúdio.

— Certamente — ele concordou. — Mas não quando eu estiver ensaiando.

— Pierce — disse ela em tom de perigo. — Você está atando minhas mãos. Tem de fazer algumas concessões para a televisão.

— Estou ciente disso, Ryan, e farei. — Ele beijou sua testa. — Quando eu estiver pronto. Não — ele continuou antes que ela pudesse falar novamente. — Você tem que me deixar trabalhar com a minha própria equipe até eu ter certeza que está perfeito.

— E quanto tempo vai levar?

Ela sabia que ele a estava persuadindo como tinha feito com todo mundo, de Coogar para baixo.

— Mais alguns dias. — Ele pegou sua mão livre. — De qualquer forma, seus principais empregados estão aqui.

— Tudo bem — disse ela, dando um suspiro. — Mas até o fim da semana a equipe de iluminação terá que participar dos ensaios. Isso é essencial.

— Fechado. — Ele apertou a mão dela de modo solene. — Mais alguma coisa?

— Sim. — Ryan endireitou os ombros e lhe lançou um olhar direto. — O tempo para o primeiro segmento está indo dez segundos além. Vai ter que alterá-lo para se encai­xar com a série programada de comerciais.

— Não, você terá que alterar a série programada de co­merciais.

Ele lhe deu um leve beijo antes de se afastar. Antes que pudesse gritar com ele, Ryan descobriu que havia um botão de rosa na sua lapela. O prazer se misturou com a fúria até que era tarde demais para agir.

— Ele é o máximo, não é?

Ryan virou a cabeça e viu Elaine Fisher.

— O máximo — ela concordou. — Espero que esteja satisfeita com tudo, Srta. Fisher — ela acrescentou, e sorriu para a pequena loira que parecia uma bonequinha. — Seu camarim é agradável?

— É bom. — Elaine exibiu um sorriso encantador. — Só tem uma lâmpada queimada no meu espelho.

— Vou mandar verificar.

Elaine observou Pierce e deu sua risada rápida e esfuziante.

— Tenho que lhe dizer que não me importaria em en­contrá-lo no meu camarim.

— Acho que não posso providenciar isso, Srta. Fisher

— respondeu Ryan de modo formal.

— Ah, querida, eu mesma poderia se não fosse pela ma­neira que ele olha para você. — Ela piscou de forma amis­tosa para Ryan. — É claro que se não estiver interessada eu poderia tentar consolá-lo.

O charme da atriz não era fácil de resistir.

— Não será necessário — Ryan lhe disse com um sorriso.

— É função do produtor manter o artista feliz.

— Por que não vê se consegue arrumar um clone para mim? — Ela deixou Ryan e caminhou até Pierce. — Pronto para mim?

Observando trabalhar juntos, Ryan viu que os instin-

tos dela estavam corretos. Formavam uma dupla perfeita. A beleza loira e frívola de Elaine e seu charme ingênuo escondiam um talento aguçado e um dom para a comédia. Era o equilíbrio exato que Ryan desejara.

Ryan esperou, prendendo a respiração enquanto as to­chas eram acesas. Foi a primeira vez que ela viu a ilusão do começo ao fim. As chamas ficaram altas por um momento, emitindo uma luz quase ofuscante até Pierce espalhar as mãos e acalmá-las. Então, ele se virou para Elaine.

— Não queime o vestido — ela zombou. — É alugado. Ryan escreveu apressadamente uma mensagem para

guardar como improviso quando Elaine começou a levitar. Em instantes ela estava flutuando acima das chamas.

— Está indo bem.

Ryan olhou para cima e sorriu para Bess.

— Sim, apesar de todos os problemas que causa, Pierce torna impossível ser de outra maneira. Ele é implacável.

— Eu que o diga. — Elas o observaram em silêncio por um momento e então Bess apertou o braço de Ryan. — Não posso agüentar — disse ela a meia voz para não atrapalhar o ensaio. — Tenho que lhe contar.

— Contar o quê?

— Queria contar primeiro a Pierce, mas... — Ela deu um sorriso de orelha a orelha. — Eu e Link...

— Ah, parabéns! — Ryan interrompeu e a abraçou. Bess riu.

— Você não me deixou terminar.

— Ia me dizer que vão se casar.

— Bem, sim, mas...

— Parabéns — disse Ryan de novo. — Quando aconteceu?

— Praticamente agora. — Parecendo um pouco aturdi­da, Bess coçou a cabeça. — Estava no meu camarim me aprontando quando ele bateu na porta. Não quis entrar. Fi­cou parado na porta mexendo os pés, sabe como é? Então, de repente, ele me perguntou se eu queria casar. — Bess ba­lançou a cabeça e riu mais uma vez. — Fiquei tão surpresa que perguntei a ele com quem.

— Oh, Bess, você não fez isso.

— Fiz sim. Bem, você não espera esse tipo de pergunta depois de 20 anos.

— Coitado do Link — murmurou Ryan com um sorriso.

— O que ele disse?

— Ele ficou parado por um minuto, olhando para mim e mudando de cor, e então disse "Bem, comigo, eu acho."

— Ela deu uma risadinha. — Foi muito romântico.

— Achei lindo — Ryan lhe disse. — Fico tão feliz por vocês.

— Obrigada. —Após um sorriso sensual, ela olhou para Pierce novamente. — Não conte nada para Pierce, combi­nado? Acho que vou deixar que Link conte.

— Não direi nada — ela prometeu. — Vai se casar logo? Bess deu um sorriso torto.

— Querida, é melhor acreditar. Pelo que posso ver, já somos casados há 20 anos, e isso é tempo suficiente. — Ela dobrou a bainha do moletom entre os dedos. — Acho que teremos que esperar apenas a exibição do especial e então damos o salto.

— Vão continuar com Pierce?

— Claro. — Ela olhou para Ryan com ar zombeteiro.

— Somos uma equipe. É claro que eu e Link vamos morar na minha casa, mas não nos separaríamos.

— Bess — Ryan começou devagar. — Tem algo que estou querendo perguntar a você. É sobre a ilusão final. — Ela lançou um olhar preocupado para Pierce enquanto ele continuava a trabalhar com Elaine. — Ele esta fazendo tanto segredo a respeito! Tudo que ele disse até agora é que é uma fuga e que ele precisará de quatro minutos e dez segundos do começo ao fim. O que sabe sobre isso? Bess deu de ombros.

— Ele está mantendo isso bem guardado porque ainda não resolveu todos os problemas.

— Que tipo de problemas? — Ryan insistiu.

— Realmente não sei, só... — Ela hesitou, dividida entre suas dúvidas e sua lealdade. — Só que Link não gosta.

— Por quê? — Ryan pôs a mão sobre o braço de Bess.

— É perigoso? Realmente perigoso?

— Olhe, Ryan, todas as fugas podem ser perigosas, a me­nos que esteja falando de camisa-de-força e algemas. Mas ele é o melhor. — Ela observou Pierce abaixar Elaine ao chão. — Ele vai precisar de mim num minuto.

— Bess. — Ela manteve a mão firme no braço da ruiva.

— Conte-me o que sabe.

— Ryan. — Bess suspirou quando olhou para ela. — Sei como se sente quanto a ele, mas não posso. O trabalho de Pierce é o trabalho de Pierce.

— Não estou pedindo para você quebrar o código de ética do mágico — disse ela impaciente. — Seja como for, ele terá que me contar qual é a ilusão.

— Então, ele contará.

Bess afagou sua mão mas se afastou.

Os ensaios foram além do horário como costumava acontecer com os ensaios de Pierce. Após participar de uma reunião de produção no final da tarde, Ryan decidiu espe­rar por ele no camarim. O problema da ilusão final a tinha incomodado o dia todo. Ela não havia gostado do olhar preocupado de Bess.

O camarim de Pierce era espaçoso e suntuoso. O carpete era grosso, o sofá, macio e largo o bastante para servir de cama. Havia uma televisão com tela grande, um conjunto de som e um bar cheio de bebidas que ela sabia que Pierce nunca usava. Na parede havia um par de litografias muito boas. Era o tipo de camarim que Swan reservava para ar­tistas especiais. Ryan duvidava que Pierce passasse mais de 30 minutos por dia naquele espaço quando estava em Los Angeles.

Bisbilhotou a geladeira, encontrou um quarto de suco de laranja e preparou uma bebida gelada antes de afundar no sofá. Preguiçosamente, pegou um livro da mesa. Era um dos livros de Pierce, ela observou, outra obra sobre Houdini. Sem muito interesse, folheou as páginas.

Quando Pierce entrou, ele a encontrou enroscada sobre o sofá na metade do livro.

— Pesquisa?

Ryan levantou a cabeça de repente.

— Ele realmente conseguia fazer todas essas coisas? — perguntou ela. — Estou falando dessa coisa de engolir agulhas e novelo de linha e depois retirar as agulhas com a linha enfiada. Ele realmente não fazia, não é?

— Fazia.

Ele tirou a camisa. Ryan franziu a testa.

— Você consegue? Ele apenas sorriu.

— Não tenho por hábito copiar ilusões. Como foi seu dia?

— Bom. Diz aqui que algumas pessoas achavam que ele tinha um bolso na pele.

Desta vez ele riu.

— Não acha que já teria encontrado o meu se eu tivesse um?

Ryan colocou o livro de lado e se levantou.

— Quero conversar com você.

— Tudo bem. — Pierce puxou-a para os seus braços e começou a cobrir seu rosto com beijos. — Em alguns minu­tos. Foram três longos dias sem você.

— Foi você quem foi embora — ela lembrou-lhe, e dete­ve sua boca errante com a dela.

— Tinha alguns detalhes para resolver. Não consigo tra­balhar a sério aqui.

— É para isso que serve sua masmorra — ela murmurou e encontrou sua boca novamente.

— Exatamente. Vamos jantar esta noite. Algum lugar com velas e cantos escuros.

— Meu apartamento tem velas e cantos escuros — disse ela junto aos seus lábios. — Podemos ficar a sós lá.

— Tentará me seduzir de novo.

Ryan riu e se esqueceu sobre o que queria conversar com ele.

— Eu vou seduzi-lo de novo.

— Ficou convencida, Srta. Swan. — Ele a afastou. — Nem sempre sou fácil.

— Gosto de desafios.

Ele esfregou o nariz no dela.

— Gostou da flor?

— Sim, obrigada. — Ela envolveu seu pescoço com os braços. — Impediu-me de importuná-lo.

— Eu sei. Acha difícil trabalhar comigo, não é?

— Extremamente. E se você deixar outra pessoa produ­zir seu próximo especial, vou sabotar todas as suas ilusões.

— Bem, então terei que mantê-la para me proteger.

Ele tocou seus lábios nos dela gentilmente, e a onda de amor a atingiu com tamanha força, tão subitamente, que Ryan se agarrou nele.

— Pierce. — Ela queria falar rápido antes que o velho medo a impedisse. — Pierce, leia minha mente. — Com os olhos cerrados, ela enterrou o rosto no seu ombro. — Con­segue ler minha mente?

Perplexo com a urgência no seu tom de voz, ele a afastou para examiná-la. Ela arregalou os olhos e ele viu neles que ela estava um pouco apavorada, um pouco atordoada. E viu algo mais que fez seu coração bater de forma irregular.

— Ryan?

Pierce levou uma das mãos ao rosto dela, temendo que ele estivesse vendo algo que só ele queria ver. Temendo também que fosse real.

— Estou aterrorizada — sussurrou ela. — As palavras não querem sair. Pode vê-las? — A voz dela saía em espas­mos. Ela mordeu o lábio para firmá-la. — Se não puder, eu entenderei. Não precisa mudar nada.

Sim, ele as via, mas ela estava errada. Assim que foram ditas, elas mudaram tudo. Ele não queria que acontecesse, mas ele sabia, de alguma forma, que eles chegariam a esse ponto. Ele soube no momento que a viu descer os degraus até sua sala de trabalho. Ela era a mulher que mudaria tudo. Qualquer poder que ele tivesse, se tornaria parcial­mente dela assim que ele dissesse três palavras. Era o único encantamento de verdade num mundo de ilusão.

— Ryan. — Ele hesitou por um momento mas sabia que não podia impedir o que já existia. — Eu amo você.

A respiração dela saiu num fluxo de alívio.

— Oh, Pierce, estava com tanto medo que não quises­se me ver. — Eles se aproximaram e se agarraram. — Eu o amo tanto. Tanto. — O suspiro dela saiu trêmulo. — É bom, não é?

— É. — Ele sentiu sua pulsação equiparar-se à dele. — Sim, é bom.

— Não sabia que podia ser tão feliz. Queria lhe dizer antes — murmurou ela junto à garganta dele. — Mas tinha tanto medo! Parece tolice agora.

— Nós dois tínhamos medo. — Ele puxou-a mais para per­to, mas ainda não foi suficiente. — Desperdiçamos tempo.

— Mas você me ama — murmurou ela, querendo apenas ouvir as palavras mais uma vez.

— Sim, Ryan, eu amo você.

— Vamos para casa, Pierce. — Ela passou os lábios ao longo do seu maxilar. — Vamos para casa. Eu quero você.

— Uhum. Agora.

Ryan jogou a cabeça para trás e riu.

— Agora? Aqui?

— Aqui e agora — ele concordou, apreciando o lampejo travesso em seus olhos.

— Alguém pode entrar — disse ela e afastou-se dele. Sem dizer nada, Pierce virou-se para a porta e girou a

fechadura.

— Acho que não.

— Oh! — Ryan mordeu o lábio, tentando não sorrir. — Parece que não tenho escolha.

— Pode gritar por socorro — ele sugeriu, enquanto reti­rava o casaco dos ombros dela.

— Socorro — disse ela baixinho, enquanto ele desabotoava a blusa dela. — Acho que ninguém me ouviu.

— Então parece que vou ter que fazer amor com você.

— Oh, que bom — sussurrou Ryan.

A blusa foi ao chão. Eles tocaram um no outro e riram com a pura alegria de estarem apaixonados. Beijaram-se e se abraçaram como se não houvesse amanhã. Murmuraram palavras suaves e suspiraram de prazer. Mesmo quando o ato de amor se intensificou e a paixão começou a dominar, havia uma alegria subjacente que permanecia inocente.

Ele me ama, pensou Ryan, e subiu as mãos pelas costas for­tes. Ele me pertence. Ela respondeu aos beijos dele com fervor.

Ela me ama, pensou Pierce, sentindo o calor da pele de Ryan sob seus dedos. Ela me pertence. Ele buscou sua boca e a saboreou.

Eles se deram um ao outro, tomaram um do outro até que fossem mais um do que dois. Havia paixão crescente, uma ternura infinita e uma nova liberdade. Quando o ato de amor findou, eles ainda conseguiam rir, tontos por sabe­rem que para eles era apenas o começo.

— Sabe de uma coisa? — murmurou Ryan. — Eu achava que era o produtor que atraía o artista para o sofá.

— Não fez isso?

Pierce deixou que os cabelos dela corressem pelos dedos dele. Com uma risada, Ryan beijou-o entre os olhos.

— Devia pensar que foi tudo sua idéia.

Ela se sentou e pegou a blusa. Pierce sentou-se atrás dela e passou a ponta do dedo pela sua espinha.

— Vai a algum lugar?

— Veja, Atkins, você vai fazer o teste de tela. — Ela reclamou quando ele mordeu seu ombro. — Não tente mu­dar minha opinião — disse ela antes de ficar fora do alcan­ce dele. — Sua parte comigo acabou.

— Oh?

Pierce apoiou-se no cotovelo para observar seu vestido.

— Até chegarmos em casa. — Ryan vestiu o robe e come­çou a tirar suas meias. Ela olhou a nudez dele. — É melhor você se vestir antes de eu mudar de idéia. Terminaremos trancados no prédio pelo resto da noite.

— Eu conseguiria que escapássemos quando quisésse­mos ir.

— Existem alarmes. Ele riu.

— Ora, Ryan.

Ela disparou um olhar para ele.

— Acho que foi bom você ter decidido não ser criminoso.

— É mais simples cobrar para abrir cadeados. As pessoas sempre acharão fascinante pagar para ver que é possível.

— Ele sorriu quando se sentou. — Elas não gostam se você faz de graça.

Curiosa, ela inclinou a cabeça.

— Já deparou com um cadeado que não conseguiu abrir?

— Com tempo suficiente — disse Pierce enquanto pega­va as roupas —, qualquer cadeado pode ser aberto.

— Sem ferramentas?

Ele levantou uma das sobrancelhas.

— Existem ferramentas e ferramentas. Ryan franziu as sobrancelhas para ele.

— Vou ter que procurar aquele bolso na sua pele de novo.

— Quando quiser — concordou ele de forma afável.

— Você poderia ser legal e me ensinar uma coisa: como se livrar das algemas.

— Não. — Ele balançou a cabeça enquanto vestia o jeans. — Elas podem ser úteis de novo.

Ryan deu de ombros como se não se importasse e come­çou a abotoar a blusa.

— Oh, esqueci. Queria falar com você sobre o final. Pierce pegou uma camisa limpa do armário.

— O que tem?

— É precisamente o que quero saber — Ryan lhe disse.

— O que planejou exatamente?

— É uma fuga, eu disse a você. Ele colocou a camisa.

— Necessito mais do que isso, Pierce. O show vai ao ar em dez dias.

— Estou preparando. Reconhecendo o tom, Ryan foi até ele.

— Não, isso não é uma produção solo. Posso concordar com algumas de suas excentricidades em relação aos em­pregados. — Ela ignorou a expressão de indignação dele.

— Mas tenho que saber exatamente o que vai ser transmi­tido. Não pode me deixar às escuras com menos de duas semanas para a gravação.

— Vou sair de um cofre — disse ele simplesmente, e deu a Ryan seu sapato.

— Sair de um cofre. — Ela assimilou, observando-o. — Tem mais coisa, Pierce. Não sou idiota.

— Terei minhas mãos e meus pés algemados primeiro. Ryan curvou-se para pegar seu outro sapato. Sua relutân­cia contínua em dar mais detalhes causava um medo real.

— O que mais, Pierce?

Ele não disse nada até ter abotoado a camisa.

— É um procedimento numa caixa, dentro de uma caixa, que está dentro de outra caixa. Um velho truque.

O medo aumentou.

— Três cofres? Um dentro do outro?

— Isso mesmo. Cada um maior que o último.

— Os cofres são herméticos?

— São.

A pele de Ryan esfriou.

— Não gosto disso.

Ele lançou um calmo olhar de avaliação.

— Não precisa gostar, Ryan, mas não precisa se preocu­par também.

Ela engoliu em seco, sabendo que era importante man­ter o controle.

— Tem mais, não é? Eu sei que tem, me diga.

— O último cofre tem um dispositivo de tempo — disse ele sem muita emoção. — Já fiz isso antes.

— Um dispositivo de tempo? — Um frio desceu pelas suas costas. — Não, não pode fazer. É pura idiotice.

— Não é nada de idiotice — Pierce retrucou. — Levei dez meses para desenvolver o mecanismo e o timing.

— Timing?

— Tenho três minutos de ar.

Três minutos!, ela pensou, e lutou para não perder o con­trole.

— E quanto tempo leva a fuga?

— No momento, pouco mais de três minutos.

— Pouco mais — Ryan murmurou entorpecida. — Pou­co mais. E se algo der errado?

— Não espero que algo dê errado. Já revi várias vezes, Ryan.

Ela virou-se de costas e, depois, novamente para ele.

— Não vou permitir isso. Está fora de questão. Use o número da pantera para o final, mas não isso.

— Vou usar a fuga, Ryan.

A voz dele estava muito calma e decidida.

— Não! — Em pânico, ela agarrou seus braços. — Vou cortar. Está fora, Pierce. Pode usar uma de suas outras ilu­sões ou inventar um novo, mas isso está fora.

— Não pode cortar. — O tom dele não se alterou en­quanto ele olhava para ela. — Tenho a palavra final; leia o contrato.

Ela empalideceu e afastou-se dele.

— Que se dane, eu não ligo para o contrato. Eu sei o que está escrito nele. Eu o redigi!

— Então sabe que não pode cortar a fuga — disse ele baixinho.

— Não permitirei que faça isso. — Lágrimas brotaram nos olhos dela, mas ela as afastou ao piscar os olhos. — Não pode fazer isso.

— Sinto muito, Ryan.

— Encontrarei um jeito de cancelar o show. — A res­piração dela estava ofegante de raiva, medo e desespero. — Posso encontrar um jeito de romper o contrato.

— Talvez. — Ele pôs as mãos sobre os ombros dela. — Mesmo assim farei a fuga, Ryan, no mês seguinte, em Nova York.

— Pierce, pelo amor de Deus! — Desesperadamente, ela agarrou-se aos braços dele. — Você pode morrer lá dentro. Não vale a pena. Por que tem que tentar algo assim?

— Porque consigo fazer. Ryan, entenda que é o meu tra­balho.

— Entendo que o amo. Isso não faz diferença?

— Sabe que faz — disse ele de modo áspero. — Sabe quanto.

— Não, não sei quanto. — Agitada, ela afastou-se dele.

— Só sei que vai fazer isso não importa o quanto eu implo­re para não fazer. Espera que eu fique parada e assista você arriscar sua vida por um pouco de aplauso e um artigo.

— Não tem nada a ver com aplauso nem artigo. — O primeiro sinal de raiva disparou nos seus olhos. — Deveria me conhecer melhor.

— Não, não, não o conheço — disse ela em desespero.

— Como posso entender o motivo de você insistir em fazer algo assim? Não é necessário para o show nem para sua carreira!

Ele lutou para se controlar e respondeu calmamente.

— É necessário para mim.

— Por quê? — ela perguntou, furiosa. — Por que é ne­cessário arriscar sua vida?

— É seu ponto de vista, Ryan, não o meu. Isso é parte do meu trabalho, parte do que sou. — Ele parou, mas não foi até ela. — Terá que aceitar isso se me aceitar.

— Não é justo.

— Talvez não — ele concordou. — Sinto muito. Ryan engoliu em seco, lutando contra as lágrimas.

— Onde isso nos deixa?

Ele manteve os olhos sobre ela.

— Depende de você.

— Não vou assistir. — Ela recuou até a porta. — Não vou! Não vou passar minha vida esperando o momento de você ir longe demais. Não posso. — Ela mexeu na fecha­dura com os dedos trêmulos. — Que se dane sua mágica! — disse ela aos soluços ao sair pela porta em disparada.

 

Após deixar Pierce, Ryan foi direto para o escritório do pai. Pela primeira vez na vida ela entrou sem bater. Abor­recido com a interrupção, Swan cortou o que estava falan­do ao telefone e franziu a testa. Por um momento ele ficou olhando para ela. Ele nunca tinha visto Ryan assim: pálida, trêmula, com os olhos arregalados e brilhantes devido às lágrimas suprimidas.

— Ligo para você depois — ele murmurou, e desligou. Ela ainda estava parada na porta, e Swan viu-se na posição incomum de não saber o que dizer. — O que foi? — per­guntou, e limpou a garganta.

Ryan apoiou-se na porta até ter certeza que suas pernas estavam suficientemente firmes para caminhar. Lutando para se controlar, foi até a mesa de seu pai.

— Preciso... Quero que cancele o especial de Atkins.

— O quê? — Ele pôs-se de pé e olhou furioso para ela. — O que é isso? Se você decidiu cair aos pedaços por cau­sa da pressão, posso arrumar uma substituição. Ross pode assumir o controle. Droga! — Ele bateu a mão na mesa. — Devia saber que não podia colocar você no comando. Ele já estava indo pegar o fone.

— Por favor. — A voz tranqüila de Ryan o deteve. — Es­tou pedindo para cancelar o contrato e o show.

Swan começou a xingá-la de novo, fez outro exame cui­dadoso de seu rosto e caminhou até o bar. Sem dizer nada, colocou uma dose grande de conhaque francês no copo. A garota estava fazendo-o se sentir desajeitado.

— Tome — disse ele em tom áspero ao colocar o copo em suas mãos. — Sente-se e beba isso.

Sem ter certeza do que fazer com uma filha que parecia arrasada e impotente, ele afagou seu ombro um pouco sem jeito antes de voltar para trás da mesa.

— Agora — novamente acomodado ele se sentia mais no controle da situação —, diga-me do que se trata. Problema nos ensaios? — Ele deu o que esperava que fosse um sor­riso de compreensão. — Você já está no ramo há bastante tempo para saber que é parte do jogo.

Ryan respirou fundo e engoliu o conhaque. Ela o deixou queimar as camadas de medo e tristeza. Sua respiração se­guinte foi mais firme. Ela olhou para o pai de novo.

— Pierce está planejando uma fuga para o final.

— Sei disso — disse ele impaciente. — Vi o roteiro.

— É perigoso demais.

— Perigoso? — Swan dobrou as mãos sobre a mesa. Ele concluiu que podia lidar com isso. — Ryan, o homem é um profissional. Ele sabe o que está fazendo.

Swan inclinou o pulso de leve para que pudesse ver o relógio. Podia lhe dar cerca de cinco minutos.

— Isso é diferente — ela insistiu. Para não gritar ela se­gurou firme o copo. Swan nunca prestava atenção em his­teria. — Até seu próprio pessoal não gosta.

— Tudo bem, o que ele está planejando?

Incapaz de formar as palavras, Ryan deu outro gole no conhaque.

— Três cofres — ela começou. — Um dentro do outro. O último... — Ela parou por um momento para manter a voz serena. — O último tem um dispositivo de tempo. Ele só terá três minutos de ar assim que for fechado dentro do primeiro cofre. Ele acabou... acabou de me contar que o número leva pouco mais que isso.

— Três cofres — Swan refletiu, franzindo os lábios. — Muito bom.

Ryan fez um grande barulho ao colocar o copo sobre a mesa.

— Principalmente se ele ficar asfixiado. Pense no bem que vai fazer para a audiência! Eles podem lhe conceder o Emmy após a morte.

Swan arqueou as sobrancelhas de um jeito que indicava perigo.

— Calma, Ryan.

— Não vou ficar calma. — Ela pulou da cadeira. — Ele não pode ter permissão para fazer isso. Temos que cancelar o contrato.

— Não posso fazer isso.

Swan levantou os ombros para descartar a idéia.

— Não quer fazer isso — Ryan corrigiu, furiosa.

— Não quero fazer isso — Swan concordou, usando o mesmo tom de voz. — Existe muita coisa em jogo.

— Tudo está em jogo! — Ryan gritou para ele. — Estou apaixonada por ele.

Ele tinha começado a se levantar e a gritar com ela tam­bém, mas as palavras dela o tomaram de surpresa. Swan fi­cou olhando para ela. Havia lágrimas de desespero nos seus olhos agora. Mais uma vez ele estava sem saber o que fazer.

— Ryan. — Ele suspirou e pegou um charuto. — Sente-se.

— Não! — Ela pegou o charuto dos seus dedos e o ati­rou do outro lado da sala. — Não vou sentar, não vou sen­tar. Estou pedindo sua ajuda. Por que não quer olhar para mim? — perguntou ela, desesperada e com raiva. — Olhe para mim de verdade!

— Estou olhando para você! — ele berrou em sinal de defesa. — E posso lhe dizer que não estou satisfeito. Agora sente e me ouça.

— Não, cansei de ouvi-lo, de tentar agradá-lo. Fiz tudo que o senhor sempre quis que eu fizesse, mas nunca foi o suficiente. Não posso ser seu filho, não posso mudar isso. — Ela cobriu o rosto com as mãos e desmoronou por com­pleto. — Sou apenas sua filha, e preciso que me ajude.

As palavras o deixaram sem fala. As lágrimas o derru­baram. Ele não conseguia se lembrar se já a tinha visto chorar antes; certamente, ela nunca o fizera de forma tão passional. Levantando-se meio desajeitado, ele procurou o lenço.

— Tome aqui. — Enfiou o lenço nas mãos dela e ima­ginou o que fazer depois. — Eu sempre... — Ele limpou a garganta e olhou impotente em volta da sala. — Sempre tive orgulho de você, Ryan.

Quando ela reagiu chorando de forma mais desesperada, ele enfiou as mãos nos bolsos e ficou em silêncio.

— Não faz diferença. — A voz dela ficou abafada por trás do lenço. Ela sentiu uma onda de vergonha pelas pala­vras e as lágrimas. — Não faz mais diferença.

— Eu ajudaria você, se pudesse — ele murmurou por fim. — Não posso detê-lo. Mesmo se pudesse cancelar o show e lidar com os processos que a emissora e Atkins abri­riam contra a Swan Produções, ele faria a maldita coisa de qualquer forma.

Confrontada com a pura verdade, Ryan afastou-se dele.

— Deve haver alguma coisa...

Swan mudou de posição, desconfortável.

— Ele está apaixonado por você?

Ryan respirou de forma irregular e afastou as lágrimas.

— Não faz diferença como ele se sente a meu respeito. Não posso detê-lo.

— Conversarei com ele. Cansada, ela balançou a cabeça.

— Não, não adiantaria nada. Desculpe. — Ela virou-se novamente para seu pai. — Eu não deveria ter vindo aqui assim. Não estava pensando direito. — Ela abaixou os olhos e enrolou o lenço. — Desculpe por ter feito uma cena.

— Ryan, sou seu pai.

Ela então olhou para ele, mas os olhos dela estavam inexpressivos.

— É.

Ele limpou a garganta e descobriu que não sabia o que fazer com as mãos.

— Não quero que peça desculpas por vir me ver. — Ela apenas continuou a olhar com os olhos sem emoção. Ele esticou o braço para tentar tocá-la. — Farei o que puder para tentar convencer Atkins a não fazer o número, se é o que quer.

Ryan deu um longo suspiro antes de sentar.

— Obrigada, mas o senhor tinha razão. De qualquer for­ma, ele fará depois. Ele mesmo me disse. Simplesmente não consigo lidar com isso.

— Quer que Ross assuma o controle? Ela comprimiu os dedos nos olhos.

— Não — disse ela balançando a cabeça. — Não, ter­minarei o que comecei. Esconder-me não vai mudar nada também.

— Muito bem — disse ele balançando a cabeça satis­feito. — Agora, ah... — Ele hesitou enquanto buscava as palavras corretas. — Sobre você e o mágico. — Ele tossiu e mexeu na gravata. — Está planejando... quer dizer, eu de­veria conversar com ele sobre suas intenções?

Ryan tinha achado que não conseguiria mais sorrir.

— Não, isso não será necessário. — Ela viu alívio nos olhos de Swan e se levantou. — Gostaria de ter uma folga depois da gravação.

— Claro, você merece.

— Não vou incomodá-lo mais.

Ela começou a se virar, mas ele pôs a mão em seu ombro. Ryan olhou para ele surpresa.

— Ryan... — Ele não sabia bem o que queria dizer. Em vez disso, apertou seu ombro. — Venha. Vou levá-la para jantar.

Ryan ficou olhando para ele. Quando foi a última vez, ela se perguntou, que ela fora jantar com o pai? Um ban­quete de entrega de prêmios? Uma festa de negócios?

— Jantar? — perguntou perplexa.

— É. — A voz de Swan ficou aguda enquanto seus pen­samentos seguiram o mesmo caminho que os dela tinham seguido. — Um homem pode levar sua filha para jantar, não pode? — Ele passou o braço em volta da cintura dela e conduziu-a até a porta. Como ela era pequena!, ele per­cebeu, um tanto surpreso. — Vá lavar seu rosto — murmu­rou. — Esperarei por você.

 

Às 10h da manhã seguinte, Swan terminou de ler o con­trato de Atkins pela segunda vez. Um negócio complicado, ele pensou. Não seria fácil romper. Mas ele não tinha in­tenção de rompê-lo. Isso não só seria ruim para os negócios mas também um gesto inútil. Ele próprio teria que lidar com Atkins. Quando a campainha tocou, ele virou o con­trato para baixo.

— O Sr. Atkins está aqui, Sr. Swan.

— Mande-o entrar.

Swan se levantou quando Pierce entrou e, como tinha feito da primeira vez, cruzou a sala com a mão estendida.

— Pierce — disse ele de forma jovial. — Obrigado por ter vindo.

— Sr. Swan.

— Bennett, por favor — disse ele enquanto levava Pierce até uma cadeira.

Swan sentou-se na cadeira em frente a ele e recostou-se.

— Bem, está satisfeito com o andamento de tudo? Pierce levantou uma das sobrancelhas.

— Estou.

Swan pegou um charuto. "O homem é frio demais", ele pensou, de má vontade. Não revela nada. Swan decidiu abordar o assunto de outro modo.

— Coogar me disse que os ensaios estão indo muito bem. Ele fica preocupado. — Swan sorriu. — Ele é um tremendo supersticioso, gosta de muita confusão antes de uma gravação. Ele me disse que o senhor poderia dirigir o show sozinho.

— Ele é um bom diretor — disse Pierce tranqüilamente, observando Swan acender seu charuto.

— O melhor — concordou Swan de modo cordial. — Es­tamos um pouco preocupados com os seus planos para o final.

— Hum?

— Isso é televisão, sabe como é — Swan lembrou-lhe, dando um grande sorriso. — Quatro minutos e dez segun­dos é um pouco longo para um número.

— É necessário. — Pierce deixou as mãos repousarem sobre os braços da cadeira. — Tenho certeza de que Ryan disse a você.

Os olhos de Swan viram o olhar direto.

— Sim, Ryan me disse. Ela veio aqui ontem à noite. Es­tava agitada.

Os dedos de Pierce ficaram um pouco tensos, mas ele manteve o olhar uniforme.

— Sei. Sinto muito.

— Veja bem, Pierce, somos homens razoáveis. — Swan inclinou-se na sua direção, remexendo o charuto. — Esse seu número parece uma beleza. Essa coisa do dispositivo de tempo é uma grande inspiração, mas com uma pequena modificação...

— Não modifico minhas ilusões. A recusa fria fez Swan vociferar.

— Nenhum contrato é talhado em pedra — disse ele em tom de ameaça.

— Pode tentar rompê-lo — concordou Pierce. — Causa­rá muito mais problemas para o senhor do que para mim. E no final não mudará nada.

— Droga, homem, a garota está fora de si! — Batendo com o punho na coxa, Swan recostou-se de novo na cadei­ra. — Ela diz que está apaixonada por você.

— Ela está apaixonada por mim — respondeu Pierce bai­xinho e ignorou a contração no estômago.

— O que pretende fazer a respeito?

— Está me perguntando como pai ou como a Swan Pro­duções?

Swan franziu a testa e murmurou por um momento.

— Como pai — decidiu.

— Estou apaixonado por Ryan. — Pierce olhou para Swan com calma. — Se ela estiver disposta, passarei minha vida com ela.

— E se ela não estiver? — retrucou Swan.

Os olhos de Pierce escureceram, alguma coisa estreme­ceu, mas ele não disse nada. Isso era algo com o qual ele teria que lidar. Na breve passagem de tempo Swan viu o que queria saber. Ele forçou sua vantagem.

— Uma mulher apaixonada nem sempre é razoável — disse ele com um sorriso amistoso. — Um homem tem que fazer certos ajustes.

— Há muito pouca coisa que eu não faria por Ryan — respondeu Pierce. — Mas não é possível mudar o que sou.

— Estamos falando de um número — retrucou Swan, perdendo a paciência.

— Não, estamos falando sobre meu modo de vida. Po­deria deixar essa fuga de lado — ele continuou, enquanto Swan franzia as sobrancelhas para ele —, mas haveria ou­tra, depois outra. Se Ryan não consegue aceitar essa agora, como poderá aceitar outra depois?

— Você a perderá — Swan alertou.

Pierce se levantou diante disso, incapaz de continuar sentado.

— Talvez nunca a tenha tido. — Ele podia suportar a dor, disse a si mesmo. Sabia como lidar com ela. Sua voz estava serena quando continuou: — Ryan tem que fazer suas próprias escolhas. Tenho que aceitá-las.

Swan pôs-se de pé e olhou furioso.

— Não me parece um homem apaixonado.

Pierce lançou-lhe um olhar longo e frio que fez Swan engolir em seco.

— Numa vida de ilusões — disse ele com a voz áspera —, ela é a única coisa real.

Ele se virou e saiu da sala.

 

Eles gravariam às 6h do horário da Costa Oeste. Até as 4h da tarde, Ryan tinha lidado com tudo, desde um administrador de propriedade irado até um cabelei­reiro nervoso. Não havia nada como uma transmissão ao vivo para deixar até veteranos experientes um tanto lou­cos. Como foi dito para ela por um ajudante fatalista: "O que puder dar errado, dará." Não era o que Ryan queria ouvir.

Mas os problemas, as exigências e o toque de insanidade a impediam de arrastar-se até um canto conveniente para chorar. Precisavam dela, e ela não tinha escolha a não ser mostrar-se segura. Se sua carreira era tudo que ia lhe restar, Ryan sabia que precisava dedicar a ela tudo de si.

Havia evitado Pierce por dez dias, mantendo uma dis­tância emocional. Eles não tinham como deixar de se en­contrarem, de tempos em tempos, mas apenas como pro­dutora e estrela. Ele não fez nenhuma tentativa de encurtar o espaço entre eles.

Ryan sofria. Às vezes, ainda a surpreendia o quanto so­fria. Mesmo assim, aceitava de bom grado. O sofrimento sufocava o medo. Os três cofres tinham sido entregues. Quando ela forçou-se a examiná-los, viu que o menor não tinha mais de 90 centímetros de altura e 60 centímetros de largura. O pensamento de Pierce se dobrando na pequena caixa preta fez seu estômago revirar.

Ela ficou parada examinando o cofre maior com sua por­ta espessa e seu dispositivo de tempo complexo quando sentiu que ele estava atrás dela. Quando se virou, eles olha­ram um para o outro em silêncio. Ryan sentiu o desejo, o amor, o desespero antes de afastar-se dele. Nem por meio de palavras nem de gestos ele pediu que ela ficasse.

Desse ponto em diante, Ryan manteve-se longe dos co­fres, concentrando-se, em vez disso, em verificar e tornar a verificar todos os mínimos detalhes da produção.

O guarda-roupa tinha de ser supervisionado. Um refle­tor quebrado precisou ser consertado no último momento. Um técnico doente teve que ser substituído. E o timing, o mais crucial dos elementos, teve que ser resolvido até o último segundo.

Parecia não haver fim para os problemas de última hora, e ela só poderia ficar grata quando aparecia um novo. Não houve tempo para pensar, até o momento em que a platéia do estúdio começou a entrar.

Com o estômago cheio de nós, o rosto tranqüilo, Ryan esperou na cabine de controle enquanto o diretor de estú­dio fazia a contagem regressiva final.

Começou.

Pierce estava no palco, frio e competente. O set estava perfeito: limpo, desobstruído e levemente misterioso, com uma iluminação moderada. Todo de preto, ele era um bru­xo do século XX, sem precisar de varas mágicas ou chapéus pontiagudos.

A água fluía entre suas palmas, o fogo disparava da pon­ta dos seus dedos. Ryan observava enquanto ele equilibrava Bess na ponta de um sabre, fazendo-a girar como um pião, retirando a espada em seguida com um floreio até que ela girasse sobre absolutamente nada.

Elaine flutuava sobre as chamas das tochas enquanto a platéia prendia a respiração. Pierce fechou-a numa bolha de vidro transparente, coberta com seda vermelha, e fez com que o objeto flutuasse três metros acima do palco. Oscilou levemente ao som da música de Link. Quando Pierce a trou­xe para baixo e retirou a seda, Elaine era um cisne branco.

Ele variou suas ilusões — arrojadas, espetaculares e sim­plesmente belas. Controlava os elementos, desafiava a na­tureza e deixava todo mundo desnorteado.

— Está tudo saindo como um sonho. — Ryan ouviu al­guém dizer entusiasmado. — Vamos faturar alguns Emmys por esse. Trinta segundos, câmera dois. Meu Deus, esse cara é realmente bom!

Ryan saiu da cabine de controle e foi para os bastidores. Disse a si mesma que estava com frio porque o aparelho de ar-condicionado estava ligado na temperatura máxima. Estaria mais quente perto do palco. As luzes lá tinham um brilho quente, mas a pele dela permanecia fria. Ela assistia enquanto ele executava uma variação da ilusão de trans­porte que tinha usado em Las Vegas.

Ele não olhou na sua direção, mas Ryan sentiu que ele sabia que ela estava lá. Tinha de saber, porque os pensa­mentos dela estavam concentrados nele, inteiramente.

— Está indo bem, não está?

Ryan levantou os olhos e viu Link a seu lado.

— Sim, perfeito até agora.

— Gostei do cisne. É bonito.

— É.

— Talvez devesse ir ao camarim de Bess e se sentar — ele sugeriu, desejando que não tivesse uma aparência tão páli­da e fria. — Poderia assistir na tevê lá dentro.

— Não. Não, vou ficar.

Pierce tinha um tigre sobre o palco, um felino esguio andando de um lado para o outro numa jaula dourada. Ele a cobriu com a mesma seda que usara na bolha. Quando a removeu, Elaine estava enjaulada e o tigre havia desapare­cido. Sabendo que era a última ilusão antes da fuga final, Ryan respirou fundo.

— Link.

Ela pegou sua mão, precisando de algo para se agarrar.

— Ele vai se sair bem, Ryan. — Ele deu um apertão nos dedos dela. — Pierce é o melhor.

O cofre menor foi trazido, sua porta escancarada en­quanto ele era girado várias vezes para mostrar sua solidez. Ryan saboreou o travo de chumbo do medo. Não ouviu a explicação de Pierce para a platéia enquanto tinha as mãos e os pés algemados por um capitão do Departamento de Polícia de Los Angeles. Os olhos dela estavam grudados no rosto dele. Ela sabia que a parte mais profunda da mente dele já estava trancada dentro do cofre. Já estava traba­lhando em sua fuga. Era a isso que se agarrava de modo tão firme quanto à mão de Link.

Ele mal coube no primeiro cofre. Seus ombros roçaram as laterais.

Ele não conseguirá se mover lá dentro, pensou ela com uma punhalada de pânico. Quando a porta se fechou, ela deu um passo na direção do palco. Link segurou-a pelos ombros.

— Não pode fazer isso, Ryan.

— Mas, pelo amor de Deus, ele não pode se mover. Não pode respirar!

Ela observou com horror crescente quando o segundo cofre foi trazido.

— Ele já se livrou das algemas — disse Link para acalmá-la, embora não tenha gostado de ver o cofre que mantinha Pierce suspenso e trancado dentro do segundo. — Ele deve estar abrindo a primeira porta agora — disse ele para con­fortar tanto a si mesmo quanto a Ryan. — Ele trabalha rápido. Você sabe. Você já viu.

— Oh, não.

O terceiro cofre fez o medo ficar quase fora do controle dela. Ela sentiu uma grande tontura e teria perdido o equi­líbrio se as mãos de Link não a tivessem mantido ereta. O cofre maior engoliu os dois outros e ele, lá dentro. Foi fechado e aferrolhado. O dispositivo de tempo foi ajustado para meia-noite. Não havia como entrar pelo lado de fora agora.

— Quanto tempo? — murmurou ela. Os olhos dela esta­vam grudados no cofre e no dispositivo de tempo reluzente e complicado. — Quanto tempo faz desde que entrou?

— Dois minutos e meio. — Link sentiu uma gota de suor correr pelas suas costas. — Ele tem bastante tempo.

Ele sabia que os cofres se encaixavam tão próximos que as portas só podiam ser abertas o suficiente para uma criança passar engatinhando. Nunca entendeu como Pierce conseguia torcer e dobrar seu corpo como fazia. Mas ele o tinha visto fazer isso. Diferentemente de Ryan, Link tinha visto Pierce ensaiar a fuga inúmeras vezes. O suor conti­nuava a rolar pelas suas costas.

O ar estava rarefeito. Ryan mal conseguia inspirá-lo para os pulmões. Era como estava dentro do cofre, pensou en­torpecida. Sem ar, sem luz.

— Tempo, Link!

Ela tremia como vara verde agora. O grandalhão parou de rezar para responder.

— Dois e cinqüenta. Está quase terminando. Ele está no último agora.

Apertando as mãos, Ryan começou a contar os segundos na cabeça. O rugir nos seus ouvidos fez com que ela mor­desse o lábio firme. Nunca tinha desmaiado na vida, mas sabia que corria grande perigo de fazê-lo agora. Quando sua visão embaçou, ela comprimiu os olhos para desanuviá-la. Mas não conseguiu respirar. Pierce estava sem ar agora, e ela também. Num momento de histeria, pensou que su­focaria parada ali tão certamente quanto aconteceria com Pierce dentro dos três cofres.

Então ela viu a porta se abrir, ouviu o suspiro unificado de alívio da platéia antes da explosão de aplausos. Ele esta­va de pé no palco, úmido de suor e inspirando o ar.

Ryan desfaleceu novamente junto ao corpo de Link quando a escuridão encobriu os refletores. Ela perdeu a consciência por poucos segundos, voltando a si quando ou­viu Link chamá-la.

— Ryan, Ryan, está tudo bem. Ele saiu. Ele está bem. Escorando-se em Link, ela balançou a cabeça para desa­nuviá-la, depois se virou e se afastou.

No momento em que as câmeras foram desligadas, Pier­ce desceu do palco.

— Onde está Ryan? — ele perguntou a Link.

— Ela saiu. — Ele viu um fio de suor descer pelo rosto de Pierce. — Ela estava muito transtornada. — Ele ofereceu a Pierce a toalha que estava segurando para ele. — Acho que talvez tenha desmaiado por um minuto.

Pierce não enxugou o suor, não sorriu como sempre fazia quando completava uma fuga.

— Aonde ela foi?

— Não sei. Acabou de sair.

Sem dizer uma palavra, Pierce foi à sua procura.

 

Ryan estava deitada no sol forte. Havia uma coceira no centro das suas costas, mas ela não se mexeu para coçá-la. Ficou parada e deixou o calor entranhar em sua pele.

Tinha passado uma semana a bordo do iate do pai ao lar­go da costa de St. Croix. Swan permitiu que fosse sozinha, como ela pediu, sem fazer perguntas quando ela chegou na sua casa e lhe pediu um favor. Tinha feito os preparativos para ela, e ele mesmo a levara ao aeroporto. Ryan pensou depois que tinha sido a primeira vez que ele não a colocara numa limusine com um motorista e a despachado para pe­gar um avião sozinha.

Já havia vários dias que ela estava deitada ao sol, na­dando e sem pensar em nada. Nem mesmo havia voltado ao seu apartamento após a gravação. Tinha chegado a St. Croix com a roupa do corpo. O que precisava, podia ser comprado na ilha. Não falava com ninguém, a não ser a tripulação, e não enviou mensagens de volta aos Estados Unidos. Por uma semana, simplesmente sumiu da face da Terra.

Ryan virou-se de costas e colocou os óculos de sol. Ela sabia que se não se forçasse a pensar a resposta que precisa­va lhe viria no devido tempo. Quando viesse, seria correta, e ela agiria com base nela. Até então, ela esperou.

Na sua sala de trabalho, Pierce embaralhou e cortou as car­tas de tarô. Precisava relaxar. A tensão o estava corroendo.

Após a gravação, ele tinha procurado Ryan no prédio todo. Como ela não estava em nenhum lugar, ele quebrou uma de suas regras principais e abriu a fechadura do seu apartamento. Esperou-a até a manhã seguinte. Ela não voltou para casa. Isso o deixou enlouquecido, furioso. E deixou a fúria tomar conta dele, impedindo a dor de entrar. Raiva, a raiva indis­ciplinada que ele nunca se permitira, veio com toda a força. Link suportou o impacto do seu mau humor em silêncio.

Pierce levou dias para recobrar seu controle. Ryan se foi, e ele tinha que aceitar. Seu conjunto de regras o deixava sem escolha. Mesmo se soubesse onde encontrá-la, não po­deria trazê-la de volta.

Na semana que passou ele não tinha trabalhado. Não teve forças. Sempre que tentava se concentrar, via apenas Ryan — sentia-a, saboreava-a. Era tudo que ele conseguia fazer aparecer. Tinha que achar seu caminho de volta. Sa­bia que se não encontrasse seu ritmo novamente logo esta­ria acabado.

Estava sozinho agora, já que Link e Bess estavam passan­do a lua-de-mel nas montanhas. Quando tinha recobrado um pouco do seu controle, insistiu para que eles realizas­sem seus planos. Mandou-os embora, esforçando-se para dar-lhes felicidade enquanto sua própria vida avultava-se um grande vazio à sua frente.

Era hora de voltar para a única coisa que havia deixado. E mesmo isso trazia um pouco de medo. Ele não tinha mais certeza de que possuía qualquer mágica.

Colocou as cartas de lado e levantou-se para preparar uma de suas ilusões mais complicadas. Não se testaria com nada simples. Mesmo quando começou a treinar sua con­centração e flexionar as mãos, levantava os olhos e a via.

Pierce fitava a imagem. Ela nunca tinha lhe aparecido tão nitidamente assim. Ele podia até ouvir seus passos quando ela atravessava a sala até o palco. Seu perfume chegou até ele primeiro e fez o sangue dele zunir. Ele se perguntou, de modo quase imparcial, se estava enlouquecendo.

— Olá, Pierce.

Ryan o viu pular de repente como se ela o tivesse acor­dado de um sonho.

— Ryan?

O nome dela nos lábios dele saiu suave, inquisitivo.

— A porta da frente não estava trancada, então entrei. Espero que não se importe.

Ele continuou a olhar para ela e não disse nada. Ela su­biu os degraus do palco.

— Interrompi seu trabalho.

Ele seguiu seu olhar, olhou para o frasco de vidro nas mãos e os cubos coloridos sobre a mesa.

— Trabalho? Não... Tudo bem.

Ele largou o frasco. Não teria conseguido fazer o truque mais básico.

— Não vai levar muito tempo — disse-lhe Ryan com um sorriso. Ela nunca o havia visto desconcertado e tinha qua­se certeza de que nunca o veria assim novamente. — Há um novo contrato que precisamos discutir.

— Contrato? — repetiu ele, incapaz de tirar os olhos de cima dela.

— Sim, é por isso que vim.

— Entendo. — Ele queria tocá-la mas manteve as mãos sobre a mesa. Recusava-se a tocar o que não mais lhe per­tencia. — Você está com uma boa aparência — ele conse­guiu dizer, e ofereceu-lhe uma cadeira. — Onde esteve?

Saiu antes que ele pudesse impedir; foi quase uma acu­sação. Ryan apenas sorriu mais uma vez.

— Estive fora — disse ela simplesmente, e deu um passo à frente. — Pensou em mim?

Foi ele que recuou.

— Sim, pensei em você.

— Bastante?

A palavra saiu baixa enquanto ela caminhava na sua di­reção.

— Não faça isso, Ryan.

A voz dele tinha um tom defensivo e agudo enquanto ele caminhava para trás.

— Pensei bastante em você — ela continuou, como se ele não tivesse falado. — Constantemente, embora tentasse não fazê-lo. Você trabalha com poções de amor, Pierce? Foi o que fez comigo? — Ela deu outro passo na sua direção. — Fiz muito esforço para odiá-lo, e mais ainda para esque­cê-lo. Sua mágica é forte demais.

O perfume dela girou pelos seus sentidos até eles ficarem anuviados com a presença dela.

— Ryan, sou só um homem, e você é minha fraqueza. Não faça isso. — Pierce balançou a cabeça e apelou para o que restava de seu controle. — Tenho trabalho a fazer.

Ryan deu uma olhada na mesa e brincou com um dos cubos coloridos.

— Terá que esperar. Sabe quantas horas há numa sema­na? — perguntou, e sorriu para ele.

— Não. Pare com isso, Ryan.

O sangue estava invadindo a cabeça dele. O desejo esta­va ficando incontrolável.

— Cento e sessenta e oito — murmurou ela. — Muita coisa para compensar.

— Se eu tocá-la, não deixarei que se vá novamente.

— E se eu tocá-lo?

Ela colocou a mão no seu peito.

— Não faça isso — ele apressou-se em alertar. — Deveria ir embora enquanto ainda pode.

— Vai fazer aquela fuga de novo, não vai?

— Vou. Vou sim. — As pontas dos dedos dele estavam formigando, exigindo que ele a tocasse. — Ryan, pelo amor de Deus, vá embora.

— Você vai fazer de novo — ela prosseguiu. — E outras, provavelmente mais perigosas, ou pelo menos mais apavo­rantes, porque você é assim. Não foi o que me disse?

— Ryan...

— Foi por quem me apaixonei — disse ela com calma.

— Não sei por que achei que poderia ou deveria tentar mu­dar isso. Eu disse uma vez que você era exatamente o que eu queria. Era verdade. Mas acho que tive que aprender o que isso significava. Ainda me quer, Pierce?

Ele não respondeu, mas ela viu seus olhos escurecerem, sentiu seu coração acelerar sob sua mão.

— Posso ir embora e ter uma vida muito calma e tran­qüila. — Ryan deu o último passo até ele. — É o que quer para mim? Eu o magoei tanto que me deseja uma vida de tédio insuportável? Por favor, Pierce — ela murmurou —, não vai me perdoar?

— Não há nada a perdoar. — Ele estava se afogando nos olhos dela por mais que se esforçasse para não fazê-lo.

— Ryan, pelo amor de Deus! — Desesperado, ele retirou a mão dela do seu peito. — Não consegue ver o que está fazendo comigo?

— Sim, e estou muito feliz. Tinha medo de que realmen­te conseguisse me esquecer. — Ela deu um pequeno suspiro de alívio. — Vou ficar, Pierce. Não há nada que possa fazer a respeito. — Ela envolveu seu pescoço com os braços e sua boca estava a milímetros da dele. — Diga-me mais uma vez que quer que eu vá.

— Não. — Ele puxou-a para junto de si. — Não posso.

— A boca dele estava devorando a dela. A força fluiu para dentro de seu corpo novamente, quente e dolorida. Ele a comprimiu mais e sentiu sua boca reagir à selvageria da dele. — Muito tarde — ele murmurou. — Tarde demais. — A excitação estava queimando dentro dele. Ele não podia

abraçá-la próximo o bastante. — Não conseguirei deixar a porta aberta para você agora, Ryan. Compreende?

— Compreendo. Sim, compreendo. — Ela jogou a ca­beça para trás, desejando ver seus olhos. — Mas estará fe­chada para você também. Vou providenciar para que essa fechadura você não consiga arrombar.

— Nada de fuga, Ryan. Para nenhum de nós. — E a boca dele estava sobre a dela mais uma vez, quente, desesperada. Ele sentiu-a ceder junto a ele enquanto a comprimia, mas as mãos dela estavam fortes e seguras sobre o corpo dele. — Eu amo você, Ryan — ele lhe disse mais uma vez, enquanto vagava pelo seu rosto e seu pescoço, enchendo-os de beijos. — Eu a amo. Perdi tudo quando você me deixou.

— Não o deixarei novamente. — Ela tomou seu rosto nas mãos para deter seus lábios errantes. — Errei em lhe pedir o que pedi. Errei em fugir. Não confiei o bastante.

— E agora?

— Eu amo você, Pierce, exatamente como você é.

Ele puxou-a para perto mais uma vez e pressionou a boca na sua garganta.

— Linda Ryan, tão pequena, tão suave. Meu Deus, como eu quero você. Venha para cima. Venha para a cama. Deixe-me amá-la de forma apropriada.

A pulsação dela martelou diante das palavras que ele pronunciou em tom baixo e irregular junto à sua garganta. Ryan respirou fundo e depois, colocando as mãos nos om­bros dele, se afastou.

— Tem a questão do contrato.

— Pro inferno com os contratos — ele murmurou, e ten­tou puxá-la de volta.

— Oh, não. — Ryan afastou-se dele. — Quero isso re­solvido.

— Já assinei seu contrato — ele lembrou-lhe impaciente. — Venha aqui.

— Este é novo — declarou ela, ignorando-o. — Um pe­ríodo vitalício exclusivo.

Ele franziu as sobrancelhas.

— Ryan, não vou me atrelar à Swan Produções pelo res­to da minha vida.

— Swan Produções, não — respondeu ela. — Ryan Swan.

A resposta irritada na ponta da sua língua não se mate­rializou. Ela viu seus olhos mudarem, ficarem intensos.

— Que tipo de contrato?

— Individual, com cláusula de exclusividade e período vitalício.

Ryan engoliu em seco, perdendo um pouco da confiança que a tinha levado até esse ponto.

— Prossiga.

— É para começar imediatamente, com a condição de ser seguida de uma cerimônia de união legal na primeira ocasião oportuna. — Ela enlaçou os dedos. — Com uma disposição para a probabilidade de filhos. — Ela viu a testa de Pierce franzir, mas ele não disse nada. — Cujo número é negociável.

— Entendo — disse ele após um momento. — Existe uma cláusula de penalidade?

— Sim. Se tentar descumprir os termos, tenho a permis­são de matá-lo.

— Muito razoável. Seu contrato é tentador, Srta. Swan. Quais são meus benefícios.

— Eu.

— Onde assino? — perguntou ele, tomando-a nos bra­ços novamente.

— Bem aqui.

Ela deu um suspiro enquanto levantava a boca. O beijo foi suave, promissor. Ryan soltou um gemido e se aproxi­mou mais.

— Essa cerimônia, Srta. Swan. — Pierce mordiscou seu lábio enquanto as mãos dele começaram a vagar. — O que considera a primeira ocasião oportuna?

— Amanhã de tarde. — Ela riu, e mais uma vez saiu de seus braços. — Não acha que vou lhe dar tempo de encon­trar uma janela de fuga, acha?

— Vejo que encontrei alguém à altura.

— Com certeza — concordou ela, balançando a cabeça de modo afirmativo. — Tenho alguns truques na manga.

Ela pegou as cartas de tarô e surpreendeu Pierce ao abri-las em leque com certo êxito. Tinha praticado por vários meses.

— Muito bom. — Ele sorriu e foi até ela. — Estou im­pressionado.

— Não viu nada ainda — ela prometeu. — Escolha uma carta — ela lhe disse, com um riso nos olhos. — Qualquer carta.

 

                                                                                            Nora Roberts

 

 

                      

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