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O Testamento / Nora Roberts
O Testamento / Nora Roberts

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O Testamento

 

     O fato de que tivesse morrido não significava que Jack Mercy fosse menos filho de puta. Uma semana de morto não apagava sessenta e oito anos de viver como um cretino. Muitas das pessoas reunidas ao redor de sua tumba estariam encantadas de poder dizê-lo.

     O certo é que, funeral ou não, Bethanne Mosebly sussurrou essas palavras ao ouvido de seu marido enquanto permaneciam de pé em meio da erva enchente do cemitério. Ela sozinho estava ali pelo afeto que tinha a jovem Willa e o repetiu nesse momento ao ouvido a seu cansado marido, como o tinha estado dizendo durante todo o trajeto até o Ennis.

     Depois de ter escutado a tagarela de sua esposa durante quarenta e seis anos, Bob Mosebly só respondeu com um grunhido que apagou de uma vez a voz de sua mulher e as palavras do pregador.

     Não porque Bob tivesse boas lembranças do Jack. Odiava a esse velho cretino, quão mesmo o odiavam quase todos os que viviam no estado de Montana.

     Mas os mortos, mortos estão, pensou Bob, e sem dúvida deviam ter chegado em multidão para enviar ao inferno a esse jodido.

     Nesse rincão pacífico do Rancho Mercy, localizado-se à sombra das grandes montanhas Belt, perto das bordas do Misuri, reunia-se nesse momento uma multidão composta por rancheiros e jeans, comerciantes e políticos. Ali, nas colinas onde pastava o gado e os cavalos corcoveavam em pastos banhados pelo sol, havia gerações da família Mercy, enterradas sob a erva ondulante.

     Jack era o último. Ele mesmo encarregou a reluzente gaveta de madeira de castanho, mandou-o fazer a medida com a MS que era a marca do rancho, inscrita em ouro. A gaveta estava forrada de cetim branco e nesse momento Jack se encontrava dentro, com seus melhores botas de pele de víbora, seu chapéu Stetson mais velho e preferido e com o látego na mão.

     Jack tinha prometido morrer tal como viveu. Com um estilo impressionante.

     Corria a voz de que Willa já tinha encarregado a lápide, de acordo com as instruções de seu pai. Seria de mármore branco, nada de granito ordinário para o Jack Mercy, e as palavras que teria inscritas eram de sua própria autoria.

    

     Aqui jaz Jack Mercy.

     Viveu como queria, morreu da mesma maneira.

     Ao demônio com qualquer a quem não lhe tenha gostado.

    

     A lápide se colocaria uma vez que a terra se afirmou, para unir-se com todas as outras que se destacavam sobre o chão rochoso, desde o Jebidiah Mercy, quem vagou pelas montanhas e reclamou a terra, até a última das três esposas do Jack; quão única morreu antes de que ele tivesse tempo de divorciar-se dela.

     Não é interessante, pensou Bob, que cada uma das esposas do Mercy lhe tenha dado uma filha quando ele estava empenhado em ter um filho varão? Ao Bob gostava de acreditar que era uma pequena brincadeira que Deus jogou a um homem que, em todos outros aspectos da vida, não fez mais que pisotear costas... e corações, com tal de conseguir o que queria.

     Recordava bastante bem a cada uma das mulheres do Jack, embora nenhuma delas lhe durou muito. Eram todas impactantes, pensou, e as filhas a quem deu a luz tampouco estavam mau. Bethanne esteve pendurada do telefone desde que se inteirou de que as outras duas filhas do Jack voavam para ali para assistir ao enterro. Nenhuma delas tinha posto seus pés em terras do Mercy desde que tiveram idade para caminhar.

      E, se tivessem querido fazê-lo, não teriam sido bem recebidas.

     Solo Willa permaneceu ali. Foi algo que Mercy não pôde evitar, considerando que a mãe morreu quase antes de terminar de amamentar à criatura. Como não tinha parentes a quem carregar com a garota, a passou a sua ama de chaves, e Bess a criou o melhor que pôde.

     Cada uma das moças tem um pouco do Jack, pensou Bob, enquanto as observava com dissimulação. O cabelo escuro e o queixo bicudo. E embora as três nem sequer se conheciam, não cabia dúvida de que eram irmãs. O tempo indicaria como foram se levar, e o tempo diria se Willa tinha nela bastante do Jack Mercy para ser capaz de dirigir um rancho de doze mil hectares.

     Ela estava pensando no rancho, e no trabalho que terei que levar a cabo. A manhã era clara e resplandecente, e os Montes estavam tintos de cores tão atrevidas e formosos que quase machucavam os olhos. As montanhas e o vale talvez tivessem sido pintados com esses tons para o outono, mas o vento do oeste soprava caloroso, seco e espesso. A princípios de outubro fazia suficiente calor para trabalhar em mangas de camisa, mas isso era algo que ao dia seguinte podia trocar. Já tinha nevado nas terras altas, e ela alcançava a ver que entre os picos negros e cinzas, a neve cobria solapadamente de branco os bosques. Era necessário juntar a fazenda, revisar e reparar as alambradas, voltá-los para revisar. Era necessário semear o trigo de inverno.

     A partir desse momento, dependia dela. Tudo dependia dela. «Jack Mercy já não é o Rancho Mercy -recordou-se Willa-. Sou-o eu.»

     Escutou ao pregador que falava da vida eterna, do perdão e da entrada ao céu. E pensou que Jack Mercy cuspiria a qualquer que pretendesse lhe dar a bem-vinda em um lugar que não fosse dele. Montana tinha sido dele, essa larga terra de montanhas e de pradarias, de águias e de lobos.

     Seu pai seria tão desgraçado no céu como poderia sê-lo no inferno.

     Permaneceu tranqüila, na aparência, enquanto baixavam a gaveta reluzente à última cicatriz da terra. A pele da Willa era dourada, tanto um legado da mãe e de seu sangue Pés Negros como da vida ao ar livre. Os olhos, quase tão negros como a trança que apressadamente se fez para assistir ao enterro, permaneciam fixos na gaveta que continha o corpo de seu pai. Não levava chapéu e o sol brilhava como fogo em seus olhos. Mas não permitiu que lhe enchessem de lágrimas.

     Tinha um rosto orgulhoso, maçãs do rosto altos, uma boca larga e altiva, olhos escuros e exóticos, de pálpebras pesadas e pestanas espessas. Aos oito anos se quebrado o nariz ao cair de um potro selvagem. A Willa gostava de acreditar que o nariz um pouco torcido para a esquerda, adicionava caráter a sua cara.

     A Willa Mercy importava muito mais o caráter que a beleza. Sabia que os homens não respeitavam a beleza. Utilizavam-na.

     Permaneceu muito quieta, enquanto o vento fazia ondear algumas mechas soltas de seu cabelo. Uma mulher de estatura média, esbelta, que luzia um vestido negro que não ficava bem e um par de sapatos de salto alto que, até essa manhã, nunca estiveram fora de sua caixa. Uma mulher de vinte e quatro anos, com a cabeça cheia de pensamentos de trabalho e o coração transbordante de dor.

     Porque, apesar de tudo, queria ao Jack Mercy. E não lhes disse nada, nenhuma só palavra, a essas duas mulheres, quão desconhecidas compartilhavam seu sangue e que acabavam de chegar para presenciar o enterro de seu pai.

     Por um instante, solo um instante, deixou vagar o olhar e a deteve na tumba da Mary Wolfchild Mercy. A mãe, a quem não recordava, estava enterrada sob um maciço de flores silvestres que resplandeciam como jóias sob o sol de outono. Obra do Adam, pensou enquanto olhava a seu meio irmano. Saberia o que ninguém mais podia suspeitar: que Willa tinha o coração alagado em lágrimas que nunca conseguiria derramar.

     Quando Adam tomou a mão, Willa enlaçou os dedos com os dele. Em sua mente e seu coração, agora era o único familiar que ficava.

     -Viveu como gostava -murmurou Adam com voz serena. De ter estado sozinhos, Willa teria se tornado para apoiar a cabeça sobre seu ombro e encontrar consolo.

     -Sim, assim o fez. E agora terminou.

     Adam olhou às outras duas mulheres, as filhas do Jack Mercy, e pensou que algo mais acabava de começar.

     -Tem que falar com elas, Willa.

     -alojam-se em minha casa e se alimentam de minha comida. -Dirigiu um olhar deliberado à tumba de seu pai-. Com isso basta.

     -São de seu sangue.

     -Não, Adam, você é de meu sangue. Elas não significam nada para mim.

      afastou-se e se preparou para receber as condolências dos pressente.

    

     Os vizinhos levavam comida para o funeral. Era uma tradição muito arraigada, assim como que Bess tivesse cozinhado durante três dias para preparar o que ela chamava «a comida do duelo». E isso, para a Willa, não era mais que uma imbecilidade. Ali o duelo não existia. Curiosidade, sim. Alguns dos que se amontoavam na casa principal tinham estado antes nela. Mas a maioria não. A morte do Jack lhes abria a porta da casa e aproveitavam para conhecê-la.

     A casa principal era um lugar de exibição, ao estilo do Jack Mercy. Em um tempo ali se elevava uma cabana de troncos e de tijolo cru, mas isso foi mais de cem anos antes. Agora a casa era uma ampla estrutura de madeira, de pedra e de vidro resplandecente. Sobre os chãos encerados de madeira de pinheiro ou de cerâmica se estendiam tapetes importados de todas partes do mundo. Ao Jack Mercy gostava de colecionar. Quando chegou a ser o dono do Rancho Mercy, dedicou cinco anos a converter o que era uma formosa casa de campo em seu palácio pessoal.

     Os ricos vivem como ricos, estava acostumado a dizer.

     E ele o fez. Colecionou quadros e esculturas, adicionou habitações onde poder exibir suas obras de arte. A entrada da casa era um átrio imenso com chão de azulejos em tons safira e rubi nos que se repetia a forma da marca do Rancho Mercy. A escada que subia ao primeiro piso era de carvalho lustrado, brilhante como o cristal e rematada por um poste esculpido com a forma de um lobo lhe uivem.

     E nesse momento ali se reunia uma multidão de pessoas, muitas das quais olhavam tudo com os olhos fora das órbitas, enquanto balançavam seus pratos de comida. Outros se amontoavam na sala de estar com sua meia hectare de chão de madeira e a ampla curva de não sofá estofado em couro cor nata. Sobre a pedra alisada da parede que rodeava a enorme chaminé, pendurava um quadro de tamanho natural do Jack Mercy montando um cavalo escuro. Tinha a cabeça inclinada, o chapéu jogado para trás, um látego enrolado em uma mão. Muitos sentiam que esses duros olhos azuis deviam estar amaldiçoando-os por estar ali sentados, bebendo seu uísque e brindando por sua morte.

     Para o Lily Mercy, a segunda das filhas a quem Jack concebeu e rechaçou, tudo era apavorante. A casa, a gente, o ruído. A habitação que o ama de chaves lhe destinou no dia anterior, a sua chegada, era uma verdadeira beleza. Tão tranqüila, pensou enquanto se aproximava dos passamanes do alpendre do flanco da casa. A cama formosa, a bonita madeira dourada contra as paredes cobertas de seda.

     A solidão.

     Era o que queria nesse momento. O que mais queria, ao olhar para as montanhas. E que montanhas!, pensou. Tão altas, tão ásperas. Não se pareciam em nada às bonitas colinas de sua casa da Virginia. E todo esse céu, esse azul interminável que se curvava sobre mais terra da que era possível que existisse.

     As planícies, que se estendiam ondulantes, e o vento, que parecia não deixar nunca de sopro. E as cores, dourado-los e bermellones, os bronzes e quão vermelhos em montanhas e planícies exploravam no outono. E esse vale, onde se estendia o rancho em um lugar de uma beleza e uma força quase impossíveis. Essa manhã tinha visto pela janela veados bebendo em um arroio que brilhava como prata à luz do amanhecer. E ouviu cavalos, vozes de homens, o canto de um galo e o que acreditava, esperava, que fora o grito de uma águia.

     perguntou-se se, no caso de reunir a coragem suficiente para caminhar pelo bosque que cobria o pé das montanhas, chegaria a ver os alces, os antes, as raposas a respeito dos que tinha lido com tanta ansiedade no vôo para ali.

     perguntou-se se lhe permitiriam ficar um dia mais.., e aonde iria, o que faria, se lhe pediam que se fora.

     Não podia voltar para este; ainda não. tocou-se com acanhamento o moretón que tratava de esconder com maquiagem e óculos escuros. Jesse a tinha encontrado. Ela teve muito cuidado, mas de todos os modos a encontrou e as ordens judiciais não lhe impediram de usar os punhos. Nada lhe impedia de usar esses punhos. Não o impediu a sentença de divórcio e tampouco o impediram as mudanças e fugas do Lily.

     Mas aqui, pensou, talvez aqui, a milhares de quilômetros de distância, em um lugar tão enorme, talvez pudesse voltar a começar. Sem medo.

     A carta do advogado em que lhe informava da morte do Jack Mercy e lhe pedia que viajasse a Montana foi como um presente do céu. Embora lhe pagaram a viagem, Lily devolveu a passagem de primeira classe em um vôo direto e reservou vários vôos zigzagueantes com o passar do país e baixo três nomes distintos. Desejava com desespero que ali Jesse Cooke não a pudesse encontrar.

      Estava tão cansada de fugir, de ter medo!

     perguntou-se se poderia mudar-se ao Billings ou a Helena e encontrar um trabalho. Qualquer trabalho. Não carecia de habilidades. Tinha seu diploma de professora e sabia informática. Talvez pudesse encontrar um apartamento pequeno para ela sozinha, embora fosse de uma só habitação, para poder começar até que conseguisse voltar a ficar de pé.

     Poderia viver aqui, pensou enquanto contemplava o espaço vasto, apavorante e glorioso. Talvez até pertencesse a esse lugar.

     Saltou quando uma mão lhe tocou o braço e logo que pôde conter um grito. O coração lhe subiu à garganta.

     Não é Jesse, compreendeu, com a sensação de ser uma parva. O homem que estava a seu lado era moreno, enquanto que Jesse era loiro. Esse homem tinha a pele bronzeada e o cabelo lhe chegava até os ombros. Olhos bondosos, escuros, muito escuros, em um rosto tão arrumado que parecia um quadro.

     Mas Jesse também era boa moço. Lily sabia quão cruel podia ser a beleza.

     -Sinto muito. -Adam lhe falava com voz tranqüilizadora, como se acabasse de assustar a um cachorrinho ou a um potro doente-. Não quis sobressaltá-la. Traga-lhe um pouco de chá gelado. -Agarrou-lhe a mão, notando como tremia e a envolveu ao redor do copo-. Hoje o dia está muito seco.

     -Obrigado. O que acontece é que não o ouvi aproximar-se. -Seguindo um costume da que ela nem sequer tinha consciencia, Lily deu um passo ao flanco para pôr distância entre eles. Espaço para poder fugir-. Solo estava... olhando. Isto é tão formoso!

     -Sim, é-o.

     Ela bebeu um gole de chá, que lhe refrescou a garganta ressecada, e se ordenou permanecer tranqüila e ser amável. Quando uma se mostrava tranqüila, a gente fazia menos pergunta.

     -Você vive perto?

     -Muito perto. -Sorriu, aproximou-se dos passamanes e assinalou para o este. Gostava da voz dessa mulher, seu deixe sulista lento e quente-. Vivo nessa casita pequena do outro lado das cavalariças.

     -Sim, vi-a. Sua casa tem persianas azuis e um jardim no que dormia um perrito negro. -Lily recordava o caseiro que lhe pareceu o lugar, muito mais acolhedor que a casa principal.

     -Esse é Beans. -Adam voltou a sorrir-. Refiro-me ao cão. adora as ervilhas fritas. Eu sou Adam Wolfchild, o irmão da Willa.

     -Ah! -Durante um instante estudou a mão que lhe oferecia, logo se obrigou a estreitá-la. Nesse momento notou o parecido entre os irmãos; os maçãs do rosto altos, os olhos-. Não sabia que ela tivesse um her... Isso nos converte em...

     -Não. -A mão do Lily parecia muito frágil e Adam a soltou com suavidade-. Você e Willa compartilharam um pai. Willa e eu compartilhamos uma mãe.

     -Compreendo. -deu-se conta do pouco que tinha pensado no homem a quem enterraram esse dia, e se sentiu envergonhada-. Você estava muito unido a ele... a seu padrasto?

     -Ninguém estava unido ao Jack. -Disse-o com simplicidade e sem amargura-. Tenho a impressão de que você não se sente cômoda aqui. -Notava que se mantinha se separada dos grupos, que evitava a outros, como se o contato casual com um ombro pudesse machucá-la. assim como também tinha notado as marcas de violência sobre seu rosto, que ela tentava ocultar.

     -Não conheço ninguém.

     Feriram-na, pensou Adam. Sempre se sentia atraído pelos seres feridos. Era formosa e estava machucada. Vestia com esmero um singelo traje negro e sapatos de salto alto e tão solo devia medir um par de centímetros menos que o metro setenta e cinco que media ele. Além disso estava muito magra para sua estatura. O cabelo escuro com reflexos avermelhados lhe caía em ondas suaves que lhe recordavam as asas dos anjos. Não alcançava a lhe ver os olhos ocultos pelos óculos escuros, mas se perguntava de que cor seriam e que mais poderia ler neles.

     Notou que tinha o queixo de seu pai, mas a boca era suave e mas bem pequena, como a de uma criatura. E quando se esforçou por lhe sorrir, junto a essa boca havia uma covinha. Tinha a pele muito branca; um frágil contraste com os moretones que ela não alcançava a dissimular.

     Está sozinha, pensou, e tem medo. Talvez lhe levaria algum tempo suavizar o coração da Willa para essa mulher, sua irmã.

     -Devo ir examinar um cavalo -disse Adam.

     -Ah! -lhe surpreendeu sua própria desilusão. Queria estar sozinha. Quando estava sozinha se sentia melhor-. Não o vou reter.

     -Gostaria de me acompanhar? Ver alguns exemplares?

     -Os cavalos? Eu... -Não seja covarde! Este homem não te vai fazer mal, ordenou-se-. Sim, eu gostaria. Mas não quero lhe resultar uma moléstia.

     -Nenhuma moléstia.

     Como sabia que era tímida, não lhe ofereceu a mão nem a tirou do braço, mas sim simplesmente baixou com ela a escada e lhe indicou o tosco caminho pelo atalho de terra.

    

     Várias pessoas os viram afastar-se e começaram os comentários de sempre. depois de tudo, Lily Mercy era uma das filhas do Jack embora, como vários assinalaram, não tinha obtido nada de particular na vida. Algo que nunca foi o problema da Willa... não, sem dúvida. Essa era uma garota que dizia muito, o que fora e quando lhe dava a vontade.

      Quanto à outra, bom, era farinha de outro costal. Altiva, luzindo-se em seu vestido elegante e olhando a todos com ar desdenhoso. Qualquer que tivesse olhos pôde notar sua maneira de permanecer junto à tumba, fria como o gelo. Sem dúvida era uma beleza, uma verdadeira pintura. Jack tinha tido filhas formosas e essa, a maior, herdou os olhos do pai. Duros, agudos e azuis.

     Não cabia dúvida de que se considerava melhor que as outras, com seu brilho de Califórnia e seus sapatos caros, mas não eram poucos os que recordavam que sua mãe tinha sido uma corista de Las Vegas, com uma risada forte e uma maneira grosseira de falar. E aqueles que a recordavam, sem dúvida alguma preferiam à mãe e não à filha.

     Ao Tess Mercy não podia lhe importar menos. Estaria ali, nesse lugar afastado da mão de Deus, tão solo até que se pudesse ler o testamento. Então tomaria o que fora dele, que seria menos do que lhe devia esse velho cretino, e se sacudiria o pó de seus Perragamos.

     -na segunda-feira como muito tarde estarei de volta.

     passeava-se com o telefone na mão, seus movimentos rápidos e bruscos, esparramando energia nervosa a seu redor. Fechou a porta do que supôs devia ser o despacho, com a esperança de poder gozar pelo menos de alguns momentos de intimidade. Teve que fazer um esforço para ignorar as cabeças dissecadas de animais que povoavam as paredes.

     -O guia está terminado. -Sorriu apenas e se passou os dedos pelo cabelo negro e murcho que se ondulava por debaixo de suas orelhas-. Obviamente é brilhante e o terá em suas mãos na segunda-feira. Não me dê pressa, Ira -advertiu a seu representante-. Eu te farei chegar o guia e você te encarregará de vendê-lo. Minhas economias diminuíram que uma maneira alarmante.

     Sujeitou o auricular com um ombro e se serve uma taça de conhaque do botellón que havia sobre a mesa. Ainda escutava as promessas e as súplicas de Hollywood quando viu passar pela janela ao Lily com o Adam.

     Interessante, pensou, enquanto bebia. A tanta e o Nobre Selvagem.

     antes de iniciar a viagem a Montana, Tess se encarregou de levar a cabo algumas rápidas averiguações. Sabia que Adam Wolfchild era filho da terceira e última esposa do Jack Mercy. Que tinha oito anos quando a mãe se casou com o Mercy. Wolfchild era Pés Negros, ou pelo menos em sua major parte. A mãe tinha ascendência italiana. Fazia vinte e cinco anos que esse homem vivia no Rancho Mercy e quão único tinha conseguido era uma pequena casita e a tarefa de atender os cavalos.

     Tess tinha intenções de obter muito mais. Quanto ao Lily, quão único pôde averiguar era que estava divorciada, que não tinha filhos e que viajava o bastante. Possivelmente porque seu marido a usa como usam o saco de areia os boxeadores, pensou Tess e se obrigou a evitar uma sensação de lástima. Nesse lugar não se podia permitir o luxo de ter reações emocionais. Não era mais que uma questão de negócios.

     A mãe do Lily era uma fotógrafa que viajou a Montana para fotografar o verdadeiro oeste. E conquistou ao Jack Mercy... embora isso não a deveu ter beneficiado muito, pensou Tess.

     Depois estava Willa. Ao pensar nela, Tess endureceu o rictus. A que ficou, a que o velho cretino conservou.

     «Bom, suponho que a partir deste momento ela deve ser proprietária do lugar», pensou Tess encolhendo-se de ombros. E o merecia. Sem dúvida o tinha ganho. Mas Tess Mercy não pensava ir-se dali sem um bom maço de bilhetes.

     Pela janela, à distância, alcançava a ver as planícies ondulantes, planícies ondulantes e intermináveis, desertas como a lua. Com um estremecimento, deu-lhe as costas à paisagem. Deus! Ela queria estar em Rodeio Drive.

     -na segunda-feira, Ira -disse com tom cortante, molesta pela voz de seu representante que lhe zumbia nos ouvidos-. Estarei em seu escritório às doze em ponto. Assim me poderá convidar a almoçar. -E com essa frase como despedida, pendurou o telefone.

     Três dias como máximo, prometeu-se, e levantou a taça de conhaque para brindar com uma cabeça de cervo. Depois sairia do Dodge como alma que leva o diabo e retornaria à civilização.

    

     -Não deveria ter que te recordar que tem hóspedes abaixo, Will. Bess Pringle pôs os braços em jarras e se dirigiu a Willa com o mesmo tom com que lhe falava quando tinha dez anos.

      Willa seguiu ficando-os jeans; Bess não acreditava em detalhes como a intimidade e logo que tinha chamado antes de entrar em dormitório. Willa lhe respondeu do mesmo modo que lhe teria respondido aos dez anos.

     -Então não me recorde isso. -sentou-se para ficá-las botas.

     -Não seja grosseira!

     -Trabalhar não é uma grosseria e ainda fica muito trabalho por fazer.

     -E tem muitos peões neste rancho como para que se encarreguem de tudo por um dia. Hoje não sairá a nenhuma parte. Tão solo hoje! Não corresponde.

     O que correspondia ou não correspondia constituía a base do código social do Bess. Era uma mulher com aspecto de pássaro, todos ossos e dentes, embora fora capaz de preparar uma montanha de bolos e gostasse tão dos doces como a uma menina de dez anos. Tinha cinqüenta e oito anos, e tinha modificado a data de seu certidão de nascimento para poder demonstrá-lo. Também tinha uma cabeleira intensamente vermelha que tingia em segredo e que penteava tirante e para trás para indicar que não gostava das tolices.

     Sua voz era arruda como a casca do pinheiro, seu rosto terso como o de uma jovencita, seus formosos olhos verdes e o nariz arrebitado era típico dos irlandeses. Tinha mãos pequenas, rápidas e habilidosas, e um gênio vivo.

     Sem apartar as mãos dos quadris, aproximou-se da Willa e a olhou.

     -Baixa de uma vez essa escada e atende a suas visitas.

     -Tenho um rancho e devo dirigi-lo. -Willa ficou de pé. Não tinha importância que com as botas postas medisse ao redor de doze centímetros mais que Bess. O equilíbrio do poder sempre passava alternativamente de uma à outra-. E não são meus convidados. Eu fui a que não tinha nenhum interesse em que viessem.

     -vieram a te oferecer seus respeitos. É o que corresponde.

     -vieram a bisbilhotar e a passear-se pela casa. E já é hora de que se vão.

     -Talvez essa tenha sido a intenção de alguns -respondeu Bess, assentindo com a cabeça-. Mas são mais os que estão aqui por ti.

     -Eu não os quero. -Willa deu a volta, tomou seu chapéu e logo ficou olhando pela janela, enquanto espremia a asa deste. A janela dava às montanhas, a esse escuro cinturão de árvores, os picos do Big Belt que continham toda a beleza e o mistério do mundo-. Não os necessito. Não posso respirar com tanta gente a meu redor.

     Bess vacilou antes de apoiar as mãos sobre os ombros da Willa. Jack Mercy não quis que sua filha fosse criada como um ser débil e suave. Nada de mímicos, nem de malcrianzas nem de carícias. Esclareceu-o quando Willa ainda usava fraldas. De maneira que Bess solo a mimou, malcriou-a e a acariciou quando estava segura de que Jack não a descobriria e a afastaria dali como tinha feito com suas algemas.

     -Querida, tem direito a sentido.

     -Está morto e enterrado. Não ganho nada me lamentando. -Mas levantou uma mão e a apoiou sobre quão pequena tinha sobre o ombro-. Nem sequer me disse que estava doente, Bess. Nem sequer foi capaz de me dar de presente essas últimas semanas de vida para que eu pudesse tratar de cuidá-lo, ou para que me pudesse despedir dele.

     -Era um homem orgulhoso -disse Bess. Mas pensou, Cretino! Cretino egoísta!-. Foi melhor que o câncer o levasse rápido em lugar de fazê-lo sofrer durante muito tempo. Isso lhe teria resultado odioso e teria sido muito mais duro para ti.

     -De uma maneira ou de outra, já está. -Alisou a asa larga do chapéu e o pôs-. Neste momento tenho animais e gente que depende de mim. Os peões têm que saber, agora mesmo, que eu estou a cargo do rancho. Que à frente do Rancho Mercy ainda há uma Mercy.

     -Então faz o que tenha que fazer. -Anos de experiência lhe tinham ensinado que o que correspondia não tinha muita importância quando estava o rancho de por meio-. Mas deve estar de volta na hora de comer. Sentará-se à mesa e comerá como Deus manda.

     -Farei-o sempre que jogar a essa gente da casa.

     Saiu em direção à escada de atrás que lhe permitiria passar pelo quarto dos casacos sem que ninguém a visse. Mas até ali alcançava para ouvir o zumbido das conversações que surgia dos outros quartos e as ocasionais gargalhadas. Furiosa com tudo isso, saiu dando uma portada e se deteve em seco ao ver dois homens que fumavam amigablemente no alpendre do flanco.

     Entrecerró os olhos ao olhar à major dos duas e a garrafa de cerveja que balançava entre seus dedos.

     -te divertindo, Ham? -perguntou.

     O sarcasmo da Willa não fez racho no Hamilton Dawson. O foi quem a montou em seu primeiro poni, quem lhe enfaixou a cabeça depois da primeira queda. Ensinou-lhe a usar o laço, a disparar um rifle, a açoitar um veado. Nesse momento só se meteu o cigarro na boca rodeada por um espesso bigode e lançou um anel de fumaça.

      -É... -formou outro anel de fumaça-, uma bonita tarde.

     -Quero que revisem as alambradas do limite noroeste do campo.

     -Já o fizemos -respondeu ele com placidez enquanto continuava apoiado contra o passamanes, um homem corpulento com as pernas totalmente curvadas. Era o capataz do rancho e acreditava saber tanto como Willa o que terei que fazer-. Enviei a um grupo de homens com a ordem das reparar. Mandei ao Brewster e ao Pickles às terras altas. Lá encima perdemos um par de cabeças. Parece que foi um puma. -Voltou a inalar uma baforada de fumaça e a exalar pela boca-. Brewster se encarregará disso. Gosta de caçar.

     -Quero falar com ele assim que volte.

     -Supus que o quereria. -endireitou-se, apartando do passamanes e ficou bem o chapéu-. É época de desmame.

     -Sim, sei.

     Ham supôs que saberia e voltou a assentir.

     -irei vigiar o grupo que está arrumando as alambradas. Lamento o de seu pai, Will.

     Ela sabia que essas singelas palavras unidas à frase anterior sobre os trabalhos do campo eram mais sinceras que as dúzias do Ramos de flores e de coroas enviadas por desconhecidos.

     -Mais tarde irei a cavalo a me reunir contigo.

     O assentiu em direção a ela, em direção ao homem que tinha a seu lado e se encaminhou a seu jipe.

     -Como se sente, Will?

     Ela se encolheu de ombros, frustrada ao compreender que não sabia o que fazer.

     -Quero que chegue o dia de amanhã -respondeu-. Amanhã todo será mais fácil, não o crie, Nate?

     Como ele não queria lhe dizer que a resposta era não, bebeu um gole de cerveja. Estava ali por ela, como amigo, como vizinho, como camarada rancheiro. Também estava ali em qualidade de advogado do Jack Mercy e sabia que pouco depois destroçaria a essa mulher que estava a seu lado.

     -Proponho-te que caminhemos um pouco. -Deixou a garrafa de cerveja sobre o passamanes e tomou a Willa do braço-. Preciso estirar as pernas.

     E suas pernas não eram pouca coisa. Nathan Torrence era alto. Chegou a medir um metro oitenta e oito aos dezessete anos e seguiu crescendo. Nesse momento, aos trinta e três, media um metro noventa e três. O cabelo moreno lhe encrespava sob o chapéu. Seus olhos eram tão azuis como o céu de Montana e tinha o arrumado rosto curtido pelo vento e torrado pelo sol. Braços largos que terminavam em mãos grandes. Pernas largas que acabavam em grandes pés. Mas apesar de tudo, era surpreendente a graça com que se movia.

     Tinha aspecto de vaqueiro, e se movia como um vaqueiro. Quando se tratava de assuntos de família, de seus cavalos ou da poesia do Keats, seu coração era tão suave como um travesseiro de plumas. Mas em assuntos de leis, de justiça, pelo que simplesmente estava bem e estava mau, sua mente era dura, como uma pedra.

     Abrigava um afeto profundo e grande para a Willa Mercy. E lhe resultava odioso não ter mais alternativa que afundá-la no inferno.

     -Nunca perdi a um ser querido -começou dizendo Nate-. Não posso dizer que sei o que sente.

     Willa seguiu caminhando e passaram frente ao edifício da cozinha, a casa dos peões e o galinheiro.

     -O nunca permitiu que ninguém lhe aproximasse. A verdade é que não sei o que sinto.

     -O rancho... -Era um tema perigoso que Nate decidiu tratar com cuidado-. Dirigi-lo não vai ser assunto fácil.

     -Temos boa gente, bons animais e boa terra. -Não lhe resultou difícil lhe sorrir ao Nate. Nunca lhe custava fazê-lo-. E bons amigos.

     -Pode me chamar em qualquer momento, Will. A mim ou a qualquer do condado.

     -Já sei. -Olhou além dele, para as cavalariças, os currais, os celeiros, a casa dos peões, e ainda mais à frente, onde a terra se estendia até unir-se com o céu-. Faz mais de cem anos que um Mercy dirigiu este lugar. Criando ganho, semeando cereais, perseguindo cavalos. Sei o que terá que fazer e como deve fazer-se. Em realidade, nada troca.

     Tudo troca, pensou Nate. E o mundo do que ela falava estava a ponto de sofrer uma mudança drástica por causa da dureza de coração de um homem morto. Seria melhor fazê-lo em seguida, antes de que ela montasse um cavalo ou subisse a um jipe e se afastasse.

     -Será melhor que leiamos o testamento quanto antes -decidiu.

    

     O despacho do Jack Mercy, localizado-se no primeiro piso da casa, era do tamanho de uma sala de baile. As paredes estavam cobertas de madeira de pinheiro amarela, procedente de árvores de suas próprias terras, cujo brilho dava um resplendor dourado à habitação. Enormes ventanales proporcionavam vistas do rancho, da terra e do céu. Ao Jack gostava de dizer que alcançava a ver tudo o que um homem podia querer ver desde esses ventanales, sem cortinas mas com o Marcos cuidadosamente lavrados.

     O estou acostumado a aparecia talher por parte dos tapetes que ele colecionava. As poltronas estavam estofos em couro, como lhe gostava, em distintos tons de marrons.

     Das paredes penduravam seus troféus: cabeças de alces e de ovelhas de largas hastes, de ursos e de veados machos. Escondido em um rincão, como preparado para o ataque, havia um enorme urso cinza, com as presas expostas, os olhos negros cheios de fúria.

     Em armários com portas de vidro se exibiam algumas de suas armas favoritas. O rifle Henry e o Colt Peacemaker de seu avô, a escopeta Browning com que liquidou ao urso, o Mossberg 500 que ele chamava seu espanador contra as pombas, e a Magnum 44 que preferia quando saía a caçar com armas curtas.

     Era uma habitação masculina, com aroma de couro e a madeira e com um sotaque fugaz do tabaco cubano que lhe gostava de fumar.

     O escritório, que mandou fazer por encargo, era um lago de madeira resplandecente, com múltiplos gavetas, todos com atiradores de bronze muito brilhante. Nesse momento Nate estava sentado detrás dele, estudando papéis para que todos os pressente tivessem tempo de colocar-se.

     Tess pensou que parecia tão desconjurado como um barril de cerveja em uma reunião organizada pela paróquia. O vaqueiro advogado, pensou com um leve sorriso, que vestia seu melhor traje dominguero. E não porque não fosse atrativo, de uma maneira arruda e camponesa. Parece um Jimmy Stewart jovem, pensou, todo braços e pernas e uma tranqüila sexualidade. Mas os homens altos e fracos que usavam botas com seus trajes de gabardina não eram seu tipo.

     E o único que ela queria era terminar de uma vez com esse maldito assunto e voltar para Os Anjos. Olhou o urso cinza, a cabeça de uma cabra de montanha e o conjunto de armas com que lhes tinha dado morte. Que lugar!, pensou. E que gente!

     Junto ao advogado vaqueiro estava o ama de chaves fraca, sentada em uma cadeira de respaldo reto, com os joelhos muito apertados uma contra a outra e modestamente cobertas com uma horrível saia negra. Depois vinha o Nobre Selvagem, com seu rosto emocionante e formoso, seus olhos enigmáticos e o leve aroma de cavalos que se desprendia de seu corpo.

     A nervosa Lily, pensou Tess, continuando seu percurso, com as mãos apertadas uma contra a outra como se as tivesse atarraxadas, e com a cabeça encurvada, como se com isso pudesse ocultar os moretones de seu rosto. Formosa e frágil como um ave perdida rodeada de abutres.

     Quanto Tess notou que começava a emocionar-se, voltou-se com toda deliberação a estudar a Willa.

     A vaqueira Mercy, pensou franzindo o nevoeiro. Áspera, possivelmente estúpida e silenciosa. Pelo menos a mulher ficava melhor em jeans e uma camisa de flanela que com esse vestido amplo que se pôs para o enterro. Em realidade, Tess decidiu que era um verdadeiro quadro, sentada em uma grande poltrona estofada em couro, com uma bota apoiada sobre o joelho da outra perna e o rosto extrañamente exótico, duro como se estivesse esculpido em pedra.

     E como não tinha visto deslizar uma só lágrima desses olhos escuros, Tess decidiu que Willa não lhe devia ter tido mais carinho que ela ao Jack Mercy.

      Isto é sozinho um assunto de negócios, pensou, enquanto fazia tamborilar os dedos com impaciência sobre o braço da poltrona. Será melhor ir ao grão em seguida.

     No instante em que Tess o pensava, Nate levantou a vista e os olhares de ambos se encontraram. Durante um incômodo momento, teve a sensação de que o vaqueiro advogado sabia exatamente o que estava pensando. E a desaprovação que lhe merecia, que lhe merecia tudo o que a ela se referisse, era tão clara como o céu que se via suas costas pela janela.

     «Pensa o que te dê a vontade», decidiu Tess, e lhe manteve o olhar com uma frieza equivalente a dele. Quão único quero é que me entregue o dinheiro.

     -Podemos fazer isto de dois modos distintos -começou dizendo Nate-. De um modo formal, quer dizer, lendo o testamento do Jack, palavra por palavra e lhes explicando depois que diabos quer dizer toda essa terminologia legal. Ou lhes posso explicar primeiro os significados, os términos do testamento e as opções. -Olhou com deliberação a Willa. Ela era a que mais lhe importava-. De ti depende.

     -Faz o da maneira mais fácil, Nate.

     -Bom, está bem. Bess, te deixou mil dólares por cada ano que tenha estado no Mercy. Isso soma trinta e quatro mil dólares.

     -Trinta e quatro mil! -exclamou Bess com os olhos abertos de assombro-. Deus Santo, Nate! O que se supõe que vou fazer com tanto dinheiro?

     Nate sorriu.

     -Bom, pode gastá-lo, Bess. E se quer investir parte, posso-te dar uma mão nesse sentido.

     -meu deus! -Sem poder repor-se da surpresa olhou a Willa, olhou-se as mãos e voltou a olhar ao Nate-. Meu deus!

     E então Tess pensou: «Se o amar de chaves recebe trinta e quatro mil, me deve tocar pelo menos o dobro», e sabia muito bem o que faria com essa importante soma.

     -Adam -continuou dizendo Nate-, de acordo com um convênio que Jack fez com sua mãe quando se casaram, você receberá uma soma total de vinte mil, ou um interesse de dois por cento do que renda o rancho Mercy. O que prefira. Posso-te adiantar que a percentagem significa mais que o dinheiro, mas a decisão é tua.

     -Não é o bastante! -exclamou Willa, sobressaltando ao Lily e fazendo que Tess elevasse uma sobrancelha-. Não é justo! Dois por cento? Adam trabalhou neste rancho desde que tinha oito anos. O há...

     -Willa. -De onde se encontrava, atrás da poltrona que ocupava sua meia irmana, Adam apoiou uma mão sobre seu ombro-. É mais que suficiente.

     -Uma mierda se o for! -A fúria que lhe provocava a injustiça contra Adam, obrigou-a a lhe apartar a mão com rudeza-. Temos uma das melhores manadas de éguas do estado. Isso é obra do Adam. Agora os cavalos deveriam ser deles, e também a casa onde vive. Deveria ter herdado terras e o dinheiro necessário para as trabalhar.

     -Willa. -Com paciência, Adam voltou a lhe apoiar a mão sobre o ombro e ali a manteve-. É o que nossa mãe pediu. E é o que ele me deu.

     Ela se calou porque havia estranhos que os observavam. E por que já se encarregaria de reparar essa injustiça. antes de que terminasse o dia, faria que Nate redigisse os papéis necessários.

     -Sinto muito. -Apoiou as mãos com tranqüilidade sobre os amplos braços da poltrona-. Continua, Nate.

     -O rancho e tudo o que possui -voltou a começar Nate-, o gado, as equipes, veículos, os direitos sobre bosques e plantações... -Fez uma pausa e se preparou para a difícil tarefa de destruir esperanças-. O negócio do Rancho Mercy deve continuar como sempre, pagando os gastos, os salários, depositando ou reinvirtiendo as lucros contigo como empresaria, Willa, e sob a supervisão dos testamentos, durante o prazo de um ano.

     -Espera -disse Willa, elevando uma mão-. O quis que você fiscalizasse a direção do rancho durante um ano?

     -Baixo determinadas condições -adicionou Nate, com uma expressão de desculpa no olhar-. Se essas condições se cumprirem durante o curso de um ano, a partir de não mais de quatorze dias da leitura deste testamento, o rancho e tudo o que possui se converterá em propriedade dos beneficiários.

     -Quais são essas condições? -perguntou Willa-. O que é isso de beneficiários? Que diabos é tudo isto, Nate?

     -Jack deixou a cada uma de suas filhas um terço do rancho. -Notou que a cor desaparecia do rosto da Willa e, amaldiçoando em seu interior ao Jack Mercy, continuou com o resto-. Mas para herdar, vocês três terão que viver no rancho, podendo abandonar a propriedade durante um período não superior a uma semana em um ano inteiro. Ao finalizar esse tempo, e se as condições se cumpriram, cada uma das beneficiárias será proprietária de um terço do rancho. E durante um período de dez anos, essa herança só poderá ser vendida ou transferida por alguma das beneficiárias a uma das outras dois.

      -Espere um momento! -exclamou Tess, depositando seu copo sobre uma mesa auxiliar-. Está dizendo que sou proprietária de um terço de um rancho boiadeiro de um lugar esquecido da mão de Deus, Montana, e que para cobrá-lo tenho que me mudar aqui? Viver aqui? Renunciar a um ano de minha vida? Nem por todo o ouro do mundo! ficou de pé com um movimento cheio de graça-. Não quero seu rancho, moça -disse a Willa-. Com gosto te dou de presente cada hectare poeirento e cada vaca. Isto não tem validez legal. Solo quero que me entreguem minha parte em efetivo e não me voltarei a cruzar no caminho de nenhum de vocês.

     -Desculpe-me, senhorita Mercy -interrompeu-a Nate, estudando-a desde seu assento frente ao escritório. Está furiosa como uma galinha de duas cabeças, pensou, e é o suficientemente fria para ocultá-lo-. Este testamento tem total validez legal. As condições e os desejos do Mercy foram muito bem pensados e estão muito bem apresentados. Se vocês não estiverem de acordo com as condições, o Rancho será integralmente doado a uma sociedade de Conservação da Natureza.

     -Doado?

     Surpreendida, Willa se levou as mãos às têmporas. Em seu interior havia uma mescla de dor, de fúria e de um medo horrível. De algum jeito devia vencer essas sensações e pensar.

     Compreendia a condição dos dez anos. Era para impedir que as terras fossem loteadas ao preço de mercado e tivessem que pagar impostos de acordo com esse preço. Jack odiava ao governo como se fosse veneno e nunca esteve disposto a lhe ceder um solo centavo. Mas não tinha sentido que ameaçasse lhes tirando tudo para entregá-lo a uma dessas organizações de cujos integrantes se burlava chamando-os apaixonados pelas árvores ou das baleias.

     -Se não cumprir com esses requisitos -disse, enquanto lutava por manter a calma-, ele pode simplesmente dar de presente o rancho? Estaria disposto a dar de presente as terras que foram que a família Mercy durante mais de um século, se estas dois não cumprirem com as condições que estabelece o testamento? Se não as cumprir eu?

     Nate respirou fundo, odiando-se.

     -Sinto muito, Willa. Não houve maneira de raciocinar com ele. Essa foi sua vontade. Se alguma de vocês três se vai daqui, quebranta as condições e o rancho será confiscado. Nesse caso, cada uma de vocês três receberia cem dólares. E isso é tudo.

     -Cem dólares? -O absurdo da cifra golpeou ao Tess quem se voltou a deixar cair na poltrona, rendo-. Que filho de puta!

     -te cale a boca! -A voz da Willa estalou como um látego quando ficou de pé-. Te cale a boca de uma vez! Podemos lutar contra isto, Nate? Tem sentido tratar de anulá-lo?

     -Se quiser minha opinião como advogado, diria-te que não. O julgamento se atrasaria durante anos, exigiria muito dinheiro e o mais provável seria que o perdierais.

     -Eu ficarei. -Lily lutou por respirar com tranqüilidade. Um lar, a segurança. Tinha-o tudo ali, na ponta dos dedos, como um brilhante presente-. Sinto muito. -ficou de pé quando Willa se voltou para ela-. Não é justo para ti. Não está bem. Não sei por que terá feito isto, mas eu ficarei. Quando tiver passado o ano, venderei-te minha parte pelo que você diga que é justo. É uma maravilha de rancho -adicionou tratando de sorrir enquanto Willa seguia olhando-a fixamente-. Aqui todo mundo sabe que já te pertence. depois de tudo não é mais que um ano.

     -É muito amável de sua parte -disse Tess-. Mas maldita seja se estiver disposta a ficar aqui durante um ano! Amanhã pela manhã retorno aos Anjos.

     Com a mente feita um torvelinho, Willa lhe dirigiu um olhar. Embora morrera de vontades de que ambas se fossem, o que mais lhe interessava era o rancho. Muito mais que qualquer outra coisa.

     -Nate, o que aconteceria se uma das três morrera repentinamente?

     -Que gracioso! -disse Tess, voltando a agarrar seu copo-. Essa é uma amostra do tipo de humor de Montana?

     -No caso de que uma das beneficiárias morrera durante o ano da transição, as duas beneficiárias restantes herdariam o rancho por metades, mas sob as mesmas condições.

     -Então o que pensa fazer? me matar enquanto durmo? me enterrar na planície? -Tess fez um gesto definitivo-. Não pode me ameaçar para que fique vivendo aqui.

     Talvez não, pensou Willa, mas para certo tipo de gente o dinheiro é muito importante.

     -Eu não te quero aqui. Não quero aqui a nenhuma das duas, mas farei tudo o que seja necessário para conservar este rancho. Nate, talvez a senhorita Hollywood tenha interesse em saber quanto valem seus poeirentos hectares.

     -Um preço estimado do valor atual do mercado pelas terras e as construções sozinhas, sem ter em conta o gado nem as maquinarias... eu diria que entre dezoito e vinte milhões.

      A mão do Tess se estremeceu até o ponto de que esteve por derrubar o conteúdo da taça de conhaque.

     -Deus santo!

     A exclamação lhe valeu um assobio de desagrado do Bess e um sorriso malvado da Willa.

     -Supus que esse argumento te chegaria -murmurou Willa-. Quando foi a última vez que ganhou seis milhões em um ano... irmã?

     -Poderia beber um pouco de água? -perguntou Lily, atraindo a atenção da Willa.

     -Sente-se antes de que te caia -disse, lhe dando um pequeno empurrão para que voltasse a instalar-se na poltrona. Em seguida começou a passear-se pela habitação-. depois de tudo, Nate, eu gostaria que lesse o documento, palavra por palavra. Quero ter tudo isto claro na cabeça. -aproximou-se do bar laqueado e fez algo que jamais teria feito em vida de seu pai. Abriu sua garrafa de uísque e bebeu.

     Bebeu em silêncio, permitindo que o líquido o fora queimando a garganta com lentidão enquanto escutava as palavras do Nate. E se empenhou em não pensar em todos os anos durante os que lutou com tanto denodo para ganhar o amor de seu pai, ou pelo menos seu respeito. Ou sua confiança.

     E ao final quão único conseguiu foi que a cravasse com as filhas a quem ele nem sequer conhecia. Porque isso significa que, em definitiva, pensou, não tinha interesse em nenhuma das três.

     Um nome que Nate acabava de murmurar, fez-lhe arder as orelhas.

     -Um momento! Solo um maldito momento! Disse Ben McKinnon?

     Nate trocou de postura e se esclareceu garganta. Tinha esperanças de que, pelo menos no momento, isso passasse desapercebido. Willa já tinha sofrido muitos sobressaltos para um só dia.

     -Seu pai designou ao Ben e a mim para que fiscalizássemos a marcha do rancho durante o ano de prova.

     -Quer dizer que esse pombinho de corvo vai estar olhando sobre meu ombro durante todo um maldito ano?

     -Não amaldiçoe nesta casa, Will -ordenou Bess.

     -Amaldiçoarei até jogá-la abaixo se me der a vontade. por que mierda escolheu ao McKinnon?

     -Seu pai considerava que, depois do Mercy, Three Rocks é o melhor rancho da zona. Queria que te apoiasse alguém que conhecesse todos os detalhes do negócio.

     Nate recordou que Mercy lhe havia dito: «McKinnon pode ser desprezível como uma víbora e não permitirá que nenhuma maldita mulher se o em frente».

     -Nenhum dos dois estará olhando sobre seu ombro -tranqüilizou-a Nate-. Temos que dirigir nossos próprios ranchos. Isto não é mais que um detalhe sem importância.

     -Mentira! -Mas Willa controlou sua fúria-. McKinnon está informado disto? Não o vi no enterro.

     -Tinha que fazer uns trâmites no Bozeman. Retornará esta noite ou amanhã. E sim, está informado.

     -E suponho que se riu a gargalhadas, verdade?

     Em realidade McKinnon esteve a ponto de afogar-se de risada, recordou Nate, mas fez um esforço por não perder a sobriedade.

     -Isto não é uma brincadeira, Will. São negócios, e passageiros, além disso. Quão único terá que fazer será superar quatro estações. -Esboçou um sorriso-. É o que teremos que fazer todos.

     -Superarei-as. Mas só Deus sabe se estas dois conseguirão as superar. -Estudou a suas irmãs e meneou a cabeça-. por que treme? -perguntou ao Lily-. Não te enfrenta com um pelotão de fuzilamento, a não ser com milhões de dólares. Por amor de Deus, bebe um pouco disto! -E pôs o copo de uísque em mãos do Lily.

     -Não siga maltratando-a! -Tess se interpôs entre as duas, em um movimento instintivo por proteger ao Lily.

     -Não a estou maltratando, e não lhe aproxime isso!

     -Estarei perto teu durante um maldito ano, assim será melhor que vá acostumando.

     -Então será melhor que vá acostumando à maneira em que se vive aqui. Se ficar, não ficará sentada sobre seu gordo culo, terá que trabalhar.

     Para ouvir isso de «gordo culo», Tess respirou fundo. Tinha suado tinta e se matou de fome para perder todos os quilogramas de mais que arrastou durante a universidade, e estava orgulhosa dos resultados.

     -Recorda isto, bruxa: se for, você perde. E se crie que vou receber ordens de uma vaqueira ignorante com cara de pão, é muito mais parva do que pensava.

     -Fará exatamente o que eu diga -corrigiu-a Willa-. Porque em caso contrário, em lugar de ter uma cama cômoda dentro da casa, terá-te que passar um ano em uma carpa, à intempérie.

      -Tenho tanto direito como você a viver baixo este teto. Talvez mais, porque ele se casou primeiro com minha mãe.

     -O único resultado disso é que é mais velha -replicou Will e teve o prazer de comprovar que seu dardo tinha dado no branco-. E sua mãe era uma corista com mais tetas que cérebro.

     O que Tess tivesse sido capaz de responder ou de fazer ficou em suspense quando Lily rompeu a chorar.

     -Está contente agora? -perguntou Tess, pegando um empurrão a Willa.

     -Basta! -Farto de ser uma testemunha muda, Adam as conteve a ambas com um olhar-. Deveria dados vergonha! -inclinou-se e lhe falou em murmúrios ao Lily enquanto a ajudava a ficar de pé-. Faz-te falta tomar um pouco de ar fresco -disse em tom bondoso-. E deve comer algo. Então se sentirá melhor.

     -Leva-a a caminhar um pouco -disse Bess ficando pesadamente de pé. Doía-lhe muitíssimo a cabeça-. irei preparar a comida. E me envergonho de vocês -adicionou, dirigindo-se ao Tess e a Willa-. Conheci suas mães e estou convencida de que elas tivessem esperado um comportamento melhor de suas filhas. -Aspirou ar pelo nariz com expressão desdenhosa. Logo se voltou para o Nate com ar digno-. Se quer ficar a comer, será bem-vindo, Nate. Há comida mais que suficiente.

     -Obrigado, Bess, mas... -Pensava sair dali o antes possível; não queria que o esfolassem vivo-. Tenho que voltar para casa. -Reuniu seus papéis sem deixar de vigiar às duas mulheres que seguiam olhando-se com ar turvo-. Vos sotaque três cópias de todos os documentos. Se tiverem alguma pergunta ou alguma dúvida, já sabem onde me encontrar. E se não ter suas notícias, passarei por aqui dentro de um par de dias para ver… Para ver -finalizou. Tomou seu chapéu e suas pastas e se afastou do campo de batalha.

     Já controlada, Willa respirou fundo.

     -Desde dia em que nasci não tenho feito mais que pôr suor e sangue neste rancho. Isso te importa um nada e me dá igual. Mas não penso perder o que é meu. Supõe que isso me converte em um ser débil ante ti, mas não o cria, porque estou convencida de que não irá daqui deixando atrás mais dinheiro de que viu em toda sua vida, mais do que tenha sonhado tendo. Assim temos os mesmos interesses.

     Tess assentiu, sentou-se sobre o braço de uma poltrona e cruzou as pernas embainhadas em meias de seda.

     -De maneira que devemos definir as condições para viver durante o ano que vem. Você crie que para mim não tem importância abandonar durante um ano minha casa, meus amigos e meu estilo de vida. Mas não é assim.

     Tess não pôde menos que pensar sentimentalmente em sua casa, seu clube, Rodeio Drive. Mas apertou os dentes.

     -Mas não, tampouco penso abandonar o que é meu.

     -Teu? Que descarado!

     Tess inclinou a cabeça.

     -Nós gostemos ou não, e duvido que a nenhuma de nós dois nós gostemos, sou tão filha dele como você. Não cresci no rancho porque ele se desfez de minha mãe e de mim. É um fato e te advirto que depois de ter estado aqui um dia, começo a agradecer-lhe Mas agüentarei um ano neste lugar.

     Pensativa, Willa tomou o copo de uísque que Lily não havia meio doido.

     A ambição e a avareza eram motivações excelentes. Não cabia dúvida de que Tess ficaria.

     -E quando o ano termine?

     -Pode comprar minha parte. -A só idéia de uma quantidade tão grande de dinheiro lhe produziu um enjôo-. E em caso de que não seja isso o que queira, poderá-me mandar os cheques de meus lucros aos Anjos. Que é onde estarei ao dia seguinte de vencer o ano.

     Willa provou o uísque e se recordou que nesse momento devia concentrar-se.

     -Sabe montar?

     -Montar o que?

     Willa bufou e bebeu outro gole de uísque.

     -É lógico. Provavelmente tampouco saiba a diferença que há entre uma galinha e um galo.

     -Ah, não! Asseguro-te que conheço um passarinho quando o vejo -respondeu Tess e lhe surpreendeu ouvir a gargalhada da Willa.

     -A gente que vive neste lugar, trabalha. Isso é um fato. Eu já tenho bastante que fazer dirigindo aos peões e o gado, de maneira que você aceitará as ordens que te dê Bess.

     -Pretende que aceite as ordens que me dê um ama de chaves?

     Nos olhos da Willa houve um reflexo resistente.

     -Receberá ordens da mulher que te dará de comer, que preparará sua roupa e que limpará a casa onde viverá. E a primeira vez que a trate como a um servente, será a última. Prometo-lhe isso. Agora não está em Los Anjos, Hollywood. Aqui cada um faz algo útil.

     -Mas acontece que eu tenho uma carreira.

     -Sim, escreve guias de cinema. -Possivelmente houvesse trabalhos menos úteis, mas a Willa não lhe ocorria nenhum-. Bom, o dia tem vinte e quatro horas. É algo que descobrirá com muita rapidez. -Cansada, Willa se aproximou da janela, atrás do escritório-. Que mierda vou fazer com esse bichinho assustado?

      -Mas bem diria que é uma flor que foi esmagada.

     Surpreendida pelo tom compassivo de sua irmã, Willa a olhou, logo se encolheu de ombros.

     -Fez-te algum comentário sobre os moretones?

     -Não falei com ela mais que você. -Tess lutou para não sentir-se culpado. É importante não comprometer-se, recordou-se-. Esta não é exatamente uma reunião familiar.

     -O dirá ao Adam. cedo ou tarde, todo mundo conta ao Adam o que lhe dói. Pelo menos no momento, deixaremos em suas mãos a ferida do Lily.

     -Muito bem. Amanhã pela manhã voltarei para Os Anjos. A empacotar minhas coisas.

     -Um dos homens te levará de carro até o aeroporto.

     Como despedindo do Tess, Willa se voltou para a janela.

     -Aconselho-te que te faça um favor Hollywood. Compra roupa interior de lã e calções largos. Necessitará-os.

     Willa saiu a cavalo ao anoitecer. O sol sangrava ao cair detrás dos picos do oeste e tingia o céu de um vermelho intenso. Ela tinha necessidade de pensar, de tranqüilizar-se. Sob seu corpo, a égua grafite bailoteaba e mordia o freio.

     -Está bem, Moon, nos tiremos tudo isto de cima com um bom galope.

     Com um movimento das rédeas, Will trocou de direção e logo lhe deu rédea solta a sua cavalgadura. afastaram-se das luzes, dos edifícios, dos sons do rancho, rumo ao terreno aberto pelo que ziguezagueava o rio.

     Seguiram o bordo do rio, para o este onde já brilhavam as primeiras estrelas e onde os únicos sons eram o da água que corria e o retumbar dos cascos. O gado pastava e as chotacabras voavam em círculos. Ao chegar ao topo de um monte, Willa pôde ver quilômetros e quilômetros de silhuetas e sombras, árvores que se elevavam, a erva de uma pradaria balançada pelo vento e a linha interminável das alambradas. E à distância, no ar claro da noite se refletiam as luzes leves de um rancho vizinho.

     As terras do McKinnon.

     A égua sacudiu a cabeça e deu coices quando Willa a freou.

     -Não nos conseguimos tirar isso de cima, verdade?

     Não, a irritação ainda bulia em seu interior, quão mesmo a energia bulia em sua cavalgadura. Willa queria superar essa fúria amarga que a destroçava e a dor que fervia debaixo. Não a ajudaria a superar o ano seguinte. Tampouco me ajudará a superar a hora seguinte, pensou, e fechou os olhos com força.

     prometeu-se que não choraria. Não choraria pelo Jack Mercy, nem por sua filha menor.

     Respirou fundo e gozou do aroma de erva, a noite e a cavalo. Nesse momento, o que o fazia falta era controle, um controle calculado, irredutível. Encontraria a maneira de dirigir às duas irmãs que lhe acabavam de impor, a maneira das manter em linha e no rancho. Por mais que lhe custasse, asseguraria-se de que elas vivessem ali esse ano.

     Encontraria a maneira de arrumar-lhe com os supervisores que lhe tinham imposto. Enquanto punha ao Moon ao passo, decidiu que Nate era irritante mas que não lhe conduziria problemas. Não faria nada mais nem nada menos que o que considerasse que era seu dever legal. Coisa que, em opinião da Willa significava que se manteria afastado dos problemas diários do rancho e que desempenharia seu papel a grandes rasgos.

     No fundo de seu coração, até lhe tinha lástima. Conhecia-o desde fazia muito tempo e muito bem para acreditar por um instante que desfrutaria da posição em que o acabavam de pôr. Nate era justo, honesto, e gostava de ocupar-se de seus próprios assuntos.

     Ben McKinnon, pensou Willa, e a irritação amarga voltou a agitar-se em seu interior. Essa era farinha de outro costal. Não lhe cabia dúvida de que Ben desfrutaria de cada minuto de seu novo trabalho. Colocaria o nariz em tudo, e ela não teria mais remedeio que agüentá-lo. Mas, pensou com um sorriso sombrio, não tinha necessidade de agüentar o de bom modo, e de maneira nenhuma lhe facilitaria a tarefa.

     Por certo que sabia o que se propunha Jack Mercy e isso o fazia ferver o sangue. Ao olhar a silhueta e as luzes do Three Rocks sentiu que o calor lhe abrasava a pele a pesar do afresco da noite.

     Desde fazia gerações, as terras do McKinnon e as do Mercy partiam lado a lado. Alguns anos depois de que os Sioux fizeram um trato com o Custer, dois homens que caçavam nas montanhas e vendiam suas peles em Telhas, compraram ganho barato e o tocaram juntos para o norte, a Montana como sócios. Mas a sociedade se rompeu e cada um deles reclamou suas próprias terras, suas próprias cabeças de gado e edificou seu próprio rancho.

      Assim, a partir de então, existiram o Rancho Mercy e o Rancho Three Rocks, e cada um deles se expandiu, prosperou, lutou e sobreviveu.

     E Jack Mercy vivia desejando as terras do McKinnon. Terras que não se podiam comprar, nem roubar nem obter com nenhuma classe de truque. Mas se poderiam unir, pensou Willa nesse momento. Se as terras do Mercy e do McKinnon se unissem, o resultado seria um dos ranchos maiores e, sem dúvida, mais importantes do oeste.

     Quão único Jack tinha que fazer era vender a sua filha. Para que outra coisa servia uma mulher?, pensou Willa. Negociá-la, como se negociaria uma vitela linda e gorda. Pô-la frente ao touro as vezes necessárias e a natureza se encarregaria do resto.

     De maneira que, como Jack não teve filhos varões, estava fazendo o que pareceu mais conveniente. Punha a sua filha frente a Ben McKinnon. E todo mundo se dará conta, pensou Willa enquanto se obrigava a relaxar as mãos com que aferrava as rédeas. Não pôde levar a cabo o negócio em vida, de maneira que segue tratando de obtê-lo da tumba.

     E se por acaso a filha que esteve a seu lado durante toda a vida, a que trabalhou a seu lado, a que suou e sangrou nessa terra não era tentação suficiente... bom, tinha outras dois.

     -Maldito seja, papai! -Com mãos trementes se voltou a pôr o chapéu-. O rancho é meu e seguirá sendo-o. E maldita seja se penso abrir as pernas para o Ben McKinnon ou para nenhum outro.

     Alcançou a ver um relâmpago de luzes de faróis, falou-lhe em murmúrios à égua para tranqüilizá-la. Não chegava a distinguir bem o veículo, mas notou com claridade a direção que tomava. Esboçou um leve sorriso ao ver que as luzes giravam para a casa principal do Three Rocks.

     -Assim tornou do Bozeman, verdade?

     Instintivamente se ergueu na arreios, levantou o queixo. O ar era tão limpo que alcançou para ouvir o ruído que fazia a porta do veículo ao fechar-se, os latidos de bem-vinda dos cães. perguntou-se se Ben levantaria a cabeça e olharia em direção ao monte. Nesse caso veria a sombra escura de cavalo e cavaleiro. E Willa pensou que saberia quem o observava do limite de suas terras.

     -Já veremos o que acontecerá agora, McKinnon .-murmurou-. Quando tudo isto termine, já veremos quem dirige o Rancho Mercy.

     ouviu-se o uivo de um coiote que lhe cantava à lua em quarto crescente. E Willa voltou a sorrir. Existe toda classe de coiotes, pensou. Por bonito que seja seu canto, não por isso deixam de ser animais que se alimentam de carniça.

     Ela não permitiria que nenhum desses animais entrasse em sua terra.

     Fez girar à égua e se encaminhou a sua casa à luz do anoitecer.

    

     -Que filho de puta! -exclamou Ben, inclinando-se sobre a arreios e meneando a cabeça sem deixar de olhar ao Nate. Em seus olhos, protegidos pela asa larga de um chapéu cinza escuro, relampejava um verde frio-. Lamento me haver perdido seu enterro. Meus pais me comentaram que foi todo um acontecimento social.

     -Sim, foi.

     Nate golpeou distraído com uma mão o flanco do cavalo escuro que montava. Tinha conseguido alcançar ao Ben instantes antes de que seu amigo partisse rumo às terras altas.

     Do ponto de vista do Nate, Three Rocks era um dos lugares mais bonitos de Montana. A mesma casa principal era um exemplo excelente de eficiência e estética. Não era um palácio, como o do Mercy, a não ser uma casa atrativa forrada em madeira e com alicerces de pedra e distintos ângulos de teto que lhe adicionavam encanto. Também contava com abundantes alpendres para sentar-se a contemplar as montanhas.

     A família McKinnon tinha um rancho prolixo, ativo mas tranqüilo.

     Alcançava para ouvir os protestos bovinos que surgiam de um curral. O desmame dos bezerros que eram separados de suas mães, não era tarefa agradável. Os machos serão ainda mais desgraçados, pensou Nate, porque os castrarão e os descornarão.

     Era um dos motivos pelos que ele preferia trabalhar com cavalos.

     -Já sei que está ocupado -continuei dizendo Nate-. Não quero te fazer perder o tempo, mas supus que devia vir a te explicar como estão as coisas.

     -Sim.

     Em realidade Ben tinha muito trabalho por diante. Outubro deixava passo a novembro e esse limite duvidoso anterior ao inverno não durava muito. Nesse momento, o sol brilhava como um anjo sobre o Three Rocks. Os cavalos pastavam na pradaria mais próxima e os peões trabalhavam em mangas de camisa. Mas era necessário examinar os alambrados e levar a cabo a colheita fina. O gado que não passaria o inverno no rancho devia ser reunido e embarcado.

     Mas levantou o olhar sobre pradarias e pastos e a fixou no rancho Mercy. Supôs que essa manhã, Willa Mercy teria mais trabalho que nunca na mente.

     -Não tenho nada contra sua capacidade como advogado, Nate, mas suponho que todas essas mentiras legais são insustentáveis, não é certo?

     -Os términos do testamento são claros e muito precisos.

     -Seguem sendo estupidezes de advogados.

     Fazia muito tempo que se conheciam para que Nate se sentisse ofendido.

     -Willa poderia impugná-lo em um julgamento para tratar de anular o testamento, mas lhe resultaria costa acima e nada fácil de ganhar.

     Ben voltou a olhar para o sudoeste, imaginei a Willa Mercy e meneei a cabeça. sentava-se com tanta comodidade sobre uma arreios como qualquer outro homem em uma poltrona fofa. depois de trinta anos de vida de rancho, esse era seu meio de vida natural. Não era tão alto como Nate mas media um metro oitenta e três e seu corpo magro era particularmente musculoso. Tinha o cabelo de um castanho dourado, desbotado por muitas horas sob o sol, e o bastante largo como para que lhe chegasse ao pescoço da camisa. Seus olhos eram agudos como os de um falcão e pelo general tão frios como os dessa ave, em um rosto arrumado e torrado pelo sol, típico do homem que se sente cômodo na vida ao ar livre. Uma cicatriz horizontal lhe marcava o queixo, uma lembrança de sua juventude e de uma queda enquanto jogava com seu irmão.

     Nesse momento Ben se passou a mão pela cicatriz, um gesto distraído e habitual nele. O dia que Nate lhe informou sobre os términos do testamento, sua primeira reação foi sentir-se divertido. Mas agora que era uma realidade, já não lhe resultava tão cômico.

     -E ela como o está tomando?

     -É duro.

     -Mierda! Não sabe quanto o lamento. Willa queria a esse velho cretino, só Deus sabe por que. -tirou-se o chapéu, passou-se os dedos pelo cabelo e o voltou a pôr-. E o que mais rabia lhe deve dar é que eu figure no assunto.

     Nate sorriu.

     -Bom, sim. Mas acredito que também lhe daria raiva que fora qualquer outro.

     Não, pensou Ben, não tanta. perguntou-se se Willa estaria inteirada de que em uma ocasião seu pai lhe ofereceu cinco mil hectares de terras baixas da melhor qualidade se se casava com ela. Como se fora um rei de porcaria, pensou Ben, que tratava de unir seu reino com outro.

     Mercy seria capaz do dar de presente tudo, pensou entrecerrando os olhos para olhar o sol. Preferia mil vezes o dar de presente antes de soltar as rédeas.

     -Willa não nos necessita dois para dirigir o rancho -disse Ben-. Mas farei o que o testamento diz que devo fazer. E, demônios... -Seu sorriso se estendeu lenta, arrogante e quase modificou as facções de seu rosto-. Será entretido que tenhamos um enfrentamento cada cinco minutos. E que tal são as outras dois?

     -Distintas. -Pensativo, Nate se apoiou contra o pára-choque de seu Land Rover-. A do meio, Lily, assusta-se com facilidade. Dá a sensação de que seria capaz de sair de um salto de sua própria pele se a gente fizesse um movimento rápido. Tinha a cara cheia de moretones.

     -Teve um acidente?

     -Mas bem diria que chocou por acidente contra os punhos fechados de algum tipo. Tem um ex-marido. E a justiça emitiu uma ordem judicial que o obriga a manter-se afastado dela. Prenderam-no várias vezes por pegar a sua mulher.

     -Filho de puta! -Se existia algo pior que o homem que pegava a seu cavalo, era o que pegava a sua mulher.

     -Ela se mostrou encantada ante a possibilidade de poder ficar -seguiu dizendo Nate e, a sua maneira tranqüila e metódica, começou a atar um cigarro-. Tenho a sensação de que considera que o rancho é um bom lugar para ocultar-se. A maior é mais elegante. Típica de Los Anjos, vestido italiano, relógio de ouro. -Voltou a colocar a bolsa de tabaco em um bolso e acendeu um fósforo-. Escreve guias de cinema e está espantada ante a idéia de ter que viver um ano na solidão e a selva. Mas quer o dinheiro que isso lhe dará. Vai caminho de volta a Califórnia para empacotar seus pertences.

      -Ela e Willa devem levar-se como um par de gatas em zelo.

     -Já se encetaram -informou Nate, exalando a fumaça com ar comtemplativo-. Devo admitir que foi entretido presenciar esse enfrentamento. Adam as acalmou.

     -É virtualmente o único capaz de acalmar a Willa. -Com um rangido de couro, Ben trocou de posição na arreios. Spook, seu cavalo, estava-se impacientando e demonstrava com movimentos de cabeça suas vontades de ficar em marcha de uma boa vez-. Já me encarregarei de falar com a Willa. Agora devo ir examinar a um grupo de peões a quem mando às terras altas. Açoitam-nos algumas tormentas. Mamãe tem café preparado na casa principal.

     -Obrigado, mas devo voltar. Eu também tenho trabalho que fazer. Veremo-nos dentro de um dia ou dois.

     -Sim. -Ben chamou a seu cão e observou ao Nate subir a seu Land Rover-. Nate, suponho que não permitirá que ela perca esse rancho.

     Nate se acomodou o chapéu e tirou as chaves do carro.

     -Não, Ben. Não permitiremos que o perca.

    

     Cruzar o vale e subir até o pé das montanhas exigia um bom galope. Ben tomou com tranqüilidade, observando a terra enquanto avançava. O gado estava gordo; teria que escolher alguns exemplares do Angus para terminá-los em currais de engorda antes do inverno. A outros iriam rodando de um pasto a outra e os conservariam durante outro ano.

     Desde fazia quase cinco anos, a seleção e a venda era responsabilidade dela porque seus pais pouco a pouco foram deixando a direção do Three Rocks em mãos dele e de seu irmão.

     A erva estava alta e ainda verde, e resplandecia contra o verde mais escuro das árvores. Ouviu um zumbido sobre sua cabeça e levantou o olhar, sorridente. Zack, seu irmão, estava voando. Ben se tirou o chapéu e o saudou. Charlie, o border collie de cabelo comprido, começou a ladrar e a correr em círculos. O avião de pequeno porte respondeu à saudação com um balanço das asas.

     Ao Ben ainda lhe custava pensar em seu irmão menor como um homem casado e pai de família. Mas assim eram as coisas. Assim que Zack viu o Shelly Peterson, caiu apaixonado a seus pés. menos de dois anos depois o converteram em tio. E, pensou Ben, isso o fazia sentir incrivelmente velho. Começava a sentir que em lugar de ser três anos maior que Zack, levava-lhe trinta.

     ajustou-se o chapéu à cabeça e guiou a seu cavalo monte acima por entre um bosquecito de pinheiros amarelos. O ar era mais fresco, quase frio. Viu rastros de cervos e em alguma outra ocasião teria cedido ao impulso de lhes seguir os rastros, para lhe levar carne fresca a sua mãe. Charlie olisqueaba o chão, esperançado, e de vez em quando olhava para trás, para pedir permissão para sair a caçar. Mas Ben não tinha vontades de caçar.

     Cheirava a neve. Ainda estava por debaixo da linha da neve, mas alcançava a cheirá-la no ar. Já tinha visto bandos de gansos canadenses voando para o sul. O inverno chegava cedo e possivelmente fosse duro. Até a queda de água do arroio que descia da montanha fazia um ruído frio.

     À medida que as árvores eram mais espessas, a terra ficava mais dura. Ben seguiu o curso de água. O bosque lhe resultava tão familiar como o pátio traseiro de sua casa. Ali estava o alerce a cujos pés uma vez ele e Zack cavaram em busca de um tesouro enterrado. E ali, no claro pequeno, matou seu primeiro gamo, com seu pai de pé a seu lado. Ali pescavam, tirando trutas da água com a mesma facilidade com que se arrancam bagos de um arbusto.

     Nessas rochas, uma vez escreveu o nome de seu amor. As palavras se desbotaram e se foram lavando com os anos. E a bonita Susie Boline escapou a Helena com um violonista, rompendo o coração do Ben aos dezoito anos.

     A lembrança ainda o estremecia, apesar de que preferiria sofrer os torturas do inferno antes de confessar que era um sentimental. Cavalgou além das rochas e das lembranças e seguiu subindo, mantendo-se no atalho que ziguezagueava por entre árvores de cores tão brilhantes como os vestidos das mulheres em um baile de sábado de noite.

     O ar se fazia cada vez mais leve e frio e o aroma de neve era cada vez mais forte, Ben assobiava entre os dentes. Sua viagem ao Bonzeman foi produtivo, mas sentiu falta de todo isso. O espaço, a solidão, a terra. Embora se disse que levava consigo um saco de dormir tão solo como precaução, já planejava acampar durante a noite. Talvez durante duas noites.

      Podia caçar um coelho, fritar um pouco de pescado e possivelmente até ficar a passar a noite em companhia dos peões. Ou acampar afastado deles. Os peões levariam o gado aos campos baixos. Tanto aroma de neve no ar significava que talvez tivessem uma tormenta, uma nevada forte, um desastre para quão animais estivessem pastando nas pradarias altas. Mas Ben acreditava que ainda teriam tempo de evitá-lo.

     deteve-se um instante para olhar um potrero das alturas: uma pradaria salpicada de vacas, bordeada por um rio; para desfrutar das flores silvestres outonais e do canto dos pássaros. perguntou-se como era possível que alguém pudesse preferir a aglomeração das ruas das cidades, os edifícios lojas de comestíveis de gente e de problemas.

     O ruído de um disparo espantou a seu cavalo e esclareceu mente do Ben, obrigando-o a esquecer seus ensoñaciones. Apesar de que era um país onde um tiro pelo general significava a caça de algum animal, Ben entrecerró os olhos. Ao escutar o disparo seguinte, em um movimento automático atirou das rédeas para dirigir ao cavalo para ali e o esporeou para que começasse a trotar.

     O primeiro que viu foi a égua. A grafite do Will ainda tremia, as rédeas sobre um ramo. O sangue tinha um aroma forte e adocicado e, ao percebê-lo, Ben sentiu que lhe revolvia o estômago. Depois a viu ela, com uma escopeta na mão e a menos de três metros de distância de um urso cinza cansado. Lançando um grunhido, o cão se adiantou e só se deteve o ouvir a ordem do Ben.

     Ben não desceu do cavalo até que Willa teve tempo de voltar-se e olhá-lo por cima do ombro. Notou que estava pálida e que seus olhos pareciam mais escuros que nunca.

     -Está completamente morto?

     -Sim. -Ela tragou com força. Odiava matar, odiava derramar sangue. Até ver depenar uma galinha para o jantar lhe revolvia o estômago-. Não pude evitá-lo. Atacou-me.

     Ben assentiu, tirou o rifle da capa e se aproximou.

     -Que besta! -Não queria nem pensar no que poderia ter acontecido se a Willa tivesse falhado a pontaria; o que um urso desse tamanho poderia haver feito a um cavalo e a seu cavaleiro-. É uma fêmea -informou em voz baixa-. É provável que tenha crias pelos arredores.

     Willa voltou a colocar a escopeta em sua capa.

     -É o que supus.

     -Quer que lhe esfole isso?

     -Eu sei esfolar animais.

     Ben só assentiu e foi em busca de sua faca.

     -De todos os modos te darei uma mão. É um animal enorme. Lamento o de seu pai, Willa.

     Ela tirou sua própria faca, um muito parecido ao do Ben.

     -Você o odiava.

     -Mas você não, de maneira que o lamento. -Começou a esfolar a vas, evitando o sangue quando era possível, aceitando-a quando não ficava mais remédio-. Esta manhã andou Nate por aqui.

     -Arrumado a que sim.

     O sangue fumegava no ar gelado. Enquanto movia a cauda com entusiasmo, Charlie comia as vísceras com delicadeza. por cima do corpo da vas, Ben olhou a Willa aos olhos.

     -Se quer estar furiosa comigo, adiante. Eu não redigi esse maldito testamento, mas farei o que terei que fazer. E o primeiro que devo fazer será te perguntar o que fazia aqui acima, a cavalo e sozinha.

     -Suponho que quão mesmo você. Tenho peões nas terras altas e gado que é necessário tocar para baixo. Eu posso dirigir meu negócio tão bem como você dirige o teu, Ben.

     O esperou uns instantes em silêncio, com a esperança de que ela dissesse algo mais. Sempre lhe tinha fascinado a voz da Willa. Era rouca e soava extremamente sensual. mais de uma vez Ben tinha pensado que era uma pena que uma mulher de campo tivesse uma voz de tão atrativo sexual.

     -Bom, temos um ano para averiguá-lo, não é certo? -Ao ver que ela não respondia, Ben se passou a língua pelos dentes-. Pensa fazer dissecar a cabeça deste animal?

     -Não. Aos homens fazem falta os troféus para assinalá-los e gabar-se. Não é meu caso.

     Então Ben sorriu.

     -Sim, é certo, nós gostamos dos troféus. E você poderia te converter em um troféu interessante. É bonita, Willa. E acredito que é a primeira vez que lhe digo isso a uma mulher por cima das vísceras de um urso.

     Willa se deu conta do esforço que fazia Ben por mostrar-se encantador, e se negou a deixar-se enganar. Ao longo dos dois últimos anos, sua decisão de não sentir-se atraída pelo Ben McKinnon tinha adquirido proporções inusitadas.

     -Não necessito sua ajuda com o urso nem com o rancho.

     -Mas a tem, para as duas coisas. Podemo-lo fazer em paz ou como adversários. -O cão Charlie se sentou a seu lado e ele o acariciou distraído-. De todos os modos não me importa muito qual das duas formas escolhe.

     Notou que Willa tinha profundas olheiras. Eram como moretones sobre a pele dourada. E sua boca, que sempre lhe resultou particularmente atrativa, estava convertida em uma linha dura e magra. Ben preferia vê-la resmungando e acreditava saber como obtê-lo.

      -Suas irmãs são tão bonitas como você? -Ao ver que ela não respondia, teve que lutar para conter um sorriso-. Mas arrumado a que serão mais amistosas que você. Terei que ir de visita, para comprová-lo pessoalmente. por que não me convida a comer, Will? Assim nos poderemos sentar a conversar sobre os planos futuros para o rancho. -Willa o olhou, jogando faíscas pelos olhos, e ele sorriu sem dissimulação-. Sabia que com isso o obteria! Por amor de Deus! Nada fica melhor que essa expressão da mais pura teima.

     Ela não queria que lhe dissesse que era bonita, se disso se tratava. Era algo que sempre lhe produzia um estranho desconforto na boca do estômago.

     -por que não economiza suas forças para levantar este corpo para que termine de sangrar-se?

     Apoiado sobre os talões, ele a estudou.

     -Poderíamos nos tirar tudo isto de em cima de uma vez por todas. Se nos casássemos terminaríamos com o assunto.

     Embora aferrou com força a faca ensangüentada, Willa respirou fundo três vezes. É obvio que a estava provocando e nada no mundo gostaria mais que vê-la gritar e ficar de pé, presa de uma rabieta. Mas em lugar disso, inclinou a cabeça e lhe falo com uma voz tão fria como a água do arroio próximo.

     -Há tantas possibilidades de que isso aconteça como as de que este urso se eleve sobre suas patas e te remoa o traseiro.

     Ao ver que ela ficava de pé, ele a imitou, rodeou-lhe as bonecas com os dedos e ignorou seu rápido movimento de protesto.

     -Não te desejo mais do que você me deseja . Pensei que seria mais fácil para todo mundo se tirássemos este assunto do caminho. A vida é larga, Willa -adicionou com mais suavidade-. Um ano não é muito tempo.

     -Às vezes um dia é muito tempo. me solte, Ben. -Levantou o olhar com lentidão-. O homem que vacila em escutar à mulher que empunha uma faca, merece o que lhe aconteça.

     O poderia lhe haver arrancado a faca das mãos em menos de três segundos, mas decidiu deixar as coisas como estavam.

     -Você gostaria de me dar uma punhalada, não é certo? -O fato de que soubesse que era certo o irritava e excitava de uma vez. Mas não era estranho, Willa estava acostumada lhe provocar essas reações-. Coloque-lhe o de uma vez na cabeça: não quero o que é teu. E, quão mesmo você, não me entusiasma a idéia de carregar com mais terras nem com mais ganho. -Para ouvi-lo ela empalideceu, e Ben assentiu-. Já sabemos em que posição estamos, Will. Talvez alguma de suas irmãs seja de meu gosto, mas até então isto não é mais que uma questão de negócios.

     A humilhação que sentia era tão crua como o sangue que lhe tingia as mãos.

     -Filho de puta!

     Como medida de prudência, lhe sustentou a mão com a que empunhava a faca.

     -Eu também te quero, meu amor. Agora pendurarei o urso. Você vá lavar te.

     -Eu o cacei. Posso...

     -A mulher que vacila em escutar ao homem que empunha uma faca, merece o que lhe aconteça. -Voltou a sorrir com lentidão-. por que não tratamos de obter que este assunto seja tranqüilo para os dois?

     -Porque é impossível. -Toda a paixão e a frustração que buliam em seu interior se fundiram nessas três palavras. Consta-te que é impossível. Como lhe tomaria você se estivesse em meu lugar?

     -Mas não o estou -respondeu ele com simplicidade-. vá lavar te esse sangue. Hoje ainda fica muito por cavalgar.

     voltou-se a esconder para deixá-la ir, consciente de que ela seguia de pé a seu lado, lutando por controlar-se. Ben não se relaxou por completo até que Willa se afastou para o arroio com o cão correndo atrás dela com felicidade. Então Ben lançou um bufido e baixou a vista para contemplar as presas expostas da vas.

     -Não há dúvida de que ela preferiria tua dentada a uma palavra amável minha -murmurou-. Malditas mulheres!

     Enquanto terminava a desagradável tarefa, admitiu para seus adentros que tinha mentido. Em realidade a desejava. O incrível do assunto era que, por menos que quisesse que fora assim, mais crescia seu desejo.

    

     Transcorreu quase uma hora antes de que ela voltasse a falar. Ambos se tinham posto jaquetas de pele de ovelha para proteger do frio e do vento, e os cavalos avançavam através de perto de trinta centímetros de neve, com o Charlie seguindo-os.

     -Fica com a metade da carne do urso. É o que corresponde -disse por fim Willa.

     -Agradeço-lhe isso.

     -O agradecimento é um problema, verdade? Nenhum dos dois tem vontades de lhe estar agradecido ao outro.

      «Compreendo-a melhor do que lhe gostaria que a compreendesse», pensou Ben.

     -Às vezes não fica mais remedeio que tragá-lo que um não pode cuspir.

     -E às vezes um se afoga. -Nesse momento se abriu uma das feridas de seu coração-. Ao Adam virtualmente não deixou nada.

     Ben lhe estudou o perfil.

     -Jack era um tipo duro. -E Adam Wolfchild não era de seu sangue, pensou Ben. Isso deveu ser o que mais pesou na mente do Jack.

     -Adam deveria receber mais. -Terá mais, prometeu-se Willa.

     -Não penso estar em desacordo contigo no que ao Adam se refere. Mas se conhecer alguém capaz de cuidar-se só e de ganhar sua própria fortuna, é seu irmão.

     «É o único que fica», pensou. Esteve a ponto de dizê-lo, mas se conteve quando recordou que seria um engano abrir parte de seu coração diante do Ben.

     -Como está Zack? Esta manhã vi seu avião de pequeno porte.

     -Anda revisando alambrados. Considerando que não faz mais que andar sonriendo dia e noite como um parvo, eu diria que está feliz. O e Shelly estão loucos por esse bebê.

     «Estamo-lo todos», pensou Ben, mas nem louco confessaria que não podia deixar de acariciar a sua pequena sobrinha.

     -É um bebê precioso. Mas ainda me resulta difícil ver o Zack McKinnon tendo sentado cabeça e convertido em um homem de família.

     -Shelly sabe quando deve lhe cortar as rédeas. -Sem poder resistir, Ben lhe sorriu-. Suponho que não seguirá apaixonada por meu irmão menor, verdade Willa?

     Divertida, ela se voltou e lhe sorriu com doçura. Houve um tempo muito breve, quando eram adolescentes, durante o que ela e Zack se sentiram atraídos.

     -Cada vez que penso nele, palpita-me o coração. Quando Zack McKinnon beijou a uma mulher, esta não pode já pensar em nenhum outro.

     -Querida... -Estirou uma mão e lhe aconteceu a trança sobre o ombro, deixando-a cair a suas costas-. Isso é porque nunca te beijei eu.

     -Antes preferiria beijar a uma raposa de duas caudas.

     Rendo, Ben fez mover a seu cavalo o suficiente para que seu joelho me chocasse contra a dela.

     -Zack seria o primeiro em confessar que lhe ensinei tudo o que sabe.

     -Talvez seja assim, mas acredito que posso viver sem nenhum dos moços McKinnon. -Elevou um ombro e logo moveu apenas a cabeça-. Fumaça. -Era um alívio esse sinal da presença de gente e de que se aproximava o fim de sua solitária rodeio com o Ben-. É provável que os peões estejam na cabana. Já é hora de jantar.

     Com outra mulher, com qualquer outra mulher, pensou Ben, tivesse estirado um braço, a teria aproximado para beijá-la até deixá-la sem fôlego. Solo por princípio. Mas como se tratava da Willa, acomodou-se na arreios e manteve quietas as mãos.

     -Tenho vontades de comer. vou organizar um rodeio dos animais para baixá-los. vai nevar mais.

     Ela sozinho lançou um grunhido. Alcançava a cheirá-lo. Mas havia algo mais no ar. Ao princípio se perguntou se seria um ressaibo do vas e do sangue que teve nas mãos, mas persistia e parecia aumentar.

     -Há algo morto -murmurou.

     -O que?

     -Há algo morto. -ergueu-se na arreios e esquadrinhou as colinas e as árvores. Reinava um silêncio de morte, uma enorme quietude-. Não o cheira?

     -Não. -Mas não lhe cabia dúvida de que ela sim o cheirava e voltou seu cavalo quando ela o fez. Já sobre o rastro, Charlie se adiantava-. É sua parte de sangue a Índia. Suponho que algum dos peões caçou algo para o jantar.

     Era sensato. Deviam ter levado provisões consigo, e a cabana sempre estava bem provida, mas era difícil resistir à carne fresca. Entretanto isso não explicava o terror que sentia no estômago nem o frio que lhe percorria a coluna vertebral.

     Ouviram no alto o grito de uma águia, o eco selvagem e estremecedor desse grito, logo o silêncio absoluto das montanhas. O sol se refletia, enceguecedor, na neve. Seguindo seu instinto, Willa abandonou o agreste atalho e conduziu ao cavalo sobre terreno duro e acidentado.

     -Não temos muito tempo para andar dando voltas -recordou-lhe Ben.

     -Então, você segue.

     O lançou uma maldição e se voltou para comprovar que tinha o rifle a seu alcance. Ali também havia ursos. E pumas. Pensou no acampamento a apenas dez minutos de distância e no café quente que ferveria sobre a cozinha.

      Então o viu. Talvez seu olfato não fora tão agudo como o dela, mas sua vista o era. Havia sangue salpicado por toda parte e formando pequenos atoleiros sobre a neve. O couro negro da cabeça de gado estava talher de sangue. O cão deixou de dar voltas ao redor do novilho mutilado e correu para os cavalos.

     -Vá, mierda! -exclamou Ben, desmontando.

     -Lobos? -Para a Willa era mais que o preço que o novilho teria obtido no mercado. Era o desperdício, a crueldade.

     Ben começou a assentir, logo se deteve em seco. Um lobo não matava para depois deixar a carne. Um lobo não esfaqueava. Solo existia um depredador capaz disso.

     -Um homem.

     Willa exalou com força ao aproximar-se e ver os danos. O novilho estava degolado, tinha o ventre esmigalhado e os intestinos fora dele. Charlie se apertou contra suas pernas, tremendo.

     -Esquartejaram-no. Mutilado.

     agachou-se e pensou no urso. Nesse caso não ficou mais alternativa que matar e o esfolaram com eficiência e com os elementos que tinham à mão. Mas isso... isso era algo selvagem, malvado e sem propósito.

     -Quase à vista da cabana -comentou-. O sangue está congelado. É provável que o tenha feito faz horas, antes da saída do sol.

     -É um dos teus -disse Ben, depois de examinar a marca.

     -Não interessa de quem seja. -Mas notou o número que figurava no cartão amarelo da orelha. Teria que registrar a morte. ficou de pé e observou o fio de fumaça que se elevava-. O que importa é por que. perdeste ganho desta maneira?

     -Não. -Ben se ergueu para ficar de pé ao lado da Willa-. E você?

     -até agora, nunca. Não posso acreditar que seja um de meus homens. -Respirou-. Nenhum dos teus. Deve haver alguém acampando por aqui acima.

     -Talvez. -Ben olhava o chão com o sobrecenho franzido. Nesse momento estavam ombro contra ombro, unidos por esse espanto que tinham a seus pés. Ela não se apartou quando lhe aconteceu a mão pela trança nem quando a apoiou amigablemente sobre seu braço-. Tivemos mais neve e muito vento. O estou acostumado a está bastante pisoteado, mas acredito que há um rastro que se dirige ao norte. Procurarei alguns homens e o seguirei.

     -Era meu novilho.

     O a olhou.

     -Não importa de quem fora -repetiu-. Temos que fazer um rodeio de seus animais e de meus e devemos apresentar a denúncia do que aconteceu. Suponho que posso contar contigo para isso.

     Ela abriu a boca e a voltou a fechar. Ben tinha razão. Era bastante inútil quando se tratava de seguir um rastro, mas podia organizar um rodeio. Assentiu e se voltou para sua égua.

     -Falarei com meus homens.

     -Will. -Nesse momento apoiou uma mão sobre a dela, pele sobre pele, antes de que Willa pudesse montar-. Te cuide.

     Ela saltou à arreios.

     -São meus homens -disse com simplicidade enquanto ficava em marcha rumo à fumaça que se elevava para o céu.

    

     Ao entrar na cabana, encontrou a seus homens a ponto de almoçar. Pickles estava junto à pequena cozinha, as pernas abertas, o estômago amplo que lhe caía sobre o cinturão. Logo que tinha quarenta anos e sua calvície avançava com rapidez, coisa que ele compensava com um bigode ruivo que era cada ano mais largo. Tinha adquirido o apelido por seu amor obsessivo pelos pickles, e por sua personalidade, igualmente amarga.

     Ao ver a Willa grunhiu uma bem-vinda e se voltou a ocupar do presunto que estava fritando.

     Jim Brewster estava sentado com as botas sobre a mesa e gozando das últimas baforadas de um Marlboro. Tinha apenas trinta anos e um rosto particularmente arrumado. Uma covinha em cada bochecha e o cabelo escuro que lhe ondulava até o pescoço. Sorriu a Willa e lhe dedicou uma piscada pedante com os olhos azuis chisporroteantes.

     -Temos companhia para o almoço, Pickles.

     Pickles lançou outro grunhido surdo, arrotou e deu a volta ao presunto.

     -Quase não há bastante carne para dois. Levanta seu traseiro preguiçoso e abre uma lata de ervilhas.

     -A neve se aproxima -disse Willa, pendurando seu casaco de um gancho e encaminhando-se a rádio.

     -Falta pelo menos outra semana.

     Ela voltou a cabeça e seu olhar se encontrou com os olhos marrons zangados do Pickles.

     -Não acredito. Hoje mesmo começaremos o rodeio.

     Esperou, sustentando o olhar do Pickles. Ele odiava receber ordens de uma mulher e ambos sabiam.

     -A fazenda é dela -murmurou ele derrubando o presunto sobre um prato.

      -Sim, assim é. E um de meus animais foi esquartejado ao meio quilômetro ao leste desta cabana.

     -Esquartejado? -Jim fez uma pausa no momento em que alcançava ao Pickles uma lata aberta de ervilhas-. Um puma?

     -Não a menos que hoje em dia os gatos andem armados de facas. Alguém esquartejou um de meus novilhos, fez-o pedaços e o deixou ali atirado.

     -Mentira! -Pickles se adiantou com os olhos entrecerrados-. Isso não é mais que mierda. Will, perdemos um par de animais por causa dos pumas. Algum deles deve ter andado dando voltas para caçar um novilho, nada mais.

     -Conheço a diferença entre as garras e uma faca. -Inclinou a cabeça- vá ver o você mesmo. Justo para o este, mais ou menos ao meio quilômetro daqui.

     -É obvio que o farei! -exclamou Pickles agarrando seu casaco enquanto lançava impropérios contra as mulheres.

     -Está segura de que não pode ter sido um felino? -perguntou Jim assim que Pickles saiu dando uma portada.

     -Sim, estou segura. me sirva um pouco de café, quer, Jim? vou chamar ao rancho por rádio. Quero lhe comunicar ao Ham que baixamos.

     -Os homens do McKinnon estão aqui acima, mas...

     -Não. -Willa meneou a cabeça e apartou uma cadeira da mesa-. Não conheço nenhum vaqueiro capaz de fazer isso.

     comunicou-se com o rancho, escutou os ruídos de estática, esperou a que desaparecessem. O café, e o rangido do fogo afugentaram o pior do frio enquanto ela fazia os preparativos necessários para o rodeio. Já estava bebendo a segunda taça de café quando passou a informação ao rancho do McKinnon.

     Pickles entrou dando outra portada.

     -Cretino filho de puta!

     Aceitando essas palavras como a única desculpa que receberia, Willa se aproximou da cozinha e encheu seu prato.

     -Vim a cavalo com o Ben McKinnon. O decidiu seguir uns rastros. Nós ajudaremos a baixar seu rodeio junto com o nosso. Algum de vós viu a alguém pelos arredores? Gente acampando, caçadores, idiotas do este?

     -Ontem, enquanto seguíamos os rastros do puma, cruzamo-nos com um lugar onde houve um acampamento. -Jim se voltou a sentar com seu prato na mão-. Mas estava frio. Tinha pelo menos dois ou três dias de antigüidade.

     -Deixaram uma grande quantidade de latas de cerveja. -Pickles comia de pé-. Como se isto fora seu próprio pátio traseiro. Deveriam-nos acribillar a balaços.

     -Estão seguros de que a esse novilho não o mataram de um tiro? -perguntou Jim, olhando ao Pickles para receber uma confirmação, feito que Willa se esforçou por não considerar ofensivo-. Já sabem como são esses moços de cidade: gostam de atirar contra algo que se mova.

     -Não o mataram de um tiro. Não é obra de nenhum turista. -Pickles se meteu uma colherada de ervilhas na boca. Devem ter sido esses malditos adolescentes. Esses malditos adolescentes loucos e drogados.

     -Talvez. Se for assim, Ben os encontrará com toda facilidade.

     Mas não acreditava que fora obra de uns adolescentes. Do ponto de vista da Willa faziam falta muitos anos mais para encher-se de uma fúria tão grande.

     Jim empurrava as ervilhas ao redor do prato.

     -Ah! Inteiramo-nos como estão as coisas. -esclareceu-se garganta-. Ontem à noite falamos por rádio e Ham supôs que devia nos contar o que acontecia.

     Willa afastou seu prato e ficou de pé.

     -Então lhes direi exatamente como estão as coisas. -Falava com voz muito fria, muito baixa-. O rancho Mercy segue funcionando como sempre. O velho está enterrado e agora a que o dirige sou eu. Vós receberão minhas ordens. -Jim intercambiou um rápido olhar com o Pickles, logo se arranhou a bochecha.

     -Quis dizer outra coisa, Willa. O que nos perguntávamos era como obteria que as outras, suas irmãs, ficassem no rancho.

     -Elas também acatarão minhas ordens. -Arrancou o casaco do gancho-. E agora, se tiverem terminado de almoçar, será melhor que selemos.

     -Mulheres de mierda! -murmurou Pickles assim que a porta se fechou detrás a Willa-. Não conheço nenhuma que não seja uma puta mandona.

     -Isso te acontece porque não conhece muitos mulheres. -Jim foi em busca de seu casaco-. E essa é a patrã.

     -No momento.

     -É a patrã hoje. -Jim ficou o casaco e as luvas-. E hoje é tudo o que temos.

 

     Quando devia haver-lhe com sua mãe, e Tess sempre considerava que os contatos com sua mãe significavam haver-lhe com ela, preparava-se com uma dose suplementar do Excedrin. Sabia que seria uma dor de cabeça, de modo que para que suportar a dor?

     Decidiu que iria ver a no meio da amanhã, convencida de que era a hora do dia em que teria maiores probabilidades de encontrar a Louella em seu apartamento do Bel Air. A meio-dia já teria saído rumo à barbearia, ou à manicura ou a alguma sessão de compras.

     Às quatro, Louella estaria em seu clube fazendo brincadeiras com o barman ou entretendo às garçonetes com histórias de sua vida e seus amores na época em que era corista em Las Vegas.

     Tess fazia todo o possível por evitar o clube da Louella. Embora ir a seu apartamento tampouco a fazia feliz.

     Era uma formosa casa pequena construída em estuque, estilo californiano espanhol, com teto de telhas, e graciosos arbustos. Podia, e devia, ter sido um lugar para exibir. Mas como Tess afirmou em reiteradas ocasiões, Louella Mercy era capaz de converter o Palácio do Buckingham em um lugar vulgar.

     Quando chegou, exatamente às onze, tratou de ignorar o que Louella alegremente chamava seu jardim artístico. O jóquei com o sorriso grande e tolo, os leões em duas patas, a resplandecente lua enche azul sobre seu pedestal de cimento, e a fonte da moça serena que vertia água da boca de um peixe de aspecto surpreso.

     As flores cresciam profusas, em uma variedade de cores contrastantes que machucavam os olhos. Não existiam ritmo, motivo, nem plano algum para os acertos florais. Qualquer planta que chamasse a atenção a Louella, plantava-se no lugar que à proprietária da casa lhe desejava muito. E não cabe dúvida de que Louella tem muitos desejos, pensou Tess.

     Em meio de um trabalhador de pedreira de flores escarlates e alaranjadas, encontrava-se o último agregado: o torso sem cabeça da deusa Niké.

     Tess meneou a cabeça e tocou o timbre que fazia soar os primeiros compases do The Stripper.

     Louella mesma abriu a porta e envolveu a sua filha em mares de seda, um pesado perfume e a fragrância dos cosméticos. Louella jamais saía além da porta de seu dormitório a menos que estivesse completamente maquiada.

     Era uma mulher alta, de físico exuberante, com cujas largas pernas ainda podia executar toda classe de passos de baile. E o fazia. Fazia muito tempo que a verdadeira cor de seu cabelo tinha cansado no esquecimento. Fazia anos era loiro, de um tom tão estridente como a risada da Louella, e o levava muito crespado ao estilo mais admirado pelos evangelistas da televisão. face à quantidade de capas de base, de pó e de rubor que ficava, seu rosto era lhe impacte, com ossos fortes e lábios generosos, que destacava um lápis labial carmesim. Os olhos eram de cor celeste clara, quão mesmo a sombra que decorava suas pálpebras. Às sobrancelhas, arrancadas sem piedade, supria-as um fino risco de lápis negro.

     como sempre lhe acontecia, Tess se sentiu tironeada por conflitivas quebras de onda de amor e de intriga.

     -Mamãe! -Sorriu ao devolver o abraço de sua mãe, mas elevou os olhos ao céu ao ver os dois cães pomerania a quem Louella adorava e que nesse momento ladravam como enlouquecidos, fascinados pela excitação de ter visitas.

     -De maneira que tornaste do selvagem oeste? -A toada da Louella, típica do leste de Telhas tinha a ressonância das cordas do banjo. Beijou a bochecha do Tess e lhe limpou a mancha de rouge com a ponta de um dedo molhado com saliva-. Bom, entra e conta-me o tudo. Espero que tenham enterrado com uso a esse velho cretino.

      -Foi... interessante.

     -Não me cabe dúvida. Proponho-te que tomemos um pouco de café, querida. É a manhã livre do Carmine, assim que nos teremos que servir nós mesmas.

     -Eu o prepararei. -Resultava-lhe mil vezes preferível preparar ela mesma o café que ter que enfrentar-se ao criado de sua mãe. Tess tratou de não imaginar o resto dos serviços que esse homem proporcionava a Louella.

     Cruzou a sala de estar decorada em vermelhos e dourados, rumo a uma cozinha tão branca que cegava a vista. Como era habitual, não havia nenhuma miolo fora de seu lugar. Além do resto de obrigações que Carmine assumisse nessa casa, não cabia dúvida de que era prolixo como uma monja.

     -me prepare um pouco de café também a mim. Estou faminta como um urso.

     Com os cães dando voltas ao redor de seus pés, Louella abriu os armários e a geladeira. Aos poucos instantes, a cozinha era um caos. Tess deveu esforçar-se por conter um sorriso. O caos seguia a sua mãe com tanta fidelidade como seus perritos, Mimí e Maurice.

     -conheceste a suas irmãs no rancho?

     -Se referir a meu meio irmana, sim.

     Sobressaltada, Tess contemplou o bolo de café que sua mãe acabava de tirar. Louella a estava cortando em porções enormes com uma faca de cozinha. A parte que serve em um prato decorado com enormes rosas devia ser o equivalente de dez trilhões de calorias.

     -Bom, que tal são? -Com idêntica generosidade, cortou uma parte de bolo para seus cães e colocou o prato de porcelana no piso. Os cães começaram a comer e a grunhir-se.

     -A filha da esposa número duas é calada, nervosa.

     -Essa é a divorciada de um tipo a quem gostava de usar os punhos. -Estalando a língua, Louella depositou seus quadris amplos sobre o banquito da cozinha-. Pobrecita! Uma de minhas garotas teve um problema parecido. O marido lhe pegava até deixá-la feita um trapo. Por fim conseguimos interná-la em um asilo. Agora vive em Seattle. de vez em quando me envia uma postal.

     Tess fez um gesto de assentimento. As garotas de sua mãe eram todas as que trabalhavam para ela, das garçonetes até as encarregadas do bar, as que se dedicavam ao striptease e as cozinheiras. Louella as abraçava a todas, emprestava-lhes dinheiro, dava-lhes conselhos. Tess sempre pensava que o bar da Louella era em parte um clube e em parte um lar para bailarinas de torso nu.

     -E a outra? -perguntou Louella enquanto atacava seu bolo de café-. A que tem sangue a Índia.

     -Ah! Essa é uma verdadeira vaqueira. Dura como o couro, sempre anda caminhando por toda parte meio-fio com botas sujas. Suponho que é capaz de deprimir de um golpe a uma vaca. -Divertida pela idéia, Tess serve o café-. Não se incomodou em ocultar que não gostava que nós estivéssemos ali. -encolheu-se de ombros, sentou-se e provou um trocito do bolo-. Tem um meio irmano.

     -Sim, já sei. Conheci a Mary Wolfchild... pelo menos andava por ali. Era uma beleza de mulher e tinha um filho de rosto muito doce. Cara de anjo.

     -cresceu, mas ainda tem cara de anjo. Vive no rancho e trabalha com os cavalos ou algo assim.

     -Acredito recordar que seu pai se encarregava de tocar as cabeças de gado.

     -Louella colocou a mão no bolso de sua bata tinta e tirou um pacote da Virginia Slims-. E o que me diz do Bess? -Soltou a fumaça junto com uma sonora gargalhada-. Deus, que mulher! Com ela não tive mais remedeio que andar com cuidado. Não pude menos que admirá-la: dirigia essa casa à perfeição e tampouco aceitava nenhuma tolice do Jack.

     -Por isso cheguei a ver, segue dirigindo a casa.

     -Uma casa esplêndida. Um rancho esplêndido. -Ao recordá-lo, Louella sorriu-. E um lugar esplêndido. Embora não posso dizer que lamente ter tido que passar sozinho um inverno ali. A gente vivia com essa maldita neve até os sovacos.

     -por que te casou com ele? -Ao ver que Louella arqueava uma sobrancelha, Tess se moveu, incômoda-. Já sei que nunca lhe perguntei isso, mas lhe pergunto isso agora. Eu gostaria de saber por que te casou com ele.

            -É uma pergunta muito singela e tem uma resposta muito singela. -Louella verteu uma avalanche de açúcar em seu café-. Era o filho de puta mais sexualmente atrativo que conheci em minha vida. Tinha uns olhos fantásticos e uma maneira incrível de te brocar com o olhar. Inclinava a cabeça e sorria como se soubesse exatamente o que faria mais tarde e queria te levar consigo.           

     Recordava-o tudo até o último detalhe. O aroma de suor e a uísque, as luzes que a cegavam. E a maneira como Jack Mercy entrou nesse clube noturno quando ela estava no cenário, só coberta por um par de plumas e um enorme meio doido.

      Sua forma de fumar o charuto enquanto não lhe tirava os olhos de cima. De algum jeito supôs que a estaria esperando depois de sua última atuação da noite. E foi com ele sem duvidá-lo, de um cassino a outro, bebendo, jogando, com o Stetson do Jack sobre a cabeça.

     Em menos de quarenta e oito horas estava de pé a seu lado em uma capillita dessas com música de disco e flores de plástico. E tinha uma aliança de ouro no dedo.

     Tampouco lhe surpreendeu não ter conservado mais que dois anos essa aliança.

     -O problema foi que não nos conhecíamos. Foi uma questão de quentura e de febre de jogo. -Com filosofia, Louella apagou o cigarro no prato vazio-. Eu não estava feita para viver em um maldito rancho boiadeiro de Montana. Talvez poderia havê-lo tentado. Quem sabe? Estava apaixonada por ele.

     Tess tragou um bocado de bolo antes de que ficasse pega em à garganta.

     -Queria-o?

     -Durante um tempo, sim. -Louella se encolheu de ombros com a tranqüilidade que davam os anos e a distância-. Uma mulher não podia seguir muito tempo apaixonada pelo Jack, a menos que lhe faltassem células cinzas. Mas por um tempo o quis. E desse amor te tirei ti. além de cem mil dólares. Não teria a minha filha e tampouco teria meu clube se Jack Mercy não tivesse entrado essa noite ao bar de Las Vegas e se não se houvesse encaprichado comigo. Assim estou em dívida com ele.

     -Está em dívida com o homem que tirou patadas de sua vida a ti e a sua filha? Que te arrumou com cem mil dólares de mierda?

     -Faz trinta anos, cem mil dólares valiam muito mais que agora. -Louella tinha aprendido de um nada a ser mãe e empresaria. E estava orgulhosa de havê-lo obtido-. E desde meu ponto de vista, fiz um trato muito conveniente.

     -O rancho Mercy vale vinte milhões. Segue acreditando que fez um bom acerto?

     Louella franziu os lábios.

     -O rancho era dele, querida. Eu sozinho estive um tempo ali de visita.

     -O tempo suficiente para ter uma filha e que jogassem a patadas dali.

     -Eu quis ficar com minha filha.

     -Mamãe! -Ante essas palavras grande parte da fúria do Tess diminuiu, mas a injustiça seguia ardendo em seu coração-. Tinha direito a receber mais. Eu tinha direito a mais.

     -Talvez, e talvez não. Mas nesse esse momento foi o trato que fizemos. -Louella acendeu outro cigarro e decidiu chegar tarde a sua entrevista no instituto de beleza. Pressentia que em toda essa conversação havia algo mais-. A vida segue seu curso. Jack terminou tendo três filhas, e agora morreu. Quer-me dizer o que deixou a ti?

     -Um problema. -Tess tirou o cigarro a Louella e inalou uma rápida baforada de fumaça. Fumar era um hábito que não passava. Que pessoa sensata podia aprová-lo? Mas devia escolher entre essa baforada de fumaça e os milhões de calorias que ainda tinha no prato-. Deixou-me uma terceira parte do rancho.

     -Uma terceira parte do...! Deus santo, Tess, querida, isso é uma fortuna!

     Louella ficou de pé de um salto. Talvez solo medisse um metro sessenta e seu peso fosse mais que generoso, mas tinha sido treinada como bailarina e sabia mover-se. E nesse momento se moveu com rapidez. Rodeou a mesa e abraçou a sua filha com entusiasmo.

     -O que estamos fazendo aqui, bebendo café? Devemos conseguir um pouco de champanha francês. Carmine tem algumas garrafas guardadas em alguma parte.

     -Espera, mamãe, espera. -Quando Louella voltou a abrir a geladeira, Tess o tironeó a bata-. Não é tão singelo.

     -Minha filha a milionária! A magnata da fazenda! -Louella desarrolhou a garrafa e as banhou em champanha.

     -A condição é que devo viver ali durante um ano. -Tess suspirou enquanto Louelia, feliz, levava-se a garrafa à boca e bebia a gargalo-. As três devemos viver ali durante um ano, juntas. Porque em caso contrário não nos deixa nada.

     Louella se lambeu o champanha dos lábios.

     -Deve viver um ano em Montana? No rancho? -Começou a lhe tremer a voz-. Com as vacas? Você com vacas?

     -Essa é a condição. Eu e as outras dois. Juntas.

     Sustentando a garrafa com uma mão e com a outra apoiada sobre a mesa, Louella começou a rir. Riu tanto e durante tanto momento que lhe correram lágrimas pela cara, lhe danificando a maquiagem.

     -meu deus! Esse filho de puta sempre soube me fazer rir!

     -Alegra-me que te pareça tão gracioso -disse Tess com tom gélido-. Você pode rir tudo o que queira em Los Anjos, mas eu tenho que olhar crescer o pasto.

     Com um floreio, Louella verteu champanha nas taças.

     -Querida, sempre pode mandá-lo ao diabo e seguir como até agora.

     -E renunciar a vários milhões? Não me parece.

     -Não. -Louella ficou séria ao estudar a sua filha, esse mistério ao que de algum jeito tinha dado a luz. É tão bonita, pensou, tão fria, tão segura de si mesmo-. Não, não poderia fazer isso. Agüentará esse ano, Tess. -E se perguntou se sua filha não tiraria mais deles que a terceira parte do valor de um rancho boiadeiro. Esse ano conseguirá suavizá-la, limar suas arestas?

     Elevou as taças e lhe entregou uma a sua filha.

     -Quando vai?

     -Amanhã a primeira hora. -Soltou um comprido e profundo suspiro-.

     Terei que ir comprar me umas malditas botas -murmurou e logo, com um pequeno sorriso, brindou por si mesmo-. Que diabos! Não é mais que um ano.

    

     Enquanto Tess bebia champanha na cozinha de sua mãe, Lily estava de pé ao bordo de uma pradaria, observando pastar aos cavalos. Jamais tinha visto algo tão formoso como o vento que soprava através de suas crinas, com essas montanhas detrás, todas azuis e brancas.

     Pela primeira vez em muitos meses tinha dormido toda a noite, sem soníferos, sem pesadelos, arrulhada pelo silêncio.

     E nesse momento reinava o silêncio. À distância, alcançava para ouvir o ruído das maquinarias. Era sozinho um zumbido no ar. Essa manhã ouviu a Willa falando com alguém a respeito da necessidade de colher, mas ela não quis ser um estorvo. Podia estar sozinha ali, com os cavalos, sem incomodar a ninguém, e sem que ninguém a incomodasse a ela.

     Durante três dias a deixaram viver a seu desejo. Ninguém dizia nada quando vagava pela casa ou quando saía a explorar o rancho. Se passavam a seu lado, os peões a saudavam levando-a mão ao chapéu, e Lily imaginava que fariam comentários e que haveria falações. Mas não lhe importava.

     Ali o ar tinha um gosto a doce. De onde estivesse alcançava a ver algo formoso: a água de um arroio que caía sobre umas rochas, o relâmpago do vôo de um pássaro no bosque, cervos que cruzavam o caminho.

     Pensou que um ano nesse lugar seria o paraíso.

     Adam permaneceu um momento observando-a, estropie em mão. Sabia que Lily ia ali todos os dias. Tinha-a visto afastar-se da casa, do celeiro, das cavalariças e encaminhar-se a essa pradaria. E ali ficava, junto ao alambrado, muito quieta, em silêncio.

     Muito sozinha.

     Esperou, convencido de que precisava estar sozinha. Pelo general, cicatrizar as feridas era uma questão solitária. Mas também acreditava que Lily devia necessitar um amigo. Assim nesse momento caminhou para ela, com cuidado de fazer bastante ruído, para não sobressaltá-la. Quando ela se voltou, seu sorriso foi lenta e vacilante, mas sorriu.

     -Sinto muito. Aqui não estou em seu caminho, verdade?

     -Não está no caminho de ninguém.

     Como ela já se estava acostumando a relaxar-se com ele, voltou a olhar os cavalos.

     -eu adoro olhá-los.

     -Pode olhá-los mais de perto.

     Não o fazia falta o balde cheio de cereal para atrair aos animais para o cerco. Qualquer deles lhe aproximaria se o chamasse. Entregou o balde ao Lily.

     -Quão único tem que fazer é sacudi-lo.

     Ela obedeceu e notou, fascinada, que vários pares de orelhas se levantavam. Os cavalos se aproximaram do trote ao cerco. Sem pensar no que fazia, ela colocou a mão dentro do balde, tirou-a cheia de grão e alimentou a uma formosa égua bago.

     -Vejo que não é o primeiro contato que tem com cavalos.

     Ante o comentário do Adam, Lily retirou a mão.

     -Sinto muito. Deveria lhe haver perguntado antes de alimentá-la.

     -Não se preocupe. -Lamentava havê-la sobressaltado, ter apagado seu sorriso. Essa luz veloz que lhe refletiu em uns olhos que eram de um tom que estavam entre o cinza e o azul. Como a água de um lago quando reflete as sombras do anoitecer, pensou Adam-. Vêem, Molly.

     Para ouvir seu nome, a ruana percorreu o arame ao trote até chegar a tranquera. Adam a conduziu ao curral e lhe pôs uma cabeçada.

     De novo com acanhamento, Lily se limpou o pó do grão dos jeans e avançou com passo vacilante.

     -chama-se Molly?

     -Sim. -Adam manteve o olhar fixo na égua para dar tempo ao Lily de voltar a tranqüilizar-se.

     -É bonita.

     -É uma boa égua de passeio. Bondosa. Tem um galope um pouco duro, mas ela faz tudo o que pode, verdade, moça? Sabe montar a cavalo em monturas do oeste, Lily?

     -Se eu... o que?

     -É provável que tenha aprendido em monturas inglesas. -Adam fez um esforço para manter um tom de conversação ligeiro enquanto punha o avental ao Molly-. Se o preferir, Nate tem monturas inglesas. Podemo-lhe pedir alguma emprestada.

      Ela entrelaçou as mãos, como o fazia cada vez que ficava nervosa.

     -Não compreendo.

     -Tem vontades de montar, não é certo? -perguntou ele enquanto deslizava uma das monturas velhas da Willa sobre o lombo do Molly-. Me ocorreu que poderíamos subir um trecho aos Montes. Talvez vemos algum cervo.

     Ela se sentiu tironeada entre as vontades e o medo.

     -Faz muito que não monto. Muito tempo.

     -É algo que um nunca esquece. -Adam calculou o comprido das pernas do Lily para acomodar os estribos-. Uma vez que conheça os arredores, poderá ir sozinha se quiser. -Então se voltou e notou que a cada momento ela olhava para a casa principal. Como se medisse a distância-. Não deve me ter medo.

     Lily lhe acreditou. Isso era o que lhe dava medo: que resultasse tão fácil lhe acreditar. Quantas vezes acreditou no Jess?

     Mas isso terminou, recordou-se. Se ela mesma o permitia, poderia começar uma nova vida.

     -Eu gostaria de dar uma volta curta, se você estiver seguro de que não há inconveniente.

     -Que inconveniente pode haver? -Lhe começou a aproximar, mas se deteve instintivamente antes de que ela se deixasse vencer pelo acanhamento-. Não é necessário que se preocupe com a Willa. Tem bom coração, um coração generoso. O que passa é que neste momento lhe dói.

     -Já sei que está angustiada. E tem todo o direito do mundo. -Sem poder resistir, Lily levantou uma mão e acariciou a cara do Molly-. E deve estar mais angustiada depois de encontrar a esse pobre novilho. Não compreendo quem pôde fazer algo assim. Willa está muito zangada. E muito ocupada. Sempre tem algo que fazer e em troca eu... bom, simplesmente estou aqui.

     -Quer ter algo que fazer?

     Com a égua entre eles, resultou-lhe fácil sorrir.

     -Não se se trata de castrar bezerros. Ouvi-os esta manhã. -estremeceu-se, logo conseguiu rir de si mesmo-. Saí da casa antes de que Bess pudesse me obrigar a tomar o café da manhã. Acredito que não tivesse podido agüentar nada no estômago.

     -É uma dessas coisas às que alguém se acostuma.

     -Não acredito. -Lily exalou sem dar-se conta do perto que estava sua mão da do Adam sobre a cabeça da égua-. Para a Willa todo isso é natural. É tão segura e tem tanta confiança em si mesmo! Invejo-lhe isso de saber exatamente quem é um. Para ela eu não sou mais que um estorvo e por isso não pude reunir a coragem suficiente para lhe falar, para lhe perguntar se houver algo que possa fazer para ajudar.

     -Tampouco deve lhe ter medo a Willa. -Passou a gema dos dedos sobre os dela e, quando Lily apartou a mão, continuou acariciando a cabeça da égua-. Mas enquanto isso, me poderia perguntar isso . Faz-me falta um pouco de ajuda. Com os cavalos -adicionou, ao ver que ela ficava olhando-o fixo.

     -Quer que o ajude com os cavalos?

     -É muito trabalho, sobre tudo quando chega o inverno. -sabendo de que acabava de semear a semente, retrocedeu-. Pense-o. -Depois uniu as mãos e voltou a lhe sorrir-. Ajudá-la a montar. Enquanto eu selo você pode dar voltas com ela pelo curral, assim começam a conhecer-se.

     Ela tinha a garganta tão fechada que teve que tragar com força para esclarecê-la.

     -Você nem sequer me conhece.

     -Mas suponho que também nos chegaremos a conhecer. -Permaneceu onde estava, com as mãos unidas para ajudá-la a montar, olhando-a com paciência aos olhos-. Solo tem que apoiar um pé sobre minhas mãos, Lily, não a vida.

     Lily se sentiu tola, assim aferrou a arreios e permitiu que ele a ajudasse a montar. Uma vez acima, olhou-o, os olhos solenes no rosto maltratado.

     -Adam, minha vida é uma confusão.

     O solo assentiu enquanto lhe revisava a altura dos estribos.

     -Terá que começar a desenredá-la. -Apoiou-lhe um instante a mão sobre o tornozelo, para que ela se acostumasse a seu contato-. Mas hoje, quão único tem que fazer é dar uma volta pelos Montes.

    

     A putita, permitindo que esse meio índio a manuseasse. A puta chorã que acreditava que poderia livrar-se do Jesse Cooke, que pensava que poderia fugir sem que ele a alcançasse. Que o fez perseguir pela polícia. O faria pagar.

     Jesse observava a cena através dos binoculares enquanto lhe fervia de raiva o sangue. perguntou-se se esse mestiço que se dedicava a cuidar cavalos já teria conseguido pôr de costas ao Lily. Bom, o cretino também as pagaria. Lily era a mulher do Jesse Cooke e muito em breve o voltaria a recordar.

      A pequena imbecil se acreditou muito lista ao fugir a Montana. Mas o dia em que Jesse não pudesse ganhar em inteligência a uma mulher, seria o primeiro dia em que o sol não sairia pelo este.

     Sabia que ela não faria nada sem antes ficar em contato com sua querida mamãe. De maneira que solo teve que montar guarda frente à pequena casa da Virginia. E dedicar todas as manhãs a revisar a correspondência em busca de uma carta do Lily.

     A perseverança lhe deu excelentes resultados. Tal como imaginava, a carta chegou. Jesse a levou a sua habitação do hotel e abriu o sobre ao vapor. Ah, sim! Jesse Cooke não era nenhum parvo. Leu a carta, inteirou-se do lugar aonde ela se dirigia e do que pensava fazer.

     vai cobrar uma herança, pensou com amargura. E queria impedir que seu próprio marido obtivera sua porção do bolo. Isso nem louco, pensou Jesse.

     Assim que voltou a fechar o sobre e o colocou na rolha da mãe do Lily, dirigiu-se a Montana. E nesse momento sábia que chegou dois dias antes que a imbecil de sua mulher. Com o tempo suficiente para que um tipo tão inteligente como ele estudasse o terreno e conseguisse trabalho no Three Rocks.

     Um trabalho de mierda e miserável, pensou nesse momento, como mecânico encarregado de reparar os motores. Bom, arrumava-se bem com os motores e sempre havia um jipe que necessitava uma posta a ponto. E quando não estava trabalhando com motores, tinham-no dia e noite revisando alambrados.

     Mas isso lhe resultava útil, muito útil, como nesse momento. Um homem que saía a revisar os alambrados sobre quatro rodas, bem podia desviar-se um pouco para inteirar-se do que acontecia.

     E acabava de ver mais que suficiente.

     Jesse se passou os dedos sobre o bigode que se deixou crescer e que tingiu, quão mesmo o cabelo, de um castanho claro. Não é mais que uma precaução, pensou, um disfarce passageiro se por acaso Lily chegava a falar dele. Se o fizesse, estariam atentos para ver aparecer a um homem loiro com a cara perfeitamente barbeada. Também se deixou crescer o cabelo e seguiria deixando-o crescer. Como uma bicha de mierda, pensou, furioso ante a necessidade de renunciar a seu severo corte de infante de Marinha.

     Mas em definitiva, tudo valeria a pena. Quando recuperasse ao Lily, quando lhe recordasse quem era o chefe. Quem mandava ali.

     Até que chegasse esse dia feliz, manteria-se perto. E observaria.

     -te divirta, puta -murmurou entrecerrando os olhos detrás dos binoculares enquanto via o Lily sair a cavalo ao passo, junto ao Adam-. Já chegará o momento em que me pagará isso tudo.

    

     Quando Willa retornou à casa do rancho, o dia quase chegava a seu fim. Descornar e castrar o gado era um trabalho desagradável, miserável e exaustivo. Sabia que se estava obrigando a fazer muito e também sabia que seguiria fazendo-o. Queria que os peões a vissem em todos seus aspectos, capaz de levar a cabo todos os trabalhos. Ainda nas circunstâncias mais favoráveis, trocar de patrão era uma transição difícil. E as deles estavam longe de ser as circunstâncias mais favoráveis.

     Por isso interveio quando um rebanho de alces derrubou um alambrado causando estragos: liderou pessoalmente aos peões para afugentá-los e reparar os alambrados.

     Nesse momento, com o trabalho do dia terminado, e quando os homens se instalavam para comer e para jogar às cartas na casa dos peões, ela morria por dar um bom banho e por comer algo quente. Estava a metade de caminho da escada para dirigir-se ao banho, quando ouviu que alguém batia na porta. Como sabia que Bess devia estar ocupada na cozinha, baixou a abrir.

     Recebeu ao Ben com o sobrecenho franzido.

     -O que quer?

     -Uma cerveja fria me cairia muito bem.

     -Isto não é um bar. -Mas enquanto o dizia se voltou para a sala de estar e se dirigiu à geladeira que havia atrás do bar-. Date pressa, Ben, porque eu ainda não comi.

     -Eu tampouco. -Tomou a garrafa que lhe aproximava-. Mas suponho que não me convidará a te acompanhar.

     -Tenho vontades de estar sozinha.

     -Em realidade nunca te vi com vontades de estar acompanhada. -Jogou atrás a cabeça e bebeu da garrafa-. Não nos vimos desde que estivemos nas terras altas. Acreditei que devia te dizer que não pude encontrar nada. Me perdeu o rastro. Asseguro-te que quem tem estado lá encima conhecia o lugar e sabia ocultar seu rastro.

      Ela tomou outra garrafa de cerveja e, como lhe doíam os pés, deixou-se cair no sofá, junto ao Ben.

     -Pickles acredita que foi obra de alguns meninos. Drogados e loucos.

     -E você?

     -Eu não acredito. -encolheu-se levemente de ombros-. Embora isso parece a melhor explicação.

     -Talvez. Não tem muito sentido que voltemos a subir. Já baixamos o gado. Sua irmã tornou de Los Anjos?

     Willa deixou de mover a cabeça para afrouxar a tensão de seus ombros e o olhou.

     -Vejo que está muito interessado nos assuntos do Mercy, McKinnon.

     -Agora isso é parte de meu trabalho. -Gostava de recordar-lhe o mesmo que gostava de olhá-la, com o cabelo que lhe escapava da trança e as botas apoiadas ao lado das suas-. tiveste notícias dela?

     -Chegará amanhã, de maneira que se com isso termina seu interesse em te colocar em meus assuntos, pode...

     -Me vais apresentar isso? -deu-se o gosto de estender uma mão para brincar com o cabelo da Willa-. Talvez me caia bem, em cujo caso a manterei ocupada e fora de seu caminho por um tempo.

     Lhe apartou a mão com impaciência, mas Ben a voltou a aproximar.

     -As mulheres sempre caem rendidas a seus pés?

     -Todas menos você, querida. E isso devido a que não encontrei a maneira correta de te fazer perder o equilíbrio. -Passou-lhe a gema de um dedo pela bochecha e a olhou entrecerrar os olhos-. Mas me estou esmerando nesse assunto. E o que me diz da outra?

     -O que outra?

     Willa estava desejando afastar-se um pouco dele, mas sabia que se o fazia ficaria como uma parva.

     -Sua outra irmã.

     -Anda por aí.

     Ben sorriu com lentidão.

     -Estou-te pondo nervosa. Não te parece interessante?

     -Vejo que de novo faz falta que alguém te baixe o ego.

     Começou a ficar de pé. Ben lhe apoiou uma mão no ombro para impedi-lo.

     -Bom, bom! -exclamou ao perceber que ela vibrava sob o contato de sua mão-. Parece que não te estive emprestando bastante atenção. Vêem aqui.

     Willa se concentrou em manter uma respiração uniforme e trocou com lentidão sua maneira de sustentar a garrafa de cerveja. «Que arrogante é! -pensou-. Que pedante! Está convencido de que se apura o botão indicado eu me derreterei ante ele.»

     -Quer que me acurruque contra ti -ronronou enquanto notava que Ben abria os olhos surpreso pela calidez de seu tom-. E silo faço, o que acontecerá?

     Ben poderia haver-se qualificado de tolo... se ficasse sangue na cabeça para lhe permitir pensar. Nesse momento quão único pôde fazer foi perceber a luxúria que despertava nele essa voz rouca.

     -Diria que já é hora de que o averiguássemos.

     Agarrou-lhe a camisa e a atraiu para si. Se não tivesse afastado o olhar dos olhos da Willa para fixá-la em sua boca, o teria visto vir. Mas em troca de repente se encontrou longe dessa boca e' banhado na cerveja que lhe tinha vertido sobre a cabeça.

     -É tão tolo, Ben! -Orgulhosa de si mesmo, inclinou-se para depositar a garrafa de cerveja vazia sobre uma mesa-. Crie que teria podido viver a vida inteira em um rancho, rodeada de homens luxuriosos sem prever a muita distância uma atitude como a tua?

     O se passou com lentidão uma mão sobre o cabelo molhado.

     -Suponho que não. Mas por outro lado...

     moveu-se com rapidez. Quando se encontrou apanhada sob o corpo do Ben, Willa pensou que até uma víbora atrai antes de atacar. E nesse momento a ela sozinho ficava o desgosto que sentia para si mesmo por encontrar-se apertada contra os almofadões do sofá com um homem com os olhos injetados em sangue em cima.

     -Não o viu vir. -Tomou as bonecas e a obrigou a levantar os braços por cima da cabeça. Willa estava tinta, mas ele não acreditou que solo fora por efeito da raiva. A fúria não a fazia tremer, nem teria posto esse repentino olhar feminino em seus olhos-. Dá-te medo permitir que te beije, Willa? Tem medo de que você goste?

     o coração lhe pulsava com muita força, até o ponto de que teve medo de que lhe atravessasse as costelas. Ardiam-lhe os lábios, como se seus nervos se preparassem para o que estava por acontecer.

     -Quando queira que me beije, direi-lhe isso.

     Ben só sorriu e se inclinou mais para ela.

     -por que não me diz que não quer? Vamos, diga-me isso A voz lhe pôs rouca quando lhe beijou o queixo com suavidade-. Me diga que não quer que você goste. Uma só vez.

     Não podia dizer-lhe Teria sido uma mentira, mas as mentiras não a preocupavam. Simplesmente tinha a garganta tão seca que lhe resultava impossível pronunciar uma só palavra. De modo que se decidiu pela outra opção, e levantou o joelho com força e rapidez.

     Teve o prazer de vê-lo ficar pálido como um morto antes de desabar-se sobre ela.

     -te levante de cima meu. te levante pedaço de idiota! Não me deixa respirar.

     Desesperada-se por inalar um pouco de ar, arqueou-se e o fez lançar um gemido. Willa conseguiu respirar uma baforada de ar antes de lhe aferrar uma mecha de cabelo e atirar com força.

     Rodaram do sofá e foram dar sobre o chão. Ela viu as estrelas quando seu cotovelo golpeou contra uma mesa. A dor e a fúria a levaram a atacá-lo. Algo se rompeu no chão enquanto lutavam em cima do que fora, grunhindo e lançando maldições.

     Ben tratava de defender-se, mas não cabia dúvida de que ela ia em busca de sangue. E o demonstrou lhe mordendo o braço justo debaixo do ombro. Ben uivou, convencido de que lhe ia arrancar um pedaço e conseguiu lhe aferrar o queixo e apertá-lo. Com a pressão, Willa afrouxou a dentada.

     Rodaram entre ruído de botas, pegando cotoveladas, tratando de aferrar ao outro com as mãos. Willa não se deu conta de que estava rendo até que ele conseguiu imobilizá-la. E seguiu rendo, incapaz de deter-se sequer para respirar, enquanto ele a olhava fixo.

     -Parece-te gracioso? -Ben entrecerró os olhos e logo soprou para tirar o cabelo da cara. Mas em definitiva, agradecia que ela não tivesse podido arrancar-lhe a molhos-. Mordeste-me.

     -Já sei. -Falava com dificuldade e se passava a língua pelos dentes-. Acredito que tenho parte de sua camisa na boca. me solte, Ben.

     -Para que me possa voltar a morder ou me pegar um chute nas Pelotas? -Como ainda lhe doíam, e muito, entrecerró os olhos e riu com ar depreciativo-. Lutas como uma garota.

     -E o que? Dá resultado.

     O estado de ânimo do Ben voltava a trocar. Alcançava a perceber essa cálida transição que ia da irritação à luxúria, do insulto ao interesse. Tal como tinham ficado no chão, o peito da Willa estava agradavelmente apertado contra o seu e tinha as pernas abertas, com as dele entre elas.

     -Sim, dá resultado. O fato de que seja mulher parece convir à situação.

     Agitada entre o pânico e o desejo, ela notou a mudança do olhar do Ben.

     -Não o faça! -Nesse momento ele tinha a boca a apenas dois centímetros da dela, e Willa voltava a respirar com dificuldade.

     -por que não? Não lhe fará mal a ninguém.

     -Não quero que me beije.

     Ben elevou uma sobrancelha e sorriu.

     -Mentirosa!

     E ela se estremeceu.

     -Sim.

     A boca do Ben estava quase sobre a sua quando ouviram o primeiro grito de desespero.

    

     Ben rodou sobre si mesmo e ficou de pé. Essa vez, enquanto corria atrás dele, Willa não pôde menos que admirar sua velocidade. Os gritos ainda ressonavam quando ele abriu a porta de entrada.

     -Deus! -sussurrou enquanto saltava sobre a confusão sanguinolenta para tomar ao Lily em seus braços-. Está bem, querida.

     Em um movimento automático se moveu para impedir que seguisse vendo o desagradável espetáculo, começou a lhe acariciar as costas com suavidade e seu olhar se encontrou com a da Willa.

     Em seus olhos advertiu o impacto que sofria, mas não era o horror desesperado da mulher a quem tinha em braços. Esta é frágil, pensou, enquanto que Willa sempre será forte.

     -Deveria entrar -disse, dirigindo-se a Willa.

     Mas Willa meneava a cabeça e seguia com o olhar cravado no corpo destroçado, mutilado e sanguinolento que tinha a seus pés.

     -Deve ser um dos gatos do celeiro.

     Ou foi, pensou com ar sombrio, antes de que alguém o decapitasse, abrisse-lhe o ventre, tirasse-lhe os intestinos e deixasse tudo esparramado na porta de sua casa, como um presente.

     -Leva-a dentro -insistiu Ben.

     Os gritos tinham atraído a outros. Adam foi o primeiro em chegar ao alpendre. Viu o Lily soluçando em braços do Ben. E o nó que lhe formou na boca do estômago teve tanto que ver com isso como com o que viu sobre o alpendre.

     Com um movimento instintivo, aproximou-se, apoiou uma mão sobre o braço do Lily e, quando ela se sobressaltou, tratou de tranqüilizá-la.

     -Está bem, Lily.

     -Adam, eu vi... -Teve um acesso de náuseas.

     -Já sei. Agora entra. me olhe -adicionou afastando-a com cuidado do Ben e conduzindo-a para a porta. Deu um rodeio para não pisar no corpo sanguinolento que havia sobre o piso-. Willa te levará dentro.

     -Olhe, tenho que...

     -Cuida de sua irmã, Will -interrompeu Adam e tomando a mão da Willa a colocou com firmeza sobre o braço do Lily.

     Willa perdeu a batalha ao perceber que Lily tremia. Murmurou uma maldição e a tironeó para dentro.

     -Vêem. Deve te sentar.

     -Eu vi...

     -Sim, já sei o que viu. Esquece-o.

     Willa fechou a porta com decisão deixando que os homens se encarregassem do corpo sem cabeça do gato.

     -Por amor de Deus, Adam! Isso é um gato? -perguntou Jim Brewster, passando uma mão pela boca-. Não cabe dúvida de que alguém se entreteve com ele.

     Adam se voltou e estudou por turno a cada um dos homens: Jim, pálido, com a maçã do Adão movendo-se; Ham, com os lábios apertados; Pickles com um rifle ao ombro. Também estavam Billy Vincent, de apenas dezoito anos, com olhos ansiosos, e Wood Book quem se acariciava a negra barba sedosa.

     O primeiro que falou foi Wood, com tom tranqüilo.

     -Onde está a cabeça? Não a vejo por aqui.

     aproximou-se. Wood se encarregava de semear, atender e colher os grãos e sua esposa, Nell, era quem cozinhava para os peões. Wood cheirava ao Old Spice e a pastilhas de hortelã. Adam sabia que era um homem sensato, tão implacável como o peñón de Gibraltar.

     -Talvez a quem tem feito isto goste dos troféus.

     As palavras do Adam interromperam os murmúrios. O único que não podia deixar de falar era Billy.

     -Por amor de Deus! Alguma vez viram algo semelhante? Esparramou as vísceras do gato por toda parte, verdade? Quem pode ser capaz de lhe fazer isso a um gato estúpido? O que acreditam que...?

     -te cale a boca, pedaço de imbecil! -A ordem com tom de cansaço foi repartida pelo Ham. Lançou um suspiro e tirou seu pacote de cigarros-. Voltem todos para comer. Aqui não têm nada que fazer, além de ficar olhando com a boca aberta como umas velhas em um desfile de modelos.

     -Não tenho muito apetite -murmurou Jim, mas outros se afastaram.

     -Não cabe dúvida de que isto é uma confusão -disse Ham-. Suponho que poderia ser obra de um menino. Os filhos do Wood são um pouco selvagens mas não desalmados. Se me perguntarem isso, terá que ser desalmado para fazer uma coisa assim. Mas de todos os modos lhes falarei.

     -Ham, importa-te se te pergunto o que estiveram fazendo os peões durante a última hora?

     Ham estudou ao Ben por entre uma cortina de fumaça.

     -andaram por aqui e por lá, lavando-se para a comida e coisas pelo estilo. Mas se isso é o que me pergunta, não os estive vigiando. Os homens que trabalham neste rancho não andam esquartejando um gato por divertir-se.

     Ben só assentiu. Não correspondia que fizesse mais perguntas, e ambos sabiam.

     -Tem que ter acontecido na última hora. Faz um momento que estou aqui e quando cheguei isto não estava.

     Ham aspirou uma baforada de fumaça e assentiu.

     -Falarei com os meninos do Wood. -Dirigiu um último olhar ao que havia no chão do alpendre-. Não cabe dúvida de que é uma verdadeira confusão -repetiu, e em seguida se afastou.

     -Esquartejaram-lhes dois animais em uma semana, Adam.

     Adam ficou de joelhos e apoiou os dedos sobre a pele ensangüentada do gato.

     -chamava-se Mike. Era velho, estava quase cego de um olho e deveria ter morrido enquanto dormia.

     -Sinto muito. -Ben compreendia bem o afeto e até a intimidade que alguém podia ter com um animal e apoiou uma mão sobre o ombro do Adam-. Acredito que têm um verdadeiro problema.

     -Sim. Isto não foi obra dos meninos do Wood. Não são malvados. E tampouco estiveram acima nas montanhas quando alguém esquartejou esse novilho.

     -Não, não acredito que andassem por ali. Conhece bem a seus homens?

     Adam levantou o olhar. Sua dor era forte, direto.

     -Os peões não são minha responsabilidade. Os cavalos, sim. -Ainda está morno, pensou enquanto acariciava a pele do gato. esfriava-se com rapidez, mas ainda estava morna-. Mas os conheço bastante bem. Além do Billy, faz anos que estão todos aqui, e o contrataram o verão passado. Terá que perguntar-lhe a Willa, ela deve saber mais que eu. -Voltou a olhar os restos e se condolió por esse gato velho e quase cego a quem ainda gostava de caçar-. Lily não deveu ter visto isto.

      -Não, não deveu havê-lo visto. -Ben suspirou e pensou no perto que tinha estado essa moça de ver o autor do fato-. Ajudarei-te a enterrá-lo.

     No interior da casa, Willa se passeava pela sala de estar.

     Como mierda se supunha que devia cuidar dessa mulher? E por que lhe teria encomendado Adam uma tarefa tão inútil? Quão único Lily fazia era permanecer feita um nó em um rincão do sofá, tremendo.

     Tinha-lhe dado uísque, verdade? E, por falta de algo melhor, até lhe chegou a aplaudir a cabeça. Tinha um problema entre mãos, por amor de Deus! e o último que precisava era que o piorasse uma debilucha do este.

     -Sinto muito. -Foram as primeiras palavras que Lily pôde pronunciar desde sua entrada na casa. Respirou fundo e voltou a tentá-lo-. Sinto muito. Não devi ter gritado dessa maneira. Nunca tinha visto nada... estava com o Adam, ajudando-o com os cavalos e então eu... simplesmente.

     -te beba esse maldito uísque, quer? -pediu Willa com tom cortante, mas se amaldiçoou ao ver que Lily se encolhia e obediente, levava-se o copo aos lábios. Furiosa consigo mesma, Willa se passou as mãos pela cara-. Suponho que qualquer teria gritado ao encontrar-se com algo assim. Não estou zangada contigo.

     Lily odiava o uísque, o ardor que produzia, o aroma que tinha. Ao Jess gostava do Seagram'S. E à medida que descendia o nível do líquido da garrafa, seu humor piorava. Sempre. Mas nesse momento ela simulou que bebia.

     -Era um gato? Pareceu-me que era um gato. -Lily se mordeu os lábios com força para que não lhe tremesse a voz-. Era seu gato?

     -Os gatos são do Adam. E os cães também. E os cavalos. Mas me fizeram isso . Não o deixaram no alpendre da casa do Adam. Fizeram-me isso .

     -Igual a... igual ao novilho.

     Willa deixou de passear-se pelo quarto e a olhou por cima do ombro.

     -Sim. Igual ao novilho.

     -Aqui têm uma linda bandeja com chá -disse Bess entrando apressada, bandeja em mão. Assim que a apoiou sobre uma mesa, começou a queixar-se-. Como te ocorre lhe dar uísque a essa pobre garota, Willa? Quão único ganhará será uma decomposição de estômago. -Com suavidade tirou o copo das mãos do Lily e o depositou sobre um móvel-. Bebe um pouco de chá, querida, e descansa. sofreste um impacto muito forte. Will, deixa de caminhar de um lado para o outro e sente-se.

     -te encarregue você de cuidá-la. Eu vou sair.

     Apesar de servir o chá com emano segura, Bess dirigiu um olhar duro à costas da Willa que nesse momento iniciava a retirada.

     -Essa garota nunca escuta.

     -Está angustiada.

     -Não crie que o estamos todos?

     Lily tomou a taça com as duas mãos, ao beber se sentiu alagada por uma agradável calidez.

     -Para ela é mais angustiante. trata-se de seu rancho.

     Bess inclinou a cabeça.

     -Também é teu.

     -Não. -Lily voltou a beber e pouco a pouco se foi acalmando-. Sempre será dele.

     O gato tinha desaparecido mas o chão de madeira do alpendre ainda estava talher de sangue. Willa voltou a entrar na casa, em busca de um cubo com água saponácea e de uma escova. Sabia que era algo que Bess teria feito, mas não se tratava do tipo de coisa que gostava de lhe pedir a outro.

     De joelhos e sob a luz do alpendre, lavei os sinais de violência. A morte acontecia. Tinha acreditado que era algo que aceitava e compreendia. Os vacunos se criavam por sua carne e uma galinha que deixava de pôr terminava na panela. Os cervos e os alces se caçavam e se comiam.

     Assim eram as coisas.

     A gente vivia e morria.

     Nem sequer a violência lhe era desconhecida. Ela mesma tinha disparado sobre um ser vivo e logo esfolado o animal com suas próprias mãos. Seu pai insistiu em que o fizesse, ordenou-lhe que aprendesse a caçar, a observar ao veado que caía sangrando. Exigiu-lhe que soubesse viver com isso.

     Mas essa crueldade, esse desperdício, essa maldade que acabavam de deixar frente a sua porta, não formava parte desse ciclo. Limpou cada gota de sangue. E com o balde cheio de um líquido sanguinolento a seu lado, ficou de cuclillas e levantou o olhar ao céu.

      Enquanto observava, caiu uma estrela, atravessando a noite com sua branca cauda e afundando-se no esquecimento.

     Desde algum lugar próximo gritou uma coruja e soube que os animais em perigo de ser caçados estariam correndo a procurar refúgio. Porque era uma noite com lua de caçadores, enche e brilhante. Essa noite haveria morte... nos Montes, nos bosques, no pasto. Não existia maneira de negá-lo.

     Mas isso não deveu lhe dar vontades de chorar.

     Ouviu passos e recuperou com rapidez sua compostura. No momento em que ficava de pé, Ben e Adam chegavam do outro lado da casa.

     -Eu me teria encarregado de fazer isso, Will -disse Adam, tomando o balde-. Não era necessário que o fizesse você.

     -Já parece. -Estirou um braço e lhe acariciou a cara-. Sinto o do Mike, Adam.

     -Gostava de tomar o sol na rocha atrás do celeiro. Enterramo-lo ali. -Olhou para a janela-. E Lily?

     -Está com o Bess. Ela a ajudará mais do que poderia ajudá-la eu.

     -Atirarei isto e logo irei ver como está.

     -Está bem. -Mas manteve outro instante a mão sobre a bochecha do Adam, murmurando algo no idioma da mãe de ambos.

     Fez-o sorrir, não pelas palavras de consolo mas sim pelo idioma em que as pronunciava. Poucas vezes o usava, e só em momentos muito importantes. afastou-se e a deixou com o Ben.

     -Tem um problema nas mãos, Will.

     -Diria-te que tenho vários.

     -que tenha feito isso, fez-o enquanto nós estávamos dentro. -Brigando como um par de meninos tolos, pensou-. Ham vai falar com os filhos do Wood.

     -Com o Joe e Pete? -Will lançou um bufido, logo se balancei sobre os talões para reconfortar-se-. De maneira nenhuma puderam ser eles, Ben. A esses meninos gosta de mover-se como loucos por toda parte, e de vez em quando brigam como se desesperados, mas seriam incapazes de torturar a um gato velho.

     Ele se arranhou a cicatriz do queixo.

     -Notou como estava, verdade?

     -Tenho olhos, não crie? -Teve que voltar a respirar fundo para não decompor-se-. Foi cortando a pedacinhos e também tinha um pouco parecido a queimaduras, possivelmente feitas com um cigarro. Não foram os meninos do Wood. A primavera passada Adam deu de presente um par de gatinhos. Malcriam-nos como se fossem bebês.

     -Ultimamente Adam tem feito algo que possa ter enfurecido a alguém?

     Ela não o olhou.

     -Não o fizeram ao Adam. Fizeram-me isso .

     -Está bem. -Como estava de acordo não pôde menos que assentir. E se preocupou-. Fez enfurecer a alguém ultimamente?

     -Além da ti?

     Ben sorriu apenas, subiu um degrau e se colocou à mesma altura que ela.

     -Você me estiveste enfurecendo e afugentando toda a vida. Assim que isso não conta. E lhe digo isso a sério, Willa. Fechou uma mão sobre a dela e entrelaçou os dedos de ambos-. Te ocorre que pode haver alguém que queira te fazer danifico?

     Surpreendida pela união de sua mão com a do Ben, ela as olhou.

     -Não. Talvez ao Pickles e ao Wood possa lhes resultar um pouco molesto que eu esteja a cargo do rancho. Sobre tudo Pickles. Porque sou mulher. Mas não têm nada pessoal em meu contrário.

     -Pickles estava nas terras altas -assinalou Ben-. Crie-o capaz de fazer algo como isto para te danificar? Para assustar a uma mulher?

     Essas palavras despertaram todo seu amor próprio.

     -Pareço-te assustada?

     -Sentiria-me melhor se o estivesse. -Mas se encolheu de ombros-. Crie que pode havê-lo feito ele?

     -Faz um par de horas haveria dito que não. Agora não estou segura. -Compreendeu que isso era o pior de tudo. Não saber com segurança em quem confiar, ou até que ponto confiar neles-. Mas não acredito. Tem gênio rápido e gosta de falar e gabar-se, mas não me imagino matando sem motivo.

     -Eu diria que em tudo isto existe um motivo. É o que devemos tratar de descobrir.

     Ela elevou o queixo.

     -Você crie?

     -Sua terra é vizinha à minha, Will. E durante no próximo ano, forma parte de minhas responsabilidades. -Quando ela tratou de retirar sua mão, ele a reteve com mais força-. É uma realidade e suponho que, com o tempo, os dois acostumaremos a ela. Estou decidido a te cuidar e a cuidar do que é teu.

     -Não te aproxime muito, Ben, corre o risco de terminar com um olho negro.

     -Correrei esse risco. -Mas no caso de, tomou a outra mão e as manteve a ambas aos flancos do corpo da Willa-. Tenho a sensação de que este ano me resultará interessante. Extremamente interessante. Não tinha lutado contigo em... perto de vinte anos. Está agradavelmente rellenita.

     sabendo de que ele tinha mais força que ela, Willa permaneceu quieta.

     -É muito hábil com as palavras, Ben. Como com a poesia. Deveria ouvir como me pulsa o coração.

     -eu adoraria, querida, mas se o fizesse aproveitaria para tratar de me derrubar pelo chão.

     Ela sorriu ao fazê-lo-se sentiu melhor.

     -Não, Ben. Sem dúvida te derrubaria pelo chão. E agora vete. Estou cansada e quero comer.

     -Já irei. -Mas não ainda, pensou Ben. Deslizou as mãos até as bonecas da Willa e lhe intrigou perceber que também lhe galopava o pulso. Um nunca o teria adivinhado pela expressão de seus olhos, tão frios e escuros. Há muitas coisas que um não saberia com solo olhar a Willa Mercy, decidiu-. Não vai dar um beijo de boa noite?

     -Quão único conseguiria seria te arruinar para todas essas outras mulheres com as que você gosta de brincar.

     -Também arriscarei a isso. -Mas retrocedeu. Não era o momento nem o lugar. Entretanto teve a sensação de que muito em breve andaria em busca do momento e o lugar adequados-. Voltarei.

     -Sim. -Colocou as mãos nos bolsos enquanto o observava subir ao jipe-. Já sei.

     Esperou até que as luzes do veículo desaparecessem pelo comprido caminho de terra. Depois olhou por cima de seu ombro a casa, as luzes. Estava desejando dar-se esse banho, comer algo quente e dormir uma noite inteira. Mas todo isso teria que esperar. O rancho Mercy era dele e devia falar com os peões.

     Em seu papel de proprietária, tratava de manter-se afastada da casa dos peões. Estava convencida de que os homens necessitavam sua privacidade, e esse edifício revestido de madeira, com as cadeiras de balanço no alpendre era a casa deles. Ali dormiam e comiam, liam se a leitura lhes resultava um prazer. Jogavam às cãs e discutiam sobre o jogo, ali viam televisão e se queixavam da patrã.

     Nell cozinhava as comidas na cabana que compartilhava com o Wood e os filhos de ambos, e logo a transportava até ali. Mas não servia aos peões, e cada semana um dos homens se encarregava de fazer a limpeza. Dessa maneira podiam comer como mais gostassem. depois de trabalhar, podiam sentar-se à mesa talheres de pó ou em roupa interior. E podiam mentir e fanfarronear contando histórias sobre suas mulheres e sobre o tamanho de seus pênis.

     Depois de tudo, para eles esse era o lar.

     De maneira que Willa golpeou e esperou até que a fizeram passar. Estavam todos ali com exceção do Wood, que comia em sua casa, com sua família. Os peões estavam sentados ao redor da mesa, Ham na cabeceira, com a cadeira arremesso para trás, dado que acabava de terminar de comer. Billy e Jim continuavam devorando frango e massa fervida como se fossem um par de lobos se desesperados por comer carne. Pickles bebia cerveja, com o sobrecenho franzido.

     -Lamento lhes interromper a comida.

     -Já quase terminamos -disse Ham-. Billy, te dedique a lavar os pratos. Se comer mais, explorará. Quer uma taça de café, Will?

     -Não me viria mau. -aproximou-se ela mesma à cozinha, serve-se uma taça e não lhe adicionou leite. Compreendia que esse era um assunto delicado e que teria que tratá-lo de uma vez com tato e de uma maneira direta-. Não entendo quem pôde ter esquartejado a esse velho gato. -Bebeu um sorvo de café-. A alguém lhe ocorre uma idéia?

     -Eu investiguei aos meninos do Wood. -Ham ficou de pé para servir-se café-. Nell diz que estiveram quase toda a tarde dentro da casa, com ela. Bom, os dois têm canivete e Nell lhes pediu que os buscassem e me mostrassem isso. Estavam completamente limpos. -Sorriu enquanto bebia-. Pete, o mais jovem, ficou a chorar quando se inteirou do que lhe tinha acontecido ao velho Mike. Pete é um menino alto. Alguém se esquece de que solo tem oito anos.

     -ouvi histórias de meninos que faziam porcarias como essa -adicionou Pickles olhando sua cerveja com ar sombrio-. Depois, quando crescem se convertem em assassinos em série.

     Willa decidiu não olhá-lo sequer. Se existia alguém capaz de piorar as coisas, era Pickles.

     -Não acredito que seja o caso dos filhos do Wood.

     -Pôde ter sido McKinnon -disse Billy enquanto colocava os pratos na pia, desejando que Willa notasse sua presença. Sempre tinha a esperança de que o notasse; seu amor para ela era tão grande como todo Montana-. Estava aqui. -Moveu a cabeça para tirar o cabelo loiro dos olhos. Esfregou com a bucha os pratos com mais força da necessária para que lhe notassem os músculos dos braços-. E seus homens estavam nas terras altas quando mutilaram ao novilho.

      -Deveria pensar antes de abrir a boca, pedaço de imbecil -disse Ham sem irritação. Desde seu ponto de vista, qualquer homem de menos de trinta anos era, potencialmente, um imbecil. E Billy com seu olhar ansioso e seu excesso de imaginação, tinha um potencial maior que o de nenhum outro-. McKinnon não é o tipo de homem capaz de destroçar um maldito gato.

     -Bom, mas estava ali -insistiu Billy com tozudez, enquanto olhava de esguelha para saber se Willa o escutava.

     -Sim, estava ali -demarcou ela-. Mas estava dentro, comigo. Eu mesma lhe abri a porta e nesse momento não havia nada no alpendre.

     -Quando o velho andava por aqui nada disto acontecia -disse Pickles bebendo outro gole de cerveja e olhando de soslaio a Willa.

     -Vamos, Pickles! -Incômodo, Jim se moveu em sua cadeira rangente-. Não é possível que culpe a Willa de uma coisa como esta.

     -Não faço mais que estabelecer um fato.

     -É certo -disse Willa assentindo com tranqüilidade-. Nada disto aconteceu enquanto o velho andava por aqui. Mas agora está morto e a patrã sou eu. E quando averiguar quem fez isto, farei-me cargo pessoalmente dele. Depositou a taça sobre a mesa-. Eu gostaria que todos pensassem no assunto, para ver se alguém recorda algo ou viu algo. Se lhes ocorre alguma idéia, já sabem onde me encontrar.

     Quando a porta se fechou atrás dela, Ham lhe pegou um chute à cadeira do Pickles e esteve a ponto de fazê-lo cair.

     -por que tem que ser tão idiota? Essa garota nunca tem feito nada que não fora o melhor.

     -É mulher, não é certo? -E desde seu isso ponto de vista fechava a discussão-. A gente não pode confiar nas mulheres, e muito menos depender delas. Quem nos pode assegurar que o que tenha destroçado um novilho e logo um gato não tentará logo fazê-lo com um homem? -Bebeu outro gole de cerveja enquanto permitia que se afundasse nas mentes a semente que acabava de semear-. ides depender dela para que lhes cubra as costas? Eu lhes asseguro que não o farei.

     Billy deixou cair um prato. Tinha o olhar cheia de excitação.

     -Crie que alguém trataria de lhe fazer isso a um de nós? Que tentaria nos matar e nos destroçar com uma faca?

     -por que não te cala a boca! -exclamou Ham depositando com força sua taça sobre a mesa-. Pickles só trata de nos pôr nervosos porque lhe arrebenta que sua patrã seja uma mulher. Matar um novilho e um gato pulgoso não é o mesmo que matar a um homem.

     -Ham tem razão. -Mas Jim teve que tragar com força e perdeu interesse no resto da comida que tinha no prato-. Embora talvez seria prudente que durante um tempo estivéssemos cuidadosos. Agora há duas mulheres mais no rancho. -Apartou o prato e ficou de pé-. Talvez deveríamos as cuidar.

     -Eu cuidarei do Will -disse Billy com rapidez e Ham lhe dirigiu um olhar de desprezo.

     -Você fará seu trabalho, como sempre. Não tolerarei que um punhado de covardes se assustem das sombras por culpa de um gato. -Voltou a tomar a taça de café-. Pickles, se não ter nada inteligente que dizer, aconselho-te que te cale a boca. Gesso serve também para outros. -tomou uns instantes para olhá-los um a um e logo assentiu, satisfeito-. vou ver a televisão.

     -Direi-lhes uma coisa -disse Pickles em voz baixa-. Eu penso ter o rifle à mão e o facão dentro da bota. E se chegar a ver alguém com atitudes estranhas por aqui, encarregarei-me dele. E cuidar de mim mesmo. -Tomou seu copo de cerveja e saiu.

     Jim rechaçou o café e se decidiu por uma cerveja. Enquanto abria a garrafa olhou o rosto pálido do Billy. Pobre menino!, pensou. Seguro que terá pesadelos.

     -Pickles solo fanfarroneaba, Billy. Já sabe como é.

     -Sim, mas... -secou-se a boca com uma mão. Não era mais que um gato, repetiu-se. Um gato velho e sarnento-. Sim, já sei como é Pickles.

    

     Willa teve pesadelos. Despertou banhada em suor frio, com o coração palpitante e com um grito encerrado na garganta. Lutou por liberar do enredo de lençóis, e por respirar um pouco de ar fresco. Só e tremendo, sentou-se em meio da cama, enquanto a luz da lua entrava pela janela e uma pequena brisa golpeava contra o vidro.

     Não recordava bem o pesadelo que acaba de ter. Sangue, medo, pânico. Facas. Um gato sem cabeça que a acossava. Tratou de tomá-lo a risada, apoiou a cabeça sobre os joelhos levantados e tentou rir de si mesmo. O som que surgiu de sua boca foi perigosamente parecido a um soluço.

     Quando saltou da cama, sentiu que as pernas não a sustentavam, mas se obrigou a caminhar até o banho, acendeu a luz, baixou a cabeça até o lavabo e se lavou a cara com água geada. Então se sentiu melhor, já desaparecido esse suor frio. Levantou a cabeça e se estudou no espelho.

     O rosto seguia sendo o mesmo. Isso não tinha trocado. Em realidade, nada tinha trocado. Simplesmente acabava de viver uma noite infernal. Não tinha direito a estar um pouco estremecida por todo o acontecido? A preocupação pesava como um chumbo sobre seus ombros e devia lhe fazer frente sozinha. Não tinha a quem passar-lhe nem com quem compartilhá-la.

     Eram suas irmãs, e também o rancho e o que o estivesse fazendo perigar. Ela teria que encarregar-se de tudo.

     E se se chegava a produzir uma mudança em seu interior, algo molesto, algo que reconhecia como essencialmente feminino, também se encarregaria disso. Não tinha tempo nem o temperamento necessário para andar jogando com o Ben McKinnon.

     De todos os modos, ele sozinho tratava de irritá-la. escovou-se o cabelo para trás para apartar o de suas bochechas molhadas e se serve um copo de água fria. Ben nunca teve interesse nela. E se o tinha nesse momento, era sozinho porque lhe divertia. Algo típico do Ben. Quase sorriu enquanto bebia a água fria.

     Pensou que, depois de tudo, talvez o beijasse. Solo para tirar o assunto de cima. uma espécie de prova. Possivelmente então conseguiria dormir melhor. Um beijo talvez afugentaria ao Ben de seus sonhos e de seus pesadelos. E uma vez que deixasse de perguntar-se como seria, uma vez que deixasse de pensar nisso que ardia em seu interior, poderia-se concentrar por completo no rancho.

     Olhou a cama e se estremeceu. Precisava dormir mas não queria voltar a ver o sangue, nem os corpos destroçados, mutilados. De maneira que não os voltaria a ver.

     Respirou fundo antes de voltar a deitar-se. Apartaria essas imagens com solo sua força de vontade. Pensaria em outra coisa. Na primavera, ainda tão longínqua. Em flores cobrindo as pradarias e em uma brisa cálida que descia das montanhas.

     Mas quando sonhou, voltou a sonhar com sangue, e medo e terror.

    

     Do jornal do Tess Mercy:

     depois de dois dias de vida no rancho, decidi que odeio Montana, ódio as vacas, os cavalos, os jeans e sobretudo, os frangos. Bess Pringle, quão déspota dirige a casa onde me retêm prisioneira, encarregou-me que me ocupe do galinheiro. Ontem, depois de comer, inteirei-me desta nova carreira que devo iniciar. Quero esclarecer que a comida consistia em carne de urso assada. Parece que a mesma Danielle Boom subiu às montanhas e matou pessoalmente um urso cinza. Estava delicioso.

     Em realidade me pareceu rico basta que me inteirei do que estava comendo. Devo informar que, em que pese a que se diga o contrário, a carne de urso não se parece no mais mínimo a de frango. Apesar de tudo o que possa dizer sobre o Bess, e poderia dizer bastante considerando a maneira em que me olhe, essa mulher cozinha como os deuses. Terei que me cuidar para não voltar a cair no estado de gordura de minha juventude.

     Enquanto eu estava de retorno no mundo real, houve bastante excitação em La Ponderosa. Pelo visto alguém esquartejou um novilho no que eles chamam terras altas. Quando comentei que acreditava que isso era o que se fazia com o gado vacino, Annie Oakley fez o possível por me matar com o olhar. Devo admitir que tem algumas costure boas. Se não fosse tão altiva e sabichão, acredito que até chegaria a me gostar de.

     Mas tenho cansado em uma disgresión.

     Ao novilho não o mataram como corresponde mas sim mas bem o mutilaram, coisa que causou certa preocupação entre os personagens desta terra. A noite antes de minha volta, um dos gatos do celeiro foi decapitado e colocado sobre o chão de alpendre de entrada. Encontrou-o a pobre Lily.

      Não sei se deve me preocupar saber que este não é um acontecimento habitual nestas latitudes ou simular que o é e me assegurar de que minha porta esteja bem fechada de noite. Mas a reina das jeamas parece preocupada. Sob outras circunstâncias, isso me produziria uma pequena e cálida satisfação. Willa realmente me põe nervosa. Mas dado como estão as coisas e pensando, ou tratando de não pensar, nos largos meses que tenho por diante, sinto-me incômoda.

     Lily passa grande parte de seu tempo com o Adam e seus cavalos. Os moretones vão desaparecendo, mas segue com os nervos de ponta. Acredito que nem sequer se imagina que o esplêndido Nobre Selvagem se está apaixonando por ela. É bastante divertido observá-los. Não posso menos que lhe ter simpatia ao Lily, porque é indefesa e está muito perdida. E, depois de tudo, as dois estamos no mesmo navio, por assim dizê-lo.

     Os outros caracteres do guia incluem o Ham; é perfeito, parece saído de um filme. O típico vaqueiro patizambo, de olhos brilhantes e mãos calosas. Saúda-me levando-a mão ao chapéu mas fala pouco.

     Depois está Pickles. Não tenho nem idéia de se o indivíduo tiver outro nome. É um tipo mal-humorado, de rosto amargo, botas bicudas e quase completamente calvo, salvo um enorme bigode avermelhado. Quase sempre anda com o sobrecenho franzido, mas o vi trabalhar com o gado e se vê que sabe o que faz.

     Está a família Wood. Nell cozinha para os peões e tem um rosto doce e caseiro. Ela e Bess se reúnen para conversar e para levar a cabo as coisas das mulheres do rancho, das que prefiro não me inteirar. O marido é Wood, que conforme tenho descoberto é Woodrow, cortado. Tem uma formosa barba negra, um sorriso e um modo de ser agradáveis. Chama-me senhora e sugeriu com muita amabilidade que deveria me conseguir um chapéu como a gente para não me queimar a cara quando estou ao sol. Têm dois filhos varões de ao redor de oito e dez anos, a quem adoram andar dando voltas por aí e lutando a braço partido. São tão arrumados que eu os qualificaria como bonitos. Vi-os fazendo uma competição de escupitajos detrás de um dos edifícios. Parecem muito hábeis.

     Depois está Jim Brewster, que parece um desses homens buenazos. Do tipo larguirucho cujo modo parece dizer: «Já estou chegando. Serei patrão». Me resulta muito atrativo, em seu jeans com essa pequena redondez no bolso de atrás que, estou segura, esconde algo asqueroso, como tabaco para mascar. Dedicou-me algumas sorrisos pretensiosos e algumas piscadas. até agora me pude resistir.

     Billy é o mais jovem. Por seu aspecto um diria que logo que tem idade suficiente para conduzir um carro e seus olhos de cachorrinho não se separam de nossa vaqueira favorita. É um grande conversador e, qualquer que se encontra perto dele, não faz mais que lhe dizer que se cale a boca. O não se ofende e pelo general não faz conta. Quase me atreveria a dizer que me inspira sentimentos maternais.

     Desde minha volta não vi ao vaqueiro advogado e ainda nem sequer conheço infame Ben McKinnon do Three Rocks, quem pelo visto é a causa de todas as aflições da existência da Willa. Estou segura de que, solo por isso, terei-lhe uma enorme simpatia. Acredito que deverei encontrar a maneira de suavizar ao Bess para que me dê todos os dados da família McKinnon, mas enquanto isso tenho uma entrevista com o galinheiro.

     Tratarei de pensar nisso como em uma aventura.

 

     Ao Tess não importava levantar-se cedo. De todos os modos sempre se levantava às seis. Uma hora no ginásio, talvez uma reunião durante o café da manhã e logo se dedicava a trabalhar até as duas da tarde. Depois se dava um mergulho de cabeça na piscina, ou tinha outra reunião ou saía a fazer compras. Possivelmente tivesse uma entrevista ou possivelmente não, mas sua vida lhe pertencia e se desenvolvia tal como lhe gostava.

     Levantar-se cedo para haver-lhe com uma série de galinhas era algo que tinha um gosto totalmente distinto.

     O galinheiro era enorme e sem dúvida parecia limpo. Aos olhos pouco treinados do Tess, as cinqüenta galinhas das que se vangloriava o rancho pareciam uma legião de depredadoras ominosas com olhos como contas.

     Deu-lhes a comida tal como o indicou Bess, encheu-lhes os recipientes de água fresca, depois se tirou o pó das mãos e olhou à primeira das galinhas que estava sentada.

     -supõe-se que devo juntar os ovos. Acredito que deve estar sobre um deles, assim se não te importa... Estendeu a mão, vacilante, sem deixar de olhar à galinha. Imediatamente resultou evidente que esta era a mais forte. Tess lançou um uivo ante o bicada que recebeu na mão, e saltou para trás-. Olhe, irmã, devo cumprir as ordens que me deram.

      Foi uma batalha desagradável. Voaram as plumas, acenderam-se os maus humores. No galinheiro inteiro houve uma erupção de cacarejos e de chiados quando as galinhas vizinhas se uniram à luta. Tess conseguiu agarrar um ovo morno com a mão e em seguida retrocedeu, ofegante e tinta.

     -Tem uma técnica estranha.

     Para ouvir a voz a suas costas, Tess soltou o ovo, que caiu ao chão.

     -Maldita seja! depois de todo o trabalho que me há flanco.

     -Assustei-te. -A comoção do galinheiro tinha atraído ao Nate. Assim em lugar de ir em busca da Willa fez um rodeio e se encontrou com a conexão californiana, que luzia seu jeans de alta costura e seus reluzentes expulsa novas, e que nesse momento lutava a braço partido contra as galinhas. Quão único Nate pôde pensar foi que era um verdadeiro quadro-. Procurava ovos para o café da manhã?

     -Mais ou menos. -apartou-se o cabelo da cara-. E você o que anda procurando?

     -Tenho que falar de negócios com o Will. Sangra-te a mão -adicionou.

     -Já sei. -Mal-humorada, chupou-se a ferida do dorso da mão-. Esse maldito pássaro me atacou.

     -O que passa é que não o está fazendo bem. -Ofereceu-lhe um lenço para que se enfaixasse a mão e logo se aproximou da seguinte galinha arremesso. E Tess notou que conseguia fazer a tarefa com graça, apesar de que teve que inclinar-se e dobrar-se em dois para que sua cabeça não me chocasse contra o teto-. Tem que fazê-lo como se fora algo natural. Faz-o rápido mas sem movimentos bruscos. -Fez-lhe uma demonstração: colocou a mão debaixo da galinha arremesso e a tirou com um ovo. O ave nem sequer moveu uma pluma.

     -É meu primeiro dia neste trabalho. -um pouco mal-humorada, elevou o cubo-. eu adoro encontrar os frangos no setor de geladeira que lhes corresponde, envoltos em celofane. -Enquanto Nate avançava pelo galinheiro, recolhendo ovos, ela o seguia-. Suponho que você também tem galinhas.

     -Sim, antes tinha. Agora não me entretenho com isso.

     -Vacas?

     -Não.

     Tess elevou uma sobrancelha.

     -Ovelhas? Não é um risco? Vi uma quantidade de filmes do oeste onde se destaca que é perigoso mesclar ovelhas com ganho vacino.

     -Tampouco pirralho ovelhas. -Colocou um ovo no cubo-. Só cavalos. Quarto de milha. Você monta?

     -Não. -tornou-se atrás o cabelo enquanto se encolhia de ombros-. Embora me hão dito que me conviria aprender. E suponho que me daria algo que fazer aqui.

     -Adam te poderia ensinar. Ou te ensinaria eu.

     -Sério? -Esboçou um lento sorriso enquanto piscava para luzir suas largas pestanas-. E por que se incomodaria em fazer isso, senhor Torrence?

     -Como uma prova de boa vizinhança. -Tem um perfume delicioso, pensou. Algo um poquito escuro, um poquito perigoso. E muito feminino. Pôs outro ovo dentro do cubo-. E me chamo Nate.

     -Está bem. -A voz do Tess era cálida e parecia um ronrono. Dirigiu-lhe um olhar furtivo-. Somos vizinhos, Nate?

     -Bom, é uma maneira de falar. Meu rancho está ao leste daqui. Por tratar-se de alguém que esteve empenhada em uma batalha campal com galinhas, desprende um aroma riquíssimo senhorita Mercy.

     -Meu nome é Tess. Está flertando comigo, Nate?

     -Só respondo a seu flerte. -O sorriso do Nate foi lenta e sincera-. Era o que estava fazendo, não é verdade?

     -De algum jeito. Por hábito.

     -Bom, se quiser que te dê um conselho...

     -Os advogados estão cheios de conselhos -interrompeu ela.

     -É certo. Meu conselho seria que te refreie um poquito. por aqui os moços não estão acostumados a mulheres com tanto estilo como o teu.

     -Ah! -Não sabia com segurança se acabava de receber uma adulação ou um insulto, mas decidiu que lhe concederia o benefício da dúvida-. E você está acostumado a mulheres com estilo?

     -Não posso dizer que o esteja. -Dirigiu-lhe um largo e pensativo olhar de seus tranqüilos olhos azuis-. Mas pelo menos as reconheço. No prazo de uma semana haverá os tornado loucos a todos e estarão dispostos a matar-se entre eles.

     Bom, isso é um completo, decidiu Tess.

     -Isso daria vidilla ao rancho.

     -Por isso me contaram, não é que tenham estado aborrecidos.

     -Gatos e novilhos mortos. -Sorriu-. Um assunto desagradável. Me alegro de não ter estado aqui.

     -Mas agora está aqui. Bom, parece que não há mais ovos -adicionou Nate enquanto ela olhava o conteúdo do cubo.

     -São muitos. E vá se estiverem sujos! -Era possível que durante um tempo não tivesse vontades de comer uma omelete.

      -Lavarão-os. -Tirou-lhe o cubo e começou a sair do galinheiro-. Está-te adaptando a este lugar?

     -Sim, o melhor possível. Não é meu meio, meu modo habitual de viver.

     Nate se passou a língua pelos dentes.

     -A gente de você, como se diz?, de seu ambiente vem por aqui a todas as horas. Embora não fica. -Em um movimento automático, baliu a cabeça para não golpeá-la contra a soleira da porta do galinheiro-. Essa gente de Hollywood chega cheia de entusiasmo, compra terras e derruba casas que valem mais que a terra mesma.

     Acreditam que vão criar búfalos ou salvar da extinção aos potros selvagens ou Deus sabe o que outra coisa.

     -Você não gosta da gente de Califórnia?

     -A gente de Califórnia não se sente cômoda em Montana. Por regra general. Muito em breve voltam correndo a seus restaurantes e a seus clubes noturnos ou o que seja. -voltou-se e a estudou-. Que é o que fará você quando se vencer o ano.

     -Pode apostar a que sim. Vos presente seus amplos espaços, companheiro. Eu fico com a Beverly Hills.

     -E o smog, os deslizamentos de barro, os terremotos.

     Ela sozinho sorriu.

     -Por favor, está-me fazendo que o tenha saudades!

     Supôs que sabia de cor o tipo de homem que era esse. Nascido e criado em Montana, um pensador lento mas profundo, a quem gostava da cerveja geada e as mulheres modestas. O tipo de homem que no último cilindro de um filme de série B do oeste, beijaria a seu cavalo.

     Mas Deus, OH, Deus! Era encantador.

     -por que estudou Direito, Nate? Alguém mandou a julgamento de seus cavalos?

     -Ultimamente não. -Seguiu caminhando, mas com mais lentidão para que ela pudesse manter-se a seu lado-. Interessava-me. O sistema. E ajuda a manter o rancho em marcha. Chegar a ter uma manada de éguas sólida, exige tempo e dinheiro. O mesmo acontece com a reputação do criador.

     -De maneira que foi à universidade para ajudar a manter o rancho. Aonde estudou? Na Universidade de Montana? -Em sua boca havia uma expressão zombadora e divertida de uma vez-. Porque suponho que em Montana haverá universidade, não é certo?

     -Sim, hão-me dito que sim. -Reconheceu o sarcasmo do Tess e a olhou aos olhos-. Não, estudei no Yale.

     -Em... -Como se deteve em seco, ele estava vários passos adiante quando Tess conseguiu repor-se. Teve que fazer um esforço por alcançá-lo-. Vale? Foi ao Yale e voltou para este lugar para jogar advogado vaqueiro em benefício de uma série de jeans e de peões?

     -Eu não jogo com a lei. -Saudou-a com o chapéu em um gesto de despedida e se encaminhou a um curral junto ao celeiro.

     -Yale -repetiu Tess. Fascinada, tomou o cubo que Nate tinha deixado e correu atrás dele para alcançá-lo-. Escuta, Nate...

     deteve-se. Havia muita atividade no curral. Dois peões e Willa lhe estavam fazendo algo a um bezerro. Algo que pelo visto o bezerro não gostava. Tess supôs que o estariam marcando e teve vontades de ver como se fazia. Além disso, queria voltar a falar com o Nate e ele parecia decidido a intervir na ação.

     Levantou o cubo, aproximou-se da porta feita com trancas e a cruzou. Ninguém se incomodou em olhá-la. Estavam enfrascados em seu trabalho e o bezerro atraía a atenção de todos. Com vos lábios franzidos, Tess se aproximou e se inclinou sobre o ombro da Willa para ver do que se tratava.

     Quando viu o Jim Brewster quem, com rapidez, prolijidad e eficiência castrava ao animal, lhe puseram os olhos em branco e se deprimiu sem emitir um só som. Foi o ruído da queda do cubo e da ruptura dos ovos o que fez que Willa olhasse para trás.

     -Por amor de Deus! O que passou?

     -Tem cansado deprimida, Will -informou Jim e por toda resposta recebeu um gesto de impaciência de sua patrã.

     -Isso sei. lhes encarregue do bezerro. -levantou-se, mas Nate já tinha ao Tess em braços-. É um peso pesado.

     -Bom, não te digo que seja um peso-pena -respondeu ele, sonriendo-. Sua irmã está muito bem formada, Willa.

     -Pode desfrutar desse pequeno benefício enquanto a leva a casa. Maldição! -exclamou, levantando o cubo-. Tem quebrado quase todos os ovos. Ao Bess dará um ataque. -Desgostada, voltou a olhar ao Jim e ao Pickles-. Vós dois sigam com o trabalho. Eu terei que me ocupar dela. Como se não tivesse nada que fazer além de ir procura de sai aromáticas para uma tola mulher de cidade!

     -Não deve ser tão dura com ela, Will -disse Nate enquanto cruzava o caminho de terra para levar ao Tess à casa principal. Custou-lhe sufocar um sorriso-. Está fora de seu ambiente.

      -Oxalá voltasse para seu ambiente e me deixasse em paz! Esta me deprime e a outra anda a meu ao redor de puntillas, como se fora a lhe pegar um tiro entre os olhos se me olhasse.

     -É uma mulher lhe atemorizem, Will. -Baixou o olhar quando Tess se estremeceu em seus braços-. Acredito que está voltando em si.

     -Deixa-a cair em alguma parte -sugeriu Willa abrindo de um puxão a porta da casa-. irei procurar um pouco de água.

     Nate teve que admitir que lhe resultava agradável levar em braços ao Tess. Não era uma dessas mulheres ossudas e fracas típicas de Califórnia, a não ser uma moça suave e arredondada com o peso distribuído nos lugares justos. Tess lançou um gemido e pestanejou enquanto ele a levava a um sofá. Olhou-o, como sem compreender, com seus olhos muito azuis.

     -O que? -foi tudo o que conseguiu dizer.

     -Tome o com calma, querida. Deprimiu-te, nada mais.

     -Que me deprimi? -Demorou um instante em compreender o significado da palavra-. Diz que me deprimi? Que ridicularia!

     -E devo te advertir que caiu com muchísima graça. -Recordava que tinha cansado como uma árvore, mas não acreditou que lhe gostasse da analogia-. Suponho que não te terá golpeado a cabeça, verdade?

     -A cabeça? -Ainda enjoada, levou-se uma mão à cabeça-. Não acredito. Eu... -E então recordou-. OH, Deus, esse bezerro! O que lhe estavam fazendo a esse bezerro? por que sorri?

     -Imagino o que deve ter sentido ao ver pela primeira vez converter a um bezerro em novilho. Suponho que é algo que não se deve ver com freqüência na Beverly Hills.

     -Nós guardamos o gado na casa de hóspedes.

     O assentiu.

     -Bom, vejo que te está recuperando.

     Assim era, sem dúvida. estava-se recuperando o suficiente para dar-se conta de que ele a embalava contra seu peito, como se fosse uma criatura.

     -por que me tem em braços?

     -Bom, porque me pareceu uma atitude de bom vizinho não te trazer até a casa te arrastando pelo cabelo. Está recuperando a cor.

     -Ainda segue com ela em braços? -perguntou Willa entrando em quarto com um copo de água na mão.

     -Eu gosto de tê-la assim. Tem muito bom aroma.

     O exagerado acento de Montana com que o disse fez que Willa lançasse uma risita e meneasse a cabeça.

     -Basta de jogar com ela, Nate, e tende-a na poltrona. Tenho que seguir trabalhando.

     -Não posso ficar a Will? Não tenho nenhuma mulher no rancho. E às vezes me sinto sozinho.

     -São o cúmulo! -Lutando por recuperar certa dignidade, Tess se apartou o cabelo da cara-. Baixa me, pedaço de idiota!

     -Sim, senhora.

     De uma altura considerável, deixou-a cair sobre o sofá estofado em couro. Tess ricocheteou uma vez, franziu o sobrecenho e se ergueu.

     -Bebe isto. -Com muito pouca simpatia, Willa pôs um copo de água em mãos do Tess-. E te aconselho que te mantenha longe dos currais.

     -Asseguro-te que o farei. -Furiosa consigo mesma e com o fato de que seguia estando tremente, Tess bebeu-. O que estavam fazendo ali era repugnante, bárbaro e cruel. Se mutilar um animal indefeso não é ilegal, deveria sê-lo. -Apertou os dentes ao ver que Nate lhe sorria-. E não siga sonriendo quando me olha, pedaço de tolo. Não acredito que você gostasse que lhe cortassem as Pelotas com um par de tesouras de podar.

     Nate se esclareceu garganta.

     -Não senhora, não acredito que eu gostasse.

     -por aqui não castramos aos homens até ter terminado com eles -disse Willa com secura-. Olhe, Hollywood, o desmame e a castração são parte da vida de um rancho. O que crie que aconteceria se deixássemos inteiros a todos os bezerros? Teríamos touros saltando por toda parte.

     -E orgias de gado todas as noites -adicionou Nate, mas logo retrocedeu ao ver o olhar que lhe dirigiam ambas as mulheres.

     -Não tenho tempo para te explicar as realidades da vida -continuou dizendo Willa-. O que te aconselho é que te reponha e que durante os próximos dois dias te mantenha afastada dos currais. Bess te encontrará trabalho dentro da casa.

     -Ah! Que alegria!

     -Não sei para que mais pode servir. Nem sequer é capaz de juntar ovos sem rompê-los todos. -Ao ver que Tess lhe dirigia um olhar assassino, voltou-se para o Nate-. Queria falar comigo?

     -Sim, por isso vim. -Não esperava passar uma manhã tão divertida-. Em primeiro lugar queria saber se estava bem. Inteirei-me do problema que têm.

     -Estou bastante bem. -Willa lhe tirou o copo de água ao Tess e bebeu a que ficava-. Pelo visto não posso fazer muito com respeito a esse assunto. Os peões estão um pouco espantados e mantêm os olhos bem abertos. Depositou o copo vazio sobre uma mesa e se tornou atrás o chapéu-. Não ouviste que a algum outro tenha acontecido um pouco parecido?

      -Não. -E isso lhe preocupava-. Não sei o que posso fazer por ajudar, mas sim te ocorre algo, peça-me isso      -Te lo agradezco. -Willa le cogió la mano y la apretó, un gesto que hizo que Tess frunciera los labios con aire pensativo-. ¿Pudiste encargarte de ese otro asunto del que hablamos?

     -Agradeço-lhe isso. -Willa lhe agarrou a mão e a apertou, um gesto que fez que Tess franzisse os lábios com ar pensativo-. Pôde te encarregar desse outro assunto de que falamos?

     Seu testamento, pensou Nate, no que nomeava beneficiário ao Adam. E os papéis nos que, transcorrido o ano, transferia a seu nome os cavalos, a casa em que vivia e a metade de seus interesses no Mercy.

     -Sim, terei um rascunho preparado para lhe mostrar isso no fim de semana. -Obrigado. -Soltou-lhe a mão e ficou o chapéu-. Se tiver tempo que perder, pode ficar a conversar com ela. -Dirigiu- um sorriso malvado ao Tess. Eu tenho que seguir castrando bezerros.

     Enquanto Willa saía, Tess cruzou os braços sobre o peito e tratou de conter seu mau humor.

     -Poderia aprender a odiá-la. Não me custaria nenhum trabalho.

     -O que passa é que não a conhece.

     -Sei que é fria, grosseira, pouco amistosa e que está empenhada em lutar pelo poder. Com isso me basta e me sobra. -Não, compreendeu ao ficar de pé, seu mau humor não lhe aconteceria logo-. Não tenho feito nada para merecer que me trate assim. Não pedi que me obrigassem a me instalar aqui, e te asseguro que tampouco pedi estar aparentada com uma bruxa como ela.

     -Ela tampouco o pediu. -Nate se sentou no braço de uma poltrona e começou a atar metodicamente um cigarro. Tinha um pouco de tempo e considerava que algumas costure deviam ser sortes-. Me permita que te pergunte algo. Como se sentiria se se inteirasse de repente que lhe poderiam tirar sua casa, seu lar, sua vida, tudo o que alguma vez quiseste?

     Seus olhos tinham uma expressão tranqüila quando acendeu o cigarro com um fósforo.

     -Para conservá-lo, teria que confiar em desconhecidos, e até no caso de que obtivesse não perdê-lo, não ficaria mais que uma parte. Mas outra boa parte passaria à mãos desses desconhecidos. Pessoas a quem não conhece, que nunca teve oportunidade de conhecer e que neste momento vivem em sua casa e têm tanto direito a isso como você. Não pode fazer nada a respeito. além disso, tem toda a responsabilidade sobre seus ombros porque essas desconhecidas não sabem absolutamente nada sobre campo nem sobre dirigir um rancho. Assim de ti depende mantê-lo em marcha. Quão único elas têm que fazer é esperar, e se esperarem, receberão o mesmo que você, embora tenha sido a que trabalhou, a que suou, a que se preocupou.

     Tess abriu a boca e a voltou a fechar. Assim, dito com tanta simplicidade, trocavam por completo as coisas.

     -Mas eu não tenho a culpa -disse em voz baixa.

     -Não, é obvio que não tem a culpa. Mas ela tampouco. -Voltou a cabeça e estudou o quadro do Jack Mercy que pendurava sobre a chaminé-. E você tampouco teve que viver com ele.

     -Como era...? -interrompeu-se e se amaldiçoou. Não queria perguntar. Não queria sabê-lo.

     -Como era Jack Mercy? -Nate exalou uma baforada de fumaça-. Direi-lhe isso. Era duro, frio, egoísta. Sabia como levar um rancho melhor que ninguém a quem eu conheça. Mas não sabia criar uma criatura. -A lembrança disso o acalorou. A partir desse momento falou com tom cortante-. Nunca lhe deu uma só amostra de afeto nem, por isso eu sei, nunca disse uma só palavra de fôlego, embora ela se rompesse a alma por ele. Willa nunca era o bastante hábil, nem o bastante rápida, nem o bastante inteligente para conformá-lo.

     Não vou permitir que me afogue a sensação de culpa, pensou Tess. Nate não conseguiria que se sentisse culpado nem que tomasse simpatia a Willa.

     -Pôde haver-se ido.

     -Sim, pôde haver-se ido. Mas amava este lugar. E queria a seu pai. Você não tem que chorar a seu pai, Tess, perdeu-o faz muitos anos. Mas Willa o está chorando. Não importa que ele não o mereça. Não a quis, quão mesmo não lhes quis a ti nem ao Lily, mas Willa não teve a sorte de ter uma mãe.

     «Está bem, deixarei-me levar pela culpa. um pouco», pensou.

     -Sinto muito. Mas isso não tem nada que ver comigo.

     Nate inalou com lentidão a fumaça de seu cigarro, logo o apagou com cuidado enquanto ficava de pé.

     -Tem todo que ver contigo. -Estudou-a e, de repente, seu olhar foi fria, longínqua e incômoda como a de um advogado-. Se não compreender o que te acabo de dizer, é muito parecida com o Jack Mercy. E agora vou. -levou-se a mão ao chapéu em um gesto de despedida e saiu.

     Durante comprido momento, Tess permaneceu onde estava, olhando fixamente o retrato desse homem que tinha sido seu pai.

    

      A quilômetros de distância, em terras do Three Rocks, Jesse Cooke assobiava entre dentes enquanto trabalhava no motor de uma velha pickup Ford. sentia-se muito bem, animado pela conversação que mantiveram durante o café da manhã, a respeito dos animais mortos e mutilados no Mercy. E o mais reconfortante e perfeito, era que foi Lily a que encontrou ao gato decapitado.

     Tivesse-lhe gostado de vê-la nesse momento.

     Mas Legs Monroe ouviu de boca do Wood Book do Mercy, que a pequena mulher de cidade do olho arroxeado gritou até ficar rouca.

     Vá se isso o reconfortava!

     Jesse assobiou uma canção country enquanto com dedos hábeis arrumava o motor do Ford. Sempre lhe tinha resultado odiosa essa música, com mulheres que choravam por seus homens, e homens pouco viris que choravam por suas mulheres. Mas se estava acostumando. Todos os peões, seus companheiros n! rancho, voltavam-se loucos por essas canções e eram quão únicas escutavam. Mas ele se estava acostumando. Em realidade, começava a pensar que Montana era o lugar onde lhe correspondia viver.

     Decidiu que era uma terra para verdadeiros homens. Homens que sabiam comportar-se e manter a raia a suas mulheres. depois de haverensinado uma boa lição ao Lily, estabeleceriam-se ali. Porque Lily ia ser rica.

     De solo pensá-lo começou a marcar um ritmo próprio com o pé, enquanto ria em voz baixa. Quem houvesse dito que essa parva do Lily herdaria a terceira parte de um dos ranchos mais importantes do estado! Um rancho que valia uma autêntica fortuna. E o único que lhe custaria seria esperar um ano.

     Jesse apareceu a cabeça que tinha colocada sob o capô do automóvel e olhou a seu redor. As montanhas, a terra, o céu.., eram todos duros. Duros e fortes, quão mesmo ele. De maneira que esse era seu lugar e Lily teria que aprender que seu lugar era estar com ele. O divórcio não importava uma mierda ao Jesse Cooke. Essa mulher lhe pertencia e se era necessário que de vez em quando utilizasse os punhos para recordar-lhe bom, era seu direito.

     Tudo o que devia fazer era ter paciência. Mas enquanto se passava uma mão engordurada pela cara, teve que admitir que essa era a parte mais difícil. Se ela chegava a inteirar-se de que ele estava perto, fugiria. E ele não podia permitir que fugisse até que tivesse transcorrido o ano.

     O qual não queria dizer que não pensasse vigiá-la, não por descontado que não. Vigiaria a inútil de sua mulher.

     Era fácil fazer-se amigo de um par dos peões imbecis do Mercy. Beber umas quantas cervejas, jogar um pouco às cartas e lhes surrupiar informação. Além disso podia vagar pelo rancho vizinho quando lhe desse a vontade, sempre que Lily não o visse.

     E o dia em que Jesse Cooke, ex-infante de marinha, deixasse que uma mulher pudesse mais que ele, equivaleria ao fim do mundo.

     Voltou a agachar-se sob o capô e retomou o trabalho. Enquanto isso começou a preparar seus planos para a seguinte visita que faria ao Mercy.

    

     Sarah McKinnon pôs massa sobre a prancha da cozinha, encantada de que seu filho maior estivesse ali frente à mesa, bebendo seu café. Na atualidade, o mais habitual era que se preparasse seu próprio café em suas habitações se localizadas sobre a garagem.

     E ela o sentia falta de.

     Em realidade tinha saudades não ter já a seus dois filhos na casa, discutindo e brigando como quando eram pirralhos. Deus era testemunha de que às vezes acreditou que a voltariam louca, que nunca voltaria a ter um momento de paz.

     E agora que eram homens e ela desfrutava dessa paz tão desejada, tirava o chapéu tendo saudades as brigas, o ruído, os maus humores.

     Sempre quis ter mais filhos. Desejo de todo coração poder ter uma mujercita a quem mimar nessa casa cheia de homens. Mas ela e Stu nunca puderam engendrar um terceiro filho. De maneira que se conformou ao pensar que tinha dois varões sãs e formosos e isso era tudo.

     Agora tinha uma nora a quem queria e uma neta a que adorava. E sem dúvida teria mais netos. Solo desejava poder incitar ao Ben para que se casasse com a moça indicada.

     Mas esse menino é muito estranho, pensou lhe dirigindo um olhar de reojo enquanto ele seguia enfrascado na leitura do periódico. E não se tratava de que seguisse solteiro aos trinta anos por falta de oportunidades. Deus era testemunha de que não eram poucas as mulheres que tinham entrado e saído de sua vida.., e também de sua cama, embora esse era um tema no que preferia não pensar.

     Mas Ben nunca deu um passo em falso com uma mulher, e Sarah supunha que era melhor assim. A gente sempre dava um tropeção antes de cair, e apaixonar-se era um assunto sério. Pelo general quando um homem escolhia com cuidado, elegia bem.

      Mas, maldita seja, ela queria mais netos.

     Com um prato cheio de tortas fritas em uma mão, deteve-se um momento frente à janela da cozinha. Amanhecia no este e ela observou a chegada do novo dia, rosado, cheio de luz e de nuvens baixas.

     Na casa dos peões, os homens já estariam levantados e tomando o café da manhã. dentro de poucos instantes escutaria os passos de seu marido no primeiro piso. Ela sempre se levantava antes que ele, para desfrutar desses primeiros momentos do dia no coração da casa. Depois baixava. Stu, recém barbeado, com aroma de sabão e com o cabelo úmido. Dava-lhe um enorme beijo de bom dia, aplaudia-lhe o traseiro e bebia sua primeira taça de café como se nisso o fora a vida.

     Ela o amava por ser tão previsível.

     E amava a terra do rancho por ser tão pouco previsível.

     Amava a seu filho, esse homem que, de algum jeito, tinha surto dela, da combinação dela e seu marido.

     Enquanto apoiava o prato sobre a mesa, passou uma mão sobre o cabelo espesso do Ben. E com repentina e estranha claridade, recordou a primeira vez que fez que se cortasse o cabelo, aos sete anos.

     Que orgulhoso estava Ben! E que parva foi ela quando lhe caíram as lágrimas ao ver que os cachos de seu filho foram dar ao chão da barbearia!

     -se preocupa algo, moço?

     -Hummm? -Apartou o periódico. Em sua casa lhes permitia ler o periódico na mesa até que se servia a comida-. Nada importante, mamãe. E você, no que pensa?

     Ela se sentou e tomou a taça de café entre ambas as mãos.

     -Conheço-te Benjamin McKinnon. Estava pensando em algo em particular.

     -Em trabalhos do rancho, em realidade. -Para ganhar tempo, começou a dar boa conta de seu café da manhã. As tortas fritas eram tão livianas que pareciam flutuar no ar e o toucinho estava rangente-. Ninguém cozinha como minha mãe disse, sonriéndole.

     -Ninguém come como meu Ben -replicou ela. sentou-se a esperar.

     Durante um momento ele não falou. Desfrutava da comida, dos aromas, da luz que entrava pela janela à medida que amanhecia. Desfrutava estando com sua mãe. É tão previsível como a saída do sol, pensou. Sarah McKinnon, com seus bonitos olhos verdes e seu resplandecente cabelo loiro avermelhado. Tinha esse tipo de pele irlandesa muito branca que desafiava ao sol. Agora tinha rugas em seu rosto, pensou Ben, mas eram tão suaves, tão naturais, que um nem sequer as notava. Mas em troca era impossível deixar de ver esse sorriso, tão cálida e confiada.

     Era uma mulher magra que vestia jeans e camisa vincada. Mas Ben conhecia sua enorme fortaleza. Não só em um sentido físico, apesar de que muitas vezes o tinha levantado pelo ar lhe colocando uma mão no traseiro, era capaz de montar incansavelmente a cavalo ou estar horas sobre um trator no meio do frio mais intenso ou o calor mais tremendo, e também podia carregar com uma bolsa de grão de vinte e cinco quilogramas como se se tratasse de um bebê.

     Mas por dentro, que era o que mais contava, parecia de aço. Nunca vacilava. Em toda sua vida, jamais a tinha visto lhe dar as costas a um desafio, ou a um amigo.

     Se ele não encontrava uma mulher igualmente forte, boa e generosa, preferia seguir solteiro toda a vida.

     Uma idéia que teria estremecido o coração do Sarah.

     -estive pensado na Willa Mercy.

     Sarah elevou as sobrancelhas, movida pela esperança.

     -Ah, sim?

     -Não dessa maneira, mamãe. -Mas também tinha pensado assim nela. E muito-. Está passando um mau momento.

     A luz dos olhos do Sarah se extinguiu.

     -Sinto-o muito. É uma boa garota e não merecia esta dor. Pensei ir até lá a cavalo, para lhe fazer uma visita. Mas me consta que neste momento deve estar muito ocupada. -Sarah sorriu-. E morro de curiosidade por conhecer as irmãs. Não tive muito tempo para as observar bem no funeral.

     -Acredito que Will te agradeceria que lhe fizesse uma visita. -Para ganhar tempo, comeu outra torta frita-. Aqui nós temos tudo sob controle. Acredito que poderia dedicar um pouco de tempo a ajudar no Mercy. Não porque considere que ao Will faria graça, mas acredito que ter um homem mais por ali de vez em quando, facilitaria-lhe as coisas.

     -Se você não a acossasse tanto, levariam-lhes melhor.

     -Talvez. -Elevou um ombro-. O que me preocupa é não saber até que ponto dirigia o rancho antes da morte do velho. Suponho que deve ser capaz de fazer frente ao que seja, mas com o Mercy morto, deve-lhe faltar um homem. E não ouvi dizer que pense contratar a outro peão.

      -Houve especulações a respeito da possibilidade de que contratasse a alguém da universidade como administrador. Assim corriam as intrigas de um rancho ao outro: através das linhas telefônicas-. Um moço agradável com experiência em cria e cruzamento de animais. Não porque Ham não conheça seu trabalho, mas se está fazendo velho.

 

     -Isso é algo que Willa não fará. Está decidida a demonstrar o que vale e além tem muito carinho ao Ham. Eu posso lhe dar uma mão -continuou dizendo-. Não porque ela tenha muita fé em meu título universitário. Estava pensando em que me daria uma volta por ali esta manhã para medir o assunto.

     -Acredito que é muito bondoso de sua parte, Ben.

     -Não o faço por bondade. -Sorriu-lhe por cima do bordo de sua taça e o seu era o mesmo sorriso travesso que tinha da infância-. Dará-me uma oportunidade de voltar a cortejá-la.

     Sarah riu e ficou de pé para ir em busca da cafeteira. Acabava de ouvir os passos de seu marido no piso de acima.

     -Bom, isso a ajudará a não pensar tanto em seus problemas.

    

     Lhe teria vindo bem uma distração. Os meninos do Wood se acabavam de meter no piquete dos touros para jogar aos toureiros com o avental avermelhado da mãe. Puderam sair vivos e só um deles terminou com um entorse em um tornozelo. Ela mesma os salvou, jogando em um Pete enjoado e talher de suor por sobre o alambrado e deixando atrás um touro furioso que jogava faíscas pelos olhos.

     A bronca que teve que lhes jogar aos dois meninos não produziu o menor prazer... e tampouco lhe deu prazer o medo cerval que o incidente lhe produziu. E terminou ajudando-os a ocultar a travessura ao apoderar do avental e prometer que o lavaria ela mesma antes de que Nell se desse conta de que lhe faltava.

     Isto ganhou a admiração se desesperada e incomensurável dos culpados. E, esperava Willa, inspirou-lhes o temor suficiente para lhes impedir de gritar «touro» frente a um negro Angus por um tempo.

     A um dos tratores lhe acabava de romper uma peça e teve que enviar ao Billy à cidade a procurar uma de recâmbio. Os alces haviam tornado a destroçar os alambrados do setor noroeste e agora não ficava mais remedeio que reparar uma parte.

     Bess estava resfriada. Pela terceira vez na semana, Tess tinha quebrado a maioria dos ovos e Lily, a ratita, no momento estava a cargo da cozinha.

     E para acabar de arrumar as coisas, os peões discutiam entre eles.

     -Se um homem jogar uma partida de pôquer e tem uma rajada de boa sorte, eu digo que tem a obrigação de lhe dar ao resto dos jogadores a oportunidade de ressarcir-se.

     Pickles sujeitou a cabeça do bezerro na armadilha da manga e lhe cortou os chifres ao som de uma música com fundo de balidos.

     -O que passa é que não sabe perder -replicou Jim-, nem sequer sabe jogar.

     -Um homem tem direito a recuperar o que é dele.

     -E um homem tem direito a deitar-se quando lhe der a vontades Não é certo, Will?

     Ela vacinou ao animal, cravando a agulha com rapidez e eficácia,

     Esse dia fazia mais fresco. O outono se aproximava com rapidez. Mas a jaqueta que tinha posta ao começar o trabalho pendurava agora de um poste e tinha a camisa suada.

     -Não penso intervir em suas discussões.

     Pickles franziu o sobrecenho até o ponto de que lhe formaram rugas verticais entre as sobrancelhas e lhe tremeu o bigode.

     -Entre o Jim e esse trapaceiro do Three Rocks, tiraram-me duzentos.

     -JC não é um trapaceiro. -Mais para incomodar ao Pickles que por outra coisa, Jim saiu em defesa de seu novo amigo-. Solo que jogou melhor que você. Você nem seria capaz de enganar a um cego galopando a cavalo. E além disso está furioso porque arrumou o jipe do Ham e o deixou como novo.

     Como todo isso era completamente certo, Pickles adiantou o queixo.

     -Não me faz falta que um imbecil do Three Rocks deva arrumar nossos jipes e a ganhar dinheiro às cartas. Eu mesmo tivesse arrumado esse jipe assim que tivesse tempo.

     -Faz uma semana que o diz.

     -Mas me teria chegado o momento de fazê-lo. -Pickles apertou os dentes e ficou de pé-. Eu não gosto que venha um intruso e se faça cargo de tudo. Arrebenta-me que esse tipo pretenda trocar as coisas. Em maio fará dezoito anos que trabalho neste rancho. Não necessito que um recém-chegado me diga o que tenho que fazer.

     -A quem está chamando imbecil? -Acalorado, Jim ficou de pé de um salto e se enfrentou ao Pickles-. Quer brigar comigo, velho? Vamos, não lhe pares.

     -Já basta! -Quando os peões elevaram os punhos, com os nódulos brancos, Willa se interpôs entre eles-. Pinjente que basta. -Utilizando ambas as mãos apartou aos homens. Com um olhar fez que descartassem sua intenção de começar uma briga-. Por isso vejo, neste momento aqui há dois imbecis que não têm a sensatez necessária para pensar no trabalho que estão fazendo.

     -Eu posso cumprir com meu trabalho -respondeu Pickles com os dentes fechados e jogando faíscas pelos olhos-. E não necessito que ele ou você me digam o que tenho que fazer.

     -Parece-me bem. E eu não necessito que vós comecem a discutir no momento em que estamos descornando e castrando. Você vá tranqüilizar te. E quando estiver mais tranqüilo, agarra seu jipe e vá jogar uma olhada ao que está fazendo a equipe que repara os alambrados.

     -Ham não necessita que ninguém revise o que está fazendo e eu tenho trabalho aqui.

     Willa lhe aproximou e mediu suas forças com as dele.

     -Disse-te que te tranqüilizasse. Depois sinta seu culo no jipe e vá examinar os alambrados. Fará-o, e o fará já mesmo ou começará a preparar suas coisas para passar a procurar seu último cheque.

     Pickles estava cada vez mais avermelhado, em parte de fúria e em parte pela humilhação que significava ter que receber ordens de uma mulher da metade de sua idade.

     -Crie que pode me despedir?

     -Sei que posso te despedir e você também sabe. -Assinalou a porta com a cabeça-. E agora começa a te mover. Aqui está em meu caminho.

     Durante uns segundos permaneceram olhando-se fixamente. Depois ele se fez a um lado, cuspiu no chão e começou a caminhar para a porta. De pé junto à Willa, Jim deixou escapar o fôlego entre os dentes fechados.

     -Não lhe convém perdê-lo, Will. Deus sabe que é intratável, mas é um excelente vaqueiro.

     -Pickles não se irá a nenhuma parte. -De ter estado sozinha, teria se levado uma mão ao estômago tremente. Mas em troca se ajoelhou e preparou a seguinte injeção-. Uma vez que lhe aconteça a rabieta, estará bem. Não teve intenção de te agredir, Jim. Tem-te tanta simpatia como a qualquer outro.

     Já sorridente, Jim tocou um bezerro para a manga.

     -Isso não é muito dizer.

     -Suponho que não. -Sorriu a pesar dele-. Quanto ganhou ontem à noite?

     -ao redor de setenta. Joguei-lhes o olho a umas botas de pele de víbora esplêndidas.

     -É um pirralho, Brewster.

     -Eu gosto de me vestir bem para as damas. -Lhe piscou os olhos um olho e continuaram com a rotina-. Ao melhor alguma vez a convidarei a sair a dançar comigo, Will.

     Era uma velha brincadeira e fez desaparecer a tensão. Willa Mercy não sabia dançar.

     -E talvez esta noite ele te volte a ganhar os setenta. -secou-se o suor que lhe cobria a frente e perguntou com tom indiferente, Quem é esse vaqueiro do Three Rocks?

     -JC. É um bom tipo.

     -Trouxe alguma notícia desse rancho?

     -Não disse muito. -Enquanto seguiam trabalhando, Jim recordou que JC parecia mais interessado pelo que acontecia no Mercy-. Contou-nos que a garota do John Conner rompeu com ele e que John se embebedou tanto que perdeu o conhecimento no banheiro.

     A partir desse momento foi mais fácil. Acabavam de retomar a rotina. Velhas intrigas, nomeie familiares.

     -Sissy rompe com o Conner cada quinze dias e ele sempre se embebeda.

     -Nada mais que para que a gente saiba que as coisas seguem como sempre.

     sorriram-se, duas pessoas afundadas em sangue e excrementos, com a brisa fresca que disseminava o aroma por toda parte.

     -Aposto-lhe vinte a que lhe comprará um presente e que na segunda-feira ela haverá tornado a aceitá-lo.

     -Não penso apostar. Não sou nenhuma parva.

     Trabalharam juntos durante outros vinte minutos, comunicando-se com grunhidos e por gestos com as mãos. Quando se detiveram o tempo necessário para refrescar as gargantas ressecadas, Jim trocou de postura, nervoso.

     -Olhe Will, Pickles tampouco quis ofendê-la. Sente falta de ao velho, isso é tudo. Pickles lhe tinha muito respeito.

     -Já sei.

     Entrecerró os olhos e ignorou a dor que lhe espremia o coração. A linha de terra que se via no caminho significava que Billy estava de volta. Pensou que iria procurar ao Pickles, que tranqüilizaria seu amor próprio ferido e lhe encarregaria que se fizesse cargo de reparar o trator.

      -vá almoçar, Jim.

     -Essas são minhas palavras favoritas.

     Willa tinha levado sua própria comida. Subiu ao assento do Land Rover e começou a comer o sándwich de rosbife sustentando-o com uma mão, enquanto com a outra dirigia o volante e avançava pelo caminho de terra ressecada cheia de marcas de pneumáticos e de rastros de cascos de cavalos. O atalho discorria através de pastos, até um monte, depois subia e lhe oferecia uma vista fascinante das cores do outono.

     O outono já está acabando, pensou, as folhas se murcham e caem das árvores. Mas alcançava para ouvir a chamada alta e insistente que fazia um de seus homens para reunir o gado quando baixou o vidro do guichê para deixar entrar o vento. Essa música tão familiar deveu tranqüilizá-la. Queria que a tranqüilizasse e não compreendia por que não o fazia.

     Com olhar cuidadoso foi estudando os alambrados junto aos que acontecia, satisfeita ao comprovar que, no momento, estavam bem reparados. O gado pastava com placidez, de vez em quando um animal levantava a cabeça para observar com total desinteresse o passado do jipe e seu ocupante.

     Para o oeste, o céu ficava escuro e mal-humorado, arrojando sombras e uma luz espectral sobre os picos. Supôs que antes da noite nevaria nas montanhas e choveria no vale. Deus era testemunha de que a chuva lhes viria bem, mas duvidava que caísse essa chuva suave e serena que necessitavam e que empapava bem a terra. O mais provável seria que caísse com gotas grandes e duras, que arruinariam as colheitas e ricocheteariam como balas contra a terra.

     Já estava desejando ouvi-la açoitar o teto como se fora o golpe de punhos furiosos, para estar a sós durante algumas horas com esse som violento e com seus próprios pensamentos. E para olhar pela janela, pensou, e ver uma parede de chuva que o mascarava tudo e a todos.

     «Talvez seja a proximidade da tormenta o que tanto me inquieta», pensou ao dar-se conta de que olhava pela quarta vez o espelho retrovisor. Ou talvez fosse porque a zangava ter encontrado provas do trabalho da equipe de reparação de alambrados, mas não aos homens mesmos.

     Nenhum jipe, nem o som de marteladas, nem homens que percorriam os alambrados na distância. Nada mais que terra, caminho, e montanhas que se elevavam para um céu ferido.

     sentia-se muito sozinha. E isso não tinha sentido para ela. Gostava de estar sozinha em sua própria terra. Até nesse momento estava desejando poder ter tempo para estar sozinha e sem que ninguém lhe fizesse perguntas, exigisse-lhe respostas ou lhe apresentasse queixa.

     Mas os nervos seguiam saltando como trutas dentro de seu estômago, arrastando-se por sua nuca como formigas laboriosas. tirou o chapéu jogando a mão para trás, apoiando os dedos sobre a culatra da escopeta. Depois, com muita deliberação, deteve o jipe para descer dele e percorrer a terra com o olhar em busca de sinais de vida.

    

     Era perigoso. Sabia que era perigoso, mas agora tinha um prazer especial pelo assunto e não se podia deter. Pensou que tinha eleito bastante bem o momento e o lugar. preparava-se uma tormenta e a equipe de reparação de alambrados tinha terminado de trabalhar nesse setor. Supôs que já deviam estar de volta no pátio do rancho, esperando a comida.

     A visibilidade não era a melhor, mas sabia como aproveitar o que via. Tinha eleito um dos melhores novilhos do pasto, um novilho gordo que teria proporcionado bastante dinheiro no mercado.

     Escolheu seu lugar com muito cuidado. Uma vez que tivesse terminado, voltaria para galope comprido e estaria muito em breve de retorno no pátio do rancho ou em algum ponto longínquo das terras do Mercy. Um lado do caminho subia pelas serras e se voltava rochoso sob uma série de árvores.

     Ninguém se aproximaria desde essa direção.

     A primeira vez que o fez, a primeira olhada do sangue lhe revolveu o estômago. Até então, nunca tinha fundo a faca em um ser tão vivo e tão grande. Mas depois, bom, foi tão... interessante. Esquartejar um ser vivo muito pesado, perceber o batimento do coração do pulso, cada vez mais lento até que se esfumava como um relógio que se ia detendo.

     Observar a vida que se sangrava.

     O sangue era quente e pulsava. Pelo menos pulsava ao princípio, depois solo surgia, vermelha e molhada, como um lago.

     O novilho não resistiu. Atraiu-o com grão, logo o atou com uma soga. Queria levá-lo a cabo no mesmo centro do caminho do rancho. cedo ou tarde alguém passaria por ali e OH, OH, que surpresa! Os pássaros voariam em círculos, atraídos pelo aroma da morte.

      Talvez também baixassem os lobos, atraídos pelo mesmo aroma.

     Antes ignorava quão sedutor podia ser o aroma de morte. Até que a provocou.

     Sorriu ao ver que o novilho comia o grão do cubo, passou-lhe uma mão sobre a pele dura e negra. Depois se envolveu completamente no impermeável de plástico para estar seguro de que o cobria bem e com um movimento firme afundou a faca na garganta do animal. Não cabia dúvida de que melhorava com a prática. E riu encantado ao ver surgir sangue a torrentes.

    

     -Vete, perrito -cantarolou ao ver que o novilho se desabava no chão.

     Logo iniciou o trabalho que lhe resultava realmente interessante.

    

     Pickles estava dedicado a desfrutar de seu mau humor. Enquanto viajava ao longo da linha dos alambrados, ensaiava em sua mente diferentes conversações. Entre ele e Jim. Entre ele e Willa. Depois ensaiou as palavras que diria ao Ham quando se queixasse de que Willa ameaçava despedindo.

     Como se essa cria pudesse fazê-lo.

     Tinha-o contratado Jack Mercy e, do ponto de vista do Pickles, ninguém mais que Jack Mercy podia despedi-lo. E Jack estava morto, que Deus tivesse piedade de sua alma. Assim assunto terminado.

     Talvez simplesmente renunciaria. Tinha economias em um banco do Bozeman que lhe davam rendimentos interessantes. Podia comprar seu próprio rancho, começar com pouca coisa e chegar a convertê-lo em algo que valesse a pena.

     Gostaria de saber o que faria essa mulher mandona se chegasse a perdê-lo. Nunca conseguiria passar o inverno, pensou com amargura, e muito menos um maldito ano inteiro.

     «E talvez me leve comigo ao Jim Brewster», pensou Pickles, esquecendo que estava furioso com o Jim. O menino era um bom peão e trabalhava duro, embora sempre fora um idiota.

     Talvez o fizesse, compraria um pouco de terra ao norte e criaria alguns Herefords. E também poderia levar-se ao Billy, nada mais que para jorobar. E manter o rancho puro, pensou para gozar mais de suas fantasias. Nenhuma maldita galinha, nem grãos de colheita fina, nada de porcos, nem de cavalos, além dos que um homem necessita como ferramenta de trabalho. Essa diversificação de porcaria não era mais que isso. Uma porcaria. Desde seu ponto de vista, era o único engano que cometeu Jack Mercy.

     Permitir que esse moço índio criasse cavalos em terras boiadeiras.

     Não porque tivesse nada contra Adam Wolfchild. Esse tipo se ocupava de seu trabalho, mantinha-se à margem de outros e treinava alguns esplêndidos cavalos de cadeira. Mas era uma questão de princípios. Se a garota se saía com a sua, entre ela e o índio dariam a volta ao Mercy como se se tratasse de uma luva.

     E em opinião do Pickles, levariam-no a uma ruína total.

     As mulheres, disse-se, devem permanecer na maldita cozinha e não fora, lhes dando ordens aos homens. Jogá-lo? Nem morto! pensou com um bufido e dobrou pelo desvio da esquerda para ver se Ham e Wood tinham terminado.

     prepara-se uma tormenta, pensou distraído, depois viu o jipe detido no caminho. Fez-o sorrir.

     Se se tinha chateado um jipe, ele tinha sua caixa de ferramentas no assento de atrás. Demonstraria a todo mundo do sudoeste de Montana que tivesse bastante sentido comum para arranhar o traseiro, que sabia mais sobre motores que ninguém em cem. quilômetros à redonda.

     Deteve o jipe, meteu-se os polegares nos bolsos dos jeans e se aproximou.

     -Tem algum problema? -perguntou. Logo se deteve em seco.

     O novilho estava aberto em dois e havia bastante sangre para banhar-se nela. O aroma de sangue o enojou no momento que se aproximou quase sem olhar ao homem escondido junto ao animal morto.

     -Outro mais? Por todos os Santos, o que está acontecendo aqui? -aproximou-se mais-. Está fresco... -Começou a dizer, e então viu.., a faca, o sangue que corria pela folha. E os olhos do homem que tinha a faca na mão-. Santo Deus! Você? por que o fez?

     -Porque posso. -Notou nos olhos do Pickles que acabava de compreender a verdade e também notou que dirigia um rápido olhar para seu jipe-. Porque eu gosto -adicionou com suavidade. Como lamentando-o, levantou a faca e o afundou no ventre brando do Pickles-. até agora nunca tinha dado morte a um homem -disse, e empurrou a faca para cima com emano segura, sem rastros de nervosismo-. É interessante.

      Interessante, pensou, observando os olhos do Pickles que passavam do horror à dor, a inexpresividad. Seguiu avançando para cima com a faca, para o coração. inclinou-se quando o corpo caiu, logo ficou escarranchado.

     Esqueceu por completo a fascinação que lhe causava o novilho. Compreendeu que essa era uma caça maior, muito major. Um homem tem cérebro, pensou enquanto tirava a faca da carne com um som úmido. O gado era imbecil. E o gato, embora inteligente, era uma coisa pequena.

     tornou-se atrás, pensativo, perguntando-se como obter que esse momento, esse novo passo, fosse algo especial. Algo do que a gente falaria em todas partes e durante muito, muito tempo.

     Depois sorriu, riu tanto que se teve que apertar a boca com a mão ensangüentada. Sabia exatamente como obtê-lo.

     Fez girar a faca em sua mão e se dedicou alegremente a trabalhar.

 

     Quando Willa viu o cavaleiro que galopava sobre sua pradaria, deteve o jipe. Reconheceu o escuro de grande elevada que montava Ben e ao cão Charlie que andava saltando junto ao Spook, como se fosse sua sombra. Sua primeira reação foi de alívio, e não gostou. Mas havia algo fantasmal no ar e teria agradecido ver o diabo mesmo aproximando-se o      -¿Te has equivocado de camino, McKinnon?

     Embora era um espetáculo impressionante, franziu o nariz ante a maneira em que o padrillo escuro e seu cavaleiro voaram sobre o alambrado.

     -Equivocaste-te de caminho, McKinnon?

     -Não. -Deteve o cavalo junto ao jipe. Charlie, em sinal de feliz bem-vinda, levantou uma pata e urinou sobre o pneumático dianteiro da Willa-. Fez arrumar esse alambrado? -Sorriu ao ver que ela o olhava fixo-. Esta manhã, quando Zack o sobrevoou no avião de pequeno porte, viu que estava cansado. Este ano os alces foram uma verdadeira tortura.

     -Sempre o são. Suponho que Ham já terminou que levantar os alambrados. ia revisar o trabalho.

     Ben desmontou e apareceu pelo guichê.

     -Isso que vejo ali é um sándwich?

     Willa olhou a segunda metade de seu almoço.

     -Sim. por que?

     -Lhe vais comer isso?

     Ela lançou um suspirou e o aproximou.

     -vieste a me buscar para conseguir um almoço grátis.

     -Esse não é mais que um benefício acessório. vou embarcar ganho para o curral de engorda de Avermelhado, mas pensei que talvez queria me tirar umas duzentas cabeças das mãos e as terminar. -Com ar generoso, rompeu uma esquina do sándwich e a jogou no cão que o olhava esperançado.

     Willa observou ao cão que devorou o pão e a carne e logo sorriu. O sorriso desse cão, pensou ela, não é muito distinta da de seu dono. O sorriso de um ser arrogante, satisfeito consigo mesmo.

     -E quer que discutamos o preço aqui mesmo?

     -Pensei que o poderíamos fazer de uma maneira mais amistosa. Mais tarde, e com uma taça na mão. -Colocou uma mão pelo guichê para brincar com uma mecha do cabelo da Willa que o vento tinha separado da trança-. Ainda não apresentaste a sua irmã maior.

     Will pôs em marcha o jipe.

     -Não é seu tipo. Refinada. Passa por casa se quiser. -Observou-o comer a última parte do sándwich-. Mas depois de comer.

     -Quer que também leve minha própria garrafa?

     Willa só sorriu e apertou o acelerador. depois de pensá-lo um momento, Ben voltou a montar e a seguiu ao trote. Ambos sabiam que ela avançava devagar para que ele pudesse manter-se ao mesmo tempo.

     -Adam estará ali? -perguntou Ben, elevando a voz para que ela o ouvisse por sobre o ruído do motor-. Tenho interesse em comprar um par de cavalos de cadeira.

     -Pregúntaselo a ele. Eu estou muito ocupada para me dedicar à vida social, Ben. -Para irritá-lo, acelerou, lhe enchendo a cara de pó. Mas apesar de todo se sentiu desiludida quando dobrou pelo desvio da esquerda e ele tomou pelo lado contrário.

     Desejou ter brigado com ele a respeito de algo, havê-lo enfurecido até o ponto de que voltasse a aferrá-la. Não podia esquecer a maneira em que Ben tomou em seus braços poucos dias antes.

     Não pensava muito em homens... pelo menos nesse sentido. Mas era sem dúvida divertido pensar no Ben dessa maneira. Mesmo que estivesse decidida a não fazer nada a respeito.

     A menos que trocasse de idéia.

     Sorriu. Talvez trocasse de idéia, nada mais que para inteirar-se de como era todo isso. Tinha a sensação de que Ben poderia lhe ensinar melhor que ninguém exatamente o que podia fazer um homem com uma mulher.

      Talvez essa mesma noite o irritaria até que ele a beijasse. A menos que o distraíra a pechugona do Tess e seu perfume francês. Ante essa idéia acelerou, mas freou ao ver o jipe do Pickles estacionado na curva do caminho.

     -Bom, mierda, encontrei-o.

     «E agora terei que aplacá-lo», pensou. Desceu do jipe olhando o alambrado e a pradaria a cada lado. Não via sinais do Pickles, nem motivo algum para que tivesse deixado o jipe cruzado no caminho.

     -Deve ter ido a alguma parte para lhe dar corda a seu mau humor -murmurou e se aproximou do jipe para tocar a buzina.

     Então o viu, a ele e ao novilho, tendidos diante do jipe, lado a lado e em um rio de sangue. Não compreendeu por que não a teria cheirado, sobre tudo quando no ar flutuava um forte e espesso aroma de morte. Mas nesse momento o aroma lhe subiu pelo nariz e chegou às vísceras. Trastabilló até o flanco do caminho e vomitou com violência o almoço.

     Seguia fazendo arcadas quando pôde aproximar-se com muita dificuldade a seu próprio jipe no que apertou a buzina. Manteve a mão sobre a buzina e a cabeça apoiada contra o marco do guichê enquanto tratava de recuperar o fôlego.

     Voltou a cabeça e tratou de cuspir o gosto a vômito que conservava na garganta, logo se passou as mãos pela cara suada. Quando lhe obscureceu a visão e sentiu que se enjoava, mordeu-se os lábios com força. Mas não pôde obrigar-se a caminhar pelo atalho, a voltar a olhar. deu-se por vencida, cruzou os braços e baixou a cabeça. Nem sequer a levantou o ouvir o ruído de cascos de cavalo e o agudo latido do Charlie.

     -Né! -Ben desmontou com o rifle ao ombro-. Willa.

     Um gato montês em pleno ataque não o teria surpreso tanto como lhe surpreendeu ela ao voltar-se e enterrar a cara em seu peito.

     -Ben. OH, Deus! -Rodeou-lhe o pescoço com os braços-. OH Deus!

     -Está bem, querida. Agora está tudo bem.

     -Não -respondeu ela fechando os olhos com força-. Não. Diante do jipe. Do outro jipe. Há... OH, Deus, o sangue!

     -Está bem, menina, sente-se. Eu me encarregarei de tudo. -Com expressão sombria a sentou no assento do jipe e franziu o sobrecenho ao ver que ela enterrava a cabeça entre seus joelhos e se estremecia-. Fica sentada aqui, Will.

     Pela expressão da Willa e pelos latidos frenéticos do cão, Ben pensou que devia ser outro novilho, ou talvez algum dos cães do rancho. Já estava furioso antes de aproximar-se do jipe abandonado. antes de ver que era mais, muito mais que um novilho.

     -meu deus!

     Poderia não ter reconhecido ao homem, sobre tudo depois do que lhe tinham feito. Mas reconheceu o jipe, as botas, o chapéu coberto de sangue junto ao cadáver. Lhe revolveu o estômago de fúria e também ele se sentiu chateado. Um pensamento lhe cruzou no momento em que ordenava ao Charlie que ficasse quieto.

     Quem quer que tivesse feito isso não era simplesmente um louco; era um ser malvado.

     voltou-se com rapidez para ouvir um som a suas costas, logo estendeu um braço para impedir o passo a Willa.

     -Não -ordenou com voz dura e apoiando uma mão firme sobre o braço dela-. Não pode fazer nada e não há nenhuma necessidade de que volte a ver isso.

     -Já estou bem. -Colocou uma mão na do Ben e se aproximou-. Era meu e o olharei. -passou-se o dorso das mãos sobre os olhos-. Arrancaram-lhe o couro cabeludo, Ben Por amor de Deus! Cortaram-no em pedaços e lhe arrancaram a cabeleira.

     -Já basta! -Obrigou-a a voltar-se com rudeza e a jogar a cabeça para atrás até que os olhos de ambos se encontraram-. Já basta, Willa. Volta para seu jipe e chama por radio à polícia.

     Ela assentiu, mas ao ver que não se movia, Ben a envolveu em seus braços e voltou a enterrar o rosto da Willa contra seu peito.

     -Espera um minuto até te repor -murmurou-. Te agarre a mim.

     -Eu o mandei aqui, Ben. -aferrava-se a ele com todas suas forças-. Pu-me furiosa com ele e lhe disse que tomasse o jipe e viesse para aqui ou que empacotasse suas coisas e passasse a procurar seu cheque. Eu o mandei aqui.

     -Basta! -Alarmado pela maneira em que a Willa lhe quebrava a voz com cada palavra, apertou os lábios contra seu cabelo-. Você sabe que não tem a culpa disto.

     -Trabalhava para mim -repetiu ela, depois se estremeceu e se apartou-. Cobre-o, Ben. Por favor! Necessita que o cubram.

     -Eu me encarregarei disso. -Tocou-lhe uma bochecha desejando poder lhe devolver a cor-. Fica no jipe, Will.

     Esperou até que ela esteve de volta no veículo, depois tirou a velha manta que havia na caixa do jipe do Pickles. Era o único que tinha para cobri-lo.

    

     Da janela da cozinha, Lily alcançava a ver o bosque e as montanhas que se elevavam até o céu. À medida que outubro dava passo a novembro, a noite caía mais cedo. Da janela podia observar o sol que se ia aproximando dos picos. Fazia quase duas semanas que estava em Montana, mas já sabia que uma vez que o sol se escondia detrás desses picos sombreados, a noite chegaria com rapidez e o ar ficaria frio.

     A escuridão ainda a assustava.

     Sempre estava desejando que chegassem os amanheceres. Os dias. Havia tanto que fazer que não ficava um minuto livre. sentia-se agradecida por ter podido voltar a ser útil, por sentir-se parte de um lugar. Em tão pouco tempo já tinha chegado a depender da paisagem desse céu largo, essas altas montanhas, esse mar de terras. Contava escutando o ruído dos cavalos, do gado e dos peões. E o aroma de todo isso.

     adorava sua habitação, a intimidade que lhe oferecia, e a casa espaçosa onde abundava a madeira encerada. A biblioteca estava cheia de livros e podia ler as noites que tinha vontades de fazê-lo, ou escutar música ou deixar a televisão acesa e murmurando.

     A ninguém importava o que fizesse com suas noites. Ninguém criticava seus pequenos enganos nem lhe elevava uma mão ameaçadora.

     Ainda não.

     Adam era tão paciente! E era suave como uma mãe com os cavalos. E devia admitir que com ela também. Quando lhe guiava a mão ao longo da pata de um cavalo para lhe ensinar a descobrir se existia meu entorse, não a apertava. Ensinava-lhe a escovar os cavalos, a curar um casco partido e a mesclar vitaminas para lhe dar a uma égua prenhe.

     E quando a descobriu lhe dando uma maçã a um potro, não a repreendeu. Solo sorriu.

     As horas durante as que trabalhavam juntos eram as melhores de sua vida. Esse novo mundo que se abria ante lhe oferecia esperança, a possibilidade de um futuro.

     E a partir desse momento todo isso podia chegar a seu fim. Acabava de morrer um homem.

     estremeceu-se ao pensá-lo, ao ver-se obrigada a admitir que o assassinato acabava de introduzir-se em seu resplandecente mundo novo. Um golpe malvado acabou com a vida de um homem e ela era outra vez incapaz de controlar o que podia acontecer no futuro.

     Envergonhava-lhe saber que pensava mais em si mesmo e no que poderia lhe acontecer que no morto. É certo que não o conhecia. Com a habilidade dos perseguidos, Lily evitava todo contato com os peões do rancho. Mas esse homem formava parte de seu novo mundo e era um egoísmo não pensar nele acima de tudo.

     -Deus, que confusão!

     Lily pegou um salto quando Tess entrou na cozinha e esticou o pano de cozinha que tinha nas mãos.

     -Preparei café. Fresco. Estão...? Todos seguem ali?

     -Will segue falando com a polícia, se a isso refere. -Tess se aproximou da cozinha e franziu o nariz frente à cafeteira-. Eu tratei de não estar no caminho, de maneira que não sei com exatidão o que está acontecendo. -aproximou-se da despensa e começou a abrir e fechar os armários com movimentos nervosos-. Não há nada mais forte que café por aqui?

     Lily retorceu o pano entre suas mãos.

     -Acredito que há vinho, mas me parece que não deveríamos incomodar a Willa perguntando-lhe      -Hace un rato vi uno. -Se obligó a soltar el paño. Ya había limpiado dos veces la mesa de la cocina. Abrió un cajón, sacó un sacacorchos y se lo pasó a Tess-. ¡Ah! Preparé un poco de sopa -dijo, señalando una cacerola-. Bess todavía tiene fiebre, pero consiguió comer un plato de sopa. Creo, espero que mañana ya se sienta mejor.

     Tess levantou os olhos ao céu e abriu a geladeira.

     -Esta adequada embora levemente inferior garrafa do Chardonnay é tão nossa como dela. -Tirou-a da geladeira e perguntou-: Tem um saca-rolha?

     -Faz um momento vi um. -obrigou-se a soltar o pano. Já tinha limpo duas vezes a mesa da cozinha. Abriu uma gaveta, tirou um saca-rolha e o passou ao Tess-. Ah! Preparei um pouco de sopa -disse, assinalando uma caçarola-. Bess ainda tem febre, mas conseguiu comer um prato de sopa. Acredito, espero que manhã já se sinta melhor.

      -Estraguem. -Tess procurou as taças de vinho e o serve-. Sente-se, Lily, acredito que devemos falar.

     -Talvez eu deveria lhes levar um pouco de café.

     -Por favor, sente-se. -Tess se instalou no banco de madeira da mesa do café da manhã e esperou.

     -Está bem. -Lily se sentou frente a ela, com a mesa brilhante entre ambas, e cruzou as mãos sobre a saia.

     Tess lhe aconteceu uma taça de vinho e elevou a sua.

     -Suponho que, com o tempo, teremos que nos contá-la história de nossas vidas, mas este não me parece o momento indicado. -Tirou de um bolso o único cigarro que tinha separado dos que, secretamente, reservava para emergências e o fez girar entre seus dedos antes de agarrar a caixa de fósforos-. É um assunto bastante feio.

     -Sim. -Em um movimento automático, Lily ficou de pé e foi em busca de um cinzeiro que colocou sobre a mesa-. Esse pobre homem! Não sei qual deles era mas...

     -O calvo com um grande bigode e um ventre ainda maior -disse Tess, e com um esforço de vontade, acendeu o cigarro.

     -Ah! -Agora que tinha um rosto para enfocar, sua vergonha aumentou-. Sim, vi-o. Esfaquearam-no, verdade?

     -Acredito que foi pior que isso, mas não conheço os detalhes. Solo sei que Will o encontrou em um desses caminhos que percorrem todo o rancho.

     -Deve ter sido terrível para ela.

     -Sim. -Tess fez uma careta e tomou a taça de vinho. Talvez não lhe tivesse muita simpatia a sua meia irmana menor, mas a sua era uma experiência que não podia lhe desejar a ninguém-. Ela saberá levar o assunto. Aqui os criam duros. De todos os modos... -Bebeu e se deu conta de que o vinho não era tão mau como supunha-. O que pensa fazer? Irá ou ficará?

     Mais por necessidade de fazer algo com as mãos que por vontades de beber vinho, Lily tomou sua taça.

     -Em realidade, não tenho aonde ir. Suponho que você voltará para Califórnia.

     -Estive-o pensando. -Tess se tornou atrás e estudou à mulher que tinha diante. Mantém os olhos baixos e as mãos ocupadas, pensou. Tinha a segurança de que a tímida Lily já teria reservada passagem para voar a algum lugar longe de ali-. Eu o analiso desta maneira. Nos Anjos, cometem-se assassinatos todos os dias. Os meninos se matam a golpes por pintar grafitis em lugares que não lhes correspondem. Cada vez que alguém pestaneja se produzem problemas de drogas. Tiroteios, gente apunhalada, roubos, intimidações, cachiporrazos. -Sorriu-. Deus, como eu gosto dessa cidade!

     Ao ver a expressão espantada do Lily, Tess jogou atrás a cabeça e riu.

     -Sinto muito -disse um instante depois, enquanto se apertava o peito com uma mão-. O que quero dizer é que por terrível que seja isto, por perto de nós que tenha acontecido, não é mais que um assassinato. Comparativamente não é nada tão tremendo e sem dúvida não basta para me fazer fugir e perder o que é meu.

     Lily voltou a beber e lutou por esclarecer seus pensamentos.

     -Assim que fica. Te vais ficar.

     -Sim, ficar. Nada trocou.

     -Eu acreditei... -Lily fechou os olhos e permitiu que a percorresse o alívio e, ao mesmo tempo, a vergonha-. Estava segura de que não ficaria e então eu não teria tido mais remedeio que ir. -Abriu os olhos suaves, de cor celeste com reflexos cinzas-. É terrível! Esse pobre homem morreu e em quão único penso é na forma em que me pode afetar .

     -Isso é ser sincera. Não o conhecia. Vamos! -Como havia algo no Lily que a emocionava, Tess tomou a mão de sua irmã-. Não te torture por este assunto. Aqui todas temos muito em jogo. Temos direito a pensar no que nos pertence.

     Lily baixou o olhar e observou as mãos unidas de ambas. as do Tess são tão bonitas, pensou, com o brilho de anéis e essa invejável força e confiança que tinham seus dedos. Levantou a vista.

     -Eu não fiz nada por merecer este lugar. E você tampouco.

     Tess só assentiu e, retirando sua mão, voltou a tomar a taça.

     -Não fiz nada para ser ignorada durante toda minha vida. E você tampouco.

     Nesse momento entrou Willa e se deteve em seco ao ver as duas mulheres frente à mesa. Ainda estava pálida e seus movimentos eram nervosos. depois de tantas perguntas, de repassar e voltar a repassar as circunstâncias em que descobriu o corpo, sentiria-se mais que feliz quando a polícia se fora.

      -Mas bom, que cena tão caseira! -Ao aproximar-se da mesa, meteu-se as mãos nos bolsos. Ainda lhe tremiam-. Supus que estariam fazendo sua bagagem em lugar de lhes encontrar mantendo um bate-papo amável.

     -estivemos falando a respeito disso. -Tess elevou uma sobrancelha mas não fez nenhum comentário quando Willa se apoderou de sua taça de vinho e o bebeu-. Não iremos a nenhuma parte.

     -Sério?

     Como o vinho lhe pareceu uma boa idéia, Willa se aproximou até um armário e tirou outra garrafa. Depois ficou ali parada, incapaz de mover-se, quase sem poder pensar.

     Em nenhum momento alcançou a considerar a fundo a perda do rancho. Mas ali, no trasfondo de sua mente, teve a segurança de que as mulheres que lhe tinham sido impostas, fugiriam. E com elas se iria sua própria vida. Mas nesse preciso momento, ao saber que ficariam, recebeu o impacto. E foi um impacto muito forte.

     deu-se por vencida, apoiou a cabeça contra o armário e fechou os olhos.

     Pickles. Deus bendito! Alguma vez conseguiria esquecer o que lhe fizeram, o que ficou dele? E tudo esse sangue, que se cozia ao sol. A maneira em que o olhar desse homem se cravou nela, o horror congelado nesses olhos.

     Mas no momento, o rancho estava a salvo.

     -OH Deus! OH Deus! OH Deus!

     Não se deu conta de que pronunciou o gemido em voz alta até que Lily apoiou uma mão sobre seu ombro. Willa se ergueu em seguida, apartando-se de seu meio irmana.

     -preparei sopa -disse Lily, com a sensação de que a sua era uma frase bastante tola, mas sem saber que mais dizer-. Deveria comer algo.

     -Neste momento te asseguro que não poderia comer nada.

     Willa retrocedeu, atemorizada com que tanta calidez conspirasse contra sua fortaleza. Voltou para a mesa e, ante os olhos fascinados do Tess, encheu de vinho um botellón.

     -Isso me parece bem -murmurou Tess admirada, ao ver que Willa bebia vinho como se fora água-. Parece-me muito bem. Durante quanto tempo pode fazer isso e permanecer de pé?

     -Teremos que averiguá-lo. -voltou-se para ouvir que se abria a porta da cozinha e lançou um suspiro ao ver entrar no Ben.

     Não queria envergonhar-se por haver-se apoiado nele, por desmoronar-se em seus braços, por permitir que ele fizesse todo o trabalho enquanto ela permanecia sentada como uma espectadora, muito decomposta para funcionar. Mas era um gole difícil.

     -Senhoras. -Com um gesto que imitava o da Willa, tirou-lhe a taça das mãos e bebeu-. Brindo pelo fim de um dia espantoso.

     -Eu o acompanharei nesse brinde -disse Tess, enquanto o estudava. O vaqueiro de ouro, pensou. E lhe fez a boca água-. Sou Tess. E você deve ser Ben McKinnon.

     -Me alegro de conhecê-la. Lamento que não tenha sido em circunstâncias mais agradáveis. -Tomou o queixo da Willa com uma mão e a obrigou a voltar-se para olhá-lo-. vá deitar te.

     -Tenho que falar com os peões.

     -Não, nada disso. O que deve fazer é te deitar e esquecer isto por um momento.

     -Não penso esconder a cabeça como uma avestruz porque...

     -Não há nada que possa fazer -interrompeu-a ele. Willa estava tremendo. Ele percebia a força que fazia para não deixar-se levar por esses tremores, mas os percebia através da ponta de seus dedos-. Está doente e cansada, e acaba de ter que reviver uma dúzia de vezes uma experiência realmente desagradável. Adam vai levar aos policiais à casa dos peões para que os interroguem, e o único que você tem que fazer é tratar de dormir um pouco.

     -Meus homens são...

     -Quem os vai sustentar amanhã, e o dia seguinte, se você te desabar agora? -Ben inclinou a cabeça ao ver que ela fechava a boca-. Pode subir a te deitar por seus próprios meios, Will, ou te levarei eu mesmo. De uma maneira ou de outra, é o que fará. Agora mesmo.

     As lágrimas lhe ardiam nos olhos, buliam-lhe na garganta. Muito orgulhosa para permitir que fluíram diante do Ben, apartou-lhe a mão, girou sobre seus talões e saiu.

     -Estou impressionada -disse Tess quando a porta da cozinha se fechou de uma portada-, não acreditei que existisse ninguém capaz de obrigá-la a fazer algo.

     -Ela me teria feito frente, mas sabia que ia se desmoronar. E Will nunca se permitirá desmoronar-se. Franziu o sobrecenho com o olhar cravado no vinho, enquanto lamentava não ter sido capaz de convencê-la com suavidade em lugar de ter que ameaçá-la-. Não conheço muitas pessoas capazes de ter vivido o que ela viveu hoje, sem desmoronar-se.

     -Parece-lhe que convém que esteja sozinha? -Lily se levou os dedos aos lábios-. Poderia subir a acompanhá-la mas... não sei se isso gostará.

     -Não, está melhor sozinha. -Mas Ben sorriu, contente de que Lily se ofereceu-. Este não foi exatamente um fim de semana agradável para nenhuma de vocês, mas de todos os modos quero lhes dar a bem-vinda a Montana.

      -eu adoro este lugar. -Assim que o disse, Lily se ruborizou e se apressou a ficar de pé enquanto Tess lançava uma risita-. Gostaria de comer algo? preparei sopa e há a suficiente quantidade de ingredientes para preparar sándwiches.

     -Se isso que cheiro é sopa, eu adoraria tomar um pouco.

     -Perfeito, Tess?

     -É obvio, por que não? -Como Lily parecia ansiosa por lhes servir, Tess permaneceu sentada fazendo tamborilar os dedos sobre a mesa-. A polícia acredita que foi obra de alguém do rancho?

     Ben se sentou frente a ela.

     -Suponho que acima de tudo concentrarão suas investigações aqui. Não existe acesso público ao rancho, mas isso não quer dizer que alguém de fora não tenha podido entrar e chegar até o lugar do crime. A cavalo, em jipe. -encolheu-se de ombros e se passou uma mão pelo cabelo-. O acesso desde o Three Rocks ao Mercy é bastante fácil. Diabos, se eu mesmo estava ali.

     Levantou uma sobrancelha ante o olhar especulativo do Tess.

     -É obvio que posso lhe dizer que eu não o fiz, mas você não me conhece. Também se pode chegar até esse lugar através do rancho Rocking R, ou do rancho do Nate, ou pelas terras altas.

     -Bom -Tess se serve mais vinho-, isso decididamente reduz as possibilidades, não é certo?

     -Só lhes direi uma coisa: qualquer que conheça as montanhas, as terras dos arredores, poderia permanecer oculto durante meses e ir mais ou menos aonde lhe desse a vontade. E seria muito difícil encontrá-lo.

     -Agradecemo-lhe que nos tenha tranqüilizado tanto. -Dirigiu um rápido olhar ao Lily, quem nesse momento colocava pratos de sopa fumegantes sobre a mesa-. Não é certo, Lily?

     -Eu prefiro saber a verdade. -Lily se instalou no bordo do assento junto ao Tess e voltou a unir as mãos-. Se a gente souber, pode tomar precauções.

     -Assim é. Eu diria que uma boa precaução seria que, no momento, nenhuma de vocês dois se afastasse muito só da casa.

     -Eu não sou muito propensa a me afastar. -Embora de repente tinha o estômago um pouco revolto, Tess ficou uma colherada de sopa na boca-. E Lily sempre anda muito perto do Adam. -Olhou ao Ben-. Adam é um dos suspeitos?

     -Não sei o que pensa a polícia, mas lhes posso assegurar que seria mais provável que ao Adam Wolfchild crescessem asas que pensar sequer na possibilidade de que pudesse apunhalar e lhe arrancar o couro cabeludo a um homem. Levantou O olhar quando a colher do Tess se estrelou contra a mesa. Se com isso tivesse ganho algo, teria se amaldiçoado-. Sinto muito. Acreditei que conheciam os detalhes.

     -Não. -Tess decidiu dedicar-se ao vinho em lugar da sopa-. Não os conhecíamos.

     -E ela viu isso? -Lily se retorceu as mãos sobre a saia-. Isso foi o que descobriu?

     -E com isso terá que viver. -Os dois teremos que viver com isso, pensou Ben, porque estava seguro de que era uma imagem que jamais lhe apagaria da mente-. Não quero as assustar, mas lhes peço que tomem cuidado.

     -Asseguro-lhe que no que a mim respeita pode estar tranqüilo -prometeu Tess-. Mas e ela? -Assinalou o céu raso com o polegar-. Não vai poder mantê-la encerrada na casa, a menos que a ate.

     -Adam a vigiará. E eu também. -Com a esperança de aliviar a tensão, tomou um pouco mais de sopa-. E andar por aqui com freqüência não vai ser um sacrifício se este for o tipo de comida que me oferecerão.

     Ambas as mulheres se sobressaltaram quando se abriu a porta do frente. Entrou Adam, junto com uma rajada geada.

     -por agora terminaram comigo.

     -te una à festa -convidou-lhe Tess-. Esta noite nosso menu consiste em sopa e vinho.

     Adam lhe dirigiu um olhar solene antes de observar ao Lily.

     -Acredito que preferiria um pouco de café. Não, não te levante -adicionou ao ver que Lily começava a ficar de pé-. Me posso servir isso eu mesmo. Devi ver como estava Willa.

     -Ben conseguiu que subisse a deitar-se. -Os nervos e o alívio fizeram que, antes de que pudesse impedi-lo, Lily estalasse em uma fervura de palavras-. Ele fazia falta descansar. Posso-te servir um pouco de sopa. Deve comer algo e há ensopa de sobra.

     -Eu me posso servir isso. Sente-se.

     -Também há pão. Esqueci-me de tirar o pão. Deveria...

     -Deveria ficar sentada -interrompeu Adam com muita suavidade enquanto servia a sopa-. E tratar de te relaxar. Encheu um segundo prato e pôs ambos sobre a mesa-. E também deve comer. Eu irei procurar o pão.

     Ela o olhou, surpreendida, enquanto ele se movia com ar competente pela cozinha. Nenhum dos homens que conhecia se dignou tomar um prato a menos que fora para pedir que lhes servissem mais. Olhou ao Ben, convencida de que observaria a cena com ar zombador, mas ele seguiu comendo como se o fato de que um homem servisse a comida não tivesse nada de particular.

      -Quer que fique aqui, Adam, e que lhes dê uma mão durante um par de dias?

     -Não. Mas obrigado de todos os modos. Teremos que tomá-lo pouco a pouco. -sentou-se frente a Lily e a olhou aos olhos-. Está bem?

     Ela assentiu, tomou a colher e tratou de comer.

     -Pickles não tinha família -continuou dizendo Adam-. Entretanto, acredito que tinha uma irmã lá em Wyoming. Suponho que trataremos de encontrá-la se ainda anda por ali, mas acredito que nos encarregaremos de fazer os acertos uma vez que recuperemos o corpo.

     -Deveria lhe pedir ao Nate que se faça cargo disso. -Ben partiu uma parte de pão-. Se o sugere, Willa lhe encarregará esse trabalho.

     -Está bem, farei-o. Não acredito que tivesse podido passar por este mau gole sem sua ajuda. E quero que saiba.

     -Deu a casualidade que eu andava por ali. -Ainda o desconcertava a maneira em que ela se jogou em seus braços. E a maneira em que calçou neles-. Uma vez que se sobreponha do impacto, suponho que lamentará que tenha sido eu o que estava ali.

     -Equivoca-te. Estará agradecida e eu também. -Voltou a mão, com a palma para cima em que se via uma cicatriz larga e magra entre as linhas da cabeça e do coração-. Irmão.

     Ben sorriu ao olhar uma cicatriz idêntica em sua própria mão. E recordou o dia em que dois jovencitos, de pé na borda do rio, iluminados pela meia luz do canhão, mesclaram com solenidade seu sangue em uma promessa de permanente irmandade.

     -Ah! chegou o momento dos rituais masculinos. -Com uma emoção absurda, Tess acotovelou ao Lily para que lhe permitisse levantar-se da banqueta-. Este é o momento em que devo sair de cena e deixá-los a vocês, cavalheiros, com seu oporto e seus charutos, enquanto eu subo a fazer algo excitante como me pintar as unhas dos pés.

     Ben sorriu, apreciando seu senso de humor.

     -E arrumado a que devem ser unhas muito bonitas.

     -São espantosas, meu amor. -Era singelo decidir que Ben gostava. E a partir de ali não faltava muito para que decidisse confiar nele-. Acredito que unirei ao Adam e direi que me alegra que tenha estado ali. boa noite.

     -Eu também irei. -Lily estirou uma mão para tomar o prato de sopa quase cheio do Tess.

     -Não vá -pediu Adam, colocando uma mão sobre a dela-. Não comeste nada.

     -Vocês dois querem conversar. Posso subir o prato de sopa a meu dormitório.

     -Não fuja por minha causa. -Bastante seguro do que estava acontecendo entre eles dois, Ben se levantou-. Devo voltar para casa. Agradeço-lhe a comida, Lily. -Estirou uma mão para lhe acariciar a bochecha e percebeu o instintivo gesto de defesa que fazia ela. Com tranqüilidade, Ben deixou cair a mão como se nada tivesse acontecido-. Tome essa sopa enquanto esteja quente -aconselhou-. Amanhã me darei uma volta por aqui, Adam.

     -boa noite, Ben. -Adam manteve a mão sobre a do Lily e a apertou, para que se voltasse a sentar. Depois tomou a outra mão, entrelaçou seus dedos com os dela e esperou até que levantasse o olhar-. Não tenha medo. Não permitirei que te aconteça nada.

     -Sempre tenho medo.

     Tratou de apartar as mãos, mas ele considerou que era tempo de correr o risco, de maneira que seguiu as sustentando.

     -Veio a um lugar desconhecido, onde estava rodeada de desconhecidos. E ficou. Isso significa ser valente.

     -Só vim a me esconder. Você não me conhece, Adam.

     -Conhecerei-te quando me permitir isso.

     Então lhe soltou uma mão, levantou a sua e lhe aconteceu o polegar sobre o moretón já desbotado que tinha sob o olho. Ela permaneceu muito quieta e o olhou com desconfiança enquanto Adam baixava o polegar até as marcas de seu queixo.

     -Quando estiver preparada, quero te conhecer, Lily.

     -por que?

     Os olhos do Adam sorriram e a emocionaram.

     -Porque compreende aos cavalos e rouba sobras da cozinha para dar-lhe a meus cães. -Quando ela se ruborizou, Adam sorriu abertamente-. E porque prepara uma sopa riquíssima. E agora, come -disse, lhe soltando a mão-. antes de que se esfrie.

     Olhando-o desde debaixo de suas pestanas, Lily tomou a colher e começou a comer.

     Vamos, armada com um livro eleito na biblioteca e uma garrafa de água mineral que tirou do bar, Tess se encaminhou a seu quarto. Tinha decidido ler até ficar vesga, com a esperança de que isso lhe conduziria um sonho tranqüilo e sem pesadelos.

      «Minha imaginação é muito vívida», pensou. E justamente esse era o motivo de que começasse a destacar-se como escritora de guias para cinema. E o motivo pelo que os detalhe proporcionados pelo Ben girassem e girassem em sua mente até formar quadros horripilantes.

     Tinha grandes esperança de que o grosso dramalhão romântico que tinha na mão, e cuja tampa prometia abundante paixão e aventuras, trocasse o curso de seus pensamentos.

     Então passou frente à porta do dormitório da Willa e escutou os soluços amargos. Vacilou, desejou ter subido pela escada de atrás. Mais ainda, desejou que esses soluços indefesos não tocassem uma corda de ternura em seu interior. Quando uma mulher forte chora, pensou, as lágrimas surgem dos rincões mais profundos e escuros do coração.

     Levantou uma mão para bater na porta, mas logo solo apoiou uma palma sobre a madeira. Talvez se se conhecessem, ou se fossem completas desconhecidas, poderia ter entrado. Se entre elas não houvesse fantasmas, nem ressentimentos, teria aberto essa porta para oferecer... algo.

     Mas sabia que não seria bem recebida. Não era possível que ali houvesse consolo de mulher a mulher, e muito menos de irmana a irmã. Compreendeu que o lamentava, que o lamentava muitíssimo e seguiu caminhando até chegar a seu próprio dormitório, onde fechou com cuidado a porta a suas costas e jogou a chave com sigilo.

    

     Na escuridão, em meio da noite, quando o vento açoitava ameaçador e a chuva caía a correntes, ele estava deitado, sorridente. Revivia cada instante do assassinato, segundo a segundo, e lhe produzia uma curiosa excitação.

     deu-se conta de que, enquanto acontecia, era como se ele fosse outro. Alguém com a visão tão clara, com os nervos tão tranqüilos que logo que parecia humano.

     Não sabia que tinha isso dentro.

     Não sabia que lhe ia gostar tanto.

     Pobre velho Pickles! Para não rir em voz alta, teve que apertar ambas as mãos contra sua boca, como esses meninos que têm um ataque de risada na igreja. Não tinha nada contra o pobre velho, mas se apresentou no momento mais inoportuno e a necessidade o obrigou a atuar.

     «A necessidade me obrigou a atuar», pensou uma vez mais, rendo entre as mãos. Isso era o que sempre dizia sua querida velha. Até estando bêbada gostava de dar de presente essas homilias. A necessidade obriga. Um ponto a tempo. Deitar-se cedo e economizar uma moeda. O sangue atira.

     Recuperado, respirou fundo e apoiou uma mão sobre seu estômago. Recordava a forma em que a faca se deslizou dentro do ventre do Pickles. Todas essas capas de graxa, pensou aplaudindo o próprio ventre. Foi como cravar uma faca em um travesseiro. Além disso se ouviu esse som como de sucção, o tipo de som que um para quando dava a uma mulher um bom golpe para marcá-la. Mas o melhor, o melhor de tudo, foi levantar o que ficava do cabelo do Pickles. Não porque fora um troféu muito importante, um cabelo muito finito e enredado, mas a maneira em que a faca o cortou lhe resulto fascinante.

     E o sangue.

     Deus santo, como sangrou!

     Desejou ter podido lhe dedicar mais tempo ao assunto, talvez para fazer uma pequena dança da vitória. A vez seguinte...

     Teve que sufocar outra risita. Porque haveria outra vez. Já não lhe interessavam o gado e os animais pequenos. Os seres humanos eram um desafio muito major. Teria que tomar cuidado e seria necessário esperar. Se matava a outro com muita rapidez, arruinaria seu sentido de expectativa.

     E queria escolher a próxima vítima, em lugar de que fora alguém com quem se tropeçasse.

     Talvez devesse ser uma mulher. Poderia-a levar a esse lugar entre as árvores, onde ocultava seus troféus. Cortaria-lhe a roupa enquanto lhe rogaria que não a machucasse. Depois poderia violá-la até voltá-la louca.

     De solo pensá-lolhe endureceu o membro e começou a acariciar-lhe enquanto o planejava. Sem dúvida adicionaria uma emoção mais o fato de poder tomar-se seu tempo, de observar a sua vítima, observar esses olhos que lhe sairiam das órbitas de terror enquanto lhe explicava até o mais pequeno detalhe do que pensava lhe fazer.

     Assim seria ainda melhor. Quando estivessem inteirados.

     Mas lhe faria falta prática. Uma mulher seria a etapa seguinte, uma etapa que ainda não tinha aperfeiçoado.

     Não há pressa, disse-se, sonhador, enquanto começava a masturbar-se com entusiasmo. Nenhuma pressa.

    

     Nem sequer o assassinato podia deter o trabalho. Os homens estavam nervosos, mas aceitavam as ordens que lhes repartiam. Agora que lhe faltava outro peão, Willa se obrigou a encher o vazio. Percorria alambrados, saía ao campo a revisar as colheitas, abria e fechava ela mesma a porta da manga, e de noite se desvelava sobre os livros de contas.

     O clima trocou e trocou com rapidez. O ar frio ameaçava com o inverno, e todas as manhãs a erva amanhecia coberta de geada. O gado que não permaneceria outro ano no campo, devia ser enviado aos currais de engorda para terminá-lo, currais de engorda próprias do rancho nos subúrbios do Ennis ou em Avermelhado.

     Quando não estava a cavalo ou conduzindo um veículo de quatro rodas, sobrevoava o campo em companhia do Jim. Em determinado momento Willa pensou em obter uma licença de piloto, mas se deu conta de que não gostava de viajar por ar. Ensurdecia-a o ruído do motor e os poços de ar e as voltas lhe afetavam o estômago.

     A seu pai adorava percorrer o rancho no pequeno Cessna. A primeira vez que o acompanhou se decompôs e se sentiu muito desgraçada. Foi a última vez que ela convidou a voar.

     Nesse momento o único piloto com que podia contar era Jim, e ele tinha tendência a fazer piruetas e a expor-se muito... assim Willa teria que reconsiderar o assunto. Um rancho do tamanho e a importância do Mercy necessitava um piloto, e ao melhor, com o passo dos anos, ela já não se sentiria enjoada nem a atacariam as náuseas.

     -daqui acima tudo é uma beleza. -Sorridente, Jim baixou uma asa e Willa sentiu que o café da manhã lhe subia à garganta-. Parece que temos outro alambrado cansado. -Com alegria, perdeu altura para poder estudá-lo melhor.

     Willa apertou os dentes e tomou nota mental da localização em que se encontravam. obrigou-se a olhar o gado, a fazer uma recontagem aproximada.

     -Temos que rodar a esses animais antes de que a erva esteja muito baixa. -Quando Jim inclinou o avião de pequeno porte, lhe disse entre dentes-: Não pode fazer que este maldito aparelho voe direito?

     -Perdão. -apoiou-se a língua contra a bochecha para sufocar uma gargalhada. Mas ao olhar o tom esverdeado da cara da Willa, nivelo o avião de pequeno porte com suavidade-. Não deveria voar, Will, e muito menos sem tomar alguma dessas pastilhas contra o enjôo.

     -Tomei essas malditas pastilhas.

     concentrou-se em sua respiração, desejou poder apreciar a beleza da paisagem, da terra, dos verdes pastos que resplandeciam com a geada, as serras cobertas de árvores, os picos brancos de neve das montanhas.

     -Quer que aterrissemos?

     -Não, estou-o tolerando. -Apenas-. Devemos terminar de fazer o percurso.

     Mas quando voltou a olhar para baixo, alcançou a ver o caminho onde encontrou o corpo. A polícia retirou o que ficava do Pickles e até os restos do novilho mutilado. Pentearam a zona, procurando e reunindo provas. E a chuva se encarregou de lavar quase tudo o sangue.

     Apesar de tudo lhe pareceu ver zonas mais escuras na terra, lugares que absorveram maior quantidade de sangue. Não podia apartar os olhos do lugar e quando sobrevoaram o seguinte pasto ainda seguia vendo o caminho e esses manchones mais escuros.

     Jim mantinha os olhos cravados no horizonte.

     -Ontem à noite veio de novo a polícia.

     -Sei.

     -Não encontraram nada. Já faz quase uma semana, Will. Não têm nada.

     A voz de irritação do Jim esclareceu visão da Willa, que se obrigou a apartar os olhos do campo para olhá-lo.

      -Suponho que a vida real não se parece com os programas de televisão, Jim. Às vezes simplesmente não podem capturar ao malvado.

     -Não posso deixar de pensar na forma em que ganhei esse dinheiro a noite antes de que o assassinassem. Oxalá não lhe tivesse ganho, Will. Já sei que não tem importância, mas preferiria não haver ganho.

     Ela estendeu uma mão e lhe apertou o ombro.

     -E eu preferiria não ter discutido com ele. Isso tampouco tem importância, mas preferiria não havê-lo feito.

     -Maldito velho! Isso era: um velho maldito. -Tremeu-lhe a voz e Jim se esclareceu garganta-. Eu... inteiramo-nos de que talvez o enterrarão no cemitério do Mercy.

     -Nate não pôde localizar à irmã nem a nenhum outro familiar. Enterraremo-lo em terras do Mercy. Suponho que Bess diria que é o que corresponde.

     -É-o. É muito generoso de sua parte permitir que descanse em um lugar onde solo há tumbas familiares. Voltou a esclarecê-la garganta-. Os moços e eu estivemos falando. Pensamos que talvez poderíamos nos encarregar de carregar o féretro e que pagaríamos a lápide. -ficou avermelhado ao ver que Willa o olhava-. Foi idéia do Ham, mas todos estivemos de acordo. Sempre que te pareça bem.

     -Então assim se fará. -Voltou a cabeça e olhou pela janela-. Aterrissemos, Jim. Por hoje vi o bastante.

    

     Ao entrar no pátio do rancho, Willa viu estacionados o jipe do Ben e o do Nate. Com toda deliberação, deteve o seu diante da casita branca do Adam. Necessitava tempo antes de enfrentar-se a ninguém. Não tinha as pernas muito mais firmes que o estômago. Além disso lhe doía a cabeça, supôs que a causa do zumbido permanente do motor do avião de pequeno porte.

     Desceu do jipe, passou a grade do cerco de madeira e se deu o gosto de ficar em cuclillas para acariciar ao Beans. O cão estava gordo como uma salsicha, as largas orelhas quedas e as patas enormes. Fascinado de vê-la, ficou de costas para que lhe arranhasse a barriga.

     -Velho gorducho! Pensa ficar aí tendido e dormir todo o dia? -O cão moveu a cauda como respondendo que sim, e ela não pôde menos que sorrir-. Seu culo é do largo de um celeiro.

     Para lhe ouvir a voz apareceu Nosey, o cachorro perdigueiro do Adam. Com as orelhas levantadas e movendo a cauda como se fosse uma bandeira, lhe aproximou trotando e colocou a cabeça debaixo do braço da Willa.

     -Não andaste dedicado a nada bom, verdade, Nosey? Crie que não sei que tem o olho posto em minhas galinhas?

     Com uma expressão parecida com o sorriso, o cão tratou de lhe lamber as mãos, a cara e pisou a seu companheiro. Quando os dois cães começaram a jogar, Willa aproveitou para ficar de pé. sentia-se melhor. Talvez solo fora porque estava no pátio do Adam, onde as flores do outono seguiam em plena floração e onde os cães não tinham nada melhor que fazer que jogar.

     -terminaste que jogar com esses dois cães inúteis?

     Ela olhou por cima do ombro. Do outro lado da grade estava Ham, com um cigarro pendurando dos lábios. Tinha a jaqueta abotoada e se pôs luvas de couro, coisa que fez que Willa pensasse que talvez já sentisse mais o frio.

     -Suponho que sim.

     -E terminaste que dar voltas pelo campo nessa armadilha de morte que é o avião de pequeno porte?

     Ela se passou a língua sobre os dentes enquanto lhe aproximava. Em seus sessenta e cinco anos, Ham jamais tinha subido a nenhuma classe de avião. E estava orgulhoso disso.

     -Acredito que sim. Temos que rodar o gado, Ham. E há outro alambrado cansado. Quero que hoje mesmo tirem esses animais do pasto do sul do campo.

     -O encarregarei ao Billy. Solo demorará o dobro do tempo em fazer o do que demoraria qualquer com o meio cérebro. Jim pode fazer-se carrego do alambrado. Wood tem as mãos enche com os semeados e eu tenho que embarcar quão animais enviaremos aos currais de engorda.

     -É sua maneira não muito sutil de me dizer que nos faz falta mais gente?

     -Quero falar contigo disso. -Esperou até que ela tivesse saído do pátio do Adam e desfrutou de do cigarro que estava fumando-. Viria-nos bem outro peão, e dois seriam ainda melhor. Mas acredito que deve esperar, pelo menos até a primavera, antes de contratar a ninguém.

     Arrojou a bituca do cigarro e a olhou voar pelo ar. A suas costas, Nosey e Beans choramingavam junto à grade, reclamando maior atenção.

     -Pickles sempre foi um problema. Protestava se brilhava o sol e também protestava se o chegava a cobrir uma nuvem. Gostava de queixar-se. Mas era um bom vaqueiro e entendia bastante de mecânica.

      -Jim me disse que você e outros lhes querem encarregar de comprar a lápide.

     -Parece-nos justo. Trabalhei quase vinte anos com esse velho cretino mal-humorado. -Seguia com o olhar fixo na distância. Já a tinha cuidadoso à cara, sabia o que havia ali-. Não ajuda a ninguém te culpando pelo que lhe aconteceu.

     -Eu lhe ordenei que saísse ao campo.

     -Isso é uma tolice, e sabe. Talvez seja uma mulher temperamental, mas não é tola.

     Willa só sorriu.

     -Não me posso tirar isso da cabeça, Ham. Resulta-me impossível.

     Ham sabia e o entendia, porque a conhecia. Compreendia-a.

     -Havê-lo encontrado como o encontrou, é algo que te vai angustiar durante muito tempo. E contra isso não pode fazer muito, solo esperar que vá passando. -Voltou-a a olhar e trocou de lugar seu chapéu indescritível para proteger do sol-. E trabalhar até ficar morta não fará que te passe mais logo.

     -Temos dois peões menos -começou a dizer Willa, mas ele meneou a cabeça.

     -Will, não está dormindo muito e come menos. -Sob a barba cinza, esboçou um sorriso-. Agora que Bess está de novo em pé, inteiro-me de muitas notícias da casa principal. Essa mulher fala tanto que seria capaz de ensurdecer a um coelho. E embora ela não me falasse sem parar cada vez que nos encontramos, há coisas que eu mesmo não posso por menos que ver.

     -Tenho muitas preocupações.

     -Já sei. -A voz lhe pôs rouca, uma maneira muito própria de expressar seu afeto-. Só trato de te dizer que não é necessário que você te encarregue de cada centímetro deste rancho. estive aqui desde antes de que nascesse, e se não crie que sou capaz de cumprir com meu trabalho, bom, acredito que na primavera não deveria procurar dois a não ser três peões mais.

     -Consta-te que confio em ti. Não é isso... -interrompeu-se e respirou fundo-. foi um golpe baixo, Ham.

     O sorriu, satisfeito consigo mesmo. Sim, é obvio que a conhecia bem. Compreendia-a.

     E a queria.

     -Não importa, com tal de que te faça te deter pensar. Podemos passar o inverno tal como estamos. O menino maior do Wood está resultando excelente. dentro de pouco fará doze anos e já pode elevar coisas que pesem tanto como ele. O menor é um maldito granjeiro. -Desconcertado por isso, Ham tirou outro cigarro que acabava de atar essa manhã-. Prefere enfardar erva que ir a cavalo, mas é um bom trabalhador, pelo menos é o que diz Wood. Podemos passar bem o inverno com o que temos.

     -Está bem. Algo mais?

     Ham voltou a tomar-se seu tempo. Mas já que Willa lhe estava emprestando atenção, supôs que seria melhor terminar com tudo o que lhe tinha que dizer.

     -Com respeito a essas irmãs tuas, poderia lhe dizer a de cabelo curto que compre alguns jeans que não lhe ajustem ao corpo como se fossem sua própria pele. Cada vez que passa, esse parvo do Billy fica com a boca aberta. O dia menos pensado não poderá fechá-la.

     Willa riu pela primeira vez em muitos dias.

     -E suponho que você não a miras, verdade, Ham?

     -Sim, é obvio que Miro. -Exalou uma baforada de fumaça-. Mas sou o suficientemente velho como para que não me faça mal. A outra subida realmente bem a cavalo. -Entrecerró os olhos e fez um gesto com o cigarro-. Bom, pode vê-lo por ti mesma.

     Willa olhou o caminho e viu os cavaleiros que avançavam para o este. Adam montava seu Pinto preferido, sem chapéu e flanqueado por dois amazonas. Willa teve que admitir que Lily levava bem a ruana, acompanhando com suavidade seu passo. Ao outro lado, Tess andava aos saltos sobre a arreios de um formoso alazão. Levava os saltos em alto nos estribos, ao reverso do que correspondia, e seu traseiro golpeava com tanta força contra o couro da arreios, que devia lhe doer. Era evidente que se aferrava à arreios como se nisso o fora a vida.

     -Deus, que dolorida vai estar esta noite! -Divertida, Willa se apoiou sobre a grade-. Quanto faz que andam nisso?

     -Um par de dias. Parece que decidiu aprender a montar. Adam esteve tratando de lhe ensinar. -Meneou a cabeça ao ver que Tess estava a ponto de deslizar-se da arreios e cair-. Acredito que nem sequer seu irmão será capaz de obter algo com ela. Poderia selar ao Moon e alcançá-los.

      -Não lhes faço falta.

     -Não é isso o que hei dito. Um largo rodeio te faria bem, Will. Sempre te tem feito bem andar a cavalo.

     -Talvez. -Pensou na possibilidade de um bom galope, com o vento lhe golpeando a cara e esclarecendo sua mente-. Talvez mais tarde. -Durante alguns instantes ficou olhando aos três cavaleiros e invejou a fácil camaradagem que reinava entre eles-. Talvez mais tarde -repetiu, e voltou a montar no jipe.

    

     Willa não se surpreendeu ao encontrar ao Ben e ao Nate na cozinha, desfrutando da carne assada preparada pelo Bess. Para que Bess não a repreendesse por não comer, ela também tomou um prato e se instalou frente à mesa.

     -Já era hora de que voltasse. -um pouco desiludida por não lhe haver podido ordenar que comesse, Bess se conformou repreendendo-a por outra coisa-. Já aconteceu a hora de comer.

     -A comida ainda está quente -respondeu Willa, obrigando-se a provar o primeiro bocado-. Já que está ocupada alimentando ao meio condado, não acredito que me tenha sentido falta.

     -É mais mal educada que um peão. -Bess depositou uma taça de café junto à Willa e lançou um bufido-. Estou muito ocupada para ficar aqui parada tratando de te ensinar bons maneiras. -Saiu, limpando-as mãos com um trapo ralo.

     -Durante a última meia hora não tem feito mais que te observar. -Nate afastou seu prato vazio e tomou sua taça de café. Preocupa-a.

     -Não faz falta que se preocupe comigo.

     -Fará-o enquanto siga saindo ao campo sozinha.

     Willa olhou ao Ben.

     -Então terá que acostumar-se. me passe o sal.

     Ben o fez, depositando-a com força frente à moça. No outro extremo da mesa, Nate se passou uma mão pela nuca.

     -Me alegro de que haja tornado, Will. Traga-te os papéis que me pediu.

     -Estupendo. Lerei-os mais tarde. -Pôs sal a sua carne-. Isso explica por que está aqui -adicionou olhando desafiante ao Ben.

     -Tinha que falar de negócios com o Adam. De negócios de cavalos. E fiquei um momento mais em minha função de supervisor. E para conseguir um almoço grátis.

     -Eu pedi ao Ben que ficasse -esclareceu Nate antes de que Willa pudesse dizer algo desagradável-. Esta manhã falei com a polícia. Amanhã nos entregarão o corpo. -Esperou um momento para que Willa assentira, aceitasse-. Alguns dos papéis que te trouxe se referem ao funeral. Também há alguns aspectos financeiros. Pickles tinha uma pequena conta de economias e uma caderneta de cheques. Entre ambas as coisas, solo falamos de ao redor de três mil e quinhentos. É quase o que devia pelo jipe.

     -Os assuntos de dinheiro não me preocupam. -A partir desse momento não poderia ter tragado bocado embora a ameaçassem com uma arma-. Agradeceria-te que te encarregasse de todos os detalhes e lhe carregasse a conta ao rancho. Por favor, Nate.

     -Está bem. -Tirou uma folha da pastas que tinha a seus pés e tomou algumas nota-. Respeito a seus efeitos pessoais, não tem família nem herdeiros e nunca fez testamento.

     -De todos os modos não devem ser grande coisa. -Sentiu que sobre ela caía uma enorme capa de tristeza-. Sua roupa, suas arreios, suas ferramentas. Se te parecer bem, eu o deixaria tudo aos peões.

     -Acredito que é o que corresponde. Eu me encarregarei dos aspectos legais. -Apoiou uma mão sobre a dela e a manteve ali um instante-. Se te ocorre algo mais ou tem alguma pergunta, me chame.

     -Agradeço-lhe isso.

     -Não faz falta que me agradeça isso. -ficou de pé-. Se não te importar, te vou pedir emprestado um cavalo e seguirei ao Adam para, isto...

     -Se o que quer é correr detrás de uma mulher, terá que pensar a desculpa com mais rapidez -disse Ben.

     Nate só sorriu e agarrou o chapéu que pendurava do gancho detrás da porta.

     -Agradeça a comida ao Bess. Veremo-nos.

     Willa olhou com o sobrecenho franzido a porta que se fechou detrás o Nate.

     -Correr detrás de que mulher?

     -Sua irmã maior usa um perfume muito bom.

     Willa lançou um bufido, tomou seu prato e o levou até a mesa.

     -Hollywood? Nate é muito sensato para interessar-se por ela.

     -O perfume adequado pode acabar com a sensatez de qualquer homem. Não comeste nada.

     -perdi o apetite. -Curiosa, voltou-se e se apoiou contra a mesa-. Isso é o que te atrai, Ben? Um bom perfume?

     -Nunca está de mais. -recostou-se contra o respaldo da cadeira-. É obvio que sabão e couro sobre a pele indicada podem obter exatamente o mesmo. Ser mulher é algo cheio de poder e de mistério. -Tomou a taça de café e a estudou por sobre o bordo-. Mas suponho que já deve sabê-lo.

     -Em um rancho o sexo não tem importância.

     -Como não vai ter importância! Cada vez que te aproxima de um metro e meio do Billy, o pobre moço fica vesgo.

      Willa não pôde menos que sorrir, porque sabia que era certo.

     -Tem dezoito anos e é um tipo muito sensual. Se a gente pronunciar a palavra «assumo» perto dele, fica pálido como um morto. Mas já lhe passará.

     -Se tiver sorte, não lhe passará.

     Willa se sentiu mais sociável e cruzou as pernas à altura dos tornozelos.

     -Não compreendo como o toleram, vós os homens. Ter esse ego, essa personalidade e essa idéia do romance pendurando entre as pernas.

     -É um verdadeiro sacrifício. Te vais sentar a terminar seu café?

     -Tenho que trabalhar.

     -É o que há dito durante o último par de dias, cada vez que eu me aproximei de um metro e meio de onde estava. -Tomou a taça de café da Willa, ficou de pé e a aproximou-. Se segue trabalhando assim e não come, Will, terminará de cara contra o chão. -Tomou o queixo entre as mãos e lhe dirigiu uma larga, muito largo olhar-. E te arruinaria essa cara que não tem nada de mau.

     -Eu diria que ultimamente te está aferrando a ela bastante freqüentemente. -Jogou atrás a cabeça e tratou de não alterar-se quando os dedos do Ben lhe seguiram sujeitando o queixo-. Qual é seu problema, McKinnon?

     -Não tenho nenhum problema. -Para pôr a prova a ambos aconteceu um dedo por sobre a boca. Embora esteja zangada, é uma boca tão linda, pensou ele, que um tem vontades de mordê-la-. Em troca você parece ter um problema. notei que fica nervosa cada vez que ando perto. Antes, solo foi desagradável comigo.

     -Talvez te custe reconhecer a diferença entre uma coisa e a outra.

     -Sim, é obvio que reconheço a diferença. -Trocou de posição e a encerrou entre a mesa e seu corpo-. Sabe o que acredito, Will?

     Tinha ombros largos, pernas largas. Ela tinha muita consciência do tamanho e a forma desse homem.

     -Não me interessa o que cria.

     Como era um homem cauteloso e de boa memória, ele se apertou contra ela para evitar que levantasse um joelho com sua habitual pontaria.

     -Direi-lhe isso de todos os modos. -Apartou a mão do queixo da Willa e tirou o sarro que essa manhã ela levava solto-. Agora que está o suficientemente perto como para que me dê conta, é certo que cheira a sabão e a couro.

     -Se te aproximar um centímetro mais, terá passado ao outro lado de meu corpo.

     -E depois está todo este cabelo, pelo menos um metro de cabelo. Murcho como um alfinete e suave como a seda. Mantinha o olhar fixo na dela e lhe jogou um pouco mais atrás a cabeça-. O coração te palpita com força. E também te palpita, aqui, uma veia no pescoço. -Usou a mão que tinha livre para segui-la-. Salta-te tanto o coração que me surpreende que não te atravesse a pele e me golpeie a mão.

     Ela não estava de todo segura de que não aconteceria se não lhe dava espaço para respirar.

     -Está-me irritando, Ben. -Teve que fazer um enorme esforço para manter um tom de voz tranqüilo.

     -Estou-te seduzindo, Willa -disse-o quase em um ronrono, as palavras cheias de doçura, como o mel. E quando ela tremeu, o sorriso do Ben foi lenta e cheia de força-. Desde meu isso ponto de vista é o que te dá medo. Que posso te seduzir e que o farei e maldita seja se poderá fazer nada por impedi-lo.

     -me deixe em paz! -Sua voz não era tranqüila, nem o estavam as mãos que apoiou contra o peito do Ben.

     -Não. -O tironeó o cabelo-. Esta vez não.

     -Não faz muito, você mesmo disse que não me desejava mais do que pudesse te desejar eu a ti. -«O que estará acontecendo em meu interior?», perguntou-se, presa do pânico. Os tremores e os estremecimentos, essas largas e líquidas sensações, e o atrativo que sentia em seu interior-. Não tem sentido andar brincando, quando o faz sozinho para me fazer rabiar.

     -Estava equivocado. O que devia haver dito é que te desejo tanto como me desejas você . Mas acontece que era uma realidade que me irritava. te assusta.

     -Eu não tenho medo.

     O que lhe acontecia em seu interior a atemorizava. Mas não por causa dele. Willa se prometeu que não era por causa dele.

     -demonstre-me isso Esses olhos, de um verde brilhante, iluminados pelo desafio-. Aqui mesmo. Agora mesmo.

     -Perfeito.

     Aceitando o desafio, temerosa de não fazê-lo, tomou uma mecha de cabelo e tironeó para que a boca do Ben se apoiasse sobre a sua.

      Tem a boca típica dos McKinnon, descobriu. Igual a do Zack, uma boca generosa e firme. Mas ali terminava o parecido. Nenhum dos beijos sonhadores que compartilhou com o Zack tantos anos antes se podia comparar com esse estalo, esse impacto. Com a sensação de que os lábios experimentados de um homem a devorassem. Ou a maneira impaciente e acalorada em que ele utilizava língua e dentes para sobressaltá-la, para enfocar todo pensamento, todo sentimento, toda necessidade nesse lugar onde as bocas de ambos se encontravam. A aresta da mesa lhe cravou nas costas. Os dedos que Willa tinha entrelaçado no cabelo do Ben se crisparam enquanto o primitivo aroma de homem a invadia. Nem sequer lhe tinha dado um momento para defender-se.

     Não tinha intenções de fazê-lo. Sentiu que o corpo da Willa se convulsionava, endurecia-se ante a investida. E se perguntou se o que sentia em seu interior seria em um pouco parecido ao que sentia ele dentro de si. Ben esperava paixão ou' frieza. Nela encontrou ambas as coisas. Esperava força, porque Willa era algo menos débil. Esperava encontrar prazer e a boca dessa moça parecia ter sido criada para dá-lo e recebê-lo.

     Nunca imaginou que o encontraria tudo, a fúria junto com tantas sensações que o investiam como um punho nu e o deixavam enjoado e fora de combate.

     -Maldito seja! -Apartou a boca e a olhou aos olhos, esses olhos tão grandes, escuros e surpreendidos-. Deus santo!

     E voltou a apoiar a boca sobre a dela.

     Ela emitiu um gemido, um som apanhado dentro de sua garganta; um som que ele alcançava a perceber quando fechava a mão sobre esse pescoço suave e o apertava com delicadeza. Queria saborear esse lugar, o lugar exato onde pulsava o pulso e ressonava o gemido, mas por mais que o tentasse não conseguia saciar-se da boca da Willa. E nesse momento ela também o abraçava com força, movia-se contra ele.

     Ben fechou uma mão sobre seu peito, tão firme através da camisa de flanela. Logo lhe tirou de um puxão a camisa dos jeans e colocou a mão debaixo para lhe tocar a pele.

     Ao sentir a mão do Ben, forte, calosa e firme, sobre seu corpo, os músculos das coxas da Willa se afrouxaram, a tensão de seu estômago se converteu em um pouco parecido à dor. Ben lhe acariciou um mamilo com o polegar e um calor explosivo percorreu o corpo da Willa.

     Ficou lassa, poderia haver-se deslizado ao chão se ele não tivesse trocado a posição de seus braços. Essa rendição repentina e total o excitou mais que tudo o fogo anterior.

     -Temos que chegar ao final. -Agarrou-lhe um peito com a mão e o acariciou enquanto esperava que ela abrisse os olhos e os olhares de ambos se encontrassem-. E embora esteja tentado de seguir adiante aqui mesmo, talvez Bess se indignaria se entrasse e nos encontrasse atirados no chão.

     -te aparte. -Lutou por recuperar o fôlego-. Não posso respirar, te aparte.

     -Também me custa bastante respirar. Respiraremos mais tarde. -Baixou a cabeça e lhe mordiscou o queixo-. Vêem casa comigo, Willa, me deixe te possuir.

     -Nem louca! -Lutou por liberar-se, tropeçou com a mesa sobre a que se acabava de apoiar para recuperar o equilíbrio. Tinha que pensar! Era necessário que pensasse. Mas o único que podia fazer era sentir-. Não te aproxime -ordenou com maus modos, quando ele tentou fazê-lo-. Fique longe e me deixe respirar.

     Foi o som de um verdadeiro pânico que percebeu em sua voz o que obrigou ao Ben a apoiar-se contra a mesa.

     -Está bem. Respira. Não modificará nada. -Estirou uma mão para agarrar a taça de café que havia a seu lado e, ao comprovar que as mãos lhe tremiam, deixou-a onde estava-. Não sei se eu tampouco estou muito contente com isto.

     -Maravilhoso! Simplesmente maravilhoso! -Já mais tranqüila, ergueu-se e lhe fez frente-. Crie que como convenceste a uma dúzia de mulheres de que se deitem contigo, pode chegar a esta casa e fazer o mesmo comigo. E sem dúvida te pareceu que seria muito fácil, considerando que nunca tenho feito isto antes.

     -Eu não conto mais de dez mulheres -respondeu ele com tranqüilidade-. E não tive que... -interrompeu-se, com expressão de assombro e a boca aberta-. Que alguma vez fez o que, exatamente?

     -Sabe de cor ao que me refiro.

     -Alguma vez? -meteu-se as mãos nos bolsos-. Mas alguma vez?

     Ela ficou olhando-o, convencida de que riria. Então teria a desculpa perfeita para matá-lo.

     -Mas acreditei que você e Zack... -Voltou a deixar a frase inconclusa, ao compreender que isso não teria falado muito bem dele.

     -Alguma vez te disse que o fizemos? -Willa entrecerró os olhos enquanto se preparava para atacar.

     -Não, ele nunca... não. -Confuso, Ben tirou uma mão do bolso e lhe passou pelo cabelo-. Me imaginei, isso é tudo. Imaginei que em algum momento ou em outro você haveria... Bom, diabos, Willa, é uma mulher adulta. É obvio que imaginei que haveria...!

     -Que me teria andado deitando por aí?

     -Não, não exatamente. -«Que alguém me alcance uma pá. Estou cansado de cavar minha própria fossa com as mãos», pensou-. É uma mulher bonita -começou a dizer e vacilou, compreendendo que poderia haver-se explicado melhor. E o teria feito, sem dúvida, se não tivesse a língua tão travada-. Solo supus que teria alguma experiência no assunto.

     -Bom, não é assim. -A irritação ia acalmando o suficiente para deixar entrever frestas de desconforto-. E de mim depende querer modificar essa realidade e a pessoa com quem dita modificá-la.

     -É obvio! Se me tivesse dado conta não teria insistido... -Não podia lhe tirar os olhos de cima, não podia deixar de olhá-la, ali, toda ruborizada e desgrenhada, com essa boca tão atrativa torcida por seus beijos-. Ou talvez teria insistido, mas de outra maneira. Faz tempo que estive pensando em ti nesse sentido.

     Nos olhos da Willa se pintou uma expressão de total desconfiança.

     -por que?

     -Maldita seja se sei. Mas é assim. E agora que te pus as mãos em cima, não tenho mais remedeio que dizer que o estarei pensando mais. Produz-me sensações maravilhosas, Willa. -Recuperou o humor e sorriu apenas-. E por ser uma principiante, asseguro-te que fez um excelente trabalho com esses beijos.

     -Não é o primeiro homem a quem beijei e não será o último.

     -Isso não quer dizer que não possa praticar comigo... quando sentir a necessidade. -aproximou-se dos cabides da porta para desprender sua jaqueta e seu chapéu. Se algum dos dois notou que lhe tinha deixado uma ampla possibilidade, não fizeram comentário algum-. Para que são os amigos?

     -Não me custa nada controlar minhas necessidades.

     -Não faz falta que me diga isso -respondeu Ben com certa tristeza enquanto ficava o chapéu-. Mas me ocorre que eu vou ter um trabalho terrível em controlar as minhas no que se refere.

     Abriu a porta e lhe dirigiu um último olhar muito largo.

     -Tem uma boca maravilhosa, Willa. Maravilhosa!

     Fechou a porta e ficou a jaqueta. Enquanto rodeava a casa rumo a seu jipe, exalou ar com força. Acreditou que fazer-se alguns carinhos na cozinha lhes faria esquecer os problemas que se abatiam sobre o Mercy. Obteve muitíssimo mais que isso.

     passou-se a mão sobre o estômago, convencido de que os nós que lhe incomodavam demorariam para ir-se. Willa lhe acabava de colocar sob a pele, e de uma maneira definitiva. E o fato de que ela ignorasse o que cada um podia lhe fazer ao outro na escuridão, solo convertia o assunto em um pouco mais aterrador.

     E excitante.

     Sempre tinha eleito mulheres que as sabiam todas, que compreendiam os prazeres, as regras e as responsabilidades. Mulheres, admitiu, que não esperavam mais que um queda bom e saudável no que ninguém resultava ferido, no que ninguém ficava apanhado.

     Olhou a casa enquanto se colocava atrás do volante e punha em marcha o motor. Com a Willa não ia ser tão singelo, sobre tudo considerando que seria o primeiro homem de sua vida.

     afastou-se do Mercy sem saber o que faria com respeito a ela. Quão único sabia com segurança era que Willa teria que aceitar que Ben McKinnon seria o homem com quem modificaria o estado de coisas de sua vida.

     Ao passar olhou por volta da casa dos peões e pensou em tudo o que ela tinha devido sofrer durante as últimas semanas. Bastante para que qualquer se desmoronasse, pensou. Qualquer menos Willa.

     Lançou um comprido suspiro e se encaminhou para suas terras. Estaria a seu lado, quisesse-o ela ou não. E no que se referia ao pessoal, andaria devagar. Com pés de chumbo. Até trataria de ser suave.

     Mas ali estaria.

    

     A neve chegou com força, com rapidez e antes de tempo. Enterrou os pastos e os homens trabalhavam dia e noite para conseguir que o gado, muito parvo para cavar na neve em busca de erva, estivesse bem alimentado e atendido.

     Novembro demonstrou não ser um limite válido contra o inverno e, antes de que tivesse chegado a seu fim, o vale estava talher de água e de névoa.

     Os esquiadores chegaram em bandos ao Big Sky e a outros lugares turísticos para baixar pendentes e beber conhaque junto a fogos rugientes. Tess pensou na possibilidade de unir-se a eles durante um dia ou dois. Não porque alguma vez lhe tivesse fascinado esquiar, mas o assunto do conhaque lhe caía bem. Em todo caso haveria gente, conversações, talvez flertes e sem dúvida civilização.

     Possivelmente lhe valesse a pena atar-se a um par de madeiros e cair pela ladeira de uma montanha. Falava a cada momento com seu representante, utilizando a Ira mais como uma ponte com sua vida verdadeira que como um elemento de seu trabalho. Escrevia, adiantando um novo guia de cinema e além disso seguia levando um jornal no que detalhava dia a dia a vida no rancho.

     Não porque considerasse que a rotina do rancho fosse uma vida que valesse a pena.

     Seguia fazendo-se carrego do galinheiro e estava bastante orgulhosa de ser capaz de fazer o trabalho; já podia lhe tirar o ovo a uma galinha arremesso sem que nem sequer a bicasse.

     Um dia teve um mau momento, um péssimo momento quando, caminhava atrás do galinheiro e se topou com o Bess quem, com rapidez e competência nesse instante lhe retorcia o cangote a uma das aves que estavam a seu cuidado.

     Então houve muito cacarejo.., embora não por parte das galinhas. Duas delas estavam tendidas no chão, mortas, enquanto as mulheres se gritavam por sobre os cadáveres.

     Essa noite Tess se saltou a comida, bolo de frango, mas o incidente lhe ensinou que não devia cair no engano de pôrnomes a suas emplumadas amigas matinais.

     Todas as tardes fazia uso da banheira baixo teto com sua parede de vidro curvo que dava ao sul. E decidiu que não era desagradável olhar a neve enquanto, rodeada de vapor, utilizava seu lago pessoal.

     Mas todas as manhãs se levantava, olhava pela janela o espetáculo da neve e sonhava com palmeiras e com almoços no Morton.

     Seguia andando a cavalo por pura tozudez. Por certo que já não descia da arreios choramingando por causa dos dores musculares. Tinha-lhe tomado certo afeto ao Mazie, a égua que Adam lhe tinha atribuído. Entretanto sair a cavalo no meio do frio e do vento não era sua idéia de um grande entretenimento.

     -meu deus! -Tess saiu, abrigada com uma grosa jaqueta de couro e desejou haver ficado dois pares de calções largos de casaco-. Isto é como respirar vidro moído. Como é possível que alguém o tolere?

     -Adam diz que depois de um inverno tão duro um aprecia mais a primavera.

     Para proteger do vento, Lily se cobriu melhor o pescoço com o cachecol. Entretanto gostava do inverno, sua força, seu majestuosidad, a maneira em que a neve parecia congelar os picos como baixo releve contra a parede do céu. O escuro cinturão de árvores que se aferravam aos pés das montanhas ficava muito bonito talher de neve, e o prateado das rochas e os penhascos formava sombras e contrastes, como dobras de uma surpreendente manta.

     -É tudo tão formoso! Centenas e centenas de quilômetros de branco. E os pinheiros! O céu é tão azul que quase machuca os olhos. -Sorriu ao Tess-. Não se parece em nada à neve de uma cidade.

      -Não tenho muita experiência em neve, mas diria que isto não se parece em nada. -Flexionou os dedos dentro das luvas enquanto se dirigiam às cavalariças.

     Pelo menos os arredores da casa do rancho são passáveis, pensou Tess. Os atalhos que levavam às cavalariças e os currais estavam limpos de neve. E também se limparam os caminhos com uma cuchilla sujeita a um dos veículos. Recordou que era obra do jovem Billy. Enquanto o fazia, o moço parecia divertidísimo.

     Viu que sua respiração flutuava diante dela como fumaça e se sentiu tentada de voltar a queixar-se. Mas era bonito, de uma gélida beleza. O céu era de um azul tão duro que alguém esperava que em qualquer momento se rachasse, e as montanhas, que davam a impressão de brocá-lo, estavam tão bem definidas no ar claro, que pareciam pintadas. O sol bailoteaba sobre os campos talheres de neve que pareciam despedir faíscas e quando soprava vento, levantava essa neve e esses raios pelos ares.

     Palmeiras, praias calorosas, e os may tailandeses pareciam com anos luz de distância.

     -A que se dedica ela hoje? -perguntou Tess, ficando-as óculos escuros.

     -Willa? Saiu cedo em uma de seus pickups.

     Tess apertou os lábios.

     -Sozinha?

     -Quase sempre sai sozinha.

     -Procurando problemas -murmurou Tess e se meteu as mãos nos bolsos-. Deve acreditar-se invencível. Se o que tenha assassinado a esse homem ainda andasse por aqui...

     -Mas não o crie, verdade? -Alarmada, Lily começou a percorrer as pradarias com o olhar, como se delas em qualquer momento pudesse surgir um louco como um gnomo sorridente-. A polícia não tem descoberto nada. Eu acredito que sem dúvida deve ter sido alguém que acampava nas montanhas. E com este clima, não é possível que siga aqui. Além disso, já faz semanas desde que... desde que aconteceu.

     -Isso é certo. -em que pese a estar longe de sentir-se convencida, Tess não acreditou que valesse a pena lhe pôr os nervos de ponta ao Lily-. Ninguém vai acampar com este frio, e menos ainda um maníaco itinerante. Suponho que o que acontece é que Willa sempre me põe nervosa. -Entrecerró os olhos para olhar o veículo que se aproximava do rancho do caminho do oeste-. Falando do demônio...

     -Talvez se você... -Lily se interrompeu e meneou a cabeça.

     -Não, segue. Se eu o que?

     -Talvez se não fizesse todo o possível por irritá-la.

     -Não cria que faço todo o possível. -Tess sorriu-. Ao contrário, faço-o naturalmente. -Trocou de direção ao ver que o jipe lhes aproximava-. andaste percorrendo suas posses? -perguntou quando Willa baixou o vidro do guichê.

     -Segue aqui? Eu acreditei que pensava ir ao Big Sky para te dar um banho em um jacuzzi e atrair aos homens.

     -Estou-o pensando.

     Willa fixou sua atenção no Lily.

     -Se Adam for sair a cavalo, contigo, saiam quanto antes e que não seja um rodeio muito largo. vai nevar. -Dirigiu o olhar para o céu onde se foram amontoando grosas capas de nuvens-. Lhe diga que vi uma manada de cariacús ao noroeste daqui, a uns dois quilômetros de distância. Talvez você gostaria de vê-los.

     -eu adoraria. -Lily se aplaudiu o bolso-. Levo minha câmara. Não pode vir conosco? Bess nos deu café mais que suficiente.

     -Não, tenho coisas que fazer. E mais tarde virá Nate.

     -Ah, sim? -Tess elevou uma sobrancelha e fez um esforço por mostrar-se indiferente-. Quando?

     -Mais tarde -respondeu Willa pondo a alavanca de mudanças em primeira-. Mais tarde -repetiu enquanto se dirigia à casa.

     Sabia de cor que Tess lhe tinha jogado o olho ao Nate e não pensava respirar esse assunto. Desde seu ponto de vista, Nate não faria pé em seu trato com uma piranha de Hollywood.

     E talvez ele também tivesse posto nela seu olhar, mas isso era sozinho porque os homens ficavam parvos com as mulheres formosas e de figura escultural. Willa tomou o recipiente térmico de café que levava sobre o assento e desceu do jipe. Tess é formosa e tem uma figura escultural, teve que admitir com um sotaque de inveja. Além disso tem uma enorme confiança em si mesmo e é de língua rápida. Uma mulher muito segura de si mesmo e do controle que tem sobre sua própria feminilidade. E do poder que exerce sobre os homens.

     Willa se perguntou se ela não seria também assim de ter tido uma mãe que a guiasse. Se tivesse crescido em um ambiente distinto, com mulheres que lançavam risitas e faziam comentários sobre seus penteados e o comprido de seus vestidos, sobre lápis de lábios e perfumes.

      «Não porque me tivesse gostado de ser assim», assegurou-se, enquanto entrava e se tirava as luvas. Não lhe interessavam todas essas tolices, mas começava a acreditar que eram coisas que aumentavam a confiança da mulher em seu trato com os homens.

     E ela não se tinha tanta confiança como teria querido. Pelo menos no que a determinado homem se referia.

     tirou-se o casaco e o chapéu e logo tomou o recipiente térmico e o levou acima, ao despacho. Ainda não tinha modificado nada nesse quarto. Seguia sendo o domínio do Jack Mercy, com suas paredes cobertas de troféus e seus botellones de bebidas. E ao entrar e sentar-se ante o escritório a Willa sempre lhe formava um nó na boca do estômago.

     Será dor?, perguntou-se. Ou temor. Já não estava segura. Mas o despacho em si lhe provocava uma série de emoções e de lembranças desagradáveis e pouco felizes.

     Escassas vezes entrou ali em vida de seu pai. Se ela mandava chamar, se lhe ordenava que se sentasse em uma cadeira ao outro lado do escritório, sempre era para criticá-la ou para trocar seus deveres no rancho.

     Parecia-lhe vê-lo, sentado aonde estava ela nesse momento. Com um charuto entre os dedos, e se o dia de trabalho tinha chegado a seu fim, com um copo de uísque sobre o secante.

     Garota, chamava-a. Poucas vezes pronunciava seu nome. «Garota, miúdo ofensivo tem feito esta vez!»

     «Garota será melhor que comece a te esforçar neste rancho.»

     «Será melhor que te busque um marido, garota, e que comece a ter filhos. Não serve para nada em nenhum outro sentido.»

     Alguma vez terá ressonado uma palavra bondosa nesta habitação?, perguntou-se, enquanto se esfregava com força as têmporas. Tinha uma desesperada necessidade de recordar um instante sequer, um incidente, alguma vez que tivesse entrado nesse quarto para encontrar a seu pai sentado atrás do escritório e sonriendo. Uma vez, uma só vez, que lhe houvesse dito que estava orgulhoso do que ela fazia. De algo que tivesse feito.

     Mas não recordava nenhuma. Os sorrisos e as palavras bondosas não estavam dentro do estilo do Jack Mercy.

     «E o que diria neste momento? -perguntou-se-. Se entrasse no despacho e me visse, se se inteirasse do acontecido em suas terras, a um de seus homens, enquanto eu estou a cargo do rancho.»

     «Mandaste-o tudo a mierda, garota.»

     Willa apoiou um momento a cabeça entre as mãos, desejando encontrar uma resposta. Em seu interior estava segura de não ter feito nada para provocar um assassinato tão malvado. Mas dentro de seu coração, a responsabilidade lhe resultava muito pesada.

     -Bom, acabou-se -murmurou.

     Abriu uma gaveta e tirou um livro de registros. Queria voltar a examiná-lo, o detalhe cuidadoso do número de cabeças, do peso dos animais. As rotações dos pastos, os fertilizantes e os grãos. Queria estar segura de que não houvesse uma só cifra desconjurada quando os supervisores de seu pai chegassem a revisar suas contas.

     Enterrou o ressentimento que lhe provocava saber que eles, ou qualquer outro, pudesse ter poder sobre o Mercy, e ficou a trabalhar.

    

     A quase três quilômetros de distância da casa do rancho, feliz, Lily tomou fotografias dos cariacús. Deu-lhe risada vê-los com seus hirsutos couros de inverno e seus olhos aborrecidos. Era provável que as fotografias estivessem desfocadas, sem dúvida ela não herdou a habilidade que tinha sua mãe com a câmara, mas de todos os modos lhe daria prazer as ter.

     -Sinto muito -disse com a câmara pendurando de uma correia ao redor do pescoço-. Sei que me estou entretendo muito. Mas estou fascinada.

     -Ainda temos um pouco de tempo. -depois de efetuar um rápido estudo das nuvens, Adam se voltou na arreios e se dirigiu ao Tess-. Subidas bem. Aprende com rapidez.

     -É uma questão de autodefesa -respondeu ela, mas sentiu uma pontada de orgulho-. Não quero que me volte a doer o corpo como me doeu esses primeiros dias. E preciso fazer exercício.

     -Não, está-o desfrutando.

     -Está bem, sim, desfruto-o. Mas se chegar a fazer mais frio que agora, não voltarei a desfrutá-lo até a primavera.

     -Fará mais frio que agora. Mas seu sangue será mais espesso. E sua mente mais dura. -inclinou-se para acariciar o cangote de seu cavalo-. E cada dia que não Montes se sentirá frustrada.

     -Sinto-me frustrada cada dia que não posso caminhar pelo Sunset Alameda. E me as acerto.

     Adam lançou uma gargalhada.

     -Quando retornar ao Sunset Alameda, pensará neste céu, nas montanhas. E então voltará.

     Intrigada, Tess se baixou os óculos sobre o nariz e o olhou por cima da arreios.

     -O que é isto? Misticismo índio ou me está adivinhando o futuro?

     -Não. Psicologia pura. Empresta-me a câmara, Lily? Eu gostaria de lhes tirar uma fotografia a ti e ao Tess. Bom. Não te importa, verdade? -perguntou ao Tess.

     -Jamais fujo uma câmara. -Fez que sua égua rodeasse o cavalo do Adam e a aproximou da do Lily. Com muita habilidade, pensou-. Assim te parece bem?

      -Bárbaro. -Levantou a câmara, enfocou-a-. Duas mulheres formosas em um mesmo marco. -E apertou o disparador, duas vezes-. Quando virem estas fotografias, darão-lhes conta do muito que compartilham. A forma da cara, o colorido e até a maneira de sentar-se na arreios.

     Em um gesto automático, Tess quadrou os ombros. Sentia o que ela mesma considerava um leve afeto pelo Lily, mas estava muito longe de sentir por ela o carinho de uma irmã.

     -me dê a câmara, Adam. Farei-lhes uma foto. A Magnólia da Virginia e o Nobre Selvagem.

     Assim que o disse, arrependeu-se.

     -Sinto muito. Tenho o costume de considerar às pessoas como personagens. Não quis lhes ofender.

     -Ninguém se ofendeu. -Adam lhe aconteceu a câmara. Tess gostava, caía-lhe bem sua maneira de conseguir o que queria, de dizer o que pensava. Duvidava muito que lhe sentasse bem que lhe dissesse que eram as duas qualidades que mais gostava na Willa-. O que pensa de ti mesma?

     -Que sou superficial. Por isso se vendem meus guias. Sonreíd.

     -Eu gosto de seus filmes -disse Lily quando Tess baixou a câmara-. São excitantes e entretidas.

     -E se dirigem ao denominador menos comum. O qual não tem nada de mau. -Devolveu- a câmara ao Lily-. Terá que escrever para as massas, e fazer que o argumento seja singelo.

     -Não te está dando bastante crédito a ti mesma nem a seus espectadores. -Adam olhou as árvores, os arredores.

     -Talvez não, mas... -Tess deixou a frase inconclusa quando um movimento atraiu seu olhar-. Há algo ali atrás, entre as árvores. Algo se moveu.

     -Sim, já sei. Foi contra o vento. Alcanço a cheirá-lo. -Com gesto indiferente apoiou uma mão sobre a culatra de seu rifle.

     -Neste momento os ursos estão hibernando, não é certo? -Tess se umedeceu os lábios com a língua e tratou de não pensar em um homem e uma faca-. Suponho que não será um urso.

     -Às vezes despertam. por que não lhes adiantam e voltam para casa? Eu irei jogar um olhar.

     -Não pode subir sozinho até lá encima. -Com um movimento instintivo, Lily estirou o braço e tomou as rédeas do Adam. Ante o movimento abrupto, o cavalo corcoveou despedindo neve a seu redor-. Não deve! Poderia ser algo! Poderia ser...

     -Nada -disse ele com toda sua calma, enquanto tranqüilizava a seu cavalo. Alguns inocentes flocos de neve bailoteaban no ar. Adam não acreditava que seguiriam sendo inocentes durante muito tempo-. Mas será melhor ver do que se trata.

     -Lily tem razão. -Tremendo, Tess mantinha o olhar fixo nas árvores-. E está começando a nevar. Será melhor que vamos. Agora mesmo.

     -Não posso fazer isso -respondeu Adam cravando no Lily o olhar de seus olhos escuros e tranqüilos-. Possivelmente não seja nada. -Estava seguro de que não era assim pela forma em que tinha começado a tremer seu cavalo-. Mas a apenas um quilômetro daqui assassinaram a um homem. Devo ir ver. Vocês iniciem a volta e eu lhes alcançar. Já conhecem o caminho.

     -Sim, mas...

     -Peço-lhes por favor que o façam por mim. Em seguida estarei com vocês.

     Como sabia que discutir era inútil. Lily voltou seu cavalo.

     -Não lhes separem em nenhum momento -aconselhou- Adam ao Tess e em seguida se dirigiu para as árvores.

     -Não se preocupe pelo Adam, estará bem -disse Tess embora enquanto falava começaram a lhe tagarelar os dentes. Diabos, Lily, o mais provável é que tenha sido um esquilo. -«Muito movimento para um esquilo», pensou-. Ou um alce ou algo assim. Teremos que lhe fazer brincadeiras por ter salvado às mulheres de um alce.

     -E se não fora assim? -A voz tranqüila e sulina do Lily se quebrava como o vidro-. E se a polícia e todos outros se equivocaram e o que matou a esse homem ainda seguisse aqui? -Deteve sua égua-. Não podemos deixar sozinho ao Adam.

     -O é o que vai armado -começou a dizer Tess.

     -Eu não posso deixá-lo sozinho.

     Apesar de que lhe aterrorizava a idéia de desobedecer uma ordem, Lily fez que sua égua desse a volta e começou a seguir ao Adam.

     -Ouça, não! Diabos! Esta sim que seria uma cena maravilhosa para um guia -murmurou Tess enquanto trotava detrás o Lily-. Asseguro-te que se ele chegar a disparar contra nós por engano, arrependerá-te disto.

     Lily só meneou a cabeça e se separou do caminho. internou-se entre as árvores, seguindo os rastros do Adam.

     -Saberia voltar se tivesse que fazê-lo com rapidez?

      -Sim, acredito que sim, mas... Deus, isto é uma loucura. por que não...?

     O disparo cortou o ar e ressonou como um trovão. antes de que Tess pudesse fazer outra coisa que tratar de tranqüilizar a sua égua espantada, Lily galopava diretamente para as árvores.

    

     Nate não chegou sozinho. Justo detrás dele chegou Ben, com sua cunhada e sua sobrinha. Shelly entrou na casa falando e em seguida começou a desabrigar a sua filha.

     -Já sei que devi ter chamado, mas quando Ben me disse que vinha, simplesmente tomei a Abigail e saltei o jipe. Estamos desejando ver gente. Estou segura de que deve ter trabalho, mas Abigail e eu podemos ficar a conversar com o Bess enquanto vós trabalham. Espero que não te importe.

     -É obvio que não me importa! Me alegro muito de verte.

     Era agradável ver o Shelly, com sua conversação animada e seu sorriso alegre. Willa sempre considerou que era a mulher perfeita para o Zack. Eram como o pão e a manteiga, os dois alegres e entretidos.

     Deixando a sua filha que esperneava feliz sobre o sofá, Shelly se tirou o chapéu e se alisou o cabelo loiro. O cabelo curto ficava bem com seu rosto de duende e sua curta estatura, e tinha olhos da cor da névoa na montanha.

     -Bom, não dava muitas alternativas ao Ben, mas juro que me manterei fora do caminho até que tenham terminado.

     -Não seja tola! Faz semanas que não jogo com o bebê. E cresceu tanto! Não é certo, querida? -Willa se deu o gosto de elevar ao Abby e levantá-la por cima de sua cabeça-. Os olhos lhe estão pondo verdes.

     -Sim, vai ter os olhos dos McKinnon -coincidiu Shelly-. A gente diria que deveria ser um pouco agradecida e parecer-se em algo a mim, já que a tive em meu interior durante nove meses, mas é idêntica a seu pai.

     -Não sei, acredito que tem suas orelhas -disse Willa aproximando do Abby para lhe beijar a ponta do nariz.

     -Parece-te? -perguntou Shelly, encantada-. Tenho-te que dizer que já dorme toda a noite. E só tem cinco meses. depois de todas as horríveis historia que me contaram a respeito da necessidade de tê-la em braços e balançá-la-a noite inteira Y... -Levantou ambas as mãos para indicar-se que devia calar-. Lá vou, e isso que prometi não incomodar. Zack diz que falo tanto que seria capaz de fazer cair a casca de uma árvore à força de palavras.

     -Zack também fala sem parar -interveio Ben-. O que me surpreende é que com vós como pais, Abby não tenha nascido falando. -Estendeu um braço para acariciar a cara da pequena e sorriu a Willa-. Não te parece bonita?

     -E doce, o qual demonstra que não é totalmente McKinnon. -Com pena, Willa a devolveu a sua mãe-. Bess está lá na cozinha, Shelly. Sei que estará encantada de lhes ver ti e ao Abby.

     -Espero que quando tiver terminado tenhamos tempo de falar um momento, Will. -Shelly apoiou uma mão sobre o braço da Willa-. Sarah também queria vir, mas não pôde deixar seus quehaceres. estivemos pensando muito em ti.

     -Baixarei muito em breve. Talvez possa convencer ao Bess de que te deixe provar o bolo que está preparando para a comida. Tenho tudo acima, no despacho -disse a outros, e começou a subir a escada.

     -Suponho que compreenderá que isto não é mais que uma formalidade, Will -começou a dizer Nate-. Solo para que não caiba dúvida de que cumprimos com o que nos impõe o testamento.

     -Sim, não há problema. -Mas os conduziu ao despacho com as costas muito rígida.

     -Não vi por aqui a suas irmãs.

     -Saíram a cavalo com o Adam -respondeu Willa enquanto se colocava atrás do escritório-. Não acredito que demorem para voltar. Hollywood tem o sangue muito líquido para poder tolerar o frio muito mais de uma hora.

     Nate se sentou e estirou suas largas pernas.

     -Vejo que vocês dois seguem lhes levando muito bem.

     -Mantemo-nos uma fora do caminho da outra. -Aproximou-lhe um livro de registro-. Dá bons resultados.

     -vai ser um inverno comprido -comentou Ben, apoiando um quadril contra o bordo do escritório-. Deveriam pensar em fazer as pazes ou em lhes matar a tiros e terminar de uma vez com o assunto.

     -A segunda opção não me parece justa. Ela não conhece a diferença entre um Winchester e uma pá de ponta.

     -Terei que acostumar-lhe comentou Nate enquanto olhava as cifras por cima-. Além disso tudo anda bem por aqui?

     -Bastante bem. -Incapaz de permanecer sentada, Willa afastou a cadeira do escritório-. Por isso eu sei, os homens estão convencidos de que quem quer que tenha assassinado ao Pickles faz tempo que se foi daqui. A polícia não pôde provar outra coisa. Não encontraram rastros, nem armas, nem um móvel.

     -Isso é o que você pensa? -perguntou Ben.

     Ela o olhou aos olhos.

     -É o que quero acreditar. E é o que não tenho mais remedeio que acreditar. Já transcorreram três semanas.

     -Isso não quer dizer que deva baixar o guarda -murmurou Ben, e ela baixou a cabeça.

     -Não tenho a menor intenção de baixar o guarda. Em nenhum sentido.

     -Parece-me que tudo está perfeitamente em ordem -disse Nate, lhe passando o livro de registro ao Ben-. De acordo com as cifras, parece-me que tiveste um bom ano.

     -Espero que o que vem seja melhor. -Willa fez uma pausa. Não se esclareceu garganta, mas tinha vontades de fazê-lo-. Durante a primavera penso semear pastos naturais. É algo no que meu pai e eu não estávamos de acordo, mas acredito que deve haver um motivo pelo que determinados pastos crescem naturalmente nesta zona, de maneira que voltaremos para isso.

     Intrigado, Ben lhe dirigiu um olhar. Nunca a tinha ouvido falar de mudanças no que se referia ao Mercy.

     -Fizemo-lo no Three Rocks faz mais de cinco anos, e com excelentes resultados.

     Ela voltou a olhar ao Ben.

     -Já sei. E uma vez que resembremos, poderemos rodar mais seguido o gado. Não o deixaremos mais de três semanas em cada pasto. -Começou a passear-se pelo quarto e não se deu conta de que Ben fazia a um lado o livro de registros para estudá-la-. Não me preocupa tanto como a papai produzir cabeças de gado de maior tamanho. O único que me interessa é produzir o melhor gado. Durante os últimos anos têm tido muitos problemas nos partos porque os bezerros eram muito grandes. Talvez ao principio o que estou disposta a fazer diminua algo as lucros, mas estou pensando a longo prazo.

     Abriu o recipiente térmico que estava sobre o escritório e serve café, embora já estava morno.

     -falei com o Wood a respeito das terras de semeia. O tem algumas ideia a respeito, que a papai não interessavam. Mas acredito que vale a pena as experimentar. Temos pouco mais de trezentas hectares dedicados à colheita fina e lhe penso dar ao Wood a responsabilidade das explorar. Se não dar resultado, má sorte, mas acredito que Mercy pode permitir o luxo de fazer alguns experimentos durante um ano ou dois. Wood quer construir um silo. Fermentaremos nossa própria alfafa.

     encolheu-se de ombros. Sabia o que algumas pessoas diriam a respeito das mudanças que pensava fazer, de seu interesse em colheitas finas e em silos, e de seus planos de lhe pedir ao Adam que aumentasse o número de cavalos. Diriam que se estava esquecendo o gado, que se esquecia do que Mercy tinha sido durante gerações.

     Mas não esquecia nada. Olhava para o futuro.

     Depositou sua taça de café sobre o escritório.

     -Em qualidade de supervisores, algum de vós dois se opõe a meus planos?

     -Diria-te que por minha parte, não. -Nate ficou de pé-. Mas recorda que não sou boiadeiro. Acredito que baixarei a ver se ficar uma parte de bolo e lhes deixarei aos dois para que discutam este assunto.

     -E? -perguntou Willa quando esteve a sós com o Ben.

     -E-repetiu ele tomando a taça que ela acabava de deixar-. Maldição, Willa, este café está frio!

     -Não te pedi sua opinião sobre o café.

     O permaneceu onde estava, apoiado contra o escritório e a olhou aos olhos.

     -De onde tira todas essas idéias?

     -Tenho um cérebro, verdade? E opiniões próprias.

     -Muito certo. Nunca te tinha ouvido falar sobre a possibilidade de trocar um só pasto deste rancho. É curioso.

     -Não tinha sentido que falasse do assunto. O não tinha interesse no que eu pensasse ou dissesse. Fiz alguns estudos -adicionou, metendo-as mãos nos bolsos-. Talvez não tenha ido à universidade, como você, mas não sou uma imbecil.

     -Nunca acreditei que fosse. E não sabia que te teria gostado de ir à universidade.

     -Não tem importância. -Com um suspiro, aproximou-se da janela e olhou para fora. Vem uma tormenta, pensou. Esses pequenos flocos de neve não eram mais que o princípio-. O que importa é agora, e amanhã e o ano que vem. O inverno é a época ideal para fazer planos. E eu penso planejar, isso é tudo. -ficou rígida quando Ben lhe apoiou as mãos sobre os ombros.

     -Tranqüila, não te vou violar. -Fez-a girar para que o olhasse-. Se te interessar, direi-te que acredito que tem razão.

     Importava-lhe, e isso já lhe resultou uma surpresa.

     -Espero que esteja no certo. estive recebendo chamadas dos abutres.

      Ben sorriu levemente.

     -Dos urbanizadores?

     -Os cretinos não perderam o tempo. Oferecem-me a lua e o sol com tal de que os atadura as terras para as dividir e criar um lugar de recreio para malditos californianos aspirantes a jeans de Hollywood. -De ter tido presas, nesse momento os da Willa resplandeceriam-. Enquanto eu esteja aqui, nunca porão seus gordos dedos sobre um só metro quadrado do Mercy.

     Em um gesto automático, ele começou a lhe acariciar os ombros.

     -E os mandou a mierda, verdade querida?

     -Um deles me telefonou a semana passada. Disse-me que o chamasse Arme. Respondi-lhe que o faria esfolar e atirar como comida para os coiotes se chegava a pôr seus pés em minhas terras. -Sorriu-. Não acredito que me aproxime.

     -Assim eu gosto!

     -Sim. Mas houve outros dois. -De novo se voltou a olhar a neve e a terra e as montanhas-. Não acredito que elas compreendam ainda a quantidade de dinheiro envolta, o que esses imbecis estariam dispostos a pagar por apoderar-se de um rancho como este. Mas cedo ou tarde Hollywood imaginará. E então estaremos dois a uma, Ben.

     -O testamento exige que durante dez anos a terra não se enfaixa a estranhos.

     -Já sei o que diz o testamento. Mas as coisas trocam. E com suficiente dinheiro e suficiente pressão, podem trocar ainda mais rápido. -«E em definitiva, dez anos não são nada», pensou Willa. Sobre tudo para seu plano de converter ao Mercy não em um dos melhores ranchos a não ser no melhor-. Quando se tiver completo o ano, eu poderia comprar sua parte. Entretanto, calculei-o que todas as maneiras possíveis e me dei conta de que não poderei. É obvio que há dinheiro, mas está quase tudo investido na terra e no gado. Quando se tiver completo o ano serão proprietárias de duas partes e eu sozinho de uma.

     -Não tem sentido que se preocupe pelo que não pode modificar, nem pelo que talvez não aconteça. -Passou-lhe a mão pelo cabelo uma vez, logo outra-. Talvez o que te faça falta é uma distração, embora seja uma pequena distração.

     Voltou-a de novo, logo meneou a cabeça.

     -Nada de acanhamentos! Do outro dia estive pensando muito nisto. -Roçou-lhe os lábios com os seus, com muita doçura-. Vê? Nem sequer te doeu.

     A Willa vibravam os lábios, mas não podia dizer que fora doloroso.

     -Não quero que voltemos a começar. Estão acontecendo muitas coisas para que eu me distraia.

     -Querida. -Ben se inclinou e voltou a beijá-la com suavidade-. É justamente quando mais o necessita. E estou disposto a apostar que isto nos faz muito bem aos dois.

     Seguiu olhando-a fixamente, abraçou-a, aproximou-a de seu corpo e apoiou seus lábios sobre os dela.

     -Já me está dando resultado -murmurou. E logo, com a rapidez do raio, intensificou o beijo.

     A surpresa, o paixão e o desejo se fundiram para girar na mente da Willa, para bulir em todo seu corpo. E quando as sensações fizeram presa dela, esqueceu-se de suas preocupações, de seu cansaço e de seus medos. Era fácil apoiar-se nele, aproximar-se o e permitir que todo o resto desaparecesse.

     E difícil, muito mais difícil do que supunha, resultou-lhe tornar-se atrás e recordar.

     -Talvez eu também o tenha estado pensando. -Levantou uma mão para manter a distância que os separava-. Mas ainda não terminei que pensar no assunto.

     Os cavaleiros que chegavam a toda velocidade atraíram a atenção do Ben. Com uma mão apoiada sobre o ombro da Willa, aproximou-se da janela.

     -Acaba de chegar Adam com suas irmãs.

     Ela os viu e intuiu:

     -Algo anda mau. aconteceu algo.

     O notou a forma em que Adam ajudava a desmontar ao Lily e logo a sustentava contra seu corpo.

     -Sim, aconteceu algo -confirmou-. Baixemos a ver o que é.

     Estavam a metade da escada quando a porta de entrada se abriu de um puxão. Tess foi primeira em entrar. O frio lhe coloria as bochechas, mas tinha os olhos enormes, os lábios muito brancos.

     -Era uma cierva -disse-. Nada mais que uma cierva. A mãe do Bambi -conseguiu articular enquanto lhe deslizava uma lágrima pela bochecha. Nesse momento Nate saiu da cozinha-. Por amor de Deus! por que lhe vai fazer alguém isso à mãe do Bambi?

     -Sshhh. -Nate lhe aconteceu os braços sobre os ombros-. Vêem te sentar, querida.

     -Entremos com o Tess, Lily.

     Ela meneou a cabeça e seguiu obstinada à mão do Adam.

     -Não, estou bem. Sério, estou bem. irei preparar um pouco de chá. Seria melhor que tomássemos um pouco de chá. me desculpem uns minutos.

     -Adam -disse Willa enquanto olhava ao Lily desaparecendo na cozinha-. Que demônios aconteceu? Matou um antílope durante o rodeio?

     -Não, mas alguém o tinha feito. -Enojado, tirou-se o casaco e o jogou sobre uma poltrona-. Deixaram-no ali, feito pedaços. Não o fizeram por caçar, nem sequer para obter um troféu, a não ser solo pelo prazer de matar. Os lobos já estavam ali. -passou-se as mãos pela cara-. Disparei para afugentá-los e ver melhor o acontecido, mas Lily e Tess se aproximaram. Eu queria que voltassem para casa.

     -irei procurar meu casaco.

     Mas antes de que Willa chegasse a dá-la volta, Adam a deteve.

     -Não tem sentido. Já não deve ficar muito desse pobre animal, e eu vi mais que suficiente. Tinham-lhe disparado na cabeça. Depois o abriram, esparramaram suas vísceras, esfaquearam-no, mutilaram-no e o deixaram ali. que o fez lhe cortou a cauda. Suponho que por esta vez isso lhe terá resultado um troféu suficiente.

     -Então foi quão mesmo os outros.

     -Igual aos outros.

     -Crie que lhe poderíamos seguir a pista? -perguntou Ben.

     -Desde que o fez, faz mais ou menos um dia, esteve nevando. E nevará mais. Talvez se eu tivesse podido sair para buscá-lo assim que o encontramos, teria tido sorte. -Adam se encolheu de ombros em um gesto de frustração e de uma vez de aceitação-. Mas não podia segui-lo e deixar que elas dois voltassem sozinhas a casa.

     -De todos os modos eu gostaria que jogássemos uma olhada. -Ben já agarrava seu chapéu-. Lhe peça ao Nate que leve ao Shelly a casa em seu jipe, Willa.

     -Eu irei com vós.

     -Não tem sentido que o faça, e sabe. -Ben tomou pelos ombros-. Não tem nenhum sentido.

     -Mas de todos os modos irei. vou procurar meu casaco.

    

     A neve caía a torrentes, branca, selvagem e malvada. Ao obscurecer, já não se via nada das janelas, além dos espessos flocos que erigiam uma parede entre o vidro e o resto do mundo.

     Lily olhou fixamente o vidro, tratou de ver algo através dele, enquanto que o calor das chamas da chaminé lhe esquentavam as costas e a preocupação lhe carcomia os nervos.

     -Quer te sentar? -perguntou Tess e odiou o tom nervoso e quase histérico de sua voz-. Nós não podemos fazer nada.

     -Mas faz muito que se foram.

     Tess sabia quanto tempo fazia que saíram. Exatamente noventa e oito minutos.

     -Como te acabo de dizer, não podemos fazer nada.

     -Faria-te bem um pouco mais de chá. Este está frio.

     No momento em que Lily se voltava para tomar a bandeja, Tess ficou de pé de um salto.

     -Quer ficar aquieta? Não siga me servindo, nos servindo a todos! Nesta casa não é uma faxineira. Por amor de Deus, sente-se!

     estremeceu-se, apertou as mãos sobre seus olhos e respirou fundo, muito fundo.

     -Sinto muito -murmurou enquanto Lily permanecia onde estava, as mãos entrelaçadas, os olhos inexpressivos-. Não tenho direito a te gritar. Nunca vi nada como isso! Nunca vi nada como isso!

     -Está bem. -A empatia afrouxou a tensão de seus dedos-. Foi horrível. Sei. Horrível.

     sentaram-se uma em cada extremo do comprido poltrona de couro e permaneceram em silêncio não menos de trinta segundos enquanto selvagens rajadas de vento açoitavam os vidros das janelas. Tess descobriu que estava contendo uma necessidade doentia de rir.

     -Que demônios! -Soprou com força, e repetiu-: Que demônios! No que nos colocamos aqui, Lily?

     -Não sei. -O vento lançou um uivo diabólico pelo cano da chaminé-. Está assustada?

     -É obvio que estou assustada! Você não?

     Com expressão muito séria, Lily franziu os lábios enquanto o considerava. Levantou um dedo com o que se esfregou o lábio inferior. Sabia que cada vez que tinha medo lhe tremiam os dedos.

     -Não acredito que tenha medo. E em realidade não o entendo, mas não tenho medo, pelo menos no sentido em que deveria o ter. Solo o lamento e estou triste. E preocupada -adicionou enquanto seus olhos voltavam a cravar-se na janela e se riscava uma imagem mental de três cavaleiros perdidos em um redemoinho de brancura-. Estou preocupada com o Adam, pela Willa e pelo Ben.

     -Eles devem estar bem. Vivem aqui.

     Com os nervos de ponta, Tess ficou de pé e começou a passear-se pela habitação. O rangido agudo de um lenho da chaminé a fez saltar. Lançou uma maldição.

     -Eles sabem o que fazem -assegurou. E se não sabem eles, pensou, quem mierda vai ou seja?-. Talvez esse seja o motivo pelo que estou tão assustada neste momento. Não sei que diabos estou fazendo. E sempre sei. É uma de minhas maiores virtudes. Proponho-me uma meta, descida a maneira de chegar a ela, dou os passos necessários. Mas esta vez não sei o que estou fazendo.

     voltou-se e olhou ao Lily com expressão pensativa.

     -Em troca você sim. Você sabe o que faz com suas bandejas de chá, e quando prepara sopa e acende o fogo.

     Lily meneou a cabeça e se obrigou a manter o olhar se separada da janela.

     -Essas não são coisas importantes.

     -Talvez o sejam -disse Tess com suavidade e em seguida ficou tensa ao ver um brilho de luzes por entre a cortina de neve-. chegou alguém.

     Posto que uma vez mais não sabia o que fazer (fugir, ocultar-se?), Tess se voltou com deliberação e se dirigiu ao vestíbulo de entrada e abriu a porta do frente. Instantes depois apareceu Nate, talher de neve.

     -Entra, nem sequer apareça -ordenou empurrando-a para tirá-la do caminho enquanto fechava a porta a suas costas-. Já tornaram?

     -Não. Lily e eu... -assinalou a sala de estar-. E o que faz você aqui?

     -É uma tormenta muito crua. Consegui levar de volta ao Shelly e a sua filhinha, mas logo que pude voltar. -tirou-se o chapéu e lhe sacudiu a neve que o cobria-. Já faz duas horas que se foram. Darei-lhes uns minutos mais e logo sairei para buscá-los.

     -Pensa voltar a sair? Com essa tormenta? -Jamais tinha conhecido uma tempestade de neve, mas estava segura de estar vivendo uma nesse momento. E as tempestades de neve matavam-. Está louco?

     O simplesmente lhe aplaudiu o ombro com ar ausente... um homem que sem dúvida estava pensando em outra coisa.

     -Têm um pouco de café quente? Faria-me bem uma taça. E um recipiente térmico para levá-lo comigo.

     -Não sairá com uma tormenta como esta! -Em um gesto que no momento de fazê-lo ela mesma soube que era tolo, interpôs-se entre o Nate e a porta-. Ninguém vai sair com esta tormenta.

     Nate sorriu e lhe aconteceu a ponta de um dedo pela bochecha. Não considerava que o gesto do Tess fora parvo a não ser doce.

     -Está preocupada comigo?

     Aterrorizada teria sido um término mais exato, mas o pensaria depois.

     -Congelamento, hipotermia. Morte -pronunciou as palavras como chicotadas-. Preocuparia-me com qualquer que não tivesse o sentido comum necessário para ficar dentro com uma tormenta como esta.

     -Três de meus amigos estão lá fora, em meio dessa tormenta -disse-o em voz baixa mas com uma decisão inamovible-. O café seria de grande ajuda, Bess. Negro e bem quente. -Mas antes de que Bess pudesse responder, Nate elevou uma mão e inclinou a cabeça-. Ali estão. Devem ser eles.

     -Eu não ouvi nada.

     -chegaram -assegurou Nate com simplicidade. ficou o chapéu e saiu a recebê-los.

    

     Tinha razão, motivo pelo que Tess decidiu que Nate tinha agudos ouvidos como os de um gato. Saíram do vento lhe ululem talheres de neve. Reunidos na sala de estar, enquanto bebiam o café que Bess não demorou para preparar, mostraram-se frustrados.

      -Havia tanta neve que não se via nada. -Ben se afundou em uma poltrona, enquanto Adam se sentava de pernas cruzadas diante do fogo-. Chegamos até ali. Mas já havia como cinco centímetros mais de neve. Nenhuma possibilidade de seguir um rastro.

     -Mas puderam ver... -disse Tess, instalada sobre o braço de uma poltrona-. Viram o que havia ali.

     -Sim. -depois de dirigir um rápido olhar ao Adam, Willa se encolheu de ombros, não lhe pareceu que tivesse sentido adicionar que haviam tornado os lobos-. Pela manhã falarei com os peões a respeito disto. Neste momento têm bastante que fazer.

     -Bastante que fazer neste momento? -perguntou Tess.

     -Estão no campo, dando um rodeio para pôr os animais a resguardo. Encontrarei ao Ham.

     -Esperem. -Convencida de ser a única pessoa sensata do grupo, Tess elevou uma mão-. Pensa voltar a sair com esta tormenta? Por umas vacas?

     -Morreriam com esta tormenta -respondeu Willa sem vacilar.

     Enquanto Tess os olhava assombrada, todos, menos ela e Lily se voltaram a abrigar e saíram. Meneando a cabeça, Tess se serve uma taça de conhaque.

     -Por umas vacas! -murmurou-. Por um grupo de vacas estúpidas!

     -Quando voltarem terão fome. -Esta vez Lily não tentou olhar pela janela, nem escutou com atenção para ver se ouvia o motor de um jipe-. irei ajudar ao Bess a preparar a comida.

     «Tenho duas opções -pensou Tess-: me irritar ou me resignar.» Decidiu que resignar-se afetaria menos seu sistema nervoso.

     -Não penso ficar aqui, sozinha. -Mas se levou consigo a taça de conhaque e alcançou ao Lily-. No este há tormentas como esta? -perguntou.

     Distraída, Lily meneou a cabeça.

     -Na Virginia temos nossa cota de neve, mas nunca vi nada parecido a isto. Chega com tanta rapidez, com tanto vento! Não imagino o que deve ser estar fora com esta neve, ter que trabalhar com este clima. Suponho que Nate ficará a passar a noite, não crie? Terei que lhe perguntar ao Bess se houver um quarto preparado.

     Abriu a porta da cozinha e se encontrou com o Bess já frente à cozinha aos cuidados de uma panela enorme que despedia um aroma delicioso.

     -Guisado -anunciou Bess, provando-o com uma colher de madeira-. preparei bastante para um exército. Mas ainda necessita uma hora ou duas de cocção para que esteja a ponto.

     -tornaram a sair.

     De forma automática, Lily se encaminhou à despensa e desprendeu um avental de cozinha. Tess elevou uma sobrancelha ao ver a naturalidade com que o fez. Já se converteu em uma rotina, compreendeu.

     -Imaginei-me isso -disse Bess-. vou preparar um bolo de maçãs. -Olhou ao Tess e olisqueó o conhaque que tinha na mão-. Tem vontades de ser útil?

     -Não de maneira especial.

     -As lenheiras estão quase vazias -informou-lhe Bess enquanto tirava da despensa uma cesta cheia de maçãs-. Os homens não têm tempo de entrar combustível.

     Tess fez girar o conhaque de sua taça.

     -Pretende que eu saia a entrar lenha?

     -Se se apagar o motor, moça, quererá ter o traseiro quente, quão mesmo o resto de nós.

     -O motor. -Ante a possibilidade de que se apagasse o motor, de congelar-se, de ficar toda a noite na escuridão, Tess empalideceu.

     -Temos um gerador. -Bess começou a cortar maçãs-. Mas não podemos gastá-lo em esquentar os dormitórios quando não têm bastante combustível. Se quer dormir abrigada, entra! lenha. Você poderia lhe dar uma mão, Lily. Ela tem mais necessidade de: ajuda que eu. Há uma soga que leva da porta até a pilha de lenha. Sigam a soga e vão entrando os lenhos à mão. Não poderão empurrar o carrinho de mão pela neve, e não tem sentido limpar o atalho até que deixe de nevar. lhes abrigue bem e levem uma lanterna.

     -Está bem. -Lily olhou a expressão de irritação do Tess-. Posso-a entrar eu sozinha. por que não espera dentro e vai subindo a lenha aos dormitórios?

     Era tentador. Muito tentador. Até nesse momento Tess alcançava para ouvir o gélido uivo do vento que ameaçava as janelas da cozinha. Mas a expressão zombadora do Bess a decidiu a fazer a um lado a taça de conhaque.

     -Entraremos lenha as duas.

     -Não com essas luvas de senhora elegante -gritou Bess ao as ver sair-. depois de lhes abrigar bem, ides procurar umas luvas de trabalho à oficina.

      -Transportando lenha -murmurou Tess enquanto se dirigia ao vestíbulo-. É provável que dentro já haja bastante para uma semana. Bess faz isto para me chatear.

     -Não nos pediria que saíssemos se não fora necessário.

     Tess ficou o casaco e logo se encolheu de ombros.

     -Não lhe pediria isso a ti-decidiu, logo se sentou na base da escada para ficá-las botas-. Vocês dois parecem muito amigas.

     -Considero-a uma grande mulher. -Lily se rodeou o pescoço duas vezes com o cachecol tecido antes de abotoar o casaco cobrindo-a-. foi muito boa comigo. E também seria boa contigo se você não...

     Enquanto embainhava a cabeça dentro de uma boina de esqui, Tess assentiu.

     -Não, não tenha medo de ferir meus sentimentos. Se eu o que?

     -Bom, é sozinho que é um pouco brusca com ela. Abrupta.

     -Talvez não o seria se não andasse sempre me encarregando algum trabalho idiota, para logo protestar dizendo que não o cumpri de acordo com suas instruções. Congelarei-me entrando essa maldita lenha e verá que dirá que não a amontoei como é devido. Já o verá.

     Suscetível, encaminhou-se de novo ao vestíbulo, cruzou a cozinha sem pronunciar palavra e entrou em oficina em busca de um par de grossas luvas de trabalho que ficavam grandes.

     -Lista? -Lily agarrou uma lanterna e se preparou para seguir ao Tess.

     Assim que Tess abriu a porta, o vento lhes arrojou neve e gelo à cara. olharam-se com os olhos muito abertos e foi Lily quem se adiantou primeiro para o açoite do vento.

     Aferraram a soga e se empurraram para diante, enquanto o vento as fazia retroceder um passo cada três que davam. As botas lhes afundavam até os joelhos na neve, e a luz da lanterna subia e descia na escuridão como um feixe de lua bêbado. Tess apertou os dentes.

     -O inferno não tem nada que ver com o fogo -gritou-. O inferno é o inverno de Montana.

     Lily sorriu apenas e começou a enchê-los braços de lenha.

     -Uma vez que estejamos dentro e bem quentes, com as chaminés acesas, olharemos para fora e nos parecerá bonito.

     -Mentira! -murmurou Tess enquanto lutavam por voltar para a casa com o primeiro carregamento de lenha-. Não morre de vontades de estar em uma cama quente?

     Lily olhou para a cozinha e logo se voltou a contemplar a tormenta.

     -Sim, eu adoraria.

     -Sim. -Tess suspirou e moveu os ombros-. A mim também. Vamos, à tarefa.

     Repetiram três vezes a rotina e Tess começou a desfrutá-lo. Até que perdeu pé e caiu na neve. Com o golpe a lanterna se enterrou.

     -Está bem? Tem-te feito mal?

     Em sua pressa por ajudá-la, Lily se inclinou, perdeu o equilíbrio e caiu de culo com força na neve. Sem fôlego, permaneceu onde estava, afundada até a cintura enquanto Tess rodava sobre si mesmo e cuspia neve.

     -Mierda! Mierda! Mierda! -Enquanto lutava por ficar de pé, Tess entrecerró os olhos para ouvir a risada do Lily-. O que te resulta tão gracioso? Em qualquer momento ficaremos enterradas nesta porcaria de neve e não nos encontrarão até o degelo da primavera. -Mas ela mesma logo que conseguia conter a risada ao ver o Lily sentada em um profundo trono de neve como se fora uma rainha da neve em miniatura-. E parece uma idiota.

     -Você também. -Lançando uma gargalhada, Lily se levou uma mão enluvada ao peito-. E além disso tem barba.

     Com gesto filosófico, Tess se limpou a neve que lhe cobria o queixo e a jogou na cara do Lily. Foi tudo o que necessitaram. Apesar da força do vento, fizeram bolas de neve com as que se atacaram. Rendo a gargalhadas, iniciaram a luta. Estavam sozinho a trinta centímetros uma da outra, de maneira que a pontaria não era problema. Enquanto a neve lhe açoitava a cara e lhe corria sob o pescoço do casaco, Tess teve que admitir que nisso Lily ganhava. Talvez seu aspecto fora delicado, mas seus braços eram como balas.

     Só existia uma maneira de igualar os tantos.

     Tess lhe atirou em cima e lhe agarrou ambas as pernas, fazendo que ambas caíssem e rodassem pela neve. Rendo como hienas, brancas como bonecos de neve, tenderam-se de costas para recuperar o fôlego. Os flocos caíam sobre elas, grandes e pesados.

     -Quando era uma menina, nós gostávamos de fazer anjos de neve -disse Lily e, para demonstrar o significado de suas palavras, estendeu os braços e as pernas sobre a neve-. E uma vez nevou tanto que durante dois dias não pudemos ir ao colégio. Construímos um forte de neve e um exército de soldados de neve. Minha mãe saiu de casa para fotografá-los.

      Tess piscou olhando para cima e tratou de ver o céu negro através da cortina branca.

     -A única vez que fui esquiar, decidi que a neve e eu não fomos compatíveis. -Imitou os movimentos do Lily-. Em realidade suponho que não é tão malote como eu acreditava.

     -É uma maravilha! -Depois riu-. Estou-me congelando.

     -Convidarei a um enorme tigela de café enfeitado com conhaque.

     -Aceito!

     Ainda sorridente, Lily se sentou. Então lhe subiu o coração à boca, lhe impedindo de gritar. Fechou uma mão sobre a do Tess enquanto a sombra se movia, convertia-se em um homem. aproximava-se.

     -cansado-se as duas?

     Tess voltou a cabeça com rapidez enquanto o coração lhe galopava dentro do peito. «Estamos sozinhas -pensou presa do pânico-, muito longe da casa para que nos ouçam gritar em meio deste vento.» A lembrança do veado morto a petrificou. «A lanterna», pensou, enquanto olhava com desespero a direita e esquerda. O homem tinha um com um feixe de luz o suficientemente forte para as cegar enquanto o conservava nas sombras, uma mera silhueta. Tinha vontades de sair correndo, ordenou-se que devia correr e arrastar consigo ao Lily, mas não conseguia mover-se.

     -Não deveriam estar fora na escuridão -disse o homem, aproximando-se mais.

     Nesse momento Tess se moveu, o instinto de sobrevivência surgiu nela, livre como o gato que escapa de uma jaula. ficou de pé de um salto, agarrou um lenho da pilha e se preparou a golpear.

     -Não se aproxime! -Apesar de que lhe tremiam as mãos repartiu a ordem com voz forte e firme-. Te levante, Lily. te levante, maldita seja!

     -Perdão, não quis as assustar. -Moveu a lanterna para que o feixe de luz iluminasse a neve-. Sou Wood, senhorita Tess. Billy e eu acabamos de chegar e minha esposa pensou que talvez vocês necessitassem que alguém as ajudasse por aqui.

     Fala com tom tranqüilo, nada ameaçador e até um pouco divertido, pensou Tess. Mas estavam sozinhas, indefesas e ele era um homem forte cujo rosto ainda mantinha nas sombras. «Não devo confiar em ninguém», decidiu, e aferrou o lenho com mais força.

     -Estamos perfeitamente. Lily, vê dentro e lhe diga ao Bess que Wood está aqui. Diga-lhe vaiou e Lily por fim ficou em movimento.

     -Não é necessário incomodar ao Bess. -Wood iluminou a pilha de lenha e logo o atalho pisoteado que levava a casa-. Minha esposa me está preparando o jantar, mas enquanto isso posso lhes entrar um pouco de lenha. Não acredito que o motor siga trabalhando muito tempo mais.

     Já completamente a sós com o Wood, Tess rezou pedindo que Lily estivesse dentro e alertando ao Bess. O medo lhe subia pela coluna vertebral. Retrocedeu um passo, logo outro.

     -Já entramos um pouco de lenha.

     -Nunca sobra em uma tormenta como esta. -Tendeu-lhe a lanterna e ela pegou um salto, convencida de que se tratava de uma faca-. Será melhor que você sustente a lanterna -adicionou Wood com suavidade-. Eu carregarei a lenha.

     Ainda preparada para sair correndo. Tess estirou a mão e agarrou a lanterna. Wood se inclinou para a lenha no momento em que Lily retornava correndo.

     -Bess está preparando café. -Sua voz subia e baixava como um arpejo-. Diz que se Wood quiser uma taça, há mais que suficiente.

     -Bom, o agradeço muito -respondeu ele enquanto seguia colocando lenhos em um braço dobrado-. Mas em casa me darão café. Vocês entrem. Iluminem o caminho com a lanterna. Eu o conheço de cor e não necessito luz.

     -Sim, entremos. Entremos na casa, Tess. -Tremente, Lily tironeó o braço do Tess-. Obrigado, Wood.

     -De nada -murmurou ele meneando a cabeça enquanto se afastavam-. Mulheres! -disse em voz baixa.

     -Tive tanto medo! -confessou Lily. Assim que entraram na casa lhe arrojou os braços ao pescoço ao Tess-. Você foi muito valente.

     -Não fui valente. Estava aterrorizada. -Então, ao dar-se conta da situação, aferrou o braço do Lily e começou a tremer com violência-. Como é possível que nos tenhamos esquecido? Como pudemos nos pôr a jogar lá fora como um par de idiotas depois de tudo o que aconteceu? Deus! Deus, poderia ser qualquer. por que demoramos tanto em nos dar conta disso? -Retrocedeu e olhou ao Lily aos olhos-. Pode ser qualquer.

     -Adam não. -depois de tirá-los luvas, Lily se esfregou as mãos transidas-. O seria incapaz de machucar a ninguém, ou a nada. E estava conosco hoje quando... quando o encontramos.

     Tess abriu a boca e a voltou a fechar. Que sentido tinha especular sobre a possibilidade de que Adam tivesse saído antes do amanhecer para fazer o que encontraram, e que depois as levasse para ali, para que vissem o que queria que vissem?

      -Não sei, Lily. Simplesmente não sei. Mas se formos ficar aqui e viver este inverno, será melhor que comecemos a pensar e que comecemos a vigiar nossas costas. -tirou-se o casaco e o chapéu-. Não posso imaginar ao Adam fazendo isso. Nem ao Ben. Ou ao Nate. Diabos! Não posso imaginar a ninguém fazendo-o, e nisso estriba o problema. Temos que começar a imaginar.

     -Aqui estamos a salvo. -Lily lhe deu as costas e pendurou seu casaco com cuidado-. Estamos a salvo. Faz muito tempo que não me sentia a salvo e não vou permitir que ninguém me arruíne isso.

     -Lily -disse Tess, apoiando uma mão sobre o ombro de sua irmã-. Estar a salvo significa tomar cuidado. As duas procuramos algo neste lugar -continuou dizendo quando Lily se voltou a olhá-la-. E o queremos até o ponto de nos arriscar a permanecer aqui. Tal como eu o vejo, devemos nos cuidar uma à outra. Se chegar a ver algo estranho, direi-lhe isso e você fará o mesmo comigo. Algo que a uma pareça que não está bem, qualquer que não atue como corresponde. De acordo?

     -Sim, direi-lhe isso. E também o direi a Willa. -Meneou a cabeça antes de que Tess pudesse protestar-. Merece-o, Tess. Ela arrisca tanto como nós. Diria-te que arrisca mais que nós.

     Exatamente, pensou Tess. Depois se encolheu de ombros.

     -Está bem, faremo-lo como você diz. Ao menos no momento. E agora quero esse café.

    

     Beberam café. E esperaram. Comeram guisado. E esperaram.

     O vento uivava e açoitava as janelas, o fogo chispava na chaminé e o relógio de pé do estudo ia marcando as horas que transcorriam.

     Quando Willa entrou já era mais de meia-noite, e entrou sozinha.

     Tess deixou de passear-se pela sala de estar e a estudou. O rosto de seu meio irmana estava branco pela extenuação, e os olhos escuros e exóticos marcados por grandes olheiras. encaminhou-se diretamente para a chaminé deixando detrás de si um rastro de água e de neve sobre os deliciosos tapetes e o estou acostumado a encerado.

     -Onde estão outros? -perguntou Tess.

     -Tiveram que voltar. Têm suas próprias preocupações.

     Tess assentiu e se aproximou do botellón de uísque para servir em um copo uma dose generosa. Tivesse preferido ter ao Ben e ao Nate em casa, mas estava aprendendo que Montana estava cheia de pequenas desilusões. Alcançou- o copo a Willa.

     -O gado está a talher para passar a noite?

     Sem incomodar-se em responder, Will bebeu um grande gole de uísque e logo se estremeceu com violência.

     -Prepararei-te um banho quente.

     Muito cansada para compreender nada, Willa olhou ao Lily.

     -O que?

     -Te vou preparar um banho quente. Está congelada e extenuada. Além disso, deve estar esfomeada. Há guiso na panela. Tess, serve um prato a Willa.

     A Willa apenas ficava a energia suficiente para sentir-se divertida. Desconcertada e sorridente, olhou sair ao Lily.

     -Me vai preparar um banho. Não te parece incrível?

     -É nossa perita doméstica residente. De todos os modos, viria-te bem um banho. Cheira.

     Willa olisqueó e fez um gesto de desagrado.

     -Suponho que sim. -Como o primeiro gole de uísque a tinha feito sentir um leve enjôo, fez a um lado o copo-. Estou muito cansada para comer.

     -Mas te faz falta comer algo. Poderia fazê-lo enquanto te banha.

     -Na banheira? Comer na banheira?

     -E por que não?

     Willa a olhou com assombro.

     -Sim, por que não? -disse e subiu a escada com esforço, disposta a despir-se.

     Lily tinha a banheira cheia de água quente e coberta de espuma. Nua, Willa ficou olhando durante alguns instantes. Um banho de espuma, pensou. Não recordava a última vez que tinha podido dar um banho assim. A grande banheira tinta foi uma das indulgências de seu pai e ela estranha vez a usava. E só quando ele não estava no rancho.

     Agora já não está no rancho, recordou-se. morreu.

     Colocou uma perna na banheira e vaiou quando a água quente entrou em contato com a pele geada. Depois lançou um enorme suspiro e se afundou na água até o queixo.

     jazeu-se a mente de neve, de vento, da tremenda escuridão, da luta brutal para conseguir fazer um rodeio do gado. Sem dúvida deviam ter salteado alguns animais e perderiam outros. Era inevitável. A tormenta se formou com muita rapidez e com tanta brutalidade que foi impossível impedi-lo. Mas fizeram tudo o que puderam.

     Seus músculos uivaram quando jogou atrás a cabeça e fechou os olhos. Não posso pensar, compreendeu ao notar que o cérebro lhe funcionava por momentos e por momentos deixava de funcionar. «Tenha que pensar. Quero pensar.>' Todo movimento, toda tarefa, toda decisão que se tomasse pela manhã, seria instintiva. Sabia o que terei que fazer. Não era sua primeira tormenta de neve. Nem seria a última.

      Mas assassinato.., assassinato e mutilações.

     O que fazer?

     -Se ficar dormida ali dentro te afogará -disse Tess da porta.

     Willa se sentou com o sobrecenho franzido. Não era particularmente pudica. Franzia o sobrecenho pela intromissão, apesar de que o aroma do guisado lhe parecia celestial.

     -Alguma vez te ocorre chamar antes de entrar?

     -Deixou a porta entreabierta, campeã. -Bastante divertida por seu papel de servidora, Tess colocou a bandeja em forma transversal sobre os borde da banheira-. Quero falar contigo.

     Willa só suspirou. ergueu-se o' suficiente para poder comer, colocou a colher no guisado enquanto as borbulhas exploravam sobre seus peitos.

     Tess se instalou no largo bordo da banheira. Vá banho! pensou. Era tão elegante como a fantasia de qualquer estrela de cinema, com seus azulejos de tons rubi, safira e branca, sua selva de samambaias em recipientes de cobre e de bronze. A ducha estava separada em um receptáculo formado por vidros e tinha meia dúzia de duchas colocadas a diferentes alturas e ângulos. E a banheira onde se banhava Willa era o bastante grande como para uma pequena orgia de bom gosto.

     Distraída, Tess colocou uma mão na espuma e a cheirou.

     -Devem ser do Lily.

     -Quer que falemos sobre banhos de espuma? -Willa se ia erguendo mais à medida que aumentava seu entusiasmo pela comida. Tivesse sido capaz de comer uma tonelada desse guisado.

     -Deixaremos para depois os temas femininos. -Tess voltou a cabeça quando Lily apareceu na soleira, com o olhar modestamente fixo uns centímetros por cima da cabeça da Willa-. Trouxe-te a bata, para quando terminar. Deixarei-lhe isso aqui, pendurada na porta.

     -Passa e sente-se -convidou-a Willa com um movimento da mão-. Tess quer falar. -Ao ver que Lily vacilava, Willa levantou os olhos ao céu-. Aqui todas temos tetas, Lily.

     -E de todos os modos, as dela apenas lhe notam -adicionou Tess com um sorriso-. Sente-se -ordenou-. Você foi a que quis colocá-la a ela em tudo isto.

     -No que? -perguntou Willa com a boca enche.

     -Digamos simplesmente que Lily e eu estamos um pouco nervosas. Está de acordo com isso, Lily?

     Ruborizada, Lily baixou a tampa do inodoro e se sentou.

     -Sim.

     A pesar do calor da água, Willa sentiu que lhe congelava a pele.

     -Estão pensando em ir ?

     -Não somos covardes. -Tess inclinou a cabeça-. Nem tolas. As três temos o mesmo interesse em poder superar este ano. E suponho que todas temos idêntico interesse em sobreviver inteiras. Alguém, muito possivelmente alguém deste rancho é... digamos que afeto à faca. Como devemos fazer frente ao assunto?

     Na boca da Willa apareceu uma expressão de tozudez.

     -Conheço meus homens.

     -Mas nós não -assinalou Tess-. Talvez a maneira de começar seria que você nos falasse deles. Que nos dissesse o que sabe de cada um. Por atrativo que pareça, as três não podemos ir ligadas as vinte e quatro horas do dia durante os próximos nove ou dez meses.

     -Tem razão.

     Ante a rápida aceitação da Willa, Tess ficou com a boca: aberta.

     -Bom, bom! Devo marcar este dia em meu calendário! Willa Mercy está de acordo comigo.

     -Sigo sem te poder tolerar. -Willa apurou o resto do guisado que ficava no prato antes de seguir falando-. Mas estou de acordo contigo. Se queremos seguir adiante com isto, as três devemos cooperar. Até que a polícia, ou nós, descubra quem matou ao Pickles, não acredito que nenhuma de vocês dois deva sair sozinha.

     -Eu sei me defender. recebi classes.

     O anúncio do Tess arrancou um bufido da Willa.

     -Em dez segundos te poderia pôr de costas ao chão. E vendo as estrelas. Mas esse é outro cantar. -Tinha vontades de fumar um cigarro e se prometeu que muito em breve se daria o gosto-. Diria que é impossível que Lily e eu nos atemos pela cintura.

     -Eu estou quase todo o dia com o Adam. Trabalhando com os cavalos.

     Willa assentiu e se voltou a afundar na água.

     -Podem confiar no Adam. E no Bess. E no Ham.

     -por que Ham? -quis saber Tess.

     -Ham me criou -explicou Willa com tom cortante-. De todos os modos, durante um tempo o clima lhes vai manter dentro da casa.

     -E o que me diz de ti? -perguntou Lily.

     -Eu me preocuparei comigo mesma. -Willa se inundou, manteve a cabeça balo a água contendo o fôlego e ao voltar a sair, de novo se sentia quase humana-. Não tenho a vantagem de ter seguido os cursos de autodefesa de Hollywood, mas conheço os homens e conheço o terreno. Se alguma de vocês duas está nervosa, pode selar e sair a trabalhar comigo. E agora, a menos que alguém queira me lavar as costas, eu gostaria de ter um pouco de intimidade.

     Tess ficou de pé e em seguida, como se lhe acabasse de ocorrer, inclinou-se a tomar a bandeja.

     -Ser petulante não é muita amparo contra uma faca.

     -Mas um Winchester, sim. -E, satisfeita com isso, Willa agarrou o sabão.

    

     Dormiu mau. A extenuação, por capitalista que fora, não lhe impedia de ter pesadelos. Willa se movia inquieta e se voltava na cama, lutando por dormir enquanto por sua cabeça passavam imagens de sangue e de facas.

     Quando a leve luz do inverno penetrou por entre o muro de neve que caía incessante, estremeceu-se e desejou que houvesse algo, alguém, em quem pudesse apoiar-se. Solo por um ratito.

 

     Outra pessoa despertou a essa luz débil com idênticas imagens correndo como um rio por sua cabeça. Mas o fizeram sorrir.

    

     Do jornal do Tess:

     Começa-me a gostar da neve. Ou talvez me esteja voltando louca. Cada manhã, ao olhar pela janela de meu dormitório, ali está, branca e brilhante. Quilômetros de neve. Não posso dizer que eu goste do frio. Ou o maldito vento. Mas a neve, sobre tudo quando estou dentro e Miro para fora, tem certo atrativo. Ou talvez eu esteja começando a me sentir a salvo de novo.

     Falta uma semana para Natal e não aconteceu nada que interrompa a rotina. Nenhum homem assassinado, nenhum animal esquartejado. Solo o silêncio espectral dos dias talheres de neve. Talvez depois de todo a polícia tenha razão e o que matou a esse pobre velho calvo tenha sido um psicótico que passava por aqui. Quão único podemos fazer é nos aferrar a essa esperança.

     Lily desfruta de do espírito das festas. É uma mulher estranha e doce. Reage como uma criatura com o Natal, esconde pacotes em seu dormitório, envolve presentes, cozinha doces com o Bess. Doces maravilhosos o qual significa que terei que adicionar quinze minutos mais a minha ginástica matinal.

     Fizemos uma viagem até o Billings, um povo que não vale nada, para fazer algumas compra natalinas. O presente do Lily me resultou fácil. Encontrei um bonito passador em forma de cavalo encabritado, muito delicado e feminino. Supus que teria que lhe dar algo à amargurada do Bess e me decidi por um livro de receitas culinárias. Lily esteve de acordo, de maneira que suponho que não corro perigo de me haver equivocado. A vaqueira é outra questão. Ainda não consigo defini-la.

      Essa mulher é temerária ou tola?

     Sai todos os dias e, quase sempre, sozinha. Trabalha a arrebentar, vai todas as tardes à velha casa dos peões para conversar com eles. E quando está na casa, pelo general se enterra até os olhos em cadernos de anotação e em informe boiadeiros.

     Temo-me que começo a admirá-la e não sei se isso eu gosto. Comprei-lhe um suéter de cachemira, não sei por que. Nunca usa nada que não seja de flanela. Mas o suéter é de um vermelho brilhante, muito suave e feminino. O mais provável é que ela termine ficando o sobre os calções largos de lã para castrar animais. Ao diabo com o assunto

     Para o Adam, porque me atrai em um sentido completamente fraternal, encontrei uma formosa aquarela das montanhas. Recorda a ele.

     depois de grandes debates comigo mesma decidi que também lhes compraria um presente ao Ben e ao Nate, considerando que eles passam aqui tanto tempo. Ao Ben comprei um vídeo de Rio Vermelho, uma espécie de brincadeira que espero saiba aceitar.

     E depois de alguns dissimulados interrogatórios, descobri que Nate tem debilidade pela poesia. lhe darei um volume do Keats. Já veremos como reage.

     Entre as compras, os aromas que surgem da cozinha e as decorações, estou-me contagiando do espírito das festas. Acabo de lhe enviar uma tonelada de presentes a mamãe. Com ela não é questão de qualidade mas sim de quantidade, e sei que a fará feliz desfazer pacotes durante horas inteiras.

     O mais insólito de tudo é que a sinto falta de.

     Apesar de todo este ambiente de Papai Noel, estou inquieta. Acredito que porque devo passar muitas horas encerrada na casa. Utilizo esse tempo extra, porque aqui os dias de inverno estão cheios de tempo já que obscurece antes das cinco da tarde, para jogar com a idéia de um livro. Solo para me divertir e passar o tempo nestas noites incrivelmente largas.

     E falando de noites largas... Como tudo parece tranqüilo, penso tirar um dos jipes e ir a casa do Nate a lhe dar seu presente. Ham me deu a direção do... como chamá-lo? campo do Nate. Faz semanas que espero que convide a sua casa, e que ele dê o primeiro passo. Mas suponho que terei que ser eu a que ponha em marcha o assunto.

     Não posso decidir até que ponto devo ser sutil para conseguir levá-lo a cama, de maneira que não terei mais remedeio que interpretar de ouvido. Ao passo que anda ele, chegará a primavera antes de que nos deitemos juntos.

     Ao diabo com isso também!

 

     -Vai a alguma parte? -perguntou Willa no momento em que Tess descia pela escada.

     -Em realidade, sim -respondeu ela olhando a Willa que luzia sua habitual uniforme de camisa de flanela e jeans-. E você?

     -Eu acabo de chegar. Algumas de nós não temos tempo para nos passar uma hora inteira diante do espelho. -Willa franziu o sobrecenho-. Puseste-te um vestido.

     -Sério? -Fingindo surpresa, Tess olhou a singela saia ajustada de lã que chegava aos joelhos-. Bom, como terá acontecido isso? -encaminhou-se ao vestíbulo-. Tenho que entregar um presente de Natal. Recorda que se aproxima o Natal, verdade? Até com seu amontoado de trabalhos e de obrigações deve ter ouvido falar do Natal.

     -Sim, ouvi rumores. -Vestido atrativo, saltos altos, perfume, pensou Willa, entrecerrando os olhos-. Para quem é o presente?

     -vou visitar o Nate. -Tess se voltou para luzir sua capa-. Espero que tenha à mão alguma bebida cerimoniosa.

     -Devi imaginá-lo -murmurou Willa-. Romperá-te o pescoço caminhando até o jipe sobre o gelo com esses saltos altos.

     -Tenho um excelente equilíbrio. -Com uma saudação descuidada da mão, Tess saiu-. Não me espere levantada, hermanita.

     -Sim. Feliz equilíbrio -repetiu Willa enquanto observava ao Tess aproximar-se graciosamente ao jipe-. Espero que Nate também tenha bom equilíbrio.

     voltou-se, encaminhou-se à sala de estar e se tendeu no sofá. depois de dirigir um largo olhar ao alta árvore elaboradamente decorado que se erguia diante de uma janela, enterrou a cara no estofo de couro.

     Para ela Natal sempre foi uma época desgraçada do ano. Sua mãe morreu um mês de dezembro. Não o recordava, mas sabia e era algo que sempre empanava as festas. Deus era testemunha de que, com doces e decorados, presentes tolos e canções, Bess tentou repará-lo. Mas nunca houve uma família reunida ao redor do piano, nenhuma família sentada ao redor da árvore, abrindo presentes durante a manhã de Natal.

     Ela e Adam sempre intercambiaram seus presentes a véspera de Natal. depois de que o pai da Willa estivesse bêbado como uma Cuba e roncando em sua cama.

      Sempre havia presentes sob a árvore com seu nome neles. Bess se encarregava disso e durante anos os assinou com o nome do Jack. Mas ao fazer dezesseis anos, Willa deixou de abrir esses presentes. depois de tudo eram uma mentira e logo depois de um par de intentos infrutíferos, Bess abandonou o simulacro.

     As manhãs de Natal significavam ressacas e maus humores e, a única vez que ela teve a valentia de protestar, uma forte bofetada.

     Assim fazia muito tempo que Willa não esperava com ânsias as festas.

     E agora estava cansada, tão cansada! O inverno chegou muito logo e com um excesso de brutalidade. Tinham perdido mais ganho do que esperavam e ao Wood preocupava que não tivessem semeado bastante logo o trigo de inverno. O preço do novilho tinha cansado no mercado... não o suficiente para deixar-se levar pelo pânico, mas sim o necessário para preocupar-se.

     E descobriu que esperava, dia a dia, encontrar-se com algo ou alguém, morto de novo na porta de sua casa.

     «Não tenho com quem falar», pensou. De maneira que se guardava suas preocupações. Não queria que Lily e Tess estivessem aterrorizadas cada minuto do dia, mas tampouco podia relaxar-se e ignorar o que acontecia. assegurou-se de que ela, Adam ou Ham as vigiassem a ambas cada vez que saíam da casa.

     E agora Tess se foi em um jipe, e Willa não teve a energia nem a sabedoria necessária para detê-la.

     Chama o Nate, disse-se. te levante, chama o Nate e lhe avise que ela vai para lá. O a cuidará. Mas Willa não se moveu; era como se não pudesse mover as pernas para sentar-se. Para sentar-se e fazer frente a essa árvore alegre, lastimosamente alegre, cheio de presentes.

     -Se for dormir, seria melhor que te deitasse.

     Ouviu a voz do Ben, resignou-se a isso.

     -Não estou dormindo. Solo estou descansando um momento. Vete.

     -Não entendo; quando venho não me diz que vá. -De modo que se sentou no meio do sofá-. Está-te cansando muito, Willa. -Com uma mão lhe voltou a cara que ela mantinha enterrada no sofá. Ao ver as lágrimas que lhe corriam pelas bochechas, deixou cair a mão como se se queimou-. Está chorando!

     -Não, não estou chorando. -Humilhada, voltou a afundar a cara no couro da poltrona-. Estou cansada, isso é tudo. Mas a voz lhe quebrou e a encheu de vergonha-. Me deixe sozinha! me deixe sozinha! Estou cansada.

     -Vêem aqui, querida. -Embora tinha pouca experiência com mulheres chorosas, supôs que seria capaz de dirigir a situação. Elevou-a com a facilidade com que teria elevado a uma criatura, colocou-a sobre seus joelhos e a embalou-. O que te passa?

     -Nada. É sozinho que... Tudo -conseguiu responder Willa, deixando cair a cabeça sobre o ombro do Ben-. Não sei o que me passa. Mas não estou chorando.

     -Está bem. -Decidiu que aos dois convinha simular que não chorava, de maneira que solo a abraçou com mais força-. De todos os modos, permaneçamos um momento aqui sentados. É muito cômodo te abraçar, considerando que é uma mulher tão ossuda.

     -Ódio o Natal.

     -Não, não a odeia. -Beijou-lhe a cabeça-. Solo está extenuada. Sabe o que deveria fazer, Will? Você e suas irmãs deveriam tomar uns dias de férias e ir a um desses elegantes centros de águas termais. Deixar que lhe mimem e tomar banhos de barro.

     Willa lançou um bufido, mas se sentiu melhor.

     -Sim, claro! As garotas e eu cobertas de barro e intercambiando intrigas. Esse é justo meu estilo.

     -Melhor ainda, poderia ir comigo. Agarraríamos uma habitação que tivesse uma dessas enormes banheiras cheias de borbulhas e uma cama em forma de coração com um espelho no céu raso. Assim poderia ver o que acontecesse enquanto fizéssemos o amor. Dessa maneira aprenderia mais rápido.

     A proposta tinha certo atrativo decadente, mas ela se encolheu de ombros.

     -Não tenho nenhuma pressa.

     -Mas eu estou começando a ter pressa -murmurou Ben e logo lhe jogou a cabeça para trás-. Faz momento que não fazemos isto. -E apoiou sua boca contra a dela.

     Willa não simulou resistir nem protestar, sobre tudo considerando que era exatamente o que o fazia falta. A calidez, a mão segura, a boca hábil. Assim em lugar de resistir passou os braços ao redor do pescoço do Ben, voltou-se para ele e deixou que se apagassem todas suas dúvidas, suas preocupações e suas más lembranças.

     Ali encontrava consolo e, além de todo o resto, Ben era uma pessoa disposta a escutá-la e que talvez até lhe tivesse um pouco de afeto. afundou-se nisso, nessa necessidade que era tão forte como o desejo que Ben depenava nela.

     Ele sentiu que a necessidade que com tanto cuidado reprimia, vencia todas suas resistências. A inesperada doçura da Willa, sua surpreendente e excitante docilidade, esses pequenos ardores que falavam de paixão e que se ocultavam atrás de sua inocência.

     A combinação esteve a ponto de romper todos seus freios.

      De maneira que foi ele quem se tornou atrás, ela a que protestou. Lutando por moderar seus instintos à força de sentido comum, Ben a voltou a trocar de posição e apoiou novamente a cabeça da Willa sobre seu ombro.

     -Proponho-te que fiquemos um momento simplesmente aqui sentados.

     Ela sentiu que, sob sua mão, o coração do Ben pulsava desordenadamente. Sentiu que os batimentos do coração de seu próprio coração lhe ressonavam dentro da cabeça.

     -Sempre me agita e me perturba. Não sei por que é sempre você o que me perturba, Ben. Não me posso explicar isso.

     -Bom, agora me sinto muito melhor. -Ben lançou um suspiro e logo apoiou a cabeça contra a dela-. Isto não é tão desagradável.

     -Não, suponho que não.

     Assim que se sentou na saia do Ben enquanto suas inquietações se acalmavam. Observou o reflexo das luzes da árvore, e a neve que caía, apenas um sussurro de brancura que se via sobre a janela.

     -Tess foi a casa do Nate -disse por fim.

     Ben percebeu seu tom e já a conhecia bastante bem para interpretá-lo.

     -E isso se preocupa?

     -Suponho que Nate saberá arrumar-se. -Fez um movimento inquieto, logo se deu por vencida e se permitiu fechar os olhos.

     -se preocupa Tess?

     -Talvez. um pouco. Sim. Faz semanas que não acontece nada, mas... -Exalou uma baforada de ar-. Não a posso vigiar todos os instantes do dia e da noite.

     -Não, não pode.

     -Ela crie sabê-lo tudo. A Senhorita da Grande Cidade com seus cursos de defesa pessoal e sua roupa extravagante. Mierda! Aqui está tão perdida como um camundongo em um quarto cheio de gatas famintas. E se lhe danifica o jipe ou se sai do caminho? -Respirou fundo antes de dizer o que mais a preocupava-. E se o que matou ao Pickles ainda anda por aqui, à espreita?

     -Como bem disse, faz semanas que não aconteceu nada. O mais provável é que esse indivíduo se foi faz tempo.

     -Se isso for o que crie, por que vem quase todos os dias e utiliza as desculpas mais parvas para passar por aqui?

     -Não são tão tolas -respondeu ele e em seguida se encolheu de ombros-. Está você. -Não se incomodou em franzir o sobrecenho quando a ouviu bufar-. Está você -repetiu-. E está o rancho. E, sim, penso no assunto. -Voltou-lhe a levantar a cabeça e a beijou com rapidez e com força-. Direi-te o que faremos; passarei por casa do Nate para ver se Tess chegou bem.

     -Ninguém te pede que te faça cargo de meus problemas.

     -Não, ninguém me pede isso. -Levantou-a, sentou-a a seu lado e logo ficou de pé-. Talvez chegue o dia em que me peça algo, Willa. É possível que te desmorone e me peça ajuda. Enquanto isso, farei as coisas a minha maneira. vá deitar te -ordenou--. Faz-te falta uma noite decente de sonho. Eu me encarregarei de sua irmã.

     Ela o olhou sair franzindo o sobrecenho e se perguntou o que seria o que ele esperava que lhe pedisse.

    

     Tess chegou a casa do Nate. Considerou que era uma esplêndida isso aventura de conduzir sob uma leve nevada na profunda escuridão do campo. Tinha a rádio acesa a todo volume, e milagrosamente, encontrou uma emissora que emitia rock. Cantou a gritos junto com o Rod Stewart enquanto se aproximava das luzes do rancho do Nate.

     Prolixo como um quadro do Currier e Eves, decidiu. O caminho de entrada limpo de neve e apenas talher pelos últimos flocos cansados, os edifícios próximos à casa principal, os retângulos de cercos e a crescente sombra das árvores.

     Os faróis deveram despertar aos cavalos, porque três deles saíram trotando das cavalariças e se detiveram olhá-la passar do curral.

     Eles também são bonitos como um quadro, pensou Tess, com suas caudas ao vento e seus cascos movediços. Um deles se aproximou tanto ao alambrado que reduziu a velocidade para poder estudá-lo melhor.

     Seguiu avançando, tomou a curva suave do caminho que conduzia à casa principal. A casa também era bonita. Pouco pretensiosa, decidiu Tess, uma casa de dois pisos, com um alpendre generoso, persianas brancas contra madeira escura, duas chaminés das que se elevava fumaça para o céu. Singela, pensou, despretensioso. Igual ao homem que ali vivia.

     Sorria quando tomou a carteira, o pacote do presente, e desceu do jipe. E logo que conseguiu conter um grito ao ver o gato montês.

     Retrocedeu três passos e se chocou com força contra o jipe. Os olhos do gato estavam cravados nos dela. Estava morto, frio como a pedra e pendurado sobre o poste. Mas lhe fez acontecer um muito mau momento.

      As presas e as unhas eram afiados e letais e lhe indicaram com exatidão o que podia lhe acontecer a uma mulher o suficientemente descuidada para topar-se com um desses animais vivos. Não estava mutilado e a falta de sangue a tranqüilizou. «Simplesmente pendura do poste, como se fora um tapete», pensou Tess, surpreendida. Em seguida se estremeceu e afastando-se todo o possível do animal, subiu os degraus que conduziam à entrada da casa.

     Que classe de gente é capaz de pendurar o corpo de um gato montês morto perto da fachada da casa?, perguntou-se. Com uma risada nervosa, olhou o presente que levava na mão. E depois essa mesma pessoa lia poesias do Keats?

     Deus, que território!

     No momento em que levantava a mão para chamar, a porta se abriu. No estado de ânimo em que se encontrava, Tess se alegrou de haver-se solo sobressaltado, conseguindo sufocar um grito de medo.

     Uma mulher moréia, de baixa estatura, estudou-a com ar solene. Era quase tão larga como alta, e estava envolta em um casaco negro e em uma série de cachecóis. Tinha o cabelo negro metido dentro de outro cachecol, mas Tess alcançou a notar que estava salpicado de cãs.

     -Senhorita -disse, com seu cálida voz-. No que posso lhe ser útil?

     A atrativa voz que surgia dessa cara pequena e enrugada fascinou ao Tess, quem imediatamente decidiu utilizá-la em um personagem de seus guias. Seu sorriso foi mais ampla e brilhante.

     -Olá! Sou Tess Mercy.

     -Sim, senhorita Mercy. -Ante o sobrenome Mercy, a mulher retrocedeu e abriu por completo a porta como convidando-a a passar.

     -Eu gostaria de ver o senhor Nate. Se não estar ocupado.

     -Está em seu escritório. Ali no extremo do vestíbulo. Acompanharei-a.

     -Você ia sair. -E Tess não queria que ninguém anunciasse sua chegada-. Eu mesma encontrarei o despacho, senhora...?

     -Cruz. -Piscou um instante ao ver que Tess lhe oferecia sua mão, logo tomou e a estreitou com força-. O senhor Nate se alegrará de vê-la.

     «Alegrará-se?», pensou Tess, mas continuou sonriendo.

     -Trouxe-lhe um regalito -explicou, assinalando o pacote envolto em papel de brilhantes cores-. Uma surpresa.

     -É você muito generosa. É a terceira porta à esquerda. -O leve sorriso da mulher indicou ao Tess que o pretexto de sua visita era muito óbvio. Pelo menos para outra mulher-. boa noite, senhorita Mercy.

     -boa noite, senhora Cruz.

     E Tess riu para seus adentros quando a porta se fechou atrás dela e ficou sozinha no silencioso vestíbulo.

     Alegres atapeta de desenhos geométricos sobre chãos de madeira escura, excelentes desenhos a pluma sobre paredes de cor marfim. Formosos acertos de flores secas em vasos de bronze... Esse deve ser o toque da senhora, disse-se Tess enquanto percorria o lugar.

     Um fogo crepitava na chaminé de pedra da sala de estar que tinha um suporte também de pedra sobre a que havia candelabros de estanho e uma coleção de estranhos pisapapeles. Os móveis eram amplos e muito masculinos, com almofadões profundos. Cores escuras para que contrastassem com paredes claras e tapetes brilhantes.

     Uma combinação interessante, decidiu Tess. Singela, masculina e entretanto agradável à vista.

     Ao aproximar-se da porta aberta do despacho escutou os tons baixos de um concerto do Mozart.

     E ali estava ele, magro, atrativo e com aspecto do Jimmy Stewart instalado em uma cadeira de respaldo alto detrás de um grande escritório de carvalho. O abajur do escritório lhe iluminava as mãos e ele fazia notas sobre um bloco de papel de papel amarelo. Tinha o sobrecenho franzido, a gravata solta, o cabelo, tão loiro e abundante, despenteado. Despenteado de tanto mesarse o cabelo, pensou Tess.

     «Bom, bom -pensou-. O coração começa a me palpitar com força.» Divertida, observou-o alguns instantes mais, contente de poder estudá-lo enquanto ele trabalhava, ignorante de sua presença.

     A habitação estava cheia de livros, sobre o escritório tinha uma taça de café e trabalhava com essa formosa música de fundo.

     «Nate -decidiu Tess, enquanto se alisava o cabelo-, te considere perdido.»

     -Boa tarde advogado Torrence.

     Consciente de que estava admiravelmente se localizada na porta, sorriu com lentidão quando ele levantou a cabeça surpreso e de seus olhos desapareceu toda preocupação pelo trabalho.

     -Bom, tudo bem, senhorita Mercy? -ficou tenso ao vê-la ali, com um toque de neve sobre o cabelo e a capa. A tensão aumentou quando viu o secreto sorriso feminino de seus lábios, mas se reclinou contra o respaldo da cadeira, como um homem perfeitamente cômodo e tranqüilo-. Esta sim que é uma agradável surpresa!

      -Isso espero. E também espero não estar interrompendo algo de vital importância.

     -Nada de vital importância. -As notas que estava fazendo lhe tinham apagado por completo da mente.

     -A senhora Cruz me abriu. -Começou a aproximar-se do escritório pensando no puma. Arrancaria uma página do livro dos felinos e jogaria com sua vítima antes de preparar-se para a caça-. Sua ama de chaves.

     -Minha ama de chaves. -Estava confundido. O que devia fazer? Ficar de pé, lhe oferecer uma taça ou permanecer onde estava? por que diabos o estaria olhando como se já se lambesse com o que ficava de seus despojos?. María e Miguel, seu marido, mantêm este rancho em movimento. Esta é uma visita social, Tess, ou anda em busca de um advogado?

     -Social no momento. Solo social. -tirou-se a capa e notou que Nate piscava. Sim, decidiu, não cabe dúvida de que este vestido é um êxito total-. Se quiser que te seja franco, me fazia falta sair dessa casa. -Deixou a capa sobre o respaldo de uma poltrona, logo apoiou um quadril sobre o bordo do escritório, permitindo que a saia lhe levantasse até a coxa-.! Sofri uma espécie de sensação de fechamento.

     -Está acostumado a acontecer. -Não tinha esquecido as pernas do Tess, mas fazia tempo que solo as via embainhadas em jeans ou em grossas calças de lã. E assim, à vista, bem por cima dos joelhos, secavam-lhe a boca-. Posso te oferecer uma taça?

     -Seria maravilhoso. -Cruzou as pernas com lentidão-. O que tem no bar?

     -Isto... -Não o recordava e se sentiu como um verdadeiro parvo.

     «Isto vai cada vez melhor», pensou Tess, enquanto se deslizava do escritório ao chão.

     -Quer que eu mesma o constate? -encaminhou-se para os botellones que estavam sobre uma mesa no! outro extremo do quarto e se decidiu por um vermut-. Acompanha-me?

     -É obvio! Obrigado. -Fez a um lado a taça de café. Não cabia dúvida de que a cafeína não o ajudaria a superar esse momento-. Faz um par de dias que não hei, podido ir ao Mercy. Como andam as coisas?

     -Tranqüilas. -Serve dois copos e os levou a escritório. depois de aproximar um ao Nate, voltou a sentar-se sobre o bordo do escritório, esta vez a seu lado-. Embora festivas. -inclinou-se apenas e entrechocó seu copo com o dele-. Feliz Natal. Em realidade... -bebeu um pequeno sorvo de vermut- esse é um dos motivos pelos que passei por aqui. -Agarrou o pacote que tinha deixado sobre o escritório-. Feliz Natal, Nate!

     -Trouxeste-me um presente? -Olhou o pacote com os olhos entrecerrados, como esperando que se tratasse de uma brincadeira.

     -Só um tolice. foste um bom amigo e conselheiro. -Sorriu-. O vais abrir agora ou prefere esperar até a manhã de Natal? -tocou-se o lábio superior com a ponta da língua e tudo o sangue do Nate foi da cabeça a entrepierna-. Se quiser, posso voltar.

     -Eu morro pelos presentes -explicou Nate, enquanto abria pressuroso o pacote. Ao ver o livro, sentiu de uma vez um pouco de vergonha e uma suave emoção-. Também sou um parvo quando se trata do Keats -murmurou.

     -É o que me disseram. Pensei que enquanto o lia, talvez te lembrasse de mim.

     Ele elevou a vista para olhá-la.

     -Penso em ti sem necessidade de incentivos.

     -Sério? -Lhe aproximou mais e se inclinou para poder tomar a gravata que levava frouxa ao redor do pescoço-. E o que pensa?

     -Neste momento, que está tratando de me seduzir.

     -Vejo que é muito rápido, muito inteligente. -Pegou-lhe um puxão à gravata e a boca do Nate se apoiou sobre a sua.

     Igual à casa, igual ao homem em si, sua fome era singela e despretensiosa. Nate fechou as mãos sobre os peitos do Tess, percebendo seu peso e seu calidez.

     E quando ela se moveu para sentar-se escarranchado, Nate lhe agarrou as nádegas com as mãos.

     antes de que ele tivesse tempo de respirar, ela já tinha afastado a gravata e começava a lhe desabotoar a camisa.

     -Se tivesse tido que suportar outra semana sem que me acariciasse, acredito que teria gritado. -Mordeu-lhe o pescoço-. Prefiro gritar nesta postura.

     Nate ainda não tinha tido tempo de respirar, mas não cabia dúvida de que suas mãos estavam muito ocupadas, levantando essa saia curta e apertada por cima dos quadris do Tess e encontrando a delícia da carne firme coberta por meias de seda.

     -Não podemos... aqui. -Voltou a dedicar-se a seus peitos, sem poder decidir o que era o que precisava acariciar primeiro-. Vamos -conseguiu balbuciar enquanto a beijava com paixão-. Levarei-te acima.

     -Aqui. -Jogou atrás a cabeça e os lábios do Nate lhe percorreram o pescoço. Tinha uma boca maravilhosa. Era o que ela supunha-. Aqui e agora. -Já a ponto de explorar, atirou-lhe do cinturão-. Te apresse. A primeira vez, rápido. Depois já nos ocuparemos dos refinamentos.

      Nisso ela também estava de acordo. Duro como o aço, dolorido, desesperado. Lutou com a cremalheira da saia enquanto ela lutava com a de suas calças.

     -Não me pus nenhuma... OH, Deus! Que maravilhosa é!

     Baixou-lhe o vestido o necessário para topar-se com esses formosos peitos cheios que caíam sobre um sutiã negro de encaixe. Arrancou-lhe o sutiã com os dentes e logo se dedicou a ela.

     Foi um impacto. Quando essa boca que se ocupava de seu corpo a fez cair das alturas sem nenhuma rede que detivera sua queda, lhe estremeceu o corpo, a mente lhe girou como enlouquecida.

     -Deus! OH, Meu deus! -Deixou cair a cabeça para trás e absorveu esse primeiro orgasmo delicioso-. Mais. Agora.

     Acabava de explorar em cima dele, de uma maneira selvagem e fabulosa e o obnubilaba por completo. Com as mãos cheias do Tess, Nate apoiou os lábios sobre os dela e tratou de pensar.

     -Devemos subir, Tess. Pelo general eu não me dedico ao sexo em meu escritório. Não estou preparado para isso.

     -Está bem. -Apoiou a frente contra a do Nate e respirou fundo três vezes. Estava tremente como uma colegiala. Mas eu sim o estou.

     Jogou um braço para trás e jogou no piso as coisas apoiadas sobre o escritório, enquanto ele aproveitava a posição para lhe chupar um peito. Tess ouviu sua própria respiração ofegante, tivesse podido jurar que ficava vesga enquanto estirava a mão para trás para tomar sua bolsa. Abriu-o, atirou-o a um flanco e de seu interior surgiu uma série de preservativos.

     Nate piscou. Um cálculo rápido lhe indicou que deviam ser pelo menos uma dúzia. De maneira que se esclareceu garganta.

     -Não sei se me assustar ou me sentir adulado.

     Fez-lhe graça. Sentada ali, médio nua, excitada como o demônio, não pôde menos que lançar uma gargalhada rouca.

     -Considera-o um desafio.

     -Boa resposta. -Mas quando Nate estirou a mão para tomá-los, ela os pôs fora de seu alcance.

     -Ah, não! me permita.

     Com o olhar cravado nos olhos dele, extraiu um preservativo. A música do Mozart seguia ressonando quando lhe tirou as calças, lançou uma exclamação felina de expectativa e com lentidão, com uma lentidão lhe torturem, protegeu a ambos.

     Nate tinha os pulmões obstruídos, os dedos cravados nos braços da poltrona. Os movimentos do Tess com as mãos eram inteligentes, delicados como uma rosa. E de repente Nate teve medo de desgraçar-se como um adolescente virgem.

     -Maldita seja! Que hábil é!

     Ela sorriu e trocou de posição.

     -Não tenho feito mais que pensar nisto desde que te vi pela primeira vez.

     Nate tomou os quadris assim que ela se elevou por cima dele e a manteve ali enquanto ambos se estremeciam.

     -Sim? Bom então fomos dois.

     Lhe apoiou as mãos sobre os ombros e afundou os dedos em sua carne.

     -Então, para que esperar tanto tempo?

     -Maldito silo sei!

     Com lentidão, cravou os olhos nos dela, baixou-a, penetrou-a, encheu-a. Ela se estremeceu uma vez, lançou um comprido gemido rouco e não moveu um só músculo. Fechou os olhos. Logo os abriu.

     -Sim -disse, e voltou a sorrir.

     -Sim.

     Manteve as mãos sobre os quadris do Tess, enquanto ela o montava, com dureza, com rapidez e bem.

    

     Mais tarde, quando ficou flácida em seus braços, Nate conseguiu alcançar o telefone. Ela se queixou apenas quando ele se moveu para marcar um número.

     -Will? Sou Nate. Tess está aqui... Sim, ficará a passar a noite em casa. -Voltou a cabeça, mordiscou-lhe o ombro nu e se deu conta de que ainda não lhe tinha tirado o vestido por completo. Já haverá tempo mais que suficiente para isso, pensou, e escutou o que dizia Willa-. Não, está muito bem. É uma maravilha. Voltará pela manhã. Adeus.

     -Isso foi muito considerado de sua parte -murmurou Tess.

     Em algum momento lhe tinha arrancado vários botões da camisa e nesse instante desfrutava de do contato da pele nua do peito do Nate sob seus dedos preguiçosos.

     -Ela se teria preocupado. -Conseguiu subir o vestido enrugado mais acima da cintura e o tirou pela cabeça. Nesse momento só luzia um par de meias, atrativos saltos altos e um sorriso satisfeito-. Como se sente?

     -Maravilhosamente bem. -tornou-se atrás o cabelo e entrelaçou as mãos detrás da cabeça do Nate-. E você?

     O lhe deslizou as mãos sob as nádegas para levantá-la enquanto ele mesmo ficava de pé.

      -Afortunado -respondeu, e voltou a deitá-la sobre o escritório. Demorou um instante em jogar no chão o bloco de papel que ainda ficava junto à cabeça do Tess-. E disposto a ser ainda mais afortunado.

     Surpreendida, interessada, ela sorriu.

     -Bom, bom! Já começamos o segundo assalto?

     -te agarre a mim, querida. -Passou-lhe as mãos por todo o corpo, fascinado ao ver que ela tremia-. E te aferre com força.

     Tess não demorou muito em tomar a sério sua advertência.

    

     A véspera de Ano Novo subiu a temperatura. Uma das mudanças incríveis de tempo provocados pelo El Niño, que solo podia ter sentido para Deus, trouxe-lhes um céu azul brilhante, sol e ar quente. em que pese a que significaria barro e sujeira, além de gelo quando voltasse para sopro o vento, era um momento que terei que desfrutar.

     Willa percorreu alambrados vestindo uma jaqueta liviana de tecido vaqueiro e assobiava enquanto reparava os danos. Os picos das montanhas estavam talheres de neve e também suas dobras e terrenos baixos. Nas pradarias, o vento quente do oeste tinha deixado ao descoberta partes de terra e de pasto através da neve, enquanto os montões de neve empilhada a ambos os flancos dos caminhos do rancho ainda eram mais altos que os veículos que por eles transitavam. Mas os álamos, já sem seu bordo de arminho, elevavam-se nus e negros pela água, enquanto os pinheiros cresciam de um verde profundo.

     Willa pensou que a singela felicidade do Lily era o que estava influenciando seu estado de ânimo. A felicidade natalina de sua irmã era ainda forte e resultava irresistível.

     «O que outro motivo -pensou Willa-, me teria levado a aceitar o vacilante pedido do Lily de que oferecêssemos uma festa de vésperas de Ano Novo?» Receber tanta gente na casa, ter que vestir-se de festa, manter conversações. Com todas as preocupações que já tinha, seria uma verdadeira tortura.

     Mas não teve mais remedeio que confessar-se que lhe alegrava ter aceito a proposta. Lily, Bess e Nell viviam na cozinha preparando a festa. A casa estava impecável, escovada, lustrada e tão brilhante que cegava, e Willa tinha a ordem de estar banhada e vestida às oito da noite em ponto. E compreendeu que o faria, pelo Lily.

     Ao longo desses meses, em algum momento se afeiçoou, quase apaixonado por essa desconhecida que era sua irmã.

     Quem pode resistir a querê-la?, perguntou-se enquanto montava ao Moon e seguia seu caminho. Lily era doce, boa e paciente. E vulnerável. Por mais que Willa fez o impossível por manter distância entre elas, cada vez estavam mais unidas, até o ponto de que já não podia imaginar ao Mercy sem o Lily.

     Ao Lily gostava de juntar ramitas, que metia em velhas garrafas. e; de algum jeito conseguia que ficassem alegres e encantadoras. Procurava velhos recipientes nos armários, enchia-os de frutas ou adornava canastos com abacaxis. Tirava novelo do estufa e as distribuía por toda a casa.

     Ao ver que ninguém se queixava, foi mais à frente. Procurou candelabros nos armários, comprou velas perfumadas que acendia pela tarde, obtendo que a casa tivesse aroma de baunilha, limão ou só Deus sabia a que outra coisa.

     Mas era agradável. Willa soube o que significava converter a casa em um lar.

     E qualquer que tivesse olhos se dava conta de que Adam estava apaixonado por ela. um pouco atemorizado por quão vulnerável era Lily, mas de todos os modos apaixonado em silêncio dela. Com tempo e com cuidado, esse amor florescerá, pensou Willa. Duvidava que Lily se desse conta de quão profundos eram os sentimentos do Adam para ela. Desde seu ponto de vista, Lily só supunha que Adam a tratava com bondade.

     Desmontou para reparar outro lance de alambrado quebrado.

     Depois estava Tess. Willa não podia dizer que a senhorita Hollywood a fascinasse, mas talvez lhe incomodasse menos que antes. Para começar, Tess se mantinha fora de seu caminho, encerrava-se várias horas ao dia para escrever ou falar por telefone com seu representante. Cumpria com os trabalhos que lhe atribuíam. Não com alegria e, com freqüência não muito bem, mas cumpria com eles.

      Willa tinha plena consciencia do que acontecia entre o Tess e Nate. Solo que preferia não pensar no assunto. «Isso nunca chegará a nada -decidiu-. Quando terminar o prazo durante o que o testamento as obriga a permanecer no rancho, Tess voará aos Anjos e jamais voltará a pensar no Nate.»

     Quão único esperava era que Nate estivesse preparado para viver esse momento.

     «E o que me diz de ti, Will?», perguntou-se. apoiou-se contra um poste, olhou as montanhas e desejou poder montar ao Moon e subir e subir e subir até perder-se na neve, as árvores e o céu. No silêncio que ali reinava. Nessa paz. Na música da água que saltava de rocha em rocha e se abria caminho por entre o gelo, no som do vento entre os pinheiros, e nesse perfume glorioso que era a respiração da terra.

     Não ter responsabilidades, embora fosse por um dia. Nenhum peão a quem dar ordens, nenhum alambrado que reparar, nem ganho que alimentar. Solo um dia dedicado a não fazer nada mais que olhar o céu e sonhar.

     Sonhar no que?, perguntou-se, meneando a cabeça. Com todo o amor e os desejos e o sexo que a rodeavam, sonharia com isso? permitiria-se ter uma pequena fantasia a respeito do que seria deixar que Ben lhe ensinasse o que um homem podia lhe fazer a uma mulher? E o que podia fazer por uma mulher?

     Ou sonharia com sangue e com morte, com fracasso e com sensações de culpa? Montaria rumo a essas montanhas e encontraria algo ou a alguém mais, assassinado porque ela decidiu baixar o guarda?

     Não podia correr o risco.

     voltou-se para o Moon, apoiou uma mão sobre a culatra do rifle, lançou um suspiro e montou.

     Viu o cavaleiro e desejou que fosse Ben que galopava para ela, com o Charlie correndo a seu lado. E se envergonhou ao compreender que, embora fora por um instante, desiludiu-a comprovar que o que lhe aproximou foi Adam.

     Que esplêndido é!, pensou. E que firme!

     -Faz tempo que não te vejo montando a cavalo sozinho -gritou-lhe.

     Adam sorriu e freou ao cavalo.

     -Deus, que dia! -Respirou fundo e levantou a cara para o céu-. Lily está ocupada com a festa e até conseguiu embarcar ao Tess no assunto.

     -De maneira que teve que te conformar comigo. -Olhou-o e riu ao ver a expressão surpreendida e culpado de seu irmão-. É uma brincadeira, Adam. E embora saiba que fazê-lo não te resultou um sacrifício, agradeço-te que as cuide.

     -Lily se esqueceu que assunto. De tudo. -Fez girar a seu cavalo para avançar junto à Willa-. Suponho que foi assim como as arrumou com seu matrimônio. Não sei se for uma atitude saudável, mas pelo visto lhe dá paz.

     -É feliz aqui. Você a faz feliz.

     Adam compreendeu que era natural que Willa conhecesse seus mais íntimos sentimentos. Sempre o fazia.

     -Ainda lhe faz falta tempo para poder sentir-se completamente a salvo. Para confiar em que eu possa querê-la e não feri-la por causa disso.

     -Há-te dito algo a respeito de seu ex-marido?

     -Às vezes faz alguns pequenos comentários. -Adam se encolheu de ombros, inquieto. Queria mais, queria-o tudo. E lhe resultava difícil esperar-. Quando o conheceu ela era professora e se casaram muito em breve. Foi um engano. Não me contou quase nada mais que isso. Mas por dentro, ainda tem medo. Se eu me mover com muita rapidez, se me voltar de uma maneira abrupta, sobressalta-se. Destroça-me o coração.

     É obvio que o destroça!, pensou Willa. Os feridos sempre destroçavam o coração do Adam.

     -No curto tempo que aconteceu aqui, vi-a trocar. Mas bem deveria dizer no pouco tempo que esteve contigo. Sorri mais. Fala mais.

     Adam inclinou a cabeça.

     -Vejo que lhe tomaste carinho.

     -Sim.

     O sorriu.

     -E à outra? Ao Tess?

     -Carinho não é a palavra que usaria no caso do Tess -respondeu ela com secura-. Acredito que a palavra indicada é mas bem tolerância.

     -É uma mulher forte, inteligente, concreta. Mais parecida com ti que ao Lily.

     -Por favor! Não me insulte.

     -É assim. Faz frente às coisas, as situações, obtém que saiam como ela quer. Não tem seu sentido do dever e talvez seu coração seja mais duro, mas não cabe dúvida de que tem o conceito do dever e do coração. eu gosto de muito.

     Willa se voltou a olhá-lo, com o sobrecenho franzido.

     -Diz-o a sério?

     -Sim. Quando lhe estava ensinando a montar, caiu várias vezes. Em seguida se levantava, tirava-se o pó dos jeans e voltava a montar. -Olhou-a ao rosto e recordou que isso era o espelho do que fazia Willa quando lutava por vencer um problema-. É algo que exige coragem e decisão. E orgulho. Faz rir ao Lily. Faz-me rir . E te direi algo que ela não sabe.

     -Secretos? -Sorridente, Willa aproximou sua égua ao cavalo do Adam e baixou a voz, embora não houvesse ninguém em quilômetros de distância. O sol caía sobre os picos do oeste, suavizando a luz-. Diga-me isso tudo.

     -Conquistaram-na os cavalos. Não sabe ou talvez não esteja preparada para admiti-lo, mas eu o vejo. Pela forma em que os acaricia, fala-lhes, dá-lhes açúcar às escondidas quando acredita que eu não a vejo.

     Willa franziu os lábios.

     -Muito em breve começarão a nascer os potros. Veremos até que ponto gosta dos partos.

     -Acredito que o fará bem. E Além disso, admira-te.

     -Mentira!

     -Você não está preparada para te dar conta disso, mas eu sim. -Entrecerró os olhos e calculou a distância que faltava para chegar à casa-. Jogo-te uma carreira até o celeiro.

     -Trato feito. -Esporeou ao Moon e ambos voltaram em uma louca carreira.

    

     Entrou na casa com as bochechas coloridas e com brilho nos olhos. Ninguém vencia ao Adam a cavalo, mas ela esteve perto de obtê-lo. Muito perto... e isso lhe levantou o ânimo.., que voltou a decair em seguida quando Tess baixou a escada.

     -Ali está. Vamos, Annie Oakley! É quase a hora da festa e seu perfume a água de suor não é o que corresponde esta noite.

     -Ainda tenho duas horas.

     -Que possivelmente seja um tempo apenas suficiente para te transformar em algo remotamente parecido a uma mulher. Vê te dar uma ducha.

     Era exatamente o que pensava fazer, mas surgiu seu espírito de contradição.

     -Tenho que trabalhar em uns papéis.

     -Ah, não, hoje não pode! -exclamou Lily a suas costas-. Já são as seis.

     -E o que? Não vem ninguém a quem deve impressiona

     -Tampouco vem ninguém a quem deve ofender.

     Tess lançou um suspiro, tirou-a do braço e a empurrou escada acima.

     -Epa!

     -Vêem Lily. Para isto faremos falta as duas.

     Lily se mordeu os lábios mas tomou o outro braço da Willa.

     -Será tão agradável ver gente! estiveste trabalhando muito. Tess e eu queremos que te divirta.

     -Então me tirem as mãos de cima! -liberou-se com facilidade do Lily, mas Tess a aferrou com força e a conduziu ao dormitório-. Se dentro de cinco segundos não me soltaste te atirarei ao chão... -interrompeu-se, olhando fixo o vestido tendido sobre sua cama-. Que mierda é isso?

     -Revisei seu armário e não encontrei nada remotamente parecido a um vestido de festa...

     -Um momento! -Esta vez Willa conseguiu liberar-se e se voltou-. Revisou minha roupa?

     -Não vi nada ali dentro que possa querer ocultar, em realidade em um primeiro momento acreditei que era o armário dos desfeitos, mas Bess me assegurou que, sem lugar a dúvidas, era seu roupeiro.

     Embora os nervos lhe umedeciam as Palmas das mãos, Lily se interpôs entre elas.

     -Arrumamos um vestido do Tess para que lhe ponha isso.

     -Um vestido do Tess? -perguntou Willa olhando com desprezo a sua meia irmana-. Para que ficasse bem teriam que ter atirado a metade do gênero.

     -É bastante certo -replicou Tess-. E tudo no busto. Mas resulta que Bess é uma excelente costureira. Até é possível que apesar de suas pernas que parecem palitos e de seu peito plano, com esse vestido fique extrañamente atrativa.

     -Tess. -Lily vaiou a palavra e apartou a sua irmã maior-. Não te parece que a cor é uma preciosidade? Ficam tão bem os tons bolo! E este parece feito para ti. Tess foi muito generosa ao permitir que o arrumassem para que ficasse bem.

     -Em realidade, devo confessar que nunca eu gostei -disse Tess distraídamente-. Um desses pequenos enganos que alguém comete com a moda.

     Lily fechou os olhos e rezou para que reinasse a paz.

     -Já sei que te estou dando muito trabalho com esta festa, Will. Agradeço-te muitíssimo que me tenha permitido planejá-la e invadir toda a casa durante os últimos dias. Já sei que para ti é um inconveniente.

     Vencida, Willa se passou uma mão pelo cabelo.

     -Não sei qual das duas é mais hábil para me tratar, mas ao diabo contudo! Peço-lhes por favor que me deixem sozinha. Sou capaz de tomar banho e me pôr um vestido por meus próprios meios.

      Tess aceitou a vitória, tomou a mão do Lily e a empurrou para a porta.

     -te lave o cabelo, campeã.

     -Vete a mierda! -exclamou Willa fechando a porta atrás delas de um chute.

    

     Sentia-se uma parva. Uma parva que, antes de que terminasse a velada, sem dúvida lhe congelaria o traseiro nessa desculpa de vestido. De pé frente ao espelho, Willa se tironeó a prega. Esse pequeno movimento baixou o vestido quase dois centímetros enquanto o decote profundo descendia perigosamente para seu umbigo.

     «Tetas ou culo -pensou, enquanto se arranhava a cabeça-. O que me interessa mais tampar?»

     Pelo menos o vestido tinha mangas, o qual já era algo. Mas começavam na metade do ombro e não existia maneira das aproximar um pouco mais ao pescoço. O vestido era feito de um material suave e magro que se aderia ao corpo como uma segunda pele.

     A contra gosto, ficou os sapatos de saltos altos e aprendeu alguns conceitos sobre física. Na medida em que ela ficava mais alta, também se cortava o vôo do vestido.

     -OH, maldição! -aproximou-se do espelho e decidiu que talvez lhe conviria jogar o tudo pelo tudo e usar seus cosméticos. depois de tudo, era a véspera de Ano Novo.

     E o vestido, o que tinha que vestido, era de uma bonita cor. Azul elétrico, supôs. Talvez ela não tivesse muito busto, apesar dos esforços por ocultar o desse decote em e, mas seus ombros não estavam mau. E vá sim suas pernas pareciam palitos. Eram largas, é obvio, mas musculosas e as médias de tom escuro que acabava de ficar ocultavam as duas novas feridas que descobriu ao tomar banho.

     negou-se a fazer-se coisas estranhas com o cabelo. De todos os modos não era hábil para os cachos nem os penteados de estilo complicado, de maneira que o deixou cair murcho sobre as costas. E pelo menos o cabelo lhe manteria um pouco morna a pele das costas que o vestido deixava ao descoberto.

     Recordou os pendentes só porque eram um presente de Natal do Adam, assim que ficou as bonitas estrelas pendentes no lóbulo das orelhas.

     A partir desse momento, se conseguia manter-se de pé durante toda a velada, já que com esse vestido sentar-se era impossível, teve a sensação de que não faria um papelão.

     -OH, está maravilhosa! -foi o primeiro que disse Lily ao vê-la baixar a escada-. Simplesmente maravilhosa -repetiu enquanto se deslizava até o patamar vestindo algo branco e flutuante-. Vêem vê-la, Tess. Willa está fabulosa.

     Por todo comentário Tess lançou um grunhido enquanto saía de seu dormitório vestida de negro, o qual lhe conferia um aspecto perigoso.

     -Não está tão mal -decidiu, secretamente fascinada, enquanto ficava seu colar de pérolas e caminhava ao redor da Willa-. Com um pouco de maquiagem fará um bom papel.

     -Já me maquiei.

     -Deus! A mulher tem os olhos de uma deusa e não sabe usar! Vêem.

     -Não penso voltar a subir para me cobrir a cara com emplastros -protestou Willa enquanto Tess a voltava a arrastar escada acima.

     -Querida, com o que me custa, asseguro-te que é maquiagem da melhor classe. Fique aqui se por acaso chega alguém, Lily.

     -Está bem, mas não demorem muito. -E as olhou sorridente e com o rosto avermelhado de orgulho por suas irmãs.

     «eu adoraria que elas se dessem conta de quão divertido resulta as ver juntas», pensou. Brigando, tal como imaginava que deviam brigar as irmãs. E agora compartilhando roupa, maquiagens, vestindo-se para assistir juntas a uma festa.

     Agradecia tanto poder formar parte de todo isso! deixou-se levar pela emoção e girou alegremente sobre si mesmo, mas se deteve em seco ao ver o Adam na porta.

     -Não te ouvi entrar.

     -Entrei pela porta de atrás. -Poderia haver ficado olhando durante uma eternidade a essa fada moréia que flutuava em um vestido branco-. Está formosa, Lily.

     -Obrigado.

     sentia-se quase formosa. Mas ele... ele era esplêndido, tão perfeito em cada detalhe que ela logo que podia acreditar que fora realidade. Durante os últimos meses, mil vezes teve vontades de tocá-lo. Não só de lhe tocar uma mão, de lhe roçar um ombro, mas sim de tocá-lo a sério. Mas, de algum jeito, estava convencida de que Adam se sentiria ofendido ou divertido, e era algo ao que não queria arriscar.

     -Alegra-me que esteja aqui -adicionou Lily, falando com muita rapidez-. Tess levou de novo acima a Willa para lhe fazer alguns retoques de último momento e em qualquer instante começarão a chegar os convidados. E eu não desempenho bem o papel de proprietária de casa. Nunca sei o que dizer.

      Ela deu um passo atrás no momento em que ele avançava. Logo Lily se obrigou a deter-se. O coração lhe deu um salto dentro do peito quando Adam lhe aconteceu os dedos pelas bochechas.

     -Atuará perfeitamente bem. Assim que lhe olhem, eles tampouco saberão o que dizer. É o que acontece comigo.

     -Eu... -Nesse momento estava segura de que faria o papel de tola, com essa necessidade que tinha de jogar-se em seus braços, e de que ele a abraçasse. Solo para que a abraçasse-. Deveria ir à cozinha, a ajudar ao Bess.

     -Tem-no tudo sob controle. -Adam manteve o olhar cravado na dela e se moveu com lentidão. Tomou uma mão-. por que não escolhemos um pouco de música? Talvez até poderíamos dançar uma peça antes de que cheguem os convidados.

     -Faz muito tempo que não danço.

     -Esta noite dançará -prometeu Adam, e a conduziu ao grande salão.

     Acabavam de fazer a seleção inicial e de encher o CD quando a primeira luz se refletiu nas janelas.

     -me prometa a peça de meia-noite -pediu ele, voltando a entrelaçar os dedos de ambos.

     -É obvio! Estou nervosa -admitiu Lily com um rápido sorriso-. Fique perto de mim, quer?

     -Estarei perto de ti sempre que me necessite.

     Nesse momento baixaram Tess e Willa, discutindo, como era de esperar. Adam lançou um comprido assobio. Tess lhe piscou os olhos um olho. Willa franziu o sobrecenho.

     -vou necessitar uma taça o antes possível -disse Willa com tom sibilante e falando entre dentes, enquanto se aproximava da porta para receber aos primeiros convidados.

    

     Uma hora depois, a casa estava cheia de gente e de vozes e de perfumes contrastantes. Pelo visto ninguém estava muito cansado para assistir a outra festa, nem para beber outra taça de champanha nem muito tranqüilo para não discutir sobre política e religião. Ou sobre seus vizinhos e amigos.

     Willa recordou por que não gostava de ser sociável quando Bethanne Mosebly lhe aproximou e começou a tratar de lhe surrupiar detalhes do assassinato.

     -A todos espantou nos inteirar do que ocorreu ao John Barker. -Entre uma frase e outra Bethanne bebia champanha com tanto ardor que Willa se sentiu tentada de lhe oferecer uma pajita-. Deve ter sido um impacto terrível para ti.

     Apesar de que Willa não se deu conta imediatamente que John

     Barker e Pickles eram uma mesma e única pessoa, os olhos curiosos e excitados do Bethanne o indicaram.

     -Não foi uma experiência da que eu goste de falar. Perdoe vou A...

     Até ali pôde chegar antes de que Bethanne a detivera lhe aferrando um braço.

     -Dizem que estava destroçado, que o tinham talhado em pedaços. -Brindou pelo assunto com outro gole de champanha que lhe deixou úmida a boca pequena e parecida com a de um pássaro-. Que o fizeram migalhas. -Cravou-lhe as unhas com força a Willa-. E que lhe tinham arrancado o couro cabeludo.

     O que mais lhe adoecia era o entusiasmo do Bethanne, ainda mais que a imagem que irrompeu em seu cérebro. Apesar de saber que Bethanne não era uma mulher má, além de seu gosto por 'vos intrigas e os falatórios, Willa teve que lutar para não estremecer-se.

     -Estava morto, Bethanne, e foi brutal. Lamento não ter tido à mão uma videocámara para lhe mostrar isso      -Dormiré más tranquila sabiendo que tú estás preocupada. Se te ha acabado el champán, Bethanne. El bar queda por ahí.

     O desgosto e o sarcasmo da Willa não diminuíram o interesse de sua interlocutora. Bethanne lhe aproximou ainda mais, lhe proporcionando uma desagradável mescla do álcool de seu fôlego com o perfume forte que usava.

     -Dizem que o pôde ter feito qualquer. Que até você poderia ser assassinada em sua própria cama uma destas noites. Justamente durante a viagem até aqui, estive-lhe dizendo ao Bob o que isso me preocupa.

     Willa se obrigou a esboçar um tênue sorriso.

     -Dormirei mais tranqüila sabendo que você está preocupada. Te acabou o champanha, Bethanne. O bar fica por aí.

     Willa lhe afastou e se manteve em movimento. Seu único pensamento era encontrar ar. Como é possível que a gente possa respirar quando são tantos os que consomem o oxigênio?, perguntou-se. abriu-se passo até o vestíbulo e não se deteve até chegar à porta de entrada, abriu-a de um puxão e se encontrou cara a cara com o Ben.

     Ela olhou, boquiaberto e ela se sentiu incômoda. Conseguiu recuperar-se antes que ele e avançou até apoiar-se no corrimão do alpendre. Já fazia bastante frio para que seu fôlego formasse nuvens de vai por; para lhe pôr carne de galinha. Mas ali havia ar fresco e isso era exatamente o que o fazia falta.

      Quando elle apoiou as mãos sobre os ombros e a obrigou a voltar-se, ela apertou os dentes.

     -A festa é dentro.

     -Queria estar seguro de não ter sofrido uma alucinação.

     Não, pensou, é absolutamente real. A pele nua e fria tremia um pouco sob suas mãos. Esses enormes olhos de antílope pareciam ainda mais escuros, maiores. O azul atrevido de seu vestido resplandecia à luz das estrelas e lhe aferrava de uma maneira íntima a cada curva e ângulo do corpo até deter-se em seco sobre as coxas largas e firmes.

     -Deus todo-poderoso, Will, está tão maravilhosa que alguém te comeria em três bocados! E vai se gelar seu precioso culo se ficar aqui fora.

     Ben já se aberto o sobretudo. adiantou-se e o envolveu ao redor da Willa, desfrutando de do benefício acrescentado de poder ter esse pequeno corpo muito apertado contra o seu.

     -me solte! -retorceu-se, mas ele a tinha muito bem arranca-rabo, uma prisioneira-. Saí para poder estar sozinha durante cinco malditos minutos.

     -Bom, deveria-te ter posto um casaco. -Fascinado pela situação, Ben a cheirou. Parecia mais um cão que um apaixonado, e ouviu que Willa continha a risada-. Desprende um perfume riquíssimo.

     -Essa idiota do Tess me banhou em perfume. -Mas começava a relaxar-se e a desfrutar de do calor-. E me borrou a cara.

     -Fica bem estar borrada. -Ben sorriu quando Willa se voltou para ele e o olhou com lástima.

     -Pergunto-me o que acontece com os homens que sempre se fascinam por estas coisas. O que tem de particular a beleza que surge de potes e de frascos?

     -Somos débeis, Will. Débeis e tolos e fáceis de contentar. Você não gostaria que te fizesse um cariñito? -Beijou-lhe o pescoço e a fez rir.

     -te aparte, McKinnon! Pedaço de imbecil! -Mas lhe rodeava a cintura com os braços, sentia-se cômoda e tinha esquecido o motivo de seu mau humor-. Chega tarde -adicionou-. Seus pais, Zack e Shelly faz momento que chegaram. Acreditei que não viria.

     -Entretiveram-me com um assunto. -Beijou-a antes de que ela pudesse esquivá-lo e sorriu quando Willa se esqueceu de protestar-. Me sentiste falta de?

     -Não.

     -Mentirosa!

     -Ah, sim? -Como ele sorria com excessiva presunção, olhou por sobre o ombro do Ben e pela janela viu a multidão que enchia sua casa-. Ódio as festas. Quão único a gente faz é ficar de pé e falar. Que sentido tem?

     -É uma questão de interação social e cultural. Uma oportunidade de ficá-la melhor roupa, beber grátis e paquerar uns com outros. Assim que entremos, estou decidido a paquerar contigo. A menos que prefira que vamos às cavalariças onde sem tardança te tiraria esse bonito vestido.

     Mais interessada na perspectiva do que tivesse desejado, ela elevou uma sobrancelha.

     -Essas são minhas únicas opções?

     -Poderíamos utilizar meu jipe, mas não seria tão acolhedor.

     -por que será que os homens pensam dia e noite no sexo?

     -Porque pensar no sexo é o mais próximo a levá-lo a cabo. Tem um pouco posto debaixo desse vestido?

     -É obvio! Tive que me melar inteira para me poder pôr isso      -No tiene nada de repentino.

     Ben fez uma careta e tratou de não gemer.

     -Mereço o que me acaba de dizer. Proponho-te que entremos, ficaremos de pé e tagarelaremos.

     Quando Ben retrocedeu, o frio assaltou a Willa como uma espécie de bofetada. Tremendo, encaminhou-se à porta. Mas apesar de tudo, deteve-se antes de chegar e perguntou, com a mão sobre o trinco:

     -Ben, por que de repente te deu de me tirar a roupa?

     -Não tem nada de repentino.

     Ele mesmo abriu a porta e a fez passar. Como se estivesse em sua casa, tirou-se o sobretudo e o jogou sobre o poste do corrimão da escada. A diferença da Willa, adorava as reuniões, o ruído, a excitação e os aromas das festas. Algumas pessoas estavam sentadas nos degraus da escada com pratos de comida sobre os joelhos. Outras, do vestíbulo, encaminhavam-se para as portas abertas de distintas habitações. Quase todos o saudaram e intercambiaram umas palavras com ele, enquanto Ben sujeitava com firmeza um dos braços da Willa para impedir que fugisse.

     Sabia que fugir era o que ela pensava fazer mas ele tinha algo que lhe demonstrar. E o demonstraria, a Willa e a todo mundo, incluindo a vários boiadeiros que tinham os olhos postos nela. O fim do ano velho e o princípio do novo com todos seus mistérios e possibilidades parecia o momento perfeito para fazê-lo.

      -Se me soltasse um minuto -murmurou-lhe ela ao ouvido-, eu poderia...

     -Já sei o que faria. Não penso te soltar. Convém que vá acostumando.

     -Que demônios se supõe que significa isso? -Willa só pôde amaldiçoar em voz baixa enquanto ele a conduzia ao grande salão.

     Os convidados tinham retrocedido para deixar lugar aos bailarinos. A seu passo, Ben tomou um copo de cerveja e olhou com satisfação o baile intricado que nesse momento executavam seus pais.

     -podem-se tirar muitas conclusões sobre as pessoas que dançam juntas dessa maneira -comentou.

     Willa o olhou.

     -Que conclusões?

     -conhecem-se por dentro e por fora. E gostam do que vêem em ambas as partes. Agora, note neles -inclinou A cabeça para assinalar ao Nate e ao Tess que se balançavam, porque não se podia dizer que estivessem dançando, enquanto se olhavam sorridentes-. Ainda não se conhecem, pelo menos não de tudo, mas se divertem muito averiguando-o.

     -Ela sozinho o utiliza para ter sexo.

     -E ele parece muito aborrecido pelo assunto, verdade? -Lançando uma risita, gen apartou sua taça-. Vêem.

     Horrorizada, Willa retrocedeu, tratando de afundar no tapete esses saltos altos que tão pouco familiares lhe resultavam, enquanto ela empurrava para a pista de baile.

     -Não posso! Não quero! Não sei dançar.

     -Então aprende. -Apoiou-lhe uma mão firme sobre a cintura, e colocou uma mão da Willa sobre seu ombro.

     -Eu não danço. Todo mundo sabe que não danço.

     Ben solo tomou a mão que ela acabava de deixar cair e a voltou a colocar sobre seu ombro.

     -Às vezes a gente chega muito longe se seguir a alguém que sabe aonde vai.

     Fez-a girar de maneira tal que ela teve que escolher entre mover-se sobre seus próprios pés ou cair de culo ao chão. sentia-se torpe, cheia de acanhamento, tinha a sensação de que todo mundo a olhava. E se manteve rígida como uma tabela.

     -te relaxe -murmurou-lhe Ben ao ouvido-. Não é necessário que lhe aduela. Olhe ao Lily. Bonita como um quadro, com a cara avermelhada e o cabelo cacheado. Brewster se está divertindo como louco lhe ensinando a dançar o two-step.

     -Lily parece feliz.

     -E o está. E Jim Brewster estará virtualmente apaixonado por ela antes de que o baile tenha terminado. Depois tirará dançar a outra mulher e se apaixonará por ela. -Como Willa o estava pensando e se esqueceu de tornar-se atrás, Ben a aproximou um pouco mais a seu corpo-. Essa é a beleza do baile. A gente pode abraçar a uma mulher, apalpá-la, cheirá-la.

     -E depois seguir com a próxima.

     -Sim, às vezes é o que se faz. E às vezes não. me olhe um minuto, Willa.

     Ela o fez, viu o brilho de seus olhos e logo que teve tempo de piscar surpreendida quando os lábios do Ben já estavam sobre os seus. Deu-lhe um beijo lento e profundo, um surpreendente contraste com os velozes movimentos do baile. O coração da Willa girava como enjoado dentro de seu corpo, logo foi como se se desmoronasse e começou a pulsar desaforadamente.

     Quando Ben levantou a cabeça, ela se estava movendo com ele.

     -por que o fez?

     A resposta era singela e ele pensava ser sincero.

     -Para que todos os homens que estão neste salão saibam de quem é a marca que leva. -E a reação da Willa não o desiludiu. Abriu os olhos muito grandes, impactada, e logo os entrecerró, furiosa. A fúria lhe coloriu as bochechas. E enquanto ela vaiava, ele voltou a beijá-la-. E será melhor que também acostume a isto -recomendou-lhe. Logo deu um passo atrás-. Irei te buscar uma taça.

     Tinha a esperança de que quando voltasse com a taça prometida, ela não tivesse decidido arrojar-lhe à cara.

     Willa mas bem estava pensando em lhe rasgar a cara, pedaço a pedaço quando Shelly lhe aproximou, excitada.

     -Você e Ben! Nunca me imaginei! Esse homem é capaz de lhe manter secretos ao mesmo Deus! -Enquanto falava, guiou a Willa para um rincão-. Quando começou tudo? E em realidade, o que há entre vós dois?

     -Nada. Não acontece nada. -Sua fúria crescia perigosamente. Sentia-a crescer de uma maneira física, bulia-lhe sob a pele-. Esse filho de puta! Disse que me estava marcando. Como se eu fosse uma vaca.

      -Isso disse? -Romântica de pés a cabeça, Shelly se levou uma mão ao coração-. Ai! Meu Zack nunca me disse nada parecido.

     -Justamente por isso ainda segue vivo.

     -Está brincando? Me teria encantado. -Lançou uma gargalhada ao ver a expressão de assombro da Willa-. Vamos, Will! Em pequenas dose, a arrogância machista é atrativa. Eu me derreto por dentro cada vez que vejo os músculos do Zack.

     Willa olhou fixamente os olhos do Shelly.

     -Quanto bebeste?

     -Não estou bêbada nem falo em brincadeira. E algumas vezes, Zack me levanta do chão e me coloca sobre seus ombros. Agora que estou grávida, já não resulta tão espontâneo, mas se soubesse o resultado que dá!

     -Talvez seja assim em seu caso. Mas eu não gosto dos homens que avassalam.

     -Já sei. Foi horrível a forma em que todos ficaram olhando enquanto você afugentava ao Ben. -Shelly colocou um dedo no vinho e o lambeu-. A ninguém coube dúvida de que detestava que te beijasse até te deixar inconsciente.

     Willa procurou uma resposta inteligente.

     -te cale a boca, Shelly! -foi o melhor que lhe ocorreu dizer antes de afastar-se dela.

    

     -A vaqueira tem um cardo metido no traseiro -comentou Tess.

     -Ao Ben gosta de irritá-la.

     Tess olhou ao Nate elevando uma sobrancelha.

     -Eu acredito que gostaria de fazer muito mais que isso.

     -Assim parece. E falando de fazer mais que isso... -inclinou-se e lhe fez uma sugestão no ouvido que acendeu o sangue do Tess.

     -Advogado Torrence, devo confessar que tem muita facilidade de palavra.

     -Poderíamos escapar daqui sem que ninguém se desse conta, ir a minha casa e ver chegar o Ano Novo de uma maneira mais... privada. Ninguém sentiria saudades.

     -Um. -voltou-se para apoiar seus peitos contra o do Nate-. Muito longe. Vamos. Cinco minutos.

     O abriu os olhos, surpreso.

     -Com toda esta gente na casa?

     -E uma fechadura muito forte na porta. Ao chegar à parte superior da escada, dobra à esquerda, logo à direita e é a terceira porta à direita. -Passou-lhe a ponta dos dedos pela mandíbula-. Estarei-te esperando.

     -Tess, acredito que...

     Mas ela já se afastava, depois de lhe dirigir um olhar ardente por cima do ombro. Nate tivesse jurado que ouvia morrer as células de sua cabeça. Deu dois passos atrás dela, deteve-se, tratou de ser sensato.

     Ao diabo contudo! Desde que ela entrou em seu escritório com a idéia de sexo metida na cabeça, nunca pôde voltar a ser sensato. Nem sequer importava que ele se estivesse apaixonado pelo Tess como um louco, enquanto que a ela nem sequer lhe passava pela cabeça. Pareciam o um para o outro. Soubesse ela ou não, estava seguro disso.

     Com a esperança de ser discreto, tomou uma garrafa de champanha e duas taças. E chegou até a base da escada.

     -Uma festa privada? -perguntou Ben, quem riu ao ver que Nate se ruborizava com intensidade-. Peço-te que dê ao Tess um beijo de feliz Ano Novo de minha parte.

     -Procura sua própria mulher.

     -É o que penso fazer.

     Mas se tomou seu tempo antes de procurá-la e voltar a aferrar-se a ela. Sua meta consistia em ter a em seus braços à meia-noite. Deu-lhe corda até uns minutos antes, e quando começou a conta a aproximou de si com firmeza.

     -Não volte a começar.

     -Só falta um minuto para a meia-noite -disse ele com tranqüilidade-. Sempre penso nesse minuto entre um ano e outro como um tempo inexistente. -Ao ver que ela franzia o sobrecenho, soube que acabava de obter sua atenção e deslizou os braços a seu redor-. Agora não, então não. Nada. Se estivéssemos a sós poderia fazer o que quero contigo durante esses sessenta segundos. Mas não seria verdadeiro. De maneira que vou esperar até que o seja. me abrace. Ainda não conta. Faltam alguns segundos.

     Willa não alcançava para ouvir mais que sua voz, em sua mente não penetravam o ruído, nem as risadas, nem a excitado recontagem dos segundos que faltavam. Por fim, como em um sonho, levantou os braços e lhe rodeou o pescoço.

     -me diga que me deseja -pediu ele-. Não conta. Ainda não.

     -Desejo-te. Mas eu não...

     -Não há peros que valham. Não importa. -Deslizou uma mão para cima, por suas costas nua, sob seu cabelo-. Me beije. Ainda não é real. me beije, Willa. Por uma vez, me beije.

     Ela manteve os olhos abertos e a mente em branco enquanto o beijava. Os lábios do Ben eram tão quentes, tão acolhedores, tão inesperadamente suaves que se estremeceu. E lhe acabou o tempo.

     No trasfondo de sua mente ouviu exclamações jubilosas. A gente a empurrava em seu apuro por intercambiar desejos de felicidade para o novo ano. E enquanto os segundos se deslizavam do fim ao princípio, sentiu que lhe doía o coração.

     -É real. -Quando ela se afastou, a frase foi tanto uma acusação como uma declaração. Brilharam-lhe os olhos pela verdade recém descoberta-. É-o.

     -Sim. -Surpreendeu-a ao tomar uma mão e levar-lhe aos lábios- A partir deste momento. -Passou-lhe um braço ao redor da cintura e a manteve perto dele-. Olhe isso, querida. -Moveu-a apenas um poquito-. É uma bonita cena.

     Apesar de sua própria confusão, Willa deveu admitir que o era. Adam, com as mãos ao redor do rosto do Lily e Lily, lhe sustentando as bonecas com os dedos.

     Note como se olham aos olhos, disse-se Willa. Como tremem os lábios do Lily, com que suavidade os acaricia Adam com os seus. E como permanecem ali, tão quietos, nesse sussurro que é o beijo.

     -Está apaixonado por ela -murmurou Willa. As emoções palpitavam em seu interior. É muito para poder senti-lo, pensou, levando uma mão ao estômago. Muito para pensá-lo. Era um milagre-. O que está acontecendo? eu adoraria saber o que está acontecendo. Já nada é como antes. Nada é tão singelo como antes.

     -Podem fazer-se felizes. Isso é singelo.

     -Não. -Willa meneou a cabeça-. Não, não será singelo. Não o sente? Há algo... -Voltou a estremecer-se, porque o sentia. Algo frio e maligno e próximo-. Ben, há algo...

     Foi então quando começaram os gritos.

    

     Não havia muito sangue. A polícia chegaria à conclusão de que lhe tinham dado morte em outra parte e logo levado a rancho. Ninguém a reconheceu. Quase não tinha marcas no rosto, solo um moretón debaixo do olho esquerdo.

     Seu cabelo tinha desaparecido.

     A pele estava um pouco azulada. Foi algo que Willa viu pessoalmente quando saiu correndo e encontrou ao jovem Billy tratando de tranqüilizar a Mary Anne Walker com quem estava quando tropeçaram com o cadáver. Estava nua e tinha a pele cheia de navalhadas, que pareciam linhas de um desenho.

     Muito pouco sangue e esta já seca sobre a pele pálida e azulada.

     Mary Anne vomitou ali mesmo, sobre os degraus de entrada. E Billy logo a imitou, lançando sua parte da cerveja que bebeu no jipe enquanto se esforçava por lhe baixar a Mary Anne as calças até os tornozelos.

     Willa os fez entrar na casa e ordenou a todos os que se amontoavam no alpendre, boquiabertos e fazendo comentários, que também entrassem nela. disse-se que mais tarde pensaria na mulher, nessa mulher de pele azulada e sem couro cabeludo que se encontrava morta ao pé dos degraus de entrada.

     Depois pensaria nela.

     -Bess já chamou à polícia. -Adam apoiou uma mão sobre seu braço e esperou até que Willa o olhou. As vozes dos que os rodeavam eram muito fortes, muito aterrorizadas-. Eu devo sair com o Ben para ficar com.., para ficar com ela até que chegue a polícia. Pode-te fazer cargo de tudo isto?

     Willa se voltou e olhou o salão. Stu McKinnon acabava de apagar a música, e utilizava sua voz forte e tranqüilizadora para acalmar aos convidados. Willa permitiu que, no momento, ele se fizesse cargo da situação, enquanto ela permanecia ali, como cravada no chão, olhando o retrato de seu pai que pendurava sobre a chaminé. Os olhos azuis e frios do retrato a olhavam fixamente. Quase alcançava a vê-lo burlando-se dela, culpando-a pelo acontecido.

     Descalça, com o fechamento do vestido não de tudo fechado, Tess baixou correndo pela escada no momento em que Lily entrava em vestíbulo.

     -O que passou? Ouvi que alguém gritava.

     -houve outro assassinato -respondeu Lily, aferrando com força a mão do Tess-. Eu não a pude ver. Adam impediu que saísse, mas sei que é uma mulher. Ninguém parece conhecê-la. Estava simplesmente atirada ali. diante da casa.

     -OH, Meu deus! -Tess se levou a mão livre à boca e fez um esforço por não perder o controle-. Feliz maldito Ano Novo. Está bem. -Respirou fundo-. Agora façamos o que corresponda fazer.

     aproximaram-se da Willa, flanqueando-a em um gesto instintivo. Nenhuma delas tinha plena consciencia de que as três se acabavam de tirar da mão.

     -Não a conheço -conseguiu dizer Willa-. Nem sequer a conheço.

     Tess lhe apertou a mão com mais força.

     -Não pense agora nisso. -Soltou-lhe a mão-. Não pense nisso. Solo devemos tratar de agüentar isto.

    

     Horas depois, quando começava a amanhecer, sentiu que alguém lhe apoiava uma mão sobre o ombro. ficou-se dormida, só Deus sabia como, frente ao fogo da chaminé da sala de estar. Lutou por liberar-se quando Ben tratou de agarrá-la em braços.

     -Levarei-te acima. Deve te deitar.

     -Não. -ficou de pé. Sentia a cabeça liviana, o corpo intumescido, mas o coração voltava a lhe pulsar com rapidez-. Não, não posso. -Olhou a seu redor, como em um sonho. Os restos da festa ainda estavam ali. Copos e pratos, comida que ficava rançosa, cinzeiros transbordantes de bitucas-. Onde...?

     -Todo mundo se foi. O último dos policiais se foi faz dez minutos.

     -Disseram que queriam voltar a falar comigo.

     «me levem a biblioteca de novo -pensou-, me interroguem outra vez. me obriguem a retroceder passo a passo de novo. Uma e outra vez. Retroceder até o momento em que corri para fora e me encontrei com esses dois adolescentes aterrorizados e com uma mulher morta de pele azulada.»

     -O que? -apertou-se uma mão contra a cabeça. A voz do Ben era como um zumbido em seu cérebro.

     -Pinjente que os convenci de que poderiam voltar a falar contigo mais tarde.

     -Ah! Café? Ficará um pouco de café?

     Ben já fazia momento que a observava, enroscada na poltrona, e1 rosto muito branco contrastando com as profundas olheiras. Talvez estivesse de pé nesse momento, mas ele sabia que era por pura força de vontade. Coisa bastante fácil de solucionar. Elevou-a e tomou em seus braços.

     -Irá à cama. Agora mesmo.

     -Não posso. Tenho... coisas que fazer. -Sabia que devia haver dúzias de coisas que fazer, mas não lhe ocorria nenhuma-. Onde... minhas irmãs?

     Ben elevou as sobrancelhas enquanto subia a escada com ela em braços. Compreendeu que estava muito extenuada para compreender que era a primeira vez que se referia ao Lily e ao Tess como suas irmãs.

     -Tess subiu faz uma hora. Lily está com o Adam. Ham se pode encarregar de tudo o que terei que fazer no dia de hoje. Vete a dormir, Will. É o único que deve fazer.

     -Não paravam de me fazer perguntas! -Não protestou, não pôde protestar quando ela tendeu sobre a cama-. Todo mundo fazia pergunta. E a polícia, que levava às pessoas à biblioteca, um a um.

     Olhou-o aos olhos. Neste momento são de um verde frio, pensou. Frios e duros e indecifráveis.

     -Eu não a conhecia, Ben.

     -Não. -Tirou-lhe os sapatos, debateu-se em seu interior e logo, apertando os dentes, fez-a girar sobre si mesmo para lhe abrir o fechamento do vestido-. Revisarão as denúncias de pessoas desaparecidas. Examinarão suas impressões digitais.

     -Quase não havia sangue -murmurou ela, quieta como uma criatura enquanto ele deslizava o vestido para baixo-. Não foi como as outras vezes. Ela não parecia real, não tinha nenhum parecido com um ser humano. Crie que ele a conheceria? Conheceria-o quando lhe fez todo isso?

      -Não sei, querida. -E com a mesma ternura com que teria tratado a uma criatura, agasalhou-a com as mantas-. por agora não pense no assunto. -sentou-se no bordo da cama e lhe acariciou o cabelo-; Deixa o assunto em paz e durma.

     -O me culpa  -disse Willa com voz espessa e como bêbada de extenuação.

     -Quem te culpa?

     -Papai. Sempre me culpou. -Suspirou-. E sempre o fará.

     Ben lhe apoiou a mão sobre a bochecha e a deixou um instante ali.

     -E sempre esteve equivocado.

     Ao ficar de pé e dá-la volta, viu o Nate na porta.

     -dormiu-se? -perguntou Nate.

     -No momento, sim. -Colocou com cuidado o vestido sobre uma cadeira-. Mas conhecendo a Willa, asseguro-te que não dormirá muito tempo.

     -Eu convenci ao Tess de que tomasse um sedativo. -Sorriu-. Não tive que insistir muito. -Assinalou o vestíbulo com a mão. Juntos se encaminharam ao despacho da Willa, entraram e fecharam a porta-. É cedo -disse Nate-, mas eu vou tomar um uísque.

     -Resultaria-me odioso verte beber sozinho. me sirva três dedos. -Durante um instante nenhum dos dois falou. Logo Ben adicionou-: Não acredito que ela tenha sido de por aqui.

     -Não? -O tampouco acreditava, mas queria conhecer os fundamentos da opinião do Ben-. por que?

     -Bom. -Ben bebeu um gole de uísque e lançou um assobio ante o forte que lhe resultava o álcool-. Tinha as unhas das mãos e dos pés pintadas de um vermelho brilhante. Tatuagens no traseiro e em um ombro. Acredito lhe haver visto três pendentes em cada orelha. Tudo indica que era da cidade.

     -Não parecia ter mais de dezesseis anos. Isso me indica que deve ter fugido de sua casa. -Nate bebeu um grande sorvo de uísque-. Pobre criatura! Talvez estivesse viajando fazendo carona ou percorrendo as ruas do Billings ou do Ennis. Em qualquer lugar que a tenha encontrado esse cretino, deve havê-la retido bastante tempo.

     Isso chamou a atenção do Ben.

     -por que o diz?

     -Surrupiei um pouco aos policiais. Sinais abrasivos ao redor das bonecas e dos tornozelos. Esteve atada. Não o podem afirmar com segurança até lhe haver feito as provas necessárias, mas estão quase seguros de que foi violada e de que sua morte se produziu pelo menos vinte e quatro horas antes de que ele a deixasse aqui. E de todo isso se desprende que a manteve oculta em alguma parte.

     Ben se passeou pela habitação durante uns instantes, tratando de afogar sua frustração e seu desgosto.

     -Mas por que aqui? por que deixá-la frente a esta casa?

     -Alguém tem os olhos postos no Mercy.

     -Ou em alguém do Mercy -adicionou Ben, e pela expressão dos olhos do Nate compreendeu que estava de acordo com ele-. Tudo isto começou depois da morte do velho, depois da chegada do Tess e do Lily. Talvez deveríamos as estudar com mais atenção e tratar de descobrir quem pode querer as prejudicar.

     -Assim que desperte, falarei com o Tess. Sabemos que no passado do Lily há um ex-marido. Um homem que a golpeava.

     Ben assentiu e se esfregou a mandíbula, distraído.

     -Mas há muita diferença entre lhe pegar à mulher própria e cortar em pedacinhos a desconhecidos.

     -Talvez a distância não seja tão grande. Eu me sentiria muito melhor se soubesse onde está esse ex-marido e no que anda.

     -Podemos lhe proporcionar seu nome à polícia, contratar a um detetive privado.

     -Estou de acordo com isso. Sabe como se chama?

     -Não, mas Adam deve sabê-lo. -Ben bebeu o resto do uísque e depositou o copo sobre a mesa-. Proponho-te que comecemos em seguida.

    

     Encontraram-no nas cavalariças, examinando a uma égua prenhe. -vai parir dentro de pouco -disse Adam enquanto se endireitava-. Não lhe falta mais que um dia ou dois. -depois de lhe fazer uma última carícia ao animal, saiu da quadra destinada aos partos e fechou a porta a suas costas-. E Will?

     -Dormida -respondeu Ben-. No momento.

     Adam assentiu e avançou para a gaveta dos grãos.

     -Lily ficou dormida em meu sofá. Queria me ajudar a dar as rações da manhã, mas ficou dormida enquanto esperava que eu me trocasse. Me alegro de que não a tenha visto. E Tess tampouco. -A tensão e o cansaço convertiam seus movimentos, pelo general tranqüilos, em espasmódicos-. Lamento que Will a tenha visto.

      -Superará-o. -Ben se aproximou de um fardo de erva-. O que sabe sobre o ex-marido do Lily?

     -Não muito. -Adam seguiu trabalhando, tão pouco surpreso pela ajuda como pela pergunta-. Chama-se Jesse Cooke. conheceram-se quando ela era professora e se casaram um par de meses depois. Mais ou menos um ano mais tarde, ela o deixou. A primeira vez. Não me há dito muito mais, mas eu tampouco o perguntei.

     -Lily sabe onde está esse homem? -Ignorando seu melhor traje, Nate encheu um manjedoura.

     -Acredita que está no este. Pelo menos é o que quer acreditar.

     Durante alguns minutos trabalharam em silêncio, três homens acostumados à rotina, aos aromas, à tarefa. As cavalariças estavam iluminadas pelo sol que entrava em torrentes pela porta aberta do abrigo. Os cavalos se moviam sobre suas camas recém postas, mascavam a ração, de vez em quando relinchavam.

     Do galinheiro se ouvia o canto de um galo e no pátio de chão de terra da casa dos peões se ouviam os passos dos homens que reiniciavam seu trabalho. Essa manhã, nenhuma rádio acesa emitia música, nem as vozes dos peões turvavam a quietude do silêncio invernal. Embora alguns dirigiam olhadas à casa principal, ao alpendre, a um lugar determinado sob os degraus, ninguém fazia comentários.

     ficou em marcha um motor; um jipe saiu para o campo. E retomou o silêncio, o hóspede que permanecia ali depois de uma festa frustrada.

     -Agora talvez convenha que lhe faça algumas pergunta -disse Ben por fim-. depois do acontecido é algo que não podemos ignorar.

     -Já o pensei. Mas primeiro quero que descanse um pouco. Maldita seja! -O pau da pá que Adam tinha na mão se quebrou a causa do movimento brusco que acabava de fazer-. Deveria estar a salvo aqui.

     A fúria que poucas vezes demonstrava, brotou em seu interior tão intensa e tão veloz, que afogava suas palavras. Tinha vontades de golpear algo, de destroçar algo. Mas não tinha nada. Nesse momento até suas mãos estavam vazias.

     -Essa garota era uma criatura. Como é possível que alguém lhe faça algo assim a uma criatura?

     voltou-se para eles, os punhos fechados, os olhos escuros e ardentes de cólera.

     -Onde estava esse indivíduo? Muito perto nosso? Estava fora, nos olhando pela janela? Ou estava dentro conosco? Esse filho de puta haverá meio doido ao Lily, dançado com ela? Se ela tivesse saído a tomar um pouco de ar, teria se topado com ele?

     olhou-se as mãos e as abriu para contemplar as Palmas.

     -Poderia matá-lo eu mesmo; resultaria-me fácil. -Levantou a vista e olhou ao Ben e ao Nate-. Seria tão fácil!

     -Adam.

     A voz do Lily era apenas um sussurro, aterrorizada ante a fúria do Adam. aproximou-se com os braços cruzados sobre o peito e cravando-os dedos nos ombros.

     -Deveria estar dormindo. -Tremeram-lhe 'vos ombros pelo esforço que deveu fazer para conter sua fúria-. Aqui já quase terminamos. Vete a casa a dormir um momento.

     -Tenho que falar contigo. -Teria ouvido o bastante, visto bastante para saber que era o momento-. Sozinhos, por favor. -voltou-se para o Ben e Nate-. Sinto muito. Tenho que falar com o Adam a sós.

     -Leva-a dentro -sugeriu Nate-. Ben e eu podemos terminar com isto. Leva-a dentro -repetiu-. Tem frio.

     -Não deveste sair. -Adam lhe aproximou procurando não tocá-la-. Entremos, assim poderemos tomar um pouco de café.

     -Preparei café antes de sair. -Notou que ele permanecia longe dela e se envergonhou-. Já deve estar preparado.

     Adam saiu com ela por atrás, cruzaram a porta do curral para a porta traseira de sua casa. Por costume, ele se limpou as botas antes de entrar.

     Na cozinha flutuava um agradável aroma de café recém feito, mas a luz era escassa, por isso ele acendeu a luz elétrica.

     -Sente-se -pediu ela-. Eu lhe servirei isso.

     -Não. -Adam se colocou frente a ela quando Lily tendia a mão para o aparador. Mas ainda não a tocou-. Sente-se você.

     -Está zangado. -Odiava o tremor de sua voz, odiava que a irritação de um homem, ainda o de um homem como Adam pudesse lhe fazer tremer os joelhos-. Sinto muito.

     -O que sente? -Disse-o em um impulso, antes de poder conter-se. E mesmo que viu que ela retrocedia, não pôde sossegar toda sua irritação-. por que demônios tem que te desculpar ante mim?

     -Por tudo o que não te hei dito.

     -Não me deve explicações. -A porta do aparador golpeou com força contra a parede quando ele a abriu de um puxão. E, de reojo, Adam a viu retroceder, sobressaltada-. Não retroceda, nem me tenha medo. -Tratou de tranqüilizar sua respiração e manteve o olhar fixo nas taças colocadas em fileiras sobre as prateleiras-. Não o faça, Lily. Preferiria me amputar as mãos antes das usar para te pegar.

      -Sei. -Lhe encheram os olhos de lágrimas, mas piscou até que conseguiu as conter-. Sei dentro de meu coração. Mas é minha cabeça, Adam. E realmente estou em dívida contigo. -aproximou-se da mesa de cozinha redonda com seu singelo recipiente branco cheio de maçãs-. Mais que explicações. foste meu amigo. Meu anda. Desde minha chegada, foste tudo o que necessitei.

     -A amizade não se paga -respondeu ele com cansaço.

     -Você me desejava. -Lily começou a respirar entrecortadamente ao ver que ele se voltava com lentidão para olhá-la-. Acreditei que era sozinho... solo o habitual. -passou-se uma mão nervosa pelo cabelo, pelos lados dos jeans que se pôs essa manhã antes de sair da casa principal-. Mas nunca me tocou dessa maneira, nem me pressionou, nem me fez sentir obrigada a nada. Não pode imaginar o que é sentir-se obrigada a permitir que alguém te possua tão solo para conservar a paz. Não sabe quão degradante é. Tenho coisas que te contar.

     Não podia lhe olhar. Voltou a cara para outro lado.

     -Começarei pelo Jesse. Mas enquanto isso, posso preparar o café da manhã?

     Adam tinha uma taça na mão e a estava olhando fixamente.

     -O que?

     -Resultará-me mais fácil falar se tiver as mãos ocupadas enquanto o faço. Não sei se o poderei dizer aqui, quieta e sentada.

     Já que era o que ela queria, ele deixou a taça, encaminhou-se à mesa e se sentou.

     -Na geladeira há toucinho. E ovos.

     Ela lançou um suspiro comprido e tremente.

     -Bom. -dirigiu-se primeiro à cozinha e lhe serve uma taça de café. Mas não o olhava-. Já te contei um pouco. Enquanto falava se encaminhou à geladeira-. Disse-te que era professora. Nunca fui tão inteligente nem criativa como minha mãe. Ada é surpreendente. Tão forte e tão vital! Até que fiz doze anos, nunca soube quanto a tinha ferido ele. Meu pai. Uma vez a ouvi falar com uma amiga, chorando. Acabava de conhecer meu padrasto e, agora compreendo, tinha medo dos sentimentos que despertava. Dizia que preferia estar sozinha, mas que nunca queria voltar a ser vulnerável ante um homem. E lhe contou que meu pai a tinha jogado e que ela estava muito apaixonada por ele. Disse que a jogou de sua casa porque não lhe tinha dado um filho varão.

     Adam permaneceu em silêncio enquanto ela punha toucinho em uma frigideira negra de ferro e a colocava ao fogo.

     -De maneira que soube que, por minha causa, estava sozinha e tinha medo.

     -Sabe que isso não é assim, Lily. A culpa de todo a teve Jack Mercy.

     -Meu coração sabe. -Sorriu levemente-. Mas o problema está em minha cabeça. De todos os modos, nunca esqueci essa conversação. Dois anos depois, mamãe se casou com meu padrasto. E são muito felizes. Ele é um homem maravilhoso. Foi estrito comigo. Nunca foi duro, mas sim estrito e um pouco distante. A quem queria era a minha mãe e eu formava parte do pacote. Queria o melhor para mim, deu-me tudo o que pôde, mas nunca pôde me brindar esse afeto fácil que deve haver entre um pai e sua filha. Suponho que começamos muito tarde.

     -E você tinha fome desse afeto.

     -Ah, sim! Estava esfomeada. -Começou a bater ovos em um bol-. Descobri muitas destas coisas anos depois, na análise. Agora resulta fácil vê-lo. Nunca tive uma relação cálida e carinhosa com uma figura paterna. Nenhum homem se interessou por mim. E no colégio era tímida, espantosamente tímida com os meninos. Não saía muito, tomava muito a sério meus estudos.

     Seu sorriso era um pouco mais natural quando começou a ralar queijo sobre os ovos.

     -Fui terrivelmente séria. Não via as coisas da mesma maneira que as via minha mãe, de modo que me refugiei em feitos e em números. Levava-me bem com os meninos, de maneira que ensinar me pareceu o mais lógico. Tinha vinte e dois anos e ensinava em quinto grau quando conheci o Jesse. Conhecemo-nos em um café, perto de meu apartamento. Fazia solo um mês que vivia por minha conta. Jesse me pareceu tão encantador, tão boa moço, estava tão interessado em mim, que fiquei deslumbrada.

     Com um movimento automático polvilhou um pouco de pimenta sobre os ovos.

     -Suponho que era muito ingênua. Era uma nova experiência para mim. Essa mesma noite fomos ao cinema. E começou a me chamar por telefone todos os dias, à hora em que eu voltava do colégio. Levava-me flores e pequenos presentes. Era mecânico e arrumou o desastroso carro que eu tinha.

      -Apaixonou-te por ele -foi a conclusão do Adam.

     -Sim, estava cega de amor. Com o Jesse nunca olhei além da superfície, não sabia que devia fazê-lo. Mais tarde descobri a quantidade de mentiras que me disse. A respeito de sua família, seu passado, seu trabalho. Tempo depois me inteirei de que a mãe estava em um asilo. Quando ele era pequeno, lhe pegava, além disso bebia e se drogava. Ele também bebia e se drogava, mas não soube até depois de que nos casássemos. A primeira vez que me pegou...

     Deixou a frase inconclusa, esclareceu-se garganta. Durante um instante só se ouviu o som do toucinho que se fritava lhe chispe, enquanto ela o tirava da frigideira.

     -Foi mais ou menos um mês depois das bodas. Um de meus companheiros do colégio cumpria anos e pensávamos ir todos juntos a um clube noturno. Uma tolice. Um desses clubes onde os homens dançam e as mulheres lhes colocam bilhetes nas cueca. Uma autêntica tolice. Jess também parecia considerá-lo assim, até que comecei a me vestir para ir. Então começou a criticar o que me punha, o vestido, o penteado, a maquiagem. Eu me ri, convencida de que se tratava de uma brincadeira. De repente agarrou minha bolsa, jazeu-o e rompeu em pedaços meu carnê de conduzir. Eu estava tão surpreendida, tão zangada, que lhe tirei a bolsa. E então ele me atirou ao chão de um golpe. E começou a me dar bofetões, a gritar, a me chamar toda classe de coisas. Depois me rasgou a roupa e me violou.

     Com mãos surpreendentemente serenas, derrubou os ovos dentro da frigideira.

     -Depois chorou como um bebê. Com enormes soluços. -Respirou com força porque era muito fácil recordar, voltar a vê-lo tudo-. Jesse tinha estado na Infantaria de Marinha e se sentia orgulhoso disso, de sua força e sua disciplina. Não te pode imaginar o que foi ver chorar assim a alguém a quem eu considerava tão forte. Espantou-me e, de algum jeito, fez-me sentir poderosa.

     A força não tem nada que ver com uniformize nem com bíceps, pensou Adam. Esperava que ela também tivesse aprendido isso.

     -Suplicou-me que o perdoasse -seguiu dizendo Lily-. Disse que se tornou louco de ciúmes de solo pensar que me aproximariam outros homens. Contou-me que sua mãe abandonou a seu pai quando ele era uma criatura. foi com outro homem. Antes a história tinha sido que ela estava morta. As duas coisas eram mentira, mas eu lhe acreditei e o perdoei.

     Não era fácil ser completamente sincera, tal como ela queria ser.

     -Perdoei-o, Adam, porque nesse momento me fez sentir forte. E porque pensei que se tinha perdido o controle dessa maneira devia ser porque me queria. Isso forma parte da armadilha, do ciclo. Durante oito semanas não me voltou a pegar.

     Com lentidão, muito concentrada, revolveu os ovos que começavam a cozinhar-se dentro da frigideira.

     -O motivo não tem importância. Eram umas pautas que eu me negava a ver, não queria me convencer de que era tão responsável como ele do que acontecia. Começou a beber, perdeu seu trabalho e me pegou. Esqueci-me que as torradas -disse, de repente, e se encaminhou para a cesta do pão.

     -Lily...

     Mas ela meneou a cabeça.

     -Deixei que me convencesse de que tudo era minha culpa. Que sempre era minha culpa. Eu não era bastante inteligente, bastante atrativa, bastante silenciosa, bastante pormenorizada. O que a situação exigisse. E assim continuou durante mais de um ano. Duas vezes teve que me internar em um hospital e pinjente que me tinha cansado pela escada. Até que um dia me olhei no espelho. Velo que meus amigos viam desde fazia meses, o que viam quando tratavam de conversar comigo, de me ajudar. Ferida-las, os moretones, o olhar de animal acossado, o corpo que era puro osso porque não conseguia aumentar de peso.

     Voltou para a frigideira para revolver os ovos com suavidade.

     -Deixei-o. Não o recordo com exatidão. Sei que não me levei nada e que voltei para casa de minha mãe. Sei que tinha medo porque ele me havia dito que jamais me deixaria ir. Que se alguma vez o deixava, iria me buscar. Mas sabia que se ficava um só dia mais com ele, me suicidaría. Não era a primeira vez que o pensava, até planejei como ia fazer o. Com pastilhas, porque sou uma covarde.

     Dispôs as torradas, os ovos mexidos e o toucinho em um prato e o aproximou.

     -Seguiu-me -disse, e pela primeira vez olhou ao Adam-. Um dia, quando saí, estava-me esperando e me arrastou até seu carro. Tratou de me estrangular, gritou-me. Arrancou o carro comigo semiinconsciente a seu lado. Então já estava mais tranqüilo e me explicava as coisas como sempre o fazia. por que estava equivocada, por que era necessário me ensinar como devia comportar uma boa esposa. Eu estava mais aterrorizada do que tinha estado nunca na vida. Quando estava tranqüilo tinha mais medo que nunca do que seria capaz de fazer.., de me fazer.

      Fez um instante de silêncio para tranqüilizar-se porque o medo podia voltar em qualquer momento, e anular sua vacilante coragem.

     -Teve que reduzir a velocidade devido ao tráfico e saltei do carro, ainda em marcha. Mas não me caí. Sempre considerei que foi um milagre. Recorri à polícia e consegui que emitissem uma ordem que lhe impedia de aproximar-se me Comecei a me mover de um lugar a outro. Sempre me encontrava. A última vez, justo antes de que viesse aqui, voltou-me a encontrar. Acredito que esta vez me teria matado, mas um vizinho me ouviu gritar e começou a golpear a porta. Em realidade a derrubou. E Jesse fugiu.

     sentou-se, cruzou as mãos sobre a mesa.

     -Eu também fugi. Acreditei que aqui não poderia me encontrar. Quase não me comuniquei com minha mãe por medo de que, através dela, Jesse pudesse inteirar-se de meu paradeiro. Mas falei com mamãe esta manhã, antes de ir às cavalariças. Não o viu nem teve notícias dele. Respirou fundo-. Sei que você, Nate e Ben ides falar disto com a polícia. Estou disposta a responder a qualquer pergunta que me façam a respeito dele. Mas, que eu saiba, ele jamais fez mal a ninguém, além de mim. E sempre usou sozinho as mãos. Parece-me que se me tivesse encontrado, a que teria atacado tivesse sido a mim.

     -Nunca te voltará a fazer mal. -Fez a um lado o prato para poder lhe cobrir as mãos com as suas-. Sejam quais fossem as respostas. Lily, nunca te voltará a tocar. Juro-lhe isso.

     -Se chegasse a ser ele... -Fechou os olhos com força-. Se for ele, Adam, a responsável serei eu. Sou responsável pela morte de duas pessoas.

     -Não, não o é.

     -Se chegasse a ser ele, sim -disse ela com tranqüilidade-. Tenho que assumi-lo e viver com isso- Estive-me ocultando aqui, Adam, usei-lhes a ti, ao Will e a este lugar para manter afastadas todas essas coisas horríveis. Mas não dá resultado. -Suspirou e moveu as mãos entre as dele-. Devo assumi-lo. Essa é outra das coisas que aprendi na terapia. Não tenho valor, esse valor natural que têm Will e Tess. O pouco que adquiri, tive-o que aprender e praticar. Tinha medo de te dizer tudo isto, e agora lhe tivesse preferido haver isso dito de um princípio. O resto seria mais fácil.

     -Há mais?

     -Não com respeito ao Jesse nem com respeito a estas coisas horríveis, mas é difícil.

     -Pode me dizer algo.

     -Com tudo o que aconteceu ontem à noite, solo há um momento que não me posso tirar da cabeça. -Com uma risada nervosa, retirou as mãos que Adam cobria com as suas-. Oxalá comesse. Te vai esfriar.

     -Lily. -Desconcertado, Adam se apertou os olhos com as mãos e logo, obediente, tomou o garfo-. De que momento fala?

     -É sozinho que, como te disse faz um momento, acreditei que me desejava e que era o de sempre. Nunca imaginei que pudesse ser mais que, bom, essa resposta sensual que têm os homens. Uma questão de hormônios. -Olhou-o com desconfiança para ouvir que ele se afogava-. Foi a impressão que tive -adicionou, já à defensiva-. E você nunca disse ou fez nada que indicasse o contrário. Até ontem à noite. Nesse instante em que me agarrou a cara entre as mãos e olhou aos olhos. E tudo desapareceu, salvo você, quando me beijou. Tudo desapareceu com exceção de ti, e então tudo andou mau, mas por um momento, solo um momento, foi uma maravilha.

     ficou de pé com rapidez e se aproximou da cozinha.

     -Já sei que era Ano Novo. Que a gente se beija a meia-noite, e que não significa...

     -Amo-te, Lily.

     As palavras se deslizaram sobre ela como uma esperança. Apertou-as, apertou-as contra si e se voltou. Adam estava de pé, muito perto, o pálido sol do inverno sobre seu cabelo e seus olhos olhando-a solo a ela.

     -Apaixonei-me por assim que te vi. Mas te estive esperando toda a vida. Solo esperava a ti. -Tendeu-lhe uma mão-. Solo a ti.

     O júbilo se deslizou ao longo da esperança, um gêiser quente e borbulhante através de um lago tranqüilo.

     -Em realidade é tão singelo -disse ela, tomando a mão do Adam-. Quando é verdadeiro é muito singelo. -E se jogou em seus braços-. Não quero estar em nenhuma parte mais que contigo.

     -Aqui estamos em casa -respondeu ele, enterrando a cara no cabelo do Lily-. Fica comigo.

     -Sim. -Voltou os lábios para o pescoço dele e o saboreou pela primeira vez-. Não sabe como quis que me acariciasse, Adam. me acaricie agora, por favor.

     Quão mesmo antes, tomou a cara entre as mãos. Beijou-a, igual a antes. Mas esta vez jogou os braços ao pescoço e sua resposta foi suave, doce e tímida. Quando Adam se separou dela não teve nenhuma necessidade de fazer perguntas; saíram da cozinha e se encaminharam ao dormitório, com sua cama feita com esmero e sua janela com cortinas singelas.

      Então lhe acariciou o cabelo e retrocedeu para lhe dar tempo de decidir.

     -Parece-te que é muito logo?

     O desejo tremia dentro do Lily.

     -Não, é perfeito. Você é perfeito.

     Adam se voltou e baixou as persianas para que o sol dourado se escondesse detrás delas e para que dentro do pequeno quarto a manhã se convertesse em anoitecer. Ela deu o primeiro passo, e foi mais fácil do que tivesse podido imaginar. sentou-se no bordo da cama, muito ruborizada, e começou a tirá-las botas.

     O se sentou a seu lado e fez o mesmo; logo a beijou em silêncio.

     -Tem medo?

     Para o Lily era um milagre não o ter. Estava nervosa, sim, mas sem medo. Conhecia bem o gosto do medo e seu amargo ressaibo. Meneou a cabeça, ficou de pé e se levou as mãos aos botões da camisa.

     -Quão único não quero é te desiludir.

     -Estou por lhe fazer o amor à mulher a quem amo. Como crie que vou desiludir me?

     Olhando-o, alerta ante cada reação do Adam, Lily deslizou a camisa sobre seus ombros. Durante um momento a manteve apertada contra seu peito. «Recordarei isto -pensou Lily-, cada instante disto. Cada palavra, cada movimento, cada fôlego.»

     Adam se ficou de pé e lhe aproximou. Primeiro lhe apoiou uma mão sobre o ombro e o acariciou com suavidade, sem deixar de olhá-la aos olhos. Com delicadeza, tirou-lhe a camisa das mãos e a deixou cair ao chão. Baixou o olhar e também as mãos e dirigiu ambas aos peitos do Lily.

     Ela fechou os olhos enquanto ele a percorria, investigava-a com os dedos. Depois os abriu com lentidão para desabotoar a camisa a ele, fazê-la a um lado e observar o contraste da pele pálida de suas mãos contra o acobreado suave da dele.

     -Quero te sentir contra meu corpo -murmurou Adam enquanto lhe desabotoava o sustento e o deixava cair ao chão entre ambos. Abraçou-a com ternura. Percorreu-o um tremor, como o de um lago tranqüilo cujas águas inquieta um dedo preguiçoso-. Não te machucarei, Lily.

     -Não.

     Era algo do que podia estar segura. Adam apoiou os lábios sobre seus ombros, seu pescoço. Ali não existiria a dor, nem sequer o produzido pelo acanhamento. Ali havia confiança e o desejo seria bondoso.

     Não se sobressaltou quando Adam lhe baixou a cremalheira dos jeans. Tremeu, mas não de medo, quando ele os deslizou por suas pernas lhe murmurando palavras de amor enquanto a ajudava a liberar-se deles.

     O coração lhe saltou dentro do peito quando ele se tirou seu próprios jeans, mas foram pulsados de alegria, de admiração, de expectativa.

     Era uma maravilha contemplar essa pele dourada sobre músculos fortes e magros, esse cabelo brilhante que lhe caía sobre os ombros. E ele a desejava, queria lhe pertencer. Para o Lily era um milagre incrível.

     -Adam -sussurrou seu nome no momento em que se deixavam cair sobre a cama-. Adam Wolfchild. -Quando o peso dele a apertou contra o colchão, enlaçou os braços ao redor de seu pescoço e lhe baixou a boca para que a apoiasse sobre a sua-. Me ame.

     -Amo-te. Amarei-te.

    

     Enquanto eles celebravam a vida em um quarto de penumbras, outro celebrava a morte a plena luz do dia. No profundo do bosque, só e jubiloso, estudava os troféus que com tanto cuidado conservava em uma caixa de metal. Prêmios de caça, pensou, enquanto acariciava o cabelo comprido e dourado de uma jovencita que se equivocou de caminho.

     chamava-se Traci; o disse quando ele se ofereceu a levá-la. Traci com t latina. Declarava ter dezoito anos, mas ele adivinhou que lhe mentia. Seu rosto ainda conservava essa gordura infantil, mas logo, quando a conduziu à montanha e a despiu, o corpo era bastante amadurecido.

     Foi tão fácil! Uma jovencita que estendia o polegar a um lado do caminho. Uma mochila vermelha pendurada dos ombros, jeans ajustados que mostravam suas pernas curtas. E esse cabelo de um dourado brilhante, tingido, é obvio. Mas de todos os modos atraiu sua atenção porque resplandecia como fogo à luz do sol. Tinha as unhas pintadas de vermelho, que fazia jogo com a cor da mochila.

     Mais tarde viu que também tinha as unhas dos pés pintadas da mesma cor.

     Enquanto lhe acariciava o cabelo, recordou havê-la deixado tagarelar um momento. afastava-se do Dodge, disse. dali era, da cidade do Dodge, Kansas.

     -Mas já não está em Kansas -disse ele e riu de seu próprio engenho.

     Voltou a pensar que a deixou falar um momento a respeito da maneira em que pensava viajar até chegar ao Canadá e ver um pouco de mundo. Tirou um pacote de chicletes da mochila e lhe ofereceu um. Depois, dentro do pacote de chicletes, ele encontrou quatro cigarros de maconha cuidadosamente atados, mas se dignou lhe oferecer um desses? É obvio que não!

     Deprimiu-a de um só golpe, um rápido murro na bochecha que a fez pôr os olhos em branco. E a levou às montanhas, onde reinava o silêncio e havia intimidade e ele podia fazer o que lhe desse a vontade.

     E gostava de fazer muitas coisas.

     Em primeiro lugar a violou Um homem tinha suas prioridades. Atou-a bem forte para que não pudesse utilizar essas unhas afiadas para arranhá-lo. A garota gritou até ficar rouca, e se moveu se desesperada sobre o camastro enquanto o fazia costure, utilizava coisas nela.

     Depois fumou os cigarros que ela levava na mochila e o fez tudo de novo.

     Ela rogou, suplicou-lhe que a soltasse. Depois voltou a rogar e a suplicar quando se deu conta de que pensava deixá-la ali, atada e nua.

     Mas um homem tem responsabilidades e ele não podia ficar.

     Quando retornou, vinte e quatro horas depois, tivesse podido jurar que ela se alegrou de vê-lo pela maneira em que rompeu a chorar. De modo que a voltou' a violar e quando perguntou se lhe tinha gostado dela respondeu que sim. Disse-lhe tudo o que ele queria ouvir.

     Até que viu a faca.

     Demorou mais de uma hora em limpar tudo o sangue, mas valeu a pena. E tanto que valeu a pena! E o melhor de tudo, decididamente o melhor de tudo, foi inspirada idéia que teve de arrojar o corpo do Traci com i latino, da cidade do Dodge, Kansas, frente à porta da casa principal do rancho do Mercy.

     Ah, isso foi uma maravilha!

     Beijou com ternura o cabelo ensangüentado e o voltou a colocar com cuidado dentro da caixa. Agora todos estão morto de medos, pensou enquanto colocava a caixa em seu buraco e o voltava a tampar. Todos tremiam em seus sapatos. Porque temiam a ele. Quando ficou de pé e levantou o rosto' para o frio sol de inverno, soube que era o homem mais importante de Montana.

    

     Se alguém houvesse dito ao Tess que ia passar uma gélida noite de janeiro ajoelhada em uma cavalariça entre sangue e líquido amniótico e além disso desfrutar de cada minuto da experiência, lhe teria dado o nome do psiquiatra de seu representante.

     Mas foi exatamente o que fez. E por segunda noite consecutiva. Tinha visto nascer a dois potros e até pôde colaborar um pouco no parto. E lhe fascinou.

     -Com isto um elimina todas as preocupações da cabeça, não é certo? -Retrocedeu uns passos com o Adam e com o Lily enquanto o recém-nascido lutava por ficar de pé pela primeira vez.

     -Tem uma excelente maneira de tratar aos cavalos, Tess -disse-lhe Adam.

     -Não sei se chegará a tanto, mas isto impede que me volte louca. Todo mundo está tão nervoso! Ontem ao sair do galinheiro, topei-me com o Billy. Não sei qual dos dois se assustou mais.

     -Já aconteceram dez dias. -Lily se esfregou as mãos para as fazer entrar em calor-. Já tudo começa a parecer irreal. Sei que Will falou várias vezes com a polícia, mas ainda não chegaram a nada.

     -Olhe. -Adam lhe apoiou um braço sobre os ombros e a aproximou de si quando o potro começou a mamar-. Isso é real.

     -Tão real como minha dor de costas. -Tess se levou uma mão à costas. Era uma desculpa excelente para deixá-los sozinhos. E além disso pensou que um bom banho quente e umas horas de sonho a preparariam para ir visitar o Nate-. Volto para casa.

     -Ajudaste-nos muito, Tess. Agradeço-lhe isso.

     Sorridente, ela agarrou seu chapéu e o pôs.

     -Deus! Se meus amigos pudessem yerme neste momento!

      A idéia a fez rir enquanto saía das cavalariças e fazia frente ao frio selvagem da manhã.

     O que diriam em seu salão de beleza preferido se ela chegasse a entrar como estava nesse momento, com só Deus sabia o que sob as unhas, jeans e uma camisa de flanela suja de sangue e com o cabelo.., bom, seu cabelo era algo indescritível e além não tinha uma gota de maquiagem na cara.

     Supôs que o senhor Williams, seu estilista, deprimiria-se sobre o tapete rosado do salão.

     «Bom -pensou-, quando voltar aos Anjos, todas estas experiências me darão pé para conversações fascinantes em coquetéis e festas.» imaginou em uma festa na Beverly Hills, dando de presente à proprietária de casa com histórias sobre a maneira de varrer esterco de cavalo, recolher ovos de galinha, castrar bezerros -um aspecto do assunto que trataria de embelezar-, e além disso montar a cavalo.

     Um pouco completamente distinto aos ranchos que algumas estrelas de Hollywood se davam o gosto de ter. E logo adicionaria que também tinha havido um psicopata solto por ali.

     estremeceu-se e se amassou em seu casaco. «Tira-lhe o da cabeça -disse-se-. Não ganha nada pensando-o.»

     Então viu a Willa no alpendre, de pé no segundo degrau e olhando as montanhas. Petrificada, pensou Tess, igual à filha do MIDAS. E não sabe o espetáculo maravilhoso que é. Willa era a única mulher que Tess conhecia que não tinha um verdadeiro conceito de seu poderio como mulher. Para a Willa todo se reduzia ao trabalho, à terra, os animais, os peões.

     Estava preparando um comentário sarcástico quando, ao aproximar-se, alcançou a lhe ver a cara. Destroçada. O chapéu pendurava sobre suas costas sobre uma verdadeira cascata de cabelo solto. Suas costas era direita como um flecha, no queixo tinha uma expressão decidida. Sua aparência deveria ser confiada, até arrogante. Mas a expressão de seus olhos era a de um ser acossado e cego pelo que talvez fosse sensação de culpa ou uma dor crua.

     -O que acontece?

     Willa piscou. Foi o único movimento que fez. Não voltou a cabeça, nem moveu os pés.

     -Acaba de estar a polícia.

     -Agora?

     -Faz apenas um momento. -Já não tinha noção do tempo que fazia que estava ali de pé no frio.

     -Parece-me que precisa te sentar. -Tess subiu um degrau, logo um segundo-. Entremos.

     -averiguaram quem era. -Willa seguia sem mover-se mas seu olhar se dirigiu ao lugar junto aos degraus onde encontraram o corpo da moça-. Chamava-se Traci Mannerly. Tinha dezesseis anos. Vivia na cidade do Dodge com seus pais e seus dois irmãos menores. escapou de sua casa, pela segunda vez, faz ao redor de seis semanas.

     Tess fechou os olhos. Não queria inteirar-se de seu nome, não queria conhecer detalhes. Era mais fácil viver sem sabê-los.

     -Entremos.

     -Disseram-me que quando a encontramos pelo menos fazia doze horas que tinha morrido. Tiveram-na atada pelas bonecas e os tornozelos. Tinha queimaduras produzidas pelas sogas quando lutou por liberar-se.

     -Basta!

     -E a violaram. Dizem que a violaram e sodomizaron repetidas vezes. E estava... grávida de dois meses. Estava grávida, tinha dezesseis anos e era de Kansas.

     -Já basta! -repetiu Tess. Corriam-lhe as lágrimas pelas bochechas e se abraçou a Willa.

     E ali ficaram, balançando-se, sobre o degrau, chorando e abraçando-se quase sem dar-se conta de que o faziam. Um falcão chiou nas alturas. As nuvens se uniram para tampar o sol e ameaçar com neve. E elas seguiam juntas, unidas pelo medo e a dor que solo as mulheres conhecem a fundo.

     -O que vamos fazer? -perguntou Tess em um suspiro, tremente-. OH, Deus! O que vamos fazer?

     -Não sei. Simplesmente já não sei. -Willa não se apartou. Embora se deu conta de que estavam estreitamente abraçadas no vento cada vez mais forte, permaneceu onde estava-. Eu sou capaz de dirigir este lugar. Sou capaz de fazê-lo apesar de tudo isto. Mas não sei se for capaz de pensar nessa garota.

     -Não nos faz bem pensar nisso. Podemos pensar em vos motivos, por que a trouxe até aqui. Podemos pensar nisso. Mas não nela. E podemos pensar em nós. -Retrocedeu e se secou a cara empapada em lágrimas-. Será melhor que comecemos a pensar em nós. Acredito que Lily e eu necessitamos que alguém nos ensine a dirigir uma arma.

      Willa lhe olhou fixamente durante um momento e começou a ver nela algo mais que a resplandecente fachada de uma mulher de Hollywood.

     -Eu lhes ensinarei. -Respirou fundo para tranqüilizar-se e voltou a ficar o chapéu-. Começaremos agora mesmo.

 

     -É um assunto preocupem-se -comentou Ham enquanto comia seu guisado de meio-dia.

     Jim se serve um segundo prato e piscou os olhos um olho ao Billy.

     -A que te refere, Ham?

     A resposta se atrasou e ouviram disparos.

     -Uma mulher armada -disse Ham com seu tom seco e sua maneira de falar lenta-. E ainda mais preocupantes são três mulheres armadas.

     -Direi-te a verdade. -Jim afundou uma parte de pão em seu prato e se ]ou levou a boca-. Considero que Tess resulta muito atrativa com um rifle ao ombro.

     Ham lhe dirigiu um olhar de comiseração.

     -Moço, você não tem bastante trabalho para te manter ocupado.

     -Não há quantidade de trabalho que límpida que um homem olhe a uma mulher bonita. Não é certo, Billy?

     -Tem razão.

     Embora Billy não tinha pensado muito em mulheres da véspera de Ano Novo. Tentar fazer o amor com a Mary Anne no jipe foi fantástico, mas a experiência espantosa de encontrar juntos o cadáver, escureceu todo o acontecimento.

     -Mas me aterroriza -disse, falando com a boca enche-. Faz mais de uma semana que estão praticando e ainda não vi ao Tess dar no branco. Faz que um homem tenha medo de sair enquanto estejam disparando.

     -Direi-lhes o que penso -disse Jim, arrotando e ficando de pé-. Acredito que o que precisam é que um homem lhes ensine a fazê-lo. Eu tenho uns minutos livres.

     -Não é necessário que ninguém ensine ao Will o que se pode fazer com uma arma -disse Ham em seguida com orgulho. depois de tudo foi ele quem lhe ensinou a atirar-. Até com um olho fechada dispara melhor que você ou que qualquer outro em Montana. por que não deixam em paz a essas mulheres?

     -Eu não penso as tocar -disse Jim enquanto ficava o casaco-. A menos que se me presente a oportunidade.

     Saiu e viu o Jesse descendo de um jipe.

     -Olá, JC! -Sonriendo, levantou uma mão-. Faz um par de semanas que não te via.

     -Estive ocupado.

     Sabia que se arriscava, que era um risco enorme estar no Mercy durante as horas do dia. Visitava os peões sempre que podia, mas de noite, nas sombras. Visitava-os com bastante freqüência e sabia que a puta de sua mulher abria as pernas ao Wolfchild.

     Mas isso podia esperar.

     -Estive no Ennis, comprando algumas reposições. Acabavam de receber os que lhes encarregaram vós. -Arrojou- um pacote ao Jim, logo se passou um dedo pelo bigode. Começava-lhe a gostar disso de ter bigode-. Decidi trazê-los.

     -Obrigado -disse Jim, depositando o pacote no piso-. Diria que já é hora de que joguemos uma boa partida de pôquer.

     -Eu estou disposto. por que não vêm esta noite ao Three Rocks? -Esboçou seu mais encantador sorriso-. Asseguro-lhes que lhes mandarei de volta com os bolsos mais ligeiros.

     -Talvez o façamos. -Voltou a cabeça para ouvir os disparos e lançou uma risita-. Temos a nossas três mulheres praticando tiro. Eu estava por lhes dar algumas instruções.

     -As mulheres deveriam manter-se afastadas das armas de fogo. -Jesse tirou um pacote de cigarros e o ofereceu.

     -Estão aterrorizadas. Suponho que estará à corrente de que houve problemas por aqui.

     -É obvio. -Jesse exalou uma baforada de fumaça e se perguntou se se arriscaria a jogar um olhar ao Lily a plena luz do dia-. Um mau assunto. Era uma jovencita, verdade? De Nebraska?

     -Disseram-me que era de Kansas. Que escapou de casa. E a mataram como a um cão.

     -As garotas jovens deveriam ficar em suas casas, como corresponde. -Entrecerrando os olhos, Jesse estudou a brasa de seu cigarro-. Aprender a ser algemas. Se me perguntarem isso, o que acredito é que hoje em dia às mulheres gostaria de ser homens. -Essa vez em seu sorriso houve certa maldade-. É obvio que isso não lhes deve incomodar a vós, considerando que têm a uma mulher por patrão.

      Jim ficou tenso mas conseguiu assentir.

     -Não posso dizer que pelo general isso me incomode muito. Mas Will sabe o que é dirigir um rancho.

     -Talvez. Mas pelo que me hão dito, o próximo outono terão três mulheres por patronas.

     -Já veremos. -Sua agradável expectativa de luzir-se ante as mulheres se desvaneceu. Levantou o pacote-. Obrigado por nos haver trazido isto.

     -Não há problema. -Jesse se voltou para o jipe-. Não deixem de vir esta noite. E tragam dinheiro. Tenho a sensação de que a fortuna me sorri.

     -Sim. -Vexado, Jim se acomodou o chapéu e olhou partir o jipe-. Pedaço de imbecil! -murmurou enquanto voltava a entrar na casa dos peões.

    

     No improvisado campo de tiro, atrás do celeiro, Lily se estremeceu.

     -Tem frio? -perguntou Tess.

     -Não. Foi sozinho um calafrio. -Mas tirou o chapéu olhando por cima do ombro para ver os cromados de um jipe que partia-. Passou um anjo sobre minha tumba -murmurou.

     -Bom, isso sim que é alegre! -Tess voltou a ficar em posição e disparou contra uma lata com uma pequena Smith & Wesson para mulher, o que Willa chamava uma pistola de bolso. E errou. Como por um quilômetro de distância-. Mierda!

     -Sempre fica a possibilidade de lhe pegar com a culatra da arma contra a cabeça -disse Willa, colocando-se detrás do Tess e estudando a posição do braço de sua irmã-. Te concentre.

     -Estava-me concentrando. Mas não é mais que uma bala pequena. Se fosse uma pistola maior, como a tua...

     -Cairia-te de culo cada vez que a disparasse. Utilizará uma arma de pequeno calibre até que saiba o que está fazendo. Vamos, até o Lily dá no branco cinco vezes de cada dez.

     -Ainda não adquiri o costume. -Voltou a disparar, franziu o sobrecenho-. Essa esteve mais perto. Estou segura de que esteve mais perto.

     -Sim, a este passo dentro de um ano poderá balear o flanco do celeiro.

     Willa desencapou uma Colt do exército que levava na cintura. A 45 era uma arma grande, e pesada, mas lhe gostava. Para luzir um poquito, derrubou seis latas com seis disparos.

     -A maldita Annie Oakley -sussurrou Tess, odiando a sensação de admiração e de inveja que sentia-. Como diabos o faz?

     -Concentração, uma mão firme e um olhar fixo. -Sorridente, voltou a deslizar a arma dentro de seu estojo-. Talvez em seu caso te faça falta algo mais. Um apoio psicológico. Odeia a alguém?

     -Além da ti?

     Willa logo que elevou uma sobrancelha.

     -Quem foi o primeiro tipo que te deixou plantada e te destroçou o coração?

     -A mim ninguém deixa plantada, campeã. -Mas em seguida fez uma espécie de panela-. Sim, foi Joey Columbo em sexto grau. O filho de puta me deu corda e depois me deixou por meu melhor amiga.

     -Imagina sua cara nessa pulse sobre o poste do alambrado e lhe coloque uma bala entre os olhos.

     Tess apertou os dentes, e fez pontaria. O dedo lhe tremeu sobre o gatilho. Depois baixou a arma com uma gargalhada.

     -Deus! Não posso disparar contra uma criatura de dez anos.

     -Mas agora é todo um homem, vive no Bel Air e não deixa de rir da tola jovencita a quem deixou plantada em sexto grau.

     -Cretino! -Nesse momento disparou mostrando os dentes-. Dava-lhe! -gritou enquanto bailoteaba feliz, e Willa lhe tirou a arma da mão antes de que se disparasse um tiro no pé-. Moveu-se.

     -Possivelmente tenha sido o vento.

     -O que vai ser o vento! Matei ao Joey Columbo!

     -Não foi mais que uma ferida superficial.

     -Está tendido no piso, observando a vida que passa ante seus olhos.

     -Está começando a desfrutar de muito disto -decidiu Lily-. Eu simplesmente imagino que estou em um desses parques de diversões e que quero ganhar o osito de peluche que dão como prêmio. -ruborizou-se ao ver que suas duas irmãs se voltavam a olhá-la-. Bom, me dá resultado.

     -De que cor? -perguntou Willa depois de uns instantes de silêncio-. De que cor é o osito? -explicou.

     -Rosa. -Ante a gargalhada do Tess, Lily a olhou desafiante-. Eu gosto dos ositos de cor rosa. E ganhei mais de uma dúzia enquanto você atirava ao ar.

     -Ah, agora se está pondo desagradável! Acredito que deveríamos organizar um concurso. Não contigo, assassina -disse Tess, apartando a Willa de uma cotovelada-. Solo eu e a apaixonada pelos ositos. -inclinou-se para o Lily-. Veremos se for capaz de suportar a pressão, irmã.

      -Então, sugiro que carreguem suas armas -disse Willa, inclinando-se para tomar as balas-. As duas têm as pistolas vazias.

     -E que vontade a melhor? -perguntou Tess enquanto voltava a carregar cuidadosamente a pistola-. Além da satisfação do triunfo. Faz-nos falta um prêmio. Eu funciono melhor quando tenho uma meta clara.

     -A perdedora se encarregará de lavar a roupa durante uma semana -decidiu Willa-. Ao Bess virá bem um descanso.

     -Ah! -exclamou Lily, erguendo-se-. Eu gostaria de muito...

     -te cale a boca, Lily! -Willa olhou ao Tess-. De acordo?

     -Lavar a roupa de todo o mundo, incluindo roupa interior?

     -Incluindo suas calcinhas francesas.

     -E à mão. Nada de sedas na máquina de lavar roupa. -Satisfeita com o trato, Tess deu um passo atrás-. Você primeiro -disse ao Lily.

     -Doze disparos cada uma, em duas cargas de seis. Quando quiser, Lily.

     -Está bem.

     Respondeu fundo, recordou tudo o que Willa lhe tinha ensinado a respeito da postura, a respiração. Demorou dias inteiros em não fechar os olhos cada vez que apertava o gatilho, e estava orgulhosa de seus progressos. Disparou com lentidão, com tranqüilidade e viu voar quatro botes.

     -Quatro de seis. Nada mal. Baixem as armas, senhoras -ordenou Willa enquanto se dirigia a recolocar as latas.

     -Eu também posso fazê-lo. -Tess quadrou os ombros-. Sou capaz de lhes dar a todas. Todas são esse cretino sardento chamado Joey Columbo. Arrumado a que já deve andar por seu segundo divórcio.

     Surpreendeu-as às duas inclusive a si mesmo, ao derrubar três latas.

     -Também dava a essa outra. Ouvi que fez «PING».

     -É certo -disse Lily com generosidade-. empatamos.

     -Voltem a carregar suas armas.

     Divertida, Willa se encaminhou a colocar os brancos em seu lugar. Ao voltar-se e ver que Nate lhes aproximava, levantou um braço em um gesto de saudação.

     -Não disparem! -Nate levantou os braços quando Lily e Tess se voltaram para ele-. Não estou armado.

     -Quer te pôr uma maçã sobre a cabeça?

     Piscando para luzir suas largas pestanas, Tess lhe aproximou e o recebeu com um beijo.

     -Nem sequer por ti, Olho Atento.

     -Estamos em pleno concurso de tiro -informou-lhe Willa-. Toca a ti, Lily. Vejo um gigantesco osito de peluche em seu futuro. -Riu e colocou os braços em jarras-. Tinha que estar aqui -disse ao Nate ao ver que Lily dava no branco cinco vezes de seis-. Contrata-a para o Espetáculo do selvagem oeste. Supera isso, Hollywood.

     -Posso fazê-lo.

     Mas tinha as Palmas das mãos suadas. Percebeu essa mescla de colônia e aroma de cavalos tão típica do Nate e moveu os ombros tensos. Apontou, apertou o gatilho e errou os seis tiros.

     -Estava distraída -alegou enquanto Willa aclamava e levantava o braço da vencedora-. Você me distraíste -disse ao Nate.

     -Querida, é uma maravilha. Não todo mundo pode errar seis tiros, um atrás do outro.

     Com cautela Nate lhe tirou a arma da mão, apesar de que estava descarregada, e tratou de consolá-la com um beijo.

     Willa riu.

     -Não esqueça separar a roupa branca, lavadeira. E recolhe os casquilhos.

     Quando Lily e Tess começaram a recolher os casquilhos, Lily se aproximou de sua irmã com dissimulação.

     -Ajudar-te -sussurrou.

     -Nem o sonhe! Uma aposta é uma aposta. -Tess inclinou a cabeça-. Mas a próxima vez lutaremos com os punhos.

     -Vou ao Ennis a comprar alguns comestíveis -comunicou Nate enquanto fazia se desesperados esforços por não olhar fixamente o traseiro do Tess que lhe marcava enquanto recolhia os casquilhos-. Devi ver se vos fazia falta algo.

     «O que vais vir para isso!», pensou Willa ao notar a direção do olhar de seu amigo.

     -Obrigado, mas Bess esteve ali faz um par de dias e comprou uma quantidade de provisões.

     Tess se ergueu.

     -Quer que te acompanhe?

     -eu adoraria.

     Tess não apartou o olhar da do Nate enquanto deixava cair um punhado de casquilhos na mão da Willa.

     -irei procurar minha bolsa. -Enlaçou seu braço com o do Nate e olhou a suas irmãs por cima do ombro-. Avisem ao Bess de que não voltarei a comer.

     -O único importante é que volte o dia da lavagem -gritou-lhe Willa-. Não há dúvida de que o tem agarrado pelas Pelotas -comentou logo em voz baixa.

     -me parece que fazem um bom casal -respondeu Lily-. Nate é boa moço e tranqüila. E cada vez que vá ao Tess não pode menos que sorrir.

     -Porque sabe que terminará com as calças enredadas ao redor dos tornozelos. -Riu ante o olhar de desaprovação do Lily-. Me alegro por eles. O que passa é que a mim o sexo não entusiasma.

     -Tem-lhe medo?

     Considerando de quem vinha, pergunta-a foi tão inoportuna, que Willa ficou com a boca aberta.

     -Como?

     -Eu lhe tinha pânico. antes do Jesse, com ele, e também depois. -De forma automática, Lily se dirigiu a juntar os brancos-. Acredito que é natural ter medo antes, sabe? Quando uma não sabe como serão as coisas, e teme fazer algo mal ou o papel de tola.

     -É uma questão bastante singela. O que se pode fazer mau?

     -Um montão de coisas. Eu fiz mal muitas costure. Ou acreditei que as fazia. Mas com o Adam não tive medo. Pelo menos do momento em que me dava conta de que me queria. Com o Adam não tive nada de medo.

     -Quem pode ter medo com o Adam?

     Lily sorriu timidamente, e em seguida ficou séria.

     -Não há dito nada a respeito de... Já sei que está inteirada de que estou... com ele. -Exalou uma baforada de ar, viu-a converter-se em névoa no frio e logo desaparecer-. Que me deito com ele.

     -Sério? -perguntou Willa com um leve tom de brincadeira-. Acreditava que te esperava todas as noites na porta lateral, e que logo te acompanhava de retorno ao amanhecer porque participavam de um torneio de cesta em segredo. Quer dizer que fazem o amor? Que têm sexo? Escandaliza-me!

     Lily recuperou seu sorriso.

     -Adam disse que não enganaríamos a ninguém.

     -E por que íeis querer enganar a alguém?

     -Adam... Adam me pediu que mudasse a sua casa, mas eu não sei se te parecerá bem. É seu irmão.

     -Faz-o feliz.

     -É o que quero. -Vacilou, logo tirou uma cadeia que levava debaixo da camisa e manteve os dedos fechados sobre algo que pendurava dela-. Quer... Deu-me isto.

     Willa se aproximou de olhar o que tinha Lily na palma da mão. Era um anel singelo, de oro com um desenho de diamantes.

     -Era de minha mãe -sussurrou Willa, e sentiu que lhe fechava a garganta-. O deu o pai do Adam o dia que se casaram. -Levantou a vista para olhar ao Lily-. Adam te pediu que te case com ele.

     -Sim. -E o fez de uma maneira maravilhosa, recordava Lily, com palavras singelas e silenciosas promessas-. Eu ainda não pude lhe dar uma resposta. Antes arruinei tanto as coisas que... -interrompeu-se e se amaldiçoou-. Estive em uma confusão tão grande antes -corrigiu-se-. E faz muito poucos meses que estou aqui. Senti que tinha que falar primeiro contigo.

     -Não tem nada que ver comigo. Absolutamente nada -insistiu Willa ao ver que Lily começava a protestar-. Isto é sozinho entre você e Adam. fica a alegria de ser muito feliz. Saca esse anel da cadeia, Lily, ponha o e vá buscá-lo. Não, não chore -inclinou-se para beijar a bochecha do Lily-. Adam acreditará que algo anda mau.

     -Estou apaixonada por ele. -Deslizou a cadeia sobre sua cabeça e desenganchou o anel-. Quero-o com toda a alma, adoro-o. Fica bem -informou quando ficou o anel no dedo-. O disse que me caberia.

     -Perfeitamente -conveio Willa-. vá dizer se o Eu terminarei com isto.

    

     Enquanto avançavam a tombos pelo caminho de acesso, Tess se desperezó.

     -Tem bom aspecto para ser alguém que acaba de perder um concurso de tiro.

     -É que estou contente. Não sei por que. -Baixou os braços, observou a paisagem, as montanhas cobertas de neve, a impressionante extensão de terra-. A vida é um desastre. Ainda há um louco assassino solto e faz dois meses que não vou à manicura. Estou absolutamente fascinada com a possibilidade de ir a um pueblecito de má morte para olhar vidraças. Deus me ajude!

     -Suas irmãs você gosta. -Nate se encolheu de ombros ante o olhar indiferente dela-. Apesar de vocês mesmas, conheceste-lhes e lhes têm simpatia. Observei-lhes às três juntas ali fora, e te digo que vi uma unidade.

     -Uma meta comum, isso é tudo. Estamo-nos protegendo e protegemos nossa herança.

     -Mentira!

     Ela franziu o sobrecenho, cruzou os braços.

     -vais arruinar meu bom humor, Nate.

      -Acabo de ver as mulheres do Mercy. Trabalho em equipe, afeto.

     -As mulheres do Mercy! -Riu com descuido, logo franziu os lábios. «Soa a certo, não é assim?», perguntou-se-. Talvez já não pense que Will é tão grotesca como acreditava. Mas é porque se está adaptando.

     -E você não?

     -por que me vou ter que adaptar eu? Nunca tive nada de mau. -Passou-lhe um dedo pela coxa-. Ou crie que sim?

     -Além de ser orgulhosa, ingovernável e cabeça dura, nada. -Vaio entre dentes quando os dedos do Tess subiram por sua perna, encontraram seu ponto débil e o beliscaram.

     -E você adora. -Inspirada, tirou-se o casaco.

     -Tem calor? -De maneira automática, Nate subiu o ar condicionado.

     -O vou ter -respondeu Tess enquanto se tirava o suéter por cima da cabeça.

     -O que faz? -A surpresa fez que Nate perdesse o domínio do veículo-. Volta a te pôr isso em seguida!

     -Uh, uh. Estaciona. -E se desabotoou o sustento de modo tal que os peitos lhe derramaram sobre o corpo.

     -Estamos em um caminho público. E em pleno dia.

     Ela estirou uma mão, baixou-lhe o fechamento da calça e o encontrou preparado.

     -E isso o que?

     -Tornaste-te louca? Pode vir qualquer Y... Deus santo, Tess! -conseguiu dizer quando ela baixou a cabeça e apoiou a boca sobre seu pênis-. Não posso conduzir assim. Mataremo-nos!

     -Estaciona -repetiu ela, mas já não em tom de brincadeira. Nesse momento era presa de uma necessidade urgente e lhe abriu a camisa de um puxão-. OH Deus, quero-te dentro de mim! Dentro por completo. Rápido. Agora.

     O jipe patinou, as rodas desestabilizadas, mas Nate conseguiu chegar até a calçada sem que derrubassem. Pisou no freio com força, tirou-se o cinto de segurança. Com um movimento rude a pôs de costas enquanto lutava com os jeans do Tess.

     -Prenderão-nos -ofegou.

     -Estou disposta a me arriscar. Date pressa.

     -Nós... OH, Deus! -Debaixo do vaqueiro não havia nada mais que o corpo do Tess-. Poderia-te ter congelado. por que não te pôs um pouco de casaco?

     -Devo ser psíquica. -Mas nesse momento estava simplesmente se desesperada e arqueou o corpo. Seu gemido foi profundo e se confundiu com o do Nate quando ele a penetrou.

     Então solo teve gemidos e ofegos. Os guichês se cobriram de vapor, o couro do assento chiava, e acabaram quase ao uníssono depois de menos de uma dúzia de embates.

     -Deus santo! -De ter tido espaço, teria se desmoronado sobre ela-. Devo estar louco.

     Tess abriu os olhos e começou a rir. Ria a gargalhadas até o ponto de que começaram a lhe doer as costelas.

     -Nate, o respeitado advogado e sal da terra, como diabos vais explicar as marcas de minhas botas sobre o teto de seu jipe?

     Nate levantou o olhar, estudou-as e lançou um suspiro.

     -Mais ou menos como vou ter que me esmerar em explicar por que não conservo um só botão desta camisa.

     -Comprarei-te uma nova. -Tess se sentou, conseguiu localizar seu sustento e o pôs. arrumou-se um pouco o cabelo e recolheu o suéter-. vamos fazer a compra.

    

     Tem um minuto, Will?

     Willa levantou o olhar dos papéis que cobriam o escritório e fez um esforço para não pensar em cifras. Deus! Que cara era a semente forrageira; mas se pensavam resembrar queria começar em seguida. Os pesos dos animais nascidos e dos desmamados giravam em sua cabeça quando fechou o livro maior.

     -Perdão. É obvio, Ham. Algum problema?

     -Não exatamente.

     sentou-se com o chapéu na mão. O inverno tinha sido duro com seus ossos. A idade é dura com os ossos, corrigiu-se, e com cada inverno que passava começava a sentir mais os anos.

     -Fui ao curral de engorda, tal como queria. Parece que vai bem. Conhece o Beau Radley do rancho High Springs?

     -Sim, lembro-me do Beau.

     ficou de pé para adicionar outro lenho ao fogo. Conhecia os ossos do Ham tanto como os conhecia Ham mesmo.

     -meu deus, Ham! Deve ter oitenta anos.

     -Disse-me que esta primavera cumpriu oitenta e três. E te asseguro que conversando com ele é difícil colocar vaza.

     Ham depositou o chapéu sobre seus joelhos e tamborilou os dedos sobre o braço da poltrona.

     Resultava estranho estar sentado ali, onde tinha estado tantas vezes, e ver a Willa atrás do escritório com uma taça de café a seu lado, em lugar do velho com um copo de uísque na mão.

     Santo Deus, como bebia esse homem!

     Willa lutava por conter sua impaciência. Quando Ham queria chegar a alguma parte, tomava seu tempo e o de todos outros. Ela muitas vezes pensava que falar com ele devia parecer-se com ver o movimento de uma geleira. Nasciam e morriam gerações inteiras antes de que alguém chegasse ao fim da questão.

     -Beau Radley, Ham?

     -A-já. Suponho que saberá que o filho se mudou ao Scottsdale, Arizona. Faz mais ou menos vinte ou vinte e cinco anos. Esse é Beau júnior.

     Quem, segundo os cálculos da Willa, devia ter como sessenta.

     -E?

     -Bom, a esposa do Beau, é Heddy Radley. É a que faz esses pickles de melão que sempre ganham o primeiro prêmio na feira do condado. Parece que tem uma artrite muito forte.

     -Lamento me inteirar disso.

     Se o inverno cedia logo, refletiu Willa deixando vagar seus pensamentos, averiguaria se Lily não tinha vontades de semear um pomar. Um verdadeiro pomar.

     -O inverno foi duro -comentou Ham-. Não parece querer afrouxar e nos aproximamos da época dos partos.

     -Já sei. Estou pensando em adicionar outro estábulo para partos.

     -Poderia ser uma idéia -respondeu Ham sem comprometer-se, logo tirou a bolsa de tabaco e começou a atar um cigarro-. Beau vai vender e se mudará a viver com seu filho no Scottsdale.

     -Sério?

     Willa emprestou toda sua atenção. High Springs tinha excelentes pastos.

     -Doe lhe propôs que fizesse negócio com um desses urbanizadores. -Ao dizê-lo Ham tinha a língua apoiada sobre o papel e cuspiu com suavidade. Willa não teria podido dizer se o gesto estava dirigido ao tabaco ou aos urbanizadores-. vão subdividir o terreno, erigir algum rancho falso e criar esses malditos búfalos.

     -O trato está fechado?

     -Disse-me que sim, que lhe pagaram três vezes o que vale o terreno para um rancho boiadeiro. Esses chacais da cidade!

     -Bom, então já não há remédio. Nunca poderíamos lhe oferecer a mesma quantidade de dinheiro. -passou-se as mãos pela cara, mas as baixou quando lhe ocorreu outra idéia-. E o que pensa fazer com suas equipes, seu gado, seus cavalos?

     -A isso queria chegar.

     Ham exalou uma baforada de fumaça e a olhou subir até o céu raso. Willa imaginou a criação de novas cidades, a terra aplanada, o nascimento de novas estrelas.

      -Tem uma enfardadora nova. Apenas a usou três temporadas. Estou seguro de que ao Wood gostaria de tê-la. Não valoro muito seus cavalos, mas Beau é um bom criador de gado. -Fez uma pausa e seguiu fumando-. Disse-lhe que acreditava que pagaria cinqüenta por cabeça de quão animais tem no curral de engorda. Não pareceu aborrecido pelo preço.

     -Quantas cabeças?

     -ao redor de duzentos excelentes Herefords.

     -Está bem. Fecha o trato.

     -Bom. Mas há mais. -Ham golpeou o cigarro para que caísse a cinza e se recostou contra o respaldo da poltrona. O fogo da chaminé era agradável, a poltrona, brando-. Beau tem dois peões. A gente é um estudante que acaba de chegar do Bozeman. Um desses tipos que são especialistas em gado. Beau diz que tem idéias grandiosas, mas que é muito inteligente. Sabe tudo o que terá que saber sobre cruzes e transplante de embriões. Ao Ned Tucker, o outro, conhece-o faz mais de dez anos. Bom vaqueiro, excelente trabalhador.

     -Contrata-os -disse Willa sem vacilar-. Com o mesmo salário que recebem no High Springs.

     -Disse ao Beau que supunha que reagiria assim. Gostou da idéia. Tem- carinho ao Ned. Quer deixá-lo instalado em um bom rancho. -Começou a ficar de pé, mas se voltou a sentar-. Tenho que te dizer outra coisa.

     Willa elevou as sobrancelhas.

     -Então dava-a.

     -Talvez cria que eu já não sou capaz de fazer meu trabalho.

     A expressão da Willa foi de surpresa, da mais pura surpresa.

     -por que vou acreditar isso? E por que suspeita você que acredito?

     -Tenho a impressão de que está fazendo seu trabalho e além disso a metade do meu, e um pouco do de todos outros. Quando não está aqui colocada, estudando os papéis, está a cavalo revisando alambrados, examinando pastos, controlando a equipe, curando animais.

     -Agora estou a cargo do rancho e sabe perfeitamente que sem ti não poderia dirigi-lo.

     -Talvez sim. -Mas era apenas o princípio do que queria dizer e acabava de obter a plena atenção da Willa-. E talvez me tenha estado perguntando que demônios quer lhe demonstrar a um morto.

     Ela abriu a boca, fechou-a, tragou com força.

     -Não sei de que diabos está falando.

     -É obvio que sabe! -A irritação apurou suas palavras e a obrigou a levantar da poltrona-. Crie que não vejo, que não sei? Crie que alguém que te curou quando lhe fazia falta e que te enfaixou as feridas não sabe o que acontece dentro de sua cabeça? me escute moça, porque já é muito grande para que ponha sobre meus joelhos, como o fazia antes. Pode-te romper a alma daqui à eternidade e ao Jack Mercy não importará um carajo.

     -Agora este rancho é meu -respondeu ela com tranqüilidade-. Pelo menos a terceira parte das terras são minhas.

     Ham assentiu, satisfeito de ouvir um ressaibo de ressentimento em seu tom.

     -Sim, e ele te golpeou também com isso, o mesmo que te golpeou durante toda a vida. Não fez por ti o que correspondia, o que teria estado bem. Talvez agora eu tenha uma melhor opinião dessas duas moças da que tinha quando chegaram, mas não se trata disso. Jack te fez o que te fez porque podia e isso é tudo. E além disso trouxe gente alheia ao Mercy para que inspecionasse o que fazia.

     Apesar de que se estava enfurecendo, Willa se deu conta de algo que tinha passado por cima.

     -Deveu ter sido você -disse em voz baixa-. Sinto muito, Ham. Nem sequer me passou pela cabeça. O supervisor do rancho durante este ano deveu ter sido você. Devi pensá-lo antes, devi compreender até que ponto te tem que ter resultado insultante.

     Era insultante, mas com insultos, alguns insultos, ele era capaz de viver.

     -Não te estou pedindo que pense nisso. Além disso não me sinto especialmente insultado. Era típico dele.

     -Sim. -Willa suspirou-. Era típico dele.

     -Não tenho nada contra Ben e Nate. São bons homens. Justos. E terei que ser um imbecil para não saber o que se propunha Jack trazendo para o Ben para que andasse perto do rancho. Perto de ti. Mas não estou falando disso. -Fez-lhe um gesto com a mão ao ver que ela tinha o sobrecenho franzido-. Não tem nada que lhe demonstrar ao Jack Mercy e já é hora de que alguém lhe diga isso à cara. -Assentiu com rapidez-. Assim que lhe estou dizendo isso.

     -É que não posso esquecê-lo. Era meu pai.

      -Extraímos esperma de um touro e o injetamos a uma vaca e isso não convém ao touro em pai.

     Surpreendida, Willa ficou de pé.

     -Jamais te ouvi falar assim dele. Acreditei que foram amigos.

     -Respeitava-o como boiadeiro. Nunca disse que o respeitasse como homem.

     -Então por que ficou aqui tantos anos?

     Ele a olhou e meneou a cabeça com lentidão.

     -Essa sim que é uma pergunta tola!

     «Por mim», pensou ela, e se sentiu de uma vez tola e humilhada. Incapaz de olhá-lo à cara, voltou-se para a janela.

     -Ensinou-me a montar.

     -Alguém tinha que fazê-lo. -Lhe pôs rouca a voz e teve que esclarecê-la garganta-. antes de que te rompesse o pescoço como uma parva subindo a um cavalo quando ninguém via.

     -Aos oito anos, quando me caí e me rompi o braço, você e Bess me levaram a hospital.

     -A mulher estava muito nervosa para te levar reveste e, toda via menos, para conduzir. O mais provável é que tivesse destroçado o jipe. -moveu-se inquieto e fez tamborilar seus dedos gordinhos.

     Se sua mulher tivesse vivido em lugar de morrer antes dos dois anos de casados, talvez teriam tido filhos próprios. Mas deixou de pensar nisso e na carência que lhe provocava, porque estava Willa a quem tinha que cuidar.

     -E não estou falando de todo isso. Falo deste momento. Tem que baixar um pouco o ritmo de seu trabalho, Will.

     -É que acontecem tantas coisas, Ham! Não posso me esquecer dessa garota e do Pickles. Se ficar quieta, vejo-os.

     -Não pode fazer nada para modificar o acontecido, verdade? E não fez nada para que acontecesse. Esse cretino está fazendo o que faz, porque pode fazê-lo.

     Era muito parecido ao que havia dito de seu pai e, ao compreendê-lo, Willa se estremeceu.

     -Não quero ter outra morte em minha consciência, Ham. Acredito que não poderia suportá-lo.

     -Maldita seja! por que não escuta? -O grito furioso a obrigou a voltar-se e olhá-lo-. Não as tem na consciência e silo crie, é uma parva de capirote. O que aconteceu, aconteceu, e isso é tudo. E a este rancho tampouco faz falta que ande percorrendo cada metro de terreno as vinte e quatro horas do dia. Já é hora de que trate de ser mulher durante um momento.

     Willa ficou com a boca aberta. Ham não tinha o costume de gritar, a menos que alguém lhe fizesse perder por completo a paciência. E não recordava que jamais se referiu a seu sexo.

     -E isso exatamente o que significa?

     -Quando foi a última vez que te pôs um vestido e saiu a luzir seus saltos altos? -perguntou ele, embora se ruborizou ao ter que dizê-lo-. E não conto a festa de Ano Novo e essa coisa que te pôs e que obteve que a todos os moços lhes fizesse a boca água.

     Willa não pôde menos que rir ante essa frase e, intrigada, instalou-se sobre um rincão do escritório.

     -Sério?

     -Se eu tivesse sido seu pai, te teria mandado acima em seguida para que pusesse um vestido como a gente. E te teria dado uma boa bronca. -Envergonhado pelo exabrupto, ficou o chapéu-. Mas isso já passou, também. O que te estou perguntando neste momento é por que não faz que esse menino McKinnon te convide a comer ao povo ou a ver um filme ou algo pelo estilo, em lugar de te passar a vida com as pernas embainhadas em um par de botas cheias de barro. Isso é o que te estou perguntando.

     -E não cabe dúvida de que esta tarde tiveste muito que perguntar. -O qual quer dizer que são reflexões que se esteve guardando, pensou-. Exatamente o que te faz acreditar que me interessaria sair a comer com o Ben McKinnon?

     -Até um cego teria visto quão pegos estavam quando simulavam estar dançando. -Decidiu não comentar que durante a partida de pôquer de na semana anterior no Three Rocks, Ben se dedicou a lhe surrupiar informação a respeito dela. As conversações que se mantinham durante uma partida de pôquer eram tão sagradas como o segredo de confissão-. É tudo o que tenho que dizer do assunto.

     -Seguro? -perguntou ela com doçura-. Não tem nenhuma observação que fazer sobre minha dieta alimentaria, minha higiene pessoal, minha capacidade social?

     «É uma insolente», pensou Ham, contendo um sorriso.

     -Não come nem sequer o necessário para satisfazer a um coelho, mas é poda. E, por isso vejo, não tem a menor capacidade social. -alegrou-se de havê-la feito franzir de novo o sobrecenho-. Tenho que trabalhar. -Começou a sair e de repente se deteve em seco-. Comentaram-me que Stu McKinnon não anda bem.

      -O senhor McKinnon está doente? O que lhe passa?

     -Só um pouco de gripe, mas parece que não se sente nada bem. Bess acaba de fazer um bolo de batata-doces. Seria agradável que o levasse. lhe encantam as batata-doces e adora você. Seria uma amostra de boa vizinhança.

     -E poderia tratar de adquirir um pouco de capacidade social. -Olhou o escritório, os papéis, o trabalho que tinha. Depois voltou a olhar ao homem que lhe tinha ensinado tudo o que valia a pena saber-. Está bem, Ham. irei ver o.

     -É uma boa garota, Will -disse ele e saiu.

    

     Tinha-lhe dado bastante no que pensar durante o trajeto até o rancho do McKinnon. Dois peões novos, duzentas cabeças mais de ganho. Sua própria e teimosa necessidade de demonstrar do que era capaz, ante um homem a quem nunca lhe importou.

     E, talvez, sua falta de sensibilidade por volta de um homem que sempre a quis e que sempre esteve ali quando o necessitou.

     teria se estado entremetendo no terreno do Ham durante os últimos meses? Era provável. Isso, pelo menos, podia-o solucionar. Mas o que disse do assassino, por sensato que fora, não conseguia apagar seu sentido de responsabilidade.

     Nem seu medo.

     estremeceu-se e subiu o ar condicionado do jipe. O caminho estava firme, não apresentava dificuldades. A neve estava amontoada aos lados, de maneira que era como avançar através de um túnel branco com picos brancos que se elevavam para o céu de um azul profundo.

     Ao noroeste tinha havido uma avalanche que enterrou a três esquiadores. E alguns caçadores que acampavam nas terras altas foram surpreendidos por uma tormenta de neve e terá que tirá-los dali com um helicóptero e sofrendo um princípio de congelamento. Um rancho vizinho perdeu alguns de seus melhores animais, mortos por pumas famintos. E dois moços que tentavam escalar o Bitterroots se perderam.

     E em alguma parte, apesar da brutal inclemência do tempo, espreitava um assassino.

     A zona de esqui do Big Sky estava fazendo um negócio fabuloso. Os caçadores mais afortunados asseguravam que esse ano a caça era tão abundante que quase não fazia falta ter armas de fogo. Já começavam a nascer os potros e o gado engordava em currais de engorda e nos pastos dos vales.

     Apesar da vida e a prosperidade, a morte se abatia muito perto.

     Lily estava radiante de felicidade e ela e Adam planejavam casar-se durante a primavera. Tess tinha convencido ao Nate de que fossem passar um fim de semana em um elegante hotel de uma estação de esqui. E Ham queria que ela ficasse suas sapatilhas de baile.

     Estava aterrorizada.

     E apertou os freios com todas suas forças para não atropelar a um cervo de enorme gargalhada. O jipe patinou, girou sobre si mesmo e terminou cruzado sobre o caminho enquanto o cervo só elevava a cabeça e contemplava o espetáculo com olhos aborrecidos.

     -Ah! É uma beleza, verdade?

     Rendo de si mesmo, Willa apoiou a cabeça sobre o volante enquanto o coração pouco a pouco lhe saía da garganta e voltava a ocupar sua posição lógica no peito. Mas voltou a lhe saltar quando alguém golpeou o vidro do guichê.

     Não conhecia esse homem. Tinha cara de boa pessoa, angélico, arrumado, emoldurado por um arbusto de cabelo entre dourado e castanho semioculto sob um chapéu marrom. Os lábios, rodeados de um bigode brilhante, esboçavam um sorriso. Willa colocou a mão sob o assento para tomar seu Ruger 38.

     -Está bem? -perguntou o homem quando ela baixou apenas uns centímetros o vidro-. Eu vinha detrás de você, vi que patinava. golpeou-se a cabeça ou algo assim?

     -Não, estou bem. Solo me sobressaltei. Devi estar mais atenta.

     -Que enorme é, verdade? -Jesse voltou a cabeça para observar ao cervo que se dirigiu a um lado do caminho e, de um só salto, transpôs a montanha de neve-. Oxalá tivesse meu rifle. Uma cabeça como a desse inseto ficaria muito bem na casa dos peões. -voltou-se a aproximar, divertido ao ver a expressão de desconfiança e de medo da Willa-. Seguro que está bem, senhorita Mercy?

     -Sim. -Ela fechou os dedos sobre a culatra de sua arma-. Conheço-o?

     -Não acredito. Mas eu a vi aqui e lá. Sou JC, e faz alguns meses que trabalho no Three Rocks.

     Ela se relaxou um pouco, mas não baixou o vidro do guichê. O campeão de pôquer.

     Lhe dedicou um sorriso que era uma arma tão contundente como a pistola da Willa.

     -Assim já me ganhei a fama de campeão? Devo dizer que é um prazer ficar com seu dinheiro. Refiro-me a fazê-lo indiretamente, por intermédio de seus peões. Ainda a noto um pouco pálida.

      perguntou-se como seria ao tato a pele da Willa. Recordou que tinha sangue a Índia e lhe notava. Nunca havia poseído a uma mulher de sangue a Índia. E não seria uma boa vingança para o Lily que ele se deitasse com sua própria irmã?

     -Deveria tomar um minuto para recuperar o fôlego. Se não tivesse bons reflexos, neste momento estaria desenterrando a da neve acumulada ao lado do caminho.

     -Asseguro-lhe que estou bem. -Tem uns olhos maravilhosos, pensou Willa. Frios mas maravilhosos. Não tinha sentido que a pusessem tão à defensiva-. É uma casualidade, mas vou ao Three Rocks -continuou dizendo ela, decidida a trabalhar por aumentar sua sociabilidade-. Hão-me dito que o senhor McKinnon não anda muito bem.

     -Tem gripe. Esteve bastante mal durante um par de dias, mas agora se sente um pouco melhor. E vocês tiveram seus próprios problemas no Mercy.

     -Sim. - Instintivamente se tornou atrás-. Será melhor que volte para seu jipe. Faz muito frio para estar de pé à intempérie.

     -Sim, não cabe dúvida que o vento é bravo. Quão mesmo uma mulher saudável. -Lhe piscou os olhos um olho e retrocedeu-. Irei detrás de você. E lhe diga ao velho Jim que estou disposto a lhe desafiar a uma partida em qualquer momento.

     -Farei-o. Obrigado por haver-se detido.

     -De nada. -Rendo por dentro, levou-se a mão ao chapéu-. Senhora.

     Riu em voz alta ao subir a seu jipe. De maneira que essa era a médio irmana mestiça do Lily. Apostaria a que lhe daria trabalho ao homem que a montasse. Talvez teria que averiguá-lo por si mesmo. Cantarolou durante todo o trajeto de volta ao Three Rocks e quando Will dobrou para a casa principal, tocou buzina e a saudou com a mão.

     Shelly abriu a porta, com o bebê em braços.

     -Que surpresa, Will! Bolo!

     -É para seu sogro -disse Willa mantendo-o fora do alcance de seu amiga-. Como se sente?

     -Melhor. Está voltando louca ao Sarah. Por isso estou aqui em lugar de estar em casa. Trato de lhe dar uma mão. te tire o casaco e vêem a cozinha. -Aplaudiu as costas do bebê-. Se quiser que te diga a verdade, Will, tenho medo de ficar reveste em casa. Já sei que é uma tolice, mas tenho a sensação de que alguém me observa. Que vigiam a casa, que olham pelas janelas. Esta semana tenho feito levantar o Zack três vezes para que se assegure de que as portas estão fechadas com chave. Antes nunca nos ocorria jogar a chave sequer.

     -Já sei. No Mercy acontece o mesmo.

     -Não tivestes mais notícias da polícia?

     -Não, nada interessante.

     -Melhor que não falemos disso agora. -Shelly baixou a voz quando se aproximaram da cozinha-. Não tem sentido angustiar ao Sarah. Olhe a quem encontrei! -anunciou abrindo a porta.

     -Willa! -Sarah deixou as batatas que estava cortando para preparar um guisado e se limpou as mãos-. É uma maravilha verte! Sente-se. Há café preparado. Um bolo!

     Embora nunca sabia como responder às demonstrações espontâneas de afeto, Willa sorriu quando Sarah lhe deu um beijo na bochecha.

     -Para o inválido. É um dos famosos bolos de batata-doce que faz Bess.

     -Talvez isso o mantenha ocupado e me deixe um momento em paz. lhe diga ao Bess que o agradeço muitíssimo. E agora, sente-se, te sirva um pouco de bolo com esse café e nos fale. Shelly e eu já quase nos ficamos sem tema. Juro que com cada ano que passa o inverno se faz mais largo e ruim.

     -Beau Radley vende suas terras e se muda ao Arizona.

     -Não! -Sarah se equilibrou sobre a notícia como um camundongo morto de fome sobre uma parte de queijo-. Essa sim que é uma novidade!

     -Vendeu-lhe as terras a uns promotores. A vão utilizar para criar um lugar de esportes de inverno. Um rancho para gente da cidade. E para criar búfalos.

     -meu deus! -Sarah lançou um assobio enquanto servia um café a sua visita-. Ao Stu dará um ataque quando se inteirar.

     -Quando se inteirar do que? -Stu entrou na cozinha com o cabelo prateado despenteado, luzindo um batín cômodo e gasto-. Assim temos visitas e ninguém me avisa? -Piscou os olhos um olho a Willa e lhe aplaudiu a cabeça-. E há bolo? Temos bolo e me deixam lá encima desmoronado na cama?

     -Nunca fica na cama o tempo suficiente para te desmoronar. Bom, sente-se, então. Em lugar de bolo, acompanharemos o café com bolo.

     Stu aproximou uma cadeira e olhou a sua nora.

     -Ainda não me permitirá ter em braços a minha neta?

     -Não. Não até que esteja livre de gérmenes. Olhe mas não toque.

     -As mulheres me controlam a vida -disse o dono da casa, dirigindo-se a Willa-. Se chegar a espirrar um par de vezes, atam-lhe à cama e lhe enchem de medicamentos.

      -Tinha febre. E alta. -Com uma risita, Sarah lhe colocou uma parte de bolo debaixo do nariz-. Come e deixa de te queixar. Quando estão doentes, os bebês dão muito menos trabalho que nenhum dos homens adultos que conheço. Não poderia contar as vezes que tive que subir e baixar as escadas durante os últimos três dias.

     Mas enquanto o dizia, tomou em suas mãos o queixo de seu marido e lhe estudou o rosto.

     -Tem melhor cor -murmurou deixando uns instantes a mão sobre o queixo de seu marido-. Pode comer seu bolo e desfrutar de sua visita, mas logo deve voltar para a cama e dormir um pouco.

     -Vê? -disse Stu, fazendo um gesto com o garfo-. Está desejando que não me sinta bem para poder começar a me dar ordens. -Lhe iluminou a cara quando se abriu a porta dando passo ao Zack-. Agora estaremos mais parecidos. Entra moço, mas nem sonhe com que lhe demos uma parte de meu bolo.

     -Bolo do que? Olá, Will!

     Zack McKinnon era um homem magro a quem quase se podia denominar fraco. Tinha o cabelo ondulado da mãe e o queixo quadrado do pai. Seus olhos eram verdes, como os do Ben, mas mais sonhadores. Era um homem a quem gostava de passar seus dias nas nuvens. Assim que se tirou o casaco e o chapéu, beijou a sua mulher e elevou a sua filhinha.

     -Limpou-te os pés antes de entrar? -perguntou a mãe.

     -Sim. É bolo de batata-doces?

     -É meu -respondeu Stu com tom sombrio enquanto aproximava o bolo ao lugar da mesa onde ele estava. Nesse momento se voltou a abrir a porta.

     -Acredito que a égua grafite está... -Nesse momento Ben viu a Willa e sorriu com lentidão-. Olá, Will!

     -trouxe um bolo -informou Zack, olhando-o com expressão faminta-. Mas papai se nega a compartilhá-lo.

     -Bolo do que? -Ben se deixou cair em uma cadeira junto à Willa e começou a brincar com seu cabelo.

     -que gosta a seu pai -respondeu ela, lhe apartando a mão.

     -E me trouxe isso ! -exclamou Stu metendo-se na boca outra parte de bolo. Olhou ofendido a sua mulher ao ver que acabava de cortar dois pedaços-. Acreditei que o doente era eu.

     -Adoecerá se lhe come isso tudo. Passe a menina ao Shelly, Zack, e te sirva café. Ben, não incomode ao Will e deixa-a comer tranqüila.

     -Ordena, ordena, ordena. Não faz mais que dar ordens -murmurou Sim. Mas sorriu quando Willa lhe piscou os olhos um olho e deslizou sua parte de bolo ao prato do dono de casa.

     -Deveria te dar vergonha, Stuart McKinnon!

     Sarah pôs os braços em jarras ao ver que seu marido começava a comer uma segunda parte.

     -Deu-me isso ela, não é certo? Como estão suas bonitas irmãs, Will?

     -Muito bem. Ah!... -Nem Lily nem Adam lhe tinham pedido que guardasse o segredo. De todos os modos, Willa supunha que já se devia estar falando do assunto-. Lily e Adam estão comprometidos. vão se casar em junho.

     -Umas bodas! -Shelly saltou, tão feliz como sua filhinha-. Ah! Parece-me maravilhoso!

     -Assim Adam vai se casar... -Sarah lançou um suspiro e os olhos lhe encheram de lágrimas. Era uma mulher sentimental-. Se me parecer que foi ontem quando ele e Ben escapavam a pescar ao rio. -enxugou-se os olhos-. Ajudaremo-lhe a organizar a despedida de solteira, Willa.

     -Despedida?

     -A festa da noiva em que todas seus amigas lhe levam algo para sua futura casa. -Shelly estava cada vez mais entusiasmada-. Morro de vontades de que chegue o momento! Suponho que viverão nessa encantadora casita do Adam, verdade? Pergunto-me que classe de vestido quererá usar para a cerimônia. Terei que lhe falar dessa loja maravilhosa do Billings onde eu comprei o meu. E ali também têm fantásticos vestidos para o cortejo. Espero que queira que você ponha algo de uma cor brilhante.

     Willa depositou a taça sobre a mesa antes de afogar-se.

     -Eu?

     -Estou segura de que você e Tess formarão seu cortejo. Às duas ficam bem as cores fortes. Azul e rosa escuro.

     -Rosa?

     Ao ver o olhar de desespero da Willa, Ben gritou:

     -Está-a espantando, Shelly! Não se preocupe, Will, eu te cuidarei. Eu serei o padrinho. -Brindou com ela com sua taça de café-. Justamente esta manhã falei do assunto com o Adam. Adiantaste-lhe isso. Deu a notícia antes que eu.

     depois de ter terminado sua parte de bolo, Zack se decidiu a falar.

     -Será melhor que fale com o Adam. Ainda conservo as cicatrizes do dia de minhas bodas. -Ao ver que Shelly entrecerraba os olhos, sorriu-. Recorda esses trajes ridículos que tivemos que nos pôr, Ben? Acreditei que me estrangularia antes de poder responder «Sim, quero». -Inclinou-se quando Shelly lhe golpeou a cabeça-. É obvio que me formou um nó na garganta quando olhei a nave da igreja e vi esta visão que me aproximava. O mais formoso que um homem vê em sua vida.

      -Boa escapatória, filho -comentou Stu-. Tampouco me incomodam as bodas, embora Sarah e eu decidimos fazer o da maneira mais fácil e fugimos juntos.

     -Mas solo porque meu pai estava decidido a te pegar um tiro. Willa, lhe diga ao Lily que nos avise se podemos fazer algo por ajudá-la.

     De solo pensar em umas bodas um sente que a primavera se aproxima com mais rapidez.

     -Farei-o. E sei que ela estará muito agradecida. E agora, devo voltar para casa.

     -Não vá ainda! -pediu Shelly, lhe agarrando a mão-. Se acabar de chegar! Posso-lhe pedir ao Zack que vá até casa e procure minha coleção de revistas de vestidos de noiva e o álbum de fotos. Talvez Lily possa tirar algumas ideia.

     -Estou segura de que lhe gostará de vir pessoalmente a falá-lo contigo. -A idéia das bodas começava a lhe provocar ardência-. Se pudesse ficaria, mas já está obscurecendo.

     -Tem razão -murmurou Sarah, olhando com apreensão a janela-. Não é momento para que uma mulher ande sozinha de noite pelo caminho. Ben...

     -Acompanharei-a. -Ignorando os protestos da Willa, ficou de pé e foi em busca de seu casaco e seu chapéu-. Um de seus peões me pode trazer de volta ou pedirei emprestado um jipe.

     -Ficarei mais tranqüila -disse Sarah antes de que Willa pudesse seguir protestando-. O que aconteceu é uma vergonha. Todos estaremos mais tranqüilos sabendo que Ben te acompanha.

     -Então, de acordo.

     Uma vez que se despediram e que o resto dos McKinnon a acompanhou até a porta, Willa se instalou frente ao volante.

     -É um homem de sorte, McKinnon.

     -por que?

     Ela meneou a cabeça e permaneceu em silêncio até que deixaram atrás a casa do rancho.

     -Não o pode saber, não é possível que compreenda quão afortunado é, porque sempre foi assim para ti. Sempre o foi e sempre o será.

     Confuso, ele trocou de posição para lhe olhar o perfil.

     -Do que está falando?

     -De família. De sua família. Estive sentada nessa cozinha. estive ali antes, mas acredito que nunca o compreendi. Até hoje. A familiaridade, o carinho, a história, o laço que lhes une. Não te pode imaginar o que é não ter nada disso. Porque é algo que solo pertence a ti.

     Era verdade, e Ben não sabia se alguma vez o tinha analisado a fundo.

     -Agora tem irmãs, Willa. Há um laço entre vocês e se vá à légua.

     -Talvez seja o princípio de algo, mas não há história. Não há lembranças compartilhadas. Vi-te começar a contar um conto e que Zack o termine. ouvi rir a sua mãe por uma estupidez que vós dois fizeram na infância. Nunca ouvir rir a minha mãe. Não é que me haja posto muito sensível -esclareceu com rapidez-. Solo que hoje, sentada na cozinha, impactou-me lhes ver ti e a sua família. Assim é como se supõe que deve ser, verdade?

     -Sim, diria que sim.

     -O nos roubou isso. Começo a compreender tudo o que roubou às três. Não só a mim. vou fazer um desvio.

     Quando chegaram ao limite das terras do Mercy, Willa pôs a tração nas quatro rodas e dobrou ao caminho de acesso coberto de neve. Ben não lhe perguntou para onde se dirigia. Adivinhava-o.

     As tumbas estavam cobertas de neve que ocultava as lápides e afogava a erva e as novelo de flores. Willa pensou que parecia uma postal, tão perfeita, onde solo a lápide do Jack Mercy, mais alta e brilhante que o resto, elevava-se na neve para o céu cada vez mais escuro.

     -Quer que te acompanhe?

     -Não, prefiro que não. me espere aqui. Não demorar.

     -Tome seu tempo -murmurou ele enquanto ela descia do jipe.

     Afundada na neve até os joelhos, Willa avançou com dificuldade. Era um lugar frio, amargo, açoitado pelo vento que levantava redemoinhos de neve. Viu um pequeno rebanho de cervos que, de pé no alto de uma colina, pareciam sentinelas dos mortos.

     Não havia mais som que o vento e este era igual às primeiras estrelas que se queixavam enquanto ela se abria caminho para a tumba de seu pai.

      A lápide estava esculpida tal como isso ordenou, esculpida como ele tinha vivido sua existência. Sem pensar em ninguém mais que em si mesmo. E isso o que importa?, perguntou-se Willa, porque o estava tão morto como sua mãe que, conforme diziam, era tenra e bondosa.

     «Disso provenho -pensou Willa-, da bondade e a crueldade.» Não podia dizer no que a convertia. Egoísta em alguns níveis. Generosa em outros, ou pelo menos assim o esperava. Orgulhosa e insegura. Impaciente mas não carente de compaixão.

     Nem bondosa nem cruel, decidiu, e em definitiva isso não estava tão mal.

     O que sim compreendeu ali, de pé no meio do vento forte e do silêncio rude, foi que os tinha amado a ambos. À mãe a quem não conheceu, e ao pai a quem nunca tocou.

     -Eu queria que estivesse orgulhoso de mim -disse em voz alta-. Embora não pudesse me querer. Que estivesse.., satisfeito comigo. Mas nunca aconteceu. Ham tem razão no que me disse hoje. Deu-me bofetadas durante toda a vida. Não só bofetadas físicas.., que não eram muito fortes porque em realidade eu te importava um nada. Emocionais. Esbofeteou-me emocionalmente muitas mais vezes das que posso recordar. E eu sempre voltava com a cabeça baixa, como um cão espancado, para que me pudesse voltar isso a fazer. Suponho que estou aqui para te dizer que terminei com isso. Ou que vou tratar de que seja assim.

     E o ia tentar, com todas suas forças.

     -Creíste que enfrentaria às três. Não acredito que vamos dar o gosto. Nos vamos ficar com o rancho, filho de puta egoísta! E acredito que talvez também nos conservemos umas a outras. Obteremos que dê resultado. Para te chatear. Talvez por agora não sejamos grande coisa como família, mas ainda não terminamos.

     afasto-se tal como tinha chegado.

     Ben em nenhum momento deixou de olhá-la e lhe alegrou de que não houvesse lágrimas. Entretanto não esperava o sorriso da Willa no momento de subir ao jipe.

     -Está bem?

     -Perfeitamente. -Respirou fundo, contente de que não fosse um soluço contido-. Estou muito bem. Beau Radley vende -informou enquanto manobrava com o jipe-. Penso comprar parte de sua equipe, duzentas cabeças que tem no curral de engorda e contratar a dois de seus peões.

     O inoportuno da frase o deixou um pouco confuso, mas Ben assentiu.

     -Parece-me bem.

     -Não lhe disse isso para que me desse sua aprovação, mas sim para que tomasse nota como supervisor.

     Dobrou por outro caminho de acesso para tomar um atalho para o rancho. Rajadas de vento que fariam baixar a temperatura até um ponto insuportável golpeavam alegremente contra os guichês.

     -Amanhã terei o relatório do mês preparado para que possa revisá-lo.

     Ben se arranhou uma orelha, desconfiando. Supunha que ali devia haver uma armadilha.

     -Parece-me bem.

     -Isso com respeito aos negócios. -relaxou-se um pouco ao ver a distância as luzes do rancho-. De um ponto de vista pessoal, por que não me há convidado alguma vez a comer ou ao cinema em lugar de te dedicar a tratar de me baixar as calças?

     Ben ficou com a boca tão aberta que lhe custou fechá-la.

     -Perdão?

     -Vem a olisquear, põe-me as mãos em cima quando lhe permito isso, e me pede a seguir que me deite contigo, mas jamais me convidaste a sair.

     -Quer que te convide a comer? -Nunca lhe tinha ocorrido. O teria feito com qualquer outra mulher, mas essa era Willa-. Ao cinema?

     -Envergonha-te que lhe vejam comigo em público? -Deteve de novo o jipe, manteve o motor em marcha e se voltou no assento para olhá-lo. A cara do Ben estava nas sombras mas havia luz mais que suficiente para notar sua confusão-. Sou perfeita para que te derrube comigo nas cavalariças, mas não o suficientemente boa para te pôr uma camisa limpa e investir cinqüenta dólares em uma comida, verdade?

     -De onde tiraste uma idéia tão absurda? Em primeiro lugar, não rodei contigo nas cavalariças porque não está preparada para isso, e em segundo lugar, jamais imaginei que te interessasse te sentar em um restaurante e comer comigo. Como se fora uma entrevista -adicionou com ar necessitado.

     Talvez o poder da mulher seja mais forte do que eu imaginava, pensou Willa, se mostrar apenas um sotaque desse poder convertia a um homem como Ben McKinnon em uma espécie de truta que acaba de picar no anzol.

     -Bom, talvez te tenha equivocado.

     É uma mutreta, pensou Ben, enquanto Willa punha em marcha o jipe. Havia uma armadilha em alguma parte e essa armadilha lhe fecharia nos dentes ou sobre o tornozelo assim que desse um passo equivocado. Estudou-a com cuidado enquanto ela detinha o veículo frente à casa principal e apagava o motor.

     -Volta para sua casa neste jipe -disse com toda tranqüilidade-. Amanhã mandarei a alguém para buscá-lo. E obrigado pela companhia.

     Maldita seja, quase alcançava para ouvir que a armadilha se fechava sobre seu pé enquanto ele dava o passo em falso.

     -na sábado de noite. Às seis. iremos comer e depois ao cinema.

            Willa tremia de risada em seu interior, mas conseguiu manter um aspecto sóbrio.

     -Muito bem. Será até então.

     Baixou e lhe fechou a porta na cara.

    

     O inverno se aferrava como um ouriço à costas de Montana. A temperatura seguia sendo brutal e quando subia a limites passíveis, a neve caía do céu como um lençol gélido. Em duas oportunidades, os caminhos de acesso ao Mercy ficaram bloqueados por três metros de neve que o vento pouco misericordioso empilhava em brancas montanhas.

     A pesar do tempo, as vacas começaram a parir. No estábulo destinado aos partos, Willa se empapava a camisa de suor pelo esforço de tironear as mãos dos bezerros para ajudá-los, a nascer. Uma mãe espectador mugiu com amargura quando Willa colocou o braço na matriz para aferrar a seu filho. Ainda na bolsa, o bezerro era escorregadio e teimoso. Willa se seguiu esforçando e lançou um gemido quando a contração seguinte da vaca lhe apertou dolorosamente as mãos.

     antes de que terminasse esse trabalho, seus braços teriam moretones até os cotovelos.

     Esperou a chegada de outra contração, atirou e' arrastou para fora a primeira metade do bezerro.

     -Na próxima contração nascerá -gritou, com os braços empapados em sangue e em líquido amniótico-. Vamos, bebê, vamos!

     Como o nadador a ponto de mergulhar-se, encheu-se os pulmões de ar e atirou com força no momento da contração seguinte. O bezerro saiu como uma cortiça de garrafa de champanha.

     Willa tinha as botas sujas e as calças manchadas. Doía-lhe as costas de um modo incrível.

     -Billy, fique aqui com as injeções -ordenou--. Não deixe de vigiá-los.

     Se as coisas andavam bem, a mãe limparia a seu filho. Em caso contrário, esse trabalho também recairia no Billy. De todos os modos Willa o tinha treinado com cuidado durante as últimas semanas, com uma seringa e uma laranja, e estava segura de que se encontrava em condições de injetar a medicação necessária aos recém-nascidos.

     -Eu irei ajudar a seguinte -disse, enquanto se passava um braço pela frente-. Ham?

     -Já vou. -Ham observava com olho de águia ao Jim que nesse momento ajudava a nascer a outro bezerro.

     Sempre existia a preocupam-se possibilidade de que, até com ajuda dos seres humanos, o bezerro fora muito grande ou estivesse mal colocado, em cujo caso o parto resultaria letal tanto para a mãe como para o filho. Willa ainda recordava a primeira vez que perdeu essa batalha, o sangue, a dor e a impotência. Se sabiam com tempo, existia a possibilidade de chamar o veterinário. Mas na maioria dos casos, os boiadeiros se viam obrigados a assistir pessoalmente nos partos durante os meses de fevereiro e março.

     Esteroides e hormônios de crescimento, pensou enquanto examinava a seguinte vaga parturiente. O preço do quilograma de carne tinha seduzido aos boiadeiros insistindo-os a produzir bezerros maiores e convertendo o que deveria ser um processo natural em um pouco pouco natural que exigia a intervenção de mãos e músculos humanos.

     Bom, neste rancho isso se terminou, pensou enquanto colocava a mão na vagina da vaca. E veriam os resultados. Se seus intentos de voltar para uma maneira mais natural de criar ganho resultava um fracasso, a única culpado seria ela.

     -Senhoras e senhores, o café está servido.

     A entrada triunfal do Tess se arruinou quando, ao ver o que acontecia, ficou pálida e começou a fazer arcadas. No estábulo de partos o ar estava impregnado com uma mescla de aromas de sangue, suor e palha suja. Pela cabeça do Tess passaram imagens de um matadouro no momento em que se voltava e saía a respirar o ar gelado.

      -Deus, Deus, Deus! -Tudo cometido sempre sai mau, pensou, enquanto esperava que lhe acontecesse o enjôo.

     Bess sabia, sem dúvida alguma, com o que se encontraria quando lhe pediu com ar indiferente que lhe fizesse o favor de levar os recipientes térmicos de café ao estábulo de partos. Com um estremecimento, Tess se obrigou a voltar a entrar.

     Isso também requererá um castigo, pensou. Depois.

     -Café -repetiu enquanto olhava com fascinação a Willa que nesse momento tirava a primeira metade de um bezerro da vagina de uma vaca-. Como pode fazer isso?

     -É questão de ter força nos braços -respondeu Willa com tranqüilidade-. Me sirva um pouco de café porque, como vê, tenho as mãos ocupadas.

     -Sim.

     Tess enrugou o nariz ao ver sair o resto do bezerro. Não é um espetáculo agradável, pensou. Em uma época de sua vida haveria dito que nenhum nascimento podia sê-lo. Mas no caso dos cavalos... ver uma égua dando a luz a seu potro a fascinou e a encheu de humildade.

     Nisto troca era desagradável e suja. Tironear para tirá-los, limpá-los. Talvez fora porque estão destinados a ser bifes, refletiu. Depois meneou a cabeça e lhe aconteceu uma taça de café ao Billy. Ou talvez solo fosse que não gostava das vacas.

     Em sua opinião eram muito grandes, pouco agraciadas e desesperadamente pouco interessantes, além de tolas.

     -Tampouco me incomodaria tomar um pouco de café -disse Jim, lhe piscando os olhos um olho-. Se quer poderíamos trocar de trabalho por um momento. Não é tão difícil como parece.

     -Obrigado, mas passo. -E lhe devolveu o sorriso junto com uma taça fumegante para que se pudesse tomar uma pausa. Já não lhe resultava insultante que a considerassem novata e ignorante. Em realidade, parecia-lhe uma vantagem.

     -por que não podem expulsar elas mesmas a seus bezerros? -perguntou ao Jim.

     -São muito grandes -disse, ao tempo que bebia o café, agradecido. Até lhe resultava um prazer que lhe queimasse a língua.

     -Bom, mas as éguas têm potros bem grandes e quando vão dar a luz virtualmente quão único terá que fazer é estar ali e as observar.

     -Mas estes são muito grandes -repetiu Jim-. Como lhes damos hormônios de crescimento, depois as vacas não podem pari-los por si mesmos. Assim devemos atirar deles.

     -E se chegasse a acontecer quando não há ninguém perto para... tironear?

     -Má sorte. -Devolveu-lhe a taça vazia. Tess não quis nem sequer pensar do que eram as manchas que tinha deixado com seus dedos na parte exterior da taça.

     -Sua irmã não está mau, Will.

     Willa dirigiu um breve sorriso ao Jim e se serve café.

     -Não, não está do todo mal.

     -Ao entrar esteve a ponto de vomitar -assinalou Jim-. Supus que correria de volta a casa, mas não foi assim.

     -Talvez poderia nos ajudar aqui -disse Billy, sonriendo-. Não me imagino colocando a mão na vagina de uma vaca, mas sim usando uma seringa e uma agulha.

     Willa se encolheu de ombros.

     -Acredito que deixaremos que siga jogando com os frangos. Pelo menos, por agora. -E agora é quando importa, decidiu, ao ver que um bezerro começava a mamar pela primeira vez.

    

     -E estava com o braço metido até o cotovelo em uma vaca -disse Tess, estremecendo-se e bebendo um sorvo de conhaque.

     A tarde era fria e clara, na chaminé ardia um fogo lhe chispem e Nate tinha ido jantar. A combinação desses fatores lhe deu a necessária valentia para fazer uma recontagem de sua experiência.

     -dentro de uma vaca, tirando um bezerro a puxões.

     -me pareceu fascinante. -Lily desfrutava de do chá e da calidez da mão do Adam que cobria a sua-. Me teria ficado mais tempo, mas me pareceu que incomodava.

     -Poderia haver ficado. -Willa tinha nas mãos uma taça de café com um jorro de conhaque-. Lhe teríamos encomendado algum trabalho.

     -Sério? -Embora Tess gemeu ante o entusiasmo do Lily, ela sozinho sorriu-. Amanhã eu adoraria ajudar.

     -Não tem força suficiente para tironear, mas poderá medicar aos recém-nascidos. Mas você -continuou dizendo Willa enquanto estudava ao Tess-, você é uma mulher grande e forte. Arrumado a que poderia tirar um bezerro sem sequer te agitar.

     -Mas talvez se agitariam outros ao vê-la vomitar -demarcou Nate, provocando a risada de todos menos a do Tess.

     -Seria perfeitamente capaz de fazê-lo. -Com um movimento cheio de graça se apartou o cabelo da cara e seus anéis resplandeceram à luz-. Se queria fazê-lo.

      -Arrumado vinte dólares a que te arrependeria assim que tivesse a mão colocada até a boneca na vagina de uma vaca.

     Maldição! Tess compreendeu que a acabavam de encurralar.

     -Que sejam cinqüenta e aceito.

     -Feito. Amanhã. E o rancho Mercy adiciona dez mais por cada bezerro que tire.

     -Dez? -disse Tess com desprezo-. Grande coisa!

     -Se sacas muitos poderá pagar seu próximo corte de cabelo no Billings.

     Tess voltou a tocar o cabelo. Já necessitava outro corte.

     -Está bem, então. Mas lhes advirto que não só ganharei um corte de cabelo mas também uma massagem facial. Elevou uma sobrancelha-. Que te faz muita falta. Quão mesmo um banho de parafina nas mãos. A menos, é obvio, que você goste que sua pele pareça couro.

     -Não tenho tempo que perder em um tolo salão de beleza.

     Tess fez girar o conhaque dentro da taça.

     -Galinha! -E se apressou a seguir falando antes de que Willa tivesse tempo de lhe responder-. Tirarei tantos como você, e se fosse assim, o rancho nos pagará um tratamento de beleza às três: a ti, a mim e ao Lily. Um fim de semana em um centro de águas termais do Big Sky. Isso você gostaria, não é verdade, Lily?

     Tironeada entre lealdades, Lily gaguejou.

     -Bom, eu...

     -E de passagem poderíamos fazer algumas compra para as bodas. ir ver um par das lojas que nos mencionou Shelly.

     -OH! -A emoção dessa possibilidade, levou-a a dirigir um olhar sonhador ao Adam-. Isso seria maravilhoso.

     -Cadela! -murmurou Willa olhando ao Tess sem rancor-. Aceito a aposta. Mas te advirto que se perde terá que voltar a te encarregar da penetrada.

     -Ou-a-lá! -Nate escolheu a saída dos covardes e cravou o olhar em seu conhaque enquanto Tess se zangava.

     -Enquanto isso devo terminar de registrar a informação dos partos de hoje. -Willa ficou de pé e se desperezó. Depois ficou petrificada. O que acabava de! ver na janela era uma sombra? Ou uma cara? Baixou os braços com lentidão e lutou para conservar a compostura-. Eu não ficaria levantada até muito tarde -aconselhou ao Tess enquanto saía-. Amanhã te fará falta toda sua força.

     -Asseguro-te que penso gozar te ouvindo gritar quando lhe depilarem com cera -exclamou Tess e teve a satisfação de ver que Willa se voltava a olhá-la com uma franco expressão de horror-. eu adoro ficar com a última palavra murmurou.

     -me desculpem um minuto. -Adam ficou de pé e seguiu a Willa. Encontrou-a na biblioteca, carregando um rifle-. O que acontece?

     Não devo ter cara de pôquer, pensou Willa.

     -Pareceu-me ver algo fora.

     -E pensava sair sozinha? -Enquanto falava tomou uma escopeta e a carregou

     -Não tinha sentido lhes assustar a todos. Pode ter sido um truque de minha imaginação.

     -Não diria que tem uma imaginação galopante.

     Willa meneou a cabeça e decidiu que era difícil sentir-se insultada pela verdade.

     -Bom, não perdemos nada jogando uma rápida olhada. Sairemos por atrás.

     abrigaram-se antes de sair. Embora Willa pensava sair primeiro, Adam lhe adiantou e a fez a um lado com suavidade.

    

     Alguém os observava. Fazia um frio terrível, mas Jesse permanecia de pé nas sombras, olhando-os enquanto apertava com força a arma que levava. Sonhava usando-a com esse homem, para tirá-lo do meio e deixá-lo sangrando no chão.

     E logo apoderar-se da mulher, afastá-la levando-a a rastros e usá-la até ter terminado com ela. Depois a mataria, é obvio. Que alternativa ficava?

     perguntou-se se se animava a fazê-lo ali, nesse momento. Estavam armados e acabava de ver a quantidade de gente que havia dentro da casa. Tinha-o visto tudo. Ao Lily rendo e lhe fazendo carinhos a esse mestiço.

     Talvez fora melhor esperar... esperar a oportunidade apropriada. Que podia chegar em qualquer momento.

     Podia chegar se lhes ocorria ir ao curral. Sabia o que encontrariam ali. Porque ele já tinha estado.

    

     -Pela janela do frente. -Se não podia ir diante, pelo menos queria avançar ao lado do Adam-. Não foi mais que um relâmpago, no momento em que me levantava para sair. Pareceu-me que era uma cara, que alguém nos estava observando, mas estava tão escuro que não posso estar segura. E desapareceu em seguida.

      Adam só assentiu. Conhecia muito bem a Willa para pensar que se inquietaria por uma sombra. Viu rastros na neve ao redor da casa, mas isso era previsível. Com toda a atividade que tinha havido nos últimos dois dias no estábulo de partos, era lógico que a neve estivesse pisoteada.

     Houve degelo e voltou a gelar, de maneira que o piso estava quebradiço e a neve rangia sob os pés de ambos.

     -Pôde ter sido um dos peões -disse Willa, enquanto estudava o chão-. Mas é pouco provável. Qualquer deles teria chamado.

     -Tampouco me explico por que teriam cruzado as jardineiras de flores para ir espiar pela janela -disse Adam assinalando os rastros sobre as jardineiras que na primavera estariam cheias de pimpolhos.

     -De modo que é verdade que vi algo.

     -Em nenhum momento o duvidei. -De onde estava, Adam alcançava a ver com claridade o interior da sala de estar da casa. Viu que Lily ria, bebia chá e que logo ficava de pé para oferecer conhaque ao Nate-. Alguém nos estava observando. Ou estava observando a um de nós.

     Willa apartou a vista da janela e olhou para a escuridão.

     -A um de nós?

     -O ex-marido do Lily, Jesse Cooke. Não está na Virginia.

     Em um movimento instintivo Willa voltou a olhar a janela e agarrou o rifle com mais força.

     -Como sabe?

     -Encarreguei ao Nate que fizesse algumas averiguações. Desde outubro que não se apresenta em seu trabalho nem pagamento o aluguel.

     -Crie que veio seguindo ao Lily? Como ia ou seja onde procurá-la?

     -Não tenho nem idéia. -Retrocedeu, afastando-se da casa-. Não são mais que especulações. Por isso não me parece que valha a pena mencionar-lhe a ela.

     -Não direi nada ao Lily. Mas acredito que devemos comentar-lhe ao Tess. Dessa maneira alguma das duas poderá estar sempre atenta se por acaso se apresenta por aqui. E poderemos cuidar do Lily. Sabe que aspecto tem?

     -Não, mas tratarei de averiguá-lo.

     -Está bem. Enquanto isso será melhor que percorramos as imediações da casa. Eu irei por ali e você…

     -Ficaremos juntos, Will. -Apoiou uma mão sobre o braço de sua irmã-. Já houve duas mortes. Talvez isto não tenha sido mais que um marido despeitado que queira vingar-se de sua mulher. Mas pode ter sido outra coisa. De modo que não nos separaremos.

     Rodearam a casa em silêncio, no meio do vento. O céu estava claro como um espelho, com estrelas que pareciam diamantes e uma lua em quarto crescente que tingia de celeste a neve que tinham sob os pés. Os álamos se erguiam e pareciam tiritar sob seu casaco de gelo.

     No gélido silêncio, Willa escutou a chamada da fazenda. Um som que parece um lamento, pensou, enquanto seu fôlego formava nuvens frente a sim até que o vento as dispersava. O estranho era que esse som sempre lhe resultava reconfortante. Nesse momento lhe parecia lhe atemorize.

     -Estão muito inquietos, considerando a hora que é. -Olhou para o estábulo de partos e mais à frente o curral-. Talvez algumas vaga estejam por parir. Será melhor que vá ver.

     Adam pensou em seus cavalos, sem que ninguém os cuidasse, nas cavalariças. Não lhe resultava fácil lhes dar as costas para acompanhar a Willa ao estábulo.

     -ouviste isso? -Willa se deteve em seco, aguçando o ouvido-. Ouviste-o? -repetiu em um murmúrio.

     -Não. -Mas Adam se voltou para que ambos tivessem as costas protegidas-. Não ouço nada.

     -Agora eu tampouco o ouço. Era como se alguém assobiasse. -Fez um esforço por ignorá-lo e por burlar-se de si mesmo. Deve ter sido sozinho o vento e meus nervos. Diabos! Devemos estar como a vinte graus abaixo de zero. Qualquer que estivesse aqui fora assobiando teria que estar...

     -Louco? -Adam terminou a frase e lutou por ver algo em meio da escuridão.

     -Sim. -Willa se estremeceu dentro de seu casaco forrado de pele de ovelha-. Vamos.

     Pensava entrar diretamente ao estábulo, mas lhe chamou a atenção o amontoamento de gado no curral.

     -Ali há algo que não anda bem -disse, como falando para si mesmo-. Algo acontece.

     encaminhou-se para a porta e a abriu.

     Ao princípio não pôde acreditá-lo, apesar da luminosidade do reflexo da lua sobre a neve. Mas o aroma.., já reconhecia muito bem o aroma da morte.

     -OH, Deus, Adam! -cobriu-se a boca com a mão livre e lutou contra o vômito que lhe subia pela garganta-. Meu deus!

     Tinham mutilado alguns bezerros. Ao princípio lhe resultou impossível dizer quantos, mas Willa sabia que poucas horas antes ela mesma havia trazido para o mundo a alguns deles. Nesse momento, em lugar de estar acurrucados junto a suas mães em busca de calidez, jaziam sobre a neve, degolados e com os ventres abertos.

     O vermelho sangue brilhava sobre o chão, e um lago odioso já se endurecia na terra geada.

     Foi uma debilidade, mas Willa se voltou para não ver o açougue, baixou o rifle e se apoiou contra um poste até dominar sua decomposição.

     -por que? Em nome de Deus, por que fazer algo como isto?

     -Não sei. -Esfregou-lhe as costas mas não se voltou. Contou oito terneritos mortos, mutilados-. Voltemos para a casa. Eu me encarregarei disto.

     -Não, eu posso me encarregar. Asseguro-te que posso. -passou-se uma mão enluvada sobre a boca-. O estou acostumado a está muito duro para poder enterrá-los. Teremos que queimá-los. Terá que tirar os daqui, afastá-los do resto dos bezerros e das vacas, e queimá-los.

     -Nate e eu podemos fazê-lo. -Teve que fazer um esforço para não suspirar ao ver a expressão decidida da Willa-. Está bem, faremo-lo entre todos. Mas quero que entre uns minutos em casa, Will. Tenho que ir ver os cavalos. Se...

     -Deus! -Sua própria angústia desapareceu ao pensar na do Adam-. Nem sequer pensei nos cavalos. Vamos! Date pressa!

     Não se encaminhou para a casa mas sim correu para as cavalariças. Aterrorizava-a pensar que abriria a porta e voltaria a topar-se com esse odioso aroma de morte.

     Chegaram juntos à porta e a abriram de um puxão. Willa estava preparada para o pior, para a dor, para sua própria fúria. Mas único que se topou foi com o aroma de palha, a cavalos e a couro.

     Entretanto como por um acordo tácito, revisaram todas as quadras, depois o curral de atrás. A seu passo foram deixando acesas as luzes.

     Logo Adam se encaminhou a sua casa para ver como estavam seus cães. Depois do incidente do gato tinha adquirido o costume de encerrá-los de noite. Os cães o receberam com felicidade, movendo a cauda. Adam suspeitou, entre divertido e preocupado, que teriam recebido a um louco armado com idêntica alegria e amistoso entusiasmo.

     -Chamaremos daqui à casa principal e pediremos ao Nate que se reúna conosco no estábulo de partos. Também nos fará falta Ham.

     Willa se inclinou para acariciar as orelhas do Beans.

     -Quero-os a todos aqui fora. Quero que vejam com o que nos enfrentamos. -Seu olhar era duro-. Quero saber o que todos estiveram fazendo durante as últimas duas horas.

     O trabalho não era fisicamente árduo, mas foi doloroso. Arrastar bezerros recém-nascidos, esquartejados e mutilados, e empilhá-los sobre o chão coberto de neve. Havia mãos mais que suficientes para ajudar, mas todos trabalharam em silêncio. Ninguém falou.

     Em determinado momento Willa viu que Billy se secava subrepticiamente os olhos. Não o culpou. Ela também teria chorado se com isso ganhasse algo.

     Quando a pilha de terneritos mortos esteve completa, tirou ao Ham das mãos a lata de gasolina.

     -Farei-o eu -disse com tom sombrio-. Toca-me fazê-lo .

     -Will...

     Ham sufocou seu protesto e assentiu antes de lhes indicar aos homens que se afastassem.

     -Como pode suportá-lo? -perguntou- Lily ao Tess, estremecendo-se-. Como pode suportá-lo?

     -Porque não fica mais remédio. -Tess se estremeceu ao ver que Willa derramava o combustível sobre a pequena pilha de corpos-. Todos temos que suportá-lo -adicionou, rodeando com um braço os ombros do Lily-. Quer entrar em casa?

     Nada no mundo eu gostaria mais, pensou Lily, mas fez um forte movimento negativo com a cabeça.

     -Não, ficaremos até que isto tenha terminado. Até que ela tenha terminado.

     Willa se ajustou o lenço com que se acabava de cobrir o nariz e a boca, e recebeu a caixa de fósforos que lhe entregava Ham. Teve que fazer três intentos antes de obter que uma chama se mantivera entre suas mãos juntas. A causa do vento forte que os açoitava, foi necessário que se ajoelhasse e se aproximasse muito à pilha de cadáveres para poder lhes prender fogo.

     As chamas se elevaram altas, despedindo calor. Aos poucos segundos, o aroma de carne assada era forte e angustiante. A fumaça envolveu a Willa, fez que lhe chorassem os olhos e lhe fechou a garganta. Retrocedeu um passo e logo outro.

     -Chamarei o Ben -disse Nate.

     Willa manteve o olhar fixo nas chamas.

     -Para que?

     -Porque quererá sabê-lo. Não está sozinha nisto, Willa.

     Mas ela se sentia sozinha e impotente.

     -Está bem. Agradeço-te sua ajuda, Nate.

     -Ficarei passando a noite.

     Ela assentiu.

     -Não tem sentido que peça ao Bess que prepare um quarto de hóspedes, verdade?

     -Não, farei um turno de guarda e logo usarei o quarto do Tess.

     -Escolhe a arma que prefira. -voltou-se para o Ham-. Quero guardas as vinte e quatro horas do dia, Ham. Dois homens em cada turno. Nate fica a passar a noite, de maneira que hoje somos seis. Quero que Wood fique em casa, com sua família. Não devem estar sozinhos. Billy e eu faremos o primeiro turno. Você e Jim relevarão a meia-noite. Nate e Adam se farão cargo às quatro.

     -Encarregarei-me de tudo.

     -Amanhã quero que averigúe quando podemos contratar aos dois peões do High Springs. E que seja quanto antes. Necessito homens. lhes ofereça uma bonificação, se deve fazê-lo, mas que venham quanto antes.

     -Encarregarei-me de que estejam aqui dentro desta semana. -Apertou-lhe o braço em uma pouco habitual demonstração de afeto em público-: vou pedir lhe ao Bess que prepare café. Muito café. E tome cuidado, Will. Muito cuidado.

     -Ninguém vai matar nada mais que me pertença. -Com expressão decidida, Willa se voltou e observou às mulheres acurrucadas junto ao alambrado do curral-. Quer as fazer entrar, Ham? lhes diga que fiquem dentro da casa.

     -Farei-o.

     -E lhe diga ao Billy que se busque um rifle.

     voltou-se de novo e permaneceu olhando as chamas que se elevavam para o céu negro do inverno.

    

     Ben observou a atividade do Mercy, o trabalho constante que se levava a cabo no estábulo de partos, tão parecido ao que tinha deixado no Three Rocks, a neve amontoada e suja dos currais, a fumaça cinza que saía das chaminés.

     Com exceção de um círculo negro se localizado detrás das cavalariças não ficavam rastros da recente matança.

     A menos que a gente olhasse com atenção aos homens. As expressões eram sombrias, os olhos espantados. Tinha visto essas mesmas expressões nos rostos e os olhos de seus próprios peões. E, igual a Willa, ordenou que se montasse guarda durante as vinte e quatro horas do dia.

     Não podia fazer muito por ajudá-la e a frustração que isso lhe produzia fez que apertasse os lábios enquanto lhe indicava que se separasse do grupo.

     -Não tenho muito tempo para conversar -disse ela, com tom cortante.

     Em seus olhos, Ben não viu medo a não ser cansaço. Tinha desaparecido a mulher que flertou com ele para que lhe pedisse uma entrevista, que riu com ele enquanto comiam e bebiam vinho em um restaurante, e com quem compartilhou pipocas de milho no cinema. morria de vontades de levar-lhe de novo, solo durante uma velada, mas sabia que nem sequer devia propô-lo.

     -Vejo que contratou aos dois peões do High Springs.

     -Chegaram ontem à noite.

     voltou-se a olhar ao Matt Bodine, o mais jovem dos dois, a quem já chamavam o muchachito universitário. Tinha o cabelo avermelhado talher por um chapéu Stetson cinza. Tratava de dissimular sua cara de bebê com um fino bigotito. Embora não o consegue, pensou Willa.

     Apesar de que deviam ter quase a mesma idade, Matt lhe parecia incrivelmente jovem, mais da idade do Billy que da sua. Mas era inteligente, tinha umas costas forte e estava cheia de idéias novas.

     Depois estava Ned Tucker, um vaqueiro fraco e taciturno de idade indefinida. Tinha a cara sulcada de rugas produzidas pela vida ao ar livre, o sol e o vento. Seus olhos eram de um celeste desbotado que parecia quase fantasmal. Mastigava bitucas de charutos, falava pouco e trabalhava como uma mula.

     -Servirão -decidiu Willa depois de estudá-los.

     -Conheço bastante bem ao Tucker -começou a dizer Ben, mas em seguida se perguntou se conheceria bem a alguém-. Tem muito boa mão com o laço, todos os anos ganha prêmios nos rodeios. Bodine é novo. -Trocou de posição para que seus olhos, quão mesmo seu tom de voz, indicassem seus pensamentos-. Muito novo.

     -Faz-me falta ajuda. Se algum deles é o que esteve jodiéndome, prefiro o ter perto. Será mais fácil vigiá-lo. -Lançou um pequeno suspiro. Deveriam estar falando do tempo, dos partos, não de assassinatos-. Perdemos oito bezerros, Ben. Não penso perder nenhum mais.

     -Willa. -Apoiou-lhe uma mão no braço antes de que ela pudesse afastar-se-. Não sei o que fazer para te ajudar.

     -Nada. -Em seguida lamentou seu tom cortante, meteu-se as mãos nos bolsos e suavizou a voz-. Ninguém pode fazer nada. Temos que chegar ao fundo disto, nada mais, e durante os últimos dois dias todo esteve tranqüilo. Talvez esse indivíduo tenha terminado, talvez tenha seguido seu caminho.

     Não acreditava, mas ajudava simular que assim era.

     -E como o tomaram suas irmãs?

     -Melhor do que eu esperava. -Sua boca se suavizou quando sorriu-. Tess esteve aqui ajudando com os partos. depois dos primeiros dois bezerros e de lançar muitos grititos, fez-o bem.

     -Tivesse pago por vê-lo.

     O sorriso da Willa se fez mais ampla.

     -Foi algo impagável, sobre tudo quando lhe racharam os jeans.

     -Sério? Não lhe terá feito fotos, verdade?

     -Oxalá me tivesse ocorrido. Amaldiçoou bastante e os peões... bom, devo dizer que apreciaram o momento. Conseguimo-lhe um par de calças de pele. -Willa olhou aproximar-se do Tess que vestia as calças que tinha mencionado, um chapéu emprestado e um casaco velho que Adam já não usava-. Ficam muito melhor que esses jeans ajustados que ficava.

     -Depende do ponto de vista -disse Ben.

     -bom dia, rancheiro McKinnon.

     -bom dia, ranchera Mercy.

     Tess lhe sorriu e se inclinou o chapéu até um ângulo insólito.

     -Lily está preparando alguns litros de café -disse a Willa-. Depois deverá cravar agulhas nos culos dos bezerros.

     -vais seguir ajudando com os partos?

     Tess olhou ao Ben, logo a Willa. Pela expressão de seus rostos, deu-se conta de que sua fama a precedia.

     -Sim, pensei que podia lhe dedicar outro dia, considerando que depois vou passar um fim de semana em um elegante hotel do Big Sky.

     O sorriso da Willa se apagou.

     -De que diabos está falando?

     -De nossa pequena aposta. -Pesquei-te!, pensou Tess e sorriu com doçura- O outro dia ajudei a nascer dois bezerros mais que você. Ham estava levando a conta.

     -Que aposta? -perguntou Ben, mas ambas o ignoraram quando Willa se enfrentou ao Tess.

     -Isso é mentira.

     -Não, é certo. O rancho nos deve um fim de semana de embelezamento. Já tenho feito as reservas. Saímos na sexta-feira a primeira hora da manhã.

     -Ao diabo com isso! Não penso deixar o rancho durante dois dias, para ir sentar me em algum estúpido banho de barro.

     -Falsa!

     Os olhos da Willa adquiriram um brilho perigoso. Ben se esclareceu garganta e com sutileza ficou fora do alcance de ambas.

     -Não tem nada que ver com uma falsidade. depois de todos os problemas que tivemos aqui, nem me ocorreu me lembrar de uma aposta imbecil. Tive que fazer chamadas, veio a polícia. Esse dia não ajudei com os partos mais que durante duas horas.

     -Mas eu sim. E ganhei a aposta. -Tess se adiantou até que as botas de ambas se tocaram-. E iremos. Se tráficos de te jogar atrás, encarregarei-me de que todo mundo a cem quilômetros à redonda saiba que sua palavra não vale nada.

     -Minha palavra vale mais que qualquer papel assinado e qualquer que diga o contrário minta.

     -Perdão... senhoras...

     Willa voltou abruptamente a cabeça e imobilizou ao Ben com o olhar.

     -Não te coloque, McKinnon.

     -Não me coloco -murmurou ele, estendendo as mãos enquanto o dizia-. Não me penso colocar mais.

     -Quer que vamos quando estamos colocados até o pescoço em toda esta confusão -seguiu dizendo Willa enquanto golpeava com força os ombros do Tess-. Vê você. Eu tenho que dirigir um rancho.

     -Irá -respondeu Tess, lhe golpeando os ombros a sua vez-. Porque esse foi o trato. Porque perdeu a aposta e porque Lily está iludida. E porque chegou o momento de que comece a pensar na gente que te rodeia com o mesmo respeito que brinda a essas malditas vacas. perdi o culo para obter isto. Faz quase seis meses que estou cravada neste rancho esquecido da mão de Deus, porque um filho de puta quis nos submeter a jueguecitos da tumba.

     -E dentro de outros seis meses te terá ido. -Willa não se pôde explicar por que isso, simplesmente isso, enfurecia-a.

     -Não te caiba a menor duvida! No instante em que tenha completo minha sentença, irei. Mas enquanto isso colaborei, respeitei as regras. E Por Deus que você também as respeitará! Nos iremos passar ali este fim de semana embora tenha que te pegar até te deixar inconsciente, te atar e te jogar no jipe mais próximo.

     Willa elevou o queixo, como desafiando a sua irmã a que lhe pegasse.

     -Hollywood, é uma besta e não poderia lhe pegar nem a um cão de três patas.

     -Maldita seja! -respondeu Tess, furiosa.

     Isso o desencadeou tudo. A fúria da Willa explorou antes de que tivesse tempo de contê-la. Blandió o punho antes de pensar no que fazia. O murro jogou atrás a cabeça do Tess, deixou-lhe uma desagradável marca tinta no queixo e a atirou de culo ao chão escorregadio e sujo.

     Quando Ben lançava uma maldição e se adiantava para ajudá-la, Willa já estava arrependida e se desculpava.

     -Nunca devi fazer isso. Eu...

      Mas então exalou com força e ficou sem fôlego, quando Tess se levantou como uma seta e investiu contra ela, golpeando-a com todo o corpo. Caíram ao piso em uma confusão de braços, pernas e chiados.

     Ben demorou ao redor de cinco segundos em decidir que devia manter-se a salvo e à margem do que acontecia.

     Lutaram na neve empilhada, voltaram para terreno molhado, grunhindo e esbofeteando-se. Ben esperava que se atirassem do cabelo, e não o desiludiram. jogou-se o chapéu para atrás e levantou uma mão ao ver que os peões saíam do estábulo de partos para ver qual era o motivo do estrondo.

     -Bom, maldita seja! -exclamou Ham com cansaço-. O que desencadeou isto?

     -Algo a respeito de uma aposta e um banho de barro.

     Ham tirou sua bolsa de tabaco, enquanto o resto dos homens formavam um círculo informal ao redor das opositores.

     -Ao Will a superam em peso, mas ela é resolvida. -Fez uma careta ao ver que um punho do Tess se conectava com um olho da Willa-. Ensinei-lhe a lutar melhor -disse, meneando a cabeça-. Deveu ter visto vir esse murro.

     -Acredita que começarão a arranhar-se? -perguntou Billy.

     -Acredito que as duas se voltariam contra qualquer que queira interpor. -Ben se meteu as mãos nos bolsos-. Tess tem as unhas muito largas. Não quero que me destroce a cara.

     -Eu digo que ganha Will -interveio Jim, e retrocedeu quando as irmãs rodaram até ficar perigosamente perto de suas botas-. Arrumado dez por ela.

     Ben considerou o assunto e meneou a cabeça.

     -Há algumas costure nas que não convém fazer apostas.

     A fúria fez que Tess esquecesse todo o aprendido em seus cursos de defesa pessoal, seus dois anos de treinamento de caratê, e a levou a lutar como uma prostituta qualquer. A neblina vermelha que lhe cobria os olhos se obscurecia cada vez que Willa lhe atirava um murro. Ali não havia cheios defensivos, nem regras, nem um instrutor que declarasse tempo morto.

     encontrou-se com a cara afundada na neve suja e enlameada e a cuspiu com uma maldição.

     Willa viu estrelas de tudas as cores, quando Tess lhe atirou do cabelo. Com lágrimas de dor e de fúria ardendo em seus olhos, retorceu-se e lutou por fazer alavanca. Ouviu que algo se rasgava e teve tempo de rezar para que se tratasse de roupa e não que Tess lhe acabasse de arrancar o cabelo da raiz.

     Só o orgulho lhe impediu que usasse os dentes.

     Lamentou esse orgulho quando se encontrou tiragem quão larga era na neve.

     Tess recordou por fim seu treinamento e decidiu pô-lo em prática combinando-o com um pouco de inspiração.., sentou-se sobre sua irmã.

     -Date por vencida -gritou enquanto lutava por seguir montada sobre a Willa quem corcoveava como um cavalo selvagem-. Sou maior que você.

     -Tira-ese-culo-gordo-de-encima-mío. -Fez um esforço enorme e conseguiu atirar ao Tess para trás. Em seguida se apartou, girou sobre si mesmo e lutou por levantar-se.

     Enquanto os homens guardavam um respeitoso silêncio, as duas mulheres ofegavam, e se olhavam fixo. Enquanto Willa se secava o sangue que lhe corria pelo queixo, teve a satisfação de ver a elegante e sofisticada Tess coberta de terra, despenteada e com o cabelo nos olhos, e com a boca torcida e sangrando.

     Nesse momento em que teve tempo de respirar, Tess começou a ter sensações. Doía-lhe tudo, cada osso, cada músculo, cada célula do corpo. Apertou os dentes sem apartar o olhar do rosto da Willa.

     -Eu diria que foi um empate.

     Por enorme que fora seu alívio, Willa assentiu com lentidão e logo dirigiu um rápido olhar aos homens, fascinados e sorridentes. Viu que passavam bilhetes de mão em mão e amaldiçoou em voz baixa.

     -Jeans inúteis, vos pagamento para que fiquem aí parados e lhes arranhando o umbigo?

     -Não, senhora. -Julgando que já não havia perigo, Jim se adiantou. ia oferecer lhe uma mão para ajudá-la a levantar-se, quando o brilho dos olhos da Willa lhe indicou que era prematuro-. Acredito que o recreio terminou, moços.

     Ham lhes indicou com um movimento de cabeça que entrassem em estábulo. Aos poucos segundos estalaram as conversações e as risadas.

     -Já terminastes? -perguntou Ham.

     Esgotando-se um pouco pelo tom da pergunta, Willa se tirou a terra que lhe cobria os joelhos e assentiu.

     -Parece-me bem. -Ham jogou no chão seu cigarro e o apagou com o salto da bota-. A próxima vez que queiram brigar como gatas, tratem de fazê-lo em um lugar onde não distraiam aos peões. Ben -adicionou, levando uma mão à asa do chapéu em um gesto de saudação.

      Homem sábio ao fim, Ben se absteve de sorrir quando Ham se afastou.

     -Senhoras -perguntou com um tom que esperava fosse apropiadamente sóbrio-, posso as ajudar a levantar-se?

     -Posso me levantar sozinha -respondeu Willa, mas não pôde evitar um, gemido enquanto lutava por ficar de pé. Estava molhada, congelada, imunda, com a camisa rasgada e o olho esquerdo lhe palpitava como um molar picada.

     Ao pensar em dentes, passou-se a língua pelos seus e lhe aliviou comprovar que seguiam todos em seu lugar.

     -Eu sim aceitarei que me dê uma mão. -Como uma princesa em pleno baile, Tess tendeu a mão e permitiu que Ben a levantasse da montanha de neve enlameada. Tinha vontades de estremecer-se de solo pensar no que veria quando se olhasse ao espelho, mas conseguiu esboçar um sorriso frio-. Obrigado. E -adicionou sonriéndole a Willa-, diria que o assunto já está definido. na sexta-feira pela manhã, e ponha na mala um vestido decente para sair a comer.

     Muito furiosa para poder falar e reconhecendo o perigo de pronunciar uma só palavra, Willa girou sobre seus talões e se encaminhou ao estábulo de partos. As risadas que se ouviam no interior cessaram imediatamente e reinou o silêncio.

     -Irá. -Ben o disse em voz baixa, tirou um lenço de seu bolso e enxugou com suavidade o sangue que Tess tinha em um lado da boca-. puseste em jogo seu orgulho e sua honestidade. Willa é capaz de ignorar quase algo, mas não essas qualidades.

     -Ai! -Tess fechou um instante os olhos e logo se tocou com cuidado o galo que lhe crescia na têmpora-. Custou-me mais do que eu acreditava. Esta foi a primeira briga a sério em que intervim desde sexto grau, quando Annmarie Bristol me chamou Gorda Pesada. Primeiro lhe dava uma boa surra, depois comecei a fazer regime e ginástica.

     -Deu-te resultado. -Ben se inclinou e recolheu o enrugado chapéu do Tess.

     -Sim. -Tess ficou o chapéu sobre o cabelo molhado e sujo-. Estou em boa forma física. Nunca imaginei que resultaria tão difícil atirá-la ao chão.

     -É magra mas forte.

     -Não me diga isso ! -exclamou Tess, tocando o lábio inchado-. Precisa afastar-se um pouco daqui. mais do que o necessito eu, e mais do que o necessita Lily.

     -Acredito que tem razão.

     -Não sei quando dorme. Pela manhã se levanta antes que ninguém, passa a metade da noite no despacho, ou aqui fora. -Depois se encolheu de ombros-. Que diabos me importa?

     -Acredito que sabe por que te importa.

     -Talvez. -Olhou-o e arqueou uma sobrancelha-. Direi-te que mais necessita. Uma boa e suarenta sessão de sexo que lhe faça esquecer todo o resto. A que diabos está esperando?

     Não era um tema do que ao Ben gostasse de falar. Mas embora a educação lhe indicava que devia calá-la boca, o instinto o leva há em direção contrária. Olhou em direção do estábulo, tirou do braço ao Tess e a afastou dali.

     -Sabe, Willa... ela nunca... ela nunca -repetiu e fechou a boca.

     -Alguma vez o que? -O olhar impaciente e os olhos entrecerrados do Ben lhe deram a resposta. Tess se deteve em seco-. Quer-me dizer que alguma vez se deitou com ninguém? Deus santo! -Exalou ar com força e readaptou seus pensamentos-. Bom, isso troca as coisas, verdade?

     Apesar de seu lábio dolorido, depositou um beijo suave na bochecha do Ben.

     -É um homem paciente e considerado, Ben McKinnon. Acredito que sua atitude é muito doce. Uma maravilha.

     -Diabos! -moveu-se impaciente-. Me ocorre que ela nunca teve com quem falar, ninguém que lhe explicasse as coisas.

     Tess captou no ato a indireta e meneou a cabeça.

     -Ah, não! Não, não. De maneira nenhuma.

     -Acreditei que talvez, você sabe, já que são irmãs...

     -Ah, sim! Will e eu somos inseparáveis, assim. -junto com a frase, dita com tom sarcástico, Tess cruzou dois dedos-. Como crie que tomaria se eu queria lhe dar um curso de relações sexuais?

     -Sim, tem razão.

     E você é um homem frustrado e faminto, pensou Tess, enquanto lhe aplaudia a bochecha.

     -Segue trabalhando-a, moço. E talvez me ocorra algo. E agora me vou inundar no jacuzzi durante um dia ou dois. -E com a mão apertada sobre o traseiro dolorido, Tess entrou mancando à casa.

    

     -meu deus! -Foi tudo o que Lily pôde dizer, virtualmente tudo o que conseguiu dizer desde que chegaram ao Mountain King Spa and Resort.

     Jamais tinha visto nada parecido.

      A sala de estar principal se estendia por hectares, vidro e madeira e atalhos formados por canto, através de novelo verdes afundadas na neve e piscinas de água quente sobre as que o vapor se enroscava em uma neblina sonhadora.

     Enquanto se registravam, Lily aferrou com força sua bolsa, e contemplei maravilhada o elegante vestíbulo com seu dobro chaminé, seu céu raso em forma de arco do meio ponto e seu novelo exóticas. O coração lhe começou a pulsar com força quando pensou no gasto que lhes exigiria, porque sem dúvida um lugar tão esplêndido, tão suntuoso, devia custar um olho da cara, embora fosse por um fim de semana.

     Mas Tess saudou o zelador com um sorriso amistoso, chamou-o por seu nome e conversou tranqüilamente com ele a respeito do que ela e suas companheiras tinham desfrutado de sua estadia quando estiveram ali a princípios de temporada.

     O homem a escutava embevecido e em seguida chamou um botões para que se fizesse cargo da bagagem e as conduzisse à cabana exclusiva se localizada em uma ladeira e rodeada de pinheiros.

     Logo, a cabana em si deixou atônita ao Lily.

     Uma imensa parede de vidro se abria da sala de estar para as montanhas majestosas e oferecia uma tentadora vista da piscina de água quente privada habilmente construída entre as rochas.

     Na chaminé de pedra já ardia o fogo, por toda parte se viam vasos cheios de flores e em uma zona curva e em desnível da sala de estar havia uma série de sofás curvos com almofadões de tons bolo frente a uma equipe completa composta por uma grande tela de televisão, vídeo e aparelho de música.

     Um encantado comilão em madeira escura se encontrava muito perto de uma pequena cozinha.

     -meu deus! -voltou a exclamar Lily, esta vez em voz baixa, quando o botões as conduziu a um dormitório com seus próprios ventanales de vidro que davam a uma terraço de chão de pedra.

     Duas camas cameras, já feitas com travesseiros brandos e colchas encantadoras, e mais à frente o banho, ao que solo pôde jogar uma olhada de passada. Mas foi suficiente para que notasse uma mesa cor de marfim como de um quilômetro de comprimento, uma enorme banheira, e uma ducha à parte, separada do resto por painéis de vidro. E, é obvio, havia um bidê.

     Nada menos que um bidê!

     Lily logo que conseguia coordenar seus pensamentos enquanto Tess lhe dava instruções aos botões.

     -Estas malas aqui, obrigado. Pode levar as dela... -disse Tess olhando fixamente a Willa com frieza-, vão ao outro dormitório. Não te importa compartilhar comigo o dormitório, verdade, Lily?

     -O que? Não, não, é obvio que não. Eu...

     -Perfeito. te instale. dentro de uma hora temos nosso primeiro tratamento.

     -Tratamento? Mas o que...?

     -Não se preocupe -tranqüilizou-a Tess enquanto saía depois do botões-. Eu me encarreguei disso. Asseguro-te que você adorará.

     Quão único Lily atinou a fazer foi deixar cair sobre um lado da cama e perguntar-se se todo isso não seria um sonho.

    

     -O que lhe passou no olho, querida?

     A técnica, terapeuta, consultora ou como se chamasse realizou um comprido e pormenorizado estudo do olho da Willa. Willa não se encolheu de ombros. Resultava difícil fazê-lo quando uma estava tendida, nua por completo, sobre uma mesa acolchoada em uma habitação pequena e escura.

     -Caminhava distraída e tropecei contra algo.

     -Hummm. Bom, veremos o que alguma de nossos especialistas em pele podem fazer a respeito. Você sozinho relaxe-se -ordenou enquanto começava a envolver a Willa em algo quente e úmido-. É sua primeira visita à a Spa do Mountain King?

     -Sim. -E a última, prometeu-se.

     A claustrofobia a atacou de repente, inesperadamente, quando isso que a envolvia lhe sujeitou os braços ao corpo. Willa sentiu que o coração lhe pulsava desordenadamente, que a respiração lhe cortava e começou a lutar.

     -Não, não. Deve relaxar-se, respirar com lentidão e com tranqüilidade. -Sobre esse material que a envolvia, colocou uma pesada manta-. Muitas clientes sofrem essa reação inicial quando as envolvemos em ervas. Lhe acontecerá se se deixa estar e esclarece sua cabeça. Agora, estas bolinhas de algodão estão empapadas em nossa loção para olhos. É provável que lhe ajude a baixar o inchaço. Além disso, é evidente que você não esteve dormindo bastante ultimamente.

     Bárbaro. Agora, além de atada, estava cega. Willa se perguntou se ela seria a primeira cliente em liberar-se dessa reclusão empapada em ervas para sair correndo, nua e gritando do Centro de Tratamento para Damas.

      Como não queria merecer essa distinção, lutou por relaxar-se. Supôs que era o menos que merecia por não ter aberto em nenhum momento a boca durante a viagem até ali.

     deu-se conta de que ressonava uma música. Ou talvez em realidade não fosse música a não ser o som de água que caía sobre água e o do canto de pássaros. Respirou devagar e de uma maneira superficial e se recordou que solo ficavam quarenta e oito horas de sofrimento.

     Em menos de cinco minutos estava profundamente dormida.

     Vinte minutos depois despertou, enjoada, quando a consultora lhe murmurou algo ao ouvido.

     -O que? Onde? Quando?

     -Está expulsando todas as toxinas do corpo. -Com eficiência, a mulher retirou as capas de ervas que a cobriam-. Quero que bebê muita água. Nada mais que água durante as próximas horas. dentro de dez minutos a espera outra etapa do tratamento, de maneira que relaxe-se. Ajudarei-a a ficá-la bata e as sapatilhas.

     Ainda meio dormida, Willa lhe permitiu que a envolvesse em uma bata e que deslizasse seus pés dentro das sapatilhas de plástico que lhes proporcionava o estabelecimento.

     -E agora o que me farão?

     -adorará -prometeu a consultora.

     De maneira que voltou a ficar nua, sobre outra mesa e com outra mulher de bata rosa.

     Ao receber o primeiro golpe de um tecido úmido sobre a pele nua lubrificada com uma nata, Willa lançou um grito.

     -fui muito arruda? Sinto-o muitíssimo.

     -Não, o que passa é que me agarrou por surpresa.

     -Sua pele ficará como uma seda.

     Willa fechou os olhos, mortificada, quando a mulher lhe esfregou as nádegas nuas.

     -Que diabos me está lubrificando?

     -É uma de nossas especialidades. Skin-Nu. Todos nossos produtos se apóiam em ervas e podem adquirir-se em nosso salão. Tem uma pele fabulosa. Que colorido! Mas como se fez todos esses moretones?

     -Ajudando a parir bezerros.

     -A parir... Ah! Você trabalha em um rancho. Que excitante, verdade? trata-se de uma exploração familiar?

     Willa se deu por vencida e permitiu que lhe seguisse tirando capas de pele.

     -É-o agora.

    

     Quando Willa voltou a ver o Tess, ela, Willa, estava de novo tendida de costas e nua, a menos que se pudesse considerar que o barro espesso e marrom que estendiam sobre seu corpo fosse alguma classe de vestimenta. Tess apareceu pela porta, olhou a sua irmã e explorou em gargalhadas.

     -Já pagará por isso, Hollywood. -;Deus, a mulher lhe estava cobrindo as tetas com barro quente! As tetas!

     -me permita te corrigir. Mercy já o está pagando. E nunca te vi mais formosa.

     -Sinto muito, senhora -disse a nova consultora-, estas habitações são privadas.

     -Está bem, não se preocupe, somos irmãs. -Tess se apoiou contra o marco da porta, como se se sentisse em sua casa, vestida com essa bata de toalha branca e as sapatilhas de plástico-. dentro de cinco minutos tenho uma massagem facial. Mas queria saber como ia.

     -Desde que cheguei não tenho feito mais que estar deitada.

     -Se ficar tempo entre um tratamento e outro, aconselho-te que não deixe de provar o banho turco. O que te toca depois disto?

     -Não tenho a menor ideia.

     -Acredito que a senhorita Mercy também tem hora para uma massagem facial. O Rio Tratamento de uma hora de duração.

     -Ah! Isso é uma delícia -recordou Tess-. Bom, que o desfrute. Neste momento Lily está no quarto contigüo onde lhe estão fazendo um tratamento em todo o corpo. Está choramingando de prazer. Veremo-nos.

     -Assim veio com suas irmãs -comentou a consultora quando Tess fechou a porta.

     -Por dizê-lo de algum jeito.

     A consultora sorriu e pintou com barro a cara da Willa.

     -Que agradável!

     Willa voltou a dar-se por vencida e fechou os olhos.

     -Por dizê-lo de algum jeito.

    

     Willa retornou à suíte depois das seis, quase arrastando-se porque sentia as pernas tão fracos que não acreditava possível que a sustentaram. Ela também poderia ter choramingado e, embora lhe resultasse odioso admiti-lo, também teria sido de prazer. Sentia o corpo tão leve, tão mimada, tão depravado que não tinha mais remedeio que seguir adiante com o tratamento.

      Talvez quinze minutos de banho de vapor em companhia de um grupo de outras mulheres nuas, depois da massagem completa de uma hora, tivesse sido um pouco excessivo. Mas perdeu a cabeça.

     -Ah! Ali está! -No momento em que Willa entrou, Tess estava desarrolhando uma garrafa de champanha-. Lily e eu acabávamos de decidir que não lhe esperaríamos.

     -OH, tem um aspecto maravilhoso! -Ainda envolta em sua bata, Lily ficou de pé e entrelaçou as mãos-. Está resplandecente!

     -Acredito que não posso me mover. Esse tipo, o massagista, Derrick, deve me haver feito algo.

     -Tocou-te um homem? -Com os olhos muito abertos, Lily se apresso a ajudar a Willa a chegar à poltrona-. Para uma massagem de corpo inteira?

     -Não devia ser assim?

     -Meu massagista era uma mulher, assim supus... -Deixou a frase inconclusa quando Tess lhe alcançou uma taça de champanha.

     -Ordenei que uma mulher te fizesse a massagem a ti, Lily. Pensei que se sentiria mais cômoda. -Passou- outra taça a Willa-. E pedi que o da Willa fora um homem porque me pareceu que deve começar a acostumar-se ao que se sente quando um homem lhe põe a una as mãos em cima... embora seja de uma maneira perfeitamente profissional.

     -Tenho medo de me derreter se tratasse de voltar a me pôr de pé, mas se não fora assim, pegaria-te um murro pelo que acaba de dizer.

     -Querida, me deveria agradecer isso Com sua própria taça na mão, Tess se instalou no braço do sofá-. Bom, você gostou ou não?

     Willa bebeu um gole de champanha. Tinha bebido bastante água para afundar um navio de guerra e a mudança que significava beber algo com borbulhas lhe resultava glorioso.

     -Talvez. -Voltou a beber e jogou atrás a cabeça-. Parecia-se com o Harrison Ford e me massageou os pés. Deus! Além disso me massageou esse lugar justo em cima dos omoplatas. -estremeceu-se-. Utilizou os polegares. Tem uns polegares incríveis.

     -Já sabe o que se diz dos polegares do homem. -Sorridente, Tess elevou sua taça e brindou quando Willa se incomodou em abrir um olho-. notei que Ben tem polegares muito... compridos.

     -Não te basta com o Nate?

     -me deitar com o Nate me basta e me sobra. Mas sou escritora. Os escritores notam os detalhes.

     -Adam tem uns polegares maravilhosos. -Assim que Lily se ouviu dizê-lo, afogou-se e ficou tinta como o grão-. Quero dizer que tem boas mãos. Quer dizer, refiro-me a que são muito... -lançou uma risita tola e se deu por vencida-.., compridos. Pode-me servir um pouco mais de champanha?

     -É obvio! -respondeu Tess, levantando-se de um salto para tomar a garrafa-. Um par de taças mais e talvez nos conte tudo o que se refira aos largos polegares do Adam.

     -Não, não poderia.

     -Tenho outra garrafa.

     -Não lhe faça brincadeiras com isso -disse Willa, mas sem nenhuma agressividade-. Não a todo mundo gosta de gabar-se de suas atividades sexuais.

     -eu gostaria -disse Lily, e voltou a ruborizar-se-. Eu gostaria de me gabar e alardear porque para mim nunca tinha sido assim. E jamais imaginei que podia ser assim. Nem que eu pudesse. -Embora não estava acostumada a tomar álcool, serve-se a segunda taça com total abandono-. E Adam é tão maravilhoso! Refiro a sua cara e a seu coração.., mas seu corpo... OH meu Deus!

     levou-se uma mão ao peito e elevou a taça que Tess se apressou a voltar a encher.

     -É como se estivesse esculpido em âmbar. É tão perfeito que de solo me olhá-lo sinto débil e emocionada por dentro. E me acaricia com tanta suavidade! E depois já não é suave, e não me importa porque o desejo, e ele me deseja, e nos avivamos, pomo-nos selvagens, e me sinto forte, como se pudesse fazer o amor com ele durante horas, durante dias inteiros. para sempre. E às vezes tenho três ou quatro orgasmos antes de que terminemos, enquanto que com o Jesse quase nunca tinha nem sequer um e então...

     interrompeu-se, piscou, tragou com força.

     -Acabo de dizer isso?

     Tess respirou com lentidão e bebeu um comprido gole de champanha.

     -Está segura de não querer seguir falando? Se seguir assim uns minutos mais me fará terminar.

     -OH! -Pressurosa, Lily depositou sua taça e se levou as mãos às bochechas ardentes-. Nunca lhe hei dito essas coisas a ninguém. Não queria lhes incomodar.

     -Não nos incomodaste absolutamente. -Willa também tinha uma sensação estranha na boca do estômago quando estirou a mão para aplaudir o braço do Lily-. Acredito que é maravilhoso, para ti e para o Adam.

     -Antes nunca pude falar assim com ninguém. -Lhe quebrou a voz e surgiram as lágrimas-. E não poderia dizer-lhe a ninguém que não fossem vocês dois.

     -Bom, Lily, não...

     -Não. -Lily interrompeu a preocupação do Tess com um movimento de sua cabeça-. Para mim tudo trocou. E tudo começou a trocar quando lhes conheci vocês. Então eu também comecei a trocar. Apesar de todas as coisas horríveis que aconteceram, sou muito feliz. Conheci o Adam e lhes conheci vocês dois. E lhes quero tanto a todos! Quero-lhes muitíssimo! Sinto muito -adicionou e ficou de pé para dirigir-se correndo ao banho.

     Emocionada, Willa permaneceu imóvel e escutou o som da água que caía na banheira.

     -Crie que alguma das duas deveria ir acompanhá-la?

     -Não. -Também com os olhos úmidos, Tess voltou a encher a taça da Willa e logo se deixou cair a seu lado, no sofá-. Daremo-lhe um minuto. -Pensativa, escolheu uma maçã Granny Smith perfeita da cesta que lhes brindava o hotel-. Tem razão, sabe? Por mal que esteja a situação, há muitas coisas positivas que nivelam o fiel da balança.

     -Suponho que sim. .-Willa olhou sua taça e logo elevou a vista para olhar ao Tess-. Suponho que me alegro de te haver conhecido. Não é necessário que eu goste -adicionou antes de ficar muito sentimental-. Mas me alegro de que nos tenhamos conhecido.

     Tess sorriu e entrechocó sua taça com a da Willa.

     -Brindo por isso.

    

     -Que sentido tem? -perguntou Willa enquanto franzia o sobrecenho ao olhar as unhas dos dedos dos pés que nesse momento uma pedicura pintava de rosa poppy-. Quão única as vê sou eu, e lhes asseguro que não disposto muita atenção às unhas de meus pés.

     -Coisa completamente óbvia -respondeu Tess, satisfeita com o esmalte vermelho apaixonado com que nesse momento pintavam as suas-. antes de que Marla fizesse milagres contigo, as unhas de seus pés pareciam cortadas por uma cortadora de grama.

     -E o que?

     Willa odiava ter que confessar-se que em realidade estava desfrutando de quase todo o processo... que incluía sua nova afeição: a massagem de pés. voltou-se no banco para observar ao Lily que olhava fascinada suas unhas ao meio pintar.

     -A sério crie que ao Adam gostará deste... como se chama... -Willa inclinou a cabeça para ver o nome do esmalte-, coral calipso?

     -Faz-me sentir bonita. -Sorridente, Lily admirou as unhas que já tinha pintadas-. Adulta e bonita. -Olhou ao Tess-. Suponho que disso se trata, verdade?

     -Bom! -Como se depois de uma larga classe uma aluna por fim tivesse compreendido a fórmula, Tess aplaudiu, com cuidado de não arruiná-las unhas-. Por fim um pouco de sentido comum. Uma mulher inteligente não se veste e maquia para um homem. Faz-o acima de tudo por si mesmo. Depois para o resto das mulheres que são as únicas que, em definitiva, notarão os detalhes. Logo, mas em última instância, para os homens que, se a mulher tiver sorte, apreciam a beleza em geral.

     Divertida ante a expressão de suas irmãs, Tess elevou as sobrancelhas, baixou a voz e adicionou, imitando uma voz masculina:

     -Ugh! É linda. Cheira bem. Eu quero uma companheira.

     Uma gargalhada da Willa premiou sua descrição do homem.

     -Não tem um conceito muito elevado dos homens, não é verdade, Hollywood?

     -Au contraire, tola, penso muito nos homens e, em um sentido geral, encontro que são uma interessante diversão da rotina diária. Toma ao Nate como exemplo.

     -Tenho a impressão de que você já o tomaste.

     -Sim. -O sorriso do Tess se permutou em felina.

     -Ao princípio, Nathan Torrence me resultou um enigma. O rancheiro de Montana, que fala com lentidão, que se licenciou como advogado no Yale e a quem gosta de Keats, o tabaco e os irmãos Marx. Uma combinação como essa, bom, representa de uma vez um desafio e uma oportunidade.

     Elevou um pé já terminado antes de seguir falando.

     -Sim, eu gosto dos desafios e nunca perco uma oportunidade. Mas me estou fazendo pintar as unhas porque me faz sentir bem. Que a elle gostem e o excitem não é mais que uma espécie de bonificação.

     -me faz sentir exótica -interveio Lily-. Como... como se chamava essa mulher do sarong? Essa atriz dos filmes em branco e negro.

     -Dorothy Lamour -informou Tess-. E agora pensem no Adam, um tipo de homem completamente distinto.

     -Isso crie? -Como acabavam de chegar a seu tema predileto, Lily se ergueu na cadeira-. Em que sentido?

     -Não a respire, Lily. Está jogando a ser a perita.

     -Quando a homens se refere, não é necessário que jogue à perita, campeã. -Tess continuou, meneando um dedo-. Sério, sólido e entretanto, um pouco misterioso. Possivelmente o homem mais fabuloso que conheci em minha curta mas ilustre carreira em conquistas masculinas, com essa... a única palavra que me ocorre é «bondade» que brilha em seus olhos.

     -Seus olhos! -exclamou Lily com um suspiro que obrigou a Willa a levantar os seu ao céu.

     -Mas... -adicionou Tess meneando um dedo- isso não o converte em um homem aborrecido, coisa que pelo general acontece com a gente bondosa, porque nele também há uma paixão efervescente e contida. E no que se refere, Lily, poderia te raspar a cabeça e te pintar a cara de coral calipso e ele te seguiria adorando.

     -Está apaixonado por mim-disse Lily com um sorriso tolo.

     -Sim. Considera que é a mulher mais formosa do mundo, e se uma manhã despertasse e alguma bruxa malvada te tivesse feito um enfeitiço te convertendo em um duende, ainda seguiria te considerando a mulher mais formosa do mundo. O que ele vê está além do físico, que aprecia, mas percebe o que há dentro de uma pessoa. Por isso acredito que é a mulher mais afortunada do mundo.

     -Talvez essa não seja uma má história.., para uma roteirista de Hollywood.

     -Ah! Mas ainda não terminei. Temos que completar nossa tríada. -Encantada consigo mesma, Tess se tornou atrás-. Ben McKinnon.

     -Não comece! -ordenou Willa.

     -Não cabe dúvida de que está quente com ele. Ficaremos aqui um momento para esperar que nos sequem as unhas -disse-lhe à pedicura. Logo tomou seu copo de borbulhante água mineral-. Uma mulher teria que estar morta mais de duas semanas para que não lhe acelere o pulso ante um homem como Ben McKinnon.

     -E o teu se acelerou muito?

     Satisfeita com a reação da Willa, Tess moveu perezosamente um ombro.

     -Eu tenho a outro homem em mente. Se não... Em todo caso não estive morta duas semanas.

     -poderia-se arrumar.

     -Não, não ponha de pé e caminhe a meu redor, arruinará-te as unhas. -Tess apoiou uma mão sobre o braço da Willa para contê-la-. Voltando para o Ben: sua sexualidade o precede. O sexo cru, ardente, sem dissimulação é uma pesada carga para o homem. Se una o olhe montar a cavalo, sabe que montaria a uma mulher com a mesma força. Além disso é inteligente, leal, honesto e os jeans lhe sintam maravilhosamente. Como perita nesses assuntos, devo dizer que, quando fica um par de jeans, uma nota que, as do Ben McKinnon, são As melhores Pelotas ao este ou ao oeste dos Pecos. O qual não é uma má distração para a rotina diária -terminou dizendo enquanto bebia a água mineral.

     -Não entendo por que lhe olha seus atributos masculinos quando você já tem um homem -murmurou Willa.

      -Porque são esplêndidos e porque tenho boa vista. -Tess se passou a língua pelos dentes-. É obvio que uma mulher teria que ser muito valente, forte e inteligente para igualá-lo em força e estilo.

     «Bom -pensou Tess, enquanto Willa permanecia de mau humor a seu lado-, Ben McKinnon, acabo de lançar um desafio. É a melhor ajuda que te posso proporcionar.»

     Nada mais chegar ao Mercy e desfazer a bagagem, Willa se deu conta de que durante as últimas vinte e quatro horas, no elegante hotel de águas termais, nem por um momento tinha pensado no rancho, em seus problemas e suas responsabilidades. E, ao compreendê-lo, percorreu-a uma quebra de onda de culpa ao pensar que lhe tinha resultado tão fácil deixá-lo tudo atrás para mergulhar-se em uma vida mimada e de prazer.

     Foi como entrar em uma realidade alternativa, supôs, e sorriu ao ir tirando de sua mala cajitas douradas que deixava sobre a cama. O que talvez explicasse por que não lutou quando Tess e Lily a urgiram a comprar natas, loções, xampus.

     Deus todo-poderoso! Centenares de dólares gastos em tolices femininas que o mais possível era que nunca se lembrasse de ficar.

     portanto decidiu que as daria de presente todas ao Bess, além dos elegantes sabões e banhos de espuma que comprou para ela.

     De todos os modos, era uma maravilha estar de novo vestida com jeans, pensou enquanto os punha. E melhor ainda haver-se informado por boca do Adam que durante o fim de semana não houve nenhum problema. Os homens começavam a relaxar-se de novo, embora o guarda das vinte e quatro horas por dia se seguia mantendo. A época dos partos se aproximava do final e o calendário indicava que a primavera estava próxima.

     Não o parece, pensou Willa, aproximando-se da janela. O vento que soprava do Canadá era amargo como uma velha atacada de gota. Não havia neve no céu, coisa que agradecia. Entretanto ela conhecia as mudanças que se produziam em março e, para o caso, também em abril. A realidade da primavera ainda estava tão distante como a lua.

     E estava desejando que chegasse.

     Era algo que também a surpreendia. Pelo general se sentia feliz em qualquer estação do ano. O inverno, sem dúvida significava trabalho mas também oferecia, e até exigia, períodos de descanso. Para a terra e para a gente que a habitava.

     A primavera talvez fosse uma época de renascimento e de júbilo, mas também era uma temporada de barro, de seca ou de chuvas impossíveis, de músculos doloridos, de terras que deviam ser semeadas, de ganho que terei que separar e levar a pastar.

     Mas estava desejando que chegasse, desejando ver embora fora um só pimpolho: a flor de verdolaga que triunfava surgindo entre o barro; um louro que se elevasse como por milagre no meio do bosque espesso; uma pajarilla selvagem adornando o penhasco de uma montanha.

     Surpreendida de si mesmo, meneou a cabeça e se afastou da janela. Desde quando ela sonhava com flores?

     É obra do Tess, pensou. De todas essas conversações sobre sexo, romances e homens. Uma transição natural para a primavera, as flores.., e a estação dos emparelhamentos.

     Com uma risita, contemplou a série de caixas douradas disseminadas sobre a singela colcha de sua cama. E o que são esses, teve que admitir, a não ser custosos estímulos para o emparelhamento?

     Para ouvir passos, começou a juntar as caixas e chamou:

     -Bess? Tem um minuto? Há alguns assuntos que talvez lhe interessem. Não sei por que as...

     interrompeu-se quando, em lugar do Bess, entrou Ben ao dormitório.

     -Que demônios faz aqui? Não tem o costume de bater na porta?

     -Tenho-o feito. Tem-me aberto Bess. -Elevou as sobrancelhas e em seus olhos apareceu uma expressão admirada-. Bom, bom! te olhe, Willa!

     Willa agradeceu ter podido, pelo menos, terminar de ficá-los jeans e também teve uma aguda consciencia de não ter chegado a ficá-la camisa. Da cintura para acima solo a cobria a seda de sua camiseta térmica. Seus mamilos se endureceram, traiçoeiros, quando levantou de um puxão a camisa de flanela.

     -Nem sequer faz uma hora que tornei -queixou-se, enquanto colocava os braços nas mangas da camisa-, e já está me perseguindo. Não tenho tempo para falar nem para revisar informe. Já perdi um fim de semana íntegro.

     -Não acredito que tenha perdido nada.

     Ben se sentiu comprensiblemente desiludido ao vê-la abotoá-la camisa, mas o intrigou sua maneira apressada de levar a cabo a tarefa. Com o tempo gostaria que desfizera o que acabava de fazer.

      -Está esplêndida. -Lhe aproximou-. Descansada. Preciosa. -Levantou uma mão até os cachos que lhe caíam sobre os ombros-. Atrativa. Passei um par de maus momentos quando Nate me disse aonde tinha ido. Imaginei que talvez voltasse com a cara toda cheia de nata e o cabelo talhado como o de alguma dessas modelos de Nova Iorque que tratam de parecer-se com um muchachito adolescente. por que crie que o fazem?

     -Não tenho nem idéia.

     -Como conseguiu enrolar todo seu cabelo nesses cachos?

     -Se lhe pagar bastante a essa gente, são capazes de fazer algo. -Jogou para trás seus cachos, um pouco envergonhada-. O que quer, Ben? Ficar aqui parado e falar sobre tratamentos de beleza?

     -Humm? -respondeu ele. É incrível, pensou enquanto seguia brincando com o cabelo da Willa. Tantos cachos e seguiam sendo suaves como plumas de pato-. Eu gosto. Dá-me idéias.

     Willa começava a compreender a situação e retrocedeu para ficar fora de seu alcance.

     -Não são mais que cachos.

     -Eu gosto de ver seu cabelo encaracolado. -Sorriu enquanto manobrava de modo tal que ela teve que retroceder para a parede-. Também eu gosto de murcho, quando te cai pelas costas, ou quando o tranca.

     Willa conhecia bem as dimensões de seu quarto e calculou que em dois passos mais tropeçaria com a parede. De maneira que conservou seu lugar.

     -Olhe: o que crie que está fazendo?

     -Tão fraco é sua memória? -Agarrou-a contente de que tivesse deixado de retroceder-. Não acreditei que, por te haver afastado uns poucos dias, esqueceria onde deixamos este assunto. Fica aquieta, Willa -disse com paciência quando ela levantou um braço para afastá-lo a empurrões-. Quão único vou fazer é te beijar.

     -E se eu não quero que me beije?

     -Então dava: «me tire as mãos de cima, Ben McKinnon».

     -me tire...

     Foi tudo o que pôde dizer antes de que lhe impedisse de seguir falando. E os lábios do Ben estavam famintos e não eram tão pacientes como por sua voz se pôde deduzir. Apertou-a possessivo entre seus braços, deixou-a sem fôlego, e Willa teve que abrir os lábios para respirar.

     E então ele, rápido e inteligente, invadiu-lhe a boca com sua língua.

     É como se a uma a tragassem, pensou Willa em uma nebulosa. Como se a uma a estivessem devorando viva com uma ansiedade que inca à ansiedade. Os corações pulsavam rapidamente. «o dele tanto como o meu», descobriu Willa surpreendida. Pulsavam como loucos. Em uma carreira desenfreada. E se perguntou se um dos dois não se elevaria pelos ares de continuar a esse ritmo, a essa velocidade.

     -Te senti falta de.

     Disse-o em voz tão baixa, enquanto seus lábios lhe deslizavam pelo pescoço, que Willa acreditou havê-lo imaginado.

     Que a tinha sentido falta de? Seria possível?

     Os lábios do Ben voltaram a lhe percorrer a garganta, detiveram-se detrás de sua orelha, lhe fazendo coisas a sua pele que a deixavam enjoada e débil.

     -Que bem cheira!

     Recordou que lhe havia dito que a via preciosa, e lhe tremeram as pernas. Que bem cheirava? Então o que seguia devia ser. Recordou o comentário cínico do Tess e tragou com força.

     -Espera! Não siga!

     Em seu estado atual não teria podido empurrar um travesseiro de plumas, muito menos a um homem excitado, mas para ouvir sua voz sem fôlego e ver o tremor de suas mãos, Ben trocou o tom.

     -Está bem.

     Seguia rodeando-a com seus braços, mas já com suavidade, e com uma mão lhe acariciou as costas para tranqüilizá-la. deu-se conta de que Willa estava tremendo, e se amaldiçoou por isso. É inocente, inocente, repetiu-se em seu interior como se fora um mantra até que conseguiu respirar com naturalidade.

     Só queria voltar a dar o gosto de provar seus lábios, e acreditou que se deixaria levar por essa loucura de excitação. Mas dias, semanas, diabos!, anos de frustração ardiam em seu interior e ameaçavam explorando.

     E o que ele queria fazer, o que imaginava que faria com ela nesse quarto, sobre essa cama, não era por certo a maneira em que um homem civilizado devia iniciar a uma virgem.

     -Perdão. -tornou-se atrás para lhe olhar o rosto. Nos olhos da Willa viu uma mescla de medo, confusão e desejo. Quão único o detinha era o medo-. Não quis te assustar, Will. Por um minuto me esqueci de tudo. -Para aliviar o ambiente, brincou de novo com um de seus cachos-. Deve ser culpa de seu penteado.

     Lamenta-o, compreendeu ela, muito surpreendida. E viu algo mais nos olhos do Ben. Não era possível que fosse ternura, sobre tudo tratando-se do Ben, mas sem dúvida era uma emoção mais suave que a luxúria. Talvez, pensou, sonriendo apenas, talvez seja afeiçoado.

      -Não se preocupe. Suponho que por um momento eu também perdi o controle. Deve ser porque me estava tragando como se fosse um uísque excelente

     -Tem tendência a ser tão potente como o uísque -murmurou ele.

     -Sério?

     A resposta surpreendida e tão feminina voltou a fazer ferver o sangue do Ben.

     -Não me excite. Subi para te avisar de que Adam e eu saímos a cavalo para jogar um olhar às terras altas. Zack diz que o passado do norte está bloqueado pela neve. E teve a impressão de que alguns caçadores podem estar fazendo uso da cabana do Mercy.

     -E o que lhe faz pensar isso?

     -Em um de seus percursos no avião de pequeno porte viu atalhos e outros sinais. -Ben se encolheu de ombros, para lhe tirar importância-. De todos os modos não seria a primeira vez que acontece, mas como quero ver até que ponto é grave o bloqueio do passo, ao Adam e nos pareceu que convinha que nos déssemos uma volta para examinar a situação.

     -Irei com vós. Estarei lista dentro de quinze minutos.

     -É tarde para sair. O mais provável é que não possamos voltar esta mesma noite. Podemo-lhe chamar por radio da cabana para te dar todos os informe.

     -Não, vou com vós. lhe diga ao Adam que sele ao Moon. Eu prepararei minha mochila.

    

     Que agradável é voltar a montar!, pensou Willa. Agradável estar sobre a arreios, fora, ao ar livre e cada vez mais frio à medida que ascendiam. Moon trotava com facilidade pela neve, pelo visto também contente de ter saído. Seu fôlego formava nuvens que os precediam e seus arnês tilintavam.

     O sol resplandecia, uma luz cegadora se desprendia da neve não pisoteada, adicionando brilho às árvores talheres de branco. Ali nas terras altas, a primavera demoraria para chegar e logo que duraria mais que um precioso momento.

     No silêncio se ouviu o grito de um falcão e Willa viu rastros de cervos e de outras presas de caça, e de animais carnívoros que caçavam nas montanhas. Talvez tivesse desfrutado de seu fim de semana de mímicos, mas seu mundo era esse. quanto mais alto subia, mais lhe fascinava ter tornado.

     -Parece exultante. -Ben cavalgava para seu lado e lhe estudou o rosto-. O que lhe fizeram ali acima, nesse lugar tão elegante?

     -Toda classe de coisas. Coisas maravilhosas. -Inclinou a cabeça e lhe dirigiu um sorriso travesso-. Cobriram-me todo o corpo de cera.

     -Sério? -Ben sentiu uma sensação agradável na entrepierna-. Todo o corpo?

     -Sim. Rasparam-me a pele, engordurado, encerado e lustrado. Foi bastante agradável. Alguma vez lhe massagearam todo o corpo com azeite de coco, Ben?

     A sensação agradável aumentou de uma maneira considerável.

     -Está-te oferecendo a fazê-lo, Willa?

     -Lhe estou contando isso. E ao final do dia esse tipo me fro...

     -Tipo? -ergueu-se na arreios. Seu tom agudo de voz interrompeu as investigações do Charlie que voltou gemendo-. Que tipo?

     -O massagista.

     -Permitiu que um tipo te massageasse o...?

     -É obvio! -Satisfeita pela reação do Ben, Willa se voltou para o Adam. O brilho de seus olhos lhe indicou que seu irmão sabia exatamente qual era o jogo em que estava empenhada-. Ao Lily fizeram algo que chamam aromaterapta. Pareceu-me que deve ser algo muito parecido ao que a gente da raça de nossa mãe esteve fazendo durante séculos. Utilizando ervas e perfumes para relaxar a mente e o corpo. Agora eles lhe puseram um nome elegante e lhe cobram o equivalente a um braço e uma perna por lhe fazer isso      Willa miró de soslayo a Ben.

     -Estes brancos! -exclamou Adam, sonriendo-. Sempre procurando enriquecer-se a costa da natureza.

     -Foi o que pensei. Em realidade, perguntei a massagista do Lily por que considerava que...

     -Massagista? -Interrompeu Ben-. a tratava uma mulher?

     -Sim. De maneira que lhe perguntei por que acreditava que sua gente tinha imposto todos esses tratamentos quando os índios utilizaram barro e ervas e azeites antes de que houvesse brancos a mil e quinhentos quilômetros das Montanhas Rochosas.

     -por que ao Lily a tratava uma mulher e a ti não?

     Willa olhou de soslaio ao Ben.

     -Lily é tímida. De todos os modos, alguns tratamentos pareciam básicos. E os azeites e as natas não muito distintos aos que deve ter preparado nossa avó.

      -E eles os meteram em frascos elegantes e os apropriaram -disse Adam.

     Ben sabia que lhe acabavam de cortar a soga e se moveu inquieto na arreios.

     -Também lhe lubrificaram com graxa de urso?

     Willa sufocou um sorriso.

     -Em realidade, aconselhei-lhes que estudassem essa possibilidade. Deveria lhe aconselhar ao Shelly que passe um fim de semana ali, uma vez que tenha deixado de dar de mamar à menina. lhe diga que peça que a atenda Derrick. É incrível.

     Adam tossiu, tampou-se a boca com uma mão e logo esporeou o cavalo e se adiantou, seguido pelo Charlie.

     -De maneira que permitiu que esse tipo, Derrick, visse-te nua?

     -É um profissional. -tornou-se atrás o cabelo encaracolado, já sem nenhum acanhamento-. Estou pensando na possibilidade de que me façam massagens mais freqüentemente. São muito... relaxantes.

     -Arrumado a que sim. -Ben se inclinou e lhe apoiou uma mão no braço, contendo aos cavalos para que avançassem com mais lentidão-. Solo quero te fazer uma pergunta.

     -Qual?

     -Está tratando de me voltar louco?

     -Talvez.

     Ben assentiu.

     -Porque se sente segura aqui fora e com o Adam perto.

     Ela não pôde menos que sorrir.

     -Talvez.

     -Volta a pensá-lo. -Movendo-se com rapidez, inclinou-se para ela, arrastou-a para ele e a beijou com força nos lábios. Quando permitiu que Willa se afastasse e se esforçasse em controlar à égua assustada, Ben sorria-. vou comprar um pouco de azeite de coco para ver como fica.

     O coração da Willa deu um tombo.

     -Talvez -repetiu. Açulou ao Moon para pô-la ao trote.

     O disparo estalou e o eco o repetiu, um som agudo e surpreendente. Muito perto, foi tudo o que Willa pôde pensar antes de que o cavalo do Adam ficasse a duas patas e estivesse a ponto de jogá-lo no chão.

     -Imbecis! -disse entre dentes-. Devem ser uns malditos imbecis de cidade...

     -te cubra! -Ben esteve a ponto de arrancar a da arreios e se colocou frente a ela, como um escudo. Com a velocidade do raio tirou o rifle e se jogou no chão onde ficou fundo na neve até os joelhos-. Te proteja detrás das árvores.

     Mas Willa já tinha visto o sangue que manchava o braço da camisa do Adam. E ao vê-lo, desceu do cavalo e correu para seu irmão, em terreno aberto. Ben lançou uma maldição, tomou pelas pernas para fazê-la cair e a cobriu com seu corpo no momento em que estalava outro disparo.

     Ela lutou com todas suas forças, derrubando-se na neve e arranhando-o. O terror era uma névoa quente e vermelha.

     -Adam está ferido. me solte!

     -Não te levante.

     A cara do Ben estava perto da sua, e lhe falava com voz fria e tranqüila enquanto a mantinha imobilizada sob seu corpo. Charlie ladrava como louco e, tremente, esperava o sinal de caçar. Solo se acalmou quando Ben o ordenou com voz tensa.

     Ainda cobrindo a Willa, Ben levantou a vista e viu que Adam se arrastava de barriga para baixo para eles.

     -É grave?

     -Não sei. -A intensa dor lhe percorria o braço até o ombro-. Acredito que a bala deu mais na manga do casaco que em meu braço. Não está ferida, Will? -Passou-lhe pela cara uma luva coberta de neve.

     -Não. Está sangrando.

     -Está bem. Deve ter má pontaria.

     Willa fechou um instante os olhos e fez um esforço por tranqüilizar-se.

     -Foi deliberado. Não era um caçador imbecil.

     -Teve que ser um rifle de comprimento alcance -disse Ben, levantando a cabeça o necessário para revisar as árvores, as montanhas. Passou uma mão sobre o lombo do cão para acalmá-lo-. Não alcanço a ver nada. Pela direção do disparo, suponho que deve estar lá encima, entre as rochas.

     -Muito bem coberto. -Willa se obrigou a respirar com lentidão-. É impossível que cheguemos até onde se encontra.

     como sempre, pensou Ben, no primeiro que pensa é em atacar. deslizou-se ao chão, liberando a Willa do peso de seu corpo e empunhou o rifle com firmeza.

     -Já quase chegamos à cabana. Você e Willa corram para ali, lhes mantendo a talher das árvores. Eu fico aqui para que tenha um branco.

     -Maldita seja se for te deixar aqui!

     Começou a levantar-se mas de um empurrão Ben voltou a atirá-la ao chão. Em uns segundos em que os olhos do Adam e os seus se encontraram, ambos sabiam como foram tratar o assunto.

      -Adam está sangrando -disse Ben com tranqüilidade-. É necessário que alguém o atenda. Leva-o até a cabana, Will. Eu lhes seguirei em seguida.

     -Se for necessário podemos nos fazer fortes na cabana. -Lutando por vencer a dor, Adam repassou os detalhes. Ben, da cabana poderemos te cobrir. Quando nos ouvir disparar, nos siga.

     Ben assentiu.

     -Uma vez que chegue a esse grupo de rochas que jogávamos a que era um forte, dispararei. Isso lhes dará tempo de chegar à cabana. Voltem a disparar para que saiba que chegastes.

     Willa compreendeu que nesse momento devia escolher entre um homem e o outro. O sangue que manchava a neve e tirou toda possibilidade de fazer essa eleição.

     -Não faça nenhuma estupidez! -Tomou a cara do Ben entre as mãos e o beijou com força-. Eu não gosto dos heróis.

     Sem levantar de tudo, tomou as rédeas de seu cavalo.

     -Está em condições de montar? -perguntou ao Adam.

     -Sim. Fica entre as árvores, Willa. Moveremo-nos com rapidez. -depois de dirigir um último olhar ao Ben, Adam montou-. Já!

     Willa não teve tempo de olhar atrás. Mas recordaria, soube que sempre recordaria ao Ben ajoelhado e só na neve, com a sombra das árvores lhe cobrindo a cara e o rifle apoiado contra o ombro.

     «Menti», pensou quando o ouviu disparar uma, dois, três vezes. adorava os heróis.

     -Ninguém responde seus disparos -disse Willa quando ela e Adam reprimiram os cavalos detrás de! uma torre de rochas-. Talvez se tenha ido.

     «Ou talvez esteja esperando», pensou Adam. Não disse nada quando Willa empunhou seu rifle. Disparou meia dúzia de vezes.

     -Ben estará bem, não é lama Adam? Se esse franco-atirador tratar de rodeá-lo Y...

     -Ninguém conhece esta zona melhor que Ben. -Disse-o com rapidez para convencer a Willa e convencer-se a si mesmo. No único que podia pensar era que tinha deixado atrás a seu irmão. Porque foi o único que se podia fazer-. Temos que seguir andando, Willa. Da cabana estaremos em melhores condicione de cobrir ao Ben.

     Ela não pôde lhe discutir, sobre tudo considerando a palidez do Adam, considerando que a calidez da cabana e o estojo de primeiro socorros estavam a curta distância. Mas sabia o que nenhum dos três disse: não havia maneira de cobrir-se durante os últimos cinqüenta metros. Para poder chegar à cabana seria necessário que cavalgassem para descoberto.

     O sol resplandecia, a neve era cegadora. Willa não tinha dúvidas de que contra esse branco voltavam a destacar-se como o cervo em uma pradaria. ao longe alcançava para ouvir o som da água que se abria caminho sobre o gelo e as rochas e, mais perto, o rápido som de sua própria respiração.

     As rochas se sobressaíam da neve cujo peso inclinava as árvores. Willa cavalgava com o rifle na mão, preparada para que algum franco-atirador sem rosto em qualquer momento saltasse para diante e apontasse para eles. No alto sobrevoava uma águia que emitia seu grito triunfal. Willa contou os segundos que transcorriam com os batimentos do coração de seu coração, e se mordeu os lábios com força ao escutar o eco do disparo do rifle do Ben.

     -Chegou a essa fortaleza de rochas.

     Já alcançava a ver a cabana, a forte estrutura de madeira que se escondia no terreno rochoso. Dentro está a segurança, pensou. Primeiros auxílios para o Adam e uma rádio para pedir ajuda. Refúgio.

     -Algo vai mau. -ouviu-se dizê-lo antes do ter completamente claro. Uma fotografia desfocada, um quebra-cabeças ao que lhe faltavam peças-. Alguém limpou um atalho -adicionou com lentidão-. E há rastros. Respirou fundo-. Ainda cheiro a fumaça. -Não saía fumaça da chaminé, mas ela alcançava a perceber seu aroma tênue no ar-. Não o cheira?

     -O que? -perguntou Adam, sacudindo a cabeça em um esforço por não deprimir-se-. Não, eu... -O mundo ameaçava ficando cinza para ele. Já não sentia o braço, nem sequer a dor.

     -Não é nada. -Seguindo seu instinto, Willa colocou o rifle em sua capa e tomou as rédeas do cavalo do Adam com sua mão livre. Ao descoberto ou não, tinham que avançar com rapidez antes de que ele perdesse mais sangue-. Já quase chegamos, Adam. te agarre. te agarre à arreios.

     -O que?

     -te agarre à arreios. me olhe a mim. -Disse-o como uma ordem e os olhos dele se esclareceram durante uns instantes. Não te solte.

      Esporeou ao Moon para pô-la ao galope e gritou para que o cavalo do Adam não ficasse atrás. Se Adam chegasse a cair antes de que chegassem à segurança, estava disposta a desmontar, arrastá-lo até ali se fosse necessário e deixar em liberdade aos cavalos.

     Entraram em uma espécie de raio de luz cegadora. Os cascos dos cavalos ao galope levantavam a neve no ar. Ela galopava erguida na arreios para proteger a seu irmão com seu corpo. E com todos os músculos preparados para esse rápido insulto que é o aço ao penetrar na carne.

     Em lugar de tomar o atalho limpo de neve, preferiu dirigir os cavalos para o lado sul da cabana. Nem sequer se relaxou quando a sombra do edifício caiu sobre eles. O franco-atirador podia estar em qualquer parte. Liberou o rifle, saltou ao chão e logo teve que lutar com a neve que quase lhe chegava à cintura para alcançar ao Adam que se bamboleava.

     -Não lhe vás deprimir isso agora. -O fôlego lhe ardia nos pulmões enquanto lutava por sustentá-lo. Tinha as mãos empapadas do sangue quente de seu irmão-. Não cria que vou agarrar te em braços!

     -Diabos! me dê um segundo por favor. -Devia apelar a toda sua concentração para lutar contra o enjôo. Tinha a visão pouco clara mas pelo menos ainda alcançava a ver. E ainda podia pensar. Pensar o suficiente para saber que não estariam a salvo até entrar na cabana. E até então...-. Entra. Dispara uma vez para avisar ao Ben. Eu me encarregarei dos arnês.

     -Ao demônio com os arnês! -Willa o sujeitou contra o flanco de seu corpo e o arrastou até a porta.

     Faz muito calor, pensou assim que entraram. Empurrou ao Adam até um cama de armar e olhou a chaminé. Nada mais que cinzas e partes de madeira queimada. Mas alcançava a cheirar um fogo recente.

     -te deite. Agüenta um minuto. -apressou-se a aproximar-se da porta, disparou três vezes para avisar ao Ben que acabavam de chegar, depois fechou com chave-. Em seguida virá -disse, orando para que assim fora-. Temos que te tirar o casaco.

     Deter a hemorragia, acender o fogo, limpar a ferida, chamar o rancho por rádio, preocupar-se com o Ben.

     -Não fui que muita ajuda -disse Adam enquanto lhe tirava o casaco.

     -A próxima vez, quando a que receba o balaço eu seja, poderá ser o forte. -Conteve um ofego ao ver o sangue que lhe empapava a manga da camisa do ombro até a boneca-. Dói-te? Muito?

     -Deixo-o insensível. -Com um olhar objetiva e de cansaço, estudou a ferida-. Acredito que a bala saiu pelo outro lado. Não me parece que seja muito grave. Se não fizesse tão frio, teria sangrado mais.

     Teria sangrado menos, pensou Willa enquanto rasgava a manga, a não ser tivessem tido que cavalgar para uma velocidade de loucos. Rasgou também a camisa térmica e sentiu que lhe revolvia o estômago ao ver a carne rasgada.

     -antes de nada te farei um torniquete para deter a hemorragia. -Enquanto falava tirou um lenço-. vou esquentar um pouco este lugar, depois te limparei a ferida e veremos como está.

     -Revisa as janelas -pediu-lhe Adam, apoiando uma mão sobre seu braço-. E volta a carregar o rifle.

     -Não se preocupe. -Atou-lhe com força o lenço ao redor do braço-. Te deite antes de te deprimir. Começa a parecer um rosto pálido.

     Cobriu-o com uma manta, logo se encaminhou à gaveta onde se guardava a lenha. Quase vazio, notou enquanto o coração lhe pulsava com força. Com mãos trementes arrumou as lascas, logo os lenhos e por fim lhes prendeu fogo.

     O estojo de primeiro socorros de primeiros auxílios estava no armário em cima da pilha da cozinha. Colocou-o sobre a mesa e o abriu para comprovar se estava tudo. Com certo alívio, inclinou-se para abrir o armário debaixo da pilha onde estavam as ataduras e apartou os recipientes com material de limpeza.

     E então lhe revolveu o estômago.

     O cubo que se guardava debaixo da pilha se encontrava em seu lugar exato. Mas estava cheio de trapos e de toalhas endurecidas. E as manchas que os cobriam eram, sem dúvida, de sangue. Sangue velho, pensou, enquanto estendia a mão para tomar o cubo. Era muita sangue para que fosse o resultado de um acidente de cozinha.

     Muita sangre para não ser o produto de uma morte.

     -O que acontece, Will? -perguntou Adam, lutando por sentar-se.

     -Nada. -Fechou a porta do armário-. Um camundongo. Sobressaltou-me. Não posso encontrar ataduras. -antes de voltar-se lutou por apagar o asco que lhe pintava na cara-. Teremos que usar sua camisa.

     Colocou uma caçarola na pilha e a encheu de água morna.

     -Poderia te dizer que isto me vai doer mais a mim que a ti, mas não será assim.

      Colocou a caçarola e o estojo de primeiro socorros ao lado do Adam, logo se dirigiu ao banho em busca de toalhas podas. Encontrou uma, solo uma, e durante um instante se permitiu a debilidade de apoiar a frente contra os azulejos.

     Quando voltou, Adam se tinha levantado e se encontrava lhe bamboleie junto à janela.

     -Que diabos faz? -ladrei ela, empurrando-o de novo para o cama de armar.

     -Ainda não podemos baixar o guarda. Temos que chamar o rancho, Will. -Zumbiam-lhe os ouvidos e sacudiu a cabeça para esclarecê-la-. Lhes avise. Talvez o tipo se dirija para lá.

     -No rancho todo mundo está bem. -Willa retirou o lenço e começou a limpar a ferida-. Chamarei assim que tenha terminado de te curar. E não me discuta. -Adicionou com voz que, a seu pesar, era tremente-. Já sabe que sempre que vejo sangue me sinto mau, e esta é minha primeira ferida de bala. Assim me dê tempo.

     -Está-o fazendo muito bem. Mierda! -vaiou entre dentes-. Isso me doeu.

     -É provável que seja o melhor que te possa passar, não é certo? Parece-me que a bala entrou por aqui, justo debaixo do ombro. -Ignorou sua sensação de náusea-. E saiu por aqui atrás. -Carne rasgada da que ainda emanava o sangue-. Deve ter perdido muito sangue, mas a hemorragia diminui. Não acredito que a bala tenha afetado nenhum osso. Parece-me que não. -Apertou os lábios ao abrir a garrafa de álcool-. Isto te arderá como o demônio.

     -Recorda que os índios são estóicos ante a dor. Deus santo! -Lançou um grito, estremeceu-se e lhe encheram os olhos de lágrimas quando o álcool lhe entrou na ferida.

     -Sim, recordo-o. -Tratou de lançar uma risita, mas mais se pareceu a um soluço-. Vamos! Grita tudo o que queira.

     -Está bem. -A cabeça lhe dava voltas, tinha o estômago revolto. Tinha o corpo coberto de suor frio-. Já gritei. Agora termina o que está fazendo.

     -Deveria te haver dado algo contra a dor. -Willa estava tão pálida como ele e falava com fervuras, para impedir que ambos começassem a gritar. Lhe saltavam as lágrimas-. De todos os modos não sei se aqui temos nada mais forte que a aspirina. E isso seria o mesmo que tratar de apagar o fogo de um bosque com um pouco de pis. A ferida está poda, Adam, pelo menos me parece poda. Agora a cobrirei com este ungüento e lhe enfaixarei isso.

     -Graças a Deus!

     Ambos sofreram até chegar ao final da cura, logo se estudaram mutuamente. Os dois estavam pálidos como mortos e com os rostos talheres de suor. Adam foi o primeiro em sorrir.

     -Acredito que não estivemos do todo mal, considerando que foi a primeira ferida de bala para os dois.

     -Não é necessário que diga a ninguém que chorei.

     -Não é necessário que diga a ninguém que gritei.

     Willa se enxugou a cara suada, logo secou a dele.

     -Trato feito. Agora te deite e eu... -Deixou a frase inconclusa e enterrei a cara contra a perna de seu irmão-. OH, Deus, Adam! Onde está Ben? Já deveria ter chegado.

     -Não se preocupe. -Acariciou-lhe o cabelo, mas não apartava o olhar da porta-. Chegará em qualquer momento. Chamaremos por radio ao rancho para que avisem à polícia.

     -Está bem. -Levantou a cabeça-. Farei-o. Mas fica sentado aqui. Deve recuperar suas forças.

     ficou de pé e se aproximou da rádio, acendeu-a. Não ouviu o zumbido familiar nem se acendeu a luz do aparelho.

     -Está morta -disse, e o tom de sua voz refletia suas palavras. Ao olhá-la com mais atenção, sentiu que lhe detinha o coração-. Alguém arrancou os cabos, Adam. A rádio não funciona.

     Deixou cair o microfone, cruzou a habitação e tomou seu rifle.

     -Toma isto -ordenou, colocando-lhe sobre os joelhos-. Eu usarei o teu.

     -Que diabos está fazendo?

     Willa tomou seu chapéu e voltou a envolver o pescoço com o cachecol.

     -vou procurar ao Ben.

     -Nem o sonhe!

     -vou procurar ao Ben -repetiu-. E você não está em condições de me impedir isso      -Yo también. Me encargaré de los caballos. ¿Quieres ver si hay un poco de whisky por ahí? -Le dio una amistosa palmada en la espalda a Willa y la obligó a volverse hacia la puerta-. Necesito un trago.

     Adam a olhou fixamente, ficou de pé e se sustentou para não cair.

     -É obvio que o estou!

     Era um assunto que devia ser discutido, mas nesse momento ambos escutaram o ruído de cascos sobre a neve. Desarmada, Willa girou para a porta e a abriu. Com o Adam seguindo-a a pouca distância, saiu correndo. Os joelhos não lhe cederam até que Ben desmontou.

     -Onde demônios estiveste? supunha-se que viria em seguida. E já aconteceu quase meia hora.

     -Dava uma volta pelos arredores. Encontrei algumas pisa, mas... Epa! -Esquivou o murro que lhe dirigia à cara, mas não pôde evitar o que Willa lhe pegou na boca do estômago-. Meu deus, Will! Tornaste-te louca? Você... -Voltou a interromper-se quando lhe arrojou os braços ao pescoço-. Mulheres! -murmurou, lhe acariciando o cabelo-. Como está? -perguntou ao Adam.

     -estive melhor.

     -Eu também. Encarregarei-me dos cavalos. Quer ver se houver um pouco de uísque por aí? -Deu-lhe uma amistosa palmada nas costas a Willa e a obrigou a voltar-se para a porta-. Necessito um gole.

    

     O fogo do acampamento situado um pouco ao norte de onde nos emboscaram estava frio. Havia sinais de que alguém esfolou algum animal que caçou. Acredito que devem ter sido três pessoas a cavalo, com um cão. -Aplaudiu a cabeça do Charlie-. Dois dias, talvez três. Deixaram tudo muito recolhido, de maneira que diria que sabiam o que faziam.

     Comeu um bocado do guisado em lata que Willa acabava de esquentar.

     -De todos os modos, havia rastros frescos. Um cavaleiro que se dirigia ao norte. Acredito que esse deve ter sido nosso homem.

     -Disse que nos seguiria em seguida -repetiu Willa.

     -E cheguei, não é certo? Mas antes, Charlie e eu queríamos fazer um percurso. -Depositou sobre o chão os restos do guisado para que o comesse o cão agradecido, e resistiu a esfregar o estômago no lugar onde recebeu o impacto do murro da Willa-. Tal como eu o vejo, o tipo efectúa um par de disparos, e logo se afasta. Não acredito que tenha esperado para ver o que fazíamos.

     -Talvez se tenha estado alojando aqui -interveio Adam-. Mas isso não explica por que inutilizou a rádio.

     -Tampouco explica que tenha tratado de nos matar a balaços -adicionou Ben-. O homem que nos tem preocupados há meses utiliza uma faca, não uma arma de fogo.

     -Fomos três -assinalou Willa e, ao ver que Charlie movia a cauda com entusiasmo, não pôde menos que sorrir-. Quatro -corrigiu-se-. Era mais seguro que nos atacasse com um rifle.

     -É certo. -Ben foi em busca da cafeteira e serve café aos três.

     Willa ficou olhando sua taça, observando o vapor do café quente. Tinham os estômagos cheios e um toque de cafeína no sangue. Era todo o tempo que podiam tomá-los três para recuperar-se.

     -esteve aqui -disse com voz tranqüila. preparou-se para falar com tranqüilidade-. Já sei que a polícia revisou a cabana depois do assassinato dessa garota, e que não encontraram nada que indicasse que a tivesse tido prisioneira aqui. Mas acredito que foi assim. Acredito que a teve cativa aqui mesmo e que a matou aqui. E que depois ele mesmo limpou tudo.

     ficou de pé, encaminhou-se ao armário sob a mesa e tirou o cubo.

     -Acredito que limpou o sangue com estes trapos e que logo voltou a colocar o cubo sob a pilha.

     -me passe esse cubo. -Ben o tirou das mãos e a ajudou a voltar a sentar-se-. Será melhor que o levemos de volta conosco. -Colocou-o junto à lenheira, fora da vista da Willa.

     -Assassinou-a aqui. -Willa pôs especial cuidado em que não lhe tremesse a voz refletindo os acelerados pulsados de seu coração-. Possivelmente a atasse a um desses camas de armar. Violou-a e a matou. Depois limpou tudo para que, se alguém revisava, a cabana parecesse em ordem. Teve que baixá-la a cavalo, possivelmente de noite. Suponho que pôde esconder o cadáver em alguma parte durante umas horas, talvez até durante todo um dia. Depois atirou o que ficava dela nos degraus de entrada da casa. Atirou-a ali com menos cuidado com o que alguém trataria a um cervo morto. -Fechou os olhos-. E cada vez que começo a pensar, a acreditar, a esperar, que tudo isto tenha acabado, volta a começar. Ele volta. E um nem sequer se imagina por que.

     -Talvez não exista um porquê. -Ben se ajoelhou diante dela e tomou as mãos entre as suas-. Willa, temos duas opções. dentro de uma hora terá escurecido. Podemos ficar aqui até manhã ou podemos aproveitar a noite como amparo e voltar em seguida. De qualquer das duas maneiras, significa um risco. De qualquer das duas maneiras, será duro.

      Ela manteve as mãos entre as do Ben e olhou ao Adam.

     -Está em condições de fazer o trajeto a cavalo?

     -Posso montar.

     -Então eu não quero ficar aqui. -Respirou fundo-. Acredito que deveríamos voltar assim que oscurezca.

    

     Era uma noite clara, com apenas um pouco de névoa que se deslizava sobre o chão. Guiava-os a lua do caçador. «A mesma lua -pensou Willa-, que nos ilumina ante qualquer assassino que nos esteja seguindo.» O cão trotava diante, com as orelhas rígidas. Moon vibrava porque Willa lhe transmitia seus nervos.

     Toda sombra era um inimigo potencial, cada murmúrio de um arbusto um sussurro de advertência. O grito de uma coruja, um rápido bato as asas e o grito de algum animal bem caçado e morto com rapidez, já não eram sozinho sons da montanha de noite a não ser avisos da mortalidade.

     As montanhas eram uma beleza, iluminadas pelo resplendor azulado que a lua lançava sobre a neve, as árvores escuras, as rochas erguidas que pareciam desafiar ao céu.

     E eram mortíferas.

     Esse dia ele deveu ter baixado por aqui, pensou Willa, cavalgando para o este com seu troféu pacote à arreios. Não foi isso o que significava a pobre moça para ele? Um troféu. Algo para demonstrar o hábil e inteligente que é. E o desumano.

     estremeceu-se e baixou os ombros para proteger do vento.

     -Está bem?

     Olhou ao Ben. Seus olhos resplandeciam na escuridão como os de um gato. Agudos, observadores.

     -O dia do enterro de meu pai, quando Nate leu o testamento, as condições, acreditei que nunca nada podia chegar a me resultar tão duro, tão doloroso. Acreditei que jamais me sentiria tão impotente, tão incapaz de exercer o controle. Que era quão pior podia me acontecer na vida.

     Suspirou e conduziu com cuidado a seu cavalo pelo talud desigual onde as sombras eram largas e começavam a ver-se partes de terreno. Magros dedos de névoa se abriam como a água.

     -Quando encontrei ao Pickles, quando velo que lhe tinham feito, acreditei que isso era o pior. Não podia haver nada mais horrendo. Mas me equivoquei. E me sigo equivocando porque pelo visto sempre pode haver algo pior.

     -Não permitirei que te aconteça nada. Pode estar segura disso.

     À distância viram o primeiro reflexo de luz que era Mercy.

     -foste um inconsciente hoje, Ben, ao sair a rastrear por sua conta. Disse-te que eu não gosto dos heróis e eu gosto menos de dos parvos. -Açulou a sua égua para acelerar o passo para as luzes.

     -ouviste o que me há dito? -murmurou- Ben ao Adam.

     -Tem razão. -Adam inclinou a cabeça ao ver o sobrecenho franzido do Ben-. Eu não te podia servir de ajuda e ela estava muito ocupada assegurando-se de que não me sangrasse para poder fazer outra coisa. Sair a rastrear por sua conta não ajudou em nada.

     -Em meu lugar, você teria feito o mesmo.

     Era bastante certo.

     -Não estamos falando de mim. Willa chorou.

     Incômodo, Ben se moveu sobre a arreios e olhou a Willa que cavalgava diante deles.

     -OH, diabos!

     -Prometi que não o diria e tivesse guardado o segredo se todas suas lágrimas tivessem sido por mim. Mas muitas foram por ti. Queria sair para te buscar.

     -Bom, isso é uma...

     -Tolice. -Adam terminou a frase, sonriendo-. Teria tratado de impedir-lhe mas não acredito que o tivesse obtido. Talvez convenha que o recorde a próxima vez. -Tratou de desentorpecer seu ombro dolorido-. E haverá uma próxima vez, Ben. Esse homem não terminou.

     -Não, não terminou. -E em silêncio, Ben cortou a distância que o separava da Willa.

    

     A maldita olhe do rifle estava torcida. Uma olhe cara que resultou defeituosa.

     Isso foi o que Jesse se disse enquanto revivia cada instante da emboscada. Tinha que ter sido culpa da olhe, do rifle, do vento. Não foi ele, não foi sua pontaria, não foi sua culpa.

     Só uma maldita má sorte, nada mais.

     Ainda lhe parecia ver a forma em que se encabritava o cavalo desse cretino mestiço ladrão de algemas. Por um minuto acreditou, ah, sim, por um doce instante acreditou ter dado no branco.

     Mas a olhe era defeituosa.

     Além disso, foi um impulso. Não o tinha planejado. De havê-lo planejado em lugar de que simplesmente acontecesse, Wolfchild estaria frio e morto... e talvez McKinnon também. E talvez teria podido lhe provar o gosto a meio irmana do Lily.

     Jesse exalou uma baforada de fumaça, cravou o olhar na escuridão e lançou uma maldição.

     «cedo ou tarde me apresentará outra oportunidade.» asseguraria-se disso.

      E então, não o lamentaria Lily?

    

     Durante uma semana, todas as noites Willa despertava em pleno pesadelo, banhada em suor e com alaridos encerrados na garganta. Sempre era o mesmo sonho: estava nua, com as bonecas atadas. Noite detrás noite lutava por liberar-se, sentia que a soga lhe cravava na carne à medida que ela se retorcia. Cheirava seu próprio sangue que lhe corria pelos braços nus.

     Sempre, no instante antes de despertar, via o brilho de uma faca, esse arco brilhante que riscava o aço ao baixar para cravar-se o no corpo.

     Cada manhã lutava por esquecer, segura de que, igual a um rato, o pesadelo voltaria a ficar em liberdade de noite.

     Os sinais da primavera, esses sinais tempranas e vacilantes deveriam havê-la fascinado. O valente fulgor do açafrão semeado por sua mãe disseminava um colorido esperançado. Cada vez havia mais terra à vista, à medida que a neve se derretia e ficava reduzida a emplastros cada vez mais magros; o balido dos bezerros, o bailoteo do gado que pastava.

     Já chegava a época de arar a terra, de semeá-la e ver nascer as sementes. E o momento em que os álamos e os alerces adquiririam um formoso tom de verde. Os lupinos floresceriam e até cobririam as altas pradarias, junto com os rostos ensolarados dos ranúnculos.

     As montanhas luziriam mais chapeadas que brancas, e os dias voltariam a ser largos e cheios de luz.

     Era inevitável que o inverno voltasse pelo menos uma vez mais. Mas as nevadas da primavera eram distintas; careciam da dureza brutal das de fevereiro. Nesse momento em que o sol sorria fazendo subir a temperatura, era fácil esquecer a rapidez com que o tempo podia voltar a trocar. E fácil valorar cada hora de cada dia brilhante.

     Da janela de seu escritório, Willa via o Lily. Nunca estava longe do Adam, e da noite em que lhe dispararam nas terras altas, poucas vezes se separava de seu lado. Willa a observou manusear o ombro do Adam, como o fazia freqüentemente, para lhe arrumar o tipóia.

     Estava cicatrizando. Não, pensou Willa, estão-se cicatrizando um ao outro.

     Como seria ter a alguém tão dedicado, tão apaixonado, tão cego a tudo o que não fora um? E como seria sentir exatamente isso por outra pessoa?

     Aterrador, pensou, mas talvez valha a pena vencer esse temor e essas dúvidas para experimentar uma emoção tão liberadora. Esse selvagem rodeio de puro sentimento, pura necessidade, devia ser uma viagem fascinante. E ainda mais, compreendeu, além desse momento, a promessa de permanência que se lia com tanta claridade nos rostos do Lily e do Adam cada vez que se olhavam.

     Os pequenos sorrisos secretos, os sinais tão pessoais. Tão deles. Que emoção, pensou, e que segurança deve proporcionar saber que haveria alguém ali, com um, sempre. Ter alguém que pensasse em um em primeiro lugar e no último.

     «É uma parva», disse-se, e se separou da janela. Sonhar acordada assim, quando havia tanto por fazer, tanto em jogo. E ela nunca seria a classe de mulher em quem um homem pensaria antes que em qualquer outra coisa. Nem sequer seu próprio pai pensou nela primeiro.

     Já conseguia admiti-lo, aí, no despacho que ainda conservava tantas coisas dele apanhadas no ar, como um aroma fixado nas fibras do tapete. O nunca pensou primeiro nela, e decididamente tampouco pensou nela ao final.

     E o que era ela? Com deliberação, Willa se sentou na poltrona que seguia sendo dele, apoiou as mãos nos braços de couro onde ele tinha apoiado incontáveis vezes as suas. O que significou para ele? Uma substituta. E em todo caso uma substituta muito pobre, pensou, julgada dos parâmetros do Jack Mercy.

     Não, nem sequer uma substituta, pensou enquanto fechava as mãos e as convertia em punhos. Um troféu, um dos três troféus dos que nem sequer se incomodou em guardar uma lembrança. Algo fácil de descartar e de esquecer, que nem sequer merecia o espaço que podia ocupar uma fotografia sobre o escritório.

     Um troféu que não valia tanto como as cabeças de quão animais matou e logo pendurou das paredes. A fúria, a sensação de ter sido insultada, crescia em seu interior com tanta rapidez, com tanta força, que nem sequer se deu conta do que fazia até que terminou de fazê-lo. Até que se encontrou de pé e tendo arrancado da parede a primeira cabeça com olhos de contas de vidro. O corno esquerdo do cervo de hastes de seis pontas se quebrou ao golpear contra o chão, e o som, parecido ao do disparo de uma arma de fogo, pô-la em movimento.

      -Ao diabo contudo! Ao diabo com ele! Eu não sou um maldito troféu! -subiu ao sofá e atirou da cabeça do carneiro chifrudo que a olhava com olhos ardilosos-. Agora o despacho é meu. -Com um grunhido separou essa cabeça da parede e se dirigiu a seguinte-. Agora o rancho é meu.

     Mais tarde, teria estado disposta a confessar que se voltou um pouco louca. Tiro, empurrou, arrastou as montaduras, uma tarefa macabra essa de despir as paredes dessas cabeças sem corpos, e de romper pregos enquanto lutava para as desembaraçar. Tinha os lábios entreabiertos no rictus de um grunhido, parecido ao do gato montês que lutava por baixar.

     Durante um momento, Tess ficou olhando-a da porta. Seu assombro era tão grande que não pôde fazer muito mais ao ver o montão de cabeças atiradas no chão, e a sua irmã murmurando maldições enquanto lutava por arrancar de seu rincão ao imenso urso cinza.

     Desde não ter sabido que não era assim, Tess teria jurado que Willa estava embarcada em uma batalha a vida ou morte com o urso. Mas como sabia que não era assim, não soube se rir ou fugir.

     Não fez nenhuma das duas coisas, mas sim se tornou atrás o cabelo e se esclareceu garganta.

     -Bravo! Quem tem aberto o zoológico?

     Willa girou sobre si mesmo com a cara decomposta pela fúria, os olhos ardentes de furor. Nesse momento o urso perdeu o equilíbrio e caiu como uma árvore.

     -Basta de troféus! -exclamou Willa, ofegando para recuperar o fôlego-. Não mais troféus nesta casa!

     Era importante não deixar-se levar pela loucura. Para obtê-lo, Tess se apoiou com ar negligente contra o marco da porta.

     -Não posso dizer que alguma vez me tenha gostado da decoração, daqui ou de alguma outra parte do rancho. Não é meu estilo. Mas o que desencadeou esta repentina necessidade de redecorar?

     -Basta de troféus! -repetiu Willa. O desespero acabava de permutar-se em convicção-. Nem eles. Nem nós. me ajude a tirar os daqui. -Deu um passo e estendeu uma mão-. Me ajude a tirar toda esta porcaria da casa.

     Quando chegou a tira de consciência, foi doce. Tess se enrolou as mangas da camisa e avançou com um brilho novo nos olhos.

     -Com muito prazer. E em primeiro lugar, eliminemos ao Smokey.

     Juntas empurraram e arrastaram ao urso embalsamado e rugiente até a porta, logo até o vestíbulo. Estavam na parte superior da escada quando Lily chegou correndo.

     -Por Deus, o que...! Por um momento acreditei... -levou-se uma mão ao coração que lhe pulsava como enlouquecido-. Acreditei que esse animal estava a ponto de lhes devorar vivas.

     -Este já faz muito que se comeu a sua última presa -alcançou a dizer Willa enquanto lutava por aferrar melhor ao urso.

     -O que estão fazendo?

     -Redecorando -anunciou Tess-. Nos ajude com este cretino. É pesado.

     -Não, maldição! -exclamou Willa exalando com força-. Lhes aparte. -Quando os degraus ficaram livres, começou a empurrar -Vamos, me ajudem a empurrar.

     -Muito bem. -Tess simulou que se cuspia as mãos e logo apoiou as costas contra o urso-. Empurra, Lily. Mandemos este monstro ao diabo as três juntas.

     Continuando, o urso se desmoronou pela escada com um ruído ensurdecedor, levantando pó a seu redor, as garras golpeando contra o passamanes. Ante o estrondo, Bess saiu correndo da cozinha, a cara vermelha e empunhando na mão a Berreta 22 que ultimamente acostumava levar no bolso do avental.

     -Deus todo-poderoso! -Ofegante, Bess se golpeou os quadris com as mãos-. O que estão fazendo, garotas? colocastes um urso no vestíbulo!

     -Neste momento se ia -exclamou Tess e começou a rir a gargalhadas.

     -Eu gostaria de saber quem vai limpar toda esta confusão -disse Bess, empurrando o troféu com um pé. Não cabia dúvida de que o considerava tão desagradável morto como vivo.

     -Nós. -Willa se passou as mãos pelos jeans-. Consideraremo-lo uma limpeza geral, das que se fazem na primavera. -Girou sobre seus talões e voltou para despacho.

     Nesse momento, passado o primeiro instante de fúria, compreendeu o que acabava de fazer. O despacho estava semeado de cabeças e de corpos, como vítimas de uma bomba. Os Marcos de madeira dos troféus estavam rachados ou a partes. Um fantasmal olho de vidro a olhava do formoso desenho do tapete.

      -Deus santo! -Respirou fundo um par de vezes-. Deus santo! -repetiu.

     -Não cabe dúvida de que os venceste, companheira -disse Tess, lhe dando um tapinha nas costas-. Não puderam contigo.

     -É... -Lily apertou os lábios-. É horrível, verdade? Realmente horrível. -Teve um acesso de soluço, voltou-se e apertou os lábios com mais força-. Sinto muito. Não me parece gracioso. Não quero rir. -Lutou por conter a risada para o qual cruzou os braços com força sobre seu estômago-. Mas me resulta tão espantoso! Como uma venda de animais selvagens ou algo assim.

     -É odioso. -Tess perdeu o controle que lhe permitia manter a compostura e se partiu de risada-. Odioso e morboso e obsceno Y... OH, Deus! Will, se te tivesse visto como te vi eu quando entrei. Parecia uma louca dançando o tango com um urso embalsamado.

     -Os ódio. Sempre os odiei. -Mas nesse momento ela também estalou em gargalhadas e teve que sentar-se no chão para rir a suas largas.

     E então as três se sentaram no chão, rendo como loucas entre cabeças de animais decapitados.

     -Irão-se todos -decidiu Willa, levando uma mão ao flanco dolorido-. Assim que possa me pôr de pé, tirarei-os todos.

     -Não posso dizer que os terei saudades. -Tess se enxugou os olhos chorosos de risada-. Mas que diabos faremos com eles?

     -queimá-los, enterrá-los, os dar de presente. -Willa se encolheu de ombros-. O que seja.

     Tiraram-nos todos: eleve, antes, cervos, carneiros, urso. Também havia pássaros embalsamados, peixes em vitrines, gargalhadas solitárias. À medida que a pilha frente à casa começava a crescer, os peões se aproximaram para formar um público fascinado e cheio de assombro.

     -Incomodaria-lhes que lhes perguntasse o que estão fazendo? -Como porta-voz não oficial, Jim se adiantou.

     -Limpeza geral da primavera -respondeu Willa-. Crie que Wood poderia pôr em marcha a escavadora para fazer um poço o suficientemente grande para colocar tudo isto clandestinamente e lhes proporcionar um enterro decente?

     -Pensam-nos atirar? -Jim se voltou escandalizado e todos os peões começaram a murmurar. Demoraram pouco em chegar a um acordo. Essa vez Jim se esclareceu garganta antes de falar-. Talvez nós pudéssemos ficar com alguns para ter na casa dos peões e nos arredores. Seria uma pena enterrá-los. Esse cervo ficaria perfeito sobre a chaminé. E o senhor Mercy se orgulhava muito desse urso.

     -Podem ficar com tudo o que queiram -decidiu Willa.

     -Poderia ficar com o gato montês, Will? -perguntou Jim, inclinando-se para admirá-lo-. Agradeceria-o muitíssimo. É uma beleza.

     -Fica com o que queiram -repetiu Willa e meneou a cabeça ao ver que os homens começavam a discutir, a reclamar, a debater.

     -Agora sim que me jogaste isso bem -disse Ham, enquanto os peões lutavam por carregar o urso em um jipe-. vou ter a esse cretino horrível me olhando fixamente todas as manhãs e todas as noites. E além disso, asseguro-te que os peões armazenarão em algum abrigo o que não caiba nas paredes.

     -Estarão melhor ali que em minha casa. -Willa inclinou a cabeça-. Acreditei que esse urso você gostava, Ham. Estava com ele quando o caçou.

     -Sim, estava com ele. Mas isso não quer dizer que tenha que lhe ter afeto. Deus! Billy tome cuidado por favor. Se seguir assim vais romper essa gargalhada. Usarão-a de perchero para pendurar seus chapéus -murmurou enquanto se aproximava de fiscalizar o que estavam fazendo-. Estes estúpidos jeans!

     -Agora todo mundo está contente -disse Tess.

     -Sim. Mas nos falta atacar a biblioteca.

     -Posso te dedicar uma hora. -Tess olhou seu relógio-. Depois terei que ir arrumar me. Tenho uma entrevista.

     Tinha roupa interior nova que acabavam de lhe mandar da rua Vitória. perguntava-se quanto demoraria Nate em tirar-lhe      -Bueno, es algo así como el aniversario de nuestro primer encuentro... de la primera vez que... -Lily se ruborizó y no terminó la frase.

     Não muito, especulou. Apenas uns instantes.

     Deixou que seus pensamentos voltassem a centrar-se na Willa.

     -Esta não é a noite em que você e Ben estão acostumado a ir ao cinema todas as semanas? -perguntou.

     -Acredito que sim.

     -Esta noite, Lily está preparando uma comida especial para o Adam.

     Willa a olhou, distraída.

     -Ah, sim?

     -Bom, é algo assim como o aniversário de nosso primeiro encontro... da primeira vez que... -Lily se ruborizou e não terminou a frase.

     Ela também tinha recebido um pacote da rua Vitória.

     -E é a noite livre do Bess. -Tess se estudou as unhas com ar indiferente. Isso de eliminar troféus não era uma tarefa benéfica para o verniz-. Ouvi dizer que pensa ir ao Ennis, onde passará a noite em casa de seu amiga Maude Wiggins. E como eu penso ficar na do Nate, terá a casa para ti sozinha.

     -Ah, mas não deve ficar sozinha! -interveio Lily-. Eu posso...

     -Lily -conteve-a Tess, elevando os olhos ao céu-. Não estará sozinha a menos que seja incrivelmente lenta ou incrivelmente tola ou simplesmente imbecil. Uma mulher rápida, flexível, apressaria-se a arrumar-se e sugeriria uma velada na casa, sem sair.

     -Ben me acreditaria louca se me vestisse com meus melhores ornamentos e logo lhe sugerisse que ficássemos em casa.

     -O que quer apostar a que não é assim?

     Ante o lento sorriso do Tess, Willa sentiu que seus lábios também se curvavam.

     -Neste momento as coisas são muito complicadas. Tenho muitas preocupações para pensar na possibilidade de uma luta corpo a corpo com o Ben.

     -E quando não há preocupações e complicações? -Tess tomou o braço da Willa e a fez voltar-se para olhá-la aos olhos-. Quê-lo sim ou não?

     Willa pensou na emoção interior que tinha sentido durante todo o dia. E tudo por pensar no Ben.

     -Sim.

     Tess assentiu.

     -Agora?

     -Sim. -Willa exalou ar que não tinha consciência de estar retendo-. Agora.

     -Então deixa para amanhã o resto da limpeza geral. Lily e eu não demoraremos mais de meia hora em encontrar algo medianamente atrativo em seu armário embutido.

     -Não disse que queria que voltasse a me disfarçar.

     -Será um prazer para nós. -Com a mente fixa em sua missão, Tess atirou da Willa e a fez entrar na casa-. Não é certo, Lily? Aonde vai?

     -Velas -gritou Lily enquanto cruzava o caminho correndo-. Willa não tem muitos velas em seu quarto. Em seguida volto.

     -Velas -repetiu Willa, arrastando os pés-. Roupa elegante, simular que não quero ir ao cinema, vela em meu dormitório. Tenho a sensação de lhe estar preparando uma armadilha.

     -É obvio que a tem, porque é exatamente o que vais fazer.

     Ao chegar à porta do dormitório da Willa, Tess se deteve e pôs os braços em jarras. Para que a cena esteja bem preparada aqui há muito que fazer, decidiu.

     -E posso te garantir que não só adorará que o apanhe, mas sim o agradecerá.

    

     Sinto-me como uma idiota.

     -Não o parece. -Tess inclinou a cabeça e estudou a Willa de pés a cabeça.

     Sim, o penteado em alto era um detalhe excelente, idéia do Lily. Com apenas algumas forquilhas que a sustentavam, essa massa de cabelo cairia em seguida ante o impaciente manuseio masculino.

     Depois estava o vestido comprido... singelo, de saia ampla, com a cintura logo que marcada. É uma pena que não seja branco, pensou Tess, mas no roupeiro limitado da Willa não encontraram nenhum vestido branco e comprido. E esse cinza pálido era relaxante, quase modesto. Solo que Tess tinha deixado a larga fileira de botões do frente desabotoados até a altura das coxas.

     Os pendentes pequenos que adornaram as orelhas da Willa eram outra contribuição do Lily. Tess se encarregou de maquiá-la e sabia que para a Willa era um alívio que lhe tivesse aplicado uma maquiagem suave. Mas não acreditava que Willa conhecesse o poder da inocência.

     -Tem o aspecto de uma virgem a ponto de ser sacrificada -decidiu Tess por fim.

     Willa levantou os olhos ao céu.

     -OH, Deus!

     -É algo bom. -Com um gesto de mulher a mulher, aplaudiu a bochecha da Willa-. Destruirá-o.

     E então chegou a culpa. «!Terei precipitado este momento? -perguntou-se Tess-. Terei-o tramado tudo antes de que Willa esteja preparada?» Era fácil esquecer que Willa era seis anos menor que ela. E virgem.

     -Escuta... -Tess se deu conta de que se estava retorcendo as mãos e as deixou cair aos flancos do corpo-. Está segura de te sentir preparada para isto? É um passo natural, mas é também um passo importante. Se não estar absolutamente segura, Nate e eu ficaremos. Converteremo-lo em uma entrevista dobro e assim as coisas serão singelas. Porque...

     -Está mais nervosa que eu. -Como isso era uma surpresa e uma doce surpresa, Willa sorriu.

     -É obvio que não! É sozinho que... diabos!

     Tess acabava de descobrir que a sentimental não era sozinho Lily que se foi meia hora antes, com os olhos cheios de lágrimas. Willa abriu os olhos surpreendida quando Tess se inclinou para ela e a beijou com suavidade em ambas as bochechas.

     Emocionada até o absurdo, Willa sentiu um comichão no estômago e se ruborizou isso para que foi?

     -Sinto-me igual a uma mamãe. -E em qualquer momento começaria a chorar, de maneira que girou sobre os talões e se encaminhou à porta-. Hei posto preservativos na gaveta de seu mesita de noite. Utiliza-os.

     -Por amor de Deus! Ben acreditará que sou...

     -Uma mulher preparada, inteligente, consciente de si mesmo. Maldita seja! -Para ouvir o som do motor de um jipe que se detinha frente à porta da rua, Tess se deu por vencida. Voltou sobre seus passos e abraçou a Willa com força-. Veremo-nos amanhã -conseguiu dizer antes de sair correndo.

     Com um enorme sorriso, Willa permaneceu onde estava. Ouviu a voz do Tess e a do Nate, que a esperava abaixo. Depois ouviu que se voltava a abrir a porta e a saudação amistosa do Ben. Lhe voltou a formar um nó na boca do estômago, tão forte que teve que sentar-se no bordo da cama e apertar-lhe com ambas as mãos. A conversação cessou e a porta voltou a abrir-se e fechar-se de novo. ficou em marcha um carro.

     Estava sozinha com o Ben.

     recordou-se que ainda estava a tempo de trocar de idéia. Não tinha nenhuma obrigação. Tocaria de ouvido. obrigou-se a ficar de pé. A partir desse mesmo momento, improvisaria.

     Ben estava no salão, estudando a pedra branca que havia sobre o suporte da chaminé.

     -Eu tirei esse quadro -disse ela e Ben se voltou e a estudou-. Tiramo-lo hoje entre as três -corrigiu-se-. Tess, Lily e eu. Ainda não decidimos o que poremos em lugar de seu retrato, de maneira que durante um tempo deixaremos este espaço vazio.

     «Assim desprendeu o retrato do Jack Mercy», pensou Ben. Pelo tom de voz da Willa sabia que ela compreendia a importância do passo que acabava de dar.

     -O quarto parece distinto, trocado -comentou-. Era o que atraía todas as olhadas.

     -Sim, essa foi a idéia.

     Ben se adiantou, logo se deteve.

     -Está estupenda, Will. Distinta.

     -Sinto-me distinta. Fenomenal. -Sorriu-. E você, como está?

     Ele se sentia bem antes de voltar-se e vê-la nesse vestido comprido cor de névoa, com a saia ampla e desabotoada para deixar suas pernas ao descoberto. Esse pescoço magro que revelava o penteado em alto. Willa parecia muito suave, muito acariciable, muito tudo.

     -Magnificamente. Igual. Por seu aspecto acredito que te deveria levar a um lugar mais elegante que um cinema.

     -Lily e Tess se divertem revisando meu armário e me criticando a roupa. Disseram-me que este vestido é o único decente que tenho. -levantou-se apenas a saia e a pressão sangüínea do Ben subiu quando o material desabotoado deixou à vista uma maior proporção de perna-. Ameaçam me levando de compras.

     «Não siga dizendo estupidezes», ordenou-se, colocando-se atrás do bar.

     -Quer uma taça?

     -Tenho que conduzir.

     -Em realidade, estava pensando que poderíamos ficar aqui. -Bom, acabava de obtê-lo.

     -Aqui?

     -Sim, agora já não são muitas as vezes que tenho a casa para mim sozinha. Esta noite Bess fica em casa de uma amiga e Tess e Lily estão.., bom.

     -Não há ninguém na casa? -perguntou Ben com incredulidade. Lhe formou um nó na garganta, um nó impossível de tragar.

     -Não, não há ninguém na casa. -Abriu a geladeira que havia atrás do bar e encontrou a garrafa de champanha que Tess lhe ordenou que devia servir-. Assim pensei que poderíamos simplesmente... ficar aqui, nos relaxar. -A garrafa ressonou contra a madeira do bar sobre o que a apoio-. Se queremos ver um filme, Tess tem uma mala cheia de vídeos, e na cozinha há comida.

      Como ele não deu amostras de pensar fazê-lo, Willa começou a desarrolhar a garrafa.

     -A menos que você prefira sair.

     -Não. -Fixou o olhar na garrafa no momento em que ela a desarrolhava-. Estamos celebrando algo?

     -Sim. -Se pudesse agarrar as taças! Mas os dedos não lhe respondiam-. A primavera. Hoje vi flores silvestres e os bulbos estão começando a crescer. Os pássaros voltam a fazer seus ninhos no estábulo de partos. -Por fim pôde lhe acontecer uma taça-. Logo começaremos a inseminar vacas.

     Nos lábios do Ben se insinuou um muito leve sorriso.

     -Sim, é a época indicada.

     -OH, ao diabo com isto! -murmurou ela e em seguida bebeu todo o champanha de sua taça em dois goles-. Não sirvo para os jueguecitos. De todos os modos, isto foi idéia do Tess e do Lily. -Depositou sobre o bar sua taça vazia e o olhou aos olhos-. O assunto é, Ben, que estou preparada.

     -Bom. -Desconcertado, bebeu um sorvo de champanha-. Quer dizer que, depois de tudo, prefere sair?

     -Não, não! -apertou-se os dedos contra os olhos e respirou fundo-. Estou lista para me deitar contigo.

     Ben sentiu que se afogava, mas conseguiu respirar.

     -Perdão?

     -Para que seguir com rodeios? -Abandonou o amparo que lhe oferecia o bar-. Você quer que me deite contigo, e estou preparada. De modo que te proponho que nos deitemos.

     Ben bebeu outro sorvo de champanha... um engano posto que cada borbulha lhe provocou um ardor na garganta.

     -Assim, simplesmente?

     O tom horrorizado do Ben a deixou petrificada, E se ele não fazia mais que lhe dar corda, como tinha feito sempre, da infância?

     Nesse caso, pensou, Ben terá que morrer.

     -É o que me disse que queria -disse-lhe, cortante-. Então?

     -Então. -Sempre lhe tinha ganho com seu olhar cheia de irritação e com sua impaciência. Obtinha que queria mordê-la... em toda classe de lugares interessantes. Mas Willa está modificando o jogo. As regras do jogo, pensou-. De maneira que é «agora estou preparada, assim vamos de uma vez»?

     -E isso o que tem de mau? -encolheu-se de ombros-. A menos que tenha trocado de idéia.

     -Não penso trocar de idéia. Não é uma questão de trocar de idéia. É... Deus, Will! -Depositou a taça sobre o bar porque temia derrubar seu conteúdo e ficar como um parvo-. Surpreendeste-me.

     -Ah! -A confusão desapareceu de seus olhos e em sua boca se pintou um sorriso-. Isso é tudo?

     -E o que esperava? -replicou ele, cheio de frustração masculina-. Fica aí, resplandecente, me cheias de champanha e diz que quer te deitar comigo. Como crie que vou conservar meu ritmo?

     Talvez o que ele diz seja sensato, pensou Willa, embora não o compreendo bem. Mas adorou ver o Ben confuso e inquieto, de maneira que lhe daria o gosto.

     -Muito bem. -Lhe aproximou e jogou os braços ao pescoço-. Vejamos se consegue recuperar seu ritmo. -E apertou os lábios com força sobre os dele.

     A reação do Ben foi imediata e satisfatória. A maneira em que levantou os braços e a rodeou com eles, sua forma de lhe devorar os lábios com a boca, sua respiração agitada e ofegante. E logo, quando seus lábios foram mais suaves, o modo em que pronunciou seu nome.

     -Sua atitude me parece bastante segura. -Nesse momento a voz da Willa era tremente. Os músculos de suas coxas vibravam como cordas de harpa-. Desejo-te, Ben. Realmente te desejo. -Demonstrou-o voltando a apoiar a boca contra a dele e logo lhe cobrindo a cara de beijos-. Não é necessário que vamos acima. O sofá.

     -Espera. Mais devagar, antes de que te arranque o vestido e o arruíne, mais devagar -repetiu, abraçando-a antes de que sua cabeça ficasse sem sangue-. Y0 devo voltar a me apoiar sobre meus pés, e você tem que estar segura. Resultaria-me muito difícil retroceder se chegasse a trocar de idéia.

     Com uma gargalhada, ela se ergueu e lhe rodeou a cintura com suas pernas.

     -Parece-te que vou trocar de idéia?

     -Não, suponho que não. -Mas se chegasse a fazê-lo seria ele quem teria que conter-se. Pensou que era uma possibilidade capaz de matá-lo-. Desejo-te, Willa -disse lhe beijando os lábios com suavidade-. Realmente te desejo.

     O coração da Willa lhe deu uma espécie de volta de carneiro dentro do peito.

     -Sonha como um trato.

     -Vamos -conseguiu dizer Ben apesar de que ela se aferrava a ele com força e começava a lhe mordiscar o queixo. A primeira vez deve ser na cama.

     -A tua foi em uma cama?

     -Em realidade, não. -Chegou à escada e se perguntou como não teria notado nunca quão larga era-. Foi em pleno inverno e quase me congela o... bom, não importa.

     Ela lançou uma risita e lhe mordiscou o pescoço.

     -Isto será melhor, não crie?

     -Sim.

     Para ele, sem dúvida. Para ela.., faria todo o possível para que também o fora. deteve-se como petrificado ante a porta do dormitório. Não sabia com segurança a quantas surpresas mais conseguiria sobreviver em uma só noite.

     Por toda parte ardiam velas e o fogo era apenas um reflexo de brasas. A cama estava aberta, lhe convidem, com dúzias de travesseiros.

     -Obra do Tess e do Lily -explicou Willa-. Realmente se esmeraram.

     -Ah! -Não há nada como a cenografia, pensou Ben, com os nervos em carne viva-. E elas lhe... quer dizer, alguém te falou a respeito de... estas coisas?

     -McKinnon! -Willa se tornou atrás para olhá-lo-. Estou à frente de um rancho.

     -Não é o mesmo. -Depositou-a no chão e retrocedeu um passo-. Escuta, Willa, de algum jeito esta é também uma espécie de primeira vez para mim. Eu nunca hei... as outras não eram... -Teve que fechar um instante os olhos para poder pensar com claridade-. Não quero te machucar. E eu, bom, faz bastante que não me deito com ninguém. Pus meus olhos em ti faz quase um ano, e após não me deitei com nenhuma outra.

     -Sério? -Isso era interessante-. por que?

     Ben suspirou e se sentou sobre o bordo da cama.

     -Devo me tirar as botas.

     -Ajudarei-te. -Deu-lhe as costas com rapidez, tomou um dos pés do Ben e o colocou entre suas pernas. O deveu conter um gemido-. Um ano? -perguntou Willa, olhando-o por cima do ombro enquanto tironeaba da bota.

     -Talvez mais. -Lutando para que lhe resultasse divertido, apoiou um pé contra as nádegas da Willa e empurrou.

     -Nunca foi muito agradável comigo. -Tomou o outro pé e atirou da bota.

     -Aterrorizava-me.

     Quando a bota saiu ela deu um tropeção para diante, logo se voltou, sem soltar a bota.

     -Sério?

     -Sim. -Irritado consigo mesmo, passou-se uma mão pelo cabelo-. E não penso dizer nada mais sobre o assunto.

     Supôs que bastava pensando-o.

     -Ah, tinha-me esquecido! -aproximou-se pressurosa a uma mesa junto à janela e pôs em marcha o compact disc do Tess. Música -explicou-. Tess diz que é indispensável.

     Ben não alcançava para ouvir mais que os batimentos do coração de seu próprio coração. O cabelo da Willa começava a cair levemente sobre seus ombros, e cada vez que se movia a luz do fogo iluminava essa saia larga e quase transparente.

     -Acredito que assim está bem. A menos que te pareça que devamos subir o champanha.

     -Não, não faz falta. -Lhe voltava a fechar a garganta, com um estalo como o da armadilha para ursos-. Mais tarde.

     -De acordo.

     Willa levantou as mãos e começou a desabotoar os botões do vestido, enquanto Ben a olhava com a boca aberta. Já tinha conseguido desabotoar seis antes de que ele pudesse falar.

     -Espera. Devagar. Se pensa te deitar com um homem, deve te fazer valer.

     -Ah, sim? -Ela se deteve, intrigada, e notou que o olhar do Ben não se separava de seus dedos. Logo voltou a começar-. Não me pus nada debaixo do vestido -disse como se fora um comentário casual-. Tess disse algo a respeito de impacto e contraste.

     -Ai, Meu deus! -Não soube com segurança como conseguiu ficar de pé quando não sentia as pernas. Mas se aproximou da Willa-. Não lhe tire isso. -Tinha a voz muito rouca e, para ouvi-la, os dedos da Willa se detiveram, trementes-. Deixa que eu termine de fazê-lo.

     -Está bem. -Era estranho como lhe pesavam os braços. Deixou-os cair aos flancos do corpo enquanto Ben desabotoava o resto do vestido. O contato de seus nódulos contra a pele lhe produzia uma sensação maravilhosa. Não deveria me estar olhando, ou algo assim?

      Uma gargalhada, embora fora débil, aplacava algo os nervos.

     -Já chegar a isso. -O vestido já estava de tudo aberto e as luzes e as sombras jogavam sobre essa linha de formosa carne nua-. Fique aí de pé -disse em voz baixa depois de beijá-la com suavidade-. É capaz de fazê-lo?

     -Sim. Mas em qualquer momento começarão a entrechocarse meus joelhos.

     -Fique aí, quieta -repetiu Ben, enquanto se tirava a camisa sem apartar a boca da da Willa-. Deixa que tome o gosto durante um momento. Aqui. -Passou-lhe os lábios pelo queixo-. Aqui. -Deslizou-os até uma orelha-. Pode confiar em mim.

     -Já sei. -Nesse momento lhe pesavam os olhos, sentia que as pálpebras lhe fechavam enquanto a boca do Ben brincava com a sua-. Cada vez que me remói assim os lábios, fico sem fôlego.

     -Quer que pare?

     -Não, eu gosto -disse-o com tom sonhador-. Mais tarde posso respirar.

     O atirou a camisa ao chão.

     -Quero verte, Willa. me deixe te olhar.

     Com lentidão, deslizou-lhe o vestido dos ombros e o deixou cair ao chão. Era alta e magra, com curvas sutis e ângulos fortes, e sua pele resplandecia dourada à luz das velas.

     -É formosa.

     Willa teve que fazer um esforço para não elevar as mãos e cobrir-se. Ninguém lhe havia dito isso jamais. Nenhuma só vez na vida.

     -Sempre disse que era fraca e ossuda.

     -Formosa. -Colocou-lhe uma mão na nuca e a atraiu para si com suavidade. Introduziu-lhe os dedos no cabelo e a cabeleira da Willa caiu sobre seus ombros. Ben experimentou o peso dessa cabeleira levantando-a e deixando-a cair de novo, enquanto lhe beijava os lábios com suavidade-. Desde que foi uma menina, sempre quis jogar com seu cabelo.

     -Atirava-me dele.

     -É o que fazem os meninos quando querem que as garotas lhes emprestem atenção. -Tomou entre as mãos, o tironeó e a obrigou a jogar a cabeça para trás-. Mmmm. -Saboreou o pescoço da Willa e lhe mordiscou perezosamente o lugar onde lhe pulsava o pulso-. Está-me emprestando atenção?

     -Sim. -Tremia, não podia deter seus tremores-. Pelo menos trato de fazê-lo, mas estou como enjoada. Sinto tantas coisas estranhas em meu interior!

     -Quero estar dentro de ti. -Para ouvi-lo ela abriu os olhos como pratos e neles Ben não só viu nervos a não ser uma gloriosa necessidade-. Mas antes devem acontecer outras coisas. Quero te acariciar.

     Deslizou uma mão por volta de um de seus peitos, rodeou-o com a gema dos dedos e lhe provocou um gemido ao lhe acariciar o mamilo com o polegar. Ela sentiu uma imediata resposta em seu interior. Um eco de surpresa e de prazer. Depois Ben baixou a mão, percorreu-lhe o quadril e dirigiu com suavidade os dedos para o centro de sensações da Willa, acariciando, despertando e logo retirando a mão.

     Ela o olhava fixamente com olhos enormes. Apoiou-lhe as mãos sobre os ombros para recuperar o equilíbrio e encontrou uma pele suave, músculos fortes, uma antiga cicatriz. Afundou os dedos nesses ombros enquanto tentava absorver e analisar a sensação que lhe provocavam essas mãos calosas que a acariciavam.

     Não esperava isso. Acreditou que seria um assunto rápido, cheio de grunhidos e de gritos. Como ia adivinhar que junto com a paixão haveria ternura? E a paixão era imensa.

     -Ben?

     -Humm?

     -Não acredito que possa seguir de pé.

     Os lábios dele se curvaram em um sorriso contra seus ombros.

     -Um minuto mais. Ainda não terminei.

     De modo que isso era despertar, converter a uma moça em mulher. Saber que as mãos de um eram as primeiras em acariciá-la. Saber que alguém era o primeiro em provocar esse rubor na pele, essa debilidade nas pernas, esse tremor nos músculos. Era capaz de ser cuidadoso com ela, seria-o, apesar de que sua mesma inocência o fazia bulir o sangue.

     Essa vez, quando ela fechou os olhos, ela elevou e a depositou sobre a cama.

     -Você ainda não te tiraste as calças.

     Ben a cobriu para permitir que se acostumasse a seu peso.

     -Será melhor para os dois que os conserve postos durante um momento.

     -Bom. -As mãos do Ben voltavam a lhe percorrer o corpo e ela começava a flutuar-. Tess... na gaveta... deixou preservativos.

     -Eu me encarregarei disso. te deixe levar, Will. -Depositou múltiplos beijos em seu pescoço-. Te deixe levar por completo. E, com um estremecimento, tomou o fôlego da Willa em sua boca.

     Ela se arqueou, o fôlego lhe explorou entre os lábios. As sensações lhe percorriam o corpo, ardorosas, quentes, impulsionando-a a seguir com os quadris o ritmo que ele estabelecia. Ben a mordeu com delicadeza, mas a sensação não se parecia em nada à dor. Willa lhe aferrava o cabelo, incitando-o a alimentar-se dela.

      Ben a ouviu suspirar, ofegar e murmurar. A resposta da Willa a cada contato era tão livre e aberta como qualquer homem poderia desejar. Sob o seu, seu corpo era ágil, flexível um instante, tenso ao seguinte. O sabor da Willa o enchia, ameaçava voltando-o louco se não se detinha, se não tomava mais. Seu aroma de sabão e pele, excitava-o mais que qualquer perfume. Voltou a apoderar-se de sua boca, necessitava-a com tanta força como precisava respirar. A língua da Willa se enredou com a seu em um baile ávido. Em alguma parte, no trasfondo de sua mente, Ben escutava o ritmo silencioso da música.

     Passou-lhe uma mão ao longo de uma perna e se deteve justo ao chegar ao centro de seu ardor, retirou-a. Ela respirava com rapidez e lhe afundava as unhas no corpo.

     -me olhe. -Mas no momento em que ela arqueava o corpo, ele voltou a retirar a mão-. Me olhe. Quero verte os olhos a primeira vez. Quero ver o que te provoca.

     -Não posso. -Mas tinha os olhos abertos, grandes, cegos. Tinha o corpo ao bordo de algo, como um precipício muito alto onde o vento a empurrava e a atraía de uma vez-. Necessito...

     -Já sei. -Deus, essa voz! Puramente sexual. E nesse momento mais rouca que nunca, tremente, com pequenos ofegos-. Mas me olhe. -Tomou a cara entre as mãos e viu que seus olhos se obscureciam de paixão e de medo.

     «A primeira vez», pensou Ben.

     -te deixe levar.

     Que alternativa ficava? Os dedos do Ben a acariciavam até o ponto de lhe provocar uma explosão e tudo acontecia ao mesmo tempo. O corpo lhe pôs tenso como um punho. diante de seus olhos giravam luzes, ao ritmo do rugido que ressonava dentro de sua cabeça que era o frenético pulsar de seu coração.

     E esse prazer era parecido à dor, uma erupção que a fez gritar de indefensión, enquanto o corpo lhe sacudia, estremecia-se, depois ficava flácido.

     Tinha a pele coberta de suor, os lábios suaves e rendidos quando ele voltou a buscá-los. Sua debilidade dava lugar a uma nova energia quando, com paciência, Ben voltava a pô-la frenética. Estava sobrecarregada, aturdida, em um redemoinho, a ponto de explorar para dentro. balançou-se contra Ben com um ritmo selvagem, ansiosa de mais. E ele o deu até que voltou a ficar flácida, com o corpo ainda reagindo vibrante, com a respiração lenta e espessa.

     Quando ele rodou e se colocou a seu lado, ela nem sequer pôde protestar, mas sim permaneceu imóvel em meio dos lençóis enredados e quentes.

     Ben rogou que não fora a equivocar-se nesse momento, mas as mãos lhe tremiam quando se baixou o fechamento dos jeans. Queria que estivesse saciada e satisfeita antes de tomá-la, queria que recordasse o prazer se ele era incapaz de lhe evitar a dor.

     -Sinto-me como bêbada -murmurou ela-. Como se me estivesse afogando.

     Ben conhecia a sensação. O sangue entoava o canto das sereias dentro de sua cabeça, e seu entrepierna uivava pedindo alívio. tirou-se os jeans e os apartou antes de recordar o que levava no bolso, metido dentro da carteira.

     Benzendo ao Tess em seu interior, abriu a gaveta da mesita.

     -Não fique dormida -suplicou-lhe para ouvi-la suspirar-. Por amor de Deus, não fique dormida!

     -Humm. -Mas esse estado de relaxamento e de sentir que flutuava no ar era quase tão agradável como ficar dormida. Se desperezó e a luz das velas bailoteó sobre seu corpo em tons dourados, vermelhos e âmbar. Ben separou dela o olhar e terminou com o assunto que tinha entre mãos-. vais voltar a me acariciar?

     -Sim. -Devia controlar seus nervos. A fome era algo que podia manter encadeado, mas os nervos lhe contraíam o estômago quando voltou a montar-se sobre ela-. Necessito-te. -Não era algo fácil de admitir, nem era o mesmo que desejá-la, mas lhe entregou essa admissão enquanto sua boca se fechava sobre a dela-. Me deixe te possuir, Willa. te aferre a mim e me deixe te possuir.

     E ela o abraçou enquanto ele se deslizava em seu interior.

     Teve que pôr em jogo todo seu controle para não afundar-se nela com desespero. Enquanto lutava por ir devagar, fechou os punhos aos lados do corpo e observou a cara da Willa. Observou-a com tanta intensidade, tão de perto, que percebeu esses pequenos aleteos de surpresa, de aceitação e, por fim, essa formosa expressão de escuro prazer.

     -Ah, é maravilhoso! -disse-o em um suspiro enquanto ele se afundava dentro dela-. Maravilhoso.

      Entregou sua inocência sem lamentá-lo, com um sorriso nos lábios enquanto o observava em cada embate lento e suave. Nos olhos do Ben viu a necessidade da que ele falou, essa necessidade que se fixava sozinho nela, completamente nela. E quando o olhou mais fundo, viu-se refletida nos olhos do Ben, perdeu-se neles.

     E isto é a beleza, pensou Willa quando ele por fim enterrou a cara em seu cabelo e se jazeu em seu interior.

    

     -Não sabia que seria assim. -Ainda debaixo dele, ainda unidos, Willa brincou preguiçosa com o cabelo do Ben-. De havê-lo sabido talvez teria estado lista antes.

     -Eu diria que o momento foi perfeito. -Já estava cheio de fantasias. Derramar champanha sobre o formoso corpo dourado e lambê-lo. Gota a gota.

     -Sempre acreditei que a gente lhe dava muita importância ao sexo. Acredito que troquei que opinião.

     -Isto não foi sexo. -Voltou a cabeça e lhe mordiscou a têmpora-. Alguma outra vez teremos sexo. Isto foi fazer o amor.

     Ela levantou os braços e logo os baixou para poder lhe acariciar as nádegas.

     -Qual é a diferença?

     Ben seguia bastante excitado e compreendeu que não lhe custaria muito voltar a está-lo de tudo.

     -Quer que lhe demonstre isso? -Levantou a cabeça e lhe sorriu.

     -Agora mesmo?

     Ela lançou uma risita e, como se sentia sentimental, acariciou-lhe a bochecha.

     -Até o touro necessita um tempo para recuperar-se.

     -Eu não sou um touro. Fique onde está.

     -Aonde vai?

     «OH, Deus! -pensou-, não me tomei o tempo necessário para lhe olhar bem o corpo. Era... por educação.»

     -Em seguida volto -respondeu Ben e saiu sem preocupar-se com os jeans.

     Willa, se desperezó de novo, logo se voltou para ficar rodeada de travesseiros, como em um berço. Pelo visto a noite ainda não tinha terminado. Com ânimo de experimentar, apoiou uma mão sobre seu peito. Nesse momento o coração lhe pulsava pausadamente, a um ritmo normal, muito distinto ao que tinha quando Ben a acariciava nesse mesmo lugar. É uma sensação estranha, pensou, essa de que um homem te chupe, que te devore o peito. E experimentar esses puxões no ventre...

     Tudo o que Ben lhe fez obteve que seu corpo se sentisse diferente... mais tenso, logo mais lasso, mais leve, depois mais pesado.

     perguntou-se se seu aspecto teria trocado... para si mesmo, para ele. Não cabia dúvida de que se sentia distinta.

     depois de sofrer tanto dor, tantas angústias e medos durante os últimos meses, acabava de encontrar um oásis. De noite, embora só fora por essa noite, não existia mais que esse quarto. Fora desse quarto nada importava. Não, nem sequer o crime. negava-se a deixar entrar a realidade.

     O dia seguinte viria muito logo para reatar as preocupações, o medo disso que acossava seu rancho, suas montanhas, suas terras. Solo por essa noite podia não ser mais que uma mulher. Uma mulher, decidiu, que por essa única vez estaria de acordo com permitir que um homem levasse as rédeas.

     De maneira que quando ele voltou, Willa sorria. E durante um instante não fez mais que olhá-lo.

     Já o tinha visto infinidade de vezes sem camisa, e conhecia esses ombros largos e essas costas forte. E um dia memorável descobriu ao Ben, Adam e Zack banhando-se no rio sem roupa, de maneira que o havia visto nu.

     Mas então tinha doze anos e já não pensava como uma menina de doze anos. E tampouco estava olhando a um adolescente, a não ser a um homem. Um homem poderoso. Um homem que lhe provocava uma reação maravilhosa no estômago.

     -Não está nada mal, nu -disse, conversadora.

     Ben deixou de servir as taças que acabava de levar a quarto e se voltou para olhá-la fixamente.

     -Você tampouco está nada mal.

     Em realidade estava fascinante e assombrosa, tendida sobre os lençóis enrugados e sem um só sotaque de modéstia. O cabelo lhe caía sobre os ombros, os olhos brilhavam à luz das velas e, com uma mão apoiada sobre o ventre, levava distraída o ritmo da música com os dedos.

     -Asseguro-te que não parece uma noviça -adicionou Ben.

     -Aprendo com rapidez.

     Nesse momento o sorriso dele foi lenta, perigosa.

     -Conto com isso.

     -Sim? -adorava os desafios-. E o que tem ali, McKinnon?

     -Seu champanha. -Apoiou a garrafa sobre a cômoda onde titilavam as velas-. Bebe um pouco. -A taça que lhe alcançou estava enche até o bordo-. Talvez convenha que esteja um pouco bêbada para isto.

     -Sério? -Seu sorriso se fez mais ampla, mas se encolheu de ombros e bebeu-. E você não bebe?

     -Depois.

     Willa lançou uma risita e voltou a beber.

     -depois do que?

     -depois de que te possua. Porque isso é o que vou fazer esta vez. -Passou-lhe um dedo do pescoço até o ventre tremente-. vou possuir te. E me permitirá isso.

     O fôlego lhe cravou nos pulmões e Willa teve que fazer um esforço para soltá-lo. Nesse momento Ben não parecia tenro nem turbado. Agora tinha os olhos muito escuros, muito verdes, cravados nela. Parecia cruel. Excitante.

     -Você crie?

     -Sim. -Notou que no pescoço dela começava a lhe pulsar o pulso-. Não será lento, mas demorará muito tempo. Bebe todo o champanha, Willa. Eu o provarei em ti.

     -Está tratando de me pôr nervosa?

     Ben subiu à cama, montou-a e viu sua expressão de surpresa.

     -Querida, vou fazer te enlouquecer. -Tomou a taça, colocou um dedo dentro e logo o passou sobre um mamilo-. Farei-te gritar. Sim. -Assentiu com lentidão e repetiu o processo sobre o outro mamilo-. Deveria ter medo. Em realidade, eu gostaria que esta vez tivesse um poquito de medo.

     Derrubou as últimas gotas de champanha sobre o ventre da Willa, depois apartou a taça.

     -Farei-te coisas que nem sequer imagina. Coisas que faz muito estou desejando te fazer.

     Willa tragou com força enquanto um novo e fascinante calafrio lhe percorria a coluna vertebral.

     -Acredito que tenho medo. -estremeceu-se-. Mas faz as de todas maneiras.

    

     Quando chegava abril e com esse mês a época dos serviços, não resultava fácil localizar a Willa. Do ponto de vista do Tess, tudo se referia a serviços, tanto de animais como de seres humanos. Desde não ter sabido que era impossível, teria jurado que descobriu ao Ham flertando com o Bess. Mas supôs que mas bem devia estar tratando de conseguir que lhe desse de presente um bolo.

     O jovem Billy estava profundamente apaixonado por uma garota bonita que era cajera de um restaurante do Ennis. Sua anterior relação com a Mary Anne terminou, deixando-o com o coração destroçado durante ao redor de quinze minutos.

     Por sua maneira de proceder e de mover-se, Tess se deu conta de que agora se sentia um homem de mundo.

     Jim festejava a uma garçonete, e até o Nell e Wood, depois de tanto tempo de casados, intercambiavam piscadas e sorrisos.

     Sem nada que quebrasse a paz e o ambiente pastoril, todo mundo parecia disposto a cair em uma rotina de trabalho, flertes e sexo alegre.

     Estava Lily, é obvio, em plenos preparativos para suas bodas. E quando Willa ficava quieta um momento, lhe notava um sorriso tolo nos lábios.

     Tess tinha a impressão de que as vacas tratavam de seguir o ritmo dos humanos. Embora lhe resultava difícil encontrar algo romântico no fato de que um homem injetasse esperma em uma vaca.

     Com sinceridade duvidava que o touro estivesse tampouco satisfeito com o acerto, mas lhe permitia montar algumas vaga, solo para mantê-lo contente. E a primeira vez que Tess foi testemunha de um serviço, o impacto que recebeu foi tão forte que jurou que seria a última. negou-se a acreditar que a apaixonada por touro mugisse por fascinação sexual.

      Também tinha observado ao Nate e seu ajudante fazendo que o cavalo semental servisse a algumas éguas. Devia admitir que também nesse procedimento havia algo capitalista, elementar e um pouco lhe atemorizem. A maneira em que o semental relinchava, ofegava, ficava a duas patas e a penetrava. A maneira em que a égua punha os olhos em branco, de prazer ou de terror.

     Tess não haveria dito que o processo era romântico, e tampouco foi algo que a incitou a rir. Os aromas de suor e sexo e a animal foram suficientes para que arrastasse longe de ali ao Nate assim que lhe apresentou a possibilidade, e fizesse o amor com ele.

     Ao Nate não pareceu lhe importar.

     E nesse momento a tarde era gloriosa, e a temperatura o suficientemente cálida para andar em mangas de camisa. O céu era tão imenso, tão azul, tão claro, que dava a impressão de que Montana o tivesse roubado tudo para si.

     Se olhava as montanhas, e Tess com freqüência tirava o chapéu fazendo-o, alcançava a ver emplastros de cor que apareciam através do branco. Os azuis e cinzas das rochas, o verde escuro profundo dos pinheiros. E se o ângulo do sol era o indicado, via-se um resplendor que era um rio que caía pela ladeira, crescido pelo degelo.

     Alcançava para ouvir o motor do trator detrás da casa do Adam. Sabia que Lily planejava semear um pomar e que convenceu ao Adam de remover a terra e prepará-la a tal efeito. E embora Adam lhe advertiu que ainda era muito em breve para fazê-lo, deu-lhe o gosto.

     E o dará sempre, pensou Tess.

     Decidiu que essa classe de amor, de devoção, de compreensão não devia ser comum. E entre o Adam e Lily era tão sólido como as montanhas. Apesar de ter observado sempre de perto às pessoas para criar a seus personagens, jamais conseguiu perceber a força de um amor tão grande e silencioso.

     Ela podia escrever sobre o amor, fazer que seus personagens se apaixonassem ou desenamoraran. Mas não o compreendia. Pensou que talvez fora parecido a essa terra onde já fazia muitos meses que vivia. Uma terra que aprendeu a valorar e a apreciar. Mas compreendê-la? Para nada.

     O gado e os cavalos semelhavam manchitas nas colinas onde a erva ainda crescia fraco pelo inverno, e os peões trabalhavam no barro produzido pelo tempo cada vez mais quente, reparando alambrados, plantando postes e fazendo rodeios de gado.

     Faziam-no uma e outra vez, ano detrás ano, temporada detrás temporada. Supôs que isso também devia ser amor. Mas se Tess chegava a sentir que esse amor começava a bater as asas em seu interior, bloqueava-o e recordava palmeiras e ruas cheias de atividade.

     «obtive -pensou Tess com um suspiro-, superar meu primeiro e espero que último inverno em Montana.»

     -Assim está aqui! -exclamou ao ver que Willa passava a cavalo, mas ela seguiu sua marcha, ignorando-a-. Maldição! Negando-se a dar-se por vencida, Tess pôs ao trote a seu cavalo e a seguiu. Quando a alcançou, ofegava apenas-. Escuta, amanhã é necessário que vamos ao povo. Lily quer que nos provemos os trajes para o cortejo.

     -Não posso. -Willa soltou a cilha ao Moon e logo lhe tirou a arreios-. Estou ocupada.

     -Não é possível que siga evitando fazê-lo. -Fez uma careta de desgosto ao ver que Willa pisoteava uma planta de flores silvestres que crescia ao redor de um poste.

     -Não o estou evitando. -depois de apoiar a arreios sobre a porta, Willa retirou o avental-. Resignei-me à idéia de que devo me pôr algum vestido ridículo, e que possivelmente me obriguem a levar flores no cabelo. Mas neste momento me é impossível tomar um dia livre.

     Tirou um instrumento bicudo do bolso, levantou uma pata do Moon e começou a lhe limpar o casco.

     -Se não ir, Lily e eu teremos que te escolher o vestido.

     Willa lançou um bufido, esquivou a cauda do Moon e lhe levantou a outra pata.

     -O ides escolher de todos os modos, de maneira que não tem importância se estiver ali ou não.

     É bastante certo, pensou Tess, e com uma tranqüilidade que alguns meses antes lhe teria parecido impossível, acariciou à égua.

     -Significaria muito para o Lily.

     Essa vez Willa lançou um suspiro e passou a trabalhar com o casco de uma pata da égua.

     -Eu gostaria de lhe dar o gosto. Mas neste momento estou curvada de trabalho. Há muitas coisas que fazer enquanto se mantenha o tempo.

     -Que se mantenha o tempo?

     -Sim.

     -O que quer dizer com isso? -Tess contemplou o céu claro e de um azul perfeito-. Estamos em meados de abril.

     -Hollywood, aqui pode chegar a nevar em junho. E te asseguro que ainda não terminamos com a neve. -Willa estudou o céu do oeste, as nuvens bonitas e gordinhas que pareciam aferrar-se aos picos. Não lhe inspiravam confiança-. Nevada-las da primavera são excelentes, proporcionam-nos a umidade que nos faz falta e a neve se derrete com bastante rapidez. Mas as tormentas de neve da primavera... -encolheu-se de ombros, e guardou no bolso o afiado instrumento-. A gente nunca sabe.

     -Tormenta de neve, que absurdo! As novelo estão cheias de flores. -Tess olhou as flores silvestres pisoteadas pela Willa-. Ou melhor dizendo, estavam.

     -Aqui crescem com força.., as que semeamos. Em seu caso eu ainda não guardaria a roupa interior de inverno. Quieta, Moon!

     -Com essa ordem, elevou a arreios e a levou para as cavalariças.

     -Há outras coisas -Tess a seguiu, decidida a terminar com o que queria lhe dizer-. Faz dias que não tenho oportunidade de conversar a sós contigo.

     -estive ocupada. -Na cavalariça em penumbras, Willa pendurou os ferramentas agrícolas e tomou uma escova.

     -Com uma coisa e outra.

     -E isso o que significa?

     -Olhe, está tratando de ganhar o tempo perdido com o Ben. Parece-me perfeito, alegra-me que seja feliz. E além disso está ocupada em inseminar vacas confiadas durante o dia inteiro, ou te arruinando as mãos com arame de puas, mas preciso saber o que acontece.

     -Com respeito ao que?

     -Sabe de cor. -Amaldiçoando em voz baixa, Tess voltou a sair ao exterior, onde Willa começava a escovar ao Moon-. Tudo esteve tranqüilo, Will. E eu gosto da tranqüilidade. Mas também me está pondo nervosa. Você é a que fala com a polícia, com os peões, e não nos comentaste o que sabe.

     -Supus que estaria muito ocupada criando alguma de suas histórias e falando o dia inteiro por telefone com seu representante para preocupar-se por isso.

     -É obvio que me preocupo! Quão único diz Nate é que não há nenhuma novidade. Mas você ainda mantém os guardas.

     Willa exalou com força.

     -Não posso correr nenhum risco.

     -E não quero que os corra. -Para tranqüilizar-se, Tess acariciou a cara do Moon-. Embora deva admitir que passei algumas más noites quando me acordado e ouço gente caminhando ao redor da casa. Ou te ouço ti, te passeando por seu dormitório.

     Willa não apartei o olhar da pele suave do Moon.

     -Tenho pesadelos.

     Mais surpreendida pela confissão que pelo fato em si, Tess lhe aproximou.

     -Sinto muito.

     Até então, Willa não tinha podido falar do assunto e nesse momento se perguntou se não teria sido um engano. De modo que trataria de averiguá-lo.

     -pioraram desde que subimos à cabana. Desde que comprovamos que ali mataram à moça. Disso não cabe dúvida, agora que analisaram o sangue que havia nos trapos e as toalhas que encontrei ali acima.

     -E por que diabos não as encontrou a polícia?

     Willa se encolheu de ombros e continuou escovando a sua égua.

     -Não é a única cabana, o único refúgio que há nas montanhas. Jogaram um olhar, viram que tudo estava como devia estar, que não havia nada fora de seu lugar. Suponho que não lhes pareceu que valesse a pena revisar os rincões escuros e derrubar o conteúdo dos cubos. Mas agora te asseguro que revisaram o lugar, centímetro a centímetro. Não averiguaram nada. De todos os modos, penso freqüentemente nessa vez em que estávamos na montanha, com o Adam ferido e sangrando e sem saber.

     Deu-lhe uma palmada no flanco ao Moon e a enviou a pastar.

     -Simplesmente sem saber.

     -Talvez tenha terminado -disse Tess-. Talvez ele se foi. É o que fazem os tubarões, sabe? Percorrem durante um tempo uma zona e depois se vão em busca de outro lugar onde alimentar-se.

     -Eu tenho um medo constante. -Não lhe custou reconhecê-lo, sobre tudo quando via o Lily caminhando ao redor da casa, rendo e olhando ao Adam. Tinha descoberto que o medo e o amor foram da mão-. O trabalho ajuda a manter o medo em um segundo plano. Ben me ajuda. Quando um homem está dentro de ti, é impossível pensar em nada.

      «Sim, claro que se pode -pensou Tess-. A menos que seja o homem indicado.»

     -É isso que a uma acontece às três da manhã -continuou dizendo Willa-. Quando não há ninguém pelos arredores e ninguém que límpida que te aconteça. Então é quando surge o medo e me atende a garganta. E então é quando começo a me perguntar se estou fazendo o correto.

     -Em que sentido?

     -O rancho. -estendia-se a seu redor. Sua vida-. Permitir que você e Lily sigam aqui quando não sabemos se for seguro.

     -Não tem alternativa. -Tess apoiou um pé na porta e se apoiou contra ela. Não podia ver essas terras através dos olhos da Willa, duvidava que pudesse fazê-lo algum dia. Mas tinha chegado a admirar a força e o poder que tinham-. Nós dois temos mentes próprias. E tomamos nossas próprias decisões.

     -Talvez.

     -Direi-te a minha. Quando se tiver completo o tempo que devo estar aqui, voltarei para Os Anjos. Farei compras em Rodeio Drive e almoçarei no lugar de última moda. -Que, estava segura, não seria o mesmo que o outono anterior. E utilizarei minha parte das lucros do Mercy para comprar uma casa no Malibú. Perto do mar, para poder ouvir as ondas de dia e de noite.

     -Nunca vi o mar -murmurou Willa.

     -Não? -Era difícil de imaginar-. Bom, possivelmente alguma vez queira ir visitar me. Mostrarei-te o que faz a gente civilizada com seus dias. Talvez com isso adicione um capítulo a meu livro. Willa em Hollywood.

     Sonriendo, Willa se esfregou o queixo.

     -Que livro? Acreditei que estava escrevendo o guia de outro filme.

     -Estou-o. -Turvada, Tess afundou as mãos nos bolsos-. Mas estou jogando com a idéia de um livro. Solo por me divertir.

     -E eu figuro nele?

     -Alguns aspectos do que é.

     -E a ação está se localizada aqui, em Montana? No Mercy?

     -Onde mais a vou localizar? -murmurou Tess-. Estou cravada aqui por um ano. Não tem importância. -Começou a tamborilar os dedos sobre a porta-. Nem sequer o hei dito a Ira. É sozinho algo com o que me divirto quando estou aborrecida.

     «Se isso fosse certo -pensou Willa-, Tess não estaria tão turvada.»

     -Posso lê-lo?

     -Não. irei dizer lhe ao Lily que tampouco amanhã nos acompanhará ao povo. E depois não te queixe se te vê obrigada a usar organdi.

     -Nem pensar!

     Willa se voltou a estudar de novo as montanhas. Estava muito mais animada, mas quando viu que se juntavam mais nuvens, soube que não tinha terminado. Nem o inverno nem nada mais.

    

     A comida foi idéia do Lily. Solo uma comida íntima, pequena, informal, prometeu. Solo as três irmãs com o Adam, Ben e Nate. Sua família, como os considerava agora.

     Pequena, íntima e informal, possivelmente, mas excitante para ela. Seria o dona-de-casa, uma posição que jamais na vida tinha ocupado, em uma festa em seu próprio lar.

     Quando Lily era adolescente, sua mãe era quem sempre planejava e se fazia cargo de todos os acontecimentos sociais. E o fazia com tanta eficácia, com tanta inteligência, que a ajuda do Lily lhe resultava completamente desnecessária. Durante o breve tempo em que ela viveu por sua conta, não contava com os meios necessários para oferecer comidas. E seu matrimônio não lhe permitiu manter relações sociais.

     Mas agora as coisas eram distintas. Ela era distinta.

     passou-se o dia inteiro preparando-se para esse momento. Limpar a casa era algo que não lhe custava. adorava cada centímetro dessa casa, e Adam não era um desses homens desordenados que arrojavam a roupa por toda parte ou deixavam garrafas de cerveja vazias sobre a mesa. Não lhe incomodavam os detalhes que ela adicionou: o pequeno sapo de bronze que viu em um catálogo e encarregou, a pequena esfera de vidro de distintos tons que viu em uma loja do Billings e da que se apaixonou a primeira vista. Em realidade, era como se Adam apreciasse esses detalhes. Freqüentemente dizia que a casa era muito singela, que estava muito vazia antes de que Lily se mudasse a viver ali.

     Estudou a fundo um livro de receitas com o Bess e por fim se decidiu por um prato de carne assada que estava metendo no forno, quando esta apareceu a cabeça na cozinha.

     -Tudo sob controle?

     -Sob um perfeito controle. Preparei-o tal como você me indicou. E olhe. -Orgulhosa como mãe de gêmeos, Lily abriu a geladeira para mostrar seus bolos-. Parece-te que o merengue me saiu bem? E notou quão bonitas ficam essas contas de açúcar?

      -À maioria dos homens gostam do bolo de limão com merengue -respondeu Bess, enquanto aprovava com uma inclinação de cabeça-. Saíram-lhe perfeitas.

     -eu adoraria que trocasse de idéia e você também viesse.

     Bess fez um gesto com a mão.

     -É uma moça muito doce, Lily, mas quando tenho que escolher entre levantar os pés e ver um filme ou me sentar em um quarto cheio de gente jovem, não duvide que escolherei meus filmes. Mas se quiser que te dê uma mão, lhe jogar encantada isso.

     -Não, quero fazê-lo todo eu mesma. Já sei que deve te parecer tolo, mas...

     -Não me parece nada parvo. -Bess se aproximou da janela onde Lily tinha vasos de barro com ervas que ela mesma tinha semeado de sementes. Progridem bem quão mesmo Lily, pensou-. A mulher tem direito a ser a alma de sua própria cozinha. Mas se te chegasse a apresentar algum problema, peço-te que me chame. -Fez-lhe uma piscada-. Ninguém tem por que inteirar-se de que alguém te ajudou um poquito.

     Bess se voltou para ouvir que a porta de atrás voltava a abrir-se.

     -te limpe os pés -ordenou a Willa-. Não vás manchar com barro o chão limpo.

     -Me estou limpando isso. -Mas ante a vigilância desses olhos de águia, Willa os esfregou várias vezes mais sobre o felpudo.

     -Ah, que beleza! -exclamou Lily ao ver o buquê de flores silvestres que Willa tinha na mão-. Foi um amor ao pensar nisso e as arrancar para mim.

     -Não fui eu, a não ser Adam. -Willa lhe entregou as flores e considerou que sua missão estava cumprida-. Um dos cavalos teve um rasgo muscular, assim Adam está ocupado curando-o. E não quis que as flores se murchassem.

     -Ah! Assim foi Adam? -Lily lançou um suspiro e lhe derreteu o coração quando afundou a cara no ramo de pimpolhos-. E como está o cavalo? Adam necessita ajuda?

     -O se pode arrumar. Tenho que voltar.

     -Não quer tomar um café? Está recém feito.

     antes de que Willa pudesse negar-se, Bess lhe cravou um cotovelo nas costelas.

     -Sente-se e bebe um pouco de café com sua irmã. E te tire o chapéu enquanto esteja dentro da casa. Eu tenho que ir ocupar me da penetrada.

     -É uma velha mandona -queixou-se Willa quando Bess fechou a porta a suas costas. Mas se tirou o chapéu-. Suponho que se já estiver quente, terei tempo de tomar uma taça de café.

     -Sim, está quente. Por favor, sente-se. Quero pôr estas flores em água.

     Willa se sentou ante a mesa redonda sobre a que fez tamborilar os dedos. Pensou na quantidade de trabalhos que ficavam por fazer.

     -Aqui dentro há um aroma muito bom.

     -São as ervas e esta composição que preparei.

     -Tem-no feito você? -Willa acelerou o ritmo de seus dedos-. É uma perfeita dona-de-casa, não?

     Lily não apartou o olhar dos caules que introduzia dentro de uma garrafa com água.

     -É para quão único sirvo.

     -Não, isso não é certo. E não foi o que quis dizer. -Zangada consigo mesma, Willa se moveu inquieta na cadeira-. Fez tão feliz ao Adam que alguém tem a sensação de que não caminha mas sim frota. E a casa está tão pulcra e tão bonita! -arranhou-se a nuca e se sentiu incômoda-. Por exemplo refiro a esse grande bol cheio de maçãs verdes e tintas tão reluzentes. A mim nunca me ocorreria uma coisa assim. Ou colocar coisas dentro dessas garrafas que tem sobre a mesa. O que é todo isso?

     -São vinagres com distintos condimentos. -Lily olhou as garrafas de pescoço comprido em cujo interior flutuavam ramitos de manjericão, romeiro e manjerona-. Utilizam-se para cozinhar, para enfeitar saladas. Eu gosto das ver.

     -Shelly também faz coisas como essas. A mim nunca me tivesse ocorrido.

     -Porque você deve olhar o quadro em sua totalidade, o fundamental e não os detalhes e adornos. Eu te admiro muitíssimo.

     Willa deixou de olhar as garrafas e ficou com a boca aberta.

     -Como?

     -É inteligente, forte e capaz. -Lily depositou uma bonita taça azul sobre a mesa-. Nada mais chegar te tinha um medo terrível.

     -Sério?

     -Bom, em realidade, tudo me dava medo. Mas sobre tudo você. -Lily tomou outra taça e lhe adicionou nata ao café-. Observei-te o dia do enterro. Acabava de perder a seu pai e tinha uma dor enorme, mas o suportava. E mais tarde, quando Nate leu o testamento, e se inteirou de que lhe tiravam das mãos tudo o que era teu, o que deveu ter sido teu, também o agüentou a pé firme.

      Willa também recordava esse momento. Recordava não ter sido nada bondosa.

     -Não ficava alternativa.

     -A um sempre fica alternativa -contradisse Lily em voz baixa-. A meu pelo general foi fugir. E esse dia também teria fugido de ter tido aonde ir. E se não fora por ti, acredito que não tivesse tido o valor de ficar quando começaram a acontecer essas coisas horríveis.

     -Eu não tive nada que ver com o assunto. Ficou pelo Adam.

     -Adam. -Ao pronunciar o nome todo no Lily se suavizou: a voz, o olhar, a boca-. Sim, mas não teria tido a coragem de me aproximar dele, de me permitir sentir o que sinto por ele. Olhei a ti, olhei tudo o que estava fazendo!, o que tinha feito e pensei: é minha irmã e nunca foge de nada. Em meu interior tem que haver algo que se pareça com o que é ela. De maneira que o busquei. É a primeira vez na vida que fico em um lugar quando as coisas ficam difíceis.

     Willa apartou sua taça de café e se inclinou para diante.

     -Olhe, cresci como me deu a vontade, e tenho feito tudo o que queria fazer. Nunca estive apanhada em uma situação onde outro me utilizava como saco de areia.

     -Não? -Ao ver que Willa não respondia, Lily voltou a reunir sua coragem-. Bess me contou quão duro era nosso pai contigo.

     «Bess é uma charlatana», foi o único que pôde pensar Willa.

     -A bofetada que de vez em quando te dê seu pai não é quão mesmo o murro na cara que te possa dar seu marido. Fugir disso não foi uma covardia, Lily. Foi o correto, uma atitude inteligente.

     -De acordo. Mas nunca me opus a que me pegassem. Nenhuma só vez.

     -Eu tampouco -murmurou Willa-. Talvez não tenha fugido de meu pai, mas, igual a você, nunca me opus a que me pegasse.

     -Não estou de acordo. Opô-te cada vez que montou um cavalo, ajudou a parir a uma vaca, saltou uma porta do alambrado. -Lily manteve o olhar da Willa-. Fez-te cargo do Mercy. Essa foi sua maneira de lutar. Enterrou suas raízes. Eu nunca o conheci e ele nunca quis me conhecer. Mas sabe, Willa?, tampouco acredito que nosso pai te tenha conhecido a ti.

     -Não -respondeu ela em voz baixa e suave, porque acabava de cair na conta de que era assim-. Suponho que não.

     Lily respirou fundo.

     -Neste momento estou em condições de me rebelar, e em grande parte é graças a ti, graças ao Tess, graças à oportunidade que tive aqui. E essa oportunidade não me deu isso Jack Mercy, Willa. Deu-me isso você. Deveu nos haver odiado. Tinha todo o direito do mundo a nos odiar. Mas não nos odeia.

     «Mas lhes quis odiar -recordou Willa-. Solo que não pude.»

     -Talvez o ódio consuma muita energia.

     -É certo, mas não todo mundo o compreende. -Lily fez uma pausa, brincou com sua taça-. O outro dia, quando Tess e eu fomos às compras, acreditei... durante um minuto me pareceu ver o Jesse. Não foi mais que algo fugaz.

     -Viu-o no Ennis? -Willa se ergueu de um salto, com os punhos fechados.

     -Não. -Surpreendida pela reação da Willa, Lily sorriu-. Vê? Essa é sempre sua primeira reação: lutar. A minha foi correr. Antes me parecia vê-lo em todas partes, imaginava que estava em todos lados. Mas fazia tempo que não me acontecia. Entretanto o outro dia, uma cara na multidão, a postura da cabeça... Mas não fugi. Não me deixei levar pelo pânico. E acredito que se alguma vez tivesse que fazê-lo, realmente tivesse que fazê-lo, lutaria. E lhe devo isso a ti.

     -Não sei, Lily. Às vezes fugir é o melhor que alguém pode fazer.

    

     Tudo saiu tão bem que ao Lily custava acreditar que se tratava de sua própria vida. Sua nova vida. Uma série de pessoas a quem tinha aprendido a querer estavam sentadas em seu comilão acolhedor, servindo-se pela segunda vez os pratos de comida preparados por ela, rendo uns com outros como bons amigos. Discutindo como integrantes de uma mesma família.

     Foi Tess quem começou a discussão e Lily compreendeu que foi uma atitude deliberada. Disse a Willa que o vestido que tinha eleito para que ficasse no cortejo era de organdi cor fúcsia com mangas abullonadas. E com anquinhas.

     -Tornaste-te louca se crie que me vou pôr uma porcaria como essa! E de todos os modos, que demônios é isso de fúcsia? Não é uma espécie de rosa? Por nada do mundo me vou pôr volantes de cor rosa.

     -Ficará muito doce com esse vestido -ronronou Tess-. E sobre tudo com o chapéu.

     -Que chapéu?

     -Um chapéu adorável, da mesma cor do vestido, com uma asa enorme cheia de flores da primavera. Prímulas inglesas. E sem taça para que lhe possamos fazer um penteado alto e que me sobressaia. E depois estão as luvas. Compridos até o cotovelo, muito elegantes.

      Como Willa estava tão pálida como uma morta, Lily se compadeceu dela.

     -Está-te gastando uma brincadeira. O vestido é precioso. De seda celeste com botões de pérolas nas costas e com apenas um detalhe nas pontas dos pés no fronte. É muito singelo, muito clássico. E não há chapéu nem luvas.

     -Sempre arruína as coisas -queixou-se Tess, mas em seguida sorriu a Willa-. Lhe tinha acreditado isso!

     -Se seguirem assim, este ano Will vai se pôr mais vestidos que em sua vida inteira -disse Ben levantando sua taça e brindando por ela-. Eu sempre acreditei que dormia com os jeans postos.!

     -eu adoraria verte fazendo um rodeio com vestido -respondeu Willa, brindando com ele.

     -Também eu adoraria! -Com uma risita, Nate fez a um lado seu prato-. Lily, asseguro-te que foi uma comida fabulosa. Se segue cozinhando assim, Adam vai ter que começar a comprar cinturões maiores.

     -Espero que ainda fique sítio para um bolo. -Sonriendo de prazer, Lily ficou de pé-. Não querem que comamos a sobremesa na sala de estar?

     -Essa garota sim que sabe cozinhar -murmurou Ben no momento em que se instalava em uma poltrona da sala de estar-. Adam é um filho de puta afortunado.

     -É assim como julga a sorte que tem um homem com sua mulher, McKinnon? -Willa preferiu sentar-se com as pernas cruzadas no chão, perto da chaminé-. Por sua maneira de cozinhar?

     -Nunca está de mais.

     -Uma mulher inteligente contrata a uma cozinheira. -Tess lançou um gemido quando se sentou no sofá com o Nate-. E só come uma vez ao ano como comemos esta noite. Amanhã vou ter que fazer cinqüenta compridos mais na piscina.

     A Willa lhe ocorreram vários comentários malévolos, mas os deixou passar. Dirigiu um rápido olhar à cozinha, onde Lily e Adam se trabalhavam em excesso servindo a sobremesa.

     -antes de que voltem, Lily lhes comentou que o outro dia quando foram às compras lhe pareceu ver seu ex?

     Tess se ergueu com rapidez.

     -Não, nenhuma palavra.

     -No Ennis? -Nate entrecerró os olhos e deixou de brincar com os dedos do Tess.

     -Disse que foi um engano. Comentou que um de seus antigos costumes era imaginar que o via em todas partes aonde ia, mas de todos os modos me preocupou.

     -Esteve um momento em silêncio. -Tess franziu os lábios e tratou de recordar os detalhes desse dia-. Estávamos olhando a cristaleira de uma loja de roupas interior e eu supus que estava sonhando com sua noite de bodas. Durante um par de minutos me pareceu notá-la nervosa, mas não disse nada.

     -conseguiste uma fotografia desse tipo? -perguntou- Ben ao Nate.

     -Justo faz um par de dias. Houve um atraso no este. -O também dirigiu um olhar cauteloso à cozinha-. Tem o aspecto de uma maldita coroinha. Cara bonita, cabelo curto. Não o vi por aqui. Devi ter trazido a fotografia para dar-lhe ao Adam.

     -Quero vê-la -disse Willa-. Depois falaremos do assunto -adicionou para ouvir a voz do Adam-. Não quero arruinar a festa ao Lily.

     Para dissimular, Ben ficou de pé e se aproximou do Lily que nesse momento entrava com uma bandeja.

     -Bom, um bolo! -inclinou-se a olisquearla como um homem que solo pensa em sua próxima dentada-. E o que tem para todos outros?

     Mantiveram uma conversação intrascendente e quando Nate fez um sinal ao Tess, lhe apertando a mão, ficou de pé.

     -Será melhor que vá antes de que tenha que me fazer passar rodando por essa porta, Lily. -inclinou-se a beijá-la-. foi uma comida magnífica.

     -Me alegro muito de que tenha vindo.

     -Sairei contigo -disse Tess, simulando um bocejo-. depois de tanto comer vou dormir como um tronco.

     Por um acordo tácito, Ben e Willa lhes deram cinco minutos antes de despedir-se eles também.

     Quando estiveram sozinhos, Adam tomou ao Lily em seus braços.

     -A quem acreditam que enganam?

     -A que te refere?

     A resposta pareceu tão doce ao Adam, que beijou a frente do Lily.

     -Ouviu arrancar algum jipe?

     Ela piscou, compreendeu e riu.

     -Não, acredito que não.

     -Acredito que tiveram uma idéia excelente. -Elevou ao Lily e se encaminhou à escada.

     -Adam, tenho que lavar os pratos.

     -Ainda seguirão ali pela manhã. -Voltou a beijá-la-. E nós também.

    

     Em sua cama, na escuridão, Willa deixou escapar um comprido gemido. Era um som que sempre excitava ao Ben, que o incitava a acelerar o ritmo. adorava olhá-la quando ela o montava, a maneira em que o cabelo lhe caía pelos ombros, tão negro e brilhante. Alcançava a ver esses relâmpagos de prazer em seu rosto quando se perdia. E quando ele tomou seus peitos entre as mãos, quando se elevou para voltar a substituir as mãos por sua boca faminta, ela se envolveu a seu redor como uma hera sedosa, toda braços e pernas para que ele pudesse gozá-la.

     Mas por mais que lhe desse, ele queria mais.

     -Segue. -Pediu-o ofegante, apertou a mão no lugar onde estavam unidos e a encontrou, incitou-a.

     Willa voltou a gemer, um som de prazer que ao Ben percorreu o sangue como um bom uísque. Sentiu que ela acabava, que voltava a soluçar antes de fechar os dentes sobre seu ombro.

     De maneira que permitiu que ela marcasse o ritmo, deixou que se estremecesse para recuperar o controle. Então Willa se inclinou sobre ele, e seu cabelo cobriu a cara do Ben que ela tomou com ambas as mãos.

     -Quero te fazer enlouquecer. -Baixou a cabeça até que seus lábios quase estiveram sobre os dele-. Quero que me suplique.

     O ritmo da Willa era lento, tortuoso, enquanto lhe dava beijos rápidos que pouco a pouco se foram fazendo mais ardentes e profundos. Quando Ben fechou as mãos que tinha enterradas em seu cabelo e começou a respirar com agitação, ela abandonou sua boca e se tornou atrás. Acelerou o ritmo, percorreu-lhe o corpo com as mãos, olhou-o aos olhos.

     Viu o que queria ver. Nesses olhos havia uma expressão selvagem, cega e se desesperada, idêntica às emoções que rugiam em seu interior. Nesse momento, Ben moveu as mãos e lhe aferrou os quadris, aferrou-as com força. Ficariam moretones. «Está-me pondo sua marca», pensou ela com sensação de triunfo.

     Jogou o corpo atrás e se estremeceu, enquanto Ben lhe cravava os dedos nos quadris cimbreantes. Ela sabia o que lhe esperava a partir desse momento, essa sensação de prazer e mais agradar, o assalto sobre seu corpo que podia chegar com a rapidez do relâmpago e lento como o rocio. Mas essa violenta intimidade e a necessidade que sempre, sempre florescia, não deixava de lhe provocar um shock.

     Sentiu-o explorar, esse duro embate final em seu interior e a gloriosa explosão de calor. O orgasmo a percorreu como uma flecha, uniu-a a ele, encheu-a dele, e Willa lhe deu a bem-vinda.

     -Willa. -Ben a empurrou para baixo de maneira que pudessem tremer, pele úmida contra pele úmida. Quando por fim pôde pronunciar palavra, algo além de seu nome, deslizou os lábios até sua garganta-. quis te ter assim toda a noite.

     Uma tolice como essa sempre a avivava e a deixava muda.

     -Estava muito ocupado comendo para pensar nisto.

     -Nunca estou muito ocupado para pensar nisto. Nem em ti. Asseguro-te que não faço mais que pensar em ti. Enterrou as mãos no cabelo da Willa e a colocou de modo tal que as bocas de ambos se voltaram a encontrar-. cada vez mais. E me preocupo com ti.

     -se preocupa? -Maravilhosamente relaxada, apoiou-se sobre um cotovelo e o olhou. adorava decifrar a cara do Ben na escuridão, ir adivinhando cada uma de suas facções-. por que?

     -Eu não gosto não estar perto quando acontecem tantas coisas.

     -Sei me cuidar. -Apartou-lhe o cabelo da cara. Que estranho, p  pensou, as pontas de seu cabelo sempre dão a sensação de ter sido polvilhadas com pó de ouro. E mais estranho ainda, que constantemente queria lhe tocar o cabelo com os dedos-. E sei cuidar o  rancho.

     -Sim. -Quase muito bem, pensou-. Mas de todos os modos me preocupo. Se quiser esta noite posso ficar a dormir.

     -Já falamos que esse assunto. Ao Bess gosta de simular que não sabe o que está acontecendo aqui acima. E eu gosto de deixar que o simule. Y... -Beijou-o antes de rodar em atitude preguiçosa e ficar tendida de costas-. Tem que dirigir seu rancho. -Se desperezó-. Sela, McKinnon. Já terminei contigo.

     -Isso crie? -E lhe colocou em cima para lhe demonstrar o contrário.

    

     Quando um homem sai nas pontas dos pés de uma casa escura, quase sempre se sente tolo. Ou muito afortunado. Nate se perguntava o que estaria sentindo quando abriu a porta de entrada e se encontrou cara a cara com o Ben.

     Permaneceram um instante olhando-se fixamente, esclarecer-se gargantas.

     -Linda noite -disse Nate.

     -Para mim, uma das melhores. -Ben se deu por vencido e sorriu-4 Onde estacionaste seu jipe?

     -Atrás do estábulo de partos. E você?

     -No mesmo lugar. Não sei por que nos incomodamos. Não há um só homem pelos arredores que não saiba no que andamos com estas mulheres. -Desceram do alpendre e se encaminharam ao estábulo-. Sempre me pergunto se não me pegarão um tiro.

     -A esta hora Adam e Jam estão de guarda -assinalou Nate-. Eu sempre trato de sair quando sei que estão eles. Não são tão rápidos para apertar o gatilho. -Olhou para a casa principal, para a janela do Tess-. E talvez valha a pena esquivar um par de balas por isso.

     -Preocupa-me o homem que diz isso.

     -Estou pensando em me casar com o Tess.

     Ben se deteve em seco.

     -Zumbem-me os ouvidos. Acredito que não ouvi bem o que acaba de dizer.

     -Sim, escutaste-me perfeitamente. Ela pensa voltar para Califórnia no outono. -Nate se encolheu de ombros-. E eu penso impedir-lhe      -No dejes de hacerlo.

     -O há dito?

     -Dizer-lhe ao Tess? -Divertido ante a possibilidade, Nate deixou escapar uma gargalhada-. Diabos, não! Com uma mulher como ela terá que ser muito prudente. Está acostumada a dirigir o espetáculo. Assim terá que lhe fazer acreditar que tudo foi idéia dela. Ainda não sabe que está apaixonada por mim, mas já o compreenderá.

     Essa conversação sobre amor e matrimônio lhe estava revolvendo o estômago ao Ben.

     -E se não o compreende? Pensa em sua maneira de ser. E se empacotar suas coisas e se vai? O permitirá?

     -Não a posso encerrar sob chave, não é certo? -Nate tirou as chaves do jipe e as fez girar entre seus dedos-. Mas arrumado a que ficará. E ainda fica um pouco de tempo para trabalhar o assunto.

     Ben pensou na Willa e na forma em que ele reagiria se ela de repente decidisse romper. Ataria-a em tempo recorde.

     -Não me acredito capaz de ser tão razoável.

     -Bom, as coisas ainda não estão claras. Durante os próximos dois dias tenho que estar no tribunal -anunciou enquanto subia ao jipe-. Assim que possa passarei por aqui com essa fotografia.

     -Não deixe de fazê-lo.

     Ben se deteve junto a seu jipe e olhou para a casa principal. Não, se estivesse apaixonado estava seguro de que não poderia ser tão pormenorizado. Durante o trajeto até sua casa, disse-se várias vezes que era uma sorte que não o estivesse.

    

     Jesse o tinha tudo planejado. Ah, estava disposto a esperar, a ser paciente! Razoável. depois de tudo, se agüentava até o outono, além de levar-se a sua mulher poderia conseguir uma boa quantidade de dinheiro.

     Mas agora essa perrita acreditava que podia casar-se com o bastardo mestiço. Refletiu sobre isso e chegou a uma conclusão: se permitia que isso acontecesse, legalmente o apagavam do mapa. De modo que não podia permiti-lo.

     Em realidade, de ter tido melhor pontaria, já se teria encarregado do Adam Wolfchild. Lhe apresentou a oportunidade, mas o filho de puta teve sorte. E como Wolfchild não estava sozinho, Jesse não quis correr o risco de esperar e lhe disparar outra vez.

     Mas estava seguro de que lhe apresentaria outra oportunidade. O único que o fazia falta era um pouco de sorte. Mas os trabalhos da primavera e esse negreiro do Ben McKinnon o mantinham pacote ao Three Rocks enquanto a adultera de sua mulher saía a comprar roupa interior para suas bodas.

     De maneira que se não podia atacar ao Wolfchild, nada lhe impedia de atacar ao Lily. Teria que conseguir que se arrependesse de lhe haver arruinado seus planos de embolsá-la herança, mas fazê-lo seria um prazer.

     «Fiz-me muitas ilusões», pensou enquanto tirava uma rainha para acompanhar às outras duas senhoras que tinha na mão. Mas já era hora de ficar em marcha. E levaria ao Lily consigo.

     -Verei seus cinco -disse Jesse ao Jim, sonriéndole através da mesa de pôquer-. E outros cinco mais.

     -Muito para mim.

     Ned Tucker atirou as cartas sobre a mesa, arrotou e se levantou procurar outra cerveja. sentia-se cômodo no Mercy; Willa era uma patrã justa e desfrutava da companhia de seus peões. Deu-lhe uma palmada ao urso cinza, que entre todos tinham se localizado em um rincão do quarto, para que lhe desse sorte. Embora esta noite na mesa de pôquer não me deu nenhuma.

     Meneou a cabeça ao ver que Jesse ganhava outra partida.

     -É como se esse filho de puta não pudesse perder -disse ao Ham.

     -Tem uma sorte de mil demônios -respondeu Ham, mas decidiu pôr a prova a sua-. Eu entro nesta mão. dentro de uma hora devo relevar ao Billy fora. Talvez me valha a pena perder antes um pouco de dinheiro.

     Uma hora, pensou Jesse enquanto repartia as cartas. Nesse momento estavam de guarda Billy e esse sabiondo da universidade. Nenhum deles lhe resultaria perigoso. Jogaria outros dez minutos e depois ficaria em marcha.

     Perdeu uma mão, retirou-se na seguinte e logo apartou a cadeira da mesa.

     -Descanso um momento. vou tomar um pouco de ar fresco.

     -te assegure de que Billy não te dispare -gritou-lhe Jim-. Esse menino não faz mais que pensar em sua noiva do povo e é capaz de algo.

     -OH, posso me encarregar do Billy! -assegurou Jesse enquanto ficava o casaco, e saiu.

     fixou-se na hora. Tinha estudado com cuidado os horários de trabalho do Mercy e sabia que nesse momento Adam estaria jogando um último olhar aos cavalos antes de retirar-se a dormir. A casa principal já se encontraria escura e Lily estaria sozinha. Tirou o Colt que tinha sob o assento do jipe. Toda precaução era pouca. O meteu no cinturão e avançou nas sombras para a bonita casa Branca.

     «Tudo sairá como foi pedido -pensou-. Lily chorará e suplicará, mas com toda segurança se irá comigo. Sempre faz o que lhe ordeno. Se não em seguida, depois da primeira bofetada.»

     Estava desejando que chegasse o momento de lhe dar essa primeira bofetada. Já fazia muito tempo que não tinha esse prazer.

     moveu-se em silencio para a parte de atrás da casa.

     -É você, JC? -Contente de que alguém o acompanhasse em seu guarda, Billy se aproximou, com o rifle baixo e o seguro posto-. Está voltando a depenar a meus colegas de trabalho? O que faz aqui fora?

     Jesse lhe sorriu e tirou a arma do cinturão.

     -Tomando o que é meu -respondeu lhe atirando um golpe na cabeça com o punho do Colt-. Não tenho motivos para te disparar -adicionou enquanto arrastava o corpo inerte do Billy para escondê-lo entre uns arbustos. Além disso faria muito ruído. Mas não interfira em meu caminho porque poderia trocar de idéia.

     Silencioso como uma víbora, aproximou-se da porta traseira e olhou pelo vidro.

     E ali estava ela. Doce Lily, pensou. Sentada à mesa, bebendo chá enquanto lia uma revista. Esperando que seu amante índio chegasse e a colocasse. Cadela traiçoeira!

     O ruído de um trovão o distraiu um instante e lhe fez levantar o olhar para o céu sem estrelas. Até o clima está de meu lado, pensou com um sorriso. Uma chuva agradável seria uma excelente maneira de cobrir seus rastros na viagem para o sul.

     Fez girar o trinco com suavidade e entrou.

     -Adam, aqui há um artigo sobre bolos de bodas. Pergunto-me se... -Deixou a frase inconclusa, o olhar ainda cravada na revista, mas o coração palpitante. Beans grunhia sob a mesa. E soube, antes de reunir a coragem necessária para voltar-se, soube.

     -Mantén quieto a esse cão, Lily, ou o matarei.

     Lily não o pôs em dúvida. Não tinha trocado. Pese ao cabelo mais escuro e comprido e do bigode, para ela era o mesmo. Os olhos formosos com uma expressão malvada, nos lábios um sorriso perigoso. Conseguiu ficar de pé, colocar-se entre o Jesse e o cão.

     -Tranqüilo Beans. Está bem. -Mas o cão continuou grunhindo e ela viu horrorizada que Jesse extraía uma arma do cinturão-. Por favor não o faça, Jesse! Não é mais que um cão velho. E lhe ouvirão. Se disparas lhe ouvirão. Virá gente.

     Jesse queria matar algo, era uma urgência interior. Mas nesse momento lhe importava mais o silêncio.

     -Então faz-o calar! Agora mesmo!

     -O... levarei-o a outro quarto.

     -te mova devagar, Lily, e não trate de correr. -Gostava da sensação da arma que empunhava, a forma em que o punho se curvava na palma de sua mão-. Se o fizer te ferirei. Depois me sentarei aqui e esperarei que chegue esse índio para quem estiveste abrindo as pernas. Matá-lo assim que entre.

      -Não correrei. -Tomou ao Beans pelo colar, e apesar de que o cão tinha o corpo tenso e se negava a segui-la, arrastou-o até a porta-. Por favor, guarda essa arma, Jesse. Consta-te que não te fará falta.

     -Suponho que não. -Sem deixar de sorrir, voltou a colocar-lhe no cinturão-. Vêem para cá.

     -Isto não serve de nada, Jesse. -Lutou com todas suas forças por recordar todo o aprendido em terapia, a permanecer tranqüila, a pensar com claridade-. Estamos divorciados. Se voltar a me fazer danifico, encarcerarão-lhe.

     O voltou a apoiar uma mão sobre o punho da arma.

     -Hei-te dito que venha.

     «Estarei mais perto da porta», pensou Lily. Talvez houvesse uma maneira de sair. Tinha que sair para advertir ao Adam, a todo mundo.

     -Estou tratando de voltar a começar -disse-lhe enquanto lhe aproximava-. Os dois podemos começar de novo. Quão único eu fiz na vida foi te desiludir Y... -gritou, não de surpresa mas sim de dor quando lhe pegou uma forte bofetada com o dorso da mão.

     -Faz mais de seis meses que estou desejando fazer isso. -E como lhe dava tanto prazer, voltou a fazê-lo, esta vez com tanta força que a fez cair de joelhos-. estive aqui, Lily. -Agarrou-a por cabelo, pegou-lhe um puxão e a obrigou a ficar de pé-. Te vigiando.

     -Aqui? -A dor era tão familiar que lhe custava pensar. Mas pensou. Em crímenes. Em loucura-. estiveste aqui? OH, Deus!

     A partir desse momento, o medo a paralisou. Mas Jesse ataca com os punhos, pensou. Solo com os punhos. Não seria capaz de destroçar a ninguém com uma faca.

     Entretanto, ao lhe olhar os olhos, quão único viu foi uma fúria cega.

     -Agora virá comigo, em silêncio e fará o que eu te diga. -Se por acaso não compreendia o sentido de suas palavras lhe deu outro puxão no cabelo-. Se subidas algum tipo de animação, Lily, farei-te mal a ti e a qualquer outro que se interponha em meu caminho. -Seguiu falando, com a cara muito perto da dela. No quarto vizinho o cão ladrava como louco, mas nenhum dos dois lhe emprestou atenção-. Faremos um comprido e agradável viagem ao México.

     -Não irei contigo. -Recebeu o golpe seguinte que a fez girar sobre si mesmo, logo surpreendeu ao Jesse e a si mesmo ao atacá-lo com unhas, dente e punhos.

     A força do ataque do Lily o fez retroceder, golpeou-se contra a mesa e lhe produziu uma forte dor no quadril. Uivou quando lhe fez sangue em uma bochecha, muito surpreso para devolver o golpe até que Lily o arranhou pela segunda vez.

     -Cadela de mierda! -Golpeou-a e a fez cair sobre a mesa, fazendo voar pelos ares a bonita taça de chá.

     Os cães uivavam como lobos e arranhavam com fúria a porta.

     -Matarei-te pelo que acaba de fazer! Juro que te matarei!

     E quase o fez. Tinha a arma na mão, o dedo sobre o gatilho, vibrante. Mas ela o olhava fixamente e em seus olhos não havia medo nem súplica, a não ser ódio.

     -É isto o que quer? -Voltou a levantá-la pelo cabelo e lhe apoiou o canhão da arma contra a têmpora-. Quer que lhe mate?

     Em um tempo talvez o tivesse querido, e por puro cansaço possivelmente teria respondido que sim. Mas pensou na vida que levava ali, com o Adam, com suas irmãs. Seu lar e sua família.

     -Não, irei contigo. -«E esperarei a primeira oportunidade que se me presente de lutar ou de fugir», pensou.

     -É obvio que virá! -Rodeou-lhe o pescoço com uma mão e apertou, até que Lily sentiu que o sangue lhe amontoava nos olhos-. Neste momento não tenho tempo para te fazer pagar. Mas espera e verá. Espera.

 

     Tremia quando a empurrou para a porta. A surpresa de que ela o machucasse, de que realmente o machucasse até o ponto de que o sangue lhe corresse pela cara, tinha-lhe provocado um verdadeiro shock. O tempo que perdeu lutando com ela quando poderia havê-lo seguido, dócil como uma vaca, deixava-o tremente.

     Quase não notou que o que caía do céu não era chuva a não ser neve. Além disso, os trovões eram ensurdecedores. Espessos e pesados flocos bailoteaban frente a seus olhos, de maneira que não viu o Adam até que estiveram quase cara a cara. E Jesse olhava o canhão de um rifle.

     -Solte-a! -A voz do Adam era tranqüila como a água de um lago, sem que a fúria nem o temor que sentia aparecessem na superfície-. Te afaste dele, Lily.

     Jesse lhe apertou o pescoço com mais força, lhe impedindo de respirar. O canhão da arma, que ainda conservava na mão, estava apoiado contra a têmpora do Lily. Não havia nem sotaque de tranqüilidade no Jesse. Falava com gritos.

     -É minha maldita filha de puta de mulher! Se não se separar de meu caminho a matarei. Colocarei-lhe uma bala no cérebro.

      Ouviu que alguém carregava outra arma e viu aproximar-se da Willa, sem casaco e com o cabelo coberto de neve.

     -lhe tire as mãos de cima a minha irmã, filho de puta!

     Estava mau, tudo estava mau e o pânico fez tremer as mãos do Jesse.

     -Farei-o. Se der um só passo mais, o cérebro do Lily lhe manchará os sapatos. Diga-lhe Lily. lhe diga que te matarei aqui mesmo.

     Lily sentia o aço que lhe apertava a têmpora. Imaginou o relâmpago do disparo. A pressão do braço do Jesse contra seu pescoço apenas lhe permitia respirar. Para permanecer com vida, não apartou os olhos do Adam.

     -Sim, fará-o. esteve aqui sempre, esteve aqui.

     Jesse jogava faíscas pelos olhos. Parecia um monstro com o sangue que lhe corria pela cara e os lábios estendidos em um sorriso amplo, desafiante.

     -Tem razão. estive todo o tempo aqui. Se quiserem que lhe faça o mesmo que fiz a outros, não se separem de meu caminho. -Esboçou um sorriso encantador. Dominava uma vez mais a situação. Apertei tanto o pescoço do Lily que ela levantou as mãos para tratar de livrar-se dessa obstrução que lhe impedia de respirar-. E talvez até consiga colocar outro tiro diretamente no ventre de sua irmã.

     -Está fanfarroneando, Adam.

     O dedo da Willa tremia sobre o gatilho. «Colocarei-lhe uma bala na cabeça -pensou, sombria-. Se Lily movesse um centímetro a cabeça, solo um centímetro, poderia me arriscar.» Mas a maldita neve caía como uma cortina.

     -Sou um maldito infante de Marinha! -gritou Jesse-. Posso mandá-los aos dois ao outro mundo antes de cair. E a primeira será Lily.

     Sim, Lily seria a primeira.

     -Não escapará. -Mas Adam baixou o rifle. Por fúria, por orgulho não valia a pena arriscar a vida do Lily-. E pagará por cada minuto de medo que ela tenha vivido.

     -Retrocede, cadela! -ordenou- Jesse a Willa enquanto apertava o pescoço do Lily até o ponto de que os olhos lhe puseram em branco-. Posso-lhe romper o pescoço com a mesma facilidade com que piscada.

     Impotente, com todos seus instintos lhe gritando que não o fizesse, Willa retrocedeu. Mas não baixou a arma. «Um só tiro direto», prometeu-se. Se lhe apresentava a oportunidade de reduzir o de um só tiro, tentaria-o.

     -Sobe ao jipe. -Tironeé ao Lily para que avançasse com ele, caminhando para trás e movendo os olhos de lado a lado-. Sobe a esse maldito jipe e sente-se atrás do volante. -Empurrou-a para que subisse, atirou-a para o outro lado do assento, sem baixar a arma e com cuidado de que sempre estivesse à vista-. Se nos seguirem -gritou-, matarei-a. Matarei-a o mais devagar que possa. Ponha em marcha esse maldito motor e vamos !

     No momento de fazer girar a chave, Lily olhei por última vez a cara do Adam. E em seguida arrancou.

     Com mãos trementes, Willa baixou o rifle. Não tinha podido arriscar a vida do Lily.

     -Deus! meu deus! encaminham-se para o oeste. -Pensa, ordenou-se. Pensa-. A polícia pode bloquear o caminho, detê-los, se ele tenta tomar a rota principal. Mas se for inteligente, imaginará e irá pelas montanhas. Podemos segui-los em menos de vinte minutos, Adam.

     -Eu a deixei ir. Eu permiti que a levasse.

     Willa o sacudiu com força.

     -Desde não havê-lo feito, a teria matado diante de nossos próprios olhos. Esse homem estava morto de medo, de pânico e está louco. O teria feito.

     -Sim. -Adam respirou fundo e exalou com força-. Agora os encontrarei. E o matarei.

     Willa assentiu.

     -Sim. Você chama à polícia. Eu irei procurar aos homens. Os que subamos à montanha necessitaremos cavalos e equipe. te apresse!

     ficou em marcha em seguida e tropeçou com o Billy quem tinha conseguido arrastar-se até o caminho.

     -Deus! -Tinha a cara coberta de sangue e Willa temeu que Jesse lhe tivesse disparado-. Billy!

     -Pegou-me. Golpeou-me com algo.

     -Fica sentado e não te mova daqui. -Começou a correr para a casa principal-. Bess! Busca o estojo de primeiro socorros de primeiros auxílios. Billy está frente à casa do Adam. Está ferido. Traz-o para a casa.

     -Que diabos acontece? -Furiosa porque tinham interrompido sua sessão vespertina de informática, Tess apareceu no alto da escada-. Primeiro escuto aos cães que ladravam como loucos e agora você grita como se a casa estivesse em chamas. O que aconteceu ao Billy?

     -Jesse Cooke. Date pressa! -ordenou enquanto Bess a seguia-. Não sei se estiver mal ferido

     -Jesse Cooke! -Alarmada, Tess baixou a escada correndo-. Do que está falando?

     -agarrou ao Lily. Tem-na consigo -replicou Willa, respondendo as perguntas balbuceantes do Tess-. Acredito que a leva às terras altas. Está por começar uma tormenta de neve e ela nem sequer tem um casaco. -Essa primeira expressão de histeria foi a última, porque Willa recorreu a toda sua força de vontade para dominar-se-. Esse homem é presa do pânico e deve estar louco, pior ainda. Chama o Ben, ao Nate, a qualquer que te ocorra, e lhes diga que devemos organizar uma equipe de busca e em seguida. Seguiremo-los a cavalo.

      -Prepararei roupa de casaco -anunciou Tess, enquanto apertava tanto o corrimão da escada que lhe puseram brancos os nódulos-. E também para o Lily. Necessitará-a quando a encontrarmos.

     -Mas corre!

     No término de dez minutos, Willa tinha organizado aos homens. Estavam armados, preparados para sair em jipes e a cavalo, com provisões para dois dias.

     -O não conhece a zona como a conhecemos alguns de nós -disse-lhes Willa-. Solo faz uns meses que está aqui. E Lily fará o possível por atrasar sua marcha. Dispersaremo-nos em leque. Cabe a possibilidade de que a leve a cabana, de maneira que Adam e eu iremos para ali. O tempo lhe fará difícil a fuga, mas tampouco nos ajudará .

     -Alcançaremos a esse filho de puta -assegurou Jim, tomando seu rifle-. E o faremos antes do amanhecer.

     -Neste caso não haverá possibilidade de lhes seguir os rastros, de maneira que... -Deixou a frase inconclusa ao ver que o jipe do Ben entrava a toda velocidade ao pátio do rancho. Nesse instante Willa teve um momento de debilidade, de maneira que ficou tensa-. De modo que nos dispersaremos em uma zona ampla. Todos vocês têm seus brancos. A polícia está cobrindo os caminhos principais e nos mandam mais homens. As equipes de busca e resgate sairão assim que amanheça, mas quero ao Lily de volta para então. Quanto ao Cooke... -Respirou fundo-. Façam o que for necessário fazer. Em marcha!

     -Para onde vai? -foi a única pergunta que fez Ben.

     -Vou com o Adam para a cabana.

     Ben assentiu.

     -Irei com vós. Necessito um cavalo.

     -Temos um disponível.

     -Eu também vou. -Com os olhos cheios de lágrimas, Tess se aproximou do Adam-. Sei montar.

     -Obrigará-nos a avançar com mais lentidão.

     -Maldita seja! -exclamou Tess, tomando a Willa pelo braço e fazendo-a girar sobre si mesmo-. Também é minha irmã. Irei.

     -Sabe montar-foi tudo o que disse Adam. Saltou à arreios e, seguido por seu jovem sabujo, saiu ao galope.

     -Espera ao Nate -ordenou Willa-. O conhece o caminho. -Montou com rapidez-. Nate necessitará que alguém lhe dê detalhes do acontecido.

     Convencida de que devia conformar-se com isso, Tess assentiu.

     -Está bem. Alcançaremo-lhes.

     -Traremo-la de volta a casa, Tess -murmurou Ben no momento de montar. Em seguida assobiou ao Charlie para que os seguisse

     -Traz as de volta às dois -pediu Tess enquanto os observava afastar-se.

    

     Adam não disse uma só palavra até que encontraram o jipe abandonado. Tinha a cabeça cheia de idéias muito sombrias, o coração muito gelado para poder falar. deteve-se o tempo necessário para olhar com cuidado, em busca de alguma sinal. O jipe estava fundo até a carroceria na neve e apoiado como bêbado contra uma árvore.

     A neve espessa e úmida o cobria tudo e os cães avançaram por ela, com os narizes pegos ao chão.

     -Tinha-lhe pego. -Adam abriu a porta do lado do condutor, aterrorizado ante a possibilidade de encontrar rastros de sangue. Ou algo pior-. Já tinha marcas na cara, nos lugares onde lhe tinha pego.

     O jipe estava vazio, com algumas gotas de sangue perto da porta do acompanhante. «Não é sangue do Lily pensou Adam-, mas sim do Cooke.»

     -A elle corria sangue pela cara -recordou-lhe Willa-. Lily lhe devolveu os golpes, e com acréscimo.

     Quando Adam se voltou a olhá-la, tinha os olhos inexpressivos, parecidos com os de um boneco.

     -Disse-lhe, prometi-lhe, que ninguém voltaria a machucá-la.

     -Não podia fazer nada. Agora não a machucará, Adam. É sua única possibilidade de sair disto. Não lhe fará o que...

     -O que fez aos outros? -Adam ladrou as palavras e enterrou esse pensamento. Sem dizer uma só palavra mais, montou e seguiu adiante.

     -Deixa que nos separe um pouco -aconselhou Ben, apoiando uma mão sobre o braço da Willa-. Precisa estar sozinho.

      -Eu também estava ali. E o apontava com uma arma. Tenho melhor pontaria que Adam, melhor que nenhum dos do Mercy, mas não serve para nada. Tive medo de arriscar... -Lhe quebrou a voz e meneou a cabeça.

     -E se tivesse decidido te arriscar e nesse momento Lily se moveu? Poderia havê-la ferido a ela.

     -Ou talvez neste momento estaria a salvo. Se tivesse que fazê-lo de novo, pegaria-lhe um tiro entre os olhos a este filho de puta.

     -obrigou-se a não pensar nisso-. Voltar a pensar no assunto tampouco ajuda. Talvez se encaminhe para a cabana. É a direção indicada. Talvez cria que pode fazer-se forte ali.

     Willa montou.

     -Esta vez Lily se defendeu. Possivelmente teria sido melhor que tratasse de fugir.

    

     Lily teria fugido, de ter podido fazê-lo. Estava congelada, com a camisa empapada, mas se fugir tivesse sido uma alternativa, teria se animado a fazer frente à tormenta de neve e às montanhas.

     Jesse tinha guardado a arma, mas quando ela chocou a árvore com o jipe, trocou de estratégia. Ela enfiou para a árvore, com a esperança de que do lado do Jesse, o impacto o atordoaria o suficiente para permitir que ela fugisse e ganhasse distância. Mas o único que ganhou foi que ele a atirasse quão larga era sobre a neve.

     Depois lhe atou as mãos e lhe enlaçou uma soga ao redor da cintura para mantê-la unida a ele. Ela tropeçava muito, ao princípio com deliberação, para ganhar tempo. Mas ele a levantava em seguida.

     A tormenta de neve era monstruosa. quanto mais subiam mais forte se fazia, com trovões que retumbavam na terra, seguidos de relâmpagos que iluminavam o céu. E o vento era tão forte que Lily quase não alcançava para ouvir as maldições que Jesse proferia em seu contrário.

     O mundo era branco... de um branco formado redemoinhos e lhe ululem.

     Jesse tinha uma mochila sobre os ombros. Lily se perguntou se ali levaria uma faca e o que terminaria lhe fazendo.

     O frio lhe tirava forças, penetrava-lhe até os ossos que pareciam a ponto de quebrar-se. Nesse momento, lutar contra ele não era mais que uma fantasia, fugir uma esperança cada vez mais impossível. Para onde correr se não havia mais que uma cortina de neve cegadora?

     Quão único podia fazer era sobreviver.

     -Creísteis que me tinham, verdade? -Jesse lhe pegou um puxão a soga e Lily caiu contra ele. Tinha o pescoço da jaqueta de pele de ovelha voltado para cima, mas de todos os modos a neve lhe penetrava pelo pescoço e o irritava. Seu amante que se dedica a remover excrementos de cavalo e a mestiça de sua irmã acreditavam que levavam as de ganhar, não é certo? Consegui o que queria. -Apertou-lhe com força um peito através da camisa-. Sempre o consegui e o seguirei conseguindo.

     -Você não me deseja, Jesse.

     -É minha maldita mulher, não é verdade? Fez votos, não? Prometeu amar, honrar e obedecer. Até a morte. -Empurrou-a e a fez cair na neve só por diversão e para sentir-se forte e poderoso-. Seguirão-nos, mas não sabem contra o que se enfrentam, não é certo, Lily? Sou um maldito infante de Marinha.

     Posso me abrir caminho através desta neve, o mesmo que me abri caminho através do treinamento básico, pensou. Era capaz de abrir-se caminho através de algo.

     -Faz muito tempo que isto descida. -Tirou um cigarro e o acendeu com o acendedor cuja chama tinha posto ao máximo-. estive estudando a zona. Trabalho no Three Rocks desde que cheguei, virtualmente depois de que depositasse aqui seu fraco culo.

     -No Three Rocks? É empregado do Ben?

     -Sim, do Grande Pedante McKinnon. -Lançou uma baforada de fumaça por entre os dentes-. O mesmo que ultimamente anda montando a sua irmã. Eu mesmo estive pensando nessa possibilidade. -Estudou ao Lily que tremia na neve-. Deve ser muito mais interessante que você na cama. Até uma maldita árvore o seria, mas é minha mulher, verdade?

     Lily se levantou. Seria muito fácil ficar aí tendida e dar-se por vencida.

     -Não, não sou sua mulher.

     -Nenhum maldito pedaço de papel me convencerá de que não o é. Crie que pode escapar de mim, ir a uma porcaria de advogado, chamar à polícia? Por sua culpa me meteram no cárcere. Mas te asseguro que me pagará isso com acréscimo.

      Voltou a examiná-la. Pálida, castigada. Dela. depois de inalar uma última baforada de fumaça, arrojou o cigarro sobre a neve.

     -Parece que tem frio, Lily. Talvez me detenha um par de minutos para te esquentar. Temos tempo -continuou dizendo enquanto atirava da soga para aproximá-la para si-. De todos os modos eles nunca nos encontrarão nesta tormenta. Nem sequer poderiam encontrar a um elefante com este tempo.

     Colocou-lhe a mão entre as pernas. Quando o único que viu nos olhos do Lily foi asco, empurrou com mais força até lhe causar dor.

     -você adora simular que você não gosta que lhe tratem com rudeza, mas é uma puta, quão mesmo todas as demais. Antes me dizia que você gostava, não é certo? «Eu gosto do que me faz, Jesse.» Não era isso o que me dizia, Lily?

     Ela o olhou aos olhos e lutou contra a humilhação que lhe produzia que a tocasse.

     -Menti-te -disse com frieza. Não fez o menor gesto de dor quando lhe colocou o dedo dentro do corpo. Não estava disposta a permitir que ele tivesse essa satisfação.

     -Cadela castradora! Contigo nem sequer consigo me excitar, nem sequer serve para me provocar uma ereção. -Até esse momento ela nunca se animou a lhe responder. Sobre tudo depois do primeiro par de bofetadas. Desconcertado, pegou-lhe um empurrão, logo trocou de posição a mochila-. De todos os modos neste momento não temos tempo para isso. Quando chegarmos ao México será outra coisa.

     Trocou de direção e enfiou para o sul.

    

     Lily perdeu a noção do tempo, da distância e da direção. A neve caía com mais lentidão, embora de vez em quando ainda ressonava um trovão sobre os picos das montanhas. Ela punha um pé diante do outro de uma maneira mecânica, cada passo era uma possibilidade de sobrevivência. Nesse momento tinha a segurança de que Jesse não se dirigia à cabana e se perguntou onde estaria Adam, por onde a estaria procurando, o que sentiria.

     Quando se voltou para ele por última vez, viu um olhar assassino em seus olhos. Encontraria-a, estava segura de que a encontraria. Quão único tinha que fazer era permanecer viva até que o fizesse.

     -Tenho que descansar.

     -Descansará quando eu lhe diga isso.

     Temeroso de ter equivocado o caminho em meio da tormenta, Jesse tirou sua bússola. Quem mierda podia saber para onde se dirigia em meio dessa tormenta?

     A culpa não era dela.

     -De todos os modos, não iremos muito mais longe. -Guardou a bússola no bolso e enfiou para o este-. Típico de uma mulher: te levar como uma cadela, gemer e te queixar. Sempre choramingaste por algo.

     De ter tido força para fazê-lo, Lily teria rido. Talvez em uma época tivesse choramingado pelos cheques que desapareciam, pelas garrafas de uísque, pelas promessas esquecidas. Mas isso não se parecia em nada à possibilidade de chorar por congelamento nas Montanhas Rochosas.

     -Resultará-te mais difícil se me deprimir por extenuação, Jesse. Necessito um casaco, beber algo quente.

     -te cale! O único que te peço é que te cale a boca! -Protegeu com uma mão a lanterna enquanto tratava de ver algo em meio da escuridão e a nevada-. Tenho que pensar.

     A direção era a correta. Pelo menos, disso estava seguro. Mas a distância era farinha de outro costal. Não se materializava nenhum dos marcos do caminho que teve o cuidado de memorizar. Na escuridão, tudo parecia diferente. Tudo parecia igual.

     Não era culpa dela.

     -Perdemo-nos? -Lily não pôde conter um sorriso. Não era típico do Jesse? O fanfarrão do Jesse Cooke, ex-infante de Marinha, perdido nas montanhas de Montana-. Para onde fica o México?

     E então riu, embora a sua foi uma risada débil. E riu embora ele se voltou para ela, com o punho em alto. O teria querido usar, solo para aliviar sua frustração, mas de repente viu o que procurava.

     -Quer descansar? Muito bem. por agora ficaremos aqui.

     Voltou-a para tironear e a meteu na neve até a cintura para conduzi-la para a entrada de uma pequena cova.

     -Este foi o plano B. Sempre terá que ter um plano B, Lily. Faz mais de um mês que percorri este lugar. -E tinha intenções de deixar ali provisões, no caso de, mas não teve oportunidade de fazê-lo-. É um lugar de difícil acesso. Aqui seu índio não te encontrará.

     Ainda fazia frio, mas pelo menos estavam protegidos do vento. Lily caiu de joelhos, aliviada.

     Encantado de ter alcançado a segunda etapa de seu plano, Jesse se tirou a mochila.

      -Aqui temos algumas costure. Por exemplo: uma garrafa de uísque. -Foi o primeiro que tirou e bebeu um comprido trago. Agora toca a ti, querida.

     Lily tomou a garrafa com a esperança de que embora fora um falso calor a ajudaria a deixar de tremer.

     -Necessito uma manta.

     -Por acaso, resulta que tenho uma. Já sabe que sempre estou preparado para algo, verdade?

     Estava satisfeito com a equipe de sobrevivência que levava: a comida, a lanterna, a faca, os fósforos. Arrojou-lhe uma manta e a olhou divertido quando ela tratou de cobrir-se apesar de ter as mãos atadas. Jesse se tendeu sobre o chão da cova.

     -Dormiremos um momento. Não nos podemos arriscar a acender uma fogueira, embora suponha que estes moços devem estar ao norte daqui. -Tirou outro cigarro. Deus era testemunha de que depois de um dia de duro trabalho o menos que um homem merecia era um cigarro e uma taça-. Pela manhã voltaremos a nos pôr em marcha. Suponho que chegaremos a um desses povos de mierda onde poderei roubar um carro. Então iniciaremos o caminho para o sol do México. -Para celebrá-lo-se dedicou a fazer anéis de fumaça-. Não vejo a hora. Montana é uma porcaria.

     Estirou as pernas e apoiou as costas contra o flanco da cova enquanto ela dormitava coberta pela manta que logo que alcançava a protegê-la do frio.

     -Uma vez ali, ganharei uma pilha de dinheiro. Se te tivesse levado bem, isso é algo do que não teria tido que me preocupar. Sua parte do Mercy significa muito dinheiro para mim, Lily, mas teve que arruiná-lo tudo acreditando que podia te casar com esse tipo. Mais tarde conversaremos sobre isso. E muito.

     Tomou a garrafa e voltou a beber.

     -Mas um homem inteligente como eu, um homem que tem sorte no jogo, pode fazer fortuna lá.

     Precisava dormir, tinha que dormir para recuperar suas forças até que Adam a encontrasse. Até que pudesse escapar. enroscou-se contra a parede oposta da caverna, o mais longe dele que o permitia a soga e se cobriu com a manta.

     A partir desse momento, Jesse beberia. Sabia de cor o que aconteceria. Beberia até estar bêbado e então suas possibilidades de fugir seriam maiores.

     Mas tinha que dormir. O sonho se fechava sobre ela como uma névoa e seus tremores eram tão fortes que temia que lhe fraturassem os ossos. Escutou o som que fazia Jesse ao elevar a garrafa, deixou-se levar pela modorra.

     -por que matou a essa gente, Jesse? por que fez todas essas coisas?

     A garrafa tilintou. Jesse lançou uma risita, como se se tratasse de uma pequena brincadeira privada.

     -O homem faz o que deve fazer.

     Foi o último que lhe ouviu dizer.

    

     De pé em uma colina fria e ventosa, Adam permanecia com a vista cravada na escuridão, tentando ver algo nela, como se se tratasse de um espelho. Quão único cortava essa escuridão era o forte raio de luz de sua lanterna e os das lanternas que tinha detrás.

     -Não se dirige à cabana.

     Ben estudou o céu, calculou o tempo que faltava para que amanhecesse. Maldição! Estava desejando que saísse o sol. A manhã talvez traria consigo sinais, além dos rastros que seguiam os cães. Pela manhã levantariam vôo os aviões e seu próprio irmão estaria ali acima, estudando cada árvore e cada rocha.

     -escolheu algum lugar determinado, e a leva para ali. -Adam mantinha a cara contra o vento, como se as rajadas pudessem lhe dizer algo. Algo-. Conhece outro lugar. Teria que ser mais que louco se se internasse de noite e a pé na montanha sem contar com um refúgio.

     O homem que destroçou os corpos de duas pessoas deve estar mais que louco, pensou Ben com ânimo sombrio. Mas não era isso o que Adam tinha necessidade de ouvir.

     -ocultou-se em alguma parte. Encontraremo-lo.

     -A tormenta de neve amainou um pouco. move-se para o este. Lily não estava vestida para passar uma noite à intempérie com este frio. -Adam tinha a vista cravada para diante, devia olhar fixamente a escuridão e obrigar-se a respirar, apesar de seu tremor interior-. De noite sempre tem frio. Ossos de ave. Lily tem ossos de ave.

     -Não pode nos levar muita dianteira. -Como era quão único podia fazer, Ben apóio uma mão sobre o ombro do Adam e a deixou ali-. Vão a pé. Não terão mais remedeio que deter-se descansar.

      -Quero que me deixe sozinho com ele. Quando os encontrarmos, quero que te leve ao Lily e ao Will, e que deixe que eu me dele encarregue. -Nesse momento Adam se voltou e seus olhos, sempre tão doces, tão tranqüilos, eram duros e frios como a rocha sobre a que estava parado-. Deixe-me isso .

     Existe uma civilização, pensou Ben, e existe uma justiça.

     -Deixarei-lhe isso a ti.

     Desde seu lugar junto aos cavalos, Willa os observava. Durante toda sua existência viveu, trabalhou e sobreviveu em um mundo de homens. Talvez compreendesse melhor que ninguém que havia momentos em que uma mulher devia manter-se dentro de certos limites. O que falavam não estava destinado a que ela o ouvisse, e o aceitava. O que acontecia entre eles nessa colina, não era sozinho entre homens, a não ser entre irmãos.

     O destino de sua irmã estava em mãos deles. E também nas suas.

     Quando começaram a perseguição, tomou uma blusa do Lily e a deu aos cães, para que a cheirassem. Trementes e excitados, eles gemeram e enfiaram para o sul.

     -O céu se está esclarecendo -disse Willa quando montaram e Adam lhes adiantou. Alcançava a ver algumas estrelas que se abriam passo entre a tormenta-. Se as nuvens se abrirem, teremos lua em quarto crescente e um pouco de luz.

     -Será uma ajuda -disse Ben, estudando-a. Willa montava erguida como uma flecha, sem dar amostras de decaimento. Mas não alcançava a lhe ver os olhos com suficiente claridade-. Está em condições de agüentar?

     -É obvio, Ben...

     O reprimiu um pouco o andar de seu cavalo, acreditando que talvez Willa estivesse a ponto de desfalecer e lhe fizesse falta seu apoio.

     -Se necessitar um minuto, podemos ficar atrás.

     -Não, não! Maldito seja! Faz horas que o tenho na mente. Havia algo familiar nesse cretino. Algo... como se o tivesse visto antes em alguma parte. Mas estava escuro e tinha a cara cheia de sangue, suponho que Lily O deve ter arranhado. -tornou-se atrás o chapéu, repentinamente irritada pelo que lhe pesava-. Deixei ao Billy em mãos do Bess com muita rapidez. Não tomei o tempo necessário para lhe fazer perguntas. Devi fazê-lo. Talvez assim teríamos uma idéia mais clara de seus movimentos.

     -Tinha outras coisas em que pensar.

     -Sim. -Mas lhe incomodava essa lembrança que a acossava e que, de repente, lhe escapava da mente-. Agora já não importa. -voltou-se a pôr o chapéu e açulou ao Moon para pô-la ao trote-. Quão único importa é encontrar ao Lily. -Encontrá-la com vida, pensou, mas não o pôde dizer. A caverna estava escura. Lily ardia, logo se congelava, em seguida voltava a arder e se revolvia presa de febre, sonhos e terrores. Tinha as mãos frite, as bonecas doloridas até o ponto da insensibilidade onde a soga lhe raspava a pele. enroscou-se sobre si mesmo,. sonhou que se acurrucaba contra o corpo do Adam que a rodeava com seus braços como o fazia todas as noites, para mantê-la perto. E abrigada. E segura.

     Choramingou um pouco quando as pedras disseminadas pelo chão da cova lhe cravaram no ombro, as costas, o quadril. Doía-lhe cada vez que se movia, mas era uma dor distante, que parecia um sonho. Por mais que lutava, não conseguia sair à superfície desse sonho.

     Quando a luz começou a lhe queimar as pálpebras, voltou-se para evitá-la. Tinha tanta necessidade de dormir, de apartar-se de tudo! Murmurou apenas e a febre começou a bulir em seu interior.

     Passos, pensou sem muita claridade. A casa do Adam. Em seguida o sentiria meter-se na cama, a seu lado. Teria o corpo um pouco frio, mas se esquentaria em seguida. Se solo pudesse voltar-se, despertar o suficiente para voltar-se para ele, a boca do Adam se apoiaria com suavidade sobre a sua e lhe faria o amor, com doçura e suavidade, como o fazia freqüentemente quando retornava de seu turno de guarda.

     Nem sequer teriam necessidade de falar, talvez sim de suspirar. Não lhes fariam falta palavras, solo acariciar-se, desfrutar de um do outro e esse ritmo suave dos corpos que se encontram. Depois voltar a dormir...

     Quando voltava a ficar dormida, pareceu-lhe ouvir um grito que se interrompeu com rapidez. Um grito como o de um camundongo quando cai na armadilha. Adam o levaria antes de que ela o visse. O compreendia essa classe de coisas.

      afundou-se na inconsciência e nem sequer sentiu que a faca se deslizava entre suas bonecas para cortar a soga, nem a pesada calidez do casaco do Jesse que lhe colocavam sobre o corpo. Mas pronunciou o nome do Adam quando o homem que se encontrava de pé a seu lado, com as mãos tintas em sangue, guardou a faca na vagem.

     Foi um trabalho rápido, coisa que lamentava. Não teve tempo para delicadezas. Foi uma sorte que os encontrasse antes que qualquer de outros. E mais sorte ainda porque o cretino estava dormido e estúpido. Morreu com mais facilidade da que merecia. Como um porco ao que degüellan e só chega a lançar um chiado.

     Mas apesar de seu apuro, pôde-lhe tirar o couro cabeludo. Já era uma tradição, e até tinha tido a prudência de levar consigo uma bolsa de plástico. Se por acaso a sorte o acompanhava.

     Teria que deixar à mulher como estava, para que outros a encontrassem. Ou dar uma voltas por ali e encontrar a cova pela segunda vez quando houvesse alguém como ele, para que tudo parecesse correto. Percorreu de novo a cova com o feixe de luz da lanterna e sorriu ao ver um pequeno grupo de ramitas. Bom, podia tomar o tempo necessário para isso, verdade? Um pequeno fogo perto da boca da cova, fumaça para atrair com mais rapidez a alguns dos da equipe de busca.

     «Que espetáculo encontrarão!», pensou com uma risita. Simplesmente não pôde menos que rir enquanto preparava o fogo com rapidez e o acendia. E não pôde menos que voltar a rir quando a luz das chamas dançou sobre o corpo apoiado contra a parede da cova e sobre o sangue que se amontoava a seu redor como um lago vermelho.

     Quando se afastou a cavalo se dirigiu para o este, ziguezagueando entre as árvores e as rochas até que alcançou a ver a luz de outra lanterna. A partir desse momento, quão único tinha que fazer era trocar de direção e fundir-se entre esses homens disseminados pela montanha, à espera de converter-se em heróis.

     O era o único que sabia que o trabalho do herói já parecia.

    

     -Fumaça! -Willa foi primeira em perceber o aroma. A arreios rangeu quando se parou sobre os estribos, concentrada-. Há fumaça. -E com ele o primeiro bato as asas de esperança dentro de seu coração-. Adam?

     -Lá adiante. Não o vejo, mas ali está.

     -Acendeu fogo -murmurou Ben-. Que cretino tão imbecil!

     Embora não o tinham planejado, puseram os cavalos ao trote e começaram a avançar os três juntos. No este apareceu o primeiro brilho de luz.

     -Conheço este lugar, Adam, você e eu subimos as rochas em um terreno baixo perto daqui. -O queixo do Ben se endureceu-. Há covas. Uma quantidade de pequenas covas. Um bom refúgio.

     -Sim, lembro-me. -Solo a lembrança da arma apoiada contra a têmpora do Lily impediu que Adam pusesse o cavalo ao galope. Entrecerró os olhos já acostumados à escuridão, para proteger-se da suave luz do amanhecer. Mas seu olhar era agudo-. Ali! -exclamou, assinalando a pequena coluna de fumaça no momento em que retumbavam os latidos agudos e frenéticos do Charlie.

     -Encontramo-los. -antes de que Willa pudesse falar, Ben lhe bloqueou o passo com seu cavalo-. Fique aqui.

     -Antes morta!

     -Por uma vez faz o que te diz, maldição!

     Conhecia esse latido do Charlie. Não era provocado pela excitação de ter encontrado algo, era o sinal de uma morte. Mas pelo queixo da Willa se deu conta de que não obedeceria nenhuma ordem. Embora aceitasse seguir um plano.

     -Está armado -recordou-lhe Ben-. Talvez consigamos fazê-lo fugir. De ser assim, faz-nos falta aqui, com seu rifle. Tem mais pontaria que Adam. Quase tão boa pontaria como eu. É provável que não se imagine que trouxemos para uma mulher, de modo que solo se fixará em nós.

     A Willa pareceu sensato, de maneira que assentiu.

     -Está bem. Tentaremo-lo primeiro dessa maneira. -Olhou ao Adam e extraiu o rifle-. Cobrirei-te.

     Adam desmontou e olhou ao Ben aos olhos.

     -Recorda -foi tudo o que disse.

     Ali se separaram. A gente foi pela esquerda e o outro pela direita para flanquear a boca da cova onde o pequeno fogo já estava reduzido a uma coluna de fumaça. Willa conteve ao Moon com os joelhos e esperou observando-os. moviam-se com sincronização, dois homens que caçavam juntos da infância e conheciam exatamente os pensamentos do outro. Um sinal da mão, ou da cabeça, e o passo trocava, acelerava-se mas sem chegar a converter-se em uma carreira.

     À medida que se aproximavam da caverna, o coração da Willa acelerava seus batimentos do coração. Conteve o fôlego enquanto se preparava para o som de disparos ou de gritos, ou o horrível espetáculo de sangue manchando a neve.

      Rezou, repetindo uma e outra vez em sua mente as palavras, em inglês, no idioma de sua mãe, logo em uma mescla se desesperada para ambos enquanto elevava suas súplicas a qualquer deus que estivesse disposto a escutar e ajudá-los.

     Respirou fundo e se obrigou a respirar profundamente. Levantou o rifle e apontou para a entrada da caverna.

     Foi Lily quem saiu de dentro, dando tombos.

     -meu deus! -esqueceu-se de seu dever, do plano e esporeou ao Moon para pô-la ao galope. Lily já estava em braços do Adam que a balançava sobre a neve pisoteada quando Willa desmontou-. Está ferida? Está bem?

     -Está ardendo. Tem febre. -Desesperado, Adam apertou a cara contra a dela, para refrescá-la. Até seus pensamentos de vingança se esfumaram ao vê-la estremecer-se contra ele-. Temos que levar a de volta em seguida.

     -Dentro -conseguiu dizer Lily e se enterrou em braços do Adam-. Jesse. OH, Deus!

     -Dentro? -Willa voltou a cabeça com rapidez e de novo a alagou o medo-. Ben? -pronunciou seu nome pela primeira vez, logo o chamou gritos enquanto corria para a caverna.

     -Sal daqui. -Ben lhe bloqueou com o corpo a vista do interior da cova e a colheu com força pelos ombros-. Sal agora mesmo.

     -Mas como? -Sangue, muito sangue. O pescoço degolado, as vísceras abertas, o couro cabeludo arrancado com brutalidade-.Quem?

     -Sal daqui. -Com rudeza, Ben a obrigou a voltar-se-. Fique fora.

     Ela conseguiu chegar até a boca da caverna, logo teve que apoiar-se na rocha. Tinha o corpo de suor frio e um acesso de arcadas. Aspirou baforadas de ar, cada uma das quais se converteu em um soluço, até que esteve segura de que não se deprimiria nem vomitaria.

     Lhe esclareceu visão e viu que Adam envolvia ao Lily em seu casaco.

     -Nas alforjas tenho um recipiente térmico com café. Ainda deve estar morno. -Willa se endireitou, ordenou a suas pernas que a sustentaram-. Tratemos de conseguir que bebê um pouco, depois a levaremos a casa.

     Adam ficou de pé e elevou ao Lily. Quando seus olhos se encontraram com os da Willa, o sol relampejou neles como tivesse relampejado sobre o fio de uma espada.

     -Já está morto, verdade?

     -Sim, já está morto.

     -Queria matá-lo com minhas próprias mãos.

     -Mas não dessa maneira -respondeu Willa, voltando-se para dirigir-se a seu cavalo.

    

     Willa se passeava pela sala de estar da casa do Adam. sentia-se inútil no quarto de um doente, e sabia. Mas fora dele se sentia pior que inútil. Apenas fazia uma hora que haviam tornado e já a tinham feito sair. Bess e Adam estavam acima, fazendo todo o necessário pelo Lily. Ben e Nate se encarregavam de atender à polícia e os peões estavam tomando-a manhã de descanso para repor-se da larga noite.

     Até o Tess tinha uma missão e estava na cozinha esquentando café ou chá ou sopa. Algo quente e líquido, pensou Willa enquanto voltava a passar frente à janela.

     Pelo menos antes teve algo que fazer. Descer das terras altas para alertar à polícia, para anular a partida de busca e resgate, para lhe pedir ao Bess que preparasse a cama para a doente. Mas a partir desse momento não ficava mais que uma inútil espera.

     Assim ao ver que Bess baixava a escada, interrogou-a, quase com desespero.

     -Como vai? É grave? O que estão fazendo por ela?

     -Tudo o que está em minhas mãos. -A preocupação e a falta de sonho a obrigavam a falar em um tom agudo e seco-. Agora vete a casa e te deite você também. Mais tarde poderá vê-la.

     -Deveria estar em um hospital -comentou Tess quem entrava com uma bandeja sobre a que havia um recipiente cheio da sopa fumegante que lhe encarregaram que preparasse.

     -Posso-a atender perfeitamente bem aqui. Se a febre não ceder dentro de pouco tempo, pediremos ao Zack que a leve ao Billings em avião. por agora está melhor em sua própria cama e com seu homem ao lado. -Bess arrancou a bandeja das mãos ao Tess. Estava desejando que essas duas garotas saíssem de seu caminho para não ter que preocupar-se, além disso, por elas, e poder dedicar-se ao Lily por inteiro-. Vocês lhes ocupe de suas coisas. Sei o que me faço.

     -Sempre acredita que sabe o que está fazendo. -Tess franziu o sobrecenho e olhou ao Bess que subia voando a escada-. Talvez Lily tenha alguma mão ou algum pé congelados ou sofra de hipotermia.

      -Não fazia suficiente frio para lhe provocar nenhuma dessas duas coisas -explicou Willa com cansaço-. E de todas maneiras a examinamos para nos assegurar de que não tivesse nenhum princípio de congelamento. O problema é que esteve exposta ao frio e estas são as conseqüências. Se Bess acreditar que piora, será primeira em enviá-la ao hospital.

     Tess apertou os lábios e disse o que desde fazia horas estava pensando.

     -Talvez essa besta a tenha violado.

     Willa se apartou. Era um medo mais, um medo muito feminino com o que teve que viver durante essa noite tão larga.

     -De ser assim, Lily o haveria dito ao Adam.

     -Para uma mulher nunca é fácil falar dessas coisas.

     -É-o quando se trata do Adam. -Willa se esfregou os olhos doloridos-. Tinha a roupa rasgada, Tess, e acredito que esse homem estava pensando em outras coisas, não precisamente em violá-la. E tivéssemos encontrado rastros. Bess o teria notado quando a despiu. Haveria-nos isso dito.

     -Está bem. -Pelo menos era um pequeno e horrível terror que podia deixar de lado-. Me vais dizer o que aconteceu lá encima?

     -Não sei o que aconteceu. -O podia imaginar com toda claridade. Igual a todos outros, tinha-o como gravado na mente. Mas não o compreendia-. Quando os encontramos, Lily delirava e ele estava morto. Morto -repetiu, olhando fixo ao Tess-. Igual aos outros. Igual a Pickles e essa moça.

     -Mas... -Tess estava convencida de que Adam tinha dado morte ao Cooke. Que tratariam de enganar à polícia, mas que era obra do Adam-. Isso não tem sentido. Se Jesse Cooke matou aos outros...

     -Não tenho nenhuma resposta. -Tomou seu chapéu e seu casaco-. Necessito um pouco de ar.

     -Willa. -Tess lhe apoiou uma mão sobre o braço-. Então, se Jesse Cooke não matou aos outros...

     -Sigo sem ter uma resposta. -Liberou seu braço-. Vete à cama, Hollywood. Tem um aspecto terrível.

     Não era uma boa maneira de despedi-la, mas nesse momento Willa não se sentia capaz de outra coisa. Tinha a sensação de que suas pernas estavam cheias de água e cruzou o caminho com dificuldade. «Terei que falar com a polícia>', pensou. Teria que suportá-lo uma vez mais. E teria que pensar, pôr em ordem suas idéias e decidir o que se devia fazer.

     Há muitos jipes no rancho, pensou, e se deteve estudar os selos oficiais que adornavam as portas dos veículos que flanqueavam o jipe do Ben. Não recordava que em vida de seu pai tivesse havido jamais um carro da polícia no rancho. E já nem sequer queria contar as vezes que tinham estado ali desde sua morte.

     Reuniu todas suas forças, subiu os degraus do alpendre e entrou na casa. Quando acabou de tirar o chapéu e de pendurá-lo no perchero, viu que Ben baixava a escada.

     Acabava de vê-la da janela do escritório, notou que quase caminhava a tombos para a casa e a maneira deliberada em que quadrou os ombros ao ver os carros da polícia.

     E com isso lhe bastou.

     -Como está Lily?

     -Bess não permite que, além do Adam, lhe aproxime ninguém. -Willa se tirou o casaco com lentidão, convencida de que ante qualquer movimento brusco seus ossos doloridos golpeariam um contra os outros-. Mas está descansando.

     -Parece-me bem. Você deveria fazer o mesmo.

     -A polícia quererá falar comigo.

     -Poderão falar contigo mais tarde. depois de que tenha dormido um pouco. -Tirou-a do braço e a dirigiu com firmeza para a escada.

     -Eu tenho responsabilidades aqui, Ben.

     -Sim, é certo. -Quando chegaram à parte superior da escada e ela começou a dirigir-se ao despacho, ela elevou e a conduziu a seu dormitório-. A primeira dessas responsabilidades é que não termine doente você também.

     -me solte! Arrebenta-me a atitude do homem das cavernas.

     -Tampouco eu gosto. -Fechou a porta a suas costas de um chute, aproximou-se da cama e a deixou cair-. Sobre tudo quando a que joga homem das cavernas é você. -Ela se levantou de um salto, ele voltou a obrigá-la a deitar-se-. Consta-te que tenho mais força que você, Will. Não penso te deixar sair deste quarto até que tenha dormido um pouco.

     Talvez Ben tivesse mais força que ela, mas não acreditava capaz de gritar mais forte.

     -Tenho meu escritório cheio de policiais, uma irmã muito doente para me dirigir duas palavras seguidas, uma casa cheia de peões que devem estar especulando a respeito do que aconteceu nas terras altas, e um rancho que ninguém dirige. Que demônios pretende que faça? Deixar que todo se vá a mierda enquanto eu durmo a sesta?

      -Espero que atenda a razões. -Willa estava equivocada. Ben também podia gritar mais forte que ela. Seus alaridos podiam havê-la atirado ao chão de não ter estado já deitada-. Por uma vez em sua maldita vida, te dobre antes de te romper. A polícia pode esperar, a sua irmã a estão atendendo e seus homens estão muito cansados para especular a respeito de nada, como não seja dos roncos de outros. E o rancho não se desmoronará se você dormir um par de horas.

     Agarrou-lhe uma bota, a tirou e a jogou no outro extremo da habitação. Ela se agarrou a outra em uma luta que poderia ter sido cômica se nos olhos do Ben não houvesse uma expressão tão grande de fúria.

     -Que demônios te passa? -perguntou Willa-. Para, Ben.

     A segunda bota lhe deslizou dos dedos e voou pelos ares.

     -Crie que não te vi a cara quando entrou na cova? Que não sei a impressão que lhe causou esse espetáculo e como teve que te conter para não desfalecer durante todo o caminho de volta? -Tomou pela camisa e durante um instante Willa acreditou que se propunha levantá-la e arrojá-la detrás das botas-. Não o vou permitir.

     Ela estava tão surpreendida que não reagiu até que ele terminou de lhe desabotoar a camisa e a desceu pelos ombros.

     -me tire as mãos de cima! Eu mesma me posso despir quando estiver lista para fazê-lo. Neste rancho você é um supervisor, McKinnon, mas não me dirige a vida, e se não...

     -Talvez necessite que alguém lhe dirija isso.

     Levantou-a da cama, como se fora uma pluma, pensou ela cada vez mais surpreendida, enquanto seus pés se bamboleavam a centímetros do chão de madeira. E compreendeu que Ben estava mais furioso do que o tinha visto jamais, e não porque não o houvesse visto furioso muitas vezes. Mas nunca assim.

     Sacudiu-a com tanta força que lhe tocaram castanholas os dentes.

     -Possivelmente de vez em quando te faça falta escutar a alguém, além de te escutar você mesma.

     Foi a sacudida a que o desencadeou. A humilhação de que a sacudissem assim.

     -Se escutar a alguém, não será a ti. E se não me solta quão único terá que fazer é procurar um lugar onde te proteger... -Tinha os punhos fechados quando ele a deixou cair de pé.

     -me pegue se quiser -desafiou-a-. Adiante. Mas te deitará embora tenha que te atar à cabeceira.

     Ela aferrou as mãos que lhe sujeitavam a camisa.

     -Lhe estou advertindo isso...

     -Esse homem trabalhava em meu rancho.

     Isso a deteve, deteve-os os dois enquanto lutavam com a camisa térmica da Willa.

     -O que? -Nesse momento cobriu com suas mãos as dele, cravo-lhe as unhas-. Jesse Cooke?

     E As mãos da Willa caíram flácidas aos lados do corpo quando recordou. Esse dia, caminho ao Three Rocks, essa cara sorridente e quase bonita que aparecia pelo guichê de seu jipe. Estiveram tão perto, tanto como nesse momento o estavam ela e Ben, solo separados por esse débil escudo de vidro.

     O que teria feito esse homem, perguntou-se, se a porta não tivesse estado fechada com seguro e o vidro levantado?

     -Aí foi onde o vi! -estremeceu-se ao pensar no sorriso que lhe dirigiu Jesse, na forma que a chamou por seu nome-. Não conseguia recordar quando foi. Esteve ali todo o tempo. esteve aqui, jogando pôquer com meus homens. Ali mesmo na casa dos peões, jogando às cartas.

     estremeceu-se, olhou ao Ben e compreendeu a carga que ele suportava. O que sente não é tanto irritação como culpa, pensou. E era um sentimento que Willa conhecia muito bem.

     -Não foi tua culpa. -Acariciou-lhe a cara com dedos tão suaves como o tom de sua voz-. Não podia adivinhá-lo.

     -Não, já sei que não podia. -Era algo que tinha mastigado até o ponto de sentir-se doente-. Mas isso não troca o assunto. Fiz que arrumasse o jipe do Shelly. Ela o convidou a passar a sua casa e a tomar café.., esteve a sós com ela e com a menina. Arrumou o deságüe do lavabo de minha mãe. Esteve na casa com minha mãe.

     -Basta! Não siga. -E então Willa se dobrou o suficiente para rodeá-lo com seus braços, para tironearlo até que Ben se sentou a seu lado sobre a cama-. Agora está morto.

     -Está morto, mas o assunto não terminou. -Tomou pelos ombros e a obrigou a voltar-se até que ficaram frente a frente no bordo da cama-. que o matou, Willa, trabalha para ti ou para mim.

     -Já sei. -Pensou-o, pensou-o constantemente durante o caminho de volta da caverna, durante todo o tempo que se passeou pela sala de estar do Adam-. Talvez tenha sido uma vingança pelos outros. Possivelmente Jesse tenha matado aos outros e quem quer que o encontrasse fez o mesmo a ele. Ao Lily não a machuco. Estava sozinha e doente, mas nem sequer a tocou.

      -E possivelmente um cada vez lhe resulte suficiente. Will, são muito poucas as possibilidades de que tenhamos dois homens capazes de fazer isso com uma faca. Cooke tinha uma faca pequena, desses que se colocam dentro das botas, com uma folha de dez centímetros, pouco mais que um brinquedo. É impossível causar tanto dano com uma faca de folha pequena.

     -Não. -Voltou-o a recordar tudo-. Não, não se pode.

     -Depois está esse primeiro cervo que encontramos perto da cabana. Não pôde ter feito isso. Eu virtualmente nem sequer o tinha contratado. Nessa época não conhecia o terreno, nem os arredores.

     Willa tinha os lábios tão secos que teve que umedecê-los com a língua.

     -Há-lhe dito todo isso à polícia?

     -Sim.

     -Está bem. -esfregou-se a frente. Ainda não lhe doía a cabeça mas estava profundamente concentrada-. Seguiremos o mesmo que antes. Manteremos os guardas. Que os homens trabalhem por turnos e em equipe. Eu conheço meus homens. -golpeou-se os joelhos com as mãos-. Conheço-os. Os dois novos que acabo de contratar... Deus! Não devi contratar a ninguém novo até não ter terminado com este assunto.

     -Tem que deixar de sair sozinha a cavalo.

     -Não posso levar um guarda-costas cada vez que tenha que controlar o gado.

     -Não seguirá saindo sozinha a cavalo -insistiu ele com tom tranqüilo-, porque em caso contrário utilizarei o testamento do velho para lhe impedir isso Anotarei que te considero incompetente como boiadeira. E convencerei ao Nate para que me respalde.

     A pouca cor que Willa conservava lhe apago da cara no momento em que ficou de pé.

     -É um filho de puta! Sabe que sou tão competente como qualquer rancheiro da zona. Ou mais.

     O também ficou de pé e lhe fez frente.

     -Direi o que seja necessário dizer e farei o que seja necessário fazer. Se puser contra mim, arrisca-te a perder Mercy.

     -Sal daqui em seguida! -Tinha os punhos fechados-. Quão único quero é que saia de minha casa.

     -Se quer conservá-la, se quiser que siga sendo sua casa, não sairá a cavalo sem que lhe acompanhem Adam ou Ham. E se quiser que vá, te coloque na cama e dorme um momento.

     Poderia-a ter obrigado a deitar-se utilizando a força uma vez mais. Lhe teria resultado mais fácil que dizer o que tinha que dizer.

     -Eu te quero, Willa. O que sinto por ti é muito profundo. -Resultou-lhe ainda mais difícil quando ela se voltou e o olhou-. Talvez não saiba que mierda fazer com o que sinto, mas o sinto.

     lhe voltou a doer o coração, mas de um modo inesperado.

     -me ameaçar é uma maneira muito parva de me demonstrar isso      -Tal vez. No tengo ganas de pegarte cada vez que te veo, de modo que tal vez los tenga.

     -Talvez. Mas se lhe pedisse isso de boas maneiras, acredito que não me faria conta.

     -Como sabe? Nunca me pediste nada de bom modo. Ben se passou uma mão pelo cabelo e tratou de lhe dar explicações.

     -Eu também tenho que viver meus dias. Preocupo-me tanto por ti que não rendo no trabalho. Se me fizesse caso nisto que te peço, facilitaria-me muito as coisas.

     Que interessante, pensou ela. Quando voltasse a ter a cabeça clara, teria que analisá-lo.

     -Você sai sozinho a cavalo, Ben?

     -Não estamos falando de mim.

     -Mas talvez eu também tenha sentimentos.

     Isso era inesperado.., e digno de consideração. De maneira que Ben o considerou, com as mãos metidas nos bolsos e balançando-se sobre seus pés.

     -Tem-nos?

     -Talvez. Não tenho vontades de te pegar cada vez que te vejo, de modo que talvez os tenha.

     Ben sorriu.

     -Não cabe dúvida, Willa, de que sabe alimentar o ego de um homem para depois derrubá-lo ao chão. por que não damos um passo adiante? -Lhe aproximou, levantou-lhe a cara com as mãos e a beijou com suavidade-. Importa-me. Muito.

     -Você também me importa. Muito.

     Willa estava suavizando-se. Ben sabia que ela não tinha consciência disso, mas ele sim. Em circunstâncias distintas, teria sido o momento de lhe fazer e! amor com suavidade, talvez de dizer mais. Talvez de não dizer nada. Porque sabia que isso era exatamente o que ela esperava, voltou-a a beijar; aprofundou o beijo e se afundou nela, nessa sensação de íntimo isolamento.

     Willa levantou os braços e lhe rodeou o pescoço. Quando ele a aproximou de si, notou-lhe uma estranha docilidade no corpo. Os músculos que acariciava, atados, começaram a distender-se. Essa vez, quando a elevou para deitá-la, Willa suspirou.

     -Será melhor que jogue a chave a essa porta -murmurou-. Em qualquer momento poderiam entrar os policiais. E nos prender.

     O lhe fechou os olhos com um beijo enquanto lhe desabotoava os jeans. Beijou-lhe os lábios enquanto lhe baixava as calças pelas pernas. Depois a cobriu com uma manta, levantou-se e baixou as persianas. As pálpebras da Willa estavam pesados e seus olhos sorriam quando o observou voltar a aproximar-se dela, inclinar-se, e beijá-la de novo.

     -Dorme um pouco -ordenou. Logo se endireitou e se dirigiu à porta.

     Ela se ergueu, com a velocidade de um látego.

     -Filho de puta!

     -Adoro-te quando me chama dessa maneira. -Com uma risita, Ben fechou a porta.

     Furiosa, ela se deixou cair sobre os travesseiros. por que seria que ele sempre parecia ganhar as partidas? Queria-a deitada e na cama, e ali era exatamente onde se encontrava. Resultava-lhe mortificante.

     Mas não pensava ficar ali. Em um minuto se levantaria e se daria uma ducha reparadora. Depois voltaria para seu trabalho.

     Em um só minuto.

     Não ia fechar os olhos, não pensava dormir. Se o fizesse, estava segura de que voltaria a encontrar-se nessa cova, no horror. Mas não é esse o motivo, disse-se, enquanto lutava por conservar os olhos abertos. Não se tratava de que se deixasse levar pelo medo. Era seu sentido do dever. E assim que respirasse tranqüila um par de vezes, levantaria-se cumprir com seu dever.

     Não pensava dormir tão solo porque Ben McKinnon lhe pedia que o fizesse. Sobre tudo porque era ele quem o pedia.

     Caiu como uma rocha e dormiu como uma pedra.

    

     Não havia um só prato sujo na pilha, nenhuma miolo sobre a mesa, nem a marca de uma pegada no chão. Lily olhou com atenção a cozinha imaculada. Adam lhe tinha adiantado. De novo. dirigiu-se à porta traseira e saiu. Os jardins que planejava ter estavam preparados com as verduras e novelo de flores já semeadas.

     Adam e Tess. Lily nem sequer pôde sujar com terra suas luvas de jardinagem. E que vontades tinha de fazê-lo!

     Lutou contra o ressentimento e se recordou que o faziam por carinho, porque pensavam nela. Esteve duas semanas doente e, durante outras dois, muito fraco para cumprir com suas tarefas habituais sem periódicos descansos. Mas já estava recuperada por completo e cansada de que se preocupassem com ela e a mimassem.

     Sabia que o congelador estava transbordante de pratos preparados pelo Bess ou pelo Nell. Da noite da aparição do Jesse nessa mesma cozinha por cuja janela agora olhava os tenros brotos das árvores, Lily não tinha tido que preparar nenhuma só comida.

     Tinha a sensação de que desde essa noite fria e amarga tinham transcorrido anos. E ainda conservava momentos em branco, zonas de cinza que preferia não explorar. Mas solo faltavam três curtas semanas para suas bodas e sua vida estava mais fora de controle que nunca.

     Nem sequer lhe permitiram que escrevesse seus próprios convites de bodas. Descobriram, para surpresa de todos, que a que tinha melhor letra era Willa. De maneira que Tess lhe atribuiu a tarefa, e Lily teve que conformar-se desempenhando um papel muito inferior.

     Permitiram-lhe lamber e pegar os selos.

     As flores estavam pedidas, os fotógrafos e a música escolhidos. E Lily permitiu que todos passassem sobre ela para definir os detalhes.

     Mas era necessário terminar com isso. Devia lhe pôr fim. Fechou a porta a suas costas e se dirigiu com passo decidido às cavalariças. Ou mas bem, começou a encaminhar-se para ali com passo decidido e terminou o trajeto arrastando os pés. Cada vez que se aventurava a ir às cavalariças ou a alguma pasto, Adam sempre encontrava a maneira de dissuadi-la e convencer a de que voltasse para casa. «E nunca me toca -pensou-. Ou me toca com tal falta de paixão que em lugar de ser um contato entre amantes, parece mas bem o que há entre médico e paciente.»

     Quando ela se aproximava, Adam saiu das cavalariças, o qual a fez pensar, e não pela primeira vez, que tinha uma espécie de radar no que a ela se referia. O lhe sorriu mas Lily notou em seus olhos uma expressão sóbria, e que a estudava.

     -Olá! Tinha esperanças de que dormisse um pouco mais.

     -Já são mais das dez. Pensei que hoje eu gostaria de trabalhar um par de potros, com a soga.

     -Há muito tempo para isso. -como sempre, afastou-a das cavalariças, lhe tocando apenas o cotovelo com uma mão-. tomaste o café da manhã?

     -Sim, Adam, tomei o café da manhã.

     -Me alegro. -Resistiu a tentação de elevá-la e levar a de volta à casa, onde estaria a salvo e de uma vez perto-. acabaste que ler o novo livro que te traga? Faz uma bonita manhã Talvez poderia te sentar a ler no alpendre. Assim tomaria um pouco de sol.

     -Já quase o acabei.

     Apenas o tinha começado. sentia-se culpado porque sabia que ele fez uma viagem especial ao povo para comprar livros, revistas, as amêndoas doces que tanto gostava.

     E ela odiava o livro, as revistas e as amêndoas. E até as flores que lhe levava a cada momento para alegrá-la.

     -Trarei-te a rádio ao alpendre. E uma manta. Estando sentada, talvez tenha frio. -Aterrorizava-lhe a possibilidade de que voltasse a agarrar frio, de ter que vê-la tendida na cama, tremendo e com uma mão inerte na sua-. Prepararei um pouco de chá e logo...

     -Basta! -O grito do Lily os surpreendeu aos dois. Adam ficou olhando-a e ela compreendeu que, até então, jamais lhe tinha gritado a ninguém. Era uma experiência poderosa e fascinante-. Basta, Adam. Estou cansada disto. Não quero ficar sentada, não quero ler. Não quero queime sirva o chá, nem que me traga flores nem doces nem que me trate como a uma taça rachada.

     -Não é necessário que ponha assim, Lily. Voltará a te pôr adoece e recentemente que acaba de te levantar da cama.

     Pela primeira vez em sua vida, Lily compreendeu a sabedoria de contar até dez antes de responder. Em outra ocasião, decidiu, talvez até o tentasse.

     -Mas já estou levantada. E me teria levantado bastante antes se não tivesse estado me rondando todo o tempo. E estou doente. Doente de que não me permita lavar meus próprios pratos, plantar meu próprio jardim, ou dirigir minha própria vida. Estou mortalmente doente de todo isso.

     -Vamos dentro. -Tratava-a como tivesse tratado a uma égua rebelde, com infinita paciência e compaixão-. Solo precisa descansar. Como faltam poucas semanas para as bodas, tem muitas coisas na mente.

     Isso foi o acabe-se. Lily girou sobre si mesmo para lhe replicar.

     -Não preciso descansar e tampouco necessito que me aplaquem como se fora uma criatura malcriada. E não haverá bodas. Pelo menos até que eu o diga.

     E se afastou, deixando-o surpreso, mudo e vacilante.

     deixou-se levar pela irritação, por essa pouco familiar e excitante sensação, até chegar à casa principal onde subiu a escada e entrou em despacho onde Willa estava discutindo com o Tess.

     -Se você não gostar de minha maneira de arrumar as coisas, por que demônios me encarregou esse trabalho? Tenho bastante que fazer, sem perder tempo preparando esta recepção.

     -Eu me encarrego das flores -replicou Tess-. Encarrego-me dos que proverão a comida. -Levantou as mãos ao céu, logo as apoiou sobre seus quadris-. Tudo o que tem que fazer é arrumar as mesas e cadeiras para o bufei ao ar livre. E se eu quiser que haja sombrinhas raiadas, o menos que pode fazer é me conseguir sombrinhas raiadas!

     Nesse momento Willa também pôs as mãos em jarras e se enfrentou ao Tess de maneira que ficaram nariz a nariz.

     -No nome de Deus, onde crie que vou conseguir cinqüenta sombrinhas raiadas em azul e branco... e muito menos o dossel que tanto te entusiasma? Se sozinho... Lily! Não se supõe que deveria estar descansando?

     -Não. Não se supõe que deva estar descansando. -Surpreendeu-lhe que não se desprendessem faíscas de seus dedos quando se aproximou do escritório e de um só tapa atirou ao chão todas as listas e convites que formaram uma avalanche de papéis-. Podem atirar ao cesto de papéis todos os papéis que se refiram à bodas. Porque não haverá bodas.

     -Querida. -depois de superar o impacto inicial, Tess rodeou com um braço os ombros do Lily e tratou de obrigá-la a sentar-se-. Se tiver dúvidas...

     -Não me chame «querida»! -disse Lily afastando-se dela, furiosa-. E não simule para me fazer acreditar que posso ter dúvidas quando ninguém acredita que sou capaz de pensar. trata-se de minhas bodas, maldita seja! Minha. E todos se feito cargo do assunto. Se tanto vocês gostam de planejar umas bodas, lhes case vocês!

     -irei procurar ao Bess -disse Tess, com o que provocou outra chilique do Lily.

     -Não te atreva a procurar o Bess e a trazê-la para que me trate como uma subnormal! A próxima pessoa que me trate assim receberá uma bofetada. E o digo a sério. Você -adicionou assinalando ao Tess- semeou meu jardim. E você -adicionou, assinalando a Willa- escreveu os envelopes de meus convites de bodas. Entre as duas lhes têm feito cargo de tudo. E o que lhes escapa, faz-o Adam com tanta rapidez que eu me tenho que ficar caçando moscas.

     -Bom, está bem. -Willa levantou as mãos-. Peço-te desculpas por tratar de te ajudar em um momento difícil. Não posso te explicar o que desfrutei quando tinham cãibras os dedos de tanto escrever com esta vigiando cada letra que escrevia.

     -Eu não te vigiava -disse Tess entre os dentes fechados-. Fiscalizava o trabalho.

     -O que vais fiscalizar! Coloca o nariz em tudo e cedo ou tarde alguém lhe vai cortar isso.

     -Ah! E suponho que essa será você.

     -lhes cale as duas! Por favor, lhes cale a boca!

     Fizeram-no embora ambas ficaram com a boca aberta quando Lily tomou um vaso e o fez voar pelo ar.

     -Não me importa que discutam até ficar roucas, mas não por meus assuntos. Nem a respeito de mim. Entendem-me? Não permitirei que me sigam utilizando. Não estou disposta a que me controlem. Não permitirei que faça a um lado. Quero que todos deixem de me olhar como se em qualquer momento me fora a desfazer. Porque não é assim. Não o é!

      -Lily -disse Adam, aparecendo na porta do despacho. Não sabia como aproximar-se dela nesse momento, de maneira que confiou em que um tom conciliador daria resultado-. Não quis te incomodar. Se necessitar tempo para...

     -Agora não você comece também! -Vibrando de fúria, chutou os papéis que cobriam o chão-. Justamente disso falava. Que ninguém incomode ao Lily! Que ninguém trate ao Lily como a uma pessoa normal! Pobre Lily! Talvez se rompa.

     Girou sobre si mesmo para poder ir olhando-os a todos. Jogava faíscas pelos olhos.

     -Bom, foi para mim a quem Jesse maltratou. Apoiou o canhão de uma arma contra minha cabeça. Foi para mim a quem arrastou até a montanha, a quem jogou na neve de um chute e a quem teve atada como se fora um cão. E sobrevivi. Já é hora de que também vós o façam.

     Nesse momento o que estava desfeito era Adam, pelas imagens que despertavam nelas palavras do Lily.

     -O que quer que faça? Que o esqueça? Que simule que alguma vez aconteceu? -perguntou ele.

     -Vive com isso. Como o estou fazendo eu. Não me tem feito nenhuma pergunta.

     Tremia-lhe a voz, mas conseguiu serená-la. «Não-se prometeu-, não me vou desfazer. E tampouco vou chorar. Talvez não queira conhecer as respostas. Talvez não me queira, tal como estão as coisas.»

     -Como pode dizer isso?

     Lily se ergueu tudo o que pôde, e continuou falando com um tom frio e razoável, apesar de que o coração lhe pulsava com tanta força que lhe golpeava as costelas.

     -Não me há meio doido, Adam. Não me há meio doido uma só vez desde que aconteceu todo isso. -Meneou a cabeça ao ver que Tess e Willa se preparavam a sair da habitação-. Não vão. Isto não é sozinho entre o Adam e eu. O nosso é sozinho parte do que acontece. Vocês tampouco me falastes que assunto, assim falemos agora. Agora mesmo. -enxugou-se uma lágrima que lhe corria pela bochecha. Maldição! Seria a última que verteria-. por que não me há meio doido, Adam? Porque crie que ele o fez e já não quer ter nada que ver comigo?

     -Não sei como te tocar. -Avançou um passo e se deteve. sentia-se torpe e com as mãos muito grandes. Como se sentia desde fazia semanas-. Não pude detê-lo. Não te protegi. Não fiz o que te prometi fazer. E não sei como te tocar nem por que poderia desejar que o fizesse.

     Lily fechou um instante os olhos. por que não se deu conta antes? Nesse momento o frágil era ele.

     -Me foste procurar -disse com suavidade, com a esperança de que ele compreendesse quão importante isso era-. A tua foi a primeira cara que vi o sair cambaleante da cova para me afastar de... para me afastar disso. Você foi o primeiro que vi, e graças a isso posso viver com o que me aconteceu.

     Respirou tremente, voltou-o a tentar e se deu conta de que a seguinte respiração lhe resultava mais fácil.

     -Durante todo o tempo que ele me deixou prisioneira, soube que iria me buscar. Esse foi um dos motivos que me permitiram seguir adiante. E lutar, em lugar de aceitá-lo tudo com resignação.

     Olhou a suas irmãs. Elas também deviam saber quão importantes foram.

     -Lutei e resisti, tal como o tivessem feito vocês. Ele tinha a arma, e era mais forte, mas não me pôde controlar. Em realidade em nenhum momento me pôde controlar de tudo. Porque não me dava por vencida. Eu choquei o jipe contra essa árvore. Para que tivesse que andar mais devagar, para que todo o fora mais difícil.

     -OH, Lily! -Destroçada, Tess se sentou e começou a chorar-. OH, Deus!

     -E quando me atou as mãos, a cada momento me caía, a propósito. -Nesse momento estava tranqüila, com a tranqüilidade de ter sobrevivido ao pior-. Porque isso também o obrigava a avançar mais devagar. Sabia que não me mataria. Pegaria-me, machucaria-me, mas não me mataria. Depois tive frio e já não pude seguir lutando. Mas não me dava por vencida.

     Sem pronunciar palavra, Willa foi servir um copo de água e o alcançou ao Tess. Lily respirou fundo. A partir desse momento poderia terminar, dizê-lo tudo, tudo o que não se havia dito.

     -Acreditei que talvez me violaria, e estava decidida a sobreviver também a essa experiência. Não seria a primeira vez que o fazia. Mas nesse momento estava descontrolado e tinha medo. Tanto medo como eu, ou talvez mais. Quando chegamos à cova estava cansada e soube que estava doente. Mas nada do que ele pudesse me haver feito tinha importância porque quão único teria que fazer séria suportá-lo. E voltar para rancho.

      aproximou-se da janela e olhou para fora. E reuniu suas forças porque estava de volta, porque conseguiu superar o mau momento. voltou-se de novo para eles.

     -Jesse tinha uísque. Bebi um pouco porque acreditei que me faria bem. O bebeu muito. Fiquei dormida, ou me deprimi, enquanto o ouvia beber e alardear, quão mesmo sempre. Ouvia o ruído que fazia o uísque dentro da garrafa e em alguma parte de meu cérebro acreditei que talvez se embebedasse o suficiente, solo o suficiente e que ao melhor eu teria a força necessária, nada mais que a necessária, para escapar. Então chegou alguém.

     Cruzou os braços sobre o peito.

     -Não o recordo com claridade. -Se alguma parte desse pesadelo a assustava, era essa. As lembranças nebulosas, empanados pela febre-. Então já devia ter febre, e suponho que delirava. Acreditei que foi você -disse dirigindo-se ao Adam-. Acreditei que estava em casa, na cama e que você entrava e deitava a meu lado. Foi como se o sentisse. E, ao senti-lo, voltei-me a ficar dormida e dormi enquanto quem fora matava ao Jesse e cortava a soga com que tinha as bonecas atadas. Solo estava a uns passos de distância, mas...

     Esse alarido curto e agudo. Que ainda alcançava para ouvir se o permitia.

     -Quando despertei -continuou dizendo com voz firme-, cobria-me o casaco do Jesse. Estava ensangüentado... talher de sangue. Tanto sangue! E então o vi. Vê-lo assim, de algum jeito foi pior que quando apoiava o canhão da arma contra a têmpora. A necessidade de me afastar dele era maior. Cada vez que respirava, percebia o aroma do Jesse e do que lhe tinha feito enquanto eu dormia a poucos passos de distância. E nesses poucos instantes tive muito mais medo que durante todo o resto do tempo.

     Avançou um passo, só um, em direção ao Adam.

     -Mas depois me arrastei para o sol e ali estava você. Estava ali quando mais te necessitava. E eu sabia que estaria.

     Já desafogada, serve-se um copo de água.

     -Lamento lhes haver gritado a todos. Já sei que tudo o que têm feito foi porque estavam preocupados comigo. Mas agora preciso retomar minha vida. Preciso seguir adiante.

     -Deveu-nos ter gritado antes. -Já recuperada, Tess ficou de pé-. Tem razão, Lily. Tem razão com respeito a tudo. Eu me deixei levar por meu entusiasmo e planejei o que te correspondia planejar a ti. Sinto muito. Me teria resultado odioso que alguém me tivesse empurrado assim a um segundo plano.

     -Está bem. Um de meus maus costumes foi permitir que deixem a um lado. E é possível que quando planejar o resto do jardim tenha que pedir ajuda.

     -Talvez eu deveria plantar um jardim próprio. Nunca imaginei que eu gostaria tanto. Estarei abaixo. -Saiu depois de dirigir um olhar a Willa.

     -Se quer começar a recuperar seu lugar -disse Willa movendo com um pé os papéis que cobriam o chão-, poderia começar por recolher estes papéis e tirar os daqui. -Sorriu-. Arrebenta-me ter que sair em busca de guardanapos de coquetel impressas.

     Decidida a correr o risco, tomou ao Lily pelos ombros e lhe aproximou o necessário para que ela a ouvisse, embora falasse em sussurros.

     -Se tivesse sido necessário para te recuperar, ele se teria miserável pelo inferno. Não o castigue por te querer muito. -tornou-se atrás e olhou ao Adam-. Tem um par de horas livres para tratar de pôr em ordem sua vida -informou-lhe. E saiu, fechando a porta a suas costas.

     -Devo te parecer uma ingrata -disse Lily, mas ele sozinho meneou a cabeça, de modo que ela se agachou e começou a recolher os papéis-. Arrojei um vaso. até agora, nunca tenho feito algo assim. Não me ocorreu que alguma vez quereria fazê-lo. Resultou-me difícil voltar a me sentir desnecessária.

     -Lamento te haver feito sentir isso. -Lhe aproximou e a ajudou a recolher os papéis. Encontrou a lista de pessoas que aceitavam o convite à bodas, e olhou ao Lily-. Em minha vida não existe nada mais necessário nem mais precioso que você. Se quer cancelar as bodas... -Não, nesse sentido não podia ser paciente nem razoável-. Não o faça.

     E Lily se deu conta de que Adam não podia lhe haver dito nada mais perfeito.

     -depois de que Tess e Will se tomaram todo este trabalho? Seria uma grosseria.

     Esteve a ponto de sorrir. O teria feito, mas Adam se cobriu a cara com as mãos. A cobriu, mas não antes de que ela conseguisse perceber a expressão de surpresa e de dor que ela acabava de lhe causar.

     -Permiti que te raptasse.

     -Não.

     -Acreditei que te mataria.

     -Adam!

     -Acreditei que se te tocava, faria-te pensar em todo isso, nele.

     -Não, não, Adam. Nunca. -De maneira que foi ela quem o abraçou-. Nunca. Nunca. Sinto muito. Sinto muito. Não quis te ferir. Mas estava tão zangada, tão frustrada! Quero-te, quero-te, quero-te. me abrace, Adam! Não sou frágil, não me romperei.

     Mas talvez se romperia ele. No momento de abraçá-la, de apertá-la convulsivamente, pensou que se quebraria como um vidro magro.

     -Queria matá-lo -confessou com voz sufocada, contra o pescoço do Lily-. Devi matá-lo. E viver com essa necessidade é quase tão difícil como viver sabendo que não o fiz. E pior ainda é pensar que pude te haver perdido.

     -Estou aqui. Já tudo terminou. -Quando a boca do Adam encontrou a sua, Lily se brindou por completo enquanto o tranqüilizava com carícias, como ele sempre a tinha tranqüilizado a ela-. Necessito-te tanto! E necessito que me necessite de novo a seu lado!

     O lhe emoldurou a cara com as mãos.

     -Necessito-te. E sempre te necessitarei.

     -Quero semear jardins contigo, Adam, e criar cavalos, pintar alpendres. -Também lhe emoldurou a cara com as mãos, jogou-lhe atrás a cabeça e disse o que tremia dentro de seu coração-. Quero ter filhos. Quero engendrar um filho contigo, Adam. Hoje mesmo.

     Vacilante, ele apoiou a frente contra a dela.

     -Lily!

     -É o momento indicado. -Agarrou-lhe uma mão e a levou aos lábios-. Me leve a casa, Adam, a nossa cama. Concebamos juntos um filho, hoje mesmo.

    

     Da janela do lado da casa, Tess viu que Adam e Lily se encaminhavam a casita branca. Fez-lhe pensar na primeira vez que os viu juntos, o dia do enterro.

     -Constata-o -gritou a Willa.

     -O que? -Com certa impaciência, Willa se reuniu com ela junto à janela, logo sorriu-. Que alívio! -Instantes depois viram que se baixavam as persianas do dormitório da casa Branca e Willa sorriu-. Pelo visto as bodas ainda segue em pé.

     -E eu ainda quero essas sombrinhas raiadas.

     -É uma grande filha de puta!

     -Isso é o que diz todo mundo, Will. -Em um movimento inesperado, apoiou uma mão sobre o ombro da Willa-. Ainda pensa tocar amanhã o gado até as terras altas?

     -Sim.

     -Quero ir contigo.

     -Que gracioso!

     -Não, digo-o a sério. Sei montar e acredito que talvez seja uma experiência interessante, uma experiência que poderei utilizar em meu trabalho. E já que Adam irá, acredito que Lily também deveria ir. É importante que nos mantenhamos juntos. É mais seguro.

     -Eu pensava lhe dizer ao Adam que não fora.

     Tess meneou a cabeça.

     -Necessita gente em quem poder confiar. Adam não ficará aqui, embora o peça. De maneira que Lily e eu também iremos.

     -Justo o que me fazia falta! Um par de inexperientes! -Mas já tinha pensado nisso, sopesando os prós e os contra-. Os McKinnon também subirão com seu rodeio. Levaremos um homem conosco e deixaremos ao Ham a cargo do resto. Será melhor que esta noite te deite cedo, Hollywood. Saímos ao amanhecer.

    

     Quão único falta, pensou Tess bocejando sobre a arreios ao amanhecer, é a música de uma puxada. De maneira que começou a cantarolar uma.

     Isto é magnífico, pensou. O mar de gado que avançava, os cavaleiros que percorriam os borde do rodeio em cavalos frescos e ansiosos. Todos surgiam através de uma cortina de neblina, dessa espécie de rio de neblina, que se convertia em dedos delicados enquanto o sol brilhava sobre o pasto coberto de rocio.

     E para o oeste, as montanhas se elevavam como deuses, chapeadas e brancas.

     Então Willa se voltou na arreios e gritou ao Tess que servisse para algo. Bom, pensou Tess com um sorriso, isso completa um quadro perfeito. Açulou ao cavalo para colaborar com o arreios.

     Não, ainda falta algo, compreendeu enquanto o ar se enchia com os mugidos dos animais, os gritos dos cavaleiros, e o ruído de cascos sobre a terra dura. Nate. Por uma vez desejou que ele tivesse ganho em lugar de cavalos; nesse caso talvez estaria com eles.

     -Não é sozinho questão de galopar -indicou-lhe Willa ficando ao mesmo tempo-. Tem que mantê-los em linha. Se perder um, deve persegui-lo.

     -Como se eu pudesse perder uma vaca, enorme e gorda -murmurou Tess, enquanto tratava de imitar o assobio da Willa e sua maneira de golpear a arreios com o laço.

      Não porque lhe tivessem dado um laço, nem porque tivesse sabido o que fazer com ele, mas utilizou um braço e logo, quando os centenares de pezuñas levantaram uma poeirada, recorreu a seu lenço.

     -Por amor de Deus! -exclamou Willa, elevando os olhos ao céu e retrocedendo-. Não se faz assim, pedaço de tola. Talvez necessite essa mão. -Tomou o lenço que Tess sustentava sobre seu nariz, e com rápidos movimentos, inclinou-se para ela para atar-lhe Assim eu gosto mais -decidiu quando o lenço esteve assegurado e cobria a metade do rosto de sua irmã-. Nunca te vi mais bonita.

     -Vete a jogar à patrã do rodeio.

     -Sou a patrã do rodeio. -E com essas palavras, Willa pôs a

     Moon ao galope e se dirigiu à parte traseira do rodeio para constatar se não ficava algum animal atrás.

     É toda uma experiência, decidiu Tess. Não exatamente igual a tocar ganho chifrudo desde Telhas ou onde fora que alguma vez o fizessem os jeans. Mas supôs que esse trabalho tinha certa majestade. Um punhado de cavaleiros que controlava a tantos animais, fazendo-os partir ao longo de pastos de onde outros vacunos observavam a procissão com olhar aborrecido, e recuperando potenciais animais perdidos com rápidos galopes dos cavalos.

     Temporada detrás temporada, pensou, ano detrás ano, e década detrás década, de uma maneira que trocava muito pouco. Ali o cavalo era a ferramenta, como foi sempre. Era impossível que um veículo de quatro rodas pudesse cruzar bosques, rios e terrenos baixos rochosos.

     Os pastos das terras altas eram magníficas e por volta de ali se levava o gado para que pastasse e estivesse ocioso durante os meses do verão e os primeiros meses do outono, sob o largo céu e com as águias e as cabras como única companhia.

     E o verão chegava como um presente. As árvores ficavam mais verdes, os pinheiros mais frondosos e se ouvia o alegre borbulhar da água que corria veloz e fresca. As flores silvestres adornavam uma pradaria próxima, uma surpreendente chuva de cor, que os fortes raios do sol faziam ressaltar. As aves cruzavam pelas árvores como flechas, voavam sobre as colinas como barris pequenos. E as montanhas se erguiam, de um branco cremoso nos picos, com um cinturão de árvores de um verde profundo e os terrenos baixos que ocultavam os vales e canhões lançando brilhos.

     -Como anda? -Jim colocou seu cavalo junto ao do Tess e a fez sorrir. Com seu aspecto aventureiro parecia surto do longínquo oeste.

     -Em realidade me resulta divertido.

     Jim lhe fez uma piscada.

     -Não deixe de recordar-lhe a seu traseiro quando terminar o dia.

     -Ah! Essa é uma parte do corpo que deixei de sentir faz como uma hora. -Mas se elevou na arreios para assegurar-se. Não, tinha o traseiro completamente insensível, como um molar anestesiado-. até agora nunca tinha estado tão acima. É fabuloso.

     -Mais adiante há um lugar do que deve olhar para ali. -Assinalou com gestos o lugar ao que se referia-. É um verdadeiro quadro.

     -Quanto faz que dedica a isto, Jim? A subir o gado na primavera?

     -No Mercy? Mierda! Faz mais ou menos quinze anos. -Voltou a lhe piscar os olhos um olho, viu que Willa lhes aproximava e soube que lhe dirigiria uma dessas olhadas que significavam que estava perdendo o tempo-. Mantém-me afastado das mesas de pool e longe de mulheres selvagens. -E trotou para seu posto, enquanto Tess ficava rendo.

     -Não flerte com um vaqueiro quando estamos tocando ganho -advertiu-lhe Willa.

     -Só mantivemos uma conversação curta e civilizada. Quando flerto, eu... OH, Meu deus!

     Tess reprimiu seu cavalo para olhar na direção que Jim acabava de lhe indicar. Compreendendo-a, Willa se deteve seu lado.

     -É uma vista maravilhosa.

     -Parece um quadro -sussurrou Tess-. E não parece real. -Essa combinação de cores, formas e tamanhos não podia ser real.

     Os picos se elevavam contra o céu e caíam para um canhão amplo e prateado onde corria um rio muito azul e onde as árvores cresciam espessos e verdes. Em algum ponto, que ao Tess pareceu estava a quilômetros de distância, o rio formava uma curva e desaparecia na rocha. Mas antes de desaparecer, cobria-se de espuma branca, chocava-me contra as rochas e logo recuperava sua serenidade.

     No alto, um falcão voava em círculos, sobre o rio curvo, entre as rochas rugosas, sob os picos chapeados, sobre as árvores verdes.

     -Aqui há boa pesca -disse Willa, inclinando-se sobre a arreios-. Vem gente de todas partes para pescar com cano neste rio. Eu não sei fazê-lo bem, mas vê-lo é um espetáculo. A maneira em que as linhas bailotean e cruzam o ar como um látego e aterrissam quase sem fazer um som. Mais abaixo, perto da curva, há um trecho de águas turbulentas. A gente se mete em botes de borracha e se diverte montando os rápidos. Eu prefiro os cavalos.

      -Sim.

     Mas Tess se perguntou como seria. Surpreendeu-lhe que o perguntasse, não com a frieza de uma escritora, a não ser fascinada pelo que podia significar perseguir esse rio, voar sobre suas águas.

     -Seguirá aqui quando retornarmos -disse Willa, voltando seu cavalo-. Nesse sentido, Montana é um lugar estranho. Pelo general todo fica em seu lugar. Vamos, está-te ficando atrás.

     -Está bem.

     Tess se levou consigo esse espetáculo e muitos outros durante o trajeto até as terras altas onde deixariam o rodeio.

     O ar ficou frio e sob as árvores, ao redor das rochas, apareceram emplastros de neve. Mas ainda havia flores, um salpicado de clemátides de montanha, o vermelho dos delfíniums silvestres. Uma cotovia das pradarias entoava uma canção da primavera.

     Quando se detiveram para dar um descanso aos cavalos e comer um rápido almoço, das alforjas tiraram jaquetas.

     -Por amor de Deus, não ate seu cavalo!

     Levantando de novo os olhos ao céu pela estupidez dessa inexperiente, Willa tirou as rédeas ao Tess e lhe pegou uma palmada ao cavalo que se afastou ao trote.

     -Que demônios tem feito? -Tess deu dois passos velozes, mas em seguida compreendeu que não conseguiria alcançar ao animal-. E agora o que se supõe que devo fazer? Caminhar?

     -Comer -respondeu Willa lhe passando um sándwich.

     -Ah, que bem! Eu como um pouco de rosbife enquanto meu cavalo volta para casa ao trote.

     -Não irá longe. Aqui acima a gente não pode andar atando os cavalos e depois afastar-se, sentar-se sob uma árvore e almoçar. -Sorriu ao ver que lhes aproximava Ben-. Olá, McKinnon! Não tem bastante que fazer sem andar procurando sobras?

     -Pensei que talvez lhes sobrasse um sándwich. -Desmontou e deu a seu cavalo a mesma palmada indiferente que Willa acabava de lhe dar ao do Tess. Muda de assombro, Tess observou que o animal se afastava.

     -Mas lhes tornastes todos loucos? A este passo não ficará um só cavalo para montar.

     Ben se apropriou do sándwich que Tess tinha na mão e lhe fez um piscou os olhos a Willa enquanto pegava uma dentada.

     -tentou atar o seu?

     -Sim.

     -Não se podem atar cavalos nas terras altas -explicou Ben entre uma dentada e outro-. Gatos monteses. Ursos.

     -O que diz... gatos? -Exagerada Tess girou sobre si mesmo tratando de olhar para todos lados ao mesmo tempo-. Refere a leões de montanha? A ursos?

     -Depredadores. -Willa tomou o que ficava do sándwich do Ben e o terminou-. O cavalo não tem possibilidade de fugir se está pacote. Seu rodeio está muito atrás, Ben?

     -ao redor do meio quilômetro.

     -Mas... -Tess pensou no rifle que se ficou na capa de suas arreios-. Que possibilidades temos nós?

     -Ah! Mais ou menos cinqüenta por cento -respondeu Ben provocando a gargalhada da Willa.

     -Suponho que Lily já esquentou o café.

     Ben afundou a Willa o chapéu sobre os olhos.

     -Como crie que lhes encontrei, moça? Segui o aroma do café.

     Tess permaneceu petrificada no lugar enquanto Willa e Ben se aproximavam do fogo onde Lily esquentava o café. Para ouvir um pequeno murmúrio de arbustos a suas costas, equilibrou-se para eles como se estivesse participando de uma carreira.

     -Esperem! Não me deixem sozinha!

     -Sua irmã tem um gosto exagerado pelo café -comentou Ben ao ver passar ao Tess como uma seta.

     -Deveu lhe ver a cara quando soltei seu cavalo. Solo por isso valeu a pena trazê-la.

     -Além disso, tudo vai bem?

     -Tranqüilo. -Caminhou com mais lentidão-. Normal. Ou tão tranqüilo e normal como a gente pode esperar em meio dos preparativos para umas bodas.

     -Eu não gostaria que nada arruinasse esse dia.

     -Nada o arruinará. -deteve-se em seco, deu as costas aos que rodeavam o fogo para olhar sozinho ao Ben-. Voltei a falar com a polícia -informou em voz baixa-. Estão investigando a meus peões. A cada um deles.

     -A meus também. É necessário, Willa.

     -Já sei. Deixei atrás ao Ham e me preocupa. O e Bess, os dois meninos do Wood. Porque em realidade, Ben, ficaram-se sozinhos.

     -Ham se sabe defender, e para o caso, também Bess. E ninguém vai fazer machuco a esses meninos, Willa.

     -Antes, eu tampouco o tivesse acreditado. Mas agora não sei. Quis que Nell os levasse do rancho, que fossem se ficar um tempo em casa de sua irmã. Mas se nega a separar-se do Wood. É obvio que se o culpado for Wood, ela e os meninos possivelmente estejam a salvo.

     Ao analisar o que acabava de dizer, Willa exalou uma baforada de ar.

     -Não posso acreditar nos pensamentos que me cruzam às vezes, Ben. Se for Wood, se for Jim ou se for Billy. Ou um de seus peões. Conheço-os todos quase de toda a vida. E depois penso que talvez Jesse Cooke tenha sido o último. Talvez com ele termine tudo e não tenhamos que seguir nos ocupando do assunto. Mas pensar assim é como ignorar ao Pickles e a essa garota.

     -Pensar assim é humano. -Acariciou-lhe a bochecha-. Perguntei-me se não terminará com o Cooke.

     -Mas não o crie.

     -Não, não acredito.       

     -Por isso está aqui? Por isso sobe seu rodeio o mesmo dia que eu subo o meu? Ben temia que não fora uma atitude muito sutil e nesse momento se passou a mão pela cicatriz que tinha no queixo.

     -poderia-se dizer que tenho feito um investimento em ti. Cuido o que é meu.

     Willa elevou as sobrancelhas.           

     -Eu não sou tua, Ben.

     O se inclinou e lhe deu um beijo rápido, quase indiferente.

     -Volta a pensá-lo -sugeriu antes de afastar-se em busca de uma taça de café.

    

     Do jornal do Tess:

     Tocar ganho não se parece em nada a conduzir um Mercedes 450 SL... que é um prazer que acredito que me darei quando voltar às luzes brilhantes já a grande cidade.

     Tocar ganho é uma aventura que talvez se pareça com viajar zumbindo por uma rota em um carro esportivo. A gente vai a lugares, vê coisas, tem o cabelo ao vento. Mas também é um assunto doloroso.

     Dói-me tanto o traseiro que tive que me sentar sobre um travesseiro para poder escrever. Suponho que em definitiva, valeu a pena. As Rochosas som uma maravilha, disso não cabe dúvida. Nem sequer a aventura se arruinou quando encontramos neve no chão a esta altura do ano. Nas terras altas o ar é distinto.

     A melhor maneira de descrevê-lo que me ocorre quer dizer que parece mais puro. parece-se com a mais clara das águas da primavera dentro de uma taça de fino cristal.

     Detivemo-nos em uma meseta rochosa e juro que me pareceu chegar a ver até o rancho do Nate.

     Fez-me o ter saudades um pouco... bom algo mais que um pouco. Uma sensação estranha. até agora, não recordo ter sentido falta de nunca a um homem. O sexo, é obvio, mas esse é um assunto distinto.

     De todas maneiras o gado parecia avançar por sua própria conta durante a maior parte do tempo, e só algum vacino se queixava de uma maneira ocasional. Adam diz que é porque muitos deles já têm feito a viagem antes e conhecem o caminho, e que o resto simplesmente os segue. Mas apesar de tudo fazem bastante ruído com o repico de pezuñas e os mugidos e de vez em quando terá que pôr em seu lugar a um ocasional bezerro rebelde.

     Vi o Will enlaçando uma vaca e confesso que me impressionou. Essa mulher parece mais em seu elemento quando está a cavalo que caminhando sobre seus dois pés. Seu aspecto era majestoso, coisa que jamais direi a ela. Já está bastante orgulhosa de si mesmo para piorá-lo. É um chefe natural e devo admitir que nesse hipótese é um atributo necessário. Trabalha como um estivador, outro rasgo admirável, mas não me faz graça que faça ressonar o látego em minha direção.

     Suspeito que durante o caminho de ascensão demos algumas voltas desnecessárias. É algo que também devo lhe reconhecer. Não me cabe dúvida de que alargou a rota para que Lily e eu desfrutássemos das melhores paisagens. Foi toda uma viagem. Vimos alces, catiacús, antes, carneiros silvestres, ovelhas, e aves enormes e fabulosas.       

     Não vi nenhum urso. O qual não me desilude.

     Lily fez vários carretéis de fotografias. recuperou-se até tal ponto, que um quase chega a esquecer o horror que viveu. Quase. Quando penso no Lily penso em uma balança em cujos pires se equilibram a tragédia e sua felicidade atual. Ela encontrou a maneira de que apesar mais o pires da felicidade. É algo que também admiro.                                            

     Mas esquecê-lo tudo é simplesmente impossível. Sob seu exterior duro, Will é um molho de nervos. Todos nos empenhamos em pensar nas bodas e parecemos decididos a não permitir que nada a arruíne. Mas a preocupação flutua no ar.          

     Em outro sentido, estou adiantando a correção de meu guia. Ira está muito satisfeito com o contrato e com os progressos. Em outono, quando voltar aos Anjos, espero estar alagada de reuniões. E por fim me decidi a lhe contar o do livro. Ficou bastante encantado, coisa que me surpreendeu, de maneira que lhe enviei os primeiros dois capítulos para que tivesse uma idéia mais clara. Já veremos.                                    

     No momento escrevo cada vez que fica um momento entre os preparativos das bodas. aproxima-se a data do chá de despedida da noiva e todos simulamos que Lily não está inteirada do que preparamos. Tem que ser um êxito.

    

     -E vós o que planejam fazer para a despedida de solteiro?

     Tess estava sentada na porta do curral do rancho do Nate e o observava começar a exercitar a um potro.

     -Sem dúvida algo que tenha dignidade.

     -Com quantas mulheres nuas?

     -Três. Não é digno que haja mais. -Atirou das rédeas, fez retroceder ao potro e logo apertou os joelhos com suavidade. O potro começou a trotar-. Assim eu gosto! É um bom menino.

     Olha-o, pensou Tess, tão alto e fraco, com o chapéu encasquetado sobre a frente e essas mãos largas e magras, tão atrativas como as de um pianista.

     Ao olhar ao Nate, literalmente se o fazia água a boca.

     -Alguma vez te hei dito quão bem fica a cavalo, advogado Torrence?

     -Sim, há-me isso dito um par de vezes. -Mas ainda obtinha que o calor lhe subisse pelo pescoço-. Mas me pode voltar isso a dizer.

     -Está esplêndido. Quando poderei verte em um tribunal?

     Surpreso, Nate fez girar o cavalo.

     -Ignorava que o quisesse.

     Até esse momento, ela tampouco sabia.

     -Bom, mas eu gostaria. Eu gosto de verte em seu traje de advogado, tão sóbrio e sério. Eu gosto de te olhar.

     Nate desmontou, enlaçou as rédeas sobre o alambrado e começou a afrouxar a cilha

     -Ultimamente não tivemos tempo para olhar, nem para nada mais, verdade?

     -estivemos muito ocupados. Solo faltam dez dias para as bodas e amanhã chegam os pais do Lily. Quando as coisas se tranqüilizem, talvez possa me levar a cidade e permitir que te veja atuar em um julgamento. Depois... poderíamos passar a noite em um hotel e brincar um momento. -passou-se a língua pelos dentes-. Quer brincar comigo, Nate?

     -De acordo com suas regras ou com as minhas?

     -Sem nenhuma classe de regras. -Lançou uma gargalhada, saltou da porta ao chão e lhe deu um beijo apaixonado-. Te senti falta de.

     -Sério? -Essa era uma notícia que não esperava tão logo-. Me alegro.

     Ela olhou para a casa, pensou na cama.

     -Suponho que não poderíamos...

     -Acredito que María não poderia suportar o impacto disso a plena luz do dia e tudo. por que não fica passando a noite?

     -Mmmm. Oxalá pudesse, mas já estou com os nervos de ponta. E depois do acontecido, eu não gosto de me afastar muito tempo do rancho.

     Quando se voltou para lhe tirar a arreios ao potro, nos olhos do Nate havia uma expressão de frieza.

     -Oxalá essa noite tivesse podido chegar antes, para apoiar ao Adam!

     -Não teria ganho nada. Nem Adam nem Willa puderam fazer nada para detê-lo. Embora tivesse estado ali, tampouco teria podido fazer nada.

      -Talvez não.

     Mas quando o pensava, passava alguns maus momentos imaginando acontecido. Perguntando-o que teria feito se a que tinha uma arma apoiada na têmpora tivesse sido Tess. Ao ver que a luz também tinha desaparecido de seus olhos, obedeceu um impulso e montou a corto ao potro.

     -Vêem dar uma volta comigo.

     -Sem arreios? -Tess piscou, logo riu e retrocedeu-. Parece-me que não. Eu gosto de poder me agarrar pela arreios.

     Nate lhe tendeu uma mão.

     -Vêem -insistiu-. Pode te agarrar a mim.

     Tess olhou o potro, tentada mas cheia de desconfiança.

     -Não é mais que um bebê, ansioso por agradar -disse Nate, inclinando a cabeça e à espera de que ela aceitasse a mão que lhe tendia.

     -Está bem. Mas te advirto que ódio cair. -Permitiu que Nate lhe aferrasse a mão e, com muito pouca graça, montou escarranchado-. É distinto -decidiu, mas lhe pareceu uma vantagem infinita poder aproximar-se do Nate, lhe rodear a cintura com os braços-. Sexy, Adam monta a cabelo freqüentemente. Parece um deus.

     Nate lançou uma risita e fez avançar ao passo ao cavalo.

     -Identifica-o mais a um com o cavalo.

     Também A identifica mais a uma com sua luxúria, descobriu Tess quando Nate pôs o cavalo ao trote. E quando começaram a galopar, sorria como uma parva.

     -Isto é bárbaro! Mais.

     -É o que sempre diz.

     Voltou a percorrer o curral, desfrutando da sensação desses peitos firmes e generosos que se apoiavam contra suas costas. E se estremeceu quando as mãos do Tess se deslizaram debaixo de sua cintura.

     -Isso pensei -disse ela, ao constatar sua ereção-. Alguma vez o tem feito a cavalo?

     -Não. -A idéia despertou nele uma imagem fascinante: Tess tendida de costas frente a ele sobre o tiro do cavalo, lhe rodeando a cintura com as pernas enquanto a penetrava-. Romperíamo-nos o pescoço quando o animal percebesse aroma de sexo e nos atirasse ao chão.

     -Estou disposta a correr o risco. Desejo-te, Nate.

     O deteve o cavalo, tranqüilizou-o, logo se voltou para colocá-la diante, em meio de grandes ofegos.

     -Não. -Logo que pôde pronunciar A palavra enquanto a beijava na boca, quando Tess começou a lhe desabotoar o cinturão-. por agora teremos que nos conformar com isto. te aferre a mim, Tess. Solo te aferre a mim e me deixe te beijar.

     Ela teria cometido alguma imprudência, mas ele a sustentou muito perto de si, e lhe sujeitou os braços aos flancos enquanto a beijava. O chapéu do Tess caiu ao chão e se encheu de terra, enquanto seu coração se voltava louco e repicava ao uníssono com o resto das partes de seu corpo. Depois, tudo trocou e se converteu em algo suave, doce, puro como o ar das terras altas.

     Nate a levou do desespero à ternura, até que o pulso do Tess foi mais lento, até que as lágrimas lhe amontoaram na garganta e lhe fizeram arder os olhos.

     -Quero-te.

     Não pensava dizê-lo, mas era muito, muito imenso para mantê-lo apanhado dentro do peito. Os lábios do Nate voltaram a formar as palavras com muita lentidão, enquanto seguiam apoiados contra os dela.

     -O que? -Aturdida, sonhadora, ela o olhou aos olhos-. O que há dito?

     -Que estou apaixonado por ti.

     Ela deixou de flutuar e caiu de repente na realidade. Eram palavras que já tinha escutado antes. A alguns resultava fácil as dizer, uma frase mais. Mas compreendeu que não era o caso do Nate. Não quando as pronunciava um homem como Nate.

     -Não te parece que é ir um pouco longe? -Queria sorrir, manter um clima distendido. Não pôde-. Nate, solo somos...

     -Amantes? -adicionou ele, e não se amaldiçoou por ter terminado a frase do Tess-. Convenientes companheiros de cama? Não, não é assim, Tess.

     Ela respirou fundo para tranqüilizar-se e falou com firmeza.

     -Acredito que será melhor que desmontemos.

     Em lugar de obedecer, Nate tomou o queixo entre as mãos para que os olhos de ambos ficassem à mesma altura.

     -Estou apaixonado por ti; já faz tempo que te quero. Estou disposto a me adaptar em tudo o que seja necessário para que te resulte agradável, mas o assunto se resume nisto: quero que fique comigo, que te case comigo, que forme aqui comigo uma família.

      O primeiro impacto do Tess não foi nada comparado com o seguinte.

     -Já sabe que me é por completo impossível...

     -Tem tempo para te acostumar à idéia. -Em seguida desmontou-. Não quis muitas coisas na vida adicionou, observando a cara de assombro do Tess-. Meu título de advogado, este lugar e uma boa linha de sangue de cavalos. Tenho-o tudo. Agora quero a ti.

     Isso ajuda, pensou Tess, a arrogância e o insulto a ajudaram a convir a surpresa em mau humor.

     -Talvez deva tomar nota, advogado Torrence. Eu não sou um título de advogado, nem um rancho, nenhuma égua de cria.

     -Não, não o é -respondeu ele sonriendo enquanto a descia do cavalo-. É uma mulher; uma mulher dura, ambiciosa e lhe frustrem. E será minha.

     -Interessaria-te saber o que opino de sua repentina mentalidade de vaqueiro?

     -Acredito conhecer bastante bem sua opinião. -Tirou-lhe o freio e a cabeçada ao cavalo, deu-lhe uma palmada no flanco e permitiu que se afastasse ao trote-. Será melhor que volte para sua casa e que tome um tempo para pensá-lo atentamente.

     -Não me faz falta tempo para pensá-lo.

     -Apesar de tudo, darei-lhe isso. -Levantou a cabeça e olhou o céu. O sol começava a cair para os picos do oeste, tingindo o azul de rosa-. Esta noite vai chover. -Disse-o como ao passar, enquanto saltava a porta e deixava ao Tess olhando-o com a boca aberta.

    

     -Não sei o que te colocou no corpo, mas dava o de uma vez -murmurou Willa-. Em qualquer momento chegará Lily com seus pais.

     -Você não é quão única pode ter preocupações -respondeu Tess, metendo um salgadinho salgado na boca.

     A casa estava cheia de mulheres que conversavam sem cessar e de presentes envoltos em alegres papéis. Foi Tess quem propôs servir ponche de champanha para a despedida de solteira do Lily e, apesar de que Bess não se mostrou convencida porque estava longe de ser formal, ela mesma estava desfrutando ao bebê-lo, enquanto conversava com vizinhos.

     Todo mundo se sente feliz como um palhaço, pensou Tess enquanto se metia outro canapé na boca. Celebrando a idéia ridícula de que duas pessoas se encadeassem uma à outra pelo resto de suas vidas. Mal-humorada, pensou em comer um terceiro canapé, logo se decidiu por um cigarro.

     Nate Torrence de maneira nenhuma conseguiria convencê-la. Tomou uma taça de ponche e decidiu embebedar-se em troca.

     Quando chegou a futura noiva, Tess tinha bebido três taças e se sentia mais alegre. Divertiu-lhe ver que Lily simulava surpresa. Essa despedida de solteira foi um segredo a vozes desde que enviaram o primeiro convite de bodas. Agora a noiva podia lançar exclamações sobre os presentes que foram desde batedores até picardias.

     Tess notou que a mãe do Lily fazia um esforço por conter as lágrimas e que saía.

     Uma mulher interessante, decidiu enquanto se servia outra taça de ponche. Atrativa, bem vestida, correta no falar. Que demônios podia lhe haver visto um grande filho de puta como Jack Mercy?

     Ao ver que Bess servia duas taças e que também saía da casa, Tess se encolheu de ombros e tratou de mostrar o entusiasmo apropriado ante um jogo de guardanapos bordados.

     -Aqui tem, Adele. -Bess se instalou a seu lado e lhe aconteceu uma taça de ponche, enquanto Adele se enxugava os olhos. passou bastante tempo da última vez que nos sentamos aqui.

     -Não sabia o que sentiria ao voltar. Quase nada trocou.

     -Sim, há mudanças aqui e lá. Você tampouco trocaste muito.

     A vaidade era uma pequena debilidade, e Adele se levou automaticamente uma mão ao penteado. Levava o cabelo muito cone e mantinha um sutil tom de loiro.

     -Rugas -respondeu ela com uma débil gargalhada-. Nunca sei de onde saem, mas todas as manhãs encontro alguma nova no espelho.

     -É simplesmente a vida.

     Bess a examinou. Adele conservava uma cara bonita, quase delicada, de rasgos pequenos e bem proporcionados. Também conserva sua figura, pensou Bess. Pulcra, mas bem magra. E tampouco tinha trocado seu bom gosto pelas cores. Ficavam bem a calça rosa e a blusa cor marfim.

     -Tem uma filha esplêndida, Adele. Luziu-te com ela.

     -Pude ter feito mais pelo Lily. Devi fazê-lo. Ao vê-la agora, recordo o que era de pequena. As horas que devi lhe dedicar e não o fiz.

     -Devia trabalhar e também tênias que pensar em sua própria vida.

      -É o que fiz. -Para tranqüilizar-se, Adele bebeu um sorvo de ponche-. E também sofri muita dor, pelo menos durante os primeiros anos, Bess. Odiei ao Jack Mercy mais do que nunca o amei.

     -É natural. Não lhes tratou bem a ti nem a sua filha. Mas acredito que encontraste um homem melhor.

     -Rob? É um bom homem. Um homem de costumes estritos, mas de bons costumes. -Sua boca se suavizou. vivemos uma boa vida, pensou-. Rob não é... bom, muito afetuoso, mas quer muito ao Lily. Neste momento me pergunto se não esperarmos muito dela. Refiro aos dois. Mas a queremos.

     -nota-se.

     Adele permaneceu calada uns instantes.

     -Deus, a paisagem! Nunca o esqueci. Tive saudades este lugar. fui feliz no este... com essa terra tão verde, tão suave. Mas senti falta deste lugar.

     -Voltará, agora que Lily vive aqui.

     -Sim, voltaremos. Rob está fascinado. adora viajar. evitamos vir a esta parte do país, mas agora... foi com o Adam a ver os cavalos. -Suspirou e em seguida sorriu-. O também é um bom homem, não é cento, Bess? Refiro-me ao noivo do Lily.

     -Um de quão melhores conheço e é capaz de cruzar o fogo pelo Lily.

     -Ela sofreu tanto... Quando penso em todo isso...

     -Não pense -respondeu Bess lhe cobrindo uma mão com a sua-. Todo isso já ficou atrás. Quão mesmo Jack Mercy ficou atrás em sua vida. Lily vai ser uma noiva formosa e uma esposa feliz.

     -OH! -As lágrimas, voltaram a aparecer nos olhos do Adele. Quando Willa saiu, corriam-lhe pelas bochechas.

     -Perdão -disse e em um movimento automático, tratou de retroceder.

     -Não, não vá. -Adele ficou de pé e lhe tendeu uma mão-. É sozinho que me hei posto sentimental. Realmente não tive oportunidade de conversar contigo. Em cada carta que me escreveu, Lily não fazia mais que falar de ti e do Tess.

     As lágrimas de uma mulher sempre a desarmavam. Willa se moveu inquieta, tratou de sorrir.

     -Surpreende-me que tenha havido lugar para nós nessas cartas, e que não tenha falado sozinho do Adam.

     -Você e seu irmão têm os mesmos olhos. -Escuros e sábios, pensou Adele. E tranqüilos-. Conheci um pouco a sua mãe. Era uma mulher muito formosa.

     -Obrigado.

     -estive assustada. -Adele se esclareceu garganta-. Compreendo que este não é um bom momento para falar do assunto, mas estive tão preocupada! Sei que, para não me assustar, em suas cartas e chamadas telefônicas Lily não me contou tudo o que aconteceu aqui. Mas quando Jesse... quando essas coisas aconteceram com o Jesse, apareceram nos periódicos do este. Queria-te dizer que ainda estou preocupada, mas que depois de lhes conhecer o Adam e a ti, sinto-me mais tranqüila.

     -Lily é mais forte do que você crie. Pelo que qualquer de nós acreditou.

     -Talvez tenha razão -respondeu Adele, e se preparou para dizer algo que lhe resultava difícil-. E quero te agradecer sua hospitalidade ao haver convidado ao Rob e a mim a vir a ficar aqui, em sua casa. Sei que te deve resultar incômodo.

     -Acreditei que me resultaria incômodo, mas não é assim. Os pais de minhas irmãs sempre serão bem-vindos no Mercy.

     -Não te parece em nada ao Jack. -Adele empalideceu, espantada pelo que acabava de dizer-. Perdão.

     -Não se desculpe. -Willa olhou para o caminho onde alcançava a ver o reflexo do sol sobre um metal. E seus lábios se curvaram em um lento sorriso-. E aqui vem a nova surpresa. -Olhou ao Adele-. Espero que esta não lhe resulte incômoda a você.

     -O que tem feito, moça? -perguntou Bess.

     Willa só continuou sonriendo e apareceu a cabeça dentro da casa.

     -Hollywood? Vêem um minuto.

     -O que acontece? -Com uma taça de ponche na mão, Tess se aproximou da porta-. Estamos jogando. Quantas palavras pode formar com a frase «lua de mel>'? Acredito que vou ganhando. O prêmio é uma cesta de artigos para banho.

     -Eu tenho um prêmio melhor para ti.

     Tess olhou para fora e esclareceu seu olhar um pouco alcoolizado o suficiente para notar que se aproximava o jipe do Nate.

     -Agora não tenho vontades de falar com ele. É um advogado vaqueiro arrogante. lhe diga simplesmente que estou... OH, Deus santo!

     -Você prohíbo que blasfeme em uma despedida de solteira -ordenou Bess e logo ficou de pé de um salto, com um amplo sorriso quando a porta lateral do jipe se abriu para dar passo a uma verdadeira aparição-. Louella Mercy, é uma alegre visão para um par de olhos cansados

      -Sou uma visão, ponto. -Lançando uma gargalhada aguda, Louella correu sobre seus saltos de agulha e se equilibrou a abraçar a sua surpreendida filha-. Surpresa, meu bebê! -Beijou ao Tess, limpou-lhe o rouge que acabava de lhe deixar sobre a bochecha e logo se voltou para abraçar ao Bess-. Ainda meneando seu culo por aqui?

     -o melhor que posso.

     -E esta deve ser a filha menor do Jack. -voltou-se para a Willa e lhe deu um abraço tão forte que quase lhe rompe as costelas-. Deus, é idêntica a sua mamãe! Nunca conheci uma mulher mais bonita que Mary Wolfchild.

     -Eu... obrigado. -Aturdida, Willa a olhou com atenção. Essa mulher parecia uma rainha da beleza e cheirava como uma perfumaria-. Me alegro de que tenha podido vir -adicionou e o dizia com sinceridade-. Muito gosto em conhecê-la.

     -O gosto é dobro para mim, querida. Poderia-me ter feito cair com uma pluma o dia que recebi sua carta me convidando a vir. -Sem apartar o braço com que rodeava os ombros da Willa, voltou-se a olhar sorridente ao Adele-. Sou Louella, a esposa número um.

     um pouco surpreendida, Adele ficou olhando-a. Seria possível que a mulher se pôs uma blusa de lamé dourado em plena tarde?

     -Eu sou a mãe do Lily.

     -A esposa número dois. -Lançando outra estrondosa gargalhada Louella abraçou ao Adele como se se tratasse de sua irmã-. Bom, o cretino tinha bom gosto para as mulheres, não é certo? Onde está sua filha? Deve parecer-se mais a ti que ao Jack, porque Tess me diz que é bonita como uma pintura e incrivelmente doce. trouxe presentes.

     -Quer que se os entre, Louella?

     Ao pé dos degraus se encontrava Nate, sonriendo e com os cães em miniatura da Louella em braços.

     Ao olhá-lo diretamente pela primeira vez. Tess se estremeceu de horror.

     -Por Deus, mamãe! Como te ocorreu trazer para o Mimí e ao Maurice?

     -É obvio que os traje! Não podia deixar em casa e sós a meus preciosos bebês. -Tirou-os de braços do Nate e lhes deu sonoros beijos-. Não lhes parece que este homem é bárbaro, senhoras? -Beijou ao Nate na bochecha com ar de proprietária e lhe deixou nela a marca de seus lábios-. Juro-lhes que, desde que o vi, o coração não deixou que me saltar dentro do peito. Sim, queridito, pode entrar tudo.

     -Sim, senhora. -Dirigiu ao Tess um olhar rápido e divertido antes de voltar-se para baixar toda a carga do jipe.

     -Bom, o que estamos fazendo aqui fora? -perguntou Louelia-. Parece-me ouvir que há uma festa e não me viria mal uma taça. Não te incomoda que jogue um olhar pela casa, verdade, Willa?

     -É obvio que não! eu adoraria acostumar-lhe eu mesma. Nate, leva as coisas da Louella ao dormitório vizinho ao do Tess. O quarto rosa.

     -Espera até que te veja Mary Sue -disse Bess enquanto acompanhava para dentro a Louella-. Recorda a Mary Sue Rafferty, verdade?

     -Qual, a dos dentes saídos ou a vesga?

     Com cuidado, Tess apoiou a taça vazia sobre o passamanes do alpendre.

     -A idéia foi tua?

     -Minha e do Lily -respondeu Willa com um enorme sorriso-. Quisemos te dar uma surpresa.

     -E sem dúvida me destes isso. Mais tarde falaremos sobre o assunto. -Tess tomou a Willa pelo pescoço da blusa-. Teremos um bate-papo largo e agradável.

     -Está bem. vou assegurar me de que lhe sirvam essa taça que pediu.

     -Não cabe dúvida de que sua mãe viaja com muita roupa -comentou Nate enquanto tirava a quinta mala da caixa do jipe.

     Cada uma delas pesava tanto como se estivesse cheia de cimento.

     -É mais ou menos o que leva quando vai passar um fim de semana em Las Vegas.

     -Sem dúvida pisa em forte.

     Apartando sua mortificação, Tess quadrou os ombros e se preparou para defender a sua mãe.

     -E isso o que quer dizer?

     -Quer dizer que veio sem simulações, nem pretextos. É exatamente ela mesma. Aos cinco minutos de conhecê-la eu já estava louco por sua mãe. -Curioso, inclinou a cabeça-. O que tinha acreditado que quis dizer?

     Tess moveu os ombros tensos, mas não conseguiu relaxá-los de tudo.

     -Quando se trata de minha mãe, a gente reage de distintas maneiras.

     Nate assentiu com lentidão.

     -Pelo visto, você também. Deveria te envergonhar!

     E enquanto ela ficava olhando-o boquiaberta, passou a seu lado carregando duas malas.

     Tess lançou um grunhido, elevou uma mala e o seguiu.

     -O que quiseste dizer com isso? -perguntou enquanto subia a escada soprando. A Louella não gostava de viajar com pouca bagagem.

     -Quis dizer que sua mãe é uma em um milhão.

     Depositou as malas sobre a cama, voltou-se e saiu.

      Tess deixou cair a terceira mala sobre a cama, flexionou os braços e esperou.

     -Eu sei o que tenho -disse assim que Nate voltou a entrar com o resto da bagagem-. É minha mãe. Quem a não ser ela tivesse vindo a uma despedida de solteira em Montana, com calças do Capri e blusa de lamé dourado? Por favor, te limpe o lápis labial que tem na bochecha! Parece um idiota!

     Lutou por abrir uma mala e quando o obteve, elevou os olhos ao céu ao ver seu conteúdo.

     -Quem a não ser ela empacotaria vinte pares de sapatos de salto alto para ir passar um par de semanas em um rancho boiadeiro? E isto. -Tirou uma bata de cama cor lavanda com o bordo de plumas cor púrpura-. Quem crie que usa coisas como esta?

     Nate olhou a bata enquanto se metia o lenço no bolso.

     -Deve-lhe ficar bem. se preocupam muito as aparências, Tess. É seu maior problema.

     -As aparências? Por amor de Deus! Pinta- as unhas a seus cães. Tem cisnes de cimento no jardim dianteiro de sua casa. deita-se com homens mais jovens que eu.

     -E suponho que eles se consideram afortunados. -apoiou-se contra um dos postes da cama-. Zack a levou até meu rancho no avião de pequeno porte e quase se estrelou de tanto que ria. Comentou-me que não deixou de rir um só instante desde que separaram no Billings. E sua mãe me perguntou se podia voltar em outro momento a ver meus cavalos. Estava desejando vê-los, mas a consumia a impaciência de chegar e verte a ti. Trinta segundos depois de me haver dado o primeiro abraço, já fomos amigos. Falou de ti durante quase todo o trajeto até aqui e me fez lhe repetir meia dúzia de vezes que estava bem, feliz. Segura. Acredito que demorou dez quilômetros em dar-se conta de que estou apaixonado por ti. E então tive que parar porque ficou a chorar e lhe arruinou a maquiagem.

     -Já sei que me quer. E eu a ela... -Estava envergonhada-. Solo que...

     -Não terminei -disse Nate com frieza-. Disse-me que não tinha rancor ao Jack Mercy porque lhe tinha dado algo especial. E o fato de lhe ter lhe trocou a vida. Assim se converteu em mãe e em uma mulher de negócios. alegrava-se de voltar, para jogar outro olhar ao lugar, para conhecer suas irmãs. Para verte aqui e assegurar-se de que recebesse o que te corresponde.

     Nate se ergueu, mas sem deixar de olhá-la.

     -De maneira que te direi qual é minha reação com respeito à Louella Mercy, Tess. É de pura admiração ante uma mulher que recebeu um chute na cara e se voltou a pôr de pé em seguida. Que criou sozinha a sua filha, que lhe deu um lar, que se embarcou em uma empresa para estar segura de que nunca lhe faltasse nada. Que lhe transmitiu orgulho e coração a essa filha. portanto não me importa que vá à igreja vestida de celofane, e acredito que tampouco a ti deveria te importar.

     E saiu, deixando-a sozinha. Tess se sentou no bordo da cama e se sentiu um pouco bêbada e bastante chorosa. Colocou a bata com cuidado sobre a cama, logo se levantou e começou de desfazer as malas de sua mãe.

     Quando Louella chegou quinze minutos depois, a tarefa estava quase terminada.

     -por que diabos está trabalhando? Abaixo há uma festa.

     -Você nunca termina de desfazer sua bagagem. Pareceu-me que convinha que te desse uma mão.

     -Não se preocupe agora por isso. -Louella tomou as mãos de sua filha-. Estou trabalhando ao Bess. Quando tiver terminado de convencê-la, cantará.

     -Sério? -Tess fez a um lado um chapéu de palha em um gênero de tom cereja-. Isso é algo que não me quero perder. Depois se voltou e apoiou a cabeça sobre um ombro da Louella. Um ombro que sempre esteve a minha disposição, pensou, sem perguntas, sem qualificativos-. Me alegro de verte, mamãe. Alegra-me que tenha vindo. -Lhe quebrou a voz-. Me alegro a sério.

     -O que é tudo isto?

     -Não sei. -Tess respirou fundo e se tornou atrás-. Coisas. Não sei.

     -foi um tempo cheio de medo para ti. -Louella tirou um lenço de encaixe e secou a cara de sua filha.

     -Sim, em muitos sentidos. Acredito que estou mais fraco do que acreditava. Já o superarei.

     -É obvio que o superará! E agora baixa e participa da festa. -Rodeando a cintura de sua filha com um braço, Louella começou a sair-. Mais tarde desarrolharemos uma garrafa de champanha francês e nos poremos ao dia.

     -Sim, eu gostaria. -A sua vez Tess deslizou um braço ao redor da cintura de sua mãe-. Eu gostaria de muito.

      -Então me poderá contar algo a respeito dessa larga e fresca taça de água em que puseste os olhos.

     -Neste momento não gosta de muito ao Nate. -Se o pensava voltaria a chorar-. Tampouco estou segura de me gostar de eu mesma.

     -Bom, isso se pode solucionar. -Louella se deteve na escada a escutar as vozes de tantas mulheres-. eu gosto dos dois. Você e ele.

     -Eu devi te convidar a vir -disse Tess-. Faz meses que devi te haver convidado a vir. Willa não deveu te convidar. Mas não te convidei, em parte porque acreditei que se sentiria incômoda. E em parte porque acreditei que eu também o estaria. Sinto muito.

     -Querida, você e eu somos tão distintas como um Budweiser e um Moet. O qual não quer dizer que os dois não tenham sua parte positiva. Deus é testemunha que você me incomodaste tantas vezes como eu incomodei a ti.

     Louella deu ao Tess um carinhoso apertão.

     -Ouça como tagarelam essas galinhas. Recorda-me à época em que formava parte de um coro. Sempre me gostou da maneira de ser das mulheres. Uma não pode sentir-se incômoda com isso, nem com os preparativos para umas bodas. E a verdade é que suas irmãs eu gosto de muito, querida.

     -A mim também -confesso Tess com atitude decidida-. Nada nos danificará estas bodas.

    

     Ele estava pensando o mesmo. Alcançava para ouvir risadas femininas, vozes femininas, bonitas como uma música. O fazia sorrir. Gostava de pensar no Lily dentro, no centro de tudo, suave e doce. Se não fora por ele, estaria morta e fazia semanas que ele ocultava seu heróico secreto.

     Tinha-lhe salvado a vida e queria vê-la casada.

     Quando essas imagens bonitas empalideciam, sempre podia recordar o que fez ao Jesse Cooke. Às vezes gostava de ficar dormido recordando-o com detalhe. Um sonho colorido e formoso, com aroma de sangue.

     Após foi muito cuidadoso e quando a necessidade de matar lhe resultava irresistível, esfriava-a nas montanhas e enterrava a suas vítimas. Era estranho quão forte era agora essa necessidade, mais forte que a de corner, que a do sexo. Logo, pensou, muito em breve não poderei satisfazê-la com um coelho, um cervo ou um bezerro.

     Teria que ser humano.

     Mas devia conter-se, e o faria até que Lily estivesse segura e casada. Agora se encontrava unido a ela, e quando estava unido a alguém, era-lhe leal.

     Temia que ela estivesse preocupada, ou temerosa de que algo acontecesse. Mas também a isso encontrou uma solução. Escreveu a nota com muito cuidado, pensando em cada palavra, como se se tratasse de um exercício. Agora que estava escrita, agora que acabava de deslizá-la debaixo da porta da cozinha, sentia o coração mais leve.

     Ela já não se preocuparia. Saberia que alguém a cuidava. Agora poderia relaxar-se e desfrutar dos sons desse ritual feminino. Agora poderia sonhar com sinos de bodas que marcariam o fim de seu jejum de sangue.

     Quando o sol tingiu de vermelho os picos do oeste e a festa terminou, algumas das mulheres que passavam a seu lado o saudaram. Ele levantava uma mão para lhes devolver a saudação. E se perguntava a quem escolheria como presa quando lhe chegasse a hora.

    

     Acredito que deveria ver isto.

     Elevando as sobrancelhas, Willa tomou a folha de papel que Lily lhe oferecia.

     Quando Lily entrou em seu quarto, estava lista para deitar-se depois de um comprido dia de fazer sociedade. Mas à primeiro olhar, seu cansaço se esfumou.

 

     Não quero que se preocupe. Não permitirei que nada aconteça a você, ao Adam nem a suas irmãs. Se tivesse sabido o que se propunha fazer JC, lhe teria dado morte mais logo, antes de que a assustasse. Agora pode descansar tranqüila e gozar de suas bodas. Estarei ali, cuidando-a a você e aos seus. Os melhores desejos. Um amigo.

 

     -Deus! -Não pôde menos que estremecer-se-. Como recebeu isto?

     -Estava sob a porta da cozinha.

     -O ensinaste ao Adam?

     -Sim, em seguida. Não sei o que pensar disto, Will. A pessoa que o escreveu matou ao Jesse. E aos outros. -Tirou- o papel a Willa e o dobrou-. Entretanto é como se tratasse de me tranqüilizar. Aqui não há nenhuma ameaça, e entretanto me sinto ameaçada.

     -Como não te vais sentir ameaçada! Se virtualmente esteve em sua casa! -Começou a passear-se descalça pela habitação-. Maldito seja! Maldito seja! Estamos de novo no meio do assunto. Este papel lhe deixaram isso ali hoje, quando foram e vinham dúzias de pessoas. Pôde ter sido qualquer. Por mais que me esforce não posso reduzir o número de possibilidades.

     -Não pensa me fazer machuco , nem a ti nem ao Tess. -Lily respirou fundo para tranqüilizar-se-. E tampouco ao Adam. Estou-me aferrando a isso. Mas, Will, esse homem estará nas bodas. Estará ali.

     -Deixa que eu me preocupe deste assunto. Digo-lhe isso a sério -adicionou, apoiando as mãos sobre os ombros do Lily-. Me dê essa carta. Encarregarei-me de que chegue à mãos da polícia. Você te casa dentro de poucos dias. É em quão único deve pensar.

     -Não lhes vou dizer nada a meus pais. Pensei-o e o falei com o Adam, e decidimos não mencionar-lhe a ninguém mais que a ti. Qualquer que você cria que deve sabê-lo, bom, não tenho nenhum inconveniente. Mas não quero angustiar a meu pai nem a minha mãe.

     -Isto não lhes afetará. -Willa tomou a nota e a depositou sobre a cômoda-. Lily, as bodas é quase tão importante para mim como para ti. poderia-se dizer que meu interesse é duplo. -Tratou de sorrir, mas sem muito êxito-. Não todo mundo pode dizer que seu irmão e sua irmã vão casar se. Pelo menos não conheço ninguém em Montana que o possa dizer. E significa muito para mim.

     -Não tenho medo. Já não há muitas coisas que me dêem medo. -Apertou a bochecha contra a da Willa-. Quero-te.

     -Sim. Eu também.

     Fechou a porta detrás do Lily e logo ficou olhando fixamente a nota dobrada. Que demônios devia fazer? A resposta não era que devia deitar-se e dormir bem durante toda a noite. Em lugar disso, tomou suas botas e se encaminhou ao telefone.

     -Ben? Sim, sim, guardamo-lhe um pouco de bolo. Escuta, necessito que me faça um favor. Quer chamar a esse polícia que está encarregado do caso e lhe pedir que se encontre comigo em sua casa? Tenho algo que devo lhe mostrar, e não quero fazê-lo aqui. Não -apoiou o telefone sobre um ombro e o sustentou com a cabeça enquanto ficava uma bota-. Explicarei-lhe isso quando chegar. Já saio. Não tenho tempo para isso -adicionou quando ele começou a lhe discutir-. Levarei comigo um rifle carregado, mas saio agora mesmo.

     Cortou a comunicação antes de que ele tivesse tempo de lhe gritar.

    

     -Maldita mulher cabeça dura!

     Willa tinha deixado de contar a quantidade de vezes que Ben a chamou dessa maneira ou outra similar nas últimas duas horas.

     -Era necessário encarregar-se disso, e já parece.

     Apreciou o vinho que Ben lhe acabava de servir, embora a surpreendeu. Não acreditava que lhe gostasse do vinho nem que ficasse a jogar dono de casa depois da reunião com a polícia.

     -Eu teria podido ir a sua casa.

     -Esteve perto de fazê-lo -recordou-lhe ela-. Já estava a metade de caminho do Mercy quando nos encontramos. Disse-te que não corria perigo. Você mesmo leíste a nota. Não é uma ameaça.

     -O fato de que a tenham escrito já é bastante ameaça. Lily deve estar frenética.

     -Não, em realidade estava muito tranqüila. Mas preocupada com seus pais, porque não quer que se inteirem nem que se angustiem. Não vamos dizer lhes nada do assunto. Acredito que terei que dizer-lhe ao Tess. Ela o dirá ao Nate e ali se acabará o assunto.

     Voltou a beber um sorvo de vinho enquanto ele se passeava. Willa supôs que essas habitações eram as indicadas para um indivíduo musculoso como ele. As paredes estavam cobertas de madeira cor mel, os chãos faziam jogo e não tinham tapetes. Os móveis eram grandes, pesados e estofados em um gênero azul marinho liso. Não havia nenhum almofadão ou toque feminino à vista.

     Entretanto, sobre o suporte da chaminé, havia fotografias emolduradas de sua família, um par de esporas antigas, e em uma prateleira onde os livros se apoiavam uns sobre outros como bêbados, via-se uma formosa parte de turquesa.

     Sobre uma mesa havia um cinzeiro, junto com um canivete de manga de osso e um pouco de mudança.

     Singelo, básico. Ben, decidiu; logo decidiu que já lhe tinha permitido que se passeasse e se queixasse muito.

     -Agradeço-te que me tenha ajudado a levar este assunto em seguida. Talvez tenhamos sorte e a polícia possa tirar algo em limpo dessa nota, ou supor quem pode havê-la escrito.

     -É obvio, sempre que esta fora uma produção da Paramount.

     -Bom, por agora é o melhor que pude fazer. -Deixou sobre uma mesita a taça ainda meio cheia de vinho e ficou de pé-. Tenho umas bodas dentro de menos de uma semana, e a casa cheia de hóspedes, assim...

     -Aonde te crie que vai?

     -A casa. Como te acabo de dizer, tenho a casa cheia de gente e a manhã chega com rapidez. -Tirou as chaves do jipe e ele as arrancou da mão-. Olhe, McKinnon...

     -Não, olhe você. -Arrojou as chaves sobre seu ombro e foram cair em um rincão do quarto-. Esta noite não irá a nenhuma parte. Ficará aqui mesmo, onde eu possa te vigiar.

     -Tenho que fazer o guarda de meia-noite.

     Por toda resposta, Ben tomou o telefone e marcou um número.

     -Tess? Sim, sou Ben. Willa está aqui. vai se ficar passando a noite. Chama o Adam e lhe diga que reorganize os guardas noturnos. Voltará pela manhã. -Cortou sem esperar que Tess assentira-. Preparado!

            -Você não dirige Mercy, Ben. Nem a mim. A responsável sou eu. –Deu um passo para as chaves e a habitação começou a girar quando Ben a colocou sobre seus ombros-. Que demônios te passa?            

     -vou levar te a cama. Ali te dirijo melhor.

     Ela o amaldiçoou, esperneou e quando isso fracassou, moveu-se com a intenção de lhe morder as costas. Ben lançou um som sibilante por entre os dentes, mas não se deteve.                           

     -As garotas remoem -disse quando a jogou sobre a cama-. Mas esperava mais de ti.                                 

     -Se crie que vou fazer o amor com um homem que me trata como um bezerro orelhudo, está muito equivocado.

     Ao Ben doía bastante a mordida das costas e estava de mau humor.  

     -Já o veremos. -Atirou-a de costas, imobilizou-a e lhe sujeitou as mãos sobre a cabeça-. A ver como lutas contra mim. -Era um desafio arrojado em tom seco-. até agora nunca provamos isso. Talvez eu goste.                        

     -Filho de puta!

     Saltou, retorceu-se e quando ele voltou a baixar a cabeça para apoiar a boca sobre a sua, voltou-o a morder. Ben rodou com ela, cuidadoso de manter afastadas as mãos e as unhas da Willa de seu corpo.            

     O golpe que lhe pegou com o joelho errou por muito pouco, coisa que ele agradeceu, mas esteve tão perto de dar no branco que Ben suou.   

     Usou a mão livre para lhe rasgar a camisa, e logo a camiseta de algodão que levava debaixo, mas não a tocou. Era a luta corpo a corpo, a desculpa de violência que Ben considerava que ambos necessitavam para afugentar os temores.        

     E quando ela ficou tendida imóvel debaixo dele, ofegante, com os olhos fechados, Ben acreditou saber o que necessitavam ambos nesse momento.

     -me solte, covarde!

     -Se for necessário te atarei à cabeceira, Willa, mas esta noite ficará aqui. E quando tivermos terminado, dormirá. Dormirá a sério. -Em uma rápida mudança para a ternura, apoiou os lábios sobre a têmpora da Willa, logo sobre sua bochecha, por fim sobre seu queixo.     

     -me solte!                                   

     Ben levantou a cabeça. O cabelo da Willa estava esparramado sobre a colcha de cor verde escura de sua cama. Tinha as bochechas tintas de fúria. Jogava faíscas pelos olhos até um ponto tal que lhe surpreendeu que esse olhar não o queimasse.

     -Não posso. -Baixou a frente até apoiá-la sobre a dela, enquanto se perguntava se algum dos dois seria capaz de aceitá-lo-. Simplesmente não posso.

     A boca do Ben voltou a encontrar a da Willa em silêncio, com lentidão, em um beijo profundo até que ela sentiu que algo se rompia em seu interior e que a fazia tremer.

     -Não! -Apartou a cara enquanto fazia um esforço por evitar o que sentia-. Não me beije assim.

     -É duro para os dois. -Tomou a cara entre as mãos e notou que nesse momento tinha os olhos escuros e úmidos, já desaparecida a fúria-. E talvez fique ainda mais duro. -Voltou a procurar a boca da Willa com a sua e a manteve ali até que o impacto lhe percorreu todo o corpo-. Deus, como te necessito, Will! Por favor, como aconteceu tudo isto?

     Arrastou-a para onde queria chegar, lhe fazendo sacudir a cabeça de um lado ao outro e obtendo que o coração lhe abrisse para verter secretos que até ela mesma ignorava. Pronunciou o nome do Ben em um soluço e logo soltou essa saliente resbalosa da que se aferrava desde fazia mais tempo do que ela mesma podia calcular.

     Quando Ben voltou a levantá-la cabeça, ela olhou fixo esse rosto, um rosto que conhecia desde toda a vida, e que nesse momento começava a ver, fresco e novo.

     -me solte as mãos, Ben. -Não lutou, não gritou, mas sim solo repetiu-: Me solte as mãos.

     Ben o fez. E quando começou a afastar-se dela, essas mãos tomaram a cara, emolduraram-na e a voltaram a aproximar.

     -Volta a me beijar -pediu em um murmúrio-. Como te disse que não me beijasse.

     E Ben o fez. Foi um beijo profundo, cada vez mais profundo até que se afogou nele.

     Fez a um lado a camisa rasgada da Willa para encontrá-la, reclamá-la, com mãos lentas e seguras. Ela se rendeu à sensação dessas mãos que se deslizavam, raspavam, acariciavam. entregou-se a isso, ao gosto dessa boca que bebia da sua. rendeu-se ao calor desse corpo, aos ângulos duros que se apertavam contra as curvas do dele.

     O que ele desejasse essa noite, ela o daria. O que ele parecesse necessitar, ela descobriria. A silenciosa e muda desespero passou do Ben a ela, quão mesmo o prazer de saber que possuía tudo o que ele procurava.

     A violência já não existia. Nesse momento só eram suspiros e murmúrios, o sussurro da pele que se desliza sobre a pele, os rápidos gemidos de assombrado deleite.

     A lua saiu, sem que nenhum o notasse, e os pássaros lhe cantaram à luz. O vento suave e pleno da primavera, brincava com as cortinas e ondeava como água, sobre a pele acalorada de ambos.

     ouviu-se o comprido, muito comprido gemido do primeiro orgasmo preguiçoso, um que a deixou resplandecente. Ben a levantou para que ficassem torso contra torso, para poder perder suas mãos no cabelo da Willa, apartar-se o da cara. Quando ela sorriu, ele também o fez.

     Seguiu-a sustentando assim, em um apertado abraço, solo um abraço, os corações de ambos saltando ao uníssono, a cabeça da Willa sobre seu ombro, suas mãos no cabelo dela. E, sem deixar de abraçá-la, deitou-a de costas e se deslizou dentro dela.

     Lento e profundo, de modo que cada embate era como uma palmada aveludada. Observou-a chegar ao orgasmo, viu-o acontecer, os olhos que se obscureciam, os lábios que tremiam, o repentino e forte estremecimento. Os sedosos movimentos se aceleraram conduzindo-os a ambos para o precipício.

     Essa vez, quando ela caiu, Ben permitiu que o arrastasse consigo.

    

     Era o dia perfeito para umas bodas com uma brisa cálida que levava a vale o perfume dos pinheiros, que destacava o aroma das novelo em vasos de barro que Tess ordenou colocar ao redor dos alpendres e terraços da casa principal.

     Não havia nem rastros de chuva nem da geada tão feroz que os tinha açoitado quarenta e oito horas antes e que produziu uma funda preocupação ao Tess e ao Lily. O salgueiro chorão que crescia junto ao lago que Jack Mercy fez construir e no que povoou com carpas japonesas, já esquecidas, luzia um verde delicado.

      Havia mesas com sombrinhas raiadas, um dossel branco como a neve para proporcionar sombra à festa nupcial, e a plataforma de madeira que os peões construíram com entusiasmo para que se utilizasse como pista de baile.

     Seria um dia perfeito, pensou Willa, se não houvesse policiais disseminados entre os convidados.

     -Que bem está! -Com os olhos úmidos, Willa se aproximou do Adam para lhe endireitar a gravata do smoking-. Parece surto de uma revista. -Incapaz de não tocá-lo, passou-lhe as mãos pelo fronte da camisa-. Um grande dia, verdade?

     -O maior. -Tirou-lhe uma lágrima das pestanas e simulou colocá-la no bolso-. Guardá-la. Você quase nunca te permite as derramar.

     -Mas tenho a sensação de que hoje não poderei menos que derramar muitas. -Tomou o pequeno ramalhete de lírios do vale, que o mesmo Adam tinha pedido, e o prendeu com cuidado na lapela-. Já sei que se supõe que devo permitir que seu padrinho faça tudo isto, mas Ben tem as mãos muito grandes.

     -As tuas estão tremendo.

     -Já sei. -Riu um pouco-. Diria-se que a que se casa sou eu. Mas estive tranqüila até esta manhã quando tive que me pôr este vestido.

     -Está preciosa. -Tomou a mão e a apoiou contra sua bochecha-. Willa, desde antes de nascer estiveste dentro de meu coração. E sempre estará ali.

     -OH Deus! -Lhe voltaram a encher os olhos de lágrimas. Deu-lhe um beijo rápido e logo se voltou-. Devo ir. -Em sua cega carreira para a porta, chocou-se contra Ben-. Te mova!

     -Espera, me deixe te olhar. -Ignorando os olhos chorosos, fez-a voltar-se para admirar o formoso vestido azul-. Bom, bom, bom! Bonita como uma flor de pradaria. -Secou-lhe uma lágrima que lhe corria pela bochecha-. E ainda úmida de rocio.

     -te economize suas lindas palavras e feixe o que se supõe que deve fazer com o Adam. o conte piadas más ou algo pelo estilo.

     -Para isso estou aqui. -Beijou-a antes de que ela pudesse afastar-se-. O primeiro baile é meu. E o último -adicionou enquanto ela se afastava a toda velocidade.

     Não é justo, disse-se Willa enquanto se apressava para a casa principal. Não era justo que ele a emocionasse dessa maneira. Tinha muitas coisas na cabeça, muito que fazer. E não queria estar apaixonada pelo Ben McKinnon.

     «E talvez não o esteja», pensou, passando-a mão pelo nariz.

     Mas essa reação sua era tão vergonhosamente feminina! Imaginar que estava apaixonada por ele tão solo porque se deitavam juntos, porque de vez em quando lhe dizia palavras bonitas ou a olhava de determinada maneira.

     «Me passará, isso é tudo. Terei que voltar a me pôr em meu sítio antes de me converter no bobo de todo o condado. Ou até que, por pensar tanto nele, faça alguma tolice como lhe seguir os passos, ou imaginar em vestido de noiva.»

     deteve-se frente à porta e se levou uma mão ao estômago tremente. Entrou o mais composta que pôde e se enfrentou com o Adele que chorava enquanto baixava a escada apoiada no braço da Louella.

     -O que acontece? -Willa se preparava para correr para onde se guardavam as armas, quando Louella sorriu.

     -Não acontece nada. Adele está sofrendo a típica reação da mãe da noiva.

     -Está tão formosa! Não é certo, Louella? Parece um anjo. Meu bebê!

     -É a noiva mais formosa que vi. Você e eu, querida, abriremos uma garrafa desse champanha borbulhante e brindaremos por ela. -Aplaudiu ao Adele enquanto caminhavam-. Sobe, Will. Lily perguntou se o faria assim que voltasse.

     -Deveria procurar o Rob.

     -Os homens não compreendem os momentos como este, Addy. -Louella a conduziu para a cozinha-. Buscaremo-lo depois de ter brindado pela noiva. Um par de vezes. Sobe, Will, Lily te espera.

     -Está bem. -Mas teve que sacudir a cabeça um instante, divertida e surpreendida de uma vez pelo laço que se criou entre essas duas algemas tão distintas do Jack Mercy.

     Ainda seguia meneando a cabeça quando abriu a porta do dormitório onde se achava Lily e ficou como petrificada.

     -Não te parece maravilhosa? -perguntou Tess enquanto lhe retocava o véu-. Não está fabulosa?

     -Deus! OH, Lily! Parece um personagem de conto de fadas. Uma princesa.

     -Eu queria um vestido de noiva branco. -Surpreendida de si mesmo, Lily girou ante o espelho de corpo inteiro. A mulher que lhe devolvia o sorriso era formoso, e luzia uma saia de cetim branco e uma blusa romântica de encaixe e pérolas-. Já sei que é meu segundo matrimônio, mas...

     -Não, não o é -disse Tess, passando uma mão pelas mangas largas da noiva-. É o único que importa, de maneira que é o primeiro.

      -Meu primeiro matrimônio... -Lily se levou as mãos ao véu que lhe caía sobre os ombros-. Nem sequer estou nervosa. Estava convencida de que o estaria, mas não o estou.

     -Tenho algo para ti. -Em um estado de nervos pouco habitual, Willa tirou a cajita de veludo que ocultava a suas costas-. Não é necessário que os use. Me ocorre que já alguém se deve ter ocupado do novo, o velho e todo isso. Mas Tess me comentou que seu vestido estava adornado com pérolas e recordei estes. Eram de minha avó. Nossa avó -corrigiu-se, lhe tendendo a caixa.

     Ao abri-la. Lily só pôde lançar um suspiro. As pérolas tinham forma de lágrimas e estavam engastadas em uma formosa filigrana antiga. Sem vacilar um instante, tirou-se quão pendentes tinha comprado para que fizessem jogo com o vestido e os substituiu com os que lhe acabava de dar de presente Willa.

     -São uma maravilha! São perfeitos!

     -Ficam bem. -Estão feitos para seres delicados como Lily, pensou Willa com uma mescla de orgulho e inveja. Não para as mulheres como eu-. Supus que lhe gostaria que os tivesse. Eu não a conheci, nem nada, mas... Diabos! Já vou voltar a começar a chorar.

     -Isso nos está passando a todas, mas eu o posso solucionar. -Tess pôs um lenço de papel em mãos da Willa-. Roubei uma garrafa de champanha e a escondi no banheiro para que Bess não se inteirasse. Diria que nos merecemos uma taça.

     Willa lançou uma risita enquanto Tess se apressava a entrar no banheiro.

     -Sai a sua mãe.

     -Obrigado, Willa -disse Lily, tocando os pendentes-. Não só pelos pendentes, mas sim por tudo.

     -Não siga me emocionando, Lily. Me acabam os dedos para conter a ruptura dos diques. Tenho uma fama pelos arredores e não é de chorã. -Sentiu um alívio enorme para ouvir o ruído da cortiça que retumbava nos azulejos do banho-. Se os peões chegarem a supor que tenho um lado débil, ficarão insuportáveis.

     -Lá vamos! -exclamou Tess entrando com a garrafa e três taças-. por que querem que brindemos? -Encheu as taças com generosidade e foi passando-. Pelo verdadeiro amor e a felicidade conjugal?

     -Não, acima de tudo... -Lily elevou sua taça-. Pelas senhoras do Mercy. -Entrechocó sua taça com a da Willa e a do Tess-. percorremos um comprido caminho em um tempo muito curto.

     -Isso é algo pelo que posso brindar. -Tess elevou uma sobrancelha-. Will?

     -Eu também.

     Willa golpeou sua taça contra a do Tess e sorriu ante o som alegre do cristal. Ninguém melhor que Hollywood para escolher as taças mais perfeitas.

     Sorridente, Lily se levou a taça aos lábios.

     -Mas solo posso beber um sorvo. O álcool não é bom para o bebê.

     -Bebê? -Fizeram coro Willa e Tess ao uníssono.

     Saboreando o momento, Lily apenas se molhou os lábios com o champanha.

     -Estou grávida.

    

     Mais tarde Willa pensaria que jamais tinha visto algo tão mágico como Lily avançando pelo caminho poeirento do rancho, em seu vestido de conto de fadas, do braço do homem que chegou a ser seu pai e para o homem que seria seu marido.

     E enquanto se pronunciavam os votos e se faziam as promessas, permitiu-se esquecer que no ar houvesse algo que não fora beleza. E quando marido e mulher intercambiaram o primeiro beijo e se começaram para ouvir vítores, ela também aclamou.

     Pensou na criatura, e no futuro.

     -Até onde viajaste esta vez? -murmurou-lhe Ben ao ouvido.

     Surpreendida, levantou o olhar e quase tropeçou com os pés dele.

     -O que?

     -Seus pensamentos lhe afastam constantemente daqui.

     -Ah! Já sabe que devo me concentrar quando danço. Se não perder a conta.

     -Não te aconteceria se permitisse que o homem te dirigisse e você o seguisse. De todos os modos não referia a isso. Aproximou-a para ele-. se preocupa a possibilidade de que ele esteja aqui?

     -É obvio que me preocupa! Não faço mais que olhar as caras da gente que conheço, de gente a quem acredito conhecer, e me pergunto como serão em realidade. Se não fora pelo maldito testamento, Adam e Lily poderiam ir-se por um par de semanas e passar uma verdadeira lua de mel. Teria duas pessoas menos por quem me preocupar.

     -Se não fora pelo maldito testamento, talvez nem sequer tivessem chegado ao ponto de ter que pospor a lua de mel -recordou-lhe Ben-. Não siga pensando nisso, Will. Hoje não acontecerá nada aqui.

     -tratei que não pensar nisso. Eles parecem tão felizes! -Voltou a cabeça para poder voltar a ver os noivos que dançavam um em braços do outro-. É estranho, faz um ano nem sequer se conheciam. E agora são marido e mulher.

     -Uma família que se inicia.

     Essa vez ela tropeçou a sério.

     -Como sabe?

     -Disse-me isso Adam. -Sorriu e como estava cansado de que o pisoteasse, conduziu-a para o bufei-. Acredito que se se sentisse mais feliz, teria que dividir-se em dois para que tanta felicidade lhe coubesse no corpo.

     -E quero que sigam sendo felizes. -Resistiu a tentação de aplaudir a pistola de bolso que tinha pacote a sua coxa. Era uma arma lamentável e feminina, mas se sentia melhor sabendo que estava ali-. Será melhor que comece a dançar com outras mulheres, Ben. Em caso contrário a gente começará a falar.

     Ben lançou uma risita e tomou o queixo. Para alguém com idéias tão claras como Willa, estava absolutamente cega no que a ela mesma se referia.

     -Querida, a gente já está falando. -Desfrutou da maneira que ela franziu o sobrecenho para ouvi-lo, para depois estudar à multidão como se esperasse ver alguém sussurrando enquanto se ocultava a boca com uma mão-. E não me incomoda.

     -Eu não gosto que a gente ande falando de mim. -Assinalou ao Tess e ao Nate com o queixo-. E disso o que dizem?

     -Que Nate se procurou uma mulher escorregadia, e que terá que tratá-la com mão muito firme se quer conservá-la. Bom, aí há uma mulher que sabe dançar. -Tomou duas taças da bandeja que levava uma moço e assinalou a Louella com uma delas.

     A mãe do Tess luzia um vestido rosa e dançava com entusiasmo sobre seus saltos altos com o pai do Ben. Pelo menos meia dúzia de jeans marcavam o ritmo com os pés enquanto esperavam seu turno.

     -Esse é seu pai.

     -Sim.

     -Olha-o!

     -Estará uma semana dolorido, mas se sentirá feliz.

     Rendo, Willa tomou a mão do Ben e se encaminhou a um lugar de onde pudesse vê-los melhor. Enquanto observavam, o vaqueiro de um rancho vizinho os separou e iniciou um baile corajoso. Stu McKinnon tirou o lenço e se enxugou a cara arrebatada.

     -Sobreviverá a todos -predisse Tess.

     Nate lhe fez um piscou os olhos ao Ben e observou ao Stu que se encaminhava ao bar em busca de uma cerveja.

     -Ela te ensinou a dançar assim?

     -Ainda não bebi bastante para dançar assim. -Tess tomou a taça da Willa, bebeu seu conteúdo e a devolveu vazia-. Me dê tempo.

     -Ah! Sou um homem paciente. É as melhores bodas em que estive em toda minha vida, Will. Você e as senhoras devem lhes sentir orgulhosas. -Logo lançou um bufido quando Louella se chocou com ele.

     -Seu turno, boa moço.

     -Louella, eu não poderia me manter ao mesmo tempo com você embora tivesse quatro pés. Nesse seu restaurante deve manter tudo a um ritmo de loucos.

     -Restaurante? Mierda! -uivou ela, lhe aferrando as mãos-. Dirijo um lugar de striptease, querido. E agora, me deixe te ensinar alguns passos.

     -Um lugar de striptease? -Willa levantou uma sobrancelha enquanto Louella arrastava ao Nate para a pista.

     -Mierda! -exclamou Tess, lançando um suspiro-. Me consiga outra taça, Ben. Faz-me falta.

     -Em seguida.

     -Um lugar onde se faz striptease? -voltou a perguntar Willa.

     -E o que? É uma maneira de ganhá-la vida.

     -Como é? O que te pergunto é se se tiram toda a roupa e bailotean completamente nuas. -Tinha os olhos muito abertos, não porque se sentisse escandalizada, a não ser fascinada-. E Louella também...?

     -Não. -Tess aferrou a taça que Ben trazia e voltou a beber-. Pelo menos desde que comprou seu próprio estabelecimento.

     -Nunca estive em um desses lugares. -E devem ser interessantes!, pensou Willa-. Também há homens? Homens que dançam nus?

     -Por Deus, não! -Tess aconteceu a taça a Willa-. Solo durante as noites exclusivas para público feminino. vou resgatar ao Nate antes de que ela o inclua no show.

     -Noites para público exclusivamente feminino. -A Willa a idéia parecia maravilhosa-. Acredito que pagaria por ver um homem dançando nu. -Especulando, voltou a cabeça e olhou ao Ben.

     -Nem por todo o ouro do mundo!

     Willa pensou que poderia lhe oferecer outro tipo de pagamento e, rendo, deslizou um braço ao redor de sua cintura e observou aos bailarinos.

    

     Ele também observava. E se sentia feliz. A noiva era uma beleza, resplandecente, tal como devia estar uma noiva, com seu traje e seu véu brancos. A música soava forte e a comida e as bebidas abundantes.

     O fazia sentir sentimental, orgulhoso e forte ao mesmo tempo.

     Esse dia tinha lugar graças a ele, e ele se guardava esse segredo e o prazer que lhe proporcionava. Durante toda sua vida, houve muitas coisas que estiveram fora de seu controle, fora de seu alcance. Mas isso era um lucro completamente dele.

     Talvez ninguém soubesse nunca. Era provável que tivesse que conservar o segredo para sempre. Como o herói de um livro: uma espécie do Robin Hood que não se atribuía nenhum mérito pessoal.

     O fato de salvar ao Lily modificou sua direção, seu propósito. Mas não seus meios.

     Divertia-lhe que a polícia se passeasse entre a multidão de convidados. Buscando-o. Convencidos de que conseguiriam identificá-lo.

     Nunca o obteriam.

     imaginou continuando durante anos, para sempre. Matando por prazer. Agora estritamente por prazer. A vingança, e até os ressentimentos ocultos, pareciam-lhe débeis e muito pouca costure ao lado do prazer.

     Alguém chocou com ele. Uma mulher bonita que flertava. O flertou também com ela, fez-a rir, ruborizar-se, tirou-a dançar.

     Enquanto pensava, enquanto se perguntava todo o tempo se ela poderia ser a seguinte.

     Sua bonita cabeleira ruiva seria um formoso troféu.

    

     conseguiu-se uma prostituta ruiva porque lhe recordava à bonita ruiva com quem dançou nas bodas do Lily. Uma prostituta não era um desafio muito grande, e isso o desiludiu.

     Mas fazia tanto que esperava!

     Foi considerado e esperou até que os pais do Lily e a mãe do Tess retornassem a suas casas. Não lhe parecia bem causar tanta comoção enquanto houvesse visitas no rancho.

     Os pais do Lily ficaram ali uma semana, e Louella dez dias. Todo mundo coincidiu em que sobre tudo sentiriam falta a Louella, com suas sonoras gargalhadas e suas piadas.

     E com essas saias ajustadas que gostava de usar.

     A mulher era fabulosa e ele esperava que voltasse muito em breve de visita. Sentia que o unia um laço com ela, com todos eles.

     Mas as visitas já não estavam ali e o rancho voltava para a rotina. O tempo se mantinha, coisa que lhe alegrava. Semeado-los e os pastos cresciam satisfatoriamente, embora não lhes viria mal um pouco de chuva. Mas Deus era testemunha, e ele também, que em Montana a chuva sempre sobrava ou faltava.

     Em um par de ocasiões houve alguns trovões no oeste, mas até esse momento junho era um mês de seca. Entretanto os arroios discorriam bem e o degelo era abundante, de maneira que ele não se preocupava.

     O gado engordava nos pastos e os bezerros da primavera nasciam na data precisa. viam-se alguns alces bisbilhotando pelos arredores, o qual sempre era uma preocupação. Os muito malditos destroçavam os alambrados e podiam contagiar enfermidades aos vacunos, mas Willa não emprestava muita atenção a esses assuntos.

      depois de analisar suas idéias novidadeiras de resembrar pasto natural, ir diminuindo os produtos químicos e os hormônios de crescimento, estava de acordo com ela. Decidiu que aprovava tudo o que ela fizesse e com o que o velho não teria estado de acordo.

     Demorou um pouco de tempo e teve que analisar as coisas a fundo, mas nesse momento acreditava que estava bem e que era justo que lhe tivesse concedido a Willa o direito de empunhar as rédeas do rancho. Ainda lhe incomodava que McKinnon e Torrence pudessem intervir e dar sua opinião sobre a direção do rancho, pelo menos durante alguns meses, mas Willa sabia dirigir.

     Tinha-lhes tomado carinho ao Lily e ao Tess, mas como sempre dizia, o sangue atira. Agora as visualizava a ambas instaladas no Mercy, toda a família jogando raízes no rancho.

     Os integrantes de uma família se mantinham unidos. Era algo que lhe ensinaram do berço e sempre fez todo o possível por viver de acordo com isso. Solo foram a dor e a fúria os que o provocaram até o ponto de querer lhes causar danifico, a mesma dor que sofria ele. Mas já estava convencido de que todo isso era culpa do velho e não delas. Por isso, em seu momento, deixou um sinal na porta da casa principal, um sinal que o fez rir e chorar ao mesmo tempo.

     Mas chegava o momento de dedicar-se à caça maior, por isso procurou à prostituta ruiva.

     Conseguiu-a no Bozeman, uma puta de vinte pesos a hora a quem não acreditou que ninguém sentiria saudades. Era fraca como um pau e tola como um poste mas tinha uma boca enorme e sabia usá-la. Quando estiveram no assento dianteiro do jipe e ela enterrou a cara entre suas pernas, ganhou os primeiros vinte e lhe aconteceu os dedos pela larga cabeleira ruiva.

     Quase com segurança devia ser tinta, mas não tinha importância. Era de uma bonita cor, e estava poda. Enquanto sonhava com o que viria, apoiou a cabeça contra o respaldo do assento, fechou os olhos e lhe permitiu que ganhasse seus vinte dólares.

     -Está tão dotado como um touro, vaqueiro -disse ela quando terminou-. Devi te haver cobrado por centímetro. -Era a frase que sempre dizia ao terminar seu trabalho e pelo general o fazia ganhar um sorriso ou uma modesta gorjeta. Não se desiludiu ao ver que lhe sorria e que levantava o quadril para tirar a carteira.

     -Aqui tenho outros cinqüenta, querida. por que não damos uma volta?

     Ela era cautelosa, uma mulher de sua profissão devia sê-lo. Mas seu olhar se posou com avareza sobre o bilhete que ele tinha na mão.

     -Aonde?

     -Sou um tipo de campo, as cidades eu não gosto. Proponho-te que procuremos um lugar tranqüilo e façamos ranger os assentos deste velho jipe. -Ao ver que ela vacilava, estendeu a mão e enroscou uma mecha de cabelo ao redor de seus dedos-. Não cabe dúvida de que é bonita. Como disse que te chamava?

     Pelo general aos tipos não interessava o nome de uma, mas lhe gostou que ele fora assim.

     -Meu nome é Suzy.

     -O que me diz, Suzy? Quer dar uma volta comigo?

     O moço parecia inofensivo, e além ela tinha uma pistola carregada na bolsa. Sorriu e em seu rosto magro apareceu uma expressão de desconfiança.

     -Terá que te pôr um preservativo, vaqueiro.

     -É obvio! -Antes morto que meter-lhe a uma prostituta-. Hoje em dia um não pode deixar de ser cuidadoso.

     Com uma piscada, observou desaparecer seus cinqüenta dólares na barata bolsa de plástico do Suzy. Pôs o motor em marcha e saiu do Bozeman.

     Era uma noite bonita e clara, o caminho estava deserto e sentiu a tentação de apertar o acelerador a fundo. Mas se conteve e conduziu com prudência, enquanto cantarolava as canções que emitia a rádio. E quando a escuridão se converteu na escuridão do campo, sentiu-se feliz.

     -Já estamos bastante longe para cinqüenta. -O silêncio, a falta de luz e de gente, punham-na nervosa.

     «Ainda não estamos bastante longe», pensou ele e lhe sorriu.

     -Conheço um lugar ideal a três quilômetros daqui. -Com uma só mão sobre o volante, colocou a outra sob o assento, divertido ao ver que ela se tornava atrás e aferrava sua bolsa. Mas ele tirou uma garrafa de vinho barato que não só continha vinho-. Quer beber, Suzy?

     -Bom... talvez. -Pelo general seus clientes não lhe ofereciam vinho nem lhe diziam galanteios, nem a chamavam por seu nome. Mas só três quilômetros mais, vaqueiro -adicionou enquanto bebia da garrafa-. Depois faremos o que temos que fazer.

      -Eu e meu companheiro estamos mais que preparados -respondeu ele, aplaudindo-a entrepierna e subindo o volume da rádio-. Conhece esta canção?

     Ela bebeu outro gole, lançou uma risita e cantou com ele.

     Era de constituição débil, não devia pesar mais de cinqüenta quilogramas. A droga demorou menos de dez minutos em lhe fazer efeito. O lhe tirou a garrafa dos dedos lassos antes de que o líquido se derramasse. Assobiando, estacionou ao bordo do caminho.

     Suzy estava desabada em um rincão, mas para assegurar-se lhe levantou uma pálpebra. Depois assentiu, satisfeito. Desceu do jipe, derramou no chão de terra o resto do vinho misturado com uma droga, e logo arrojou a garrafa longe na escuridão.

     Ouviu que se rompia no momento em que ele se dirigia ao porta-malas do jipe para tirar a soga.

    

     -Não é necessário que faça isto, Will. -Adam estudou a sua irmã enquanto cruzava a cavalo ao passado um arroio estreito.

     -Quero fazê-lo. Por ti. -Fez uma pausa para que Moon bebesse-. Por ela. Já sei que não visitei sua tumba com muita freqüência. Permiti que outras coisas se interpor em meu caminho.

     -Para recordar a nossa mãe não é necessário que visite sua tumba.

     -Esse é o problema, não o vê? Não a lembrança. Com exceção do que você me contaste.

     Jogou atrás a cabeça. Era uma tarde gloriosa e estava agradavelmente cansada, com os ombros um pouco doloridos de desenrolar arames.

     -Não vim com muita freqüência porque sempre me pareceu morboso. Estar ali de pé, olhando uma parte de terra e uma pedra esculpida, e sem ter nenhuma lembrança que me permitisse me aferrar a ela. -Observou a um ave que passava voando-. Mas comecei a pensar de outra maneira. Foi porque vi o Lily com sua mãe e ao Tess com a sua. Também porque penso no bebê que leva Lily em seu ventre. Na continuidade.

     voltou-se a olhá-lo e seu rosto estava depravado.

     -Para mim, a continuidade sempre esteve ligada à terra, as estações, o trabalho que terei que fazer em cada uma delas. Quando pensava em ontem ou em manhã, sempre era o rancho.

     -O rancho é seu coração, Willa. É seu lar. É você.

     -Sim, isso sempre será verdade. Mas agora estou pensando na gente. Antes nunca pensava na gente... com exceção de ti. -Estendeu um braço e lhe cobriu uma mão com a sua-. Sempre estiveste ali. Minhas lembranças se referem a ti. Elevava-me, punha-me sobre seu quadril, falava-me e me contava histórias.

     -Foi e sempre será uma alegria para mim.

     -Será um pai tão maravilhoso! -Apertou por última vez a mão do Adam e esporeou ao Moon-. estive pensando. Não é sozinho a terra o que continua, não é sozinho a terra com quem estamos em dívida. Eu devo a mamãe minha vida, e lhe devo te ter a ti, e lhe devo a criatura que será minha sobrinha.

     Adam permaneceu um instante em silêncio.

     -Não o deve sozinho a ela.

     -Não, é verdade. -Adam me compreenderá. Sempre me compreende, pensou-. Também estou em dívida com o Jack Mercy. Minha irritação desapareceu, e também a dor. Devo-lhe minha vida e as vistas de minhas irmãs e a da criatura que será minha sobrinha. É algo que posso lhe agradecer. E talvez, de algum jeito, também lhe deva o que sou. Se ele tivesse sido distinto, também eu o seria.

     -E o que me diz de amanhã, Will? De suas manhãs?

     Ela sozinho alcançava a ver as estações e o trabalho que terei que fazer em cada uma delas. E a terra, que esperava de uma maneira interminável.

     -Não sei.

     -por que não diz ao Ben o que sente por ele?

     Willa suspirou e por uma vez desejou que em algum rincão de seu coração pudesse haver um segredo que Adam não conhecesse.

     -Ainda não decidi o que sinto.

     -Suas decisões não têm nada que ver com o assunto. -Sorriu enquanto açulava ao cavalo para pô-lo ao trote-. E tampouco as dele.

     «Mas como, que demônios quererá dizer?», perguntou-se ela. Franziu o sobrecenho, açulou ao Moon e galopou detrás o Adam.

     -Não comece a me falar com frases crípticas. Recorda que sou a Índia solo em cinqüenta por cento. Se tiver algo que dizer...

     interrompeu-se ao ver que ele elevava uma mão. Sem fazer perguntas, deteve o cavalo e seguiu a direção do olhar do Adam, fixa nas tumbas do cemitério. Ela também o cheirava. Morte. Mas o que se podia esperar ali? Era um dos motivos pelos que quase nunca ia.

     Mas então soube, até antes de vê-lo, soube. Porque as mortes velhas tinham um murmúrio silencioso e poeirento. E as mortes novas gritavam.

      Voltaram a pôr os cavalos ao passo, desmontaram em um silêncio só quebrado pelo ruído do vento na erva alta e o te acossem canto dos pássaros.

     Quão única tinha sido profanada era a tumba de seu pai. No interior da Willa se elevou uma profunda sensação de desgosto, perseguida pela superstição. Burlar-se e insultar aos mortos era um assunto perigoso. estremeceu-se e descobriu que murmurava uma canção na língua de sua mãe para tranqüilizar aos espíritos inquietos.

     Depois, para acalmar o seu, voltou-se a olhar a terra que se estendia para o infinito.

     Não se trata de uma mensagem muito sutil, pensou enquanto era presa de uma fúria repentina. O corpo mutilado estava estendido sobre toda a tumba, e seu sangue tingia a erva recém-nascida. Tinham-na decapitado e logo colocado a cabeça com cuidado justo debaixo da lápide.

     A mesma lápide estava manchada de sangue que já se ia pondo marrom sob o sol. As palavras tinham sido escritas sobre as letras esculpidas.

 

     Morto, mas não esquecido.

    

     sobressaltou-se quando Adam lhe colocou uma mão sobre o ombro.

     -Volta para arroio, Willa. Eu me encarregarei disto.

     As pernas débeis da Willa a urgiam a obedecer, a arrastar-se até conseguir montar a cavalo e afastar-se dali. Mas a fúria seguia estando ali e, debaixo dela, a dívida que acabava de reconhecer.

     -Não. Era meu pai, meu sangue. Farei-o eu. -voltou-se e abriu a alforja-. Posso-o fazer, Adam. Preciso fazê-lo.

     Tirou uma manta velha e desafogou parte de sua irritação rasgando-a. Depois procurou as luvas e os pôs. Tinha os olhos brilhantes com uma expressão dura.

     -Por mau que tenha sido, por mal que tenha procedido, não merecia isto.

     Tomou uma parte de manta e, ajoelhada junto à tumba de seu pai, começou com a imunda tarefa de retirar o corpo. Lhe revolvia o estômago, mas não lhe tremiam as mãos. Quando terminou tinha as luvas talheres de sangue coagulado, de maneira que os tirou e os jogou no montão. Depois atou com força os extremos da manta e a apartou.

     -Eu a enterrarei -murmurou Adam.

     Willa assentiu e ficou de pé. Utilizou a água do cantil para empapar outra parte de manta, logo voltou a ajoelhar-se e lavou a lápide.

     Por mais que a esfregasse, não conseguia limpá-la de tudo. Teria que voltar com algo mais que água e um trapo improvisado. Mas fez tudo o que pôde antes de apoiar-se sobre os talões, com as mãos geladas.

     -Acreditei que te queria -murmurou-. Depois acreditei que te odiava. Mas nada do que tenha sentido por ti foi tão profundo e mortífero como isto. -Fechou os olhos e tratou de limpar seus pulmões de aroma de sangue e a morte-. Acredito que você foste sempre o motivo. As mortes não estiveram dirigidas a mim, a não ser a ti. meu deus! O que fez e a quem o fez?

     -Toma. -Adam se inclinou para ajudá-la a ficar de pé-. Bebe um pouco -adicionou, lhe oferecendo seu cantil.

     Ela bebeu grandes goles para tratar de tirar o mau gosto da boca. Notou que sobre a tumba de sua mãe havia novelo florescidas. E a de seu pai estava manchada de sangue.

     -Quem o odeia até tal ponto, Adam? E por que? A quem terá ferido mais que a mim, e mais que a ti? Mais que ao Lily e ao Tess? A quem pôde ferir mais que aos filhos a quem ignorou?

     -Não sei. -Nesse momento só se preocupava com a Willa e com suavidade a conduziu para o cavalo-. Aqui já temos feito tudo o que se podia fazer. Agora voltaremos para casa.

     -Sim. -Sentia as pernas quebradiças, como partes de gelo-. Voltaremos para casa.

     Avançaram para o oeste, para o Mercy com um céu tingido de um vermelho tão forte como o da tumba.

    

     Em Quatro de julho significava mais que foguetes. Significava enlaçar e domar, e montar touros. Durante mais de uma década, Mercy e Three Rocks organizavam em seus ranchos uma competição para seu jeans e para os jeans de ranchos vizinhos que não se foram a passar a festa a outra parte.

     Esse ano tocava o turno ao Mercy de receber aos competidores. Willa escutou o conselho do Ben de transladar por esse ano a competência ao Three Rocks, o conselho do Nate de cancelá-la por completo. Considerou ambos os conselhos e decidiu ignorá-los.

     Ela era Mercy, e Mercy continuava.

      De modo que os currais estavam rodeados por uma multidão que respirava a seus favoritos. Os jeans se limpavam os traseiros depois de ser jogados das monturas, ou de voar pelo ar e terminar no chão. Em um pasto próximo, a carreira de barris entrava em sua segunda fase. Perto do estábulo, ressonavam os cascos e as sogas voavam pelo ar.

     Tinham construído um camarote especial para a banda de música, envolto em tecidos tintos, brancas e azuis. consumiam-se toneladas de salada de batatas, quantidades enormes de frango assado, barris de cerveja e de chá gelado.

     Ficaram alguns corações partidos, e também alguns ossos.

     -Vejo que teremos que competir no tiro ao branco -comentou Ben, rodeando com um braço a cintura da Willa.

     -te prepare para perder.

     -Quer apostar?

     Ela inclinou a cabeça.

     -O que apostamos?

     -Bom.

     Ben apertou a língua contra sua bochecha, os chapéus de ambos se chocaram e lhe sussurrou algo que a fez abrir muito grandes os olhos.

     -Está-o inventando! -decidiu Willa-. Ninguém poderia sobreviver a isso!

     -Não é covarde, verdade?

     Ela se endireitou o chapéu,

     -Se quer arriscá-lo, McKinnon, aceito a aposta. Participa desta ronda de domesticação, não é certo?

     -Sim, já vou para lá.

     -Talvez te acompanhe. -Sorriu com doçura-. Apostei- vinte ao Jim.

     -Apostou em meu contrário? -Vacilava entre a surpresa e a sensação de sentir-se insultado-. Diabos, Willa!

     -Estive-o vendo praticar. Ham o esteve treinando.

     afastou-se dele. Não tinha sentido que lhe dissesse que tinha apostado cinqüenta pelo Ben McKinnon. Lhe subiria à cabeça.

     -Willa! -Com um pouco de sangre seca no queixo, e um braço sobre os ombros de uma loira que vestia jeans ajustados, Billy lhe sorriu-. Jim está por sair.

     -Sim, já sei, vim a vê-lo. A ti como foi?

     -Ai, mierda! -exclamou Billy, movendo um ombro dolorido.

     -Assim de bem foi? -Lançou uma gargalhada e fez lugar para o Ben-. Ainda é muito jovem, moço. Seguirá te rompendo ossos quando anciões como Ben McKinnon não possam afastar-se de suas cadeiras de balanço. lhe peça ao Ham que trabalhe contigo.

     Ao levantar a vista viu que seu capataz estava junto ao curral, dando as últimas instruções ao Jim.

     -Estava pensando que talvez poderia me treinar você. Com exceção do Adam, subida melhor que qualquer outra pessoa do rancho. E Adam se nega a domar cavalos desse modo.

     -Adam tem uma maneira distinta de domá-los. Já veremos -adicionou Willa, e em seguida lançou um grito de entusiasmo quando a porta se abriu e potro e cavaleiro saíram disparados-. Doma a esse demônio, Jim!

     Ele estava envolto em uma nuvem de pó, com um braço em alto. Quando soou o sino dos oito segundos, saltou ao chão com limpeza, rodou sobre si mesmo e ficou de pé entre os aplausos entusiastas do público.

     -Não esteve mau -comentou Ben-. Agora me toca . -A ponto de pôr em jogo sua virilidade e seu orgulho, colocou as mãos debaixo dos cotovelos da Willa, elevou-a e a beijou-. Para que me dê sorte -disse enquanto se afastava.

     -Acredita que ganhará em nosso Jim, Will? -perguntou Billy.

     Ela pensou que Ben McKinnon virtualmente era capaz de ganhar em todo mundo.

     -Para isso terá que montar como um diabólico.

     Apesar de que a loira se movia inquieta sob o braço do Billy, para atrair sua atenção, o moço tironeó a manga da Willa.

     -Você tem que competir com ele no tiro ao branco, verdade?

     -Assim é.

     -Ganhará, Willa. apostamos dinheiro por você. Todos os moços.

     -Bom, eu não gostaria que o perdierais.

     Observou ao Ben montando em cima da porta. Fez-lhe uma saudação com o chapéu, um gesto petulante que a fez sorrir.

     Quando o cavalo que montava Ben saiu à pista, o coração da Willa lhe deu um salto no peito. «Está... magnífico», decidiu. Montava muito erguido um cavalo furioso, com uma mão que parecia querer agarrar o céu e a outra obstinada à arreios. Willa alcançou a lhe ver os olhos, com uma concentração total.

     «Tem a mesma expressão que quando ele está dentro de mim», pensou, e o coração começou a lhe galopar dentro do peito. Nem sequer ouviu soar o sino, mas o viu desmontar de um salto enquanto o cavalo seguia chutando com furor. Ben permaneceu de pé, com os pés firmemente plantados no chão. E embora a multidão o ovacionava, ele a olhou diretamente a ela. E lhe piscou os olhos um olho.

     -Presumido! -sussurrou Willa. «E além disso, estou perdidamente apaixonada por ele.»

     -por que fazem isso? -perguntou Tess, a suas costas.

     -Por puro prazer. -Willa se voltou, agradecendo a desculpa de poder pensar em outra coisa. Esse dia Tess se esmerou mais que nunca em seu aspecto. Luzia jeans apertados, botas de fantasia, uma camisa azul forte com borde chapeados que faziam jogo com a cinta que levava no chapéu branco-. Bom, está preciosa! Preparado para a carreira, Nate?

     -Sim, embora este ano será difícil, não perdi as esperanças. -Nate também nos vai ajudar no concurso de consumo de bolos -comunicou Tess com uma risita, enquanto enlaçava seu braço com o dele-. Estávamos procurando o Lily. Como ela ajudou a preparar os bolos, queríamos que presenciasse o concurso.

     -Vi-a... -Willa entrecerró os olhos e esquadrinhou a multidão-. Acredito que ela e Adam estavam ajudando com os jogos infantis. A carreira com ovos sobre uma colher, talvez, ou a carreira de sacos.

     -Encontraremo-la. Quer nos acompanhar?

     -Não obrigado. Talvez mais tarde me reúna com vós. Agora necessito uma cerveja.

     -Está preocupada com ela -comentou Nate enquanto se abriam passo entre a multidão.

     -Não o posso evitar. Você não a viu o dia em que voltou do cemitério. negava-se a falar do assunto. Pelo general consigo que fale de algo, mas não disso.

     -Faz mais de dois meses que assassinaram ao Jesse Cooke. Acredito que devemos nos aferrar a isso.

     -É o que trato de fazer. -Tess se estremeceu. Havia música, gente, risadas-. É uma festa Bárbara! Não cabe dúvida de que por aqui sabem organizar estas coisas.

     -Poderíamos começar a organizar nossas próprias festas no momento em que você queira.

     -Já falamos que isso, Nate. Em outubro retorno aos Anjos. Aí está Lily. -Desesperada-se por conseguir algo que a distraíra, Tess lhe fez uma entusiasta saudação com a mão-. Juro que está resplandecente. Não cabe dúvida de que lhe sinta bem estar grávida.

     Nate pensou que era provável que também lhe sentasse. Essa era outra coisa que podiam iniciar.., uma vez que tivessem terminado de discutir essa idéia absurda de voltar para Os Anjos.

    

     Os primeiros foguetes exploraram vinte minutos depois do anoitecer. As cores subiram ao céu, escureceram as estrelas, e logo caíram como lágrimas. Willa observou o espetáculo nos braços do Ben.

     -Acredito que a seu pai gosta dos foguetes mais que aos meninos.

     -Todos os Santos anos, ele e Ham discutem a respeito da apresentação e a ordem em que terá que lançá-los. -Ben sorriu quando um pó de estrelas floresceu em cima deles-. Depois cacarejam como galinhas e se alternam para acendê-los. Papai nunca permitiu que Zack ou eu participássemos do assunto.

     -Não te chegou o momento -murmurou ela. Isso também chegaria. Isso também era continuidade-. foi um bom dia.

     -Sim. -Cobriu-lhe uma mão com as suas-. Realmente bom.

     -Não se sente mal porque te tenha vencido no tiro ao branco?

     Ainda lhe incomodava um pouco, mas Ben se encolheu de ombros. Ambos tinham ido eliminando ao resto dos competidores até que se encontraram cara a cara na última roda. Depois tiveram que desempatar duas vezes. E por fim ela ganhou.

     -Ganhou por uma insignificância.

     -Não importa por quanto. -Olhou-o e sorriu-. O que importa é quem ganhou. Tem uma excelente pontaria. -Olhou-o com expressão brincalhona-. Mas a meu é melhor.

     -Hoje foi melhor. De todos os modos te custei vinte dólares porque ganhei no Jim. Lhe tem merecido isso.

     Ela se voltou em seus braços, rendo.

     -Mas os recuperei com os cinqüenta que apostei por ti. -Ao ver que Ben a olhava surpreso, adicionou-: Crie-me tola?

     -Não. -Levantou-lhe a cabeça-. Acredito que é uma mulher inteligente que sabe dosar suas apostas.

     -Falando de apostas. -A pesar da multidão que ofegava e aclamava com cada fogo artificial, Willa se pegou a ele e apoiou sua boca com força sobre a do Ben-. Proponho-te que entremos para ver se vivermos até que chegue a manhã.

     -Me vais deixar ficar até a manhã?

     -por que não? Amanhã é festa.

    

     Mais tarde, quando terminaram os foguetes, a multidão se retirou e a noite ficou em silêncio, voltaram-se de novo um para o outro. Essa vez os sonhos da Willa não tinham estado cheios de sangue, de morte e de medo. Ao o ter ali, quente, sólido, preparado para abraçá-la, ela soube que essa noite não haveria pesadelo.

    

      Alguém mais sonhou com uma prostituta ruiva e se estremeceu, fascinado com a lembrança. Tudo foi tão fácil, tão tranqüilo, e podia recordar com claridade cada detalhe.

     Viu-a voltar em si com os olhos frágeis, lançando umas choramingações afogadas. Tinha-a levado muito longe do Bozeman, ao casaco da escuridão das árvores.

     Não queria fazê-lo em terras do Mercy. Nem essa vez nem nenhuma outra. Já tinha terminado de castigar ao Mercy. Mas não podia deixar de matar.

     Atou-lhe as mãos à costas e a amordaçou. Não lhe teria importado ouvi-la gritar, mas não queria que pudesse mordê-lo. Cortou-lhe a roupa e a tirou, mas tomou cuidado, muito cuidado de não cortá-la.

     Era muito, muito hábil com a faca.

     Enquanto ela dormia pôde recuperar seu dinheiro e o resto que a moça tinha, que era pouco. tomou seu tempo, brincando com a pequena pistola que levava e com seu lápis de lábios.

     Mas nesse momento em que estava acordada, com os olhos muito abertos e revolvendo-se no chão, emitindo ruiditos parecidos com os de um animal apanhado, ele voltou a tirar o pintalabios da bolsa barata.

     -Uma prostituta deveria estar grafite como corresponde -disse e se excitou lhe acontecendo o pintalabios sobre os mamilos até que ficaram vermelhos, de um vermelho sangue-. Isso eu gosto. Sim, eu gosto de muito.

     Como tinha as bochechas muito pálidas, também as coloriu em grandes círculos como as de uma boneca.

     -Pensava me pegar um tiro com este brinquedo, querida? -Com gesto brincalhão lhe apontou com a pistola e ela pôs os olhos em branco-. Suponho que uma mulher com um trabalho como o teu deve proteger-se de muitas maneiras. Disse-te que me poria uma camisinha.

     Deixou a um lado a pistola e abriu o pacote de preservativos.

     -eu adoraria que voltasse a me chupar isso Suzy. Acredito que foi a melhor sessão de sexo oral que paguei. Mas esta vez poderia me morder. -Deu-lhe um doloroso beliscão aos mamilos tintos-. E não podemos nos arriscar a que isso aconteça, não é verdade?

     Já tinha uma ereção, uma ereção que lhe pulsava, mas se obrigou a ficar o preservativo com lentidão.

     -A gente não pode violar a uma prostituta, mas como não penso te pagar, suponho que de um ponto de vista técnico se poderia chamar violação. De maneira que diremos que te vou violar. -colocou-se em cima dela e sorriu quando Suzy tratou de levantar as pernas para proteger-se-. Mas, querida, não seja tímida! Você gostará.

     Com dois movimentos rudes, endireitou-lhe as pernas e as abriu.

     -Maldita seja se não te vai gostar. E me dirá até que ponto você adora. Não pode dizer muito com esse trapo metido em sua boca de prostituta, mas lançará gemidos e gemidos pelo que te faça. Quero que gema agora. Como se não pudesse esperar. Agora! -repetiu.

     Ela conseguiu lançar um soluço que o conformou.

     -Faz ruído, bastante ruído. Eu gosto do sexo com muito ruído.

     Penetrou-a com brutalidade. Suzy estava tão acolhedora como uma tumba, mas ele a atacou com tremendos embates que lhe cobriram as costas com uma capa de suor que resplandecia sob a luz das estrelas. Dolorida e atemorizada, a moça punha os olhos em branco, quão mesmo fazia um cavalo quando um lhe cravava as esporas e lhe tirava sangue.

     Quando terminou, ele rodou para um lado, ofegante.

     -foi bom. foi bom. Sim, voltarei-o a fazer dentro de um par de minutos.

     Ela estava enroscada sobre si mesmo, como uma bola e, soluçando, tratava de reptar. Com gesto preguiçoso, ele levantou a arma e disparou para o céu. Ela se deteve em seco.

     -Descansa ali, Suzy. Eu verei se posso juntar forças para outra ronda.

     Essa vez a sodomizó, mas não gostou tanto. Demorou muito em ter uma ereção e o orgasmo foi pequeno e insatisfatório.

     -Suponho que já terminei. -Pegou-lhe uma palmada amistosa nas nádegas-. E você também.

     Pensou que era um crime que não pudesse conservá-la durante um par de dias, como tinha feito com o Traci com o I. Mas agora essa classe de jogo era muito perigoso.

     E sempre haveria outra prostituta.

     Abriu a mochila e ali estava, esperando. Com amor, tirou a faca de sua vagem de couro engordurado e admirou os reflexos do metal à luz das estrelas.

     -Me deu de presente isso meu papai. Foi o único que me deu em sua vida. Bonito, verdade?

     depois de lhe pegar um empurrão para que caísse de costas, sustentou-o em alto, frente a seu rosto, para que o visse.

     E sonriendo, montou-a.

     E sonriendo, começou a trabalhar com ela.

     Nesse momento havia um troféu ruivo em sua caixa de secretos. Duvidava que a encontrassem no lugar onde a deixou. E, se o faziam, duvidava que pudessem identificar o que ficava dela uma vez que os depredadores se feito cargo do que lhes acabava de deixar.

     Já não lhe faziam falta o temor nem a fama. Bastava com que ele soubesse.

    

     Em Montana os verões eram curtos e intensos, e agosto podia chegar a ser cruel. O sol assava a terra, secava as árvores e fazia que os homens orassem pedindo que chovesse.

     Chama-a vacilante de um fósforo ou um raio cansado do céu, convertia um pasto em fogo, uma colheita em lágrimas.

     Com a camisa totalmente suada, Willa estudava um terreno semeado de cevada.

     -Este é o verão mais caloroso que lembrança.

     Por toda resposta, Wood lançou um grunhido. passava-se o tempo olhando o céu com o sobrecenho franzido e preocupando-se com sua colheita. Seus filhos tivessem devido estar ali, compartilhando seus problemas, mas se cansou de vê-los brigar e os mandou de volta a sua casa, para que incomodassem à mãe.

     -A irrigação ajuda um pouco. -Cuspiu como se essa gota de umidade pudesse ajudar em algo. Para ele Mercy era, de uma vez, uma alegria e uma preocupação e o tinha sido durante tanto tempo que já não recordava quanto-. O nível superior da água subterrânea está muita baixo. Se isto seguir um par de semanas mais teremos problemas.

     -Não trate de me adoçar isso disse Willa com cansaço enquanto voltava a montar-. Superaremos este mau momento.

     Wood voltou a lançar um grunhido, meneou a cabeça e a olhou afastar-se.

     O chão de terra lhe devolvia um calor pouco piedoso e permanente. O gado junto ao que passava estava quieto, com a energia apenas suficiente para mover a cauda. Nem sequer a brisa mais leve movia a erva.

     Viu que um jipe seguia a linha do alambrado e a dois homens que desenrolavam arame. Trocou de direção e se dirigiu para eles.

     -Ham, Billy. -Desmontou e se encaminhou para a caixa do jipe onde havia uma lata de água geada. serve-se um copo.

     -Ham assegura que isto não é fazer calor, Will. -Enquanto suava com alegria, Billy estirava arames-. Diz que recorda que um verão fez tanto calor que os ovos se fritavam dentro de sua mesma casca.

     Ante isso, Willa não pôde menos que sorrir.

     -Suponho que deve ter razão. Quando a gente vive aqui tantos anos como viveu Ham, sempre tem oportunidade de ver tudo duas vezes.

     Tirou o chapéu e se passou um braço pela frente. Não gostava da cor do Ham. Tinha o rosto tão avermelhado que parecia a ponto de explorar. Mas sabia que era necessário que tratasse o tema com prudência.

     Serve dois copos de água e lhes aproximou para oferecer-lhe      -Estoy estirando alambres aquí, muchacha.

     -Faz muito calor para este trabalho. por que não tomam um descanso?

     -Já estamos a ponto de terminar -respondeu Ham, mas ofegava.

     -É importante não desidratar-se. Há-me isso dito tantas vezes que estou convencida de que é verdade. Virtualmente o obrigou a aceitar o copo de água-. Tomam sempre seus tabletes de sal?

     -É obvio -respondeu Billy enquanto bebia a água a grandes goles.

     -Ham, eu vou terminar isto com o Billy. Peço-te que leve ao Moon de volta à casa.

     -Para que diabos? -Tinha os olhos chorosos de tanto entrecerrarlos para protegê-los do sol. Sob a camisa empapada, o coração lhe pulsava como um martelo sobre uma bigorna. Mas ele sempre terminava os trabalhos que começava-. Disse-te que já quase terminamos.

     -muito melhor, então. Necessito que leve de volta ao Moon e que me consiga esses informe da feira. Estou-me atrasando e quero trabalhar nisso esta noite.

     -Sabe de cor onde estão esses malditos informe.

      -E os necessito. -Com ar indiferente tirou as luvas d a alforja que levava na arreios-. E talvez consegue convencer ao Bess de que faça um pouco de sorvete de pêssego. Se você o pede o fará e morro por comê-lo.

     Ham não era tolo e sabia exatamente o que Willa se propunha.

     -Estou estirando arames aqui, moça.

     -Não. -Moveu o cilindro de arame enquanto Bill a olhava fascinado-. Sou eu a que está estirando arames aqui. Você levará de volta ao Moon, procurará esses informe em meu escritório e convencerá ao Bess de que prepare sorvete de pêssego.

     Ham arrojou o copo ao chão e se plantou muito firme sobre seus pés.

     -Ao demônio com isso! Leva você de volta ao Moon.

     Willa depositou o cilindro de arame no piso.

     -Eu sou a encarregada de dirigir Mercy, Ham, e te estou dizendo o que quero que faça. Se isso te resultar um problema, mais tarde falaremos do assunto. Mas neste momento, monta ao Moon e vá fazer o que te pedi.

     A cara do Ham estava cada vez mais arrebatada e o pulso da Willa se acelerou, mas o olhou com frieza e cravou os olhos nos dele. depois de dez segundos durante os que o calor os açoitou a ambos, Ham se voltou muito rígido e montou.

     -Se crie que não sou capaz de fazer o trabalho que está fazendo esse menino novato, então te aconselho que prepare meu cheque. -Cravou-lhe os talões à égua, fez que, surpreendida, Moon relinchasse e logo saíram ao galope para a casa.

     -Uf! -foi tudo o que pôde dizer Billy.

     -Maldição! Devi ter levado melhor este assunto. -passou-se as mãos pela cara.

     -Já se tranqüilizará, Will. Não o faz por maldade. Ham é incapaz de deixar Mercy nem de deixá-la a você.

     -Isso não é o que me preocupa. -Lançou um suspiro-. Estiremos este maldito arame.

    

     Esperou até o anoitecer, cancelou a entrevista que tinha com o Ben e se sentou no alpendre do frente. Ouviu os trovões e viu os relâmpagos, mas o céu estava muito claro para que chovesse.

     Embora fazia muito calor não teve vontades de comer o sorvete preparado pelo Bess. Apesar de que Tess saiu com um recipiente cheio para oferecer-lhe Willa meneou a cabeça.

     -Hoje estiveste que mau humor desde que chegou. -Tess se apoiou contra o passamanes do alpendre e tratou de imaginar a brisa fresca que soprava ao bordo do mar-. Quer falar do assunto?

     -Não. É um problema pessoal.

     -São os mais interessantes. -Com ar filosófico, Tess afundou uma colher no sorvete e o provou-. Ben?

     -Não. -Willa se encolheu de ombros, irritada-. por que será que todo mundo acredita que todos meus pensamentos pessoais se referem ao Ben McKinnon?

     -Porque em geral as mulheres têm nossos piores humores por causa de um homem. Não brigou com ele?

     -Não faço mais que brigar com ele. -Refiro a uma verdadeira briga.

     -Não.

     -Então por que cancelaste a entrevista que tênias hoje?

     -Deus santo! Não posso decidir que tenho vontades de ficar uma noite em casa, sentada no alpendre, sem ter que responder um montão de perguntas?

     -Acredito que não. -Tess voltou a afundar a colher no sorvete-. Este sorvete é excelente! -Limpou a colher com a língua-. Vêem, prova-o.

     -Se com isso consigo que me deixe de incomodar. -Com muito poucas vontades, Willa tomou o bol e provei o sorvete. O gosto era celestial-. Bess prepara o melhor sorvete de pêssego do mundo inteiro.

     -Acredito que estou de acordo contigo. Tem vontades de comer gelado, te embebedar e depois nadar um pouco? Parece-me que seria uma boa maneira de te esfriar.

     Willa entrecerró os olhos, cheia de desconfiança.

     -por que está tão amistosa comigo?

     -Porque te vejo muito deprimida. Acredito que me inspira lástima.

     A resposta deveria havê-la zangado. Mas em lugar disso, emocionou-a.

     -Esta tarde tive uma mudança de palavras com o Ham. Estava arrumando alambrados e seu aspecto me assustou. De repente me pareceu muito velho e fazia um calor espantoso. Tive medo de que tivesse um derrame cerebral ou um pouco parecido. Um enfarte. Obriguei-o a voltar e isso o feriu em seu amor próprio. Não posso me dar o luxo de perder a outro -adicionou em voz baixa-. Neste momento, não. Ainda não.

     -Já recuperará seu amor próprio. Talvez o tenha ferido um pouco, mas te tem muito carinho para seguir zangado durante muito tempo.

     -É o que espero. -Já mais tranqüila, devolveu ao Tess o bol de sorvete-. Talvez dentro de um momento siga seu conselho e vá nadar um pouco.

      -Está bem. -Tess abriu a porta de arame, tecido e lhe sorriu-. Mas não tenho o traje posto de banho.

     Com uma risita, Willa se recostou contra o respaldo da cadeira de balanço e a fez ranger. Seguia trovejando, agora um pouco mais perto. E escutou o ruído de botas sobre a pedra. ergueu-se e baixou um braço para o lugar onde tinha o rifle. Mas voltou a subir a mão e a colocou sobre a saia ao ver aparecer ao Ham.

     -boa noite -disse.

     -boa noite. preparaste meu cheque?             Velha cabra cabeça dura, pensou ela, e assinalou a cadeira que havia a seu lado.      

     -Quer te sentar um minuto?    

     -Tenho que fazer a bagagem.                        

     -Por favor!           

     Com as pernas curvadas muito rígidas, Ham subiu os degraus e se instalou na outra cadeira de balanço.       

     -Hoje me tiraste autoridade diante desse menino -disse.            

     -Sinto muito. -Cruzou as mãos sobre a saia e o olhou fixo. Doía-lhe o tom de voz do Ham, cheio de orgulho ferido-. Tratei de fazer o da maneira mais singela.  

     -Da maneira mais singela? Crie que me faz falta que uma jovencita a quem ensinei a caminhar vá dizer me que sou muito velho para cumprir com meu trabalho?                 

     -Nunca disse que          

     -Vá silo disse! Estava claro como a luz do dia.                  

     -por que tem que ser tão cabeça dura? -Por pura frustração, chutou o passamanes de madeira do alpendre-. por que tem que ser tão teimoso?   

     -Eu? Jamais na vida conheci uma mulher mais cabeça dura que a que neste momento está sentada a meu lado. Crie que sabe tudo, moça? Crie conhecer todas as respostas? Que tudo o que faz está bem?            

     -Não! -respondeu ela como uma explosão e ficou de pé de um salto-. Não, isso não é certo. A metade das vezes não sei se o que faço está bem ou não, mas devo fazê-lo igual. E hoje fiz o que tinha que fazer, e esteve bem feito. Maldita seja, Ham! Em dez minutos mais teria tido um enfarte, e então onde diabos estaria eu? Como diabos crie que vou dirigir este rancho sem ti a meu lado?    

     -É justamente o que está fazendo. Hoje me separou de meu trabalho.            

     -Retirei-te dos alambrados. Não quero que arrume alambrados com este calor. Digo-te que não o tolerarei.

     -Que não o tolerará! -Ham também ficou de pé e se enfrentaram, cara a cara-. Quem mierda te crie que é para dizer       me que não o tolerará? estive arrumando alambrados em toda classe de climas desde muito antes de que você nascesse. E até que vá desta vida, nem você nem ninguém me dirá que não o posso seguir fazendo.

     -Eu lhe estou dizendo isso.

     -Então me prepare meu último cheque.

     -Muito bem. -Cegada por sua irritação, Willa girou sobre seus talões e abriu a porta. Apertou contra ela o punho fechado, logo a fechou de uma portada que retumbou em toda a casa-. Estava assustada! por que não me pode permitir estar assustada?

     -De que mierda estava assustada?

     -De te perder a ti, filho de puta cabeça dura. Estava tudo avermelhado e suado e ofegava como uma maquinaria decomposta. Não o pude suportar. Simplesmente não pude. E se me tivesse feito caso em seguida, não tivéssemos tido problemas.

     -Fazia calor -respondeu Ham, mas em voz baixa e um pouco envergonhado.

     -Já sei que fazia calor. Maldita seja, Ham, disso se trata! por que me obrigou a insistir tanto? Eu não queria te envergonhar frente a Billy. Quão único queria era que não seguisse ao sol. Sei muito bem quem foi meu pai adicionou, furiosa. A última frase da Willa fez que Ham levantasse a cabeça e a olhasse-. E ainda não o enterrei. E me refiro ao pai que sempre me apoiou, cada vez que tive necessidade de que me apoiassem. E não o quero enterrar em muito tempo.

     -Poderia ter terminado esse alambrado. -Golpeou o passamanes com um pé e o olhou-. Diabos, Will! Estava obrigando ao moço a fazer quase todo o trabalho. Conheço meus limites.

     -Necessito-te aqui. -Esperou uns instantes para poder tranqüilizar-se-. Necessito-te, Ham. Estou-te pedindo que fique.

     Ham fez um movimento de ombros, não apartou o olhar de seus pés.

     -Suponho que não tenho nenhum lugar melhor onde estar. Não devi discutir contigo. Acredito que sabia que estava pensando em mim. -Moveu os pés e se esclareceu garganta-. Em definitiva, está fazendo um bom trabalho neste rancho. Estou... orgulhoso de ti.

      E é por isso que Ham é o que conta, pensou Willa. Seu verdadeiro pai jamais lhe disse essas palavras.

     -Mas eu não o posso fazer sozinha. Quer entrar? -Voltou a abrir a porta-. Convido-te com um pouco do sorvete de pêssego. E, enquanto come, pode me dizer tudo o que estou fazendo mau.

     Ham se arranhou a barba.

     -Talvez. Acredito que há um par de coisas que te poderia aconselhar. Quando se foi, tinha o estômago cheio e o coração muito mais leve. encaminhou-se à casa dos peões, com passo ágil. Ouviu os ruídos, os mugidos inquietos do gado, o sapatear de botas.

     Quem mierda estava de guarda? Não o recordava com claridade. Jim ou Willy, pensou e decidiu dar uma volta para comprová-lo.

     -É você, Jim? Billy? A que estão jogando a estas horas?

     Então viu o primeiro bezerro, sangrando, com os olhos em branco de dor e de medo. Já tinha dado dois passos antes de ver o homem que surgia de entre as sombras.

     -Que mierda é isto? Que diabos tem feito?

     E soube antes de ver a faca que se levantava, mas não teve tempo de gritar.

     O pânico foi o primeiro que sentiu. Com a faca ensangüentada na mão, baixou a vista e olhou ao Ham, olhou o sangue. limpou-se uma mão contra a boca. Quão único tinha necessitado era um rápido desafogo, isso era tudo. Um bezerro. Pensava tocá-lo até o ter longe do pátio do rancho, mas a faca se moveu em suas mãos como por volição própria.

     E agora Ham. Nunca teve intenções de fazer machuco ao Ham. Ham o tinha treinado, trabalhou com ele, emprestava-lhe atenção cada vez que necessitava que a emprestassem. Sempre teve a impressão de que Ham sabia a verdade a respeito de seus orígenes e sobre quem era.

     E Ham era leal.

     Mas nesse momento não tinha alternativa. Devia terminar o começado. escondeu-se e se preparou no momento justo em que Willa saiu correndo para a noite.

     -Ham! É você? Esqueci-me de te falar de... -Suas botas patinaram. Um relâmpago iluminou aos homens que estavam virtualmente a seus pés-. OH, Deus! O que passou? O que aconteceu? -Já estava de joelhos, tomando ao Ham em seus braços-. Ele...? -E havia sangre em suas mãos.

     -Sinto muito, Will. Sinto muito. -Voltou a faca contra ela, aproximou-o de seu pescoço-. Não grite. Não quero te machucar. Tremente, respirou fundo-. Sou seu irmão.

     E levantou o punho, golpeou-a e a deixou inconsciente.

    

     Ham despertou à dor. Uma dor feroz, cegador. Não podia se localizá-lo, não encontrava o lugar, mas tinha gosto a sangre na boca. Gemendo, tratou de sentar-se, mas não podia mover as pernas. Voltou a cabeça e viu que o bezerro se sangrou. Seus olhos estavam mortos.

     «Logo eu também me sangrarei», pensou.

     Havia algo mais no chão que atraiu seu olhar. Olhou-o fixo um comprido momento, viu-o aproximar-se e afastar-se enquanto sua vista se esclarecia e se empanava. Depois, vaiando, lhe aproximou e o tocou.

     Era o chapéu da Willa.

    

     Teria que levá-la em braços. Teria que ter ido em busca de um jipe, sabia que deveu fazê-lo, mas estava tão estremecido que não pôde pensar com claridade. Nesse momento a depositou com o major cuidado possível no chão do pasto e, com mãos trementes, sacudiu um cubo cheio de aveia.

     Iriam a cavalo. Possivelmente fora o melhor. Queria levar-lhe longe, às montanhas, a um lugar onde pudesse lhe explicar tudo. Quando o fizesse, ela compreenderia.

     O sangue atirava.

     Selou o pintado que colocou o focinho no cubo, logo o ruano que tratou de fazer o mesmo.

     Resultava-lhe odioso fazê-lo, embora fora por um momento, mas não teve mais remedeio que atar as mãos da Willa, que lhe atar os tornozelos, e atar a logo à arreios. Recuperou o conhecimento muito logo, pensou, e assim que o fez tratou de escapar antes de que ele pudesse lhe explicar tudo.

     Tinha que compreender. Rezou para que compreendesse enquanto a subia à arreios e tomava os dois pares de rédeas. Porque se não compreendia, teria que matá-la.

     Os trovões ressonaram mais perto quando se aproximavam das montanhas.

    

     Ham tomou o chapéu em suas mãos e ficou de pé, cambaleante. Conseguiu dar dois passos de bêbado antes de voltar a cair de joelhos. Gritou, mas a voz que ressonava como um trovão em seus ouvidos, era apenas um sussurro.

      Pensou na Willa, apenas um bebê, com sua boca leitosa que lhe sorria quando a subia à arreios com ele. Uma pequena, toda tranças e olhos, que lhe suplicava que lhe permitisse acompanhá-lo a cavalo até os pastos. Uma adolescente desajeitada como um potro, que arrumava alambrados com ele, enquanto conversava sem cessar.

     E a mulher que o tinha cuidadoso essa noite, com o coração nos olhos, quando lhe disse que ele era o que contava.

     De modo que conteve a dor que o carcomia como um câncer e lutou por voltar a ficar de pé.

     Alcançava a ver a casa principal, as luzes das janelas. O sangue lhe corria pelos dedos e manchava o chapéu da Willa. Ham não sentiu o chão quando este saltou a seu encontro.

    

     Voltou em si com lentidão; pulsava-lhe o queixo. Tinha o olhar cravado no chão que saltava e caía debaixo dela. Tratou de mover-se e descobriu que se encontrava muito bem atada, cruzada na arreios, com a cabeça queda.

     Deveu gemer ou fazer um ruído, porque os cavalos se detiveram em seguida.

     -Está bem, Will. Está bem. -Afrouxou a soga que lhe atava os tornozelos, mas não a que lhe rodeava as bonecas-. Temos que seguir um pouco mais adiante. Poderá suportá-lo?

     -O que? -Ainda enjoada, sentiu que a elevavam, que a sentavam sobre a arreios. Sacudiu a cabeça com força para esclarecê-la, enquanto sentia que lhe atavam as mãos aos tatos da arreios-. Você sozinho deve tratar de recuperar o fôlego. Eu levarei as rédeas de seu cavalo.

     -O que está fazendo? -De algum jeito o tinha na mente, mas se negava a permanecer ali-. Ham?

     -Não o pude evitar. Simplesmente não o pude evitar. Falaremos disto a fundo. Você sozinho... -interrompeu-se e lhe atirou do cabelo ao ver que ela se preparava para gritar-. Não grite. Ninguém poderá te ouvir, mas não quero que grite. Enquanto sussurrava palavras incompreensíveis, tirou-se o lenço do pescoço e a amordaçou com ele-. Lamento ter que fazer o desta maneira, mas você ainda não compreende.

     Fez um esforço por não zangar-se com ela, aproximou-se de seu cavalo e o dirigiu para as árvores.

    

     Bom, Willa se perdeu seu banho na piscina, pensou Tess enquanto se atava o cinturão do penhoar. passou-se os dedos pelo cabelo para alisá-lo e saiu do vestuário da piscina para dirigir-se à cozinha.

     Talvez siga de mau humor, pensou. Willa se preocupava com tudo. Possivelmente seria bom lhe ensinar algumas técnicas de relaxação, embora não lhe resultava fácil imaginar a Willa meditando ou experimentando com a imaginação.

     A chuva a fará feliz, supôs Tess. Deus! Ali todo mundo vivia pendente do tempo. Muita chuva, muita seca. Muito frio, muito calor. Bom, em dois meses mais se despediria das paisagens de Montana e exclamaria: «Olá, Os Anjos!».

     Almoço ao afresco. Cartiers. Deus era testemunha de que merecia dar o gosto de comprar algumas jóias ridiculamente caras, depois de ter desaparecido durante um ano do mundo real.

     O teatro. Palmeiras. Rotas com engarrafamentos de tráfico e o glamour tão familiar.

     Deus benza a Hollywood!

     Depois se sentiu um pouco defraudada, porque nesse momento a perspectiva não lhe parecia tão maravilhosa como fazia um mês. Ou dois.

     Não, alegraria-se de estar de volta. Fascinaria-a. O que lhe acontecia era que estava preocupada e um pouco triste. Nada mais. Entretanto, depois de tudo talvez compraria um lugar nas montanhas, em lugar de fazê-lo na praia. Ali acima poderia ter um cavalo, e árvores e pasto. Em definitiva isso significaria ter o melhor de dois mundos. Uma viagem veloz e emocionante da excitação e as multidões da cidade, para encontrar-se com os prazeres do campo que tinha aprendido a desfrutar.

     Bom, não seria exatamente campo, visto dos parâmetros de Montana, mas as colinas de Hollywood lhe viriam muito bem.

     Era provável que pudesse convencer ao Nate de que fora a visitá-la. de vez em quando. depois de um tempo, a relação que tinham se esfumaria. Esperava-o e, maldição, aceitava-o. Porque seria assim. Essa louca idéia do Nate de que ela se instalasse ali, que se casassem e começassem a ter filhos era ridícula.

      Ela tinha uma vida em Los Anjos. Uma carreira. Tinha planos, planos importantes e suculentos. Faltavam poucas semanas para que fizesse trinta e um anos e a essa altura da vida, não pensava deixar de lado seus planos para instalar-se a ser a esposa de um rancheiro.

     Não pensava ser esposa de ninguém.

     Desejou ter levado consigo um cigarro, mas entrou na cozinha em busca de algum outro estímulo.

     -Já te comeste sua ração de sorvete.

     Tess franziu o nariz a costas do Bess.

     -Não devi buscar gelado. -Mas de todos os modos lhe teria gostado de comer outro par de colheradas. aproximou-se da geladeira e tirou uma jarra de limonada.

     -Tornaste-te a banhar nua?

     -Sim. Deveria fazer a prova.

     Ante a idéia, Bess fez um gesto de desagrado.

     -Quando terminar, ponha esse copo na lava-louça. A cozinha já está poda.

     -Muito bem. -Tess se deixou cair em uma cadeira e folheou o catálogo que Bess tinha deixado sobre a mesa-. Pensa sair às compras?

     -Acredito que sim. Talvez ao Lily goste deste berço. A que usamos para vocês não se guardou depois que Willa deixou de utilizá-la. Atiramo-la.

     -Ah! -Resultava interessante o pensamento de que ela, Lily e Willa tivessem compartilhado algo tão tenro como um berço-. É adorável! -Fascinada, Tess aproximou a cadeira à mesa-. Olhe os coques que tem no forro.

     Bess a olhou com cara de poucos amigos.

     -Eu comprarei esse berço.

     -Está bem. Está bem. OH, olhe! Aqui há um berço cadeira de balanço. Isso também adoraria ao Lily, verdade? Poderia instalá-la junto a sua cadeira e balançar ao bebê.

     -Suponho que sim.

     -por que não fazemos uma lista?

     A expressão do Bess se adoçou bastante enquanto tirava um bloco de papel que tinha debaixo do catálogo.

     -Já comecei a fazer uma.

     Lançaram exclamações de prazer sobre ositos de peluche, discutiram brevemente sobre o melhor tipo de andarilho. Tess ficou de pé para servir mais limonada para as duas; logo, para ouvir passos, olhou a porta da cozinha.

     -Não esperava que viesse ninguém -sussurrou, levando uma mão à garganta.

     -Eu tampouco. -Tranqüila como o gelo, Bess tirou a pistola que levava no bolso do avental, ficou de pé e ficou frente à porta-. Quem está aí? -Quando o que chegava apertou a cara contra o arame tecido, não pôde menos que rir de si mesmo-. Deus todo-poderoso, Ham! Estive a ponto de te colocar uma bala no corpo. Não deveria andar medoreando a esta hora da noite.

     O caiu pela porta e foi dar a seus pés.

     A pistola do Bess caiu ressonando sobre a mesa. Tess estava a seu lado no piso antes de que Bess tivesse tempo de colocar a cabeça do Ham sobre sua saia.

     -Está sangrando muito. Busca umas toalhas e as aperte com força contra a ferida.

     -Bess...

     -Não fale. me deixe ver o que tem.

     Tess rasgou a camisa de um puxão e apertou a ferida com força.

     -Chama uma ambulância. Um helicóptero. Necessita que o atendam com urgência.

     -Espera. -Ham aferrou a mão do Bess-. Tem A... -Fez um instante de silêncio até poder encontrar fôlego suficiente para voltar a falar-. Tem-na a ela. Bess. Tem ao Will.

     -O que? -Fazendo um esforço por escutar, Tess aproximou a cara ao rosto do Ham-. Quem tem ao Will?

     Mas Ham já estava inconsciente. Quando Tess levantou a vista para olhar ao Bess, sua expressão era do mais absoluto terror.

     -Chama à polícia! Date pressa!

    

     Ele já estava preparado para deter-se. Tinham andado em círculos, retrocedido, seguido um arroio pelo centro, logo se moveu para as rochas. Não tinha mais remedeio que deixar descansar aos cavalos, mas os manteve perto.

     Willa observava todos seus movimentos. Conhecia bem as montanhas e, uma vez que conseguisse liberar-se, não lhe resultaria fácil caçá-la, embora ela andasse a pé.

     O primeiro que fez foi baixá-la do cavalo e voltar a lhe atar os tornozelos. depois de ir procurar seu rifle, sentou-se frente a ela e o apoiou sobre suas pernas.

     -Agora te tirarei a mordaça. Lamento ter tido que lhe pôr isso Já sabe que não ganhará nada gritando. É possível que venham detrás de nós, mas não até dentro de um momento. E hei talher muito bem nossos rastros.

     Estirou o braço e apoiou a mão sobre o lenço.

     -vamos falar. Uma vez que tenha ouvido o que tenho que dizer, voltaremos para a situação atual.

      Tirou-lhe a mordaça.

     -Assassino de mierda!

     -Não o diz a sério. Está angustiada.

     -Angustiada? -Movida pela fúria começou a tironear das cordas, em um esforço por liberar-se-. Matou ao Ham. Matou a todos outros. Mutilou a meu gado. Asseguro-te que, se puder, matarei-te com minhas próprias mãos.

     -o do Ham foi um acidente. Tinha-lhe todo o carinho do mundo, mas me viu. -Como menino descoberto com os restos de um frasco de caramelos a seus pés, baixou a cabeça-. O gado foi um engano. Não devi te fazer isso. Sinto muito.

     -Que o sente? -Fechou os olhos e também os punhos-. por que? por que tem feito todo isso? Acreditei que podia confiar em ti.                

     -E pode confiar em mim. Juro-lhe isso. Somos do mesmo sangue,       Willa. Pode confiar em uma pessoa de seu mesmo sangue.              

     -Você não é de meu mesmo sangue!           

     -Sim, sou-o. -enxugou-se uma lágrima da pura alegria que lhe produzia poder dizer-lhe Sou seu irmão. Por isso lhe tuteo.                          

     -É um mentiroso, um assassino e um covarde!      

     Levantou a cabeça com a rapidez de um raio e estendeu uma mão. O golpe da carne contra a carne lhe subiu pelo braço e em seguida lamentou o que acabava de fazer.

     -Não diga essas coisas. Tenho meu orgulho.

     ficou em pé, passeou-se, trabalhou por voltar a controlar-se. Sabia que as coisas nunca saíam bem quando um se descontrolava. Mas se a gente conservava o mando, mantinha-se por cima das situações, podia enfrentar algo que se apresentasse.                   

     -Sou tão irmano teu como Lily e Tess -disse-o com tranqüilidade no momento em que o céu se abria com uma série de relâmpagos-. Quero te explicar como são as coisas. Quero te fazer compreender por que fiz o que fiz.      

     -Muito bem. -O lado da cara lhe ardia como o fogo do inferno. Isso também me pagará isso, prometeu-se. Pagará por tudo o que tem feito-. Muito bem, Jim, explique-me isso      Adam solo asintió y dio la orden de partida.

    

            Ben colocou o rifle em sua capa, ficou a pistolera e a assegurou. A carabina .30 que meteu na pistolera era uma besta de revólver, e ele queria a arma mais mortífera que pudesse levar. Não se permitia         sentir, porque nesse caso lhe cederiam as pernas e cairia de joelhos.      

     O único que se podia permitir era mover-se. Os homens selavam com rapidez e Adam dava ordens a gritos. Ben não dava ordens, essa vez não. Nem as aceitava. Tomou o chapéu da Willa e o deu ao Charlie para que o cheirasse.      

     -Encontra-a -murmurou. Encontra a Willa. -Colocou o chapéu dentro da alforja e montou.  

     -Ben -disse Tess, lhe aferrando as rédeas-. Espera a outros.                 

     -Não espero a ninguém. te faça a um lado, Tess.

     -Não podemos saber com segurança onde... nem quem. -Embora solo faltava um homem.

     -Encontrarei onde. E não me faz falta saber quem. -Tironeó das rédeas para obrigá-la às soltar-. Quão único tenho que fazer é matá-lo.

     Tess correu para o Adam, rodeou ao Lily com seus braços e a aferrou com força.

     -Ben já se foi. Não pude detê-lo.

     Adam só assentiu e deu a ordem de partida.

     -Não se preocupe. Sabe o que faz. -voltou-se para as abraçar às dois-. Vê dentro -pediu ao Lily enquanto apoiava uma mão sobre seu ventre arredondado-. Espera. E não se preocupe.

     -Não me preocupo. -Beijou-o-. Encontrou-me . Encontrará-a a ela. Traz a de volta sã e salva. -Era uma súplica e de uma vez uma declaração, mas retrocedeu para permitir que Adam montasse.

     -Tess, leva dentro ao Lily. -Nate reprimiu seu brioso cavalo-. Fique dentro você também.

     -Farei-o. -Apoiou-lhe uma mão sobre a perna e lhe deu um apertão-. Te apresse -foi tudo o que pôde dizer.

     Os cavalos enfiaram para o oeste, e ela e Lily se voltaram e retornaram à casa para iniciar o penoso processo da espera.

    

     Minha mãe servia bebidas em um bar do Bozeman. -Enquanto narrava sua história, Jim permanecia sentado e com as pernas cruzadas, na perfeita postura do narrador-. Bom, talvez não só servisse bebidas, a não ser algo mais. Suponho que sim, embora nunca me disse isso. Mas era uma mulher bonita e estava sozinha, e essa é a classe de coisas que acontecem.

     -Acreditei que sua mãe era da Missoula.

     -Era originária dali, sim. E voltou, depois de que eu nascesse. Muitas mulheres voltam para seu lar depois de que lhes aconteça algo assim, mas em seu caso não lhe deu resultado. E a mim tampouco. De todos os modos, servia bebidas e talvez algo mais aos jeans que passavam por ali. Nesse tempo, Jack Mercy passava muito por ali, em busca de uma boa briga, para embebedar-se como uma Cuba, encontrar uma mulher. Se o pergunta a qualquer, confirmará-lhe isso.

     Levantou um pau e o passou sobre uma rocha. A suas costas, Willa retorcia as bonecas e trabalhava com a soga.

     -ouvi histórias -disse com tranqüilidade-. Sei a classe de homem que era.

     -Já sei que sabe. Fechava os olhos, para não te dar por inteirada. Também me dava conta do que fazia, e que sabia tudo. Como te dizia, mamãe era uma mulher bonita. Já viu as mulheres com quem ele se casou. Todas tinham algo. Não cabe dúvida de que Louella impressiona. E depois de ver o Adele, acredito que deve ter sido uma mulher inteligente e com classe. E sua mãe... Bom, ela sim que era algo! Calada e muito especial. Era como se pudesse escutar coisas que outros não ouviam. eu adorava sua mãe.

     A Willa lhe congelou o sangue para ouvi-lo, ao pensar que esse assassino pudesse haver-se aproximado de sua mãe.

     -Como a conheceu?

     -Fazíamos algumas visita pelos arredores. Nunca ficávamos muito tempo e nunca nos alojamos tampouco no Mercy. Eu não era mais que um menino, mas lembrança com muita claridade a sua mãe, com o ventre inchado, grávida de ti e caminhando com o Adam pelos pastos. Caminhavam da mão. Era um cena íntima. -Recordou-o um momento em silêncio-. Eu era um pouco menor que Adam e me machuquei o joelho ou algo assim, e sua mãe se aproximou e me ajudou a me pôr em pé. Minha mãe e Jack Mercy estavam discutindo, então ela me levou a cozinha, pô-me algo afresco sobre o joelho e conversou comigo. Foi uma linda conversação.

     -E por que estava no rancho?

     -Minha mãe queria ficar aqui. Ela não me podia cuidar bem. Não tinha dinheiro e ficava doente freqüentemente. A família a tinha jogado a patadas. Foi por um assunto de drogas. Mamãe tinha debilidade pelas drogas. Era porque estava muito tempo sozinha. Mas ele não quis me aceitar, apesar de ser seu próprio filho.

     Willa se umedeceu os lábios com a língua e ignorou a dor que lhe produzia a soga ao cravar-lhe nas bonecas.

     -Isso lhe disse isso sua mãe?

     -Disse-me que era filho do Jack Mercy. -tornou-se atrás o chapéu; tinha os olhos muito claros-. Jack Mercy se deitou com ela uma das vezes que foi ao Bozeman em busca de ação. Assim que soube, lhe contou que estava grávida, mas elle respondeu que era uma puta e a deixou plantada. -Os olhos do Jim trocaram e ficaram frágeis de fúria-. Minha mãe não era uma puta. Fazia o que tinha que fazer, isso é tudo. As putas não servem para nada, são inúteis. Abrem as pernas para qualquer. Mamãe só se deitava por dinheiro quando devia fazê-lo. E não o fazia com regularidade até que Jack Mercy deixou nela sua semente e não ficou outra alternativa.

     Não o havia dito ela, chorando, uma e outra vez na vida?

      -Que mierda ia fazer? diga-me isso Will, o que ia fazer? Só e grávida por um filho de puta que a chamava prostituta asquerosa.

     -Não sei. -Nesse momento lhe tremiam as mãos, de medo, do esforço. Porque os olhos do Jim já não eram claros, nem frágeis. Eram os olhos de um louco-. Deve ter sido uma situação difícil para ela.

     -Quase impossível. Contou-me uma e outra vez como lhe pediu e lhe suplicou que a ajudasse, solo para que lhe desse as costas. E para que me desse as costas . Seu próprio filho. Ela tivesse podido livrar-se de mim, mas não o fez. Disse-me que não abortou porque eu era o filho do Jack Mercy e ela ia conseguir que desse aos dois o lugar que nos correspondia. O tinha dinheiro. Mais que suficiente, mas o único que fez foi lhe arrojar alguns dólares imundos e obrigá-la a partir.

     Willa começou a compreender a amargura dessa mulher, e as sementes de ódio que ela mesma semeou em seu filho.

     -Sinto muito, Jim. Talvez ele não acreditou.

     -Deveu acreditá-la! -Pegou um murro sobre uma rocha-. Tinha-o feito com ela. Via-a com regularidade, prometeu-lhe que a cuidaria. Ela me disse que o tinha prometido, e que lhe acreditou. E até quando me teve , e foi mostrar lhe que eu tinha seus mesmos olhos e seu cabelo, ele a jogou e mamãe teve que voltar para a Missoula a lhe suplicar a sua família que a recebesse. E foi porque nessa época ele estava casado com a Louella, com a brega da Louella, quem acabava de ficar grávida do Tess. De maneira que ele não me queria . Supôs que Louella ia ter um varão. Mas se equivocou. Eu era o único filho varão que teria.

     -Teve a oportunidade de machucar ao Lily, na cova, quando Cooke a deixava prisioneira. -«É muito hábil com os nós», pensou. Não conseguia desatá-los-. E não lhe fez nada.

     -Não ia fazer nada a ela. É obvio que em um momento o pensei. Ao princípio, quando me inteirei do que ele tinha disposto em seu testamento. Pensei-o, mas elas são minhas irmãs. -Respirou fundo e se esfregou o flanco da mão que se machucou contra a rocha-. Prometi a minha mãe que voltaria para o Mercy e que conseguiria o que é meu por direito de nascimento. Ela era doentia; a partir do momento em que deu a luz se adoecia a cada momento. Justamente por isso lhe faziam falta as drogas, para poder agüentar cada dia. Mas fez tudo o que pôde por mim. Contou-me com detalhe o de meu pai e me falou do Mercy. ficava sentada durante horas, contando-me isso tudo e me explicando o que tinha que fazer quando tivesse idade suficiente para me enfrentar com ele e lhe dizer que queria o que era meu.

     -E onde está agora sua mãe, Jim?

     -Morreu. Dizem que a mataram as drogas ou que ela as usou para matar-se. Mas foi Jack Mercy quem a matou ao jogar a daqui, Will. A partir desse momento esteve morta. E quando eu a encontrei tendida e fria, fiz-me a promessa de vir ao Mercy e fazer o que ela queria que fizesse.

     -Encontrou-a você? -Nesse momento a Willa corria o suor pela cara. Corria uma brisa que aliviava o calor, mas estava coberta de suor, um suor que lhe provocava uma dor aguda nas bonecas em carne viva-. Sinto muito. Sinto-o muito. -E o sentia, desesperadamente.

     -Tinha dezesseis anos. Nesse momento estávamos no Billings e cada vez que podia, trabalhava nos currais de engorda. Um dia, ao voltar para casa a encontrei fria como uma pedra, tendida entre sua própria urina e seu vômito. Não deveu morrer dessa maneira. Ela matou, Will.

     -E então, o que fez?

     -Quis lhe matar. Foi o primeiro que pensei. Tinha muita prática em matar. Sobre tudo cães e gatos perdidos. Quando os liquidava, imaginava que eles tinham a cara do Jack Mercy. Nessa época só tinha um canivete para fazer o trabalho.

     Willa sentiu que lhe dava volta o estômago, que lhe subia bílis à garganta. Mas conseguiu tragá-la.

     -E sua família? A família de sua mãe?

     -Eu não pensava ir suplicar lhes depois de quão mau a tinham tratado, deixando a de lado. A mierda com eles! Levantou o pau e começou a lhe pegar à rocha com ele-. A mierda com eles! -repetiu.

     Willa não pôde conter seus tremores ao vê-lo enfurecer-se contra a rocha, uma e outra vez, enquanto repetia a frase com um estranho rictus na boca. De repente se deteve, lhe esclareceu expressão e começou a golpear o pau com um ritmo musical, como se estivesse levando o compasso de uma canção.

     -E eu tinha feito uma promessa -continuou dizendo-. Vim ao Mercy e enfrentei a ele. riu de mim e me chamou o filho bastardo de uma prostituta. Tratei de lhe pegar um murro e me atirou ao chão. Disse que não era filho dele, mas que apesar de todo me daria trabalho. Se durava um mês me daria um cheque. Depois me pôs em mãos do Ham.

     Willa sentiu que lhe contraía o coração. Ham. Alguém o teria encontrado? Estariam-no ajudando?

     -Ham sabia?

     -Sempre acreditei que sim. Não falava do assunto, mas acredito que sabia. Pareço-me com o velho, não é certo?

     Fez a pergunta com uma expressão tão esperançada, com um orgulho tão patético, que Willa assentiu.

      -Suponho que sim.

     -Trabalhava para ele. Trabalhava duro, aprendi e trabalhei ainda mais duro. Quando fiz vinte e um anos, me deu de presente uma faca. -Tirou-o de sua capa e o fez girar à luz da lua. Uma faca de folha de vinte centímetros de comprimento. A ponta resplandecia como uma presa.

     -Isso significa algo, Willa, o homem só lhe dá de presente uma faca como este a seu filho.

     -O te deu a faca.

     -Eu lhe tinha carinho. Estava disposto a me romper o lombo trabalhando para ele e o cretino sabia. Nunca lhe pedi nada mais, porque no fundo de meu coração sabia que quando chegasse a hora me daria o que por direito próprio me correspondia. Era seu filho. Seu único filho varão. Mas não me deu nada mais que esta faca. Quando chegou o momento, o deixou tudo a ti, ao Lily e ao Tess. E a mim, nada.

     inclinou-se para diante, aproximando-se o A faca resplandecia em suas mãos, seus olhos resplandeciam na escuridão.                  

     -Não estava bem. Não era justo.

     Ela fechou os olhos e esperou que chegasse a dor.

    

     Charlie corria pelas montanhas, com o focinho pego ao chão e as orelhas alertas. Ben cavalgava sozinho, agradecendo a luz da lua, rogando que as nuvens que se amontoavam no oeste não a cobrissem. Não podia dar o luxo de perder esse pouco de luz.       

     Quase podia jurar que ele mesmo cheirava a Willa. Esse aroma tão seu de sabão e couro e algo mais que era exclusivo dela. negava-se a imaginá-la ferida. De solo pensar nessa possibilidade, lhe nublaria a mente e tinha necessidade de conservar todos seus sentidos muito agudos. Esta vez sua presa conhecia o terreno tão bem como ele. Sua presa andava a cavalo e conhecia todas as mutretas. Não podia confiar em que Willa de algum jeito conseguiria atrasar sua marcha ou deixar sinais porque não sabia com segurança se estaria…

     Não, não queria pensar nisso. Solo pensaria em encontrá-la e em        o que lhe faria então a esse homem. Charlie se meteu em um arroio e choramingou como se acabasse de perder o rastro. Ben fez que seu cavalo também entrasse na água, permaneceu um instante escutando, planejando, orando. Decidiu que seguiriam um momento esse curso de água.

     Era o que ele teria feito.

     Avançaram pelo arroio que tinha pouca água por causa da seca. ouviam-se trovões e um ave gritou. Ben conteve suas vontades de apressar-se, de açular a seu cavalo para pô-lo ao galope. Não podia arriscar-se a avançar com mais rapidez até ter tornado a encontrar o rastro.       

     Viu que algo brilhava na borda do arroio e se obrigou a desmontar. Ao cruzar, a água fria lhe cobriu as botas, mas quando chegou à borda se inclinou e recolheu um objeto.

     Um pendente. Um singelo círculo de ouro. Quando o agarrou, largou com força o ar que mantinha dentro dos pulmões. Recordou que nos últimos tempos Willa se mostrava propensa a usar esse tipo de adornos. lhe resultava um detalhe encantador, em contraste com o tecido de seu jeans e as botas de couro. Gostava de pensar que o fazia por ele.

     Colocou o aro no bolso e voltou a montar. Se ela tinha a cabeça suficientemente clara para lhe deixar sinais, ele seria capaz das seguir. Fez que o cavalo subisse à borda e permitiu que Charlie voltasse a encontrar o rastro.

    

     -Não deveu fazer o que fez. -Com voz tremente, Jim cortou a soga que atava os tornozelos da Willa-. Fez-o sozinho para me indicar que eu não lhe importava um nada. E você tampouco.

     -Não. -As lágrimas que lhe alagaram os olhos não eram de lástima mas sim de puro alívio. Com as mãos atadas, inclinou-se para diante para massagear suas pernas doloridas. Tinha-as horrivelmente tidas cãibras-. Não lhe importávamos nem você nem eu.

     -Ao princípio enlouqueci de fúria. Quando me inteirei, Pickles e eu estávamos acima, na cabana, e me voltei louco. Por isso matei o veado desse modo. Tinha que matar algo. Depois comecei a pensar. Devia me vingar dele, Will, devia fazê-lo pagar. Ao princípio também queria fazer pagar a ti. A ti, ao Tess e ao Lily. Não acreditei que elas tivessem direito ao que me pertencia. Ao que ele deveu me haver deixado. E decidi as assustar para que se fossem. Se as afugentava, ninguém receberia nada. Deixei o cadáver do gato sobre o alpendre. eu adorei ver o Lily gritando e chorando. Agora o lamento, mas nesse momento não pensava nela como em uma irmã. Quão único queria era que se fora, que voltasse para lugar de onde tinha vindo. E que Mercy se fora a mierda.

      -Por favor, Jim, pode-me desatar as mãos? Tenho cãibras nos braços.

     -Não posso. Ainda não. Porque ainda não o compreende tudo.

     -Acredito que o compreendo. -Havia tornado a recuperar a sensação nas pernas. Doíam-lhe ao voltar a encher-se de sangue, mas se lhe apresentava uma oportunidade, conseguiria correr-. O te feriu. Você quis feri-lo ele.

     -Não tive mais remédio. Que classe de homem seria se aceitava que me tivesse tratado assim? Mas o que acontece, Will, é que eu gosto de matar. Suponho que também o herdei dele. -Sorriu e um relâmpago formou um halo a seu redor, como se se tratasse de um santo cansado-. Não se pode ir contra o que alguém leva no sangue. Também gostava de matar. Recorda essa vez que te fez criar um bezerro desde que o desmamou da mãe? Você o queria como a um animal regalón, como a um mascote e até lhe pôs nome.

     -Casulo -recordou ela-. Um nome muito parvo para um vacino.

     -Mas queria a esse bezerro tolo e ganhou prêmios com ele. Lembrança que esse dia te obrigou a sair da casa. Tênias doze, talvez treze anos, e te obrigou a olhar enquanto ele o esquartejava para que o comessem. Disse que era para te ensinar o que é a vida de um rancho, e você chorou e depois ficou doente. A partir daí, Ham esteve a ponto de atar-se a murros com o velho. Após nunca tornaste a ter um mascote.

     Tirou um cigarro e acendeu um fósforo.

     -Nessa época tinha um cão velho que morreu mais ou menos um ano depois. Nunca voltou a ter outro.

     -Não, nunca. -Levantou os joelhos, apoiou-as contra o peito e apertou a cara contra elas enquanto a alagava a lembrança.

     -Só lhe digo isso para que veja, para que compreenda até que ponto tira o sangue. A elle gostava de ser o patrão, que a gente dançasse ao som que ele quisesse. Também você gosta de ser a patrã. Leva-o no sangue.

     Ela sozinho pôde mover a cabeça, fazer um esforço por não render-se.

     -Não siga!

     -Toma. -levantou-se, tomou o cantil que tinha cheio com água do arroio e a aproximou da boca-. Bebe um pouco. Não quis te angustiar tanto. Quão único tento é te fazer compreender. -Acariciou-lhe o cabelo, o cabelo bonito de sua irmã menor-. Estamos juntos nisto.

    

     Charlie corria para diante, subindo rochas. Não ladrou nem uivou, embora o corpo lhe vibrava com freqüência. Ben escutava, tratando de ouvir o som de mais homens, de cavalos, de mais cães. Se ele estava no rastro, Adam também devia está-lo. Mas não ouviu mais que os sons da noite.

     Encontrou o segundo pendente atirado sobre uma pedra em cujas gretas cresciam flores silvestres. baixou-se a agarrá-lo e o levou aos lábios antes de guardá-lo.

     -Boa garota -sussurrou-. Agüenta sozinho um pouco mais.

     Olhou o céu. As nuvens se aproximavam da lua e grande parte das estrelas tinham desaparecido. A chuva, tão desejada, chegava muito logo.

    

     Enquanto bebia, Willa observou os olhos do Jim. Havia afeto neles. Sentia terror.

     -Pôde me haver matado faz meses. Antes que a nenhum dos outros.

     -Nunca quis te fazer danifico. Criaram-lhe problemas, quão mesmo a mim. Sempre pensei que algum dia, entre os dois, dirigiríamos Mercy. Você e eu. Nem sequer me tivesse importado que você fosse a que mandava. Tem uma capacidade enorme para isto. Eu trabalho melhor quando alguém me indica o caminho.

     voltou-se a sentar, ele também bebeu e logo fechou o cantil. Tinha perdido a noção do tempo. Resultava tranqüilizador estar ali, sentado com ela sob o amplo céu de Montana, recordando.

     -Tampouco tive intenções de matar ao Pickles. Em realidade não tinha nada em seu contrário. É obvio que sempre jorobaba com seus queixa e suas discussões, mas em realidade não me incomodava. Solo aconteceu. Nunca imaginei que chegaria justo nesse momento. Então eu tinha mais tempo. Pensava matar outro novilho e deixá-lo ali fora onde algum dos moços o encontrasse e então o ambiente se esquentasse. Mas depois tive que fazê-lo. E para te dizer a verdade e envergonhar ao demônio, devo confessar que o desfrutei, Will.

     -Esquartejou-o.

     -Quando se chega a isso, o homem não é mais que carne. Diabos, como eu gostaria de tomar uma cerveja neste momento! Não te cairia bem uma cerveja? -Suspirou e se tirou o chapéu para abaná-la cara-. refrescou um pouco, mas maldição se a tormenta não estiver perto! Talvez chegue essa chuva que tanto esperávamos.

      Willa olhou o céu e sentiu um sobressalto. Estavam por perder a lua. Se alguém andava procurando-a, teria que fazê-lo às cegas, como um morcego. Voltou a pôr a prova suas pernas e pensou que estavam em condições.

     E ele golpeou a faca contra a ponta da bota da Willa.

     -Não sei por que lhe arranquei a cabeleira. Me ocorreu nesse momento. Solo me ocorreu. Suponho que para ter uma espécie de troféu. Eu gosto de pendurar troféus no comilão da casa dos peões. Tenho uma caixa cheia de troféus, enterrada ao leste daqui. Recorda esses três álamos do pasto mais longínquo?

     -Sim, já sei. -Lutava por manter o olhar cravado na do Jim para tratar de não ver a faca.

     -Uma noite matei a todos esses bezerros. Acreditei que assim faria fugir a essas garotas de cidade, e que com isso se terminaria tudo. Mas ficaram. Não pude menos que as admirar. Isso me fez pensar um pouco, mas não podia superar minha raiva. -Meneou a cabeça ante sua própria tozudez-. De maneira que quando levantei essa garota que andava fazendo dedo, utilizei-a. Queria matar a uma mulher.

     umedeceu-se os lábios. Parte de seu ser lhe indicava que não era correto que falasse do assunto com sua irmã menor, mas não podia parar.

     -Até então nunca tinha matado a uma mulher. Tinha vontades de matar ao Shelly, já sabe a quem me refiro. À mulher do Zack.

     -OH, Meu deus!

     -É bonita e tem um lindo cabelo. Um par de vezes fui ao Three Rocks para jogar pôquer com os moços e estudei o assunto. Mas em troca matei a essa garota e a deixei ali, frente à porta de entrada, para lhe demonstrar ao Jack Mercy quem era o amo. Isso foi antes dos bezerros -adicionou com ar sonhador-. Agora o recordo. Foi antes. As coisas me mesclam na cabeça, pelo menos até o que aconteceu ao Lily. Ela foi a que o modificou tudo. É minha irmã. Foi algo que me meteu na cabeça quando JC a tratou assim, machucou-a tanto. Talvez teria morrido se eu não a tivesse cuidado. Não é certo?

     -Sim. -Não ia decompor se, negava-se a decompor-se-. Não lhe fez mal.

     -Não lhe haveria meio doido um cabelo da cabeça. -deu-se conta da piada, aplaudiu a rocha e rompeu a rir-. Nem um cabelo da cabeça. Compreende-o? Esse foi uma boa piada. -ficou sério. A mudança foi abrupto e lhe atemorizem-. Eu a quero, Will. Quero-lhes a ela e a ti e ao Tess, tal como deve lhes querer um irmão. E lhes cuidarei. E vocês devem me cuidar de mim. O sangue atira.

     -Como quer que te cuide, Jim?

     -Temos que elaborar um plano, unir aqui nossas histórias. Suponho que te levarei de volta e direi a todo mundo que alguém arrastou às montanhas. Você não alcançou a yerme, mas eu lhes segui. Não teve tempo de dar o alarme. Diremos que eu o alcancei, assustei-o e o fiz fugir. Dispararei um par de tiros. -Aplaudiu o rifle-. O fugiu para as terras altas e eu te salvei. Isso dará resultado, não o crie?

     -É provável. Direi que nunca alcancei a lhe ver a cara. Pegou-me. De todos os modos não cabe dúvida de que terei a marca de um murro na cara.

     -Sinto te haver pego, mas agora nos vem muito bem. Voltaremos para o que era antes. dentro de um par de meses o rancho ficará livre. Agora pode me nomear capataz. -Notou uma luz de repugnância nos olhos da Willa, seu retrocesso instintivo-. Não está falando a sério! Está-me mentindo.

     -Não, solo o estou pensando. -O coração começou a lhe pulsar com força ante as velozes mudanças de humor do Jim-. Temos que nos assegurar de que soe certo porque em caso contrário...

     -Memore! -gritou com tanta força que as rochas devolveram o eco de sua voz-. Crie que não me dou conta? Crie que sou tão idiota como para não saber o que está pensando? Eu te levo de volta e você lhe conta a verdade a todos. É capaz de me entregar, a mim, seu próprio irmão. E tudo pelo Ham.

     Louco de fúria, ficou de pé de um salto, com a faca em uma mão e o rifle na outra.

     -Foi um acidente. Não pude fazer nada por evitá-lo. Mas você me entregará. Importa-te mais esse velho que sua própria família.

     Nunca a deixaria em liberdade. E a mataria antes de que conseguisse afastar um par de metros. De maneira que, decidida, Willa ficou de pé, cambaleou-se um par de vezes até que pôde plantar os pés bem firmes e separá-los, e se enfrentou a ele.

     -O era minha família.

     Jim atirou o rifle ao chão, tomou pelo pescoço da camisa e a sacudiu.

      -Eu sou de seu sangue. Sou o que importa. Sou um Mercy, igual a você.

     Com a extremidade do olho, Willa viu que esgrimia a faca. E as nuvens afogaram a lua e mataram o brilho da folha.

     -Terá que me matar, Jim. E uma vez que o faça, não poderá fugir com bastante rapidez nem te esconder bastante. Caçarão-lhe. E se Ben ou Adam chegam antes que outros, que Deus te ajude.

     -por que não me escuta? -seu grito ressonou sobre as rochas e as montanhas e ficou pendente no ar-. O que importa é Mercy. Quão único quero é a parte do Mercy que me corresponde.

     Willa fechou as mãos doloridas, as convertendo em punhos e olhou os olhos se desesperados para o Jim.

     -Mercy quer dizer misericórdia, Jim. Eu não tenho misericórdia para te dar. -Retrocedeu, golpeou-lhe a boca do estômago com as mãos intumescidas e se voltou para correr.

     O a agarrou pelo cabelo e a tironeó para trás com tanta força que Willa viu as estrelas. Soluçando de dor, atirou um cotovelo para trás e lhe golpeou com força. Mas Jim não a soltou. As pernas da Willa cederam e teria cansado ao chão se ele não a estivesse sustentando pelo cabelo.

     -Farei-o com rapidez -prometeu ele-. Sei como fazê-lo.

     Ben saiu de entre as sombras.

     -Deixa cair essa faca. -Tinha a pistola preparada e lhe apontava-. Se lhe tocar um só cabelo da cabeça, mandarei-te ao inferno.

     -Farei mais que lhe tocar um cabelo da cabeça ou um pouco de pele -respondeu Jim, colocando a faca sob o pescoço da Willa. De novo falava com voz tranqüila. Acabava de recuperar o controle, o mando. Estava a cargo da situação. A mulher a quem apertava contra seu corpo já não era sua irmã a não ser simplesmente um escudo-. Quão único tenho que fazer é mover a boneca e estará morta antes de tocar o chão.

     -E você também.

     Jim moveu os olhos. O rifle estava fora de seu alcance. Cauteloso, retrocedeu um passo, sem apartar a faca do pescoço da Willa.

     -Se me der cinco minutos para fugir, assim que esteja a certa distância a soltarei.

     -Não, não me soltará -disse-o vaiando enquanto a faca começava a cravar-se o e as primeiras gotas de sangue começavam a emanar de seu pescoço-. Matará-me -disse com tranqüilidade, sem apartar seu olhar dos olhos do Ben-. É sozinho questão de tempo. O que não sabemos é quando.

     -te cale a boca, Will! -Jim moveu a faca sob seu pescoço-. Deixa que os homens levem este assunto. Se a quiser, McKinnon, pode tê-la. Mas baixa essa arma e retrocede até que tenhamos montado. Em caso contrário, matarei-a aqui e a verá morrer. Essas são suas opções.

     Ben apartou a vista da cara do Jim para olhar a Willa. Os relâmpagos cruzavam o céu como lanças e os iluminavam aos três de pé na rocha de reflexos chapeados.

     Manteve o olhar da Willa até que a viu fazer um gesto de assentimento. E também, esperava, para lhe demonstrar que tinha compreendido.

     -Assim que essas são minhas opções?

     Apertou o gatilho. A bala foi dar exatamente no lugar para onde apontava, entre os olhos do Jim. « Deus a benza!», pensou Ben quando sua mão por fim começou a tremer. Willa nem sequer vacilou. Nem sequer vacilou quando a faca caiu ao chão.

     Mas nesse momento em que já ninguém a sustentava, sentiu que se cambaleava. Viu que o céu girava justo no momento em que caía a primeira gota de chuva. E viu que Ben corria para ela.

     -Bom tiro -conseguiu dizer e, para sua mortificação e alívio, deprimiu-se.

     Voltou em si em braços do Ben, com a cara empapada e os lábios dele percorrendo-a.

     -Só perdi o equilíbrio.

     -Sim. -Estava ajoelhado na terra e a balançava como a um bebê, enquanto a chuva caía a correntes sobre eles-. Já sei.

     A Willa soavam os ouvidos como sinos de igreja. Embora sabia que era uma atitude covarde, enterrou a cara nos ombros do Ben em lugar de olhar o corpo que devia estar estendido muito perto deles.

     -Disse que era meu irmão. Que o fez pelo Mercy, por meu pai, por...

     -Ouvi-o. -Apertou os lábios contra o cabelo da Willa, logo se tirou o chapéu e o pôs em um infrutífero intento de impedir que se molhasse-. Maldita mulher idiota! Estava lhe rogando que te matasse. Enquanto subia até aqui, perdi três vistas te ouvindo respirá-lo para que o fizesse.

     -Não soube o que outra coisa fazer. -O medo contra o que tinha lutado, abriu-se em toda sua amplitude e a devorou-. E Ham?

     -Não sei. -Nesse momento ela tremia e Ben a acurrucó contra seu corpo-. Não sei, querida. Quando saí do rancho, estava com vida.

     -Muito bem. -Então havia esperanças-. Minhas mãos. OH, Deus, Ben! Minhas mãos!

     Então Ben começou a amaldiçoar a toda velocidade enquanto tirava a faca e cortava a soga que lhe tinha deixado as bonecas em carne viva.

     -OH, minha menina! -Lhe rompeu o coração-. Willa.

     Ainda a seguia balançando sob a chuva torrencial, quando Adam os encontrou.

    

     vais comer quando te disser que coma, e comerá o que te diga que coma! -Bess estava de pé junto à cama, com o sobrecenho franzido.

     -Não pode me deixar em paz durante uns malditos cinco minutos? -Encolhido na cama e sentindo-se tão desgraçado como um gato escaldado, Ham afastou a bandeja que ela tinha depositado sobre seus joelhos.

     -Se o fizesse, levantaria-te. Advirto-te que a próxima vez que o faça te despirei para que não possa sair por essa porta.

     -passei seis semanas deitado de costas nesse maldito hospital. E já faz uma semana que voltei para rancho. Estou vivo, por amor de Deus!

     -Não use o nome de Deus em vão diante de mim, Hamilton. O médico te ordenou que ficasse descansando na cama durante duas semanas, e que duas vezes ao dia te levantasse durante uma hora a caminhar. -Inclinou a cabeça e o olhou-. Preciso te recordar que lhe cravaram uma faca em sua dura pele e que manchou de sangue todo o chão limpo de minha cozinha?

     -Recorda-me isso cada vez que entra neste quarto.

     -Bom, então. -Olhou com expressão de aprovação a Willa, que nesse momento entrava-. Me alegro de que tenha chegado. Trata de te ocupar dele. Eu tenho trabalho que fazer.

     -Outra vez lhe levando a contrária, Ham?

     O jogava faíscas pelos olhos quando Bess saiu.

     -Se essa mulher não deixar de me enjoar, atarei estes lençóis uma com a outra e descerei pela janela.

     -Tem que te mimar algo mais de tempo. Todos devemos te mimar algo mais de tempo. -sentou-se no bordo da cama e o estudou com atenção. Tinha boa cor e tinha recuperado parte do peso que perdeu no hospital-. Mas devo confessar que tem bastante bom aspecto.

     -Sinto-me perfeitamente bem. Não há motivo para que não possa me sentar sobre uma arreios. -sentiu-se incômodo quando ela apoiou a cabeça em atitude mimosa sobre seu peito. Sem saber o que fazer, Ham lhe aplaudiu o cabelo-. Vamos, Will! Não sou um osito de peluche.

     -Mas bem te parece com um feroz urso cinza. -Sorriu já pesar dos esforços se desesperados que fazia Ham por tirar-lhe de cima, beijou-lhe os bigodes.

     -As mulheres sempre se venham do homem quando está cansado.

     -É a única vez que me vais permitir te malcriar um pouco. -tornou-se atrás e tomou a mão-. Tess veio a verte?

     -Esteve aqui faz um momento. Veio a despedir-se. -Recordou que ela também estava carinhosa e que o incomodou. Abraçava-o e o beijava. Era insuportável!-. Sentiremos falta do vê-la por aqui com suas botas de fantasia.

     -Eu também a terei saudades. Nate já chegou para levá-la ao aeroporto. Devo ir despedir me dela.

     -Você está bem... com respeito a tudo?

     -Estou vivendo contudo. Estou viva, graças a ti e ao Ben. -Apertou-lhe por última vez a mão antes de dirigir-se à porta-. Ham. -Não se voltou, mas sim lhe falou com a vista fixa no vestíbulo-. Era filho do Jack Mercy? Era meu irmão?

     O poderia haver dito que não, e deixar que o assunto morrera ali. Teria sido mais fácil para a Willa. Talvez o tivesse sido. Mas ela sempre tinha sido uma mulher forte.

     -Não sei, Will. A verdade é que não sei.

     Willa assentiu e se disse que teria que viver também com isso. Com esse constante não saber.

     Ao sair viu o Lily que já chorava e aferrava ao Tess como se nisso o fora a vida.

     -Ouça! Trata-me como se viajasse à a África a me converter em missionária. -Tess lutou contra suas próprias lágrimas-. Solo vou a Califórnia. E dentro de uns meses voltarei a lhes visitar. -Aplaudiu o ventre cada vez mais grande do Lily-. Quero estar aqui quando nascer o bebê.

     -Te terei saudades muito.

     -Escreverei, chamarei por telefone, diabos! enviarei faxes. Nem sequer lhes darão conta de que me fui. -Fechou os olhos e abraçou ao Lily com ferocidade-. Te cuide por favor, Adam! -Tomou as mãos, caiu em braços do marido de sua irmã-. Verei-te logo. E te chamarei por telefone para que me aconselhe se dito comprar um cavalo. -O murmurou algo-. E isso o que quer dizer?

     Adam lhe beijou a bochecha.

     -Minha irmã, em meu coração.          

     -Chamarei -conseguiu dizer Tess com voz entrecortada. Logo se voltou e quase se chocou com o Bess. -Aqui tem -disse Bess, lhe pondo uma cesta na mão-. O aeroporto fica bastante longe, e com seu apetite nunca chegaria.     

     -Obrigado. Talvez consiga baixar os dois quilogramas e médio que me tem feito aumentar.         

     -Não ficam mau. E lhe transmita minhas lembranças a sua mãe.

     -Farei-o.

     Com um suspiro, Bess lhe acariciou a bochecha.

     -E volta logo, moça.      

     -Farei-o. -voltou-se cegada pelas lágrimas e olhou a Willa-. Bom -conseguiu dizer-, foi toda uma aventura.      

     -É obvio. -Com os polegares metidos nos bolsos dianteiros da calça, Willa baixou o resto da escada-. Poderia escrever a respeito de tudo o que aconteceu.                       -Farei-o, em parte. -Tragou com força para recuperar a voz-. E tráfico de não te colocar em problemas.               

     Willa elevou uma sobrancelha.          

     -Poderia-te dizer o mesmo a ti, que te encaminha à cidade grande e malvada.

     -É minha cidade. Mandarei-te uma postal para que possa ver o que é o verdadeiro mundo.                      

     -Não deixe de fazê-lo.  

     -Bom -voltou-se-, demônios! -Atirou- a cesta ao Nate e se voltou para cair nos braços abertos da Willa-. Maldita seja! Realmente te sentirei falta de.               

     -Eu também -respondeu Willa, abraçando-a com mais força, quase aferrando-se a ela-. Nos chame.                        

     -Farei-o, farei-o. Deus! de vez em quando te ponha um pouco de carmim nos lábios, quer? E usa nas mãos a loção que te deixei para que não lhe convertam em lixa.   

     -Quero-te.

     -OH, Deus, tenho que ir ! -Chorando a lágrima viva, Tess se encaminhou ao jipe a tropeções-. vá castrar um bezerro ou algo assim.                     

     -Era o que pensava fazer. -Willa lançou um suspiro entrecortado, tirou o lenço e se soou o nariz no momento em que o jipe arrancava-. Adeus, Hollywood.

    

     Quando faturou as malas no terminal, Tess estava segura de ter recuperado a compostura. Uma hora inteira de pranto é bastante para qualquer, pensou, e Nate foi o suficientemente generoso para lhe permitir que se desafogasse.

     -Não é necessário que me acompanhe à porta de embarque. Mas não lhe soltou a mão.

     -Não tenho inconveniente em te acompanhar.

     -Manteremo-nos em contato.

     -Consta-te que eu o farei.

     -Eu gostaria que voasse a Hollywood para passar ali um fim de semana e deixar que te mostre a cidade.

     -Talvez o faça.

     «Bom, não cabe dúvida de que ele me está facilitando a situação», pensou Tess. Era tudo tão fácil! O ano acabava de terminar e ela tinha o que queria. Agora devia voltar para sua vida. Que era o que desejava.

     -Deve me manter a par de tudas as intrigas. me fale do Will e do Lily. As sentirei falta de muitíssimo.

     Olhou a seu redor. O terminal estava cheia de gente ocupada que ia e vinha. Desejou com desespero experimentar sua habitual excitação ante a perspectiva de voar.

     -Não quero que espere. -obrigou-se a olhá-lo. A afundar os olhos nesses olhos pacientes-. Já nos despedimos. Isto solo o faz mais difícil.

     -Não poderia ser mais difícil. -Apoiou-lhe as mãos sobre os ombros, desceu-as por seus braços e as voltou a subir-. Quero-te, Tess. Para mim, é primeira e a única mulher. Fique. te case comigo.

     -Nate, eu... -Eu também te amo. OH, Deus!, pensou-. Tenho que ir. Sabe que devo ir. Meu trabalho, minha carreira. Isto solo foi algo passageiro. Ambos sabíamos.

     -As coisas trocam. -Como podia lhe ler os pensamentos n! rosto, sacudiu-a com suavidade-. Não pode me olhar aos olhos e me dizer que não está apaixonada por mim, Tess. Cada vez que quer dizer que não é assim, aparta a vista e não diz nada.

     -Devo ir. Perderei o avião. -voltou-se e saiu correndo.

     Sabia o que fazia. Sabia perfeitamente. Passou pressurosa uma porta atrás de outra enquanto o repetia. Como ia viver em um rancho de cavalos em Montana? Devia pensar em sua carreira. Nesse momento, seu ordenador portátil se chocou contra seu quadril. Devia começar um novo guia e trabalhar em uma novela. Seu lugar estava em Los Anjos.

     Lançou uma maldição, voltou-se e correu para trás empurrando aos que foram em direção contrária.

     -Nate! -Viu seu chapéu na escada rolante descendente, e aliviou o passo-. Espera um minuto, Nate!

     O já estava abaixo quando Tess o alcançou. deteve-se frente a ele, sem fôlego e com uma mão apertada sobre o coração que pugnava por sair-se o do peito. Olhou-o aos olhos.

     -Não estou apaixonada por ti -disse, sem piscar e olhando-o aos olhos. Observou que ele entrecerraba os seus-. Compreende-o por fim? Sou capaz de te olhar aos olhos e mentir.

     E lançando uma gargalhada, jogou-se em seus braços.

     -OH, que diabos! Posso trabalhar em qualquer parte.

     Nate a beijou e a depositou no chão.

     -Muito bem. Voltemos para casa.

     -Minhas malas.

     -Já voltarão. -Tess olhou por cima do ombro e se despediu espiritualmente de Los Anjos.

     -Não parece muito surpreso.

     -Não o estou. -Elevou-a e logo girou fazendo-a riscar um círculo pelo ar-. Sou paciente.

    

     Ben encontrou a Willa arrumando o alambrado que separava Three Rocks e Mercy. Ao vê-la, compreendeu que ele deveria estar fazendo o mesmo. Entretanto, desmontou e lhe aproximou.

     -Necessita que te dê uma mão?

     -Não, tenho-a.

     -Perguntava-me como está Ham.

     -É um urso resmungão. Eu diria que está muito bem.

     -Me alegro. me deixe fazer isso.

     -Sei estirar alambrados.

     -Mas te peço que me deixe fazê-lo por ti. -Arrancou-lhe o arame da mão.

     Willa deu um passo atrás e pôs os braços em jarras.

     -estiveste vindo muito freqüentemente e tratando de me ajudar. Isso deve terminar.

     -por que?

     -Deve preocupar-se por suas próprias terras. Eu sei dirigir Mercy.

     -Dirige tudo maldita seja! -queixou-se ele.

     -O prazo que estabelecia o testamento se cumpriu, Ben. Já não é necessário que ande fiscalizando o que fazemos aqui.

     Ben a olhou com expressão pouco amistosa.

     -Crie que disso se trata?

     -Não sei. Ultimamente não notei que te interesse outra coisa.

     -E isso o que quer dizer?

     -O que pinjente. Durante as últimas semanas não tiveste interesse em visitar minha cama com regularidade.

     -estive ocupado.

     -Bom, agora a que está ocupada sou eu, de maneira que vá tender seu próprio arame.

     Ben se plantou com as pernas abertas, em uma posição muito parecida com a dela e se enfrentaram, poste por meio.

     -Este alambrado é tanto meu como teu.

     -Então deveria revisá-lo, como o faço eu.

     Ben arrojou o arame ao chão entre eles, como um limite que os separava, que separava suas terras.

     -Muito bem, se quer saber o que me passa, direi-lhe isso. -Tirou do bolso dois magros pendentes de ouro e os entregou.

     -Ah! -exclamou ela, olhando-os-. Tinha-os esquecido.

     -Mas eu não. -Tinha-os guardado, só Deus sabia por que. Cada vez que os olhava voltava a reviver essa noite, a escuridão, o medo. E cada vez que olhava a Willa, perguntava-se se a teria encontrado a tempo se ela não tivesse sido tão inteligente, tão forte para deixar um rastro.

     -Assim encontrou meus pendentes. -Os meteu no bolso.

     -Sim, encontrei-os. E subi esse penhasco enquanto lhe ouvia te gritar. Vi-lhe apertando a faca contra seu pescoço. Vi correr um fio de sangue por sua pele onde te cravou.

     Em um movimento instintivo, Willa se levou uma mão ao pescoço. Algumas vezes ainda lhe parecia sentir ali a faca, a ponta da faca que seu pai tinha posto em mãos de um assassino.

     -Já terminou -respondeu ela-. Eu não gosto de muito voltar para esse lugar.

      -Eu tornei muitas vezes. Posso ver os relâmpagos, seus olhos à luz desses relâmpagos quando soube o que pensava fazer. Quando confiou em mim e me permitiu fazê-lo.

     Recordou que ela nem sequer fechou os olhos. Manteve-os abertos, serenos, enquanto lhe olhava apertar o gatilho.

     -Coloquei-lhe uma puxa na cabeça a um homem que estava apenas a quinze centímetros de sua cara. Tem-me feito acontecer alguns maus momentos.

     -Sinto muito. -Tratou de agarrar a mão do Ben, mas deixou cair a seu quando ele retrocedeu, como se queria ficar em suas próprias terras-. Matou a alguém por mim. Compreendo que isso tenha modificado seus sentimentos.

     -Não se trata disso. Bom, talvez sim. Talvez essa seja a causa. -voltou-se, caminhou uns passos, olhou o céu-. De todos os modos, possivelmente sempre tenha estado ali.

     -Então está bem. -Alegrou-lhe que Ben estivesse de costas para que não visse que teve que fechar os olhos com força, apertar os lábios para não soluçar-. Compreendo e estou agradecida. Não há nenhuma necessidade de fazer que esta situação seja difícil para nenhum dos dois.

     -Difícil? Diabos, isso nem sequer se aproxima do que sinto! -Colocou as mãos nos bolsos traseiros dos jeans e contemplou o comprido alambrado. «É o único que nos separa. Uns cilindros de arame de puas», pensou-. Estiveste-me provocando frustrações durante quase toda a vida.

     -Está pisando em minhas terras -respondeu ela, ferida.

     -Acredito que te conheço melhor que ninguém. Conheço muito bem seus defeitos. E tem um montão de defeitos. É teimosa, mal-humorada, lhe exasperem. É inteligente, embora seus impulsos sempre podem mais que seu cérebro. Mas conhecer seus defeitos não é mais que a metade da batalha.

     Willa lhe pegou uma patada, o bastante forte para fazê-lo trastabillar e cair contra seu cavalo. Ben recolheu o chapéu que lhe acabava de cair ao chão, limpou-o contra a perna dos jeans e se voltou.

     -Bom, poderia lutar contigo pelo que acaba de fazer, e o mais provável seria que terminasse em outra coisa.

     -Tenta-o.

     -Verá: isso é o pior de tudo. -Assinalou-a com um dedo-. Esse olhar, a que tem neste momento. Quando o penso a fundo, isso é o que o provocou.

     -O que provocou?

     -Que me apaixonasse por ti.

     Ela deixou cair o martelo que tinha levantado para lhe pegar.

     -O que?

     -Suponho que deve ter ouvido o que te disse. Tem ouvidos tão agudos como os de um maldito gato selvagem. -arranhou-se o queixo e voltou a ficar o chapéu-. Acredito que vais ter que te casar comigo, Willa. Não lhe vejo outra saída. E me acredite que a estive procurando.

     -Ah, sim? -inclinou-se, voltou a recolher o martelo e aplaudiu com ela palma de sua própria mão-. É o que tem feito?

     -Se. -Olhou o martelo e sorriu. Não acreditava que o usasse. E silo chegava a tentar, era bastante rápido para evitar que o golpeasse-. Se existisse, teria encontrado uma saída. Sabe? -adicionou aproximando-se o mas dando um rodeio-. Acreditei que te queria como distração, porque foi tão distinta a mim, quase o oposto ao que sou eu. Depois, quando já te tive, decidi que seguia te querendo porque não sabia durante quanto tempo te conservaria.

     -Segue te aproximando -disse ela com frieza-, e terá um buraco na cabeça.

     O lhe seguiu aproximando.

     -Depois não pude menos que me perguntar por que ninguém me tinha atraído tanto como me atrai você. Nem me fazia a ter saudades aos cinco minutos de nos separar, como tenho saudades a ti. Quando esteve em perigo, enlouqueci-me. E agora que está a salvo, considero que a única maneira de levar esta situação é me casando contigo.

     -Essa é sua idéia de uma proposta de matrimônio?

     -Nunca lhe terão feito uma melhor. E com sua atitude tão cheia de puas, tampouco acredito que lhe façam isso. -Tirou-lhe o martelo da mão e o jogou no outro lado do alambrado-. Não tem sentido que diga que não, Will. Estou decidido.

     -Isso é o que estou dizendo. Não -respondeu ela com os braços cruzados sobre o peito-. Até que receba uma proposição melhor.

     Ben lançou um profundo suspiro. Temia que a coisa chegasse a esse ponto.

     -Está bem, então. Amo-te. Quero que te case comigo. Não posso viver sem ti. Isso te basta?

     -É um pouco melhor. -Tinha o coração tão cheio que lhe surpreendeu que não lhe transbordasse-. Onde está o anel?

     -Anel? Por amor de Deus, Will! Eu não ando percorrendo alambrados com um anel no bolso. -tornou-se atrás o chapéu perplexo-. De todos os modos, nunca usa anéis.

     -Mas usarei o que você me dê.

     Ben abriu a boca para queixar-se, voltou-a a fechar e sorriu.

     -Diz-o a sério?

     -Digo-o a sério. Maldição, Ben! por que demorou tanto?

     Passou por cima do alambrado e se tornou em seus braços.

 

                                                                                            Nora Roberts

 

 

                      

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