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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Protegido pelo Porto / Nora Roberts
Protegido pelo Porto / Nora Roberts

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Protegido pelo Porto

 

Phillip Quinn morreu aos treze anos. O pessoal do serviço de urgências do hospital municipal de Baltimore, mal pago e com excesso de trabalho, tinha-o transladado em menos de noventa segundos, por isso não levava muito tempo morto.

Para ele, era tempo mais que de sobra.

Mataram-no duas balas do calibre 25 disparadas do guichê de um Toyota Celica roubado. O dedo que apertou o gatilho era de um íntimo amigo dele; ao menos tão íntimo como se pode ser de um ladrão de treze anos nas perigosas ruas de Baltimore.

As balas não lhe acertaram no coração, mas por pouco. Entretanto, ao cabo dos anos, ao Phillip pareceu que foi por bastante.

O coração, jovem, forte embora infelizmente esgotado, seguiu pulsando enquanto ele estava convexo e sangrando-se sobre camisinhas usadas e frascos de crack no repugnante meio-fio da esquina do Fayette e Fardo.

A dor era brutal, como se uns pedaços de gelo ardentes e penetrantes lhe cravassem no peito; uma dor também desdenhosa que lhe negava o alívio da inconsciência. Permaneceu acordado e consciente enquanto ouvia os gritos das outras vítimas ou das testemunhas, os chiados dos frenazos, as acelerações dos motores e sua respiração entrecortada e ofegante.

Acabava de passar um pequeno bota de cano longo de objetos eletrônicos que tinha roubado em uma loja a menos de quatro maçãs dali. Tinha duzentos e cinqüenta dólares no bolso e se pavoneou para fazer-se com um pouco de maconha que lhe ajudasse a passar a noite. Acabava de sair de passar noventa dias em um correcional de menores por outro roubo que não lhe tinha saído tão bem, assim estava fora de onda e sem branca.

Ao parecer, a sorte tampouco lhe tinha acompanhado essa vez.

Ao cabo do tempo, recordou ter pensado: «Merda, merda, como dói!», mas não conseguia pensar em outra coisa. Tinham-no pilhado no meio e sabia. As balas não eram para ele. Tinha chegado a ver as cores da gangue nesse instante congelado que aconteceu que disparassem. Eram suas próprias cores, as cores da gangue em que tinha entrado, a gangue que rondava pelas ruas e becos da cidade.

Se não se apartou do sistema, ele não teria estado nessa esquina nesse momento. Haveriam-lhe dito que não se metesse em confusões e não estaria atirada em um atoleiro de sangue com o olhar cravado na boca da boca-de-lobo.

Houve um brilho de luzes azuis, vermelhas e brancas. O uivo das sereias se abriu passo entre os gritos da gente. Policiais. Seu primeiro impulso foi pôr-se a correr, a pesar da dor que lhe nublava as idéias. Em sua cabeça, levantou-se de um salto e se perdeu entre as sombras com agilidade e astúcia guia de ruas. Entretanto, só o lhe pensá-lo empapou o rosto com um suor frio.

Notou uma mão no ombro e uns dedos lhe mediram até encontrar o quase inapreciável pulso no pescoço.

—Respira. Que venha uma ambulância de urgências.

Alguém lhe deu a volta. A dor era indescritível, mas não pôde soltar o grito que lhe afligia por dentro. Viu umas caras que se inclinavam sobre ele; os olhos implacáveis de um policial e os frios de um médico. As luzes azuis, vermelhas e brancas lhe abrasavam os olhos. Alguém soluçou penetrantemente.

— Agüenta, não te largue, moço.

“Por que?” Quis perguntar por que. Ficar doía muito. Nunca escaparia como uma vez se prometeu fazer. A pouca vida que ficava estava desaparecendo, tinta de vermelho, pela boca-de-lobo. O que tinha diante era espantoso. Só ficava dor.

Que sentido tinha?

largou-se um momento, inundou-se na dor, onde o mundo era igual de escuro e de um vermelho sujo. De algum sítio, longe de seu mundo, chegaram-lhe o estrondo das sereias, a pressão no peito e a velocidade da ambulância.

Outra vez as luzes, brancas e brilhantes, que lhe queimavam as pálpebras fechadas enquanto flutuava no ar entre vozes que gritavam a seu redor.

—Feridas de bala no peito. Pressão, oitenta, cinqüenta e baixando, pulso débil e rápido. Entrada e saída. As pupilas estão bem. Comprovar o grupo sangüíneo. Radiografias. A de três. Um, dois e três.

O corpo subiu e voltou a baixar. Deixou de preocupar-se. Até o vermelho sujo estava ficando cinza. Um tubo lhe entrava pela garganta e nem sequer fez o esforço de expulsá-lo com uma tosse. Quase nem o notava. Quase não notava nada e o agradeceu a Deus.

—A pressão segue baixando. Perdemo-lo.

Ele pensou que fazia muito tempo que estava perdido.

Observou-os com bastante pouco interesse. Era meia dúzia de pessoas com batas verdes ao redor de um menino alto e loiro que estava convexo em uma mesa. Havia sangre por todos lados. deu-se conta de que era seu sangue. Estava na mesa de operações com o peito aberto. olhou-se a si "a não ser com certa lástima e indiferença. Já não sentia dor e o sereno alívio fez que estivesse a ponto de sorrir.

Elevou-se até que a cena se converteu em um difuso brilho nacarado e os sons eram ecos longínquos.

Então, a dor o atravessou e sentiu um sobressalto que fez que se retorcesse. Seu intento de afastar-se foi breve e inútil. Voltava a estar em seu corpo, voltava a sentir, voltava a estar perdido.

Quão seguinte soube foi que estava sumido em um atordoamento fruto dos fármacos. Alguém roncava. A cama era estreita e dura. Um brilho penetrou pelo painel de cristal com marcas de dedos. As máquinas zumbiam e sugavam monótonamente. deu-se a volta para escapar dos ruídos.

Passou dois dias na corda frouxa. Disseram-lhe que tinha tido muita sorte. Havia uma enfermeira muito bonita com olhos cansados e um médico com o cabelo cinza e os lábios finos. Não estava preparado para acreditá-los, não podia acreditá-los quando estava tão fraco que nem sequer podia levantar a cabeça, não podia acreditá-los quando a dor mais espantosa o invadia a cada duas horas com a precisão de um relógio.

Os policiais entraram quando estava acordado e a morfina lhe tinha amortecido a dor. Soube que eram policiais nada mais vê-los. Não estava tão atordoado como para não reconhecer os andar, os sapatos e o olhar. Não necessitava a identificação que lhe ensinaram.

—Tem tabaco?

O perguntava a tudo o que via. Necessitava um pouco de nicotina embora não acreditava que pudesse absorver a fumaça de um cigarro.

—É muito jovem para fumar.

O primeiro polícia lhe sorriu como se fora seu tio e se colocou em um flanco da cama.

Phillip, cansativamente, pensou que esse era o poli bom.

—Cada minuto que passa sou mais velho.

—Tem sorte de estar vivo.

O segundo polícia manteve o gesto implacável e tirou um bloco de papel de notas.

Phillip decidiu que esse era o poli mau. Quase lhe divertia a situação.

—Não deixam de me repetir isso Que demônios passou?

—diga-nos isso você...

O poli mau apoiou o lápis no bloco de papel.

—Pegaram-me um tiro de mierda.

—O que fazia na rua?

—Acredito que ia a casa —já tinha decidido como expô-lo e manteve os olhos fechados—. Não o recordo exatamente. Tinha ido... ao cinema?

Deu-lhe um tom interrogativo enquanto abria os olhos. Sabia que o policial mau não ia tragar se o mas não podia fazer outra coisa.

—Que filme viu? Com quem foi?

—Olhe, não sei. Tudo é um barulho. Ia andando e de repente estava convexo de barriga para baixo.

—nos conte o que recorde. —O policial bom lhe pôs uma mão no ombro—. Tome o com calma.

—Tudo passou muito depressa. Ouvi disparos..., tiveram que ser disparos. Alguém gritou e foi como se algo explorasse dentro de meu peito.

Isso se parecia bastante à verdade.

—Viu um carro? Viu quem fez os disparos?

Tinha as duas coisas gravadas a fogo no cérebro.

—Acredito que vi um carro... negro. Foi um brilho.

—Você é dos Flames.

Phillip desviou o olhar para o policial mau.

—Às vezes vou com eles.

—Os outros três corpos que encontramos atirados na rua eram dos Tribe. Eles não tiveram tanta sorte como você. Os Flames e os Tribe se têm muitas vontades.

—Isso dizem.

—Colocaram-lhe duas balas, Phil. —O policial bom fez um gesto de preocupação—. Se chegarem a te dar um centímetro mais à frente, para qualquer lado, teria morrido antes de tocar o chão. Parece um menino preparado e os meninos preparados não se enganam acreditando que têm que ser leais a uns gilipollas.

—Não vi nada.

Não era lealdade, era sobrevivência. Se cantava, era homem morto.

—Tinha mais de duzentos dólares na carteira.

Phillip se encolheu de ombros, mas se arrependeu ao sentir uma dor de mil demônios.

—Sim...? Bom, então poderei pagar a fatura dos dias que passei aqui no Hilton.

—Não te faça o preparado comigo, mucoso —disse o policial mau inclinando-se sobre a cama—. Todos os dias me vejo com casulos como você. Não te converte em um marginalizado vinte horas antes de acabar sangrando com a cara metida na boca de uma boca-de-lobo.

Phillip nem se alterou.

—violei a condicional porque me pegaram um tiro?

—De onde tiraste o dinheiro?

—Não me lembro.

—Foi a trapichear?

—Encontraram-me drogas em cima?

—É possível. Não te lembraria, verdade?

Phillip se disse que tinha razão.

—A verdade é que não me viriam nada mal agora.

—Tranqüilo. —O policial bom se moveu com certa inquietação—. Olhe, filho, se colaborar, nos levaremos bem contigo. Leva bastante tempo entrando e saindo do sistema e sabe como funciona.

Se o sistema funcionasse, ele não estaria aqui. Não podia fazer nada por ele que não tivessem feito já. Pelo amor de Deus, se tivesse sabido que se estava cozendo algo, não teria estado ali.

Um repentino tumulto no vestíbulo distraiu aos policiais. Phillip se limitou a fechar os olhos. Tinha reconhecido a voz que gritava com uma fúria reconcentrada.

Quão único pensou Phillip foi que estava colocada. Ela irrompeu na habitação, e então ele abriu os olhos e comprovou que tinha acertado de pleno.

Também comprovou que se vestiu para a ocasião. cardou-se o cabelo amarelo e se maquiou a consciência. debaixo de todo aquilo, poderia ser uma mulher bonita, embora a máscara era quase impenetrável. Tinha um corpo bonito, mas era com o que trabalhava. As mulheres que se despiam em striptease e que se pluriempleaban como pelanduscas necessitavam um bom pacote. embutiu-se em um Top e uns jeans e se abriu passo até a cama sobre uns saltos de dez centímetros.

—Quem coño crie que vai pagar tudo isto? Só dá problemas.

—Olá, mamãe, eu também me alegro de verte.

—Não seja impertinente. vieram uns polis a casa por sua culpa. —Olhou de soslaio aos homens que havia aos lados da cama e, ao igual a seu filho, soube que eram policiais—. Tem quase quatorze anos. Não quero saber nada dele. Esta vez, não vai voltar comigo. Não me dá a vontade de ter a poli e aos assistentes sociais em cima de mim todo o dia.

escapou da enfermeira que a tinha arranca-rabo do braço e se inclinou sobre a cama.

—por que coño não te morreste?

—Não sei —respondeu Phillip sem piscar—. O tentei.

—Sempre foste um desastre —bufou quando o poli bom a apartou um pouco—. Um desastre. Que não te ocorra vir por casa quando sair daqui —gritou enquanto a tiravam da habitação—. Não quero saber nada de ti.

Phillip esperou e a ouviu amaldiçoar, gritar e pedir documentos para jogar o de sua vida. Logo, olhou à polícia mau.

—Acredita que pode me assustar? Esta é minha vida e não há nada pior que esta vida.

Dois dias depois, uns desconhecidos entraram na habitação. O homem era enorme, tinha os olhos azuis e uma cara muito larga. A mulher tinha um coque ruivo e médio desfeito na nuca e a cara cheia de sardas. Ela agarrou o histórico do Phillip dos pés da cama, jogou-lhe uma olhada, e lhe deu uns golpecitos com a palma da mão.

—Olá, Phillip. Sou a doutora Stella Quinn. O é meu marido, Ray.

—E?

Ray aproximou uma cadeira à cama e se sentou com um suspiro de prazer. Inclinou a cabeça e olhou um momento ao Phillip.

—Colocaste-te em uma boa confusão, verdade? Quer sair dele?

 

Phillip se afrouxou o nó da gravata do Fendi. A viagem de Baltimore à costa leste de Maryland era bastante largo e o tinha tido em conta ao programar o CD. Começou com algo suave do Tom Petty e os Heartbreakers.

O tráfico dessa quinta-feira pela tarde era tão mau como haviam dito as predições e ainda era pior pela garoa e quão olheiros não podiam evitar jogar uma olhada, entre fascinada e assombrada, a um acidente de carros na redondeza de Baltimore.

Quando enfiou a entrada da auto-estrada 50, nem as canções mais clássicas dos Rolling Stones podiam lhe levantar o ânimo.

levou-se trabalho e durante o fim de semana teria que procurar um oco para os pneumáticos Myrestone. Queriam uma colocação nova da campanha publicitária. Os pneumáticos felizes fazem felizes aos condutores, pensou Phillip enquanto tamborilava com os dedos ao ritmo do violão rasgado do Keith Richards.

Isso era uma tolice, disse-se. Ninguém era feliz quando conduzia em hora ponta; levasse os pneumáticos que levasse.

Entretanto, lhe tinha ocorrido algo para que os condutores que levassem pneumáticos Myrestone acreditassem que eram felizes e sexys, além de ir seguros. Era seu trabalho e gostava.

Gostava tanto que fazia malabarismos com quatro contas importantes, fiscalizava outras seis mais pequenas e parecia que nunca soltava uma gota de suor pelos elegantes corredores do Innovations, a próspera empresa de publicidade para a que trabalhava. A empresa que exigia que seus executivos fossem criativos, entusiastas e, além disso, tivessem estilo.

Não lhe pagavam para que suasse.

Estava sozinho, mas isso era outro assunto.

Sabia que levava meses trabalhando como um verdadeiro mulo. Graças a um reverso do destino, tinha passado de viver para o Phillip Quinn a perguntar-se o que tinha sido de sua vida urbana e feliz em que cada dia ascendia mais na escala social.

Seu pai tinha morrido fazia seis meses e sua vida tinha dado um tombo; a vida que Ray e Stella Quinn tinham endireitado fazia dezessete anos quando entraram naquela sórdida habitação do hospital e lhe ofereceram uma oportunidade e uma alternativa. Aceitou a oportunidade porque foi suficientemente preparado para saber que não tinha outra alternativa.

Voltar para as ruas já não era tão atrativo depois de que lhe tivessem furado o peito. Já nem se expor a possibilidade de voltar a viver com sua mãe, embora ela tivesse trocado de opinião e lhe tivesse deixado entrar em seu desmantelado apartamento. Os serviços sociais olhavam com lupa sua situação e sabia que o tragariam assim que pusesse um pé na rua.

Não estava disposto a voltar com os serviços sociais, nem com sua mãe, nem à boca-de-lobo. Tinha-o decidido. Notava que quão único precisava era um pouco de tempo para riscar um plano.

Naquele momento, o tempo passava entre os eflúvios de umas drogas deliciosas, fármacos o chamavam outros, que não tinha tido que comprar nem roubar, mas não se imaginou que suas pequenas vantagens durariam para sempre.

O Demerol lhe percorria todo o organismo, olhou com seus olhos ardilosos aos Quinn e os classificou como um casal extravagante de benfeitores. Para ele era perfeito. Queriam ser uns samaritanos e lhe oferecer um sítio onde ficar até que estivesse aos cem por cem; todos contentes.

Disseram-lhe que tinham uma casa neste costa, o qual, para um menino de bairro, era o outro extremo do mundo. Entretanto, pensou que trocar de ares não lhe faria nenhum dano. Tinham dois filhos aproximadamente de sua idade. Phillip decidiu que não teria que preocupar-se com dois niñatos criados por uns buenazos.

Disseram-lhe que tinham suas normas e que a educação era prioritária. O colégio tampouco lhe preocupava. Não o pensou muito.

—Nada de drogas.

Stella o disse com um tom gélido que fez que Phillip trocasse sua opinião sobre ela.

—Não, senhora —replicou ele com sua expressão mais angélica.

Sabia que se queria meter-se algo, encontraria a forma embora fora em um coñazo de povo da baía.

Stella se inclinou sobre a cama com uns olhos penetrantes e um sorriso quase imperceptível.

—Tem uma cara que parece tirada de um quadro renascentista, mas não por isso é menos ladrão, folgazão e mentiroso. Ajudaremo-lhe se quiser que lhe ajudemos, mas não nos trate como se fôssemos imbecis.

Ray soltou uma gargalhada estrondosa e estreitou entre seus braços os ombros do Stella e do Phillip. Phillip recordou que então se havia dito que vê-los dar-se de cabaçadas durante uma temporada ia ser um prazer único no mundo.

Voltaram várias vezes durante as duas semanas seguintes. Phillip falou com eles e com a criada social, que tinha sido mais fácil de persuadir que os Quinn.

Ao final o levaram a casa, à preciosa casa à beira do mar. Conheceu seus filhos, Cameron e Ethan, e analisou a situação. Quando se inteirou de que os tinham recolhido como a ele, convenceu-se de que estavam como cabras.

Pensou que aproveitaria o tempo. Para ser uma doutora e um catedrático de universidade, não tinham acumulado muitas coisas que merecessem a pena roubar-se, mas se fixou bem em tudo o que havia.

Em vez de lhes roubar, apaixonou-se por eles. Adotou seu sobrenome e passou os dez anos seguintes na casa à beira do mar.

Stella morreu e com ela se foi parte de sua vida. converteu-se na mãe que nunca tinha acreditado que existisse. Firme, forte, carinhosa e penetrante. Chorou-a e foi a primeira perda verdadeira de sua vida. Enterrou parte de sua dor no trabalho. Passou pela universidade e ficou como meta o êxito e um brilho de sofisticação, além de um posto de principiante no Innovations.

Não pensava ficar abaixo durante muito tempo.

Entrar no Innovations, em Baltimore, era um pequeno triunfo pessoal. Voltava para a cidade de suas desditas, mas voltava como um homem refinado. Ninguém que o visse com seu traje feito a medida poderia adivinhar que tinha sido um ladrão de pouca subida, um traficante de drogas ocasional e um prostituto circunstancial.

Tudo o que tinha conseguido durante os últimos dezessete anos partia do momento em que Ray e Stella Quinn entraram em sua habitação do hospital.

Um dia, Ray morreu e o deixou sumido em umas sombras que não se dissiparam. O homem ao que tinha querido como somente um filho pode querer a seu pai se matou ao estelar se com seu carro contra um poste de telefone, a plena luz do dia e a toda velocidade.

Outra habitação de hospital. Essa vez era o capitalista Quinn quem estava destroçado na cama e rodeado de aparelhos zumbantes. Phillip e seus irmãos tinham prometido ocupar do último dos desencaminhados do Ray Quinn. Entretanto, esse menino guardava secretos e olhava com os olhos do Ray.

No passeio marítimo e nos bairros do pueblecito do St. Christopher, na costa leste de Maryland, insinuava-se o adultério, o suicídio e o escândalo. Durante os seis meses que passaram desde que começaram os falatórios, Phillip teve a sensação de que ele e seus irmãos não se aproximaram da verdade. Quem era Seth DeLauter e o que tinha significado para o Raymond Quinn?

Era outro extraviado? Era outro menino que se afundava em muito violência e abandono e que necessitava uma tabela de salvação? Seria mais? Seria um Quinn por sangue e por acaso?

Quão único Phillip sabia com segurança era que Seth, de dez anos, era tão irmano dele como Ethan e Cameron. A todos eles os tinham liberado de um pesadelo e lhes tinham dado a oportunidade de trocar suas vidas.

No caso do Seth, Ray e Stella não estavam para lhe oferecer essa alternativa.

Uma parte do Phillip, uma parte que tinha crescido dentro de um ladrão jovem e imprudente, não aceitava nem sequer a possibilidade de que Seth fora filho do Ray, um filho fruto do adultério e abandonado na desonra. Teria sido uma traição para tudo o que lhe tinham ensinado os Quinn, para todo o exemplo que lhe tinham dado com suas vidas.

detestou-se por expor-lhe por ser consciente de que de vez em quando observava ao Seth com olhos frios e analíticos e se perguntava se aquele menino teria sido o motivo da morte do Ray Quinn.

Quando essa idéia se apropriava de sua cabeça, PhiIlip dirigia a atenção para Glorifica DeLauter. A mãe do Seth foi a mulher que acusou ao catedrático Raymond Quinn de abuso sexual. Disse que tinha ocorrido uns anos antes, quando ela era uma estudante na universidade. Entretanto, não havia perseverança de que ela tivesse ido a essa universidade.

Era a mesma mulher que tinha vendido seu filho ao Ray como se fora uma parte de carne. A mesma mulher, Phillip sabia com certeza, que Ray tinha visitado em Baltimore antes de matar-se.

escapuliu-se. As mulheres como Glória eram muito hábeis para conseguir que algo lhes salpicasse. Umas semanas antes, tinha-lhe mandado uma carta com uma chantagem nada sutil: se queria conservar o menino, ela necessitava mais. Phillip apertou a mandíbula ao lembrar-se da cara de espanto que pôs Seth quando se inteirou.

disse-se que essa mulher não tocaria ao Seth. ia comprovar que os irmãos Quinn eram mais duros de cortar que um ancião bondoso.

Não só os irmãos Quinn, pensou enquanto tomava a estrada comarcal que lhe levaria a casa. Pensou na família enquanto conduzia depressa pela estrada flanqueada de campos de soja, de ervilhas e de um milho mais alto que uma pessoa. CAM e Ethan estavam casados e Seth podia contar com duas mulheres que não se enrugavam facilmente.

Casados. Phillip sacudiu a cabeça divertido com a idéia. Quem ia haver o dito? CAM se tinha casado com a sedutora criada social e Ethan com o Grace, a dos olhos doces, convertendo-se instantaneamente no pai da angélica Aubrey.

Bom... melhor para eles. Tinha que reconhecer que Anna Spinelli e Grace Monroe eram a fôrma dos sapatos de seus irmãos. Seriam um apoio muito firme quando se celebrasse a audiência para a custódia definitiva do Seth. E o matrimônio lhes sentava de maravilha, embora a ele, a palavra lhe dava calafrios.

Phillip preferia a vida de solteiro com todas suas vantagens. Embora durante os últimos meses não tinha tido muito tempo para desfrutar dessas vantagens. Passava os fins de semana no St. Chris fiscalizando os deveres do Seth, fazendo o casco de um navio para a incipiente empresa Navios Quinn, repassando as contas e carregando material, todo o qual se converteu em sua responsabilidade sem saber por que e lhe cortava as asas.

Tinha prometido a seu pai, no leito de morte, que se ocuparia do Seth e tinha combinado com seus irmãos mudar-se à costa para compartilhar a custódia e as responsabilidades. Para o Phillip, o pacto significava dividir seu tempo entre Baltimore e St. Chris e suas energias entre conservar sua profissão e seus ganhos, e atender a um irmão novo e às vezes problemático e um negócio que acabavam de pôr em marcha.

Era um verdadeiro risco. imaginava que educar a um menino de dez anos supunha dores de cabeça e meteduras de pata, no melhor dos casos. Seth DeLauter, que se tinha criado com uma prostituta a tempo parcial, uma drogada a jornada completa e uma chantagista aficionada, não tinha vivido nas condições ideais.

Tirar adiante uma empresa de construção de navios supunha toda uma série de detalhes chatos e de trabalho exaustivo. Mesmo assim, funcionava, e se descontava a ridícula exigência de tempo e energia, funcionava bastante bem.

Fazia pouco tempo, os fins de semana os passava jantando em sítios de moda ou indo ao teatro com uma série de mulheres atrativas e interessantes e, se se entendiam, tomando o café da manhã no domingo na cama.

Phillip se tinha prometido que voltaria a fazê-lo. Quando tudo estivesse represado, voltaria para essa vida. Entretanto, como dizia seu pai, durante os próximos minutos...

Girou para entrar no caminho. Tinha deixado de chover e a erva e as folhas tinham um brilho especial. A luz do crepúsculo começava a tingi-lo tudo. A luz do salão prometia um recebimento quente e sereno. As flores do verão que tinha cuidado Anna adoeciam e entre as sombras reluziam os brotos de princípios de outono. Ouvia os latidos do cachorrillo, embora aos nove meses, Parvo tinha crescido tanto que já não lhe podia chamar cachorrillo.

lembrou-se de que essa noite lhe tocava cozinhar a Anna. Felizmente. Isso significava que os Quinn jantariam de verdade. desentorpeceu-se os ombros, pensou em que se serviria uma taça de vinho e viu que Parvo saía por uma esquina da casa detrás de uma bola de tênis.

O cão, ao ver que Phillip se descia do carro, deixou o que estava fazendo e tentou parar-se, mas se escorregou e organizou um alvoroço de latidos como se estivesse apavorado.

—Idiota —disse Phillip com um sorriso enquanto tirava a maleta do jipe.

Para ouvir a voz, os latidos passaram a ser de alegria incontenible. Parvo se aproximou com um olhar de felicidade e com as patas molhadas e cheias de barro.

—Não salte! —gritou-lhe Phillip com a maleta como escudo—. O digo a sério. Sente-se!

Tolo vacilou, mas apoiou os quartos traseiros no chão e levantou uma pata. Tinha a língua fora e os olhos resplandecentes.

—Bom cão.

Phillip lhe estreitou a repugnante pata e lhe arranhou as sedosas orelhas.

—Olá.

Seth apareceu no jardim. Tinha os jeans sujos de jogar com o cão e a boina de beisebol torcida deixava ver seu cabelo loiro e murcho. Phillip se deu conta de que sorria com mais facilidade que uns meses antes, mas lhe faltava um dente.

—Olá —Phillip lhe deu um golpecito na viseira da boina—. perdeste algo?

—Mmm...

Phillip se destacou os dentes brancos e perfeitos.

—Ah, sim.

Seth sorriu, encolheu-se de ombros, um gesto típico dos Quinn, e passou a língua pelo oco do dente. Tinha a cara mais enche que fazia seis meses e seus olhos eram menos cautelosos.

—Estava frouxo. Faz um par de dias tive que lhe dar um puxão. Sangrou como um bode.

Phillip não se incomodou em lhe repreender por sua linguagem. Tinha decidido que não se ocuparia de certas coisas.

—E te trouxe algo o ratoncito Pérez?

—Sei realista.

—Né, se não tiraste um peru ao CAM, não é meu irmão.

—tirei um par de perus. Um ao CAM e outro ao Ethan.

Phillip lhe aconteceu um braço pelos ombros e foram para a casa entre risadas.

—Pois a mim não vais tirar me nada. Que tal te foi a primeira semana de colégio?

—Aborrecida.

Seth se disse para seus adentros que não o tinha sido, que tinha sido lhe apaixone. Anna o tinha levado a comprar lápis, cadernos e canetas. Rechaçou a tartera de Expediente X que ela queria comprar. Só os empollones levavam tarteras, mas burlar-se da tartera tinha sido uma grosseria.

Levava roupa à última e umas sapatilhas gastas. Além disso, o melhor de tudo era que, pela primeira vez em sua vida, estava no mesmo sítio, o mesmo colégio e com a mesma gente da que se despediu em junho.

—Os deveres? —perguntou-lhe Phillip enquanto arqueava as sobrancelhas e abria a porta.

Seth pôs os olhos em branco.

—Tio, não pensa em outra coisa?

—Guri, eu vivo para os deveres. Sobre tudo, quando são os teus.

Tolo passou como uma exalação e quase os atirou ao chão.

—Ainda tem muito trabalho com esse cão. —Entretanto, o leve aborrecimento lhe dissipou assim que cheirou o molho de tomate da Anna—. Deus benza esta casa —sussurrou.

—Manicotti —lhe informou Seth.

—De verdade? Tenho um chianti que estive reservando para uma ocasião como esta —disse deixando a maleta a um lado—. depois de jantar-nos veremos com os livros.

Sua cunhada estava na cozinha preenchendo com queijo uns cilindros de massa. Tinha a impecável camisa branca arregaçada que usava para trabalhar e um avental branco lhe protegia a saia azul marinho. tirou-se os sapatos de salto e movia os pés descalços ao ritmo do ária que cantarolava. Carmen, disse-se Phillip. Ainda tinha recolhimento o maravilhoso arbusto de cabelo negro e encaracolado. Phillip piscou os olhos um olho ao Seth e ficou detrás dela, agarrou-a pela cintura e lhe deu um sonoro beijo no cocuruto.

—Fúgate comigo. Trocaremo-nos de nomes. Você será Sofia e eu Carlo. Levarei-te a paraíso onde só cozinhará para mim. Nenhum destes paletós te aprecia como eu.

—Espera que preencha o último e irei e fazer a bagagem. —Voltou a cara com um sorriso em seus escuros olhos italianos—. O jantar estará dentro de meia hora.

—Desarrolharei o vinho.

—Não há nada para comer ainda? ——perguntou-lhe Seth.

—Há peças na geladeira.

—Só são verduras e porcarias —se queixou Seth quando tirou a fonte.

—Sim.

—Jo...!

—te lave as mãos antes de tocar a comida.

—A saliva dos cães é mais limpa que a saliva das pessoas —lhe comunicou Seth—. Tenho lido que se te remoer uma pessoa, é pior que se te remoer um cão.

—Estou impressionada por uma informação tão fascinante, mas te lave as babas do cão em qualquer caso.

—Humanos...

Seth, zangado, foi dando uma patada no chão e com Parvo pego a seus talões.

Phillip escolheu o vinho entre umas garrafas que tinha na despensa. Os vinhos bons eram uma de suas debilidades e possuía um paladar muito exigente. Em seu piso de Baltimore tinha uma ampla e seleta adega que guardava em um armário, remodelado expressamente para isso. Na costa, suas adoradas garrafas do Burdeos e Borgoña faziam companhia às caixas de cereais rangentes e as bolsas de farinha.

acostumou-se.

—Que tal a semana? —perguntou a Anna.

—Atarefada. Terei que fuzilar a quem disse que as mulheres o têm tudo. Levar uma profissão e uma família é uma surra. —Levantou o olhar com um sorriso resplandecente e acrescentou—: eu adoro.

—nota-se. —Tirou a cortiça, cheirou-o e deixou a garrafa na encimera para que se oxigenasse—. Onde está CAM?

—Deveria estar vindo do estaleiro. Ethan e ele queriam aproveitar uma hora mais. terminaram o primeiro navio dos Quinn. O proprietário vem amanhã. Está terminado, Phillip! —O sorriso foi um brilho transbordante de orgulho—. Está no mole, é marinheiro e impressionante.

Ele sentiu uma pontada de decepção por não ter estado o último dia.

—Teríamos que tomar champanha.

Anna arqueou uma sobrancelha enquanto olhava a etiqueta do vinho.

—Uma garrafa do Fonolari, Ruffino?

Considerava que um dos rasgos mais apreciáveis da Anna era que sabia reconhecer o bom vinho.

—Do setenta e cinco.

—Eu não vou queixar me. Parabéns por seu primeiro navio, senhor Quinn.

—Não tenho feito nada. Só me ocupei que os detalhes.

—Claro que tem feito. Os detalhes são necessários e nem CAM nem Ethan os cuidam tanto.

—Acredito que eles o chamam aporrinhar.

—Necessitam que os aporrinhem. Teria que estar orgulhoso do que conseguistes os três durante os últimos meses. Não só pelo negócio, mas também também pela família. Cada um de vós renunciou a algo importante pelo Seth e cada um de vós recebeu algo importante em troca.

—Nunca me esperei que o pirralho fosse ser tão importante. —Anna cobriu a massa com molho e Phillip procurou umas taças no armário—. Ainda há momentos nos que todo me tira de gonzo.

—É natural, Phillip.

—Não me consola —se encolheu de ombros e serve duas taças—, mas, em geral, o Miro e penso que não está mal para ser um irmão pequeno.

Anna polvilhou queijo por cima da massa. Pela extremidade do olho viu que Phillip levantava a taça e apreciava o aroma. Pensou que era muito bonito. Fisicamente, era o que se imaginava como mais próximo à perfeição masculina. Cabelo castanho escuro, abundante e denso; olhos mais dourados que marrons; rosto comprido, estreito e pensativo, sensual e angélico; alto e esbelto, parecia feito para levar trajes italianos, embora o tinha visto com o torso nu e uns jeans, e sabia que não tinha nada de brando.

Sofisticado, rude, erudito e penetrante. Um homem interessante, disse-se para seus adentros.

Colocou a panela no forno e se deu a volta para tomar sua taça. Sorriu-lhe e chocou a taça com ele.

—Você tampouco está mal para ser um irmão maior.

inclinou-se para beijá-la delicadamente quando entrou CAM.

—Aparta seu bocaza de minha mulher.

Phillip sorriu e rodeou a cintura da Anna com o braço.

—Ela me ofereceu isso. Gosta.

—Eu gosta mais.

Para demonstrá-lo, CAM atirou da cinta do avental, abraçou-a e a beijou apaixonadamente. Sorriu, mordiscou-lhe o lábio inferior e lhe deu um açoite no traseiro.

—A que sim, carinho... lhe dava voltas a cabeça.

—Certamente —soprou—. Em términos gerais... —escapou dele—. Está asqueroso.

—Vinha a por uma cerveja para a ducha. —CAM, alto, magro, moreno e perigoso, foi até a geladeira—. E a por um beijo de minha mulher —acrescentou com um olhar vaidoso para o Phillip—. te Busque uma mulher para ti.

—Quem tivesse tempo... —replicou Phillip pesarosamente.

depois de ter jantado e de haver-se deixado as pestanas com divisões, batalhas da Revolução e vocabulário de sexto curso, Phillip se sentou em seu dormitório com o ordenador portátil.

Era o mesmo quarto que lhe tinham dado quando Ray e Stella o levaram a casa. Então, as paredes eram verde claro. Quando fez dezesseis anos, algo lhe transtornou na cabeça e o pintou de cor magenta. Sabe Deus por que. Recordava que sua mãe, porque Stella já era sua mãe então, tinha-lhe advertido que teria pesadelos. lhe parecia atrativo. Mas durou três meses. Logo passou por uma fase de branco absoluto com fotos em branco e negro com o Marcos negros. Sempre procurava um ambiente, pensou burlonamente Phillip. Voltou para verde claro antes de mudar-se a Baltimore.

Eles sempre tinham tido razão. Seus pais estavam acostumados a ter razão.

Tinham-lhe dado aquela habitação naquela casa naquele povo. O não o havia posto fácil. Os três primeiros meses foram um contínuo enfrentamento de vontades. Passava drogas, metia-se em brigas, roubava álcool e chegava a casa ao amanhecer dando tombos.

Ele já tinha claro que tinha estado pondo-os a prova, desafiando-os a que o jogassem; a que pudessem com ele.

Não só puderam com ele mas também o amoldaram.

—Phillip —lhe disse uma vez seu pai—, não sei por que quer desperdiçar uma boa cabeça e um bom corpo; por que quer deixar que ganhem os bodes.

Ao Phillip, que tinha o estômago de ponta e lhe arrebentava a cabeça pela ressaca de drogas e álcool, importava-lhe um cominho.

Ray o levou a navio e lhe disse que navegar um momento lhe esclareceria cabeça. Phillip, completamente enjoado, tirou a cabeça pela amurada e arrojou os restos do veneno que se colocou a noite anterior.

Acabava de fazer quatorze anos.

Ray jogou a âncora em um estreito braço de mar. Sujeitou a cabeça do Phillip, molhou-lhe a cara e lhe ofereceu um refresco frio.

—Sente-se.

Ele, mais que sentar-se, desabou-se. Tremiam-lhe as mãos e lhe revolveram as tripas quando deu o primeiro sorvo da lata. Ray se sentou em frente, com as enormes mãos sobre os joelhos, o cabelo prateado agitado pela ligeira brisa e os olhos azuis serenos e pensativos.

—tiveste um par de meses para te orientar por aqui. Stella diz que te recuperaste fisicamente. É forte e tem boa saúde, mas a perderá se seguir assim.

Franziu os lábios e ficou calado um bom momento. Havia uma garça entre a erva sem cortar; estava quieta, como se fora um quadro. O ar estava muito transparente e fazia frio, era finais de outono e as árvores sem folhas deixavam ver o céu de um azul profundo. O vento frisava a água e ondulava a erva.

Ray parecia satisfeito do silêncio e da cena. O estava derrubado, pálido e com o olhar impenetrável.

—Phil, podemos lutar o de muitas maneiras —seguiu Ray—. Podemos ser uns bodes. Podemos te atar em curto, não te tirar a vista de cima e te dar uma patada nos ovos cada vez que nos jodas, que é a maioria das vezes. —Ray, pensativo, agarrou uma vara de pescar e pôs ceva no anzol—. Também podemos decidir que este experimento foi um desastre e que volte aonde estava.

Ao Phillip lhe encolheu o estômago e fez um esforço para tragá-lo que era medo embora ele não o reconhecesse.

—Não lhes necessito. Não necessito a ninguém.

—Claro que necessita a alguém —disse Ray lançando o linha—. Se voltar para a rua, ficará ali. dentro de um par de anos já não será menor. Acabará em uma cela com os maus de verdade, uns tios aos que adorarão essa cara tão bonita que tem. Um dia, um deles, de dois metros e com as mãos como presuntos, agarrará-te na ducha e te fará sua noiva.

Phillip necessitava um cigarro. As palavras do Ray lhe produziam um suor frio.

—Sei me cuidar sozinho.

—Filho, passarão-lhe como se fosse uma fonte de canapés, e sabe perfeitamente. Defendeu-te muito bem, mas há coisas que são inevitáveis. até agora, sua vida foi uma mierda. Não é responsável por isso, mas sim é responsável pelo que acontecer adiante.

Voltou a ficar em silêncio, sujeitou o cano com os joelhos e agarrou uma lata do Pepsi. Sem pressas, abriu-a e deu um sorvo que parecia interminável.

—Stella e eu creímos ver algo especial em ti —continuou—. Seguimos acreditando-o —acrescentou enquanto olhava ao Phillip—, mas não chegaremos a nenhuma parte se não o você crie.

—E o que te importa? —Phillip jogou a cabeça para trás com um gesto de desdita.

—No momento não posso dizê-lo. Possivelmente não valha a pena. Possivelmente acabe outra vez nas ruas te buscando a vida de má maneira.

Durante três meses tinha dormido em uma boa cama, tinha comido três vezes ao dia e tinha tido ao seu dispor todos os livros que queria, uma de suas paixões secretas. Só de pensá-lolhe encolheu o estômago outra vez, mas se limitou a encolher-se de ombros.

—Arrumarei-me isso.

—Se só lhe quer arrumar isso é teu assunto. Aqui pode encontrar um lar e uma família. Pode encontrar uma vida e fazer algo com ela. Mas também pode seguir o caminho que leva.

Ray estirou o braço para agarrá-lo e Phillip levantou os punhos para defender-se, mas Ray só lhe levantou a camisa para deixar à vista as cicatrizes de seu peito.

—Pode voltar para isso —concluiu sem perder a calma.

Phillip olhou aos olhos. Viu compaixão e esperança, mas também se viu refletido, talher de sangue e atirado no meio-fio de uma rua onde a vida não valia nada.

Phillip, enjoado, cansado e apavorado, sujeitou-se a cabeça com as mãos.

—Do que se trata?

—trata-se de ti, filho —Ray lhe acariciou o cabelo—. Se trata de ti.

As coisas não trocaram da noite para o dia, mas sim começaram a trocar. Seus pais tinham conseguido que acreditasse em si mesmo, apesar de si mesmo. Começou a sentir-se orgulhoso de ir bem no colégio, de aprender e de converter-se no Phillip Quinn.

Acreditava que lhe tinha saído muito bem. Tinha dado um verniz de classe ao menino da rua. Tinha uma profissão sensacional, um piso com umas vistas impressionantes da doca do porto e um guarda-roupa em consonância.

Era como se tivesse fechado o círculo. Passava os fins de semana em sua habitação com paredes verdes e móveis sólidos, com as janelas que davam às taças das árvores e às restingas.

Mas esta vez se tratava do Seth.

 

Phillip estava na coberta do Neptune's Lady, que ainda estava sem batizar. Tinha dedicado quase duas mil horas de suor e sofrimento para que o desenho se convertesse em um balandro. A coberta era de teca e seu esmerado acabado resplandecia ao suave sol de setembro.

O camarote seria o orgulho de qualquer carpinteiro, certamente o era do CAM, pensou Phillip. Os armários eram de madeira sem tingir, feitos à mão e a medida do dormitório para quatro amigos muito bem advindos.

Ao Phillip pareceu um navio confiável e formoso. Tinha o casco estilizado, a coberta resplandecente e a linha de flutuação larga. O sistema que escolheu Ethan para fazer o forro de madeira supôs mais horas de trabalho, mas o resultado era uma jóia.

Aquele podólogo ia pagar generosamente cada centímetro de navio.

—O que te parece?

Ethan, com as mãos nos bolsos dos jeans gastos e os olhos entrecerrados pelo sol, deixou a pergunta no ar.

Phillip deslizou a mão pela amurada, uma parte que tinha passado muitas horas lixando e polindo para lhe dar aquele acabamento acetinado.

—merece-se um nome menos manido.

—O dono tem mais dinheiro que imaginação. Navega como os anjos. —Ethan esboçou um de seus sorrisos lentos e solenes—. Não veja como voa, Phil. Quando CAM e eu o provamos, não estava seguro de que CAM fora a trazer o de volta. Tampouco estava seguro de que eu quisesse que o fizesse.

Phillip se passou o polegar pelo queixo.

—Tenho um amigo que é pintor. Quase tudo o que faz são coisas comerciais para hotéis e restaurantes. Entretanto, também faz quadros maravilhosos. Cada vez que vende um, fica doente. Detesta perder um quadro. Eu não entendia o que sentia, até agora.

—E é o primeiro.

—Mas não o último.

Phillip não tinha pensado que se sentiria tão comprometido. A idéia de fazer navios não tinha sido dela. Gostava de pensar que seus irmãos o tinham miserável. O lhes disse que era absurdo, uma loucura, e que estava destinado ao fracasso.

Logo, naturalmente, meteu-se até dentro, negociou o aluguel da nave, solicitou as permissões e fez os pedidos necessários. Durante a construção do que seria o Neptune's Lady, cravou-se lascas nos dedos, queimou-se com creosoto e deixou de sentir os músculos depois de horas transportando tablones; e não sofreu em silêncio.

Entretanto, ao estar na coberta do navio que se balançava elegantemente, tinha que reconhecer que todos os meses de penalidades tinham merecido a pena. Além disso, estavam a ponto de começar outra vez.

—CAM e você avançastes com o seguinte navio.

—Queremos ter o casco preparado para finais de outubro. —Ethan tirou um lenço e limpou cuidadosamente os rastros que tinha deixado Phillip na amurada—. Se queremos seguir o calendário demencial que preparaste. Entretanto, há algo mais que fazer em este.

—Em este? —Phillip entrecerró os olhos—. Maldita seja Ethan, disse que estava preparado para entregá-lo. O proprietário vai vir a buscá-lo. Eu já ia preparar os últimos documentos.

—Falta um pequeno detalhe. Temos que esperar ao CAM.

—Que pequenos detalhes? —Phillip olhou o relógio com impaciência—. O cliente chegará em qualquer momento.

—Será um minuto. —Ethan assinalou com a cabeça para as portas do edifício—. Aqui está CAM.

—É muito bom para este caipira —disse CAM enquanto se aproximava com uma furadeira a pilhas—. Lhes digo que deveríamos montar a nossas mulheres e filhos e nos levar isso ao Bimini.

—Digo-te que assim que nos dê o cheque conformado, ele será o capitão. —Phillip esperou a que CAM chegasse até eles—. Além disso, quando for ao Bimini, não quero lhes ver nenhum dos dois.

—Está raivoso porque nós estamos casados —disse CAM ao Ethan—. Toma. —Deu- a furadeira ao Phillip.

—Que demônios tenho que fazer com isto?

—Terminar o navio —sonriendo, CAM tirou uma cornamusa de latão—. reservamos a última peça para ti.

—De verdade?

Phillip, emocionado, tomou a cornamusa e olhou como brilhava com o sol.

—Começamo-lo juntos —lhe recordou Ethan—. É o justo. Vai a bombordo.

Phillip tomou os parafusos que lhe deu CAM e se inclinou sobre as marcas que havia na amurada.

—Tinha pensado em celebrá-lo. —A furadeira girava entre suas mãos—. Tinha pensado em uma garrafa de Dom Perignon —gritou para que lhe ouvisse—, mas logo decidi que seria um desperdício que vos a bebierais vós. De modo que há três cervejas na geladeira.

Pensou que o perdoariam quando recebessem a surpresa que lhes tinha preparada para essa tarde.

Quase era meio-dia quando o cliente deixou de inspecionar cada centímetro de seu novo navio. Tinham eleito ao Ethan para que lhe desse um passeio de prova antes de montar o balandro em seu novo reboque. Do mole, Phillip olhava as velas cheias de vento, as velas de cor amarelada que tinha eleito o proprietário.

Pensou que Ethan tinha razão: voava.

O balandro cortava a água para o passeio marítimo escorado como em um sonho. imaginava aos turistas de finais do verão que se paravam para olhá-lo e o assinalavam. Pensou que não havia melhor publicidade que um produto de qualidade.

—Encalhará-o a primeira vez que navegue sozinho —lhe disse CAM a suas costas.

—Seguro, mas se divertirá —disse dando uma palmada ao CAM no ombro—. vou preparar a fatura.

A velha nave de tijolo que tinham alugado como estaleiro não tinha muitas comodidades. Quase toda estava ocupada por um espaço aberto iluminado por tubos fluorescentes que penduravam do teto. As janelas eram pequenas e sempre estavam cobertas de pó.

As ferramentas, os madeiros, os litros de cauda, os vernizes e a pintura estavam ao alcance de todos. Nesse momento, o espaço estava ocupado pelo esqueleto do casco de um navio de pesca esportiva que ia ser seu segundo, encargo. As paredes eram de tijolo visto com partes de gesso. No alto de uma escada de ferro muito inclinada havia uma habitação diminuta e sem janelas que servia de escritório. Phillip a tinha meticulosamente ordenada a pesar do tamanho e situação. A mesa metálica a tinha comprado em um mercadillo, mas estava lustrosa. Em cima havia um calendário, seu ordenador portátil, —um telefone de duas linhas com secretária eletrônica e um cubilete de plástico para os lápis e canetas.

Encaixados na mesa havia dois arquivos, uma fotocopiadora pequena e um fax.

sentou-se e acendeu o ordenador. A lhe pisquem luz do telefone lhe chamou a atenção. foi escutar as duas mensagens, mas não tinham deixado nenhum.

Ao cabo de uns segundos, abriu-se o programa que tinha adaptado para a empresa e sorriu ao ver o logotipo.

Possivelmente estivessem começando a casa pelo telhado, disse-se enquanto colocava os dados da venda, mas não tinha que expor-lhe assim. A qualidade do papel a justificava como gasto de publicidade. O dominava a edição por ordenador, e fazer faturas, recibos ou impressos não lhe supunha nenhuma dificuldade. Só insistia em que terei que ter classe.

Mandou imprimir a fatura justo quando soou o telefone.

—Navios Quinn...

Houve um instante de dúvida e ouviu alguém que se esclarecia garganta.

—Perdão, equivoquei-me —disse uma amortecida voz de mulher antes de pendurar.

—Não passa nada, carinho —replicou Phillip ao silencio do outro lado da linha enquanto recolhia a fatura.

—Aí temos a um homem feliz –comentou CAM uma hora mais tarde enquanto viam como se afastava o cliente com seu balandro no reboque.

—Mais felizes estamos nós. —Phillip tirou o cheque do bolso e o agitou no ar—. Se descontarmos material, trabalho, gastos gerais, fornecimentos... —Voltou a dobrar o cheque—. Bom, tiramos suficiente para ir atirando.

—Não te deixe levar pelo entusiasmo! —ironizou CAM—. Tem um cheque com cinco cifras em seu manita. vamos abrir essas cervejas.

—Quase todos os benefícios terá que reaplicá-los na empresa —lhes avisou Phillip enquanto voltavam a entrar—. Quando fizer frio, as faturas de eletricidade vão disparar se e a semana que vem touca pagar os impostos trimestres.

CAM abriu uma cerveja e a deu a seu irmão.

—Fecha o pico, Phil.

—Em qualquer caso —continuou Phillip sem lhe fazer caso—, é um grande momento na história dos Quinn. —Levantou a cerveja e brindou com seus irmãos—. Por nosso médico dos pés, o primeiro de muitos clientes satisfeitos. Para que os ventos lhe sejam propícios e que cure muitos joanetes.

—Para que diga a todos seus amigos que nos chamem —acrescentou CAM.

—Para que navegue no Annapolis e não entre nesta parte da baía —terminou Ethan enquanto sacudia a cabeça.

—Quem se deve comer? —perguntou CAM—. Morro de fome.

—Grace preparou uns sándwiches —disse Ethan—. Estão em minha geladeira portátil.

—Que Deus a benza.

—Talvez terá que pospor a comida um momento. —Phillip tinha ouvido o som dos pneumáticos sobre o cascalho—. Acredito que chegou o que estava esperando.

Saiu encantado de ver o caminhão de transporte.

O condutor apareceu a cabeça pelo guichê.

—Quinn?

—Somos nós.

—O que compraste?

CAM franziu o cenho ao ver o caminhão e se perguntou que porção do cheque teria pirado.

—Algo necessário. vai necessitar que lhe demos uma mão.

—Tem toda a razão —lhe agradeceu o condutor enquanto se baixava—. O tivemos que carregar entre três. O filho de cadela pesa mais de noventa quilogramas.

Abriu as portas traseiras. Estava no chão sobre um tecido acolchoado. Pelo menos media quatro metros de comprimento, duas de largura e oito centímetros de grosso. Umas letras maiúsculas esculpidas em carvalho tratado diziam: NAVIOS QUINN. Na esquina superior se via um balandro a todo trapo. Na esquina inferior se liam os nomes do Cameron, Ethan, Phillip e Seth Quinn.

—É precioso —conseguiu dizer Ethan quando encontrou as palavras.

—aproveitei um dos desenhos do Seth. O mesmo que usamos para o logotipo. —Phillip passou o polegar pelo carvalho e acrescentou—: A empresa de rótulos o reproduziu muito bem.

—É fantástico. —CAM apoiou uma mão no ombro do Phillip—. Era um dos detalhes que nos faltavam. Seth vai alucinar quando o vir.

—A ordem é tão cronológica como alfabético. Queria que fora singelo e claro. —apartou-se um pouco com as mãos nos bolsos, uma postura idêntica nos três irmãos—. Acreditava que ia com o edifício e com nossa atividade.

—É perfeito. —Ethan assentiu com a cabeça.

—Muito bem, amigos, vão ficar todo o dia admirando-o ou querem baixar a este bode do caminhão? —perguntou-lhes o caminhoneiro com certa impaciência.

Eram todo um espetáculo, pensou ela. Três exemplares sensacionais de homens fazendo um trabalho físico em uma calorosa tarde de princípios de setembro. Encaixavam perfeitamente com a nave. Era tosca, com os velhos tijolos gastos e furados, e os arredores talheres de maleza...

Os três eram distintos. A gente era moreno e com o cabelo tão comprido que podia fazer um acréscimo. Levava uns jeans negros que já pareciam cinzas. Seu aspecto tinha algo de europeu. Decidiu que tinha que ser Cameron Quinn, o homem que se feito um nome no circuito de carreiras.

O segundo levava umas botas de trabalho que pareciam antigas. Seu cabelo queimado pelo sol lhe transbordava de uma boina com viseira azul. movia-se com agilidade e levantava um extremo do pôster sem esforço aparente. Seria Ethan Quinn, o homem de mar.

Isso significava que o que ficava tinha que ser Phillip Quinn, o executivo de publicidade que trabalhava em uma empresa ponteira de Baltimore. Expulsa de caminhar e jeans. Um cabelo castanho que tinha que ser um prazer para seu cabeleireiro. Um corpo comprido e estilizado que certamente visitava o ginásio com bastante freqüência.

Era muito interessante. Não se pareciam nada fisicamente e graças a suas investigações sabia que compartilhavam o sobrenome, mas não o sangue. Mesmo assim, havia algo em seus gestos e na forma de mover-se em equipe que dizia que eram irmãos.

Sua intenção tinha sido passar por ali para jogar uma olhada ao edifício onde se instalaram. Sabia que um deles estaria porque tinha respondido o telefone, mas não tinha contado tendo a oportunidade de vê-los em grupo.

Era uma mulher a que gostava do inesperado.

Sentiu um comichão de nervos no estômago. Não estava acostumada e se desentorpeceu os ombros. Não tinha motivos para estar nervosa. Ao fim e ao cabo, tinha vantagem. Ela os conhecia mas eles não a conheciam ela.

Era algo muito normal que uma pessoa fora passeando e ficasse olhando a três homens que penduravam um pôster enorme. Sobre tudo uma turista que passeava por um povo pequeno, como o era ela a todos os efeitos. Também era uma mulher solteira e eles eram três homens atrativos.

Mesmo assim, quando chegou diante da nave, ficou apartada. Parecia um trabalho muito árduo. O pôster estava sujeito por umas cadeias negras. Faziam um sistema de polias com o executivo de publicidade de diretor subido no telhado; e seus irmãos, no estou acostumado a atirando. Empregavam o mesmo entusiasmo para animar, amaldiçoar e dar ordens.

Certamente, havia muito músculo em tensão, disse-se ela com uma sobrancelha arqueada.

—Por seu extremo, CAM. Um par de centímetros mais, maldita seja.

Phillip, convexo de barriga para baixo, apareceu meio corpo e ela conteve a respiração.

Entretanto, conseguiu agarrar a cadeia. Ela podia ver o esforço que fazia para colocar a argola no gancho, mas não podia ouvir o que dizia. Supôs que podia economizar-lhe —Ya está. Aguantad con fuerza —les ordenó mientras cruzaba por el alero hasta el otro lado.

—Já está. Agüentem com força —lhes ordenou enquanto cruzava pelo beiral até o outro lado.

O sol se refletia em seu cabelo e a pele lhe resplandecia. deu-se conta de que tinha os olhos fora das órbitas. Era um exemplo perfeito de beleza masculina.

O voltou a tombar-se, a aparecer e a agarrar a cadeia para pô-la em seu sítio... e para jurar em aramaico. Quando se levantou, pôde ver que tinha a camisa rasgada.

—Acabava de comprar a —Tócame los huevos —le propuso Phillip mientras se quitaba la camisa para secarse el sudor de la cara.

—Era preciosa —lhe gritou CAM.

—me toque os ovos —lhe propôs Phillip enquanto se tirava a camisa para secar o suor da cara.

Decidiu que era um deus americano ideado para que as mulheres babassem.

enganchou-se a camisa rota no bolso traseiro da calça e foi para a escada. Então, viu-a. Ela não podia ver seus olhos, mas soube, pela pequena pausa e porque inclinou a cabeça, que estava olhando-a. Ela sabia que era uma análise instintiva.

Os homens olhavam, viam uma mulher, analisavam-na, o expor e tomavam uma decisão.

Ele já a tinha visto de pés a cabeça e, antes de começar a baixar as escadas, já estava procurando a forma de poder observá-la desde mais perto.

—Temos visita —comentou Phillip. CAM olhou por cima do ombro. —Mmm. Muito bonita.

—Leva dez minutos aí. —Ethan se limpou as mãos nas coxas—. Olhando o espetáculo. Phillip se desceu da escada e se deu a volta.

—E bem? —gritou à garota—. O que te pareceu?

levantava-se o pano de fundo. aproximou-se deles.

—Muito impressionante. Espero que não lhes tenha importado. Não pude resistir.

—Absolutamente. É um grande dia para os Quinn—disse alargando uma mão—. Me chamo Phillip. —Eu Sybill. Constróem navios...

—Isso diz o pôster.

—Fascinante. Estou passando um tempo por aqui. Não esperava me topar com uns construtores de navios. Que tipo de navios fazem?

—Navios de vela com casco de madeira.

—De verdade? —Dirigiu o sorriso para os outros irmãos—. São todos sócios?

—Eu sou CAM —disse, lhe devolvendo o sorriso—. O é meu irmão Ethan.

—Prazer em conhecê-lo, Cameron. —Começou a ler o pôster—. Ethan, Phillip... —O coração lhe pulsava a toda velocidade, mas não alterou o sorriso—. Onde está Seth?

—No colégio —lhe respondeu Phillip.

—Ah, no colégio?

—Tem dez anos.

—Entendo. —deu-se conta de que Phillip tinha umas velhas cicatrizes muito perto do coração—. O pôster é impressionante. eu adoraria me passar alguma vez para lhes ver trabalhar.

—Quando quiser. Até quando fica no St. Chris?

—Não sei ainda. Encantada de lhes conhecer. —Era o momento de retirar-se. Tinha a garganta seca e o pulso acelerado—. Sorte com os navios.

—te passe amanhã —lhe propôs Phillip enquanto ela se afastava—. Encontrará aos quatro em plena tarefa.

Ela o olhou por cima do ombro com a esperança de que só parecesse divertida e interessada.

—Ao melhor o faço.

Ela pensou no Seth sem deixar de olhar para diante. Tinha-lhe dado a oportunidade de ver o Seth ao dia seguinte.

CAM deixou escapar um murmúrio varonil.

—Devo dizer que é uma mulher que sabe caminhar.

—E tanto.

Phillip se meteu as mãos nos bolsos e desfrutou da visão. Tinha uns quadris estreitos, umas pernas esbeltas cobertas por umas calças cor milho e uma rodeada camisa cor lima metida na calça. O cabelo, liso, lustroso e de cor castanha escura, ondulava-lhe justo por cima de uns ombros fortes.

A cara era igual de atrativa. Tinha um ovalóide clássico, uma pele pálida com reflexos pêssego e uma boca bem desenhada e expressiva grafite de uma cor rosa muito pálido. As sobrancelhas eram sexys, disse-se a si mesmo, escuras e com uma curva preciosa. Não tinha podido lhe ver os olhos por culpa de uns óculos com arreios metálica e muito na moda. Podiam ser escuros, como o cabelo, ou claros, para contrastar com ele.

A suave voz de contralto rematava um bom conjunto.

—ides ficar lhes todo o dia olhando o traseiro dessa mulher? —perguntou-lhes Ethan.

—Claro, você nem te fixaste —grunhiu CAM.

—Fixei-me, mas não me fiquei embevecido. Não temos nada mais que fazer?

—Agora mesmo —murmurou Phillip enquanto se sorria a si mesmo ao ver que ela desaparecia pela esquina—. Sybill. Espero que fique algum tempo no St. Chris.

Ela não sabia quanto tempo ia ficar. Dispunha de todo seu tempo. Podia trabalhar onde quisesse e tinha eleito esse pequeno povo da costa leste de Maryland. Tinha passado quase toda sua vida em cidades, primeiro porque o tinham decidido seus pais e logo porque tinha sido assim.

 Nova Iorque, Boston, Chicago, Londres, Melam. Entendia a paisagem urbana e a seus habitantes. A realidade era que para a doutora Sybill Griffin, o estudo da vida urbana era sua profissão.

licenciou-se em antropologia, sociologia e psicologia. Fez uma carreira de quatro anos no Harvard, uma especialização em Oxford e um doutorado em Columbia.

Tinha-lhe ido muito bem no mundo acadêmico e nesse momento, seis meses antes de fazer trinta anos, já podia escrever seu próprio futuro; que era precisamente o que pensava fazer para ganhá-la vida: escrever.

Seu primeiro livro, Paisagem urbana, tinha sido bem recebido, tinha colhido boas críticas e lhe tinha proporcionado uns ganhos modestos. Entretanto, o segundo, Desconhecidos de toda a vida, tinha-a arrojado às listas nacionais e ao torvelinho da promoção, bate-papos e programas de televisão. A PBS estava produzindo uma série documentário que se apoiava em suas observações e teorias sobre a vida e costumes na cidade, e isso lhe dava certa segurança econômica. Era independente.

Seu editor tinha aceito a idéia de um livro sobre as tradições e pautas de conduta nos povos. Ao princípio o tinha considerado uma desculpa para ir ao St. Christopher e passar ali um tempo dedicando-se a assuntos pessoais.

Entretanto, logo começou a pensá-lo melhor e decidiu que podia ser uma investigação interessante. Ao fim e ao cabo, era uma observadora perita e documentava muito bem suas observações.

Além disso, o trabalho podia lhe acalmar os nervos, disse-se a si mesmo enquanto ia de um lado a outro da habitação do hotel. Seria muito mais fácil e produtivo expor a viagem como um trabalho de investigação. Necessitava tempo, objetividade e acesso aos sujeitos implicados.

Ao parecer, graças a uma circunstância favorável, já tinha as três coisas.

Saiu ao balcão de metro e médio que o hotel, generosamente, chamava terraço. Tinha uma vista impressionante sobre a baía do Chesapeake e lhe permitia vislumbrar a vida no passeio marítimo. Já tinha visto os navios de pesca descarregar os caranguejos azuis que tinham feito famosa a aquela zona. Tinha observado o trabalho dos cangrejeros, o alvoroço das gaivotas e o vôo das garcetas, mas ainda tinha que dar um passeio pelas lojas.

Não estava no St. Chris para comprar lembranças.

Possivelmente aproximasse uma mesa à janela e trabalhasse com aquela vista. Quando a brisa soprava para ela, podia captar retalhos de vozes que falavam um dialeto mais fluido que o das ruas de Nova Iorque, onde tinha vivido os últimos anos. Não era um acento sulino, como o que se ouvia em Atlanta, Mobile ou Charleston, mas era muito distinto do falar atropelado e as consonantes ásperas do norte.

As tardes ensolaradas podia sentar-se em um banco de ferro de quão muitos havia pelo porto e observar o pequeno mundo que se formou ao redor da água, os peixes e o trabalho humano.

Comprovaria como se relacionavam os turistas e essa pequena comunidade. Suas tradições, seus costumes e suas expressões. A forma de vestir, de mover-se e a maneira de falar. As pessoas quase nunca se davam conta de que seguiam normas de conduta tácitas ditadas pelo lugar onde viviam.

Normas, normas, normas. Há normas em todos lados. Sybill acreditava cegamente nelas.

Que normas dirigiam a vida dos Quinn? Que aglutinante os tinha convertido em uma família? Naturalmente, teriam seus códigos, sua linguagem própria e seu critério quanto à disciplina.

Como e onde encaixaria Seth?

Sua prioridade era descobri-lo discretamente.

Não havia ningán motivo para que os Quinn soubessem quem era nem para que suspeitassem sua relação com ele. Seria melhor para as duas partes que não soubessem. Se não, poderiam tentar e conseguir mantê-la afastada do Seth. O já levava uns meses com eles. Ela não podia saber o que lhe haviam dito, que interpretação tinham dado ao acontecido.

Tinha que observar, analisar, pensar e tirar uma conclusão. Logo, atuaria. impôs-se atuar sem pressão. Não se sentiria culpado nem responsável. Tomaria com calma.

Depois do encontro com eles, tinha decidido que era ridiculamente fácil chegar a conhecer os Quinn. Bastava-lhe entrando no edifício de tijolo e mostrar certo interesse na fabricação de navios.

Phillip Quinn lhe franquearia o acesso. Tinha exibido todos os comportamentos típicos de uma fase inicial de atração. Não teria nenhuma dificuldade em tirar partido disso. Ele só passava uns dias à semana no St. Chris e não havia perigo de que uma paquera circunstancial se convertesse em um pouco mais sério.

Tampouco lhe custaria muito que a convidassem a sua casa. Tinha que saber onde e como vivia Seth, quem se ocupava de seu bem-estar.

Era feliz?

Glória havia dito que eles lhe tinham roubado a seu filho. Que tinham utilizado seu dinheiro e influências para arrebatar-lhe Debía de tener cuatro años. Phillip había dicho que ya tenía diez y Sybill recordó que habían pasado seis años desde que Gloria se había presentado en su casa de Nueva York con el niño a cuestas.

Entretanto, Glória era uma mentirosa. Sybill fechou os olhos com força, tentou serenar-se, ser objetiva e não sentir-se doída. Efetivamente, Glória era uma mentirosa, disse-se outra vez. Uma manipuladora. Entretanto, também era a mãe do Seth.

Sybill se foi até a mesa, abriu a agenda e tirou a fotografia. Um menino com cabelo loiro e resplandecentes olhos azuis lhe sorria. Tinha-a tirado ela mesma a única vez que o viu.

Devia ter quatro anos. Phillip havia dito que já tinha dez e Sybill recordou que tinham acontecido seis anos desde que Glória se apresentou em sua casa de Nova Iorque com o menino nas costas.

Estava desesperada, naturalmente. Arruinada, furiosa, chorosa e implorante. O menino a olhava com aqueles ojazos assustados e ela não teve mais remedeio que acolhê-la. Sybill não sabia nada de meninos. Nunca tinha estado rodeada deles. Possivelmente por isso se apaixonou tão rápida e profundamente dele.

sentiu-se desolada quando, três semanas depois, voltou um dia e comprovou que tinham desaparecido com todo o dinheiro que havia na casa, suas jóias e a valiosa coleção de porcelana Daum.

Nesses momentos pensava que deveria haver imaginado. Tinha sido um comportamento típico de Glória. Entretanto, ela tinha acreditado, tinha tido que acreditar, que poderiam entender-se; que o menino seria fundamental; que ela poderia ajudá-los.

Essa vez, pensou enquanto voltava a guardar a foto, teria mais cuidado, deixaria-se levar menos pelos sentimentos. Sabia que Glória dizia parte da verdade. O que fizesse a partir desse momento só dependeria de seu critério.

Começaria a formar um critério quando voltasse a ver seu sobrinho.

sentou-se, acendeu o ordenador portátil e começou a escrever as primeiras notas.

Parece que os irmãos Quinn têm uma relação cômoda com patrões masculinos. A julgar por minha única observação, acredito que trabalham bem juntos. Necessitarei uma análise mais profunda para definir as funções de cada um na sociedade trabalhista e na sociedade familiar.

Cameron e Ethan levam pouco tempo casados. Terei que conhecer suas mulheres para entender as pautas de conduta da família. Lógicamente, uma delas representará a figura da mãe. Dado que Anna Spinelli Quinn, a mulher do Cameron, trabalha a jornada completa, suponho que Grace Monroe Quinn exercerá essa função. Não obstante, é um engano generalizar sobre estas questões e terei que observá-lo com meus próprios olhos.

Pareceu-me significativo que o pôster que penduraram esta tarde levasse o nome do Seth, como um Quinn mais. Não sei se a utilização de seu nome é em benefício do menino ou deles.

Seguro que o menino sabe que os Quinn estão litigando por sua custódia. Não sei se tiver recebido alguma das cartas que lhe tem escrito Glorifica. Possivelmente os Quinn se ficaram com elas. Embora entendo e me identifico com seu sofrimento e desespero por recuperar a seu filho, é melhor que não saiba que vim aqui. Porei-me em contato com ela quando tiver documentado meus achados. Se no futuro há uma batalha legal, expor o assunto com feitos é melhor que fazê-lo só com sentimentos.

É de esperar que o advogado que contratou Glória fique em contato logo com os Quinn pelos leitos legais adequados.

Quanto a mim, espero ver o Seth amanhã e me fazer uma idéia da situação. Virá-me bem determinar quanto sabe sobre seus pais. Eu acabo de me inteirar de tudo e ainda não assimilei completamente nem os fatos nem. suas repercussões.

Logo comprovarei se os povos pequenos são um foco de informação. antes de terminar, tenho intenção de saber tudo o que possa sobre o professor Raymond Quinn.

 

Sybill comprovou que o bar era o típico sítio onde reunir-se com gente, solicitar informação e celebrar rituais de emparelhamento, fora em um povo pequeno ou em uma grande cidade.

Estivesse decorado com latão e samambaias ou com cascas de amendoins e cinzeiros de lata, pusessem música country ou um rock estrondoso, era o ponto onde se recolhia e se intercambiava informação.

O pub Shiney do St. Christopher não era uma exceção. A decoração consistia em madeira escura, cromados baratos e pôsteres desbotados de navios. A música era ensurdecedora e ela não pôde distinguir o estilo que saía de uns amplificadores que havia aos lados de um pequeno cenário onde quatro jovens esmurravam uns violões e uma bateria com mais entusiasmo que talento.

Na barra havia três homens com os olhos cravados em uma pequena tela de televisão que retransmitia um partido de beisebol. Pareciam satisfeitos de ver em silêncio as jogadas enquanto apuravam umas garrafas de cerveja escura e comiam punhados de bolachas salgadas.

A pista de baile estava abarrotada. Só havia quatro casais, mas a pista era tão pequena que não paravam de dar-se golpes com os cotovelos e os quadris, embora a ninguém importava.

As garçonetes foram vestidas ao gosto da estúpida fantasia masculina: saias curtas e negras, blusas diminutas com decote, meias de ralo e sapatos com um salto muito alto.

Sybill sentiu lástima.

sentou-se em uma mesa lhe bamboleiem que estava o mais longe possível dos amplificadores. A fumaça e o ruído não lhe importavam, como tampouco lhe importavam o chão pringoso e a mesa agarre. De ali podia ver perfeitamente a todo mundo.

Tinha chegado a ter verdadeiras vontades de deixar a habitação do hotel durante um par de horas. ia tomar uma taça de vinho e a observar aos aldeãos.

A garçonete que a atendeu era uma moréia miúda com uma dianteira invejável e um sorriso alegre.

—Olá, o que lhe ponho?

—Uma taça do Chardonnay e gelo à parte.

—Partindo.

Deixou uma terrina de plástico cheio de bolachas salgadas e voltou para a barra tomando pedidos pelo caminho.

Sybill se perguntou se teria conhecido à mulher do Ethan. Segundo sua informação, Grace Quinn trabalhava naquele bar, mas o dedo anelar da moréia não levava anel e Sybill deu por sentado que uma recém casado o levaria.

Seria a outra garçonete? Decidiu que essa parecia perigosa. Era loira e de formas generosas. Sem dúvida, era atrativa, mas de uma forma muito evidente. Tampouco tinha nenhum rasgo que dissesse que estava recém casado, e menos a forma que tinha de inclinar-se sobre a mesa de um cliente para que tivesse uma boa perspectiva de seu decote.

Sybill franziu o cenho e se comeu uma bolacha. Se era Grace Quinn, certamente não desempenhava a função de mãe.

Algo passou na partida de beisebol e os três homens começaram a gritar e a felicitar a um tal Eddie.

Desacostumada, tirou a caderneta e começou a tomar notas. As palmadas nas costas e os murros nos braços dos homens. A linguagem corporal das mulheres, que se inclinavam para ganhar intimidade. Olhada-las, os gestos com as mãos, como se apartavam o cabelo e, naturalmente, o ritual de emparelhamento do casal moderno mediante o baile.

Assim a encontrou Phillip quando entrou. Sorria ensimismada enquanto não se perdia nenhum detalhe e escrevia na caderneta. Pensou que parecia muito fria e distante. Era como se ela estivesse detrás de um cristal que fora transparente só por um lado.

agarrou-se o cabelo em uma rabo-de-cavalo Lisa e lustrosa que lhe deixava a cara limpa. De suas orelhas penduravam umas gotas douradas com pedras de cor. Viu como deixava a caneta para tirar uma jaqueta de ante amarelo claro.

Tinha entrado por um impulso, deixando-se levar pela agitação, e nesse momento benzia esse estado de ânimo levemente lhe desassosseguem que lhe tinha dominado toda a noite. Ela era exatamente o que tinha estado procurando.

—Sybill, verdade?

Phillip pôde ver a surpresa em seus olhos quando os levantou para olhá-lo. Também pôde ver que eram cristalinos como um remanso de água.

—Efetivamente. —Ela se repôs, fechou a caderneta de notas e sorriu—. Você é Phillip, de Navios Quinn.

—Está sozinha?

—Sim..., a não ser que queira te sentar a tomar algo.

—eu adoraria. —Phillip agarrou uma cadeira e assinalou a caderneta com a cabeça—. Te interrompi?

—A verdade é que não —disse olhando à garçonete que lhe trazia a taça de vinho.

—Quer uma cerveja de grifo, Phil?

—Tem-me lido o pensamento, Marsha.

Marsha..., pensou Sybill. Isso eliminava à moréia descarada.

—É uma música muito pouco corrente.

—A música daqui é espantosa por definição. —Phillip esboçou um sorriso fugaz, encantadora e zombadora—. É uma tradição.

—Então..., pelas tradições.

Sybill levantou a taça, deu um sorvo, murmurou algo e começou a jogar gelo ao vinho.

—Como qualificaria o vinho?

—Bom, é elementar e primitivo. —Deu outro sorvo e sorriu atractivamente—. Espantoso.

—É outra tradição da que Shiney se encontra orgulhoso. Tem Sam Adams de grifo. É uma alternativa melhor.

—Terei-o em conta. —Inclinou a cabeça sem deixar de sorrir—. Dado que conhece as tradições, darei é obvio que viveste algum tempo por aqui.

—Assim é. —O entrecerró os olhos como se algo lhe rondasse no mais remoto de sua memória—. Te conheço.

A ela lhe parou o pulso. Voltou a tomar a taça sem pressas. Não lhe tremia a mão e a voz era firme e tranqüila.

—Sentiria saudades.

—Estou seguro. Vi essa cara. Antes não caí na conta pelos óculos de sol. Há algo... —Alargou uma mão, pô-la debaixo de seu queixo e lhe levantou um pouco a cara—. Há algo nesse olhar.

As gemas dos dedos eram um pouco ásperas e o contato muito firme e seguro de si mesmo. O gesto lhe advertia de que era um homem acostumado a tocar às mulheres, e ela era uma mulher que não estava acostumada a que a tocassem.

Sybill arqueou uma sobrancelha como defesa.

—Uma mulher resabiada diria que tenta ligar, e que não é muito original.

—Não estou acostumado a fazê-lo —murmurou ele sem deixar de olhá-la—. Salvo que me ocorra algo original. Tenho boa memória para as caras e esta a vi. Olhos inteligentes e claros, um sorriso um pouco zombadora... SybilL.. —Olhou-a com mais atenção e sorriu lentamente—. Griffin. A doutora Sybill Griffin, Desconhecidos de toda a vida.

Ela soltou o ar que retinha nos pulmões. Fazia tão pouco tempo que as coisas foram bem que seguia surpreendendo-se quando a reconheciam. Nesse caso, aliviou-a. Não havia nenhuma relação entre a doutora Griffin e Seth DeLauter.

—Não está mau... —disse ela com desenvoltura—. Tem lido o livro ou viu minha fotografia na lapela?

—Tenho-o lido. É fascinante. É mais, eu gostei tanto que comprei seu primeiro livro. Embora não o tenho lido ainda.

—Estou adulada.

—É boa. Obrigado, Marsha —acrescentou quando a garçonete lhe deixou a cerveja na mesa.

—me dê um grito se necessitar algo mais. —Marsha lhe piscou os olhos um olho.

—Será um alarido. Este grupo está batendo o recorde de ruído.

Isso lhe deu a desculpa de aproximar a cadeira ao Sybill e inclinar-se um pouco. Notou que seu aroma era sutil. Um homem tinha que aproximar-se muito para captar sua mensagem.

—me diga, doutora Griffin, o que faz uma renomada urbanita em um povo da costa e descaradamente rural como St. Chris?

—Investigar. Pautas de conduta e tradições —respondeu ela enquanto levantava a taça em um brinde pela metade—. Dos povos pequenos e comunidades rurais.

—Uma mudança de linha bastante considerável.

—A sociologia e o interesse cultural não se limitam, e não deveriam limitar-se, às cidades.

—Toma notas?

—Algumas. O bar do povo —começou a dizer com algo mais de tranqüilidade—. Os habituais. Os três da barra, obcecados com o ritual dos esportes masculinos até manter-se à margem do ruído e de tudo o que lhes rodeia. Poderiam estar em casa repanchigados em uma poltrona, mas preferem estabelecer vínculos mediante a participação passiva no acontecimento. Assim, têm companhia, alguém com quem discutir ou estar de acordo, alguém com quem compartilhar interesses. Dá igual qual. O que importa é a pauta.

Ao Phillip pareceu divertido que sua voz adotasse um tom didático que tirava reluzir um acento claramente ianque.

—Os lhes Areje estão lutando pelo campeonato e está em pleno território dos lhes Areje. Possivelmente seja a partida.

—A partida é o meio. A pauta se manteria quase constante independentemente de que o meio fora o beisebol ou o basquete. —encolheu-se de ombros—. O homem típico desfruta mais dos esportes se os vê acompanhado de pelo menos outro homem que pense igual. Só tem que te fixar nos anúncios dirigidos a homens. A cerveja, por exemplo —disse dando um golpecito em seu copo—. Muitas vezes se vende mediante um grupo de homens atrativos que compartilham uma experiência. O homem compra essa marca de cerveja porque acredita que melhora sua posição no grupo. —Ele sorria e ela arqueou as sobrancelhas—. Não está de acordo?

—Sim, completamente. Trabalho em publicidade e deste no prego.

—Publicidade...? —Não fez caso do remorso por fingir daquela maneira—. Não imaginava que houvesse muita demanda aqui.

—Trabalho em Baltimore. Venho um momento os fins de semana. Um negócio familiar e uma história muito larga.

—eu adoraria ouvi-la.

—Mais tarde. —Aqueles olhos semitransparentes tinham algo que o fazia quase impossível olhar para outro lado—. me Diga que mais vê.

—Bom...

Era muito hábil. Uma obra professora. Podia olhar a uma mulher como se fora o mais importante do mundo naquele momento. Notou um agradável tombo do coração.

—Vê aquela garçonete? —continuou Sybill.

Phillip olhou e viu o rebolado do traseiro da mulher enquanto ia para a barra.

—Não passa desapercebida.

—Efetivamente. Ela cumpre os requisitos de certas fantasias primitivas e tipicamente masculinas. Mas eu me refiro à personalidade, não ao físico.

—De acordo. —Phillip se passou a língua pelos dentes—. O que vê?

—É eficiente, mas já está contando o tempo que fica para ir-se a casa. Sabe escolher aos clientes que deixam mais gorjeta e enrolá-los. desdenhou completamente à mesa de universitários. Uma garçonete perita e com a presa retorcida de Nova Iorque utilizaria as mesmas táticas de sobrevivência.

—chama-se Linda Brewster —lhe informou Phillip—. Acaba de divorciar-se e está à caça de um novo marido mais proveitoso. Sua família é a proprietária da pizzería e ela leva anos de garçonete eventual. Quer dançar?

—Como? —Então, tampouco era Grace, pensou Sybill enquanto tentava reordenar suas idéias—. Como diz?

—O grupo se acalmou ou pelo menos baixou o volume. Quer dançar?

—De acordo.

Deixou que ele a tirasse da mão para levá-la à pista de baile, onde se meteram com calçadeira entre a multidão.

—Acredito que isto pretende ser uma versão do Angie —sussurrou Phillip.

—Se Mick e seus moços o ouvissem, pegariam-lhes um tiro.

—Chá gostam dos Rolling Stones?

—por que não foram gostar de me? —Só podiam balançar-se um pouco e ela apartou a cabeça para olhá-lo. Não era um sacrifício encontrar-se com sua cara tão perto nem sentir-se estreitada contra seu corpo—. Rock and roll puro e duro, sem adornos nem tolices. Puro sexo.

—Chá gosta do sexo?

Ela riu.

—por que não ia gostar de me? Mas embora agradeça a idéia, não tenho intenção de ter uma relação sexual esta noite.

—Sempre fica um manhã.

—Sem dúvida.

Ela se imaginou beijando-o e deixando que ele a beijasse. O experimento teria algum aspecto prazenteiro. Entretanto, voltou a cabeça até que as bochechas se roçaram. Era muito atrativo para correr riscos temerários.

recordou-se que era preferível ser prudente a ser estúpida.

—Posso te convidar para jantar amanhã? —Diestramente, lhe acariciou as costas de cima abaixo—. Há um sítio muito agradável no povo. Tem uma vista maravilhosa da baía e o melhor fruto do mar da costa. Poderemos conversar em um tom normal e poderia me contar a história de sua vida.

O lhe tinha roçado a orelha com os lábios e ela se estremeceu até a ponta dos dedos dos pés. Teria que ter sabido que alguém como ele seria um especialista em manobras de aproximação.

—Pensarei-o. —Decidiu dar o melhor de si mesmo e lhe aconteceu os dedos pela nuca—. Já lhe direi isso.

Quando terminou a canção e a seguinte estalou com um estrondo, ela se separou.

—Tenho que ir.

—Como...? —O se inclinou para lhe gritar ao ouvido.

—Tenho que ir. Obrigado pelo baile.

—Acompanho-te fora.

Voltaram para a mesa e ele tirou uns bilhetes enquanto ela recolhia suas coisas. Sybill soltou uma gargalhada assim que saíram ao ar fresco e tranqüilo da noite.

—Vá, foi toda uma experiência, obrigado por te unir a ela.

—Me alegro de não haver me perdido isso. Não é tarde —acrescentou Phillip enquanto a agarrava pela mão.

—Suficientemente tarde. —Ela tirou as chaves de seu carro.

—te passe amanhã por ao estaleiro. Ensinarei-lhe isso.

—É possível. boa noite, Phillip.

—Sybill... —Não fez nenhum esforço por conter-se e se levou a mão dela aos lábios sem deixar de olhá-la aos olhos—. Me alegro de que tenha eleito St. Chris.

—Eu também.

meteu-se no carro aliviada de ter que concentrar-se em pôr o motor em marcha, acender as luzes e soltar o freio de mão. Conduzir era o mais natural do mundo para uma mulher que quase toda sua vida tinha dependido do transporte público ou de seu próprio carro.

Deu marcha atrás para poder dar a volta para a estrada e fez um esforço para esquecer-se da sensação que notava nos nódulos onde ele tinha apoiado seus lábios.

Entretanto, não pôde resistir a tentação de olhar pelo retrovisor para voltar a vê-lo antes de afastar-se.

Phillip decidiu que voltar para bar não tinha sentido. montou-se no carro e pensou nela de caminho a sua casa; em suas sobrancelhas arqueadas quando fazia uma afirmação ou algo lhe divertia. Nesse aroma íntimo e sutil que indicava que se um homem se aproximava o suficiente para captá-lo, possivelmente, só possivelmente, tivesse a oportunidade de aproximar-se mais.

disse-se que era a mulher perfeita para lhe dedicar algo de seu tempo. Era bonita, inteligente, culta e sofisticada.

Além disso, era tão sexy que seus hormônios já se fixaram nela.

Gostava das mulheres e lamentava não ter tempo para falar com elas. Gostava de falar com a Anna e Grace, mas, evidentemente, não era o mesmo que falar com uma mulher que despertava as vontades de te deitar com ela. E, ultimamente, tinha sentido falta dessa parcela da relação entre homem e mulher. Poucas vezes tinha tempo de fazer algo que não fora arrastar-se até seu piso depois de uma jornada de dez ou doze horas de trabalho. Sua intensa vida social tinha trocado drasticamente desde que Seth tinha entrado na família.

Dedicava a semana às contas e às consultas com o advogado. A batalha com a companhia de seguros pelo pagamento da indenização começava a ser um pesadelo. Além disso, dentro de noventa dias se decidiria a custódia definitiva do Seth. O tinha a responsabilidade de ocupar-se da montanha de papelada e de quão chamadas gerava todo isso; sua especialidade era ocupar-se dos detalhes.

Passava os fins de semana entre os deveres do Seth, o estaleiro e tudo o que se penetrou pelas frestas que tinha deixado abertas durante a semana. Todo isso deixava pouco tempo para jantares agradáveis com mulheres atrativas e muito menos para o ritual que exigia deitar-se com essas mulheres.

Isso explicava seu desassossego e as mudanças de estado de ânimo, ao menos isso supunha ele. Quando a vida sexual de um homem se esfumava, acabava ficando algo nervoso.

Entrou no caminho de sua casa e só viu a luz do alpendre. Era sexta-feira de noite e ainda não tinham dado as doze, pensou com um suspiro. Que baixo tinha cansado. Houve um tempo no que seus irmãos e ele estariam divertindo-se daqui para lá. Bom, CAM e ele teriam tido que arrastar ao Ethan, mas uma vez convencido, teria chegado até o final.

Os Quinn não tinham passado em casa muitos sexta-feira de noite. Nesse momento, disse-se enquanto descia do jipe, CAM estaria no piso de acima acurrucado nos braços de sua mulher e Ethan na casita do Grace. Os dois estariam sorridentes.

Bodes afortunados...

Sabia que não poderia dormir e deu lá volta à casa para ir aonde as árvores se encontravam com a borda do mar.

A lua era uma esfera perfeita em meio da escuridão. A luz branca iluminava tenuemente a água, as ervas que cresciam na borda e as grosas folhas das árvores.

As cigarras cantavam com vozes monótonas e estridentes, e na espessura do bosque um mocho ululava incansavelmente.

Possivelmente preferisse os sons da cidade, as vozes e o tráfico amortecidos pelos cristais das janelas. Entretanto, esse sítio sempre lhe parecia atrativo. Sentia falta do ritmo da cidade, os espetáculos e os museus, a mescla de comidas e de gente, mas todos os dias, todos os anos, podia captar a paz e serenidade daquele lugar.

Estava seguro de que sem ele teria voltado para a rua e estaria morto.

—Sempre quiseste algo mais que isso.

Sentiu um calafrio por todo o corpo. Tinha deixado de olhar à lua e à luz que se filtrava entre as folhas, e agora olhava a seu pai. Ao pai que tinha enterrado fazia seis meses.

—Só tomei uma cerveja —ouviu que dizia.

—Não está bêbado, filho. —Ray se aproximou, sua impressionante juba branca resplandeceu à luz da lua e os olhos lançaram um brilho brincalhão—. Será melhor que tome fôlego antes de que te deprima.

Phillip soltou todo o ar com um bufo, mas seguia ouvindo um assobio.

—vou sentar me —disse lentamente, como um ancião, enquanto se deixava cair sobre a erva—. Não acredito nos fantasmas —disse dirigindo-se à água—, nem nas reencarnações nem nos espectros nem nas aparições ou qualquer outro fenômeno mental.

—Sempre foste o mais pragmático de todos. Para ti nada era real se não podia vê-lo, tocá-lo e cheirá-lo.

Ray se sentou a seu lado com um suspiro contido e estirou as largas pernas cobertas por uns jeans desgastados. Cruzou os tornozelos e nos pés levava umas sapatilhas muito velhos que o próprio Phillip tinha dado ao Exército de Salvação fazia uns seis meses.

—Bom —disse Ray despreocupadamente—. Está me vendo, não?

—Não. Estou vendo uma alucinação fruto da abstinência sexual e do excesso de trabalho.

—Não vou discutir contigo. Faz uma noite preciosa.

—Ainda não cheguei a uma conclusão —se disse Phillip—. Sigo zangado pela forma em que morreu, o motivo e todas as perguntas sem respostas. Isto é uma projeção.

—Sabia que é o mais cabezota dos três. Também sei que ficam perguntas sem responder e que está irritado. Tem direito a está-lo. tiveste que trocar de vida e aceitar responsabilidades que não lhe correspondem, mas o tem feito e lhe agradeço isso.

—Agora mesmo não tenho tempo para terapias. Não fica nem um oco para as sessões.

Ray deixou escapar uma gargalhada.

—Não está bêbado nem louco, só é teimoso. por que não emprega essa mente tão flexível que tem e te expõe a possibilidade?

Phillip reuniu todas suas forças e girou a cabeça. Era a cara de seu pai, larga, enrugada pela vida e resplandecente de humor. Os olhos azuis chispavam e a juba chapeada se agitava com o vento.

—Isto é impossível.

—Quando sua mãe e eu nos fizemos cargo de ti e de seus irmãos, houve gente que disse que era impossível que formássemos uma família. Estavam equivocados. Se lhes tivéssemos feito conta, se tivéssemos feito o lógico, nenhum de vós teria estado conosco. Entretanto, ao destino, a lógica lhe importa um carajo. Simplesmente se produz. E vós estavam destinados a ser nossos.

—De acordo. —Phillip alargou uma mão e voltou a retirá-la pelo susto—. Como é possível? Como posso te tocar se for um fantasma?

—Porque o necessita. —Ray, desenfadadamente, deu-lhe uma palmada no ombro—. Ficarei um momento.

Phillip notou que se engasgava e que se o fazia um nó no estômago.

—por que?

—Não terminei. Endossei-lhes isso a ti e a seus irmãos. Sinto muito, Phillip.

Phillip se disse para seus adentros que aquilo não estava passando; que certamente era a fase inicial de algum transtorno mental. Notava o ar quente e úmido no rosto. As cigarras seguiam chiando e o mocho cantarolando.

Pensou que se tinha uma alucinação, o normal seria lhe seguir o jogo.

—Tentam dizer que foi um suicídio —disse lentamente—. A companhia de seguros nos discute a reclamação.

—Espero que saiba que isso é uma tolice. Ia distraído. Foi um acidente. —A voz do Ray refletia nervosismo, uma impaciência e uma indignação que Phillip reconheceu—. Eu não teria eleito o caminho mais fácil e, além disso, tinha que pensar no menino.

—É Seth teu filho?

—Posso te dizer que me pertence.

Sentiu uma pontada no coração e na cabeça enquanto voltava a olhar o mar.

—Mamãe estava viva quando se concebeu.

—Sei. Nunca fui infiel a sua mãe.

—Então como...

—Tem que aceitá-lo por ele mesmo. Sei que se preocupa por ele. Sei o que faz todo o possível por ele. Tem que dar esse último passo. A aceitação. Necessita-lhes a todos vós.

—Não vai passar lhe nada —assegurou Phillip sombríamente—. Nos ocuparemos disso.

—Trocará-te a vida se lhe deixar. —Phillip soltou uma risada forçada.

—me acredite, já o tem feito.

—De uma forma que melhorará sua vida. Não feche a essas possibilidades e não se preocupe muito por esta visita. —Ray lhe deu uma palmada amistosa no joelho—. Fala com seus irmãos.

—Claro, vou contar lhes que estive conversando à luz da lua com... —deu-se a volta e só viu as árvores com um ar fantasmal—. Ninguém. —tombou-se na erva para ver as estrelas—. meu Deus, necessito umas férias.

 

Não resultaria se parecia muito interessada, recordou-se Sybill. Ou se chegava muito logo. Tinha que ser algo normal. Tinha que estar tranqüila.

Decidiu não ir de carro. Se se aproximava pelo passeio marítimo, pareceria que passava por ali. Além disso, se visitava o estaleiro em meio de uma tarde de compras e passeio, pareceria mais uma idéia repentina que um pouco premeditado.

Para tranqüilizar-se, foi até o passeio marítimo. Era uma manhã de sábado preciosa que tinha atraído a muitos turistas. Foram de um lado a outro, como ela, entravam nas tiendecitas e se detinham ver os navios na baía. Ninguém parecia ter pressa nem um destino concreto. Era muito distinto aos sábados na cidade, onde inclusive os turistas pareciam ter pressa para chegar aos sítios.

Pensaria-o e o analisaria, e possivelmente desenvolvesse alguma teoria no livro. Realmente lhe parecia interessante e tirou uma grabadora da bolsa para esboçar algumas observações.

As famílias Parecem tranqüilas e sem pressas por encontrar a diversão que vieram a procurar Os aldeãos parecem amigablesy pacientes. A vida transcorre lentamente para adaptar-se ao ritmo que fixou a gente que ganha a vida aqui.

As lojas pequenas não estavam fazendo uma caixa memorável, como o chamou ela, mas os lojistas tampouco tinham o olhar ansioso e receoso que têm onde há multidões com as carteiras a boa cobrança.

Comprou umas postais para amigos e colegas de Nova Iorque e logo, mais por costume que por necessidade, um livro sobre a história da zona. Supôs que lhe ajudaria em sua investigação. fixou-se em uma fada de alumínio com uma lágrima de cristal que lhe pendurava de um elegante dedo, mas se conteve e se recordou que em Nova Iorque podia comprar todo tipo de coisas inúteis.

Crawford's parecia um ponto de reunião e entrou para comprar um sorvete de cartucho. Teria-lhe as mãos ocupadas enquanto percorria as poucas maçãs até o estaleiro.

Reconhecia que os pontos de apoio eram necessários. Todo mundo os utilizava na representação diária que era viver. Uma taça em uma festa, um livro no metro, os adornos, deu-se conta de que nesse momento estava dando voltas ao colar com os dedos.

Soltou-o e se concentrou no sorvete de framboesa.

Não demorou muito em chegar aos subúrbios do povo. Calculou que todo o passeio marítimo não teria muito mais de uma milha de um extremo a outro.

Os bairros avançavam para o oeste da costa. Eram ruas estreitas com casas muito cuidadas e diminutos jardins de grama com cercas muito baixas que estavam pensadas tanto para a fofoca para fixar os limites. As árvores eram grandes e frondosas e ainda conservavam o verde profundo do verão. Pensou que seriam preciosos quando chegasse o outono.

Os meninos jogavam nos jardins ou montavam em bicicleta pelas calçadas em costa. Viu um jovem que encerava com esmero um velho Chevrolet e cantava a gritos e desafinadamente algo que escutava por uns auriculares.

Quando ela passou, um cão sem raça de pernas largas e orelhas pendentes correu até a cerca entre latidos roucos e graves. Ao Sybill lhe alterou um pouco o pulso quando o animal apoiou seus patazas na cerca, mas seguiu andando.

Não sabia muito de cães.

Viu o jipe do Phillip no estacionamento que havia junto ao estaleiro. Uma caminhonete bastante velha o acompanhava. As portas e algumas janelas do edifico estavam totalmente aberto e através delas se ouvia o rugido das serras e o ritmo sulino do John Fogerty.

Sybill tomou fôlego enquanto terminava o cartucho. Tinha chegado a hora.

Entrou e, por um instante, o lugar a deixou perplexa. Era enorme, poeirento e luminoso como se estivesse em um cenário. Os Quinn estavam em pleno trabalho. Ethan e CAM estavam colocando um tablón comprido e curvado no que supunha que era o armação de um casco. Phillip cortava madeira com uma serra mecânica de aspecto bastante ameaçador. Não viu o Seth.

ficou atônita um momento e se perguntou se não deveria ir-se por onde tinha chegado. Se não estava seu sobrinho, seria mais sensato deixar a visita para outro momento, quando estivesse segura de que o encontraria.

Possivelmente tivesse ido passar o dia com algum amigo. Teria amigos? Também poderia estar em casa. Considerava-a sua casa?

antes de responder-se, a serra mecânica ficou em silêncio e só se escutou ao John Fogerty que cantava algo sobre um arrumado homem de olhos marrons. Phillip se apartou, levantou-se os óculos de amparo, deu-se a volta e a viu.

O sorriso de bem-vinda foi tão franco e imediata que ela sentiu verdadeiro remorso.

—Interrompo-lhes —gritou para que a ouvisse por cima da música.

—Graças a Deus. —Phillip se limpou as mãos nos jeans e foi por volta dela—. Levo todo o dia sem ver outra coisa que a estes tios. A melhoria é considerável.

—decidi fazer turismo. —Sacudiu a bolsa que levava na mão—. E pensei que podia aceitar sua oferta de me ensinar isto.

—Esperava que o fizesse.

—Assim... isso é um navio.

Desviou o olhar para o casco. Pareceu-lhe mais seguro que seguir olhando aqueles olhos cor caramelo.

—É o casco. Ou o será. —Tirou-a da mão e a levou para ali—. vai ser um navio de pesca esportiva.

—E o que é isso?

—Um desses navios preciosos onde se montam os homens para comportar-se como homens e pescar peixes espada enquanto bebem cerveja.

—Né, Sybill! —CAM lhe lançou um sorriso—. Quer um trabalho?

Ela olhou as ferramentas afiadas e os tablones.

—Acredito que não. —Não lhe custou nada lhe devolver o sorriso e olhar para o Ethan—. Me parece que vós três sabem o que fazem.

—Nós sabemos o que fazemos. —Moveu o polegar entre o Ethan e ele—. Ao Phillip o temos para que se entretenha.

—Não me apreciam.

Ela riu e começou a rodear o casco. Podia entender a estrutura básica, mas não o processo de construção.

—Suponho que está de barriga para baixo.

—Muito perspicaz. —Phillip sorriu quando ela arqueou uma sobrancelha—. Uma vez colocados os tablones, damo-lhe a volta e começamos com a coberta.

—Seus pais constróem navios?

—Não, minha mãe era médico e meu pai catedrático de universidade. Mas nos criamos entre navios.

Notou em sua voz o carinho e a dor que ainda não tinha assimilado de tudo. Tinha pensado lhe fazer mais pergunta sobre seus pais, mas não pôde.

—Nunca montei em um navio.

—Alguma vez?

—Suponho que deve haver milhões de pessoas no mundo que não montaram em um navio.

—Quer montar?

—Possivelmente. Me gostou de ver os navios da janela de minha habitação. —quanto mais o olhava, mais ganha tinha de resolver o quebra-cabeças do casco—. Como sabe por onde começar a construi-lo? Suponho que começa por um projeto, um plano, um esquema ou como se chamo.

—Ethan expõe o projeto, CAM enreda e Seth o desenha.

—Seth... —Agarrou com força a asa da bolsa e pensou outra vez nos pontos de apoio—. Não havia dito que tem dez anos?

—Sim. O menino tem verdadeiro talento para o desenho. Olhe isto.

Essa vez captou orgulho e isso a pôs nervosa. Fez um esforço por manter a compostura e o seguiu até o muro, onde havia uns desenhos emoldurados com madeira natural. Eram muito, muito bons. Eram uns esboços feitos a lápis e com muito cuidado e talento.

—E1... Isto o desenhou um menino?

—Sim. Não está mau, verdade? Este é o navio que acabamos de terminar —disse assinalando um desenho— e este é o que estamos construindo.

—Tem muito talento —murmurou ela a pesar do nó que tinha na garganta—. Dirige muito bem a perspectiva.

—Você desenha?

—um pouco, de vez em quando. Como afeição. —Teve que dá-la volta para repor—. Me tranqüiliza e me ajuda no trabalho. —apartou-se o cabelo e se obrigou a esboçar um sorriso resplandecente—. E onde está o artista?

—Ah, está...

calou-se ao ver que dois cães entravam como balas no edifício. Sybill retrocedeu instintivamente quando o mais pequeno foi diretamente para ela. Deixou escapar um som de chateio e Phillip levantou um dedo e se dirigiu ao cão.

—Alto, idiota! Não salte. Não salte.

Entretanto, a velocidade de Parvo era excessiva e já estava com as patas dianteiras justo debaixo dos peitos do Sybill. cambaleou-se um pouco ante a visão de uns dentes afiados que ela tomou por ferocidade e não pelo sorriso de um cão um pouco enjoativo.

—Que cão... mas... simpático —balbuciou Sybill.

—Mais estúpido —lhe corrigiu Phillip enquanto o baixava lhe agarrando por colar—. Mau educado. Sente-se. Sinto-o —disse ao Sybill enquanto o cão se sentava e lhe dava a pata—. É Tolo.

—Bom..., um pouco impulsivo.

—Não, chama-se Tolo, e também o é. ficará assim até que lhe dê a mão.

—Ah, mm! —Tomou a pata com dois dedos.

—Não remói. —Phillip inclinou a cabeça ao notar que os olhos dela mostravam mais medo que aborrecimento—. O sinto... Dão-lhe medo os cães?

—Eu..., um pouco, os cães desconhecidos...

—Claro. O outro cão é Simon e é muito mais educado. —Phillip arranhou as orelhas do Simon que se sentou para observar tranqüilamente ao Sybill—. É do Ethan. O idiota é do Seth.

—Entendo. —Seth tinha um cão que voltava a lhe dar a pata enquanto a olhava com aparente veneração—. Me temo que não sei muito de cães.

—São retreviers da baía do Chesapeake. Bom, Parvo tem um pouco de mescla. Seth, chama a seu cão antes de que encha de babas os sapatos da senhora.

Sybill levantou a cabeça e viu um menino na porta. Estava a contraluz e não podia lhe ver a cara. Só podia distinguir a um menino alto e um pouco magro que levava uma bolsa marrom bastante grande e uma boina de beisebol negra e laranja.

—Tampouco baba tanto. Né, Tolo!

Os cães se levantaram imediatamente e cruzaram a nave a toda velocidade. Seth se abriu passo entre eles e levou a bolsa até uma mesa feita com uma tabela e uns cavaletes.

—Não sei por que tenho que ir sempre a pela comida e seus recados —se queixou.

—Porque somos maiores que você —replicou CAM antes de lançar-se a pela bolsa—. Me trouxeste o verniz com pouco chumbo?

—Sim, sim...

—Onde está minha mudança?

Seth tirou uma lata do Pepsi, abriu-a e deu um sorvo.

—Que mudança? —perguntou-lhe com um sorriso.

—Olhe, trombadinha, sobram-me pelo menos dois dólares.

—Não sabe o que diz. Tornaste-te a esquecer dos gastos por entrega em mão.

CAM tentou agarrá-lo, mas Seth se escabulló agilmente entre risadas.

—Amor de irmãos —disse Phillip—. Eu só lhe dou o dinheiro exato, se não, nunca volta a ver um céntimo de mudança. Quer comer algo?

—Não, eu...

Não podia apartar os olhos do Seth, embora sabia que tinha que fazê-lo. Estava falando com o Ethan e gesticulava muito com a mão que ficava livre enquanto o cão dava saltos para lhe agarrar os dedos.

—Eu já comi algo, mas come você —terminou de dizer Sybill.

—E algo de beber? Trouxeste-me a água, guri?

—Sim, água de desenho... Isso é atirar o dinheiro. Crawford's estava a batente, tio.

Crawford'S. Sybill sentiu algo que não pôde definir ao dar-se conta de que podiam ter estado de uma vez na loja. Possivelmente tivessem ido um ao lado do outro. Ela poderia haver-se cruzado com ele sem reconhecê-lo.

Seth desviou o olhar do Phillip ao Sybill e a observou com certa curiosidade.

—vai comprar um navio?

—Não.

Ele não a tinha reconhecido. Naturalmente, não tinha por que. A única vez que se viram, ele era pouco mais que um bebê. Seus olhos não indicavam nenhum assombro por ter reconhecido a um familiar, como não o teriam indicado os dela. Embora ela sabia.

—Estou jogando uma olhada —acrescentou Sybill.

—Isso moa.

Seth voltou para a bolsa e tirou seu sándwich.

—Ah... —Sybill fez um esforço para que lhe ocorresse algo que dizer—. Phillip me ensinou seus desenhos. São fantásticos.

—Não estão mau. —Seth se encolheu de ombros, mas Sybill tinha visto o brilho de orgulho em seus olhos—. Posso fazê-lo melhor, mas sempre estão me colocando pressas.

aproximou-se dele com naturalidade, ao menos isso esperava ela. Podia vê-lo melhor. Tinha os olhos azuis, mas de um azul mais escuro que os de sua mãe. O cabelo era algo mais escuro que o do menino da foto que levava com ela. Aos quatro anos tinha o cabelo como estopa e agora era liso e loiro escuro. A boca e o queixo sim guardavam certo parecido.

—Quer ser artista? —perguntou-lhe para seguir falando com ele.

—Ao melhor, mas isso é para passar o momento. —Deu uma dentada ao sándwich y,siguió falando com a boca enche—. Somos construtores de navios.

Sybill notou que tinha as mãos bastante sujas e a cara pelo estilo. Supôs que em uma casa de homens não se tinham em conta delicadezas como lavá-las mãos antes de comer.

—Ao melhor dedica ao desenho.

—Seth, é a doutora Sybill Griffin. —Phillip deu ao Sybill um copo de água com gás e muito gelo—. Escreve livros.

—De histórias?

—Não exatamente —lhe respondeu ela—. De observações. Agora estou passando uma temporada por esta zona para fazer observações.

Seth se limpou a boca com o dorso da mão. A mão que tinha gasto Parvo uma e outra vez, disse-se Sybill com certo espanto.

—vais escrever um livro de navios?

—Não, sobre a gente. Sobre a gente que vive em povos pequenos e, mais concretamente, em povos pequenos à beira do mar. A ti, o que te parece? Viver aqui, quero dizer.

—Eu gosto. A vida na cidade é um coñazo. —Deu outro sorvo do refresco—. A gente que vive ali está endoidecida —disse sonriendo—, como Phil.

—É um paletó, Seth. Preocupa-me.

Seth soltou um grunhido e deu outra dentada do sándwich.

—Vou ao mole. Tenho umas calças tendidas.

Saiu correndo com os cães detrás.

—Tem opiniões muito terminantes —disse Phillip com um ar de ironia—. Suponho que o mundo é bastante branco e negro quando tem dez anos.

—Não lhe importa a vida na cidade. —Sybill notou que a curiosidade tinha superado aos nervos—. esteve contigo em Baltimore?

—Não. Viveu um tempo ali com sua mãe. —O tom se fez mais sombrio e Sybill arqueou uma sobrancelha—. É uma parte dessa larga história que te disse.

—Acredito que eu também disse que eu adoraria ouvi-la.

—Então, janta esta noite comigo e nos contaremos as histórias de nossas vidas.

Sybill olhou para as portas trilhos. Seth tinha saído por elas como se estivesse em sua casa. Tinha que passar mais tempo com ele para observá-lo. Além disso, decidiu que queria saber o que diziam os Quinn sobre o assunto. por que não começar pelo Phillip?

—De acordo.

—Recolherei às sete.

Ela sacudiu a cabeça. Não parecia nada perigoso, mas tampouco queria correr riscos.

—Não, encontraremo-nos ali. Onde está o restaurante?

—Escreverei-lhe isso. Podemos começar a visita por meu escritório.

Foi bastante agradável e interessante. A visita em si não durou muito. Além da enorme zona de trabalho, não havia muito que ver no estaleiro: o diminuto escritório do Phillip, um quarto de banho mais diminuto e um armazém escuro e sujo.

Era evidente que a alma e o coração estavam na zona de trabalho.

Ethan lhe explicou pacientemente o gentil dos tablones, a linha de flutuação e a curvatura. Ela pensou que teria sido um professor excelente. Era claro, falava com simplicidade e estava disposto a responder perguntas que para ele tinham que ser elementares. Olhou com autêntica fascinação como colocavam os tablones em umas caixas e soltavam vapor até que se curvavam como eles queriam. CAM lhe demonstrou como rebaixava os extremos para que as madeiras se ensamblassem perfeitamente.

Ao observar ao Ethan e ao CAM, teve que reconhecer que, sem dúvida, havia um laço entre eles. Se se tivesse topado com eles sem saber nada, teria dado por sentado que eram irmãos, ou, possivelmente, pai e filho. Era uma questão de gestos e movimentos.

Por outro lado, pensou, tinham público e, certamente, estariam esmerando-se.

Já comprovaria como se comportavam quando se acostumassem a ela.

CAM soltou um assobio comprido e penetrante quando Sybill saiu do edifício, e levantou as sobrancelhas com um gesto significativo.

—Muito simpática, hermanito. E muito bonita. —Phillip sorriu e deu um sorvo da garrafa de água.

—Não me queixo.

—vai ficar o suficiente...?

—Se Deus existir...

Seth deixou um tablón junto à serra e soprou.

—Mierda, quer dizer que vais começar a lhe dar a tabarra? Os tios só pensam nisso?

—Além de te dar a tabarra a ti? —Phillip lhe tirou a boina e lhe deu com ela na cabeça—. Claro, o que vamos fazer se não?

—Os tios sempre querem casar  –disse Seth com desprezo enquanto tentava recuperar a boina.

—Eu não quero me casar. Só quero jantar civilizada e agradavelmente com ela.

—E logo lhe atirar isso —Yo por lo menos pienso en otras cosas aparte de las tías. Vosotros estáis enfermos.

—Caray! Aprende essas coisas de ti —acusou Phillip ao CAM.

—Já as sabia. —CAM rodeou o pescoço do Seth com um braço—. A que sim, canalha.

Seth já não se assustava como antes quando o tocavam ou agarravam. Em troca, riu e se retorceu.

—Eu pelo menos penso em outras coisas além das tias. Vós estão doentes.

—Doentes? —Phillip ficou a boina do Seth na cabeça e se esfregou as mãos—. Vão atirar a este girino ao mar.

—Não podem deixá-lo para mais tarde? —perguntou Ethan enquanto Seth gritava fingindo queixar-se—. Tenho que fazer o maldito navio eu sozinho?

—De acordo, deixarei-o para mais tarde. —Phillip se agachou até ficar à altura do Seth—. Mas não saberá nem quando nem onde nem como.

—Tio, estou tremendo.

Hoje vi ao Seth.

Sybill se mordeu o lábio inferior e apagou a frase que acabava de escrever no ordenador portátil.

Esta tarde estabeleci contato com o sujeito.

Assim gostava mais, era mais objetivo. Para expor-se corretamente a situação, seria melhor que pensasse no Seth como em um sujeito.

Nenhuma das partes nos reconhecemos. Como era de esperar, naturalmente. Parece são. É atrativo, um pouco magro, mas forte. Glória foi sienapre magra, assim suponho que herdou seu físico. É loiro, como ela, ou como era ela a última vez que a vi.

Esteve cômodo conznigo. Sei que há meninos que se mostram, tímidos com os desconhecidos, mas este não fué o caso.

Não estava no estaleiro quando cheguei e apareceu ao pouco momento. Tinham-lhe mandado à loja a pela comida. Pelas queixa e a conversação, posso concluir que revistam mandá-lo a fazer os recados. Isto pode interpretar-se de duas formas: ou que os Quinn se aproveitam dele porque é pequeno ou que querem lhe inculcar o sentido da responsabilidade.

O mas provável é que a verdade esteja no término médio.

Tem um cão. Acredito que é normal, inclusive um costume entre os meninos que vivem em zonas rurais ou residenciais.

Também tem talento para o desenho. Isto me surpreendeu o bastante. Eu tenho certa habilidade, como a tem minha mãe, mas Glória nunca mostrou nem ngnna destreza nem interesse na arte. Este interesse comum pode ser um primeiro passo para estabelecer uma relação com o sujeito. Terei que passar algum tempo a sós com ele para poder escolher o caminho correto.

Em minha opinião, o sujeito está muito bem com os Quinn. Parece contente e a salvo. Entretanto, tem certa aspereza, uma ligeira grosseria. Ouvi-lhe dizer vários palavrões durante a hora que estive com ele.

Uma vez ou dois lhe repreenderam levianamente, mas não se preocupam com sua linguagem.

Ninguém lhe disse que se lavasse as mãos antes de comer nem lhe brigaram por falar com a boca enche nem por lhe dar de sua comida ao cão. Suas maneiras não são espantosos, mas tampouco são primorosos.

Duvido que preferia viver aqui que na cidade. Em realidade, mostrou-se desdenhoso com a vida urbana. aceitei sair para jantar com o Phillip esta noite e vou a.hacer que me conte tudo o que aconteceu Seth acabasse com eles.

Sua versão, em comparação com a de Glória, ajudará-me a me fazer uma idéia da situação.

O próximo passo será conseguir que convidem a casa dos Quinn. Interessa-me muito saber onde vive o sujeito, vê-los tudo em seu molho. Também me interessa muito conhecer as mulheres que formam parte de sua família adotiva.

Não acredito que me ponha em contato com os serviços sociais até que tenha terminado meu estudo pessoal.

Sybill se apoiou no respaldo e tamborilou com os dedos na mesa enquanto repassava suas notas. Não era muito, disse-se. Além disso, era culpa dela. Acreditava que estava preparada para voltar a vê-lo e não o estava.

ficou-se triste e com a boca seca. O menino era seu sobrinho, sua família. Mesmo assim, eram uns desconhecidos. Acaso isso não era culpa sua quase tanto como de Glória? Acaso tinha tentado estar em contato com ele?

Era verdade que quase nunca tinha sabido onde estava, mas tampouco tinha feito nada por encontrá-los a ele ou a sua mãe.

As poucas vezes que Glória a tinha chamado para lhe pedir dinheiro, sempre dinheiro, lhe tinha perguntado pelo Seth, mas sempre tinha acreditado o que lhe havia dito: que Seth estava bem. Nunca tinha feito nada por vê-lo ou falar com ele. Tinha-lhe resultado mais fácil enviar uma ordem de pagamento e esquecer-se deles.

Mais fácil, reconheceu. A única vez que lhe deixou entrar em sua vida, a única vez que lhe abriu as portas de sua casa e seu coração, o levaram outra vez e ela sofreu muito.

Essa vez, faria algo. Faria o que tivesse que fazer, o que fora melhor para ele. Entretanto, não se implicaria muito sentimentalmente. Ao fim e ao cabo, não era seu filho. Se Glória conseguia a custódia, ele voltaria a desaparecer de sua vida.

Mesmo assim, faria um esforço, asseguraria-se de que ele estava bem situado. Logo, seguiria com sua vida e seu trabalho.

Satisfeita, guardou o documento e abriu o outro para seguir com as notas do livro. O telefone soou antes de que pudesse começar.

—Doutora Griffin, me diga.

—Sybill, há-me flanco Deus e ajuda dar contigo.

—Mãe. —Sybill deixou escapar um suspiro e fechou os olhos—. Que tal está?

—Importaria-te me dizer o que está fazendo?

—Absolutamente. Estou investigando para um livro. Que tal está pai?

—Por favor, não ofenda minha inteligência. Acredito que havíamos ficado de que te manteria à margem desse sórdido assunto.

—Não. —Lhe encolheu o estômago como sempre que se enfrentava a uma discussão familiar—. ficamos de que você preferia que me mantivera à margem. Eu decidi que preferia não fazê-lo. Vi ao Seth.

—Não me interessam nem Glória nem seu filho.

—A mim sim. Sinto que te chateie.

—Esperava outra coisa? Sua irmã decidiu que sua vida já não tem nada que ver com a minha. Eu não vou deixar me arrastar à sua.

—Não tenho intenção de te arrastar a nada. —Resignada, Sybill procurou uma aspirina em sua bolsa—. Ninguém sabe quem sou. Inclusive se me relacionassem com o doutor Walter Griffin e senhora, isso não conduz a Glória e Seth DeLauter.

—Pode conduzir se alguém tem suficiente interesse. Sybill, não pode conseguir nada por estar aí te colocando em meio da situação. Quero que vá. Volta para Nova Iorque ou vêem Paris. Se não me fizer caso , ao melhor o faz a seu pai.

Sybill se tragou a aspirina com um sorvo de água.

—vou chegar até o final de tudo isto. Sinto muito.

fez-se um silêncio carregado de tensão e impotência. Sybill fechou os olhos e esperou.

—Sempre tinha sido um motivo de felicidade para mim. Não me esperava uma traição como esta. Arrependo-me muitíssimo de te haver comentado a situação. Não o teria feito se tivesse sabido que foste reagir assim.

—É um menino de dez anos, mãe. É seu neto...

—Não tem nada que ver comigo nem contigo. Se não o deixar, Glória te fará pagar pelo que você considera uma amabilidade.

—Posso dirigir a Glória.

Essa vez escutou uma risada breve e frágil como o cristal.

—Isso te acreditaste sempre e sempre te equivocaste. Por favor, não nos comente nada deste assunto nem a seu pai nem a mim. Esperarei ou seja algo de ti quando tiver recuperado a prudência.

—Mãe...

Sybill fez uma careta para ouvir o tom do telefone. Barbara Griffin era uma especialista em dizer a última palavra. Sybill pendurou o telefone com muito cuidado. tomou um antiácido.

Logo, de maneira desafiante, voltou-se para a tela do ordenador e se concentrou no trabalho.

 

Dado que Sybill sempre era pontual e, que ela soubesse, o resto do mundo nunca o era, surpreendeu-lhe ver o Phillip sentado na mesa que tinha reservado.

Ele se levantou e lhe obsequiou com um sorriso irresistível e uma rosa amarela. Ambas as coisas adorou e intrigaram.

—Obrigado.

—É um prazer. Sinceramente, está muito bonito.

esmerou-se bastante nesse sentido, mas mais por ela mesma que por ele. A chamada de sua mãe a tinha deixado deprimida e com remorso. Tinha tentado combater as duas sensações lhe dedicando um bom momento e bastante esforço a seu aspecto físico.

O singelo vestido negro de decote quadrado e mangas largas e rodeadas era um de seus favoritos. O colar de pérolas de uma volta era uma herança de sua avó paterna e o adorava. recolheu-se o cabelo no alto da cabeça com uma volta bastante solta e se pôs uns pendentes de turquesa comprados em Londres fazia uns anos.

Sabia que eram o tipo de armaduras femininas que ficavam as mulheres para ganhar segurança e força. Queria as duas coisas.

—Obrigado outra vez. —sentou-se em frente dele e cheirou a rosa—. Você também está muito bonito.

—Conheço a lista de vinhos daqui —disse Phillip—. Confia em mim?

—No vinho? por que não?

—Perfeito. —Olhou ao garçom e lhe disse—: Tomaremos uma garrafa do número 103.

Ela deixou a rosa junto ao menu com tampas de couro.

—O que veio é?

—Um Pouilly Fuisse muito agradável. Lembrança que você gosta do branco. Acredito que este te parecerá bastante melhor que o do Shiney.

—Não é muito difícil.

Phillip inclinou a cabeça e tomou a mão.

—Passa-te algo?

—Não. —Ela esboçou um sorriso forçado—. O que ia passar me? É tal e como disse. –Voltou a cabeça para olhar pelo ventanal que dava sobre a baía azul escuro sob um céu que começava a tingir-se de um rosa alaranjado pelo entardecer—. Uma vista preciosa ——disse voltando-se para ele—. Uma companhia interessante para passar a noite.

O a olhou aos olhos e pensou que não dizia a verdade. Havia algo que não funcionava de tudo. inclinou-se um pouco, tomou o queixo com a mão e posou delicadamente os lábios sobre os dela. Ela não se apartou e se permitiu desfrutar da experiência.

O beijo foi ligeiro, suave e destro. E muito reconfortante. Arqueou uma sobrancelha quando ele se apartou.

—A que se deve isso?

—Pareceu-me que o necessitava.

Ela não suspirou, mas não foi por falta de vontades. Em troca, ficou as mãos sobre o regaço.

—Obrigado uma vez mais.

—Quando quiser. É mais...

Apertou um pouco os dedos ao redor da cara dela e essa vez o beijo foi um pouco mais profundo e comprido.

Ela separou os lábios antes de dar-se conta de que se proposto que passasse isso. Conteve o fôlego, soltou-o, e o pulso lhe acelerou quando lhe mordeu ligeiramente o lábio, quando introduziu sua língua para iniciar uma dança de sedução com a dela.

Tinha os dedos entrelaçados e a cabeça começava a nublar-se o quando ele se separou.

—E a que se deveu isto? —conseguiu perguntar ela.

—Acredito que o necessitava eu.

Seus lábios voltaram a roçar-se antes de que ela encontrasse suficiente força de ânimo para lhe pôr uma mão no peito, uma mão que queria agarrar o da camisa em vez de apartá-lo.

Entretanto, apartou-o. Era uma questão de lutar com ele. Desde não perder o domínio de si mesmo.

—Acredito que foi um aperitivo bastante apetecível, mas deveríamos pedir o jantar.

—me diga o que te passa.

Phillip se deu conta de que queria sabê-lo. Queria ajudá-la e dissipar as sombras que obscureciam aqueles olhos incrivelmente transparentes para que voltassem a sorrir.

Não tinha contado com que gostasse tão rapidamente.

—Não me passa nada.

—Claro que te passa. E não há nada que possa te ajudar tanto como te desafogar com alguém relativamente desconhecido.

—Tem razão. —Ela abriu o menu—. Mas a maioria dos relativamente desconhecidos não têm nenhum interesse especial nos pequenos problemas de outros.

—Você me interessa.

Ela sorriu e desviou o olhar dos entrantes à cara dele.

—Eu você gosta, mas isso não é sempre o mesmo.

—Acredito que eu gosto e me interessa.

Agarrou-a pela mão enquanto levavam o vinho e lhe mostravam a etiqueta. Esperou a que servissem um pouco para que o provasse sem deixar de olhá-la, como se fossem as únicas pessoas do mundo. O levantou a taça e o provou sem apartar os olhos dela.

—Está perfeito. Você gostará de —sussurrou Phillip enquanto lhes enchiam as taças.

—Tem razão —confirmou ela depois de dar um sorvo—. Eu gosto de muito.

—vou dizer lhes o que há esta noite fora de carta —interveio o garçom com um tom alegre.

Eles escutaram sem soltá-las mãos e com os olhos cravados nos do outro.

Sybill decidiu que já tinha ouvido bastante e que não lhe importava um rabanete. O tinha uns olhos incríveis. Eram como de ouro velho, como algo que tinha visto em um quadro em Roma.

—Tomarei salada mista com vinagrete e o pescado do dia, à churrasqueira.

O seguia olhando-a, esboçou um ligeiro sorriso e lhe beijou a palma da mão.

—Eu o mesmo. Não tenha pressa. Eu gosto de muito —disse ao Sybill enquanto o garçom punha os olhos em branco e se ia—. E me interessa muito. Conta-me o —¿A ti también?

—De acordo. —Sybill decidiu que não podia lhe fazer nenhum dano, que antes ou depois foram ter algum tipo de relação e que o melhor seria que se entendessem o antes possível—. Sou a filha boa. —Sorriu burlonamente—. Obediente, respeitosa, educada, boa estudante e com êxito profissional.

—Miúdo lastro.

—Sim, pode chegar a sê-lo. Naturalmente, em um sentido intelectual, a estas alturas da vida não me permito que as expectativas de meus pais condicionem minha vida.

—Mas —disse Phillip lhe apertando a mão— o fazem. Sempre o fazem.

—A ti também?

Phillip se lembrou da conversação à luz da lua que tinha tido com seu pai morto.

—mais do que podia haver imaginado. Em meu caso, meus pais não me trouxeram para o mundo. Trouxeram-me para este mundo. Em seu caso, dado que é a filha boa, haverá uma filha má...

—Minha irmã sempre deu problemas. decepcionou a meus pais e quanto mais decepcionados se sentiam com ela, mais esperavam de mim.

—Tinha que ser perfeita.

—Exatamente. Mas eu não posso sê-lo.

Nem queria sê-lo, nem tinha tentado sê-lo, nem podia sê-lo. Todo isso, naturalmente, era um fiasco. Não podia ser de outra maneira, disse-se a si mesmo.

—A perfeição é aborrecida e lhe intimidem. por que foste ser qualquer das duas coisas? O que aconteceu? —perguntou-lhe Phillip quando ela franziu o cenho.

—Não passa nada, de verdade. Minha mãe está zangada comigo. Se ceder e faço o que ela quer... Bom, não posso. Simplesmente, não posso.

—Sente remorso, tristeza e arrependimento.

—E medo de que as coisas não voltem a ser igual entre nós.

—É tão grave?

—Poderia sê-lo —sussurrou Sybill—. Estou muito agradecida por tudo o que me deram, o apoio, a educação. viajamos muito e conhecido meio mundo e suas distintas culturas quando era uma menina. foi inestimável para meu trabalho.

As oportunidades, pensou Phillip. O apoio, a educação e as viagens. Não tinha mencionado nem o amor nem o carinho nem a diversão. perguntou-se se ela se dava conta de que havia descrito mais um colégio que uma família.

—Onde te criou?

—Mmm. Aqui e lá. Nova Iorque, Boston, Chicago, Paris, Melam, Londres... Meu pai dava conferências e passava consultas. É psiquiatra. Agora vivem em Paris. Sempre foi a cidade favorita de minha mãe.

—Remorso a larga distância. —Ela riu.

—Sim.

Sybill se retirou um pouco enquanto serviam as saladas. Curiosamente, sentia-se melhor. lhe haver contado algo de si mesmo lhe parecia que paliava um pouco todo o engano.

—Você te criou aqui...

—Vim quando tinha treze anos, quando os Quinn se converteram em meus pais.

—Converteram?

—É parte dessa história tão larga.

Phillip levantou a taça e olhou ao Sybill por cima do bordo. Normalmente, se tirava reluzir essa parte de sua vida ante uma mulher, contava uma versão cuidadosamente estudada. Não era uma mentira, mas sim um relato com muito poucos detalhes de sua vida antes dos Quinn.

O estranho era que estava tentado de contar toda a verdade ao Sybill, a verdade com toda sua crueldade. Duvidou e se decidiu por um término médio.

—Criei-me em Baltimore, nas ruas mais perigosas. Meti-me em problemas, problemas bastante graves. Quando tinha treze anos estava a ponto de me jogar a perder. Os Quinn me deram a oportunidade de trocar de vida. ocuparam-se de mim, trouxeram-me para o St. Chris e se converteram em minha família.

—Adotaram-lhe.

Ela já sabia graças a toda a informação que tinha reunido sobre o Raymond Quinn, mas não sabia por que.

—Sim. Já tinham ao Ethan e ao CAM e fizeram um oco para outro. Não o pus fácil ao princípio, mas me agüentaram. Nunca deram as costas a um problema.

lembrou-se de seu pai quando estava morrendo na cama de um hospital com todo o corpo destroçado. Inclusive naquele momento, Ray só se preocupava com seus filhos, pelo Seth pela família.

—Quando lhes vi a primeira vez, a vós três, soube que foram irmãos. Não porque lhes pareçam fisicamente, mas sim por um pouco menos tangível. Diria que são um exemplo de como o fator ambiente pode compensar o fator genético.

—Mas bem é o exemplo do que duas pessoas generosas e decididas podem fazer por três meninos desencaminhados.

Sybill deu um sorvo de vinho para esclarecê-la garganta.

—E Seth?

—O quarto menino extraviado. Tentamos fazer com ele o que teriam feito meus pais. O que meu pai nos pediu que fizéssemos. Minha mãe morreu uns anos antes. Deixou aos quatro sem saber o que fazer. Era uma mulher incrível. Não o apreciamos bastante quando vivia.

—com certeza que sim o fizeram. —Comovida pelas palavras do Phillip, sorriu-lhe—. Estou segura de que se sentiu muito querida.

—Isso espero. Quando ela morreu, CAM se foi a Europa a participar de carreiras de carros, de navios, de algo. Foi muito bem. Ethan ficou. comprou sua própria casa, mas está pacote à baía. Eu voltei para Baltimore. Levo a cidade no sangue —acrescentou com um sorriso fugaz.

—Inner Harbor, Camden Yards...

—Exatamente. Vinha de vez em quando. Em férias ou alguns fins de semana, mas não é o mesmo.

Ela inclinou a cabeça com curiosidade.

—Você gostaria que o fora?

Ela se lembrou da emoção que sentiu quando se foi à universidade. Podia fazer algo sem que a julgassem e medissem cada palavra e cada ato, era livre.

—Não, mas havia momentos, há momentos, nos que o sinto falta de. Alguma vez te lembra de um verão perfeito? Quando tinha dezesseis anos, o carnê de conduzir recém estreado e tinha o mundo a sua disposição.

Ela riu, mas negou com a cabeça. Aos dezesseis anos não tinha carnê de conduzir. Tinha um chofer que a levava aonde lhe permitiam ir, salvo que conseguisse escapulir-se e montar-se no metro. Essa tinha sido toda sua rebeldia.

—Os meninos de dezesseis anos —disse ela enquanto lhes trocavam os pratos das saladas— têm um vínculo emocional com seus carros mais forte que as garotas.

—Para um menino é mais fácil conseguir uma garota se está motorizado.

—Duvido que tivesse muitos problemas nesse sentido, com carro ou sem ele.

—É difícil beijar-se no assento traseiro sem um carro.

—Isso é verdade. Agora tornaste e seus irmãos também.

—Sim. Meu pai conseguiu ao Seth em umas circunstâncias complicadas e algo turvas. A mãe do Seth... Bom, já se inteirará se fica por aqui uma temporada.

—Ah...

Sybill começou o pescado, mas não estava segura de que pudesse tragá-lo.

—Meu pai dava classes de inglês na Universidade de Maryland. Recentemente menos de um ano, uma mulher foi ver o. Foi uma reunião privada e não conhecemos os detalhes, mas todo mundo diz que foi bastante desagradável. Ela foi ver o reitor e acusou a meu pai de abuso sexual.

O garfo do Sybill caiu sobre o prato, mas o recolheu com toda a naturalidade que pôde.

—Teve que ser horrível para ele e para todos vós.

—Foi pior que horrível. Ela assegurava ter estudado ali uns anos antes e que lhe tinha exigido ter relações sexuais em troca do aprovado. Dizia que a tinha intimidado, que tinha tido uma aventura com ela.

Efetivamente, Sybill comprovou que não podia tragar e agarrou o garfo com todas suas forças.

—Teve uma aventura com seu pai?

—Não, ela disse que a tinha tido. Minha mãe ainda estava viva —disse quase para si mesmo—. Além disso, não há nenhuma perseverança de que ela tenha estado matriculada na universidade. Meu pai deu classes durante mais de vinte e cinco anos sem o mais mínimo indício de conduta indevida. Ela tentou destroçar sua reputação e a manchou.

Sybill, cansativamente, pensou que não havia nada de verdade. Era o comportamento típico de Glória. Acusar, fazer mal e escapar. Entretanto, ela ainda podia fazer algo.

—por que? por que faria uma coisa assim?

—Por dinheiro.

—Não entendo.

—Meu pai lhe deu dinheiro. Muito dinheiro. Pelo Seth. É a mãe do Seth.

—Quer dizer que ela..., que ela vendeu a seu filho por dinheiro? —Sybill pensou que nem sequer Glorifica podia fazer algo tão espantoso—. É difícil de acreditar.

—Não todas as mães são maternais. —Phillip se encolheu de ombros—. Ele fez um cheque de vários milhares de dólares em nome de Glória DeLauter, esse era seu nome, e se foi uns dias, e logo voltou com o Seth.

Sybill, sem dizer uma palavra, deu um sorvo de água para umedecer a garganta. «O vinho e se levou ao Seth», havia-lhe dito Glorifica entre soluços. «levaram-se ao Seth. Tem que me ajudar».

—Uns meses mais tarde —continuou Phillip—, meu pai fez efetivo quase tudas suas economias. Voltava de Baltimore quando teve um acidente. Não sobreviveu.

—Sinto-o muito —sussurrou ela, consciente de que eram umas palavras improcedentes.

—Viveu até que CAM chegou da Europa. Pediu aos três que nos ocupássemos do Seth, que o vigiássemos. Fazemos tudo o que podemos para manter a promessa. Não posso dizer que tenha sido fácil —acrescentou com um leve sorriso—, mas, certamente, não foi aborrecido. A volta aqui, a posta em marcha do negócio, não esteve mau. Em cima, CAM encontrou uma mulher. Anna é a assistente social do Seth.

—De verdade? Então, não se conhecem a muito tempo.

—Suponho que quando o amor chega, não há nada a fazer. O tempo é o de menos.

Ela tinha pensado sempre que era fundamental. Um matrimônio, para que saísse bem, exigia dedicação, previsão e um conhecimento profundo e sólido da outra parte; terei que garantir a compatibilidade e analisar as metas de cada um.

Mesmo assim, aquela faceta dos Quinn não era assunto dele.

—Miúda história.

Quanto tinha de verdade?, perguntou-se Sybill com o coração em um punho. Quanto de enviesada? Tinha que acreditar-se que sua irmã tinha vendido a seu filho?

Voltou a decidir que a verdade estaria em algum ponto intermédio.

Isso sim, estava segura de que Phillip não sabia o que Glória tinha significado para o Raymond Quinn.

Quando acrescentasse esse dado ao conjunto, como trocaria tudo?

—No momento, tudo vai sobre rodas. O menino está feliz. dentro de um par de meses, teremos a custódia definitiva. Além disso, isto de ser o irmão maior tem suas vantagens, permite-me mandar a alguém.

Tinha que pensar. Tinha que deixar a um lado os sentimentos e pensar, mas antes tinha que passar essa noite.

—E a ele o que lhe parece?

—É um concerto perfeito. O pode me pôr a parir diante do Ethan e CAM e dizer o mesmo deles comigo. Sabe defender-se. É incrivelmente preparado. Fizeram-lhe provas de inteligência quando meu pai o matriculou no colégio daqui. Virtualmente se sai da tabela. O ano passado tirou tudo sobressalentes.

—Sério? —Sybill se deu conta de que estava sonriendo—. Parece orgulhoso dele.

—Certamente, e de mim. Eu sou o responsável por controlar seus deveres. Tinha-me esquecido de quanto odiava os quebrados. Agora que te contei a história de minha vida, por que não me diz o que te parece St. Chris?

—Estou me fazendo uma idéia.

—Isso quer dizer que vais ficar te uma temporada?

—Sim.

—Não pode tirar uma conclusão de um povo marítimo até que não passa algum tempo no mar. por que não deves navega comigo manhã?

—Não tem que voltar para Baltimore?

—na segunda-feira.

Ela duvidou e se lembrou de que tinha ido até ali precisamente por isso. Se queria encontrar a verdade, não podia tornar-se atrás nesse momento.

—Muito bem, mas não sei que tal blusa de marinheiro serei.

—Já o veremos. Recolherei às dez..., dez e meia?

—Perfeito. Imagino que todos navegarão.

—Até os cães. —riu ao ver a expressão na cara do Sybill—. Não os levaremos.

—Não me dão medo. Simplesmente, não estou acostumada.

—Não teve um cachorrito?

—Não.

—Um gato?

—Não.

—Um peixe de cores?

Ela riu e negou com a cabeça.

—Não. Trocávamos de casa muito freqüentemente. Em Boston tive uma companheira de colégio com uma cadela que teve cachorrinhos. Eram preciosos. —Pareceu-lhe estranho lembrar-se daquilo. Ela quis um dos cachorrinhos com toda sua alma, mas, naturalmente, foi impossível. Móveis antigos, convidados importantes, obrigações sociais... Sua mãe disse que nem pensar do assunto e aí acabou tudo. —Agora estou sempre de um lado para outro e não é muito prático.

—Onde te encontra melhor?

—Sou muito acomodaticia. Estou acostumado a me encontrar bem lá onde esteja, até que vou a outro sítio.

—Então, agora é St. Chris.

—Isso parece. É interessante —disse olhando pela janela. A lua começava a refletir-se no mar—. O ritmo é lento, mas não estou estancada. O estado de ânimo varia, como varia o tempo. depois de só uns dias, posso distinguir aos aldeãos dos turistas e aos homens de mar do resto.

—Como?

—Como? —Estava distraída e se voltou para olhá-lo.

—Como pode distingui-los?

—É mera observação. Da janela de minha habitação posso ver o passeio marítimo. Os turistas revistam ser casais, muitas vezes famílias e estranha vez pessoas sozinhas. Passeiam ou vão às compras. Alugam um navio. relacionam-se entre eles, com os de seu grupo. Estão fora de seu entorno. Muitos levam uma câmara, um plano e, às vezes, prismáticos. Quase todos os aldeãos têm um motivo para estar aí. Um trabalho ou um recado. param-se para saudar um vizinho. Pode ver como se separam ao terminar a conversação.

—por que os observa da janela?

—Não entendo a pergunta.

—por que não baixas ao passeio marítimo?

—baixei, mas, normalmente, o estudo é mais puro quando o observador não forma parte da cena.

—Eu acredito que a informação seria mais variada e mais pessoal se estivesse ali.

Phillip levantou o olhar quando chegou o garçom para lhes preencher as taças e lhes oferecer uma sobremesa.

—Tomarei um café —disse Sybill—. Descafeinado.

—O mesmo. —Phillip se inclinou para diante—. Recordo o capítulo de seu livro sobre o isolamento como técnica de sobrevivência, o exemplo que põe de tombar a alguém em uma calçada e observar como a gente passa de comprimento e o esquiva. Alguns duvidam antes de acelerar o passo.

—A falta de implicação. A dissociação.

—Exatamente, mas ao final alguém se para e tenta ajudar. Quando alguém rompe o isolamento, outros também começam a parar-se.

—Quando se rompe o isolamento, tudo se faz mais fácil e participar resulta quase até necessário. O primeiro passo é o mais complicado. Fiz o estudo em Nova Iorque, Londres e Budapest com resultados parecidos. É parte de uma técnica de sobrevivência nas cidades: evitar o contato dos olhares na rua, eliminar aos indigentes de nosso campo visual.

—por que é distinta a primeira pessoa que se para?

—Porque seu instinto de sobrevivência não é tão forte como sua compaixão. Ou porque é mais impulsiva.

—Claro, e se implica. Não passa de comprimento, implica-se.

—E pensa que como eu observo, não me implico.

—Não sei, mas me parece que observar de longe não é tão lhe gratifiquem como participar.

—Eu me dedico a observar e o encontro lhe gratifique.

Phillip se aproximou com os olhos cravados nos dela e sem fazer caso do garçom que lhe servia o café.

—Mas é uma científica. Faz experimentos. por que não tenta experimentar... comigo? —Ela baixou o olhar e viu que ele brincava com seu dedo. Sentiu um calor que começava a lhe percorrer as veias.

—É uma forma bastante original, embora indireta, de me propor que me deite contigo.

—A verdade é que não era minha intenção, embora se aceitar, eu não tenho inconveniente. —O sorriu enquanto ela voltava a olhá-lo—. ia propor te dar uma volta pelo passeio marítimo quando terminássemos o café, mas se prefere te deitar comigo, podemos estar na habitação de seu hotel dentro de cinco minutos, como muito.

Ela não se apartou quando ele baixou a cabeça e posou delicadamente os lábios sobre os dela. Phillip resultava impassível, mas deixava entrever muita paixão. Se ela quisesse... E queria. Surpreendeu-lhe o muito que queria arder nessa paixão e nesse preciso instante; o muito que queria acabar assim com a tensão que a afligia, a preocupação e as dúvidas.

Entretanto, levava toda sua vida reprimindo a satisfação imediata de seus desejos. Pô-lhe uma mão no peito para acabar com o beijo e a tentação.

—Acredito que um passeio será muito agradável.

—Então, daremos um passeio.

Queria mais. Phillip deveria ter sabido que se a provava, quereria mais. Entretanto, não tinha contado com que o desejo fora tão intenso e lhe crispem. Possivelmente, em parte, fora simples vaidade, disse-se enquanto a tirava da mão para acompanhá-la pelo tranqüilo passeio marítima A reação dela tinha sido muito controlada e fria. Seria maravilhoso ir eliminando esse ar intelectual, capa a capa, até encontrar a mulher que ocultava. Seria maravilhoso abrir-se passo até o instinto e os sentimentos em estado puro.

Quase riu de si mesmo. Era vaidade, sem dúvida. Que ele soubesse, a doutora Griffin tinha querido reagir precisamente dessa forma um pouco distante e ele teria que conformar-se com isso.

Se era assim, ela ia converter se em uma tentação que lhe custaria muito resistir.

—Agora entendo que Shiney esteja tão freqüentado. —Sybill o olhou com um sorriso—. Acabam de dar as nove e meia e as lojas já estão fechadas e os navios amarrados. Há algumas pessoas passeando, mas quase tudo está fechado durante a noite.

—Está um pouco mais animado no verão. Não muito, mas sim um pouco. refrescou, está bem?

—Mmm. Perfeitamente. A brisa é deliciosa. —parou-se para olhar os mastros oscilantes—. Guardas seu navio aqui?

—Não. Temos um embarcadero em casa. Aquele é o Skipjack do Ethan.

—Qual?

—É o único Skipjack do St. Chris. Só ficam um par de dúzias na baía. Aquele —disse assinalando um navio—, que só tem um pau.

Para ela, todos os veleiros se pareciam muito. Os tamanhos eram distintos, naturalmente, mas, em definitiva, todos eram navios.

—O que são os Skipjack?

—Vêm dos navios cangrejeros de fundo plano. —aproximou-se dela enquanto falava—. Os fizeram maiores e com um casco em ângulo. Tinham que ser fáceis de construir e baratos.

—Assim que os usam para capturar caranguejos...

—Não, quase todos os mariscadores usam navios de motor para capturar caranguejos. O Skipjack se usa para recolher ostras. A princípios do século XIX se aprovou uma lei em Maryland que só permitia recolher ostras aos navios de vela.

—Para as proteger?

—Exatamente. É a origem do Skipjack e ainda sobrevivem, mas já ficam poucos, também ficam poucas ostras.

—Seu irmão segue usando-o?

—Sim. É um trabalho desesperador, ingrato, árduo e helador.

—Falas como se fosse a voz da experiência.

—Dediquei-lhe bastante tempo. —parou-se perto da proa e rodeou com o braço a cintura do Sybill—. Sair a navegar em fevereiro, com o vento gélido que te atravessa a alma e dando botes de onda em onda em meio de uma tormenta invernal... Prefiro estar em Baltimore.

Ela riu e observou o navio. Parecia velho e tosco, como se fora muito primitivo.

—Não me montei nele, mas estou de acordo contigo. por que foi dando botes de onda em onda em meio de uma tormenta invernal em vez de estar em Baltimore?

—Servia-me para me acalmar.

—Suponho que não é o navio no que iremos amanhã...

—Não. É um pequeno balandro de recreio. Sabe nadar?

Ela arqueou uma sobrancelha.

—Diz-o porque dúvidas de suas habilidades como navegante?

—Não, digo-o porque a água está fria, mas podemos nos banhar.

—Não trouxe traje de banho.

—O que tem que ver isso?

Ela riu e voltou a ficar em caminho.

—Acredito que navegar é suficiente por um dia. Tenho um pouco de trabalho que eu gostaria de terminar esta noite. Passei-me isso muito bem.

—Eu também. Acompanho-te até o hotel.

—Não faz falta. Está à volta da esquina.

—Faltaria mais...

Ela não discutiu. Não pensava lhe deixar que a acompanhasse até a porta da habitação nem lhe convidar a que entrasse. Em geral, acreditava que estava levando muito bem uma situação bastante complicada. Pensou que retirar-se logo lhe daria tempo para ordenar as idéias e os sentimentos antes de voltar a vê-lo o dia seguinte.

Além disso, o navio estava amarrado em sua casa e isso lhe dava a possibilidade de voltar a ver o Seth.

—Baixarei como às dez da manhã, parece-te bem? —parou-se a uns metros da entrada do vestíbulo.

—Muito bem.

—Há algo que deva levar? Além da Biodramina.

O sorriu.

—Eu me ocuparei. Que durma bem.

—O mesmo te digo.

Ela se preparou para o inevitável beijo de boa noite. Os lábios do Phillip eram delicados e nada prementes. Ela, encantada pelas duas coisas, tranqüilizou-se e começou a apartar-se.

Então, ele a agarrou com força da nuca, trocou de ângulo a cabeça e, durante um instante entristecedor, o beijo foi apaixonado, desenfreado e ameaçador. A mão que ela tinha no ombro dele se aferrou a sua jaqueta para não perder o equilíbrio que lhe negavam os pés. A cabeça ficou em branco e o pulso lhe desbocou.

Alguém deixou escapar um gemido grave, comprido e profundo.

O beijo só durou uns segundos, mas ficou conmocionada e abrasada como se a tivesse marcado com um ferro candente. Ele pôde comprovar a excitação e a surpresa nos olhos dela quando se abriram e se cravaram nos seus. Também notou que em seu interior aumentava o desejo mais elementar.

Essa vez não tinha sido uma resposta fria, controlada e distante. Tinha-lhe tirado uma capa. Passou-lhe o polegar pela mandíbula.

—Até manhã.

—Sim... boa noite.

Sybill se repôs rapidamente e lhe sorriu antes de dá-la volta, mas também ficou uma mão vacilante no estômago, que era um molho de nervos.

Não tinha previsto isso, reconheceu enquanto tentava recuperar o fôlego caminho do elevador. Não era tão delicado, refinado e inofensivo como parecia com simples vista. Aquele pacote tão atrativo continha algo muito mais primitivo e perigoso do que tinha suspeitado. Fora o que fosse, pareceu-lhe muito impressionante.

 

Era como montar em bicicleta ou fazer ao amor, disse-se Phillip enquanto procurava um sítio para atracar no passeio marítimo. Fazia muito tempo que não saía sozinho a navegar, mas não se esqueceu. Se acaso, esqueceu-se do prazer que era navegar um domingo pela manhã levado pela brisa, com o mar azul, o sol lhe acariciando calidamente a pele e os gritos das gaivotas ressonando no ar.

ia ter que encontrar tempo para voltar a desfrutar dos prazeres singelos. Era o primeiro dia inteiro que se tomava livre desde fazia mais de dois meses e estava disposto a aproveitá-lo ao máximo.

Sem dúvida estava disposto a aproveitar ao máximo as horas que ia passar navegando com a misteriosa doutora Griffin.

Olhou para o hotel e se entreteve em imaginar-se qual seria a janela dela. Segundo o que lhe tinha contado, dava ao mar e lhe permitia observar a vida que transcorria por ali.

Então, viu-a em um pequeno balcão, com o resplandecente cabelo cor mogno recolhido em um acréscimo e o rosto com um gesto distante e indecifrável desde tão longe.

De perto não era tão distante, disse-se enquanto recordava o beijo. Efetivamente, aquele gemido comprido e profundo não tinha tido nada de distante, seu estremecimento fugaz mas intenso tampouco tinha tido nada de distante. Tinha sido um sinal instintivo e involuntário, mas inconfundível.

Seus olhos, azuis e cristalinos, não tinham sido frios nem tinham tido nada de remotos e indecifráveis quando se separou dela e os encontrou olhando-o. Em troca, tinham-lhe parecido um pouco nublados e perplexos, intrigantes.

O não tinha podido desfazer do sabor, nem quando se foi a sua casa, nem em toda a noite, nem naquele momento, quando voltava a vê-la. Ela o olhou, como se o tivesse adivinhado.

O que observava? O que se propunha fazer com o que via?

Phillip a sorriu e saudou com a mão para lhe indicar que a tinha visto. Logo, dirigiu-se para o mole e viu com surpresa que Seth lhe esperava para atar as amarras.

—O que faz aqui?

Seth atou diestramente a amarra de proa e Phillip baixou ao mole.

—o de sempre, de menino dos recados... —Seth teve que fazer um esforço para fingir o chateio—. Me mandaram que estaleiro. Donuts.

—Sim...? Obstruem as artérias.

—As pessoas normais não tomam o café da manhã cascas de árvores, como você —se burlou Seth.

—E seguirei forte e arrumado quando você seja um velho caduco.

—É possível, mas eu me terei divertido mais. —Phillip lhe tirou a boina e lhe deu um golpecito com ela.

—Depende do que chame diversão.

—Suponho que para ti é perseguir as garotas da cidade..

—Essa é uma. A outra é te perseguir com os deveres. terminaste o livro?

—Sim, sim... —Seth pôs os olhos em branco—. Alguma vez toma um dia livre?

—Como ia fazer o se tiver dedicado minha vida a ti? —Sorriu ante o grunhido do Seth—. O que te pareceu?

—Está bem. —encolheu-se de ombros com um gesto típico dos Quinn—. Está bastante bem.

—Então, escreve algumas nota para me fazer um comentário de texto oral esta noite.

—A noite do domingo é minha noite favorita. Significa que te perderei de vista durante quatro dias.

—Se logo me sente falta de...

—Uma mierda.

—Contas as horas que faltam para que eu volte.

Seth não pôde conter uma risada.

—Que lhe acreditaste isso.

Voltou a rir enquanto Phillip o agarrava pela cintura para brigar com ele.

Sybill podia ouvir as risadas e as brincadeiras enquanto se aproximava deles. Via o sorriso de orelha a brinca no rosto do Seth. Notou que o coração lhe dava um tombo comprido e profundo. O que estava fazendo ali? O que esperava conseguir? Como ia-se sem sabê-lo?

—bom dia.

A saudação distraiu ao Phillip, que baixou o guarda o suficiente como para que Seth lhe desse uma cotovelada no estômago. Grunhiu e agarrou ao Seth do pescoço.

—Logo te darei uma surra —disse ao Seth com um sussurro muito teatral—. Quando não houver testemunhas.

—Isso quisesse. —Seth, radiante de prazer, ficou bem a boina e fingiu desinteresse—. Alguns de nós temos trabalho...

—E outros não.

—Acreditava que foste vir conosco —comentou Sybill ao Seth—. Gosta?

—Sou um escravo. —Seth olhou o navio—. Ténemos que fazer um casco. Além disso, seguro que este artista acaba derrubando.

—Mucoso impertinente... —Phillip tentou agarrá-lo, mas Seth se escabulló agilmente.

—Espero que saiba nadar! —gritou Seth enquanto se afastava entre risadas.

Phillip olhou ao Sybill, que se mordia o lábio inferior.

—Não vou derrubar.

—Bom... —Sybill olhou o navio, que lhe pareceu muito pequeno e frágil—. Sei nadar, assim suponho que não passa nada.

—Esse niñato aparece por aqui e me afunda a reputação. Levo navegando desde antes de que ele viesse ao mundo.

—Não te zangue com ele.

—Mmm?

—Por favor, não te zangue com ele. Estou segura de que era uma brincadeira. O não queria te faltar ao respeito.

Phillip a olhava fixamente. Estava pálida e brincava nervosamente com a cadeia de ouro que levava a pescoço. Sua voz refletia verdadeira angústia.

—Sybill, não estou zangado. Tiramos o sarro. Tranqüila. —Passou-lhe a ponta dos dedos pela mandíbula—. É a forma masculina de nos mostrar carinho.

—Ah. —Não sabia se sentir-se envergonhada ou aliviada—. Suponho que isso demonstra que não tive irmãos.

—teriam se ocupado de te amargurar a existência. —inclinou-se e a beijou delicadamente nos lábios—. É o tradicional. —Phillip montou no navio e alargou uma mão. Sybill vacilou um segundo e a agarrou. —Bem-vinda a bordo.

A coberta se movia sob seus pés, mas ela fez todo o possível para não lhe dar importância.

—Obrigado. Tenho alguma tarefa?

—No momento, te sentar, te relaxar e desfrutar.

—Acredito que isso sei fazê-lo.

Ao menos, esperava poder fazê-lo. sentou-se em um dos bancos acolchoados e se agarrou com força enquanto ele saía outra vez para soltar as amarras. disse-se para seus adentros que não passaria nada e que ia divertir se muito.

Acaso não o tinha visto entrar navegando no porto, o mole ou como demônios se chamasse? Sabia o que fazia. Inclusive lhe tinha parecido um pouco presunçoso quando olhou ao hotel até que a viu no balcão.

O vê-lo navegar sobre o mar resplandecente pelo sol e que a buscasse até encontrá-la tinha tido algo ridiculamente romântico. O sorriso e a saudação com a mão... A ela lhe tinha alterado o pulso, mas era uma reação muito natural e humana. Era todo um espetáculo. As calças jeans desgastadas, a camiseta branca e impecável como as velas, o cabelo reluzente, a pele bronzeada, os braços musculosos mas elegantes... A que mulher não lhe alteraria o pulso ante a perspectiva de passar umas horas com um homem como Phillip Quinn? E que beijava como Phillip Quinn...

prometeu-se não lhe dar maior importância a esse talento especial que tinha Phillip, mas a noite anterior lhe tinha feito uma demonstração bastante entristecedora.

afastaram-se do mole. o som do motor lhe dava certa tranqüilidade. Ao fim e ao cabo, parecia-se com o do motor de um carro.

Além disso, não estavam completamente sozinhos. Viu os outros navios que navegavam com ligeireza e deixou de agarrar-se com força ao banco. Viu um menino, que não seria maior que Seth, montado em um navio muito pequeno com uma vela triangular. Se era seguro para os meninos, ela poderia resisti-lo.

—Içar velas.

Ela se voltou e sorriu distraídamente ao Phillip.

—O que há dito?

—Olhe.

Phillip se moveu elegantemente pela coberta e manipulou uns cabos. A velas se estenderam e se encheram com o vento. Ela se aferrou outra vez ao banco.

Nesse momento se dava conta de que se equivocou. Aquilo não tinha nada que ver com um carro. Era primitivo, precioso e emocionante. O navio já não parecia pequeno e frágil a não ser poderoso e um pouco perigoso, além de imponente.

Como o homem que o governava.

—É impressionante. —Sorriu ao Phillip sem soltar do banco—. São muito bonitos quando os Miro da janela, mas é precioso ver as velas de perto.

—Está sentada. —Phillip dirigia o leme—. Me parece que não está muito tranqüila.

—Ainda não, mas o estarei. —Ela voltou a cara para o vento que lhe agitou o cabelo como se queria liberar o da cinta—. Aonde vamos?

—A nenhum sitio em concreto.

Ela sorriu com uma expressão carinhosa e franco.

—Quase nunca posso ir aí.

Phillip pensou que era a primeira vez que lhe sorria assim. Não acreditava que ela soubesse que um sorriso tão sincero lhe transformava a beleza gélida em algo muito mais próximo. Alargou uma mão com a intenção de tocá-la.

—Vêem aqui, é muito melhor. —O sorriso se esfumou.

—Que me levante...?

—Sim. O mar está como um prato.

—Que me levante...? —repetiu ela separando muito bem as palavras—. Que vá até ali?

—São dois passos. —Phillip não podia deixar de sorrir—. Não quererá ser uma espectadora, verdade?

—A verdade é que sim. —Ela abriu os olhos como pratos ao ver que Phillip soltava o leme—. Nem te ocorra...

Conteve um grito quando ele riu e a agarrou pela mão. antes de que pudesse fazer nada, tinha-a levantado. Perdeu o equilíbrio e se agarrou a ele presa do terror.

—Não podia havê-lo preparado melhor —sussurrou ele sem soltá-la enquanto voltava para leme—. eu adoro te ter o suficientemente perto para te cheirar. Um homem tem que chegar até aqui...

Phillip voltou a cara e lhe aconteceu os lábios pelo pescoço.

—Para. —sentia-se dominada pelo medo e a excitação—. Disposta atenção.

—Asseguro-te —disse enquanto lhe mordia o lóbulo da orelha— que estou emprestando toda a atenção.

—Ao navio. Disposta atenção ao navio.

—Ah, já. —Seguia lhe rodeando a cintura com um braço—. Olhe a bombordo. À esquerda. Aquele pequeno canal que entra nas restingas. podem-se ver garças e perus selvagens.

—Onde?

—Às vezes terá que entrar para vê-los, mas outras vezes se podem ver as garças como se fossem esculturas que saem das ervas.

Ela queria as ver. Esperava as ver.

—Em outra época do ano, os gansos passam voando por aqui. De ali acima, esta zona lhes parecerá impressionante.

A ela, o coração lhe palpitava com força, mas tomou ar lentamente e o soltou também muito devagar.

—por que?

—As restingas. Estão muito longe das praias e não interessam aos promotores. Não as hão meio doido. É uma das vantagens da baía, um dos fatores que a convertem em um estuário. Melhor que os fiordes noruegueses para os pescadores.

Sybill voltou a tomar ar e a soltá-lo.

—por que?

—Os baixios, por exemplo. Um bom estuário necessita baixios para que o sol possa nutrir às novelo aquáticas e ao plâncton. Também pelas restingas. Têm baías e enseadas. —Deu-lhe um beijo no cocuruto—. Melhor, já está te tranqüilizando.

Ela, ante sua surpresa, deu-se conta de que não só estava tranqüila, mas também estava embebida.

—Estava apelando à científica, não?

—serviu para que lhe passem os nervos, verdade?.

—Sim. —Pareceu-lhe curioso que ele soubesse que tecla tocar—. Acredito que ainda não sou uma blusa de marinheiro, mas é uma vista preciosa. Tudo está muito verde. —Viram as frondosas árvores e as profundas sombras da restinga. Navegaram junto a postes coroados com uns ninhos enormes e desalinhados—. De que pássaro são esses ninhos?

—Da águia pescadora. São especialistas na técnica da dissociação. Pode passar junto a elas quando estão no ninho e nem lhe olham.

—Instinto de sobrevivência —sussurrou ela.

Tivesse-lhe gostado de ver isso, uma águia pescadora em seu ninho ignorando aos humanos.

—Vê as bóias laranjas? São nasas para caranguejos. O navio está comprovando as nasas e pondo ceva. Ali, a estribor —disse assinalando para a direita com a cabeça—. A pequena fueraborda. Parece-me que estão procurando pescados de rocha para o jantar.

—Há muito agitação —comentou Sybill—. Não sabia que passassem tantas coisas.

—Há agitação em cima e debaixo da água.

Phillip caçou as velas, o navio se escorou e rodearam uma fileira de árvores que penduravam da costa. Quando deixaram as árvores atrás, viram um embarcadero. Detrás havia uma costa coberta de grama e uns arriates de flores que estavam perdendo o colorido do verão. A casa era singela, branca com os Marcos das janelas azuis. No alpendre havia uma cadeira de balanço e uma velha tina de louça com crisântemos.

Sybill podia ouvir umas notas musicais que flutuavam com ligeireza no ar. Reconheceu ao Chopin.

—É preciosa. —Inclinou a cabeça e se moveu um pouco para seguir vendo a casa—. Só lhe falta um cão, um par de meninos dando patadas a um balão e um balanço feito com um pneumático.

—Eramos um pouco majores para ter um balanço feito com um pneumático, mas sempre tivemos um cão. É nossa casa —disse Phillip enquanto lhe acariciava distraídamente a rabo-de-cavalo.

—É sua casa?

Alargou o pescoço para tentar ver mais. Aí vivia Seth, disse-se debatendo-se entre dúzias de sentimentos contraditórios.

—Passamos muito tempo dando patadas aos balões ou uns aos outros. Voltaremos logo para que conheça resto da família.

Ela fechou os olhos para conter o remorso.

—eu adoraria.

Ele já tinha um sítio pensado. A silenciosa enseada de águas tranqüilas e salpicada com sombras era o sítio ideal para uma comida romântica. Jogou a âncora onde as ervas marinhas resplandeciam pela umidade e o céu os cobria com um intenso azul outonal.

—Naturalmente, a minha investigação da zona lhe faltava algo.

—Ah... —Phillip abriu uma geladeira portátil e tirou uma garrafa de vinho.

—Está cheia de surpresas.

—Espero que sejam surpresas agradáveis.

—Muito agradáveis. —Ela sorriu e arqueou uma sobrancelha ao ver a etiqueta da garrafa de vinho—. Muito agradáveis.

—Parecia-me que foi uma mulher que saberia apreciar um bom Sancerre seco.

—É muito preparado.

—Certamente. —Tirou duas taças de uma cesta e serve o vinho—. Pelas surpresas agradáveis —disse Phillip antes de brindar.

—Há mais?

O tomou a mão e a beijou.

—Acabam de começar. —Apartou as taças e estendeu uma toalha branca na coberta—. A mesa está preparada.

—Ah. —Ela, divertida, sentou-se, ficou uma mão de viseira contra o sol e sorriu ao Phillip—. Qual é o prato do dia?

—Um patê bastante bom para abrir o apetite.

Abriu uma caixa cheia de bolachas salgadas, lubrificou uma e a levou aos lábios do Sybill.

—Mmm. —Ela assentiu com a cabeça—. Muito bom.

—Depois há salada de caranguejo a Quinn.

—Parece lhe sugira. Tem-na feito com suas próprias mãos?

—Efetivamente. Sou um cozinheiro sensacional.

—Cozinhas, tem um gosto excelente com o vinho e lhe sintam muito bem os jeans. —Voltou a dar uma dentada ao patê, mais tranqüila por ter sorteado facilmente o terreno familiar—. Parece uma boa partida, senhor Quinn.

—Sou-o, doutora Griffin.

Ela riu com o olhar fixo na taça de vinho.

—A quantas mulheres afortunadas trouxeste até aqui para lhes dar salada de caranguejo?

—A verdade é que não havia tornado por aqui do verão de segundo de carreira. Essa vez foi um Chabils aceitável, camarões-rosa frite e Marianne Teasdale.

—Suponho que deveria me sentir adulada.

—Não sei. Marianne era muito apaixonada. —Voltou a esboçar esse sorriso irresistível—. Mas eu era inexperiente e não tinha visão de futuro e a troquei por uma estudante de medicina com um ceceio muito sedutor e uns enormes olhos marrons.

—O ceceio abranda aos homens. recuperou-se Marianne?

—O suficiente para casar-se com um encanador e lhe dar dois filhos, embora, naturalmente, todos sabemos que ainda me deseja.

Sybill riu, lubrificou uma bolacha e a deu ao Phillip.

—Eu gosto.

—Você também eu gosto. —Agarrou-a pela boneca e mordiscou a bolacha que lhe oferecia ela—. Embora não ceceie.

O seguiu mordiscando a gema de seus dedos, e ao Sybill custava respirar.

—É muito amável —sussurrou ela.

—Você é encantadora.

—Obrigado. Mas tenho que dizer —continuou ela soltando-a mão— que embora seja muito amável e muito atrativo, e me passe isso muito bem contigo, não tenho intenção de que me seduza.

—Já sabe o que dizem das intenções.

—Eu penso manter as minhas. Desfruto com sua companhia, mas também te vê o espanador. —Sorriu e fez um gesto com a taça de vinho—. Faz cem anos, estaríamos falando de um uva sem semente. Ele o pensou um instante.

—Não soa a insulto.

—Não tinha por que sê-lo. Os uvas sem semente eram encantadores e muito pouco sérios.

—Nisso não estou de acordo. Sou muito sério com algumas costure.

—Vejamos... —Ela procurou na geladeira e tirou outro recipiente—. estiveste casado?

—Não.

—Comprometido? —perguntou ela enquanto levantava a tampa para ver a maravilhosa salada de caranguejo.

—Não.

—viveste com uma mulher durante pelo menos seis meses seguidos?

Phillip se encolheu de ombros, tirou uns pratos e deu ao Sybill um guardanapo de linho azul.

—Não.

—Então, podemos supor que não é sério quanto às relações.

—Também podemos supor que ainda não encontrei a mulher com a que quero ter uma relação séria.

—É possível. Entretanto... —Ela o olhou com os olhos entrecerrados enquanto ele servia a salada—. Quantos anos tem? Trinta?

—Trinta e a gente —particularizou ele de uma vez que acrescentava uma parte de pão a cada prato.

—Trinta e um. O normal é que um homem de trinta e um anos, nesta cultura, pelo menos tenha passado por uma relação monógama, duradoura e séria.

—Eu não me preocupo com ser normal. Azeitonas?

—Sim, obrigado. O normal não tem por que ser pouco atrativo. Tampouco o é a conformidade. Todo mundo se conforma. Inclusive quem se considera rebeldes aceitam alguns códigos e critérios.

Phillip, que estava desfrutando, inclinou a cabeça.

—Diz-o a sério, doutora?

—Completamente. As gangues urbanas têm regras, códigos e critérios internos. Cores —acrescentou enquanto tomava uma azeitona—. Nisso se parecem bastante a qualquer instituição do sistema.

—Teria que ter estado aí —balbuciou Phillip.

—Como há dito?

—Nada. O que me diz dos assassinos em série?

—Seguem pautas. —Sybill também estava desfrutando—. do FBI os estuda e os cataloga segundo suas características. A sociedade não os chamaria critérios, naturalmente, mas isso é o que são no sentido estrito da palavra.

Certamente tinha certa razão. Phillip estava cada vez mais fascinado.

—Então, você, a observadora, distingue às pessoas segundo as normas, os códigos e as pautas que seguem.

—Mais ou menos. É bastante fácil entender às pessoas se se disposta atenção.

—O que me diz das surpresas?

Ela sorriu, gostou da pergunta tanto como que lhe tivesse ocorrido. Quase nenhum dos homens que tinha conhecido estava interessado em seu trabalho.

—têm-se em conta. Sempre há uma margem de engano ou de correção. A salada está muito bom. A surpresa, agradável, é que te tenha tomado a moléstia de prepará-la.

—Não crie que a gente está acostumada estar disposta a tomar uma moléstia por alguém que quer? —Ela piscou e ele inclinou a cabeça—. Vá, pilhei-te por surpresa.

—Quase não me conhece. —Tomou a taça como um gesto defensivo—. Há uma diferença entre que alguém você goste e querê-lo. O segundo leva mais tempo.

—Alguns não perdemos o tempo. —Desfrutava ao vê-la nervosa. Era uma situação excepcional—. Como eu.

—Já me dei conta. Entretanto...

—Entretanto, eu gosto de ouvir sua risada; eu gosto quando te estremece ligeiramente por um beijo; eu gosto do tom didático de sua voz quando expõe uma teoria.

Ela franziu o cenho.

—Não sou didática.

—Deliciosamente didática. —Passou-lhe os lábios pela têmpora—. Também eu gosto de seus olhos quando começo a te turvar. portanto, acredito que entrei totalmente na fase de te querer. Agora, lhe apliquemos sua teoria a ver o que resulta. estiveste casada?

Os lábios do Phillip lhe percorriam o lóbulo da orelha e ela não podia pensar com claridade.

—Não. Bom, não de tudo.

O se separou e a olhou com os olhos entrecerrados.

—Não ou não de tudo?

—Foi um impulso, um engano de cálculo. Não durou nem seis meses. Não conta.

Tinha a cabeça nublada, necessitava espaço para respirar. O a apertou mais.

—Esteve casada...?

—Só tecnicamente. Não...

Ela voltou a cabeça para defender-se e se encontrou com a boca dele, que lhe separou os lábios e se deleitou abrasadoramente.

Era como deixar-se arrastar por uma onda a câmara lenta, como afundar-se em um mar sedoso e resplandecente. Tudo nela se fez líquido. Mais tarde se deu conta de que tinha sido uma surpresa que não tinha tido em conta nessa pauta de conduta concreta.

—Não conta —conseguiu dizer enquanto jogava a cabeça para trás e lhe acariciava o pescoço com os lábios.

—De acordo.

Se ele a tivesse tomado por surpresa, lhe teria feito exatamente o mesmo. O sentiu que todo o desejo lhe saía à superfície ante a entrega repentina e absoluta dela. Tinha que tocá-la, enchê-las mãos com ela, enchê-las mãos com as maravilhosas curvas cobertas por uma blusa de algodão fina e impecável.

Tinha que saboreá-la, cada vez mais profundamente, até chegar à origem dos murmúrios de prazer e surpresa que lhe brotavam da garganta. Ao fazê-lo, ao acariciá-la e saboreá-la, lhe rodeou o pescoço com os braços, passou-lhe as mãos pelo cabelo e se girou até que os corpos se acoplaram.

Notou que os corações pulsavam ao mesmo ritmo.

Ela sentiu uma pontada de pânico quando ele começou a lhe desabotoar a blusa.

—Não. —Os dedos lhe tremiam quando os pôs sobre a mão dele—. É muito logo. —Ela fechou os olhos com todas suas forças para tentar recuperar o domínio de si mesmo—. O sinto, não vou tão depressa. Não posso.

Não lhe resultou fácil conter as vontades de saltá-las regras, de tombá-la sobre a coberta até que ela voltasse a deixar-se levar. Pô-lhe os crispados dedos debaixo do queixo e lhe levantou a cara. Não, não era nada fácil, voltou a pensar ele ao ver que os olhos refletiam desejo e rechaço. Entretanto, tinha que fazê-lo.

—De acordo. Sem pressas. —Passou-lhe o polegar pelo lábio superior—. me Fale de esse que não conta.

Ela tinha as idéias dispersas e não podia pensar nada coerente enquanto a olhasse com aqueles olhos cor caramelo.

—O que?

—Seu marido.

—Ah. —Ela apartou o olhar para concentrar-se na respiração.

—O que faz?

—É uma técnica de relaxação.

O sorriu com certo ar zombador.

—Funciona?

—Com o tempo.

—Maravilhoso. —O se aproximou até que tiveram os quadris pegos e respirou ao ritmo dela—. Esse tipo com o que esteve tecnicamente casada...

—Foi na universidade, no Harvard. Estava especializado em química. —Fechou os olhos e ordenou aos dedos dos pés e aos tornozelos que se relaxassem.—. Acabávamos de fazer vinte anos e perdemos a cabeça uma temporada.

—Fugiram-lhes.

—Sim. Nem sequer vivíamos juntos porque dormíamos em dormitórios separados. Não foi um matrimônio de verdade. Demoramos semanas em dizer-lhe a nossas famílias e então, naturalmente, houve algumas cenas bastante desagradáveis.

—por que?

—Porque... —Ela abriu os olhos de repente e o sol a cegou. Algo saltou na água detrás dela e logo só ficou seu roce contra o casco—. Não encaixávamos. Não tínhamos nenhum plano factível. Eramos muito jovens. O divórcio foi tranqüilo, rápido e civilizado.

—Amava-o?

—Eu tinha vinte anos. —A relaxação estava lhe alcançando os ombros—. Naturalmente, eu acreditava que o amava. O amor é muito singelo a essa idade.

—E da avançada idade de vinte e sete, vinte e oito...?

—Vinte e nove passados. —Soltou o ar firmemente e se voltou para olhá-lo—. Não pensei no Rob há anos. Era muito bom. Espero que seja feliz.

—E isso é tudo por sua parte?

—Tem que sê-lo.

Ele assentiu com a cabeça, mas a história lhe pareceu muito triste.

—Então, tenho que lhe dizer, doutora Griffin, que, segundo sua escala, você não se toma a sério as relações.

Ela abriu a boca para protestar, mas, com um rasgo de sensatez, voltou a fechá-la. Despreocupadamente, agarrou a garrafa de vinho e encheu as taças.

—Possivelmente tenha razão. Terei que pensar sobre o assunto.

 

Ao Seth não importava fazer turma com o Aubrey. Grace e Ethan estavam casados e ela era uma espécie de sobrinha. Além disso, ela só queria dar voltas pelo jardim. Cada vez que atirava uma bola ou um pau a um dos cães, ela morria de risada. A um menino, isso lhe entusiasmava.

Além disso era uma preciosidade com o cabelo encaracolado e dourado, e tinha uns ojazos verdes que pareciam assombrar-se de tudo o que ele fazia. Não estava mal passar um par de horas ou três entretendo-a-os domingos.

Não se tinha esquecido de onde estava ele fazia um ano. Ali não havia um jardim que acabava no mar, nem um bosque para explorar, nem cães para jogar, nenhuma menina que o olhava como se fora um herói da televisão.

Naquele lugar havia habitações repugnantes a três pisos do chão e ruas que eram um verdadeiro carnaval pelas noites onde tudo tinha seu preço: o sexo, as drogas, as armas, a desdita...

Tinha aprendido que passasse o que passasse fora dessas habitações pestilentas, ele não podia sair depois de que obscurecesse.

Ninguém se tinha ocupado de que estivesse limpo ou de que comesse. Ela tinha levado a todo tipo de gentinha para poder pagá-la dose seguinte.

Fazia um ano, ele não acreditava que sua vida pudesse trocar em algo. Até que apareceu Ray e o levou a casa junto ao mar. Ray lhe ensinou um mundo distinto e lhe prometeu que nunca teria que voltar para outro.

Ray tinha morrido, mas tinha mantido sua promessa. Nesse momento, podia estar em um jardim banhado pelo mar e atirar Pelotas aos cães enquanto uma menina com cara de anjo ria.

—Seth, me deixe! me deixe!

Aubrey saltitava sobre seus rechonchas pernas com as mãos em alto.

—Muito bem, atira-a.

Seth sorriu ante o gesto de concentração e esforço. A bola caiu a uns centímetros de suas sapatilhas vermelhas. Simon a recolheu e a devolveu educadamente entre os gritos de felicidade do Aubrey.

—Perrito bom, bom.

Aubrey aplaudiu na cabeça ao paciente Simon. Parvo se abriu aconteço e lhe deu um empurrão no traseiro. Lhe recompensou com um abraço arrebatador.

—Agora você —ordenou ao Seth—. Atira-a você.

Seth obedeceu e lançou a bola. riu ao ver os cães correr detrás dela entre empurrões como se fossem uns jogadores de futebol americano. Irromperam no bosque e uns pássaros saíram espavoridos.

Naquele momento, quando Aubrey se retorcia de risada, quando os cães ladravam e ele notava o ar fresco de setembro nas bochechas, Seth era completamente feliz. Uma parte de sua cabeça se concentrou nisso para mantê-lo gravado. O brilho do sol no mar, a voz pastosa do Otis Redding que saía pela janela da cozinha, os gemidos impertinentes dos pássaros e o aroma salgado da baía.

Estava em casa.

Até que o som de um motor lhe chamou a atenção. Quando se voltou, viu o balandro da família que se aproximava do embarcadero. Phillip, que ia ao leme, levantou uma mão. Seth, enquanto devolvia a saudação, olhou à mulher que ia junto ao Phillip. Notou como se algo lhe roçasse a nuca, algo ligeiro e cauteloso como as patas de uma aranha. passou-se a mão distraídamente pela nuca, encolheu-se de ombros e agarrou com força a mão do Aubrey.

—te lembre, tem que ficar no meio do embarcadero.

Ela o olhou com veneração.

—Vale. Mamãe diz que nunca, nunca posso ir sozinha ao bordo.

—Isso.

Entraram no embarcadero e esperaram a que chegasse Phillip. Curiosamente, foi a mulher quem lhe lançou o cabo da proa. chamava-se Sybill não sei o que, disse-se Seth. Por um instante, enquanto ela recuperava o equilíbrio, olhada-las se encontraram e ele voltou a sentir algo estranho na nuca.

Então, o cães chegaram como um torvelinho e Aubrey voltou a rir como uma louca.

—Olá, meu amor.

Phillip ajudou ao Sybill a baixar-se e piscou os olhos um olho ao Aubrey.

—Acima —lhe exigiu ela.

—Agora mesmo. —Phillip a levantou em velo e lhe deu um beijo muito sonoro na bochecha—. Quando vais ser major para te casar comigo?

—Amanhã!

—Isso é o que diz todos os dias. Apresento ao Sybill. Sybill, apresento ao Aubrey, minha garota favorita.

—É bonita —afirmou Aubrey com um sorriso que o fazia umas covinhas.

—Obrigado, você também.

Os cães não paravam de dar voltas a seu redor e Sybill deu um passo atrás. Phillip a agarrou por braço antes de que caísse do embarcadero.

—Tranqüila. Seth, chama os cães, Sybill está incômoda.

—Não fazem nada.

Seth sacudiu a cabeça em um gesto que deixou muito claro que Sybill tinha baixado muitos pontos no conceito que tinha dela, mas agarrou aos cães pelo colar e os reteve até que ela pôde passar.

—Já está todo mundo? —perguntou- Phillip ao Seth.

—Sim, sonho com o jantar. Grace trouxe um bolo de chocolate gigante e CAM enrolou a Anna para que faça lasaña.

—Que Deus a benza. A lasaña de minha cunhada é uma obra de arte —disse Phillip ao Sybill.

—Falando de arte, Seth, queria voltar a te dizer o muito que eu gostei de seus desenhos do estaleiro. São muito bons.

O se encolheu de ombros e se agachou para recolher dois paus e atirar-lhe aos cães.

—Desenho de vez em quando.

—Eu também. —Sybill compreendeu que era absurdo, mas se ruborizou quando Seth a olhou de cima abaixo como se estivesse julgando-a—. Eu gosto de desenhar em meu tempo livre. Relaxa-me e é lhe gratifique.

—Sim, suponho...

—Podia me ensinar alguns desenhos mais...

—Se quiser...

Seth abriu a porta da cozinha e foi diretamente à geladeira. Ao Sybill pareceu um gesto muito significativo. Estava em sua casa.

Jogou uma olhada à habitação. Havia uma panela cheia de água fervendo em uns fogões que pareciam antigos. O aroma era incrivelmente aromático. O suporte que havia sobre a pia estava cheia de potes de argila com todo tipo de ervas.

As encimeras estavam podas, embora um pouco gastas. Em um extremo, debaixo de um telefone de parede, havia um montão de papéis sujeitos com um jogo de chaves. Um fruteiro bastante plano cheio de maçãs vede e vermelhas fazia de centro de mesa. diante de uma cadeira havia uma taça meio cheia de café e debaixo dessa mesma cadeira se viam dois sapatos.

—Maldita seja! Terei que assassinar a esse árbitro. lançaram a bola a dois metros de altura.

Sybill arqueou a sobrancelha para ouvir a furiosa voz masculina que chegava da habitação do lado. Phillip se limitou a sorrir e balançou ao Aubrey no ar.

—Beisebol. CAM se está tomando muito a sério a liga deste ano.

—A partida! Me tinha esquecido. —Seth fechou com uma portada a porta da geladeira e saiu correndo da cozinha—. Como vão? Que entrada é? O que passou?

—Três a dois; final da sexta; dois eliminados; um homem na segunda. Sente-se e fecha o pico.

—Muito a sério —repetiu Phillip enquanto deixava ao Aubrey no chão.

—Muitas vezes, o beisebol se converte em algo pessoal entre o público e a equipe contrária. Sobre tudo —acrescentou Sybill com um gesto da cabeça—, quando a temporada chega a setembro.

—Você gosta do beisebol?

—por que não? —replicou entre risadas—. É um estudo fascinante dos homens, o trabalho em equipe, a batalha... Velocidade, astúcia, estratégia e, sempre, o lançador contra o rebatedor. Ao final, tudo se reduz a elegância e resistência. E matemática.

—vamos ter que ir ver uma partida. eu adoraria ouvir seu estilo de comentarista. Quer algo?

—Não, obrigado. —ouviram-se mais gritos e palavrões—. Mas me parece que poderia ser perigoso sair desta habitação enquanto perde a equipe de seu irmão.

—É muito perspicaz. —Phillip lhe acariciou uma bochecha—. vamos ficar nos Y...

—O que faz! —gritou CAM da sala—. Esse filho de puta é incrível.

—Mierda. —A voz do Seth era descarada e fanfarrona—. Esses porcos de Califórnia nos vão montar isso.

Phillip deixou escapar um suspiro.

—Possivelmente devêssemos ir durante um par de entradas.

—Seth, acreditava que já tínhamos falado da linguagem que se usa nesta casa.

—É Anna —sussurrou Phillip—. Está baixando para pôr ordem.

—Cameron, eu acreditava que foi uma pessoa adulta.

—É o beisebol, carinho.

—Se não cuidarem sua linguagem, apago a televisão.

—É muito estrita —explicou Phillip ao Sybill—. Tem aterrados a todos.

—De verdade...? —perguntou-lhe Sybill enquanto olhava para a sala.

Sybill ouviu outra voz mais suave e acalmada, e logo a resposta firme do Aubrey.

—Não, mamãe, por favor. Quero estar com o Seth.

—Não se preocupe, Grace. Pode ficar comigo.

O tom tranqüilo e despreocupado do Seth fez pensar ao Sybill.

—Não é normal, parece-me, que um menino da idade do Seth seja tão paciente com uma menina tão pequena.

Phillip se encolheu de ombros e foi aos fogões para fazer uma cafeteira.

—levam-se muito bem. Aubrey o adora. Isso adula a vaidade do Seth e ele se comporta muito bem com ela.

voltou-se com um sorriso enquanto as duas mulheres entravam na cozinha.

—Vá, as fugitivas... Sybill, estas são as mulheres que me roubaram meus irmãos. Anna, Grace, a doutora Griffin.

—Só nos quer para que lhe cozinhemos —esclareceu Anna com uma gargalhada enquanto estendia a mão—. Prazer em conhecê-lo. Tenho lido seus livros, parecem-me muito brilhantes.

Sybill, pilhada por surpresa tanto pela declaração como pela beleza entristecedora da Anna Spinelli Quinn, quase se cambaleou.

—Obrigado. Agradeço-te que admita esta intrusão um domingo pela tarde.

—Não é nenhuma intrusão. Estamos encantados. —além de que lhe corroesse a curiosidade, disse-se Anna para seus adentros. Conhecia o Phillip desde fazia sete meses e era a primeira mulher que levava um domingo pela tarde.

—Phillip, vete a ver o beisebol. —Fez-lhe um gesto com a mão para a porta—. Grace, Sybill e eu podemos nos arrumar sozinhas.

—Também é uma mandona —advertiu Phillip ao Sybill—. Se necessitar ajuda, dá um grito e virei a te resgatar.

Deu-lhe um beijo terminante na boca antes de que ela pudesse fazer nada por evitá-lo e saiu da habitação.

Anna cantarolou algo com certa intenção e logo sorriu de brinca a orelha.

—vamos tomar uma taça de vinho. —Grace tirou uma cadeira.

—Phillip nos há dito que vais ficar te uma temporada no St. Chris e que logo escreverá um livro.

—Algo assim.

Sybill tomou fôlego. Só eram um par de mulheres. Uma moréia impressionante de olhos negros e uma loira mais fria mas encantadora. Não tinha motivos para estar nervosa.

—Em realidade —continuou Sybill—, tenho pensado escrever sobre a cultura, as tradições e o esquema social dos povos pequenos e as comunidades rurais.

—por aqui tem que as duas coisas.

—Isso vejo. Ethan e você lhes casastes recentemente, não?

O sorriso do Grace se fez mais cálida e olhou o anel de ouro que levava no dedo.

—O mês passado.

—E os dois lhes criaram aqui...

—Eu nasci aqui. Ethan veio quando tinha uns doze anos.

—Você também é desta zona? —perguntou a Anna.

sentia-se mais cômoda no papel de entrevistadora.

—Não, sou de Pittsburgh. Trabalho para os serviços sociais. Sou criada social. Por isso me interessam tanto seus livros.

Deu uma taça de vinho tinjo ao Sybill.

—Ah, é verdade, é a criada social do Seth. Phillip me comentou isso.

—Mmm. —Isso foi quão único disse Anna enquanto se dava a volta para ficar um avental—. Te gostou de navegar?

Sybill se deu conta de que não se falava do Seth com desconhecidos e o aceitou no momento.

—Sim, muito. mais do que imaginava. Agora me parece incrível ter demorado tanto em prová-lo.

—Eu naveguei pela primeira vez faz uns meses. —Anna pôs uma panela enorme cheia de água ao fogo—. Grace navegou toda sua vida.

—Trabalha aqui, no St. Christopher?

—Sim, limpo casa.

—Incluída esta, graças a Deus —interveio Anna—. Lhe estava dizendo que deveria montar uma empresa. «Faxineiras ao seu dispor» ou algo assim. —Grace riu, mas Anna sacudiu a cabeça—. O digo a sério. Seria um serviço fantástico, sobre tudo para as mulheres que trabalham. Também poderiam lhes ocupar de escritórios. Se formas uma equipe de duas ou três pessoas, funcionaria o boca a boca.

—Você tem mais aspirações que eu. Além disso, não sei levar uma empresa.

—com certeza que sim sabe. Sua família leva gerações administrando a cangrejera.

—A cangrejera? —perguntou Sybill.

—Capturam-nos, empacotam-nos e os entregam. —Grace levantou uma mão—. Se tiver tomado caranguejo enquanto estava aqui, chegou-te através da empresa de meu pai, mas eu nunca participei.

—Isso não quer dizer que não possa levar sua empresa. —Anna tirou uma parte de mozzarella da geladeira e começou a cortá-lo—. Há muita gente que está desejando pagar por um serviço doméstico bom e digno de confiança. Não querem acontecer o pouco tempo livre que têm cozinhando, limpando a casa ou fazendo a penetrada. Os papéis tradicionais estão trocando, verdade, Sybill? As mulheres não podem acontecer-se todo o tempo na cozinha.

—Bom, estaria de acordo, mas... aqui está você.

Anna se parou, piscou, jogou a cabeça para trás e riu. Ao Sybill pareceu que deveria estar dançando ao redor de uma fogueira levada pela música dos violinos e os violões em vez de estar cortando queijo em uma cozinha cheia de aromas.

—Tem toda a razão. —Anna sacudiu a cabeça sem deixar de rir—. Aqui estou eu enquanto meu marido está atirado em uma poltrona sem poder apartar os olhos da partida. Além disso, é uma cena muito corrente os domingos pela tarde. Não me importa, eu adoro cozinhar.

—De verdade?

Anna voltou a rir ao captar o tom de incredulidade na pergunta do Sybill.

—De verdade, mas não quando tenho que chegar depressa e correndo do trabalho e juntar quatro coisas. Por isso fazemos turnos. As segundas-feiras se comem os restos do que tenha cozinhado no domingo. As terças-feiras nos temos que agüentar com o que faça CAM, que é uma nulidade para a cozinha. As quartas-feiras compram alguma comida preparada. As quintas-feiras cozinho eu e as sextas-feiras Phillip. Os sábados cada um faz o que quer. É um sistema muito funcional, quando funciona.

—Anna está decidida a que Seth se faça cargo das quartas-feiras dentro de um ano.

—Tão jovem?

Anna se apartou o cabelo da cara.

—dentro de um par de semanas fará onze anos. Quando eu tinha sua idade, podia fazer um molho de tomate de te chupar os dedos. Ao final, merecerá a pena o esforço de lhe ensinar e de lhe convencer de que segue sendo um homem embora saiba cozinhar. Além disso —acrescentou enquanto jogava a massa plaina na água fervendo—, se lhe animo lhe dizendo que pode superar ao CAM em qualquer terreno, será um estudante sobressalente.

—Não se levam bem...

—levam-se de maravilha. —Anna inclinou a cabeça para ouvir os gritos, as patadas no chão e as palmadas que chegavam da sala—. E o que mais gosta ao Seth é impressionar a seu irmão maior. O que significa, naturalmente, que discutem e se provocam constantemente. —Anna voltou a sorrir—. Intuo que não tem irmãos...

—Não, não os tenho.

—Irmãs? —perguntou-lhe Grace sem compreender por que os olhos do Sybill se tornavam tão frios.

—Uma.

—Eu sempre quis ter uma irmã. —Grace sorriu a Anna—. Agora, já a tenho.

—Grace e eu fomos filhas únicas. —Anna apertou o ombro do Grace quando passou junto a ela para mesclar os queijos. Aquele gesto de intimidade lhe produziu uma pontada de inveja ao Sybill—. Desde que nos apaixonamos pelos Quinn, ressarcimo-nos rapidamente de ter tido famílias pequenas. Sua irmã vive em Nova Iorque?

—Não. —Sybill sentiu um vazio no estômago—. Não nos tratamos muito. me desculpem. —separou-se da mesa—. Posso usar o quarto de banho?

—Claro. A primeira porta à esquerda do vestíbulo. —Anna esperou a que Sybill tivesse saído e fez uma careta com os lábios—. Não sei o que pensar dela.

—Parece um pouco incômoda.

Anna se encolheu de ombros.

—Bom, suponho que terá que esperar a ver o que acontece, não?

Sybill se molhou a cara com água. Tinha calor, estava nervosa e sentia náuseas. Não entendia a aquela família. Eram ruidosos, às vezes vulgares e procediam de orígenes distintos. Entretanto, pareciam felizes, levavam-se bem e eram muito carinhosos.

secou-se a cara e se encontrou com o reflexo de seus olhos no espelho. Sua família nunca tinha sido nem ruidosa nem vulgar. Exceto naqueles momentos espantosos quando Glorifica tinha forçado as coisas. Tampouco podia dizer sinceramente se tinham sido felizes nem se se tinham levado bem. O carinho nunca tinha sido uma prioridade nem se expressou abertamente.

Simplesmente, não eram pessoas muito expressivas, disse-se a si mesmo. Ela sempre tinha sido mais cerebral, contra sua tendência natural, como defesa a desconcertante volubilidade de Glória. A vida era mais tranqüila se se dependia da cabeça. Ela sabia e acreditava nisso com convicção.

Entretanto, naquele momento, estava desassossegada pelos sentimentos. sentia-se como uma mentirosa, uma espiã e uma entremetida. Ajudava-lhe recordar-se que estava fazendo todo isso pelo bem do menino. Aliviava-lhe que esse menino fora seu sobrinho; tinha direito a estar ali para formar uma opinião.

Era uma questão de objetividade, pensou enquanto se apertava as pontas dos dedos contra as têmporas. limitaria-se a isso enquanto reunia todos os dados, todos os fatos e tirava uma conclusão.

Saiu silenciosamente do quarto de banho e se aproximou do alvoroço da partida de beisebol. Viu o Seth convexo aos pés do CAM e gritando à televisão. CAM fazia gestos com a cerveja na mão enquanto discutia com o Phillip. Ethan se limitava a ver a partida com o Aubrey feita um novelo em seu regaço e dormida a pesar do ruído.

A habitação era acolhedora, um pouco desarrumada e de aspecto cômodo. Havia um piano em um rincão. Em cima tinha um floreiro com zinnias e dúzias de fotos emolduradas. Seth tinha a seu lado uma terrina média cheia de batatas fritas. O tapete estava cheia de miolos, sapatos, o periódico e uma parte de corda mordida e suja.

Tinha escurecido, mas ninguém se incomodou em acender a luz.

Começou a retirar-se, mas Phillip a viu. Sorriu e lhe fez um gesto com a mão. Ela se aproximou e lhe deixou que ele a sentasse no braço da poltrona.

—É o final da novena —sussurrou—. Ganhamos por uma.

—Este lançador vai pegar lhe uma boa patada no culo.

Seth não elevou a voz, mas resultou alegre. Nem sequer piscou quando CAM lhe deu um golpe na cabeça com sua própria boina.

—Genial! À rua! —disse saltando e fez o gesto da vitória—. Somos os melhores. Tio, morro de fome.

Saiu correndo à cozinha e lhe ouviram suplicar que lhe dessem de comer.

—As partidas que ganham abrem o apetite —comentou Phillip enquanto beijava distraídamente a mão do Sybill—. Que tal vão as coisas por ali?

—Parece que tudo está controlado.

—vamos ver se tiver feita peças.

Levou-a a cozinha, que ao cabo de uns segundos estava transbordante de gente. Aubrey apoiava a cabeça no ombro do Ethan e piscava como um mocho. Seth se meteu um montão de azeitonas na boca e começou a comentar a partida.

Todo mundo se movia, falava e comia de uma vez. Phillip lhe deu outra taça de vinho antes de encarregar do pão. Lhe desconcertava menos que outros e ficou a seu lado no meio do caos.

Phillip cortou grandes fatias de pão e as lubrificou com manteiga e alho.

—Sempre há esta confusão? —sussurrou-lhe ela.

—Não. —O tomou sua taça de vinho e a chocou com a dela—. Às vezes há ruído e muita desordem.

Para quando chegaram ao hotel, a cabeça do Sybill era um hervidero. Tinha que assimilar muitas coisas. Visões, sons, personalidades, impressões... Tinha sobrevivido a jantares de Estado muito complicadas nas que a confusão não tinha sido tão grande como nesse jantar de domingo com os Quinn.

Necessitava tempo para analisá-la. Uma vez que tivesse escrito seus pensamentos e suas observações, ordenaria-os, estudaria-os e começaria a esboçar suas primeiras conclusões.

—Cansada?

Ela suspirou.

—um pouco. foi um dia muito ocupado, fascinante e cheio de calorias. Amanhã pela manhã irei ao ginásio do hotel. Passei-o muito bem —acrescentou enquanto Phillip estacionava diante do hotel.

—Me alegro. Então, estará desejando repeti-lo.

Phillip se desceu do carro, rodeou-o e a ajudou a baixar-se.

—Não faz falta que me acompanhe. Conheço o caminho.

—Acompanharei-te de todas formas.

—Não vou convidar te a entrar.

—Mesmo assim, vou acompanhar te até a porta, Sybill.

Ela não insistiu, foram juntos até os elevadores e entraram em um quando se abriu a porta.

—Então, parte-te amanhã a Baltimore?

Sybill pulsou o botão de seu piso.

—Esta noite. Quando as coisas estão resolvidas aqui, volto os domingos de noite. Quase não há tráfico e na segunda-feira começo antes a trabalhar.

—Tem que te custar fazer tantas viagens, a falta de tempo e as responsabilidades que lhe atam.

—Há muitas coisas que custam mas que merecem a pena. —Lhe acariciou o cabelo—. Não me importa lhe dedicar tempo e esforço ao que eu gosto.

—Bom... —Sybill se esclareceu garganta e saiu do elevador assim que pôde—. Te agradeço o tempo e o esforço de hoje.

—Voltarei na quinta-feira de noite. Quero verte outra vez.

Sybill tirou da bolsa o cartão magnético para abrir a porta.

—Agora mesmo não sei o que vou fazer o fim de semana.

O tomou a cara entre as mãos, aproximou-se e a beijou nos lábios. Pareceu-lhe que nunca se cansaria desse sabor.

—Quero verte —sussurrou Phillip sem separar os lábios dos do Sybill.

Ela sempre tinha mantido o domínio de si mesmo, distanciou-se das tentações da sedução e tinha resistido os embates da atração física, mas quando estava com ele, notava que cada vez se deixava levar mais longe e mais profundamente.

—Não estou preparada para isto —se ouviu dizer a si mesmo.

—Eu tampouco. —Mesmo assim a abraçou com mais força e a beijou com mais anseia—. Te desejo. Possivelmente seja uma boa idéia tomar uns dias para pensar no que passará depois.

Ela o olhou, tremente, ofegante e um pouco assustada do que lhe bulia por dentro.

—Sim, acredito que é uma boa idéia. —deu-se a volta e teve que usar as duas mãos para passar o cartão pela ranhura—. Conduz com cuidado.

Entrou em sua habitação, fechou a porta precipitadamente e se apoiou contra ela até que esteve segura de que não lhe sairia o coração do peito.

Era um disparate, disse-se a si mesmo. Era um absoluto disparate meter-se nessa confusão tão rapidamente. Mas também era uma científica que não desvirtuava os resultados com dados incorretos e tinha que reconhecer que o que estava lhe passando com o Phillip Quinn não tinha nada que ver com o Seth.

Tinha que pará-lo. Fechou os olhos e sentiu a pressão palpitante dos lábios do Phillip nos seus. Teve medo de não poder pará-lo.

 

Era um passo arriscado. Sybill pensou que inclusive poderia ser ilegal. Rondar perto do colégio do St. Christopher o fazia sentir-se como uma delinqüente, por muito que se dissesse que não estava fazendo nada mau.

Simplesmente passeava por uma rua no meio da tarde. Não estava espreitando ao Seth nem pensava seqüestrá-lo. Só queria falar com ele e vê-lo um momento a sós. Tinha esperado até na quarta-feira. Durante na segunda-feira e na terça-feira o tinha observado de uma distância prudencial para conhecer seus horários e o caminho que seguia. Normalmente os ônibus chegavam uns minutos antes de que se abrissem as portas do colégio.

Primeiro se baixavam os alunos de primário, logo os de secundária e ao final os de bacharelado.

Só isso já era uma lição sobre a evolução da infância. Os corpos compactos e as caras redondas dos meninos primário, logo os larguiruchos e torpes dos que rondavam a puberdade e, para terminar, os jovens incrivelmente adultos e mais individualistas que foram ao bacharelado.

Era todo um tratado. Dos cordões dos sapatos médio soltos e os sorrisos aos que lhes faltavam alguns dentes, das mechas de cabelo e jaquetas de beisebol aos jeans folgados e as cascatas de cabelo reluzente.

Os meninos nunca tinham entrado em sua vida nem tinham sido um de seus interesses. Tinha crescido em um mundo de adultos e se esperou dela que se adaptasse. Não tinha ido ao colégio em um ônibus amarelo, nem tinha gritado ao sair do colégio para voltar para mundo livre, nem se tinha entretido no estacionamento com algum menino com jaqueta de couro.

Observava todo aquilo como se estivesse vendo uma representação teatral e a mescla de drama e comédia lhe pareceu divertida e informativa.

O pulso lhe acelerou quando Seth saiu dando empurrões a um menino moreno que devia ser sua companhia mais habitual. O tirou a boina de beisebol do bolso traseiro da calça e a pôs assim que transpassou as portas do colégio. Um ritual que simbolizava a mudança de regras, pensou Sybill. O outro menino procurou no bolso e tirou um punhado de chicletes que se meteu na boca em questão de segundos.

Cada vez havia mais ruído e ela não pôde ouvir a conversação, mas lhe pareceu que era animada e que incluía muitas cotoveladas e choques de ombros.

Uma típica demonstração de carinho entre homens.

Passaram de comprimento os ônibus e começaram a caminhar pela calçada. Ao cabo de uns segundos, um menino mais pequeno os alcançou. Ia dando saltos e parecia ter muito que contar.

Ela esperou um momento e entrou no caminho que se cruzaria com o deles.

—Mierda, tio, o exame de geografia estava chupado. Qualquer tarado o teria aprovado.

Seth moveu os ombros para colocar-se bem a mochila.

O outro menino fez um globo rosa incrível, explorou-o e voltou a mastigá-lo.

—Não sei a quem lhe importa saber os nomes dos estados e seus capitais. Não acredito que eu vá viver no Dakota do Norte.

—Olá, Seth.

Sybill o viu parar-se, ordenar as idéias e fixar-se nela.

—Ah, sim, olá.

—O colégio terminou por hoje, não? Vai para casa?

—Para o estaleiro. —Voltou a sentir o comichão na nuca e isso lhe chateava—. Temos trabalho.

—Eu também vou nessa direção. —Tentou sorrir aos outros meninos—. Olá, meu nome é Sybill.

—Eu me chamo Danny —disse o outro menino—. Ele é Will.

—Encantada de lhes conhecer.

—tivemos sopa de verduras de comida —informou Will a todo mundo—. E Lisa Harbough a vomitou toda. E o senhor Jim teve que limpá-lo e sua mãe teve que ir procurar a e não pudemos escrever as letras do alfabeto.

O pirralho dava voltas ao redor do Sybill enquanto lhe contava todo isso, e logo lhe sorriu de uma forma tão inocente e resplandecente que ela se derreteu.

—Espero que Lisa fique bem logo.

—Uma vez, eu vomitei e fiquei todo o dia em casa vendo a televisão. Danny e eu vivemos no Heron Lane. Onde vive você?

—Estou de visita.

—Meu tio John e a tia Augie foram se viver a Carolina do Sul e fomos visitá-los. Têm dois cães e um bebê que se chama Mike. Você tem cães e bebês?

—Não...

—Pode os ter. Pode ir a canil e lhe dão um cão. Nós o fizemos. Também pode te casar e ter um bebê para que viva em seu estômago. É muito fácil.

—Caray, Will!

Seth pôs os olhos em branco e Sybill só pôde piscar.

—Bom, eu terei cães e bebês quando for maior. Todos os que queira. —Voltou a sorrir e saiu correndo—. Adeus.

—É um empollón —disse Danny com o típico desdém do irmão maior para o pequeno. Até mais tarde, Seth. —Saiu detrás do Will, mas se voltou, correu um pouco de costas e se despediu com a mão do Sybill—. Adeus.

—Will não é um empollón —lhe disse Seth—. É um pirralho e não pode calar a boca, mas me cai muito bem.

—É muito simpático. —Ela trocou de ombro a bolsa e sorriu ao Seth—. Importa se te acompanho o resto do caminho?

—Não...

—Pareceu-me te ouvir algo sobre um exame de geografia.

—Sim, hoje temos feito um. Uma tolice.

—Você gosta do colégio?

—Está aí. —encolheu-se de ombros—. Terá que ir.

—eu gostava de aprender coisas novas. —Sybill riu—. Suponho que era uma empollona.

Seth inclinou a cabeça e entrecerró os olhos como se lhe examinasse a cara. lembrou-se de que Phillip lhe havia dito que era muito observadora. Certamente o seria. Tinha uns olhos bonitos, a cor clara contrastava com as pestanas escuras. O cabelo não era tão moreno como o da Anna nem tão loiro como o do Grace. Era muito brilhante e a forma de sujeitar-lhe atrás e deixá-lo todo tirante lhe ressaltava a cara.

Poderia estar bem desenhá-la em algum momento.

—Não parece uma empollona —afirmou Seth quando Sybill começava a ruborizar-se pelo intenso exame—, mas sim um camundongo de biblioteca.

—Já... Bom, que disciplina você gosta mais?

—Não sei. Quase tudo é um montão de... bobagens. —Decidiu censurar sua opinião—. Acredito que o que mais eu gosto de é quando leio um pouco de pessoas em vez de coisas.

—Sempre me gostou de estudar às pessoas. —deteve-se e assinalou para uma casa cinza de dois pisos com um impecável jardim dianteiro—. Eu diria que aí vive uma família jovem. Os dois, o marido e a mulher, trabalham fora de casa e têm um filho que ainda não vai ao colégio, certamente um menino. O mais provável é que se conhecessem durante alguns anos e tenham casados menos de sete.

—Como sabe?

—Bom, é meio-dia e não há ninguém em casa. Não há carros no caminho e a casa parece vazia, mas há um triciclo e uns caminhões de brinquedo. A casa não é nova, mas está cuidada. A maioria dos casais jovens trabalham para comprar uma casa e formar uma família. Vivem em uma comunidade pequena. Os jovens não revistam estabelecer-se em um povo se um dos dois ou os dois não se criou nesse povo. Por isso decidi que esse casal vivia aqui, conheceram-se e acabaram casando-se. O mais provável é que tivessem um filho durante os primeiros três anos de matrimônio e os brinquedos indicam que tem entre três e cinco anos.

—Como moa —sentenciou Seth ao cabo de uns segundos.

Era absurdo, mas ela sentiu certo orgulho por não ter resultado um camundongo de biblioteca depois de tudo.

—Mas eu gostaria de saber algumas costure mais. —Parecia-lhe que tinha captado o interesse do Seth.

—Como o que?

—por que escolheram essa casa concreta? Que metas têm? Como têm a relação exposta? Quem dirige o dinheiro e por que?, o que indica a partilha do poder. Se se estudar às pessoas, conhecem-se suas pautas de conduta.

—Que mais dá?

—Não entendo.

—A quem lhe importa?

Ela o pensou.

—Bom, se entender essas pautas que formam a estrutura social a grande escala, então sabe por que a gente se comporta de certa forma.

—O que aconteceria eles não encaixassem?

Sybill pensou que era um menino brilhante e voltou a sentir um orgulho mais profundo.

—Todo mundo encaixa em alguma pauta de conduta. têm-se em conta os orígenes, a genética, a educação, o estrato social e as raízes religiosas e culturais.

—Pagam-lhe por isso?

—Sim, mais ou menos.

—Que estranho.

Essa vez lhe pareceu que sim a tinha relegado à categoria de camundongo de biblioteca.

—Pode ser interessante. —Sybill se espremia o cérebro para encontrar um exemplo que trocasse sua opinião dela—. Tenho feito um experimento em várias cidades. Fiz que um homem ficasse olhando um edifício.

—Só olhando-o?

—Exatamente. Estava de pé, olhava-o de cima abaixo e ficava a mão de viseira nos olhos quando o necessitava. Ao pouco tempo, alguém se parava a seu lado e também olhava o edifício. e assim sucessivamente até que se formava uma multidão que olhava ao edifício. Passava muito tempo até que alguém perguntava o que estava passando e por que olhavam o edifício. Ninguém queria ser o primeiro em perguntá-lo porque era uma forma de reconhecer que não via o que dava por sentado que via todo mundo. Todos queremos nos ajustar, encaixar, saber, ver e entender o que a pessoa do lado sabe, vê e entende.

—Estou seguro de que mais de um pensava que alguém ia saltar por uma janela.

—É muito provável. Como meia, uma pessoa ficava olhando e interrompendo seus quehaceres durante dois minutos. —Acreditava que havia tornado a estimular sua Isso imaginação é bastante tempo para ficar olhando a um edifício qualquer.

—Moa quantidade, mas segue sendo estranho.

Estavam chegando ao ponto onde ele se desviaria para o estaleiro.

—O que crie que aconteceria fizesse o mesmo experimento no St. Christopher? —perguntou-lhe Sybill de forma impulsiva.

—Não sei. O mesmo?

—Não acredito. —Sybill esboçou um sorriso de cumplicidade—. Quer prová-lo?

—Ao melhor.

—Podemos ir ao passeio marítimo. Preocupará-se seu irmão se chegar um pouco tarde? Tem que ir dizer lhe que está comigo?

—Não. CAM não me tem pacote a uma correia. Deixa-me um pouco a meu ar.

Sybill não sabia o que pensar sobre essa falta de disciplina, mas se alegrava de poder aproveitar-se.

—Então, vamos tentar o. Pagarei-te com um sorvete.

—Trato feito.

afastaram-se do estaleiro.

—Pode escolher o sítio —lhe disse Sybill—. Tem que estar de pé, normalmente, a gente não disposta atenção a alguém que está sentado e olhando. Dão é obvio que está sonhando acordado ou descansando.

—Entendo.

—É mais efetivo se miras para cima. Importa-te se o gravo em vídeo?

O arqueou as sobrancelhas ao ver que ela tirava uma câmara de vídeo da bolsa.

—Não... Vai com isso a todas partes?

—Só quando estou trabalhando. Também levo uma caderneta, um microfone, uma grabadora, pilhas, lápis e o telefone móvel —riu de si mesmo—. Eu gosto de estar preparada. Quando fizerem um ordenador que me caiba na bolsa, serei primeira em comprar o —Voy a ponerme ahí —dijo Seth señalando un sitio— y mirar hacia el hotel.

—Ao Phillip também gosta de todos esses aparelhos eletrônicos.

—É a bagagem da pessoa de cidade. Fazemos o que seja por não perder um segundo. Embora, naturalmente, não podemos nos distanciar de nada porque estamos constantemente conectados.

—Poderia apagar todos os cacharros.

—Sim. —O raciocínio lhe pareceu curiosamente profundo por sua simplicidade—. Suponho que poderia.

Não havia muitos paseantes. Viu um navio que descarregava a captura do dia e a uma família que desfrutava da tarde e se tomava uns sorvetes em uma terraço. Dois anciões, de rostos curtidos e com profundas rugas, estavam sentados em um banco de ferro com um tabuleiro de xadrez no meio. Nenhum dos dois parecia disposto a fazer um movimento. Três mulheres conversavam na porta de uma loja, mas só uma delas levava uma bolsa.

—vou pôr me aí —disse Seth assinalando um sítio— e olhar para o hotel.

—Boa eleição.

Sybill ficou onde estava enquanto Seth se afastava. necessitava-se certa distância para que o experimento fora real. Levantou a câmara e enfocou ao Seth. O se voltou e sorriu fugaz e descaradamente.

Quando sua cara encheu o visor, Sybill sentiu uma quebra de onda de sentimentos para a que não estava preparada. Era muito bonito e preparado; muito feliz. Fez um esforço por não deixar-se arrastar pelo que podia ser desesperança.

Podia ir-se, disse-se a si mesmo, podia fazer a mala e desaparecer, nunca voltaria a vê-lo. O nunca saberia quem era ela nem que relação tinham. Seth nunca sentiria falta do que ela poderia haver contribuído a sua vida. Ela não era ninguém para ele. Tampouco tinha tentado nunca sê-lo.

Agora era distinto. Estava fazendo que fora distinto. obrigou-se a relaxar os dedos, o pescoço e os braços. Não estava fazendo nada mau por tentar conhecê-lo e dedicar um pouco de tempo a estudá-lo.

Gravou-o quando ficou em seu sítio e levantou a cara. Tinha um perfil mais delicado e anguloso que o de Glória. Possivelmente tivesse a ossatura de seu pai.

Tampouco tinha o tipo de Glória, como tinha pensado ao princípio; parecia-se mais a ela mesma e a sua mãe. Seria alto quando terminasse de crescer, com pernas largas e mas bem magro.

Sua linguagem corporal, comprovou com certa surpresa, era típico dos Quinn. Já tinha adquirido alguns rasgos de sua família adotiva. Essa postura com o quadril inclinado, as mãos nos bolsos e a cabeça inclinada...

Reprimiu uma pontada de ressentimento e se concentrou no experimento.

Passou pouco mais de um minuto antes de que uma pessoa se parasse junto ao Seth. Reconheceu à mulher grosa de cabelo cinza que atendia o mostrador do Crawford'S. Todo o alago a chamava Mamãe Crawford. Como tinha previsto, a mulher levantou a cabeça para olhar para onde olhava Seth, mas depois de jogar uma olhada, deu-lhe uma palmada no ombro.

—Que miras, filho?

—Nada.

Seth o disse entre dentes e Sybill teve que aproximar-se para poder gravá-lo.

—Vá, pois se fica um momento sem olhar a nada, a gente vai pensar que está pirado. por que não está no estaleiro?

—Vou em seguida.

—Olá, Mamãe Crawford. Olá, Seth. —Uma jovem bonita e moréia entrou no quadro e olhou para o hotel—. Passa algo? Não vejo nada.

—Não há nada que ver —lhe comunicou Mamãe Crawford—. O menino está aí sem olhar a nada. Que tal está sua mãe, Julie?

—Está um pouco baixa de ânimo. Dói-lhe a garganta e tem um pouco de tosse.

—Sopa de frango, chá quente e mel.

—Grace trouxe um pouco de sopa esta manhã.

—te ocupe de que a coma. Tudo bem, Jim.

—Boa tarde. —Um homem baixo e robusto com botas brancas de borracha se aproximou e deu uma palmada amistosa na cabeça do Seth—. Que miras, moço?

—O que acontece...? Não posso olhar o que quero?

Seth voltou o olhar para a câmara, pôs os olhos em branco e fez que Sybill se riera.

—Fica muito tempo assim e as gaivotas lhe deixassem engordurado. —Jim piscou os olhos um olho ao Seth—. Se Ethan chegar ao estaleiro antes que você, quererá saber o motivo.

—Já vou, já vou, tio. —Seth se dirigiu para o Sybill com a cabeça baixa e os ombros encolhidos—. Ninguém o traga.

—Porque todos lhe conhecem —disse enquanto apagava Isso câmara troca as pautas.

—Sabia que ia passar?

—Supunha que em uma zona pequena onde se conhece sujeito, alguém se pararia e olharia, mas em seguida perguntaria. Não há nenhum perigo, ninguém se rebaixa por perguntar a alguém que conhece e menos se for jovem.

Seth franziu o cenho enquanto olhava ao trio que seguia conversando.

—Mesmo assim, pagará-me...

—Claro, e te dedicarei um capítulo de meu livro.

—Guay. Tomarei um cartucho de chocolate com bolacha. Tenho que ir ao estaleiro antes de que CAM e Ethan me joguem a bronca.

—Se forem zangar-se contigo, eu posso explicar-lhe foi minha culpa.

—Não vão encher o saco se. Além disso, direi-lhes que foi pelo bem a ciência, não? —explicou-lhe Seth com um sorriso arrebatador.

Sybill teve que fazer um esforço sobre-humano para não abraçá-lo.

—Efetivamente. —Ela se atreveu a lhe apoiar a mão no ombro enquanto foram para o Crawford'S. —Lhe pareceu que ele ficava rígido e apartou a mão—. Além disso, podemos chamá-los com meu telefone móvel. —Sim? Como moa. Posso chamá-los?

—Claro.

Vinte minutos mais tarde, os dedos do Sybill voavam sobre o teclado do ordenador.

Embora haja passado menos de uma hora com ele, eu diria que o sujeito é extraordinariamente brilhante. Phillip me há dito que saca umas notas muito altas, o qual é admirável. Encantou-me comprovar que tem uma mente curiosa. Suas maneiras podem ser um pouco toscos, mas não é desagradável. Parece ser muito mais sociável que sua mãe ou eu a sua idade. Com isso quero dizer que parece mais natural com pessoas relativamente desconhecidas e que não é tão enrijecido como nos obrigava a ser nossa educação. Em parte pode dever-se à influência dos Quinn. Eles são, como já tinha notado, pessoas despreocupadas e acessíveis.

Ao observar aos meninos e aos adultos com os que tratou hoje, também diria que lhe aprecia nesta comunidade, que lhe aceitam como uma parte dela. Naturalmente, ainda estou em uma fase inicial e não posso dizer rotundanaente se o ficar aqui é o melhor para Seus interesses ou não.

Simplesmente, é impossível esquecer-se dos direitos de Glória, embora não farei nada até que conheça os desejos do menino no referente a sua mãe.

Preferiria que ele se acostumasse para mim, que se sentisse cômodo comigo antes de lhe confessar nossa relação familiar

Necessito mais tempo para...

Soou o telefone e se deteve. Desprendeu enquanto jogava uma olhada ao que tinha escrito precipitadamente.

—Doutora Griffin.

—Olá, doutora Griffin. Temo-me que a interrompi em seu trabalho.

Reconheceu a voz do Phillip e o tom ligeiramente zombador. Baixou a tampa do ordenador com certo remorso.

—É muito perspicaz, mas posso te dedicar um par de minutos. Que tal vão as coisas por Baltimore?

—Muito trabalho. O que te parece isto? vê-se um casal jovem e atrativo que leva a um menino pequeno e sorridente para um sedan de gama medeia.

O texto diz: «Pneumáticos Myrestone. Sua família nos importa».

—Enganoso e tergiversador. faz-se pensar ao consumidor que às outras marcas não importam as famílias.

—Efetivamente. Funciona. Naturalmente, nas revistas de carros vamos pôr outro anúncio. Um conversível vermelho em uma estrada sinuosa com uma loira ao volante. «Pneumáticos Myrestone. Pode conduzir até ali ou pode estar ali.»

—Engenhoso.

—Ao cliente gosta e isso facilita as coisas. Que tal tudo no St. Chris?

—Tranqüilo. —mordeu-se o lábio—. Me encontrei com o Seth faz um momento. A verdade é que lhe fichei para que me ajude com um experimento. saiu bem.

—Sim...? Quanto tiveste que lhe pagar?

—Um sorvete de cartucho com duas bolas.

—Saiu-te barato. Esse menino é um negociador bastante bom. O que te parece jantar amanhã com uma garrafa de champanha para celebrar nossos êxitos?

—Olhe quem falou de negociadores...

—passei toda a semana pensando em ti.

—Três dias —lhe corrigiu ela enquanto fazia ganchos de ferro na caderneta.

—Com suas noites. Uma vez resolvido o assunto dos pneumáticos, amanhã poderia sair um pouco antes. Recolho às sete?

—Não sei aonde nos leva isto, Phillip.

—Eu tampouco. Tem que sabê-lo?

Ela entendeu que nenhum dos dois falava de um restaurante.

—Desconcerta-me menos.

—Então, falaremos disso e possivelmente esclareçamos o desconcerto. A sete em ponto.

Sybill baixou o olhar e se deu conta de que tinha desenhado a cara dele inconscientemente. Pensou que era um mau sinal. Um sinal muito perigoso.

—De acordo. —Era preferível confrontar as complicações—. Até manhã.

—Faria-me um favor?

—Se puder...

—Pensa em mim esta noite.

Ela duvidava que tivesse outra alternativa.

—Adeus.

Phillip, em seu escritório a quatorze pisos de altura sobre as ruas de Baltimore, separou-se da mesa, não fez caso do assobio de seu ordenador, que indicava que acabava de receber um correio eletrônico interno, e foi ao ventanal.

adorava essa vista da cidade, os edifícios restaurados, os brilhos do porto, o bulício de carros e pessoas, mas nesse momento, não via nada.

Literalmente, não podia tirar-se ao Sybill da cabeça. Essa presença contínua em seus pensamentos era algo que não lhe tinha passado nunca. Ela não interferia em sua atividade cotidiana posto que podia trabalhar, comer, debater e fazer as apresentações tão diestramente como sempre, mas ela estava presente. Era um comichão no mais profundo de sua cabeça que passava a um primeiro plano quando não a tinha ocupada com outras coisas.

Não estava seguro de que gostasse que uma mulher lhe exigisse tanta atenção, sobre tudo quando era uma mulher que fazia bem pouco para animá-lo.

Possivelmente se tomasse como uma provocação esse leve véu cerimonioso, essa distancia prudencial que ela tentava manter. Pensou que poderia suportá-lo. Não era mais que outro dos jogos nos que participavam os homens e as mulheres.

Entretanto, preocupava-lhe algo que estava passando em um terreno desconhecido e, a seu julgamento, ela estava tão desassossegada por isso como ele.

—Muito próprio de ti —disse Ray a suas costas.

—meu deus. —Phillip não se deu a volta nem abriu os olhos como pratos. Fechou-os com todas suas forças.

—É um despacho muito bonito. Fazia tempo que não vinha. —Ray percorreu o despacho desenfadadamente e fez uma careta com a boca ante um quadro de manchas vermelhas e azuis emoldurado em negro—. Não está mau. Muito estimulante para o cérebro. Suponho que por isso o penduraste no despacho, põe os neurônios a funcionar.

—Nego-me a acreditar que meu pai está fazendo crítica de arte em meu escritório.

—Bom, a verdade é que não queria te falar disso. —parou-se ante uma escultura metálica que havia em uma esquina—. Embora também eu gosto desta peça. Sempre tiveste muito bom gosto. Arte, comida, mulheres... —Sorriu de brinca a orelha quando Phillip se voltou—. Por exemplo, a mulher em que não deixa de pensar. Primeira categoria.

—Tenho que tomar algum tempo livre.

—Nisso estou de acordo. Leva meses te espremendo. É uma mulher interessante, Phillip. Há mais nela do que vê e do que ela mesma sabe. Espero que a escute quando chegar o momento, que a escute de verdade.

—De que falas? —Levantou uma mão como se queria pará-lo—. por que te pergunto de que falas se não estar aqui?

—Espero que os dois deixem de analisar os passos e as fases e aceitem as coisas como são. —Ray se encolheu de ombros e se meteu as mãos nos bolsos da jaqueta dos lhes Areje—. Mas você tem que seguir seu caminho. vai custar te. Falta pouco tempo para que se complique muito. Interporá-te entre o Seth e o que lhe dói. Sei. Quero te dizer que pode confiar nela. Quando chegar a um ponto morto, pode confiar em ti e pode confiar nela.

Phillip notou um calafrio que lhe percorreu tudo o espinho dorsal.

—O que têm que ver Seth e Sybill?

—Não lhe posso dizer isso Voltou a sorrir, mas seus olhos não refletiam quão mesmo seus lábios—. Não falaste com seus irmãos de mim. Tem que fazê-lo. Tem que deixar de pensar que tudo depende de ti. Faz-o bem, certamente, mas tem que delegar um pouco —disse tomando fôlego e se deu a volta—. Caray, a sua mãe teria encantado este sítio. No momento, organizaste-te muito bem a vida. —Seus olhos sim sorriram essa vez—. Estou orgulhoso de ti e sei que poderá lutar com o que se mora.

—Você sim que organizou muito bem minha vida —sussurrou Phillip—. Mamãe e você.

—Nisso tem razão. —Lhe piscou os olhos um olho—. Não ceda. —Ray suspirou quando soou o telefone—. Tudo o que passa tem que acontecer. A diferença está no que faz com isso. Responde o telefone, Phillip, e não se esqueça de que Seth te necessita.

Ficou o som do telefone e o despacho vazio. Quando respondeu, Phillip seguia com o olhar cravado no sítio onde tinha estado seu pai.

—Phillip Quinn.

Escutou e o olhar lhe endureceu. Agarrou uma caneta e começou a tomar notas do relatório do detetive sobre os últimos movimentos de Glória DeLauter.

 

—Está no Hampton. —Phillip não deixava de olhar ao Seth enquanto falava. CAM apoiou uma mão no ombro rígido do menino como um gesto de amparo—. A polícia a recolheu... Embriaguez e escândalo, posse...

—Está no cárcere. —Seth estava pálido como a cera—. Podem deixá-la no cárcere.

—Agora está no cárcere —Phillip pensou que não sabia quanto tempo estaria ali—, mas certamente terá dinheiro para depositar uma fiança.

—Quer dizer que pode lhes pagar dinheiro para que a soltem? —Seth se estremeceu debaixo da mão do CAM—. Dá igual o que tenha feito?

—Não sei, mas agora mesmo sabemos onde está. vou falar com ela.

—Não! Não vá.

—Seth, já falamos que isto. —CAM passou a mão pelo ombro do Seth e lhe deu a volta para olhá-lo à cara—. A única forma de arrumar isto é negociar com ela.

—Não vou voltar —o disse com um fio de voz, mas firme e furioso—. Nunca voltarei.

—Não vais voltar. —Ethan se desabotoou o cinturão com ferramentas e o deixou no banco de trabalho—. Pode ficar com o Grace até que volte Anna —disse olhando ao Phillip e CAM—. Nós iremos ao Hampton.

—E se os polis dizem que tenho que ir? E se vierem enquanto vós não estão Y...?

—Seth. —Phillip interrompeu o desespero crescente. agachou-se e agarrou ao Seth dos braços—. Tem que confiar em nós.

Seth o olhou com os olhos do Ray Quinn; estavam transbordantes de lágrimas e espanto. Pela primeira vez, Phillip os olhou e não sentiu o mais mínimo rancor nem dúvida.

—Você é desta família e nada vai impedir o —lhe disse com tranqüilidade.

Seth soltou o ar trémulamente e assentiu com a cabeça. Não tinha alternativa, só podia confiar, e temer.

—Iremos em meu carro —decidiu Phillip.

—Grace e Anna o tranqüilizarão. —CAM se agitou no assento do co-piloto do jipe do Phillip.

—É espantoso estar tão assustado. —Ethan, do assento de atrás, olhou o velocímetro e comprovou que foram a mais de oitenta milhas por hora—. É espantoso não poder fazer nada mais que esperar a ver o que acontece.

—há-se jodido a si mesmo —disse Phillip—. Uma detenção não vai lhe ajudar para a custódia, se a solicitar.

—Não quer ao menino.

Phillip olhou um segundo ao CAM.

—Não, quer dinheiro. Não vai chupar nos o sangue, mas vamos tirar algumas respostas. vamos terminar com isto.

Phillip pensou que ela tinha mentido. Estava seguro de que ela mentiria e faria algo, mas estava equivocada, completamente equivocada, se acreditava que poderia passar por cima dos três para ficar com o Seth.

Seu pai lhe havia dito que poderia lutar com o que se morava.

Phillip agarrou com mais força o volante. Não apartou os olhos da estrada. Lutaria com isso. Fora como fosse.

Sybill entrou na pequena delegacia de polícia, a cabeça lhe dava voltas e sentia um buraco no estômago. Glória a tinha chamado feita muito lágrimas e lhe tinha pedido dinheiro para a fiança.

Para a fiança, pensou Sybill enquanto tentava evitar um estremecimento.

Glória lhe havia dito que tinha sido um engano, um mal-entendido tremendo. Naturalmente, o que outra coisa podia ser? Quase lhe tinha mandado uma ordem de pagamento. Ainda não sabia muito bem por que não o tinha feito, por que se tinha montado no carro. Para ajudá-la, disse-se. Só queria ajudá-la.

—Eu gostaria de ver glorifica DeLauter —disse à polícia que estava detrás de um pequeno mostrador lotado de coisas.

—Seu nome?

—Griffin. Doutora Sybill Griffin. Sou sua irmã. Depositarei sua fiança, mas... eu gostaria de vê-la.

—Pode me ensinar alguma identificação?

—Ah, sim.

Começou a rebuscar na bolsa, tinha as mãos úmidas e trementes, mas o policial se limitou a olhá-la com olhos inexpressivos até que lhe ensinou a identificação.

—por que não se sinta? —propô-lhe o policial antes de levantar-se e entrar na habitação contigüa.

Tinha a garganta seca e sonhava com um copo de água. Percorreu a sala de espera cheia de cadeiras de plástico com aspecto anódino até que encontrou uma fonte, mas a água lhe golpeou o estômago como se fossem bolas de chumbo congelado.

Tinham-na encerrado no calabouço? Realmente estava no calabouço? Teria que vê-la em uma cela?

Entretanto, apesar da tristeza, sua mente funcionava com frieza e praticamente. Como tinha sabido Glória onde encontrá-la? por que estava tão perto do St. Christopher? por que a acusavam de posse de drogas?

Por isso não lhe tinha mandado a ordem de pagamento, queria respostas.

—Doutora Griffin.

Ela deu um coice e se voltou para o policial com os olhos fora das órbitas.

—Sim. Posso vê-la já?

—Tenho que ficar a bolsa. Darei-lhe um recibo.

—De acordo.

Deu-lhe a bolsa, assinou onde lhe indicou e ficou com o recibo.

—por aqui.

Assinalou uma porta lateral, abriu-a e entrou em um corredor estreito. À esquerda havia uma habitação com uma mesa e algumas sela. Glória estava sentada em uma com a boneca direita algemada a uma braçadeira.

O primeiro que pensou Sybill foi que tudo era um engano. Aquela não era sua irmã. Tinham levado a mulher equivocada. Aquela mulher era muito mais velha, muito mais arruda, tinha um corpo muito magro, os ombros lhe sobressaíam como se deles nascessem umas asas e os peitos estavam tão apertados dentro de um pulôver apertado que os mamilos ressaltavam com arrogância.

A pelambrera pajiza tinha uma raia escura no centro, umas rugas profundas lhe emolduravam a boca e a frieza de seu olhar era tão afiado como seus ombros.

Então, os olhos se empanaram e os lábios lhe tremeram.

—Syb. —Lhe quebrou a voz e estendeu uma mão implorante—. Graças a Deus que vieste.

—Glória. —aproximou-se dela e tomou a mão vacilante—. O que passou?

—Não sei. Não entendo nada. Estou muito assustada.

Apoiou a cabeça na mesa e começou a chorar com soluços entrecortados.

—Por favor. —Sybill, instintivamente, rodeou os ombros de sua irmã com o braço e olhou à polícia—. Podemos ficar sozinhas?

—Estarei detrás da porta.

O policial olhou a Glória e pensou em quão distinta era da mulher gritalhã e insultante que tinha encerrado umas horas antes, mas sua cara não refletiu nada.

Saiu, fechou a porta e deixou sozinhas às duas mulheres.

—Trarei-te um pouco de água.

Sybill se levantou, foi até a jarra de água e encheu um copo de papel. Logo, agarrou com força as mãos de sua irmã.

—pagaste a fiança? por que não vamos? Não quero seguir aqui.

—Eu me ocuparei. me conte o que passou.

—Já te hei dito que não sei. Estava com um tipo. Encontrava-me sozinha. —Soluçou e aceitou o lenço de papel que lhe deu sua irmã—. Estávamos conversando. íamos comer quando apareceram os polis. O saiu correndo e me agarraram . Tudo passou em questão de segundos. —tampou-se a cara com as mãos—. Encontraram droga em minha bolsa. Deveu colocá-la ele. Eu só queria falar com alguém.

—De acordo. Estou segura de que o esclareceremos. —Sybill queria acreditá-la, mas se detestava por não consegui-lo do todo—. Como se chamava ele?

—John. John Barlow. Parecia encantador, Sybill. Muito pormenorizado. Eu me sentia desanimada pelo Seth. —Baixou as mãos e tinha um olhar trágico—. Jogo muito de menos a meu garotinho.

—Vinha para o St. Christopher?

Glória baixou o olhar.

—Pensei que se tinha a oportunidade de vê-lo...

—Indicou-lhe isso o advogado?

—O..., ah... —A vacilação foi quase inapreciável, mas Sybill ficou em alerta—. Não, mas os advogados não entendem nada. Só querem mais e mais dinheiro.

—Como se chama seu advogado? Chamarei-lhe. Ao melhor ele pode solucionar tudo isto.

—Não é desta zona. Olhe, Sybill, só quero sair daqui. Não pode imaginar quão espantoso é. esse policial —disse assinalando para a porta com a cabeça— me pôs as mãos em cima.

Sybill voltou a sentir que lhe revolvia o estômago.

—O que quer dizer?

—Já sabe o que quero dizer. —Deu a primeira amostra de cansaço—. Me apalpou e me há dito que logo voltará para por mais. vai violar me.

Sybill fechou os olhos e se apertou os dedos contra eles. Quando eram jovens, Glória acusou a mais de uma dúzia de meninos e adultos de havê-la agredido sexualmente, entre outros ao diretor do instituto, inclusive a seu pai.

—Glória, não me faça isto. Hei dito que ia ajudar te.

—Digo-te que esse bode me há meio doido todo o corpo. Assim que saia daqui, vou denunciar o. —Fez uma bola de papel com o copo—. Me importa um rabanete se não me crie. Eu sei o que passou.

—Muito bem, mas vamos falar do presente. Como sabia onde me encontrar?

—O que? —A ira se apropriou de seu cérebro e teve que fazer um esforço por lembrar-se de seu papel—. O que quer dizer?

—Eu não te disse aonde ia, onde ia estar. Disse-te que eu me poria em contato contigo. Como soube que me encontraria no hotel do St. Christopher?

Tinha cometido um engano e Glória se deu conta nada mais pendurar o telefone, mas estava bebida e furiosa. Além disso, ela não tinha dinheiro para pagar a fiança. O que tinha estava a boa cobrança. Até que os Quinn lhe dessem mais.

Não pensou quando chamou o Sybill, mas após tinha tido tempo para fazê-lo. Sabia que para dirigir ao Sybill tinha que tocar as teclas do remorso.

—Conheço-te —disse sonriendo empalagosamente—. Soube que me tentaria ajudar assim que te contei o que aconteceu Seth. Chamei a seu piso de Nova Iorque. —Tinha-o feito, mas fazia mais de uma semana—. Quando o serviço de secretária eletrônica me disse que estava fora da cidade, expliquei-lhes que era sua irmã e que era uma situação urgente. Eles me deram o número de telefone do hotel.

—Entendo. —Era possível, inclusive lógico—. Me ocuparei da fiança, Glória, mas com algumas condicione.

—Claro. —Deixou escapar uma breve gargalhada—. Me soa.

—Quero o telefone de seu advogado para chamá-lo. Quero que me ponha a par da situação com o Seth. Quero que fale comigo. Iremos jantar e me falará dos Quinn. Poderá me explicar a santo do que te deu dinheiro Ray Quinn em troca do Seth.

—Esses bodes são uns mentirosos.

—Conheci-os —disse Sybill com toda tranqüilidade—. A suas mulheres também. Vi ao Seth. O que eu vi não se parece em nada ao que me disse deles.

—Não se pode pôr tudo de forma impecável em um relatório. Deus! É como o velho. —Tentou levantar-se e soltou um taco ao sentir o puxão das algemas—. Os dois eminentes doutores Griffin...

—Isto não tem nada que ver com meu pai —replicou Sybill sem alterar-se—. E tudo, temo-me, com o teu.

—Que lhe dêem por saco. —Glória sorriu despectivamente—. Que lhe dêem por saco. A filha perfeita, a estudante perfeita, o maldito robô perfeito. Pagamento a fiança dos cojones. Tenho dinheiro investido. Devolverei-lhe isso. Recuperarei a meu filho sem sua ajuda, querida irmã. Meu filho. Crie a uns desconhecidos e não crie a alguém de seu próprio sangue, adiante... Sempre me odiaste.

—Não te odeio, Glória e nunca te odiei. —Mas se deu conta de que poderia fazê-lo. Temia poder fazê-lo com muita facilidade—. Não acredito em ninguém, só tento entender o que acontece.

Glória olhou para outro lado para que Sybill não visse seu sorriso de satisfação. Por fim tinha encontrado a tecla adequada.

—Tenho que sair daqui. Tenho que me lavar. —Fez que lhe quebrasse a voz—. Não posso seguir falando disto. Estou muito cansada.

—Ocuparei-me da papelada. Seguro que não demoram muito.

Glória lhe agarrou a mão enquanto se levantava e a levou a bochecha.

—Sinto muito. Sinto te haver dito essas coisas. Não o hei dito a sério. Estou farta e desconcertada. Sinto-me muito sozinha.

—Não passa nada.

Sybill se soltou a mão e foi para a porta. Notava as pernas frágeis como o cristal.

Uma vez fora, tomou duas aspirinas e esperou a que tramitassem a fiança. Pensou que Glória tinha trocado fisicamente. Aquela garota, que tinha sido incrivelmente bonita, endureceu-se como o couro seco. Se embargo, temia-se que seguisse sendo a mesma garota infeliz, manipuladora e transtornada que desfrutava de siniestramente quando alterava seu lar.

Insistiria em que Glória aceitasse receber tratamento psicológico. Se o abuso de drogas era parte do problema, faria que fora a reabilitação. Estava claro que a mulher que acabava de ver não podia ter a custódia de um menino. Investigaria quais eram as melhores alternativas para ele enquanto Glorifica se recuperava.

Naturalmente, teria que ver um advogado. Procuraria um pela manhã e lhe consultaria quais eram os direitos de Glória e o que era o melhor para o Seth.

Teria que enfrentar-se aos Quinn.

Só de pensá-lolhe voltou a revolver o estômago. O enfrentamento era inevitável. As palavras fortes e os sentimentos de ódio lhe produziam uma tristeza enorme e sensação de vulnerabilidade.

Entretanto, estaria preparada. Pensaria bem o que tinha que dizer e preveria as perguntas e exigências para ter a resposta mais adequada.

ficou pálida ao ver que Phillip entrava no edifício. Nenhuma gota de sangue chegava a sua cara. levantou-se médio petrificada quando ele entrecerró os olhos e lhe dirigiu um olhar duro como o pederneira.

—O que faz aqui, Sybill?

—Eu... —Não se sentia dominada pelo pânico mas sim pela vergonha—. Eu tinha coisas que fazer.

—De verdade?

O se aproximou mais enquanto seus irmãos se mantinham a certa distância e em um silêncio carregado de perguntas. O viu que o rosto do Sybill refletia remorso e algo mais que um pouco de medo.

—Que tipo de coisas? —Ela não respondeu à pergunta do Phillip e este inclinou a cabeça—. O que tem que ver com Glorifica DeLauter, doutora Griffin?

Ela fez todo o possível para manter o olhar fixo e a voz inalterável.

—É minha irmã.

A fúria do Phillip era gélida e absoluta. meteu-se as mãos nos bolsos para não as usar de algum jeito que seria imperdoável.

—É encantador, verdade, zorra? —disse sem levantar a voz, mas ela se cambaleou como se a tivesse golpeado—. Me utilizaste para chegar até o Seth.

Ela negou com a cabeça porque não podia negá-lo com a voz. Acaso não era verdade? Tinha-o utilizado, e a outros também.

—Só queria vê-lo. É o filho de minha irmã. Tinha que saber que o cuidavam.

—Então, onde coño estiveste durante os últimos dez anos?

Ela abriu a boca, mas se tragou todas as desculpas ao ver que tiravam glória.

—Vamos daqui. me convide a beber algo, Syb. —Agarrou uma bolsa cor cereja e sorriu provocativamente ao Phillip—. Falaremos tudo o que queira. Olá, bombons. —apoiou-se um punho no quadril e sorriu a todos outros homens—. Que tal tudo?

Em outras circunstâncias, o contraste entre as duas mulheres poderia ter resultado cômico. Sybill estava pálida e silenciosa, com o cabelo brilhante primorosamente recolhido na nuca, os lábios sem pintar e os olhos com um pouco de sombra. Irradiava elegância em um traje calça cinza com camisa de seda branca. Glória era todos ossos, com umas curvas desproporcionadas embutidas em uns jeans negros e uma camiseta rodeada que se abria entre os peitos.

arrumou-se a maquiagem. Os lábios eram de um vermelho brilhante como a bolsa de plástico e os olhos estavam emoldurados em umas raias negras. Phillip decidiu que parecia o que era: uma puta que envelhecia e procurava uma esquina.

Glória tirou um cigarro de um maço de cigarro enrugado e o pôs entre os dedos.

—Tem fogo, muchachote?

—Glória, ele é Phillip Quinn. —A cerimoniosa apresentação lhe retumbou nos ouvidos—. E eles são seus irmãos, Cameron e Ethan.

—Vá, vá. —O sorriso de Glória se tornou ácida e horrível—. O infame trio do Ray Quinn. Que coño querem?

—Respostas —respondeu Phillip—. Vamos fora.

—Não tenho nada que falar contigo. Se fizer qualquer movimento que eu não goste, porei-me a gritar —disse lhe apontando com o cigarro apagado—. Esta casa está cheia de policiais. Já veremos se você gosta de acontecer um momento em chirona.

—Glória. —Sybill a agarrou por braço para acalmá-la-a única forma de solucionar as coisas é falando-o como pessoas.

—Não me parece que queiram falá-lo como pessoas. Querem me fazer danifico. —Trocou de tática habilmente e se abraçou ao Sybill—. Dão medo. Sybill, por favor, me ajude.

—Estou-o tentando, Glória, ninguém vai fazer te danifico. Vamos a algum sítio onde possamos nos sentar e esclarecer tudo isto. Eu vou estar contigo.

—vou vomitar. —apartou-se com as mãos no estômago e foi ao quarto de banho.

—Uma atuação muito boa —sentenciou Phillip.

—encontra-se mau. —Sybill se agarrou as mãos—. Esta noite não vai poder falar deste assunto.

O olhou ao Sybill com ar sarcástico.

—Pretende que me trague isso? Ou é muito ingênua ou crie que eu o sou.

—passou quase toda a tarde no calabouço —lhe replicou Sybill—. Qualquer se encontraria mau. Não podemos esclarecer tudo isto manhã? Se tiver esperado tanto tempo, seguro que pode esperar um dia mais.

—Estamos aqui neste momento —interveio CAM—. Resolveremos agora mesmo. Vai a por ela ou vou eu?

—Assim pensa resolvê-lo? Com ameaças?

—Não me diga como tenho que resolvê-lo. —CAM se soltou da mão do Ethan, que tentava acalmá-lo—. depois do que tem feito com o Seth, merece-se tudo o que possamos fazer com ela.

Sybill olhou para o policial.

—Não acredito que nenhum de nós queira fazer uma cena em uma delegacia de polícia.

—De acordo. —Phillip a agarrou por braço. Vamos fora.

Ela ficou quieta, em parte por medo e em parte por sentido comum.

—Veremo-nos amanhã. À hora que queiram. Levarei-a a meu hotel.

—Manten afastada do St. Chris.

Sybill fez uma careta quando Phillip lhe agarrou o braço com mais força.

—De acordo. O que propõe?

—Lhe direi —começou isso a dizer CAM, mas Phillip lhe fez um gesto para que se calasse.

—Princess Anne. Leva-a ao despacho da Anna nos serviços sociais. Às nove. Isso lhe dará um caráter oficial, não? Sem armadilha nem cartão.

—Sim. —Sybill notou o alívio—. De acordo. Levarei-a. Dou-lhes minha palavra.

—Eu não dou dois céntimos por sua palavra, Sybill. —Phillip se inclinou ligeiramente e acrescentou. Mas se não a leva, nós a encontraremos. Enquanto isso, se alguma das duas tenta aproximar-se do Seth a menos de uma milha, acabarão no calabouço.

Phillip lhe soltou o braço e retrocedeu um passo.

—Estaremos ali às nove.

Sybill se conteve as vontades de esfregar o braço, deu-se a volta e foi ao quarto de banho.

—por que aceitaste? —perguntou- CAM ao Phillip enquanto saíam da delegacia de polícia—. A tínhamos aqui e agora.

—Amanhã tiraremos mais dela.

—Tolices.

—Phillip tem razão. —Chateava-lhe, mas Ethan aceitou a mudança de planos—. O manteremos em uma esfera oficial. Não perderemos a cabeça e será melhor para o Seth.

—por que? Para que a zorra de sua mãe e a mentirosa de sua tia tenham mais tempo para ficar de acordo? Deus, quando penso que Sybill aconteceu uma hora com o Seth... Eu gostaria...

—Já aconteceu —lhe cortou Phillip—. O está bem e nós também. —Fervia-lhe o sangue, montou-se no jipe e fechou de uma portada—. Somos cinco. Não vão tocar ao Seth.

—O não a reconheceu —comentou Ethan—. É curioso, não sabia quem era Sybill.

—Eu tampouco —sussurrou Phillip enquanto punha o carro em marcha—, mas agora já sei.

 

A prioridade do Sybill era que Glória comesse algo quente, que se tranqüilizasse e que lhe respondesse algumas pergunta. A umas maçãs da delegacia de polícia havia um pequeno restaurante italiano que seria perfeito.

—Tenho os nervos destroçados. —Glória deu uma imersão de seu cigarro enquanto Sybill estacionava—. Esses bodes que me perseguem dessa maneira... Sabe o que me teriam feito se tivesse estado sozinha, verdade?

Sybill suspirou e se desceu do carro.

—Tem que comer algo.

—Claro. —Glória fez um gesto de desgosto ao ver a decoração. Era luminosa e alegre. Tinha cerâmica italiana de muitas cores, grandes vela, toalhas de quadros e garrafas com vinagres aromatizados com ervas—. Eu preferiria um filete que comiducha italiana.

—Por favor. —Sybill conteve a ira, agarrou por braço a sua irmã e pediu uma mesa.

—Zona de fumantes —acrescentou Glória enquanto tirava outro cigarro e foram à zona mais ruidosa do restaurante—. Um gim-tonic. Dobro.

Sybill se esfregou as têmporas.

—Água mineral, obrigado.

—lhe relaxe —lhe disse Glória quando se afastou a garçonete—. Te viria bem beber algo.

—Tenho que conduzir e, além disso, não gosta. —Apartou a cara para esquivar a fumaça que tinha solto Glória—. Temos que falar a sério.

—Primeiro me deixe que beba um gole, vale?

Glória repassou todos os homens que havia na barra e se imaginou a qual seduziria se não estivesse com a muito chata de sua irmã.

Sybill era muito aborrecida. Sempre o tinha sido, disse-se Glória enquanto tamborilava na mesa com os dedos e esperava sua bebida. Entretanto, era muito útil e sempre o tinha sido. Se a dirigia bem e soltava muitas lágrimas, ela transigia.

Necessitava algo para golpear aos Quinn e Sybill era a eleição perfeita. Honrada-a e respeitável de mierda doutora Griffin.

—Glória, não perguntaste pelo Seth.

—O que lhe passa?

—Vi-o várias vezes. falei com ele e vi onde vive e a que colégio vai. Também conheci a alguns de seus amigos.

Glória adotou o tom de voz de sua irmã e imitou sua atitude.

—Que tal está? —perguntou esboçando um sorriso vacilante—. perguntou por mim?

—Está bem. A verdade é que está maravilhosamente. cresceu muito da última vez que o vi.

Comia como uma lima, recordou Glória, e a roupa e os sapatos ficavam pequenos imediatamente. Como se lhe sobrasse o puñetero dinheiro.

—Não me reconheceu.

—O que quer dizer? —Glória deu um sorvo assim que deixaram a bebida na mesa—. Não o disse?

—Não. —Sybill olhou à garçonete—. Ainda não sabemos o que vamos pedir.

—Assim estava farejando de incógnito. —Glória deixou escapar uma gargalhada rouca—. Me surpreende, Syb.

—Pareceu-me que era preferível estudar a primeiro situação.

Glória soprou.

—Isso sim que é próprio de ti. Carajo, não troca. «Preferível estudar a primeiro situação» —repetiu Glória imitando o tom do Sybill—. A situação é que esses filhos de puta têm a meu filho. Ameaçaram-me e sabe Deus o que estarão lhe fazendo. Quero massa para recuperá-lo.

—Mandei-te dinheiro para o advogado —lhe recordou Sybill.

Glória mordeu um cubito de gelo. Os quinhentos dólares lhe tinham vindo muito bem. Como ia ou seja ela o depressa que ia o dinheiro que lhe tinha tirado o Ray? Tinha gastos. Queria divertir-se um pouco para variar. Deveria lhe haver pedido o dobro.

O tiraria aqueles bodes que ele tinha criado.

—Recebeu a ordem de pagamento com o dinheiro para o advogado, verdade, Glória?

Glória deu outro sorvo.

—Sim, claro, mas os advogados lhe espremem. Né! —Chamou à garçonete e lhe assinalou o copo vazio—. me Jogue outro gole, quer?

—Se beber dessa maneira e não come nada, vais vomitar outra vez.

Glória agarrou o menu. Não pensava voltar a metê-los dedos. Com uma vez tinha tido suficiente.

—Têm filete à florentina. Tomarei isso. Lembra-te do verão quando o velho nos levou a Itália? Aqueles tios de olhar abrasador de moto... A mãe de Deus, passei-me isso de medo com aquele tio, como se chamava? Carlo ou Leão, ou algo assim. Meti-o no dormitório. Você foi muito tímida para ficar a olhar e te foste dormir à sala. —Levantou o copo como em um brinde—. Deus benza aos italianos.

—Eu tomarei lingüini com pesto e salada mista.

—Tomarei o filete. —Glória alargou o menu sem olhar à garçonete.—. Pode te economizar a forragem. Faz tempo, né, Syb? Quanto? Quatro, cinco anos?

—Seis —a corrigiu Sybill—. Faz seis anos que vim para comprovar que te tinha largado com o Seth e algumas costure minhas.

—Já, sinto muito. Estava curvada. É difícil criar a um filho. Sempre está sem dinheiro.

—Nunca me há dito nada de seu pai.

—O que quer saber? Já está tudo dito. —encolheu-se de ombros e fez soar o gelo no copo.

—Muito bem, falemos, então, de como estão as coisas agora. Tenho que saber tudo o que passou. Tenho que entendê-lo para te ajudar e poder levar a reunião de amanhã com os Quinn.

Glória deixou de repente o gim-tonic na mesa.

—Que reunião?

—Amanhã pela manhã vamos aos serviços sociais para estudar os problemas, comentar a situação e tentar chegar a uma solução.

—Uma mierda. Eles só querem joderme.

—Baixa a voz —lhe ordenou Sybill cortantemente—. me Escute. Se quer te endireitar, se quer recuperar a seu filho, terá que fazer as coisas tranqüila e legalmente. Glória, necessita ajuda e eu quero te ajudar. Por isso vejo, não está em condições de voltar a te levar ao Seth.

—De que parte está?

—Da dele —disse antes de dar-se conta de que era a verdade—. Estou de parte do Seth e espero que isso me ponha de sua parte. Temos que resolver o que aconteceu hoje.

—Já te hei dito que me enganaram.

—Muito bem. Terá que esclarecê-lo. Um tribunal não vai ser muito pormenorizado com uma mulher acusada de posse de drogas.

—Fantástico, por que não sobe a declarar como testemunha e lhes explica que sou um refugo? É o que pensa. É o que pensaste toda sua vida.

—Por favor, deixa-o. —Sybill baixou a voz e se inclinou por cima da mesa—. Estou fazendo tudo o que posso. Se quer me demonstrar que está disposta a que as coisas saiam bem, terá que colaborar. Terá que dar algo em troca, Glória.

—Contigo nunca há nada grátis.

—Não falo de mim. Eu pagarei a multa, eu falarei com os serviços sociais, tentarei que os Quinn entendam suas necessidades e seus direitos. Quero que você submeta a reabilitação.

—Do que?

—Bebe muito.

Glória esboçou um sorriso zombador e deu outro sorvo.

—tive um dia de cães.

—Tinha drogas.

—Já te hei dito que não eram minhas.

—Sim, já me há isso dito —replicou Sybill sem alterar o tom—. Submeterá a tratamento, a terapia, a reabilitação. Eu me ocuparei. Nota promissória a fatura, encontrarei-te um trabalho e um sítio onde viver.

—Sempre que for de seu gosto. —Glória acabou o copo—. Terapia. O velho e você sempre solucionavam assim as coisas.

—Essas são as condições.

—Assim leva as rédeas. Por Deus, me peça outra taça. Tenho que ir mijar.

pendurou-se a bolsa do ombro e cruzou o bar. Sybill se apoiou no respaldo da cadeira e fechou os olhos. Não ia pedir outra taça para Glória e menos quando já lhe travava a língua. Teriam outra discussão por isso.

A aspirina que se tomou não serve para nada. A dor lhe amassava as têmporas com um ritmo constante e penetrante. Sentia uma chapa de ferro na frente. Sonhava tombando-se em uma cama às escuras e esquecer-se de tudo.

Ele a desprezava. Doía-lhe recordar o desprezo que tinha visto nos olhos do Phillip. Possivelmente o merecesse. Nesse momento não podia pensar com suficiente claridade para estar segura, mas o lamentava.

Melhor dizendo, estava furiosa por permitir que ele e sua opinião de lhe parecessem tão importantes quando quase não o conhecia. Conhecia-o desde fazia uns dias e nunca, em nenhum momento, tinha tido a intenção de que os sentimentos de ambos se mesclassem.

Tinha sido uma atração física circunstancial, umas horas que tinham desfrutado de juntos. Não deveria ter sido nada mais, como se tinha complicado tudo?

Sybill sabia que quando a tinha abraçado, quando lhe tinha cozido o sangue por aqueles beijos largos e íntimos, tinha querido mais. Nesse momento, ela, que nunca se considerou especialmente sexy ou sentimental, sentia-se insatisfeita e desgraçada porque um homem tinha aberto o fecho de uma porta que não ia cruzar.

Já não podia fazer nada. A verdade era que se se tinham em conta as circunstâncias, ela e Phillip Quinn não pareciam o um para o outro. Se conseguiam ter algum tipo de relação, seria pelo menino. Os dois seriam educados, adultos e esperava que judiciosos.

Pelo bem do Seth.

Abriu os olhos e viu a garçonete que lhe servia a salada. Detestou o gesto de lástima na cara da desconhecida.

—Quer algo mais? um pouco de água?

—Não. Obrigado. Leve-se isso —acrescentou enquanto assinalava o copo de Glória.

O estômago lhe punha de ponta só de pensar na comida, mas fez um esforço por levantar o garfo. Brincou com a salada durante cinco minutos enquanto olhava de vez em quando ao fundo do restaurante.

Sybill pensou que Glória estaria doente outra vez. Teria que ir, lhe sujeitar a cabeça, escutar suas lamentações e limpar o chão.

Deixou a um lado o ressentimento e a vergonha, e se levantou para ir ao quarto de banho.

—Glória, está mau? —Não se via ninguém e Sybill começou a abrir as portas—. Glorifica...

Ao abrir a última cabine viu sua própria carteira sobre a tampa do privada. Sem poder acreditar-lhe agarrou-a e olhou dentro. Tinha seus carnês e os cartões de crédito, mas o dinheiro tinha pirado, ao igual a sua irmã.

 

Quando Sybill abriu a porta da habitação do hotel, a cabeça estava a ponto de lhe estalar de dor, as mãos lhe tremiam e todo o corpo lhe pedia tombar-se para passar a noite. Se conseguisse seus remédios para a enxaqueca, se pudesse esquecer-se de tudo em uma habitação às escuras, poderia encontrar uma forma de enfrentar-se ao dia seguinte.

Poderia encontrar a forma de enfrentar-se só aos Quinn, só e com a sensação de fracasso.

Eles acreditariam que tinha ajudado a Glorifica a escapar. Não podia culpá-los. Para eles era uma mentirosa e uma trapaceira. Como para o Seth.

E para ela mesma, reconheceu-se.

Lentamente, entrou na habitação, fechou, jogou o fecho e se apoiou de costas na porta até que conseguiu que as pernas voltassem a mover-se.

Quando se acenderam as luzes, ela sufocou um grito e se tampou os olhos com as mãos.

—Tinha razão sobre a vista —disse Phillip da terraço—. É impressionante.

Sybill baixou a mão e fez um esforço para pôr o cérebro em marcha. O se tinha tirado a jaqueta e a gravata, mas seguia igual a na delegacia de polícia; refinado, com aspecto urbano e muito zangado.

—Como entraste?

O sorriu com uma frieza que fez que seu olhar se tornasse gélida e dura. Como se seus olhos fossem uns sóis invernais.

—Decepciona-me, Sybill. Acreditava que sua investigação sobre o sujeito deixava claro que uma de minhas habilidades era entrar em casas alheias.

Ela ficou apoiada na porta.

—Foi um ladrão?

—Entre outras coisas, mas já está bem de falar de mim. —Avançou um pouco e se sentou no braço do sofá, como se tivesse ido a casa de um amigo para conversar um momento—. Me fascina. Suas notas são incrivelmente reveladoras, até para um profano.

—Tem lido minhas notas? —Desviou o olhar para o ordenador portátil que havia em cima da mesa. O véu de dor não lhe permitia sentir-se ofendida e ultrajada, mas sabia que o estava—. Não tem direito a entrar aqui, forçar meu ordenador e ler meu trabalho.

Phillip pensou que estava muito tranqüila, levantou-se e se serve uma cerveja do minibar. Que tipo de mulher era?

—No que se refere para mim, Sybill, já não ficam oportunidades. Mentiste-me e me utilizaste. Quando entrou no estaleiro a semana passada, já o tinha tudo previsto. —Não podia manter a calma. quanto mais o olhava inexpresivamente, mais furioso se sentia—. Te infiltrou no campo inimigo. —Golpeou a cerveja contra a mesa e o ruído atravessou a cabeça do Sybill como uma machadada—. Observar e informar. Passar informação a sua irmã. Se estar comigo te facilitava a tarefa, sacrificaria-te. Teria-te deitado comigo?

—Não. —pressionou-se a mão contra a cabeça e esteve a ponto de ceder às vontades de fazer um novelo no chão—. Eu não queria que as coisas...

—Acredito que memore. —Foi até ela, agarrou-a pelos braços e a pôs nas pontas dos pés—. Acredito que teria feito algo. Uma classe prática mais, não? Com o benefício acrescentado de ajudar a zorra de sua irmã a nos chupar o sangue. Seth não significa para ti mais do que significa para ela. Só é o meio para um fim.

—Não, não o é... Não posso pensar. —A dor era atroz e se ele não tivesse estado sujeitando-a, teria se posto de joelhos para lhe suplicar—. Eu..., falaremo-lo amanhã. Não me sinto bem.

—Glória e você também têm isso em comum. Não me trago isso, Sybill.

A respiração lhe entrecortou e a visão se nublou um pouco.

—Sinto muito. Não posso suportá-lo. Tenho que me sentar. Por favor, tenho que me sentar.

O a olhou sem cegar-se pela fúria. Tinha as bochechas muito pálidas, os olhos frágeis e a respiração acelerada. Se estava fingindo, disse-se Phillip, Hollywood se tinha perdido uma atriz de primeira fila.

Soltou um impropério e a levou a sofá. Ela se derreteu nos almofadões.

sentia-se muito mal para ter vergonha.

—Minha bolsa. As pastilhas estão em minha bolsa.

Phillip agarrou a bolsa de couro negro que havia junto à mesa, rebuscou dentro e tirou um frasco.

—Dimitrex?

Olhou-a. Tinha a cabeça para trás, os olhos fechados e os punhos sobre o regaço como se assim pudesse conter a dor.

—É um fármaco muito forte para as enxaquecas.

—Sim, tomo de vez em quando. —Tinha que enfocar a vista e relaxar-se, mas não conseguia que se passasse aquela dor espantosa—. Tinha que as haver levado comigo. Se as chegar a ter, não teria chegado a este ponto.

—Toma. —Phillip lhe deu uma pastilha e um copo de água.

—Obrigado. —Quase se engasgou com a água—. Demora um pouco em fazer efeito, mas é melhor que a injeção. —Fechou os olhos e rezou para que a deixasse em paz.

—comeste?

—Não. Não passa nada.

Parecia frágil, espantosamente frágil. O, em parte, pensava que se merecia tanto dor e estava tentada a deixá-la só com sua desdita. Entretanto, desprendeu o telefone e chamou o serviço de habitações.

—Não quero nada.

—Não fale.

Pediu uma sopa e um chá e começou a ir de um lado a outro.

Como teria podido equivocar-se tanto ao julgá-la? O alardeava de saber qualificar às pessoas rápida e acertadamente. Tinha visto uma mulher inteligente e interessante. Uma mulher com classe, humor e gosto. Entretanto, debaixo da resplandecente superfície se ocultava uma mentirosa, uma falsa e uma oportunista.

Esteve a ponto de soltar uma gargalhada. Acabava de descrever ao menino que tinha demorado meia vida em enterrar.

—Em suas notas diz que não tinha visto o Seth desde fazia quatro anos, por que vieste agora?

—Acreditava que podia ajudar.

—A quem?

Notou que a dor podia começar a remeter e, abriu os olhos.

—Não sei. Pensei que poderia lhe ajudar a ele e a Glória.

—Ajuda a um e prejudica ao outro. Tenho lido suas notas, Sybill. vais dizer me que ele te importa? Chama-o o sujeito. O não é um sujeito de mierda, é um menino.

—É fundamental ser objetivo.

—É fundamental ser humano.

Foi um dardo suficientemente certeiro para lhe alcançar o coração.

—Os sentimentos não me dão muito bem. Sei mais de reações e pautas de conduta. Eu esperava me manter a certa distância da situação, analisá-la e chegar ou seja o que era o melhor para todos os implicados. Não o tenho feito muito bem.

—por que não fez nada antes? —apressou-lhe Phillip—. por que não fez nada para analisar a situação quando Seth estava com sua irmã?

—Eu não sabia onde estavam.

Sybill soprou e sacudiu a cabeça. Não era o momento de dar desculpas e o homem que a olhava com aqueles olhos gélidos não ia aceitar as.

—Nunca fiz um esforço por encontrá-los —corrigiu Sybill—. Lhe mandava dinheiro de vez em quando se ela me chamava e me pedia isso. Minha relação com Glória era infrutífera e desagradável.

—Pelo amor de Deus, Sybill, estamos falando de um menino, não de suas opiniões sobre sua irmã.

—Dava-me medo sentir unida a ele —espetou ela—. A vez que o fiz, ela o levou. Era o filho dela, não o meu. Eu não podia fazer nada. Pedi-lhe que me deixasse ajudá-los, mas ela se negou. Criou-o sozinha. Meus pais a deserdaram. Minha mãe nem sequer reconhece que tem um neto. Sei que Glória tem problemas, mas tem que ser muito difícil para ela.

Phillip a olhou fixamente.

—Diz-o a sério?

—Ela não tem a ninguém —começou a dizer Sybill antes de que batessem na porta e ela fechasse os olhos—. O sinto, mas não acredito que possa comer.

—Sim, sim pode.

Phillip abriu a porta e pediu ao garçom que deixasse a bandeja na mesa que havia diante do sofá. Deu-lhe uma generosa gorjeta e o despediu.

—Prova a sopa —ordenou ao Sybill—. Se não comer algo, o medicamento te dará náuseas. Recorda que minha mãe era médico.

—De acordo. —Tomou uma colherada e se disse que era um remédio mais—. Obrigado. Já sei que está fazendo um verdadeiro esforço por ser amável.

—Custa-me mais te pisotear quando está no chão. Come um pouco e poderemos lutar um par de assaltos.

Ela suspirou. A dor de cabeça estava perdendo intensidade. Podia suportá-lo, e a ele também.

—Espero que pelo menos tente entender meu ponto de vista sobre tudo o assunto. Glória me chamou faz um par de semanas. Estava desesperada, aterrada. Disse-me que tinha perdido ao Seth.

—Perdê-lo? —Phillip deixou escapar uma risada sarcástica—. Isso sim que é bom.

—Ao princípio pensei que o tinham seqüestrado, mas consegui que me desse alguma informação. Estava histérica por medo a não voltar a vê-lo. Não tinha dinheiro para pagar ao advogado. Ela sozinha se enfrentava a uma família, a todo um sistema. Mandei-lhe uma ordem de pagamento para que pagasse ao advogado e lhe disse que a ajudaria, mas que teria que esperar até que me pusesse em contato com ela.

Sybill começava a sentir-se melhor e agarrou um dos pãozinhos que havia em uma cesta junto à terrina de sopa.

—Decidi vir para ver a situação com meus próprios olhos. Sei que Glória não está acostumada dizer toda a verdade, que pode tergiversar as coisas para favorecer sua posição. Entretanto, o certo era que sua família tinha ao Seth e ela não.

—Graças a Deus.

Sybill olhava a parte de pão que tinha na mão e se perguntava se poderia meter-lhe na boca e mastigá-lo.

—Sei perfeitamente que estão lhe dando um bom lar, mas ela é sua mãe, Phillip. Tem direito a conservar a seu filho.

Ele a olhou atentamente à cara e analisou o tom de sua voz. Não sabia se estar furioso ou desconcertado pelas duas coisas.

—Crie-o sinceramente, verdade?

Sybill começava a recuperar a cor. Também via com mais claridade e o olhou aos olhos.

—A que te refere?

—Crie que minha família ficou com o Seth, que nos aproveitamos de uma pobre mãe solteira que passava um mau momento e lhe arrebatamos o filho, que ela quer que ele volte e que tem um advogado que se ocupa de conseguir a custódia...

—Vós o têm —insistiu Sybill.

—Isso é verdade. E está onde tem que estar e onde vai ficar. Te vou expor algumas verdades. Ela chantageou a meu pai e vendeu ao Seth.

—Já sei que vós criem isso, mas...

—Hei dito verdades, Sybill. Faz menos de um ano, Seth vivia em uma habitação repugnante e sua irmã fazia a rua.

—Fazia a rua?

—Por Deus, de onde vem? Ela não é uma puta com coração de ouro, não é uma mãe se desesperada que faria algo por seu filho. Ela faz algo por sua dependência.

Ela negou lentamente com a cabeça embora em parte acreditava tudo o que ele dizia.

—Não pode sabê-lo.

—Sim posso sabê-lo porque vivi com o Seth. falei com ele e lhe escutei.

Ao Sybill lhe congelaram as mãos, agarrou a bule para esquentar-lhe e se serve uma taça de chá.

—É um menino. Ao melhor o entendeu todo mal.

—Claro. Seguro que passou isso, seguro que entendeu mal quando ela levou um cliente à habitação, quando se colocou tanto que ficou tiragem no chão e ele não sabia se estava morta. Seguro que entendeu mal quando lhe pegou uma surra porque estava de mau humor.

—Pegou-lhe? —As mãos lhe tremiam de tal maneira que quase não pôde deixar a taça no prato—. Lhe pegou?

—Deu-lhe uma surra. Uma surra com todas as letras, doutora Griffin. Com os punhos, o cinturão, o dorso da mão... Alguma vez lhe deram um murro na cara? —disse aproximando seu punho à cara do Sybill—. Imagine o Em proporção, parecerá-se com o punho de uma mulher em comparação com a cara de um menino de cinco ou seis anos. Se acrescentar álcool e drogas, o punho ainda vontade força. Eu sim o conheço. —Apartou o punho e o olhou—. Minha mãe preferia o pangaré; a heroína. Se não podia metê-la dose, era melhor que te afastasse de seu caminho. Eu sim sei o que é que uma mulher se desesperada e feita pó me pegue um murro. —Voltou a olhar ao Sybill—. Sua irmã não vai ter a ocasião de voltar a fazê-lo com o Seth.

—Eu... Tem que ficar em tratamento. Eu nunca... O estava bem quando o vi. Se tivesse sabido que o maltratava...

—Não terminei. É um menino bonito, verdade? Alguns dos clientes de Glória também pensavam que o era...

Sybill perdeu a cor que tinha recuperado.

—Não. —Sacudiu a cabeça, separou-se dele e se levantou—. Não, não acredito. Isso é repugnante. É impossível.

—Ela não fez nada por impedi-lo. —Phillip não fez caso da palidez e a fragilidade do Sybill e rematou—: Não fez absolutamente nada por protegê-lo. Seth estava desamparado. escondia-se ou tentava escapar deles, mas antes ou depois havia alguém que o encontrava.

—É impossível. Ela não pôde...

—Ela sim pôde, sobre tudo se isso lhe proporcionava alguns ganhos extras. Nós demoramos meses em poder tocá-lo embora fora da forma mais inocente e casual. Ainda tem pesadelos, e se mencionar o nome de sua mãe, te revolve o estômago só de ver a expressão de medo em seus olhos. Essa é a situação, doutora Griffin.

—Como pode esperar que o aceite sem mais? Como pode esperar que a cria capaz de todo isso? —levou-se uma mão ao coração—. Me criei com ela. Conheço-te há menos de uma semana e esperas que me cria essa história de horror, esperas que cria que toda essa baixeza é uma verdade indiscutível...

—Parece-me que o crie —replicou ele ao cabo de uns segundos—. Acredito que, apesar de tudo, é suficientemente inteligente, por não dizer nada de observadora, para saber qual é a verdade.

Estava aterrada.

—Se for verdade, por que não fizeram nada as autoridades? por que não lhe ajudaram?

—Sybill, é possível que tenha vivido tanto tempo nesse mundo inalterável que não sabe como é a vida na rua? Sabe quantos Seths há? O sistema funciona para alguns poucos afortunados. Não funcionou comigo. Não funcionou com o Seth. Ray e Stella Quinn funcionaram comigo. Faz menos de um ano, meu pai pagou a sua irmã o primeiro prazo por um menino de dez anos. trouxe-se para o Seth a casa e lhe deu uma vida, uma vida digna desse nome.

—Ela disse... Ela disse que o tinha levado.

—Sim, o levou. A primeira vez lhe deu dez mil dólares e logo outros dois pagamentos de uma quantidade parecida. O março passado, lhe escreveu uma carta em que lhe exigia um pagamento definitivo. Cento e cinqüenta mil dólares em efetivo e ela desapareceria.

—Cento... —Aturdida, ficou calada e tentou concentrar-se nos fatos demonstráveis—. Escreveu uma carta?

—Eu a li. Estava no carro de meu pai quando teve o acidente. Ele voltava de Baltimore. Tinha esvaziado quase todas suas contas. Suponho que ela se teria gasto grande parte do dinheiro. Faz uns meses nos escreveu para nos pedir mais.

Sybill se deu a volta, foi até a terraço e abriu as portas de par em par. Necessitava ar e o tragou como se fora água.

—Tenho que me acreditar que Glória tem feito tudo isto só por dinheiro?

—Você lhe mandou dinheiro para o advogado. Como se chama? por que não se pôs em contato com nosso advogado?

Sybill fechou os olhos com toda sua força, mas isso não impediria que se sentisse traída.

—Deu-me largas quando o perguntei. Evidentemente, não tem um advogado e acredito que nunca tentou consultar a algum.

—Vá, é lenta. —O tom irônico era muito claro—. Mas acaba inteirando-se.

—Eu queria acreditá-la. De meninas não nos levávamos muito bem e isso tem que ser minha culpa tanto como dela. Esperava poder ajudá-la, e ao Seth. Acreditava que assim o conseguiria.

—E ela se aproveitou de ti.

—Sentia-me responsável. Minha mãe é inflexível nisto. Está furiosa por que tenha vindo aqui. negou-se a reconhecer a Glória desde que se foi de casa quando tinha dezoito anos. Glória disse que o diretor do instituto a tinha agredido sexualmente. Constantemente dizia que alguém a tinha incomodado. Minha mãe e ela tiveram uma discussão tremenda e ao dia seguinte Glorifica se foi de casa. levou-se algumas jóias de minha mãe, a coleção de moedas de meu pai e dinheiro em efetivo.

Não soube nada dela durante uns cinco anos. Esses cinco anos foram um alívio. Odiava-me —disse Sybill com tranqüilidade e sem apartar o olhar do reflexo das luzes na água—. Sempre. Desde que eu recordo. Dava igual o que eu fizesse, dava igual a brigasse com ela ou que me retirasse para lhe dar a razão, ela me detestava. Para mim era mais fácil me manter a distância. Eu não a odiava, simplesmente, não sentia nada. Agora mesmo, quando deixo todo o resto a um lado, passa-me exatamente o mesmo. Não sinto nada por ela. Deve ser um defeito —sussurrou—. Possivelmente seja genético —disse sonriendo fracamente e voltou a dá-la volta—. Ao melhor algum dia posso fazer um estudo interessante.

—Você alguma vez teve nem idéia do que estava fazendo, verdade?

—Não. Não diz muito a favor de meus dotes de observadora. Sinto muito, Phillip. Sinto muito o que tenho feito e o que não tenho feito. Prometo-te que não vim aqui para prejudicar ao Seth Dou minha palavra de honra de que farei tudo o que possa por ajudar. Eu gostaria de ir aos serviços sociais manhã pela manhã e falar com a Anna e sua família. Se me permitisse isso, eu gostaria de ver o Seth, tentar lhe explicar...

—Não vamos levar o ao escritório da Anna. Não vamos deixar que Glória se aproxime dele.

—Ela não estará ali.

Phillip piscou.

—Como diz?

—Não sei onde está. —Derrotada, estendeu as mãos—. Prometi levá-la e queria fazê-lo.

—deixaste que escape? Maldita seja.

—Não o fiz... intencionadamente —disse deixando cair no sofá—. A levei a um restaurante. Queria falar com ela e que comesse algo. Estava nervosa e bebia muito. Eu estava zangada. Disse-lhe que íamos esclarecer tudo e a ter uma reunião amanhã pela manhã. Dava-lhe um ultimato. Teria que haver-me imaginado. Não gostou da idéia, mas não imaginei o que ela poderia fazer.

—Que tipo de ultimato?

—Que ficaria em tratamento, em reabilitação. Que receberia ajuda, que se endireitaria antes de tentar obter a custódia do Seth. Foi ao quarto de banho e como não voltava, fui procurar a. —Sybill levantou as mãos e voltou às deixar cair—. Encontrei minha carteira. Deveu me tirar isso da bolsa. Deixou-me os cartões de crédito —acrescentou com um sorriso cansado—. Sabe que as teria cancelado imediatamente. Só se levou o dinheiro em efetivo. Não é a primeira vez que me rouba, mas sempre me surpreende. —Suspirou e se encolheu de ombros—. Dava uma volta em carro de umas duas horas para ver se a encontrava, mas não a encontrei e não sei aonde se propõe ir.

—Chateou-te o bastante, não?

—Sou adulta, posso cuidar e ser responsável por mim mesma, mas Seth... Se uma mínima parte do que me contaste é verdade... odiará-me. Entendo-o e tenho que aceitá-lo. Eu gostaria de ter a oportunidade de falar com ele.

—Isso dependerá dele.

—Parece-me justo. Tenho que ver a documentação. —Sybill entrelaçou as mãos—. Sei que pode me exigir uma ordem judicial, mas eu gostaria de evitá-lo. Assimilarei-o tudo melhor se o vir por escrito.

—Não tudo são palavras quando se trata de sentimentos e da vida de pessoas.

—Possivelmente não, mas tenho que ver os fatos, os documentos, informe-os. Quando o tiver feito, se estou convencida de que o melhor para o Seth é que fique com vós mediante a custódia ou a adoção, então, farei tudo o que esteja em minha mão para que assim seja. —Tinha que pressionar para que lhe desse outra oportunidade—. Sou psicóloga e irmã da mãe natural. Acredito que minha opinião teria peso em um tribunal.

Phillip a olhou inexpresivamente. Eram detalhes e, ao fim e ao cabo, ele se ocupava dos detalhes. Os que ela ia acrescentando só serviriam para que as coisas se arrumassem como ele queria.

—Suponho que tem razão e o comentarei com meus irmãos, mas acredito que não o safadas, Sybill. Ela não vai lutar pelo Seth. Nunca o tem feito. Só quer utilizá-lo para conseguir mais dinheiro, mas não vai conseguir o. Nem um céntimo.

—Então, eu estou de sobra.

—É possível. Não o decidi. —Phillip se levantou e fez soar as moedas que levava no bolso—. Que tal te encontra?

—Melhor. Bem. Obrigado. Sinto o ocorrido, mas a enxaqueca foi que as de campeonato.

—Dão-lhe freqüentemente?

—Umas vezes ao ano. Normalmente consigo a medicina no momento e não são tão graves, mas quando saí esta tarde estava distraída.

—Claro, pagar a fiança de sua irmã é uma boa distração. —Olhou-a com certa curiosidade—. Quanto te há flanco tirá-la?

—A fiança foi de cinco mil dólares.

—Eu diria que pode te despedir deles.

—Certamente. O dinheiro não é importante.

—O que o é? —voltou-se para ela. Parecia esgotada e muito frágil. Phillip decidiu que, embora fora injusto, aquilo era uma vantagem e pressionou—. O que é importante para ti, Sybill?

—Terminar o que comecei. É possível que você não necessite minha ajuda, mas não penso partir até que tenha feito todo o possível.

—Se Seth não quer verte nem pensar contigo, não o fará. Ponto. Já passou por bastante.

Sybill estirou os ombros antes de que lhe caíssem.

—Independentemente de que queira falar comigo ou não, penso ficar até que se formalizaram todos os aspectos legais. Não pode me obrigar a que vá, Phillip. Pode me complicar as coisas e me fazer a vida impossível, mas não pode me obrigar a que vá até que me tenha ficado contente.

—Efetivamente, posso te fazer a vida impossível e me estou pensando isso inclinou-se para diante e a agarrou pelo queixo sem que lhe importasse o coice dela—. Te teria deitado comigo?

—Dadas as circunstâncias, parece-me irrelevante.

—Para mim não o é. Responde a pergunta.

Lhe agüentou o olhar. Era uma questão de orgulho, embora lhe parecia que já ficava pouco orgulho ou dignidade.

—Sim. —Ela apartou o queixo assim que viu o brilho nos olhos do Phillip—. Mas não o teria feito nem pelo Seth nem por Glória, o teria feito porque te desejava. Porque eu gostava e quando estava perto minhas prioridades se confundiam.

—Suas prioridades se confundiam... —Phillip se deu a volta com as mãos nos bolsos—. Caray, é incrível. por que será que essa atitude arrogante me produz curiosidade?

—Não é nenhuma atitude arrogante. Tem-me feito uma pergunta e eu respondi sinceramente e, como terá comprovado, em passado.

—Já tenho algo mais em que pensar: se quero passá-lo a presente. Não diga que é irrelevante, Sybill —a avisou ao ver que abria a boca—. Tenho que tomar o como uma provocação. Se esta noite nos deitarmos, nenhum dos dois estaríamos muito satisfeitos pela manhã.

—Nestes momentos eu não gosto de muito.

—Coincidimos nisso, carinho. —Voltou a fazer soar as moedas que tinha no bolso—. Se mantém a reunião de amanhã no escritório da Anna. Por minha parte, pode ver toda a documentação, incluídas as cartas de chantagem de sua irmã. No que se refere ao Seth, não te prometo nada. Se tenta chegar a ele à margem de minha família e de mim, arrependerá-te.

—Não me ameace.

—Não o faço. Digo-te como são as coisas. As ameaças as sotaque para sua família. —Esboçou um sorriso afiado, perigosa e sem rastro de humor—. Os Quinn fazem promessas e as mantemos.

—Eu não sou Glória.

—Não, mas ainda temos que saber quem é. Às nove. Ah, doutora Griffin, talvez quer voltar a ver suas notas. Quando o fizer, pode ser interessante, do ponto de vista psicológico, que se pergunte por que lhe parece mais te gratifiquem observar que participar. Durma um pouco —lhe propôs enquanto ia por volta da porta—. Amanhã quererá estar em plena forma.

—Phillip —disse levantando-se impulsionada pela ira e esperando a que ele se desse a volta—. Não te parece uma sorte que tudo tenha trocado antes de ter cometido o engano de nos deitar?

O inclinou a cabeça. Impressionava-lhe e lhe divertia que ela se atrevesse a despedir-se daquela maneira.

—Carinho, dou-me com um canto nos dentes.

Fechou a porta sem fazer ruído.

 

Seth tinha que sabê-lo. Só havia uma forma de dizer-lhe e era diretamente, como falam as famílias. Ethan e Grace o levariam a casa assim que deixassem ao Aubrey com a canguru.

—Não deveríamos havê-la perdido de vista. —CAM ia de um lado a outro da cozinha com as mãos nos bolsos e os olhos duros e cinzas como o aço—. Sabe Deus aonde foi, e em vez de conseguir respostas e colocá-la em cintura não vamos conseguir nada.

—Isso não é verdade de tudo. —Anna estava fazendo café. Não tranqüilizaria a ninguém, mas todos quereriam tomá-lo—. Teremos um relatório da polícia para acrescentar ao expediente. Cameron, não podia arrastá-la fora da delegacia de polícia e obrigá-la a falar.

—Me teria parecido muito melhor que ver como se largava.

—Possivelmente nesse momento, mas terá que pensar no que convém ao Seth e nos convém , terá que levá-lo tudo conforme às regras.

—O que crie que sentirá Seth? —CAM descarregou toda a ira contra sua mulher e seu irmão—. Crie que vai pensar que lhe convém que tenhamos tido a Glória e não tenhamos feito nada?

—Fizeram algo. —Anna manteve um tom tranqüilo porque entendia a sensação de impotência do Cameron—. Ela se comprometeu a reunir-se conosco em meu escritório. Se não o fizer, será outro ponto em seu contrário.

—Ela não irá a nenhum sítio perto dos serviços sociais —disse Phillip—, mas Sybill sim.

—E temos que confiar nela? —espetou CAM—. Até o momento só mentiu.

—Você não as viu esta noite. —Phillip manteve um tom equilibrado—. Eu sim.

—Já, e todos sabemos com que parte de sua anatomia a miras.

—Basta. —Anna se interpôs entre eles ao ver dois pares de punhos crispados e dois pares de olhos que jogavam faíscas—. Não ides pegar lhes como dois idiotas nesta casa. —Aplaudiu o peito do CAM e o do Phillip, mas nenhum dos dois se moveu—. Não leva a nenhuma parte. Necessitamos um frente unido. Seth o necessita. —ouviu-se a porta da casa e acrescentou—: Sentem-se. Sentem-se!

Os dois, com os olhares ardentes e cravados no outro, tiraram umas cadeiras e se sentaram. Anna pôde soprar com alivio antes de que entrasse Seth seguido por dois cães que não deixavam de mover as caudas.

—Né, o que acontece?

O sorriso de felicidade do Seth se esfumou imediatamente. Toda uma vida acostumado aos vaivéns de humor de Glória lhe tinha ensinado a captar o ambiente. O ar da cozinha podia cortar-se pela tensão e o mau humor.

Deu um passo atrás e se parou quando Ethan entrou e lhe pôs uma mão no ombro.

—O café cheira muito bem.

Manteve a mão no ombro do Seth, em parte como apoio e em parte para dominar-se.

—Trarei umas taças. —Grace foi até o armário. Sabia que se sentiria melhor com as mãos ocupadas—. Seth, quer uma Coca-cola?

—O que passou? —Notava os lábios rígidos e as mãos frite.

—vamos demorar um pouco em lhe explicar isso Anna se aproximou dele e lhe pôs as mãos nas bochechas. O primeiro que tinha que fazer era apagar o medo que via em seus olhos—. Mas não tem que preocupar-se.

—tornou a pedir mais dinheiro? vai vir? saiu que o cárcere?

—Não. Sente-se. lhe vamos explicar isso tudo.

Fez um gesto ao CAM antes de que falasse e olhou ao Phillip enquanto levava ao Seth até a mesa. Phillip tinha mais informação de primeira mão e era melhor que falasse ele.

Phillip se passou uma mão pelo cabelo sem saber muito bem por onde começar.

—Seth, sabe algo da família de sua mãe?

—Não. Ela me dizia mentiras. Um dia me disse que seus pais eram ricos, que estavam forrados, mas que se morreram e que um canalha de advogado tinha roubado todo o dinheiro. Outro dia me disse que era órfã e que se escapou da casa adotiva porque seu pai tinha tentado violá-la. Também me disse que sua mãe era uma estrela de cinema que a tinha dado em adoção para que não lhe danificasse a carreira. Cada vez dizia uma coisa. —Olhou a todo mundo tentando interpretar as caras—. Que mais dá? —perguntou sem fazer caso do refresco que Grace lhe tinha posto diante—. Que coño importa? Se tivesse havido alguém lhes teria tirado dinheiro.

—Há alguém e parece que lhes tirou dinheiro uma e outra vez. —Phillip manteve o tom sereno, como o de uma pessoa que tenta tranqüilizar a um cachorrillo enlouquecido—. Hoje nos inteiramos que tem família e uma irmã.

—Não tenho que ir com eles. —Seth ficou em alerta e se levantou da cadeira—. Não os conheço e não tenho por que ir com eles.

—Não, claro que não —disse Phillip lhe agarrando por braço—, mas tem que saber algo deles.

—Não quero. —Olhou ao CAM com olhos suplicantes—. Não quero. Disseram que poderia ficar. Disseram que nada o impediria.

CAM sentia náuseas de ver tanto desespero, mas assinalou a cadeira.

—vais ficar te. Nada o impedirá. Sente-se. Fugindo não se soluciona nada.

—Olhe a seu redor, Seth. —A voz do Ethan era delicada, judiciosa—. Tem a cinco pessoas que lhe apoiamos.

O queria acreditá-lo, mas não sabia como lhes explicar que era muito mais fácil acreditar em mentiras e ameaças que em promessas.

—O que vão fazer me? Como me encontraram?

—Glória chamou a sua irmã faz umas semanas —disse Phillip quando Seth se sentou outra vez—. Te lembra de sua irmã?

—Não me lembro de ninguém —disse Seth entre dentes enquanto se encolhia de ombros.

—Bom, ao parecer, contou-lhe uma história a sua irmã, disse-lhe que nos tínhamos ficado contigo.

—Está cheia de mierda.

—Seth. —Anna lhe lançou um olhar que fez que ele se enrugasse.

—Tirou algum dinheiro a sua irmã para um advogado —continuou Phillip—. Disse que estava arruinada e se desesperada, que nós a tínhamos ameaçado, que necessitava o dinheiro para te recuperar.

Seth se limpou a boca com o dorso da mão.

—O tragou? Deve ser idiota.

—É possível. Também é possível que se comova facilmente. Em qualquer caso, não se tragou toda a história. Quis comprová-lo por si mesmo e veio ao St. Chris.

—Está aqui? —Seth sacudiu a cabeça—. Não quero vê-la. Não quero falar com ela.

—Já a viu e falaste com ela. Sybill é a irmã de Glória.

Seth abriu os olhos como pratos e da congestão pela ira passou à palidez.

—Não pode ser. É doutora. Escreve livros.

—Mesmo assim, é ela. Vimo-la quando CAM, Ethan e eu fomos ao Hampton.

—Viram-na? Viram glória?

—Sim. Tranqüilo. —Phillip pôs uma mão sobre a mão rígida do Seth—. Sybill também estava ali. Estava depositando a fiança e todo tirou o chapéu.

—É uma mentirosa. —Ao Seth tremeu a voz—. Como Glória. É uma maldita mentirosa.

—me deixe terminar. Acordamos nos reunir com as duas manhã pela manhã no escritório da Anna. Temos que nos inteirar de tudo, Seth —acrescentou quando o menino retirou as mãos—. É a única forma de arrumá-lo.

—Eu não vou.

—Isso o decidirá você. Acreditam que Glória não vai. estive com o Sybill faz um momento. Glória lhe deu esquinazo.

—partiu-se. —O alívio e a esperança se abriam passo no meio do temor—. Se partiu outra vez?

—Isso parece. Tirou- dinheiro ao Sybill da carteira e se largou. —Phillip olhou ao Ethan e viu que a reação de seu irmão era de aborrecimento e resignação—. Sybill se irá ao escritório da Anna. Acredito que seria melhor que fosse conosco e falasse com ela.

—Não tenho nada que lhe dizer. Não a conheço. Importa-me um rabanete. O que tem que fazer é me deixar em paz e desaparecer.

—Não pode te fazer nenhum dano, Seth.

—A ódio. Certamente é como Glória, mas finge ser distinta.

Phillip se lembrou do cansaço, o remorso e a desdita que tinha visto no rosto do Sybill.

—Isso também o decidirá você, mas para fazê-lo tem que vê-la e ouvir o que diz. Disse que te tinha visto uma só vez. Glória foi a Nova Iorque e ficou uma temporada em casa do Sybill. Tinha uns quatro anos.

—Não me lembro. —Pôs um gesto de obstinação impenetrável—. Estivemos em muitos sítios.

—Seth, já sei que parece injusto. —Grace agarrou um instante as mãos que Seth tinha fechado em uns punhos com os nódulos brancos—. Mas sua tia pode ser uma ajuda. Todos nós estaremos ali.

CAM viu o rechaço nos olhos do Seth e se inclinou para ele.

—Os Quinn não evitam a briga. —calou-se até que Seth o olhou—. Até que ganhamos.

Seth tirou peito por orgulho e por temor a não estar à altura do nome que lhe tinham dado.

—Irei, mas me vai importar um ovo tudo o que diga. —voltou-se para o Phillip com os olhos acesos e pensativos—. Te deitou com ela?

—Seth! —O grito da Anna foi como uma bofetada, mas Phillip levantou uma mão.

Possivelmente sua primeira intenção fora lhe dizer que não era de sua incumbência, mas sabia ver além da resposta imediata.

—Não, não o fiz.

Seth se encolheu de ombros.

—Algo é algo.

—Você é o mais importante. —Phillip notou que os olhos do Seth refletiam surpresa—. Prometi que o seria e o é. Nada nem ninguém o impedirá.

Seth sentiu certa vergonha apesar da emoção.

—Perdão —balbuciou sem apartar o olhar de suas mãos.

—Não passa nada. —Phillip deu um sorvo do café que lhe tinha ficado gelado—. Escutaremos o que tenha que dizer e ela nos escutará . Escutará a ti e logo nos largaremos.

Ela não sabia o que ia dizer. sentia-se fatal. Os sedimentos da enxaqueca lhe embotavam o cérebro e tinha os nervos em máxima tensão ante a perspectiva de enfrentar-se aos Quinn, e ao Seth.

Tinham que odiá-la. Não acreditava que a desprezassem mais do que ela mesma se desprezava. Se o que lhe havia dito Phillip era verdade (as drogas, as surras, os homens), ela, por omissão, tinha deixado que seu sobrinho vivesse um inferno.

Eles não poderiam lhe dizer nada pior que o que ela se havia dito durante aquela noite interminável e insone, mas, enquanto entrava no estacionamento junto aos serviços sociais, estava nervosa só de pensar o que lhe esperava.

pintou-se os lábios no espelho retrovisor e pensou que todo ficaria muito feio. Palavras grosas, olhadas fritem. Além disso, ela era muito sensível a ambas.

Podia resisti-los, disse-se. Podia manter uma aparência tranqüila independentemente do que sentisse por dentro. Tinha praticado essa forma de defesa durante anos; permanecer distante e sem implicar-se para sobreviver.

Sobreviveria a aquilo. Se, além disso, conseguia tranqüilizar o espírito do Seth de algum jeito, quão feridas ela pudesse sofrer teriam merecido a pena.

desceu-se do carro. Parecia uma mulher tranqüila e inalterável, elegantemente vestida com um singelo traje de seda da cor do luto. Tinha o cabelo recolhido com uma volta tirante e a maquiagem era sutil e impecável.

O estômago lhe dava voltas e lhe ardia.

Entrou no vestíbulo. Na zona de espera havia algumas pessoas. Um menino choramingava nos braços de uma mulher que tinha os olhos frágeis pelo cansaço. Um homem com camisa de quadros e jeans estava sentado com o rosto sombrio e os punhos entre os joelhos. Outras duas mulheres estavam sentadas em uma esquina. Sybill deduziu que eram mãe e filha. A mulher mais jovem apoiava a cabeça no ombro da outra e chorava silenciosamente com os olhos morados por uns murros.

Sybill se deu a volta.

—Sou a doutora Griffin —disse a recepcionista—. Tenho uma entrevista com a Anna Spinelli.

—Sim, está esperando-a. Ao final do vestíbulo, a segunda porta à esquerda.

—Obrigado.

Sybill agarrou a asa de sua bolsa e foi decididamente para o despacho da Anna.

Sentiu um vazio no estômago quando abriu a porta. Estavam todos esperando-a. Anna estava sentada detrás da mesa. Levava uma jaqueta azul marinho e um coque que lhe dava um ar muito profissional. Estava olhando uma pasta.

Grace estava sentada com a mão na do Ethan. CAM, com o cenho franzido, estava de pé junto à janela e Phillip, sentado, passava as folhas de uma revista.

Seth estava sentado no meio do sofá e olhava para o chão, com a boca fechada e os ombros encolhidos.

Ela fez provisão do valor que ficava e foi falar. Entretanto, os olhos do Phillip a olharam e ela compreendeu que não se abrandou durante a noite. Sybill não fez caso do pulso que lhe acelerava e inclinou a cabeça como uma saudação.

—Chega pontual, doutora Griffin —disse ele antes de que todos os olhos se cravassem nela.

sentiu-se abrasada e disparada flechas, mas cruzou a soleira que a colocava totalmente no terreno dos Quinn.

—Obrigado por me receber.

—Estávamos desejando-o.

A voz do CAM era perigosamente delicada. Sybill notou que tinha posto a mão no ombro do Seth com um gesto possessivo e protetor.

—Ethan, importaria-te fechar a porta? —Anna cruzou as mãos sobre a pasta que estava lendo—. Por favor, sinta-se, doutora Griffin.

Já não seriam Sybill e Anna. esfumou-se todo o contato amistoso entre mulheres sentadas em uma cozinha acolhedora cheia de panelas.

Sybill o aceitou e se sentou diante da mesa da Anna. ficou a bolsa sobre o regaço, agarrou-o com os dedos como trapos, e cruzou as pernas elegante e despreocupadamente.

—antes de começar, eu gostaria de dizer algo.

Tomou ar lentamente quando Anna fez um gesto de consentimento, voltou-se e olhou diretamente ao Seth, que seguia com o olhar cravado no chão.

—Não vim para te fazer danifico nem te fazer infeliz. Sinto que pareça que te tenho feito as duas coisas. Se o que quiser e precisa é viver com os Quinn, então quero fazer todo o possível para que vivas com eles.

Seth levantou a cabeça e a olhou com uns olhos que eram assombrosamente adultos e ásperos.

—Não quero sua ajuda.

—Mas pode necessitá-la —murmurou Sybill enquanto se voltava para a Anna. Sybill esperava encontrar-se com uma mente aberta—. Não sei onde está Glória. Sinto muito. Dava minha palavra de que a traria aqui esta manhã. Fazia muito tempo que não a via Y... não me dava conta do muito..., do instável que é.

—Instável —comentou CAM com tom irônico—. Isso sim que é bom.

—Ela ficou em contato com você? —perguntou-lhe Anna enquanto olhava a seu marido com gesto de advertência.

—Sim, faz umas semanas. Estava indignada, dizia que lhe tinham tirado ao Seth e que necessitava dinheiro para o advogado que ia apresentar a solicitude de custódia. Ela chorava e estava quase histérica. Suplicou-me que a ajudasse. Eu reuni toda a informação que pude, quem tinha ao Seth e onde estava, e lhe mandei cinco mil dólares. —Sybill levantou as mãos—. Ontem, quando falei com ela, dava-me conta de que não tinha advogado. Glória sempre foi uma boa atriz. Eu o tinha esquecido ou tinha preferido esquecê-lo.

—Sabia que tinha um problema com as drogas?

—Não, tampouco. Inteirei-me ontem. Quando a vi e falei com ela, ficou claro que nestes momentos não pode carregar com a responsabilidade de um filho.

—Ela não quer essa responsabilidade —comentou Phillip.

—É o que você diz —replicou Sybill sem alterar-se—. Você disse que queria dinheiro. Sei perfeitamente que para Glória o dinheiro é importante. Também sei perfeitamente que é instável, mas me custa acreditar, sem provas, que tem feito tudo o que disse.

—Quer provas? —CAM avançou para ela gotejando ira por todos os poros—. As terá, neném. Insígnia o as cartas, Anna.

—CAM, sente-se. —A ordem da Anna foi firme antes de voltar-se para o Sybill—. Reconheceria a escritura de sua irmã?

—Não sei. É possível.

—Tenho uma cópia da carta que se encontrou no carro do Raymond Quinn quando teve o acidente e uma das cartas que nos mandou mais recentemente.

Tirou-as da pasta e as passou ao Sybill por cima da mesa.

As frases e as palavras lhe entraram na cabeça como um ferro candente.

Quinn, estou farta de jogar camundongo e ao gato. Está desejando ficar com o menino, assim chegou o momento de que pague... cento e cinqüenta mil é uma ganga por um menino tão bonito como Seth.

meu deus..., era o único que podia pensar Sybill, Meu deus...

A carta aos Quinn depois da morte do Ray não era muito melhor.

Ray e eu tínhamos chegado a um acordo. Se estão decididos a ficar o vou necessitar um pouco de dinheiro...

Sybill não sabia o que fazer para que não lhe tremessem as mãos.

—Recebeu este dinheiro?

—O senhor Quinn estendeu uns cheques a Glorifica DeLauter: dois de dez mil dólares e um de cinco mil —disse Anna com toda claridade e sem nenhuma entonação—. Trouxe para o Seth DeLauter ao St. Christopher o ano passado. A carta que tem em suas mãos tem carimbo de dez de março. Ao dia seguinte, o senhor Quinn fez efetivos seus bônus, alguns valores e uma grande quantidade de sua conta bancária. Em doze de março, disse ao Ethan que tinha alguns assuntos em Baltimore. Quando voltava, teve um acidente de carro e morreu. Ficavam quarenta dólares na carteira. Não se encontrou mais dinheiro.

—O prometeu que não teria que voltar —disse Seth inexpresivamente—. Era honrado. Ele o prometeu e ela sabia que lhe pagaria.

—Pediu mais. Pediu-lhes mais.

—Mas se equivocou. —Phillip se tornou para trás e olhou ao Sybill. Não transmitia nada, só sua palidez—. Não vai chupar nos o sangue, doutora Griffin. Pode nos ameaçar o que queira, mas não vai chupar nos o sangue nem a ficar com o Seth.

—Também tem a carta que lhe escrevi a Glorifica DeLauter —lhe informou Anna—. Lhe comuniquei que Seth estava a cargo dos serviços sociais e que este escritório tinha aberto uma investigação por possível mau trato infantil. Se entrar neste condado, lhe entregará uma interdita e uma ordem judicial.

—Estava furiosa —disse Grace—. Chamou casa nada mais receber a carta da Anna. Ameaçou e exigiu. Disse que se levaria ao Seth se não lhe dávamos dinheiro. Disse-lhe que estava equivocada. —Grace agüentou o olhar do Seth—. O está conosco.

Sybill só podia pensar que Glória tinha vendido a seu filho. Era exatamente o que havia dito Phillip.

—Têm a custódia temporária.

—Logo será definitiva —particularizou Phillip—. vamos ocupar nos disso.

Sybill voltou a deixar os documentos na mesa da Anna. sentia-se muito fria por dentro, brutalmente fria, mas pôs as mãos sobre a bolsa e se voltou para o Seth.

—Pegou-te? —perguntou-lhe com um tom cometido.

—Que coño te importa?

—Responde, Seth —lhe ordenou Phillip—. o Conte a sua tia como era viver com sua irmã.

—Muito bem, vale. —Não dissimulava o tom de desprezo—. Certamente, pegava-me quando gostava. Se eu tinha sorte, ela estava muito bêbada ou pendurada para me fazer danifico. Normalmente podia escapar. —encolheu-se de ombros como se não lhe importasse o mais mínimo—. Às vezes me surpreendia. Se não tinha conseguido massa para pilhar um pouco de droga, despertava e me dava uma surra ou punha-se a chorar a mares..

Ela queria dar as costas a essa imagem como tinha dado as costas a quão desconhecidos havia na sala de espera. Mas não apartou o olhar da cara do Seth.

—por que não disse a alguém que te ajudasse?

—A quem? —Essa tia era tola, disse-se Seth—. A poli? Ela já me havia dito o que faria a poli. Eu terminaria em um reformatório e alguém me faria o que queriam me fazer alguns de seus clientes. Podiam me fazer o que quisessem quando estivesse dentro. Enquanto estivesse fora, podia escapar.

—Mentiu-te —disse Anna brandamente enquanto Sybill procurava as palavras, qualquer palavra—. A polícia te teria ajudado.

—Sabia ela...? —conseguiu dizer Sybill—. Sabia ela que alguns homens queriam... te tocar?

—Claro, parecia-lhe gracioso. Quando estava pendurada, tudo lhe parecia gracioso. Quando estava bêbada, era má.

Podia ser irmã de um monstro como o que descrevia com tanta naturalidade o menino?

—Como...? Sabe por que decidiu ficar em contato com o senhor Quinn?

—Não, não sei nada de todo isso. Um dia recebeu um telegrama e começou a falar de uma mina de ouro. Desapareceu uns dias.

—Deixou-te sozinho?

Sybill não sabia por que lhe espantava isso depois do que tinha ouvido.

—Né, posso me cuidar sozinho. Quando voltou estava como louca. Disse que por fim eu serviria para algo. Tinha dinheiro, muito dinheiro, porque saiu e comprou muita droga sem atirar-se a ninguém. Passou vários dias pendurada e feliz. Então chegou Ray. Disse-me que podia ir com ele. Ao princípio eu acreditava que era um homem mais dos que ela levava a casa. Mas não o era. Asseguro-o. Parecia triste e cansado.

Sybill captou que tinha trocado o tom, tinha-o suavizado. O também sentia a dor. Até que viu o asco em seus olhos.

—Ela foi até ele —seguiu Seth— e Ray se indignou de verdade. Não gritou nem nada, mas a olhou com muita dureza. Levava dinheiro e lhe disse que se o queria teria que ir-se. Ela tomou e partiu. Disse-me que tinha uma casa à borda do mar e um cão, e que podia viver ali se queria. Que ninguém me incomodaria.

—E foi com ele.

—Era velho. —Seth se encolheu de ombros—. Pensei que poderia escapar se tentava algo, mas podia confiar no Ray. Era bom. Disse que nunca teria que voltar para a vida de antes. E não o farei. Dá-me igual como, mas não voltarei. Além disso não confio em ti. —Voltava a ter olhos de adulto e uma voz zombadora—. Porque mentiste, fingiste ser honrada e só nos espiava.

—Tem razão. —Pareceu-lhe que reconhecer seus pecados e encontrar-se com o olhar depreciativo desse menino era o mais tremendo que tinha tido que fazer e que faria em sua vida—. Não tem por que confiar em mim. Não te ajudei. Podia havê-lo feito durante o tempo que te levou a Nova Iorque. Eu não queria me dar conta. Para mim era muito mais fácil. Quando cheguei a casa um dia e os dois tinham desaparecido, tampouco fiz nada. Disse-me que não era meu assunto, que você não foi minha responsabilidade. Não foi só um equívoco, foi covardia.

O não queria acreditá-la, não queria perceber o arrependimento que havia em sua voz. Fechou os punhos sobre os joelhos.

—Segue sem ser teu assunto.

—É minha irmã. Não posso evitá-lo. —Não suportava o desprezo do olhar do Seth e olhou a Anna—. O que posso fazer para ajudar? Posso fazer uma declaração? Posso falar com seu advogado? Sou psicóloga e irmã de Glória. Suponho que minha opinião pode influir na hora de conceder a custódia.

—Estou segura de que o faria —sussurrou Anna—. Não lhe resultará fácil.

—Não sinto nada por ela. Não me orgulho de dizê-lo, mas é a verdade. Já não sinto nada por ela e tampouco sinto a responsabilidade que sentia para ela. Embora ele não o queira, sou a tia do Seth e eu gostaria de poder ajudar.

levantou-se e jogou uma olhada às caras que a rodeavam. Notou um vazio no estômago.

—Sinto muitíssimo o que passou. Já sei que as desculpas não servem de nada. Não tenho desculpas para ter feito o que tenho feito. Tenho motivos, mas não desculpa. Está muito claro que Seth está onde deve estar, onde é feliz. Se me derem uns minutos para ordenar minhas idéias, farei uma declaração.

Saiu da habitação sem pressa e seguiu até a rua, onde podia respirar.

—Bom, fez-o muito mal, mas agora está fazendo-o muito bem. —CAM se levantou e foi de um lado a outro do despacho—. Não vacila facilmente.

—Não estou segura —sussurrou Anna. Ela também era uma observadora perita e algo lhe dizia que essa fachada tranqüila ocultava muito mais do que todos suspeitavam—. Evidentemente, ter a de nosso lado nos vai vir muito bem. O melhor seria que nos deixassem sozinhas para que possa falar com ela. Phillip, fala com o advogado e lhe explique a situação, lhe pergunte se quer tomar declaração.

—De acordo. —Phillip franziu o cenho pensativamente—. Tem uma foto do Seth em sua agenda.

—O que...? —Anna piscou.

—Ontem à noite bisbilhotei entre suas coisas antes de que voltasse para a habitação do hotel. —Sorriu um pouco e logo se encolheu de ombros ao encontrar-se com os olhos fechados de sua cunhada—. Me pareceu o mais apropriado para a ocasião. Em sua agenda tem uma foto do Seth quando era pequeno.

—E o que? —perguntou Seth.

—Que é a única foto que encontrei. É interessante. —Levantou as mãos e as deixou cair outra vez—. Por outro lado, Sybill poderia saber algo da relação de Glória com papai. Já que não podemos perguntar-lhe a Glória, deveríamos perguntar-lhe a ela.

—Parece-me que tudo o que ela saiba saberá por Glória —interveio Ethan—. Não será fácil acreditá-lo. Acredito que ela nos diria tudo o que sabe, mas o que sabe pode não ser a verdade.

—Não saberemos a verdade nem a mentira até que o perguntemos —particularizou Phillip.

—me perguntar, o que?

Sybill, mais tranqüila e decidida a terminar de uma vez, entrou na habitação e fechou a porta.

—por que Glória se fixou em nosso pai. —Phillip se levantou para ficar à altura do Sybill—. por que sabia que lhe pagaria para proteger ao Seth.

—Seth há dito que era um homem bom. —Sybill olhou à cara de todos os homens—. Acredito que vós são a demonstração.

—Os homens bons não têm aventuras adúlteras com mulheres a metade de anos mais jovens que eles, para abandonar depois ao filho fruto dessa aventura. —A voz do Phillip transbordava amargura enquanto se aproximava do Sybill—. Não vais convencer nos de que Ray se deitou com sua irmã a costas de nossa mãe e logo abandonou a seu filho.

—Como? —Sybill, sem dar-se conta, alargou uma mão para agarrar-se por seu braço e não perder o equilíbrio—. Claro que não o fez. Você me disse que não acreditava que seu pai e Glória...

—Outros sim acreditam.

—Mas isso é... De onde tiraste a idéia de que Seth é seu filho, seu filho com Glória?

—Ouve-o por todo o povo se tiver os ouvidos abertos. —Phillip entrecerró os olhos ao ver sua cara—. É algo que difundiu sua irmã. Dizia que ele tinha abusado sexualmente dela, logo o chantageou e vendeu a seu filho. —Olhou ao Seth..., aos olhos do Ray Quinn—. Eu digo que é mentira.

—Claro que é mentira. Uma mentira espantosa.

Sybill queria com toda sua alma fazer algo bem, assim foi até o Seth e se agachou diante dele. Queria com toda sua alma tomar uma mão, mas se conteve quando ele se afastou dela.

—Ray Quinn não era seu pai, Seth. Era seu avô. Glória é sua filha.

Os lábios do Seth tremeram e os olhos azuis lhe brilharam trémulamente.

—Meu avô...?

—Sim. Sinto que não lhe dissesse isso ele, sinto que não soubesse antes de que... —Sacudiu a cabeça e se levantou—. Não sabia que houvesse esta confusão. Deveria havê-lo suposto. Eu me inteirei faz umas semanas. —Voltou a sentar-se na cadeira—. Lhes contarei tudo o que sei.

 

Já era muito mais fácil. Era quase como dar uma conferência. Sybill estava acostumada a dar conferências sobre questões sociais. Só tinha que distanciar do assunto e oferecer informação de forma clara e coerente.

—O professor Quinn teve uma relação com a Barbara Harrow. —Sybill se colocou de costas à janela de forma que pudesse estar de frente a todos—. Se conheceram na Universidade de Washington. Não conheço bem os detalhes, mas o que sei é que ele dava classes ali e ela era uma estudante de posgrado. Barbara Harrow é minha mãe e a mãe de Glória.

—Meu pai com sua mãe... —disse Phillip.

—Sim. Faz quase trinta e cinco anos. Dou é obvio que se gostou, ao menos fisicamente. Minha mãe... —esclareceu-se garganta—. Minha mãe acreditava que ele tinha muitas possibilidades, que ascenderia rapidamente de categoria acadêmica. A posição social é fundamental para minha mãe. Entretanto, ele a decepcionou por seu..., por isso ela considerava sua falta de ambição. O estava satisfeito dando classes. Ao parecer, não lhe interessavam as obrigações sociais que se necessitam para crescer. Além disso, politicamente, era muito liberal para seu gosto.

—Ela queria um marido rico e importante e comprovou que ele não ia ser o —resumiu Phillip com as sobrancelhas arqueadas.

—Em essência, isso é verdade —disse Sybill com uma voz tranqüila e inexpressiva—. Faz trinta e cinco anos, o país passava um momento de agitação, foi nossa guerra interna entre a juventude e o sistema estabelecido. Nas universidades havia muita gente que questionava a sociedade em geral e uma guerra que gostava muito pouco. Parece ser que o professor Quinn as questionava muito.

—Acreditava na necessidade de usar o cérebro e em tomar uma postura —disse CAM entre dentes.

—Segundo minha mãe, ele tomou posturas. —Sybill conseguiu esboçar um leve sorriso—. Freqüentemente, posturas que não gostavam à direção da universidade. Minha mãe e ele não coincidiam em princípios e crenças elementares. Ao final do curso, ela se voltou para sua casa, em Boston, desiludida, zangada e, como comprovaria mais tarde, grávida.

—Uma mierda. Perdão —retificou CAM quando Anna lhe repreendeu com um vaio—. Mas é uma mierda. É impossível que ele não aceitasse a responsabilidade de um filho. Absolutamente impossível.

—Ela não o disse —Sybill cruzou as mãos quando todo mundo voltou as olhadas para ela—. Estava furiosa. Possivelmente também estivesse assustada, mas estava furiosa por encontrar-se grávida de um homem que lhe parecia inadequado. Pensou em interromper o embaraço, mas tinha conhecido a meu pai e tinham combinado.

—O sim era adequado —concluiu CAM.

—Acredito que eram adequados o um para o outro. —O tom de voz foi gélido. Eram seus pais e não podiam lhe negar todo—. Minha mãe estava em uma situação difícil e aterradora. Não era uma menina. Tinha quase vinte e cinco anos, mas um embaraço imprevisto e não desejado é uma complicação para uma mulher de qualquer idade. Em um momento de debilidade ou de desespero, o confessou tudo a meu pai e lhe pediu que se casasse com ele —disse Sybill tranqüilamente—. Deveu amá-la muito. casaram-se rápida e discretamente. Ela nunca voltou para Washington. Nunca olhou ao passado.

—Papai alguma vez soube que tinha uma filha? —perguntou Ethan tomando ao Grace da mão.

—Não, impossível. Glória tinha três anos, quase quatro, quando nasci eu. Não posso dizer como foi sua relação com meus pais durante aqueles anos. Sei como foi depois. sentia-se marginada. Era complicada e temperamental, muito exigente e amalucada. esperava-se que tivesse certas condutas e ela as rechaçava. —Todo aquilo soava muito frio e inflexível—. Em qualquer caso, foi de casa quando ainda era bastante jovem. Logo, descobri que meus pais e eu lhe mandávamos dinheiro sem que nenhum de nós soubesse. ficava em contato com qualquer de nós e nos rogava, exigia ou ameaçava, o que sortisse efeito com cada um. Eu não sabia nada disto até que Glória me chamou o mês passado pelo Seth. —Sybill se deteve um instante até que pôs em ordem suas idéias—. antes de vir aqui, fui a Paris a ver meus pais. Acreditava que eles tinham que sabê-lo. Seth era seu neto e, que eu soubesse, o tinham arrebatado a Glória e estava vivendo com uns desconhecidos. Enfureci-me e fiquei assombrada quando o disse a minha mãe e ela renunciou a participar ou a oferecer qualquer ajuda. Discutimos. —Sybill deixou escapar uma risada muito breve—. Ela estava suficientemente surpreendida, acredito, para me contar o que acabo de lhes contar.

—Glória tinha que sabê-lo —interveio Phillip—. Tinha que saber que Ray Quinn era seu pai, se não, não teria vindo aqui.

—Sim, sabia. Faz um par de anos foi ver minha mãe quando meus pais passaram uns meses em Washington. Imagino que foi uma cena horrorosa. Segundo o que me contou minha mãe, Glória lhe pediu uma grande quantidade de dinheiro se não queria que fora à imprensa, à polícia ou a quem lhe fizesse caso para acusar a meu pai de abuso sexual e a minha mãe de cumplicidade. Nada de todo isso é verdade —afirmou Sybill com tom cansado—. Para Glória o sexo equivale a poder e aceitação. Constantemente acusava aos homens, sobre tudo aos homens com autoridade, de abusar sexualmente dela. Vista a situação, minha mãe lhe deu vários milhares de dólares e a história que acabo de lhes contar. Além disso, prometeu a Glória que esse seria o último dinheiro que veria dela e essas as últimas palavras que ouviria dela. É muito estranho que minha mãe incumpla uma promessa de qualquer tipo. Glória sabia perfeitamente.

—Então, atacou ao Ray Quinn —concluiu Phillip.

—Não sei quando decidiu encontrá-lo. Possivelmente levasse tempo lhe dando voltas na cabeça. Decidiria que esse era o motivo pelo que não a tinham querido nem aceito como acreditava que se merecia. Suponho que culparia a seu pai disso. Quando Glorifica tem problemas, sempre procura um culpado.

—E encontrou a ele. —Phillip se levantou da cadeira e foi de um lado a outro—. E segundo o sistema habitual, pediu-lhe dinheiro, acusou-lhe e ameaçou. Só que esta vez utilizou a seu próprio filho.

—Isso parece. Sinto muito. Deveria ter suposto que não estavam a par de tudo isto. Dava por sentado que seu pai lhes teria contado mais coisas.

—Não teve tempo. —A voz do CAM foi fria e cheia de amargura.

—Disse-me que estava esperando uma informação —recordou Ethan—. Que o explicaria tudo quando o tivesse insone.

—Deveu tentar ficar em contato com sua mãe. —Phillip cravou o olhar no Sybill—. Quereria falar com ela, inteirar-se.

—Não lhe posso dizer isso não sei.

—Já... —concedeu-lhe Phillip—. Teria feito tudo o que considerasse necessário. Primeiro, pelo Seth, porque é um menino, mas teria querido ajudar a Glória. Para fazê-lo, tinha que falar com sua mãe, saber o que tinha passado. Pareceria-lhe importante.

—Só posso lhes dizer o que sei, o que me contaram. —Sybill levantou as mãos com um gesto de certa impotência—. Minha família se levou mau. Todos nós —disse ao Seth—. Peço perdão por mim e por todos outros. Não espero que vós... Farei tudo o que possa para ajudar.

—Quero que a gente saiba. —Seth a olhou com os olhos empanados em lágrimas—. Quero que a gente saiba que era meu avô. Estão murmurando dele e é mentira. Quero que saibam que sou um Quinn.

Sybill só pôde assentir com a cabeça. Se isso era tudo o que lhe pedia, ela se encarregaria de que o recebesse. Tomou fôlego e se dirigiu a Anna.

—O que posso fazer?

—Já tiveste um bom começo. —Anna olhou seu relógio de pulso. Tinha outra entrevista aos dez minutos—. Quer fazer pública e oficial a informação que nos deste?

—Sim.

—Tenho uma idéia para jogá-lo a rodar.

Não se teria em conta o questão do abafado, recordou-se Sybill. Viveria e poderia viver com as falações e as olhadas avessas que se dariam quando atendesse à proposta da Anna.

Ela mesma redigiu sua declaração, tinha passado duas horas em sua habitação para escolher as palavras e as frases corretas. Tinha que explicar com claridade os detalhes dos atos de sua mãe, os de Glória e os seus.

Não duvidou quando a teve corrigida e impressa. Levou as páginas ao mostrador de recepção e pediu que as mandassem por fax ao escritório da Anna.

—Necessito que me devolva o original e espero uma resposta por fax —explicou a recepcionista.

—Ocuparei-me de tudo. —A jovem recepcionista sorriu com profesionalidad e entrou em um despacho que havia detrás.

Sybill fechou os olhos um instante. Já não havia marcha atrás. Cruzou as mãos, recompôs-se e esperou.

Não passou muito tempo. A expressão nos olhos da recepcionista indicava claramente que tinha jogado uma olhada à declaração.

—Quer esperar à resposta, doutora Griffin?

—Sim, obrigado.

Sybill estendeu a mão para que lhe devolvesse os papéis e quase sorriu quando a recepcionista deu um coice antes de entregar-lhe precipitadamente por cima do mostrador.

—Está desfrutando de... sua estadia?

Sybill pensou que a garota não podia esperar nem um minuto a difundir o que acabava de ler. Uma conduta humana típica e completamente previsível.

—Até o momento, tudo foi bastante interessante.

—Desculpe-me um momento.

A recepcionista voltou a entrar no despacho.

Sybill estava deixando escapar um suspiro quando ficou em tensão. Sabia que Phillip estava detrás dela antes de dá-la volta.

—mandei o fax a Anna —disse solenemente—. Estou esperando sua resposta. Se o encontrar satisfatório, terei tempo de ir ao banco antes de que fechamento e o assinará o notário. Prometi-o.

—Não vim como cão guardião, Sybill. pensei que poderia necessitar certo apoio moral.

Ela soprou.

—Estou bem.

—Não, não o está. —Para demonstrá-lo, passou-lhe uma mão pelos músculos tensos do pescoço—. Mas sua atuação é bastante boa.

—Prefiro fazê-lo sozinha.

—Não sempre pode conseguir o que quer. —Olhou por cima dela, com a mão ainda na nuca do Sybill, ao ver que saía a recepcionista—. Olá, Karen, que tal tudo?

A recepcionista se ruborizou até o couro cabeludo e os olhou alternativamente.

—Bem..., mmm..., aqui tem o fax, doutora Griffin.

—Obrigado. —Sybill, sem piscar, tomou o sobre e o guardou na bolsa—. me Inclua isso na fatura, por favor.

—Sim, naturalmente.

—adeus, Karen.

Delicadamente, Phillip baixou a mão até o final das costas do Sybill e a levou através do vestíbulo.

—Antes do próximo descanso, já o haverá dito a seus seis melhores amigas —sussurrou Sybill.

—Pelo menos. São as vantagens de um povo pequeno. Esta noite, os Quinn vão ser o motivo de discussão em muitos jantares. À hora do café da manhã o rumor estará jogando faíscas.

—Diverte-te —disse Sybill com severidade.

—Tranqüiliza-me, doutora Griffin. As tradições estão feitas para tranqüilizar. falei com nosso advogado. —Foram para o passeio marítimo. As gaivotas perseguiam um navio de pesca que voltava para porto—. A declaração notarial ajudará, mas gostaria de falar contigo a princípios da semana que vem, se pode arrumá-lo.

—Consertarei uma entrevista. —voltou-se para ele. Levava roupa informal e o vento lhe agitava o cabelo. Uns óculos escuros lhe ocultavam os olhos, mas tampouco lhe importava muito a expressão que pudessem ter—. Se entrar sozinha, ao melhor não parece que estou em arresto domiciliário.

O levantou as mãos e deu um passo atrás. Era dura de cortar, disse-se ao vê-la entrar no banco, mas tinha a sensação de que, uma vez rota a casca, dentro havia algo delicado, inclusive delicioso.

Surpreendia-lhe que alguém tão inteligente e tão conhecedor da natureza humana não se desse conta de sua própria aflição, que não quisesse ou pudesse reconhecer que tinha construído uns muros ao redor dela mesma porque lhe tinha faltado algo durante sua infância.

Quase tinha conseguido que ele pensasse que era fria e distante e que os sentimentos não a afetavam.

Não sabia por que se empenhou em pensar o contrário. Possivelmente só fora um desejo, mas estava disposto a adivinhá-lo logo.

Sabia que difundir seus segredos de família de uma forma tão irregular ia ser humilhante para ela e, possivelmente, doloroso, mas tinha acessado sem condições e estava cumprindo sem vacilação.

Critérios, disse-se a si mesmo. Integridade. Tinha-os e ele acreditava que também tinha coração.

Sybill lhe sorriu levemente ao sair do banco.

—É a primeira vez que vejo que a um notário quase lhe saem os olhos das órbitas. Acredito que isso...

Não conseguiu terminar a frase porque Phillip lhe tampou vorazmente a boca com a sua. Ela levantou a mão até o ombro dele, mas os dedos se agarraram a seu pulôver.

—Pareceu-me que o precisava —sussurrou Phillip enquanto lhe acariciava uma bochecha.

—Sem ter em conta...

—Que mais dá, Sybill, já murmuram o bastante, por que não lhe acrescentar um toque de mistério?

Os sentimentos lhe transbordavam e lhe resultava difícil manter a compostura.

—Não tenho intenção de ficar aqui para dar um espetáculo. Se não te importar...

—Perfeito. Vamos a algum lado. Tenho o navio.

—O navio? Não posso sair no navio. Não vou vestida para navegar. Tenho trabalho.

Tenho que pensar, disse-se para seus adentros, embora ele estava arrastando-a ao mole.

—Virá-te bem navegar. Está-te dando outra dor de cabeça. O ar fresco te acalmará.

—Não me dói a cabeça. —Só sentia uma ameaça que estava a ponto de estalar—. E não quero...

Esteve a ponto de gritar do susto quando tomou em velo e a deixou sobre a coberta do navio.

—Considere-se arrolada pela força, doutora. —Soltou as amarras rápida e diestramente e saltou a bordo—. Me dá a sensação de que não recebeste suficiente tratamento de esse em sua curta e protegida vida.

—Não sabe nada de minha vida nem do que recebi. Se acender o motor vou A... —calou-se e apertou os dentes para ouvir as explosões do motor—. Phillip, quero voltar para hotel. Neste instante.

—Ninguém te nega nada, verdade? —disse alegremente enquanto dava uma palmada no assento de bombordo—. Sente-se e desfruta de do passeio.

Ela não pensava saltar pela amurada vestida com um traje de seda e uns sapatos italianos. Supôs que era a forma que ele tinha de desforrar-se. Privava-lhe de sua liberdade de eleição e assim afirmava sua vontade e seu domínio físico.

Típico.

Voltou a cabeça para olhar o leve chapinho. Não tinha medo dele no sentido físico. O tinha um aspecto mais rude do que se imaginou, mas não lhe faria mal. Além disso, ele queria profundamente ao Seth e necessitava que ela o ajudasse.

Fez um esforço por não emocionar-se quando içou as velas. O som do tecido que se abria com o vento, o sol que resplandecia refletido no branco lhe ondulem, a repentina e suave inclinação do navio; todo isso não significava nada para ela, disse-se insistentemente.

Toleraria o jogo do Phillip, mas não reagiria. Evidentemente, ele se aborreceria de seu silêncio e desdém e a levaria de volta.

—Toma. —O lhe lançou algo e ela deu um coice. Olhou e viu uns óculos de sol que tinham cansado limpamente em seu regaço—. O sol pega com força. refrescou, mas o veranico de San Miguel está à volta da esquina.

Sorriu quando não lhe respondeu, limitou-se a ficar cuidadosamente os óculos e seguiu olhando para outro lado.

—Primeiro faz falta uma boa geada —continuou dizendo ele como se tal coisa—. Quando as folhas começam a trocar de cor, a costa perto de casa é um espetáculo. Tudo fica dourado e escarlate. De fundo, o céu de um azul profundo, a água brilhante como um espelho, o aroma a outono... Chega a pensar que não há nenhum outro sitio na terra onde preferiria estar.

Ela seguiu sem abrir a boca e com os braços cruzados sobre o peito.

Phillip se passou a língua pelo interior da bochecha.

—Inclusive um par de animais de cidade como você e eu podemos apreciar um bom dia de outono no campo. aproxima-se o aniversário do Seth.

Phillip viu pela extremidade do olho que ela girava um pouco a cabeça e que separava uns lábios trementes. Voltou a fechá-los, mas quando se deu a volta o fez com os ombros encolhidos à defensiva.

Vá, vá..., disse-se Phillip. Esse pacote de frieza escondia todo um batiburrillo de sentimentos.

—pensamos lhe fazer uma festa e chamar a alguns de seus amigos. Já sabe que Grace faz um bolo de chocolate maravilhosa. Ocupamo-nos que presente, mas o outro dia vi um material de pintura que tinha uma pinta sensacional em uma loja de Baltimore. Nada de coisas de meninos, material de verdade. Gizes, lápis, lápis-carvão, pincéis, aquarelas, papel, paletas... É uma loja especializada que está a umas maçãs de meu escritório. Alguém que saiba um pouco de arte poderia passar por aí e escolher o adequado.

Pensava fazê-lo ele, mas comprovou que tinha acertado ao dizer-lhe Estava olhando o de frente e o sol resplandecia em seus óculos, mas a inclinação de sua cabeça lhe dizia que estava lhe emprestando toda a atenção do mundo.

—O não quereria nenhum meu presente.

—Não lhe dá suficiente crédito. Possivelmente tampouco lhe esteja dando isso a ti.

Orientou as velas para não perder o vento e comprovou que ela tinha reconhecido a curva de árvores ao longo da costa. Sybill se levantou inestablemente.

—Phillip, independentemente do que sinta por mim agora, que tentasse me aproximar do Seth muito logo não contribuiria a nada.

—Não estou te levando a casa. —Jogou uma olhada ao jardim enquanto passavam por diante—. Além disso, Seth está no estaleiro com o CAM e Ethan. Precisa te distrair, Sybill, não te enfrentar. Para que conste, não sei o que sinto por ti nestes momentos.

—Hei-te dito tudo o que sei.

—Já, acredito que me deste os fatos. Não me há dito o que sente, como lhe afetaram pessoalmente, sentimentalmente, esses fatos.

—Não é a questão.

—Eu estou convertendo-o na questão. Nós gostemos ou não, estamos metidos nisto, Sybill. Seth é seu sobrinho e o meu. Meu pai e sua mãe tiveram uma aventura e nós estamos a ponto de tê-la.

—Não —negou ela rotundamente—. Não estamos a ponto de tê-la.

O girou a cabeça para olhá-la com um brilho nos olhos.

—Sabe perfeitamente. Está dentro de mim e eu sei quando estou dentro de uma mulher.

—E os duas somos bastante majores para poder dominar nossas necessidades mais elementares.

O a olhou fixamente durante um instante e riu.

—Vá se os somos, mas o que se preocupa não é o sexo, é a intimidade.

Estava acertando em tudo os alvos. Não a enfurecia tanto como a assustava.

—Não me conhece.

—Começo a te conhecer —replicou ele tranqüilamente—. Além disso, sou dos que terminam o que começaram. vou trocar de rumo. Tome cuidado com a botavara.

Sybill se sentou e se apartou. Reconheceu a pequena baía onde tinham tomado vinho e patê. Tinha sido fazia só uma semana, pensou com certo desinteresse. Pouca coisa tinha trocado. Tudo tinha trocado.

Não podia estar ali com ele. Não podia correr esse risco. A idéia de dominá-lo era absurda. Mesmo assim, só podia tentá-lo.

Olhou-o sem alterar o gesto. passou-se a mão despreocupadamente pelo sofisticado coque que o vento tinha despenteado. Sorriu sarcásticamente.

—Não há vinho? Não há música nem comida de gourmet?

O arriou as velas e deteve o navio.

—Está assustada.

—É um arrogante. Não me preocupa.

—Agora memore. —O navio se balançou ligeiramente e ele se aproximou dela para lhe tirar os óculos de sol—. se preocupo um pouco. Crie que me tem enganchado, mas não sigo o guia. Parece-me que quase todos os homens aos que permitiste que lhe rondassem eram bastante previsíveis. É mais fácil para ti.

—Isto é o que você entende por me distrair? me parece mais um enfrentamento.

—Tem razão. —Phillip se tirou o óculos e as deixou a um lado—. Já o analisaremos mais tarde.

moveu-se muito depressa. Ela sabia que era capaz de mover-se à velocidade do raio, mas não esperava que passasse do cinismo à sedução em um abrir e fechar de olhos. Sua boca era ardente, ofegante e firme. Agarrava-a pelos braços e a atraía contra si para que percebesse a necessidade e ao ardor, necessidade e ardor que Sybill não sabia se brotavam dele ou dela.

Ele se tinha limitado a dizer a verdade quando disse que a tinha dentro de si. Nesse momento não lhe importava se era um veneno ou uma salvação. Ela estava dentro e ele não podia evitar que fluíra.

Apartou-a um pouco para que os lábios se separassem, embora as caras seguiam estando muito perto. Ele tinha os olhos dourados e poderosos como o resplendor do sol.

—me diga que não me deseja, que não quer isto. diga-me isso sinceramente e parada agora mesmo.

—Eu...

—Não. —Impaciente, angustiado, sacudiu-a para que levantasse a vista—. Não, me olhe aos olhos e diga-o.

Ela já tinha mentido e as mentiras lhe pesavam como o chumbo.

—Isto só complicará as coisas.

Os olhos cor caramelo refletiram um brilho de triunfo inconfundível.

—Pode estar segura —balbuciou ele—, mas agora me importa um cominho. me devolva o beijo e faz-o a sério —lhe exigiu.

Ela não pôde conter-se. Essa ânsia pura e perversa era desconhecida para ela e a deixava indefesa. Beijou-o com o mesmo desejo, com as mesmas vontades. O gemido rouco e primitivo que deixou escapar era um eco de palpitação do desejo que ela sentia entre as pernas.

Deixou de pensar. encontrou-se arrastada pelas sensações, os sentimentos e os desejos. O beijo se encrespou e ameaçava convertendo-se em uma dolorosa dentada. Ela se aferrou ao cabelo do Phillip, ofegava para poder respirar e se estremeceu dos pés à cabeça quando aquela mão direita boca descendeu por seu pescoço.

Pela primeira vez em sua vida, deixou-se levar completamente e desejou que tomasse.

O lhe agarrou a jaqueta de seda, a tirou e a atirou a um lado. Queria carne, acariciá-la e saboreá-la. Passou-lhe a rodeada camiseta cor marfim por cima da cabeça e encheu suas mãos com os peitos talheres de encaixe.

Ela tinha a pele mais quente que a seda e, em algum sentido, mais suave. Soltou-lhe o fechamento do prendedor com um movimento impaciente, atirou-o a um lado e satisfez a necessidade de saborear sua pele.

O sol a cegava. Inclusive com os olhos bem fechados, notava sua força nas pálpebras. Não podia ver, só sentia. A boca insaciável, quase brutal, devorava-a; as mãos ásperas e ansiosas faziam tudo o que lhes agradava. O gemido que lhe subia pela garganta era um uivo na cabeça.

«Agora, agora, agora!»

Cambaleante, levantou-lhe o pulôver para encontrar os músculos e as cicatrizes enquanto lhe tirava a saia de um puxão. As meias terminavam em umas tiras de encaixe no alto da coxa. Em outro momento possivelmente tivesse apreciado o detalhe de feminilidade e praticamente, mas em esse estava cego pelo desejo e recebeu com gozo o ofego de quando lhe baixou o pequeno triângulo que os separava. antes de que ela pudesse tomar fôlego, introduziu-lhe os dedos e a levou a limite.

Sybill gritou, conmocionada, hesitante pelo impacto do ardor que a atravessou sem aviso e a arrastou ao mais alto.

—Deus, Phillip...

Apoiou fracamente a cabeça no ombro do Phillip, o corpo se encrespava para logo ficar como morto. O a levantou e a tombou sobre um dos estreitos assentos.

O sangue lhe retumbava na cabeça e as vísceras lhe reclamavam uma liberação. O coração lhe golpeava contra o peito com o monótono ritmo de uma tocha.

Tinha a respiração entrecortada e o olhar cravado nela. Tinha a mão entre as coxas e os separou. Entrou. Entrou com força e profundamente e seu gemido interminável se fundiu com o dela.

Ela o rodeou como uma luva ajustada e ardente. moveu-se debaixo dele como uma mulher estremecida e ofegante. Disse seu nome com um fio de voz, suspirou sem poder deixar escapar o ar.

O entrava uma e outra vez, com um ritmo firme que ela se esforçava por seguir. Lhe soltou o cabelo e Phillip enterrou a cara nele miserável por seu aroma, pela paixão irrefreável de uma mulher levada além da razão.

Ela cravou as unhas nas costas do Phillip e afogou um grito contra seu ombro quando alcançou o clímax. Atendeu-o com seus músculos, possuiu-o, destroçou-o.

O estava tão exausto como ela e fazia um esforço por encher de ar os pulmões abrasados. Debaixo, ela seguia estremecendo-se com os últimos restos de uma relação sexual intensa e satisfatória.

Quando Phillip pôde enfocar a vista, viu a preciosa roupa do Sybill disseminadas pela coberta. Também um sapato de salto negro. Sorriu e se moveu o justo para lhe mordiscar o ombro.

—Normalmente procuro ser mais delicado. —Baixou a mão para jogar com o encaixe de uma meia e apreciar a textura—. Vá, doutora Griffin, está cheia de surpresas.

Ela flutuava além da realidade. Não podia abrir os olhos nem mover a mão.

—O que?

O, para ouvir a voz distante e sonhadora, levantou a cabeça para olhá-la à cara. Tinha as bochechas ruborizadas, os lábios inchados e cabelo despenteado.

—Eu diria, a simples vista, que nunca lhe tinham forçado antes.

Disse-o com certo tom brincalhão e uma arrogância masculina que fizeram que ela voltasse para a realidade. Abriu os olhos e viu que os dele refletiam um sorriso vitorioso e sonhador.

—Pesos muito —disse Sybill lacónicamente.

—De acordo. —levantou-se e se sentou, mas a pôs sobre seu regaço—. Segue com as meias postas, e um sapato... —Sorriu e lhe beliscou o pequeno e firme traseiro—. É muito sexy...

—Basta. —Notava que voltava a arder por dentro em uma combinação de abafado e desejo renovado—. me Deixe.

—Não terminei contigo ainda. —Agachou a cabeça e lhe lambeu um mamilo—. Segue suave e cálida. Saborosa. —Rodeou com os lábios o mamilo endurecido e sugou delicadamente até que lhe custou respirar—. Quero mais, e você também.

Ela arqueou o corpo para trás e lhe aconteceu a boca pelo palpitante pescoço. Claro que queria mais.

—Entretanto, esta vez me tomarei com mais calma —lhe assegurou Phillip.

Ela baixou a boca até a dele.

—Suponho que há tempo —disse com um gemido.

O sol começava a ocultar-se pelo horizonte quando ele se separou dela. Estava esgotada, radiante, contundida e transbordante de energia. Não sabia que pudesse ter esse apetite sexual, mas uma vez descoberto, tampouco sabia o que ia fazer com ele.

—Temos que falar... —Franziu o cenho e se cobriu o corpo com um braço. Estava médio nua, molhada por ele e aturdida como não o tinha estado jamais—. Não, isto... não pode continuar.

—Não agora mesmo —concedeu ele—. Eu também tenho limites.

—Não queria dizer... Só foi uma diversão, como você há dito. Algo que, ao parecer, os dois necessitávamos em um aspecto físico. Agora...

—te cale, Sybill —disse delicadamente, mas ela captou certo chateio—. foi muito mais que uma diversão e mais tarde o comentaremos atentamente.

O se apartou o cabelo dos olhos e a olhou fixamente. deu-se conta de que ela começava a sentir-se incômoda por estar nua e pela situação. Sorriu.

—Parecemos um asco. Só podemos fazer uma coisa antes de nos vestir e voltar. —

—O que?

Sem deixar de sorrir, tirou-lhe o sapato e tomou em braços.

—Isto.

Atirou-a pela amurada.

Sybill pôde soltar um grito antes de chegar à água. O que viu depois era uma mulher furiosa com mechas de cabelo molhado sobre os olhos.

—Filho de cadela! Imbecil!

—Sabia. —subiu à amurada e soltou uma gargalhada—. Sabia que estaria maravilhosa quando te zangasse.

lançou-se à água junto a ela.

 

Ninguém a tinha tratado como Phillip Quinn. Sybill não sabia o que pensar disso e muito menos o que fazer a respeito.

Ele tinha sido áspero, desconsiderado e exigente. Segundo ele, tinha-a forçado, e mais de uma vez. Ela não podia dizer que houvesse oposto a mais mínima resistência, mas tinha sido uma sedução que distava muito de ser civilizada.

Nunca se tinha deitado com um homem ao que conhecia de tão pouco tempo. Fazê-lo era irrefletido, possivelmente perigoso e certamente irresponsável. Inclusive se se tinha em conta a sintonia entristecedora e inimaginável que havia entre os dois, era uma conduta estúpida.

Pior que estúpida, reconheceu-se, porque estava desejando voltar a ser irrefletida com ele.

Teria que pensá-lo cuidadosamente quando pudesse tirar-se da cabeça o prazer incrível que lhe tinham dado aquelas mãos mãos direitas e dominantes.

Navegavam de volta ao St. Christopher. O estava completamente a gosto consigo mesmo e com ela. Ela nunca haveria dito que ele tivesse tido relações sexuais desenfreadas de mais de uma hora.

Se não fora porque ela tinha participado.

Estava segura de que o que tinham feito complicaria mais uma situação que já de por si era espantosamente complicada. Os dois teriam que ser sensatos, manter a cabeça fria e ser especialmente práticos. Fez todo o possível por ordenar o cabelo molhado que o vento agitava.

Decidiu que conversar um pouco era o melhor para fazer o trânsito entre o sexo e a sensatez.

—Como te tem feito essas cicatrizes?

—Quais?

Perguntou-o por cima do ombro, mas acreditava que sabia a que se referia. Quase todas as mulheres queriam sabê-lo.

—As do peito. Parecem de uma operação.

—Mmm. É uma história muito larga. —Olhou-a com um sorriso—. Te aborrecerei com ela esta noite.

—Esta noite?

lhe encantava quando juntava as sobrancelhas para formar uma ruga de concentração.

—Temos uma entrevista... Não te lembra?

—Mas eu... mmm.

—Você desconcerto completamente, não? —Farta, deu um tapa a umas mechas que se empenhavam em lhe tampar os olhos.

—Isso te diverte, verdade?

—Carinho, não sabe quanto. Você segue tentando me enquadrar, Sybill, e eu me escapulirei uma e outra vez. Você me considera um profissional da cidade, unidimensional e bastante seguro ao que gosta dos vinhos antigos e as mulheres cultas, mas isso só é uma parte do conjunto. —Entravam no porto, arriou as velas e acendeu o motor—. Você, a primeira vista, é uma mulher de cidade sã, educada e com uma carreira profissional, a que gosta do vinho branco e os homens a uma distância prudencial, mas também isso é só uma parte do conjunto.

Apagou o motor e deixou que o navio golpeasse brandamente contra o mole. Deu-lhe uma amigável palmada no cabelo antes de baixar-se para amarrá-lo.

—Acredito que vamos passar o muito bem enquanto desvelamos o resto.

—Que a relação física continue é...

—Inevitável —terminou enquanto lhe oferecia a mão—. Não percamos o tempo e a energia fingindo outra coisa. No momento podemos chamá-lo sintonia elementar. —Abraçou-a assim que pôs os pés no embarcadero e o demonstrou com um beijo comprido e ardente—. me funciona.

—Sua família não o aceitará.

—A aceitação da família é importante para ti.

—Naturalmente.

—Eu tampouco o descartaria. Normalmente, isto não seria de sua incumbência. Neste caso, é-o. —Preocupava-lhe bastante—. Mas é minha família e minha preocupação, não as tuas.

—Pode parecer hipócrita, mas não quero fazer nada mais que possa incomodar ou ferir o Seth.

—Eu tampouco, mas não vou permitir que um menino de dez anos dirija minha vida pessoal. te tranqüilize, Sybill —disse lhe acariciando a bochecha—. Não é uma questão entre o Capuletos e Montescos.

—Não imagino como Romeo —disse com um tom irônico que fez que Phillip se riera e a beijasse.

—Faria-o, carinho, se me propor isso, mas, no momento, sigamos sendo quem sou. Está cansada. —Passou-lhe um polegar por debaixo do olho—. Tem uma pele delicada, Sybill, a ojera o demonstra. te jogue uma sesta. Logo, arrumaremo-nos com o serviço de habitações.

—Com o...

—Eu levarei o vinho —disse alegremente enquanto voltava a saltar ao navio—. Tenho uma garrafa do Chateau Olivier que quero provar —gritou por cima do ruído do motor—. Não faz falta que te vista —acrescentou com um sorriso perverso enquanto manobrava para afastar do mole.

Não estava segura do que lhe teria gritado se tivesse perdido o domínio de si mesmo que ficava. Entretanto, ficou no mole com seu traje de seda enrugado mas elegante, o cabelo emaranhado e molhado e a dignidade tão vacilante como seu coração.

CAM reconheceu os sinais. Sair a navegar em uma tarde ventosa pode relaxar a um homem, pode lhe desentorpecer os músculos e lhe esclarecer as idéias, mas ele só conhecia uma coisa que dava esse brilho de satisfação e abandono aos olhos de um homem.

Distinguiu esse brilho nos olhos de seu irmão quando se aproximou do embarcadero para lhe atirar os cabos. Pensou que era um filho de cadela.

Agarrou o cabo e o atou com força.

—Filho de cadela.

Phillip arqueou as sobrancelhas. Esperava essa reação, mas não tão logo. Já se tinha preparado para não perder os nervos e explicar sua posição.

—Os Quinn sempre lhe recebem com carinho e simpatia.

—Acreditava que já tinha acontecido a fase de pensar com o rabo.

Phillip, mais alterado do que tinha previsto, desceu-se do navio e ficou olhando a seu irmão. O também reconheceu os sinais. CAM estava procurando briga.

—Em realidade, estou acostumado a deixar que meu rabo pense por sua conta, embora às vezes coincidimos.

—É tolo ou está louco, ou te importa todo um rabanete. trata-se da vida de um menino, sua tranqüilidade de espírito, sua confiança.

—Ao Seth não vai passar lhe nada. Estou fazendo todo o possível para que assim seja.

—Ah, já entendo. Atiraste-lhe isso pelo bem do Seth.

Phillip agarrou ao CAM da jaqueta antes de que assimilasse completamente toda a fúria. Tinham as caras muito perto e o gesto dos dois era feroz.

—A primavera passada lhe passou isso te derrubando com a Anna, pensava muito no Seth quando a tinha debaixo?

CAM disparou um punho que superou a defesa do Phillip. O golpe lhe mandou a cabeça para trás, mas não soltou a seu irmão. O instinto pôde com a razão e empurrou ao CAM para equilibrar-se sobre ele.

Soltou uma réstia de tacos quando Ethan apareceu por detrás e o agarrou por pescoço com um braço.

—Basta —ordenou Ethan—. Os dois... ou apertarei até que lhes tenham tranqüilizado. —Ethan apertou o pescoço do Phillip para demonstrá-lo e olhou ao CAM com o cenho franzido—. lhes Contenha um pouco, maldita seja. Seth aconteceu um dia espantoso, querem piorar-lhe —Yo no voy a discutírtelo, Phil. —Ethan miró hacia la casa con la esperanza de que Seth estuviera ocupado con los deberes o dibujando—. No sé qué le parecerá a Seth esa parte de tu vida personal.

—Não, eu não —disse CAM com amargura—. A este importa um cominho, mas a mim não.

—Minha relação com o Sybill e minha preocupação pelo Seth são coisas distintas.

—Uma mierda.

—me solte, Ethan. —O tom era cometido e Ethan o soltou—. Olhe, CAM, não recordo que minha vida sexual te tenha importado tanto desde que aos dois gostava de Jenny Malone.

—Já não estamos no instituto.

—Não, e você tampouco é meu tutor. Nenhum dos dois. —afastou-se um pouco para poder olhá-los. explicaria-se porque lhe importava, porque lhe importavam—. Sinto algo por ela e vou tomar me tempo para saber o que é. Durante os últimos meses tenho feita muitas mudanças em minha vida e aceitei tudo o que queriam, mas, maldita seja, também tenho direito a ter minha vida pessoal.

—Eu não lhe vou discutir isso Phil. —Ethan olhou para a casa com a esperança de que Seth estivesse ocupado com os deveres ou desenhando—. Não sei o que lhe parecerá com o Seth essa parte de sua vida pessoal.

—Há algo que nenhum dos dois tem em conta: Sybill é a tia do Seth.

—Isso é exatamente o que tenho em conta —lhe espetou CAM—. É a irmã de Glória e veio por uma mentira.

—veio acreditando uma mentira. —Ao Phillip parecia que a distinção era essencial—. Tem lido a declaração que mandou a Anna por fax?

CAM vaiou entre dentes e se meteu os polegares nos bolsos.

—Sim, vi-a.

—Quanto crie que pôde lhe custar escrevê-lo para que antes de vinte e quatro horas todo o povo esteja falando disso e falando dela? —Phillip esperou um segundo ao ver que o músculo da mandíbula do CAM se relaxava—. Quanto quer que ela pague?

—Não penso nela, penso no Seth.

—Ela é a melhor defesa que temos contra Glorifica DeLauter.

—Você crie que ela manterá o tipo quando chegar o momento da verdade? —perguntou Ethan.

—Sim, acredito. Ele necessita a sua família, a toda sua família. É o que teria querido papai. O me disse... —Phillip se calou e franziu o cenho enquanto olhava o mar.

CAM fez uma careta com os lábios, intercambiou um olhar com o Ethan e esteve a ponto de sorrir.

—Vejo-te um pouco estranho ultimamente, Phillip.

—Estou bem.

—Talvez está um pouco estresado. —Como só se levou um murro, CAM se acreditava com direito a divertir—. Me pareceu verte falando sozinho um par de vezes.

—Não falo sozinho.

—Talvez pensa que está falando com alguém que não está contigo. —Sorriu ampliamente e com má intenção—. O estresse é terrível. Destroça-te a cabeça.

Ethan não pôde reprimir uma risada e Phillip o olhou.

—Tem algo que dizer sobre minha saúde mental?

—Bom... —Ethan se arranhou o queixo—. ultimamente te vi um pouco tenso.

—Pelo amor de Deus, tenho motivos para estar um pouco tenso. —Estendeu os braços como se abrangesse todo mundo que levava sobre seus ombros—. Trabalho dez ou doze horas em Baltimore e logo devo suar como um escravo no estaleiro. Isso quando não estou me deixando as pestanas com a contabilidade ou as faturas ou fazendo de dona-de-casa na frutería ou me ocupando de que Seth não se descuide com os deveres.

—Sempre foste um arrogante —balbuciou CAM.

—Pareço-te arrogante? —Phillip se aproximou amenazadoramente, mas CAM sorriu e levantou as mãos.

—Ethan te atirará ao mar. Eu não tenho vontades de me dar um banho. _

—A mim, as primeiras vezes me pareceu que estava sonhando.

Perplexo e sem saber se queria dar um murro ao CAM ou sentar um momento, Phillip olhou ao Ethan.

—De que coño está falando?

—Acreditava que estávamos falando de sua saúde mental. —O tom do Ethan era tranqüilo e familiar—. Me alegrei de vê-lo. Costa saber que tem que te despedir dele outra vez, mas mereceu a pena.

Phillip sentiu um calafrio por tudo o espinho dorsal e se meteu as mãos vacilantes nos bolsos.

—Talvez temos que falar de sua saúde mental.

—Imaginávamos que quando te chegasse o turno sairia correndo ao psicanalista. —CAM sorriu—. Ou a Aruba.

—Não sei do que estão falando.

—Sim sabe. —Ethan o disse com bruma e se sentou no embarcadero com os pés pendurando enquanto tirava um charuto—. Te chegou o turno. Parece que foi apresentando-se pela mesma ordem que nos recolheu.

—Simetria —decidiu CAM enquanto se deixava cair junto ao Ethan—. Lhe terá gostado dessa simetria. A primeira vez que falei com ele foi o dia que conheci a Anna. —lembrou-se do dia que a viu o outro lado do jardim com essa cara impressionante e esse traje espantoso—. Suponho que isso também é uma espécie de simetria.

O calafrio seguia subindo e descendo pelas costas do Phillip.

—O que estão dizendo? falastes com ele?

—Um bate-papo. —CAM tirou o charuto ao Ethan da boca e lhe deu uma imersão—. Naturalmente, eu acreditava que havia me tornado socasse. —Levantou o olhar com um sorriso—. Você também, Phil?

—Não, eu só trabalhei muito.

—Panaquices, fazendo desenhos e procurando cancioncillas. Miúdo trabalho.

—Que lhe dêem... —Entretanto, suspirou e também se sentou no embarcadero—. Estão tentando me dizer que falastes com papai? que morreu em março? que está enterrado a umas milhas daqui?

CAM lhe passou ao charuto ao Phillip como se fora o normal.

—Tenta nos dizer que você não o tem feito?

—Eu não acredito nessas coisas.

—Quando passa, dá igual ao cria ou não. —Ethan recuperou o charuto—. A última vez que o vi foi quando pedi ao Grace que se casasse comigo. O tinha uma bolsa de amendoins.

—A Mãe de Deus —sussurrou Phillip.

—Podia cheirá-los como posso cheirar a fumaça do charuto, o mar e o couro da jaqueta do CAM.

—Quando a gente morre, acabou-se. Não volta. —Phillip se deteve um momento até que lhe chegou o charuto outra vez—. O... tocaram?

CAM inclinou a cabeça.

—Tocou-o você?

—Era sólido. Não podia ser.

—Pois uma de dois —interveio Ethan—, ou o três estamos loucos ou era ele.

—Quase não tivemos tempo de nos despedir nem de assimilá-lo. —CAM suspirou. A dor já era menor—. Nos deu de presente um pouco mais de tempo. Isso acredito eu.

—O e mamãe nos deram de presente todo o tempo quando nos fizeram Quinn. —Phillip decidiu que não podia pensá-lo nesse momento—. Deveu ficar destroçado quando se inteirou de que tinha tido uma filha a que não tinha conhecido.

—Lhe teria gostado de ajudá-la, salvá-la —sussurrou Ethan.

—daria-se conta de que era muito tarde para ela, mas não para o Seth —concluiu CAM—. Fez todo o possível para salvar ao Seth.

—Seu neto. —Phillip viu uma garceta que levantava o vôo e se perdia na escuridão. Já não tinha frio—. Se veria si mesmo nos olhos do Seth, mas quereria algumas respostas. pensei nisso. O lógico teria sido que tivesse tentado localizar à mãe de Glória para confirmá-lo.

—Teria demorado muito —opinou CAM—. Está casada, vive na Europa e, segundo o que disse Sybill, não tinha interesse em ficar em contato com ele.

—E a ele lhe esgotava o tempo —terminou Phillip—. Entretanto, agora sabemos e nos ficaremos.

Não tinha querido dormir. Sybill se deu uma ducha larga e quente e logo se envolveu em uma bata com a intenção de seguir com as notas. obrigou-se a reunir todo seu valor para chamar a sua mãe, lhe dizer o que pensava e lhe pedir que lhe confirmasse por escrito a declaração que ela tinha feito ante notário.

Não fez nada de todo isso. tombou-se de barriga para baixo na cama, fechou os olhos e se deixou levar.

A chamada na porta a tirou do sonho. Aturdida, levantou-se cambaleando-se, apalpou a parede para procurar o interruptor da luz, cruzou a sala e quase nem olhou pela mira para ver quem era.

Deixou escapar um suspiro de chateio enquanto abria os fechos.

Phillip sorriu ao ver o matagal de cabelo, os olhos sonolentos e a bata azul marinho.

—Bom, já te disse que não te vestisse...

—Sinto muito. Fiquei-me dormida. Tentou colocar o cabelo. Detestava parecer desalinhada, sobre tudo quando ele tinha um aspecto tão acordado, animado e impressionante.

—Se está cansada, deixamo-lo para melhor ocasião...

—Não, eu... se sigo dormindo, às três da manhã estarei desvelada. Ódio as habitações dos hotéis às três da manhã. —apartou-se um pouco para que ele passasse—. irei vestir me.

—Ponha cômoda —lhe propôs ele enquanto a agarrava e lhe dava um beijo como se fora o mais normal do mundo—. Já te vi nua e foi uma visão muito interessante.

lhe pareceu que ainda lhe faltava muito para recuperar a dignidade.

—Não vou dizer que fora um engano...

—Perfeito. —Phillip deixou a garrafa de vinho na mesa.

—Mas tampouco foi um acerto —seguiu ela com um tom de paciência admirável—. Os duas somos pessoas sensatas.

—Fale por você, doutora. Eu perco toda sensatez assim que capto esse aroma dele. O que te põe?

Sybill se apartou quando ele se inclinou para cheirá-la.

—Phillip.. .

—Sybill... —Phillip riu—. Levarei como uma pessoa civilizada e não tentarei te levar a cama até que esteja um pouco mais acordada.

—Agradeço-te tanta cortesia —replicou ela com um tom algo cortante.

—Não sente saudades. Tem fome?

—por que tem essa necessidade quase patológica de me alimentar?

—Você é a especialista —lhe respondeu enquanto se encolhia de ombros—. trouxe o vinho, tem taças?

Ela tivesse suspirado, mas não teria servido de nada. Queria falar com ele e voltar a pôr a relação em términos de igualdade. Queria lhe pedir conselho e esperava ganhar sua ajuda para que convencesse ao Seth de que aceitasse sua amizade.

Agarrou dois copos baixos e grossos que proporcionava o hotel e arqueou uma sobrancelha quando ele sorriu com desprezo ao vê-los. Seu sorriso de desprezo era muito sexy.

—São um insulto para este veio delicioso —se lamentou Phillip enquanto abria a garrafa com um saca-rolha de aço que tinha levado—, mas se for o melhor que pode oferecer, teremos que nos agüentar.

—Esqueci-me de embalar a cristalería de Boêmia.

—Outra vez será. —Serve o vinho de cor pajizo nos copos e deu um ao Sybill—. Pelos princípios, os intermédios e os finais. Parece como se estivéssemos nos três.

—O qual significa...?

—Que a farsa terminou, formou-se uma equipe de trabalho e somos amantes. Estou contente com os três aspectos de nossa interessante relação.

—Equipe de trabalho? —Escolheu o aspecto que não lhe envergonhava nem lhe punha nervosa.

—Seth é um Quinn. Com sua ajuda o será de forma legal e definitiva, e logo.

Ela ficou olhando seu copo de vinho.

—Para ti é importante que tenha seu nome.

—O nome de seu avô —lhe corrigiu Phillip—. Além disso, não é tão importante para mim como o é para o Seth.

—Sim, tem razão. Vi sua cara quando o disse. Parecia muito impressionado. O professor Quinn deveu ser um homem extraordinário.

—Meus pais eram muito especiais. Seu matrimônio não era normal. Era uma colaboração verdadeira que se apoiava na confiança, o respeito, o amor e a paixão. Não foi fácil perguntar-se se meu pai tinha quebrado essa confiança.

—Temiam que tivesse enganado a sua mãe com Glória e tivesse tido um filho com ela —Sybill se sentou—. Glória foi repugnante ao semear essa semente.

—Também era um inferno viver com as sementes que tinha dentro de mim e não podia eliminar. O ressentimento para o Seth. Era o filho de meu pai? Era seu filho verdadeiro enquanto eu só era um substituto? No fundo de meu coração sabia que não —acrescentou enquanto se sentava junto a ela—, mas era uma dessas obsessões que assaltam às três da manhã.

Pelo menos, deu-se conta Sybill, ela tinha tranqüilizado sua consciência nesse ponto, mas não era suficiente.

—vou pedir lhe a minha mãe que corrobore por escrito minha declaração. Não sei se quererá, duvido-o, mas vou pedir se o vou tentar o.

—Vê? Uma equipe de trabalho.

Phillip tomou a mão e a beijou. Ela o olhou com cautela.

—Tem a mandíbula arroxeada.

—Já. —Fez uma careta e a moveu de um lado a outro—. CAM ainda tem uma esquerda imparable.

—Pegou-te?

Phillip riu ao notar o tom de impressão absoluta. Evidentemente, a doutora não chegava de um mundo onde os murros voavam por todos lados.

—Eu ia pegar lhe antes, mas me adiantou. O que quer dizer que a devo. A haveria devolvido ali mesmo, mas Ethan me fez uma chave.

—meu deus. —Sybill se levantou angustiada—. foi por nós; por isso passou no navio. Não devemos fazê-lo. Sabia que te ia causar problemas com sua família.

—Sim —confirmou ele tranqüilamente—, foi por nós, mas o solucionamos. Sybill, meus irmãos e eu levamos nos pegando desde que somos irmãos. É um costume da família Quínn. Como a receita das tortitas de meu pai.

Ela seguia angustiada, mas também se sentia perplexa. Murros e tortitas? passou-se uma mão pelo cabelo despenteado.

—Brigam fisicamente?

—Claro.

Ela se apertou os dedos contra as têmporas para tentar assimilá-lo, mas não serve de nada.

—por que?

Phillip o pensou com um sorriso.

—Porque estamos à mão...? —aventurou.

—E seus pais permitiam uma conduta tão violenta?

—Minha mãe era pediatra. Sempre nos remendava. —Phillip se inclinou para diante para servir-se um pouco mais de vinho—. Será melhor que ponha em antecedentes. Sabe que CAM, Ethan e eu somos adotados.

—Sim, fiz algumas averiguações antes de vir... —calou-se e olhou a tampa de seu ordenador portátil—. Bom, isso já sabe.

—Sim. Você sabe alguns dados, mas não sabe seu significado. Perguntou-me por minhas cicatrizes. Não começa com isso. —ficou pensativo—. Em realidade, não. CAM foi o primeiro. Meu pai o apanhou quando tentava roubar o carro de minha mãe.

—O carro dela? Roubá-lo?

—Sim, do caminho de casa. CAM tinha doze anos. escapou-se de sua casa e queria chegar ao México.

—Aos doze anos roubava carros para ir-se ao México.

—Efetivamente. Foi o primeiro dos Quinn malfeitores. —Phillip levantou o copo para brindar por seu irmão ausente—. Seu pai, bêbado, havia lhe tornado a dar uma surra e tinha decidido que era o momento de sair correndo ou morrer.

—Ah. —Sybill apoiou uma mão no braço do sofá enquanto se sentava outra vez.

—CAM se deprimiu, meu pai o meteu em casa e minha mãe o atendeu.

—Não chamaram à polícia?

—Não. CAM estava apavorado e minha mãe comprovou que tinha sinais de mau trato físico habitual. Fizeram algumas pesquisa e chegaram a alguns acordos, trabalharam com as instituições e as burlaram. Deram-lhe um lar.

—Converteram-no em seu filho?

—Minha mãe disse uma vez que já fomos seus sempre, mas que não nos tínhamos encontrado. Logo chegou Ethan. Sua mãe se prostituía em Baltimore, era drogada. Quando se aborrecia, dava-lhe uma surra a seu filho. Até que teve a brilhante ideia de ganhar um dinheiro extra vendendo a seu filho de oito anos aos pervertidos.

Sybill agarrou o copo com as duas mãos. Não disse nada, não podia dizer nada.

—Passou assim uns anos. Uma noite, um cliente terminou com o Ethan e com ela e ficou violento. Como o branco era ela e não seu filho, apunhalou-o. Ela escapou e quando chegaram os policiais, levaram ao Ethan ao hospital. Minha mãe estava de volta.

—Também o levaram —sussurrou Sybill.

—Sim, isso é em resumidas contas.

Sybill levantou o copo, deu um sorvo e olhou ao Phillip por cima do bordo. Não conhecia o mundo que lhe estava descrevendo. Naturalmente, sabia que existia, mas nunca o tinha roçado sequer. Até então.

—E você?

—Minha mãe se buscava a vida em Baltimore. Pegava paus de pouca subida. —encolheu-se de ombros—. Meu pai tinha desaparecido antes. Passou algum tempo em chirona por ataque a mão armada e quando saiu não foi nos buscar.

—Ela... pegou-te?

—de vez em quando, até que cresci o bastante e começou a pensar que podia lhe responder. —Esboçou um sorriso afiado—. Tinha razão em pensá-lo. Não nos ocupávamos muito um do outro, mas se eu queria um teto, e o queria, necessitava-a e tinha que contribuir algo. Roubava carteiras e arrebentava pisos. Me dava muito bem —disse com certo orgulho—. Muito bem... Me fazia com o tipo de coisas que vende facilmente ou troca por droga. Se as coisas ficavam muito crudas, vendia-me. —Viu que ela abria os olhos como pratos e apartava o olhar—. Sobreviver não é nada fácil. Quase todo o tempo estava livre. Era um tio duro, mau e preparado. Alguma que outra vez me pilhavam e mandavam aos serviços sociais, mas sempre me escapava. Se tivessem acontecido uns anos, teria acabado no cárcere ou no depósito de cadáveres. Se tivessem acontecido uns anos mais —disse lhe olhando diretamente aos olhos—, Seth teria seguido o mesmo caminho.

Sybill fazia um esforço sobre-humano por assimilá-lo e olhou seu copo de vinho.

—Parece-te que sua situação é parecida, mas...

—Ontem reconheci a Glória —interrompeu Phillip—. Uma mulher bonita que se estragou. Os olhos duros e agudos e a boca transbordante de amargura. Minha mãe e ela também se teriam reconhecido.

O que podia dizer? Como podia discuti-lo se ela tinha visto o mesmo?

—Eu não a reconheci —assegurou Sybill precipitadamente—. Por um momento, pensei que era um engano.

—Ela reconheceu a ti e jogou suas vazas, tocou as teclas que tinha que tocar. Sabia o que tinha que fazer. —deteve-se um instante—. Sabia perfeitamente. Como sei eu.

Sybill o olhou e comprovou que a analisava de uma forma muito fria.

—É o que está fazendo? Pulsa teclas e joga suas vazas?

Phillip pensou que possivelmente estivesse fazendo-o. Era algo que teriam que esclarecer logo.

—Neste momento estou respondendo suas perguntas, quer o resto?

—Sim.

Não duvidou porque tinha compreendido o que queria sabê-lo tudo.

—Quando eu tinha treze anos, acreditava que o tinha tudo controlado. Pensei que não passava nada. Até que me encontrei de bruces na boca de uma boca-de-lobo e me sangrando. Dispararam-me de um carro em marcha. Estava no sítio equivocado e no momento equivocado.

—Chá dispararam? —Voltou a Lhe olhá-lo pegaram um tiro?

—No peito. O normal teria sido que me tivesse matado. Um de quão médicos o impediu de conhecia o Stella Quinn. Ela e Ray foram ver-me ao hospital. Pensei que eram uns insetos estranhos benfeitores, uns gilipollas, mas fingi estar de acordo com eles. Minha mãe não queria saber nada de mim e eu ia acabar em alguma instituição. Pensei que poderia me aproveitar deles até que me mantivera de pé. Então, levaria-me tudo o que pudesse e me largaria.

Quem era esse menino que estava lhe descrevendo? Como podia identificá-lo com o homem que estava lhe falando?

—foste roubar lhes?

—É o que fiz. Eu era assim. Mas eles... —Como podia lhe explicar que eram um milagre?—. Eles o apagaram de mim. Até que me apaixonei por eles. Faria algo para que estivessem orgulhosos de mim. A vida não me salvaram isso nem a ambulância nem os cirurgiões, a vida me salvaram isso Stella e Ray Quinn.

—Quantos anos tinha quando lhe acolheram?

—Treze, mas eu não era um pirralho como Seth nenhuma vítima como CAM e Ethan, eu tinha eleito um caminho.

—Equivoca-te.

Pela primeira vez, tomou a cara entre as mãos e lhe deu um beijo com toda delicadeza.

O a agarrou pelas bonecas e teve que controlar-se para não lhe espremer a pele como o beijo lhe tinha espremido o coração a ele.

—Não me esperava essa reação.

Ela tampouco a tinha esperado, mas sentiu lástima do menino que havia descrito e admiração pelo homem que tinha chegado a ser.

—Que reação revista receber?

—Nunca o tinha contado a alguém que não fora da família —disse sonriendo—. Não é bom para minha imagem.

Ela, comovida, apoiou a frente na dele.

—Tem razão, poderia ter acontecido com Seth —sussurrou ela—. O que aconteceu com ti, poderia ter acontecido com Seth. Seu pai o salvou. Sua família e você o salvaram, enquanto a minha não tem feito nada, pior que nada...

—Você tem feito algo.

—Espero que seja suficiente.

Quando ele a beijou, ela se deixou levar pelo consolo.

 

Phillip abriu o estaleiro às sete da manhã. Afligia-lhe que seus irmãos não lhe houvessem dito nada por não ter trabalhado no dia anterior ou por haver-se tomado todo um domingo a semana antes.

Esperava poder aproveitar pelo menos uma hora antes de que se apresentasse CAM para seguir com o casco do navio de pesca esportiva. Ethan ia pescar caranguejos para aproveitar a temporada de outono e iria ali pela tarde.

Estaria sozinho e tranqüilo para poder ocupar-se de todos os papéis que tinha abandonado durante esses dias.

A tranqüilidade não implicava silêncio. O primeiro que fez ao entrar em seu escritório foi acender as luzes, logo pôs a rádio e aos dez minutos estava embebido nas contas; sentia-se como em casa.

Chegou à conclusão de que tinham dívidas com todo mundo. O aluguel, os fornecimentos, o seguro, o depósito de madeiras e as adorados cartões de crédito.

A Administração tinha reclamado sua parte em meados de setembro e o beliscão tinha sido bastante desagradável. O seguinte pagamento de impostos não estava tão longe como para que se pudesse relaxar.

Fez jogos malabares com as cifras, deu-lhes uma e mil voltas, acariciou-as e decidiu que a cor vermelha não era tão feia. Tinham tirado um benefício aceitável do primeiro trabalho e quase todo o tinham reaplicado na empresa. Quando tivessem acabado o casco, o cliente lhes faria outro pagamento. manteriam-se a flutuação, mas foram passar uma temporada em números vermelhos.

Repassou tudo minuciosamente, pôs ao dia as folhas de cálculo, adaptou as cifras e tentou não lamentar que dois mais dois se empenhassem teimosamente em ser quatro.

Ouviu que a pesada porta se abria e voltava a fechar-se.

—Outra vez escondido aí acima? —gritou CAM.

—Sim, me estou passando isso de medo.

—Outros temos trabalho de verdade.

Phillip olhou as cifras que passavam pela tela do ordenador e deixou escapar uma risada. Sabia que para o CAM nada era um trabalho de verdade se não tinha uma ferramenta na mão.

—É tudo o que posso fazer —balbuciou Phillip antes de apagar o ordenador.

Amontoou as faturas a pagar em um rincão da mesa, guardou-se o talão de cheques no bolso traseiro da calça e baixou.

CAM estava ficando um cinturão de ferramentas. Levava uma boina de beisebol posta ao reverso para que lhe tirasse o cabelo da cara e mantê-lo debaixo da viseira. Phillip viu que se guardava o aliança de casamento no bolso dianteiro da calça.

Quando terminava de trabalhar, voltava a ficar o O anel podia enganchar-se em algumas ferramentas e lhe custar um dedo, mas nenhum dos irmãos os deixavam em casa. Phillip se perguntava se tinha algum simbolismo ou se lhes confortava levar sempre com eles esse aviso do matrimônio.

perguntou-se por que o perguntava e decidiu esquecer-se desse assunto.

Como CAM tinha chegado antes à zona de trabalho, na rádio não soava o blues melancólico que teria eleito Phillip a não ser um rock de te pôr os cabelos de ponta. CAM o olhou inexpresivamente enquanto Phillip ficava um cinturão de ferramentas.

—Não esperava verte tão espaçoso e madrugador esta manhã. Supunha que teria tido uma noite ocupada.

—Não volte para isso.

—Era um comentário.

Anna já lhe tinha jogado uma bronca quando se queixou da aventura do Phillip com o Sybill. Que tinha que lhe dar vergonha, que não tinha por que meter-se, que tinha que ter consideração pelos sentimentos de seu irmão...

Preferia um murro de seu irmão à surra verbal de sua mulher.

—Se quer enredar com ela, é teu assunto. Está muito bem, mas eu diria que por dentro é bastante fria.

—Não a conhece.

—Conhece-a você? —CAM levantou a mão quando viu um brilho no olhar do Phillip—. Só tentava me fazer uma idéia. vai ser importante para o Seth.

—Sei que ela quer fazer tudo o que possa para que Seth esteja onde tem que estar. Por isso entrevi, eu diria que ela se criou em um ambiente repressivo e asfixiante.

—Um ambiente de gente rica.

—Sim. —Phillip passou por cima de um montão de fitas de seda—. Sim, colégio privado, chofer, clube de campo, serviço...

—Costa um pouco sentir lástima por ela.

—Não acredito que ela queira que lhe tenham lástima. —Levantou um fita de seda—. Há dito que queria te fazer uma idéia. Eu te digo que teve vantagens, o que não sei é se teve carinho.

CAM se encolheu de ombros, decidiu que juntos trabalhariam melhor e agarrou o outro extremo do fita de seda para colocá-lo no casco.

—Não me parece desgraçada —esclareceu CAM—, parece-me fria.

—Contida. Precavida. —lembrou-se de que ela tinha dado o primeiro passado a noite anterior. Mesmo assim tinha sido primeira e única vez. Conteve a insatisfação por não estar seguro de se CAM tinha razão—. Acaso Ethan e você são quão únicos têm direito a estar com uma mulher que lhes satisfaz os hormônios e o cérebro?

—Não. —CAM juntou os madeiros e relaxou os ombros. Havia algo no tom do Phillip que deixava ver essa insatisfação e algo mais—. Não, claro que não. Falarei com o Seth dela.

—Falarei eu com ele.

—De acordo.

—Também me importa Seth.

—Já sei.

—Não me importava. —Phillip tirou o martelo para cravar os fitas de seda—. Ao menos não tanto como importava a ti. Não o bastante. Agora é distinto.

—Também sei isso. —Durante uns minutos trabalharam juntos sem dizer nada—. Em qualquer caso, ajudou-o —acrescentou CAM quando terminaram de colocar o fita de seda—. Incluso quando não te importava o bastante.

—Fiz-o por papai.

—Todos o fizemos por papai. Agora o fazemos pelo Seth.

A meio-dia, o esqueleto do casco se havia talher com a carne da madeira. Essa forma de construir o navio exigia muito trabalho, precisão e era aborrecida, mas também era a marca da casa, uma alternativa que oferecia uma solidez estrutural máxima e requeria muita destreza do construtor.

Ninguém discutiria que CAM era o mais destro dos três ao trabalhar com a madeira, mas Phillip pensou que ele tampouco ficava curto.

apartou-se para ver o exterior do casco e pensou que, efetivamente, não ficava curto.

—trouxeste um pouco de comida? —perguntou-lhe CAM antes de beber água diretamente da garrafa.

—Não.

—Mierda. Seguro que Grace preparou ao Ethan um desses festins que faz ela. Frango frito ou fatias de presunto cozido com mel.

—Você também tem uma mulher.

CAM soprou e pôs os olhos em branco.

—Já... Não imagino lhe pedindo a Anna que me prepare uma comida todos os dias. Partiria-me a cabeça com a maleta enquanto sai pela porta. Somos dois... Podemos surpreender ao Ethan quando entre.

—Façamos algo mais fácil. —Phillip tirou uma moeda do bolso—. Cara ou cruz?

—Cara. que perca, compra a comida e vai por ela.

Phillip lançou a moeda, agarrou-a e a deixou sobre o dorso de sua mão. Pareceu como se a cara o olhasse com gesto de brincadeira.

—Maldita seja... O que quer?

—Almôndegas, uma bolsa grande de batatas fritas e vinte litros de café.

—Isso..., te tape bem as artérias.

—A última vez que olhei não tinham tofu no Crawford'S. Não sei como te come essa marranada. vais morrer te em qualquer caso. Também pode ir com as almôndegas.

—Você faz o que queira e eu farei o que eu queira. —Tirou o talão do CAM do bolso traseiro da calça—. Toma, não lhe gaste isso tudo de repente.

—Agora posso me retirar a uma cabana no Maui. Tem o do Ethan?

—O que fica dele.

—E o teu?

—Não o necessito.

CAM entrecerró os olhos enquanto Phillip ficava a jaqueta.

—As coisas não são assim.

—Eu me ocupo das contas e digo como são as coisas.

—Você lhe dedica tempo e tem que te levar sua parte.

—Não a preciso —repetiu Phillip mais acaloradamente—. Quando a necessitar, levarei-me isso.

partiu e deixou ao CAM com dois palmos de narizes.

—Teimoso filho de cadela —balbuciou CAM—. Como vou tocar lhe os narizes se fizer estas estupidezes?

queixava-se muito, disse-se CAM. Amassava a seus irmãos com os detalhes mais nimios e logo se ocupava desses detalhes, pensou enquanto bebia da garrafa de água. Abandonava-te e logo te tirava as castanhas do fogo.

Podia voltar louco a qualquer.

Nesse momento estava perdendo a cabeça por uma mulher que ninguém sabia se seria de confiança quando as coisas ficassem difíceis. Ele, por de repente, ia vigiar de perto ao Sybill Griffin. Não só pelo Seth. Phillip podia ter cérebro, mas era tão parvo como qualquer quando de tratava de uma cara bonita.

—E a jovem Karen Lawson, que trabalha no hotel desde que o ano passado ligou com o filho do McKinney, viu-o por escrito. Chamou a sua mãe e como Betty Lawson é boa amiga minha e companheira de bridge a muito tempo tempo, embora te falha seu ás se não te andar com cuidado, chamou-me e me contou isso.

Nacy Claremont se achava em seu meio natural e esse meio natural era a fofoca. Como seu marido era dono de uma boa parte do St. Chris, o que significava que ela também o era, e nessa parte entrava o velho palheiro que os Quinn, uma turma de selvagens em sua opinião, tinham alugado como estaleiro e você vá ou seja o que outras coisas mais, ela sabia que não só tinha direito, mas também era sua obrigação difundir . essa suculenta informação que tinha recebido na tarde anterior.

Naturalmente, primeiro utilizou o método mais cômodo: o telefone. Entretanto, por telefone não se desfruta de do prazer de ver a reação. ficou seu traje calça de cor cabaça que acabava de comprar e se tornou à rua.

Não tinha nenhum sentido ser a mulher mais rica do St. Christopher se não presumia um pouco, e o melhor sítio para presumir e difundir uma fofoca era Crawford'S.

Logo estava a barbearia, e essa seria sua segunda etapa; já tinha pedido hora para cortar-se, se tingir e frisar o cabelo.

Mamãe Crawford, que não tinha saído do St. Chris durante seus sessenta e dois anos, estava sentada atrás do mostrador com seu avental de açougueira e a língua apertada com força contra a bochecha.

Já se tinha informado da notícia. Não lhe escapava quase nada e tampouco retinha a informação durante muito tempo, mas se dispôs a escutar ao Nancy.

—Pensar que o menino é neto do Ray Quinn! E essa escritora com pinta esnobe é irmã da garota tão desagradável que disse todas aquelas coisas espantosas. O menino é seu sobrinho. Sua própria família, mas disse algo a respeito? Não, pai, nenhuma palavra! Todo o momento exibindo-se de um lado a outro e navegando com o Phillip Quinn, e muito mais que navegando, diria eu. Os jovens de hoje em dia não têm nenhuma decência.

Brilhavam-lhe os olhos de prazer.

Mamãe Crawford temeu que se desviasse do assunto que lhes ocupava e se encolheu de ombros.

—me parece —disse sabendo que a gente que havia na loja era todo ouvidos— que a muita gente deste povo lhe teria que cair a cara de vergonha pelo que vão dizendo do Ray. Todas essas falações, a suas costas quando estava vivo e sobre sua tumba quando está morto, de que enganava ao Stella, em paz descanse, e que estava encalacrado com essa DeLauter eram mentira, não?

Jogou uma olhada à loja com seus olhos penetrantes e, efetivamente, houve várias cabeças que se agacharam. Satisfeita, cravou o olhar implacável nos olhos brilhantes do Nancy.

—Parece-me que está desejando pensar mal de um homem bom como Ray Quinn —acrescentou.

Nancy, profundamente insultada, soprou.

—O que vai! Nunca acreditei uma só palavra, Mamãe Crawford. —disse-se que comentar as coisas não significava que as acreditasse—. A verdade é que até um cego se daria conta de que o menino tem os mesmos olhos que Ray. Tinha que haver alguma relação. O outro dia perguntei ao Silas se pensava que esse menino era sobrinho ou um pouco do Ray. —Naturalmente, não havia dito nada parecido, mas poderia havê-lo feito se lhe tivesse ocorrido—. Mas nunca pensei que seja neto do Ray. Como ia pensar que Ray tinha uma filha há tantos anos...?

O qual, para começar, teria demonstrado que tinha feito algo mau. Ela sempre tinha pensado que Ray Quinn tinha tido uma juventude desenfreada. Possivelmente tivesse sido hippie, e todo mundo sabia o que isso significava: fumar maconha, fazer orgias e correr nu pelo campo.

Entretanto, não pensava falar disso com Mamãe Crawford. Esses assuntos os reservaria para quando estivesse comodamente sentada na poltrona da barbearia.

—Uma filha —continuou— que se desmamou mais que os meninos que ele e Stella tinham levado a sua casa. A garota do hotel deve ser tão...

calou-se para ouvir a campainha da porta. Tinha esperado ter um ouvinte novo e ficou paralisada ao ver o Phillip Quinn. Era melhor que um ouvinte novo, era um dos atores dessa trama tão lhe apaixonem.

Phillip soube o tema de conversação assim que abriu a porta. Ao menos, o tema que tinham tratado até que ele entrou. O silêncio caiu como uma laje e todos os olhos se cravaram nele antes de olhar para outro lado com ar culpado.

Exceto os do Nancy Claremont e os de Mamãe Crawford.

—Vá, Phillip Quinn, não te via desde que foi com sua família à festa de quatro de julho. —Nancy piscou. Fora o que fosse, era um homem muito bonito. Nancy acreditava que a sedução era a melhor maneira de atirar da língua a um homem—. O passamos muito bem.

—É verdade. —Foi até o mostrador consciente de que tinha todas as olhadas fixas em suas costas—. Mamãe Crawford, quero umas almôndegas e um pouco de peru.

—Agora mesmo, Phil júnior!

Seu filho deu um coice pelo tom apesar de que tinha trinta e seis anos e três filhos.

—Sim, mamãe...

—vais cobrar às pessoas ou vais arranhar te o culo durante todo o dia?

Ele se ruborizou, resmungou algo e ficou detrás da caixa registradora.

—Está trabalhando hoje no estaleiro?

—Assim é, senhora Claremont.

entreteve-se procurando uma bolsa de batatas para o CAM e logo foi até os produtos lácteos para procurar um iogurte para ele.

—Normalmente vem o pequeno a pela comida, não?

Phillip agarrou um iogurte qualquer.

—Hoje está no colégio. É sexta-feira.

—É verdade... —Nancy riu e se deu uns golpecitos no flanco da cabeça—. Não sei onde tenho a cabeça. Um menino muito bonito. Ray estaria orgulhoso.

—Não o duvido.

—diz-se que tem alguma relação familiar bastante próxima...

—Que eu saiba, sempre acerta com o que diz, senhora Claremont. Mamãe Crawford, também quero dois cafés grandes.

—Em seguida. Nancy, tem muitas coisas de que falar hoje. Se segue tentando tirar algo ao menino, vais perder seu turno na barbearia.

—Não sei do que está falando —Nancy soprou, lançou um olhar furioso a Mamãe Crawford e se colocou o cabelo com uma mão—. Mas tenho que ir. Esta noite, meu marido e eu vamos à festa dos Kiwani e tenho que me arrumar um pouco.

Saiu e foi diretamente à barbearia.

Dentro, Mamãe Crawford entrecerró os olhos.

—O resto terão coisas que fazer, Júnior lhes cobrará. Isto não é um salão. Se querem perder o tempo, podem perdê-lo na rua.

Phillip tossiu para dissimular uma gargalhada quando umas quantas pessoas decidiram que tinham coisas que fazer.

—Essa Nancy Claremont tem menos miolo que um mosquito —afirmou Mamãe Crawford—. Mau está que se vista de pés a cabeça como uma cabaça, mas é que nem sequer sabe ser sutil. –Mamãe Crawford se voltou para o Phillip e lhe sorriu—. Não vou dizer que eu não goste de me inteirar das coisas como ao que mais, mas se não saber tirar um pouco de informação sem ser tão evidente, não só é uma grosseira, mas também é tola. Não suporto nem os maus maneiras nem a estupidez.

Phillip se inclinou sobre o mostrador.

—Sabe, mãe, estive pensando que ao melhor troco o nome pelo Jean Claude, me vou viver ao país do vinho, ao vale do Loira, e me comprou um vinhedo.

Ela voltou a apertar a língua contra a bochecha com os olhos resplandecentes. Levava anos ouvindo essa história ou alguma de suas variações.

—me conte.

—Veria maturar as uvas ao sol. Comeria pão recém feito com queijo passado. Seria uma vida maravilhosa, mas só tenho um problema.

—Qual...?

—Não teria sentido se não vir comigo. —Agarrou-lhe a mão e a beijou enquanto ela soltava uma gargalhada.

—É um caso! Sempre o foste. —Tomou fôlego, esfregou-se os olhos e suspirou—. Nancy é tola, mas no fundo não é má. Para ela, Ray e Stella só eram umas pessoas mais, mas para mim eram outra coisa.

—Sei, Mamãe Crawford.

—O gente já tem tema de conversação novo e vão espremer o a fundo.

—Também sei. —Phillip assentiu com a cabeça—. Como sabia Sybill.

Mamãe Crawford arqueou as sobrancelhas e voltou às baixar ao dar-se conta do que isso queria dizer.

—Essa garota tem guelra. Bravo. Seth pode estar orgulhoso de ter um sangue tão valente. Ray era seu avô. —Mamãe Crawford se deteve para terminar de preparar os pratos—. Acredito que essa garota lhes teria gostado ao Ray e ao Stella.

—Crie-o? —sussurrou Phillip.

—Sim. eu gosto. —Mamãe Crawford olhou para outro lado com um sorriso enquanto envolvia os recipientes—. Não é uma esnobe como decidiu Nancy. Só é tímida.

Phillip agarrou a bolsa com a comida e ficou boquiaberto.

—Tímida? Sybill?

—Seguro. Tenta por todos os meios não sê-lo, mas lhe custa muito. te leve as almôndegas para seu irmão antes de que se esfriem.

—A mim o que me importam uma turma de bichas que viveram faz duzentos anos.

Seth tinha o livro de história aberto, a boca cheia de chiclete e um olhar cheia de tozudez. Phillip, depois de uma jornada de dez horas de trabalho manual, não estava de humor para as cabezonerías do Seth.

—Os pais fundadores de nosso país não eram uma turma de bichas.

Seth soprou e assinalou o desenho do Congresso.

—Levam perucas e roupa de tia. Isso, para mim, é de bichas.

—Era a moda. —Sabia que seu irmão estava lhe buscando as cócegas, mas não podia evitar entrar em trapo—. Além disso, chamar bicha a alguém por como vai vestido ou por como vive, demonstra ignorância e intolerância.

Seth se limitou a sorrir. Às vezes gostava de exasperar ao Phillip.

—Um tio que leva peruca com cachos e saltos altos tem o que se merece.

Phillip suspirou. Essa reação também encantava ao Seth. Dava-lhe igual a história, além disso o último exame o tinha passado com sobressalente, mas lhe aborrecia ter que escolher a um desses bichas e escrever uma estúpida biografia.

—Sabe o que eram esses tios? —perguntou-lhe Phillip com os olhos entrecerrados para que não abrisse a boca—. Não o diga. Direi-te o que eram. Eram rebeldes, agitadores e tios com um par...

—Com um par? Anda já!

—reuniam-se, redigiam documentos e davam discursos para mandar a mierda a Inglaterra e sobre tudo ao rei Jorge. —Captou um brilho de interesse nos olhos do Seth—. Em realidade, não era pelo imposto do chá. Isso só era a desculpa. Não foram aceitar mais mierdas da Inglaterra. tratava-se disso.

—Dar discursos e escrever documentos não é lutar.

—Estavam criando os motivos para lutar. Tem que dar alternativas. Se quiser que a gente deixe a marca X, tem que lhes dar a marca E, e fazê-la melhor, mais forte e saborosa. Que diria se te dissesse que esses chicletes são uma porcaria? —perguntou-lhe Phillip enquanto agarrava a bolsa que havia na mesa do Seth.

—eu gosto. —Para demonstrá-lo, fez um globo enorme.

—Já, mas eu te digo que é uma verdadeira marranada e que a gente que os faz são uns canalhas. Não vais atirar os ao cesto de papéis porque eu o diga, verdade?

—Claro que não.

—Mas eu te dou outra alternativa se te falar dos chicletes SuperGlobosGigantes.

—SuperGlobosGigantes? Tio, está me vacilando...

—Cala. Esses chicletes são melhores, duram mais e custam menos. Se os mascar, você, seus amigos, sua vizinhos e sua família serão mais felizes e mais fortes. É o chiclete do futuro, de seu futuro —acrescentou Phillip com um tom cantarín—. O outro chiclete está passado. Com o SuperGlobosGigantes encontrará sua liberdade pessoal e religiosa e ninguém te dirá quantos pode te colocar na boca.

—Moa. —Phillip estava como uma cabra, pensou Seth, mas tinha graça—. Onde tenho que assinar?

Phillip, entre risadas, deixou a bolsa de chicletes em mesa.

—Entende-o. Estes tios eram os cérebros e o sangue, e tinham que conseguir que a gente se iludisse.

Ao Seth gostou o dos cérebros e o sangue, assim pensou que poderia utilizá-lo na redação.

—De acordo, escolherei ao Patrick Henry. Não parece tão parvo como os outros.

—Muito bem. Pode procurar informação com o ordenador. Quando tiver a bibliografia, imprime-a. A biblioteca de Baltimore terá mais livros que a do colégio.

—De acordo.

—Tem a redação preparada para amanhã?

—Tio, não pára.

—A ver o que tem feito.

—Deus... —Seth rebuscou na pasta e tirou uma folha.

chamava-se Uma vida de cães e contava um dia normal visto através dos olhos de Tolo. Phillip notou que sorria sem querer quando o narrador canino explicava o muito que gostava de perseguir coelhos, o que lhe incomodavam as abelhas e quanto lhe divertia sair com seu bom e sábio amigo Simon.

Esse menino era muito preparado, disse-se Phillip.

Quando Parvo terminou seu exaustivo dia na cama, que compartilhava amavelmente com seu jovem amo, Phillip lhe devolveu a folha.

—Está muito bem. Suponho que agora já sabemos de onde tiraste esse talento para contar histórias.

Seth baixou o olhar enquanto guardava a redação.

—Ray era muito preparado e, além disso, era catedrático de universidade.

—Era muito preparado. Se tivesse sabido que existia, faria algo muito antes.

—Já, claro... —Seth se encolheu de ombros com o gesto típico dos Quinn.

—Amanhã vou falar com o advogado. Com a ajuda do Sybill talvez aceleramos um pouco as coisas.

Seth tirou um lápis para fazer ganchos de ferro; uns círculos, uns triângulos e uns quadrados.

—Talvez troca de idéia.

—Não, não o fará —lhe tranqüilizou Phillip.

—A gente o faz constantemente.

Durante semanas tinha estado preparado para sair correndo se os Quinn trocavam de idéia, mas não o tinham feito e ele tinha começado a confiar. Entretanto, sempre estava preparado para sair correndo.

—Há gente que cumpre suas promessas, sejam quais sejam. Ray o fez.

—Ela não é Ray. Veio aqui para me espiar.

—Veio para ver se estava bem.

—Bom, pois estou bem e ela já pode partir.

—É mais difícil ficar —replicou Phillip sem alterar o tom—. Se necessitam mais guelra para ficar. A gente já está murmurando sobre ela. Já sabe o que é que a gente te olhe pela extremidade do olho e murmure.

—Sim. São uns casulos.

—Possivelmente, mas dói.

Seth sabia perfeitamente, mas agarrou o lápis com mais força e apertou mais ao fazer os ganchos de ferro.

—Ela você gosta.

—Ao melhor. Certamente, não passa desapercebida. Mas isso não troca o importante. Guri, não há muita gente que tenha feito tanto por ti. —Esperou a que Seth voltasse a levantar o olhar—. me custou um tempo me entregar, possivelmente muito. Fiz-o porque me tinha pedido isso Ray, porque lhe queria.

—Mas não queria fazê-lo.

—Não, não queria fazê-lo. Era um coñazo. Você foi um coñazo, mas tudo começou a trocar pouco a pouco. Seguia sem querer fazê-lo, seguia sendo um coñazo, mas em um momento dado me dava conta de que o fazia por ti tanto como pelo Ray.

—Pensava que talvez era filho dele e isso te chateava.

E pensar que os adultos acreditavam que ocultavam seus segredos e seus pecados aos meninos..., disse-se Phillip.

—Sim. Era uma idéia da que não pude me liberar até ontem. Não podia aceitar a idéia de que tivesse enganado a minha mãe ou que você fosse seu filho.

—Mas mesmo assim pôs meu nome no pôster do estaleiro.

Phillip o olhou fixamente um instante e deixou escapar uma breve gargalhada. deu-se conta de que às vezes se faziam as coisas que terei que fazer embora fora sem as pensar e que isso era o importante.

—Era onde tinha que estar, quão mesmo você tem que estar aqui. Sybill já tinha feito bastante por ti e agora sabemos por que. Quando alguém te quer, é uma estupidez afastar o de ti.

—Crie que tenho que ir ver a e falar com ela e todas essas coisas. —O já o tinha pensado—. Não sei o que dizer.

—Antes já a viu e falou com ela. Poderia tentá-lo outra vez.

—Possivelmente.

—Sabe o atadas que estão Anna e Grace com seu jantar de aniversário da semana que vem?

—Sim.

Baixou a cabeça para que não lhe visse o sorriso de orelha a orelha. Não podia acreditar-lhe Um jantar de aniversário e ele tinha eleito a comida. Além disso, ao dia seguinte faria uma festa com seus amigos. Embora ele não o chamaria festa porque isso não molaba nada quando foste fazer onze anos.

—por que não lhe pede que vá se gosta? propô-lhe Phillip.

O sorriso se esfumou.

—Não sei. Suponho. Além disso, certamente não quereria vir.

—por que não o pergunta? Poderia tirar outro presente.

—Sim? —disse esboçando um sorriso lento e malicioso—. Teria que me fazer um bom...

—Assim eu gosto.

 

A reunião de noventa minutos com o advogado de Baltimore tinha deixado ao Sybill nervosa e esgotada. Ela acreditava que se preparou; ao fim e ao cabo, tinha tido dois dias e meio desde que chamou na segunda-feira pela manhã e o advogado lhe buscou um oco para na quarta-feira pela tarde.

Pensou que já tinha passado. Ao menos tinha passado essa primeira fase. Não se tinha imaginado que lhe custaria tanto revelar a um desconhecido, profissional ou não, os segredos e defeitos de sua família. além de revelar-lhe a ela mesma.

Nesse momento tinha que agüentar uma chuva heladora, o tráfico de Baltimore e seus escassas dotes para conduzir. Como não tinha nenhum interesse no tráfico e na condução, deixou o carro em um estacionamento e se enfrentou à chuva como peatona.

Tremente, cruzou rapidamente o passo de zebra e comprovou que o outono tinha deixado muito atrás ao verão. As árvores começavam a trocar de cor e os pequenos arbustos tinham já folhas vermelhas com borde dourados. A temperatura tinha baixado bruscamente com a umidade e o vento a açoitava e arrastava seu guarda-chuva enquanto se aproximava do porto.

Teria preferido um dia ensolarado para poder passear e desfrutar dos velhos edifícios primorosatiente reabilitados, do ordenado passeio marítimo e dos navios antigos atracados ali. Entretanto, resultava atrativo embora o dia fora chuvoso e gélido.

O mar tinha uma cor plúmbea, estava picado e seus limites se esfumavam no céu de forma que resultava impossível adivinhar até onde chegava. A maioria dos paseantes se refugiou a coberto e os que não o tinham feito caminhavam a toda velocidade.

encontrava-se sozinha e insignificante em meio da chuva, olhando ao mar e perguntando-se o que faria mais tarde.

Suspirou e se deu a volta para olhar as lojas. na sexta-feira tinha uma festa de aniversário. Tenía,que  comprar um presente para seu sobrinho.

Demorou mais de uma hora em comparar, escolher e desprezar material de pintura. Tinha reduzido as possibilidades e não notou o brilho nos olhos da dependienta quando começou às amontoar. Tinham passado mais de seis anos desde que fez o último presente ao Seth. ia ressarcir o por isso.

Tinham que ser os lápis adequados e a coleção de gizes perfeito. Examinou os pincéis para aquarelas como se uma eleição equivocada fora o fim do mundo para ela. Comprovou e pesou o papel de desenho durante vinte minutos e logo se voltou louca para encontrar uma caixa para tudo o que tinha eleito.

Decidiu que o melhor era a simplicidade. Certamente, um menino jovem se encontraria mais cômodo com uma singela caixa de nogueira. Também duraria mais. Se a cuidava, teria-a durante anos. Possivelmente, depois de passados esses anos, olharia-a e se lembraria dela com carinho.

—Seu sobrinho vai emocionar —lhe comentou a dependienta enquanto fazia a conta—. É um material muito bom.

—Tem muito talento. —Sybill, distraída, começou a mordê-la unha do polegar, um costume que tinha abandonado fazia anos—. Poderia envolver tudo cuidadosamente e colocá-lo em uma caixa?

—Claro. Janice! Pode me dar uma mão? É você desta zona? —perguntou ao Sybill.

—Não, não. Um amigo me recomendou sua loja.

—O agradecemos muito. Janice, temos que envolver e embalar tudo isto.

—Têm papel de presente?

—Não temos, sinto muito, mas neste centro há uma papelaria com papéis de presente muito bonitos, laços e cartões.

Era o que lhe faltava. Que papel gosta a um menino de onze anos? Cintas? Gostaria das cintas e os laços?

—São quinhentos e oitenta e três dólares e sessenta e nove centavos —lhe comunicou a dependienta com um sorriso resplandecente—. Como quer pagá-lo?

—Quinhentos... —Sybill se calou. Evidentemente, tornou-se louca. Quase seiscentos dólares pelo presente de um menino—. Admitem o cartão VISA? —perguntou com um fio de voz.

—Naturalmente. —A dependienta, sem deixar de sorrir, alargou a mão para tomar o cartão dourado.

—Você poderia me dizer...? —soprou, tirou a agenda e procurou a letra Q—. Como posso encontrar esta direção?

—Claro, está à volta da esquina.

Vá, se Phillip tivesse vivido a várias maçãs, ela possivelmente tivesse desistido.

Era um engano, advertia-se enquanto lutava com as enormes bolsas e um guarda-chuva que não estava spuesto a colaborar. Não tinha nenhum motivo para aparecer ali.

Possivelmente nem sequer estivesse em sua casa. Eram as sete. Certamente teria saído para jantar. Seria melhor que voltasse por seu carro e se fora à costa. Havia menos tráfico, embora a chuva era mesma.

Pelo menos, podia chamar antes, mas o maldito telefone móvel estava na bolsa e ela só tinha duas mãos. Tinha escurecido, chovia e o mais provável era que não encontrasse o edifício. Se não o encontrava antes de cinco minutos, daria-se a volta e se iria ao estacionamento.

Encontrou o edifício alto e elegante aos três minutos e, feita um molho de nervos, entrou no vestíbulo quente, seco e acolhedor.

Era silencioso e distinto, tinha árvores de interior em vasos de barro de cobre, chão de madeira polida e uns sofás de cores neutras com grandes almofadões. Toda aquela elegância a teria aliviado se não se houvesse sentido como um rato empapado que penetrava em um transatlântico de luxo.

Tinha que estar louca para apresentar-se ali daquela maneira. Acaso não tinha decidido que iria a Baltimore para ver o advogado e comprar o presente, mas que não faria o que estava fazendo? Não lhe havia dito nada da entrevista porque não queria que ele soubesse que estava em Baltimore. Teria tentado convencer a de que passasse o dia com ele.

Tinha estado no domingo com ele! Não havia nenhum motivo para ter essa necessidade de voltar a vê-lo. iria ao St. Christopher nesse preciso instante porque tinha cometido um engano terrível.

amaldiçoou-se quando foi até o elevador, entrou e pulsou o botão do piso dezesseis.

O que lhe passava? por que estava fazendo aquilo? O que aconteceria estava em casa, mas não estava sozinho? A só idéia lhe doeu como um murro na boca do estômago. Nunca tinham falado de exclusividade. O tinha todo o direito do mundo para ver outras mulheres. Teria um montão de mulheres. O qual demonstrava, para começar, que tinha feito uma tolice ao atar-se com ele.

Estava claro que não podia apresentar-se assim, sem avisar, sem que a houvesse convidado, sem que a esperasse.

Tudo o que lhe tinham ensinado sobre maneiras, protocolo e conduta social lhe ordenava que apertasse a fundo o botão de baixada e partisse dali. Cada fresta de orgulho lhe exigia que se afastasse dali antes de que ficasse humilhada.

Não soube o que foi o que superou a todo aquilo e a tirou do elevador para dirigi-la até a porta 1605.

dentro de sua cabeça algo dizia a gritos que não o fizesse, o ordenava inclusive quando tinha o dedo parecido no timbre.

O que tinha feito? O que lhe diria? Como se o xplicaría?

Suplicou que não estivesse em casa. Foi o último UE fez antes de que se abrisse a porta.

—Sybill... —Os olhos do Phillip se abriram como pratos e esboçou um sorriso. Ela começou a balbuciar.

—Sinto muito. Deveria ter chamado. Eu não queria... Não deveria... vim à cidade e estava...

—A ver, me dê todo isso. compraste toda a loja? —Estava lhe tirando as bolsas úmidas e as mãos geladas—. Estão congelada. Passa.

—Deveria ter chamado. Estava...

—Não seja tola. —Deixou as bolsas no estou acostumado a começou a lhe tirar a gabardina—. Tinha que harme dito que foste vir a Baltimore. Quando chegaste?

—A... Por volta das duas e meia. Tinha uma entrevista. Eu só... Estava chovendo —disse atropelladaente enquanto se detestava—. Não estou acostumada a conduzir com chuva. A verdade é que não estou acostumada a conduzir absolutamente e ainda estou um pouco nervosa por isso.

Ela foi de um lado a outro enquanto ele a olhava com as sobrancelhas arqueadas. Tinha as bochechas ruborizadas, mas ele não acreditava que fora pelo frio. Falava como se estivesse alterada e isso era uma novidade interessante. Parecia como se não soubesse o que fazer com as mãos.

A gabardina lhe tinha protegido o impecável traje cinza piçarra, mas tinha os sapatos empapados e o cabelo cheio de gotas de chuva.

—Está nervosa, não? —sussurrou enquanto lhe esfregava os braços para que entrasse em calor—. Tranqüilo.

—Tinha que ter chamado —disse pela terceira vez—. fui mal educada e presunçosa...

—Não, não o foste. Possivelmente um pouco ousada. Se tivesse vindo vinte minutos antes, eu não teria chegado ainda —disse aproximando-se um pouco mais—. Sybill, te tranqüilize.

—De acordo. —Sybill fechou os olhos.

Phillip a olhou com olhos brincalhões enquanto ela tomava umas profundas baforadas de ar.

—Isso da respiração funciona realmente? —perguntou-lhe com uma gargalhada.

O tom de irritação foi inapreciável, mas estava em sua voz.

—Há estudos que demonstram que o fluxo de oxigênio e a concentração mental aliviam o estresse.

—Não o duvido. Eu tenho feito estudos por minha conta. vamos tentar o a meu estilo.

Aproximou os lábios aos dela, esfregou-os brandamente, convincentemente, até que ela abrandou os seus, cedeu e o acolheu. A língua do Phillip brincou com a dela, que deixou escapar um suspiro.

—Sim, isto funciona comigo —sussurrou enquanto lhe acontecia a bochecha pelo cabelo molhado—. Me funciona muito bem. A ti?

—Também está demonstrado que a estimulação oral é um remédio contra o estresse.

O riu.

—Roda de pessoas o perigo de enlouquecer por ti. Gosta de um vinho?

Não lhe interessou a definição que ele dava a loucura.

—Não me importaria tomar uma taça. Mas não deveria. Tenho que conduzir.

Phillip pensou que essa noite não ia conduzir, mas se limitou a sorrir.

—Sente-se. Volto em seguida.

Ela voltou para seus exercícios de respiração enquanto ele desaparecia em outra habitação. Quando conseguiu serenar-se um pouco, Sybill observou o apartamento. Uns sofás de cor verde escura dominavam a sala. No meio havia uma mesa baixa quadrada. Sobre ela, um veleiro feito com cristal Murano e um par de candelabros de ferro verde com velas brancas e grosas.

No extremo mais afastado da habitação havia uma pequena barra com um par de tamboretes forrados de couro negro e, detrás, um pôster antigo do Nuits-St. Georges, na Borgoña, que representava a um oficial de cavalaria francês do século dezoito sentado sobre uma barrica com um copo, uma pipa e um sorriso de satisfação.

As paredes eram brancas e delas penduravam algumas obras de arte. Um pôster emoldurado de champanha Tattinger com uma elegante mulher, seguro que era Grace Kelly, vestida com um traje negro que levantava uma borbulhante monopoliza diante dela e se apoiava em uma mesa redonda de cristal com patas curvadas de aço. Também havia uma gravura do Joan Olhou e uma preciosa reprodução do Automme do Alphonse Muita.

Os abajures eram ligeiramente modernos e Art Decó; o carpete, amaciada e de cor cinza clara, e os ventanales não tinham cortinas e estavam molhados pela chuva.

Pareceu-lhe que a habitação refletia um gosto masculino, eclético e divertido. Ela estava admirando um reposapiés de couro com forma de porco quando ele voltou.

—Eu gosto de seu porco.

—Chamou-me a atenção. por que não me conta este dia tão interessante?

—Nem sequer te perguntei se tinha algo que fazer.

Ela se tinha dado conta de que levava uma camiseta negra de algodão, jeans e que ia descalço, mas isso não significava...

—Já sei. —Tirou-a da mão e a levou até o sofá com forma de Ou e cômodos almofadões—. Esta tarde estiveste com o advogado.

—Sabia?

—É um bom amigo e me mantém ao tanto. —E ele, disse-se Phillip, sentiu-se profundamente decepcionado quando não lhe chamou para lhe dizer que ia à cidade—. Que tal foi tudo?

—Acredito que bem. Parece crédulo em conseguir a custódia. Entretanto, não pude convencer a minha mãe para que fizesse uma declaração.

—Está zangada contigo.

Sybill deu um breve sorvo de vinho.

—Sim, está zangada. Seguro que se arrepende muito de ter tido o lapsus de me contar o que aconteceu ela e seu pai.

Phillip a agarrou pela mão.

—Para ti é muito difícil. Sinto muito.

Ela baixou o olhar a seus dedos entrelaçados e pensou distraídamente que ele a tocava com muita soltura, como se fora o mais natural do mundo.

—Já sou mayorcita. Dado que não acredito que esepequeño incidente, por muito que seja um aconcimiento no St. Christopher, cruze ao Atlântico até Paris, suponho que ela o superará.

—E você?

—A vida segue. Uma vez que se tramitaram as questões legais, Glória não terá nenhum motivo para lhes incomodar a ti e a sua família. Nem ao Seth. Seguirá incomodando-se a si mesmo, mas já não posso fazer nada. Tampouco quero fazê-lo.

Phillip se perguntou se era um rasgo de frieza ou uma forma de defesa.

—Quando se tiverem tramitado as questões legais, Seth seguirá sendo seu sobrinho. Nenhum de nós te impedirá que o visite nem que forme parte de sua vida.

—Não formo parte de sua vida —afirmou ela inexpresivamente—. Além disso, enquanto ele se faz uma vida, seria lhe crispe que tivesse lembranças da vida que deixou atrás. É um milagre que não tenha cicatrizes mais profundas por tudo o que lhe fez Glória. A sensação de segurança que tenha-se a débito a seu pai, a ti e a sua família. Não confia em mim, Phillip, nem tem por que fazê-lo.

—A confiança terá que ganhar a Tem que querer ganhar a —Tú quieres que vaya —le corrigió ella—. Y te agradezco mucho que lo convencieras para que me dejara ir.

Sybill se levantou, foi até o ventanal e olhou as luzes da cidade que se estendiam sob a chuva.

—Quando foste viver com o Ray e Stella Quinn, quando eles lhe ajudavam a refazer sua vida, mantinha contato com sua mãe ou com seus amigos de Baltimore?

—Minha mãe era uma puta circunstancial que detestava cada fibra de ar que eu respirava e meus amigos eram camelos, drogados e ladrões. Eu não queria ter mais contato com eles que o que eles queriam ter comigo.

—Mesmo assim —disse voltando-se para olhar —.sabe o que quero te dizer.

—Sei, mas não o compartilho.

—Eu acredito que Seth sim o compartilha. —Phillip deixou a taça de vinho e se levantou.

—Quer que vá na sexta-feira a sua festa de aniversário.

—Você quer que vá —corrigiu ela—. E te agradeço muito que o convencesse para que me deixasse ir.

—Sybill...

—Por certo, encontrei a loja que me disse. —Cortou-lhe ela enquanto assinalava para as bolsas que havia junto à porta.

—Isso? —ficou olhando fixamente às bolsas—. Todo isso?

Ela se mordeu a unha do dedo polegar.

—É muito, verdade? Sabia. Vi-me apanhada. Posso devolver parte ou ficar a faz tempo que não desenho...

Phillip foi até as bolsas e olhou dentro.

—Tudo isto? —riu e sacudiu a cabeça—. vai encantar lhe. vai voltar se louco.

—Não quero que tome como uma chantagem, como se queria comprar seu carinho. Não sei o que me dado. Quando comecei, era como se não pudesse parar.

—Se eu fosse você, deixaria de me perguntar os motivos para fazer algo bom, algo impulsivo e um pouco por cima do normal —disse lhe dando uma palmada delicada na mão—. E deixa de te morder a unha.

—Não me remoo as unhas. Eu nunca... —Ofendida, olhou-se a mão e viu a unha mordiscada—. meu Deus, estou me mordendo as unhas. Não o por volta de desde que tinha quinze anos.

Phillip se aproximou dela, que procurava seu estojo manicura na bolsa.

—Foi uma menina nervosa?

—Mmm?

—Mordia-te as unhas?

—Era um cacoete, nada mais. Cuidadosa e eficientemente, começou a reparar os danos.

—Um costume nervoso, não lhe parece, doutora Griffin?

—Possivelmente, mas acabei com ela.

—Não de tudo. Remói-te as unhas —sussurrou ele enquanto se aproximava mais—. Enxaquecas...

—Muito de vez em quando.

—Salta-te as comidas. Não te incomode em me dizer que jantaste esta noite. Sei perfeitamente. Parece-me que a respiração e a concentração não te está servindo de muito contra o estresse. vou provar outra vez meu sistema.

—Tenho que ir  —disse enquanto ele a abraçava— antes de que me faça muito tarde.

—Já é muito tarde. —Seus lábios se roçaram—. Têm que ficar. É de noite, faz frio e está chovendo —sussurrou sem deixar de lhe mordiscar os lábios—. Além disso, é uma condutora muito mau.

—Eu só... —A lima de unhas lhe caiu das mãos—. Estou destreinada.

—Quero me deitar contigo, em minha cama. —O seguinte beijo foi mais profundo, mais largo e mais úmido—. Quero te tirar esse precioso traje, peça a peça, e ver o que há debaixo.

—Não sei como o consegue. —A respiração lhe entrecortava e o corpo se esticava—. Não posso pensar coherentemente quando está me tocando.

—Eu gosto de sua incoerência. —Deslizou as mãos debaixo da jaqueta até colocar os polegares aos lados dos peitos—. Eu gosto de incoerente e tremente. Quando treme, entram-me vontades de te fazer de tudo.

Ela sentia labaredas ardentes e ferroadas gélidas por todo o corpo.

—O que... tipo de coisas?

O fez um ruído grave e de agradar contra o flanco de seu pescoço.

—Ensinarei-lhe isso. —Tomou em braços.

—Eu não faço estas coisas. —Ela se apartou o cabelo da cara e o olhou enquanto a levava a dormitório.

—Que coisas?

—Não vou à casa de um homem e sotaque que me leve a cama. Não faço essas coisas.

—Então, consideraremo-lo como um cambou em suas pautas de conduta —disse enquanto a olhava minuciosamente antes de deixá-la na cama produzido por... —deteve-se para acender as velas que havia em uma esquina— a estimulação direta.

—Poderia servir. —As velas faziam maravilhas em um rosto irresistível—. É que é muito atrativo.

O riu, tombou-se junto a ela e lhe beijou o queixo.

—E você é muito débil.

—Normalmente, não. Em realidade, meu apetite sexual está acostumado a ser inferior à média, em geral...

—De verdade? —Levantou-a o justo para poder lhe tirar a jaqueta.

—Sim. comprovei que... embora uma relação sexual pode ser agradável... —ficou sem fôlego ao notar os dedos que lhe desabotoavam a blusa.

—Agradável? —espetou ele.

—Estranha vez, se é que ocorre alguma vez, produz-me uma impressão que não seja momentânea. Isso, naturalmente, deve-se a minha estrutura hormonal.

—Naturalmente.

Ele baixou a boca à delicado inchaço de seus peitos que se elevava tentadoramente sobre as taças do prendedor e lambeu.

—Mas... Mas...

Ela fechou os punhos enquanto a língua do Phillip se abria passo debaixo do tecido e a estremecia.

—Está tentando pensar.

—Estou tentando comprovar se puder.

—E tudo bem?

—Não muito bem.

—Falava-me de sua estrutura hormonal —lhe recordou enquanto lhe olhava a cara e lhe baixava a saia.

—Eu? Ah, já... Tinha razão.

Não sabia no que, pensou vagamente Sybill enquanto notava um calafrio ao lhe passar ele um dedo pelo abdômen.

Phillip comprovou com prazer que ela levava essas meias tão sexys que se sujeitavam na coxa, essa vez eram de uma cor negra fumaça. Supôs que ela teria pensado que o prendedor e as médias de cor negra combinavam bem.

Deu graças a Deus por isso.

—Sybill, eu adoro o que há debaixo de sua roupa.

Baixou a boca por seu ventre e notou um sabor quente e feminino. Também notou a tensão de seus músculos. Sybill deixou escapar um leve som de impotência e se colocou debaixo dele.

Podia levá-la a qualquer parte. O poder que lhe dava sabê-lo-o embriagava como o vinho. Tomou, lentamente, recreando-os dois em cada passo, e se deixou levar.

Baixou as médias ao longo daquelas coxas rgos e deliciosas e seguiu esse caminho com sua boca até alcançar os dedos dos pés. Tinha a pele de cor marfim, suave e fragrante. Perfeita, mas mais sedutora quando se estremecia ligeiramente debaixo da dele. Colocou os dedos e a língua debaixo da fantasia sedosa que pendurava de seus quadris até que ela arqueou, estremeceu-se e gemeu. Ali estava a paixão. Justo ali, uma paixão ardente, úmida e crescente.

Quando aquele tortura os enlouqueceu, ele retirou a barreira que os separava e se equilibrou sobre o esbanjamento de ardor que lhe oferecia. Sybill gritou se encrespou e se aferrou ao cabelo dele enquanto se elevava à cúspide. Quando se abandonou jadeanteél ele não cessou.

Seguiu com seus ensinos.

Podia dispor de tudo. De tudo. Ela não tinha forças para negar-se, para resistir ao embate de sensações que a afligia. Ele era quão único havia no mundo, o único. O sabor de sua pele na boca do Sybill, a textura do cabelo nas mãos ou contra a pele do Sybill, o movimento de seus músculos entre os dedos do Sybill.

Os sussurros, os sussurros do Phillip que retumbavam em sua cabeça. O som de seu próprio nome como um murmúrio de prazer. A respiração que deixava escapar Sybill como um soluço enquanto procurava vorazmente sua boca para verter tudo o que ela era em uma emoção transbordante e abrasadora.

Uma e outra vez, uma e outra vez. O apresso, a exigência; tudo dava voltas em sua cabeça enquanto ela se aferrava e se entregava, entregava-se, entregava-se.

Então foi ele quem fechou os punhos nos flancos da cabeça do Sybill, quem sentiu o impacto entristecedor das sensações que o cegavam de desejo, que o derretiam com um desejo tão irresistível que o rasgava.

Ela se abriu para lhe dar aconteço como um convite palpitante. Entrou nela, satisfez-a. Levantou a cabeça e viu o resplendor dourado das velas que a iluminavam.

Sybill tinha os olhos cravados nele, os lábios separados e a respiração entrava e saía entre eles com dificuldade. Pareceu-lhe notar um estalo, como um ferrolho que se abria ou uma conexão. Procurou suas mãos para as entrelaçar com as suas.

Com lentidão, com delicadeza, com cada movimento recebia um prazer novo e pleno. Uma esperança tersa e sedosa na escuridão. Viu que lhe resplandeciam os olhos, sentiu a tensão, a quebra de onda, beijou-a na boca para fazer-se com o ofego do clímax.

—Não vá —sussurrou enquanto lhe percorria a cara com os lábios e se movia ao ritmo de seu cucrpo—. Não vá.

Que alternativa tinha ela? Estava indefesa ante o que lhe tinha imposto, incapaz de negar-se ao que lhe pedia em troca.

A pressão voltou a crescer como uma exigência interna que não podia negar-se. Quando ela se livrou tambaleantemente, ele a abraçou e caíram juntos.

—ia cozinhar —disse Phillip ao cabo de um momento quando ela se deixou cair sobre ele sem forças e sem poder falar—. Mas acredito que vou pedir o e a comer na cama.

—De acordo.

Sybill seguia com os olhos fechados e se ordenava escutar os batimentos do coração de seu coração e não emprestar atenção à voz que lhe brotava de dentro.

—Amanhã pode dormir.

O jogava despreocupadamente com o cabelo do Sybill. Queria tê-la ali pela manhã, queria com loucura tê-la ali pela manhã. Pensaria nisso mais tarde.

—Pode fazer um pouco de turismo ou ir às compras —insistiu Phillip—. Se ficar até a tarde, podemos ir juntos a casa.

—De acordo.

Não tinha forças para impor-se. Além disso, não era nenhuma tolice. A estrada de redondeza de Baltimore era terreno desconhecido. Desfrutaria percorrendo a cidade durante um par de horas. Era uma solene tolice conduzir de noite e em meio da chuva.

—É espantosamente fácil de convencer.

—Pilhaste-me em um momento de debilidade. Tenho fome e não gosta de conduzir esta noite. Além disso, sinto falta da cidade, qualquer cidade.

—Então, não é por meu atrativo irresistível e minha impressionante façanha sexual?

Ela não pôde evitar um sorriso.

—Não, mas tampouco incomodam.

—Pela manhã te farei uma omelete de clara de ovo e será minha pulseira.

Ela conseguiu rir.

—Isso já o veremos.

Sybill já temia estar muito perto da escravidão. O coração, ao que tentava não fazer conta, empenhava-se em assegurar que estava apaixonada.

Isso, advertiu-se a si mesmo, seria um engano muito major e mais permanente que ter batido na porta de sua casa em uma noite chuvosa.

 

Quando uma mulher de vinte e nove anos se troca três vezes de roupa antes de ir à festa de um menino de onze anos, essa mulher tem um problema verdade.

Sybill se fez essa reflexão enquanto se tirava a blusa de seda branca e a trocava por um pulôver de pescoço alto.

Ia a um jantar familiar sem etiqueta, não era uma recepção diplomática. A qual, reconheceu-se com suspiro, não lhe teria causado tantos problemas. Sabia como vestir-se, como comportar-se e o que se esperava dela em uma recepção de ornamento, uma recepção de Estado ou um baile de caridade.

Compreendeu que não saber o que ficar nem como comportar-se no aniversário de seu sobrinho uma demonstração lamentável de sua limitada experiência social.

ficou um comprido colar com contas de prata e o tirou ato seguido, amaldiçoou-se e voltou a ficar o Pouco vestida ou muito vestida, que mais dava? Não encaixaria em nenhum caso. Ela fingiria que encaixava, os Quinn fingiriam que sim encaixava e todo mundo respiraria tranqüilo quando se despedisse e se fora.

disse-se que não estaria mais de duas horas. Poderia suportá-lo. Todos seriam educados e evitariam as cenas desagradáveis pelo Seth.

Agarrou a escova para estirar o cabelo e sujeitar-lhe na nuca com uma pinça antes de olhar-se atentamente no espelho. Pareceu-lhe que dava a sensação de estar segura de si mesmo, agradável e nada ameaçadora.

Salvo... Possivelmente a cor do pulôver fora muito chamativo, possivelmente fora melhor um cinza ou marrom.

Era insuportável.

A chamada de telefone lhe pareceu uma bênção. Esteve a ponto de equilibrar-se sobre ele.

—me diga, sou a doutora Griffin.

—Syb, segue aí. Temia que te tivesse partido.

—Glória. —Os joelhos lhe fraquejaram e se sentou no bordo da cama—. Onde está?

—Ah, estou perto. Né, sinto que o outro dia te deixasse tiragem. Estava alterada.

Alterada, disse-se Sybill. Era uma boa expressão para certas situações. A julgar pela velocidade a que falava sua irmã, supunha que também estava alterada nesse momento.

—Roubou-me dinheiro da carteira.

—Já te hei dito que estava alterada, não? Entrou-me o pânico e necessitava um pouco de massa. Devolverei-lhe isso. falaste com esses bodes dos Quinn?

—tive uma reunião com a família Quinn, como prometi. —Sybill abriu a mão que tinha fechado em um punho—. Tinha prometido, Glória, que as duas nos veríamos com eles para falar do Seth.

—Bom, eu não tinha prometido nada, não? O que disseram? O que vão fazer?

—Disseram que trabalha de prostituta, que maltrataste fisicamente ao Seth, que permitiu que seus clientes tentassem abusar sexualmente dele.

—Mentirosos. São uns bodes mentirosos. Só querem me humilhar. Eles...

—Eles disseram —continuou Sybill sem alterar-se— que acusou uma dúzia de vezes ao professor Quinn de te agredir sexualmente, que insinuou que Seth era filho dele; que o chantageou e que vendeu ao Seth; que ele te deu mais de cento e cinqüenta mil dólares.

—Todo isso é uma mierda.

—Tudo não, mas uma parte sim. Sua parte pode descrever-se acertadamente como uma mierda. O professor Quinn não te tocou, nem faz doze anos nem faz doze meses.

—por que sabe? por que coño sabe o que...

—Mamãe me disse que o professor Quinn era seu pai.

fez-se um silêncio que só se interrompeu on a respiração entrecortada de Glória.

—Então, devia-me isso, não? Devia-me isso. O catedrático de universidade com sua vida triste e aborrecida! Devia-me muito. Era culpa dela. Tudo era culpa dela. Todos esses anos sem me dar nada. Acolhia tudo o lixo da rua, mas não me dava nada.

—Não sabia que existia.

—O disse, não? Disse-lhe o que ele tinha feito, quem era eu e o que ele ia fazer a respeito. O que fez? Olhou-me fixamente. Queria falar com minha mãe. Não ia me dar um puto dólar até que falasse com minha mãe.

—Assim foste ver o reitor e lhe disse que tinha abusado sexualmente de ti.

—Coloquei-lhe o temor de Deus. Maldito filho de cadela.

Sybill pensou que tinha tido razão. Ao final, resultava que seus instintos tinham acertado quando entrou na delegacia de polícia. Era um engano. Aquela mulher era uma desconhecida.

—E quando não funcionou, utilizou ao Seth.

—Os olhos do menino são idênticos aos seus, qualquer pode vê-lo. —ouviu-se o ruído de Glória aspirando de um cigarro—. Trocou de cilindro assim que viu o menino.

—Deu-te dinheiro pelo Seth.

—Não foi o bastante. Devia-me isso. Escuta, Sybill... —Tremeu-lhe a voz com um soluço—. Não sabe o que é isto. cuidei sozinha desse menino desde que o mamão do Jerry DeLauter se largou. Ninguém ia ajudar me. Nossa querida mãe nem sequer respondia a minhas chamadas e tampouco o fazia o casulo tarado com o que se casou e pretendia passar por meu pai. Poderia me haver desfeito do menino em qualquer momento, mas o pouco dinheiro que dão os serviços sociais é desprezível.

Sybill ficou olhando pelas portas da terraço.

—Sempre resulta ser uma questão de dinheiro?

—É fácil desdenhá-lo quando te sobra —lhe replicou Glória—. Nunca tiveste que te buscar a vida, nunca tiveste que preocupar-se. A filha perfeita sempre teve que tudo. Agora me toca .

—Eu te teria ajudado, Glória. Tentei-o faz anos quando levou ao Seth a Nova Iorque.

—Seja  seja, a mesma cantinela de sempre. Trabalha, refaça sua vida, te limpe... Mierda, eu não quero dançar essa canção, entende-o? É minha vida, hermanita, não a tua. Não podia me pagar para que a vivesse. Além disso, é meu filho, não o teu.

—Que dia é hoje, Glória?

—O que? De que coño fala?

—Hoje é vinte e oito de setembro. Diz-te algo essa data?

—Que coño deveria me dizer? É uma sexta-feira dos cojones.

E o décimo primeiro aniversário de seu filho, pensou Sybill enquanto se levantava.

—Não vais recuperar ao Seth, Glória, embora as duas sabemos que tampouco o queria.

—Não pode...

—te cale. Deixa de enredar. Conheço-te. Não quis fazê-lo, preferi fingir que não te conhecia, mas te conheço. Se quiser ajuda, sigo disposta a te pagar a fatura de uma clínica de reabilitação.

—Não necessito sua maldita ajuda.

—Muito bem, você saberá. Não vais tirar nem um céntimo dos Quinn nem vais voltar a ver o Seth. declarei ante o advogado deles e formalizei notarialmente minha declaração ante a assistente social do Seth. Contei-lhes tudo e se fizer falta, declararei ante um tribunal que o desejo do Seth é ficar definitivamente com os Quinn e que isso é o melhor para ele. Farei algo para que não volte a utilizá-lo.

—Puta. —O vaio transbordava ira, mas também deixava entrever certa surpresa—. Crie que pode joderme desta maneira? Crie que pode me deixar a um lado e te largar com esses bodes? vou acabar contigo.

—Pode tentá-lo, mas não vais conseguir o. Fez sua aposta e não há nada mais que falar.

—É como ela, verdade? —Glória cuspiu as palavras como se fossem balas—. É como o coño frio de nossa mãe. A perfeita princesa da sociedade, mas por debaixo só é uma puta.

Possivelmente o fora, disse-se Sybill com ar cansado, possivelmente tivesse que sê-lo.

—Chantageou ao Raymond Quinn, que não te tinha feito nada. Funcionou. Ao menos funcionou para que te pagasse. Não funcionará com seus filhos, Glória, e tampouco funcionará comigo. Já não.

—Não? A ver o que te parece isto. Quero cem mil, cem mil, ou vou falar com a imprensa. National Enquirer, Hard Copy. Já veremos como se vende seu repugnante livro quando lhes contar minha história.

—É possível que as vendas aumentem vinte por cento —disse Sybill tranqüilamente—. Não vais chantagear me, Glória. Faz o que queira. Tem uma acusação penal em Maryland e uma ordem de afastamento do Seth. Os Quinn têm provas. Vi-as. —Sybill se lembrou das cartas de Glória—. Poderiam te acusar também de extorsão e mau trato infantil. Se eu fosse você, tentaria não sair muito mau parada.

Pendurou em meio de uma réstia de obscenidades, fechou os olhos e colocou a cabeça entre os joelhos. Sentia uma náusea pringosa no estômago e a enxaqueca se aproximava amenazadoramente. Não podia deixar de tremer. Tinha contido os tremores durante a conversação, mas já não podia detê-los.

ficou assim até que pôde voltar a dominar a respiração, até que passou a ameaça do vômito. Logo se levantou, tomou uma pastilha contra a enxaqueca e se deu um pouco de cor nas bochechas. Agarrou a bolsa, os presentes do Seth, uma jaqueta e saiu.

O dia tinha sido interminável. Que tio podia passar horas e horas no colégio o dia de seu aniversário? Tinha onze añazos. Ia jantar pizza, batatas fritas, bolo de chocolate e sorvete, e certamente lhe fariam presentes.

Em realidade, nunca lhe tinham feito um presente de aniversário. Ao menos, ele não o recordava. Certamente lhe dariam de presente roupa e essas coisas práticas, mas seriam presentes.

Se aparecia alguém.

—por que demoram tanto? —Voltou a perguntar Seth.

Anna, disposta a ser paciente, seguiu cortando batatas para as batatas fritas que Seth tinha pedido como parte do menu de aniversário.

—Estarão vindo.

—São quase as seis. por que tive que vir a casa depois do colégio em vez de ir ao estaleiro?

—Porque sim. —Anna não deu mais explicações—. Deixa de colocar o dedo em tudo —acrescentou ao ver que Seth voltava a abrir a porta da geladeira. Logo vais pôr te arroxeado.

—Morro de fome.

—Estou fazendo as batatas fritas, não?

—Acreditava que ia fazer as Grace.

Anna lhe cravou um olhar implacável por cima do ombro.

—Insinúas que eu não sei fazer batatas fritas? —Estava tão aborrecido e inquieto que nem sequer desfrutou por havê-la ofendido em sua vaidade.

—Bom, ela faz umas muito bons.

—Ah. —Anna se deu a volta—. E eu não?

—Não estão mau. Em qualquer caso, temos a pizza. —Esteve a ponto de tirá-la, mas soltou uma gargalhada.

—Vândalo.

Anna se equilibrou para ele entre risadas, mas Seth se escabulló dando gritos.

—Batem na porta. Eu abrirei!

Saiu correndo e Anna ficou olhando-o com um sorriso nos lábios.

Entretanto, a risada se desvaneceu dos olhos do Seth quando abriu a porta de par em par e se encontrou ao Sybill no alpendre.

—Ah, olá.

A ela lhe caiu a alma aos pés, mas sorriu o mais educadamente que pôde.

—feliz aniversário.

—Obrigado... —Olhou-a com um pouco de receio e se separou da porta.

—Obrigado por me convidar. —Tirou as duas bolsas de presentes—. Pode receber já os presentes?

—Claro, suponho. —Os olhos lhe saíam das órbitas—. Todo isso?

Ela esteve a ponto de suspirar. Recordou- muito ao Phillip.

—É um lote.

—Moa. Né, essa é Grace!

Com as bolsas nas costas, passou como pôde junto ao Sybill.

A alegria que refletia sua voz e o sorriso de felicidade contrastavam muito com a expressão que tinha posto ao vê-la a ela. Ao Sybill lhe fez pedacinhos a alma, que já tinha nos pés.

—Olá, Grace! Olá, Aubrey! vou dizer lhe a Anna que já chegastes.

Voltou a entrar na casa como uma flecha e deixou ao Sybill junto à porta aberta e sem saber o que fazer. Grace saiu do carro e sorriu.

—Parece emocionado.

—Sim, bom...

Viu que Grace abria o porta-malas e deixava uma bolsa e um recipiente de plástico com um bolo. Logo foi desatar a lhe balbuciem Aubrey de sua cadeira.

—Te dou uma mão?

—E as duas... Um minuto, carinho. Se não deixar de te revolver... —Voltou a sorrir ao Sybill por cima do ombro enquanto esta se aproximava—. Leva todo o dia muito nervosa. Seth é seu favorito.

—Seth! Aniversário. Fizemos um bolo.

—claro que sim. —Grace conseguiu tirar o Aubrey e a passou a uma atônita Sybill—. Importa? empenhou-se em ficar este vestido, mas a carreira daqui à casa o deixará feito um asco.

—Ah, bom...

Sybill se encontrou olhando a uma cara angélica e resplandecente e sujeitando um cuerpecito robusto com um vestido rosa com séries.

—Vamos a uma festa —disse Aubrey com as duas mãos nas bochechas do Sybill para que lhe emprestasse atenção—. Eu farei uma festa quando fizer três anos. Pode vir.

—Obrigado.

—Cheira muito bem. Eu também.

—Certamente que cheira muito bem.

Sybill não podia manter a rigidez inicial ante esse sorriso encantador. O jipe do Phillip se parou atrás do carro do Grace, e Sybill recuperou toda a rigidez quando CAM se desceu pela porta do acompanhante e lhe dirigiu um olhar gélido e de advertência.

Aubrey soltou um alarido de saudação.

—Olá! Olá!

—Olá, preciosidade. —CAM se aproximou, beijou ligeiramente os lábios que Aubrey havia entrecerrado comicamente e olhou ao Sybill com aqueles olhos pétreos—. Olá, doutora Griffin.

—Sybill. —Phillip, que tinha notado claramente a frieza da saudação, aproximou-se, pô-lhe uma mão no ombro como gesto de apoio, e se inclinou para receber o beijo que lhe oferecia Aubrey—. Olá, carinho.

—Tenho novo vestido.

—Está impressionante.

Como teria feito qualquer outra mulher, Aubrey abandonou ao Sybill sem olhá-la e passou aos braços do Phillip.

—Leva muito tempo aqui? —perguntou- Phillip ao Sybill.

—Não, acabo de chegar. —Viu que CAM entrava na casa com três caixas de cartão com pizzas—. Phillip, não quero causar nenhuma...

—Vamos dentro. —Tirou-a da mão e atirou dela—. Temos que fazer esta festa. Verdade, Aubrey?

—Seth tem presentes. São um segredo —sussurrou Aubrey enquanto se inclinava junto ao Phillip—. —O que são?

—Mmm. Não lhe posso dizer isso Deixou-a no chão assim que entraram na casa e lhe deu um pequeno açoite no traseiro. Ela saiu correndo para a cozinha enquanto chamava o Seth—. Se deduraria.

Sybill, disposta a que tudo fora bem, pôs a melhor de seus sorrisos.

—Eu não.

—Você pode esperar. Vou me dar uma ducha rápida antes de que CAM se me adiante e acabe com toda a água quente. —Deu-lhe um beijo fugaz de forma distraída—. Anna te dará algo de beber —acrescentou enquanto subia as escadas.

—Estupendo.

Sybill soprou e se dispôs a enfrentar-se só aos Quinn.

A cozinha era uma animação. Aubrey chiava e Seth não parava de falar como uma metralhadora. As batatas se fritavam e Grace estava aos mandos dos fogões porque CAM tinha encurralado a Anna contra a geladeira e a olhava com olhos transbordantes de luxúria.

—Já sabe como me ponho quando te vejo com avental.

—Já sei como te põe quando me vê respirar. —Esperava que sempre fora assim, mas entrecerró os olhos—. Tira essas mãos, Quinn. Estou ocupada.

—estiveste encadeada a uns fogões. Deveria te dar uma ducha... comigo.

—Não penso... —Notou um movimento pela extremidade do olho—. Olá, Sybill —Com um movimento que ao Sybill pareceu muito efetivo e que dominava perfeitamente, Anna escapou e cravou o cotovelo no estômago de seu marido—. O que quer beber?

—Ah... o café cheira muito bem, obrigado.

—Eu tomarei uma cerveja —disse CAM tirando uma da geladeira— e irei assear me.

CAM voltou a dirigir o mesmo olhar para o Sybill e saiu da cozinha.

—Seth, não te aproxime das bolsas —lhe ordenou Anna enquanto tirava uma taça—. Ainda não há presentes.

Tinha decidido que não abrisse os presentes do Sybill até depois do jantar. Pensava que sua tia procuraria qualquer desculpa para sair correndo quando tivesse terminado esse ritual.

—Jo! É meu aniversário ou não?

—Sim, se sobreviver. por que não te leva ao Aubrey à outra habitação? Joga um momento com ela. Comeremos assim que chegue Ethan.

—E onde se colocou?

Seth saiu entre grunhidos com o Aubrey pega a seus talões e não se deu conta do sorriso que intercambiaram Grace e Anna.

—Isso também vale para seus cães.

Anna deu um golpecito a Parvo com a ponta do pé e assinalou com o dedo. Os dois cães se foram da cozinha entre suspiros caninos.

—Paz. —Anna fechou os olhos para desfrutá-la—. Um momento de paz.

—Posso ajudar? —perguntou Sybill.

Anna sacudiu a cabeça e lhe aconteceu a taça de café.

—Acredito que tudo está controlado. Ethan tem que estar a ponto de chegar com a grande surpresa. —aproximou-se da janela e olhou para a escuridão, que cada vez era major—. Espero que tenha vindo com apetite de adolescente. O menu de hoje consiste em pizza de pimiento e salsicha, batatas fritas, sorvete de frutas, nozes e caramelo queimado e o impressionante bolo de chocolate do Grace.

—Acabaremos todos no hospital —comentou Sybill antes de pensá-lo sequer.

Embora piscou, Anna riu.

—Os que vamos morrer te saúdam. Vá, vá, aí está Ethan. —Baixou a voz até o sussurro. Grace deixou cair de repente a colher—. Te queimaste?

—Não, não. —Grace se apartou com uma risada contida—. Não, eu vou... vou ajudar ao Ethan.

—Muito bem, mas... mmm. —Grace passou a toda velocidade a seu lado—. Nervosa? —murmurou Anna antes de acender as luzes de fora—. Ainda não obscureceu de tudo, mas o terá feito quando tivermos terminado. —Tirou as últimas batatas fritas e apagou o fogo—. É precioso, não te parece?

Sybill foi à janela junto à Anna. Viu o Grace no embarcadero iluminada pelos últimos raios do entardecer e ao Ethan que se aproximava dela.

—É um navio! —disse Sybill—. Um barquito de vela.

—É um três metros. Chamam-no um Pram. —O sorriso da Anna quase não lhe cabia na cara—. O construíram os três na outra casa do Ethan, a que aluga. Os inquilinos lhes deixaram usar o abrigo para que Seth não se inteirasse de nada.

—O construíram?

—Nos momentos que foram tirando. Lhe vai encantar. Bom, e o que é isso?

—O que?

—Isso. —Anna olhou fixamente pela janela. Viu que Grace falava com as mãos entrelaçadas e que Ethan a olhava atentamente. Logo, ele baixou a cabeça até a dela—. Espero que não... —calou-se ao ver que Ethan a abraçava, escondia a cara entre o cabelo dela e lhe rodeava o pescoço com os braços—. Mmm. —A Anna lhe empanaram os olhos—. Deve estar... está grávida! Acaba de dizer-lhe Sei. Olhe! —Agarrou por braço ao Sybill enquanto Ethan, entre risadas, tomava em braços ao Grace—. É precioso.

Os dois estavam abraçados e formavam uma só silhueta.

—Sim, sim que o é.

—me olhe: —Anna, que ria de si mesmo, arrancou uma parte de toalha de papel e se soou o nariz—. Pareço um desastre. Isto vai afetar me, sei. vou querer um. —Voltou a soá-la nariz e suspirou—. Estava segura de que poderia esperar um anos ou dois, mas agora já não poderei esperar tanto tempo. Posso-me imaginar ao CAM quando... —deteve-se—. Perdoa —disse com uma risada deslocada.

—Não passa nada. É precioso que esteja contente por eles. Que esteja tão contente por ti mesma. Esta é uma verdadeira reunião familiar, sobre tudo agora. Anna, deveria ir.

—Não seja covarde —lhe disse Anna assinalando-a com um dedo—. vieste e terá que agüentar este pesadelo de ruído e indigestão como todos nós.

—Eu acredito...

Sybill se calou quando se abriu a porta e entrou Ethan com o Grace em braços. Os dois sorriam de brinca a orelha.

—Anna, estamos esperando um filho —disse Ethan com a voz entrecortada.

—Crie que estou cega? —Apartou ao Ethan para dar um beijo ao Grace—. estive com o nariz pego à janela. Parabéns! —Abraçou-os—. Estou tão feliz.

—Tem que ser a madrinha. —Ethan lhe deu um beijo—. Não teríamos chegado até aqui se não chegar a ser por ti.

—Já parece. —Anna rompeu a chorar quando entrava Phillip.

—O que acontece? por que chora Anna? meu deus, Ethan, o que passou ao Grace?

—Nada, estou bem. Estou fantasticamente. Estou grávida.

—Sério? —A arrebatou ao Ethan para beijá-la generosamente.

—O que é todo este barulho? —perguntou CAM. Phillip, com o Grace ainda em braços, sorriu-lhe.

—vamos ter um bebê.

—Não me diga? —CAM arqueou as sobrancelhas—. O que opina Ethan?

Phillip riu enquanto deixava ao Grace no chão com muito cuidado.

—Sente-se bem? —pergunto- CAM ao Grace.

—Maravilhosamente.

—Tem um aspecto maravilhoso. —CAM a abraçou e lhe esfregou o queixo no cocuruto. Sybill ficou surpreendida pela ternura dos gestos—. Boa jogada, irmão —murmurou CAM ao Ethan.

—Obrigado. Podem me devolver a minha mulher?

—Quase terminei. —CAM sujeitou ao Grace com os braços completamente estendidos—. Se não lhes cuida bem a ti e ao pequeno Quinn que leva dentro, partirei-lhe a alma.

—vamos comer alguma vez? —perguntou Seth antes de ficar parado na soleira da porta—. por que choram Anna e Grace? —Olhou a todos, incluída Sybill, com olhos acusadores—. O que passou?

—Estamos felizes. —Grace soluçou e aceitou o lenço de papel que tirou Sybill de sua bolsa—. vou ter um filho.

—De verdade? É guay. Sabe Aubrey?

—Não, Ethan e eu o diremos mais adiante. Mas agora vou a por ela porque há uma coisa que tem que ver. Fora.

—Fora?

Seth foi para a porta, mas Phillip se interpôs em seu caminho.

—Ainda não.

—O que acontece? te tire. me deixe ver o que há fora.

—Deveríamos lhe enfaixar os olhos —propôs Phillip.

—Deveríamos amordaçá-lo —foi a proposta do CAM.

Ethan se fez cargo da situação e se montou ao Seth nos ombros. Quando Grace entrou com o Aubrey, Ethan piscou os olhos um olho e foi para a porta com o Seth, que não deixava de menear-se.

—Não ireis atirar me outra vez! —A voz do Seth soava carregada de prazer e certo espanto—. Vamos, tios, a água está muito fria.

—Fraco —se burlou CAM quando Seth levantou cara das costas do Ethan.

—Se o tentam —avisou Seth com um brilho de felicidade e desafio nos olhos—, levarei-me a algum de vós comigo.

—Seja  seja, isso diz. —Phillip empurrou a cara do Seth para baixo—. Preparados? —perguntou quando todos se colocaram no bordo da água—. Muita bem. Adiante, Ethan.

—Tio, a água está geada. —Seth estava preparado para dar um grito quando Ethan o deixou no chão e lhe deu a volta para que visse o barquito de madeira com velas azuis que ondulavam à brisa do entardecer—. Quanto onde saiu isso?

—Do suor de nossas frentes —respondeu ironicamente Phillip enquanto Seth olhava boquiaberto o navio.

—É... Quem vai comprar o?

—Não está em venda —respondeu CAM lacónicamente

—É... é... —Pensou que não podia ser enquanto o coração lhe saía do peito pela emoção, a esperança e a surpresa. Embora dominava a surpresa. Durante no ano anterior tinha aprendido a ter esperança—. É meu?

—É o único que cumpre anos —lhe recordou CAM—. Quer vê-lo mais de perto?

—É meu? —sussurrou-o com tanta emoção e prazer que ao Sybill lhe empanaram Meus olhos? —explorou enquanto se dava a volta. Essa vez ao Sybill lhe fez um nó na garganta pela felicidade e alegria do Seth—. Para mim?

—É um bom navegante —lhe disse Ethan tranqüilamente—. O é um barquito muito marinheiro. É estável, mas se move.

—Construíste-lo para mim? —Olhou ao Ethan, ao CAM e Á Phillip—. Para mim?

—O que vai!, construímo-lo para outro mucoso. —CAM lhe deu um sopapo no flanco da cabeça—. Você que crie? lhe jogue uma olhada.

—Vou. —A voz lhe tremeu enquanto se dava a volta—. Posso me montar? Posso me sentar?

—Pelo amor de Deus, é teu, não? —CAM, com a voz rouca pela emoção, agarrou ao Seth da mão e o levou a embarcadero.

—Acredito que isto é uma coisa de homens —sussurrou Anna—. Vamos lhes dar uns minutos para que lhes passe a emoção.

—Querem-no muito. —Sybill ficou olhando um instante enquanto os quatro homens organizavam uma animação no barquito de madeira—. Acredito que não me tinha dado conta de verdade até este momento.

—O também os quer muito.

Grace apoiou a bochecha na do Aubrey.

Havia algo mais, pensou Sybill mais tarde enquanto picava a comida na ruidosa cozinha. Tinha sido a impressão na cara do Seth. A incredulidade absoluta de que alguém lhe quisesse, que lhe quisesse o bastante para entender o desejo de seu coração e que, ao entendê-lo, fizesse o possível por dar-lhe —Lo he comprado en Baltimore —dijo Sybill, que se sentía incomodísima—. Si no te gusta, Phillip podría cambiarlo.

A pauta de sua vida se quebrado, modificado e reformado antes de que ela aparecesse. Já estava estabelecido como tinha que ser.

Ela não era parte daquilo. Não podia ficar. Não podia suportá-lo.

—De verdade, teria que ir  —disse Sybill com um sorriso muito educado—. Lhes agradeço...

—Seth não tem aberto seu presente ainda —a interrompeu Anna—. por que não lhe deixa que o abra e logo tomamos um pouco de bolo?

—Bolo! —Aubrey golpeou a troveja com as mãos—. Soprar as velas e pedir um desejo.

—Em seguida —lhe disse Grace—. Seth, acompanha ao Sybill à sala para abrir o presente.

—Claro.

Esperou a que Sybill se levantasse e ficou em marcha com um movimento de ombro.

—Comprei-o em Baltimore —disse Sybill, que se sentia incomodísima—. Se você não gostar, Phillip poderia trocá-lo.

—Vale.

Seth tirou uma caixa da primeira bolsa, sentou-se no chão com as pernas cruzadas e, em questão de segundos, fez migalhas o papel que lhe havia flanco um século escolher.

—Podia ter usado papel de periódico —lhe disse Phillip enquanto a levava a uma poltrona entre risadas.

—É uma caixa —disse Seth desconcertado. Sybill ficou amassada pela falta de interesse do tom.

—Sim, bom... Tenho a fatura. Pode devolvê-lo e te levar o que queira.

—Sim, vale. —Seth captou o olhar inflexível do Phillip e fez um esforço—. É uma caixa muito bonita. —ia pôr os olhos em branco quando descuidadamente abriu o fechamento de latão e levantou a tampa—. Cálice sagrado bendito!

—Por Deus, Seth —balbuciou CAM enquanto olhava por cima de seu ombro e Anna entrava da cozinha.

—Tio, viu tudo isto? Tem... de tudo. Lápis-carvão, bolo, lápis... —Olhou ao Sybill com esse hesitação fruto da impressão—. Posso ficar o tudo?

—Vai em um lote. —Sybill brincou com as contas de prata do colar—. Desenha tão bem que pensei... que podia provar outras técnicas. A outra caixa tem mais coisas.

—Mais?

—Aquarelas e pincéis. Um pouco de papel. Ah... —sentou-se no chão enquanto Seth desembrulhava a segunda caixa—. Pode decidir se você gosta do acrílico ou a tinta, mas eu gosto das aquarelas e pensei que podia provar que tal te dava.

—Não sei como se pinta.

—Bom, é bastante singelo.

Sybill agarrou um dos pincéis e começou a lhe explicar a técnica mais elementar. Enquanto falava, esqueceu-se dos nervos e lhe sorriu.

A luz do abajur lhe iluminou uma parte da cara e captou algo em seus olhos que se removeu em um rincão da memória do Seth.

—Tinha um quadro na parede? Umas flores,blancas  em um floreiro azul?

A ela lhe crispou a mão ao redor do pincel.

—Sim, em meu dormitório, em Nova Iorque. Era uma de minhas aquarelas. Não era muito boa.

—E tinha frascos de cores em uma mesa. Muitos frascos de distintos tamanhos.

—Frascos de perfume. —Lhe fez outro nó na garganta e teve que esclarecer-lhe Os colecionava.

—Deixou-me que dormisse em sua cama contigo. —Seth entrecerró os olhos como se rebuscasse em suas lembranças. Aromas delicados, vozes delicadas, cores, formas—. Me contou um conto de uma rã e um príncipe.

Ela viu em sua cabeça a imagem de um menino que se acurrucaba contra ela, o abajur da mesinha afastava a escuridão deles, olhava-a com aqueles olhos azuis e intensos e lhe acalmava seus temores com um conto de magia e felicidade para sempre.

—Tinha... Quando veio de visita, tinha pesadelos. Foi um menino pequeno.

—Tinha um cachorrillo. Comprou-me um cachorrillo.

—Era de peluche, não era de verdade. —Lhe nublava a vista, o nó da garganta crescia e o coração se o fazia esfarela—. Você..., você não tinha brinquedos. Quando o levei a casa, perguntou-me de quem era e te disse que era teu. Assim o chamou: Teu. Ela não o levou quando... Tenho que ir. —levantou-se de um salto—. O sinto, tenho que ir.

Saiu disparada.

 

Foi até o carro e atirou da manivela até que se deu conta de que tinha fechado com chave. O qual era uma estupidez, um reflexo urbano que tinha tão pouco sentido como ela nesse precioso povo.

Logo se deu conta de que tinha saído correndo sem a bolsa, a jaqueta e as chaves, e de que preferia ir-se andando ao hotel antes que voltar a entrar na casa e encontrar-se com os Quinn, depois de haver-se comportado de uma forma tão grosseira e excessivamente sentimental.

deu-se a volta para ouvir passos e não soube se sentir-se aliviada ou envergonhada ao ver o Phillip, que se aproximava. Não sabia o que era ela, nem o que era aquilo que lhe bulia em seu interior, que lhe abrasava e lhe inflamava o coração e a garganta. Só sabia que tinha que escapar disso.

—Sinto muito, já sei que fui uma grosseira. Tenho que ir, de verdade. —As palavras se precipitavam e se amontoavam umas em cima das outras—. Te importaria me trazer a bolsa? Necessito-o. Tenho as chaves dentro. Espero não ter quebrado...

Fora o que fosse o que bulia nela, cada vez era mais intenso e a asfixiava.

—Tenho que ir.

—Está tremendo —disse ele amavelmente, e estendeu os braços, mas ela se apartou bruscamente.

—Faz frio e me esqueci a jaqueta.

—Não faz tão frio, Sybill. Vêem comigo.

—Não, quero ir. Dói-me a cabeça. Eu... não, não me toque.

Phillip, sem lhe fazer caso, estreitou-a firmemente contra ele.

—Não passa nada, carinho.

—Sim, sim que passa. —Queria gritá-lo. Estava cego? Era tolo?—. Não deveria ter vindo. Seu irmão me odeia. Seth tem medo de mim. Você... você... eu...

Doía-lhe. A pressão no peito era uma tortura e cada vez era maior.

—me deixe que vá. Eu não sou desta casa.

—Sim, sim o é.

Ele o tinha visto, tinha visto a conexão quando Seth e ela se olharam o um ao outro. Os olhos dela de um azul muito claro e os dele muito brilhantes. Só lhe faltou ouvir o estalo da conexão.

—Ninguém te odeia e ninguém tem medo de ti. Solta-o. —Posou a boca em sua têmpora e teria jurado que sentiu o zumbido da dor—. por que não o soltas?

—Não vou fazer nenhuma cena, se me trouxer a bolsa, irei.

Ela estava rígida como o mármore entre seus braços, mas o mármore estava quebrando-se e se desmoronava com a pressão. Se não se desafogava, exploraria. Teria que ajudá-la.

—O te recordou. acordou-se de que lhe queria.

Em meio da espantosa pressão havia uma adaga que lhe atravessava o coração.

—Não posso suportá-lo. —aferrou-se aos ombros do Phillip—. Ela o levou. O levou e me destroçou o coração.

Soluçava com os braços ao redor de seu pescoço.

—Sei. Sei que o fez —sussurrou enquanto tomava em braços, sentava-se na erva e a embalava contra ele.

Abraçou-a e as lágrimas ardentes e se desesperadas para lhe empaparam a camisa. Frio? perguntou-se ao sentir a dor que a abrasava como um rio de lava. Nela não havia nada de frio, só o medo ao sofrimento.

Não lhe disse que parasse embora os soluços eram tão violentos que parecia como se fossem parti-la em dois. Não lhe ofereceu soluções, promessas nem consolo. Conhecia o valor do desafogo. Abraçou-a, acariciou-a e a embalou enquanto ela soltava toda sua dor.

Quando Anna saiu ao alpendre, Phillip lhe fez um gesto com a cabeça sem deixar de acariciá-la e seguiu embalando-a enquanto a porta voltava a fechar-se e ficavam sozinhos.

Quando não ficaram lágrimas, notou que a cabeça lhe ardia e que tinha a garganta e o estômago em carne viva. Débil e desorientada, ficou exangue em seus braços.

—Sinto muito.

—Não o sinta. Necessitava-o. Acredito que não tinha conhecido a ninguém que necessitasse tanto uma boa llantina.

—Não soluciona nada.

—Sabe muito bem que sim. —levantou-se, ajudou-a a levantar-se e a levou até o jipe—. te Monte. —Não, tenho que...

—te monte —repetiu com certa impaciência—. Te trarei a bolsa e a jaqueta. —Ajudou-a a subir ao assento do passageiro—. Mas não vais conduzir. —Olhou-a aos olhos cansados e carregados e acrescentou—: E tampouco vais ficar te reveste esta noite.

Ela não tinha forças para discutir. sentia-se vazia e sem consistência. Se a levava a hotel, poderia dormir. tomaria uma pastilha se a necessitava e se desentenderia de tudo. Não queria pensar. Se voltava a pensar, poderia voltar a sentir. Se voltava a sentir, se voltava essa corrente de sentimentos, afogaria-se nele.

A expressão do Phillip era inflexível quando saiu da casa com suas coisas e Sybill aceitou sua covardia e fechou os olhos.

Ele não disse nada, montou-se a seu lado e pôs o motor em marcha. Ela tampouco disse nada quando ele entrou no vestíbulo do hotel com ela e procurou a chave da habitação em sua bolsa. Voltou a tomar a da mão e a levou a seu dormitório.

—lhe dispa —lhe ordenou—. Não vou equilibrar me sobre ti, por quem toma? —acrescentou ao ver que ela abria de par em par os olhos irritados.

Não sabia de onde lhe tinha saído esse gênio. Possivelmente fora de vê-la nesse estado, de vê-la tão profundamente destroçada e indefesa. O se deu a volta e foi ao quarto de banho.

Ao cabo de uns segundos, Sybill ouviu a água que golpeava contra a banheira. Phillip saiu com um copo de água e uma aspirina.

—Tome a Se você não te cuidar, alguém terá que fazê-lo por ti.

A água lhe soube a glorifica para sua abrasada garganta, mas lhe tirou o copo e o deixou a um lado antes de que ela pudesse agradecer-lhe Sybill se inclinou um pouco e piscou quando lhe tirou o pulôver por cima da cabeça.

—Vai te dar um banho quente e a te relaxar.

Ele a despia como a uma boneca e ela estava muito estupefata para discutir. Phillip deixou a roupa a um lado e ela se estremeceu um pouco, mas não disse nada. Só o olhou fixamente quando tomou em braços, levou-a a quarto de banho e a meteu na banheira.

A banheira estava enche e a água muito mais quente do que ela considerava saudável. Não lhe deu tempo a encontrar as palavras para dizer-lhe Se tumbó en la cama y no pudo contener un gemido cuando notó sus dedos sobre los omóplatos.

—te recline e fecha os olhos. Faz-o!

Disse-o com uma força tão inesperada que ela obedeceu. Manteve os olhos fechados inclusive quando ouviu que ele saía e fechava a porta.

ficou assim durante vinte minutos e esteve a ponto de dar um par de cabeçadas. Não dormiu pelo medo a afogar-se e saiu cambaleando-se da banheira pela te aporrinhem ideia de que ele voltasse, tirasse-a da banheira e a secasse.

Por outro lado, possivelmente se tivesse ido. Possivelmente se tivesse cansado de seu arrebatamento e a tivesse deixado sozinha. Quem ia reprovar se o Le bajó el albornoz por los hombros y le masajeó los músculos.

Entretanto, quando ela entrou em seu dormitório, viu-o olhando a baía junto à porta da terraço.

—Obrigado. —Sabia que era incômodo para os dois e fez um esforço quando ele se voltou para olhá-la-o sinto...

—Se voltar a te desculpar, Sybill, vais encher o saco me. —Foi para ela e lhe pôs as mãos nos ombros. Levantou as sobrancelhas quando ela deu um coice—. Melhor —decidiu enquanto lhe acontecia as mãos pelo pescoço e os ombros— mas não perfeito. te tombe.

Phillip suspirou e a arrastou para a cama.

—Não vou deitar me contigo. Tenho certo domínio de mim mesmo e posso tirá-lo reluzir quando me encontro com uma mulher esgotada física e psiquicamente. de barriga para baixo. Vamos.

tombou-se na cama e não pôde conter um gemido quando notou seus dedos sobre os omoplatas.

—É psicóloga —lhe recordou ele—. O que acontece alguém que reprime seus sentimentos constantemente?

—Física ou emocionalmente?

O riu um pouco, sentou-se escarranchado sobre ela e ficou a trabalhar a sério.

—Eu lhe direi o que acontece, doutora. Dão-lhe dores de cabeça, acidez e dores de estômago. Quando o dque de contenção se rompe, tudo se transborda com tanta força e tão rapidamente que tem que doer.

Baixou-lhe o penhoar pelos ombros e lhe massageou os músculos.

—Está zangado comigo.

—Não, não o estou, Sybill. me conte a vez que Seth ficou contigo.

—Foi faz muito tempo.

—O tinha quatro anos —começou Phillip, que concentrou no músculo que se acabava de esticar—. Estava em Nova Iorque. Na mesma casa que agora?

—Sim. Central Park West. É uma zona tranquia e segura.

Seleta, disse-se Phillip. Nada do East Village nem de moda.

—Um par de dormitórios?

—Sim, uso um como despacho

Quase podia vê-lo: ordenado, organizado, atrativo...

—Suponho que é onde dormiu Seth.

—Não, usou-o Glória. Pusemos ao Seth no sofá o salão. Era um menino pequeno.

—Eles apareceram de repente na porta de sua casa?

—Mais ou menos. Fazia anos que não a via. Sabia que Seth existia. Chamou-me quando a abandonou o homem com o que se casou. Eu lhe mandava dinheiro a três por quatro. Não queria que fora a minha casa. Nunca lhe disse que não podia fazê-lo, mas não queria. É tão... perturbadora, tão complicada.

—Mas foi.

—Sim. Uma tarde voltei de uma conferência e ela estava na porta do edifício. Estava furiosa porque o porteiro não a deixava entrar e subir a meu piso. Seth chorava e ela gritava. Era... —Sybill suspirou—. O típico, suponho.

—Mas você sim a deixou entrar.

—Não podia jogá-la. Só tinha um menino pequeno e uma mochila. Suplicou-me que lhes deixasse ficar um tempo. Disse que tinha estado fazendo carona e que estava arruinada. Começou a chorar e Seth se arrastou até o sofá e dormiu. Tinha que estar esgotado.

—Quanto tempo ficaram?

—Umas semanas. —A mente começou a mover-se entre o passado e o presente—. ia ajudá-la a conseguir um trabalho, mas disse que antes precisava descansar. Disse que tinha estado doente, e logo que um caminhoneiro a tinha violado no Oklahoma. Sabia que era mentira, mas...

—Era sua irmã.

—Não, não —disse com ar cansado—. Se tivesse sido sincera, me teria reconhecido que isso não me importava desde fazia anos. Mas Seth era... Quase não falava. Não sabia nada de meninos, mas consultei um livro e dizia que tinha que falar muito mais.

Phillip esteve a ponto de sorrir. Era muito fácil imaginar a escolhendo o livro adequado, estudando-o e tentando pôr tudo em ordem.

—Era como um pequeno fantasma —sussurrou Sybill—. Como uma sombra no piso. Quando Glorifica saía durante algum tempo e me deixava isso, ele engatinhava um pouco. A primeira noite que ela não voltou até o dia seguinte, Seth teve pesadelos.

—E você deixou que dormisse contigo e lhe contou um conto.

—o da rã que se convertia em príncipe. Minha babá me contava isso. Gostava dos contos de fadas. O tinha medo à escuridão. Eu também tive medo à escuridão. —Tinha a voz espessa e lenta pelo cansaço—. me teria gostado de dormir com meus pais quando tinha medo, mas não me deixavam. Entretanto, pensei que não lhe viria mau.

—Não. —Podia imaginar uma menina de cabelo escuro e olhos claros que tremia na escuridão—. Não teria passado nada.

—Gostava de olhar meus frascos de perfume. Gostava das formas e as cores. Comprei-lhe uns lápis de bolo. Sempre gostou de desenhar.

—Deu de presente um cão de peluche.

—Gostava de olhar aos cães que passeavam pelo parque. Foi muito carinhoso quando o dei de presente. Ia a todas partes com ele e também dormia com ele.

—Apaixonou-te por ele.

—Qui-lhe muitíssimo. Não sei como pôde passar, só foram umas semanas.

—O tempo não sempre tem algo que ver. —Apartou-lhe o cabelo da cara para poder lhe ver o perfil; a curva da bochecha e o arco da frente—. Não sempre tem importância.

—Não me importou que se levasse minhas coisas. Não me importou que me roubasse quando se foi. Nem sequer me deixou que me despedisse dele. O levou e deixou o cão de peluche porque sabia que me doeria. Sabia que pelas noites pensaria em que Seth estaria chorando pelo perrito. Tive que deixá-lo. Tive que deixar de pensar nisso. Tive que deixar de pensar nele.

—Já está. Todo isso já terminou. —Acariciou-a com delicadeza e a abraçou para que dormisse—. Nunca voltará a fazer nada ao Seth, nem a ti.

—Fui estúpida.

—Não, não foi. —Acariciou-lhe o pescoço e os ombros, notou que o corpo se levantava e voltava a cair com um suspiro prolongado—. Durma.

—Não vá.

—Não irei. —Franziu o cenho ao notar a fragilidade da nuca sob seus dedos—. Não vou a nenhuma parte.

Passou-lhe as mãos pelos braços e as costas e se deu conta de que esse era o problema precisamente: queria ficar com ela, estar com ela. Queria vê-la dormir como estava dormindo nesse momento, profunda e tranqüilamente. Queria ser ele quem a abraçasse quando chorava, porque não acreditava que chorasse muito freqüentemente nem que tivesse a ninguém que a abraçasse quando o fizesse.

Queria ver a risada naqueles olhos como lagos e em seus lábios delicados e adoráveis. Podia passar horas ouvindo as mudanças de tom de sua voz, do tom brincalhão ao estirado e do formal ao ardente.

Gostava de seu aspecto pela manhã, esse gesto de leve surpresa ao vê-lo junto a ela, e seu aspecto de noite, quando o prazer e a paixão se refletiam em sua cara.

Ela não tinha nem idéia de quão expressivo era seu rosto, disse-se enquanto baixava os lençóis e movia ao Sybill para poder tampá-la inteira. Era muito sutil, como seu aroma. Um homem tinha que aproximar-se muito para entendê-lo, mas ele se aproximou muito sem que nenhum dos dois se desse conta, e tinha visto como observava ela a sua família, com melancolia, com desejo.

Sempre se mantinha a certa distância, sempre era uma observadora.

Também tinha visto como observava ao Seth; com amor e saudade, e a certa distância.

Para não interferir? Para proteger-se? Pareceu-lhe que era uma mescla das duas coisas. Não sabia exatamente o que acontecia sua cabeça nem por seu coração, mas estava decidido a descobri-lo.

—Acredito que é possível que me tenha apaixonado por ti, Sybi11 —disse em voz baixa enquanto se tombava a seu lado—. E isso nos complica as coisas os dois.

Sybill despertou na escuridão e por um instante, como em um brilho, voltou a ser a menina que tinha medo de todas as coisas que lhe espreitavam entre as sombras. Teve que apertar os lábios com força, até que lhe doeram. Se gritava, algum dos serventes poderia ouvi-la e dizer-lhe a sua mãe.

Sua mãe se zangaria. A sua mãe não gostaria que gritasse em meio da noite.

Até que se lembrou de que já não era uma menina. Não havia nada espreitando-a entre as sombras a não ser mais sombras. Era uma mulher adulta que sabia que era uma tolice ter medo à escuridão quando havia tantas coisas às que ter medo.

Fazia o ridículo, disse-se para seus adentros quando começou a lembrar-se de mais costure. Um ridículo espantoso. Tinha chegado a alterar-se. Pior ainda, tinha permitido que se notasse e tinha perdido todo domínio de si mesmo. Não tinha mantido a compostura e tinha saído correndo da casa como uma idiota.

Indesculpável.

Logo chorou como uma Madalena em braços do Phillip. Choramingou como uma menina... Phillip.

A vergonha e a humilhação fizeram que deixasse escapar um gemido e se tampasse a cara com as mãos. Conteve um grito quando um braço a rodeou.

—Shh.

Reconheceu o contato e o aroma incluso antes de que a atraíra para ele, antes de que lhe roçasse a têmpora com os lábios, antes de que adaptasse seu corpo ao dela.

—Não passa nada —sussurrou ele.

—Acreditava... que te tinha ido.

—Pinjente que ficaria. —Abriu os olhos e jogou uma olhada ao tênue resplendor vermelho do despertador—. Três da manhã hora do hotel. Deveria haver-me imaginado.

—Não queria despertar.

À medida que se acostumava à escuridão, Sybi11 podia distinguir a curva de seu maçã do rosto, o fio do nariz e a forma de sua boca. Teve que fazer um esforço para não acariciá-los.

—Dificilmente pode me importar que desperte uma mulher tão formosa.

Ela sorriu aliviada porque não ia insistir lhe com sua conduta de umas horas antes. Podiam ser só duas pessoas, sem um ontem que lamentar nem um manhã de que preocupar-se.

—Suponho que tem muita experiência.

—Há coisas que você gosta que sejam como é devido.

Sua voz era cálida; seu braço, forte; o corpo, firme...

—Quando desperta em meio da noite com uma mulher que quer te seduzir, importa-te?

—Quase nunca.

—Muito bem, se não te importar...

Sybill se colocou em cima dele, procurou seus lábios, procurou sua língua.

—Já te avisarei quando começar a me importar.

Ela riu em um tom grave e quente. sentiu-se embargada pela gratidão pelo que tinha feito por ela, por isso tinha chegado a ser para ela.

Queria demonstrar-lhe por todos os meios.

Estava escuro. Ela podia ser algo na escuridão.

—Ao melhor não paro quando me avisar.

—Ameaça-me? —Estava tão surpreso e excitado pelo tom provocador de sua voz como pelos círculos que riscava em seu corpo com as gemas dos dedos—. Não me assusta.

—Posso fazê-lo. —Começou a seguir os círculos com a boca—. O farei.

—Aponta bem. —Phillip entortou os olhos—. Diana.

Ela voltou a rir e lhe lambeu como um gato. Quando ele se estremeceu e lhe entrecortou a respiração, lhe aconteceu lentamente as unhas pelos flancos.

Sybill pensou que o corpo daquele homem era uma maravilha. Era duro, suave, com planos e ângulos que estavam feitos para ensamblar-se perfeitamente com a mulher. Com ela.

Sedoso e áspero. Firme e flexível. Podia fazer que ele a desejasse e desejasse como lhe desejava e desejava. Ela podia entregar, podia tomar como ele e podia fazer todas as coisas maravilhosas e perversas que faziam as pessoas na escuridão.

voltaria-se louco se ela seguia. morreria se se parava. A boca do Sybill era ardente e insaciável e estava em todas partes. Aqueles dedos elegantes faziam que o sangue lhe fervesse. Quando as peles começaram a umedecer-se, o corpo dela se deslizava sobre o dele; era uma pálida silhueta na escuridão.

Era uma mulher. Era a única mulher. Ansiava-a como à vida.

Ela se ergueu em cima dele, tirou-se o penhoar, arqueou-se para trás e deixou cair o cabelo. Transmitia liberdade. Poder. Luxúria. Seus olhos resplandeciam na escuridão como os de um gato e o enfeitiçavam.

Descendeu e tomou lentamente, consciente do esforço que ia custar lhe a ele aceitar que ela marcasse o ritmo. Sybill conteve o fôlego e voltou a soltá-lo com um suspiro ou possivelmente um ofego de prazer.

Outra vez o conteve e outra vez o soltou quando as mãos do Phillip se apoderaram de seus peitos e os possuíram com voracidade.

Ela se arqueava levemente, com uns movimentos tão lentos que eram uma tortura, excitando-se com tanto poder. Não apartava os olhos dos dele. Phillip se estremecia debaixo dela, os músculos em tensão, o corpo apressado entre as coxas do Sybill. Pensava que ele era forte, o bastante forte para lhe permitir que tomasse como quisesse.

Apoiou as mãos no peito dele e se inclinou. O cabelo os tampou como uma cortina e o beijou com um matagal de línguas, dente e fôlegos.

O orgasmo a arrasou como uma onda que aumentava e a afligia. Voltou a erguer-se, a arquear-se, a cavalgar naquela onda.

A cavalgar nele. Phillip se aferrou a seus quadris e lhe cravou os dedos enquanto ela se encrespava sobre ele. Era todo velocidade irrefletida e luz cegadora, paixão e ânsia. ficou em branco, os pulmões lhe arrebentavam e todo seu corpo procurava uma saída liberadora.

Quando a encontrou foi resplandecente e incontenible.

Ela pareceu derreter-se sobre ele, tinha o corpo tão suave, ardente e fluido como um lago de cera líquida. O coração lhe retumbava com força contra o dele. Phillip não podia falar, não podia encontrar o ar que formasse as palavras. Mas as duas que lhe formavam na língua eram as duas que sempre tinha tido muito cuidado de não dizer a uma mulher.

Nela ainda se notava o triunfo. estirou-se, preguiçosa e satisfeita como uma gata, e se acurrucó junto a ele.

—Isso —sussurrou ela com ar sonolento—, foi exatamente como é devido.

—Como? —Ela riu levemente e bocejou.

—Possivelmente não te tenha assustado, mas te fundi os neurônios.

—Pode estar segura.

Uns neurônios saturados de sexo. Os homens que começavam a pensar no amor e chegavam a ter essa palavra na ponta da língua quando estão nus, excitados e em braços de uma mulher, metiam-se em problemas.

—É a primeira vez que me gostou de despertar às três da madrugada. —Meio dormida, apoiou a cabeça no ombro do Phillip—. Frio.

Phillip alcançou o barulho de lençóis e mantas e os tampou. Ela agarrou um bordo e o subiu até o queixo.

Pela segunda vez essa noite, Phillip ficou convexo, acordado e olhando o teto enquanto ela dormia profunda e tranqüilamente a seu lado.

 

Quase não tinha amanhecido quando Phillip se levantou da cama. Nem sequer se lamentou. Do que ia servir lhe? Que quase não tivesse dormido, que tivesse a cabeça nublada pelo cansaço e as preocupações, que lhe esperasse um dia de trabalho manual exaustivo não eram motivos para queixar-se.

Que não houvesse café sim era um motivo mais que de sobra para queixar-se.

Sybill se agitou enquanto ele se vestia.

—Tem que ir ao estaleiro?

—Sim.

passou-se a língua pelos dentes e subiu a calça. Nem sequer tinha uma escova de dentes.

—Quer que peça um pouco de café da manhã? Café?

Café. Aquela palavra era como música celestial.

Entretanto, agarrou a camisa. Se ela pedia café, teria que falar com ela. Não lhe parecia muito inteligente ter uma conversação quando estava de um humor tão espantoso. por que estava de um humor tão espantoso?, perguntou-se a si mesmo. Porque não tinha dormido e ela tinha aberto uma brecha em suas míticas defesas quando ele não olhava, porque tinha conseguido que se apaixonasse.

—Tomarei algo em casa. —Tinha a voz nervosa e precipitada—. Tenho que ir trocar me.

Por isso se tinha levantado tão logo.

Sybill se sentou e os lençóis sussurraram. Olhou-a pela extremidade do olho e agarrou os meias três-quartos. Estava despenteada, desalinhada e tentadoramente abandonada.

Sim, era uma rasteira. Tinha-o deixado conmocionado com sua vulnerabilidade, tinha chorado em seus braços e lhe tinha parecido indefesa e doída. Logo, despertou-se em meio da noite e se transformou em uma espécie de deusa do sexo.

Em cima, oferecia-lhe café. Tinha uma cara muito dura.

—Agradeço-te que ficasse ontem à noite. Veio-me muito bem.

—A mandar —replicou o lacónicamente.

—Eu... —mordeu-se o lábio inferior, perplexa e alerta pelo tom—. Foi um dia muito difícil para os dois. Acredito que eu teria feito melhor se não tivesse ido. Já estava um pouco alterada pela chamada de Glória e logo...

O levantou a cabeça como impulsionada por uma mola.

—Como? Glória te chamou?

—Sim.

Sybill compreendeu que, efetivamente, aquela era uma informação que deveria haver-se guardado. Estava transtornado. Tudo se transtornaria.

—Chamou-te? Ontem? —Agarrou um sapato e o olhou para conter a ira—. Não te parece que me poderia haver isso dito antes?

—Não me pareceu que houvesse nenhum motivo para fazê-lo. —Não podia manter quietas as mãos assim que se colocou o cabelo e estirou os lençóis—. Em realidade, não ia dizer nada absolutamente.

—Não foste dizer nada? Possivelmente tenha esquecido casualmente que Seth é responsabilidade de minha família; que temos direito ou seja se Glória for causar problemas. Tenho que sabê-lo —disse levantando-se quando a ira alcançou seu ponto de ebulição— para que possamos protegê-lo.

—Ela não vai fazer nada A...

—Como coño sabe? —Phillip explorou e ela agarrou os lençóis com tal força que os nódulos ficaram brancos—. Como sabe? Observando desde quatro metros de distância? Maldita seja, Sybill, isto não é um estudo dos cojones. Isto é a realidade. Que coño queria?

Ela queria encolher-se, como lhe acontecia sempre que via a ira. Cobriu de gelo sua voz e seu coração, como fazia sempre para enfrentar-se à ira.

—Queria dinheiro, naturalmente. Queria que eu lhes pedisse isso e que lhe desse mais. Também me gritou e disse obscenidades como você. Parece ser que ao me manter a quatro metros de distância, fiquei-me no meio.

—Quero saber se ficar em contato contigo e quando. O que lhe disse?

Sybill agarrou o penhoar com uma mão firme.

—Disse-lhe que sua família não ia lhe dar nada e eu tampouco, que tinha falado com seu advogado e que eu tinha contribuído, e seguiria fazendo-o, para que Seth fora parte de sua família definitivamente.

—Não está mal —balbuciou Phillip enquanto a olhava com o cenho franzido e ela ficava o penhoar.

—É o mínimo que posso fazer, não? —O tom era helador, distante e terminante—. me Desculpe.

Sybill entrou no quarto de banho e fechou a porta.

Phillip ouviu o significativo estalo do ferrolho.

—Muito bem, perfeito.

Foi até a porta, agarrou a jaqueta e se largou antes de piorar mais as coisas.

As coisas tampouco melhoraram quando chegou a sua casa e se encontrou com que não ficava mais que meia taça de café. Quando a metade da ducha comprovou que CAM tinha acabado com quase toda a água quente, decidiu que isso era o que lhe faltava para que tudo fora redondo.

Entrou em seu quarto, com uma toalha atada ao quadril, e se encontrou ao Seth sentado no bordo de sua cama.

—Olá. —Seth o olhou fixamente.

—Levantaste-te cedo.

—Pensei que podia ir contigo um par de horas. —Phillip se voltou para tirar roupa interior e uns jeans do armário.

—Hoje não trabalha. Seus amigos vão vir à festa.

—Isso será esta tarde. —Seth se encolheu de ombros—. Há tempo.

—Como quer.

Esperava que Phillip estivesse cheio o saco. lhe gostava de Sybill, não? Havia-lhe flanco ir a sua habitação, esperar e saber que teria que lhe dizer algo.

Disse o único que tinha na cabeça.

—Eu não queria fazê-la chorar.

Mierda, isso foi o único que ocorreu ao Phillip. ficou as cueca. Não conseguiria sair daquilo.

—Não a fez chorar. Precisava chorar, isso é tudo.

—Suponho que estará muito cheia o saco, não?

—Não, não o está. —Phillip, resignado, ficou os jeans—. Olhe, no melhor dos casos, costa entender às mulheres. Este caso é um espanto.

—Me imagino. —Tampouco estava tão cheio o saco depois de tudo—. Só me lembrei de algumas costure. —Seth olhou as cicatrizes do Phillip porque era mais fácil que olhá-lo aos olhos; bom, e porque molaban—. Ela ficou feita pó e todo isso.

—Há gente que não sabe o que fazer com os sentimentos. —Suspirou, sentou-se ao lado do Seth e se sentiu amargamente envergonhado de si mesmo. Tinha disparado a muito mesmo linha de flutuação do Sybill porque ele não sabia o que fazer com seus sentimentos—. Então, choram, gritam ou saem correndo e se zangam em um rincão. Ela te quer, mas não sabe exatamente o que fazer a respeito. Ou o que quer você que ela faça a respeito.

—Não sei. Ela... ela não é como Glória. —Subiu um pouco o volume da voz—. Ela é boa. Ray também era bom e me parece... que são familiares, não? Assim entendo...

Compreendeu algo que lhe atendeu o coração.

—Tem os olhos do Ray. —Phillip o disse como se só constatasse um fato porque sabia que Seth lhe acreditaria se o dizia assim—. A mesma cor e a forma, mas também tem algo oculto neles que ele tinha. Esse algo que era bom. Tem uma cabeça muito boa, como Sybill. Pensa, analisa, pergunta-se e, sobre tudo, tenta fazer o correto. Como é devido. Tem as duas coisas. —Deu uma cotovelada ao Seth—. Moa, né?

—Estraguem. Sorriu de brinca a orelha—. Moa. —Vale, vamos ou nunca sairemos daqui.

Chegou ao estaleiro quarenta e cinco minutos depois que CAM e esperava que lhe jogasse uma bronca. CAM já estava na cepilladora preparando a seguinte série de tablones. Bruce Springsteen troava da rádio. Phillip baixou o volume. A cabeça do CAM apareceu imediatamente.

—Se não estar alta não a ouço com o ruído das ferramentas.

—Todos deixaremos de ouvir se nos amassa os ouvidos durante horas e horas.

—Como? Dizia algo?

Phillip riu.

—Vá, estamos de bom humor, né? —CAM apagou a máquina—. Que tal está Sybill?

—Não comecemos.

CAM inclinou a cabeça e Seth olhou aos dois homens enquanto se esfregava as mãos ante o que se apresentava como uma batalha entre dois Quinn.

—Só tenho feito uma pergunta.

—Sobreviverá. —Phillip ficou o cinturão com as ferramentas—. Já sei que você preferiria que se largasse do povo humilhada publicamente, mas terá que te conformar com que esta manhã lhe tenha dado uma surra verbal e não física.

—por que o tem feito?

—Porque me há meio doido os narizes! —gritou Phillip—. Porque todo me toca os narizes. Sobre,todo , você.

—Muito bem, quer tentá-lo com uma surra física? Eu estou disposto, mas só tinha feito uma pergunta muito singela. —CAM tirou o tablón da cepilladora e o deixou cair no montão—. Já se levou um bom murro no estômago ontem, por que insististe esta manhã?

—Está defendendo-a? —Phillip se aproximou até que os narizes se roçaram—. Estão defendendo-a depois de toda a mierda que me há dito dela?

—Tenho olhos, não? Vi sua cara ontem à noite. Por quem coño toma? —Cravou um dedo no peito do Phillip—. Terei que retorcer o pescoço a qualquer que amasse a uma mulher que está tão destroçada.

—Filho de...

Phillip apertou o punho e foi lançar o, mas se deteve. Lhe teria encantado uma boa briga, sobre tudo nesse momento que não estava Ethan para separá-los, mas a verdade era que a surra a merecia ele.

Abriu a mão, estirou os dedos e se deu a volta para tentar dominar-se. Viu o Seth que o olhava com uns olhos cheios de interesse.

—Você não comece.

—Não tenho aberto o pico.

—Ocupei-me dela, vale? —passou-se uma mão pelo cabelo e dirigiu seu raciocínio aos dois—. Deixei que se desafogasse, chorasse e lhe agarrei pela mão. Meti-a em um banheiro quente e a deitei. Fiquei com ela. Possivelmente conseguisse dormir uma hora e nestes momentos talvez estou um pouco irascível.

—por que lhe gritou? —quis saber Seth.

—De acordo. —Tomou ar e se apertou os dedos contra as têmporas—. Esta manhã me disse que a tinha chamado Glória. Ontem. Possivelmente me tenha excedido, mas tinha que nos haver o dito.

—O que queria?

Os lábios do Seth se ficaram brancos e CAM se aproximou para lhe pôr uma mão no ombro.

—Não deixe que te assuste. Já está por cima disso. Que trato tem feito? —perguntou ao Phillip.

—Não me deu os detalhes. Bastante tinha jogando a bronca ao Sybill por não me haver isso dito antes. O fundo do assunto era o dinheiro. —Phillip desviou o olhar para o Seth—. Disse a Glória que se fora a chatear. Nada de dinheiro nem nada de nada. Disse-lhe que tinha ido ver o advogado e que estava fazendo todo o possível para que ficasse onde está.

—Sua tia não se deixa dirigir —afirmou CAM tranqüilamente enquanto apertava o ombro do Seth—. Tem guelra.

—Sim. —Seth ficou reto—. Está guay.

—Esse teu irmão —disse CAM fazendo um gesto para o Phillip— é um gilipollas, mas outros sabem que Sybill não disse o da chamada Telefónica porque era seu aniversário. Não queria incomodar a ninguém. Um tio não faz onze anos todos os dias.

—Eu a hei jodido e eu o arrumarei —balbuciou Phillip enquanto agarrava um fita de seda e se dispunha a soltar toda sua impotência a golpe de pregos e martelo.

Sybill também tinha que arrumar algumas costure. Tinha demorado quase todo o dia em reunir o valor e em fazer um plano. Entrou no caminho dos Quinn justo depois das quatro e se alegrou de não ver o jipe do Phillip.

Calculou que ficaria uma hora mais no estaleiro. Seth estaria com ele. Era sábado e certamente se parariam pelo caminho para comprar algumas costure de jantar.

Aquela era a pauta de conduta deles e ela conhecia sua própria pauta de conduta.

A quatro metros de distância e voltava a estar completamente doída, disse-se para seus adentros.

Chateada, fez um esforço por descer do carro. Faria o que tinha ido fazer. Não demoraria nem quinze minutos em pedir perdão a Anna e em que lhe perdoasse, embora fora aparentemente. Contaria-lhe a chamada de Glória com todo detalhe para que a documentasse e logo se iria.

Muito antes de que Phillip voltasse, já estaria no hotel concentrada em seu trabalho.

Chamou energicamente à porta.

—Está aberta —foi a resposta—. Prefiro me cortar as veias a me levantar.

Cautamente, Sybill agarrou o trinco, duvidou e abriu a porta. ficou cravada no sítio.

O salão dos Quinn sempre estava desordenado, sempre parecia muito vivido, mas nesse momento parecia como se o tivesse habitado um exercito de duendes desmedidos.

O chão e a mesa estavam repletos de pratos de papel e copos de plástico, vários deles derramados. Por todos lados havia pequenos bonecos de plástico, como se se tivesse liberado uma batalha e houvesse muitíssimas baixas. Evidentemente, os carros e os caminhões de brinquedo tinham sofrido acidentes espantosos. Os restos do papel de envolver cobriam todos os rincões como se fora o confete de uma festa de Fim de Ano especialmente desmamada.

Anna estava tiragem em um sofá, como uma supervivente do desastre. Tinha o cabelo sobre a cara e estava completamente pálida.

—Genial —murmurou enquanto olhava ao Sybill com os olhos entrecerrados—. Agora aparece ela.

—O... sinto muito...

—Isso é muito fácil dizê-lo. Passei-me duas horas e meia brigando com dez meninos de onze anos. Melhor dizendo —corrigiu entre dentes—, não eram meninos, eram animais, bestas. Fetos satanicos. Acabo de mandar ao Grace a sua casa com ordens estritas de que se tombe. Dá-me medo que esta experiência possa afetar a seu filho, poderia nascer um mutante.

Sybill se lembrou da festa de aniversário m entra percorria a habitação com os olhos fora e as órbitas.

—Já terminou?

—Nunca terminará. Durante o resto de meu via despertarei entre gritos em meio da nohe até que me levem a uma habitação acolchoada. Tenho gelado no cabelo. Há uma espécie de... massa na mesa da cozinha. Dá-me medo ir ali. Acredito que se moveu. Três meninos caíram à água e terá que tirá-los e secá-los. Certamente agarrem uma pneumonia e nos denunciarão. Uma dessas criaturas disfarçada de menino pequeno se comeu ao menos sessenta e cinco partes de bolo, logo se montou em meu carro e começou a vomitar.

—meu deus. —Sybill sabia que não era questão reirse dela, mas notou que os músculos do abdômen lhe tremiam—. O sinto. Posso te ajudar A... limpar?

—Não penso tocar nada. Esses homens, que diz ser meu marido e os idiotas de seus irmãos, vão fazer o. vão esfregar, a varrer, a limpar e a menear a pá mecânica. vão fazer o tudo. Sabiam —disse com um vaio perverso—. Sabiam o que era o aniversário de um menino. Como ia ou seja o eu? Eles sabiam e se refugiaram no estaleiro com a estúpida desculpa dos prazos de entrega do contrato. Deixaram ao Grace e a mim com esta tarefa inenarrável. —Fechou os olhos—. O horror... —Anna ficou um momento com os olhos fechados e em silêncio—. Adiante, pode rir. Nem sequer tenho forças para te açoitar.

—Fez tudo isto pelo Seth.

—O aconteceu como em sua vida. —Anna esboçou um sorriso enquanto abria os olhos—. Além disso, como estou disposta a que CAM e seus irmãos o ordenem tudo, sinto-me encantada. Que tal está você?

—Bem. vim a te pedir perdão pelo de ontem à noite.

—Perdão... por que?

Pergunta-a a desconcertou. Tudo se tinha saído do previsto e estava distraída pelo caos e o monólogo incoerente da Anna. Sybill se esclareceu garganta e começou outra vez.

—Pelo de ontem à noite. Fui uma grosseira ao partir sem te dar as obrigado...

—Sybill, estou muito cansada de ouvir disparates. Não foi grosseira, não tem que pedir perdão por nada e me encherá o saco se seguir por aí. Estava alterada e tinha motivos de sobra para está-lo.

Isso atirou por terra todo o discurso que tinha preparado tão cuidadosamente.

—De verdade, não entendo por que os membros desta família não escutam, e muito menos aceitam, umas desculpas sinceras por uma conduta reprochable.

—Caray, se esse for o tom que emprega em suas conferências —comentou Anna com admiração—, o público não poderá levantar-se das cadeiras. Mas em resposta a sua pergunta, suponho que não o fazemos porque nós também cometemos o que chama «conduta reprochable». Te convidaria a que se sentasse, mas essas calças são preciosas e não sei que surpresa pode haver esconde entre os almofadões.

—Não tenho intenção de ficar.

—Não pôde verte a cara quando te olhou —disse Anna com um tom mais delicado—, quando te disse tudo o que recordava, mas eu sim pude, Sybill. Pude ver que o que te trouxe até aqui era muito mais que uma questão de responsabilidade ou um intento valente de fazer o que acreditava que tinha que fazer. Teve que te destroçar que ela o levasse faz tantos anos.

—Não posso fazê-lo outra vez. —As lágrimas lhe abrasavam o fundo dos olhos—. Simplesmente, não posso fazê-lo outra vez.

—Não tem que fazê-lo —sussurrou Anna—. Só quero que saiba que o entendo. Em meu trabalho vejo muita gente muito amassada. Mulheres golpeadas, meninos maltratados, homens ao limite de sua resistência, anciões aos que deixamos a um lado alegremente. Eu me ocupo disso, Sybill. Eu me ocupo de todo aquele que vem para mim em busca de ajuda. —Suspirou e estirou os dedos—. Entretanto, para ajudá-los tenho que afastar uma parte de mim, ser objetiva, realista e prática. Se vertesse todas minhas emoções em todos meus casos, não poderia fazer meu trabalho. Queimaria-me. Entendo a necessidade de certa distância.

—Já. —A espantosa tensão desapareceu dos ombros do Sybill—. Claro que o entende.

—Com o Seth foi distinto. Do primeiro instante, todo o referente a ele me absorveu. Não pude impedi-lo. Tentei-o, mas não pude. Pensei-o e acredito, sinceramente, que o que sentia por ele o sentia desde antes de conhecê-lo. Estávamos feitos para ser parte da vida do outro. O estava feito para ser parte desta família e esta família estava feita para ser a minha.

Sybill decidiu arriscar-se e se sentou no braço do sofá.

—Queria te dizer que é muito boa com ele, e Grace também. São muito boas com ele. A relação que tem com seus irmãos é maravilhosa e vital. Essa influência masculina tão forte é importante para um menino, mas a feminina, a que lhe dão Grace e você, é igual de importante.

—Você também tem algo que lhe dar. Está fora —lhe disse Anna—. Babando com seu navio.

—Não quero lhe incomodar. Tenho que ir.

—Que ontem à noite saísse correndo é compreensível e aceitável. —O olhar da Anna era direta, tranqüila e desafiante—. Que saia correndo agora não o é.

—Tem que fazer muito bem seu trabalho —reconheceu Sybill ao cabo de um instante.

—Muito, muito bem. vá falar com ele. Se alguma vez consigo me levantar desta poltrona, farei uma cafeteira.

Não era fácil cruzar o jardim para ir até o menino que estava sentado em seu navio sonhando com ventos que o levassem velozmente, mas Sybill supôs que não tinha por que sê-lo.

Tolo foi o primeiro em vê-la e correu para ela sem deixar de ladrar. Sybill alargou uma mão com a esperança de detê-lo. Parvo colocou a cabeça debaixo da mão e o gesto defensivo se converteu em uma carícia.

Tinha o cabelo tão suave, os olhos tão adoráveis e a era realmente tão tolo, que ela teve que sorrir.

—É realmente tolo, verdade?

O se sentou e lhe deu uns golpes com a pata até que ela tomou com a mão. Satisfeito, correu outra vez para o navio onde Seth os olhava e esperava.

—Olá. Ainda não saíste a navegar?

—Não. Anna não me deixou sair com alguns amigos. —encolheu-se de ombros—. Como se fôssemos afogar nos ou algo assim.

—Mas lhe aconteceste isso bem na festa.

—Guay. Anna está um pouco cheia o saco... —calou-se e olhou para a casa. lhe espantava que dissesse palavrões—. Está muito zangado porque Jake vomitou em seu carro, assim que ficarei um momento por aqui até que se acalme.

—Parece-me bastante sensato. —Caiu um silêncio espesso e os dois ficaram olhando ao mar sem saber o que dizer.

Sybill reuniu forças.

—Seth, ontem à noite não me despedi de ti. Não devi partir como o fiz.

—Dá igual. —Voltou a encolher-se de ombros.

—Não acreditava que te lembrasse de mim nem da temporada que passou em Nova Iorque.

—Eu acreditava que me tinha inventado isso. —Era difícil estar dentro do navio e olhar ao longe, de modo que saiu e se sentou no bordo do embarcadero com os pés pendurando—. Às vezes sonho com essas coisas. Com o cão de peluche e todo isso.

—Teu —sussurrou ela.

—Sim. Glória não falava de ti nem de nada, assim que eu acreditava que me tinha inventado isso.

—Às vezes... —atreveu-se a sentar-se a seu lado—. Às vezes passava um pouco parecido. Ainda tenho o cão.

—Guardou-o?

—Foi o único que ficou de ti. Você me preocupava. Já sei que agora parece impossível, mas me preocupava. E não queria que o fizesse.

—Porque era filho dela?

—Em parte. —Tinha que ser sincera, tinha que lhe dar isso pelo menos—. Ela nunca foi boa, Seth. Tinha um pouco torcido. Parecia que só podia ser feliz se os que a rodeavam não o eram. Não queria que ela voltasse para minha vida. Tinha pensado lhe dar uma margem de um par de dias e logo lhes levar a um albergue. Assim cumpriria com minha obrigação familiar, e poderia seguir com meu tipo de vida.

—Mas não o fez.

—Primeiro me pus desculpas. Uma noite mais... Logo me reconheci que deixava que ficasse porque queria te ter. Teria-te perto se lhe encontrava um trabalho, se a ajudava a encontrar um apartamento, se trabalhava com ela para que se recuperasse. Nunca tive... Você foi... —Tomou fôlego e se obrigou a dizê-lo—. Você me queria. Foi a primeira pessoa que me tinha querido. Não queria perder isso. Quando o perdi, voltei a retroceder, retrocedi aonde tinha estado antes de que você chegasse. Pensava muito mais em mim que em ti. Eu gostaria de emendá-lo um pouco e pensar em ti agora.

Seth apartou o olhar e a cravou nos pés que se balançavam a ras da água.

—Phil há dito que ela te chamou e a mandaste passear.

—Não exatamente com essas palavras.

—Mas era o que queria dizer, verdade?

—Suponho que sim. —Esteve a ponto de sorrir—. Sim.

—Vocês têm a mesma mãe, mas... pais distintos, não?

—Isso.

—Sabe quem era meu pai?

—Não o conheci.

—Não, quero dizer que se realmente souber quem é meu pai. Ela sempre se inventava nomes distintos e tios distintos e toda essa mierda..., essas coisas —se corrigiu—. Me perguntava isso, nada mais

—Só sei que se chamava Jeremy DeLauter. Não estiveram casados muito tempo Y...

—Casada? —Voltou a olhá-la—. Nunca se casou. Estava te vacilando.

—Não, vi o certificado de matrimônio. Levava-o quando apareceu em Nova Iorque. Acreditava que eu poderia ajudá-la a localizá-lo e denunciá-lo para que lhe desse dinheiro para seu sustento.

O pensou um instante e sopesou a possibilidade.

—É possível. Dá-me igual. Eu imaginava que tinha tomado o nome de alguém com quem tinha vivido um tempo. Se ele se enganchou dela, tinha que ser uma ruína de tio.

—Poderia buscá-lo. Estou segura de que o encontraríamos. Levaria um pouco de tempo.

—Não quero. —Não havia espanto em sua voz, só desinteresse—. Só queria saber se o tinha conhecido, isso é tudo. Já tenho uma família.

Levantou um braço, Parvo o olisqueó a axila e lhe abraçou o pescoço.

—Claro que a tem.

Sybill se arqueou um pouco e começou a levantar-se. Duvidou e um brilho branco lhe chamou a atenção. Viu uma garça planejar sobre a água justa ao bordo das árvores. Logo desapareceu por uma curva e deixou um leve murmúrio no ar.

Era algo formoso. Um lugar formoso. Um refúgio para almas afligidas, para jovens que só necessitavam que lhes dessem a oportunidade de converter-se em homens. Possivelmente não pudesse lhes agradecer ao Ray e Stella Quinn o que tinham feito, mas podia mostrar sua gratidão e afastar-se para que seus filhos terminassem seu trabalho com o Seth.

—Bom, tenho que ir.

—As coisas de desenho que me deu de presente são geniais.

—Me alegro de que você goste. Tem talento.

—Ontem à noite joguei um pouco com o lápis-carvão.

Ela voltou a duvidar.

—cY?

—Não lhe encontro o truque. —Voltou a cabeça para olhá-la—. É muito distinto ao lápis. Ao melhor você poderia me ensinar.

Sybill ficou com o olhar fixo no mar porque sabia que não estava perguntando-lhe mas sim estava oferecendo-se. Estavam lhe dando uma portunidad, uma alternativa.

—Claro que poderia te ensinar.

—Agora?

—Sim. —Fez um esforço por não alterar a voz—. Poderia te ensinar agora.

—Moa.

 

Assim tinha sido muito duro com ela. Possivelmente pensasse que teria que lhe haver dito imediatamente que Glória a tinha chamado. Com festa ou sem festa, ela podia havê-lo levado à parte e contar-lhe Entretanto, ele não tinha que lhe haver jogado essa bronca e logo partir.

Mesmo assim, em sua defesa, havia-se sentido perturbado, zangado e desenquadrado. Tinha passado meia noite preocupado por ela e a outra meia preocupado por si mesmo. Tinha que estar contente porque ela tinha carcomido suas defesas? Tinha que saltar de alegria porque em questão de semanas Sybill tinha conseguido brocar o impecável escudo que tinha brilhante tão orgulhosamente durante mais de trinta anos?

Acreditava que não.

Entretanto, estava disposto a reconhecer que não se levou bem. Inclusive estava disposto a lhe oferecer um gesto de paz em forma de seu melhor champanha e um ramo de rosas de caule comprido.

O mesmo fez a cesta. Duas garrafas de Dom Perignon bem frite, duas taças altas (não pensava ofender a tão legendário monge francês com uns copos de hotel) e o caviar Beluga que tinha escondido astutamente, para uma ocasião assim, em uma caixa vazia de iogurte desnatado porque sabia que ninguém de sua família tocaria tal coisa.

O mesmo fez as torradas muito finos e escolheu tanto as resplandecentes rosas como o vaso.

Pensou que ela resistiria um pouco à visita e nunca estava de mais aplainar o caminho com champanha e flores. Além disso, como ele também estava disposto a lhe surrupiar coisas, viriam-lhe muito bem. ia abrandar a, ia falar lhe e, sobre tudo, ia fazer que falasse ela. Não ia partir até que tivesse uma idéia muito mais clara de quem era Sybill Griffin.

Chamou alegremente a sua porta. Essa seria sua colocação: uma alegria despreocupada. Sorriu de forma encantadora à mira quando ouviu uns passos e viu uma sombra vaga e reveladora.

Assim ficou para ouvir que os passos se afastavam.

De acordo. Possivelmente resistisse algo mais que um pouco. Voltou a chamar.

—Vamos, Sybill. Sei que está aí. Quero falar contigo.

Comprovou que o silêncio não tinha por que estar vazio, podia estar cheio de gelo.

Olhou a porta com o cenho franzido. Ela o queria pelas más.

Deixou a cesta junto à porta, foi até a escada de incêndios e começou a baixar. Lhe tinha ocorrido algo e era melhor que não lhe vissem cruzar o vestíbulo.

—Inchaste-lhe os narizes, verdade? —comentou-lhe Ray enquanto baixava as escadas ao lado de seu filho.

—Pelos pregos de Cristo. —Phillip olhou airadamente a seu pai—. A próxima vez poderia me pegar um tiro na cabeça, seria menos abafadiço que morrer de um ataque ao coração a meus anos.

—Seu coração está muito forte. Assim que ela não te fala...

—Falará-me —afirmou Phillip rotundamente.

—vais subornar a com umas borbulhas? —Ray assinalou com o polegar para trás.

—Funciona.

—As flores são um bom detalhe. Eu estava acostumado a enrolar a sua mãe com flores. Era mais rápido se me humilhava um pouco.

—Não vou humilhar me. —Isso o tinha claro—. Ela teve tanta culpa como eu.

—Elas nunca têm tanta culpa como alguém —lhe corrigiu Ray com uma piscada—. quanto antes o aceite, antes receberá o sexo que te compense.

—Por Deus, papai. —Só pôde acontecer uma mão pela cara—. Não vou falar de assuntos sexuais contigo.

—por que não? Não seria a primeira vez —suspirou quando chegaram à planta baixa—. Me parece que sua mãe e eu lhe falamos bastante e com toda franqueza das questões sexuais. Também lhe demos as primeiras camisinhas.

—Isso foi então —murmurou Phillip—. Agora já me basto e me sobro eu sozinho.

Ray soltou uma gargalhada.

—Estou seguro, mas, em qualquer caso, o sexo não é o mais importante neste assunto. Sempre é importante —acrescentou—. Somos homens, não podemos evitá-lo. Mas a moça de acima te tem preocupado e não é pelo sexo; é pelo amor.

—Não estou apaixonado por ela... exatamente. Estou... enrolado.

—O amor sempre te há flanco. —Ray saiu de noite ventosa e subiu a cremalheira da jaqueta desgastada que levava em cima dos jeans—. No que se refere às mulheres, claro. Sempre que algo começava a tomar reflexos de seriedade, você saía correndo em direção contrária —disse sonriendo ao Phillip—. Parece que esta vez vai de cabeça.

—É a tia do Seth. —Notava certo chateio na nuca enquanto dava a volta ao edifício—. Se for ser parte de sua vida, de nossas vidas, tenho que entendê-la.

—Seth é uma parte, mas você te passou esta manhã porque estava assustado.

Phillip se parou em seco com as pernas separadas e elevou os ombros enquanto olhava fixamente à cara do Ray.

—Primeiro, não posso me acreditar que esteja discutindo contigo. Segundo, tenho a sensação de que quando estava vivo me deixava viver minha vida muito mais que quando está morto.

Ray se limitou a sorrir.

—Bom, agora tenho o que poderíamos chamar um ponto de vista muito mais amplo. Quero que seja feliz, Phillip. Não vou partir me até que esteja seguro de que a gente que me importa é feliz. Estou preparado para partir  —disse tranqüilamente—. Para estar com sua mãe.

—Há... Que tal está?

—Está me esperando. —Lhe iluminaram os olhos—. E nunca foi que as que gostavam de esperar.

—Jogo muito de menos.

—Sei. Eu também. sentiria-se adulada e zangada de uma vez porque nunca quiseste te conformar com uma mulher que fora menos que ela.

Phillip o olhou assombrado porque era verdade, mas também era um segredo que tinha mantido baixo sete chaves.

—Não é isso, não é isso de tudo.

—Bom, só será uma parte. —Ray assentiu com a cabeça—. Tem que encontrá-lo por ti mesmo e fazê-lo por ti mesmo. Está te aproximando. Hoje o tem feito muito bem com o Seth. Ela também —disse enquanto olhava à luz que brilhava no dormitório do Sybill—. Fazem uma equipe muito boa, apesar de que atiram em direções opostas. Isso é porque os dois o querem mais do que podem entender.

—Sabia que era seu neto?

—Não. Ao princípio, não —suspirou—. Quando Glorifica me encontrou, lançou-me isso tudo de repente. Não sabia que existia e ela me soltou isso entre gritos, juramentos, acusações e exigências. Não podia tranqüilizá-la nem entender nada. Quão seguinte soube foi que tinha ido ver o reitor para lhe dizer que eu a tinha agredido sexualmente. É uma jovem com muitos problemas.

—É uma zorra.

Ray se limitou a encolher-se de ombros.

—Se eu tivesse sabido antes que ela existia... Bom, já está. Não pude salvar a Glória, mas pude salvar ao Seth. Soube nada mais vê-lo. Dava-lhe dinheiro a Glória. Possivelmente fora um engano, mas o menino me necessitava. Demorei semanas em localizar a Barbara. Só queria que me confirmasse isso. Escrevi-lhe três vezes. Inclusive chamei Paris, mas ela não quis falar comigo. Seguia trabalhando nesse assunto quando tive o acidente. Uma estupidez —reconheceu—. Deixei que Glória me alterasse. Estava furioso com ela, comigo mesmo, contudo; estava preocupado pelo Seth, por como tomariam vós três quando lhes explicasse isso. Ia muito depressa e sem emprestar atenção.

—Nós teríamos estado de seu lado.

—Sei. Permiti que me esquecesse e isso também foi uma estupidez. Stella tinha morrido, vós três tinham suas vidas e eu me reconcentrei em mim mesmo e me esqueci. Lhes ocupam do Seth agora e isso é o importante.

—Nisso estamos. E Sybill contribui sua voz, a custódia definitiva é um fato.

—Ela contribui algo mais que sua voz e ainda contribuirá mais coisas. É mais forte do que ela mesma crie e do que qualquer crie. —Ray, com uma mudança de humor súbito, estalou a língua e sacudiu a cabeça—. Suponho que vais subir aí acima.

—É o que tinha pensado.

—Nunca perdeu do todo essa habilidade tão nefasta. Possivelmente agora seja por uma boa causa. A essa garota poderiam lhe vir bem algumas surpresas em sua vida. —Ray voltou a lhe piscar os olhos o olho—. te Ande com olho.

—Você não subirá, verdade?

—Não. —Ray lhe deu uma palmada nas costas e soltou uma gargalhada muito franco—. Há coisas que um pai não deve ver.

—Melhor, mas já que está aqui, importaria-te me levantar até o primeiro balcão?

—Claro. Não podem me deter, não?

Ray juntou as mãos e as pôs de estribo para o Phillip. Logo se apartou e o viu escalar. Olhou-o e sorriu.

—vou jogar te de menos.

Sybill, na sala, estava muito concentrada no trabalho. Importava-lhe um rabanete se tinha sido mesquinha e irracional por não fazer caso da chamada do Phillip. Já tinha tido bastante transtorno emocional para um fim de semana. Além disso, ele tampouco tinha insistido muito, não? Ouviu o vento que batia contra as janelas, apertou os dentes e esmurrou o teclado.

Ao parecer, as notícias internas têm mais importância que as externas. Embora o acesso à televisão, os periódicos e outras fontes de informação é tão fácil nas comunidades pequenas como nas zonas urbanas, os atos e a participação, dos vizinhos cobram preferência quando a população é escassa.

A informação se transmite, com distinto grau de precisão, de forma oral. aceita-se a fofoca como uma forma de comunicação. A rede é admiravelmente rápida e eficaz.

O que poderíamos chamar discrição, quer dizer, fingir que não escutamos uma conversação alheia em um lugar público, não está tão estendida em uma comunidade pequena como em uma grande cidade. Não obstante, essa discrição segue sendo uma pauta de conduta aceitável e conseqüente em lugares de passagem os hotéis. Eu diria que isto se deve a que nesses lugares a entrada e saída de foráneos é muito habitual. Entretanto, a indiscrição descarada se dá em sítios como...

Lhe paralisaram os dedos e ficou boquiaberta ao ver que Phillip abria a porta da terraço e entrava na habitação.

—O que...?

—Os fechos destas coisas são um asco. —Foi até a porta da habitação, abriu-a e agarrou a cesta e o floreiro que tinha deixado ali—. Supus que podia correr este risco. por aqui não há muitos roubos. Pode acrescentá-lo a suas notas.

Deixou o floreiro na mesa do Sybill.

—subiste pela fachada? —Não podia deixar de olhá-lo sem sair de sua surpresa.

—O vento é um coñazo. —Abriu a cesta e tirou a primeira garrafa—. Me viria bem beber algo, a ti?

—subiste pela fachada?

—Isso já o deixamos claro. —Abriu o champanha com um estalo surdo.

—Não pode... —Sybill agitou os braços—. Não pode irromper aqui e abrir uma garrafa de champanha.

—Já o tenho feito. —Serve duas taças e comprovou que a sua vaidade tampouco vinha mal que ela o olhasse babando—. Sinto muito o desta manhã, Sybill. —Sonriendo, ofereceu-lhe uma taça—. Estava furioso e o paguei contigo.

—Assim que sua forma de te desculpar é forçando o balcão de minha habitação...

—Não forcei nada. Além disso, não foste abrir a porta e as flores queriam estar aqui dentro. E eu também. Uma trégua?

Tinha subido pela fachada do edifício. Ainda não podia assimilá-lo. Ninguém tinha feito algo tão estúpido e intrépido por ela. Olhou a aqueles olhos dourados e angélicos e notou que lhe abrandava o coração.

—Tenho trabalho.

Phillip sorriu porque captou que ela se abrandava.

—Eu tenho caviar Beluga.

Sybill tamborilou com os dedos na mesa.

—Flores, champanha, caviar... Sempre vai tão bem provido quando força uma entrada?

—Só quando quero pedir perdão e me deixar em mãos da misericórdia de uma mulher formosa. Fica um pouco de misericórdia, Sybill?

—Suponho. Não estava te ocultando a chamada de Glória.

—Já sei. me acredite, se não me tivesse imaginado isso eu sozinho, CAM me teria metido isso na cabeça a golpes esta manhã.

—CAM... —Sybill piscou—. Não gosta.

—Equivoca-te. Estava preocupado por ti. Posso te convencer para que deixe de trabalhar um momento?

—De acordo. —Guardou o arquivo e apagou o ordenador—. Me alegro de que não estejamos zangados o um com o outro. Só complica as coisas. estive com o Seth esta tarde.

—Isso me hão dito.

Ela aceitou o champanha e deu um sorvo.

—limpastes a casa você e seus irmãos?

Phillip a olhou com olhos de espanto.

—Prefiro não falar disso. vou ter pesadelos. —Tirou-a da mão e a levou a sofá—. vamos falar de um pouco menos aterrador. Seth me ensinou o desenho do navio a lápis-carvão que lhe ajudou a fazer.

—Lhe dá muito bem. Capta as coisas muito depressa. Escuta e disposta atenção. Tem bom olho para os detalhes e a perspectiva.

—Também vi o que você fez da casa. —Despreocupadamente, Phillip se inclinou, agarrou a garrafa e encheu a taça do Sybill—. Também é muito bom. Surpreende-me que não seja profissional.

—Tomei lições de menina. Arte, música, dança... Também dava um par de cursos na universidade. —Aliviada por não estar zangados, reclinou-se no sofá e desfrutou de do champanha—. Nada a sério. Sempre soube que seria psicóloga.

—Sempre?

—Mais ou menos. A arte não estava feita para pessoas como eu.

—por que?

Pergunta-a desconcertou ao Sybill e a pôs em guarda.

—Não era útil. Não há dito que tinha caviar? —O primeiro passo atrás, pensou Phillip. Teria que rodeá-la.

—Mmm. —Tirou o recipiente e as torradas e lhe encheu a taça—. Que instrumento toca?

—O piano.

—Sim? Eu também. —Sorriu com franqueza—. Temos que preparar um dueto. A meus pais adoravam a música. Todos tocamos algum instrumento.

—É muito importante que os meninos aprendam a apreciar a música.

—Claro, é muito divertido. —Estendeu caviar em uma torrada e a ofereceu—. Às vezes, os cinco passávamos a noite do sábado tocando juntos.

—Tocavam juntos? É maravilhoso. Sempre me espantou tocar diante de alguém. É muito fácil equivocar-se.

—O que importava? Ninguém ia cortar te um dedo por te equivocar de nota.

—Minha mãe se sentia fatal e isso era pior que... —calou-se, olhou o champanha, franziu o cenho e foi deixar o a um lado. Lhe serve mais—. A minha mãe entusiasmava o piano. Por isso o escolhi. Queria compartilhar algo concreto com ela. Eu a adorava. Todos a adorávamos, mas para mim tinha toda a amabilidade, a força e a justiça de uma mulher. Queria que estivesse orgulhosa de mim. Era uma sensação maravilhosa quando me demonstrava que o estava ou me dizia isso. Há pessoas que lutam durante toda sua vida para conseguir a aceitação de seus pais e nunca se aproximam de merecer-se seu orgulho. —O tom de voz tinha um gosto amargo. Ela o notou e forçou uma risada—. Estou bebendo muito. Me está subindo à cabeça.

Ele voltou a lhe encher a taça intencionadamente.

—Está entre amigos.

—Beber muito álcool, embora seja um álcool maravilhoso, é um excesso.

—Beber muito habitualmente é um excesso —a corrigiu ele—. estiveste bêbada alguma vez?

—Claro que não.

—Estará-o. —Chocou a taça com a dela—. me Conte a primeira vez que provou o champanha.

—Não me lembro. De meninas, muitas vezes nos davam vinho com água nos jantares. Era importante que aprendêssemos a apreciar os vinhos para cada ocasião, como se serviam, a taça indicada para o vinho tinjo, a taça para o vinho branco... Quando tinha doze anos poderia ter organizado um jantar de etiqueta para vinte pessoas.

—De verdade?

Sybill riu um pouco e deixou que o champanha borbulhasse em sua cabeça.

—É uma formação muito importante. Pode imaginar o que aconteceria coloca mal às pessoas ou serve um vinho algo pior com o prato principal? A velada se estraga e arrasta sua reputação com ela. A gente dá por descontado certo aborrecimento, mas não com um Merlot vulgar.

—foste a muitos jantares de etiqueta?

—Sim, claro. Ao princípio a jantares menores, o que se poderiam chamar jantares de prática com amigos de meus pais, até que se considerava que já estava preparada. Quando eu tinha dezesseis anos, minha mãe deu um jantar muito importante para o embaixador francês e sua mulher. Essa foi minha primeira aparição em público. Estava aterrada.

—Não tinha suficiente prática?

—Tinha prática de sobra e tinha aprendido todo o protocolo. Simplesmente, era muito tímida.

—Foi-o?

Phillip lhe colocou uma mecha de cabelo detrás da orelha. Um ponto para Mamãe Crawford, disse-se a si mesmo.

—É incrível, mas cada vez que tinha que tratar com gente dessa maneira, me encolhia o estômago e o coração me acelerava. Estava aterrada se por acaso atirava algo, se por acaso dizia algo inconveniente ou não tinha nada que dizer.

—O disse a seus pais?

—lhes dizer o que?

—Que tinha medo.

—Ah. —Agitou uma mão como se fora uma idéia absurda e se serve mais champanha—. Que sentido tinha? Eu devia fazer o que se esperava de mim.

—por que? O que tivesse passado se não o fazia? Tivessem-lhe pego? Tivessem-lhe encerrado em um armário?

—Claro que não. Não eram uns monstros. Houvessem-se sentido decepcionados. Era espantoso quando lhe olhavam daquela maneira, com os lábios apertados e o olhar gélido, como se te faltasse algo ou fosse defeituosa. Era mais fácil sair do passo e ao cabo de algum tempo aprendia a agüentá-lo.

—Observar mais que participar.

—Fiz uma profissão disso. Possivelmente não cumprisse com minhas obrigações de me casar com alguém importante, de dedicar minha vida a esses jantares desatinados e de criar um par de filhos bem educados e como Deus manda —disse cada vez mais acalorada—, mas empreguei bem minha educação e tenho uma boa profissão, para a que estou mais dotada que outros. Fiquei-me sem champanha.

—vamos baixar um pouco o ritmo...

—por que? —riu e agarrou por pescoço a outra garrafa—. Estamos entre amigos. Estou me embebedando e me parece que eu gosto.

Phillip lhe tirou a garrafa. Queria atravessar essa superfície tão polida e correta dela. Uma vez que tinha chegado a esse ponto, não tinha sentido tornar-se atrás.

—Mas te casou uma vez —lhe recordou Phillip.

—Já te disse que isso não conta. Não foi um matrimônio importante. Foi um impulso, um ligeiro e fracassado intento de rebeldia. Não me dá bem ser rebelde. Mmm. —Tragou o champanha e fez um gesto com a taça—. Estava destinada a me casar com um dos filhos do sócio de meu pai em Grã-Bretanha.

—Qual?

—Qualquer. Os dois eram muito apresentáveis. Familiares longínquos da rainha. Minha mãe estava decidida a que sua filha se emparentara com a realeza. Teria sido um triunfo para ela. Naturalmente, eu só tinha quatorze anos, de modo que teve muito tempo para tramar o plano e os prazos. Acredito que tinha decidido que me comprometesse formalmente com um dos dois quando fizesse dezoito anos. As bodas seria aos vinte anos, o primeiro filho aos vinte e dois... Tinha-o muito pensado.

—Mas não colaborou.

—Não tive a ocasião. Teria colaborado facilmente. Custava-me muito me opor a minha mãe. —Meditou-o um segundo e o tirou da cabeça com mais champanha—. Glorifica os seduziu aos dois de uma vez, no salão principal, quando meus pais estavam na ópera. Acredito que era do Vivaldi. Em qualquer caso... —Voltou a agitar a mão e a beber—. Voltaram para casa e se encontraram a situação. A cena foi considerável. Joguei uma olhada às escondidas. Estavam nus..., e não eram precisamente meus pais.

—Claro.

—Também estavam colocados de algo. Houve muitos gritos, ameaças e súplicas... aos gêmeos de Oxford. Havia-te dito que eram gêmeos?

—Não.

—Eram idênticos. Loiros, pálidos e chupados de cara. A Glória importavam um cominho, naturalmente. Sabia que os pilhariam; fez-o porque minha mãe os tinha eleito para mim. Ela me odiava. Glória, não minha mãe. —Franziu a frente—. Minha mãe não me odiava.

—O que aconteceu?

—Mandaram aos gêmeos a sua casa humilhados e desonrados, e a Glória a castigaram. O que significou, indevidamente, que acusasse ao amigo de meu pai de havê-la seduzido, o qual levou a outra cena horripilante e a que ela acabasse escapando. Tudo era mais tranqüilo sem ela, mas dava mais tempo para que meus pais se concentrassem em me forjar. Perguntava-me por que me viam mais como uma criação que como uma menina. por que não me queriam, mas claro... —Voltou a reclinar-se no respaldo do sofá—. Não sou muito querible. Ninguém me quis jamais.

Phillip, que tinha saudades à mulher e à menina, deixou a taça a um lado e tomou a cara entre as mãos.

—Equivoca-te.

—Não, não me equivoco. —O sorriso estava banhado em champanha—. Sou uma profissional. Sei destas coisas. Meus pais não me quiseram nunca e Glória tampouco. O marido que não conta não me quis. Nem sequer tive uma dessas donzelas de grande coração que saem nas novelas e que me apertasse amorosamente contra seu peito. Ninguém se tomou a moléstia de fingir o bastante para usar essas palavras. Você, em troca, é muito querible —disse lhe acontecendo a mão livre pelo peito—. Nunca me deitei com um homem bêbada. A ti o que te parece?

—Sybill. —Agarrou-lhe a mão antes de que o distraíra—. Eles lhe infravalorizaram. Não o você faça contigo mesma.

—Phillip. —inclinou-se para diante com o lábio inferior entre os dentes—. Minha vida foi um aborrecimento predecible até que apareceu você. A primeira vez que me beijou, minha cabeça se desconectou. Ninguém me tinha feito isso jamais. Quando me acaricia —disse levando lentamente ao peito as mãos dos dois—, minha pele começa a arder e o coração me acelera. subiste pela fachada do edifício. —Passou-lhe os lábios pela mandíbula—. Me trouxeste rosas. Desejava-me, verdade?

—Sim, desejava-te, mas não só...

—Tome. —Jogou a cabeça para trás para poder olhar aqueles olhos maravilhosos—. Nunca lhe havia dito isso a um homem. Tome, Phillip. —As palavras eram uma súplica e uma oferta—. Simplesmente, tome.

Rodeou-lhe o pescoço com os braços e lhe caiu a taça vazia. Incapaz de resistir, tombou-a no sofá... e tomou.

A dor que tinha detrás dos olhos, e o outro mais intenso que o martilleaba as têmporas, era exatamente o que se merecia, decidiu Sybill enquanto tentava sufocá-los debaixo do jorro da ducha.

Punha a Deus por testemunha de que nunca mais voltaria a passar-se com qualquer tipo de bebida alcoólica.

Lhe teria encantado que as seqüelas da bebida lhe tivessem feito esquecer, mas recordava com toda claridade como tagarelou de si mesmo e as coisas que disse ao Phillip. Coisas humilhantes e pessoais, coisas que quase não se dizia nem a si mesmo.

Teria que olhá-lo à cara. Também teria que confrontar que em um fim de semana curto tinha chorado em seus braços, e que lhe tinha dado seu corpo e seus segredos mais celosamente guardados.

Além disso, teria que reconhecer que estava inevitável e perigosamente apaixonada por ele.

O qual era completamente irracional, naturalmente. Esses sentimentos eram inevitáveis e perigosos, precisamente pelo mero feito de que ela pensasse que podia chegar a senti-los ao cabo de tão pouco tempo e depois de conhecê-lo tão pouco.

Evidentemente, não podia pensar com claridade. Não podia manter uma distância e analisar objetivamente quando estava afligida por uns sentimentos que a tinham abordado de repente.

Uma vez que Seth estivesse instalado, uma vez que se resolveram todos os detalhes, teria que voltar a encontrar essa distância. O método mais singelo e lógico era pôr terra de por meio e voltar para Nova Iorque.

Seguro que recuperaria o julgamento quando voltasse a ter as rédeas de sua vida e recuperasse a deliciosa rotina. Por muito aborrecido e desventurado que lhe parecesse nesse momento.

escovou-se o cabelo com calma, ficou nata na cara e se fechou as lapelas do penhoar. Se já lhe custava bastante recompor-se com as técnicas de respiração, nem que dizer tinha com o pesadelo da ressaca.

Entretanto, saiu do quarto de banho com a cara como nova e entrou na sala, onde Phillip estava servindo o café que tinha levado o serviço de habitações.

—pensei que te viria bem.

—Sim, obrigado.

Evitou olhar para a garrafa de champanha vazia e o barulho de roupa que não tinha recolhido a noite anterior porque estava muito bêbada.

—Chá tomaste uma aspirina?

—Sim. Não me passa nada.

Disse-o com solenidade, aceitou a taça de café que lhe oferecia Phillip e se sentou com o cuidado desesperador de uma inválida. Sabia que estava pálida e que tinha olheiras. olhou-se no espelho embaciado de vapor.

Olhou atentamente ao Phillip. O não estava nada pálido nem tinha olheiras.

Uma mulher mais mesquinha o desprezaria por isso.

A cabeça embotada começou a esclarecer-se minta observava ao Phillip e se bebia o café. Quantas vezes lhe tinha cheio ele a taça? Quantas vezes tinha cheio a sua? Deu-lhe a sensação de que havia muita diferença entre as duas respostas.

O ressentimento começou a apoderar-se dela nuentras lhe via ficar uma generosa ração de presunto em uma torrada. Inclusive a idéia de comer lhe revolvia o instável estômago.

—Tem fome? —perguntou-lhe ela com toda amabilidade.

—Morro de fome. —Tirou a tampa de uma fonte de ovos mexidos—. Deveria tentar comer um pouco.

Antes morta.

—dormiste bem? —Seguiu lhe perguntando Sybill.

—Sim.

—Não estamos muito vigorosos e animados esta manhã?

Phillip captou o tom e a olhou com cautela. Ele tinha querido tomar-lhe tranqüilamente e lhe dar tempo para que se recuperasse antes de falar do tema, mas parecia que ela se recuperava rapidamente.

—Seu bebeu algo mais que eu —lhe explicou Phillip.

—Embebedou-me. Fez-o a propósito. Enrolou-me e não deixou de me servir champanha.

—Claro, tive que te tampar o nariz e lhe colocar isso pela garganta...

—Utilizou as desculpas como desculpa. —Começaram-lhe a tremer as mãos e deixou a taça na mesita—. Tinha que saber que estava zangada contigo e pensou que o Dom Perignon te aplainaria o caminho a minha cama.

—O sexo foi idéia tua —lhe recordou ele—. Eu queria falar contigo e a verdade é que te tirei mais costure quando estava achispada que as que te teria tirado de qualquer outra maneira. Você desinhibí. —Certamente, não ia sentir remorsos—. E você te deixou levar.

—Desinhibirme —sussurrou Sybill enquanto se levantava lentamente.

—Queria saber quem é. Tenho direito.

—Você... planejou-o. Planejou vir aqui e me fazer beber o bastante para me surrupiar minha vida pessoal.

—Quero-te.

aproximou-se dela mas lhe apartou a mão de um tortazo.

—Nem te ocorra. Não sou tão parva para picar duas vezes.

—Quero-te e agora sei algo mais de ti e te entendo melhor. O que tem de mau, Sybill?

—Enganou-me.

—É possível. —Agarrou-a com força dos braços para que ela não se apartasse—. Espera. Teve uma infância privilegiada e organizada. Eu, não. Teve vantagens, serventes e cultura. Eu, não. Despreza-me porque estive pelas ruas até os doze anos?

—Não, mas não tem nada que ver com isto.

—Tampouco me quis ninguém —seguiu ele—, até que tive doze anos. De modo que conheço os dois lados. Crie que vou desprezar te porque sobreviveu à frieza?

—Não vou falar disso.

—Isso já não funciona. Toma um pouco de sentimento. —Beijou-a na boca e a arrastou em um torvelinho—. Ao melhor eu tampouco sei o que fazer com isto, mas está aí. Viu minhas cicatrizes, estão à vista. Agora, eu vi as tuas.

Estava conseguindo-o outra vez, estava abrandando-a e fazendo que o desejasse. Podia apoiar a cabeça em seu ombro, podia fazer que a rodeasse com seus braços, só tinha que pedi-lo. Mas não podia.

—Não faz falta que sinta lástima de mim.

—Carinho... —Essa vez seus lábios se roçaram brandamente—. Sim faz falta. Além disso, admiro o que chegaste a ser apesar de tudo.

—Bebi muito —replicou Sybill precipitadamente—. Fiz que meus pais parecessem frios e desalmados.

—Algum dos dois te disse alguma vez que te queria?

Sybill abriu a boca e suspirou.

—Simplesmente, não fomos uma família muito expressiva. Não todas as famílias são como a tua. Não todas as famílias mostram seus sentimentos e se tocam Y... calou-se para ouvir o tom de defesa aterrada em sua voz.

—Não —seguiu—. Nenhum dos dois me disse isso. Nem a Glória, que eu saiba. Qualquer psicólogo do montão chegaria à conclusão de que as filhas reagiram a esse ambiente repressivo, excessivamente estrito e exigente, e cada uma escolheu um extremo distinto. Glória escolheu uma conduta amalucada para chamar a atenção. Eu me conformei com a aceitação. Ela identificava o sexo com o poder e o carinho, e fantasiava com que a desejavam e forçavam homens podendo, inclusive seu pai legal e seu pai biológico. Eu evitava a intimidade do sexo por temor ao fracasso e escolhi um campo de estudo onde podia observar a outros sem me expor aos sentimentos. ficou claro?

—A palavra chave é «escolher». Ela escolheu fazer mal e você que não lhe fizessem mal.

—Assim é.

—Mas não foste capaz de mantê-lo. Arriscou-te a que Seth te fizesse mal e está te arriscando a que eu te faça mal —disse lhe acariciando uma bochecha—. Eu não quero te fazer danifico, Sybill.

Certamente já era muito tarde para evitá-lo, disse-se Sybill, mas sucumbiu o bastante para apoiar a cabeça em seu ombro. Não teve que lhe pedir que a rodeasse com seus braços.

—Vejamos o que passa depois.

 

O medo, escreveu Sybill, é um sentimento humano muito corrente. O ser humano é tão difícil de analisar como o amor e o ódio, a avareza, a paixão. Os sentimentos, e suas causas e efeitos, não são meu campo de estudo concreto. O comportamento é instintivo e aprendido e, freqüentemente, não tem uma verdadeira raiz sentimental. O comportamento é muito mais singelo, por não dizer elementar, que os sentimentos.

Tenho medo.

Estou sozinha neste hotel e sou uma mulher adulta, culta, inteligente, sensata e capaz. Mesmo assim, tenho medo de desprender o telefone que há em minha mesa e chamar a minha mãe.

Faz uns dias, não o teria chamado medo a não ser pouca disposição ou rechaço. Faz uns dias, teria defendido, e com razão, que falar com ela do assunto do Seth só perturbaria a ordem das coisas e não daria resultados construtivos. portanto, falar com ela era inútil.

Faz uns dias, poderia ter raciocinado que meus sentimentos para o Seth brotavam de uma sensação de obrigação moral e familiar

Faz uns dias poderia me haver negado, coisa que fiz, a reconhecer que tinha inveja dos Quinn por seu comportamento e sua relação ruidosa, desorganizada e indisciplinada. Teria reconhecido que seu comportamento e sua relação eram interessantes, mas nunca teria reconhecido que eu desejava entrar nessa pauta e ser parte dela.

Naturalmente, não posso e o aceito.

Faz uns dias, tentei negar a profundidade e o significado de meus sentimentos para o Phillip. Disse-me que o amor não chegava tão depressa e tão intensamente; que aquilo era atração, desejo e inclusive luxúria, mas que não era amor É mais fácil negá-lo que confrontá-lo. O amor me dá medo. Dá-me medo o que exige, o que pede e o que entrega, e me dá mais medo, muito mais, que não me corresponda.

Mesmo assim, posso aceitá-lo. Entendo perfeitamente as limitações de minha relação com o Phillip. Os dois Somos adultos que elaboramos nossas pautas e tomamos nossas decisões. O tem suas necessidades e sua vida como eu tenho a minha. Posso estar contente de que nossos caminhos se cruzaram. aprendi muito durante o pouco tempo que estive com ele. aprendi muito de mim mesma.

Não acredito que volte a ser a mesma de antes.

Não quero sê-lo, mas para trocar realmente, para crescer, tenho que tomar algumas medidas.

Escrever isto me ajuda, embora esteja desordenado e não tenha muito sentido.

Acaba de me chamar Phillip de Baltimore. Pareceu-me que estava cansado, inclusive nervoso. Tinha uma reunião com o advogado para falar da reclamação do seguro de vida de seu pai. A companhia de seguros leva meses sem acessar a pagar Abriu uma investigação sobre a morte do professor Quinn e insinuou que podia ter sido um suicídio. Naturalmente, isso complica a situação econômica dos Quinn, agora que têm que fazer-se carrego do Seth e também têm um negócio novo, mas seguiram obstinadamente com as ações legais.

Acredito que até hoje não me tinha dado conta de quão importante é para eles ganhar esta batalha. Não pelo dinheiro, como eu tinha suposto em um princípio, mas sim por apagar toda sombra do nome de seu pai. Não acredito que o suicídio seja sempre um ato de covardia. Eu mesma me expus isso uma vez. Escrevi uma nota e tinha as pastilhas na mão, mas só tinha dezesseis anos e era, lógicamente, irrefletida. Rompi a carta, atirei as pastilhas e me esqueci do assunto.

Para minha família, o suicídio teria sido desagradável e improcedente.

Sonha amargo? Não sabia que eu tinha acumulado tanta raiva.

Entretanto, para os Quinn o suicídio é egoísta e covarde. rechaçaram completamente aceitar que esse homem ao que tanto queriam pudesse ser capaz de fazer algo tão egoísta. Parece que por fim vão ganhar essa batalha.

A companhia de seguros ofereceu um acordo. Phillip acredita que minha declaração pode ter influenciado nesta reação. Pode que tenha razão. Naturalmente, os Quinn são dos que não aceitam acordos, possivelmente seja uma questão genética. Phillip me expôs isso como uma questão de tudo ou nada. Crie, como seu advogado, que muito em breve vão ter tudo.

Me alegro por eles. Embora nunca tive o privilégio de conhecer o Raymond e Stella Quinn, sinto-os através de minha relação com sua família. O professor Quinn se merece descansar em paz. Igual a Seth se merece levar o sobrenome Quinn e ter a segurança de uma fámilia que o quer e se preocupa com ele.

Posso fazer algo para garantir que isso seja assim. Terei que fazer essa chamada. Terei que tomar uma postura. Tremem-me as mãos só de pensá-lo. Sou uma covarde. Não, Seth me chamaria uma cagueta, que é bastante pior

Ela me aterra. Minha própria mãe me aterra. Nunca me levantou a mão e muito poucas vezes me levantou a voz, mas moldou a seu gosto. Eu não resisti.

?Meu pai? Estava muito ocupado em ser importante para dar-se conta.

Sim, noto muita raiva.

Posso chamá-la, para conseguir o que quero dela posso empregar a categoria que ela se empenhou que eu alcançasse. Sou uma científica respeitada, sou uma figura pública a pequena escala. Desprezará-me se lhe digo que aproveitarei minha posição se ela não fizer uma declaração por escrito ao advogado dos Quinn em que explique as circunstâncias do nascimento de Glória e reconheça que o professor Quinn tentou várias vezes ficar em contato com ela para verificar a paternidade de Glória. Desprezará-me, mas o fará.

Só tenho que desprender o telefone e fazer pelo Seth o que não fiz faz anos. Posso lhe dar um lar uma família e a segurança de que não tem nada que temer

—Filho de cadela. —Phillip se secou o suor da frente com o dorso da mão. Sangrava por um pequeno arranhão. Sorriu como um parvo ante o casco que ele e seu irmão acabavam de dar a volta—. É um bode bem grande.

—É um bode maravilhoso.

CAM encolheu os doloridos ombros. Dar a volta ao casco significava algo mais que um avanço. Era um triunfo. Navios Quinn voltava a consegui-lo.

—Tem uma linha preciosa. —Ethan passou a mão calosa pelos fitas de seda—. E uma forma preciosa.

—Quando começo a pensar que um casco pode ser sexy —comentou CAM—, me vou casa com minha mulher. Bom, podemos lhe marcar a linha de flutuação ou seguir admirando-o um momento.

—lhe marque a linha de flutuação —lhe propôs Phillip—. Eu vou subir para preparar a papelada da fatura. Vai sendo hora de lhe tirar um pouco de dinheiro ao esse pescador. Virá-nos bem.

—Fez os cheques do salário? —perguntou-lhe Ethan.

—Sim.

—O teu?

—Não o...

—... preciso —terminou CAM—. Cobra-o, maldita seja. Compra algum capricho a essa amiga tua tão sexy. gasta-lhe isso em algum veio muito caro ou lhe jogue isso aos jogo de dados, mas cobra esta semana. —Voltou a olhar o casco—. Esta semana é importante.

—Pode sê-lo —reconheceu Phillip.

—A companhia de seguros vai dar seu braço a torcer —seguiu CAM—. vamos ganhá-lo.

—A gente já começa a trocar de atitude. —Ethan tirou uma capa de serrín de um fita de seda—. Já não vão dizendo mentiras em voz baixa. Isso já o ganhamos. trabalhaste muito para consegui-lo —disse ao Phillip.

—Só sou o que se ocupa dos detalhes. Se qualquer de vós dois tivesse tido uma conversação de cinco minutos com um advogado... Bom, você te teria ficado dormido de aborrecimento, Ethan, e CAM teria acabado lhe pegando. Eu ganhei por incomparecencia.

—É possível —disse CAM —, mas tiraste muito trabalho falando por telefone, escrevendo cartas, mandando faxes... resultaste ser toda uma secretária, mas sem pernas e culo bonitos.

—Isso não só é sexista, mas também, além disso, tenho umas pernas e um culo impressionantes.

—Ah, sim? vamos comprovar o.

equilibrou-se sobre o Phillip, que caiu sentado sobre seu afamado culo. Parvo despertou da sesta e foi correndo a jogar com eles.

—Está louco! —A risada impediu que Phillip se soltasse—. te Tire de cima, tarado.

—me dê uma mão, Ethan. —CAM sorriu e soltou uma réstia de impropérios quando Parvo lhe lambeu a cara. Phillip resistiu sem muito convencimento quando CAM se sentou em cima dele—. Vamos —apressou CAM quando Ethan sacudiu a cabeça—. Quando foi a última vez que lhe tirou as calças a alguém?

—Faz bastante —disse Ethan enquanto Phillip começava a brigar com mais força—. Possivelmente fora na despedida de solteiro de júnior Crawford.

—Isso foi faz dez anos —grunhiu CAM enquanto Phillip estava a ponto de tirar-lhe de cima—. Vamos, pôs-se mais forte durante estes meses e está briguento.

—Bom, pelos velhos tempos. —Ethan esquivou um par de patadas e agarrou com força a cinturilla do vaqueiro do Phillip.

—Perdão.

Foi tudo o que conseguiu dizer Sybill quando entrou, ouviu todos os insultos e viu que Phillip estava convexo no chão de madeira enquanto seus irmãos o agarravam Y... a verdade era que não sabia o que queriam lhe fazer.

—Olá. —CAM esquivou pelos cabelos um murro à mandíbula e sorriu de brinca a orelha—. Quer nos dar uma mão? Tentamos lhe tirar as calças. Presume muito de pernas.

—Eu..., mmm.

—Solta-o, CAM. Está a morrendo de calor.

—Por Deus, Ethan, já lhe viu as pernas. —Embora sem a ajuda do Ethan ou lhe soltava ou podia sair maltratado. Era melhor soltá-lo, embora também mais aborrecido—. Terminaremos logo.

—Meus irmãos se esqueceram de que já não estão no colégio. —Phillip se levantou e se recompôs a roupa e a dignidade—. Se sentiam um pouco exaltados porque demos a volta ao casco.

—Ah. —Sybill olhou o casco e abriu os olhos como pratos—. avançastes muito.

—Ainda fica o bastante. —Ethan também o olhou e imaginou terminado—. A coberta, a cabine, a ponte, o camarote... O tio quer uma suíte de hotel.

—Enquanto o pague... —Phillip se aproximou do Sybill e lhe acariciou o cabelo—. Ontem à noite cheguei muito tarde para ir verte, sinto muito.

—Não importa. Já sei que esteve muito ocupado com o trabalho e o advogado. —trocou-se de mão a bolsa—. Tenho algo que pode lhes ajudar com o advogado, com as duas situações, bom... —Abriu a bolsa e tirou um sobre—. É uma declaração de minha mãe. São duas cópias certificadas ante notário. Mandou-me isso que um dia para outro. Não quis dizer nada até havê-la visto... Acredito que pode ser útil.

—Do que trata? —perguntou CAM enquanto Phillip jogava uma olhada à declaração de duas páginas.

—Confirma que Glória era a filha biológica de papai; que ele não sabia e que tentou ficar em contato com a Barbara Griffin várias vezes desde dezembro passado até este março. Há uma carta que papai lhe escreveu em janeiro em que lhe fala do Seth e do acordo que tinha alcançado com Glorifica para fazer-se carrego do menino.

—Tenho lido a carta de seu pai —lhe disse Sybill—. Possivelmente não devesse havê-lo feito, mas o tenho feito. Se estava zangado com minha mãe, não se nota em suas palavras. Só queria que lhe dissesse se era verdade. ia ajudar ao Seth em qualquer caso, mas queria poder lhe dar os direitos de nascimento. Um homem que se preocupava tanto por um menino não se tira a vida. Também tinha muito que dar e estava disposto a dá-lo. Sinto-o muito.

—«O só necessita uma oportunidade e uma alternativa —leu Ethan quando Phillip lhe aconteceu a carta e logo se esclareceu garganta—. Não pude dar-lhe a Glória, se for minha filha, e agora não vai aceitar a, mas me ocuparei de que Seth tenha as duas coisas. Seja de meu sangue ou não, agora já é meu filho.» É muito próprio dele —comentou Ethan—. Seth deveria lê-la.

—por que sua mãe aceitou fazê-lo agora, Sybill? —perguntou-lhe Phillip.

—Convenci-a de que era o melhor para todos os implicados.

—Não. —Tomou o queixo com a mão e lhe levantou a cara para olhar a de frente—. Há algo  mais. Sei.

—Prometi-lhe que seu nome e todos os detalhes se manteriam no maior segredo possível. —Fez um movimento de intranqüilidade e soprou—. Também a ameacei escrevendo um livro sobre este assunto se não fazia a declaração.

—Chantageou-a? —exclamou Phillip com admiração.

—Dava-lhe a escolher e escolheu isto.

—Teve que te custar muito fazê-lo.

—Terei que fazê-lo.

Phillip tomou a cara entre as mãos.

—foi difícil, valente e inteligente.

—Lógico. —Sybill fechou os olhos—. Sim, há-me flanco muito. Meu pai e ela estão furiosos. Ao melhor não me perdoam isso. São capazes de não me perdoar.

—Eles não lhe merecem.

—A questão é que Seth sim lhes merece, assim...

calou-se quando ele a beijou nos lábios.

—Vale, te aparte um pouco. —CAM lhe deu uma cotovelada a seu irmão e agarrou ao Sybill pelos ombros—. Tem feito muito bem —lhe disse antes de lhe dar um beijo que a deixou piscando.

—Ah... —Foi o único que ela pôde dizer.

—Seu turno. —CAM empurrou um pouco ao Sybill para o Ethan.

—Meus pais teriam estado orgulhosos de ti. —Beijou-a e lhe deu umas palmadas nos ombros quando lhe empanaram os olhos.

—Ah, não, não lhe deixe que faça isso. —CAM a tirou do braço e a levou onde estava Phillip—. Não estão permitidos os prantos no estaleiro.

—CAM fica nervoso se vê chorar a uma mulher.

—Não estou chorando.

—Sempre dizem o mesmo —balbuciou CAM—, mas não o dizem a sério. Fora. Se alguém chora tem que ir-se fora. É uma nova norma.

Phillip a levou para a porta entre risadas.

—Vamos. Além disso, quero estar um momento contigo.

—Não estou chorando, mas não me esperava que seus irmãos... não estou acostumada A... —calou-se—. É maravilhoso que lhe demonstrem que gostam e que lhe apreciam.

—Eu te aprecio. —Abraçou-a e acrescentou—: E eu gosto.

—E também é maravilhoso. Já falei com seu advogado e com a Anna. Não quis mandar os documentos por fax do hotel porque prometi que não desvelaria seu conteúdo, mas os dois estão de acordo em que este documento acelerará as coisas. Anna acredita que a petição de custódia definitiva se tramitará a semana que vem.

—Tão logo?

—Não há obstáculos. Você e seus irmãos são filhos legais do professor Quinn. Seth é seu neto. Sua mãe aceitou, por escrito, lhe dar a custódia. Se se tornar atrás, poderia atrasar a sentença, mas ninguém acredita que já poderia trocá-la. Seth tem onze anos e a essa idade se terão em conta seus desejos. Anna vai pressionar para que haja uma vista a princípios da semana que vem.

—Parece estranho que todo se junte de uma vez.

—Sim. —Sybill levantou o olhar ao ver um bando de gansos que passava por cima deles e pensou que estava trocando a estação—. pensei ir ao colégio dando um passeio. Eu gostaria de falar com ele e lhe contar algo de tudo isto.

—Acredito que é uma boa idéia. calculaste muito bem os tempos.

—O planejamento me dá bem.

—O que te parece planejar um jantar esta noite em casa dos Quinn para celebrá-lo?

—Muito bem. Irei com o Seth.

—Perfeito. Espera um segundo. —Phillip voltou para estaleiro e saiu com Parvo pacote a uma correia vermelha—. Também virá bem um passeio.

—Bom, eu...

—Conhece o caminho. Só tem que sujeitar cl extremo da correia. —Phillip, divertido, deu-lhe a correia e a olhou aos olhos enquanto Parvo saía como uma flecha—. lhe Diga que te siga de perto —lhe grito enquanto ela brincava de correr atrás do cão—. Não te fará conta, mas parecerá que sabe o que faz.

—Não tem graça —respondeu Sybill, que seguia a Parvo como podia—. Devagar. Alto!

Tolo se parou e colocou o focinho em um sebe com tanta decisão que Sybill temeu que fora a atravessá-lo e a arrastá-la detrás dele, mas se limitou a levantar a pata e a pôr uma expressão de imensa satisfação consigo mesmo.

Sybill contou que Parvo levantou a pata oito vezes antes de dar a volta à esquina e ver os ônibus do colégio.

—Miúda bexiga tem —exclamou enquanto procurava o Seth e sujeitava com força a correia para que não fora correndo para os meninos que saíam do edifício—. Não. Sente-se. Pode morder a algum.

Tolo a olhou como se se tornou louca, mas se sentou e lhe golpeou ritmicamente os talões com a cauda.

—Sairá em seguida.

Sybill soltou um grito quando Parvo se levantou e saiu disparado. Tinha visto o Seth antes que ela.

—Não, não, não.

Sybill soprou inutilmente e Seth os viu. O também soltou um grito de felicidade e se lançou sobre o cão como se os tivessem separado cruelmente durante anos.

—Olá! —Seth riu quando Parvo deu um salto de alegria e lhe lambeu a cara—. Tudo bem, colega? Bom cão. É um cão bom. —Olhou ao Sybill ao cabo de um momento—. Olá.

—Olá. Toma —disse lhe dando a correia—. Embora tampouco serve de muito.

—Não tivemos muito êxito com o adestramento para a correia.

—Não me diga... —Esboçou um sorriso que abrangia ao Seth, e ao Danny e Will, que tinham aparecido detrás dele—. pensei que podia te acompanhar ao estaleiro. Eu gostaria de falar contigo.

—Claro, guay.

separou-se do caminho de Tolo e logo voltou a toda velocidade quando um carro esportivo vermelho freou com um chiado estrondoso e se parou junto ao meio-fio. Glória ia no assento do co-piloto.

Sybill se moveu rápida e instintivamente e ficou diante do Seth para protegê-lo.

—Vá, vá. —Glória arrastou as palavras e os olhou do guichê.

—Vete a procurar a seus irmãos —ordenou Sybill ao Seth—. Vete imediatamente.

Seth não podia mover-se. Só podia ficar ali olhando-a enquanto notava que o estômago lhe enchia de bolas de gelo.

—Não vou com ela. Não vou. Não vou.

—Não, não vai. —Agarrou-o pela mão com força—. Danny, Will, vão correndo ao estaleiro. lhes digam aos Quinn que os necessitamos. Depressa.

Ouviu a carreira, mas não se voltou para olhar. Não apartou os olhos de sua irmã enquanto Glorifica se descia do carro.

—Olá, filho. Me sentiste falta de?

—O que quer, Glória?

—Tudo o que possa conseguir. —apoiou-se um punho no quadril coberta por uns jeans vermelhos e piscou os olhos um olho ao Seth—. Quer ir dar uma volta? Podemos nos pôr ao tanto.

—Não vou a nenhuma parte contigo. —Desejou ter saído correndo. Tinha um esconderijo no bosque que se feito ele. Mas estava muito longe. Notou a mão firme e forte do Sybill—. Nunca mais vou contigo.

—Fará o que eu te diga. —Os olhos lhe resplandeciam de raiva e foi para o Seth. Tolo, pela primeira vez em sua vida, ensinou-lhe os dentes e grunhiu amenazadoramente—. Sujeita a esse cão dos cojones.

—Não —se limitou a dizer Sybill, que sentia um repentino amor por Parvo—. Não te aproxime, Glória. Morderá-te. —Jogou uma olhada ao carro e viu um homem com jaqueta de couro que seguia o ritmo de uma canção ensurdecedora—. Parece que puseste os pés na terra.

—Sim, Pete está bem. Vamos a Califórnia. Tem contatos. Necessito dinheiro.

—Aqui não vais conseguir o.

Glória tirou um cigarro e sorriu ao Sybill enquanto o acendia.

—Olhe, não quero ao menino, mas me vou levar isso se não me derem minha parte. Os Quinn pagarão para recuperá-lo. Todo mundo contente e ninguém resultará prejudicado. Se complicar as coisas, Sybill, direi ao Pete que saia do carro.

Os grunhidos de Parvo se fizeram mais intensos e ensinou mais dente ainda. Sybill arqueou uma sobrancelha.

—Muito bem. Diga-lhe —Gloria, ¿vienes o no? —El conductor tiró el cigarrillo por la ventana—. No puedo perder todo el día en este pueblucho de mierda.

—Quero o que é meu, maldita seja.

—Já recebeste muito mais do que te corresponde.

—Uma mierda! Você lhe levou isso tudo. A filha perfeita. Não te suporto. Odiei-te toda minha vida. —Agarrou ao Sybill pela jaqueta e esteve a ponto de lhe cuspir na cara—. eu adoraria que estivesse morta.

—Já sei. Agora, me solte.

—Crie que pode comigo? —Glória empurrou ao Sybill com uma gargalhada—. Nunca tiveste guelra. lhe vais tragar isso lhe vais tragar isso e a me dar o que quero, como sempre. Cala a esse cão! —gritou ao Seth enquanto Parvo atirava da correia—. Cala-o e te monte no carro antes de que...

Sybill não viu como levantava a mão, nem sequer se deu conta de que a ordem havia partido do cérebro e tinha chegado a seu braço, mas notou que lhe esticavam os músculos e que a raiva se apoderava dela; logo só viu que Glória estava tiragem no chão e a olhava atônita.

—te monte nesse maldito carro —disse tranqüilamente Sybill sem olhar sequer ao jipe que tinha freado junto ao meio-fio. Tampouco piscou quando Parvo atirou da correia e do Seth até grunhir junto à mulher que estava no estou acostumado a—. Vete a Califórnia, vete ao inferno, mas te afaste deste menino e te afaste de mim. Não te meta nisto —espetou ao Phillip quando ele e seus irmãos se desceram do jipe—. te Monte no carro e te largue, Glória, ou vais pagar neste instante tudo o que tem feito ao Seth. Tudo o que me tem feito . te levante e vete ou ficará muito pouco de ti quando vier a polícia para te deter por fugir quando está sob fiança e além lhe acusemos de mau trato infantil e de extorsão.

Glória não se moveu e Sybill se agachou e, com uma força fruto da fúria, pô-la de pé.

—te monte no carro, vete e não tente voltar a te aproximar deste menino. Você sim que não vais poder comigo, Glória. Juro-lhe isso.

—Não quero ao maldito menino. Quero um pouco de dinheiro.

—Procura não sair muito mau parada. Dou-te trinta segundos e depois não vou conter nem ao cão nem aos irmãos Quinn. Quer nos ver em ação?

—Glória, vem ou não? —O condutor atirou o cigarro pela janela—. Não posso perder todo o dia neste pueblucho de mierda.

—Sim, já vou. —Jogou a cabeça para trás—. Quão único tem feito é me atrasar e cruzar-se em meu caminho. vou triunfar em Los Anjos. Não necessito nada de ti.

—Perfeito —sussurrou Sybill enquanto Glorifica se montava outra vez no carro—, porque não vais tirar nada de mim.

—Tombaste-a. —Seth já não tremia nem estava pálido. O carro esportivo desapareceu e Seth olhou ao Sybill com gratidão e admiração—. A tombaste.

—Isso parece. Que tal está?

—Ela não me olhou sequer. Parvo ia morder a.

—É um cão maravilhoso. —Parvo apoiou as patas dianteiras no peito do Sybill e lhe abraçou o pescoço—. É um cão fabuloso.

—Mas você a tombaste. Sybill a atirou que culo —gritou enquanto Phillip e seus irmãos se aproximavam.

—Isso vi. —Phillip lhe acariciou a bochecha—. Bem feito. Que tal está?

—Estou... bem. —deu-se conta de que não tinha dor de cabeça, nem cãibras nem calafrios—. Bem, sinto-me bem. —Piscou quando Seth a rodeou com os braços.

—estiveste genial. Ela não voltará. Deixaste-a tremendo.

surpreendeu-se pela risita gorgojeante que lhe brotou da garganta. inclinou-se e ocultou a cara entre o cabelo do Seth.

—Agora tudo é como tem que ser.

—Vamos a casa. —Phillip lhe aconteceu um braço pelos ombros—. Vão todos a casa.

—vai passar se semanas contando essa história —assegurou Phillip—. Semanas.

—Já está adornando-a. —Sybill, incrivelmente serena, passeava com o Phillip ao bordo do mar enquanto o heróico Parvo e Simon os seguiam—. Já conta que amassei a Glória e que Parvo lambeu o sangue.

—Não parece que te desgoste.

—Nunca tinha convexo a ninguém. Nunca tinha defendido assim meu terreno. Eu gostaria de poder dizer que o fiz só pelo Seth, mas acredito que também o fiz por mim. Não voltará, Phillip. perdeu. Está perdida.

—Acredito que Seth não voltará a lhe ter medo.

—Está em seu lar. Este é um bom sítio. —Girou sobre si mesmo para ver a casa, os bosques escuros ao anoitecer e o último brilho do sol refletido na água—. O sentirei falta de quando voltar a Nova Iorque.

—Nova Iorque? Ainda falta muito para que volte.

—A verdade é que tenho pensado voltar depois da vista da semana que vem.

Tinha-o decidido. Tinha que reatar sua vida. Se ficava mais tempo, só conseguiria complicar mais a situação sentimental.

—Um momento. por que?

—Tenho trabalho.

—Está trabalhando aqui.

Phillip se perguntou por que tinha sentido pânico. Quem tinha pulsado o botão?

—Tenho reuniões com meu editor que hei posposto. Tenho que voltar. Não posso viver eternamente no hotel e Seth já está instalado.

—Necessita-te perto. O...

—Virei a lhe visitar e espero que lhe deixem ir visitar me. —Tinha-o tudo pensado e lhe sorriu—. Prometo lhe levar a um partido dos Yankees a primavera que vem.

Era como se tudo tivesse terminado; Phillip se deu conta disso enquanto fazia um esforço por não deixar-se levar pelo pânico. Como se ela já se partiu.

—falaste com ele do assunto.

—Sim, acreditava que tinha que dizer-lhe —¿No?

—E assim me diz isso ? —replicou-lhe ele—. foi um prazer te haver conhecido...?

—Parece-me que não te sigo.

—Nada. Não há nada que seguir. —apartou-se. Ele também queria voltar a viver sua vida, não? Ali tinha a oportunidade de fazê-lo. acabaram-se as complicações. Só tinha que lhe desejar o melhor e lhe dizer adeus—. Isso é o que quero. É o que sempre quis.

—Como diz?

—Não quero outra coisa. Como nenhum dos dois. —deu-se a volta para olhá-la com os olhos como brasas—. Não?

—Não sei bem o que quer dizer.

—Você tem sua vida e eu a minha. Deixamo-nos levar pela corrente e aqui estamos. chegou o momento de sair da água. —Efetivamente, decidiu ela, não lhe seguia.

—Muito bem.

—De acordo, muito bem.

Phillip se assegurou de que estava bem, de que estava tranqüilo. Inclusive agradado. Voltou para ela.

O último raio de sol resplandecia em seu cabelo, em seus olhos incrivelmente claros e também obscurecia o oco que lhe formava no pescoço justo em cima do bordo da blusa.

—Não. —Phillip se ouviu dizê-lo e a garganta ficou seca.

—Não?

—Um minuto, só um minuto. —Voltou a afastar-se. Foi até a borda do mar e ficou ali como se estivesse pensando atirar-se de cabeça—. O que tem de mau Baltimore?

—Baltimore? Nada.

—Tem museus, bons restaurantes, personalidade e teatros.

—É uma cidade muito bonita —corroborou Sybill com certa cautela.

—por que não pode trabalhar ali? Se tiver que ir a Nova Iorque para uma reunião, pode ir em avião ou em trem. Também pode ir de carro em menos de quatro horas.

—Estou segura. Se está me propondo que mude a Baltimore...

—É perfeito. Seguiria vivendo em uma cidade, mas veria o Seth quando quisesse.

Também serviria a ele, disse-se Sybill imaginando-a situação. Seria muito para ela. Sabia que acabaria com a felicidade que sentia e com seu novo ser que tinha descoberto.

—Não é prático, Phillip.

—Claro que é prático. —Phillip se deu a volta e foi para ela—. É completamente prático. O que não é prático é que vá a Nova Iorque e volte a te afastar. Não vai funcionar, Sybill. Não vai funcionar.

—Não tem sentido comentá-lo agora.

—Crie que é fácil para mim? —explorou Phillip—. Tenho que ficar aqui. Tenho responsabilidades e compromissos, por não dizer nada das raízes. Não tenho alternativa. por que não cede?

—Não entendo.

—Tenho que lhe soletrar isso Maldita seja. —Agarrou-a pelos ombros e a sacudiu com impaciência—. Não o entende? Quero-te. Não pode pretender que te deixe escapar. Tem que ficar. Ao inferno com sua vida e minha vida; sua família e minha família. Quero nossa vida e nossa família.

Sybill ficou olhando-o fixamente e o sangue lhe palpitava nos ouvidos.

—O que? Como há dito?

—ouviste o que hei dito.

—Há dito que me queria. Há-o dito a sério?

—Não, estou mentindo.

—Hoje já tombei a uma pessoa. Posso repeti-lo.

Nesse momento, Sybill pensou que podia fazer algo. Realmente, algo. Dava-lhe igual aos olhos do Phillip brilhassem de fúria e que lhe tivesse parecido os dedos nos braços. Dava-lhe igual a parecesse disposto a matá-la. Podia dirigi-lo. Podia dirigir algo.

—Se o houver dito a sério —disse com uma voz admiravelmente equilibrada—, eu gostaria que o repetisse. Não o tinha ouvido nunca.

—Quero-te. —Mais sereno, beijou-lhe a frente—. Te desejo. —Beijou-lhe cada têmpora—. Necessito que fique comigo. —Beijou-lhe a boca—. me Dê um pouco de tempo e te ensinarei o que será estar juntos.

—Já sei o que será estar juntos e quero que estejamos juntos.

Sybill deixou escapar um bufo vacilante e conteve as vontades de fechar os olhos. Tinha que lhe ver a cara e recordá-la exatamente como era nesse momento, com o sol ficando, o céu tornando-se arroxeado e rosa e um bando de pássaros cruzando o céu sobre suas cabeças.

—Quero-te —seguiu Sybill—. Tinha medo de lhe dizer isso Não sei por que. Acredito que já não tenho medo de nada. vais pedir me que me case contigo?

—ia tentar resolver essa parte. —Tirou-lhe a diadema branca que lhe sujeitava o cabelo e a atirou por cima de seus ombros entre as amostras de felicidade dos cães, que foram atrás dela—. Quero ter seu cabelo entre minhas mãos —sussurrou enquanto lhe acontecia os dedos entre o denso cabelo castanho—. Durante toda minha vida hei dito que não ia fazer isto porque nenhuma mulher conseguiria que quisesse ou precisasse fazê-lo. Estava equivocado. Encontrei-te. Encontrei-a. te case comigo, Sybill.

—Durante toda minha vida hei dito que não ia fazer isto porque não haveria nenhum homem que me desejasse ou me necessitasse ou eu gostasse do suficiente como para que eu o desejasse. Estava equivocada. Encontrei-te. te case comigo, Phillip, e logo.

—Que tal te vem na próximo sábado?

sentiu-se afligida pela emoção que lhe transbordava o coração com uma quebra de onda cálida e real.

—Sim!

Abraçou-o com todas suas forças.

Phillip deu uma volta com ela em velo e durante um segundo, como um brilho, pareceu-lhe ver duas figuras no embarcadero. O homem tinha o cabelo grisalho e uns olhos de um azul brilhante, a mulher era sardenta e o vento da tarde lhe agitava uma juba avermelhada e indomável. Tinham as mãos entrelaçadas. Viu-os e desapareceram ato seguido.

—Isto sim que tem importância —sussurrou ele enquanto a abraçava com toda sua  alma. Isto é importante para os dois.

 

                                                                                            Nora Roberts

 

 

                      

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