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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O CASAMENTO ÁRABE / Lynne Graham
O CASAMENTO ÁRABE / Lynne Graham

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O CASAMENTO ÁRABE

 

- É uma questão de honra de família... - A voz do rei Zafir soava baixa e fraca, mas um forte anseio irradiava-se de seu olhar, enquanto se dirigia ao filho que lhe restara. - Você trará o filho de seu irmão, Adil, para casa e nós o criaremos.

A resposta do príncipe herdeiro, Jaspar, foi tensa:

- Pai, com todo o devido respeito, a criança tem uma mãe...

- Uma meretriz que não é digna de ser chamada de mãe! - Numa súbita explosão de raiva, o rei Zafir ergueu-se dos travesseiros e esbravejou: - Uma criatura sem um pingo de vergonha que ficava bebendo e dançando em festas até de madrugada enquanto o filho ainda lutava pela vida na maternidade! Uma gananciosa Jezebel que... - Àquela al­tura, o irado soberano foi acometido por um sério acesso de tosse e lutou em vão para recobrar o fôlego.

Instantaneamente, a equipe médica real entrou no quarto para administrar-lhe oxigênio. Pálido e ainda perplexo pela violenta explosão de raiva que causara o ataque, Jaspar ob­servou os médicos e enfermeiros desempenhando seu traba­lho e desejou que o pai se recuperasse.

- Por favor, Alteza - o assistente mais próximo ao pai dele, Rashad, implorou com lágrimas nos olhos aflitos. - Por favor, concorde sem mais discussão.

- Eu não sabia que meu pai odiava tanto as mulheres ocidentais.

- Sua Majestade não as odeia. Não leu o relatório sobre essa mulher, Alteza?

Enquanto se dava conta, com grande alívio, de que seu pai estava reagindo ao tratamento, Jaspar respirou fundo, boa parte de sua tensão dissipando-se.

- Não, eu não o li.

- Levarei o relatório a seu escritório, Alteza. - Rashad retirou-se rapidamente.

Uma mão ossuda fez-lhe um gesto da grande cama, e Jas­par aproximou-se, inclinando-se para ouvir as palavras defi­nitivas do rei Zafir sobre o assunto, proferidas numa voz en­fraquecida, mas que não continham o menor tom de súplica. - É seu dever de cristão buscar o meu neto...

Tão logo a emergência passara e o pai pudera repousar tranqüilamente, Jaspar deixou os aposentos. Enquanto atra­vessava a ante-sala que ficava logo além, cada pessoa ali colocou-se de joelhos e baixou a cabeça. Em resposta àquele respeitoso reconhecimento a sua recente ascensão à realeza, ele enrijeceu ainda mais o maxilar. Pensar na morte de seu irmão mais velho, Adil, que fora o príncipe herdeiro desde o nascimento, só o fazia sentir-se pior do que nunca.

Algum dia iria se tornar o rei de Quamar, mas não fora criado para ser um rei. Nó instante em que Adil morrera, a sua própria vida mudara para sempre. Amara o irmão, mas ambos nunca tinham sido muito próximos. Adil fora, afinal, quinze anos mais velho e tivera uma personalidade comple­tamente diferente da sua. Um bon vivant, ele sempre o cha­mara jovialmente de desmancha-prazeres. Mas, quase ine­vitavelmente, o apetite excessivo de Adil por comida e cha­rutos cubanos haviam contribuído para sua morte prematu­ra, aos quarenta e cinco anos.

No esplêndido escritório que agora lhe pertencia, Jaspar estudou um retrato à óleo de seu irresponsável irmão com pesar. Adil também fora um mulherengo incorrigível.

- Adoro as mulheres! Todas elas... - dissera-lhe ele uma vez com seu sorriso largo. - Minha esposa, minhas ex-es­posas, mas por que eu deveria me contentar em ter apenas uma mulher? Se fôssemos muçulmanos, eu poderia ter tido quatro esposas de cada vez e um harém de odaliscas. Você nunca pensa em como a vida poderia ter sido se nosso ho­norável ancestral, Kareem 1, não tivesse fundado a nossa como uma dinastia cristã?

Daquele modo, quando Adil não estivera desempenhando seus deveres como príncipe herdeiro, navegara em seu lu­xuoso iate pelo Mediterrâneo com várias beldades ocidentais a bordo. Rumores sobre a discreta vida dupla do filho mais velho haviam causado grande inquietação ao rei Zafir, mas Adil fora um mestre na arte da dissimulação e suas mulheres sempre haviam estado dispostas a encobrir as orgias dele.

E parecia dolorosamente irônico que o filho tão desejado que Adil não conseguira gerar com nenhuma de suas três sucessi­vas esposas tivesse nascido ilegítimo. Se aquele menino tivesse nascido de um casamento, teria sido o segundo na fila ao trono, mas sua ilegitimidade impedia-o de assumir o que deveria ter sido seu lugar de direito na vida. Jaspar conteve um suspiro. Em sua geração, a família real al-Husayn tivera pouca sorte em produzir herdeiros do sexo masculino. Entretanto, tendo gerado várias filhas, Adil permanecera otimista, achando que um filho acabaria nascendo eventualmente.

E apenas dois anos antes, um menino nascera de uma mulher inglesa, em Londres. Durante as horas em que Adil sobrevivera antes do segundo ataque cardíaco que acabara sendo fatal, confessara o chocante fato ao preocupado pai. Não fora surpresa a notícia sobre o neto desconhecido ter-se tornado uma obsessão para o abalado rei, mas longas inves­tigações confidenciais tinham sido necessárias só para loca­lizarem a mulher. Temendo um escândalo que teria reper­cutido por toda a distância até Quamar, Adil recorrera a consideráveis extremos não apenas para se dissociar daquele nascimento, como também para encobrir todas as evidências da existência da criança.

Era uma confusão, uma enorme confusão, que ele estava sendo incumbido de resolver agora, pensou Jaspar, aborre­cido, enquanto Rashad se apresentava respeitosamente para lhe entregar um dossiê lacrado. Seu pai estava doente de­mais para enxergar o lado prático da questão, mas levar o filho de Adil para Quamar, tirando-o da mãe supostamente inadequada, seria muito difícil, senão impossível.

- Sua Majestade fez uma sugestão brilhante que resol­veria todos os problemas de uma vez, Alteza - anunciou Rashad num tom entusiasmado.

Jaspar aguardou educadamente até que o homem mais velho prosseguisse, mas sem muita esperança, uma vez que Rashad era o leal servo de seu pai, disposto a sempre con­cordar e apoiar cada palavra de seu soberano.

- Bastaria usarmos nossas forças especiais e pegarmos a criança...

Jaspar teve de respirar fundo para se conter. Às vezes, o pai o chocava. Um verdadeiro senhor feudal desde jovem, seu pai nunca se conciliara totalmente com a realidade de . que um mundo bastante diferente existia para além das fron­teiras de Quamar.

- Não haveria necessidade de negociarmos com a Jezebel estrangeira e o menino seria trazido para Quamar, receberia outro nome e seria criado como órfão. Talvez pudéssemos dizer que é filho de um primo distante - completou Rashad, empolgado.

Apenas a terna lembrança de Rashad brincando com ele quando fora criança impediu Jaspar de manifestar seu re­púdio a tão ultrajante sugestão. Rashad não era um homem inteligente e não estava conseguindo pensar com clareza, sua única motivação sendo uma vontade desesperadora de dizer ao seu rei o que ele mais queria ouvir. E quanto ao seu próprio pai, pensou Jaspar com exasperação, era evi­dente que a doença e o sofrimento tinham-lhe roubado tem­porariamente as costumeiras sensatez e prudência.

- Por favor, informe Sua Majestade que a situação será resolvida sem a necessidade de uma intervenção tão drástica - respondeu Jaspar secamente.

- Sua Majestade teme morrer antes de sequer pôr os olhos sobre o menino - lamentou Rashad, emocionado. Jaspar estava bem a par do fato, mas também convencido de que o pai recuperaria logo sua excelente saúde se parasse de se irar inutilmente e de pensar em morrer. Abrindo a pasta com o dossiê, esperou ver a foto de uma morena vo­luptuosa do tipo que seu falecido irmão parecera achar ir­resistível, mas não havia nenhuma foto nem da mãe, nem da criança. 0 detetive particular estivera tão ansioso para relatar seu êxito em ter localizado a mulher que não perdera tempo em reunindo dados complementares.

A mãe da criança, Érica Sutton, fora registrada como Fre­derica, e a própria mãe a abandonara e ao pai semanas de­pois do nascimento de irmãs gêmeas dela. Aos dezoito anos, Érica fugira de casa com o marido de uma vizinha, mas o relacionamento logo terminara. Tendo se tornado modelo, mas trabalhado raramente, ela passara a ter numerosos ca­sos com homens ricos e casados.

Quando Érica dera à luz uma criança, ninguém tivera a menor idéia de quem seria o pai, mas a segurança financeira que ela logo encontrara fora marcada por sua compra de um apartamento palaciano. Mantivera, então, o estilo de vida extravagante de uma mulher rica em busca constante de diversão. Enquanto lia, o semblante de Jaspar ficava cada vez mais grave. Estava perplexo com aquelas informações e não mais surpreso com a preocupação e a ira do pai. Optando pela saída fácil de uma situação embaraçosa, Adil deixara seu filho aos cuidados de uma mulher irresponsável e egoís­ta, que não parecia possuir o menor instinto maternal.

Colocando o dossiê de lado com ar desgostoso, Jaspar não tinha mais dúvida de que era seu dever tirar o sobrinho de lar tão inadequado. 0 fato de que uma babá dedicada evi­dentemente protegera o menino do pior dos excessos da mãe servia de pouco consolo, pois uma babá era apenas uma em­pregada cujos serviços poderiam ser dispensados a qualquer momento. 0 garotinho estava inegavelmente em risco, tanto emocional quanto físico, em seu atual ambiente, concluiu ele com grande preocupação.

O pai falara com sabedoria, e ele sentia-se envergonhado por ter criticado a condenação ultrajada do rei Zafir em re­lação à mãe da criança. A única solução seria levar o menino ali para Quamar. Entretanto, ponderou Jaspar com um sor­riso irônico, alcançaria aquela façanha sem recorrer a ações melodramáticas com as forças especiais do Exército e sem causar um impasse diplomático.

Frederica Sutton, conhecida como Freddy desde os oito anos de idade e por sua própria escolha, passou a carta pro­veniente da Suíça para a mulher de cabelos grisalhos sen­tada do lado oposto ao seu à mesa.

- O que farei agora?

Colocando os óculos e se parecendo exatamente com a professora aposentada que, de fato, era, Ruth leu as poucas linhas de cenho franzido.

- Bem, então é isso. Você esgotou cada caminho...

- O único caminho. - A única pista de Freddy fora a conta no banco da Suíça de onde a falecida prima, Érica, recebera sua generosa renda.

Ela escrevera à instituição financeira em questão, expli­cando as circunstâncias em alguns detalhes. Esperara con­seguir estabelecer contato, de algum modo, mesmo que fosse apenas com um representante da pessoa que estabelecera originalmente aquele sistema de pagamento. Infelizmente, a resposta sucinta que recebera deixara claro que a cláusula de sigilo para com o cliente proibia o fornecimento de qual­quer tipo de informação, acrescentando que quaisquer novas tentativas da parte dela, ou de qualquer outra pessoa na­quele sentido, seriam uma completa perda de tempo.

- Não é sua culpa se o pai de Ben não se preparou para a realidade de que, em algum ponto, talvez houvesse a ne­cessidade de um contato - comentou Ruth. - Possivelmen­te, ele estava deixando claro que não queria mais envolvi­mento sob circunstância alguma... E quem poderia ter so­nhado que uma mulher tão jovem quanto Érica morreria?

Diante da lembrança, os olhos turquesa de Freddy enche­ram-se de lágrimas e ela baixou a cabeça até recobrar o controle sobre as emoções. Sua prima, Érica, contava apenas vinte e sete anos quando encontrara a morte num grave acidente de esqui que poderia ter sido evitado. Mas ela havia morrido, da mesma maneira que vivera, admitiu com relutância, como se cada dia pudesse ser o último, correndo ris­cos sem se importar e jamais pensando no futuro.

- Sei que sente falta de Érica. - Ruth apertou-lhe a mão sobre a mesa da sala de jantar num gesto de apoio. - Mas passaram-se seis semanas e a vida tem de prosseguir, especialmente no que diz respeito a Ben. Duvido que algum dia você descobrirá quem é o pai dele, mas talvez seja melhor assim. Sua prima não era muito seletiva em relação aos seus "amigos".

- Ela estava tentando mudar - protestou Freddy.

- Estava mesmo? É claro que é preferível não se pensar nos defeitos de alguém que já se foi. É melhor lembrar-se das coisas boas, mas pode ser algo difícil neste caso...

- Ruth... por favor! Você deve se lembrar de que infância terrível Érica teve.

- Lamento, mas não aceito esse tipo de desculpa para um comportamento totalmente imoral. Érica trouxe aquela pobre criança ao mundo apenas porque foi lucrativo para ela - apontou a mulher mais velha, seu repúdio quase pal­pável. - Érica vivia como uma ganhadora da loteria com a pensão que recebia do pai de Ben, mas não tinha o menor interesse pelo próprio filho. Se esse misterioso pai do menino não fosse muito rico e evidentemente um homem casado bas­tante amedrontado, disposto a pagar caro pela discrição de­la, Érica teria colocado um fim à gravidez. Ela nunca gostou de crianças.

Desistindo de tentar abrandar a opinião de Ruth sobre a falecida mãe de Ben, Freddy levantou-se e ajoelhou-se perto do menino, entretido com um brinquedo um pouco mais adian­te no tapete da sala. Era uma criança adorável e a amava como se fosse sua. Um garotinho afetuoso e de bom tempe­ramento, com cachos escuros e grandes olhos castanhos, Ben fora um bebê prematuro.

Freddy estivera morando com Érica na época em que a prima entrara em trabalho de parto. Ben passara as primei­ras semanas de vida numa incubadora e Freddy sempre atri­buíra aquele infeliz fato à incapacidade de Érica de criar um elo afetivo com seu bebê. Ao longo dos meses que haviam se passado em seu papel como babá de Ben, Freddy tentara de tudo para incentivar o desenvolvimento daqueles laços maternos e até se aconselhara como uma psicóloga para aju­dar a prima. Mas nada dera certo. Érica continuara não demonstrando o menor interesse pelo filho.

- Como você não consegue entrar em contato com o pai, precisa notificar as autoridades sobre a situação - alertou-a Ruth. - É uma pena que Érica não tenha simplificado as coisas e deixado um testamento passando a guarda do me­nino para você. Mas, naturalmente, todo o patrimônio ficará para Ben, assim como também aquela renda contínua.

- Ben será um garotinho muito rico - disse Freddy num tom seco. - Imagino que as pessoas farão fila para adotá-lo e o serviço social deverá lhe procurar uma família que já será rica. Que esperança tenho eu contra esse tipo de com­petição? Sou solteira, estou desempregada e tenho apenas vinte e quatro anos...

- Você também é a única parenta conhecida daquele me­nino e tem estado com ele desde seu nascimento. - Mas Ruth Coulter falou como se nenhum dos fatores que talvez ajudassem no pedido de adoção que Freddy estava determi­nada a fazer lhe parecessem satisfatórios. - Eu gostaria que você nunca tivesse se envolvido. Não posso aprovar que uma mulher solteira de sua idade assuma um fardo tão...

                                - Ben não é um fardo.

- Você não teve vida própria desde que se envolveu com os problemas de Érica. Sua prima usou você vergonhosa­mente para cuidar das responsabilidades dela...

- Eu recebia um excelente salário para cuidar de Ben - lembrou-a Freddy na defensiva.

- Por um longo tempo sem um intervalo? Dia e noite e nos fins de semana também? - perguntou Ruth secamente. - Érica se aproveitou da sua boa vontade, e não é de admirar que agora você pense naquele garotinho como se fosse seu filho. Durante os últimos dois anos, é como se tivesse sido!

Estudando a expressão culpada no rosto corado de Fred­dy, Ruth apertou os lábios. No passado, fora vizinha da fa­mília Sutton e conhecera Freddy e Érica quando pequenas. T inham sido crianças que haviam gracejado constantemente com o fato de terem o mesmo nome: Frederica. Os pais de ambas tinham sido irmãos e os dois tinham dado nome às filhas em homenagem a uma tia-avó solteirona na vã espe­rança de que, eventualmente, recebessem alguma herança em troca da lisonja. Como, naquela época, as duas famílias tinham perdido contato uma com a outra, a coincidência só fora descoberta anos mais tarde. Quando os pais de Érica haviam morrido num acidente de carro, o pai viúvo de Fred­dy ficara com a sobrinha e a criara junto com a própria filha:

Mas quem poderia ter sonhado que o generoso gesto po­deria ter acabado prejudicando Freddy de certa forma? Na opinião de Ruth, mesmo quando criança, Érica fora desones­ta e precoce, vazia e fútil por natureza, mas capaz de exercer grande charme sobre os outros quando lhe fora conveniente. Ruth não se deixara impressionar pelas histórias inverossí­meis de Érica sobre a crueldade dos falecidos pais com ela, mas muitas pessoas tinham acreditado, embora nunca ti­vesse havido provas para as alegações da garota. Num es­paço de menos de seis meses, Freddy fora a criança menos favorecida em seu próprio lar, pois nunca fora dissimulada, nem soubera se impor.

Sempre tendo gostado muito da garota mais nova que perdera a própria mãe cedo, Ruth não lamentou tanto quan­to achou que deveria quando Érica fugira com o marido de uma vizinha. Esperara que, sem a prima por perto para roubar o centro das atenções, Freddy se tornasse mais con­fiante. Afinal, sempre fora uma garota bonita, mas tendo tido sua auto-estima abalada pela prima numa idade deli­cada, achava-se comum demais. Ruth também gostava mui­to do pequeno Ben, mas era uma pessoa pragmática. Não queria ver Freddy sacrificando sua juventude e sua liberda­de apenas para criar o filho de Érica.

Ciente da preocupação e da reprovação de Ruth, Freddie deixou a casa dela mais cedo do que o costume quando ia visitá-la e pegou o metrô de volta ao apartamento da falecida prima.

Sentiu os olhos marejados tão logo entrou no opulento apartamento, onde as lembranças da prima eram fortes de­mais. Soubera dos defeitos de Erica, costumara se desespe­rar diante dos hábitos de autodestruição dela, mas conti­nuara a amá-la como a uma irmã.

Tornando a pensar em sua tentativa frustrada de locali­zar o pai de Ben, lembrou-se mais uma vez da insistência de Érica em afirmar que o pai de seu bebê era um príncipe árabe. Conhecendo-a, não acreditara naquela história, espe­cialmente quando Érica realmente exagerara, acrescentan­do que um dia o pai de seu filho seria um rei! Assim, nunca contara aquela história inverossímil a Ruth. Era possível, no entanto, que o pai de Ben fosse um velho magnata árabe, o dono do iate luxuoso que Érica mencionara. Mas um prín­cipe... de jeito algum!

De qualquer modo, o fato agora era que ela iria perder Ben, pensou com desespero. Ter esperado uma resposta fa­vorável daquele banco suíço fora tolice. Não adiantava en­ganar a si mesma ou tentar evitar o passo seguinte de no­tificar as autoridades para que pudessem tomar decisões legais a respeito de Ben. Oh, se não tivesse sido por todo aquele maldito dinheiro! No instante seguinte, porém, disse a si mesma para não se ressentir da existência dos fundos que assegurariam ao menino ter o melhor de tudo enquanto crescesse. Por que simplesmente não encarava a realidade? Não havia esperança de que a custódia de Ben lhe fosse concedida.

Mais tarde, quando acabara de colocar o garotinho para dormir, o telefone tocou no apartamento silencioso, sobres­saltando-a.

- Sim? - murmurou ao atendê-lo.

- Eu gostaria de falar com a srta. Frederica Sutton - declarou uma possante voz masculina com um inconfundível sotaque estrangeiro.

- Sou a srta. Sutton, mas qual...? - Mas qual srta. Sut­ton você está procurando, ela pretendera acrescentar.

- Por favor, esteja disponível amanhã, às dez da manhã, para minha visita. Desejo conversar sobre o futuro de Be­nedict. Aviso-a de que, se qualquer outra pessoa estiver presenteno apartamento antes da minha chegada, a visita não acontecerá.

- C-Como d-disse? - balbuciou Freddie em seu aturdi­mento diante das instruções, mas, ainda enquanto falava, o homem que ligara encerrou o telefonema.

Franzindo o cenho, Freddy refletiu sobre tudo o que tinha lhe sido dito. Acabara de falar com o pai de Ben? Quem mais .desejaria conversar com ela sobre o futuro do menino? Mas como ele descobrira que Érica morrera? Pelos céus, era pos­sível que o homem estivesse até mantendo contato regular­mente com alguma amiga de Érica! Ou, talvez, sua carta ao banco suíço tivesse sido passada discretamente adiante, em­bora a instituição tivesse se recusado oficialmente a ajudar.

Fosse como fosse, ao que tudo indicava, seria o pai de Ben o homem a ir conversar com ela no dia seguinte. Se bem que, se aquele homem de tom arrogante que fazia exigências sem hesitar fosse um homem casado "amedrontado", ela não gostaria de ter conhecido um que fosse confiante!

Freddy foi se deitar num estado de crescente ansiedade naquela noite, tentando imaginar que planos o homem po­deria ter para seu filho.

Revirando-se de um lado ao outro na cama, tentou se lem­brar do pouco que Érica lhe contara sobre o homem que a engravidara. "O homem mais bondoso que já conheci". A prima estivera falando sobre o pai de Ben, ou sobre o milio­nário argentino com quem saíra algum tempo depois? Ou o envolvimento com o milionário argentino acontecera antes da concepção de Ben?

No escuro, Freddy sentiu o rosto queimando ao pensar nos muitos romances da prima, principalmente com homens casados. Lembrou-se das vezes em que tentara incutir-lhe algum senso de moral, e Erica lhe lançara um olhar de pro­funda tristeza em resposta e dissera:

- Tudo o que quero é alguém que me ame de verdade. E, então, estragara o efeito, acrescentando:

- E daí se ele pertencer a alguma outra mulher? Você acha que ela pensaria duas vezes no meu lugar? Há um mundo difícil lá fora!  Às nove horas da manhã seguinte, Freddy já estava pron­ta para receber seu visitante. Usando seu único tailleur, um modelo simples e discreto em azul-marinho, com uma blusa branca, sapatos baixos e com os cabelos castanhos presos num coque antiquado, o qual achou que lhe dava um neces­sário ar de mais maturidade, inspecionou seu reflexo no es­pelho com ar crítico. Então, lembrando-se dos óculos que usara numa determinada época para vista cansada, enquan­to estudava, apanhou-os do fundo de uma gaveta e colocou­os. Sim, sem dúvida, pensou com satisfação, poderia se pas­sar facilmente por uma mulher sensata de trinta anos, em­bora não pretendesse mentir se lhe perguntassem a idade, o que não era provável. Chegara a pensar em aparecer em seu uniforme de babá e apresentar suas excelentes creden­ciais nos cuidados com crianças na esperança de causar a melhor impressão possível. Mas acabara descartando a idéia porque queria tornar conhecido os seus laços de sangue com Ben, apesar de não muito fortes. E com um homem rico e dominador, teria havido o risco de que seu uniforme o tivesse encorajado a encará-la como uma mera empregada cuja opi­nião não importasse.

A campainha tocou, enquanto Freddy andava de um lado ao outro em crescente ansiedade. Respirando fundo, foi aten­der a porta. Três homens morenos e corpulentos, usando ter­nos escuros, entraram no vestíbulo. Ignorando-a por comple­to, marcharam até cada cômodo do apartamento, evidente­mente verificando se ela e Ben estavam a sós. Adiantando-se depressa até a sala de estar, onde o menino dormia num sofá, ela colocou-se na frente dele e sussurrou para os homens:

- Por favor, saiam... Não o acordem... Ele ficará assus­tado. Eu estou assustada!

Um dos homens falou a um celular e o trio se reuniu no vestíbulo, ainda agindo como se ela fosse invisível. Trêmula, Freddy cruzou os braços e aguardou na sala. Logo, notou o aviso da chegada do elevador para além da porta da frente ainda aberta, tamanho era o silêncio. Então, ouviu passos, vozes masculinas num tom baixo e, enfim, um homem alto e moreno apareceu à porta da sala de estar.

Não parecia o homem mais bondoso que já conhecera, como Érica mencionara, mas Freddy ficou encarando-o como uma tola, porque era tão incrivelmente bonito que a deixou sem ação. Não sabia que expectativas tivera, mas presumira que fosse alguém bem mais velho.

- É a srta. Frederica Sutton? - perguntou ele, obser­vando-a com penetrantes olhos castanho-claros.

Freddy meneou a cabeça devagar, a atenção cativada pelos lustrosos cabelos negros do homem, seu fisico atlético e bem proporcional, ó atraente tom bronzeado de sua pele, o rosto de traços fortes e marcantes, os lábios bem desenhados. Era totalmente fantástico, e Érica devia ter-se apaixonado perdi­damente por ele. Como teria acontecido a qualquer mulher, pensou ela, zonza, até que se lembrou que era um homem casado e envergonhou-se de pensamentos tão impróprios. Esforçou-se para recobrar a fala.

- S-Sim - confirmou -, sou Frederica Sutton, exata­mente como... - "minha falecida prima, a mãe de seu filho", estivera prestes a acrescentar.

O homem percorreu-a com um olhar cheio de arrogância. - Sou Jaspar al-Husayn, príncipe herdeiro de Quamar, e estou aqui no lugar do meu irmão como parente mais pró­ximo e tio de seu filho, Benedict.

Freddy ficou ainda mais aturdida quando o viu afirmando que era, de fato, um príncipe herdeiro. Érica não estivera contando vantagem? O pai de Ben era um membro da rea­leza? Silenciada pelo choque daquela revelação, apenas en­carou-o, os olhos arregalados por trás das lentes dos óculos. Mas ele também não dissera que era o tio do menino e não o pai?

- Por que se apresentou a mim vestida dessa maneira peculiar? Acha que conseguirá me fazer acreditar que você é uma boa mãe? Embora me desagrade ser tão franco, estou bem a par da vida que você leva e igualmente ciente de que sua aparência feia só pode ser uma encenação destinada a confundir.

O homem não sabia que Érica morrera, percebeu Freddy em sua perplexidade. Achava que ela era Erica, fazendo-se de feia, por algum motivo estranho. Feia. Freddy foi tomada por um misto de raiva e mágoa diante do rótulo. Não, sabia que não era bonita, mas não era um bom sinal ouvir que um tailleur simples, um penteado antiquado e um par de óculos eram o suficiente para tornarem-na merecedora daquela cruel palavra: "feia". Toda aquela bobagem sobre parecer dis­creta e ali estava sendo destratada por aquele homem arro­gante e insensível que nem sequer era o pai de Ben!

- Seu irmão... - disse ela num tom glacial, o queixo erguido. - Estou disposta a falar apenas com seu irmão, o pai de Ben.

- Adil morreu de ataque cardíaco no mês passado. Freddy franziu o cenho; esforçando-se para assimilar a realidade de que Ben era realmente órfão, que não apenas a mãe, mas também o pai havia morrido. Engoliu em seco, seriamente preocupada com a notícia. Por alguma virada terrível do destino, Ben fora privado da única pessoa que restara com inquestionável direito legal de tomar decisões em seu favor.

- Serei eu que me encarregarei de Benedict e o tirarei de seus cuidados inadequados. - E tendo feito aquele anún­cio chocante, o príncipe Jaspar adiantou-se pela sala para observar o garotinho ainda adormecido no sofá. - Ele é bas­tante pequeno para um al-Husayn. Somos todos altos na nossa família - comentou num tom de crítica.

- O que quis dizer quando afirmou que pretende se en­carregar de Ben? - perguntou Freddy com íntimo desespe­ro, a mente num turbilhão.

- Se você valoriza o seu atual estilo de vida e sua renda, não discuta comigo - limitou-se o príncipe Jaspar a dizer calmamente.

Naquele momento, ela concluiu que seria arriscado escla­recer que não era a mãe de Ben. Não o faria tão depressa, ao menos. Não confiava naquele homem. Afinal, porque ele iria querer tirar o menino da suposta mãe? Em especial quan­do, por sua vez, o irmão, Adil, desdobrara-se para manter o filho ilegítimo em segredo, apesar de se certificar de que ficasse muito bem amparado financeiramente.

Freddy, que dificilmente perdia a calma, estava fervendo de raiva por dentro em relação àquele homem que aparecia ali inesperadamente querendo ditar as regras. Faria o que estivesse a seu alcance para proteger Ben. Somente se suas preocupações fossem aplacadas se permitiria admitir a pe­rigosa verdade de que, como tio de Ben, ele tinha bem mais direitos do que ela.

- Pode me dar alguma prova da sua identidade? - ela indagou.

Os olhos castanho-claros faiscaram, a voz marcada pelo sotaque estrangeiro soando com incredulidade:

- Não tenho a menor necessidade disso.

- Eu não o conheço. Você poderia ser qualquer um e não estou disposta a conversar sobre o futuro de Ben sem uma confirmação de que você é realmente quem diz.

- Não estou acostumado a ser tratado de maneira tão des­cortês - retrucou o príncipe Jaspar num tom contrariado. Um calafrio percorreu Freddy, mas precisava de tempo, tempo para tentar descobrir algo sobre o homem e se acon­selhar. Aquilo significava que um confronto entre ambos se­ria inevitável, pelo bem e a segurança do menino.

- Talvez você possa voltar amanhã à noite, por volta das oito, com referências adequadas - declarou Freddy, esfor­çando-se para não se deixar intimidar pela evidente contra­riedade do homem. - Ficarei, então, contente em conversar com você de uma maneira educada e civilizada sobre Ben.

- Você me insultou e despertou minha raiva. Vai se ar­repender disso - prometeu Jaspar al-Husayn quase num sussurro.

Pálida feito cera, Freddy observou-o deixando a sala e ouviu a porta dá frente sendo fechada segundos depois. 0 homem a assustara tanto que ela mal conseguia respirar, o corpo ainda trêmulo.

Ben começou a despertar, esfregando os olhos sonolentos. Ela sentou-se no sofá e pegou-o no colo, aninhando-o em seus braços, o coração disparado. Um menino órfão, nascido de tão importante linhagem e provavelmente destinado a herdar muito dinheiro era uma criança bastante vulnerável, refletiu, apreensiva. Precisava marcar uma consulta com um advogado e verificar qual era a sua posição legal.

 

No final da tarde do dia seguinte, Jaspar es­tudou o relatório de sua equipe de segurança sobre as atividades de Érica Sutton desde sua visita ao apar­tamento dela. O fato da mulher ter ido diretamente à procura de um advogado em busca de orientação não o surpreendeu. Estava satisfeito em ter colocado Érica Sutton sob consi­derável pressão, o que fora precisamente o seu intento. En­quanto seu falecido irmão estivera comparecendo a cerimô­nias oficiais e fazendo cruzeiros pelo Mediterrâneo com suas garotas, Jaspar estivera desenvolvendo a brilhante habili­dade para os negócios com a qual supervisionava os consi­deráveis investimentos de Quamar no exterior. A escola mi­litar e o dinâmico e difícil mundo das finanças haviam aper­feiçoado os talentos naturais dele e o tornado ainda mais duro e decidido. Sabia negociar. Uma vez que conhecia as fraquezas de sua presa e o momento fosse certo, partia para o ataque.

Sujeitar Érica Sutton ao temor de que poderia perder tudo que ganhara com o nascimento do filhó fora um plano deli­berado. Indubitavelmente, ela imaginava que, para conti­nuar desfrutando seu atual estilo de vida, tinha que manter a custódia do filho, mas aquele, na realidade, não era o caso. Quando a mulher soubesse que poderia abrir mão do sobri­nho dele sem perder sua segurança financeira, Jaspar acre­ditava que ela se apressaria a fazê-lo.

Mas estava extremamente divertido em ler que, ao que parecia, Érica passara duas horas num salão de beleza naquela mesma tarde. Então, a verdadeira Érica Sutton estava prestes a se revelar. O comentário ofensivo dele sobre a apa­rência dela fora evidentemente uma provocação maior do que alguém de carne e osso pudera agüentar.

Fora uma tola em pensar que teria conseguido lhe passar uma imagem conservadora. Mas, afinal, a esperteza. da mu­lher devia se limitar a atrair dinheiro para sua conta ban­cária, ponderouele, lembrando-se de que lera no relatório que ela telefonara para o Consulado de Quamar num esforço pára confirmar a identidade dele. Era ingênua demais, pois o funcionário que lhe atendera o telefonema recusara-se a confirmar ou negar a presença dele em Londres, no que era essencialmente uma viagem particular. Na verdade, ficara surpreso que Érica não o tivesse reconhecido simplesmente das muitas fotografias de família espalhadas pelo iate do falecido irmão.

Com alguma esperança, ele conseguiria resolver o desa­gradável assunto até o final do dia, pois não queria abusar da pouca paciência do pai. E talvez a chegada de um neto pudesse distrair o rei de um objetivo mais pessoal que a morte de Adil tristemente tornara uma questão de muito maior urgência... o casamento do próprio Jaspar.

Aos trinta anos de idade, ele estava ciente de que era uma sorte ainda estar solteiro. Mas o pai temera que a in­capacidade de Adil de ficar com uma só mulher fora o re­sultado direto de ter sido pressionado a casar cedo demais. Entretanto, a morte do irmão mudara tudo em relação a Jaspar. Que ele se casasse e tivesse um filho para assegurar a sucessão era agora algo de extrema importância.

Deixaria que o pai escolhesse sua noiva. Por que não? Inúmeras possíveis candidatas que haviam sido colocadas discretamente diante de seus olhos em vários eventos sociais promovidos pelo palácio ao longo dos dois anos anteriores, com a esperança de todos de que ele se apaixonasse, ha­viam-no tornado extremamente crítico. E do amor, queria  distância. Apaixonara-se apenas uma vez e a experiência fora traumática. O amor era uma fraqueza da qual ele não pretendia ser vítima uma segunda vez.

No dia anterior, Freddy fora falar com o primeiro advo­gado que tivera um horário disponível na agenda para vê-Ia. Tendo descrito a situação de Ben sem citar nomes, pedira uma opinião franca sobre sua posição.

Deixara o escritório ainda mais desolada e tendo que, en­fim, aceitar o inevitável. Legalmente, estava de mãos ata­das. Um tio era um parente bastante próximo. Além do mais,  informara-a o advogado, as autoridades também levariam em conta as origens de Ben. Com o pai tendo sido de des­cendência árabe, havia aspectos culturais que teriam de ser respeitados na criação do menino. Por que nem sequer ocor­rera a ela que a herança cultural de Ben pesaria na balança do que fosse julgado melhor para ele? Uma questão tão óbvia i e, ainda assim, ela não a reconhecera. E não haveria meio de poder suprir aquela necessidade sozinha.

Chegando de volta ao apartamento, contactara o Consu­lado de Quamar para tentar confirmar a identidade de Jas­par al-Husayn. O homem com quem falara ao telefone não fora de ajuda alguma. A busca que fizera pela Internet no computador de Érica, no entanto, fora mais frutífera, pois a família real de Quamar possuía um site oficial. Continha uma nota respeitosa sobre a morte do príncipe herdeiro an­terior, Adil, e um informe bem mais longo sobre o precário estado de saúde do rei Zafir.

A atenção de Freddy, porém, fora imediatamente atraída pela foto do atual herdeiro ao trono, Jaspar al-Husayn, pa­recendo extraordinariamente bonito e sério e, sem dúvida, o mesmo homem arrogante que a visitara.

Derrotada por aquela confirmação final, Freddy fora se deitar naquela noite e se obrigara a encarar os fatos. Jaspar al-Husayn evidentemente sabia o bastante a respeito do es­tilo de vida de sua falecida prima para tê-la classificado como uma mãe inadequada. E podia realmente culpá-lo por aqui­lo? Fora injusta com ele? Afinal, fora um grande choque quando o tio de Ben aparecera do nada querendo o menino e um golpe doloroso para ela, que tivera esperança de criá-lo. Mas seria bastante errado de sua parte permitir que sentimentospessoais e egoístas a cegassem para o que fosse me­lhor para Ben.

No final, ao que tudo indicava, o príncipe herdeiro Jaspar  al-Husayn ganharia a custódia de Ben e não haveria nada que ela pudesse fazer a respeito. Entretanto, se continuasse, por um breve período, deixando-o acreditar que era poderia ao menos saber quais eram os planos do ho­mem para Ben e persuadi-lo a tornar a separação entre ela e o menino o menos dolorosa possível. Então, teria que re­velar que era apenas a babá do garotinho e, com certeza, o príncipe ficaria furioso com ela.

Tentando não pensar na dor que a simples idéia de se separar do menino que amava tanto lhe causava, concentra­ra-se no encontro seguinte com o príncipe. Lembrando-se de como ele ficara desconfiado de sua aparência quando a vira, concluíra que deveria fazer o máximo de esforço possível para dar veracidade ao papel que agora se via obrigada a desempenhar por mais algum tempo.

Daquele modo, na tarde seguinte, foi ao salão de beleza arrumar os cabelo. Logo depois, ficou atônita com a bela cabeleira castanha e ondulada que parecia ter desenvolvido.

Sempre usara os cabelos presos por ser mais prático em seu trabalho. E não era vaidosa.

Odiava seu corpo e fazia de tudo para cobri-lo. Um mero olhar a seus seios fartos e aos quadris largos quando estava se trocando era o bastante para deixá-la deprimida pelo res­to do dia. Não importando quanto se exercitasse, as curvas permaneciam. Seu conseqüente retraimento obviamente não a ajudara muito nos relacionamentos. Umas duas ou três tentativas dolorosas e fracassadas de namoros com rapazes anos antes haviam confirmado sua convicção de que nascera uma solteirona, como Ruth certa vez lhe confessara ser.

Naquela noite, depois que colocou Ben para dormir em seu berço, ela tomou um banho e enrolou-se numa toalha. Começou a se maquiar, aplicando sombra e rímel. Raramen­te usava cosméticos, mas conhecia cada truque, lições apren­didas observando Érica desde a adolescência.

A campainha tocou enquanto aplicava o batom. Abriu um sorriso por que encomendara uma pizza. Qual era o mal em fazê-lo uma vez por semana?, perguntou-se, enquanto se adian­tava até a porta. Não importava que estivesse apenas usan­do uma toalha porque o serviço de entrega empregava uma mulher para atender os pedidos da área.

Mas quando Freddy abriu a porta, teve uma surpresa. Jas­par al-Husayn entrou no vestíbulo sem esperar ser convidado. - Pensei que você fosse a entregadora de pizza - bal­buciou ela, perplexa com o fato de ele ter chegado tão cedo e, então, tomada pelo impacto em tornar a vê-lo em pessoa. Deparou com olhos intensos da cor do mel e sentiu-se atordoada, o coração disparando. Parado ali, num terno cin­za-escuro feito sob medida, os cabelos pretos penteados para trás, o rosto bronzeado e másculo com uma expressão enig­mática, o homem era simplesmente de tirar o fôlego. Parecia haver uma corrente eletrizante no ar, uma tensão quase palpável, mas, ao mesmo tempo, ela se dava conta de um inesperado calor percorrendo seu corpo, uma estranha lan­guidez invadindo-a, deixando-a ciente da embaraçosa proe­minência de seus mamilos de encontro à toalha.

- Pizza... - repetiu Jaspar num murmúrio rouco, para­lisado no lugar, enquanto observava a mulher.

Onde estivera sua atenção na visita anterior?, perguntou-­se, incrédulo. Os olhos dela eram da cor do mar, aquela fas­cinante mistura de azul, jade e turquesa, que mudava de acordo com a luz. E possuía o tipo de cabelo que sereias tinham nas fábulas: longos cabelos castanho-claros que lhe cascateavam até os ombros em esplêndida abundância. E a curva exuberante dos seios acima da toalha certamente o deixou com a boca seca. Pareciam arredondados, perfeitos e acetinados se a generosa curva e os contornos sob a toalha serviam de indicação. Enquanto sentia o fogo do desejo per­correndo-o instantaneamente em resposta, fez um esforço consciente para se controlar, sabendo que subestimara sua oponente, um raro erro de sua parte. O que mais gostaria de poder fazer era arrancar-lhe a toalha, encostá-la de en­contro à parede e possuí-Ia, entregando-se ao tipo de sexo urgente e primitivo com o qual fantasiara desde a adolescência. E talvez o fizesse, uma vez que tivesse conseguido o que queria.

P-Pizza - repetiu Freddy, atordoada pelo silêncio car­regado de tensão, o calor que a percorria e o assustador vazio em sua mente.

- Está planejando tirar a toalha? - perguntou Jaspar num tom sugestivo. - Ou apenas gosta de provocar?

O rubor espalhou-se pelas faces de Freddy enquanto pa­rou de fitar aqueles olhos quase hipnóticos e baixou os seus até o próprio corpo, dando-se conta, mortificada, de que usava apenas uma toalha. Contendo um gemido de cons­trangimento, fez um movimento súbito, pretendendo voltar ao quarto para se vestir.

Não soube ao certo como aconteceu, mas quando esbarrou acidentalmente no príncipe, ele segurou-a junto a si, uma mão apoiada em seus cabelos, a outra sobre seu quadril.

- Boa estratégia - disse-lhe rouco, os dentes alvos re­luzindo em contraste ao bronze da pele enquanto lhe abria um sorriso zombeteiro. - O seu bem-vindo convite foi pron­tamente acei...

- Você entendeu tudo errado! - protestou Freddy, a com­postura desmoronando.

- Eu acho que não. Detesto soar como um cretino, mas as mulheres têm se atirado para cima de mim desde a minha adolescência.

E antes que Freddy sequer pudesse assimilar a arrogante declaração, aqueles lábios sensuais apossaram-se dos seus. Uma onda de excitação percorreu-a e nada importou, nada desde que aquele maravilhoso contato continuasse. Era co­mo se mergulhasse num mundo novo de sensações, estre­mecendo de prazer enquanto a língua cálida invadia a ma­ciez de sua boca numa inebriante exploração.

Ouviu a campainha tocando apenas quando ele ficou tenso e interrompeu o beijo, soltando-a.

- Oh... céus... - murmurou Freddy, piscando depressa e, então, correu na direção de seu quarto feito um gato escaldado. Trancando a porta, encostou-se nela, tremendo incontrolavelmente. Como voltaria para conversar com o homem e fingir que nada acontecera?

Ele achava que ela o recebera propositadamente de toa­lha. Um ato digno de uma verdadeira oferecida. O pensa­mento aumentou-lhe ainda mais o constrangimento. Mas, acima de tudo, havia a desconcertante percepção de si mes­ma como mulher. Realmente, não sabia que um homem po­deria fazê-la sentir-se daquela maneira. Como um beijo vo­luptuoso pudera fazê-la esquecer de tudo? Também parecia cruel que tivesse feito aquela descoberta com Jaspar al-Hu­sayn. De que adiantava descobrir que um príncipe herdeiro tinha uma chance de persuadi-Ia a abrir mão de sua casti­dade? Um odioso príncipe herdeiro, pensou, os olhos ardendo com súbitas lágrimas.

Ele fora até ali para falar sobre Ben, lembrou a si mesma, obrigando-se a se mover. Colocando uma camiseta larga e uma saia que lhe chegava quase aos tornozelos, respirou fundo e adiantou-se pelo corredor em direção à sala de estar. Teve a esperança de não encontrá-lo mais à sua espera. Mas o homem não tinha tato, nem diplomacia e possuía a inaba­lável autoconfiança que teria assegurado ao Titanic afundar o iceberg, não o oposto.

- A sua pizza... - Indicando a caixa sobre a mesa de centro, ele abriu-lhe um sorriso provocante que a deixou de coração acelerado.

- Ouça bem, eu não tenho atração por você! - ouviu-se Freddy declarando com chocante ousadia antes de poder pen­sar melhor a respeito. - Então, pode parar de parecer tão satisfeito consigo mesmo porque o que aconteceu ali naquele vestíbulo foi apenas uma daquelas coisas tolas e não há o menor perigo de que eu me sinta tentada a me atirar para cima de você!

Ele absteve-se de comentário, limitando-se a lhe lançar um olhar de superioridade no silêncio que se prolongou. Fred­dy sentiu o rosto. queimando. Em vez de ter ignorado o que acontecera, trouxera tudo à tona outra vez e o atacara feito uma adolescente ansiosa para se defender.

- Vamos falar sobre o meu sobrinho - disse ele, enfim, em seu agradável sotaque. - Sinta-se à vontade para des­frutarsua pizza.

- Obrigada, mas perdi o apetite de repente. - Freddy  respiroufundo, tentando recobrar a compostura e afundou num sofáde couro.

- Pelo que entendi, você contratou uma babá para o meu sobrinho - comentou Jaspar sem aviso, acomodando-se no sofá oposto. - Onde ela está?

Perguntando-se como o príncipe podia saber tanto sobre a vida de sua prima e desconhecer o triste fato de que ela morrera, Freddy concentrou-se no importante assunto em questão, para não cometer nenhum deslize, e obrigou-se a encará-lo.

- A babá está tendo que lidar com uma emergência de familia no momento. Ouça... você disse que queria se encarregar de Ben. Eu quero saber por quê.

- Trata-se do meu sobrinho.

- Mas seu irmão queria que a existência de Ben fosse mantida em segredo. Não pareceu querer ter mais nenhum envolvimento com ele também.

- Não comentarei sobre as decisões do meu falecido ir­mão. Seria impróprio.

- Mas acho que é bastante razoável da minha parte per­guntar por que você tem essa súbita vontade de dar um novo lar a Ben.

- Tenho em meu poder um relatório sobre uma recente investigação feita sobre a sua vida.

Ressentido-se daquele ar de superioridade e da notícia de que um detetive particular andara vasculhando a vida de Erica, Freddy fuzilou-o com o olhar.

- O relatório deixou claro que você é uma mãe negligente. Tem deixado continuamente o meu sobrinho aos cuidados de uma empregada, às vezes por períodos de seis semanas ininterruptas. Quando está em casa, você oferece festas ba­rulhentas a seus amigos bêbados. A polícia foi chamada em mais de uma ocasião por causa de arruaça neste endereço.

Freddy corou com súbita vergonha porque era tudo ver­dade e desviou os olhos por um momento, não podendo mais lhe sustentar o olhar desafiador. Lembrava-se nitidamente da ocasião em que ficara acordada em crescente apreensão trancada num quarto com Ben, enquanto Érica dera a primeira festa regada a bebida depois do nascimento do filho. Depois daquela vez, sempre que a prima dera uma festa Freddy levara o menino para a casa de Ruth, onde ambos tinham conseguido dormir em paz.

- Eu... - Engoliu em seco, perguntando-se o quê, afina podia dizer em defesa da prima. - Posso ver que isso parece ruim...

- Parece deplorável - retrucou Jaspar com cortante desprezo. - É óbvio que você não nasceu para ser mãe e não tem a menor preocupação com o bem-estar de seu filho. O filho de Adil é um al-Husayn. A honra exige que agora nós reconheçamos nossa responsabilidade para com o menino.

- E quem esse "nós" abrange? - perguntou Freddy por­que sabia que o príncipe era solteiro depois de sua pesquisa naquele site da Internet. Na verdade, houvera ênfase sobre o fato de o atual herdeiro ao trono de Quamar ainda não ter se casado.

- Minha família - anunciou Jaspar com orgulho.

- Mas você é solteiro e uma criança precisa de uma figura materna - apontou Freddy com alguma satisfação.

Ele enrijeceu o maxilar.

- Tenho muitos parentes no amplo círculo da família. Espero que algum deles ofereça ao meu sobrinho um lar feliz.

- Mas não você - retrucou Freddy, furiosa com a idéia de que Ben fosse simplesmente entregue à primeira família disposta a aceitá-lo.

- Como sou solteiro, pareceria bastante suspeito se eu aparecesse repentinamente com uma criança do nada e anun­ciasse que pretendo criá-la. Não estou em posição de sequer considerar essa possibilidade. - Jaspar lançou-lhe um olhar de impaciência, os lábios apertados. - Se eu tivesse uma esposa que estivesse disposta a fazer tal encenação, pode­ríamos tê-lo feito passar por um parente órfão dela. Mas, no momento, não existe essa opção.

Então, embora ele fosse tio de Ben, não estaria pessoalmente envolvido no futuro do sobrinho. Aquela situação estava longe de ser o que uma desconcertada Freddy imaginara.

- Você deve entender que nossa sociedade não é liberal e que discrição é uma necessidade. O verdadeiro parentesco do meusobrinho deve ser escondido para seu próprio bem. A ilegitimidade ainda é um estigma em Quamar. Naturalmente, também desejamos evitar um escândalo que causaria constrangimento à família de Adil.

Estudando-lhe o ar grave e tenso, ela comentou:

-Você se ressente do fato de eu fazer perguntas... mas eu amo muito Ben e tudo o que quero é o melhor para ele.

- Pelo que sei a seu respeito, acho essa alegação difícil de acreditar. Você valorizou seu filho não por ele próprio, mas apenas pelo que representava em termos financeiros. Desagrada-me ao extremo esta conversa com você e, portan­to, deixe-me assegurar logo que sua atual renda continuará da mesma maneira que está se entregar seu filho aos meus cuidados.

- O que quer que pense de mim, dinheiro não entra nisto. Ben precisa ser amado. Você fala sobre honra e responsabi­lidade, mas estou falando sobre amor e apoio...

- Você não tem direito de me questionar nesse sentido. O que quer que ofereçamos será imensamente superior ao nível de cuidados que Ben recebe atualmente.

- Mas levaria tempo para que ele se adaptasse a um inovo lar e outras pessoas.

- Nãotenho tempo a perder. Meu pai está doente e an­sioso para conhecer o neto. Eu gostaria de voltar para Qua­mar com o meu sobrinho amanhã.

-Amanhã. - Freddy estava chocada. - Ben nem sequer o conheceu e você não sabe nada sobre ele. Não é uma mer­cadoria que você pode simplesmente colocar num avião!

- Meu pai já providenciou para que uma equipe de pro­fissionais altamente especializados em crianças esteja à dis­posição dele.

Freddy sacudiu a cabeça e observou-o com uma expressão abalada.

- Você não entende realmente nada sobre crianças pe­quenas, não é?

- Ele ainda é apenas um bebê e logo se adaptará a uma nova vida com pessoas afetuosas.

- Ben ficaria traumatizado se fosse tirado de mim de repente - disse ela com desespero. - Uma transição dessas precisaria ser feita com calma. Não da noite para o dia...

- Se a separação tem de ser feita, deve ser rápida e sem transtornos. Não posso acreditar que haja apego entre vocês, levando em conta as suas atitudes. Afinal, você tem passado a maior parte do tempo desde que o menino nasceu em praias tropicais e festas sem ele!

Freddy pensava freneticamente e chegou ao que pareceu uma solução no calor do momento.

- Eu estaria disposta a ir a Quamar com Ben e dormir num quarto de hóspedes, ou algo assim, até que ele conse­guisse ficar sem mim por períodos mais longos...

- Está dizendo tolices. Essa é a mesma criança que teve que ficar sem você durante semanas a fio, e não tenho a menor hesitação em lhe dizer que você nunca será bem-vin­da em Quamar.

O homem era obstinado demais, pensou Freddy em cres­cente ansiedade e, pela primeira vez, ocorreu-lhe que come­tera um grave erro em deixa-lo continuar acreditando que era Érica. Ele estava a par demais da inadequação de sua falecida prima como mãe.

Mas se lhe contasse agora que era apenas a babá, Jaspar ficaria furioso. E o pior, dando-se conta de que ela não tinha o poder de impedi-lo de levar Ben, seria bem capaz de ir até o berço do menino e levá-lo sem mais discussão.

- Amanhã de manhã, enviarei a babá da equipe até aqui para buscar meu sobrinho, para que possa passar o dia com ele e conhecê-lo: Isso a deixa satisfeita? - perguntou Jaspar secamente.

Freddy viu que travava uma batalha perdida. Quanto es­tava pensando realmente no que era melhor para Ben?, per­guntou-se de repente. E quanto de seu julgamento estava sendo influenciado por seus próprios desejos? Afinal, não queria abrir mão do menino, e aquilo não era egoísmo de sua parte?

- Ben terá pais apropriados em Quamar? - sussurrou, trêmula.

- É claro. Há mais de um casal sem filhos na família. Freddy baixou a cabeça, envergonhada. Houvera algum fundamento para sua suspeita em relação aos motivos dele para querer mudar os acertos providenciados pelo falecido irmão para Ben? Não teria sido bem mais fácil para toda a família al-Husayn deixar aqueles discretos acertos como es­tavam? Até o relatório de investigação mencionado sugerira que a maior preocupação dos al-Husayn era o bem-estar do menino.

- Se for adequado - disse, tensa, levantando-se. - Eu gostaria de falar com você outra vez amanhã à noite.

No vestíbulo, Jaspar estudou-a atentamente. Talvez ela achasse que devia encarnar o papel de mãe preocupada de repente, refletiu ele. Talvez não conseguisse evitar. Talvez, como em geral era o caso, não conseguisse se ver como a mãe negligente que, de fato, era. Mas ele vencera e sabia daquilo. A srta. Sutton abriria mão dos direitos sobre o filho na vez seguinte em que fosse vê-Ia. Retirando-se do aparta­mento, ficou surpreso em sentir uma ponta de compaixão enquanto lançava um último olhar ao rosto angustiado dela.

 

Após uma noite de insônia, Freddy levantou-­se cedo na manhã seguinte. Cada minuto restante que tinha para passar com Ben agora era inestimável. A dor em seu peito por saber que iria perdê-lo parecia quase física.

Na noite anterior, deixara-se afetar tanto por causa de um beijo tolo porque, provavelmente, fora mais fácil se con­centrar naquilo do que enfrentar a iminente perda da crian­ça que adorava. Mas Ben não era seu, jamais seria, e, de algum modo, ela teria de aprender a aceitar e a conviver com o fato. Era inteiramente culpada pela dor que sentia agora. Durante seu treinamento, fora avisada a não cometer o erro de esquecer que a criança a seus cuidados tinha uma mãe e que ela era apenas uma funcionária temporária que, inevitavelmente, prestaria seus serviços a uma outra família depois de certo tempo. Mas não fora capaz de obedecer aque­la regra. Ben buscara seu amor, e ela o dera, dizendo a si mesma que, na incapacidade de Érica de assumir o filho, alguém teria de compensar o menino e dar-lhe o necessário para fazê-lo feliz.

Fora Freddy quem estivera sentada ao lado da incubadora de Ben hora após hora durante as primeiras semanas preo­cupantes de sua vida, fora ela que, finalmente, dera-lhe o nome em homenagem ao avó paterno de ambas, quando Éri­ca dissera que não lhe importava nem um pouco como seu filho se chamasse.

Com os olhos marejados, Freddy forçou um sorriso para o bem do menino, enquanto lhe dava o mingau que ele apre­ciava no desjejum, e descobriu-se evocando lembranças mais antigas de Érica.

Quando seu pai viúvo levara a prima órfã dela para a casa de ambos, Freddy fora uma garota solitária de oito anos. Adorara a companhia da prima, apesar de ela ter sempre se mantido no centro das atenções, ambas haviam convivido muito bem.

Sete anos mais tarde, houvera um grande escândalo quan­do Érica fugira com o marido de uma vizinha. O pai de Fred­dy ficara furioso com o constrangimento causado pela situa­ção. Apenas semanas depois, o marido arrependido voltara para casa, e Érica tentara a mesma façanha, mas o tio fe­chara-lhe a porta na cara. Freddy ficara de coração partido, tendo visto o choque e a incredulidade no rosto de Érica. Ela nunca pensara nas conseqüências e no impacto de seus atos na vida de outras pessoas.

No ano seguinte, ela, então com dezenove anos, fora visi­tá-los novamente. Parecendo glamourosa e arrependida, logo ganhara o perdão do tio e contara-lhe histórias sobre sua vida empolgante como modelo em Londres. Histórias men­tirosas, compreendera Freddy mais tarde, pois a verdade de que a prima dependera de seus amantes para sustentá-la certamente não teria sido bem-aceita.

Aos dezenove anos, Freddy fora para a faculdade para fazer o curso de babá e, por algum tempo depois disso, o contato com a prima tinha se limitado a um ou outro telefona ocasional. Contudo, quando o pai de Freddy morrera, Érica comparecera ao funeral, abatida e grávida e não parecendo nada bem. As primas tinham tido um reencontro emociona­do, e Érica pedira a Freddy que fosse morar com ela em Londres e ajudá-la a enfrentar o restante de sua gravidez.

Freddy não pensara duas vezes. Na época, acabara de encerrar seu primeiro emprego como babá e, levando em conta a morte do pai, estivera pronta para uma mudança. Érica estivera realmente doente, sofrendo de náuseas con­tínuas e da constante ameaça de um aborto espontâneo. A prima passara as últimas semanas da gravidez deitada nu­ma cama de hospital, sua única visitante, Freddy. Daquele modo, até certo ponto, ela entendera a recusa de E rica de criar laços com o bebê na incubadora. De muitas maneiras, sua prima nunca amadurecera realmente. Sua única preocupação depois do parto fora recuperar a forma e se recompensar por todos aqueles meses de indisposição e tédio. Em sua cabeça, Ben já havia lhe tirado uma boa fatia de sua vida.

E por mais que Freddy tivesse argumentado que o bebê precisava do amor de Érica, a prima persistira que queria que ela tomasse seu papel, não apenas sendo a babá, mas uma mãe substituta para o menino.

Freddy foi despertada de seus pensamentos pelo som da campainha. Mal eram nove horas e a babá já chegara para pegar Ben. Uma jovem reservada que falava seu idioma com fluência e se apresentou como Alula, ela logo concentrou sua atenção em Ben.

Freddy ficou por perto e respondeu perguntas sobre as preferências alimentares e hábitos do menino que foram fei­tas com profissionalismo. Censurou a si mesma por se sentir inquieta com o fato de a jovem não ter se mostrado nem um pouco amistosa em relação a ela.

- Aonde irá levá-lo? - indagou, enfim, tentando soar casual.

- Ainda não recebi instruções.

Depois que conquistou a confiança do menino, Alula, que ao menos se mostrou ótima com crianças, disse-lhe que o levaria para passear. Levou-o, então, acompanhada por dois guarda-costas que Freddy só notou depois, no corredor. De­pois que a abraçou e beijou, Ben entrou no elevador de mãos dadas com Alula e, olhando por sobre o ombro, abriu-lhe um sorriso, obviamente orgulhoso de sua própria independência.

Freddy, então, voltou ao interior do apartamento, a visão anuviada pelas lágrimas. Devia ter orgulho de si mesma, pensou, tentando conter a dor no peito. Ensinara o menino a ser confiante, levando-o a parques desde os primeiros me­ses e encorajando-o a conviver com outras crianças como também com as babás que sempre haviam estado lá. Estaria bem.

Aquele foi o dia mais longo da vida dela. Tentou se con­centrar em como contaria a Jaspar al-Husayn que se passara por Érica, como planejava fazer naquela noite.

Quando a campainha soou apenas depois da cinco da tar­de, ela correu para abrir a porta em sua ansiedade. Para sua surpresa, deparou com Jaspar acompanhado apenas por seus guarda-costas um pouco atrás.

- Ben está à espera no seu carro? - perguntou ela. - Deve estar bastante cansado a esta altura.

- Érica...

- Freddy - corrigiu-o ela sem nem sequer ter pensado a respeito, pois estava ocupada demais notando o ar grave e tenso no rosto do príncipe.

Enquanto entrava no apartamento seguido de seus segu­ranças, Jaspar observou-a espiando para o corredor outra vez, evidentemente à procura do garotinho, que já se encon­trava a muitos milhares de quilômetros dali. Pôde notar a ansiedade dela e foi tomado por uma vergonha que era to­talmente inédita e indesejável a um homem que se orgulha­va de seus princípios. Estava consternado com a tarefa à sua frente: como apresentar um ato imperdoável de modo que parecesse algo razoavelmente aceitável. Por que se não conseguisse aplacar a mulher, o maior escândalo que já atin­gira Quamar estaria prestes a ser deflagrado e seria impos­sível proteger seu povo ou sua família de uma torrente in­ternacional de condenação. Ela não dera permissão legal pa­ra levarem seu filho.

Naquele instante, Jaspar não acreditou que tornaria a respeitar seu pai algum dia. Ter dado uma ordem daquelas sem pensar nas conseqüências! Fazer uma exigência como o rei feudal que era num mundo dominado pela mídia que o rotularia como um tirano bárbaro e julgaria Quamar como um país atrasado, primitivo. Os jornais inevitavelmente ex­poriam a sórdida vida dupla de Adil e cobririam cada cidadão quamariano com profunda vergonha e desonra. O país que Jaspar amava de todo coração sofreria.

Érica ou Freddy Sutton, ou qualquer nome estranho que ela decidisse chamar a si mesma, podia ser uma péssima mãe, mas tinha sentimentos por seu filho. Inicialmente, ele, não quisera admitir aquilo, mas, em posterior avaliação, con­cluíra que cada pergunta dela em relação ao futuro do me­nino fora baseada em genuína preocupação pelo bem-estar dele. Um acordo legal e apropriado já estivera sendo provi­denciado. Ele não vira a derrota nos olhos dela e a interpre­tara como sua triste aceitação de que não era a mãe que o filho merecia? Mas agora o jogo do poder mudara, e ele es­tava bastante consciente daquela realidade.

Deixando o vestíbulo que parecia cheio demais de homens intimidantes, Freddy conduziu Jaspar al-Husayn até a sala de estar, a tensão que pairava no ar causando-lhe um es­tranho pressentimento.

Quando ambos chegaram à sala, virou-se para fitá-lo, aper­tando as mãos a sua frente em crescente nervosismo, prestes a lhe perguntar sobre Ben.

- Eu vim até aqui para pedir seu perdão - disse ele num tom pesaroso.

Freddy franziu o cenho. Aquele tom de humildade era tão inesperado no homem que só pôde encará-lo em aturdimento. - Por favor, sente-se para que eu possa lhe explicar o que aconteceu.

Ben sofrera algum tipo de acidente, pensou Freddy, hor­rorizada, as pernas fraquejando, e afundou na poltrona mais próxima.

- Ele não está morto... - murmurou, pálida.

- Não. Ele está em perfeita saúde - assegurou-lhe Jas­par depressa. - Você não precisa ter a menor preocupação quanto ao seu bem-estar físico.

- Então... por que está pedindo meu perdão? Ele pareceu constrangido.

- Esta manhã, por volta das dez horas, a babá, Alula, levou Ben até mim no consulado, onde estou hospedado, para nos conhecermos. Foi excelente. É uma criança bastante amistosa. Saí, então, para uma reunião de negócios e, quando voltei no final desta tarde, recebi um telefonema do meu pai...

Freddy inclinou-se para a frente. - O seu... pai? O rei Zafi?

- Zafir... - corrigiu-a Jaspar, a expressão grave. - Tão logo saí para minha reunião, Alula e os indivíduos em sua companhia levaram Ben ao aeroporto. Utilizando um pas­saporte quamariano falsificado, conseguiram levar o seu fi­lho até o jato particular à espera deles. Ben está agora a uma hora de pousar em Quamar. Foi tirado de seu país. E isso me enche de vergonha...

Freddy mal conseguia crer no que estava ouvindo, a ca­beça girando, o choque roubando-lhe a fala. Aquilo não podia estar acontecendo! Ben fora seqüestrado por aquela babá antipática! E por que o príncipe estava falando em vergo­nha? Ele devia estar envolvido naquilo até seu real pescoço!

Uma camada de transpiração cobrindo-lhe a fronte e ca­lafrios percorrendo-a só em pensar que talvez não tornasse a ver Ben, ela passou os braços em torno de si com força. Durante todas aquelas horas, enquanto estivera esperando confiantemente que ele fosse levado de volta em casa, o me­nino já estava a bordo de um avião, indo para mais e mais longe.

Que tipo de selvagens eram aquelas pessoas? Jaspar al­Husayn fora até ali exigindo sua confiança, e ela finalmente a dera, acreditando que de nada teria adiantado sequer ten­tar pedir a custódia do filho de Érica.

- Você não pode fazer isso... não pode levá-lo desse jeito - disse numa voz distante, os olhos vidrados no rosto pálido evidenciado seu choque. - Ele nem sequer levou o pijama. Essas coisas precisam ser planejadas.

Jaspar adiantou-se até o sofisticado bar a um canto, onde serviu-se de conhaque. Preocupado, dirigiu-se ao guarda-cos­tas, parado do lado de fora da porta, num árabe quase sus­surrado e instruiu-o a telefonar para o médico do consulado.

- Tome um pouco disto - disse, colocando o copo de conhaque nas mãos dela. - Vai ajudá-la a se recobrar. Freddy sorveu a bebida feito um autômato, tossindo quando lhe queimou a garganta. Mas logo percebeu que o calor que se espalhou por suas veias ajudou a dissipar o frio que a fazia tremer incontrolavelmente e sorveu mais um pouco.

- Nós a compensaremos - disse Jaspar num tom tenso quando percebeu que ela começava a sair do estado de cho­que. - Qualquer coisa que quiser.

- Quero Ben. Você é um príncipe herdeiro. Chame aquele avião de volta.

- Embora eu tivesse dado muito para fazer isso, não posso contrariar as ordens do meu pai. Ele é o chefe das Forças Armadas.

- Forças Armadas?

- A equipe naquele avião não é civil e completará a sua  missão. Não tenho o poder de intervir, mas eu tentei.

Ela deixou o copo cair quando se levantou abruptamente e atravessou a sala em direção ao telefone.

- O que está fazendo?

E foi quando aconteceu, o choque dando lugar a uma rea­ção violenta. Enquanto Jaspar se colocou entre ela e o tele­fone, Freddy entregou-se a uma explosão de raiva e angústia.

- Saia da minha frente! - disse por entre dentes, em­purrando-o. - Vou ligar para a polícia. Você cometeu um crime. Ninguém tem o direito de seqüestrar cidadãos britâ­nicos e não preciso de um advogado para me dizer isso! Vou criar o maior escândalo possível em cima desse crime sórdido que o seu maldito país de bárbaros já ouviu falar! Pelo que sei, você pode estar planejando matar Ben!

De repente, os guarda-costas do príncipe o cercaram como se estivesse sendo ameaçado por um terrorista.

- Você é um grande covarde - disse-lhe Freddy, desgos­tosa. - Eu gostaria de lhe dar um bom murro no nariz! Emitindo uma ordem furiosa em seu próprio idioma, Jas­par desvencilhou-se da parede humana. Seus homens reti­raram-se depressa, fechando a porta da sala quando saíram. -Não sou um covarde, mas até que você esteja em con­dições de me ouvir, não a deixarei dar um telefonema. Não me agrada negar-lhe o que é um direito seu, mas, no mo­mento, esta delicada situação tem de ser contida.

Ignorando-o, Freddy tentou avançar até o telefone, mas ele segurou-a, virando-a para si.

- Você tem que se acalmar...

- Me acalmar! - retrucou ela, quase histérica, debaten­do-se numa tentativa inútil de se desvencilhar. - Não pode fazer isso comigo... Não pode me impedir de chamar a polícia e mandar que prendam você como seqüestrador!

Ele encarou-a com um olhar duro.

- As linhas telefônicas foram desconectadas.

Freddy encarou-o em puro horror. Não podia usar o tele­fone? Havia quatro homens imensos no apartamento? Era uma prisioneira! Pálida, cambaleou quando ele a soltou e a ajudou a sentar no sofá.

- Não lhe farei nenhum mal, e Ben está a salvo também - disse Jaspar com gentileza, agachando-se diante dela num esforço para não parecer ameaçador, mas estava aba­lado pelos eventos dos minutos anteriores e pela intensidade do instinto protetor dela em relação ao menino. - Eu juro que não estou envolvido de maneira alguma nesse vergo­nhoso incidente. Peço-lhe que pense antes de agir e me deixe descrever as conseqüências se as autoridades forem infor­madas. Conseqüências que não apenas serão prejudiciais a Ben, mas a muitas outras pessoas inocentes.

 

- Aquele telefonema que recebi do meu pai foi breve - informou Jas­par com uma expressão tensa, sentado no sofá oposto ao de Freddy. - Precisou de cuidados médicos durante a ligação. Pensando que uma saúde debilitada podia ser uma des­culpa bastante conveniente, ela absteve-se de comentário. Ainda lutava para recobrar o controle, depois de ter chegado à beira da histeria. Ben estava fora de seu alcance e não podia se permitir pensar naquilo, ou acabaria se desespe­rando. Percebia que as circunstâncias haviam mudado. Jas­par al-Husayn temia o que ela poderia fazer. Ele abandonara sua reserva formal de membro da realeza porque não tinha escolha. A notícia dos telefones desconectados tinha acabado fortalecendo-a como nada mais teria conseguido. Jaspar es­tava desesperado para apressar o assunto todo e, valendo-se do desespero dele, ela encontraria um meio de reaver Ben. A confiança fora quebrada. Freddy não estava mais pre­parada para acreditar que o menino poderia ter um lar se­guro e afetuoso em Quamar. Pessoas decentes e civilizadas não raptavam crianças inocentes, utilizando força, poder e riqueza para se apossarem do que queriam, a despeito do sofrimento causado. Ela cerrou os punhos. E pensar que se envergonhara de sua própria encenação! Quando aquele pe­cado nascido do medo era comparado ao deles, toda a ver­gonha se evaporava, dando lugar à certeza de que faria tudo o que fosse preciso para recuperar Ben.

- Freddy... por favor, ouça. - Ela encontrou os surpreendentes olhos castanho-claros que a fitavam atentamente. - Depois do que meu pai fez, não espero que sinta compaixão por ele, mas a morte de Adil o abalou demais. Desde o mi­nuto em que soube sobre a existência do seu filho, todos os seus pensamentos se concentraram nele. Anseia por conhe­cer o neto. Teme morrer antes que isso aconteça.

Jaspar pareceu tão preocupado, soou tão incrivelmente sincero que Freddy quis esganá-lo. Sentado ali, tão diplomá­tico e apaziguador, a voz persuasiva e com a dose certa de simpatia. Mas como ela podia saber se ele realmente estava dizendo a verdade? Como saberia se o que acontecera não fora o planejado desde o início?

- Receio que minha admissão de ontem, ao telefone, de que iria levar mais tempo do que meu pai esperava para eu obter a custódia de Ben, deva tê-lo levado a ordenar a reti­rada do menino da Inglaterra sem a sua permissão - ad­mitiu ele, pesaroso.

- Falar comigo não lhe adiantará de nada. Quero Ben de volta e, se não fizer isso, você estará em sérios apuros. Aposto que você tem imunidade diplomática, mas não está acima das leis britânicas e...

- Se esse assunto se tornar de conhecimento público, a família de Adil sofrerá muito. A imprensa vasculhará a vida particular do meu irmão e criará um escândalo que man­chará cada al-Husayn por muitos anos.

- Não me importo com nada disso. Apenas com Ben. - Acredito que você estava disposta a nos dar a custódia dele, de qualquer modo. O que aconteceu é bastante errado, mas Ben está em Quamar agora e meu pai não o entregará de volta.

- Então, leve-me até lá para eu estar com ele!

- Meu pai providenciaria para que você fosse deportada. Consideraria você uma má influência sobre a criança. Aque­le relatório de investigação sobre seu estilo de vida e a ma­neira como tratava Ben deixaram-no chocado.

- Para que continua sentado aqui, então? Você não tem nenhum poder. Está me dizendo que não pode fazer nada e, portanto, é melhor que se vá - declarou Freddy numa voz que começava a tremer com a intensidade de suas emoções outra vez. - Você tem duas opções. Traga Ben de volta, ou me leve até ele.

- Com o tempo, conseguirei convencer meu pai a permitir a você algum contato com seu filho, mas não posso obter uma mudança tão drástica da noite para o dia.

- Não acredito em nada do que diz. Quero Ben. Vou até a polícia e, se as autoridades não me derem ouvidos porque você é rico, poderoso e da realeza, irei até os jornais e é melhor você ficar ciente de que a imprensa me ouvirá!

- Acha que seu filho algum dia lhe agradecerá por você revelar que foi para a cama com o pai dele apenas para enriquecer? Está preparada para contar ao mundo que teve um filho apenas visando lucros e que o negligenciou?

Freddy fitou-o em puro horror. Fechou os olhos com força. Estava se esforçando tanto para não lidar com a dor lanci­nante que aquela separação abrupta de Ben lhe causava... Em meio a tantos acontecimentos incomuns num intervalo tão curto de tempo, a confiança dele devia ter sido abalada àquela altura. Devia estar se sentindo confuso em meio a tantos estranhos e perguntando por ela. Não demoraria a ficar amedrontado é a começar a chorar.

Lágrimas silenciosas rolaram pelas faces de Freddy e, por um momento, Jaspar fechou os próprios olhos. Em seguida, vendo-a afundar o rosto nas mãos no que pareceu um acesso de desespero, teve de se aproximar.

- Juro pela minha honra que algo será feito, não impor­tando o que for necessário - prometeu, sentando-se ao lado dela no sofá e afagando-lhe os cabelos com hesitação.

- Fique longe de mim... seu patife! - soluçou Freddy, entregando-se ao pranto convulsivo que não conseguia mais conter.

- Freddy...

- S-Seu pai doente acaba de raptar um menino de apenas dois anos por um capricho, e o q-que acontecerá quando ele perder o interesse por Ben, ou morrer? Quem vai querer Ben depois que houver um terrível escândalo e toda a sua rancorosa família tiver sofrido por causa dele?

Jaspar confrontou-se com um ângulo que ainda não con­siderara antes porque todos os seus esforços estavam concentrados em persuadí-Ia a ficar em silêncio. Praguejou por entre os dentes e, àquela altura, o médico do consulado en­trou discretamente e fez-lhe uma respeitosa mesura.

Freddy não conseguia parar de chorar, ciente de que suas chances de reaver Ben eram quase inexistentes. Não impor­tando a dimensão do escândalo que criasse, era improvável que aquilo levasse o menino de volta para casa. Reis não se curvavam à opinião pública para além de suas fronteiras, não um velho déspota capaz de mandar seqüestrar o próprio neto.

E por que ela própria pensara que tinha algum poder? Suas ameaças não passavam de blefe, pois como poderia tê-las levado adiante se aquilo tivesse significado prejudicar Ben e as suas chances em Quamar?

E quanto à outra possibilidade, como poderia ir para Qua­mar e estar ao lado do menino sem ser ameaçada de depor­tação? Se ao menos fosse uma pessoa importante, alguém a quem não pudesse ser negada a entrada no precioso país deles!

E, de repente, num piscar de olhos, a solução lhe ocorreu. Sentiu a ligeira picada da injeção em seu braço, mas es­tava absorta demais em suas reflexões para prestar atenção. Era algo insano, mas Jaspar não lhe oferecera "qualquer coisa que quisesse" e não o tinha em suas mãos? E precisava proteger a si mesma também, não era? O preço de seu si­lêncio seria uma aliança de casamento. Ele podia se casar com ela... secretamente, cobri-Ia com um véu, ou algo assim, e levá-la ocultamente a Quamar. Com certeza, aquilo não estaria além do poder dele? Ela poderia cuidar de Ben e viver em alguma área rural e quase despovoada, até que o velho rei se cansasse do neto de dois anos, ou morresse. Então, Jaspar poderia providenciar o divórcio de ambos, e ela poderia levar Ben de volta para casa. Ninguém precisaria saber de nada.

- Você poderia se casar comigo... - disse ela, zonza, abrindo os olhos e dando-se conta de que estava deitada no sofá, olhando para Jaspar sem se lembrar de ter se movido. Muito próximo, ele arregalou os olhos.

- Secretamente... - acrescentou Freddy, sentindo-se estranhamente eufórica. - Esconda-me. Eu ficaria calada e cuidaria de Ben e, quando o momento fosse certo, você se divorciaria de mim.

Jaspar observou-a fechando os olhos e um ligeiro sorriso misterioso curvando-lhe os lábios cheios. Ele ergueu-a nos braços e carregou-a do apartamento, descendo pelo elevador até a limusine que estava à espera. Ela recebera um sedativo fraco e, ainda assim, sua mente estava a mil. O médico ficara aborrecido quando ele admitira que lhe dera conhaque, mas presumira que uma mulher que dava festas regadas a be­bida regularmente precisaria de uma dose generosa para se acalmar. Talvez ela estivesse tendo alucinações.

Casar-se com ela em segredo e escondê-la? A mulher tinha uma incrível imaginação. E ele não gostara daquele sorriso. Ela não podia exigir tamanho ato de insanidade e sacrifício pessoal. Cada parte de seu ser se rebelava diante da simples idéia de se casar com uma mulher daquele caráter e repu­tação. Uma cavadora de ouro irresponsável e promíscua. Ainda assim, apesar de todos aqueles homens, ela ainda ten­tara beijá-lo com os lábios selados, como uma garota inex­periente que não tivesse sabido de nada.

Freddy despertou devagar, olhando, desorientada em tor­no do grande quarto estranho onde se encontrava. Para sua perplexidade, usava apenas uma luxuosa camisola de cetim azul, com decote acentuado. Um ligeiro som sobressaltou-a e ficou ainda mais nervosa quando notou um vulto se er­guendo de uma poltrona num canto escuro.

- Sou apenas eu - informou-a a voz familiar de Jaspar al-Husayn.

- Onde estou?

Ele tocou um interruptor, e apenas uma lâmpada suave, embutida no teto acima da cabeceira da cama, acendeu-se. Uma leve luminosidade pairou no quarto, onde antes haviam se filtrado apenas os primeiros raios de luz do amanhecer por uma abertura nas cortinas.

- Você está no Consulado de Quamar em Londres, onde estou hospedado. Para estar próximo a uma linha telefônica segura, tive de voltar aqui ontem à noite e não podia deixar você sozinha no estado em que se achava.

- Mas dormi durante horas. Eu me lembro de alguém ter-me dado uma injeção...

- Foi um médico e lhe aplicou um sedativo leve. Por favor, não me acuse de ter seqüestrado você também. Não podia abandoná-la no estado em que se achava, nem eu po­dia permanecer no apartamento...

- Ben... - Freddy foi tomada de assalto pela lembrança dos eventos do dia anterior, a dor oprimindo-lhe o peito. - Você já soube de algo?

- O vôo pousou em segurança e Ben foi colocado direta­mente na cama quando chegou ao palácio real. Está bem. Prestes a argumentar contra a otimista declaração, Fred­dy ficou ciente da maneira como os olhos castanho-claros a observavam. Seu pulso se acelerou e deu-se conta não ape­nas da sensibilidade dos mamilos de encontro ao cetim da camisola, mas do fato de que não estava propriamente ves­tida. Com as faces queimando, puxou o lençol para cima, colocando-o debaixo dos braços.

- Quem me colocou na cama? - As criadas.

- E o que você está fazendo aqui dentro?

- Eu sabia que você ia ficar assustada quando acordasse num lugar estranho. Lembra-se do que me sugeriu ontem à noite? - perguntou Jaspar num tom suave, parado junto ao pé da cama.

Freddy empalideceu. Então, não fora um sonho maluco. Dissera mesmo a ele que se casasse com ela para permitir-­lhe entrar em Quamar e se reunir a Ben. Viu-o esperando que ficasse embaraçada com o ocorrido, mas ergueu o queixo, desafiadora.

- Perfeitamente.

- Mas só podia ter sido o conhaque falando. Exigir que eu me case com você? O que poderia ser mais absurdo? - Um rei tirano seqüestrando o próprio neto com o apoio de suas Forças Armadas? Seus militares agindo como um bando de terroristas em solo estrangeiro? O gosto duvidoso de seu irmão por sexo barato sobre as ondas do oceano? Bem, vamos encarar os fatos, mesmo sendo da realeza... no que diz respeito à sua família, você não tem nada do que se orgulhar. E certamente nenhum motivo para achar que é melhor do que eu!

O ultraje de Jaspar foi imediato diante do ataque a sua família. Empalidecendo, foi tomado por uma fúria intensa como nada que já tivesse experimentado antes. Em toda sua vida, nunca tivera que sofrer tal agressão e o infeliz fundo de verdade em tudo aquilo só o irou ainda mais. Apenas horas antes, tivera uma violenta discussão ao telefone com seu pai por causa dela, o pai o qual fora criado para respeitar como soberano e chefe da família, o pai cuja vontade fora ensinado a nunca questionar.

Mas ali estava ela sentada naquela cama, destemida e desafiando-o, uma sedutora calculista por trás de sua cati­vante beleza e demonstração anterior de vulnerabilidade. E ele prometeu a si mesmo naquele momento que, não impor­tando o que acontecesse ou o que lhe custasse, haveria re­tribuição pela tentativa dela de manchá-lo com a mesma lama que a cobria.

Freddy levou a mão à têmpora que latejava. Estava cho­cada com o que atirara nele, perplexa que palavras tão cruéis tivessem saído prontamente de seus lábios sempre tão gen­tis. Mas não deixavam de ser a verdade...

- Está me dizendo que sua proposta de casamento foi séria? - indagou ele, enfim, incrédulo e furioso.

Ela gelou. Estivera transtornada pela dor e o desespero quando chegara àquela idéia. E refletindo com mais calma a respeito agora, ainda lhe parecia insana, mas não neces­sariamente errada, se era sua única esperança de intervir nos acontecimentos e tirar Ben do que agora via como um país retrógrado e sem lei. No momento, sabia que tinha o máximo de poder que jamais teria. O príncipe não queria que a polícia, nem a imprensa soubessem do ocorrido, mas não podia impedi-Ia de informá-las.

- A menos que você possa me oferecer uma solução me­lhor. Sim, estou falando sério. Quero Ben em casa. Mas, se isso não for possível, quero estar ao lado dele.

- Eu me recuso a me casar com você. Está tentando me chantagear...

Freddy considerou aquele aspecto e meneou a cabeça com um brilho de desculpas em seus olhos azuis.

- Sim, presumo que estou, mas só estou preocupada com a felicidade de Ben e não posso confiar nas suas promessas... - E, ainda assim, está querendo se casar comigo?

- Acho que nem seu pai poderia me expulsar do país se eu fosse sua esposa. Afinal, se fizesse isso, eu teria uma história ainda maior para contar aos jornais quando voltasse para casa. Assim, a necessidade de me manterem quieta e razoavelmente contente seria respeitada. Um casamento me protegeria...

- Acha mesmo? - disse ele, fitando-a com olhar sugestivo. - Ninguém precisaria saber e você prosseguiria com sua vida, como se eu não existisse. Seria apenas um sinal de boa-fé de sua parte, nada mais.

- Um sinal de boa-fé? Isso é chantagem... não tem ver­gonha?

- Não quando a questão envolve Ben.

Jaspar estreitou os olhos, enquanto a observava.

- Muito bem... Uma vez que vergonha não faz parte do seu vocabulário, quanto quer em dinheiro para manter toda essa situação em segredo?

Freddy lançou-lhe um olhar cheio de horror.

- Ben não está à venda. Como pode sequer sugerir que eu aceitaria dinheiro de você?

- Você o aceitou de Adil­.Ela corou.

- Isso foi diferente.

- Mas comigo... é casamento, ou nada, certo?

- Tudo o que quero é acesso a Ben. Não se esqueça dessa opção - apressou-se Freddy a lembrá-lo porque Jaspar fa­lava como se casar-se com ele fosse seu único objetivo, o que estava se tornando um tanto embaraçoso.

Jaspar aproximou-se inesperadamente, sentando-se na bei­rada da cama.

    - E o que acha que eu ganharia com esse acordo?

Aquela proximidade fez o coração de Freddy disparar. Fi­tou-o com olhos arregalados, mal podendo respirar. Num momento estivera raciocinando com toda a lógica e clareza e, de repente, o inegável magnetismo daquele homem que devia odiar roubava-lhe até a capacidade de pensar.

- Você acha que quero você - disse ele um tanto rouco. - É c-claro que não.

- Você sabe que eu a quero.

O choque acelerou ainda mais o coração de Freddy. Ele a queria? Achava-a atraente? Um homem que parecia a per­sonificação das fantasias de qualquer mulher achava-a real­mente atraente?

- Você me quer... de verdade? - perguntou um tanto ofegante, ansiosa por ouvi-lo dizer aquilo novamente. Jaspar afundou os dedos gentilmente por entre as mechas dos cabelos dela e deitou-a de encontro aos travesseiros. To­mou-lhe os lábios com um beijo voluptuoso que a fez sentir-se como se estivesse flutuando. Antes que pudesse ter reunido forças para resistir, Freddy se viu retribuindo. Como que por vontade própria, suas mãos acariciaram-lhe os cabelos negros e o puxaram mais para si. Sentiu-se completamente envolvida por ele, então, achando-lhe o peso e o calor do corpo sobre o seu bem-vindos, uma corrente de excitação percorrendo-a por inteiro. Quando a língua cálida invadiu a maciez de sua boca numa sensual exploração, soltou um ge­mido abafado de prazer. Arqueou as costas, então, no mo­mento em que ele lhe acariciou o seio, estimulando o mamilo túmido com dedos hábeis. As sensações que a dominaram foram tão intensas que a fizeram despertar abruptamente para a realidade.

Enquanto abria os olhos azuis de repente, Jaspar já se afastava para pegar o telefone da mesinha-de-cabeceira. Freddy jamais se sentira tão mortificada em sua vida e es­tava bastante grata com o fato de ele estar prestando aten­ção somente a seu telefonema, já falando com alguém no seu próprio idioma. Com as faces afogueadas, ela baixou o olhar em aturdimento para o seio desnudo para fora do de­cote amplo da camisola, o mamilo rijo. Cobrindo-se depressa, puxou o lençol até o queixo, fechou os olhos com força e soltou um suspiro trêmulo.

Não havia desculpa para seu comportamento. Mal conhe­cia aquele homem e não tinha o hábito de se ver em camas com estranhos, nem de permitir tais liberdades. Como aque­la paixão explodira no meio do que fora uma discussão séria, não fazia idéia, mas estava profundamente abalada.

- Nós nos casaremos amanhã de manhã.

Tendo ficado tensa ao ouvi-lo recolocando o fone no gan­cho, Freddy arregalou os olhos.

- Amanhã?

- Aqui, dentro do consulado, as leis do meu próprio país prevalecem. A cerimônia deve acontecer o mais rápido pos­sível porque quero estar de volta a Quamar amanhã à noite. - O semblante circunspecto, Jaspar observou-a com olhos perscrutadores que tiveram um estranho efeito glacial sobre ela.

- Você... está realmente preparado para levar isto adian­te e se casar comigo? - Ironicamente, ela estava abalada com sua própria vitória.

- Como você bem sabe, tenho pouca escolha. Devo pagar o preço do seu silêncio.

E depois ela pagaria o preço pela chantagem e a ganância que a tinham levado a tão ultrajante exigência, pensou Jas­par com alguma satisfação. Casando-se com ele, Frederica Sutton se tornaria uma cidadã quamariana e, como membro da família real, seria bem menos afortunada do que o res­tante da população em termos de liberdade pessoal. No meio do deserto, ela encontraria pouco com que se divertir, mas ele estava pensando mais em seu próprio divertimento. E possivelmente o filho se beneficiaria da presença da mãe, até que tivesse consolidado outros relacionamentos. Uma vez que aquele objetivo tivesse sido alcançado e seu sobrinho parecesse seguro e feliz, Jaspar planejava dispensar os ser­viços dela. Àquela altura, provavelmente já estaria bastante cansado daquela mulher, de qualquer modo.

Enquanto a estudava com olhos velados, um ligeiro sor­riso curvou-lhe os lábios. Fisicamente, ela era um deleite, um raro banquete para os olhos, e o atraía com o ar de completa inocência que aperfeiçoara. Se ele não tivesse co­nhecimento de sua natureza vazia e ambiciosa, talvez até tivesse se deixado envolver, assim como na noite anterior ficara de fato consternado pela aparente angústia dela em ser separada do filho. Mas não devia ter escrúpulos quanto a lhe ensinar uma merecida lição.

O preço do seu silêncio.

Às palavras frias e ressentidas que lembravam chanta­gem ainda ecoavam na mente culpada de Freddy, envergo­nhando-a. Jaspar estava preparado para atender sua exi­gência para salvar a preciosa família de um escândalo, mas sua condenação era evidente.

- Tudo que me importa é Ben... - disse ela num tom quase de súplica.

- Mandarei que lhe tragam o café da manhã. Sugiro, então, que você retorne ao seu apartamento e faça as malas. Enviarei um carro para buscá-la amanhã, às oito - infor­mou-a Jaspar e retirou-se.

Durante o percurso até o Consulado de Quamar no início da manhã seguinte, Freddy ainda pensava na séria conversa que tivera com Ruth Coulter, a quem chamara assim que voltara ao apartamento. Embora estupefata com a maneira como a família al-Husayn se apossara de Ben, a velha amiga ficara ainda mais chocada com a solução de Freddy para a crise. Esforçara-se ao máximo para tentar dissuadi-Ia da idéia de se casar com o príncipe naquelas circunstâncias, mas ela, que estivera mais acostumada a aceitar os bons conselhos de Ruth do que refutá-los, tivera que simplesmente ignorá­los. Ben precisava dela e faria tudo que estivesse a seu al­cance para estar a seu lado.

Embora tivesse esperado que o sofisticado conjunto azul de três peças que usava a fizesse sentir-se mais confiante, estava pouco à vontade. A saia parecia-lhe muito curta e sentia-se exposta demais na blusa de alças que usava sob o blazer justo. Sempre generosa, Érica comprara-lhe com fre­qüência roupas idênticas às que ela própria costumara usar, mas Freddy só as vestira para agradar a prima em raras ocasiões. O contraste entre a silhueta bastante esbelta de Érica e sua maior abundância nas mesmas roupas sempre haviam sido uma dolorosa lembrança a Freddy de seus pró­prios fracassos.

Agora, porém, tinha algo bem mais difícil com que se preo­cupar pela frente.

Oh, se ao menos não tivesse beijado Jaspar e complicado ainda mais as coisas, pensou, mortificada. Não apenas uma, mas duas vezes, e que grande tola fizera de si mesma! Mas ele não sabia daquilo, não era? Provavelmente, apenas pen­sava que era uma mulher tão fácil quanto proclamava sua suposta reputação, o que servia ao menos para encobrir a verdade. De qualquer modo, os beijos impensados haviam dado uma dimensão mais pessoal e embaraçosa à situação e tornariam a tentativa de manter uma distância digna mais difícil. Bem, não haveria mais tolices daquele tipo, disse a si mesma com firmeza.

No consulado, Freddy foi conduzida a uma sala ocupada por dois homens de ar sério, que se apresentaram como ad­vogados. Um documento descrito como um contrato de ca­samento e sigilo foi colocado diante dela.

Perplexa e intimidada, Freddy folheou o documento, que se estendia a quarenta e três páginas de cláusulas em ter­mos legais quase indecifráveis. Em nenhum lugar, viu men­ção alguma a Ben. Mais tranqüila, soltou um suspiro resig­nado e assinou onde indicado, reconhecendo que fora inge­nuidade de sua parte não ter esperado tal exigência.

Por algum tempo, foi deixada a sós na sala. Então, Jaspar chegou, acompanhado pelos advogados e um clérigo austero, de barba branca, que usava uma túnica longa. Encontrando os olhos soturnos de Jaspar, ela empalideceu. Pela primeira vez, deu-se conta do fato de que entrar num casamento sob tais termos ia contra tudo que fora ensinada a respeitar. A culpa e a inquietação causaram-lhe um nó no estômago e teve de desviar o olhar.

Foi, para sua surpresa, uma cerimônia cristã, o que a fez sentir-se ainda pior. Ao final, nada foi dito. Os advogados e o clérigo retiraram-se da sala, deixando-a a sós com Jaspar. - Está satisfeita agora? - perguntou ele num tom quase indolente.

Ela meneou a cabeça depressa.

- Isto não teria acontecido se você tivesse me dado outra opção.

Jaspar contemplou-a com olhos intensos. Sem o menor aviso, puxou-a para si com toda a calma, uma mão pousando com desconcertante intimidade em seu quadril. Freddy co­rou e tentou se esquivar, mas não foi possível.

- O que está fazendo?

- Estou me apossando da mercadoria que acabei de adquirir.

- Como disse? - indagou Freddy, perplexa.

- Não gosto dos seus cabelos presos desse jeito. - Jaspar tirou-lhe a presilha dos cabelos e as mechas soltas cascatea­ram até os ombros dela.

- Você acha realmente que não planejo tirar algum pro­veito desde acordo também? - Jaspar observou-lhe o rosto atônito e bonito com certo divertimento e soltou-a.

- Do que está falando?

- Você descobrirá. A propósito, você conseguiu a aliança, mas não adquiriu um título. Somente meu pai pode torná-la uma princesa e, se eu fosse você, não contaria muito com isso.

- E para que eu iria querer ser uma princesa? - retru­cou ela, aquele aspecto nem sequer tendo lhe ocorrido.

- Até a época em que nossos caminhos se separarem, talvez você ache que já fez por merecer o privilégio - disse ele num tom enigmático.

Jaspar estava tentando assustá-la e fazê-la desistir de ir a Quamar em sua companhia, concluiu Freddy, e ergueu o queixo, desafiadora. Havia uma coisa que ele precisava apren­der a seu respeito. Não era uma desistente. A seu ver, aquela cerimônia de casamento a fizera dar um passo gigante na direção de Ben, e era tudo que devia lhe importar.

 

Mais tranqüila por saber que, em breve, ve­ria Ben, Freddy presumiu que seu nível de estresse voltaria ao normal.

Entretanto, no momento em que viu a tripulação inteira do luxuoso jato colocando-se de joelhos para saudar Jaspar, quando subiram a bordo, ficou bastante abalada. Até aquele instante, o fato de ele pertencer à realeza não lhe parecera algo concreto, mas o respeito que o homem evocava era surpreendente.

Enquanto o vôo progredia, viu-se observando Jaspar qua­se continuamente. Quanto mais tempo passava em sua com­panhia, mas o homem a fascinava. Enquanto ele trabalhava em seu laptop, ela contemplou-lhe os cílios negros e espessos, as maçãs do rosto salientes, a perfeição de seu nariz e a curva sensual dos lábios.

Era extraordinariamente másculo e bonito e, quando fa­lou ao celular, conversando primeiro em francês e mais tarde , em espanhol, com bastante fluência, os olhos castanho-claros irradiando inteligência e energia, a atenção de Freddy foi ainda mais cativada.

A um dado momento, ele lançou um olhar em sua direção e apanhou-a observando-o. Ela sentiu uma instantânea onda de calor percorrendo-a, incapaz de controlar sua própria rea­ção física. Mortificada e zangada consigo mesma, apressou­-se a desviar os olhos. Por que tinha que se sentir tão atraída pelo homem?

Jaspar recostou-se em sua poltrona e observou o rubor nas faces de Freddy com cinismo. Se todos soubessem que ela era sua esposa, não teria hesitado em levá-la para a cama em sua cabine particular e saciar seu desejo, pois ra­ramente já recebera convite silencioso mais direto. Entre­tanto, precisava manter a discrição, e um ato tão ousado não teria sido sensato. Muitos de seu povo não demorariam a saber que estava mantendo uma mulher em seu palácio no deserto. Mas o que mantivesse sob absoluta discrição se­ria aceitável, enquanto ainda parecesse solteiro.

Além do mais, os rumores da existência de Freddy servi­riam para manter Sabirah a distância, pensou Jaspar, um brilho um tanto cruel passando por seus olhos. Sabirah, com quem, um dia, tivera esperança de se casar. Sabirah, a quem adorara com passional idealismo e a qual parecera corres­ponder a seus sentimentos. Mas só até que os olhos de Adil haviam pousado sobre ela. A ambição triunfara. Embora mal tivesse tido a metade da idade de Adil, Sabirah desprezara o filho mais novo do rei e preferira se tornar a terceira esposa do mais velho e herdeiro ao trono. Mas desde a morte pre­matura de Adil, Sabirah andara se comportando de maneira imprópria e perigosa.

Ele estaria eternamente condenado a pagar pelos pecados do irmão?, perguntou-se Jaspar com súbita amargura. Ali estava, com outra mulher descartada por Adil, forçado a unir seu honrado nome ao de uma mulher indigna de respirar o mesmo ar que as mulheres de sua família, uma cavadora de ouro insensível que nem sequer esboçara reação ao saber que o pai de seu filho estava morto. Com uma expressão dura, observou-a. Ela tinha personalidade forte, ao menos. E muita paixão. Gostava de mulheres passionais. Sem men­cionar aquelas curvas capazes de enlouquecer um homem... A perspectiva de deítá-la em sua cama e toma-la em seus braços com toda a paixão deixavam-no com uma impaciência como havia muito não sentira. Adil podia ter-lhe comprado os favores sexuais, mas seria ele a possuí-Ia de verdade.

Quando desembarcaram num aeroporto bastante moder­no no final da tarde, Freddy, aborrecida com o fato de Jaspar ter ignorado sua existência durante a viagem toda, apres­sou-se para alcançá-lo depois que desceram do jato. Sussur­rou-lhe em tom de urgência:

- Você não tem um véu, ou algo assim, para que eu possa me cobrir?

- Estava esperando um? - Por sobre o ombro, Jaspar lançou-lhe um olhar zombeteiro. - Lamento. Um véu cau­saria mais sensação do que seu rosto. Às quamarianas não se cobrem da cabeça aos pés, porque não somos muçulmanos. Este é um país cristão.

Freddy ficou vermelha diante da revelação inesperada e desejou ter tido a oportunidade de aprender mais sobre o país que seria seu lar por pelo menos algumas semanas. Ele a conduziu a um helicóptero que os aguardava.

Ela fechou o cinto de segurança com mãos ansiosas. - Quando eu verei...

- Espero levá-lo para casa comigo hoje, mais ao final da noite, mas você deverá ter paciência. Tenho de falar com meu pai primeiro.

- Mas e se ele disser não?

Jaspar lançou-lhe um olhar exasperado. A mulher estava se fazendo de ingênua, ou algo assim? Era evidente que seu pai diria não! Mas o anúncio de que se casara com a mãe de Ben seria decisivo naquela conversa, porque não mentiria ao pai. Um segredo daqueles não podia ser escondido do rei e, a menos que estivesse muito enganado, ele tentaria ime­diatamente providenciar para que casamento não fosse re­conhecido, levando em conta que acontecera sem a sua per­missão. Um divórcio não seria necessário. Nem seria neces­sário dizer a sua esposa que, num intervalo de semanas, e sem o consentimento dela, estaria inevitavelmente separada dele novamente.

O helicóptero subiu, e o piloto fez uma manobra, causando um frio no estômago de Freddy, enquanto a visão panorâ­mica dos arranha-céus da cidade surgia para além do aero­porto. Quando passaram a voar, então, pelo deserto, ela ficou inicialmente perplexa diante do imenso vazio. Mas quase imediatamente começou a ver com olhos mais atentos e notou as estranhas formações rochosas e os vales verdejantes, onde se espalhavam algumas casas de telhados planos antes que a areia ondulante tornasse a dominar a paisagem por quilômetros.

Foi um alívio pisar em solo firme outra vez.

- Este é o palácio de Anhara, minha casa particular - disse Jaspar.

Parada no heliporto, Freddy olhou maravilhada para os jardins exuberantes repletos de árvores frondosas e arbustos floridos que se estendiam até onde a vista alcançava. Não se avistava nenhuma construção.

- Que lugar bonito.

- Foi um forte mouro no passado.

Um caminho pavimentado e quase secreto conduzia sob as árvores até uma esplêndida entrada em arco feita de pe­dra antiga e ornamentada com entalhes elaborados. Com uma sensação de que entrara em outro mundo e em um de puro encantamento, Freddy seguiu-o, mal notando a fileira de servos de joelhos, mais interessada no interior da cons­trução que tinha um inerente ar de antiguidade. Iria morar naquele lugar maravilhoso? Céus, devia pagar ao homem pelo privilégio!

Jaspar deu-lhe a mão enquanto subiam por uma magní­fica escada de mármore, e ela arrepiou-se com o contato. Quando chegaram ao topo, ele fitou-a com uma intensidade inesperada que a deixou com o coração acelerado.

Sem cerimônia, retirou-lhe a presilha dos cabelos, que cascatearam até os ombros dela.

- Agora, levarei você até minha cama e lhe darei prazer. Freddy arregalou os olhos, chocada. Era uma coisa sen­tir-se atraída pelo homem, outra completamente diferente ouvi-lo dizendo que transformaria uma fantasia segura em perigosa realidade.

Antes de lhe dar chance de dizer qualquer coisa, ele er­gueu-a em seus braços fortes, surpreendendo-a ainda mais. - Coloque-me no chão!

- Pode parar com a encenação de garota ingênua agora - disse Jaspar com um misto de divertimento e arrogância, enquanto caminhava em direção à porta dupla sob um arco, do outro lado do que parecia uma ampla ante-sala. - Antes que se torne entediante.

- Entediante?

- Prefiro uma paixão franca em minhas mulheres. Você está tão louca de desejo por mim quanto eu por você...

- Não, não estou! Você ficou com a idéia errada... - Eu espero que não.

Quando ele passou pela porta dupla e entrou num espa­çoso quarto, Freddy não foi capaz de continuar protestando como pretendera, pois uma visão das mais inacreditáveis chamou sua atenção e roubou-lhe a fala. Uma morena com­pletamente nua e extremamente bonita estava reclinada so­bre a grande cama, cada ângulo de seu corpo esguio e es­cultural posicionado para atrair, os longos cabelos negros jogados por sobre um ombro e cascateando como seda até o lençol claro.

Aturdida pela exibição de nudismo, Freddy sentiu as faces queimando. Jaspar gelou, emitiu o que pareceu um prague­jamento no próprio idioma e largou-a literalmente sobre o divã que havia logo na entrada do quarto. Boquiaberta, ela observou a agora furiosa morena colocando-se de joelhos e emitindo um grito estridente. Os lábios cheios e vermelhos não mais exibindo um sorriso sensual, os olhos escuros fais­cando com um misto de fúria e incredulidade, a mulher sal­tou da cama feito uma tigresa prestes a atacar.

Um pálido Jaspar falou-lhe severamente num rápido ára­be e apanhou a colcha da cama, atirando-a sobre a mulher. - Com licença... - murmurou ele com calma forçada para Freddy e retirou-se do quarto.

- Quem é você? - perguntou a morena num tom enfure­cido a Freddy, esforçando-se para se enrolar na colcha. - Jas­par não falou com você no nosso idioma. Sua vadia estrangeira!

Estupefata, Freddy desviou os olhos, achando que a mu­lher não deveria estar lançando insultos daquela natureza em ninguém. Quem era ela? Uma amante descartada? Céus, ele não tivera a menor hesitação em rejeitá-la, não fora? Um trio de criadas entrou depressa no quarto e começou a con­duzir a morena dali, que saiu soluçando convulsivamente. Quando o silêncio voltou a reinar, Freddy soltou um longo suspiro. Bem, Jaspar dissera que as mulheres se atiravam para cima dele, mas ela não se dera conta de que afirmara aquilo de maneira tão literal. Também não fazia idéia do que poderia querer com ela, quando aquela mulher fatal es­tivera ali, ansiosa à espera dele.

Jaspar não demorou a voltar.

- Agora, onde estávamos mesmo...? - perguntou como se nada tivesse acontecido.

- Não estávamos em lugar algum. Nem estaremos.

- Esta é a nossa noite de núpcias. Você é minha esposa e pretendo saborear cada momento com você.

Ela engoliu em seco, sem saber o que dizer.

- Está surpresa? - Ele arqueou uma sobrancelha, um brilho desdenhoso em seus olhos. - Duvido. Obrigar-me a casar com você não foi o ato de uma mulher sensata. Embora sabendo que eu estava unicamente preocupado com o bem ­estar de seu filho e que não me envolvi em sua retirada de Londres, você insistiu para que eu levasse adiante aquela ridícula cerimônia. Não foi?

Freddy mordeu o lábio inferior. Em seu temor por Ben, motivada apenas pela necessidade premente de ir ajudá-lo, ela fechara os olhos para a injustiça do que estava fazendo com Jaspar al-Husayn. A vergonha alcançara-a, mas recu­sara-se a parar para pensar sobre o que sua exigência sig­nificaria para o príncipe. Agora, encontrando aqueles pene­trantes olhos castanho-claros, viu estampado ali o orgulho masculino que ferira.

- Você é um homem inteligente. Não pode me dizer que quer dormir comigo só para ficarmos quites - argumentou Freddy em crescente nervosismo. - Isso seria tolice e nem um pouco sensato.

- Sensato... - Jaspar jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada, fazendo-a contrair o rosto. Num instante, tirou o paletó e a gravata, jogando-os sobre o baú ao pé da cama. - Eu não me sinto... sensato. - Parado ali, as mãos bron­zeadas desabotoando a camisa de seda, ele desafiou-a com seus incríveis olhos, a aura de masculinidade reforçada por uma confiança inabalável.

- V-Você mal me conhece... - murmurou ela, quase hip­notizada pelo magnetismo que ele irradiava.

- Conheço-a o bastante... - Aproximando-se, Jaspar aju­dou-a a levantar do divã e retirou-lhe o blazer, o olhar fixo nos seios fartos que se comprimiam contra a blusa justa de baixo.

Freddy recuou, quase tropeçando no divã em sua pressa, o coração disparado, sentindo a própria fraqueza ameaçando dominá-la. Bastava que ele a fitasse, e ela o queria com uma intensidade que a apavorava. O homem a fazia querer o que nunca quisera, despertava-lhe sensações totalmente novas e incríveis. Pela primeira vez em sua vida, sentia-se femi­nina e desejável.

- Do que tem medo? - perguntou ele num tom quase indolente.

Ela ficou ainda mais tensa, inquieta com toda aquela per­cepção, não querendo deixá-lo ver que tinha medo de si mes­ma, do poder que ele lhe exercia, da sexualidade que lhe despertava. E, pior de tudo, de sucumbir aos seus anseios mais profundos, ignorando tudo em que sempre acreditara. Sempre fora uma mulher sensata, mas, de algum modo, saí­ra totalmente de seu curso no instante em que Jaspar en­trara em sua vida. Num curto espaço de tempo, andava co­metendo loucuras, coisas que nem sequer sonhara que seria capaz de fazer, e agora havia uma poderosa parte de si ape­nas ansiando por entregar-se por completo à fantasia de ser desejada por um homem daqueles.

- Não tenho medo de nada - respondeu, enfim. Jaspar despiu a camisa, revelando ombros largos e um peito de músculos bem-definidos, a pele bronzeada coberta de pêlos escuros.

- É apenas sexo... - disse com inquietante indiferença. - Apenas sexo... - A voz dela tremeu um pouco, a boca seca, todo seu ser concentrado naquele homem e nos anseios que lhe despertava.

Quem saberia?, sussurrou uma voz maliciosa na mente dela. Embora não acreditasse em sexo casual, talvez devesse esque­cer o bom senso ao menos uma vez e desfrutar aquela expe­riência nova. Afinal, eram casados, disse a si mesma, atendo-se a um detalhe técnico que minutos antes teria desprezado.

Jaspar estendeu a mão, um ar expectante em seu olhar imperioso que a deixou com o pulso acelerado. Sua resistên­cia desmoronando, Freddy mal se deu conta do movimento dos pés levando-a até ele. Ficou ciente apenas do beijo fa­minto que a envolveu com uma onda de puro erotismo.

Também percebeu vagamente que, sem deixar de beijá-la, Jaspar ergueu-a em seus braços e carregou-a até a cama, onde a sentou com gentileza. Quando lhe abriu o zíper da saia e a retirou lentamente, ela desejou de repente que as luzes difusas estivessem apagadas para não deixá-lo ver seus defeitos e mudar de idéia. Lembrou-se da morena es­guia que o príncipe expulsara de seu quarto e prendeu a respiração. Pensou até na largura dos próprios quadris e descalçou os sapatos depressa, subindo mais para o meio na cama e puxando o lençol para si.

- Você parece tão tímida - riu ele.

Já se sentindo mais segura sob o escudo do lençol, Freddy recostou-se nos travesseiros, esforçando-se para parecer uma mulher tranqüila e experiente. Era apenas sexo, lembrou a si mesma. Tinha vinte e quatro anos, e um certo interesse científico era tão natural quanto seu nervosismo. Mas deveria estar pensando em se deitar com um homem cuja cama ainda estava quente pela ocupação de sua recente antecessora?

Mortificada por ter conseguido esquecer inexplicavelmen­te aquela cena chocante, perguntou:

- Quem era aquela mulher?

- Sabirah? Ninguém com quem você precise se preocupar - respondeu Jaspar calmamente, mas seus olhos endure­ceram por um momento. - Ela não é e nem nunca foi minha amante.

Profundamente aliviada, Freddy não pôde deixar de pensar que talvez o desespero levasse certas quamarianas a sérios extremos na tentativa de conquistarem um homem, embora fosse supostamente um país conservador.

- Você sempre sobe na cama com suas roupas? - per­guntou Jaspar em tom de provocação.

- Há... está um tanto frio aqui.

- Vou aumentar um pouco a temperatura do ar-condi­cionado.

    Foi a temperatura dela que se elevou em muitos graus quando ele voltou rapidamente para a cama usando apenas uma cueca de seda. Jaspar era simplesmente perfeito, seu corpo forte e bem-proporcionado, pensou ela, contemplando­o com olhos quase vidrados, o coração tornando a disparar no peito.

Dando-se conta de excitação que a percorria, porém, per­guntou-se como podia estar fazendo aquilo. Ceder daquela maneira à luxuria? Era o que estava fazendo. Não estava se comportando melhor do que a oferecida que o esperara nua em sua cama.

Jaspar livrou-se da cueca de seda e afastou o lençol, mas, ao mesmo tempo, tomou os lábios de Freddy com um beijo tão cheio de volúpia que mal lhe deu chance de perceber o que se passava.

- Desejo tanto você, ma belle - sussurrou-lhe ele, rouco, ao ouvido.

Jaspar a estava chamando de bonita em francês. Encan­tada, Freddy permitiu-se mergulhar de volta em sua fanta­sia e abraçou-o pelo pescoço, fitando-o com um olhar ardente. - Beije-me outra vez.

E Jaspar beijou-a até deixá-la quase sem fôlego. Retirou­lhe a blusa lentamente e o sutiã e, quando lhe moldou o seio firme e arredondado na palma de sua mão, ela não conseguiu conter um gemido deliciado.

Sensações incríveis dominaram-na, então, enquanto ele capturava um mamilo sensível com os lábios, sugando-o de­moradamente.

- Você tem seios maravilhosos...

Se aquilo era um sonho, Freddy não queria acordar. Enquanto Jaspar contemplava seus seios com evidente apre­ciação masculina, ela, tomada por um ardor como nunca experimentara, arqueou as costas num convite, dando-lhe total acesso no momento seguinte, quando ele inclinou a ca­beça para mordiscar o outro mamilo.

Uma estranha onda de emoção dominou-a. O príncipe pro­vavelmente dizia aquele tipo de coisa para todas as amantes, mas falou com tanta sinceridade que quis abraçá-lo com for­ça e nunca mais soltá-lo. Pela primeira vez em sua vida, sentia-se bonita e sexy e nada jamais parecera tão bom.

Jaspar circundava-lhe o mamilo com a ponta da língua agora, enquanto estimulava o outro entre dedos experientes. Ela pendeu a cabeça para trás, entregando-se com abandono a uma doce tortura que nem soubera que podia existir.

- Você é linda - sussurrou ele, ardente, tomando-lhe os lábios novamente com um beijo sôfrego, faminto, que a dei­xou com a mente rodopiando. - A chantagem trás dividen­dos inesperados, ma belle.

Chantagem. A palavra perdeu-se numa mente inebriada pelo prazer. Ela tornou a puxá-lo para si e, com um riso de encontro a seus lábios ansiosos, Jaspar tornou a beijá-la com toda a paixão, explorando-lhe a boca com a língua cálida.

Só parou longos momentos depois, quando se afastou um pouco para lhe remover a calcinha. Freddy ficou tensa, des­pertando momentaneamente para o mundo real, subitamen­te ciente de sua própria nudez, do que estava fazendo e de um repentino acesso de pânico.

- A sua paixão se iguala a minha. - Jaspar inclinou-se sobre ela, a luz difusa do quarto iluminando-lhe os cabelos negros, acentuando-lhe o brilho nos olhos da cor do mel. E como se entrasse numa espécie de transe, ela estava nova­mente indefesa à poderosa atração que sentia por aquele homem. - Eu sabia que isso aconteceria - acrescentou, satisfeito.

Freddy entregava-se com abandono outra vez, deixando que a situação seguisse seu curso inevitável, hipnotizada por aqueles incríveis olhos. Quando lhe sentiu a mão quente deslizando por seu corpo até seu ventre, entreabriu as pernas instintivamente. Estava ciente da excitação que pulsava dentro de si, da tensão e do anseio quase insuportáveis.

E quando ele lhe desvendou os segredos mais íntimos che­gando ao sensível centro de sua feminilidade, as sensações que a tomaram foram tão poderosas que perdeu instanta­neamente o restante de seu controle. Nada mais importava. Toda a noção de espaço e de tempo desapareceu. Freddy entregou-se à erótica exploração que a fez mergulhar num mundo vertiginoso de sensações, deixando-a consciente ape­nas do homem que lhe dava tamanho prazer.

- Por favor... - sussurrou, contorcendo-se, arqueando o corpo na direção do delicioso toque, incapaz de se conter, querendo, precisando, mas incapaz de encontrar as palavras.

Um brilho faminto no olhar, Jaspar segurou-a, então, pe­los quadris, posicionando-a para recebê-lo. Ela ficou tensa quando lhe sentiu a rigidez do sexo de encontro a si, mas um desejo febril controlava-a, dissipando aquele medo mo­mentâneo do desconhecido. Jaspar penetrou-a, possuindo-a com toda a paixão que haviam partilhado até então e a pon­tada de dor resultante a fez soltar um grito.

Jaspar ficou imóvel e, franzindo o cenho, fitou-a com ar surpreso.

- Estou machucando você?

- Não... - sussurrou ela, fechando os olhos num misto de perplexidade e constrangimento diante daquela dor ines­perada.

- Você é bastante pequena - murmurou Jaspar, o pra­zer, mas a preocupação também evidente em sua voz rouca. - Mas estou louco por você, ma belle.

- Não pare... - Freddy estava um tanto abalada, mas a excitação ainda a percorria, um anseio desesperador que­rendo ser saciado.

Jaspar não parou. Começou a se mover devagar, e ela sentiu-se deliciada pela nova sensação, querendo mais, a momentânea dor e o constrangimento superados. Como se lava incandescente percorresse seu corpo agora, começou a se mover instintivamente também, ondulando os quadris, acompanhando-o nos movimentos cadenciados. Quando não pôde mais suportar o suspense e cada célula de seu corpo pareceu vibrar em puro anseio, ele levou-a ao auge do pra­zer. Espasmos incríveis apoderaram-se do corpo dela e foi como se flutuasse em ondas de puro deleite, sensações como nunca imaginara causando-lhe verdadeiro enlevo. Jaspar es­tremeceu, tomado por um êxtase igualmente intenso e abra­çou-a com força.

Enfim, ergueu a cabeça e fitou-a com límpidos olhos castanhos.

- Lamento ter sido tão brusco - disse, ainda ofegante. - Nunca machuquei uma mulher antes...

- Não... não. - Freddy tocou-lhe os lábios bem-desenha­dos com a ponta dos dedos para silenciá-lo. - Não foi nada... - Mas...

Incapaz de continuar lhe sustentando o olhar intenso para não deixá-lo ver sua mortificação, beijou-lhe os lábios de leve. Ele rolou na cama, mantendo-a no calor de seus braços. - Agora, passo enfrentar uma audiência com meu pai. O sexo é um meio maravilhoso de aliviar a tensão, ma belle. Teremos bons momentos juntos enquanto você estiver aqui. De um instante para o outro, Freddy teve vontade de es­ganá-lo. Um maravilhoso alívio para a tensão? Como ele podia degradar tanto o que haviam partilhado? Aquele ado­rável senso de intimidade e de absoluto contentamento foi totalmente destruído pelo comentário casual, insensível. E rapidamente, Freddy voltou a si, a realidade do que acabara de fazer atingindo-a com súbito impacto. Naquele instante, também se lembrou do comentário sobre chantagem resul­tando em dividendos inesperados e foi tomada por grande vergonha.

Alheio a tais pensamentos, Jaspar afastou o lençol e le­vantou-se pelo seu lado da cama. Desapareceu por uma por­ta de comunicação e, instantes depois, ela ouviu o som do chuveiro. Virou-se de bruços. Era tarde demais para arre­pendimentos, disse a si mesma, as emoções num turbilhão. Cada sentimento confuso parecia intenso demais e foi pre­ciso grande esforço para conter as lágrimas. Tinha sentimentos por ele que até aquele momento se recusara a reco­nhecer, mas não quis examiná-los agora.

Ouviu o ruído de gavetas e portas em outro cômodo. Ele estava se vestindo.

- Freddy?

Mordendo o lábio inferior, ela virou-se e sentou-se na ca­ma, tentando se comportar com naturalidade, mas não sa­bendo como.

Os cabelos úmidos, recém-barbeado e usando um impe­cável terno escuro, Jaspar parecia magnífico e exatamente como o príncipe herdeiro que era.

- Irei ver Ben e, no mínimo, trarei um relato de como ele tem passado - informou-a. - Tentarei trazê-lo até aqui. Mais do que isso não posso prometer.

Freddy apertou os lábios e meneou a cabeça em silenciosa aceitação.

Enquanto começava a se virar, Jaspar parou abruptamen­te para olhar de volta para a cama. Com um gesto súbito, puxou o lençol dela.

- O que houve? - começou Freddy, encostando os joelhos nos seios em sua inibição.

Jaspar levantou olhos incrédulos da mancha de sangue no lençol onde estivera deitado com ela.

Aturdida, Freddy acompanhara-lhe a direção do olhar e gelou. Tentou apanhar o lençol de cima de volta, mas Jaspar arrancou-o da cama.

- Não acredito nisto, mas a evidência é difícil de ignorar - disse ele, desconcertado. - Se você era virgem, não pode ser a mãe do meu sobrinho.

O terrível silêncio pairou como um peso opressivo sobre o peito de Freddy.

 

Sem poder contar sequer com o lençol de cima para se cobrir, Freddy gelou na cama, o rosto pálido.

O olhar acusador de Jaspar exigia respostas, mas ela só queria desaparecer. Como fora tola em não ter percebido que, partilhando de intimidades com ele, Jaspar perceberia que não era a mulher experiente que naturalmente espera­ra? Em seu enlevo, não previra a ponta de dor que a traíra em princípio quando tinham feito amor, ou a possibilidade de evidência física de sua virgindade.

- Quem é você? - perguntou ele em tom glacial. Freddy soube que não tinha escolha senão contar a ver­dade e que poderia ter chorado pela humilhação a que sub­meteu a si mesma.

- Responda - ordenou ele, implacável. - P-Posso me vestir primeiro?

- Não.

Os olhos de Freddy arderam enquanto observou fixamen­te o lençol ofensivo.

- Antes que eu perca a paciência, comece a falar.

- Érica... a mãe de Ben morreu num acidente de esqui há quase dois meses - contou ela numa voz embargada, abraçando os joelhos. - Era minha prima. Tínhamos o mes­mo nome...

- O mesmo nome? Que absurdo é esse?

- O meu pai e o dela eram irmãos e, portanto, ambas éramos Sutton e também fomos batizadas como Frederica. É uma nome de família. Quando eu tinha oito anos, Érica perdeu os pais e foi morar conosco...

- Está tentando me dizer que há duas de vocês?

- Eu... morava com Érica. O apartamento e todas as demais coisas eram dela... mas tenho cuidado de Ben desde o dia em que ele nasceu. Sou a... babá de Ben.

- Você é a babá? Era a empregada de sua prima? Freddy baixou a cabeça, mortificada.

- E ainda assim fez com que eu me casasse com você! -prosseguiu Jaspar, tempestuoso, aproximando-se para apa­nhar o lençol do chão e atirá-lo aos pés dela. - Não tente me fazer sentir pena de você. Não hesitou em mentir e me chantagear. Se eu a atirasse da minha casa nua, quem po­deria me culpar?

Ela levantou a cabeça depressa, o pânico estampado em seu rosto pálido.

- Mas se está dizendo a verdade e tem o mesmo nome da sua prima, ainda é minha esposa. Ainda assim, é uma impostora, uma dissimulada, porque não é a mãe de Ben e não pode ter direito algum sobre ele! - declarou Jaspar, irado. - Mas lidarei com você mais tarde. Neste momento, meu pai está a minha espera.

Ele deixou o quarto e lutou contra a forte vontade de vol­tar e arrancar uma confissão completa da mulher. Ao menos, ela não pertencera a Adil primeiro e provavelmente jamais o conhecera. Ainda assim, aquilo era irrelevante, pensou, furioso com o fato de que o único ponto a favor da mulher tivesse lhe ocorrido. A verdadeira Erica Sutton tivera muitos defeitos, mas ao menos nunca tentara se passar por outra pessoa. Confiando naquele relatório de investigação, ele se deixara apanhar na armadilha do casamento por uma opor­tunista mentirosa. A babá "dedicada". Sabirah e depois aqui­lo no mesmo dia. Uma fúria cega dominava Jaspar.

Quando anoiteceu por completo, Freddy achava-se numa sala de estar no andar de baixo olhando vagamente para o céu estrelado. Depois de um banho e usando um vestido simples, refletia que era a única culpada por sua situação. Jaspar nem sequer cogitaria em reuni-Ia a Ben agora. Vira a fúria e o frio distanciamento em seus olhos.

Mas o que mais esperara? Embora por motivos que con­siderara justos, enganara-o, fizera-o casar com ela. Por que nem sequer parara para pensar que, quando a verdade vies­se à tona, faria seu inimigo a única pessoa em Quamar que poderia tê-la ajudado?

E como pudera ir para a cama com ele? Fora um erro imperdoável ter sucumbido daquela maneira à tentação. Ter sido usada como um "alívio para a tensão" parecia a paga merecida para comportamento tão leviano.

Às oito horas da manhã, Jaspar desceu do helicóptero com o sobrinho grudado a ele como se fosse uma tábua de salvação. - Feddy? - perguntou Ben ansiosamente pela centésima vez desde que acordara. - Ben quer Feddy.

- Freddy... - corrigiu-o Jaspar pacientemente.

A equipe real que estivera cuidando do menino empenha­ra-se para tentar descobrir o que seria um "Feddy", para que pudesse ser providenciado para tranqüilizar Ben, mas naturalmente não houvera êxito na tentativa de identificar o que haviam presumido ser um brinquedo predileto. Se o sobrinho dele tivesse perguntado repetidamente pela mãe, não teria havido tal mal-entendido, mas aquela palavra não saíra dos lábios do garotinho desde sua chegada.

- Feddy... - O lábio inferior de Ben tremeu, os grandes olhos castanhos enchendo-se de lágrimas de desapontamento, sua falta de confiança de que a pessoa que queria apa­receria, evidente.

O semblante endurecendo diante da lembrança da ino­cente e total confiança de seu sobrinho, meras quarenta e oito horas antes em Londres, e do óbvio dano que resultara da súbita perda de tudo que lhe era familiar, Jaspar estrei­tou mais o filho de seu irmão em seus braços. Naquele mes­mo dia em Londres, soubera no minuto em que Ben lhe sor­rira, sem sombra de dúvida, que o menino era um al-Hu­sayn, porque Ben tinha exatamente o mesmo sorriso de Adil. Freddy não ouvira o helicóptero, pois as paredes do palácio de Anhara eram espessas. Tendo adormecido num sofá de madrugada, onde ficara sentada esperando o retorno de Jaspar e notícias de Ben, tudo que pegara da bandeja com o desjejum que lhe havia sido levado, fora uma xícara de chá. Enquanto andava de um lado ao outro pelo bonito chão de mosaicos, perguntava-se em crescente apreensão por que Jaspar ficara ausente durante a noite toda, ou se sequer voltaria.

Pálida e cansada, olhou na direção da porta quando ouviu passos ecoando no vasto corredor além. E, então, ele apare­ceu na soleira. Freddy não deixou de lhe notai o ar grave no rosto, a expressão acusadora nos olhos, mas, no momento, sua atenção estava toda concentrada no garotinho que ele colocava no chão.

Ela sentiu um nó na garganta e mal pôde respirar. Por um segundo, ficou paralisada no lugar, porque já estivera convencida que, depois do que Jaspar descobrira a seu res­peito, nenhum esforço seria feito para reuni-Ia a Ben.

- Feddy... - disse Ben, soluçando.

E Freddy correu, ajoelhando-se diante do menino adorado e abraçando-o com força. Mal conseguiu manter a voz con­trolada, enquanto murmurava coisas inarticuladas em sua ansiedade de confortá-lo. As mãozinhas seguraram-na com força, o corpinho tremendo em seus braços. Ela o abraçou e beijou repetidamente, afastando-o um pouco de si com olhos marejados só para observá-lo, até conseguindo abrir um sor­riso trêmulo para tranqüilizá-lo. Tornando a aninhá-lo em seus braços, olhou por sobre a cabeça cacheada dele, o rosto banhado pelas lágrimas de alívio.

- Estou realmente grata. Sei que não mereço isto, mas pelo bem dele, agradeço a você do fundo do meu coração - disse a Jaspar numa voz embargada.

- Não quero sua gratidão - retrucou ele, seu olhar res­sentido fazendo-a corar de vergonha. - Meu sobrinho está aqui apenas porque precisa de você.

Freddy baixou a cabeça. - Aceito isso.

- Não banque a mártir. Você nunca teve a menor inten­ção de desistir dele.

Diante da acusação, ela ergueu a cabeça abruptamente. - Eu só...

- Você coloca suas prioridades acima das necessidades dele - interrompeu-a Jaspar num tom duro. Profundamente abalada pela acusação, Freddy defendeu-se: - Não foi como aconteceu.

- Você era a babá dele, não a guardiã legal. Em compa­ração à família do pai do garoto, o que tinha a oferecer? Segurança? Você era uma mulher jovem, solteira, sem a in­dependência financeira necessária sequer para sustentá-lo.

- Eu sei, mas... - Ela amava tanto Ben que queria im­plorar por compreensão.

- O menino tem apenas dois anos, mas pertence a uma dinastia que tem seiscentos anos de orgulhosa herança para partilhar com ele. Meu sobrinho precisa e merece muito mais do que você jamais teria tido condições de lhe dar. Seu lugar de direito é aqui em Quamar. Ele nunca mais tornará a viver na Inglaterra.

- Eu apenas o amo - disse Freddy, esforçando-se para manter a voz sob controle, enquanto Ben a observava. Mas estava apavorada com a declaração de que o filho de Érica jamais retornaria à Inglaterra.

- Ainda assim, quando poderia ter me dito que era a babá dele, você preferiu mentir...

- Eu nunca cheguei...

- Uma mentira por omissão não deixa de ser uma men­tira. Se tivesse revelado sua verdadeira identidade, eu teria trazido você a Quamar para facilitar a adaptação de Ben.

- Pois eu acho que teria ficado zangado demais comigo para sequer pensar em fazer isso.

- As emoções nunca ficam no caminho da minha inteli­gência. Nem, ao que parece, no da sua. - Os olhos dele estavam repletos de desprezo. - Usou meu sobrinho exata­mente da mesma maneira que a mãe negligente o fez. Você viu a chance de tirar proveito através dele e não hesitou.

- Não é verdade!

- Então, por que me chantageou a casar com você? E por que estava tão ansiosa para que o casamento se consumasse? Os braços em torno de Ben, que, contente, estava demons­trando uma vontade de cochilar, Freddy encarou Jaspar, o rubor tingindo-lhe as faces e, dando lugar, então, a extrema palidez.

- Não me diga que se deitou em minha cama por amor a Ben também - desdenhou Jaspar. - O sacrifício supre­mo? Não, acho que você teve motivos menos louváveis e bem mais ambiciosos para me permitir acesso a esse seu corpo escultural. E nenhum desses motivos estava relacionado ao bem-estar do meu sobrinho.

Apenas a certeza de que, se falasse em sua própria defesa, provocaria inevitavelmente uma discussão que perturbaria Ben manteve Freddy em silêncio. Mas havia agora um brilho de raiva e indignação em seus olhos azuis. Jaspar estava distorcendo as coisas. Quem a carregara para aquele quarto? Quem usara todos os métodos de sedução? Quem estivera obstinado a tirar proveito daquela cerimônia no consulado e consumar o casamento de ambos? Quem a lembrara de que era a esposa dele, contribuindo para enfraquecer a re­sistência dela no pior momento possível? Jaspar!

- Não vou brigar com você na frente de Ben - declarou, tensa.

- Não brigo com mulheres - replicou ele em tom glacial e retirou-se.

Sem saber quanto tempo lhe seria concedido com Ben, de repente Freddy não queria discutir mais sobre nada. Tinha grande sorte em revê-lo, admitiu com um aperto no peito.

Ela passou o restante da manhã entretendo Ben com os brinquedos favoritos que levara na mala que fizera para ele. Achou-o inseguro e quieto. Depois que lhe preparou o almoço pessoalmente e o menino comeu, sentou-se a seu lado até que ele adormeceu no quarto onde a bagagem de ambos fora colocada.

Vinte minutos depois, deixando uma das criadas fazendo companhia ao menino adormecido, saiu numa relutante bus­ca por Jaspar. Havia muito a ser esclarecido.

Tendo de pedir ajuda a um empregado que parecia en­carregado dos demais e falava perfeitamente o seu idioma, Freddy foi conduzida por um corredor e deixada a uma porta, onde bateu. Não obtendo resposta, entrou.

Jaspar virou-se da janela do escritório diante da qual es­tivera parado, uma expressão inquiridora e zangada em seus olhos.

- Desculpe... Pensei que não houvesse problema em en­trar - disse ela, pouco à vontade.

Observando-o agora, sem a presença de Ben como uma distração, não pôde deixar de se sentir afetada pela aura de masculinidade dele. 0 homem não era apenas bonito fisica­mente, era cativante, dono de um incrível magnetismo.

Foi tomada de assalto por uma torrente de lembranças da noite anterior, imagem após imagem povoando-lhe a mente com súbito impacto. O peso do corpo viril de Jaspar sobre o seu, a excitante habilidade daqueles lábios sensuais, das mãos que a haviam deliciado, da assustadora intensi­dade de seu próprio prazer. As faces afogueadas, sentiu o pulso acelerado e uma onda de calor percorrendo-a como uma resposta imediata de seu corpo às imagens evocadas. De imediato, desviou os olhos dele e tentou se concentrar no que a levara até ali, perplexa em perceber que tinha tão pouco controle sobre si mesma.

- Vim falar com você - disse numa voz tensa -, mas agora que estou aqui, não sei ao certo por onde começar. - O que ainda nos resta discutir? - murmurou Jaspar, fitando-a com perturbadora intensidade. - Ben? Ele ficará aqui conosco. Eventualmente, irá visitar meu pai no palácio real várias vezes por semana, mas não até que esteja bem adaptado.

Perguntando-se como, afinal, ele conseguira extrair um acordo tão razoável do velho tirano, Freddy disse com ar confuso:

- Isso parece ótimo, mas... como esse tipo de acordo será possível?

- Para o bem do menino, tem de ser possível. Ben está infeliz no palácio do meu pai e você não poderá ficar com ele lá porque é minha esposa.

- Você poderia apenas me deixar dizer que sou a babá inglesa dele - apontou Freddy num tom hesitante. - Dessa maneira... talvez eu pudesse ir para lá com Ben.

- É tarde demais para isso agora. Meu pai está a par do nosso casamento e também do fato de que a mãe de Ben morreu. Naturalmente, está descontente que você tenha se tornado minha esposa, mas, se você tivesse sido sua prima, ele estaria possesso.

Freddy arregalou os olhos, horrorizada. - Você lhe contou... tudo?

- O que digo ao meu pai não é da sua conta.

Ela corou, mas, como esperava que ele tivesse maquiado um pouco a verdade, era um assunto no qual não pretendia insistir.

Nunca sonhei que tudo isto fosse ficar tão complicado... - Você não é tão ingênua. Simplesmente não se importou. - O tom de Jaspar era cortante. - Não me envergonho em admitir que eu não sentia a necessidade de assumir pessoal­mente a responsabilidade pelo filho do meu irmão e, ainda assim, você me obrigou a fazê-lo. Se eu não tivesse insistido que sua presença era necessária a Ben e que eu o criaria, não teria tido permissão para trazê-lo até aqui hoje.        

A revelação deixou Freddy pálida, chocada. Não sabia o que dizer, porque não pensara naquele tipo de conseqüência. Na verdade, não chegara a refletir em nada com clareza, exceto na vontade de segurar Ben em seus braços, ou em sua determinação de se assegurar que o menino tivesse um futuro seguro.

- Ben estava infeliz sem você e, embora eventualmente ele a acabasse esquecendo, eu não podia ficar de braços cru­zados e ver o menino sofrer. É o filho de Adil e eu amava meu irmão. Ele teria pegado um filho meu para criar sem pensar duas vezes. Tinha um coração imenso. Receio que o meu não seja tão generoso.

- Eu não pretendi fazer nada que levasse você a sentir que tinha que criar Ben. - Uma terrível culpa dominava Freddy, porque entendia os sentimentos dele e respeitava sua franqueza. Afinal, não era justo que tivesse de assumir as conseqüências pelos erros de um irmão irresponsável. 0 próprio pai de Ben não fizera tais sacrifícios pelo filho, e Jaspar era um homem jovem, solteiro... ou, ao menos, tor­naria a ser solteiro em breve, lembrou a si mesma, inquieta. Ele soltou um riso desprovido de humor.

- Fui eu mesmo que plantei a semente que levou você a exigir que eu a desposasse.

- Do que está falando?

- Eu lhe disse que se eu fosse casado, poderia ter feito Ben se passar por um parente do lado de minha esposa da família, dessa forma capacitando a mim e a minha esposa fictícia a dar-lhe um lar. Não venha me dizer que é um mi­lagre nós estarmos agora nessa exata situação.

- Não foi isso que me deu a idéia - protestou Freddy, indignada. - Em Londres, eu me senti impotente... e depois que Ben desapareceu, como eu podia acreditar cegamente que você e sua família tinham boas intenções em relação a ele? Pessoas de bem não agem daquela maneira. Quando seu pai mandou que o seqüestrassem, achei que ele só podia ser um monstro...

- Meu pai não encara a retirada de Ben de Londres desse modo. Acreditou estar salvando o neto da negligência, do descaso e, se você tivesse revelado que a mãe do menino estava morta, meu sobrinho não teria sido tirado de lá da­quele modo. Seguro em saber que somos os parentes mais próximos de Ben e que o garoto estava a salvo de perigo a seus cuidados, meu pai teria consentido em esperar mais alguns dias.

Freddy baixou a cabeça diante da fria condenação naque­les olhos castanho-claros, pois se explicara da melhor ma­neira que pudera, mas falhara em convencê-lo quanto a seu intento inicial.

- Desculpe... mas acho que não estou entendendo o que está acontecendo agora - declarou com sinceridade. - Quando nos divorciaremos?

-Não nos divorciaremos... ao menos não num futuro próximo. - Jaspar não fez esforço para ocultar sua amargura. - Tenho que manter você como minha esposa.

Ela franziu o cenho. - Não entendo.

- Meu pai poderia ter anulado nosso casamento, porque me casei com você sem o consentimento dele - admitiu Jas­par com ar grave. - Mas se ele o fizesse, você teria que voltar para a Inglaterra. Ben ficaria sem você outra vez. Como, no momento atual, isso partiria o coração da criança, não tive escolha senão argumentar que queria que nosso casamento continuasse.

- Oh... - Freddy não encontrou palavras de consolo en­quanto, enfim, percebia a situação irônica e irremediável em que Jaspar se viu. Mesmo desprezando-a, ele colocara a fe­licidade de Ben em primeiro lugar e tal gesto a deixava com lágrimas nos olhos. Sentia-se terrivelmente culpada porque, de fato, era a causadora de tudo aquilo.

- Meu pai agora está falando em fazer um anúncio pú­blico sobre nosso casamento - informou-a Jaspar, o maxilar rijo.

- Está q-querendo dizer... que seu pai está disposto a me aceitar?

- Ele estava e continua bastante ansioso para me ver casado e produzindo um herdeiro. Eu lhe disse que você era pura. Foi tudo o que precisou ouvir...

Freddy lançou um olhar perplexo.

- Você contou a seu pai que eu era virgem?

- Você não tem mais nada a seu favor - informou-a ele secamente. - Embora eu suponha que deva ser bastante fotogênica.

- Bem, não se dê ao trabalho de concordar com nenhum anúncio público - declarou ela, a raiva, enfim, ebulindo. - E pare de me culpar por tudo o que deu errado! Se Ben não tivesse sido raptado, nada disto teria acontecido!

- Mas, agora que aconteceu, recriminações são inúteis e, se não tenho outra escolha senão a de continuar casado com você, pretendo fazer algum uso da situação.

Ela cruzou os braços e ergueu o queixo.

- Como?

- Você vai me dar um filho.

- Como disse? - Freddy franziu o cenho, incerta, achan­do que só podia ter entendido errado.

- Você me ouviu. E eu a aviso. - Jaspar adquiriu uma expressão maliciosa, seus olhos brilhando. - As esposas de meu irmão tiveram uma longa seqüência de filhas e, por­tanto, poderíamos levar algum tempo para termos sorte. Freddy corou até a raiz dos cabelos e respirou fundo.

- Está certo... Você fez a sua brincadeira, mas não estou com vontade de rir.

- Isso é bom, porque não estou brincando. Você queria ser minha esposa e conseguiu. Gerar herdeiros para o trono faz parte das funções da esposa do príncipe herdeiro. - Jas­par venceu a distância entre ambos e fitou-a com intensos olhos castanhos. - Pode apostar que eu estarei em casa a cada noite desta semana.

Ela recuou um passo. - Isso não é engraçado.

- E nem era para ser. Meu excelente senso de humor morreu ontem à noite, enquanto meu pai estava tentando decidir se deveríamos ter ou não ter uma bênção da igreja para coroar nossa união.

-Oh... céus. Mas, com certeza, poderemos sair desta con­fusão de algum modo...

- Não enquanto tivermos Ben a considerar...

- Mas isso não significa que tem de ser um casamento de verdade...

Jaspar seguiu-a até a parede para onde ela recuara. - Não me contentarei com menos, ma belle.

- Mas você tem agido como se me odiasse!

- Isso me impediu de levá-la para a cama ontem à noite? As faces de Freddy queimaram.

- Não, mas...

- Você se divertiu?

- Essa não é a questão...

- É exatamente a questão. Para uma mulher que chegou a vergonhosos extremos para me fisgar, você está agindo de modo bastante estranho...

- Eu não queria fisgar você! Queria estar com Ben! Tudo em que pensei foi em Ben! Será que não entende?

Jaspar segurou-a pela cintura, puxando-a para si. Ela deu-se conta de um calor instantâneo percorrendo-a, toda a força da atração que sentia vindo à tona, mas avisou-o assim mesmo:

- Não ouse.

- Eu sempre ouso. Diga que você não me quer... - Não quero você...

- E eu lhe direi que está mentindo.

Jaspar inclinou-se devagar, mordíscando-lhe o canto dos lábios, circundando-os com a ponta da língua, estimulando, provocando. Ciente de sua fraca resistência, Freddy decidiu que ficaria imóvel, feito uma escultura de gelo.

Ele soltou um riso rouco e prosseguiu com sua eróticas ca­rícias, invadindo-lhe a maciez da boca com a língua cálida. A reação dela foi imediata, o fogo do desejo percorrendo-a, dei­xando os bicos de seus seios túmidos, as pernas amolecendo.

- Desejo você - sussurrou ele, a mão deslizando sob a barra do vestido dela até o quadril arredondado, enquanto a outra a puxava para si pela nuca, os lábios beijando-a com uma paixão avassaladora.

Ela não queria que aquilo parasse. Abraçou-o pelo pesco­ço, puxando-o para si, correspondendo ao beijo com o mesmo ardor.

- Quero possuir você, ma belle...

Freddy percebeu que agora ele a deitava de encontro a uma superfície fria e dura, mas estava além de sua capaci­dade de intervir. Uma espécie de febre a consumia em sua retribuição ao beijo faminto, o desejo aumentando enquanto aqueles lábios cálidos devoravam os seus e mãos ansiosas percorriam seu corpo. Inclinado sobre ela, o sexo rijo de en­contro a seu ventre, através da barreira das roupas, Jaspar a beijava e acariciava como se fosse a mulher mais desejável do mundo... e era exatamente como a fazia sentir-se.

Até que um ruído persistente despertou-a de repente para a realidade. Um telefone tocando. Freddy abriu os olhos e subitamente questionou o que estava fazendo. Em instantâ­nea rejeição à sua própria atitude, afastou-o de si.

Jaspar ergueu-se da mesa do escritório onde a deitara, a respiração ofegante, a expressão alterada, como se também estivesse atônito.

- Pela primeira vez, você tem razão. Este não é o lugar para isto.

Ele falou rapidamente ao telefone, recostado na porta, o que a impediu de sair, apesar de sua mortificação.

- Parece que tenho uma reunião de negócios em Nova York - anunciou ele quando recolocou o fone no gancho. - Terei de partir imediatamente e ficarei ausente por vários dias.

- Talvez você possa repensar seus planos em relação a nós enquanto estiver fora.

- Foi convencimento da minha parte imaginar que seu objetivo era se tornar minha esposa e partilhar de minha vida?

Apesar de surpresa com a pergunta, Freddy foi rápida em responder:

- Sim.

- Naturalmente, tudo o que você estava querendo era se tornar uma divorciada bastante rica e duplicar o sucesso de sua prima sem ter que se dar ao trabalho de ter um filho.

- Não quis nada disso! - Freddy ficou desconcertada com o novo rumo que as suspeitas descabidas dele tomaram. Ele curvou os lábios com desdém enquanto a observava. - Não é à toa que está reclamando. Em vez de fazer compras por toda a Europa e participar de festas, você será minha esposa...

- Como eu poderia ter planejado agir assim quando te­nho de cuidar de Ben?

- Imagino que teria contratado uma babá, como fez sua prima. Você estava determinada a seguir os passos da fa­mília, e por que não? Que outro exemplo você teria para seguir? Sua mãe abandonou você e ao seu pai por causa de um homem rico e sua prima foi igualmente mercenária na sua escolha de amantes!

Freddy encarou-o, aturdida com aquela alegação ofensiva e mentirosa à sua mãe.

- Como ousa insultar a memória da minha mãe desse jeito? Minha mãe não abandonou meu pai. Ela morreu de pneumonia quando eu tinha apenas dois anos de idade!

Reconhecendo-lhe o verdadeiro ultraje, Jaspar conteve-se, seus olhos velados.

         - Perdoe-me. Eu não deveria ter descido a esse nível. Aquele relatório de investigação deve ter confundido o seu passado com o da sua prima...

- Não. Se quer minha opinião, o idiota que escreveu o tal relatório inventou boa parte dele em vez de ter ido fazer uma investigação adequada! Os pais de Érica morreram num acidente de carro e eram tão felizes no casamento quan­to meus próprios pais. Eu me lembro bem pouco da minha mãe - prosseguiu Freddy num tom acalorado, um nó na garganta. - Mas o pouco que lembro me é sagrado. Nunca mais ouse dizer uma coisa dessas sobre ela outra vez.

Jaspar fez menção de pegar-lhe a mão num gesto de con­forto, mas Freddy esquivou-se, zangada.

- Sabe o que há de errado com você?

- Tenho certeza de que está prestes a me dizer.

- A sua vida tem sido fácil demais e você é egoísta, in­sensível e não hesita em julgar os outros! Será um péssimo rei! As pessoas cometem erros, mas o fazem, às vezes, por boas razões como eu fiz, e não lamento nem um pouco o fato de estar aqui ao lado de Ben... porque você tem um coração de pedra! E você mesmo praticamente me disse isso!

E com aquilo, ela saiu abruptamente, deixando um possesso Jaspar olhando incrédulo para a porta fechada do escritório.

 

Três dias depois, Freddy recebeu a primeira visita em seu papel como esposa de Jaspar. - A princesa Hasna veio visitá-la. O chá está sendo pre­parado - informou-a Basmun, o supervisor dos criados, afas­tando-se com uma discreta mesura.

Freddy ponderou que tão logo a notícia de que estava ca­sada com Jaspar se espalhara pelo palácio de Anhara, os criados tinham passado a demonstrar uma atitude bastante diferente em relação a ela. Não evitavam mais olhar em sua direção e, de fato, dedicavam-lhe respeitosa atenção. Sus­peitava que, quando chegara, todos tinham acreditado que era amante do príncipe e ficado constrangidos e incertos so­bre como se comportar em sua presença.

Quem, afinal, era a princesa Hasna?, perguntou-se Fred­dy, intrigada, não demorando a descer a magnífica escada de pedra, uma vez que deixar um convidado importante à espera teria sido indelicado. A princesa provavelmente era membro da família de Jaspar.

Ao pé da escada, ela passou por um arranjo gigantesco de flores amarelas e esboçou um sorriso. O lindo buquê che­gara no dia anterior. Não fazia idéia do motivo para Jaspar ter-lhe enviado flores, nem tampouco porque ele lhe telefo­nara quatro vezes. Perguntara sobre Ben, sobre o que ela estava fazendo e, então, assegurara-lhe que voltaria logo pa­ra casa. Não tivesse recebido aquele tipo de telefonema qua­tro vezes, ela teria achado que sonhara que ele lhe falara de maneira tão cordial. Ainda naquele dia, acabou desejando que ele tivesse aproveitado parte daquele tempo para lhe contar alguns fatos sobre sua família...

Durante a conversa com sua visitante, Hasna, uma jovem simpática que se apresentou como uma das filhas de Adil, Freddy descobriu inesperadamente, quem, afinal, era Sabi­rah, a sedutora nua que estivera na cama, à espera de Jaspar.

Casualmente, a expansiva Hasna comentou sobre Sabi­rah, a viúva de seu pai de apenas vinte e seis anos e a qual todos na família odiavam. Segundo a jovem, Sabirah casa­ra-se com seu pai cinco anos antes, quando todos tinham esperado que ela se casasse com Jaspar. Ao que parecia, Adil não soubera que Sabirah estivera interessada em Jas­par também na época em que a desposara.

- Embora meu pai tenha falecido recentemente - acres­centara uma indignada Hasna -, Sabirah começou a per­seguir Jaspar imediatamente! Todos temíamos que Jaspar acabasse se casando com ela. Até meu avô estava preocupa­do. Afinal, Jaspar era louco por ela, e Sabirah é muito bonita.

Depois que sua visitante se foi, um grande peso oprimiu o peito de Freddy. Jaspar fora louco por Sabirah? E por que ela estava pensando naqueles termos, como uma esposa nor­mal sentindo-se ameaçada? Ela própria não o obrigara ao que deveria ter sido apenas um casamento no papel? Por que estava tentando se esquecer das circunstâncias em que haviam se casado?

Abriu um sorriso irônico, lembrando-se do comentário de Hasna de que não se admirava que o tio Jaspar tivesse se apaixonado perdidamente por ela no primeiro encontro, pois era adorável. De onde, afinal, a jovem tirara aquela história? Jaspar perdidamente apaixonado por ela? Ele teria um ata­que se soubesse que aquele era o tipo de comentário dentro do círculo de sua família.

De qualquer modo, muita coisa fazia sentido agora. Os al-Husayn achavam que Jaspar se apaixonara agora e, ao que parecia, todos a aceitavam.

Mas o fato era que ele estivera apaixonado por Sabirah antes de ela ter se casado com Adil e, presumidamente, a morena devia ter tido sentimentos por ele também. Hasna, filha do segundo casamento de Adil, podia estar apenas res­sentida em relação à madrasta. Talvez Sabirah tivesse tido pouca escolha a não ser se casar com Adil. Devia ser difícil dizer não ao herdeiro do trono quando ele fazia um pedido de casamento. Mas em que terrível situação Jaspar devia ter se encontrado, forçado a observar seu irmão mulherengo casando-se, depois de dois divórcios, com a mulher que ele próprio amara. Adil até engravidara Érica enquanto ainda estivera casado com Sabirah!

Aquilo desculpava a princesa por ter-se atirado literal­mente em cima de Jaspar? Era possível que ele tivesse man­tido um romance secreto com a esposa negligenciada do ir­mão? Freddy duvidava. Ele tinha a honra e a integridade arraigadas dentro de si. Além do mais, ficara chocado quan­do vira Sabirah nua em sua cama.

E Freddy entendia agora a surpreendente aceitação do rei Zafir do repentino casamento de seu filho com uma mu­lher que nem sequer conhecera. Ela podia ser um par infe­rior para o príncipe herdeiro de Quamar, mas, como Hasna confiara, seu avô temera que o filho quisesse se casar com a viúva do irmão. Obviamente, uma insignificante babá in­glesa era considerada um malefício menor.

Dois dias depois, Jaspar regressou mais cedo do que o esperado.

Sem sequer admitir o fato para si mesma, Freddy passara horas preparando-se para o evento. Por volta das sete da­quela noite, já fizera as unhas, domara as ondas rebeldes dos longos cabelos castanhos, aplicara uma maquiagem sua­ve e colocara um vestido curto de seda lilás, escolhido exaus­tivamente entre as roupas que Érica lhe dera.

Quando ouviu o helicóptero pousando, pegou Ben no colo, que já estava de pijama, e deixou o quarto.

Viu Jaspar primeiro do alto da escada, atravessando o amplo vestíbulo abaixo. Estava charmoso num terno azul­marinho, e o coração dela disparou. Corou quando ele olhou para cima e ambos se entreolharam.

- Deixe-me pegar Ben - disse, subindo os degraus para ir ao encontro dos dois no alto da escada.

O menino foi para os braços dele sem hesitação e começou a tagarelar, palavras entusiasmadas e quase incompreensí­veis atropelando-se. Jaspar sorriu para o sobrinho, e o efeito daquele sorriso espontâneo, carismático quase roubou o fô­lego de Freddy.

- Ben já voltou ao normal. Está da maneira como lembro dele em Londres, cheio de vida e sem medo novamente - comentou Jaspar com satisfação.

- Sim...

- Você obteve um verdadeiro milagre com o menino.

- Eu apenas brinco com ele e lhe dou carinho, atenção... Jaspar fez menção de começar a descer os degraus com o menino, mas antes deteve-se para observá-la.

- Você está linda nesse vestido - murmurou num tom de apreciação.

- Érica o deu a mim, mas eu nunca o havia usado antes... Eu não ia ao tipo de lugares onde as pessoas se vestem com mais sofisticação. - Ela tentou conter o nervosismo, sentin­do-se desajeitada como se estivesse num primeiro encontro.

- Levarei você às compras. Não tem necessidade de usar as roupas descartadas por sua prima agora.

- O vestido não foi descartado. Érica o comprou para mim. Ela sempre foi muito generosa e sei que você acha que era uma pessoa odiosa, mas eu gostava da minha prima.

Uma expressão grave surgiu no rosto de Jaspar, um pe­sado silêncio prolongando-se entre ambos.

- Você tem sua razão - disse, enfim, surpreendendo-a com a súbita concordância. - Se você não insultar Adil, eu me esforçarei para ter a sua mesma boa vontade no que diz respeito à Érica. Algum dia, teremos de conversar com Ben sobre seus pais biológicos e precisaremos lhe passar impres­sões mais brandas sobre o passado.

Freddy meneou a cabeça, parte de sua ansiedade se dis­sipando. Ele falava como se fossem ficar juntos por um longo tempo, pensou um tanto atordoada. Mas nenhum outro tipo de acordo teria feito sentido, não era? Quando Jaspar falara sobre ela ter seus filhos, certamente não esperara que os abandonasse no futuro.

Sua decisão de colocar as necessidades de Ben em primei­ro lugar e de criar o sobrinho ao lado dela significava que o casamento de ambos tinha de se tornar verdadeiro. Jaspar não tivera escolha. E precisava de um herdeiro, quer dese­jasse estar casado com ela, ou não.

Ele aceitara o inevitável. As belas rosas e os telefonemas haviam feito parte de seus esforços. Apesar das circunstân­cias que os haviam unido, estava tentando agir como um marido normal.

Observando a maneira afetuosa como Jaspar tornou a fa­lar com Ben enquanto desciam as escadas, Freddy sentiu um nó na garganta. Ele seria um exemplo masculino perfeito para o menino.

O destino podia ter colocado a ambos em lados opostos quando haviam se conhecido, mas ela via tanto o que admi­rar em Jaspar. Sua inteligência, sua força, sua integridade e lealdade familiar, sem mencionar o grande senso de res­ponsabilidade que o fizera colocar as necessidades de uma criança que mal conhecia à frente das suas. Não perdia a calma diante de uma crise também, mas se tivesse sabido o preço que teria de pagar, Freddy tinha certeza de que ele jamais teria concordado em desposá-la.

E como não se sentir com a consciência pesada? Privara-o do direito de escolher a própria esposa e o obrigara a ficar a seu lado. Exatamente no ponto em que começava a perce­ber que estava se apaixonando por Jaspar al-Husayn, reco­nhecia que armadilha humilhante preparara para si. Jamais estaria em condições de achar que era desejada por si mes­ma, que era a mulher ao lado da qual seu marido queria estar.

Ben acabou adormecendo no chão da sala enquanto esti­vera brincando com um grande trem de brinquedo que Jas­par lhe trouxera de Nova York. Ele o carregou até o andar de cima e, depois que Freddy cobriu o menino, ajeitando-o para passar a noite, notou que Jaspar a observava com um olhar circunspecto.

- Vejo que você esteve dormindo aqui também. - Tendo lançando um olhar para a camisola deixada sobre a outra cama de solteiro do quarto, Jaspar saiu para o corredor. Freddy ficou bastante tensa. - Sim.

- Você não ouviu nada do que eu disse antes de ter par­tido para Nova York? - perguntou ele com impaciência. - Você não pode dormir no quarto de Ben feito uma babá. Aliás, já instruí Basmun para contratar uma.

- Mas não é necessário...

- É claro que é. Ben deve aprender tanto árabe quanto inglês e haverá muitas ocasiões em que não será conveniente para você cuidar dele. Preciso lembrá-la que uma esposa divide a mesma cama com seu marido?

- Dormi no quarto de Ben porque achei que isso o aju­daria a sentir-se mais em casa aqui.

- Seja como for, uma criada poderá dormir no quarto do menino até que uma babá seja contratada. Vou tomar um banho antes do jantar - completou Jaspar num tom frio e definitivo.

Furiosa por ele estar persistindo tanto no assunto, Freddy seguiu-o até o quarto.

- Pelos céus, depois que você viajou, eu não sabia onde deveria dormir!

- Bem, agora você sabe.

Antes de lhe dar alguma idéia de sua intenção, Jaspar fechou a porta do quarto e encostou-a de encontro à madeira trabalhada. Tomou-lhe os lábios com um beijo faminto, os braços envolvendo-a, enquanto a moldava junto ao calor de seu corpo.

A raiva de Freddy deu lugar instantaneamente à paixão, os lábios se entreabrindo, encorajando a erótica penetração da língua dele, um gemido de prazer escapando de sua garganta.

Erguendo-a nos braços, Jaspar deitou-a com gentileza na cama, observando-a com olhar ardente.

- É esse exatamente o seu lugar - murmurou. Mortificada pela reação ardorosa que ele lhe despertara com um mínimo de esforço, Freddy encarou-o, enquanto re­cobrava o fôlego.

- Você não pode esperar que eu...

- Eu não espero nada além de um pouco de bom senso de sua parte. Se um simples rumor de que nosso casamento já está tão problemático que ocupamos quartos separados se espalhar para além destas paredes, não teremos esperan­ça de convencer ninguém, muito menos a meu pai, de que a nossa é a união por amor que eu afirmei que era!

- União por amor?

- De que outra maneira você acha que o persuadi a acei­tar nosso casamento? - perguntou ele, exasperado. - Com a verdade?

Pálida, Freddy desviou os olhos culpados, tendo reconhe­cido o ressentimento nos dele com a necessidade de ter pre­cisado usar de tal mentira. Deveria ter levado mais a sério o que Hasna dissera em relação ao mesmo assunto.

- Foi o único argumento que pude usar. A sincera alegria de meu pai por minha causa me encheu de vergonha. Envergonhava a Freddy também.

- Não há nada que eu possa dizer para acertar as coisas - murmurou, trêmula.

- Mas também cometi erros. Eu não queria esmiuçar os segredos obscuros da vida de Adil e me ressenti de tal ne­cessidade. Eu realmente pensei em Ben como uma merca­doria que podia ser colocada num avião. Mas tudo isso ficou para trás agora.

- E como pode ser?

- Tem de ser - reafirmou Jaspar com uma autoconfian­ça que a desconcertou. - Temos de viver juntos e tornar nosso casamento bem-sucedido... e por que não?

Apesar da meia dúzia de razões na ponta de sua língua, Freddy manteve-se em silêncio, desejando demais ser per­suadida do contrário.

- Você parece surpresa. - Jaspar tirou o paletó e a gra­vata. - Falaremos sobre isso durante o jantar.

Ambos jantaram em meio ao formal esplendor de uma sala tão grande que poderia ter acomodado um banquete de Estado.

Quando, enfim, o café foi servido, Jaspar recostou-se na cadeira, a personificação da descontração masculina.

- Enquanto eu estava em Nova York, pensei em nossa situação como se fosse um acordo de negócios e acho que podemos chegar a um relacionamento satisfatório para am­bas as partes. Nós temos um casamento de conveniência, um pacto prático, que não envolve emoções e pode contentar a nós dois de modos diferentes. Como não estamos apaixo­nados e eu já sei do pior do que você é capaz, estou ciente do que posso esperar e do que quero. Você, por sua vez, terá Ben e o estilo de vida que queria e em troca disso...

- Você consegue... como espera... um filho e herdeiro - completou Freddy, esforçando-se para conter a onda de raiva e dor que a dominou. Afinal, se ele podia ficar ali sentado, falando sobre o relacionamento de ambos nos termos mais cho­cantes e frios, longe dela trair algum sentimento, ou fraqueza.

- E uma esposa bastante bonita e sexy - disse Jaspar num tom rouco, sensual apreciação iluminando-lhe os olhos enquanto a observava. - Não vejo razão para não estabe­lecermos um casamento mutuamente benéfico. Deixaremos o passado para trás e tiraremos o máximo de proveito do presente.

- Eu... precisaria de mais do que isso para ser feliz... - Deveria ter pensado nesse aspecto antes de ter se ca­sado comigo.

- Eu não sabia que iria acabar vivendo com você, certo? - retrucou Freddy, a frágil compostura esmorecendo para dar vazão ao turbilhão de emoções que estivera lutando para conter enquanto o ouvira. - E sabe o que eu vejo? Apenas mais um homem fraco que foi magoado uma vez em sua vida...

Jaspar lançou-lhe um olhar incrédulo. - Como disse?

- ...e sentiu tanta pena de si mesmo e de seu orgulho ferido que tem descontado em cada mulher com quem esteve desde então, agindo como um completo idiota! - acusou-o Freddy veemente, afastando a cadeira para trás para se le­vantar. - Bem, não irá descontar em mim! Assim, se e quan­do estiver disposto a me oferecer algo que não seja o maldito acordo de negócios em forma de casamento, é só me dizer. Nesse meio tempo, não ouse encostar um dedo em mim. Es­tou fora dos limites...

- Certamente que está - disse Jaspar num tom grave, também se levantando, a raiva endurecendo-lhe o semblan­te. - Que conversa é essa sobre homens fracos e orgulho ferido? De onde toda essa tolice surgiu?

- Não é tolice. Eu gostaria que fosse, mas eu acredito sinceramente que você despreza as mulheres. Pensei que fosse apenas eu, mas acho que não é...

- Responda a pergunta. Ao que estava se referindo? E com quem andou falando?

Ela empalideceu, pois já estava ciente de que, tendo ce­dido à raiva e, em sua mágoa e desapontamento, acabara falando demais, tocando num assunto delicado que não de­veria ter mencionado.

- Desculpe-me se o ofendi. Acho que não devemos entrar nessa questão...

- Você estava se referindo a Sabirah. - O maxilar rijo, Jaspar estudou-lhe o rosto vermelho com raiva.

- O que eu estava tentando dizer... sem muito tato... é que eu não poderia enfrentar a situação de ter um bebê com alguém que fala sobre termos um acordo sem emoções. Eu tenho sentimentos...

- Então, respeite os meus - retrucou ele, acusador, re­tirando-se abruptamente da sala.

Duas horas depois, quando já desistira da esperança de que ele reaparecesse, Freddy subiu as escadas. Para sua surpresa, sobre a cama do quarto que ainda se esforçava para considerar como de ambos, havia uma grande pilha de presentes com um cartão em cima escrito com a letra de Jaspar.

Depois de abri-los e encontrar coisas adoráveis e que com­binavam com ela, Freddy sentou-se pesadamente no tapete persa ao lado da cama, sentindo-se a mais odiosa das mulheres. Mas como entender o homem que comparara o casa­mento de ambos a um acordo de negócios e, ao mesmo tempo, agira como um marido devotado?

Aqueles presentes disseram-lhe tanto a respeito de Jas­par. Era incrivelmente observador. Comprara-lhe o perfume favorito, que devia ter identificado, um relógio de ouro e diamantes para substituir o dela, cuja pulseira comum vivia abrindo, uma bolsa semelhante à que usava, mas de quali­dade muito superior, uma linda caixa entalhada, repleta de miniaturas, das quais devia ter mencionado gostar e um pote repleto de trufas, que se lembrava de já ter comentado casualmente que eram sua fraqueza. Jaspar fora tão gene­roso, tão atencioso em ter escolhido presentes que a agra­dariam que ela ficou comovida, mas também envergonhada.

Um homem que desprezava mulheres não teria demons­trado aquele grau de carinho e consideração. Não, estava simplesmente lidando com um homem que não confiava nas mulheres e não sem motivo. Um homem que aprendera a esconder sua verdadeira natureza atrás de uma fachada fria de reserva. Mas ainda um homem que lhe enviara rosas, que lhe telefonara todos os dias e fizera uma porção de com­pras por causa dela. Freddy sorriu por entre as lágrimas que escorreram por seu rosto.

Um casamento de conveniência? Bem, depois da maneira como o forçara a casar, não tinha o direito de falar em querer mais. Jaspar tivera de se contentar com menos do que de­sejara e, portanto, ela teria de fazer o mesmo.

 

Jaspar entrou no quarto, fechando a porta atrás de si, e, então, parou, surpreso.

Sob o luar que se filtrava pelas janelas, viu que Freddy adormecera no chão. Lenços de papel amassados circunda­vam-na e estava com o nariz um tanto vermelho. Parecia tão frágil e indefesa, pensou, uma inesperada onda de ter­nura envolvendo-o. Erguendo-a em seus braços, deitou-a na cama com gentileza e abriu-lhe o zíper do vestido lilás, re­tirando-o para deixá-la mais confortável.

Ela era tão espontânea, tão desprovida das artimanhas mais sutis femininas que o fascinava. Desde cedo, ele fora ensinado a nunca falar sem pensar, a não baixar a guarda e a jamais se descontrolar. Mas até que Freddy entrara em sua vida ordenada e tranqüila, sua autodisciplina raramente fora testada. Afinal, ninguém o criticava, nem discutia com ele, e as mulheres sempre tinham se mostrado prontas a agradá-lo.

Apenas Freddy ousara fazer exigências. Ter permanecido na sala de jantar, discutindo com ele, alheia ao fato de que um atônito Basmum estivera se esforçando para recuar ra­pidamente da sala com uma bandeja pesada... Ela tinha mui­to que aprender. Embora o pai dele já tivesse exigido firme­mente saber quando iria conhecer sua nora, Jaspar achava que não podia se arriscar a um potencial conflito entre am­bos. Freddy era independente, determinada, 'e a opinião de seu pai de como devia ser o comportamento das mulheres estava um meio século atrasada.

Ela acordou com um bocejo e, quando o fitou, sentou-se um tanto sobressaltada.

- Onde você esteve?

- Trabalhando no meu escritório.

- Nem sequer pensei em procurar você lá. Pensei que tivesse saído...

  - Não há muito nas imediações de Anhara. - Estenden­do a mão, Jaspar acendeu as luzes próximas à cama. Piscando sob a súbita claridade, dando-se conta de que seu vestido fora removido e que usava apenas sutiã e calei­nha de renda, Freddy corou, confusa. Estudou-lhe o rosto bonito e o ligeiro sorriso que lhe curvou os lábios, seu coração disparando. Ficou aliviada em ver que ele não estava mais zangado, que suas palavras impensadas não haviam causa­do dano permanente.

- Lamento o que eu disse. Não sei o que me acontece quando estou perto de você. Não costumo agredir verbal­mente as outras pessoas.

- Está esquecido. - Jaspar observou-a com olhos inten­sos. - Em certas ocasiões, adoro provocar.

Ela sentiu o pulso se acelerando, afetada pela expressão naqueles olhos incríveis, contendo a ardente apreciação mas­culina que ele não tentava esconder.

- Tenho um temperamento forte. - Notei.

Jaspar levou a mão as costas dela com gentileza para abrir-lhe o fecho do sutiã. Baixou-lhe as alças pelos braços, retirando-o facilmente, os seios fartos com seus mamilos ro­sados e provocantes expostos sob o olhar ardente dele.

Freddy sentiu as faces afogueadas, mas uma corrente de excitação percorreu-a de imediato.

- Você é magnífica, ma belle...

Sentindo-se segura de sua feminilidade com aquele ho­mem e de seu poder de atrair agora, ela viu-se arqueando as costas, móvida por um desejo irresistível, de modo que suas curvas ficaram ainda mais em evidência.

Sucumbindo à tentação, Jaspar recostou-a de encontro aos travesseiros e cobriu um dos mamilos túmidos com lábios ansiosos.

- Adoro seu corpo maravilhoso - confessou, ardoroso. As palavras faltavam a Freddy, todo seu ser centrado nas carícias de lábios e mãos experientes em seus seios, sugando, estimulando, provocando...

- Você tem o efeito de um vulcão sobre minha libido - acrescentou ele, rouco de desejo, quando, enfim, afastou-se um pouco para se livrar das próprias roupas.

Inebriada por deliciosos anseios, Freddy observou-o rele­vando o corpo másculo, viril. Era evidente que a queria e com surpreendente intensidade. Jamais sonhara que poderia exercer aquele efeito sobre um homem. Nem suspeitara que, sabendo daquilo, seria capaz de ficar deitada ali quase nua e sem inibição, aceitando aquele olhar ardente de admiração. - Você é uma mulher bastante sensual.

- Não sei o que eu sou - confessou ela, permitindo-se apreciá-lo também, pois era um homem incrivelmente sexy, sedutor. - Ainda estou só descobrindo...

- Deixe-me mostrar a você... - Jaspar tornou a se apro­ximar, despindo-lhe a calcinha de renda. - Pensei neste momento a cada dia que estive longe de você, ma belle.

Tomou-lhe os lábios, então, com um beijo voluptuoso e a explosão de paixão entre ambos foi inevitável. Jaspar, enfim, deslizou os lábios pelo corpo dela, deixando-lhe uma trilha incandescente na pele, até que lhe chegou ao ventre e, então, foi descendo mais, desvendando-lhe o centro da feminilidade, enlouquecendo-a de prazer.

Em princípio, Freddy quis protestar, a inibição travando uma batalha com o desejo, mas não demorou para que a decisão fosse tirada de suas mãos, pois o incrível deleite que a percorreu-a levou a melhor.

Prestes a ser tomada pelo fabuloso clímax, Jaspar posi­cionou-a para recebê-lo e penetrou-a. Um suspiro deliciado escapou dos lábios dela, seu prazer se prolongando ao má­ximo, enquanto os corpos de ambos começavam a ondular freneticamente, e, enfim, o êxtase os arrebatava.

Enquanto os fantásticos espasmos cederam, Freddy abriu um sorriso de contentamento. Apesar de tudo, tinha muita sorte. Jaspar era um homem maravilhoso e era ótimo com Ben. E adorava o corpo dela, realmente adorava.

Ele rolou na cama e deixou-a deitada sobre seu corpo, afas­tando-lhe os cabelos do rosto com surpreendente ternura. - Da próxima vez, você irá a Nova York também.

- Para ajudar você a fazer compras? - provocou-o ela. - Quando estou na cidade, gosto de sair para tomar um pouco de ar fresco entre as reuniões.

- Oh, não estou reclamando. Só fiquei surpresa com tan­tos presentes e nem sequer lhe agradeci ainda.

- Tive todo agradecimento que precisava. - Jaspar abriu­lhe um sorriso faminto que a arrepiou de prazer.

Tornou a deitá-la na cama, então, e beijou-a com todo o vagar nos lábios, usando de uma sensualidade que a deixou com a mente rodopiando.

Um longo tempo depois, despertando nos braços dele, sa­ciada, e sem sequer saber que horas.eram da madrugada, Freddy afagou-lhe o rosto bonito. Acordado, ele a estivera observando, uma expressão serena em seu semblante.

Ela lembrou-se de repente da curiosidade que a estivera inquietando durante aqueles dias. Ficara desconcertada com o comentário que Jaspar fizera sobre sua mãe e, desde então, estivera ansiando para ler o relatório de investigação e ver como um mal-entendido absurdo daqueles podia ter ocorrido.

- Aquele relatório... o do detetive que fez a investigação sobre Érica... - começou, hesitante. - Eu quero vê-lo. Jaspar ficou tenso.

- Por quê?

- Creio que nada naquele relatório irá me chocar. Afinal, morei com Erica. Mas é aquela parte sobre a minha mãe... ou a dela... que eu realmente gostaria de ver.

- Mas disse que sua mãe morreu quando você era um bebê. Não pode estar duvidando desse fato.

- Não duvido. - Relutante em revelar quanto seu fale­cido pai fora fechado em relação ao assunto de sua mãe, Freddy esforçou-se para explicar seus sentimentos. – Mas naturalmente estou curiosa com algo assim estranho sendo atribuído à minha família.

- Você deveria esquecer a respeito. Eu lamento muito ter mencionado o assunto. Além do mais, providenciei para que o relatório fosse destruído.

- Oh, mas por quê?

- Eu estava pensando em Ben. Achei que não seria sen­sato manter um documento que expunha tanto a mãe dele. Dando-lhe razão, Freddy soltou um suspiro.

- Eu só queria vê-lo.

- Mas aquele relatório estava cheio de erros. Bem, eu poderia providenciar para que as informações sobre sua fa­mília fossem checadas por um outro detetive particular, se você quisesse, mas não vejo...

- Sim, eu gostaria muito. Minha teoria é de que, talvez, o meu tio, o pai de Érica, tenha se casado antes de ter conhecido a mãe dela e de que esse primeiro casamento terminou.

- Depois de todo esse tempo, isso realmente importa? - Importa para mim.

- Então, será feito, ma belle.

Um sorriso caloroso brotou dos lábios dela e, enquanto fitava aqueles intensos olhos castanhos, viu-se entregando-­se de volta aos braços dele no mesmo instante em que Jaspar a puxava para si novamente.

Mais de um mês depois, Freddy estava deitada num ta­pete macio sobre a relva abaixo de uma árvore frondosa. Era um lugar paradisíaco. Colinas rochosas circundavam o vale verdejante e flores silvestres cresciam a toda a volta do lago ao qual Jaspar a levara de jipe, não muito distante do palácio.

Observou-o mergulhando nas águas cristalinas, um sor­riso de contentamento curvando-lhe os lábios. Apoiando-se num cotovelo, então, apanhou uma garrafa de água mineral e um copo da cesta de piquenique que haviam levado a fim de saciar a sede.

Quando se sentou, foi dominada por uma forte tontura. Foi a segunda vez numa questão de dias que se sentiu da­quela maneira e estava ciente de que seu ciclo estava atrasado. Mas aquilo já acontecera antes em algumas situações de estresse e não havia como negar que sua vida mudara radicalmente ao longo das seis semanas anteriores. Pergun­tou-se se era cedo demais para fazer um teste de gravidez, porém achou que as chances de ter engravidado no primeiro mês do casamento de ambos eram poucas.

Embora Jaspar fizesse amor com ela a cada dia da sema­na, pensou, observando-o dar suas vigorosas braçadas no lago, seu olhar possessivo e terno. Estava perdidamente apai­xonada e o mês anterior fora-lhe uma revelação, pois jamais fora tão feliz. Não importando que outros deveres exigissem a atenção de Jaspar como príncipe herdeiro de Quamar, de­dicava grande parte de seu tempo a ela e Ben. Apesar de suas palavras de avisos iniciais quanto ao acordo de ambos que a tinham feito temer tanto, não parecia estar sendo um sacrifício para ele empenhar-se para que o casamento desse certo, parecia querer realmente estar com ela e sua afeição por Ben era evidente.

Apesar de sua dedicação, entretanto, Jaspar era bem mais reservado em relação a seus sentimentos pessoais. Já dei­xara mais do que claro que a desejava e que gostava muito de sua companhia. Mas se não a amava, Freddy não podia culpá-lo. O amor acontecia ou não e, se ainda não acontecera, aquilo nunca se daria.

De qualquer modo, se sua felicidade não era completa, ela estava mais feliz do que jamais estivera. Adorava Qua­mar. Era, de fato, um país bonito, uma mistura fascinante de deserto, férteis áreas rurais e o que havia de mais mo­derno em termos de arquitetura e tecnologia como na es­plêndida capital. E os quamarianos eram um povo amistoso, expansivo. Jaspar levara-a a vários lugares e, em todos, não importando com quem estivesse e quão rico ou humilde fosse seu anfitrião, ele sempre se mostrava a mesma pessoa aces­sível, cortês, carismática. Os quamarianos pareciam consi­derá-lo como a coisa mais próxima a uma divindade.

Quando ambos encerraram o passeio e retornaram ao pa­lácio de Anhara no início daquela tarde, Ben estava à espera deles no salão principal. Passara a manhã com o avô no palácio real e estava ansioso para lhes mostrar seu novo brinquedo. Nunca voltava sem um presente e tinha sempre relatos entusiasmados sobre quanto se divertira. Freddy ti­vera que reconsiderar sua suposição de que o interesse do rei Zafix pelo neto seria apenas passageiro, pois o monarca passava tempo com o menino a cada semana. Ainda assim, ele ainda não fizera nenhum esforço para conhecer a esposa do filho, pensou ela, magoada com tal descaso.

Depois de abraçar Ben e perguntar como fora sua manhã, Jaspar anunciou que teria uma reunião e subiu para o quar­to para se trocar. Como o menino estivesse pronto para sua soneca, Freddy levou-o até a babá. Era uma jovem adorável, com grande senso de humor e não tão inclinada a mimar Ben demais como faziam as criadas. O menino pediu insis­tentemente o urso de pelúcia favorito, que não estava em seu quarto, e Freddy deu-se conta que devia ter sido deixado nos jardins no início da manhã, onde se despedira dela na saída para a visita ao palácio do avô.

- Irei buscá-lo. Eu sei onde está - assegurou ela à babá. Caminhando sob as árvores frondosas que ofereciam abri­go do calor opressivo, Freddy não demorou a avistar o urso de pelúcia esquecido num banco e apanhou-o. Chegando ao ponto onde os dois caminhos se encontravam, viu um velho senhor de barba branca à sombra das árvores. Trajando a tradicional túnica azul-escura usada pelos homens do deser­to, apoiava-se pesadamente num cajado e esforçava-se com alguma dificuldade para recobrar o fôlego sob o ar quente, abafadiço. Deu a impressão de estar prestes a desabar, e Freddy se apressou na direção dele quando lhe notou o rosto desprovido de cor e coberto de transpiração.

- Venha sentar-se. - Indicando-lhe um banco próximo, pegou-lhe o cotovelo para demonstrar o que queria dizer com seu gesto, pois duvidou que ele falasse seu idioma.

Perplexo, o velho protestou em árabe, o que só lhe au­mentou a dificuldade para respirar.

- Por favor, não se aborreça. Só estou tentando ajudar. Não parece bem e precisa descansar. Subiu todas as escadas desde os portões de entrada? São bastante íngremes. Eu mes­ma mal consigo subi-Ias sem perder o fôlego.

Com determinação, ela o fez sentar no banco.

- Respire devagar - pediu-lhe ansiosamente. - Vou entrar depressa e lhe buscar um bom copo de água fresca. Agora, não ouse se mover, ou ficarei bastante zangada. Ele entreabriu os lábios.

- Não, não tente falar. Apenas descanse até que eu volte. Freddy voltou rapidamente ao interior do palácio. Encon­trando Basmum no vestíbulo, disse-lhe que um médico tal­vez fosse necessário porque um homem idoso estava passan­do mal nos jardins. Colocou água em um copo e voltou cor­rendo até o homem.

Ficou aliviada em encontrá-lo sentado onde o deixara. Ele aceitou o copo de água e bebeu com apreciação antes de dizer: - Obrigado. Você é bondosa.

- Parece melhor - comentou Freddy antes de se dar conta de que ele lhe respondera em seu próprio idioma e, então, abriu um sorriso de alívio. - Fico contente que fale minha língua. Por enquanto, ainda sei poucas palavras em árabe e, quando o vi, esqueci todas! Está aqui sozinho?

- Meus... - Ele hesitou - ... acompanhantes me espe­ram junto aos portões.

- Acho que deve ver um médico. - Sentindo ela própria os efeitos do calor, abanou-se com a mão.

- Já vi tantos médicos - queixou-se o homem, seus olhos escuros e inteligentes revelando sua frustração. - Estou cansado que me digam para repousar.

- Mas o repouso faz parte do processo de cura, e deveria seguir as recomendações que lhe dão. Não deve negligenciar sua saúde - persistiu Freddy com gentileza.

- Tem o hábito de dar ordens a seus visitantes?

- Somente aos teimosos. - Mas o costumeiro sorriso ra­diante dela estava fraco, pois começava a se dar conta de que também não estava se sentindo muito bem. - Perdoe-me... - começou, levantando-se para se apoiar em pernas que pa­receram trêmulas, a cabeça rodopiando. Um segundo depois, aconteceu-lhe algo que nunca ocorrera antes: ela desmaiou.

 

Freddy despertou sentindo-se zonza. Estava deitada no quarto de temperatura agradável de ambos, e Jaspar a observava com preocupação.

- O médico pessoal do meu pai, o dr. Kasim, está à espera para vê-Ia.

- Mas não preciso de um médico - protestou ela, em­baraçada: - Fui uma tola. Fiquei andando sob aquele calor terrível...

- Buscando água para um homem obstinado, que deveria ter pensado melhor no que estava fazendo - resmungou Jas­par. - Meu pai está tão ansioso quanto eu para que você seja examinada por um médico. Pode ter contraído uma febre.

Enquanto Freddy ainda se sentia desorientada para en­tender que possível ligação haveria entre o rei Zafir e a água que ela levara para o velho senhor nos jardins, Jaspar já abria a porta para um cavalheiro ainda mais idoso entrar. Ele pareceu inclinado a ficar, mas depois de vê-Ia arqueando uma sobrancelha de maneira sugestiva, entendeu a deixa e retirou-se do quarto. Freddy ficou tocada em notar a preo­cupação dele por sua causa, mas estava mortificada com o alarde que fora criado.

O dr. Kasim era atencioso e dono de grande tato. Depois de ter respondido sua série de perguntas e ter se submetido a um breve exame, ela o observou fazendo anotações cuida­dosamente em uma caderneta.

- Não há nada errado comigo... não é?

- Não, nada errado. - Ele levantou os olhos, tranqüilizando-a com um sorriso. - Você está no início de uma gra­videz. Fico honrado em fazer esse diagnóstico e ser o pri­meiro a lhe dar a notícia.

Freddy entreabriu os lábios e tornou a fechá-los. Ia ter um bebê? Sim, a possibilidade ocorrera-lhe, mas não ousara. levá-la tão a sério e, agora que o fato se concretizara, um sorriso sonhador curvou-lhe os lábios.

O dr. Kasim limpou a garganta.

- Quando tiver visitado um ginecologista, ele natural­mente a aconselhará, mas como, no momento, é minha pa­ciente, eu lhe recomendo que seja muito cuidadosa. Evite exercícios e qualquer coisa que a canse. Beba apenas água mineral, coma apenas comida fresca. Evite temperos fortes, dormir tarde, repouse pela manhã e à tarde...

Enquanto a enxurrada de instruções prosseguiu e chegou ao ponto de incluir uma recomendação de que toda a ativi­dade na cama conjugal deveria cessar também, Freddy en­carou o médico em crescente incredulidade. Era uma mulher saudável que raramente contraíra sequer um resfriado, e o homem lhe falava como se fosse uma frágil flor. Teve a es­perança de acabar descobrindo que as rigorosas restrições dele estivessem com várias décadas de atraso.

- Deve ter o máximo de cautela uma vez que está car­regando no ventre um herdeiro em potencial ao trono - informou-o o dr. Kasim com ar grave. - Mas como tenho certeza de que deseja ser discreta quanto ao fato no momen­to, fique certa de meu sigilo.

A alegria da concepção foi um tanto diminuída para Fred­dy diante da perspectiva de oito meses de noites sem sexo ardente nos braços de Jaspar, mas censurou a si mesma por duvidar do conselho do médico. Afinal, pensou, pesarosa, Érica não tivera uma gravidez fácil.

Jaspar ficaria bastante satisfeito quando lhe contasse que estava grávida, mas ela relutou em fazê-lo de imediato. Fa­laria com um ginecologista antes de se arriscar a dizer a seu marido que era intocável durante os meses seguintes. Sim, queria muito aquele bebê, mas temia que restrições tão severas pudessem prejudicar seu relacionamento.

- Por que está chorando? - O médico se retirara, e Jas­par sentou-se na beirada da cama, abraçando-a. - O dr. Kasim disse que você está bem.

- Sim... Que idade ele tem?

- Deve ter uns oitenta anos, mas meu pai o tem em alta consideração. Alguns médicos mais jovens completam a equi­pe dele. Pensei que você preferisse um homem mais velho. - Ele foi muito gentil.

- Deveria estar sorrindo. Com um simples copo de água, você caiu nas graças do meu pai. Ele está lá em baixo, con­tando sua versão do Bom Samaritano a todos. Pelo que en­tendi, você o fez sentar e o repreendeu.

Freddy arregalou os olhos.   _

- Está me dizendo que o homem idoso lá fora era seu pai... o rei?

- Ele não gosta de helicópteros e foi trazido de carro até aqui. Junto aos portões, disse a seus assistentes que conse­guiria subir os degraus até os jardins sem ajuda e, é claro, não ousaram desobedecê-lo. Pelo que soube, ele estava tendo um mal-estar quando você o avistou...

- Sim... - Freddy estava perplexa diante da familiari­dade com que se comportara com ninguém menos do que o rei. - Oh, eu não fazia idéia! Ele estava vestido como um daqueles homens das tribos do deserto, como um pastor...

- Ele logo lhe diria que não se considera superior ao mais humilde de seus súditos. - Havia um brilho divertido nos olhos de Jaspar. - Está tão acostumado a ser reconhe­cido que não lhe ocorreu que um mal-entendido desses pu­desse surgir.

- Céus, que má impressão eu devo ter-lhe causado!

- Longe disso. Meu pai ficou bastante impressionado. Em vez de chamar os criados, você cuidou dele pessoalmen­te, desdobrando-se para ajudá-lo. Disse que você era uma jovem franca, caridosa e cheia de bom senso. Vindo dele é o maior dos elogios. Que você também se pareça com um anjo deve tê-lo ajudado a engolir a falta de dignidade.

- Oh, estou tão aliviada por não tê-lo ofendido.

- Fique tranqüila quanto a isso. Eu deveria ter levado você para conhecer meu pai semanas atrás, como ele mesmo me pediu. Mas o estado de espírito dele tem andado tão incerto ultimamente que temi...

- Que eu o ofendesse - completou ela, magoada.

- Eu subestimei a vocês dois e por isso peço desculpas. Acha que estará se sentindo bem o bastante para se reunir a nós para o jantar logo mais?

Freddy confirmou com um gesto de cabeça porque lutava para esconder que estava.à beira das lágrimas. Não pudera deixar de ver o significado mais profundo do que ele dissera. Recuara do desafio de apresentá-la ao pai. Tivera vergonha dela.

E por que não? Não era tempo de enfrentar um fato do­loroso, ou dois?, perguntou-se Freddy. Jaspar deveria ter-se casado com uma princesa, uma aristocrata, ou, no mínimo, uma quamariana bem-nascida, que teria sabido se compor­tar em qualquer situação. Por pouco, ela não ofendera o rei e causara a Jaspar grande constrangimento. Talvez, no fun­do, pensou Freddy sem poder evitar, ele amaldiçoasse a amar­ga ironia da situação, lamentando não ter-se casado com Sabirah, justamente quando o caminho dos dois tinha ficado livre, Sabirah a mulher que fora o amor de sua vida... Jaspar entrelaçou os dedos de ambos.

- Fico contente que meu pai tenha tido a oportunidade de conhecer você em seu natural.

Freddy não se deixou consolar pelas palavras de apoio, ciente de suas falhas.

- Ficaremos juntos para sempre, não é? - perguntou. Jaspar fitou-a com inquiridora intensidade, os olhos se estreitando. Pareceu empalidecer diante da perspectiva. - Grudados irremediavelmente... Ben e o sexo sendo as únicas coisas que nos unem, não é mesmo? - disse ela com um soluço, afundando o rosto no travesseiro.

- Não é como me sinto. Não fale desse jeito. O que há de errado?

- Acontece apenas que... às vezes é difícil eu esquecer que chantageei você a se casar comigo.

- Procure não pensar mais nisso. Não posso dizer que não tenho tido compensações... - Jaspar percorreu-a com um olhar ardoroso, um sorriso maroto curvando-lhe os lá­bios. - Agora, tente descansar, sim?

Quando se viu a sós, Freddy ponderou que, se já tivesse contado sobre o bebê, ele teria se sentido ainda mais impe­lido a continuar a seu lado... mas não por ela própria. Amava Jaspar com todas as suas forças, mas não conseguia suportar a idéia de que, apesar de todos os gestos carinhosos dele, era bem inferior ao que o príncipe herdeiro desejara como esposa. Ainda assim, sabia que teria de aprender a conviver com o orgulho ferido e a apreciar o que tinha.

.O jantar com o rei Zafir à cabeceira da imponente mesa foi um tanto tenso para Freddy, que se viu alvo de inúmeras perguntas. O rei, não demorou ela a confirmar, tinha uma personalidade forte, mas, apesar de sua natureza um tanto autoritária e crítica, parecia ter um bom coração.

No final do jantar, ela notou o sinal quase imperceptível de Jaspar para que os deixasse a sós e retirou-se, caminhan­do pelo longo corredor até a biblioteca, onde se sentou para ler. Somente quarenta minutos depois, ele apareceu à porta, bonito' e elegante em seu terno sob medida.

- Desculpe-me por eu ter me mostrado tão ressentida esta tarde - disse ela logo de início. - Seu pai já foi?

- Sim. Estava cansado. Tive orgulho de você. Não deixou que ele a intimidasse. Meu pai é bem-intencionado, mas seu jeito às vezes é...

- Dominador? - completou ela com um sorriso.

- Sim. - Jaspar fitou-a com ar sério, o rosto tenso. - Um mês atrás, você me pediu para fazer aquela investigação e eu mandei que fosse providenciada. Esta tarde, recebi um relatório sobre suas origens que esclarece o assunto que a estava preocupando.

Freddy arregalou os olhos e levantou-se, ansiosa. - Oh, deixe-me ver.

- Tomei a liberdade de ler o relatório primeiro e a aviso que contém informações que a aborrecerão.

Ela franziu o cenho, hesitando diante da pasta que ele lhe estendeu, mas acabou apanhando-a e abrindo-a com vi­sível impaciência. No espaço de um minuto, porém, tornava a afundar na poltrona com ar atordoado, enquanto lia e relia apenas as primeiras frases.

- Isto não pode ser verdade... Aqui diz que minha mãe morreu há apenas dez anos - sussurrou, incrédula.

- Não há a menor cogitação de erro desta vez. Uma cópia da certidão de óbito de sua mãe veio junto com o relatório. Mas não entendo como seu falecido pai achou possível man­ter a mentira de que ela havia morrido quando você era um bebê.

- Ele odiava falar sobre minha mãe, mas atribuí isso à sua dor por causa da morte dela e, assim, eu me sentia culpada quando lhe fazia perguntas - disse Freddy muito pálida. - Estou tão chocada que ele tenha mentido para mim... mas não foi tão difícil me enganar...

- Como?

- Meu pai trocou de emprego e se mudou para o outro lado do país logo depois da suposta morte de minha mãe. Disse que ela não tinha parentes vivos. Em toda minha vida, nunca conheci ninguém que a tivesse conhecido. Quando eu perguntei por fotografias e coisas assim... - A voz de Freddy tremeu. - ...papai disse que a caixa contendo os álbuns ha­via se perdido durante a mudança de casa. Ruth achava que ele havia ficado tão arrasado com a morte de minha mãe que havia queimado tudo num acesso de dor.

- Ele era um solteiro de meia-idade quando conheceu e se casou com sua mãe e ela era bastante jovem. Às vezes, uma grande diferença de idade pode causar problemas a um casamento.

Freddy continuava lendo o relatório, mas já prevendo o que encontraria pela frente. Fora sua mãe que fugira com um outro homem. Ainda assim, não conseguia se concentrar. Estava atordoada com a chocante descoberta de que sua mãe não apenas a abandonara quando bebê, mas também não fizera nenhuma tentativa de tornar a manter contato com a filha durante todos os anos que haviam se seguido.

- Ela certamente não me amava... Deve ter sido como Érica... indiferente... - A voz trêmula de Freddy morreu-lhe na garganta, enquanto lia a parte seguinte do relatório em crescente incredulidade. Sua mãe dera à luz duas meninas gêmeas um pouco antes de ter abandonado seu pai!

- Eu tenho irmãs... isso não é possível! - exclamou, estupefata.

Jaspar aproximou-se, passando-lhe o braço em torno dos ombros num gesto de apoio.

- Seu pai estava convencido de que as garotinhas não eram dele e, quando sua mãe fugiu com seu mais recente amante, ele recusou-se a aceitar responsabilidade pelas gê­meas. Os bebês ainda estavam na maternidade na época, e as autoridades se encarregaram de ambos.

- M-Minhas irmãs... - murmurou Freddy, abalada. - Eu tenho irmãs e nunca soube. Como papai pôde esconder uma coisa dessas de mim?

- A investigação prossegue, mas não será fácil tentar localizar suas irmãs se tiverem sido adotadas, como deve ter acontecido.

- Minha mãe abandonou a todos nós. Oh, meu pai deve ter se sentido tão humilhado. Não é de admirar que tenha se mudado para centenas de quilômetros de distância depois disso. Teria odiado que as pessoas soubessem a verdade.

- Está claro que sua mãe era uma pessoa instável... Freddy tornou a examinar o relatório, lendo o restante das informações.

- Não precisa usar de eufemismos. Ela gostava muito de homens, ao que parece, e não há nada aqui sobre como viveu os últimos doze anos de sua vida...

- A investigação continua. O detetive acredita que ela pode ter trocado de nome, ou tornado a se casar à certa altura, mas, na época de sua morte, estava vivendo sozinha.

- Suponho que é assim que alguém acaba quando fica abandonando outras pessoas. - O rosto pálido e tenso, Fred­dy deixou o relatório de lado como se não lhe significasse nada e levantou-se. - Estou cansada. Obrigado por ter ob­tido essas informações para mim.

- Ouça... não seja tão dura em relação a seu pai por não ter-lhe contado nada. É provável que tenha acreditado que estava protegendo você.

Ela apertou os lábios. - Talvez.

- Não fique se torturando por causa disso agora. - Ele estreitou-a em seus braços. - Que influência o seu passado realmente tem sobre sua vida agora?

Freddy encarou-o com inevitável hostilidade. Jaspar com seus seiscentos anos de história familiar e tradição, perten­cente a um clã honrado ao qual todos reverenciavam. Jamais sentiria a humilhação e a dor por ter sido traído que ela tentava ocultar agora.

- Percebo que acha que é fácil para mim dizer uma coisa dessas - persistiu ele.

Mas você é quem você é.

Uma pessoa que nunca fora amada pela mãe, como acon­tecera com suas pobres irmãs desde o nascimento. E o pai em quem confiara pensara demais em seu próprio orgulho para lhe dizer a verdade. Ela desviou os olhos, engolindo em seco.

- Nós encontraremos suas irmãs. Poderá levar algum tempo, mas não é algo impossível.

- Sim... - Freddy afastou-se antes que as lágrimas que ameaçavam sufocá-la rolassem por seu rosto.

No andar de cima, trancou-se no banheiro e entregou-se a um pranto convulsivo, ainda chocada com tudo que descobrira. Fingiu estar dormindo quando Jaspar entrou no quarto, mas aquilo não o convenceu.

- Amanhã partirei e ficarei ausente por três dias. Tenho de participar de uma reunião em Dubai no lugar do meu pai - anunciou ele, enquanto se despia no escuro. - Eu gos­taria que você pudesse me acompanhar, mas a última coisa de que precisa no momento e do estresse de ter que manter conversa polida com completos estranhos...

- E você duvida que eu conseguiria sequer fazer isso - disse ela com rispidez.

- Se consegue lidar com meu pai, está mais do que apta a qualquer outro desafio.

- Você é sempre tão charmoso em face à adversidade?

A resposta dele foi deitar-se a seu lado na cama e envol­vê-la com seus braços fortes, tomando-lhe os lábios com um beijo ardente que dissipou todo o frio e solidão que tomavam o coração dela naquele momento. E, enquanto o beijo volup­tuoso se prolongava, seu corpo também começou a reagir com paixão, anseio e amor. Arrependeu-se de imediato por ter sido ríspida quando ele lhe demonstrara tanta compreen­são e apoio. Puxou-o mais para si, adorando-lhe o contato do corpo quente e viril.

Jaspar despiu-lhe a camisola facilmente e acariciou-lhe os seios, massageando-lhe os mamilos intumescidos com os polegares.

Ela arqueou as costas, um fogo instantâneo percorrendo­-a, alastrando-se até as partes mais sensíveis de seu corpo. Todo o estresse que enfrentara pareceu encontrar uma saída naquela poderosa onda de desejo. Mas, um momento depois, lembrou-se da recomendação do médico e, mortificada em ter-se esquecido tão depressa do aviso, afastou-se abrupta­mente de Jaspar.

- Não... Nós não podemos...

Ele soltou em árabe o que, pela entonação, só pôde ser um impropério.

- Jaspar...

- Já tive o bastante - retrucou ele, exasperado, afas­tando o lençol e levantando-se da cama.

Perplexa, Freddy sentou-se e exclamou: - Sinto muito, eu...

- Esqueça. - Ele vestia um jeans. - Não saia, por favor.

- Ora, num minuto você me afasta, como se eu a esti­vesse atacando, e, no minuto seguinte, implora para que eu fique?

- Por favor...

- Desculpe... - Jaspar abriu a porta. - Eu só quero uma boa noite de sono.

- Não é que eu não quisesse você. Acontece apenas que... estou grávida!

Mas a porta se fechou ruidosamente no mesmo instante em que ela falou, e ele não a ouvira. Por uma hora inteira depois daquilo, odiou a si mesma. Era evidente que Jaspar não entendera sua reação, mas ela o pressionara demais com sua insegurança e suas emoções conflitantes, fazendo-o chegar a um ponto de saturação. Lágrimas afloraram em seus olhos, o coração dilacerado, pois o amava demais e te­mia perder o que ambos tinham juntos.

Levantou-se cedo no dia seguinte, para tomar o café da manhã com ele antes que partisse, e encontrou Ben, sorri­dente e ainda de pijama, fazendo-lhe companhia à mesa.

- Se serve de consolo - confiou-lhe ele com seu sorriso carismático -, tive uma péssima noite de sono.

- Também não dormi muito bem - confessou Freddy, o coração leve em constatar que a tensão da noite anterior se dissipara.

À sombra da varanda principal, Jaspar estreitou-a em seus braços, os olhos castanho-claros fitando-a com intensi­dade, e tomou-lhe os lábios com um beijo tão repleto de pai­xão que quase a deixou sem fôlego.

- Continuaremos quando eu voltar - prometeu ele num sussurro rouco, sensual.

 

 Dois dias depois, Freddy saiu sorrindo de sua consulta com um ginecologista. Fora informa­da que desfrutava excelente saúde e todos os seus temores tinham se dissipado. As restrições do dr. Kasim haviam, de fato, sido consideradas rigorosas demais. Dali a cerca de doze horas, pensou, contente, Jaspar estaria a seu lado novamente, e mal podia esperar para lhe contar sobre o bebê de ambos.

A limusine percorreu as ruas arborizadas da cidade, con­duzindo-a ao palácio real. Jaspar informara-a que ambos também dispunham de uma casa dentro do imenso complexo do palácio, para uso exclusivo dos dois sempre que desejas­sem, e ela estava ansiosa para conhecê-la. O palácio era uma ampla coleção de construções de pedra que haviam resistido à ação do tempo, a mais -antiga datando do século treze. Como sua visita tinha sido programada, foi saudada à porta principal por um homem de compleição pequena, que se apre­sentou como Rashad.

Seguindo instruções do rei Zafir, ele a conduziu numa primeira visita oficial ao palácio e contou-lhe um pouco da história dá família al-Husayn. Somente duas horas depois, o simpático homem levou-a ao pátio externo ensolarado da casa que Jaspar mencionara, uma bela construção abrigada atrás de uma fonte e árvores frondosas. Ela ficou surpresa quando foi informada que já havia uma visitante à sua es­pera, a princesa Sabirah.

Ficou tensa. Nas semanas mais recentes, ela recebera visitas da filha mais velha de Adil, Medina, como também da mãe inglesa de Hasna, Genette, e das irmãs mais novas dela. Todas haviam sido bastante amáveis.

Agora, Freddy ponderou que talvez tivesse sido indelicada em não ter feito um convite formal a Sabirah, pois aquela cena embaraçosa durante a qual ambas haviam se conhecido no palácio de Anhara devia ser superada e esquecida. Afinal, a princesa era membro da família de Jaspar e não podia ser ignorada.

Na ampla sala decorada com mobília clara, Sabirah le­vantou-se de um sofá para cumprimentá-la, e Freddy pôde apenas encará-la, pois a beleza da morena era bem mais extraordinária do que se permitira recordar.

- Lamento não ter estado aqui quando você chegou - disse um tanto constrangida.

- Fico aliviada que você tenha concordado em falar co­migo depois da... infeliz maneira em que ficamos sabendo inicialmente sobre a existência uma da outra. Estou disposta a deixar meu orgulho de lado pelo bem de Jaspar.

Freddy franziu o cenho. - Como disse?

- Eu vim até aqui para pedir a você que deixe Jaspar livre. Freddy encarou-a, a cor esvaindo-se de seu rosto, o cora­ção disparando.

- Essa é uma... grande exigência.

- Jaspar me ama, e eu, a ele. - Sabirah falou com ina­balável confiança. - Talvez isso não importe a você. Talvez lhe seja indiferente o fato de que ele nunca será feliz a seu lado. Mas Jaspar não merece perder a única chance de fe­licidade apenas porque Adil teve um filho ilegítimo.

Freddy sentiu a tensão aumentando ainda mais. Então, Sabirah sabia a respeito de Ben.

- Não precisa ficar tão consternada. Não tenho ressen­timentos em relação à criança. Por que deveria? Eu não ama­va meu marido - contou-lhe a princesa sem hesitar. - Eu só quero falar sobre Jaspar. O fato é que ele e eu nos apai­xonamos um pelo outro há quase seis anos. Mas fomos dis­cretos quanto a nossos sentimentos porque nenhum de nós tinha pressa para casar.

Então, Jaspar nunca chegara a pedir a mão da princesa em casamento, concluiu Freddy a partir daquela declaração. Fortalecida pela suspeita, comentou num tom manso:

- Isso tudo aconteceu há um longo tempo. Sabirah ignorou o comentário.

- Tão logo Adil decidiu que ele próprio estava apaixonado por mim, Jaspar e eu fomos obrigados a nos separar - disse a princesa, emocionada. - Minha família me pressionou de­mais a aceitar o pedido de casamento de Adil. Tudo o que lhes importava era que se tratava de uma grande honra e que um dia eu me tornaria rainha de Quamar.

- Imagine meu desespero quando, mais tarde, descobri que meu marido não apenas era um mulherengo devasso, mas também que nunca fora destinado a se tornar rei! - Sabirah reagiu à expressão de surpresa no rosto de Freddy com um ar soturno. - Durante a nossa lua-de-mel, Adil admitiu que o pai o informara, quando Jaspar tinha apenas quinze anos, que Jaspar seria o sucessor ao trono.

- Mas Adil era o príncipe herdeiro - disse Freddy, des­concertada.

- Seu título era meramente uma fachada conveniente para permitir que Jaspar crescesse com maior liberdade. Adil estava contente com a encenação. Aceitava o fato de que Jaspar tinha muitas e excelentes qualidades que ele próprio não possuía e não era um homem ambicioso.

Evidentemente, fazia muito mais sentido que Jaspar ti­vesse sido o filho escolhido pelo rei para a sucessão ao trono, refletiu Freddy. Adil, com seus casamentos fracassados e seu gosto por garotas de reputação duvidosa, não teria sido uma escolha sábia de governante para um país conservador. Sabirah inclinou-se para a frente com ar confiante.

- É o que estou tentando explicar. Jaspar jamais será egoísta. Sempre colocará a lealdade à família acima de seus próprios sentimentos pessoais.

Freddy não pôde argumentar contra aquela afirmação e seu coração ficou apertado, pois sabia exatamente o que a princesa queria dizer.

- Mas você não acha que Jaspar merece ser feliz? - perguntou ela num tom direto.

- Sim, é claro que sim, mas...

- Sabe que Jaspar não dirigiu uma única palavra parti­cular a mim desde o dia em que concordei em me casar com Adil? Essa era a dimensão da lealdade que tinha para com o irmão, apesar de me amar! Fui ao palácio de Anhara na­quele dia numa tentativa de forçá-lo a declarar seus senti­mentos por mim...

- Jaspar não reage muito bem à força - retrucou Fred­dy, o estômago em nós. Se houvesse uma palavra de verdade no argumento passional de Sabirah, aquilo significava que ela própria estava vivendo um casamento condenado, por­que, com a princesa por perto, como seu próprio relaciona­mento com Jaspar poderia florescer? Ele sempre estaria pen­sando em como as coisas poderiam ter sido e, eventualmente, ficaria amargurado.

- Jaspar me adora, mas é consciencioso demais em re­lação à sua posição para pedir o divórcio a você. Mas se você o deixasse, o divórcio seria concedido a ele e, então, ficaria livre para se casar comigo sem atrair críticas.

- Eu não me casaria com você nem que fosse a única mulher restante em Quamar - retrucou Jaspar com cor­tante desprezo junto à porta da sala, surpreendendo tanto as mulheres que ambas se viraram para ele boquiabertas. Sabirah ficou visivelmente tensa.

- É claro que você dirá isso na presença de sua esposa, porque não quer magoá-la, mas...

- Você se dá conta de quanto tempo fiquei do lado de fora desta sala ouvindo? - indagou Jaspar, os olhos fais­cando, o maxilar rijo enquanto observava a mulher que ale­gava ser o amor da vida dele. - Deixe-me dizer que achei sua ridícula história nauseante!

Ainda se perguntando o que Jaspar fazia de volta com umas dez horas de antecedência no que lhe assegurara seria uma agenda bastante rigorosa, Freddy jamais ficara tão ali­viada em ouvir um discurso tão direto de repúdio. Abalada pela inoportuna aparição de Jaspar, Sabirah fora silenciada, as faces vermelhas. Mas o que mais surpreendia Freddy era a mal contida fúria dele em relação à princesa, o absoluto desprezo que se evidenciava na maneira como a observava. - 0 seu próprio pai implorou a você que não se casasse com Adil. Achou que a diferença de idade entre vocês era grande demais e, em seu desespero diante da sua determi­nação em se tornar esposa do futuro rei, seu pai finalmente lhe contou que meu irmão seria um marido infiel. - O evi­dente conhecimento de Jaspar sobre aqueles fatos atraiu um olhar mortificado de Sabirah. - Mas a sua própria ambição triunfou acima de todos os avisos. Como ousa tentar destruir meu casamento, que é tão feliz quanto o seu foi deplorável?

- Como pode falar assim comigo depois do que fomos um para o outro? - indagou Sabirah, a raiva e o orgulho ferido evidentes em seu semblante.

- Continuo eternamente grato por Adil ter-me impedido de cometer o maior erro da minha vida. Agora, deixe-nos - ordenou Jaspar. - Sugiro que você desfrute longas férias na casa de campo dos seus pais...

- Não quero ir para a casa dos meus pais! - protestou a morena, horrorizada com a sugestão.

- É uma ordem do meu pai e, se preferir esperar até que ele mande chamar você para lhe dizer por que esse é o desejo do rei, sinta-se à vontade - avisou-a Jaspar calmamente.

Sabirah empalideceu e desviou os olhos. Retirou-se rapi­damente sem mais uma palavra.

- Acho que ela nem sequer vai parar para fazer as malas - murmurou Jaspar, satisfeito. - Sabirah terminou recen­temente um escandaloso caso com um homem de negócios da cidade, cuja esposa apanhou-os em flagrante. Os rumores já estão circulando. Naturalmente, Sabírah desejará colocar alguns milhares de quilômetros entre si mesma e meu pai, porque ele já perdeu toda a paciência em relação a ela.

- Sabirah estava tendo um caso?! - exclamou Freddy, desconcertada, levantando-se do sofá. - Mesmo enquanto estava atrás de você?

- Ela cobiça dinheiro e posição social acima de tudo. Como conseguiu se convencer de que algum dia eu tornaria a vê-Ia com bons olhos outra vez, não faço idéia. O fato é que tem um conceito exagerado demais do próprio poder de atração.

- Sabirah é incrivelmente bonita... e você ficou bastante chocado naquele dia em que a viu na sua cama. Tenho cer­teza de que isso deve tê-lo... aborrecido.

- Sem dúvida. Fiquei constrangido feito um adolescente. Em geral, um homem não deseja ver a sua cunhada nua - disse Jaspar com uma careta bastante eloqüente. - A meu ver, ela sempre será a esposa de Adil e fiquei perplexo com o fato de poder ser tão despudorada.

- Eu lhe asseguro que nunca mencionei uma única pa­lavra a ninguém sobre aquele episódio.

- Eu sei. E, felizmente, o ato escandaloso dela ficou em segredo - disse ele com um riso inesperado. - Se mais rumores sobre Sabirah escaparem, ela jamais atrairá um segundo marido. Minha família inteira está rezando para que ela acabe se casando, para se ver livre. E que esperança teremos se a tola destruir a própria reputação?

- Você não sente mesmo nada por Sabirah... não é? Pen­sei que a mulher fosse o amor da sua vida.

- Ela apenas conseguiu ferir o meu orgulho. Adil tinha o dobro da idade dela e era um homem imenso, mas Sabirah se casou com ele sem hesitar.

- Mas você a amava...

- Eu pensei que a amava, mas agora acredito que era mais um desejo de posse do que amor. Eu não entendia a diferença na época. Fiquei humilhado pela descoberta de que ela iria sacrificar tudo por ambição. Então, tive a grande vantagem de ver como ela se comportava como a esposa do meu irmão. - Jaspar endureceu o maxilar. - Observá-la menosprezar os membros da família em posição inferior e encorajar mexericos maliciosos para seu próprio divertimen­to acabou rapidamente com quaisquer vestígios de pesar que eu ainda tivesse.

- Estava a par do fato de que seu pai sempre planejou que você fosse seu sucessor? - perguntou Freddy.

- Eu não fazia a menor idéia, até que ele me contou na semana passada. Eu me surpreendi com o fato de Adil não ter-me odiado por isso. Finalmente, compreendi por que meu irmão não fez nenhum esforço para mudar seu estilo de vida desregrado. Também acredito que a decepção em saber que jamais se tornaria rainha transformou Sabirah na mulher amarga e rancorosa que se tornou.

Reconhecendo a pouca compaixão de Jaspar pela princesa, Freddy livrou-se de seu último temor de que ele sentisse algo por Sabirah em algum canto de seu coração. Tamanho foi o seu alívio que sentiu-se um tanto zonza e afundou no sofá.

Jaspar aproximou-se depressa, agachando-se diante dela. - Desperdiçamos todo esse tempo falando sobre Sabirah, mas diga-me agora sem mais demora, o que há de errado com você?

Freddy franziu o cenho e encontrou-lhe o olhar preocupado. - Não sei do que está falando.

- Sei que esteve no hospital esta manhã. - Você andou me espionando!

- Não. Apenas fui informado por sua equipe de guarda­-costas que você esteve no hospital e preciso saber o que há de errado com você. Cancelei minha última reunião em Du­bai e peguei o jato de volta para casa. Fiquei preocupado demais. E, então, chego aqui e encontro aquela dissimulada contando a você uma porção de mentiras absurdas!

- Não estou doente. Posso lhe assegurar isso. - Freddy estava tocada por toda aquela preocupação que ele não es­tava tentando esconder.

- Se não está doente, por que foi ao hospital? - Estou grávida.

- Então, não está doente? - repetiu Jaspar feito um disco quebrado.

- Bem, se eu tivesse dado ouvidos ao dr. Kasim, eu pro­vavelmente estaria me considerando quase uma inválida - disse Freddy jovialmente. - Mas me consultei com um gi­necologista hoje cedo que me tranqüilizou bastante. Disse que sou uma grávida perfeitamente saudável.

- Você já está esperando um bebê? - Jaspar estudou-a com fascínio nos olhos castanho-claros. - Mas estamos ca­sados há poucas semanas. Essa possibilidade nem sequer me ocorreu.

Erguendo-a do sofá, sentou-se com ela em seu colo, ambos braços envolvendo-a, enquanto um brilho reverente surgia em seus olhos com a total assimilação do que fora lhe dito.

- Você já sabia desde que o dr. Kasim foi ver você no palácio de Anhara? Por que não me contou?

- Eu queria uma segunda opinião. Ele me disse que eu e você nem sequer deveríamos dormir mais juntos. Foi por isso que eu disse não naquela noite...

- Você pode dizer não sempre que quiser. Agi como um tolo - disse ele com um profundo suspiro. - Eu estava tentando confortar você e, é claro, fazer amor era a última coisa que você queria naquele momento. Infelizmente, não pude resistir a minha própria urgência de expressar meus sentimentos por você de um modo mais físico. Sei que lhe pareceu algo insensível, mas não foi a intenção.

Freddy estava atônita com a confissão.

- Até este momento, este estava sendo um dia péssimo e, portanto, perdoe-me se ainda não demonstrei minha feli­cidade com o fato de você estar grávida. - Ele estreitou-a mais junto a si. - Fiquei tão preocupado. Nosso bebê... é uma notícia maravilhosa, mas saber que você está bem ain­da parece a melhor notícia de todas.

Levou-lhe a pequena mãos aos lábios, beijando-a com ternura.

- Três meses antes de minha mãe ter morrido, ela foi fazer um simples check-up no hospital e descobriu que era uma doente terminal. Só nos contou quando seu estado não podia mais ser encoberto e, àquela altura, já lhe restava bem pouco tempo para estar conosco. Sempre lamentamos o fato de minha mãe não ter confiado em nós para sermos fortes por ela... - disse Jaspar numa voz um tanto emocio­nada. - Tenho tido um medo irracional de hospitais desde então.

Com lágrimas nos olhos, Freddy abraçou-o com força. Quando ele, enfim, ergueu a cabeça e a fitou, ela deparou com um olhar mais aberto e mais intenso do que qualquer um que já vira e seu coração disparou.

- Amo tanto você - disse-lhe, veemente. - Sabe, em princípio era uma atração pura e simples. Então, transfor­mou-se numa obsessão. Nunca quis tanto uma mulher quan­to a você, mas fiquei inicialmente tão zangado em ter sido pressionado a me casar com você que não reconheci meus próprios sentimentos.

- Não precisa se desculpar por isso. - Uma onda de felicidade percorria Freddy por inteiro.

- Mesmo quando eu não queria me sentir atraído por você, era inevitável. Fiquei interessado quando me confron­tou e comecei a ver que você amava Ben. Mas não fui tão generoso quanto deveria ter sido em relação à dimensão do seu amor pelo meu sobrinho. Eu desejava que você me qui­sesse por mim mesmo, não porque eu era um meio de você poder ficar com Ben. No início, isso me deixou amargo e fez com que eu me sentisse usado.

Freddy estava perplexa com a admissão.

- Eu jamais sonhei que você se sentisse assim...

- Mas não consegui parar de pensar em você durante o tempo todo em que estive em Nova York e, então, voltei para casa para descobrir que estava dormindo no quarto de Ben. Foi o mesmo que sacudir um pano vermelho diante de um touro! - Jaspar soltou um riso relutante. - Ben parecia exercer mais poder sobre você do que eu.

- Não, você sempre exerceu seu poder sobre mim - asse­gurou-lhe Freddy, abraçando-o com força. - Eu só comecei... Houve uma batida à porta e, recebendo ordem para en­trar, um respeitoso Rashad anunciou que havia um telefo­nema internacional urgente para ela e que estava sendo trans­ferido para ali. Era de Ruth, e Freddy adiantou-se até o telefone da sala em crescente ansiedade, perguntando-se o que estaria errado, pois a amiga não era de usar a palavra "urgente" à toa. Escrevera-lhe duas vezes, cartas um tanto breves e evasivas, porque ainda não conseguira admitir que seu casamento com Jaspar se tornara verdadeiro.

- Freddy? - perguntou uma entusiasmada Ruth do ou­tro lado da linha. - É você?

- Sim, sou eu...

- Tenho uma notícia fantástica para lhe dar! Você tem o direito de pegar Ben e voltar com ele para Londres!

- Voltar a Londres com Ben? - repetiu Freddy, admirada. - Vasculhei o apartamento de sua prima de cima a baixo e finalmente encontrei o testamento dela...

- Érica deixou um testamento?

- Eu o teria encontrado bem antes se não tivesse sido tola a ponto de presumir que você havia examinado minu­ciosamente as coisas pessoais dela! - declarou Ruth em tom de reprimenda. - Se o tivesse feito, você poderia ter-se pou­pado de todo esse sofrimento. Érica deixou tudo para você! - Érica me deixou... o quê?

- Tudo que possuía, como também a guarda legal e de­finitiva de Ben. Não tem nada a dizer?

- Estou tão surpresa... - Encontrando os olhos inquiri­dores de Jaspar, Freddy apoiou o fone de encontro ao ombro e murmurou trêmula: - Ruth encontrou o testamento de Erica e minha prima me deixou tudo, incluindo a guarda legal de Ben...

Lágrimas afloraram-lhe nos olhos e escorreram por suas faces. Saber que Érica confiara nela àquele ponto e que ti­vera o trabalho de providenciar um testamento a comovia profundamente. Érica podia não ter tido inclinação para a maternidade, mas importara-se o bastante com o filho para considerar o futuro de Ben na eventualidade de algo lhe acontecer.

- Se eu fosse você, voltaria para casa com Ben na pri­meira chance - sugeriu Ruth. - Legalmente, a família al­Husayn não pode fazer nada para tirar o menino de você.

Os pensamentos de Freddy vagaram, enquanto observou Jaspar saindo da sala, o rosto soturno e pálido.

- Estou grávida, Ruth... - Como disse?

- Eu me apaixonei perdidamente por Jaspar e vamos ter um bebê. Ele é maravilhoso. Lamento não ter sido mais sin­cera em minhas cartas... E depois de você ter feito todo esse esforço por minha causa e encontrado o testamento de Érica, sinto-me ainda pior por isso.

Freddy aguardou ansiosamente enquanto o silêncio se pro­longava na linha.

- Presumo que agora posso esperar passar férias regu­larmente num palácio, não é? - perguntou Ruth.

- Oh, sim. Adoraremos ver você aqui!

- Perdôo você. - Ruth riu, mas soava surpresa com tudo aquilo.

Encerrando a ligação com uma promessa de telefonar mais tarde, Freddy foi procurar Jaspar. Por que ele deixara a sala? Com certeza, devia ter deduzido que ela estivera pres­tes a dizer que também o amava antes de Rashad tê-los interrompido.

Jaspar não fora longe. Andava de um lado ao outro do vestíbulo feito uma fera enjaulada. Tão logo a ouviu se apro­ximando, virou-se para fitá-la, o rosto tenso, rígido, os olhos cheios de dor.

- No minuto em que vi suas lágrimas de alívio, eu percebi o que viria em seguida. Agora que você tem o direito legal sobre Ben e recursos adequados, quer que eu a deixe ir em­bora porque não tenho mais nada a lhe oferecer...

Freddy compreendeu tudo de repente

- Não posso deixar você ir - disse ele, veemente. - Não posso imaginar minha vida sem você e Ben. Estas últimas semanas que compartilhamos têm sido importantes demais para mim. O que devo fazer para convencê-la de que, se me der tempo o bastante, posso torná-la feliz aqui em Quamar?

- Jaspar...

Mas ele estava agitado demais para ser silenciado.

- Sei que você tem feito grande esforço pelo nosso rela­cionamento, embora apenas pelo bem do menino...

- Não é verdade...

- Nas últimas semanas, não me importei... Era o bas­tante para mim...

- Quer se acalmar e me deixar falar? - retrucou ela em sua frustração. - Eu amo você! Não tive a menor intenção de lhe pedir que me deixasse ir. E quanto a eu ter feito esforço pelo nosso relacionamento... sim, eu o fiz, mas por que amo você. Você é a melhor coisa que já me aconteceu e o quis como nunca desde o minuto em que o vi.

- Continue falando... - encorajou-a Jaspar, vencendo a distância entre ambos.

- Eu me senti tão culpada por ter chantageado você a se casar comigo e então... bem, estar tão feliz a seu lado me pareceu egoísmo.

- Mas estou contente que você tenha me chantageado a casar...

- Você se ressentiu bastante do fato no começo.

- Mas eu me adaptei depressa - apontou Jaspar en­quanto se inclinava e a erguia com todo o cuidado em seus braços. - Eu logo vi que você era a mulher para mim... - Na cama, em princípio.

- Está dizendo que você já sabia que me amava na pri­meira vez que nos vimos entre os lençóis? Encontrando-lhe o olhar duvidoso, ela corou.

- Não, mas ao menos eu não fiquei falando que era ape­nas sexo!

- Eu sabia que essas palavras voltariam para me ator­mentar. - Fechando a porta do espaçoso quarto com o om­bro, Jaspar abriu-lhe um sorriso faminto e colocou-a na gran­de cama. - Mas, ainda acreditando que você era uma mu­lher que havia pertencido ao meu irmão primeiro, eu não podia admitir, nem a mim mesmo, que o que eu sentia ia além de uma mera atração. Você teria rido a valer se me tivesse ouvido apenas algumas horas depois lutando para ficar casado com você!

- Lutando?

       - Com meu pai. A primeira coisa que ele me disse sobre nosso casamento foi que, se eu tivesse me casado com você num impulso tolo, ele estaria me fazendo um grande favor providenciando para que houvesse uma anulação. Mal ele falou e eu fui tomado por uma poderosa necessidade de ficar com você... e foi algo que teve bem pouco a ver com Ben... - É verdade?

- Sim. Ambos usamos Ben como nosso pretexto para es­tarmos juntos. Nos escondemos atrás dele enquanto ainda não estávamos prontos para encarar nossos sentimentos um pelo outro.

- Eu soube logo como me sentia a seu respeito - sus­surrou Freddy.

-Diga mais uma vez que me ama. Ela abriu um sorriso radiante.

      - Eu amo você. Muito.

- E eu adoro você. Como foi que não percebeu como eu me sentia?

- Achei que você apenas estivesse fazendo um esforço ver­dadeiro para se assegurar de que nosso casamento desse certo. - Eu queria que você me amasse...

- Não quando eu o chamei de fraco. Foi algo horrível de se dizer.

- Eu havia decidido que não queria mais me apaixonar - admitiu ele, constrangido. - Houve algum fundamento em você ter-me acusado veladamente de usar Sabirah como desculpa para achar que nenhuma mulher era digna de con­fiança. Mas o fato é que nunca maltratei nenhuma mulher. Exceto você...

- Se estas semanas maravilhosas têm sido o que você chama de me maltratar, como é me tratar bem? Mal posso esperar. - Freddy não conseguia manter-se séria. Estava eufórica demais, feliz! O homem de seus sonhos, o pai de seu bebê e seu marido contemplava-a como se fosse a pessoa mais importante do mundo. Pela primeira vez, sentiu que Jaspar era realmente seu para amar e a consciência não mais a incomodava.

- Eu tenho o resto da vida para lhe mostrar, ma belle. Ela puxou-o para si, e Jaspar tomou-lhe os lábios com um beijo repleto de paixão.

- Agora mesmo, vou começar a lhe mostrar quanto a amo...

Freddy não tinha a menor objeção àquele plano, e o res­tante da tarde passou-se sem que nenhum dos dois pensasse em mais nada, exceto na felicidade que encontravam um nos braços do outro.

Em suas próprias dependências dentro do complexo do palácio real, o rei Zafir esperava em vão que o filho e a nora se reunissem a ele para o almoço. Rashad insistiu que trans­mitira o convite. O soberano ficou agitado e exasperado com a falta de pontualidade de Jaspar e Freddy e perguntou-se o que, afinal, dera no filho. Àquela altura, então, ele começou a se recordar dos primeiros meses de seu próprio e feliz casamento. Um sorriso distraído no rosto engelhado, sabo­reou seu almoço e não proferiu mais uma palavra de queixa.

Pouco mais de um ano depois, Freddy caminhava pelos jardins do palácio de Anhara com seu filho mais novo, Ka­reem, em seu carrinho de bebê e o filho mais velho, Ben, andando na pequena bicicleta.

Ben podia agora ser chamado de um al-Husayn também, porque ela e Jaspar o haviam adotado no ano anterior. Fred­dy continuava exultante em saber que agora ele era realmen­te o garotinho de ambos. Ben podia ter perdido pela forma de seu nascimento a posição de príncipe, mas, como Jaspar apontara, atrelado ao título estavam muitas restrições e imensa responsabilidade. Ben cresceria livre para fazer es­colhas que o filho mais novo de ambos, Kareem, provavel­mente não teria. Batizado em homenagem ao primeiro rei de Quamar, Kareem seria criado exatamente como Jaspar fora, para colocar seu país em primeiro lugar, a família em segun­do e seus próprios desejos pessoais em último lugar.

Ben adorava-o e vivia dizendo que mal podia esperar para que seu irmãozinho crescesse um pouco para que brincassem juntos.

Eventualmente, acabaram entrando em casa. Freddy dei­xou a babá tomando conta dos meninos e, enquanto subia as escadas para se trocar para o jantar, pensou em como aquele fora um ano dadivoso.

Apenas um mês depois que descobrira estar esperando Kareem, o casamento dela e Jaspar recebera a bênção oficial da igreja, numa bela cerimônia, e o sogro lhe concedera ofi­cialmente o título de princesa.

Seis meses antes, Sabirah casara-se com um magnata li­banês e deixara o país. Todos os parentes de Jaspar haviam suspirado aliviados com o fato de que a ambiciosa morena não voltaria mais à casa real.

Ruth fora visitar Freddy e Jaspar várias vezes è se dera muito bem com ele. Marido devotado que a cobrira de cui­dados especialmente durante a gravidez, Jaspar superara sua aversão a hospitais tão logo percebera que a única pessoa em quem confiara para tranqüilizá-lo a respeito da saú­de de sua esposa fora seu ginecologista. Mas Kareem nas­cera no palácio real com a assistência de uma equipe médica completa, além de todo o carinho e apoio de Jaspar.

Era maravilhoso ser amada tão imensamente. Mas ela o amava com a mesma intensidade, pensou Freddy com ter­nura, enquanto se arrumava para o jantar. Examinou sua coleção de jóias a fim de escolher algo para usar. Algumas peças datavam de centenas de anos e outras mais delicadas haviam sido presentes de Jaspar. O sogro, que recobrara sua saúde depressa ao longo do ano anterior, era igualmente generoso com ela, e Freddy se afeiçoara muito ao homem. Gostava do fato da família de Jaspar ser unida e começara a pensar nela como sendo sua também.

Uma sombra passou por seus olhos turquesa ao pensar que suas irmãs gêmeas, de cuja existência soubera apenas um ano antes, ainda continuavam uma incógnita. O tempo ia passando, mas com ele o seu anseio de se reunir aos únicos familiares que haviam lhe restado ficava mais forte. Deva­neava sobre as duas irmãs com freqüência, perguntando-se como seriam. Pelo pouco que fora descoberto, ao que parecia as gêmeas tinham sido adotadas. Entretanto, a agência de adoção usada fora uma particular que não existia mais, e os registros guardados que, em princípio, tinham parecido ofe­recer alguma esperança, haviam se mostrado incompletos.

- Tenho uma surpresa para você, ma belle. Feche os olhos - disse Jaspar, junto à porta.

Freddy observou-o através do espelho. Ele estava recos­tado no batente, parecendo mais bonito do que nunca.

- Você está trapaceando.

- Eu não vi você o dia todo, mas se me trouxe mais trufas, eu o esganarei - resmungou Freddy, baixando os olhos.

- A culpa é minha se você não consegue resistir à tentação? Até a voz dele ainda fazia com que deliciosos arrepios a percorressem em certos momentos. Sim, a culpa era dele por ela achá-lo irresistível, não que tivesse alguma queixa. Ir para a cama com um homem irresistível todas as noites não era algo que pudesse ser fonte de reclamações...

- Continue sorrindo desse jeito e talvez não tenhamos chance de descer para o jantar - avisou-a Jaspar.

O sorriso dela se alargou.

- Oh, esposa insaciável. - Jaspar virou--a para si e to­mou-lhe os lábios com um beijo faminto. Com um suspiro resignado, porém, acabou soltando-a de seus braços. - Mas isto é importante.

Ela o fitou com curiosidade. - O que é?

- Uma das suas irmãs foi identificada... mas não fique toda empolgada - informou-a Jaspar, seu tom sério. - É uma informação antiga e talvez tenhamos um nome, mas não temos um endereço, nem mais nada.

Ignorando por completo o aviso inicial, Freddy abriu um sorriso entusiasmado.

- Qual é o nome dela?

- Melissa. É a gêmea que nasceu primeiro e usa o so­brenome de solteira da sua mãe, Carlton. Sabemos onde ela estava vivendo aos cinco anos de idade mas, até agora, nada mais foi descoberto.

- Mas temos o nome... já é um grande começo!

- Sem dúvida - concordou Jaspar, fitando-a nos olhos e abraçando-a de maneira possessiva e protetora.

- Eu amo tanto você! - exclamou Freddy, o coração trans­bordando de amor. - Posso sentir que vamos encontrá-la! Jaspar afagou-lhe os cabelos castanhos com ternura.

- E eu amo você. Também coloquei Ben na cama a ca­minho daqui e Kareem está dormindo.

- Você é tão organizado - comentou Freddy, corando. - E você é maravilhosa - riu ele com um olhar de apre­ciação. - Já lhe disse isso?

- Pode me dizer quantas vezes quiser. - Freddy estre­meceu de prazer de encontro ao corpo forte dele, enquanto Jaspar lhe dava um beijo de tirar o fôlego, e o jantar foi servido muito, muito tarde naquela noite.

 

                                                                                            Lynne Graham

 

 

                      

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