Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
Charada Galáctica
As etapas até agora percorridas por Perry Rhodan e seus seguidores na busca ao planeta da vida eterna poderiam ser encaradas como simples passatempo, diante do que os aguarda ainda.
Ao menos, os desconhecidos guardiães do segredo da imortalidade recorrem a toda a gama de truques psicológicos para desencorajar os tímidos entre os perseguidores.
Perry Rhodan, entretanto, convicto do alto destino da Humanidade, não desiste tão facilmente. Seguindo obstinadamente em seu rumo, acaba deparando com a CHARADA GALÁCTICA.
O Sol era um minúsculo ponto luminoso no espaço cósmico, perdendo-se completamente entre a multidão de estrelas. Estava exatamente a vinte e sete anos-luz de distância.
Em seu lugar, outro sol ocupava o firmamento. Uma imensa bola de fogo, de dimensões inacreditáveis, cujos raios branco-azulados estorricavam os planetas mais próximos. Mas a estrela Vega tinha planetas de sobra, e podia dar-se ao luxo daquele desperdício. A zona habitável do sistema restringia-se à faixa contendo os planetas de número sete a onze.
O objeto, um gigantesco globo de metal opaco, distanciou-se do sol, ultrapassou a órbita do novo planeta e foi se aproximando do décimo. Seus movimentos denotavam nitidamente que se tratava de uma máquina voadora tripulada por seres inteligentes. Para o observador superficial, poderia ser tomado por algum satélite artificial, girando perpetuamente em torno de Vega; porém as deliberadas mudanças de rumo e a velocidade inconstante desfaziam logo tal impressão. Aquela esfera vinha a ser a espaçonave de uma raça altamente desenvolvida no setor tecnológico.
Seu diâmetro devia medir bem oitocentos metros. E a central de comando era ocupada por seres humanos. Estes observavam atentamente as numerosas telas de imagens convexas, engenhosamente distribuídas de modo a cobrir cada centímetro do espaço circundante externo. Um desenhador eletrônico zumbia incessantemente, traçando num grande papel branco os resultados gráficos dos cálculos feitos. Aos poucos se delineava um esquema que parecia interessar extraordinariamente aos presentes.
— Isto viria confirmar suas suposições, segundo tudo indica — disse um dos homens, serenamente. Mantinha-se um tanto afastado e destacava-se dos demais por sua alta estatura. Os cabelos brancos não o faziam parecer mais velho, apenas mais sábio Apesar da semelhança física com os habitantes terrestres, provinha de um sistema estelar muito distante, centro do decadente Império Galáctico dos arcônidas.
— Que concluiu disto, Perry?
Perry Rhodan abandonou o escrutínio do mapa que estava sendo traçado, e encarou Crest, respondendo:
— Ainda não podemos dar por confirmadas as informações de Lossos, porém isso não demorará. Em breve saberemos ao certo se são exatas ou não. Mas também podemos estar seguindo uma pista errada.
Lossos, o cientista-chefe do oitavo planeta do sistema Vega, expressou seu pesar por não poder contribuir com esclarecimentos mais decisivos. Era o único vivente a bordo que denotava à primeira vista a origem extraterrena. O físico baixo e atarracado revelada a existência de gravidade mais elevada em seu planeta natal. A testa anormalmente saliente protegia os olhos, profundamente enterrados nas órbitas, da intensidade de luz solar; a basta cabeleira servia de defesa contra a forte radiação ultravioleta dos raios de Vega. Seres humanos não podiam dispensar a cobertura da cabeça no planeta-mãe de Lossos.
— Apenas constatei uma curiosidade astronômica — disse o ferrônio, quase como quem se desculpa. — O senhor me fez perguntas sobre determinado assunto, e procurei me tornar útil.
— Por favor, não me entenda mal! — interveio Rhodan, conciliador. — Como sabe, viemos para este sistema em busca de um planeta que deveria estar aqui; segundo consta, na décima órbita em torno do sol Vega.
Rhodan lançou um olhar ao mapa que estava sendo traçado; a pena registradora desenhava agora a órbita do trigésimo nono planeta. Como Vega possuía quarenta e dois planetas, o mapa estaria concluído dentro de mais alguns minutos.
— Segundo nos foi dado observar até agora — continuou Rhodan — não há vida no décimo planeta. Mas eu vou mais além: jamais existiu vida no décimo planeta deste sistema, sob forma alguma. Nossa intenção é apenas tentar esclarecer tal contradição.
Um homem adiantou-se dos fundos da central de comando, empurrando levemente para o lado os doutores Frank M. Haggard e Eric Manoli. Era baixote, de rosto redondo com traços pouco marcados, no qual boiavam dois olhos de um azul muito pálido. Os cabelos ruivos eriçados lembravam cerdas de escova. Ignorando os protestos dos dois médicos, postou-se diante de Rhodan.
— Prezado comandante! Um humilde e insignificante auxiliar tem permissão de externar sua opinião? Em caso afirmativo, gostaria de dizer que não percebo contradição alguma. O arquivo central arcônida menciona o décimo planeta de um sistema que é inegavelmente idêntico ao de Vega. Diz ainda que neste planeta existiram seres que descobriram o segredo da conservação celular, e, com isto, o da vida eterna. Uma vez que achamos o referido planeta, constatando que não há vida nele, não seria o caso de se pensar em contradições, e sim num erro do arquivo. Erramos de sistema, só isso. Em algum ponto do espaço, daqui a Árcon, deve existir outro sistema de características semelhantes às deste. Meu ponto de vista é este!
Rhodan sorriu misteriosamente. Trocou um rápido olhar com Crest, aflorou Thora com os olhos e acenou para Lossos. Depois voltou-se para o mapa que os registradores traçavam. A órbita do quadragésimo segundo planeta acabava de ser desenhada.
— Gostaria de concordar com você, Bell. Pode crer, meu velho, gostaria mesmo... No entanto, há alguns detalhes que precisam ser levados em consideração. Os arcônidas não se enganaram há dez mil anos. E o arquivo está certo. O planeta da vida eterna encontrava-se de fato no sistema Vega, girando em torno de seu sol entre o nono e o décimo primeiro mundo.
— Quer dizer que...
— Calma, Bell! — advertiu Rhodan, reprimindo o excessivo zelo do amigo. — Já vou chegar lá. Viemos parar aqui porque metemos na cabeça a idéia de encontrar o tal mundo da vida eterna. Os ferrônios do oitavo planeta não puderam fornecer indício algum; ou não quiseram. Mas pelo menos nos revelaram que haviam sido visitados há dez mil anos por uma raça de viajantes do espaço, que lhes doou transmissores de matéria. Disseram igualmente que os seres da raça estranha viviam mais do que o sol. Mas foi só, e todas as nossas suposições se baseiam nisto. No entanto, juntando os dados fornecidos pelo arquivo central arcônida, forma-se um quadro bem mais delineado. O sistema Vega é a terra natal dos imortais. E agora, considerando dois fatores novos, eu reformulo a frase: era a terra natal dos imortais.
De relance Rhodan percebeu o acento afirmativo de Crest.
— Que pretende dizer com isso? — resmungou Bell.
— Um exame mais minucioso das fichas mostrou que elas falam de um sistema com quarenta e três planetas, meu caro. Já deve ter percebido que Vega tem apenas quarenta e dois. Portanto, poderíamos concluir que estamos no sistema errado. Prosseguindo: o mundo indicado deveria ser o décimo, porém certificamo-nos de que não há nem nunca houve, vida nele. Nem o menor vestígio... Logo, algo está errado. Existe uma contradição. Mas Lossos apontou-me a solução, mencionando a existência de uma lacuna entre o nono e o décimo planeta. Os dados que me forneceu conferem com o mapa desenhado pelo registrador.
Rhodan tirou o papel da máquina, cujo zumbido cessou. Os telescópios-radares recolheram-se aos seus abrigos; tinham examinado todos os corpos celestes existentes no sistema, calculando sua velocidade de translação, o afastamento do sol, e registrado graficamente os resultados. Agora o mapa exato do sistema Vega se encontrava diante deles.
— Olhem bem para este mapa, meus amigos. Ele nos responde pelo menos a uma pergunta: como é que dados corretos podem parecer falsos.
Bell dispensou o exame do mapa.
— Não está querendo dizer que...?
— Estou, sim! É exatamente isso que penso. No sistema Vega falta um planeta!
Havia distância suficiente entre o nono e o décimo planeta para supor a existência de outro entre ambos.
— Como se explicaria o fato? — indagou Crest.
Seus olhos vermelhos de albino cintilavam. Derradeiro descendente de uma raça outrora poderosa, cuja degeneração acelerara a derrocada do poderoso Império, ele colocava todas as suas esperanças na descoberta da civilização que conhecia o segredo da vida eterna; ou que o conhecia supostamente. A pista os levara até ali. E perdia-se de repente no vazio do espaço.
— Uma única resposta é imaginável — disse Rhodan, pensativo. — O planeta que circulava outrora nesta órbita em torno de Vega emigrou do sistema em época indefinida. O planeta inteiro, com todos os seus moradores!
— Vá contar essa a outro! — reclamou Bell, indignando-se contra uma hipótese que nem sua viva imaginação poderia aceitar em sã consciência. — Vê lá se a gente pode tirar um planeta do lugar assim sem mais nem menos!
— Você ainda não viu nada! — profetizou Rhodan, apontando para o mapa — Olhe, velho, isto aqui prova que perdemos a pista. Ela se perde no sistema Vega, no lugar vazio entre o nono e o décimo planeta. A raça imortal deu o fora. Querendo guardar seu segredo para si mesma talvez, segundo tudo indica. Porém na realidade demonstraram disposição para partilhá-lo com uma raça de nível semelhante. Temos provas disso. Os transmissores de matéria dos ferrônios, que eles jamais construíram nem entenderam, representam o início de nova pista. Os imortais pretendiam despertar com eles o interesse de alguma raça dotada de raciocínio. E só seres capazes de pensar na quinta dimensão estariam em condições de compreender como eles funcionam. Com o que fica estabelecida a primeira condição: apenas seres com raciocínio pentadimensional merecem conhecer o segredo da vida eterna.
— E nós fazemos semelhante coisa? — murmurou Bell, chateado.
— Nossos cérebros positrônicos se encarregam disso por nós — respondeu Rhodan. — Não nos indicaram o meio de abrir o cofre nos subterrâneos do Palácio Vermelho?
O palácio do governo dos ferrônios ficava em Thorta. a capital, assim denominada em homenagem ao Thort, o soberano de Ferrol. As arcadas subterrâneas abrigavam uma espécie de cofre, trancado por uma fechadura de tempo, no qual estavam guardados os planos de construção dos transmissores. Com a ajuda de seus mutantes Rhodan conseguira retirá-los de lá.
— O cofre — continuou Rhodan — nos indicará sem dúvida os próximos passos a seguir. Será uma verdadeira caçada pelo espaço essa busca ao planeta emigrado, e também uma corrida através dos milênios. Pois os imortais devem ter tomado a decisão de abandonar o sistema Vega já há milhares de anos. Tenho certeza de que daremos em breve com novo indício. Pois os imortais desejam ser encontrados algum dia; só que fazem questão de que seja o povo certo.
— Seremos o povo certo? — indagou Crest, baixinho.
— Se os encontrarmos, sim! — murmurou Rhodan, pensativo.
A busca ao planeta da vida eterna entrara numa fase decisiva. A imensa espaçonave esférica contornou mais uma vez o décimo planeta, em busca de sinais de vida presente ou passada. Mas as observações anteriores foram integralmente confirmadas: tratava-se de um mundo morto, desprovido de vida, e quase estéril. Tanto sua aparência, quanto as condições físicas, se assemelhavam a Marte.
A Stardust-III retornou a Ferrol, aterrizando nas proximidades da capital, no improvisado espaçoporto da base. Mal o gigantesco globo tocou o solo, o campo de proteção energético entrou em ação; o hemisfério de força concentrada cobriu a base inteira, tornando-a imune a qualquer ataque.
Reunindo seus colaboradores mais chegados, Rhodan recapitulou brevemente os resultados dos esforços até então empreendidos.
— Podemos afirmar que a raça imortal habitava o décimo planeta deste sistema, a não ser que tenham vindo de fora para se estabelecer nele. Também podemos estar certos de que o atual décimo planeta era o décimo primeiro no tempo dos imortais, enquanto o mundo da vida eterna se afastou do sistema. Considerando os inimagináveis conhecimentos técnicos e científicos de uma civilização que descobriu o segredo da perene renovação celular, não é de surpreender que pudessem igualmente deslocar à vontade todo um planeta. Desconhecemos os motivos de tal decisão, porém é permissível supor que equiparam seu inundo para viajar no espaço, como se fosse uma nave, dando as costas ao sistema solar original. Ignoramos o rumo tomado, mas Crest e eu julgamos que o cofre sob o Palácio Vermelho talvez nos forneça uma pista a respeito. Interrogamos exaustivamente nosso cérebro positrônico. E ele afirma, inequivocamente, que a raça desconhecida não pretende sumir sem deixar rastros... Retirou-se deste sistema apenas para dar a quem a procura a oportunidade de demonstrar sua inteligência e capacidade. Não foi difícil chegar ao décimo planeta do sistema Vega. Nossa tarefa real será seguir, através da quinta dimensão, a pista que se iniciou lá. Estamos apenas no início de nossa busca à vida eterna.
— Ora, a coisa é simples! — exclamou Bell, triunfante. — Ras Tshubai já entrou na arca uma vez; não vejo impedimento para ele repetir a proeza. É só entrar, e apanhar os indícios necessários.
Crest sorriu indulgentemente. Ao seu lado encontrava-se Thora, a ex-comandante da expedição arcônida malograda que fora forçada a pousar na Lua. Sua opinião sobre o primitivismo da raça humana não se modificara muito desde então. Sentia a constante necessidade de salientar a superioridade dos arcônidas diante dos terráqueos. Mesmo segundo os padrões destes, Thora era uma mulher bela, de idade indefinível. Seu íntimo era um conflito turbilhonante de ódio e admiração, repulsa e amor, violenta oposição e incondicional aceitação. Detestava Bell. E às vezes detestava-se a si mesma.
— Você recebeu, assim como Rhodan, o treinamento hipnopédico arcônida — disse ela, com acentuado desdém. — Não compreendo por que faz observações tão impensadas. Mais uma prova da imaturidade da raça humana...
— Não nos reunimos para discutir a maturidade ou imaturidade de nossas respectivas raças — interrompeu Rhodan, piscando apaziguadoramente para Bell. — Reginald não está a par do resultado de minha conferência com o cérebro positrônico. Leve este fato em consideração, Thora. Talvez seja interessante ouvir de Crest uma exposição a respeito.
O cientista arcônida prontificou-se a falar.
— Com a ajuda de alguns dos mutantes, principalmente da telecineta Anne Sloane, do teleportador Ras Tshubai e do vidente Sengu, Rhodan conseguiu abrir a arca durante alguns segundos. Alguns segundos, nada mais. Com isso foi constatado que todos os objetos nela guardados pelos desconhecidos não estavam depositados em determinado espaço, porém no tempo. O africano Ras Tshubai foi lançado ao passado, milhares de anos para trás, e ali encontrou a caixa contendo os planos de construção dos transmissores de matéria. O processo todo não durou mais de dez segundos. Sabemos agora que a arca é formada na realidade por raios cósmicos enfeixados, e que não pertence ao plano de tempo presente. Sabemos também que todo e qualquer objeto depositado na arca pode ser trazido de volta ao presente, onde, ou melhor, em que época se encontre. As informações encontradas na caixa foram suficientes para fornecer ao cérebro positrônico os pontos de referência necessários. Com isto, nossa próxima etapa está determinada.
Bell encontrou os olhares dos médicos Haggard e Manoli. Deu de ombros. Que culpa tinha, se eles não acreditavam na vida eterna? Pessoalmente não se importaria nem um pouco de atingir os mil anos de idade ou mais.
— Continua sendo importante manter a posição galáctica da Terra em sigilo — disse Rhodan, retomando a palavra. — Portanto, as comunicações hiper-radiofônicas entre a base e a Terra serão limitadas. O Universo não é vazio e deserto, porém povoado por muitas raças inteligentes. E elas estão atentas para todo o atrevido que começa a apontar suas antenas para as estrelas. Nem todas elas são de índole pacífica, conforme verificamos pessoalmente. Mediante os chamados sensores estruturais, algumas delas são até capazes de registrar o hipersalto de nossa Stardust-III através de milhares de anos-luz. Mas nada disso é novidade para nenhum de nós. E justamente por esta razão, eu prefiro não retornar à Terra por enquanto. Uma breve mensagem radiofônica será suficiente. Depois disso, traremos o conteúdo da arca para o presente, a fim de estudá-lo com toda a calma.
— Há mais objetos na arca, além daquela caixa? — indagou Haggard.
— É provável — confirmou Rhodan. — Porém estão em planos de tempo diversos.
A nova fórmula trará todos eles simultaneamente para o presente. Será restabelecida a situação existente por ocasião da criação da arca.
— Esconderijo genial, pensando bem! — comentou Bell, impressionado. — Estou verdadeiramente curioso por ver que tesouros encontraremos. Por mim, a festa poderia começar com a receita da imortalidade.
— Possível, mas pouco provável, velho. Creio que os imortais imporão condições bem mais severas aos possíveis herdeiros...
— Como é que a gente pode ser herdeiro de gente imortal? — perguntou Bell, julgando a pergunta perfeitamente lógica.
— Para não confundir sua mentalidade jurídica, reformulo a questão — disse Rhodan, bem-humorado. — A raça desconhecida faz exigências severas àqueles com quem se dispõe a repartir seu segredo.
— Porém o caminho até eles é longo — disse Crest, compenetrado. — Muito mais longo do que o caminho para Árcon.
— Precisamos conversar sobre isso em particular, Crest — observou Rhodan. — A quatro olhos. Ou melhor, a seis, pois Thora vai querer estar presente também.
— Faço questão disso, Rhodan — afirmou a comandante arcônida. — E trate de arranjar argumentos convincentes.
A vinte e sete anos-luz dali, a Terra transitava inalterada em torno de seu sol. No entanto, naqueles últimos anos a estrutura política de seus países sofrera sensíveis modificações, impostas pelas circunstâncias. A expedição arcônida malograda colocara entre as mãos de Perry Rhodan, Reginald Bell e Eric Manoli, os primeiros lunautas terrestres, um poder incomensurável. A nova tecnologia capacitou-os a evitar a eclosão da guerra atômica, e a unificar as nações do globo terrestre. Ainda continuavam existindo três grandes blocos de poder, na verdade — o Leste, o Oeste e a Federação Asiática — porém a potência criada por Rhodan impunha a paz. A base inicial no deserto de Gobi expandira-se grandemente, fazendo surgir a cidade de Galáxia, a mais moderna do mundo, com gigantescos arranha-céus e estradas de inigualável perfeição.
Quando ausente, Rhodan era substituído pelo coronel Freyt. Além do nítido parentesco espiritual, os dois homens apresentavam impressionante semelhança física. Facilmente poderiam ser tomados por irmãos.
Freyt aparentava ser um homem ainda jovem. Alto e magro, tinha rugas profundas nos cantos da boca, mas nos olhos brilhava constantemente uma centelha de humor. Seu posto regular era o de comandante dos esquadrões de caça espacial.
Tudo corria normalmente. As novas instalações industriais funcionavam plenamente, atendendo aos pedidos feitos. O mundo começava a sujeitar-se à dependência econômica de Perry Rhodan.
O centro vital daquela imensa cidade, de aparência quase cósmica, ficava debaixo de uma cúpula energética constantemente ativada. A segurança era total, pois nem mesmo a mais potente bomba nuclear conseguira romper a barreira. Por mais de uma vez ela comprovara sua resistência.
No presente, não existiam injunções políticas que justificassem a manutenção contínua na cúpula protetora; porém não havia como se opor à ordem explícita de Rhodan. Freyt sabia que as medidas preventivas de seu chefe não eram motivadas por homens, mas sim por possíveis agressores extraterrenos. Desconhecidos que poderiam a qualquer movimento descobrir a posição da Terra e vir atacá-la.
O dia findava. Freyt contemplava o firmamento crepuscular. Fazia semanas que não tinha notícias de Rhodan. O que estaria acontecendo lá no sistema Vega? A invasão dos tópsidas, os cruéis lagartos gigantes, teria sido repelida? Os ferrônios oprimidos teriam reconquistado sua liberdade? O planeta da vida eterna já teria sido encontrado?
Perguntas e mais perguntas, e nada de respostas.
Freyt suspirou. Rhodan poderia dar-se por satisfeito quando voltasse. O mundo inteiro estava ao seu lado, apoiando suas aspirações de engrandecer o poderio da Terra. Surgiam os primeiros sinais para o estabelecimento de um governo mundial devidamente planejado.
De um edifício próximo saiu um homem fardado de tenente. Freyt reconheceu-o logo. O russo Peter Kosnow, oficial de ligação com o Bloco Oriental. Seus cabelos louros, cortados à escovinha, mostravam reflexos avermelhados à luz do sol poente.
Kosnow mudou de rumo ao avistar o comandante. Saudando cordialmente, disse:
— Se eu fosse o senhor, não ficaria aí admirando o pôr do sol, mas iria correndo à central radiofônica. Isto é, para o hiper-transmissor!
Freyt estremeceu involuntariamente.
— Notícias de Rhodan? Homem, está brincando?
— Não é do meu feitio — tranqüilizou-o Kosnow. — A mensagem acabou de ser transmitida, e já está sendo reprisada. Se correr, ainda pega a terceira emissão direta.
— Está tudo em ordem? — indagou Freyt, ansioso, já acelerando o passo.
— Lógico! — respondeu o russo risonho, tomando direção oposta.
Freyt atravessou a estrada asfaltada às carreiras; subiu a escada na entrada saltando os degraus de dois em dois. A seguir tomou o elevador para a cúpula da estação transmissora.
Os gravadores ligados registravam a transmissão. O operador de plantão levantou os olhos ao ver entrar Freyt, acenou brevemente, e voltou a ocupar-se com suas tarefas. Naquele momento iniciava-se a terceira repetição da mensagem provinda dos confins do espaço. As hiperondas não requeriam tempo algum para vencer a distância de vinte e sete anos-luz. Portanto, naquele preciso momento Perry Rhodan encontrava-se diante do enorme complexo transmissor da Stardust-III, enviando sua mensagem.
— Perry Rhodan, falando da Stardust-III. Atenção, coronel Freyt, cidade de Galáxia Tópsidas expulsos do sistema Vega. Ferrônios novamente livres. Tratado comercial com o mundo deles e o nosso em andamento. Preparar instalações industriais B7A e 42C para fabricação dos bens de troca. Continuar mantendo secreta posição de nosso planeta; requisito essencial, mesmo para os ferrônios. Stardust-III continua em Vega por enquanto. Novas mensagens quando necessário. Emissões hiper-radiofônicas ainda suspensas, para não chamar as atenções sobre localização da Terra. É tudo. Tripulação da Stardust-III envia saudações a todos os companheiros da Terceira Potência. Tudo de bom! Rhodan.
Não houve mais nenhuma repetição. O sussurro do transmissor emudeceu.
— As primeiras transmissões foram iguais a esta? — perguntou Freyt ao operador.
— O mesmo texto, coronel. Receberá uma cópia escrita.
— Obrigado.
Freyt deixou a central radiofônica com passo lento.
Um acordo comercial com os ferrônios! Um dos objetivos de Rhodan consumado: relações comerciais pacíficas com uma raça extraterrena. A primeira base extra-solar da Terra — para Freyt, Rhodan era indiscutivelmente o representante legítimo da Terra — havia sido instalada. Além disso, a permanência da Stardust-III no sistema Vega indicava que havia tarefas adicionais a cumprir.
Teriam ligação com o misterioso planeta do qual Bell vivia falando com tanto entusiasmo por ocasião de sua última visita?
Fosse como fosse, os encargos de Freyt estavam delineados.
O sol desaparecera. Freyt estremeceu, sentindo frio. O sistema de ventilação soprava o ar frio do deserto para dentro da cúpula energética. O antigo isolamento do mundo exterior já não era tão completo.
— Um novo capítulo de nossa História começa — murmurou Freyt para si mesmo, enquanto se encaminhava vagarosamente para o bangalô no qual morava. — Só que a Humanidade ainda não sabe disso...
Lossos, o cientista ferrônio, não ocultara a Rhodan suas dúvidas. Solicitara uma audiência, logo concedida, porque Rhodan apreciava o simpático velho. Porém a entrevista teria que aguardar o término da conferência particular com Thora e Crest, ainda em andamento.
A ex-comandante arcônida resumiu:
— Portanto, nossas respectivas posições estão claramente delineadas, Perry Rhodan. Você quer usar a Stardust-III, uma nave de guerra arcônida, para expandir seu reino terreno. Nós queremos retornar com ela ao nosso planeta natal. E em conjunto desejamos achar o planeta da vida eterna, valendo-nos da Stardust-III e do cérebro positrônico. Teremos que tentar a consecução destes três objetivos sem prejudicar nenhuma das partes. Logo, será preciso estabelecer as respectivas prioridades.
— Certo, Thora — interrompeu Crest, gravemente. — Alegro-me ver que pensa assim. Mas, antes de precipitar qualquer decisão, poderíamos pôr-nos de acordo num ponto: procurar em primeiro lugar o planeta da vida eterna. Uma vez conseguido isto, as circunstâncias resultantes determinarão o empreendimento seguinte.
— Concordo plenamente com sua sugestão — disse Rhodan, satisfeito. — Uma vez alcançado este objetivo, não haveria inconveniente algum de minha parte em realizar o vôo para Árcon, denunciando assim à sua raça a posição da Terra.
— Revelando-a — corrigiu Crest, com um ligeiro sorriso. — Eu diria que no caso não se aplicaria o termo “denunciar”.
— Façamos um pacto, então — disse Thora, estendendo ambas as mãos para Rhodan. — A seqüência será: a busca ao planeta da vida eterna, Árcon, e depois a Terra, com todas as conseqüências resultantes. De acordo?
Tomando as mãos dela entre as suas, Rhodan concordou.
— Certo, meus amigos. Mas eu gostaria de acrescentar uma pequena condição ao nosso pacto, caso nada tenham a opor.
— Que condição? — perguntou Thora, desconfiada.
— Nada de grave, não se preocupe — replicou Rhodan, com um sorriso compreensivo. — Eu gostaria que os arcônidas só tomassem conhecimento das coordenadas espaciais da Terra quando eu julgar o momento apropriado. Pois nós terrenos não temos a menor vontade de ver nosso planeta tornar-se colônia de um reino estelar em decadência. Afinal, por mais duro que seja confessá-lo, vocês não podem deixar de reconhecer que a raça arcônida degenerou. Concordamos em comerciar com ela e apoiar os arcônidas na conservação do Império, porém não queremos criar novas fontes de atrito. Que acham?
— De acordo — disse Crest.
Os dois homens fitaram Thora. Após curta hesitação, ela respondeu:
— Pois bem, também estou de acordo. Estou certa de que o conselho de nosso esclarecido governo compreenderá suas ponderações. Estamos entendidos, então, e podemos partir para a realização do nosso objetivo comum. Quanto mais depressa encontrarmos o misterioso planeta, tanto mais depressa poderemos rever Árcon, nossa pátria.
— Fico-lhes grato por confiarem em mim. Logo após a palestra com Lossos poremos mãos à obra.
— Que é que o ferrônio quer de você? — indagou Crest, curioso.
— Ainda não sei Disse que queria conversar comigo. Talvez ainda tenha se lembrado de algum detalhe importante. Quem sabe?
Deixando os dois arcônidas sozinhos, Rhodan dirigiu-se a outra peça, onde Lossos já esperava impaciente. Sem sequer erguer-se ao ver Rhodan entrar, o ferrônio começou precipitadamente, sem introdução alguma:
— Eu devia ter pensado nisto antes! Porém só agora me ocorreu esta possibilidade.
— Que possibilidade?
— Que nosso sistema continue com todos os quarenta e três planetas originais.
Rhodan não respondeu. Visivelmente perplexo, não entendeu. Fato que o ferrônio constatou com muda satisfação, sem, no entanto, deixar transparecê-la. Excitado, prosseguiu:
— Não manifestou a hipótese de que os misteriosos desconhecidos, inopinadamente aparecidos em Ferrol há dez mil anos, deixando-nos os hipertransmissores, foram capazes de levar seu planeta para onde bem entendessem? E nós todos supusemos, implicitamente, que eles abandonaram nosso sistema, aceitando sua hipótese como tecnicamente realizável. Pois bem, nossa suposição pode ser falsa. Acho que eles talvez continuaram neste sistema, mudando apenas de local.
Rhodan sentara-se enquanto Lossos expunha sua teoria.
— E que local seria este? — indagou, com a testa enrugada.
O ferrônio sorriu evasivamente.
— Pergunta-me demais, pois também não sei. É um mero palpite... Numa das luas gigantes que gravitam em torno dos nossos planetas maiores, talvez. Ou podem ter empurrado algum planeta desabitado para fora do sistema, ocupando seu lugar. Desta forma, quem tencionasse procurá-los seguiria instintivamente na pista do planeta emigrado. Não é exatamente isso que você pretende fazer?
— Seus argumentos não deixam de ter fundamento — disse Rhodan, cautelosamente — mas não passam de hipótese. Por que motivo seres possuidores de tecnologia tão avançada se dariam tanto trabalho só para mistificar alguém? Sem dúvida possuíam armas suficientemente eficientes para manter à distância qualquer oponente. Pessoalmente, acho que eles fazem toda essa brincadeira de esconde-esconde apenas para se divertir; porém a brincadeira no fundo é séria. Eles desejam ser encontrados; e é por aí que precisamos começar. Deixaram uma pista, e a pista aponta para fora deste sistema.
— Então permita-me ao menos procurar eu mesmo o tal planeta, no âmbito do sistema Vega! Assim que o encontrar, mando-lhe imediatamente aviso.
Rhodan refletiu. A teoria de Lossos não era totalmente desprezível nem absurda; apenas pouco provável. Não seria justo impedi-lo de fazer suas próprias explorações; pelo contrário, seria até suspeito. Os ferrônios possuíam uma frota espacial bem aparelhada, e nada os impedia de iniciar espontaneamente tal empreendimento. E se o planeta da vida eterna efetivamente...
— Não tenho nada a opor — replicou, portanto, Rhodan. — Pode contar com o apoio de um de meus caças espaciais, naturalmente. As cabinas são um tanto apertadas, mas conseguiremos acomodar duas pessoas nelas, retirando algum equipamento de menos importância. Vou ordenar a Deringhouse que mande aprontar um caça espacial com o respectivo piloto. Mantenha-se em contato radiofônico constante conosco.
O idoso ferrônio empertigou o corpo baixo. A estatura reduzida fazia-o parecer mais jovem.
— Agradeço-lhe, Rhodan. O sucesso que eu puder obter será igualmente seu.
Sob o olhar pensativo de Rhodan, Lossos se retirou.
Seguiu-se ainda uma terceira conferência.
Reginald Bell reunira o Exército de Mutantes para planejar a ação. A reunião realizou-se nas primeiras horas da tarde do longo dia ferrônio. Perry Rhodan não tomaria parte nela, porém dera a Bell as instruções necessárias. Os mutantes foram chegando um a um.
As emissões radioativas provocadas pelas explosões atômicas das grandes nações terrestres tinham passado despercebidas de início; porém já nas primeiras gerações vindas ao mundo depois delas foram constatados defeitos genéticos. Nem todos eram de natureza negativa. Faculdades inéditas, até então adormecidas em estado latente no homem, ativavam-se de repente. Rhodan percebera prontamente a potencial utilidade daqueles mutantes, e selecionara os melhores entre eles, colocando-os a seu serviço. Por mais de uma vez todo o poderio de Rhodan fora protegido e mantido por obra exclusiva de seus mutantes.
Bell assustou-se, como sempre, quando o teleportador japonês Tako Kakuta se materializou repentinamente ao seu lado. Emergindo do nada, quase lhe pisou nos pés.
— Tomara que algum dia você calcule mal a distância e vã parar numa fornalha! — resmungou ele, furioso. Não se conformava com o fato de ser sempre surpreendido com o conhecido processo. Em voz formal, acrescentou: — Caso se atreva, mais uma só vez, a assustar seu superior, Tako, vou providenciar sua detenção em solitária por três dias!
— Será um prazer — respondeu o japonês, arreganhando os dentes num imenso sorriso, e piscando para seu colega Ras Tshubai, que acabava de entrar de maneira normal. — Mas não se esqueça de providenciar o competente campo energético pentadimensional em torno da cela, com cadeado de tempo, senão escapulo quando bem entender.
Bell preferiu não responder; sabia que não adiantaria nada. Prevenindo novos aborrecimentos, dirigiu-se a Anne Sloane e a Betty Toufry, a jovem mutante. Tanto ela como Anne eram excepcionais telecinetas. Usando unicamente sua força mental, elas podiam movimentar matéria a qualquer distância. Betty era, além disso, telepata; geralmente trabalhava em conjunto com John Marshall, o outro telepata do Exército de Mutantes. Quinze deles encontravam-se reunidos ali.
Tirando um pedaço de papel do bolso, Bell tentou decifrar a própria letra por dois minutos. Depois tornou a enfiá-lo no bolso, fazendo votos de não ter esquecido item algum.
— Meus amigos!— exclamou ele, saltando com surpreendente agilidade para cima de uma mesa, de onde poderia supervisionar comodamente os presentes. — Perry Rhodan precisa da colaboração de vocês. Serei breve, pois dispomos de pouco tempo. Vocês todos conhecem, pelo menos de fama, a arca pentadimensional do Palácio Vermelho. Ras Tshubai conseguiu penetrar nela, sendo arrastado a uma involuntária viagem pelo tempo, que o fez regredir até as origens do Universo. Nós vamos entrar novamente nesta arca, mas desta vez sem o risco de sermos lançados ao passado ou, talvez, ao futuro. O cérebro positrônico avaliou e explanou os dados recebidos. Com a fórmula resultante, um gerador arcônida produzirá um feixe de raios neutralizadores da atuação dos raios cósmicos que formam a arca. Com isso, todos os objetos nela guardados, num plano temporal variado, retornarão ao presente. Só teremos o trabalho de recolhê-los.
“Nenhum de vocês terá tarefa específica por enquanto. Porém é necessário que se mantenham de prontidão nas proximidades da arca durante a experiência, para intervir assim que a ocasião o exigir.
“É tudo que tenho a dizer. Aguardem a chamada em seus alojamentos. Seguiremos daqui para Thorta com o transmissor grande, diretamente para onde se encontra a arca. Agradeço a presença de todos.”
Saltando lentamente da mesa, Bell deixou o recinto.
O sargento Groll não demonstrou o menor entusiasmo pela missão recebida. Ao receber o chamado do comandante Deringhouse, pensara logo numa sortida ou vôo de reconhecimento com alguns colegas. Grandemente decepcionado, soube que seria obrigado a vasculhar os planetas e luas do sistema Vega em companhia de um velhote ferrônio.
Groll não teve outro recurso senão submeter-se ao inevitável. Auxiliado pelo pessoal técnico da Stardust-III e por alguns pilotos, desmontou as armas de bordo de seu caça, a fim de acomodar o cientista na apertada cabina. Até o rádio foi retirado. Em troca Groll recebeu um pequeno e prático micro transmissor, suficientemente potente para a comunicação de emergência dentro do âmbito do sistema Vega. A cama de repouso sumiu, dando lugar a mais um assento.
Lossos embarcou com um maço de manuscritos debaixo do braço, e indicou ao piloto que estava pronto para a partida. Graças a um rápido treinamento hipnopédico, falava razoavelmente o idioma de Groll, mesmo sem saber em que parte do Universo se falava tal língua. Mas pelo menos podia comunicar-se com seu piloto.
— Os planetas internos nem entram em consideração, por causa do clima pouco saudável, mas claro que ninguém pode saber o que seria considerado saudável ou insalubre para os imortais — emendou rapidamente, — Diz a tradição que eles provém de um mundo de clima frio. O décimo segundo planeta possui três grandes luas. Vamos começar por elas, em primeiro lugar.
— Pois então vamos lá! — concordou o sargento Groll, resignado.
Como uma gota prateada, o esguio aparelho mergulhou no mar de estrelas diante deles.
Thora desistira no último momento de sua intenção inicial de entrar na arca com os demais. Portanto, o grupo que na manhã seguinte embarcou no hipertransmissor da base compunha-se apenas de Rhodan, Bell, Crest e os mutantes.
O aparelho parecia uma enorme gaiola gradeada. A apreciável quantidade de energia requerida para o transporte, em estado de desmaterialização, através do hiperespaço, era fornecida por geradores. O manejo era simples, mas o modo de funcionamento ninguém compreendia.
A porta foi fechada. Rhodan ajustou as coordenadas e ativou a máquina. Não sucedeu absolutamente nada, o que conferia com o esperado. Em distâncias curtas, não se fazia sentir o costumeiro efeito doloroso da desmaterialização.
Ao abrir a porta, encontravam-se em Thorta, a capital de Ferrol. A guarda pessoal do Thort já os aguardava. Entre manifestações da maior deferência, o grupo foi conduzido às arcadas subterrâneas, onde foram deixados à própria sorte. Ferrônio algum se sentia disposto a enfrentar desnecessariamente os espectros que assombravam o local.
Ras Tshubai realizou alguns saltos teleportados a fim de sondar o terreno. John Marshall captava-lhe os pensamentos, transmitindo o conteúdo aos demais. Desta maneira, Rhodan sempre estava informado sobre o que tinha à sua frente.
O gerador, instalado na véspera, encontrava-se na entrada do recinto abobadado em cujo centro ficava a arca. E ela se encontrava realmente ali, apesar de invisível a olhos humanos e impenetrável a qualquer objeto material. O invólucro protetor, erigido há milhares de anos por seres desconhecidos, e repleto de inconcebíveis segredos, formava uma espécie de campânula de energia pura no meio da peça. Ondas de rádio, emitidas do cosmo por fontes desconhecidas, enfeixadas de alguma forma por algum equipamento invisível, formavam a invisível arca. A telecineta Anne Sloane conseguira desviar estas ondas por instantes durante a primeira experiência; a arca se abrira, permitindo a entrada de Ras Tshubai. No entanto, aqueles poucos segundos não haviam sido suficientes para tomar conhecimento de todo o conteúdo da arca. Fora, pois, com a maior satisfação que Rhodan recebera do cérebro positrônico a fórmula neutralizadora dos raios provindos do cosmo. Um efeito de polarização, conforme observara muito acertadamente Crest. E podia-se fazê-lo durar à vontade, por quanto tempo se quisesse. Além disso, o cérebro positrônico informara que o processo levantava simultaneamente a barreira de tempo. O que era, evidentemente, o ponto mais importante no caso. Pois que lhes adiantaria penetrar na arca se os objetos nela guardados se encontrassem a milhares ou milhões de anos no passado ou no futuro?
Rhodan distribuiu os mutantes, posicionando-os de modo que qualquer deles pudesse chegar à arca com poucos passos, em caso de necessidade. Depois inclinou-se para o gerador. A regulagem estava correta. Voltando-se para Crest, avisou:
— Bell e eu vamos entrar. Do Exército de Mutantes levaremos inicialmente apenas Anne Sloane e John Marshall. Os demais ficam de prontidão. Ainda não sabemos que espécie de capacidade será exigida, mas caso...
Todos compreenderam o que Rhodan pensava, de modo que ele poderia ter dispensado o resto da frase.
— ...surgir alguma dificuldade, o mutante com o dom apropriado precisa intervir sem demora, a fim de eliminá-la.
Após uma derradeira hesitação, Rhodan tornou a se inclinar para o gerador. Calcou um botão, e com um leve clique o aparelho começou a funcionar. A bateria atômica embutida forneceria a energia necessária para a geração do feixe de raios polarizantes.
Em tensa expectativa o grupo aguardou.
Estariam corretos os cálculos do cérebro positrônico? Os dados fornecidos seriam adequados? Um erro mínimo, e...
A sala subterrânea com suas paredes de pedra natural parecia vazia. A visão era livre de lado a lado, até a parede oposta. Mas Rhodan sabia que se tratava de urna ilusão ótica. Os raios luminosos, habilmente desviados, eram distribuídos de tal maneira que o observador se julgava num recinto vazio. Porém na realidade o centro da peça era ocupado pela invisível cúpula de raios enfeixados. E ela oferecia resistência idêntica tanto a matéria sólida, quanto a luz e ondas.
Rhodan repassava em pensamento aqueles detalhes técnicos, quando seus olhos perceberam os primeiros sinais de alteração no ambiente. No meio do salão o ar apresentava estranha cintilação. A parede oposta começou a esfumar-se, as pedras pareciam oscilar, mudando de formato e posição. Depois dissolveu-se, desaparecendo totalmente. O desvio dos raios luminosos deixava de existir.
Novos fatos surpreenderam o grupo.
Atônito, Bell viu surgir à sua frente objetos misteriosos, materializando-se do nada. Quanto mais nítidos e concretos esses objetos se tornavam, tanto mais diminuía a cintilação do ar. A barreira de raios cósmicos se desfazia lenta e constantemente. Por fim cessou de todo.
Simultaneamente, os objetos por ela protegidos do mundo exterior retornavam ao presente. Vindos do passado e do futuro, despojavam-se de todas as características próprias da quarta e da quinta dimensão — tempo e dilação de tempo — podendo agora ser vistos e tocados. Situando-se de repente no presente, passavam a ser concretos e materiais. Transformavam-se em realidade.
— Puxa, que truque fantástico! — observou Bell.
— E no entanto é real... — replicou Rhodan, num sussurro. — O melhor meio de guardar um objeto de maneira completamente segura é enviá-lo para o futuro longínquo, onde ninguém pode se apoderar dele. Ele fica lá, esperando, até que seja alcançado. Mas se fosse enviado para o passado...
— ...estaria perdido para sempre — completou Crest. — A menos que se possa trazê-lo de volta, ou viajar fisicamente para trás no tempo.
— Quer dizer que viagens no tempo são viáveis? Sempre me pareceram mera ficção ou imaginação.
— Constituem o fundamento da quinta dimensão — replicou Crest. — Assim como o espaço é o fundamento da terceira. Mas não me pergunte demais por enquanto, Perry. Espere até chegar a hora de tratarmos deste assunto, antes que se sinta tentado a fazer pouco caso dele. Se as viagens espaciais fossem fáceis, nós, os arcônidas, já teríamos reagido há séculos à ameaça de desmoronamento de nossa cultura.
Rhodan satisfez-se com a explicação. Parecia lógica. Bell gemeu, desconsolado, enquanto Anne e John se mantinham imparcialmente calados.
No meio do salão antes vazio surgira um novo recinto, nitidamente delineado por caixotes e baús, cuidadosamente dispostos em pilhas e filas. Era fácil visualizar junto a eles os seres desconhecidos, acumulando ali, há milhares de anos, seus mais preciosos tesouros, para guardá-los no futuro. Mas tratar-se-ia realmente de tesouros? Afinal, aquilo lembrava muito mais um depósito. E no meio de tudo havia algo bastante familiar: um hipertransmissor de matéria!
Era do tipo médio, pois acomodava mais de uma pessoa. Sua altura permitia deduzir que a raça desconhecida possuía estatura mais ou menos semelhante à humana. Os mecanismos de controle não diferiam dos já conhecidos.
Um hipertransmissor... ali?!
A mesma pergunta se formou na mente de todos os presentes: onde estaria o anti-transmissor, ou hiper-receptor, correspondente? Onde iriam parar, caso entrassem naquele aparelho e o ativassem? Ou melhor, quando se processaria a rematerialização?
A lua interna do décimo segundo planeta ainda recebia calor suficiente da constelação-mãe para torná-la um mundo tolerável, livre da total esterilidade. Também sua gravidade era bastante forte para sustentar considerável camada atmosférica. O satélite 12A, conforme Lossos o batizara, poderia, em dadas circunstâncias, ser portador de vida.
Groll sacudiu a cabeça quando Lossos lhe pediu para sobrevoar lentamente, a baixa altitude, a lua 12A.
— Acha mesmo que uma raça imortal escolheria lugar tão inóspito para passar o resto eterno de sua existência?
Espremido em seu apertado assento, Lossos perscrutava, através da escotilha, o mundo escassamente iluminado. À sua esquerda, o vulto imenso do décimo segundo planeta ocupava o campo de visão, em seu giro pelo espaço.
— O que penso é secundário, sargento. Nossa obrigação é não deixar nada despercebido. Nada mesmo, entendeu? Essa raça esquisita, que parecia ter como única preocupação a de propor enigmas aos outros, pode ter conceitos radicalmente diversos dos nossos. Sabe lá, podem ter se recolhido ao interior de seu planeta. Neste caso, e acho que concordará com o meu ponto de vista, a localização do mundo em que vivem seria completamente indiferente. Poderiam vagar solitários pelo Universo, sem sol, sem planetas vizinhos, sem luz nem calor. Por que não aqui?
Sem encontrar argumentos em contrário, Groll preferiu calar-se.
Vista do alto, a lua 12A parecia morta e sem vida. No deserto rochoso apenas esporadicamente se avistava alguma vegetação — único sinal de vida orgânica. De raro em raro, magros fios de águas serpenteavam pelas pedras, embebendo-se logo no chão ressequido. Não havia mares nem oceanos, e a lua toda formava um só continente. Talvez existissem depósitos de água subterrâneos, formados pela acumulação das infiltrações esparsas. Fato, no entanto, que não exerceria a menor influência sobre o clima da superfície.
Depois de contornar a lua duas vezes, Lossos disse:.
— Vamos pousar.
Groll reprimiu uma imprecação. Porém lembrou-se a tempo das ordens do major Deringhouse: todos os desejos do cientista ferrônio deviam ser atendidos sem objeções.
E justamente ele tinha que receber um encargo daqueles!
O aparelho foi perdendo altura, circulando a poucas centenas de metros por cima da paisagem morta.
— Onde?
— Aguarde mais um pouco — respondeu Lossos. Atento e tenso, o sábio parecia procurar ansiosamente alguma coisa. — Prossiga a esta altura, voando um pouco mais devagar, caso isso não lhe cause problemas.
Groll reduziu a velocidade, e o caça deslizou mansamente por sobre os rochedos, cuja aparência era mais desoladora do que qualquer outra cena presenciada pelo piloto em toda a sua vida.
Lossos, no entanto, parecia ser de opinião contrária. Seus olhos não se desgrudavam da escotilha ovalada, perscrutando atentamente o exterior. Duas horas depois o cientista reclinou-se por fim em seu assento.
— Acho que podemos dispensar o pouso. É pouco provável que encontremos alguma coisa aqui. Siga para a lua 12B. Talvez tenhamos melhor sorte lá.
O sargento Groll suspirou aliviado. Consultando seu mapa, alçou-se de novo, vertiginosamente, para o espaço infinito. A lua 12A desapareceu rapidamente abaixo deles.
— Creio que agora podemos ir — disse Rhodan, pondo a mão sobre o braço de Crest. — O gerador garante o afastamento da barreira. Enquanto a energia continuar a fluir, nada pode acontecer. E como você me afirmou que isto continuará acontecendo pelos próximos milênios, temos tempo de sobra. Vamos, pessoal!
Rhodan tomou a dianteira. Crest seguiu-o, após imperceptível hesitação. Bell demorou mais a decidir-se, porém acabou avançando igualmente, acompanhado de perto pelos dois mutantes. Os demais componentes do Exército de Mutantes presenciavam a cena imóveis e silenciosos.
Rhodan alcançou o ponto em que anteriormente a barreira invisível impedia a passagem. Agora o obstáculo já não existia, e Rhodan penetrou na arca. Contornando um enorme baú, viu-se diante do hiper-transmissor. Meramente por seu volume, este se destacava dos demais objetos ali acumulados. Instintivamente, a mão de Rhodan procurou no bolso o pedaço de papel que trouxera consigo. Ele continha uma frase misteriosa, traduzida e escrita pelo cérebro positrônico. As instruções diziam que uma frase idêntica apareceria em algum lugar dentro da arca. Seria a nova pista.
Crest parou ao lado de Rhodan. Nos olhos avermelhados brilhava algo semelhante à incerteza. As mãos de dedos delgados tremiam levemente.
— Não pretende...?
Rhodan fitou Crest com um olhar quase dominador.
— Você desistiria agora, Crest? Assim tão perto do objetivo? Não vai querer que eu acredite nisso, não é? Pelos menos nós, terrenos, não entregamos os pontos com tamanha facilidade, quando o prêmio é alto. E este é alto: a vida eterna...
— Ela não adianta nada quando se está morto, Perry...
— Não deve ser esta a intenção dos desconhecidos, Crest. Deixaram uma pista que leva inegavelmente até eles. Não se arriscam nem um pouco. Pois apenas seres de natureza semelhante à deles serão capazes de encontrá-los. Bárbaros incultos jamais atingiriam o planeta da vida eterna. Portanto pode estar certo, Crest, de que os desconhecidos não tramam nenhum ardil mortal para nos apanhar. Haverá obstáculos, sim, mas isso é parte da missão. Porém não marchamos ao encontro da morte.
O inusitadamente calado Bell decidiu-se a falar:
— Sabe lá quando foi que esses seres deixaram o hipertransmissor aqui, Rhodan! Você disse que foi há dez mil anos, quando abandonaram o sistema Vega. Quanta coisa não prevista por eles pode ter acontecido desde então? É bem capaz do hipertransmissor nos jogar em plena Vega!
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Fora de cogitação! Você subestima a inteligência destes seres. Deviam saber, forçosamente, que se passariam séculos, ou até milênios, antes que alguém desse com o início da pista. Calcularam as contingências astronômicas. Nem se preocupe, eles não deixaram nada ao acaso.
Avançando alguns passos, Rhodan abriu a porta gradeada do hipertransmissor. Os poucos controles correspondiam exatamente aos que observara em Ferrol, sem a menor diferença. O hipertransmissor era idêntico aos usados pelos ferrônios, com a diferença de que estivera até aquele momento em plano de tempo diverso, no passado ou no futuro.
— Fiquem aqui! — ordenou Rhodan, com voz rouca. — Eu vou sozinho. Se ele funcionar, deixando-me em local seguro, volto imediatamente para buscar vocês.
— E em caso contrário? — exclamou Bell, aflito. Rhodan deu de ombros, sem responder. Com um rápido olhar para Crest, entrou na espaçosa cabina, onde caberiam folgadamente quatro a cinco pessoas.
— Quando eu tiver desaparecido — recomendou Rhodan — aguardem um pouco. Não tomem iniciativa alguma, a fim de não pôr em risco minha volta. Entendido?
Crest discordou.
— Não seria preferível que um de nós...?
— Não, Crest! Creio na boa vontade dos imortais. Eles querem que alguém decifre este enigma. Eu não poderia desapontá-los, não acha?
Crest silenciou. Sorrindo para ele e Bell, Rhodan acenou tranqüilizadoramente para Anne Sloane e para John Marshall, e baixou a alavanca.
Deu-se algo surpreendente. Rhodan não se tornou invisível nem desapareceu. Continuou de pé dentro da cabina, assim como entrara.
O hipertransmissor de matéria não funcionava.
A segunda lua do décimo segundo planeta bem poderia ser tomada por irmã da primeira. Em nada se diferenciava da que haviam visitado anteriormente. Atmosfera sofrível, água escassa, pouca vegetação, paisagem constituída de rochas e montanhas.
Lossos insistiu na aterrizagem, e Groll acedeu, contrariado. O aparelho pousou num platô rochoso. Os instrumentos de mediação automática indicaram que a atmosfera era rarefeita demais para desembarcar sem traje espacial. Resmungando baixinho, o ferrônio enfiou um macacão levíssimo, porém Groll sabia que ele correspondia plenamente às exigências da situação. O capacete plástico completou o equipamento.
— Espere por mim a bordo! — disse Lossos, desaparecendo na escotilha do piso que havia sido adaptada para servir de comporta auxiliar. Groll fechou-a hermeticamente e iniciou o processo de desembarque. O ar foi sugado, produzindo o vácuo no pequeno compartimento. Depois a portinhola externa se abriu, e o ferrônio foi lançado para fora como um volume de carga, rolando pela superfície pétrea da lua 12B.
O rude tratamento não conseguiu abafar seu ardor de cientista. A gravidade mais reduzida que a de Ferrol lhe fornecia energias adicionais.
Pondo-se de pé num salto, Lossos afastou-se com passos rápidos do caça, sem lançar um só olhar para o piloto que o vigiava preocupado por trás do vidro da escotilha.
— Sujeitinho chato! — resmungou Groll, aborrecido.
O pesquisador ferrônio sumiu entre as rochas. Avançava sem rumo definido, confiando no acaso. Sem dúvida seu bom senso lhe dizia que eram praticamente nulas as chances de topar com algum indício do planeta desaparecido naquele local ermo.
Groll aborrecia-se na pequena cabina. Claro que poderia descer igualmente, mas perguntava-se o que faria lá fora. Portanto continuou sentado em seu lugar, esperando.
Lossos regressou duas horas depois, sem demonstrar sua decepção. Trabalhosamente introduziu-se no caça através da comporta. Retirando o capacete, disse, ofegante:
— Nada! De jeito nenhum isto aqui é o planeta desaparecido. Experimentemos o próximo!
— Ora, não deve ser diferente deste — replicou Groll, mal-humorado. — Quantas luas tem mesmo o décimo terceiro planeta?
— Só duas — respondeu Lossos. Na testa abaulada viam-se duas profundas rugas, dando nitidamente a impressão de que ele refletia com grande esforço. — E uma delas é bastante interessante do ponto de vista astronômico.
— Ah, é? — comentou Groll, laconicamente, levantando vôo.
Só quando estavam longe da lua 12B acrescentou:
— O que é que ela tem de interessante?
— Sua distância do planeta-mãe é tão grande que precisa de meio ano para contorná-lo uma vez. A lua 13B é quase um planeta autônomo; só que gira em torno de outro planeta. E os dois juntos giram em torno do sol. Por que não seria ela o quadragésimo terceiro planeta que estamos procurando?
— É, por que não?... — respondeu Groll. Com uma risada, acrescentou: — E por que deveria sê-lo, afinal?
Rhodan fez nova tentativa, porém o resultado foi igualmente negativo. Nada mudou. O hipertransmissor não dava o menor sinal de vida.
Ligeiramente desapontado, Rhodan deixou a cabina, olhando perplexo para Crest.
— Não entendo isso! — confessou. — Conseguimos superar com a maior facilidade os primeiros obstáculos, e acabamos diante de um hipertransmissor enguiçado.
Que significará isso?
— Deve ter algum significado! — respondeu Crest, convicto. — Pense nos numerosos outros hipertransmissores. Nenhum deles apresentou defeito em todos estes milênios, e nem um só foi posto fora de uso por imprestável. As fontes de energia são inesgotáveis, pois o gerador está embutido neles, conforme sabemos. Logo, se este aqui não funciona, é por algum motivo deliberado. Que acha, Bell?
Bell tinha claramente o ar de quem não nutria opinião alguma; mas era evidente que não queria se desmoralizar. Portanto, disse, em tom arrastado:
— Concordo com você, Crest... Não faltava imaginação a esses seres do passado... Agora querem que banquemos os mecânicos de hipertransmissores, para demonstrar que sabemos raciocinar na quinta dimensão...
Bell falara por falar, só para dizer alguma coisa. No entanto Rhodan parecia impressionado com suas palavras. Relanceando os olhos primeiro por Bell, depois por Crest, voltou novamente a atenção para o hipertransmissor. Abrindo a porta, tornou a entrar na cabina. Crest ficou esperando do lado de fora, assim como Anne Sloane e John Marshall. Bell, no entanto, que não percebera o inesperado efeito de suas palavras, recobrou o ânimo.
Rhodan procurava. Procurava algo bem definido: o indício sem o qual todo aquele jogo de adivinhação perderia o sentido.
Os desconhecidos possuíam um inapreciável segredo: a imortalidade. E estavam dispostos a reparti-lo com uma raça merecedora, de nível semelhante ao seu. Mas de que modo poderiam avaliar esta equivalência? A resposta era óbvia: submetendo-os a uma prova. Portanto, haviam deixado uma pista sutilmente concebida antes de desaparecer. Caso alguém conseguisse seguir essa pista, e interpretar acertadamente os numerosos indícios reveladores, encontrar-se-ia forçosamente com eles algum dia. O encontro dos charadistas e dos solucionadores premiados.
Uma verdadeira competição cósmica de charadas.
Um campeonato galático de charadas!
Rhodan sabia que o transmissor representava simultaneamente dois problemas. Em primeiro lugar, era preciso fazer o aparelho funcionar novamente; depois, arriscar a viagem para local ignorado, onde...
Rhodan não ousou levar o pensamento mais adiante. O que os esperava lá constituía novo problema, para ser resolvido posteriormente.
Bell emitiu repentinamente uma exclamação de surpresa. Crest correu logo para junto dele, assim como os dois mutantes. Dentro de mais alguns instantes Rhodan juntava-se igualmente ao grupo em torno de Bell. Em seu bolso, o bilhete nervosamente comprimido entre os dedos parecia queimar como fogo.
— Que foi? — perguntou ele, já adivinhando a resposta.
— Uma inscrição! — gritou Bell, excitado. — Descobri uma inscrição. Na parte de trás do hipertransmissor. E sem o menor trabalho...
Rhodan tirou o papel do bolso e leu rapidamente o que estava escrito nele; parecia comparar aquelas duas linhas com as que apareciam na face lisa do hipertransmissor. A seguir tornou a guardar o papel no bolso.
Bell acompanhara os gestos de Rhodan com evidente desapontamento.
— Isso por acaso é algum dicionário? — indagou zombeteiramente.
— Com sua permissão, sim! — respondeu Rhodan, concentrando-se no estudo da inscrição. — Sinais gráficos iguais aos que vimos nos planos de construção dos transmissores. Trata-se, portanto, da mesma língua, o idioma dos imortais. Mais ainda: esta frase aí é a mesma do início da pista que estamos seguindo. O que prova que o transmissor representa a continuação da pista.
— Frase? Onde é que tem uma frase por aqui?
— O idioma é escrito mediante símbolos figurativos, sinais geométricos e letras desconhecidas. Além disso, está criptografado. Só o cérebro positrônico será capaz de nos dar o texto em linguagem corrente.
— Que diz a frase? — indagou Bell.
— Encontrarão a luz, caso tua mente corresponder à ordem mais elevada. Eu esperava mesmo achar esta frase em algum ponto dentro da arca. Agora podemos estar certos de que nos encontramos na pista correta, e de que acharemos a luz.
— Está bem! — resmungou Bell, olhando de esguelha para os estranhos sinais. — Caso nossa mente corresponda à ordem mais elevada... Será que corresponde?
— A do cérebro positrônico corresponde, pelo menos — disse Rhodan, pensativamente.
Assim como a lua 13A, a 12C não apresentou novidade alguma.
Já mais interessado na aventura, Groll fez a pequena aeronave distanciar-se do décimo terceiro planeta, rumando para a segunda lua dele, a mais afastada. Seu diâmetro era mais ou menos igual ao de Marte; porém a gravidade equivalia a 1 g, segundo a afirmava Lossos. Fato incomum, levando a concluir que no interior daquela lua existiam elementos extraordinariamente pesados. A atmosfera era respirável, e suficientemente densa. O clima, de acordo com os apontamentos de Lossos, era inclemente, frio e áspero; porém tolerável.
“Um mundo à parte”, pensou Groll consigo mesmo, admirando-se pelos ferrônios ainda não terem pensado em transformá-lo em mais uma colônia. Interrogando Lossos acerca disso, recebeu como resposta:
— A lua 13B possui clima suportável para vocês, sim. Mas nossa população é reduzida demais para pensar em novas colônias. Principalmente em colônias na lua 13B; para o nosso gosto, ela é fria demais.
Como vê, não é incomum deixarmos de lado planetas ou luas colonizáveis. Futuramente talvez pensemos nisso, quando nosso próprio mundo se tornar pequeno demais...
O décimo terceiro planeta foi ficando longe; em troca, sua lua externa crescia a olhos vistos. O círculo luminoso da atmosfera, refletindo a luz da distante Vega, destacava-se nitidamente na escuridão cósmica. No sistema solar ela seria considerada um planeta, pensou Groll, com uma pontinha de inveja. Um mundo melhor que Marte aquele, caso Lossos não tivesse exagerado. E seu núcleo pesado indicava a possibilidade de uma mineração de profundidade bastante proveitosa.
Nuvem alguma empanava a visibilidade da superfície. Também ali, constatou Groll, não havia mares nem oceanos. Pouca água, portanto, pensou desapontado. Apenas alguns riozinhos cortavam as extensas planícies. Desembocavam em depressões mais profundas, acabando por infiltrar-se no solo. Em conseqüência disso existiam amplas áreas verdes, verdadeiro convite à povoação.
— Os ferrônios nunca exploraram esta lua mandando alguma expedição para cá? — perguntou admirado. — Afinal, num mundo assim deve existir vida.
— A natureza é perdulária — replicou Lossos. — O Universo deve contar com inúmeros mundos à espera de ocupação por seres civilizados. Produzem vegetação, mas nenhuma vida inteligente. É óbvio que possuímos registros sobre a lua 13B, mas nenhum deles menciona a existência de vida nela; nem presente, nem passada. Talvez as observações feitas tenham sido apenas superficiais; que eu saiba, jamais aterrizaram nela.
— Que descanso! — criticou Groll, espantado. — Mas talvez se possa atribuir tal desinteresse à extrema amplidão do sistema de vocês, com excesso de mundos aproveitáveis. Vocês vivem na abastança. No meu sistema solar só há dois planetas, além do meu, com possibilidade de serem habitados.
— Seu sistema fica muito longe de Vega? — indagou Lossos, distraidamente.
Mas Groll não esquecera as ordens de Rhodan, e respondeu:
— Longe ou perto, que diferença faz?
O ferrônio fingiu não perceber a evasiva do piloto. Algum dia ficaria sabendo de onde tinham vindo aqueles desconhecidos. De repente, Lossos apontou para baixo:
— Está vendo aquela cordilheira? Procure sobrevoá-la no sentido do comprimento, bem baixinho. Se os imortais deixaram de fato algum marco, devem tê-lo colocado em ponto bem visível, onde possa ser avistado de longe. O cume de uma montanha seria ideal.
O argumento era razoável. Groll fez o caça descer sobre a planície verdejante, na direção das montanhas próximas. Não viu árvore alguma, mas apenas capim alto, com um ou outro platô rochoso no meio. Um curso d’água raso serpenteava em mil ramificações através de um emaranhado de ilhas e ilhotas. Paisagem verdadeiramente primitiva, faltando apenas os animais pré-históricos. Deserta e à espera da vida ela se estendia sob o morno sol distante.
Aos poucos, o capim foi se tornando mais curto e ralo. Touceiras esparsas brotavam agora no chão árido, que se tornava cada vez mais seco e duro. Por fim só restou rocha nua, que se elevava gradualmente.
Groll fez o aparelho subir, pois a encosta se tornava mais íngreme. O declive era acentuado, porém sem acidentes dignos de nota.
Lossos, com o rosto grudado à escotilha, observava atentamente cada particularidade do terreno desconhecido, buscando vestígios que nem ele próprio podia imaginar como seriam, ou se existiam realmente. Talvez estivesse perseguindo miragens, devia pensar consigo mesmo.
A encosta acabou de repente. Diante do olhar surpreso de Groll estendia-se agora, até os confins do horizonte, uma superfície plana. Quase um mundo diverso, totalmente diferente da paisagem amena da planície. Devia ficar a uns dois mil metros de altitude, sem água nem vegetação de espécie alguma. Um local estéril e inóspito. Se existira de fato uma civilização na lua 13B, certamente não se desenvolvera naquele ponto.
Lossos parecia não dar a menor importância à mudança de cenário.
— Suba um pouco, para termos uma visão de conjunto — pediu ao piloto. — Preste atenção a sinais característicos.
— Pensa mesmo que essa gente deixou marcos à beira da estrada? — perguntou, sacudindo a cabeça. — Seria absurdo...
— O que é absurdo para nós, pode ser perfeitamente normal para outros, sobretudo tratando-se de estranhos — argumentou Lossos, serenamente. — E vice-versa... Precisamos levar em conta este fato, pois os seres que vivem mais do que o sol também o consideraram. Que diz seu indicador de gravidade?
Estranhando a brusca mudança de assunto, o sargento Groll consultou seu painel de instrumentos.
— Deve haver mesmo elementos pesados aí embaixo, elementos naturais, obviamente. Ou julga ter descoberto as instalações subterrâneas da raça desconhecida?
— Quem sabe? — replicou Lossos, com um sorriso misterioso. — Até que seria uma agradável surpresa darmos com a entrada da casa deles, não é?
“Que incorrigível otimista!”, pensou Groll, amaldiçoando aquele encargo maluco. E, no entanto, a exploração do pequeno mundo poderia ter sido bem agradável... Se dependesse dele, teria pousado na planície de relva, para procurar animaizinhos. Na água do rio poderia encontrar bactérias, com a ajuda do microscópio, e...
— Está vendo aquele grupo de rochas isoladas ali adiante?! — exclamou o cientista ferrônio, arrancando o piloto de seu devaneio. — Aterrize perto dele.
Sem responder, Groll desviou obedientemente o rumo do aparelho. Contornou uma vez, a pouca altura, as rochas irregularmente dispostas, fazendo depois a nave pousar junto do pedregulho maior. Era uma área selvagem e acidentada, sem o menor sinal de vida ou vegetação.
— A atmosfera está em ordem. Desça comigo, caso lhe interesse.
Groll recusou o convite. Mas depois que o sábio desembarcou pela saída normal, desaparecendo entre os rochedos, mudou de opinião. Já que estava ali, poderia aproveitar a oportunidade para explorar as redondezas por sua própria conta. Apanhou num escaninho a pequena pistola de raios; após um rápido exame, enfiou-a no cinto. Trancou a porta do caça, usando uma nova combinação, que só ele conhecia. Ninguém poderia entrar no aparelho sem bloquear automaticamente os propulsores.
O ar era fresco e agradável. Groll teve a impressão de que o teor de oxigênio era um tanto reduzido, pois via-se forçado a respirar depressa. Como se estivesse a quatro mil metros de altitude na Terra, pensou. Bem, aquilo não constituía obstáculo digno de nota.
Lentamente, tomou direção idêntica à do ferrônio, que desaparecera de vista. A área era grande demais para ser abrangida com o olhar; absurdo imaginar que logo ali encontrariam vestígios de uma civilização há muito desaparecida. O chão era liso e plano, com pedregulhos esparsos espalhados cá e lá. As formações rochosas se destacavam como colunas contra o céu azul-esverdeado.
Groll começou a imaginar como se teriam formado aqueles pilares de rocha. Água não existia ali, e os temporais deviam ser raros e fracos. Bem, talvez aquele mundo tivesse aspecto diferente outrora...
Reinava um silêncio quase irreal. Os passos de Groll despertavam ecos nas rochas. Ouvia ruído de outros passos, mas não conseguia determinar em que direção... os do ferrônio. Groll parou, e agora só escutava os passos de Lossos, fantasmagóricos e impressionantes. O som vinha da direita e da esquerda, da frente e de trás. Parecia que um batalhão inteiro marchava por entre as colunas rochosas. O eco reverberava um sem número de vezes, até encontrar finalmente a procurada saída para o alto. Porém o bem treinado ouvido do piloto sabia distinguir o eco do som original; não que fosse fácil, mas era possível. Instintivamente o sargento levou a mão à cintura; o contato com o metal frio devolveu-lhe a serenidade.
É que, além dos passos do cientista ferrônio, havia outros passos... lentos, cautelosos e sorrateiros.
Groll e Lossos não estavam sozinhos naquele mundo.
As experiências haviam sido encerradas por aquele dia. Crest conseguira determinar, inapelavelmente, que os circuitos do hipertransmissor tinham sido interrompidos de maneira deliberada em diversos pontos. Havia igualmente contatos falsos e ligações erradas, prontas para provocar curtos-circuitos.
— É nossa primeira tarefa — disse Crest. — E temos que resolvê-la, como condição básica para podermos continuar na busca. Ainda temos os planos do hipertransmissor. Com a ajuda do cérebro positrônico vai ser fácil obter um esquema simplificado dos circuitos. Talvez um de nossos robôs-operários, devidamente programado, possa reparar os defeitos deliberadamente provocados.
Rhodan não teve alternativa senão concordar com Crest. Um dos mutantes ficou vigiando a arca, pois não convinha deixá-la mergulhar mais uma vez nos recessos do tempo. O gerador neutralizante permaneceu ligado.
Rhodan demorou-se noite a dentro na central do grande cérebro positrônico arcônida, irmão menor do gigantesco complexo eletrônico em Vênus, ali deixado na época da Atlântida pela raça dominante no Universo. Infatigavelmente ele enfiava perguntas nos classificadores, comparando as respostas. Fórmula após fórmula escorregava das fendas ejetoras. Os tradutores simultâneos davam suas instruções através dos alto-falantes. Rhodan dialogava com o cérebro positrônico como se este fosse um ser vivo. Apresentava suas perguntas, e recebia as informações desejadas. E, do ponto de vista positrônico, o cérebro era de fato um ser vivo; afinal, era mais inteligente do que qualquer ser orgânico existente no Universo.
Rhodan só se deu por satisfeito ao ter nas mãos o esquema simplificado dos circuitos do transmissor, e ao ver confirmadas quase todas as suas suposições em relação à competição charadística dos imortais. Agora sabia com certeza que se encontrava na pista do maior segredo do Universo, e que não descansaria enquanto não o revelasse.
Na manhã seguinte, Crest condicionou um dos robôs-operários, cuja especialidade era a positrônica. Seu raciocínio sintético foi reajustado para bases pentadimensionais. Por conexão direta com o grande cérebro positrônico recebeu a instrução necessária. Dez minutos após, o robô, construído segundo moldes arcônidas, transformara-se no mais perito construtor de hipertransmissores de matéria do momento. Para ele seria brincadeira consertar qualquer aparelho, mesmo os avariados de propósito.
Rhodan aguardou a tarde antes de voltar para Thorta. Esperara receber alguma notícia do sargento Groll, porém o caça espacial não se manifestara. Mas a falta de notícias não constituía motivo para preocupação; no ardor da pesquisa, Lossos nem se lembraria de enviar comunicações à base. O silêncio podia ser interpretado como sinal certo de que os dois homens ainda não haviam deparado com vestígio algum da desaparecida raça imortal.
A guarda pessoal de Thort não disfarçou seu assombro ao ver Rhodan, Crest e Bell desembarcar do hipertransmissor no Palácio Vermelho em companhia do robô. Jamais haviam visto semelhante reprodução metálica da figura humana.
No subterrâneo tudo continuava no mesmo. Supervisionado por seus donos, o robô pôs-se ao trabalho imediatamente. Em poucos instantes expôs as entranhas funcionantes do hipertransmissor. Em circunstâncias normais, Rhodan desanimaria diante da barafunda de mini-instrumentos eletrônicos e condutos de plástico; no entanto, sabendo-se amparado pelos incomensuráveis conhecimentos do cérebro positrônico, incorporados no robô, manteve-se sereno e confiante.
— Será que ele vai conseguir? — sussurrou Bell, em voz apenas audível, como se receasse ser ouvido pelos próprios proponentes do grande enigma. — E se ele der com os burros n’água?
— Não acha preferível calar a boca? — observou Rhodan, secamente.
Ofendido, Bell afastou-se, enquanto Crest presenciava tudo com seu imutável sorriso compreensivo. Inalterado e tranqüilo, o robô desfazia os contatos errados, refazendo-os na ordem correta.
Os minutos foram passando, estendendo-se por uma hora que parecia eterna.
Por fim, com um gesto que bem poderia ser interpretado como de satisfação, o robô recolocou a tampa magnética sobre o mecanismo interno do hipertransmissor e endireitou-se. Com voz inexpressiva, anunciou:
— O hipertransmissor está pronto para funcionar.
Rhodan deu um suspiro de contentamento. Com um olhar de relance a Bell, bateu amistosamente no frio ombro metálico do robô, que saía da cabina. Voltando-se para Crest, pronunciou uma única palavra:
— Quando?
Com um gesto da mão, o arcônida indicou sua indecisão.
— É justamente o que eu me perguntava o tempo todo, Perry. Talvez só amanhã... O grupo disposto a enfrentar tal risco deve ser muito bem organizado. Podemos ir parar num hipertransmissor cuja parte receptiva esteja em ordem, mas cujo transmissor tenha sido avariado de forma idêntica à deste aqui. Parece-me imprescindível levar o robô. E não poderemos dispensar um médico; sendo especialista, o Dr. Haggard seria o mais indicado.
— Necessitaremos de Anne Sloane e John Marshall entre os mutantes — acrescentou Rhodan, pensativo.
— Exato, isso cobrirá todas as eventualidades. O salto para o desconhecido nos levará à próxima tarefa, e espero que sejamos capazes de realizá-la.
Com os olhos presos ao chão, Crest apresentava aspecto profundamente meditativo.
— Há momentos em que nutro sérias dúvidas, Perry. Não seria temerário querer descobrir os segredos de uma grande raça?
— Não estamos fazendo nada proibido — observou Rhodan. — Eles nos deixaram uma pista, para que os seguíssemos.
— Teoria sua, Perry. Não podemos saber se corresponde à realidade. Pessoalmente, acho que colocamos nossas vidas em jogo tentando seguir essa pista.
— Pois minha opinião é diametralmente oposta, assim como a do cérebro positrônico. Ou acha mais conveniente procurar o desaparecido planeta da vida eterna através do Universo, sem o menor ponto de referência? Ele pode estar em todo lugar, e em lugar nenhum.
— Às vezes chego a pensar que seria melhor cancelar definitivamente o plano de procurá-lo — murmurou Crest.
Observação que fez Bell recuperar o ânimo. De jeito nenhum ia continuar escutando passivamente aquilo tudo. Além disso, sabia que desta vez contava com o apoio de Rhodan.
— Crest, não entendo você! — exclamou, em tom de reprovação. — Quem jogaria fora a oportunidade de vir a se tornar imortal? Os desconhecidos recompensam com a imortalidade a solução do enigma. Basta decifrá-lo, e seremos imortais.
— Suposições e mais suposições, meu caro — replicou Crest, mansamente. — Concordo que mesmo nossa expedição iniciada em Árcon se baseava em suposições e crônicas antigas. Elas afirmavam a existência desse planeta, mas isso foi há dez mil anos.
— Ótimo! — interveio Rhodan. — É justamente isto que comprova a veracidade da teoria. Tivemos a prova concreta de que há dez mil anos existiu neste sistema uma raça desconhecida, que, segundo eles próprios afirmavam, vivia mais do que o sol. Ora, segundo os padrões humanos, isso corresponde à imortalidade. Esta raça é a mesma que habitava seu planeta da vida eterna. Está aí o início da pista. E o verdadeiro objetivo de sua expedição, Crest, era segui-la.
O arcônida concordou com certa reticência.
— Claro, claro, tem toda a razão, Rhodan. Desculpe minha hesitação e meus contra-argumentos. Você vai depressa demais, e às vezes é custoso acompanhar seu ritmo. Apesar de raciocinarmos depressa, nós, arcônidas, agimos bem mais devagar...
— Tão devagar que seu Império foi para o beleléu — observou Bell, com brutal franqueza.
O sorriso de Crest se apagou, porém em seus olhos ainda se lia algo como condescendência e compreensão, ao responder:
— Amanhã, então? Bem, estou de acordo. Teremos ainda uma boa noite de repouso para nos fortalecer. É bom ver que nossas opiniões são iguais. Vamos embora?
O sargento Groll imobilizou-se de encontro à rocha. Sensação estranha aquela de estar num planeta desconhecido e encontrar de repente alguém. Se soubesse pelo menos quem era... Os pensamentos de Groll disparavam, arquitetando as mais loucas hipóteses. Um ser vivo na lua 13B? Será que Lossos tinha razão? Os misteriosos estranhos que haviam doado outrora os hipertransmissores aos ferrônios, retirando-se depois para paragens desconhecidas, viveriam de fato naquela lua? Poderiam realmente ter levado seu planeta para ali, disfarçando-o de lua? E... seriam mal-intencionados?
A mão de Groll procurou novamente a cintura. O sólido cabo da pistola de raios constituía um contato tranqüilizante; no entanto, restava saber se ela seria útil contra seres que raciocinavam na quinta dimensão e construíam hipertransmissores de matéria; contra entes que haviam imposto sua vontade até a um planeta.
Mesmo confuso e repleto de dúvidas, o sargento Groll não perdeu o ânimo.
Ocorreu-lhe que talvez viesse a tornar-se a personalidade mais destacada em toda aquela expedição de Rhodan. Se tivesse mesmo o privilégio de ser o primeiro a dar com a raça procurada...
Lossos devia ter parado, pois Groll não ouvia mais seus passos. Por instantes escutou ainda o leve eco dos sorrateiros passos do perseguidor, depois fez-se silêncio total. Apenas uma suave brisa soprava entre os rochedos, semi-aprisionada pelos pilares de pedra. Com um calafrio, Groll segurou com mais força a arma que tinha no cinto. O polegar tocava o disparador, pronto para atirar. Não ousava dar um só passo, temendo chamar a atenção do estranho sobre si. Por enquanto ainda contava com a vantagem da surpresa; era melhor que o desconhecido continuasse pensando que seu único adversário era o ferrônio.
Mas não poderia ficar indefinidamente parado ali, sem tomar iniciativa alguma. Era responsável pela segurança do cientista. E Lossos estava desarmado. Enchendo-se de coragem, Groll avançou um passo. Não sabia bem que direção tomar, porém supunha que tanto Lossos como o desconhecido se encontravam por trás da coluna seguinte. O cientista devia estar absorto em seu trabalho, buscando vestígios de uma hipotética civilização perdida, sem dar a menor atenção ao que o cercava. E enquanto isso, um inimigo muito vivo se esgueirava para perto dele.
Apertando os dedos em torno do cabo da arma Groll deu mais um passo, procurando não fazer o menor ruído. Era fácil contornar as pedras espalhadas; e como o chão era plano, não corria o risco de tropeçar.
Sentiu o sangue gelar-lhe nas veias ao ouvir lá adiante uma exclamação entusiástica. De Lossos, evidentemente. A voz não revelava susto nem alarma, mas antes triunfo. Que significaria aquilo?
Novamente se fizeram ouvir as passadas firmes e enérgicas do ferrônio. Uma ou outra pedra, involuntariamente chutada, rolava lentamente pelo chão; o eco reverberava contra as rochas. Ouviu-se igualmente a respiração arquejante de quem exercia violento esforço. Lossos falava sozinho, porém Groll não entendia uma só palavra do que dizia. Mas adivinhou que o ferrônio descobrira algo excitante, que o absorvia completamente.
O piloto contornou a coluna que os separava, colando-se o mais possível contra a rocha lisa. A estreita garganta alargava-se dali por diante, dando para um pequeno platô rodeado por paredes a pique. O longínquo sol Vega descera acentuadamente no horizonte; agora iluminava só os picos mais altos das colunas de pedra. Escurecia visivelmente.
Mas ainda restava claridade suficiente para ver Lossos removendo afobadamente, com as mãos nuas, grandes blocos de pedra. Pelo jeito, tentava chegar a uma formação semi-enterrada pelo pedregulho solto. Segundo Groll podia ver de onde estava, tratava-se de uma espécie de pirâmide, soterrada quase até o cume.
Lossos desimpedira uma das faces. A parede lisa e regular apresentava em seu meio algo que parecia uma inscrição. Era aquilo que interessava tanto o cientista.
Acerca de dez metros dela, na rocha vizinha, via-se um buraco semicircular. A negra abertura vinha a ser uma espécie de túnel, conduzindo às profundezas do solo. Aos derradeiros lampejos do sol, Groll percebeu que o túnel penetrava diagonalmente no chão, quase desde os primeiros dois metros de extensão.
Lossos ainda não devia ter visto o túnel, senão não concentraria toda a sua atenção na pirâmide. Groll pensou em gritar para alertar o ferrônio; mas como fazê-lo, sem se trair? A arma em sua mão era, sem dúvida, uma defesa contra o perigo iminente, mas onde se ocultaria o misterioso caminhante desconhecido? Agachado em algum canto, talvez, observando-o? Será que já descobrira? Em caso contrário, por que se mantinha tão quieto de repente?
Cautelosamente encostado à rocha, Groll avançou mais alguns passos. Até a rocha vizinha havia um espaço aberto de cerca de vinte metros. Lossos e a pirâmide ficavam a mais ou menos trinta metros de distância, e a entrada do túnel era um pouco além.
Encontrando um nicho na coluna, Groll parou. Aquela posição lhe oferecia apreciável vantagem, protegendo-o por todos os lados. Por que não ficar vigiando o ferrônio dali, sem se expor inutilmente? O adversário desconhecido — dado o caso de tratar-se de fato de um adversário — evidentemente só se preocupava com Lossos. Mais cedo, ou mais tarde, acabaria aparecendo; e Groll poderia entrar em ação, conforme o que as circunstâncias exigissem.
A escuridão aumentava rapidamente. Os últimos raios do sol desapareceram, dando lugar às primeiras estrelas. Entregue às suas pesquisas, Lossos nem parecia dar pela modificação do ambiente. Mas, afastada a última pedra, quando se inclinou para decifrar a misteriosa inscrição, pareceu se dar conta, finalmente, de que estava escuro demais para conseguir lê-la. Não se lembrara de trazer uma lanterna. Resmungando a meia voz, ergueu-se e ficou parado, com ar desorientado. Seu vulto se destacava nitidamente contra a rocha; pairando pouco acima do horizonte, o décimo terceiro planeta fornecia luz suficiente para permitir a formação de sombras.
E foi também uma sombra que arrancou Groll de sua passividade.
O piloto escutara um ruído, bem perto dele. O desconhecido devia estar escondido na mesma rocha onde Groll se encostava, a menos de três metros dele, observando Lossos. Fez-se ouvir novamente o rumor de passos cautelosos... e depois apareceu contra a rocha fracamente iluminada um vulto escuro. De tamanho sobrenatural, com contornos vagamente humanos. A cara pontuda e a pele escamosa despertaram em Groll inquietantes lembranças de eras pré-históricas, e, ao mesmo tempo, dos mais recentes acontecimentos no sistema Vega. Porém não tinha muita certeza. Apesar de bem escolado nos princípios de Rhodan — jamais julgar estranhos por sua aparência física — sentiu-se imobilizado pelo terror. Incapaz de executar o menor movimento, encolheu-se ainda mais no nicho protetor, agarrado à arma. Em vão seus olhos tentavam distinguir algo na penumbra reinante.
Lossos erguera-se, aparentemente resignado a encetar o caminho de volta ao caça espacial. Pelo visto, nem percebera a estranha e assustadora sombra, a menos de dez metros dali.
Groll forçou-se a reagir contra a inércia que o dominava. Se hesitasse por mais alguns instantes, os vultos indistintos do ferrônio e do estranho se confundiriam de tal maneira que seria impossível diferenciá-los. E não haveria a menor possibilidade de intervir no que poderia vir a acontecer.
Erguendo a arma, Groll apontou-a para a sombra do desconhecido. Sem tirar os olhos dela, gritou:
— Lossos, cuidado! Corra para a direita! Há um ser desconhecido espreitando você! Depressa!
Não pretendia atirar num ente desconhecido enquanto este não se revelasse positivamente inimigo. E de maneira nenhuma tencionava provocar uma guerra com os habitantes daquele planeta — não conseguia tomar o 13B por simples lua. Afinal, eles tinham direitos de sobra para examinar de perto qualquer intruso em seu mundo.
No entanto, o que se seguiu eximiu-o de tomar decisões.
A gigantesca sombra lançada sobre o platô não se movia, permanecendo totalmente imóvel. Groll esperava ver, a qualquer momento, o brilho de alguma arma; e estava firmemente decidido a retribuir o fogo, caso o estranho atirasse. Mas não aconteceu nada disso.
Enquanto o ferrônio, depois de momentânea hesitação, seguia o conselho de Groll, afastando-se com alguns saltos da presumida linha de fogo, o desconhecido aproveitou a oportunidade para escapar.
Atento aos movimentos de Lossos, Groll distraiu-se por instantes da vigilância sobre o estranho. Aqueles poucos segundos de desatenção foram suficientes. Esparramando pedras por todos os lados, o ente desconhecido se precipitou com a rapidez de uma lebre em fuga para a boca do túnel. Antes que Groll pudesse sequer abrir a boca para gritar, ele sumira terra a dentro. O rumor de seus passos apressados foi diminuindo gradativamente dentro do túnel, cada vez mais fraco e distante. Dentro de instantes, o silêncio se restabeleceu.
Groll deixou decorrer ainda um minuto antes de gritar para Lossos:
— Pode vir! Ele já foi embora! Temos que voltar para o avião. Sabe lã que perigos ainda rondam por aqui.
O ferrônio veio vindo diagonalmente pelo platô; aparentemente muito pouco impressionado com o perigo que correra. Sem tomar o cuidado de abaixar a voz, gritou para o piloto.
— Encontrei! Encontrei os seres que vivem mais do que o sol!
Irritado, Groll recolocou a arma no cinto, dizendo:
— Descoberta de pouca utilidade para um cadáver!
O ferrônio pareceu despertar de repente.
— Que quer dizer? Ah, o desconhecido? Ora, que bobagem... Algum passeante solitário, na certa. Deve ter se assustado e fugido...
Groll tomou a dianteira, murmurando consigo mesmo:
— É, parece que, simbolicamente, o sol não vive muito tempo aqui.
Mais uma noite se passou.
Rhodan estava firmemente decidido a solucionar naquele dia a segunda etapa da charada galáctica, custasse o que custasse. Reunindo o grupo escolhido para a empreitada programada, dirigiu-se com ele para o Palácio Vermelho de Thorta, usando a cômoda via de transporte do hipertransmissor.
O robô esperava, em sua imobilidade mecânica.
— Nada de novo, senhor! — informou ele, em resposta à pergunta de Rhodan.
Acercando-se pela direita, Bell bateu amistosamente no frio ombro da réplica mecânia de um arcônida.
— Acha mesmo que não há perigo em entrar nessa geringonça e deixar-se levar sei lá para onde?
— O hipertransmissor de matéria está pronto para funcionar — replicou o robô, sem dar resposta direta à zombeteira pergunta de Bell.
— Bem, como você vai conosco, fico mais sossegado — comentou Bell, rindo. — Duvido que arriscasse a lataria à toa; deve estar bem certo do que faz, não é?
Desta vez o robô não deu resposta.
Rhodan deteve-se pensativamente diante do hipertransmissor por alguns instantes, antes de decidir-se a entrar. Crest, o Dr. Haggard, os dois mutantes, Anne Sloane e John Marshall seguiram-no em silêncio. Bell esperou que o robô tomasse lugar na cabina; só então embarcou, em último lugar.
A cabina mal dava para acomodar todos. Os participantes humanos da aventura sentiram-se invadidos por um indefinível sentimento de temor, contra o qual não conseguiam reagir. Parecia-lhes que estavam desafiando o passado.
A mão de Rhodan repousava sobre a alavanca de partida, igual à que acionava os demais hipertransmissores. Porém desta vez o alvo era diferente: fixado de antemão e desconhecido. Dali por diante estavam entregues ao destino. O ponto de partida era óbvio, porém ignoravam onde ficava o receptor correspondente àquele hipertransmissor.
— Nossa inquietação é compreensível — disse Rhodan — porém não tem razão de ser. Segundo as deduções lógicas do cérebro positrônico, nenhum perigo direto nos ameaça. Vamos apenas seguir uma pista traçada há milhares de anos, e cuja extensão e ponto final desconhecemos. Também não sabemos quantas etapas intermediárias será preciso vencer. Os enigmas à nossa frente foram propostos por seres inteligentes, e temos que decifrá-los, se quisermos encontrar com eles. A luz de que falam é a conservação celular, a vida eterna.
— Pois eu me decidi: quero encontrá-los! — disse Crest. Porém havia uma leve reticência em sua voz. — Devo isso à minha raça. Confesso, no entanto, que não me sinto tão confiante quanto você, Rhodan.
— Duvida da criação de sua própria raça, o cérebro positrônico? Não fui eu que tracei nosso rumo, e sim ele, mediante deduções racionais. Jamais se engana.
— Sim, concordo. Mas ele poderia incorrer em erro relativo, caso receba dados incorretos para a análise. Que sabemos nós da maneira de pensar dos seres que inventaram a grande charada?
— Muita coisa, Crest. Que possuíam desenvolvido senso de humor, por exemplo. E sob certo aspecto eram, ou são, até amistosos; pois em caso contrário não demonstrariam a menor intenção de repartir seu segredo com outros. A charada representa uma medida acauteladora, a garantia de que nossa inteligência se equipara à deles. Já frisei isto repetidamente, Crest, e você devia convencer-se finalmente do que digo. E eu acredito que podemos medir-nos com eles.
— Tomara que sim! — murmurou Bell, desconsolado. — É o que espero, pelo menos... Confesso que também não me sinto muito à vontade. Para ser franco, já me despedi da vida.
— Ainda ontem você falava de outra maneira — reprovou Rhodan, sempre com a mão sobre a alavanca, sereno e imóvel. — Perdeu a coragem de repente?
— Muito pelo contrário! — afirmou Bell, com um sorriso contrafeito. — Não vejo a hora de partir...
Haggard não fez qualquer comentário, assim como os dois mutantes. Confiavam incondicionalmente em Rhodan; o que ele fazia estava certo. Nunca agiria de maneira impensada. Sua presença representava segurança.
Também o robô se manteve calado, o que, porém, não queria dizer nada. Bell, pelo menos, sempre alimentara a noção de que robôs eram incapazes de ter sentimentos. O que não impedia que, em certos momentos, duvidasse de suas próprias convicções.
— Prontos? — indagou Rhodan.
Cinco cabeças acenaram afirmativamente.
Cerrando os dentes, Rhodan apertou os lábios numa linha dura e rígida; nos olhos de aço brilhava intensa expectativa. Com um gesto brusco, baixou a alavanca.
Contrariamente aos saltos habituais, desta vez fez-se sentir um efeito que não lhes era desconhecido. Dores agudas e cruciantes invadiam o cérebro, propagando-se com agoniante lentidão pela coluna dorsal. Os olhos turvavam-se, não distinguindo mais nada do que os cercava, o cérebro deixava de pensar.
O processo todo não durou, na realidade, mais do que algumas frações de segundos; ou uma eternidade. Num instante tudo passou. O pensamento voltou a funcionar, os olhos enxergavam novamente, e a dor desapareceu.
— Raios! — resmungou Bell, agarrando-se ao robô. — Brincadeira sem graça, essa! Eu é que não repetiria a experiência!
— Você vai ter que passar por ela, queira ou não, se pretende voltar — lembrou Rhodan. — Onde estamos?
— E é a mim que pergunta? — espantou-se Bell, tentando vislumbrar qualquer coisa na penumbra reinante.
Continuavam de pé dentro do hipertransmissor, mas sabiam que já não se tratava da cabina na qual haviam embarcado há pouco. Deviam ter chegado à estação receptora.
Era evidente que o aparelho os rematerializaria no interior de alguma espécie de prédio. O ar era abafado e opressivo, como se não tivesse sido renovado há longo tempo. Fontes luminosas ocultas emitiam fraco brilho.
Rhodan abriu a porta do transmissor. No mesmo instante, como se aquilo fosse um sinal, o ambiente iluminou-se. As lâmpadas ocultas intensificaram seu brilho. Imóveis, os homens, o arcônida, e o robô procuravam orientar-se.
O hipertransmissor encontrava-se no meio de um imenso salão sem saída. Pelo menos, não havia nenhuma à vista. Apesar das vastas dimensões da peça, havia pouco espaço livre, tão atulhado estava ela de maquinaria e objetos de formas estranhas. Passagens estreitas conduziam por entre o conglomerado de aparelhos, que ninguém sabia o que eram, nem para que serviam.
— Vamos! — disse Rhodan, com voz estranhamente velada. Foi o primeiro a pisar o chão plano e liso. — Qual será nossa próxima tarefa?
Como se os desconhecidos imortais tivessem ouvido a pergunta, surgiu uma inscrição luminosa no alto do teto. Era o modo de escrever já conhecido: símbolos, desenhos e figuras. Mas, antes que o olhar de Rhodan tivesse tido tempo de examinar sequer o primeiro símbolo, a inscrição se apagou novamente. Sobressaltado, Rhodan compreendeu que perdera sua chance. Aquela inscrição era um indício, parte da tarefa a realizar. Já que era incapaz de gravar instantaneamente na memória uma impressão fugaz, devia ter trazido ao menos uma máquina fotográfica. Lamentavelmente não se lembrara disso. Adiantaria prosseguir naquelas circunstâncias?
John Marshall, o telepata, captou o pensamento de Rhodan.
— Não desanime — encorajou ele. — Eles certamente não nos atraíram até aqui para nos mandar de volta com as mãos abanando. Mesmo que nunca saibamos o que dizia aquela inscrição, supondo que ela apareça mais uma vez. haverá outras tarefas à nossa espera.
— A inscrição será decifrada pelo cérebro positrônico — interrompeu Crest. — Um de nós poderá levá-la até a base, e o teleportador Ras Tshubai trará a resposta em poucos minutos.
— Como, se a inscrição já desapareceu?! — exclamou Rhodan, amargurado. — De que jeito o cérebro poderia decifrar algo inexistente?
Pela primeira vez desde o começo da aventura Crest sorriu. Um sorriso de leve superioridade.
— Você esqueceu um pequeno detalhe, Rhodan. Minha memória fotográfica... Quer que eu escreva a frase aparecida no teto?
Rhodan suspirou audivelmente.
— Desculpe, Crest, esqueci mesmo. Escreva a frase, sim, por favor. Mandaremos o robô como mensageiro. Não posso garantir que a decifração seja importante. Mas talvez necessitemos dela para continuar.
O grupo todo já tinha saído do hipertransmissor. Parados entre as gigantescas instalações, observavam o aparelhamento inerte e aparentemente sem sentido. Nem sinal de seres vivos. Era como se tivessem sido jogados, sem razão aparente, numa usina de força subterrânea, só para observar como reagiriam.
Só então sentiram a corrente de ar fresco. Viram aberturas gradeadas no teto; o sistema de ventilação. E funcionando com base nas exigências vitais de seres habituados a respirar oxigênio.
— Onde estamos? — perguntou Anne Sloane, timidamente. — Em Ferrol?
— Podemos estar em Ferrol, sim; talvez até em Thorta — replicou Rhodan, porém havia uma nota de dúvida em sua voz. — No entanto, também podemos estar num planeta que gira a milhares de anos-luz de Ferrol no espaço. Lembre-se da prolongada sensação de dor durante a teleportação; isto permite supor que vencemos grandes distâncias. Mas, onde quer que nos encontremos, a volta está garantida: o hipertransmissor está aí para nos levar quando quisermos. Não é verdade, Crest?
— Era esta a inscrição luminosa no teto — disse o arcônida, estendendo um papel a Rhodan. — Apenas o cérebro positrônico é capaz de interpretá-la. Quem sabe a gente deve esperar um pouco antes de despachar o robô?
Rhodan hesitou.
— Não saberíamos nos orientar sozinhos neste labirinto tecnológico. Talvez a inscrição nos explique por que viemos para cá.
— E caso precisarmos do robô aqui? — indagou Bell.
— Bem, e quem iria no lugar dele? Você?
— Eu sozinho? Sozinho no hipertransmissor? Nunca!
— Pois então a questão está resolvida, meu velho. — Rhodan voltou-se para o calado e imóvel robô: — Tome este bilhete, e leve-o para o cérebro positrônico da Stardust-III. Mande-o decifrar a inscrição, e traga-nos o texto traduzido. Vá e volte o mais depressa possível.
— Não era Ras Tshubai que...?
— O robô será mais rápido — disse Rhodan, cortando a frase de Bell.
Sem pronunciar uma palavra, o robô entrou no hipertransmissor. Animados por sentimentos contraditórios, os expedicionários viram-no sumir.
A mente cristalina de Rhodan funcionava a todo o vapor.
— Aquela inscrição não deve ser o único indício que nos aguarda aqui. Esse monte de tecnologia não foi reunido só para impressionar. As provas se tornarão cada vez mais difíceis, isto é garantido. Vamos andando. Mas sempre juntos, a fim de podermos empregar todos os nossos recursos se, eventualmente, formos obrigados a reagir. Crest já teve uma oportunidade de mostrar sua capacidade. Não sabemos quem será o próximo.
Dando o exemplo, Rhodan seguiu na frente. Crest e Haggard acompanhavam-no de perto; depois vinham Anne Sloane e John Marshall; Bell formava a retaguarda, com um olhar arrependido para o hipertransmissor. Na certa se perguntava se não teria sido melhor executar a missão do robô...
Em algum ponto do vasto complexo fez-se ouvir de repente um zumbido. Grave e regular, como um motor recém-ligado. Quem o teria posto em funcionamento, se não se via ninguém por perto? Tudo aquilo devia ser controlado automaticamente. Mas de onde, e por quem?
O zumbido vinha da direita. Rhodan dobrou na primeira curva do estreito corredor, indo ao encontro dele. Sabia que não havia outra escolha, a menos que quisesse perder tempo inutilmente. Pressentia que o tempo constituía o fator mais importante, determinado há milhares de anos.
O mortiço brilho metálico das estranhas máquinas parecia irradiar uma sarcástica ameaça. Bell encostou casualmente num dos maciços blocos, mas logo recolheu a mão, assustado, como se tivesse tocado numa cobra.
O zumbido provinha de um cubo metálico no extremo do corredor. Quando Rhodan se deteve diante dele, com ar inquisitivo, sentiu algo tateante invadir seu cérebro. Poderes estranhos tentavam dizer-lhe algo. O quê?
— Marshall, está sentindo também?
O telepata acenou ligeiramente. De olhos cerrados, parecia escutar uma voz em seu íntimo. Gotas de suor banhavam-lhe a testa. Crest se mantinha igualmente imóvel. Bell, observando a certa distância, não percebia nada. Escutava apenas o zumbido, tentando achar alguma explicação para ele. De seu ponto de vista, aquele cubo de metal não passava de mais uma máquina ou gerador no meio daquela barafunda.
O zumbido cessou, dando lugar a um silêncio mortal. Rhodan sentiu a pressão afrouxar em sua cabeça; John Marshall suspirou e abriu os olhos.
— Uma mensagem mental não codificada — disse ele. — Esta máquina vem a ser um sensor de estrutura mental; avaliou nossa capacidade intelectual e quociente de inteligência. O resultado foi favorável; parcialmente, pelo menos...
— Como assim?
Marshall fez uma careta de constrangimento.
— O aparelho constatou reações diversas entre nós, segundo depreendi. O resultado final foi favorável, apesar de não ter detectado qualidades telepáticas em Bell, Haggard e Anne. Tanto em você, como em Crest, ele percebeu leve inclinação para a telepatia. Como eu fui considerado cem por cento, foi a mim que ele comunicou suas conclusões.
— Não entendo! — reclamou Bell. — Está querendo me convencer de que falou com essa máquina? Que ela conversou com você?
— De certa forma, sim — confirmou o telepata. — Eu pude entender o que ela pensava. Seja como for, fomos aprovados no exame. E a ordem é seguir procurando.
— Procurando? Mas o quê?
— Isto o telepata automático não me disse.
Rhodan ia dizer qualquer coisa, porém não chegou a falar. Crepitando furiosamente, tremendos raios começaram a cruzar o recinto, seguidos por estrondosas descargas elétricas. Percorrendo um trajeto de dez metros, os raios nasciam num globo de brilho azulado, que pairava, aparentemente sem suporte algum, junto ao teto. Acabavam em outra esfera, provida duma pequena antena, e assentada sobre um enorme receptáculo de metal.
Dez metros; ou sejam, dez milhões de volts!
A esfera receptora começou a abrasar-se e ficou branca. Irradiava um calor que aumentava gradualmente. Sentia-se no ar o cheiro de ozônio. Os raios cessaram. Porém a esfera continuou incandescente, e o calor crescia no recinto subterrâneo.
— Que foi isso? — murmurou Bell, com voz insegura.
Rhodan pigarreou.
— Uma demonstração bastante drástica de transmissão de energia sem fio, se não me engano. Dificilmente aplicável na prática, no entanto. Sei lá o que pensar disso. Se é uma das tarefas...
Novamente Rhodan foi interrompido. Algo se mexia no imenso complexo. Passos nítidos, chegando perto. Firmes, pesados e ritmados; chegavam a ser até monótonos.
De junto a Rhodan, Crest empalideceu violentamente. Tremia da cabeça aos pés. Bell gozou com aquela cena; até que se viu forçado a apelar para todas as suas forças a fim de disfarçar a própria consternação.
Rhodan parecia ter estarrecido. Sua face era uma máscara tensa e rígida. Parecia ter esquecido totalmente os amigos, e nem sequer viu John Marshall levar instintivamente a mão ao bolso.
Alguém — ou alguma coisa — se dirigia ao encontro deles por entre a maquinaria. Às suas costas ressoaram passos semelhantes, firme e determinados.
— Nada de atos impensados! — murmurou Rhodan, incisivamente, dirigindo-se em especial a Marshall. — Não demonstrem medo, pois duvido que se trate realmente de um inimigo. A charada galáctica requer inteligência, e não podemos nos desprestigiar.
Viram um vulto apontar ao longe, no extremo do corredor, vindo de uma passagem transversal. Assemelhava-se a um homem, só que era maior e mais pesado. Faltavam-lhe as pernas, no entanto. Em vez disso, locomovia-se sobre duas altas rodas. O tronco era peculiarmente geométrico e anguloso. Na cabeça havia algo como antenas ou sensores, de conformação estranha. Os olhos eram dois jatos de fogo.
— Um robô! — murmurou Crest, assombrado. — Não é propriamente um ser vivo, na nossa concepção. Seriam robôs os...?
— Tolice! — replicou Rhodan, secamente. Percebia agora que o ruído, interpretado como sendo de passos, vinha do interior do corpo do gigante de dois metros de altura. Uma espécie de propulsão, talvez, ou então alguma manobra de despistamento; fosse o que fosse, não tinha sentido aparente.
Por trás do grupo, aproximando-se lentamente, surgiu outro robô.
Rhodan olhou em torno nervosamente. Não havia possibilidade de escapar. Os blocos maciços das máquinas formavam verdadeiras muralhas, altas e inteiriças. Impossível subir pelas paredes lisas... Caso os robôs não se detivessem a tempo... Decidiu fazer uma experiência.
— Fiquem parados onde estão — recomendou aos companheiros. Depois foi ao encontro do primeiro robô.
O monstro movia-se relativamente devagar, mas seu avanço era constante. O mecanismo de funcionamento, em prontidão provavelmente há milhares de anos, devia ter sido ativado com a entrada do grupo em seu meio. Portanto cabia-lhes imobilizá-lo de novo.
Rhodan parará a cinco metros do monstro. Seu aspecto era de fato impressionante. Dos olhos emanava o fulgor de uma força dominada a custo. Os frágeis sensores prateados vibravam nervosamente, estendendo-se na direção de Rhodan, como se esperassem alguma coisa dele. Um bastão metálico no alto da cabeça começou a oscilar. Inexoravelmente, as grandes rodas levavam o autômato para diante, sem o menor sinal de quererem parar.
Puramente por instinto, Rhodan estendeu as duas mãos, ordenando energicamente:
— Pare!
O robô continua a rodar.
Desistindo de nova tentativa, Rhodan voltou para junto de seu grupo.
— Marshall, dê-lhe uma ordem telepática! Talvez ele reaja a isso.
O telepata adiantou-se. Enquanto isso, a ameaça representada pelo segundo autômato se tornava mais aguda. O mecanismo, composto de ligas metálicas desconhecidas, e de elementos eletrônicos misteriosos, continuava a avançar sempre, como se o outro robô o atraísse com forças mágicas. Ambos pareciam dispostos a encontrar-se a qualquer preço, esmagando sem piedade tudo que lhes impedisse, o caminho.
Procurando desesperadamente um meio de socorrer os amigos, Anne Sloane acabou acertando com a única solução possível. Por que não recorrer a seus dons? Como é que Rhodan não se lembrara logo daquilo, já que não havia outra alternativa?
Sem pronunciar uma palavra, ela encaminhou-se para o segundo robô, detendo-se a alguns passos dele. Apelando para a rotina de longos anos de treino, concentrou sua mente. Sabia que sua capacidade seria submetida a rude prova, a mais severa que já enfrentara em toda a vida. E, no entanto, a tarefa era bem simples do ponto de vista técnico. Apenas o receio de fracassar é que ameaçava paralisar sua energia mental; mas, ao mesmo tempo, seu pavor mortal produzia efeito oposto.
Enfeixando sua força mental, Anne lançou-a contra o colosso, como se fosse o foco de um holofote invisível.
Atento às valentes tentativas de Marshall, Rhodan não percebeu logo o êxito dos esforços de Anne; mas seu ouvido não tardou a acusá-lo. Apenas Bell observava Anne, e teve o privilégio de apreciar o espetáculo verdadeiramente inédito desde o início.
O robô parecia ter esbarrado num obstáculo invisível. As rodas bloqueadas giravam no mesmo lugar, e acabaram parando. Espalhou-se no ar um cheiro de isolamento queimado. E o calor emanado pela esfera incandescente aumentava mais e mais.
O corredor era estreito, e o imóvel corpo metálico do robô não permitia a passagem de nenhum dos humanos. O obstáculo fora detido, porém não afastado. Além disso, que adiantava ter imobilizado um dos robôs se o outro prosseguia em sua ameaçadora avançada? E Anne não poderia ocupar-se ao mesmo tempo de ambos.
O cérebro da telecineta raciocinava a jato. Antes que Bell conseguisse dizer alguma coisa, ela já sabia o que fazer. Intensificando seus esforços, transmutou suas correntes de pensamento. As forças mentais concentradas transformaram-se em energia positiva, e levantaram o robô no ar. Lentamente, com as rodas novamente em movimento, o monstro metálico flutuou para o alto. Dez centímetros, vinte, meio metro...
Anne sentiu-se enfraquecer. Não agüentaria aquilo por muito tempo. Mas era preciso! Estariam todos perdidos caso ela não conseguisse remover o obstáculo do caminho, e torná-lo inofensivo.
Alçou o autômato a dois metros de altura, depois a três. Ele já estava no mesmo nível do topo das máquinas. Porém Anne ainda não estava satisfeita. Acrescentou mais dois metros, e o monstrengo pairava agora a cinco metros de altura. Agora uns dois ou três metros para o lado...
Com um suspiro, ela soltou o robô.
Ele ficou suspenso no ar por um centésimo de segundo, com as rodas girando, por cima das massas metálicas de máquinas misteriosas. Depois precipitou-se para baixo. O fragoroso impacto de metal sobre metal reboou no recinto.
O estrondo fez Rhodan e os demais se virarem abruptamente. Também Marshall desistiu de suas vás tentativas de obrigar o robô a submeter-se à obediência, mediante ordens telepáticas. A brusca reviravolta permitiu-lhe ver, ainda a tempo, o segundo robô se despedaçando no topo de uma das imensas máquinas, espalhando peças por todos os lados. Ao mesmo tempo presenciou, assim como os demais, o desfalecimento de Anne Sloane. Ela se abateu ao solo antes que alguém pudesse ampará-la. O esforço fora demasiado.
Com um só olhar, Rhodan apreendeu a situação.
— De volta para o hipertransmissor! — ordenou, ignorando o primeiro robô, que continuava a avançar imperturbavelmente.
— Precisamos escapar antes que ele nos alcance!
Marshall sacou do bolso uma pistola de raios; ninguém sabia que ele viera equipado com tal arma. — Quer que o aniquile?
— Não! — berrou Rhodan. — Não podemos resolver tudo pela violência. Prefiro que me ajude a carregar Anne. Bell, mexa-se! Que faz aí parado? Dê uma mão aqui!
A retirada foi apressada, porém ordenada. Rhodan até teve tempo de refletir sobre a fracassada missão. Sabia que tinham falhado. E, no entanto, tudo poderia ter sido resolvido com a maior facilidade, considerando bem... Os dons telecinéticos de Anne não eram suficientemente poderosos para dar conta de dois adversários simultaneamente. Mas eles dispunham de outra telecineta...
O coração de Rhodan começou a bater mais depressa ao lembrar-se de Betty Toufry. Como é que não pensara nela antes? A jovem mutante representava verdadeiro fenômeno parapsicológico. Dominava a telecinésia melhor que qualquer outro integrante do Exército de Mutantes possuidor de dom idêntico. Apesar de sua pouca idade, já sobrepujara a própria Anne Sloane.
— Talvez ainda não seja tarde demais, se conseguirmos trazer a tempo Betty Toufry — disse Rhodan, arquejante, ao dobrar a última volta do corredor. — Mas, seja como for, o robô precisa ser eliminado antes de alcançar o hipertransmissor. Parece que ele foi programado para destruí-lo. Pretendem nos cortar o caminho de volta. Mas o sucesso obtido foi só parcial.
Encontravam-se agora diante da cabina. Antes que Rhodan pudesse distribuir instruções, materializou-se dentro do transmissor o vulto do robô arcônida; e depois outro, bem menor!
Betty Toufry desembarcou diante dos atônitos companheiros. Parecia intimidada. O rostinho jovem tomou um ar de susto ao ver Anne Sloane desmaiada nos braços de Bell. John Marshall, ao lado dele, não sabia se cuidava da moça inconsciente, ou do robô que se aproximava rolando. Escolheu, então, a terceira alternativa, indagando:
— Ué, Betty, de onde vem?
Rhodan já se refizera da surpresa.
— Até parece que você me ouviu chamar, Betty! — exclamou, com um olhar indagador para Crest. Porém o arcônida também não soube lhe dar esclarecimento algum. — Anne não está dando conta do recado sozinha. Fomos atacados por um robô. Você precisa intervir, a fim de desativá-lo. Anne simplesmente levantou o dela no ar, deixando-o cair depois.
— O cérebro positrônico me aconselhou a trazer a mutante Betty Toufry — informou o robô arcônida, com sua impessoal voz metálica. — Talvez esta mensagem lhe tenha indicado a necessidade da medida. O autômato estendeu um bilhete a Rhodan.
Só então este se recordou que enviara o robô para cima — nem sabia porque pensava em termos de lá em cima e aqui embaixo — com a missão de mandar decifrar o texto da inscrição luminosa.
No bilhete lia-se clara e explicitamente:
Bem-vindos à central das mil tarefas — porém apenas uma delas os conduzirá ao alvo desejado.
Era tudo. E o sentido era óbvio. Rhodan interpretou-o:
— Temos mil tarefas diante de nós, e fracassamos logo na segunda ou terceira.
Isto é, podemos nos considerar fracassados, se Betty não conseguir ajudar. O cérebro sabia evidentemente que surgiriam complicações telecinéticas, e que Anne não conseguiria se safar delas sozinha. Betty precisa fazer uma tentativa, antes de desistirmos de vez. Venha, Betty, eu vou com você. O resto do grupo fica perto do hipertransmissor. Com ordem de embarcar imediatamente caso eu fizer sinal. Entendido?
O tom de Rhodan era de desacostumada severidade. Bell não arriscou o menor comentário, dedicando-se ao atendimento de sua paciente. Anne já abria os olhos e procurava se desvencilhar dos braços que a envolviam, ainda meio atordoada. Marshall constatou o fato com nítida satisfação. Crest parecia estar em transe.
Tomando a mão de Betty, Rhodan voltou com ela para o vasto recinto das máquinas, de encontro ao robô, cujas pancadas ritmadas eram cada vez mais audíveis. O monstrengo avançava com assustadora regularidade.
— Você vai ter que se concentrar ao máximo — cochichou Rhodan à menina. — Não basta fazê-lo parar; tente levantá-lo e levá-lo para outro lado. Uma queda de poucos metros de altura será suficiente para destruí-lo. Deve ser justamente isso que esperam de nós. Entre outras coisas... — acrescentou em voz mais baixa, como se receasse ser ouvido por quem não devia escutar suas palavras. — Será que você consegue?
Com os olhos muito arregalados, a jovem acenou silenciosamente. Já avistavam o robô, a dez metros diante deles. Vagarosamente o colosso metálico ganhava terreno, sempre acompanhado pelas surdas batidas.
— Agora! — sussurrou Rhodan, mantendo-se atrás de Betty, a fim de não desviar-lhe a atenção.
A muito custo, a menina reprimiu o pânico que ameaçava dominá-la. Só uma vez em sua existência vira-se obrigada a exercer sua capacidade numa emergência: na ocasião em que alvejara o próprio pai, subjugado por seres alienígenas. Entes com o poder de comandar ao seu bel-prazer organismos alheios tinham dominado o pai de Betty, ordenando-lhe que causasse graves danos à Terra. A criança não teve alternativa senão apontar a arma do pai contra ele. Com isso, a invasão dos aterradores seres fora repelida com êxito; porém a lembrança da terrível experiência fizera Betty amadurecer antes do tempo.
Ela era uma mutante das mais notáveis. Já na mais tenra infância, suas capacidades haviam atingido pleno desenvolvimento, E agora ela superava qualquer adulto. Rhodan gostava de apresentá-la com exemplo vivo do futuro gênero humano. Uma precursora do homo superior!
Com um violento esforço, Betty expulsou de sua mente todo e qualquer pensamento, concentrando-se exclusivamente na tarefa de enfeixar suas forças cerebrais em energia telecinética. E depois agiu prontamente.
Rhodan não presenciara os esforços de Anne Sloane para erguer o robô. Escutara apenas o efeito final. Maravilhou-se, portanto, ao ver a eficiência com que Betty trabalhava, uma vez superado o impacto inicial. O robô de algumas toneladas parara de repente, com um tranco. O fogo dos olhos parecia arder com raiva. Em vão o colosso forçava a invisível barreira telecinética, com as rodas patinando no mesmo lugar. Depois o monstro se ergueu lentamente para o alto, como que desprovido de peso, até as antenas tocarem no teto. Betty deixou-o suspenso por alguns instantes; parecia sentir prazer em brincar com suas forças. Depois soltou-o.
Por entre o estrondo causado pela grande massa metálica se espatifando no chão, fez-se ouvir um grito uníssono de várias vozes. Rhodan voltou-se num salto, preocupado. Ouviu os apelos angustiados de Bell, os lamentos de Marshall, e palavras esparsas de Crest, que não conseguiu entender.
Compreendeu imediatamente que algo de incomum acontecera. De onde estava não podia avistar o grupo, oculto pela volta do corredor. Puxando Betty pelo braço, correu rapidamente para junto deles. A jovem levou alguns instantes para tornar a se situar no presente, mas logo acompanhou obedientemente Rhodan. Por enquanto sua tarefa estava cumprida, e bem cumprida.
Na volta do corredor Rhodan estacou tão abruptamente que Betty se chocou contra ele. Com um só olhar percebeu o motivo da perturbação dos companheiros. O hipertransmissor que os havia trazido, sua única ligação com o mundo exterior, tinha desaparecido.
Groll e Lossos encontravam-se diante da boca de entrada do túnel. Tinham dormido por algumas horas. O sargento muito mal, pois seu repouso era constantemente interrompido pelo cientista ferrônio, que não conseguia se acalmar. Seu murmúrio incessante irritava Groll, que maldizia a hora em que Deringhouse e Rhodan lhe haviam dado o encargo de explorar o sistema Vega com o sábio.
Mas enfim o distante sol nascera, trazendo luz novamente. O curto dia da lua 13B começava.
Após rápida refeição, os dois homens voltaram para o platô que fora cenário do inquietante encontro na noite anterior, fortemente armados.
A pirâmide continuava inalterada. Groll filmou a inscrição e acompanhou Lossos até o túnel. Com um calafrio espiou para dentro da escura passagem; nem sinal de luz ou claridade. O chão inteiriço e firme fora evidentemente construído por seres inteligentes.
— Nós os encontramos! — sussurrou Lossos, em tom quase reverente. — Encontramos os seres que vivem mais do que o sol! A brincadeira de esconde-esconde não lhes valeu de nada.
— Ora, tudo que encontramos foi um túnel que leva ao seio da terra, nada mais. Vai ver que foi construído por gente que já morreu há anos, séculos ou até milênios. E agora? O senhor entra na frente?
O ferrônio eriçou a basta cabeleira, proeza executada com surpreendente habilidade. Groll sabia que o gesto traduzia, além de medo, violenta oposição.
— Você é meu piloto — murmurou o ferrônio — e meu protetor. Eu sou um pacífico pesquisador, desacostumado ao manejo de armas. Siga primeiro.
Mais uma vez Groll amaldiçoou sua tarefa, porém depois o orgulho prevaleceu. Que diabo, se o ferrônio pensava que ia jactar-se mais tarde de ser o descobridor dos imortais, sem dividir a glória com ele... Mas o sargento reivindicaria sua parte dos louros, disso o velhote podia ter certeza! Acendendo seu holofote portátil, entrou no túnel. Foi obrigado a curvar-se. Logo, os desconhecidos construtores daquela toca deviam ser mais baixos do que os homens, concluiu. Mais ou menos da altura dos ferrônios. Ótimo para Lossos, que poderia andar ali dentro em posição normal. Mas... e o estranho da noite passada? Sua estrutura era bem maior do que a dos terrenos... Começavam as contradições... as coisas não se encaixavam.
Groll desistiu de aprofundar suas cogitações no momento. O túnel estendia-se à sua frente, enormemente comprido, até onde a luz do holofote alcançava. A inclinação devia ser de cerca de vinte graus. Ainda bem que calçava sapatos com sola de borracha antiderrapante, senão escorregaria direto para baixo. Tinha ainda a possibilidade de se apoiar com as mãos nas paredes, em ambos os lados, pois o túnel era estreito.
Lossos tateava desajeitadamente atrás de Groll. Porém o caminho podia ser seguido até de olhos fechados. Impossível perder-se ali dentro, pois não havia desvios laterais; até o holofote poderia ser dispensado, constatação que tranqüilizou grandemente o sargento.
Pouco a pouco, a saída para o mundo exterior transformou-se num pequeno clarão distante. Acerca de cinqüenta metros diante deles, o foco do holofote foi refletido por uma parede lisa, que fechava o túnel. O material de que era feita absorvia cinqüenta por cento da luz do refletor; o restante bastava para ofuscá-los. Groll regulou o foco, diminuindo sua intensidade. Seus dedos apalparam a superfície da parede; era fria, e parecia muito grossa. Repeliu o impulso inicial de eliminar o obstáculo com o radiador manual. O calor produzido se tornaria insuportável naquele local recluso; além disso, certamente a arma não teria potência suficiente para fundir a maciça parede.
Porém ela provava que o desconhecido da noite anterior estava familiarizado com o lugar; senão já teriam dado com ele ali dentro. A não ser que, ocorreu de repente a Groll, ele tivesse deixado o túnel enquanto eles estavam no caça espacial.
— O túnel continua? — indagou Lossos.
— Sim, por trás desta parede — respondeu Groll.
— Tem tanta certeza assim? — duvidou o ferrônio.
O piloto não respondeu. Se bem que não tivesse recebido, como Rhodan, os amplos conhecimentos arcônidas transmitidos pelo treinamento hipnopédico, era um homem dotado de raciocínio claro e agudo. Portanto, compreendeu que não seria lógico construir passagens com término repentino. O túnel devia continuar, forçosamente. E a sólida porta que lhes barrava o caminho indicava a existência de algo muito valioso por trás dela. Logo, precisavam superar aquele obstáculo. Coisa que Groll tratou de fazer sistematicamente.
Dois minutos mais tarde deu com a minúscula saliência à sua direita, acerca de um metro de altura. Calcou-a com determinação. De início, nada aconteceu. Mas depois a parede começou a se mover, deslizando para cima, e recolhendo-se para dentro do teto levemente abaulado.
“Deve haver bem uma camada de vinte metros de rocha firme aí em cima da gente”, pensou Groll consigo mesmo.
À medida que a parede subia, uma luz intensa se revelava do outro lado. O túnel era mais largo e mais alto ali; dez metros mais adiante desembocava numa ampla peça, repleta de instrumentos, aparelhos e máquinas. Diante da sala, destacando-se nitidamente contra o fundo iluminado, havia um vulto. Seu revestimento escamoso cintilava fraca, mas ameaçadoramente. O estranho estava à espera deles. Groll viu-se diante da boca escura de uma arma apontada diretamente para ele.
Pela primeira vez na vida, Rhodan conheceu o desânimo. Sem o hipertransmissor, o caminho de volta estava cortado. Não havia a menor possibilidade de escapar do labirinto de máquinas misteriosas no qual tinham ido parar. A busca da vida eterna conduzira-os à morte certa.
No entanto o acesso de desatino foi breve. O raciocínio de Rhodan logo voltou a funcionar. O cérebro positrônico não podia ter se enganado daquela maneira. E os imortais inventores de toda aquela competição na certa não desejariam ver os candidatos a vencedores perecerem de forma tão lastimável, sem a menor chance de salvação.
Qual seria a próxima tarefa? Eram mil, segundo dizia a inscrição. Qual delas seria a certa, a decisiva? Quanto ao hipertransmissor...
E repentinamente Rhodan adivinhou a verdade cristalina: seu desaparecimento não significava grande coisa. De modo algum deviam se deixar perturbar. Pois conservar o sangue-frio era uma das mil tarefas a cumprir. E, afinal, não eram obrigados a resolver todas elas; talvez dessem com a certa logo no começo.
— E agora? — perguntou Crest, surpreendentemente sereno. — Será o fim?
— É o princípio! — respondeu Rhodan, fazendo intimamente o voto de não estar dizendo nenhuma mentira. — Temos que prosseguir na busca.
— O robô não vai servir para nada agora — observou Bell. — Não se pode consertar um hipertransmissor que não existe mais.
— Em algum lugar deve esconder-se outra possibilidade de regressar — afirmou Rhodan. E desta vez tinha certeza do que dizia.
— Se a gente soubesse pelo menos onde está — lamentou Bell. — No interior de Ferrol? Em outro planeta? Ainda no sistema Vega? O hipertransmissor bem pode ter nos largado nos confins do Universo.
— Certo — concordou Rhodan. — Podemos estar em qualquer lugar, ou em lugar nenhum. E tanto faz estarmos em Ferrol, ou mil anos-luz longe dele, o caminho de volta passa indiscutivelmente por um hipertransmissor de matéria. Portanto, caso o antigo não reapareça, precisamos achar outro. Receio que ele teleportou a si próprio para longe.
Pela primeira vez a pequena Betty se intrometeu na conversa.
— Acertou, Rhodan, e foi no justo instante em que destruímos o segundo robô dos desconhecidos.
Rhodan fitou admirando a jovem, enquanto refletia febrilmente. Com um leve sorriso, disse:
— Mas claro, quase esquecemos disso! Uma vez deixando de existir como maquinismos funcionantes, os dois robôs acionaram um contato. O desaparecimento do hipertransmissor significa que avançamos um bom pedaço em direção ao objetivo final. Minha afirmação pode parecer paradoxal, porém trata-se de uma conclusão lógica. Obrigado, Betty. Você nos fez ganhar um bom trecho de caminho.
— Mas como? Não entendi essa! — reclamou Bell, levantando as mãos num gesto de desalento. — A gente num beco sem saída e o patrão afirma que avançamos um bocado! Bem que eu gostaria de partilhar de seu otimismo...
— O que faria muito bem à sua saúde, Bell — respondeu Rhodan. — Onde vai?
— Procurar pela próxima tarefa!
E Bell afastou-se, debaixo do olhar meio irônico de Rhodan.
— Não devíamos nos separar — interveio Crest. — A charada só pode ser resolvida por todos juntos.
— Como foi que o cérebro positrônico adivinhou que necessitaríamos de Betty? — indagou Rhodan, fazendo sinal ao grupo para seguir Bell.
Crest não soube responder.
O corredor se alargava. Um pedestal vazio, acabando em rampa, revelava a localização anterior de um dos robôs. Exatamente por cima dele ficava a esfera incandescente que captara os tremendos raios, ainda em brasa. Devia ser responsável pela ativação dos autômatos, pois o bombardeio de raios começara logo após terem sido examinados pelo telepata mecânico. Um fato desencadeava outro; uma espécie de reação em cadeia controlada. Que sucederia agora, depois de desaparecido o hipertransmissor?
A resposta não se fez esperar.
Bell parara no meio do corredor alargado. Ali se sentia menos o calor, que aumentava mais e mais no imenso recinto.
Não havia máquinas. Apenas um maciço bloco metálico, com cerca de um metro cúbico. Liso e compacto, suportava um estranho aparelho.
Rhodan não perdeu tempo em examiná-lo mais detidamente; toda sua atenção se concentrava sobre os numerosos botões, escalas e alavancas na face dianteira. O misterioso objeto lembrava vagamente uma máquina de filmar. A lente ovalada reforçava tal impressão.
O som de um leve zumbido ecoou pelo recinto.
Bell soltou de repente tremendo berro, sem razão aparente. Berro que se prolongou em urros intermináveis. De permeio, gritava palavras ininteligíveis, depois começou a amaldiçoar a si próprio e a vida em geral. Com os braços erguidos no ar, parecia querer agarrar algo impalpável.
Rhodan deteve-se bruscamente.
— Que foi? — perguntou ao amigo. — Algum campo de força envolveu você? Não estou vendo nada...
Como se aquelas palavras fossem uma senha, todos viram imediatamente o que acontecia. Em torno de Bell começava a materializar-se uma espécie de tênue neblina; rodopiando de início em farrapos esparsos, acabou tomando o formato de uma espiral, que envolvia sistematicamente o pobre Bell. À medida que o movimento de rotação se acelerava, ela parecia transformar-se numa massa sólida. O vulto de Bell tornava-se indistinto, mas seus gritos desconcertados atravessavam livremente o estranho invólucro.
— Fique parado, e bem quieto! — gritou Rhodan. — Sente dor?
— Não sinto coisa alguma — berrou Bell, desesperado. — Mas essa coisa não desgruda de mim. Tirem-me daqui!
— Espere, rapaz! Como não dói, não pode ser perigosa.
Nervoso, Rhodan procurava interpretar o acontecimento. Também aquela espiral energética devia ter significação. Parecia querer lhes chamar a atenção para alguma coisa. Como, se não havia nada por perto?
Mas havia, sim! A “filmadora”!
Com um salto, Rhodan estava diante do cubo metálico. A estranha filmadora, ou que outro aparelho era aquilo, parecia lançar um desafio.
Depois, como que emergindo para a superfície de grande profundidade, apresentou-se na memória de Rhodan uma lembrança semi-olvidada — ou seria apenas impressão sua? Em algum lugar, em alguma ocasião, já vira aparelho semelhante, uma vez pelo menos. O próprio aparelho, ou então sua descrição teórica.
O treinamento hipnopédico que lhe transmitira a sabedoria arcônida! Se a vaga lembrança partisse dali, Crest devia saber mais a respeito. Chamando o arcônida, perguntou apressadamente:
— Crest! Pense depressa! Que é isso aí? Lembro-me de qualquer coisa parecida, citada nos ensinamentos teóricos do treinamento hipnopédico. Chama-se jato... não, objeto... Que diabo, ajude-me, homem! É algo relacionado com desmaterialização e quinta dimensão. Conhecido só em teoria pelos arcônidas. Pense, Crest! Tudo depende disso!
Antes que Crest pudesse falar, Betty disse:
— Pensar é mais rápido do que falar. Crest entendeu sua pergunta, Rhodan. Este aparelho é um transmissor de objetiva, descrito pelos arcônidas como invenção viável; mas nunca foi testado na prática. Seu funcionamento baseia-se na geometria pentadimensional. Teleportação mecânica mediante raios captadores-impulsores. Sua finalidade seria transportar objetos distantes de um lugar a outro, estejam onde estiverem.
Crest continuou calado. Para que falar, se Betty já expressara seus pensamentos? Rhodan, porém, suspirou de alívio. Refletia apressadamente. Bell parara com seus gritos. Por falta de fôlego, provavelmente. Completamente imóvel no centro da alucinante espiral de energia, parecia aguardar o milagre salvador. Seus pés pairavam uns dez centímetros acima do piso metálico, conforme Rhodan notou de passagem. Bell fora liberado das leis da gravidade.
Sem pensar, puramente por um movimento reflexo, Rhodan abateu o punho sobre uma das alavancas da filmadora quando ela começara a brilhar com luminosidade opaca. Desta vez, os imortais lhe tinham dado uma mãozinha. Certamente consideravam a tarefa complicada demais para ser resolvida sem uma pequena ajuda.
O efeito imediato foi surpreendente: a filmadora girou em seu suporte. A lente apontava agora diretamente para Bell, que acompanhava o processo com os olhos arregalados, apesar de não enxergar muito nitidamente através do turbilhão que o envolvia.
Assim que a câmara completou seu giro, um dos botões brilhou com luz avermelhada. Sem hesitar, Rhodan apertou-o. Um sussurro se fez ouvir no interior do cubo. Rhodan sentiu nitidamente o chão vibrar-lhe debaixo dos pés.
Bell lançou um grito. Por meio de contorções incríveis, tentava escapar da imaterial prisão. Sem o menor êxito, no entanto. Betty Toufry mantinha-se absorta, como que esperando escutar em seu íntimo palavras que não vinham.
E então, o redemoinho da espiral se tornou mais lento. O invólucro nebuloso foi perdendo intensidade, ficando ralo e transparente. Em poucos instantes se desfez totalmente. Precipitando-se dos dez centímetros, Bell caiu de joelhos no chão. Pálido como um cadáver, e com os traços alterados. Os cabelos ruivos estavam de pé na cabeça, e pareciam estremecer febrilmente. Os lábios até então comprimidos deixaram escapar uma única palavra, e não foi uma palavra bonita. Pelo menos não de gratidão pela liberdade reconquistada, conforme seria de esperar.
Porém a série de fatos assombrosos ainda não terminara.
Bell mal teve tempo de pôr-se de pé, enquanto Rhodan emitia um suspiro de contentamento, quando os acontecimentos prosseguiram em cadeia.
Bell encontrava-se junto à parede dos fundos do recinto das máquinas. Parede inteiramente lisa, sem a menor junta. Parecia ser feita de metal, e muito espessa.
Pois a parede começou a dissolver-se. Primeiro perdeu a cor, assumindo aparência leitosa. Depois fluiu em ondas, como se a matéria sólida tivesse se transformado em vapores. O processo era semelhante ao da espiral energética, e, como esta, a parede acabou desaparecendo.
O recinto dobrara de tamanho. Diante do grupo assombrado estendia-se a continuação do segredo, o setor até então oculto aos seus olhos curiosos. À primeira vista, parecia não se diferenciar da sala já conhecida, porém Rhodan logo percebeu que continha muito menos equipamento. Por entre cubos e pedestais de formato diverso, recipientes arredondados e colunas espiraladas, destacava-se uma enorme esfera, apoiada sobre pés delgados e de aparência frágil, em cima de uma maciça plataforma retangular. Parecia até uma miniatura da Stardust-III; com seu diâmetro de cinco metros dava a impressão de ser gigantesca.
Olhando de perto, Rhodan viu que a forma esférica não era perfeita; havia ressaltos, saliências, suportes para antenas e anexos diversos. Depois viu algo que lhe pareceu familiar: na extremidade de um grande nariz metálico havia uma enorme lente oval embutida; cintilando em todas as cores, ela parecia encará-lo fixamente.
— Um transmissor de objetiva... — murmurou ele, perplexo. De pé ao seu lado, Crest acenou pensativamente com a cabeça. Os demais estavam imóveis e calados. Bell ainda se mostrava pálido. Anne Sloane, já restabelecida, segurava a mão de Betty. John Marshall fitava a esfera com os olhos semicerrados.
Apenas o robô arcônida ficara passivamente na retaguarda, aguardando ordens que não vinham. Haggard conservava-se junto a ele.
Adiantando-se, Rhodan foi o primeiro a cruzar o ponto ainda impassável há pouco, porque uma sólida parede de metal ocupava o lugar.
Um novo indício?
Rhodan tinha certeza de que era isso; sabia igualmente que deviam ver no desaparecimento da parede não um obstáculo, porém um convite.
Só após John Marshall e Betty Toufry terem atravessado a fronteira invisível é que se revelou o elo seguinte da cadeia de acontecimentos. Os dois mutantes telepatas estancaram abruptamente. Anne soltou depressa a mão de Betty.
Crest pôs a mão sobre o braço de Rhodan. Ambos compreenderam logo que seus telepatas recebiam nova mensagem; algum aviso que nenhum dos dois conseguia ver nem entender.
Reinava um silêncio quase irreal, no qual apenas se ouvia a respiração pesada dos presentes, e os arquejos de Bell. Aos poucos, a cor voltava às suas faces pálidas.
Betty fez um sinal a Marshall.
— Entendeu, John? Então diga.
O australiano passou a mão sobre os olhos, como que querendo afastar uma visão desagradável. Depois falou, em tom calmo e incisivo:
— É uma nova mensagem. Diz: Vocês têm quinze minutos de prazo para deixar este lugar. Porém só encontrarão a luz se puderem voltar. Só isso. Foi uma voz telepática que falou.
— Se pudermos voltar — murmurou Rhodan pensativo, enquanto seu olhar inquisitivo examinava a esfera. — O transmissor de objetiva! E apenas quinze minutos de prazo!
— Agora são só quatorze! — Eram as primeiras palavras de Bell desde o incidente com a espiral energética. — Vai ser uma parada braba!
E a situação tornou-se de fato mais do que séria.
Num ponto ignorado qualquer foi crescendo um sussurro mal e mal percebido de início. Aos poucos transformou-se numa vibração rítmica, cujo volume aumentou até tinir-lhes nos ouvidos. Era preciso berrar para se fazer ouvir. Simultaneamente, o recinto era atravessado por raios fulgurantes; espalhou-se forte cheiro de ozônio, enquanto o calor aumentava. O ar tornou-se opressivo e asfixiante.
Um gongo soou funebremente. As batidas se repetiam em intervalos regulares, como que contando os minutos decorridos, e avisando que os restantes se esgotavam depressa.
— Doze minutos ainda — murmurou Crest, em voz baixa.
Ninguém o escutou. O barulho agora era ensurdecedor.
Haggard, que até então permanecera discretamente de lado, adiantou-se. Rhodan quase chegara a esquecer que o médico participava da expedição. Sua intervenção naquele momento era bastante oportuna, pois os companheiros pareciam prontos a sucumbir à tensão nervosa, levando-os ao descontrole. E, além de médico, Haggard era excelente psicólogo.
— Não há motivo para alarme! — gritou ele no ouvido de Rhodan. Ao perceber o sorriso sardônico do amigo, acrescentou; — Eles pretendem testar nossa resistência física! Guerra de nervos, entendeu? Os pretensos herdeiros da imortalidade devem ter saúde física, além dos conhecimentos de plano superior. Despistamento, se prefere.
— Acha? — replicou Rhodan, igualmente gritando. — Bem que gostaria de poder tapar os ouvidos.
— Tenho certeza! — disse Haggard. — Procure um meio de voltar, nada mais. Não ligue para o barulho e os raios. O calor só se tornará insuportável quando o prazo de quinze minutos concedido se tiver esgotado. E depois...
— Restam apenas dez! — avisou Marshall, que acompanhara o diálogo telepaticamente. — Precisamos nos apressar.
Rhodan não lhe deu resposta. Aproximando-se da esfera, reconheceu uma ampliação imperfeita do aparelho na sala vizinha — aquele que eliminara a espiral energética e a parede. Demonstração que constituía um indício. Era preciso interpretá-lo, a fim de aplicar agora processo semelhante. Mas o que devia ser teleportado?
Bruscamente lhe ocorreu a resposta: ele e os demais!
O colossal transmissor de objetiva não apresentava uma só abertura. Ou a esfera era maciça, ou estava recheada de instrumentos. Não se embarcava nele, como nos hipertransmissores ferrônios. Ele é que fazia a transmissão, mediante raios captadores-impulsores pentadimensionais, por ele próprio produzidos. E um simples botão o punha em funcionamento. Um único, cintilando rubramente no pedestal; mesmo semi-afundado no metal, ele não podia passar despercebido.
Um lampejo de dúvida passou pela mente de Rhodan. A solução lhe parecia simples demais. Só dar um passo e apertar um botão? Sua intuição lhe dizia que calcar o botão significaria voltar... mas voltar para onde? E no entanto seu raciocínio objetava, julgando que a charada galáctica havia exigido deles até então provas duras demais para permitir que se safassem daquela sem mais nem menos.
Qual seria o truque?
— Mais oito minutos! — avisou Marshall em voz alta.
A temperatura aumentava. Os raios continuavam a explodir estrondosamente por sobre suas cabeças. O ribombar do gongo era cada vez mais alto, com intervalos mais curtos. À distância recomeçaram as batidas regulares do robô em marcha.
Mais sete minutos!
Rhodan decidiu-se. Nada tinha a perder, porém tudo a ganhar.
— Fiquem parados aqui! — gritou ele, para se fazer ouvir entre a barulheira reinante. — Os raios captadores apanharão tudo que se encontra neste recinto, ou então apenas o que for matéria orgânica. Não sei ao certo... Aquele botão ali...
Só então viu algo que até então lhe passara despercebido. Ou que só naquele momento se tornara visível. O botão vermelho continuava aceso; não se modificara. Mas agora parecia cintilar, como se alguma cúpula de vidro invisível o tivesse recoberto.
— Raios! — resmungou Bell, inaudivelmente. — Só cinco minutos ainda! Se a gente não se apressar...
Rhodan leu os lábios em movimento de Bell. Não podia hesitar por mais tempo.
Sem voltar-se, caminhou para a esfera. O pedestal lhe chegava à altura do peito; o botão vermelho embutido ficava exatamente defronte de seu olhar perscrutador. Seu corpo encobria as fontes de luz, e também o fulgor dos raios. A cúpula de vidro parecia ter sumido.
Tomando impulso, Rhodan levou a mão ao botão, enquanto gotas de suor brotavam na testa. O próximo instante decidiria o destino deles todos. Ou retornavam a Thorta, ou pereciam naquele inferno de autômatos desatinados.
A cinco centímetros do botão, a mão de Rhodan esbarrou num obstáculo liso, frio e invisível. Ao tato parecia vidro, porém Rhodan compreendeu logo que não se tratava de vidro comum. O esquisito material vibrava, como se fosse vivo. Rhodan julgou sentir uma débil corrente elétrica percorrer-lhe o corpo.
Não conseguia alcançar o botão.
— Mais três minutos! — Bell clamara tão alto que seus berros superavam até as estrepitosas batidas do gongo. Porém mesmo assim Rhodan percebeu o tom de desespero e desalento na voz do amigo. Fora-se a última chance que lhes restava!
Apesar de estar a apenas cinco centímetros de distância, o botão salvador era inatingível. Uma barreira impenetrável de energia pura, porém neutralizada, o protegia. Mão alguma podia se introduzir através dela.
O calor no recinto era agora bastante forte. O ar sufocante dificultava a respiração; semi-asfixiada, a pequena Betty arquejava, ansiando por oxigênio. As funestas pancadas do autômato em marcha ressoavam maior intensidade, infundindo terror no espírito dos expedicionários. Sua perdição se aproximava, assumindo múltiplas formas.
— Praga! — explodiu Bell. — Mais noventa segundos!
Noventa segundos para a eternidade. E eles que tinham vindo em busca da eternidade, da vida eterna!... Agora só lhes restava a morte, que é eterna. Teriam alcançado seu objetivo?
Repentinamente, os raios cessaram. O gongo ainda se fazia ouvir, porém surdamente. As pancadas do robô emudeceram.
Em seguida todos eles perceberam a voz inaudível que lhes falava. Vinda do nada, formulava pensamentos nítidos em suas mentes. Era o que devia ocorrer com quem possuísse o dom da telepatia. No entanto, todos os integrantes do grupo compreenderam a mensagem:
“Restam poucos instantes! Recorram à sabedoria do plano superior, ou estarão perdidos!”
No auge da excitação, Rhodan exclamou:
— Betty! O botão vermelho! Aperte-o, depressa!
A jovem compreendeu instantaneamente. Nenhuma mão humana seria capaz de alcançar o botão; mas, se raios luminosos atravessavam a barreira energética, o fluxo de pensamentos telecinéticos do plano superior poderia fazer o mesmo.
E, enquanto Bell marcava, com crescente desalento, os trinta segundos derradeiros, Betty calcou o botão vermelho salvador com toda a concentração de que era capaz.
Rhodan viu nitidamente o botão afundar no encaixe, como que pressionado por mão fantasma. Simultaneamente, contatos se faziam no interior da gigantesca bola. Correntes de energia foram canalizadas para transmutadores, que as dirigiam para a quarta e quinta dimensão; o mecanismo entrou em ação, fazendo girar a lente, que agora enfocava o grupo de pessoas; todo aquele complexo e ainda incompreensível processo fora posto em funcionamento, e não mais podia ser detido.
E então, decorridos os últimos segundos do prazo, os raios recomeçaram. As batidas do gongo reboavam outra vez. Ruidosamente, o robô retomou sua marcha. O calor aumentou rapidamente, tornando-se insuportável; o ar foi privado das últimas partículas de oxigênio.
Porém todos sentiram naquele momento a conhecida dor cruciante em todo o corpo. Diante de seus olhos turvos, o cenário ficou indistinto; a grande esfera dissolveu-se num benfazejo vácuo.
Em estado desmaterializado, eles foram projetados através da quinta dimensão. Nem chegaram a perceber que o gigantesco recinto de máquinas, com o transmissor de objetiva incluído, se evaporava no inferno de uma explosão atômica em cadeia, repentinamente desencadeada.
Por alguns segundos, que lhe pareceram eternos, Groll ficou olhando para a boca da arma desconhecida. Esqueceu até a existência de Lossos, parado logo atrás dele, em completa imobilidade. Só via à sua frente o vulto ameaçador do desconhecido, agora transformado em adversário e guarda do labirinto.
O vulto hesitou, o que foi sua perdição.
Os olhos do ferrônio ajustaram-se mais rapidamente à repentina claridade do que os do terrano. Enquanto Groll só enxergava a arma, Lossos já distinguira o que estava por trás dela.
— É um tópsida! — sibilou, apavorado. — Atire, depressa!
E simultaneamente o ferrônio se atirou no chão.
Groll não saberia explicar, posteriormente, como é que a arma passara tão rapidamente do cinto para sua mão. Devia ter sido a palavra “tópsida” que o levara a agir instintivamente, com a rapidez do raio. O ser antes desconhecido revelava-se um inimigo mortal.
Os tópsidas! Os reptilóides dotados de inteligência, vindos de um sistema solar a mais de oitocentos anos-luz de distância, por terem captado os sinais de socorro do cruzador arcônida acidentado na lua terrestre há anos. No entanto, tinham calculado mal as coordenadas espaciais, indo dar no sistema Vega, onde toparam com violenta reação por parte dos ferrônios. Mas só com a intervenção de Rhodan a invasão pudera ser finalmente repelida.
E agora deparavam com um tópsida na lua externa do décimo terceiro planeta!
Groll repassava aqueles fatos na memória enquanto caía ao solo. Antes de tocar o chão, calcou o disparador. Viu a ofuscante seta energética se lançar contra o vulto indistinto, e fechou os olhos, feridos pela excessiva luminosidade.
Também o tópsida reconhecera o perigo. Hesitara, por motivos inexplicáveis, durante mais alguns segundos. E só por isso é que Groll e Lossos estavam vivos agora.
O reptilóide abrira fogo ao mesmo tempo que Groll, porém suas reações haviam sido mais lentas. Enquanto o terrano mirava num alvo relativamente fixo, o tópsida apontava para um adversário que já mudara de lugar. O feixe energético de sua arma assobiou por cima dos dois homens estendidos, perdendo-se nas trevas do fundo do túnel. Logo após, o mesmo feixe executou um tonto e descoordenado bailado de morte, e apagou-se.
Groll tirou o dedo do disparador e abriu os olhos. A enorme sombra sumira; em seu lugar, ardia no chão um montinho de algo semelhante a cinza, que logo desapareceu, desprendendo espessas nuvens de fumaça. As luzes da peça vizinha lhe pareciam agora mais fracas e mortiças; o que, no entanto, era mera ilusão. Seus olhos ainda afetados pelos fulgurantes lampejos energéticos precisavam adaptar-se novamente a condições normais.
Lossos ergueu-se penosamente.
— Um tópsida! Que será que fazia um tópsida aqui?
Groll era, certamente, a pessoa menos indicada para fornecer-lhe resposta. Segundo lhe haviam informado, os invasores tinham sido expulsos do sistema.
— Algum sobrevivente das batalhas espaciais, quem sabe, que encontrou refúgio aqui. Mas neste caso, teríamos que achar em algum lugar seu bote salva-vidas. Talvez fosse esse o motivo de sua hesitação. Na certa esperava que o socorrêssemos.
O ferrônio ajudou Groll a se levantar igualmente.
— Será que era o único?
Groll deu de ombros. Como ia saber? De qualquer forma preferiu conservar a arma na mão ao prosseguir. O túnel acabava dez metros adiante. Tendo-os percorrido, os dois homens se viram diante de um fabuloso complexo tecnológico, totalmente incompreensível para eles.
Toda uma parede da sala baixa, porém muito longa, estava recoberta de telas opalescentes. Transistores da altura de um homem alternavam com blocos maciços de metal acobreado, unidos uns aos outros mediante ligações prateadas. De permeio, globos negros providos de antenas pontudas. O extremo da peça consistia num gigantesco painel de controle. A abundância de botões, chaves e luzes de controle tornava o conjunto ainda mais intrigante.
— Que é isso? — gemeu Groll, que aguardava coisa bem diferente. Nem ele próprio sabia o que esperava encontrar, no entanto. Apesar de completamente desarvorado, Lossos disse:
— Uma central técnica dos imortais! Que mais poderia ser?
Depois de observar por momentos o ininteligível conjunto de instalações misteriosas, Groll tomou sua decisão:
— Temos que voltar imediatamente a Ferrol, a fim de informar Rhodan sobre isso. Só ele e os arcônidas, com seus conhecimentos, serão capazes de compreender a finalidade e a utilidade deste equipamento. Venha, Lossos, os segundos perdidos jamais poderão ser recuperados.
O ferrônio prosseguira, detendo-se diante da primeira tecla. Parecia procurar em vão os botões reguladores.
— Deixe disso! — exclamou Groll, severamente. — Poderia causar tremenda catástrofe mexendo em tecnologia que desconhece. Venha, não podemos desperdiçar tempo.
Com grande relutância o cientista se desprendeu das maravilhas de um inconcebível passado. Pois não havia a menor dúvida de que aquelas instalações eram anteriores à espaçonáutica ferrônia.
— Deve ser o que Rhodan procura — murmurou ele. — Tem razão, sargento, vamos embora.
Assim que passaram pelo local onde se encontrava a parede, marcado por um encaixe, as luzes da sala se apagaram. As misteriosas instalações mergulharam nas trevas. Groll acendeu precipitadamente seu holofote portátil; a repentina escuridão lhe clava arrepios.
Segundos depois do apagar das luzes, a parede divisória tornou a descer vagarosamente, isolando a sala do mundo exterior.
Calados, os dois homens refizeram o percurso anteriormente percorrido. Muito ao longe, sob a forma de um orifício claro ovalado, avistavam a claridade do dia. Em breve voltavam à brilhante luz de Vega.
Groll estremeceu repentinamente. Nem mesmo seu quente macacão espacial conseguia protegê-lo daquele frio. Um frio que não tinha causas físicas. Pois só então se conscientizou de que matara um ser vivo, apesar do fato ter ocorrido há mais de meia hora. Começou a recriminar-se por sua precipitação. Afinal, aquele tópsida podia ser um náufrago do espaço, com direito a auxílio e proteção, conforme mandavam as leis interestelares. Porém logo reformulou seu modo de pensar. O tópsida não morrera de arma na mão?
Lossos afastara-se um pouco, a fim de ir olhar a pirâmide. Com os olhos semicerrados, estudava a inscrição. A semelhança com os símbolos que Rhodan mandara decifrar no cérebro positrônico era indubitável.
— Eis a prova de que nos encontramos na pista certa, sargento! Agora não me oponho a decolar o quanto antes, e voltar para Ferrol.
Groll não respondeu. Compreendia a euforia do ferrônio; porém, estranhamente, não conseguia compartilhar de seu entusiasmo. No entanto, deveria sentir-se satisfeito por ter podido prestar um favor a Rhodan...
“Bem, esperemos até saber o que diz a inscrição na pirâmide”, pensou intimamente. O filme já revelado encontrava-se no seu bolso. A imagem era nítida e clara.
Em silêncio, os dois homens dirigiram-se para o caça espacial. A fechadura não fora tocada. Embarcaram na apertada cabina e fecharam a portinhola. Dez segundos depois, a paisagem rochosa foi ficando para trás.
Lossos emitiu de repente uma exclamação de surpresa, apontando para baixo, através da escotilha.
— Olhe, sargento! Perto daquele rochedo isolado! Algo cintilando ao sol!
Fazendo uma curva fechada, Groll fez o caça baixar novamente. E identificaram logo o objeto brilhante, quando voaram por cima dele. Eram os destroços camuflados de um minúsculo bote salva-vidas espacial, do tipo usado em emergências por náufragos, no âmbito de um sistema solar.
— Portanto, aquele tópsida era o único por estas bandas! — constatou Groll, objetivamente. Porém, em pensamento, acrescentou: “O último neste sistema, e eu acabei com ele...”
Depois acelerou, e o esguio aparelho disparou para o alto, mergulhando no firmamento escuro do cosmo.
Trevas!
E no meio delas, redemoinhos de cores cintilantes e vivos relâmpagos. Dores repuxantes em todos os músculos. Queda interminável no espaço sem fim. Terrível solidão dentro da eternidade. Nem frio, nem calor — apenas nada.
Mas do nada, algo começava a emergir: a consciência.
Tempo? Perdera toda a significação; era um abstrato absoluto. Segundos... anos... milhões de anos...
Distâncias? Já não existiam. Quilômetros... anos-luz... bilhões de anos-luz...
E de repente, o presente outra vez!
Rhodan sentiu as dores diminuírem. Os olhos muito abertos enxergavam de novo. Sentiu o chão firme debaixo dos pés. Seu corpo lhe pertencia novamente. Podia ouvir, também. E escutou a voz rouca de Bell:
— Conseguimos! A arca! Perry, voltamos para a arca!
Rhodan viu então, igualmente. Através das grades do hipertransmissor tão conhecido, reconheceu o salão subterrâneo de Thorta. Três de seus quatro mutantes guardavam a entrada. Suas fisionomias revelavam evidente surpresa.
Sem saber por quê, Rhodan olhou para seu relógio. Tinham se demorado por quase quatro horas na misteriosa sala de máquinas. E, no entanto, parecera-lhe uma eternidade.
Rhodan abriu a porta do hipertransmissor. O africano Ras Tshubai veio ao seu encontro.
— Já, senhor?
Estranhando a pergunta, Rhodan replicou:
— Já? Que quer dizer?
— Ora, o senhor esteve ausente por menos de cinco minutos!
Rhodan encarou firmemente o africano, procurando ocultar sua perturbação. Com voz firme, disse:
— Comparar relógios, Ras!
— Exatamente 10:30 h, hora normal da Terra, senhor — respondeu o telepata, consultando seu relógio de pulso.
Rhodan ergueu devagar o braço, a fim de olhar para seu cronômetro. Mas poderia ter dispensado o gesto. Os ponteiros marcavam 14:25 h.
— Mal vocês sumiram — contou Ras — apareceu de volta o robô; teleportou-se com o hipertransmissor para a base, retornando três ou quatro minutos depois com Betty.
Não faz um minuto que ele entrou na arca com Betty.
O restante do grupo também havia deixado o hipertransmissor. A não ser Crest, ninguém entendia aquela discussão. Será que agora o tempo ficara biruta também? Podiam ter vivido fisicamente quatro horas em pouco mais de cinco minutos?
Uma amostra, um prenúncio da imortalidade?
Anne Sloane lançou repentinamente um grito aterrado. Fora a última a sair do hipertransmissor, junto com Marshall, e olhara casualmente para cima. E vira aquilo.
E quem não via, ouvia.
Junto ao teto flutuava uma pequena esfera luminosa. Seu diâmetro não ultrapassava os dez centímetros. Pulsava de maneira lenta e regular. E a cada pulsação emitia batidas, como o gongo da sala de máquinas que acabavam de deixar. Batidas surdas e cavas.
Rhodan voltara-se rapidamente ao ouvir o grito de Anne. Quando avistou a esfera, estarreceu.
A luz?
A mensagem falara de uma luz, que só encontrariam caso pudessem voltar. Pois bem, tinham voltado! Aquela bola luminosa devia ser a tal luz. Mas o que significaria?
A esfera brilhava como se estivesse em fogo. Com infinita lentidão, começou a descer. Rhodan adivinhou instintivamente que também naquele fenômeno devia existir um limite de tempo. Pois até então os imortais tinham adotado sempre o princípio de determinar prazo para a execução de cada tarefa.
Os cabelos de Bell tornaram a entrar em desordem. As cerdas avermelhadas refletiam o cintilante brilho da esfera, e por um momento a cabeça de Bell pareceu arder. Porém Rhodan dispensou apenas alguns instantes de atenção à estranha cena, depois perguntou a Betty:
— Você está ouvindo alguma coisa? Talvez se trate de uma mensagem telepática. E você, Marshall?
Ambos os mutantes sacudiram a cabeça.
A não ser pelas batidas do gongo, a esfera permanecia muda.
Crest fitava-a, intrigado.
— É formada por energia, sem a menor dúvida. No entanto, não acredito que ela exista agora e aqui. Arde, mas não irradia calor. Luz fria.
Bell foi obrigado a dar um passo para o lado, pois a bola descera tanto que ameaçava pousar-lhe sobre a cabeça. E as misteriosas batidas surdas do gongo não acabavam! Todos os presentes, sem exceção, não conseguiam afastar os olhos da misteriosa esfera que lhes apresentava novo enigma. Parecia ter incorporado todos os terrores da sala de máquinas da qual tinham conseguido se safar.
Rhodan dirigiu-se a Anne Sloane:
— Será que consegue segurar ou controlar a esfera?
A telecineta tentou, porém desta vez sua capacidade se revelou inútil. Sem reagir aos esforços, a bola descia mais e mais, pulsando intrigantemente, e emitindo as monótonas batidas de gongo. Cavas e fúnebres, elas pareciam anunciar o irremediável mergulho dos preciosos segundos no mar da eternidade.
Pairava agora junto ao rosto de Bell, que se recusava a ceder um milímetro de terreno que fosse; não se afastaria mais um só passo. Mantinha os olhos quase fechados, a fim de resistir ao brilho que emanava da esfera. Apesar de estar a menos de vinte centímetros dela, não sentia calor algum. Em troca, viu alguma coisa. Foi o primeiro a avistá-la, talvez por se encontrar tão perto da misteriosa bola. Um objeto escuro e alongado, aninhado dentro dela. Incoerentemente, Bell se lembrou de um organismo unicelular visto através do microscópio; sim, era àquilo que a cena se assemelhava: uma massa transparente circular, com uma mancha escura no meio.
A mancha escura devia medir uns cinco centímetros de comprimento.
Antes que Rhodan, ou qualquer dos outros, percebesse suas intenções, Bell já entrara em ação. Deixando de lado qualquer hesitação, enfiou a mão na massa luminosa, para apanhar o objeto escuro, firmemente convencido de que se tratava da esperada mensagem. Conclusão bastante lógica, pois tinham-lhes anunciado a vinda da luz, e aquela esfera era luz, fria e sob forma redonda. Continha algo escuro, que só podia ser uma cápsula. A mensagem, evidentemente. A próxima tarefa.
Seus pensamentos foram bruscamente interrompidos.
Mal encostou a ponta dos dedos na periferia da bola luminosa, curtos raios luminosos saltaram dela, entrando pelas mãos de Bell. Espantado, Rhodan viu os cabelos do amigo irradiar luz. As cerdas eriçadas imitavam direitinho uma aurora boreal.
Seu berreiro apavorado deixava adivinhar que não se sentia muito bem no papel que representava. Recolhendo apressadamente a mão, ficou pulando feito doído de um lugar a outro. Agitava os braços, como querendo sacudir para fora do corpo toda aquela eletricidade.
Imperturbavelmente a bola continuava a descer; flutuava agora a apenas meio metro do chão. Rhodan receava uma catástrofe, caso tocasse nele; mesmo que desaparecesse simplesmente, seria um contratempo. Pois vira também a cápsula escura que Bell tentara agarrar.
Betty Toufry substituiu Anne Sloane nas tentativas de deter a esfera por telecinésia. Porém concentrava-se em especial na cápsula, por supor que esta se encontrasse no presente, em espaço tridimensional. Mas não tardou a constatar que também não conseguia nada. Inexoravelmente a bola se aproximava do chão.
Bell, já mais calmo, olhava para a esfera, carrancudo, como se ela fosse algum adversário pessoal.
— Puxa, que susto ela me pregou! Parecia tão amistosa no começo...
— Que quer dizer com amistosa? — indagou Rhodan, interessado.
— Amistosa, sim — confirmou Bell. — Os choques elétricos vieram depois. Primeiro senti só um toque, uma leve apalpadela. Como se uma corrente muito fraca passasse da bola para meus dedos; deu uma voltinha pelo meu corpo e voltou para a esfera. Aí começaram os fogos de artifício. Até que não doeu, para ser franco. Com o tempo, a gente poderia se habituar.
— Ah, é? — fez Rhodan, vendo a esfera descer abaixo da marca de um metro. Uma apalpadela? Sim, pode ter sido isso, talvez.... Vai ver que você não lhe agradou.
— Talvez você lhe agrade, então! — resmungou Bell, amolado. Mas logo se mostrou também pensativo. Um rápido olhar para a expressão do rosto de Rhodan fê-lo voltar novamente sua atenção para a esfera. — Caso ambos pensemos a mesma coisa, Perry, seria mais do que tempo de...
Rhodan acenou. O risco não era muito grande, já que Bell não sofrera nenhum dano grave por ter tocado na misteriosa aparição. Os desconhecidos que a haviam enviado não eram mal-intencionados. Apenas gozadores de marca... No entanto, apesar de brincar com as vidas de seus eventuais sucessores, jamais os ameaçavam de maneira direta e imediata.
Bem, Bell passara pela prova sem prejuízo maior; portanto ele podia fazer igualmente uma tentativa. Aviso não lhe faltara. Por outro lado, a menção de Bell a “apalpadelas” era um indício que não podia ser desprezado. Talvez seu amigo não possuísse a estrutura mental exigida.
A bola chegara a oitenta centímetros do piso quando Rhodan se decidiu; abaixando-se, enfiou a mão na massa luminosa. Sentiu imediatamente a débil corrente elétrica invadir-lhe o corpo. Não houve raios, no entanto; fato que deixou Bell um tanto aborrecido, mas, ao mesmo tempo, satisfeito.
Rhodan constatou que a luz era de fato fria. Já não percebia o fluxo elétrico. Não sentia nada. Porém seus dedos tocaram em algo duro e material. A cápsula — se é que se tratava mesmo duma cápsula — era evidentemente de natureza tridimensional. Rhodan não teve dificuldade em segurá-la entre o polegar e o indicador. Era fria, sem ser fria demais. E nem procurou fugir-lhe. Rhodan puxou-a para fora sem que nada impedisse.
Era uma cápsula metálica, com cinco centímetros de comprimento, e um de espessura. A mensagem da luz!
Agora que tinha a cápsula em seu poder, Rhodan recuperara a serenidade. Afastando-se da esfera, recomendou:
— Acho melhor sairmos da arca, pessoal; vamos ficar observando, lá da entrada, o que acontecerá com a bola. O gongo já se calou.
Era a única alteração perceptível. No mais, continuava tudo na mesma. A esfera brilhava, continuava a descer vagarosamente, tocando por fim o chão liso e duro de pedra. Tensos e expectantes, Rhodan e os companheiros observavam da entrada do salão subterrâneo.
A esfera afundava no chão! Passou através dele como se não existisse, mergulhando pedra a dentro com a mesma regularidade com que se vinha deslocando no ar. Era agora apenas um hemisfério luminoso, diminuindo mais e mais. O processo lembrava um pôr de sol no oceano.
O último reflexo luminoso se apagou. A esfera desaparecera.
— Fantástico! — murmurou Crest, visivelmente impressionado. — Ela retornou à sua dimensão. Se você não tivesse agarrado a cápsula a tempo, ela teria sumido junto com a esfera.
— Isso mesmo — confirmou Rhodan. — E com ela, a solução da charada galáctica; ou pelo menos parte dela.
— Acha que continua?
Rhodan deu de ombros.
— Talvez o cérebro positrônico nos responda esta pergunta. Venham!
Ao sair, Rhodan desligou o gerador que mantinha a arca no presente. Ela desapareceu assim que o leve zumbido do aparelho cessou, como se jamais tivesse existido.
As arcadas subterrâneas jaziam vazias e desertas.
Debaixo da cintilante cúpula energética, a Stardust-III, a gigantesca espaçonave esférica, dava a impressão de ser pequena. A nave de guerra arcônida, com seus oitocentos metros de diâmetro, abrigava em seus enormes hangares, entre outras coisas, duas esquadrilhas completas dos supervelozes caças espaciais. A tripulação de trezentos homens se perdia dentro do colosso, cuja central de comando representava verdadeira maravilha tecnológica, de procedência não-humana. Rhodan e Bell só conseguiam manejá-la graças ao treinamento hipnopédico arcônida, que lhes transmitira no espaço de poucos dias a milenar sabedoria da raça dominante do universo.
Porém não era o sistema de propulsão da Stardust-III que lhe permitia vencer em instantes incontáveis anos-luz, que mais impressionava Rhodan. Para ele, a inventiva arcônida atingira o auge ao criar o cérebro positrônico. Em seus bancos de memória armazenavam-se os conhecimentos de meio universo, a sabedoria de toda uma raça. E, contrariamente aos próprios arcônidas, o cérebro não degenerava; poder-se-ia afirmar até que superara há muito tempo seus criadores.
Fato que talvez representasse um perigo em potencial...
Rhodan sabia que as instalações do cérebro ficavam ocultas pelo possante revestimento de arconita, liga metálica feita para resistir durante milhões de anos. Ele próprio só conhecia os mecanismos de controle e teclados externos; a face da suprema inteligência do universo consistia de alavancas, botões, comutadores, escalas e alto-falantes.
A cápsula retirada da esfera luminosa deixara-se abrir com facilidade. Continha uma lâmina enrolada, feita de material desconhecido, e recoberta com símbolos de brilho espontâneo. Rhodan achou alguns deles familiares; a maioria era estranha e misteriosa.
Fazia já cinco horas que o cérebro positrônico se ocupava com a decifração. Horas de angústia, de esperança, de devastador desalento.
Finalmente veio a resposta. Mas era desencorajadora.
— A mensagem está codificada — informou o cérebro positrônico. — Foi encaminhada ao setor competente. O resultado será dado dentro de alguns dias apenas.
Crest, Thora e Bell acabavam de entrar e ouviram a comunicação da voz mecânica.
— Ora, bolas! — resmungou Bell. — Em vez de soluções, nos apresentam novas charadas.
Furiosa, Thora interrompeu:
— Escute aqui, Perry! Nunca existiu nenhum planeta da vida eterna! Estamos seguindo uma pista que pode ter sido válida há milhares de anos. Atualmente, ela só serve para nos mistificar e nos expor aos maiores perigos. Caso exista de fato uma raça imortal, seria mais simples encontrá-la pelos meios convencionais.
Rhodan voltou-se vagarosamente.
— E quais seriam estes meios convencionais, Thora?
— Vôos espaciais! Para que temos nossa espaçonave? No caminho de volta para Árcon, poderíamos abordar, um por um, os diversos sistemas planetários, a fim de ver se são habitados.
— Esqueceu dois detalhes — interrompeu Rhodan, friamente. — Em primeiro lugar, entre Vega e Árcon há uma distância de trinta e quatro mil anos-luz, com mais sistemas solares do que jamais conseguiria explorar. Segundo: o planeta da vida eterna, se é que existiu efetivamente, encontrava-se no sistema Vega. Ele emigrou, e pode estar em toda a parte e em lugar algum. Quem nos afirma que tomou o rumo de Árcon? Ele pode, da mesma forma, estar se dirigindo em direção oposta. Conhecemos sua velocidade, por acaso? Talvez esteja em viagem ainda, vagando pelo cosmo sem sol, como um peregrino inquieto e imortal. Não, Thora, sua sugestão é impraticável.
— Então apresente uma melhor! — exigiu a arcônida, inconformada. — Mas terá que ser bem melhor. Senão a prometida viagem a Árcon não sairá tão cedo.
— Eu sei — disse Rhodan, com um sorriso fatigado — que esta viagem para Árcon representa sua maior preocupação. Prometo-lhe que reverá sua pátria assim que tivermos resolvido a charada galáctica e encontrado o planeta da vida eterna.
Thora afastou-se abruptamente. Seu rosto era uma máscara rígida e proibitiva. Crest notou-o com evidente mal-estar. Em tom conciliador, disse;
— Precisa compreender Thora, Perry. Ela foi encarregada pelo nosso Conselho Científico de explorar este setor da Via-Láctea. Nosso pouso forçado na lua terrestre forneceu a você a oportunidade de absorver a tecnologia e conhecimentos arcônidas. Concordamos com isso e prestamos-lhe toda a colaboração, na esperança de poder algum dia regressar a Árcon. Porém este objetivo vem sendo sempre adiado novamente...
— Sua expedição não procurava o planeta da vida eterna?
— Sim, mas...
— Pois então! Também estou à procura dele! Temos um objetivo comum. Não compreendo a oposição de Thora.
— Procure entender... — começou Crest, porém foi interrompido.
Diante de Rhodan piscou uma lâmpada vermelha. Quase automaticamente ele ligou o intercom. Na pequena tela de bordo viu-se o rosto de um homem.
— Que foi, Deringhouse?
— Groll, meu piloto acaba de se apresentar de regresso da expedição com Lossos.
— Sim, e como se foram?
— O ferrônio desejava lhe falar. Diz que achou o planeta da vida eterna.
Por instantes reinou um silêncio espantado na central. Thora arquejava, enquanto Crest permanecia impassível. Bell limitou-se a escancarar a boca, o que não contribuía para conferir-lhe um ar muito inteligente. Rhodan disse:
— Traga Groll e Lossos para cá.
O ferrônio chegou com ar triunfante, entregou a Rhodan as fotografias da pirâmide. Groll mantinha-se ao lado dele, com jeito nitidamente contrafeito. Parecia não se sentir muito à vontade.
— Achamos esta pirâmide na segunda lua do décimo terceiro planeta — informou o cientista ferrônio — bem perto de um túnel que leva para debaixo de um colossal platô rochoso. Entramos nele e descobrimos um complexo tecnológico enterrado no solo da lua. Sempre nos constou que aquela lua era desabitada; e pareceu-me mesmo que as instalações são remanescentes de uma civilização morta. Mas também poderia tratar-se da central energética que arrancou outrora o décimo planeta de Vega de sua órbita, transformando-o em lua do décimo terceiro planeta. Sendo este o caso, a lua 13B seria o planeta da vida eterna.
Rhodan escutara Lossos sem interrompê-lo, com as fotografias na mão, com ar indeciso. Com um gesto quase brusco, empurrou as fotos para debaixo do compartimento receptor do cérebro positrônico. Calcou um botão, fazendo o circuito adequado entrar em funcionamento. Lentes captaram os símbolos da inscrição, transferiram-nos para apreensores de impulsos eletrônicos, de onde foram levados adiante com velocidade prodigiosa. O processo de decodificação começara.
— Não percebeu nenhum vestígio de vida atual? — perguntou Rhodan a Lossos.
— Só um tópsida. O sargento Groll liquidou com ele.
Rhodan franziu o cenho.
— Um reptilóide? Como é possível?
Groll interveio:
— Um sobrevivente das batalhas de invasão. Salvou-se numa das pequenas naves de emergência, que foi destroçada por ocasião da aterrizagem. Ele encontrou igualmente o túnel para o subsolo, e esperava por nós lá.
Pela primeira vez ouviu-se na voz de Rhodan um tom de recriminação.
— E você matou um ser que esperava socorro? Não sabe que se trata de ação punível segundo as leis da Terceira Potência? E não só segundo nossas leis, sargento?
— Foi legítima defesa — excusou-se Groll, que já esperava a reprimenda. — O tópsida me apontou sua arma; só que minha pontaria foi melhor, e atirei mais depressa. Foi o que aconteceu, senhor.
— O fato ocorreu exatamente conforme o sargento disse — confirmou Lossos. — Groll não fez mais do que cumprir seu dever: nos proteger de um agressor.
Do teto partiu o estalido de um alto-falante ligado automaticamente pelo sistema acústico do cérebro positrônico. A voz mecânica e impessoal informou:
— Tradução concluída. O resultado será dado por escrito. Mensagem encerrada.
Rhodan lançou um breve olhar a Crest.
— Surpreendentemente rápido, não? Devia ser muito simples o código usado, para permitir tradução imediata. O que me deixa concluir que se trata de mensagem pouco importante. Lossos, parece-me que você sofrerá dentro de instantes amarga decepção.
O ferrônio ia replicar, porém naquele momento o cérebro positrônico expeliu um bilhete branco, bem diante das mãos de Rhodan. A face escrita estava virada para cima, e todos os presentes puderam ler o que se encontrava gravado na pirâmide da lua 13B.
“Muitos caminhos conduzem à luz; mas às vezes por rodeios. Porém a pista aponta a direção.”
— E então? — indagou Lossos, pressuroso. — Que quer dizer isso?
Rhodan sorriu.
— Uma espécie de prêmio de consolação para quem perdeu a pista certa, ou jamais a encontrou. Há rodeios para se chegar à solução da charada galáctica. Tenho a impressão, no entanto, de que o caminho direto é o mais curto, apesar de ser mais árduo. Agradeço-lhe, Lossos, prestou-me um valioso serviço. Obrigado também, Groll!
Groll retirou-se impassível, enquanto o ferrônio não teve habilidade suficiente para disfarçar sua decepção. Quando a porta se fechou, Crest disse:
— Lamento por ele, pois esperava trazer indício mais útil. Julga sem significação a descoberta de Lossos, Perry?
— Indiretamente sim, Crest. Puro despistamento... Imagine só: escavar uma lua inteira, que se prestaria a suportar vida, só para despistar! Incrível a capacidade dos seres que nos propõem as tarefas!
— Uma raça de gigantes mentais! — concordou Crest, com tom de profundo respeito e veneração. — Será um grande momento aquele em que os encontrarmos pela primeira vez. Espero que sejamos dignos...
— Se chegarmos a encontrá-los, seremos dignos — afirmou Rhodan, gravemente.
— Às vezes acho que seria melhor desistir da busca, em vista das circunstâncias. Porém não é só a imortalidade que está em jogo. É muito mais... O contato com inteligências tão superiores, com seres senhores de todas as dimensões, capazes de lançar uma pista através de milênios, poderia contribuir para salvar ainda o decadente império arcônida.
— Ou promover o nascente império terrano, Crest!
Nem Crest nem Thora responderam. Trocando um rápido olhar, acenaram uma despedida e retiraram-se.
Bell viu-os sair com ar preocupado.
— Não devia ser tão franco com eles, Perry — avisou. — Por enquanto, eles ainda acreditam que seu império continua poderoso e estável. Nem suspeitam de que você pretende se tornar sucessor deles. E caso se tornassem inimigos nossos...
— Crest sabe muito bem o que o futuro reserva a Árcon — respondeu Rhodan, sacudindo a cabeça. — Está consciente do fato de que a raça arcônida é fraca demais atualmente para continuar representando o papel de dominadores do universo. Sabe que os homens assumirão a herança dos arcônidas, e está convencido de que não poderia haver solução melhor. Está do nosso lado.
Fitando o amigo pensativamente, Bell concordou após alguns momentos.
— Sim, deve sabê-lo, senão não estaríamos ocupando a cabina de comando de uma nave que poderia levá-lo de volta à pátria hoje mesmo. Que pensa fazer agora, Rhodan?
— Aguardar, que mais? — respondeu o interpelado. — Jamais solucionaremos uma charada galáctica complexa saltando uma das etapas. A arca em Thorta era apenas uma etapa.
Bell retirou-se. Rhodan ficou sozinho.
Sentado diante do imenso painel do cérebro positrônico, ficou observando as piscantes luzes que acendiam e apagavam continuamente; escutou o inescrutável zumbido que emanava de dentro do invólucro de arconita; sentiu a vibração debaixo de seus pés. O cérebro positrônico trabalhava. Encontraria a solução.
No entanto, o caminho que se estendia à sua frente ainda era longo. Rhodan sabia que esse caminho o levaria pelo tempo e pelo espaço antes de deixá-lo no limiar da eternidade.
Teria coragem de ultrapassar tal limiar?
A charada galáctica foi solucionada literalmente no último minuto, porém o desconhecido que guarda o segredo da imortalidade ainda não esgotou todos os seus recursos.
Ele, para quem milênios não passam de segundos, lançou uma Pista no Tempo e no Espaço.
Clark Darlton
O melhor da literatura para todos os gostos e idades