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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O Planeta do Sol Moribundo / Kurt Mahr
O Planeta do Sol Moribundo / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O Planeta do Sol Moribundo

 

Perry Rhodan e seus companheiros partiram em busca do segredo da imortalidade e pousaram em Gol, o décimo quarto planeta do sistema Vega. Lá, sem dúvida, teriam sido vitimados pelos seres luminosos, devoradores de energias, se o desconhecido não os houvesse arremessado para o espaço por meio do transmissor de objetiva.

Apesar de terem sido salvos de uma situação de perigo extremo, os ocupantes da Stardust-III sentem-se deprimidos, pois a nave se encontra numa região completamente desconhecida do Universo.

Onde ficará o mundo em que, segundo as informações do desconhecido, se encontram as coordenadas que permitirão a teleportação espaço-temporal que os conduzirá de volta ao seu mundo?

Será o Planeta do Sol Moribundo?...

 

                   

 

— Já lhe disse — resmungou Crest decepcionado. — Não tenho certeza.

Perry Rhodan fez que sim. Tinha diante de si, sobre o painel de instrumentos, os resultados colhidos com base no espectro, na intensidade luminosa, na posição e na distância provável de uma estrela que, segundo Crest acreditava poucos minutos antes, era conhecida dos espaçonautas arcônidas.

A situação era a seguinte: a missão de Perry Rhodan em Gol, o décimo quarto planeta do sistema Vega — uma massa gigantesca de metano e amoníaco com o triplo do diâmetro de Júpiter, em cuja superfície os efeitos da gravidade eram terríveis — terminara de uma forma estranha e explosiva. A missão só servira para trazer outra indicação sobre a posição do planeta da vida eterna, que estavam procurando. Quando maior era o perigo, a missão foi interrompida através de um transmissor de objetiva. Este realizara a teleportação simultânea de vários grupos separados no espaço, ou seja, Rhodan com três homens, que se encontravam no ponto em que estava localizado o transmissor, o major Nyssen e o capitão Klein, que estavam a cerca de oitenta quilômetros dali, num carro-esteira bastante tosco, e finalmente a imensa nave espacial arcônida, a Stardust-III, retirando-os do planeta Gol e reunindo-os num ponto do Universo que ninguém conhecia, já que ficava distante das rotas de navegação espacial.

Nem mesmo uma pessoa que possuísse extensos conhecimentos científicos saberia dizer como o transmissor, que pelas suas dimensões não passava de uma minúscula partícula de pó em comparação com os oitocentos metros de diâmetro da Stardust-III, conseguira realizar tal milagre. Todavia, o acontecimento não os deixou abalados, como seria de esperar.

O que os preocupava realmente era o fato de não saberem se orientar no setor do espaço em que a Stardust-III viera parar. Não dispunham de qualquer ponto de referência que indicasse uma rota mais favorável à nave e, ao que tudo indicava, não encontrariam nenhum.

As estrelas — umas cinqüenta ou sessenta — que apareciam na tela foram rapidamente analisadas. Depois de ordenados os respectivos dados, os mesmos foram cotejados com os catálogos estelares que a Stardust-III trazia a bordo.

Constatou-se que aquelas estrelas, com exceção de uma única, não tinham a menor semelhança com as que constavam do catálogo. As esperanças de Crest apoiaram-se naquela única estrela. Revelava alguns traços que coincidiam com uma estrela conhecida pela astronomia arcônida, que se situava numa das nebulosas de Magalhães, fora da galáxia. Dessa forma se explicaria a reduzidíssima densidade estelar naquele setor do espaço: a Stardust-III teria penetrado numa área que não fica na galáxia.

Mas a suposição não resistira a um exame mais acurado. Aquela única estrela também revelou muitos traços que não coincidiam com os da estrela situada na nebulosa de Magalhães, que constava do catálogo.

Uma circunstância que causou desassossego ainda maior a Crest — e também a Rhodan, embora este não o confessasse — era a de que a maior parte das estrelas observadas apresentava traços espectrais que quase chegavam a ser aventurosos.

A ciência arcônida não contestava a afirmativa de que uma estrela fixa é um “corpo negro”, segundo a lei das radiações de Planck. Face a isso seria de esperar que todas as estrelas fixas, inclusive as poucas que naquele instante apareciam nas telas da Stardust-III emitissem um espectro de radiações constantes que, conforme o tipo da estrela, começaria no ultravioleta de ondas mais ou menos curtas, passaria pelo campo dos raios visíveis e penetraria profundamente na área do infravermelho.

Nada disso se observava nas estrelas que tanto inquietavam Crest. Muitas delas apresentavam um espectro com algum indício de se conformarem com a lei das radiações, mas de repente apresentavam uma inflexão totalmente imotivada. Outros espectros não se pareciam com qualquer coisa que Crest e Rhodan já tivessem visto. As respectivas estrelas funcionavam como radiadores seletivos, tal qual a luz de uma vela ou de uma lanterninha de bolso.

Uma das estrelas tinha um espectro fragmentário com dois pontos máximos, um deles situado na área do verde, outro na do vermelho. O efeito produzido pela conjunção dos dois fragmentos foi o de um ponto luminoso de cor marrom. Era um fenômeno jamais observado nos céus da galáxia.

 

— Então — disse Rhodan com um suspiro. — Não temos a menor idéia do lugar em que nos encontramos. E, se não acontecer um milagre ou coisa que o valha, nunca saberemos.

Procurou observar o efeito de suas palavras. Solicitara a presença dos dois arcônidas na sala de comando, e ainda a de Reginald Bell, dos majores Nyssen e Deringhouse; também pediu o comparecimento de Tako Kakuta, um japonês que representava o Exército de Mutantes.

Crest mergulhou no desânimo; não fez o menor esforço para disfarçar a decepção de que se sentia possuído. Thora, uma arcônida esbelta de cabelos brancos, devia sentir a mesma coisa; mas sabia que idéia o homem faz de um ser que desanima antes da hora. Por isso deu uma expressão enérgica ao seu rosto e enfrentou o olhar de Rhodan.

Os outros homens ali presentes pareciam feitos exclusivamente de curiosidade.

— E agora? — perguntou Bell. — Vamos ficar parados por aqui, esperando pelo milagre?

Rhodan, muito sério, fez que sim.

— Poderia ter a gentileza de nos dizer que milagre é esse? — gritou Thora.

Sua voz parecia irritada e nervosa.

— Espero poder lhes dizer dentro de algumas horas — respondeu Rhodan. — Vou dar uma olhada por aí. Pegarei um caça espacial.

— Acha que com um caça vai vencer a distância de alguns anos-luz que nos separa da estrela mais próxima? — disse Thora com um riso irônico.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Não. Só me afastarei algumas unidades astronômicas.

— Para quê?

— Este setor do espaço é o pedaço mais estranho do Universo que Crest e, evidentemente, também eu, jamais vimos — explicou Rhodan em tom professoral. — A mais próxima das cinqüenta e seis estrelas que vemos se encontra a cinco anos-luz do ponto em que atualmente nos encontramos, a mais distante a cento e oitenta anos-luz. Além desse limite ainda se encontra, a uma distância considerável, uma concentração de matéria quase imperceptível. Talvez se trate de uma galáxia. A densidade estelar nesta região é menor do que seria de esperar no interior de uma galáxia, porém maior que a que costuma ocorrer fora dela. Os espectros das cinqüenta e seis estrelas que temos diante de nós provocariam risos em qualquer analista espectral. Por tudo que conseguimos saber até hoje, espectros dessa espécie não deviam existir. Logo nos acode uma suspeita, a de que a estrutura do espaço em que nos encontramos não é aquela à qual estamos acostumados. Como até mesmo os instrumentos de maior precisão não constataram nada de anormal, pretendo dar uma olhada do lado de fora da nave.

Deringhouse levantou-se de um salto.

— Essa tarefa não caberia a mim?

Rhodan repeliu-o com um gesto.

— Esqueça-se! — respondeu em tom sério. — Se minhas suposições forem corretas...

Preferiu não completar a frase. A passos lentos, todo pensativo, foi em direção ao intercomunicador e mandou que um dos pequenos caças rápidos fosse preparado para a decolagem e colocado na comporta norte da Stardust-III.

 

O caça deu um verdadeiro salto ao sair do enorme compartimento da comporta. Rhodan imprimiu uma aceleração média à sua máquina; apesar disso a imensa esfera formada pela nave encolheu-se com uma rapidez assustadora.

Dentro de poucos minutos o caça atingiu a velocidade de 500 km/s. Rhodan reduziu a potência do mecanismo propulsor e regulou o neutralizador de pressão de tal forma que, mesmo em vôo livre, a força gravitacional no interior da minúscula cabina equivalesse à da Terra.

Os instrumentos mantinham-se imóveis. Indicavam a massa da Stardust-III, nada mais.

Depois de ter se afastado da Stardust-III em linha reta durante quinze minutos, sem que tivesse notado nada de extraordinário, aumentou a velocidade do caça.

Descreveu uma curva a cerca de 200 km/s, saiu da rota primitiva e acabou deslocando-se num ângulo de noventa graus em relação à sua trajetória anterior.

Depois de decorridos outros quinze minutos transmitiu nova potência aos jatos, aumentando a velocidade para 10.000 km/s. Efetuou nova mudança de rota, que agora descrevia um ângulo de quarenta e cinco graus tanto com a direção de vôo imediatamente anterior como com a primitiva.

O instrumento ainda registrava nitidamente a massa representada pela Stardust-III, e o envoltório da nave brilhava atrás dele como se fosse uma estrela.

“É uma estrela irreal”, pensou Rhodan. A luz refletida pela Stardust-III irritava-o; gostaria de saber por quê. Não havia nada mais natural que a visão de uma nave transformada numa espécie de estrela, desde que o observador se encontrasse a uma distância adequada.

Seus pensamentos foram interrompidos pela voz um tanto nervosa de Bell.

— Por que não dá sinal de vida? O que aconteceu aí fora?

— Nada; absolutamente nada.

Bell resmungou, satisfeito:

— O que você esperava?

— Não sei. Alguma coisa...

— Alô! Está ouvindo? Eu perguntei: O que você esperava?

— E eu respondi: Não sei — disse Rhodan.

Alguns segundos depois, soou a voz áspera de Bell:

— Não o ouço mais, chefe. O que aconteceu?

Perplexo, Rhodan olhou para o painel. Ao que parecia, o mecanismo de controle não tomara conhecimento de qualquer avaria. Todas as peças que se encontravam a bordo do caça estavam em perfeito estado, inclusive o transmissor.

— Rhodan para Stardust-III — berrou Rhodan. — Vocês me ouvem?

A única resposta foi um zumbido monótono. O receptor permanecia inerte. Do outro lado não tinham desligado, mas não o ouviam mais.

Não havia dúvida de que podiam acompanhar sua trajetória por meio do detector de matéria. Sabiam, portanto, que o caça espacial ainda se encontrava dentro da área de alcance dos instrumentos da Stardust-III. Rhodan sentiu-se preocupado ao pensar no que Bell seria capaz de fazer na sua precipitação.

A Stardust-III não devia deslocar-se!

Rhodan acionou os jatos de frenagem. Partículas brilhantes, que se deslocavam à velocidade da luz, saíram dos bocais amplos e achatados, reduzindo progressivamente a velocidade do jato.

As idéias precipitaram-se no cérebro de Rhodan.

Poderia transmitir um sinal à Stardust-III através do feixe luminoso do canhão de impulsos; dessa forma saberiam que ainda estava vivo. Para o mesmo fim poderia fazer explodir uma bomba de detonação rápida, ou então...

Subitamente lembrou-se de que qualquer sinal dessa espécie levaria Bell à conclusão de que se defrontava com um inimigo invisível. Por isso desistiu da idéia.

Os jatos de frenagem, trabalhando a toda potência, levaram alguns minutos para neutralizar a velocidade do caça. Ainda durante a frenagem Rhodan fez o aparelho descrever uma curva fechada, que exigiu o máximo do neutralizador gravitacional. Cerca de dez minutos depois de terem sido interrompidas as comunicações com a Stardust-III, o caça passou a deslocar-se em direção à nave.

A nave continuava no mesmo lugar. Pelos dados registrados no painel de instrumentos, Rhodan viu que se encontrava aproximadamente a uma unidade astronômica, ou seja, a cento e cinqüenta milhões de quilômetros da nave. Se prosseguisse com o máximo de aceleração, talvez ainda a atingisse antes que Bell mandasse dar partida à Stardust-III, para libertá-lo das aparentes dificuldades.

Pela tela do detector de matéria deviam perceber que ele voltara a aproximar-se da nave e, se conservassem o sangue-frio, esperariam.

Imprimiu o máximo de aceleração ao aparelho. Dessa forma não levaria mais de trinta minutos.

O indicador de trajetória, regulado para a rota da Stardust-III, marcava um ângulo igual a zero. Mas o fino traço de luz não se mantinha imóvel na marca zero, como devia acontecer. Tremulava, desviava-se alguns décimos de milímetros para a esquerda, voltava à posição original e desandava de novo.

Rhodan esqueceu-se do que pretendia fazer e desligou os jatos. O caça reagiu imediatamente. O fio de luz foi-se desviando, devagar, mas ininterruptamente e sem voltar atrás.

Rhodan fitou-o estupefato. Um grau negativo, dois graus negativos; o aparelho submetia-se documente à influência de uma força vinda de alguma fonte invisível. Rhodan sabia que todas as indicações dos instrumentos eram registradas. Portanto, poderia interpretar os dados a bordo da Stardust-III. Mas sentiu-se tomado de impaciência. Enquanto o caça se desviava traço após traço, grau após grau, procurou localizar a estranha fonte de energia.

Os rastreadores não indicavam nada, além da massa formada pela nave, que permanecia imóvel no espaço.

O gravímetro, porém, registrava pequenas influências gravitacionais, e indicava a direção em que se processava o respectivo efeito de aceleração. Rhodan sondou o respectivo setor espacial com todos os instrumentos de que dispunha, mas não encontrou nada.

Era uma fonte gravitacional situada no nada!

O fenômeno era tão esdrúxulo quanto os espectros estelares que havia observado.

Durante meia hora Rhodan abandonou o aparelho à influência do misterioso fenômeno. Nesse intervalo sofreu um desvio de dez graus e correu o risco de precipitar-se para além da Stardust-III.

Decorridos os trinta minutos, de súbito, a trajetória não mais sofreu qualquer modificação. O gravímetro não registrava mais nada, e a trajetória do caça passou a ser a de um corpo em queda livre num sistema submetido exclusivamente à força da inércia.

A influência da força gravitacional cessara. Alguém a desligara.

Alguém a desligara?

Enquanto procedia à correção da rota, a fim de voltar a popa do caça em definitivo na direção da Stardust-III, Rhodan procurou calcular o volume de energia que seria necessário para produzir um campo gravitacional igual àquele que acabara de exercer sua influência sobre o caça. O fato de que a alteração da trajetória se realizara de forma constante e em progressão linear em relação ao tempo, indicava que a fonte geradora do campo gravitacional se situava a uma distância muito grande: ao menos três unidades astronômicas. Quem quisesse gerar um campo gravitacional artificial capaz de exercer uma influência tão pronunciada a uma distância daquelas, precisaria de um volume de energia superior...

Superior a quê? Superior, por exemplo, ao da energia total de que dispunha o planeta Terra. Tratava-se de um campo equivalente ao que seria irradiado por um sol. Mas o campo gravitacional de um sol não estava sujeito a uma modificação tão abrupta como a que acabava de se verificar aqui.

“Não existe nenhuma explicação”, pensou Rhodan numa atitude resignada.

Fez mais uma tentativa de estabelecer contato com a Stardust-III. Ainda desta vez não conseguiu.

Lembrou-se de que estivera refletindo sobre algum problema no momento em que Bell o chamara. Procurou lembrar-se. Alguma coisa o incomodara. O que era mesmo?

Ah, sim! Era a luz irradiada pela Stardust-III.

Lançou um olhar pensativo sobre o ponto luminoso fulgurante que o imenso corpo esférico da nave projetava sobre a tela.

A lembrança sacudiu-o como uma descarga elétrica.

Em algum lugar nas proximidades havia uma fonte de luz cuja irradiação era refletida pela nave. Seria um contra-senso pensar que cinqüenta e seis estrelas, das quais a mais próxima se situava a cinco e a mais distante a cento e oitenta anos-luz, pudessem irradiar uma quantidade de luz suficiente para fazer com que, a uma distância de mais de cem milhões de quilômetros, a Stardust-III ainda se mostrasse sob a forma de um ponto luminoso.

A nave não emitia qualquer luminosidade própria.

“E então?”, perguntou Rhodan de si para si, nervoso e impaciente.

Nas circunstâncias presentes, qualquer pessoa que se afastasse alguns milhares de quilômetros da nave a perderia de vista. Um objeto que não pode refletir nenhuma luz, porque a mesma não existe, e que não emite luminosidade própria é simplesmente invisível.

Acontece que via nitidamente a nave. E havia mais: emitia uma luminosidade mais intensa que a da estrela mais próxima, e isso acontecera mesmo quando o caça se encontrava no ponto mais afastado de sua trajetória.

Haveria uma solução para o mistério?

Por mais que refletisse, nada ocorreu a Rhodan, até que este não pôde pensar em outra coisa senão realizar uma aproximação correta do caça — de direção apenas semi-automática — ao gigantesco corpo esférico da Stardust-III. Num gesto semi-consciente, procurou localizar na superfície convexa da nave o reflexo do corpo luminoso que permitia uma visão tão nítida da Stardust-III, mas não encontrou nada.

Subitamente o telecomunicador voltou a funcionar.

— Se não obtivermos resposta, não permitiremos a entrada do aparelho! — disse a voz exaltada de Bell.

— Tudo em ordem — informou Rhodan em tom de alívio. — Cá estou.

Ouviu Bell fungar.

— Por que não respondeu esse tempo todo?

— Não pude. O telecomunicador não funcionava.

— E agora de repente...

— Sim. Depois falaremos a respeito disso.

Devagar, quase se poderia dizer metro por metro, o caça espacial foi se deslocando em direção à abertura da imensa comporta norte. No último trecho do percurso foi recebido por um raio direcional, que o conduziu para dentro da nave, sem que Rhodan precisasse fazer mais nada.

Depois de realizado o controle regulamentar dos instrumentos, Rhodan desceu do caça. Nesse meio tempo a comporta se enchera de ar respirável. Livrou-se do traje espacial, enquanto se dirigia à sala de comando pelas fitas transportadoras e pelos elevadores antigravitacionais.

 

— Temos mais três enigmas — disse Rhodan em tom sério. — A visibilidade da nave, a existência de uma fonte de gravitação de intensidade variável e a falha do telecomunicador. Alguém tem uma explicação?

Era uma pergunta puramente retórica. Percebeu-o pelos rostos dos companheiros. Esperavam que ele lhes desse a explicação.

Mas da mesma forma que eles, não tinha nenhuma.

— Muito bem — prosseguiu. — Não sabemos. Encontramo-nos diante de um enigma, ou melhor, de uma série de enigmas que nem mesmo a ciência arcônida sabe explicar. Só nos resta esperar.

Acontece que essa idéia não se harmonizou com a impaciência de Thora. Seus olhos avermelhados brilharam numa expressão de arrojo e um pouco de ressentimento quando disse:

— Esperar o quê? Temos cinqüenta e seis estrelas que podemos examinar. Por que não começamos logo?

“É linda”, pensou Rhodan, que não teve pressa de responder.

— Porque levaria muito tempo — acabou dizendo — se quiséssemos examinar cada estrela e cada planeta à procura de algum indício. Ainda acontece que este setor do espaço está cheio de enigmas dos quais por enquanto nada sabemos, muito menos estamos em condições de solucioná-los.

Thora não concordou com estas palavras. Dispôs-se a responder, mas Crest cortou-lhe a palavra.

— Por falar nisso — começou, lançando um olhar rápido sobre Thora, como se estivesse pedindo paciência à mesma — talvez estejam interessados em saber o que descobri neste meio tempo.

Entregou algumas fitas de plástico a Rhodan. Eram do tipo das que costumavam ser ejetadas pelo interpretador do cérebro positrônico, um gigantesco aparelho de cálculo e processamento de dados que a Stardust-III trazia a bordo. A resposta a qualquer indagação, inicialmente emitida pelo cérebro positrônico sob a forma de impulsos codificados, era registrada nas fitas em caracteres da escrita arcônida, ou em símbolos matemáticos, quando se tratasse de um problema de matemática pura.

— Tive muita dificuldade em encontrar uma formulação sensata para as perguntas e introduzir todas as informações na máquina — disse Crest com um sorriso. — Aqui estão as perguntas — disse, enquanto entregava a Rhodan uma folha de papel em que estavam escritas as perguntas. — As respostas estão nas fitas que você tem na mão.

Rhodan começou a ler.

— De que serve nossa caminhada progressiva e perigosa em busca da civilização que conhece o mistério da conservação das células?

Era a primeira pergunta. A resposta dizia o seguinte:

— A civilização desconhecida só transmite seu saber a quem, face a algumas regras de seleção, prove ser portador de uma civilização (85,179 % de probabilidade).

Crest pôs os dedos no papel em que estavam escritas as perguntas por ele formuladas.

— De posse da primeira resposta, formulei a segunda pergunta.

Rhodan leu:

— Quais são as regras de seleção?

A resposta foi a seguinte:

— As regras de seleção aplicadas pela civilização desconhecida não são exclusivamente de natureza técnico-científica (probabilidade de 100%).

— É claro que isso não passa de uma verdade trivial — observou Crest. — O cérebro positrônico não soube o que fazer com a pergunta.

A última pergunta foi esta:

— Que regras de seleção ainda se tornarão conhecidas a nós, que andamos em busca do segredo?

A resposta dizia o seguinte:

— Para os que andam à procura, as provas (regras de seleção) de natureza técnico-científica estão concluídas (52,112 % de probabilidade).

Rhodan lançou um olhar pensativo sobre a fita em que estavam gravadas as respostas, antes de devolvê-la a Crest.

— A última resposta é quase inútil, não é mesmo? — disse Crest.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Seria inútil, se só contasse com cinqüenta por cento de probabilidade. Mas deve haver alguma informação, que nós não entendemos bem, que fez com que a máquina deduzisse que o imortal, provavelmente, no futuro ainda nos colocará diante de outros enigmas além dos que já tivemos oportunidade de conhecer. Os transmissores de objetiva e conversores de tempo já ficaram para trás. Ainda não sabemos o que virá daqui por diante. Talvez aquilo que descobrimos lá fora seja o começo.

Thora interveio na conversa:

— Acha que, se resolvêssemos não perder mais tempo e começássemos a agir, isso alteraria alguma coisa?

— Perder tempo? — disse Rhodan com um sorriso irônico. — Você está a caminho da vida eterna e fala em perder tempo?

— Acabo de fazer uma proposta séria e aguardo uma resposta séria — disse Thora com a voz amarga.

— Ainda receberá uma resposta séria — disse Rhodan. — Neste momento você ainda acharia que minhas suposições são ridículas.

 

Tanaka Seiko ocupava um camarote individual.

Na verdade, a Stardust-III era uma nave de guerra, ou melhor, um couraçado, criada pela tecnologia arcônida como resposta definitiva às ameaças ao Grande Império partidas de mundos revoltados. Sua tripulação completa era de mil homens. Os praças residiam em alojamentos coletivos, os cabos e sargentos em camarotes de duas pessoas e os oficiais em camarotes individuais.

Tanaka Seiko ocupava um desses camarotes individuais, que por motivos óbvios não ficava muito distante da sala de comando.

No correr da última semana Tanaka transformara-se num dos elementos mais importantes da equipe de Rhodan. Graças a um processo de mutação era capaz de captar ondas hertzianas, da mesma maneira que qualquer um de nós capta as vibrações sonoras. Não precisava de aparelho receptor para compreender as emissões de rádio.

Além disso, por enquanto, era o único entre os subordinados de Rhodan que sabia captar as mensagens do imortal e traduzi-las numa linguagem inteligível. No planeta Gol, Rhodan obtivera indícios de que as vibrações de que o imortal se valia para a transmissão de suas mensagens eram fenômenos situados numa dimensão espaço-temporal de ordem superior. Se quisessem descobrir o mistério da vida eterna, que o imortal detinha, teriam de entender as mensagens do mesmo. E Tanaka era o único que possuía essa faculdade.

Assim que a Stardust-III emergiu do hiperespaço depois de um processo extraordinário de teleportação, Rhodan incumbira o japonês de prestar atenção as mensagens do imortal. Dali em diante Tanaka Seiko permaneceu no camarote. O estoicismo da raça asiática revelou-se um auxiliar útil naquela atividade, que consistia em não fazer nada.

De início instalara-se confortavelmente numa macia poltrona articulada dos arcônidas, mas constatou que esse tipo de comodidade lhe provocava sonolência, motivo pelo qual passou a usar uma banqueta de trabalho um pouco mais dura. Apoiou os cotovelos na mesa e descansou a cabeça nas mãos.

Assim ficou sentado por horas a fio; levou meio dia nessa posição.

Reprimiu a sonolência conforme pôde.

Os pensamentos de Tanaka executavam uma dança confusa. Faziam desfilar diante dele quadros do passado. Os olhos de sua mente viram Fukabori, uma pequena aldeia situada junto à baía de Amakusa, a menos de vinte quilômetros de Nagasaki. Viu algumas casas velhas espalhadas pela paisagem.

Mas uma delas despertou sua atenção.

Nunca a vira.

Concentrou-se na visão que os pensamentos lhe ofereciam; procurou reconhecer aquela construção. Ficava no centro da aldeia e parecia um arranha-céu.

Um arranha-céu em Fukabori!

Por lá nunca houvera arranha-céu, e nunca haveria. Afinal, Fukabori não passava de uma aldeia de pescadores.

Parecia antes uma torre com uma altura equivalente a mais de duzentos andares. Será que na Terra existia algum edifício desse tipo?

O campo de visão de Tanaka estreitou-se. A casa paterna, as outras casas, as cabanas dos pescadores, tudo desapareceu do quadro desenhado por seus pensamentos. Só restou a torre, o arranha-céu.

A torre tinha janelas redondas... redondas! De um instante para outro Tanaka sentiu que alguma coisa estranha penetrara em seu cérebro e desenhava um quadro ilusório que sua mente jamais teria concebido.

Sentiu-se tomado de pânico e procurou afastar a coisa estranha. Lutou contra o espírito que lhe incutia o quadro de uma torre de oitocentos metros de altura com janelas redondas.

Mas sucumbiu. No mesmo instante lembrou-se de que isso poderia ser o início de outra mensagem do imortal. Este nunca se revelara por essa forma; mas ninguém saberia dizer de quantas maneiras diferentes dispunha o mesmo para transmitir suas mensagens.

A torre foi crescendo. Parecia aproximar-se de Tanaka numa velocidade tremenda — ou então era Tanaka que se aproximava dela. No fim só restou um trecho do quadro, uma janela redonda. De repente pôde enxergar através da janela. Tanaka viu uma sala pequena, cujo único mobiliário consistia num tipo de escrivaninha. Sobre a escrivaninha havia uma folha de papel. Seria mesmo papel? E ainda havia um objeto fino e comprido, parecido com um lápis.

Tanaka pegou o lápis e começou a escrever.

Pegou o lápis? Que tolice! Viu todo esse quadro desenhado diante dos olhos de sua mente — ou da mente de outro indivíduo, de um desconhecido.

Seja como for, pegou o lápis e começou a escrever. Alguém parecia conduzir sua mão; ele mesmo não sabia o que estava escrevendo, nem conseguia ler.

De repente!

Como Tanaka não respondesse ao chamado de Rhodan, Reginald Bell foi ao camarote do japonês para ver o que estava acontecendo.

Tanaka, desmaiado, estava estendido diante da mesa. Tudo indicava que caíra da banqueta e batera com a cabeça num dos pés da escrivaninha.

Tudo isso parecia estranho a Bell. Por que Tanaka teria caído?

Sobre a escrivaninha havia um montão de folhas de papel. Era papel genuíno de fabricação terrena, de um tipo idêntico ao que, desde sua permanência na Terra, a Stardust-III trazia a bordo às toneladas.

Havia alguma coisa escrita na primeira folha. Bell olhou-a e já ia pô-la de lado. Parecia uma série de desenhos insensatos, traçados por alguém que não soubesse o que fazer.

Mas Bell voltou a olhar. Os desenhos estavam enquadrados em linhas bem ordenadas, e alguns dos sinais insensatos repetiam-se a intervalos regulares.

Bell pôs o papel no bolso e chamou o serviço médico, pedindo que cuidasse de Tanaka Seiko.

Rhodan reconheceu a escrita. Já a vira duas vezes: da primeira vez no Palácio Vermelho, juntamente com Thora, e de outra vez no cilindro metálico de que se apoderara durante a viagem pelo tempo.

O cérebro positrônico decifrara ambas as mensagens. Possuía os dados básicos, e por isso também devia ser capaz de interpretar os rabiscos de Tanaka.

Rhodan mandou elaborar uma programação ótica do registro e introduziu-a na máquina. Esta não teve muita pressa. Dali a uma hora forneceu a tradução numa fita de plástico:

 

Tu, que queres enfrentar o perigo, demonstraste paciência e não queres fugir à sedução, presta atenção ao mundo de grau superior. Lá chegando, faze o que deve ser feito. A luz já não está distante. (Seguem alguns sinais indecifráveis. Probabilidade de transmissão correta: 91,998 %.).

 

Quase ao mesmo tempo em que o cérebro positrônico forneceu a interpretação, Tanaka Seiko despertou do seu desmaio.

Informou o que lhe havia acontecido. Sua lembrança chegava até o ponto em que começara a escrever; dali em diante não se recordava de mais nada.

A interpretação do fenômeno ficou a cargo de Rhodan. Este não teve a menor dúvida de que o imortal, através de um meio que constituía um mistério, como tanta coisa acontecida durante esse empreendimento, apoderara-se do cérebro de Tanaka e obrigara o mesmo a registrar uma mensagem numa folha de papel, que não se encontrava no centésimo octogésimo andar de uma torre, mas na escrivaninha do próprio Tanaka, no interior de um dos camarotes individuais do Stardust-III.

Foi o que Tanaka fez, e nesse meio tempo a mensagem havia sido traduzida. Mas, ao que parecia, a mesma não tinha o menor sentido. Pelo menos não encerrava um significado que Rhodan pudesse reconhecer ao primeiro golpe de vista.

Rhodan desceu à divisão médica para conversar com Tanaka.

— ...presta atenção ao mundo de grau superior — murmurou, contemplando a fita de plástico que trouxera consigo.

O mundo de ordem superior? Em torno de qual das cinqüenta e seis estrelas visíveis nas telas giraria esse mundo?

O telecomunicador chamou.

— Segundo piloto ao comandante!

Era a voz de Reginald Bell, que parecia bastante nervosa.

Rhodan pegou o microfone mais próximo.

— Pronto! O que houve?

Ouviu Bell respirar profundamente.

— Peço-lhe que venha imediatamente à sala de comando. As telas...

Rhodan não ouviu o resto. Com dois ou três saltos atingiu a porta, que para seu gosto se abriu muito devagar, esgueirou-se pela abertura, e correu por cima da fita transportadora que percorria o corredor. Forçando as mãos na parede do poço do elevador antigravitacional, fez este subir mais depressa. Chegou tão depressa à sala de comando que Bell lhe lançou um olhar estupefato.

As telas!

Acreditara naquilo, porque de outra forma nada mais teria um sentido. Sabia que um dia veria esse quadro — e ali o tinha diante de si.

Era o negrume profundo dos confins do espaço, semeado de bilhões de luzinhas coloridas, com longas estrelas brilhantes que representavam as aglomerações estelares distantes e crateras negras formadas pelos espaços vazios ou pelas nebulosas.

Era o quadro que se apresentava a qualquer astronauta, enquanto se encontrasse na galáxia. E também era o quadro que, depois dos dias intermináveis de espera extenuante, conferia um sentido às coisas.

— O que aconteceu? — perguntou com a voz rouca.

Bell deu de ombros. Ainda não se recuperara do susto.

— Não faço a menor idéia. Estava olhando a tela; o quadro era o mesmo de sempre. Voltei a olhar, e o que vi foi isto.

Com um gesto de desespero apontou para a grande parede em que estavam montadas as telas dos visores óticos.

Rhodan recuperou a atividade. Transmitiu ordens precisas ao setor de rastreamento. Os homens ficaram surpresos. Mas, quando puseram a funcionar os instrumentos, perceberam que o quadro estava totalmente modificado.

Enquanto se puseram a procurar, Rhodan, com os olhos pensativos, contemplou as telas.

Houve alguma coisa que despertou sua atenção, no início de forma inconsciente. Teve de passar os olhos por várias vezes pelo respectivo lugar na tela, para captar a imagem.

Era um disco vermelho! Seu tamanho correspondia aproximadamente ao que o Sol devia ter quando visto da órbita de Plutão. Era um disco vermelho-púrpura; até parecia que não emitia luminosidade própria, mas havia sido pintado com essa cor ou recebia sua luz de outra fonte.

Um sol!

Rhodan chamou a atenção dos rastreadores. A Stardust-III mantinha uma velocidade relativa face ao disco vermelho; essa velocidade não devia ultrapassar uns 400 ou 500 km/s em relação ao periélio da trajetória da nave. Com base nesses dados os homens do setor de rastreamento puderam efetuar a triangulação. Dali a dois minutos o resultado foi entregue a Rhodan:

O sol vermelho ficava a cerca de duas unidades astronômicas da nave. Isso equivalia a uns trezentos milhões de quilômetros, menos que a distância que separa Plutão do Sol. Dali se concluía que o astro vermelho era menor que o sol terreno.

Duas unidades astronômicas! Era apenas um pulo para uma nave como a Stardust-III. Rhodan ajustou a rota.

— Rastreamento ao comandante! O sol tem um planeta; provavelmente é o único. Distância do sol: 0,78 unidades astronômicas. Diâmetro: 0,6 do diâmetro da Terra. Distância do ponto em que nos encontramos: 1,2 unidades. É semelhante a Marte.

A memória do cérebro positrônico forneceu os dados direcionais ao piloto automático, que realizou a respectiva correção da rota. A Stardust-III dispôs-se a dar mais um passo na sua caminhada em busca da pedra filosofal

 

— Não havia outra solução, não é mesmo? — perguntou Rhodan.

Crest parecia um tanto perplexo.

— Ao que parece o senhor sabe mais que eu. A que solução está se referindo? Só vejo que, de repente, a situação complicou-se ainda mais.

Rhodan riu.

— É um engano. Não sei como o imortal conseguiu hipnotizar a tripulação e os instrumentos da nave, fazendo com que acreditássemos que víamos um espaço impossível, cinqüenta e seis estrelas também impossíveis e bem ao longe uma aglomeração grotesca de matéria. Não deve se tratar de um processo hipnótico como nós o conhecemos. Ele deve dispor de muitas possibilidades de iludir alguém. Na verdade, durante todo esse tempo a Stardust-III não saiu deste setor do espaço. Apenas acontece que tanto nós como os instrumentos vimos uma ilusão perfeita.

— Mas o que terá havido com o telecomunicador de seu caça? De onde veio aquele campo gravitacional? E o que iluminou a nave?

Rhodan ergueu os ombros.

— Não tenho nenhuma resposta, por enquanto. Se quisermos ver no fenômeno que nos fez contemplar o espaço ilusório um tipo de hipnose, talvez a Stardust-III fosse cercada por uma espécie de campo hipnótico esférico. Enquanto eu me encontrava de um lado do limite desse campo e a nave do outro lado, não havia nenhuma comunicação. Talvez fosse assim. Talvez o campo hipnótico não tivesse nenhuma influência sobre a luz refletida, e assim vi sobre a nave os reflexos de um sol que não pude ver. Quanto ao campo gravitacional, por enquanto não disponho de qualquer explicação para o mesmo.

— Pois bem — disse Thora com uma ligeira ironia na voz. — Quer dizer que já sabia de tudo. Será que agora poderia me dizer ao menos que mal teria feito se tivéssemos adotado minha sugestão e saído à procura de alguma coisa?

— Desde logo — respondeu Rhodan — por uma questão de princípio, quando me encontro com minha nave num setor desconhecido do espaço e ainda por cima sei que não consigo realmente enxergar esse espaço, fico bem quieto. A probabilidade de me perder por aí não é muito grande, visto que a densidade da matéria é muito reduzida, mas por que iria aceitar um risco, por menor que fosse, enquanto posso evitá-lo? Há outra coisa. Se a Stardust-III tivesse se deslocado, que direção teria tomado?

— Provavelmente a direção da estrela mais próxima entre as cinqüenta e seis que estavam ao alcance da nossa vista — respondeu Thora.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Pois é isso. Teríamos colocado a nave em movimento e tomado o impulso costumeiro para a teleportação espaço-temporal. Mas não chegaríamos muito longe, pois esse sol vermelho ficaria bem na rota da transição. Teríamos assistido a um fim de mundo brilhante e bem quente.

Thora olhou-o espantada.

— Já acredita que meus motivos foram válidos? — perguntou Rhodan com um sorriso. — É claro que não sabia da existência desse sol vermelho.

 

O planeta era um mundo monótono, bem visível e muito frio. Rhodan contornou-o duas vezes com a nave. Com isso adquiriu o conhecimento de todos os detalhes interessantes sobre a configuração de sua superfície, a temperatura ali reinante, a velocidade da rotação e, principalmente, ficou sabendo que naquele mundo não havia qualquer ser inteligente, ao menos na superfície.

Sentiu-se decepcionado. Esperava que esse planeta lhe desse mais alguma indicação sobre a posição galáctica do mundo da vida eterna. Quem lhe daria tal indicação, se ali não existia nenhum ser inteligente?

O planeta recebeu o nome de Vagabundo, porque se movia sozinho e sem destino num imenso espaço sem estrelas.

Era tão semelhante a Marte que até parecia que o Criador se guiara por um molde. Não havia oceanos. A temperatura média na superfície era de cerca de oito graus negativos. Nenhuma montanha tinha mais que algumas centenas de “metros de altura e ao menos três quartas partes da superfície eram formadas por desertos vermelhos de oxido de ferro.

Rhodan escolheu um desses desertos como local de pouso da Stardust-III. Lembrou-se de que o cérebro positrônico previra que não haveria outras surpresas de ordem técnica; por isso os mutantes que se encontravam a bordo foram mantidos em estado permanente de alerta.

Mas não aconteceu nada. A Stardust-III pousou sem problemas e sem obstáculos. O chão era firme e a força da gravitação não ultrapassava 0,53 g.

Começaram as conjecturas sobre quais seriam as próximas intenções do imortal.

 

— Tu, que queres enfrentar o perigo, mostraste paciência e não foges à sedução... — disse Rhodan em tom pensativo, recitando o texto da mensagem que Tanaka Seiko registrara num estado hipnótico. — Até parece que o imortal considera a paciência uma das virtudes que quer encontrar em seu sucessor, não é mesmo?

Era uma pergunta um tanto retórica.

— Pode ser — respondeu Bell. — De qualquer maneira desta vez não teríamos escapado tão bem se tivéssemos reagido àquela ilusão maluca. E não lhe levo isso a mal.

Crest concordou.

— Nunca canso de perguntar — disse — se não nos envolvemos numa coisa que é difícil demais para nós. O que nos adiantará a vida eterna, se antes...

Fez um gesto de dúvida e não terminou a frase. Rhodan não respondeu. Pretendia falar em outra coisa quando o intercomunicador deu sinal.

O rosto do tenente Tanner surgiu na tela. Parecia assustado e perplexo.

— Desculpe — disse Tanner apressadamente — quero pedir um conselho.

— Pois não!

Subitamente a perspectiva do quadro modificou-se. O rosto do tenente Tanner desapareceu. Em seu lugar surgiu o interior de um dos pequenos depósitos auxiliares do convés F, situado junto ao pólo norte do corpo esférico da nave.

— Viu? — perguntou Tanner.

Rhodan viu. Naquele depósito haviam sido guardados alguns aparelhos portáteis de telecomunicação do tipo usado pelos destacamentos de choque, que costumavam sair da nave em missões de reconhecimento. Os aparelhos não eram maiores que um rádio transistorizado. Estavam cuidadosamente guardados num tipo de prateleira.

Apenas um deles saíra do lugar e flutuava no centro da sala, a cerca de um metro acima do solo.

O quadro chegava a ser doloroso de tão insensato que era. Até Rhodan passou a mão pelo rosto e voltou a olhar uma segunda vez antes de acreditar no que estava vendo.

— Tem alguma explicação para isso? — perguntou a voz exaltada de Tanner, depois que Rhodan levara algum tempo sem dar sinal de sua presença.

— Não — respondeu Rhodan em tom áspero. — Espere! Já subo até aí!

No interior da Stardust-III os geradores produziram uma gravitação artificial, que se regulava pelo peso normal reinante em Árcon e, portanto, também na Terra. Rhodan praguejou contra os geradores e tudo mais que o impedia de avançar mais rapidamente pelas fitas transportadoras dos corredores.

Tanner, perplexo, estava de pé junto ao aparelho amassado que se encontrava no chão, bem no centro do depósito.

— Caiu?

Tanner fez que sim.

— Sim. De repente ouvi um barulho, e ali estava o aparelho no chão.

Os olhos de Tanner estavam arregalados de susto.

— Isso poderia ser obra de um dos mutantes — murmurou Rhodan. — Mas não acredito.

Meia hora depois teve certeza. A bordo da Stardust-III havia três mutantes que possuíam o dom da telecinésia: Anne Sloane, Betty Toufry, e o japonês Yokida. Betty e Anne passaram as últimas horas lendo, e Yokida examinara os registros de bordo da nave, que estavam ao alcance de qualquer um, procurando catálogos astronômicos que pudesse decifrar com seus reduzidos conhecimentos da escrita arcônida. Yokida era astrônomo.

Nenhum deles permitira-se uma brincadeira, exibindo ao tenente Tanner um telecomunicador de bolso voador.

Rhodan lembrou-se de que Tanner fora ao convés F numa inspeção de rotina. Poderia perfeitamente ter entrado no depósito auxiliar alguns minutos antes ou depois; nesse caso não teria percebido o incidente, ou o mesmo teria causado uma impressão muito menor.

A constatação desse fato não o deixou mais tranqüilo. Levava à conclusão de que possivelmente fatos idênticos poderiam estar ocorrendo em outros pontos da nave, e que os mesmos só seriam percebidos se por acaso alguém abrisse os olhos no lugar e tempo exatos.

Rhodan ordenou imediatamente uma inspeção geral da nave, que foi realizada principalmente por robôs, já que nestes a capacidade de perceber imediatamente qualquer anomalia, por menor que fosse, era mais acentuada que nos homens.

O resultado foi o seguinte:

Havia duas prateleiras derrubadas nos depósitos de acessórios para instrumentos medidores situados no convés E, quinze luminárias acesas em vários compartimentos e uma grande instalação de refrigeração, que com uma eficiência espantosa produzia muitos metros cúbicos de gás carbônico congelado, de que ninguém precisava.

Este último exemplo mostrou a Rhodan que esses incidentes — à primeira vista apenas estranhos, talvez até ridículos — poderiam resvalar para um terreno perigoso. Fosse quem fosse que mexia nas instalações da nave, poderia perfeitamente levar a Stardust-III a uma decolagem catapultada, ou sobrecarregar os geradores a ponto de provocar sua queima.

Rhodan tomou as medidas que o caso requeria. O exemplo do telecomunicador de bolso parecia demonstrar que o estranho inimigo possuía o dom da telecinésia, ou então dispunha de faculdades hipnóticas que lhe permitiam tornar-se invisível. Rhodan ligou o dispositivo automático de prontidão da Stardust-III e mandou que toda a tripulação comparecesse à sala dos oficiais.

Após isso, fez o mutante Fellmer Lloyd percorrer a nave vazia.

Lloyd possuía uma capacidade estranha: sabia identificar as radiações de cérebros estranhos. A primeira impressão era de que Lloyd era um telepata, tal qual John Marshall, que sabia decifrar os pensamentos de outras pessoas. Mas a capacidade de Lloyd era de natureza mais exata e analítica. Sabia desenhar de memória aquilo que “via”. Eram modelos de ondas cerebrais que, segundo Lloyd, haviam sido irradiados pelo cérebro por ele observado. Só esse modelo lhe permitia uma conclusão sobre a natureza dos pensamentos. Conhecia o código que servia à decifração da amostra, sem saber como.

Rhodan batizara-o de localizador, porque sabia constatar a presença de um cérebro estranho a uma distância muito maior que um telepata. De forma que o localizador foi percorrendo a nave muito devagar, sempre atento às suas percepções.

A Stardust-III era uma nave imensa. Estava dividida em seis conveses sobrepostos, e quatro deles subdividiam-se em convés inferior, médio e superior. Havia mais de dois mil corredores, sem contar os estreitos corredores laterais, e uma multidão de salas grandes, médias e pequenas. Alguém que quisesse olhar todas as salas teria de trabalhar durante dois meses, à razão de oito horas por dia.

Fellmer Lloyd, porém, confiou em sua capacidade de reconhecer a emissão de ondas cerebrais a uma distância considerável.

Por isso a inspeção não demorou mais de duas horas. Informou a Rhodan que não encontrara nada de anormal a bordo, e Rhodan concluiu que realmente nada de anormal se encontrava a bordo.

 

Rhodan formou um comboio de três veículos de superfície. Em cada um deles foram colocados cinco tripulantes. Os homens estavam bem armados e levaram mantimentos para vários dias. Envergavam trajes espaciais, já que a atmosfera de Vagabundo era muito rarefeita para os pulmões humanos e a temperatura muito baixa. Rhodan chamara os carros de câmbio, face à capacidade de modificar o elemento motor; tratava-se de veículos completamente fechados, que dispunham de minúsculas comportas de ar para uma pessoa.

O próprio Rhodan assumiu o comando da pequena expedição. O major Deringhouse dirigia o segundo carro, o tenente Tanner o terceiro.

Thora não pôde deixar de formular suas objeções contra a expedição.

— O que espera conseguir com isso? — perguntou em tom irônico. — Acredita que o inimigo invisível se enterrou na areia do deserto, e só espera que o senhor o desenterre?

— O que espera conseguir se ficarmos à espera? — retrucou Rhodan.

— Ora essa! Até pouco tempo o senhor era a pessoa que mais gostava de esperar.

— Até pouco tempo. Acontece que a situação mudou.

— Desta vez também tem algum motivo secreto?

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Desta vez não. Apenas tenho a impressão de que lá fora encontrarei mais depressa o que estou procurando do que no interior da nave.

Rhodan realizara todos os preparativos para a expedição. Deringhouse e mais dois dos seus pilotos de caça fizeram vários vôos de reconhecimento em torno da Stardust-III. A natureza do solo já era conhecida, e os vôos nada acrescentaram ao que já sabiam. Havia uma pequena cadeia de colinas ao nordeste, a cerca de oitenta quilômetros da nave. Fora disso só havia o deserto num raio de mais de mil quilômetros.

Houve um incidente. Pouco depois da decolagem de bordo da Stardust-III o motor de um dos três jatos se regulara, ao que tudo indicava espontaneamente, para a potência máxima, levando o aparelho para além das camadas superiores da atmosfera. O piloto procurou dominar o mecanismo rebelde, mas não o conseguiu. Quando já estava perdendo todas as esperanças, o regulador de potência voltou — mais uma vez espontaneamente — à posição normal, deixando a escolha da rota a cargo do piloto, que naquela altura estava mortalmente assustado.

Não houve outras anomalias, mas o incidente ocorrido deu o que pensar a Rhodan.

Fellmer Lloyd participou da expedição. Mas tudo estava preparado para que pudesse voltar à Stardust-III pelo caminho mais rápido, se precisassem dele por lá. O comando da nave ficou a cargo de Reginald Bell.

 

No dia da partida da expedição o calendário de bordo registrava a data de 24 de dezembro. Mas, fora a temperatura, que segundo os termômetros externos dos câmbios era de 15 graus negativos, esse dia do planeta Vagabundo nada tinha de comum com o dia terreno.

Os três veículos deslocavam-se em vôo baixo por cima da areia vermelha do deserto; os oitenta quilômetros até a extensa cadeia de colinas foram vencidos em menos de meia hora.

As colinas cobriam uma área de cerca de trezentos mil quilômetros quadrados. Para darem uma busca minuciosa nessa área teriam de gastar uns dez ou quinze dias. Várias vezes Rhodan ficou perguntando de si para si se valeria a pena. Mas sempre chegava à conclusão de que, por algum motivo que ele mesmo não conhecia, acreditava ter certeza de que a solução do segredo do planeta Vagabundo deveria ser procurada naquelas colinas.

O dia do planeta Vagabundo tinha apenas vinte e uma horas. As colinas ficavam no hemisfério norte, entre os trinta e os quarenta graus de latitude. Pela posição do eixo do planeta, deviam encontrar-se no fim do verão.

O primeiro exame da superfície do solo na área adjacente às colinas não produziu outro resultado além dos incidentes a que aqueles homens já começavam a se acostumar. De repente houve uma falha na direção de um dos câmbios, o veículo descreveu alguns volteios malucos, até que o condutor se recuperasse do susto e desligasse o motor. Durante uns dez minutos a direção permaneceu bloqueada, e após isso voltou a reagir normalmente ao comando do condutor.

Quando o carro de Rhodan passava por um local de visibilidade reduzida, subitamente um bloco de pedra do tamanho de uma cabeça humana veio em sua direção. Rhodan não conseguiu desviar o veículo a tempo. Com o impacto da pedra contra a carroçaria do câmbio, houve um baque surdo; mas o veículo fora construído para suportar pressões mais intensas que a produzida pelo impacto de uma pedra.

O terceiro incidente foi mais perigoso. No câmbio comandado pelo major Deringhouse um instrumento de medição pequeno, mas pesado, destacou-se da bagagem e atingiu a cabeça do condutor do veículo com tamanha violência que o mesmo desmaiou imediatamente. Felizmente a reação de Deringhouse foi instantânea e conseguiu evitar a queda do carro, que naquele instante se deslocava pelo ar a uma velocidade de cerca de 150 km/h.

Fellmer Lloyd, que ficava perscrutando atentamente toda a área, não percebeu nada de anormal.

Ao pôr do sol Rhodan montou um tipo de acampamento em meio a uma pequena depressão cercada por três colinas, cuja altura não ultrapassava trinta metros. Os câmbios foram estacionados e montaram-se barracas. Rhodan distribuiu cuidadosamente as sentinelas e fez questão de frisar que, numa região daquelas, não havia motivo para que não ficassem constantemente de olhos e ouvidos abertos, prestando atenção em qualquer ocorrência, por mais insignificante que parecesse.

Conferenciou com Deringhouse e com o tenente Tanner sobre os acontecimentos do dia, depois de ter transmitido um relato breve mas completo, à Stardust-III.

Deringhouse disse em tom enfático:

— Na minha opinião aqui nos defrontamos com alguém que possui capacidades telecinéticas muito acentuadas, e além disso não gosta da nossa presença. Recorre a uma guerra de nervos para azedar nossa vida neste planeta e nos obrigar a dar o fora.

Estavam sentados no interior da barraca de Rhodan. Esta, que era um produto da indústria arcônida, nem pelo aspecto exterior nem pelas suas qualidades assemelhava-se com os produtos similares de origem terrena. Era feita especialmente para ser usada em mundos cuja atmosfera é hostil à vida. Fechada hermeticamente, possuía seus próprios geradores de ar e dispunha de uma pequena comporta aérea. As paredes eram feitas de metal plastificado de moléculas concentradas; embora se reduzissem a uma folha extremamente fina, resistiam a uma pressão de cem atmosferas.

Rhodan não esperara outra interpretação dos incidentes.

— Minha opinião é um pouco diferente, Deringhouse — respondeu. — Bem que gostaria de concordar com você, pois minhas conclusões levam a um resultado ainda mais maluco. Procure se colocar no lugar do inimigo. Possui uma extraordinária capacidade telecinética, provavelmente mais acentuada que a de qualquer dos nossos mutantes. Se não gostasse da nossa presença, poderia ter feito coisa muito pior. O que me impressiona é o fato de que, pelo intervalo temporal, periculosidade, espécie dos objetos e não sei mais o quê, os incidentes seguem uma seqüência tipicamente estatística. Não sei se me fiz entendido. Não há nenhum sistema em tudo aquilo.

Deringhouse não se apressou com a resposta. Depois que tinha refletido bastante, não teve tempo para responder, porque a luz do indicador de entrada da comporta acendeu-se.

Rhodan abriu a porta.

Uma das sentinelas entrou. Nem chegou a tirar o capacete espacial. Sua voz veio abafada por detrás da lâmina do visor. Teve de gritar para ser entendido:

— Constatamos movimento entre duas colinas próximas. Parece que são animais.

Enquanto falava, comprimiu o botão que abria o capacete. Este caiu para trás.

— Quantos são? — perguntou Rhodan.

— Um bando. Calculo que devem ser uns trinta.

— Está bem. Iremos até lá.

A sentinela voltou a firmar o capacete e saiu. Rhodan e seus dois oficiais seguiram-no, depois de terem colocado seus trajes em condições de enfrentar o ambiente exterior.

A sentinela estava postada no ponto mais elevado da maior das colinas. Entre todas as sentinelas era a que dispunha de campo de visão mais amplo. Ao norte da colina, existia uma planície que se estendia por alguns quilômetros na direção norte e ao menos um quilômetro para o leste.

Antes de montar o acampamento haviam constatado a existência de vegetação nessa planície; era a primeira que viram depois de terem pousado no planeta Vagabundo. Rhodan não fizera questão de examinar as plantas. Teria tempo de fazê-lo no dia seguinte, quando avançassem na direção norte.

Ao chegar ao cimo da colina, onde a sentinela fizera uma pequena cova, percebeu a olho nu, sem recorrer ao binóculo infravermelho, que alguma coisa se movia na savana iluminada pelas estrelas. Ao que parecia, Deringhouse conseguia distinguir mais alguma coisa.

— Parece que são.... — principiou. Pôs-se de joelhos e olhou pelo binóculo. — ...castores! — completou. — É um bando de castores bem grandes.

Rhodan examinou os animais pelo binóculo. Eram cerca de trinta, conforme dissera a sentinela. Sentados sobre as patas traseiras, usavam as dianteiras para, de vez em quando, arrancarem um pedaço de vegetação e levá-lo até a boca.

Rhodan não concordou inteiramente com a comparação estabelecida por Deringhouse. A grossura da parte posterior do corpo e o rabo em forma de colher eram de castores. Mas as orelhas, enormes e redondas, e o focinho pontudo lembravam um camundongo superdimensionado. Isto porque o comprimento de seu corpo atingia cerca de um metro.

Pareciam inofensivos. Todavia...

— Tenente Tanner.

— Pois não.

— Traga Lloyd.

Tanner desapareceu e voltou dali a três minutos em companhia de Lloyd.

— Olhe isso, Lloyd! — ordenou Rhodan. — Veja se consegue ouvir alguma coisa.

Lloyd deitou no solo arenoso ao lado de Rhodan. Fixou por alguns instantes a massa escura formada pelo rebanho de animais. Depois fechou os olhos e baixou a cabeça.

Levou bastante tempo para chegar a uma conclusão.

— Não. — Disse finalmente. — Só vejo modelos confusos e sem sentido, como costumam ser encontrados em animais. Estes não são os seres que está procurando.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Obrigado, Lloyd. Volte à cama. Rhodan ficou deitado por mais algum tempo no chão arenoso em companhia de Deringhouse, Tanner e da sentinela.

Pela meia-noite, segundo a contagem de tempo do planeta Vagabundo, Rhodan voltou à sua barraca.

Estava absorto em pensamentos. A existência de formas mais elevadas de vida num mundo que era apenas aridez, frio e oxido de ferro irritava-o e inquietava-o, sem que quisesse confessá-lo a si mesmo, Com alguns movimentos automáticos acionou os contatos da comporta e tirou o capacete assim que a porta se fechou atrás dele.

Ficou refletindo se devia pedir a opinião de Crest. Mas o que Crest poderia saber que ele mesmo, Rhodan, ainda não soubesse? Depois do treinamento hipnótico intenso a que se submetera, possuía os mesmos conhecimentos de Crest e, já que os adquirira de vez e de forma antinatural e compacta, sabia coordená-los melhor que Crest, em cuja mente cresceram e se acumularam em virtude de uma evolução progressiva e orgânica.

Não. Crest não poderia ajudá-lo. Ele mesmo teria de encontrar a resposta.

Tirou o cinto com o estojo do binóculo infravermelho e colocou-o sobre uma pequena prateleira que pertencia ao mobiliário da barraca.

Alguma coisa perturbou-o quando colocou o estojo na prateleira; não sabia o que era. Voltou a mergulhar nos seus pensamentos e sentou na beirada da armação que lhe servia de cama.

Seus olhos caíram sobre a prateleira.

De repente soube o que o perturbara.

Antes de sair em companhia de Deringhouse e Tanner havia colocado o telecomunicador de bolso no mesmo lugar em que agora se encontrava o estojo com o binóculo.

Acontece que não estava mais lá.

Levantou-se de um salto e revistou a prateleira. Sua altura não ultrapassava cinqüenta centímetros e tinha apenas duas tábuas. O telecomunicador não se encontrava em nenhuma delas. Procurou nos bolsos de seu traje espacial, por baixo da cama, na comporta, mas o pequeno instrumento continuava desaparecido.

Sem lembrar-se de que aquilo talvez não passasse de outro truque telecinético do inimigo desconhecido, correu para fora da barraca a fim de dar o alarma à sentinela. Ainda estava convencido de que alguém devia ter entrado na barraca e carregado o telecomunicador.

Saiu da comporta e olhou em torno de si. Uma sombra movia-se na encosta da colina situada ao sul.

— Olá, sentinela! — gritou Rhodan para dentro do microfone de capacete.

Nesse instante levou uma forte pancada nas costas. Cambaleou para a frente, e sentiu-se ofuscado por um raio branco-azulado. Os microfones externos do capacete transmitiram o ribombar que se fez ouvir no mesmo instante.

Alguma coisa atirou-o ao solo com toda força. Ouviu a areia caindo sobre seu capacete; não sabia o que estava acontecendo.

Voltou a pôr-se de pé, ainda um tanto inseguro. O raio ofuscara-o, e só viu anéis coloridos que dançavam diante dele.

Chamou pela sentinela. Pouco antes da explosão vira uma delas na encosta da colina situada ao sul. Eram apenas alguns metros. Por que o sujeito ainda não estava perto dele?

Quando seus olhos voltaram ao normal, viu uma cratera aberta na areia; era um buraco feio e circular, de cerca de dez, metros de diâmetro. Ficava no lugar exato em que, instantes antes, se encontrara sua barraca; desta, não se via mais nada.

As duas barracas vizinhas apresentavam uma forte inclinação. Mas, ao que parecia, continuavam intactas, pois as pessoas que saíram delas, tropeçando e praguejando, não teriam resistido ao choque de uma descompressão explosiva.

Subitamente houve uma confusão de vozes no receptor de capacete de Rhodan. Todo mundo gritava suas perguntas. Rhodan teve de insistir repetidas vezes antes que os homens se acalmassem o suficiente para permitir a comunicação.

— Mantenham-se afastados da cratera — ordenou Rhodan. — Talvez haja alguma pista por ali. Além disso, passaremos o resto da noite ao ar livre. Deringhouse, procure um lugar adequado. Não deve ficar a menos de cem metros do acampamento. Sentinelas! Onde estão as sentinelas?

— Aqui!

Três homens adiantaram-se.

— Qual dos senhores estava perto da minha barraca no momento da explosão?

Ninguém se apresentou.

— Vi um dos senhores ali na colina do sul. Quem foi?

Ninguém.

— Não suspeito de ninguém — explicou Rhodan com a maior tranqüilidade. — Apenas quero saber se a pessoa que se encontrava ali viu alguém.

Nenhum dos três quis ser aquele que Rhodan vira na colina. Este não insistiu mais. Não precisava obter a informação das sentinelas para saber como aquilo ocorrera.

 

Deringhouse encontrara um lugar apropriado. Os homens ligaram os aquecedores de seus trajes espaciais e deitaram no chão.

— Não havia nenhum explosivo em sua barraca? — perguntou Deringhouse.

Rhodan sacudiu a cabeça:

— Estou refletindo sobre isso o tempo todo. Acredito que não. Além disso, constatei que alguém deve ter entrado na minha barraca enquanto olhávamos os ratos-castores.

Contou a história do telecomunicador desaparecido.

Tanner ficou de joelhos na borda da cratera. O buraco era bem fundo, cerca de três metros e meio. Fosse qual fosse a energia que havia esfacelado a barraca de Rhodan, a mesma desenvolvera-se com maior intensidade para baixo que na horizontal.

“Se não fosse assim, com as outras barracas teria acontecido a mesma coisa que com a minha”, pensou Rhodan bastante contrariado.

Tanner levantou-se. Rhodan viu-o sacudir os ombros e limpar as mãos na roupa num gesto de perplexidade.

— O que acha?

— Nada. Para mim foi uma banana de dinamite ou uma cápsula de TNT; nada de moderno. Sente-se o cheiro de explosivo queimado.

Rhodan desceu na cratera. Na luz da lanterna viu trechos de solo queimado e vestígios de pólvora que cobriam a areia. Acionou a pequena comporta situada à direita do visor de seu capacete, cuja capacidade era de cerca de um centímetro. Arejando o ar exterior, que dessa forma penetrou no capacete, sentiu a mesma coisa que Tanner: cheiro de explosivo queimado.

Nesse meio tempo, o major Deringhouse foi até a colina em cuja encosta Rhodan acreditava ter visto a sentinela.

— Onde foi? — gritou. — Por aqui?

— Um pouco à direita, isso mesmo, nessa direção; alguns metros mais para cima.

Deringhouse seguiu as indicações de Rhodan. A noite estava bastante escura, dificultando a percepção das minúcias que todos queriam observar. Rhodan não pôde ver o que o major estava fazendo.

Manteve-se em atitude pensativa na borda da cratera, em companhia de Tanner. Este esteve a ponto de dizer alguma coisa; mas nesse instante ouviu-se o chamado de Deringhouse.

— Venha!

Parecia muito exaltado. Rhodan disparou em passos largos, ajudado pela reduzida força gravitacional. Mais um salto, e aterrizou praticamente sobre os ombros de Deringhouse que, agachado na areia, dirigia a luz da lanterna para alguma coisa.

Era um rastro!

A areia que cobria a encosta da colina, em contínuo movimento pelo vento, não era a matéria ideal para conservar uma impressão que teria de manter-se nítida e inalterável.

Mas não havia a menor dúvida: aquilo era um rastro.

Viu duas fileiras paralelas de orifícios impressos na areia, com cerca de um palmo de intervalo, que subiam a colina em diagonal. A distância entre os orifícios não era superior a vinte e cinco centímetros, conforme constatou Deringhouse.

Era um rastro muito estranho. Deringhouse observou-o com a cabeça inclinada.

— Diria que é um bípede. O rastro de um quadrúpede seria diferente.

— Procure evitar conclusões precipitadas — advertiu Rhodan. — Também pode ter sido uma centopéia estreita e comprida.

Subitamente Rhodan deu-se conta de que aquilo que vira ainda há pouco não fora a sentinela. Ele tinha visto a sombra do ser que produzira aquele rastro. Do ser que penetrara em sua barraca e colocara a bomba. Uma bomba que explodira cerca de cinco minutos depois que abrira a comporta e entrara na barraca. Até parecia que dispunha de um mecanismo de relógio acoplado a uma das escotilhas da comporta.

Talvez fosse isso mesmo.

Rhodan teria voado para os ares juntamente com a barraca, se não tivesse dado pela falta do instrumento de telecomunicação ou se houvesse tirado uma conclusão que, naquele mundo repleto de telecinetas, podia ser considerada bastante simplória.

Teria sido perfeitamente razoável acreditar que algum telecineta desconhecido se permitira um gracejo com o telecomunicador. Mas não! Ficara convicto de que o instrumento fora roubado.

O que era aquilo que estava cantando e gemendo?

Era o vento. O vento eterno daquele mundo, que mantinha os grãos de areia em movimento perpétuo e os esfregava uns contra os outros.

Tanner mantinha-se um pouco de lado. Deringhouse estava junto ao cimo da colina, enquanto ele mesmo se encontrava no lugar em que subitamente começava aquele estranho rastro.

Eram três figuras perdidas num mundo estranho. Deringhouse desligara sua lanterna. Ninguém proferiu uma palavra. Rhodan sentiu que um calafrio lhe percorria a espinha.

Quem colocou a bomba? Ou então, o que foi que a colocou?

Um ser cujo estranho rastro começava em qualquer lugar e...

— Venha até aqui!

Era a voz de Deringhouse. Rhodan sobressaltou-se.

— Já vou!

Com dois saltos colocou-se no cimo da colina. Deringhouse já descera um trecho do flanco oposto; voltara a ligar a lanterna.

— De início pensei que aquilo estava à nossa espreita por aqui — disse com um sorriso forçado e não muito alegre. — Mas o que encontro? Isto!

Rhodan olhou. Era o aparelho de telecomunicação cuja falta, notada em tempo, havia salvado sua vida. Estava jogado na areia; jogado sem nenhum propósito. Em sua superfície de plástico viam-se vários arranhões.

Rhodan levantou o aparelho e colocou-o no bolso.

— Veja isto! — disse Deringhouse, apontando para um lugar situado poucos metros abaixo do ponto em que haviam encontrado o telecomunicador.

Rhodan comprimiu as pálpebras até que viu uma série de luzes coloridas e voltou a abri-las.

Mas o quadro continuava inalterado.

O rastro terminava no lugar apontado por Deringhouse. Este fez o facho de luz percorrer os arredores, mas não havia nenhuma continuação.

— Um rastro que começa de repente e termina de repente — disse Tanner com a voz abafada. — Que mundo é este?

 

Na manhã do dia seguinte realizaram uma ligeira conferência sobre a rota a seguir. O tenente Tanner era de opinião que, embora o rastro fosse muito estranho, deviam seguir em sua direção.

Deringhouse, porém, objetou que alguém, sabendo que seria perseguido, nunca deixaria um rastro que fornecesse uma indicação aos perseguidores.

Rhodan, por seu lado, não chegara a afirmar que o ser desconhecido, mesmo que soubesse lidar com explosivos, era dotado de um senso lógico igual ao do homem. Por isso não desistiu do seu plano primitivo.

Pretendia instalar um acampamento fixo mais ou menos no centro da área coberta pelas colinas. Ali ficariam de olhos e ouvidos abertos e, ajudados pela faculdade singular de Fellmer Lloyd, sairiam à procura do ser desconhecido. Em sua opinião, o ataque noturno constituía prova de que os desconhecidos se abrigavam naquelas colinas.

Havia um ponto em que todos estavam de acordo: o ser desconhecido que praticara o atentado pertencia a uma raça que, segundo esperavam, lhes forneceria novas indicações sobre o mundo misterioso da vida eterna.

A Stardust-III informou que a bordo tudo estava tranqüilo e em perfeita ordem. Não precisavam de Fellmer Lloyd.

Num vôo tranqüilo de várias horas venceram a distância que os separava do local do novo acampamento, que Rhodan escolhera no mapa. Ele não estava mais disposto a assumir qualquer risco. Imprimiu a potência máxima aos motores dos câmbios e manteve os veículos numa altura de cem metros.

Sem o menor incidente, o grupo chegou a um vale suave e comprido, situado entre duas cadeias de colinas, cujo cume mais elevado se erguia a menos de oitenta metros sobre o fundo do vale.

O acampamento foi levantado com uma barraca a menos: Rhodan teve que dispensar o privilégio da barraca individual. Enquanto isso, Rhodan ficou refletindo sobre os motivos que poderiam levar os seres daquele mundo a desenvolver suas atividades exclusivamente de noite. Durante o vôo não chegaram a avistar nenhum rato-castor, nem qualquer dos seres que realizaram o atentado no meio da noite.

Mesmo de dia as condições de vida no planeta Vagabundo eram bastante desfavoráveis. De noite a temperatura baixava para menos trinta graus. Qual seria o motivo?

 

Depois do almoço, composto de conservas arcônidas da despensa da Stardust-III, Rhodan distribuiu as instruções sobre as operações de busca. Não queria perder tempo. Pelo menos um dos câmbios devia estar em movimento constante. A tripulação de cada vôo seria de dois homens, em casos excepcionais de três. Dessa forma sempre haveria homens descansados para tripular os veículos, já que os outros permaneciam no acampamento. Todos os câmbios dispunham de um equipamento de busca super-potente, motivo pelo qual não havia necessidade de interromper as operações durante a noite.

As instruções eram as seguintes: Prestar atenção a tudo que se move, tirar fotografias e relatar. Nada de ações isoladas.

Pelos cálculos de Rhodan, a busca não devia durar mais de dez dias. Estava convencido de que nesse prazo encontrariam alguma coisa, mas não sabia de onde lhe vinha essa convicção.

Uma vez transmitidas as instruções, dois câmbios prepararam-se para o primeiro vôo. Rhodan pegou o terceiro e, acompanhado pelo major Deringhouse, fez um ligeiro vôo de reconhecimento, que não fora programado.

De início mantiveram-se na rota leste, já que os outros veículos pretendiam cobrir o setor oeste e sudoeste da área. Rhodan assumiu a direção, enquanto Deringhouse observava o terreno, no início a olho nu.

Deringhouse não esperava muita coisa daquele vôo. Teria pedido a Rhodan que desistisse do mesmo, se não se sentisse satisfeito pela quebra da monotonia.

O sol do planeta Vagabundo brilhava numa estranha tonalidade vermelha. Com o tempo os olhos se acostumavam, mas as cores assumiam um sentido inteiramente novo. Os trajes espaciais cinza-azulados tendiam para o verde, e a ponta acesa de um cigarro tornava-se branca.

— Que mundo estranho! — disse Deringhouse em tom pensativo.

— Que seres estranhos! — completou Rhodan depois de algum tempo.

Mantinham contato ininterrupto com o acampamento e com os outros veículos. Não havia nada de anormal. Depois dos sobressaltos da noite anterior, o tédio começou a tomar conta de tudo.

O motor emitia um zumbido monótono. Deringhouse sentiu uma certa sonolência; mas tendo em vista a atenção com que Rhodan lançava os olhos para a frente, não se atreveu a confessá-lo.

Leu as indicações de alguns dos instrumentos, para distrair-se.

Temperatura externa: 1,8 graus positivos. Pressão atmosférica: 89. Céu violeta, sem nuvens. Hora local: 16:05 h.

Bip, bip, bip...

Rhodan atirou a cabeça para a frente. Uma luz vermelha acendeu-se no gravímetro, indicando que alguma coisa anormal havia sido descoberta.

— Localização! — disse Rhodan em tom tranqüilo. — Ligeira alteração do campo gravitacional no nordeste.

A sonolência de Deringhouse desapareceu em meio a dois suspiros apressados.

— Descerei um pouco — disse Rhodan.

Enquanto o nariz do câmbio ia baixando sobre um vale pouco profundo, a indicação do gravímetro tornava-se cada vez mais nítida. Era um sinal de que o veículo se aproximava da fonte de gravitação.

— O que acredita que seja? — perguntou Deringhouse.

Rhodan deu de ombros.

— Talvez seja um motor gravitacional. Seria um pouco mais forte que o de nosso câmbio. Nenhum dos nossos veículos se encontra nesta área. Logo...

Não formulou a conclusão.

O gravímetro forneceu uma indicação bastante precisa sobre a localização da fonte gravitacional. Dentro de poucos segundos Rhodan constatou que a mesma se deslocava. O objeto que perseguia parecia ser um veículo.

— Prepare-se para disparar! — ordenou Rhodan. — Não quero que nos peguem desprevenidos.

Por sua própria natureza, as armas de fogo não faziam parte do equipamento do câmbio. Mas Rhodan mandara instalar várias.

Deringhouse preparou-se. Quando Rhodan se voltou ligeiramente em sua direção, viu que estava sorrindo.

— Nada de precipitação! — advertiu. — Só atiraremos se for necessário.

Deringhouse confirmou com um aceno de cabeça.

O indicador acústico do gravímetro passou a indicar um bip-bip bastante desagradável. Rhodan reduziu o volume do som.

Subitamente o terreno em que o câmbio se deslocava passou a apresentar uma conformação surpreendentemente regular. Todas as colinas tinham a mesma altura, a mesma base e o mesmo formato. Formavam fileiras regulares. Se não se tratasse de formações arenosas, como acontecia com todas as elevações existentes no planeta, poder-se-ia supor que haviam sido criadas artificialmente.

Rhodan manteve o veículo a poucos metros acima do solo e fez com que deslizasse cautelosamente entre duas fileiras de colinas. Não se via nada do objeto que fazia o gravímetro emitir o bip-bip.

Era espantoso. Segundo afirmava o instrumento, a fonte de gravitação não distava mais de cem metros, e no ar límpido daquele mundo o raio de visão a olho nu era bem mais extenso.

— Consegue ver...

Antes de concluir a pergunta, ele o viu.

Procurara localizar alguma coisa cujo tamanho fosse comparável ao do câmbio.

Mas o objeto, que emergia em meio a duas colinas, não passava de uma esfera reluzente cujo diâmetro não era superior a um metro.

— Que diabo! Será que por aqui também existem aqueles seres luminosos? — praguejou Deringhouse.

Rhodan limitou-se a sacudir a cabeça. Não havia tempo a perder com conversa. O objeto que viam diante de si era sólido. Suas paredes eram feitas de uma substância brilhante que não sabia qual era, mas que, sem dúvida, seria sensível ao tato se encostasse o dedo na mesma.

Num movimento brusco, Rhodan reduziu a velocidade do câmbio, fazendo-o rastejar pouco acima do solo. Aos poucos foi se aproximando da esfera reluzente, que agora já se mantinha no centro do vale.

A distância não ultrapassava cinqüenta metros. Os pensamentos atropelaram-se no cérebro de Rhodan. Fosse o que fosse aquilo que se encontrava parado ali, como fazer chegar ao seu conhecimento que suas intenções não eram inamistosas?

— Vá até a comporta! — gritou para Deringhouse. — Abra a escotilha e acene, ou faça outra coisa amável. Vamos logo!

Perplexo, mas nem por isso menos rapidamente, Deringhouse entrou na comporta. Poucos segundos depois Rhodan viu seu braço do lado de fora da escotilha, acenando furiosamente.

Faltavam trinta metros.

“É a distância de um tiro de pistola”, pensou Rhodan e espantou-se com a idéia.

Quando chegou a uma distância de vinte metros, parou o câmbio. Na esfera não se via o menor movimento; apesar disso Deringhouse continuava a acenar.

O câmbio pousou no solo. Rhodan levantou-se do assento e espremeu-se atrás do radiador de impulsos térmicos. Não sabia por que estava agindo dessa forma. Mas tinha a sensação de que algum perigo o ameaçava, e de qualquer maneira era preferível...

Nesse instante o cenário modificou-se por completo.

A esfera reluzente saltou para o alto, como se fosse uma bola de borracha. Quase no mesmo instante a estrutura metálica do câmbio emitiu um dom abafado. Rhodan sentiu um forte solavanco e viu estrelas dançarem diante de sua vista, quando sua cabeça bateu violentamente contra a mira do radiador de impulsos térmicos.

O mundo girava. Ouviu-se a voz furiosa de Deringhouse, vinda não se sabe de onde. Diante da lâmina do visor, colinas, vales e esferas reluzentes giravam numa velocidade vertiginosa. Mesmo que, depois da pancada, Rhodan tivesse conservado o domínio perfeito de si mesmo, já não conseguiria localizar o alvo do radiador térmico.

Alguma coisa mole e resmunguenta caiu sobre ele, recuou e voltou a ser atirada contra ele na próxima reviravolta executada pelo câmbio.

Era Deringhouse. Viera da comporta e procurava pôr a funcionar o radiador neutrônico. Rhodan quis gritar alguma coisa para ele, mas nesse instante o veículo sofreu um forte solavanco, foi virado ao contrário e caiu ao solo com um forte estalo.

Rhodan levantou-se; percebeu que caíra entre dois assentos traseiros. Estavam numa posição diferente: os encostos encontravam-se na horizontal e os assentos na vertical. Nas janelas dianteiras via-se a areia na qual estava pousado o câmbio, e as janelas laterais estavam dirigidas de cima para baixo, ao invés de o serem de trás para a frente.

— Deringhouse!

— Estou aqui.

— Está ferido?

— Não; mas não consigo me mover.

— Espere; irei até aí.

O radiador neutrônico desprendera-se do suporte. A placa frontal, que sustentava todo o peso do instrumento, comprimia Deringhouse contra o assento. Só com o auxílio de Rhodan conseguiu afastar a pesada placa o suficiente para sair de debaixo dela.

— Tudo em ordem?

Deringhouse apalpou o corpo e respirou profundamente.

— Sim.

Fecharam os trajes espaciais e subiram à comporta. Olhando pelas janelas laterais, Rhodan viu que a esfera reluzente havia desaparecido.

A escotilha externa da comporta ficara a uns três metros acima do solo, já que a estranha arma do desconhecido colocara o veículo de popa para baixo; mas a reduzida força gravitacional reduzira o impacto da queda.

Deringhouse saltou, com o fuzil térmico na mão. Mas não viu nada em que valesse a pena atirar.

Contornaram o câmbio várias vezes e verificaram que a estrutura de metal plastificado havia resistido muito bem às reviravoltas executadas pelo veículo. O casco estava amassado e arranhado, mas parecia não ter sofrido danos mais sérios. Não havia a menor dúvida de que o motor estava intacto. O câmbio era um típico veículo expedicionário; a fixação do motor era tão perfeita que mesmo cem incidentes desse tipo não o afetariam.

De qualquer maneira, porém, o veículo estava de focinho virado para cima. Assim não serviria de nada.

— Poderíamos tentar balançá-lo — sugeriu Deringhouse. — Se cair direito, talvez fique com a parte de baixo no chão.

Rhodan concordou. Mas antes de começarem a balançar o veículo Deringhouse subiu ao ombro de Rhodan e entrou no mesmo para ligar o motor. Quando tombasse deveria cair no macio, em cima do colchão gravitacional irradiado pelo motor.

Cada um dos dois ficou de um lado do carro. Rhodan dava os comandos.

Ao grito de “Ô” Deringhouse puxava de seu lado, e ao grito de “Hip” era Rhodan quem puxava na direção oposta.

Balançaram o pesado veículo numa velocidade espantosa; até parecia uma árvore agitada na tempestade. Dentro de poucos instantes deveria tombar para a frente.

Rhodan diminuiu seus esforços, para que o câmbio caísse do lado certo, que era onde Deringhouse se encontrava naquele instante. Agarrara com os dedos numa junta de janela, para ter algum apoio na superfície lisa.

— Ô! — gritou Deringhouse.

— Hip! — respondeu Rhodan. Quando o câmbio retornou à posição anterior, sentiram um forte puxão. Os dedos de Rhodan arranharam a superfície do veículo ao perderem o apoio. Com uma força tremenda o carro tombou para a frente. Rhodan saltou de lado.

— Devagar! — gritou Deringhouse.

Rhodan viu-o dar um salto para sair de debaixo do veículo. Voou um pedaço, deu algumas cambalhotas e parou em meio a uma nuvem de pó.

O câmbio encontrava-se na posição desejada. O motor absorvera o impacto. Nada havia acontecido. Apenas...

— Por pouco que você não me esmaga — disse Deringhouse com um sorriso tímido.

Rhodan encarou-o perplexo.

— Eu?!

Deringhouse não estava menos perplexo que Rhodan.

— Você não deu mais um empurrão ao carro, para que tombasse logo para a frente?

— Nada disso. Durante os últimos minutos não fiz mais nada. Pensei que fosse você.

Deringhouse arregalou os olhos.

— Foram os telecinetas! — disse com um gemido. — Fizeram uma brincadeira com nosso carro. Primeiro fizeram girá-lo que nem um carrossel, depois quase me esmagam, fazendo-o tombar antes da hora.

Não demorou para que ambos chegassem à conclusão de que não havia outra explicação para o fenômeno. Entraram no carro e Rhodan fez o possível para afastar-se quanto antes daquela área. Sem melhores preparativos nem mesmo um câmbio arcônida estava em condições de enfrentar um adversário daqueles.

Depois de terem deixado para trás a região de colinas uniformes, Deringhouse perguntou:

— Você acredita que esse redemoinhar também tenha sido o efeito de uma ação telecinética?

Rhodan deu uma risada.

— Estamos quebrando a cabeça sobre a mesma coisa, não e? Estava pensando nisso. Não acredito que tenhamos sido revirados através da telecinésia, pois na minha opinião a força de um telecineta jamais seria suficiente para isso. Não se esqueça de que o peso do câmbio não é nada desprezível.

— Mas o que terá sido?

— Diria que foi um campo de rotação. Acho que conseguiria produzir um efeito idêntico; bastaria adaptar um dos nossos geradores gravitacionais de forma a gerar um campo de rotações.

Deringhouse resmungou. Depois de algum tempo disse:

— Quer dizer que se trata de uma técnica muito avançada, não é?

Rhodan fez que sim.

Poucos minutos depois pousaram no acampamento. Logo depois de terem iniciado o vôo de retorno, Rhodan fornecera a Tanner um breve relato do incidente. Depois disso não tiveram mais qualquer contato.

Quando o câmbio de Rhodan pousou, Tanner fazia os homens correrem de um lado para outro. Rhodan viu que cinco deles estavam entrando num dos outros veículos. Do terceiro não se via nem sinal.

Rhodan desceu. Tanner correu em sua direção. Parecia bastante perturbado.

— Lloyd... — fungou — Lloyd sumiu!

— Que direção tomou? — perguntou Rhodan laconicamente.

Tanner controlou-se e fez um relato apressado.

— Quando os dois câmbios retornaram, Lloyd veio falar comigo. Pediu um dos veículos. Respondi que só lhe daria se levasse ao menos um acompanhante. Mas fez questão de ir só. Recusei. Começou a fazer pouco de mim; disse que eu não tinha poder de comando sobre ele, que era um mutante, e, depois, que indo sozinho conseguiria muito mais num vôo que nós em mil.

Tanner sacudiu os ombros, um tanto perplexo.

— Protestei contra isso — prosseguiu — mas o homem entrou num dos câmbios e decolou. Afinal, realmente não tenho poder de comando sobre os mutantes.

Rhodan bateu-lhe sobre o ombro.

— Não se preocupe, Tanner. Eu lhe prego um sermão assim que voltar.

— Se é que volta! — gemeu Tanner. — Já faz dez minutos que não temos qualquer contato com ele.

 

Poucos segundos depois já estavam voando de novo.

Tanner conhecia a direção em que Lloyd se afastara, e aquela de onde viera sua última mensagem. O segundo cambio seguiu o de Rhodan. Enquanto este dirigia, fez uma conferência bastante elucidativa sobre esferas reluzentes, campos de rotação e câmbios que tombam.

— O mundo em que nos encontramos não é um mundo de solidão, embora pareça — disse. — Quem não andar de olhos bem abertos pode estar certo de que não viverá por muito tempo.

Ao menos um dos elementos do grupo de busca tentava ininterruptamente chamar Fellmer Lloyd pelo telecomunicador. Mas este não respondeu.

Rhodan não se entregou às ilusões. Se Lloyd não respondia, uma das possibilidades a serem contempladas era a de que estava morto. E dificilmente haveria uma perda que Rhodan sentisse mais que esta. Na situação em que se encontravam, um homem como Fellmer Lloyd valia dez vezes seu peso em ouro.

Desde a decolagem Lloyd seguira a rota norte. A única esperança de Rhodan era que tivesse mantido essa rota. De outra forma não haveria possibilidade de encontrá-lo.

É que, por mais importante que fosse o homem de que se tratava, Rhodan não tinha a intenção de interromper a missão por alguns dias para dedicar-se a uma operação de busca.

Depois de meia hora de vôo encontraram o câmbio em que Lloyd saíra. Estava deitado de lado, ao que parecia bastante avariado. Rhodan notou que o material da carroçaria estava derretido em vários pontos.

A pequena distância do câmbio, um rato-castor, do tipo dos que faziam parte do bando que haviam observado na noite anterior, jazia imóvel. Parecia morto. Enquanto pousava o câmbio cuidadosamente ao lado do veículo avariado, Rhodan indagou de si para si se aquele rato-castor poderia ter algo a ver com o acidente sofrido por Fellmer Lloyd.

Desceram. Rhodan examinou o câmbio de Lloyd; estava vazio e avariado a ponto de se encontrar inutilizado. Tudo indicava que caíra de uma altura considerável. Entre outras coisas, o impacto havia avariado o telecomunicador a tal ponto que Lloyd não poderia usá-lo, mesmo que tivesse sobrevivido à queda do veículo.

Não encontraram rastros de sangue. Em compensação encontraram uma série de marcas impressas na areia; uma vez que o vento tivera mais de uma hora para encobri-las, bem poderiam provir de um homem. Afastavam-se do câmbio e subiam por uma colina; desapareceram lá em cima, onde o vento trabalhava com mais força.

Deringhouse examinou o rato-castor.

— Não entendo muita coisa de biologia, especialmente da biologia extraterrena — disse. — Mas em minha opinião o bicho quebrou a nuca.

Levantou a cabeça do animal e girou-a em todas as direções.

Rhodan respondeu com um aceno de cabeça. No momento não se interessava pelo rato-castor. Tudo indicava que Fellmer Lloyd havia resistido ao impacto da queda e se escondera em algum lugar. Rhodan mandou que os cinco ocupantes do outro veículo saíssem na direção apontada pelo rastro de Lloyd e procurassem localizar o mutante.

Deringhouse continuava a dedicar sua atenção ao animal morto.

— A cabeça dele é muito grande — disse. — O senhor não acha?

Rhodan repeliu-o com um gesto. — Pouco me importa que tenha duas cabeças cheias de água. Quero saber onde está Lloyd!

Deringhouse ergueu-se e afastou-se ligeiramente do animal morto. O mesmo deixara rastros bastante nítidos na areia; no lugar em que Deringhouse se encontrava naquele instante parecia ter havido uma luta. O chão estava revolvido; apesar de todo esforço, Deringhouse não conseguiu descobrir quem teria sido o adversário do rato-castor.

O rastro do animal vinha de longe. Deringhouse seguiu-o. Quando se tinha afastado tanto que quase chegou a perder de vista Rhodan e os três veículos, sacou a arma.

O rastro contornava o flanco de uma colina e desaparecia na depressão situada entre duas elevações. Deringhouse seguiu-o e chegou a um buraco que entrava obliquamente no solo. Era dali que saía o rastro.

Deringhouse voltou-se decepcionado e iniciou a caminhada de volta. Um simples buraco de camundongo, um pouco maior que os da Terra, mas ainda assim um buraco de camundongo.

“Será que você esperava outra coisa, seu idiota?”, perguntou de si para si.

Ao sair da depressão situada entre as colinas, seu olhar caiu na encosta que se encontrava à sua frente. De início não soube o que fazer daquilo que estava vendo; mas quando se recordou, começou a correr.

— Encontrei alguma coisa! — gritou para dentro de seu microfone de capacete. — Venham cá!

Gesticulando com os braços, subiu pela encosta. Deslocou-se em saltos grotescos de quatro metros e num instante chegou ao objeto que lhe prendera a atenção.

Estava afundado na areia pela metade. Esta formava montículos de um lado e de outro, como se o objeto tivesse sido enfiado no solo à força.

Deringhouse levantou-o. Parecia ser feito de chapa metálica bem fina. O metal já não se apresentava reluzente e colorido como da última vez em que o vira.

Além disso, já não tinha nada do formato de uma esfera. A mesma força que comprimira o objeto solo a dentro transformara-o num montão disforme de chapas coloridas. Mas não havia a menor dúvida de que se tratava da mesma esfera, ou ao menos de uma esfera do mesmo tipo daquela com que se haviam deparado durante o vôo em direção ao leste.

Depois de contemplar o montão de chapas por algum tempo, Perry Rhodan chegou à mesma conclusão. Face à reduzida espessura, o objeto era bem leve. Os dois não tiveram a menor dificuldade em carregar os restos daquilo que fora uma esfera e colocá-los num dos câmbios.

Deringhouse voltou ao lugar em que havia encontrado o objeto. Rhodan preveniu-o.

— Se essa esfera teve uma tripulação, a mesma ainda está viva — gritou atrás dele. — No meio deste montão de lata não há mais nada. Portanto, fique com os olhos bem abertos.

Deringhouse atingiu o lugar sem a menor dificuldade. Ficava perto do cimo de uma colina. Subiu ao topo e lançou os olhos em torno. Já estava prestes a ir embora quando, sob o reflexo do sol que baixava rapidamente no ocaso, viu um traço escuro que subia em diagonal pela encosta da colina mais próxima.

Alcançou o local em três saltos. Lá encontrou exatamente o que esperava: pequenas depressões em forma de orifícios, em duas fileiras paralelas. O intervalo entre um orifício e outro era de vinte e cinco centímetros, e cada fileira distava um palmo da outra.

Outro detalhe:

O rastro começava no lugar em que se encontrava, terminando uns vinte metros abaixo.

 

***

 

Dali a uma hora trouxeram Fellmer Lloyd. O sol já se pusera, e procuravam-no com os holofotes manuais.

Lloyd chegara ao máximo de esgotamento. Rhodan mandou colocá-lo num dos veículos, desistindo por enquanto de interrogá-lo ou fazer-lhe um sermão.

Tiraram do veículo de Lloyd tudo que poderia ser aproveitado. Feito isso, logo se puseram no caminho de volta. Pouco depois chegavam ao acampamento. O tenente Tanner pareceu respirar aliviado quando viu os dois câmbios pousarem.

Lloyd foi devidamente abrigado e provido de tudo que precisava. Rhodan transmitiu um relato minucioso à Stardust-III. Reginald Bell respondeu o seguinte:

— Teria sido preferível que Lloyd tivesse deixado sua tolice para outro dia. Bem que precisaria dele. Aqui a bordo tudo está numa confusão tremenda.

Relatou uma série de incidentes. Alguém abrira a escotilha externa de uma das comportas de ar enquanto a escotilha interna estava aberta, muito embora isso não devesse acontecer face ao dispositivo eletrônico de segurança. Em conseqüência disso a Stardust-III perdeu alguns milhares de metros cúbicos de ar respirável dos depósitos que ficavam junto à comporta. Felizmente ninguém se encontrava naquela área da nave, e as escotilhas de segurança, que funcionavam automaticamente, evitaram que o incidente assumisse proporções catastróficas.

Em virtude do acidente, Bell ordenara que mesmo no interior da nave todos andassem constantemente com os trajes espaciais completamente fechados.

— Mandarei Lloyd para aí assim que o tenha interrogado — prometeu Rhodan. — Mas acredito que por aqui atingiremos nosso objetivo antes que ele consiga alguma coisa com uma busca por toda a nave.

Como pela meia-noite Fellmer Lloyd ainda não estivesse em condições de ser interrogado, Rhodan tentou dormir algumas horas. Passara por vinte e cinco horas enervantes. Embora a medicina arcônida conhecesse alguns medicamentos que espantavam o sono sem efeitos colaterais danosos, preferia recorrer a um sadio repouso.

Era bem verdade que os pensamentos que lhe enchiam a mente retardaram o sono. Ocupava uma barraca juntamente com Tanner e Deringhouse. Os dois oficiais dormiam tranqüilamente e, ao que parecia, despreocupados.

Em compensação a mente de Rhodan ocupou-se mais intensamente com os acontecimentos das últimas horas. Quanto mais refletia, mais se convencia de que a posição da Stardust-III naquele mundo se tornara praticamente insustentável.

De início o inimigo desconhecido experimentara suas capacidades telecinéticas em objetos bem simples, tais como chaves de apenas duas posições ou coisas leves e soltas.

Posteriormente passou a realizar ações dirigidas: o câmbio de Rhodan fora atingido por uma pedra, o condutor de outro veículo quase foi morto.

E agora, no terceiro estágio dessa luta estranha, o adversário passara a especializar-se em objetos mais complicados. Rhodan procurou imaginar a dificuldade que um telecineta devia experimentar para trabalhar com os complicados comandos eletrônicos da comporta de ar, e isso de tal maneira que a escotilha interna e a externa ficassem abertas ao mesmo tempo. Não conseguiu formar uma idéia clara dessas dificuldades, pois não era telecineta.

Seria fácil adivinhar a evolução futura dos acontecimentos. Quando o inimigo tivesse aprendido a exercer uma influência telecinética sobre o armamento da Stardust-III, a batalha estaria praticamente perdida.

Só havia duas alternativas: a retirada ou um ataque fulminante. O inimigo teria de ser reduzido à impotência com tamanha rapidez que não tivesse tempo para causar maiores estragos.

Mas havia um problema: o inimigo não devia ser destruído quando conseguissem pôr as mãos nele. Possuía conhecimentos úteis que levaram a Stardust até ali. Se o inimigo fosse destruído, tais conhecimentos provavelmente estariam perdidos.

Rhodan lembrou-se de outros detalhes. Por exemplo, a esfera reluzente e a bomba que mandara sua barraca pelos ares. Por que o inimigo lançava mão de tais meios, se era um telecineta tão capaz?

Como deveria ser interpretado o comportamento daquela esfera? O campo de turbulência que fizera o câmbio girar representaria uma advertência ou um ataque? Se não fosse nenhuma das duas coisas, o que seria?

Será que o...

Uma luz verde acendeu-se junto à escotilha da comporta. Rhodan acionou o contato que se encontrava junto à sua mesa. A escotilha deslizou para o lado. Um dos homens de Tanner entrou. Abriu o capacete e atirou-o na nuca.

— Lloyd recuperou a consciência — disse o homem com a voz baixa.

Rhodan levantou-se.

— Está bem. Já vou. Movimentando-se com um máximo de silêncio, a fim de não despertar os dois homens que dormiam, fechou seu traje espacial, colocou o capacete e saiu em companhia do ordenança. Lloyd fora colocado numa barraca-depósito, que Rhodan levara naquela expedição por não saber quantos prisioneiros conseguiria capturar; ou então, quantos seriam os feridos que precisariam de isolamento.

Montaram uma cama confortável para Lloyd. Quando Rhodan entrou, este se encontrava de pé na barraca.

— Como vai? — perguntou Rhodan.

— Obrigado — respondeu Lloyd. — Já estou bem.

Rhodan sentou na beira da cama de campanha.

— Que idéia idiota foi essa?

Lloyd deu de ombros.

— Tive a impressão de que conseguiria muito mais se fosse deixado a sós. Por isso peguei o carro e saí por aí.

— Por pouco não vai muito mais longe do que desejava — ironizou Rhodan.

Lloyd virou-se ligeiramente e ficou andando pela barraca.

— É verdade. Mas tudo acabou bem.

— Escute, Lloyd! — disse Rhodan em tom sério. — Quero que uma coisa fique clara de uma vez por todas. Ei, o que é isso? Está ouvindo?

Lloyd continuara na sua perambulação. Estava parado na outra extremidade da barraca, de costas para Rhodan. A lâmpada que se encontrava na proximidade deste mal o iluminava.

Só se via a parte de trás da cabeça.

Rhodan espantou-se. Alguma coisa lhe chamou a atenção.

Mas de repente não teve tempo para pensar em mais nada. No mesmo instante em que Rhodan levantou-se com um salto vigoroso e abrigou-se atrás da mesa, Fellmer Lloyd virou-se abruptamente. Segurava um radiador de impulsos térmicos; o raio finíssimo atingiu exatamente o lugar em que um décimo de segundo antes Rhodan estivera sentado.

A mesa atrás da qual Rhodan procurara abrigo foi atirada para a frente. Rhodan saiu logo atrás; não corria o menor risco. O raio luminoso projetado pela sua arma atingiu Lloyd bem no peito. Este conseguiu erguer o braço, mas não chegou mais a apertar o gatilho. Caiu ruidosamente ao solo.

Rhodan esperou algum tempo antes de sair de detrás da mesa.

Passando por cima do cadáver, saiu da barraca e chamou os guardas.

Um dos homens de Tanner fazia o papel de médico. Antes de ligar-se a Rhodan pertencera a uma equipe sanitária; entendia alguma coisa, desde que não se tratasse de assuntos muito complicados.

— Examine-o! — ordenou Rhodan.

Àquela hora todo o acampamento estava de pé. Os homens não falavam muito. Estavam gelados de susto, porque um dos companheiros se atrevera a tirar contra o chefe.

Rhodan e Deringhouse permaneceram ao lado do enfermeiro, enquanto este examinava o cadáver.

— Você lhe aplicou uma injeção, não aplicou? — perguntou Rhodan.

— Uma só? — respondeu o enfermeiro. — Estava tão acabado que antes da quinta injeção nem sabia como se chamava.

Despiu o cadáver de Lloyd e colocou-o sobre uma mesa comprida e estreita.

— Corte-o em pedaços! — ordenou Rhodan.

O enfermeiro sobressaltou-se.

— O quê? Não sei fazer isso.

— Faça o que mando!

O enfermeiro engoliu em seco.

— Sim senhor.

Deringhouse fitou Rhodan de lado.

— Espera encontrar algo de extraordinário?

Rhodan fez que sim.

— Já viu Lloyd por trás? — perguntou.

Deringhouse não sabia o que fazer com a pergunta.

— Não — respondeu em tom hesitante.

— É uma pena. Na parte de trás da cabeça, Lloyd tinha uma pequena calva, do tamanho de uma moeda de meio dólar. Isso era bastante estranho, porque no resto da cabeça ostentava uma cabeleira bastante espessa.

Deringhouse estreitou os olhos.

— E daí?

Rhodan apontou para o cadáver.

— Este Lloyd não tem nenhuma calva. Toda a cabeça está coberta de cabelos.

O enfermeiro começou a trabalhar. Rhodan nunca vira um rosto mais pálido.

— O que houve? — perguntou.

— Não há sangue — disse o enfermeiro com a garganta apertada. — Nem uma única gota.

Rhodan pôs-se de pé e levantou a perna amputada. O corte já não parecia de uma perna. Um círculo de cerca de cinco centímetros de espessura, feito de um plástico que imitava a pele humana, envolvia um osso que brilhava na luz da lâmpada.

— É metal! — disse Deringhouse com um gemido.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Essa fera não passa de um robô.

 

Face às últimas ocorrências, ninguém mais duvidava de que algo de muito grave devia ter acontecido ao verdadeiro Fellmer Lloyd, que a essa hora já devia estar morto.

Alguém o aprisionara e o utilizara para fazer um robô que com ele se parecesse o suficiente para não ser desmascarado antes de matar o chefe dos intrusos.

Mas, contrariando todos os prognósticos, no dia seguinte, pouco depois do nascer do sol, Fellmer Lloyd desceu cambaleando uma das colinas situadas ao norte. Estava tão fraco das pernas que se deixou cair assim que percebeu que alguns dos homens haviam notado sua presença.

Ormsby, o enfermeiro que na noite anterior tivera aquele azar com o Lloyd robotizado, voltou a ter o que fazer. Acontece que desta vez o Lloyd que via diante de si tinha uma pequena calva na parte traseira da cabeça e, ao examinar seus ossos com uma sonda finíssima, extraiu cálcio verdadeiro.

Rhodan aguardou febrilmente até que pudesse interrogar Lloyd. Os apelos de Reginald Bell, vindos da Stardust-III, tornavam-se cada vez mais insistentes. O inimigo pusera a funcionar um dos radiadores de impulsos de calibre mais leve, queimando um sulco de mais de cem metros de comprimento na areia antes que alguém percebesse o que estava acontecendo e desligasse o aparelho.

Provavelmente Lloyd dispunha da chave do mistério. Rhodan decidiu suspender imediatamente as buscas e abandonar o planeta Vagabundo ao menos por algum tempo, exceto se Lloyd pudesse fornecer alguma indicação.

Ormsby lançou mão de todos os recursos de que dispunha. Pouco antes do meio-dia Lloyd estava em condições de ser interrogado. Rhodan foi formulando perguntas até que o mutante quase sucumbiu de cansaço. O que descobriu foi o seguinte:

A direção do cambio em que Lloyd viajava falhou de repente e o veículo caiu. Por algum tempo Lloyd ficou inconsciente. A primeira coisa que viu ao despertar foi o cadáver do rato-castor junto ao veículo; logo a seguir viu uma esfera reluzente que flutuava pouco acima do cadáver.

Desceu e procurou se comunicar com os ocupantes da esfera. Mas de repente esta disparou para o alto, como se tivesse sido puxada por um fio invisível, e logo a seguir, numa violência incrível, foi atirada de encontro à encosta da colina. Lloyd notou que ficou achatada.

Depois teve a impressão de que devia afastar-se do palco dos acontecimentos até que chegasse socorro. Armado unicamente com o radiador de impulsos, sentia-se indefeso diante do inimigo. Foi se arrastando entre as colinas; mas não havia andado muito longe quando alguma coisa que não vira chegar atingiu-o na cabeça e deixou-o inconsciente.

Ao despertar, viu-se no interior de uma espécie de pavilhão de fábrica. Era bem grande, mas o teto era incrivelmente baixo. Viu uma porção de máquinas completamente desconhecidas e aproximadamente uma dezena de seres de pequena estatura que as manipulavam. Depois de alguns minutos percebeu que esses seres deviam ser mecanizados — eram robôs. Não tinham a menor semelhança com um ser humano. Não dispunham de cabeça, mas em compensação ostentavam um círculo de braços e duas pernas que terminavam em pilões metálicos bem polidos.

Ele mesmo estava deitado numa espécie de maca e não podia se mover, embora não estivesse amarrado. Concluiu que deviam ter intoxicado seus nervos. Haviam retirado seu capacete espacial; todavia, conseguia respirar perfeitamente o ar daquele pavilhão, muito embora em sua opinião, cheirasse mal.

Depois de uns trinta minutos alguns robôs carregaram-no para uma saleta contígua ao pavilhão. Sentaram-no numa cadeira. Pensou que se tratasse de um detector de mentiras, até que levou outra pancada e voltou a desmaiar.

Quando voltou a despertar, viu-se em outra sala. Não havia ninguém por perto; seu capacete espacial estava jogado no chão. Colocou-o na cabeça e tentou abrir a porta da sala. Conseguiu. A porta dava para o pavilhão de fábrica que já havia visto. Os robôs não estavam mais por lá. Deu uma busca pelo pavilhão e encontrou uma saída. Atrás dela havia um elevador que conduzia para cima. Subindo pelo mesmo, descobriu que por todo esse tempo estivera em baixo da superfície do planeta.

O poço do elevador terminava no flanco de uma colina. Como ninguém o impedisse, Lloyd pôs-se a andar. Tentou entrar em contato com o acampamento através do seu transmissor de capacete, mas viu que o haviam destruído. Sem dúvida acreditavam que dessa forma conseguiriam segurá-lo.

Apesar de tudo resolveu arriscar. Depois de marchar a esmo durante algumas horas da noite acabou chegando ao acampamento, esgotado, faminto e com sede. Era bem mais provável que tivesse passado por outro lado.

Sim, era bem possível que conseguisse localizar o pavilhão de fábrica. E tivera oportunidade de estudar modelos de vibrações cerebrais.

Eis a surpresa:

— Já estudei inúmeros modelos — disse Lloyd. — Inclusive de gente completamente diferente de mim. Mas nunca vi coisa parecida com o que encontrei por aqui. Existem duas classes fundamentais de vibrações. A primeira revela uma disposição brincalhona fantástica, quase ridícula. Já a segunda exprime um ódio tão profundo que dá dor de cabeça. Ódio contra o intruso, ódio contra tudo que não é daqui. Em minha opinião os seres que irradiam simultaneamente as duas classes de vibrações só podem ser aleijados espirituais. A tendência de brincar e o ódio profundo são tão incompatíveis como...

Procurou duas concepções de seu arsenal mental que fossem tão incompatíveis como aquilo, mas não se lembrou de nada.

— Chegou a ver um desses seres em que se reúnem essas espécies de impulsos? — perguntou Rhodan.

Lloyd sacudiu a cabeça.

— Não. Só vi esses pequenos robôs.

— Ódio e tendência brincalhona, as duas sempre surgem ao mesmo tempo?

— Não. Quando estava deitado no pavilhão, só percebi o ódio. Quando tentei me afastar do câmbio, percebi o ódio e a tendência brincalhona ao mesmo tempo.

Com isso Rhodan já sabia qual era a próxima coisa a fazer. Pediu a Bell que mandasse mais cinco câmbios tripulados com quarenta homens bem armados. Assim que chegassem esses reforços, pediria a Fellmer Lloyd que procurasse localizar o pavilhão em que estivera preso. Depois resolveriam sobre o que deviam fazer.

 

A bordo da Stardust-III nada de importante havia acontecido. Apenas um dos geradores antigravitacionais gerara em alguns setores da nave campos de gravitação cuja intensidade ia até 15 g.

Alguns homens sofreram fraturas e comoções cerebrais. Demorou quinze minutos até que conseguissem desligar o gerador que se envolvera num campo gravitacional de elevada potência.

Crest e Thora estavam desesperados. O desespero provinha não só do medo, mas também do fato de que não estavam em condições de desistir do empreendimento e abandonar o planeta Vagabundo. Crest procurara convencer Rhodan, mas esse “terráqueo nojento e teimoso”, conforme dissera Thora numa irrupção de fúria, declarou que só daria ordem de retirada quando a situação fosse realmente desesperadora.

 

Ninguém acreditava que o inimigo não ofereceria resistência à sua penetração na base subterrânea. Rhodan dirigiu seu câmbio, no qual ainda viajavam Fellmer Lloyd, o major Nyssen, que comandara o contingente de reforços, e alguns tripulantes. Avançava com o máximo de cautela.

Lloyd orientava a viagem. Às vezes indicava a direção errada, mas aos poucos a coluna foi avançando.

A tarde já ia chegando ao fim, quando um incidente imprevisto lhe mostrou que se encontravam perto do objetivo.

O major Deringhouse, que comandava o segundo veículo, voava atrás de Rhodan, ligeiramente de lado. Rhodan mandara que todos se mantivessem na mesma altitude que ele. Para retardar o mais possível a sua descoberta, não se elevava a mais de um metro solo. Com isso reunia a liberdade de movimentos da viagem acima do solo com as vantagens da proteção que a proximidade deste lhe oferecia.

Deringhouse fez-se ouvir pelo telecomunicador.

— O pôr do sol será dentro de doze minutos. Acredita que...

Foi quando as fúrias do inferno ficaram às soltas. Rhodan já conhecia o fenômeno. Uma força brutal tirou-o do assento e procurou atirá-lo contra a parede. O mundo girava diante do pára-brisa.

Mas Rhodan estava preparado. Reunindo as últimas forças, manteve-se no assento e berrou para dentro do microfone:

— Pousar e descer dos carros! Procurem um abrigo!

Com um esforço desesperado sua mão conseguiu atingir o painel de controle. O gerador opôs toda sua potência à influência estranha e conseguiu retardar o movimento de rotação. Rhodan reverteu os jatos e fez com que o veículo, que continuava a girar, recuasse para além do cume da colina mais próxima.

Nem por isso a influência estranha cessou, porém tornou-se mais fraca. Rhodan obrigou o carro a descer e pousou-o na areia. Executou mais um giro e meio sobre seu eixo vertical antes que o atrito do solo absorvesse a energia irradiada pela arma desconhecida.

Rhodan e seus homens desceram, ainda um tanto confusos. Nyssen, cuja cabeça batera em alguma coisa, cambaleava um pouco.

O veículo de Deringhouse levara uma descarga menos potente. Deringhouse. reagira imediatamente, abrigando-se atrás da colina. Os outros câmbios nem sentiram o ataque, pois naquele momento apenas dois deles haviam saído de trás da colina. Tiveram tempo para fazer meia-volta e pousar.

Os membros da expedição usavam trajes transportadores arcônidas, que geravam campos protetores individuais. Além disso, estavam equipados com um dispositivo que permitia a adaptação de um capacete espacial. Com isso o traje transportador transformava-se num traje espacial completo.

Rhodan mandou que os homens avançassem até o cimo da colina. O sol estava no ocaso; quando chegaram ao cume só conseguiram enxergar com os visores infravermelhos.

Fellmer Lloyd encontrava-se na fileira mais avançada.

— Com os mil demônios! — praguejou baixinho. — Estas colinas são todas iguais, mas acredito que o pavilhão fica embaixo daquela ali.

— Em que ponto termina o poço do elevador? — perguntou Rhodan.

— A uns dez metros acima do pé da colina, e quase no centro do flanco da mesma.

Rhodan não conhecia as armas do inimigo, nem podia esperar que as mesmas lhe fossem apresentadas uma por uma. Reuniu cinco dos seus homens e avisou-os de que teriam que sair do seu abrigo e aparecer diante do inimigo.

— Também irei — disse para animá-los.

O major Nyssen trouxera trajes transportadores em número suficiente; havia pelo menos um para cada membro da expedição. Rhodan trocou o traje espacial que usava no interior do carro por um dos trajes transportadores, colocou o capacete e executou os controles prescritos.

Puseram-se a caminho.

Sem maiores precauções subiram a colina e desceram do outro lado. Rhodan ia à frente, os cinco companheiros seguiam-no em fila indiana. Dessa forma ofereciam um alvo menor ao inimigo que talvez estivesse escondido na colina mais próxima.

Rhodan colocou o filtro infravermelho no visor do capacete. Iluminou o terreno com um holofote infravermelho e procurou localizar qualquer indício de ter sido descoberto.

O indício não demorou a aparecer. Rhodan viu uma coisa escura aproximar-se num movimento desajeitado. Atrás dele alguém gritou em tom de pânico:

— Protejam-se!

Só Rhodan continuou de pé.

Seguiu-se um raio ofuscante e um estrondo que os microfones de capacete transmitiram numa altura suportável. A uns dez metros à direita de Rhodan abriu-se uma cratera do mesmo tamanho daquela que duas noites antes destruíra sua barraca.

A pressão desencadeada pela explosão devia ter sido tremenda. Na borda da cratera havia um grande montão de areia. Mas os campos protetores dos trajes que os homens envergavam desviaram a pressão.

Os homens levantaram-se.

— Quem foi o idiota que gritou protejam-se? — perguntou Rhodan.

— Fui eu — respondeu alguém. — O cabo Seaborg.

Seaborg levantou a mão, para que Rhodan soubesse de quem partiu a informação.

— Seu idiota! — gritou Rhodan num tom que era mais galhofeiro que zangado. — Procure se lembrar de que está usando um traje protetor que gera um campo energético individual. Se aparecer alguma coisa a que esse campo não puder resistir, não adianta procurar se proteger de outra forma. Continue marchando e não atrase mais a nossa viagem.

— Sim senhor! — respondeu Seaborg.

Prosseguiram. O inimigo mantinha-se quieto; ao que parecia, reconhecera a inutilidade de suas antiquadas granadas de mão.

Atingiram a depressão entre as duas colinas antes que começasse o drama propriamente dito.

Subitamente alguém soltou um grito estridente e prolongado. Ao se virar, Rhodan viu um dos cinco homens turbilhonando pelo ar.

Compreendeu imediatamente.

— Recuar! — gritou. — Para trás da colina!

Arrastou dois homens que demoraram a compreender. Já havia percorrido a metade do caminho quando o pavoroso campo rotacional atingiu outro homem e arrastou-o consigo. Ajudados pela reduzida força gravitacional, subiram a colina a largos saltos e conseguiram colocar-se em segurança antes que o inimigo pudesse agarrar a terceira vítima.

Os gritos estridentes dos dois homens carregados pelo ar soaram nos receptores de capacete. Desapareceram para o lado do sul. Rhodan procurou localizá-los por meio do holofote, mas não encontrou sinal deles.

Subitamente os gritos cessaram. Nos receptores de capacetes ouviram-se duas pancadas surdas; depois só houve silêncio.

— Tenente Tanner!

— Pronto!

— Pegue um dos câmbios e leve três homens! Procure os dois homens.

— Sim.

Tanner vira os dois homens sendo arrastados pelo ar. Conhecia a direção em que a arma inimiga os tangera. Calado e furioso pôs-se a caminho com três homens.

Rhodan descobrira o que desejava. Mas isso custara a vida de dois dos seus homens.

Os campos rotacionais que o inimigo sabia produzir atingiam qualquer inimigo, mesmo que este se envolvesse num campo protetor. Não podiam penetrar por esse campo; mas arrastavam-no, e o efeito era o mesmo. Quem usasse um campo protetor estava preso ao mesmo; quando este descrevesse um movimento de rotação, o indivíduo giraria com ele.

Teriam de atacar com recursos mais eficientes. Com os meios de que dispunha a pequena expedição não conseguiria subjugar o inimigo.

Rhodan arrastou-se para junto de Fellmer Lloyd.

— Percebe alguma coisa? — perguntou.

— Percebo, sim — respondeu Lloyd. — Isso me dá dor de cabeça o tempo todo. Ali do outro lado existe alguém que tem um ódio tamanho por nós que não pode ser expresso por palavras.

Deringhouse estava deitado por perto. Vez por outra levantava a cabeça por cima do topo da colina e olhava pelo seu binóculo infravermelho.

— Que Deus tenha compaixão de nós — murmurou. — Quem sabe se uma hora destas não se lembrarão de que podem perfeitamente sair do seu esconderijo e nos atacar aqui mesmo?

 

Tanner voltou pela meia-noite. Encontrara os dois homens; estavam mortos. Os envoltórios protetores dos seus trajes não haviam resistido às forças tremendas a que estiveram sujeitos. Quando cessou a influência da arma desconhecida, já haviam sido neutralizados. Caíram de uma altura considerável e, apesar da gravitação reduzida, morreram das lesões sofridas antes que Tanner os encontrasse.

Rhodan sentiu-se tomado de uma raiva fria.

Pensou em chamar a Stardust-III para atacar a base inimiga com as armas bem mais potentes que se encontravam a bordo da mesma. Mas chegou à conclusão de que seria preferível realizar mais dez tentativas antes de arriscar a nave.

Refletiu.

Mas aconteceu uma coisa que tornou inúteis todas as reflexões.

Começou com um ribombar semelhante ao de um trovão. Antes que conseguissem descobrir a origem do ruído, sentiram o chão tremer.

Poucos segundos depois uma fenda larga abriu-se na colina que abrigava o inimigo.

Um dos câmbios começou a balançar e deitou-se de lado.

— É um terremoto! — gritou alguém.

Rhodan contemplou a fenda que se abrira na colina oposta. Subitamente compreendeu que nunca mais teria uma chance como esta.

— Vamos! — gritou. Subiu ao topo da colina e agitou os braços, para que todos o vissem. — É este o momento que esperávamos.

Demorou alguns segundos até que os homens conseguissem pôr-se de pé. A intensidade do tremor de terra aumentara. Alguns dos homens cambalearam, porque subitamente o chão se encorcovava debaixo de seus pés.

Mas logo passaram pelo cume da colina numa frente única. Uma vez do outro lado, puseram-se a correr. Desceram a encosta em saltos largos e baixos. Atravessaram a depressão entre as duas colinas.

O inimigo permanecia em silêncio.

Enquanto corriam, Rhodan aos gritos indicou o lugar em que, segundo as informações de Lloyd, devia desembocar o poço de elevador. De longe não se via nada, mas quando atingiram o ponto indicado, viram que em plena encosta havia uma plataforma; era um quadrado de cerca de dois metros de lado.

Fellmer Lloyd abriu caminho para a frente.

— É aqui! — disse, ofegante.

Caiu para a frente e com ambas as mãos limpou a areia da plataforma. Logo apareceu um material liso e cinzento. Rhodan desligou o holofote infravermelho e recorreu à luz visível.

Lloyd apalpou a placa cinzenta; subitamente a mesma escorregou para o lado. Atrás dela tudo estava escuro. Rhodan dirigiu a luz para lá. Viu um poço cujo corte transversal era idêntico ao tamanho da plataforma, e que tinha uns dez ou quinze metros de profundidade.

Era um elevador antigravitacional. Rhodan atirou um pouco de areia no poço e viu que descia bem devagar.

— Vamos entrar! — disse.

Desceu em primeiro lugar, seguido de perto por Fellmer Lloyd. Acima deles o poço encheu-se de homens que tinham pressa de chegar embaixo.

De tanto nervosismo ninguém mais se lembrara do terremoto. Rhodan aguçou o ouvido enquanto descia pelo poço. Por cima do murmúrio dos homens continuava a ouvir o trovejar no interior do planeta. O tremor de terra ainda não havia passado, mas tudo indicava que se deslocara para outra região.

Poucos segundos depois sentiu chão firme sob os pés. O elevador dava para um tipo de ante-sala. Pela descrição de Lloyd, a porta que se via na parede oposta devia ser a entrada do pavilhão da fábrica.

Rhodan esperou até que a ante-sala se enchesse com os homens que desciam pelo elevador.

Depois ergueu o pesado radiador de impulsos térmicos e despedaçou a porta.

Uma luz ofuscante envolveu-os. A saltos largos deixaram a porta atrás de si, já que lá forneceriam um alvo bem visível ao inimigo; protegeram-se atrás do abrigo mais próximo que conseguiram encontrar.

Não houve a menor defesa, constatou Rhodan perplexo. O que teria acontecido?

O pavilhão correspondia à descrição de Lloyd. Era grande, mas incrivelmente baixo. As máquinas espalhadas por ali — algumas delas fixadas ao solo, outras colocadas sobre suportes móveis — não lembravam nada que Rhodan jamais tivesse visto. Era uma tecnologia estranha num mundo desconhecido.

Onde estariam os robozinhos?

Seus homens espalharam-se. Mesmo que os robôs se lançassem a um contra-ataque, depois de se terem recuperado do susto causado pelo terremoto, não conseguiriam expulsar o inimigo.

Fellmer Lloyd fez um sinal para Rhodan.

— O que houve?

— Não sinto mais nada — respondeu Lloyd. — Parece que as aves abandonaram o ninho.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça e levantou-se. Fez um sinal aos homens, para que avançassem devagar, um grupo de cada lado do pavilhão.

Avançaram alguns metros, sempre procurando abrigo; mas quando viram que ninguém lhes causava problemas, tornaram-se menos cautelosos. Foram avançando, de pé junto à parede, enquanto Rhodan andava pelo corredor central.

Quando já se aproximava do fim do pavilhão, viu a estranha máquina que se encontrava próxima à parede. Era a maior de todas, mas até então as outras peças haviam lhe encoberto a vista.

Era um cilindro achatado de cerca de quinze metros de diâmetro e tão alto que tocava o teto. Lembrava um acelerador de partículas de tamanho médio. Rhodan não pôde distinguir se era compacto, ou se apenas representava um envoltório. Mas percebeu à primeira vista que fora inutilizado pelo terremoto. O lado esquerdo do cilindro estava inclinado e uma fenda percorria o revestimento metálico em ziguezague. Parecia que o chão se levantara abaixo da máquina.

Subitamente Rhodan viu os robôs.

Eram formados principalmente por um tronco eliptóide, feito de uma massa cinzenta que emitia um brilho metálico. Do tronco eliptóide saíam duas pernas curtas sem pés; do outro lado via-se uma espécie de círculo giratório, ao qual estava presa uma série de braços curtos.

De pé, a coisa devia ter cerca de um metro de altura, calculou Rhodan.

Quinze robôs estavam atirados ao chão diante do cilindro avariado; devia ser toda a equipe do pavilhão subterrâneo.

Rhodan mandou que os homens se aproximassem. Cautelosamente desemaranharam aquela confusão de robôs caídos. É bem verdade que num robô nunca se pode afirmar com segurança se está totalmente inutilizado ou se apenas ficou privado temporariamente da capacidade de ação; todavia, ao que tudo indicava, as maquinazinhas que tinham diante de si nunca mais despertariam para sua vida mecânica.

— Vamos levá-los para fora! — ordenou Rhodan. — Serão examinados a bordo da Stardust-III.

De início carregaram-nos à ante-sala em que terminava o poço do elevador. Enquanto isso Rhodan e Deringhouse examinaram o pavilhão. Seguindo as indicações de Lloyd, encontraram as pequenas salas contíguas, situadas à direita e à esquerda do pavilhão. Mas não conseguiram descobrir sua finalidade, tal qual acontecia com as máquinas existentes no pavilhão.

Depois de uma busca de meia hora, Rhodan convenceu-se de que ali não encontraria a informação que procurava. No pavilhão havia mais de duas dezenas de máquinas esquisitas, nas salas contíguas, outra dezena. Talvez fosse bem interessante para a técnica terrena desmontar as máquinas e procurar descobrir o princípio do seu funcionamento.

Mas não encontraram a menor indicação sobre a posição galáctica do planeta da vida eterna.

Não seria este o lugar em que descobririam alguma coisa. Só os céus poderiam saber por que o grande imortal, que manipulava o jogo às escondidas, mandara-os justamente a esse lugar.

Rhodan esperou que os homens carregassem os robôs mortos até a ante-sala. Depois mandou que todos subissem — os homens e os robôs. Não estava muito satisfeito. Gostaria de fechar o pavilhão de tal maneira que ninguém pudesse entrar nele até que concluíssem a busca daquilo que na verdade esperavam encontrar no planeta Vagabundo, e tivessem tempo de submeter o local a uma inspeção minuciosa.

Mas sabia perfeitamente que além desses quinze robôs deviam existir muitos outros no planeta Vagabundo, e que não tinha o menor meio de impedir que estes e seus chefes voltassem ao pavilhão assim que ele e seus homens lhe dessem as costas.

Ligeiramente perturbado, subiu pelo poço do elevador antigravitacional. Os homens estavam esperando no flanco da colina. O sol brilhava.

— Vamos aos carros! — ordenou Rhodan.

Os robôs eram bem pesados. Por mais forte que fosse, cada homem não conseguiria carregar mais de um de cada vez.

Rhodan seguiu no fim do grupo. Deringhouse ficou ao seu lado.

— Não encontramos muita coisa, não acha? — perguntou.

Rhodan deu de ombros.

— Vamos aguardar! Acredito que conseguiremos desmontar a memória dos robôs para interpretar as informações armazenadas nos mesmos. Os inventores desses robôs são as pessoas que procuramos. E as máquinas devem estar em condições de dar alguma indicação sobre o lugar em que essas pessoas podem ser encontradas.

Quase por acaso Rhodan olhou para o relógio embutido na manga esquerda de seu traje espacial, que tinha um mostrador regulável: indicava o tempo do planeta Vagabundo.

— Quatro horas, tempo local — resmungou Rhodan. — Parece que está parado.

Deringhouse levantou o braço.

— Quatro horas e um minuto. Seu relógio está em perfeitas condições.

Rhodan parou, segurou Deringhouse pelos ombros e colocou-o numa posição em que podia ver o sol vermelho.

— O nascer do sol está previsto para as seis e tanto. Pode dizer-me por que essa coisa vermelha já está no céu às quatro da madrugada?

 

Os registros do terremoto, realizados pelos instrumentos da Stardust-III, forneceram a explicação do fenômeno.

O sol do planeta Vagabundo era uma estrela em fase de regeneração. Era um sol moribundo, pois o calor que irradiava estava diminuindo. Por outro lado, porém, seu renascimento deveria ocorrer num tempo que, medido em termos astronômicos, não podia ser considerado muito longo. Durante o estágio do esfriamento a matéria solar contraía-se, formando no centro um núcleo de densidade inconcebível. Cada deslocamento ocorrido no interior desse núcleo provocava um choque gravitacional, que se propagava pelo espaço com a velocidade da própria gravitação.

E havia mais. A parte do núcleo solar em que não ocorriam deslocamentos formava um anteparo que evitava a propagação do choque gravitacional naquela direção. Por isso geralmente os deslocamentos provocavam áreas de impacto bem delimitadas; alguém que, por exemplo, se encontrasse no planeta Vagabundo poderia não perceber nada de um deslocamento desse tipo, enquanto alguém que se encontrasse numa nave espacial a alguns milhões de quilômetros de distância sofreria toda a força do impacto.

Acontece que desta vez o impacto provocado pelo núcleo solar convulsionado atingira em cheio o planeta Vagabundo, provocando um deslocamento de seu eixo e um terremoto de intensidade considerável.

Ninguém se deu ao trabalho de procurar imaginar o que teria acontecido num caso desses com um mundo que não fosse velho e ressequido como o planeta Vagabundo. Só o fato de estar o mesmo resfriado até o miolo, não tendo mais nenhum núcleo incandescente, e de não haver mares em sua superfície evitara uma verdadeira catástrofe. Depois de modificar a posição de seu eixo, o planeta voltara ao repouso.

Esse fato explicava o estranho fenômeno com que Rhodan se defrontara no início da expedição, quando efetuava um vôo de reconhecimento num dos caças espaciais da nave. Ao que tudo indicava, o aparelho ficara sujeito a um deslocamento idêntico no núcleo do sol do planeta Vagabundo; e era evidente que o choque nem de longe alcançara a intensidade daquele que havia provocado o terremoto.

Uma coisa era certa: fora o acaso que brindara Rhodan com o pavilhão subterrâneo. O choque gravitacional não fora provocado artificialmente; o sol do planeta Vagabundo o havia produzido. E isso no exato momento em que Rhodan mais precisava dele.

Rhodan e seus companheiros haviam retornado à Stardust-III com os robôs capturados. Apenas o tenente Tanner e dez homens permaneciam no acampamento situado no centro da área coberta pelas colinas. Rhodan resolveu esperar até que os técnicos descobrissem quais os dados armazenados na memória dos robôs. Mas logo no início percebeu-se que a estrutura dos seres mecanizados era tão complicada que o trabalho da divisão técnica demoraria pelo menos uma semana.

Rhodan ficou refletindo se deveria mandar que Tanner e seus homens se recolhessem à nave, ou se convinha completar a guarnição do acampamento.

Mas aconteceu uma coisa que fez surgir uma idéia nova em sua mente.

Foi uma surpresa completa. Por mais de dois dias da contagem de tempo do planeta Vagabundo a calma reinara a bordo da Stardust-III.

O dia em que Rhodan procurou chegar a uma decisão sobre o próximo passo começou de forma bastante estranha. Pouco depois da meia-noite um dos geradores gravitacionais começou a trabalhar intensamente, produzindo gravitação até desprender-se da sua base, flutuando na gigantesca sala dos geradores com um ruído característico.

Os técnicos aproximaram-se dele com um elevador flutuante de reparos. Através de uma regulagem cuidadosa, conseguiram recolocá-lo no solo.

Houve alguns incidentes de menor importância, mas o grande acontecimento só se verificou pelo meio-dia.

Depois de tomar um lanche na sala dos oficiais, Rhodan ia voltando para a sala de comando, quando as sereias começaram a uivar. Pôs-se a correr; quando chegou à sala de comando, Reginald Bell começava a transmitir ordens pelo telecomunicador.

— Todas as folgas canceladas. Primeiro grupo de sentinelas, ocupar a sala de máquinas. Todas as peças de artilharia com guarnição dupla, em regime de prontidão. Todas as estações rastreadoras com guarnição dupla, prontas para entrar em ação. No arsenal do convés E uma bomba arcônida desprendeu-se dos seus suportes e flutua livremente no espaço. Alarma número um.

Rhodan enrijeceu em meio ao movimento.

Uma bomba arcônida!

Era uma arma capaz de desencadear uma reação nuclear incontrolável em qualquer elemento de grau superior a dez, e mesmo num elemento de ordem inferior, desde que o detonador tivesse sido regulado para isso.

Os detonadores das bombas guardadas no arsenal do convés E estavam regulados para 26. O número de ordem 26 correspondia ao ferro! As paredes de metal plastificado da Stardust-III continham mais ferro que uma fábrica de máquinas pesadas. Se a bomba explodisse, a nave estaria perdida.

Bell concluiu sua mensagem. Voltou-se e viu Rhodan.

— É isto mesmo? — perguntou em tom sério.

Rhodan fez que sim.

Thora aproximou-se de lado. Estava com os olhos arregalados e caminhava como uma sonâmbula.

— Oh, não! — disse num suspiro. — Você não pode fazer uma coisa dessas. Mande evacuar a nave!

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Este seria o melhor meio de perdê-la. Subitamente começou a mexer-se. Seu capacete estava jogado sobre o assento do piloto. Colocou-o sobre a cabeça, mas não o fechou.

— Comunicação ininterrupta! — disse laconicamente.

E saiu.

Thora seguiu-o com os olhos; estava perplexa.

— Onde vai? — perguntou.

Rhodan estava tão ocupado que não teve tempo para responder.

Três minutos depois da transmissão da mensagem a sala de comando começou a se encher com tripulantes da nave. Bell indicou-lhe os lugares que deviam ocupar e recomendou-lhes que ficassem de olhos e ouvidos atentos.

— Rhodan está no arsenal do convés E — disse em tom sério. — Qualquer instrução sua terá de ser cumprida sem demora.

— Coloquem os capacetes e mantenham silêncio absoluto nos seus transmissores.

 

Rhodan não foi sozinho. Os japoneses Tako Kakuta e Tama Yokida acompanharam-no. Eram mutantes. Rhodan ainda não sabia de que lhe poderiam servir as faculdades de Kakuta, o teleportador; de outro lado, porém, sabia perfeitamente que precisaria do telecineta Yokida.

A sala de comando da Stardust-III ficava no convés D. A diferença de altitude entre este e o convés E era de perto de cento e cinqüenta metros. O elevador antigravitacional ficava a cerca de trezentos metros da entrada do arsenal.

O largo corredor havia sido evacuado. Bell já mandara abrir a escotilha do arsenal; qualquer um via de longe o ovo metálico reluzente que permanecia no ar, aparentemente imóvel, a cerca de três metros do solo e bem perto da escotilha.

— Comece, Yokida! — disse Rhodan em tom áspero. — Leve a bomba a um dos suportes e segure-a.

Yokida atravessou a escotilha, de olhos fixos na bomba. Sabia perfeitamente de que tipo era a arma com que estava lidando; não poderia se aproximar demais do detonador.

Ficou parado. Rhodan olhou-o; percebeu que os tendões do pescoço tornavam-se cada vez mais salientes. Subitamente Yokida cambaleou e deu um passo para a frente; se Tako Kakuta não se colocasse de seu lado com um salto e o apoiasse, teria tombado.

— Não... não consigo! — gemeu Yokida. — Está segurando demais.

Rhodan cerrou os punhos.

— Está segurando? Quem está segurando?

Empurrou o japonês para o lado.

— Tako! Preste atenção!

Tako sabia o que devia fazer. Rhodan jogou todo o peso do corpo contra a bomba que de forma tão estranha parecia flutuar no ar. O japonês estendeu os braços embaixo dela. Se o telecineta desconhecido de repente deixasse de exercer sua influência sobre a bomba, teria que segurar o pesado artefato, pois do contrário este cairia no chão, acionando o detonador.

Mas os esforços de Rhodan revelaram-se inúteis. Quem estava brincando com a bomba segurava-a tão bem que Rhodan não conseguiu movê-la um milímetro.

— Temos que desmontá-la! — gemeu Rhodan. — Tako, traga as ferramentas.

Tako desapareceu.

Poucos instantes depois a bomba começou a mover-se. Ansioso Rhodan seguiu a bomba quando a mesma deslocou-se lentamente em direção à escotilha e saiu para o corredor. Dirigiu-se para o lado direito, onde ficava a comporta centro-norte.

Rhodan interpôs-se no seu caminho e mais uma vez procurou segurá-la. O resultado foi o mesmo, como se procurasse deter um tanque em pleno movimento. A bomba empurrou-o para o lado.

Continuou seguindo pelo corredor. Não havia dúvida: queria ser levada comporta afora.

— Sala de comando!

— Pronto!

— Abrir escotilha interna da comporta centro-norte.

— Sim senhor.

A imensa escotilha de carga se abriu. A bomba foi flutuando em direção a ela.

Tako Kakuta reapareceu. Carregava uma caixa de ferramentas. Rhodan fez-lhe um sinal para que se mantivesse afastado.

— Não precisamos mais disso. Fechem os trajes espaciais.

Mantiveram-se logo atrás da bomba.

— Yokida!

— Sim senhor!

— Preste atenção à bomba. É bem possível que de repente o desconhecido se canse da brincadeira e solte-a. Se isso acontecer, você terá que segurá-la.

Yokida confirmou com um aceno de cabeça.

Passaram pela escotilha. A bomba seguia a menos de um metro à sua frente.

— Sala de comando! Feche a escotilha interna e abra a externa. Rápido!

A ordem foi executada.

— Desligar os campos protetores.

— Campos protetores desligados.

Os dispositivos trabalharam a plena força. Antes que a bomba tivesse atravessado a ampla comporta, a pressão interna havia sido adaptada à pressão externa. A escotilha externa abriu-se. Não havia a menor dúvida de que o desconhecido pretendia levar a bomba para fora.

— A bomba está saindo da nave — informou Rhodan apressadamente. — Voltaremos a ativar os campos protetores com o raio mínimo assim que a bomba tenha ultrapassado a distância correspondente. Avise Tanner de que deve retornar com seus homens o mais rápido possível, deixando para trás as barracas e os instrumentos. Se a bomba explodir nesta área coberta de oxido de ferro, dentro de meia hora o planeta Vagabundo será transformado numa imensa tocha atômica.

A bomba saiu da escotilha. O raio mais reduzido do campo protetor terminava a cinqüenta metros da parede externa da nave. Se a bomba chegasse até lá sem explodir, ao menos a nave estaria salva.

— Cuidado!

Subitamente, quando ninguém mais contava com essa possibilidade, aconteceu! Por uma fração de segundo a bomba interrompeu sua lenta caminhada, efetuou um giro de cento e oitenta graus sobre seu eixo menor e foi caindo em direção ao solo.

— Yokida!

O japonês segurou-se na borda da escotilha, numa posição muito arriscada, com o corpo inclinado para fora. Tako Kakuta mantinha-se de pé atrás dele, com os braços estendidos, pronto para segurar Yokida se este escorregasse.

Rhodan deitou de bruços e avançou até a borda da escotilha. Viu que a bomba, obedecendo à reduzida força gravitacional, descia junto à parede da nave.

O convés E ficava bem na parte superior da Stardust-III. Se não acontecesse um milagre, a bomba atingiria a nave aproximadamente na linha equatorial. O detonador agüentaria? Era desta resposta que dependia a existência da nave e a vida de seus tripulantes.

Uma impassibilidade férrea apossou-se de Rhodan. Procurou avaliar a distância que a bomba ainda poderia percorrer na sua queda.

Eram uns cinqüenta metros, talvez sessenta.

Yokida soltou um gemido abafado. Rhodan esteve a ponto de voltar-se para ele; mas nesse instante a queda da bomba foi se tornando mais lenta.

Ainda faltavam vinte metros!

Uns cinco metros antes do impacto, o movimento da bomba cessou. Por um instante ficou parada, trêmula, e depois...

...depois voltou a subir. Primeiro lentamente, depois com maior rapidez e segurança, até que começou a aproximar-se da escotilha numa velocidade considerável.

— Yokida! — gritou Rhodan. — Temos que pegá-la!

Colocaram-se em posição. De tanto esforço Yokida fechou os olhos; procurou dirigir a bomba pelo tato. Ela aproximou-se cambaleante, dois metros acima do solo da comporta.

— Um metro pra baixo! — ordenou Rhodan.

Yokida obedeceu. A bomba baixou e foi se aproximando.

— Já!

Agarraram a bomba ao mesmo tempo. Por um instante a mesma era tão leve que parecia de papelão. Mas subitamente todo o peso da mesma descansou sobre os braços dos homens, fazendo porejar o suor em suas testas.

Ouviu-se um baque surdo; era Yokida que caíra ao chão, desmaiado. Reunindo as últimas forças que lhe restavam, empurrara-se na borda da escotilha, caindo para o lado de dentro.

Carregaram a bomba para o arsenal.

Gemendo, com as mãos entrelaçadas embaixo da bomba, foram caminhando pelo amplo corredor, entraram no arsenal e dirigiram-se à armação de onde havia sido retirada a bomba.

Um último esforço, e...

— Cuidado!

...lá estava a bomba no seu lugar.

Com os dedos doloridos Rhodan trancou o fecho que mantinha a bomba presa ao suporte.

Num movimento abrupto tirou o capacete. Expelia o ar aos chiados por entre os dentes. Sua mão tremia enquanto limpava o suor que lhe penetrava nos olhos.

Tako olhou-o. Subitamente Rhodan sorriu.

— É isso! — disse, dando uma palmadinha no ombro do japonês.

 

Um comando especial de cem homens trabalhou durante três horas para firmar toda a munição armazenada nos arsenais de tal forma que não seria nada fácil para o desconhecido realizar outra experiência desse tipo.

Durante essas três horas Rhodan travou uma discussão acalorada com Crest e Thora, os dois arcônidas que se encontravam a bordo. Ambos eram de opinião que com a última ocorrência fora ultrapassado o limite do suportável, e o melhor que tinham a fazer era abandonar o planeta Vagabundo o quanto antes.

Rhodan não concordou. Já concebera um novo plano. Não conseguiu convencer Crest e Thora de que seria tolice desistir logo agora; mas conseguiu explicar que o comandante era ele e, se necessário, teria de dar suas instruções sem sua concordância.

Depois de algum tempo Crest disse:

— Pois bem. Você é o comandante, e jamais alguém haverá de dizer de um arcônida que não sabe guardar a disciplina. Ficaremos calados; mas é bom que fique sabendo que não concordamos.

— Acabarão concordando quando nossa missão estiver concluída — disse Rhodan em tom conciliador.

Thora não disse nada. Mas em seus olhos chamejava uma raiva como Rhodan nunca vira igual.

Rhodan transmitiu suas instruções. Participaria da nova expedição. Encareceu aos seus oficiais:

— Não temos um instante a perder. Quanto antes nos pusermos a caminho, maiores serão nossas possibilidades de sobrevivência.

No meio tempo o tenente Tanner havia chegado com seu grupo. Deixara as barracas e os instrumentos para trás, conforme lhe fora ordenado.

Ao anoitecer a expedição estava pronta para partir. Estava composta de dez câmbios; sete deles estavam carregados com instrumentos e armas de toda espécie. Rhodan fornecera dados precisos sobre a expedição apenas a Crest e Thora; a mais ninguém. Quando Reginald Bell perguntou para que serviriam sete veículos carregados de armas e aparelhos complicados, Rhodan respondeu:

— Vamos deixar esses estranhos brincarem um pouco; mas num lugar em que isso não seja tão perigoso para nós.

 

Ninguém melhor que Rhodan para saber que a probabilidade de êxito não era superior a sessenta por cento. A informação lhe fora fornecida pelo cérebro positrônico.

Apesar disso decidiu realizar a expedição; isso porque julgava preferível fazer algo que tivesse uma possibilidade apenas regular de êxito a permanecer inativo, além de que esperava que sua iniciativa afastaria o perigo da Stardust-III, que em sua opinião era extremamente preciosa.

Perto do acampamento em que o tenente Tanner permanecera até o último instante foram montados os instrumentos. Rhodan fizera questão de levar principalmente armas e aparelhos cuja manipulação era extremamente complicada.

Todos concordavam que o desconhecido agia tal qual uma criança. Avançava titubeante dos brinquedos mais fáceis para os mais difíceis. No estágio em que se encontrava não se sentiria estimulado a levantar simplesmente alguns telecomunicadores ou outros instrumentos jogados na areia.

Rhodan continuava convicto de que o abrigo do desconhecido ficava na área das colinas, e que só brincava com os objetos existentes a bordo da Stardust-III por não encontrar nada que ficasse mais perto.

A conjectura de Rhodan era a seguinte: coloquem alguma coisa bem debaixo do nariz dele, e o desconhecido se manterá longe da Stardust-III. Brincará com aquilo que estiver mais à mão; e, se tivermos sorte, conseguiremos agarrá-lo enquanto estiver brincando.

O acampamento foi ampliado, para abrigar todos os membros da expedição. Entre o acampamento e o local em que estavam montados os instrumentos havia uma colina de tamanho regular. Dessa forma nada aconteceria aos homens que se encontrassem no acampamento, ou que ficassem de sentinela junto ao topo da colina, se o desconhecido resolvesse brincar com as armas que se encontravam do outro lado.

Rhodan explicou aos homens como seria o inimigo.

— Por enquanto devemos admitir — disse — que, tal qual os arcônidas fizeram e os homens farão, os robôs foram construídos segundo sua imagem. Portanto, devemos esperar um ser sem cabeça, com um tronco elíptico, duas pernas sem pés e um círculo com doze braços. Tudo isso não deve ser maior que cinqüenta centímetros. Assim que localizarem uma coisa dessas, procurem capturá-la, quer seja um robô ou um ser orgânico. De qualquer maneira não será possível distinguir à primeira vista. Prestem atenção às esferas reluzentes! Estão equipadas com armas diabólicas, e não sabem interpretar um aceno amistoso.

Puseram-se a esperar.

Aconteceram algumas coisas esquisitas, sem que conseguissem avistar o inimigo. Um canhão de impulsos de calibre médio começou a disparar de repente, girando loucamente. Abriu sulcos de vários metros de profundidade nas colinas mais próximas, antes que voltasse à calma.

Os técnicos da Stardust-III informaram que os arranhões existentes no telecomunicador de bolso, furtado da barraca de Rhodan antes que a mesma voasse pelos ares, tinham sido produzidos por uma mão de robô.

Era um dado interessante; até então Rhodan acreditava que a bomba havia sido colocada por um ser orgânico, que também furtara o telecomunicador. A descoberta dos técnicos provava que também aquele atentado fora praticado por um robô.

Além disso, os técnicos realizaram uma análise C-14, a fim de determinar a idade dos robôs. Constataram que sua idade era de pelo menos oito C-14 tempos médios, ou seja, pelo menos quarenta e cinco mil anos.

Era um dado surpreendente. Os robôs eram mais velhos que a própria cultura arcônida.

Rhodan começou a suspeitar de alguma coisa. Mas guardou a suspeita para si mesmo, pois ainda não dispunha de qualquer prova de que a mesma era verdadeira.

A suspeita não produziu qualquer modificação nos seus planos. Para a busca do mundo da conservação celular pouco importava de que espécie eram os seres que forneceriam a próxima indicação.

 

Numa noite daquelas Fellmer Lloyd, de repente, saiu gritando de sua barraca e despertou todo o acampamento.

— Estão chegando! — gritou. — Sinto que vão atacar!

Rhodan foi o primeiro a chegar perto dele. Não duvidava de que aquilo que Lloyd sentia correspondia à realidade; apesar disso deu-lhe um soco nas costas para que recuperasse o controle antes que todo mundo ficasse histérico.

— Proceda como um homem sensato! — gritou Rhodan. — O que houve?

— É o ódio! — fungou Lloyd. — Um ódio terrível. Acordei com isso e minha cabeça está zumbindo tanto que mal consigo ouvi-lo.

Rhodan correu para o alto da colina. Pelo que informava Lloyd, o inimigo vinha do norte.

As duas sentinelas postadas no topo da colina ainda não haviam percebido nada. Rhodan mandou que outros o seguissem e se colocassem atrás das peças de artilharia montadas ao abrigo da colina.

Por mais estranho que fosse, Fellmer Lloyd não percebeu nada do instinto brincalhão um tanto infantil que reconhecera como segunda característica da raça desconhecida.

— É só ódio! — resmungou em tom abafado.

Rhodan transmitiu suas instruções.

— Só começaremos a atirar quando pudermos assumir a responsabilidade pelas conseqüências. Usem os projetores mentais e procurem neutralizar sua vontade.

Era bem verdade que não acreditava que os projetores mentais dessem resultado. Não é possível hipnotizar um robô.

Passaram-se alguns minutos. Fellmer Lloyd parecia sofrer cada vez mais com o ódio dos desconhecidos. Deitado perto de Rhodan, comprimia o capacete contra o solo e gemia.

Subitamente apareceram.

Com um salto elegante transpuseram o topo da colina mais próxima e entraram na depressão em que Rhodan mandara montar os instrumentos.

Eram cinco esferas. Mesmo na escuridão reluziam, espalhando uma luz difusa. Ao que parecia, conheciam perfeitamente o objetivo; não se detiveram no fundo da depressão, mas foram subindo em linha reta em direção ao topo da colina.

Os projetores mentais começaram a funcionar, sem o menor resultado. A distância foi diminuindo; todo mundo sabia o que iria acontecer se as esferas atingissem o topo da colina.

— Fogo! — murmurou Rhodan.

Naquele instante ninguém sabia que efeito as armas da Stardust-III produziriam nas esferas. Tinham alguma esperança de que conseguiriam ao menos manter o inimigo à distância.

Ninguém esperava o que estava por vir.

O campo descristalizante do desintegrador postado no flanco esquerdo da colina atingiu a primeira esfera. No mesmo instante a mesma se iluminou no ribombar de uma explosão. Quando os homens conseguiram enxergar de novo, a esfera havia desaparecido e as demais, desorientadas, iam descendo junto à encosta da colina.

Os homens de Rhodan deram vasão à sua fúria. Este quis fazê-los parar, pois tinha esperança de capturar intacta ao menos uma das esferas. Mas antes que pudesse fazê-lo, os canhões dispararam salva após salva, desintegrando as esferas numa série de explosões fulgurantes.

A batalha da colina durara menos de dez minutos. As cinco esferas reluzentes haviam sido destruídas e Fellmer Lloyd respirou aliviado, porque viu-se livre da tremenda carga de ódio.

— Quando notou que o ódio diminuía? — perguntou Rhodan. — Foi com a destruição de alguma das esferas em particular?

Lloyd sacudiu a cabeça.

— Não é o que o senhor está pensando. Acreditava que a maior parte das esferas estava ocupada somente por robôs e que o desconhecido em pessoa estava apenas em uma delas, não é mesmo? Não foi isso. Com a destruição de cada uma das esferas o ódio ia diminuindo, e quando a última foi atingida, cessou por completo.

Isso deu o que pensar a Rhodan. A tese de que toda aquela civilização consistia num exército de robôs e mais um ou dois seres orgânicos sobreviventes começou a vacilar.

Perguntou-se se ainda valeria a pena esperar. O inimigo fora vencido e provavelmente não se arriscaria mais a atacar a colina. Se fosse assim, como fariam para agarrá-lo?

Estava convencido de que tudo permaneceria em silêncio por ali. Chamou de idiota uma sentinela que, na manhã do dia seguinte, lhe disse que um dos oscilógrafos instalados do outro lado da colina começara a funcionar, desenhando amostras coloridas na tela.

Mas, quando Fellmer Lloyd despertou do sono prolongado com que procurara recuperar-se das canseiras da noite anterior, registrou imediatamente as vibrações de um cérebro estranho que, segundo dizia, era extremamente brincalhão.

 

Rhodan dirigiu-se à sentinela que chamara de idiota e pediu desculpas. Depois disso, subiu a colina e permaneceu ao lado das duas sentinelas até que pôde notar com seus próprios olhos três incidentes novos: um radiador de nêutrons começou a disparar, uma calculadora pôs-se a trabalhar e um refrigerador começou a despejar ar liquefeito.

Embora ficasse satisfeito ao notar que o desconhecido continuava a entregar-se ao seu instinto brincalhão, descarregando-o sobre os instrumentos montados nas proximidades, sentia-se bastante confuso.

Não era apenas porque subitamente Lloyd alegava que a vontade de brincar estava livre de qualquer tipo de ódio, enquanto antes afirmava que o ódio e o instinto brincalhão andavam estreitamente ligados, mas também porque o comportamento do inimigo era inexplicável, a não ser que se quisesse admitir que fosse esquizofrênico.

Não pôde prosseguir nos seus pensamentos. A voz de uma das sentinelas soou no receptor de seu capacete. Parecia bastante exaltado:

— Há um movimento entre as duas colinas. Quer vir até aqui para dar uma olhada?

Pela segunda vez naquela manhã Rhodan subiu a colina e agachou-se atrás do topo. Ficara admirado com o movimento que a sentinela não conseguira identificar a uma distância de trinta metros, mas agora ele mesmo estava vendo.

Alguma coisa se mexia embaixo da areia. Parecia uma toupeira que procurava uma saída.

Dali a dez minutos subitamente surgiu um buraquinho no solo. Uma coisa pontuda, marrom, apareceu por um segundo e voltou a desaparecer. A areia voltou a se mover, circulando em torno do buraquinho como a água em torno do ralo de uma pia.

Dentro de algum tempo o diâmetro do buraco quintuplicou. Mais uma vez a coisa marrom e pontuda voltou a aparecer; arriscou-se mais um pedaço para fora, mas ao que parecia ainda achava a abertura muito pequena. O trabalho subterrâneo prosseguiu. Quando a impaciência dos observadores alcançou o máximo, o buraco atingiu um tamanho que permitiu a saída do ser marrom de focinho pontudo.

Era um rato-castor, e seu comportamento era bem estranho.

Saltou de um instrumento para outro e deu mostras de sua curiosidade, farejando um por um.

Ao que parecia, um pequeno aparelho de refrigeração — o mesmo que entrara em atividade uma hora antes — foi o que mais lhe despertou a curiosidade. O rato-castor sentou sobre as patas traseiras junto à máquina, esticou as patas dianteiras pouco desenvolvidas e apalpou o revestimento de plástico com movimentos um tanto desajeitados.

Erguido sobre as patas traseiras, o animal media quase um metro. O refrigerador só tinha metade dessa altura, e seu formato era o de um cubo.

O rato-castor deu alguns saltos para trás, virou-se e pareceu encarar o aparelho.

Depois aconteceu uma coisa muito estranha: a máquina ergueu-se do seu suporte e flutuou no ar. O rato-castor permanecia sentado, imóvel, contemplando-a. O aparelho deitou-se de lado e deslocou-se em direção ao rato-castor. Quando chegou a meio metro de distância, o animal afastou-se para o lado. O aparelho continuou a deslocar-se, parou sobre o buraco cavado pelo rato-castor e acabou desaparecendo no mesmo.

O animal virou-se e olhou. Permaneceu imóvel por mais alguns instantes; finalmente saltitou em direção ao buraco e desapareceu no interior do mesmo.

Poucos segundos depois a cena voltara ao mesmo aspecto que apresentava há alguns dias — com exceção do buraco, que antes não estivera lá, e do aparelho de refrigeração, que desaparecera.

Rhodan levantou-se. Sua cabeça zunia; perguntou de si para si se devia acreditar no que acabara de ver.

Ouviu uma das sentinelas soltar o ar com um forte chiado. Deitados de lado, os homens olhavam-no. Queriam uma explicação.

— Venham comigo! — ordenou Rhodan com a voz áspera. — Levem mantimentos pessoais para cinco dias. Também peguem uma arma manual. Vamos entrar nesse buraco para ver onde foi parar aquele refrigerador.

 

A Stardust-III foi informada sobre o incidente. Todos aguardavam algum comentário de Rhodan. Mas este não estava disposto a externar suposições.

— Sei tanto quanto você — disse em tom grosseiro para Reginald Bell. — Só terei outras informações depois que tiver entrado naquele buraco.

Puseram-se a caminho.

O tenente Tanner ficou no acampamento com mais cinco homens. Rhodan recomendou o máximo de vigilância, e consolou-o com o fato de que o armamento da Stardust-III provara sua superioridade sobre o inimigo.

O buraco cavado pelo rato-castor era bastante largo para que o animal pudesse entrar com seu tronco bastante grosso. Uma vez que esse tronco era da grossura de um corpo humano, Rhodan e seus homens não teriam maiores dificuldades em se deslocar.

O buraco desceu cerca de metro e meio, depois descreveu um ângulo reto e transformou-se numa espécie de galeria. Rhodan, que ia à frente, iluminou-o com seu holofote o melhor que pôde. O alcance do holofote era de cerca de um quilômetro, mas mesmo assim a luz não atingia o fim da galeria.

— De qualquer maneira vamos tentar — decidiu Rhodan.

 

Meia hora depois que Rhodan e seus companheiros haviam desaparecido no interior do buraco, o tenente Tanner recebeu uma mensagem da Stardust-III. O próprio Bell falava do outro lado e, pela expressão do rosto, estava algo mais que simplesmente nervoso.

— O chefe já saiu — disse Tanner.

— Nesse caso transfira a ligação para ele.

Tanner sacudiu os ombros.

— Mas o chefe deu ordens para nos abstermos de quaisquer comunicações pelo rádio. Qualquer contato só poderá partir dele.

Bell bateu com o punho cerrado na mesa em que estava colocado o receptor. A imagem deu um ligeiro salto.

— Pois grave o que vou dizer — ordenou. — E depois transmita de qualquer maneira. Rhodan não pode deixar de saber disso.

— Pode falar.

Comprimiu um botão para ligar o gravador automático.

— Os técnicos desmontaram e examinaram os robôs. Trata-se de seres mecânicos, mas seu cérebro é uma estrutura orgânica de duração ilimitada. Portanto, no que diz respeito à atividade mental, os robôs podem ser equiparados aos seres orgânicos. Apesar disso dispõem de um mecanismo de memória extremamente complicado. Até agora só conseguimos decifrar duas informações. Primeiro: o robô recebeu instruções de atacar imediatamente e, se possível, destruir qualquer ser estranho que penetre neste mundo. Segundo: neste mundo só existem vinte robôs desse tipo. A última lembrança de seres organicamente estruturados data de mais de quarenta mil anos do planeta Vagabundo, isto é, cerca de trinta e cinco mil anos do tempo terreno.

Num tom menos oficioso, Bell acrescentou:

— Tenente, espero que não deixe de reconhecer a importância desta informação.

Tanner apressou-se em asseverar que não poderia deixar de reconhecer isso. A comunicação foi interrompida e Tanner esforçou-se para estabelecer contato com o grupo de Perry Rhodan.

Depois de algum tempo, conseguiu. Ouviu exatamente aquilo que esperava:

— Quem é o idiota que está chamando? Dei ordens expressas para evitar toda e qualquer comunicação pelo rádio.

Tanner pediu desculpas, alegando a ordem recebida de Bell.

— Está bem — contemporizou Rhodan. — Conte; mas seja breve.

Tanner repetiu o que ouvira poucos minutos antes.

— Diga a Bell — respondeu Rhodan — que, para mim, isto não é novidade.

Com estas palavras a palestra chegou ao fim. Tanner estava perplexo quando voltou a chamar a Stardust-III.

 

“O rato-castor deve ter trabalhado vários dias para abrir esta passagem”, pensou Rhodan. Pelo seu cálculo, nas últimas quatro horas haviam se afastado outros tantos quilômetros do buraco por onde entraram. Mas, mesmo com o máximo de sua intensidade, o holofote ainda não atingia o fim da galeria.

Através de algumas amostras, colhidas por meio da comporta de provas de seu capacete, Rhodan constatara que a qualidade do ar permanecia inalterada. Dali se concluía que ambas as extremidades da galeria deviam ter ligação com a superfície.

Rhodan ainda procurou verificar, com seu isqueiro de gás, se havia qualquer correnteza de ar. A chama minúscula, que a quantidade reduzida de oxigênio contida naquela atmosfera mal conseguia nutrir, não revelara nenhuma movimentação.

Dali se poderia concluir que entre a saída da galeria e o lugar em que se encontravam haveria um grande reservatório de ar, que impedia a formação de correnteza. Talvez fosse uma caverna.

Isso o deixou satisfeito, pois tinha uma idéia bastante clara daquilo que o esperava mais adiante.

Mas havia outra coisa que o deixou muito menos satisfeito. Penetrara na galeria com menos de trinta pessoas. Sem dúvida não era qualquer um que poderia rastejar por horas a fio numa galeria que era tão baixa que a única coisa a fazer era deitar de barriga e empurrar o corpo com os cotovelos.

O efeito era de esperar: claustrofobia. Os homens começaram a ficar nervosos. Embora Rhodan lhes tivesse ordenado que mantivessem silêncio absoluto, algumas palavras ásperas foram proferidas. Rhodan procurou acalmar seus homens, com palavras tranqüilizantes ou grosseiras, conforme exigisse a situação.

Mas o nervosismo continuava a crescer. A marcha subterrânea não devia demorar demais.

Acontece que durou mais três horas. Rhodan calculou que lá fora o sol já se devia ter posto. A distância entre o lugar em que se encontravam e a entrada da galeria devia ser de cerca de oito ou nove quilômetros, visto que nas últimas horas seu deslocamento fora bem mais rápido que no início.

Já se tornara quase impossível controlar os homens. Muito embora a volta representasse um caminho muito mais longo — além do que teriam de rastejar para trás, já que era impossível virar o corpo naquela galeria estreita — cada vez mais freqüentes se tornaram os pedidos de desistir da expedição subterrânea.

Rhodan respondia o seguinte:

— Calma! Estamos quase chegando.

Detestava frases desse tipo, mas com elas conseguia ao menos alguns minutos de tranqüilidade.

De repente viram uma luminosidade, mais adiante, no interior da galeria.

De início Rhodan acreditou que se tratasse de uma ilusão produzida por seus olhos extremamente cansados. Fechou-os, ficou parado por um instante e voltou a abri-los.

O reflexo continuava no mesmo lugar.

Voltou a ligar o holofote e procurou descobrir o que havia por ali.

A luz do holofote não revelou nada.

Fosse o que fosse, ainda estava fora do alcance da luz do holofote.

— Vamos embora, rapazes! — disse. — Falta pouco.

Deslocaram-se com maior rapidez do que tinham feito até então.

A galeria não dispunha de qualquer escoramento, constatou Rhodan. Fora cavada na areia. Era um trabalho bem feito, mas as paredes não estavam revestidas.

Dali a quarenta e cinco minutos a galeria alargou-se um pouco. Rhodan continuou deitado e desligou o holofote.

A misteriosa luminosidade estava bem à sua frente, a uns cinqüenta metros de distância, mas não conseguiu descobrir a fonte de que provinha.

— Cuidado! — disse.

Lentamente, causando o menor ruído possível, os homens continuaram a avançar.

Dali a mais dez metros a galeria tornou-se tão ampla que os homens podiam ficar de joelhos.

Subitamente a galeria terminou.

De ambos os lados as paredes abriram-se praticamente em ângulo reto, e à frente havia um recinto em forma de caverna, em cujo centro, bem acima do solo, estava pendurada uma placa que emitia uma forte luminosidade.

Rhodan fez a luz de seu holofote passar pelo recinto. Estava completamente vazio, com exceção da placa e do pequeno refrigerador, que se encontrava perto do fim da galeria.

Rhodan saiu e levantou-se. Com alguns saltos colocou-se bem embaixo da placa luminosa e examinou-a.

— Fotografar! — gritou subitamente. — Rápido!

O homem com a câmara arcônida não tinha a menor idéia sobre o motivo pelo qual tivera de carregar o aparelho. Levou alguns segundos para perceber que as palavras de Rhodan eram dirigidas a ele. Por isso teve de ouvir algumas palavras duras do chefe.

— Aqui, perto de mim! — ordenou Rhodan. — Ângulo bem aberto. Vamos logo! O que está esperando?

O fotógrafo apertou um botão e empurrou a pequena objetiva de ângulo aberto para dentro da câmara. Dirigiu esta para cima e começou a tirar suas fotografias.

Só então viu que tipo de placa tinha diante de si. Ficou tão surpreso que, por pouco, não se esqueceu de manipular a máquina.

Aquele objeto que, visto de lado, parecia uma placa, era um modelo da Via Láctea. À primeira vista não se poderia dizer com segurança se era nossa Via Láctea ou outra galáxia; mas não se compreenderia que o imortal tivesse usado os recursos inacreditáveis de que dispunha para projetar o modelo de qualquer galáxia estranha nessa toca de ratos-castores.

O homem com a câmara foi repetindo as fotografias até que, de repente, a projeção cessou num chuvisco de chispas. Por um ou dois segundos a caverna subterrânea ficou profusamente iluminada.

Depois disso a escuridão foi tão profunda que os olhos ofuscados pela luz não enxergaram mais nada.

Alguém ligou um holofote manual.

— Apague isso! — ordenou Rhodan.

A luz apagou-se. No início ficaram sem saber por que Rhodan dera essa ordem; mas com o tempo — conforme a maior ou menor acuidade de suas vistas — perceberam.

A caverna tinha várias saídas. Por algumas delas entrou uma luz fraca e difusa, quase imperceptível. Era a luz projetada pelas estrelas do céu do planeta Vagabundo.

Rhodan dirigiu-se a uma das saídas. Era de formato idêntico ao da galeria pela qual haviam entrado. Suas paredes brilhavam à luz das estrelas. Estavam revestidas com uma cobertura reluzente.

A galeria levava para cima numa subida bastante íngreme; se inclinasse a cabeça para trás o mais que isso fosse possível com o capacete, Rhodan distinguia os pontos luminosos formados pelas estrelas.

— Acendam a luz! — ordenou.

Mais de uma dezena de holofotes acenderam-se de vez.

Sua luz potente cobriu o chão da caverna e as paredes revestidas com uma espécie de barro. O formato do recinto era bastante irregular. Ao norte parecia querer assumir a forma de um retângulo, mas ao sul terminava num semicírculo. Ao todo devia ter uns trezentos metros quadrados.

Junto às paredes viam-se, a intervalos regulares, montões de plantas secas. Rhodan examinou-os. Eram plantas da única espécie que até então haviam encontrado no planeta Vagabundo. Eram idênticas àquelas com que os ratos-castores, que viram na primeira noite, saciaram a fome.

Os ratos-castores!

— Onde estará o sujeito que roubou nosso refrigerador? — perguntou Deringhouse.

Rhodan, que estava junto dele, apontou para as saídas:

— Está lá fora, matando a fome junto com os outros.

— Que outros?

— Não está vendo que aqui há vinte e quatro leitos de palha; isto é, se quisermos chamar isto de palha.

— Leitos? — repetiu Deringhouse hesitante. — Quer dizer que esses animais têm camas?

— Se para você isto são camas, sim.

De resto não havia nada de extraordinário. Se os ratos-castores tinham uma despensa, como é de se esperar de qualquer roedor, esta devia ficar atrás de uma das galerias que saíam da caverna nas mais variadas direções. Rhodan preferiu não realizar outras buscas.

Saíram por uma das galerias de luz. As paredes eram tão lisas que não poderiam rastejar para cima. Mas bastava dar um forte salto para que, face à reduzida gravitação, atingissem a borda superior.

A galeria de saída fora escolhida conscientemente por Rhodan. No ponto em que desembocava na areia do deserto havia inúmeros rastros, que seguiam na direção norte.

Seguiram-nos cautelosamente. Os rastros contornaram uma colina e terminaram num vale, mais largo e comprido do que costumam ser os vales daquela região. Havia uma vegetação rala, que à luz das estrelas se destacava nitidamente sobre a areia branca.

Mais ao norte viu-se uma massa escura e compacta, cujos flancos se mantinham num movimento ininterrupto.

Aproximaram-se mais um pouco. Adaptaram os filtros de luz infravermelha às lâminas de seus visores e reconheceram o rebanho de ratos-castores, que pastava tranqüilamente.

Contaram vinte e quatro animais.

— Pois bem! — disse Rhodan depois de algum tempo. — Voltemos para casa.

Todavia, aquela noite ainda lhe reservava uma surpresa. Enquanto marchavam para o sul, para chamar os câmbios num lugar em que não perturbassem os ratos-castores em sua ocupação pacífica, Rhodan examinou as colinas à sua volta.

Eram todas iguais — nem muito altas, nem muito grandes. Pareciam ter sido levantadas artificialmente, e lembrou-se de que já tivera essa impressão, quando, em companhia de Deringhouse, encontrara a primeira esfera reluzente.

Era a área dos ratos-castores. Acima da caverna de onde haviam acabado de sair havia uma colina desse tipo; provavelmente haveria uma caverna embaixo de cada uma das outras colinas.

 

Dali a poucas horas estavam de volta, a bordo da Stardust-III. O tenente Tanner foi encarregado de levantar o acampamento e levar as barracas e os instrumentos até a nave.

As fotografias tiradas no interior da caverna dos ratos-castores foram reveladas; mas Rhodan ainda não as mostrara a ninguém.

— Antes de examinarmos as fotografias devemos esclarecer algumas coisas — principiou.

Seus ouvintes — os mesmos que tivera no início da expedição, quando a Stardust-III ainda se encontrava parada num espaço bizarro com umas ridículas cinqüenta e seis estrelas — procuraram ler as palavras em seus lábios.

— Viemos até aqui para encontrar mais uma indicação sobre o caminho que devemos tomar para achar o mundo cuja civilização conhece o segredo biológico da conservação das células, e portanto da vida eterna. Batizamos a missão com o nome Pedra dos Sábios. Estávamos convencidos de que no planeta Vagabundo devia existir uma raça inteligente, que possuísse tal indicação. Estávamos preparados para conquistar a confiança dessa raça, ou para arrancar-lhe o segredo à força.

“Pois bem. Estávamos aqui há poucos dias quando percebemos que um telecineta invisível se divertia à nossa custa, comprimindo botões, levantando objetos e fazendo outras bobagens desse tipo. Organizamos uma expedição e logo nos deparamos com uma estranha esfera reluzente, que acreditávamos ser outro produto daquela raça desconhecida, que horas antes nos dera mostras de suas intenções hostis, quando fez voar pelos ares minha barraca.

“Colocamo-nos na pista que havíamos localizado e prosseguimos por ela. Nos primeiros dias ninguém se lembrou de que o cérebro positrônico da Stardust-III havia previsto o fim das provas exclusivamente técnicas. Num instante preparamo-nos para enfrentar um inimigo que possuísse uma porção de coisas que não conhecêssemos, e de nos apossarmos de seu segredo apesar da superioridade técnica de que era dotado. Mas, por estranho que pudesse parecer, tudo correu sem o menor problema. Ocupamos o pavilhão de fábrica sem que sofrêssemos qualquer perda digna de nota, é bem verdade que fomos ajudados pelo acaso, e não tivemos que fazer maiores esforços para repelir outro ataque do inimigo. Ficamos um pouco desconfiados...”

— Você ficou! — disse Bell em tom áspero. — Nós não.

— Está bem; então fui eu — disse Rhodan com um sorriso. — De repente percebemos que o inimigo não possuía nenhuma superioridade técnica, embora conhecesse campos gravitacionais rotativos. Lembramo-nos das observações feitas por Lloyd: toda vez que este captava um modelo de vibrações cerebrais, seu conteúdo era formado por um ódio cego e destruidor ou por um instinto brincalhão verdadeiramente infantil. Não haveria mais necessidade de quebrar a cabeça: estávamos na pista errada, pois no planeta Vagabundo há duas raças inteligentes.

As cabeças dos ouvintes, até então inclinadas numa atenção muda, foram atiradas para cima. Os olhos exprimiam uma perplexidade total, as bocas abriram-se em protesto, mas não conseguiram emitir um som.

— Duas... — disse a voz rouca de Deringhouse depois de algum tempo.

Rhodan fez que sim.

— Qual é a segunda? — perguntou Bell.

— São os ratos-castores.

— Não é possível! — exclamou Deringhouse. — Lloyd observou-os na noite em que montamos o acampamento naquelas colinas e não percebeu nada.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Essa regra seletiva, como é chamada pelo cérebro positrônico, consistia de duas partes. Em primeiro lugar, tínhamos de descobrir que no planeta Vagabundo existem duas raças inteligentes, e depois precisávamos saber qual delas dispunha da indicação que estávamos procurando. A raça dos ratos-castores é de um tipo que nossa experiência, ou melhor, a experiência arcônida, encontra pela primeira vez. Não há dúvida de que a inteligência desses animais é de natureza intermitente.

— O que vem a ser isso?

A pergunta foi formulada abruptamente e em tom áspero, sem um mínimo de respeito. Partiu de Bell.

— Uma inteligência intermitente é um tipo de inteligência que faz com que o ser que a possui às vezes seja inteligente, às vezes não seja. Falei claro?

— Não. Isso significa que de segunda a quarta-feira os ratos-castores são inteligentes, e de quinta a domingo são estúpidos?

— Mais ou menos — murmurou Rhodan. — Apenas o intervalo é diferente. É diurno-noturno. Os ratos-castores perdem sua inteligência, que de qualquer maneira não é muito grande, quando começa a escurecer, e voltam a recuperá-la ao nascer do sol. Uma vez que esse efeito existe, é perfeitamente compreensível que o mesmo se processe segundo os dados naturais existentes neste mundo. Em poucas palavras, ele se orienta pela luz e pela escuridão. Se não fosse assim, os ratos-castores teriam ficado numa confusão terrível quando o terremoto alterou a posição do eixo do planeta Vagabundo.

Seguiu-se uma discussão apaixonada.

Por estranho que parecesse, Crest e Thora, os dois arcônidas, mantiveram-se num silêncio total. Rhodan sorriu para eles. Crest retribuiu o sorriso, mas Thora limitou-se a erguer as sobrancelhas.

“São os herdeiros de um saber que teve de reconhecer que está longe de ser total”, pensou Rhodan. “Quando será que essas criaturas teimosas que habitam o planeta Terra reconhecerão que nada é impossível pelo simples fato de eles ainda não o haverem visto?”

Interrompeu a discussão e formulou esse argumento. Não concordaram com o mesmo — ele o viu pela expressão de seus rostos — mas aceitaram sua sugestão:

— Provarei a exatidão de minha teoria. A Stardust-III permanecerá no planeta Vagabundo por mais alguns dias. Teremos oportunidade de observar os ratos-castores.

Passou a outro assunto.

— Apesar de tudo, talvez na nossa inconsciência, encontramos no planeta Vagabundo os restos de uma cultura antiga. Não tenho medo de confessar que, por algumas horas, cheguei a acreditar que o planeta Vagabundo era o mundo da vida eterna, e que os robôs nada mais eram senão os espíritos servis do imortal, que nos vem arrastando na sua esteira. Bem; não era isso. O imortal deve ser bem mais antigo que a cultura do planeta Vagabundo. Os robôs foram desmontados. Sabem de muita coisa que nós não sabemos; em compensação, outras coisas que nos parecem corriqueiras são ignoradas por eles. Há dezenas de milhares de anos guiam-se pela última ordem que lhes foi ministrada: atacar e destruir qualquer invasor.

“Seu cérebro tem uma estrutura orgânica, provavelmente porque seus construtores viram nisso a maneira mais simples de construir um robô. Repousa num tipo de tanque cheio de um líquido nutritivo, que pode manter o cérebro vivo pelo menos por cem mil anos terrenos.

“Acontece que a energia mecânica dos robôs era fornecida por geradores. Um deles foi avariado por ocasião do grande terremoto, e o resultado foram quinze robôs aparentemente mortos. Deve haver outro gerador que abastecia os cinco robôs restantes. Estes nos atacaram e foram destruídos.

“Temos possibilidade de revitalizar os quinze robôs aparentemente mortos e programá-los de tal maneira que não nos considerem mais como inimigos. É o que faremos.”

Sorriu.

— Quem está em nossa situação não pode se dar ao luxo de dispensar qualquer novo saber que possa adquirir, por mais insignificante que seja. Acredito que poderemos aprender muita coisa com a velha cultura do planeta Vagabundo.

Pegou o maço de fotografias que se encontrava sobre a mesa.

— O mais interessante desses robôs — disse, como se estivesse pensando em voz alta — é que os mesmos armazenaram sem o menor preconceito todo o saber de que dispunham seus chefes desaparecidos. Para um robô que recebeu ordens para atacar qualquer invasor, uma granada de mão é uma arma tão eficaz como um campo rotativo. De início andamos quebrando a cabeça sobre isto. Parece que nos últimos dias aprendemos uma boa lição de lógica de robôs. Ataque com qualquer coisa que tenha à mão, desde que seja uma arma.

Aproximou as fotografias dos olhos.

— Basta que lhes mostre uma destas fotografias. Nela existe tudo que esperávamos encontrar no planeta Vagabundo.

Pegou a fotografia de cima e colocou-a no projetor. Quando ligou o aparelho, a luz do teto apagou-se automaticamente.

Viram, em projeção tridimensional, um setor do modelo de Via Láctea que haviam encontrado na caverna dos ratos-castores. No centro do quadro via-se um ponto luminoso insignificante, da qual saía uma faixa bem mais clara que se estendia a uma estrela situada no quadrante superior direito.

— Quero explicar o seguinte — soou a voz áspera de Rhodan em meio ao silêncio. — No início não se via o ponto situado no centro do quadro. Quando olhei a fotografia pela primeira vez, a faixa luminosa terminava no nada. Tivemos de lançar mão de todos os recursos da técnica de revelação arcônida para que o pontinho se tornasse visível. Constatamos que as estrelas que aparecem neste modelo foram projetadas de acordo com sua verdadeira luminosidade. Portanto, temos uma indicação exata da intensidade luminosa da estrela em que termina esta faixa brilhante. O resultado é um tanto surpreendente: essa estrela não tem luminosidade própria; a luz que irradia é apenas o reflexo de sóis vizinhos. Trata-se de um planeta sem sol.

— É o mundo da vida eterna? — perguntou Crest.

— Acreditamos que sim — respondeu Rhodan. — Se não fosse assim, o quadro não teria o menor sentido.

— E que estrela é essa que fica na outra extremidade do arco luminoso? — perguntou Bell.

— Vega.

Alguém respirou pesadamente.

— Quer dizer que já conhecemos nossa posição galáctica?

— Isso mesmo. Encontramo-nos a dois mil e quatrocentos anos-luz de Vega e do Sol.

Não disseram mais nada. Admiraram o quadro daquela projeção misteriosa que haviam encontrado e fotografado no interior da caverna dos ratos-castores. Embora não quisessem admiti-lo, sentiram-se tomados de veneração pela técnica estranha e legendária da raça desconhecida que habitava o mundo da vida eterna.

Agora já se sabia que esse mundo vagava pelo espaço galático, solitário e sem sol.

 

Depois de haverem localizado as cavernas dos ratos-castores, já não havia o menor problema em postar Fellmer Lloyd nas proximidades. Este constatou exatamente aquilo que Rhodan previra.

Durante o dia os ratos-castores eram uma raça de inteligência pouco desenvolvida, mas dotados da capacidade parapsicológica da telecinésia, que neles alcançava uma potência extraordinária. Além disso, estavam possuídos de uma tendência de brincar extremamente desenvolvida, em consonância com seu reduzido grau de inteligência.

Os objetos que Rhodan colocara ao seu alcance mantiveram-nos ocupados durante todo o dia. Agora que dispunham desse playground, a Stardust-III ficava muito longe para que ainda a importunassem.

Ao escurecer transformavam-se em animais sem inteligência, que saltitavam pelos vales em que havia vegetação. Poucas horas antes do nascer do sol voltavam às suas cavernas para dormir. Quando despertavam o sol brilhava no céu e os animais recuperavam a inteligência.

Era um estranho jogo da natureza.

Fellmer Lloyd não sentia mais nada do ódio ardente que os cérebros orgânicos dos robôs encerravam; os cérebros orgânicos acondicionados em tanques feitos de um material especial, que os protegia contra a influência do projetor mental dos arcônidas.

 

Dez dias do planeta Vagabundo depois de terem encontrado a imagem da galáxia no interior da caverna dos ratos-castores, a Stardust-III estava pronta para decolar. Rhodan não julgou necessário percorrer o caminho mais longo, que passava junto ao sistema Vega, e que o modelo parecia indicar. Todavia, achou preferível avisar os tripulantes das oito naves auxiliares do tipo girino e, conforme as circunstâncias, também o coronel Freyt na Terra, sobre o que havia ocorrido.

De forma que a rota foi regulada pelo sistema Vega.

Rhodan lamentava não dispor de tempo para decifrar os mistérios da velha cultura cujos últimos remanescentes eram os vinte robôs. Os trabalhos de revitalização dos robôs estavam em pleno andamento. Bastaria corrigir sua memória de instruções para que, de boa vontade, revelassem o saber de que dispunham. Mas, na opinião de Rhodan, só saberiam tudo que desejavam quando tivessem tempo de regressar ao planeta Vagabundo e examinar o pavilhão de máquinas. Por enquanto teriam de contentar-se com as informações que conseguissem extrair da memória dos robôs. Entre essas informações estava a de que os robôs tinham capacidade para voar em pequenos trechos, isso com o auxílio de um minúsculo gerador gravitacional embutido em seus corpos elípticos. Com isso Rhodan livrou-se do pesadelo que lhe causara o fato de não saber explicar por que os rastros começavam subitamente em algum lugar para mais adiante terminarem tão subitamente como haviam começado.

 

Dois enigmas ficaram sem solução: por que o telecomunicador de Rhodan falhara subitamente no primeiro vôo de reconhecimento, durante o qual pretendia explorar o espaço com cinqüenta e seis estrelas, e por que, embora não enxergasse diretamente o sol do planeta Vagabundo, conseguira ver sua luz refletida pela Stardust-III.

O imortal teria uma explicação para isso.

Conheciam sua posição, pela primeira vez nessa busca difícil e demorada, em que esperavam encontrar o mundo da luz eterna.

 

Thora entrou na sala de comando no exato momento em que Rhodan se dispunha a introduzir a ordem de decolagem no piloto automático.

Passou por Reginald Bell sem contemplá-lo com um único olhar e sorriu para Rhodan.

— Ainda voltaremos para cá? — perguntou.

Rhodan fez que sim.

— Sem dúvida. É bem verdade que não simpatizo muito com a presença de seres que, por pura infantilidade, fazem brincadeiras tais como deslocar bombas arcônidas através do ar, tentam matar homens fortes com um câmbio que fazem tombar sobre eles e praticam outras tolices desse tipo. Mas precisamos dar uma olhada no pavilhão de máquinas. Acho que com isso poderemos aprender muita coisa.

Thora confirmou com um aceno de cabeça.

— É verdade — disse em tom amável.

Era este o seu gênio. Nunca pediria desculpas por um erro que tivesse cometido. Mas recorria à amabilidade para dar a perceber que reconhecia a injustiça que cometera. Mesmo que a injustiça consistisse apenas num olhar zangado.

Rhodan retribuiu o sorriso. Com um movimento vigoroso empurrou a chave automática para a posição de decolagem e, com uma expressão satisfeita, contemplou a luz que se acendeu no painel de controle.

 

                                                                                            Kurt Mahr

 

 

                      

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