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SIMPÁTICA IMPOSTORA / Erle Stanley Gardner
SIMPÁTICA IMPOSTORA / Erle Stanley Gardner

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

SIMPÁTICA IMPOSTORA

 

-           É o advogado de Diana Douglas? perguntou uma voz, - Empregada na Companhia de Importações e Exportações Escobar?

-           Sim..

-           Esta jovem está presa e pediu para se comunicar com você. Bem, concedemos a permissão.

-           De acordo, a coloque no telefone.

-           É uma chamada a cobrar, recordou a voz.

-           Perfeitamente. Um momento mais tarde se ouviu a assustada voz de Diana no telefone.

-           Senhor Mason, não... não entendo. Estão me acusando... Dizem que eu... que eu...

 

 

Perry Mason levantou a vista de sua mesa quando Della Street, sua secretária particular, apareceu na porta da sala.

-           Sim, Della?

-           Na sala está uma jovem que não quer dar seu nome.

-           Então não a receberei, declarou Mason.

-           Eu sei o que você pensa a respeito, replicou Della, - Porém creio que existe uma razão para que a jovem não queira dar essa informação.

-           Que tipo de razão?

-           Talvez fosse interessante averiguar.

-           Ruiva ou morena?

-           Ruiva. Traz uma bolsa preta e outra bolsinha, além da bolsa normal.

-           Idade? quis saber Mason.

-           Não mais de vinte e dois ou vinte e três. Mason franziu a testa.

-           De acordo, suspirou Mason, - Deixe entrar e darei uma vista d'olhos nela. Della Street saiu e regressou rapidamente com uma jovem que tremia de excitação ao chegar perto da mesa.

-           Senhor Mason? O advogado sorriu.

-           Não precisa ficar nervosa, disse. - Ao final, eu sou advogado, e se você se acha em um aperto, talvez possa ajudar. A jovem se acomodou diante da mesa.

-           Senhor Mason... eu... eu... tenho que desaparecer e não quero que meus parentes possam me encontrar.

-           Por que tem que desaparecer?

-           Tenho minhas razões, ela respondeu. - Não acho necessário entrar agora em detalhes, porém é preciso que eu desapareça.

-           E deseja que eu a ajude?

-           Quero que o senhor se ache em situação de proporcionar, se chegar o caso, o caminho que me conecte com a minha vida anterior. Porém não quero que o faça, a não ser que eu dê permissão, ou a menos que se apresentem certas circunstâncias. Tocou a campainha do telefone da mesa de Della Street.

-           Sim, Gertie... Agora mesmo...? Importante...? Muito bem. Perdoem-me um momento, disse, e saiu em direção à recepção. Mason contemplou fixamente a visitante.

-           Me pede que confie em você.

-           Não confia em todos os seus clientes ?

-           Não de todo, objetou Mason. - Porém toda pessoa acusada de um delito, inocente ou culpada, tem direito a ser defendida. Tem direito a uma defesa ante o tribunal. E eu trato de conceder uma representação legal.

-           Porém você procura defendê-la a fim de demonstrar sua inocência. Mason pensou uns instantes e logo falou, escolhendo cuidadosamente as palavras.

-           Sim, porém só trato de que minha defesa seja eficaz. Nada mais. Della Street regressou da recepção, fez um sinal a Mason e cruzou a sala em direção à biblioteca.

-           Terá que me desculpar um instante, escusou-se Mason. - Parece que apareceu um assunto importante que requer minha atenção imediata. Só um momento, comentou, indo até a biblioteca. - Que está acontecendo? perguntou a Della Street, quando fechou a porta.

-           Gertie observou algo na visitante, ou pareceu a ela; enfim, talvez seja melhor que você falasse com ela.

-           Não pode me dizer do que se trata?

-           Claro que sim, replicou Della, - Porém não posso comentar o que Gertie me confiou, tal como você quer.

-           De acordo, assentiu Mason, - Vejamos do que se trata. Apanhou Della Street pelo braço e a conduziu até a porta que dava à recepção. Apesar da sala estar deserta, Gertie chamou Mason até a telefonia e baixou a voz até um tom apenas audível.

-           A jovem que está em sua sala...

-           Sim, sim... assentiu Mason, - Que aconteceu, Gertie? observou algo de estranho nela?

-           Se observei algo estranho? Claro que observei algo estranho!

-           Bom, exclamou Della com impaciência, - Conte o que foi, Gertie.

-           Prestaram atenção, começou Gertie, - Na carteira preta que ela leva e que segura de maneira tão apertada?

-           Trata-se de uma carteira para cosméticos, uma espécie de nécessaire, explicou Della. - Do tipo que contem um espelhinho no forro da capa, visível quando se abre.

-           E os cosméticos, os cremes e os pentes se acham dentro, disse Mason.

-           Nessa carteira, cortou Gertie com veemência. Acha-se repleta de notas de cem dólares, muito bem organizadas.

-           O que? exclamou Mason.

-           Como sabe disso, Gertie? quis saber Della. - Vamos, nos conte.

-           Bom. explicou a telefonista, - Essa garota quis tirar ou colocar algo na nécessaire. Abriu-a, e precisamente foi a forma de abrir o que me chamou a atenção.

-           Como o fez? interessou-se Mason.

-           Deu quase meia volta em sua cadeira, virando-me as costas.

-           E no momento, você alargou o olho tratando de ver que ocultava.

-           Bom... vacilou Gertie, - Suponho que todo mundo é um pouco curioso.

-           Foi só um comentário, se desculpou o advogado. - Não se aborreça, Gertie, e diga o que viu.

-           O que essa garota não compreendeu, prosseguiu a recepcionista, - Foi que; imediatamente quando me voltou as costas e levantou a capa da nécessaire, o espelho refletiu o conteúdo do interior.

-           Diga-me exatamente o que você viu.

-          Todo o interior da carteira. E todo o interior não era mais que um conjunto de notas de cem dólares, muito bem arrumadas e atadas.

-           Viu isto pelo espelhinho?

-           Sim.

-           Bem, diga-me agora: ela manteve cuidadosamente a capa aberta em ângulo para que você pudesse continuar olhando o interior da carteira, ou abriu a capa até sua altura máxima? Gertie pensou uns instantes antes de responder.

-           Pensando bem, creio que a abriu por completo.

-           Então essa jovem manteve a capa em certo ângulo, com tempo suficiente para que você pudesse ver o conteúdo da carteira. Como você sabe, continuou Mason após uma pausa, - Que eram notas de cem dólares, Gertie? A essa distância não pôde ver a quantidade...

-           Bem... pareciam notas de cem...

-           Porém, podiam ser de cinqüenta dólares também, não é verdade? perguntou Mason, ao ver que Gertie vacilava. - Ou de vinte dólares...

-           Tive a impressão de que se tratavam de notas de cem dólares, senhor Mason.

-           E pelo mesmo raciocínio, já que viu tudo através do espelhinho e de tanta distância, prosseguiu Mason, - Também podiam ser notas de um dólar.

-           Oh, estou completamente segura de que não eram notas de dólar.

-           Por que está tão segura?

-           Pelo aspecto que tinham.

-           Obrigado, Gertie. agradeço que nos tenha advertido. Portou-se muito bem. O advogado deu uma pancadinha nas costas da recepcionista. - Boa garota, Gertie, continuou. - Procure vigiar sempre a todos os meus clientes, e se observar algo fora do normal, não duvide em me avisar. Mason e Della Street regressaram à biblioteca.

-           Qual a sua opinião, chefe? indagou Della.

-           Acredito que Gertie viu o conteúdo da carteira e que esta está cheia de notas. Porém que sejam de um dólar ou de cem, ninguém pode afirmar.

-           Gertie possui uma grande imaginação, disse Della. Mason assentiu pensativamente.

-           O importante, disse depois, - É o tempo que a jovem manteve o espelhinho naquele ângulo; o importante é saber se nossa misteriosa cliente desejava que Gertie visse o que continha a carteira para nos informar ou se queria tirar algo e só a curiosidade inata de Gertie a fez olhar pelo espelho... Bem, vamos ver a nossa cliente. Mason e Della regressaram a sala. - Lamento tê-la fato esperar, disse Mason. - Bem, vejamos. Onde estávamos...? Ah, sim, você necessita um advogado que a represente.

-           Exato.

-           Porém não deseja que alguém conheça sua identidade.

-           Tenho meus motivos, senhor Mason.

-           Acredito, concordou o advogado, - Porém isto torna o assunto muito pouco satisfatório para mim. Suponhamos que você deseje se comunicar comigo, para que eu possa ajudar em algo. Como saberei que falo com a mesma pessoa que contratou meus serviços?

-           Criaremos uma senha.

-           Está bem. O que sugere?

-           Minhas medidas.

-           Suas medidas? repetiu Mason.

-           Sim, noventa, sessenta, noventa.

-           Isto apenas é uma senha, observou.

-           Porém se eu dou minhas medidas com minha própria voz ao telefone, você reconhecerá minha voz, não é correto?

-           Não estou seguro, replicou Mason. - Talvez. As vezes, é difícil reconhecer uma voz ao telefone. O que você me pedirá? Quero dizer, o que terei de fazer se você me chamar?

-           Defender-me.

-           De que?

-           Diabos, não sei, confessou a jovem, - Porém quem quer me encontrar é muito... muito engenhoso. Não irão procurar detetives privados se puderem me acusar de ter cometido um crime e conseguir colocar a polícia no meu rastro. Isto é o que temo. Olhe, senhor Mason, continuou apressadamente, - Não tenho liberdade para lhe contar todos os fatos, porém algumas pessoas... melhor dizendo, certa pessoa deseja me encontrar, ou, que pode desejar me encontrar. E essa pessoa é diabolicamente engenhosa. Não se deterá por nada.

-           Não é fácil falar com uma pessoa que desaparece deliberadamente.

-           Eu sei, e essa pessoa também sabe. Portanto, não gastará tempo e dinheiro contratando a detetives privados. Acusar-me-á de algum crime e fará que a polícia me procure.

-           E...?

-           E... terei que me defender.

-           Quer dizer que, atualmente, essa pessoa tenta forçar um acontecimento, procurando ter com que acusá-la, certo?

-           Talvez. Pode tentar qualquer coisa.

-           Inclusive colocar a si mesmo em uma posição vulnerável, objetou Mason. - Bom, a menos que você tenha cometido efetivamente um crime.

-           Oh, não...!

-           De que pode acusá-la?

-           Céus, eu não sei; talvez de assassinato...

-           Ou... talvez de desfalque? perguntou Mason de repente.

-           É possível, porém não havia pensado nisto.

-           Pois parece o mais lógico, comentou Mason, em um tom fingidamente casual. - Se a acusar de assassinato, precisaria ter um cadáver. Por outro lado, se a acusa de desfalque só tem que jurar que sumiu dinheiro.

-           Sim, ela admitiu lentamente, - Entendo seu ponto de vista.

-           Bem, qual era a sua idéia? quis saber Mason.

-           Eu queria dar a você uma antecipação, a fim de reservar seus serviços.

-           Que antecipação pensou?

-           Trezentos dólares?

-           Acredito que seria uma antecipação razoável. Naturalmente, depois de ter me consultado e no caso de que a situação se complicasse, precisaria pedir-lhe mais dinheiro. A jovem abriu a bolsa, não permitindo que Mason pudesse ver seu conteúdo, e retirou seis notas de cinqüenta dólares.

-           Minha secretária lhe dará um recibo, respondeu Mason. - Caramba, essas notas parecem novas!

-           Vim preparada. Normalmente não carrego uma soma tão grande. Estas notas eu os saquei do banco... para você.

-           Aqui... em Los Ângeles? perguntou Mason, novamente de maneira casual.

-           Não, não, aqui não. Claro que não.

-           Entendo. Mason apanhou uma das notas e brincou com ela distraidamente.

-           Bom, o que espera que eu faça por você? perguntou ao final.

-           Provavelmente nada. Oh, não me interprete mal, senhor Mason. O senhor não é para mim mais do que uma âncora em uma tormenta. É possível que, se tudo correr bem, não volte a ouvir falar mais de mim.

-           E se tudo não correr bem?

-           Então terá noticias minhas.

-           Quais?

-           Eu não eu sei. O chamarei quando precisar de ajuda.

-           Que tipo de ajuda?

-           Tampouco eu sei, talvez conselho em uma situação complicada.

-           Não posso estabelecer relações com um cliente sobre uma base tão fraca.

-           Quando eu o chamar pedindo ajuda, discutiremos o assunto. Sei que você será justo comigo, e também pode estar certo de que eu não pedirei nada que não seja legal, justo e eqüitativo.

-           Pode me encontrar neste escritório no horário de trabalho, explicou Mason. - Durante o resto do dia pode me localizar mediante a Agência de Detetives Drake, cujos escritórios estão neste mesmo andar.

-           Ao chegar no elevador vi a placa na porta, assentiu a jovem.

-           Sua central de telefonia funciona todo o dia e toda a noite, e em caso de uma emergência... quer dizer, uma verdadeira emergência, eles entram em contacto comigo. Delta Street entregou um cartão à jovem cliente.

-           Aqui tem todos os números, tanto de dia como de noite.

-           Obrigado, senhorita Street.

-           Dê a ela um recibo, Della, pediu Mason, - Por uma antecipação de trezentos dólares em dinheiro. E agora, quer que o recibo apresente simplesmente a senha noventa, sessenta, noventa? A jovem sacudiu negativamente a cabeça.

-           Não quero recibo, recusou. Em seguida, colocou a bolsa na mão, apanhou a carteira dos cosméticos, sorriu para Della Street e continuou: - Obrigado por ter-me recebido, senhor Mason. No instante seguinte havia saído da sala. Mason continuou sentado vendo como a porta se fechava pelo impulso do automático.

-           Foi uma boa representação.

-           Em que sentido?

-           Ao afirmar que não voltaríamos a saber dela.

-           Acredita que tudo foi uma farsa?

-           Aposto dez contra um que, no máximo em de cinco dias esta garota me chamará e falará que está em graves dificuldades.

-           Não vou apostar, sorriu Della. - Da má sorte apostar contra você. Posso dizer uma coisa: estas não são suas medidas.

 

Quando faltavam dez minutos para as nove, Mason entrou em sua sala particular pela porta do corredor, sorriu para Della Street e perguntou:

 

-           Alguma novidade, Della? Della apontou para a mesa do advogado. Em cima da correspondência havia um jornal dobrado, na seção de anúncios. Mason apanhou o jornal e olhou as páginas dos anúncios pessoais, se detendo no que tinha um sinal na margem.

 

ESTOU AQUI A PONTO DE CONCLUIR NEGOCIAÇÕES COM BASE DE DINHEIRO EM ESPÉCIE. NÃO CHEQUE. DINHEIRO NO ATO. CHAMAR HOTEL WILLATSON, 90-60-90.

 

-           Diabos... sibilou Mason. Acredita que se trate de nossa garota?

-           Parece, confirmou Della. Mason vacilou um instante e logo apontou o telefone com o polegar.

-           Paul Drake, Della. A secretária discou o número privado do detetive, e depois de um momento falou.

-           Um momento, senhor Drake. Perry quer falar com você. Passou para Mason o receptor.

-           Alô, Paul. Tens tempo para vir me ver um instante?

-           Nunca tenho demasiado trabalho quando surge um novo negócio.

-           Então, venha depressa. E Mason desligou.

-           É ético contar a Paul...? perguntou Della.

-           Não é ético contar nada para ninguém, reconheceu Mason. - Porém quero descobrir quem deseja ver essa garota e qual é o assunto que tem nas mãos.

-           Alguma idéia? perguntou Della.

-           Acredito que ela vinha de San Francisco.

-           Porquê?

-           Pela sua forma de vestir, explicou Mason; - Além disso, pela hora em que apareceu. Com certeza, tomou um avião, deixou suas malas em alguma parte, provavelmente no hotel Willatson, e apanhou um táxi até aqui. Deve ter preparado este anúncio antes de me ver. Se eu bem me lembro, é necessário um ou dois dias para colocar um anúncio. Se eu estiver certo, essa jovem deve telefonar para o hotel Willatson solicitando uma reserva.

-           E então...?

-           Então temos que averiguar algo mais a respeito de nossa misteriosa cliente, alguma coisa mais além de suas falsas medidas. Na porta da sala que dava para o corredor tocou a campainha com a senha de Paul Drake. Della abriu.

-           Alô, Paul, cumprimentou. - Que tal anda o trabalho?

-           Agora um pouco fraco...

-           Talvez possa lhe dar uma mão. Porém não se trata de um caso de importância, e sim de simples rotina, falou Mason.

-           Quem é o cliente? indagou Drake.

-           Eu. Respondeu Mason.

-           Oh... oh...

-           Desejo averiguar algo sobre um cliente.

-           Dispara! exclamou.

-           Acredito que não me portei bem com um cliente, Paul, começou a dizer Mason.

-           Como?

-           Não posso dar os detalhes. Supõe-se que um advogado há de proteger as confidências de seu cliente. Todas as declarações deste são completamente confidenciais. Bem, colocado assim o assunto, você tem de saber que dei a um cliente um conselho equivocado.

-           Cliente masculino ou feminino? Drake quis saber.

-           Isto também é confidencial.

-           Bom, em que falhou com esse cliente?

-           Em não explicar tudo aquilo que um cliente há de saber para seu próprio bem, comentou Mason. - Deixei que o cliente diagnosticasse seu caso e eu aceitei tal diagnóstico.

-           Continua.

-           De vez em quando, continuou Mason, - Um cliente quer diagnosticar seu próprio caso, e da mesma maneira que um paciente procura um médico e diz: <Doutor, sofro de indigestão. Quero que você me receite algo contra a indigestão>. Se o médico se limita simplesmente a receitar para seu paciente algo contra a indigestão, foge dos regulamentos de sua profissão, pois primeiro deve estudar os sintomas e depois receitar.

-           Isso é elementar, não é Perry ? perguntou Paul Drake.

-           Este cliente veio aqui, diagnosticou o caso e receitou o remédio também. Por desgraça, eu aceitei sua declaração como válida. E não devia tê-lo feito. E agora, a fim de acalmar minha consciência, quero informação.

-           Sobre o cliente? perguntou Drake.

-           Sobre várias coisas talvez, replicou Mason. - Necessariamente, não precisa estar relacionada diretamente com a situação. Nem sequer esteja relacionada diretamente com o cliente. Porém podem ser bastante significativas para o que concerne a mim.

-           De acordo confirmou Drake. - Quer que investigue por sua conta. Bem, obterá meus melhores serviços e darei um desconto na fatura. O que tenho de fazer? Mason apanhou o jornal e o entregou ao detetive.

-           Este anúncio, apontou. Drake leu-o e depois levantou os olhos.

-           Parece que seu cliente tem três endereços... raciocinou Paul. - Não, espera, noventa, é mencionada duas vezes. Podem ser dois endereços, noventa e sessenta, e a pessoa que pôs o anúncio confirma noventa, para demonstrar que se trata do endereço onde haverá o contato.

-           É possível, opinou Mason.

-           Também poderia ser uma senha... O que quer que eu faça exatamente?

-           Descobrir tudo o que possa a respeito da pessoa que pôs este anúncio no jornal, e da pessoa a quem está dirigido.

-           Bem, pode ser uma investigação muito difícil ou muito sensível, raciocinou Drake. - O Willatson é um hotel comercial e deverá ter muitos hóspedes. Posso descobrir quem ocupa o quarto número sessenta e quem está no noventa. O que talvez não conduza a parte nenhuma. O melhor seria enviar um telegrama à pessoa que pôs o anúncio mediante uma falsa resposta, tal como:

 

MENSAGEM POUCO CLARA. CHAMAR NÚMERO 676-2211 PARA CONVERSAR. NÃO CAIREI EM TRAMÓIAS DE NENHUM TIPO.

 

-           Bem... raciocinou Mason, - Talvez um anúncio como o indicado fizesse com que minha cliente viesse a me ver de novo e então eu poderia... não terminou a frase.

-           De que se trata? perguntou Drake. - Não pode telefonar para seu cliente no hotel Willatson e...?

-           Não disse que a pessoa que pôs este anúncio seja meu cliente. Meu cliente poderia muito bem ser precisamente a pessoa para quem está dirigido o anúncio.

-           Em outras palavras, não sabe como localizar o seu cliente. Drake se levantou da cadeira. - Quando quer um relatório? perguntou.

-           Tão logo tenha algo definido para informar. Por mais trivial que um dado pareça, me comunique.

-           De dia e de noite?

-           Não é tão urgente. Digamos pela manhã e pela tarde.

-           De acordo, confirmou Drake. - Existe limite para o número de agentes a empregar?

-           Não ultrapasse os quinhentos dólares, advertiu Mason.

 

No dia seguinte, Perry Mason estava no tribunal defendendo um jovem negro acusado de roubar um prestamista. A identificação efetuada por três testemunhas, que viram a ladrão correndo pela rua, para logo saltar dentro de um carro estacionado e fugir a toda velocidade, foram absolutamente positivos. Mason tratou em vão de derrubar a segurança das testemunhas. As três da tarde, o ajudante da acusação concluiu suas argumentações e Mason teve, por fim, a oportunidade de se dirigir aos jurados.

 

-           Contrariamente à crendice popular, cavalheiros, a evidência circunstancial é a mais forte que temos, mas a conduzida pelas testemunhas é a mais fraca. Aqui temos um preto jovem, alto e com bigode, que levava uma bolsa de papel. A pessoa em questão foi atacada por um rapaz preto, que usava bigode e levava uma bolsa de papel. A acusação sustenta a teoria de que o acusado conseguiu fugir, escondeu o dinheiro em qualquer parte, meteu meia dezena de pacotes de cigarros dentro da bolsa de papel e quando foi preso, explicou que não tinha cigarros, então saiu em busca de uma máquina automática do bairro, onde comprou seis pacotes que pôs na bolsa, e que regressava tranqüilamente para seu apartamento quando foi preso pela polícia. Eu pergunto agora: se esse jovem havia escondido o dinheiro, por que, em nome do bom sentido, não escondeu também a bolsa de papel? Um jovem preto, alto, com bigode e levando uma bolsa de papel foi como um imã para a polícia. Nós só podemos vislumbrar fugazmente uma pessoa. Todo o mundo recorda os pontos mais importantes do mesmo. Neste caso, era preto, jovem, com bigode e levava uma bolsa de papel. Realmente, isto é a única coisa que recordaram. Mais tarde, quando tentam de recordar mais detalhes ante a insistência dos oficiais de polícia, se sugestionam e chegam a acreditar de boa fé que também viram outras coisas com toda claridade. Depois, pedem que eles examinem atentamente as fotos do arquivo, situando entre elas a do suspeito. Porém mais que identificação é auto-sugestão. A acusação tem dever de provar seu caso fora de qualquer dúvida razoável. E por isto nós pedimos, cavalheiros, que vocês dêem um veredicto de não culpado. Mason regressou à sua cadeira. O ajudante de acusação em seu discurso final se mostrou sumamente sarcástico.

-           O acusado ataca uma pessoa. Mete o dinheiro em uma bolsa de papel. A gente o vê correndo rua abaixo. Nada menos que três testemunhas. Tenta fabricar um álibi depois de ter escondido o dinheiro, colocando vários pacotes de cigarros na sua bolsa. Três testemunhas identificam a acusado positivamente. Perry Mason, que é um dos advogados mais astutos e hábeis do país, recorre a todos os seus truques legais para derrubar as afirmações das três testemunhas. Porém estas continuam firmes em suas declarações. Não se deixam hipnotizar pela eloqüência. Não vacilam ante raciocínios sofisticados. Portanto, senhores do júri, tampouco vocês devem se deixar convencer por eles. E por isto peço, em nome da justiça, que declarem culpado o acusado. Eram mais de cinco horas quando o júri se retirou para deliberar.

 

Esperava-se que o veredicto fosse rápido, porém os jurados saíram para jantar às seis e meia, voltando às oito, reiniciando a deliberação. Às nove tocou a sineta e os jurados anunciaram seu acordo com respeito ao veredicto. De pronto começaram os comentários por todos os corredores do tribunal. Os jurados haviam decidido culpado o acusado. O juiz se acomodou em sua cadeira, e o acusado apareceu de novo na sala. Tudo estava pronto para a entrada dos jurados, quando um agente de polícia, a paisana, correu pelo corredor central da sala, se aproximou a juiz e sussurrou umas palavras no seu ouvido. Sua senhoria franziu a testa e dialogou em voz baixa com o agente. Logo, começou a falar.

 

-           Que os jurados aguardem uns instantes. Por favor, senhores advogados, os espero em minha sala imediatamente. Quando o juiz entrou em sua sala não retirou a toga nem o barrete, e sentam-se em uma cadeira giratória. - Cavalheiros, neste caso aconteceu um fato surpreendente. A polícia acaba de prender um homem que se iria atacar um estabelecimento. E descobriram um esconderijo onde estava uma das notas de cem dólares que foram roubadas no caso que estamos julgando neste momento. -Recordem, cavalheiros, que o proprietário do local havia anotado a numeração de suas notas de cem. O homem já confessou. Assim, o acusado deste caso é inocente.

-          Como? exclamou o ajudante de acusação. - Porém... porém o jurado já tem pronto o seu veredicto, tartamudeou o acusador. - Esse rapaz é culpado!

-           Não podemos permitir que esse veredicto se pronuncie, e aqui temos um ponto legal. Estando de acordo no veredicto, não sei exatamente qual é a condição legal do caso. Naturalmente, eu poderia convocar os jurados, explicar as novas circunstâncias e pedir que dêem um veredicto de <não culpado>. Porém acho que o melhor é reunir os jurados e comunicar que apareceram novas circunstâncias que obrigam à renuncia dos jurados antes de que seja dado o veredicto para o tribunal.

-           Naturalmente, explicando quais são essas circunstâncias... sugeriu Mason.

-           Não! gritou o ajudante de acusação.

-           Por que não? perguntou o juiz.

-           Porque isto iria debilitar toda a evidência da identificação.

-           Ao contrário, se opôs Mason, - As doze pessoas do júri sairiam criticando o juiz e à administração da justiça. É muito melhor que essas pessoas percam um pouco de sua fé na identificação banal e pouco escrupulosa das testemunhas, do que na administração da justiça.

-           Penso o mesmo, sentenciou o juiz, pondo-se de pé. Continuou: - Cavalheiros, voltemos à sala. Chamarei os jurados e, antes de perguntar se estão de acordo no veredicto, farei um pequeno discurso explicando o acontecido e eliminando esse júri. Ao mesmo tempo, o senhor ajudante de acusação pode pedir uma moção pedindo a anulação deste caso. Que será concedida. O ajudante de acusação aceitou a decisão de sua senhoria arreganhando os dentes. Voltaram os três à sala, e o juiz apresentou aos jurados as novas circunstâncias do processo. Mason desfrutou das expressões de assombro, quando os componentes do júri compreenderam o significado das palavras do juiz. Logo, o advogado apertou a mão dos doze membros do júri. Estes, após certa vacilação, também apertaram a mão do acusado.

 

-           Rapaz, vá para casa, aconselhou Mason a seu cliente. - Retire o bigode e não volte a deixá-lo crescer nunca mais. Nem volte a andar pela rua com uma bolsa de papel. O acusado começou a rir.

-           Rapaz preto e alto com bigode. Rapaz preto e alto com bolsa de papel. Sim, senhor, vou para casa e retirarei o bigode e nunca mais andarei com uma bolsa de papel.

 

Mason, esgotado depois do julgamento, se deteve um momento em sua sala, no caminho de casa. Della Street havia deixado uma nota: <20:45. Não posso esperar mais. Porém leia o mundo no diário da tarde. Está em sua mesa.> Mason apanhou o jornal e olhou o anúncio assinalado na margem:

 

60-90-60. ESTAREI EM FRENTE À ENTRADA DO HOTEL EM UM TÁXI EXATAMENTE ÀS NOVE DESTA NOITE. NOS VEREMOS ALI. SEM TESTEMUNHAS, POR FAVOR.

 

Mason voltou a reler o anúncio e, pensativamente, apanhou o telefone e discou o número da Agência de Detetives Drake.

 

-           Perry Mason falando. Paul está aí?

-           Não, não está. O senhor Drake está ocupado em um caso. Disse que não sabia quando voltaria. .

 

O advogado se despediu, desligou o telefone, fechou o escritório, se dirigiu a seu apartamento e foi dormir.

 

Paul Drake já estava em sua sala às nove da manhã seguinte quando Perry Mason, saindo do elevador, entrou na Agência de Detetives Drake. Drake olhou o advogado, sorriu e bocejou.

 

-           Você e seu misterioso cliente... resmungou.

-           Que tal? E entregou o jornal com o anúncio para Drake, que Della havia deixado na noite anterior sobre sua mesa.

-           É sua obra? perguntou Mason.

-           Obra minha, admitiu o detetive.

-           Serviu de algo?

-           Tinha que correr alguns riscos, não é verdade? Coisa que sempre é possível nestes assuntos. Bom, ou a outra parte já se havia posto em contato com quem desejava ou a jovem não havia falado ainda com ninguém.

-           Um momento, cortou Mason. - Acaba de dizer <a jovem>. Porquê?

-           Porque é uma jovem.

-           Adiante.

-           Bem, como disse, ou bem se havia posto em contato com a outra pessoa ou não. Ademais, havia outro dilema, ou ela conhecia de vista à pessoa, ou não a conhecia. O fato de pôr o anúncio no jornal indicava que havia mais probabilidades com respeito ao segundo. Naturalmente, ainda me faltava outra incógnita. Que fosse homem ou mulher. E quis forçar o assunto um pouco levando comigo, dos meus agentes, uma mulher. Pus o anúncio no diário, deixando bem claro que pararia diante do hotel em um táxi, exatamente às nove.

-           Suponho que fizeste algo mais para averiguar sua identidade, observou Mason.

-           Naturalmente. Fui a redação do jornal onde ela pôs o anúncio. Com uma nota de cinco dólares obtive a informação de que se tratava de uma jovem, com boa figura, ruiva, de olhos azuis e desconhecida. Fui ao hotel Willatson e gastei outros cinco dólares, porém não consegui mais nada. Então, decidi correr o risco e colocar este anúncio no jornal. Logo, com meu agente feminino, me dirigi ao hotel e me instalei defronte ao mesmo, dentro de um táxi.

-           Por que um táxi?

-           Para que não fosse possível rastrear sua matrícula. Às nove em ponto, a jovem passou diante do carro, porém outras pessoas também. Procurei que ela não pudesse nos ver claramente, nem a mim nem a minha agente. Eu levava o chapéu enfiado até os olhos e uns óculos de sol. Minha agente levava uma jaqueta com colarinho alto e também óculos escuros... Com tanta gente passando por ali, não pudemos descobrir a jovem na primeira, porém quando deu meia volta a retornou à esquina, soubemos quem era. Realizou a mesma operação três vezes consecutivas, sem chegar perto de nós; sem dar o menor sinal de nos ter reconhecido, nem tratar de entabular conversação. Passou diante do táxi quatro vezes. E foi bastante esperta para não dar mostras de curiosidade. Cada vez que passava, mantinha os olhos bem fixos, em frente.

-           E bem...?

-           E bem, replicou Drake, - Não quis forçar mais a sorte. Fomos embora no táxi.

-           Não tentou seguí-la?

-           Naturalmente que a seguimos. Havia outro agente meu em um carro estacionado detrás do táxi, e quando a garota passou pela segunda vez ele também a descobriu. Ao irmos embora, dei a sinal para seguí-la. Depois de nós irmos, ela voltou ao hotel Willatson. Está inscrita no mesmo como senhorita Diana Deering, de San Francisco. No quarto sete seis sete.

-           Bom trabalho, Paul, murmurou Mason.

-           Um momento, continuou Drake, - Ainda não terminei. Gastei outra nota de cinco dólares com o porteiro e a telefonista. As malas da jovem levam as iniciais DD. Agora bem, quando uma pessoa adota um nome falso, quase nunca utiliza seu nome próprio e, se tem a inicial gravada em suas malas, escolhe um outro nome cuja inicial concorde com aquela. Diana Deering poderia muito bem ser uma Diana X, de San Francisco. Mason levantou as sobrancelhas. - E assim, prosseguiu Paul Drake, - Fiz um pequeno trabalho de investigação. Descobri que a garota telefona de vez em quando para um hospital de San Francisco e pergunta a respeito de um paciente, um tal Edgar Douglas. Edgar está empregado na Companhia Escobar de Importação e Exportação, de San Francisco. Faz uns dias sofreu um acidente de automóvel, tem o crânio fraturado e está inconsciente. Bem, apanhamos as iniciais de Diana D, e colocamos o Douglas como sobrenome. Ligamos para a Companhia Escobar e perguntamos por Edgar Douglas. Então, nos contaram o relativo ao acidente, após o qual perguntamos por Diana Douglas. Assim soubemos que se trata de sua irmã, empregada na Companhia também, e que, por estar muito transtornada com acidente, pediu uns dias para poder ficar perto de seu irmão. Nos deram a descrição. Concorda. Também descobrimos que não existem outros membros na família. E, além disso, a Companhia Escobar solicitou uma inspeção de rotina de seus livros. O qual nós descobrimos de maneira acidental.

-           Qual é o diagnóstico do irmão?

-           Provavelmente ficará curado, ainda que possa ficar inconsciente ainda por duas semanas. O rapaz ia viajar... Bom, ia a um posto de gasolina para colocar gasolina no carro de e foi alcançado por um carro que não respeitou o semáforo vermelho. O choque o deixou inconsciente.

-           Não pode ser por sua culpa? indagou Mason.

-           Dificilmente. Não só o outro carro cruzou com luz vermelha, como existem vários testemunhas que declararam o fato. Ademais, prenderam o motorista. Estava ébrio. A polícia o meteu na cadeia para que serenasse e o citarão, acusado de conduzir em estado de embriaguez. Mason pensou vários segundos.

-           Então, por que diabos Diana abandonou o seu irmão, tão doente, veio a Los Ângeles e colocou o anúncio no jornal?

-           Se quiser, averiguaremos tudo. Provavelmente, uma chantagem relacionada com sua família.

-           Você não disse que não existe família? estranhou Mason.

-           Exato. Os pais morreram. Diana e seu irmão Edgar são os únicos sobreviventes. Diana é solteira. Edgar também, porém corre o rumor de que pensa em anunciar um compromisso com uma rica herdeira... ainda que só se trate de um rumor.

-           Idade?

-           Algo mais de vinte e um.

-           Mais jovem que Diana, raciocinou Mason.

-           Um par de anos.

-           A jovem se mostra maternal com ele.

-           De acordo, concordou Drake. Que te parece dar uma mão?

-           A quem?

-           A mim e, de passagem, a você. Se puder me contar o assunto de Diana e por que está tão interessado nela, talvez possa economizar muito dinheiro e problemas.

-           Não posso, Paul. Estou atado pela ética profissional.

-           Quer que eu siga com o caso?

-           Sim, quero saber aonde vai e a quem vê, porém com grande cautela porque não desejo que se dê conta em absoluto. Se ela se alarma e adota medidas para não ser seguida, irá contra seus próprios interesses, estou certo disso.

-           Então será melhor que ponha uma sombra real, porque com uma sombra falsa, o sujeito acaba quase sempre por se dar conta. Quando quer um relatório?

-           Quando tenha algo que valha a pena.

 

Mason apertou a mão de Paul Drake e se dirigiu a seu próprio escritório.

 

O hotel Willatson era um hotel comercial, onde se hospedavam pessoas que vinham para feiras e congressos, Seu vestíbulo estava cheio. Perry Mason se dirigiu à recepção.

-           Está hospedada aqui, perguntou ao recepcionista, - Uma jovem chamada Diana Deering?

-           Um momento, por favor. O recepcionista folheou um livro.

-           Sim, está no quarto 767.

-           Quer me anunciar, por favor?

-           Nome?

-           Essa jovem não conhece meu nome. Trata-se de uma visita relacionada com uma questão da seguridade social. Diga que está aqui uma pessoa que veio por sessenta, traço, noventa, traço, sessenta.

-           Muito bem. Confirmou o recepcionista. Apanhou o telefone e chamou o quarto 767.

-           Chegou um cavalheiro que deseja vê-la, senhorita, em relação a uma questão da seguridade social, e me deu um número. Acredito que é um número da seguridade social...Como...? sessenta, noventa, sessenta. Muito bem, irei orientá-lo. O recepcionista desligou o telefone e convidou Mason a subir, explicando como chegar até o quarto. Mason tomou o elevador até eu sétimo andar e bateu com os nós dos dedos na porta do quarto 767. A jovem que esteve em seu escritório dois dias antes abriu cautelosamente, e imediatamente retrocedeu assustada.

-           Deus santo! Você!

-           E por que não? sorriu Mason.

-           Como... como soube onde estava? Como descobriu quem sou...? Mason entrou no quarto, enquanto ela retrocedia, fechou a porta, foi até uma cadeira e se instalou nela.

-           Agora conversemos com um pouco de bom senso, disse. - Você se chama Diana?

-           Sim.

-           Diana de que?

-           Diana Deering.

-           Bem, fale outra vez e procure que soe melhor.

-           Esse é meu nome, senhor Mason.

-           Sim, este é o nome com que você se hospedou. interrompeu. - Porém não é seu nome. Que tal... Diana Douglas, de San Francisco? Por um instante, as pupilas de Diana mostraram certo estupor, e depois se ruborizou.

-           O contratei como advogado, murmurou friamente. - Para que me ajudasse, não para que começasse a averiguar coisas de meu passado, nem para que... E se calou.

-           ...com a polícia? terminou Mason.

-           Não, com a polícia não. Agradeço a Deus, não ter feito nada que viole a Lei.

-          Ouça, replicou Mason, - Eu sou advogado. As pessoas me procuram quando se acham em apuros. E eu os ajudo. Você me visitou e conseguiu tocar em um ponto fraco meu. E, de minha parte, não a ajudei muito... bem. Por isto decidi que era melhor a encontrar antes que fosse tarde demais.

-           Está errado, senhor Mason. Não estou em nenhum apuro. Só trato de... de proteger a um amigo.

-           Você está com problemas, objetou Mason. - A Companhia Escobar sabe que você está aqui?

-           Não sei... Sabem que tenho permissão para me ocupar de assuntos pessoais. Mason estendeu um braço e se apoderou da carteira preta.

-           Largue-a! reclamou Diana, segurando com ambas as mãos o braço do advogado. Mason não soltou a carteira.

-           Cheia de dinheiro? perguntou.

-           Isso não é assunto seu! Vou dispensá-lo imediatamente. Eu queria um advogado que me protegesse, e você é pior do que a polícia.

-           De aonde retirou o dinheiro que guarda nessa carteira?

-           Não é assunto seu!

-           Não é desfalque da companhia onde trabalha? insistiu o advogado.

-           Não, em absoluto!

-           Está segura disso?

-           Claro que estou!

-           Você sabe que a Companhia Escobar chamou um auditor para que inspecionasse os livros? O semblante da jovem demonstrou surpresa e logo consternação.

-           Por que... por que...? Oh, Deus meu, não podem...!

-           Estas são as informações que tenho, prosseguiu Mason. - Bem, suponhamos que conversemos agora um pouco e que você me conta a verdade, para variar. Quais são suas relações com a Companhia Escobar? Que faz ali?

-           Sou caixa e contadora da empresa. Estou encarregada do câmbio e dos pagamentos no exterior. E o... Oh, senhor Mason, deve se tratar de um erro!

-           Examinemos os fatos básicos, propôs Mason. Você veio ao meu escritório. Trazia uma carteira cheia de dinheiro. Você...

-           Como soube do conteúdo da carteira?

-           Minha recepcionista teve oportunidade de olhar em seu interior.

-           Oh... exclamou ela, voltando a guardar silêncio.

-           Você pôs um anúncio no jornal indicando que estava disposta a pagar a um chantagista. E então, eu somo dois mais dois. Você adota um nome fictício. Vem a Los Ângeles. Põe um anúncio no diário. Tem, ou deseja ter, negócios com um chantagista. Leva consigo uma grande soma de dinheiro em notas. A Companhia onde você trabalha acredita que falta dinheiro em sua caixa e chama um auditor...

-           É absolutamente fantástico, ela manifestou. - Disso tudo... não posso fazer nada.

-           Eu tento ajudar, recordou o advogado. - Você porém está fazendo tudo ficar mais difícil. Talvez se me dissesse a verdade eu poderia ajudar, em lugar de ficar andando em círculos. Vamos, esse dinheiro é de um desfalque?

-           Não, por Deus!

-           Quanto dinheiro tem nessa carteira?

-           Cinco mil dólares.

-           Onde o conseguiu?

-           Vou lhe contar toda a verdade, murmurou por fim.

-           É um pouco tarde, talvez, e não sei o tempo que nos resta... porém... conte.

-           Todo aconteceu, começou ela, - Quando meu irmão ficou desacordado em um acidente de automóvel. O levaram a um hospital e eu fui ao seu apartamento apanhar algumas coisas para ele, as coisas que pensei que ele necessitaria no hospital. Ali encontrei suas malas abertas e uma carta encabeçada só como <querido fugitivo>. A carta afirmava que seu autor estava farto de esperar, e que ou bem recebia cinco mil dólares ou precisaria adotar algumas medidas especiais.

-           Como estava escrita a carta?

-           A máquina. Inclusive a assinatura.

-           A assinatura era 60-90-60?

-           Exato.

-           E o selo?

-           De Los Ângeles.

-           Então, o que você fez?

-           Senhor Mason, meu irmão estava inconsciente no hospital. Não podia falar com ele. Então, pus o anúncio no jornal, tal como indicava a carta, e vim até aqui.

-           E o dinheiro?

-           Meu irmão o tinha guardado em uma pasta, no seu apartamento. Estava, pelo visto, a ponto de ir embora. Parece que pensava ir de carro. Tinha preparada a pasta com o dinheiro, uma mala e uma maleta.

-           E de onde ele retirou o dinheiro?

-           Senhor Mason... eu não sei.

-           Seu irmão trabalha na mesma Companhia que você, não é verdade?

-           Sim.

-           Poderia desfalcar esse dinheiro da empresa?

-           Senhor Mason, em primeiro lugar, meu irmão jamais cometeria um crime. Em segundo, não tinha acesso ao dinheiro.

-           E você?

-           Meu trabalho consiste em anotar as entradas e saídas, não a cada dia e sim duas vezes por mês, e realizar os balancetes.

-           Fale um pouco mais de Edgar, pediu o advogado.

-           É jovem. Um ano e meio mais novo do que eu. Ele... Bom, nossos pais faleceram em um acidente de carro há cinco anos. E eu tenho ajudado Edgar em tudo o que posso. É um rapaz muito sensível que...

-           E os dois trabalham para a Companhia Escobar de Importações e Exportações. Quem entrou ali primeiro?

-           Eu.

-           De que se ocupa exatamente a empresa?

-           Em exportações e importações, tal como indica seu nome.

-           Quem é o dono?

-           O senhor Gage... Franklin H. Gage.

-           Quantos empregados?

-           Uns dez ou quinze no total. Cinco trabalhavam todo o dia no escritório, e além disso um auditor e um inspetor de impostos.

-           Existem outros que trabalham fora do escritório?

-           Sim, os compradores e entregadores.

-           Empregados também?

-           Em certo sentido, sim.

-           Que idade tem Franklin Gage?

-           Uns quarenta anos. Talvez quarenta e cinco.

-           Quem comanda?

-           Homer... seu sobrinho Homer Gage.

-           Quanto tempo depois de você, seu irmão a começou trabalhar para a Companhia Escobar?

-           Uns seis meses mais tarde.

-           E o que fazia durante esses seis meses?

-           Nada. Foi despedido de onde trabalhava. Viu-se envolvido numa intriga do escritório e... Bem, é uma historia demasiado longa e complicada.

-           Quem o sustentava?

-           Eu.

-           Durante seis meses, e aí você mesma procurou um emprego para ele na empresa de Franklin Gage... Quem o empregou, Franklin... ou Homer?

-           Franklin.

-           Você não falou com Homer do assunto?

-           Falei só com o senhor Gage. Com Franklin Gage.

-           No escritório?

-           Não. Una noite o senhor Franklin Gage me convidou para jantar.

-           E então, na intimidade do jantar você teve ocasião de falar de seu irmão e pedir um emprego para ele.

-           Sim. Só que você o deixa parecer de um modo...

-           Como reagiu Homer?

-           Bom... creio que Homer pensou que não precisava de Edgar.

-           De onde retirou os cinco mil dólares?

-           Não... eu não sei.

-           Foi você que os deu para ele?

-           Não.

-           Você tem cinco mil dólares?

-           Pois... tenho, e até um pouco mais.

-           Qual é a atitude de Homer Gage com você? Mason perguntou com brusquidão.

-           Amistosa.

-           Muito amistosa? insistiu Mason.

-           Acredito que gostaria ser mais do que um bom amigo.

-           Casado ou solteiro?

-           Casado.

-           Conhece a sua esposa ?

-           Não, formalmente. Esteve no escritório um par de vezes para negociar uns cheques ou algo por aí. É muito bonita... muito moderna. Dizem que é uma... zorra.

-           Engana seu marido?

-           O ignoro. Embora creio que não é muito feliz em sua vida conjugal.

-           Olha para as demais garotas do escritório? Com certeza, você terá falado dele com suas colegas... As retêm depois das horas de trabalho?

-           Não eu sei.

-           Engana a sua esposa?

-           Creio que sim, porém não poderia jurar.

-          Homer já a obrigou a ficar no escritório depois das horas de trabalho alguma vez? A jovem vacilou.

-           Sim, confessou em voz baixa, - Um negócio muito... muito pouco convencional. Era um assunto complicado de compra e venda...

-           E você trabalhava às vezes até muito tarde?

-           Sim.

-           Por causa de Homer?

-           Sim.

-           E a levou para jantar?

-           Duas vezes.

-           Houve alguma... proposta? Alguma insinuação?

-           Se quer perguntar se Homer se insinuou comigo, a resposta é não, porém todos os homens se insinuam, senhor Mason. Aproveitam qualquer ocasião. Fazem comentários de duplo sentido. Contam cada história... Estão dispostos a aproveitar qualquer oportunidade... Senhor Mason, não vou dizer como são os homens.

-           Homer Gage se comportou assim?

-           Mais ou menos.

-           Você gosta do tio dele?

-           Sim.

-           Casado ou solteiro?

-           Viúvo. O senhor Franklin Gage é um cavalheiro. É cortês e... Bem, é um homem maduro e sua atitude é...

-           Paternal? aventurou Mason.

-           Não exatamente paternal. Melhor dizer como um tio ou um parente distante.

-           Você gosta dele?

-           Sim... sim. Senhor Mason, eu faço bem o meu trabalho, e tento melhorar meu departamento no escritório. E o senhor Gage, o senhor Franklin Gage sabe e o aprecia. Em certo sentido é muito amável e...

-           Quantas garotas trabalhavam com você?

-           Três. Helem Albert, taquígrafa; Joyce Baffim, secretária-taquígrafa, ainda que suas obrigações são mais bem mais de secretária de Homer Gage; e Ellem Candler, encarregada da correspondência e arquivo.

-           Suponhamos que uma pessoa quer desfalcar à Companhia, comentou Mason. - Seria fácil?

-           Muito fácil... Demasiado fácil para quem tivesse a combinação da caixa forte.

-           Como você consegue trabalhar os livros nestas circunstâncias?

-           Bom, existe certa regularidade com o dinheiro, pelo que não é difícil escrever os livros, porém aa vezes temos transações que... são um pouco difíceis de rastrear.

-           De modo que seu irmão poderia facilmente se apoderar dos cinco mil dólares para vir a Los Ângeles e pagar um chantagista.

-           Senhor Mason, volto a repetir que Edgar jamais faria isso, e ainda que tivesse querido não teria podido. Não conhece a combinação da caixa.

-           Quem a conhece?

-           Franklin Gage, Homer Gage, Stewart Garlande, o inspetor de impostos, e eu.

-           Você apanhou os cinco mil dólares no apartamento de Edgar?

-           Sim, já disse duas ou três vezes. É verdade, toda a verdade.

-           E você desconfia que Edgar não teria conseguido juntar tanto dinheiro com o salário que ganha, desde que começou a trabalhar?

-           Pois... sim.

-           De onde acredita que o obteve?

-           Meu irmão... vacilou ela, - Tem amigos. É um rapaz muito simpático, e creio que todos os seus amigos ajudariam numa situação desse tipo.

-           Está bem. Diana, - Veio a Los Ângeles com um nome falso. Tem cinco mil dólares em notas, e quer entrar em negociação com um chantagista. E se as contas da Companhia Escobar apresentam um déficit do mesmo valor? A jovem levou a mão à garganta.

-           Você se dá conta? exclamou Mason. - Só pode fazer uma coisa. Apanhar o avião esta tarde para San Francisco. E se dirigir ao escritório amanhã pela manhã.

-           Porém...

-           Faça exatamente o que eu disse. Se o auditor encontrou um déficit de cinco mil dólares, você começará a rir e dirá: <Oh, não, o dinheiro está aqui!> Conte para o auditor que seu irmão estava negociando uma compra para a Companhia no momento do acidente, que você apanhou os cinco mil dólares da caixa para financiar o negócio, que Edgar pediu que não anotasse a operação até ter discutido todos os detalhes com Franklin Gage, que seu irmão pensava que era uma boa inversão para a Companhia, e que você estava ao corrente de tudo, inclusive de que, os cinco mil dólares pertenciam à empresa, já que você os havia retirado. Mason fez uma breve pausa. - Esta tarde vá até um banco daqui, deposite os cinco mil dólares e peça que o caixa entregue um cheque ao portador a você, como depositária. Logo que seu irmão recobre o conhecimento, trate de o ver antes que alguém... Assegure-se disto. Como sua irmã, não podem negar esta permissão. O advogado silenciou uns instantes e, olhando fixamente a Diana, continuou: - Use seu juízo.

-           Porém, senhor Mason, isto será um fracasso. O outro assunto não admite espera. Esse chantagista, ou o que quer que seja, na carta que enviou a meu irmão se mostrava muito apressado, imperioso, exigente.

-           O que fez com a carta?

-           Queimei.

-           No jornal houve um anúncio para que você se pusesse em contacto com um passageiro que estava dentro de um táxi e...

-           Céus, como sabe? Assustou-se Diana.

-           Sempre leio os anúncios pessoais, mentiu Mason. - Por que não se pôs em contato com a pessoa do táxi?

-           Porque não gostei do aspecto do assunto. No carro iam dois passageiros, um homem e uma mulher. Era de noite, e não obstante ambos usavam óculos escuros. Pensei que se tratava de uma armação...

-           Entendo, confirmou Mason, pensando. Em seguida, foi até o telefone, pediu linha para o exterior e discou o número de Paul Drake. - Paul, solicitou, - Quero uma agente feminina... ruiva, de vinte e dois, vinte e três ou vinte e quatro anos, com boa apresentação... para que venha ao hotel Willatson e se instale no quarto sete seis sete. Aguardou um instante para escutar a resposta do detetive. - Sim, Paul. Que não use nada mais que uma bolsa de mão. Pode comprar algumas coisas e fazer que as enviem a hotel. Adotará o nome de Diana Deering, que é o nome do registro...

-           Eu sei.

-           Se fará passar por Diana Deering e se deixará ver pelo pessoal do hotel. Para conseguir isto, pode fazer diversas perguntas... como, por exemplo, quanto custaria alugar um quarto durante um mês... se alguma vez param os elevadores... O que for necessário para atrair a atenção como Diana Deering, para ela. E pare de seguir a verdadeira Diana.

-           Tenho uma garota, respondeu Drake, - Que se encaixa nesta descrição que me deu. Precisamente, está agora em meu escritório, Perry. É Stela Grimes.

-           Mande-a para cá, ordenou Mason.

-           E eu o que faço? perguntou Diana ao advogado.

-           Você irá depositar esse dinheiro, obter o cheque e regressará a San Francisco.

-           E a minha mala?

-           Eu a levarei, disse Mason.

-           Como?

-           Alugarei um quarto. Se possível neste mesmo andar. E trasladaremos sua mala para o meu quarto. Logo, deixarei o hotel, levando a mala comigo, e pagarei a conta do meu quarto. Deste modo, não poderão saber que uma de minhas malas pertence na realidade ao quarto sete seis sete.

-           E a garota que se fará passar por mim?

-           Tratará com o chantagista.

-           Porém se eu deposito o dinheiro no banco... como pagará esse homem... ou a essa mulher?

-           Não pagará, objetou Mason. - Pagar aos chantagistas vai contra os regulamentos de meu escritório.

-           O que você fará? Como poderá evitar o pagamento? Havia lágrimas nos olhos da jovem.

-           Não se inquiete, Diana, consolou-a Mason. Em seguida, continuou com uma transição no tom de voz: - Vou descer para comprar uma mala. Vou enchê-la de papéis velhos, voltarei e me hospedarei no hotel, se possível neste sétimo andar. Quero que você não se mova daqui. Prometa-me que não irá até que eu volte.

-           Eu prometo.

-           E não atenda ao telefone.

-           Eu... De acordo, se você manda.

-           Eu mando, afirmou Mason.

 

O advogado tomou o elevador até o vestíbulo, se dirigiu a uma loja de artigos de viagem na mesma rua, escolheu uma mala e depois foi até uma loja de livros.

 

-           Procuro uns livros que tratem da história de Califórnia e, em particular, do descobrimento do ouro, explicou. O empregado o conduziu a uma prateleira. - Tem livros de bolso? perguntou Mason.

-           Oh sim, em grande quantidade.

-           Pois bem, queria alguns de fácil leitura. Eu mesmo os escolherei. Dez minutos mais tarde, Mason já estava diante do caixa com vários livros nos braços. O caixa foi revisando os preços anotados nas contra-capas, e informou a Mason o total: vinte e sete dólares e oitenta e cinco centavos.

-           De acordo, confirmou o advogado. - Eu... já posso guardá-los na mala?

-           Naturalmente, não existe nenhum inconveniente de minha parte. Mason colocou os livros na mala, pagou a conta e regressou ao hotel Willatson.

-           Provavelmente me hospedarei por esta noite, explicou ao recepcionista. - Queria um quarto acima do quinto andar. Não gosto do ruído do tráfico.

-           Posso colocá-lo num quarto do décimo primeiro andar, conformou o recepcionista, - Se só vai passar aqui uma noite, senhor...

-           Mason, apresentou-se Perry. - Preferiria um pouco mais embaixo do que o décimo primeiro. No oitavo?

-           Está todo ocupado.

-           E no sétimo?

-           Existe um quarto livre, o 789. É um pouco maior do que os outros e um pouco mais caro...

-           Não importa, confirmou Mason. - Fico com este.

 

Perry Mason preencheu a ficha, entregou um dólar ao ajudante que apanhou sua mala e o acompanhou ao quarto. Esperou que o jovem fosse embora; colocou a chave do quarto no bolo e se dirigiu o quarto 767. Golpeou novamente com os nós dos dedos na porta. Diana Douglas a abriu.

 

-           Senhor Mason, estive pensando em tudo o que o senhor me disse. Acredito... creio que estou em uma situação terrível.

-           Todo irá correr bem, voltou a tranqüilizá-la o advogado. - Eu me encarregarei de tudo.

-           Você necessitará mais dinheiro do que já dei.

-           Infelizmente, expôs Mason, - Gastei bastante tratando de comprovar suas andanças e as mentiras que me disse. E agora... O advogado se interrompeu ao ouvir uma batida na porta. Diana Douglas, surpreendida, levantou as sobrancelhas em muda interrogação. Mason cruzou o quarto e abriu a porta, vendo no umbral uma jovem ruiva, de olhos azuis, e cujo aspecto irradiava competência e capacidade para cuidar de si mesma em qualquer circunstância. A jovem sorriu sedutoramente.

-           Eu já o conheço, senhor Mason, ainda que você provavelmente não me conheça. Sou Stela Grimes.

-           Entre, Stela. Stela, lhe apresento Diana Douglas. Hospedou-se aqui como Diana Deering, e você irá se passar por ela.

-           Quem sou eu? quis saber Stela. - Diana Deering ou Diana Douglas...? Ah, como está, Diana? Encantada de conhecê-la.

-           Para o pessoal do hotel é Diana Deering, respondeu Mason. - Você tem de ler um anúncio que ela colocou no jornal. Mason entregou o diário aberto na página do anúncio que Diana havia colocado,

-           Entendo, senhor Mason, confirmou Stela, após ler o anúncio atentamente. - Logo, olhou para Diana, para Perry Mason e continuou: - O que tenho que fazer, exatamente?

-           Passar-se por Diana Deering, informou o advogado. - Sentar aqui, esperar os acontecimentos e fazer um relatório.

-           Pode me dar alguma indicação de que pode acontecer? perguntou a jovem. - Acredito que estou aqui para efetuar um pagamento em dinheiro. E se aparecer alguém pedindo esse dinheiro?

-           Coloque algum obstáculo. A jovem assentiu, retirou um cartão da bolsa e escreveu algo nele.

-           Provavelmente, você quer um de meus cartões, senhor Mason, disse. O advogado apanhou o cartão. Atrás, Stela havia escrito: <Já a vi antes. Eu era a agente que acompanhou Paul Drake no táxi à noite>. Mason leu e colocou-o no bolso.

-           Perfeitamente, confirmou. A chamarei por seu nome se me ver obrigado a isso, porém por enquanto quero que faça a recepcionista observar que, se alguém perguntar por você, dando como contra-senha o número sessenta, noventa, sessenta, a chamem por telefone. Acredita que poderá inventar uma boa história?

-           Tentarei.

-           O que trouxe?

-           Só esta bolsa. Disseram que não chamasse a atenção ao entrar no hotel.

-           Pode comprar o que necessitar em uma loja aqui perto e pedir que o enviem, orientou Mason.

-           Quanto tempo eu terei que ficar aqui?

-           Talvez só um dia... ou dois ou três. Mason se voltou até Diana. - Levarei sua mala para o meu quarto. Mais tarde, sairei com ela e a mandarei para San Francisco. Por outro lado, apanhe esta chave, vá para o quarto 789 e me espere lá. Leve a carteira e a bolsa. Eu estarei ali dentro de uns minutos. Fique naquele quarto até que possa levar o dinheiro ao banco e em seguida ir para o aeroporto. E não volte a este quarto sob nenhum pretexto, nem trate de deixar o meu, até que eu lhe dê ordem.

-           Não sabe o tempo que terei que ficar ali encerrada? perguntou Diana.

-           Até que eu pense que o caminho está livre.

-           E se os bancos fecharem antes que você me dê a ordem para sair?

-           Então, terá que guardar o dinheiro consigo até que chegue a San Francisco. Consiga ali o cheque, porém não vá até o escritório, até que o tenha conseguido. Quando amanhã a Companhia Escobar abrir, eu estarei junto de você para ajudar. Deixaremos prontos todos os detalhes antes que você saia do meu quarto. Entretanto, não a quero aqui para nada.

-           Necessito apanhar um par de coisas no banheiro.

-           Será melhor que explique tudo com mais detalhe, pediu Stela Grimes ao advogado, depois de voltar a ler o anúncio. - O que acontecerá se alguém me chama, apresentando esse número e quer me ver para que entregue o dinheiro?

-           Coloque algum impedimento e avise Paul, respondeu Mason.

-           E se não tiver tempo?

-           Invente.

-           Não posso saber do que se trata?

-           Não posso explicar mais nada.

-           Sou eu a extorquida? quis saber Stela.

-           Não, você é uma amiga, o anjo que põe o dinheiro, porém antes de o entregar quer estar absolutamente segura de que servirá de algo. Tens uma pistola? Como resposta, a jovem meteu uma mão dentro da blusa e exibiu um revólver.

-           Estou com meu instrumento de trabalho.

-           Não é mal, concedeu Mason.

-           Houve... outros pagamentos?

-           Não sei. Este agora, continuou Perry Mason, - É de cinco pacotes. Existem possibilidades de que houve outro maior anterior a este... Bom, já conhece a historia. A pessoa não quer ser um extorcionista. Deseja começar uma nova vida. Faz uns meses só queria mil dólares, por exemplo, porém não foi o suficiente. Se conseguisse cinco mil, compraria uma pequena granja no campo, se livraria de todo o passado e começaria uma vida nova. Mason apanhou a mala de Diana. - Vamos ao quarto 789. Apanhe a carteira preta. E Diana, siga todas as minhas instruções.

-           O verei em San Francisco?

-           Exato. Ali me porei em contato com você. Anote em minha agenda, o seu endereço e o número do telefone. Porém não saia do quarto até que eu mande. O advogado entregou sua agenda. Diana a apanhou e anotou cuidadosa e claramente seus dados. Logo, tomou a carteira preta das mãos de Stela e comentou sorrindo:

-           Obrigado, irmã. Tenha cuidado e não se esqueça da pistola. Em continuação, se voltou até Perry Mason. - Você tem razão. É melhor confiar em você. Deixe que eu leve a mala. E o esperarei no 789. Mason se sentou em uma banqueta e indicou a Stela que o imitasse.

-           Stela, estou me movendo no escuro. O chantagista supõe que o pagamento se efetuará através de um homem. Você vai representar o papel do anjo protetor, provavelmente parente da vítima extorquida. Porém tem que se mostrar cética, mal-humorada e... O advogado se interrompeu ao ouvir uma batida na porta.

-           Pode ser o... sussurrou. - Caramba, espero que Diana já esteja dentro do quarto. Repetiu-se a chamada à porta. Perry Mason foi abrir.

-           Quem é você? perguntou. O indivíduo que se achava no umbral era baixo e de uns trinta anos. Tinha o cabelo preto, dividido ao meio e bem penteado. Usava óculos escuros, calça marrom e jaqueta de mesma cor. Sua camisa era creme e a cara pasta era um adorno muito oportuno no conjunto.

-           Que tal? cumprimentou. - Venho em resposta a um anúncio em um jornal... calou ao ver Stela Grimes.

-           De acordo, confirmou Mason. - Entre. O recém chegado vacilou, e logo apresentou uma mão muito bem cuidada.

-           Cassel, se apresentou, sorrindo. - C-a-s-s-e-l soletrou. - Não esperava o ver em pessoa, senhor...

Mason apertou a mão de Cassel com a direita, ao mesmo tempo em que levantava a esquerda.

-           Nada de nomes, por favor.

-           Está bem, nada de nomes, concordou Cassel. Olhou Stela com olhos apreciativos, do mesmo jeito que um fazendeiro examinaria um novilho interessante. Em sua fronte se iniciou um franzimento de interrogação, que imediatamente deu lugar a um sorriso de compreensão.

-           Talvez gostaria, insinuou Stela, - Que eu entrasse no banheiro e fechasse a porta.

-           Não, não, não, declarou Cassel. - Por favor, fique. Sou consciente de meus atos.

-           Stela, o senhor Cassel e eu temos que discutir assuntos privados. Sinto que você e eu não possamos seguir conversando, porém nos reuniremos mais tarde. Estas interrupções, em um momento tão interessante, me desgostam tanto quanto a você, porém assim é a vida... O senhor Cassel e eu falaremos de negócios, e como não sei quando terminaremos, a chamarei quando estiver livre. De todos os modos porém, não aguarde minha chamada. Procure seguir seus impulsos.

-           Entendo, meu amor, afirmou. - Adeus, senhor. Dirigiu-se com indolência até Perry Mason, beijou-o afetuosamente em uma bochecha e saiu do quarto.

-           Bela garota! suspirou Cassel, dando uma olhada para Mason. Produziu-se um breve silêncio. - Bem, suspirou Cassel, - Falemos de negócios. O que o trouxe aqui?

-           O que?

-          Ouça, não se faça de bobo, irritou-se Cassel. - Não creio que você tente sair pela tangente, porém... Bom, deixe que eu dê uma olhada no quarto! Não gostaria de... Ato seguinte, abriu a porta do banheiro, entrou, tateou em todas as paredes, regressou ao dormitório e fez o mesmo. Ao fim moveu um par de quadros em busca de microfones ocultos.

-           Porquê?

-           Você quer que eu faça uma declaração, respondeu Cassel. - E não farei nenhuma. Estou aqui. Você também. A você toca efetuar o primeiro movimento.

-           Quem tem certas suspeitas sou eu, objetou Mason.

-           Por culpa de outros assuntos, tive que me ausentar da cidade. Porém vim imediatamente como pude... A propósito, em um jornal da tarde havia um anúncio. Sabe algo disso?

-           O bastante para saber que perdi muito tempo dando aos ocupantes de um táxi a oportunidade de me cansar, replicou Mason.

-           E não recebeu nenhum sinal?

-           Não. Cassel meneou a cabeça.

-           Isto não me agrada, não me agrada em absoluto. Significa que uma terceira pessoa está interessada em nosso... trato.

-           A você não agrada... irritou-se Mason. - E a mim, que?

-           Existe algo familiar em seu rosto. Não nos vimos antes?

-           Não acredito...

-           Pois a mim me parece que... Um momento, espere um momento! Eu já vi seu retrato em alguma parte!

-           Não seria impossível, concedeu Mason.

-           Você é um advogado... e se chama Mason! exclamou Cassel. Perry Mason não permitiu que seu rosto mudasse de expressão e nem sequer pestanejou.

-           Exato. Perry Mason.

-           Que faz aqui? gritou Cassel. - Isto não entra no trato! Não quero saber nada com nenhum maldito advogado...

-           Eu não sou um maldito advogado.

-           Eu direi o que é, resmungou Cassel, indo até a porta. - Que acontece com você, Mason? Está louco? Existe algum microfone oculto aqui? Mason ficou em silêncio. - Eu conheço a proposta, continuou Cassel. - É uma proposta de negócios. Você não tem nenhuma outra alternativa, mas, dentro das circunstâncias, tampouco tem alguma proteção. Qualquer acordo ou trato carece absolutamente de valor.

-           O qual não me impede representar a minha cliente, objetou Mason.

-           O qual, retificou Cassel, - Significa que nossas estimativas não foram corretas. Se sua cliente tem bastante dinheiro, para pagar um advogado de categoria como você, num um assunto deste tipo, nós temos sido uns ingênuos. Não pedimos o bastante.

-           Siga falando. O escuto encantado. Cassel raciocinou uns momentos.

-           Não se trata de um pagamento, sim de algo que sua cliente deve... Não penso em discutir com você, Mason. Tem ou não tem?

-           Se você se refere a dinheiro, respondeu o advogado, - Não o tenho, e como não o tenho, não posso pagar a você. Se quiser, pode voltar amanhã e começar de novo todo a chanta... todo o assunto.

-           Não seria tão louco como para cobrar deste modo, protestou Cassel.

-           Por que não?

-           Pois... não seria ético. Mason começou a rir. - Ouça, Mason, você supõe que é todo poderoso. Que diz sempre a última palavra. Porém agora conseguiu que o assunto fique mais difícil para sua cliente. Demos-lhe a oportunidade de livrar-se de tudo a um preço baixo. Porém o preço vai subir.

-           Não me diga! riu Mason. - Eu acreditava que os preços estavam baixando, segundo conta o governo... Cassel se dirigiu encolerizado até a porta, porém antes de chegar deu meia volta.

-           Mason, seja razoável e atenha-se ao trato. Sua cliente paga os cinco pacotes e tudo acaba.

-           E que obtém em troca dos cinco pacotes?

-           Imunidade.

-           E as provas?

-           De que provas você está falando?

-           Das provas de integridade e de imunidade de minha cliente.

-           Chegamos a um acordo, recordou Cassel.

-           Você disse faz uns momentos que os acordos não valem de nada.

-           Não, ante um tribunal, corrigiu Cassel, - Nem se a parte do direito promove uma ação. Porém este acordo fecha muitas portas... todas aquelas que poderiam inquietar a sua cliente.

-           Pensarei, concedeu Mason.

-           Pense... e vá para o inferno! Eu já lhe dei muito tempo para pensar. Este assunto está em vermelho vivo. Se você quiser terminar o quanto antes, tem que se mover depressa.

-           Aonde posso entrar em contato com você? quis saber Mason.

-           Você pergunta muito, reclamou.

-           Está bem. Aonde posso depositar o dinheiro... se decidir o entregar?

-           Você tem seu número telefônico na lista, replicou Cassel. - E tem escritório. Não sei o que faz neste hotel. Chamarei a sua sala desde um posto telefônico. E depois destas palavras, abriu a porta e desapareceu. Mason se dirigiu ao telefone e após pedir linha, chamou a Agência de Paul Drake.

-           Perry Mason falando, Paul. - Stela Grimes lhe chamou pedindo um agente para seguir alguém?

-           Não, em absoluto, negou Drake. - Só sei que estava no hotel Willatson. Não estava consigo?

-           Estava. Porém precisava que um agente seguisse um homem. Tratei de fazê-la compreender com meias palavras.

-           Se foi assim, não se preocupe, tranqüilizou Paul Drake. - É muito esperta. Existe algum motivo que impeça que ela mesma siga a esse sujeito?

-           Só que ele a conhece, replicou Mason. - Teria sido melhor um desconhecido.

-           Bem, provavelmente não teve tempo de chamar. Que era, algo importante?

-           Tremendamente importante.

-           Então, já chamará, prognosticou Drake. Mason desligou o telefone, andava pelo quarto e voltou a levantar o receptor. - Com o quarto sete, oito, nove, por favor, pediu à telefonista do hotel. Diana tardou um pouco em atender a chamada.

-           Sim.

-           Demorou muito em responder, Diana, reprovou Mason.

-           Não sabia se atendia ou não. Que tal anda tudo?

-           Apresentou-se a outra parte da transação.

-           Quer dizer... o chantagista?

-           Sim.

-           Que aconteceu?

-           Durante um tempo estivemos nos estudando, explicou Mason. - E, por desgraça, me reconheceu.

-           Como?

-           Sabia quem eu era.

-           E isto é ruim?

-           Talvez seja bom... Acredito que se assustou um pouco. Bem, só queria aconselhar que não se mova até que tenha noticias minhas. Em uma hora me reunirei com você.

 

Mason levou a mão até seus olhos, no quarto 767 do hotel Willatson. Para seu pesar, não podia abster-se de consultar o relógio de pulso cada vez mais a miúdo. Em duas ocasiões se pôs de pé e andou com impaciência pelo quarto. Soou o telefone.

 

-           Diga? Era Diana Douglas.

-           Senhor Mason, estou assustada. Não poderia reunir-se comigo?

-           Não, em absoluto. Fique onde está. Daqui a pouco poderei dar instruções.

-           Daqui a pouco... quando?

-           Suponho que dentro de poucos minutos.

-           Estou ficando nervosa sem nada que fazer, senhor Mason.

-           Estamos conseguindo muito mais do que você acredita, replicou Mason, - E é importantíssimo que você siga minhas instruções. O advogado desligou o telefone, foi até a janela, olhou para a rua e regressou a sua poltrona, sentando-se na mesma procurando uma postura cômoda; porém logo levantou bruscamente e voltou a andar pelo quarto. A maçaneta começou a girar. Abriu-se a porta e Stela Grimes apareceu no umbral.

-           Tve sorte? perguntou Mason.

-           Sorte? Mais que sorte, sorriu ela, jogando uma caixa de cartolina sobre a cama. Mason a interrogou com um gesto. - Roupa, explicou ela. - Fui a uma loja comprar o que necessitava porque pensei que talvez tivesse que passar algum tempo neste quarto. Escolhi algumas coisas ao azar, porque não quis que ficasse esperando muito tempo.

-           Que aconteceu?

-           Captei seu sinal, senhor Mason, sorriu Stela. - Você queria que eu seguisse o tipo.

-           Exato.

-           Como ele me conhecia de vista, complicava minha missão. Acreditei que havia pouca probabilidade de que esse Cassel se alojasse aqui no hotel. Por isso, fui para a rua, aluguei um táxi e disse ao motorista que aguardasse até que eu desse o sinal de arrancar.

-           Que aconteceu?

-           Esse Cassel estava em seu carro, um Cadillac. Pelo visto, havia dado ao porteiro do hotel uma boa propina, para poder estacionar o carro uns minutos na zona de carga e descarga. Quando saiu, o porteiro se mostrou muito serviçal. Correu a abrir a porta do carro, se inclinou, agradeceu, e não se moveu enquanto Cassel punha o carro em marcha.

-           Anotou a matrícula do carro? A jovem sacou uma agenda de sua bolsa e leu o número.

-           WVH574.

-           Consegui seguí-lo?

-           Foi fácil. Dirigiu-se aos Apartamentos Tallmeier. Conduziu diretamente até a garagem no subsolo do edifício, e não saiu mais. Mason levantou o telefone.

-           Uma linha externa por favor, pediu à telefonista, e em seguida discou o número da Agência de Detetives Drake. - Paul? perguntou à telefonista.

-           Acaba de chegar, senhor Mason, respondeu a garota, ao reconhecer sua voz.

-           Deixe-me falar com ele.

-           Perry, onde está?

-           No hotel Willatson com Stela Grimes. Acaba de regressar.

-           Serviu de algo?

-           Acredito que conseguimos algo. Necessito averiguar quem é o proprietário de um Cadillac matrícula WVH574, e se seu dono mora nos Apartamentos Tallmeier.

-           Della perguntou se poderia ligar para você, observou Paul.

-           Prefiro que não. Chamarei o escritório de quando em quando para verificar se algo importante aconteceu. Acha que Della necessita se comunicar comigo urgentemente?

-           Não, salvo que você tinha alguns encontros, e ela há teve de que justificar sua ausência alegando que estava fora da cidade.

-           E creio que isso é exatamente o que vai acontecer, confirmou Mason.

-           Que tal vai Stela? perguntou Drake.

-           Muito bem.

-           De acordo, se precisar de algo liga para mim.

-           Excelente, aprovou Mason, desligando o receptor.

-           Caramba, esse pessoa estava como louco, comentou Stela. - Você deve tê-lo tratado com dureza!

-           Em que sentido estava como louco, Stela?

-           Na forma como andava, como olhava e como se deixou seguir.

-           Suponho que estava desanimado, raciocinou Mason. - Esperava mais facilidades. O advogado olhou seu relógio. - Vigie o forte, Stela, disse. - Vou ao meu quarto. Se acontecer algo que possa complicar a situação, colocarei a tabuleta de <Não interrompa> na porta. Chame Paul, e diga que telefone para o meu quarto. Mason se dirigiu à quarto 789 e bateu suavemente à porta. Diana Douglas abriu.

-           Estou muito nervosa, declarou a jovem. - Estar aqui sentada é desesperante.

-           Escute-me com atenção, Diana. Quanto dinheiro tem?

-           À parte dos cinco mil, saquei seiscentos dólares de minha poupança quando vim de San Francisco. Queria ter dinheiro meu para dar como antecipação e...

-           O dinheiro que me deu não fazia parte dos cinco mil dólares?

-           Não.

-           Não tem a menor idéia do que se trata? Quero que seja sincera comigo.

-           Bom, suponho que se trata de alguma indiscrição de Edgar... algo com quem andou... Oh, você já sabe o que passa... alguma carta, ou umas fotos... Por que me faz esta pergunta, senhor Mason?

-           Porque talvez estejamos seguindo um rastro equivocado.

-           Meu irmão é muito ingênuo, começou Diana, sentando-se na borda da cama e indicando uma cadeira ao advogado. - Não direi que seja débil, porém sim que se deixa influenciar facilmente. Suponho que não servi de grande ajuda, ao tentar fazer que tudo ficasse mais fácil para ele. A vida não se aprende desta maneira, senhor Mason. Um homem tem que evoluir por si mesmo, enfrentar as dificuldades e obstáculos, em vez de deixar que outra pessoa o faça e tome toda a carga sobre suas costas.

-           Acredita que exista algo no passado de Edgar que fizesse necessário pedir a você uma soma de dinheiro para retirá-lo do aperto? perguntou Mason

-           Eu não sei, senhor Mason.

-           Teria pedido dinheiro a você?

-           Acredito que sim, porém tudo indica que viria a Los Ângeles e enfrentaria sozinho esta situação.

-           Seu irmão jogava algumas vezes? A jovem pensou suas palavras cuidadosamente.

-           Sim, jogava de quando em quando.

-           Em Las Vegas? Em Reno?

-           Eu não sei. Acredito que não muito, no meu entender.

-           Qual foi a soma máxima que perdeu?

-           Oitocentos dólares.

-           Como sabe?

-           Ele me disse.

-           Porquê?

-           Tive que tirá-lo do aperto. Pagou em Las Vegas com um cheque e... bom, já sabe o que acontece quando não ten fundos. E eles são... já sabe.

-           Como são?

Não sei, porém creio que se faz uma aposta com um corredor profissional a crédito, tem que pagar ou se passa muito mal.

-           Edgar estava assustado?

-           Terrivelmente assustado.

-           Dito de outro modo, resumiu Mason, - Quando Edgar se encontra numa confusão, sempre procura a você. Como, se além de sua de irmã, você fosse sua mãe.

-           Suponho que tem razão, concedeu ela.

-           Se Edgar estivesse em um aperto, necessitando de cinco mil dólares, teria recorrido a você.

-           A menos... que se tratasse de algo que decidiu guardar em segredo.

-           Sabe algo da vida sentimental de Edgar, ou de sua vida sexual?

-           Nada de nada. O advogado contemplou à jovem pensativamente.

-           Existe um avião da United Airlines que sai para San Francisco às seis e trinta e sete minutos. Quero que vá nele. O advogado fez uma pausa. - Eu a acompanharei até o elevador. Quando chegar ao vestíbulo, atravesse-o como se nada estivesse acontecendo. Não olhe ao seu redor como se temesse, que alguém a estivesse seguindo. Iremos andando até dois conjuntos de casas além do hotel. Ali tem um ponto de táxis. Apanhará um. Dirigirá-se à Union Station de trens. Uma vez ali, se assegurará de que ninguém a segue. Voltará a sair, apanhará outro táxi e irá para o aeroporto. E uma vez nele, me espere.

-           Porquê?

-           Porque eu irei me reunir com você antes que o avião parta. Eu levarei sua mala. Dentro de uma hora aproximadamente deixarei o hotel. Isto me dará tempo de ir ao meu apartamento e preparar uma maleta. Em seguida, irei para o aeroporto.

-           E que faço com a carteira... a que contém o dinheiro?

-          Os bancos já estão fechados, replicou Mason. Terá que levá-la consigo porque quero que amanhã, antes de entrar no escritório, tenha em seu poder um cheque pagador com você como depositária. Mason voltou a fazer uma pausa, como avaliando suas idéias. - Assim que abram os bancos em San Francisco, deposite o dinheiro e receba o cheque. Logo, dirija-se ao seu escritório, como se não houvesse acontecido nada extraordinário. Nos encontraremos ali. Isto será, no máximo, até as dez e meia. Que fique bem entendido: não chegue antes dessa hora, dez e meia. Nem tampouco mais tarde, se puder evitá-lo. Tocou o telefone. - Acredito que é para mim, murmurou Mason. Levantou o telefone e falou cautelosamente.

-           Alô... No outro extremo da linha se ouviu a voz de Paul Drake.

-           Alô, Perry. Tenho quase todos os relatórios que pediu. Foi muito fácil. O Cadillac está registrado em nome de um tal Morai Cassel, dos Apartamentos Tallmeier, nove, zero, seis. Reside ali há mais de um ano.

-           Não é possível!... resmungou Mason.

-           Aconteceu algo?

-           Que essa pessoa tenha dado o seu verdadeiro nome, falou o advogado. Na realidade, tinha podido me enganar, porque pensava que era um chantagista.

-           E não é?

-           Terei que averiguar.

-           Quer que o sigam?

-           Não. Ou é demasiado tonto para que esteja certo, ou demasiado esperto para se deixar apanhar, e quero descobrir o que é, antes de meter-me em um lamaçal.

-           Bom, se houver novidade me avise.

-           O farei, confirmou Mason, desligando o receptor. Diana estava contemplando a advogado com ansiedade.

-           Aconteceu algo?

-           Não sei, disse ao fim. - Acredito que cometi um erro.

-           Em que sentido?

-           O trabalho de Paul Drake, explicou Mason, levantou muitas coisas sobre o chantagista. Chama-se Morai Cassel. Dirige um automóvel Cadillac. Mora nos Apartamentos Tallmeier, no nove, zero, seis. E quando veio aqui deu seu verdadeiro nome. E até deu uma boa propina ao porteiro.

-           Bom, e porque isso é ruim? estranhou Diana. Mason sacudiu a cabeça.

-           Não se trata disso, Diana, interrompeu. - Ele não pertence a esse tipo de gente. Está mais para um bom vivant.

-           Porquê?

-           Por seu aspecto. Pelos seus modos. Por todas as circunstâncias que o envolvem.

-           Senhor Mason, é capaz de conversar um tempo com um homem e saber como ele é... bom, pode já classificá-lo como um bom vivant?

-           Não, reconheceu Mason. - Não chego tão longe, Diana. E ao dizer que essa pessoa é um bom vivant, não me referi a que atualmente estivesse atuando neste sentido. E sim que se trata desse tipo de indivíduo. Pode ganhar o sustento representando uma mulher numa chantagem.

-           Como pode estar tão seguro?

-           Não se trata de nada especial, explicou Mason. - É uma combinação. Um sujeito que viva das mulheres direta ou indiretamente, sabe que sua forma de viver não é decente. Então, tenta encobri-la. Trata de ser decente consigo mesmo. E procura aparentar uma boa fachada. Mason calou e olhou fixamente para Diana querendo infundir o sentido de suas palavras. - Vejamos a sua voz. Existe algo nela. Falta tom e timbre.

-           E esse Cassel, possui estes defeitos?

-           Exatamente.

-           O que ele queria?

-           Dinheiro.

-           Quanto?

-           Tudo. Os cinco mil.

-           Que você respondeu?

-           Coloquei inconvenientes.

-           E ele...?

-           Não gostou.

-           Devido a quem era você?

-           Como disse, me reconheceu, confirmou Mason.

-           E não pode descobrir o que queria, em que está metido meu irmão? Mason sacudiu negativamente a cabeça.

-           Evidentemente, não se trata de uma chantagem ordinária.

-           Acredita que é algo pior... pior do que você denomina uma chantagem ordinária?

-           Talvez, afirmou Mason. - Essa pessoa atuou como se tivesse todos os triunfos na mão.

-           O que fará agora? Mason deu de ombros antes de responder:

-           Teremos que aguardar para saber.

-           Senhor Mason, supõe que se trata de um assunto sério?

-           Não se exigem cinco mil dólares a um rapaz por ter estacionado o carro diante de uma placa de proibido, respondeu o advogado. - Seja o que for, é algo grave. Vamos, Diana, saiamos daqui tranqüilamente. Não leve nada mais do que a bolsa e a carteira do dinheiro. E siga ao pé da letra as instruções que lhe dei. Verei se consigo reservar as passagens no avião. Mason levantou o telefone e pediu linha. Logo, discou o número da United Airlines, perguntou pela pessoa das reservas, e pediu duas passagens para San Francisco no vôo das seis e trinta e sete. - Bem, apanharemos as passagens no aeroporto. Reserve duas no nome de Perry Mason... Exato, Perry Mason, o advogado. Estupendo! Eu mesmo apanharei minha passagem. A outra é para a senhorita Diana Douglas. Desligou o aparelho. -Tudo resolvido, Diana. Você pedirá uma passagem reservada em meu nome. Nos veremos a bordo do avião. Eu levarei sua mala, que tirarei daqui quando sair do hotel. Lembre que se perder o dinheiro que leva, você estará enrolada.

-           Eu sei, vacilou a jovem. - Tenho andado com a carteira tanto tempo que... apenas durmo, de tão inquieta que estou. Eu sei que se me acontece algo você não poderia me salvar. Porém já fui tão longe... e além disso, senhor Mason, quem sabe que eu levo na carteira cinco mil dólares?

-           Demasiada gente já, replicou Mason. - Vamos, Diana, dê seu melhor sorriso e vamos em busca de um táxi o mais rápido possível.

 

A Companhia de Importações e Exportações Escobar tinha seus escritórios no edifício da Financeira Unida. Mason descobriu na portaria que a empresa tinha escritórios no terceiro andar e depois se estabeleceu em um lugar próximo à porta, de onde podia vigiar todos que entravam. Eram dez e vinte. Às dez e vinte e cinco, Diana Douglas ia entrar no edifício. Mason deu um passo adiante.

 

-           Onde estava ontem à noite? A jovem franziu as sobrancelhas, mostrando seus olhos arrasados de lágrimas. Logo, segurou o braço do advogado, como se necessitasse sua ajuda física e mental.

-           Oh!, senhor Mason, exclamou. - Edgar faleceu às três e vinte e cinco desta madrugada.

-          Sinto muito, disse Mason, rodeando seus ombros com seu braço. - Ele significava muito para você, não é verdade?

-           Muito. Eu... eu queria muito... Oh, queria tanto...! De repente, enterrou a cabeça no peito do advogado e rompeu em soluços. Mason acariciou o seu ombro.

-           Diana, por favor, não se abandone. Lembre que tem que cumprir uma missão. Tem que erguer a cabeça e enfrentar os fatos.

-           Eu sei, soluçou, - Porém eu... creio que não poderei... não poderei... Só vim porque prometi que nos encontraríamos aqui... Queria telefonar a Homer Gage e dizer que não me esperasse...

-           Vamos, vamos, consolou Mason, - Estamos chamando a atenção, Diana. Vamos até a esquina e trate de se acalmar, menina. Tem que cumprir uma missão. E agora vamos apanhar o touro pelos chifres.

-           A que se refere?

-           Temo que tenham feito uma armadilha, resmungou Mason. - Entenda bem: alguém desfalca mil dólares de uma companhia e desaparece. Outra pessoa, que sabe o que aconteceu, com toda tranqüilidade retira outros quatro mil da caixa forte. E depois, o que roubou os mil dólares leva a culpa do crime, sendo acusado de ter roubado os cinco mil. Os olhos de Diana, vermelhos de tanto chorar, se fixaram absortos no advogado.

-           O quer dizer que...?

-           O quero dizer, continuou Mason, - Que a Companhia de Importações e Exportações Escobar, deve ter dado falta de vinte mil dólares.

-           Vinte mil dólares! repetiu ela, estupefata.

-           Exatamente, confirmou Mason. Fez uma pausa e continuou: - Como você vem até a Companhia? Toma um táxi, vem no seu carro ou...?

-           Não, apanho um ônibus.

-           Que disposições tomou a respeito de seu irmão? Existem outros parentes?

-           Não. Levantei-me esta manhã e ainda nada resolvi.

-           Por que não tomou o avião de ontem à tarde como eu havia ordenado?

-           Porque pensei que alguém me seguia, senhor Mason. Achei que uma pessoa que ia em um automóvel seguia o meu táxi até a estação. Tentei me esconder entre o povo, porém não tive muito êxito. Continuei tendo a horrível sensação de que aquele indivíduo me espionava, e que estava sempre atrás de mim, então entrei no banheiro de senhoras, onde me demorei longo tempo; saí e adotei uma série de táticas de distração. Encaminhei-me até a plataforma, como disposta a apanhar um trem, dei meia volta no último instante, e devido a todo isso, cheguei no aeroporto dez minutos atrasada. O avião já havia partido. Então, decidi jantar e apanhar o avião seguinte.

-           Por que não chamou o escritório de Paul Drake...?

-           Não... não pensei nisto. Sabia que você ia naquele avião, que me esperaria aqui esta manhã e... bom, não pensei em nada mais. Diana enxugou os olhos arrasados em lágrimas e após uma breve pausa continuou: - Depois, quando liguei para o hospital me disseram que meu irmão estava pior... Quando cheguei lá já estava morto. Oh, por favor, não posso... não posso...

-           Calma, calma... Você passou por um momento muito amargo. E agora ordeno que apanhe o primeiro ônibus, regresse a seu apartamento e trate de dormir. Tem algum sonífero?

-           Sim.

-           Tome dois, aconselhou Mason. - Durma e esqueça de tudo. Ah, trouxe o cheque?

-           Sim.

-           Me dê. Provavelmente não o utilizarei, porém quero tê-lo em meu poder. E aqui tem sua mala.

-           O que você vai fazer? interessou-se a jovem, entregando o cheque.

-           Vou à Companhia Escobar e darei uma olhada por ali. Pelo menos, tentarei.

-           Deus meu, Mason! Vinte mil dólares!

-           Eu sei, confirmou o advogado, - É um golpe.

-           E que podemos fazer?

-           Veremos. A jogada é velha, porém não é infalível. Um pobre rapaz aposta nos cavalos, perde e passa a jogar nos corretores de apostas sob palavra. Logo, para poder pagar, apanha da caixa da empresa onde trabalhava dois ou três mil dólares, e outra pessoa, mais esperta do que ele, leva o restante da caixa e o primeiro é acusado de todo o desfalque. Se não o pegam, todo mundo supõe que roubou tudo, e se o apanham e nega ter apanhado mais de dois ou três mil dólares, ninguém acredita. Mason meteu o cheque na carteira e acompanhou gentilmente à jovem até a porta.

-           Apanhe o ônibus. Vá para o seu apartamento e durma. E deixe para mim a Companhia Escobar... Tem telefone ou tenho que chamá-la por uma telefonista?

-           Existe uma telefonista no andar de baixo.

-           Pois avise que não a perturbem sob nenhum pretexto, recomendou Mason. - Durma. Eu já tenho seu número de telefone. E lembre à telefonista que só transfira a ligação quando for eu a chamar. Hoje é terça. Esta tarde regresso a Los Ângeles. Você pode entrar em contato comigo por meio da Agência de Paul Drake se precisar de algo. Ah, sim, lamento a morte de seu irmão... Pobre menina, tem suportado uma carga muito pesada estes últimos dias... Porém tenha calma e resignação, e chame se precisar. Onde é a parada do ônibus?

-           Ali mesmo, indicou ela. - Devo a passagem do avião, senhor Mason. Lembro que você comprou duas na sua conta. Quando cheguei ao aeroporto para apanhar o avião, como pensei que ainda tinha tempo, ia tirar uma passagem com meu cartão de crédito, porém não o encontrei. Devo de tê-lo perdido não sei aonde, e a jovem das reservas me explicou que já estava pago...

-           Está bem, interrompeu Mason, - Esqueça. Logo a conduziu até um banco de madeira na calçada.

- Apanhe o primeiro ônibus e volte para vasa. Eu vou até à Companhia Escobar e verei que posso fazer.

Diana jogou impulsivamente os braços em torno do colarinho do advogado e o beijou nas faces.

-           Senhor Mason, você é maravilhoso! exclamou.

 

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Mason parou no corredor do terceiro andar olhando para os escritórios da Companhia Escobar. No vestíbulo havia uma exposição de arte oriental, com talhas de marfim e barro. Do outro lado da porta de entrada, havia umas figuras de estilo asteca ou tolteca. A porta dupla de cristal dava entrada para uma sala com vitrines em que havia uma pequena exposição de objetos de arte. Nos vidros da porta se lia em grandes caracteres:

 

COMPANHIA DE IMPORTAÇÕES E EXPORTAÇÕES ESCOBAR

 

Mason empurrou a porta e entrou na sala de exposições. Uma jovem sentada na frente de uma central telefônica sorriu de maneira mecânica.

 

-           O que deseja? perguntou.

-           Queria ver o senhor Gage, por favor, solicitou Mason.

-           Qual deles? O senhor Franklin ou o senhor Homer?

-           O senhor Franklin Gage.

-           Não está. Acha-se em viagem de negócios.

-           Então, verei o senhor Homer Gage.

-           A quem anuncio, por favor?

-           A Perry Mason.

-           Trata-se de alguma compra, senhor Mason, de algo relacionado com objetos de arte ou...?

-           É algo mais pessoal, senhorita.

-           A quem representa?

-           Não represento a nenhuma empresa. Chamo-me Perry Mason e sou advogado de Los Ângeles. E vim para falar a respeito de uma empregada desta Companhia que se chama Diana Douglas.

-           Oh...! Oh! Sim, claro... Um momento. A jovem apanhou uma linha e Mason viu como movia os lábios rapidamente, porém a conexão telefônica era tão precisa que não pode entender nem uma só palavra. Um momento mais tarde abriu-se uma porta no fundo do vestíbulo e apareceu um indivíduo corpulento, não muito alto, de uns trinta e oito anos, com o cabelo preto penteado até atrás, sobrancelhas grossas e muito pretas, olhos verdes e óculos com armadura de prata. Sua boca era uma linha reta de profunda determinação.

-           O senhor Mason? perguntou.

-           O mesmo.

-           Sou Homer Gage. Qual é o motivo de sua visita, senhor Mason?

-           A senhorita Diana Douglas.

-           O que aconteceu?

-           É uma empregada de sua empresa, não é verdade?

-           Sim, porém não está aqui neste momento. Seu irmão sofreu um grave acidente de automóvel e essa jovem está muito transtornada. Se tratar de um assunto que afete o seu crédito financeiro ou a sua integridade, posso assegurar que aqui goza de uma boa reputação.

-           Não se trata disso, comentou Mason. - Desejo conversar com você a respeito dela.

-           De acordo, pode falar.

-           Bem, iniciou o advogado com fingida amabilidade, - Se quer que conversemos aqui, vamos continuar. Eu represento à senhorita Diana Douglas. De onde apareceu a idéia de contar à polícia de Los Ângeles que essa jovem havia feito um desfalque de vinte mil dólares de...? Gage interrompeu, levantando as mãos, com as palmas para fora.

-           Por favor, senhor Mason. Nós não denunciamos tal coisa.

-           Então, deram a entender.

-           Senhor Mason, não creio que este seja o lugar nem o momento mais apropriado para discutir este assunto.

-           Por que não é o momento mais apropriado?

-           Porque... eu não havia previsto... Bem, você não telefonou e eu não estou preparado...

-           E qual é o problema deste local aqui?

-           É um lugar demasiado público.

-           Você o escolheu, recordou Mason. Homer Gage abriu a porta de um corredor.

-           Por favor, passe para a minha sala, senhor Perry Mason. O advogado continuou ao longo de um grosso tapete que adornava o corredor, onde de ambos os lados havia mais vitrines com objetos de arte; passaram junto aos datilógrafos, que deixaram de trabalhar para examinar Mason, e por fim chegaram ante uma porta de nogueira. Homer Gage manteve aberta a porta e deixou entrar primeiro Mason.

-           Sente-se, senhor Mason. Sinto que você tivesse comentado este assunto diante das empregadas.

-           Você não me deixou outra alternativa, replicou o advogado.

-           Não devia... Sinto muito. Não apreciei a importância de sua visita.

-           Suponho que agora aprecia, não é?

-           Bem, senhor Mason, está de pé o fato de que um auditor demonstrou que falta uma soma bastante alta do caixa e, naturalmente, em tais circunstâncias, procuramos realizar algumas investigações com respeito a nossos empregados ausentes.

-           Uma de tais pessoas foi Diana Douglas?

-           Realmente.

-           E seu tio Franklin Gage, outra?

-           Bom, não se pode chamá-lo de empregado. Virtualmente, esta empresa é dele.

-           E Edgar Douglas era outra ?

-           Sim. Está no hospital com fratura de crânio. Desde o acidente não recobrou a consciência. E temo que o prognóstico não seja muito favorável.

-           Também fizeram indagações a respeito dele?

-           Não está em condições de ser interrogado. Não é possível fazer perguntas a um ser inconsciente.

-           De modo que Diana Douglas foi a única pessoa cujo nome foi informado à polícia.

-           Oh, senhor Mason, parece que você colocou o carro antes do boi. Com uma falta de dinheiro desse montante, é natural que desejássemos conversar com a senhorita Douglas. É nosso direito. Essa jovem é empregada de nossa Companhia. E pensamos que havia pedido permissão para faltar uns dias à fim de poder ficar próximo de seu irmão no hospital, porém descobrimos que havia viajado de maneira repentina até Los Ângeles.

-           E então pediram à polícia daquela cidade que realizassem uma investigação?

-           Foi solicitado à polícia de Los Ângeles, certa informação sobre essa senhorita.

-           Insinuando que podia ter desfalcado à empresa, naturalmente.

-           Em absoluto, senhor Mason. Você não diga o que eu não disse. Simplesmente, pedimos certas comprovações.

-           E como descobriram que Diana Douglas se achava em Los Ângeles?

-           Temo que este é um assunto confidencial, senhor Mason, que não posso discutir no momento.

-           De acordo, concedeu o advogado. - Só queria que vocês soubessem que represento legalmente à senhorita Douglas; que ela e eu opinamos que foi prejudicada na sua reputação, por ser acusada de um possível desfalque e por vocês terem solicitado a colaboração da polícia de Los Ângeles. Esta é minha base, senhor Gage, e se tiver algum outro assunto para tratar com a senhorita Douglas, indubitavelmente terá que tratá-lo através de meu intermédio.

-           Isto significa isto que ela já não pertence à empresa? perguntou Homer.

-           Este assunto não vou discutir neste instante. Só me refiro a ação que ela pode apresentar contra vocês, por difamação. Portanto, se vocês desejam realizar mais investigações neste sentido, será preferível que tratem comigo.

-           Vamos, vamos, senhor Mason... Não tem necessidade de irritar-se. Não tem por que levar as coisas desta maneira. Veio de Los Ângeles só para nos dizer isto?

-           Por que não?

-           Me parece algo muito fútil... A verdade é que não sabemos onde está o dinheiro. A única coisa que sabemos é que falta dinheiro no caixa.

-           Você está certo disso?

-           Parece que é certo. Faltam uns vinte mil dólares em notas.

-           Guardam tanto dinheiro no caixa? É um pouco estranho...

-           Sim. Em algumas ocasiões, fica até uma quantidade ainda maior.

-           Posso perguntar porquê? quis saber Mason.

-           Naturalmente, não vejo inconveniente, confirmou Gage. - Muitas operações são realizadas em dias festivos, quando os bancos estão fechados.

-           E em algumas operações não interessa que se efetuem perguntas, não é?

-           Oh, não, nada disso... Porém temos o costume de comprar objetos pagando à vista, e quando a operação é terminada... estabelecida firmemente...

-           Não entendo, interrompeu Perry.

-           Oh, sim, é um pouco difícil de entender, senhor Mason. Em vários países com que temos relações comerciais, existem certas situações que levamos em conta. Por exemplo, no México é ilegal exportar objetos antigos, porém, em troca, nos Estados Unidos existe uma grande demanda de tais objetos.

-           E essas figuras mexicanas vieram de contrabando?

-           Eu não diria assim, senhor Mason. Sempre tenho grande cuidado em não falar desse modo. Só estava contando os motivos de ter sempre tanto dinheiro em caixa. Existem certas questões sobre as quais... não nos interessa aprofundar em demasia. E quando não se aprofunda nas questões, tem que se pagar à vista.

-           Acredito ainda que não entendo, insistiu Mason. Homer Gage ficou ruborizado.

-           Realmente, senhor Mason, expliquei tudo o que posso, com respeito às atividades de nossa empresa, tendo em vista as circunstâncias.

-           Me explicou o relativo ao dinheiro para os pagamentos à vista, a fim de fazer passar essas figuras pela fronteira. Suponho que está se referindo a suborno.

-           Em absoluto. Você é advogado, e deve saber somar dois e dois.

-           Talvez, sorriu Mason.

-           Porém somou dois e dois e obteve um total falso.

-           Nesse caso, replicou Mason, sorrindo afavelmente, - Poderá explicar tudo muito melhor ante um tribunal.

-           Eh, um momento! Mason, isto não tem nada que ver com tribunais, nem existe motivo para que você me coloque diante de um jurado. Mason não desgrudou os lábios. Homer Gage respirou profundamente. - Permita que explique desta forma, senhor Mason. O México tem uma proibição sobre a saída de objetos antigos do país. De outra parte, não existe nenhuma proibição nos Estados Unidos com respeito à importação de objetos de arte antigos. Então, se alguém chegar com uma camionete carregada de estátuas mexicanas, nós não temos a menor necessidade de determinar, no momento de realizar a operação, se tais figuras são autênticas ou imitações. Homer Gage voltou a respirar pesadamente e secou o suor da fronte com um lenço. - Deve compreender que no México existe uma indústria dedicada à fabricação de tais imitações para vendê-las aos turistas, que muito a miúdo acreditam ter adquirido autênticas obras de arte antiga.

-           O qual não explica o dinheiro em caixa, argüiu Mason.

-           Bem, prosseguiu Gage, - Ponha-se no lugar do indivíduo que traz a camionete. Este só quer vender os objetos. E conseguir o que considera um preço razoável por eles. Sabe o que pagou. E quer lucro. Porém quando uma pessoa tem uma camionete cheia desta classe de objetos, é razoável supor que se dedica a isso, e que não se trata de uma operação isolada. Ao ver que Mason não parecia entender, Gage continuou sua explicação. - Em tais circunstâncias, prefere que não fiquem registros da transação. Prefere, portanto, cobrar a vista e que não se fale mais do assunto. Mason começou assentir com um gesto. - Também temos o outro extremo do negócio, continuou Homer Gage, - As exportações de produtos de Hong Kong, em que é necessário ter um Certificado de Origem. E aqui nos encontramos também em uma situação que requer dinheiro à vista. Bem, creio que não é necessário que dê mais explicações. Em nosso negócio, senhor Mason, sempre existe... Interrompeu-se subitamente ao chegar à porta uma secretária.

-           Com permissão, disse. - O senhor Franklin Gage acaba de regressar.

-           Por favor, diga que venha até aqui, pediu Homer. - Informe que o senhor Perry Mason, advogado de Los Ângeles, está aqui e que talvez tenhamos que consultar com nosso departamento legal.

-           Por que não? opinou Perry Mason. - Gostaria muito mais de tratar diretamente com outro advogado.

-           Não, não, não. Só desejo que Franklin compreenda a situação. Ah... aqui está. Mason voltou a cabeça. O cavalheiro alto, de aspecto distinto que estava no umbral, tinha um sorriso amável na sua expressão, mas os olhos eram firmes, um olhar calculado e sem sorrir em absoluto. Eram uns olhos muito grandes e redondos que dominavam o rosto. Aparentava uns cinqüenta anos de idade, e usava uns óculos sem armação que sublinhavam a força de seus olhos.

-           Senhor Mason, o senhor Franklin Gage, apresentou Homer. O advogado se pôs de pé. Franklin Gage apertou a mão do advogado com outra extremamente firme.

-           Ah, sim, senhor Mason, exclamou o recém chegado, - Tenho ouvido falarem muito bem de você. É um prazer conhecê-lo pessoalmente. Em que podemos servi-lo? Homer Gage foi quem respondeu rapidamente à pergunta.

-           O senhor Mason veio pelo assunto de Diana Douglas. Eu lembrei que ela tem três ou quatro dias de permissão para se ausentar.

-           Bom, não havia demasiado trabalho e demos a permissão. Seu irmão ficou gravemente ferido em um acidente de automóvel e acredito que ainda se ache inconsciente.

-           Não, cavalheiros, explicou Mason com gravidade. - O rapaz faleceu esta madrugada.

-           Deus meu! murmurou Homer.

-           Pobre rapaz... sussurrou Franklin, com tristeza.

-           Agradeço que nos tenha comunicado, continuou o sobrinho. Franklin Gage voltou-se até ele.

-           Homer, a empresa tem que enviar flores.

-           Certamente, me ocuparei disso.

-           E entre em contato com Diana e pergunte do que necessita. Devemos expressar nossos pêsames.

-           Temo que o senhor Mason não nos permitirá entrar em contato direto com Diana, respondeu Homer Gage. - E ainda que não o faça, não creio que fosse prudente... não até ter consultado os nossos advogados.

-           Bobagens! resmungou Franklin. - Temos que nos guiar sempre pelo humanitarismo e a decência.

-           Acredito que será melhor que escute o senhor Mason, opinou Homer.

-           Que diferença fará? quis saber Franklin, com uma voz que perdeu o seu tom cordial. Homer começou com uma apressada explicação.

-           Bom, parece que Diana Douglas fez uma viagem rápida a Los Ângeles não sei por que motivo, e o fez com um nome suposto. Franklin Gage olhou assombrado o seu sobrinho, que continuou: - De outra parte, Stewart Garlande, ao contar o dinheiro, disse que existia certa discrepância... e um cálculo fixou a mesma em uns vinte mil dólares. Naturalmente, quis averiguar a verdade e pediu que Diana fosse interrogada...

-           Ou seja, a fizeste interrogar com relação à falta de esse dinheiro...

-           Diretamente, não, replicou Homer. - Talvez tenha me precipitado, porém quando soube de que ela tinha se hospedado em um hotel com um nome falso, pedi a um amigo meu da polícia que procurasse descobrir o que se passava, e ele me respondeu que faria com que a polícia de Los Ângeles entrasse em contato com a jovem. Homer fez uma pausa e olhou a advogado. - O senhor Mason pensa que cometemos a afronta de ter acusado de desfalque a Diana e que isso constitui uma grave difamação, passível de ser punida pela Lei.

-           Então, exclamou Franklin rapidamente, - Você não deveria chegar a conclusões tão precipitadas. Muita gente tem acesso ao dinheiro do caixa... pela forma como levamos o negócio. Eu mesmo apanhei dez mil dólares a fim de realizar uma operação que tinha nas mãos. Por desgraça, o assunto não se levou a término. E faz uns minutos devolvi o dinheiro ao caixa.

-           Isso faz, que só faltem uns dez mil dólares, raciocinou Homer Gage, como um globo desinchando.

-           Não é possível afirmar que falte dinheiro até ter comprovado tudo, replicou Franklin. - Eu sei o que acontece com o caixa. Ali guardamos grandes somas, e sempre que um de nós necessita dinheiro, apanha o que necessita e deixa uma nota. Porém às vezes as notas não são feitas no dia. Ou seja, que se alguém tem pressa não se preocupa em deixar nenhuma. Olhou diretamente Mason, como se dirigindo só para ele. - No meu caso, se tratava de uma operação que não se realizou. Saquei dez mil dólares do caixa e não deixei nenhuma nota. Não tinha a menor idéia de que alguém pensaria que tinha acontecido um desfalque. Da forma como o temos organizado, Homer, devia ter esperado meu regresso antes de pensar nessa bobagem de desfalque.

-           Sinto muito, porém Diana Douglas empregou um nome falso, foi a Los Ângeles e se hospedou em um hotel como Diana Deering. Em tais circunstâncias, pensei que...

-           Como soube de tudo isso? quis saber Franklin Gage.

-           Francamente, não o descobri, confessou Homer, aparentemente na defensiva, e algo irritado. - Queria falar com Diana a respeito do dinheiro e se possuía algumas notas do caixa, que tivesse esquecido de deixar nela... Bem, então soube de que não estava em seu apartamento. Nem tampouco no hospital com seu pobre irmão, ainda que estivesse ali duas ou três horas seguidas depois do acidente. Porém parecia ter desaparecido. Homer Gage limpou a garganta antes de prosseguir: - Eu tenho um amigo na polícia daqui e perguntei como era possível localizar uma jovem em tais circunstâncias, e me respondeu que acharia a pista.

-           E bem...? animou Franklin.

-           Pois bem, meu amigo utilizou o senso comum, que era o que eu devia ter feito. Sabia que Diana estava preocupada com seu irmão, de modo que foi ao hospital, interrogou à telefonista e soube que de Los Ângeles ligavam com regularidade, perguntando pelo estado de Edgar Douglas. A jovem havia deixado um número para poder ser avisada em caso de uma mudança repentina. Meu amigo descobriu que aquele era o número telefônico do hotel Willatson de Los Ângeles, e que uma tal Diana Deering era a autora das chamadas. Obrigado à comprovação de seu aspecto, ficou bem estabelecido que Diana Deering era Diana Douglas, e então, meu amigo me sugeriu um plano para interrogá-la porque... bem, já compreendeu a posição em que eu me encontrava.

-           Não penso em fazer alguma declaração, raciocinou Franklin Gage. - Porém Diana Douglas é uma empregada leal desta empresa e eu tenho uma grande confiança em sua integridade. Sinto que o senhor Mason tenha adotado esta atitude acreditando que se tratasse de um caso de difamação. Também lamento você não ter realizado mais comprovações antes de falar de desfalque... O senhor compreenderá, senhor Mason, que às vezes temos mais de cem mil dólares em nossa caixa forte. O advogado franziu as sobrancelhas.

-           Parece muito? riu Franklin Gage. - Pois a nós nos parece pouco porque nosso negócio não tem um caráter demasiado comum...

-           Já expliquei ao senhor Mason... tartamudeou Homer.

-           Bem, disse Franklin Gage, - Devo concluir que nos achamos muito preocupados pela desgraça que sofreu Diana ao perder o seu irmão, por quem sentia grande afeto. Suponho que não são momentos muito apropriados para entramos em contato com ela, porém depois dos funerais, senhor Mason, me proponho a fazê-lo. Suponho que você estará de acordo em postergar toda discussão deste assunto até depois do enterro, pelo menos. O advogado não respondeu. - Pessoalmente, prosseguiu Franklin, - Não vejo em que pode ajudar a essa jovem, a sensação de começar um duelo. Senhor Mason, rogo como favor pessoal que mantenhamos este assunto em suspenso por uns dias. Estamos próximo do final de semana, e o irmão de Diana acaba de falecer. O que significa ter que atender a uma série de coisas... Homer, trate de conversar com ela por telefone e pergunte se necessita dinheiro. Ou alguma antecipação...

-           Não a chamem hoje, advertiu Mason. - Recomendei um sedativo e que não respondesse a nenhuma chamada.

-           Sim, sim, entendo, confirmou Franklin Gage, - E naturalmente, amanhã é sábado, porém... talvez seria preferível, Homer, que falasse com uma das garotas; provavelmente existirá alguma que seja sua amiga, alguma que vá vê-la amanhã e expresse com naturalidade nossas condolências. Homer meneou a cabeça.

-           Acho difícil. Diana é uma garota muito reservada, e não creio que tenha amizade com as demais datilógrafas, porém verei que posso fazer. Franklin Gage se pôs de pé e estendeu de novo sua mão em direção ao advogado.

-           Encantado de tê-lo conhecido, senhor Mason, e obrigado por ter vindo tratar deste assunto. Estou seguro de que não teremos necessidade de adotar uma postura adversa a sua... Franklin olhou fixamente Mason como querendo penetrar em seus pensamentos. - Por favor, não pense que nosso negócio funciona de maneira irregular. Asseguro que é uma empresa muito sólida e que a importação e a exportação é um bom negócio na atualidade. Homer Gage não ofereceu sua mão. Parecia um pouco afastado e digno, como ferido em seu amor próprio. Franklin Gage abriu a porta. - Obrigado de novo por sua visita, senhor Mason. Foi muito amável em vir a nos explicar a situação. Acredito que tudo se arranjará satisfatoriamente. Bons dias, senhor Mason.

-           Bons dias.

 

O advogado saiu da sala e parou uns instantes para contemplar uma peça de marfim talhado que chamou sua atenção. Na estatueta alguém havia deixado apoiado um fragmento de papel dobrado. Em cima se via escrito a máquina o nome do advogado. Mason se inclinou, como para examinar mais atentamente a talha. E no mesmo instante, sua mão se apoderou do papel. Quando voltou a erguer-se, meteu o papel no bolso de seu paletó. O advogado saiu do escritório, percorreu o corredor e antes de chegar ao elevador apanhou o papel de seu bolso. Ao desdobrá-lo viu que continha uma mensagem datilografada.

 

Não permita que joguem terra nos seus olhos. Diana é uma boa garota. Porém aqui acontecem coisas que não desejam que você saiba. Por favor, proteja Diana.

 

Não havia assinatura. Mason dobrou a mensagem, voltou a colocá-la no bolso, foi até o hotel e, após fechar a conta, regressou a Los Ângeles.

 

Na manhã seguinte, Mason inseriu a chave na fechadura de sua sala e abriu a porta.

 

-           Alô forasteiro, cumprimentou Della Street.

-           Não tanto, sorriu o advogado.

-           Quase, correndo desta maneira para San Francisco e trabalhando como detetive. O que apurou?

-           Nada em absoluto, respondeu Mason, - Salvo que essa Diana Douglas é um problema. Parece-me tê-la deixado desamparada.

-           Por que não se esquece dela?

-           Porque tenho com ela uma obrigação profissional.

 -          Ela mentiu para você com todo o descaramento, recordou Della Street, - E quando não mentiu, ocultou muitas coisas.

-           Eu sei, porém essa pobre jovem estava sumamente inquieta por causa de seu irmão.

-           O do acidente de carro?

-           Faleceu ontem pela manhã. Mason explicou a Della a conversa que teve com Franklin e Homer Gage em seu escritório. Della Street sacudiu a cabeça quando ele terminou.

-           Tinha duas entrevistas marcadas para esta manhã, porém como não tive notícias suas desde ontem à tarde, as cancelei.

-           Devia entrar em contato com você, confirmou Mason, - Porém me entretive muito tempo na Companhia Escobar, ainda que não o lamente. Além disso, passei por uma experiência muito curiosa.

-           Qual?

-           Uma das datilógrafas deixou uma nota em meu nome, junto a uma talha de marfim muito destacada no vestíbulo.

-           Ah, sorriu Della Street maliciosamente. - Por isto ficou em San Francisco à noite? Mason também sorriu.

-           Não era uma nota galante. Dê uma olhada. O advogado apanhou o papel de seu bolso. Della leu.

-           Foi escrita com uma máquina elétrica, afirmou. - Viu qual secretária usava uma?

-           Não, confessou Mason. - Estava olhando a decoração do escritório, as figuras, as talhas de marfim e jade... Pelo menos vale meio milhão o que está exposto naquele vestíbulo.

-           Não ofereceram algo com desconto? riu Della Street.

-           Só vendem e compram em valores muito altos. Ao sair da Companhia Escobar, me dirigi ao Molhe dos Pescadores, almocei uma boa lagosta e fui para o aeroporto. Tive sorte de poder regressar. Porém não o consegui até as cinco e quarto... e naquela hora não quis ligar para você. Bem, vou ao escritório de Paul, para ver se sabe algo da falsa Diana.

-           De quem?

-           De Stela Grimes, a agente de Paul que se hospedou no hotel Willatson com o nome de Diana Deering. Talvez tenha acontecido algo novo.

-           Talvez...

-           Para sua informação, continuou Mason, - Franklin Gage adotou uma atitude muito pouco formal com respeito à falta dos vinte mil dólares. Na realidade, só faltam dez mil, já que ele havia retirado dez mil para realizar um negócio que não chegou a se concretizar, e ao regressar para o escritório voltou a depositar o dinheiro no caixa. Isto foi ontem pela manhã.

-           E explicou tudo?

-           Sim, imediatamente quando seu sobrinho disse que faltava dinheiro.

-           Foi muito oportuno, comentou Della.

-           Acredito que Franklin estaria disposto a sofrer uma perda razoável antes que permitir que o assunto se veja nos tribunais, onde poderia ser perguntado sobre a sua caixa é caixa dois.

-           Acaso se dedicam a contrabando?

-           Pelo menos lidam com contrabandistas, e em todo o negócio existe um ambiente de grande irregularidade. Alguns objetos de arte de sua exposição são verdadeiras maravilhas. Bem, irei conversar uns instantes com Paul...

-           Lembre que tem várias entrevistas de importância esta tarde, disse a secretária.

-           Está bem. Vou dar um pulo na sala de Paul e regressarei rápido. Parece-me que o enterro de Edgar Douglas é esta manhã. Depois seguramente teremos notícias de Diana. Ou, não voltaremos nunca mais a saber dela. Imagino que Franklin Gage assistirá ao enterro, e seguramente contará a Diana que todo o assunto do desfalque foi só um falso alarma.

-           Tenho a mesma impressão, observou Della.

-           Certamente, Diana está destroçada. Ah, aguarde, Della. Aqui tenho o cheque que ela me deu do depósito efetuado no banco. Mason apanhou sua carteira do bolso e extraiu vários papéis. - Sim, aqui está. É um cheque do Banco de San Francisco, com Diana Douglas como depositária de uma quantia de cinco mil dólares. Oh, essa garota talvez nos mentiu em algo, porém seguiu minhas instruções ao pé da letra. Na realidade, sentia um grande afeto por seu irmão. Suponho que era mais uma mãe do que uma irmã... Se acontecer alguma novidade, estou na sala de Paul Drake.

-           Vá tranqüilo, aconselhou Della Street. - Se acontecer algo importante chamarei. Mason andou pelo corredor até o escritório da Agência de Detetives Drake, cumprimentou a garota da recepção e apontou com o polegar até a sala de Paul Drake. A jovem sorriu e assentiu.

-           Está ai, neste momento está telefonando. Entre. Paul Drake estava sentado detrás de sua mesa, onde se viam vários telefones. Quando Mason entrou na sala, terminava de falar em um dos aparelhos. O detetive apontou uma cadeira.

-           Bem, que deseja Perry?

-           Se trata do caso noventa, sessenta, noventa.

-           O que está fazendo Diana agora?

-           Nada, respondeu Mason. - Era muito próxima de seu irmão, o do acidente de automóvel. O pobre Edgar faleceu de madrugada. E até aquele momento, a pequena Diana fez um monte de coisas... ou melhor dito, deixou de fazer. Tinha que se encontrar comigo no aeroporto para irmos a San Francisco, porém não se apresentou. Contou-me que pareceu que alguém a seguia.

-           Eu, comentou Paul Drake.

-           Normalmente, eu teria aceitado esta explicação como evangelho, porém em vista de sua necessidade de mentir, fiquei tentado a duvidar de suas palavras. Paul, será melhor que chame Stela do hotel Willatson, e durante uns dias ao menos nos esqueceremos deste caso.

-           Não pode contar algo mais sem violar sua ética profissional? perguntou o detetive. Mason sacudiu a cabeça.

-           Lembre, Paul, que sou seu cliente neste caso, e que tudo o que você sabe a respeito de Diana Douglas vem do seu trabalho de investigação.

-           Lembro, confirmou Paul.

-           Pois bem, chama Stela Grimes e diz a ela que já pode abandonar o hotel e ir para casa. Paul Drake levantou um dos telefones.

-           Ligue para o hotel Willatson, ordenou à telefonista, - E que me coloquem em contato com o quarto sete, seis, sete. Houve uma longa pausa.

-           Alô, Stela, prosseguiu. - Acredito que sua missão terminou... Será melhor que se despeça e... Como? Está certa? Um momento, Stela. Drake enfrentou diretamente Perry Mason.

-           Stela acredita que algo acontece. Faz pouco saiu para lanchar e uma pessoa a seguiu. Está certa de que um indivíduo está no final do corredor vigiando o elevador. Mason consultou seu relógio.

-           Diga que estamos indo para lá, Paul.

-           Caramba, Perry, não posso deixar isto aqui. Posso enviar um agente e...

-           Irei só então, replicou o advogado. - Só pensei que você gostaria de me acompanhar. Tenho a manhã livre, e se nosso amigo Morai Cassel colocou um de suas cupinchas para intimidar Stela...

-           Calma, Perry, aconselhou Drake. - Esses tipos podem ser perigosos.

-           Eu também, quando um desses indivíduos começa a rondar uma mulher. Perry Mason saiu da agência de detetives, não sem antes advertir à telefonista: - Chame o meu escritório e diga a Della Street que saí e levarei uma hora para regressar. O advogado desceu no elevador até o térreo, apanhou um táxi e deu o endereço do hotel Willatson. Uma vez ali subiu ao sétimo andar, e olhou uma pessoa que tinha um martelo, uma chave de fenda e estava trabalhando no extremo do corredor. Não havia mais ninguém. O advogado foi até a quarto 767 e bateu à porta.

-           Diana... sussurrou. Stela Grimes abriu.

-           Entre, senhor Mason. E, por favor, não me dê alguma outra missão como esta.

-           Está assustada porque alguém a seguiu?

-           Não, caramba, foi a resposta, - Porém estou mortalmente entediada. Já esteve alguma vez instalado em um hotel, esperando hora após hora que aconteça alguma coisa e não acontece nada? Põe o botão da televisão em marcha e começa a escolher entre duas emissoras. E escuta uma série de anúncios até se fartar. Servem comidas no seu quarto. Vai de uma cadeira a outra. Não se afasta do telefone pelo temor de que ele toque e que se trate de algo muito importante. Não se atreve a ligar para alguém, porque o telefone não pode estar ocupado pois o chefe pode telefonar. Com certeza dormi para todo o mês nestes três dias. Esta manhã saí pela primeira vez. A camareira do andar começava a se mostrar desconfiada, de modo que avisei à telefonista que estaria fora uns quarenta e cinco minutos. E fui tomar um ar. Da próxima vez, espero que me encarregue de uma missão onde tenha mais movimento.

-           E onde possa utilizar seu revólver? sorriu o advogado. A jovem devolveu o sorriso.

-           Nunca o utilizei. Só o saquei um par de vezes, quando a coisa ficava difícil... Silenciou ao ouvir uma batida na porta.

-           Não diga que nunca acontece nada, estranhou Mason. - Já começam a acontecer coisas. Aposto de que se trata do nosso amigo Morai Cassel.

-           E se volta a me ver aqui?

-           Finja estar envergonhada. Como se tratasse de um encontro... bom, entende o que eu quero dizer. E ande com calma. Essa pessoa talvez deseje inscrevê-la em sua lista de clientes habituais. A porta voltou a vibrar com os golpes dados com nós de dedos. Mason fez um sinal a Stela. - O quarto é seu observou. A jovem foi abrir. Havia dois indivíduos no umbral que entraram sem nenhuma cerimônia. Nenhum deles era a pessoa que anteriormente os tinha visitado.

-           É seu esse cartão de crédito? perguntou um. - Perdeu-o? E mostrou a Stela Grimes um cartão de crédito do Banco Americano. O agente se fixou imediatamente em Mason. - Quem é o seu amigo? perguntou.

-           Cada coisa há seu tempo, replicou Stela. - A qual das duas perguntas devo responder primeiro? O outro agente se voltou até o advogado.

-           Quem é você? O primeiro oficial voltou a mostrar a cartão de crédito à jovem.

-           Bem, é seu? insistiu. Stela olhou Mason furtivamente.

-           Parece ser um cartão de crédito do Banco Americano em nome de Diana Douglas.

-           É seu ou não...?

-           Pois...

-           Não responda! A voz de Perry Mason troou como um canhão.

-           Um momento, amigo interveio o agente. - Não se meta nisto ou...

-           Um instante, intrometeu-se o outro agente. - É um advogado. Acabo de reconhecê-lo. Chama-se Perry Mason.

-           Que diabos faz aqui?

-           E vocês? replicou Mason.

-           Viemos verificar se este cartão de crédito pertence a esta jovem.

-           Um cartão de crédito em nome de Diana Douglas? perguntou o advogado.

-           Exato, de Diana Douglas. Mason raciocinou um instante.

-           Se estão investigando um crime, tem o dever de advertir os suspeitos com respeito a seus direitos constitucionais.

-           Está bem, concordou o agente, - Somos policiais à paisana. Brigada de Homicídios. Aqui estão as carteiras. Apanhou uma carteira do bolso e a abriu, assinalando uma placa de agente de policial.

-           Bem, jovem, você tem direito a ficar calada, se assim quiser. E se responder a nossas perguntas, leve em consideração que tudo o que disser pode ser utilizado contra você. Também tem direito a chamar um advogado para que esteja presente em todas os depoimentos.

-           Ela já tem, falou Mason. - Eu sou seu advogado. E agora digam de que crimes a acusam.

-           Não a acusamos de nada, replicou o agente, - Porém estamos seguindo uma pista. Para sua informação, desejamos interrogá-la com respeito ao assassinato de Morai Cassel, que morava nos Apartamentos Tallmeier, número nove, zero, seis. E agora, quer responder, sim ou não?

-           Um momento, pediu Mason, Tenho que pensar.

-           Pois o faça depressa, falou o agente. - Não estamos aqui para prender ninguém, mas para que essa senhorita nos possa explicar, por que seu cartão de crédito estava no apartamento da vítima. Nós temos o direito de escutar suas respostas e a comprovar todas as pistas a que as mesmas conduzam.

-           Quando morreu este tipo, Morai Cassel? quis saber Mason.

-           Não é você que está interrogando. observou o policial. - Somos nós que perguntamos, e queremos as respostas depressa.

-           Se querem as respostas depressa, replicou Mason, - Será melhor que detenham essa pessoa que está no final do corredor com o martelo, e averiguem o que faz aqui. O agente sorriu.

-           Não se inquiete, amigo, é um dos nossos. Desde esta manhã temos vigiado este quarto, esperando que acontecesse algo. Estávamos aguardando um cúmplice, e você apareceu.

-           Mostre suas credenciais, Stela, determinou Mason. A jovem foi em busca de sua bolsa.

-           Eh, cuidado, advertiu o policial. - Não se apresse, ou irá sofrer muitos problemas. Entregue a bolsa irmãzinha e darei uma olhada nela. A jovem entregou sua bolsa. O policial revistou e acabou por devolvê-la. - Está bem. Mostre suas credenciais. Stela Grimes apanhou sua licença de detetive particular.

-           Quero que saibam, explicou Perry Mason, - Que pus aqui uma armadilha. Stela Grimes trabalhava como detetive particular, empregada na Agência de Paul Drake, e está aqui substituindo a Diana Deering, jovem de San Francisco. O oficial estudou pensativamente a carteira de Stela.

-           Diana Deering não é outro nome de Diana Douglas? perguntou por fim.

-           Eu não disse tal coisa, respondeu Mason.

-           Não faz falta. Houve um momento de silêncio.

-           Acredito que como advogado e cidadão tenho o dever de colaborar com a policial na investigação de um crime. E como vocês pensavam que esta senhorita era Diana Douglas, eu aconselhei que dissesse a verdade. É todo quanto posso fazer.

-           Por que necessitava de um duplo?

-           Sem comentários.

-           Isso tinha algo a ver com Morai Cassel?

-           Sem comentários.

-           Bom, continuou o oficial, - Se essa Diana Douglas é sua cliente... Oh, oh... Bill... claro que é isso... Ou não? O policial chamado Bill colocou o cartão de crédito no bolso.

-           Bem, agora já cumprimos a nossa missão, resmungou.

-           Qualquer tentativa para se comunicar com Diana Douglas, advertiu Perry Mason ao outro oficial, - Será considerado como um ato hostil a Lei e vocês poderão ser acusados de cumplicidade. Apanhe o telefone, Stela, disse Mason com tom casual, - E chame Diana Douglas. O agente chamado Bill impediu Stela e se dirigiu ao telefone. Levantou o receptor e disse:

-           Aqui é da polícia e é uma emergência. Ligue-me imediatamente com a polícia de San Francisco. O segundo agente estava de braços cruzados, protegendo o telefone. Um momento mais tarde, voltou a falar o agente chamado Bill. - Aqui fala a policial de Los Ângeles. Bill Ardley ao telefone. Necessitamos de Diana Douglas para que seja interrogada. Trabalha na Companhia de Importações e Exportações Escobar. Tem um cartão de crédito do Banco Americano em seu nome. Vocês nos avisaram de que essa jovem se achava em Los Ângeles, hospedada no hotel Willatson, com o nome de Diana Deering, porém ela não está aqui. Com certeza, está em San Francisco. Procure-a para interrogatório e avise ao quarto sete, seis, sete, do hotel Willatson... Anotou meu nome? Bill Ardley... Ah, me conhece, eh...? Exato, há um ano trabalhamos juntos com o caso Smith... Estupendo... Agradecerei que faça o que possa... Trata-se de um assunto urgente, de acordo? E quando a tiver encontrado, pergunte imediatamente onde está o seu cartão de crédito do Banco Americano. Se informar que o perdeu, que diga onde... E também quando. Está bem, adeus. O policial voltou a chamar à telefonista. - Senhorita, somos da polícia de Los Ângeles. Deixe este ramal fora de serviço até instruções contrárias. Nós atenderemos a todas as chamadas, porém não coloque nenhuma linha exterior em comunicação com este quarto, a menos que um agente peça. Entendido...? Perfeitamente. O oficial desligou o telefone e se acomodou, com as pernas estendidas, em uma cadeira de alto respaldo. - Bem, senhor advogado, disse de maneira brincalhona, - Suponho que agora nos obsequiará com um pouco de conversa.

-           Pois suponho que não.

-           Oh! Não gostamos disso.

-           Pois que sigam sem gostar. Vou-me embora.

-           Oh, não, pelo menos durante um bom tempo.

-           Devo entender, perguntou Mason, - Que pensam em nos deter aqui? O oficial sorriu amavelmente e assentiu.

-           Faço o melhor que posso.

-           Acredito que não é você muito esperto, resmungou Mason. - Se me prende agora, é possível que demande judicialmente...

-           Calma, interrompeu o policial. - Estou me portando muito bem com vocês. E com certeza me agradecerão mais tarde... os dois.

-           O cartão de crédito é uma pista do assassinato? quis saber Mason.

-           O que você acha? Os <Dodgers> tem possibilidades de conseguir o título este ano? perguntou o oficial com indolência.

-           Talvez, respondeu Mason no mesmo tom.

-           Então, prosseguiu o outro, - Gostaria de saber quando viu pela última vez Diana Douglas, o que falaram e o que você disse.

-           Você sabe que não posso falar sobre as confidências de um cliente, recordou Mason. - O que você acha das probabilidades dos <Dodgers>?

-           Muito boas, afirmou o policial. Logo, voltou-se até Stela. - Você não possui imunidade profissional. É detetive particular e tem licença. Então, tem que colaborar com a polícia. Por que está aqui? Stela Grimes olhou interrogadoramente para Perry Mason.

-           De acordo, fale, consentiu o advogado.

-           O senhor Mason telefonou para a Agência de Detetives Drake, informou a jovem, - Na qual eu trabalho, e pediu que eu ficasse aqui e assumisse o nome de Diana Deering e que se alguém perguntasse por mim na recepção utilizando a senha sessenta, noventa, sessenta, eu respondesse.

-           Apresentou-se alguém? Stela voltou a olhar para Perry Mason.

-           Conte, confirmou o advogado. - Você é uma testemunha. E estão investigando um caso de homicídio.

-           Veio uma pessoa, respondeu a jovem, - E se comportou de uma maneira peculiar.

-           Em que sentido?

-           Como tentasse me fazer de vítima de uma extorsão, segundo entendi.

-           O que você respondeu?

-           Nada. Deixei que o senhor Mason continuasse a conversa.

-           O que disse o senhor Mason?

-           Eu não sei. Saí do quarto. O senhor Mason deu a entender que devia fingir ser sua amiga, com a qual tinha um encontro amoroso neste hotel, pelo que me aproximei dele o beijei e fui embora.

-           E deixou sozinhos o indivíduo e o senhor Mason?

-           Sim.

-           O que aspecto tinha o homem?

-           Bom... parecia ter uns trinta e cinco anos aproximadamente. Era delgado, com o cabelo preto e... muito bem penteado. Brilhavam os sapatos e usava unhas perfeitamente manicuradas. O policial franziu a testa. Stela voltou a consultar com os olhos Perry Mason. Este assentiu.

-           Disse que se chamava Cassel.

-           Condenado...! resmungou o oficial entre dentes. Durante uns minutos reinou um profundo silêncio. - De maneira que, prosseguiu o policial, - Você abandonou este quarto e deixou sozinhos aquele sujeito e o senhor Mason.

-           Exato.

-           Onde foi?

-           Fale, indicou Mason.

-           O senhor Mason deu a entender, que desejava que eu seguisse aquele homem quando saísse daqui, explicou Stela Grimes. - Bem, foi algo tremendamente fácil. Tinha estacionado seu Cadillac diante da entrada lateral do hotel, após ter dado, me parece, uma propina ao porteiro, para que o vigiasse. Anotei o número de matrícula do carro. WVM574. Parei um táxi e quando aquela pessoa saiu em seu Cadillac, disse ao taxista que o seguisse.

-           E o seguiu?

-           Sim.

-           Até aonde?

-           Até os Apartamentos Tallmeier.

-           E o que mais?

-           Regressei aqui para apresentar meu relatório. O oficial olhou para Mason.

-           Bem, você continua.

-           Eu sou advogado, precisou Perry Mason, - Atuo dentro da minha capacidade profissional e represento uma cliente. Não tenho nenhuma informação que possa interessar a vocês, salvo que não posso fazer o menor comentário com respeito ao informado por esta jovem.

-           Porém, opôs o policial, - Você continuou imediatamente o rastro da matrícula do carro, não é verdade?

-           Sem comentários.

-           E descobriu que pertencia a Morai Cassel, dos Apartamentos Tallmeier, número nove, zero, seis, não é certo?

-           Sem comentários.

-           E, continuou o policial imperturbável, - Você passou a informação a Diana Douglas, e aí nos encontramos com o caso mais claro de assassinato, se é que alguma vez vi algum mais claro...

-           Sem comentários. O policial apanhou um maço de cigarros, escolheu um, ofereceu outro a Stela Grimes, mais um a Mason e finalmente para seu companheiro. - Bem, murmurou, - Com certeza, levantamos algo interessante. Todos fumaram em silêncio. Os policiais meditavam na informação proporcionada pela jovem detetive Stela Grimes. Durante uns vinte minutos houve várias tentativas de conversação. De repente, tocou o telefone. Foi o oficial quem atendeu. No seu semblante apareceu um amplo sorriso.

-           De acordo, disse. Voltou-se até Perry Mason e apontou a porta do quarto. - Você e esta jovem são tão livres como o ar, comentou. - Podem sair, dar um passeio, ou ir a onde os apeteça. Mason manteve a porta aberta para que passasse Stela Grimes.

-           Apanhe tudo o que é seu, sem esquecer de nada. Aqui já terminamos. Pelo menos imagino isso no momento.

 

Perry Mason se sentou na borda do assento do táxi, contando os minutos até que o motorista chegou ao edifício onde estava instalado o escritório do advogado. Uma vez ali, entregou ao motorista uma nota de cinco dólares.

 

-           Fique com o troco, amigo. Obrigado por ter corrido tanto. O advogado se apressou até entrar no elevador e depois andou rapidamente no corredor até sua sala.

-           Olá! cumprimentou Della Street, a vê-lo entrar de maneira tão explosiva no escritório . - A que vem tanta pressa?

-           Teve notícias de Diana Douglas? perguntou Perry Mason. A secretária sacudiu a cabeça. - Não houve nenhuma chamada desde San Francisco? A jovem voltou a menear a cabeça. Mason suspirou aliviado, levantou o receptor do telefone, e falou com Gertie. - Se ligarem desde San Francisco a cobrar, aceite a chamada. E me avise logo. Em seguida o advogado sentou em sua cadeira giratória e respirou profundamente. - Se não tivermos notícias antes de quinze minutos, chamarei a polícia de San Francisco para fazer uma petição, e se isto não surtir nenhum efeito, impetrarei um <habeas corpus> em San Francisco.

-           O que aconteceu?

-           Prenderam Diana Douglas.

-           Pelo desfalque? Mason negou com a cabeça.

-           O desfalque é um assunto de pouca monta, ainda que possam detê-la por isso, com a esperança de a fazer falar. Porém se atuam assim, irei imediatamente para San Francisco. Não, a acusação é pelo assassinato de Morai Cassel.

-           Como? exclamou Della. Mason confirmou com um gesto.

-           Alguém entrou no apartamento de Morai Cassel, o matou e conseguiu escapar.

-           E a polícia suspeita de Diana Douglas? Mason voltou a assentir. - Quando aconteceu? quis saber a secretária, sempre curiosa.

-           Aqui está a questão. A polícia tratará de demonstrar que o crime foi cometido à noite. Porém com toda segurança, o cadáver não foi descoberto até hoje. E haverá um conflito entre os experts, que darão diversas opiniões, todas contraditórias, com todos os problemas que isto acarreta. Della Street pensou uns instantes.

-           E nossa cliente tinha que se encontrar com você no avião, as seis e trinta e sete minutos, e não se apresentou. Mason confirmou pela terceira vez. Della perguntou: - Acredita que existe alguma possibilidade de que fosse ela...? Oh, não, não é desse tipo de garota.

-           Como sabe? perguntou Mason.

-           Você tem alguma idéia? perguntou por sua vez Della Street.

-           Quando a vi em San Francisco, respondeu Mason pensativamente, - Me contou que ao chegar no aeroporto, não encontrou em sua bolsa o cartão de crédito que utiliza sempre, para pagar as notas em suas viagens. Logo, recordou que eu havia me encarregado das passagens, e apanhou a sua, dizendo à funcionária que ajustaria as contas comigo.

-           E...? continuou Della Street ao ver que o advogado vacilava.

-           E... dois oficiais da Brigada de Homicídios se apresentaram no hotel Willatson, perguntaram por Stela Grimes, tomando-a por Diana Deering, ou seja Diana Douglas, mostraram o cartão de crédito do Banco Americano, em nome de Diana, e pediram que o identificasse.

-           E o que disse Stela?

-           Intervi naquele momento, para ela calar, e averigüei que não se tratava somente do desfalque. Era uma investigação de assassinato, e não me atrevi a guardar silêncio por mais tempo. Então eu disse a Stela que apresentasse aos agentes sua verdadeira identidade, e eles imediatamente chamaram a San Francisco para que apanhassem Diana. E, para que fosse imediatamente encontrada a acusaram do homicídio.

-           E você espera que ela telefone agora? perguntou Della.

-           Se por uma vez seguir ao pé da letra minhas instruções, mantém a cabeça firme e sabe fechar a boca... Porém o mal é que a interrogarão até a fazer vacilar e acabará por arrumar confusão.

-           E nós entramos no quadro? quis saber Della.

-           Entramos no quadro. Nós... Calou-se ao tocar o telefone e, após fazer um sinal a Della para que anotasse a conversa com taquigrafia, Mason atendeu. - Perry Mason disse.

-           É o advogado de Diana Douglas? perguntou uma voz, - Empregada na Companhia de Importações e Exportações Escobar?

-           Sim..

-           Esta jovem está presa e pediu para se comunicar com você. Bem, concedemos a permissão.

-           De acordo, que a coloque no aparelho.

-           É uma chamada a cobrar, recordou a voz.

-           Perfeitamente. Um momento mais tarde se ouviu a assustada voz de Diana no telefone.

-           Senhor Mason, não... não entendo. Estão me acusando... Dizem que eu... que eu...

-           Fique calada, ordenou o advogado. Não fale e me escute, por favor.

-           Sim, senhor Mason.

-           Estão acusando você do assassinato de Morai Cassel. Ofereceram a denúncia ante um magistrado de San Francisco e depois em Los Ângeles. Bem, eu quero que a tragam aqui primeiro. Mantenha a boca fechada. Não diga nada a ninguém. Utilize somente duas palavras: <Sem comentários>. Logo, continue: <Não responderei a nenhuma pergunta. Não farei nenhuma declaração, exceto em presença de meu advogado, Perry Mason>. Poderá se lembrar de tudo isto?

-           Sim.

-           Poderá cumprir minhas instruções?

-           Sim.

-           Deixe-me falar com o oficial de serviço, pediu Perry Mason. Um momento depois, a voz do oficial apareceu na linha. - Sou o advogado de defesa de Diana Douglas, estabeleceu Mason. - Acabo de ordenar que não faça nenhuma declaração, exceto na minha presença. Não queremos que avance o processo em San Francisco, e sim, diante de um magistrado do Condado de Los Ângeles. Não faremos nenhuma objeção a que essa jovem seja trasladada desde San Francisco até Los Ângeles. Aparte isso, não faremos nenhuma estipulação, nenhuma admissão, nenhuma concessão, e como advogado de defesa da senhorita Douglas, insisto em estar presente em todos os seus interrogatórios. Também quero que me notifique imediatamente quando ela vier para Los Ângeles.

-           Se você nos permitir falar com ela, replicou a voz do oficial, - Talvez logremos pôr tudo às claras. Não queremos que vá para Los Ângeles a menos que exista uma boa razão para isso. Se essa jovem é capaz de dar uma explicação clara, sobre a evidência circunstancial do caso, e de minha parte espero que assim seja, porque é uma boa jovem, que parece ter passado por um sem fim de provas ultimamente, a soltaremos em instantes, eu asseguro.

-           Vocês são muito amáveis, afirmou Mason. - E é uma conduta maravilhosa. Mas, existem precedentes de que falar demasiado sem estar diante um advogado, muita gente foi parar na cadeia. Para sua informação, ordenei a Diana Douglas que não fale, salvo em minha presença. E a você ordeno que não a interrogue a menos que eu me ache diante dela. Não quero que interrogue ninguém, a menos que eu esteja a seu lado. Estou registrando esta conversação taquigraficamente, para que, qualquer tentativa de obter declarações da senhorita Douglas, constitua uma violação de seus direitos constitucionais. Acredito que você compreende a situação claramente.

-           Bem, na qualidade de seu advogado, certamente acaba de pôr as coisas claramente, reconheceu a voz.

-           Não deixei nada claro, objetou o advogado.

-           Sabe quando sua cliente começou a falar do seu cartão de crédito do Banco Americano? Mason começou a rir ante o telefone.

-           Onde está a graça? Irritou-se o oficial.

-           Em você, replicou Mason, desligando o telefone.

 

Na sala de visitas da cadeia do condado, Diana contemplou Mason com olhos inchados pelas lágrimas.

 

-           Houve algum problema com o polícia? quis saber o advogado.

-           Se portaram muito bem comigo. Muito amáveis e ... Oh, senhor Mason, não teria nenhum dano contar todo o acontecido, não é verdade?

-           Não é possível prestar declarações sem conhecer todos os fatos.

-           Porém eu conheço todos!

-           Ah é?

-           Sim.

-           Quem matou Morai Cassel? Diana piscou ante a pergunta. - Você? insistiu o advogado.

-           Oh, não!

-           Diana, tem que ser sincera comigo. Eu sou o único com quem pode se mostrar franca. Meu dever é procurar uma defesa, tanto se você for inocente como se for culpada.

-           Eu... eu sei.

-           Bem, você tinha que se encontrar comigo no avião das seis e trinta e sete minutos. E não apareceu. Eu a vi no dia seguinte, e você me contou a história de que tinha sido seguida por alguém, de quem não conseguiu safar-se, alguém que a assustou tanto que você recorreu a todo tipo de táticas de distração e por isso chegou muito tarde para apanhar o avião.

-           Bem, sim, porém...

-           Na realidade, você não pretendeu jamais apanhar o avião. A história que você me contou, a respeito de ser seguida por alguém foi uma mentira, para ocultar o que tinha estado a fazer naquela tarde.

-           Oh, senhor Mason...

-           Eu expliquei anteriormente a você que o chantagista se chamava Morai Cassel. Dei o endereço. E você imaginou que eu jamais consentiria em pagar cinco mil dólares ao chantagista e que por isso não ajudaria a seu irmão tal como você desejava. Então, decidiu atuar por sua conta. Apanhou um táxi e foi até os Apartamentos Tallmeier, para encontrar Morai Cassel. Quando você estava ali sucedeu alguma coisa. Você abriu a sua bolsa, talvez para tirar seu revólver. E naquele momento, caiu no chão o cartão de crédito, ali ficando sem que você se desse conta.

-           Pois...

-           Mais tarde, você foi para o aeroporto. Queria adquirir uma passagem para San Francisco, pagando você mesma, porém descobriu que perdera seu cartão de crédito pela primeira vez.

-           Senhor Mason, eu... tartamudeou Diana.

-           A polícia, prosseguiu Mason, - Sabe tudo isto ou supõe, e está de posse de alguma evidência que apóia suas suposições. A jovem sacudiu a cabeça.

-           Não...

-           Sim, é assim, concluiu o advogado. - A polícia é incrivelmente rápida. Você não tem idéia de tudo o que é possível descobrir em uma investigação. Falaram com o taxista que a conduziu você aos apartamentos. Diana respirou profundamente, deixando ouvir quase um soluço. - Oh, oh... manifestou Mason, - Isto dói não é? Tonta, quer dizer que você tomou um táxi diretamente até os Apartamentos Tallmeier, sem tratar de encobrir o seu rastro?

-           Tinha muita pressa, explicou ela. - Queria me encontrar com você e apanhar o avião. E pensei que tinha tempo suficiente para fazer uma breve visita ao chantagista... e... bom, e... Pensava usar o meu próprio critério.

-           Em outras palavras, acreditava que podia solucionar tudo com a entrega dos cinco mil dólares em vez de guardá-los no banco e conseguir o cheque como depositária. Estava disposta a pagar essa quantia ao chantagista, e pedir para que deixasse seu irmão em paz para sempre.

-           Sim...

-           Por que não pagou o dinheiro?

-           Porque já estava morto.

-           Adiante, animou Mason.

-           Cheguei ao edifício. Trata-se de um hotel-apartamento, onde fica um porteiro junto ao elevador, porém ele estava ocupado atendendo um carro e pode entrar sem ser vista. Subi ao nono andar e procurei a porta do apartamento nove, zero, seis. Bati à porta. A jovem fez uma pausa para limpar a garganta. - Não aconteceu nada, e eu voltei a chamar. Ao ver que ninguém atendia, testei a maçaneta. Não sei que diabos se apoderou de mim, porém girei a maçaneta, e a porta abriu. Mason suspirou e meneou a cabeça.

-           Bem, continue.

-           Entrei e não vi ninguém. Falei: <Existe alguém aqui?>, e fui até o dormitório. Então o vi, caído de costas sobre a cama. Oh, senhor Mason, foi terrível, terrível! Todo estava empapado de sangue e...

-           Estava morto? A jovem inclinou a cabeça. - Como sabe?

-           Coloquei a mão e estava gelado.

-           O que você fez então?

-           Comecei a correr.

-           Não é correto, objetou Mason. - Você abriu a bolsa. Porém, porquê o fez?

-           Eu não sei, senhor Mason, eu só... Suponho que estava chorando e queria tirar o lenço... Oh, não posso explicar o que sentia... Estava... estava enjoada...

-           Você é uma mentirosa, se enfadou Mason. - E tenho desejos de agarrá-la pelos ombros e sacudi-la até que vomite a verdade. Por que você abriu a bolsa?

-           Eu disse... disse toda a verdade.

-           Você abriu a bolsa para tirar uma pistola ou para meter uma dentro. Qual é a verdade?

-           Apanhei uma pistola.

-           Assim é melhor. Bem, por que quis apanhar a pistola? Vamos, fale.

-           Porque era de Edgar.

-           Como sabe?

-           Eu sei. Edgar possuía um revólver de calibre vinte e dois que andava sempre consigo quando saía de casa, devido às serpentes e outros bichos. Sempre tinha muito encerada a culatra, ou como se chame, e na madeira havia uma pequena ranhura e...

-           De acordo, prossiga, falou Mason, a ver que a jovem vacilava.

-           Oh, senhor Mason, era o revólver de Edgar. Eu compreendi ao vê-lo. Edgar havia me ensinado muitas vezes a disparar. Sim, eu já tinha disparado centenas de vezes com aquela arma.

-           De modo que apanhou o revólver e o guardou em sua bolsa, eh? Ela confirmou - O que mais?

-           Sai do apartamento.

-           O que fez com o revólver?

-           Oh, não tema, senhor Mason. Ninguém o encontrará. Pode estar seguro.

-           Não precisam achá-lo, replicou Mason.

-           Porquê?

-           Todas as balas disparadas de uma pistola, explicou Perry Mason, - Tem certas estrias peculiares, ou arranhões, feitos por algumas irregularidades da parede interna do cano. Se a bala que matou Morai Cassel não ficou deformada pelo choque contra um osso, e, se a polícia ficar sabendo do lugar onde seu irmão ia praticar, encontrarão suas balas encaixadas em uma árvore ou em uma pedra, ou em qualquer coisa que ele usasse como alvo. E compararão as balas no microscópio... e descobrirão toda a verdade. Então, vão demonstrar que a bala mortal foi disparada com o revólver de Edgar, sem necessidade de ter encontrado a arma. O semblante de Diana voltou a demonstrar uma expressão de desmaio.

-           Por outro lado, continuou Mason, - Com uma bala de calibre tão pequeno a coisa não é tão fácil. O problema é que você disparou centenas de vezes. Como era o alvo?

-           Edgar tinha um. levava-o no carro. Guardava-o no porta-malas.

-           O que usava como alvo?

-           Um alvo para dardos. Era um alvo velho, fabricado com couro grosso, ou algo parecido, e o utilizava quando treinava com o arco. Logo, depois de disparar o arco para se divertir, colocava uma chapa de madeira mais dura no mesmo alvo, e também colocava em cima uma folha de papel, marcada com um compasso.

-           Era um bom atirador?

-           Maravilhoso, e me ensinou bem, motivo pelo qual também sou uma excelente atiradora.

-           Sempre com o revólver de seu irmão?

-           Exatamente. Edgar tinha a mania de que todas as mulheres que andavam perto dele, soubessem proteger-se eficazmente. E queria que eu fosse uma atiradora experimentada.

-           Você tem um revólver próprio?

-           Não.

-           Nunca teve algum?

-           Não.

-           Bom, deixemos isto bem claro, propôs Mason. - Você jamais fez uma solicitação para comprar um revólver. Tampouco ninguém emprestou algum. A jovem meneou a cabeça negativamente. Mason guardou silêncio uns instantes.

-           Acredito que não tem que se preocupar muito pelo revólver, senhor Mason, insistiu ela. - Não o encontrarão jamais. Ou quer que conte o que fiz com ele e assim ficará mais tranqüilo? Mason sacudiu a cabeça.

-           Cale-se e não me diga. Nem a mim nem a ninguém.

-           Porém se conto a você, seria confidencial.

-           Existem coisas que você não pode me contar, replicou Mason. - Não quero saber onde está o revólver. Não quero que ninguém saiba onde está. Não quero que fale com alguém a respeito do revólver nem que esteve naquele apartamento. Guarde silêncio absoluto. Diga que seu advogado a impede de prestar declarações agora, e que mais adiante declarará toda a verdade, de maneira completa.

-           Está bem.

-           E se alguém perguntar quando irá declarar, conteste que seu advogado fixará a data adequada.

-           Ficarei calada e o obedecerei em tudo.

-           Onde guardava Edgar o alvo que mencionou?

-           Não sei... Na garagem.

-           Possuía vaga de estacionamento?

-           Sim. O edifício onde morava tinha vagas individuas na garagem.

-           E seu carro?

-           Ficou completamente destruído no acidente. Ficou com a polícia, acredito eu.

-           Viu o carro depois do choque?

-           Não.

-           Olhou dentro do porta-malas?

-           Não.

-           Sabe se ali dentro estava o alvo em questão?

-           Não.

-           Podia estar?

-           Sim. Mason voltou a ficar em silêncio, pensando arduamente. Logo, bruscamente, se pôs de pé.

-           Bem, Diana, seu futuro depende em grande parte de que saiba ficar em silêncio, e de um elemento de sorte.

-           Oh...

-           Você se dedicou a não ouvir os meus conselhos, e a tratar de utilizar seu critério em vez do meu. E agora, se encontra em uma boa encrenca.

-           Porém eu...

-           Sim, tinha que ver Cassel.

-           Exatamente, tinha que ver Cassel, repetiu a jovem. - Não entende senhor Mason? Não é possível correr riscos com um chantagista. Você diz que não devo pagar jamais, e isso é tudo, porém você não sabe o perigo que é fazer isto.

-           Acha que eu não eu sei?

-           Eu não queria brigar com esse tipo, nem que você discutisse com ele, prejudicando o pobre Edgar... E, naturalmente, eu acreditava então que Edgar se salvaria.

-           Tal como você planejou, somente correria perigo, argüiu o advogado. - Não é possível se livrar de um chantagista pagando. Isto só o torna mais exigente. Adia o momento de outro pagamento durante umas semanas ou uns meses, porém no final sempre volta a apresentar uma petição. Considera a sua vítima como uma conta-corrente, como se fosse um grupo de ações ou um limão que se vai espremendo lentamente até o final.

-           Eu sei que os advogados sempre dizem isto, replicou a jovem, - Porém não é possível estar certo de que seja sempre verdade. Você não sabe o que ele queria. Não sabe o que tinha contra Edgar. Talvez fosse algo que... Bem, algo de que eu o pudesse proteger.

-           Em que sentido?

-           Pagando, talvez Cassel me tivesse entregado os negativos de umas fotos e as mesmas fotografias...

-           Os negativos se duplicam. Das fotos sempre se fazem várias copias. Quando se aceita a palavra de um chantagista, assegurando este que vai entregar todas as provas, está se confiando na honradez do tipo, o que é o pior de todos os riscos. O advogado apertou um botão, indicando que a entrevista havia terminado.

-           O que me acontecerá? quis saber a jovem.

-           Depende de muitas coisas. Porém posso dizer uma: se você começa a falar, se tentar explicar seus movimentos, se confia na polícia, acabará dentro da câmara de gás, ou passará parte de sua vida dentro de uma cadeia.

-           Não é possível que me soltem por meio de uma fiança ou algo parecido? Mason sacudiu negativamente a cabeça. Um carcereiro abriu a porta da sala de conferências.

-           Terminaram? perguntou.

-           Sim, terminamos, respondeu o advogado.

 

E, antes de desaparecer pela porta, voltou a cabeça e agitou uma mão para tranqüilizar Diana Douglas.

 

-           Como está Diana? perguntou Della Street quando Mason regressou ao escritório. Mason sacudiu pesaroso a cabeça.

-           A tonta! Mentiu-me. Utilizou seu critério em lugar do meu. Provavelmente deixou um rastro fácil para a polícia, ainda que acredite que tem um cérebro privilegiado que conseguirá retirá-la bem de tudo. Na porta tocou a chamada especial de Paul Drake e Mason fez um sinal a Della. A jovem abriu a porta.

-           O que aconteceu agora? inquiriu Drake.

-           Temo, replicou Mason, - Que tenham terminado seus almoços no restaurante, Paul. Acredito que irá voltar a sentar em sua sala durante muitas horas e comer sanduíches.

-           Porquê?

-           Por Diana Douglas.

-           O que fez?

-           Eu não sei.

-           Neste caso, não sei quem pode saber.

-           Vou dizer o que a polícia acredita que fez, explicou Mason. - A polícia pensa que ela estava nos Apartamentos Tallmeier naquela tarde, que subiu ao nono andar, que manteve uma conversa com Morai Cassel, que este tentava extorqui-la, ou talvez a seu irmão...

-           O pagou? interrompeu Paul Drake.

-           A polícia acredita que ela pagou com um revólver do calibre vinte e dois, disparando um cartucho deste mesmo calibre.

-           Encontraram a bala? perguntou Drake.

-           Provavelmente.

-           Com estrias? Mason deu de ombros. - Quantas vezes? Bem, quantos disparos?

-           Um, segundo entendi. A pessoa viveu algum tempo, porém caiu inconsciente e não pode se mover. Teve uma hemorragia abundante.

-           Como sabe que era um revólver calibre vinte e dois?

-           Bom, retifico, replicou Mason. - A polícia diz que era de calibre pequeno. Eu creio que possivelmente se referem a calibre vinte e dois. E a polícia afirma que a senhorita <Gênio> abriu a bolsa e sacou o revólver, ao mesmo tempo em que caía ao chão seu cartão de crédito.

-           É isto o que tem a polícia?

-           Efetivamente.

-           E ela afirma que disparou em defesa própria?

-           Não afirma nada. Limita-se a ficar calada.

-           Alguém a viu entrar no apartamento? perguntou Drake.

-           Eu não sei. Deixou um rastro fácil de seguir e demonstrar. Só conto o que a polícia confirma nestes momentos. E entre outras coisas, uma é que caiu o cartão de crédito de sua bolsa sem ela se dar conta.

-           Impressões digitais?

-           Eu não sei. Drake contemplou astutamente a advogado.

-           Existe alguma possibilidade de que as tenham encontrado?

-           Talvez.

-           E você quer que eu investigue?

-           Quero que investigue tudo o que possa deste caso, Paul, confirmou Mason. - E particularmente, quero que faças investigações com respeito à vítima, Morai Cassel.

-           Costumes, amigos, contatos...? perguntou Paul Drake.

-          Tudo. Eu creio que aquele indivíduo era uma espécie de bom vivant com mulheres, opinou Mason. - Sim, que vivia das mulheres e que tratava de dissimular sua podridão com um aspecto exterior íntegro. E necessito descobrir tudo referente a sua mulher.

-           Em singular? precisou Drake.

-           Digamos mulheres no plural. Porque essa pessoa pode ter mais de uma. Naturalmente, também quero que investigue tudo o que sabe a polícia.

-           Quando quer os relatórios?

-           De imediato. Assim os consiga.

 

O juiz Chars Jerome Elliott olhou para a sala desde o alto de sua cadeira e disse:.

-           Estamos aqui para iniciar a audiência preliminar do caso do Povo contra Diana Douglas, acusada do assassinato de Morai Cassel. A acusada se acha na sala, sendo representada por seu advogado de defesa, senhor Mason. Não é assim? Mason se pôs de pé.

-           Senhoria, com a devida vênia, eu represento à acusada. O juiz Elliott assentiu.

-           E a acusação? perguntou. Ralph Gurlock Floid se pôs de pé.

-           Eu sou o ajudante do promotor que apresentará a acusação, senhoria.

-           Muito bem, concedeu o juiz Elliott. - Agora desejo fazer uma declaração a ambos os advogados. Sei que, em outras ocasiões, o advogado de defesa deste caso efetuou espetaculares cenas nas audiências preliminares. O qual eu não aprovo em absoluto em tais casos. O juiz olhou Perry Mason significativamente. - O objeto de uma audiência preliminar é descobrir se foi cometido um crime e se existe base razoável que relacione o acusado com o crime. Neste caso, o acusado é entregue a um Tribunal Superior para que seja julgado ante um júri. O juiz Elliott fez outra pausa, sim deixar de olhar Perry Mason. - Bem, cavalheiros, não desejo comprovar a veracidade dos testemunhos neste tribunal. Aceitarei a evidência em seu justo valor. Uma vez estabelecido que se cometeu um crime e apresentada evidências que demonstrem que a acusação se acha relacionada com tal crime, este Tribunal dará ordem de manter detida à acusada, apesar de todas as provas que possa ter em seu favor. O olhar do juiz pousou em Diana Douglas, sentada junto a Perry Mason. - Em outras palavras, não irei decidir o peso da evidência nem a preponderância da mesma. Naturalmente, fica entendido que, em caso de que a acusada apresente uma evidência que invalide completamente o caso de senhor promotor, a situação será diferente. Porém, cavalheiros, devem compreender que a oportunidade de que tal coisa suceda é remota. E agora que aclarei a situação, pode começar, senhor promotor. Apresente seu caso.

 

Ralph Gurlock Floid, um promotor experiente nos tribunas, responsável por mais veredictos de pena de morte que algum outro promotor do estado, e muito orgulhoso disto, devia intuir que a acusação daquela audiência preliminar se achava abaixo de sua experiência. Porém, como havia sido designado como acusador do caso por Hamilton Burger, o promotor do distrito, estava disposto a se mostrar implacável, vingativo e com a inclemência tão característica em todas suas intervenções anteriores. Sua primeira testemunha foi uma empregada dos Apartamentos Tallmeier.

 

-           Conheceu Morai Cassel em vida? perguntou.

-           Sim.

-           Quando o viu vivo pela última vez?

-           Dia dez deste mês.

-           A que horas?

-           Próxima das quatro da tarde.

-           Quando o voltou a ver?

-           No domingo à tarde, ou seja no dia quinze.

-           Estava vivo?

-           Estava morto.

-           O que você fez?

-           Avisei a recepcionista do edifício, o qual chamou à polícia.

-           Sua vez, ofereceu Floid.

-           Não tenho perguntas, rechaçou Mason.

 

Em seguida foram chamados um oficial de polícia e depois um ajudante do forense. Apresentaram um diagrama mostrando a postura do cadáver na cama, tal como estava às nove do domingo à noite, dia quinze, quando o policial chegou ao apartamento, assim como a situação dos vários móveis do quarto. Floid chamou em seguida William Ardly, o oficial de polícia que estava no apartamento procurando pistas de interesse para o caso.

 

-           O que encontrou?

-           Um cartão de crédito do Banco Americano em nome de Diana Douglas, de San Francisco.

-           O que fez com o cartão?

-           O marquei para identificação, fazendo dois buraquinhos em certo lugar escolhido por mim.

-           Estou mostrando agora um cartão de crédito do Banco Americano, e pergunto se o viu antes.

-           É um cartão de crédito idêntico ao outro.

-           Está certo disso?

-           O cartão é o mesmo, e os buraquinhos feitos com um alfinete estão situados no mesmo lugar em que eu os fiz.

-           Seu turno, disse o promotor.

-           Não tenho perguntas para fazer, respondeu Mason com amabilidade. Floid contemplou pensativamente ao advogado de defesa e convocou para o estrado das testemunhas um técnico em datiloscopia, que declarou ter achado algumas impressões presentes no apartamento. Umas pertenciam ao defunto. E outras eram da empregada que limpava o apartamento duas vezes por semana.

-           Havia mais impressões? interessou-se Floid.

-           Outras que não pude identificar.

-           E outras que consegui identificar?

-           Sim, senhor. Duas.

-           Onde as encontrou?

-           Uma no espelho do armário do banheiro. A outra em uma mesinha de cabeceira a lado da cama onde estava o cadáver.

-           Descobriu a identidade dessas impressões?

-           Sim, senhor. Uma pertencia a dedo indicador da mão direita da acusada. A outra, ao polegar da mesma mão.

-           Está certo disso?

-           Existem diferentes pontos de semelhança e outras diversas características pouco correntes.

-           Havia algo mais no banheiro?

-           Uma toalha com manchas de sangue, uma toalha úmida que alguém tentou lavar, com certeza...

-           Protesto pela conclusão da testemunha! gritou Mason.

-           Se admite o protesto, sentenciou o juiz.

-           Uma toalha manchada de sangue, repetiu a testemunha.

-           A tem aqui?

-           Sim, senhor.

-           Mostre-a, por favor. A testemunha exibiu um pacote composto por uma bolsa de papel selada, e da mesma retirou uma toalha com a inscrição <Apartamentos Tallmeier> bordada no canto. A toalha estava manchada com algo de cor oxidada.

-           Apresentamos esta toalha manchada como prova B da evidência do Povo.

-           Não há objeção, confirmou Mason.

-           Fotografou as impressões digitais presentes? interrogou o promotor. - Quer mostrar as fotos, por favor?

 

A testemunha exibiu as fotos, que ficaram marcadas como prova. Logo, o promotor apresentou uma série de fotografias, mostrando o defunto na cama, com o travesseiro empapado de sangue, gotejando até o chão, manchando o tapete. Em seguida, o promotor chamou como testemunha um forense, que declarou que havia recuperado a bala mortal da nuca do defunto; que a bala pertencia a uma arma conhecida como calibre vinte e dois, uma arma de cano longo; que havia penetrado pela fronte em uma trajetória passando a uns cinco centímetros acima dos olhos, e que havia produzido uma abundante hemorragia.

 

-           Quando aconteceu a morte? perguntou o promotor.

-           Em minha opinião, depois de realizar todas as provas pertinentes, a morte teve lugar entre as duas da tarde do dia doze, e as cinco da manhã do sábado, dia quatorze.

-           Uma morte instantânea?

-           Não, não acredito. Depois do disparo veio imediatamente a perda dos sentidos e provavelmente o corpo não se moveu. Porém apesar da vítima estar inconsciente, o coração continuou enviando sangue ao cérebro, o que confirma a abundância da hemorragia. A morte pode ter acontecido dez ou quinze minutos depois do disparo, ou também ao cabo de uma hora. É impossível afirmar.

-           Você recuperou a bala?

-           Realmente.

-           O que fez com ela?

-           A entreguei a departamento de experts em balística em presença de duas testemunhas.

-           Poderia determinar a arma com que se disparou a bala?

-           No momento, não com exatidão. Sabemos que foi disparada com um revólver, ainda que sem poder precisar a marca, e suspeitamos que se trata de um com o cano longo porque...

-           Me oponho a conhecer as suspeitas da testemunha! exclamou Mason.

-           Se admite o protesto, afirmou o juiz. - Que a testemunha se atenha aos fatos.

-           Muito bem, sorriu Floid triunfante. - No momento, que se retire este testemunha, e em seu lugar chamarei à senhorita Smith. A senhorita Smith era uma jovem muito bem vestida, de uns trinta anos.

-           Qual é seu emprego?

-           Sou empregada da United Airlines em uma das máquinas emissoras de passagens do terminal de Los Ângeles.

-           Estava trabalhando ali no dia doze deste mês?

-           Sim.

-           Peço que olhe à acusada e nos diga se a viu antes.

-           Efetivamente.

-           Onde?

-           Na máquina onde trabalhei na tarde do dia doze.

-           A que horas?

-           As seis e quarenta minutos exatamente.

-           Falou com ela?

-           Sim.

-           Qual foi o assunto da conversa?

-           Se mostrou ansiosa por saber se chegaria a tempo de apanhar o avião de San Francisco, com saída às seis e trinta e sete, ou se já havia partido. Eu respondi que o avião havia partido fazia uns minutos, e que devia esperar aproximadamente uma hora e vinte minutos para apanhar o das oito em ponto.

-           O que fez ela?

-           Pediu uma passagem para San Francisco.

-           E...? interrogou Floid sorrindo.

-           Apanhou sua bolsa e me disse: <Pagarei com meu cartão de crédito>. Procurou dentro da bolsa e de repente a baixou, procurando não me deixar vê-la.

-           De repente?

-           De repente, de propósito.

-           Qual foi a causa de tal ato?

-           Havia um revólver na bolsa.

-           Que tipo de revólver?

-           Um de cano longo e culatra de madeira.

-           Está certa de que era um revólver?

-           Sim.

-           O que mais aconteceu?

-           Continuou procurando na bolsa, mantendo-a sempre abaixo do mostrador para que eu não pudesse ver seu interior, e de repente exclamou: <Oh, devo ter perdido meu cartão de crédito>. Meditou um momento, e continuou: < O senhor Perry Mason não deixou para mim uma passagem paga por ele?>

-           Continue.

-           Bem. Respondi que o senhor Mason havia pago duas passagens, com seu cartão de crédito. Uma já havia levado e havia deixado a outra a nome de Diana Douglas. Ao escutar isto, o semblante da jovem mostrou um profundo alívio e exclamou: <Eu sou Diana Douglas, dê-me a passagem, por favor>.

-           E você a entregou?

-           Sim.

-           O que mais?

-           Saiu e eu consegui ver a bolsa que levava. O revólver modificava sua forma e...

-           Me oponho a que a testemunha declare que era o revólver que deformava a bolsa! impugnou Mason. O juiz Elliott vacilou ligeiramente.

-           Não se admite o protesto, decidiu. - A testemunha pode ver que a bolsa estava deformada.

-           A bolsa estava deformada por algum objeto que estava dentro da bolsa. Porém o juiz manteve sua decisão.

-           Sua vez, ofereceu Floid.

-           Reconheceu à acusada em uma roda de identificação? perguntou o advogado de defesa.

-           Não.

-           Você não a havia visto desde o momento em que falaram no aeroporto até hoje, aqui na sala?

-           Identifiquei sua fotografia.

-           Obrigado, nada mais.

 

Floid apresentou a testemunha seguinte com ar vitorioso. Era um indivíduo de meia idade que trabalhava na equipe encarregada de limpar os aviões da Companhia United Airlines.

 

-           Está familiarizado com o avião que saiu do terminal de Los Ângeles às oito da noite do dia doze deste mês, e chegou a San Francisco aproximadamente uma hora mais tarde?

-           Sim, senhor.

-           Você limpou aquele avião?

-           Sim, senhor.

-           Encontrou algo fora do comum?

-           Sim, senhor.

-           O que era?

-           Um revólver.

-           Onde o achou?

-           Estava escondido em uma abertura existente debaixo um grupo de toalhas, em um dos lavabos. Posso afirmar que estas toalhas são colocadas em seus recipientes e são renovadas de quando em quando. Naquela ocasião, eu queria trocar uma das conexões, e para isso afastei as toalhas e coloquei a mão na abertura situada atrás do grupo de toalhas. Então, senti um objeto estranho e o apanhei. Vi que era um revólver.

-           Tentou identificá-lo?

-           O entreguei ao meu encarregado.

-           E o que ele fez?

-           Avisou à polícia e, a pedido desta, anotamos os dados da arma.

-           Quais eram?

-           Se tratava de um revólver de calibre vinte e dois de ação simples, com um cano de vinte e cinco centímetros e culatra de madeira. Na arma se via gravada a inscrição: <Ruger vinte e dois, com seis>, e o número um, três, nove, cinco, sete, três e o nome do fabricante, Sturm: <Sturm, Ruger, Ruger>, da Companhia de Southport, Conecticut. Na culatra alguém havia gravado as inicias ED.

-           Estou mostrando um revólver e pergunto se é o mesmo que você encontrou. Floid avançou e entregou a arma à testemunha. A mão de Diana Douglas apertou a perna de Mason, e seus dedos apertaram tanto que o advogado baixou sub-repticiamente sua própria mão para afastá-la. Diana tinha o semblante desencaixado, com os lábios muito apertados, e sua tez mostrava uma cor pálida. A testemunha estudou o revólver e assentiu.

-           É o mesmo revólver.

-           Qual era o seu estado quando o encontrou?

-           Estava completamente carregado, salvo um cartucho que haviam sido disparado.

-           Se trata de uma arma de ação simples, ou seja que está que basta engatilhá-la e apertar o gatilho Não é um revólver que se arma automaticamente?

-           Sim, senhor. É o que se chama de um revólver de ação simples.

-           Sua vez.

-           Sabe quanto tempo o revólver voava naquele lugar? perguntou Mason.

-           Não, senhor. Só quando o encontrei, nada mais.

-           Obrigado, não tenho mais perguntas.

 

Floid apresentou como prova o registro de vendas da Companhia de Sacramento Sporting Dears, demonstrando que o revólver <Ruger> em questão havia sido vendido cinco anos antes a Edgar Douglas. A testemunha seguinte foi uma mulher que se apresentou como a aeromoça do vôo das oito da tarde a San Francisco, no dia doze. Olhou para Diana, observou que era passageira do vôo, e disse que naquele dia reparou na forma estranha da bolsa que a jovem usava ao subir no avião. Afirmou que Diana também usava uma espécie de nécessaire preto, e que quando foi ao lavabo, levava ambos os artigos consigo, coisa que à aeromoça pareceu algo raro. Aparte isso, não pode apresentar nenhuma outra evidência. Não prestou mais atenção na bolsa depois de Diana sair do lavabo. Logo, Floid, convocou a sua testemunha principal, o expert em balística, que afirmou que a bala que havia morto Morai Cassel vinha do revólver registrado no nome de Edgar Douglas. Após o expert, veio o porteiro do edifício de apartamentos de San Francisco, que declarou que, depois do acidente de carro que deixou Edgar Douglas inconsciente, precisando ficar no hospital, sua irmã, a acusada, recebeu uma chave do apartamento de seu irmão, e entrou e saiu várias vezes do mesmo. Floid apresentou em seguida o porteiro dos Apartamentos Tallmeier. Este admitiu não ter visto a acusada entrar no edifício, porém tê-la visto sair. Afirmou que ela usava uma carteira preta e uma bolsa de tela, da mesma cor. A bolsa estava esticada por algum objeto rígido que estava em seu interior. O homem se fixou especialmente na bolsa. Floid apresentou uma bolsa que foi identificada como de propriedade da acusada, e perguntou ao porteiro se a reconhecia. O porteiro respondeu afirmativamente. Ou era a mesma bolsa, ou uma cópia exata da mesma. Neste momento o juiz Elliott consultou o relógio e limpou a garganta.

-           Cavalheiros, se aproxima a hora do encerramento da audiência, e certamente creio que não existe a necessidade de prolongá-la. Definitivamente, existem provas de se ter cometido um crime, e evidências abundantes de que a acusada está relacionada com o mesmo. Na realidade, este Tribunal está surpreendido pela quantidade de provas fornecidas pela acusação.

-           A acusação sabe, interveio Floid, - Como é a reputação do senhor advogado de defesa e deseja não deixar nenhum ponto sem cobrir.

-           Realmente, creio que não há dúvida nenhuma, observou o juiz Elliott, sorrindo. - Acredito, cavalheiros, que podemos encerrar a sessão, e deixar detida a acusada. Por tanto... Mason se pôs rapidamente de pé.

-           Senhoria, disse com uma voz respeitosa porém firme, - A defesa deseja apresentar umas testemunhas.

-           Porquê? perguntou o juiz.

-           Porque está em seu direito.

-           Você tem direito a citar testemunhas, certo. Porém este Tribunal não está destinado a julgar a veracidade dos mesmos. Este Tribunal não está qualificado para interpretar a questão da dúvida razoável. E certamente, o advogado de defesa não pode proclamar que não foi estabelecido o caso <prima facie>.

-           A questão de que se foi estabelecido um caso <prima facie>. discutiu Mason, - Depende da evidência existente à conclusão de um caso, e toda tentativa de decidir um, sem conceder a um acusado um dia do tribunal seria...

-           Está bem, está bem, resmungou o juiz, com impaciência. - Se reiniciará a audiência às dez da manhã pela manhã. Agora, desejo advertir a senhor advogado de defesa que temos um calendário muito apertado, e que este Tribunal não quer embarcar em expedições de pesca, nem tem intenção de julgar um caso pelos méritos de uma audiência preliminar. O Tribunal adverte a defesa, de que não pensa avaliar a veracidade das testemunhas, e que qualquer questão que se ache em conflito com os fatos ficará determinada em favor da acusação no que concerne a esta audiência. Este Tribunal tentará não fazer nada que impeça que a acusada obtenha um julgamento equânime diante de um Tribunal Superior com jurados, em cujo momento poderá ser apresentada a questão da veracidade testemunhal e se aplicará a doutrina da dúvida razoável. Fez uma pausa e olhou diretamente a Perry Mason. - Se trata simplesmente de transferir a apresentação deste caso a outro tribunal. Entende, senhor Mason?

-           Entendo, senhoria.

-           Muito bem. Continuaremos a audiência a manhã pela manhã às dez. Mason colocou uma mão tranqüilizadora sobre o ombro de Diana.

-           Mantenha erguida a cabeça, jovem.

-           Vão me enviar para um Tribunal Superior?

-           Provavelmente, confirmou Mason, - Porém antes que o Tribunal dite essa ordem, quero averiguar tudo o que puder sobre este caso.

-           E o que acontecerá quando estiver ante o Tribunal Superior?

-           Você será julgada por um júri. E terá o beneficio da dúvida razoável. Mason se inclinou, continuando em voz baixa: - Onde apanhou o revólver?

-           Foi tal como disse, senhor Mason. Estava no chão do apartamento, manchado de sangue, fui ao banheiro e o limpei, colocando-o na bolsa. Custou-me bastante, e suponho que foi então que perdi o cartão de crédito.

-           E ocultou o revólver no avião?

-           Sim, retirei as toalhas e apalpei em busca de um esconderijo, encontrando aquela pequena abertura na parede. Jamais pensei que encontrassem ali a arma.

-           Diga-me... com respeito às garotas do escritório de San Francisco. Sabe qual poderia escrever aquela mensagem?

-           Pode ser qualquer uma.

-           Estava escrito em uma máquina elétrica.

-           Todas as máquinas são elétricas.

-           Bem, concluiu Mason, - Mantenha a cabeça erguida. Nos veremos amanhã pela manhã.

 

Perry Mason, Della Street e Paul Drake se achavam reunidos em torno de uma mesa do restaurante italiano próximo à sala do Tribunal, onde o proprietário já estava acostumado a reservar um local privado para o uso exclusivo do primeiro.

 

-           Bem, resmungou Drake, - Me parece que o juiz já está decidido, pelo que ouvi. Mason assentiu.

-           Bem, o que descobriu, Paul?

-           Pouca coisa, confessou o detetive. Só alguns pedaços de informação. Não sei se servirão. Como você mesmo disse, a sua cliente é uma terrível mentirosa.

-           É e não é, corrigiu o detetive. - Ela mentiu porque queria salvar a reputação de seu irmão. Pensou que ele estava ameaçado por alguma coisa e que tinha a obrigação de pagar cinco mil dólares para eliminar a ameaça. E quis levar adiante tal ação.

-           De acordo, Perry. Continua. Paul Drake sabia que o advogado sempre desejava clarear suas idéias, discutindo um caso.

-           Portanto, continuou Mason, - Atuou independentemente de meu conselho e quis me enganar, porém quando se encontrou diante de uma rua sem saída, acredito que não quis mais me enganar. Pelo menos, existe a possibilidade de que agora diga a verdade. Isto é algo que um advogado sempre deve a seu cliente. Não importa quantas vezes tenha mentido no passado, o advogado sempre há de ter fé em seu cliente. Sempre tem que acreditar que, no momento final, o cliente dirá a verdade e colocará todas as cartas sobre a mesa.

-           Neste caso, ela não pode dizer, Perry, objetou Drake. - Foi ali e tentou negociar com ele. Não conseguiu e o liquidou.

-           O que descobriu? insistiu Mason, desviando o tema.

-           Provavelmente, Morai Cassel era uma rara pessoa. Levava uma existência muito misteriosa. Ninguém sabe de onde vinham seus rendimentos, nem o valor dos mesmos.

-           Era o que eu imaginava, Paul.

-          Descobri o seguinte: o indivíduo andava sempre armado. Usava um revólver de calibre trinta e oito, de cano curto, em uma cartucheira debaixo da axila. Seus ternos eram confeccionados sob medida por um alfaiate, o mesmo há vários anos, e ele deixava sempre uma espécie de buraco embaixo da axila esquerda a fim de que não se pudesse notar o vulto do revólver.

-           O canalha! Irritou-se Mason. Drake assentiu. - Usava a arma também quando acharam o cadáver?

-           Provavelmente, respondeu Drake.

-           É interessante que a polícia examinasse o quarto, tirasse fotografias do cadáver totalmente vestido na cama com uma bala na cabeça, sangue pela almofada e tapete, e ninguém falasse do revólver.

-           Perguntou à polícia? sorriu Drake.

-           Não perguntei, respondeu Mason sorrindo por sua vez. - Não pensei em interrogar ninguém a respeito de um revólver em poder do morto, ainda que certamente devesse perguntar o que encontraram em seus bolsos, e a respeito de tudo o mais relativo do apartamento... O que sabe da fonte de seus rendimentos, Paul? O detetive sacudiu tristemente a cabeça.

-           Essa pessoa tinha muito dinheiro. Usava um cinto com dinheiro dentro. No mesmo foram encontradas quatro notas de mil dólares. Também possuía uma carteira de bolso repleta de notas de cem. E, pelo que se vê, não possuía conta corrente. Comprou o Cadillac pagando a audiência.

-           Mulheres?

-           Algumas o visitavam de vez em quando.

-           A mesma ou diferentes?

-           Diferentes.

-           O que descobriu do bilhete que apanhei na exposição de arte mexicana, em San Francisco?

-           Foi escrita com máquina elétrica, explicou Paul Drake. - Porém naquele escritório todas as máquinas são elétricas. Pelo que conseguimos descobrir, a nota foi escrita na máquina de Joyce Baffim. Para sua informação, Joyce Baffim saiu do escritório dia doze, ao meio-dia, queixando-se de uma terrível dor de cabeça. Só voltou ao escritório na manhã seguinte. Joyce é uma garota muito apreciada por todos os empregados da casa, e tinha muita amizade com Edgar Douglas. Acredito que o rapaz estava apaixonado por ela. Outros também. Franklin Gage inclusive, que é viúvo, e Homer Gage, que é uma ave de rapina. Este desejou durante algum tempo estreitar suas relações com Joyce. Mason, enquanto tomava uma bebida, ia escutando as informações. - Tenho outros pedaços de informação, prosseguiu Drake. - Gastei bastante tempo e dinheiro com a telefonista dos Apartamentos Tallmeier. Averigüei que Morai Cassel fez muitas chamadas para um número local. E descobri que se tratava do apartamento de uma tal Irene Blodgett, de vinte e sete anos, ruiva, dos Apartamentos Millsep, divorciada, empregada de dia na Companhia de Importações Underwood. De noite, trabalha como garota de programa, ainda que não seja nada espetacular. É muito popular, calada, refinada... Tenho vários agentes detrás dela, porém se existe algo estranho não descobriram ainda. Paul Drake fez uma pausa para tomar um gole de sua bebida. - A única relação é que a Companhia Underwood mantém ou manteve relações comerciais com a empresa Escobar.

-           Tem alguma idéia, chefe? interveio Della Street, olhando fixamente Mason.

-           Só uma, confirmou o advogado. - Que no momento de sua morte, Morai Cassel estava de pé junto à cama ou sentado na borda da mesma. Dispararam um tiro na fronte por meio de um revólver muito grande, de cano longo, de calibre vinte e dois, com culatra de madeira. Sim, o cano, continuou pensativamente, tinha vinte e cinco centímetros. E o assassino teve que se colocar frente à frente com sua vítima.

-           E o que...? perguntou Drake. E o que tem de raro nisso? Diana Douglas chegou no apartamento. Tocou a campainha. Cassel franqueou a entrada. A jovem tentou negociar com ele, porém ele se fez de durão. Então, Diana compreendeu que os chantagistas jamais soltam as suas presas. Que uma vez que consigam encontrar uma vítima, a desplumam constantemente até deixá-la esgotada. Diana estava obcecada com a idéia de proteger seu irmão. Mason segurava o copo pela borda, contemplando o líquido através do cristal, e dando voltas entre o polegar e o indicador.

-           Esteve no apartamento de Cassel? indagou.

-           Sim, depois da polícia tê-lo abandonado por completo. - Haviam colocado pó em todo o lugar buscando impressões digitais, analisando as manchas de sangue, e tudo o mais.

-           Olhou no guarda-roupa do morto? quis saber Mason. - Era tão meticuloso com suas roupas como acredito?

-           Oh, sim, afirmou o detetive. - Trata-se de um móvel com muitas gavetas. E todas cheias de camisas com as suas inicias bordadas. Inclusive tinha inicias em sua roupa interior e todas as prateleiras do armário estavam cheias de roupas sob medida.

-           Falou com o alfaiate?

-           Sim. Ele me contou que Cassel era um bom cliente, sempre pagando à audiência, que nunca usava uma roupa mais de seis meses. Naturalmente, também falou do buraco que deixava em todos os seus ternos para dissimular o vulto do revólver.

-           Continua. O que mais?

-           O alfaiate se mostrou muito amável, afirmou que estava certo de que Cassel era um bandido, e que sabia que sonegava a Fazenda. Porém, é claro, isso não era assunto seu e, de minha parte, estou certo de que o alfaiate também gostava de receber à audiência. Perry, não me surpreenderia se o alfaiate também sonegasse o pagamento dos impostos.

-           O que me diz dos casacos? informou-se Mason. Também são sob medida?

-           Todos... respondeu Drake, porém Logo, se corrigiu. - Um momento, Perry, havia uma exceção. Um casaco que evidentemente Cassel devia usar para suas expedições em busca de dinheiro, ou talvez quando carregava e descarregava coisas de seu automóvel.

-           Porquê?

-           Oh, se trata de um casaco de confecção, e faltam as etiquetas do colarinho e do bolso interior.

-           Eu entendo, comentou Mason. Cabia na vítima?

-           Como posso saber? resmungou Drake. - Na autopsia dissecaram o cadáver. Porém eu não podia ir ali e provar o casaco no defunto... Com certeza, não o usava há vários meses. Durante a semana do crime fazia bastante calor. O que importa este casaco no caso, Perry? O advogado demorou muito a responder, e quando o fez foi para mudar bruscamente de tema.

-           Tens os telefones da Companhia Escobar, de San Francisco? Drake assentiu.

-           Veja se é possível telefonar daqui, Della, ordenou o advogado a sua secretária. A jovem regressou com um telefone que foi ligado à uma conexão na mesa. Logo, Mason utilizou seu cartão de crédito. - Trata-se de uma chamada a crédito. Desejo falar com o senhor Franklin Gage, de San Francisco, neste número. Mason apanhou a livreta de Paul Drake e leu em voz alta o número da residência pessoal de Franklin Gage. - Trata-se de uma chamada pessoal. Não quero falar com ninguém mais, se ele não estiver. O advogado tamborilou com os dedos da mão direita enquanto segurava o receptor junto a seu ouvido. - Oxalá tenha sorte, comentou. Um momento mais tarde, chegou a voz de Franklin Gage. - Fala Perry Mason, senhor Gage. Suponho que você está interessado no caso do Povo contra Diana Douglas, que trabalhava para você... bem, para sua empresa.

-           Sim, em certo sentido, respondeu Gage cautelosamente. - Depende do que você deseja.

-           O auditor concluiu que faltavam fundos na sua caixa forte?

-           Sim.

-           Já sabe quanto dinheiro falta aproximadamente?

-           Em números redondos... uns dez mil dólares.

-           Você desejaria fazer uma coisa que impediria um erro, senhor Gage?

-           Que coisa?

-           Queria que Joyce Baffim estivesse presente amanhã pela manhã, quando recomeçar a audiência do caso contra Diana Douglas.

-           Naturalmente, se você pagar a viagem de ida e volta, concordou. - Daremos permissão e...

-           Não se trata disso, objetou o advogado. - Talvez ela não queira vir.

-           Não podemos obrigá-la.

-           Está há muito tempo no emprego?

-           Sim, todas as nossas secretárias têm bastante tempo conosco. Não podemos nos permitir o luxo de realizar muitas mudanças no pessoal, senhor Mason. Nosso negócio é muito especializado e sempre que achamos a uma jovem competente, procuramos conservá-la muitos anos.

-           O motivo de chamar pessoalmente, senhor Gage, é, que é tremendamente importante que Joyce Baffim assista à audiência. Não sei como fazer compreender a importância capital de sua presença. E queria pedir que você e seu sobrinho, o senhor Homer Gage, viessem a Los Ângeles para assistir também à audiência. Gostaria que você se pusesse pessoalmente em contato com Joyce Baffim esta noite, e que explicasse a suma importância de que venha até aqui.

-           Nós três? exclamou Franklin Gage surpreendido.

-           Exatamente, confirmou Mason. - Tenho motivos para acreditar que, se você se pedir a essa jovem, ela não poderá se negar. Do contrário, talvez se esquivasse a vir. E se só a acompanha um de vocês, é possível que se mostre temerosa. Porém se você e seu sobrinho se mostram dispostos a vir, com o fim ostensivo de ajudar Diana...

-           Se é culpada, não tem direito a nenhuma ajuda, cortou asperamente Franklin Gage.

-           E se não for? Você já teve oportunidade de estudar essa garota. E de conhecer suas atitudes. Acredita que se trate de uma mulher capaz de cometer um assassinato?

-           Bom, replicou Gage com cautela, - Nunca se sabe como reagiria uma pessoa em um momento difícil, e ela sempre quis proteger seu irmão, porém... Acredita que é tão importante, senhor Mason?

-           Muito, senhor Gage. Na realidade, se trata de algo completamente vital. Houve silêncio do outro lado da linha. -         Se fizer exatamente o que sugeri, continuou Mason, - Creio que será possível eliminar certas perguntas que, em caso contrário, poderiam ser apresentadas no tribunal.

-           Que tipo de perguntas?

-           Com respeito à Companhia Escobar, sobre o seu tipo de negócios, à grande quantidade de dinheiro em espécie que guarda em sua caixa forte, e outros pequenos detalhes que talvez você não goste que chegue aos ouvidos de seus competidores.

-           Muito bem, aprovou Gage rapidamente, - Se você me assegurar de que todos esses detalhes não serão apresentados ante o tribunal como evidência, senhor Mason, e afirma que é vital nossa presença para a defesa de sua cliente, Homer e eu faremos tudo quanto estiver ao nosso alcance para induzir Joyce Baffim a nos acompanhar. E creio que teremos êxito nisto. Onde e quando temos de nos reunir com você?

-           Apanhe o avião desta noite, explicou Mason, - A fim de chegar a tempo. Vá para um hotel. E a única coisa que tem de fazer é chamar a Agência de Detetives Drake, e Paul Drake enviará um carro que manhã os conduza ao tribunal, para que possam entrar e ficar devidamente acomodados.

-           A Agência de Detetives Drake? repetiu Gage.

-           É. Perry Mason continuou, informando o endereço e o telefone da agência.

-           Muito bem, de acordo.

-           Confio em vocês? insistiu Mason.

-           Dou minha palavra, respondeu Gage com dignidade.

-           Para mim é suficiente, afirmou o advogado, desligando o telefone.

-           Que demônios...? iniciou Paul Drake. Mason apanhou seu copo, apertou e sorriu.

-           Acredito que começo a ver claramente, disse. - A falta só de dez mil dólares...

-           A cifra primitiva era de vinte mil, observou o detetive.

-           Lembre, objetou Mason, - Que quando Franklin entrou na sala, explicou que estava realizando uma operação, que ela se frustrou, e que havia levado consigo dez mil dólares, dinheiro que acabava de depositar no caixa.

-           Não entendo, confessou Drake.

-           Talvez tenha mais sorte se essas pessoas vierem amanhã, à audiência preliminar.

-           Porém você assegurou que não se falaria do modo de levar seu negócio...

-           Acredito que não será necessário, confirmou Mason. - Bem, tomemos outra dose e logo pediremos uma dessas comidas fabulosas que servem neste restaurante italiano, e esqueceremos do caso por algumas horas.

 

Ralph Gurlock Floid se pôs de pé quando reiniciou o caso do Povo contra Diana Douglas.

 

-           Acredito, senhoria, disse, - Que a acusação não tem por que prosseguir apresentando o seu caso.

-           Certamente, tenho a mesma opinião, disse o juiz Elliott. Não existe defesa.

-           Ao contrário, existe, exclamou Mason.

-           Desejo repetir que este Tribunal não está interessado em expedições de pesca, senhor Mason. Não quero impedir que a acusada obtenha uma defesa legítima, porém é virtualmente matemático que não tem nenhuma, e não pode tê-la ante o acúmulo de provas realizadas pelas testemunhas de acusação apresentadas ontem.

-           Com a devida vênia do Tribunal, replicou Mason, - Gostaria de chamar um dos oficiais da polícia, a fim de dirigir a ele um par de perguntas.

-           Isto é irregular! protestou Floid. - Esta moção devia ser apresentada antes.

-           Vamos, vamos, tratou de apaziguar o juiz, - É certo. Mas não penso em impedir que a acusada se beneficie da oportunidade, de que uma testemunha volte a ser interrogada pela defesa. Suponho, senhor Mason, que existe algum significado especial com relação a sua petição.

-           Sim, senhoria.

-           Chame a testemunha, ordenou o juiz. Mason convocou o oficial.

-           Suba ao estrado das testemunhas, solicitou. - Lembre que já prestou juramento. Bem, você identificou a bolsa que a acusada tinha em sua posse, quando a empregada da companhia aérea viu, ou acreditou ver, o revólver dentro da mesma, quer dizer a mesma bolsa que a aeromoça observou no avião.

-           Exato.

-           Vocês, na delegacia, tinham o revólver e a bolsa. Tentaram colocar a arma dentro dela? O oficial sorriu de maneira condescendente.

-           Naturalmente. E se ajusta tão apertadamente que fica tencionada até o máximo, deformando a bolsa. Por isto ficava tão visível.

-           Por favor, aqui temos o revólver e a bolsa. Coloque o primeiro dentro do segundo. O alguacil entregou ambos os objetos ao oficial. Este apanhou a bolsa, abriu, colocou o cano do revólver e gradualmente foi colocando o revólver dentro da bolsa, enquanto ia explicando a operação.

-           Olhe como o cano penetra, e como é necessário retorcer a bolsa para que caiba também a culatra, o que naturalmente, continuou sorrindo triunfalmente e olhando o promotor, - Explica por que a acusada perdeu o cartão de crédito, ao tirar o revólver da bolsa.

-           Muito bem, confirmou Mason, - Já colocou a arma dentro da bolsa.

-           Sim, senhor.

-           Pode fechá-la?

-           Sim, ainda que a duras penas, prosseguiu a testemunha, - E quando se abre a bolsa qualquer um pode ver parte da arma... Para ser mais exato, a culatra de madeira.

-           Muito bem, aprovou Mason. -       Bem, um revólver tem duas superfícies, uma convexa e outra côncava, não é certo?

-           Não sei a que se refere, resmungou o oficial.

-           Um revólver é geralmente fabricado, explicou Mason, - Segundo uma curva, de modo que quando se segura a arma pela culatra, colocada na mão e em posição de disparo, o cano deve ficar elevado para poder apontar.

-           Oh, certamente.

-           E, de igual modo, quando se inverte a arma, a posição fica invertida. A isto eu chamo de posição côncava.

-           Compreendo.

-           Então, prosseguiu o advogado de defesa, - Você colocou agora o revólver na bolsa, na posição côncava. Poderia mudá-lo e o deixar na posição convexa?

-           Não, se quero fechar a bolsa, replicou o oficial. - Encaixa muito justo, Na realidade, não sei se conseguiria colocar o revólver na bolsa, na posição que você chama de convexa.

-           Perfeito, respondeu Mason. - Bem, você demorou bastante para meter a arma na bolsa.

-           Sim, entra muito justo, admitiu o policial.

-           Agora, tire-a, pediu Mason. - Vejamos quanto tempo demora a conseguí-lo.

-           Como, quanto demoro em conseguí-lo? Mason exibiu seu relógio de pulso e consultou os ponteiros.

-           Saberemos exatamente quanto tempo leva para retirar o revólver da bolsa.

-           Ah... Uma prova de velocidade? riu o oficial. Imediatamente, começou freneticamente a tirar o revólver, e só conseguiu que se enroscasse. Para o tirar, foi necessário inverter a bolsa e empurrar a arma para baixo.

-           Cinco segundos, contou Mason. O policial continuou tentando freneticamente. - Dez segundos... doze... Bem, já está fora. Ah, em posição invertida. Agora, se você quiser realizar um disparo precisaria reacertar o revólver na sua mão. Faça-o, por favor. O oficial fez girar rapidamente o revólver sobre seu indicador. - Bem, trata-se, como sabemos, de um revólver de ação simples. Ou seja, que não pode ser disparado somente apertando o gatilho. Primeiro tem que fazer retroceder o martelo. Faça-o. A testemunha obedeceu. - Acredita que poderia fazer toda esta operação mais depressa? sorriu Mason.

-           Oh, sim, afirmou o oficial, - Agora que sei do que se trata. Você quer que eu ganhe um recorde de velocidade.

-           Bem, volte a meter a arma na bolsa, feche-a, abra-a, volte a tirar o revólver, ponha-o em posição de disparo, e aperte o gatilho. Comece quando eu der o sinal, e vejamos quantos segundos transcorrem até que acione o gatilho.

-           Acredito que não compreendo o alcance desta prova, senhor advogado de defesa, ainda que seja muito interessante, objetou o juiz.

-           Trata-se simplesmente disto, senhoria, explicou Mason. Morai Cassel, a vítima, foi assassinada por um tiro na fronte. Morai Cassel usava um revólver na axila, no momento de sua morte. Acredito que era um costume seu. O juiz franziu a testa. - E não é razoável supor que ficaria sem fazer nada enquanto a acusada lutava com sua bolsa para tirar o revólver e...

-           Entendo, sorriu o juiz. - Prossiga com a prova, senhor Mason. Floid já estava de pé.

-           Protesto, senhoria! Não é uma prova justa. Não sabemos as condições que existiam no momento do crime. Como sabemos que a acusada tinha o revólver, no que o senhor Mason denomina posição côncava, em sua bolsa quando entrou no apartamento de Cassel? Poderia tê-lo tirado da bolsa antes de entrar, antes que Cassel abrisse a porta. Em todo caso devia levar o revólver na sua mão, pronto para disparar.

-           Interessante, interveio o juiz, voltando a franzir as sobrancelhas, - É uma hipótese interessante e este tribunal não deseja privar à acusada da oportunidade de a demonstrar. Adiante, faça a prova e meça o tempo. O policial, sabendo já o que se esperava dele, forcejou com fúria inusitada e conseguiu rebaixar a sua própria marca em uns sete segundos. - O tribunal contou seis segundos, estabeleceu o juiz Elliott, que havia seguido a prova com profundo interesse.

-           Entre seis e sete segundos, senhoria, declarou Mason, - Segundo o meu relógio. Realmente, é uma ótima marca olímpica.

-           Senhoria! protestou Floid. - Esta prova é ridícula! A acusada levava o revólver fora da bolsa, disposta a disparar antes de tocar a campainha, de modo de que Morai Cassel, ao abrir, estivesse ante o cano.

-           E o que aconteceu então? perguntou Mason ao promotor.

-           Você não pode me perguntar! respondeu o aludido. Mason sorriu friamente.

-           Desejo realizar umas observações ante este tribunal. A idéia de que a acusada tocou a campainha com o revólver já pronto, teria feito com que o defunto houvesse recebido a bala no momento que abrisse a porta. No entanto, a vítima morreu no extremo oposto do apartamento, ou seja, de pé junto à cama ou sentado na borda da mesma, e o disparo foi efetuado a curta distância, já que na fronte não havia sinais de pólvora nas bordas da ferida.

-           Isto se discutirá a seu devido tempo, decidiu o juiz. - Você já logrou um bom tento, senhor Mason.

-           A acusada teria encarado a sua vítima, rebateu Floid, - Obrigando-o a retroceder passo a passo.

-           Com que propósito? quis saber Mason.

-          Para intimidar, respondeu Floid. - Quem mais podia ter a arma do irmão...? Oh, tudo isto é absurdo, e não vale a pena perder tanto tempo!

-           Então, por que o gasta mal? raciocinou Mason.

-           Não tente me interrogar! Irritou-se o promotor.

-           Peço perdão ao tribunal, se submeteu Mason. - Só desejava desmentir uma teoria. O juiz Elliott não pode dissimular um sorriso.

-           Continue com sua defesa, senhor Mason, disse. - Tem que fazer mais perguntas a esta testemunha?

-           Uma ou duas mais, senhoria, com a devida vênia, respondeu Perry Mason. Fez uma pausa, deu um passo a frente e enfrentou o policial. - Revistou cuidadosamente o apartamento?

-           Sim, junto com outros companheiros meus.

-           Verificaram o armário do defunto?

-           Certamente, sorriu a testemunha.

-           Estava muito cheio?

-           Estava repleto.

-           Verificou se as peças eram de corte, ou seja, sob medida, ou de confecção?

-           As peças exteriores, sim senhor. Todas eram de corte. E talvez a roupa interior, ou pelo menos todas as camisas e os... bem, as demais, todas tinham as inicias do defunto. Houve risadas na sala que o juiz calou com seu martelo.

-           E entre as peças de vestir, não havia nem uma só feita por confecção?

-           Oh, não, senhor.

-           Nenhuma?

-           Nenhu... Um momento. Havia um casaco que não parecia feito sob medida. Não levava nenhuma etiqueta.

-           Olhou aquele casaco, olhou suas medidas? Não observou se ele se ajustava à estatura e ao corpo da vítima?

-           Bem... não o provamos, se você se refere a isto, respondeu o policial.

-           Quanto tempo demoraria em trazer esse casaco ante este tribunal? perguntou Mason.

-           Sua senhoria! Floid estava de pé e congestionado, como o homem que esgotou sua paciência escutando sandices. - Isto é absurdo, ridículo! Não sei nada desse casaco. Suponho que deve estar na sala do forense... Este tribunal estabeleceu claramente que não desejava animar nenhuma expedição de pesca, e se isto não é uma expedição de pesca, minhas pupilas são azuis. As pupilas do promotor eram de um preto azeviche. O juiz Elliott começou a sacudir a cabeça, logo franziu a testa até juntar as sobrancelhas e olhou pensativamente para Perry Mason.

-           Pode nos dar uma explicação, senhor Mason? perguntou.

-           Sim, senhoria, replicou o advogado. - Gostaria que trouxessem esse casaco ao tribunal, porque creio que se trata de uma peça vital do caso. Também desejo formular perguntas a uma outra testemunha e ai terei terminado meu turno de perguntas. Em seguida começarei a resumir o caso da acusada. Haverá ainda outra testemunha, senhoria, e será Stela Grimes, detetive particular. Antes que tenha concluído seu testemunho, suponho que o casaco já estará na sala. Também citei a alfaiate de Morai Cassel, que confeccionou todos os trajes do defunto, o qual declarará que não fez esse casaco, e que não se ajusta às medidas da vítima.

-           De acordo, confirmou o juiz, - Termine com seu turno, e o tribunal estima conveniente dar os passos necessários para que o citado casaco seja trazido até a sala. Se esta é uma expedição de pesca, certamente não é habitual. O juiz Elliott sorriu travessamente e continuou: - Adiante, senhor Mason.

-           Você estava presente no laboratório, prosseguiu o advogado, - Quando provaram e examinaram o revólver encontrado no avião?

-           Sim.

-           Em busca de impressões digitais, não?

-           Sim.

-           Acharam algumas?

-           Nenhuma identificável, Senhor Mason, Digam o que digam as novelas, encontrar uma impressão digital numa pistola, não só é exceção como somente acontece em um número muito exíguo de casos.

-           Entendo, confirmou Mason. - Submeteram a arma a outras provas?

-           A provas balísticas?

-           Não, análise de sangue. A testemunha vacilou antes de responder.

-           Sim, houve análise de sangue. São umas análises muito sensíveis que demonstram o sangue presente, ainda que não possa ser classificado.

-           A análise pela bencedina?

-           É uma delas.

-           Foi feita neste revólver?

-           Sim.

-           Com que resultado? A testemunha voltou a vacilar, escolhendo cuidadosamente as palavras.

-           Existiram diversas reações. Evidentemente, o revólver estava manchado de sangue em toda a sua superfície. Provavelmente esteve exposto a uma concentração de sangue, e alguém tentou limpá-lo apressadamente com água ou um trapo molhado.

-           E com isto termina meu turno, disse Perry Mason.

-           Alguma pergunta do promotor? perguntou o juiz, olhando a Floid.

-           Certamente que não, foi a resposta do promotor. - Consideramos que todos esses extremos são desnecessários ao caso.

-           Bem, deseja prosseguir sua defesa, senhor Mason?

-           Sim, chamarei a minha primeira testemunha, a senhorita Stela Grimes. A jovem detetive avançou pelo corredor até o estrado, onde declarou seu nome, sua idade, seu emprego e seu endereço.

-           Quando conheceu à acusada deste caso? perguntou Mason.

-           Era de noite. O senhor Drake e eu estávamos em um táxi. Ambos usávamos óculos de sol, pretos. O senhor Drake havia colocado um anúncio no jornal sugerindo que a pessoa que tinha que realizar certo pagamento iria fazê-lo a uma pessoa que estivesse em um determinado lugar.

-           Falou então com a acusada?

-           Não. A jovem passou duas ou três vezes diante do táxi, porém não deu sinais de reconhecimento, nem indícios de querer deixar uma mensagem.

-           Quando voltou a vê-la?

-           No dia seguinte.

-           Onde?

-           No hotel Willatson.

-           Em que quarto?

-           No sete, seis, sete.

-           O que aconteceu ali?

-           Recebi instruções para ficar no quarto, fazendo-me passar por sua verdadeira ocupante.

-           E a verdadeira ocupante do quarto, era a acusada?

-           Exatamente.

-           E o que fez ela?

-           Alugou outro quarto do mesmo andar. Na realidade, foi o senhor quem alugou o quarto e levou a acusada até ele.

-           O que mais?

-           Bateram à porta e o defunto nos visitou.

-           Por defunto, suponho que você se refere a Morai Cassel.

-           Sim.

-           Sobre o que versou a conversa?

-           Ficou claro que esperava o pagamento de certa quantia em dinheiro, das mãos de um homem, e quando viu que havia duas pessoas no quarto se mostrou surpreso e pensou que se tratasse de uma armadilha.

-           E o que você fez?

-           Atuei de acordo com um sinal que o senhor me fez, senhor Mason. Fingi ser uma amiga que o visitava com propósitos... amorosos. Houve murmúrios e risadas na sala, e até o juiz sorriu. - Lhe dei um beijo casual, continuou a testemunha, E saí, porém de acordo com suas mudas instruções, apanhei um táxi e vigiei a entrada do hotel, a fim de poder seguir o senhor Cassel até onde fosse.

-           Continue, senhorita Grimes, por favor.

-           Quando voltei, entreguei um relatório ao senhor, dando o número de matrícula do Cadillac do defunto, e o seu endereço.

-           E...?

-           Voltei a ocupar o quarto do hotel, esperando que alguém se pusesse em contato comigo, tentando conseguir o dinheiro da chantagem.

-           Você viu a bolsa da acusada quando ela esta estava no quarto?

-           Sim.

-           É mesma bolsa apresentada como evidência e que agora eu lhe mostro?

-           A mesma bolsa ou outra muito semelhante.

-           Bem, prosseguiu Mason, - Agora coloco o revólver, que se supõe, de onde foi disparada a bala mortal, dentro dessa bolsa e pergunto se, em sua opinião, estava a arma dentro da bolsa quando você a viu no quarto.

-           Não, absolutamente, não. Não poderia estar dentro da bolsa, caso contrário teria observado a deformação.

-           Seu turno de perguntas, ofereceu Mason. Floid se pôs de pé.

-           A acusada poderia ter o revólver escondido em outro local, em sua mala, ou inclusive na sua pessoa, e colocá-la dentro da bolsa em outra ocasião.

-           O senhor Mason apanhou a mala da acusada, declarou Stela, - A fim de poder retirá-la do hotel. E a acusada ficou só com a bolsa e uma espécie de nécessaire preta.

-           Não poderia estar o revólver no nécessaire,?

-           Não.

-           Porquê?

-           Porque o nécessaire estava cheio de dinheiro para pagar o chantagista.

-           Quanto dinheiro?

-           Não contei, porém havia muito dinheiro. O nécessaire estava cheio. Floid vacilou um momento.

-           Bem, nada mais.

-           Com a devida vênia do tribunal, exclamou Mason, - Creio que estão entregando um casaco ao alguacil da sala. Suponho que se trata do casaco do senhor Cassel, e que não se ajusta à suas medidas.

-           Como sabe que não se ajusta à suas medidas! gritou Floid encolerizado.

-           Já o saberemos, replicou Mason. - Senhor Ballarde, quer se aproximar e prestar juramento? Ballarde, uma pessoa baixa e gorda, de uns quarenta anos, se aproximou do estrado das testemunhas, movendo-se com surpreendente agilidade para um homem com sua gordura. Deu seu nome, endereço, ocupação, idade, e ao final se voltou para Perry Mason.

-           Conheceu em vida Morai Cassel? Perguntou Mason.

-           Sim.

-           Desde quando?

-           Faz uns sete anos.

-           Você trabalha em quê?

-           Sou alfaiate.

-           Confeccionava as roupas do senhor Cassel?

-           Sim.

-           Quantas fez?

-           Caramba, eu não sei. Não usava um terno mais de seis meses, e sabia que possuía um guarda-roupa muito sortido. Eu entreguei literalmente várias dezenas de ternos.

-           Tinha arquivado suas medidas?

-           Naturalmente, deste modo não tinha que tomar as medidas cada vez que vinha. Dizia o pano, o que desejava, e eu tinha o terno pronto para a primeira prova ao fim de uns dias.

-           Mostro agora um casaco, que marco como prova número um da defesa, para sua identificação. Você o confeccionou?

-           Não, em absoluto, disse depois de examiná-lo detidamente.

-           Poderia ser de Morai Cassel este casaco? A testemunha apanhou uma fita métrica do bolso e efetuou diversas medições.

-           Morai Cassel não conseguiria usar este casaco.

-           Seu turno, disse Mason.

-           Não tenho nenhuma pergunta para formular à testemunha com respeito a este casaco, resmungou Floid.

-           Este casaco, que está marcado como prova número um da defesa, continuou Mason, - E que foi encontrado pela polícia no armário do apartamento do defunto Morai Cassel, peço que seja colocado como prova número um em favor da acusada.

-           Protesto por irrelevante, incompetente e improcedente! saltou o promotor.

-           Também me inclino a pensar igual, falou o juiz Elliott, - A menos que o advogado de defesa possa relacionar o casaco com este caso. O tribunal queria sua teoria sobre o mesmo, senhor Mason.

-           Antes de apresentar minha teoria do caso, senhoria, objetou o advogado, - Gostaria que uma pessoa provasse este casaco. Na sala estão duas testemunhas a que me proponho convocar. E penso que os dois se prestarão gostosamente à prova. Senhor Franklin Gage, por favor, quer avançar e provar este casaco? O aludido vacilou, porém se pôs de pé, avançou, apanhou o casaco, olhou, estudou e o vestiu. No mesmo instante observou-se claramente que as mangas eram demasiado curtas e o casaco ficava demasiado apertado. -       Não assenta bem, reprovou Mason. - Senhor Homer Gage, quer vir, por favor, e provar também este casaco?

-          Não vejo nenhuma razão para fazê-lo! resmungou Homer. Mason olhou-o com manifesta surpresa.

-           Existe algum motivo para negar? Homer Gage vacilou um momento.

-           Está bem, disse depois, - Parece ser do meu número, porém nunca o havia visto. Avançou e pôs o casaco. No mesmo instante ficou bem evidente que se ajustava perfeitamente ao seu corpo.

-           Bem, senhoria, prosseguiu Mason, - Agora apresentarei ao tribunal minha teoria sobre este casaco... Obrigado, senhor Homer. E pode retirá-lo. Quando Homer retirou o casaco, Mason o dobrou e colocou do braço direito. - Senhoria, se uma pessoa se aproxima de um homem que anda armado e é perigoso, deseja estar absolutamente seguro de o poder dominar, necessariamente deve ter uma arma na mão. Se for um revólver, engatilhado e a ponto de disparar... Mason fez uma pausa e sorriu em direção a promotor. - A melhor forma de o conseguir sem que seja descoberto o seu estratagema é usar um casaco dobrado no braço direito, debaixo o qual pode esconder a pistola que empunha. Senhor alguacil, quer ter a amabilidade de me entregar o revólver deste caso...? Obrigado. Agora, ilustrarei ante o tribunal minha teoria. Mason voltou a colocar o casaco debaixo do braço, e manteve a mão que empunhava o revólver oculta entre as pregas. - Com a devida vênia do tribunal, ilustrarei minha teoria. Eu acredito que uma jovem, que era amiga de uma jovem, que trabalhava com Morai Cassel, se viu de repente em uma situação que geralmente se conhece com o nome de gravidez. Acredito também, que um dos chefes da Companhia Escobar era o responsável por tal condição. O chamaremos X. O juiz parecia estar altamente surpreendido pelas derivações do caso. - Morai Cassel era um chantagista tremendamente rápido. Soube do que acontecia e do nome do chefe dessa Companhia. Não estava seguro de todos os fatos, porém viu a oportunidade de conseguir uns dólares. Acredito que a jovem não teve arte nem parte na extorsão. Mason fez uma pausa para limpar a garganta. - A jovem se mudou para outro estado para ter o bebê. Porém uma amiga de Cassel soube de todos os fatos do caso e provavelmente também soube de que a jovem usava uma senha para se comunicar com seu amante. Seguramente, a correspondência ia dirigida ao número sessenta, noventa, noventa... que eram as medidas físicas da jovem implicada no caso. Bem, Morai Cassel se decidiu a obter uma boa soma de dinheiro pelo meio mais rápido, e sensível. Escreveu uma carta ao mencionado senhor X, da Companhia Escobar, indicando que se sessenta, noventa, noventa queria evitar uma demanda de paternidade era necessário que entregasse cinco mil dólares. Provavelmente, continuou que era parente da jovem. O senhor X era casado e não podia permitir que o fato se tornasse público. Seu matrimonio não era feliz e sabia que sua esposa iniciaria uma demanda de divórcio, exigindo uma alta pensão se conseguisse demonstrar uma infidelidade. Portanto, o senhor X chamou Edgar Douglas e o convenceu, mediante uma retribuição financeira, para que fingisse ser o responsável pelo estado daquela jovem; também ordenou que fosse a Los Ângeles e desse dinheiro a Morai Cassel. Entregou a Edgar Douglas cinco mil dólares em espécie, que era a soma exigida pelo chantagista. Aconteceu infelizmente, que, quando Edgar ia dirigindo seu carro até um posto de combustível para colocar gasolina, chocou-se com outro, ficando inconsciente, estado em que continuou até a hora de seu falecimento. Sabendo o senhor X que Morai Cassel estava impaciente, não tentou encontrar ninguém mais. Apanhou outros cinco mil dólares da caixa, e também um revólver, ainda que, provavelmente, não soubesse naquele momento, que ele pertencia a Edgar Douglas. E foi para Los Ângeles, pensando que para realizar o pagamento, tinha que estar seguro de que o chantagista não voltaria a exigir mais dinheiro. Se não conseguisse obter esta segurança, estava decidido a liquidar o extorcionista. Bem, se dirigiu ao apartamento de Morai Cassel. Tiveram uma conversa. O senhor X era homem do mundo e conhecia um chantagista quando colocava a vista em cima, e Morai Cassel, de sua parte, identificava logo uma vítima a quem extorquir até o último centavo, quando se encontrava com uma. Pois bem, com toda tranqüilidade, o senhor X eliminou Morai Cassel do mundo dos vivos, deixou o revólver no chão, em meio de um charco de sangue, e regressou a San Francisco. A acusada entrou no apartamento pouco depois, achou um revólver que reconheceu como pertencente a seu irmão, o apanhou, apressando-se a retirar as manchas de sangue, o secou e o colocou na bolsa, voltando a San Francisco. O juiz Elliott se inclinou para frente.

-           Como o senhor X conseguiu se apoderar da arma que pertencia a Edgar Douglas? Mason levantou a vista até Joyce Baffim.

-           Edgar Douglas era louco por pistolas e a proteção que podia proporcionar às mulheres. Queria que todas as jovens pelas que se interessava soubessem disparar, e por isto as adestrava na prática do tiro ao alvo. Suponho que o senhor X provavelmente tinha certa influência sobre a jovem a quem Edgar Douglas ensinava ultimamente a usar um revólver. Soube da arma no apartamento do rapaz e... Deseja declarar algo, senhorita Baffim? Foi Homer Gage quem se pôs de pé.

-           Todo o mundo está contra mim! gritou desesperadamente, se encaminhando para a saída. O juiz Elliott olhou para o semblante de Joyce Baffim e em seguida olhou para onde ia Homer Gage.

-           Agentes! Exclamou. - Detenham esse homem! Que não escape! O tribunal interrompe a sessão, e sugere que o senhor promotor a cargo deste caso, se beneficie desta meia hora de descanso... Além disso, está advertindo a todos os implicados no caso, respeito aos direitos constitucionais, em concordância com as recentes decisões do Tribunal Supremo de Estados Unidos. A sessão fica interrompida durante meia hora.

 

Perry Mason, Della Street, Paul Drake, Franklin Gage e Diana Douglas com os olhos ainda inchados e o semblante triste, estavam reunidos no local privado do restaurante de Giovani.

 

-           Como diabos conseguiu imaginar todo este enredo? perguntou Diana.

-           Somei dois e dois e descobri que ainda havia outros dois por somar, sorriu Mason. - A falta de dez mil dólares na caixa da Companhia Escobar indicava que podia se tratar da retirada de duas quantidades iguais de cinco mil dólares cada uma. Morto Edgar, não havia necessidade de explicar a primeira quantia. Denunciaria-se o jovem como culpado do desfalque. Não acredito, senhor Gage, que seu sobrinho se houvesse delatado jamais a não ser por sua presença na sala.

-           Para mim foi um golpe tremendo, confessou Franklin Gage. - Não tinha a menor idéia... nenhuma em absoluto do que acontecia ao meu redor.

-           Naturalmente, confirmou Mason, - Levando o assunto tal como o fiz, Ralph Gurlock Floid desejava terminar o quanto antes. Não desejava ser retratado na imprensa como acusador de uma pessoa inocente. Portanto, se prestou de bom grado a chegar a um pacto com seu sobrinho, para que este se confessasse voluntariamente de assassinato em segundo grau, e todo o mundo ficou feliz.

-           Sei que meu irmão não teve nada que ver com essa jovem, intercalou Diana, - Porque... bom, por tudo o que você disse, e pelo muito que eu conhecia, senhor Mason.

-           Porém não podia me fiar nisso, opôs o advogado. - Tinha que atuar muito depressa e não me atrevia a compartilhar sua fé em seu irmão, e sim na prova do casaco. Mason decidiu apresentar algumas outras explicações. - Homer Gage estava em uma situação que seguramente teria custado sua posição, seu prestígio social e um grande valor mensal como pensão alimentícia para sua esposa. Morai Cassel soube do assunto e decidiu se aproveitar, porém não estava completamente seguro de quem era seu homem. Sabia, claro, que se tratava de um dos chefes da Companhia Escobar, que a mulher do caso alardeava umas medidas físicas perfeitas, e que o sujeito se dirigia a ela com a senha: sessenta, noventa, sessenta E então, Cassel utilizou a mesma senha para fazer a sua vitima morder o anzol. E, continuou Mason sorrindo, - Diana quis concordar com esta descrição. A jovem se ruborizou intensamente.

-           Faço o que posso sem exagerar...

-           Então, prosseguiu Mason, - Homer Gage fez uma proposta para Edgar, e o rapaz ia tomar sobre si toda a responsabilidade. Devia se apresentar como o culpado da paternidade, declarar que carecia de fundos, fora os cinco mil dólares, que havia roubado da caixa da Companhia onde trabalha, e que estava desejoso de restituir a citada quantidade antes que houve uma auditoria de fundos. Dessa forma, provavelmente Morai Cassel teria se conformado com um só pagamento. Naturalmente, se Morai Cassel suspeitou em algum momento de que sua verdadeira vitima era um homem casado, continuaria exigindo mais dinheiro. E por isso Homer teve de eliminar Morai Cassel. Quando Edgar sofreu o acidente e não se falou dos cinco mil dólares que Homer havia dado ao rapaz, a única coisa que teve de fazer foi apanhar outra quantia igual, ir até Los Ângeles para conversar com o chantagista e saber com que tipo de pessoa tratava. Tentava, isso sim, realizar o pagamento e ver se podia se livrar com um só. E também estava disposto a matar, se fosse necessário. Levava consigo o casaco debaixo do braço, e temeu que se olhassem demasiado para ele, em um dia tão quente, o veriam com uma peça tão grossa, apesar de ter retirado as etiquetas, pois já havia planejado todos os detalhes. De modo que quando acabou de disparar, colocou simplesmente o casaco no armário do defunto e jogou no chão a pistola de Edgar.

-           Porém o que aconteceu com os cinco mil dólares que meu sobrinho entregou a Edgar Douglas? perguntou Franklin.

-           Diana os recuperou, explicou Mason, - Pensando que a chantagem se relacionava diretamente com seu irmão, e por isto veio a Los Ângeles pagar, porém seguindo meu conselho, depositou o dinheiro em um banco de San Francisco, em troca de um cheque à depositaria, que era a própria Diana. Franklin Gage pensou uns instantes e respondeu ao fim:

-           Acredito que nestas circunstâncias, o melhor que pode fazer, Diana, é endossar esse cheque em nome do senhor Mason, como pagamento de seus honorários. Houve um momento de silêncio, e Paul Drake tocou a sineta para chamar o garçom.

-           Bom, amigos, creio que chegou o momento de fazer outro brinde, propôs. Diana Douglas dirigiu um sorriso a Perry Mason.

-           Você já está com o cheque. E Franklin, exibindo uma caneta esferográfica no seu bolso adicionou:

-           E eu tenho a caneta.

 

                                                                                      Erle Stanley Gardner

 

 

                      

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