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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


UMA VEZ EM PARIS / Diana Palmer
UMA VEZ EM PARIS / Diana Palmer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

UMA VEZ EM PARIS

 

Uma mulher sofisticada, com cabelos grisalhos e trajando um tailleur vermelho, parou em frente à Mona Lisa, acompanhada por um homem moreno, bem mais alto do que ela. Sem cerimônia, proferiu um comentário sarcástico, em bom francês, fazendo seu acompanhante rir. Pareciam inclinados a continuar ali parados por mais algum tempo, mas havia uma longa fila de turistas atrás deles, esperando com impaciência para ver a obra-prima de Da Vinci, no Louvre.

Um dos visitantes apontou sua câmera fotográfica para a peça, protegida por diversas camadas de vidro à prova de balas, mas o segurança o interceptou antes que o flash fosse disparado.

De seu ponto de vista privilegiado, em um banco próximo, Brianne Martin considerava os visitantes tão interessantes quanto as obras de arte em si. Estava vestida com seu short e seu top preferidos, que realçavam o brilho incomum de seus olhos verdes. Com os cabelos dourados presos em uma trança e carregando uma mochila pendurada ao ombro, parecia exatamente o que era: uma estudante.

Estava com quase dezenove anos e era uma das melhores alunas da escola para garotas do distrito de Left Barik, à esquerda do rio Sena. Contudo, não se identificava muito bem com as outras estudantes, já que sua árvore genealógica não ostentava riqueza nem poder.

Sua origem era de classe média, e ela só estava tendo a oportunidade de levar uma vida mais suntuosa porque o segundo marido de sua mãe era Kurt Brauer, um magnata do petróleo. O milionário não gostava da enteada e, com a gravidez de Eve, sua esposa, quis ver Brianne ainda mais a distância. Por isso, o internato em Paris fora a opção escolhida para afastá-la.

O fato de sua mãe não haver protestado deixara Brianne muito magoada.

- Você vai gostar, querida - dissera ela, sorrindo para a filha com ar esperançoso. - E terá bastante dinheiro para gastar. Não será uma bela mudança? Seu pai nunca teve inclinação para melhorar de vida.

Aquele tipo de comentário piorava ainda mais a relação entre ambas. Elegante e com cabelos também dourados, Eve era linda mas egoísta. Estava sempre atrás de oportunidades, e aproximara-se de Brauer como um soldado em campanha, determinada a colocar seu plano em prática e conquistá-lo a qualquer custo.

Para espanto de Brianne, menos de cinco meses depois da morte de seu amado pai, sua mãe já estava casada e grávida. Então, de um humilde apartamento em Atlanta, elas haviam se mudado para um vilarejo em Nassau.

Kurt era rico, mas parecia impossível identificar a real origem de sua fortuna. Embora estivesse envolvido com exploração de petróleo, homens de aparência estranha e assustadora costumavam freqüentar seu escritório.

Além da mansão nas Bahamas, ele também possuía casas de praia em Barcelona e na Riviera, além de um iate para viajar de uma propriedade a outra.

Limusines com motoristas uniformizados e jantares de trezentos dólares faziam parte de sua rotina habitual. Eve parecia muito à vontade com tudo aquilo, vivendo em meio à riqueza pela primeira vez na vida.

Brianne, no entanto, sentia-se ultrajada. Por isso, não tardou para que Brauer a tomasse por um empecilho e a mandasse para o internato.

Soltando um suspiro, Brianne olhou a seu redor, voltando a admirar o interior do Louvre. Desde que chegara à "cidade luz", o museu se tornara seu local favorito. Adorava aquele lugar antigo, então reformado e modernizado. Gostava das exibições e ainda se julgava jovem o suficiente para não se importar em mascarar seu entusiasmo por lugares e experiências novos.

De fato, o que lhe faltava em histórico familiar lhe sobrava em espírito aventureiro.

De súbito, um homem lhe chamou a atenção. Estava observando uma das pinturas italianas, sem demonstrar muito entusiasmo. Na verdade, não parecia nem mesmo estar enxergando a tela diante dele. Os olhos negros encontravam-se fixos em um ponto. Sua expressão era a de uma pessoa consternada, como se estivesse sofrendo.

Mas havia algo de familiar nele. De algum modo, Brianne reconheceu aquele porte atlético e os ombros largos. Apesar de refinado, o traje que ele usava tinha um aspecto esportivo, com a calça marrom e a camisa branca realçadas por um blazer bege. Estava sem gravata, com o colarinho desabotoado ao pescoço.

Era possível ver um relógio dourado em seu pulso direito, o que, para Brianne, pareceu bastante incomum. Ao observar a mão esquerda do atraente desconhecido, notou que ele segurava um cigarro apagado, e deduziu que ele devia ser canhoto. Observou também que ele usava uma aliança de casamento.

Ao vê-lo se virar, admirou o brilho daqueles espessos cabelos negros, que combinavam com o rosto de traços fortes e com a pele bronzeada. Havia uma covinha bem no meio do queixo, atribuindo-lhe um charme especial. Sim, ele era fascinante.

Foi então que conseguiu se lembrar de onde o conhecia: vira-o na festa de casamento de sua mãe! Tratava-se do famoso arquiteto L. Pierce Hutton, dono da construtora e do grupo empresarial Hutton. Pelo que se lembrava, ele era o maior especialista do mundo na construção de plataformas marinhas para exploração de petróleo. Também era especialista em projetos arquitetônicos e participara da construção de alguns dos arranha-céus mais sofisticados do mundo.

Antes da festa, Brianne já tinha ouvido falar dele nos círculos estudantis. Pierce Hutton era um arquiteto famoso, admirado por muitos ecologistas e criticado por alguns industriais e políticos que não se importavam com a preservação do meio ambiente.

As mulheres presentes na festa de casamento haviam feito comentários mais pessoais. Na época, havia se passado apenas algumas semanas desde que a esposa dele morrera.

Mesmo três meses depois, segundo Brianne pôde notar naquele momento, a expressão dele continuava a mesma: triste e desolada.

Como que hipnotizada por aquela figura enigmática, Brianne se aproximou devagar. A atenção dele estava tão focada em um único ponto da tela, que sua aproximação foi ignorada.

- É uma obra muito famosa. Não gostou do trabalho do artista? - indagou, parando ao lado dele.

Parecia fascinante ficar ao lado de alguém tão alto e forte. Mesmo sendo alta, Brianne notou que era superada em doze ou quinze centímetros por ele. O olhar que recebeu em resposta foi tão frio quanto a voz que lhe foi dirigida.

- Je ne parle pas votre idiome:

- Não adianta dizer que não fala meu idioma, porque sei que não é verdade - retorquiu Brianne. Não creio que se lembre de mim, mas nos conhecemos na festa de casamento de minha mãe e Kurt Brauer, em Nassau.

- Minhas condolências à sua mãe - respondeu ele, já no idioma dela. - E então? O que deseja?

Os olhos verdes de Brianne perscrutaram o tom escuro dos dele.

- Eu só queria dizer que sinto muito por sua esposa - respondeu ela. - Durante a festa, ninguém falou nada a respeito do que aconteceu a ela. Acho que todos se sentiram receosos em fazê-lo. As pessoas costumam agir assim quando sabem da perda de alguém, não é mesmo? Tentam fingir que nada aconteceu, ou então ficam com um ar constrangido e murmuram algum comentário idiota e incompreensível. Foi assim quando meu pai morreu, enquanto eu queria apenas que alguém me abraçasse e me deixasse chorar... - Ela suspirou e sorriu de maneira tímida. - Mas acho que não são muitas pessoas que têm a sorte de serem compreendidas em um momento assim.

A expressão dele não se suavizou nem um pouco.

- O que está fazendo na França? Brauer está trabalhando nos arredores de Paris outra vez?

Brianne balançou a cabeça negativamente, antes de responder:

- Minha mãe está grávida. E como ambos me consideram um obstáculo em suas vidas, enviaram-me para estudar aqui.

- Nesse caso, por que não está na escola agora?

A careta que Brianne deu em resposta foi bastante espontânea.

 - Estou faltando à aula de aprimoramento doméstico - explicou. - Não me interessa aprender a costurar ou a fazer almofadas. Quero saber tudo sobre contabilidade e economia, só isso.

- Na sua idade? - Ele arqueou uma sobrancelha.

- Já estou com quase dezenove anos, e sou ótima em matemática. Sempre tiro "A" - acrescentou ela, sorrindo. - Pode apostar que algum dia irei procurá-lo para pedir um emprego. Quero escapar dessa prisão de luxo e ir para a universidade. Chega de cursos técnicos e preparatórios - desabafou.

Pierce chegou a sorrir, mesmo parecendo relutante em querer fazê-lo.

- Nesse caso, desejo-lhe boa sorte - disse a ela.

O olhar de Brianne se voltou para o local onde o quadro da Mona Lisa estava exposto. A fila estava tão longa quando antes, mas o burburinho das pessoas havia se tornado ainda mais ruidoso.

- Estive ouvindo a conversa dessas pessoas - afirmou ela. - Parece que todas esperam ver uma tela enorme. Por isso ficam decepcionadas quando chegam ao final da longa espera e vêem um quadro tão pequeno por trás de uma grossa camada de vidro.

- A vida é mesmo cheia de desapontamentos.

Ao ouvir aquilo, Brianne se virou e fitou-o nos olhos.

- Sinto muito sobre sua esposa, sr. Hutton. Muito mesmo. Dizem que estiveram casados por dez anos e que eram muito dedicados um ao outro. Deve estar sendo difícil viver sem ela.

De súbito, ele pareceu se fechar como uma planta sensível.

- Não costumo falar de meus assuntos pessoais dessa maneira.

- Sim, eu sei como é. Tudo o que precisa é de tempo, só isso. Mas não acho que deva ficar sozinho. Afinal, ela não gostaria de vê-lo assim se realmente o amava.

Pierce moveu o maxilar de maneira tensa, deixando claro que estava tendo de se controlar para não perder a paciência. .

- Qual é seu nome?

- Brianne Martin.

- Srta. Martin, quando ficar mais velha, acabará descobrindo que é melhor não ser tão direta ao falar com desconhecidos.

- Já sei disso. Estou sempre entrando em encrencas por agir assim - murmurou ela, com um ar sorridente. Após uma breve pausa, acrescentou: - Imagino que seja um homem de personalidade forte. Precisa ser, ou não teria conseguido tudo o que já alcançou com pouco mais de trinta anos de idade. Todos têm seus dias ruins. Mas por maior que pareça a escuridão, sempre há alguma luz... - Ao vê-lo abrir a boca com ar de protesto, levantou a mão para detê-lo e acrescentou: - Está bem, não direi mais nada.

- Nesse caso... - começou ele, sendo novamente interrompido em seguida. .

- Acha que esse cavalheiro está na proporção correta? - indagou Brianne, voltando-se para a tela diante deles, que mostrava um casal nu. - Parece-me que se trata de alguém um pouco... sexualmente desprivilegiado, considerando-se a altura dele. E a dama é um tanto exagerada. Bem, mas quem sou eu para criticar? - Ela sorriu. - O artista era considerado um especialista em gordinhas nuas. Ainda bem que já não se valoriza esses excessos hoje em dia. - Ela soltou um suspiro aliviado e tocou o próprio abdome. - Ou eu teria de usar enchimento nas roupas.

Sem notar o sorriso que se formou nos lábios dele, Brianne consultou o relógio e se interrompeu por um instante, arregalando os olhos antes de prosseguir:

- Oh, vou me atrasar para a aula de matemática! E essa eu não quero perder, de jeito nenhum. Até logo, sr. Hutton!

Movendo-se com graciosidade, virou-se depressa e se afastou, descendo a escadaria que levava à rua, sem nem mesmo olhar para trás. A trança loira balançava e batia em suas costas, seguindo o ritmo de seus passos rápidos.

Pierce não pôde deixar de sorrir outra vez. A garota impulsiva conseguira diverti-lo por alguns minutos. Seu sorriso se tornou irônico quando ele se lembrou de que algo a levara a pensar que a pintura não o agradara. Na verdade, não fora até ali para olhar as pinturas, mas para considerar a possibilidade de se jogar no rio Sena depois do anoitecer.

Margô havia partido e, por mais que ele tentasse, não conseguia imaginar como continuaria a viver sem ela. Não haveria futuro para ele se não pudesse mais ver o brilho daqueles olhos azuis, ouvir aquele riso agradável ou escutar aquela voz suave, com sotaque francês, censurando-o por trabalhar demais. Oh, Deus, nunca mais sentiria o corpo dela em contato com o seu, vibrando em êxtase na escuridão do quarto onde se amavam todas as noites.

Lágrimas lhe vieram aos olhos, fazendo-o levar a mão ao rosto para enxugá-las com discrição. Era como se houvesse um vazio infinito em seu peito. Ninguém ousara se aproximar dele desde o funeral. De fato, ele proibira até que o nome dela fosse pronunciado em sua silenciosa mansão, em Nassau.

No escritório, passara a trabalhar de maneira quase ininterrupta, como se pudesse encontrar no trabalho o alento para amenizar sua dor. Às vezes chegava a ser rude, mas todos o compreendiam. Sabiam que ele havia se tornado um homem solitário, e que não tinha filhos nem família para consolá-lo. Uma das maiores causas de sua dor era a lembrança de que Margô se tornara estéril depois de sofrer um aborto acidental em sua primeira gravidez.

Quando haviam se recuperado do choque, decidiram que aquilo não deveria ser um empecilho para a felicidade deles. Dali em diante, seriam tudo um para o outro. Se pudessem ter tido filhos, teria sido maravilhoso, mas se isso não fora possível, melhor seria se conformar com a realidade. Afinal, amavam-se acima de tudo.

Haviam aproveitado a vida ao máximo, sempre juntos e apaixonados, desde o primeiro encontro até o amargo fim.. Por isso, ele acompanhara cada passo do processo de evolução da doença que a consumira.

Mesmo definhando, os pensamentos de Margô eram sempre voltados para seu bem-estar. Todos os dias ela costumava questioná-lo a respeito da alimentação e do sono, como se ela mesma estivesse saudável. Preocupava-se inclusive com o futuro, quando não mais pudesse cuidar dele.

- Você nunca usa casaco quando neva - reclamara certo dia, já falando com dificuldade. - Nem leva guarda-chuva quando o tempo está nublado. Jamais trocou as meias por estarem molhadas. Isso me preocupa tanto, mon cher. Precisa cuidar de si mesmo, tu comprends?

Ao ouvir aquilo, Pierce prometera que o faria. Ao se ver sozinho, porém, chorara de desespero, sentindo-se impotente diante da força daquela maldita doença.

- Oh, Deus - murmurou Pierce, ao se lembrar daquele momento doloroso.

Um casal de turistas o fitou com ar surpreso, levando-o a se lembrar de que estava em pleno Museu do Louvre. Abaixando o rosto, caminhou rumo à porta, descendo a escadaria e se submetendo ao abafado calor parisiense.

O som rotineiro do tráfego intenso restabeleceu seu senso de normalidade. O ruído e a poluição no centro de Paris tornava aquele povo mal-humorado ainda mais irritadiço. Para ele, contudo, aquilo mais parecia um alento. Colocando a mão no bolso, retirou o isqueiro e o fitou por um segundo, antes de acender um cigarro.

Tratava-se de uma peça de ouro, com suas iniciais gravadas com letras ornamentais. Sempre carregava aquela lembrança consigo. Desistindo de tentar fazê-lo parar de fumar, Margô lhe dera o isqueiro no décimo aniversário de casamento, como um símbolo de perfeita paz. Ao deslizar o polegar sobre as letras ali gravadas, Pierce sentiu um aperto no peito.

De súbito, voltou a guardar o artefato no bolso e jogou o cigarro em uma lata de lixo. Então olhou ao redor, observando o amontoado de pessoas entrando e saindo do museu. Todos pareciam estar se divertindo.

Turistas, estudantes, curiosos, admiradores, ninguém saía dali sem sorrir. Exceto ele próprio. Sua dor o impedia até mesmo de se sentir feliz pelos outros, algo que sempre lhe acontecia no passado.

Seu pensamento então se voltou para Brianne e para as palavras que ouvira dela. Parecia estranho que uma garota desconhecida surgisse do nada e lhe desse uma lição de vida a respeito de como se recuperar pela perda de sua esposa.Lembrou-se então de que Brauer se casara com a mãe dela e de que a engravidara. Brianne mencionara a dolorosa perda do pai e o casamento quase imediato de sua mãe. Pelo visto, ela também entendia de mágoas. Lembrando-se da expressão dela, ao dizer que fora mandada embora para deixar de ser um empecilho, foi impossível não soltar um suspiro desanimado.

Todos pareciam ter problemas de algum tipo. Assim era a vida.

Fitando seu Rolex dourado por um instante, balançou a cabeça negativamente. Deveria estar em uma reunião com alguns ministros dali a trinta minutos. Considerando o tráfego intenso daquele horário, chegaria com mais de meia hora de atraso. Com um gesto, sinalizou para um táxi e se encaminhou para ele, conformado com o fato de que perderia o começo da reunião.

 

Brianne entrou de maneira furtiva no edifício, tentando chegar à aula de matemática sem chamar muita atenção. Contudo, a maquiavélica Emily Jarvis flagrou-a se esgueirando pela porta traseira da classe e logo começou a cochichar com as amigas.

Emily era uma das inimigas que Brianne conseguira fazer no pouco tempo em que estava ali. Por sorte, faltava apenas um mês para o fim do curso de aprimoramento social, que seu padrasto lhe impusera. Então ela seria mandada para outro lugar qualquer. De preferência para a universidade. Contudo, ainda teria de suportar o esnobismo de Emily e de suas amigas por mais algumas semanas.

Abrindo o livro de matemática, acompanhou com satisfação a aula de álgebra. Para ela, aquela era a disciplina mais interessante que lecionavam por ali. Sempre achara mais fácil lidar com equações do que com bordados delicados.

Ao saírem da sala, Emily parou no saguão, ladeada por duas acompanhantes. Tratava-se de uma jovem de origem aristocrática, pertencente à família real britânica, e capaz de traçar sua árvore genealógica até um parentesco direto com a casa dos Tudor. A jovem inglesa tinha cabelos muito loiros, sempre arrumados em um penteado sofisticado, e nunca era vista com trajes que não fossem exclusividade das mais caras butiques parisienses.

Mas isso não a tornava menos desagradável nem menos má do que era. Na verdade, Brianne a considerava a pessoa mais fria que ela já conhecera em toda sua vida.

- Você faltou à aula para passear. Outra vez. Mas já contei o ocorrido à srta. Dubonne - disse Emily, com um sorriso falso, de aspecto venenoso.

- Oh, está tudo bem, minha cara - respondeu Brianne, com uma expressão equivalente à da moça. - Contei à diretora sobre o que você e o dr. Mordeau estavam fazendo atrás do biombo chinês na sala de arte, na terça-feira após a aula. Muitas pessoas os viram lá, sabia?

Surpresa, a jovem ficou sem palavras. Aproveitando o momento, Brianne acenou e sorriu com falsa candura, ao se afastar rumo ao refeitório. Era comum que algumas pessoas associassem sua aparência e seu gênio dócil com estupidez ou fragilidade. Lamentava ter de usar sua inteligência para contra-atacar, mas nunca lhe davam outra opção.

De qualquer maneira, a denúncia que fizera à diretora fora mais do que verídica. Já havia algum tempo que a falta de discrição de Emily e do doutor andava incomodando as alunas do internato. De vez em quando, qualquer um que entrasse no estúdio podia ouvir o que acontecia, mesmo que as silhuetas deles não estivessem tão visíveis através do biombo semitransparente.

Naquela mesma tarde, o professor de arte foi despedido e esvaziou seu gabinete. Emily não apareceu na sala de aula na manhã seguinte. Uma das alunas disse tê-la visto partir logo depois do desjejum, com bagagem e tudo, em uma limusine com a bandeira inglesa.

Depois disso, a escola deixou de ser um incômodo para Brianne, já que as amigas de Emily se tornaram inócuas na ausência da líder. Estreitou ainda mais sua amizade com uma moça de cabelos avermelhados, chamada Cara Harvey, que, embora tivesse um ano a menos do que ela, também gostava de visitar museus e galerias de arte. Juntas, elas conheceram os principais lugares de Paris.

Mesmo não admitindo isso de maneira consciente, durante todos aqueles passeios Brianne alimentara o desejo de reencontrar Pierce em algum lugar da cidade.

Ficara muito impressionada com o arquiteto. Não apenas por ele ser alto, forte e atraente, mas também por seu charme e seu ar misterioso. De fato, jamais se sentira tão atraída por alguém.

Tinha a tendência de ser solidária com a situação de outras pessoas, mas com Pierce isso fora mais forte do que nunca. Era como se pudesse compartilhar da dor que o afligia só de vê-lo franzir o cenho, fitando-a com aquele olhar triste.

Brianne ficou surpresa com o que estava sentindo, mas não questionou o fato. Não a princípio.

Ao final da tarde do dia em que completou dezenove anos, Brianne foi sozinha até o Louvre. Queria olhar a pintura que Pierce estivera observando naquele dia.

Exceto por um cartão que recebera de Cara, seu aniversário passara despercebido por todos. Sua mãe também ignorou a data, como de costume. Seu pai teria enviado rosas ou algum presente, mas não estava mais vivo para fazê-lo. De fato: ela não se lembrava de haver passado por aquela data de uma maneira tão solitária, desde que nascera.

Até mesmo o Louvre falhou na tarefa de melhorar seu humor. Por um instante, sentiu-se tola por haver colocado um de seus trajes prediletos. A saia bege tinha detalhes no mesmo tom verde-água de sua blusa de seda, realçando a cor esmeralda de seus olhos. Escovara os longos cabelos, que chegavam até sua cintura, deixando-os soltos sobre as costas e os ombros em sedosas mechas douradas. Chegara até a pensar em cortá-los, mas desistira da idéia. De fato, estava até aliviada por não tê-lo feito. Gostava da aparência muito feminina que os longos cabelos lhe proporcionavam.

Ao notar que estava escurecendo, deu-se conta de que logo teria de voltar para a escola. Então decidiu pegar um táxi. Embora não tivesse medo de caminhar à noite em Paris, sentiu-se merecedora daquele conforto. Porém, quando olhou rua abaixo, um pub lhe chamou a atenção. Estava com sede e talvez servissem alguma bebida não-alcoólica naquele lugar.

Ao entrar, descobriu que o lugar era bastante exótico e que tinha uma aparência luxuosa. Não acreditando que se tratasse do ambiente adequado para alguém de sua idade, deu meia-volta e decidiu sair. Contudo, uma mão firme pousou sobre seu braço, como que saída do nada, impedindo-a de prosseguir.

Surpresa, deparou-se com um estonteante par de olhos negros, perdendo o fôlego ao reconhecê-los.

- Está passeando? - perguntou Pierce. - Por acaso já tem idade para beber?

A voz dele lhe pareceu tão profunda quanto da outra vez em que o vira, mas seu sotaque estava estranho. Uma mecha daqueles fartos cabelos negros lhe caíra à testa, deixando-o com um ar rebelde.

- Estou fazendo dezenove anos hoje - respondeu Brianne.

- Ótimo. Assim poderá ser minha motorista honorária. Vamos.

- Mas não tenho carro! - protestou ela.

- Já que tocou no assunto, também estou a pé. Bem, então não precisamos de motoristas honorários.

Sem saber muito bem como reagir, Brianne se deixou conduzir até uma mesa reservada, a um canto do pub. Uma garrafa de uísque de marca famosa, apenas com metade de seu conteúdo, encontrava-se aberta sobre a mesa. Pelo visto, fazia algum tempo que Pierce estava ali.

O ambiente estava tão enfumaçado que Brianne sentiu um ardor dos olhos e fez uma careta ao sentir o forte odor daquela névoa esbranquiçada.

- Pelo jeito, você odeia fumaça de charuto e de cigarro - afirmou Pierce, olhando para o maço que ele deixara fechado sobre a mesa, já que o pedira mas não tivera coragem de abri-lo.

- Em ambientes abertos isso não me incomoda. Mas, nesse lugar fechado, a fumaça não me faz muito bem. Tive pneumonia no último inverno e meus pulmões ainda estão sensíveis. Acho que ainda não estou em plena forma.

- Nem eu - murmurou ele, em tom grave. - Na verdade, nem me aproximei de voltar ao normal. Você não disse que eu melhoraria com o tempo? Pois se enganou completamente, minha cara. Não melhorei nada e o vazio no meu peito parece aumentar mais a  cada dia. - Com uma careta de desgosto, passou a mão pelo rosto, antes de se debruçar sobre a mesa. - Nem imagina como sinto falta dela.

Estavam sentados em um acento inteiriço, ocupando uma das mesas situadas de uma maneira estrategicamente reservada. Apenas as pessoas do balcão, cuja maioria se encontrava de costas para eles, podiam vê-los ali. Brianne se aproximou um pouco mais e passou um braço sobre os ombros dele e o outro diante de seu peito, abraçando-o com carinho.

Não houve muito tempo para ela pensar no que estava acontecendo, porque, no instante seguinte, foi envolvida por aqueles braços fortes. Então o rosto de Pierce se acomodou na curva sensível de seu pescoço, logo abaixo de sua orelha, enquanto as mãos firmes se contraíam sobre suas espáduas.

Brianne notou que ele estava trêmulo, e surpreendeu-se quando a umidade em seu ombro denotou lágrimas de mágoa e de perda. Jamais imaginara que algum dia se veria naquela situação, mas embalou-o devagar, murmurando palavras de esperança. Sentiu que precisava convencê-lo de que tudo acabaria bem e de que aquela dor logo diminuiria.

Quando notou que Pierce estava mais tranqüilo, começou a sentir-se desconfortável e embaraçada. Ao fazer um discreto ruído com a garganta, viu-o levantar a cabeça e fitá-la com os olhos marejados de lágrimas.

- Está surpresa? Isso porque é americana. No seu país os homens não podem chorar. São obrigados a esconder as emoções por trás de uma fachada de invulnerabilidade que só serve para deixá-los doentes e matá-los de ataque cardíaco - desabafou Pierce, soltando uma risada irônica enquanto se endireitava e enxugava as lágrimas. - Bem, mas eu sou grego. Pelo menos na descendência, já que meu pai era grego. Minha mãe era francesa, e uma de minhas avós, argentina. Tenho um temperamento bastante latino e não me incomodo em demonstrar o que sinto: rio quando estou feliz e choro quando fico triste.

Brianne abriu sua pequena bolsa e pegou um lenço com o qual enxugou o rosto dele.

 - Assim como eu - confessou ela, enquanto tocava o lenço no rosto dele, com delicadeza. - Gosto dos seus olhos. São muito escuros, quase negros.

- Sim, como os de meu pai e de meu avô. - acrescentou, pensativo. - Ele também era grego e tinha navios petroleiros. Mas vendi tudo para comprar escavadeiras e guindastes.

Brianne sorriu.

- Não gosta de petroleiros?

- O que não admito são vazamentos de petróleo. Então construo plataformas de exploração para ter certeza de que são bem-feitas e de que não poluirão o mar.

- Entendo.

Pierce sorveu um generoso gole do drinque e ofereceu , o copo a ela.

- Experimente. É um excelente uísque escocês, importado de Edimburgo, e está bem diluído em soda.

- Nunca tomei nenhuma bebida forte - confessou ela, hesitante.

- Sempre há uma primeira vez para tudo.

Brianne respirou fundo.

- Está bem. Saúde! - brindou, provando um gole do líquido e arregalando os olhos com uma careta. - Meu Deus, acho que acabei de beber combustível de foguete!

- Mas que sacrilégio! - protestou Pierce, com um brilho de divertimento no olhar. - Menina, essa é a bebida mais cara deste lugar!

- Ei, não sou mais uma menina. Estou com dezenove anos! E sabe de uma coisa? Isso não é tão ruim assim. Depois que a garganta esfria, claro.

Bebeu mais um pouco, mas Pierce lhe tirou o copo da mão logo em seguida.

- Pode ir parando por aí. Não pretendo ser acusado de seduzir uma menor de idade.

As sobrancelhas de Brianne se arquearam de imediato.

- Oh, faria isso por mim, por favor? - indagou ela, com um ar maroto e um tom de ironia. - Sabe, ainda não tive minha "grande noite" e tenho curiosidade de saber o que leva as mulheres a se despirem para os homens. Olhar as estátuas do Louvre não é o melhor meio de se aprender sobre educação sexual. Aliás, cá entre nós, minha mentora escolar ainda acha que os bebês são trazidos por grandes cegonhas.

- Você é um bocado atrevida - observou Pierce, surpreso.

- Espero ser mesmo. Venho me esforçando muito para me aperfeiçoar nisso. E então? Sente-se melhor?

Ele deu de ombros.

- Acho que sim. Não estou bêbado como desejava, mas sinto-me bastante entorpecido.

Brianne colocou a mão sobre a dele. Era quente e forte como imaginara antes, quando o vira pela primeira vez. Havia pêlos macios e encaracolados nas costas de seus dedos bronzeados. Suas unhas eram bem aparadas e cuidadas, completando a aparência de perfeição que o envolvia.

Ouviu-o soltar um longo suspiro e só então percebeu que sua própria mão havia ganhado a atenção dele.

- Vejo que não costuma pintar as unhas - constatou Pierce. - Nem as dos pés? - acrescentou, surpreso.

- Não. Acho que não preciso me preocupar com isso. Estou sempre andando descalça e mexendo com materiais estranhos nas aulas de arte. Seria muita perda de tempo.

Pierce segurou a mão dela.

- Obrigado, Brianne.

A maneira como aquilo foi dito deixou claro que não estava sendo fácil ele admitir que precisara de alguém para ajudá-lo. Com um sorriso compreensivo, Brianne respondeu:

- Há momentos em que tudo o que precisamos é de um ombro amigo. Sei que é um homem forte e que vai superar esta fase difícil.

- Talvez.

- Com certeza - garantiu ela, com firmeza. Não acha que já é hora de ir para casa? - Então olhou ao redor. - Há uma loira de cabelos longos sentada diante do balcão que parece bastante interessada em olhar para cá. E pela expressão no rosto dela, deve estar planejando levá-lo para casa, fazer amor com você e então roubar sua carteira.

Pierce se inclinou para a frente.

- Acho que eu não conseguiria fazer amor com ninguém esta noite. Estou atordoado por causa da bebida.

- Aposto que a "moça" ali não se importaria com esse detalhe.

O sorriso de Pierce surgiu de maneira natural.

- Você se importaria? - insinuou ele. - Se quiser, pode vir comigo para tentarmos...

- Oh, não com você bêbado desse jeito - Brianne o interrompeu. - Minha primeira vez terá de ser como uma noite de Ano-Novo, com muitos fogos de artifício, só que durando pelo menos cem vezes mais. Como posso esperar algo assim de alguém que bebeu meia garrafa de uísque?

Pierce inclinou a cabeça para trás, com uma gargalhada. O riso foi intenso, espontâneo e agradável. Pelo visto, ele era alguém que se entregava de corpo e alma às emoções.

- De qualquer modo, leve-me para casa - pediu Pierce, quando parou de rir. - Acho que estarei mais seguro com você. - Colocou então algumas notas sobre a mesa e hesitou. - Também não poderá me seduzir, certo?

Brianne levou a mão ao peito e fez uma expressão satírica de falsa inocência.

- Pode deixar. Prometo que não abusarei de você.

- Então está bem - murmurou ele, cambaleando um instante ao ficar de pé. Apoiando-se no ombro dela, franziu o cenho. - Puxa, nem me lembro de que maneira cheguei aqui. Pensando bem, acho que abandonei uma reunião onde estava negociando a construção de um novo hotel.

- Calma. Com sorte, todos estarão esperando sua volta - respondeu Brianne, sorrindo. - Mas agora é hora de levantar âncora, meu caro. Vamos procurar um táxi.

 

Pierce morava em um dos hotéis mais novos e caros de Paris. Ele entregou a chave do apartamento para Brianne no momento em que passavam pelo porteiro, que a fitou com ar de suspeita.

O recepcionista teve a mesma reação, ao se aproximar deles no saguão dos elevadores.

- Algum problema, sr. Hutton? - indagou o homem, de maneira direta.

- Sim, Henri, estou bêbado demais - respondeu Pierce, em um tom hesitante, puxando Brianne mais para junto de si. - Já conhecia Brianne? Ela é filha de um dos meus parceiros comerciais e está em Paris fazendo um curso. Encontrou-me embriagado no Chez Georges e me trouxe para casa. Ela me salvou de uma mulher que estava de olho na minha carteira.

- Ah - anuiu Henri, sorrindo com um ar compreensivo. - Acha que precisará de ajuda, mademoiselle?

- Confesso que o estou achando bastante pesado, mas acho que posso agüentar - respondeu Brianne. - Porém, ficaria mais tranqüila se o senhor pudesse dar uma olhada nele mais tarde, para saber se está tudo bem - sugeriu, com sincera preocupação.

Diante do pedido, os poucos sinais de desconfiança no rosto do recepcionista desapareceram por completo.

- Será um prazer - respondeu ele.

- Merci beaucoup - Brianne agradeceu com um sorriso tímido, treinando um pouco de seu francês. - Oh, mas não responda de maneira muito complicada, por favor. Ainda não terminei meu curso de francês, embora esteja prestes a me despedir da sra. Dubone, minha instrutora.

- Então está estudando na La Belle Ecole? - deduziu Henri, que já tinha ouvido falar da sra. Dubone. - Minha prima também estuda lá.

A garota, cujo nome o homem mencionou com um sorriso esperançoso, era alguém com quem Brianne jamais conversara, mas a quem costumava cumprimentar nas aulas que assistiam juntas.

- Sim, eu sei quem é - disse a ele. - Ela tem cabelos negros e está sempre com alguma blusa de lã, mesmo quando o clima está quente - explicou, com um riso espontâneo.

- Oui. A menina está sempre com frio - concordou o recepcionista, também sorrindo. - Mas deixe-me ajudá-la, mademoiselle.

O apoio foi bem-vindo. Brianne reconheceu que seria difícil conduzir Pierce sozinha até o elevador, que havia acabado de chegar. Seu único ocupante era o ascensorista, que recebeu o aviso de Henri para ajudar Brianne, quando chegassem à cobertura do hotel.

- Fique tranqüila - disse o recepcionista, antes de a porta se fechar. - Cuidaremos bem do sr. Hutton.

- Então não me preocuparei, obrigada - ela agradeceu, com um sorriso gentil.

O elevador chegou em pouco tempo à cobertura. O ascensorista ajudou-a a chegar à porta do apartamento, que Brianne abriu com a chave que recebera anteriormente de Pierce.

Os dois o conduziram até o amplo dormitório, onde havia uma espaçosa cama em estilo colonial, com quatro pilares de madeira nos cantos, que se estendiam quase até o teto. Deitaram Pierce com cuidado e o viram abrir os olhos quando seu corpo se acomodou sob os lençóis.

- Sinto-me estranho - murmurou ele, fitando-os como se não os estivesse reconhecendo.

- Não duvido - falou Brianne, antes de agradecer ao ascensorista, que partiu em seguida, despedindo-se com um breve sorriso.

Pierce observou o rosto enrubescido de Brianne.

- Acha que pode me ajudar a tirar a roupa? perguntou a ela, sem a menor cerimônia.

Sentindo o rosto esquentar ainda mais, Brianne hesitou. Nunca tinha visto um homem nu antes, exceto em revistas. Claro que pessoalmente seria bem mais embaraçoso.

- Bem... - hesitou.

- Há sempre uma primeira vez para tudo, lembra?

Ainda indecisa, Brianne soltou um breve suspiro.

Viu-se obrigada a admitir que, naquele estado, Pierce não seria mesmo capaz de se despir. De fato, ele estava tão embriagado que pela manhã talvez nem se lembrasse de como havia chegado em casa.

Pensando nisso, tirou-lhe os sapatos e em seguida as meias. Não pôde deixar de notar que ele tinha belos pés. Sorrindo, deu a volta na cama e o ajudou a se sentar, tirando-lhe o paletó e desabotoando-lhe a camisa. Então sentiu o delicioso perfume da colônia masculina que ele estava usando.

O fino tecido da camisa, então entreaberta, ocultava parcialmente o peito másculo e bronzeado, coberto por macios pêlos negros. Quando Brianne os tocou, por mero acaso, sentiu um leve calor avançar por seus dedos. Porém, surpreendeu-se quando ele aumentou de intensidade, espalhando-se por seu corpo.

- Margô era virgem - disse Pierce, sem que ela esperasse. - Tive de ser paciente para convencê-la a se despir quando fizemos amor pela primeira vez. Mesmo estando apaixonada por mim, ela me rejeitou a princípio porque a machuquei um pouco. Não creio que haja muitas mulheres que se casem virgens hoje em dia. Eu e minha esposa poderíamos ser chamados de "antiquados", embora eu sempre tenha preferido o termo "tradicionalistas". Não fizemos amor antes de nos casarmos, sabia?

- Poderia mover o braço, por favor? - pediu Brianne, sem querer ouvi-lo contar sobre a vida íntima que tivera com a esposa.

Contudo, não teve muita escolha, já que Pierce parecia havê-la escolhido como confidente. Ao acabar de despi-lo da cintura para cima, Brianne precisou conter o ímpeto de admirá-lo de uma maneira mais detalhada.

Aqueles músculos bem dimensionados e rijos pareciam um convite ao toque de seus dedos. A pele bronzeada lhe dava um aspecto ainda mais másculo, e os ombros largos deviam causar muitos suspiros femininos por onde ele passava. Definitivamente; aquela não era a aparência de alguém que passava o dia inteiro atrás de uma mesa de escritório.

- Você tem apenas dezenove anos - continuou ele, estendendo o braço até tocar o rosto dela. - Se fosse mais velha, acho que poderíamos fazer amor. É muito bonita e sensual. Seus cabelos me excitam de uma maneira que não sei explicar. São tão longos e macios... - murmurou, acariciando-os com os dedos.

- O seu também é muito bonito - respondeu Brianne, sem conseguir pensar em outra coisa para dizer. - Bem, acho melhor você continuar sozinho a partir daqui.

Ela hesitou, com as mãos a poucos centímetros da fivela do cinto dele.

- Pode continuar - murmurou Pierce, tocando as mãos dela e conduzindo-as até a fivela.

Com hesitação, Brianne soltou o cinto e abriu o zíper da calça. Seguindo as instruções de Pierce, pousou as mãos naquela cintura bem definida e o viu arquear as costas para auxiliá-la.

- Puxe - falou ele, com a voz meio engrolada, devido ao efeito do álcool.

Inúmeros pensamentos inundaram a mente de Brianne no momento em que ela despiu aquele corpo forte e atlético. Ao contrário dos homens retratados nas estranhas obras que ela vira no Louvre, Pierce possuía um corpo admirável. Másculo em todos os sentidos e, por isso mesmo, perigosamente excitante.

Uma linha de pêlos macios descia pelo abdome reto, até se misturar à parte mais íntima daquele corpo que mais parecia uma escultura grega. Levada pela curiosidade da inocência, Brianne não conseguiu desviar a vista daquele verdadeiro monumento.

Pierce deu graças por estar embriagado o suficiente para não se excitar demais diante do olhar dela. Se estivesse sóbrio, Brianne estaria correndo o risco de perder a virgindade naquele mesmo instante.

Pelo modo como ela o olhou, ele teve a impressão de que Brianne o considerava intimidador mesmo naquela situação quase inofensiva. Seus lábios se curvaram em um sorriso quando ele imaginou a expressão que ela demonstraria se o visse completamente excitado.

No entanto, isso nunca aconteceria. Afinal, Margô estava morta e ele próprio também, de uma certa forma. O brilho que surgira em seu olhar desapareceu de repente. Margô fora a única mulher que ele amara, e não havia espaço em seu coração para nenhuma outra. Ciente disso, acomodou-se melhor e afundou a cabeça no travesseiro, com um suspiro. Então fechou os olhos.

- Por que as pessoas têm de morrer? - perguntou como que para si mesmo, tornando-se triste de repente.  - Por que não se vive para sempre?

Ao ouvir a voz dele, Brianne pestanejou, despertando do devaneio. Então terminou de despi-lo, tratando logo de cobri-lo com o lençol, para evitar novos embaraços.

- Eu também gostaria de saber - foi o que ela respondeu.

Sentou-se ao lado dele na cama. Em um gesto espontâneo, tocou a mão que Pierce deixara sobre o peito.

- Tente dormir um pouco - sugeriu, com voz gentil. - Será bom para você.

Ele abriu os olhos, mas era como se não a estivesse vendo.

- Ela tinha apenas trinta anos - falou em um tom amargurado. - Era jovem demais para morrer.

- Eu sei - anuiu Brianne, com um ar consolador.

Pierce segurou a mão dela, acariciando-lhe a palma ao dizer:

- Parece que cavalheiros salvando donzelas se tornou coisa do passado. Sim, porque acabei de ser salvo por uma linda donzela, e sem armadura. Ou será que tem alguma escondida por aí? - gracejou ele, forçando um sorriso.

- Claro que tenho - respondeu Brianne no mesmo tom bem-humorado. - Está guardada no meu bolso, quer ver?

Pierce manteve o sorriso.

- Você é mesmo especial - disse a ela. – Parece uma feiticeira com o poder de fazer o sol surgir em meio a nuvens escuras. - Ele a observou com mais atenção. - Mas não sirvo para lhe fazer companhia, Brianne. Eu seria uma má influência para você. É muito jovem e tem uma bela vida pela frente. Não merece ter alguém triste como eu por perto.

- Pierce, você tomou apenas um pouco a mais de uísque do que deveria. O que há de mal nisso?

- Fiquei embriagado o suficiente para não conseguir nem me despir sozinho - salientou ele, parecendo embaraçado. - Sinto muito por isso. Se eu estivesse mais sóbrio, não a teria feito passar por esse embaraço.

- Oh, não se preocupe com isso. Já vi muitas pinturas de nus no Louvre - afirmou Brianne, tentando parecer natural. Depois de limpar a garganta, ela acrescentou: - Agora vejo que estava certa quanto àquele... desprivilegiado.

Pierce riu, divertindo-se com a espontaneidade de Brianne. Notando que havia sido indiscreta, ela afastou a mão da dele e ficou de pé.

- Quer que eu lhe traga alguma coisa antes de ir embora? - perguntou de repente, na falta de algo melhor para dizer.

Ele balançou a cabeça negativamente. Então o movimento o fez se dar conta de que uma incômoda dor de cabeça estava começando a ameaçá-lo.

- Estou bem assim, obrigado. E melhor voltar para a escola. Não terá problemas por haver perdido uma aula?

Brianne sorriu.

- Não, . não terei. Minhas aulas terminarão no próximo mês, mas minhas notas já estão garantidas.

- E depois? - questionou Pierce. - Para onde pretende ir?

Brianne pareceu confusa por um momento, mas logo voltou a sorrir.

- Oh, acho que vou voltar para Nassau e passar o verão por lá. Mas no outono irei para a universidade, ainda que eu mesma tenha de pagar por ela já estou com um ano de atraso nos estudos e não posso esperar mais.

- Pagarei a universidade para você, se seus pais não quiserem pagar - declarou Pierce, surpreendendo-a. - Quando conseguir se formar e estiver trabalhando poderá me devolver o dinheiro aos poucos.

Brianne arregalou os olhos.

- Faria isso por uma completa estranha?

Ele franziu o cenho.

- Completa estranha? - repetiu. - Mesmo depois de ter me visto nu?

Brianne sentiu o rosto esquentar e não respondeu.

- Isso foi uma conquista, minha cara - brincou Pierce. - Até agora, Margô havia sido a única mulher a me ver assim.

Uma latejada mais forte na cabeça o fez fechar os olhos por um instante, com um expressão de dor.

Brianne tocou a testa dele, tentando confortá-lo.

- Eu a invejo - confessou ela, em um fio de voz. - Deve ter sido muito importante para sua esposa ser amada com tanta intensidade.

- O sentimento era mútuo - afirmou Pierce, voltando a olhá-la.

- Sim, eu imagino que sim. - Brianne afastou a mão, com um breve suspiro. - Lamento não poder amenizar sua dor.

- Não tem idéia de quanto me ajudou - respondeu ele, com sinceridade. - No dia em que nos encontramos, no Louvre, eu estava pensando em uma maneira de me juntar a ela, sabia?

Brianne balançou a cabeça negativamente.

- Percebi apenas que você parecia muito solitário e angustiado.

- E estava mesmo - ele admitiu. - Mas você amenizou minha dor. Hoje, quando ela voltou a me afetar, lá estava você de novo para me consolar. Fitando-a nos olhos, continuou: - Nunca vou esquecer que você me fez pensar duas vezes antes de cometer uma besteira. Sempre que precisar, pode contar comigo, Brianne. Tenho uma casa de praia em Nassau, não muito longe da de Brauer. Quando a situação ficar difícil com seus pais, pode ir me visitar e passar algum tempo por lá, se quiser.

- Oh, obrigada, Pierce. Será bom ter um amigo em Nassau - afirmou ela, com um sorriso.

Ele estreitou o olhar.

- Para ser sincero, não tenho nenhum amigo ou amiga. Ou melhor, não tinha. - Sorriu. - Você é uma amiga bastante interessante para um homem da minha idade.

Brianne também sorriu.

- Ora, até parece um velho falando! De qualquer maneira, acho que formamos uma dupla e tanto.

- Tem razão - anuiu Pierce.

Tomando a mão dela novamente, ele beijou-lhe a palma com delicadeza. Brianne sentiu um arrepio pelo corpo quando os lábios firmes tocaram sua pele sensível.

- Quero voltar a vê-la, Brianne - murmurou ele.

- Está bem. - Ela ficou de pé, sem deixar de olha-lo. - Precisa levantar a cabeça e olhar para o futuro, Pierce. Algum dia, já não será tão doloroso lembrar do passado. Deve haver uma porção de coisas que você ainda não fez, mas que tem vontade de fazer. Projetos que não criou ou que precisam ser terminados...

Ele se tornou pensativo.

- Passei dois anos cuidando de Margô, enquanto o câncer a consumia aos poucos. Sinto que uma parte de mim se foi com ela, e não está sendo fácil reaprender a viver sozinho. Eu me acostumei a cuidar dela, e agora não tenho mais ninguém com quem me preocupar.

- Ei, não olhe desse jeito para mim - protestou Brianne. - Sou muito independente.

Pierce riu.

- Você é um milagre - confessou. - Talvez existam mesmo anjos da guarda e você seja o meu. Mas se for assim, o sentimento será recíproco, pode acreditar. Se quiser mesmo ir para a universidade, irei ajudá-la. Tenho contatos até mesmo em Oxford.

Um brilho de divertimento surgiu nos olhos de Brianne.

- Você não se parece nem um pouco com uma fada-madrinha.

- Nunca ouviu falar que as aparências enganam? Quando a vi pela primeira vez, também não imaginei que me faria voltar a rir.

Os lábios dela se curvaram em um sorriso.

- Fico contente por haver conseguido fazer isso. - Brianne seguiu em frente, mas parou à porta do quarto e voltou a olhá-lo. - Tem certeza de que ficará bem? Quero dizer, não vai pensar em cometer nenhuma loucura, vai?

Pierce apoiou-se sobre o cotovelo.

- Não, não vou - respondeu, com um ar solene. - Não se preocupe.

Brianne fez menção de sair, mas hesitou mais uma vez.

- Cuide-se, está bem?

- Você também - respondeu Pierce. Ao notar que ela ainda estava hesitante, ele acrescentou: - Sei que não quer ir embora, mas é preciso, Brianne.

Ela o fitou com um ar de curiosidade.

- O que está querendo dizer com isso?

- Bem, nós nos conhecemos de uma maneira bastante incomum - observou Pierce. - Também estou surpreso com a rapidez com que tudo está ocorrendo, mas acho que não devemos nos preocupar. Uma amizade súbita entre dois desconhecidos é algo raro, mas não impossível de acontecer. Sendo assim, vamos apenas aceitá-la e pronto.

Brianne sorriu.

- Está bem - respondeu, fazendo menção de sair.

- Espere um pouco. Entregue minha calça.

Ela arqueou as sobrancelhas.

- Está pensando em ir embora comigo? - perguntou, com um ar maroto, voltando e entregando a calça a ele.

- Eu não poderia mesmo que quisesse - confessou Pierce. - Ainda estou um bocado zonzo. Quero apenas lhe dar algo antes de você sair.

- Escute aqui, se tentar me pagar...

- Ei, calma - ele a interrompeu. - Não é nada disso - acrescentou, tirando um cartão da carteira e colocando-o sobre a cama. - Esse é o número do meu telefone particular, aqui no hotel. Se tiver algum problema e precisar da minha ajuda, é só ligar.

Brianne pegou o cartão e levantou a vista para Pierce.

- Desculpe-me pelo que eu disse.

- Tudo bem. De qualquer modo, pelo que exatamente eu lhe pagaria? O tipo de mulher a que está se referindo iria um pouco além de apenas despir um homem.

Brianne fez menção de dizer algo, mas ele a interrompeu.

- Pode ir agora. Saia antes que eu me arrependa e não a deixe mais partir.

Mesmo surpresa com o que ele dissera, encaminhou-se para a porta. Porém, não resistiu ao impulso de provocá-lo ao dizer:

- Se quiser, posso voltar ao Chez Georges e mandar aquela mulher para cá. Aposto que ela saberá o que fazer depois de despi-lo. Mas, se tiver um pouco de paciência, talvez eu aprenda com o tempo.

- Essa sua ousadia ainda lhe trará problemas, menina.

- Já disse que não sou nenhuma menina! - protestou ela.

- Brianne? - Pierce chamou-a quando ela se virou para a porta.

- Sim? - Ela olhou-o por cima do ombro.

- Tome cuidado com desconhecidos, sim?

- Oh, não precisa se preocupar - respondeu ela, jogando os cabelos para trás. - Já escolhi um tutor para cuidar de mim.

- É mesmo? - Pierce se surpreendeu. - E quem é ele?

- Você, ora! Mas somente quando estiver mais sóbrio. De qualquer maneira, acho que valerá a pena esperar que volte ao normal para cuidar de mim.

Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, Brianne soprou-lhe um beijo e saiu.

 

Na temporada do verão, Nassau ficava sempre repleta de turistas espalhados pela área recém-inaugurada de Coral Cay. Os coloridos microônibus turísticos se misturavam aos automóveis da cidade, tornando o tráfego ainda mais intenso. .

Brianne estava perambulando pelo mercado do cais Prince George, admirando o colorido exótico das bolsas, dos chapéus e das bonecas de palha. Porém, tudo que comprou para si foi um chapéu novo, feito de cânhamo branco com delicadas flores lilases pintadas em torno da aba.

Depois de pagar pela compra, sorriu para a simpática senhora que o vendera e seguiu em frente para assistir à manobra de um navio americano para fora da parte mais ampla da baía. Nunca se cansava de ver as enormes embarcações entrando e saindo do porto.

Geralmente, também havia navios militares ancorados ali, como o destróier americano parado no final do molhe. Inúmeros marinheiros andavam por entre os turistas, no caminho de volta para as embarcações.

Brianne notou que alguns deles pararam para admirar uma bela morena que estava embarcando em um dos barcos de turistas. Homens eram homens em qualquer canto do mundo, pensou ela.

Estava no hora do almoço, mas ela ainda não queria voltar para casa. Não considerava a suntuosa mansão de Kurt como seu verdadeiro lar, exceto talvez pela presença de sua mãe e de seu meio-irmão. Nicholas já estava com um ano de idade e era o centro das atenções de sua mãe.

Brianne ficava na casa o mínimo possível. Kurt estava com um hóspede do Oriente Médio que tinha mais ou menos a mesma idade de Pierce. Ele era alto, esguio e tinha a pele escura, marcadas por algumas cicatrizes que o deixavam com uma aparência intimidadora.

Brianne já o havia conhecido antes e arrependeu-se de haver voltado para casa, quando descobriu que seu padrasto o estava hospedando.

Philippe Sabon parecia ter uma perigosa preferência por jovens inocentes. Era uma espécie de ministro em uma subdesenvolvida nação árabe. Sua mãe era descendente de árabes e seu pai, segundo diziam, era francês mas tinha ancestrais turcos.

Brianne sabia muito pouco sobre o misterioso passado daquele homem. Ouvira dizer que ele era milionário, mas ela tinha dúvidas quanto a isso. Ainda mais depois de ele lhe haver descrito com tantos detalhes como era a vida dos pobres de Bagdá. Não fosse por aquela sinistra reputação de "aliciador de donzelas", Brianne até gostaria da companhia dele.

Apesar do evidente desagrado que ela demonstrava por Sabon, Kurt os colocava juntos sempre que surgia uma oportunidade. Sabon era até muito gentil, mas havia algo na maneira como ele a olhava que deixava Brianne desconfiada.

Ele queria o apoio de Kurt para a realização de um projeto em Qawi, sua terra natal, localizada entre várias nações do Golfo Pérsico.

Qawi era a única nação que, até aquele momento, havia se recusado a desenvolver a exploração de seu petróleo. Seu governante, um idoso xeique árabe, era velho o bastante para se lembrar da dominação européia e não desejá-la novamente sob hipótese alguma.Sabon, porém, estava convencido de que a extrema pobreza havia se espalhado demais por sua nação para continuar sendo ignorada. Ele era dono de uma ilha particular, chamada Jameel, próxima a Qawi. O nome, segundo ele disse a Brianne, significava "linda", em árabe.

Pelo visto, Sabon havia convencido Kurt a investir em um projeto petrolífero para promover o desenvolvimento do país. Por ocupar um importante cargo de ministro em Qawi, Sabon tinha poder e influência suficientes para conseguir levar o projeto adiante. Segundo alguns comentários, ele havia chegado àquele cargo de maneira corrupta, mas, para um investidor ambicioso como Kurt, isso pouco importava.

Sábon havia oferecido a ele uma boa porcentagem do negócio, e Kurt não perdera tempo em enviar uma equipe de engenheiros para analisar o potencial petrolífero daquela terra ainda inexplorada. Pelo visto, os resultados haviam sido animadores.

Os especialistas encontraram uma rica jazida de petróleo sob a areia quente do deserto. Dali em diante, seria necessário apenas investir mais em equipamentos para explorar o local. O empreendimento teria de ser feito basicamente por iniciativa privada, já que o governo local não estava se mostrando nem um pouco interessado em investir naquela indústria.

Brianne considerou aquilo muito esquisito, mas Kurt não pareceu se importar com o detalhe, desde que tivesse para si metade da renda petrolífera do país. Ele e Sabon haviam designado as metas do investimento, mas Kurt também havia convencido um consórcio petrolífero a entrar na transação como um meio de garantir o êxito do negócio.

Na esperança de se tornar bilionário, Kurt estava com boa parte de sua fortuna investida no empreendimento. No entanto, para conseguir realizar seu intento, tinha de manter Sabon mais do que satisfeito.

Ainda mais depois de ele haver mencionado que um milionário do Oriente Médio se mostrara disposto a substituir Kurt na transação se fosse preciso.

Kurt havia investido dinheiro demais naquele projeto para voltar atrás àquela altura dos acontecimentos. E, para infelicidade de Brianne, ele notara que Sabon sentia-se muito atraído por ela. Se usá-la como isca mantivesse Sabon satisfeito e sob seu domínio, claro que Kurt não mediria forças para unir os dois, mesmo sem contar com a aprovação de Brianne.

Os boatos a respeito do estranho comportamento de Sabon circulavam por toda Nassau. A maneira como ele olhara para Brianne quando os dois foram apresentados a fez sentir como se estivesse nua diante de um estranho.

Era como se ele conseguisse tocá-la apenas com o olhar.

Na verdade, ele parecia considerar a frieza que demonstrava como um desafio. Porém, Brianne realmente sentia-se intimidada na presença daquele homem.

Algo naqueles olhos escuros lhe provocava um arrepio de temor sempre que se encontravam.

No entanto, tinha de admitir que ele sabia ser gentil e atencioso com uma mulher. Como um iceberg, ele parecia mostrar ao mundo apenas a parte mais superficial de sua personalidade, escondendo a parte mais importante.

Algumas pessoas diziam que ele não passava de um pervertido, mas Brianne nunca havia encontrado nenhum indício que justificasse tal acusação. O único detalhe que saltava aos olhos era o fato de Sabon estar sempre separado das outras pessoas. De fato, ele passava a maior parte do tempo sozinho.

De vez em quando, Brianne o flagrava a observá-la em silêncio, mas não distinguia nenhum sinal de desrespeito no olhar dele. Talvez fosse a inexperiência que a levasse a interpretar a atitude dele de uma maneira equivocada.

Ouvira dizer que Sabon era inimigo de L. Pierce Hutton, que o havia denunciado publicamente por apoiar uma nação que vivia sob constantes sanções da comunidade mundial, devido a seus agressivos métodos políticos.

Pierce dizia ter certeza de que Sabon estava apenas procurando apoio político para a região por meio de sua amizade pública com outro país. Ele queria riqueza e poder, e não se importaria com o que tivesse de fazer para conseguir obtê-los.

Nesse ponto, Sabon tinha muito em comum com seu padrasto, pensou ela. Kurt não parecia ter limites em sua busca por riqueza material. Além disso, havia algo muito sinistro no rendimento dele. Ela nunca vira o padrasto realmente trabalhando, embora ele dissesse para todo mundo que administrava o escritório de uma empresa ligada ao ramo de petróleo. Todavia, os homens que o visitavam não se pareciam nem um pouco com empregados de uma empresa de petróleo. Na verdade, eles tinham a aparência de assassinos.

A presença constante de Sabon na casa de seu padrasto deixou Brianne sem muita alternativa a não ser passar o maior tempo possível longe do local. Sua mãe achava que era exagero de sua parte e Kurt pouco se importava com as intenções de Sabon com relação à enteada, desde que aquilo lhe trouxesse algum benefício financeiro. Brianne não tinha nenhum aliado naquela casa. Nenhum.

Pierce havia retornado para a ilha três meses antes, mas ela o tinha visto apenas uma vez, na noite anterior. Havia comparecido a um importante evento social com Kurt e sua mãe, no qual Pierce também estava presente. Ele parecia estar bem melhor do que da última vez em que se haviam encontrado, embora ainda houvesse uma sombra de tristeza nos olhos negros. Porém, um brilho diferente surgiu neles quando ele avistou Brianne.

Então ela se aproximara dele com um sorriso, mas, para seu espanto, recebera um súbito olhar de desdém, antes que ele se afastasse sem falar com ela. Aquilo doera mais do que tudo que ela passara nos últimos anos. Pelo visto, Pierce só se interessava por sua amizade quando estava bêbado.

Entendendo a mensagem, ela passara a evitá-lo durante o restante da noite. Os dois não haviam trocado sequer uma palavra. Talvez tivesse sido melhor assim, porque Sabon não gostava de Pierce e Kurt não iria querer contrariá-lo por nada no mundo. Com certeza, Pierce não iria receber nenhum convite para ir à casa dos Brauer enquanto Sabon estivesse hospedado por lá.

Enquanto observava os transeuntes do cais Prince George, deu-se conta de que a lembrança da hostilidade de Pierce a havia mantido acordada durante boa parte da noite.

Parecia estranho que ele houvesse parecido tão sincero no que dissera quando estivera embriagado. Continuava não passando de uma ingênua, mesmo pouco tempo depois de haver completado vinte anos de idade.

Porém, ainda guardava na memória os detalhes de seu aniversário de dezenove anos. Aquele que ela passara ao lado de Pierce. No aniversário de vinte anos, a única lembrança fora um colar de pérolas que Kurt e sua mãe lhe deram. Oh, Cara Harvey também havia lhe enviado uma echarpe portuguesa pelo correio. Ela estava passando o verão em Portugal com os pais e estava tendo um bocado de problemas com um nobre português que pensava que sua irmã estava tentando seduzir o irmão caçula dele. Exceto pelo inusitado presente de Cara, seu aniversário fora tão monótono quanto os outros.

Sabon havia sugerido uma festa no iate dele, mas ela tratara logo de encontrar uma desculpa para ir até a cidade. Por mais que tentasse afastar tais pensamentos, ela se via sendo seqüestrada e virando uma escrava sexual daquele libertino. Ouvira rumores a respeito dele que envolviam até seqüestro.

O vento soprou seus longos cabelos loiros, espalhando-os em torno de seu rosto e de seus ombros. Estava vestida com um top cor-de-rosa e uma bermuda branca. Delicadas sandálias brancas de tirinhas completavam seu visual muito feminino. Sentia-se melhor do que nunca naquele lugar. Se não fosse pela situação que estava vivendo em casa, Nassau seria o melhor recanto do mundo para ela. O lugar era fascinante e sempre a deixara encantada.

Enquanto observava outras duas embarcações manobrando a distância, sentiu uma presença atrás de si. Ao se virar, deparou-se com Pierce observando-a a pouca distância. Ele estava lindo, trajando uma calça branca e uma camisa pólo amarela. Estava com as mãos nos bolsos, enquanto a olhava com um brilho indefinível nos olhos negros.

- Olá, sr. Hutton.

Brianne o cumprimentou com um sorriso polido. O mesmo sorriso que ela teria dado a um parente distante. E Pierce pareceu notar isso também. Com um suspiro, ele desviou a vista para um dos navios.

- Tive uma reunião de negócios com um americano - disse. Indicando o navio com um gesto de cabeça, acrescentou: - Ele acabou de partir naquela embarcação. - Sem saber ao certo que dizer, Brianne apenas assentiu. Virando-se para olhar na mesma direção que ele, não se importou quando seus cabelos começaram a esvoaçar e uma leve mecha lhe cobriu o rosto. Sabia que Pierce não queria nada com ela, afinal, fizera questão de deixar isso bem claro durante a festa, na noite anterior. Por isso, começou a se afastar.

- Espere, Brianne!

Ela parou, mas não se virou para ele.

- Sim? - perguntou, mantendo-se de costas.

Em torno deles, os turistas continuavam andando de um lado para outro, gesticulando e rindo com animação. A distância, o dono de um barco turístico cantava uma canção indígena, esperando chamar a atenção dos transeuntes.

Brianne mal notava toda aquela agitação. Sua atenção estava toda centrada em Pierce e no que ele poderia ter para lhe dizer. Sentiu seu coração bater mais forte, mas se manteve na mesma posição.

Pouco depois, notou que o calor do corpo de Pierce parecia estar logo. atrás dela.

- Tentei esquecer o que aconteceu em Paris - confessou ele. Segurando-a pelos ombros, virou-a de frente para ele e completou: - Mas não consegui.

- Ouça, você não me deve nada - falou Brianne. - Eu estou bem e não preciso de sua ajuda no momento. Segundo notei, Kurt ficará mais do que contente em se livrar de mim me mandando para a universidade.

Pierce estreitou o olhar.

- Não foi o que fiquei sabendo pelos comentários locais. Ouvi dizer que está envolvida com o novo sócio de Brauer, e que farão uma espécie de aliança não apenas comercial, mas também pessoal.

Brianne empalideceu, mas manteve o olhar fixo no dele.

- É mesmo?

- Não se finja de inocente, Brianne - ralhou Pierce, com impaciência. - Sei de tudo o que acontece em Nassau.

Ela respirou fundo. Kurt não havia dito nada daquilo a ela, mas se as pessoas já estavam comentando pela ilha era porque devia haver algum fundo de verdade naquela história.

Endireitando os ombros, respondeu:

- Sei cuidar de mim mesma, Pierce.

- Com dezenove anos?

- Vinte - corrigiu ela., - Completei vinte anos essa semana.

Ele suspirou e a soltou.

- Tudo bem, talvez não seja mais tão infantil e possa até cuidar de si mesma. Mas, doçura, está enfrentando uma verdadeira jaula de leões, se estiver realmente lidando com Kurt Brauer e com Sabon.

- Está dizendo isso por experiência própria?

Pierce arqueou uma sobrancelha e sorriu. Não queria contar a ela que certa vez ele interviera em um acordo ilícito que Brauer estava fazendo com um grupo terrorista a fim de fornecer armas para eles em troca de um assalto a uma companhia de petróleo concorrente.

A informação não havia ido além de seu chefe de segurança, Tate Winthrop, um ex-agente do governo que conseguira impedir os planos de Brauer. Winthrop era um índio legítimo da tribo sioux, com um passado obscuro e amigos nos mais altos gabinetes de Washington D.C. Na verdade, tinha contatos que nem mesmo Pierce conhecia.

- Acho que nem mesmo eu conseguiria me sair bem lidando com aqueles dois - disse, sem deixar de fitá-la nos olhos. - Muitos menos você. Por que toda essa pressa para ir embora?

- Estou pensando em vestir minha roupa de banho e ir até a praia - emendou Brianne. - Kurt é o dono do Hotel Baía Britânica, sabia? Por isso tenho acesso fácil a um dos escritórios, onde mantenho um biquíni em uma gaveta.

- Venha para minha casa - convidou ele. - Tenho uma praia particular onde você poderá nadar e se divertir.

Brianne pensou em aceitar, mas hesitou ao se lembrar da atitude dele na noite anterior.

- Sei que não me quer por perto, Pierce.

- Não, não quero - confirmou ele, de pronto. Mas você precisa de alguém e eu pareço ser a pessoa mais próxima e disponível.

Brianne cravou as unhas na palma das mãos, tomada por uma onda de fúria.

         - Muitíssimo obrigada!

- Não fique brava - pediu ele, com um ar mais ameno. - Você é tudo que eu tenho, Brianne.

A afirmação pegou-a de surpresa, deixando-a sem reação por um instante. Pierce era mesmo surpreendente. De vez em quando, dizia coisas profundas nos momentos mais inusitados.

- Eu lhe disse que não tenho família - continuou ele. - Eu era filho único e, depois que Margô sofreu um aborto, não pudemos mais ter filhos. Exceto por alguns primos distantes na Grécia, na França e na Argentina, eu não tenho família. Nem amigos mais próximos. - Ajeitando as mãos nos bolsos, ele passou a observar o azul intenso das águas da baía ao prosseguir: - Brianne, você acha mesmo que alguém mais se importaria se eu tivesse me metido em uma encrenca naquela noite em que me embriaguei? Acha que alguém se importaria até mesmo se eu tivesse morrido ou algo do gênero?

- Eu me importaria - respondeu ela.

- Sim, eu sei. E isso não torna as coisas mais fáceis para mim. Você é jovem demais.

- Ei, você não é nenhum velho, Pierce. A diferença de idade entre nós é de quanto? Catorze, quinze anos, no máximo?

- Talvez - respondeu ele, de modo evasivo.

- Você acha realmente que isso importa?

Um brilho de divertimento surgiu nos olhos dele.

- Acho que não. Venha, estou de carro.

 

A entrada para a mansão de Pierce, localizada em meio a uma ilha particular, era feita através de um grande portão de ferro acionado pelo controle remoto localizado em sua Mercedes.

A trilha pavimentada que dava acesso à mansão era ladeada por plantas bem cuidadas, que deixavam o local com um aspecto mais acolhedor. Mais adiante, já próximo da mansão, alguns pés de hibisco davam um colorido especial ao cenário. Dois grandes pastores alemães moravam em um canil próximo à casa.

- Aqueles são King e Tartar - anunciou Pierce, quando eles passaram pela cerca que separava a propriedade do canil. - Eles ficam soltos à noite, dentro da propriedade. Não aconselho ninguém a tentar enfrentá-los. Eles são muito bem treinados.

- Alguém com toda essa riqueza não deve mesmo querer correr riscos com ladrões - afirmou Brianne, observando a suntuosidade do local.

- É verdade - anuiu Pierce. - Por isso tenho um chefe de segurança que faria a brigada da Casa Branca parecer brincadeira de criança. Ainda vou apresentá-la a ele qualquer dia desses. Ele é da tribo sioux.

Brianne arqueou as sobrancelha.

- Um índio?

- Aborígine indígena - corrigiu Pierce, com um sorriso. - Nunca o chame de índio. Ele fala cinco idiomas fluentemente e é formado em advocacia.

- Não resta dúvida de que não é um chefe de segurança lá muito comum. - Brianne meneou a cabeça.

- Concordo. Ainda há muitas coisas que não sei a respeito dele, mesmo depois de estar trabalhando para mim há três anos.

Pierce parou o carro diante da casa. Enquanto abria a porta para Brianne, um homem de meia-idade, com aparência típica das pessoas que moravam às margens do Mediterrâneo, apareceu à porta e sorriu enquanto se aproximava. Depois de cumprimentá-los com um gesto de cabeça, sentou-se atrás do volante e levou o carro para a garagem.

- Esse é Arthur - anunciou Pierce. - Às vezes, ele dirige o carro para mim. E essa é Mary - acrescentou, sorrindo para uma simpática mulher negra, também de meia-idade, que surgira à porta. - Ela praticamente já faz parte da mansão. Ninguém nessa região prepara frutos do mar como ela.

- Ninguém exceto minha mãe - corrigiu Mary, com um sorriso. - Como vai, senhorita?

- Bem, obrigada - Brianne retribuiu o sorriso.

- Alguém telefonou para mim? - Pierce perguntou a Mary.

- Apenas o sr. Winthrop. Mas ele disse que não era nada urgente.

- Está bem. Iremos para a piscina.

- Sim, senhor.

Mary fechou a grande porta de madeira da entrada e os dois seguiram por uma trilha lateral. Quando chegaram à piscina, Brianne conteve o fôlego. O lugar era simplesmente espetacular. Uma piscina cercada por, vegetação natural e com uma belíssima vista para o mar.

Protegendo os olhos do sol intenso, ela observou as árvores próximas à praia balançando ao sabor da brisa e dois veleiros ancorados em um pequeno cais.

- Esse lugar é muito silencioso e pacífico - disse ela, como que para si mesma.

Pierce sorriu, entendendo muito bem o que ela queria dizer.

- Por isso é que eu gosto tanto daqui - falou.

Brianne virou-se para ele. Pierce havia aberto um grande guarda-sol de uma mesa à beira da piscina e fez um sinal para que ela se sentasse.

- Costuma passar muito tempo na piscina? - perguntou ela, curiosa.

- Não muito. Sei nadar, mas não pratico muita natação. Prefiro tomar sol à beira da piscina enquanto penso na vida.  Ele sorriu ao ver Mary se aproximar carregando uma bandeja com dois copos de bebida e um prato com bolinhos de camarão. Depois de deixar a bandeja sobre a mesa, ela se retirou discretamente.

- Mary faz bolinhos de camarão deliciosos - disse Pierce, provando a bebida. - Pode se servir.

Brianne pegou um bolinho e passou-o no molho que Mary colocara em um potinho para acompanhar. Ao prová-lo, fechou os olhos, deliciando-se com seu sabor especial.

- Hum... É muito bom! - exclamou.

- Mary diz que é a quantidade de temperos que dá esse sabor maravilhoso aos bolinhos.

Brianne tomou um gole da bebida, surpreendendo-se ao notar que ela não continha álcool.

Ao notar sua reação, Pierce sorriu.

- Eu não daria bebida alcoólica a uma menor nem mesmo em Nassau, minha cara - justificou-se.

- Não sou exatamente uma menor - lembrou ela.

- Ainda não completou vinte e um anos, portanto, ainda é menor - insistiu ele.

Os olhos negros fitaram-na de alto a baixo, antes de se fixarem no rosto de Brianne, enquanto ele tomava outro gole do suco.

- Você é muito jovem.

- Apenas na aparência - salientou ela. - Quantos anos você tem? - perguntou, com ar de curiosidade.

Pierce arqueou uma sobrancelha.

- Com certeza sou mais velho do que você.

Ela torceu o nariz, com uma careta de deboche.

- Ora, isso eu já sei. - Após uma pausa, ela acrescentou: - Muito mais velho?

Pierce deu de ombros, tomando outro gole do suco.

- Bem mais velho - respondeu, por fim. - Tenho catorze anos a mais do que você.

- Não parece - declarou ela, com sinceridade.

Pierce tinha o físico de alguém pelo menos dez anos mais novo do que ele e em seus cabelos muito negros não havia sequer um fio grisalho.

- Isso deve tê-lo desanimado quanto a tentar me seduzir , não?

Ele arqueou as sobrancelhas, surpreso.

- O que disse?

 Nos lábios de qualquer outra mulher aquelas palavras teriam parecido vulgares, mas Brianne era diferente.

- Falamos sobre isso em Paris - falou ela. - Se bem que você estava um bocado embriagado na ocasião e não espero que se lembre de tudo o que conversamos. Mas admiti que iria esperar por você. - Sorriu com um ar maroto. - E cumpri minha palavra, apesar das tentações.

- Que tentações? - indagou Pierce, embora estivesse com medo de ouvir a resposta.

- Havia um belo nobre português que freqüentava as mesmas aulas que eu - começou Brianne. - Ele era mais velho do que o restante da turma, muito culto e gentil. As garotas ficaram malucas por ele, mas havia uma noiva à espera dele em Portugal. Ela meneou a cabeça. - Coitada da Cara.

- Quem é Cara?

- Minha melhor amiga. Ela é do Texas, mas foi para Portugal passar as férias de verão com a irmã em Portugal e adivinhe com o irmão de quem a irmã caçula dela se envolveu?

- Com o irmão do tal português - respondeu Pierce.

- Bingo! Ela está tendo problemas desde que desembarcou do navio- Cara nunca simpatizou com Raoul. Aliás, a antipatia era mútua e, por azar do destino, lá estão eles unidos novamente.

- Mas você gostava dele - salientou ele, com ar de curiosidade.

 Brianne assentiu com um sorriso.

- Muito - admitiu, mantendo sua costumeira sinceridade. - Ele sempre foi muito gentil comigo.

Pierce riu alto, fazendo-a franzir o cenho.

- Por que está rindo? - perguntou a ele, confusa.

O brilho bem-humorado continuou nos olhos dele.

Brianne conteve a vontade de suspirar. Pierce ficava ainda mais bonito quando a olhava daquele jeito.

- Você me considera gentil? - perguntou ele.

Brianne arregalou os olhos, demonstrando um súbito ar de espanto.

- Gentil? Você? Meu Deus, é uma verdadeira blasfêmia dizer algo assim!

Pierce riu novamente, divertindo-se com a honestidade de Brianne. .

- Bem, pelo menos é sincera.

- Tento ser sempre que posso. - Ela olhou para o próprio copo e suspirou. - Philippe Sabon está interessado em mim - confessou, com indisfarçável repulsa. - Queria oferecer uma festa para mim no iate dele, no dia do meu aniversário. Meu padrasto já estava todo animado com a idéia. Mas quando eu recusei o convite e inventei uma desculpa para ir à cidade naquele dia, os dois pararam de falar comigo. Ouvi uma conversa entre os dois e confesso que fiquei um bocado apreensiva.

Pierce nem precisou perguntar por que Sabon estava interessado nela. Ele sabia muito bem. Em silêncio, tomou outro gole do suco.

- Segundo o que ouvi, Sabon tem um fraco por virgens - disse a ela, parecendo preocupado. - Prefiro não lhe contar o que dizem que ele costuma fazer com elas. Só que com você ele nunca fará isso.

A afirmação categórica de Pierce deixou-a mais tranqüila. Agradecida, Brianne sorriu para ele.

- Obrigada pela preocupação. Mas poderia me emprestar o chefe de seus seguranças por alguns dias, para eu ter certeza de que ficarei segura? - acrescentou, em tom de brincadeira.

- Eu mesmo cuidarei disso, não se preocupe falou ele, mantendo-se sério. Estreitando o olhar, continuou: - Se preferir, pode ficar hospedada aqui até ele ir embora. Ao que parece, ele está enfrentando as ameaças de um golpe militar por parte de um país vizinho ao dele que não tem petróleo. Eles querem o petróleo que ele está explorando em Qawi.

- Meu padrasto também está metido nesse esquema - informou Brianne, unindo as mãos com um ar de nervosismo. - Está quase falindo devido à quantidade de dinheiro que já investiu no desenvolvimento dos poços de petróleo daquele lugar. Quando notou que a situação estava saindo de seu controle, atraiu outros investidores para ajudá-lo. Ele está apavorado porque, se o golpe militar for bem-sucedido, ele acabará na rua, provavelmente vendendo canetas em alguma banca de camelô.

- Ou mergulhando para pegar conchas - acrescentou Pierce, sem fazer questão de disfarçar seu desagrado pelo padrasto de Brianne.

- Isso é pouco provável, porque ele não sabe nadar - salientou ela.

- Pelo visto, ele fez uma péssima barganha - afirmou Pierce, com ar pensativo. Voltando a olhá-la, perguntou: - E você fará parte desse acordo.

- Nem morta! - protestou Brianne.

Pierce não disse nada. No entanto, seus pensamentos não estavam nem um pouco tranqüilos.

- Como foi acabar tendo Brauer como padrasto? - perguntou, depois de um instante de silêncio.

- Minha mãe é uma mulher muito bonita - declarou ela. - Sou apenas uma espécie de arremedo dela. Ela vendia jóias em uma joalheria famosa quando Kurt apareceu, interessado em comprar um presente para uma amiga. Segundo ela, foi amor à primeira vista. - Brianne deu de ombros. - Não sei até que ponto isso é verdade. De qualquer maneira, meu pai havia morrido poucos meses antes e minha mãe se sentia muito solitária. Mas não o suficiente para aceitar se tornar amante de um rico magnata. Se Kurt a quisesse, teria de se casar com ela ou nada feito. Por isso, ele acabou aceitando o casamento.Passando a ponta do dedo indicador na borda do copo, suspirou antes de continuar:

- Eles tiveram um bebê, que se tornou tudo para minha mãe.

- Brauer é bom para ela?

- Não. Nem um pouco - respondeu Brianne, sem hesitar. - Na verdade, minha mãe tem medo dele. Não sei se ele já bateu nela alguma vez, mas ela sempre fica nervosa na presença de Brauer. E agora que tem uma criança para se preocupar, nunca discute com ele nem tenta enfrentá-lo, como costumava fazer no início do casamento.

- Ela conversa com você a respeito dele? - Pierce quis saber.

Brianne balançou a cabeça negativamente.

- Kurt sempre dá um jeito para que eu nunca fique muito tempo sozinha com ela. Não gostei dele desde o início, mas minha mãe pensava que era por ressentimento, devido à morte do meu pai.

- Brauer nunca foi do tipo capaz de preencher os sonhos de uma mulher romântica - observou Pierce.

Brianne estreitou o olhar.

- Você sabe algo mais a respeito dele, não sabe?

- Sei que ele é inescrupuloso e mau-caráter, e que não mede as conseqüências do que faz quando há dinheiro em jogo. Fomos rivais no passado, embora ele seja bem mais velho do que eu. Custei um bocado de dinheiro para Brauer, há alguns anos, e ele nunca se esqueceu disso. Se ele tem alguma lista de inimigos, aposto que meu nome vem em primeiro lugar.

- Como você custou muito dinheiro para ele? indagou Brianne, confusa.

Pierce não queria falar sobre aquilo. Entretanto, decidiu que seria mais justo Brianne conhecer a verdade a respeito do padrasto. Respirando fundo, respondeu:

- Brauer estava tentando fazer um acordo com um grupo terrorista para atacar uma plataforma de petróleo e provocar um desastre ambienta!.

- Por quê? - inquiriu Brianne, aturdida.

- Eu nunca soube ao certo - admitiu Pierce. Ele lida com pessoas perigosas e sempre mantém os negócios ocultos de alguma maneira. Tudo que sei é que um inimigo dele começou a fazer ameaças. Seu padrasto deve ter concluído que se fizesse o homem parecer criminoso e descuidado com relação à ecologia mundial talvez a publicidade negativa o levasse à falência. E poderia ter tido sucesso.

- Mas você o impediu? - inquiriu ela.

- Na verdade, foi Tate Winthrop quem o deteve. - respondeu Pierce, com um breve sorriso. - Meu chefe da segurança tem muitos contatos e conseguiu impedir que Brauer acabasse piorando a situação, causando um desastre ecológico. Ele nunca descobriu como tudo aconteceu, mas sei que ele suspeita de que eu estava por trás de tudo.

- Você compete no mesmo mercado que ele?

Pierce riu, terminando de tomar a bebida.

- Não exatamente. Também lido com o ramo de petróleo, claro, só que meu trabalho é ligado à construção de plataformas. Brauer tem interesse em comercializar o petróleo. Ainda assim, temos algumas contas para ajustar. Ouvi algumas ameaças sobre o novo local que ele está explorando que não me agradaram nem um pouco. Não vou aceitar um desastre ambiental. Gastei muito dinheiro construindo aquela plataforma com as medidas adequadas de segurança para prevenir vazamentos e não quero ver tudo isso ir por água abaixo. Por isso, mandei Winthrop e alguns de seus homens até minha nova plataforma para vigiá-la enquanto ela entra em operação. Apenas por uma medida preventiva.

- E onde fica a plataforma? - Brianne perguntou.

- No mar Cáspio - respondeu ele. - Ela está cheia de petróleo, mas a maioria dos investidores não quer aplicar dinheiro na extração por causa da arriscada situação no Oriente Médio. A exploração teria de ser feita em um território muito hostil e provavelmente com alguma intervenção militar. Mas estamos trabalhando em um acordo e, com sorte, acabaremos encontrando benefícios para os dois lados.

- A situação parece delicada.

- E é mesmo - confirmou ele. - Sou muito cuidadoso com relação a desastres ecológicos e não quero acabar causando um vazamento de petróleo. Não estou preocupado com a propaganda negativa. Não é nada disso. Apenas não tenho muita paciência com pessoas dispostas a sacrificar o planeta em nome de sua ganância por dinheiro e poder.

Brianne sorriu para ele. .

- Não é de admirar que eu tenha gostado de você desde o primeiro instante.

Pierce também sorriu. Ela estava linda e aquele sorriso parecia uma luz não apenas no rosto dela, mas em seu próprio coração. Também gostava de Brianne. Claro que não seria prudente deixar o sentimento ir além disso. Para tanto, teria de continuar vendo-a como uma adolescente, e não como uma mulher desejável que havia estado em seus pensamentos mais do que ele desejara no último ano.

- Não está comendo os bolinhos - salientou ele. - Não gosta de camarão?

- Oh, eu adoro. Mas, para ser sincera, não estou com fome. Talvez por causa da minha preocupação com Sabon.

- Não precisa se preocupar com ele. Eu cuidarei desse assunto.

- Sabon é muito rico e pode querer prejudicá-lo lembrou ela, preocupada. - Ele é dono de uma ilha inteira em um lugar próximo ao país dele, no Oriente Médio. O lugar se chama Jameel.

- Se é isso que conta, pode ficar tranqüila. Sou dono de duas ilhas - declarou Pierce, com um sorriso charmoso. - Uma fica na costa da Carolina do Sul e a outra se localiza aqui mesmo, nas Bahamas.

- É mesmo? - Brianne não disfarçou o espanto.

- Elas são desertas?

Pierce balançou a cabeça afirmativamente.

- São desertas e selvagens. Estou preservando-as como um hábitat natural para as espécies de animais e de plantas que existem por lá. - Sorriu ao notar o ar de admiração de Brianne. - Qualquer dia desses, vou levá-la para conhecê-las.

Brianne suspirou, sentindo o coração acelerar.

- Tenho certeza de que vou adorar o passeio.

Pierce observou-a com atenção por um momento, parecendo pensativo.

 - Eu também - disse, por fim. - Fale-me sobre seu pai. O que ele fazia?

- Ele trabalhava no setor de empréstimos em um banco - respondeu ela. - Não era bonito nem muito inteligente, mas era muito amoroso e carinhoso comigo. - O olhar de Brianne se tornou triste com as lembranças. - Minha mãe nunca teve muito tempo para mim, nem mesmo quando ficava em casa. Ela trabalhava na joalheira seis dias por semana e vivia insinuando que meu pai nunca dera a ela o estilo de vida que merecia. Aos olhos de mamãe, meu pai era um perdedor, e ela sempre fazia questão de dizer isso a ele. - Brianne sorriu com amargura. - Certo dia, ele foi trabalhar e nós recebemos um telefonema logo depois do almoço. Disseram que ele estava indo falar com o vice-presidente da empresa quando desmaiou em um dos corredores. Morreu quase instantaneamente, de ataque cardíaco. Tentaram várias massagens cardíacas, mas ele não voltou.

- Sinto muito. Não deve ter sido fácil.

- Não, não foi. Pelo menos para mim. Minha mãe nem se importou, claro. Tanto que, três meses depois, já estava se casando com Kurt. De repente, passei a ter a sensação de que eu não mais fazia parte de uma família.

Seguiu-se um longo silêncio. E Pierce foi o primeiro a interrompê-lo.

- Nunca cheguei a ter uma família - confessou. - Meus pais morreram em um acidente de avião, quando eu estava no primário. Então fui morar com meu avô, nos Estados Unidos. Ele tinha uma pequena frota de navios para transportar petróleo e uma construtora, também pequena. Meu primeiro emprego foi na construtora. Aprendi a construir prédios desde o alicerce até o acabamento final. Meu avô nunca me mimou, mas eu sabia que ele me amava. Ele era grego e continuou mantendo as tradições da terra natal, mesmo depois de haver se naturalizado cidadão americano. Pierce sorriu, lembrando-se de quanto fora bom conviver com o avô. - Eu o adorava, mesmo com toda a rudeza que ele demonstrava em certos momentos.

- Seu sobrenome não parece grego - observou Brianne.

- Era Pevros, antes de meu avô mudá-lo para Hutton, em homenagem a uma rica família americana sobre a qual ele lera algo no jornal. Apesar de manter a cultura grega, ele queria ser americano de qualquer jeito. Ainda tenho cidadania francesa; mas posso me considerar como um cidadão americano, já que passei metade da minha vida na Nova Inglaterra.

- Disse que seu avô tinha uma pequena construtora - afirmou Brianne. - Mas a sua se tornou uma multinacional.

Pierce deu de ombros.

- Sempre tive uma espécie de sexto sentido para transações comerciais de grande porte. Assim que entrei nesse ramo, não consegui mais parar. Vendi os tanques de petróleo usados para o transporte e transformei a empresa em um grande império. - Estreitando o olhar, observou-a com atenção. - O pai de Margô era dono de uma rede de postos de gasolina na Europa, então unimos o útil ao agradável. Na época, eu apenas a conhecia de vista, mas com a fusão das empresas acabei conhecendo-a melhor até decidirmos nos casar. Então tive os seis melhores anos da minha vida. - A sombra de tristeza ressurgiu nos olhos dele. - Só que cometi o erro de pensar que ela era imortal.

Em um gesto automático, Brianne tocou a mão dele sobre a mesa.

- Também sinto muita falta de meu pai - disse, na tentativa de consolá-lo. - Posso apenas imaginar como deve ter sido difícil para você.

A mão de Pierce se tornou tensa de repente. Passados alguns segundos, ela voltou a relaxar e envolveu a dela de uma maneira carinhosa.

- Essa sua empatia foi o que me salvou - disse ele, com um olhar intenso. - Se não tivesse me levado de volta para casa naquela noite, em Paris, não sei o que teria sido de mim.

- Pois eu sei - falou Brianne, com um sorriso maroto. - Teria terminado a noite com aquela loira cem por cento artificial, e ainda ficaria sem sua carteira.

Ele riu.

- Talvez tenha razão. Eu estava bêbado demais para me importar com o que poderia acontecer. - O olhar dele se suavizou. - Ainda bem que você estava lá para me salvar.

Brianne fitou-o nos olhos.

- Também fiquei contente por havermos nos encontrado.

Devagar, e sem deixar de olhá-la, Pierce começou a massagear o polegar contra a palma da mão dela.

Brianne sentiu um delicioso arrepio pelo corpo, como se ele estivesse tocando sua própria pele, em vez de apenas a palma de sua mão.

Pierce percebeu a reação e, deliberadamente, aumentou a área onde estava acariciando a mão dela.

Nunca quisera nenhuma mulher em sua vida, desde a morte de Margô, e sabia que não poderia encorajar Brianne. No entanto, algo o impeliu a continuar aquela carícia quase inocente. Brianne tinha o poder de fazê-lo sentir-se viril quando o fitava com aquele olhar ingênuo e sensual ao mesmo tempo. O fato de ela haver estremecido com uma simples carícia na palma da mão denunciava um desejo prestes a explodir naquele corpo virginal. E isso contribuiu para excitá-lo ainda mais.

Bem, não havia nada demais em um homem sentir-se tentado. Desde que soubesse se conter no momento adequado.

Brianne ficou surpresa com o ritmo alterado de sua respiração. Olhou para Pierce com um silencioso ar de apelo, para que ele parasse com aquilo antes que eles acabassem indo além.

- Não seria melhor parar com isso? - perguntou quando ele continuou a carícia.

- Por quê? - Pierce indagou com gentileza.

- Porque isso pode nos levar a uma situação embaraçosa - respondeu Brianne, em um fio de voz. Os dedos de Pierce se fecharam em torno da mão dela. Já não estava conseguindo pensar direito no que era certo ou errado, pois o desejo também se acendera em seu corpo. Um desejo que ele julgara adormecido.

- Embaraçosa por quê? E se eu lhe disser que estou sentindo o mesmo que você?

- Como pode saber o que estou sentindo?

Ele sorriu com charme.

- Está nos seus olhos e no brilho do suor que notei na palma de sua mão. Isso se chama desejo, Brianne.

- Sim, eu sei - anuiu éla. - E por isso mesmo é que eu acho melhor pararmos por aqui.

Pierce desceu a vista até os mamilos túrgidos de Brianne, evidenciados através do tecido do top. Então notou que ela se tornara ofegante sob o efeito de seu olhar.

- Não me olhe assim, por favor - pediu ela. Você sabe que nunca fui olhada dessa maneira e nem tocada por nenhum homem.

- Que nunca tenha sido tocada eu acredito, mas não creio que nenhum homem a tenha olhado com desejo antes.

Aquele ar inocente o fez sentir como se algo o houvesse atingido na cabeça. Precisava parar de pensar nela e de desejá-la. Até conseguira esquecê-la um pouco logo que chegara a Nassau. Porém, bastara vê-la novamente naquela festa para que todo os desejos que ele considerara proibidos ressurgissem com força total.

Em silêncio, tocou a mão pequenina com a ponta dos dedos.

- Estou com trinta e cinco anos, Brianne.

- E daí? - perguntou ela, ofegante.

- Você ainda nem é maior de idade  legalmente.

- Desculpas, desculpas - resmungou ela, com impaciência.Entreabriu os lábios quando Pierce continuou a doce tortura em sua mão.

- Pare de uma vez ou tome alguma atitude, mas não me deixe assim - pediu a ele. - Por favor.

Pierce estreitou o olhar.

- Com Mary logo ali na casa e Arthur podendo aparecer a qualquer momento para me chamar?

Brianne gemeu, com ar de protesto. Ele respirou fundo, sem deixar de fitá-la nos olhos. Afastando a mão da dela, virou-se de costas tentando amenizar o desejo de possuí-la ali mesmo.

Achou estranho que seu corpo estivesse reagindo daquela maneira. Margô era a única mulher que o deixava excitado em questão de segundos, mas, desde que ela se fora, aquilo nunca mais lhe havia acontecido com tanta rapidez. Pelo visto, o longo tempo de abstinência o deixara vulnerável. Realmente precisava se manter afastado de Brianne. Não queria deixá-la com a ilusão de que poderia haver mais do que um mero relacionamento físico entre eles.

Quando se virou novamente, ficou surpreso ao notar que Brianne havia entrado na casa. Sem hesitar, foi atrás dela. Porém, quando a alcançou, Brianne não mais o encarou.

- Sinto muito pelo que eu disse - desculpou-se, falando por entre os dentes.

Estava segurando a bolsa diante do peito, usando-a como uma espécie de escudo.

- Não sei o que deu em mim - continuou ela. Talvez seja algum vírus tropical que faz você falar coisas impensadas.

Pierce riu alto, apesar do assunto ser sério.

- Isso é pouco provável. Mas, se for verdade, provavelmente é algo contagioso.

Brianne continuou desviando a vista, sem encará-lo.

- Não zombe de mim, por favor - pediu a ele.

- Para ser sincero, não sei o que fazer. Nunca fui do tipo que seduz adolescentes. Sinto muito.

Somente então ela o encarou.

- Mas era eu quem estava tentando seduzi-lo! - confessou. - E sem nenhum êxito, pelo que notei. Acho que terei de procurar alguma escola que ensine sobre sedução para assistir a algumas aulas.

Pierce riu novamente. Nunca deixava de se encantar com a espontaneidade de Brianne.

- Você tem mesmo a língua solta - disse, ainda rindo.

- Obrigada pelo elogio. Guardarei esse junto com os outros.

- Ei, isso não foi um elogio.

- Bem, com certeza foi melhor do que ouvir as coisas que Sabon vive insinuando - falou ela, tornando-se muito séria de repente. - Prefiro me atirar do porto de Nassau a permitir que aquele homem me toque !

- E o que a fez se lembrar dele? Por acaso acha que eu e aquele sujeito temos algo em comum? - questionou ele, indignado.

- Ora, ele gosta de virgens. Virgens!

- Ah - murmurou Pierce. - Comecei a ver a luz da questão. Se você ficar experiente de um momento para o outro, acha que ele perderá o interesse? .

- Acertou. E se você cooperar comigo, poderei ficar fora da lista de vítimas dele. Mas aposto que não vai querer fazer esse pequeno sacrifício para salvar todo meu futuro. Sendo assim, desculpe-me por pedir que arrisque seu corpo na cama comigo!

Pierce arqueou as sobrancelhas.

- Cuidado - disse com calma. - Está pisando em um terreno perigoso, Brianne.

- E daí? Sempre gostei de viver perigosamente. Desviando a vista, ela suspirou. - Bem, irei ao cassino da Ilha Paraíso hoje à noite. Deve haver algum homem por lá disposto a me dar o que preciso para me salvar das garras de Sabon.

Pierce segurou o braço dela com uma firmeza que a deixou assustada por um momento. Os olhos negros a fitaram com uma sombra de fúria.

- Não ouse fazer isso - falou ele, por entre os dentes.

-Ora, não ouse você fazer isso comigo! - explodiu Brianne, desvencilhando-se do contato.

Pierce não soube o que dizer. Por mais que a desejasse, ainda estava confuso e sentia que a perda de Margô deixara um vazio em seu peito. Só de pensar em dormir com outra mulher sentia-se como se a estivesse traindo.

Contudo, Brianne era jovem, bonita e extremamente desejável. Talvez não houvesse problema em oferecer o que ela estava precisando. Por outro lado, não podia descartar o fato de que aquilo poderia levá-la a alimentar sonhos e a desiludi-la no futuro.

Se não fosse pela desagradável sombra de Philippe Sabon pairando entre eles, não estaria sequer considerando a possibilidade de ter algo além de uma simples amizade com ela.

- Tenha calma, está bem? - disse a ela. - Não se deixe levar pelo desespero porque pode acabar se arrependendo depois.

- Conselhos, conselhos - ironizou Brianne. - Por que não se decide de uma vez? Não posso esperar para sempre. Vai me ajudar ou não?

- Você é mesmo muito atrevida.

- Não se trata de atrevimento - argumentou ela. - Apenas não sou do tipo que aceita tudo que querem me impor, só isso. - Fitando-o com um ar mais ameno, acrescentou: - Você acabará cedendo. Se eu insistir um pouco todos os dias...

- Ei, o que aconteceu com todo aquele medo virginal? - Pierce a interrompeu.

- Não sei. Talvez nunca tenha existido.

- Perdeu o medo da primeira vez?

- Por que eu deveria sentir medo se minha primeira vez fosse com alguém como você?

Pierce não conteve o riso.

- Todas essas expectativas podem acabar lhe causando uma decepção, sabia? E se eu não conseguir atender aos seus anseios?

- Oh, isso não vai acontecer - garantiu Brianne.

- O problema é essa sua preocupação com o fato de eu ser jovem demais. Não sou tão imatura quanto pensa. Cresci convivendo com pessoas mais velhas do que eu, e sempre fui mais madura do que os jovens da minha idade.

- Não posso lhe prometer nada, mas vou pensar no assunto - afirmou Pierce.  Ela deu de ombros.

- Pense durante o tempo que quiser. Mas se aquele lobo tentar me tocar, virei atrás de você imediatamente.

- Como ele pode saber que você ainda é virgem? - indagou Pierce.

Brianne respirou fundo.

- Porque Kurt colocou um detetive para me vigiar desde o dia em que viajei para a França. Ele seguia todos meus passos e, há dois meses, Kurt exigiu que eu fizesse alguns exames para saber se eu não “contraí algum vírus" enquanto estive fora. Parte dos exames incluía um ginecológico, claro. Eu não tinha idéia do que o médico iria fazer, mas, com a ajuda de uma enfermeira, ele conseguiu a informação que Kurt queria.

- Mas que médico é esse que se propõe a fazer um exame desse por uma causa ilícita? - Pierce ficou furioso.

- Ele não era um médico respeitável - afirmou Brianne. - Teve a licença cassada nos Estados Unidos e veio abrir uma clínica clandestina por aqui. Só que eu descobri tudo isso depois de passar pelo exame.

- Entendo.

- Nunca associei as idéias até Sabon começar a freqüentar a casa do meu padrasto e viver me vigiando feito um falcão por todos os cantos. - Ela cruzou os braços sobre o peito. - Aquele homem me dá arrepios.

- Não precisa ficar com medo. Ele também causa esse efeito até mesmo em alguns homens.

Brianne arqueou uma sobrancelha.

- Em você, por exemplo?

Pierce riu.

- Trabalhei em escavação de petróleo durante alguns anos - disse ele, mostrando a ela as mãos com algumas cicatrizes. - Já enfrentei situações que você nem faz idéia. Por que teria medo de um sujeito covarde como Sabon?

Ela mordeu o lábio.

- Então você é do tipo "durão"?

- Sim - ele respondeu. - Não tenho medo de quase nada nesse mundo.

Brianne o fitou nos olhos.

- De quase nada? Do que você tem medo, Pierce?

Ele se aproximou até seus lábios ficarem a centímetros dos dela.

- De virgens ousadas - sussurrou em resposta.

Brianne ficou tão aturdida que acabou tendo a inesperada reação de cair na gargalhada.

- Acho que eu pedi por isso - disse a ele, ainda rindo.

Pierce também riu. Nunca havia conhecido alguém como Brianne. Ela era desafiadora e ousada, mas tímida e encantadora ao mesmo tempo. Desde que aparecera em sua vida, ela virara seu mundo de pernas para o ar.

Surgira de repente, feito o sol por trás de uma nuvem escura, mas lhe trouxera uma alegria que imaginara haver perdido para sempre. Pouco importava quais eram seus sentimentos reais por ela. Sua única certeza era a de que queria tê-la por perto, mesmo que fosse apenas para manter a amizade. Se é que isso seria possível.

Respirando fundo, foi chamar Arthur, para pedir a ele que tirasse o carro da garagem. Precisava levar Brianne de volta para o centro de Nassau, antes que acabasse fazendo alguma besteira.

 

Nas semanas que se seguiram, Brianne não se afastou de Pierce. Para total apreensão de Kurt, ela passou a praticamente desprezar a companhia de Sabon. Estava ficando tanto tempo ao lado de Pierce que alguns boatos haviam começado a circular pela cidade.

Os dois estavam sendo vistos juntos em vários lugares, pescando, nadando ou apenas se bronzeando na praia e na propriedade particular de Pierce. A amizade que nascera entre eles parecia tão rara quanto o humor que compartilhavam sempre que se encontravam juntos.

De fato, Pierce não admitia quanto a presença de Brianne estava se tornando necessária em sua vida, mas havia começado a perceber que os momentos de solidão por causa da ausência de Margô estavam se tornando cada vez mais raros.

Ficava cada vez mais impressionado com a sensibilidade de Brianne para lidar com questões políticas.

Para alguém tão jovem, ela estava se mostrando muito madura. Como se não bastasse, passara a freqüentar sua casa com naturalidade, como se já fizesse parte daquele cenário de intimidade e de aconchego. Sim, aquilo estava ficando perigoso.

A apreensão de Kurt Brauer aumentava a cada dia.

E ficou ainda pior quando, dias depois de haver viajado para Qawi, Sabon apareceu de repente na propriedade e não encontrou Brianne em casa. Como se não bastasse, as informações do detetive que ele contratara para segui-la não pareciam nem um pouco animadoras. O silêncio de Sabon pareceu mais intimidador do que se ele houvesse tido alguma demonstração de fúria. Fitando Kurt com um brilho perigoso no olhar, ele disse:

- Você sabe que sua enteada se tornou alguém especial para mim. Falei até que estou disposto a me casar com ela. E, ainda assim, você permitiu que ela praticamente fosse viver com Hutton. O que terei de fazer para mantê-lá por perto quando eu quiser vê-la? Seqüestrá-la?

Kurt engoliu em seco, tirando um lenço do bolso e enxugando a testa.

- Não se preocupe com esse detalhe, Sabon. Você mesmo viu o exame médico -lembrou ele, com cuidado, ciente da presença da esposa ali por perto. Não queria que ela ouvisse a conversa. - Garanto que a garota não está se importando nem um pouco com Hutton.

Sabon se manteve em silêncio por um momento. Seu olhar detectou cada nuança da expressão do rosto de Kurt, em busca de algo que pudesse denunciar aquilo como uma mentira.

De fato, Kurt não tinha a mínima idéia de seus verdadeiros planos com relação a Brianne, deduziu Sabon. Todavia, necessitava da colaboração do idiota àquela altura dos acontecimentos. Do contrário, seu plano não teria êxito.

- Sei que você precisa desesperadamente da minha ajuda - disse a Kurt. - Já examinei seus investimentos financeiros com muita atenção. Se eu voltar atrás na minha decisão nesse momento, antes que o petróleo esteja sendo extraído e processado, e colocar outra pessoa no seu lugar, você estará liquidado, não?

Kurt engoliu em seco. Seu destino estava nas mãos de Sabon e ele não tinha como negar isso.

- Sim - admitiu, com voz trêmula. Então enxugou a testa novamente. - Não tenho opção a não ser ir até o fim agora. Mas esse negócio de envolver os Estados Unidos... Não sei não. Tenho a impressão de que não dará certo.

Sabon apertou os lábios, pensativo.

- Claro que dará. Eu já lhe disse que um casamento entre mim e Brianne seria vantajoso para nós dois. Serviria como uma espécie de... selo para o nosso acordo.

- Casamento - repetiu Kurt, com um novo brilho de esperança no olhar.

Sabon tinha uma enorme fortuna! De fato, era tido como um dos homens mais ricos do mundo. Mesmo que a sociedade não desse certo, se Sabon estivesse casado com sua enteada ainda lhe restaria muito dinheiro para gastar. E não seria preciso ter de voltar a levantar dinheiro da forma como vinha fazendo nos últimos tempos. Era difícil depender de clientes que nem sempre pagavam o que deviam. Se aceitasse a oferta de Sabon, nunca mais teria de se preocupar com dinheiro. Quando voltou a olhar para o sócio, mostrou um sorriso radiante.

 

- Mas que ótima proposta! Seria o fechamento perfeito para nosso acordo!

Mantendo uma atitude fria, Sabon tirou uma caixinha do bolso e acendeu um dos cigarros turcos que ele gostava de fumar.

- Achei que iria gostar da idéia - disse apenas.

Kurt quase deu um pulo de alegria. Seu futuro estava assegurado afinal. Precisava falar com sua esposa quanto antes, para fazê-la entender que seria muito importante convencer Brianne a concordar com tudo aquilo. O apoio de Eve seria essencial para que o plano desse certo. Se conduzisse a situação com cuidado, todos sairiam satisfeitos, inclusive Brianne e Eve.

- Além disso, terá de conseguir o apoio de que preciso nos Estados Unidos - acrescentou Sabon. .

- Sim, claro. - Kurt fez um gesto de pouco-caso, demonstrando que essa seria a parte mais fácil. - Já pode considerar isso feito. Na verdade, será um prazer. Brianne será uma ótima esposa e lhe dará muitos filhos.

Sabon não disse nada. A idéia de unir as famílias por meio do casamento surtira o efeito que ele desejava.

Dali em diante, não precisaria mais se preocupar com Kurt Brauer. Só de pensar em ter a linda Brianne em seus braços sentiu o tormento da espera perturbá-lo ainda mais.

Kurt venderia a enteada ou faria qualquer outra coisa para obter dinheiro e poder. Disfarçando seu desprezo por aquele sujeito inescrupuloso, desejou, não pela primeira vez, poder ter outra opção de conseguir obter o que precisava para seu país.

Mesmo não considerando mais Kurt uma ameaça, Pierce Hutton continuava em seu caminho, como um perigoso empecilho nas fronteiras de Qawi. Teria de mantê-lo a distância, antes que Hutton ficasse sabendo algo através de Brianne que o impelisse a intervir na transação.

Exigindo a presença mais próxima de Brianne e sustentando a idéia do casamento, esperava atingir seu objetivo. Lamentou por Brianne, uma garota tão linda e desejável, mas não havia alternativa. Infelizmente, ela teria de sofrer as conseqüências de ter um padrasto mau-caráter.

Não podia voltar atrás àquela altura dos acontecimentos. Não quando havia tantos interesses em jogo.

O futuro de seu povo era mais importante do que qualquer outra coisa.

Kurt olhou-o com um ar de curiosidade.

- Não estava falando sério sobre seqüestrá-la, estava?

Quanto mais Sabon pensava na idéia, mas ela lhe parecia tentadora. Estreitou o olhar, pensativo.

- Seria uma maneira de garantir a colaboração dela, não seria?

Kurt engoliu seco. Brianne era cidadã americana e Hutton parecia muito possessivo com relação a ela.

Talvez isso complicasse as coisas.

- Não sei se seria aconselhável apelar para tanto - disse com cautela.

Sabon sorriu com frieza.

- Pois eu acho que seria.

Depois disso, ele não voltou a tocar no assunto. Porém, o brilho ameaçador daqueles olhos escuros deixou Kurt apreensivo mais uma vez. Tinha investimentos demais naquela transação e não poderia correr o risco de acabar perdendo tudo por algum capricho humano.

A melhor maneira de se manter em segurança seria continuar mantendo vigilância total quanto ao trabalho em Qawi. Segundo o acordo que haviam feito, ele tinha direito à metade dos lucros obtidos com as preciosas reservas minerais do país de Sabon. Se conseguissem dominar o governo, composto por um velho xeique e por um exército ridículo, poderia dar um jeito de desaparecer com Sabon e lidar pessoalmente com o empreendimento. Então teria toda a riqueza com a qual sempre sonhara e poderia contatar alguns amigos em pontos estratégicos, que com certeza cuidariam de seus investimentos.

Assim, nunca mais teria de comercializar armas para terroristas, como vinha fazendo até então. Quanto mais pensava que poderia se livrar daquilo, melhor se sentia com a idéia de liberdade.

Sabon se considerava muito esperto, mas logo descobriria que não tinha nada. Absolutamente nada.

 

Assim que Sabon partiu, Kurt foi falar com Eve. Ela havia lhe contado que Brianne e Pierce haviam saído juntos para fazer compras. Não fazia idéia de que o passeio fora uma invenção de última hora, que Brianne inventara assim que vira o iate de Sabon chegando ao porto. De fato, ela não perdera tempo em correr para a casa de Pierce, em busca de segurança. E ficou por lá até ter certeza de que Sabon havia mesmo ido embora.

Kurt ficara apreensivo com as ameaças de Sabon, e achou que seria aconselhável começar a agir o mais rápido possível. Estava, como costumavam dizer, "entre a cruz e a espada", e aquela atitude de Brianne em não querer a companhia de Sabon não estava contribuindo nem um pouco para sua paz de espírito.

Tinha receio de que ela não quisesse colaborar para manter o bom humor de Sabon. Não sabia se ele falara sério sobre seqüestrá-la, mas estava começando a pensar que talvez fosse a única maneira de fazê-la enxergar a situação.

Conversou com Eve em um tom firme, mas só conseguiu falar com Brianne no dia seguinte. Abordou-a na sala de visitas, assim que a viu.

- Sabon foi embora furioso porque você o evitou Brianne. Ele sabe que não posso voltar atrás em nosso acordo, e agora começou a me ameaçar, dizendo que talvez arranje outro sócio para me substituir. Por que não colabora comigo para mantê-lo de bom humor? - perguntou, com seu empolado sotaque inglês que o tornava ainda mais insuportável aos olhos de Brianne.

- Não estou gostando de vê-la andando por aí com Pierce Hutton. A essa altura dos fatos, já deve saber que eu e ele nunca nos demos muito bem.

- Ele é meu amigo - Brianne disse, com um ar defensivo. - E eu gosto dele.

- Pura tolice! - replicou Kurt, impaciente. - A diferença de idade entre vocês é bem considerável para que tenham essa... amizade - insinuou ele, esquecendo-se convenientemente de que Sabon era dois anos mais velho do que Pierce. - Não quero que fique muito tempo ao lado dele. Isso não soa bem para uma jovem solteira e de família. Além disso... - Ele hesitou, parecendo nervoso e apreensivo. - Sabon ouviu comentários a esse respeito e não gostou nem um pouco.

- E o que eu tenho a ver com isso? - protestou Brianne. - Sabon é um completo estranho para mim!

Kurt levantou a mão, em um sinal para que ela diminuísse o tom de voz.

- Você não tem idéia da minha situação garota - disse, por entre os dentes. - Não posso ficar me dando ao luxo de contrariar Sabon. Todos os meus investimentos estão aplicados naquele poço de petróleo e não posso me arriscar a perder tudo!

- Não deveria ter feito a sociedade com ele - salientou Brianne, apoiando as mãos na cintura.

Kurt a encarou, com olhar fuzilante.

- Fui eu quem propôs o acordo - lembrou ele. - Fiz isso porque tinha esperança de triplicar meus lucros. Meus bens já não estão tão sólidos quanto no passado e, se eu não tomar alguma providência, poderei acabar em maus lençóis. Essa oportunidade de investimento é mais do que perfeita e surgiu no momento certo. Só que, para termos sucesso, preciso manter minha amizade com Sabon. Não posso contrariá-lo, entende? Nem permitir que você o faça.

Kurt limpou a garganta, ciente do brilho de fúria no olhar da enteada. No entanto, não se importou com esse detalhe e continuou:

- Está na época de você começar a pensar em se casar - disse a ela. - Sabon até já se candidatou como pretendente. Na verdade, será uma ótima maneira de eu encaminhá-la para um marido confiável e para eu e ele selarmos o acordo.

Brianne arregalou os olhos, não acreditando no que acabara de ouvir.

- Casar?! Com aquele homem? - perguntou, indignada. - Escute aqui, quero deixar bem claro que nunca vou me casar com Philippe Sabon! Ele... ele me assusta! Já deve ter ouvido os comentários a respeito dele e do que costuma fazer com mulheres jovens!

Kurt fitou-a por um momento, antes de falar:

- Sua mãe é muito feliz aqui, não? - Com um sorriso cínico, ele acrescentou: - Ela e o bebê. Não iria querer que algo atrapalhasse a felicidade dela, iria?

Brianne sabia que o padrasto era um mestre em fazer chantagens. Sentiu um frio na espinha ao deduzir o que estava implicado naquela pergunta. Sua mãe tinha medo de Kurt e com certeza já se arrependera de haver se casado com ele. Também sabia que ela se tornara mais vulnerável com a presença do bebê. Não, não poderia correr o risco de enfurecer Kurt ainda mais. Pelo bem de sua mãe. Ainda assim, não se casaria com Philippe Sabon por nada desse mundo. O homem era repulsivo demais e não merecia tanto sacrifício de sua parte. Nem mesmo por sua mãe e por seu meio-irmão.

Continuou em silêncio durante um longo tempo, enquanto pensava e procurava as palavras certas para dizer. O momento era delicado e ela precisaria ser cautelosa. Pierce poderia ajudá-la depois. Claro que não daria indícios a seu padrasto, para não deixá-lo furioso a ponto de prejudicar sua mãe.

Passara dois anos acusando sua mãe em pensamento por haver se casado com um crápula como Kurt, e ali estava a prova de que tinha razão. Ainda assim, não teria coragem de prejudicar a mãe. Ela já estava sofrendo demais pelo próprio erro.

- Você entendeu o que eu disse, Brianne? - perguntou Kurt, com impaciência. - Vai fazer o que estou mandando?

- Por acaso tenho outra escolha? - ironizou ela, inclinando a cabeça para o lado.

Ele sorriu com sarcasmo, fazendo-a sentir vontade de esbofeteá-lo.

- Não - respondeu. - Portanto, acho melhor começarmos a discutir os planos para o casamento. Sua mãe terá prazer em ajudá-la com o enxoval, pode ter certeza disso.

- Não quero mais falar sobre esse assunto agora - declarou Brianne, procurando desesperadamente por uma desculpa para escapar.

Levantou os ombros e, quando voltou a baixá-los, já tinha uma desculpa mais do que perfeita em mente.

- Vou almoçar com uma amiga no Lobster Baran. - anunciou.

- Uma amiga? - Kurt arqueou uma sobrancelha, desconfiado. - Quem é ela?

- Oh, é Cara, uma amiga da escola - Brianne inventou no último instante. - Ela está participando de um cruzeiro e ficará na cidade apenas essa tarde. Não a vejo desde que terminamos o curso na França.

Kurt hesitou, ainda não parecendo muito convencido. Apertando os lábios, tornou-se pensativo, olhando-a com ar desconfiado.

- Muito bem - disse por fim. - Mas Sabon foi para uma ilha vizinha e voltará amanhã. Portanto, espero poder contar com sua colaboração.

- Sim, claro.

Brianne notou que sua voz não saiu tão confiante quanto ela queria. Por isso, tratou de forçar um sorriso e foi logo trocar de roupa.

 

Eve apareceu no quarto da filha quando Brianne estava vestindo um jeans e uma blusa de seda verde.

Havia deixado o bebê dormindo e aproveitara a chance para falar com a filha.

- Kurt falou com você? - perguntou ela, como sempre indo direto ao assunto.

- Sim - Brianne respondeu com indiferença.

Então olhou para a mãe, notando as rugas que haviam aparecido nos últimos tempos. Eve já não parecia mais a linda mulher que se casara com Kurt Brauer.

Unindo as mãos em um gesto nervoso, ela falou:

- Não imaginei que Kurt iria tão longe com essa história, Brianne. Sei que não gosta de Sabon e também sei o que dizem a respeito dele. Mas ele é muito rico e poderoso...

- E você acha que dinheiro é a coisa mais importante do mundo, certo? - indagou Brianne, com sarcasmo.

Eve desviou o olhar no mesmo instante.

- Eu não disse isso - refutou. - Apenas acho que ele lhe dará o que você quiser. E isso também deixará Kurt feliz.

- Fazer seu marido feliz não é o principal objetivo da minha vida, mamãe - declarou Brianne, com frieza na voz. - Se você acha que eu vou me casar com aquele homem para manter Kurt Brauer feliz, está muito enganada.

Eve arregalou os olhos, parecendo horrorizada.

- Você... não disse isso a ele?

- Claro que não! - replicou Brianne. - Mamãe, eu não sou nenhuma idiota. Ele fez algumas ameaças quanto a você e ao bebê, mas...

Ela não terminou a frase. As duas nunca haviam sido muito unidas. De fato, em momentos como aquele, era triste não serem íntimas e não poderem buscar conforto mútuo.

Eve sempre mentira sobre a idade, embora a presença da filha sempre a contradissesse. Como boa parte das mulheres bonitas, tinha dificuldade em aceitar o avanço da idade.

Suspirando, Eve fez um gesto evasivo com a mão perfeitamente manicurada.

- Kurt tem um temperamento muito explosivo. - afirmou ela. - Não o vi furioso muitas vezes, claro - emendou com um olhar de soslaio para a filha. Mas nós tivemos uma discussão muito séria por sua causa. Na verdade, esse foi um dos motivos pelos quais decidimos mandá-la passar algum tempo na França. As coisas não andaram muito calmas por aqui durante algum tempo. Principalmente depois que ele fez essa sociedade com Sabon.

Eve jogou para trás uma mecha dos cabelos loiros que caíra sobre seu rosto. Lançando um olhar de apelo para Brianne, continuou:

- Não poderia pelo menos fingir que aceita se casar com Sabon até que eu consiga pensar em outra solução? Precisamos pensar em Nicholas. Confesso que eu não suportaria se Kurt... Bem, se ele me tirasse o direito de ver meu filho. E você sabe que eu perderia na justiça. Não tenho dinheiro nem influência para enfrentá-lo no tribunal. Por favor, Brianne. Se não quiser fazer isso por mim, faça por Nicholas. Você sabe que tipo de vida ele acabaria tendo sem a minha presença.

O mais triste era que Brianne sabia. Nicholas cresceria à mercê de um homem neurótico e inescrupuloso.

Franziu o cenho, preocupada, enquanto terminava de fechar os botões da blusa. Ao levantar a vista, encarou o semblante entristecido de sua mãe.

- Você costumava dizer que tudo de que precisaria para ser feliz seria de muito dinheiro - disse com rancor. - Ainda pensa assim?

Eve empalideceu.

- Eu estava cansada de viver na pobreza. De trabalhar dia e noite e não ter tudo que precisava. Seu pai não tinha nenhuma ambição.

- É verdade - anuiu Brianne. - Mas ele tinha uma generosidade e uma nobreza de alma que você nunca conseguiu ter. Ele nunca levantaria a mão para bater em você, como tenho certeza que Kurt já deve ter feito.

Eve não respondeu nada, mas um brilho de lágrimas surgiu em seus olhos. Ela nunca havia se importado muito com o bem-estar da filha, mas cobria Nicholas de carinho e de mimos que às vezes deixavam Brianne magoada, embora se tratasse de um bebê. Por mais que fosse difícil ter de admitir, Nicholas parecia uma lembrança constante de que ela nunca havia sido realmente amada pela mãe. .

- Você retribuiu o amor e, a fidelidade de meu pai casando-se com Kurt Brauer logo depois da morte dele - declarou Brianne, também com lágrimas nos olhos. - Tenho certeza de que não pode imaginar como me senti com relação àquilo.

Eve levou a mão ao peito, como se algo dentro dele estivesse doendo.

- Mas Brianne... você nunca disse nada...

- De que teria adiantado? - perguntou ela. - Você nunca se importou com meus sentimentos e não seria diferente daquela vez. Não iria querer se arriscar a perder Kurt e todo seu dinheiro.

-Como pode falar comigo desse jeito? - Eve estreitou o olhar. - Ainda sou sua mãe!

- E eu? Sou sua filha? Pelo menos, nunca fui tratada como se fosse. Não me lembro de você ter me consolado ou me abraçado quando me via chorando, ou de fazer algo além de me criticar e querer me ver fora do seu caminho.

Eve pareceu aturdida demais para conseguir falar.

- Meu pai me amava - afirmou Brianne, com orgulho. - Estava sempre comigo quando eu precisava dele e me levava aos parques de diversão mesmo quando não tinha dinheiro suficiente para pagar todos os brinquedos. E você o que fazia? Só reclamava de que estava passando comigo o tempo em que deveria estar investindo em uma promoção na empresa!

Eve franziu o cenho, olhando para Brianne como se não a estivesse reconhecendo.

- Eu não sabia que você desejava tanto assim ficar comigo - confessou ela, em um fio de voz. - Nunca demonstrou que gostava de mim.

- E você fez o mesmo com relação a mim - salientou Brianne. - Eu nunca fui bonita como você e sempre me senti inferiorizada por isso.

As palavras acabaram saindo sem que Brianne se desse realmente conta de tudo que estava confessando.

Porém, sentiu um alívio por estar desabafando uma tristeza acumulada ao longo de toda sua vida..

Eve engoliu seco. Então cruzou os braços, parecendo desorientada por um instante.

- Se penteasse os cabelos direito, usasse maquiagem e roupas mais adequadas...- Você me amaria? - perguntou Brianne, com um sorriso irônico.

Notando a angústia que a filha acumulara ao longo de todo aquele tempo, Eve tentou se aproximar e toca-la, mas era tarde demais. Brianne deu um passo atrás, desvencilhando-se dela.

Pegando a bolsa sobre a cama, fechou-a com um gesto firme e se encaminhou para a porta. Não queria mais continuar aquela conversa.

- Aonde você vai? - perguntou Eve.

Brianne virou-se para ela. Claro que não se arriscaria a dizer que pretendia procurar Pierce.

- Minha amiga, Cara, está na cidade e nós vamos almoçar juntas.

- Oh. Está bem então. - Eve forçou um sorriso. - Não se preocupe. Tudo ficará bem por aqui. Essa negociação está deixando Kurt nervoso, mas ele voltará ao normal assim que deixar de ser pressionado e conseguir o que quer.

Eve parecia estar dizendo aquilo mais para si mesma do que para Brianne. Era como se ela própria quisesse se convencer de que tudo ficaria bem.

- Ele me ama. Sim, ele ama. E também adora Nicholas. Claro que não faria nada para nos prejudicar.

- ótimo - anuiu Brianne. - Então não terei de me casar com Sabon para mantê-los em segurança, certo?

A pergunta fez Eve empalidecer. Adiantando-se quase com desespero, segurou o braço da filha e disse:

- Brianne, você precisa pensar melhor nesse assunto. Não pode tomar nenhuma decisão precipitada.

- Não vou tomar.

Brianne pendurou a bolsa no ombro. Como sempre, sentia-se desajeitada perto da elegância de sua mãe.

Sabia que tinha belas pernas e cabelos invejáveis, mas isso nunca havia sido suficiente para que a mãe a considerasse bonita.

Parecendo notar que a filha estava pouco à vontade, Eve hesitou um instante e, pela primeira vez em anos, tocou os cabelos de Brianne.

- Você sempre teve cabelos bonitos......, disse devagar. - Mas meu cabeleireiro poderia deixá-los ainda mais atraentes. Para ser sincera, eu também não havia notado quanto você também pode ficar elegante com uma roupa mais adequada.

Brianne sabia que a mãe só estava dizendo aquilo por interesse próprio, mas não disse nada. Com um suspiro, limitou-se apenas a dar um passo atrás, desvencilhando-se do contato.

Abriu a porta com um gesto firme e parou um instante para olhar o rosto perfeitamente maquiado de sua mãe.

- Tenho apenas vinte anos e já sei que a felicidade não pode ser comprada. Como é possível que você não tenha aprendido isso em quarenta anos?

Eve empalideceu por um instante, mas logo voltou ao normal.

- Mal completei trinta e cinco anos - protestou, com um sorriso forçado. - Além disso, sempre gostei de coisas boas e caras.

- Eu sei. Só que está pagando um preço alto demais por tudo que tem.

Eve respirou fundo, impaciente.

- Não acho que seja pedir demais para que você se case com um dos homens mais ricos do mundo, Brianne. Pense em tudo que fiz por você. Em tudo que Kurt já fez - emendou ela, ciente de que não fizera tanto assim pela filha. - Ele a mandou para uma das escolas mais caras de Paris e continua a sustentá-la. Deve algo a ele por isso, Brianne - acrescentou, tentando retomar o domínio da argumentação.

Então sorriu da mesma maneira falsa como costumava sorrir para impressionar os sócios de Kurt, um grupo com aparência ameaçadora, cujo relacionamento com seu marido sempre lhe parecera estranho.

- Sei que tomará a decisão certa quando pensar melhor no assunto - falou ela à filha.

Brianne não disse mais nada, sabendo que não adiantaria tentar argumentar. As duas nunca haviam tido muito em comum, mas a distância parecia haver se tornado ainda maior no presente. Eve não queria se afastar de Kurt e de seu dinheiro por mais que isso lhe custasse caro. Ela mesma acabara de deixar isso claro. Afinal, mostrara-se disposta até mesmo a sacrificar a felicidade da filha em nome de sua ambição.

Mas Brianne não pretendia aceitar aquilo. Por isso, iria procurar a única pessoa que poderia ajudá-la naquele momento.

 

Já fazia alguns minutos que Pierce estava ao telefone conversando com o ex-agente que se tornara o chefe de sua segurança. O que acabara de ouvir o deixara bastante preocupado.

- Sofremos um atentado na plataforma ontem à noite - anunciara Tate Winthrop, com sua voz grave. - Conseguimos evitar maiores danos - acrescentou, antes que Pierce pudesse dizer algo. - Mas não creio que tenha sido o último. Ouvi novos rumores a respeito do país de Sabon. Estão dizendo que um dos países vizinhos mais pobres está recebendo armas de uma nação aliada. Eles estão planejando invadir a plataforma ainda em construção de Sabon para roubar equipamentos. Ele estava certo quando ao petróleo. Algumas pessoas próximas a ele não querem que Qawi comece a explorar suas reservas e se torne um país rico.

Pierce olhou para a praia, que se estendia além dos limites da piscina onde ele se encontrava. Então tomou um gole de seu uísque com gelo.

- Às vezes, eu me pergunto se não seria melhor realmente não permitir que o país se desenvolva confessou a Winthrop. - Tenho certeza de que Brauer vai construir aquela plataforma sem seguir nenhuma das medidas de segurança necessárias à preservação ambiental - Se eles invadirem o local, a primeira coisa que farão será atear fogo ao petróleo - salientou o segurança.

Pierce assobiou baixinho.

- Puxa, causará um estrago e tanto. Garanto que o pessoal de Washington não ficará nem um pouco contente com isso.

 - Por falar em Washington - disse Winthrop - há rumores de que Brauer está prestes a tentar usar seus contatos para envolver os Estados Unidos nessa história.

- Você só pode estar brincando.

- Trabalhei para a CIA, Pierce - lembrou o ex-agente -, não costumo brincar com assuntos tão sérios.

- Eu sei.

- Brauer foi colega de escola de um dos senadores do comitê para assuntos internacionais – explicou Winthrop. - Os dois nunca deixaram de manter contato. Logo Brauer estará a caminho de Washington, para pedir apoio.

- Ele quer que os Estados Unidos o ajudem a construir uma plataforma de petróleo? - insistiu Pierce, incrédulo.

- Não exatamente. Na verdade, ele quer a proteção dos Estados Unidos enquanto a plataforma estiver sendo construída.

- Mas Sabon é milionário e dono de metade do país. Sem mencionar a influência que ele tem junto aos governantes. Por que ele mesmo não providencia a segurança do local? - Pierce questionou.

- Sabon é rico, mas não o país dele - salientou o segurança. - Sabon é um sujeito estranho. Dizem que ele tem hábitos sexuais pervertidos, mas o detalhe mais curioso é que nunca houve uma queixa contra ele e nenhuma de suas amantes foi encontrada para confirmar ou desmentir a história.

- Curioso.

- Brauer o considera um assassino de aluguel, mas não é essa a reputação que ele tem junto aos compatriotas. - Após um breve silêncio, Winthrop questionou: - Por que um homem iria querer deliberadamente ser reconhecido pelo mundo como um devasso?

- Não tenho a mínima idéia. Estive me perguntando por que ele escolheu Brauer como sócio.

 - Talvez nenhuma outra pessoa que ele conheça tenha uma ligação tão próxima com os Estados Unidos - respondeu o segurança. - Acha que pode haver algo por trás disso? .

- É possível - anuiu Pierce. - Mas Sabon não poderia ter escolhido um aliado mais perigoso. Brauer já fez tantas coisas imorais na vida que faz Sabon parecer um garoto bem-comportado perto dele.

- Concordo plenamente.

Pierce notou que Winthrop tornara-se distante de repente.

- Parece preocupado - disse a ele.

- 0h, é um problema pessoal. Nada que eu mesmo não possa resolver. - O segurança respirou fundo, voltando a falar: - Ouça, falarei com algumas pessoas a respeito de Brauer para saber se ele tem mais contatos em Washington. Se souber de alguma novidade, avise-me.

- Pode deixar. Sabon esteve por aqui ontem, mas já partiu.

- Foi uma viagem bem rápida, não? Por que ele foi até aí?

Pierce enrijeceu o maxilar.

- Brauer tem uma enteada de vinte anos e Sabon está interessado nela.

- Meu Deus.

- E você sabe o que ele fará se conseguir se aproximar dela - falou Pierce, com frieza. - Ela é espirituosa e muito esperta, mas não o suficiente para um homem como Sabon.

- Quer que eu vá protegê-la?

- Não é preciso. Eu mesmo cuidarei disso. Acho que ainda estou em forma.

Winthrop riu do outro lado da linha.

- Qualquer um que tenha visto você nocautear Colby Lane diria que você está mais do que em forma brincou ele.

- Por falar nisso, onde anda ele?

- Aliou-se a outro grupo de mercenários e foi para a África. Mas ouvi dizer que ele já voltou para casa e que agora está trabalhando para os Estados Unidos. Dizem que mudou tanto que eu não o reconheceria mais se o visse. Aposto que aquela mulher deve ter arrasado a vida dele.

- Bem, ela não tem culpa se Colby não conseguiu fazê-la feliz e agora não se conforma por ela estar com outro marido - salientou Pierce. - Quando um homem se embebeda pelo menos uma vez por semana e fica arranjando brigas, é de se esperar que mulher alguma agüente ficar ao lado dele.

- É verdade - anuiu Winthrop. Rindo, acrescentou: - Só que ninguém o havia nocauteado até você aparecer.

- Nem mesmo você? - Pierce se espantou.

- Oh, Colby não teria coragem de me desafiar. Notou aquela cicatriz no queixo dele?

- Foi você?

- Bem, ele me provocou em um momento de mau humor e... - Winthrop não terminou a frase.

Pierce riu.

- Parece que ele aprendeu a lição.

Após uma breve pausa, o segurança falou:

- Preciso voltar ao trabalho. Cuide-se, Pierce. Sabon não simpatiza com você tanto quanto Brauer, e tem mais dinheiro para causar um estrago se decidir atacá-lo.

- Pode deixar. Manterei contato.

Ao desligar, Pierce refletiu sobre o que havia acabado de conversar com Winthrop. Não recebera notícias nem um pouco animadoras.

O ramo de petróleo envolvia altos riscos. De fato, os negócios eram ainda mais complicados do que pareciam à primeira vista. Havia inúmeras preocupações envolvendo vazamentos, explosões, incêndios e empregados irresponsáveis que acabavam causando acidentes.

Além disso, as companhias de petróleo viviam sempre discutindo lucros e contratos que nem sempre eram vantajosos para todos. De fato, aquele setor parecia uma fonte infinita de problemas, e Pierce não se encontrava isento deles.

Seu mais novo empreendimento envolvia a construção de uma plataforma de exploração para um consórcio no mar Cáspio. Um projeto repleto de complicações políticas e legais.

O maior problema era estar lidando com uma nação contra a qual os Estados Unidos mantinha algumas sanções, como um limite para investimentos estrangeiros.

Os russos argumentavam que as limitações habituais não poderiam ser aplicadas naquele caso porque o mar Cáspio era fechado e, portanto, não se submetia àquelas especificações legais.

As companhias de petróleo envolvidas no projeto eram estrangeiras, mas não estavam isentas das sanções que os Estados Unidos haviam persuadido outras nações afazer.

Pelo visto, estava havendo interferência de pessoas do país de Sabon. Seu projeto precisava da regularização de um oleoduto tanto quanto o de Sabon, mas a diferença era que Sabon tinha os contatos certos.

Qualquer inimigo dos Estados Unidos se mostrava um aliado potencial para ele.

Sabon não se importava com sanções ou com honestidade política. Queria apenas ganhar dinheiro e prestígio a qualquer custo. Unido a Brauer, poderia acabar tendo êxito e isso atrapalharia um bocado seu projeto.

O senador amigo de Brauer acabaria causando problemas para o projeto do consórcio e, dessa forma, prejudicaria seu trabalho, que era fornecer equipamentos e mão-de-obra para a construção da plataforma.

Estava absorto com tais pensamentos quando o portão que separava a piscina da casa foi aberto de repente e Brianne se aproximou.

Somente depois de dar alguns passos foi que ela se deu conta de que Pierce estava nu, bronzeando-se à beira da piscina. Sentiu o rosto esquentar, mas seguiu em frente, não querendo bancar a adolescente tímida.

Fingindo ignorar o brilho de divertimento nos olhos dele, deixou a bolsa sobre a mesa e sentou-se em uma cadeira próxima, tendo o cuidado de não olhar diretamente para ele.

- Parece preocupada - observou Pierce.

- Não se trata apenas de preocupação - respondeu ela. - O caso é mesmo para suicídio. Quer me ajudar a amarrar a corda em torno do meu pescoço? - acrescentou, com um sorriso desanimado.

Pierce endireitou-se na espreguiçadeira e, para alívio de Brianne, jogou uma toalha sobre o quadril.

- O que aconteceu-? - Ele quis saber.

- Recebi um ultimato - declarou ela, sem expressão na voz. - Kurt disse que se eu não aceitar me casar com Sabon ele fará algo para prejudicar minha mãe e meu meio-irmão. Na verdade, ele está desesperado e não acho que tenha sido um blefe. Investiu todo o dinheiro que tinha na sociedade com Sabon e acabará perdendo tudo se eu não me casar com aquele homem detestável. .

Pierce enrijeceu o maxilar. Sabia que Brauer era um cretino, mas não imaginou que ele teria coragem de ir tão longe em sua ambição.

- E o que você pretende fazer? - perguntou a Brianne.

Os lábios dela se curvaram em um sorriso insinuante.

- Não consegue imaginar? É agora ou nunca, Pierce.

Ele estreitou o olhar, não entendendo onde ela estava querendo chegar.

- Poderia ser mais específica?

- Claro.

Dizendo isso, Brianne ficou de pé e abriu os dois primeiros botões de sua blusa, expondo a curva sensual entre seus seios.

- Quer que eu seja mais específica do que isso?

 

Pierce vinha se recusando e pensar em Brianne como uma mulher desejável nos últimos tempos. Ainda não havia se recuperado completamente da perda de Margô e não se considerava preparado para um envolvimehto mais íntimo, ainda mais com alguém tão jovem e inocente quanto Brianne.

Porém, a visão da curva sensual entre os seios dela foi suficiente para atiçar sua imaginação, deixando-o excitado.

Notando o brilho de desejo nos olhos dele, Brianne se tornou apreensiva de repente. Hesitante, voltou a fechar os botões e cruzou os braços, em um gesto defensivo.

- Perdeu a coragem? - perguntou Pierce, com um sorriso charmoso.

"Sim", respondeu Brianne, em pensamento. Era impossível fingir que ela não o considerava intimidador.

Ainda mais sabendo que ele estava completamente nu por baixo daquela toalha.

- Desculpe-me - foi tudo que conseguiu dizer. - Não sei o que deu em mim. Por mais que eu esteja desesperada para me livrar de Sabon, não tenho o direito de exigir que você me ajude com isso.

- Não está exigindo nada, Brianne – argumentou Pierce. - Como sempre, a sinceridade a levou a mostrar o que pensa, só isso.

Devagar, ele ficou de pé, deixando a toalha cair no chão. Então se aproximou dela. Brianne sentiu um ímpeto de sair correndo, mas o orgulho a manteve no mesmo lugar.

Também não protestou quando Pierce afastou suas mãos e começou a desabotoar sua blusa. Não estava usando nada por baixo e, em poucos segundos, seus seios delicados ficaram expostos.

Pierce engoliu seco ao ver os mamilos rosados intumescerem sob seu olhar de desejo. Brianne estava se revelando ainda mais linda do que ele imaginara. Ela sentiu vontade de se cobrir, mas resistiu ao impulso. Queria muito parecer sofisticada aos olhos de Pierce, porém, a timidez da inexperiência levou-a a sentir-se desajeitada.

Parecendo notar isso, ele falou:

- Você é linda, Brianne.

O sorriso atraente o fez parecer menos intimidador aos olhos dela.

- Ainda está sem coragem? - perguntou ele, em um tom gentil. Brianne apenas assentiu, abaixando a vista. Pierce segurou o queixo dela entre o polegar e o indicador, fazendo-a encará-lo.

- Não precisa ter medo de mim - sussurrou ele, bem próximo a ela.

A voz aveludada soou tão gentil aos ouvidos de Brianne que ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas. Estava ciente do calor do sol que os iluminava naquele momento, do som das ondas quebrando na praia logo adiante. Entretanto, a proximidade de Pierce parecia mais poderosa do que tudo aquilo.

 

De fato, nem mesmo o ruído de um avião passando acima deles foi capaz de fazê-la desviar os olhos dos dele. Sentia-se como que hipnotizada, até que o olhar de Pierce foi baixando devagar e se deteve em seus seios mais uma vez.

Brianne conteve o fôlego. Deus, ele não iria fazer nada para abrandar o desejo que começara a queimar em seu corpo? Nem mesmo um beijo ou um toque?

Sempre se considerara comportada, apesar de sua aparente ousadia. Na verdade, usava aquilo como uma fachada defensiva diante do mundo. Mas não queria continuar sendo comportada com Pierce ali, à sua frente, nu e arrebatadoramente desejável.

Reunindo coragem, deu um passo à frente. Quase com alívio, viu-o levantar a mão devagar e tocar-lhe um dos seios. Conteve o fôlego quando ele circundou o bico rosado com o polegar.

Pierce sorriu diante da reação dela. Por mais que se esforçasse, Brianne não conseguia disfarçar o espanto perante suas próprias sensações. Com a outra mão, puxou-a mais para perto.

- O portão - balbuciou ela, com a respiração alterada. - Alguém pode entrar e...

- Ninguém vem até aqui quando estou tomando sol - Pierce a interrompeu, com um sorriso tranqüilizador. - É uma espécie de acordo silencioso entre mim e os empregados.

Ele estava se sentindo realmente vivo pela primeira vez, desde a morte de Margô. Fazia muito tempo que não sentia um seio avolumando-se sob sua mão ansiosa. O perfume de Brianne lhe trouxe à mente a imagem de um campo repleto de flores. Dentre elas, Brianne era aquela que poderia ser comparada a um botão ainda intocado, pronto para desabrochar sob o calor do sol, sob o toque de suas mãos...

Sentiu o coração acelerar diante das imagens sensuais que surgiram em sua mente. Por fim, deixou de pensar na inexperiência de Brianne. Esse detalhe não importava no momento. Não com ela ali, em seus braços, mais do que pronta para ser amada.

Devagar, abriu o zíper da calça dela. Brianne tocou suas mãos, mantendo um ar apreensivo. Pierce sorriu com carinho, tentando tranqüilizá-la.

- Sei que perder a virgindade é algo que parece assustador a princípio - murmurou ele, com os lábios a centímetros dos dela. - Mas prometo que serei gentil. Quero tê-la aqui, Brianne, sob a luz do sol.

Dizendo isso, mordiscou os lábios dela, antes de tomá-los em um beijo ardente. Sorriu quando Brianne gemeu baixinho, encantada com as novas sensações que estava experimentando.

Em meio a beijos carinhosos, foi deslizando os lábios cada vez mais para baixo, até acariciar um dos mamilos rosados com a boca. Brianne gemeu novamente, levando as mãos a seus cabelos e puxando Pierce para junto de si.

Pouco depois, o jeans que ela estava usando foi parar no chão. Brianne chegou até a sentir alívio por isso. Seu corpo havia esquentado sob o toque das mãos experientes de Pierce. De fato, mal estava conseguindo respirar, envolvida pelas carícias dos lábios dele em seus seios.

Completando a doce tortura, Pierce começou a mover as mãos devagar, descobrindo as partes sensíveis do corpo de Brianne que nunca haviam sido tocadas por um homem.

Brianne estava surpresa com sua própria reação.

Deveria estar embaraçada com toda aquela intimidade, mas não estava. Sentia-se mais livre do que nunca. .

Livre para se entregar àquele que primeiro lhe despertara o desejo de se tornar mulher.

Quando deu por si, já estava deitada sobre uma grande toalha felpuda que Pierce havia estendido sobre o gramado ao lado do piso rústico da piscina. Abriu os olhos por um instante, notando quanto pareciam pesados sob ó efeito do desejo.

Pierce deitou ao lado dela e livrou-a do restante das roupas. Movia-se devagar e com paciência, embora o brilho dos olhos negros denunciasse uma intensa chama de desejo.

Para espanto de Brianne, ele não se apressou nem demonstrou urgência de fazer algo além de olhar para ela durante um longo tempo.

Brianne estremeceu sob o poder daquele olhar. Ficou esperando que ele voltasse a beijá-la ou algo do gênero, mas Pierce permaneceu no mesmo lugar.

- Você não vai...? - perguntou a ele, em um sussurro.

Os lábios dele se curvaram em um sorriso charmoso.

- Não vou o quê?

Brianne engoliu em seco, hesitando.

- Não vai fazer amor comigo?

Pierce suspirou. Deslizou as mãos pelos quadris dela, fazendo-a estremecer mais uma vez.

- Quero muito fazer amor com você - confessou ele, com um olhar sincero. - Mas acho que minha consciência iria pesar pelo resto da minha vida.

Brianne fez uma careta de protesto.

- Por que tinha de pensar nisso justo agora? Não está me tirando nada que eu não queira lhe dar. Será que não entende que se eu voltar para casa como uma virgem aquele homem amedrontador não vai me deixar partir.

Os dedos de Pierce se contraíram sobre a pele delicada de Brianne.

- Você não vai voltar para casa - respondeu ele. - Nem agora, nem nunca.  Você vai ficar aqui.

Ela ficou surpresa e hesitante ao mesmo tempo.

- Quer que eu viva com você? - perguntou, ofegante.

Pierce assentiu, deslizando as mãos pelas pernas esguias de Brianne.

- Bem, acho que vou gostar disso - disse ela, retomando o ar ousado de sempre.

- Mas seu padrasto não vai gostar nem um pouco - lembrou ele, mantendo um tom de voz calmo. Com certeza, ele vai arranjar algum suporte legal para obriga-la a voltar para casa.

- Não vou voltar para lá por nada desse mundo!

- Ele pode obrigá-la, se estiver com a lei do lado dele - Pierce salientou. - Sendo assim, faremos uma viagem repentina para Nevada.Brianne conteve o fôlego.

- Nevada?

- Isso mesmo - concordou ele. - Mais precisamente para Las Vegas - acrescentou, sorrindo.

Para espanto de Brianne, ele ficou de pé e a fez ficar também.

- Você tem um corpo maravilhoso, Brianne - Pierce elogiou-a, tocando-lhe os mamilos com a ponta dos dedos e gostando de vê-la gemer baixinho sob seu toque. - Se fosse pelo menos dois anos mais velha, eu não hesitaria nem por um instante, pode acreditar. Ainda é muito jovem para se tornar a amante de um homem. Por isso, prefiro me casar com você.

Brianne não acreditou no que acabara de ouvir. Seus sonhos estavam se realizando!

- Está brincando comigo? - perguntou, incrédula. Pierce balançou a cabeça negativamente.

- Não, não estou. Não vou deixar que um pervertido como Philippe Sabon ponha as mãos em você. E essa é a única maneira para que eu consiga protegê-la.

- Ele já não iria me querer se eu tivesse um amante, Pierce - Brianne sentiu-se na obrigação de salientar.

- Não pode ter certeza disso - argumentou ele. - Além disso, como iria provar a ele?

Ela mordeu o lábio.

- Tem razão - admitiu em um fio de voz.

Segurando-a pela cintura, Pierce puxou-a para si, colando o corpo ao dela. Riu quando Brianne se sobressaltou ao sentir suas partes mais íntimas se tocarem.

- Não se sinta intimidada por mim - disse ele, em um tom de voz gentil.

Quando ele voltou a se afastar, ela olhou-o, confusa.

- Então não faremos nada agora? - arriscou-se a perguntar.

- Não. Prefiro esperar até que estejamos casados.

Brianne arqueou uma sobrancelha.

- E só porque ainda sou virgem?

- Sim. Sou meio conservador a esse respeito. Você é especial e quero tratá-la como tal. Pouco importa o que o resto do mundo pense ou diga. Farei as coisas à minha maneira e ponto final.

- Então, sem casamento nada feito, hum? - indagou Brianne, feliz o suficiente para gracejar.

Em silêncio, levou as mãos ao peito dele, acariciando os pêlos macios e adorando sentir o contorno daqueles músculos rijos sob seus dedos.

- Está bem - anuiu, com um suspiro. - Já que tem tanta certeza...

Pierce entrelaçou os dedos nos longos cabelos dela.

- Sim, tenho certeza - disse com firmeza, embora nem ele mesmo soubesse por que estava tão certo quanto àquela decisão.

Brianne enlaçou os braços em torno do pescoço dele, adorando sentir a pele de Pierce junto à sua.

- Eu também - murmurou ela, fitando-o nos olhos.

Ele roçou os lábios nos dela, mas hesitou de repente ao sentir um calor intenso pelo corpo. Pelo visto, enganara-se ao pensar que seu desejo havia se atenuado. Com um gemido de protesto, tomou os lábios de Brianne em um beijo esmagador.

Brianne percebeu quando a respiração de Pierce se alterou enquanto o corpo dele, colado ao seu, mostrava evidentes sinais de desejo. Assustada com o que estava acontecendo, ela se afastou e fitou-o nos olhos, com um ar de curiosidade.

Em uma atitude mais ousada, aproximou-se novamente de Pierce e roçou o quadril no dele. Pierce gemeu, puxando-a para si com tanta intensidade que a deixou aturdida por um momento.

Pierce também era vulnerável a seu toque! Não esperava que ele fosse ter aquela reação. Enquanto ele a tocara, parecera ter total controle da situação, mas talvez ele houvesse se esforçado para se controlar durante todo o tempo. Diante disso, ela se perguntou o que aconteceria se... se ela o tocasse.

Fitando-o nos olhos, insinuou a mão entre eles e foi descendo-a devagar, acariciando a faixa de pêlos que descia pelo meio da barriga de Pierce e que ia mais além.

Ele enrijeceu o maxilar, mas não fez menção de detê-la. Brianne hesitou por um momento, ciente de quanto o estava provocando. Pierce soltou um breve suspiro.

- Quer me tocar?

Ela assentiu, decidindo deixar a timidez de lado.

Esforçando-se para não perder o controle, Pierce tomou a mão dela e a guiou até sua parte mais viril.

Brianne arregalou os olhos, surpresa ao senti-lo tão intimamente. Aos poucos, um sorriso se insinuou em seus lábios, denotando mais confiança.

Pierce continuou guiando a mão dela por seu corpo, também espantado com o prazer que aquela inocente era capaz de lhe provocar.

- Mostre-me como se faz - pediu ela, deixando a timidez de lado.

- Para depois você se sentir chocada? - salientou Pierce.

- Tudo bem. Já estou contando com o fato de ficar chocada.

- Pensei que já estivesse.

Pierce guiou as mãos dela mais uma vez. Devagar, foi dizendo o que desejava que ela fizesse até que seu corpo tenso estivesse pronto para explodir de prazer.

Não demorou muito tempo para Brianne se encantar com o efeito de suas carícias naquele corpo másculo.

Deixando-se levar pelo clímax, Pierce não se importou quando Brianne continuou olhando-o enquanto ele era arrastado pelas ondas de prazer que varreram seu corpo.

Ainda ofegante, abraçou-a e a manteve junto de si.

Curvou os lábios em um sorriso ao notar que Brianne também estava trêmula.

- Você é tão... desinibido - disse ela, sorrindo. - Eu gostaria de ser assim.

- Gostaria?

Sem que ela esperasse, Pierce levantou-a nos braços e levou-a novamente até a toalha, deixada sobre o gramado. Deitou-a com cuidado e beijou-a, antes de ir deslizando os lábios cada vez mais para baixo, até encontrar a parte mais sensível do corpo de Bri8nne.

Com um gemido, ela fechou os olhos, passando a experimentar sensações sobre as quais ela só havia lido até então. Levada pelo prazer intenso, arqueou o corpo quando Pierce levou-a a um nível de êxtase que ela nem imaginara ser possível minutos antes.

De fato, tudo aconteceu de uma maneira tão inesperada que o clímax apanhou-a de surpresa, quase instantaneamente. Gemeu alto quando a deliciosa onda de prazer arrebatou seu corpo, fazendo-o estremecer.

Levou algum tempo para voltar a respirar normalmente, enquanto Pierce deixava uma trilha de beijos por todo seu corpo.

Ele sorriu ao se deparar com a expressão atônita no rosto de Brianne, quando ela voltou a fitá-lo.

- Você me deu prazer - salientou ele. - Nada mais justo do que eu também lhe dar.

- Sim, mas eu não... não imaginei... Ainda estou meio zonza... - Confusa, perguntou: - Isso foi... natural?

- Depende de sua definição de natural- respondeu ele, mantendo o sorriso charmoso.  - Se você gostou, sim, é natural.

Brianne hesitou.

- Sim, gostei muito - confessou, enrubescendo.

- Eu também. - Deitando-se ao lado dela, Pierce abraçou-a com carinho. - Não foi exatamente fazer amor, mas é suficiente por enquanto.

Brianne roçou o corpo no dele com languidez, demonstrando que o desejo voltara a se acender.

- Tão rápido? - inquiriu Pierce, arqueando uma sobrancelha.

Ela sorriu, com ar de desculpas.

- Sinto muito. Talvez eu não seja muito normal.

Com gentileza, Pierce acariciou o ventre dela.

- Você não é apenas normal, mas também muito desejável.

Ele acariciou-a com intimidade, a princípio com delicadeza e depois com deliberada insistência. Fitando-a nos olhos, tornou as carícias mais ousadas até fazê-la conter o fôlego.

Brianne mordeu o lábio, mas não deixou de encará-lo nem por um instante.

- Está doendo? - Pierce perguntou.

- Só um pouquinho.

- Sabe o que estou fazendo?

Brianne assentiu.

- Está me preparando para quando... - Ela deixou a frase no ar.

Pierce se aproximou mais, mantendo o rosto pouco acima do dela.

- Continue me olhando.

Ela obedeceu e arqueou o corpo quando a leve dor foi se confundindo com o desejo de ser amada por ele.

Pierce continuou a doce descoberta com dedos gentis.

Aquela era a máxima intimidade que ele conseguia imaginar entre um homem e uma mulher. Devagar, insinuou os dedos pela flor pulsante de Brianne até liquidar parcialmente a barreira que no futuro causaria desconforto quando ela se tornasse realmente sua.

Quando deixou de sentir o leve incômodo, levantou os braços para Pierce em um convite silencioso. Ele balançou a cabeça negativamente e afastou-se um pouco.

- Não sentirá mais dor quando fizermos amor. - sussurrou ele.

- Por que não fazemos amor agora?

- Porque não quero a lembrança de sua primeira vez fique ligada à sensação de dor. - Inclinando-se, Pierce beijou-a nos lábios. - Quero que sua primeira experiência comigo seja repleta de prazer e de paixão.

Brianne puxou-o para si e beijou-o com sensualidade, tentando fazê-lo mudar de idéia. Porém, Pierce se manteve firme na decisão. Com um sorriso charmoso, ajudou-a a ficar de pé.

Somente depois de algum tempo foi que ele se deu conta de que, pela primeira vez em dois anos, não havia pensado em Margô. Desejara Brianne com uma urgência que não experimentava desde a adolescência.

Não se tratava de amor, mas certamente era um sentimento que poderia acabar se transformando em algo mais profundo. Iria se casar com ela para protegê-la de Sabon, mas não fora apenas isso que o levara a tomar aquela decisão. Iria se casar com Brianne para saciar a paixão que ela lhe despertara. Desde que perdera Margô, nunca sentira tanto interesse por alguém.

Era bom voltar a experimentar aquela sensação que parecia lhe preencher o peito.

Durante os dois últimos anos, ele vivera no passado, alimentando a saudade e as lembranças que sentia de Margô. Mas era preciso parar com aquilo.

Sabia que não era saudável para um homem com trinta e quatro anos viver isolado e sem perspectiva para o futuro.

Reconhecia que Brianne era muito jovem para ele, mas quando ela se cansasse de sua companhia e decidisse procurar outra pessoa, ambos fariam o que precisasse ser feito. Por enquanto, iria apenas desfrutar da agradável companhia dela e se deixar levar pela paixão. Parecia mais do que suficiente no momento.

Brianne e Pierce viajaram para Las Vegas naquela mesma tarde. Horas depois de haverem chegado à cidade, casaram-se em uma pequena capela.

Brianne trajava um vestido branco curto e um delicado chapéu enfeitado com um arranjo de rosas brancas A compra da roupa havia sido bastante rápida, mas seu costumeiro bom gosto a levara a escolher um traje simples e elegante ao mesmo tempo.Pierce a acompanhara nas compras, rindo da idéia de que dava azar o noivo ver-a roupa da noiva antes do casamento. Durante a cerimônia, ele usou um elegante terno azul-marinho, formando um belo contraste com o vestido branco de Brianne.

As alianças também haviam sido compradas às pressas, mas Brianne adorou a sua, adornada com pequenas folhinhas em ouro branco e um brilhante no centro.

A de Pierce era simples, mas, para Brianne, pareceu simplesmente perfeita naquela mão forte e bronzeada.

Depois que os dois foram declarados marido e mulher, Pierce beijou Brianne e sorriu para ela. Estava muito sério, parecendo ciente do compromisso que acabara de assumir.

Brianne imaginou se ele não estaria recordando o primeiro casamento. Tinha certeza de que não deveria ter sido nem um pouco parecido com o deles. A cerimônia tivera que ser simples porque se eles houvessem optado por algo mais suntuoso Kurt acabaria descobrindo e daria um jeito de impedi-los de realizar o casamento.

No íntimo, Brianne lamentou não haver podido usar o longo vestido branco e o véu volumoso com os quais sempre sonhara. Também lamentou não haver amor nos olhos de seu noivo, mas aquele era a única solução viável para seu problema. Antes se casar com Pierce, mesmo não sendo amada por ele, do que ir parar na cama de Phillip Sabon.

Sabia que Pierce a desejava e que gostava de sua companhia, mas seria isso suficiente para mantê-los juntos, com todo o amor apenas do seu lado e o fantasma da ex-esposa do lado dele?

 

Notando que ela parecia preocupada, Pierce tocou-lhe a ponta do nariz.

- Pare de se preocupar - disse a ela. - Nós seremos felizes.

- Espero que sim - respondeu Brianne, forçando um sorriso.

Ele suspirou.

- Você é muito jovem, mas acho que vamos nos entender apesar da diferença de idade.

- Posso envelhecer em um instante, se você quiser - disse Brianne. - Talvez mergulhar o rosto na água até a pele começar a enrugar sirva para me deixar com uma aparência mais velha.

Pierce riu.

- Você é mesmo maluca, sabia? - brincou. - E vai acabar me deixando maluco também.

- Prometo que farei o possível.

Os dois se despediram do padre e das testemunhas e saíram direto para a limusine que Pierce havia alugado.

- Nem acredito que estamos casados - murmurou Brianne, sorrindo com ar insinuante. - Que tal me levar para o motel mais próximo para fazermos amor até a exaustão?

Pierce apenas sorriu, como um adulto diante da ingenuidade de uma criança.

- Não há nada que eu queira mais - respondeu ele. - Mas precisamos pegar o primeiro vôo para fora de Las Vegas.

Brianne olhou-o, desapontada.

- Não vamos ter lua-de-mel?

- Brianne nós nos casamos para livrá-la de Sabon -lembrou ele, sério. - Gostei do que fizemos à beira da piscina e alguma dia espero amá-la devidamente. Mas agora não é o momento mais apropriado. Surgiram algumas complicações, mas preferi não lhe contar antes do casamento. Agora que estamos casados, você precisa saber.

- Saber o quê? - perguntou Brianne, sentindo um frio no estômago.

 

Pierce forçou um sorriso, como se, por um instante, houvesse desistido de falar sobre o assunto. Porém, Brianne continuou olhando-o, à espera de uma resposta.

- Está bem - anuiu ele, com um suspiro. - Não posso mesmo esconder isso de você por mais tempo.

- Telefonei para Arthur enquanto você estava se trocando no hotel. Ele disse que sua mãe ligou para minha casa de praia, perguntando por você. Parece que ela sofreu um pequeno... acidente. Mas ela está bem ele acrescentou logo em seguida, ao notar que Brianne empalidecera. - Ela contou a Arthur que caiu de uma escada, mas ele me disse que ela pareceu muito assustada ao telefone. Queria falar com você urgentemente, mas Arthur não disse onde estávamos, claro. Adiantou apenas que voltaríamos hoje.

Brianne respirou fundo, sentindo-se angustiada.

- Aposto que Kurt bateu nela - disse com tristeza. - Ele ameaçou prejudicar ela e o bebê se eu não colaborasse com os planos dele. Será que ele descobriu o que fizemos?

Pierce assentiu.

- Mais cedo ou mais tarde isso aconteceria.

- Ele falou que Sabon voltaria hoje e que iria querer me ver. - Brianne passou a mão pelos cabelos, jogando-os para trás. - Oh, Deus, por que minha mãe foi se casar com alguém corno Kurt Brauer? Será possível que ela não percebeu o tipo de sujeito com o qual estava se envolvendo?

- Claro que percebeu. O problema é que Brauer tem dinheiro - afirmou Pierce.

Ela se encostou no assento do carro, parecendo cansada de repente.

- Acha que ele voltará a machucá-la? - perguntou a ele. - E quanto ao bebê?

- É provável que eles estejam seguros por enquanto - afirmou Pierce. - Mas Sabon vai querer ver sangue quando descobrir o que fizemos. Logo estará arquitetando uma maneira de se vingar não apenas de nós dois, mas de todos que estão próximos a nós. Kurt fará o mesmo, provavelmente.

A pulsação de Brianne se acelerou diante daquelas palavras. Conhecia seu padrasto o suficiente para saber que ele teria coragem de fazer coisas terríveis por vingança.

- O que faremos, Pierce? - indagou, preocupada.

- Bem, para começar, você não vai voltar para casa. Iremos para Freeport, em vez de Nassau. Já telefonei para casa e pedi a Arthur que convoque um de meus seguranças para ir nos buscar no aeroporto. Ficaremos em Freeport durante algum tempo, até a situação se acalmar e o chefe de meus seguranças chegar com a equipe dele.

- Você realmente considera Sabon uma ameaça, não? - questionou ela, franzindo o cenho.

Pierce segurou a mão dela, tentando acalmá-la.

- Sei que ele é perigoso, Brianne. Mas nada vai lhe acontecer, eu prometo. Está sob minha responsabilidade agora e vou cuidar de você.

Ela mordeu o lábio.

- Oh, Deus, isso está virando um pesadelo. Estamos na década de noventa. Esse tipo de coisa não deveria mais acontecer! Não acredito que um completo estranho esteja querendo me forçar a me casar com ele.

- Sabon é muito rico e está acostumado a conseguir tudo o que quer por causa disso. Seu padrasto está em uma encrenca maior do que ele imagina. - Ele olhou para Brianne, que ficara visivelmente pálida.

- Acho que será melhor você ir para os Estados Unidos, onde o chefe de meus seguranças poderá protegê-la com mais profissionalismo. Certa vez, você disse que queria entrar para a faculdade de matemática. Ainda está interessada nisso?

Brianne olhou para ele, aturdida. Não era possível que Pierce estivesse dizendo aquilo minutos depois de os dois haverem se casado. Ainda estava sonhando em passar a noite nos braços dele, em algum motel da cidade, e lá estava ele, oferecendo-lhe um curso na faculdade.

- Não tenho pensado na faculdade ultimamente confessou, abaixando a vista.

- Ainda é jovem o suficiente para começar- uma disse Pierce. - Poderá estudar em uma faculdade pequena, perto de Washington, e com um nome falso, para que Sabon não consiga encontrá-la. Mas mesmo que ele consiga, Tate Winthrop ou outro de meus seguranças estará por perto para protegê-la. Você receberá proteção dia e noite, até que isso tudo termine.

- Não vou poder ficar com você? - indagou ela, ainda evitando encará-Io.

Pierce suspirou.

- Eu gostaria que isso fosse possível, mas será melhor ficarmos separados. Ainda mais depois do que aconteceu entre nós.

Ela arqueou as sobrancelhas, confusa.

- Não estou entendendo.

- Não? - Ele riu com frieza. - Ouça, querida, você é muito desejável e eu sou um homem. Toda minha boa intenção irá por água abaixo se ficarmos muito tempo sob o mesmo teto. Entendeu agora?

- Mas eu te quero, Pierce - protestou ela.

- Quer! - zombou ele. - Isso é apenas uma empolgação passageira por algo proibido, Brianne. Descobriu o prazer sensual e quer ir além, só isso. O problema é que não tenho muito mais a oferecer além de algumas horas de prazer na minha cama. E não acho justo que você tenha apenas isso. Eu acabaria arrasando seu coração inocente. Sou um homem solitário e não quero uma esposa.

- Mas você se casou comigo - lembrou ela, em tom de acusação.

- Sim. Mas apenas para protegê-la de Sabon. Pierce olhou-a com atenção. - Você é jovem, inexperiente, e está pronta para se apaixonar. Não quero que acabe se apaixonando por mim, Brianne. Eu poderia ter uma noite de amor com você e ir embora no dia seguinte, sem a mínima mágoa. Mas com você seria diferente. Seu ritmo de vida é muito intenso para mim.

 - Está querendo dizer que se eu aceitasse apenas dormir com você e ir embora no dia seguinte, poderia ficar?

- Sim, acho que sim - respondeu ele, parecendo confuso.

- Talvez eu possa fazer isso.

- Não, não você - Pierce contestou de imediato.

- Sei que já está um pouco apaixonada por mim. - Notando o ar de espanto no rosto dela, acrescentou:

- Pensou que eu não havia percebido? - inquiriu com gentileza. - Seus olhos são um livro aberto, Brianne. Ainda não adquiriu a experiência necessária para conseguir disfarçar seus sentimentos.

Ela respirou fundo, jogando os cabelos para trás com impaciência. Então olhou a paisagem através da janela da limusine, recusando-se a encará-Io.

- Então para onde iremos agora?

- Você irá para a faculdade e eu voltarei a trabalhar no meu novo projeto - respondeu Pierce.

- Não vai querer dormir comigo nem mesmo uma noite?

- Oh, eu gostaria muito, mas não sei se conseguiríamos lidar com a situação depois - salientou ele. - Prefiro esperar até que você esteja um pouco mais madura.

Brianne olhou-o com uma expressão triste.

- Foi um casamento simples em um lugar vulgar. É por isso que não pretende cumprir seus votos? Ou já pretendia seguir um caminho diferente do meu desde o início?

Ele arqueou as sobrancelhas. Havia prestado atenção apenas na primeira parte do comentário.

- Lugar vulgar? - repetiu, confuso. .

- Que outro nome daria àquela capela minúscula que nem se parecia direito com uma capela? - replicou Brianne.

Pierce não havia pensado naquele detalhe, até ela surpreendê-lo com a realidade do local e da cerimônia.

Brianne tinha razão. A capela ficava em um lugar suspeito, e havia sido improvisada apenas para unir casais obrigados a se casarem por algum motivo escuso.

Ou então para legalizar união com garotas que esqueciam seus princípios em troca de algum tempo de casamento, antes de um divórcio recheado de dinheiro.

Pierce suspirou. Brianne não combinava com nada daquilo. Apesar da atitude ousada que ela demonstrava para o mundo, no íntimo não passava de uma sonhadora. Era o tipo de garota que esperava se casar na igreja, com um longo vestido branco e um véu volumoso, levantado apenas no momento de receber o beijo do noivo.

Na verdade, seu casamento com Margô havia sido exatamente assim. Apesar da situação inusitada, Brianne merecia haver tido algo mais requintado. De fato, fora mesmo distração de sua parte não levar em conta o que ela poderia estar desejando ao se casar.

- Sinto muito - disse a ela, em um tom de voz mais gentil. - Fiquei tão preocupado em nos casarmos logo que não pensei nos detalhes. Você preferiria haver se casado em uma igreja, não?

Brianne não olhou para ele.

- Você se casou em uma da primeira vez? - ela respondeu com outra pergunta.

- Sim - confessou Pierce. - Margô disse que não se sentiria realmente casada se a cerimônia não fosse tradicional.

Ao notar a expressão magoada de Brianne, ele se deu conta de quanto a havia magoado.

- Então tivemos o casamento certo - disse ela, com uma calma que o surpreendeu. - Afinal, de sua parte não foi nada além de um desejo de me salvar de um destino pior. Casarmos em uma igreja teria sido uma espécie de sacrilégio, certo? Peço desculpas pelo que eu disse. Na verdade, eu deveria agradecer por você haver decidido me ajudar, em vez de ficar criticando o modo como tudo aconteceu.

Pierce segurou a mão dela com delicadeza.

- Não nos conhecemos direito - disse ele, sentindo a resistência dos dedos dela. - Desse jeito, acabaremos nos magoando um bocado antes de nos conhecermos melhor.

- Não, isso não vai acontecer - Brianne refutou, com convicção. - Não comigo nos Estados Unidos e você em Nassau. - Voltando a olhá-lo, forçou um sorriso. - É assim que você prefere, não? Mesmo que eu não estivesse sendo perseguida por um maníaco você iria querer que eu ficasse em um lugar bem distante, para não ter de me ver todos os dias.

- É melhor assim - afirmou Pierce, mantendo-se calmo.

Ela suspirou.

- Está bem. Já entendi o que está querendo. Prometo que não vou lhe causar problemas.

Dizendo isso, tirou a aliança do dedo e a entregou a ele.

- Por que fez isso? - Ele arqueou as sobrancelhas.

- Porque você continua casado com outra mulher. Sei que não esqueceu sua esposa. Portanto, não há motivo para eu usar uma aliança e me sentir casada com você.

- Não vou aceitar essa aliança de volta - replicou Pierce. - Muito menos por causa do capricho que uma garota que não sabe se comportar como adulta!

Brianne estremeceu ao ouvir aquilo.

- Lamento não ter maturidade suficiente para participar do seu jogo, sr. Hutton - retrucou, com ironia.

- Mas eu aprendo depressa. Já que não serei sua esposa de verdade, não vejo motivo para não poder me encontrar com outros homens. É isso que prefere, não? Que eu encontre outra pessoa e saia da sua vida.

- Quero que se livre de Sabon, só isso - respondeu Pierce, por entre os dentes. - No momento, essa é minha única preocupação. Mas se quebrar seus votos com relação a mim - continuou ele, com calma -, é melhor que se esconda em algum lugar onde eu não consiga encontrá-la.

Brianne arregalou os olhos.

- O que disse?

- Você ouviu muito bem - Pierce respondeu. - De qualquer maneira, estamos casados e não admito que me traia.

- Ora, que interessante! - ironizou ela.

- Isso não tem nada a ver com ciúme - Pierce se justificou. - Temos de manter o casamento como algo real por causa de Sabon, só isso. Do contrário seu padrasto aproveitará a primeira oportunidade para entregá-la a Sabon. Se você começar a ser vista com outros homens, Brauer não acreditará que está realmente casada.

- Ele não seria o único - resmungou ela.

O olhar de Pierce se tornou mais severo.

- Tenho sido honesto com você, Brianne. Preferiria que eu a seduzisse antes de mandá-la para os Estados Unidos?

Sem desejar ir adiante com a discussão, ela pegou a aliança de volta e enfiou-a no dedo.

- Acha que Sabon não desistirá de imediato quando souber que estamos casados? - perguntou, mudando de assunto.

Pierce hesitou, parecendo mais interessado em continuar o assunto anterior. Porém, acabou desistindo e respondeu:

- Na verdade, acho que isso o deixará ainda mais determinado a tê-la para si.

Depois disso, os dois trocaram poucas palavras no caminho até o aeroporto. Após o embarque, Brianne adormeceu na confortável poltrona do avião. Acordou algum tempo depois, com um sobressalto.

Pierce estava olhando para o corredor, onde a aeromoça começara a ajeitar as bandejas que seriam servidas aos passageiros.

- Vão começar a servir o jantar - avisou ele. Você quer uma bandeja?

-Sim.

Ele destravou a mesinha em frente a Brianne, sorrindo ao notar o ar de surpresa no rosto dela.

- Não viajou para Paris de primeira classe? - indagou, com um brilho de divertimento no olhar.

- Viajei como turista - Brianne explicou. - De um ano para cá, Brauer não anda muito generoso no que se refere a dinheiro. Para ser sincera, acho que ele está perto da bancarrota.

- Não é à toa que ele anda tão desesperado para agradar Sabon - deduziu Pierce. - Se ele colocou todo o dinheiro que tinha nesse investimento esperando dobrar o valor de sua fortuna, está em sérios apuros.

- Por quê? - inquiriu ela.

Pierce ajeitou sua própria bandeja.

- Porque minha empresa está trabalhando com um consórcio entre companhias de petróleo que pretendem travar um acordo com os russos para desenvolver aquele poço no mar Cáspio, sobre o qual lhe falei. Construiremos um oleoduto passando exatamente por Qawi, o país de Sabon.

Ao ouvir aquilo, Brianne ficou preocupada. Isso significava que provavelmente Pierce teria de se confrontar com Sabon e Brauer.

- Mas os Estados Unidos mantêm sanções econômicas contra Qawi - afirmou ela. - Não é de admirar que Brauer esteja preocupado. Se o empreendimento for cancelado, todos tomarão partido e ele sairá apenas com o prejuízo em dinheiro. - Brianne olhou para Pierce. - Você não é cidadão americano?

- Eu poderia ser, se quisesse, mas não optei por isso - respondeu ele, lembrando-a de sua nacionalidade européia.

- Eu havia me esquecido - admitiu ela. - Você fala inglês muito bem, praticamente sem sotaque.

- Eu lhe disse que foi meu avô quem me criou. Ele era grego, mas falava vários idiomas com fluência. Ele insistiu para que eu estudasse inglês com afinco. Esse é o idioma do mundo dos negócios, como ele costumava dizer. Por isso, passei um bom tempo nos Estados Unidos, aperfeiçoando meu inglês.

Brianne se encostou na poltrona para que a aeromoça pudesse servi-la. Então esperou que Pierce também fosse servido, antes de estender o guardanapo sobre o colo e olhar para ele.

- Não entendo muito de política internacional confessou a ele.

Pierce sorriu.

- Pois deveria aprender mais sobre o assunto. É mais fácil nos relacionarmos com estrangeiros quando entendemos um pouco de sua política e de seus costumes sociais e religiosos.

- Quantos idiomas você fala? - perguntou Brianne. Pierce deu de ombros.

- Fluentemente apenas três. - Sorrindo, acrescentou: - Sabe como um árabe define uma pessoa inculta?

- Não. Como?

- Como alguém que só fala um idioma.

Brianne riu, surpresa.

- Bem, então acho que isso me coloca no alto da lista deles - confessou.

- Vou ensiná-la um pouco de grego, se quiser. É um belo idioma.

- Oh, vou adorar - respondeu ela.

Sabia que francês, era o outro idioma que ele dominava, mas Pierce não se ofereceu para ensiná-lo a ela. Provavelmente por causa de Margô, que era francesa, concluiu, com tristeza.

Pierce conhecera a falecida esposa na França, onde a amara e também a perdera.Involuntariamente, Brianne olhou para as mãos dele. Eram fortes, mas muito carinhosas. Não pôde deixar de sentir uma onda de ciúme ao imaginá-lo tocando outra mulher.

Suspirou ao recordar a maneira como ele a havia tocado, levando-a a explodir de prazer em questão de segundos. Ao ouvir seu suspiro, Pierce olhou-a com ar de curiosidade. Embaraçada com o rumo de seus pensamentos, Brianne voltou a se concentrar na refeição.Pelo visto, não conseguia mesmo esconder nada dele.

Pierce sabia ler cada uma das expressões de Brianne. Ela era como um livro aberto para ele. Naquele momento, provavelmente estava se lembrando do que haviam compartilhado à beira da piscina.

Ele próprio sentiu uma onda de desejo ao se lembrar do modo como ela se rendera às suas carícias. Aquilo lhe dera uma idéia de como seria maravilhoso poder amá-la completamente. Porém, todas as vezes em que pensava nisso, via o rosto de Margô surgir à sua frente, fazendo-o sentir-se culpado por querer levar outra mulher para sua cama. Era como se estivesse cometendo adultério.

Brianne terminou a refeição e agradeceu quando á aeromoça lhe serviu uma xícara de café. Notou que Pierce também aceitou uma e, como ela, não acrescentou nada à bebida.

- Onde ficaremos quando chegarmos a Freeport? - perguntou a ele.

- Reservei uma suíte com dois quartos em um hotel da cidade. Usei nomes falsos para não corrermos o risco de termos alguma surpresa indesejável. Também entrei em contato com Winthrop. Ele vai cuidar de nossa segurança juntamente com um ou dois dos seguranças.

- Você realmente está levando isso a sério - salientou ela.

Ele assentiu, terminando de tomar o café.

- Seu padrasto vai viajar para Washington hoje, se o que soubemos estiver correto. Fiquei sabendo de detalhes que me agradaram ainda menos sobre o que ele e Sabon estão planejando. Há muitas coisas em jogo nessa história. O país de Sabon tem uma vizinhança pequena e pobre, com sonhos de dominar toda a produção de petróleo que o ocidente está tão desesperado para comprar. Um país vizinho, em particular, tinha petróleo, mas suas reservas se exauriram. Não há mais nem uma gota de petróleo no país. Porém, eles têm aliados poderosos e acesso a armas modernas.

- Ah, meu Deus - murmurou Brianne, passando a mão pelos cabelos, preocupada. - Acha que eles podem invadir Qawi?

- Sim, claro - Pierce respondeu, sem hesitar. E Sabon tem noção disso. Acho que é esse o motivo que o levou a se associar a Brauer. Ele sabia que seu padrasto tem um amigo no senado americano. Ele pode estar usando Brauer para pedir ajuda aos Estados Unidos. Sozinho ele nunca conseguiria o apoio americano porque o nome dele consta como o de um dos que ajudaram um inimigo americano na Guerra do Golfo. Se Brauer conseguir barganhar a proteção americana, usando os lucros com o petróleo como isca, Sabon terá o que precisa para continuar o empreendimento. Do contrário, ficará desesperado o suficiente para tomar uma medida drástica.

- E começar uma guerra? - supôs Brianne.

- Isso mesmo - Pierce confirmou.

Ele olhou para ela, limpando a boca com um guardanapo.

- Isso parece assustador - afirmou Brianne.

- E é mesmo. O Oriente Médio é um verdadeiro barril de pólvora. Uma faísca no lugar certo e toda a o região entraria em guerra. Chegaram perto disso, quando o Iraque atacou o Kuwait e Israel no início da década de noventa. Mas agora seria bem pior. Alguns países se aliariam contra outros e a guerra explodiria por todo o Golfo Pérsico. - Ele suspirou. - Isso não seria nada bom para nós, que temos investimentos em um projeto no mar Cáspio. Mesmo que a guerra se restringisse ao país de Sabon e seus vizinhos, teríamos atrasos de todo tipo e sofreríamos o risco de atentados armados.

Brianne continuou ouvindo em silêncio, chocada com a gravidade da situação.

- Se Brauer não conseguir o apoio dos Estados Unidos, acho que ele acabará pagando alguns de seus mercenários para atacar nossa plataforma e pôr a culpa na nação pobre, vizinha ao país de Sabon. Porém, com os russos do nosso lado, isso pode provocar uma resposta desagradável para Sabon e até uma intervenção americana. Tremo só de pensar nas conseqüências que isso traria.

- Não pode fazer nada para impedir esse desastre?

- Já estou fazendo - Pierce anunciou, com ar sério. - Winthrop está fazendo algumas investigações e já conseguiu evitar um atentado à nossa plataforma. Tenho certeza de que ele está com domínio da situação, ainda mais contando com a ajuda de alguns velhos amigos no serviço de inteligência. Eles também têm muito interesse em manter isso sob controle.

- Imagino que sim. - Brianne tomou outro gole de café, olhando-o por cima da borda da xícara. - Tudo isso parece muito excitante, apesar do perigo e da violência que pode gerar. - Ela sorriu. - Nunca estive envolvida em algo tão perigoso. Toda minha vida tem sido uma série de longos dias rotineiros. Pelo menos, a maioria deles. Você, por outro lado, parece viver em meio a uma constante aventura.

- Você também vive, embora não se dê conta. - disse ele, mantendo-se sério. - Um exemplo disso é a maneira como mudou minha vida desde que nos conhecemos.

- Ótimo - afirmou Brianne, com um sorriso. - Achei que você estava mesmo precisando de algumas mudanças quando o vi no Louvre. Ainda é muito jovem e bonito para ficar se afogando em mágoas.

Pierce sorriu, voltando a ficar bem-humorado.

- Eu não estava me afogando em mágoas.

- Não?! - Brianne arqueou as sobrancelhas. - Não foi o que me pareceu quando o vi se embebedando e esperando para ser assaltado por alguém pouco confiável. - Ela mordeu o lábio, franzindo o cenho. - E se aquela loira que estava flertando com você em Paris fosse uma agente da CIA em busca de segredos industriais?

Pierce riu.

- Não conheço nenhum segredo industrial. Administro o trabalho, mas não lido diretamente com a extração de petróleo. Não entendo muito do processo, exceto do ponto de vista jurídico.

- Sim, mas você sabe como construir uma plataforma de petróleo - insistiu Brianne. - Chegou até a patentear uma idéia para a construção de plataformas em áreas superficiais, não é?

Pierce pareceu surpreso.

- Não imaginei que soubesse algo sobre o ramo de petróleo.

- Não sei mesmo - disse ela. - Depois que o deixei naquele hotel em Paris, decidi que se iria me envolver com alguém que construía plataformas de petróleo seria melhor eu pesquisar algo sobre o assunto.

- Como sabia que iria se envolver comigo? Naquela época, eu não tinha nenhum plano de ir para Nassau ou de procurá-la.

- Sim, imaginei isso. Mas eu sabia que você tinha uma casa em Nassau, portanto, decidi que eu iria procurá-lo. - Brianne suspirou. - Mas acabei perdendo a coragem. Se você não estivesse naquela festa à qual fui com Kurt e minha mãe, acho que nunca mais nos encontraríamos, exceto por alguma coincidência do destino.

- É provável - anuiu ele. - Desde o início eu disse que a considerava muito jovem para mim.

- Pierce, são apenas treze anos de diferença.

- Quatorze - corrigiu ele.

Brianne sorriu.

- Não me disse que tinha feito aniversário.

- Sim, eu fiz - confirmou ele, mantendo-se sério.

O olhar frio de Pierce pôs fim a qualquer tentativa de incutir um pouco de bom humor à conversa. Deixando a xícara de lado, Brianne pegou a torta de chocolate servida como sobremesa.

- Além de não saber que você havia feito aniversário, também não sei que tipo de música e de literatura você gosta ou o que prefere fazer quando não está trabalhando.

Pierce sentia-se relutante em dividir aquele tipo de detalhe íntimo com ela. Tinha noção de que Brianne estava querendo entrar em sua vida, mas não era isso o que ele desejava. Ainda assim, flagrou-se respondendo antes mesmo de se dar conta do que estava dizendo.

- Gosto de Debussy, Respighi, Puccini e de compositores modernos como John Williams, Jerry Goldsmith, James Horner, David Arnold e Eric Serra. Quanto à literatura, gosto de biografias e de história antiga grega e romana.

- Também gosto desses compositores - disse ela. - E adoro ópera. Minhas preferidas são Turandot e Madame Butterfly, de Puccini.

Pierce preferiu não dizer que aquelas duas óperas também eram suas preferidas.

- O que você gosta de ler? - perguntou ele.

- Romances.

- Isso porque ainda é jovem e sonhadora o suficiente para acreditar em finais felizes. Eu, por outro lado, tenho idade e experiência para saber que eles não existem.

- Como pode dizer isso depois de haver vivido dez anos de felicidade ao lado da mulher a quem amava? - Brianne se indignou.

- Ela morreu, Brianne - lembrou ele, com rancor. - Esse é um jeito triste de acabar com a felicidade, não?

- Talvez devamos esperar apenas um pouco de felicidade na vida, e não a felicidade completa - argumentou ela, em um tom de voz mais gentil. - E se você não houvesse conhecido Margô? Acha que teria sido mais feliz?

Pierce não respondeu, limitando-se a olhar para sua sobremesa com olhar vago.

- Não, não teria - Brianne respondeu por ele. - Teve muita sorte em experimentar um relacionamento tão especial. Garanto que guarda lembranças melhores do que a maioria das pessoas.

Pierce não havia se considerado um homem de sorte. Talvez Brianne tivesse razão. Margô o amara com sinceridade e dedicação. Ao olhar para Brianne, surpreendeu-se ao pensar que Margô teria gostado dela se a houvesse conhecido.

Brianne era parecida com sua falecida esposa em vários aspectos. Como Margô, ela também era generosa e compreensiva. Não era linda como Margô havia sido, mas tinha um charme e um encanto todo especiais.

- Nunca se apaixonou? - perguntou a ela, de repente.

- Apenas por você - confessou Brianne, com sinceridade.

Pierce enrijeceu o maxilar, desviando a vista para sua xícara de café vazia. Fazendo um sinal discreto para a aeromoça, pediu a ela mais um pouco de café.

- Você é jovem demais para saber o que é amar - disse Pierce, quando a aeromoça se afastou. - Está empolgada com o primeiro homem que despertou seu lado feminino e por isso acha que está apaixonada por mim. É apenas desejo, Brianne, nada mais.

Ela forçou um sorriso.

- Se é isso o que pensa...

Pierce tomou um gole do café.

- Ainda vai conhecer alguém interessante - disse a ela. - Algum dia, encontrará um homem com a mesma idade que você, e entenderá o que estou querendo dizer.

- Já estou casada, Pierce - salientou Brianne. Não posso sair por aí procurando um marido se já tenho um.

- Não ficaremos casados para sempre. Assim que Sabon a deixar em paz, trataremos da anulação.

Brianne sentiu um vazio no peito. Então era isso o que Pierce pretendia? Casar-se com ela para livrá-la de Sabon, mas não encarar a união como um casamento de verdade. Depois seria fácil conseguir a anulação, com o casamento não tendo sido consumado. Não era de admirar que ele não queria levá-la para a cama. Pierce já estava fazendo planos de como iria se livrar dela!

Brianne brincou com o guardanapo, traçando o formato do logotipo da companhia aérea com a ponta da unha.

- Entendo - foi tudo que conseguiu dizer a Pierce, quando se deu conta de ele estava esperando uma resposta.

- Você sabe que nunca daria certo - continuou ele. - Há muitas diferenças entre nós e também somos de gerações diferentes. Não temos nem idéias parecidas a respeito de alguns assuntos.

- Mesmo que tivéssemos, Margô ainda continuaria entre nós.

Os olhos de Pierce mostraram um brilho de irritação.

- Eu a amava.

- Sim, eu sei. Mas ela se foi, Pierce - lembrou Brianne, com gentileza. - E não vai tê-la de volta mesmo que viva por mais trinta ou quarenta anos. Quer mesmo continuar sozinho durante todo esse tempo?

- Sim! - respondeu ele, com impaciência.

A afirmação não pareceu muito convincente para Brianne. Não deveria ser fácil para Pierce conviver com lembranças tão intensas. Ainda assim, não era justo que ele continuasse a sofrer.

- Margô não iria querer isso, se realmente o amava - disse, após um momento de silêncio. - Não é justo que continue solitário e se lamentando até o fim da vida.

 - Você não sabe o que está dizendo - replicou Pierce, aborrecido. - Vamos esquecer esse assunto. Não quero mais falar sobre isso.

- Se prefere assim... Acho que não estaria interessado em fazer amor no toalete do avião, estaria? - Brianne o provocou, levada por um impulso. Não gostava de vê-lo com aquele olhar triste. - Vi isso uma vez em um filme e achei muito excitante - acrescentou. - Por isso imaginei se...

- Pois continue imaginando! - Pierce se impacientou.

Afastando a bandeja para o lado, levantou-se e foi para o toalete do avião. Ao entrar, trancou a porta e encostou a testa contra a superfície fria, com um profundo suspiro.

Brianne era mesmo impossível! Por que ela não parava de atormentá-lo com lembranças do passado? Ela não tinha idéia de quanto era torturante para ele lembrar de Margô e de tudo que ela representara em sua vida.

Pensou em passar mais trinta anos naquela agonia e concluiu que realmente não suportaria. Se pelo menos não considerasse Brianne tão atraente, tudo seria mais fácil. Não queria pensar nela, nem tê-la por perto como uma constante tentação. Quando ela fosse para os Estados Unidos, ele se sentiria mais seguro ficando apenas com suas lembranças de Margô.

Brianne o provocava não apenas com sua presença, mas também com aquelas constantes insinuações. Sugerir que fizessem amor no toalete do avião fora demais para ele. Apesar de sua indignação, ele não conseguiu deixar de rir. Ela era muito desinibida, apesar da inexperiência.

Depois de Margô, Brianne era a primeira mulher que o fizera rir, e em cuja companhia ele se sentia à vontade.

Andava impaciente e irritado nos últimos dias mais como um meio de autodefesa do que qualquer outra coisa.

Entretanto, sempre que estava por perto Brianne o fazia ver o mundo através de seus olhos sonhadores.

Era surpreendente como alguém em uma situação difícil como a dela ainda pudesse ser tão otimista. Ao observar seu rosto no espelho, notou alguns cabelos brancos nas têmporas. Eram poucos, mas já perceptíveis. Passando a mão por eles, forçou um sorriso.

Por que Brianne relutava tanto em admitir a grande diferença de idade entre eles? Na verdade, estava surpreso que uma garota tão jovem e cheia de animação estivesse interessada nele. Perguntou-se o que ela teria visto em um sujeito solitário como ele.

Sentada na poltrona do avião, Brianne se fazia a mesma pergunta. Reconhecia que Pierce era lindo e charmoso, mas aquela tendência a querer cultivar a lembrança da esposa falecida lhe dava nos nervos. Sentia-se cada vez mais apaixonada por ele e o fato de não conseguir conquistá-lo a estava matando aos poucos.

A aeromoça passou novamente, dessa vez distribuindo bebidas. Seria champanhe aquilo que ela estava lhe oferecendo? Bem, por que não experimentar?

Pierce havia deixado claro que não a queria e ela estava se sentindo um bocado triste com isso. Talvez uma dose de champanhe ajudasse a melhorar seu humor. De fato, já estava tomando a terceira taça de champanhe quando Pierce apareceu.

Brianne levantou o copo em um brinde, mas acabou fazendo a bebida respingar em sua roupa.

- Opa! - exclamou, rindo com certo exagero. Inclinando-se na direção dele, acrescentou: - Desculpe. Minha mão está meio boba.

Pierce arqueou uma sobrancelha.

- O que você está bebendo?

- Champanhe!

- Não pode tomar bebida alcoólica, Brianne. Você ainda é menor de idade!

- Foi ela quem me deu. - Brianne apontou para a aeromoça, no final do corredor. - Vá repreendê-la por não estar seguindo a lei! Duvido que tenha coragem - desafiou ela, com a voz engrolada.

 - Me dê isso aqui. - Piérce tirou o copo da mão dela e tomou os últimos dois goles da bebida. – Sua maluca - disse com ar de censura. - Não está acostumada a ingerir álcool. .

 - Eu sei, mas posso aprender. Agora sou uma mulher casada e preciso aprender a ser sociável para acompanhar meu marido às festas. - Um brilho diferente surgiu em seu olhar quando lhe ocorreu um súbito pensamento. - Então é por isso que algumas pessoas casadas se entregam à bebida! - Estreitando o olhar, acrescentou: - Está vendo o que fez comigo?

- Eu não fiz nada! - Pierce protestou.

- Fez sim. Disse que não queria dormir comigo!- Brianne praticamente gritou.

Pierce fechou os olhos quando alguns rostos se voltaram na direção deles.

- Fale mais baixo! - pediu a ela, em tom de censura.

- Não vou falar mais baixo! O champanhe até que está sendo um bom substituto para nossa noite de núpcias.

- Pare, Brianne.

- Meu coração está ferido, sabia? - Ela sorriu. - Oh, esse é o nome de uma música que tocava há alguns anos. Meu coração está ferido. Quer que eu a cante para você?

Ela começou a cantar mesmo depois de Pierce haver balançado a cabeça negativamente. Ele olhou para o lado quando a aeromoça se aproximou, com um ar preocupado. Olhando de um para o outro, a moça esperou que algum deles lhe dissesse o que estava acontecendo.

- Traga um pouco de café forte e sem açúcar Pierce pediu a ela. – Rápido, por favor.

- Ah, meu Deus - lamentou a moça, ao notar que Brianne estava embriagada.

- Ela não está acostumada a beber - explicou ele. - E é menor de idade.

A aeromoça empalideceu.

- Ah, meu Deus - repetiu ela. - Acho que receberei uma repreensão por isso.

- Não, isso não vai acontecer - Brianne interveio. - Direi que a forcei a me dar a bebida, está bem?

- Como? - Pierce perguntou.

- Ora, posso dizer que ameacei me jogar pela janela - respondeu ela, rindo.

Pierce olhou para a pequena janela ao lado dela.

- Oh, e todos vão acreditar na sua história - ele zombou.

- Vou pegar o café - anunciou a aeromoça, balançando a cabeça, preocupada. - Sinto muito - disse a Brianne, com ar de desculpas.

- Tudo bem - ela respondeu, dando de ombros. - Afinal, você não sabia que eu era uma menor que acabou de se casar com um homem que nem mesmo gosta de mim. Como poderia saber que ele também não me levou para...?

- Brianne! - Pierce a interrompeu.

- Paris - emendou ela, lançando um olhar furioso para o marido.

- Deveria tê-la levado para Paris - a aeromoça disse a ele. - É uma cidade maravilhosa.

- O café, por favor - pediu Pierce, impaciente. - E também algo para ela comer. Ajudará a curar logo essa bebedeira.

- Sim, senhor. Agora mesmo.

A aeromoça finalmente se retirou. Brianne encostou a cabeça na poltrona e olhou para Pierce. , - Não acredito que tenha feito isso - disse ele, mantendo-se sério.

 - Isso o quê? - Ela fingiu um ar inocente. - Tomei apenas um pouco de champanhe. :

- Três taças! - corrigiu ele, olhando para os copos vazios sobre a bandeja. - Veja só seu estado!

 - Estou me sentindo ótima. - Brianne sorriu e soluçou.  - Ótima e embriagada. - Vou estar sóbria quando o avião aterrissar - ela prometeu. - Enquanto isso, pensarei em alguma maneira de conseguir seduzi-lo, está bem? Oh, droga, eu deveria ter lido mais livros e revistas a esse respeito... - disse para si mesma. - Talvez vídeos também houvessem ajudado um pouco...

Pierce limpou a garganta, virando-se para ir procurar a aeromoça. Brianne segurou a coxa dele, fazendo-o se sobressaltar. .

- Seu puritano - murmurou ela, quando ele afastou a mão dela. - Estamos casados, esqueceu?

- Não, não estamos - replicou ele, sem disfarçar o aborrecimento. - Passamos apenas por uma cerimônia sem maiores conseqüências, só isso. E não teremos nada além disso.

Brianne estreitou o olhar.

- Isso não é jeito de tratar uma noiva recém-casada! - ela protestou. – Aqui estou eu, morrendo de amor por você e nem sequer me deixa tocá-lo.

Pierce sentiu todo corpo esquentar. Brianne não tinha idéia do que estava fazendo com ele. Precisa faze-la ficar sóbria logo, antes que acabasse perdendo o controle.

 A aeromoça voltou carregando uma bandeja com uma xícara de café e um pratinho de biscoitos. Pierce pegou a bandeja e agradeceu.

- Aqui está – disse colocando a xícara na mão dela com cuidado. – Agora beba!

- Estraga-prazeres – resmungou ela irritada.

 Mesmo assim, tomou o café. Pierce retirou o celofane  que cobria o pratinho e a fez comer alguns biscoitos. também.

A aeromoça serviu mais duas xícaras de café até o rosto de Brianne ir voltando ao normal. Os biscoitos também a ajudaram a se recuperar, tirando de seu estômago um pouco do efeito do álcool.

 Ela começou a sentir os pensamentos se tornando mais claros, mas a viagem de volta à “terra firme”  não foi lá muito agradável. Tinha noção de que dissera coisas embaraçosas a Pierce e perguntou-se se o dano teria sido irreparável.

Pierce concentrou-se na leitura do jornal que pegara com a aeromoça e só deixou-o de lado quando o avião aterrissou em Freeport.

Brianne permitiu que ele a guiasse até a área de desembarque e não ousou lhe dirigir a palavra.

Pierce observou as pessoas que seguravam placas com nomes dos passageiros que estavam sendo esperados. O segurança que lhes serviria como motorista deveria estar entre elas.

Ficou surpreso ao encontrar uma placa com o nome de Brianne escrito com uma letra quase ilegível. O homem que a segurava era franzino e não se parecia nem um pouco com um motorista de limusine.

Alheia à estranheza da situação, Brianne se aproximou dele com um sorriso assim que reconheceu seu nome na placa.

 - Olá, sou Brianne Martin - disse ela, esquecendo-se de que estava casada e de que o marido se encontrava logo atrás dela.

- Srta. Martin - respondeu o homem, com um carregado sotaque britânico. Sorrindo, ele segurou o braço dela. - Quer me acompanhar, por favor?

- Sim, mas espere um instante, sim? - pediu ela,  lembrando-se de Pierce.

A essa altura, ele já havia notado que havia alguma coisa estranha em tudo aquilo. Adiantou-se depressa, com a intenção de afastar Brianne daquele homem, porém sentiu alguém se aproximar por trás e encostar uma arma em suas costas.

- É o guarda-costas dela, certo? - disse uma voz grave vinda de trás dele. - Então também virá conosco. Assim não terá chance de avisar Hutton.

Pierce ficou surpreso com o comentário e viu Brianne fitá-lo com um ar apreensivo. Teve tempo de lançar um olhar significativo para que ela não revelasse quem ele era na verdade. Felizmente, ela entendeu a mensagem silenciosa e não disse nada.

- O que farão com Jack? - perguntou, inventando um nome para ele no último instante.

- Ele terá de vir também, para não ter chance de entrar em contato com a polícia - respondeu o homem mais baixo. - Se você gritar ou tentar fugir, meu amigo acabará com ele. Entendeu, moça?

- Sim - respondeu Brianne, apreensiva. - Mas para onde irá nos levar?

- Vocês logo irão descobrir - respondeu ele, com frieza. - Vamos.

Brianne e "Jack" foram conduzidos até uma limusine, estacionada em frente à saída do aeroporto. Os quatro ocuparam a parte de trás do veículo que seria conduzido por um terceiro homem. Os dois que os acompanharam estavam armados e não pareciam nem um pouco amigáveis.

O homem mais baixo disse algo ao motorista, que assentiu e pôs o carro em movimento. Contudo, eles não saíram do aeroporto. A limusine foi conduzida até um dos hangares de aluguel, localizados a certa distância do terminal. Chegando lá, parou ao lado de um avião particular, cujas portas foram abertas de imediato.

Pierce e Brianne foram levados para o interior do avião sempre acompanhados pelos dois homens armados. Do lado de dentro da aeronave, outros dois homens já os esperavam.

Pierce lançou um discreto olhar de cautela para Brianne. Não havia nada que pudessem fazer, a não ser aceitar a realidade da situação. Não poderiam reagir contra quatro homens armados.

- Para onde vão nos levar? - perguntou ela mais uma vez.

Ninguém respondeu à pergunta. Ocupando a poltrona indicada por um dos homens, enquanto Pierce ocupava outra do outro lado do corredor, Brianne fechou os olhos. Tinha a desagradável desconfiança de quem estava por trás daquele seqüestro. Aquilo parecia muito algo do estilo de Philippe Sabon.

 

Horas depois, o avião aterrissou na pista estreita de uma pequena ilha. Enquanto ainda estavam no ar, Brianne havia visto uma cidade. Então lembrou-se de que ele dissera que tinha uma ilha no Golfo Pérsico, próxima ao país onde ele tinha influência política.

Perto da pista, havia duas antigas limusines britânicas à espera deles. Brianne foi levada para uma e Pierce para a outra. Ela mal conseguiu vê-lo porque foi forçada a entrar logo no veículo. Partiram em seguida.

- Onde estamos? - ela perguntou a um dos homens que parecia um pouco menos formal do que os outros.

- Na ilha.

- Sim, mas que ilha? - insistiu ela, tentando se manter calma.

- Jameel - respondeu ele, confirmando o que Brianne mais temia.

O homem encostou-se no assento e observou-a com um ar de interesse que lhe causou um frio na espinha.

Ele sorriu. Seus dentes pareciam não ver uma escova desde há muito tempo e seu hálito cheirava a bebida.

- Muito bonita - disse ele, com um ar malicioso.

Brianne o encarou.

- Se trabalha para Philippe Sabon, é melhor se lembrar de que será um homem morto se tocar um dedo em mim.

Aquilo foi suficiente para fazê-lo manter a compostura. O homem que havia encostado a arma contra as costas de Pierce, no aeroporto, disse algo para ele em um tom rude. O primeiro assentiu, mantendo-se sério.

- Não se preocupe - disse o mais alto deles. Ninguém vai machucá-la.

Ele olhou para aquele se insinuara para Brianne e notou que ele passara a olhar a paisagem através da janela.

Brianne sentiu um frio no estômago. Se o homem realmente ficara apreensivo com o que ela dissera era sinal de que Sabon estava mesmo por detrás do seqüestro.

Pierce estava tão indefeso quanto ela e aquela ilha mais lembrava uma prisão da qual nunca conseguiriam escapar. Deus, Sabon iria possuí-la à força!

Fechou os olhos, tentando controlar a onda de medo que a invadiu de repente. Não suportaria ser tocada por aquele homem. Como Pierce lhe dissera certa vez, ela não tinha a experiência necessária para disfarçar seus sentimentos e talvez Sabon acabasse sendo ainda mais cruel por causa disso. Se ele era mesmo um pervertido, como todos diziam, ela estava perdida. Deus, o que fizera para merecer um golpe tão severo do destino? .

Imaginou se algum dos homens de Sabon acabaria reconhecendo Pierce. Se isso acontecesse, ele não teria nenhuma chance. Com certeza Sabon daria um jeito de acabar com Pierce, para que os Estados Unidos não se envolvessem na questão. Pierce podia não ser cidadão americano, mas ela era, e Kurt estava contando com a ajuda de um amigo senador para conseguir continuar com o projeto.

A conclusão trouxe outro pensamento desagradável à mente de Brianne. Depois que a possuísse, Sabon também não poderia correr o risco de deixá-la sair da ilha com vida. Talvez ele acabasse mandando seus homens a deixarem em algum dos cruéis desertos daquela região, pensou, desesperada.

Não, não poderia morrer assim. Teria de usar a inteligência para conseguir escapar de alguma maneira.

Devia haver um meio de fugir dali e ela não poderia perder a chance de fazê-lo no momento certo.

Não se deixaria vencer por Sabon sem lutar por sua liberdade. Poderia até acabar morrendo em meio à tentativa, mas preferiria correr o risco a ter de se entregar àquele homem sórdido. Como seu pai costumava dizer, era melhor entrar na chama da glória do que na fumaça da insignificância. Pelo visto, seria uma chama e tanto.

Pierce não estava conseguindo ser muito otimista diante da situação. Ali, no território de Sabon, ele e Brianne não teriam nenhuma chance de escapar. Não conseguiria sequer protegê-la. Lembrou-se dos apelos de Brianne e censurou-se por não haver cedido a eles. Sabon faria cruelmente o que ele próprio não tivera coragem de fazer nem mesmo com toda a delicadeza do mundo. A visão de Brianne quanto ao amor seria afetada para sempre. Carregaria consigo a culpa de não haver feito algo mais sério por ela antes que tudo aquilo acontecesse.

Havia falado com Winthrop antes de haverem partido de Las Vegas e o segurança lhe dissera que iria esperá-lo em Freeport. Suspirou ao imaginar que talvez nem tudo estivesse perdido.

Tate Winthrop era o melhor chefe de segurança que ele já tivera. Era do tipo que conseguiria identificar rastro de borboleta no concreto se fosse preciso. Sim, com certeza Winthrop os encontraria. A grande pergunta era se conseguiria fazê-lo a tempo.

As limusines pararam diante de uma suntuosa mansão com vista para o mar. Provavelmente o Golfo Pérsico, se Brianne não estava enganada.

Havia muita areia na região e a vegetação lembrava muito aquela que havia no Caribe. A diferença era que havia uma atmosfera árabe no cenário. Os serviçais vestidos de branco que apareceram na varanda da casa para recebê-los tinham aparência árabe.

Ela e Pierce foram levados para o interior da casa. Seguiram por um corredor até uma sala pequena, com uma janela alta o suficiente para impedir qualquer tentativa de fuga.

No aposento, havia apenas uma cama de solteiro com um colchão velho sem nenhum lençol, uma cadeira, uma mesa pequena e uma lâmpada pendurada no teto. Também havia um banheiro minúsculo apenas com um sabonete e uma toalha.

- Fiquem aqui - mandou o homem franzino, colocando o revólver na cintura.

- Poderia pelo menos nos desamarrar? - pediu Brianne, estendendo os pulsos unidos por uma corda. - Não terei como usar o banheiro se ficar assim.

O homem falou em árabe com o outro mais alto. Os dois pareceriam estar discutindo. O mais alto disse uma palavra com mais rispidez e apontou para a janela próxima ao teto, coberta por grades de ferro, e depois para a enorme fechadura da porta. Parecia estar dizendo algo do tipo: "Como eles poderiam escapar com tudo aquilo?" O homem franzino deve ter concordado com o outro, pois mesmo que subissem na cadeira não conseguiriam chegar nem perto da janela.

- Está bem - disse ele, desamarrando os pulsos de Brianne.

Saíram em seguida, sem soltar Pierce, e trancaram a porta por fora.

- Graças a Deus que estamos sozinhos agora disse ela, adiantando-se para desamarrar Pierce.

Os nós estavam apertados e embaraçados, por isso levou algum tempo até ela conseguir desamarrá-Io.

- Bem, Jack, meu rapaz, o que faremos agora? - brincou ao terminar de soltá-lo.

Pierce jogou a corda para o lado e massageou os pulsos.

- Teremos de ficar aqui, aguardando que eles decidam o que fazer conosco - disse a ela.

Brianne sentou-se na cadeira com um suspiro e olhou para a própria roupa, empoeirada e amassada.

Pierce trajava uma roupa esporte e uma jaqueta jeans. Felizmente não estava com aparência de milionário, do contrário os homens teriam descoberto quem ele era assim que o vissem.

Porém, Sabon o reconheceria quando os dois se encontrassem. Quando se deparasse com o antigo inimigo, com certeza iria reconhecê-lo. Devia estar furioso não apenas com Pierce, mas também com ela, por haver atrapalhado os planos dele. Por certo a vingança de Sabon não seria nem um pouco agradável. Brianne sentiu um frio na espinha ao deduzir isso.

- Bem, parece que acabei metendo você em outra encrenca - disse a Pierce, esforçando-se para recuperar o bom humor.

- Nós sairemos daqui - afirmou ele, com um breve sorriso.

- Você acha? - Brianne olhou para a janela, no alto. - Se pelo menos tivéssemos uma escada e um martelo... - acrescentou, com um suspiro desolado.

Pierce estreitou o olhar, pensativo. Sua expressão tornou-se mais séria ao imaginar o que poderia acontecer quando ela estivesse sob o domínio de Sabon.

Deus, seria terrível que aquele cretino deixasse algum trauma em Brianne. Não, não poderia permitir que isso acontecesse a ela.

- Por que está me olhando desse jeito? - perguntou ela, franzindo o cenho. Sorrindo com ar maroto, acrescentou: - No caso de haver mudado de idéia, há uma cama logo ali. Eu não me importaria nem um pouco. Na verdade, você estaria me salvando de um destino bem cruel.

- Um destino chamado Sabon - completou Pierce. Então estreitou o olhar. - Não consigo aceitar a idéia de ver aquele crápula se tornar seu primeiro amante.

Brianne sentiu o coração acelerar. Contendo o fôlego por um instante, fitou-o nos olhos.

- Nem eu - respondeu ela, em um fio de voz. - Sendo assim, enquanto ainda há tempo, por que não toma alguma providência quanto a isso? Estamos casados, lembra?

Pierce arqueou uma sobrancelha, mas não conseguiu deixar de rir.

- Você não me deixou esquecer disso nem por um instante desde a cerimônia.

Ele examinou as paredes e os cantos do aposento e não encontrou nenhuma câmara. Não esperava mesmo que houvesse. Apesar de suntuosa, a mansão era antiga e não tinha nenhum equipamento moderno de segurança ou algo do gênero. Pelo menos não haveria ninguém observando-os enquanto estivessem ali.

Com cuidado, posicionou a cadeira junto à maçaneta da porta, para que houvesse barulho se alguém decidisse entrar no aposento. Então voltou-se para Brianne, com um ar de resignação mas também de desejo ao mesmo tempo.

- Iremos realmente até o fim dessa vez? - perguntou Brianne, quando ele se aproximou.

Um sorriso se insinuou nos lábios de Pierce enquanto ele a puxava para si. Brianne era mesmo incorrigível.

- Parece um pouco nervosa - murmurou ele, deslizando as mãos com sensualidade pelas costas dela.

- Quem? Eu? Estou trêmula de emoção, só isso.

Dizendo isso, enlaçou os braços em torno do pescoço dele e conteve o fôlego ao distinguir o brilho de desejo nos olhos dele.

- Oh, Pierce, esperei tanto por esse momento. Não esperei que fosse exatamente assim, mas o importante é estarmos juntos.

Pierce sentiu o mesmo. Olhando para a cama, perguntou-se se ela os agüentaria sem quebrar e ir parar no chão. Deixando a preocupação de lado, fitou o rosto ansioso de Brianne e sorriu. Ela seria sua, afinal.

 

Brianne ficou na ponta dos pés e beijou-o com ardor, puxando-o mais para junto de si. Pierce afastou-a com delicadeza, rindo de toda ansiedade.

- Não tenha tanta pressa - murmurou ele, começando a despi-la e a se despir. - Sei que estamos com pouco tempo, mas também não precisa ser tão rápido.

Ela o segurou pelos ombros e disse:

- Quero apenas me certificar de que você não vai fugir.

- Não, não vou - garantiu ele, com um sorriso charmoso.

Brianne pensara que ele agiria rápido, sem dar a ela tempo de desfrutar o momento. Porém, logo percebeu que havia se enganado.

O toque carinhoso e possessivo de Pierce sobre sua pele surtiu um efeito mágico, envolvendo-a em familiares sensações de prazer. Pierce a havia feito experimentar aquilo antes, mas a expectativa de saber que pertenceria a ele completamente preencheu suas emoções com um magia toda especial. Seu lado sonhador, e muito feminino, transformou aquele cenário rústico em um quarto de conto de fadas, onde seu príncipe encantado finalmente a faria mulher.

Pierce tocou-a com um carinho infinito, enquanto explorava os doces recantos de sua boca em um beijo repleto de sensualidade. Surpresa, Brianne viu seu desejo de ser possuída por ele se tornar cada vez mais intenso. Para seu alívio,  Pierce ajudou-a a livrar-se da blusa e do sutiã. Em questão de segundos, ele passou a acariciar seus seios com uma avidez que a deixou sem fôlego.

 Ela estremeceu com um leve gemido quando a mão carinhosa de Pierce encontrou a parte sensível de seu corpo. Foi então que se deu conta de que a espera estava se transformando em uma doce tortura. Mas ela teria de ser paciente. Não queria quebrar a magia daquele momento tão especial implorando a ele para que a possuísse logo. Precisava de mais do que aquelas carícias, mas tinha certeza de que Pierce sabia disso.

O som de sua própria respiração acelerada lhe chegou aos ouvidos, enquanto suas mãos hesitantes passaram a explorar os contornos daquele corpo másculo. Pierce tinha músculos firmes e bem torneados, capazes de levar qualquer mulher à loucura. E ela não estava nem um pouco imune a isso.

Deixando-se levar pela paixão, entregou-se sem timidez àquelas mãos experientes e logo se viu pedindo em um sussurro para que ele a tomasse para si. Não, não poderia esperar. Queria pertencer a Pierce de corpo e alma, e o momento chegara afinal.

Pierce se espantou com a intensidade do desejo que Brianne estava demonstrando. Talvez fosse um reflexo da chama de paixão que também parecia querer consumi-lo. Ela era realmente uma caixinha de surpresas.

Uma doce e jovem sedutora mais do que pronta para o amor.

Com um gemido, levou-a para a cama e deitou-a com cuidado. Brianne roçou o quadril no dele com sensualidade, em um convite silencioso.

Dizendo a si mesmo que chegara o momento certo, Pierce a possuiu devagar, com cuidado para não machucá-la. Queria que a primeira vez de Brianne fosse especial e, pelo brilho de paixão que viu nos olhos dela, achou que estava conseguindo.

Após um leve sobressalto, ao experimentar aquele contato tão íntimo pela primeira vez, Brianne voltou a relaxar e abriu os olhos, deparando-se com o rosto bonito de Pierce logo acima do seu.

- Você... está tomando algum anticoncepcional? - ele se lembrou de perguntar.

- Sim, mas...

Brianne não conseguiu terminar a frase. Uma onda mais intensa de prazer a distraiu antes que ela pudesse explicar que esquecera de levar as pílulas consigo na viagem para os Estados Unidos, e que, na verdade, não havia tomado mais do que duas. De qualquer maneira, também teve receio de que Pierce desistisse de fazer amor com ela se soubesse a verdade.

O medo de perdê-lo a fez abraçá-lo com força, enquanto o acompanhava naquela espécie de dança sensual.

Por mais que houvesse sonhado com esse momento, nunca imaginara que seria tão maravilhoso compartilhar sua intimidade com ele. Sentiu todo o poder da virilidade de Pierce em seu recanto mais secreto e a descoberta deixou-a encantada e excitada ao mesmo tempo.

Seus corpos pulsavam quase em uníssono, enquanto suores e perfumes se misturavam no aroma da paixão.

O silêncio do quarto era interrompido apenas pela urgência de suas respirações ofegantes e pelo som abafado de seus corpos se encontrando em um ritmo cada vez mais intenso e arrebatador.

Aquilo era como se ver diante do poder e do calor do sol, pensou Brianne quando o clímax se apoderou de seu corpo com uma intensidade que a assustou por um instante. Ainda estava se perguntando se conseguiria sobreviver a tanto prazer quando um gemido irrompeu em sua garganta enquanto um delicioso tremor se espalhou por seu corpo.

Sentiu a respiração de Pierce junto a seu ouvido.

Ele estava sussurrando algo que ela não conseguiu entender, mas logo foi interrompido pelo clímax que também o arrebatou com o mesmo ímpeto.

Os dois continuaram abraçados enquanto suas respirações voltavam ao normal. Uma leve camada de suor cobria seus corpos lânguidos e satisfeitos.

Assim que conseguiu se recuperar um pouco de todo aquele arrebatamento, Brianne insinuou o corpo novamente sob o dele e sorriu com sensualidade.

- Não - disse Pierce, com um ar de divertimento. - Não há tempo.

Beijou-a mais uma vez, antes de se levantar e começar a se vestir.

Brianne também pegou suas roupas, mas estava tão lânguida que mal conseguiu ficar de pé. Sua primeira vez havia sido realmente inesquecível. Pierce beijou-a na testa com um carinho que a deixou com lágrimas nos olhos. Abraçando-a, ele a manteve junto de si até que ela se recuperasse por completo.

Quando isso aconteceu, Brianne levantou a cabeça e fitou-o nos olhos. Um sorriso se insinuou em seus lábios, antes de Pierce tomá-los em um beijo suave e terno.

- Isso é o que eu chamo de derrotar o inimigo. - brincou ela, quando eles se separaram.

Pierce arqueou uma sobrancelha.

- Sim, acho que Sabon perdeu essa batalha - anunciou com um ar de triunfo. Então acariciou os cabelos de Brianne. - Sinto muito que tudo tenha sido tão rápido. Algum dia ainda faremos isso direito - prometeu.

Brianne arregalou os olhos, surpresa.

- Quando? Diga o dia e a hora agora mesmo! - brincou. - Eu exijo!

Pierce riu. Brianne acabara de se transformar em mulher e, no entanto, continuava com aquele encantador ar de garota travessa que o conquistara desde o primeiro instante.

Ao notar que ela esperava receber uma resposta, sentiu-se culpado. O motivo que o levara a possuí-la havia sido um tanto egoísta, mas, pensando no que acabara de acontecer, deu-se conta da seriedade da situação.

- Pode usar o toalete primeiro se quiser - disse a ela, sem responder à pergunta.

Brianne passou por ele, parecendo confusa, mas não insistiu no assunto.

Pierce fechou a porta para ela, antes de ir tirar a cadeira de trás da porta. Sentou-se na cama e cruzou os braços, pensativo. No íntimo, continuava aturdido com o que havia acontecido. Nunca imaginara que ele e Brianne acabariam fazendo amor pela primeira vez com tanta paixão e em meio a um contexto tão inusitado. Claro que teria preferido que houvesse sido em outro lugar.

Exceto a casa de praia de Nassau, onde ele e Margô...

"Ah, meu DEUS", pensou ao se lembrar de Margô.

Ele a traíra com Brianne! Havia jurado que não tocaria nenhuma outra mulher, mas mentira para si mesmo. Rendera-se ao charme de Brianne e se deixara levar pela paixão, sem sequer pensar na promessa que fizera.

Não, disse a si mesmo. Na verdade, fizera aquilo somente para livrá-la das garras de Sabon. Sim, fora esse o motivo. Sua atitude não tivera nada a ver com desejo ou amor. Fora apenas um ato de caridade, nada mais.

Riu alto ao se dar conta da tolice que acabara de pensar. Aquilo havia sido um ato de caridade? A experiência mais arrebatadora e prazerosa que ele experimentara nos últimos anos não poderia ser considerada como um ato de caridade. Definitivamente não. De fato, fora tão maravilhoso quanto o que ele costumava compartilhar com Margô. Não conseguia pensar em nada além do corpo macio de Brianne sob o seu e aquele gemido de prazer que ela soltara no momento do clímax. Fora a primeira vez que ela fizera amor e ele conseguira fazê-la sentir  prazer. Por um lado, sentiu-se orgulhoso com isso, mas por outro não pôde deixar de experimentar um sentimento de culpa.

Então lembrou a si mesmo que estava casado com Brianne. Claro que um homem tinha o direito de fazer amor com a esposa. Ainda assim, fora um casamento provisório, realizado apenas para protegê-la de Sabon.

No entanto, estava ciente de que sentia mais do que desejo por Brianne. Preocupava-se com ela e com seu bem-estar e, sem dúvida, isso envolvia mais do que simples atração fisica.

Enrijeceu o maxilar ao se lembrar do prazer intenso  que sentira nos braços dela. Havia conhecido algumas mulheres antes de Margô, mas nenhuma tão arrebatadora como Brianne. Em questão de minutos, ela o deixara louco e ávido por saciar seu desejo. De fato, ele próprio se surpreendera com sua reação.

Talvez houvesse sido a inocência de Brianne. Não podia negar que experimentara uma espécie de prazer primitivo ao se tornar o primeiro homem da vida dela.

Ele não apenas a iniciara no amor, mas também o fizera sem deixar nenhum trauma no corpo e no coração de Brianne. Dera a ela tanto prazer quanto recebera.

Seus pensamentos foram interrompidos quando Brianne finalmente saiu do banho. O rosto sem maquiagem e os cabelos úmidos a deixaram com um ar ainda mais inocente. Não o fitou diretamente nos olhos, parecendo embaraçada com a paixão que demonstrara minutos antes.

Ao notar o detalhe, Pierce se adiantou para abraçá-la, tomado por um súbito desejo de protegê-la.

- O que acha que farão conosco? - perguntou ela, sentando-se na cama com as mãos unidas sobre o colo.

- Boa pergunta - respondeu Pierce.

- Não consigo imaginá-los simplesmente nos deixando ir embora - confessou Brianne.

Ele respirou fundo e passou a mão pelos cabelos.

- Para ser sincero, eu também não - admitiu.

Brianne levantou a vista, procurando os olhos dele. Então voltou a observar as próprias mãos.

- Bem, foi bom conhecê-lo.

Espantado ao ouvir aquilo, Pierce olhou-a no mesmo instante, mas riu ao notar um brilho de zombaria nos olhos dela.

- Também foi bom conhecê-la, srta. Martin - respondeu, entrando no mesmo tom da brincadeira.

Brianne suspirou, olhando para a porta trancada.

- Por acaso não tem alguma ferramenta escondida no bolso? .

Pierce balançou a cabeça negativamente.

- Se você tivesse um grampo, eu até poderia usá-lo para tentar abrir a fechadura,

Ela sorriu.

- Ei, tenho um bem aqui! - Dizendo isso, tirou um grampo do bolso do jeans. - Sempre carrego alguns de reserva para o caso de precisar - explicou ao notar a expressão de espanto no rosto de Pierce. - Só não imaginei que algum dia precisaria de um grampo em uma condição tão inusitada.

Estava entregando o grampo a ele quando a porta foi aberta de repente e os dois homens entraram no quarto. Um deles manteve uma arma apontada para Brianne e Pierce, enquanto o outro tirava todos os grampos do bolso dela, além de tomar aquele que ela pretendia entregar a Pierce.

- Nada de truques - disse ele, em um inglês quase ininteligível. - Monsieur Sabon chegará essa noite. - Sorriu para Brianne. - E você será um presente para ele.

O outro homem franziu o cenho, mas não disse nada.

Olhou para Pierce, antes de voltar a fitar o comparsa. Os dois trocaram algumas palavras em árabe. Brianne não entendeu absolutamente nada, mas Pierce compreendeu algumas frases soltas. Os homens estavam preocupados com o fato de Sabon não gostar de encontrar um homem no quarto, junto com Brianne. O mais alto deles se aproximou e segurou o braço de Pierce.

- Você virá conosco.

Brianne abriu a boca para protestar, mas o olhar significativo de Pierce a fez se conter no mesmo instante.

- O que farão com o guarda-costas do sr. Hutton? - perguntou ela, preocupada.

- Vamos deixá-lo em outro quarto - respondeu o homem mais baixo. - Para acabar com qualquer tentação - acrescentou com um ar malicioso.

- Tentação! Essa é boa! - zombou ela. - Não costumo me misturar com serviçais! - protestou, em uma última tentativa de manter Pierce com ela.

 Apesar disso, os homens o levaram para outro lugar. Brianne foi deixada sozinha no quarto.

 

Já havia escurecido quando os dois seqüestradores voltaram trazendo pão, queijo e um copo de vinho tinto para Brianne. O mais alto, e também mais velho, manteve a arma apontada distraidamente para ela, enquanto o outro colocava a bandeja sobre a mesa. Brianne olhou para a bebida.

- Não tomo nenhuma bebida alcoólica - disse. - Podem trazer apenas água, por favor?

O mais baixo sorriu com um ar malicioso.

 - Vinho ajuda a relaxar.

 - Mas não estou nervosa - replicou Brianne.

Os dois trocaram olhares irônicos. O mais baixo pegou o copo de vinho e saiu, voltando pouco depois com um grande copo de água.

- Obrigada - ela agradeceu. - Meu nome é Brianne. E o seu? - perguntou ao que havia trazido a água.

O homem pareceu surpreso com a pergunta, mas respondeu:

- Sou Rashid.

- E você? - Ela olhou para o outro.

- Mufti - disse ele, parecendo embaraçado de repente.

- Faz muito tempo que vocês trabalham para Sabon?

- Não - respondeu Rashid. - Apenas pouco tempo - acrescentou devagar, como se não estivesse muito acostumado a falar em inglês. - Ele fez muitos benefícios em nossa vila. Deu dinheiro para comprarmos remédios e comida para os pobres.

Brianne ficou surpresa, mas logo lhe ocorreu que até mesmo um homem mau como Philippe Sabon podia ter um pouco de bondade escondida em algum lugar o coração.

Apesar disso, os homens o levaram para outro lugar e Brianne foi deixada sozinha no quarto.

- A mãe dele era árabe, não? - perguntou, com um sorriso amistoso, tentando conquistar a confiança dos dois.

Rashid assentiu.

- Toda a família dele - respondeu ele.

- Mas o sobrenome dele é francês.

Rashid olhou para o outro e riu.

 - Há detalhes que não posso revelar. Tudo que posso adiantar é que monsieur Sabon tem as melhores intenções com relação ao nosso país. Ele é um homem bom e generoso.

- Além de um seqüestrador - salientou ela, com firmeza.

Rashid deu de ombros.

- Nem sempre as coisas são o que parecem, mademoiselle. Estamos vivendo momentos difíceis e faremos o que for preciso para sobrevivermos. lnshallah - acrescentou ele, citando o termo árabe para algo do tipo: "Se Deus quiser". Após uma breve pausa, prosseguiu: - Vivemos constantemente sob ameaça de invasão de nosso inimigo, que cobiça até mesmo as pequenas reservas de petróleo que acabamos de descobrir.

Brianne continuou ouvindo em silêncio. Antes, nunca havia questionado de onde vinha a matéria-prima do petróleo e nem como ela era obtida.

- Srta. Martin - Rashid voltou a falar -, as nações do ocidente dependem do petróleo, e temos uma ampla reserva dele nesta região. No passado, o ocidente tentou controlar e explorar a produção de especiarias da Índia, de borracha na África e de chá no Extremo Oriente. Mesmo atualmente, as florestas estão desaparecendo porque o ocidente quer extrair suas riquezas e as grandes cadeias de fast food querem ter espaço para construírem novas filiais, aumentar o consumo e, em conseqüência, os lucros. Brianne estava boquiaberta. Aqueles homens que até então pareciam meros marginais estavam demonstrando mais conhecimentos sobre política e economia do que ela poderia imaginar.

- Você é muito jovem - disse Mufti. - Não sabe nada sobre o lado cruel do comércio e dos homens que lidam com ele.

- Sei um pouco a respeito disso - corrigiu ela. Então olhou-os com ar de curiosidade. - Vocês dois parecem ser pessoas inteligentes. Por que trabalham para Philippe Sabon?

- Tenho quatro filhos - disse Rashid. - Um deles tem um tipo de câncer que o está matando aos poucos. Monsieur Sabon é quem paga o tratamento dele na França.

Mufti se manifestou em seguida, dizendo:

- E eu perdi minha família e minha casa quando bombas caíram sobre nossa propriedade,enquanto minha mulher preparava comida para nossos filhos de cinco e seis anos de idade. - Ele respirou fundo. Monsieur Sabon soube do que aconteceu comigo por meio de um primo meu. Recentemente, ele me encontrou e me ofereceu emprego.

 Mufti desviou a vista, parecendo incomodado com aquilo de alguma maneira. Brianne achou estranho, mas ele parecia velho para haver perdido filhos pequenos. Na verdade, ele aparentava ter a idade que o pai dela teria, se estivesse vivo.

- Já falamos demais, Rashid - avisou ele, apontando para a porta com a arma. - É melhor sairmos.

Brianne já não se sentia tão ameaçada ao olhar para eles. Lembrando-se de sua própria vida, considerou-se até sortuda. Pelo menos nunca tivera de aprender a usar uma arma ou a lutar em uma guerra.

A vida que aqueles homens haviam tido deixara marcas em seus semblantes. Por isso eles pareciam mais velhos e ameaçadores do que eram na realidade. Sentiu um aperto no peito ao imaginar a esposa e os filhos de Mufti morrendo em meio a um bombardeio.

Lembrou a si mesma de que sempre havia dois lados de uma história, e lamentou por aqueles dois homens. 

- Sinto muito - disse a Mufti. - Sobre sua família - acrescentou, hesitante. Ele pareceu pouco à vontade.

 - Não tem nada a ver com o que aconteceu a eles,  srta. Martin - falou ele, com gentileza. - Vivemos em um mundo complicado, só isso. As circunstâncias levam as pessoas à infelicidade e a fazerem coisas que nem sempre desejam. Lamento por seu seqüestro, mas foi necessário. - Hesitou ao chegar à porta. - Monsieur Sabon não vai machucá-la - revelou ele, para espanto de Brianne. - Não foi trazida até aqui por nenhum propósito imoral.

Os dois se despediram com um gesto de cabeça e se retiraram em seguida. Brianne franziu o cenho, sentindo-se mais confusa do que nunca. O que diabos aquilo significava?

 

Várias horas depois, Brianne se tornou alerta ao ouvir vozes do lado de fora da porta. Ao apurar os ouvidos, estremeceu ao reconhecer a voz de Sabon.

No mesmo instante, saiu da cama e foi se sentar na cadeira, unindo as mãos nervosamente sobre o colo.

Estava nessa mesma posição quando a porta foi aberta e Sabon entrou no quarto. Então ele deu um comando para seus dois homens e fechou a porta em seguida. Brianne olhou com receio para aquele rosto marcado por alguma cicatrizes e por um olhar intimidador.

- Não, não - disse ele, com um gesto impaciente. - Não vim até aqui para isso. Era conveniente deixar que todos pensassem que eu a queria dessa maneira. Assim, não haveria maiores suspeitas quando você desaparecesse. Todos deduziriam que eu a havia raptado devido aos meus... interesses pessoais.

- Eu... não estou entendendo - Brianne balbuciou.

Sabon sentou-se na cama e cruzou as pernas na altura dos calcanhares, enquanto acendia um de seus pequenos charutos turcos.

- Não sou esse monstro que adora desvirginar mocinhas inocentes - declarou ele, com calma. - Embora eu a considere atraente, não tenho nenhuma intenção de ter esse tipo de relacionamento com você. Confesso que se eu pudesse até me sentiria tentado a seduzi-la, mas...

Ele sorriu ao notar o ar de espanto no rosto de Brianne.

- Deve estar confusa com tudo isso, não? - Ele se inclinou para a frente. - Já que vai ficar aqui durante algum tempo, acho que posso até esclarecer sua dúvida. Fui atingido pela explosão de uma mina, durante uma viagem de negócios à Palestina. Estava havendo mais um dos vários conflitos tão comuns nesta região. As seqüelas foram tão graves que afetaram minha... virilidade. Portanto, essa história de que sou um pervertido não passa de invenção das pessoas. Fez uma careta de desagrado. - De qualquer maneira, prefiro que acreditem nisso. Se descobrissem a verdade, provavelmente eu viraria alvo de fofocas.

- Sinto muito - disse Brianne, com sinceridade, apesar do alívio em saber que não estava correndo aquele tipo de risco. - Deve ser... terrível para você.

- Terrível. - Sabon repetiu, olhando para a ponta acesa do charuto. - Sim, é... terrível.

Ele olhou-a por um momento, em busca de algum sinal de divertimento ou de sarcasmo no semblante de Brianne. Entretanto, não viu nada disso no rosto dela. Então sorriu.

- Uma mulher como você pode fazer um homem se envergonhar de seus desejos físicos. Se eu a houvesse conhecido antes que isso me acontecesse, talvez tivesse sido bastante diferente do que fui. De qualquer modo, cuidar do bem-estar do meu povo é o substituto que encontrei para os outros prazeres que não posso ter na vida.

- O que pretende fazer comigo e com o guarda-costas do sr. Hutton? - Brianne arriscou. Sabon deu de ombros. - Essas decisões terão de ser tomadas mais tarde. Com certeza Hutton virá procurá-la e isso pode nos causar alguns problemas. Seu padrasto e eu elaboramos uma maneira de fazer seu governo enviar tropas, para vigiar nosso território, enquanto construímos uma plataforma de petróleo que começara a ser usada daqui a algum tempo.

- Kurt conseguiu fazer isso?

Sabon assentiu. Ficando de pé, perambulou pelo quarto e fez um ar de desgosto ao observar o ambiente precário.

 - Sei que este lugar não é lá muito confortável, mas foi o que conseguimos arranjar às pressas. Tentarei melhorar o ambiente assim que possível. - Virou-se novamente para ela. - Kurt enviou um bando de mercenários para nos atacar, antes que nossos inimigos decidissem fazê-lo, e sem tomar os devidos cuidados, claro - ironizou ele. - Culparemos uma nação inimiga dos Estados Unidos pelo atentando, e pediremos a intervenção americana no local, antes que nossos "pretensos inimigos" descubram quanto estamos enfraquecidos como nação e decidam invadir nossas fronteiras. Kurt tem um amigo no senado americano, e acho que não precisaremos de muitos esforços para convencer seu governo a atacar nosso inimigo em comum.

Brianne ficou de pé.

- Não pode fazer isso, Sabon. Pode acabar dando início a uma guerra mundial!

Ele deu de ombros e tragou o charuto.

- Melhor isso do que deixar que nossas reservas sejam tomadas por nossos inimigos antes mesmo de começarmos a explorá-las em benefício do nosso povo. Acredite-me, não tem sido fácil convencer o xeique de que o petróleo que temos no nosso país precisa ser extraído e comercializado para salvar nossa economia. Ele acha que é errado dependermos do ocidente, mesmo que seja para o desenvolvimento de nossas riquezas.Passei muito tempo discutindo e argumentando para convencê-lo de que os benefícios que isso trará para nosso povo valerão o sacrifício de nos envolvermos com estrangeiros.

- Benefícios? Está interessado em proporcionar benefícios para seu povo?

Sabon olhou-a por um instante.

- Deve ter uma visão interessante a meu respeito. Acha que sou um monstro, certo? Um homem cruel e pervertido, que não se interessa por mais nada na vida além de seduzir virgens e enriquecer cada dia mais.

Brianne levantou as mãos, sem saber o que dizer.

- O lugar onde nasci é uma terra marcada por uma lamentável dose de miséria, subnutrição, doenças e ignorância.Em torno de nós, todas as nações produzem petróleo e vivem acumulando riqueza, enquanto continuamos sendo obrigados a lidar com todos esses problemas.

- Mas existe um fundo de ajuda para países estrangeiros.. .

- Como você é ingênua - Sabon a interrompeu. - Vive no ocidente, minha cara. Tem muito para comer, beber e vestir. Usa carros e aviões quando quer ir de um lugar para outro. Não tem idéia de como vive o resto do mundo, srta. Martin. - Ele tragou o charuto. - Talvez até ache interessante passar um mês no meu país. Ao contrário do que se vê nas cidades metropolitanas que nos cercam, aqui em Qawi você pode viver em uma casa de barro sem nenhum conforto, com apenas um poço para obter água. Também pode caçar animais para servirem de jantar, fiar lã para produzir suas próprias roupas, ou então ver seus filhos morrerem de fome ou de febre por falta de remédios. Não temos nada de moderno por aqui. - Ele arqueou uma sobrancelha. - Está chocada com o que eu disse?

 - Parece muito... primitivo - confessou Brianne.

 - E é primitivo! - anuiu ele. - Sem dinheiro, não há esperança de educação para o meu povo. E sem educação, a pobreza continuará a existir indefinidamente. .

Brianne não soube o que dizer ou sugerir. Aturdida com tudo que acabara de ouvir, flagrou-se simpatizando com Philippe Sabon pela primeira vez.

- Agora estamos enfrentando o problema de o que fazer com você, enquanto Kurt negocia a intervenção americana - continuou ele.

Brianne olhou em torno de si, preocupada.

- Vai mesmo me manter aqui? Mas por quê, se não tem nenhum interesse por mim?

Sabon suspirou.

- Eu a trouxe para cá para garantir a colaboração de Kurt, inventando a história de que queria me casar com você e unir as riquezas de nossas famílias. Ele estava ansioso para concordar com minha proposta, mas acho que sua mãe tentou convencê-lo a desistir. A maneira como eles resolveram esse assunto não me diz respeito. Não tenho muita paciência com homens que espancam suas mulheres, por qualquer que seja o motivo. - Ele levantou a mão quando Brianne fez menção de falar. - Ela não ficou muito machucada. Verifiquei isso antes de viajar para cá.

Ainda assim, Brianne se preocupou com a mãe. No entanto, tinha noção de que não poderia fazer nada.

- Quer dizer que estou aqui para garantir que Kurt não tente se voltar contra você?

- Exatamente - respondeu Sabon. Então sorriu com frieza. - Claro que ele pensa que tenho outros planos para você, e é melhor que continue pensando assim. Parece que sua mãe ameaçou deixá-lo se você sofresse alguma conseqüência. Estranho, não? Toda essa preocupação surgir de repente em uma mulher tão mercenária?

Brianne conteve o fôlego.

- O que sabe sobre minha mãe?

- Tenho espiões por toda parte. - Sabon olhou-a com um sincero ar de lamentação. - Você não é tão bonita como sua mãe, mas tem um coração que vale muito mais do que o dela. Quando olho para você, lamento ter deixado de ser o homem que eu era. Seria bom poder ter um futuro a seu lado.

Brianne espantou-se com a sinceridade da declaração. Pela primeira vez, Sabon lhe pareceu vulnerável de uma maneira que a comoveu.

Ao notar a expressão comovida de Brianne, ele disse:

- Vê-la chega a ser doloroso para mim. - Desviando a vista, continuou: - Eu nunca quis envolvê-la nisso. Seqüestro era a última coisa que se passava pela minha mente, mas foi pelo bem de nós dois que eu a trouxe para cá. Brauer é imprevisível e anda com um humor explosivo ultimamente. Eu não a machucaria por nada no mundo, mas ele...

Sabon deixou as palavras no ar. Tocada pela consideração que ele demonstrara, Brianne se aproximou dele. Sabon não era aquele monstro que ela imaginara. Tampouco era o homem cruel, que todos condenavam.

Hesitante, tocou o braço dele.

Ele olhou com surpresa para a mão delicada pousada em seu braço. Os olhos negros, tão diferentes dos de Pierce, fitaram os dela.  Sabon inclinou-se ligeiramente na direção de Brianne, hesitando como um garoto em seu primeiro encontro com urna garota. Com gentileza, segurou-a pelos ombros.

- Você me... permite? - perguntou ele. Brianne assentiu, deixando que ele a abraçasse.  Considerou aquela como uma das experiências mais marcantes de sua vida. Ali estava ela, naquele quarto onde era mantida como prisioneira, abraçando o homem que fora o mandante de seu seqüestro.

Sabon apenas abraçou-a, sem tentar nada além disso. Tocou os cabelos dela como se houvesse sonhado com aquilo durante muito tempo. Todos diziam que ele era um monstro, mas Brianne descobriu que, no íntimo, Sabon era um homem extremamente sensível.

- Não podem fazer nada por você? - perguntou a ele.

Sabon engoliu em seco.

-Não.

Depois de abraçá-la por mais algum tempo, ele segurou o rosto dela entre as mãos. Brianne não soube o que dizer quando viu um brilho de lágrimas nos olhos dele. Tocando o rosto dele com a ponta dos dedos, apenas falou:

- Sinto muito, Philippe. Ele forçou um sorriso.

 -Tudo que me restou foram sonhos e lembranças - admitiu. - Agora também poderei guardar a lembrança de seus olhos verdes nesse momento. .- Afastando-se um pouco, levou a mão dela aos lábios. - Obrigado - agradeceu e soltou-a no mesmo instante.

Então encaminhou-se para a porta e ficou ali por um momento, recuperando o autocontrole.

- Nem eu nem as pessoas próximas a mim farão algo contra você. - Olhou-a por cima do ombro. - Eu lhe dou minha palavra. Se algum dia precisar de ajuda, por qualquer que seja o motivo, pode me procurar.

Brianne franziu o cenho.

- Por que está me dizendo isso?

Sabon moveu um ombro quase imperceptivelmente.

- Talvez porque você tenha o coração mais frágil que já conheci. Só mesmo alguém assim para sentir solidariedade por um monstro como eu.

- Você não é um monstro.

- Sim, sou. E nunca havia me dado conta disso até hoje.

Brianne respirou fundo.

- E quanto a Jack?

Ele franziu o cenho.

- Quem é Jack?

- O guarda-costas do sr. Hutton - respondeu ela, rezando para que ele não acabasse descobrindo quem era "Jack". - Ele foi trazido comigo para cá.

- Então Hutton mandou um guarda-costas para acompanhá-la? - Sabon riu. - Ele deve mesmo achar que sou uma grande ameaça à sua inocência.

- Sim, ele acha - Brianne se apressou em concordar.

- Houve um tempo em que a ameaça até existiria - salientou ele. - Com esses cabelos e essa pele alva, você seria realmente "ouro branco" para um homem como eu. Tem sorte por eu haver feito aquela maldita viagem à Palestina.

 - O que quis dizer com "ouro branco"? - indagou ela, preferindo mudar de assunto.

- No passado, havia um comércio de escravos nesta região, segundo o qual uma mulher branca poderia ser trocada por seu peso em ouro - explicou Sabon. Rindo, acrescentou: - Você teria rendido um bom lucro.

Enquanto Brianne pensava em uma resposta pouco educada, ele olhou para o relógio.

- Preciso cuidar de alguns assuntos agora. Você terá tudo que precisar - prometeu Sabon, voltando a se aproximar da porta. Ao chegar lá, olhou-a com um sorriso curioso. - Mufti e Rashid falaram muito bem a seu respeito, sabia? Você também não é nada do que esperávamos que seria.

Brianne deu de ombros.

- Então estamos todos quites. Temos mania de criar estereótipos das pessoas antes de as conhecermos direito.

- É verdade. Sinto muito por você ter de ficar aqui, mas não posso correr o risco de deixá-la ir embora e perder tudo que já consegui.

Ele bateu à porta. Em seguida, saiu do aposento em companhia dos dois homens.

Brianne mordeu o lábio, censurando-se por sua inabilidade em convencê-lo a desistir daquele plano perigoso. Tudo parecia perfeito para Sabon, mas correr o risco de começar uma guerra só para ver seu país se desenvolver era um pouco demais.

Teria de fazer algo para detê-lo. Precisava entrar em contato com Washington para impedir Kurt de prosseguir com o plano e contar o que Sabon pretendia fazer.

Mas primeiro teria de escapar dali. Junto com Pierce, claro. Deus, como faria isso? .

Apesar de toda a cortesia que Sabon lhe demonstrara, não tinha idéia do que ele faria se visse Pierce e o reconhecesse. Com certeza, Sabon também tiraria vantagem disso.

Preocupada, começou a andar de um lado para outro, tentando pensar em uma maneira de sair dali. Tentar subir até a janela estava fora de cogitação. Sua única alternativa seria a porta, mas esta sendo constantemente vigiada.

Talvez conseguisse conquistar a confiança dos seqüestradores e enganá-los de alguma maneira.. Sim, talvez fosse essa a solução!Concluiu com um sorriso esperançoso. Iria despertar a piedade daqueles homens e então daria um jeito de escapar.

Foi então que se lembrou das armas que eles estavam usando. Por certo não hesitariam em atirar, se ela passasse a representar uma ameaça aos planos de Sabon.

Sentou-se na cama, ainda surpresa com o estranho comportamento de Sabon. Lembrava-se com muita clareza de quanto temera aquele homem. Parecia irônico que a situação houvesse mudado tão drasticamente.

Enquanto vivesse, nunca se esqueceria do brilho de lágrimas que vira nos olhos dele.

Mais um pouco e passaria a oferecer abraços de consolo para todos os homens problemáticos do Oriente Médio, pensou, rindo consigo. Pierce também riria se a ouvisse dizer aquilo. Pierce. Deus, onde estaria ele?

Estremeceu ao recordar como haviam feito amor. Esperava que ele não se sentisse culpado quando descobrisse que Sabon não representava uma verdadeira ameaça para ela. Também rezou para que ele não ficasse furioso quando ela contasse o detalhe sobre a pílula.

A essa altura, já poderia até estar grávida. Isso arruinaria os planos dele, que confessara querer continuar a viver sozinho.

 Suspirou alto. A situação parecia estar ficando cada vez mais complicada, e ela não tinha a mínima idéia de como resolvê-la. No momento, porém, teria de se concentrar apenas em sua fuga. Depois, quando estivesse segura em sua casa, voltaria a pensar naqueles outros detalhes.     

 

Tate Winthrop havia acabado de falar ao telefone com um de seus informantes.

Haviam conversado sobre os últimos assuntos de interesse mundial e, mais especificamente, a respeito do Oriente Médio. Aquele canto do mundo era uma verdadeira caixa de pólvora, que a qualquer momento poderia explodir sob a ação de alguém menos avisado.

Apertou os lábios com um ar preocupado, enquanto observava a paisagem através da janela do luxuoso hotel, em Washington D.C. A noite havia caído sobre a cidade, fazendo os prédios iluminados parecerem aglomerados de pedras preciosas brilhando contra o fundo escuro do céu.

O cenário era lindo, admitiu para si mesmo. Mas, sem sombra de dúvida, muito diferente da paisagem natural de Dakota do Sul. Lembrou-se de como costumava subir até o alto das montanhas, no fim da tarde, para admirar o pôr-do-sol, perto da reserva Pine Ridge Sioux, onde havia sido criado. O lugar parecia uma paisagem de conto de fadas e marcara seu coração para sempre, fazendo-o sempre se lembrar da infância feliz que tivera por lá.

Com um suspiro, olhou para a foto deixada sobre sua mesa, mostrando uma bela loira de olhos castanhos. Sabia que parecia ridículo, mas costumava esconder a foto de Cecília sempre que ela aparecia para jantar com ele. Isso acontecia apenas ocasionalmente, quando ela conseguia tirar uma folga no Smithsonian, o que era bastante raro. De qualquer maneira, não poderia revelar a ela a profundidade de seus sentimentos. Por mais que houvesse pensado em fazer isso em alguns momentos, felizmente seu lado racional o mantivera frio e controlado o suficiente para não deixá-lo cometer uma besteira.

Cecília era antropóloga forense e, de vez em quando, trabalhava para o FBI, examinando esqueletos e coisas do gênero. Tratava-se de uma profissão esquisita para uma mulher tão sensível como ela, mas fora a única maneira que Cecília encontrara para fugir do controle do pai e ter uma boa educação longe de casa. Winthrop tornara isso possível para ela, pagando parte de seus estudos entre outras coisas.

Cecília não tinha idéia de quanto devia a ele, e Winthrop preferia que a situação continuasse assim.

Sentia-se responsável por Cecília mas nunca permitira nenhum nível de intimidade entre eles. Ele era um sioux e ela uma mulher branca.

Não queria misturar seu sangue ao dela e ter filhos mestiços, sem uma verdadeira identidade. Se não fosse por isso, não hesitaria em entregar seu coração a Cecília, pensou ele, observando aquele rosto de traços delicados. Cecília Peterson era bonita, esguia e elegante.

Além disso, tinha o espírito e a coragem de uma guerreira. Se ele possuía alguma fraqueza na vida, essa fraqueza se chamava Cecília. Ultimamente, porém, isso vinha incomodando-o mais do que no passado.

O telefonema de Pierce ocorrera no momento certo.

Pelo menos o que eles haviam conversado servira para afastá-lo de Cecília, enquanto fortificava suas defesas contra ela. Via-se obrigado a fazer isso periodicamente, quando sentia-se ameaçado pelo charme dela. Às vezes, experimentava uma verdadeira agonia por não poder tocá-la. Um homem com menos escrúpulos a teria levado para a cama anos antes.

Respirou fundo, enquanto ponderava sobre o que fazer. Pierce pedira que ele mandasse dois seguranças para encontrá-lo em Freeport. Porém, um deles havia acabado de lhe telefonar, dizendo que não o encontrara e que Pierce também não havia ido para o hotel onde fizera reserva. A jovem que o acompanhava também desaparecera.

Isso significava que Pierce havia sido seqüestrado.

E ele tinha quase certeza de quem estava por trás daquilo. Philippe Sabon e Kurt Brauer deviam estar armando algum plano, e Pierce representava um empecilho para eles.

Aproximando-se da janela, massageou a nuca e passou a mão por sua longa trança negra. Sabia que parecia tolice não cortar os cabelos, já que vivia no mundo dos brancos, mas ainda mantinha as crenças e superstições que herdara de sua família. Acreditava no poder de talismãs e também que manter os cabelos longos lhe dava mais força espiritual.

A única vez em que os havia cortado, fora baleado no peito e quase morrera enquanto estava trabalhando para uma agência secreta do governo em outro país.

Desde então, aparava apenas as pontas ocasionalmente e nada mais.

Foi até o guarda-roupa e pegou uma mala, onde guardou alguns itens de que iria precisar. Então telefonou para dois de seus melhores agentes e avisou-os onde deveriam encontrá-lo. Seu coração acelerou quando ele imaginou o que teria de enfrentar. De fato, eram aquelas doses de adrenalina que ajudavam a quebrar a monotonia de seu trabalho como chefe de segurança.

Aquilo poderia se tornar perigoso, mas também seria um bocado divertido.

 

Trancado em um quarto menor do que aquele onde Brianne se encontrava, Pierce tentava abrir a fechadura da porta com um clipe que encontrara sob uma velha escrivaninha. Havia sujeira ou algo parecido dentro da maldita fechadura, que não cedera nem um pouco.

Irritado, jogou o clipe amassado no chão e praguejou, antes de se jogar contra a porta. Ela devia ter alguma camada de ferro ou de aço porque o fez gemer de dor no ombro. Olhou para cima, mas a única abertura que havia no quarto era outra janela inalcançável, coberta por grades. Aquela casa parecia ser uma espécie de forte.Imaginou como Brianne estaria e o que aqueles marginais estariam fazendo com ela. Nunca se sentira tão furioso e impotente em toda sua vida. Não suportava nem pensar que Brianne poderia estar sofrendo, sem que ele pudesse fazer algo para protegê-la. Um brilho de fúria surgiu em seu olhar quando ele lembrou das coisas terríveis que ouvira a respeito de Sabon. Se aquele cretino ferisse Brianne, pagaria por isso. Iria persegui-lo e acabar com ele ainda tivesse de procurá-lo pelo resto de sua vida!

Ouviu vozes do lado de fora da porta. Aproximando-se dela, colou o ouvido à madeira, tentando escutar o que estavam dizendo.Reconheceu a voz de Sabon, mesmo tendo-a ouvido poucas vezes.

- Não podemos soltá-los, não ainda - ele disse a alguém.

- Nem pense em matá-la! - protestou um homem em inglês.

- Não, claro que não - foi a resposta dele. - Não quero matar ninguém. Só não podemos arriscar que eles sejam soltos antes de conseguirmos alcançar nosso objetivo. Os americanos precisam vir nos proteger. E não será bom para nós se descobrirem que seqüestramos uma de suas cidadãs, por qualquer que tenha sido o motivo.

- Tudo bem. Mas não podemos pelo menos levá-la para um lugar melhor?

Houve uma pausa.

- Vamos levar os dois para a propriedade principal e colocá-los no antigo forte. Não é tão moderno como esse, mas pelo menos terão mais espaço. Não teve nenhuma notícia de Hutton?

- Não. Pelo visto, ele ainda está nos Estados Unidos.

- Então vamos torcer para que ele fique por lá até Kurt concluir nosso plano em Washington. Se bem que com a maldita mídia dos americanos, Hutton acabará sabendo o que está acontecendo. A única esperança é que quando ele descubra já seja tarde demais para tomar alguma providência. Ele não tem tanta cidadania americana quanto eu. Kurt tem cidadania alemã, além da americana, e acho que poderemos usar isso a nosso favor. Venham, vamos ver se os "amigos" de Kurt já chegaram.

Pierce praguejou, pensando no que acabara de ouvir.

Achou curioso que Sabon não parecesse nem um pouco obcecado com relação a Brianne. No entanto, aquela rápida conversa mostrara sinais de perigo. Se Kurt estava nos Estados Unidos, o que Sabon estaria fazendo ali? O que estariam planejando? Mais uma vez, lamentou estar ali, sem poder fazer nada. Algo grande estava para acontecer e ele se encontrava de mãos atadas.

Esperava que pelo menos Winthrop notasse seu desaparecimento e chegasse a tempo de fazerem algo. Lamentou o destino daqueles homens, quando o chefe de sua segurança colocasse as mãos neles. Winthrop não seria gentil. Com certeza não.

 

Durante as horas que se seguiram, houve muita movimentação do lado de fora do quarto de Brianne. Ela não vira mais seus seqüestradores, mas ficou atenta a todos os ruídos. Passos apressados, barulho de engrenagens mecânicas, como o de armas sendo engatilhadas, e vozes masculinas foram alguns dos sons que ela conseguiu distinguir.

Vários homens ficaram no corredor durante alguns minutos e então se afastaram com passos firmes. Do lado de fora, parecia que um avião ou helicóptero se aproximava do local.

Brianne estremeceu ao se lembrar do que Sabon dissera sobre o plano de incitar a intervenção americana.

Pelo visto, ele pretendia mesmo atacar seu próprio povo e pôr a culpa em um país vizinho. Estaria Kurt metido nisso também?, ela se perguntou. E quanto à sua mãe e ao pequeno Nicholas? O que seria deles dali em diante?

Kurt não poderia estar desesperado a ponto de ajudar Sabon a começar uma guerra. Ou poderia?

Aflita pela falta de visão que estava tendo dali, empurrou a cama e colocou a cadeira sobre ela, tentando alcançar a janela.

Porém, tudo que conseguiu ver foram as hélices de um helicóptero se aproximando. Aquilo indicava que Sabon começara a pôr o plano em ação e que ela não poderia fazer absolutamente nada para impedi-lo.

Deus, era terrível demais.

Sua única esperança era de que Sabon não estivesse ensandecido a ponto de matar os próprios compatriotas. O centro da cidade ficava a vários quilômetros dali, mas o som de bombas e de mísseis chegou aos ouvidos de Brianne minutos depois.

Ela levou a mão ao peito, desesperada. Se pelo menos conseguisse sair dali a tempo de avisar alguém antes que Kurt falasse com o tal senador...

Desceu da cadeira e começou a andar de um lado para outro, tentando pensar em algo para fazer. Sabon havia dito que Kurt já estava nos Estados Unidos. Era provável que seu padrasto já soubesse sobre o ataque. Por isso, estaria "convenientemente" em Washington quando recebesse a notícia. Então ele contaria ao senador, que contaria a seus colegas e...

Ei, talvez as coisas não acontecessem exatamente assim!. Seria preciso que houvesse várias reuniões e a eleição de um comitê de negociação, como sempre acontecia antes de os Estados Unidos enviarem tropas para algum lugar.

Brianne suspirou, aliviada. Não, não haveria nenhum perigo imediato. Ao contrário de outras nações, os Estados Unidos faziam muitas ponderações antes de tomar partido em assuntos delicados como aquele.

Pelo visto, Kurt e Sabon não obteriam todo o êxito que estavam esperando.

Ainda pensativa, sentou-se na cadeira. Não precisaria se preocupar com a guerra. Sua própria segurança e a de Pierce era o que mais importava no momento. Só esperava que não descobrissem a verdadeira identidade dele. A situação de Pierce era ainda mais delicada do que a dela.

Imaginou se ele estaria pensando nela naquele momento. Não ousaria contar a ele a verdade sobre Sabon.

Se Pierce descobrisse que Sabon era incapaz de fazer mal a uma mulher, ficaria furioso pelo modo como decidiria protegê-la.

Além disso, não, queria nem ver a reação que ele teria se soubesse que ela não estava tomando o anticoncepcional desde que haviam viajado para os Estados Unidos. A possibilidade de ela estar grávida era considerável, já que estava bem no meio de seu ciclo.

Quando deu por si, flagrou-se com um sorriso nos lábios ao imaginar como seria ter um filho de Pierce. Um garotinho com cabelos e olhos negros.

Porém, seu sonho logo lhe trouxe uma onda de tristeza. Pierce passaria a odiá-la e à criança se isso acontecesse. Ele ainda amava a esposa falecida. Brianne estremeceu ao se lembrar do único momento desagradável que passara nos braços de Pierce. Ainda estavam se recuperando da turbulência do clímax quando ele sussurrara um nome. E não fora o dela.

Brianne entendera perfeitamente quando ele dissera: "Margô, querida".  Fechou os olhos, tentando afastar aquela lembrança da mente. Servira apenas como uma substituta para o fantasma que continuava a rondar a mente de Pierce.

E só descobrira isso depois de se entregar por completo a ele, quando estava prestes a confessar quanto o amava. Felizmente não chegara a fazê-lo. Teria sido humilhante demais. Pierce não a amava e não havia nada que ela pudesse fazer quanto a isso.

Cruzou os braços em um gesto defensivo, recusando-se a continuar pensando naquilo. Não queria acabar dando gritos histéricos e chamar a atenção daquele verdadeiro batalhão que se encontrava do lado de fora.

Deus, precisava sair dali! Mesmo que Sabon não conseguisse levar as tropas americanas até Qawi, seus mercenários poderiam errar o alvo por acidente e atingir a casa onde ela e Pierce estavam presos. Ou então algum desavisado compatriota de Sabon, que desconhecesse a origem dos atacantes, poderia revidar e causar um grande estrago.

Apesar de simpatizar com a idéia de Sabon, achava que a solução que ele encontrara estava completamente errada. Sabon estava tendo uma visão limitada a respeito da situação, sem se preocupar com o contexto mais amplo.

A Terceira Guerra Mundial poderia facilmente começar a partir daquela tentativa de proteger uma pequena nação do Oriente Médio. Sabon não estava considerando nenhum outro país além do dele. Talvez tivesse boas intenções, mas elas estavam se perdendo em meio àquela obstinação cega.

Era possível que o xeique que governava o país nem conhecesse todo o plano de Sabon. Ou quem sabe até estivesse sendo mantido preso, como ela própria.

De repente, ouviu um ruído vindo da janela. O quarto estava abafado, devido ao sol escaldante da região, e a sombra das grades da janela sem vidro se refletiam na porta.

Brianne se espantou quando um pequeno projétil foi jogado dentro do quarto, indo parar bem a seus pés. Ela pegou o papel enrolado em uma pedra e abriu-o com mãos trêmulas. O papel parecia ser o pedaço de um envelope. "Distraia-os!", era o que estava escrito em letras garrafais.

Brianne amassou o papel e continuou no mesmo lugar, sem saber ao certo o que fazer. Mordeu o lábio, considerando o significado por trás daquela mensagem.

Um brilho de esperança surgiu em seus olhos. Pelo visto, a ajuda chegaria, só que precisaria de uma "ajudazinha" de sua parte.

Ela respirou fundo. Então embaraçou os cabelos e levou a mão à garganta. Apertou-a por alguns segundos, para fazer seu rosto ficar vermelho, e fingiu estar com falta de ar.

- Oh, meu Deus! - gritou com voz rouca. - Não estou conseguindo respirar!

Levando a mão ao peito, caiu no chão e simulou um ataque cardíaco. Para alguém com sua idade, tratava-se de um fato bastante incomum, mas o homem que a vigiava havia recebido ordens pessoais de Sabon para mantê-la em segurança. Por isso, assim que ele ouviu o apelo de Brianne, pegou a chave para abrir a porta.

Ele quase conseguiu. De súbito, um homem encapuzado e todo vestido de preto surgiu como que do nada e lhe deu uma gravata. Com um golpe certeiro, fez o guarda desmaiar e pegou a chave da mão dele. A um sinal do invasor, outros dois homens vestidos da mesma maneira obscura apareceram e seguiram pelo corredor, verificando cada um dos aposentos.

Brianne estava de pé no meio do quarto quando a porta foi aberta. Tudo que viu foi um par de olhos negros por trás da máscara que ocultava o rosto do desconhecido.

- Srta. Martin? - perguntou ele, com um sorriso amistoso.

- Na verdade, sra. Hutton - corrigiu ela. - Mas não sei por quanto tempo. Sabe onde ele está? Pierce está bem? - indagou, preocupada.

Apesar da surpresa, Winthrop não demonstrou espanto diante da notícia. Concentrando-se em seu trabalho, segurou-a pelo braço e saiu com ela do quarto.

- Estamos quase conseguindo libertá-lo - disse ele. - Fique logo atrás de mim, por favor.

- Pode deixar.

Winthrop tirou a arma da cintura e seguiu com cautela pelo corredor, com Brianne logo atrás dele.

Uma imitação de canto de pássaro ecoou mais adiante e Winthrop parou de repente, apurando os ouvidos.

Então fez um som parecido e recomeçou a andar.

Brianne conteve o fôlego, assustada com tudo aquilo.

Nunca imaginara que algum dia se veria em meio a uma situação tão perigosa.

Notando que Brianne estava nervosa, Winthrop segurou o braço dela com mais firmeza, para lhe transmitir segurança. Ela engoliu seco, mas assentiu, mostrando que estava bem.

Os dois seguiram em frente, enquanto Winthrop olhava para todos os lados. Disse a si mesmo que fora pura loucura realizar aquela operação com apenas dois homens. Ainda assim, considerara que teriam mais chance de sucesso do que se ele chegasse ali com uma tropa de invasores. Esperava que conseguissem livrar Pierce logo para saírem dali sem causar maiores danos.

Alguns golpes certeiros que provocassem desmaios seriam mais do que suficientes, segundo seu método de trabalho. Mas logo os atingidos começariam a voltar a si.

- Eu gostaria de poder lhe dizer onde está Pierce - disse Brianne. - Mas não tenho a mínima idéia.

- Meus homens o encontraram - garantiu ele. Mas a porta parece estar emperrada e estamos com dificuldade para abri-la.

- Não pode atirar na fechadura?

Winthrop sorriu.

 - A fechadura e a porta são revestidas com aço. Não é tão fácil quanto parece.

- Ah, meu Deus.

- Um dos meus agentes foi investigador de assaltos a bancos no passado, e conhece praticamente tudo sobre arrombamentos. Não há nada que ele não consiga abrir, ainda que leve algum tempo. - Winthrop olhou em volta mais uma vez, sem deixar que a conversa o distraísse. - Temos sorte por Sabon não haver deixado muitos homens por aqui, agora que está ocupado com outros assuntos. Pelo visto, quase todos foram para o centro da cidade. Mas não demorarão para voltar. Sabon poderá chegar a qualquer momento, e não ficará nem um pouco satisfeito se nos encontrar aqui.

- Ele disse que só quer proteger as reservas de petróleo de seu país, para que não sejam tomadas por um país vizinho. Sabon quer começar a comercializar o petróleo e conseguir dinheiro para ajudar as pessoas que estão passando fome por aqui.

- E você acreditou nele? - Winthrop perguntou, com um suspiro. - Esse mundo seria bem melhor se todos dissessem a verdade.

Ele se aproximou de outra esquina e parou, tornando-se tenso. Só voltou a relaxar quando viu que não havia nenhum perigo adiante.

Dois homens vieram correndo em direção a eles, acompanhados por Pierce. Brianne fez menção de correr até ele, mas Winthrop a deteve.

- Rápido! - ele disse aos outros. - Temos cerca de dois minutos para sair da casa antes que algum dos homens desperte e toque o alarme de segurança.

- O quê?! - Brianne se sobressaltou.

- Consegui desprogramar o alarme, mas apenas por alguns minutos - explicou Winthrop, puxando-a pelo braço. - Precisamos voltar para os Estados Unidos rapidamente - avisou Pierce, quando eles começaram a correr. - Brauer já está lá!

- Sim, está - confirmou Brianne, acompanhando-os na corrida. - E o ataque a Qawi está sendo realizado pelos mercenários de Kurt, e não pelo país vizinho. Eles vão pôr a culpa no país vizinho para dar a Kurt a desculpa para pedir a intervenção do exército americano aqui!

- Meus Deus! - exclamou Pierce.

- Bem, talvez ainda tenhamos tempo de entrar em contato com o senador, amigo de Kurt - acrescentou Brianne, ofegante. - Terá de haver muitas reuniões e a eleição de um comitê antes de eles sequer pensarem em enviar tropas...

- De que planeta você disse que ela tinha vindo? - Winthrop perguntou a Pierce.

- Ei, o que está querendo dizer com isso? - Brianne se indignou, esforçando-se para conseguir acompanha-los em direção à saída.

- Pelo visto você não sabe que alguns serviços secretos de vários governos agem imediatamente, no caso de alguma ameaça que afete os interesses americanos - explicou o segurança. - Em outras palavras, poderemos ter tropas americanas por aqui pela manhã, sem nenhum acordo ou aprovação do congresso.

Brianne sentiu o coração acelerar, e não exatamente por estar correndo.

- Está brincando!

- Não, não estou.

Winthrop saiu por último da casa. Um grande helicóptero esperava por eles do lado de fora. Tinha camuflagem militar e mantinha as armas apontadas, para o caso de algum imprevisto.

- Entrem! - Winthrop gritou.

Pierce segurou o braço de Brianne e ajudou-a a subir no helicóptero. Os outros homens entraram depois deles. Winthrop tocou O capacete do piloto, indicando que poderiam partir. Segundos depois, quando alguns seguranças de Sabon voltaram a ficar conscientes, tentaram atirar contra o helicóptero, mas já era tarde.

- Parece que os anjinhos de Sabon acordaram. - zombou Winthrop, olhando para o relógio. - Seis, cinco, quatro...

- Por que ele está contando? - Brianne perguntou a Pierce. A resposta ocorreu lá embaixo, quando uma parte externa da propriedade de Sabon voou pelos ares, com uma grande explosão.  - Isso os distrairá por algum tempo - declarou Winthrop, rindo.

- Onde você deixou o avião? - Pierce quis saber.

 - Bem, garanto que não foi no aeroporto. Claro que ficaríamos muito expostos. Por isso, resolvi deixá-lo... - Winthrop se interrompeu de repente e sua expressão bem-humorada logo desapareceu enquanto ele ouvia o piloto dizer várias frases em árabe. De fato, o homem falou tão rápido que nem mesmo Pierce conseguiu entendê-lo.

 - Teremos de aterrissar no local mais próximo que esteja disponível e esperar por um milagre - Winthrop anunciou a todos. - Sabon contratou um grupo de guerrilheiros que descobriu o local onde deixamos o avião. Um amigo do piloto avisou que eles explodiram tudo.

- Muito espertos - ironizou Pierce.

- Têm de ser mesmo, porque treinei pelo menos dois deles - revelou Winthrop, com um sorriso. - Começamos todos juntos, trabalhando para o serviço secreto. Ele olhou para a paisagem abaixo deles. - Às vezes, arrependo-me de haver deixado aquele emprego.

Então tocou no capacete do piloto e deu a ele um rápido comando em árabe, antes de se voltar para os outros.

- Precisamos sair daqui, antes de acabarmos com a vida de Hamid. Ele pode voar em segurança somente até a fronteira, já que é cidadão do país. Conosco, porém, a situação é diferente. Digamos que eles... não gostam muito de estrangeiros.

Depois daquilo tudo, Brianne concluiu que não poderia culpá-los por isso. Aprendera muitas coisas a respeito daquele canto do mundo durante o pouco tempo em que estivera ali.

- Como voltaremos para casa? - inquiriu Pierce.

- Tentaremos fretar um avião - foi a resposta de Winthrop. - Os pilotos que trabalham com esse tipo de avião costumam aceitar qualquer coisa por uma boa quantia em dinheiro.

Inclinando-se para a frente, colocou um pacote de notas em cada uma das jaquetas de seus agentes. Nenhum deles havia tirado as máscaras.

- Já que estão mascarados e que não disseram nada até agora, é melhor que continuem assim para não serem reconhecidos por vocês no futuro - explicou Winthrop, justificando as máscaras.

- Iríamos mesmo reconhecê-los se não estivessem mascarados? - Brianne duvidou.

- Isso depende de quanto você presta atenção nos murais de fotografias das delegacias de polícia.

Brianne olhou para os homens com um ar de espanto.

- É mesmo?

- Oh, não faça isso - resmungou Pierce, com ar de protesto. - Você deveria estar com medo.

- Deveria? - Ela se encostou no assento e fez uma expressão de pânico. - Assim está melhor?

Os dois começaram a rir.

- Você é mesmo impossível - disse Pierce.

- Concordo plenamente - anuiu Winthrop.

Verificou as duas pistolas que carregava na cintura. -Então entregou uma delas a Pierce. - Lembra-se de como usar isso? .

Pierce assentiu, guardando a arma consigo. Claro que não pretendia usá-la, mas seria preciso se proteger.

Brianne estava ficando mais apreensiva a cada minuto. Não queria que ninguém saísse ferido. Olhando em torno de si, deu-se conta pela primeira vez de que se encontrava em meio a matadores. Mesmo que não houvessem matado ninguém durante a fuga, não hesitariam em usar aquelas armas, se fosse preciso.

Sentiu-se muito jovem e ingênua perto deles. Cruzando os braços em torno de si mesma, olhou para o piloto. Ele havia começado a baixar o helicóptero na direção de uma plataforma. Havia várias pessoas em torno do local de pouso, todas com aparência árabe.

Brianne estremeceu. Claro que elas logo veriam que eles eram estrangeiros.

Quando o piloto aterrissou, Winthrop tirou uma sacola de debaixo do banco onde estava sentado e jogou-a no meio deles. Os dois homens que os acompanhavam foram dispensados pelo chefe e saíram do helicóptero juntamente com o piloto.

- O que faremos agora? - perguntou Brianne, preocupada.

- Iremos nos misturar a eles - respondeu o segurança, tirando a máscara que escondia seu rosto.

Brianne logo notou que não seria difícil ele se misturar àquelas pessoas. Tinha a pele escura como a do povo da região, com o rosto marcado por algumas cicatrizes e cabelos muito negros.

- Ah, é o sr. Winthrop? - perguntou a ele, lembrando-se de que Pierce havia falado sobre ele.

Withrop arqueou uma sobrancelha.

- Eu mesmo. Vejo que Pierce já andou falando sobre mim.

- Bem, ele só contou que você come escorpiões. Nada muito grave...

- E cobras também - acrescentou Pierce. - Mas somente quando elas tentam picá-lo. - Estendeu a mão para Winthrop. - Obrigado por ter vindo nos buscar. Acho que Sabon não pretendia nos libertar tão cedo.

O segurança retribuiu o aperto de mão com firmeza.

- É para isso que sou pago, não? - lembrou ele.

- Seria um tremendo desperdício de dinheiro me deixar sem nenhum trabalho.

- Como conseguiu nos encontrar?

- Oh, algum dia eu lhe conto essa história - respondeu Winthrop. - Agora precisamos mesmo é encontrar uma maneira de sair daqui.

- Tem razão - concordou Pierce. - Se Brauer contatar as pessoas certas em Washington antes de nós, haverá um estrago e tanto por aqui. Todo o território árabe entrará em guerra.

- Eu trouxe um telefone - anunciou Winthrop, tirando o aparelho da bolsa. Porém, quando ele tentou usá-lo, nada aconteceu. Só então notou que o telefone estava sem bateria. Irritado, praguejou algo em seu próprio idioma.

- Podemos procurar um telefone - sugeriu Pierce.

- Não aqui. Não existe nenhum telefone neste local. Somente os rádios dos pilotos, mas não tenho nenhum código de acesso para utilizá-los. Droga, preciso de um telefone de verdade!

- O que aconteceu com a bateria? - Pierce quis saber.

- O piloto que nos transportou tem ligação com um pequeno mercado negro. Não pensei que ele teria coragem de roubar. Eu deveria ter carregado um telefone de reserva comigo. Geralmente faço isso, mas não lembrei de fazê-lo dessa vez. - Balançando a cabeça, olhou para Píerce. - Deveria me despedir por incompetência.Pierce riu.

- Vamos voltar para casa primeiro. Depois pensarei nisso.

- Estou falando sério.

- Eu também. - Pierce pousou a mão no ombro forte de Winthrop. - Qualquer um pode ser pego de surpresa nessas circunstâncias. Roubaram sua bateria, e eu fui seqüestrado. - Deu de ombros. - São contingências do destino.

- Está bem.

Dizendo isso, Winthrop tirou dois trajes árabes da bolsa e entregou um a Pierce e outro a Brianne.

- Não tive tempo de me preocupar com tamanhos adequados, mas acho que servirão. E coloquem isso na cabeça - entregou-lhes dois turbantes. - Principalmente você - disse a Brianne. - Seus cabelos são como um holofote por aqui.

Ela deu de ombros, começando a vestir aquela espécie de bata por cima da roupa.

- Isso não é jeito de falar sobre "ouro branco".

 Winthrop franziu o cenho.

- O quê?

- Ouro branco - Brianne repetiu. - É o que Sabon disse a meu respeito. Ele falou que eu renderia um bom preço no mercado de escravos que existia aqui no passado.

- É mesmo? - indagou Pierce, arqueando as sobrancelhas. - E por isso passou a considerá-lo menos repulsivo?

Brianne olhou-o, surpresa com o tom aborrecido que ele usara.

- Senti solidariedade por ele, se quer saber a verdade.

Um brilho de fúria surgiu nos olhos dele.

- Interessante. Isso quer dizer que nos casamos sem um motivo justo?

Brianne se sobressaltou. Na verdade, até se esquecera de que estava casada com Pierce. De fato, haviam até consumado o casamento na esperança de defende-la de Sabon.

A anulação não seria mais tão necessária, a menos que ambos decidissem mentir sobre a intimidade compartilhada no cativeiro. E se resolvessem se separar, o divórcio demoraria a acontecer.

Fitou os olhos negros de Pierce e enrubesceu, lembrando-se da paixão com que havia se entregado a ele.

Pierce desviou o olhar. Estava pensando o mesmo que ela, mas não queria se lembrar daquele momento. Não quando precisavam tanto encontrar uma rota de fuga, antes de acabarem nas mãos dos árabes.

Se tudo desse certo, voltariam para casa, impediriam o plano de Brauer e então se divorciariam. Brianne iria para a faculdade e aquela história seria esquecida por eles.

- Temos de sair daqui - disse a ela e a Winthrop.

Quando os três terminaram de se disfarçar de árabes, prepararam-se para deixar o helicóptero.

O disfarce deixara Brianne com a aparência de um rapazinho. Embora sua pele fosse clara, talvez os árabes não prestassem muitas atenção, já que não era tão incomum existir algumas pessoas com olhos e pele claros entre eles. Geralmente filhos de estrangeiros.

Andaram com aparente calma em direção ao porto de Qawi. Preocupadas com os estragos causados pelo ataque dos mercenários contratados por Sabon e Brauer, as pessoas nem notaram a presença deles.

Brianne ficou chocada ao ver a pobreza do lugar. Sabon tinha razão ao dizer que não havia absolutamente nada de moderno na cidade.

Quando chegaram ao local onde alguns navegadores mercenários esperavam passageiros para suas embarcações, Winthrop reconheceu um deles.

- Conheço aquele capitão - disse ele a Pierce e a Brianne. - Fiquem aqui. Vou ver se consigo convencê-lo a nos tirar daqui.

- Acha que ele é responsável? - perguntou Pierce.

Winthrop deu de ombros.

- Ninguém é confiável quando se está tão longe de casa, mas ele é honesto quando bem pago. Não vou demorar .

Ele se dirigiu ao barco, abaixando a vista disfarçadamente ao passar por um grupo de homens mais adiante.

 - Então esse é o corajoso sr. Winthrop? - perguntou Brianne.

Era a primeira vez que ela e Pierce tinham a chance de conversar a sós, desde que haviam deixado o cativeiro.

- Sim - anuiu ele. - Ele é impressionante, não?

Brianne assentiu, sem encará-lo. Sentia-se confusa,  embaraçada, e até um pouco tímida. Pierce ficou diante dela e tocou-lhe o queixo com delicadeza, forçando-a a olhá-lo. A sombra de tristeza nos belos olhos verdes o fez sentir-se culpado. Lembrou-se de que a chamara pelo nome de Margô enquanto faziam amor. Não fora justo de sua parte.

 - Sinto muito - disse a ela. - Eu queria livrá-la de Sabon, mas havia lhe avisado que ainda era muito cedo para mim.

- Sim, dois anos deve ser mesmo muito pouco tempo - ironizou Brianne.

- Margô era minha vida - falou Pierce, por entre os dentes, tirando a mão do queixo dela.

- Sei disso. Ela ainda é. - Brianne se afastou dele. - Não me deparei com nada que já não soubesse. A única novidade é que agora não sou mais uma virgem apropriada para sacrifícios - acrescentou em um tom frio.

Pierce não gostou de ouvir aquilo. Fizera amor com Brianne para salvá-la das garras de Sabon, e lá estava ela falando como se ele a houvesse magoado deliberadamente.

- Não combinamos de fazer aquilo por causa de Sabon? - perguntou a ela.

- Sim, e você cumpriu sua parte - respondeu Brianne, recusando-se a contar a verdade. Manteve-se de costas para ele, com os braços cruzados em um gesto defensivo.

- Nada de danos - acrescentou ela, em um fio de voz.

Isso era o que ela pensava, concluiu Pierce. Só de olhar para Brianne, sentia um aperto no peito. Fazer amor com ela havia sido devastador. Tanto que ele não conseguira pensar em outra coisa depois que fora levado para outro quarto. Continuara desejando Brianne.

O pensamento deixou-o chocado por um instante. Sim, ele a desejava. Mas como isso era possível, se seu coração ainda pertencia a Margô?

Brianne não estava olhando para ele. Seu olhar se desviara para o capitão com quem Winthrop estava conversando.

O homem não era nem um pouco simpático, e muito menos a tripulação de seu barco. Dariam um passo arriscado confiando suas vidas nas mãos daqueles homens, mas não tinham outra alternativa.

Se não saíssem logo dali, acabariam sendo descobertos e recapturados pelos homens de Sabon. Ela não temia por sua própria segurança, depois da conversa que tivera com Sabon. Porém, não tinha idéia de que poderia acontecer com Pierce e seu amigo. Depois do que haviam feito na propriedade de Sabon, com certeza não seriam bem recebidos.

Não, não poderia ficar com medo do que aconteceria a eles. Coragem seria o único esteio que conseguiria mantê-la de pé. Teria de ser forte, pelo bem dos três.

E isso incluía não discutir com Pierce a respeito de algo que ele não pudera evitar. Ele quisera ajudá-la em um momento difícil, e não seria justo de sua parte culpá-lo pelas conseqüências. Sabia que para Pierce aquilo soara como um adultério.De qualquer maneira, não poderia obrigá-lo a retribuir seu amor. Tampouco era justo fazê-lo sentir-se culpado por isso. Voltou a olhá-lo, dessa vez com um ar de desculpas.

- Sinto muito pelo que eu disse. Você fez o que pôde para me proteger, e me sinto grata por isso.

Pierce se surpreendeu ao ver a súbita mudança na atitude dela. Ao notar o espanto no semblante de Pierce, Brianne sorriu.

- Não se preocupe mais com isso, sim? - disse a ele. - Graças a você, Philippe Sabon nunca mais será uma ameaça para mim. Estamos quites, está bem? Não devemos nada um ao outro.

Aquilo era apenas parte da verdade, claro, mas para que preocupar Pierce com o que poderia acontecer?

Estremeceu ao se lembrar do detalhe das pílulas. Bem, se descobrisse estar grávida, iria se esconder em algum lugar remoto, onde ele nunca a encontraria.

- Quites? - Pierce repetiu.

- Nós vamos conseguir sair dessa - Brianne disse com convicção.- E quando isso acontecer, irei para a faculdade e você poderá se divorciar de mim. As pessoas nem mesmo precisarão saber que fomos casados.

Pierce continuou olhando-a, procurando as palavras certas para expressar seus sentimentos.

Mas, antes que pudesse falar, houve uma movimentação a bordo do barco e ele avistou Wintbrop vindo em direção a eles com um sorriso satisfeito.

- É curioso como o dinheiro nos faz ter amigos nos lugares mais estranhos - ironizou ele.

Então olhou para trás e fez um gesto para que o capitão se aproximasse. A distância, o rosto daquele homem pareceu estranhamente familiar para Brianne. Mas conforme ele foi chegando mais perto, ela descobriu que não se enganara. Era Mufti! Um dos seqüestradores!

 

MUfti sorriu para Brianne.

- Está surpresa, não é mesmo?

- Claro que estou! - exclamou ela. - O que está fazendo aqui?

- Sou um espião do governo de Salid.

- Esse é o nome do país vizinho, que será responsabilizado pelo ataque - explicou Winthrop. - Tivemos de salvá-lo e precisaremos levá-lo conosco. Seu amigo aqui se tornou nossa principal testemunha nessa confusão toda.

O chefe de segurança não contou os detalhes da história. Mufti fora capturado por um de seus melhores homens e estava prestes a ser colocado inconsciente quando confessou quem era e o que estava fazendo ali.

Assim que as autoridades de Salid confirmaram sua identidade em um contato por rádio, o homem se tornou um inesperado e bem-vindo aliado. Tendo se tornado uma espécie de "coringa" nos planos de Winthrop, acabou sendo enviado na frente com a finalidade de contatar o capitão daquele navio. Embora parecesse se tratar de uma tentativa, o agente de segurança de Pierce havia planejado tudo com antecedência, tratando de prever diferentes rotas para eventuais imprevistos.

Ao avistar o capitão se aproximando da rampa de embarque, Winthrop pediu licença e foi falar com ele.

Depois de uma breve troca de palavras, o comandante se virou depressa e bateu o pé no convés, de maneira enérgica, começando a gritar algumas ordens enquanto agitava os braços.

- Uma mensagem acabou de chegar pelo rádio. - explicou o segurança, assim que retornou para junto do pequeno grupo de fugitivos. - Os mercenários de Sabon estão a caminho daqui e o navio não poderá partir hoje, pois ainda não está carregado. Embora eu tenha plena confiança de que eles esperarão por nós amanhã cedo, receio que tenhamos de encontrar algum lugar para passar a noite.

- Onde? - perguntou Pierce, olhando ao redor e observando a agitação do porto. - Mesmo com essas roupas típicas que estamos usando, é óbvio que não conseguiremos nos passar por nativos. Não podemos simplesmente nos registrar em um hotel e passar despercebidos.

- Não era isso o que eu tinha em mente - disse Winthrop, gesticulando para que começassem a caminhar, pois estavam começando a chamar a atenção. - Mufti tem alguns parentes em um vilarejo perto daqui. Parece-me o local ideal para montarmos nosso esconderijo improvisado de uma noite.

 

Duas horas depois, Brianne estava suando e com os pés doendo. Embora estivesse à sombra, sua tarefa era mais do que suficiente para fazêr-la suar: tentava aprender a ordenhar uma vaca, dentro da baia de um pequeno estábulo construído com tijolos caseiros e coberto de palha.

O vilarejo ficava apenas alguns quilômetros afastado da cidade, mas parecia tão rústico que dava a impressão de pertencer a outro mundo ou então ao milênio passado. Os três homens estavam ocupados carregando feno e limpando celeiros. Mufti, com seus cabelos grisalhos e usando roupas tão rudes quanto as dos nativos locais, estava carregando enormes sacos de grãos, levando-os da carroceria de um velho caminhão para dentro de um celeiro mal construído.

Não seriam pagos por aquele trabalho mas, em troca de sua mão de obra, teriam um lugar para dormir em um dos celeiros, onde fariam suas camas sobre um monte de feno seco.

O corpo de Brianne ainda estava dolorido da longa caminhada que fizeram até chegar ali. Fora um caminho tortuoso, pois viajaram evitando estradas e trilhas convencionais, temendo serem surpreendidos pelos mercenários de Sabon. Contudo, Winthrop não exagerara. Aquele parecia mesmo o lugar ideal para se esconderem, Ninguém pensaria em procurá-los ali. Talvez nem mesmo Deus, pensou consigo mesmo.

Àquela altura, o porto já deveria estar sendo revistado, com cada navio passando por cuidadosa inspeção. Precisariam passar a noite ali, escondidos, para então voltar discretamente à cidade e se esgueirar até a embarcação que os levaria para longe dali. Não poderiam ser vistos por ninguém, ou tudo estaria perdido.

Enquanto ela fazia a segunda tentativa de ordenhar a vaca, as palavras de Sabon a respeito de sua preocupação com o bem-estar de seu povo lhe voltaram à mente. Olhando ao redor de si, viu a pobreza e o contexto primitivo aos quais aquelas pessoas estavam sendo submetidas. Sentiu-se então constrangida, lembrando-se da quantidade de trajes caros que Brauer lhe proporcionara, talvez à custa do bem-estar de pessoas simples como aquelas que ali viviam.

A família mais pobre de que já ouvira falar até então, quer fosse nos Estados Unidos ou na Europa, vivia com muito mais conforto do que qualquer um ali. As mulheres pareciam muito mais velhas do que eram. O desgaste causado por aquele tipo de vida era evidente.

Em geral, a maioria dos homens andava curvada e era visivelmente mal nutrida. Quase todas as jovens levavam um bebê preso às costas. Alguns deles ficavam dormindo e outros choravam enquanto as moças faziam suas tarefas, que em alguns casos eram bastante pesadas. Algumas das crianças tinham as características barriguinhas inchadas, típicas entre os subnutridos.

Alguns idosos se revezavam na tarefa de retirar água de um poço, com um balde de madeira e uma corda e encher um enorme barril metálico. De acordo com o que Mufti lhes dissera, aquele velho tonel de latão fora uma presente de um visitante Europeu. Pelo que se podia notar, as pessoas do vilarejo tinham orgulho por possuir um reservatório daqueles e por não precisar usar as tradicionais bolsas de couro de carneiro, como em outros povoados da região.

Brianne ficou surpresa ao ver a importância de algo tão simples. O fato de todos ali aceitarem com tranqüilidade a vida a que eram submetidos também a deixou impressionada. Ninguém parecia revoltado nem reclamava do contexto em que sobrevivia.

Do mesmo modo, pareciam não se importar que, não muito longe dali, em um país vizinho, o petróleo gerasse riquezas e conforto. Ficara sabendo que muitos dos nativos já haviam visitado a rica capital na nação adjacente à deles, trazendo consigo um sonho de mudança e prosperidade, apenas para se verem presos à mesma rotina de sempre. Por não terem acesso à educação, não conseguiam emprego em outro lugar, não havendo maneira de conseguirem dinheiro para melhorar o padrão de vida de sua própria região.

Como Sabon lhe dissera, a falta de cultura estava minando todas as oportunidades que aquele povo poderia ter.

Tratava-se de um povoado de muçulmanos, cuja simplicidade e fé pareciam tão grandes nos momentos de oração que levaram Brianne a se sentir uma viajante do tempo. Por um breve instante, sentiu-se como se já houvesse feito parte daquilo, talvez mil ou dois mil anos no passado.  Era como se pudesse tocar a própria história antiga, talvez até se lembrar de outra vida, outra existência.

- Está parecendo bastante pensativa - disse Pierce, parando ao lado dela enquanto carregava um enorme saco de grãos sobre o ombro.

- Estava olhando para o passado - respondeu ela, sorrindo com timidez. - Não é impressionante como as coisas mudaram pouco por aqui? Essas pessoas não possuem nada, mas mesmo assim parecem felizes.

- O senso de valores deles não foi distorcido pelo materialismo - explicou ele, ajeitando a carga que tinha sobre os ombros para poder olhar ao redor. - Ar fresco, nenhum relógio por perto ditando quando é hora de fazer algo, nenhum crime verdadeiro, nada de drogas nem violência injustificada. - Fitou-a e sorriu. - Há muito o que aprender com essas pessoas, que vivem isoladas e conhecem bem umas às outras.

- Mas há muita doença, fome e falta de recursos para higiene básica, saúde e educação. ,.

- Onde recebeu essas informações?

- De Philippe Sabon. A opinião dele é a de que a educação é a única esperança para essas pessoas saírem dessa pobreza.

 - Nisso ele está certo. Espero que as idéias daquele crápula não a tenham influenciado.

- Ele pode estar confuso e, com certeza, está muito errado em sua maneira de agir, mas creio que se preocupe mesmo com essas pessoas e que pretenda ajudá-las.

Pierce a fitou de maneira intensa ao ouvir aquilo.

- Por que não está mais com medo dele?

Depois de hesitar por alguns segundos, ocupando-se em manusear uma fibra solta na alça do balde de ordenha que estava usando, Brianrte respondeu:

- Ele não é bem o que aparenta. Eu apostaria até que a maior parte de tudo o que estamos passando é de responsabilidade de Brauer.

- Seu padrasto? Por que diz isso?

- O sr. Sabon poderia ter feito o quisesse conosco, mas ordenou que não fôssemos feridos em hipótese alguma. Além disso, ele planejava um ataque falso, apenas para impressionar a comunidade internacional. Mas aquelas bombas e balas eram de verdade, não eram?

- Sim. O primo de Mufti disse que o número de baixas foi enorme.

- Meu Deus...

- Está mesmo dizendo que Sabon não sabia que o ataque seria real?

- Isso mesmo. Pelo menos foi o que ouvi dos lábios dele próprio e acho que estava sendo sincero. A avó dele nasceu aqui mesmo e viveu nesse país por toda a vida. Todos seus parentes moram nas redondezas da área atacada. Além disso, Mufti me contou a respeito de inúmeras boas ações que ele fez por seu povo e que nós todos nem imaginávamos. Faz algum sentido que comece a matar as pessoas que sempre protegeu? Não faria sentido agir assim, nem mesmo para conseguir poder ou reconhecimento internacional.

Aquela era uma questão que Pierce não queria encarar, pois a resposta que lhe ocorreu começou a desmanchar a imagem de inimigo monstruoso que sempre fizera de Sabon.

- Não, não faria sentido.

Ao concordar, franziu o cenho e continuou a ouvi-Ia.

- E se Brauer contratou os mercenários e os enviou, em nome de Sabon, mas com instruções muito diferentes das que haviam sido combinadas por ambos? - Se foi mesmo isso o que aconteceu, seu padrasto terá sorte se sair com vida desta aventura.

- Também acho, mas no momento ele está em Washington. Pelo que entendi, Brauer colocou Sabon em uma situação muito delicada. O senador acreditará em qualquer coisa que o suposto "filantropo" americano disser contra o "mercenário" oriental. Suponha que meu padrasto diga a todos que o ataque é de responsabilidade de um mercenário enlouquecido, tentando começar uma guerra entre seu país e o vizinho? Não será difícil que acreditem se tratar de um golpe, onde Sabon estaria tentando tomar o poder como ditador.

Pierce arregalou os olhos.

- Meu Deus! Acho que nem mesmo Brauer seria tão ousado!

- Bem, ele está prestes a perder tudo o que possui - respondeu Brianne. - Sabon fez algumas insinuações de que desistiria do acordo, o que pode tê-lo incitado a elaborar uma maneira de tirar o fator de risco de seu caminho, assumindo o controle da negociação de petróleo para si mesmo. Se vier a conseguir provocar uma intervenção internacional, acusando seu próprio comparsa de haver ordenado a operação militar que presenciamos, geraria uma onda de desconfiança que poderia levá-lo a se apresentar como a pessoa que possui o direito de exploração mineral de toda essa região.

- Brianne, há muitos "talvez" em sua suposição.

- Sei disso. Mas pense bem se isso não faz sentido, já que o governo local estaria preocupado demais com a guerra para se posicionar contra ele e, na ausência de Sabon, Brauer seria o nome indicado para intermediar o negócio com o consórcio petrolífero internacional. Por fim, o verdadeiro milionário estaria preso ou morto, enquanto meu padrasto ficaria rico e levaria o título de herói.

- Sim, faz sentido. Até demais - falou Pierce, passando a mão pelos cabelos. - Mas que encrenca.

- Concordo. Será uma grande confusão. Porém, se voltarmos a tempo, talvez possamos impedir que tudo isso aconteça. Mas devemos nos lembrar de que, se os mercenários estão mesmo atirando para matar, seremos alvos óbvios para a artilharia deles, assim que nos revelarmos. E, para piorar, Sabon levará a culpa por isso também.

-- Se tudo o que você supôs estiver mesmo certo...

- Oh, Brauer terá de matar Sabon também!

- Sim. Ele sabe demais. Mas não adianta nos preocuparmos com o que pode ser mudado. Não poderemos sair daqui esta noite. Mesmo de navio, demorará para conseguirmos chegar a Miami. Seu padrasto deve ter colocado seus mercenários esperando por nós lá, assim como na maioria dos portos da Costa Oeste, mesmo que não tenha certeza de que chegaremos aos Estados Unidos por mar. Além das marinas, os aeroportos também estarão sob forte vigilância, isso eu garanto.

- Seu segurança, o sr. Winthrop, não teria um plano alternativo para sairmos daqui? Talvez roubar um avião do inimigo, ou algo do gênero.

Pierce sorriu com gentileza.

- Se há alguém que pode fazê-lo, é ele. Mas não há nenhum outro aeroporto além da pista de pouso que foi destruída no ataque, então nossa única saída é pelo mar.

Brianne olhou ao redor e soltou um suspiro, resignada.

- Tem razão. Bem, Mufti é a pessoa que sabe de mais detalhes a respeito de tudo o que está acontecendo aqui. Se conseguirmos levá-lo vivo de volta para Washington, seu testemunho colocará Brauer na cadeia.

- Nós conseguiremos - falou Pierce. - De alguma maneira, conseguiremos.

- Espero que sim.

Ela fixou o olhar na direção daquele peito másculo, desejando poder se aninhar naqueles braços fortes e ser embalada até dormir. Estava se sentindo exausta depois daqueles dois dias de aventura inesperada.

- Está cansada?

- Estou, mas conseguirei prosseguir. - Brianne mordeu o lábio inferior. - Acha que podemos avisar Sabon?

- Como poderíamos ir até ele? - indagou Pierce, irritado pela atitude protetora dela com relação a seu seqüestrador. - Além disso, lembre-se de que fomos raptados.

- Por um homem que acreditava estar fazendo a melhor coisa possível em benefício de seu próprio povo.

- Isso não o torna inocente.

O olhar dela se voltou para o balde de leite. .

- Poderíamos ter sido mortos por uma simples ordem dele, mas não fomos.

Aproximando-se, ele segurou o queixo dela com suavidade entre o polegar e o indicador, estreitando os olhos ao encará-la.

- O que a levou a mudar de opinião a respeito dele? Conte-me.

Aquela pergunta a fez suspirar.

- Não posso. Mas algo terrível aconteceu a Sabon. Garanto que ele não é o que parece. Se soubesse do que se trata, garanto que sentiria tanta pena dele quanto sinto agora.

Aquilo não o agradou. Saber que Brianne estava guardando um segredo o incomodava, mas, por se tratar de algo que dizia respeito a outro homem, tornava-se irritante. Estava com ciúme. Por mais que parecesse improvável, era essa a emoção que realmente o incomodava. Jamais pensou que voltaria a sentir-se de tal maneira, depois da morte de sua esposa.

Fitando aquele corpo esbelto e bem torneado que tinha diante de si, lembrou-se do prazer que sentiu quando se acariciaram à beira da piscina, em Nassau.

Os gemidos sensuais que provocara nela haviam deixado uma marca inesquecível em sua memória. A maneira como haviam se amado no quarto em que foram mantidos cativos fora fantástica, mas muito apressada e incompleta. Desejava possuí-la outra vez, de maneira apropriada e completa.

O que se passava pela mente de Brianne não era muito diferente.

O calor daquele peito másculo parecia se projetar em sua direção, levando-a a se sentir excitada, mesmo estando exausta. Naquele momento, esqueceu-se de toda e qualquer mágoa que sentia, por ser apenas uma substituta de Margô e por seu casamento não passar de uma plano de salvamento. Nada mais importava, exceto o prazer que sabia que Pierce poderia lhe proporcionar. E era tudo o que queria naquele momento.

Não se incomodando com o lugar onde estava naquele momento, colocou o balde de lado e se aproximou dele, até o ponto de quase se tocarem. Aquele calor pareceu envolvê-la com maior intensidade, entorpecendo-lhe os sentidos.

- Essas pessoas são muçulmanas - sussurrou Pierce, endireitando-se e respirando de maneira profunda, pois aquela proximidade o estava provocando ainda mais. -Eles não aceitam que haja a menor demonstração de uma postura provocante como essa em público, sabia?

Ao ver o olhar dela se fixar em seus lábios, precisou controlar a respiração para não ofegar.

- Sim, sei disso.

- Nesse caso, por que está olhando assim para minha boca?

- Porque quero beijá-lo - murmurou Brianne, com a voz trêmula.

Ajeitando a carga que trazia no ombro, cerrou o punho que estava desocupado, franzindo o cenho em seguida.

- Não podemos.

- Mas somos casados - lamentou ela.

- Sei disso, mas não ficaremos sozinhos enquanto estivermos aqui. Nem mesmo de madrugada. Não há a menor chance de que possamos nos amar.

Uma onda de calor parecia estar dominando o corpo dela. As lembranças dos momentos de intimidade que experimentaram a estavam assombrando, deixando-a quase fora de controle.

- Mas que coisa! - desabafou ela, por fim.

- Terrível - concordou Pierce, de modo fervoroso. - Também a desejo muito. Aliás, mais do que imaginei ser possível.

Era a primeira vez que o via admitia aquilo. Brianne não se importava qual o motivo que o levara a fazê-lo, pois bastava saber que aquele desejo incontrolável não estava atormentando apenas a ela mesma.

Respirando de maneira profunda, viu-o soltar um suspiro e olhar para o horizonte, parando de encará-la antes de falar:

- Você é muito jovem. Mesmo sob aquela circunstância, nossa primeira vez juntos foi maravilhosa. É natural que queira explorar a novidade do amor. Mas este não é momento apropriado.

Fechando os olhos ao escutá-lo, deixou-se levar pelo calor que sentia, inebriando-se por um momento, permitindo que sua imaginação fizesse o que lhes era proibido naquele momento.

- Está me escutando? - indagou Pierce, ao vê-la com a expressão ausente, de pálpebras baixadas.

Enquanto a fitava com atenção, viu-a abrir os olhos bem devagar, revelando o verde brilhante das mais belas esmeraldas.

- Queria que pudéssemos voltar o tempo até nosso encontro em Paris, no seu quarto de hotel. - Sem perceber, ele riu de maneira carinhosa.

- Acho que eu estava bêbado demais para poder lhe proporcionar qualquer prazer.

- Mas estava aberto para mim. Fez-me sentir útil, o que não aconteceu mais nenhuma vez desde então. Tornei-me apenas uma constante preocupação ou um problema precisando de solução em sua vida. Talvez tenha sido até uma companhia conveniente uma vez, mas não consigo me aproximar realmente de você.

- Se não me engano, nós já tivemos essa conversa - falou Pierce em tom impaciente, afastando-se alguns centímetros.

- Sim, é verdade. Estou ciente de que não quer se envolver comigo. Quando escaparmos daqui, vou para a faculdade e você voltará a seus negócios. Mas antes de ser mandada embora, quero passar uma noite inteira com você.

Ele se sobressaltou, como se tivesse se queimado ao entrar em contato com o ar exalado pelos lábios dela.

Era uma tortura imaginá-la em seus braços, em uma cama enorme e macia, sob tênue iluminação, ao som de músicas românticas.

- Isso apenas pioraria a situação.

- Não poderia ficar pior do que já está - respondeu Brianne, baixando o rosto e quebrando o encanto do momento. - Quero ser uma esposa de verdade antes de nos divorciarmos. Um rápido encontro como o que tivemos não é o bastante para mim.

Pierce não se orgulhava da memória daquela experiência. Como todos os outros momentos que haviam tido, aquele fora desajeitado e insatisfatório. Privara-a de um casamento pomposo e de uma boa noite de núpcias,isso sem mencionar que não conseguira protegê-la e evitar que fosse raptada.

- Aquele momento, no cativeiro, não aconteceu para ser memorável, mas sim para protegê-la de Sabon.

- E foi o que você fez - respondeu ela, pensando na limitação de seu captor, que jamais poderia fazer amor.

Mesmo suas rápidas e desengonçadas experiências com Pierce haviam sido marcantes e aquele homem infeliz estava privado até desses breves prazeres.

- É melhor que termine a ordenha e o restante de suas tarefas. O restante de nós estará ocupado com a construção de uma nova parede com os tijolos que os aldeões moldaram ao longo da semana.

- Bem na sua especialidade, não é? Construção.

- Sim, mas não no local de minha preferência - murmurou ele, afastando-se e mudando a carga de ombro. Brianne o observou se virar e partir, olhando suas costas. Era preciso se acostumar com a idéia de que, em breve, aquela perspectiva seria a última que teria dele, quando se separassem em definitivo.

 

Quando finalizaram suas tarefas, já de noite, tiveram uma humilde refeição de pão e leite de cabra que lhes pareceu deliciosa. Então se sentaram ao redor da fogueira e comentaram sobre os feitos do dia. As vozes dos nativos ecoavam como música nos ouvidos de Brianne, mesmo que fosse impossível entender uma só palavra do que era dito. Estava sonolenta e seus olhos tendiam a se fechar a todo instante.

- Ela está cansada - disse Winthrop, sorrindo ao vê-la balançar e bater no ombro de Pierce ao cochilar por um instante. - Assim como você, patrão. Por que não a leva para o celeiro e a acomoda na cama? Ainda quero fazer algumas perguntas a nossos anfitriões a respeito do ataque que aconteceu. O dialeto árabe que eles falam é um pouco diferente do que conheço, então precisarei que Mufti sirva de intérprete para mim. Mais tarde iremos para lá.

- Tome cuidado. Embora eu também confie em nossa testemunha, acredito que tenhamos inimigos dos quais nem desconfiamos.

- Se houver algum por aqui, garanto que vou descobrir - respondeu o segurança, com ar tranqüilo.

- Digamos que eu não duvido disso - falou Pierce, sorrindo.

Então levantou-se e pegou Brianne nos braços, que reagiu de maneira afável aninhando-se em seu colo.

Depois de se despedir do grupo com um meneio de cabeça, afastou-se da fogueira e seguiu rumo ao celeiro, encaminhando-se para a última baia que haviam limpado. A cama de feno estava forrada por um grande pedaço de tecido rústico de algodão cru.

Ao se abaixar para deitá-la no improvisado acolchoado, ficou constrangido ao notar que os braços dela permaneceram enlaçados atrás de sua nuca. Viu-a então abrir os olhos e fitar os seus, sob a luz errática e distante de uma única lamparina de óleo, pendurada no alto da construção para iluminar o caminho deles.

Sentia a suave pressão daqueles dedos delicados movendo-se em sua nuca, assim como ouvia a respiração dela se tornar ofegante. Era possível perceber o desejo que ardia nela, que parecia quase palpáveL Soltando-se dos braços de Brianne, ficou de pé e apagou a lamparina. Apenas a branda luz do luar entrava pela porta aberta e pelas frestas das paredes, então demorou para que fosse possível enxergar.

Pouco depois, Brianne ouviu-o deitar-se no amontoado de feno ao lado do seu, vendo apenas sua silhueta na escuridão. Logo em seguida, sentiu aquelas mãos firmes tocando-a de maneira exploratória, começando a lenta tarefa de despi-la.

Antes que pudesse reagir, teve seus lábios tomados pelos dele. Escutou mais alguns ruídos quando o contato foi quebrado e, no momento em que voltou a senti-lo se aproximar, identificou que aquele corpo másculo estava nu e pronto para amá-la.

O momento foi mágico. Ambos sabiam que não havia tempo a perder, então se entregaram por completo àquele instante de amor. Lenta e progressivamente, seus movimentos foram se tornando mais intensos e ritmados. Carícias provocantes eram brindadas com ousadias cada vez mais íntimas.

Quando o desejo se tornou insuportável, seus corpos se uniram por completo. Era como se quisessem fazer aquele prazer durar para sempre, pois ao final da primeira onda de prazer eles não pararam.

Brianne ficou surpresa, pois sempre lera que os homens precisavam de intervalos para se recompor de um momento de êxtase, mas Pierce parecia capaz de proezas inimagináveis.

Contudo, quando atingiram o novo clímax, o prazer foi ainda maior. Tudo aquilo era novo para ela, o que a deixava ainda mais perplexa e satisfeita. As carícias pareceram ganhar um novo significado. Cada beijo parecia um doce fruto do paraíso.

Então uma lembrança a fez sentir-se culpada. Não tomava anticoncepcionais havia dias e ele nem sequer imaginava que já poderia tê-la engravidado.

Depois de alguns minutos de quietude e tranqüilidade sob o peso agradável dele, ela soltou um suspiro e perguntou, em tom maravilhado:

- Pierce, fazer amor é sempre assim?

Ele hesitou e se afastou devagar, sentando-se ao lado e tentando manter a respiração calma. Então voltou a colocar o roupão que haviam lhe emprestado para aquela noite e a ajudou a recolocar o dela. Tudo em silêncio.

- Pierce? Fiz alguma coisa errada?

- Não. Eu é que fiz.

- O que foi?

-Tente dormir, sim, Brianne? Teremos um dia bastante difícil amanhã.

Permanecendo imóvel, ela tentou entender o que o levara a ficar tão tenso e, ao mesmo tempo, a se esforçar tanto em parecer indiferente. Demorou um pouco, mas a realidade da condição deles foi ficando clara.

Pelo visto, ele deveria estar pensando em Margô enquanto faziam amor, o que o deixara com sentimento de culpa ao final. Embora estivessem casados, o fantasma da falecida esposa dele ainda os assombrava.

Era provável que, em sua mente, tivesse acabado de cometer adultério. E pela segunda vez. Se não estivesse tão cansada, iria chorar de desgosto. Como era possível que algo assim se passasse pela mente

dele depois de um momento maravilhoso corno o que haviam compartilhado?

Mas o erro era seu mesmo. Quando aprenderia que jamais passaria de uma substituta de Margô na vida dele? Talvez tivesse sido melhor jamais tê-lo conhecido.

Se não houvesse se prontificado a falar com ele no museu, em Paris, não estaria naquela situação complicada. Nada daquilo teria acontecido. Ainda estaria sozinha, solteira e despreocupada.

Talvez tivesse até se casado com Philippe Sabon, que jamais poderia possuí-la de verdade, mas pelo menos não a deixaria apaixonada. Era possível que se dedicasse ainda mais a amá-la a seu modo, o que seria muito mais do que Pierce, perseguido pela lembrança da esposa, parecia inclinado a fazer.

Então seus pensamentos pareceram congelar por um momento, quando o ouviu fazer um ruído na palha e se sentar.

- O problema não foi o ato em si...

Deixando a frase incompleta, ele se levantou e saiu do celeiro com um movimento rápido.

 

Exausta pela viagem e drenada pelo modo como fizeram amor, Brianne não viu quando Pierce retornou, mas soube que não foi logo. Por mais e tentasse relaxar, sua mente demorou um pouco para se render ao repouso do sono.

Quando acordou, estava sozinha no celeiro e o lugar a seu lado já havia sido desfeito. Levantando-se, foi até o canto da baia e lavou o rosto, despejando um pouco de água em uma bacia antiga que lhes fora emprestada. Enrolando um pano ao redor da cabeça, como fazia as mulheres da região, saiu a céu aberto para procurar seus companheiros de fuga.

Pierce se aproximou assim que a avistou saindo do abrigo. Sua expressão parecia impassível. Se não fosse pelo halo escurecido abaixo de seus olhos, seria impossível perceber que ele não havia dormido. Aquilo a fez suspirar, pois parecia que seu marido havia voltado a se esconder em sua concha protetora outra vez e parecia estar arrependido pelo "lapso" da noite anterior. Tivera a impressão de que apesar de tudo, da parte dele, nada havia mudado.

- Vamos ter de seguir até o próximo porto por terra - disse ele, com ar solene. - É muito perigoso que voltemos pelo mesmo caminho que viemos. Um dos parentes de Mufti nos informou que a casa de Sabon foi tomada por seus próprios mercenários e que as ruas estão em estado de guerra.

- Meu Deus! - exclamou Brianne, pensando em quão traiçoeiro era seu padrasto.

- Tudo indica que sua teoria estava mesmo correta. Acredito que Brauer colocou a cabeça de seu próprio parceiro a prêmio e que planeje assumir a posição dele frente ao cartel petrolífero. Precisamos partir enquanto há tempo.

Mesmo utilizando o velho automóvel do tio de Mufti, demorou um longo tempo para que conseguissem chegar ao porto seguinte, onde encontrariam o mesmo navio em que haviam reservado lugares. Tiveram de fazer inúmeras paradas e desvios para se certificar de que não estavam sendo seguidos.

Por sorte, quanto mais se afastavam da capital, menos turbulência encontravam pelo caminho. O levante civil ainda não havia atingido as regiões mais distantes e incomunicáveis da pequena nação. De acordo com o que ouviram de um ou outro viajante com quem se encontraram, a ilha onde se situava a casa de Sabon se tornara território capturado.

Quando chegaram a seu objetivo, encontraram um porto ainda mais rústico do que o outro, que deixaram no dia anterior. O único item em comum era o mesmo velho cargueiro no qual haviam conseguido reservar lugares para viajar.

Winthrop se reuniu com o capitão para terminar a negociação da viagem. Embarcaram às pressas, em meio a um tumulto gerado por alguém que acendeu fogos de artifício em um latão de lixo para simular um ataque armado ao porto. Aquela brincadeira de mau gosto serviu para revelar quanto a tensão era grande nas cidades portuárias.

Um dos contatos do capitão informara-o de que o governo estava à beira de um colapso. A família real estava em fuga e os mercenários haviam tomado o palácio. Os representantes do consórcio petrolífero foram feitos prisioneiros e os trabalhadores que construíam a plataforma e extração foram levados a cativeiros subterrâneos. Toda a comunicação com o mundo exterior estava cortada o continha escutas.

Brauer estava tomando posse do pequeno país e ninguém estava a par disso, exceto  eles que estavam envolvidos no processo.

 

Os quatro fugitivos foram conduzido pelo próprio capitão até o compartimento de carga, onde foram acomodados e receberam um bom suprimento de água e comida. Logo estariam em águas internacionais e livres de sofrer qualquer tipo de represália. Deixando os outros três em seu esconderijo, Mufti se misturou à tripulação no convés.

Brianne reteve o fôlego inadvertidamente, até que a embarcação atravessou a linha formada pela guarda costeira e começou a rumar para alto-mar. Até o último instante, a impressão de que seriam parados e apanhados não abandonou seu coração.

Só lhe restava orar para que conseguissem chegar a seu destino e contar a verdade por trás dos fatos, ainda a tempo de impedir que Brauer conseguisse concluir seus planos.

- Há outro problema - falou Winthrop quando todos se acomodaram entre os sacos de carga.

 - Mais um? O que é agora? - questionou Pierce com ar resignado.

- O capitão só poderá nos levar até St. Martin. Ofereceram-lhe uma verdadeira fortuna para que entregue uma carga ali e então volte direto para o porto de origem, sem desvios de rota. Não pudemos cobrir a oferta que lhe fizeram, pois há mais do que dinheiro nisso. Quem o contratou foi um cunhado com quem ele quer estreitar relações há anos, e não pude dissuadi-lo de tal objetivo.

- Quando há uma questão familiar em voga, é difícil argumentar, não é? - ironizou Pierce, balançando a cabeça negativamente enquanto falava.

- Então ficaremos presos em St. Martin - reclamou Brianne. - Enquanto isso meu padrasto destrói o país de Sabon ao mesmo tempo que culpa sua própria vítima por seu crime, usando seus contatos políticos para ganhar fama de herói junto às autoridades de Washington.

O segurança sorriu com ar simpático.

- Se depender de mim, isso não acontecerá. Você verá. Com sorte, conseguiremos contratar transporte em outro cargueiro.

- Com o quê? - perguntou Pierce, já em tom irritadiço. - Eu não tenho um centavo sequer aqui comigo.

- Não sobrou nada depois de negociarmos nossas passagens aqui - falou Winthrop. - Mas se eu puder ir a qualquer banco, em qualquer lugar, poderei levantar os fundos de que precisamos.

- Nesse caso, para que pegar outro cargueiro? Por que não voamos direto para casa? Não seria muito mais rápido? Assim teríamos tempo de fazer tudo o que é necessário para impedir Brauer - disse Brianne.

- Porque os mercenários já devem saber que escapamos do país. Talvez tenham até descoberto que estamos neste barco. Teremos de voltar para os Estados Unidos com toda a discrição possível.

- O que me impressiona é o fato de Brauer ter conseguido sair dessa situação com tanto ganho - disse ela.

- Pierce me falou sobre sua suspeita a respeito dos planos de seu padrasto - falou o índio, enquanto ajeitava o pão, o queijo e os outros suprimentos, para que fizessem uma refeição. - Você é bastante astuta para uma pessoa que nunca se envolveu em política internacional.

- Eu conheço Brauer, o que é mais do que suficiente - respondeu Brianne, sorrindo com ar triste. - E pensar que ele chamou Sabon de monstro...

- Sim, imagine só - murmurou Pierce, em tom enciumado. - Nesse momento, seu amigo deve estar se sentindo um verdadeiro idiota. .

- Nem imagina como são verdadeiras as suas palavras, sr. Hutton - disse um voz forte, em tom divertido, vindo do corredor que unia o compartimento de carga ao convés inferior.

Três surpresos pares de olhos fitaram o homem alto em trajes árabes típicos. As profundas cicatrizes recentes em seu rosto pareceram lhe causar dor conforme se moviam para acompanhar o sorriso que se esboçou em sua face.

Unindo-se aos outros, sentou-se perto da comida e estendeu o cantil de pele de cabra que trazia a tiracolo na direção de Pierce.

- É vinho. Sendo muçulmano, não me é permitido me embebedar, mas não deixe que minha inibição o impeça de se divertir.

- O veneno está na bebida ou no gargalo do cantil? - murmurou Pierce, fitando com frieza o recém-chegado.

Sabon ergueu a mão em um gesto tranqüilo.

- Não sou idiota a esse ponto. Além do mais, - murmurou ele, soltando um suspiro enquanto se servia de um pedaço de pão -, não gostaria de ter de explicar mais nenhum ato de violência quando recuperarmos o governo local, e tiver de esclarecer qual minha participação nisso tudo.

- Como pretende fazer isso? - indagou Brianne, animada.

- Tudo a seu tempo. Enviei meus melhores homens para proteger o xeique até a travessia da fronteira assim que soube que os mercenários de Brauer invadiram minha propriedade - disse Sabon, cujo semblante já não apresentava o menor traço de sorriso.

- Infelizmente, nem todos tiveram a mesma sorte que eu, que pude escapar do ataque. Muitos cidadãos honestos e trabalhadores estão mortos a essa hora. Entretanto, minhas ordens foram para que se usasse apenas balas de festim e explosivos de cinema. Seu padrasto é de uma natureza maligna. Fui um grande tolo por colocar meu país nas mãos dele, acreditando que o ataque seria mesmo uma farsa.

- Mas você estava planejando começar uma guerra para provocar a intervenção dos americanos - lembrou ela.

- Queria apenas simular um conflito - corrigiu ele, soltando um suspiro. - Certa vez, vi uma criança desfalecer e morrer de fome, segurando comida nas mãos. Nossa colheita havia se perdido e ficamos semanas sem poder receber suprimentos externos, por causa de um boicote internacional. É o tipo de sanção comum contra um país que apóia qualquer nação que enfrenta os Estados Unidos.

Todos permaneceram em silêncio, então Sabon prosseguiu:

- Conseguimos negociar mantimentos com uma nação amiga, mas demorou até que o carregamento vencesse o cerco. Àquela altura, algumas das crianças já estavam debilitadas demais para serem salvas. Algumas morreram tentando comer. Estou cansado de ver as nações ricas ditarem as regras e ignorarem a fome dos pobres.

Pierce fez uma careta, ciente de que seu chefe de segurança estava tão confuso quanto ele próprio.

- O que está fazendo aqui, afinal?

As sobrancelhas do árabe se arquearam de imediato.

- Fugindo dos assassinos que Brauer contratou para me matar, é lógico.

- Você é milionário - lembrou Pierce, com ironia. - Poderia ter comprado um navio inteiro para fugir daqui.

- Mas os mercenários tomaram minha propriedade.

- E daí?

Sabon riu com desgosto e balançou a cabeça negativamente.

- Creio que as fofocas que ouviu a meu respeito devem incluir uma sobre eu não confiar em bancos...

- Não pode ser. Está brincando, não é?

- Por mais triste que parece, é sério. O dinheiro que carregava na carteira só pôde pagar minha passagem como fugitivo neste cargueiro. Se conseguir chegar a território neutro, poderei organizar um levante popular entre a população de meu país, contando com a ajuda de meus homens que escaparam à chacina. Só precisarei de algum capital emprestado.

- Quem faria tal empréstimo? - perguntou Winthrop.

O olhar de Sabon se fixou em Pierce, que respondeu de imediato.

- Você perdeu o juízo. Não pode estar mesmo esperando que eu lhe empreste dinheiro, depois de tudo o que fez. Já esqueceu que nos seqüestrou?

- Seqüestrei Brianne e um homem que todos imaginavam ser seu guarda-costas. Só depois da fuga de vocês é que tomei conhecimento da verdadeira identidade do acompanhante dela. O que me lembra.. .

O árabe levantou a beirada do roupão com o qual estava vestido e retirou uma carteira, entregando-a em seguida a Pierce, que pareceu muito surpreso, não hesitando em verificar seu conteúdo.

Por mais incrível que pudesse lhe parecer, nada estava faltando. Todo seu dinheiro, mais de mil dólares, e seus cartões de crédito permaneciam intocados.

- O piloto encontrou isso enfiando em um vão de um assento do meu jato particular. Os mercenários o destruíram, junto com a pista de pouso. Mas isso já é passado. O que importa é que consegui convencer o comandante a me deixar na ilha de St. Martin. Se me emprestar cinqüenta mil dólares, ou um pouco mais, poderei organizar uma rebelião armada e retomar o controle do país, assim como voltar a me apropriar de minhas posses.

 Pierce passou a mão pelos cabelos, em um gesto exasperado.

- Você deve ter sido atingido na cabeça. Não pretendo lhe emprestar um centavo sequer.

- Mas tenho a impressão de que irá fazê-lo.

- Por quê?

- Porque posso lhe fornecer as evidências de que precisa para provar que Brauer é o mandante do atentado contra sua plataforma de perfuração no mar Cáspio. Além disso, a equipe que causou a morte de muitos dos seus empregados está incluída nas forças que dominam meu país no momento. Posso apontá-los um a um, se assim o desejar.

- Você ajudou a contratá-los para participar desse massacre! - acusou Pierce.

- De modo algum. Brauer cuidou de tudo e garantiu que minhas instruções seriam seguidas à risca. Nem hesitei em lhe dar liberdade de ação, já que estava me poupando muito trabalho. Jamais imaginei que tivesse uma mente tão doentia. Além disso, era uma conexão importante para mim. O consórcio internacional de petróleo faria um acordo muito mais interessante com um americano rico do que com um árabe pobre.

- Pobre? Do que está falando? - caçoou Winthrop.

- Minha riqueza só é contada em milhões entre meu próprio povo. Como bem sabe, nossa inflação anda na casa dos oitocentos por cento ao ano. Não acha que Brauer iria se submeter a perder seu tempo com um árabe desconhecido e sem dinheiro, de um país faminto e miserável, a menos que pensasse ser capaz de lucrar muito com isso, não é?

Ao ouvir aquilo, Pierce ficou de pé e começou a caminhar de um lado para outro.

- Não entendo. Haviam rumores de que você tinha milhões, talvez bilhões, e que só era visto em locais muitíssimo sofisticados, como os palácios de apostas de guerra.

- Rumores excelentes, não acha? Foram criados por mim mesmo.

- Você mesmo? - indignou-se Winthrop.

- Ora. Era preciso impressionar Brauer para convencê-lo de que valia a pena investir seu dinheiro em nossos campos de petróleo e a me ajudar a manter os inimigos à distância - Sabon deu de ombros. – Eu devia ter percebido que não deveria confiar em alguém como ele. Presumo que o canalha esteja em Washington no momento, dizendo ao mundo que promovi um atentado militar contra meu próprio povo, não está?

- Então você já sabia? - indagou Brianne, chocada.

- Era o passo mais lógico a ser tomado, dada a situação dele. E se me permite o uso de uma expressão comum no ocidente, o tiro vai sair pela culatra.

Pierce voltou a se sentar, pressionando o indicador e o polegar contra a base do osso do nariz, entre os olhos fechados.

- Poderia explicar do que está falando agora?

- Os Estados Unidos vão achar as informações que tenho a respeito das atividades secretas de Brauer muito interessantes. Posso lhes contar detalhes sobre os planos futuros dele em incendiar um campo de petróleo na América e colocar a culpa em uma nação inimiga.

- Mas por que ele faria algo assim? - questionou Brianne, incrédula.

- Para começar mais guerras, claro. Seu padrasto é um traficante de armas, você não sabia? Foi assim que estabeleci contato com ele pela primeira vez.

- Ele lida com petróleo - retorquiu Pierce.

- Apenas para ficar a par das informações a respeito dos países que possuem dinheiro e que estão na iminência de entrar em algum conflito sério - explicou Sabon, com uma expressão grave. - Manipulando certos eventos, Brauer consegue vender lotes enormes de armas e muita munição, mantendo a aparência de empresário respeitável e influente. Ele sofreu perdas enormes há pouco, quando uma guerra foi evitada.

- Entendo - murmurou Winthrop, lembrando-se do evento.

- Agora ele quer recuperar as perdas sofridas provocando duas nações a entrar em guerra, para poder vender armas para os dois lados, além de oferecer armamentos para que os outros vizinhos se protejam de eventuais conseqüências. Pelo que entendi, esse deveria ser o plano, desde o princípio, mas não percebi a tempo. Pensei que o interesse em desenvolver a exploração de petróleo em meu país fosse mesmo sincera justamente por não conhecer o lado negro de alguém com uma excelente fama de respeitável filantropo.

- Nesse caso, para que raptar Brianne? - desafiou Pierce, já menos agressivo.

Sabon a fitou com um intenso e misterioso brilho no olhar.

- Brauer estava hesitando quanto a dar apoio a minha causa. Deixando óbvia minha intenção de me casar com a enteada dele, apelei para sua ambição. Mais alguns milhões na família iriam lhe garantir um futuro tranqüilo. O rapto me pareceu a maneira mais segura de mostrar minha disposição mas, de alguma maneira, ele descobriu que a fama de minha fortuna era exagerada. Devo ter deixado algum detalhe não coberto em minha história.

O árabe olhou para as próprias mãos com ar triste, então cruzou os braços. Diante do silêncio de todos, prosseguiu:

- O irônico é que ele poderia ter obtido muito lucro com os poços de petróleo. Demoraria apenas alguns anos para que ficasse muito rico. Talvez a impaciência o tenha impedido de ver o futuro a longo prazo. Traficar armas é um negócio muito mais imediato e lucrativo, afinal.

 - Meu padrasto falou que estava à beira da falência, com uma situação financeira desesperadora. - falou Brianne.

- Mas talvez não a ponto de ignorar a inconsistência de minha proposta de casamento - disse Sabon, sorrindo com sinceridade ao encará-la.

- Inconsistência? - questionou Pierce, estreitando o olhar.

- Nunca poderei me casar - disse o árabe, levantando-se e olhando ao redor. - Todos meus esforços me trouxeram apenas até aqui. Quanta esperança foi depositada nessa oportunidade, para obter apenas uma grande tragédia em troca. Meu povo está dominado e o xeique foragido. Preciso de outra chance.

- Mas cinqüenta mil dólares não são suficientes para armar um contra-ataque - afirmou Pierce, arqueando uma sobrancelha.

- Sim, é - garantiu Sabon, encarando-o. - Os mercenários de Brauer são assassinos frios e impiedosos, mas não representam desafio para o tipo de gente que meus homens podem contratar além da fronteira.

- Que tipo é esse?

- Acho que você sabe muito bem, sr. Hutton.

Pierce fez uma careta de desgosto.

- Não quero tomar parte de uma carnificina, muito menos financiá-la.

- Nem eu - respondeu o árabe, mas contendo a raiva que transparecia em sua voz. - Mas já me envolveram nisso e agora cabe a mim terminar essa história horrorosa. Aqueles invasores estão chacinando velhos e crianças! Preciso reconquistar meu país e quero que Brauer pague caro pelo que fez a meu povo. Ajude-me.

Ao ouvir aquilo, Pierce levantou uma das mão em um gesto de defesa, mas encarou o outro homem com ar severo.

- Não posso acreditar no que está acontecendo.. Nunca imaginei que chegaria o dia em que iria me aliar ao meu pior inimigo.

- Mas jamais fui seu inimigo - falou Sabon, de maneira direta. - Não fiquei sabendo com antecedência a respeito do ataque à plataforma de petróleo, ou o teria avisado. Para mim, Brauer era um rico investidor estrangeiro com os contatos ideais no meio dos negociantes de petróleo. Nunca me vi como alguém que pudesse ser passado para trás, mas vejo que me enganei. Preciso reavaliar minha habilidade em avaliar o caráter das pessoas.

- Meu padrasto enganou muitas pessoas espertas - disse Brianne, em tom suave e pesaroso. - Incluindo minha mãe.

Ao ouvir aquilo, o árabe estreitou o olhar.

- Ainda bem que ele terá pouco tempo para se preocupar com ela no momento. Contudo, quando esta operação terminar, a vida dela estará em perigo, caso esteja sabendo demais sobre os negócios dele. Brauer não costuma deixar testemunhas a seu redor. Segundo ele mesmo, "acidentes acontecem à toda hora".

- Oh, meu Deus!

- Não se preocupe - falou Pierce, em tom gentil, dando um passo na direção dela. - Nós a protegeremos.

- Assim que sairmos daqui entrarei em contato com meus homens em Freeport - garantiu Winthrop, em um tom tranqüilizador. - Eles garantirão que sua mãe e o bebê sejam retirados de Nassau em segurança antes que Brauer volte para casa.

Mostrando um sorriso aliviado, o olhar dela se encheu de gratidão.

- Obrigada.

- Então foi assim que você descobriu onde encontrar o casal aqui! - exclamou Sabon, encarando o segurança. - Creio que o subestimei, sr. Winthrop.

- A maioria das pessoas faz isso. Não se culpe. - respondeu o indígena, com um sorriso malicioso nos lábios.

- Acho que ouvi algo estranho lá fora - interrompeu Pierce, silenciando a todos.

Depois de prestar atenção por alguns instantes, identificaram o ruído. Eram sirenes que se aproximavam.

- A guarda costeira! - exclamou Brianne.

- No Golfo Pérsico? - indagou Sabon, arqueando as sobrancelhas. - Os americanos podem pensar que possuem toda a área, mas garanto que ainda não tomaram posse em definitivo!

- É a patrulha do porto, no mínimo - murmurou Winthrop, apressando-se em alcançar a escotilha e olhar para fora, demorando um tenso minuto antes de voltar a falar. - Estão abordando outra embarcação, não a nossa. Estamos quase em águas internacionais.

Todos pareceram respirar aliviados. Se fossem descobertos, ninguém poderia impedir que Brauer os eliminasse. Precisavam chegar aos Estados Unidos de qualquer maneira.

Pierce e seu agente trocaram olhares preocupados e começaram a conversar. Embora estivessem de posse da carteira, não poderiam usar os cartões de crédito, ou os mercenários de Brauer poderiam localizá-los sem nenhum esforço. Mesmo que conseguissem chegar em Miami, era possível que houvessem capangas à espera deles em todos os pontos de chegada, prontos para pegá-los. Na verdade, cogitaram que seria difícil passar despercebidos até mesmo em St. Martin. Se houvesse espiões ali também, seria impossível embarcar até mesmo em outro cargueiro, com destino ao continente.Sabon, que os fitava com ar pensativo, tomou a palavra:

- Sorte a de vocês, que o capitão não vá chegar a Miami, ou os três seriam carregados para terra dentro de sacos pretos.

Três pares de olhos se voltaram em sua direção.

- Planejávamos mesmo mudar de embarcação explicou Winthrop. - Tenho um contato em St. Martin e outro em Miami.

- Que já devem ter sido descobertos por Brauer a essa altura. Não subestime a rede de informantes dele. Eu o fiz e veja o que me custou.

O chefe de segurança soltou o fôlego de maneira rude, franzindo o cenho.

- O que sugere então?

- Por acaso têm papel e caneta com vocês?

- Quer escrever para casa? - indagou Pierce, com ironia, mas entregou ao árabe o que foi solicitado.

O homem escreveu um nome, um endereço e um recado em árabe, assinando logo abaixo. Então, pressionou o anel que trazia no dedo mínimo contra o papel, deixando uma marca. Em seguida, entregou-o a Pierce, que observou a folha com uma expressão sombria.

- Algum problema? - indagou Sabon.

- Para mim, isso pode ser nossa sentença de morte. Não sei ler árabe.

- A menos que esteja muito enganado, creio que ele saiba - disse o árabe, olhando na direção do segurança.

- Sabe?

Winthrop pegou a folha que seu patrão lhe estendeu e a examinou com minúcia antes de devolvê-la. Então estreitou o olhar ao encarar Sabon, como se estivesse perplexo, mas então balançou a cabeça afirmativamente, bem devagar.

- É um pedido legítimo para que o homem nesse endereço nos dê toda ajuda possível.

Embora não tivesse dito o que mais continha a nota, a expressão dele foi bastante eloqüente. O árabe falou algo em seu idioma nativo, de maneira rápida e ininteligível. Winthrop respondeu na mesma língua, com igual fluidez.

- O que é isso? Alguma brincadeira? - perguntou Pierce, indignado.

- Não se trata de nada que interesse a você ou a sua esposa, chefe. Também não está relacionado aos problemas que temos no momento.

Aquelas foram as últimas palavras dele naquela tarde. Sabon também optou por se manter em silêncio e, assim que a noite chegou, os quatro adormeceram.

 

- St. Martin - murmurou Sabon, olhando pela escotilha e estudando com atenção a ilha que ficava mais próxima a cada momento. - Afinal, cheguei a meu destino. - Levantando-se, colocou o capuz de seu roupão e olhou para seus acompanhantes de viagem.

- Nós, mouros, temos relações muito estreitas com os espanhóis. Esse homem, cujo endereço lhes forneci, é da Espanha, mas a avó dele mora em meu país. Garanto que fará tudo o que for possível para ajudá-los, pois foi o que lhe pedi e ele me deve um favor. Confiem apenas nele e em mais ninguém. Suas vidas podem depender disso.

- Por que está nos ajudando? - indagou Pierce, de maneira direta.

- Pergunte a seu funcionário. Contudo, estarei na ilha por três dias, sob identidade falsa. Se quiser me ajudar, envie o dinheiro para  o senhor Alfredo Cantada, no Banco Gardell.

- Só Deus sabe o motivo, mas estou inclinado a fazê-lo. Entretanto, não posso garantir nada ainda. Primeiro, precisamos chegar em um local seguro.

- Iremos erguer uma estátua em sua homenagem, como nosso benfeitor - falou o árabe, com um sorriso esperançoso.

Demorou um pouco para Pierce responder. Quando o fez, estava franzindo o cenho outra vez.

- Se pretende passar tanto tempo nessa ilha minúscula, acabará sendo encontrado.

- Os homens dele não me reconhecerão. Possuo recursos que não uso há anos, e isso será o suficiente para me tornar, digamos, inatingível.

- Nesse caso, boa sorte.

- O mesmo para todos vocês, incluindo Mufti, que tem me evitado de maneira desesperada desde que subi à bordo. Por favor, digam-lhe que eu sempre soube da verdadeira identidade dele e que, como guardou meu segredo, também guardarei o dele. Não haverá represália contra a família dele depois que retomar meu poder. - Sabon se voltou para Brianne. - Ao ajudar a salvá-la, aquele pobre homem salvou todos seus parentes.

Ao ouvir aquilo, ela se sentiu mais emocionada do que gostaria. Lamentava pela condição deficiente dele e quase se sentia culpada por tê-lo julgado tão mal.

- Cuide-se, sr. Sabon. E boa sorte.

- Boa sorte para você também, minha querida. Ao acabar a frase, ele disse algo em árabe e pareceu muito emocionado.

Então se virou e partiu, sem olhar para trás.

- O que ele lhe disse àquela hora, quando vocês trocaram algumas palavras? - indagou Pierce, voltando-se para seu agente de segurança.

- Apenas que não estava nos vendendo ao inimigo - respondeu Winthrop, de maneira evasiva. - Homem interessante, não?

- Como um demônio - respondeu Pierce, indignado.

- Sabe por que ele lhe disse essas palavras finais, sra. Hutton? - indagou o indígena:

- Devo lembrá-lo de que não entendo nada de árabe - disse Brianne. - O que é que foi dito, afinal?

- Sabon declarou que está perdidamente apaixonado por você e que jamais a esquecerá, ao longo de toda sua vida. Jurou que jamais pensará em outra mulher.

- Mas que idiota - resmungou Pierce, soltando uma risada de pouco-caso enquanto se voltava para a escotilha.

Contudo, o olhar de Winthrop não se desviou dos dela em nenhum instante. E ele não estava sorrindo.

Brianne franziu o cenho com ar curioso, mas não obteve explicação alguma sobre o que significara tudo aquilo, muito menos aquele olhar. Viu-o então se levantar e se unir a seu patrão, à escotilha.

- Precisamos ser rápidos, chefe. Não temos muito tempo para encontrar o espanhol que Sabon nos indicou. Pelo que me lembro, é o endereço de um dos ancoradouros da marina. Com sorte, conseguiremos um barco bem depressa.

Pierce soltou um suspiro.

- Se não estivermos seguindo rumo a uma armadilha, tudo bem. Espero que estejamos fazendo o que é certo.

- Não sei quanto a você, mas tenho certeza de que o próximo passo é seguro - garantiu Winthrop.

 

Os três retiraram os trajes árabes e colocaram suas roupas européias, que estavam carregando consigo desde que puderam lavá-las, no vilarejo. Mufti, que apareceu no compartimento de carga para encontrá-los, precisou comprar as vestes de passeio de um dos marujos e usou a faca de combate do segurança para se barbear. Visto de longe, poderia até mesmo se passar por um americano.

Contudo, naquele instante, tudo o que os preocupava era o perigo que correriam dali por diante. Não sabiam que rumo os acontecimentos tomariam dali por diante.

Todos estavam ansiosos e em silêncio. Preocupada, Brianne murmurou um lamento:

- Se pelo menos eu tivesse uma arma...

Pierce a encarou com ar curioso.

- Por que pensou nisso agora?

- Talvez precisemos abrir caminho. à força para fora daqui - respondeu ela, com simplicidade. - De qualquer maneira, conheço um pouco de artes marciais.

- É mesmo? Meu segurança aqui é faixa preta de caratê e mestre de tae kwon do.

Brianne soltou um assobio de admiração.

- Muito bem, sr. Winthrop.

- Qual é a sua especialidade? - indagou o indígena.

- Na verdade, cursei apenas dois anos de judô e então passei a praticar tai chi chuan, cinco anos atrás. Acho os movimentos tão graciosos que até parecem um balé oriental.

- São seqüências muito suaves mesmo - concordou o indígena -, mas basta colocar velocidade nos gestos e muito dessa técnica pode se tornar fatal.

- Bem, de qualquer maneira, iria me sentir muito mais segura se estivesse armada. Pena que não tenha mais nenhuma pistola automática em sua bagagem.

- Você sabe atirar? - indagou Pierce, intrigado.

- Sou ótima com armas de paintball.

Os dois homens sorriram entre si, dando a entender que aquele não era um treinamento satisfatório, mas seu marido conseguiu responder com seriedade, dizendo:

- Bem, os alvos aqui não apenas atiram de volta, querida, mas também usam balas de verdade. Acho melhor deixar a parte do tiroteio conosco, está bem?

Pelo visto, o jeito seria continuar se sentindo apenas um alvo...

 

Os quatro passageiros desembarcaram e se misturaram com facilidade entre os turistas que andavam pelo porto. Não demorou para encontrarem o endereço e o tal homem, que na verdade era o capitão de um velho cargueiro espanhol. Mal humorado, não lhes deu atenção de imediato.

Entretanto, quando o homem atarracado leu o bilhete que Pierce lhe entregou, ele arregalou os olhos, fitou Brianne de alto a baixo e então ofereceu sua hospitalidade, levando-os para dentro de sua casa, mostrando as facilidades do toalete, disponibilizando toalhas e lhes oferecendo comida e bebida.

Pouco depois, já limpos e alimentados, embarcaram no outro cargueiro e foram acomodados em um compartimento confortável e limpo, que parecia ser uma cabina de hóspedes. Depois de alguns gritos de comando, proferidos em algo que parecia um misto de árabe, inglês e espanhol, zarparam para alto-mar.

- O que acontecerá quando chegarmos à alfândega de Miami? - indagou Brianne em tom preocupado, franzindo o cenho. - E se Brauer tiver colocado homens a nossa espera em todos os portos?

- Teremos de entrar no país sem sermos vistos. - murmurou Winthrop.

- Mas é impossível!

- Não estamos em Hollywood, querida - respondeu Pierce. - Peixes pequenos sempre podem escapar das grandes redes. Como bem sabe, por mais que gostemos de fazer tudo certo e de pagar nossos impostos em dia, somos fugitivos. Não temos nossos passaportes conosco, se é que está lembrada.

- Fugitivos? Nós? - questionou ela, sentindo-se ultrajada.

- Sim, claro. Se entrássemos no país da maneira convencional, os mercenários que trabalham para seu padrasto nos capturariam à primeira vista. Teremos mesmo de nos esgueirar. Que fique claro que, dependendo do que vier a ocorrer, essa afirmação deixará de ser força de expressão.

- Mas isso é mais do que ilegal! Podemos ser presos por burlar os departamentos oficiais de alfândega e de imigração. E, exceto por Mufti, todos nós somos cidadão americanos. Isso pode ser desastroso.

- Agora você está entendendo o espírito da situação - resmungou Winthrop, balançando a cabeça negativamente e sorrindo, como se estivesse se divertindo com a inocência dela. - E se me permite a correção, seu marido possui dupla nacionalidade, mas nunca requereu oficialmente a cidadania americana, embora já a possua por convenção. Isso piora um pouco a situação, se é que me entende.

Ao ouvir aquilo, Brianne respirou fundo e se conformou com os fatos. Já estava envolvida demais naquilo tudo para começar a protestar naquele momento. Só lhe restava ficar quieta e acompanhá-los, tentando não atrapalhar o andamento daquela pitoresca aventura.

- Está bem. O que faremos, então?

 - Não iremos para Miami como planejamos. Conversei com o capitão e, depois de fazermos contato com alguns navios ancorados em nosso destino inicial, concluímos que será mais seguro irmos para Savannah. Usei o rádio de bordo antes de zarparmos e já instruí meus homens nos Estados Unidos. Desembarcaremos em um lugar bastante inesperado - explicou o segurança.

- Para mim seu plano está excelente. Gostaria apenas de que pudéssemos confiar de verdade nesse capitão, que nos foi indicado por aquele árabe - disse Pierce, franzindo cenho.

- Nós podemos - garantiu o segurança.

- Como pode ter tanta certeza?

Winthrop lançou um olhar para Brianne e então se voltou para o horizonte, pela escotilha.

- Isso não vem ao caso, patrão. O importante é que estou certo de que ele é confiável. Já viu alguma situação em que eu confiasse nossa segurança a alguém que não fosse capaz de cumprir sua tarefa?

- Não, mesmo. Nesse caso, teremos de apostar em seu instinto, meu velho - murmurou Pierce, soltando um suspiro.

- Pretende mesmo emprestar o dinheiro ao sr. Sabon? - indagou ela, fitando-o.

- Só Deus sabe o motivo, mas minha intuição está me dizendo para fazê-lo, e é o que farei.

- Não acho que ele seja um homem mau. Só exagerou nos métodos, preocupando-se com o bem-estar de seu povo.

- Tarefa que deveria ter sido deixada nas mãos do xeique que governa aquele país. Aliás, grande governante esse, que aceitou ser escoltado até outro país, junto com seu harém, em vez de ficar e lutar como um líder decente, tentando ajudar seu próprio povo.

- Mas é o que ele está fazendo - interrompeu o segurança, sem nem mesmo se virar para encará-los.

- Como pode saber disso?

O segurança se voltou para o patrão, encarando-o.

- Por acaso olhou com atenção para a assinatura naquele pedaço de papel que Sabon lhe deu?

Confuso, Pierce pegou o bilhete e o analisou com cuidado. A seu lado, Brianne também parecia muito interessada no conteúdo da pequena folha. A escrita era indecifrável, exceto pelo nome e endereço do capitão.

Além disso, podia-se identificar uma marca feita em relevo suave, ao lado e abaixo da assinatura do árabe.

- Por acaso notou aquele anel que ele usa em seu dedo mínimo? - indagou Winthrop.

-Não.

- Pois a pequena jóia contém um selo oficial. Pude notar quando ele fez a impressão. Se olhar com cuidado, notará o desenho da coroa. É o brasão do reino de Tatluk.

- E então? - questionou Pierce, com ar ainda mais confuso.

- Quem você acha que é Phillipe Sabon?

- Não o próprio xeique...

- Ainda não - respondeu o segurança, soltando uma risada curta antes de prosseguir. - Mas um dia será. O governante, no momento, é o pai dele. Confirmei minha suspeita pelo rádio, minutos atrás. Meus homens vinham tentando me avisar, mas aquele roubo da bateria nos deixou incomunicáveis. O velho xeique está doente e quem mantém o país em funcionamento é Sabon. Por isso ele tentou essa medida desesperada, pois não lhe restava muito tempo para permanecer no anonimato e tentar se passar por um magnata do petróleo, a fim de atrair investidores interessados em desenvolver o potencial de seu país.

- Mas por que não fazer isso como ele mesmo? questionou Brianne.

- Seria muito arriscado. A economia de toda a nação está à beira de um colapso e, se corresse o risco de ser raptado, as poucas reservas do tesouro nacional seriam utilizadas para pagar seu resgate. Contudo, embora a idéia toda pareça maluca, o plano dele quase deu certo.

- Não era à toá que Sabon tivesse tanta influência sobre o governo. Ele era o governo - falou Pierce.

- E ainda é - corrigiu Winthrop. - O grupo de homens que ele enviou até a fronteira é a guarda pessoal dele. Trata-se da elite das forças militares do reino, que tem o mesmo nível das forças especiais britânicas. Pelo que entendi, já estão prontos para começar a recrutar mercenários de outras nações para fazer o contra-ataque.

- O que nem irá acontecer, se não conseguirmos chegar a Washington a tempo de impedir os planos de Brauer. Do contrário, as tropas americanas vão bombardear o pequenino país até que ele desapareça do mapa. O pior é que pensarão estar salvando o mundo da III Grande Guerra - lamentou Pierce, em tom grave.

- Conseguiu mandar uma mensagem para a capital?

- Consegui, mas não adiantou nada. A menos que consigamos apresentar provas a alguém do alto escalão, não poderemos interferir no que está por vir. Nossa única esperança é apresentar Mufti a algum dos líderes do gabinete de Estado e prestar nossos depoimentos como garantia da idoneidade dele. Mesmo assim, a história dele precisará ser verificada. Tudo é mais lento pelo meio diplomático.

- Por falar em Mufti - falou Brianne, olhando ao redor. - Onde está ele?

- Está jogando pôquer com os marujos, em outro compartimento - falou o segurança, sorrindo. - Sorte a nossa que eles só estão apostando palitos, pois nossa testemunha-chave não perde uma só mão. Desse jeito, vão acabar obrigando-o a andar pela prancha, como nos velhos tempos. Em Las Vegas, ele seria um sucesso.

A menção da cidade onde se casara a deixou desconcertada. Não era agradável lembrar-se da cerimônia impessoal que a unira a Pierce. Naquele momento, evitou até mesmo encará-lo. Sem perceber, fixou o olhar na aliança que trazia no dedo médio da mão esquerda. Seria maravilhoso se ele a amasse, pelo menos um pouquinho.

Mas aquela não parecia ser a realidade. Assim que aquela desastrada aventura acabasse, seus caminhos voltariam a se separar. Estaria divorciada muito antes de aprender o que era ser uma esposa de verdade.

Mas aquilo não parecia incomodar Pierce. Apesar do fato de terem se dado muito bem na cama, não era possível fazê-lo deixar de se sentir culpado por trair a falecida esposa.

Respirando de maneira profunda, passou pelo segurança e alcançou a escotilha. Só lhe restava observar o mar e torcer para que tudo aquilo acabasse logo e bem.

- Acho melhor ir verificar como vai nossa testemunha-chave - falou Winthrop, saindo da cabina e fechando a porta atrás de si.

Pierce se colocou atrás dela à janela, compartilhando da mesma vista oceânica.

- De uma forma ou de outra, tivemos momentos memoráveis - disse ele.

- Ficarei contente quando tudo isso acabar.

As palavras não soaram sinceras. Em seu coração, sabia que preferia estar correndo risco de vida ao lado dele do que ficar segura e sozinha. Contudo, não lhe fora dada opção de escolha.

- Lamento pelo que aconteceu na noite retrasada. Não pretendia que aquilo acontecesse.

Brianne deu de ombros.

- Não se recrimine. Afinal de contas, consegui minha noite, não é mesmo?

Segurando-a pelo braço, ele a virou de frente para si.

- Por favor, não fale como se não fosse algo importante, porque foi.

- Oh, claro. Diga-me, então, que estava pensando em mim e não em Margô enquanto fazíamos amor. Foi essa a grande importância?

O modo como Pierce franziu o cenho em silêncio a deixou ainda mais desconcertada, levando-a a parar de encará-lo.. .

- Desculpe-me. Não queria dizer isso. Sinto muito, mas nós dois sabemos que você não me quer, exceto como uma substituta. Sou muito jovem e pouco sofisticada para os seus padrões, além de ter uma tendência a querer monopolizar sua atenção. Pelo menos essas foram as suas palavras. Vamos guardar nossas lembranças e deixar tudo como está, sim?

- Bem...

- Aliás, estou ansiosa para prosseguir com meus estudos, como bem sabe. Se não se importa, gostaria de ir para a Sorbonne.

- Como preferir - respondeu ele, fitando o mar com uma expressão neutra, mantendo as mãos nos bolsos da calça.

- Pode providenciar o divórcio assim que chegarmos em casa - completou Brianne, encarando-o de maneira direta.

- Voaremos para Las Vegas para resolver isso. - disse Pierce, sorrindo com amargura. - Creio que tudo estará acertado em menos de vinte e quatro horas. Farei todos os arranjos e a informarei sobre quando terei uma hora disponível em minha agenda. Precisarei viajar muito quando tudo isso acabar.

Ela gostaria de poder fazer o mesmo, mas teria de se contentar em voltar a morar em Paris. De repente, um calafrio percorreu-lhe o corpo, levando-a a colocar os braços em torno de si mesma para se confortar.

Naquele instante, arrependeu-se por não tê-lo deixado à mercê daquela batedora de carteiras de quem o salvara na noite de seu aniversário.

Pelo menos Brianne teria se poupado de muita mágoa.

Pierce a fitou em silêncio, observando-a desde os cabelos dourados até os delicados pés. Era linda e adorável, além de ser uma parceira maravilhosa em todos os momentos, quer fosse em situações boas ou difíceis e, acima de tudo, na cama. Para completar, Brianne o amava.

Por que estava abrindo mão de tudo aquilo para ficar com seu fantasma? Nem mesmo ele próprio conseguia entender o que o levava a continuar fingindo que Margô ainda estava viva.

Ao notar a linha que seu pensamento estava seguindo, viu-se obrigado a parar para refletir. Acreditava mesmo naquilo? Estava mesmo disposto a continuar solitário pelo resto da vida, por sentir-se incapaz de encarar a realidade de sua perda?

Foi impossível não fazer uma careta ao chegar a tal conclusão. Olhando para Brianne, imaginou que homem seria capaz de recusar o amor incondicional de uma garota tão especial, cheia de brilho e vivacidade, inteligente e espirituosa. Logo, quando estivesse na faculdade, algum rapaz descobriria todos aqueles encantos e conseguiria conquistá-la.

Talvez viesse a ser alguém que soubesse tratá-la da maneira devida, com sutileza, carinho e atenção constante, oferecendo presentes, flores e se dispondo a fazer a corte adequada.

Ao respirar de maneira profunda, sentiu-se triste consigo mesmo. Brianne merecia aquele tipo de atenção. Era uma garota rara e especial. Aliás, não uma garota, mas sim uma mulher, jovem e incrível. Lembrar-se de tê-la na cama era motivo mais do que suficiente para sentir a reação de seu corpo. Contudo, estava prestes a mandá-la embora pelo simples fato de não saber encarar a realidade da partida de Margô. Sua primeira esposa estava morta e nada a traria de volta.

Como se tivesse sentido sua agonia, Brianne o encarou e o fitou com aqueles lindos olhos verdes, que transluziam amor, admiração e, naquele momento, preocupada curiosidade.

Um pensamento lhe ocorreu. Sabon se dera ao trabalho de fazer aquela viagem no mesmo barco que eles, usara uma dívida de favores e lhes arranjara uma rota de fuga. Tudo isso por cauda dela. Por quê?

O que Brianne lhe dera em retorno?

Uma onde de ciúme, tão intensa quanto inesperada, surgiu em seu peito. Quando se deu por conta, estava sentindo o rosto arder, enquanto franzia o cenho.

- O que você fez com Sabon?

- Desculpe-me, mas não entendi. Como é?

- Por que ele se deu ao trabalho de fazer tudo isso por sua causa? O que lhe deu em troca? Diga-me.

O tom dele parecia superficialmente suave, mas era ameaçador, fazendo-a gaguejar ao responder:

- N-nada. Não lhe dei coisa alguma.

- Não me venha com essa, agora! A reputação dele não pode ter sido construída a partir do nada.

Brianne não poderia lhe contar a verdade sobre Sabon. Seria cruel e injusto permitir que alguém tivesse a oportunidade de transformá-lo em piada, ainda mais em um mundo onde qualquer homem que tivesse sua masculinidade questionada deixava de ser digno de respeito. Pierce poderia deixar algum comentário escapar perto de alguém, o que seria embaraçoso para qualquer um. Para um futuro xeique, isso se tornava inaceitável.

Decidida, encarou-o com bravura.

- Acredite no que quiser. Se acha que sou vulgar o bastante para usar meu corpo como objeto de barganha, então me conhece ainda menos do que eu pensava.

- Um belo corpo, aliás - murmurou ele, medindo-a com os olhos, mas com uma expressão insultante no rosto. - Sedutor o suficiente para levar um homem a agir contra seus próprios princípios. Imagino que ele tenha se deliciado.

- Pelo menos ele não estava pensando em outra mulher nem me chamou pelo nome dela! - esbravejou Brianne, magoada com a lembrança de quando aquilo acontecera.

Pierce empalideceu. Não podia sequer se defender daquela acusação, mas o que o abateu foi a admissão dela de que fizera amor com outro homem. Foi preciso conter a onda de fúria e decepção que o dominaram.

Se Sabon estivesse por perto, iria quebrar o nariz dele com um bom cruzado de direita.

Só então ela percebeu o que dissera e que acabara com qualquer chance de ele fazer o empréstimo para financiar o levante militar do governo contra as tropas invasoras de Brauer. Era preciso remediar a situação.

Colocando os punhos cerrados nos quadris, soltou um suspiro e baixou o rosto.

- Na verdade ele queria, mas eu não pude fazê-la - improvisou ela.

- Por quê?

- Porque sou uma mulher casada, entendeu? Embora não se considere meu marido de verdade, não pretendo traí-lo com outro homem!

Pierce soube, no mesmo instante, que isso jamais aconteceria. Sentiu-se envergonhado por ter levantado tal suspeita. Não estava acostumado a sentir ciúme e não gostou nem um pouco da experiência.

- Certo, certo, está bem. Desculpe-me, sim?

Dando de ombros, Brianne se virou e se afastou.

- Não precisa se desculpar pela maneira como se sente. Sou grata pelo que fez por mim, principalmente agora, que toda aquela armação mostrou-se desnecessária. Tudo o que Sabon queria era me levar até a ilha para que meu padrasto acreditasse que sua intenção de se casar comigo era séria.

- Por que está insistindo em creditar tamanha nobreza a alguém que a fez prisioneira?

- Porque conversamos um pouco - respondeu ela, com franqueza -, e os homens dele falaram muito sobre um chefe bom e respeitável. Pelo que descobri, desde o princípio de todo esse negócio, Sabon me viu apenas como um meio para garantir o envolvimento do marido de minha mãe em seu projeto de desenvolvimento nacional. Ele fingiu estar interessado em mim e Brauer me ofereceu como uma isca para atraí-lo e garantir algumas centenas de milhões de dólares de segurança para sua velhice.

Brianne soltou um riso irônico antes de prosseguir:

- Garanto que meu padrasto deve ter se sentido um completo idiota quando descobriu que estava lidando com um farsante, não com um milionário, e que estava sendo usado para aproximar uma nação pobre de um rico consórcio de exploração de petróleo. Mas Brauer é vingativo e matará Sabon, se tiver oportunidade. Principalmente agora, que está quase falido. Se vazar a informação de que ele ordenou a invasão e a tomada de todo um país, a comunidade internacional irá crucificá-lo. Ele não pode se arriscar a deixar testemunhas livres.

- Sim, você está certa. Mesmo contra minha vontade, farei o que estiver a meu alcance para ajudar o futuro xeique. Mas somente porque não quero ver seu padrasto sair disso tudo vitorioso e impune.

- Nem eu quero que isso aconteça. - Brianne se virou e voltou a encará-lo. - Sabon não é nada do que parece. A despeito de seu poder e de qualquer riqueza que venha a adquirir com o desenvolvimento petrolífero do país, ainda sim ele continuará tendo muito pouco do que qualquer homem comum poderia ter.

- Explique, por favor. Conte-me o que significa isso tudo. .

- Sinto muito, mas não posso. Não é um segredo meu que está em jogo aqui - respondeu ela, virando-se para a escotilha e soltando um suspiro antes de mudar de assunto. - Quanto tempo demorará para que cheguemos à Savannah?

- Não estou bem certo - respondeu Pierce, em tom ausente. - Por que não tenta dormir um pouco? Vou me reunir a Winthrop e Mufti.

Olhando ao redor, ela localizou as camas embutidas na parede. Abrindo uma, deitou-se de lado e apoiou o rosto na mão. Ao se sentir pesada, notou que estava exausta.

- Eles não vão nos pegar, não é mesmo? - questionou ela, em um fio de voz.

-Não.

Como ele pareceu tão confiante naquela resposta, tudo o que lhe restava a fazer era fechar os olhos e se deixar levar pelo sono.

 

A embarcação chegou ao porto de Savannah e os quatro passageiros foram à terra, sendo abordados de imediato por três homens trajando ternos escuros. O mais alto deles fitou os tensos viajantes e se demorou um pouco mais encarando Winthrop.

- Departamento de alfândega e imigração - falou ele, abrindo uma carteira e mostrando a insígnia por um breve momento. - Queiram nos acompanhar, por favor.

Enquanto eram escoltados, Brianne procurou pela mão de Pierce e a segurou com força. Estava antevendo um longo interrogatório em que tentariam se justificar pela entrada ilegal no país e, de seu ponto de vista, acabariam sendo presos, pois não havia a menor chance de simples agentes alfandegários acreditarem em sua história, muito menos compreenderem a gravidade da situação.

Jamais gostara de lugares fechados. Além disso, nunca se formaria na faculdade e nem sequer poderia ser esposa e mãe. Tudo o que poderia ser era uma presidiária.

Uma vez dentro do departamento da alfândega, os oficiais ouviram a curta explicação que o homem alto lhes deu. Pareceu ter havido algum desentendimento, que logo foi resolvido, então os quatro foram conduzidos para fora do edifício, onde o calor ensolarado e úmido de Savannah os recebeu com uma lufada de ar quente.

Embora sempre quisesse ter conhecido aquela região, Brianne preferia tê-lo feito como turista.

Os homens de terno os conduziram para um acesso lateral do pátio do edifício onde haviam duas limusines pretas à espera.

- Fomos capturados pelos "homens de preto" murmurou ela, pouco antes de os quatro serem colocados dentro do mesmo veículo. - Jamais seremos vistos novamente.

Winthrop, que ouviu o comentário, soltou um riso curto. Quando o veículo estava em movimento, o homem alto, que se acomodara ao lado do motorista, abaixou o vidro que separava a parte de trás do veículo e se virou para eles.

- Quase precisei quebrar o braço daquele agente alfandegário. Por que não voaram direto para Miami?

- Éramos esperados lá - respondeu o agente de segurança.

Ao estender a mão, o outro homem lhe entregou uma pequena metralhadora. Depois de verificar a arma com extrema habilidade, colocou-a sob a jaqueta, em um suporte que parecia fazer parte de sua roupa.

- Mas... - murmurou Mufti.

- Este é Marlboro - apresentou Winthrop. - Ele trabalha para mim, assim como os outros dois que seguiram na outra limusine.

- Então vocês não são oficiais da alfândega? - indagou Brianne, que já estava com os olhos arregalados.

- Não, mas já trabalhamos para o governo - respondeu o grandalhão, com um sorriso inocente. - Eu até poderia lhes dizer exatamente em que agência, mas depois teria de...

- De nos silenciar - completou Brianne, olhando então para Pierce. - Está vendo? Isso já está até parecendo o filme Homens de Preto.

- Pode até ser, mas meus homens não usam munição de mentira - disse o indígena.

- Oh - murmurou ela, arregalando os olhos.

- Ei, assim você nos faz parecer assassinos, chefe. Sabe que prefiro artes marciais a balas.

- Bem - interrompeu Pierce, antes que a conversa se estendesse demais e a deixasse impressionada -, para onde vamos agora?

- Direto para Washington - respondeu Winthrop - assim que chegarmos à pista de pouso particular onde somos aguardados.

Sabendo que podia confiar em seu chefe de segurança, recostou-se no assento e respirou de maneira profunda. Se havia alguém que poderia burlar os agentes de Brauer era aquele índio.

Depois de trafegarem meia hora por uma estrada de terra cujo acesso na via principal era quase imperceptível, chegaram ao que parecia ser um aeroporto deserto, onde um pequeno jato estava pronto para decolar.

- Não me diga - falou Pierce, sorrindo enquanto embarcava na pequena aeronave -, alguém aqui também lhe devia um favor.

- Na verdade, devia - disse Winthrop, arqueando uma sobrancelha de maneira curiosa. - Assim como esse velho piloto aí na cabina.

- Sabe, contratá-lo foi a melhor coisa que fiz até hoje, desde que assumi os negócios da família.

- Ainda bem que notou. Vou me lembrar disso quando formos discutir meu salário no próximo ano. Vou me sentar lá na frente.

Brianne se viu sentada entre os dois homens de terno escuro que os haviam escoltado e estavam na outra limusine. Logo em frente, Pierce e Mufti ladeavam o agente alto, que ficou ao centro. Até então, jamais andara em um jato daquele porte e não sabia que os assentos poderiam ser dispostos voltados para o corredor, em uma aeronave.

- Você é casada? - perguntou o homem diretamente a frente dela, com ar esperançoso.

- Sim, ela é - respondeu Pierce, olhando de lado.

- Mas que coisa. As mais bonitas sempre são casadas - lamentou o grandalhão, fazendo uma careta.

- Aposto que seu marido ficará feliz ao vê-la chegar em casa a salvo, não é?

- O marido dela está bem a sua esquerda, rapaz.

A voz dele parecia calma e indiferente, mas o olhar, por outro lado, dava a impressão de estar soltando faíscas.

- Sinto muito, sr. Hutton - disse o agente, baixando o olhar e evitando se voltar na direção dela.

- Tudo bem - disse Pierce, ajeitando-se na poltrona e fechando os olhos ao recliná-la um pouco. - Sem ofensas.

Brianne o fitou e pensou no comportamento de seu marido. Naquele momento, agira como um verdadeiro cão de guarda, defendendo seu território. Disfarçando um suspiro desanimado, tentou descansar.

 

Como já era imaginado, o avião não pousou em Washington, mas sim em uma propriedade enorme em Virgínia. Segundo o que um dos agentes comentou, o local pertencia a uma das pessoas mais misteriosas dos Estados Unidos, que estava ligada à espionagem internacional. Pelo visto, o tal homem também devia um favor à Winthrop.

Um carro estava esperando por eles, assim como mais um grupo de três homens em outro veículo. Todos estavam de óculos escuros e traziam armas automáticas nas mãos.

Brianne estava ficando cada vez mais preocupada.

- Essas armas não são ilegais?

- Claro que sim - garantiu o segurança, com naturalidade.

- Aquele que o agente lhe deu no avião também o é, estou certa?

- Exato. Também é ilegal.

Quando o fitou com ar curioso, tudo o que obteve foi um sorriso em resposta.

- Não pretende me contar nada, certo sr. Winthrop.

O indígena permaneceu quieto e sorridente.

- Pode desistir, Brianne - falou Pierce. - Quando meu chefe de segurança sorri, significa que não há mais nada que possa ser feito, exceto ficar à mercê dele. A questão é que quase nunca o vejo sorrir, mas nessa viagem isso foi uma constante.

- Digamos que eu goste de fugas difíceis - disse Winthrop, dando de ombros. - A vida vinha se mostrando entediante no ramo de segurança petrolífera, mas apenas até alguns dias atrás.

- Bem, eu prefiro quando está "entediante", meu caro. Agora que estamos a salvo, precisamos encontrar o secretário do departamento de Estado e convencê-lo a escutar a história de Mufti e nosso testemunho.

- Sem problemas, chefe. Já entrei em contato com meus homens, que colocaram o secretário a par dos eventos. Enquanto conversamos, uma equipe de inteligência está sendo organizada no gabinete de Estado. É melhor que partamos logo.

- Então vamos. Venha Brianne, você vem comigo - chamou Pierce, ao vê-la hesitar na hora em que os homens que os acompanhavam se separaram deles e seguiram para o outro veículo.

 Ao se aproximar, notou que ele mal lhe tocou o braço na hora em que a ajudou a entrar no veículo antes dele mesmo. A aventura estava quase acabada, mas era impossível saber o que o destino lhes reservara. Sua única certeza era a de que, muito em breve, eles se divorciariam.

Naquele momento, pensou em sua mãe e em seu meio-irmão. Só o que podia fazer era torcer para que Winthrop tivesse cumprido sua promessa e providenciado para que sua família tivesse sido resgatada da mansão de Brauer e levada para algum lugar seguro.

Sem perceber, pensou em Sabon. Rogava para que ele fosse capaz de retomar seu governo e devolver seu pai ao trono. Embora tivesse lançado mão de meios muito equivocados, acreditava que se tratava de um bom homem, preocupado demais com o bem-estar de seu povo.

Sentada ao lado de Pierce, parecia mais sensível a ele do que nunca. Podia até mesmo senti-lo respirar, mas isso era tudo. O silêncio que preenchia o veículo enquanto seguiam para Washington, D.C., era uma tortura.

 

Pelo que Brianne e Pierce puderam perceber, o misterioso sr. Winthrop conseguira apagar o rastro deles com exímia perfeição, pois estavam rumando para a capital americana sem serem seguidos.

Pelo menos era o que seus agentes diziam. E deviam estar mesmo certos, pois possuíam toda sorte de equipamentos eletrônicos à mão, todos piscando suas respectivas luzes coloridas e fazendo discretos beeps robóticos.

Para ela, era fácil compreender o motivo de Pierce tê-lo contratado, pois aquele tipo de eficiência não devia ser algo comum. Era provável que a agência do governo a qual ele pertencia fosse de alguma maneira ligada à CIA, se é que não era a própria. Todos aqueles homens de terno eram quietos, discretos, formais e pareciam muito bem treinados e profissionais.

Porém, no aspecto humano, havía algo a ser ensinado ao chefe deles...

A única concessão que Winthrop fez em beneficio do conforto de todos foi uma parada em Charleston, em uma grande construção assobradada, com grandes sacadas cobertas, cercadas por grades metálicas e com portas de vidro no andar térreo. A pintura cor-de-rosa fazia o local parecer um coral exótico em meio à areia.

Ao redor, palmeiras e outras plantas típicas de climas tropicais faziam um grande contraste com a paisagem quente e arenosa da região.

Ao abrirem a porta do veículo, o calor foi surpreendente. Dentro da limusine, sob ação do ar-condicionado, era fácil esquecer a intensidade daquele clima quente.

- É aqui que servem os melhores frutos do mar de todo o Estado - informou Winthrop, enquanto esperava que os outros ocupantes do veículo desembarcassem. - Mills, verifique o perímetro e certifique-se de que estamos seguros.

- Sim, senhor - respondeu o agente antes de se afastar, como se a coisa mais natural do mundo fosse obedecer a seu líder.

O chefe de segurança conduziu Pierce e Brianne para dentro do restaurante, explicando:

- Este é um negócio familiar. Conheço o dono daqui há anos. Estivemos juntos em outro continente durante uma missão da... Bem, isso não importa. Ele é um amigo.

Foi uma surpresa para ela ver que o dono de um restaurante no melhor estilo conservador da pequena cidade de Charleston era outro indígena americano, quase tão alto quanto Pierce e Winthrop, com brilhantes olhos negros e longos cabelos escuros presos em um rabo-de-cavalo.

O dois índios trocaram um aperto de mãos e algumas palavras em um idioma que Brianne não conhecia.

- Este é Mike Smith - disse o chefe de segurança.

- Claro que não é o nome verdadeiro dele, mas é o que ele vêm usando nos últimos anos. Ele, a esposa e a filha são os donos deste lugar.

- Está bastante longe de Dakota do Sul - disse Pierce, cumprimentando-o.

- Eu gosto de peixe - respondeu Smith, com ar divertido. - Ninguém mais na minha família gosta, mas um restaurante especializado em peixe e frutos do mar me pareceu uma ótima idéia.

Contendo o riso, Winthrop denunciou o amigo:

- Ele ganhou este lugar durante um jogo de pôquer, por isso lhe pareceu uma boa idéia.

- Não tende me desmoralizar, sim? Estamos conseguindo viver muito bem com o restaurante.

- Certo, meu caro. Como quiser. Mudando de assunto, precisamos chegar a Washington sem sermos vistos. Alguma sugestão?

Ao ouvir as palavras de Winthrop, o outro indígena ficou sério e com ar pensativo.

- Dê-me dez minutos para tomar algumas providências. Enquanto isso, sentem-se, que Maggie lhes trará o cardápio.

- Obrigado - falou o chefe de segurança. - Ficarei lhe devendo este favor.

- Este? Você já me deve outros três! - exclamou Smith, arqueando uma sobrancelha com ar satírico. - Quando eu precisar pedir a retribuição, é melhor que esteja em boa forma.

- Ei, farei o melhor que puder!

 

Tiveram de almoçar muito depressa. Brianne, entretanto, achou que aquele foi mesmo o melhor prato de peixe e frutos do mar que já saboreara até então. Isso sem falar que o local era adorável. Através da janela, podia-se ver parte da velha cidade, que fora palco do primeiro tiro da Guerra Civil Americana. Havia típicas mansões sulistas e também pequenas casas ao alcance da vista, assim como palmeiras e muita areia.

Aquela paisagem a lembrou de algumas cidadelas das ilhas caribenhas que já visitara. Esquecendo-se de que não estava ali por turismo, acabou falando sobre a semelhança da vista que os cercava com o Caribe.

- É mesmo parecido, não é? - falou Pierce, sorrindo com ar divertido enquanto bebericava seu café. - Muitos dos agricultores da Carolina do Sul se estabeleceram nas ilhas do mar do Caribe depois da guerra, fugindo da obrigação de ter de cumprir o juramento de lealdade para com a União. Alguns até voltaram para cá, mas a maioria ficou por lá.

- Lembro-me de ter visto a respeito disso na escola - respondeu Brianne.

Aquela frase o fez se lembrar da diferença de idade entre eles. Eram mais de treze anos, quase catorze. Fitando-a com discrição, estudou-a com certo remorso por ter permitido que ela se apaixonasse. Brianne estava na idade de se encontrar com garotões, estudantes sem preocupações sérias, que pudessem levá-la para passear de maneira descompromissada.

Mas não. Em vez disso, fizera dela sua esposa e a levara para circular ilegalmente ao redor do mundo e deixou que a raptassem. No momento, estavam fugindo de mercenários guerrilheiros para salvar uma nação do domínio de um traficante de armas e, ao mesmo tempo, vinham tentando evitar uma guerra.

Isso, nos dias em que deveria estar acontecendo a lua-de-mel. Percebendo a expressão tensa dele, Brianne o olhou com candura:

- Qual é o problema?

- Estou contando meus pecados - respondeu ele, estreitando o olhar. - Você nunca deveria ter sido envolvida nisso tudo.

- Culpe minha mãe por isso e não a si mesmo, se é esse o caso. Nós, mamãe e eu, sempre tivemos nossos atritos e discussões, tanto que fui mandada para a França. Mas agora estou preocupada com o bem-estar dela e de Nick. Imagino que ela deva estar apavorada no momento.

- Perguntei a Winthrop sobre a sra. Brauer enquanto você estava no toalete. Pelo que seus agentes informaram, um dos homens de maior confiança dele conseguiu resgatar a ambos e encaminhou-os em segurança para a Jamaica. Sua mãe e a criança estão bem. Há uma base operacional dele em Montego Bay, onde a manterão bem e em segurança até que tudo esteja resolvido.

- Oh, graças a Deus - desabafou Brianne, passando as mãos pelo rosto em um gesto aliviado.

- Meu chefe de segurança é cheio de recursos- murmurou Pierce.

Ao olhar ao redor, podia-se notar que os homens de terno e gravata que os acompanhavam estavam ocupando outras mesas, mas estavam dispostos de maneira a cobri-los por completo, impedindo que houvesse qualquer aproximação despercebida. Muitos governantes de pequenos países pagariam uma fortuna por tal nível de profissionalismo.

- É mesmo. O sr. Winthrop não é casado, é? indagou ela, apenas para ter o que falar.

- Não. Ele é solteiro, embora haja uma jovem em Washington que venderia a própria alma por ele, mas aquele índio cabeça-dura não a deixa se aproximar.

-Oh.

- Sim, oh. Foi ele quem garantiu os estudos dela e agora a acompanha a cada passo, sempre visando que tudo dê certo em sua vida. Se há uma mulher na vida dele, essa é Cecília, mas nunca conseguirá fazê-lo admitir isso. Segundo as palavras dele próprio, de seu ponto de vista se trata de uma relação exclusivamente platônica. Mas, como acabei de dizer, isso é o que a boca dele diz. Seu coração, não sei ao certo.

- Coitada - murmurou Brianne, pensando em quanto ela e aquele moça tinham em comum.

- Ela é uma antropóloga forense, terminando seu doutorado na Universidade George Washington. Costuma fazer muitos serviços de análise investigativa para o FBI.

- Oh, isso me parece excitante!

- Considerando que parte do serviço dela se assemelha ao trabalho dos médicos legistas, eu não chamaria tal trabalho de "excitante". A tarefa para qual mais a solicitam é a identificação de restos de esqueletos.

- Gosto de antropologia - falou ela, com ar pensativo. - Na verdade, cheguei a fazer um semestre de um curso técnico nessa área e vinha considerando a possibilidade de cursar uma faculdade nessa área.

A expressão dele se tornou séria e ausente de repente.

- Talvez deva fazer isso mesmo.

- Não agora. Primeiro, quero me formar em economia e contabilidade. Adoro números.

- Seja uma boa economista e eu a contrato.

Brianne o fitou e sorriu com certo desconcerto.

- Não, obrigada. Para ser sincera, pretendo encontrar um trabalho que fique o mais distante possível de você.

Pierce fez uma careta de desgosto.

- Por quê?

Ela colocou  a xícara de café na mesa e limpou os lábios com o guardanapo de linho.

- Não se faça de tolo, meu caro, pois isso não lhe cai bem. Não deve ser difícil deduzir que eu não tenha intenção de passar o resto de minha vida sofrendo por ter uma constante lembrança de que você não me quer. Será muito mais fácil se estivermos inacessíveis um ao outro.

Ouvir aquelas palavras foi mais doloroso do que ele havia antecipado. Sem perceber, franziu o cenho e assumiu uma postura tensa.

- Aquilo foi uma tolice momentânea. Uma espécie de paixão passageira e é só. O fato de ter sido sua primeira experiência em fazer amor está apenas prolongando esse efeito, nada mais que isso. Logo, tudo passará. Você superará essa fase.

- Claro que sim. Da mesma maneira que está conseguindo esquecer Margô.

Naquele instante, silenciado por tal afirmação, tudo o que pôde fazer foi observá-la se levantar e seguir para o toalete.

Winthrop se aproximou e se sentou ao lado dele no momento em que ela sumiu de vista.

- Há uma complicação. Brauer ficou sabendo que estamos no país e já enviou seus homens em nosso encalço. É apenas uma questão de tempo até que nos encontrem. Temos poucas horas de vantagem e isso é tudo. Seremos achados, cedo ou tarde. Smith diz que pode nos colocar em um barco pesqueiro na marina. Não será muito confortável, mas nos poupará de um confronto direto com os mercenários. A menos, é claro, que prefira lutar.

- Com Brianne conosco? De jeito nenhum.

- Foi o que imaginei, chefe. Vamos direto daqui para o barco.. Smith nos levará para lá em sua van. Parte de meus homens continuará rumando para Washington nas limusines.

- Mas é quase certo que serão atacados - advertiu Pierce.

- Os rapazes sabem se cuidar muito bem - respondeu o segurança. - Além disso, dois deles não estão na sua folha de pagamento. São federais.

- O quê?

- Segundo eles, você nem deveria ser informado disso. É melhor não ficar sabendo de mais nada, certo?

  Winthrop se levantou. - Se os homens de Brauer atacarem, irão para a prisão logo em seguida.

- Não sei como conseguiu uma intervenção tão poderosa, mas sua estratégia é genial - sussurrou Pierce, olhando com admiração para seu funcionário.

- Era isso o que o sargento da minha tropa na época dos boinas-verdes falava.

Pierce sorriu ao ouvir aquele comentário, levantou-se e colocou o guardanapo sobre o prato que acabara de usar. Quando viu que o olhar de seu funcionário estava voltado na direção das travessas vazias na mesa, comentou:

- A comida aqui é mesmo de primeira classe.

- Eu avisei que era, não avisei? Smith tem seus momentos de glória, e preciso reconhecer isso.

- Mas, ajudando-nos, ele não estaria colocando a família dele em risco?

O chefe de segurança olhou ao redor e então se inclinou na direção de Pierce, para poder abaixar ainda mais o tom de voz.

- A "família" é apenas uma fachada. Ele não é parente de ninguém nesse lugar.

- Mas Brauer não sabe disso e poderá enviar uma equipe em represália.

- Nem se preocupe. Digamos que, não importando quem seja enviado, o próximo destino depois de mexer com alguém daqui é uma desconfortável cela em um presídio de segurança máxima. Não posso lhe dizer mais nada a respeito. Vamos indo.

Ao olhar ao redor, Pierce observou as pessoas que trabalhavam ali. Todos os garçons eram muito altos e apresentavam um porte fisico característico de atletas ou, talvez, militares. Até mesmo Maggie, cujos cabelos eram bastante curtos, era bastante alta e, pelo que se podia notar pelo relevo de sua camiseta justa, mais musculosa do que o convencional. Havia algo misterioso ali, como tudo o que estava ligado a seu chefe de segurança.

Mas não havia tempo para conjecturas. Seguiu então até a porta, perto do lugar onde Brianne fora interceptada por Winthrop para que seguissem para fora.

Smith os acomodou na van e os conduziu até a marina.

Os homens de terno nem mesmo acenaram, mas não deixaram de lhes dar cobertura nem por um instante.

Logo que se certificaram de a segurança estar em ordem, entraram nas limusines e seguiram o veículo deles até a estrada principal, onde se separaram.

- Sem ofensas nem ingratidão - disse Brianne, assim que chegaram no pequeno atracadouro -, mas já estou cansada de viajar de barco. Pior é que eles estão ficando cada vez menores à medida que essa aventura se prolonga.

Quando se sentaram em meio aos balaios cheirando a peixe, dentro do pesqueiro, Mufti se arriscou a emitir sua opinião, depois de muitas horas sem nada dizer.

- Devo confessar que também estou criando uma certa aversão à embarcações marítimas.

Pierce sorriu e disse:

- Considere-se com sorte, assim como nós, de não estar preso nas mãos dos mercenários de Brauer.

- Oh, minha família, o que será deles agora? lamentou o árabe.

- O sr. Sabon cuidará do bem-estar deles - garantiu Brianne.

- Não. Nós somos de países inimigos e, além disso, poderá querer se vingar de mim por tê-lo espionado dentro de sua própria casa.

- Mas ele disse que não o faria, não se lembra?

Mufti deu de ombros, confuso.

- Tudo está complicado, agora. Se os americanos atacarem com seus bombardeiros, muitos serão atingidos. Até mesmo se meu país não for considerado culpado por ter provocado o levante, ainda assim sofrerá conseqüências paralelas.

Ela colocou a mão no braço de com gentileza.

- Ouça. As coisas acontecem como devem acontecer. Pode não parecer muito lógico, mas é assim que tudo funciona. Devemos aceitar o que não podemos mudar.

- Algo difícil de fazer - concluiu o homem de meia idade, fazendo uma careta de desgosto.

- Para todos nós, mas é só o que nos resta quando não temos escolha.

- Sim, eu sei.

Brianne olhou para o extremo oposto do compartimento de carga, onde Pierce e Winthrop estavam conversando aos sussurros. Parecia estranho que nenhum dos homens da segurança os estivesse acompanhando.

Era óbvio que estariam mais seguros com aquela guarda armada. Talvez tivessem chegado à conclusão de que levantariam menos suspeitas daquela maneira. Enquanto seguiam paralelamente à linha costeira, ela decidiu sair para o convés para respirar um pouco de ar fresco, já que o cheiro de peixe e o calor interno estavam se tornando insuportáveis.

Dois dos tripulantes, que estavam ocupados manuseando grandes redes de pesca, começaram a observá-la de maneira discreta. Ao olhá-los, achou-os intrigantes, pois não se pareciam com pescadores normais.

Tinham as mãos limpas e não calejadas, além de suas unhas parecerem bem-tratadas demais para alguém que fazia aquele tipo de serviço pesado. Os calçados deles, embora fossem do tipo usado normalmente por  marinheiros, eram novos em folha.

Além disso, ambos usavam jaquetas escuras e haviam alguns volumes escondidos sob o tecido, abaixo de suas axilas. Ao encará-los, recebeu em retorno a mesma expressão séria e indiferente que vira ao longo das horas anteriores, nos rostos dos homens de Winthrop.

Foi então que tudo pareceu se encaixar. Aquilo não era um pesqueiro, mas apenas uma fachada, assim como aquela tripulação não era de verdadeiros pescadores. De repente, Brianne foi puxada pelo braço. Ao olhar para o lugar onde fora agarrada, identificou a mão grande e forte de Pierce, que já a conduzia para dentro da área fechada da embarcação.

- Estamos dentro do alcance visual da costa e qualquer binóculo é capaz de proporcionar uma boa visão do nosso convés. Isso sem falar que há muitos helicópteros circulando por aqui e não há como saber quais podem ser dos agentes de Brauer. Não vá para fora outra vez, sim?

Ela o encarou de maneira direta.

- Este não é um barco de pesca.

- Muito inteligente, querida. Não é mesmo.

- Quem é Smith?

- Um mercenário profissional - respondeu ele, em tom baixo e discreto. - Acabei de ficar sabendo dos detalhes com Winthrop. Não se trata de um assassino frio, como os contratados por seu padrasto. Smith segue um padrão criterioso de seleção de missões que pode ou não aceitar. Na verdade, quem costuma contratá-lo sempre é o próprio governo americano, mas de maneira indireta, é claro - levou então o indicador em riste à frente dos lábios dela. - Eu não lhe disse nada disso, entendeu? Você nem mesmo sabe dessas coisas.

- Sinto-me como uma espiã - brincou Brianne,gostando de sentir o toque da pele dele enquanto falava.

- É mesmo? - murmurou Pierce, segurando aquele rosto perfeito entra as mãos, enquanto se curvava até quase tocar-lhe os lábios com os seus. - Tente se manter longe de encrencas.

- Quem, eu? - respondeu ela, com a voz trêmulá de excitação. - Nunca saí à procura de problemas, mas eles parecem me encontrar com facilidade. - Levantando os braços, enlaçou-lhe o pescoço. - Ei, volte aqui. Nem pense em não terminar o que começou.

Suspirando com ar resignado, ele a beijou de maneira apaixonada, durante um longo tempo, dando a impressão de que aquele momento duraria para sempre. Contudo, antes que a situação saísse de controle, afastou-a de si e a segurou com firmeza, encarando-a.

- Vamos nos divorciar amanhã.

Brianne se esforçou para que seus olhos voltassem a focalizá-lo. Ainda estava atordoada, mas conseguiu perceber que não havia o menor traço de divertimento naquele rosto másculo.

- Tem certeza de que é isso o que quer fazer? Eu poderia fazer com que valesse a pena você me manter como esposa.

- Ah, é?

Para variar um pouco a regra geral do relacionamento deles, ela decidiu hesitar um instante, deixando-o observá-la por algum tempo para aumentar a expectativa. Então, com suavidade, perguntou:

- Pierce, você não quer um filho?

A reação que obteve em resposta foi tão abrupta quanto inesperada. Ele a soltou de imediato e se afastou depressa, passando uma das mãos pelos cabelos.

- Não. Não quero filho nenhum. Nunca, está entendendo? Nunca.

Diante de tamanha surpresa, Brianne só conseguiu pensar em uma questão.

- Por quê?

- Por favor, esqueça esse assunto, sim? Não falemos mais nisso.

- Eu quero saber. Não, acho que preciso saber. Explique.

Caminhando de um lado para outro, Pierce sentiu uma agonia enorme lhe voltar ao coração. Era doloroso lembrar da criança que ele e Margô tanto esperaram, da alegria da gravidez e dos sonhos que compartilharam. Quando aconteceu o aborto e a subseqüente descoberta de que ela se tornara estéril, o mundo pareceu se destruir. Enquanto contou esses episódios para Brianne, não a encarou por nem um instante.

- Isso é tudo.

- Agora eu entendo - murmurou ela. - Margô perdeu o bebê que tanto sonharam, então você não quer ter um filho com mais ninguém.

- Sim, quando sonhos são desfeitos, as marcas são profundas.

- Eu que o diga.

- Uma criança iria criar um laço que não poderíamos desatar - disse Pierce, sem demonstrar a menor disposição em ceder. - Seria impossível nos divorciarmos.

- Por quê? Acha que sou incapaz de cuidar de um bebê? Não sou nenhuma inútil, se quer saber.

- Não haverá criança alguma, Brianne. Não quero ter um filho com você.

A frase final foi o golpe mais doloroso em sua esperança, pois ficou claro que ele não estava disposto a arriscar seu coração com mais ninguém, por motivo algum, quer fosse por uma mulher ou por um bebê.

Já havia se afastado dela em todos os aspectos e parecia obstinado com a idéia de fortificar as barreiras que construíra para separá-los.

Aquele foi um momento marcante e significativo, já que ela não estava tomando o anticoncepcional desde o começo da aventura e eles haviam se amado nos dias mais férteis entre os ciclos. Mas Pierce não sabia disso e jamais iria descobrir.

Já que fora tão claro e objetivo ao afirmar que não pretendia ter uma criança com ela, se isso acontecesse, seria a última pessoa do mundo a tomar conhecimento do fato.

- Ficou tudo muito claro. Não me esquecerei mais disso. - Forçando um sorriso e se distanciando, Brianne se virou para a escotilha - Vamos direto para o capitólio?

Pego de surpresa pela pergunta, ele hesitou e demorou um pouco para responder.

- Quase. Tudo o que temos de fazer é chegar ao gabinete do senado sem sermos descobertos pelos espiões de Brauer.

- Que maneira mais tranqüilizadora de dizer isso - caçoou ela.

- Winthrop e os rapazes de Smith vão conseguir dar um jeito nisso. Eles os levarão em segurança.

- Espero que sim.

Voltando toda sua atenção para a paisagem da escotilha, ficou observando o oceano. Era preferível ver o movimento da água a ter de olhar seu marido sem poder tocá-lo. Pior ainda, sabendo que não era amada.

Pierce, vendo-a ali sentada, começou a sentir culpado pelo que dissera e pelo modo como o fizera. Mas também não seria justo deixá-la acreditar que algo iria mudar entre eles. Cada um deveria seguir seu próprio destino, assim que saíssem dali. Uma criança apenas complicaria tudo.

Estreitando os olhos enquanto a observava, veio-lhe uma imagem cativante em sua mente: Brianne, sentada em um jardim florido, com um bebê nos braços, dando-lhe de mamar em seu próprio seio. Tinha de admitir para si mesmo que ela seria a mãe ideal. Seria capaz de tornar qualquer criança um adulto tão maravilhoso quanto ela mesma.Foi preciso se esforçar para fechar os olhos e interromper aquela visão. Não devia se deixar levar por tal linha de pensamento. Não era justo impor tal nível de comprometimento e responsabilidade a alguém tão jovem. Também não achava que poderia ser algo estável. Sendo assim, não teria coragem de arriscar seus sentimentos outra vez.

Após mais um longo e sequioso olhar, foi falar com o chefe de segurança para acertar alguns detalhes que haviam ficado em aberto.

 

O ágil barco pesqueiro atracou na pequena marina, perto da foz do rio que vinha de Washington. Uma grande limusine preta os aguardava.

Um homem alto e negro, vestindo um terno cinza escuro, saiu do veículo e se aproximou do local onde eles haviam desembarcado. Estava ladeado por dois dos homens de Winthrop que haviam se separado da comitiva em Charleston.

- Colby - disse Winthrop, trocando um sorriso e um aperto de mão com o exótico agente.

- Olá, chefe. Olá, patrão - falou ele, voltando-se do índio para Pierce, para quem o sorriso parecia mais um pedido de desculpas. - Bom saber que está bem, sr. Hutton.

- Pode parar com a adulação - resmungou Pierce. - Meu punho já está quase bom.

Colby passou a mão pela lateral do próprio rosto.

-Assim como meu queixo. Ei, não pretendo cometer aquele mesmo engano outra vez!

- É melhor que não faça mais aquilo - respondeu Pierce, com ar satisfeito. - Teve alguma dificuldade para chegar aqui?

- Apenas um pequeno confronto na periferia da área da marina. Dois dos agentes de Brauer estão agora sob custódia federal.

 - Muito bom.

- Vamos - disse o negro. - Ainda estamos sendo seguidos, mas acho que podemos despistá-los.

- Todos para dentro da limusine - disse Winthrop, acelerando o processo de embarque.

Mufti fez uma careta quando comparou seus trajes aos das outras pessoas que o cercavam.

- Estou parecendo muito pouco convincente nessas roupas.

- Está muito bom assim - falou o índio. - Ninguém espera que pareçamos recém-saídos de um desfile de moda. Além disso, todos nós estamos cheirando a peixe barato.

- E envelhecido muitos dias fora da geladeira -completou Brianne, soltando o riso e aliviando a tensão dentro do carro.

- Bem, arrancamos o senador Holden de dentro de sua banheira de hidromassagem para ouvir nosso depoimento. Ele estará cheirando melhor do que nós, mas não estará lá muito bem vestido - falou Colby.

- Esse é o amigo de Brauer? Se for... - disse Pierce, franzindo o cenho.

- Não - interrompeu Winthrop. - Não nos arriscaríamos a nos aproximar dele nas atuais circunstâncias. Brauer deve tê-lo convencido de que somos elementos perigosos e subversivos. Holden é... - hesitando, ele desviou o olhar - ora, é alguém que conheço bem. Cabeça-dura como ninguém e alguém com quem é muito difícil de se comunicar, mas sei que é honesto e justo. Garanto que irá nos ouvir.

Havia algo suspeito no modo de agir de seu chefe de segurança, mas Pierce achou que aquele não era o momento de pressioná-lo para obter mais informação. Olhou então para Brianne com renovada preocupação.

Nada vinha ocorrendo conforme o planejado, nem em sua vida pessoal e muito menos naquela fuga desenfreada. Seria um alívio quando a correria terminasse e ele voltasse a poder tomar suas decisões com mais calma.

 

Brianne nunca mais esqueceria aquela  fuga alucinante pela capital americana.

Outra limusine preta os alcançou enquanto eles percorriam as ruas do Distrito de Colúmbia. Não demorou muito para o carro começar a ser atingido por tiros vindos do veículo de trás.

Felizmente, Brianne logo descobriu que a limusine era à prova de balas, quando os tiros começaram a ricochetear, sem causar maiores danos.

Nunca imaginara que depois de conhecer Pierce sua vida se tornaria tão cheia de excitação em todos os sentidos. Mesmo estando ali, sob o perigo da mira de armas, o fato de Pierce estar a seu lado parecia torná-la imortal de alguma maneira.

Ele a ensinara a ver a vida de uma maneira diferente. Uma maneira onde todos estavam sujeitos ao jogo do destino e onde não se tinha uma idéia muito precisa de quem seria o vencedor.

- Pare na próxima esquina!

O comando que Winthrop deu ao motorista lhe interrompeu os pensamentos, que por um momento a haviam feito esquecer o medo. Brianne tornou-se apreensiva quando viu o segurança e seu amigo Colby tirarem a arma da cintura.

Até então ninguém havia sido ferido e ela preferiria que a situação continuasse assim. Mas, pelo visto, Winthrop havia decidido mudar de tática. Não tinha a mínima idéia do que aconteceria nos minutos seguintes, mas algo lhe disse que eles ficariam ainda mais expostos ao perigo.

- Tenham cuidado - avisou Pierce, deduzindo o que os dois pretendiam fazer.

Winthrop arqueou uma sobrancelha, com ar de zombaria.

- Não sabe que sou à prova de balas, patrão?

- E eu também - afirmou Colby, rindo.

Brianne se perguntou como eles ainda conseguiam brincár em um momento como aquele. Sabia que aqueles homens estavam acostumados a enfrentar situações de alto risco, mas aquilo era ridículo!

O carro de trás continuava atirando, como se estivessem com um suprimento infinito de munição. Deus, aquilo não teria um fim?, perguntou-se, aflita.

- Tudo bem - Pierce disse aos dois seguranças.

- Mas tomem cuidado mesmo assim.

Quando chegaram à esquina seguinte, o motorista parou a limusine de repente. Winthrop e Colby saíram de imediato, sem esperar nenhum aviso ou comando.

Usando as portas como escudo, eles atiraram nos pneus do carro de trás, que continuava se aproximando em disparada. O efeito repentino das balas nos pneus em movimento fez o outro motorista perder o controle e bater contra um muro.

Ainda meio atordoados, devido à batida, os perseguidores abriram as portas do carro, também usandoas como escudo, e começaram a atirar na direção de Winthrop e de Colby.

Brianne se encolheu no assento do carro e tapou os ouvidos, aflita com tudo aquilo. De fato, somente o medo a impediu de sair correndo dali. A seu lado, Pierce não parecia tão abalado, preocupando-se apenas em se manter parcialmente abaixado enquanto os seguranças continuavam a trocar tiros com seus perseguidores.

- Esse é o estilo SAS - explicou Pierce.

- O quê? - perguntou Brianne, afastando as mãos dos ouvidos e olhando para ele.

Estava pálida de medo. Por isso, ficou espantada com a calma de Pierce. Pelo visto, ele estava acostumado a passar por situações desagradáveis como aquela. Não era de se espantar, tendo um segurança como Winthrop, concluiu ela. .

- Eles estão usando o estilo SAS - repetiu Pierce. - Dois tiros, uma pausa, dois tiros.

- E o que isso significa? - insistiu ela, encolhendo-se a cada vez que as armas dos seguranças provocavam um estampido.

- Significa que esses homens pertencem às forças especiais britânicas.

- Ah, meu Deus. Já ouvi falar sobre eles.

- Quase todo mundo já ouviu - salientou Pierce. -Winthrop trabalhou com eles em uma missão especial no Oriente Médio, no começo da década de noventa.

Brianne arqueou as sobrancelhas.

- O que ele ainda não fez? - ironizou.

- Poucas coisas. - Pierce riu.

Com cuidado, ele ergueu-se e olhou para trás, através do vidro à prova de balas. Winthrop e Colby continuaram atirando e usaram uma tática que quase sempre dava certo: esperaram que a munição dos perseguidores acabasse, deixando-os indefesos.

Quando isso aconteceu, Winthrop entrou novamente no carro e deixou Colby com a arma apontada para os perseguidores, que tiveram de se render. Um dos outros homens assentiu, olhando para Winthrop, e saiu do carro, fechando a porta com firmeza.

- Vamos embora - mandou o chefe da segurança em um tom de voz firme. - Os dois entrarão em contato com a polícia para que sejam tomadas as devidas providências - explicou, olhando para Brianne e Pierce.

Quando ouvira os tiros cessarem, Brianne havia escondido o rosto junto ao peito de Pierce, com receio de que o pior houvesse acontecido. Depois de alguns segundos em silêncio, Winthrop olhou para trás e riu.

- Pode levantar a cabeça agora - disse a ela. -Ninguém se feriu. Quando sabemos usar estratégias, não é preciso sacrificar vidas humanas, apesar do perigo.

Brianne levantou a cabeça devagar, olhando para o segurança com mais admiração do que antes. Então Winthrop não era tão frio quanto aparentava ser, concluiu ela. Respirou fundo, tentando se recuperar do susto. Enquanto esperava seu coração voltar a bater  normalmente, perguntou-se se haveria mais "surpresas" como aquela pela frente.

- Tudo bem com você? - Pierce perguntou, em um tom de voz gentil, passando a mão pelos cabelos dela.

- S-sim - balbuciou Brianne, surpresa com o gesto de carinho.

Pierce segurou a mão dela com firmeza, tentando lhe transmitir segurança. Iria sentir falta de Brianne quando tudo aquilo terminasse, pensou consigo. Ela fora a única pessoa que o fizera ter motivo para sorrir naqueles últimos meses.

Margô era carinhosa e compreensiva, mas não tinha aquele ímpeto impulsivo que tornava Brianne tão charmos a aos seus olhos. Apesar da tenra idade e da inexperiência diante do mundo, ela não tinha receio de enfrentar situações que para ele pareciam tão difíceis.

Brianne sabia lidar com relacionamentos humanos melhor do que ele. Embora ficasse aterrorizada em meio a um tiroteio, algo que não o assustava tanto assim, ela tinha muito mais coragem que ele para lidar com assuntos pessoais.

De repente, flagrou-se sorrindo para ela. Porém, seu sorriso logo se desvaneceu, quando tentou imaginar como seria sua vida sem Brianne. Não gostou da imagem triste e solitária que lhe veio à mente. Sem ela por perto sua vida pareceria vazia e sem sentido, como quando perdera Margô.

Ao notar a expressão desolada no rosto de Pierce, Brianne afastou a mão da dele.

- Não precisa ficar segurando minha mão. - Fingindo um ar de divertimento, acrescentou: - Garanto que eu não pretendia bater em você. Pelo menos não com força. Ainda não entendo como vim parar no meio dessa confusão. Vocês parecem malucos! Não se importam com o perigo, mesmo quando ele se encontra bem diante de vocês!

Dizendo isso, olhou para Winthrop, que se tornou taciturno quando o carro entrou em uma longa trilha que os conduziu a uma mansão em estilo georgiano, parcialmente oculta por algumas árvores.

- Pensei que estivéssemos indo para o Distrito de Colúmbia - falou Pierce, parecendo surpreso com mudança de rota.

- Iremos para lá depois de passarmos por aqui -explicou Winthrop, mantendo o ar sério. - O senador Holden está com uma gripe forte e terá de ficar em casa, repousando por um ou dois dias. Colby conversou com ele. Levando-se em conta o perigo da situação, o próprio senador achou que seria mais seguro nos encontrannos aqui, na casa dele. - Ele olhou para o relógio. - Ainda bem que chegamos bem no horário marcado.

Pierce pareceu ainda mais surpreso do que Brianne com o que estava acontecendo. Não tinha a menor idéia do que se passava na mente de seu chefe de segurança.

Winthrop era um dos melhores profissionais naquele ramo, mas às vezes era irritantemente taciturno quanto a seus objetivos e ao que tinha em mente. Pierce confiava muito nele, mas nem por isso aquele detalhe deixava de ser irritante.

- Tem certeza de que Holden não vai nos trair ou algo do gênero? - perguntou a Winthrop. - Ele é confiável?

- Sim - afirmou o segurança, mantendo-se sério.

Ainda assim, parecia tenso. Detalhe que deixou Pierce bastante intrigado.

Saíram do carro em frente à casa do senador e, olhando em todas as direções, seguiram até a porta principal.

Foram recebidos por um mordomo uniformizado, que os cumprimentou com um polido gesto de cabeça.

- O senador Holden está na biblioteca, senhor. - ele disse a Winthrop, como se já o conhecesse. - Ele os está esperando. .

Pierce e Brianne se entreolharam, intrigados, mas não disseram nada um ao outro.

- Obrigado - Winthrop agradeceu, evitando olhá-los e entrou na frente.

Foram direto para a biblioteca, um aposento suntuoso, com estantes de livros que chegavam até o teto e móveis de couro e mogno.

Brianne ficou impressionada com a riqueza dos ambientes por onde haviam passado para chegar à biblioteca. Acostumara-se a freqüentar lugares requintados, depois que sua mãe se casara com Brauer, mas a mansão do político ultrapassou tudo que ela já tinha visto.O senador estava sentado à mesa, trajando um robe azul-marinho por cima do pijama. Brianne ficou ainda mais surpresa ao vê-lo. Como Winthrop, ele também tinha traços indígenas, com olhos e cabelos muito negros.

Alguns fios grisalhos se destacavam em suas têmporas e seu fisico lembrava mais o de um lutador do que propriamente o de um político. Tinha ombros largos e era alto, parecendo intimidador em um primeiro momento.

- Bem, não fiquem aí parados - disse ele, com um ar sério como o de um general. - Sentem-se. Dirigindo-se a Winthrop, continuou: - São essas as pessoas sobre as quais seu colega me falou? Você não podia falar comigo pessoalmente, claro.

Winthrop endireitou os ombros e estreitou o olhar, parecendo não haver gostado de ouvir aquilo.

- Não havia tempo, senador - respondeu ele, enrijecendo o maxilar. - Este é meu patrão, Pierce Hutton, a esposa dele, Brianne, e Mufti, nosso aliado contra Brauer.

- É um prazer conhecê-los - disse o senador. - Esta situação é muito delicada. Muito delicada - repetiu, preocupado. - Não consigo acreditar que um ser humano tenha coragem de jogar tão baixo. Começar uma guerra e culpar uma nação inocente é... é uma atitude insolente!

- Sim, é - anuiu Pierce, sentado no sofá, ao lado de Brianne. - Mas Brauer acha que poderá ir até o fim com esse plano maluco. Ele já tentou nos deter de todas as maneiras que o senhor possa imaginar. Quando estávamos vindo para cá, ainda a pouco, fomos perseguidos por homens armados e mais do que dispostos a nos matar.

- Mas saíram sem um arranhão - deduziu o senador. Lançando um olhar hostil para Winthrop, ele acrescentou: - Não me espanto com isso. Tate é muito bom no que faz. Profissionalmente, claro.

Pierce ficou surpreso ao notar o brilho de emoção que surgiu nos olhos de Winthrop diante daquelas palavras. Desconfiou que houvesse algo mais por trás daquilo. A aparência física daqueles dois denotava algum parentesco que ele desconhecia.

De qualquer maneira, o assunto não lhe dizia respeito. Winthrop era muito reservado em assuntos pessoais e seria melhor se manter a distância, como sempre fizera. Desde muito tempo, notara que essa era a única maneira de manter o chefe de sua segurança trabalhando para ele.

Ainda assim, teve de admitir que nunca tinha visto um sinal de emoção tão evidente no semblante de Winthrop. Sim, havia algo mais por trás daquilo.

- Bem, quero ouvir toda a história desde o início - declarou o senador. Então se dirigiu a Mufti. Vamos começar por você.

O árabe se mostrou nervoso a princípio, mas o senador, apesar de seu jeito sério, logo conseguiu deixá-lo à vontade. Passados alguns minutos, os dois estavam conversando como velhos amigos.

Mufti contou todos os detalhes, desde os motivos que o haviam levado a entrar no caso para investigar Sabon até o súbito aparecimento dos mercenários e o ataque à cidade, comandado por Sabon.

O senador ouviu tudo com atenção, intervindo quando era preciso para esclarecer alguns detalhes que seriam importantes para ele. Do ponto de vista político, a situação era mesmo muito séria e delicada. Se ele tomasse alguma atitude precipitada, tudo poderia literalmente ir pelos ares.

- Esse tal de Sabon ainda está metido na história? - ele perguntou a Mufti, quando este terminou de contar os fatos principais.

- Ele só se envolveu no início - Brianne interveio, sabendo que ninguém mais se preocuparia em defender Sabon naquele aposento.

Aproveitando a chance, explicou ao senador quem era Sabon na realidade e por que convencera Brauer a montar aquele negócio e a pedir a intervenção americana. Disse também que Sabon só havia feito aquilo porque queria usar o comércio do petróleo para conseguir melhorar seu país, que sempre havia passado muitas dificuldades. Depois de ter visto pessoalmente a pobreza do lugar, não foi dificil para ela descrevê-la e reforçar a boa intenção de Sabon.

- Mas Brauer disse ao amigo dele, no senado, que Sabon é o culpado de tudo - salientou o senador, quando ela terminou de falar. - Ele afirmou que Sabon usou essa desculpa para realizar um golpe militar e dominar o país, já que, na verdade, ele está trabalhando para os revolucionários, em Salid, o país vizinho.

- Mas Sabon é filho do xeique que governa Qawi - salientou Brianne. - Algo que meu padrasto com certeza não sabe. Portanto, não faz sentido que depois de ter tantos problemas para atrair investidores de petróleo para Qawi, ele tenha sabotado seu próprio projeto realizando um golpe militar que para ele é desnecessário. Sabon não precisa de poder, afinal, ele já é o filho do governante de Qawi.

- De qualquer maneira, ele queria a intervenção americana.

- Mas só para proteger seu poço de petróleo dos empregados de Mufti - justificou Brianne, olhando para Mufti com um ar de desculpas. - Eles são ainda mais pobres do que os compatriotas de Sabon, e estavam planejando invadir o poço em construção para dominá-lo e passar a obter dinheiro com ele. Sinto muito, Mufti, mas o senador precisa saber toda a verdade. Começar uma guerra causará danos e prejuízos para todos.

Ele engoliu em seco.

- Eu sei - respondeu. - Entendo a situação.

-Países do Terceiro Mundo - disse o senador, com um suspiro. - A maioria deles tem economias cujo total é menos do que minha conta anual na mercearia. Pessoas passando dificuldades por causa de uma enorme crise econômica que as nações dominantes fazem questão de alimentar. Milhões e milhões gastos em pesquisa para se fazer armas melhores e quase nada investido em comida para os mais necessitados.

- Sorriu ao notar as expressões de espanto no rosto dos outros. - Sou um liberalista - explicou. - Não se pode comer dinheiro.

Pierce riu.

- É verdade - anuiu ele. - Mas é possível alimentar muita gente, se for possível convencer aqueles que têm dinheiro a usá-lo com mais sabedoria.

 - Nem precisa me dizer isso, Hutton - salientou o senador. - Sei muito bem como usa seu dinheiro - acrescentou, com ar de admiração. - Tem feito mais em prol dos mais necessitados do que a maioria dos empresários que conheço.

Pierce deu de ombros, ignorando o espanto de Brianne.

- Faço o que posso, mas gostaria de poder fazer mais - disse ele. Estreitou o olhar ao prosseguir: - Brauer precisa ser detido o quanto antes. Achamos que se ele descobrir a grandeza da encrenca em que se meteu ficará desesperado e mandará seus mercenários incendiarem vários poços de petróleo naquela região do Golfo Pérsico.

O senador arqueou uma sobrancelha.

- E por que ele faria isso exatamente?

- Por vingança - Pierce respondeu, sem hesitar.

- Apenas por vingança. Depois tentará pôr a culpa em Sabon ou até nos compatriotas de Mufti. Se ele conseguir começar uma guerra dessa maneira, a ameaça de um desastre ecológico naquela região não pode provocar a intervenção americana?

- Sim, pode - confirmou o senador.

- Pois com certeza será assim que agirá quando se descobrir sem alternativa.

Holden passou a mão pelos cabelos, parecendo preocupado com aquela nova perspectiva. Um homem com sede de dinheiro e de poder realmente se tornava uma arma ambulante.

- Droga! - praguejou de repente.

- Não pode conseguir um meio de nos encontrarmos com o secretário de Estado? - Pierce sugeriu.

O senador Holden ficou pensativo por um momento.

- Do jeito que as coisas estão, Brauer mandará eliminá-los antes que vocês consigam falar com ele. Aliás, é provável que aja agentes do governo à procura de vocês nesse momento, dependendo do tipo de contato que ele tem por lá.

- Ah, meu Deus - lamentou Brianne. - O que faremos, então?

O senador olhou para os quatro, voltando a ficar pensativo. Segundos depois, um sorriso se insinuou em seus lábios enquanto um brilho de esperança surgiu em seu olhar.

- Tenho um amigo que trabalha no canal de notícias INN - revelou ele.

 

Na verdade, o senador tinha não apenas um mas vários amigos na International News Network. E não demorou muito para eles aparecerem na mansão, juntamente com um batalhão de repórteres, câmeras e equipamentos de som.

Direto do escritório particular do senador Holden, todo o terrível plano de Kurt Brauer foi revelado ao mundo, diante das câmeras.

Mufti foi bastante eloqüente ao defender seu povo e ao contar como Brauer estava tentando usá-los para conseguir dominar o país de Sabon. Quando eles terminaram a entrevista e a equipe de televisão partiu, já havia muitas pessoas se mobilizando na capital para providenciar a prisão de Kurt Brauer. .

De fato, não foi difícil encontrá-lo, depois que a entrevista foi transmitida em rede mundial. Kurt foi preso pela polícia federal no escritório de seu amigo senador. Alguns dos mercenários contratados por ele foram encontrados na Flórida, outros na Geórgia e próximo à costa da Virgínia.

 Oficiais da polícia internacional prenderam outro deles em St. Martin, quando cruzaram com o suspeito, que havia acabado de sair de um banco, no lado francês - da ilha.

As tropas de uma nação aliada aos Estados Unidos, agindo extra-oficialmente, foram dar apoio ao exército de Sabon ao longo da fronteira de Qawi, durante um contra-ataque aos mercenários contratados por Brauer que continuavam a agir na região.

Em questão de dias, todos os comparsas de Brauer foram presos e a operação foi desfeita, sem oferecer mais riscos aos países do Oriente Médio. A ameaça de guerra foi anulada, para alívio de todos.

De volta do exílio, o xeique governante retomou suas atividades. Os locais próximos aos poços de petróleo passaram a ser vigiados constantemente, e os consórcios oficiais, que haviam recebido licença para explorá-los, voltaram a trabalhar na região.

Kurt Brauer ficou detido por mandato federal, já que os mercenários que ele havia contratado eram todos de nacionalidade americana. Foi acusado de inúmeros crimes, dentre eles um que chamou a atenção da KGB, que enviou um mandato em nome do governo russo.

A tentativa que Brauer fizera de destruir uma plataforma de petróleo no mar Cáspio foi documentada em uma declaração oficial e reconhecida por Philippe Sabon.

Segundo as notícias, os russos passaram a exigir a extradição de Brauer, para que ele fosse julgado em Moscou.

Ao saber de tudo aquilo, Pierce concluiu que talvez os americanos até ficassem aliviados com a possibilidade de se livrar de Brauer. De fato, a sede de poder havia levado aquele homem insano a perder a noção de limites. Talvez alguns anos de prisão o ajudassem a refletir sobre os erros que cometera e todas as pessoas que ele prejudicara.

 

- Sua mãe está em segurança, na Jamaica - Winthrop avisou a Brianne. - Ela pode até voltar para casa, agora que Brauer não oferece mais nenhum risco.

Todos eles, incluindo Mufti, haviam se reunido na casa que Pierce mantinha em Washington. Estavam conversando sobre tudo o que acontecera e sobre quais seriam as perspectivas de futuro dali em diante.

- Obrigada - Brianne agradeceu com um sorriso de gratidão.

Winthrop deu de ombros.

- Agradeça a Pierce - disse ele, lançando um olhar de divertimento para o patrão. - É ele quem dá as ordens.

Ela se virou para o marido. Notou que ele estava ainda mais charmoso, depois de haver tomado um banho e se barbeado. Ela também havia tomado um banho relaxante e se perfumara para ele, mas os dias de pressão e incertezas haviam deixado marcas em seu corpo. Estava pálida e perdera peso por causa do nervosismo.

Não havia conseguido ficar com uma aparência mais saudável nem mesmo depois daqueles últimos dias mais calmos nos Estados Unidos. Tivera de dar inúmeras entrevistas e de fazer várias declarações, e tudo aquilo a deixara tão desgastada quanto os dias de cativeiro e de fuga.

- Obrigada por haver salvo minha mãe e o bebê - agradeceu a Pierce.

Ele apenas sorriu.

- Não há o que agradecer. Ela terá o que precisar quando voltar - avisou. - Providenciei uma casa confortável à beira-mar para ela, em Jacksonville. Sua mãe vai gostar do lugar.

- Pierce! - Os olhos dela se encheram de lágrimas. - Não precisava ter feito isso. Eu... .

- Mas já fiz, Brianne - ele a interrompeu, com gentileza. - Brauer investiu tudo que tinha naquele projeto e não sobrou nada para sua mãe. Mas eu poderei ajudá-la. Ela não poderá cometer as extravagâncias de antes, claro, mas viverá com conforto juntamente com a criança.

Apesar de comovida, Brianne não se sentiu à vontade diante da perspectiva de ver sua mãe e seu meio-irmão serem sustentados por Pierce. Ainda mais quando ele estava prestes a se tornar seu ex-marido.

- Pagar minha faculdade já será uma extravagância de sua parte - lembrou a ele.

- Tenho dinheiro suficiente para gastar com tudo isso, não se preocupe. - Curvando os lábios em um sorriso, perguntou. - Ou pensou que era mentira quando ouviu falar que eu era rico?

Em vez de sorrir, porém, Brianne enrubesceu.

- Seu dinheiro nunca foi importante para mim.

- Sei disso. .

Ela se encaminhou para a porta, preparando-se para sair.

- Acho melhor ir arrumar minha bagagem anunciou.

Pierce sentiu o coração bater mais forte.

- Arrumar a bagagem? - repetiu.

- Sim - confirmou ela, seguindo em frente.

Winthrop arqueou uma sobrancelha, olhando para o patrão com um ar de curiosidade.

- Ela vai para algum lugar? - perguntou ele, quando Brianne se retirou.

Pierce enfiou as mãos nos bolsos.

- Vai para Las Vegas, cuidar do divórcio - respondeu, por entre os dentes.

Winthrop apertou os lábios.

- Garota esperta.

A expressão angustiada que surgiu no rosto de Pierce o deixou surpreso. Não imaginara que ele estivesse tão envolvido com Brianne. Sem se sentir intimidado pela reação do patrão, aproximou-se do piano e pegou a foto de Margô, mantida em uma moldura simples.

Pierce continuou olhando-o em silêncio, mas se manteve impassível. Sabia o que Winthrop estava pensando mesmo sem ele haver dito nada.

Por fim, o segurança colocou a foto novamente sobre o plano.

- Ela deve ter sido uma mulher única e especial, para merecer tanta lealdade de sua parte - disse ele.

Levantando a vista para Pierce, acrescentou: - Mas Brianne também é única e especial à maneira dela.

- A diferença de idade é muito grande entre nós - falou Pierce.

Winthrop sorriu, balançando a cabeça.

- Também costumo usar esse argumento - confessou. - Mas nas primeiras horas da manhã, quando estou sozinho em casa, ele não me parece muito convincente.

Pierce não detectou nenhum sinal de emoção no rosto do segurança. Lamentou por Cecília, que o amava com sinceridade, mas não tinha esperança de ser feliz ao lado de Winthrop. . .

- Brianne o ama - afirmou o segurança.

Pierce enrijeceu o maxilar.

- Ela pensa que ama.

Winthrop deu de ombros.

- Não seja teimoso. Onde Brianne vai estudar?

- Ela quer ir para Sorbonne, em Paris. Eu preferiria que ela ficasse aqui, em Washington, para que você pudesse ficar de olho nela. Brauer ainda pode querer se vingar de alguma maneira.

- Ela também ficaria segura com você, em Nassau - salientou Winthrop. - Não preciso de mais complicações na minha vida, além das que já tenho. Principalmente com relação a mulheres.

Foi então que Pierce teve certeza de que havia algum problema por trás do olhar preocupado de seu segurança.

- Posso ajudar em alguma coisa? - ofereceu-se.

Winthrop balançou a cabeça negativamente.

- São problemas pessoais, dificeis de ser resolvidos até mesmo pelos envolvidos.

- É algo com Cecília? - Pierce insistiu.

Winthrop se tornou muito sério no mesmo instante.

- Não posso pensar em Cecília agora. Não posso.

Aquilo significava que ela não estava diretamente envolvida no problema que afligia seu segurança, concluiu Pierce, perguntando-se o que poderia estar havendo.

- Se eu precisar de ajuda, prometo avisar - disse Winthrop. ---.:.. E obrigado pela preocupação.

- Os amigos são para isso mesmo -lembrou Pierce.

Voltando ao assunto anterior, continuou: - Vou deixar Brianne ir para Paris. Na verdade, não tenho muita escolha. Peça a um de seus agentes que esteja com o passaporte em dia para acompanhá-la, e consiga um cartão Visa para ele. Também quero alguém para vigiar a sra. Brauer, em Jacksonville. Contrate mais homens, se for preciso. Isso é importante para mim.

- Pode deixar. Mandarei Marlowe para acompanhar Brianne. Ele é jovem e charmoso, segundo as mulheres, e ágil como um leopardo. Brianne vai gostar dele.

Pierce estreitou o olhar, furioso. Não teve de dizer nada porque a expressão de seu rosto denunciou o que ele estava sentindo.

- Quer dizer que não se importa nem um pouco em vê-la partir, hum? - zombou Winthrop, com um brilho de divertimento no olhar.

Pierce fechou os punhos. Somente naquele momento foi que se deu conta de quanto estava envolvido com Brianne. Tão envolvido, de fato, que só de pensar em vê-la com outro homem o deixou possesso.

- Resolva sua vida da maneira como achar melhor - disse Winthrop. - Mas se a deixar ir embora, terá de aceitar o fato de que Brianne é jovem, bonita e de que ela não vai ficar de braços cruzados, sem procurar alguém.

Ouvir aquilo foi mais doloroso para Pierce do que ele poderia imaginar. Winthrop tinha razão. Claro que Brianne não ficaria sozinha. Provavelmente iria arranjar companhia e sair para jantar, dançar... Assim que ele saísse de cena, não demoraria muito tempo para outro homem se interessar por ela. Por mais que fosse dificil admitir, a idéia o deixou enfurecido.

- É uma pena - afirmou Winthrop, encaminhando-se para a porta.

- O quê?

- Vê-lo perder a chance de voltar a ser feliz. Brianne é muito sincera e você nunca correria o risco de ter uma esnobe como esposa. - Winthrop meneou a cabeça. - Ela poderia lhe mostrar uma nova perspectiva diante da vida. Mas se você não estiver mesmo disposto a correr o risco, será melhor que se divorciem e que ela encontre outra pessoa.

Dizendo isso, ele saiu para procurar Mufti, que havia saído para caminhar um pouco pelo jardim da casa.

Contaria sobre as providências que tomara para que ele voltasse para Salid em grande estilo. Pelo menos as coisas estavam dando certo para um membro do pequeno grupo que eles haviam formado, concluiu Winthrop.

 

Winthrop levou Mufti para o aeroporto uma hora depois da conversa que tivera com Pierce. Mufti partiu satisfeito com a perspectiva de finalmente voltar para seu país e rever seus compatriotas.

- Ele será recebido como herói - Pierce disse a Brianne quando os outros partiram e eles ficaram sozinhos. - De qualquer maneira, será melhor que ele avise o povo sobre o que pode acontecer se eles resolverem roubar o petróleo de Qawi.

Brianne assentiu, sem dizer nada. Olhou para a foto de Margô, sobre o piano, e cruzou os braços. Sentiu uma onda de tristeza ao imaginar como a viagem até Las Vegas seria desoladora. Margô havia vencido mais uma vez.

Desde o início, pensara que conseguiria fazer Pierce esquecê-la e começar uma nova vida, mas era como se a lembrança da ex-esposa estivesse impregnada na alma dele. .

Ficava triste ao ver o modo saudoso como ele ficava olhando para aquela foto, às vezes sem sequer notar sua presença. Não, não adiantaria insistir. Nunca teria o amor de Pierce, embora o seu já pertencesse a ele.

- Quando partiremos para Las Vegas? - perguntou, mantendo-se de costas para ele:

Pierce respirou fundo. Sabia que aquele assunto da viagem voltaria à tona mais cedo ou mais tarde. Ainda estava cansado e abalado com tudo que acontecera naqueles últimos dias e a idéia de ver Brianne sair de sua vida tão rapidamente não o agradou nem um pouco.

Ela continuava esperando sua resposta. Parecia frágil e vulnerável, vestida com uma calça e um blusão de seda cor-de-rosa. Os longos cabelos loiros se encontravam presos em uma trança, caída sobre seu ombro direito.

Brianne estava linda, e mais desejável do que nunca.

- Não iremos hoje - disse a ela. - Preciso visitar a plataforma de petróleo no mar Cáspio e verificar como está o andamento da obra.

Brianne olhou-o com um ar de curiosidade. Pierce deveria estar ansioso para pôr um fim no casamento, mas não era o que estava parecendo. Enquanto o observava, não pôde deixar de considerá-lo irresistível, vestido com uma calça preta e uma camisa de seda bege aberta no pescoço. Os cabelos negros estavam penteados de lado, com alguns fios caídos sobre a testa, deixando-o com uma aparência de garoto.                   Brianne o desejava mais do que nunca, mas censurou-se por sua vulnerabilidade. Não podia se deixar levar pelo que sentia por Pierce. Não depois que ele fizera questão de demonstrar por tantas vezes que não a queria na vida dele.

Por isso, ficou surpresa quando ele se aproximou devagar, sem deixar de fitá-la nos olhos. De repente, o silêncio da casa pareceu mais pesado, carregado por uma atmosfera repleta de expectativa.

Pierce parou a centímetros dela. Os olhos negros observaram cada detalhe de seu corpo, como se ele quisesse gravar aquela lembrança na mente. .

Então estreitou o olhar e perguntou:

- Você me quer, Brianne?

Ela se surpreendeu com a maneira como ele dissera aquilo. Pierce nunca havia falado com ela naquele tom antes.

- O quê? - perguntou, confusa, sentindo o coração bater forte.

- Você me quis quando fomos seqüestrados - lembrou ele. - Só que dessa vez não teríamos de nos apressar, por receio de sermos interrompidos. - Olhou para o corredor mais adiante, antes de voltar a fitá-la.

- O quarto fica logo ali. E tem uma cama enorme acrescentou, com um sorriso convidativo.

Aquilo era tudo que Brianne mais queria no mundo.

Mas se houvesse amor seria muito melhor. Ainda assim, o desejo pareceu se evidenciar em seus olhos porque Pierce fitou-a de uma maneira mais ardente.

- Você... quer mesmo? - sussurrou ela.

- Sim, muito - confessou ele, com voz rouca. -Mais do que você pode imaginar.

Curvando os lábios em um sorriso, Brianne enlaçou os braços em torno do pescoço dele. Pierce levantou-a nos braços, sentindo-se como um adolescente excitado quando Brianne roçou os lábios macios junto a seu pescoço e aos pêlos macios revelados pelo colarinho aberto.

Contraiu os braços em um gesto automático. Então levou Brianne para seu quarto e fechou a porta com o ombro. Deitou-a com cuidado sobre a colcha azul, adorando ver o contraste da roupa cor-de-rosa que ela estava usando contra aquele fundo azul. Só faltava soltar-lhe os cabelos loiros, para que a imagem ficasse perfeita. E foi isso o que ele começou a fazer.

Fazendo-a sentar-se devagar, soltou a trança de Brianne até que seus cabelos caíssem em torno do ombros, feito uma sedosa cascata dourada. Então deitou-a novamente e ficou olhando-a, encantado com a visão daquela sereia em sua cama.

Lembrando-se que dessa vez teriam todo o tempo do mundo para se amar, tirou o telefone do gancho e desabotoou a camisa. Posicionando-se acima de Brianne, começou a abrir os botões perolados da blusa dela.

Cada centímetro que se revelava daquela pele macia o deixava mais excitado, mas dessa vez teria de ter calma e ser paciente. Brianne merecia ser amada de uma maneira especial.

Sentindo o coração acelerar, Brianne ficou olhando Pierce desabotoar sua roupa. Estavam em plena luz do dia, com a cortina completamente aberta, e isso parecia tornar tudo ainda mais excitante. Podia ouvir o ruído dos carros passando na rua, mas era como se tudo aquilo estivesse muito distante. Somente Pierce existia para ela naquele momento.

A luz do sol que estava entrando pela janela se refletiu sobre aquele peito másculo, quando ele tirou a camisa e jogou-a para o lado, sem se importar que ela fosse parar no chão.

Brianne experimentou um arrepio de antecipação quando Pierce ficou de pé e começou a livrar-se da calça preta. Pouco depois, ele voltou para junto dela, completamente desinibido quanto à sua poderosa nudez. Então ajudou-a a tirar as próprias roupas.

Depois de olhá-la por algum tempo em silêncio, com um ar de admiração, Pierce deslizou as mãos com carinho sobre os seios arredondados; o ventre, os quadris e as coxas de Brianne. Ela fechou os olhos por um instante, adorando sentir o contato daquelas mãos firmes novamente sobre sua pele.

- Está trêmula - disse Pierce, em um sussurro.

- Espero que não esteja com medo de mim.

Brianne estremeceu sob o efeito das carícias daquelas mãos experientes.

- Estou ansiosa, só isso - confessou.

Um sorriso se insinuou nos lábios de Pierce. Brianne era sempre muito sincera quanto ao que sentia, e isso só servia para deixá-lo ainda mais enfeitiçado por ela.

Tocou-a em, seu lugar mais sensível, sentindo-se orgulhoso ao notar o efeito de seu toque no corpo dela.

Brianne gemeu com sensualidade, entregando-se às sensações que ele estava lhe despertando. Pierce conseguia ser firme e delicado ao mesmo tempo, acariciando-a onde ela desejava ser acariciada, como se estivesse lendo seus pensamentos.

Arqueou o corpo quando ele puxou-a para si e colou seu quadril ao dele. Quando Pierce inclinou-se para beijá-la, ela abriu os lábios, permitindo que ele a beijasse com mais ousadia e intimidade, Entendendo a mensagem silenciosa, ele insinuou a língua por entre eles e mordiscou-lhe os lábios, antes de voltar a beijá-la com deliciosa insistência.

Brianne deslizou as mãos pelos braços fortes, adorando sentir o contorno dos músculos firmes sob seus dedos. Então puxou-o mais para perto e acariciou-lhe as costas, enquanto insinuava o quadril sensualmente sob o dele.

Com um leve gemido, Pierce se afastou um pouco e traçou o contorno dos seios dela com a palma das mãos.

Acariciou-a com delicadeza, deixando que apenas a ponta de seus dedos a tocassem em alguns momentos.

Aos poucos, aquilo foi se revelando como uma doce tortura para Brianne. Em um convite silencioso, ela arqueou o corpo ao encontro do dele, mas Pierce fingiu ignorar o apelo e continuou a acariciá-la com mãos insistentes.

- Pierce, por favor... - murmurou, ofegante.

Ele tomou-lhe os lábios em outro beijo, enquanto suas mãos continuavam o passeio sensual pelo corpo quente de Brianne.

- Não seja impaciente - disse ele, em um sussurro. - Dessa vez, temos todo o tempo do mundo.

Brianne gemeu baixinho, como que prestes a protestar, mas ele beijou-a novamente, sem dar a ela a chance de ter alguma reação. Quando ele notou que Brianne estava prestes a fazer outro protesto, Pierce acariciou-lhe os mamilos rosados com os lábios, fazendo-a se esquecer mais uma vez de que pretendia protestar.

Por fim, quando ela já estava quase louca de desejo, ele acariciou os bicos intumescidos com as mãos. Brianne gemeu de prazer, interrompendo o silêncio do quarto. Pierce abafou-lhe o gemido com os próprios lábios, beijando-a com urgência.

Porém, ele logo voltou a se controlar. Então beijou-a no pescoço e foi descendo os lábios devagar, deixando uma trilha de beijos ao longo do ombro, do seio e do ventre de Brianne.

Ofegante, ela demonstrava seu prazer com leves gemidos entrecortados, indicando a Pierce que ele estava no caminho certo. Sim, o caminho certo para levá-la à loucura. Queria que ele a possuísse logo, antes que seu corpo se incendiasse de desejo, mas Pierce parecia disposto a continuar com aquela deliciosa tortura.

Deus, por quanto tempo ela agüentaria?

Sentira-se nas nuvens na primeira vez em que haviam feito amor, mas aquilo estava sendo o paraíso!

Pierce era um amante maravilhoso, capaz de satisfazer os desejos mais íntimos de uma mulher. Ansiosa, segurou-o pela cintura e tentou puxá-lo para si, mas ele não se moveu. Ao notar o ar de frustração no rosto dela, sorriu com charme.

- Ainda não - sussurrou.

- Pierce... - ela implorou.

- Você é adorável, Brianne. Era assim que eu queria amá-la desde a primeira vez. Não me tire esse prazer agora.

Quando ele roçou o quadril no dela e voltou a se afastar, ela quase gritou, em protesto.

- Pierce, não sei se vou agüentar...

- Sim, você vai. Espere mais um pouco. Prometo que valerá a pena.

Segurando as mãos dela, manteve-as pouco acima da cabeça de Brianne. Movendo-se de um modo provocante, roçou o quadril no dela e as afastou, repetindo a carícia sensual repetidas vezes.

Brianne estremeceu, ofegante, enquanto cada um dos movimentos de Pierce lançava ondas de desejo por seu corpo. Seu coração parecia querer saltar do peito, mas ela notou que Pierce parecia estar mantendo o controle da situação, apenas observando suas reações.

Aos poucos, ele foi aumentando a área de contato entre seus corpos. Briaime conteve o fôlego, arqueando o corpo ao encontro do dele.

Pierce olhou para aquele corpo feminino e delicado praticamente implorando para pertencer a ele. Brianne ainda guardava aquela aura de inocência e de encantamento com a descoberta do amor. Aquilo fora algo que o conquistara ainda mais.

O suave perfume floral que ela usava estava chegando até suas narinas, despertando-lhe um misto de excitação e de admiração por aquela inocência feminina. Brianne estava pronta para recebê-lo mais uma vez, e ele faria com que essa troca íntima fosse ainda mais arrebatadora do que a primeira para ela.

Brianne fitou-o nos olhos, adorando o brilho de intimidade que viu se refletir neles. Um brilho que ela imaginou que também estivesse mostrando no próprio olhar. Pierce se inclinou e beijou-a de leve nos lábios.

- Não me olhou assim da outra vez - disse a ela.

- Daquela vez tudo aconteceu muito rápido- Brianne se justificou.

- Mas agora está sendo diferente. Muito diferente...

Pierce traçou o contorno dos lábios macios de Brianne com a ponta da língua, roçando o corpo junto ao dela com sensualidade.

- Quero sentir cada uma de suas reações - murmurou ele, junto ao ouvido dela. - E quando a tiver, quero que seja completamente minha.

Brianne conteve o fôlego, excitada com as palavras tanto quanto com o ritmo do corpo de Pierce. Se ele queria deixá-la louca, pelo jeito estava mesmo conseguindo.

Aos poucos, sentiu-se quase aliviada ao notar que Pierce também estava perdendo o controle. Quando ele finalmente a possuiu com um súbito movimento, ambos perderam o fôlego por um instante. Devagar, Pierce começou a mover o corpo, enquanto a beijava com sensualidade, imitando com a boca os movimentos daquela dança sensual.

 Brianne gemeu baixinho, sentindo os olhos se encherem de lágrimas quando o prazer se tornou mais intenso do que ela poderia suportar. Abraçando-o com força, estremeceu com o prenúncio do clímax.

Sem que ela esperasse, Pierce sentou-se na cama e levou-a consigo, fazendo-a experimentar uma nova maneira de se entregar ao amor.

Segurando-a pelos quadris, envolvendo-a com movimentos intensos e ritmados, até Brianne começar a acompanhá-lo, deixando-se levar pela paixão.

O ápice veio com a força de uma explosão de prazer, espalhando-se pelo corpo de ambos com ondas de calor que os fizeram estremecer. Brianne sentiu Pierce com uma intimidade que ela nunca imaginara existir, embora já houvesse sido amada por ele antes.Mas tudo aquilo era novo demais. Prazeroso e intenso demais. As ondas de prazer pareciam não querer ter fim, levando-a a experimentar um êxtase inacreditável até um gemido mais alto irromper em sua garganta.

Os dois se entreolharam por um instante, vendo nos olhos do outro o reflexo de seu próprio prazer. Quando a onda de calmaria finalmente começou a chegar, Brianne encostou a testa suada junto à dele, sentindo todo seu corpo muito mais sensível do que o normal. Então aquilo era realmente fazer amor? Bem, era muito mais incrível do que ela havia imaginado ou mesmo experimentado antes com Pierce.

Ainda ofegante, ele a manteve junto de si, naquele delicioso abraço íntimo. Gostava de sentir os seios macios de Brianne junto aos pêlos sensíveis de seu peito.

Ao notar a posição em que haviam feito amor, uma súbita preocupação lhe ocorreu.

- Brianne, você está bem? Eu a machuquei? - sussurrou junto ao ouvido dela.

- Não - murmurou ela em resposta, embaraçada demais para fitá-lo nos olhos. Sem resistir, porém, roçou os lábios junto ao pescoço dele. - Eu... não sabia que poderia ser assim... tão maravilhoso.

- Nem eu - confessou Pierce, em um tom de voz profundo. Acariciando as costas dela, acrescentou: - Eu não deveria.... Poderia ter machucado você.

Foi então que Brianne fitou-o nos olhos.

- Como?

- Acho que nós fomos... impetuosos demais - afirmou. - Tem certeza de que não a machuquei?

Brianne balançou a cabeça negativamente e sorriu, tocando os lábios dele com a ponta dos dedos.

- Foi incrível - garantiu.

Pierce segurou o rosto dela entre as mãos e beijou-a na testa.

- Sim, incrível- disse a ela. - Nunca... fiz amor assim antes, nem senti tudo com tanta intensidade.

Ele respirou fundo e tentou se afastar, porém, o movimento o fez estremecer, com uma nova onda de excitação. Pierce se sobressaltou, espantado com. sua própria reação.

Brianne sentiu o efeito de imediato.

- Os livros de medicina dizem que depois de tão pouco tempo os homens não... - Ela não terminou a frase, sentindo o rosto esquentar.

- Pois acho que essa parte de mim não sabe ler - insinuou ele, com um sorriso.

Deitando-se na cama, puxou-a para cima de si com gentileza. Então começou a se mover novamente com sensualidade, observando as reações que aos poucos foram se reacendendo no rosto e no corpo de Brianne.

Apesar do enlevo da paixão, por um momento ocorreu-lhe que aqueles estavam sendo os momentos de maior carinho e satisfação que ele compartilhava com uma mulher. Tanto que chegou a pensar que seria maravilhoso poder ter um filho um Brianne.

Ele amou-a mais uma vez, só que dessa vez com mais ternura, como se dessa vez pudesse fazê-la engravidar e lhe dar um filho. Claro que era ridículo pensar isso, mas foi uma espécie de sonho passageiro que passou por sua mente.

Sabia que Brianne estava tomando pílulas e que logo eles iriam se divorciar. Ainda assim, não faria nenhum mal sonhar um pouco. E foi o que ele fez.

Amou Brianne de uma maneira tão especial que quando o clímax, o arrebatou mais uma vez, deixou que o desejo de ser pai explodisse com ele.

Brianne sentiu o momento do êxtase com a mesma intensidade, sussurrando palavras entrecortadas junto ao ouvido de Pierce. Ele sorriu, satisfeito em poder oferecer todo aquele prazer a ela. De alguma maneira, ver Brianne feliz era algo que se tornara importante para ele.

Os dois continuaram abraçados durante um longo tempo, enquanto suas respirações e o ritmo de seus corações voltavam ao normal. Brianne se aninhou mais junto dele, feliz em estar nos braços de Pierce. Se pudesse, ficaria ali para sempre.

Ao poucos a languidez deixou-os sonolentos, e eles adormeceram nos braços um do outro. Compartilharam não apenas a cama, mas também o desejo de ficarem juntos. Ainda que por algum tempo.

 

A certa altura da noite, Pierce acordou e jogou um acolchoado por cima deles, puxando Brianne novamente para junto de si. Não demorou muito para voltar a dormir.

Porém, quando o dia amanheceu, pareceu trazer consigo a racionalidade que lhe faltara na tarde do dia anterior.

Desde então, não havia saído do quarto com Brianne.

Olhou para ela, lindamente nua e adormecida a seu lado. A torrente de lembranças invadiu sua mente com o ímpeto de um relâmpago. Deus, o que ele havia feito?

Nunca sentira-se tão confuso e apreensivo antes.

Brianne era jovem, bonita e estava apaixonada por ele. Até poderia ficar com ela e lhe dar um filho. Os dois ficariam juntos e...

Não, não seria possível, concluiu. Levantando-se da cama, pegou roupas limpas no guarda-roupa e foi para o banheiro tomar um banho.

 

Uma hora depois, Pierce saiu da casa. Deixou um bilhete para Brianne, explicando que iria tomar as providências para que ela fosse para Paris, antes de ele viajar para o mar Cáspio. E que poderiam discutir sobre o divórcio dali a algum tempo.

Assinou o bilhete com suas iniciais e teve de lutar contra o desejo de ir até o quarto se despedir com um beijo e olhar aquele lindo corpo feminino, nu em sua cama. A mesma que ele compartilhara com Margô quando haviam estado em Washington.

Respirou fundo, sentindo-se angustiado mais vez pela idéia de traição. Tinha noção de que Margô nunca mais voltaria para junto dele, mas era como se não houvesse sido justo com ela, ao se envolver com outra mulher tão pouco tempo depois de sua morte.

Tinha noção de que mais cedo ou mais tarde teria de enfrentar o futuro, mas não queria fazê-lo naquele momento. Não quando ainda estava sob o efeito da intensa experiência que compartilhara com Brianne. Tinha de sair dali para conseguir pensar com mais clareza.

Quando Brianne acordou, saiu à procura de Pierce e encontrou o bilhete sobre a mesinha da sala. De fato, não ficou surpresa ao lê-lo. Desolada, foi até o piano e olhou para a sorridente mulher da foto.

- Eu também amo Pierce - disse em voz alta. O que posso fazer se não consigo parar de pensar nele?

Enquanto falava, sentindo os olhos se encherem de lágrimas, convenceu-se de que só havia uma coisa que ela poderia fazer. Viajaria para Paris e daria a Pierce o tempo que ele precisaria para tomar uma decisão sobre o futuro de ambos. Esperava que pelo menos ele conseguisse tomar a decisão mais. acertada para os dois.

Durante o tempo em que estivesse longe dele, talvez a lembrança da noite anterior fosse suficiente para manter acesa a chama de esperança êm seu coração apaixonado.

 

Eve Braue e seu jovem filho Nicholas foram acomodados em uma  bela casa perto do oceano Atlântico.

Brianne passou alguns dias em companhia de sua mãe e do meio irmão antes de partir para Paris. Mãe e filha se empenharam na tentativa de começar um novo relacionamento, com ambos os lados disposto a assumir uma postura um pouco mais flexível.

Ter o marido preso foi uma situação devastadora para uma mulher como Eve. Ainda mais quando todos os bens dele forma confiscados ou bloqueados, deixando-a sem nada, ficando à sorte do que Pierce viesse a decidir.

Na semana seguinte um dos homens de Winthrop foi até Paris com Brianne. Era um agente bem mais velho do que os outros, já no meio da faixa dos cinqüentaanos, sendo casado com uma sargento do exército. Ao ver seu guarda-costas e saber de sua ficha, Brianne não conteve o riso, imaginando que aquilo fora uma armação pessoal de Pierce, que não queria correr o risco de que ela viesse a se envolver com seu próprio segurança.

Contudo, concluiu que se isso fosse verdade, ele mesmo a teria acompanhado ate a Europa. Em vez disso, nem sequer telefonou desde a sua abrupta partida do apartamento dele. Por mais estranho que pudesse parecer, aquilo lhe deu algum conforto. Se fosse fácil encará-la, não haveria motivo para que não tivesse entrado em contato. O fato de ele não o ter feito aumentou sua esperança.

Pierce viajou para o mar Cáspio para supervisionar o andamento da construção da plataforma de perfuração que fora sabotada por Brauer havia pouco tempo. Permaneceu semanas em meio a seus homens. Estava ali, virtualmente sozinho, sem dar o menor sinal de vida para sua esposa, que já estava morando sozinha em Paris.

Sentia-se solitário mas sofria em silêncio, todas as noites, pensando em Brianne, de quem ainda não se divorciara.

Dizia para si mesmo que só não o fizera por falta de tempo. Precisava seguir sua determinação mental e esquecer tudo o que acontecera.

Na França, Brianne começou a freqüentar a Sorbonne. Ficara surpresa ao descobrir que sua inscrição já estava aceita e suas aulas marcadas, antes mesmo de se apresentar com seu currículo e sua carta de pedido de admissão. Por sorte, seus conhecimentos de francês eram mais do que suficientes para a especialização que pretendia seguir. Em contabilidade e economia, os números e a compreensão da matemática eram fundamentais.

Aquilo foi um alento, pois pôde mergulhar nos estudos com toda sua força de vontade, não sobrando tempo para pe~sar em seus sentimentos nem em suas mágoas.Depois da quarta semana seguinte à fuga da ilha de Sabon, começaram a acontecer os enjôos matinais.

Cinco dias depois, sofreu uma vertigem ao ver as ilustrações de uma dissecação em seu livro de biologia.

Na sexta semana, parou de tentar tapar o sol com a peneira e foi procurar um médico. Parecia haver um motivo para aqueles sintomas e não se tratava de cansaço ou estresse.

Por coincidência, recebeu um inesperado visitante exatamente no dia em que se sentia abatida a ponto de não poder ir às aulas, optando por ficar em seu luxuoso apartamento.

O edificio possuía um sistema de segurança inexpugnável. Pierce não permitiria que ela ficasse em qualquer outro lugar, senão ali.

A campainha do interfone tocou e o porteiro, que já se habituara em falar em inglês com ela, para evitar mal-entendidos, anunciou que havia um cavalheiro na recepção querendo encontrá-la, trazendo notícias a respeito de um tal sr. Sabon.

Sem hesitar, Brianne mandou que o tal mensageiro fosse encaminhado para seu andar. Já passara muito tempo imaginando que destino seu captor teria tomado depois de haver voltado a seu próprio país.

Segundo ficara sabendo, tudo parecia haver se acalmado naquela região. A expulsão dos mercenários, o retorno do xeique e a associação deles ao consórcio petrolífero foram manchetes nos jornais de todo o mundo, tanto nos Estados Unidos quanto na França.

Ajeitando os cabelos sem muita preocupação, colocou um roupão enorme sobre a camisola que estava vestindo e foi receber seu visitante. Não era um traje clássico, muito menos ousado, mas não estava disposta a se arrumar naquele momento.

Quando a campainha da porta tocou, Brianne abriu a porta de uma só vez, pensando que iria encontrar um mensageiro de Sabon. Mas, em vez disso, era ele próprio quem estava ali, trajando um belo terno italiano, com a aparência de um verdadeiro príncipe em seus dias de glória.

Sorrindo ao vê-la surpresa, estendeu a mão e ofereceu o buquê de rosas que trazia para presenteá-la.

- Eu poderia não ser bem-vindo, mas precisava vir para saber pessoalmente como você estava.

Era possível perceber um certo prazer naquele olhar. Teria ele notado sua empolgação ao abrir-lhe a porta, pensando se tratar de notícias a respeito dele e de seu reino?

- Claro que é bem-vindo - disse Brianne, sorrindo já com mais discrição e aceitando as rosas. - Entre, por favor. Aceita uma xícara de café?

- Não quero lhe dar trabalho.

- Mas não será trabalho nenhum... Teresa? - chamou ela, dando instruções à velha e simpática governanta assim que a avistou. - Oh, e traga também uma boa quantidade de bolo fatiado. Nosso convidado deve estar faminto.

- Sim, estou.

Sabon a fitou com grande interesse, estudando o rosto abatido com seu olhar clínico.

- O que foi?

- Você me parece um pouco pálida. Além disso, tenho certeza de que perdeu peso.

- Talvez um pouco - concordou Brianne, desconcertada.

Ele se inclinou para frente e lançou seu olhar mais charmoso.

- Venha comigo para meu harém. Farei meus servos tratá-la como minha favorita, até que esteja descansada e com o mesmo peso de antes.

Ao ouvir aquilo, foi impossível não rir com grande prazer.

- Esta foi a melhor oferta que recebi nas últimas semanas.

Diante da informalidade diplomática dela, Sabon também começou a rir. Era incrível como ele não se deixava abater por sua limitação. A maioria dos homens se fecharia para o mundo e jamais faria uma brincadeira daquelas.

- Se eu tivesse mesmo um harém, iria insistir até convencê-la a aceitar meu convite. Contudo, se eu tentasse manter um, estaria sempre me arriscando a ter meu segredo descoberto. Esse é um risco que jamais deverei correr.

- Mas sendo o filho do xeique, não é esperado que tenha um herdeiro algum dia?

- Sim, claro - confirmou Sabon, apoiando o tornozelo sobre o joelho oposto ao se recostar no sofá, onde haviam se sentado. - Seu primeiro filho homem será meu herdeiro. Os outros serão príncipes e princesas.

- Isso não é nada engraçado - murmurou Brianne, com ar sério.

- Não estou tentando ser cômico. Meu pai sabe de minha condição e é muito compreensivo com a situação. Sofremos juntos quando fui ferido, mas precisamos ser práticos. Seu marido é moreno e tem olhos negros. O filho de vocês terá sangue grego nas veias e, a menos que eu tenha esquecido tudo sobre genética, deverá ser pelo menos um pouco moreno. E, um reino, mesmo que seja pequeno como o meu, não é algo para se jogar fora, querida.

- Mas, por quê? - questionou ela, atordoada com o que estava ouvindo.

Sabon a fitou por um longo tempo antes de voltar a se ajeitar no sofá. Só então falou:

- Creio que saiba muito bem o motivo.

Brianne ainda estava absorvendo o impacto de tudo aquilo quando a governanta se aproximou, trazendo uma travessa cheia de especiarias, café e bolo fatiado.

Sem a menor cerimônia, colocou um copo de leite em frente a ela.

- Não faça careta - disse a mulher, que era uma viúva de meia-idade com a experiência de ter criado três filhos, todos mais velhos do que sua patroa. -Fará muito bem a você. Por isso, beba.

Depois de olhar para o copo e para o ventre dela, Sabon sorriu.

- Ele sabe?

Chocada com a transparência de sua situação, Bdanne abaixou o olhar antes de responder em tom magoado:

- Não, não sabe. Pierce não quer um filho, "então não haverá um". Pelo menos foram essas as palavras dele. Ao ouvi-la imitar o jeito de ele falar, Sabon soltou uma risada espontânea.

- Estou impressionado que consiga esconder isso dele. Digamos que, basta fitá-la para deduzir que sua condição é o prenúncio de uma nova vida.

- Com minha gravidez sendo citada dessa maneira, meus enjôos matinais até se tornam menos desagradáveis. Mas como é que meu marido iria saber? No momento, ele está sentado em sua plataforma, no meio do mar Cáspio, brincando de montar perfuratrizes de petróleo.

Demorando-se para responder, Sabon colocou creme e àçúcar em seu café e o misturou bem, bebericando um pouco antes de voltar a falar.

- Por que não telefona e diz que o quer aqui?

- Como se isso tivesse a menor chance de funcionar - desdenhou Brianne, balançando a cabeça negativamente.

- Está subestimando seus encantos, minha cara.

Naquele momento, ocorreu-lhe um pensamento que trouxe uma curiosidade quase esquecida à tona. - Oh, é mesmo! Lembra-se, quando nos deixou no compartimento de carga de nosso navio de fuga, você disse algo em árabe a Winthrop. O que era?

- Ora, pergunte a ele.

- Mas não faço a menor idéia de onde encontrar aquele índio misterioso. Na verdade, acho que seria impossível que eu pudesse achá-lo. Conte-me, por favor. Do que se tratava?

- Lamento, mas não posso dizer. Não eu. Certos segredos devem ser mantidos, não acha? - Sabon terminou seu café e levou a mão ao bolso de dentro de seu elegante paletó italiano. - Na verdade, vim até aqui para lhe trazer isso e pedir que entregue a seu marido. Dentro do envelope está o valor referente ao empréstimo que possibilitou a libertação de minha nação. - Um sorriso tornou sua expressão menos formal. - Minha carta de agradecimento está em inglês, caso o sr. Winthrop não esteja disponível...

- Claro, pode deixar - disse Brianne, colocando o pequeno mas pesado envelope pardo na mesa lateral - Além disso, vim convidá-los para comparecerem à minha cerimônia de coroação.

- Oh - surpreendeu-se ela, arregalando os olhos. - Seu pai não...

- Não, não. Papai está vivo, mas bastante fatigado - interrompeu Sabon, tranqüilizando-a e observando-a suspirar aliviada.

- Ainda bem. Mas como pode ser coroado, então?

- Ele está renunciando em meu nome. Meu pai concluiu que, em seu estado de saúde, seria impossível continuar fazendo um bom trabalho como chefe de estado. Ser um xeique é como ser um rei. É necessário cuidar de uma nação soberana, o que desgasta qualquer um. Agora que teremos acesso aos lucros que o petróleo trará, precisamos correr atrás do tempo perdido e nos adaptar ao século vinte. Com sorte, logo nossos poços estarão jorrando. .

- Tomara que sim.

- Isso não será fácil para as tribos nômades que constituem a maior parte de minha nação. Também não será muito simples para mim, já que sou mestiço e muitos deles poderão negar o reconhecimento de minha autoridade. Mas, hoje em dia, as questões de sangue são menos importantes do que a força e o espírito de liderança do governante. Espero estar à altura da tarefa.

- Tenho certeza de que será um ótimo xeique - garantiu Brianne, sem hesitar, mas fitando-o com ar triste.

- Não fique com pena de mim, por favor - disse ele, em tom animado. - Tenho muito mais do que a maioria dos homens jamais sonhou. É Alá quem decide essas coisas. Não se deve lutar contra a vontade do destino.

- Agora você falou como um verdadeiro árabe.

- É como deveria ser todo o tempo, não? - satirizou Sabon, com tranqüilidade e bom humor, colocando a xícara vazia sobre a bandeja que Teresa deixara na mesa de centro. - Você e seu marido irão comparecer à minha cerimônia, não? Serão meus convidados de honra. É um ritual antiqüíssimo, cheio de cores e momentos pitorescos.

- Bem que eu gostaria.

- E quanto a Pierce?

Brianne deu de ombros.

- Não sei, mas perguntarei quando encontrá-lo. Quando será?

- Daqui a seis meses - respondeu o árabe, olhando então para a área do ventre dela, onde o bebê estava se desenvolvendo, ainda imperceptível. - Deverá ser um período complicado e compreenderei se não puder atender meu pedido. Se decidir ir assim mesmo, farei todos os preparativos para que sua viagem e sua estadia sejam as mais perfeitas possíveis. Garanto que, dessa vez, não haverá nada parecido com o lugar onde estiveram presos. .

- Já que tocou no assunto, acho que é um bom momento para agradecê-lo. Jamais teríamos conseguido escapar se não fosse por sua ajuda.

- Teriam sim. Seria apenas um pouco mais difícil. Por outro lado, você nem mesmo teria sido exposta a tamanhos perigos se não fosse por minha atitude insana, raptando-a daquela maneira. No momento, entretanto, pareceu-me a coisa mais lógica a fazer.

 - Muitas atitudes que tomamos só se tornam erros ou acertos evidentes com o passar do tempo.

Sentindo-se grato por aquela palavras, Sabon se levantou e ajeitou o paletó. Brianne também ficou de pé e, antes que pudesse dizer algo, viu-o segurar sua mão e beijá-la com carinho.

- Cuide-se bem. Tudo o que disse foi sincero e perene. Se precisar de alguma coisa, é só me procurar. Serei seu servo eterno.

- Obrigada - agradeceu ela, com sinceridade e um pouco de constrangimento, mas nem uma gota de piedade. - Mas acho que conseguirei superar sozinha a maioria dos obstáculos.

- Claro que sim. Mas, nas horas difíceis, não se esqueça de minha oferta de ajuda. Além disso, quero que cuide bem de meu herdeiro - completou Sabon, lançando um último olhar na direção do ventre dela.

Depois da partida dele, Brianne foi até a sacada e ficou observando a cidade. A brisa agradável era como uma carícia em sua pele. Seus cabelos balançavam soltos, como se estivessem sendo acariciados pelas fadas do ar.

Era impossível não lamentar por aquele nobre árabe, mas ao mesmo tempo não sentia pena dele. Apesar de sua condição, era muito mais homem do que muitos que tinham um corpo saudável.

Então, como vinha acontecendo com freqüência, seus pensamentos se voltaram para si mesma. Estava grávida e sozinha. Pierce não iria telefonar nem escrever dando ou pedindo notícias. Sentia-se completamente excluída da vida dele, bem no momento mais dificil de sua vida. Nem mesmo sabia se iria encontrá-lo alguma vez antes de o bebê nascer.

Pior ainda era saber que aquela criança seria privada de uma figura que, em sua vida, sempre fora tão importante: um pai.

 

Duas horas mais tarde, em meio ao mar Cáspio, um telefonema interrompeu uma reunião da qual Pierce participava. Deixando seus funcionários por um instante, atravessou parte da construção quase acabada e chegou à edícula que era usada como escritório.

- Ela o quê? - indagou ele, em tom furioso.

Depois de ouvir em silêncio por mais alguns segundos, desligou o telefone com muita força, fazendo um estrondo e quase quebrando o aparelho. Então olhou para o capataz da Qbra e gritou:

- Tragam o piloto do meu helicóptero agora mesmo. Estou indo embora.

- Mas, senhor, há uma tempestade se formando...

- Não me interessa que haja um furacão aqui em cima! Traga já aquele piloto!

Menos de dez minutos depois, estavam à bordo da pequena e moderna aeronave e voando para o continente.

 

Já havia anoitecido e Brianne estava assistindo ao noticiário americano pela televisão à cabo quando a porta da frente do apartamento foi aberta de maneira repentina, permitindo que Pierce fizesse uma entrada bastante dramática.

Ela se sentou no sofá, onde estava recostada até então, ainda com o mesmo roupão sobre a camisola.

Franzindo o cenho, virou-se e o encarou, confusa com o que viu. Ele estava com os cabelos desarrumados, a camisa desabotoada no colarinho e a gravata afrouxada ao redor do pescoço, sob o. paletó. E parecia estar furioso.

- Onde está ele? - indagou Pierce, em tom de exigência.

- Ele?

- Sabon! Não negue que aquele safado esteve aqui. Já verifiquei com a recepção e soube até das flores!

Brianne não sabia o que dizer. Estava óbvio que se tratava de uma crise de ciúme e ter certeza daquilo causou uma sensação de prazer que a deixou quase sem ação. Contudo, conseguiu se concentrar o suficiente para proferir algumas palavras.

- Sim, ele veio pagar o empréstimo.

Ao acabar de falar, inclinou-se em direção à mesa lateral e pegou o envelope, que tinha a inscrição: "Para Pierce Hutton". Sem nem mesmo olhar para o que lhe foi oferecido, Pierce apenas se aproximou mais, franzindo o cenho ao prosseguir:

- O que mais ele queria?

- Convidar-nos para assistir à cerimonia em que o pai dele lhe passará o título de xeique e o controle do governo. O velho está renunciando ao trono em favor do filho.

- Não me importa que ele venha a se tornar xeique, rei, ou seja lá o que for. Não faço a menor questão de assistir a isso. Só o que quero é saber o que ele veio fazer aqui! Por que aquele safado não mandou o cheque pelo correio e não mandou um mensageiro com o convite?

- Ora, por que está tão bravo? - perguntou Brianne, comum sorriso de satisfação.

- Porque ele disse a Winthrop que você era a única pessoa no mundo por quem valeria a pena perder um reino. Por isso!

Então era esse o significado daquela frase. O grande mistério que ninguém queria desvendar... Respirando profundamente, olhou com fascinação para seu ciumento marido. Com a expressão mais inocente que conseguia forjar, perguntou:

- Por que se preocupa com o que ele disse? Você partiu para o mar Cáspio para esquecer de mim. Desde então eu moro sozinha, estudo sozinha e faço tudo sozinha. Por que eu não posso ter companhia se quiser?

- Porque você é casada.

Brianne levantou a mão e mostrou o dedo, que não tinha aliança alguma, pois o tirara para lavar as mãos havia poucos minutos e o esquecera no toalete.

- Não, não sou.

O rosto dele ficou corado com o surto de emoção.

- Coloque já a aliança de volta.

- Eu a retirei no dia em que você partiu e não me lembro onde a deixei. Afinal, pensei que nunca mais fosse precisar dela.

O modo como Pierce estreitou o olhar foi assustador.

- Ah, é? Pois eu lhe comprarei outra. E nunca mais a tire do dedo.

- Correção, eu nunca a usarei, se for com o mero propósito de mostrar uma fachada - respondeu Brianne, arqueando uma das sobrancelhas. - Alias, quando é que vai me dar o divórcio?

- Por quê? Por acaso Sabon a pediu em casamento?

- Não, mas o faria se eu tivesse insinuado algo- garantiu ela, cheia de autoconfiança.

- Você está casada comigo e não tenho a menor intenção de lhe dar o divórcio.

Aquela afirmação foi surpreendente e a fez delirar de prazer. Então fitou-o com deliberado ar de esnobismo.

- Está apenas querendo demarcar seu território, Pierce? Como um cão de guarda? - provocou ela.

Naquele momento, foi possível vê-lo assumir o controle de suas ações, ou talvez perdê-lo de vez. Sem dar um instante sequer para que Brianne reagisse, ele se aproximou e a tomou nos braços, sem parar para pensar. Deitou-a entre as almofadas do sofá, junto de si mesmo, mas mantendo-se por cima.

Embora ele fosse bastante pesado, aquela sensação era maravilhosa. Abraçando-o, deixou-se levar pela ardente paixão do momento. Sentia como se estivesse voltando para casa. Era difícil não sorrir enquanto seus lábios se provocavam mutuamente. Era glorioso sentir aquela confissão muda de rendição, promulgada por aquela explosão de ciúme.

- Oh, Pierce, seu tolo - murmurou ela, entre um beijo e outro, sem nunca deixar de tocar aqueles lábios quentes. - Até parece que eu poderia sequer olhar para outro homem depois de ter conhecido você.

Embora a tivesse escutado, foi impossível parar de beijá-la para analisar o que ouvira. Seu corpo estava ardendo de desejo. Não conseguiu nem sequer conter um gemido quando o beijo atingiu seu clímax. Era impossível controlaar o desejo que sentia.

Brianne, de sua parte, estava tão sequiosa quanto seu marido, que estivera ausente por tanto tempo. Mas mesmo com tamanho desejo e sentindo um prazer imenso, foi inevitável que a sensação de mal-estar em seu estômago a fizesse hesitar. Aquilo acontecia toda vez que deitava de barriga para cima. A onda de náusea estava chegando com toda sua força, e foi preciso virar o rosto de lado para poder respirar fundo.

- Essa não - murmurou ela, engolindo em seco.

- Precisa deixar que eu me levante, querido. Acho que não poderei me conte... Oh, Deus!

Empurrando-o com uma força tão grande que o surpreendeu, conseguiu sair de lado e correr para o banheiro. Felizmente, chegou lá a tempo.

Quando Pierce chegou à porta do toalete, ainda estava confuso. De repente, todas as peças se encaixaram. Ao concluir qual era o problema com sua esposa, sentiu um calafrio pelo corpo e empalideceu de imediato. Tudo em que podia pensar era a noite que haviam passado juntos em Washington e sua ânsia por engravidá-la. .

- Você disse que estava tomando anticoncepcionais - esbravejou ele. - Garantiu que havia se prevenido. Era mentira!

Brianne não podia responder. Apenas levantou uma mão trêmula e acenou para que Pierce saísse dali, mas nem levantou a cabeça que mantinha apoiada no outro braço.

Percebendo que não era o momento para tentar obter respostas, aproximou-se da pia, pegou uma toalha, umedeceu-a e a entregou para sua esposa. Ficou parado ali, do lado de fora da porta, observando-a se recuperar.

Pouco mais de um minuto depois, viu-a levantar-se do chão e apertar o botão da descarga, seguindo então até a pia, onde se lavou e escovou os dentes.

Ela tentou contorná-lo, pois aquele corpo enorme estava bloqueando a porta do banheiro, mas Pierce a levantou nos braços e a carregou até o quarto, onde a colocou na cama, com suavidade.

Com a toalha úmida sobre os olhos, Brianne permaneceu quieta por um longo tempo. Estava ciente da fúria dele e nem precisava olhá-lo para saber disso.

Ouvir sua respiração já bastava. Desde quando aprendera tanto sobre seu marido, se mal haviam ficado juntos? Era incrível como o amor era capaz de tornar uma pessoa ciente da outra.

E aquela novidade, a de que iria ser pai, parecia tê-lo atingido com a força de um míssil. Depois da admissão silenciosa que ele fizera na sala, aquele choque os levara de volta à estava zero.

- Está bem, você tem razão, é tudo culpa minha. Por que não volta para sua plataforma de petróleo? - disse ela, em um tom quase sussurrado. - Teresa está aqui para cuidar de mim. Basta chamá-la no quarto dela. Não preciso de você!

Pierce não respondeu. Não conseguiu concatenar as palavras. Estava se sentindo perdido entre a sensação de indignação e de pânico. Brianne, a única pessoa que o fizera sentir algo desde que ficara viúvo, estava carregando seu filho. Mas, segundo os padrões dos quais se convencera já havia muito tempo, aquela era um complicação que estava determinado a evitar.

Além disso, ela não havia lhe contado nada a respeito de sua condição. Estaria planejando esconder a existência do filho deles?

Ao notar o prolongado silêncio dele, Brianne moveu a toalha molhada até os lábios e o fitou com resignação.

A expressão naquele rosto másculo era de pura tensão. Não era preciso perguntar para saber que o cérebro de seu marido estava funcionando a toda velocidade.

Voltou então a cobrir os olhos. A umidade refrescante afastou a náusea e estava ajudando a aliviar o começo de uma enxaqueca que começava a se pronunciar.

 

- Você está grávida - disse Pierce, de maneira direta. .

- Mas que coisa incrível, senhoras e senhores - murmurou Brianne, em tom amargo e abafado, cheio de ironia. - Alguém dê um prêmio ao grande descobridor.

- Por acaso iria me contar?

- Não - garantiu ela, sem hesitar nem um instante. - Claro que não. Na verdade, estou surpresa. Deduzi que sua primeira pergunta não seria essa, mas sim "quem" era o pai.

Aquela afirmação acusadora o fez sentir-se pouco à vontade, pois trouxe-lhe a lembrança das cenas de ciúme que desempenhara sem o menor pudor diante dela.

- Eu não faria uma pergunta idiota como essa.

- Hoje é o dia das "frases incríveis"?

- Não faça piada com isso, pois não é nada engraçado! - esbravejou ele, soltando um suspiro em seguida.

- Bem, eu não contestarei o pedido de divórcio. - falou Brianne, depois de uma pausa, ainda com o rosto coberto pela toalha. - Vá embora e comece a tomar as providências.

- Posso até imaginar a cena de nós dois na corte, diante do juiz, pedindo a anulação do casamento e você usando uma bata de grávida.

Ao ouvir aquilo, ela tirou a toalha molhada de cima do rosto e lançou um olhar na direção dele. Para sua surpresa, não viu a expressão de sarcasmo ou ironia que esperava, mas o viu sorrindo. Na verdade, tratava-se de um belo e sincero sorriso carinhoso.

- Não estava falando de uma anulação de nosso casamento - advertiu Brianne, tentando combater a esperança que começou a tomar posse de seu coração - mas de um divórcio.

- Oh, entendo. Quem ficará com a custódia da criança se nos divorciarmos? - indagou Pierce, ainda com a mesma expressão terna no olhar.

- Ora, já que sou eu que estou carregando o bebê, quem mais além de mim poderia ter esse direito?

- Hum, mas fui eu quem possibilitou que ele existisse - lembrou ele, assumindo um tom ainda mais gentil antes de prosseguir: - Desde quando tem tido essas crises de náusea? Pelo que me lembro, Margô nunca teve esse problema...

Brianne jogou a toalha nele com uma expressão que lhe deu certeza de que, na verdade, sua esposa desejava que fosse algo muito mais sólido e pesado.

- Saia daqui! Vá embora de meu apartamento, de Paris e de minha vida! Desapareça! - esbravejou ela, soluçando, enquanto tentava conter o choro. - Não quero ouvir mais nenhuma palavra sobre Margô!

Diante daquela situação, Pierce fez uma careta e se sentiu culpado. Falara sem pensar e acabara agindo como um grande tolo, magoando-a. Não era essa a intenção, mas a besteira estava feita.

Em silêncio, observou-a rolar de lado e se encolher, apertando o rosto contra o travesseiro.

- Deixe-me em paz...

A voz dela parecia um sussurro rouco e desanimado.

Não queria piorar ainda mais a situação, se é que isso era possível. Embora quisesse se aproximar e tomá-la nos braços, teve de se conter e fitá-la de longe. Naquele instante, tomou consciência da fragilidade dela, que parecia tão delicada em meio à cama enorme. Acostumara-se a vê-la sempre como uma pessoa tão forte, capaz e inteligente, que foi um choque lembrar-se de que era tão sensível quanto qualquer um.

Sentindo-se um verdadeiro troglodita, balançou a cabeça negativamente, censurando-se em pensamento.

Por fim saiu do dormitório, mas não do apartamento.

Foi então até a cozinha, de onde chamou Teresa e lhe pediu que preparasse um chá de ervas para Brianne. Quando a bebida quente ficou pronta, ele pegou a bandeja onde a governanta havia colocado a xícara e um pratinho com alguns biscoitos e a levou para o quarto.Encontrou-a sentada no meio da cama, segurando as pernas encolhidas contra o peito, com o rosto encostado nos joelhos. Colocando a bandeja na mesinhade-cabeceira, sentou-se ao lado dela.

- Beba - disse Pierce, oferecendo a delicada xícara de porcelana a sua esposa. - Teresa disse que esse é seu chá preferido. Acho que é de camomila.

Depois de relutar um pouco, ela aceitou e bebericou um pouco do líquido quente e aromático.

- É a única coisa que normaliza meu estômago.

Ele a observou beber e ficou tentando imaginar o que poderia dizer em seguida, mas parecia impossível encontrar as palavras adequadas. Nunca se sentira sem ação diante de uma situação. Até mesmo quando ficou viúvo, pensou que tinha tudo sob controle. Como seu silêncio parecia não ter fim, ela mesma voltou a falar.

- Las Vegas fica naquela direção - murmurou Brianne, apontando em direção ao oeste. - Você pode conseguir o divórcio sozinho, não pode? Pelo que ouvi dizerem, nem precisarei ir junto.

- Tente ser razoável - disse ele, com calma.- Um homem não pode sair assim de cena e abandonar sua esposa em meio à gravidez.

- Você não quer a criança - acusou ela, sem desviar os olhos de sua xícara de chá. - Na verdade, parecia um fanático por controle de natalidade. - Soltando um suspiro, encarou-o. - Costumo manter minhas pílulas na mesinha-de-cabeceira, que não fazia parte de nossa bagagem quando fomos para Las Vegas. Como iria imaginar que faríamos aquela viagem repentina para a ilha de Sabon? Além disso, dadas as suas afirmações, não parecia muito lógico que eu continuasse tomando anticoncepcionais.

- Não, claro que não. E pensar que até eu mesmo acreditei que meu único intuito quando fizemos amor era o de protegê-la de ter uma experiência desagradável com aquele árabe. Aliás, apesar de todos os rumores e fofocas a respeito dele, Winthrop conseguiu fazer uma pequena investigação para mim. Descobriu que Sabon não é capaz de gerar um filho e não parece ser algum tipo de esterilidade.

- Oh - murmurou Brianne, fitando-o com uma expressão de apreensão que apenas confirmou as suspeitas que já tinha.

- Fique tranqüila - disse Pierce, em tom calmo e controlado. - Não pretendo divulgar ao mundo o que descobri. Na verdade, mesmo que a investigação não tivesse revelado nada, era a essa conclusão que eu havia chegado por minha própria conta.

- Como? Por quê?

- Era a única explicação plausível para a estranha atitude de Sabon em relação a você e para o fato de que seu medo com relação a ele desapareceu por completo depois que fomos raptados. A princípio, cheguei a imaginar outras coisas e fiquei enciumado. Quando percebi que fui tolo em não confiar em sua fidelidade, comecei a tirar algumas conclusões. Pena que não pôde confiar em mim.

- Eu jurei que nunca revelaria o segredo dele -confessou Brianne, sentindo-se pouco à vontade. - De certa forma, é bom saber disso. Posso lhe contar meus segredos mais íntimos e ter certeza de que jamais serão contados abertamente.

Ela o fitou com ar magoado.

- Você nunca me contou nada. Nem mesmo durante a viagem demonstrou que confiava em mim. Cada passo de nossa insólita aventura se revelou diferente do que me fora dito a princípio. Não que eu me importe, claro.

- Sinto muito. Só não queria preocupá-la ainda mais, mas acho que exagerei, assim como meu chefe de segurança. Mas o problema era Mufti. Se fosse capturado, poderia nos entregar a todos.

- Vamos esquecer isso, sim? - murmurou ela, levando a mão até o ventre.

Observando aquele gesto, Pierce franziu o cenho.

- Já contatou um obstetra?

- Não, pensei em deixar o bebê por conta da cegonha... Claro que estou tendo acompanhamento médico. Acha que sou tão irresponsável assim?

- Isso é bom.

- Tendo surgido ou não por acidente, quero o melhor para esse bebê. Caso não goste da idéia, o problema é seu!

Fitando-a nos olhos, ele repousou a mão sobre o ventre dela, de maneira carinhosa. Havia uma criança ali dentro que era parte de ambos. Desde que perdera a chance de ser pai e se convencera de que isso não era importante, jamais despendera um segundo sequer imaginando como seria ser pai.

Contudo, em menos de um segundo, várias imagens lhe vieram à mente, todas com um menino ou menina de cabelos negros como os seus e olhos verdes como os de sua esposa. Um bebê para segurar nos braços quando chegasse do trabalho, à noite.

- Ei, perguntei por que apareceu aqui hoje. O que o fez voltar? - indagou Brianne pela segunda vez, fazendo-o retornar do mundo da imaginação.

- Porque seu guarda-costas me telefonou para perguntar se deveria seguir o árabe que a havia visitado.

Ela não conseguiu conter o sorriso que se formou em seus lábios.

"Oh, essa situação é mais interessante do que eu sequer poderia imaginar", pensou, contendo um sorriso e dizendo apenas: .

- Então foi por isso que entrou daquele jeito aqui...

Pierce notou que sua esposa parecia muito satisfeita, mas achou que era justo que a reação dela fosse aquela.

Até então, não demonstrara de maneira explícita o quanto a amava, e aquela cena de ciúme fora o indício de uma franca admissão de amor.

- Acho que, desde a primeira vez em que conversamos, no Louvre, nossos destinos estavam traçados. Jamais poderia esquecer a única pessoa que conseguiu fazer com que eu abrisse meu coração e sorrisse, bem em meio a minha maior crise. Mais do que isso, voltou a me dar esperança em viver.

-Oh.

- Isso mesmo. Estava tão desesperado para me encontrar com Margô que cheguei a pensar em cometer uma idiotice à beira do Sena. Você me salvou de mim mesmo e me mostrou que posso amá-la sem precisar me sentir culpado. ..Agora, com um filho, posso ficar mais seguro de que há um laço que a impede de partir  com o primeiro jovem que ganhar sua atenção.

Então era essa a maior barreira. Pensara que o maior problema era falta de amor, mas faltava a ele uma garantia de que não seria abandonado. Pierce não apenas tinha ciúme, como temia perdê-la!

- Ainda acha que sou volúvel? - questionou Brianne, fingindo estar indignada. - Eu te amo. Por que iria partir com qualquer outro, quer seja mais jovem ou não?

Os dedos dele enlaçaram os dela em um gesto quase desesperado.

- O que acabou de dizer, querida? - indagou ele, em um sussurro.

- Que eu te amo mais do que tudo na vida, Pierce. Quer dizer que ainda não tinha percebido?

O suspiro dele foi profundo e cheio de significado, fazendo o coração dela pulsar mais depressa, antes mesmo de ouvi-lo responder.

- Na verdade, não. Sempre que pensava nisso, concluía que não havia lhe dado razão alguma para que me amasse.

- Ora, o que mais me faria ficar ao lado de um homem que permanecia casado com sua falecida esposa? - indagou ela, com certa tristeza na voz. - Qualquer mulher de bom senso teria se afastado enquanto era tempo, a menos que estivesse apaixonada, é claro.

- Eu amava Margô - concordou ele, enfatizando que estava falando no passado. - Demorou um longo tempo para deixá-la partir, mas aprendi minha lição. Sabe, não foi difícil amar você, mas sim mudar minha maneira de pensar. Acho que seria eleito o maior idiota do mundo se a deixasse escapar de mim. Mas mesmo assim tentei esquecê-la indo para o mar Cáspio.

- Divertiu-se muito lá?

- Está brincando? - falou Pierce, em tom divertido. - Tornei-me o pior pesadelo de meus homens. Acho que eles devem estar bebendo e comemorando até agora a minha partida. .

- É mesmo? - indagou Brianne, sorrindo.

- Sim. Sabe, saí de lá visualizando dez maneiras de jogar Sabon pela sua janela. Mas devo me conformar em ser apenas o homem mais feliz do mundo a seu lado. Fazer o quê, não é? Nem sempre se pode ter tudo o que se quer. Mas, de agora em diante, nem pense em receber aquele árabe quando eu não estiver em casa. .

- Ora, mas que marido possessivo - brincou ela, fitando-o com ar de contentamento.

- Digamos que não pretendo compartilhar você com mais ninguém. Exceto com nossos filhos, claro. Não me interessa que ele seja xeique de um país inteiro. Inclusive, se isso o impedisse de vir vê-la, preferiria que ele nem mesmo tivesse devolvido o dinheiro do empréstimo.

- Mas Sabon não ficaria em dívida com você. Pelo que entendi, estão prestes a começar a extrair muito petróleo, o que dará ao país dele muita riqueza.

- Nesse caso, ele que fique por lá, com todo meu apoio. Não o quero por perto por um longo, longo tempo.

Brianne concluiu que aquele não era o momento mais indicado para falar sobre a promessa de herança que o primeiro filho homem deles havia recebido. Com o tempo, quando tudo estivesse mais calmo, poderia abordar o assunto.

- O que fará agora? - questionou ela, sentindo um certo aperto no peito. - Suponho que terá de voltar para a construção, no mar Cáspio.

          Pierce segurou a mão dela contra o peito e a fitou nos olhos, emanando tamanha ternura que seria capaz de fazê-Ia desmaiar, se não estivesse tão ansiosa.

- Esqueceu que sou o patrão? Tenho funcionários muito capacitados cuidando de tudo para mim. Não preciso fazer nada que não queira.

- Está dizendo que vai ficar aqui? Comigo?

- Creio que sim. Estava pensando em um período relativamente longo - sugeriu ele, fazendo um ar misterioso. - Talvez alguns anos...

Estava tão excitada que mal podia respirar de maneira a conseguir falar.

- Anos?

- Sim. Pensei que uns cinqüenta ou sessenta anos seriam suficientes.

- Oh, meu amor, então está dizendo que quer mesmo...

- Sim. Não vou abandoná-la, nunca. Estaremos sempre juntos. Mesmo que não estivesse grávida, não a deixaria mais escapar de mim. Teria demorado mais para admitir, mas eu te amo. Seria impossível sobreviver sem seu amor.

Eles se abraçaram e trocaram um beijo cuidadoso, já que Brianne ainda estava se recuperando da crise de enjôo.

- Pierce, seremos uma família perfeita.

- Sabe, acabou de me ocorrer que não sei nada sobre bebês e crianças.

- Nesse caso, por que não vem comigo para a Sorbonne, cursar um pouco de biologia? - provocou ela, em tom de desafio.

- Ora, acho que já sei como é que se faz um.

Aquele comentário a fez rir com certa malícia.

- Hum, isso eu notei.

- Prometo que cuidarei bem de você e de nossos filhos, por toda minha vida. Garanto que não faltará nada.

- Querido, só o que quero é que fique comigo. Mas fique tranqüilo, que também estarei sempre a seu lado.Jamais vou deixá-Io.

Ao ouvir aquilo, Pierce soltou um suspiro e a abraçou com carinho, murmurando, quase como se estivesse soluçando:

- Brianne, Brianne...

- O que há? Algum problema, meu amor? Enquanto a acariciava, tentava encontrar um meio de expressar sua apreensão. Reunindo força e coragem, conseguiu falar.

- Querida, eu não suportaria perdê-la. Por Deus, Brianne, acho que não suportaria se isso acontecesse.

- Meu querido - falou ela, confortando-o com beijos carinhosos. - Prometo que estarei sempre a seu lado, e farei tudo a meu alcance para viver tanto quanto você. Mas não poderá nem pensar em me deixar, está entendendo?

Lágrimas lhe escorriam pelo rosto, mas ao terminar a frase já estava rindo e fazendo-o sorrir.

- Querida...

- Pierce, eu te amo tanto que estou me sentindo como se estivesse nas nuvens.

Erguendo-a nos braços sem se levantar da cama, colocou-a em seu colo e a beijou com paixão, aninhando-a contra seu peito másculo.

- Eu te amo, Brianne. Já não preciso temer mais nada. Eu te amo!

Aquele momento foi o mais feliz que ela já vivera até então. Fechando os olhos para poder sentir melhor aquele instante, realmente sentiu-se nas nuvens. Estava nos braços do homem amado e esperava um filho dele. Teriam toda uma vida pela frente e compartilhariam tudo com muito amor. Quem disse que a vida não poderia ser perfeita?

 

A lembrança de Margô não desapareceu de imediato, mas foi deixada para trás e abandonada por completo à medida que o feto se desenvolvia no ventre de Brianne. Pierce descobriu que tinha uma ótima vocação para pai, que parecia melhorar ainda mais à medida que o momento do nascimento se aproximava.

Quase sem perceber, haviam lotado dois cômodos inteiros com as coisas do bebê. Montaram um quarto com todas as facilidades imagináveis para cuidar da criança e compraram toda a sorte de roupinhas e brinquedos que encontraram pela frente.

Em um dos passeios que fizeram juntos, Pierce a levou a uma joalheria, onde escolheram alianças novas para ambos, mesmo depois de Brianne revelar que a dela estava no armário do banheiro. Na verdade, Pierce fez questão de deixar de usar aquela última lembrança de sua esposa anterior, doando-apara a caridade.

Era um gesto simples de libertação, mas muito significativo. Daquele dia em diante, o nome dela não foi mais pronunciado. Parecia que, finalmente, eram apenas eles e o bebê que estava por chegar.

No círculo de amigos e conhecidos de ambos, todos souberam da gravidez muito antes de ser necessário que ela usasse roupas especiais. Com todo o orgulho e a pompa de alguém que seria pai pela primeira vez, Pierce anunciava a chegada do bebê como se todos devessem dar a mesma importância ao fato que ele próprio.

Por fim, o bebê nasceu no exato dia em que Philippe Sabon se tornou regente de seu país. Não havia a menor possibilidade de participarem da cerimônia, então ninguém os questionou com relação a isso.

Contudo, a despeito da importância daquela data na vida do novo xeique, o árabe ainda conseguiu providenciar para que uma loja entregasse um buquê de rosas e um presente para Brianne na maternidade.

Era um dia de tamanha alegria que Pierce nem se importou. Acabara de vir ao mundo o pequenino Edward Laurence Hutton, um menino forte e saudável.

Brianne beijou o rosto de seu exaltado marido quando ele se aproximou para olhar de perto e com fascinação o modo como o bebê se acomodava nos braços dela, mamando em seu seio como, se estivesse faminto, ao se alimentar pela primeira vez.

- Obrigada por não se irritar por causa das rosas e do presente para nosso filho - agradeceu ela, sussurrando.

Ao ver o sorriso cansado de sua esposa, Pierce soltou uma risadinha silenciosa para não assustar a criança.

- Ora, posso aceitar muito bem que você ganhe algumas rosas, desde que Sabon esteja em outro país - disse ele, tocando a cabeça do bebê com a ponta dos dedos. - Meu Deus, nosso filho é lindo, não?

- Lindo demais - concordou Brianne, encantada com aquela cena.

Os dedos do bebê se abriram e agarraram a lateral da mão de seu pai, fazendo-o sorrir de satisfação.

- Você conseguiu, meu amor. Fez de mim o homem mais feliz do mundo.

- E pensar que fui acusada de ser jovem demais para ser sua parceira - provocou ela, em tom orgulhoso.

- Isso foi antes de eu descobrir seu poder mágico de me rejuvenescer. Estou me sentindo mais vivo do que nunca. Este é o melhor presente do mundo, meu amor. Nem sei como posso retribuir tanto amor e tanta felicidade. Muito menos o jeito de ter me concedido o prazer de descobrir o que é ser  pai desse filho em seus braços.

- Tudo isso é como um presente maravilhoso também para mim, meu amor. Mas, quem sabe da próxima vez nós consigamos ter uma menina?

O sorriso malicioso dele a fez sentir-se arrepiada, a despeito de estar exausta.

- Hum, mal posso esperar para começar a treinar... - murmurou Pierce.

Brianne o fitou com imenso prazer e antecipação.

A vida era maravilhosa. Naquele momento, toda sua alma estava empenhada em ser feliz e em fazer felizes aqueles a quem amava. Com aquele marido maravilhoso a seu lado, sabia que seu destino já estava traçado rumo ao amor eterno.

 

                                                                                            Diana Palmer

 

 

                      

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