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O Super Crânio / Kurt Mahr
O Super Crânio / Kurt Mahr

 

 

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O Super Crânio

 

                  

 

— O chefe anunciou sua chegada para pouco depois da meia-noite — disse o coronel Freyt, dirigindo-se a seu ajudante.

Sorriu enquanto proferia estas palavras. Não se julgava incapaz de cumprir a missão que lhe fora confiada: representar Rhodan, durante a ausência deste, em Terrânia, a base que a Terceira Potência havia instalado no deserto de Gobi. A sensação de alívio que o regresso de Rhodan provocava em sua mente se devia mais ao fato de saber que os empreendimentos a que Rhodan se lançava no espaço eram muito perigosos, e que um dia, mesmo um homem como Perry Rhodan, poderia encontrar um poderoso inimigo, ou ser vitimado num acidente.

Freyt estava convencido de que de Perry Rhodan dependia não apenas a existência do Estado conhecido como a Terceira Potência mas, em grau ainda maior, o bem-estar de toda a Humanidade.

Tudo isso constituía motivo suficiente para que se alegrasse pelo fato de que Rhodan havia saído são e salvo de mais uma de suas aventuras, e que se encontrava a caminho da Terra.

— Será como das outras vezes? Nenhuma recepção? — perguntou o ajudante.

Freyt confirmou:

— Nenhuma recepção.

 

A cidade de Terrânia, capital da Terceira Potência, experimentava um crescimento ininterrupto. No momento tinha um milhão e meio de habitantes. Ficava em pleno deserto de Gobi.

O clima artificial modificara a paisagem. As precipitações pluviométricas, controladas à vontade, transformaram aqueles quarenta mil quilômetros de terreno ondulado e desértico num jardim florido. Terrânia era considerada uma das cidades mais belas do mundo.

Nas imediações da cidade erguia-se a reluzente abóbada energética que envolvia o coração da Terceira Potência em seu manto protetor, repelindo qualquer coisa que se aproximasse do centro vital da Terceira Potência com intenções hostis.

 

Pouco antes da meia-noite o coronel Freyt e seu ajudante saíram do edifício da administração e da cúpula energética.

Caminharam na periferia da cidade e viram os edifícios baixos que margeavam o campo de pouso reluzir à luz das estrelas.

Subitamente uma forte luminosidade cobriu a área. Freyt estacou e olhou em torno; parecia perplexo.

— O que foi isso?

Outro relâmpago refulgiu, bem ao longe, além dos telhados da cidade. Quase no mesmo instante o ribombar da primeira explosão passou por eles. Freyt, estarrecido, manteve-se imóvel, com os olhos arregalados. Só quando o estrondo da segunda explosão os atingiu compreendeu o que havia acontecido.

— É no lago salgado — fungou. — Na usina de reatores.

Voltou-se e correu em direção à cidade. O ajudante seguiu-o. Deviam ter percorrido uns trinta metros quando o uivo fino das sereias de alarma penetrou em seus ouvidos.

Enquanto corria, Freyt utilizou o pequeno receptor e emissor, adaptado ao seu uniforme, para pedir uma viatura oficial. O carro veio ao seu encontro quando já se encontravam próximos às grandes vias de acesso da cidade.

— O que houve? — perguntou Freyt, enquanto se atirava no assento ao lado do motorista.

— Houve uma explosão no bloco G — respondeu o motorista. — Não conhecemos outros detalhes.

— Vamos para lá! — disse Freyt.

O carro saiu em disparada, depois de ter dado a volta. As sereias bem abertas abriram-lhe o caminho. A maneira pela qual o motorista dirigia o veículo era notável; mas Freyt quebrava a cabeça com outras coisas.

— Com os mil demônios! O que havia numa usina de reatores que pudesse ser levada a explodir?

Freyt era antes de tudo um soldado; só em segunda linha era técnico. Apesar disso conhecia em grandes linhas o funcionamento de um reator arcônida. Também sabia qual era o material utilizado na construção de uma máquina desse tipo. Mas por mais que forçasse a memória, não se lembrou de nada que pudesse ter causado duas explosões desse tipo.

E como poderia ter ocorrido uma explosão com todas as medidas de segurança que haviam sido adotadas?

Freyt não encontrou resposta a estas indagações. O motorista parou diante da entrada do bloco G e interrompeu o raciocínio de Freyt.

Antes das duas explosões, o bloco G era constituído de um pavilhão de montagem de telhado baixo, onde as peças vindas de fora eram reunidas para formar reatores catalíticos. De dia, uns trezentos homens trabalhavam nesse pavilhão.

Naquele momento ainda se reconheciam os contornos do antigo pavilhão, mas de resto a área parecia um campo de batalha que, por horas a fio, houvesse sido martelado pela artilharia inimiga.

As equipes de socorro haviam chegado antes de Freyt. Protegidos pelas vestes à prova de fogo, os homens enfrentavam o calor irradiado pelos destroços à procura de sobreviventes. Freyt foi informado por um comissário de polícia de que, no momento da explosão, havia uns dez homens no pavilhão, que desempenhavam as funções de guardas-noturnos ou realizavam trabalhos extraordinários.

Ninguém soube dar qualquer informação sobre a causa das explosões. Os instrumentos de medida permitiram localizar dois pontos em que, naquele momento, a temperatura era superior a dois mil graus centígrados. Ao que tudo indicava, eram os lugares em que haviam ocorrido as explosões.

Freyt dirigiu-se ao comissário.

— Mandou verificar o nível de radiatividade? — indagou.

O comissário torceu o rosto.

— Faça-me o favor, coronel! Nesse pavilhão não havia um grama de material radiativo.

Freyt balançou a cabeça.

— Seja como for — disse em tom desconfiado. — Chame a equipe dos medidores.

O comissário dirigiu-se ao seu carro para transmitir a ordem. Freyt começou a se sentir pouco à vontade.

— Não podemos fazer nada — disse ao seu ajudante. — Temos de aguardar ao menos até que as primeiras investigações estejam concluídas.

Esquecera Rhodan e o anunciado pouso.

O que ocorrera não era apenas o acidente, mas a destruição completa de uma das mais importantes unidades produtoras da Terceira Potência. Sem reatores arcônidas não haveria mecanismos propulsores. Sem mecanismos propulsores não haveria naves espaciais. E sem naves espaciais a defesa da Terra seria impossível.

Seria por simples coincidência que o primeiro acidente de grandes proporções ocorrido no território da Terceira Potência tivesse destruído justamente o bloco G?

O coronel Freyt começou a refletir sobre as chances que teria um sabotador para penetrar no território da Terceira Potência e, uma vez lá, quais seriam as chances de executar o ato de sabotagem.

“As chances são nulas!”, concluiu.

Mas nem por isso se sentiu mais tranqüilo.

Lançou os olhos em torno. Estava procurando o comissário. Quis saber se no meio tempo havia sido descoberta alguma coisa.

De tão mergulhado em seus pensamentos, nem percebeu que a equipe dos medidores havia chegado; envergando seus uniformes vermelho-berrantes, espalharam-se em torno do edifício destroçado.

Mas não deixou de perceber uma coisa que o sacudiu até a medula dos ossos: o ruído do alarma de radiações. A turma de defesa anti-radiações acionara as sirenas colocadas no topo de seus carros. Freyt viu que as equipes de socorro fugiam precipitadamente do campo de destroços.

Um dos homens que envergavam o traje protetor vermelho veio em sua direção. Cumprimentou-o apressadamente e disse:

— Perigo máximo, coronel! O edifício está contaminado ao menos com dez roentgen por hora.

Nesse preciso instante, Freyt teve de rever sua opinião sobre a segurança absoluta das instalações contra a sabotagem. Por um segundo sobressaltou-se; mas logo o raciocínio frio voltou à sua mente.

— Qual é o material radiativo?

O homem do medidor sacudiu a cabeça.

— Ainda não sabemos, coronel. Dentro de quinze minutos poderemos informar.

Freyt confirmou com um aceno de cabeça.

— Muito bem. Avisem imediatamente. O homem de vermelho fez continência.

Freyt virou-se e foi se afastando. Não se preocupou em saber se seu ajudante o seguia. Só depois de estarem sentados lado a lado no carro notou a presença dele.

— O que acha? — perguntou, contrafeito.

O ajudante deu de ombros.

— Enquanto não conhecermos mais alguns detalhes não podemos achar coisa alguma.

Freyt concordou.

— Tem razão — murmurou.

O incidente deixou-o bastante deprimido. Ocorrera enquanto ele, Freyt, era o representante de Rhodan em Terrânia. Muito embora qualquer um houvesse de concordar que sua pessoa não poderia ter favorecido ou dificultado a ocorrência, ele se sentia responsável; teve a impressão de que o fato do desastre ter ocorrido enquanto ele se encontrava no exercício do cargo representava uma falha pessoal.

O alarma voltou a soar no receptor do carro com tamanha força que fez doer os ouvidos.

— Pare! — gritou Freyt.

A parada foi quase imediata. Freyt foi atirado para a frente, mas não se incomodou. Só ouvia a voz vinda do alto-falante:

— Três naves espaciais recém-construídas da frota Z, os chamados destróieres espaciais, decolaram há poucos minutos sem permissão e sem que se soubesse quem as pilotava. As naves logo alcançaram a velocidade máxima e já saíram da área de alcance dos localizadores.

— Atenção! Chamando o coronel Freyt! Atenção...

Freyt rangeu os dentes.

— Passe para a emissão — ordenou ao motorista.

O telecomunicador foi ligado. Na pequena tela surgiu o rosto aflito do homem que transmitia a notícia alarmante.

— Aqui fala Freyt — anunciou o coronel. — O que houve?

Via-se que a pessoa que se encontrava na outra extremidade desligou todos os outros canais.

— Três destróieres foram seqüestrados, coronel — anunciou laconicamente.

— Seqüestrados! — exclamou Freyt. — Como pode alguém seqüestrar um destróier?

A resposta não se fez esperar.

— Não sabemos, coronel. Não existe a menor dúvida de que a vigilância dos robôs funcionava como sempre. Os robôs não notaram a presença de ninguém que tentasse se aproximar da área em que se encontravam os destróieres.

Freyt olhou fixamente para a frente.

— Quem está dirigindo as investigações? — perguntou depois de algum tempo.

— O major De Casa.

Freyt acenou com a cabeça; parecia cansado.

— Fim.

Ordenou ao motorista que o levasse ao lugar em que estavam estacionados os destróieres. O lugar ficava próximo às gigantescas linhas de montagem, situadas no setor sul da cidade. Os destróieres da classe Z representavam um aperfeiçoamento dos antigos caças espaciais tripulados por um homem. Haviam sido concebidos por Perry Rhodan, que há vários anos encontrara esses caças nos hangares da base de Vênus. Seu desempenho no espaço estava sujeito a limitações, já que não eram dotados de mecanismos de hiperpropulsão. Seus reatores de partículas permitiam que, num espaço de tempo extremamente reduzido, alcançassem a velocidade da luz, mas o caminho para os pontos do espaço situados a maior distância da Terra lhes estava fechado, já que não estavam em condições de realizar o hipersalto espacial.

Apesar disso, uma nave Z era um engenho com um avanço de pelo menos quinhentos anos sobre os produtos mais recentes da tecnologia terrestre. Representava uma arma terrível nas mãos de quem dela soubesse se servir.

Durante os minutos consumidos na viagem até a linha de montagem, Freyt transmitiu uma série de instruções. Os postos de defesa receberam ordem para atirar imediatamente e sem prévio aviso sobre qualquer objeto que decolasse nas próximas horas. Concomitantemente foi emitida uma proibição geral de decolagem. Finalmente, boa parte da equipe de vigias robotizadas foi instruída a permanecer no interior das naves.

A Terceira Potência tinha coisa muito mais importante a perder que os destróieres. O suor porejou na testa de Freyt quando este formulou, para si mesmo, a indagação do que teria acontecido se os desconhecidos tivessem conseguido subtrair os dois cruzadores da classe Terra. Eram naves esféricas de duzentos metros de diâmetro, que tinham plenas condições de enfrentar o espaço.

Por enquanto as luzes vermelhas de advertência do alto dessas naves ainda brilhavam, tranqüilas e inalteradas, por cima dos campos de pouso.

O carro parou diante da figura maciça e reluzente de um robô, que fechava o caminho para a área em que antes estiveram os destróieres. Freyt fez sinal para que a máquina se aproximasse e examinou-a. O robô reagiu ao modelo de ondas cerebrais e ergueu a mão num gesto de cumprimento.

O carro prosseguiu em sua viagem. Depois de ter percorrido mais quinhentos metros, aproximou-se de um grupo de homens que discutiam acaloradamente. Parou e Freyt desceu.

O major De Casa cumprimentou-o. Seu rosto exprimia sem rebuços o que sentia face ao desaparecimento dos destróieres: susto, espanto e um pouco de medo.

— Como foi que isso aconteceu? — perguntou Freyt.

— Ninguém de nós sabe de ciência própria — respondeu prontamente De Casa. Parecia mais aliviado pelo fato de que alguém lhe tirava a responsabilidade das mãos. — Só sabemos o que os robôs informaram, e isso é pouco. Os robôs fizeram sua ronda costumeira. O terreno é plano e não oferece qualquer possibilidade de alguém se esconder. Seus olhos infravermelhos teriam reconhecido até um rato que procurasse se aproximar dos destróieres. Acontece que não passou um rato, um homem ou qualquer outra coisa. Apenas, de repente, os três destróieres subiram do solo e desapareceram, depois de lhes ter sido imprimida a aceleração máxima. O aviso para a central de comando foi transmitido imediatamente; mas, antes que se pudesse esboçar qualquer reação, as três naves já estavam longe.

— Que curso tomaram? — perguntou Freyt.

— O curso sudeste, coronel.

Freyt fitou atentamente o major.

— Isso permite alguma conclusão? — indagou.

De Casa sorriu.

— Provavelmente podemos concluir que o desconhecido que seqüestrou as naves pode ser procurado em qualquer lugar, menos no sudeste.

Freyt confirmou com um aceno de cabeça.

— Provavelmente — disse. Acompanhado por De Casa, andou em torno da área de estacionamento dos destróieres. Antes disso De Casa certificara-se de que os remanescentes radiativos da decolagem eram mínimos, não atingindo o nível de periculosidade.

Não havia nenhum rastro, além das três manchas vitrificadas produzidas pela combustão dos jatos. Nenhuma marca de pé ou de roda, absolutamente nada.

Quando voltou para junto de seu ajudante, Freyt deu um suspiro.

— Não temos sequer a menor indicação que nos permita saber se isso foi obra de homens ou de inteligências extraterrenas — disse em voz baixa.

Naquele instante o motorista da viatura oficial pôs a cabeça para fora do carro.

— Telefonema para o coronel Freyt! — gritou.

Freyt pegou o fone do telecomunicador que o motorista lhe estendeu pela janela do carro. Na tela viu um homem que envergava o traje protetor da equipe de medida de radiações.

— Descobrimos a fonte das radiações e medimos sua intensidade — disse calmamente. — Os dois pontos em que a temperatura é mais elevada são também os de radiação mais intensa. No centro de cada um desses pontos chega a quinhentos roentgen por hora. As radiações são compostas de beta-menos com cerca de 1,8 e 1,6 MeV de beta-mais com...

— Quero saber quais são as substâncias radiativas — disse Freyt em tom de impaciência.

— Magnésio 27 e zircônio 87, coronel.

— Qual é a conclusão que se extrai disso?

O homem da equipe de radiações parecia contrariado.

— Nenhuma — respondeu. — Nem o magnésio 27, nem o zircônio 87 pertencem aos produtos da fissão do urânio ou do plutônio. Não conhecemos qualquer reação nuclear que possa ser relacionada com as explosões que ocorreram aqui e seja capaz de produzir esses isótopos.

 

Perry Rhodan pousou em meio a toda essa confusão.

Quando viu que o coronel Freyt não estava no campo de pouso, soube que alguma coisa havia acontecido. Mandou preparar um dos veículos versáteis que a nave de sessenta metros de diâmetro trazia a bordo e, acompanhado de Reginald Bell, foi até a abóbada reluzente do campo protetor.

Bell olhava ansiosamente pelas lâminas de plástico transparente.

— O que terá havido? — perguntou.

Rhodan não respondeu. A barreira automática registrou as irradiações produzidas por sua mente e as dimensões do veículo. Por um instante um setor que tinha exatamente o tamanho necessário para permitir a passagem do mesmo abriu-se na reluzente parede energética.

O carro avançava rapidamente. Rhodan e Bell desceram diante do grande edifício da administração. Poucos minutos depois encontravam-se no escritório de Freyt.

— Isso é grave — disse Rhodan, depois de ter ouvido o relato. — Mas não se recrimine, Freyt. Tudo deve ser obra de alguém que dispõe de alguns truques que ainda não conhecemos.

— Fico satisfeito em saber que você pensa assim — respondeu Freyt. — Mas...

Rhodan interrompeu-o com um gesto.

— Não há nenhum mas, Freyt. Logo descobriremos do que se trata.

Freyt pigarreou.

— Acredita que... seja um inimigo extraterreno? — perguntou.

Rhodan olhou-o com uma expressão de espanto.

— Um inimigo extraterreno? Não. Teríamos percebido sua aproximação.

Freyt havia refletido sobre isso, antes do pouso de Rhodan. Tinha lá suas dúvidas. Um inimigo que conseguia se apoderar de três destróieres sem ser notado, também estaria em condições de chegar à Terra sem que ninguém o percebesse.

Mas preferiu ficar calado. Quando surgia um problema desses, o melhor que se podia fazer era deixar a solução por conta de Rhodan.

 

Rhodan realizou o inventário dos danos. Todas as informações colhidas pelos grupos de pesquisa na área do bloco G e no local em que estiveram estacionados os destróieres foram reunidas, gravadas em fitas de impulsos e introduzidas no cérebro positrônico, que as interpretaria.

O cérebro positrônico desincumbiu-se da tarefa à sua maneira. Encontrou duas mil e quinhentas explicações possíveis para a explosão ocorrida no bloco G, e três mil e oitocentas para o desvio dos destróieres.

Entre esse total de seis mil e trezentas alternativas, Rhodan mandou selecionar aquelas cujo índice de probabilidade ultrapassava determinado grau. Dessa forma chegou a um total de cem soluções.

Essas cem possibilidades foram introduzidas na combinatória. As informações extraídas da mesma coincidiam em larga escala com aquelas elaboradas por seu cérebro.

Na interpretação final foi ajudado por Crest, o arcônida.

Crest, um cientista alto de cabelos brancos, era um dos dois sobreviventes de uma expedição exploradora destruída na Lua por foguetes terrestres de fusão nuclear. Ao contrário de Thora, que era a outra sobrevivente e comandara o cruzador espacial dos arcônidas, desde o início colocara-se inteiramente ao lado de Rhodan. As faculdades transmitidas a este permitiram a formação da Terceira Potência, que salvou a Terra do aniquilamento total pela guerra atômica.

Crest e Rhodan estavam ligados por uma estranha amizade. Quem não os conhecesse veria aqueles dois homens lado a lado por dias seguidos, sem notar nada que tivessem em comum. Mas subitamente, nos momentos de perigo, perceberia a sintonização instantânea daqueles dois espíritos, a atuação harmoniosa, que não dependia de perguntas e respostas, já que resultava do nível de conhecimento mais elevado já atingido por qualquer inteligência no âmbito da galáxia.

No correr dos anos, Crest passara a se interessar na evolução da Terra quase tanto como Rhodan, embora sob outro ângulo. As ocorrências espantosas da noite anterior não o deixaram menos exaltado que este.

— Tem alguma idéia? — perguntou em tom sério.

Um sorriso um tanto obstinado se esboçou no rosto de Rhodan.

— Não tenho nenhuma idéia enquanto a máquina ainda está interpretando os dados — respondeu.

Crest fez um gesto contrafeito.

— Não venha me contar que ainda não teve qualquer idéia sobre quem pode ter mandado para os ares o bloco G e subtraído os destróieres.

Rhodan fez de conta que não ouvia.

Depois de algum tempo levantou a cabeça e fitou Crest.

— Sim — confessou. — Tenho uma idéia.

 

A idéia de Rhodan foi confirmada pela interpretação lógica dos dados.

Por motivos que seriam compreendidos imediatamente por qualquer pessoa que examinasse o resultado dos cálculos, as conclusões obtidas só foram comunicadas ao círculo de comando mais chegado a Rhodan. Além de Reginald Bell, do coronel Freyt e dos majores Deringhouse e Nyssen, só Crest e Thora, os arcônidas, participaram da breve conferência.

O rosto de Crest tinha uma expressão preocupada, enquanto Thora irradiava o brilho confiante de sua beleza extraterrena, que nem mesmo os dias terríveis passados em Vênus puderam afetar.

Rhodan colocou diante de si uma pilha de faixas de impulsos e lançou um olhar sério para os expectadores.

— O cérebro positrônico indica milhares de possíveis explicações para os acontecimentos da noite passada — principiou. — Por isso tivemos de realizar uma triagem rigorosa. Todavia, já não se pode duvidar dos resultados da interpretação lógica dos dados. O acidente ocorrido no bloco G, que vitimou dez homens, e a subtração de três destróieres recém-construídos não são obra de um inimigo extraterreno. Face ao volume de conhecimentos de que dispomos, nenhum ser extraterreno pode se aproximar desta área sem ser localizado a uma distância segura. Nem por isso fica excluída a possibilidade de que alguma raça dotada de uma inteligência bastante superior à nossa esteja envolvida nisso. Mas essa alternativa possui uma dose muito restrita de probabilidade.

“Conclui-se que aquilo que acaba de acontecer constitui obra de um inimigo terreno. Só existe uma resposta sensata à pergunta de como esses atentados puderam ser levados a efeito. Alguém, ao compor a equipe de seus colaboradores, teve a mesma idéia que nós.”

De início as pessoas presentes não o compreenderam, com exceção de Crest, que já conhecia o resultado.

Mas subitamente compreenderam. E compreenderam também por que, ao contrário do que costumava ser feito, para essa reunião não fora convocado nenhum dos mutantes, de cujas capacidades resultaram em larga escala os êxitos alcançados pela Terceira Potência.

 

Essa conferência de Rhodan foi realizada nas primeiras horas da manhã do dia 20 de julho.

Quase no mesmo dia e mês; alguns anos antes, a seguinte ocorrência verificara-se em Gardiner, uma pequena cidade situada na divisa dos Estados norte-americanos de Wyoming e Montana:

O homem que por ora nos interessa só vivia há poucos dias em Gardiner. Embora à primeira vista não parecesse nada simpático, tinha um aspecto de abastança. Em Gardiner havia dois hotéis; ele residia no mais caro.

O povo da cidade era curioso. Gardiner não era propriamente uma cidade de turistas, embora ficasse na entrada do parque nacional de Yellowstone. Os forasteiros eram uma raridade, e todo mundo começou a se interessar por aquele homem.

Ficaram sabendo que seu nome era Monterny, e que era cientista. Monterny não era muito alto; em compensação era bastante gordo. O enorme crânio sem cabelos, os olhos bem afundados na órbita, levava à conclusão de que, no interior daquele cérebro havia bastante substância cinzenta para proporcionar um saber notável ao cientista.

O povo de Gardiner descobriu tudo isso. Mas não descobriu uma coisa: o que Monterny pretendia na cidade.

Não fazia nada senão passear. O lugar era formado praticamente de uma única rua, ladeada de casas, geralmente de um só pavimento, em que moravam seus duzentos habitantes. As vielas que desembocavam nessa rua quase não contavam. Por isso um homem que aparecesse em Gardiner teria pouco motivo para passear. Dali logo surgiu o boato de que Monterny esperava por alguém.

A atenção misturada de curiosidade que lhe foi tributada de todos os lados não escapou a Monterny. O negócio que pretendia realizar em Gardiner não comportava a menor dose de curiosidade. Por isso, Monterny já estava começando a ficar nervoso, quando finalmente naquele dia encontrou aquilo que procurava.

Foi no fim da tarde, durante um dos seus passeios, que geralmente o faziam percorrer a rua principal em ambas as direções. Teve sua atenção despertada por um jovem que desceu de um carro esporte um pouco desengonçado e entrou numa loja para comprar alguma coisa.

De pé do lado oposto da rua, Monterny observou o jovem com a cabeça esticada para a frente. O jovem não percebeu nada; entrou na loja. Monterny atravessou a rua e parou diante da loja.

Quando o jovem voltou a sair da loja, Monterny dirigiu-lhe a palavra.

— Olá, meu jovem! Podia me fazer um favor?

O jovem estacou, perplexo.

— De que se trata? — perguntou em tom reservado.

Monterny fez um gesto meio amável, meio embaraçado.

— Não gostaria de falar sobre isso em plena rua. Moro no Hotel Wolfreys Place. O senhor se importaria de ir até lá comigo?

O jovem já tinha uma recusa na ponta da língua, mas Monterny o interrompeu em tempo.

— Podemos ir no seu carro.

Era uma sugestão ridícula, pois o Wolfreys Place ficava apenas a alguns passos da loja, mas o jovem sentiu-se orgulhoso porque alguém se dispunha a viajar em seu carro desengonçado.

— E prometo-lhe uma coisa — prosseguiu Monterny. — O senhor não sairá perdendo.

Este argumento acabou por convencer o jovem.

Entraram no carro, foram ao Wolfreys Place e subiram ao quarto de Monterny.

— Sente — disse Monterny em tom ligeiramente menos amável do que o usado até então e apontou para uma poltrona.

O jovem sentou. Monterny tomou lugar à sua frente. Pôs-se a fitar o jovem. Por algum tempo o jovem suportou o olhar com um sorriso amável, depois com um sorriso embaraçado e finalmente com uma careta de obstinação. Finalmente olhou para o lado e passou a examinar o aposento, para não fitar mais os olhos de Monterny.

Quando chegou à conclusão de que aquilo já estava ficando demais, Monterny pôs-se a falar.

— Já me viu alguma vez?

O jovem parecia espantado:

— Não.. Passei quinze dias com amigos em...

— Idaho Falls! — interrompeu-o Monterny. — É verdade?

O jovem não parecia muito surpreso.

— Isso mesmo. Como soube? Falou com meus pais?

Monterny sacudiu a cabeça.

— Não; nunca vi os seus pais. Seu nome é Freddy MacMurray. Seus amigos apelidaram-no de Tigre, porque gosta de usar blusas com desenho de tigre. Em Idaho Falls você tem amigos porque até poucos anos atrás morou lá com seus pais. Seu pai, que é técnico de reatores, foi aposentado antes da idade normal, isso porque foi ferido num acidente. Você nasceu um ano depois do acidente. Há poucos dias você conheceu duas moças em Idaho Falls: Sue e Dorothy. Ainda não sabe qual das duas lhe agrada mais. Não é verdade?

MacMurray levantou-se de um salto.

Depois das primeiras palavras de seu interlocutor, esteve a ponto de protestar contra o tom íntimo usado pelo mesmo; mas as revelações feitas deixaram-no sem fala. A maior parte do que Monterny acabara de dizer seria simples de descobrir, mesmo por quem não possuísse qualquer dom telepático. Mas o fato de que, em Idaho Falls, tivera relações com duas moças não era conhecido por ninguém a não ser ele mesmo.

— De onde... de onde... — gaguejou Freddy.

Monterny interrompeu-o com um gesto.

— Sei muito mais a seu respeito; para falar a verdade, sei tanto quanto você. Antes de mais nada, sei que você possui um talento especial, sobre o qual você ainda não falou com ninguém, embora se trate de um fenômeno único no mundo.

Freddy empalideceu e voltou a mergulhar na poltrona. Seus olhos emitiram um brilho ameaçador quando indagou:

— E o que tem isso?

Monterny não deu a menor atenção à pergunta.

— Basta que você feche os olhos e deseje estar em Idaho Falls, e logo você estará lá. É ou não é verdade? Esse dom é chamado de teleportação, e você é um teleportador. Qual é a maior distância que você já conseguiu vencer?

— Trezentos... — respondeu Freddy precipitadamente, mas logo se interrompeu.

— Quilômetros — completou Monterny satisfeito. — Para o início é muito bom; ainda poderá ser melhorado.

Levantou-se e prosseguiu na sua fala, enquanto caminhava tranqüilamente de um lado para outro.

— Desde que você descobriu seu dom, vive sonhando que um dia será um grande homem. Pois eu lhe darei uma chance para isso. Você vai trabalhar para mim; no começo ganhará mil dólares por mês, além do reembolso das despesas, sem limite. Está entendido?

Voltou-se e encarou Freddy.

— É verdade — disse este com uma segurança surpreendente na voz. — Há anos sonho em ser um grande homem. Mas também sonho em atingir meu objetivo por meios decentes. O que o senhor acaba de me oferecer não deve ser muito decente; se fosse, teria adotado uma atitude mais sincera, falando com meus pais. Não preciso dos seus mil dólares, nem de sua conta de despesas. O motivo é simplesmente que não gosto do senhor.

Fez meia-volta e saiu. Monterny não o deteve. Por algum tempo lançou um olhar odiento para a porta que acabara de se fechar atrás de Freddy MacMurray.

Depois fechou os olhos e se concentrou em alguma coisa.

Freddy já saíra correndo do hotel. Uma multidão de pensamentos revolvia furiosamente seu cérebro; não conseguia reter nenhum deles. Saltou para dentro do carro, cometeu uma infração às regras de trânsito ao dar volta no meio da quadra e pretendia voltar para a casa de seus pais.

Subitamente uma força estranha se apoderou de sua mente com a violência de uma martelada. A confusão de pensamentos foi afastada como por encanto. Um único desejo ocupava a mente de Freddy: voltar para junto do estranho.

Deu marcha à ré, voltou a colocar seu carro diante do hotel, desceu e, passando por Mr. Wolfry, que lhe lançou um olhar de espanto, subiu a escada.

A porta do quarto de Monterny estava aberta. Freddy entrou sem bater.

Monterny recebeu-o com um sorriso.

— É assim que eu gosto! — disse.

Por algum tempo examinou cuidadosamente a figura de Freddy. O jovem tinha os olhos imóveis e vidrados, que Monterny esperava encontrar numa pessoa submetida ao seu poder mental.

— Você vai voltar para a casa de seus pais — ordenou Monterny — e dirá que o levei ao hotel por tê-lo confundido com outra pessoa. Nos próximos vinte dias levará a vida de sempre. Não realizará nenhum salto de teleportação e não contará a ninguém que possui esse dom. Daqui a vinte dias, guarde a data: 7 de agosto, às cinco da tarde, você se transportará por teleportação a Salt Lake City Conhece o grande templo dos mórmons?

Freddy fez que sim.

— Muito bem. Eu o esperarei junto à entrada principal. E não se esqueça de uma coisa: por meu intermédio você poderá se transformar num grande homem; mas sempre estarei acima de você.

 

Dali a vinte dias Freddy MacMurray desapareceu de Gardiner, conforme fora combinado, e nunca mais se teve notícia dele. Ninguém ligou seu desaparecimento ao forasteiro que, vinte dias antes, saíra da cidade.

A polícia procurou Freddy e não o encontrou. Quando as buscas foram suspensas, seu pai, debilitado pelo acidente que sofrera, faleceu de mágoa, conforme diziam.

Clifford Monterny continuou a reunir em torno de si pessoas dotadas de faculdades especiais. Procurava-as nos lugares em que, nos últimos anos, haviam ocorrido emanações radiativas intensas, pois sabia que as alterações das características hereditárias humanas produzidas pela radiatividade nem sempre são negativas.

Fez exatamente aquilo que Perry Rhodan fizera poucos anos antes: formou um exército de mutantes. Havia uma única diferença, e muito grande, entre seu procedimento e o de Perry Rhodan: Monterny não perguntava aos homens que reunia se desejavam trabalhar para ele. Só precisava de um contato de poucos segundos para absorver o modelo das ondas cerebrais de qualquer pessoa. Depois disso, estava em condições de reconhecer os pensamentos dessa pessoa, mesmo que ela se encontrasse a milhares de quilômetros do lugar em que se encontrava, e mesmo a essa distância conseguia forçá-la a uma sujeição total à sua vontade.

Monterny era mutante; tratava-se do telepata, hipnotizador e sugestionador mais potente, tudo reunido numa só pessoa. Era um caso único.

Seus homens chamavam-no de Supercrânio. A maior parte deles nem o conhecia pessoalmente. Sabia que estava envolvido numa atividade muito perigosa, e que qualquer erro bastaria para derrubá-lo.

Sentia-se satisfeito em saber que alguém que se tivesse colocado ao seu serviço nunca mais poderia lhe escapar. Onde quer que se encontrasse, estaria submetido à força da sua vontade.

Freddy MacMurray foi sua primeira vítima. Alguns anos depois Monterny conseguira reunir um número de mutantes capazes, que lhe permitia desferir seu primeiro golpe.

O primeiro golpe seria desferido contra o homem que, pelo simples fato de ter alcançado êxito, atraíra o ódio de Monterny.

Contra Perry Rhodan.

 

Perry Rhodan teve alguns dias de trabalho intenso.

Juntamente com Crest coletou todos os dados que, em sua opinião, poderiam fornecer alguma indicação sobre a identidade do desconhecido, traduziu-os, num trabalho que consumia horas, no complicado código mecanizado dos arcônidas e introduziu-os no cérebro positrônico, que os interpretaria.

O resultado não foi compensador.

O cérebro positrônico afirmou que os atentados eram inspirados por uma potência econômica, que, com seus próprios recursos, ou seja, através do seu poderio econômico, procurava minar a Terceira Potência a fim de provocar sua queda.

A combinatória indicou o objetivo da potência estranha com a expressão singela “domínio mundial”.

— Isso não nos adianta nem um pouco — disse Rhodan.

Nos últimos dias a situação vinha se tornando cada vez mais séria. Vários cientistas, que freqüentavam a Academia Espacial de Terrânia, desapareceram de um dia para outro. Alguém roubara boa quantidade de minúsculas peças de propulsores e desaparecera sem deixar vestígio.

O desconhecido trabalhava sem cessar. Os únicos que poderiam enfrentá-lo eram os mutantes dá Terceira Potência, pois ao que tudo indicava também era um mutante.

Mas mesmo um mutante não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo. E para postá-los em tempo no local adequado seria necessário adivinhar os planos do desconhecido.

E nem Perry Rhodan, nem Crest, nem o cérebro positrônico conseguiram fazer isso.

Utilizando canais secretos, Rhodan fez chegar as informações necessárias à Federação de Defesa da Terra, uma gigantesca organização secreta panterrena dirigida por Allan D. Mercant, um semimutante que, nos primeiros meses de existência da Terceira Potência, desempenhara um papel importante e positivo.

Mercant pôs a funcionar sua extensa máquina de informações e, um dia depois de ter recebido o aviso, já forneceu o primeiro indício a Rhodan.

Uma fábrica de máquinas da Califórnia lançara no mercado, com um mínimo de propaganda, certas máquinas agrícolas dirigidas por robôs.

Perry Rhodan foi de opinião que o indício era tão importante que ele mesmo deveria verificar o que havia atrás dele. Algumas horas depois de ter recebido a informação de Mercant, encontrava-se a caminho dos Estados Unidos.

Não cometeu o engano de se dirigir diretamente à recepção da fábrica de máquinas. Instalou-se num hotel de categoria média e deixou que um dia se passasse antes de entrar em contato com os dois agentes de Mercant.

O nome da cidade era Sacramento. No mesmo instante em que transmitira a notícia a Rhodan, Mercant destacara dois dos seus agentes mais capazes para lá: o capitão Farina e o tenente Richman.

Rhodan e Farina encontraram-se numa cafeteria, enquanto Richman percorria a cidade, sempre de olhos bem abertos.

Farina era um homem baixo e corpulento, cuja ascendência italiana era perceptível de longe. Cumprimentou Rhodan sem demonstrar um respeito excessivo, mas numa ótima disposição de espírito.

— Formidável! — observou, depois de se certificar de que ninguém poderia ouvir sua conversa. — Ninguém desconfia de que o senhor se encontra em Sacramento.

Rhodan sorriu.

Não deixara de tomar certas precauções antes de pôr-se a caminho. A arte de dois grandes peritos em máscaras transformara seu rosto a ponto de que só quem dispusesse de uma ótima visão e de um longo conhecimento poderia reconhecê-lo. Por motivos de segurança e de comodidade, deixou de recorrer a certos acessórios, como barbas falsas e perucas. Rhodan sabia que justamente por isso havia uma possibilidade mínima de ser reconhecido por alguém.

Farina encontrara-o porque tinham combinado o encontro naquele local, e ainda porque Rhodan lhe fornecera um sinal de identificação: uma cicatriz do lado esquerdo da testa.

— Quais são as novidades? — perguntou Rhodan.

— Nenhuma — respondeu Farina aborrecido. — Raleigh comporta-se como se fosse o comerciante mais idôneo de todos os tempos...

— Quem é Raleigh?

— É o chefe da Farming Tools and Machines. Vende seus arados automáticos abertamente e muito barato. Nos poucos dias que se passaram, desde que iniciou as vendas, sua freguesia triplicou ou quadruplicou. Os fregueses elogiam-no além de toda medida.

— Já deu uma olhada do lado de dentro?

Farina acenou com a cabeça.

— Naturalmente; mas não encontramos nada. Não temos a menor idéia de onde Raleigh guarda os desenhos de suas máquinas. Se é que...

Farina fez uma pausa de reflexão.

— Se é que...? — animou-o Rhodan.

— Se é que os desenhos estão em sua casa — prosseguiu Farina. — Richman descobriu que, nos últimos dois dias antes do início das vendas, Raleigh, ou melhor, sua firma, recebeu um grande volume de carga ferroviária.

— De onde?

— De Salt Lake City.

— Seguiram a pista?

Farina sacudiu a cabeça.

— Ainda não tivemos tempo.

Rhodan refletiu. Era um mistério que uma simples fábrica de máquinas, que sem dúvida não estava aparelhada para cumprir programas especiais, conseguisse colocar no mercado num tempo tão curto uma linha de produtos prontos para serem oferecidos aos consumidores — mesmo que partisse do pressuposto de que havia alguma ligação entre os arados dirigidos por robôs e os furtos ocorridos em Terrânia.

— Conhece Raleigh pessoalmente? — perguntou Rhodan.

— Não, mas o vi várias vezes de perto. A primeira impressão é boa.

— E a segunda impressão?

A boca de Farina se contorceu.

— Não é boa. É o tipo escorregadio: amável, mas traiçoeiro.

Rhodan já elaborara seu plano.

— Pois hoje de tarde vamos lhe fazer uma visita e nos apresentar como compradores interessados em seus produtos — sugeriu a Farina. — Procuraremos nos lembrar de alguma coisa que nos permita colher o maior volume possível de informações sobre sua maneira de negociar e sobre suas reações. Eu mesmo cuidarei da segunda parte da tarefa, assim que estivermos suficientemente informados.

— Está bem — respondeu Farina. — E Richman?

— Vai descobrir quem é o fornecedor de Salt Lake City.

 

Mais ou menos à mesma hora, aconteceu o seguinte na metrópole nova-iorquina, com um homem que parecia pouco inteligente e, por causa de uma corcunda, oferecia um aspecto um tanto miserável:

Estava almoçando numa lanchonete. Pegou uma bandeja com um bife grande, mas fino, e uma porção de vagens e batatas fritas; tomou lugar junto a uma mesa cujas cadeiras estavam todas desocupadas. Uns cinco minutos depois, quando acabara de constatar que o bife nem de longe correspondia às suas expectativas, outro homem — jovem, alto, robusto e elegante — sentou à mesma mesa.

— Teve azar ali na esquina? — perguntou o homem depois de algum tempo.

Naquele local a expressão ali na esquina era um estereótipo que designava a Wall Street.

O jovem levantou os olhos do prato com uma expressão sombria no rosto e examinou seu interlocutor.

— O senhor tem alguma coisa com isso? — respondeu em tom grosseiro.

Mas o outro não se intimidou.

— Tenho um olho clínico para essas coisas — afirmou. — Talvez possa ajudá-lo.

— O senhor?

Essas duas palavras encerravam uma dose insultuosa de menosprezo.

Mas o homem a quem era dirigido o menosprezo limitou-se a acenar a cabeça:

— Sim, eu.

E não estava exagerando. Aquele homem corcunda, de andar tortuoso, de aspecto tímido e insignificante, com a coroa rala de cabelos desbotados, em parte grisalhos, outro não era senão Homer G. Adams, ostensivamente chefe da General Cosmic Company, a maior empresa industrial da Terra, e além disso ministro das finanças da Terceira Potência.

— Conheço alguns dos truques com os quais se consegue arrancar o dinheiro de certos criançolas esquentados e desbocados — disse Homer G. Adams, brincando com uma caixa de fósforos. — Justamente por isso também conheço os truques que podem ajudar essa gente a recuperar seu dinheiro.

O jovem remexeu a comida que se encontrava em seu prato; parecia ligeiramente embaraçado.

— Já ouviu falar naquela história da Airlines United? — perguntou.

Adams se sobressaltou.

— Meu Deus, não vá me dizer que comprou papéis da Airlines United.

O jovem fez que sim.

— Faz quatro dias.

Adams nem se deu ao trabalho de esclarecer o jovem sobre o assunto. Limitou-se a perguntar:

— Quanto perdeu?

— Tudo — resmungou o jovem.

Adams sorriu.

— Quanto vem a ser isso?

— Pouco mais de doze mil dólares.

Adams fez um gesto com a cabeça.

— É um bom dinheiro para um jovem da sua idade. Aliás, como é seu nome?

— Meu nome? Elmer Bradley. Sou desenhista técnico. Ganhei o dinheiro de herança.

Fitou Adams, como se esperasse que também o corcundinha se apresentasse.

— Meu nome é Adams — disse este em tom indiferente.

Nos Estados Unidos havia mais de um milhão de pessoas com esse nome. Não era de esperar que só por se chamar Adams alguém o ligasse à General Cosmic Company.

— Qual é a dica que me dá? — perguntou Bradley.

— No momento nenhuma — respondeu Adams em tom decidido. — Estou disposto a lhe emprestar a mesma soma que perdeu, para que possa tentar novamente.

Por estranho que parecesse, Bradley não parecia se impressionar muito com a oferta.

“Provavelmente a esta hora estará pensando que sou um idiota convencido”, pensou Adams, divertindo-se no íntimo.

Bradley perguntou:

— Neste instante?

Adams sacudiu a cabeça.

— Apareça no meu escritório quando tiver tempo. Lá lhe darei o dinheiro e estudaremos juntos a situação da Bolsa, para que saiba o que comprar.

Pegou uma agenda de bolso, arrancou uma folha e escreveu algumas linhas. Depois empurrou-a a Bradley.

— General Cosmic? — perguntou Bradley, surpreso. — Será que o senhor é...

Adams interrompeu-o com um sorriso.

— Nada disso. Em nossa firma há uns dez Adams, e nenhum deles tem qualquer parentesco com o chefe. O senhor irá?

Bradley sorriu.

— Não tenha a menor dúvida!

 

Farina parecia bastante contrariado.

— Nada — disse com um gesto de desprezo. — Não tem nenhum arado automático de dez relhas que possa vencer uma subida de trinta por cento. Por pouco não fazem gozação de mim por causa disso.

Rhodan riu.

— A idéia era justamente essa. Falou com Raleigh?

Farina confirmou com um gesto de cabeça.

— Durante cerca de vinte minutos.

— E daí?

Farina ergueu os ombros.

— Diria que talvez sua idéia não dê resultado.

Rhodan não parecia se importar com isso.

— De qualquer maneira ainda teremos outro meio — respondeu.

Farina ponderou:

— Precisaremos desse meio.

Às sete da noite, Perry Rhodan telefonou para a Farming Tools and Machines.

Raleigh não parecia muito satisfeito com a interrupção.

— Compreendo perfeitamente que minha chamada não lhe dê nenhum prazer — disse Rhodan. — Acontece que preciso falar imediatamente com o senhor.

— Qualquer um pode aparecer com esse tipo de conversa — protestou Raleigh. — Afinal, quem é o senhor?

— Sou um homem que lhe pode causar muitos problemas, a não ser que o senhor chegue a um acordo satisfatório comigo — respondeu Rhodan em tom de animosidade.

Ficou admirado de que Raleigh não desligou imediatamente. Será que sua consciência pouco tranqüila o impedia de fazê-lo?

— A mim ninguém causará problemas! — afirmou Raleigh.

— Depois que tiver falado comigo o senhor não dirá mais isso — objetou Rhodan.

Raleigh parecia refletir.

— Pois bem — disse depois de algum tempo. — Venha.

— Para onde? — perguntou Rhodan.

— 2.035, Parkway Drive. É o endereço de minha residência.

Rhodan preparou-se cuidadosamente para a tarefa. Não esperava que Raleigh fosse reconhecê-lo. Estava equipado com um radiador portátil de impulsos térmicos e um projetor mental. Não levava outras armas. Teve que dispensar até mesmo o traje transportador arcônida, que o protegeria contra qualquer tipo de projétil, porque a estranha vestimenta revelaria imediatamente sua identidade.

No início ainda esperava que não seria obrigado a recorrer ao projetor mental. Provavelmente Raleigh era um membro pouco importante do grupo que conspirava contra a Terceira Potência. E era conveniente para as investigações que o inimigo desconhecido ficasse o maior tempo possível sem saber que o contragolpe já começara.

Pegou o carro alugado em Sacramento e dirigiu-se ao Parkway Drive. Raleigh habitava uma casa que, embora ostentasse um estilo ridículo e ultrapassado, era grande e sem dúvida dispendiosa. Distava tanto da rua que Raleigh tivera que construir um caminho particular para alcançá-la.

Quando Rhodan chegou, eram vinte horas e quarenta minutos. Só a luz pálida das estrelas iluminava a noite. Por mais que Rhodan lançasse os olhos em torno, não via o capitão Farina que, segundo o combinado, devia se encontrar nas proximidades.

Acionou a campainha embutida no batente e aguardou até que o convidassem a entrar.

Pela descrição de Farina, o homem que deixou entrar Rhodan foi o próprio Raleigh.

— Meu nome é Wilder — disse Rhodan. — É muita gentileza sua me receber a esta hora.

Estendeu a mão a Raleigh, mas este fingiu não vê-la. Seu rosto parecia frio como gelo.

Rhodan foi conduzido a um pequeno aposento, que parecia ser o escritório de Raleigh. Este, sem proferir uma palavra, apontou uma poltrona. Rhodan sentou.

— Então? — perguntou Raleigh.

Rhodan reclinou-se confortavelmente na poltrona e cruzou as pernas.

— O senhor roubou minha invenção — disse como que ao acaso e num tom de voz que nada tinha de dramático.

Raleigh estava sentado atrás de sua escrivaninha. Ergueu-se ligeiramente e inclinou-se por cima da mesma. Parecia que acabara de levar um tremendo susto.

— Sua invenção? — fungou. — Repita isso!

Rhodan fez um gesto de assentimento.

— É o que acabo de dizer: o senhor roubou minha invenção.

Raleigh deixou-se cair na poltrona.

— Que invenção? — perguntou. “Acalmou-se muito depressa. Depressa demais”, pensou Rhodan.

— O senhor sabe perfeitamente — respondeu. — Há algum tempo o senhor vem produzindo aivecas, arados e mais umas maquinazinhas, todas de um tipo que a humanidade conhece há milhares de anos. Foi só nestes últimos dias que uma verdadeira novidade surgiu na história da empresa. E essa novidade foi roubada de mim.

Raleigh manteve-se impassível.

— Está em condições de provar isso? — perguntou.

— Naturalmente. Quer que apresente a prova em juízo?

Muito sério, Raleigh fez um gesto com a cabeça.

— Faço questão — respondeu em tom tranqüilo.

Rhodan percebeu que seu blefe não serviria para nada. Raleigh conhecia a origem do comando robotizado de seus arados; não cairia num truque desses.

— O senhor se arrependerá — voltou a investir Rhodan.

Raleigh levantou-se.

— Eu não — disse em tom glacial. — Mas o senhor...

Rhodan também se levantou. Com um gesto disfarçado tirou o pequeno projetor mental do bolso e dirigiu-o sobre Raleigh.

Raleigh logo percebeu. Seu rosto contorceu-se num sorriso de deboche. Não tinha medo.

— Agora o senhor vai me dizer quem está atrás do senhor — ordenou Rhodan.

Enquanto proferia essas palavras, comprimiu o acionador do projetor mental e ficou aguardando que os impulsos transmitidos por via hipnótica fizessem Raleigh falar.

Mas este continuava com o sorriso de deboche no rosto.

Rhodan percebeu que nem tudo corria conforme ele calculara. Por que Raleigh demorava tanto em se submeter à influência do projetor mental? Ou será...

— Andei pensando a mesma coisa — observou Raleigh em tom zombeteiro. — O que é isso? Um hipnotizador?

Deu uma risada de deboche.

— Desta vez o senhor pegou o bonde errado. Seu... seu rhodanita reformador do mundo.

Rhodan sentiu o ódio indisfarçado que vibrava naquelas palavras e também sentiu que Raleigh não o reconhecera; por enquanto sabia apenas de onde vinha.

Rhodanita reformador do mundo! A expressão seria para rir; mas no momento não havia motivo para isso.

No escritório de Raleigh havia duas portas, e ambas se abriram ao mesmo tempo. Os homens que apareceram nelas, dois em cada, mantinham as pistolas automáticas levantadas, não permitindo qualquer dúvida sobre suas intenções.

— Prendam-no! — disse Raleigh por entre os dentes.

Rhodan ainda não se deu por vencido. Sabia que não havia mais tempo para pegar o radiador de impulsos térmicos. Mas ainda não acreditava que também os subordinados de Raleigh fossem insensíveis à influência hipnótica.

Virou-se ligeiramente para o lado, fazendo com que uma das portas caísse no raio de ação do projetor mental e ordenou:

— Vocês vão me deixar em paz. Larguem as armas.

Os homens não fizeram nada disso. Foram entrando na sala, e Rhodan ouviu que os dois que se encontravam atrás dele também se colocaram em movimento.

Apenas por uma fração de um décimo de segundo a terrível surpresa causada pelo fato de que, naquele caso, seu projetor hipnótico não valia mais que o metal de que era feito, turvou seu raciocínio. Num instante percebeu que antes de tudo precisaria ganhar tempo, para que o capitão Farina pudesse interferir nos acontecimentos.

— Parem aí! — disse Rhodan em tom ameaçador. — Mais um passo, e transformo todo mundo em cinza.

Levantou o projetor mental mais alguns centímetros e entortou ostensivamente o dedo. Os homens pararam, e Rhodan percebeu sua chance. Teria de falar.

— Vocês pensam — disse com um sorriso zombeteiro — que basta que apertem seus gatilhos para me liquidar, não é? Não se esqueçam de que, mesmo que me acertem em cheio, ainda terei tempo para levá-los comigo.

Era uma conversa idiota, infantil; mas ajudava a ganhar tempo e roubava um pouco da segurança dos quatro guarda-costas. Um deles olhou para Raleigh.

Este não sabia até onde era verdadeira a ameaça.

— Está blefando — resmungou. — Esse negócio é uma arma hipnótica. Ninguém pode atirar com ela.

Mas não tinha muita certeza do que estava dizendo, e os outros não deixaram de percebê-lo.

Ficaram parados e olharam para Rhodan.

— Então? — disse Rhodan. — Querem experimentar? Prometo que terão uma morte rápida e indolor.

Subitamente um dos quatro atirou a cabeça para trás e gritou:

— Que nada! Esse sujeito está blefando!

Rhodan viu que seu dedo se entortava no gatilho. Triste, pensou que, de qualquer maneira, Farina chegaria tarde.

 

— É uma dica formidável, Mr. Adams — disse Bradley exultante. — Desde ontem os papéis de Hanson & Sons subiram doze pontos.

Aquela explosão de entusiasmo não deixou Adams muito impressionado. Sorriu com uma ligeira ironia e disse:

— Tenha um pouco de paciência. Subirão ainda mais. Pelo menos trinta pontos, segundo os meus cálculos.

Bradley sentou do outro lado da escrivaninha. Nos últimos dois dias comparecera pelo menos duas vezes por dia ao escritório de Adams. Este o recebia numa pequena sala, que não traía a real qualidade de seu ocupante.

Por várias vezes indagara de si para si o que o levava a gostar tanto de Elmer Bradley. Não encontrou resposta. Gostava daquele jovem, e era só.

Gostou tanto dele que no dia em que o conhecera emprestou-lhe trinta mil dólares para que pudesse recuperar o prejuízo. Bradley mostrara-se digno da confiança depositada nele, apresentando a Adams as ações que adquirira. O próprio Adams dera-me a dica relativa aos papéis de Hanson & Sons, revelando um ótimo faro. Desde anteontem houvera uma alta total de vinte e um pontos nas ações dessa empresa, o que significava que Bradley conseguira um lucro com aqueles trinta mil dólares.

— Tenho uma coisa para o senhor! — disse Bradley de sopetão, com a cara de quem acaba de comprar um presente de natal.

Adams ergueu as sobrancelhas.

— Ah, é? Deixe ver.

Bradley tirou do bolso um papel dobrado várias vezes, com aspecto de jornal. O primeiro exame revelou que se tratava de um prospecto particular da bolsa.

Adams submeteu o papel a um cuidadoso exame. À medida que lia, tornava-se cada vez mais nervoso.

— Isso é uma coisa nunca vista! — exclamou depois de algum tempo. — Esse homem deve ser um idiota.

Bradley parecia um tanto embaraçado.

— Eu pensei que isso o interessaria — disse. — Mas, para falar com franqueza, não entendo muito da coisa. Poderia me explicar?

Com um gesto animado da cabeça, Adams principiou:

— Um certo sujeito, um peruano, diz ter descoberto uma rica mina de ouro. A jazida aproveitável é calculada em mais de dez milhões de toneladas. Existem pareceres técnicos nesse sentido. O homem gastou todo o dinheiro de que dispunha para comprar o terreno e agora quer fundar uma sociedade por ações para explorar a mina. As leis financeiras do Peru são bastante elásticas. O homem divulgou sua idéia. Até o momento não encontrou nenhum sócio. Avalia a propriedade imobiliária, juntamente com a mina, em trinta por cento do capital da sociedade a ser criada, e convida qualquer um que tenha vontade para adquirir os restantes setenta por cento, e com isso a maioria absoluta da empresa.

Os olhos de Adams, geralmente inexpressivos, começaram a brilhar. Pouco lhe interessava que Bradley tivesse ou não tivesse entendido sua explicação. Saiu de trás de sua escrivaninha e correu mancando em direção à porta. Bradley esperou-o por mais de uma hora. Só depois disso convenceu-se de que naquele dia não o veria mais e foi embora.

Nesse meio tempo Adams desenvolveu uma atividade de vulcão em plena erupção. De seu verdadeiro escritório, transmitiu instruções aos bancos da General Cosmic, para que preparassem a importância que se tornava necessária para a compra das ações da empresa peruana. Segundo um cálculo superficial essa importância atingia cerca de um bilhão e meio de dólares, e um cálculo também superficial revelava que a mina de ouro proporcionaria à General Cosmic um lucro de pelo menos seis bilhões de dólares.

Meia hora depois de ter lido o prospecto, Adams manteve uma prolongada conferência telefônica com o senhor Ramirez, residente em Callao, proprietário do terreno em que seria instalada a mina. Ramirez estava mais que satisfeito por ter encontrado tão depressa um sócio para seu projeto, e prometeu enviar os pareceres dos geólogos ainda no mesmo dia.

Na noite daquele dia a General Cosmic Company — conhecida pelas iniciais G.C.C.

— realizou a maior compra singular jamais registrada pela história das finanças. Homer G. Adams adquiriu um bilhão quatrocentos e cinqüenta e um milhões setecentos e oitenta e oito mil dólares de ações de uma empresa recém-fundada, a Peruvian Gold.

Isso representava setenta e um por cento do capital.

Naquela noite, nem mesmo Homer G. Adams, geralmente tão calmo, conseguiu conciliar o sono.

 

— Pare! — gritou Raleigh, exaltado ao extremo. — Não atire! Precisamos dele vivo — explicou. — Como vêem, apenas blefou com essa arma. Prendam-no.

Rhodan aguardara em vão um instante em que a atenção dos guarda-costas se desviasse o suficiente para que pudesse pegar o radiador térmico sem correr maiores riscos. A qualquer momento, ao menos três daqueles homens se mantinham de olhos fitos nele.

Apesar disso a intervenção de Raleigh representou a salvação.

Tudo correu sem a menor dramaticidade. Em uma das duas portas que os guarda-costas de Raleigh haviam deixado abertas, surgiu a figura morena e corpulenta do capitão Farina.

Empunhava uma pistola automática do modelo mais recente.

Rhodan foi o primeiro que o viu. Um instante depois, os dois homens que se encontravam atrás dele também o descobriram.

— Nada de nervosismo — disse Farina em tom tranqüilo. — Acho que vieram até aqui porque acreditavam que, com a maior facilidade, conseguiriam capturar um prisioneiro. Acontece que as coisas estão mudadas. Qualquer movimento mais precipitado custará imediatamente a vida de quem o fizer.

Esperou que suas palavras produzissem o efeito desejado. Depois comandou em tom enérgico:

— Deixem cair as armas.

Hesitantes, os homens largaram as pistolas, que caíram ruidosamente ao chão.

Rhodan voltou a guardar o projetor mental no bolso e tirou a arma de impulsos térmicos. Em tom ligeiramente irônico disse:

— Foi sobre isto que lhes falei há pouco tempo.

Farina amarrou os homens, enquanto Rhodan os mantinha sob controle. Nenhum deles fez qualquer tentativa de escapar.

Farina viera em seu carro. Seguiu logo atrás do carro de Rhodan. Subiram as montanhas da Serra Nevada. Durante a viagem Rhodan transmitiu uma mensagem radiofônica para Terrânia.

Pela meia-noite os dois veículos chegaram ao lago Tahoe, que ficava num lugar solitário. Uma nave transportadora da Terceira Potência já os aguardava. Rhodan entregou os prisioneiros e enviou uma mensagem escrita a Reginald Bell, para que o resultado do interrogatório lhe fosse comunicado pelo caminho mais rápido.

À zero hora e quinze minutos, a pesada máquina decolou da margem do lago e desapareceu em meio à noite.

 

Na manhã do dia seguinte chegaram as primeiras informações sobre o interrogatório.

Raleigh não se lembrava de nada. Ignorava tudo a respeito das grades e dos arados automáticos que costumava vender. E nada sabia do homem que pretendera eliminar por meio de quatro guarda-costas.

Passou a fazer de tolos os homens que o interrogavam, e exigiu sua imediata libertação.

Mas Crest, que conduzia o interrogatório, era de outra opinião. Sabia que, a partir do dia em que iniciara a venda das máquinas agrícolas dirigidas por robôs, Raleigh se encontrara sob uma influência hipnótica incrivelmente forte e provavelmente ininterrupta, e que essa influência cessara desde o momento em que se tornara evidente que Raleigh havia perdido o jogo.

Crest ainda não sabia quem era o homem que exercera tamanha influência sobre Raleigh. Devia ser um hipno de potência extraordinária, ou então disporia de um instrumento mecânico de hipnose.

Crest estava convencido de que mesmo aquilo que Raleigh fizera em virtude da influência estranha a que estivera submetido ainda estava arquivado em sua memória, se bem que em certas áreas do ego que se tornavam inacessíveis à sua consciência. Portanto, Raleigh não mentia ao afirmar que nada sabia daquilo de que era acusado.

O arcônida tinha plena certeza de que conseguiria revelar também a memória sub ou inconsciente de Raleigh, com o que obteria informações das mais valiosas. É bem verdade que seria um trabalho de dias, talvez de semanas. E isso não servia a Rhodan na fase inicial do contragolpe.

Rhodan sabia perfeitamente que saíra incólume da primeira batalha, mas que havia perdido. Juntamente com Farina revistara na noite seguinte as instalações fabris da Farming Tools and Machines, mas não encontrara nada que lhe fornecesse qualquer indicação sobre a identidade do homem ou do poderio que se encontrava atrás da empresa.

Pelo contrário, tinha certeza quase absoluta de que toda essa história das grades e dos arados só foi encenada para atrair algum elemento importante da Terceira Potência para Sacramento e capturá-lo. Raleigh era o homem escolhido para pôr a armadilha a funcionar. Não havia dúvida de que, quando Rhodan entrou em contato com ele, usando o nome suposto Wilder, percebera logo que sua vítima havia chegado.

Por pouco, Rhodan conseguiu se livrar da armadilha.

Mas o desconhecido estava prevenido, e Rhodan não conseguiu compensar a desvantagem por meio de qualquer informação que conseguisse obter.

No momento só restava a esperança de que o tenente Richman conseguisse descobrir alguma coisa em Salt Lake City.

O fato de que, nos últimos dias, nada de novo acontecera em Terrânia não o tranqüilizava muito. Certamente não tinha sua origem na maior segurança das instalações de defesa, mas na circunstância de que o grande desconhecido devia estar ocupado em outra coisa.

 

No dia seguinte ao da grande compra, Elmer Bradley voltou a aparecer e restituiu o dinheiro que Adams lhe havia emprestado. Os papéis de Hanson & Sons deram um salto enorme — a segunda sensação de Wall Street naqueles dias — e em poucos dias Bradley tivera um lucro de quinze mil dólares em cima dos trinta mil emprestados por Adams.

Bradley pagou sua dívida em ações. Também conservou seus quinze mil dólares em ações. Adams procurou convencê-lo a ficar também com os trinta mil dólares que lhe havia emprestado.

— O senhor me ajudou a fazer um negócio formidável — disse com um sorriso. — Gostaria de demonstrar-lhe minha gratidão.

Mas não foi possível convencer Bradley. Disse que preferia aproveitar o dinheiro que acabara de ganhar para tirar férias e descansar da estafa dos últimos dias.

Despediu-se e nunca mais foi visto, ao menos por Homer G. Adams.

 

Durante todo o dia chegavam as notícias enviadas pelo tenente Richman. Não eram muito animadoras:

— Por enquanto nada de novo. Continuo na pista.

Mas ao menos provava que Richman continuava a cuidar do assunto.

No quarto dia não chegou qualquer notícia. Rhodan estava preocupado; já o capitão Farina aumentou sua dose de otimismo.

— Com Richman — observou — isso significa que encontrou alguma coisa.

Por isso não se preocuparam mais com ele.

Na noite do mesmo dia leram nos jornais que a polícia de Salt Lake City havia descoberto um cadáver nos depósitos situados nas proximidades da estação da Union Pacific. A notícia estava acompanhada de uma fotografia e a descrição do cadáver, tão minuciosa que não havia a menor dúvida: o cadáver era do tenente Richman.

 

Naquela mesma noite, Farina e Rhodan foram a Salt Lake City. Farina nunca estivera tão calado como naquelas horas. Percebia-se perfeitamente que se recriminava por sua leviandade.

Em Salt Lake City comunicaram-se com a polícia. O capitão Farina se identificou, enquanto Rhodan continuou a fazer o papel de Mr. Wilder, cujo interesse no assassínio do tenente Richman não foi revelado à polícia.

As indicações que receberam foram simplesmente miseráveis. O cadáver foi encontrado por dois policiais da ronda. Segundo o parecer do médico-legista, Richman morrera cerca de três horas antes da descoberta do cadáver. Não havia qualquer pista. Havia uma certa probabilidade de ter sido morto no lugar em que foi encontrado seu cadáver, não tendo sido arrastado para lá depois de ter sido assassinado.

O proprietário do depósito era um homem de conduta irrepreensível, que conseguiu provar dentro de poucos minutos que não era o assassino e nada tinha que ver com o fato.

Farina e Rhodan passaram a noite num hotel. Ao raiar do dia, quando surgiram os primeiros jornais, havia uma nova sensação para o mundo. Era uma sensação que pouco interessava a Farina, mas em compensação era de bastante interesse para Rhodan, que imediatamente interrompeu sua permanência em Salt Lake City e voltou para Nova Iorque.

Um único acontecimento enchia os jornais:

De um dia para outro a General Cosmic perdia um bilhão e meio.

 

Na verdade o prejuízo era muito maior.

Na verdade, a General Cosmic era um truste formado de grande número de empresas aparentemente autônomas. A entidade conhecida como a General Cosmic Company era apenas o centro administrativo de centenas de empreendimentos.

Esses fatos não deixaram de chegar ao conhecimento dos homens da Bolsa. Embora Adams tivesse agido com a maior cautela ao realizar a congregação, do total das cento e noventa e três empresas, sabia-se que vinte pertenciam à General Cosmic. Quem conhecesse a curiosidade do pessoal da Bolsa não deixaria de reconhecer que se tratava de um “índice de segredo” altamente favorável.

Quando o fato de que a General Cosmic acabara de ser lograda em um bilhão e meio de dólares naquela história da mina de ouro do Peru chegou ao conhecimento do público, as cotações das vinte empresas filiadas conhecidas desceram ao infinito.

Nervosos em virtude desses acontecimentos, também os acionistas das empresas cuja filiação à General Cosmic ainda não era conhecida procuraram se livrar quanto antes dos papéis que detinham, tornando ainda mais violenta a baixa dos valores da G.C.C. Felizmente a própria G.C.C. detinha ao menos noventa por cento das ações de cada empresa. Dessa forma o efeito foi doloroso, mas não perigoso.

Por fim a baixa foi detida porque na tarde daquele dia alguns especuladores muito espertos passaram a adquirir quantidades enormes de ações do grupo G.C.C. Acreditavam que tudo não passasse de um truque bolsístico bem sucedido, e viam naquilo uma chance de enriquecer.

Conforme haveria de se verificar depois, seus cálculos foram corretos, não porque tudo aquilo não passasse de um truque, mas porque a G.C.C. fora montada numa base suficientemente robusta para suportar o prejuízo.

Rhodan chegou a Nova Iorque pelas doze horas do dia da catástrofe. Saiu do aeroporto diretamente à procura de Homer G. Adams. Viu diante de si um homem que havia perdido toda a autoconfiança e não estava muito distante de um colapso nervoso total.

Rhodan perdeu uma hora preciosa para incutir nova coragem a Homer G. Adams. Seu argumento principal foi este:

— A General Cosmic dispõe de um capital de mais de duzentos bilhões de dólares. O negócio da mina de ouro e a baixa dos nossos papéis ocasionaram um prejuízo total de quatro bilhões. Isso representa menos de dois por cento! Não adianta desanimar por tão pouco. Temos coisa mais importante a fazer.

Só depois de algum tempo, Homer G. Adams mostrou-se interessado em saber que coisa mais importante seria essa. Rhodan pediu informações sobre a causa dessa especulação fracassada.

— Não faço esta pergunta porque desconfie de você — apressou-se em acrescentar — mas porque ultimamente certas forças vêm agindo com o objetivo evidente de arruinar a Terceira Potência. Espero que você me ajude a encontrar uma pista. Procure compreender, Adams!

Homer G. Adams forneceu um relato minucioso. Estava acostumado a andar constantemente com um micro gravador. Todas as palestras mantidas com Bradley ou com qualquer outra pessoa estavam registradas. Rhodan mostrou-se mais interessado nesses registros que no relato direto de Adams.

Foi fácil localizar a pista, mesmo para quem não dispusesse de conhecimentos psicanalíticos. Rhodan escutou toda a fita, e reproduziu diante de Adams a primeira conversa, que tiveram na lanchonete da esquina da Wall Street.

Adams ouviu atentamente.

— Está percebendo alguma coisa? — perguntou Rhodan depois de algum tempo.

Adams refletiu. Depois sacudiu a cabeça.

— Não, nada.

— Você costuma emprestar dinheiro sem mais nem menos? — prosseguiu Rhodan.

Adams protestou.

— Não, nunca. Por vários motivos.

Rhodan dispensou a exposição dos motivos.

— Por que emprestou trinta mil dólares a Bradley?

Adams deu de ombros.

— Meu Deus, achei-o muito simpático. Eu mesmo andei quebrando a cabeça sobre o motivo por que gostei tanto dele. Gostei, e pronto.

Rhodan acenou com a cabeça e apontou para o pequeno gravador.

— Não notou que Bradley nem quis saber o motivo por que você se dispôs a emprestar-lhe o dinheiro?

— Não — confessou Adams surpreso.

— Não sei o que dirão os psicólogos — observou Rhodan. — Mas na minha opinião seria de esperar que um jovem que recebe uma oferta de empréstimo de um homem que nunca viu indagasse sobre os motivos dessa oferta.

Adams concordou com essa opinião. Começou a se admirar de não se ter lembrado disso antes.

— Só há uma explicação razoável para o fato de Bradley não ter feito essa pergunta — prosseguiu Rhodan. — Sabia perfeitamente que você o achava tão simpático. Desde o início tinha certeza de que lhe emprestaria o dinheiro e cumpriria qualquer desejo dele.

Adams parecia cair das nuvens.

— Como é que ele poderia saber?

Rhodan se inclinou em direção a Adams.

— Na minha opinião, Bradley é um telepata muito potente. Além disso, deve ter a capacidade de emitir comandos hipnóticos com elevado grau de eficiência pós-hipnótica.

As suposições de Rhodan foram confirmadas em toda linha.

Verificou-se que o indivíduo do Peru, com o qual Adams teria mantido a palestra telefônica, não existia. Ainda mais: foi averiguado que nos últimos três meses nenhuma ligação para o Peru havia sido feita dos aparelhos da General Cosmic.

O telefonema só existira na imaginação de Homer G. Adams, e essa imaginação resultava de uma falsa representação sugerida por Bradley.

O prospecto que havia enganado Adams não passava de um impresso no qual se reconhecia, à primeira vista, uma contrafação primária, e que não teria induzido esse tipo de reação nem mesmo num principiante.

A prova final resultou de um exame psicológico. Verificou-se que, ainda agora, quarenta e oito horas depois do último contato com Elmer Bradley, a atividade cerebral de Homer G. Adams se desenvolvia com uma lentidão anormal, o que constituía o indício mais seguro de uma influência hipnótico-sugestiva precedente.

Não havia a menor dúvida: Adams fora atingido por um truque do misterioso desconhecido, que também era responsável pelos acidentes e roubos ocorridos na cidade de Terrânia e pela venda das máquinas agrícolas robotizadas de Mr. Raleigh.

 

Naquele instante, esse homem nem de longe estava tão satisfeito como seria de esperar.

Sem dúvida pudera registrar uma série de êxitos. Mas, ao comparar esses êxitos com aquilo que esperava alcançar através da ação empreendida, verificou que os mesmos não correspondiam sequer a cinqüenta por cento dos seus planos.

A partir do seu quartel-general, que ficava a trinta metros abaixo do solo e, juntamente com a casa que se erguia acima dele, representava uma fortaleza inexpugnável em meio a uma área civilizada, manteve uma palestra de TV com o jovem que se apresentara a Homer G. Adams com o nome de Elmer Bradley.

Quando o rosto do jovem surgiu na tela, não parecia irradiar uma dose maior de otimismo do que na oportunidade em que pela primeira vez se encontrara com Adams.

— Que besteira foi essa? — gritou Monterny. — O senhor recebeu instruções para causar um prejuízo de pelo menos dez bilhões de dólares à General Cosmic. E o que conseguiu? Por um cálculo otimista, cerca de quatro bilhões. O que é isso?

Elmer Bradley residia numa casa pequena e modesta, situada numa cidade também pequena e modesta do norte da Califórnia. As comunicações com Monterny, o Supercrânio, desenvolviam-se através de canais que estavam imunes a qualquer tipo de vigilância.

O próprio Monterny nunca surgia na tela. O tubo de imagem do aparelho de Bradley, quando este se achava ligado, produzia apenas um confuso tremeluzir branco em fundo negro.

— Não tenho certeza — disse Bradley em tom desanimado. — Os dados que o senhor me forneceu eram tão transparentes que, de início, nem acreditei que pudesse ser bem sucedido. Não era possível que um homem como Adams caísse naquilo.

— Como vê — respondeu Monterny em tom áspero — ele caiu.

Bradley respondeu com um aceno de cabeça; parecia cansado.

— É verdade. De qualquer maneira fiquei satisfeito em poder dar o fora.

Subitamente a voz saída do receptor tornou-se gelada.

— O senhor me estragou um golpe, Bradley! Um golpe que por pouco não me faz atingir o objetivo fixado nos meus planos. O senhor teve tempo de sobra para preparar o grande golpe contra a General Cosmic. A quantia de dez bilhões de dólares representava o limite inferior. Para um homem dotado das suas faculdades teria sido fácil atingir o dobro, o triplo e até mais. Se uma empresa do porte da G.C.C. perde mais de dez por cento de seu capital, isso geralmente significa o fim. Tudo isso estava ao seu alcance, Bradley! E o senhor deixou escapar a oportunidade. Por puro medo o senhor agiu precipitadamente. E com isso só conseguiu que nas minhas próximas investidas contra a General Cosmic terei de agir com uma cautela toda especial, se é que ainda me posso dar ao luxo de atacá-la. O senhor terá que se submeter a um novo treinamento, Bradley.

Bradley estremeceu.

Assim que Monterny descobrira nele um telepata de primeira ordem, Bradley teve de se submeter a um treinamento. Estava firmemente convencido de que nem no inferno havia coisa pior. O único objetivo desse treinamento consistiu em ativar a faculdade parapsicológica de Bradley até o limite de sua capacidade, e em familiarizá-lo com os objetivos do Supercrânio; e também com a idéia de que não haveria qualquer objeção contra os mesmos.

Bradley que, fora de seus dons extraordinários, era um homem absolutamente normal, inclusive no que dizia respeito às suas idéias, procurara por duas vezes se subtrair à influência de seu senhor.

Por duas vezes sentira o poder brutal do Supercrânio. Por duas vezes sentira a martelada espiritual que, de uma hora para outra, apagava sua vontade para que prevalecessem exclusivamente as ordens do Supercrânio. E essas ordens teriam de ser cumpridas imediatamente.

Bradley poderia imaginar perfeitamente que o segundo treinamento não seria mais agradável que o primeiro. Mas não formulou qualquer objeção.

— Amanhã passará alguém por aí para levá-lo — disse o Supercrânio. — Vá com essa pessoa e o senhor se transformará num outro homem.

Monterny deu por terminada a palestra. A confusão de linhas ofuscantes na tela do aparelho de Bradley se apagou.

De seu quartel-general, Monterny transmitiu instruções para que dali por diante as atividades de seu grupo fossem transferidas para a filial japonesa.

Esperava alcançar mais com as ações planejadas se elas partissem de um ponto mais próximo à base inimiga.

 

Nesse meio tempo, em Terrânia, as pesquisas psicológicas dos presos, realizadas por Crest, o arcônida, haviam atingido um estágio em que se esperava obter as primeiras informações importantes.

Raleigh passara os últimos dias num estado de transe. Não ofereceu a menor resistência quando Crest se esforçou para penetrar em seu inconsciente.

Crest sabia que as informações que Rayleigh pudesse fornecer se revestiriam da maior importância para Rhodan. Pediu a Thora que lhe prestasse auxílio na pesquisa decisiva.

Nos últimos dias, Thora, a arcônida, não tivera outra coisa a fazer senão se recuperar do choque que lhe rendera a aventura de Vênus.

Thora e Crest pertenciam à tripulação de um cruzador espacial de exploração, que saíra do planeta de Árcon, situado a mais de trinta mil anos-luz, com a incumbência de realizar pesquisas neste setor da Via Láctea. A nave, comandada por Thora, ficou presa na Lua, onde Perry Rhodan a descobriu durante sua primeira viagem espacial. Na época, Crest precisava de auxílio dos humanos. Estava doente, e nenhuma das pessoas que se encontravam a bordo da nave estava em condições de curá-lo. Rhodan providenciou o auxílio de que precisava e reconheceu as possibilidades imensas que lhe oferecia o cruzador arcônida, produto de uma tecnologia com um avanço de milênios sobre a da Terra.

Crest apoiou-o, primeiro por gratidão, depois em virtude de uma compreensão íntima. Thora se opôs; só estava interessada em retornar quanto antes ao seu mundo natal.

Mas o caminho de volta lhe foi barrado pelas potências terrenas, informadas sobre o pouso de uma raça estranha sobre a Lua. Foguetes terrenos destruíram o cruzador avariado. Além de Crest, que na época se encontrava na Terra, só restou Thora e uma pequena nave auxiliar esférica com sessenta metros de diâmetro.

Essa nave e os equipamentos que trazia a bordo conferiram a Rhodan uma supremacia técnica absoluta para o Estado recém-criado, a Terceira Potência. Rhodan impediu uma guerra que teria trazido o fim de toda e qualquer civilização terrestre, e acabou sendo reconhecido pelas grandes potências. Repeliu os ataques desfechados por inteligências extraterrenas, atraídas pelo sinal de emergência irradiado pelo cruzador arcônida, e alcançou uma decisão favorável aos agredidos numa guerra travada no sistema Vega, situado a vinte e sete anos-luz. Apresou, das mãos de uma raça que por sua vez a havia tirado de alguém, uma supernave arcônida, que foi transformada no núcleo de seu poderio. Numa viagem erradia de vários anos encontrou o mundo da vida eterna, um planeta artificial habitado por uma raça que levava uma vida espiritual coletiva e que percorria uma estranha órbita não-matemática em torno de uma série de estrelas fixas. Rhodan experimentou em seu próprio corpo o fenômeno inacreditável da renovação celular e alcançou a imortalidade, cabendo-lhe, todavia, visitar a cada sessenta e dois anos aquele mundo artificial, que chamara de Peregrino, para submeter-se a novo tratamento pelo fisiotron. Também Reginald Bell foi transformado num imortal.

Mas a inteligência coletiva espiritualizada negou o tratamento aos arcônidas. Seu tempo já havia passado; a vida eterna só seria concedida a raças jovens e ambiciosas.

Logo depois, Rhodan retornou à Terra. A situação da Terra, que se apresentava tão estável quando de sua partida, começara a balançar. O Bloco Oriental revoltara-se. Em Vênus instalara-se uma divisão espacial inimiga, cuja tarefa consistia em conquistar a base da Terceira Potência juntamente com o poderoso cérebro positrônico.

Rhodan atacou imediatamente. Dispersou a divisão para os quatro cantos, deixando vivo um número suficiente de pessoas, para que as mesmas, depois de terem aprendido a viver no mundo venusiano, acabassem formando uma colônia desligada de toda ambição política. Depois disso regressou à Terra e removeu um obstáculo à união final da Terra, que havia sido colocado pelo Bloco Oriental.

Durante todo esse tempo, Thora tivera de se consolar com a promessa de que Rhodan permitiria seu regresso a Árcon assim que a situação na Terra apresentasse um grau suficiente de segurança.

Thora esperara por vários anos da escala de tempo terrestre; depois resolveu agir por conta própria. Apoderou-se de um dos destróieres recém-construídos e foi a Vênus. Pretendia acionar a hiperestação situada naquele planeta para enviar um pedido de socorro a Árcon. Mas não sabia que o emissor de sinais codificados, sem o qual não se podia ingressar na área da base, ainda não havia sido instalado naquela nave. O destróier foi derrubado e Thora tornou-se prisioneira dos homens que ainda restavam da divisão espacial do Bloco Oriental.

Rhodan, que imediatamente saiu no encalço de Thora, não teve outro destino. Utilizou um destróier do mesmo tipo e também foi repelido e derrubado pelas instalações positrônicas da base.

Sem quaisquer recursos, já que o cérebro positrônico, alarmado por aquelas ocorrências surpreendentes, bloqueara todo o planeta, não permitindo que ninguém de fora o atingisse, Rhodan pôs-se a lutar pela libertação de Thora. Saiu vitorioso; mas por várias vezes teve de encarar a morte pela frente.

Levou Thora, uma Thora tímida e abatida, de volta para a Terra e obteve dela a promessa de que esperaria até que pudessem ir juntos a Árcon.

De certa forma Thora sentiu-se satisfeita porque Crest pedia seu auxílio. Sem que se desse conta disso, estava ansiosa por uma oportunidade de demonstrar a Perry Rhodan que não servia apenas para fazer bobagens e criar confusão. Quem sabe se essa possibilidade não surgiria durante o exame psicológico do prisioneiro.

Crest já a esperava. A sala em que Rayleigh estava deitado era ampla, mas naquele momento estava tão atulhada de instrumentos de todos os tipos que não se podia vê-la de lado a lado.

— O que pretende fazer? — perguntou Thora.

— A rastreação — respondeu Crest laconicamente.

Thora aspirou fortemente no ar.

— Não existe mais nenhuma outra possibilidade?

Crest sacudiu a cabeça.

— Nenhuma. Se é que ainda existe uma memória, esta se localiza em camadas tão profundas que só podemos alcançá-la pelo rastreamento.

Thora fez um gesto com a cabeça; parecia pensativa.

— Tomara que resista.

Crest aproximou o complicado aparelho de rastreamento, preso a um carrinho, colocando-o junto ao leito em que se encontrava o prisioneiro.

— Quer segurar os eletrodos? — perguntou Crest. — Eu observarei o indicador.

Sem dizer uma palavra, Thora pegou as duas peças em forma de espula, ligadas por um cabo ao aparelho propriamente dito, e prendeu-as a um suporte, fixado acima do crânio de Raleigh, de tal forma que as extremidades apontavam diretamente para a cabeça.

— Pronto? — perguntou Crest.

Thora verificou a posição das duas espulas.

— Pronto!

— Aí vem a corrente.

O pequeno aparelho emitiu um leve zumbido. Thora observou as espulas. Mantinham-se imóveis.

— Potência máxima! — disse Crest. Na tela surgiram linhas de luzes verdes, das quais ainda não se podia concluir nada. Crest se certificou de que o registro de imagem estava funcionando. Com base nas imagens gravadas, o cérebro positrônico estaria em condições de decifrar a memória de Raleigh.

As linhas que se entrelaçavam na tela estavam nítidas e bem estendidas, o que provava que os impulsos irradiados à potência máxima eram refletidos da maneira usual. Raleigh possuía um cérebro normal.

— Inverta a posição das duas espulas! — ordenou Crest depois de algum tempo.

Thora trocou as espulas. Um novo período de irradiação forneceria quadros que representariam o complemento dos anteriores.

O exame não durou mais de quinze minutos.

— Pronto! — disse Crest.

Uma chave foi desligada com um estalo. O zumbido cessou. Não se notava qualquer alteração no rosto de Raleigh. Sua respiração era tranqüila.

— Parece que resistiu — observou Thora.

Mas Crest já estava ocupado em outra coisa.

— Quer ajudar também na interpretação? — perguntou.

Thora sorriu.

— Será que está doente, Crest? Meu diagnóstico é o seguinte: um acesso de ativismo terrano. Acaba de fazer numa hora o trabalho que em Árcon não teria realizado num dia.

Crest retribuiu o sorriso.

— A atividade é uma coisa contagiante — respondeu. — Será que preferia ficar deitada embaixo de um observador fictício, contemplando os modelos de ondas?

Thora riu.

— Não. Prefiro ajudá-lo.

 

A General Cosmic recuperou-se. As cotações foram subindo, e os especuladores arrojados começaram a exultar.

Mas, a alguns milhares de quilômetros a oeste, um homem esforçava-se em segredo para preparar cuidadosamente o golpe mortal contra a Terceira Potência, e com isso também contra a General Cosmic.

Clifford Monterny, apelidado de Supercrânio, reuniu seus mutantes no quartel-general do Japão e informou-os sobre o que pretendia fazer.

— Desta vez não haverá qualquer falha — explicou. — Uma vez terminada nossa missão, Perry Rhodan e a Terceira Potência terão deixado de existir.

 

Rhodan gastou seu tempo examinando o caso de Homer G. Adams. Aceitou de bom grado o auxílio da Federação de Defesa da Terra, comandada por Allan. D. Mercant, e por intermédio dos agentes deste soube que a impressora que havia produzido o prospecto fictício da Bolsa ficava no Japão.

Rhodan pediu que lhe indicassem o local exato — era num subúrbio da cidade de Osaka — e examinou o caso. A impressora pertencia a um particular, e o proprietário não negou que, quinze dias antes, aparecera alguém e lhe pedira que imprimisse o prospecto.

A pista terminou ali mesmo.

Rhodan regressou a Terrânia. Esperava que nesse meio tempo Crest tivesse conseguido alguma informação de Raleigh.

 

O setor de interpretação foi devorando a massa de recordações armazenadas no cérebro de Raleigh, que nada tinham que ver com o caso de Sacramento.

Eram quadros da infância, da escola, do serviço militar, estudos na Escola Técnica da Califórnia.

O setor A rejeitou aquele material e depois de algum tempo chegou ao essencial.

Crest soltou um grito de surpresa, quando viu o primeiro quadro da série de informações. Era um homem de contornos desmanchados e rosto irreconhecível, que aparecera no escritório de Raleigh como que vindo do nada e lhe metera um tremendo susto.

Thora arregalou os olhos para a seqüência de quadros que Crest repetia ininterruptamente.

— Não é possível! — gemeu.

Crest acenou com a cabeça, ainda um pouco perplexo.

— É isso mesmo. A partir desse momento Raleigh ficou submetido a uma influência hipnótica. Ao que tudo indica a pressão psicológica podia ser reduzida ou intensificada por setores. Raleigh ainda se lembra, por exemplo, da ocorrência propriamente dita, mas o desconhecido fez com que o quadro desse homem lhe saísse da memória. Olhe só: nenhuma figura definida, nenhum rosto, nada!

Thora fitou Crest de lado.

— Até parece — conjeturou — que em sua opinião esse homem desfigurado e o desconhecido que dirige toda a ação não são uma e a mesma pessoa, não é?

Crest fez que sim.

— É isso mesmo. Tenho certeza de que uma pessoa que deve ter tamanho cuidado em nunca ser reconhecida e identificada jamais participa pessoalmente das ações que planeja. Envia seus mensageiros, e até estes são mascarados de tal forma que o parceiro involuntário não se lembrará dos mesmos. Nem mesmo o rastreador consegue trazer o quadro à luz do dia.

Fizeram outros quadros desfilarem diante de suas vistas: os primeiros fornecimentos vindos por estrada de ferro, o início da propaganda nos jornais e na televisão, as primeiras consultas, as primeiras vendas.

De permeio sempre surgiam os quadros desmanchados de homens não identificáveis, a contratação da guarda pessoal de quatro pessoas.

Finalmente o telefonema de Rhodan. A representação mental do que Raleigh pretendia fazer com Rhodan. A visita deste, a entrada em cena da guarda pessoal, a intervenção de Farina.

Finalmente, o blackout total. Nada além de algumas recordações desfiguradas de cenas transcorridas em Terrânia. E a escuridão total, correspondente ao tempo durante o qual Raleigh se encontrava em transe.

Com um suspiro, Crest desligou o projetor de imagens e fitou a mesa polida que tinha diante de si.

— Pois bem — disse Thora. — Será que aprendemos alguma coisa?

Crest não se apressou em responder.

— Aprendemos — disse em tom pensativo — que o desconhecido dificilmente liberta suas vítimas da influência hipnótica. A qualquer momento estão sujeitas à sua vigilância, às vezes mais intensa, às vezes menos intensa, exercida por via telepática.

— Isso nos adianta alguma coisa?

Crest estreitou os olhos.

— Certos cérebros sentem a influência telepática, mesmo que não sejam os que se acham submetidos à influência de outrem. A influência hipnótica também é um fenômeno de emissão e recepção que se processa pelo espaço de cinco dimensões. Verifica-se o surgimento de campos de dispersão, muito embora um bom telepata geralmente atue de forma semelhante a um emissor de raios direcionais bem congregados. Mas um bom telepata devia estar em condições de notar o fenômeno da influência hipnótica, desde que o auxiliar do desconhecido a capte a uma distância não muito grande.

Eram estes os resultados do exame psicológico, sobre os quais Perry Rhodan foi informado logo após sua chegada. Raleigh e seus homens foram dispensados. Já não representavam qualquer perigo para quem quer que fosse.

Quase no mesmo instante Rhodan recebeu um chamado de Salt Lake City, transmitido pelo emissor de raios direcionais do tipo convencional. O capitão Farina informou em palavras lacônicas que ainda não conseguira realizar qualquer progresso nas suas pesquisas em busca do assassino do tenente Richman. Rhodan recomendou que suspendesse as pesquisas.

— Encontramos a pista desse patife em outro lugar — avisou Rhodan, e Farina mostrou-se agradecido.

Uma vez de posse das informações que em parte foram coletadas pelo próprio Rhodan, em parte obtidas de Crest, pela primeira vez um mutante foi informado sobre a série de incidentes graves. Foi John Marshall, o telepata.

— Quero que me compreenda bem — concluiu a exposição. — No início não sabíamos se o desconhecido não havia obrigado algum dos nossos mutantes a se submeter às suas ordens. Só agora sabemos que não é assim. O inimigo dispõe de uma equipe própria. Enquanto não o sabíamos, não poderíamos assumir o risco de informar o Exército de Mutantes. Nós, que estamos de posse das informações, não somos acessíveis a qualquer tipo de leitura de pensamento, isso em virtude de nossa constituição mental específica. Se um dos membros do Exército de Mutantes tivesse sido incluído no círculo dos confidentes, seus pensamentos não demorariam a se tornar conhecidos dos seus colegas telepatas, o que significa que nossos planos ficariam ao alcance do inimigo. Não quero que se sinta diminuído por isso.

John Marshall, um australiano, olhou Rhodan por cima da mesa. Sorriu.

— Tenho certeza de que os outros mutantes ficarão tão satisfeitos como eu por saberem que acabou recorrendo a nós — respondeu.

Rhodan estreitou os olhos e inclinou a cabeça.

— Minha capacidade parapsicológica é muito fraca; não consigo ler seus pensamentos — disse um pouco desconfiado. — Bem que poderia dizer o que realmente pensa.

O sorriso de Marshall tornou-se mais intenso.

— Pois bem, eu lhe digo. Ninguém se sentirá lisonjeado ao saber que no início desconfiava do Exército de Mutantes. Mas se lhe explicarmos os motivos, acontecerá exatamente o que acabo de dizer: nos sentiremos satisfeitos por podermos cooperar na solução do problema.

Rhodan fez que sim. Depois expôs seu plano a John Marshall.

— Para vocês será mais fácil que para os dois teleportadores — concluiu. — São quatro, e poderão se revezar: você, Ishi Matsu, Betty e talvez Nomo Uatushin. Tako só poderá revezar com Ras Tshubai. Encareça bem o seguinte: a qualquer momento deverão estar de prontidão um telepata e um teleportador. O primeiro terá que localizar qualquer intruso, e o outro deverá agarrá-lo quanto antes. Não devemos nos esquecer de que as pessoas que penetram furtivamente em nosso território também são teleportadores. Tako e Ras devem andar bem armados. Diga-lhes que um projetor mental será completamente inútil.

 

O que mais os preocupava era o fato de que o próprio John Marshall não tinha a menor idéia de como o intruso faria notar sua presença. Era a primeira vez que se defrontava com uma tarefa como esta.

Marshall passou a ocupar um pequeno apartamento na periferia da cidade. Ficava no vigésimo primeiro pavimento de um edifício residencial e servia de posto de vigia aos quatro telepatas.

Dividiram o dia em quatro períodos de seis horas, durante os quais cada um ficaria de plantão. Cada um dos dois teleportadores ficaria de prontidão por doze horas. O telepata e o teleportador passavam o tempo jogando baralho ou discutindo. Assim mesmo sentiam muito tédio enquanto não acontecia nada.

Quem mais se empenhou em sua tarefa foi Betty Toufry. Betty era a telepata mais potente da Terceira Potência, e, além disso, possuía em elevado grau o dom da telecinésia. Acompanhara a longa viagem e a permanência no planeta Peregrino.

Naquele dia John Marshall veio substituí-la às seis da tarde. O rosto de Betty exprimia a tristeza e o desânimo.

— Ainda não houve nada, Marshall — disse.

Marshall sorriu.

— Não tenha medo, Betty. Um dia destes vai acontecer alguma coisa.

Betty confirmou com um aceno de cabeça.

— Vai prestar muita atenção? — perguntou em tom insistente.

— Muita! — prometeu Marshall.

Tako Kakuta estava deitado num sofá que havia na sala do pequeno apartamento e lia uma revista. Marshall não via seu rosto, mas ouviu que o japonês bocejava.

— Boa tarde, senhor teleportador em serviço — cumprimentou Marshall.

Kakuta largou a revista.

— Boa tarde. Quais são as novidades?

Marshall fez um gesto de desânimo.

— Nenhuma novidade. O que vamos fazer? Jogar uma partida de pôquer ou de xadrez, conversar, ler?

O japonês refletiu.

— Vamos jogar xadrez — disse depois de algum tempo — se não tiver nenhuma objeção.

Marshall sacudiu a cabeça.

— É indiferente de que forma mato o tempo.

Kakuta levantou-se e arrastou a mesa para junto de si. Marshall pôs cuidadosamente no chão a pasta com livros que trouxera consigo e abriu o pequeno armário em que estavam guardados o tabuleiro e as pedras de xadrez.

A coisa aconteceu quando a caixa com as pedras foi tirada das profundezas do armário e, ao se erguer, Marshall bateu com a parte traseira do crânio na quina do armário.

Alguma coisa estranha e meiga parecia agarrar seu cérebro. No início parecia hesitar, mas depois tornou-se mais forte e assumiu a forma de instruções concretas — instruções dirigidas a um desconhecido que naquele instante penetrava no território da Terceira Potência.

Marshall deixou cair a caixa com as pedras. O barulho fez com que o teleportador se pusesse de pé.

— Chegou — fungou Marshall. — No edifício da administração, entre o vigésimo e o trigésimo andar. Tem instruções de prender Crest e levá-lo consigo. Vamos logo! Dê o fora!

Por uma fração de segundo, Tako se manteve imóvel, com o rosto inexpressivo, como se não tivesse entendido o que Marshall acabava de dizer. Depois o ar começou a tremeluzir, e de um instante para outro o japonês desapareceu.

Marshall pôs-se em movimento. Com um simples movimento de mão estabeleceu a ligação de telecomunicação com o edifício da administração. O major Nyssen, que naquele instante substituía Bell, recebeu o aviso de alarma e providenciou para que o respectivo setor do edifício fosse evacuado imediatamente. Era de esperar que o teleportador inimigo não perceberia a operação, pois levaria algum tempo para se orientar. Para ser bem sucedido Tako Kakuta precisaria ter o campo livre.

Rhodan foi avisado de que pretendiam raptar Crest. A informação deixou-o bastante preocupado. Crest era a coisa mais preciosa que a Terceira Potência poderia perder. E o desconhecido parecia ter bastante certeza de que conseguiria atingir esse objetivo. Era necessário descobrir por que se sentia tão seguro.

Por ordem de Nyssen, John Marshall deixou seu posto e instalou-se no interior da área protegida pelo campo energético, diante do edifício da administração. Dali mantinha contato permanente pelo micro-telecomunicador com Nyssen e com o quartel-general, e poderia dar aviso imediato ao major quando surgisse alguma novidade.

As sensações que Marshall experimentava pouco se modificaram quando ele se aproximou do edifício da administração. Teve a impressão de que as mesmas não dependiam muito da distância. Não saberia descrever a sensação que tomava conta de seu espírito. Era um tipo de dor de cabeça, uma pressão constante que, todavia, ao contrário de uma dor de cabeça comum, vinha acompanhado de uma informação sobre sua origem. A pressão estava ligada a uma série de impulsos perfeitamente distinguíveis. Eram as instruções destinadas ao teleportador desconhecido.

Marshall assumiu seu posto bem na entrada do gigantesco edifício. Transmitiu a seguinte informação ao major Nyssen:

— Acabo de ocupar nova posição, major. Por enquanto não há nenhum acontecimento extraordinário. O homem move-se muito devagar: não está executando nenhum salto de teleportação.

 

O salto de Tako Kakuta terminou conforme fora planejado, no corredor principal do vigésimo pavimento. O corredor, profusamente iluminado, estava vazio. Tako usava sapatos leves e macios. Andou pelo corredor sem provocar o menor ruído. Em redor dele tudo era silêncio.

Tako não se deu ao trabalho de revistar as salas situadas à direita e à esquerda do corredor. Marshall o informara de que a tarefa do desconhecido consistia em prender e levar Crest. Não permaneceria numa sala em que evidentemente Crest não se encontrava.

Tako pegou o elevador antigravitacional e subiu ao vigésimo primeiro pavimento. Também aqui limitou-se a percorrer o corredor principal e a andar em volta de todo pavimento pelos corredores periféricos.

Nada, nenhum ruído, nenhuma sensação de perigo.

No vigésimo segundo e no vigésimo terceiro pavimentos o resultado foi o mesmo. Marshall indicara o setor situado entre o vigésimo e o trigésimo pavimentos como sendo a área de operações. Tako não sabia qual era o grau de precisão das indicações de Marshall. Talvez tivesse de subir até o quadragésimo pavimento para encontrar o inimigo.

Vigésimo quarto pavimento.

Vigésimo quinto pavimento.

Vigésimo sexto pavimento.

Nenhuma mensagem do quartel-general. Tudo indicava que o desconhecido ainda se movia sobre suas próprias pernas.

Vigésimo sétimo...

Era lá!

Pela primeira vez em toda vida, Tako sentiu a estranha tração; apesar disso sabia que tinha o inimigo bem diante de si. Agachou-se num dos nichos.

Enquanto esperava, procurou analisar a sensação que lhe ocupava o cérebro. O que seria? Tako sabia que não possuía qualquer dom telepático. Não era possível que a dor suave e persistente fosse produzida pelo intruso desconhecido. Mas este mesmo estava submetido a forte influência hipnótica. Teria sido essa influência que preveniu o japonês?

Tako ouviu um ruído. Comprimiu-se ainda mais profundamente no nicho e avançou a cabeça apenas o suficiente para enxergar o corredor.

Ali estava ele!

Tako viu-o de lado. Era um jovem. Da raça branca, constatou Tako. Examinava as inscrições junto às portas e parecia um tanto indeciso quanto ao caminho que devia tomar.

Não podia ver Tako. Este saiu do esconderijo a passos macios e silenciosos e apontou o radiador de impulsos térmicos antes de falar:

— Fique onde está! E ponha as mãos para o alto!

Tako viu que o susto sacudiu o corpo do desconhecido. Seus dedos abriram-se quando começou lentamente a erguer os braços. Tako aproximou-se lentamente. Quando se encontrava a cerca de cinco metros, sentiu o impacto tremendo da onda mental de choque que o cérebro do desconhecido irradiou quando se preparava para o salto que lhe traria a salvação.

Tako contara com essa possibilidade. Aquele desconhecido seria o primeiro teleportador que não conseguiria se subtrair à ameaça de uma arma por meio de um hipersalto.

Era o ramo de Tako! A fração de um segundo bastou-lhe para absorver o modelo de ondas cerebrais, irradiadas pelo desconhecido e, com isso, a energia que o mesmo ativava para realizar seu salto. As formas de energia, desenvolvidas no espaço de cinco dimensões, necessárias à teleportação representam valores vetoriais; além de uma intensidade, caracterizam-se por uma direção. Ao absorver o modelo e regular sua mente para o mesmo, Tako não saberia responder apenas à pergunta “a que distância?”, e também à indagação “para onde?”

Saltou no mesmo instante em que o desconhecido o fez, sempre com o radiador térmico engatilhado na mão.

A dor cruciante da teleportação absorveu-o e, por um milésimo de segundo, fez com que toda luz se apagasse em torno dele.

 

— Saltou! — gritou Marshall muito exaltado. — O desconhecido foi embora! Desapareceu.

A reação de Nyssen foi imediata. Dois segundos depois que Marshall acabou de proferir essas palavras, estabeleceu contato com Tako Kakuta.

— Kakuta, está ouvindo? — gritou Nyssen. O sujeito desapareceu. Pode voltar. Suspendemos o alarma.

Nenhuma resposta.

— Kakuta! Está ouvindo? Nenhuma resposta.

Nyssen manteve uma ligeira palestra com Rhodan. Ficou sabendo que um teleportador tem a possibilidade de, através da absorção do modelo das ondas de choque, conhecer o objetivo de outro teleportador que salta nas suas proximidades. Rhodan não tinha a menor dúvida de que Tako aproveitara a oportunidade de seguir o teleportador que se pusera em fuga. O alarma não foi suspenso.

 

Só por uma fração de segundo, o japonês pôde lançar os olhos em torno, ao chegar ao destino. Reconheceu uma sala de tamanho médio, cujas paredes, soalho e teto eram de concreto. Via-se uma mesa, três cadeiras velhas e um armário com uma fechadura de enrolar antiquada. Não havia nenhuma janela. A iluminação provinha de um tubo luminoso de um metro e meio, preso ao teto.

Na outra extremidade da sala, a poucos metros de distância, o desconhecido acabara de surgir do nada. Tako esteve prestes a dirigir-lhe a palavra. Foi quando uma força desconhecida atingiu seu cérebro com uma violência indescritível.

Tako caiu para a frente. O radiador de impulsos térmicos caiu-lhe da mão. Tako comprimiu o rosto contra o soalho frio e segurou as têmporas para afastar a dor insuportável.

Por uns trinta segundos não conseguiu fazer qualquer movimento. As ondas de amplitude variável da influência estranha percorriam sua cabeça, faziam-no esquecer por que viera e transformaram-no num pedacinho choroso de gente.

Só depois de algum tempo lembrou-se de que possuía um dom que lhe permitia transportar-se para um lugar seguro. Concentrou-se o mais rápido possível, e com a maior intensidade que a dor lhe permitia, sobre o lugar de onde viera. Quando a influência estranha reduziu-se, apenas por uma fração de segundo, a um nível suportável, saltou.

Sentiu que a dor martelante e ondulante abandonou-o de um instante para outro. A tração e as tensões produzidas pela teleportação não representavam nada em comparação ao que suportara nos últimos segundos.

Sentiu-se grato ao ver que as estrelas cintilantes voltaram a surgir acima de sua cabeça. Ouviu um farfalhar e sentiu uma areia grossa sob os joelhos. Lançou os olhos em torno.

As luzes de Terrânia brilhavam a oeste. Descera a menos de dez quilômetros do destino.

A estafa tomou conta de seu corpo. Quando tentou levantar, as pernas se dobraram. Inconsciente, caiu estendido sobre o pedacinho de areia amarela do deserto que, enfrentando todas as operações de irrigação artificial, conseguiu se manter entre duas extensas áreas ajardinadas.

 

— Temos notícias de Kakuta! — anunciou Nyssen pela meia-noite. — Está deitado entre dois jardins, a uns dez quilômetros a oeste da cidade, e sente-se muito fraco para andar. Pede que nós o busquemos.

Rhodan fez que sim.

— Major, prepare um carro — ordenou, dirigindo-se a Nyssen. — Irei até lá com Marshall.

Nyssen confirmou o recebimento da ordem. Poucos minutos depois o carro estava esperando. Marshall foi retirado da residência em que estava de prontidão juntamente com Ras Tshubai e saiu da cidade em companhia de Rhodan.

Este mantinha contato com o japonês através do micro-telecomunicador.

— Assim que enxergar as luzes de nosso carro — disse — oriente-nos. Não temos a menor idéia de onde está metido. Entendido?

— Sim — respondeu Tako Kakuta com a voz débil.

— Como está passando? — indagou Rhodan.

— Miseravelmente — respondeu o japonês com toda franqueza.

Um instante depois gritou bastante nervoso:

— Já vejo os faróis de seu carro. Está quase no caminho certo. Dirija-se um pouquinho mais para o norte.

Rhodan seguiu a recomendação.

— Aí! — exclamou o japonês. — Agora prossiga exatamente na direção leste. Mas faça o favor de não me atropelar.

Poucos minutos depois encontraram-no. Deitado de costas, ainda não estava em condições de se levantar com suas próprias forças. Marshall e Rhodan colocaram-no no carro e levaram-no à cidade.

 

— Como vai ele, Eric? — perguntou Rhodan.

O Dr. Manoli, um dos tripulantes da primeira nave espacial terrena, sacudiu os ombros e deu ao seu rosto uma expressão de contrariedade.

— Esgotamento total — respondeu. — Nunca vi uma pessoa que estivesse tão acabada, no sentido literal da palavra, como este japonês.

Rhodan, pensativo, olhou para a frente.

— Quanto tempo falta?

Manoli lançou-lhe um olhar indagador.

— Quanto tempo falta para quê?

— Para que eu possa interrogá-lo.

— Bem, umas cinco ou seis semanas, acredito.

Rhodan cresceu alguns centímetros, de tão indignado que ficou.

— Semanas? — exclamou. — Você não sabe quanto dependemos das informações de Tako. Dê-lhe tudo que você tiver nesses armários, mas faça-me o favor de colocá-lo em forma dentro de poucas horas. Compreendeu?

Manoli voltou a erguer os ombros.

— Não é apenas o esgotamento — ponderou. — Fiz um encefalograma. Durante sua ausência Kakuta deve ter sido submetido a uma influência mental muito forte. Sua atividade cerebral é bastante confusa. Só lentamente está voltando à calma.

A testa de Rhodan se enrugou.

— É sério?

Manoli sacudiu a cabeça.

— Não; apenas está confuso.

— Está bem. Quanto tempo você vai levar para colocá-lo em forma? Duas horas?

O rosto de Manoli se contorceu.

— Talvez em dez horas.

— Está bem; em dez horas. Avise-me quando estiver pronto.

 

Tako Kakuta insistiu em comparecer perante Rhodan de pé e em seus trajes normais. O Dr. Manoli recomendou que permanecesse de cama durante sua conversa com Rhodan; mas Kakuta recusou a sugestão.

— Pois levante, seu teimoso — disse Manoli em tom irritado. — Avise quando se sentir mal.

Kakuta prometeu com um sorriso que não deixaria de avisar.

Rhodan recebeu-o em seu escritório, situado no último pavimento do edifício da administração. Tako instalou-se confortavelmente numa poltrona, de frente para Rhodan. Logo iniciou seu relato.

Não omitiu nada, desde os esforços de Marshall, quando pretendia tirar as pedras de xadrez do armário, até o momento em que o teleportador desconhecido surgiu diante dele no vigésimo sétimo pavimento do edifício da administração e o esgotamento total que dele se apoderou naquela sala de paredes de concreto, bem como o regresso a Terrânia.

Rhodan escutou-o atentamente, sem interrompê-lo. Assim que Tako concluiu, levantou-se e foi a uma das janelas amplas que permitiam que, daquela sala iluminada e arejada, se tivesse uma vista imponente sobre a cidade e as áreas adjacentes.

A vidraça quase não produzia nenhum reflexo. Era feita para permitir uma visão desimpedida. Tako Kakuta, que a essa hora estava sentado atrás dele, numa posição ligeiramente lateral, só produzia um reflexo apagado.

— Você nunca havia visto o teleportador desconhecido, não é mesmo? — perguntou Rhodan.

Ficou satisfeito quando um movimento pouco nítido nos reflexos da vidraça lhe dava a perceber que o japonês sacudia a cabeça atrás dele.

— Não — respondeu Tako. — Não tenho o menor conhecimento com ele.

— O que quero dizer — prosseguiu Rhodan — é que o viu tão bem que, sem a menor dúvida, o teria reconhecido se já o tivesse visto antes. É isso?

Viu um movimento na vidraça, cuja transparência era quase perfeita. Era um aceno de cabeça.

— Sem dúvida — disse Tako.

Outro movimento, desta vez mais embaixo, provavelmente na altura dos quadris.

— Tem alguma idéia sobre a área em que foi parar depois de seu salto? — prosseguiu Rhodan.

Desta vez a resposta do japonês foi imediata.

— Seria capaz de saltar a qualquer momento para esse lugar. Mas não acredito que possa lhe fornecer as respectivas coordenadas.

Enquanto falava, executou uma série de movimentos apressados. Apesar disso Rhodan aguardou tranqüilamente que terminasse. Mesmo depois disso deixou passar mais alguns segundos, antes que dissesse em tom áspero:

— Você tem um radiador de nêutrons na mão, Tako. Não sei quem lhe teria dado a arma. Nos minutos que passaram, você engatilhou a mesma, e agora quer me matar. Mas não conseguirá.

Só depois disso, voltou-se e olhou para o japonês. O rosto de Tako, que em outras oportunidades costumava ser tão amável e infantil, contorcera-se numa careta que apenas exprimia ódio e vontade de matar. Segurando na mão direita o pesado radiador de nêutrons, mantinha-o apontado para Rhodan. A mão nem chegava a tremer.

Rhodan sorriu, embora isso lhe custasse muito esforço.

Tako entortou o dedo em torno do largo gatilho e disparou. Um raio de cerca de cinco centímetros de diâmetro, que irradiava uma débil fluorescência, saiu do cano da arma.

No mesmo instante, o ar se iluminou cerca de metro e meio de Rhodan, criando uma parede de dolorosa claridade que tomava toda a largura e altura do aposento. O campo protetor crepitou levemente ao absorver a energia tremenda do raio de nêutrons, ativou as reservas de energia da arma e consumiu esta.

Rhodan ouviu o japonês soltar um grito selvagem. Depois disso tudo foi silêncio. O crepitar do campo energético cessou no mesmo instante. Rhodan esperou até que a luminosidade tivesse desaparecido. Depois foi cuidar de Tako.

Este escorregara para fora da poltrona e estava estendido no chão. A mão que segurara o radiador de nêutrons apresentava duas manchas frescas de queimadura. A solicitação excessiva da arma fizera com que sua parte elétrica realizasse a transferência do elevado potencial do gerador de nêutrons para a mão de Tako. O choque elétrico privara o japonês da consciência; tomara que só fosse isso.

Rhodan avisou o Dr. Manoli e mandou que dois enfermeiros levassem o homem inconsciente.

 

— Trata-se de um bloqueio hipnótico de enorme potência — explicou Perry Rhodan. — E foi aplicado com tamanha habilidade que o exame da atividade cerebral realizado pelo Dr. Manoli, que, é bem verdade, foi apenas superficial, não revelou nada.

Crest, pensativo, olhava fixamente para a frente.

— Que monstro deve ser esse com que ele esteve em contato! — murmurou.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Se considerarmos o fato de que aquele desconhecido não conhece a psicofísica arcônida e, em conseqüência, não dispõe de qualquer aparelho destinado a exercer influência sobre outras pessoas, só poderemos concluir que se trata de um monstro.

— Será que Manoli conseguirá dar conta do recado? — perguntou Crest, que de repente parecia bastante preocupado.

Rhodan fez um gesto tranqüilizador.

— Não se preocupe com Manoli — respondeu. — É um homem que sabe seu ofício, inclusive o que aprendeu por último. Naturalmente Tako terá que ser poupado nas próximas semanas.

— Será que ele ainda se lembra de alguma coisa?

— Lembra, sim. Recorda-se de todos os detalhes, desde o momento em que enfrentou o desconhecido até que voltou a pousar em Terrânia. É bem verdade que, se alguém lhe disser que tentou me matar, dirá que esse alguém é um louco. Juntamente com o bloqueio hipnótico perdeu toda recordação da tarefa que lhe foi imposta.

Houve uma pausa. Alguns minutos se passaram até que Crest perguntasse:

— E agora? Tem outros planos?

Rhodan fez que sim.

— Por enquanto não parecem ser facilmente realizáveis, mas sempre são planos.

Crest fitou-o cheio de curiosidade.

— Teremos de traduzir o modelo do salto de Tako em dados geográficos inteligíveis.

Crest respirou fortemente.

— Traduzir! Sabe lá se isso é possível?

Rhodan riu.

— Não faço a menor idéia. Levantou-se.

— Cuidarei disso imediatamente — prosseguiu. — Procurarei saber se temos alguma chance de êxito. Se não, teremos que tentar por outro caminho.

Quando a porta se abriu diante dele, ainda disse com um sorriso na boca:

— Há uma coisa que me deixa muito satisfeito. Toda essa história do seu rapto não passou de um blefe. Talvez o teleportador desconhecido realmente sentisse a tarefa de se apoderar de você. Mas na verdade só surgiu por aqui para levar um de nós a segui-lo.

Na testa de Crest havia rugas.

— Acredita que não estão atrás de mim?

— Não tenho a menor dúvida — disse Rhodan, rindo. — Afinal, seria uma loucura rematada tentar raptá-lo em pleno território da Terceira Potência.

 

Clifford Monterny sentira seu primeiro fracasso de grandes proporções, por assim dizer, por transmissão direta.

Mantivera-se em contato telepático unilateral e imperceptível com o japonês Tako Kakuta, até que o bloqueio hipnótico a que o mesmo estava sujeito foi removido por via psicológica. Antes que pudesse restabelecer o contato interrompido, um contrabloqueio foi incutido na mente de Tako, e este era tão poderoso que nem mesmo o Supercrânio conseguia rompê-lo.

O que mais preocupava Monterny era o fato de que não podia atinar com o motivo pelo qual Rhodan havia previsto o atentado que se planejava. Tako Kakuta não se traíra com nenhuma palavra, com nenhum gesto. Enquanto esteve submetido a tratamento médico, cuidaram em primeira linha de seu bem-estar físico. O exame mental foi tão superficial que nem mesmo um bloqueio hipnótico muito mais mal instalado teria sido percebido.

Contudo...

Monterny acreditava que Rhodan não era nenhum mutante; ou melhor, ele tinha certeza quase absoluta disso. Não possuía qualquer dom profético, telepático ou de outra natureza que lhe permitisse ver o interior do japonês.

Apesar disso soube o que iria acontecer. No momento exato abrigara-se atrás de um campo energético e com um sorriso assistiu ao espetáculo do tiro mortal repelido pela parede energética protetora. A dor que o choque elétrico produziu em Tako foi tão intensa que até Monterny chegou a senti-la.

E para que foi tudo isso?

Uma vez que estava convencido de que Rhodan não era nenhum mutante, só podia supor que sua conduta diante do atentado resultava de uma capacidade de raciocínio quase sobre-humana. E essa idéia deixou-o tão furioso que, por muitas horas, não esteve em condições de conceber uma idéia clara.

Além da sede de poder, o Supercrânio ainda estava imbuído da convicção de que um mutante é um homem superior. Para ele não podia haver coisa pior do que saber que um homem comum havia desmascarado seus planos.

Na manhã do dia seguinte, Monterny teve uma palestra prolongada com MacMurray, seu melhor confidente.

MacMurray era o único entre os mutantes de Monterny que já vira o Supercrânio face a face. Foi naquele primeiro contato, e depois disso o fato repetia-se constantemente.

A influência hipnótica a que MacMurray estava submetido era tão intensa que sua verdadeira personalidade se perdera há muito. Enquanto isso, suas capacidades parapsicológicas haviam crescido. Um salto destinado a vencer distâncias planetárias já não constituía o menor problema para aquele jovem, que no meio tempo havia chegado aos vinte anos. Durante o salto produzia um campo transicional tão amplo e intenso em torno de si que podia perfeitamente levar consigo objetos de grandes dimensões.

Era justamente em virtude dessa faculdade que MacMurray costumava desempenhar um papel importantíssimo nos planos de Monterny.

 

— Será difícil — admitiu Rhodan — mas não impossível.

Tinha diante de si uma série de diagramas do salto de Tako Kakuta, elaborados por um psicoanalisador. Dirigia-se a Crest e Thora.

— Já descobriu alguma coisa? — perguntou Thora.

Rhodan fez que sim.

— O destino aproximado, com uma margem de erro de cem quilômetros para todos os lados.

— Onde...?

Rhodan levantou os diagramas e mostrou um mapa escondido sob os mesmos. Era o mapa do império insular japonês.

— Aqui — disse Rhodan, apontando para um círculo desenhado no mapa. — Em algum lugar situado no interior desse círculo.

Thora examinou o mapa. Depois de algum tempo disse em tom ligeiramente irônico:

— Você tem uma tarefa nada fácil diante de si. No interior desse círculo ficam três metrópoles com um total de doze milhões de habitantes: Kobe, Osaka e Kioto. A isso deve se somar a população rural de cerca de cinco milhões de pessoas. Quanto tempo acha que vai despender nas buscas?

Rhodan respondeu com um sorriso.

— Não procuro nenhuma dos dezessete milhões de pessoas que se encontram nessa área, mas um subterrâneo feito de concreto. Talvez você não se lembre desse detalhe. Em todo o Japão não existem mil subterrâneos desse tipo.

Voltou a colocar os diagramas sobre o mapa.

— Além disso, espero que o modelo do salto de Tako ainda me proporcione dados mais exatos. E ainda notei outra coisa. Está lembrada da manobra bolsística suicida empreendida por Homer G. Adams? Saiu num prospecto da Bolsa feito por um amador. Conseguimos localizar a impressora que confeccionou o prospecto.

— E daí?

— Essa impressora fica em Osaka!

 

O major Nyssen foi o homem enviado a Osaka por Rhodan.

Nyssen não se pôs a caminho sem os devidos preparativos. Recebeu os registros dos acontecimentos ligados à sua tarefa, com a incumbência de gastar pelo menos um dia no exame cuidadoso dos mesmos. Além disso, os instrumentos de treinamento hipnótico dos arcônidas proveram-no do conhecimento perfeito da língua japonesa.

Recebeu, ainda, um aparelho criado no dia anterior, que o protegia contra qualquer influência hipnótica. Quando lhe mostraram o aparelho, começou a rir. Não passava de um capacete que emitia um brilho metálico e cobria toda a parte superior da cabeça. Um minúsculo gerador embutido no mesmo gerava um campo anti-hipnótico.

— Quer que eu ande por aí com isso? — indagou Nyssen.

Rhodan fez que sim.

— A partir do instante em que tiver a impressão de que o desconhecido passou a se interessar por você, deve fazer exatamente isso. Eu lhe recomendo encarecidamente que, quando isso acontecer, não deixe de usar o capacete. Sabe perfeitamente o que acontece com uma pessoa não protegida.

Nyssen pegou o capacete.

O major juntara-se a Rhodan quando, por incumbência do governo americano, remexia os destroços do cruzador espacial arcônida destruído na Lua. Era um dos artilheiros de foguetes que, semanas antes, haviam dado cabo da nave. Seu tipo era praticamente idêntico ao de Reginald Bell. Como este, era pequeno, embora um pouco menos baixo, e impusera à sua cabeleira rala castanho-escura o mesmo corte à escovinha. Sua voz sempre apresentava o tom de quem na última noite houvesse enfrentado uma tremenda bebedeira.

Nyssen pegou o avião de passageiros que duas vezes por dia fazia a linha de Xangai. Ali permaneceu por meio dia, esforçando-se para se livrar de eventuais perseguidores. De noite pegou o avião para Tóquio.

Em Tóquio mais uma vez procurou sacudir os perseguidores. De noite pegou o expresso Tóquio—Kobe, com destino a Osaka.

Às duas e meia da madrugada chegou ao destino. Em Tóquio fizera algumas modificações no seu aspecto exterior. Contrariando todos os hábitos, usava um terno cujo aspecto atual era tão surrado que não poderia ter sido feito por um bom alfaiate, além de uma camisa desbotada com um colarinho fora da moda. Escolheu um hotel que correspondesse à sua apresentação.

O disfarce era simples, mas eficiente. Quem o visse pensaria que tinha diante de si um daqueles globetroters que resolveram procurar o Extremo Oriente porque em sua terra natal a polícia estava atrás deles, ou porque aqui esperavam fazer fortuna mais rapidamente.

Nyssen ocupou um quarto situado no trigésimo andar de um hotel de categoria inferior e recuperou-se da canseira do dia anterior com várias horas de sono profundo e livre de sonhos.

 

— O senhor já conhece sua tarefa — disse o Supercrânio em tom amável. — Não se esqueça de que muita coisa depende do sucesso desta missão.

Acostumara-se a dar a MacMurray o tratamento de senhor, depois que fizera dele seu confidente.

MacMurray confirmou com um aceno de cabeça.

— Não me esquecerei.

— E não cometa o mesmo engano desse idiota do Bradley. Não se apresse. Pelo que sei, o senhor não correrá o menor risco.

MacMurray confirmou com um aceno de cabeça.

— Aguardo seu relatório pontualmente na hora combinada — advertiu-o o Supercrânio.

Mais uma vez MacMurray confirmou com um aceno de cabeça.

Depois saiu. No seu quarto — se é que se podia chamar aquilo de quarto, pois não tinha janelas, a única luz provinha do tubo branco-azulado e as paredes eram de concreto maciço — reuniu as poucas coisas de que precisava para sua tarefa. Principalmente a pistola automática, que era o único instrumento em que um teleportador podia confiar quando, depois de um salto, surgisse em meio aos seus inimigos.

Os objetos encheram uma mala de tamanho médio. MacMurray segurou a mala embaixo do braço e parou no meio do quarto, como se refletisse para se lembrar se havia esquecido alguma coisa.

Poucos instantes depois seus contornos começaram a se apagar, e logo depois desapareceu por completo.

MacMurray pusera-se a caminho, com a finalidade de, agindo segundo as intenções do mestre, desferir contra a Terceira Potência o golpe mais pesado que a mesma já sofrera.

 

A noção que Nyssen tinha sobre aquilo que poderia e não poderia fazer em Osaka era de uma precisão confortadora.

Uma das coisas que envolviam um risco excessivo seria, por exemplo, uma visita à impressora que confeccionara o prospecto da Bolsa. O próprio Rhodan visitara a mesma poucos dias atrás, e se esta mantinha qualquer tipo de relacionamento com o misterioso desconhecido, conforme era de supor, essa visita teria sido cuidadosamente registrada, mesmo que Rhodan não tivesse sido reconhecido.

Nyssen pretendia desempenhar seu papel por muito tempo sem dar-se a conhecer. Numa cidade do tamanho de Osaka não havia nada mais fácil, com os meios de que dispunha, do que encontrar pessoas que se dispusessem a tirar as castanhas do fogo para ele.

Nyssen deu uma olhada pela cidade. Passou uma manhã inteira passeando na zona portuária, e os resultados correspondiam inteiramente às expectativas.

Mais de uma dezena de pessoas envolveram-no numa palestra no curso de várias horas, dando a entender que eram exatamente as pessoas que estava procurando. Nyssen ficou satisfeito ao saber que pareciam ler em seu rosto que estava à procura de colaboradores.

Escolheu muito. Pelas dez horas, por pouco não contrata um jovem que tinha uma expressão de desespero no rosto, o que levaria qualquer um a indagar como viera parar num ambiente desses. Havia um risco muito grande que, um dia, tivesse um acesso de moralismo e corresse à polícia para descarregar suas preocupações. Por isso, Nyssen mandou-o embora.

Acabou por se decidir a favor de um homem pequeno de olhos matreiros, que atravessou seu caminho pelas onze e meia e disse num péssimo inglês:

— Eu Michikai. Michikai fazer tudo. O senhor pagar bem, Michikai ser seu homem.

Nyssen sorriu. Michikai aparentava uns quarenta anos e era cerca de vinte centímetros mais baixo que ele.

— Mim Jeremy. Jeremy pagar bem, o senhor fazer tudo.

Disse-o em japonês, esforçando-se para imitar o péssimo inglês de Michikai. Este parecia perplexo. Depois riu, e quando Nyssen também se pôs a rir, o contrato estava praticamente fechado.

O resto foi combinado num restaurantezinho. É claro que Nyssen não explicou a seu novo colaborador a verdadeira finalidade de tudo aquilo. Apenas lhe disse que gostaria de obter informações sobre as instalações daquela impressora. A tarefa pareceu tão fácil a Michikai que ele se espantou bastante quando Nyssen lhe pagou trinta dólares de adiantamento e lhe prometeu outros trinta dólares quando tivesse todas as informações em que estava interessado.

Nyssen combinou com seu colaborador que, dali em diante, seus contatos seriam exclusivamente telefônicos. Para esse fim Michikai permaneceria durante certas horas num restaurante que lhe era conhecido, e onde Nyssen poderia encontrá-lo.

Não se previu qualquer possibilidade de contato em sentido oposto; Nyssen quis resguardar-se contra qualquer interferência do desconhecido.

 

Freddy MacMurray admirou a cidade. Nunca a vira. Ela lhe parecia mais bela que tudo que seus olhos já haviam contemplado.

Surgira na margem norte do lago salgado, cuja superfície cintilante interpunha-se entre ele e a cidade de Terrânia.

MacMurray admirou o panorama até que o Supercrânio se fizesse sentir. A ordem só foi irradiada com uma dose minúscula de energia, mas MacMurray entendeu-a perfeitamente.

“Eu lhe disse que não se apressasse, mas não lhe pedi que perdesse seu tempo olhando para as coisas que encontrasse pelo caminho. Comece logo!”

MacMurray pôs-se a correr. Sabia perfeitamente o que havia incomodado o Supercrânio. Não era o fato de ter contemplado a cidade. De um agente seu esperava-se que examinasse a área em que iria desenvolver sua atividade.

Monterny conhecia os pensamentos de seus colaboradores. Percebera a admiração que MacMurray sentira durante alguns segundos por essa cidade. E isso o deixara zangado.

MacMurray caminhou pelas áreas ajardinadas desabitadas até enxergar perfeitamente os detalhes das casas situadas na extremidade norte da cidade. Depois saltou para lá.

O Supercrânio seguiu-o atentamente. Sabia que a tarefa de MacMurray encerrava certo risco para ele, Monterny. Sabia perfeitamente de que maneira fora localizado o outro teleportador, em cujos calcanhares Tako Kakuta se havia grudado. Sabia que no Exército de Mutantes de Rhodan havia telepatas muito potentes, e que não era só MacMurray, mas também seus planos que corriam perigo se mantivesse contato permanente com aquele jovem.

Para observá-lo, acompanhou as emanações irradiadas por MacMurray. Só em caso de extrema necessidade o próprio Monterny funcionaria como emissor.

A tarefa era importante demais.

 

Nyssen telefonou e pediu que chamassem Michikai. Este deu seu nome verdadeiro. Nyssen disse:

— Os pessegueiros já começaram a florir no sul de Kiushu?

Michikai pigarreou e respondeu:

— Ainda não. Mas em Hondo a floração quase chegou ao fim.

— Está bem — disse Nyssen. — O que há de novo?

— Já dei uma olhada naquela impressora.

— Discretamente?

— Muito discretamente. Disse que pretendia fazer um pedido de vulto, mas não conseguia chegar a um acordo com o proprietário quanto ao preço. Por isso fui embora. Já havia visto tudo. Ou melhor...

— Ou melhor?

— Quase tudo. Ainda há uma sala em que não consegui entrar. Mas aposto que não tem mais de quinze metros quadrados, e que nela só há uma porta, pela qual consegui dar uma olhadela.

— Você tentou entrar lá? — perguntou Nyssen.

— Sim. Ao sair fiz de conta que me enganei na porta. O proprietário da impressora não gostou. Quase chegou a se zangar. No último instante conseguiu dirigir meus passos para o outro lado.

— Hum — fez Nyssen. — Viu alguma coisa do que havia lá dentro?

— Vi, sim. Um videofone.

— Nada mais?

— Nada.

— Está bem. Preste atenção, Michikai. Na agência do correio da estação central da estrada de ferro há uma caixa cujo número é 7.415 — sete, quatro, um, cinco. O funcionário só a abrirá a quem lhe disser a senha Hokaido. É lá que seus cinqüenta dólares estão depositados. Nos próximos dias voltarei a telefonar.

Na outra extremidade da linha Michikai soltou um grito agudo.

— Só cinqüenta dólares? Com tudo...

Nyssen não ouviu mais nada. Desligara.

Nos próximos trinta minutos ficou refletindo sobre a hora mais propícia para a visita planejada.

 

Face às informações minuciosas de que dispunha, sabia quase tudo sobre o dia-a-dia de uma grande metrópole. Não havia qualquer hora realmente tranqüila, apenas períodos de um relativo alívio.

Nyssen escolheu o período entre uma e as quatro da madrugada. Segundo pensava, três horas seriam suficientes para realizar um exame minucioso numa pequena impressora.

Dormiu o resto da tarde, jantou bem e foi a um cinema cuja sessão terminava pouco antes da meia-noite.

Depois voltou ao hotel e equipou-se com as coisas que julgava necessárias ou úteis. Eram mais de vinte objetos; mas, face ao avanço da micro técnica arcônida, apenas ocupavam dois bolsos da calça e um do paletó.

É bem verdade que o pesado radiador de nêutrons teve de ser carregado sobre o ombro.

Pouco antes da uma encontrava-se nas proximidades da tipografia. Ficou satisfeito ao constatar que a rua estava praticamente vazia. Se conseguisse abrir a porta do edifício dentro de três minutos, praticamente não correria o menor perigo.

Gastou três minutos e meio; mas não apareceu ninguém que o perturbasse. Tinha certeza de que ninguém o observara.

Face à descrição de Rhodan e de Michikai, Nyssen já conhecia a sala de recepção, os pequenos escritórios e a oficina ligada aos mesmos. Não perdeu tempo em revistar essas peças. Sem maiores problemas penetrou no escritório maior e mais bem instalado e procurou a porta de que Michikai lhe havia falado.

No escritório havia um total de cinco portas. Aquela que Nyssen procurava era a única que se haviam dado o trabalho de trancar.

A fechadura era de um modelo simples. Não resistiu mais de vinte segundos às micro ferramentas de Nyssen.

A pequena sala que ficava além dessa porta não tinha janelas. Nyssen fechou a porta atrás de si, acendeu sua pequena e forte lâmpada permanente e procurou um lugar em que pudesse colocá-la.

Além do videofone a que Michikai havia aludido só havia uma cadeira. Nyssen colocou a lâmpada sobre a cadeira e refletiu sobre o lugar em que devia iniciar as buscas.

Pensou que estava sendo um pouco ridículo quando começou a percutir as paredes. Alguns lugares pareciam ocos, mas quando os iluminava com o pequeno bastão de raios-X constatava que apenas se tratava de um pouco de emboço caído entre os tijolos.

Gastou uma hora nessa atividade. Aos poucos se convencia de que nada encontraria.

Subitamente ouviu um zumbido grave atrás de si. Voltou-se apressadamente e viu que a tela do videofone começou a se iluminar.

Afastou-se da parede e contemplou a tela. Era estranho que um videofone começasse a funcionar por si. Geralmente a tela só se iluminava depois de estabelecida a comunicação. Aqui isso não poderia ter acontecido, pois ninguém havia levantado o fone. Nyssen nem sequer ouvira o sinal de chamada.

Colocou-se numa posição em que o transmissor de imagens não pudesse captá-lo e esperou.

No momento em que, num movimento rápido, desligou a lâmpada, ouviu o estalo no receptor.

O fone estava colocado no suporte, mas apesar disso falava.

Nyssen foi se esgueirando junto à parede, chegando um pouco mais perto do aparelho. Ouviu a voz metálica que começara a falar. O videofone parecia ter um amplificador ultra potente. Mesmo sem levantar o fone, Nyssen entendia praticamente todas as palavras.

— ...uma conferência importante amanhã às vinte horas... na minha casa. Todos devem comparecer...

A atenção de Nyssen foi desviada em parte pela imagem estranha que surgiu na tela. Consistia numa confusão inextricável de linhas. À primeira vista parecia se tratar de alguma interferência; mas Nyssen logo percebeu que havia certa regularidade naquelas linhas trêmulas e ondulantes.

Tirou sua pequena máquina fotográfica e deixou que a mesma registrasse as linhas. Não conseguiu desempenhar toda sua potencialidade micro técnica, pois a transmissão logo cessou. Mas Nyssen esperava que os peritos conseguissem extrair algum resultado da fotografia.

Mal e mal percebera que as palavras transmitidas não continham qualquer indicação importante. Só se falava em coisas das quais os sócios da misteriosa organização já sabiam onde se encontravam, motivo por que não havia necessidade de outras explicações.

As esperanças de Nyssen concentraram-se na fotografia que acabara de fazer.

O tempo estava ficando curto. Nyssen não mais bateu nas paredes. Tinha certeza quase absoluta de que nada havia atrás delas.

Preferiu dedicar sua atenção ao admirável videofone que começou a funcionar sem que ninguém o ativasse e cujo fone falava quando ainda se encontrava no suporte.

Havia um fio comum, um tanto fino, que desaparecia na parede pouco abaixo da tela de imagem. Nyssen iluminou a parede e viu que o fio a atravessava em sentido horizontal.

Voltou ao escritório maior e procurou um caminho que o conduzisse ao lado oposto da parede. Havia uma porta que dava para um pátio dos fundos. Uma das paredes desse pátio era exatamente a que Nyssen procurava.

Nyssen não gastou muito tempo. Viu perfeitamente o fio um tanto fino que saía da parede, descrevia uma dobra e subia ao telhado.

E em cima do telhado havia uma antena robusta e alta.

Nyssen soltou um assobio entre os dentes. Tal qual os telefones, os videofones estavam ligados a uma rede. Recebiam os impulsos visuais e auditivos através de fios que, dentro da cidade, eram colocados embaixo da terra e, na zona rural, eram presos a postes de madeira ou plástico. Um videofone não precisava de antena; neste ponto era igual a um telefone.

Aquilo não era um videofone comum. Era um receptor e transmissor que funcionava sem fio. Apenas fora disfarçado sob a forma de um videofone, para enganar os visitantes.

Foi por isso que aquilo começou a trabalhar sem que o fone tivesse sido levantado.

Bastante pensativo, Nyssen interrompeu sua visita noturna. Ainda continuava pensativo quando abriu a porta de seu quarto de hotel.

Como de hábito, tirou em primeiro lugar os instrumentos de medida e colocou-os cuidadosamente sobre a mesa.

Passou à leitura dos instrumentos, ainda mergulhado em pensamentos e convencido de que os mesmos não indicariam nada.

Radiatividade, nenhuma.

Temperatura, que bobagem. Ele não teria deixado de perceber se tivesse penetrado numa onda de calor. Normal!

Influência telepático-hipnótica...

Os instrumentos eram tão pequenos que Nyssen teve de recorrer a uma lupa para ler as respectivas escalas. Praguejando baixinho, mas com violência, tirou a lupa do olho esquerdo e colocou-a no direito.

Mas o quadro era o mesmo.

Influência telepático-hipnótica, oscilação do instrumento: escala seis.

Nyssen deixou que a lupa caísse do olho e fitou o espaço diante de si.

Pelo que dizia o instrumento de medida, ele, Nyssen, sofrerá influências hipnóticas. A escala seis correspondia a seis microfreud, o suficiente para hipnotizar uma dúzia de homens adultos.

Mas não percebera nada. Ou será que percebera?

Ainda estaria submetido a alguma influência hipnótica?

“Pois bem. Não seria difícil encontrar uma explicação para o fato de não ter percebido nada. Cada cérebro tem sua faixa peculiar de freqüência. É bem possível que alguém tenha transmitido por outra freqüência, à qual meu cérebro não é acessível. A medição do instrumento é integral no que diz respeito à freqüência. Mede tudo que aparece sob a forma de influência hipnótica.”

Mas, com os mil demônios, de onde teria vindo essa influência hipnótica?

Quando a única explicação possível ocorreu a Nyssen, este esteve prestes a pegar novamente seus instrumentos e fazer mais uma visita à tipografia. Mas depois de ter olhado para o relógio desistiu da idéia. Eram três e meia, tarde demais.

As ondulações refletidas na tela não eram nenhuma interferência, nem constituíam o produto de uma estranha fantasia geométrica. Tratava-se de uma transmissão hipnótica!

 

Para um homem dotado da mobilidade fenomenal de MacMurray não houve a menor dificuldade em localizar a vítima nas primeiras horas de atividade.

MacMurray gravou o rosto e a figura do homem e passou a estudar os hábitos do mesmo.

Pretendia raptar o homem. Raptá-lo por meio da teleportação. Para um teleportador que não havia sido submetido à ativação cerebral arcônida havia uma grande diferença entre executar um salto sozinho e transportar com ele mais um objeto de peso aproximadamente igual ao seu. Mesmo para ele o primeiro ato resumia-se numa liberação espontânea de energia de curta duração; já o segundo exigia dez minutos de concentração.

MacMurray procurou encontrar, em meio ao curso de vida felizmente bastante monótono de sua vítima, um espaço de tempo que permitisse a intercalação de um intervalo de dez minutos com a menor dose possível de risco. Seria a hora em que era mais provável que aquele homem estivesse só.

MacMurray levou dois dias para se orientar.

Marcou o grande golpe para o dia 2 de agosto. Hora: entre as vinte e as vinte e uma, tempo local.

 

Rhodan estava convencido de que nada mais poderia ser tirado do modelo de salto que o Dr. Manoli havia extraído do cérebro de Kakuta.

O diâmetro do círculo traçado no mapa fora reduzido para cinco quilômetros.

Só um trecho muito pequeno da cidade de Osaka ficava dentro do círculo. A probabilidade de que o objetivo ficasse fora da cidade era muito grande.

Isso facilitaria as buscas. No Japão uma casa que tivesse um porão de concreto seria considerada muito grande.

Depois de ter reunido todos os resultados, Rhodan chamou Crest.

Crest não respondeu.

Rhodan telefonou para Thora.

Fazia mais de três horas que Thora não via Crest.

Rhodan deixou que alguns minutos se passassem e voltou a chamar Crest.

Mais uma vez Crest não respondeu.

Rhodan lembrou-se da tarefa que fora confiada ao teleportador desconhecido, que havia atraído Tako Kakuta a uma armadilha tão perigosa.

Ordenou uma busca geral.

Dali a uma hora não havia mais a menor dúvida de que Crest já não se encontrava no território da Terceira Potência.

E não avisara a ninguém onde poderia ser encontrado.

Crest fora raptado.

 

Uma extrapolação retrospectiva indicou a hora provável do rapto: entre as vinte horas e as vinte e trinta. Pouco depois Rhodan fizera a primeira tentativa de falar com Crest.

Àquela hora o serviço de vigilância estivera a cargo de Ishi Matsu, uma japonesinha delicada. Ishi informou que, pouco depois das vinte horas, captou um impulso isolado relativamente forte, mas indecifrável. Uma vez que o impulso não se repetiu, não se preocupou com ele.

Rhodan informou a Thora de que Crest havia sido raptado. Nunca vira a arcônida tão apavorada.

— O que... o que pretende fazer? — perguntou.

Rhodan olhou-a com uma expressão de espanto.

— Pretendo atacar. Não acha que é o mais acertado?

— Onde? Pois...

— Já disponho de todas as informações de que preciso. É possível que Nyssen tenha descoberto mais alguma coisa. Partiremos imediatamente.

— Vai usar o hipertransmissor de matéria?

O hipertransmissor de matéria era um aparelho que Rhodan trouxera da viagem em busca do planeta Peregrino. Substituía, em quem a ele recorresse, o dom parapsicológico da teleportação, transportando a pessoa pelo espaço de cinco dimensões até um ponto em que se encontrasse um receptor ajustado para a mesma freqüência.

Rhodan sacudiu a cabeça.

— A partir daqui, não — respondeu. — Os dados que conhecemos ainda não são suficientes. Nas próximas cinco horas um destacamento nosso voará para Osaka. Levaremos hipertransmissores e, uma vez conhecido os detalhes da situação, não deixaremos de usá-los.

O tempo entre as seis e as sete horas da manhã era uma das horas em que Michikai devia permanecer em seu restaurante, aguardando o chamado de Nyssen.

Este dormiu duas horas. Chamou pouco depois das seis. Foi informado de que Michikai não estava.

Meia hora depois Nyssen repetiu o chamado; mas Michikai ainda não havia aparecido. Nyssen pensou que no dia anterior tivesse apanhado seus cinqüenta dólares e desaparecido. Isso não o preocupava, mas naquele momento o incomodava; bem que precisaria de Michikai.

Contrariamente ao que havia decidido antes, foi ao restaurante em que Michikai devia estar a essa hora. Talvez o dono pudesse dar alguma informação sobre seu paradeiro.

 

Para Crest tudo havia sido tão rápido que ainda não chegara a compreender o que tinha acontecido. Subitamente um jovem surgiu em seu quarto e abateu-o.

Ao despertar, viu-se numa sala que muito se assemelhava à que Tako Kakuta descrevera.

Crest quase não sentiu nenhuma dor de cabeça; por isso acreditou que a pancada não devia ter sido muito forte, e que o desmaio não fora prolongado. Mas, pelo que dizia Rhodan, a sala em que se encontrava ficava no Japão, isto é, a milhares de quilômetros de Terrânia.

Como chegara tão depressa até lá?

Quem sabe se nas imediações de Terrânia não existiam outras instalações desse tipo?

Só depois de algum tempo Crest lembrou-se da possibilidade de que, entre os inimigos, podia haver algum teleportador suficientemente forte para transportar um homem inconsciente num salto. Depois de refletir por algum tempo, Crest admitiu que a explicação verdadeira era esta.

Levantou-se e examinou a única porta daquela sala. Era feita de chapa de aço bastante sólida e não podia ser aberta do lado de dentro. O mobiliário da sala consistia numa cadeira e numa mesa.

Crest sentou na cadeira e esperou. Lamentou não ter o hábito de carregar constantemente uma arma consigo. Entre os potentes radiadores térmicos dos arcônidas havia alguns suficientemente pequenos para terem boa probabilidade de escapar a uma revista pessoal.

Cerca de uma hora depois de ter despertado, a porta se abriu e um homem que nunca vira antes gritou:

— Venha comigo!

Crest ergueu as sobrancelhas e continuou sentado.

— Para onde? — perguntou.

O homem exibiu uma pistola automática.

— O senhor vai ver! — gritou, furioso. Crest levantou-se e, passando perto do homem, saiu da sala. A sala à qual foi ter não era mais confortável que a primeira. Uma cadeira e uma mesa.

Mas a outra continha, além desses móveis, um videofone.

— Pegue a cadeira e sente diante da tela! — ordenou o homem que segurava a pistola automática.

Crest obedeceu. O homem ficou parado na porta. Crest esteve a ponto de lhe perguntar o que aconteceria, quando a tela no videofone começou a se iluminar.

Não mostrou nenhum quadro, mas apenas um conjunto de linhas brancas trêmulas e ondulantes.

No mesmo instante Crest sentiu aquela estranha pressão na cabeça, acompanhada de um zumbido.

Reagiu imediatamente. Não era difícil a um cérebro arcônida, ainda mais a um que possuísse o grau de treinamento do de Crest, resistir a qualquer espécie de influência telepática ou hipnótica.

Mas compreendeu o significado do comando hipnótico:

— Daqui em diante você vai trabalhar para mim. Preciso de um homem como você. E saberei recompensá-lo pelos serviços que você me prestar. Você será meu servo fiel.

Crest compreendeu tudo que estava acontecendo.

As linhas onduladas que surgiram na tela de imagem representavam a emanação reforçada de uma transmissão hipnótica e exerciam influência sobre quem contemplasse a tela.

Dali se concluía que as suposições de Rhodan foram falsas: o desconhecido não dispunha apenas da força de seu cérebro, mas ainda possuía recursos mecânicos destinados à produção de comandos hipnóticos, embora os mesmos ainda fossem primários e de potência reduzida.

Uma voz antipática começou a falar depois que a transmissão hipnótica havia durado cerca de dois minutos.

— Então; consegui agarrá-lo, não é?

Crest achou que não valia a pena responder.

— De hoje em diante o senhor vai trabalhar para mim! — prosseguiu a voz.

Crest resolveu usar franqueza.

— Não vou fazer nada disso! — respondeu.

Por alguns segundos o desconhecido pareceu perplexo.

— Ah! Então não fez efeito! Muito bem! Como vê, já conheço sua freqüência pessoal. Não acredite que poderá resistir por muito tempo. Levem esse homem.

Crest foi levado de volta à sala em que despertara uma hora antes. Sentou à mesa e pôs-se a refletir.

 

Quando se dirigia ao restaurante, Nyssen recebeu pelo micro telecomunicador a mensagem de Rhodan. Esta se limitava a informá-lo de que aterrizara com vinte homens a nordeste de Osaka e procurava o esconderijo do desconhecido. Pedia-se a Nyssen que apresentasse imediatamente as informações que conseguira coletar.

Nyssen fez meia-volta e regressou ao hotel. Estacionou seu carro de tal forma que poderia sair imediatamente e pegou o elevador para subir ao pavimento em que ficava seu quarto.

A primeira coisa que viu ao entrar no quarto foi Michikai. Estava estendido no chão e tinha um buraco na testa. Do buraco saía um filete de sangue seco que sujava o tapete surrado.

Os dois homens que haviam trazido Michikai estavam colocados de um e outro lado da porta. Cada um deles segurava uma pistola de forma a não permitir a menor dúvida quanto ao alvo que pretendiam atingir caso houvesse necessidade.

Realmente Nyssen assustou-se, mas dentro de dois segundos recuperou o autocontrole. No entanto, murmurando coisas confusas, deu-se o aspecto de quem mal conseguira evitar um colapso nervoso.

A trinta quilômetros dali o homem que, por ordem de Rhodan, devia manter contato com Nyssen teria de decifrar esse murmúrio.

— ...Hotel, Portão das Aves Celestes... Quarto dois-um-um-sete... dois homens... aprisionado.

A distância que separava Nyssen dos dois homens era de três metros. A parte ativa do microfone estava embutida na pele do pescoço e reagia até mesmo às vibrações mais débeis da laringe. Havia uma boa chance de que os dois não entendessem as palavras por ele murmuradas. Esforçou-se para produzir grande quantidade de saliva e deixou cair um fio da mesma pelo canto esquerdo da boca. Parecia ter enlouquecido de susto.

Um dos homens se aproximou dele, com um sorriso de deboche nos lábios.

— Por que está com medo, meu filho? Não lhe faremos nada.

Deslocava-se habilmente. Nem por um segundo interpôs-se na linha de tiro do outro.

— O que... o que querem de mim? — gaguejou Nyssen.

O homem apontou para o cadáver de Michikai.

— Viemos entregar este homem e convidá-lo a dar um passeio conosco.

— Nãooo! — protestou Nyssen com um grito. — Não quero!

— Cale a boca, seu idiota! Vimos quando você matou esse coitado. Entendido? — voltou a apontar para Michikai. — Você deve agradecer porque, em vez de entregá-lo à polícia, preferimos levá-lo conosco.

— Para onde? — perguntou Nyssen, assustado.

— Você vai saber. Está armado?

— Não... ah, sim.

Apontou para o ombro esquerdo. De qualquer maneira não deixariam de encontrar o pesado radiador de nêutrons, mesmo que procurasse ocultar sua existência.

O homem contornou-o e, vindo de trás, pegou em sua axila. Soltou o coldre que segurava a arma e examinou-a cuidadosamente.

— Está bem — disse, depois de ter examinado a arma e passado a mão pelo corpo de Nyssen. — Vamos embora.

O outro homem abriu a porta e saiu para o corredor. Nyssen pôs-se em movimento.

Passaram pelo porteiro sem que este percebesse que Nyssen tinha sido seqüestrado. Sem o menor problema, os três homens alcançaram o carro em que os dois seqüestradores tinham vindo. Enquanto entravam, o motorista ligou o motor. Nyssen ficou no assento traseiro, entre os dois homens que o vigiavam.

Quando o carro deu a saída, resmungou com um mínimo de desempenho vocal:

— Saímos num carro.

Esperava que estas palavras, sopradas para dentro do microfone do telecomunicador, fossem entendidas e corretamente interpretadas pelo elemento de ligação.

Durante meia hora o automóvel enfrentou o trânsito matutino da grande metrópole. Depois tomou uma das grandes vias de saída e disparou em direção ao nordeste.

Nyssen já tivera tempo de elaborar um plano. Sabia que o mais importante era evitar a influência hipnótica do desconhecido.

O capacete trazido de Terrânia estava bem guardado na mala.

Devia encontrar outro caminho para fugir à influência hipnótica.

Poderia distrair a atenção do desconhecido por meio de algum incidente que lhe parecesse mais importante que a influência hipnótica a ser exercida sobre mais um prisioneiro.

 

Em toda a área compreendida no círculo de cinco quilômetros de diâmetro, que Rhodan traçara segundo os dados extraídos do salto executado por Tako Kakuta, só havia três edifícios. Um deles era um celeiro meio arruinado que não parecia conter um porão. Os outros eram casas de campo em estilo japonês.

Rhodan e seus vinte homens haviam chegado ao amanhecer do dia numa nave de transporte. Esta retornou imediatamente, depois de ter descarregado os homens.

Rhodan e seus homens usavam vestimentas transportadoras arcônidas, equipadas com micro geradores que geravam campos antigravitacionais, deflexivos e protetores.

O grupo de Rhodan não tivera a menor dificuldade em passar a maior parte da manhã num bosquezinho sem ser notado por quem quer que fosse.

O rapto de Nyssen foi uma surpresa nada agradável. Mas tal qual o major, também Rhodan não demorou em reconhecer a chance que se lhe oferecia. Enquanto viajava com os seqüestradores, Nyssen murmurava ligeiras indicações sobre a direção que tomavam. Dentro de pouco tempo não havia mais a menor dúvida sobre qual das duas casas de campo era aquela em que se encontrava seu alvo.

Rhodan também compreendeu o plano de Nyssen, segundo o qual a atenção do desconhecido, que aguardava a chegada do prisioneiro, devia ser distraída, para que Nyssen tivesse certa liberdade de agir nos primeiros trinta minutos de prisão.

Não havia possibilidade de estabelecer contato com Crest. O arcônida nunca se convencera da utilidade de um micro telecomunicador embutido na pele. Rhodan tinha certeza de que nesse meio tempo devia ter mudado de opinião.

 

Incrédulo, o Supercrânio fitou o quadro que se projetava na tela do aparelho de advertência e vigilância.

Um estranho!

Estava de pé na pequena área interna existente no meio do complexo quadrático formado pela casa de campo. Usava uma vestimenta que Monterny jamais havia visto e trazia na mão uma arma grosseira, de cano curto.

O Supercrânio viu que o homem olhava em torno de si, como se estivesse procurando alguma coisa.

Um instante depois desapareceu.

Mais um instante, e voltou a aparecer em outro lugar.

Não! Não era o mesmo homem. Era mais baixo e tinha ombros mais largos.

Monterny sentiu que suas mãos tremiam.

Dois homens haviam conseguido burlar todos os dispositivos de vigilância, penetrando na área interna, e, além disso, sabiam se tornar invisíveis à vontade.

Monterny deu o alarma.

Mas os dois homens haviam desaparecido e por enquanto não voltaram a aparecer.

 

As coisas se passaram conforme Nyssen previra. Foi introduzido na casa de campo por uma porta lateral. Um dos homens que o vigiavam ficou ao seu lado e mandou que esperasse, enquanto outro seguiu pelo corredor e desapareceu numa sala.

Voltou dentro de um minuto; parecia contrariado.

— No momento não tem tempo — disse ao companheiro. — Leve-o para baixo.

Um elevador levou Nyssen para baixo da terra. Pareceu-lhe que a sala em que foi enfiado correspondia à descrição de Tako Kakuta. Mas não sabia que embaixo daquela casa de campo havia trinta salas iguais a esta.

Foi deixado só. A sala só tinha uma saída, fechada por uma porta de aço tão robusta que, nem por um instante, Nyssen pensou em movê-la segundo suas conveniências.

Sentou na única cadeira que havia naquela sala, apoiou a cabeça nas mãos, colocou os cotovelos sobre a única mesa e, para as objetivas de televisão que supunha existirem nas paredes, fez o papel de um homem totalmente desesperado.

Na verdade refletia friamente, esculpindo os últimos detalhes de seu plano. O que o inquietava era o fato de que seus cálculos tinham de incluir um fator imponderável: a vigilância do inimigo.

Seu plano só poderia ser coroado de êxito se todos naquela casa, até a última das sentinelas, tivessem sua atenção desviada ao máximo pelos acontecimentos que se desenrolassem no exterior da mesma.

 

Novos estranhos apareceram. Todos envergavam aquele traje estranho e possuíam a capacidade de se tornarem invisíveis.

Monterny não tinha a menor dúvida de que penetravam na área interna vindos pelo ar.

Por alguns minutos teve a impressão de que os estranhos tinham vindo para libertar o prisioneiro. Mas essa impressão desapareceu quando por uma fração de segundo descobriu um dos estranhos no telhado da casa, próximo à antena pela qual costumavam ser irradiadas as mensagens hipnóticas.

O Supercrânio sentiu-se alarmado.

Destacou quinze homens do contingente de trinta que guarnecia a base para proteger a antena colocada no telhado da casa. Mandou que outros dez patrulhassem a área adjacente, instruindo-os para que atirassem imediatamente e com todas as armas disponíveis contra qualquer coisa que se movesse pelo ar.

Depois de ter feito tudo que estava ao seu alcance para proteger a base, preparou-se para uma fuga precipitada. Sabia perfeitamente que se encontrava numa verdadeira armadilha. Se Rhodan — e o Supercrânio não teve a menor dúvida de que os invisíveis eram homens de Rhodan — não valorizava o prisioneiro tanto quanto ele, Monterny, acreditara no primeiro momento, poderia fazer a qualquer momento com que sua tropa-fantasma destruísse a casa por meio de uma explosão.

Depois dos primeiros acontecimentos não parecia muito provável que ele o fizesse.

Mas Monterny era um homem que costumava tomar suas precauções em tempo. Embaixo da casa, num subterrâneo ao qual só ele tinha acesso, começava um corredor que só voltava à superfície a um quilômetro do lugar em que se encontrava.

E um quilômetro, segundo os cálculos do Supercrânio, bastava para colocá-lo fora do alcance de Rhodan.

 

Exatamente uma hora depois de ter sido preso, Nyssen começou a martelar a porta com toda força dos seus punhos. Martelou-a durante quinze minutos; depois ouviu passos rastejantes.

Continuou a martelar até que a porta se abriu. Só então foi para o lado e se abaixou.

O vigia trazia a pistola na mão; mas Nyssen não veio da direção que ele supunha.

A borda da mão de Nyssen atingiu o alvo com a precisão de um centímetro. O vigia soltou um grito selvagem, largou a arma e rodopiou.

Seus movimentos eram lentos em comparação com os de Nyssen. Um soco bem dado atirou-o sobre o chão de concreto.

Ficou inconsciente por um minuto. Nesse tempo Nyssen pegou a arma e certificou-se de que, no corredor, não havia nada que pudesse perturbá-lo.

— Preste atenção! — disse ao vigia. — Preste muita atenção! Você sabe perfeitamente que me encontro numa situação terrível. Preciso de você para sair daqui. Não faço a menor questão de ser capturado mais uma vez. Gostaria disso tão pouco que o matarei assim que fizer qualquer coisa de que eu não goste. Entendeu?

O vigia era um japonês. Respondeu com um apressado aceno da cabeça. Nyssen tinha certeza de que apenas se encontrava sob uma influência pós-hipnótica relativamente débil.

— Há outro prisioneiro por aqui — afirmou Nyssen. — Onde está?

O vigia fez um gesto desolado em direção ao corredor.

— Quantos vigias existem aqui embaixo?

— Cinco.

— Leve-me ao outro prisioneiro, mas de tal maneira que não nos encontremos com nenhum dos outros vigias.

Por alguns minutos o japonês levou Nyssen de um canto para outro.

Finalmente encontraram Crest.

O arcônida levou algum tempo para compreender a sorte que estava tendo. Só com grande dificuldade Nyssen conseguiu expor seus planos.

— Ainda falta muito para estarmos em segurança — disse Nyssen em tom decidido. — O desconhecido ainda mantém firmemente a sua base. Temos de pôr a mão no radiador de nêutrons que me tiraram.

Finalmente Crest compreendeu. E concordou com todas as sugestões de Nyssen. Gritou com a porta aberta a toda a força de seus pulmões, e o vigia, que acorreu para ver qual era a origem de tamanho barulho, foi abatido por Nyssen, à traição, é verdade, mas em compensação sem a menor resistência.

Passaram sorrateiramente junto aos outros três vigias. Segurando a arma de que se haviam apoderado, Crest ficou de sentinela junto ao elevador, enquanto Nyssen e o japonês subiram. O próprio japonês deu-lhe uma indicação sobre o lugar em que poderia encontrar a arma neutrônica. Era na mesma sala em que um dos seqüestradores havia desaparecido por um instante, logo à sua chegada.

Embora não estivesse informado sobre o número de pessoas que se encontravam naquela casa, Nyssen tentou reaver sua arma e foi bem sucedido. Acompanhado de seu ex-vigilante, retornou ao subterrâneo.

Uma vez lá, manipulou a arma, no que foi apoiado pelas indicações de Crest, e depositou-a num lugar que julgava suficientemente eficaz e seguro.

Finalmente Crest e Nyssen puseram-se em movimento.

 

Poucos minutos depois, Rhodan e seus homens avançaram sem disfarce para a casa de campo, vindos de duas direções. O ataque do oeste foi iniciado cerca de dois minutos antes do que vinha do sul. Face a isso a casa ficou praticamente desguarnecida do lado do sul.

Nyssen e Crest aproveitaram o tempo. Correram para junto dos homens de Rhodan, quando os mesmos se encontravam a uns cem metros da casa.

Rhodan foi avisado e imediatamente mandou suspender o ataque. Um dos homens de seu grupo, equipado de microfone e alto-falante, penetrou na área interna da casa e explicou em volume tão alto que seria ouvido por todos, inclusive pelos vigias que se encontravam no subterrâneo:

— A casa deve ser evacuada imediatamente. Dentro de cinco minutos explodirá uma bomba que destruirá toda vida num raio de cem metros.

O efeito do aviso foi nulo. Os que se encontravam no interior da casa acreditavam que se tratasse de um truque. Dirigiram-se ao Supercrânio em busca de conselho, mas o mesmo não quis falar com ninguém.

Esperaram. Quando os cinco minutos se passaram sem que nada tivesse acontecido, todo mundo exultou.

A radiação neutrônica não pode ser vista, ouvida ou cheirada. Nem mesmo um fluxo muito reduzido.

Os homens da equipe do Supercrânio só perceberam que a bomba havia explodido quando de um instante para outro sua pele tornou-se vermelha e começou a arder. Logo após perderam a visão. Tomados de pânico, saíram correndo pelos corredores e procuraram sair da casa. Mas era tarde.

Apenas dois vigias de prisioneiros que tinham atendido ao aviso escaparam à catástrofe.

As autoridades japonesas só tiveram sua atenção despertada para os acontecimentos estranhos que se desenrolaram ao norte da grande via de acesso quando alguém constatou um nível extraordinário de radiatividade naquela área.

Isso aconteceu cinco horas depois da detonação da bomba. Àquela hora Rhodan já havia saído do país e retornado a Terrânia, acompanhado dos dois prisioneiros e da experiência que as ocorrências lhe renderam.

 

A conferência que segue foi realizada dois dias depois:

— Não alcançamos um êxito tão grande como acreditávamos — declarou Rhodan em tom sério. — Pelo que conseguimos saber dos dois prisioneiros e do proprietário da tipografia de Osaka, em que também conseguimos pôr a mão, o homem mais importante escapou. Nenhum dos prisioneiros jamais chegou a ver o grande desconhecido, nem de frente, nem numa tela de imagem. Entre os mortos que encontramos naquela casa havia um único confidente, com que tratava frente a frente. Mas um morto não pode nos revelar mais nada. Encontramos o corredor pelo qual o homem escapou. Mas perdemos sua pista.

“O material bastante escasso que encontramos naquela casa de campo praticamente não nos diz nada sobre os planos, as atividades e as possibilidades do inimigo. Mesmo que os homens que a teimosia levou à morte em Osaka constituíssem toda sua equipe, não lhe será difícil, face aos recursos de que dispõe, conseguir outros elementos. Portanto, não nos devemos iludir com a idéia de que a guerra já está decidida. Por enquanto nem sequer conseguimos localizar os cientistas seqüestrados em Terrânia. Até agora sabemos de três coisas:

“Além da equipe propriamente dita, que no momento deixou de existir, o inimigo possui um número desconhecido de colaboradores. Isso custou a vida de Michikai, o japonês contratado por Nyssen, e por pouco não custa a do próprio Nyssen. Ainda sabemos como funciona a transmissão mecânico-hipnótica dos comandos do desconhecido. Quando recorre ao videofone para estabelecer contato com os elementos de sua equipe, o que importa não são as palavras faladas, mas os modelos de onda que surgem na tela. É bem verdade que não se sabe se continuará a recorrer a esse meio de comunicação, quando souber que já descobrimos seu truque.

“Por fim, sabemos que a liquidação da base japonesa deve representar um sensível fracasso para o desconhecido. Embora não tenhamos conseguido muito, estragamos seus planos. Existe uma certa probabilidade de que fique nervoso e cometa nos próximos dias alguns erros que nos permitam chegar mais perto dele.”

 

Perry Rhodan em pessoa levou Betty Toufry ao avião que a levaria para Nova Iorque. Rhodan falava baixo, mas em tom insistente, e Betty era uma ouvinte muito atenta.

— Existe muita coisa que você não compreenderá, Betty — disse Rhodan. — Ao menos metade do que pretendemos fazer depende de que a General Cosmic Company continue viva. Você vai a Nova Iorque a fim de proteger Mr. Adams de qualquer inimigo que dele queira se aproximar às ocultas. Você terá de ficar com os olhos bem abertos, Betty!

Betty parou e lançou um olhar sério para Rhodan.

— Ficarei de olhos bem abertos.

Poucos minutos depois Betty estava a caminho de Nova Iorque.

Naquela mesma noite o capitão Farina transmitiu uma mensagem de Salt Lake City. Informou que ainda não havia encontrado qualquer pista. Disse textualmente:

— Se não tivesse visto o cadáver de Richman com meus próprios olhos, não acreditaria que alguém o assassinou. É o crime perfeito, Mr. Rhodan. Nenhuma pista, absolutamente nada.

Face a isso, as pesquisas em torno do assassínio de Richman foram definitivamente suspensas.

Quando Rhodan concluiu a palestra com Farina, Thora entrou na sala. Deixou que a porta de enrolar baixasse silenciosamente atrás dela e não interrompeu Rhodan quando ele lançou um olhar pensativo sobre as luzes coloridas do grande painel do telecomunicador.

De início pensou que não tivesse notado sua presença. Mas depois de algum tempo disse de repente:

— Ainda temos muita coisa a fazer, Thora. Já pensou nisso?

Thora aproximou-se.

— Sim; posso imaginar — respondeu.

Rhodan olhou-a.

— Já notou que existe uma pergunta para a qual ainda não encontramos nem um princípio de resposta?

Thora sorriu.

— É a explosão no bloco G, não é?

— Exatamente. Podemos imaginar de que forma foram subtraídos os destróieres. Basta um teleportador dotado da capacidade do que seqüestrou Crest. Pode introduzir seus cúmplices no território da Terceira Potência, um por um ou talvez ao mesmo tempo, e fazê-los descer na sala de comando das naves. Quanto ao resto, não haverá mais problema. Mas ainda não sabemos como alguém pode provocar uma explosão num pavilhão de montagem sem que nele se encontre um miligrama de material nuclear.

Houve uma ligeira pausa.

— Será que acredita que um homem como você levará muito tempo para descobrir a explicação? — perguntou Thora.

Rhodan encarou-a; parecia perplexo. Procurou um sinal de ironia em seu rosto; mas não o encontrou.

— Se isso foi um elogio — disse depois de algum tempo, com um sorriso — foi um elogio muito gentil.

 

                                                                                            Kurt Mahr

 

 

                      

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