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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Perigo no Planeta Gelado / Kurt Mahr
Perigo no Planeta Gelado / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Perigo no Planeta Gelado

 

                  

 

As três naves flutuavam no espaço a oito horas-luz do centro de gravidade do sistema de Beta-Albíreo.

Eram três gigantescas naves de forma esférica: a Terra e a Solar System, cada uma com duzentos metros de diâmetro, e a Stardust-III, com oitocentos metros.

As três unidades da frota espacial terrestre se encontravam sob o comando de Perry Rhodan. Para ser mais exato, estas eram as únicas unidades de grande porte da frota espacial terrestre.

A situação estava ficando crítica. O espaço estremecia, e os sensores estruturais registravam uma transição após a outra. Isso já durava meia hora.

A transição — a viagem através do hiperespaço — produzia um abalo na estrutura espaço-temporal que os sensíveis instrumentos instalados na nave captavam a grande distância.

Mas nesse caso as distâncias não eram muito grandes. Os veículos espaciais que emergiam da transição com velocidade reduzida se encontravam a distâncias que variavam de sete a vinte e uma horas-luz.

Não havia o menor perigo de que as naves terrestres fossem localizadas. Os instrumentos usuais de localização só executavam um trabalho exato até a distância de duas horas-luz. Todavia, era perfeitamente possível que uma das naves estranhas fosse ter nessa área do espaço e, por alguma coincidência, se defrontasse com o inimigo.

Na sala de comando da Stardust-III estava toda a tripulação de combate. O próprio Perry Rhodan ocupava o assento do piloto. Reginald Bell prestava-lhe auxílio na qualidade de co-piloto e oficial de armas. Os aparelhos de radiotransmissão mais importantes contavam com o dobro da guarnição normal.

O ar parecia tremer de tamanha tensão.

Um dos oficiais mais jovens procurava apurar o número das transições com a maior exatidão possível. Rhodan precisava saber com quantos inimigos se defrontaria caso se visse na contingência de lutar.

— Setenta e oito — disse o jovem oficial. — No momento está havendo uma pausa.

Bell virou-se para o lado.

— Não estou gostando disso — resmungou bastante baixo para que só pudesse ser ouvido por Rhodan.

Rhodan deu de ombros.

— Afinal, não nos perguntaram — respondeu. — Aliás, por enquanto estamos fora de qualquer perigo. Não é provável que alguma das naves se perca e venha dar neste setor do espaço.

A pausa durou bastante. Rhodan já estava acreditando que as setenta e oito naves reunidas pelo inimigo eram todas as unidades destacadas para a luta no setor de Beta-Albíreo. Mas os abalos recomeçaram.

Desta vez vieram de outra direção, e a distância média das naves que saíam da transição era de trinta e oito horas-luz.

Não havia a menor dúvida de que se tratava de outro grupo de naves inimigas, que talvez não tivesse nenhuma ligação com o primeiro.

O jovem oficial contou noventa transições. Ao todo as três naves terrestres tinham diante de si cento e sessenta e oito unidades inimigas.

Rhodan riu baixinho:

— Essa gente não deixa por menos — disse. — É quase o sêxtuplo das naves que apareceram no primeiro combate.

O rosto de Bell se contorceu num sorriso largo.

— Essa gente nos respeita — afirmou.

Rhodan não respondeu. Por algum tempo olhou para a frente sem dizer nada. Finalmente virou-se de um golpe e fitou os olhos de Bell.

— Bell, você tem de sair! — disse em tom enérgico.

Bell não parecia se surpreender com essas palavras. Acenou tranqüilamente com a cabeça.

— Era o que eu imaginava — respondeu. — É por causa de Tifflor, não é?

Sorriu.

— Você não poderia ter encontrado um elemento melhor que eu — afirmou com um orgulho evidentemente fingido.

— Por causa de Tifflor e por causa da concentração de forças inimigas — completou Rhodan. — Precisamos de informações colhidas nas proximidades do inimigo. Precisamos conhecer as intenções dos saltadores.

— Está bem. Como vamos fazer isso?

O plano de Rhodan estava pronto. Este respondeu prontamente:

— Você irá na Good Hope-VI com o tenente Everson. Daqui, a Good Hope-VI salta diretamente para o objetivo. Assim que terminar a transição, você sai da nave num destróier. O depósito do robô do destróier está recheado com tudo aquilo de que Tifflor e seus companheiros precisam.

Gucky irá com você...

— Gucky? — gemeu Bell.

— ...ele se teleportará com a carga para a superfície do planeta. Vamos recomendar a Gucky que execute em trinta segundos no máximo a ação, que vai do momento em que abandonarem a Good Hope-VI até o instante em que ele se teleportar. Depois disso, você não terá mais nada a fazer senão voltar pelo caminho mais curto.

— No destróier? — retrucou Bell.

— Isso mesmo. Everson saltará de volta com a Good Hope-VI no mesmo instante em que você for expelido da nave. Não podemos arriscar mais um girino.

— Até parece — disse Bell esticando as palavras e esboçando um sorriso ligeiro e tristonho — que você quer se livrar de mim.

Acho que não há outro meio, não é mesmo?

Rhodan deu de ombros.

— Há meia hora estou quebrando a cabeça, mas não encontrei solução melhor

que esta.

— Há muito movimento — disse Moisés.

A voz parecia preocupada. Evidentemente, não estava. Moisés, cujo nome oficial era RB.013, não tinha a capacidade de sentir preocupação ou qualquer outra emoção. Moisés era um robô de combate de fabricação arcônida, que só recebera seu apelido há poucas horas da contagem de tempo terrestre.

O apelido lhe fora dado por três cadetes e duas estudantes da Academia Espacial. Não fazia muito tempo que chegara com os mesmos a este mundo, viajando num destróier que fora totalmente destruído durante o pouso. Encontravam-se num mundo que descrevia uma órbita excêntrica em torno dos dois sóis de Beta-Albíreo. Naquele momento esse mundo distava mais de sete unidades astronômicas do centro do sistema, de onde provinha a luz. Por isso, sua superfície estava transformada num imenso tapete de gelo e neve e a temperatura diurna média era de cento e dez graus negativos da escala centígrada.

Os três cadetes eram Julian Tifflor, Klaus Eberhardt e Humpry Hifield; as duas moças chamavam-se Mildred Orson e Felicitas Kergonen. A bordo de um destróier, abandonaram a nave auxiliar Good Hope-IX, que estava prestes a ser derrotada pelo inimigo. Ainda assim, o destróier foi alvejado e ficou com a capacidade de manobra sensivelmente reduzida, o que os obrigou a se dirigirem a esse mundo de gelo, o único que se encontrava suficientemente próximo para que pudessem arriscar o pouso.

O destróier ficou totalmente inutilizado depois do pouso. Mas seus cinco ocupantes e Moisés, o robô, nada haviam sofrido. Marcharam algumas centenas de quilômetros, à procura de zonas mais quentes, e capturaram uma nave-patrulha do inimigo, com seus dois tripulantes.

Enquanto o inimigo só dispunha de uma nave, a Orla XI, a situação não oferecia maiores perigos. O grupo de Tifflor, vulgo Tiff, dispunha de mantimentos para dois anos. A caverna na qual haviam se abrigado oferecia proteção contra o frio mortal do planeta, e a nave-patrulha aprisionada fora escondida, numa grota próxima, de tal maneira que só poderia ser descoberta por alguém que desse com o nariz em cima da mesma.

Mas a situação parecia modificada. O equipamento de observação de Moisés registrou os movimentos de uma série de naves. Como esse equipamento tivesse um alcance bastante limitado, isso significava que as naves estavam bem próximas. Não havia a menor dúvida de que estavam interessadas naquele mundo.

E estavam interessadas nele porque, entre aqueles cinco, havia uma pessoa à qual atribuíam uma importância extraordinária.

Tiff, ao qual coubera o comando do pequeno grupo, naturalmente por ser o mais competente, viu-se diante de uma decisão bem difícil. A caverna em que se encontravam ficava tão próxima ao lugar em que haviam escondido a nave-patrulha que a operação de busca do inimigo não deixava de representar um perigo para eles.

Mas, se saíssem naquela hora, exporiam a imensa massa metálica de Moisés aos instrumentos de observação do inimigo.

Tiff achou que o maior perigo seria este e decidiu:

— Por enquanto vamos ficar aqui.

Ninguém formulou qualquer objeção, nem mesmo Humpry Hifield, que em outras ocasiões não perdia nenhuma oportunidade de brigar com Tiff.

— Pronto para a ejeção! — berrou o tenente Everson.

A resposta foi muito mais tranqüila.

— Pronto! Dê o fora!

Everson comprimiu a chave. As escotilhas da comporta que fechava o grande hangar das naves auxiliares abriram-se à velocidade máxima. A nave auxiliar Good Hope-VI saiu, desenvolvendo pouca velocidade. Nas telas óticas via-se o negro do espaço semeado de estrelas.

Everson se inclinou em direção ao microfone do intercomunicador.

— Já estamos do lado de fora — disse.

— Saltarei daqui a dois minutos.

A voz de Reginald Bell parecia indiferente.

— Está bem. Dê um bom salto, tenente.

Bell já ocupava seu lugar. Encontrava-se no assento de piloto do pequeno destróier que a Good Hope-VI levava em um dos hangares.

Dali a dois minutos, a Good Hope-VI realizaria a transição e, no mesmo instante, surgiria na área que pretendia atingir, visto que o salto pelo hiperespaço era realizado sem perda apreciável de tempo. Ainda no mesmo instante, a Z-13 sairia do hangar, e, no máximo trinta segundos depois, a primeira parte da perigosa missão estaria concluída.

O segundo assento do destróier de três lugares estava ocupado por Gucky.

Bell reconhecia que ainda não se acostumara a Gucky, embora já fossem companheiros há algum tempo; ou melhor, há muitos anos, desde que se quisesse calcular o tempo segundo as concepções terrestres, incluindo-se os anos em que a tripulação da supernave de Rhodan perdera por completo esta noção; isto ocorrera durante as viagens espaciais em busca do planeta da vida eterna.

Mas Gucky não era um tipo com que a gente se acostumava facilmente.

Parecia o produto de um cruzamento entre um castor e um rato. Seu corpo, coberto de pêlos ruivos, tinha cerca de um metro de comprimento. Na parte traseira, era grosso como um castor, enquanto a cabeça ostentava um par de orelhas de rato. Apesar do seu aspecto exterior, Gucky pertencia à classe dos seres dotados de inteligência. Falava o inglês, embora chiasse um pouco. Além disso, possuía espantosos dons parapsicológicos, como os da telecinésia, da teleportação e da telepatia.

— Você está em contato com Tiff? —perguntou Bell.

Gucky acenou com a cabeça, num gesto perfeitamente humano.

— Sim, mantenho contato permanente — respondeu.

O cadete Tifflor trazia no corpo, sem que o soubesse, um transmissor celular de elevada potência, que o transformava numa espécie de farol telepático. Um telepata capacitado como Gucky conseguia localizar Tiff com segurança a uma distância de dois anos-luz.

Bell esteve a ponto de perguntar mais alguma coisa, mas não teve tempo. A voz potente do tenente Everson soou no alto-falante:

— Atenção, transição! Dez... nove...oito...

Bell se encolheu e agarrou firmemente as chaves de comando presas ao painel de instrumentos.

Uma vez concluída a transição, a comporta se abriria automaticamente.

— ...quatro... três... dois... um... vamos!

Sentiu a estranha dor da desmaterialização, que parecia contorcer as juntas; mas dessa vez passou tão depressa que o cérebro mal teve tempo de reagir.

Quando Bell voltou a abrir os olhos, a Z-13 já se encontrava no espaço. A Good Hope-VI ficara bem para trás.

Com um movimento reflexivo da mão, a chave fora empurrada em tempo. A Z-13 acelerava ao máximo. Na tela via-se crescer o globo pálido-cinzento do mundo de gelo em que o cadete Tifflor pousara com seu grupo.

Gucky não parecia se interessar por aquilo. Estava reclinado na poltrona em atitude aparentemente apática. Os olhos, geralmente grandes e ingênuos, estavam reduzidos a faixas estreitas.

O rato-castor iniciara a operação de goniometria. Trinta segundos era um espaço de tempo muito reduzido para terminar tudo aquilo.

Não ouviu o grito furioso de Reginald Bell:

— Meu Deus, o céu está cheio de saltadores!

Em torno da mancha redonda do planeta gelado, flutuava uma nuvem estreita de pontos luminosos.

Eram naves. Uma frota de naves inimigas.

Bell sabia que havia apenas dois fatores que poderiam favorecê-lo: a surpresa que o surgimento repentino do pequeno veículo espacial deveria causar entre os inimigos e a agilidade da Z-13, muito superior à das grandes naves inimigas.

— Estou pronto — chiou Gucky. — Tudo preparado!

Reginald Bell nem perdeu tempo em se admirar. O mundo de gelo ficava a mais de quatrocentos mil quilômetros, uma distância maior que a que separa a Terra da Lua.

A esfera projetada pelo mundo estranho cresceu para além das extremidades da tela e as manchas luminosas das naves inimigas transformaram-se em pontos escuros, que se destacaram contra o fundo claro, foram crescendo e assumiram contornos nítidos.

— Dê o fora, Bell! — resmungou Bell para si mesmo. — Daqui a pouco abrirão fogo contra nós.

O inimigo devia estar realmente muito surpreendido, pois de outra forma já teria atirado.

Gucky chiou a resposta.

— É agora! — disse.

Dali a meio segundo, quando Bell virou a cabeça para olhar seu companheiro, o mesmo já havia desaparecido. E, juntamente com ele, uma carga de três toneladas de peso terrestre, cujo transporte se tornou possível graças a um gerador antigravitacional.

Bell suspirou aliviado e modificou abruptamente a rota de seu aparelho. Um raio de energia concentrada se desprendeu de uma das manchas escuras que as naves dos saltadores projetavam contra o fundo branco da paisagem de neve; depois de disparar pelo espaço, cruzou a rota da Z-13 no ponto em que o destróier se encontraria naquele instante se Bell não tivesse executado a manobra.

Com o desvio, a imagem do planeta frio se deslocou para a extremidade da tela de observação ótica.

A Z-13 se encontrava, com a precisão de um segundo do arco graduado, na rota que conduzia à estrela azulada, um dos sóis do sistema geminado.

Reginald Bell só manteve essa rota por dois minutos. Depois voltou a fazer uma curva, gemendo sob a pressão súbita que se abateu sobre ele quando a aceleração centrífuga ultrapassou os valores que podiam ser absorvidos pelo neutralizador instalado no aparelho.

A curva foi de apenas alguns graus, mas havia sido realizada num tempo diminuto e a toda velocidade. Fez com que o segundo feixe de energia, disparado pelo inimigo, passasse ao lado da Z-13 e se perdesse no espaço sem produzir qualquer efeito.

Contemplando a parte da tela que correspondia à visão de popa, Bell viu que a frota inimiga começava a se movimentar.

Três das naves aceleraram e puseram-se no encalço da Z-13.

Bell gemeu ao ler as indicações do aparelho de observação.

Uma das três naves — que eram cilíndricas e afinavam nas pontas, segundo o feitio dos veículos espaciais dos saltadores — media setecentos metros de comprimento.

Era um gigante do espaço! Embora fosse menor que a potente Stardust-III, não havia a menor dúvida de que excedia a pobre da Z-13 em todas as funções.

Bell compreendeu que, sem auxílio, não conseguiria sair ileso desse inferno.

Deixou que a antena do hipercomunicador se regulasse para a posição das três naves terrestres e resmungou sua mensagem:

— Daisy está com frio!

As sereias de alarma soaram na imensa nave de Etztak.

O próprio Etztak, patriarca do clã dos Orlgans, se encontrava na sala de comando quando soou o alarma do observador.

Etztak era velho; mesmo para um saltador, sua idade era muito avançada. Era um gigante de dois metros, inclinado sob o peso dos anos. A barba descia em ondulações brancas até o peito, e o cabelo nada ficava a dever à mesma em comprimento e pujança.

— O que houve? — ressoou a voz de Etztak.

O observador falou timidamente.

— Constatamos a presença de um objeto desconhecido, senhor. Aproxima-se a grande velocidade.

— De que tipo de nave se trata? — gritou Etztak.

— Não é nenhuma nave, senhor. É muito pequena. É um dos veículos auxiliares que aqueles seres trazem a bordo.

Etztak fungava de raiva.

— Preparem-se para abrir fogo! Disparem imediatamente!

Para que as outras naves de seu clã ficassem informadas, abaixou a chave integral do hipercomunicador com tamanha violência que quase chegou a quebrar a alavanca.

— Abram fogo com todas as peças sobre o objeto desconhecido.

Qualquer palavra de Etztak era uma ordem. Se houve alguma demora no cumprimento dessa ordem, isso foi devido ao fato de que, além da nave de Etztak, só duas haviam constatado a presença do inimigo.

A nave de Etztak, a Etz XXI, foi a primeira a disparar.

Errou o alvo, porque este executou, uma fração de segundo antes do tiro, uma manobra bastante arriscada.

Quinze segundos depois, a nave que se encontrava mais próxima da Etz XXI, a Wena LXIII, estava com as peças de artilharia prontas para disparar. Descarregou uma salva de desintegradores sobre o minúsculo ponto, que passava a uma velocidade incrível junto ao mundo de gelo, tomando a direção do sol azulado. Mas parecia que todos os demônios do universo estavam ajudando aquela gente: no momento exato, o pequeno veículo alterou sua rota e prosseguiu na vertiginosa corrida.

Etztak tomava conhecimento dos fatos à medida em que estes se verificavam.

Agora estava no seu elemento. A luta irrompera e todos teriam de se guiar exclusivamente por suas ordens. Mandou que o grosso do clã permanecesse com suas naves junto à superfície do mundo de gelo; as naves Etz XXI, Wena LXIII e Horl VII encetaram a perseguição.

A ordem que Etztak transmitiu aos seus subordinados foi a seguinte:

— A nave inimiga deve ser destruída, haja o que houver.

A oito horas-luz dali, as antenas direcionais de hipercomunicação da Stardust-III captaram a mensagem:.

— Daisy está com frio!

Perry Rhodan contara com a possibilidade de que a situação se tornasse muito séria. Só por um grande acaso Bell conseguiria romper as linhas inimigas sem que ninguém procurasse impedi-lo.

Rhodan entrou em contato com a Solar System, comandada pelo major Nyssen:

— Nyssen, prepare-se para saltar.Monte as antenas especiais para receber a mensagem codificada de Bell... se é que a mesma vai chegar. Salte de acordo com os dados goniométricos fornecidos pela antena. Faça um trabalho bem feito! Ao que parece, Bell se encontra numa situação dificílima. .

Nyssen confirmou o recebimento da mensagem e acrescentou com a voz furiosa: — Nós lhes mostraremos alguma coisa.

O cérebro de Bell funcionava em alta velocidade.

Cabia verificar qual seria o momento mais favorável para informar Rhodan de que Daisy estava prestes a morrer de frio.

Esse momento não podia estar muito longe.

A gigantesca nave dos saltadores excedia a Z-13 também em aceleração. A diferença era de menos um grau da respectiva escala. O gigante do espaço tivera de iniciar suas manobras a partir de uma posição de repouso absoluto; apesar disso, levou poucos segundos para atingir uma velocidade próxima à desenvolvida pelo pequeno destróier.

Os outros veículos dos saltadores ficaram ligeiramente atrás do gigante, mas Bell tinha certeza de que, num longo trajeto, mesmo estes poderiam representar um perigo para ele.

Bell já desistira de seu plano primitivo, segundo o qual retornaria à Stardust-III pelo caminho mais curto. Para isso teria que descrever uma curva de cento e oitenta graus, e com isso cairia diretamente nos braços do inimigo.

Mas Bell não era um homem que desanimava por pouca coisa.

Sabia que num ponto a Z-13 era superior à perigosa nave do inimigo: em agilidade. O momento teria chegado quando o gigante do espaço se aproximasse a menos de cinco mil quilômetros.

Mas esse momento só poderia chegar se o monstro não resolvesse de forma diferente, abrindo fogo a uma distância maior.

Na tela de Bell, o ponto ofuscante que representava o sol menor se havia deslocado para a direita. A mancha alaranjada projetada pelo sol principal se encontrava na margem da tela e inundava a pequena cabina com uma agradável luminosidade amarela.

“Como seria bom”, pensou Bell.

Foi quando o alarma estridente voltou a soar na nave. Havia um objeto à frente.

Na tela do observador, Bell viu o enxame das noventa naves, cuja transição ele mesmo ainda chegara a observar noventa minutos antes a bordo da Stardust-III.

Essas naves ficavam bem na rota da Z-13.

Bell praguejou e voltou a desviar o pequeno veículo espacial para a esquerda. Mesmo que com isso se aproximasse um pouco do gigante de setecentos metros, ao menos se livraria das noventa naves que se encontravam à sua frente.

Bell interrompeu-se em meio aos seus pensamentos.

“Você é um idiota!”

Mais uma vez mudou de rumo. Voltou à rota antiga.

Não há meio melhor de se proteger do inimigo do que se esconder bem em meio às suas fileiras.

Depois de ter acompanhado por alguns minutos a rota da pequena nave, Etztak esteve inclinado a ver em seu piloto o maior idiota que jamais lhe aparecera.

— Olhem! — gritou Etztak, e os circunstantes, obedientes, lançaram os olhos para a tela do localizador, em cujo fundo luminoso a trajetória do pequeno objeto se desenhava como a de um cometa. — Uma vez para cá, outra vez para lá — trovejou a voz do patriarca. — O que está querendo? Será que pensa que dessa forma conseguirá escapar?

A resposta às palavras de Etztak veio do posto de observação.

— Noventa naves de nossa frota de guerra diante de nós, senhor. Distância de sete minutos-luz.

Etztak viu os pontos que surgiam na tela. Parte da antena seguiu seus movimentos, retratando a posição que realmente assumiam face ao centro de sistema — que era uma posição de imobilidade.

E o anão — aquela nave ridícula e atrevida — dirigia-se diretamente para a frota.

No mesmo instante, Etztak compreendeu o que devia fazer.

— Disparar todas as peças!

Mas não era costume dos saltadores agir com precisão e rapidez quando uma ordem, esperada para o momento t0, realmente vinha no momento t0 - t, ou seja, de forma inesperada e alguns minutos antes da hora.

Pouco depois de iniciada a perseguição, Etztak percebeu que a nave estranha era inferior à Etz XXI no que dizia respeito à capacidade de aceleração. Por isso deu ordens terminantes de só abrir fogo quando a distância ficasse reduzida a menos de trinta mil quilômetros.

Todos conheciam os motivos dessa decisão. Um tiro disparado a uma distância tão reduzida transformaria o estranho numa tocha de gases que logo se espalhariam pelo espaço. Isso seria uma lição para todos que ousassem afrontar o clã dos Orlgans.

Seria um espetáculo, e Etztak gostava de oferecer espetáculos.

E agora?

Por que estaria o velho revogando sua ordem anterior? O que teria acontecido?

Ninguém sabia. Os artilheiros estavam confusos.

Num movimento vagaroso os canos afunilados das armas energéticas ajustaram-se à posição do alvo.

— Daisy está morrendo! — disse Bell.

A Z-13 deu um salto breve e doloroso para cima e retornou, poucos segundos depois, à rota antiga.

Ninguém havia disparado.

As torres de artilharia da Etz XXI ainda não haviam concluído o ajustamento.

O salto fora em vão.

— Está bem — disse Nyssen tranqüilamente. — Já ouvi. A Solar System está pronta para saltar.

A Solar System saltou imediatamente, sem esperar que fosse atingida a velocidade que geralmente se julgava necessária para a transição.

O salto da nave produziu uma descarga energética de proporções inconcebíveis. A explosão — de estrutura pentadimensional e por isso mesmo imperceptível aos sentidos humanos — atirou a Solar System para o hiperespaço.

Nyssen sentiu uma dor lancinante. Perdeu os sentidos por uma fração de segundo.

Quando voltou a si, a Solar System se encontrava perto da fileira prateada das naves inimigas.

Na tela correspondente à visão de popa, reluzia um ponto minúsculo. Era a Z-13. Perto dela, via-se um traço fino e alongado que representava uma nave inimiga.

Com Nyssen aconteceu a mesma coisa que, poucos minutos antes, acontecera com Reginald Bell: assustou-se quando viu diante de si o resultado das medições realizadas pelos rastreadores.

— É uma nave cilíndrica, com as pontas afinadas em forma de torpedo. Seu comprimento é de setecentos metros e sua largura média de oitenta metros.

Do ponto em que Nyssen se encontrava, percebia-se logo que o único perigo real para a Z-13 provinha daquela nave gigante. Todas as outras ficavam fora do alcance das radiações das armas energéticas.

— Todas as posições de artilharia devem ficar de prontidão! — gritou Nyssen para dentro do microfone.

A confirmação veio prontamente e quase em uníssono. As posições de artilharia já haviam sido ocupadas antes que a Solar System iniciasse a transição.

Nyssen acelerou a nave, indo de encontro ao ponto minúsculo e apressado, e ao traço ainda mais apressado.

— Distância: 4,13 segundos-luz!

Os instrumentos de Bell registraram a presença da Solar System no instante em que ela emergiu do hiperespaço.

Bell suspirou aliviado.

Não acreditava que o perigo já tivesse passado. No momento em que saiu da transição, a Solar System se encontrava tão longe que não poderia intervir na luta, que era iminente.

Mas ao menos não estava mais sozinho.

Se conseguisse se esquivar por mais alguns segundos do gigante que se encontrava atrás dele, a Solar System teria tempo para se aproximar.

Bell se esforçou ao máximo.

 

Etztak queria que tudo fosse para as profundezas do inferno.

As torres de radiações da Etz XXI já se haviam ajustado sobre o alvo. Um tiro após o outro saía dos canos afunilados, atravessava o espaço aos relampejos, com uma vaga luminosidade ou de forma totalmente invisível, e procurava atingir o pequeno aparelho.

Acontece que qualquer mecanismo de pontaria, por melhor que seja, tem um certo tempo morto. Precisa de alguns milésimos de segundo para pôr os pesados canos de radiações na nova direção.

E esse tempo era suficiente para que um veículo espacial com a manobrabilidade e o poder neutralizador das pressões de aceleração da Z-13 descrevesse uma curva de mais de cinco graus.

As radiações disparadas pela Etz XXI passavam rente à Z-13.

Etztak estava furioso. Batia com o pé e gritava para seus oficiais, embora nenhuma das pessoas que se encontravam na sala de comando pudesse ser responsabilizada seriamente pelo insucesso.

Já fazia noventa segundos que os localizadores haviam constatado a presença da nave inimiga que acabara de surgir no espaço, produzindo o abalo estrutural ligado à transição.

Mas, dali em diante, nenhum aviso chegou ao ouvido de Etztak. Este esbravejava, sem se dar conta de que era ele mesmo que impedia o êxito total da Etz XXI.

— Comandante para os oficiais de artilharia. Não queremos destruir o inimigo. Desejamos apenas que a Z-13 tenha as costas livres. A qualquer momento poderemos saltar de novo; preparem-se.

De todos os lados veio a resposta “entendido”.

A Solar System se aproximou a alta velocidade da nave inimiga. A distância ia minguando, e a velocidade da nave terrestre crescia a cada segundo que se passava.

— Dentro de dez segundos estará ao alcance das nossas peças de artilharia — anunciou o segundo-oficial.

— Atirem assim que o alvo estiver ao nosso alcance! — respondeu Nyssen em tom enérgico.

Nunca os segundos haviam passado tão devagar.

Nyssen seguia os ponteiros do cronômetro e esbravejava contra a preguiça deles.

Cinco segundos!

Qual seria o alcance dos canhões do inimigo?

Nyssen não sabia nada do que se passava a bordo da Etz XXI. Nem desconfiava de que, naquele instante, Etztak esbravejava de raiva.

Mas viu os feixes de raios dos desintegradores e as faixas de energia branco-azulada das armas térmicas que atravessavam o espaço; e também viu a pequenina Z-13 saltitar entre uma salva e outra.

Nyssen procurou verificar o alcance dos raios energéticos com base na sua luminosidade. Num cálculo instantâneo e aproximado, chegou à conclusão de que não ficava atrás do alcance das peças de artilharia de sua nave.

O mais tardar, no mesmo instante em que as radiações disparadas pelas peças da Solar System podiam atingir o inimigo, também as armas deste poderiam alcançar a Solar System.

Faltava um segundo!

A luz verde começou a piscar no mesmo instante em que o alarma começou a uivar.

A Solar System estava em plena batalha.

 

— Onde está a nave inimiga? — berrou Etztak.

O observador forneceu as coordenadas, lançando mão do que ainda lhe restava de autocontrole. Etztak procurou a imagem do inimigo na tela.

Antes de descobri-la, fez um sinal para o comandante da artilharia. Este transmitiu a ordem:

— Ajustar-se para novo alvo segundo as indicações do observador.

Nesse mesmo instante, Etztak viu o inimigo. Não viu propriamente o inimigo, mas um feixe de raios verde-pálidos que saía de certo ponto do espaço e dali a dois segundos preencheu toda a tela.

A Etz XXI foi atingida por um golpe de força indescritível. A luz forte se apagou; dali a poucos segundos surgiu em seu lugar a luz mortiça das lâmpadas de emergência.

Sereias de alarma uivavam e vozes se atropelavam nos alto-falantes.

Etztak caiu ao chão. Apesar da confusão reinante na sala de comando, a disciplina era tamanha que um dos homens logo se apressou em ajudar o velho a pôr-se de pé.

Com uma rapidez espantosa, Etztak recuperou o autocontrole.

— Fomos atingidos? — perguntou laconicamente.

— Sim, senhor — respondeu o homem.— Na sala de máquinas.

Etztak passou a mão pela testa. A raiva já o abandonara; por um instante não passou de um velho desamparado.

Mas logo entrou em contato com a sala de máquinas.

Foi informado de que dois agregadas importantes haviam sido inutilizados, mas que apesar disso a Etz XXI ainda estava em condições de manobrar, se bem que com apenas sessenta por cento de sua velocidade normal.

Etztak mandou desacelerar, suspender a perseguição e virar a nave.

Os observadores anunciaram que a grande nave inimiga havia desaparecido.

O pontinho prosseguia na sua corrida pelo espaço. Nos segundos que se seguiram ao impacto sofrido pela Etz XXI, esta correra sem acelerar sua marcha, enquanto o pequeno aparelho continuara a acelerar. Por isso, já ultrapassara o limite atrás do qual as peças de artilharia da grande nave não representariam qualquer perigo.

— Deixem que vá embora — resmungou Etztak. — Talvez nossa frota ainda o pegue. Vamos retornar à nossa posição anterior. Avisem a Wena e a Horl.

 

Por uma fração de segundo, Nyssen entreteve a idéia de colocar a Z-13 a bordo de sua nave e com ela realizar o salto.

Mas, na melhor das hipóteses, a manobra demoraria trinta segundos, e Nyssen achou que seria muito arriscado se expor por esse tempo à artilharia do inimigo.

Por isso, Bell recebeu uma mensagem lacônica, expedida de bordo da Solar System:

— Daisy terá de cuidar do resto.

A Solar System logo desapareceu daquele setor do espaço.

Bell resmungou, amargurado e aliviado ao mesmo tempo. Fazendo uma curva com o menor raio possível e desacelerando ao máximo, mudou a rota da Z-13.

A pequena nave passou a alguns segundos-luz da frota dos saltadores, que se mantinha na expectativa. A distância era a mínima possível para que o pequeno destróier pudesse passar em segurança.

As naves de guerra não pareciam interessadas na perseguição. Talvez o impacto conseguido por Nyssen lhes tivesse infundido uma certa cautela, ou então estariam ali para outro fim.

Bell não quebrou a cabeça a este respeito, embora tivesse tempo de sobra para isso.

Uma mudança de rota de cento e oitenta graus, realizada a uma velocidade de trajetória constante, mas de componentes velocimétricas em constante mutação, consumiria cerca de dez horas.

E a Stardust-III ficava a uma distância de oito horas-luz. Mesmo que a essa distância, medida a partir do ponto em que Bell se encontrava — já que ele pretendia aumentar a velocidade assim que tivesse completado a curva — pudesse ser obtido um ganho de tempo relativista, ainda faltava cerca de meio dia terrestre para que a Z-13 se encontrasse definitivamente em segurança.

 

No mundo de gelo, que o grupo batizara de Homem de Neve, não se percebeu nada dos acontecimentos que se desenrolavam no espaço. A capacidade de observação de Moisés era limitada. Nem chegara a constatar a presença da gigantesca nave de Etztak, uma vez que a mesma se encontrava a uma distância relativamente grande do Homem de Neve; muito menos teve condições de observá-la durante a perseguição a que se lançou.

O silêncio enganoso enervou os cadetes. Sabiam que, ao deixá-los no Homem de Neve, Perry Rhodan seguia um objetivo bem definido. Já tivera tempo de sobra para retirá-los dali. Se não o fizera, suas intenções deviam ser outras. Estavam convencidos de que eram a causa real de toda a confusão engendrada pelos saltadores.

Tiff se sentia praticamente indefeso diante das recriminações lançadas por Humpry Hifield.

— Já que estamos metidos nesta por sua causa — resmungou Hump — você ao menos poderia ter a gentileza de nos contar quais são as intenções de Rhodan.

Nas últimas horas, Tiff asseverara ao menos uma dezena de vezes que não sabia absolutamente nada dos planos de Rhodan. A essa altura nem tomava mais conhecimento das queixas de Hump.

Vez por outra, Tiff caminhava até a grota para ouvir o hipercomunicador da pequena nave capturada. Logo depois de se terem instalado na caverna, Rhodan os informara pelo receptor da nave que teriam de agüentar por ali, e que receberiam o necessário apoio. Mas depois dessa mensagem lacônica não houvera outro contato.

A esperança que Tiff chegara a ter por algumas horas não se realizou: não conseguiu captar as mensagens que os saltadores trocavam pelo hipercomunicador.

Ao que tudo indicava, o inimigo havia extraído imediatamente as conseqüências cabíveis da captura de um dos seus veículos espaciais: trocaram suas freqüências.

O caminho que conduzia da caverna ao pequeno aparelho não era muito cômodo; em certos lugares chegava a ser perigoso. O gelo liso dificultava o deslocamento, mas de outro lado a gravitação reduzida vinha em auxílio de quem empreendesse a descida.

Ao voltar para a caverna, Tiff ficou refletindo se não seria preferível levar o grupo mais para o sul, a fim de retirá-lo da área perigosa.

Era bem verdade que durante as horas de marcha estariam expostos sem a menor proteção aos instrumentos de observação do inimigo. Mas este não poderia alcançar toda a superfície do planeta gelado com seus instrumentos. Se tivessem sorte...

“Será que um bom estrategista deve elaborar planos baseados no fator sorte?”, pensou Tiff, mas logo zombou de si mesmo por ter usado a expressão estrategista. Ao que parecia, o transmissor de capacete levou sua risada para dentro da caverna. A voz suave de Mildred indagou:

— Qual é a graça?

— Nada — respondeu Tiff em tom alegre.

Encontrava-se a uns trinta metros da caverna. Lembrou-se de que Mildred talvez esperasse uma resposta mais detalhada à pergunta amável que formulara.

— Sabe... — principiou. E se atirou ao solo.

O movimento foi puramente instintivo. Não tivera tempo de pensar sobre os fardos negros que, de uma hora para outra, saíram do nada.

Tiff ouviu um chiado nos receptores externos, e logo percebeu o baque que se seguiu quando os objetos escuros tocaram o solo. Ainda escutou um apito agudo.

Levantou o radiador de impulsos térmicos capturado de um saltador e, levantando cautelosamente a cabeça, olhou para aqueles objetos estranhos.

“São bombas!”, foi seu primeiro pensamento.

Mas aquilo não se parecia com bombas.

Levantando-se lentamente, caminhou de arma em punho para aqueles estranhos pacotes.

— Fiquem na caverna! — resmungou.— Alguma coisa caiu do céu.

Mildred e Felicitas soltaram um grito assustado.

— Meu Deus, Tiff! Tome cuidado!

Eberhardt resmungou:

— Não prefere que eu dê um pulo até aí?

— Não — respondeu Tiff.

Encontrava-se a apenas cinco metros do mais próximo dos pacotes, quando descobriu o vulto. Tiff afastou as pernas, apoiou-as firmemente na neve e levantou a arma.

Com os olhos incrédulos, Tiff contemplou alguma coisa de cerca de um metro de altura, que vestia um traje protetor de feitio especial. Foi baixando a arma e voltou a guardá-la no bolso.

— Gucky! — fungou. — Isto é... senhor...

— Cale a boca — chiou Gucky. — Levei uma queda daquelas.

Tiff fez continência. Gucky, que era um mutante no pleno desempenho de suas atribuições, ocupava o posto de oficial. Por mais esquisito que parecesse, ninguém poderia faltar com o devido respeito para com Gucky.

O rosto de Tiff se iluminou.

— Fico satisfeito com a sua vinda, embora tenha me assustado.

— Não pude anunciar minha chegada — respondeu Gucky.

Os olhos que surgiram atrás da lâmina do visor emitiram um brilho zombeteiro.

— É claro que não — respondeu Tiff. — Permite que lhe mostre os nossos alojamentos?

Gucky fez que sim. Tiff caminhou à sua frente, abriu o fecho da primeira parede separatória, que protegia a parte dos fundos da caverna contra o frio mortal reinante no Homem de Neve. Uma lufada de ar quente saiu e, ao entrar em contato com o frio, transformou-se numa névoa fina.

 Gucky seguiu-o. Com olhos de entendido, acompanhou os movimentos de Tiff quando este voltou a colocar o fecho de rocha derretida e retirou o da segunda parede.

— É um serviço bem feito — elogiou.

Passaram por um total de seis paredes divisórias. Atrás da última ficavam os alojamentos propriamente ditos, que estavam protegidos contra o frio pela melhor forma que as circunstâncias permitiam e, além disso, eram aquecidos por Moisés, cujo irradiador térmico fora regulado para a capacidade mínima.

Gucky observou que não esperava tamanho conforto. Não regateou elogios.

Depois de algum tempo disse:

— Em anexo estão recebendo potentes armas energéticas, trajes transportadores arcônidas, novas provisões de mantimentos e uma porção de coisas que lhes serão bastante úteis.

Ao que parecia, o uso do inglês comercial o divertia.

— Onde está tudo isso? — perguntou Eberhardt, perplexo.

Tiff apontou por cima do ombro, mostrando para a saída da caverna.

— Nos pacotes que Gucky nos trouxe.

Etztak mandou que a nave pousasse. Constatara-se que o reparo das avarias causadas pelo impacto da peça inimiga seria relativamente fácil e rápido se a equipe pudesse pisar em chão firme.

Logo após o pouso, Etztak pediu que Orlgans, o saltador que comandava a Orla XI, comparecesse a bordo de sua nave.

Etztak pediu, muito embora em tempo de crise dispusesse de poder de comando irrestrito sobre todos os membros do clã, isso porque julgava mais conveniente seguir os modos convencionais enquanto o julgasse útil e possível.

Os saltadores eram um povo aparentado com os arcônidas, que haviam levantado o Grande Império em torno de seu mundo, Árcon, levando-o das culminâncias do poder às profundezas da decadência. Os saltadores logo se separaram da raça de que provinham e passaram a levar existência independente. Eram mercadores. Com base no passado remoto e legendário de sua história, arrogavam-se o direito de serem o único povo que praticava o comércio interestelar. Nunca foram uma nação unida. Cada comandante, que pertencia a uma casta especial, possuía sua própria nave e negociava por sua conta. E cada um desses comandantes sentia um prazer extraordinário em estragar o negócio de outro saltador.

Apesar de tudo, porém, sentiam-se unidos, e o universo via neles um grupo cujos membros estavam ligados entre si.

Colaboraram com o Grande Império arcônida e ali foram colhendo experiências, até que não houvesse naquele mundo mais ninguém que praticasse qualquer tipo de comércio digno de nota.

Começaram a ser hostilizados e, com os tesouros acumulados, construíram uma frota de guerra. Dispunham do cabedal de experiências da tecnologia arcônida e mais algumas, adquiridas junto a raças estranhas. Até mesmo na época em que se passaram os acontecimentos na superfície do Homem de Neve, ninguém saberia dizer se os saltadores não detinham uma posição de superioridade face aos arcônidas.

Por mais que os saltadores lucrassem com a decadência do Grande Império — pois os negócios mais lucrativos daquela raça eram realizados em tempo de guerra, quando vendiam armas a ambas as partes em conflito — até então nunca houvera um confronto armado entre eles e os arcônidas.

Os saltadores não possuíam pátria. Suas naves haviam sido construídas de maneira a pousarem somente em caso de emergência. Nenhum dos mundos compreendidos na grande galáxia era seu. Viviam em suas naves, em pleno espaço cósmico, e saltavam de um sistema para outro, a fim de fazerem seus negócios.

Por isso eram chamados de saltadores.

Qualquer um deles tinha o direito de recorrer ao auxílio da frota de guerra, sempre que houvesse necessidade. Bastava emitir a mensagem de socorro, para que este lhe fosse prestado no menor espaço de tempo.

Fora exatamente o que acontecera com a nave Orla XI, comandada por Orlgans. Este havia dado com a pista das naves mercantes que realizavam a troca de mercadorias entre o planeta de Ferrol, situado no sistema Vega, e a Terra, pertencente ao sistema do Sol. As trocas eram realizadas em decorrência de tratados que Perry Rhodan celebrara com o governante Thort, por ocasião de sua permanência em Ferrol.

Orlgans logo farejou uma violação do monopólio a que sua raça se julgava com direito. Mas, como também farejasse um bom negócio, resolveu tratar do assunto por sua conta e risco. Pousou em Vênus e desembarcou seus agentes na Terra. Apoderou-se de uma das naves da frota espacial terrestre, aprisionou a tripulação e guardou ambas num lugar seguro.

Foi informado por seus agentes de que, dentro de pouco tempo, um homem muito importante da frota espacial terrestre sairia da Terra numa outra nave. Segundo as informações, aquele homem dispunha de informações sobre o planeta da vida eterna. Tratava-se de um planeta misterioso, sobre o qual falavam as lendas, e de cuja existência a essa altura ninguém duvidava.

Orlgans estava ávido por essas informações, de que pretendia se apoderar em proveito próprio. Esse negócio coroaria sua existência.

Atacou a nave em que se encontrava esse homem e prendeu-a ao seu veículo espacial por meio de fitas magnético-mecânicas. Depois realizou um salto através do hiperespaço e foi parar no sistema de Beta-Albíreo, a fim de se afastar o mais possível da perigosa área em redor do planeta Terra.

Interrogara várias vezes o homem indicado — o cadete Julian Tifflor — mas este afirmara que não possuía as informações desejadas por Orlgans.

Finalmente, um grupo de três gigantescas naves da frota terrestre surgira no sistema de Beta-Albíreo. Orlgans transmitiu sua mensagem de socorro e este logo veio sob a forma de trinta veículos da frota guerreira dos saltadores.

Na confusão que se formou a pequena nave de Tifflor, aprisionada por Orlgans, conseguiu escapar. A nave propriamente dita foi recolhida a bordo de um dos gigantes espaciais da frota terrestre; mas Tifflor saíra da mesma num minúsculo veículo espacial e, depois de sofrer um impacto de uma das peças da artilharia dos saltadores, realizou um pouso de emergência no mundo gelado.

As três gigantescas naves espaciais da frota terrestre puseram em fuga os saltadores. A Orla XI, que se encontrava à margem dos acontecimentos, foi se afastando discretamente do cenário.

Acontece que Orlgans notara a fuga de Tifflor e seu pouso no planeta de gelo. Terminada a batalha, retornara ao local e saíra em busca dos terrestres. Descobriu sua pista e constatou que Tifflor não estava só. Orlgans mandara, então, uma nave-patrulha no encalço dos fugitivos. Estes se apoderaram do pequeno veículo e aprisionaram seus dois tripulantes, que posteriormente foram postos em liberdade.

Depois disso, Orlgans solicitou o auxílio de seu clã. O lucro que resultaria das informações sobre a posição galáctica do planeta da vida eterna seria tamanho que ele se tornaria um homem muito rico, mesmo que tivesse que dividi-lo com todos os comandantes do clã.

É bem verdade que Orlgans não gostou do surgimento repentino das noventa naves da frota de guerra. Teria que contar com o retorno da mesma, devidamente reforçada, depois da derrota que sofrera na primeira investida. Mas Orlgans preferia que os comandantes das naves guerreiras não fossem informados sobre os acontecimentos que se desenrolavam no mundo de gelo.

Obedecendo à ordem recebida, entrou numa pequena nave auxiliar e se dirigiu à gigantesca Etz XXI. Grudados como moscas à parede externa da nave, junto ao lugar em que o desintegrador do couraçado terrestre havia aberto um furo no imenso casco, os homens da equipe de conservação procuravam reparar as avarias.

Orlgans entrou na nave pela comporta de proa, subiu pelo elevador antigravitacional até atingir o corredor principal e, logo à frente do poço do elevador, tomou a fita rolante que percorria velozmente toda a extensão do corredor.

Apenas vinte minutos depois do momento em que Etztak havia formulado seu pedido, Orlgans se encontrava diante do patriarca e fez o gesto convencional de reverência.

Etztak não era homem de muitos rodeios, mesmo diante de um homem como Orlgans, que durante quinze anos de tempo de bordo só havia visto na tela do hipercomunicador.

— Temos que dar um jeito nisso! —disse em tom áspero. — Lá em cima as naves da frota de guerra estão à espreita. Ai de nós se um dos comandantes souber atrás do que nós estamos.

— Como poderia saber? — perguntou Orlgans. — Só se houvesse um traidor em nosso clã.

Etztak afastou a objeção com um gesto.

— Pouco importa qual seja o canal de comunicação através do qual venham a saber. O fato é que o perigo cresce à medida que demoramos em atingir nosso objetivo. Estudei cuidadosamente o relatório fornecido por você. Pelo que vejo você acredita que conseguirá extrair desse estranho certas informações sobre a posição do planeta da vida eterna.

— Isso mesmo — respondeu Orlgans.

— Como chegou a essa conclusão? — indagou Etztak.

— Por acaso — foi a resposta de Orlgans.

Este voltou a contar a mesma história que constava do início de seu relato escrito. Tratava-se da história dos prisioneiros que capturara e dos abalos provocados pela série de transições constatadas no sistema Vega.

Orlgans conhecia os hábitos do patriarca. Costumava comparar o relato escrito e verbal, para descobrir se o comandante pertencente ao seu clã procurava lhe ocultar alguma coisa.

— Está bem — resmungou depois de algum tempo. — E esse prisioneiro? Quem é ele?

— Trata-se de um inimigo do homem que desempenha o papel mais importante naquele planeta. Nós o recolhemos quando estava fugindo daquele homem.

— Como é o nome dele?

O nome constava do relatório fornecido por Orlgans. Apesar disso este respondeu:

— Mouselet.

Etztak franziu a testa.

— O que sabe ele?

— Praticamente nada. Conhece a organização de nossos inimigos e sabe seus nomes. Mas nem ouviu falar no planeta da vida eterna.

— É o que ele diz.

Orlgans se sobressaltou.

— Ainda não o submeti a um interrogatório psicológico, porque acho que não resistiria. Não acredito que tenha mentido.

— Traga-o para cá. Tiraremos dele tudo que sabe. Não temos tempo para ter consideração por um estranho.

Orlgans não formulou qualquer objeção. A partir da sala de Etztak, entrou em contato com a Orla XI e mandou que três dos seus subordinados trouxessem o prisioneiro... pelo caminho mais rápido.

Jean Pierre Mouselet, desde o momento em que entrara em contato com os saltadores, ocupava um dos camarotes de popa da Orla XI. Pouco tempo atrás, ainda era um dos seguidores do Supercrânio, um mutante poderoso e desalmado, que pretendia destruir Rhodan para alcançar o domínio da Terra e de todo o universo.

Mouselet maldizia o dia em que subira a bordo dessa nave e, dentro da mesma cadeia de pensamentos, a hora em que o Supercrânio o obrigara a entrar para o seu serviço.

Era bem verdade que, no caso dele, a pressão exercida pelo Supercrânio não fora muito forte. Mouselet seguira-o com o maior prazer, pois esperara alcançar uma posição bem paga.

Fugira da Terra numa das últimas naves que o Supercrânio ainda possuía. No último instante, quando estava prestes a ser alcançado pelos seus perseguidores, descobrira o veículo espacial desconhecido, aproximara-se do mesmo e subira a bordo.

E lá estava ele.

Quem dera que nunca!...

A escotilha do pequeno camarote se abriu sem aviso prévio. Mouselet levantou-se de um salto.

Um saltador de estatura alta e barba por fazer surgiu na abertura, apontando a arma térmica para o francês, num gesto que representava uma ameaça indisfarçada.

O saltador disse alguma coisa incompreensível. Dali a dois segundos, o pequeno aparelho pendurado no seu pescoço falou em bom francês:

— Venha comigo!

Os olhos de Mouselet começaram a brilhar. Avançou apressadamente, sem prestar a menor atenção à arma que o saltador continuava a segurar e gaguejou:

— Você... tem um cigarro para mim?

Parou. Trêmulo, esperou que o pequeno aparelho traduzisse suas palavras na língua daquele ser estranho. O saltador franziu a testa e deu uma resposta que poucos instantes depois foi traduzida pelo aparelho:

— Um cigarro? O que vem a ser isso?

Mouselet deixou cair os ombros.

Já formulara a pergunta muitas vezes, e sempre recebera a mesma resposta. Acreditava que jamais voltaria a ter um cigarro nas mãos, a não ser que fosse levado de volta à Terra.

Abaixou a cabeça, passou pela escotilha e deixou que o guarda o conduzisse pelo corredor.

Foi empurrado com certa violência para dentro de uma sala na qual havia dois homens. Mouselet só conhecia um deles.

O francês viera juntamente com três guardas. Dois deles permaneceram no corredor, enquanto aquele que trazia o pequeno tradutor mecânico pendurado no pescoço entrou.

— O que é que você sabe sobre o planeta da vida eterna? — perguntou Etztak em tom áspero. O pequeno instrumento traduziu a pergunta.

Mouselet levantou os olhos, surpreso. Com um misto de pavor e perplexidade encarou o patriarca encanecido. Depois de algum tempo lançou um olhar de súplica para Orlgans, que já era seu conhecido; mas o rosto de Orlgans não demonstrava a menor emoção.

— Nem... nem sei... no que o senhor está falando — respondeu Mouselet gaguejando, e a resposta traduzida pelo instrumento também saiu gaguejante.

Etztak se levantou de um golpe. O gesto violento daquele gigante de ombros largos deixou Mouselet ainda mais perplexo e assustado.

— Vamos ao interrogatório psicológico — ordenou Etztak.

Também estas palavras foram traduzidas.

Mouselet não tinha a menor idéia do que seria um interrogatório psicológico, mas a expressão bastou para assustá-lo. Pôs-se a protestar.

— Pois ouça! — lamentou-se Mouselet, e a voz mecânica do tradutor, que seguia suas palavras com um pequeno atraso, fez com que se sentisse ainda mais nervoso. — Terei o maior prazer em dizer tudo que sei. Mas nunca ouvi falar no planeta da vida eterna. O que vem a ser isso? Um planeta?

Os dois saltadores o olharam rigidamente. Etztak levantou a mão e fez um sinal para o guarda. Mouselet compreendeu.

— Não! — gritou. — Não quero ser submetido ao interrogatório psicológico. Não posso dizer nada além do que já disse.

O guarda segurou o francês franzino e o arrastou para o corredor, e dali para a célula de interrogatórios, que ficava a cerca de duzentos metros.

— Parece que realmente não sabe nada — disse Orlgans em tom pensativo.

Etztak resmungou; parecia contrariado.

— Pode ser. Mas é possível que no seu subconsciente saiba de alguma coisa que se relacione com o planeta da vida eterna. Se o interrogarmos pura e simplesmente, não obteremos uma visão de conjunto dos dados armazenados em sua memória; para isso teremos que submetê-lo ao interrogatório psicológico. O analisador não se esquecerá de nenhuma informação.

— Mas o homem não resistirá a isso — ponderou Orlgans.

Etztak fez um gesto de recusa.

— O que importa? — respondeu em tom de desprezo.

— Não vim para fazer todo o trabalho dos senhores — disse Gucky. — De início sairei sozinho para esclarecer a situação. Devemos descobrir onde se encontra o inimigo. Quando soubermos, dependerá de cada um de nós que o objetivo seja atingido depressa. Mais uma vez vou explicar detalhadamente o nosso objetivo: aqueles seres chamados de saltadores estão interessados na Terra. Agentes deles pousaram em Vênus e em nosso planeta. Pelo que conseguimos apurar, esse interesse está inspirado em intenções hostis. Os saltadores são uma raça bastante evoluída no terreno da tecnologia; por isso a Terra não poderá deixar de se preparar da melhor forma possível para o confronto que se aproxima. Um dos preparativos mais importantes consiste na coleta de informações, e é precisamente para conseguir informações que nos encontramos no Homem de Neve. Precisamos descobrir o que os saltadores pretendem fazer contra a Terra. Precisamos descobrir de que maneira querem realizar seus planos. Precisamos saber quem são seus agentes na Terra, e ainda precisamos conhecer o motivo por que ainda não foi possível prender nenhum deles. Quando tivermos descoberto tudo isto, nossa missão estará concluída.

Piscou para Tiff e nesse mesmo instante deixou de ser o oficial do Exército de Mutantes, para se transformar naquele encantador ser peludo que todos viam nele.

— A esta hora já deve saber — cochichou para Tiff — que tipo de jogo foi realizado com o senhor nestes últimos dias. Foi lançado por Rhodan como se fosse um homem que possui informações muito importantes. Ao que tudo indica, o estratagema foi bem sucedido. Os saltadores estão demonstrando um interesse extraordinário por você.

Não esperou que Tiff dominasse o espanto. Indicou a tarefa que cabia a cada um dos três cadetes e explicou às moças o que tinham a fazer.

Pediu a Moisés que lhe fornecesse a posição da nave inimiga mais próxima e desapareceu num salto de teleportação, depois de ter indicado o momento do seu regresso.

O interrogatório de Mouselet durou apenas alguns minutos. O instrumento que realizava a tarefa trabalhava com rapidez e precisão, e sem a menor contemplação.

Quando Mouselet foi desamarrado da cadeira em que ficara sentado durante o interrogatório, já não era um ser racional.

A tarefa do analisador consistia em esvaziar o cérebro da pessoa submetida ao interrogatório, armazenar os dados assim colhidos e apresentá-los depois de concluído o interrogatório. Era muito eficiente: o que deixava para trás era apenas uma massa cinzenta espremida, que mal dava para regular as funções animais do ser humano.

O guarda Holloran colocou Mouselet, que afinal já não era Mouselet, numa nave-patrulha de dois lugares e voltou à Orla XI. Mouselet não ofereceu a menor resistência. Holloran levou-o ao seu camarote e trancou-o lá.

Depois foi levar a nave auxiliar de volta para a Etz XXI. Na mesma oportunidade pretendia perguntar a Orlgans se tinha mais algum serviço para ele.

A Orla XI, que pousara no início dessa missão, porque Orlgans julgava necessário dispor de uma base fixa, encontrava-se a cerca de dez quilômetros da gigantesca Etz XXI.

Holloran mal saíra da comporta da Orla XI em seu pequeno veículo espacial, quando o mesmo, desobedecendo a todos os comandos dados por Holloran, perdeu a velocidade e altitude.

Alguma força de sucção parecia ter atingido o pequenino veículo, ou então os propulsores estavam falhando.

Holloran voara poucos metros acima da neve. Antes que tivesse tempo de ler as indicações dos instrumentos ou expedir uma mensagem de socorro para as duas naves, seu veículo tocou na massa fofa, abriu uma trilha cintilante e parou.

Holloran se agarrara fortemente ao painel de instrumentos, mas não haveria necessidade disso. O pouso foi muito suave, não tendo causado o menor dano ao veículo ou ao seu condutor.

Perplexo, Holloran lançou os olhos em torno. A nave afundara na neve até a metade de sua altura. Na tela panorâmica mal se viam ao oeste os contornos da Orla XI, reduzida a um traço cinzento que se destacava contra a neve. Da Etz XXI não se via absolutamente nada. O veículo afundara muito.

O saltador examinou as indicações dos instrumentos, e quanto mais os examinou, mais confuso ficou. Os instrumentos estavam em ordem, o pequeno propulsor encontrava-se ligado. Por que o veículo fora arrastado ao solo?

Holloran franziu a testa e tentou a decolagem. Bastaria ligar o propulsor vertical para um desempenho médio e...

Nada! Não conseguiu mover a chave...

Incrédulo, reforçou a pressão do dedo. Quando nem assim conseguiu fazer a ligação, usou toda a mão e finalmente bateu com o punho cerrado contra a chave rebelde.

Foi tudo em vão. A chave não se movia.

Por alguns segundos, ficou parado. Estava duro de perplexidade. Finalmente deu-se conta de que não lhe restava outra alternativa senão expedir um pedido de socorro para a Orla XI. Pediria que viessem buscá-lo.

Com um movimento automático, pegou a chave do transmissor e procurou comprimi-la para baixo.

Soltou um grito de pavor quando percebeu que também essa chave estava imobilizada.

Holloran experimentou ao acaso as outras chaves. Funcionavam. Podia ligar e desligar à vontade as luzes de emergência, o aparelho de condicionamento de ar, os rastreadores e a tela.

Acontece que não era das luzes de emergência, nem do condicionamento de ar, nem dos rastreadores, nem da tela que precisava.

Precisava do propulsor vertical ou do transmissor. Olhou em torno para ver se havia outro veículo no ar, que pudesse vê-lo. Mas o espaço estava vazio até onde alcançava a sua vista.

Começou a quebrar a cabeça sobre sua situação. Conforme as circunstâncias, poderia ficar por alguns dias na neve, totalmente desamparado. Não poderia descer, pois estava sem traje protetor. Pretendia voar apenas da comporta de uma das naves até a de outra; para isso não se precisava de traje especial. E demorariam bastante a dar pela sua falta. Pertencia à casta dos barqueiros do espaço e, como tal, não era nenhum personagem importante.

Se nem dessem pela falta dele nem o encontrassem por acaso, então...

Em meio aos pensamentos de Holloran, o cérebro parou de funcionar. Acreditou ouvir um riso de escárnio. E também ouviu uma voz que dizia:

— Não fique se preocupando à toa, meu filho. Daqui a pouco estarei de volta, e então seguiremos juntos no seu barquinho.

Muito antes que Reginald Bell regressasse com a Z-13, John Marshall, um telepata de alta capacidade que se encontrava a bordo da Stardust-III, recebeu a mensagem de Gucky, irradiada por via telepática, segundo a qual o transporte dos equipamentos e seu próprio pouso no mundo de gelo haviam sido bem sucedidos.

Gucky acrescentou que estava colhendo informações sobre a posição do inimigo, motivo por que o trabalho propriamente dito, que consistia na coleta das informações pretendidas, poderia ser iniciado em breve.

Marshall transmitiu a informação a Rhodan. Como suas informações sobre os planos de Rhodan fossem incompletas, se sentiu espantado ao notar que um peso parecia sair de cima do coração de Rhodan quando este soube do êxito alcançado por Gucky.

Muito tempo depois que Marshall havia saído da ampla sala de comando da Stardust-III, na qual no momento só se encontravam Rhodan e Crest, o primeiro disse:

— Fico satisfeito em saber que tudo está em ordem. O jogo que estamos realizando com Tifflor e os elementos de seu grupo é bastante arriscado. Provavelmente estariam perdidos se Gucky não tivesse feito um bom serviço.

Crest, o arcônida, lançou-lhe um olhar pensativo.

— Já estou mesmo admirado em ver — admitiu — com que... bem, com que leviandade você lida com esses homens.

Rhodan sorriu. Compreendia Crest e seu modo de encarar as coisas. Como arcônida que era — fora chefe de uma expedição científica cuja nave realizara um pouso forçado na Lua — pertencia a uma cultura que passara do ponto culminante muito antes da época em que a Humanidade penetrou na segunda idade da pedra. Uma das características fundamentais das concepções arcônidas, que prevaleciam depois do Grande Império ter alcançado o apogeu do seu poderio e estagnado neste ponto de sua evolução, era a opinião de que a vida do indivíduo tem um valor tão elevado que, em benefício da coletividade, mesmo que esta se encontre numa grave emergência.

Só mesmo uma sociedade firmemente estruturada poderia se dar ao luxo de adotar um princípio destes.

— Quer saber de uma coisa? — respondeu Rhodan com um sorriso. — Acho que você nunca compreenderá uma coisa destas. Apesar disso, estou convencido de ter agido corretamente, muito embora no início da missão as possibilidades de sobrevivência de Tifflor fossem de apenas cinqüenta por cento.

Crest voltou a dedicar sua atenção aos instrumentos, a cuja vigilância se dispusera voluntariamente.

Os observadores não forneciam nenhuma informação. As duas frotas inimigas não estavam realizando nenhuma transição, embora talvez se movimentassem. A calma reinava no setor de Beta-Albíreo.

Talvez fosse apenas a calma antes da tempestade.

Holloran ainda não havia se recuperado inteiramente do primeiro susto quando foi atingido pelo segundo. E este foi muito maior.

Subitamente viu no assento ao seu lado alguma coisa que sempre parecia ter estado lá; um ser nunca visto.

Sua primeira impressão seria que se tratava de um animal, se não estivesse usando um traje espacial.

Aquele ser possuía mais ou menos metade do tamanho de Holloran. Tinha focinho pontudo, orelhas grandes e a parte traseira do corpo um pouco volumosa. Os olhos eram grandes e piscavam alegremente para Holloran através do visor do capacete.

De repente, Holloran voltou a ouvir a voz:

— Você pode demorar um pouco me olhando, mas não muito. Acontece que estou com muita pressa.

“É um telepata”, pensou Holloran apavorado. “E parece conhecer mais alguns truques além deste. Talvez seja responsável pelas chaves que não consegui mover.”

— Basta pensar o que você quer dizer — explicou o ser que se encontrava a seu lado. — Eu compreendo. Se não gostar, fale à vontade, que também compreendo.

Um calafrio percorreu a espinha de Holloran. Aquele ser sabia ler todos os seus pensamentos.

— O que quer de mim? — perguntou, perplexo.

— Nada de especial — foi a resposta. — Quero entrar na nave grande que está logo ali. Ninguém me deixaria entrar espontaneamente, e por isso você me levará para dentro no seu barco.

— Não é possível! — fungou Holloran, apavorado. — Se souberem que fiz uma coisa dessas, eles me matarão.

— Tanto melhor para mim — foi a resposta que chegou à sua compreensão. — Assim você ficará de boca calada e não contará nada a meu respeito.

Holloran continuou a protestar. Mas o ser peludo enfiou no bolso a pata dianteira, firmemente envolta no revestimento fino do traje protetor, e tirou uma pequena arma de radiações, apontando-a para o saltador.

— Vamos embora! — ouviu Holloran. — E nada de discussões.

O saltador viu que não tinha outra alternativa senão obedecer à ordem que lhe era dada.

Lentamente e ainda um pouco desconfiado, foi levando a mão para a chave do propulsor vertical. O dedo hesitante comprimiu o botão, e... Clic! A chave cedeu. O propulsor emitiu um zumbido agudo e, no momento em que Holloran avançou a chave e acelerou a máquina, o pequeno veículo se elevou, perfeitamente equilibrado, acima da neve.

— Muito bem — disse o ser peludo. — Continue. Existe algum controle na entrada da comporta da grande nave?

A pergunta deixou Holloran assustado

— Sim... naturalmente — respondeu, falando entre os dentes.

Voltou a ouvir o riso de escárnio com que o ser peludo ainda há pouco anunciara sua presença.

— Não precisa mentir — ouviu Holloran. — Como já lhe disse, entendo seus pensamentos. Não há nenhum controle. Tanto melhor. Nesse caso também não haverá qualquer problema.

Holloran praguejou baixinho. Por que tinha que ser justamente ele que se via numa situação dessas?

A leste, os contornos alongados da Etz XXI começaram a se levantar acima da neve. O ser peludo não parecia lhe dar a menor atenção, mas continuava de arma em punho.

Holloran não tinha a menor chance.

O assunto foi tão importante que Orlgans e Etztak se incumbiram pessoalmente da interpretação dos dados.

O analisador elaborara um total de vinte e quatro diagramas relativos ao interrogatório de Mouselet, um para cada um dos setores mais importantes do cérebro. As coordenadas dos pontos de medição — cada diagrama possuía de mil a dez mil desses pontos — foram introduzidas num interpretador mecânico, juntamente com os valores estatístico-biológicos também incluídos nos diagramas. O interpretador fornecia as informações decodificadas, concebidas em palavras-chaves concisas, gravadas em estreitas fitas de plástico.

Dali a meia hora constataram que Jean Pierre Mouselet realmente não sabia nada sobre o planeta da vida eterna.

O fato deixou Etztak tão desapontado que ele teve um acesso de raiva. Esteve prestes a atirar ao solo as fitas de plástico gravadas que enchiam a grande mesa, quando Orlgans lhe segurou o braço e exclamou:

— Olhe! Encontrei uma indicação.

Etztak custou a se acalmar. Furioso, arrancou a fita de plástico das mãos de Orlgans e fitou-a.

— Uma coisa é certa — leu baixinho. — A Terra não tem a menor idéia dos planos dos saltadores. Caso Rhodan comece a se interessar pelo assunto, sua primeira preocupação consistirá em colher informações.

— E daí? — resmungou Etztak. — Isso é uma verdade trivial.

Orlgans lhe entregou outra fita. Uma nota na margem dizia o seguinte a respeito das informações que o analisador espremera daquele homem: Atitude fundamental — irônica.

— Pelo que sei de Rhodan — continuou a ler Etztak — ele colocará um espião tão pertinho dos saltadores, que os mesmos nem conseguirão vê-lo com seus enormes olhos. E, pelo que sei de Tifflor, este seria o elemento indicado para uma missão desse tipo.

Etztak se levantou de um salto.

— Isso... isso — fungou.

O rosto de Orlgans parecia indiferente.

— Isso não significa necessariamente — interrompeu o velho — que estejamos na pista errada. Nosso prisioneiro não sabe nada sobre o planeta da vida eterna; logo, não pode saber se Tifflor possui informações a este respeito. Assim mesmo considero a idéia muito importante.

— Se é! — berrou Etztak, batendo com o punho na mesa. — A coisa mais importante sempre foi conhecer a mentalidade do inimigo. O prisioneiro conhecia Rhodan melhor que nós. Se acredita que Rhodan procederia dessa forma, provavelmente está com a razão.

— Só estou interessado numa coisa: como é que o prisioneiro chegou a conhecer deste modo o tal do Tifflor?

Orlgans remexeu as fitas com as informações e tirou mais três. Numa delas lia-se que, por ocasião das últimas ações realizadas a mando do Supercrânio, Mouselet se defrontara com Tifflor. E o confronto não foi nada agradável, tanto que até mesmo o empedernido Mouselet chegou a adquirir certo respeito pelo cadete.

Etztak estava satisfeito. Seus olhos cintilantes fitaram Orlgans, e este sentiu a atividade renovada que irradiava do velho.

— Já que é assim — trovejou a voz de Etztak, precedida de uma estrondosa gargalhada — não temos nenhum motivo para ficarmos parados por aqui. Vamos dar uma busca rigorosa nos arredores dos lugares em que pousamos.

Orlgans estava de acordo, mas acrescentou:

— Sugiro que a busca seja estendida aos arredores do lugar em que os fugitivos se apoderaram de uma nave-patrulha da Orla XI.

Etztak concordou imediatamente.

— Isso mesmo! — confirmou.

Os preparativos foram tomados imediatamente. Etztak extraiu as conseqüências da lição que Orlgans havia recebido. Ordenou aos tripulantes das naves que participariam da operação para que, em hipótese alguma, saíssem dos veículos. Além disso, as naves deveriam voar em grupos de dois ao menos, sempre à vista um do outro.

— Se nosso prisioneiro estava com a razão — ressoou a voz de Etztak pelo intercomunicador, depois de ter ele transmitido suas ordens — não demorará mais que algumas horas até que encontremos os fugitivos.

 

A nave auxiliar de Holloran disparou em alta velocidade para dentro do buraco escuro da comporta do hangar.

Do exame dos pensamentos de Holloran, Gucky concluiu que o saltador não tinha a intenção de matar a si mesmo e ao seu passageiro.

Voava de maneira usual.

A pequena nave foi freada rápida, mas suavemente, e flutuou para o interior de um poço que conduzia para os hangares individuais das pequenas naves de patrulha.

A partir de determinado lugar, a manobra parecia ser automática. Holloran não manipulava qualquer controle. Apesar disso, dali a poucos instantes a nave se encontrava no interior de um nicho na parede do poço de acesso onde, ao que tudo indicava, um campo gravitacional estacionário a mantinha presa ao lugar.

— Chegamos — disse Holloran.

Gucky agradeceu em tom irônico. Continuou sentado por um instante a fim de colher na mente de Holloran alguns dados sobre a estrutura geral da gigantesca nave. Entre as informações que o saltador lhe forneceu a contragosto, Gucky extraiu uma única que julgou aproveitável. Dizia respeito ao depósito de peças de reposição situado na popa da Etz XXI que, segundo Holloran sabia, estava vazio e raramente era utilizado.

No momento em que Holloran se dispôs a sair e pretendia perguntar ao seu passageiro quais eram seus planos, Gucky efetuou o salto. Apavorado, Holloran fitou o assento em que um instante antes se encontrara o ser peludo.

O suor porejou na sua testa quando se deu conta do estrago que um ser desses poderia causar na nave. E se sentiu ainda mais miserável ao se lembrar de que, no seu próprio interesse, deveria se abster de falar com quem quer que fosse sobre o estranho clandestino que acabara de trazer para bordo.

Pálido e trêmulo, desceu de seu veículo e se dirigiu ao intercomunicador mais próximo, a fim de informar o chefe dos hangares de que a nave-patrulha estava de volta, tendo ingressado a bordo em boa forma.

Gucky se rematerializou sem a menor complicação no pequeno depósito.

Ao primeiro relance de olhos percebeu que a informação de Holloran devia estar errada ou superada. As paredes do compartimento estavam cobertas de grandes armações, e as prateleiras das mesmas estavam ocupadas até o último centímetro quadrado.

A situação daquele compartimento não era tão tranqüila como Gucky esperara. Mas, ao menos no momento, nenhum saltador se encontrava no interior do mesmo.

Utilizando sua capacidade de sondagem, que decorria do dom da telecinésia, Gucky tateou cuidadosamente as imediações do depósito em que se encontrava. Conseguia sentir, até uma distância de cerca de cinco metros, o contorno de objetos que a vista não alcançava.

Apesar do cuidado com que agiu, não perdeu tempo em identificar todos os contornos dos objetos. O que lhe interessava saber era se lá fora alguma coisa se movia num raio de cinco metros do ponto em que se encontrava.

Depois de ter se certificado a este respeito, saltou para fora.

Aterrizou diante da escotilha do depósito. Viu-se num corredor estreito e anguloso, que terminava poucos metros atrás dele, numa parede lisa e brilhante. Gucky apalpou o outro lado da parede e sentiu o gélido vento nevado.

Era o envoltório exterior da nave!

Para descobrir qualquer coisa, teria que se dirigir para o lado oposto.

Foi caminhando alegremente. A cada três ou quatro metros, o estreito corredor era cortado por um ângulo fechado. O “tateador” de Gucky atingia de cada vez o lado oposto desse ângulo. No momento não havia o menor perigo de que alguém desse com a sua presença.

Depois de ter descrito dez ângulos, o corredor desembocava em outro muito mais largo e que se estendia em linha reta, o que deixou Gucky contrariado. Aproximou-se cuidadosamente e tateou o corredor. Concluiu que, ao menos nesse setor, estava vazio.

Continuou a se adiantar e atingiu o fim do corredor estreito. O corredor mais largo tinha uma iluminação bem mais forte.

E estava vazio apenas a uma distância de cerca de vinte metros de ambos os lados.

Gucky viu uma porção de vultos que vinham apressadamente dos dois sentidos e se dirigiam a nichos das paredes, onde desapareceram. Logo concluiu que esses nichos nada mais eram senão as aberturas dos poços dos elevadores antigravitacionais.

Contou trinta saltadores de cada um dos lados. Esperou até que tivessem desaparecido no interior dos poços dos elevadores. Depois se teleportou pelo corredor até onde pôde alcançar com a vista.

Voltou a surgir num ponto em que desembocava um corredor lateral. Este, poucos metros à esquerda, vinha dar em outro corredor, cujo solo estava coberto de fitas rolantes que se deslocavam em ambas as direções.

Gucky percebeu que havia chegado ao grande corredor central da nave. Se suas informações sobre a mentalidade dos saltadores eram corretas, o gabinete do comandante devia ficar nesse corredor central, provavelmente no meio do mesmo.

E o comandante era o homem do qual Gucky esperava obter as informações de que precisava. Como não conhecesse a posição exata do gabinete, teve que avançar pelo corredor central.

A tarefa não seria nada fácil, concluiu Gucky.

Apesar disso, teria que ser tentada.

— Observação! — disse Moisés laconicamente.

Tiff ergueu a cabeça.

— O que é, Moisés? — perguntou.

— Uma porção de veículos pequenos — respondeu Moisés. — Vejo-os em todas as direções. Viajam dois a dois, perto um do outro. Os mais próximos se encontram em R, quinze mil; Pi, cinco. Altitude constante de trezentos metros.

Tiff se levantou.

— Então é isso — disse em tom sombrio. — Ainda estão à nossa procura. Preparem-se.

Humpry Hifield continuou sentado, encostou as costas enormes contra a parede e lançou um olhar desconfiado para Tiff.

— Quem lhe garante que são saltadores? — perguntou em tom contrariado.

— Sim, você tem razão. Devem ser umas estátuas de gelo.

Tiff acenou com a cabeça.

Não se preocupou com Hump. Há muito os pacotes trazidos por Gucky haviam sido levados para o interior da caverna e desembrulhados. Os trajes transportadores arcônidas estavam cuidadosamente estendidos no fundo da caverna, prontos para serem enfiados no corpo.

Tiff tirou o traje espacial e envergou o traje transportador. Eberhardt seguiu seu exemplo. Hump continuava imóvel, encostado à parede.

Eberhardt disse:

— Até parece que você está com medo dos saltadores, Hump.

Hump se levantou e se aproximou a passadas vigorosas.

— Nunca mais diga uma coisa dessas! — disse em tom ameaçador.

Também começou a tirar o traje espacial para envergar o traje transportador.

— Controle de funcionamento! — ordenou Tiff. — Campo de deflexão?

— Em ordem.

— Campo de choque?

—  Em ordem.

— Antígravo?

— Em ordem.

— Aquecimento?

— Em ordem.

— Está bem!

Tiff dirigiu-se às moças.

— Vocês ficarão por aqui; não se mexam — ordenou.

Depois se aproximou de Moisés.

— Você irá conosco até a parede externa, Moisés! — ordenou. — Só apareça fora da caverna quando eu o chamar. Um bloco metálico como você seria localizado imediatamente.

Entendido — confirmou Moisés.

Tiff olhou para trás.

— Bem que gostaria que Gucky estivesse de volta — murmurou. Com a voz alta acrescentou: — Fechem os capacetes. Segurem as armas. A comunicação pelo rádio de capacete será realizada com a potência mínima.

Todos fizeram o que estava dizendo.

— Vamos dar o fora.

Moisés removeu a peça que fechava a parede divisória. Uma lufada de ar frio penetrou na caverna. O robô se espremeu pela abertura estreita, seguido por Tiff, Eberhardt e Hump.

— Encontram-se a apenas cinco mil metros — anunciou Moisés, enquanto recolocava a peça separatória. — Pi inalterado, altitude continua em trezentos.

Tiff compreendeu. Pi inalterado; isso significava que os dois veículos se dirigiam ao centro do sistema de coordenadas. E esse centro era constituído por Moisés com seu mecanismo localizador.

— Eu diria que ali à frente há uma grande cadeia de montanhas — disse Vilagar.

Pcholgur acrescentou esta observação:

— E eu diria que alguém que queira se esconder da gente terá melhores chances numa zona montanhosa. Ninguém costuma se enterrar numa planície.

Vilagar riu.

— Quer dizer que somos da mesma opinião.

Vilagar e Pcholgur eram os tripulantes de uma das naves-patrulha cuja presença fora constatada por Moisés. Vilagar entrou em contato pelo telecomunicador com a outra nave-patrulha e transmitiu-lhes sua suspeita e a de Pcholgur.

Horlgon, um jovem da família Horl, à qual pertencia a Horl VII, e Enaret foram de opinião que a suspeita era perfeitamente plausível.

— Quer dizer que daqui em diante devemos ter um cuidado todo especial — disse Horlgon. — Estamos a cerca de quatrocentos quilômetros do ponto em que os fugitivos aprisionaram nossa nave. É bem possível que tenham se escondido nesta área.

— Sou da mesma opinião — respondeu Vilagar. — Convém que reduzamos a velocidade assim que atingirmos as montanhas.

— Isso mesmo — respondeu Horlgon.

No momento em que olhou o mostrador do relógio luminoso, Tiff teve de reprimir um acesso de saudades. 2 de agosto, 6:51 h, hora de Terrânia. A essa hora um novo dia começava a raiar em Terrânia.

Aqui no Homem de Neve o ponto luminoso formado pelo sol azulado descia para o horizonte. Embora a mancha alaranjada do astro principal continuasse no céu, sua luminosidade era tão fraca que depois do pôr do sol azulado não passaria de uma lua de intensidade média.

Haviam assumido suas posições na beira da grota em que estava escondida a nave-patrulha.

Tiff mantinha contato ininterrupto com Moisés, que aguardava junto à parede exterior da caverna. Moisés o informou sobre a posição das duas naves-patrulha. Tiff já se dera conta de que seus tripulantes nutriam uma suspeita toda especial para com a cadeia de montanhas em que ficava a caverna. Alteraram a rota e descreveram círculos cada vez menores em torno de um ponto que distava poucos quilômetros da caverna.

Vilagar e Pcholgur experimentaram uma nova técnica.

Mantiveram a nave a cerca de cem metros de altitude e deixaram que os feixes de raios do rastreador circulassem em torno deles.

Horlgon e Enaret se uniram a eles. Sua nave mantinha-se a poucos metros de distância, sempre à vista da outra nave, conforme fora ordenado por Etztak.

Os quatro tripulantes sabiam perfeitamente que não conseguiriam localizar os próprios fugitivos. A essa hora deviam estar escondidos em alguma caverna.

Mas devia haver uma possibilidade de localizar a nave-patrulha de que os mesmos haviam se apoderado, desde que o rastreador pudesse realizar um trabalho preciso.

Quem encontrou a nave-patrulha desviada foi Horlgon.

Indicou as coordenadas e Vilagar também dirigiu os raios do rastreador para o local indicado.

— Vamos mudar de posição — sugeriu Vilagar.

A voz de Horlgon soou muito nervosa:

— De acordo. Não devem perceber que foram descobertos. Isso se já constataram nossa presença.

Vilagar ficou aborrecido porque Horlgon logo adivinhara suas intenções.

O cálculo de Tiff era exato e convincente.

— Faz duas horas que estão trabalhando por um novo sistema — disse. — Permanecem cerca de vinte minutos sobre determinado ponto e dão busca na área circunvizinha até onde alcançam seus instrumentos. Fizeram isso cinco vezes. Da sexta vez, quando se encontravam quase em posição vertical sobre a grota, não demoraram mais que oito minutos para seguir viagem. Se isso não significa que nesses oito minutos descobriram a nave e só seguiram para nos enganar, vocês podem me chamar de Hopalong.

— Combinado, Hopalong! — respondeu Hump. — Acho que você está vendo as coisas pretas demais.

Tiff não teve necessidade de responder. Eberhardt falou.

— Acho a explicação de Tiff perfeitamente plausível. Se estivesse no lugar dos saltadores, teria agido da mesma forma, apenas não deixaria que desse tanto na vista.

Moisés indicou os novos dados sobre a localização do inimigo. As duas naves se encontravam trezentos metros além da caverna.

— Esperemos! — sugeriu Tiff. — Se encontraram nossa nave, não demorarão para mudar sua tática.

Eberhardt pôs-se a resmungar.

— Gostaria de ver você de novo. O que vamos fazer com os defletores?

— Continuarão ligados! — respondeu Tiff em tom áspero. — Não sabemos qual é o alcance dos seus instrumentos.

Gucky passara cerca de meia hora junto à entrada do corredor lateral, esquivando-se habilmente de qualquer pessoa em cujo cérebro pudesse ler que a mesma nunca poderia se dirigir diretamente ao comandante.

Precisava que alguém o informasse, com a precisão de um metro, sobre a posição da sala em que se encontrava o comandante.

Gucky recuou mais um pedaço para o corredor pouco movimentado pelo qual viera e procurou um lugar no qual lhe bastaria saltar através da parede para encontrar um esconderijo seguro, caso se aproximassem várias pessoas de uma vez.

Pôs-se a esperar.

Nos primeiros dez minutos, ninguém passou por perto. Nem sequer teve necessidade de saltar.

Mas, pouco depois, um grupo de saltadores passou apressadamente pelo corredor. Seus pensamentos estavam tão confusos que Gucky não conseguiu decifrá-los. Saltou através da parede e só retornou depois que a área estava limpa.

Mas finalmente chegou um grande momento!

Um único saltador saiu do corredor lateral e se aproximou calmamente do lugar em que Gucky se encontrava. Este saltou para seu esconderijo, para não trair sua presença antes da hora.

Estendeu seus tateadores e abrangeu o homem que se encontrava do outro lado da parede, a apenas cinco metros do ponto em que estava. Ainda caminhava tranqüilamente, balançando os braços.

Gucky saltou de volta para o corredor.

Ouviu o grito de pavor do saltador, um ser enorme de ombros largos, e leu o medo súbito que surgiu em sua mente.

Gucky apontou sua arma de impulsos térmicos. O saltador parou e permaneceu em silêncio.

Falando em intercosmo, Gucky explicou:

— Nada lhe acontecerá, desde que você me informe pela maneira mais rápida e exata possível qual é a sala em que está o comandante.

Gucky viu a gama de pensamentos espantados, surpresos e pavorosos desfilar diante dele.

— Vamos logo! — insistiu. — Eu o matarei antes de deixar que me agarrem por sua causa.

O saltador compreendeu. Também compreendeu que era seu dever colaborar para a segurança da nave, não revelando a verdadeira posição da sala do comandante.

Mas quando esse pensamento atravessou sua mente, a informação de que Gucky precisava já estava contida no mesmo. O saltador ouviu um conselho irônico:

— Não se incomode mais, meu filho. A sala de comando de Etztak fica no corredor central, setor centro. A escotilha está bem marcada. Muito obrigado. Conte a outra pessoa aquilo que você estava tramando.

Depois disso, Gucky saltou. De início se limitou a voltar ao seu esconderijo. A informação que o saltador lhe fornecera contra a vontade era bem mais extensa do que se depreenderia das palavras de Gucky. Na verdade, sabia com a precisão de um metro em que ponto encontraria Etztak. Como a distância fosse relativamente pequena, poderia saltar para lá diretamente do seu esconderijo.

Mas o salto exigia um grau de concentração todo especial. Era possível que no momento em que surgisse na sala de comando de Etztak ali se encontrassem várias pessoas. Se isso acontecesse, teria que saltar de volta no mesmo instante.

Além disso, sabia que o saltador com o qual acabara de se defrontar não levaria muito tempo para compreender que seu encontro com o ser peludo que usava um traje espacial e possuía dons telepáticos não era um simples sonho. E não havia dúvida de que, quando isso acontecesse, informaria os outros sobre o incidente.

Gucky não sabia como os saltadores costumavam reagir diante de notícias sensacionalistas desse tipo. Era bem possível que se limitassem a zombar de quem as trouxesse e o mandassem embora. Mas também era possível que Etztak fosse avisado imediatamente.

Gucky resolveu admitir esta última possibilidade.

Teria que agir depressa.

Demorou alguns segundos para se concentrar no salto... e saltou.

— Vamos descer! — disse Vilagar. Pousaram as naves cautelosamente na neve.

— E agora? — perguntou Horlgon.

Vilagar deu uma gargalhada provocadora.

— De cada uma das naves descerá uma pessoa para dar uma olhada no ponto indicado — respondeu.

Horlgon ponderou:

— Acontece que Etztak proibiu que saíssemos dos veículos.

— Se é assim, como espera pegar essa gente? — retrucou Vilagar.

Quando Horlgon não soube o que responder, Vilagar achou que sua proposta havia sido aceita.

— Que tal nós dois, Horlgon? — perguntou.

— De acordo — respondeu Horlgon.

Pela sua voz percebia-se que só a contragosto agia em contrário às ordens do patriarca.

— Pois vamos — disse Vilagar com uma risada.

— Pousaram depois de doze minutos — constatou Tiff tranqüilamente. — Será que ainda existe alguma dúvida de que descobriram a nave?

— Não — respondeu Eberhardt.

— Hump ficou calado. Pelo receptor de capacete Tiff ouviu que respirava pesadamente.

— E agora? — indagou Eberhardt.

— Deixem os defletores ligados — ordenou Tiff. — Vamos dar uma olhada.

Levantaram-se da nave. Andaram alguns passos. Como os defletores ligados não permitissem que se vissem uns aos outros, as pistas deixadas na neve lhes causavam arrepios.

Tiff ordenou às moças, que se encontravam na caverna, que ficassem quietas. E mandou que Moisés se colocasse em posição de espera. O inimigo estava a trezentos metros. Tiff sabia que, apesar de seu peso, Moisés poderia vencer esse trecho em poucos instantes. Em caso de necessidade, chegaria em tempo.

Depois disso, ordenou aos seus acompanhantes que ligassem o antígravo. O gerador começou a funcionar, e o potente campo gravitacional elevou os cadetes alguns metros acima da neve solta, que trairia sua presença.

Viajando tranqüilamente pela escuridão, aproximaram-se do ponto em que, segundo as indicações fornecidas por Moisés, a nave-patrulha acabara de pousar.

— Para prevenir qualquer eventualidade — disse Tiff tranqüilamente — liguem os campos protetores. É bem possível que comecem a atirar assim que nos percebam.

A neve era macia. A cada passo afundavam até as coxas.

“Ainda bem”, pensou Horlgon, “que a gravitação é tão reduzida. Se não fosse assim só chegaríamos ao destino amanhã de manhã.”

Vilagar tinha muito mais pressa que ele mesmo. Era uma pressa perigosa, pensou Horlgon.

Depois de terem caminhado uns quinze minutos, quando haviam vencido cerca de metade da distância, Horlgon disse:

— Será que convém caminharmos diretamente para o objetivo?

Vilagar parou.

— Por quê?

Horlgon estendeu as mãos e virou para cima as palmas revestidas de grossas luvas.

— Afinal, essa gente tem naves arcônidas. É bem possível que também disponham de geradores de campo, que lhes permitam tornar-se invisíveis.

Vilagar soltou uma risada de desprezo.

— Ora essa! Pousaram num minúsculo veículo, em que cabem apenas três pessoas. Acontece que são seis, conforme vimos pelos rastos. Você acredita que teriam lugar para levar um grande arsenal de equipamento técnico?

Horlgon continuou com as mãos estendidas.

— Não sei, não. Apenas acho que seria prudente não marcharmos diretamente para o lugar.

A conversa foi ouvida, através dos rádios de capacete, pelos tripulantes que continuavam no interior das naves-patrulha. Pcholgur escarneceu:

— Não lhe dê atenção, Vilagar. Está com medo.

Vilagar riu.

— Acho que é isso mesmo.

Para se defender contra a acusação, Horlgon passou por Vilagar e caminhou à frente deste.

Ainda achava que o procedimento era perigoso e irresponsável. Mas antes de ser chamado de covarde preferia que a irresponsabilidade de Vilagar o matasse.

A luz do sol alaranjado era suficiente apenas para que alguém que se deslocasse a uma altura de seis metros acima da neve tivesse uma visão relativamente exata de pequenos acidentes do terreno.

Para Tiff, os dois vultos altos e de ombros largos representavam pequenos acidentes do terreno. Continuavam a caminhar em direção ao objetivo, afundando na neve. Naquele momento se encontravam a apenas oitenta metros da grota, e a cinqüenta metros da entrada da caverna.

— Cuidado! — cochichou Tiff.

Eberhardt já observara os vultos.

Hump regulou seu propulsor horizontal para um desempenho mais elevado e se aproximou, produzindo um ligeiro chiado no ar. Tiff não o viu, mas pelo impacto suave sentiu que Hump não conseguiu frear em tempo.

— Onde estão? — fungou.

Tiff não teve necessidade de responder. Hump viu os dois vultos.

Nunca descobririam o que Hump sentiu naquele instante.

O fato foi que arrancou o radiador de impulsos antes que Tiff ou Eberhardt pudessem impedi-lo e o dirigiu para o vulto que ia à frente.

Horlgon estava perdido.

Foi atingido pela energia do raio fulgurante antes que tivesse tempo de se desviar.

Vilagar soltou um grito agudo e se atirou de bruços ao solo.

Acontece que seu inimigo tinha boa pontaria. Vilagar só estava meio afundado na neve quando também foi atingido pelo raio escaldante.

— Seu idiota! — gritou Tiff furioso.

Bateu em torno de si. Atingiu alguém, pensando que fosse Hump. Voltou a bater. Hump foi tangido para longe. Ora de cabeça para cima, ora de cabeça para baixo, foi se deslocando acima da neve.

— Vamos! — gritou Tiff. — Rápido! Temos de chegar antes que as naves dêem o fora.

Hump não ouviu suas palavras.

Só Tiff e Eberhardt se dirigiram a toda velocidade para o local de pouso das duas naves-patrulha.

Enaret ouviu o grito de pavor de Vilagar. No mesmo instante deu-se conta de como fora sábia a ordem de não sair dos veículos, dada por Etztak.

— Pegaram-nos! — gritou para Pcholgur.

Pcholgur ainda não havia entendido a situação. Enaret ouviu seu chamado monótono:

— Vilagar! Vilagar! Horlgon! Onde estão?

— Estão mortos! — gritou Enaret. — Será que você ainda não compreendeu?

Não esperou a resposta de Pcholgur. Suas mãos ágeis puseram o mecanismo propulsor a funcionar. A pequena nave se ergueu do solo. Confiou que Pcholgur o seguiria.

Enaret sabia o que fazer. As duas solitárias naves-patrulha não poderiam fazer nada contra o inimigo. Precisavam de auxílio.

Subiu para cerca de trezentos metros e colocou o transmissor na freqüência integral.

— Naves-patrulha trinta e um e trinta e dois estabeleceram contato com o inimigo. Pedimos auxílio. Inimigo está bem armado. As coordenadas são as seguintes...

Repetiu a mensagem por cinco vezes. Depois disso teve certeza de que fora captada em toda parte. Voltou a se preocupar com Pcholgur.

Na tela do rastreador, Enaret viu que a nave de Pcholgur se levantava da neve e ganhava altitude rapidamente. Por alguns segundos teve a impressão de que Pcholgur voltara a recobrar o juízo, e por isso se esforçava para sair da área perigosa.

Mas, subitamente, o ponto azul que se via na tela deslizou para o lado. A nave de Pcholgur não subia mais. A cerca de vinte metros do solo seguiu a pista de Vilagar e Horlgon.

— Volte, Pcholgur! — gritou Enaret. — Volte, seu idiota!

Pcholgur não o ouviu. Nem respondeu. Sua nave se deslocou para o oeste, a uma velocidade cada vez maior.

— Nave levantando — anunciou a voz monótona de Moisés. — Sobe rapidamente.

“Devem estar com medo”, pensou Tiff. “Não sabem com quem estão lidando.”

Poucos segundos depois, Moisés voltou a relatar:

— Pedido de socorro em intercosmo transmitido pela faixa de freqüência integral, a grande intensidade.

Tiff praguejou baixinho. Dali a poucos minutos todo o bando de saltadores estaria em cima deles. E tudo isso por causa de Hump!

O robô voltou a chamar:

— Tenha cuidado! Outra nave está levantando e vem em sua direção.

Tiff compreendeu.

— Desvie-se para a direita! — gritou para Eberhardt.

Eberhardt obedeceu imediatamente. Tiff ouviu-o passar perto dele.

— Muito bem — anunciou Moisés. — A nave passará a vinte metros do senhor.

— Vamos chegar mais perto, Eberhardt — murmurou Tiff.

Voltaram alguns metros.

E a nave foi chegando. Tiff ouviu o farfalhar e viu a sombra negra que surgia a poucos metros de distância. Era um alvo miserável, mas...

Pcholgur não se preocupou com coisa alguma.

Nem sabia por que voava nessa direção.

Estivera convencido de que os seres que procuravam eram criaturas tolas e famintas. Por isso, a morte de Vilagar e Horlgon causara-lhe um susto que forçara a mente ao máximo, levando-o aos limites da loucura.

Por uma fração de segundo viu os feixes energéticos branco-azulados que, retratados fielmente pela tela, precipitavam-se sobre sua nave.

Depois foi o fim.

Enaret viu Pcholgur morrer.

De repente, um ponto ofuscante, que se deslocava rapidamente, surgiu na tela que até então só retratara a escuridão negra e a débil mancha luminosa e alaranjada do sol central.

Enaret viu o impacto na neve, que subiu em forma de repuxo.

— Pcholgur!

A mancha ofuscante se apagou.

Não houve resposta.

Tiff levou alguns segundos para compreender que ele e Eberhardt realmente haviam derrubado a nave inimiga com seus pequenos radiadores térmicos.

O que pretendia era apenas danificar o veículo e obrigá-lo a pousar. Mas a potente carga energética das duas armas fora suficiente para destruir a nave.

Tiff não perdeu tempo em olhar a nave que explodira na queda. Sabia que sua hora tinha soado.

— Vamos voltar para a caverna! — gritou para Eberhardt. — Desligue o defletor.

Ligou o transmissor para o alcance máximo e, pondo na voz a velha raiva, ainda não mitigada, gritou:

— Hump, volte à caverna! Depressa!

Dali a alguns minutos os saltadores estariam ali. Em bandos.

 

O salto de Gucky terminou numa espécie de sala auxiliar de navegação. A peça não tinha mais de quinze metros quadrados. As paredes estavam cobertas de mapas estelares; na mesa, que formava a única peça do mobiliário, via-se um micro-cérebro positrônico, destinado provavelmente à determinação aproximada das rotas.

Gucky aguçou o ouvido. Captou uma profusão de pensamentos, que o atingia através da parede, vinda da peça contígua.

Pôs-se a classificar os impulsos. Constatou que na peça ao lado havia quatro pessoas. A atitude fundamental de três delas era fácil de reconhecer: cautela de mistura com um certo respeito aliado à antipatia que qualquer homem sente diante de um superior.

“É a típica atitude subalterna”, pensou Gucky.

Concluía-se que o quarto elemento devia ser o superior dos outros três.

Gucky não teve de esperar mais que um minuto até que o nome do superior fosse mencionado num pensamento.

Era Etztak!

Gucky se instalou o mais confortavelmente possível embaixo da mesa de cálculos e pôs-se a separar os impulsos pelos respectivos emissores, a fim de ter uma idéia da palestra que estava sendo travada na peça ao lado.

Entendeu o seguinte:

“Isso aconteceu”, disse um dos cérebros subalternos, “porque Vilagar e Horlgon saíram do veículo, contrariando suas ordens, senhor.”

Ainda surgiu uma série de impulsos meio conscientes, meio inconscientes, como por exemplo este:

“Se estivesse no lugar deles, provavelmente teria agido da mesma forma. Ainda bem que não fui eu.”

Mas Gucky só se interessou pelos pensamentos nítidos e produtivos, que costumam servir de base à palavra falada.

Um potente fluxo de pensamentos respondeu:

“Pouco importa por que motivo as duas naves foram derrotadas. O que me interessa é que os fugitivos sejam capturados.”

Outro subalterno interveio:

“Enviamos todas as naves para a área assinalada, senhor. Os fugitivos não conseguirão escapar.”

“Será?”, respondeu Etztak em tom irônico. “Será que da outra vez vocês não acreditavam a mesma coisa? E, em vez de alcançarmos algum êxito, três dos nossos homens foram mortos e uma nave foi destruída.”

Houve uma pausa durante a qual Gucky só capturou pensamentos carregados de embaraço e desânimo. Depois dela Etztak prosseguiu:

“Não canso de repetir: esses fugitivos são muito importantes para mim. Mas não são tão importantes a ponto de eu permitir que me façam de bobo por toda a vida. Se a missão não for coroada de êxito, esse mundo será transformado num sol.”

Nos impulsos mentais surgiu o pavor, e logo a movimentação. Ao que parecia, Etztak estava despedindo seus oficiais.

O velho ficou sozinho na sala. Depois que os outros três se haviam afastado pelo corredor, Gucky passou a captar exclusivamente os pensamentos dele.

E os pensamentos de Etztak encheram a pequena criatura peluda de medo. Etztak não proferira uma ameaça vã quando anunciou a destruição do planeta. Realmente carregava essa idéia consigo, e Gucky chegou a ouvir o motivo:

“Não podemos nos dar ao luxo de ficar procurando toda vida por este mundo”, pensou Etztak. “Despertaremos a atenção dos outros, e depois disso farejarão um negócio e tentarão arrancá-lo das nossas mãos. Aquilo que pretendemos descobrir de Tifflor também poderá ser descoberto no mundo de onde ele vem. O estoque de bombas arcônidas que a Horl VII traz a bordo será suficiente para transformar este mundo numa fornalha de energia. Ninguém terá oportunidade de pôr as mãos em Tifflor para interrogá-lo.”

Gucky percebeu que o perigo se aproximava.

E o perigo vinha de dois lados.

Em primeiro lugar, uma busca que procurava localizar Tifflor e seu grupo estava em pleno andamento e, ao que tudo indicava, já fora coroada de certo êxito.

Além disso, Etztak destruiria o planeta Homem de Neve, se contra todas as expectativas Tiff conseguisse transformar os êxitos iniciais da operação de busca num fracasso.

Gucky viu nessa constelação de alternativas um beco sem saída, e teve certa dificuldade em tomar uma decisão sobre o passo que deveria tomar.

Poderia se dirigir para a Horl VII que, segundo as informações fornecidas por Etztak, encontrava-se no espaço, a uma altitude de oitocentos quilômetros, para inutilizar sua carga de bombas.

Mas era bem provável que nesse meio tempo Tiff e as pessoas de seu grupo fossem capturados. E seria muito mais difícil libertá-los depois que se encontrassem a bordo de uma das naves do que ir agora em seu auxílio.

Por isso, Gucky resolveu deixar a Etz XXI e voltar para a caverna.

Se conseguisse intervir logo na luta e alcançasse uma vitória rápida, talvez ainda houvesse tempo para remover o perigo representado pelas bombas que se encontravam a bordo da Horl VII.

Agachado embaixo da mesa de cálculo, se concentrou sobre a caverna em que os cadetes e as duas moças se mantinham escondidos... e saltou.

Exausto e esgotado até a medula, Reginald Bell retornou para bordo da Stardust-III com a Z-13.

O que mais gostaria de fazer era correr para seu camarote e dormir vinte horas ininterruptas.

Pegou a fita na qual estava gravado tudo que falara durante a viagem, e, depois de descer do destróier, pegou o elevador e subiu à sala de comando.

Perry Rhodan já o esperava. Bell apresentou um breve relatório e pediu ao seu interlocutor que recorresse ao relato minucioso gravado em fita.

Depois do arriscado vôo realizado por Bell não havia mais a menor dúvida de que as naves dos saltadores surgidas no setor de Beta-Albíreo pertenciam a dois grupos totalmente distintos. Os veículos em que Bell quase chegou a esbarrar eram, pelo seu formato, naves mercantes. Estavam postadas em cima do mundo em que Tifflor se mantinha escondido, ou nas proximidades do mesmo. Esse grupo era formado por setenta e oito naves. Ninguém sabia a quem pertenciam.

O segundo grupo era formado pelas noventa naves das quais Bell se desviara numa curva bem ampla. Pelo formato tratava-se de naves de guerra. Não eram tão compridas como as naves mercantes, mas em compensação eram menos esguias. Ao que tudo indicava, mantinham ligação com as trinta naves que a Stardust-III, a Terra e a Solar System haviam posto em fuga umas cem horas antes.

Ao que parecia, não havia nenhuma ligação entre os dois grupos. Deviam trabalhar independentemente, a não ser que trocassem informações.

Bell fez questão de enfatizar que não tinha a menor dúvida de que, depois da confusão causada pela Z-13, as noventa naves tentariam localizar o inimigo. Em outras palavras, colocariam as naves em movimento e, divididos em grupos, dariam busca no espaço.

— Quando isso acontecer — profetizou Bell — teremos que ter muito cuidado. Não acredito que com nossas três naves possamos nos empenhar numa luta aberta.

— Estão chegando! — anunciou Moisés. — São vinte e quatro aparelhos.

Tiff acenou com a cabeça.

Já haviam voltado para o interior da caverna e fechado as paredes divisórias atrás de si. Hump chegara antes deles. Sua sensação de triunfo diminuíra e fora substituída por um profundo desânimo.

— Por uma hora não teremos nada a temer — explicou Tiff em tom tranqüilo. — Permanecerão no interior dos seus veículos espaciais e darão busca na área, para localizar nosso esconderijo.

— É claro que o descobrirão. A peça de engate da parede externa é facilmente perceptível para quem se encontre bem próximo do mesmo.

— Seria de supor que mesmo então não teríamos nada a temer. Os campos defletores nos tornam invisíveis. E os campos protetores nos protegem contra os impactos de todo e qualquer tipo de arma. Além disso, os saltadores estão mais interessados em nos prender que em nos matar.

Lançou os olhos em torno.

— Só receio uma coisa — prosseguiu. — Uma hora destas a paciência deles poderá chegar ao fim, e então nos bombardearão com armas contra as quais nossos campos energéticos não oferecem proteção. Temos que dar o fora daqui, e isso quanto antes. E quanto maior o tempo durante o qual conseguirmos enganar os saltadores, mais cedo estaremos em segurança.

Hump e Eberhardt confirmaram com um aceno de cabeça. As moças arregalaram os olhos. Moisés continuava de pé, rígido, com a cabeça ligeiramente inclinada para trás, como se estivesse examinando o teto da caverna.

— Como poderemos sair daqui sem que eles nos vejam? — perguntou Eberhardt depois de algum tempo. — Se a informação de Moisés é correta, já estão praticamente em cima de nossas cabeças.

Tiff sorriu. Foi um sorriso pequeno, ligeiramente irônico, que dava a entender que já tinha a solução preparada há muito tempo.

— Vamos dar o fora por aí! — disse, apontando com o indicador da mão esquerda por baixo do braço direito, em direção ao fundo da caverna.

Eberhardt virou-se para o lado.

— Por aí?...

Seus olhos voltaram e ficaram grudados nos olhos sorridentes de Tiff.

— Como pretende fazer isso? — murmurou Hump, que se encontrava mais aos fundos.

Tiff não respondeu. Voltou-se para Moisés.

— Onde estão, Moisés?

— Exatamente em cima do lugar em que o senhor derrubou a nave. Estão parados e mantêm-se em grupos de quatro aparelhos superpostos. O grupo que se encontra mais baixo, encontra-se a vinte metros acima do solo, e o mais alto a cento e oitenta metros.

Tiff acenou com a cabeça.

— Está bem. Pode começar, Moisés.

Moisés despertou da sua rigidez. Com uma agilidade que ninguém suspeitaria naquela tonelada de metais, virou-se, deu alguns passos retumbantes em direção aos fundos da caverna e levantou o braço armado do lado esquerdo.

O robô tinha quatro braços, dois de cada lado. O par de braços superior desempenhava as mesmas funções dos braços humanos. Já o par inferior não passava de dois canhões móveis: de um lado, um desintegrador, e de outro lado um radiador de impulsos térmicos.

Feixes energéticos que emitiam uma débil luminosidade esverdeada saíam do braço. A rocha da caverna se derretia como a neve ao sol.

Era bem verdade que não se derretia na verdadeira acepção da palavra. Os efeitos produzidos pelo desintegrador resultavam do fato de que, na área atingida pelos feixes energéticos, a força cristalina da matéria sólida era anulada. Os átomos e as moléculas se desprendiam uns dos outros e a matéria atingida pelas radiações se transformava em gás, ou em plasma, se fossem utilizados desintegradores de elevada potência.

— Fechem os capacetes! — ordenou Tiff, enquanto as outras pessoas do grupo contemplavam fascinadas o trabalho realizado pelo robô.

Nuvens de gás formadas pela poeira da rocha atravessavam a caverna, penetravam no nariz dos que ali estavam e causavam nos pulmões a sensação da sufocação.

Fecharam os capacetes assim que perceberam que a respiração se tornava mais difícil e continuaram a fitar o buraco que se abria na rocha sob a ação do desintegrador.

— Está bem — disse Tiff com um sorriso. — Já viram bastante. Na bagagem de Gucky há outros desintegradores. Cada um de vocês vai pegar um e ajudar Moisés no seu trabalho. Temos de avançar depressa.

Sob a direção de Tiff, as radiações dos desintegradores foram orientadas de tal maneira que os cinco aparelhos cobriam uma área de menos de dois metros de altura e um metro e meio de largura. As armas, que trabalhavam à potência máxima, faziam o buraco afundar à razão de cerca de vinte centímetros por segundo.

O corredor através do qual Tiff esperava escapar dos saltadores crescia rapidamente.

Tiff não ajudou a abrir o corredor. Mexeu na bagagem trazida por Gucky, retirando dela alguns objetos em formato de granadas de mão.

Realmente eram granadas de mão; apenas, em vez de carga explosiva, continham um gerador gravitacional de elevada potência. A vida útil desse gerador era de apenas um milésimo de segundo; mas nesse tempo produzia um campo gravitacional de intensidade considerável. A potência desse campo e sua disseminação explosiva faziam desse tipo de granada uma arma muito eficaz na luta a pequena distância.

Tiff partiu do pressuposto de que a qualquer hora os saltadores descobririam a caverna e procurariam penetrar na mesma. Também encontrariam o corredor que o desintegrador abrira na rocha. Depois disso só precisariam seguir pelo mesmo para encontrar as pessoas em cujo encalço andavam.

Por isso tanto a caverna como a entrada do corredor teriam que ser destruídas assim que os saltadores a encontrassem.

A tarefa em si era bastante fácil. As pequenas granadas possuíam detonadores-relógio primitivos, mas que se prestavam totalmente ao fim que Tiff tinha em mira. Bastaria colocar as granadas nas frestas da parede, ligar o mecanismo de tempo e sair pelo corredor.

Mas havia um detalhe. Gucky ainda não havia voltado. Uma vez concluída sua tarefa, escolheria a caverna como ponto final de teleportação. Tiff não pretendia expô-lo ao risco de entrar na caverna no momento da explosão ou cair nas mãos dos saltadores.

Ainda faltava meia hora para terminar o prazo que Gucky havia combinado com o cadete. Tiff estava decidido a aguardar que essa meia hora passasse, acontecesse o que acontecesse.

Não precisaria se preocupar com Moisés, nem com as outras pessoas do grupo. Moisés ia abrindo caminho, e dentro de meia hora percorreriam cerca de quatrocentos metros. Por enquanto essa distância bastaria para colocá-los em segurança.

Gucky informara a Tiff sobre o transmissor celular que havia sido implantado em seu organismo sem que ele soubesse. Ficou sabendo que o rato-castor, como telepata, era capaz de localizá-lo em qualquer ponto em que se encontrasse, dentro de um raio de dois anos-luz.

Se seguisse os outros pelo corredor, dando a entender a Gucky que já não se encontrava na caverna, este talvez modificasse o rumo de sua operação de teleportação.

Talvez! Sempre o talvez!

Era preferível aguardar a evolução dos acontecimentos...

Pela quinta vez Enaret relatou o que vira.

— Sim, foi ali que a nave de Pcholgur caiu na neve. Vejam a superfície congelada. Não, não foi lá. Foi ali adiante que Vilagar foi morto. Isso mesmo. Não, não existe o menor vestígio de Horlgon.

Etztak incumbira um certo Wernal do comando das vinte e quatro naves-patrulha.

Para Enaret o mesmo não passava de um bobo, mas ele não iria transmitir sua opinião a ninguém.

Enquanto não tinha necessidade de falar, Enaret contemplava a tela do rastreador. Em sua opinião, não adiantava nada ficar por horas a fio em cima do local do desastre, procurando algum vestígio deixado por Pcholgur, Horlgon ou Vilagar.

Deviam encontrar os fugitivos, não os mortos.

Mas o comando estava nas mãos de Wernal, e este julgou de bom alvitre desperdiçar o tempo.

Isso até que, de repente, Enaret acreditou ter descoberto aquilo que estava procurando.

Na tela do rastreador foi projetada a encosta íngreme de um morro. Na encosta, Enaret notou perfeitamente uma entrada afunilada, que parecia ser o acesso a uma caverna. Acontece que poucos metros atrás da entrada o rastreador foi dar em matéria compacta.

Era uma parede!

O cérebro de Enaret passou a trabalhar febrilmente. Onde já se viu uma caverna que se abria tão profundamente na encosta de uma montanha, para terminar poucos metros atrás da entrada?

Em lugar algum. A parede era artificial.

Enaret entrou em contato com Wernal. Este não parecia muito satisfeito com a notícia de que um dos seus subordinados acabara de fazer uma descoberta que, segundo tudo indicava, era muito importante. Apesar disso, deu o máximo de atenção à informação de Enaret e chegou à conclusão de que provavelmente o mesmo estaria com a razão.

Naquela encosta havia uma caverna. E essa caverna estava separada do mundo exterior por meio de uma parede artificial.

— Vamos para lá! — ordenou Wernal. — Pousaremos em semicírculo, a uma distância de cinqüenta metros da caverna.

Tiff ouviu o aviso que Moisés transmitiu pelo rádio de capacete:

— Estão chegando. Pousaram diante da caverna.

Tiff respondeu laconicamente:

— Entendido. Prossigam na abertura do corredor.

“Quer dizer que já nos encontraram”, pensou Tiff contrafeito.

Ainda faltavam quinze minutos para que se passasse a meia hora. Se não conseguisse deter o inimigo durante esse tempo, Gucky...

Tiff realizou um cuidadoso controle funcional de seu traje transportador. Por fim ligou os campos de deflexão e de proteção.

Colocou perto de si o pesado radiador de impulsos térmicos retirado da bagagem de Gucky, encostou-o na cava do braço esquerdo e, com a mão direita, retirou a peça que fechava a parede interna. Sentiu o solo tremer quando o pesado pedaço de rocha bateu no chão.

A luz irradiada pela única lâmpada de emergência que continuava acesa lhe proporcionava visão até a parede divisória mais próxima, que não ficava a mais de três metros.

Mesmo a essa distância um radiador térmico pesado poderia causar boa dose de destruição.

Que viessem!

De repente, Wernal se decidiu.

— De cada uma das naves descerá um homem — ordenou. — Enaret, você levará os homens até a caverna. Procure entrar nela com todo o cuidado. E não se esqueçam: se possível, queremos agarrar essa gente viva.

Enaret se preparou para sair. Deixou sua nave na posição em que se encontrava e reuniu em torno de si os homens que desciam das outras naves.

Por mais pressa que Wernal tivesse a essa hora, Enaret achava que era muito importante explicar aos homens que tinham diante de si um inimigo muito perigoso.

— Não há dúvida de que têm defletores.

Talvez também disponham de geradores antigravitacionais e, principalmente, armas muito eficientes. Além disso, encontram-se numa situação tão perigosa que não poderão ter a menor consideração. Atirarão assim que puserem os olhos num inimigo. Portanto, tenham cuidado. Não se metam a bancar o herói.

Depois disso, avançaram em direção à caverna.

Tiff percebeu que estavam trabalhando na parede exterior.

Quando encontraram a peça que fechava a parede, o tremor do chão cessou. Tiff procurou imaginar de que forma agiriam dali em diante.

Quem sabe se não levariam um tempo maior para alcançar o compartimento interno que o que restava para completar a meia hora?

Onde estaria Gucky?

O grande número de paredes deixou Enaret nervoso. Ainda não sabia qual era sua finalidade.

Abrigado em lugar seguro, Wernal apressou os homens.

— Tratem de avançar depressa! — ordenou.

Enaret contemplou os homens. Na luz débil da sua lanterna viu que sorriam através dos visores dos capacetes.

— Vamos! — resmungou.

As paredes divisórias construídas pelos fugitivos só iam de uma das paredes da caverna até uma distância de um metro da parede oposta. O intervalo fora fechado com peças de rocha derretidas. Enaret ficou admirado com a exatidão com que essas peças fechavam as aberturas.

As peças haviam sido feitas de tal modo que podiam ser retiradas de um lado e de outro. Para não perder tempo, Enaret ordenara aos homens que empurrassem as pedras para dentro com uma pancada rápida e forte e se desviassem para o lado, pois atrás da parede poderia haver um inimigo à espreita.

A técnica se revelou muito eficiente. Avançaram de uma parede para outra sem serem perturbados. Finalmente, um dos homens anunciou:

— Falta uma parede. Retiramos a peça que fecha a abertura e atrás dela há uma luz acesa.

Nem assim os fugitivos deram sinal de vida.

Enaret começou a suspeitar de que houvesse uma armadilha. Ou será que a caverna tinha outra saída?

Passou junto aos seus homens, se inclinou para a frente e olhou para além da parede divisória.

Viu a parede seguinte e a abertura que, nas outras paredes, estava fechada com peças de rocha. A peça de rocha que costumava fechar aquela parede estava jogada no chão.

Através da abertura Enaret viu um recinto amplo, fracamente iluminado. Uma única lâmpada fornecia um tipo de iluminação de emergência.

No entanto, a parede divisória não permitiu que Enaret visse o corredor que o desintegrador havia aberto na rocha.

— Vamos adiante! — ordenou Enaret.

Tiff sentiu o baque surdo produzido pela queda da peça que fechava a penúltima parede.

Aproximou a arma mais de seu corpo, para que também o cano fosse abrangido pelo campo de deflexão que o tornava invisível.

Viu quando Enaret enfiou a cabeça pela abertura existente ao lado da parede divisória e olhou para ele.

Faltavam quatro minutos para que terminasse a meia hora. As granadas de mão haviam sido reguladas para detonarem dez minutos depois de terminado esse prazo. Se Gucky não voltasse em tempo, o susto que Tiff pretendia pregar nos saltadores teria que durar pelo menos dez minutos.

Subitamente vieram!

Passaram cautelosamente junto à parede divisória e, com um enorme salto, puseram-se de lado, de tal forma que assumiram uma posição oblíqua face a Tiff.

Este não queria matá-los!

Levantou o cano da pesada arma.

E apertou o gatilho. Disparou uma salva energética de reduzida potência contra a rocha. O resultado foi espantoso.

De um instante para outro, o teto entrou em incandescência, derreteu-se e volatilizou-se. Pingos de rocha caíam ao chão, chiavam em contato com a rocha ainda fria e espalhavam feixes de faíscas.

Os vapores encheram o pequeno recinto e apagaram os contornos. Tiff viu sombras que saltavam desesperadamente. Ao que parece, só pensavam numa coisa: passar pela abertura e se pôr a salvo do fogo de artifício.

Com uma risada, disparou a salva seguinte contra a parede divisória. Num instante, ela se transformou numa massa viscosa incandescente, escorregou para baixo e, através de uma nuvem de vapores esverdeados, pôs à vista a terceira parede.

Os saltadores estavam em fuga desabalada. Tiff viu quando o último deles passou pela abertura seguinte. Mal tinha passado, também destruiu a terceira parede.

No mesmo instante ouviu uma voz alegre e chiante no seu receptor de capacete:

— Muito bem, rapaz! É assim que eu gosto!

Virou-se apressadamente.

Gucky estava sentado no centro do recinto, junto à única lâmpada que continuava acesa.

Tiff suspirou aliviado e desligou o defletor. No mesmo instante se tornou visível aos olhos de Gucky.

Dispôs-se a fornecer uma explicação apressada. Mas Gucky fez um gesto de recusa relaxado, tipicamente humano.

— Já sei — disse. — Tenho o conteúdo de sua mente diante de mim. Dê o fora; enquanto isso eu mantenho a posição.

Tiff compreendeu. Ele mesmo teria que vencer com suas pernas a maior distância possível, antes que ocorresse a explosão. Já Gucky poderia saltar, e o transmissor celular que Tiff trazia em seu corpo o informaria sobre o lugar preciso para qual teria que dirigir seu salto.

— Daqui a dez minutos as granadas vão explodir! — fungou Tiff.

Gucky confirmou com um aceno de cabeça, saltitou até a parede divisória interna e ocupou o lugar em que antes se encontrara Tiff.

— Dê o fora logo! — chiou.

Tiff saiu correndo.

O corredor aberto pelos desintegradores era amplo, permitindo que Tiff corresse à vontade.

O perigo que previra, e com o qual Tiff contara em todos os seus planos, não decorria da explosão propriamente dita, mas de seus efeitos colaterais. O campo gravitacional gerado pelas granadas de mão era muito potente, mas de alcance bastante limitado. Para alguém que tivesse percorrido mais de cinqüenta metros pelo corredor afora, o perigo principal residiria na onda de sucção que percorreria o mesmo, em direção ao ponto de explosão.

Tiff correu em disparada pelo corredor. Moisés avisou-o de que haviam encontrado um tipo de rocha mais favorável, e já estavam a uns seiscentos metros da caverna.

Por uma única vez, Tiff tentou recorrer ao traje transportador. Mas logo constatou que o corredor de um metro e meio de largura não oferecia um campo de manobra suficiente para a locomoção por esse meio.

Três minutos depois de ter deixado Gucky alcançou Moisés, os cadetes e as moças. Durante a corrida já os havia avisado sobre os acontecimentos que se desenrolaram no interior da caverna. Estavam a par.

Sem perder tempo, Tiff substituiu Mildred no trabalho com o desintegrador. Com uma expressão de gratidão no rosto, a moça lhe entregou a arma.

— Ainda bem que tudo deu certo — disse em voz baixa.

Surpreso, Tiff ergueu a cabeça e olhou-a.

Viu seus grandes olhos brilhantes atrás da lâmina do visor e acenou com a cabeça:

— Também fico satisfeito — respondeu em tom um pouco desajeitado.

Segurou o desintegrador firmemente no braço e apertou o gatilho.

Um minuto antes da explosão, Tiff mandou suspender o trabalho e ordenou a todos que se deitassem no chão.

Cinco segundos antes do momento zero, Gucky... surgiu do nada.

Cinco segundos depois do momento zero, um punho gigantesco sacudiu os corpos deitados no chão, e um tremor abafado percorreu a rocha.

Foi só.

Levantaram-se cuidadosamente.

— Tudo em ordem — disse Gucky. — Não apareceu mais nenhum saltador. E agora não nos encontrarão mais.

Depois disso, forneceu um breve relato do que se passara a bordo da Etz XXI. Concluiu da seguinte forma:

— Nenhum deles sabe como um bom telepata pode reconhecer o caráter de um ser inteligente. Quanto a mim, sei perfeitamente que o velho não hesitará um instante sequer em desmanchar este mundo nas suas partes componentes. Isso representa um perigo para nós. Assim que Etztak for avisado sobre o novo fracasso, ferverá de raiva e ordenará a destruição final. Não temos um segundo a perder. Temos que dar um jeito de chegar a bordo da Horl VII e da Etz XXI.

Tiff ouvira-o atentamente.

— Por que temos que ir para a Etz XXI? — perguntou.

Gucky soltou um grito chiante.

— Temos de prender Etztak, se não conseguirmos inutilizar em tempo as bombas que se encontram na Horl VII. Sugiro que nos dirijamos à superfície o mais rápido possível e nos ponhamos em marcha. As informações sobre a estrutura das naves, de que disponho, deverão ser suficientes para orientar os senhores.

Voltaram à superfície um quilômetro e meio ao norte da caverna, no flanco norte da cadeia de montanhas.

Antes disso, Gucky se certificara por meio de alguns saltos de teleportação para dentro e para fora do corredor de que a área estava limpa.

Além disso, realizara um salto de teleportação para a caverna e voltou com a notícia de que os saltadores estavam ocupados em examinar os vestígios da mesma. Por isso, pelo menos uma hora se passaria antes que Etztak recebesse o aviso definitivo de que a missão fora mal sucedida. Pelo que Gucky leu nos cérebros dos saltadores, estes não estavam dispostos a acreditar na versão do suicídio dos fugitivos. Mas um deles, de nome Wernal, dera ordens para procurar os restos de seus corpos.

— Isso os manterá ocupados por muito tempo — chiou Gucky. — Enquanto isso avançamos mais um pedaço.

Moisés e as moças foram deixados para trás. Moisés recebera ordem para, por meio de suas armas, ampliar a entrada da galeria, para que a mesma pudesse servir de base provisória. Gucky insistiu junto ao robô que o mesmo deveria se render junto com as moças, antes de assumir o risco de que os saltadores atirassem uma bomba sobre a entrada do túnel.

Depois disso, Gucky e os três cadetes saíram. Envergando um simples traje espacial, Gucky ia à frente dos outros por meio de saltos de teleportação e esperava que os cadetes, que se deslocavam em vôo baixo e à velocidade máxima, o alcançassem.

Dessa forma chegaram dentro de poucas horas a vinte quilômetros do local em que estavam pousadas as duas naves dos saltadores. A noite ainda duraria algumas horas. Pelo menos o início da ação poderia se desenvolver sob a proteção da noite.

Enquanto os três cadetes se mantinham a distância segura das duas naves, Gucky, com um salto de teleportação bem orientado, se colocou a bordo da Etz XXI. Sem a menor cerimônia, mas sem cometer o menor engano, prendeu o chefe dos hangares da gigantesca nave em seu escritório e o obrigou a liberar uma das naves-patrulha, e a avisar a Horl VII que ela chegaria dentro de quinze minutos, abrindo a comporta do hangar mediante a simples emissão do sinal codificado, sem nova consulta à nave-mãe.

De posse da nave-patrulha, Gucky voltou para junto dos cadetes, que o esperavam.

— Um dos senhores virá comigo — ordenou Gucky. — Os outros voarão para a Horl VII. As bombas arcônidas estão no depósito número setenta e oito, convés número cinco, contado a partir da comporta do hangar. Terão que dar um jeito de se orientar na nave. E, principalmente, terão que chegar lá em dez minutos. O chefe dos hangares da Etz XXI apenas está inconsciente. Levei-o a um lugar onde tão depressa não será encontrado. Mas dentro de pouco tempo recuperará os sentidos e logo relatará os fatos ao velho Etztak. Até lá deverão estar a bordo da Horl. Ainda acontece que, quando o chefe dos hangares der seu aviso, um alarma geral será desencadeado a bordo da Horl. A tarefa não é fácil. Mas os senhores sabem perfeitamente o que está em jogo. Resolvam quem dos senhores virá comigo e quem irá à Horl.

Era espantoso e até mesmo chocante como se poderia esquecer tão rapidamente que Gucky não era nenhum ser humano, quando falava com a seriedade que costumava usar em instantes como este.

Tiff olhou para os dois cadetes.

— Quero ir para a Horl em companhia do cadete Hifield — disse.

Eberhardt e Hump soltaram um resmungo de surpresa.

Os olhos de Gucky se arregalaram à medida que fitavam um e outro dos cadetes.

“Não é de admirar”, pensou Tiff, divertido. “Lê os nossos pensamentos e por isso sabe o que aconteceu.”

— Cadete Hifield! — rangeu a voz de Gucky.

— Sim, senhor!

— Está de acordo?

— Sim, senhor!

— Está bem. Vamos embora! Não podemos perder tempo.

Ao passar por Eberhardt, Tiff bateu-lhe no ombro.

— Faça um serviço bem feito! — disse em voz baixa.

Tinha certeza de que Eberhardt compreenderia por que preferira levar Hump em vez dele. Pretendia dar mais uma chance a Hump.

Etztak foi dominado por uma fúria indescritível.

Parado em meio à sala de comando oval, esbravejava a plenos pulmões. Sua voz potente enchia o recinto.

Há cerca de uma hora, um certo Frerfak fora falar com Etztak, afirmando que, num corredor lateral, se encontrara com um ser peludo que lhe formulara uma pergunta sobre a situação exata da sala de comando. Segundo dizia Frerfak, tratava-se de um telepata que, além disso, devia ter o dom da teleportação.

Furioso, Etztak despedira o homem e o avisara de que a bordo da Etz XXI os mentirosos e outros tipos teriam de contar com uma punição exemplar.

Segundo o raciocínio de Etztak, na galáxia havia seres que possuíam um ou outro dom extraordinário. Tratava-se de telepatas, ou telecinetas, ou então teleportadores. Mas Etztak nunca havia visto um ser que fosse ao mesmo tempo um telepata e um teleportador. E, como nunca o tivesse visto, não acreditava na sua existência, motivo por que em sua opinião Frerfak era um fanfarrão e um mentiroso.

Acontece que, meia hora depois da visita de Frerfak, Holloran, espicaçado pela consciência, apareceu na sala de comando. Contou como certo ser, cuja descrição coincidia exatamente com a fornecida meia hora antes por Frerfak, o obrigara a levá-lo em sua nave-patrulha para bordo da Etz XXI. Também do relato de Holloran deduzia-se sem a menor sombra de dúvida que aquele ser era um telepata e um teleportador.

A opinião firmada de Etztak se tornou mais vacilante.

Vinte minutos depois do aviso de Holloran, chegou uma mensagem de Wernal, que informou sobre o fracasso total da expedição de busca. Cinco minutos depois disso, o chefe dos hangares entrou em contato com Etztak para avisá-lo de que um ser peludo de aspecto estranho, que evidentemente era um telepata e teleportador, obrigara-o a entregar uma das naves-patrulha e a informar à Horl VII de que devia aguardar a chegada de um veículo desse tipo nos próximos quinze minutos.

Com isso, o equilíbrio psíquico de Etztak ficou irremediavelmente perturbado. Esbravejou, gritou ordens para seus subordinados e logo as revogou, antes que pudessem ser retransmitidas. Finalmente se acalmou a ponto de poder anunciar os passos que pretendia tomar.

— Alarma na Horl VII. É provável que haja estranhos a bordo. Quero que a Horl pouse imediatamente. Precisamos das bombas que traz a bordo para destruir esse mundo.

A ordem foi retransmitida no mesmo tom patético em que foi expedida. A Horl VII confirmou que, poucos minutos antes, uma nave-patrulha da Etz XXI havia ingressado a bordo. A nave, cuja chegada havia sido anunciada em conformidade com as normas, emitira a mensagem codificada e, depois de ter ingressado a bordo, dera o aviso costumeiro de estar devidamente guardada.

O comandante da Horl VII, de nome Horlagan, ficou sobremaneira consternado com a advertência partida da Etz. Avisou a este que havia dado o alarma geral de busca e que se preparava para pousar imediatamente

 

Não houve o menor problema. Conforme se previra, a nave-patrulha passou pelo par de escotilhas da comporta, penetrou na galeria do hangar e foi conduzida para um box disponível por meio da direção automática.

Tiff seguiu as instruções de Gucky. Usando o intercomunicador, anunciou ao chefe dos hangares, em intercosmo, que o veículo estava devidamente guardado, e que pretendia se dirigir ao interior da nave juntamente com seus acompanhantes.

O chefe dos hangares não tinha nenhuma objeção. Não estranhou o fato de alguém se comunicar com ele em intercosmo. Eram poucos os saltadores que ainda usavam a língua de sua raça. Por uma questão de comodidade passaram a adotar o costume de usar o intercosmo, mesmo para se comunicarem entre si.

A descrição fornecida por Gucky permitiu a Tiff e Hump que se orientassem na nave com uma facilidade espantosa. Era bem verdade que dois fatores vieram em auxílio dos cadetes. Primeiro, Tiff já estivera várias vezes numa nave dos saltadores, mais precisamente, na Orla XI; depois, os saltadores gostavam de construir suas naves de modo a preservar a sistemática e a boa disposição dos compartimentos.

Os cadetes passaram pelos três conveses inferiores sem serem vistos. Para isso utilizaram o poço de um elevador de carga, proibido para passageiros.

Na altura do terceiro convés, se defrontaram com o perigo de colidir com uma carga que vinha descendo. O enorme volume, revestido de metal plastificado, enchia o poço a tal ponto que Tiff e Hump não tiveram outra alternativa senão saltar para o corredor do terceiro convés.

A carga passou por eles. Mas no mesmo instante em que esse risco havia passado, um novo perigo surgiu sob a forma de um saltador que dobrou o canto do corredor e se dirigiu apressadamente para o poço do elevador.

Hump saltou sobre ele de lado e o derrubou com a coronha de sua arma. Tiff nem teve necessidade de intervir.

— O que vamos fazer com ele? — fungou Hump.

Tiff procurou avaliar o tempo durante o qual o saltador ficaria inconsciente.

Seriam vinte minutos, ou meia hora?

Tiff se aproximou da escotilha mais próxima, levantou a arma de impulsos térmicos e abriu-a.

A peça que ficava do outro lado da escotilha era pequena e estava vazia.

— Vamos colocá-lo aqui! — chiou Tiff.

Hump arrastou o corpo. Reunindo suas forças, colocaram-no no pequeno compartimento e fecharam a escotilha atrás dele.

— Vamos!

Chegaram ao quinto convés sem novos incidentes. Pela descrição fornecida por Gucky, o depósito ficava a cerca de cinqüenta metros do elevador antigravitacional. Eram cinqüenta metros que teriam de ser percorridos através de corredores estreitos e angulosos.

A área em redor do poço do elevador não oferecia o menor perigo. Por alguns segundos puseram-se à escuta; ouviram vozes abafadas vindas de longe.

— Vamos embora!

Caminharam apressadamente, com as armas engatilhadas.

“Toda esta área é de depósitos”, pensou Tiff. “Se alguém vier ao nosso encontro, basta entrarmos em uma das salas.”

Passaram por duas, três curvas do corredor.

Subitamente um grupo de saltadores veio ao seu encontro.

— Para a esquerda! — chiou Tiff.

A escotilha se abriu devagar. Hump foi o primeiro a se espremer pela mesma. Gemeu quando o tórax foi comprimido fortemente. Tiff seguiu-o lançando antes mais um olhar para o corredor.

Ao que parecia os saltadores não haviam percebido nada.

Tiff se virou. Viu diante de si as costas largas de Hump e murmurou:

— Escapamos por um...

Hump fez um movimento estranho, como se alguma coisa o assustasse. Tiff se inclinou para o lado, olhando para diante dele.

A três metros diante de Hump um saltador estava de pé, apontando o cano afunilado de sua arma para o ventre de Hump.

Era um único saltador. Mas tinha uma vantagem: já levantara sua arma.

Tiff olhou em torno. A sala estava cheia de prateleiras e separadeiras automáticas montadas na parte superior das prateleiras, que se moviam para cima e para baixo em trilhos verticais.

As prateleiras estavam cheias de peças de reposição, instrumentos e chaves de controles. À esquerda de Tiff havia uma prateleira; bastava-lhe estender o braço para alcançá-la.

— O que você quer? — perguntou a voz rouca de Hump em intercosmo.

O saltador riu.

— Quero saber quem são vocês e o que vieram fazer aqui.

Hump arrastou o pé. Tiff entendeu o sinal. Hump procuraria distrair o saltador; Tiff teria que aproveitar o momento de distração.

Centenas de idéias se atropelaram na mente de Tiff. Mas nenhuma delas era aproveitável.

Não seria mesmo?

Tiff se inclinou para a esquerda. Pelo canto do olho viu a separadeira que, depois de ter sido usada da outra vez, ficara parada junto à quarta repartição. Ela poderia ser alcançada com a mão. Estendeu cuidadosamente a mão em direção ao instrumento, procurando manter a mão oculta atrás das costas de Hump.

“Se você ainda não sabe que é muito perigoso ter diante de si dois inimigos colocados um atrás do outro, o azar é seu, saltador”, pensou.

— A resposta é simples — respondeu Hump.

Quem o conhecesse notaria o nervosismo que vibrava em sua voz.

“Bem feito, Hump”, pensou Tiff. “Aqui está a chave!”

A chave foi ligada com um ligeiro estalo. O aparelho zumbiu e subiu velozmente pelo trilho.

O saltador estremeceu e olhou para o lado. Tiff deu um passo ligeiro para a direita, levantou a arma e disparou.

O saltador teve morte imediata.

Por alguns segundos Tiff e Hump ficaram imobilizados.

— Vamos dar o fora! — exclamou Tiff, que foi o primeiro a recuperar o autocontrole.

Abriram a escotilha com o maior cuidado que seu estado nervoso permitia. O corredor estava vazio.

Saíram andando apressadamente.

Mais uma curva... mais uma...

Ali, gravada em caracteres intercósmicos, estava o número 78 sobre a enorme placa de metal de uma grande escotilha.

Essa escotilha foi tão fácil de abrir como as outras. Não havia a menor indicação de que nesse depósito se encontrassem objetos muito importantes.

Tiff esperara encontrar sentinelas antes ou depois da escotilha, mas não encontrou ninguém. A mentalidade dos saltadores parecia não conhecer o temor do abuso da mais terrível das armas jamais construída por eles.

A sala era menor do que Tiff imaginara. As bombas, formadas por cilindros metálicos de metro e meio de comprimento, com as pontas arredondadas, estavam penduradas em fortes suportes de metal plastificado.

Tiff fechou a escotilha. Observou Hump, que retirou cuidadosamente uma das bombas do suporte e a segurou nos braços. Gemeu. Mas, ao se virar, sorriu:

— Deve pesar uns setenta e cinco quilos. Mal e mal se consegue carregá-la.

Tiff confirmou com um aceno de cabeça.

— A esta hora Gucky devia entrar em ação — respondeu.

Gucky, dotado de uma série de capacidades parapsicológicas, ajudara o cadete Eberhardt a realizar um salto elegante que o conduziu a bordo da Etz XXI. Gucky deslocou-o da mesma forma pela qual transportara, poucos dias antes, os volumes de carga retirados da Z-13, que fizera pousar na superfície do planeta Homem de Neve: através da teleportação.

Eberhardt pousou na galeria do hangar das naves-patrulha e se escondeu num dos boxes vazios. Gucky surgiu logo atrás dele, anotou em sua mente a posição do esconderijo e voltou a desaparecer.

Eberhardt representava a força de reserva que Gucky lançaria na luta, se as circunstâncias o exigissem. Conhecendo seu esconderijo, poderia chamá-lo a qualquer hora.

Por outro lado, se alguma coisa acontecesse com Gucky, para Eberhardt seria relativamente fácil se apoderar de uma das naves-patrulha e deixar a Etz XXI sem correr maiores riscos.

Por enquanto, Gucky tinha certeza de que não teria maiores problemas em alcançar o objetivo a que se propusera.

Quando voltou a se rematerializar, viu-se numa sala separada apenas por uma parede fina da sala de comando da Etz XXI. Por entre a profusão de pensamentos que investiram sobre sua mente, a maioria deles nervosos e cheios de temor, logo conseguiu identificar os impulsos de Etztak.

Enquanto estava dando vasão a um acesso de fúria, Etztak sentiu de repente que alguma coisa estranha e inexplicável parecia agarrá-lo. Surpreso, calou-se. Por um instante procurou definir a sensação que se apoderava dele. O medo surgiu em seu espírito.

Quis gritar, e realmente o fez. Mas quando soltou o grito, já não se encontrava na sala de comando. Não percebera o menor movimento. Parecia que alguém afastara uma cortina que se encontrava bem diante de seu rosto, fechando outra logo atrás de sua cabeça.

Etztak reconheceu a sala em que se encontrava; ficava junto à sala de comando.

Mas não sabia como fora parar ali.

Nenhuma das pessoas que se encontravam na sala de comando quebrou a cabeça sobre o desaparecimento do velho. Primeiro, todos sentiram o silêncio repentino como uma coisa benfazeja. Depois, enquanto os oficiais se inclinavam sobre suas mesas, dedicando-se ostensivamente a várias espécies de trabalho, o comandante se encontrava próximo a várias escotilhas. Era bem possível que tivesse saído da sala sem que ninguém o notasse.

Gucky não sabia nada disso. Apenas fazia votos de que fosse assim.

Etztak interrompeu o grito quando viu o pequeno ser peludo à sua frente, sentado em cima da mesa. Apoiado sobre as patas traseiras, mantinha o corpo erguido e segurava um radiador de impulsos térmicos na mão direita.

Nos últimos anos ninguém jamais vira o velho Etztak tão perplexo como naquele instante.

— Controle-se! — entendeu Etztak. — Preciso falar com você.

A falta de respeito com que essas palavras lhe foram dirigidas fez com que Etztak recuperasse a consciência. Pretendeu esbravejar; mas aquele ser estranho não lhe deixou tempo para isso. E explicou por quê.

— Tudo que temos que fazer — explicou a Etztak — tem de ser feito depressa. Dois dos meus homens se encontram a bordo da Horl VII e, por causa do alarma que você mandou dar, não estão em condições de sair sem serem molestados.

Gucky extraiu a informação sobre o alarma da própria consciência de Etztak.

O rosto de Etztak se contorceu numa careta zombeteira.

— Você fará com que nada lhes aconteça quando saírem da nave — prosseguiu Gucky.

Etztak riu.

— E se eu me recusar? — perguntou.

— Nesse caso farei com que a Horl, a Etz e a Orla voem pelos ares, juntamente com todo o planeta.

O rosto de Etztak se tornou sério.

— Como?

Gucky soltou um assobio estridente.

— Pelo mesmo meio que você pretendia usar: as bombas arcônidas.

Etztak estremeceu.

— Nesse caso você e sua gente também voarão pelos ares.

— Isso mesmo — respondeu Gucky laconicamente. — O resultado compensa o sacrifício.

Gucky percebeu que Etztak procurava encontrar uma saída. O velho também estava interessado em prolongar as negociações para ganhar tempo.

— Vamos logo! — insistiu Gucky e levantou o radiador de impulsos térmicos, fazendo com que o mesmo apontasse por cima do ombro de Etztak. Apertou o gatilho e disparou um tiro ligeiro com um fraco desempenho energético contra a parede.

Etztak recuou, apavorado, e levantou as mãos.

— Não faça isso! — gemeu. — Farei o que você quiser.

No momento, constatou Gucky, o velho estava falando a sério.

— Darei ordem para que o alarma de busca seja suspenso a bordo da Horl — sugeriu Etztak.

Gucky recusou a sugestão, não porque acreditasse que o velho estava tramando algum truque, mas porque sabia qual seria a confusão e a insegurança causada por duas ordens contraditórias dadas com um breve intervalo.

— Você ordenará que a Horl entre em rigorosa prontidão de combate. Cada homem ocupará seu posto. As sentinelas ficarão em posição de reserva. Entendido? E você dará a ordem daqui mesmo.

Etztak hesitou. Gucky voltou a levantar a arma. Com isso a resistência do velho desmoronou.

Dirigiu-se ao intercomunicador e levantou o microfone. Gucky sentou num lugar em que não pudesse ser visto pelo receptor e avisou a Etztak que atiraria se este dissesse uma única palavra errada.

Por alguns minutos o soalho da sala tremera sob os numerosos pés que passaram correndo pelo corredor.

Mas subitamente o silêncio voltou a reinar.

Logo receberam a breve mensagem de Gucky:

— Caminho livre.

Tiff abriu a escotilha. Hump cambaleou pela abertura. Tiff fechou cuidadosamente a escotilha e saiu correndo atrás de Hump, para ajudá-lo a carregar a bomba.

A Horl estava em rigorosa prontidão de combate. Isso significava que ao menos nas proximidades dos depósitos não havia ninguém.

Chegaram ao elevador de carga sem serem molestados. Era o mesmo pelo qual haviam subido meia hora antes.

Com um suspiro, Hump deixou-se cair para a frente juntamente com a bomba, a fim de que o campo antigravitacional do elevador o sustentasse. Foi descendo pelo poço. Tiff seguiu-o.

— Pare no segundo andar! — ordenou.

Na altura do convés número dois, Hump empurrou-se contra a parede, a fim de atingir em tempo a saída do poço.

— Ande ao menos cinqüenta metros a partir daqui — ordenou Tiff.

O corredor estava vazio. Tiff decifrou o letreiro de uma das escotilhas. Constatou que nessa área da nave havia um espécie de hospital.

Se o plano de Gucky fora bem sucedido, os compartimentos situados atrás dessas escotilhas deviam estar cheios de saltadores, mas nenhum deles sairia para o corredor sem ser chamado.

Hump seguiu cambaleante pelo corredor.

Os letreiros das escotilhas mudavam constantemente.

— Laboratório de análises de alimentos — leu Tiff.

— Vamos entrar aqui!

Encontravam-se numa nave mercante.

Mas mesmo as naves mercantes dos saltadores dispunham de algum armamento, e Tiff sabia que em caso de alarma cada um tinha seu posto bem definido. Naquela hora não haveria nenhum saltador no laboratório destinado à análise de alimentos.

Realmente a sala estava vazia. O laboratório era grande e estava cheio de instrumentos dos tipos mais variados. Seguindo as instruções de Tiff, Hump colocou a bomba de pé nas proximidades do pequeno aparelho de hidratação, formado de quatro recipientes cilíndricos. Ao lado desses cilindros a bomba não daria na vista.

— Regule o detonador para vinte minutos! — ordenou Tiff.

Ajudou Hump na regulagem. O detonador da bomba era um mecanismo relativamente simples.

— Pronto! — fungou Hump. — Vamos dar o fora!

Voltaram ao poço do elevador e desceram ao convés dos hangares. Correndo apressadamente, mas sem o menor barulho, atravessaram a galeria e se dirigiram à escotilha interna da comporta, onde ficava a sala do chefe dos hangares.

Num estado de alarma total a informação habitual não era suficiente para que o chefe dos hangares liberasse uma das naves pequenas.

O homem estava sozinho com seu assistente. Tiff e Hump penetraram na salinha sem que ninguém os percebesse. Só depois de terem entrado, o chefe dos hangares percebeu que se tratava de criaturas estranhas; o assistente nem chegou a percebê-lo. Com um golpe bem dado na região do pescoço de seu traje espacial, Tiff colocou o assistente fora de combate. Hump correu para o outro lado da escrivaninha e derrubou também o chefe dos hangares, antes que este pudesse esboçar qualquer defesa ou pedir socorro.

Tiff já se encontrava a caminho. Com dois passos rápidos se colocou junto ao enorme painel e puxou duas chaves grandes, assinaladas em vermelho.

— A escotilha interna está aberta — gritou para Hump. — Tire a nave.

Hump saiu correndo. Poucos instantes depois o vulto em forma de lentilha de uma das naves-patrulha saiu da galeria do hangar, deslizou pela escotilha aberta, entrando no pavilhão, e parou.

Uma janelinha se abriu. Tiff subiu de um pulo, segurou a abertura com as mãos firmes e entrou na nave.

— Vamos adiante!

Hump acelerou a nave. Atravessaram a enorme comporta e chegaram à escotilha externa no momento exato em que a escotilha interna se fechou, enquanto a primeira se abria, obedecendo ao comando que Tiff dera no painel de comando.

A navezinha disparou para fora, deixando a Horl para trás. Tiff soltou um grito de surpresa quando viu que a grande nave se encontrava a menos de dez quilômetros da superfície do planeta Homem de Neve.

Dali a alguns minutos a manobra de pouso estaria concluída.

Tiff ligou o transmissor de capacete para o alcance máximo.

— Tudo em ordem — anunciou segundo haviam combinado. Olhou para o relógio. — X menos doze minutos.

Gucky assobiou, satisfeito, quando recebeu o aviso.

— Está bem — disse, dirigindo-se a Etztak. — Meus homens já estão em liberdade. Quero lhe dizer mais uma coisa.

Etztak aguçou o ouvido.

— Eles esconderam uma bomba atômica a bordo da Horl — prosseguiu Gucky. — Ou, mais precisamente, em algum lugar a bordo da Horl. O detonador foi regulado para vinte minutos. Desses vinte minutos já se passaram nove. Quer dizer que a Etz e a Orla dispõem de onze minutos para sair desta área. E a tripulação da Horl dispõe do mesmo tempo para subir a bordo das naves-patrulha e de salvamento e se colocar em segurança.

Não disse mais nada. Desapareceu no mesmo instante. Mas tinha certeza de que Etztak daria a devida atenção à sua advertência.

Sem perder tempo, Gucky surgiu bem à frente do esconderijo de Klaus Eberhardt. Este saltou do boxe e desceu pelo elevador antigravitacional. Dois boxes adiante, Gucky descobriu uma nave-patrulha que estava em condições de decolar. Saltou para dentro da mesma, dirigiu a nave para a galeria e pediu que Eberhardt entrasse, depois que tinha transmitido ao chefe dos hangares os dados costumeiros sobre a retirada da nave-patrulha, pedindo-lhe que abrisse as duas escotilhas da comporta.

Por alguns segundos, Gucky receou que o velho Etztak se recuperasse com demasiada rapidez do susto por que passara, e ordenasse ao chefe dos hangares que não abrisse as escotilhas.

Mas o receio não teve fundamento. As escotilhas se abriram, e a pequena nave disparou com a aceleração máxima para o frio da manhã cinzenta.

Quase no mesmo instante, a nave de Tiff e Hump entrou em contato com eles.

— Vamos voltar à caverna de Moisés! — ordenou Gucky.

O vôo não durou mais que alguns minutos. Gucky aproveitou o breve intervalo para informar os cadetes do que poderia acontecer se o plano não funcionasse conforme haviam previsto:

— A possibilidade que envolve maiores riscos — soou a voz chiante de Gucky nos receptores da nave em que iam Hump e Tiff — é a de que os tripulantes da Horl localizem a bomba antes da explosão e consigam desativá-la. Mas, se considerarmos o fato de que uma nave como a Horl tem um total de cinco mil salas, a possibilidade de que a bomba venha ser encontrada nos próximos onze minutos é muito remota. Existe outra possibilidade. Talvez Etztak acredite que minha ameaça não passa de um truque, e não dê atenção à mesma. Nesse caso a Horl, a Etz e a Orla serão destruídas por completo. Estão tão próximas uma da outra que nenhuma delas sobreviveria à catástrofe.

“A terceira possibilidade é esta: Etztak pode tomar conhecimento do aviso que lhe dei, levará as duas naves para fora da área de perigo e mandará evacuar a Horl, enviando, porém, grupos de busca atrás de nós. Nesse caso teremos que nos defender.

“De qualquer maneira, não devemos permanecer por muito tempo na caverna de Moisés. Temos que ir a outro lugar; assim que Etztak se tiver recuperado do choque, sairá à nossa procura. Dispomos de duas naves. Se necessário, cada uma delas poderá levar três pessoas. Isso será suficiente, desde que eu me desloque através da teleportação. Apenas teremos que realizar um vôo de volta à caverna para buscar a bagagem que deixamos lá.

“No momento é só o que temos a tratar. Façamos votos de que a bomba não seja descoberta.”

Pouco antes do pouso, os instrumentos registraram grande movimentação. Duas naves de grande porte se levantaram da superfície do planeta e dispararam espaço afora; e de uma terceira, que descia devagar, saíam pontos minúsculos que, segundo tudo indicava, estavam empenhados em se afastar o mais possível da nave.

O plano fora bem sucedido. Ninguém encontraria a bomba.

No momento do pouso, um choque repentino fez estremecer o solo.

A bomba existente a bordo da Horl VIII acabara de explodir.

Não havia a menor dúvida de que a detonação da bomba reduzira a orgulhosa nave dos saltadores a uma série de fragmentos moleculares e atômicos. O detonador estava regulado para ativar os elementos artificiais, produzidos constantemente pelos reatores de fusão de uma nave espacial.

Quando sentiu o solo estremecer, Tiff reteve a respiração por um instante. Ninguém percebeu, com exceção talvez de Gucky.

Mas Gucky não disse nada, e Tiff se sentiu grato por isso.

Tiff teve a mesma sensação de quem vê cair um avião, sabendo que o mesmo tem bombas atômicas a bordo. Deteve a respiração, esperando que as mesmas detonassem no momento do impacto. Mas isso não aconteceu, porque a detonação de uma bomba atômica exige um mecanismo complicado; uma pancada, por mais forte que seja, não basta.

O homem deteria a respiração, mesmo que soubesse exatamente como funciona uma bomba atômica.

Tiff encontrava-se nessa situação. Sabia que uma bomba arcônida não explode pelo simples fato de que outra bomba do mesmo tipo é detonada perto dela. O mecanismo de detonação era bastante complicado. Uma das bombas explodiria, mas a outra apenas seria despedaçada, reduzida a pó, mas não liberaria sua energia.

Apesar disso, Tiff receara que a explosão de uma bomba provocasse a detonação de todo o arsenal da Horl VII. Uma vez que a Horl se encontrava a apenas um ou dois quilômetros do solo, isso significaria o fim do planeta Homem de Neve.

Mas nada disso aconteceu.

As moças foram colocadas nas naves auxiliares, juntamente com o incansável Moisés. O robô anunciou que nada de extraordinário acontecera nesse meio tempo.

As moças estavam curiosas. Mas Gucky fez questão de que seu pessoal saísse quanto antes da área de perigo.

Combinou com os pilotos das duas naves — Eberhardt e Tiff — o ponto de encontro, situado três mil quilômetros ao sul. Imediatamente as naves se puseram a caminho.

Gucky saltou no momento em que as perdeu de vista e no mesmo instante chegou ao local de encontro.

Teria que aproveitar o tempo.

Perry Rhodan aguardava informações.

— Gucky está chamando — disse John Marshall.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Pode começar.

Marshall parecia escutar para dentro de si mesmo. Cerca de dois minutos se passaram. Depois levantou a cabeça e disse:

— Gucky e os cadetes estiveram em perigo de serem mandados para os ares juntamente com o mundo em que se encontram. Conseguiram remover o perigo através de uma ação de emergência. Uma nave inimiga foi destruída. Gucky se esforçou para reduzir ao mínimo as vítimas fatais, advertindo o inimigo do desastre iminente.

— Muito bem! — exclamou Rhodan. — Prossiga.

— Durante essa missão de emergência, Gucky conseguiu extrair dados da maior importância da mente do comandante da maior das naves dos saltadores.

“Primeiro: Tudo que até aqui foi feito contra a Terra partiu de uma única nave, a Orla XI, a mesma que prendeu Tifflor e a Good Hope-IX. Só nos últimos dias, quando tudo indicava que o comandante da Orla não conseguiria vencer as dificuldades sozinho, chamou as naves de guerra.”

“Segundo: Os agentes que o comandante da Orla XI colocou na Terra são robôs especiais...”

Marshall fez uma pausa.

— Então é isso! — murmurou Rhodan. — Não foi por menos que meus telepatas não conseguiram descobrir nenhum dos agentes do inimigo.

Marshall prosseguiu:

— Os robôs têm aspecto humano e só podem ser reconhecidos pelas radiações diminutas dos seus motores de fusão.

— Muito bem! Excelente! — interveio Rhodan.

— E mais: Os saltadores ainda não sabem exatamente o que devem pensar da Terra e da civilização nela reinante. Têm a impressão de que as informações colhidas pelos robôs e os dados obtidos através das naves aprisionadas se contradizem...

— Não é de admirar! — disse Rhodan com uma risada.

— Por isso prevalece entre eles a opinião de que a Terra e seus habitantes devem ser submetidos a um exame mais detido. Se constatarem que a civilização terrestre é subdesenvolvida, pretendem fazer da Terra um entreposto comercial. Mas, se a raça humana estiver aproximadamente no mesmo nível dos saltadores, deve ser punida por ter infringido o monopólio reivindicado pelos saltadores, realizando por conta própria o comércio interestelar.

Rhodan ainda estava rindo.

— Isso não será nada fácil! — disse.

Depois transmitiu suas informações a Gucky.

— Dentro de poucas horas a Stardust-III deixará o setor de Beta-Albíreo. A Terra e a Solar System permanecerão aqui.

Achamos necessário que a Stardust-III seja equipada com novos armamentos, que lhe permitam vencer as naves inimigas nesse setor sem depender de reforços. A Stardust-III ficará fora por um máximo de quatro semanas. A Terra e a Solar System deverão reter o inimigo no setor de Beta-Albíreo, inflingindo-lhe perdas e dando às pessoas que estão executando seus trabalhos no Homem de Neve todo o apoio que esteja ao seu alcance. Ao menos um telepata ficará a bordo de uma das naves.

“Gucky e seus cadetes procurarão colher novas informações junto aos saltadores. Quanto ao mais, terão todo o cuidado para não cair nas mãos do inimigo.”

Marshall traduziu fielmente essa mensagem.

— Fim! — acrescentou Rhodan.

As naves auxiliares chegaram dali a poucos minutos.

Pousaram junto ao rato-castor. Moisés foi o primeiro que apareceu. Depois desceram as moças, e finalmente os cadetes.

A primeira coisa que Tiff fez foi examinar o termômetro.

— São apenas oitenta graus negativos — murmurou, espantado. — Aqui é muito mais quente.

— Estamos praticamente no equador — explicou Gucky.

Gucky esperara-os no interior de uma espécie de vale. Tratava-se de uma baixada circular de cerca de cem metros de diâmetro, circundada por uma série de suaves colinas brancas, cujos cumes ficavam de cinqüenta a cem metros acima do fundo do vale.

Pela escolha do esconderijo, até se poderia pensar que Gucky já estivera no planeta Homem de Neve.

Na encosta norte de uma das colinas situadas ao sul, abria-se um buraco da altura de um homem. Gucky já o examinara, constatando que se tratava da desembocadura de um túnel que penetrava bem longe abaixo das colinas.

— É um esconderijo feito pela natureza — explicou Gucky. — Naturalmente teremos que fechar a entrada para que não seja vista logo. Além disso, será necessário abri-la mais, para que as duas naves caibam no túnel. Acredito que depois disso será bem difícil que os saltadores nos encontrem.

Logo se puseram a trabalhar. Apenas Tiff voltou mais uma vez à caverna que Moisés abrira na rocha, para salvar a parte da bagagem de Gucky que haviam deixado para trás na sua fuga precipitada.

Tiff sabia que os objetos mais importantes haviam sido salvos. Entre eles encontravam-se as peças de uma usina de força em miniatura, que supriria seu novo esconderijo de luz e calor em abundância. Ainda havia armas e mantimentos. Por fim, um potente transmissor de hipercomunicação, juntamente com o receptor e os acessórios destinados às transmissões piratas, integrações de freqüências e outros truques de que costuma se valer um agente que se encontra em pleno território inimigo.

Quando Tiff regressou, Moisés já havia ampliado a abertura do túnel a tal ponto que as naves auxiliares poderiam entrar sem qualquer dificuldade. Uma vez que estivessem cobertas pela colina, a trinta metros da boca do túnel, ninguém mais as descobriria.

O alojamento propriamente dito foi instalado mais ao fundo, aproximadamente embaixo do ponto mais alto da colina.

A usina de força não demorou a ser instalada. Naquele lugar as paredes não eram feitas de gelo — que em todos os outros pontos da superfície do Homem de Neve cobria o solo até uma altura de pelo menos vinte metros — mas de rocha fria e brilhante. Moisés alisou as paredes por meio de um radiador de impulsos térmicos e, com uma rapidez espantosa, construiu cinco recintos contíguos.

Só depois disso, Gucky se dispôs a informar os cadetes e as moças sobre as instruções de Rhodan.

Depois de ouvir tudo, Hump suspirou. Até parecia que já havia recuperado seus traços de caráter primitivo a ponto de pretender soltar uma de suas observações mordazes.

Mas Tiff se adiantou, dizendo:

— Poderemos agüentar perfeitamente por quatro semanas.

Gucky concordou e Hump olhou para o chão.

— Há mais uma coisa — disse Gucky depois de algum tempo. O tom de sua voz era tão estranho que todo mundo prestou atenção. — Todo o tempo estou captando por via telepática uma estranha irradiação. Parece que nas proximidades há uma pessoa que está inconsciente ou adormecida. Gostaria de saber o que vem a ser isso. Se os saltadores nos deixarem em paz por algum tempo, procurarei descobrir.

Os saltadores deixaram-nos em paz. Nenhuma nave daquela raça apareceu nas proximidades de seu novo esconderijo. Ninguém saberia dizer se isso acontecia porque Etztak havia suspendido temporariamente as buscas, ou porque os saltadores ainda não tinham dado com a nova pista.

Afinal, o que realmente importava era que tivessem sossego.

De início Gucky se empenhou profundamente na busca do emissor dos impulsos sonolentos. Mas constatou que não havia como fazer a localização goniométrica do mesmo. Os impulsos chegavam de forma difusa, vindos de todas as direções.

Depois de algumas tentativas frustradas de localizar a fonte desses fluxos de idéias, o interesse arrefeceu. As buscas foram suspensas.

Hump recuperara suas características primitivas. Dispunha de nova frente de ataque contra Tiff: Mildred Orson dedicava-lhe uma preferência inequívoca. Hump se aborreceu com isso, sem perceber que, de outro lado, Felicitas Kergonen entretinha um interesse idêntico por ele.

Hump zombava de Tiff, e Tiff zombava de volta, sem que Hump percebesse o motivo.

Isso até que Klaus Eberhardt dissesse um belo dia:

— Se fosse burro como você, Hump, eu me trancaria num quarto e nunca mais abriria a boca.

Gucky se divertiu com as brigas dos cadetes. Bem que aqueles jovens precisavam de uns dias de descanso, durante os quais pudessem se preocupar com seus problemas particulares. O novo golpe de Etztak não tardaria a chegar.

 

                                                                                            Kurt Mahr

 

 

                      

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