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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O MUNDO DOS TRÊS PLANETAS / K. H. Scheer
O MUNDO DOS TRÊS PLANETAS / K. H. Scheer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O MUNDO DOS TRÊS PLANETAS

 

O soberano de Árcon não passa de uma marionete do grande cérebro positrônico...

História da Terceira Potência em poucas palavras:

1971 — O foguete Stardust chega à Lua, e Perry Rhodan encontra a nave exploradora dos arcônidas, que realizou um pouso de emergência (Perry Rhodan, volume 1).

1972 — Criação da Terceira Potência, que vence a resistência das grandes potências terranas e repele as tentativas de invasão de seres extraterrenos (volumes 2 a 9).

1975 — A Terceira Potência intervém pela primeira vez nos acontecimentos galácticos. No sistema de Vega, Perry Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura resolver o enigma galático (volumes 10 a 18).

1976 — A bordo da Stardust-III, Perry Rhodan chega ao planeta Peregrino e juntamente com Bell consegue a imortalidade relativa, mas perde mais de quatro anos (volume 19).

1980 — Perry Rhodan regressa à Terra e tem de lutar por Vênus (volumes 20 a 24).

1981 — O Supercrânio ataca e a Terceira Potência se vê diante da provação mais difícil de sua história (volumes 25 a 27).

1982/83 — Os mercadores galácticos querem transformar a Terra num mundo colonial. Mas Perry Rhodan faz virar o feitiço contra o feiticeiro e conquista uma das bases mais importantes dos mercadores (volumes 28 a 37).

A Terra encontra-se no ano de 1984 do seu calendário. A Ganymed, uma nave espacial capturada aos mercadores galácticos, já iniciou seu avanço para Árcon.

Com isso, Perry Rhodan cumpriu uma promessa de treze anos, segundo a qual levaria Crest e Thora, os dois arcônidas, de volta ao seu mundo. Mas a recepção dispensada a estes deixa muito a desejar, pois em O Mundo dos Três Planetas houve uma profunda mudança de regime...

 

                                          

 

Caíram dos céus como um bando de mosquitos gordos e repugnantes. Seus ferrões eram pesados canhões energéticos. As vísceras abrigadas atrás de blindagens resistentes pulsavam num ritmo tão preciso que jamais seria atingido por qualquer combinação orgânica de células vivas.

O canto surdo e enervante dos ciclopes foi captado pelos microfones externos da nave e reproduzido fielmente pelos alto-falantes. Ao que parecia, não havia nada que pudesse interromper a marcha daqueles gigantes.

Apática e indiferente, reagindo apenas aos berros de comando dos seus oficiais, a massa de corpos escuros deslocou-se em direção às naves que pousavam. Parecia uma massa viscosa que escorria lentamente, mas não poderia ser detida.

— Marcha dos ciclopes, quinto ato. A uma hora como esta, gostaria de ser compositor — ironizou o homem alto, sem realmente tornar-se irônico. — Se dependesse de mim, neste instante faria entrar em cena os tambores e as trombetas.

Ninguém riu. As cenas que se desenhavam nas telas impressionavam demais. O fundo sério dos acontecimentos era inconfundível.

Os naats, habitantes do planeta Naat, evidentemente foram escolhidos para tripular as naves espaciais que acabavam de pousar no espaçoporto de Naatral. No entanto, era bastante duvidoso que a maior parte daqueles gigantes de três metros de altura, com enormes crânios redondos, seria capaz de compreender o funcionamento complicado de uma nave de guerra arcônida.

Os naats eram seres de três olhos, pertencentes a uma raça colonial submetida ao domínio direto de Árcon, planeta central do Império. Estes pareciam ser, para o gigantesco cérebro robotizado que dirigia os destinos de Árcon, os representantes para uma solução provisória ideal. Bastava que um mecanismo de cálculo inteiramente mecanizado fosse capaz de entender o significado do conceito de ideal. Provavelmente o cérebro central de Árcon “raciocinava” em outros termos.

Face à degenerescência incontestável da raça, os arcônidas propriamente ditos se haviam tornado imprestáveis para qualquer tipo de atividade prática. Por isso, o cérebro recorria a seres de características estranhas às da raça, cuja lealdade incondicional evidentemente era mais importante que os dons espirituais, que geralmente constituíam um ingrediente essencial.

— Isso não vai dar certo — afirmou Reginald Bell em tom sombrio. — Suas pernas-coluna vão pisotear as instalações. Além disso, pendurarão seu aparelho digestivo diretamente nas despensas, para alimentar-se o melhor possível. Estou falando em sentido figurado.

— Ah, é? — disse Perry Rhodan, chefe da expedição de Árcon, com um pigarro.

Bell enrugou a testa.

— Até parece que não se pode falar mais como uma pessoa civilizada — disse com a voz furiosa.

Seu olhar ameaçador provocou um sorriso fugaz no rosto de um ou outro dos circunstantes. Naquele momento, nenhum dos mil tripulantes da Ganymed seria capaz de uma manifestação de alegria mais intensa.

Praguejando, Bell caminhou pesadamente em direção as telas de visão global.

A sala de comando da segunda maior nave de guerra de que dispunha a Terceira Potência, dirigida por Perry Rhodan, ficava uns 760 metros acima do solo. Há poucos dias ainda se acreditava que não havia nada que pudesse contrapor-se ao potencial energético daquele gigante do espaço. Acreditava-se nisso até que a Ganymed foi capturada por uma nave arcônida robotizada, que a conduziu ao campo de pouso do quinto mundo do sistema através de um mecanismo de tele direção.

Desde então, a mais nova das naves da Humanidade jazia imóvel sobre os gigantescos discos de suas pernas telescópicas estendidas, cujo mecanismo hidráulico começara a ceder sob os efeitos da gravitação de Naat. Naquele mundo deserto, a força gravitacional era de 2,8g.

De uma hora para outra, o campo de pouso transformara-se de um local abandonado para um verdadeiro formigueiro. Ao que tudo indicava, o Grande Império pretendia desferir mais um golpe fulminante contra as raças coloniais revoltadas.

A utilização de criaturas não-humanas como os naats indicava claramente que a população de Árcon, que se contava por bilhões, já não era capaz de tripular as inúmeras naves espaciais do Império. Isto há alguns milênios teria sido mais que natural.

Sabia-se perfeitamente que a extraordinária capacidade de iniciativa não era exercida por seres vivos orgânicos, mas pelo maior cérebro robotizado do Universo conhecido.

Perry Rhodan estremeceu por dentro, quando avaliou o potencial da frota através das imagens projetadas na tela. O que viu de unidades espaciais, desde as menores até as mais pesadas, era uma coisa fabulosa.

Só de couraçados da classe Império contou mais de cem. Cada um deles tinha o tamanho e a potência da Stardust-III, que Rhodan deixara no sistema solar de seu mundo para servir de espinha dorsal à frota de defesa ali estacionada.

— Se quiserem, eles nos mandam para o outro mundo com um simples movimento do dedo — murmurou o coronel Freyt em tom constrito.

Freyt era oficialmente o comandante da Ganymed, uma nave de 840 metros de altura por 220 de diâmetro.

Rhodan virou lentamente a cabeça. Freyt viu um rosto tenso.

“Ficou magro”, foi a idéia que num instante acudiu ao coronel. Não sabia por quê, mas o fato o preocupava. Se os nervos de Rhodan também começassem a fraquejar, a prisão, até então tão suave, fatalmente se transformaria no extremo oposto.

— Eles quem? — indagou Rhodan.

Freyt passou a ponta da língua pelos lábios. Um tanto inseguro, olhou em torno.

— É claro que me refiro ao cérebro robotizado de Árcon — respondeu.

— Vejo que o senhor pelo menos se exprimiu de forma incorreta. Aliás, acredito que ainda existam algumas opiniões errôneas a respeito da situação em que nos encontramos. Seria insensato procurarmos identificar os atos de uma máquina com os conceitos de justiça e injustiça. O robô não sabe estabelecer distinção entre os dois conceitos, pois não tem o menor interesse nisso. Para ele, só existe uma série de dados lógicos de interesse exclusivamente prático. Acontece que raramente, e só por acaso, um efeito final lógico corresponde àquilo que nós homens costumamos designar como justo. Compreenderam?

Rhodan olhou em torno. Não o haviam compreendido muito bem. O que se sabia perfeitamente era que a Ganymed estava sendo retida no espaçoporto de Naatral por um gigantesco potencial energético. O vôo em direção ao mundo dos arcônidas Crest e Thora terminara em fracasso. Nem sequer haviam ultrapassado a órbita do quinto planeta.

— Nem por isso quero afirmar que, como conclusão dos nossos desejos, considero este mundo desértico — acrescentou Rhodan com um sorriso sutil. — Olhem ali embaixo. Os naats caminham para o interior das naves que acabam de pousar, onde serão utilizados pelos robôs segundo as qualidades de cada um. Estamos assistindo ao fim de uma raça altamente civilizada, que é a dos arcônidas. É muito difícil ganhar guerras por meio de povos estranhos. E o Grande Império encontra-se numa luta de vida ou morte. O que é de admirar, é que há vários milênios os velhos arcônidas previram a degenerescência de sua raça e tomaram suas providências. Quem possui os respectivos conhecimentos técnicos pode construir uma máquina gigante e programá-la de tal maneira que, num momento de perigo agudo, comece a agir independentemente. Foi o que aconteceu. O Conselho Galático de Árcon foi afastado de suas funções. Aquilo que vimos e as experiências pelas quais passamos, tudo foi concebido pela máquina. Nossas experiências com os arcônidas das melhores famílias revelam que essa gente, quando muito, é capaz de exasperar-se por um canteiro pisoteado. O cérebro robotizado já não os inclui em seus cálculos.

— Sabe lá o que isso significa? — observou um membro da equipe matemática.

Rhodan respondeu com um gesto hesitante. Uma sombra desenhou-se em seu rosto.

— Sem dúvida. Coisas horríveis estão para acontecer. O robô golpeará sempre que suspeitar de qualquer insubordinação às leis do Império. A programação da máquina é antiqüíssima. Os pressupostos em que se basearam os dados introduzidos no cérebro já estão superados. O robô tentará intervir nos destinos da Galáxia em termos de uma política colonial e expansionista que pertence ao passado. É bem possível que, por causa de um fato insignificante, um mundo seja destruído. A máquina continua com todo o poderio de antes. A frota imperial, que estava mofando, despertou de uma hora para outra.

— Que prazer! Até parece que chegamos no momento exato — ironizou Reginald Bell. — Será que a esta hora você já nos pode contar como pretende chegar à sede do mundo de Árcon? Se for necessário, essa fera mecanizada nos fará morrer de fome no meio do espaço.

— Isso é um conceito pouco preciso — resmungou Rhodan. — Eu... O que houve?

John Marshall, telepata e chefe do exército de mutantes a bordo da Ganymed, procurava ouvir com os olhos fechados os impulsos que só ele e outros mutantes poderiam compreender.

— Thora está voltando — disse em voz velada. — Está muito exaltada; não, está extremamente abatida.

Marshall voltou a abrir os olhos. Viu diante de si o olhar chamejante de Rhodan.

— Isso era de prever — disse o comandante em tom lacônico. — Está certa. Voltaremos a agir por conta própria; não temos outra alternativa. Crest...

O arcônida, que se encontrava num ponto mais afastado, despertou de sua letargia. Caminhou lentamente em direção aos painéis de controle. Seu cabelo branco emitia um brilho fluorescente sob o reflexo da luz das telas de imagem. Nessas telas, continuava a desfilar a parada deprimente dos ciclopes de três olhos. Parte dos naats andava de quatro. Só se levantavam e passavam a deslocar-se no seu andar balouçante quando se encontravam diante das comportas de ar das naves.

Crest, o cientista arcônida pertencente à antiga dinastia de Zoltral, revelou seu estado de espírito através do olhar apático e desinteressado.

— É o fim — disse com a voz débil. — No momento em que uma máquina toma as rédeas do governo, a vida propriamente dita está perdida. Minha família foi destituída de suas funções há seis anos terranos. Orcast XXI, da família de Orcast, foi nomeado Imperador pelo cérebro robotizado. É claro que exerce suas funções apenas na aparência, o que também deve acontecer com os 128 membros do Conselho Galáctico. Não se iluda, meu amigo. Poderemos dar-nos por felizes se permitirem que voltemos para casa.

Rhodan exibiu os dentes num sorriso mordaz e contrariado.

— Crest, nunca esperávamos conquistar ou salvar o Império pelo simples fato da nossa presença. Não nos consideramos tão grandes, nem tão importantes.

— A raça humana tem mais força e grandeza do que se supõe. Os senhores são como eram meus antepassados há dez mil anos. Possuem uma ânsia enorme de dar um salto arrojado para a frente. Receio que, ao perceber o fato, o cérebro robotizado lhe cause dificuldades consideráveis. Não tente chegar a Árcon. Aí vem Thora.

Rhodan olhou para as telas. Um veículo oficial do administrador arcônida no mundo de Naat aproximava-se a alta velocidade. O carro atravessou a área extensa do campo sem a menor consideração pelas massas de nativos que marchavam em direção às naves.

Thora fez um gesto para Bell. Este desapareceu no elevador antigravitacional central. Iria abrir uma pequena comporta de ar, por onde pudesse entrar a arcônida.

Nas telas, viram Thora desaparecer nas gigantescas aletas de popa da Ganymed. Após dez minutos, a arcônida, entrou na central, desolada e exausta.

Seu rosto estreito estava vermelho. Envergava o uniforme elegante de comandante de uma nave de guerra arcônida. Na ombreira esquerda do macacão, brilhavam os símbolos da dinastia de Zoltral. Há seis anos qualquer um faria uma reverência diante dos mesmos. Hoje ninguém se curvava diante desse símbolo.

Respirando pesadamente, Thora deixou-se cair numa poltrona articulada. Quando sentiu a mão de Rhodan pousada em seu braço, abriu os olhos.

— Está bem. Não falemos mais a respeito disso — disse Rhodan em voz baixa. — Esqueça. Sei perfeitamente que foi ofendida e repudiada por esse dorminhoco que usa o título de administrador de Naat. Naturalmente não nos pode dar permissão de decolar, porque o cérebro robotizado acha que não deva fazê-lo. Não é isso?

Os olhos de Thora umedeceram-se. Até então, ninguém vira a orgulhosa arcônida chorar.

— O pior não foi isso — disse com uma calma forçada. — Esse cafajeste atreveu-se a dizer a mim, uma zoltral, que eu e os tripulantes da minha nave eventualmente poderíamos ser muito bem recebidos.

— Ah, é?

— Como ajudantes, comandados por algum robô! — exclamou. Seu rosto contorceu-se. — Imagine! Diz que devemos aguardar instruções nesse sentido, que serão expedidas pelo cérebro robotizado. Logo se conclui que nem sequer permitem nosso regresso. Perry, por tudo que me é e sempre me foi sagrado, faça alguma coisa! O Grande Império deixou de existir. Confesso aquilo que sempre procurei negar: meu povo está fraco, corrompido, sem moral, pouco inteligente e dominado por um tremendo cansaço.

— Com algumas exceções, minha jovem senhora — disse Rhodan, esticando as palavras. — Com algumas exceções muito importantes. Uma delas está sentada diante de mim. Quer dizer que pretendem aprisionar-nos. Provavelmente a Ganymed também será bem recebida. Muito bem. Era o que eu imaginava.

Rhodan virou-se sobre os calcanhares. Os homens calaram-se sob o efeito de seu sorriso famoso e temível, que mais uma vez era tão meigo e amável que não poderia ser tranqüilizador.

— Tenente Tifflor!

O oficial, ainda um rapaz, recém-saído da Academia Espacial e distinguido com o cometa de prata por sua excelente atuação na operação contra os saltadores, ficou em posição de sentido.

Tiff, que era o nome pelo qual costumavam chamá-lo, pensou que sua hora havia soado. Já conhecia essa expressão no rosto do chefe. Com esse mesmo sorriso, enviara-o a uma terrível missão secreta.

— Sim senhor — disse o jovem de vinte anos.

— Queira preparar a decolagem de uma nave de reconhecimento de grande alcance do tipo Gazela. Equipe-a para uma longa viagem. A nave deverá conduzir todo o potencial em armamento. As comportas externas permanecerão fechadas. Muito obrigado.

“Mister Marshall. Reúna nove dos seus mutantes. As capacidades deverão completar-se. O senhor e os outros deverão formar um grupo bem experimentado a bordo da Gazela.

“Bell, selecione quarenta homens experimentados do antigo comando do setor de Vega. Só quero voluntários. Tenente Tifflor, tome todas as providências para abrigar 55 homens a bordo da Gazela.

“Coronel Freyt, a Ganymed continuará aqui sob seu comando. Os tripulantes deverão dormir e comer nos seus postos. Quando vier o sinal, deverá estar em condições de decolar dentro de dez segundos. Acha que conseguirá?”

Freyt ficou perplexo.

— Em condições de decolar? — perguntou. — Com a Ganymed? Já tentamos isso. No momento em que aumentávamos o desempenho dos propulsores para dois milhões de toneladas, a potência de absorção dos campos de sucção aumentava para um valor mínimo de três milhões. Como poderemos decolar?

— Quando receberem o sinal, poderão — respondeu Rhodan em tom indiferente. — Apenas se torna necessário que antes disso consigamos pousar em Árcon. Quer saber de uma coisa? Não gosto de dançar pela música de uma máquina. Pelas experiências que fiz com cérebros robotizados arcônidas, os mesmos sempre dispõem de um setor de segurança que os impede de excederem determinados limites. É bastante provável que aconteça a mesma coisa com este cérebro.

— O senhor se esquece de que essa máquina acaba de causar um choque paralisante no administrador Sergh — interveio Crest em tom exaltado.

— É verdade. Acontece que nós mesmos fomos culpados disso. Penetrei no palácio juntamente com Bell e Tako. Seja como for, pretendo dar uma olhada no tal Imperador; e eu o farei, não tenham a menor dúvida.

Thora arregalou os olhos de espanto. Voltara a ter diante de si o homem com que há treze anos antes se encontrara na lua terrana. Foi então que o mesmo começou a tutelá-la. Continuava praticamente o mesmo.

Tifflor retirou-se. Um trabalho febril começou a desenvolver-se a bordo da Ganymed.

Finalmente a pergunta zangada irrompeu da boca de Bell:

— Grande mestre, será que você não poderia contar como espera fugir com a Gazela e de que forma pretende pousar em Árcon? Pelo que sei, encontramo-nos bem no meio de uma porção de projetores de campos energéticos.

— Acontece que estes não reagem a oscilações de energias que se processam na quinta dimensão — respondeu Rhodan em tom áspero. — Basta pegar um transmissor fictício e, com o auxílio do mesmo, sair pelo espaço. Você sabe perfeitamente que nem mesmo os arcônidas dispõem dessa conquista da tecnologia.

Bell cerrou fortemente os olhos. Era o aparelho trazido do planeta Peregrino! Como não se lembrara disso?

— Querem vir comigo?

Estas palavras eram dirigidas a Thora e Crest. Os dois trocaram um ligeiro olhar. Ninguém deixaria de notar uma ligeira palidez no rosto dos arcônidas.

Subitamente John Marshall, o telepata, teve sua atenção despertada por alguma coisa. Em atitude rija, parou diante da escotilha principal que se abria diante dele.

Rhodan franziu a sobrancelha. Um certo nervosismo apossou-se dele. O que teria percebido Marshall?

— Quer pousar diretamente em Árcon? — perguntou Crest em tom inseguro.

— Onde poderia ser? Tenho que falar com as pessoas que podem resolver alguma coisa. O que houve?

Marshall foi se aproximando. Seu impulso de advertência atingiu o cérebro de Rhodan. Mas este não conseguiu saber mais nada; sua capacidade telepática era muito fraca. Foi quando Thora decidiu revelar seu último segredo.

— Não adiantaria continuar a calar os fatos — disse em voz baixa. — Perry, se o senhor pretende ir a Árcon, terá que resolver em qual dos planetas quer realizar esse intento.

A tensão de Rhodan dissipou-se. Marshall confirmou com um ligeiro sinal de cabeça: era isso.

— Em qual dos planetas? — repetiu Rhodan desorientado. — Não compreendo. Árcon é um só, não é?

— Pois aí está uma coisa que o senhor ainda não sabe, apesar do treinamento hipnótico a que foi submetido — interveio Crest. — Árcon é formado por três mundos e todos eles trazem este nome. O mundo número um, denominado mundo de cristal, é reservado exclusivamente a fins residenciais. O mundo número dois serve ao comércio galático, à indústria e ao abastecimento alimentar do sistema. O mundo número três é o planeta da guerra, da frota, dos estaleiros mais gigantescos do Universo e também serve de sede ao supercérebro robotizado. É o último segredo de minha raça, que acabo de lhe expor.

Rhodan sentou devagar; parecia pensativo. Num gesto pedantesco examinou a posição do cinto de seu traje espacial. Os pensamentos atropelavam-se em seu cérebro.

— Três mundos? — disse muito baixo. — Santo Deus, como pode ser isso? Árcon é o terceiro planeta de seu sol, não é? Onde se localizam os dois astros restantes?

Um silêncio de chumbo encheu a ampla sala. A boca de Crest acabara de revelar mais um milagre. Falando com dificuldade, o arcônida explicou:

— É um sistema triplo que descreve exatamente a mesma órbita e mantém uma distância uniforme de seiscentos e vinte milhões de quilômetros do sol. A posição dos três mundos sincronizados, que é como costumam ser chamados, corresponde aos vértices de um triângulo isósceles. As estações do ano nunca mudam nos três planetas, já que seu eixo não apresenta nenhuma inclinação e as órbitas são perfeitamente circulares. A temperatura média fica em torno de trinta e quatro graus centígrados da escala terrana. Árcon representa um fenômeno único na Via Láctea. Poucas semanas atrás ainda me sentia muito orgulhoso por isso.

Crest baixou a cabeça. O rosto de Rhodan empalideceu. Jamais contara com isso.

Seu cérebro executou uma série de cálculos automáticos. Aquela constelação por demais estranha de três astros sincronizados oferecia uma série enorme de problemas astronáuticos e matemáticos extremamente difíceis.

Uma idéia surgiu em seu cérebro. Dentro de poucos segundos, aquilo que não passara de uma suposição fugaz transformou-se em certeza.

— Crest, espero que o senhor não pretenda que eu acredite que essa incrível coincidência de três planetas no que diz respeito à órbita, à distância do sol, à progressão no espaço e a outras coisas mais seja um produto da natureza.

O rosto sombrio de Crest iluminou-se. Um lampejo de orgulho, já extinto, de sua raça voltou a brilhar em seus olhos. E sua postura foi mais compenetrada. Na situação em que se encontravam, aquilo era um quadro digno de pena. Crest transformara-se num homem desiludido.

— O senhor descobriu — disse em tom solene. — Há cerca de trinta mil anos de sua contagem de tempo Árcon, o mundo de cristal, era o terceiro planeta deste sol. Tornou-se muito pequeno. A enorme expansão do Império exigiu a separação entre as áreas de atividades econômicas, as áreas residenciais e as áreas de operação da frota espacial. Como meus antepassados tivessem em mente a centralização das instalações mais importantes, os antigos planetas números dois e quatro foram equipados com os propulsores de radiações mais potentes de todos os tempos. No curso de três mil anos, foram retirados lenta e cuidadosamente de suas órbitas primitivas e introduzidos na órbita do planeta de Árcon. Tudo isso foi feito segundo cálculos muito precisos.

“Foi assim que surgiu a sincronização de três planetas que continuam a ser chamados de Árcon. Procure compreender, Perry: isto é Árcon! Uma vez levada a efeito a conjugação das órbitas, é muito difícil distinguir os planetas pelo aspecto exterior. O segredo foi revelado a pouquíssimos arcônidas. Agora, o senhor é um dos que têm conhecimento do fato. As dinastias mais antigas eram de opinião de que a crença, segundo a qual a constelação tríplice representava um fenômeno único e extraordinário, constituía um fator psicológico favorável. Procurou-se conseguir certa glorificação da raça para efeitos externos. Seres superiores como nós teriam que aspirar a um espaço vital superior. Acho que o senhor compreende.”

Rhodan expeliu ruidosamente o ar antes de responder com a voz comovida:

— Devo confessar que seus antepassados me inspiram um respeito enorme. E fico-lhe muito grato por ter-me revelado esses fatos. Se não dispuséssemos desses dados, nossos cálculos para a transição conduziriam a um resultado surpreendente. Será que não poderia ter contado isso mais cedo?

Lançou um olhar de repreensão sobre seu interlocutor. Thora respondeu com um sorriso fugaz, cuja expressão dizia mais que a discussão acalorada entre os homens que se encontravam na sala de comando.

Depois de cinco minutos foi iniciada a programação da calculadora astronáutica. As estreitas fitas de plástico com os símbolos perfurados desapareceram no ventre insaciável da máquina.

— Árcon I encontra-se justamente do lado oposto do sol — resmungou Bell. — É um azar. Será que o transmissor fictício conseguirá projetar-nos através da bola de fogo branco-incandescente?

— Se para determinada forma de energia certo corpo perde a substância, podemos deixar de considerar esse corpo — respondeu Rhodan laconicamente. — Crest, preciso de dados sobre a inclinação da órbita em relação à elipse, a velocidade exata com que o planeta percorre a órbita e as relações gravitacionais.

O cientista arcônida pôs-se a trabalhar. Acima da sala de comando, no interior da ponta recém-construída da proa, um oficial muito nervoso da Ganymed preparava uma nave de reconhecimento de longa distância do tipo Gazela para a decolagem.

Essas naves recém-construídas, em forma de disco, cerca de 35 metros de diâmetro, estavam equipadas com propulsores na base de impulsos e geradores de campos de salto de transição. Eram máquinas eficientes para o combate, desde que o homem certo se encontrasse junto aos botões certos. Julian Tifflor era um desses homens.

A escotilha interna da enorme comporta de ar estava aberta. No momento, Tiff ainda achava muito natural que a escotilha externa permanecesse fechada. Mas, quando se punha a refletir sobre a maneira pela qual Rhodan pretenderia tirar a Gazela, sempre bastante volumosa, do hangar de proa, uma ligeira fraqueza apossava-se dele.

Com os olhos semicerrados, contemplava os homens da equipe técnica, que passavam apressadamente. Quando desapareceram na sala em que Rhodan mandara instalar o transmissor fictício retirado da Stardust-III, uma grande luz surgiu em seu espírito.

— Por Júpiter! — cochichou, muito perplexo, de si para si. — Então será com isso?

 

Estavam sentados, deitados ou agachados grudadinhos uns aos outros. Uma vez que não regatearam seu humor sinistro, a situação tornara-se suportável.

Os velhos guerreiros das primeiras batalhas travadas no longínquo setor de Vega estavam acostumados a muita coisa. Por isso não haveriam de estranhar sua permanência num alojamento que mais parecia uma lata de sardinhas que uma nave dotada de um envoltório rígido. Foi ao menos o que disseram.

Rhodan soltou uma gargalhada contagiante, e os homens também contorceram os lábios. Os homens que participavam dos comandos da Terceira Potência eram criaturas inteligentes; sabiam pensar por si e conheciam perfeitamente que plano audacioso o “velho” acabara de conceber.

Excepcionalmente em tom bastante acalorado e seguindo as inclinações de seu gênio, discutiram sobre o resultado provável da operação. Não perderam uma palavra para dizer que a missão era muito perigosa. Pertenciam a quase todas as nações do planeta Terra. Mas todos eles eram homens que aqui, a 34.000 anos-luz da pátria comum, arriscavam o pescoço para prestar um serviço ao seu mundo.

Praguejando e rindo, enfiaram-se no pequeno compartimento de carga da Gazela. Só assim se poderia designar a operação pela qual se alojaram para o interior do compartimento.

A cabina de comando, também muito pequena, mal e mal comportava as cabeças dirigentes da operação.

O ponteiro de segundos, tal qual o de um corriqueiro relógio de bordo saltitava por cima do mostrador. Nas telas da aparelhagem de localização ótica, aparecia o quadro desinteressante das paredes de uma comporta em tubo. Embora a Gazela-I estivesse prestes a ser lançada, a escotilha externa continuava fechada. E ninguém pensara em providenciar a realização do processo de compensação de pressão que se tornaria necessário.

Em compensação, o cano esquisito de um aparelho ainda mais esquisito estava dirigido sobre a pequena nave. O transmissor fictício vindo do planeta Peregrino possuía a capacidade de criar um campo de desmaterialização que envolvia corpos materialmente estáveis. O transmissor irradiava-os sob a forma de unidades energéticas da sexta dimensão para um ponto predeterminado.

Aquilo representava a coroação de um desenvolvimento tecnológico cujos princípios fundamentais só Perry Rhodan conhecia. O transmissor fictício prescindia da polarização de um receptor de igual tipo. Ele mesmo devolvia ao objeto a forma corpórea estável no lugar indicado.

O olhar de Rhodan estava grudado ao ponteiro de segundos. O microfone de bordo, pendurado diante dos seus lábios.

— Peço a atenção de todos — soou a voz retumbante dos alto-falantes instalados em todos os cantos. — O lançamento será realizado dentro de quarenta e cinco segundos. Se tudo der certo, sairemos do hiperespaço nas camadas superiores da atmosfera de Árcon I. Durante a transição não existe o risco de sermos localizados. Estejam preparados caso, durante as manobras de aterrissagem, alguns gravos passem pelos campos de absorção. Teremos que descer depressa. Peço-lhes que tenham isso em mente. Fim.

Ouviu-se um ruído grave. O gerador da estação de força que supria o transmissor começara a funcionar. Nem mesmo Rhodan saberia dizer exatamente o que estava acontecendo no interior do aparelho. Aquilo era obra de uma tecnologia que ficava muito além da capacidade de compreensão do homem.

Bell acompanhou a contagem. Não conseguiu pronunciar a palavra zero, pois naquele instante uma força tremenda atingiu os homens. Só sentiram a tração dolorosa da desmaterialização.

Nas telas de bordo surgiu, no lugar em que um instante antes se encontrara a Gazela-I, uma espiral energética fosforescente, que logo desapareceu.

O trovejar dos propulsores da Ganymed tornou-se intermitente, até terminar num ponto morto. Lá fora, nas estações de controle automático do espaçoporto de Naatral, teriam a impressão de que mais uma vez o comandante se esforçara em vão para vencer a sucção magnética dos campos de amarração.

O engenheiro-chefe desligou os reatores. A Gazela continuava desaparecida.

— Se isso der certo, eu durmo num leito de pregos — disse o coronel Freyt fora de si. — Foram embora mesmo? Com aquele caixote?

Olhou em torno, perplexo. Era isso mesmo. A pequenina Gazela, que naquele instante fora promovida à categoria de caixote, desaparecera sem deixar vestígio, como se nunca tivesse entrado no hangar de lançamento.

— Está bem — disse Freyt em tom exaltado, falando entre os dentes. — Preparar a nave para a batalha. Se conseguirem voltar, receberemos o sinal convencionado. Fiquem de prontidão para a decolagem de urgência.

 

O retorno à materialização corporal foi mais rápido e abrupto que na transição normal de uma nave. Parecia que nada tinha acontecido. A dor ligeira e martirizante na região da nuca não passava de um reflexo nervoso, que não prejudicava a lucidez do espírito.

Julian Tifflor ouviu no alto-falante de seu capacete a respiração ofegante dos homens que recuperavam os sentidos. Ninguém gritou, ninguém gemeu. Todos viram a luminosidade branca e ofuscante nas telas da Gazela-I.

Tiff atirou a mão para a frente. Mas a chave de engate do projetor de campo de proteção já estava engastada na posição máxima. Nos últimos instantes antes do lançamento, cuidara desse detalhe.

O ar ambiente, enfurecido, chamejava em torno da Gazela, que descia vertiginosamente. Bem embaixo estendiam-se, bem nítidas, as paisagens do planeta que até então só conheciam por ouvir dizer.

— É o mundo de cristal — disse Crest em meio ao barulho dos geradores. — Encontramo-nos acima do continente equatorial. Sobrevoe esse mar em forma de meia-lua e pouse em qualquer lugar nos desfiladeiros do complexo montanhoso litorâneo.

Era surpreendente que o arcônida que finalmente retornava ao seu mundo encarasse o fato com tamanha objetividade.

Feixes de impulsos violetas saíram dos bocais dianteiros do jato direcional. Dentro de dois segundos a Gazela-I foi freada e ficou submetida à força gravitacional do planeta.

— Se eles nos localizarem agora, será o fim do mundo para nós — disse Bell com a voz fraca. — Não poderão deixar de ver uma coisa destas. Somos mais luminosos que um meteoro.

— Encontramo-nos do lado do sol — interrompeu-o Rhodan. — Peço silêncio. Estas palestras não servem para nada. Tiff, coloque a nave em velocidade normal e faça de conta que está em casa. Altitude cinco mil metros, nem um único metro a mais. Velocidade equivalente a cinco vezes a do som. Um arcônida distinto não voa mais depressa quando quer contemplar seu mundo de cima.

— Por aqui devem existir estações de localização — insistiu Bell.

— Sem dúvida. Acontece que as mesmas já não nos dizem respeito. Uma vez que nos encontramos no interior das camadas atmosféricas, os goniômetros automáticos não devem ter o menor interesse por nós. Uma estação robotizada sempre age segundo sua programação. Por isso mesmo, considera inocente qualquer objeto que se desloque numa altura permitida. Se tivéssemos vindo do espaço num vôo normal, já teriam atirado contra nós.

Rhodan calou-se. Sabia perfeitamente o que o esperava em Árcon I. Era impossível que alguém ou alguma coisa se espantasse com a aeronave, por mais inesperada que fosse sua aparição.

Conforme sabia, o planeta tríplice conhecido pelo nome conjunto de Árcon dispunha de uma cadeia externa e de uma cadeia interna de fortificações. A cadeia externa era formada por cerca de 5.000 fortalezas espaciais montadas em plataformas, cujo tremendo poder de fogo a Ganymed já tivera oportunidade de experimentar.

O círculo de defesa interno correspondia aos planetas 5, 6, 7 e 8 que, face à interdição de tráfego espacial para Árcon atualmente vigente, ainda serviam de pontos de transbordo do comércio intergaláctico.

Face a isso, o cérebro robotizado de Árcon III estaria raciocinando com lógica se chegasse à conclusão de que qualquer aeronave que se encontrasse na atmosfera do planeta não era digna de atenção.

Foram estas, em última análise, as reflexões que levaram Rhodan a arriscar a operação.

Tifflor concluíra a manobra de desaceleração do vôo de mergulho da Gazela-I. Deslocando-se em vôo aerodinâmico, passou por cima do litoral do pequeno mar.

O silêncio passou a reinar a bordo da nave de reconhecimento. Todos os olhares estavam presos às telas de imagem. Até mesmo no compartimento de carga, todos permaneceram calados.

A rota da nave acompanhava o litoral sul do mar. Lançaram os olhos em todas as direções, mas não viram nenhuma casa.

O terreno se parecia com um parque gigantesco, estendido até onde a vista alcançava, e parecia ter perdido sua configuração natural até mesmo nos menores detalhes.

Aquilo era um produto da criatividade de alguns artistas talentosos e da loucura de outros, que conquistaram ao antigo terreno agreste tudo aquilo que era belo, atraente e fascinante.

Rhodan suspirou pela primeira vez quando surgiu um rio de mais de quatro quilômetros de largura. Pouco antes da foz as massas de água, contrariando todas as leis naturais, subiam numa curva elegante para o céu límpido. Seguiam uma linha parabólica quase vertical, formando um gigantesco arco de torrentes turbilhonantes e espumejantes, cuja beleza arrebatadora enchia as telas em miríades de reflexos luminosos.

— Dê algumas voltas em torno do arco aquático — exclamou Thora apressadamente. — Depressa, Tiff. Nenhum arcônida que estivesse realizando um vôo de passeio deixaria de render seu tributo de admiração ao arco dos Zoltral.

Reginald Bell praguejou em tom violento e com a voz potente. Rhodan limitou-se a enxugar o suor da testa. Tifflor entrou na curva com um olhar de resignação e reduziu a velocidade.

— A Gazela chamará a atenção pelo seu formato — queixou-se Marshall. — Thora, será que estamos procedendo corretamente?

— O disco voador não despertará a atenção de ninguém. Quando muito, será considerada uma nova construção, nascida em algum cérebro fecundo. Ninguém se exaltará por isso. O senhor ainda não conhece Árcon, John.

O arco formado pela torrente de quatro quilômetros de largura tinha mais de três mil metros de altura. Bem embaixo dele erguia-se um palácio-funil com jardins internos que pareciam um sonho. Ainda havia uma plataforma panorâmica suspensa no ar que, enquanto a nave se aproximava, subiu da área interna do funil como tivesse sido subtraída à gravitação.

Ao que parecia, alguém se dava ao trabalho de cumprimentar condignamente a nave de reconhecimento que voava mais devagar.

Tiff arriscou um mergulho por baixo do arco aquático. Até Rhodan encolheu a cabeça num gesto instintivo, quando a luz ofuscante do sol branco de Árcon subitamente foi dissociada e irradiada em inúmeros reflexos coloridos.

Thora estava muito quieta. Sem dizer uma palavra, apontou para baixo. Finalmente falou com a voz embaraçada:

— Este é meu torrão natal, Perry. É ali que fui criada. É a sede dos Zoltral.

Rhodan havia suposto isso, pois Thora já ligara o nome de sua dinastia àquela maravilha técnica.

Tifflor já estava subindo quando Rhodan disse como que ao acaso:

— Acho que este arco aquático de um campo antigravitacional cuidadosamente orientado.

— Se esse campo gravitacional falhar, as pessoas que se encontram na casa-funil morrerão como ratos — resmungou Bell numa conclusão lógica, mas pouco gentil.

— Seu bárbaro — disse Thora, que voltara a sorrir. — O senhor não compreende que uma raça de nível cultural elevado vive na busca constante de novas formas de beleza? A lei da uniformização e da estilização, que ainda é observada na Terra, aqui foi abandonada há oito mil anos. Por nada no mundo, queremos ser comprimidos num esquema aplicável às residências particulares. Por isso o arco aquático dos Zoltral nunca será imitado. Se alguém o fizesse, estaria infringindo uma lei não escrita. Nenhum parque se parece com o outro e ninguém criará o mesmo animal doméstico que o vizinho.

A maravilha de uma civilização super-sofisticada ficou para trás. Sem demonstrar a menor emoção, Tifflor voltou à rota antiga. Um sorriso matreiro apareceu no rosto de Bell. O olhar de advertência de Rhodan chegou tarde.

— Se é assim, seus cirurgiões nunca usarão o mesmo método para realizar uma operação de apendicite, não é? Se quisesse proceder de forma absolutamente original, deveria começar a cortar na sola do pé. É uma loucura!

— Os arcônidas não possuem apêndice. — disse Crest com um sorriso delicado. — No entanto, é verdade que até as ciências médicas tendem para a ausência de padronização. Um operador que tenha personalidade usará ao menos um fundo musical diferente para realizar o mesmo tipo de intervenção. Senhor Tifflor, faça o favor de sobrevoar a área da paisagem primitiva. Foi ali que cacei meu primeiro sáurio, quando ainda era um jovem estudante de sapiência.

Tiff descreveu uma curva. Viram uma gigantesca península que se parecia com as selvas fumegantes de Vênus. Criaturas apavorantes voavam de encontro a um campo energético invisível, que compelia as criaturas aladas suavemente a retornarem ao seu habitat.

— Isso também deve ser artificial, não é? — fungou Bell confuso. — Como poderemos saber quando começamos a ficar loucos?

— Na Terra, não existem parques naturais? — retrucou Thora com a voz irritada. — Por que uma raça altamente desenvolvida não pode transformar o ambiente natural segundo seus desejos? Em Árcon I, dificilmente haverá uma pedra que se encontre no mesmo lugar em que foi deixada pelas forças da natureza.

Bell ficou calado. Desorientado, olhou em torno, mas só viu uma série de rostos confusos. As impressões eram imponentes demais. Mas, o que mais impressionava os homens era o fato de que ninguém se preocupava com sua presença. Até parecia que Árcon nunca travara uma guerra ou conquistara todo um grupo estelar. Árcon I, o mundo de cristal, era o sacrário residencial isolado de um povo que já há dezenas de milhares de anos sentira que se colocaria numa situação deprimente e antinatural caso montasse seus lares nas proximidades das instalações industriais.

Rhodan transmitiu algumas instruções lacônicas. Os homens que participavam da operação ainda contavam com um ataque de surpresa.

Mas não aconteceu nada. As aeronaves com que se encontravam passavam tranqüilamente por eles. Até parecia que a nave de reconhecimento terrana pertencia ao planeta.

A costa oriental do mar em meia-lua surgiu diante deles. As ilhas que a margeavam serviam de áreas residenciais completamente autônomas. Em Árcon I, não havia cidades. Rhodan não compreendia onde poderiam morar os dez milhões de arcônidas. O vazio aparente só poderia ser explicado pelo tamanho do planeta, cuja superfície servia exclusivamente à residências e recreação dos seus habitantes.

Sobrevoaram algumas das estranhas construções, que tinham de fora o aspecto de enormes cálices de champanha, cujos cabos estavam presos ao solo. Imensas e graciosas, numa demonstração de estática genial, as paredes abriam-se para o exterior.

Também aqui se notava a tendência para o isolamento. Geralmente os jardins e terraços estavam voltados para o espaço interior, cercado pelas paredes da construção afunilada. No quinto planeta do sistema, Rhodan tivera oportunidade de examinar detidamente um palácio semelhante àquele.

No formato exterior, não havia nenhuma diferença digna de nota, o que parecia estar em contradição com a doutrina da desestilização. Ao que parecia, as construções erguidas nas ilhas destinavam-se às massas. A personalização não podia chegar ao ponto no qual se pudesse dar uma casa a cada família.

Rhodan abanou lentamente a cabeça. Havia algo de errado nesse mundo. Aliás, Árcon I lembrava o planeta Peregrino, cujos habitantes foram ainda mais longe. Não se contentaram em remodelar um planeta já existente segundo seus desejos. Construíram seu próprio mundo. Mas ao que parecia, os arcônidas não estavam longe do objetivo final, pois até mesmo as residências destinadas a famílias de nível menos elevado demonstravam uma tendência exagerada para o isolamento. Os gigantescos palácios de apartamentos estavam repletos de pequeninos jardins suspensos, que davam mostras das características individuais dos moradores.

Tifflor adaptou-se ao tráfego aéreo mais intenso. As primeiras vias expressas tornaram-se visíveis. As faixas cintilantes, lindas como um conto de fadas, passavam sobre a superfície de água como se tudo aquilo fosse obra da natureza. Não se via nenhuma coluna de sustentação, o que provava que também aqui se recorrera aos campos energéticos de sustentação.

Bell estava sentado diante do posto de armamentos da nave sem dizer uma palavra. Sempre que uma aeronave penetrava na área de fogo de sua mira, o polegar aproximava-se instintivamente dos botões vermelhos.

Sobrevoaram a costa. O complexo montanhoso a que Crest se referira não era uma cadeia de montanhas como qualquer outra, pois os arcônidas o haviam modificado ao seu gosto.

Gigantescas cabeças e estátuas esculpidas na pedra surgiram diante deles. O remate de tudo era formado por uma figura abstrata de alguns quilômetros de comprimento, que enfeitava a cumeeira da mais alta das cadeias de montanhas.

Ofuscado por tanto brilho, Rhodan fechou os olhos. A Gazela, que se aproximava lentamente, foi envolvida pela torrente de luzes refletidas.

— Essas figuras simbolizam a conquista da Galáxia — explicou Crest em tom solene. — Foram criadas pelos artistas mais famosos daquele tempo. Eucolard gastou toda a vida trabalhando com um radiador energético comum, com o qual fundiu as diversas cenas. Não utilizou bocais de jato, como os outros artistas costumam fazer. Depois de concluída a obra, recorreu durante 8,3 horas a todo o volume energético do planeta Árcon para, num processo cuidadosamente executado, transformar a rocha. Com isso, a figura passou a ser formada pelo mais puro diamante. Os cálculos para a lapidação adequada foram realizados pelo cérebro robotizado. Os canhões de vibração da nossa frota concluíram, sob a orientação de Eucolard, a mensagem relativa à nossa história.

— Diamante! — gemeu Tifflor sem querer.

— Aqui não passa de um material corriqueiro. Na Terra, essa forma de carbono puro ainda é considerada uma preciosidade — disse Crest com a voz entrecortada.

— Não se deixem distrair mais — ordenou Rhodan em tom áspero. — Crest, onde fica o local em que deveremos pousar?

Ficava a duzentos quilômetros ao leste. No momento em que Tifflor pousou o aparelho no desfiladeiro, ficou sabendo que a sede do governo arcônida não ficava a mais de trezentos quilômetros dali.

Uma estrada de cristal passava por cima do desfiladeiro estreito. Rhodan foi o primeiro a sair da comporta de ar. A seus pés, rumorejavam as águas cor de coral de um riacho. Uma rocha saliente proporcionava um abrigo excelente à pequena nave.

Rhodan lançou um olhar perscrutador em torno de si. Era um lugar solitário; nenhum arcônida se perderia nessa área. Aos poucos, foi descontraindo os músculos tensos e passou a aspirar intensamente o ar puro e balsâmico.

Os membros do comando guardaram um estranho silêncio enquanto desciam da nave. O ar era tépido, mas não era um calor úmido. Os termômetros de bordo indicavam uma temperatura de 25 graus centígrados no fundo do desfiladeiro naturalmente refrigerado. Cem metros acima de suas cabeças, brilhava a faixa da rodovia que, naquele ponto, era puramente energética. Thora explicou:

— Gostamos de deslocar-nos vez por outra em veículos de superfície, nos quais podemos admirar mais detidamente as belezas de cada lugar. A rede de estradas foi construída exclusivamente para fins de recreação e descanso. Evidentemente nunca será usada por alguém que tenha pressa.

Perry Rhodan engoliu ruidosa e intensamente. Teve a impressão de que seu cérebro passara a descrever um movimento de rotação. Tudo aquilo não era novidade para ele. Durante o treinamento hipnótico, lhe haviam sido transmitidas informações detalhadas sobre o estilo de vida de Árcon. Acontece que o saber teórico e a contemplação direta são coisas muito diferentes. Rhodan sentiu-se dominado pela admiração. Lembrou-se dos problemas da Terra.

Lá ainda discutiam sobre a construção de vias expressas, que representavam uma necessidade premente. Enquanto isso, aqui muitos bilhões foram investidos com a finalidade exclusiva de permitir aos habitantes uma ocasional viagem de recreio em antiquados veículos de superfície.

A contradição era tamanha que um cérebro humano normal não poderia absorvê-la de uma hora para outra. Por isso, Rhodan decidiu seguir o único procedimento adequado.

— A sede do governo, situada na chamada Colina dos Sábios, fica aproximadamente a trezentos quilômetros. O pôr do sol se verificará daqui a quatro horas. Descansem e procurem libertar-se das impressões que acabam de atingi-los. Gente dominada por um vazio complexo de inferioridade não me serve. De qualquer maneira, mantenham as armas de prontidão. Sempre é possível que alguém nos descubra, embora seja pouco provável. E é bom que não se esqueçam de que este mundo aparentemente tão pacífico é apenas uma parte de um grande todo. Numa reduzida distância cósmica, dois planetas bastante semelhantes a este descrevem suas órbitas em torno do mesmo sol. E ali, o panorama que se oferece ao visitante é totalmente diverso. Lá não poderíamos ter voado à vontade de um lado para outro. Por isso, peço-lhes pelo amor de Deus que não acreditem que o perigo já passou. Só poderemos retornar à Ganymed quando obtivermos uma licença de decolagem regular. Daqui a algumas horas, me porei a caminho para falar pessoalmente com o Imperador. Crest e Thora me acompanharão.

“E... — Rhodan hesitou por um instante — não creiam que uma decolagem não permitida seria tão bem sucedida como nosso pouso em Árcon. No momento em que pusermos o nariz no espaço contra a vontade do cérebro robotizado, centenas de canhões instalados em naves nos transformarão num montão de cinzas. Se as negociações que pretendemos realizar não forem coroadas de êxito, estaremos praticamente perdidos. É só. Durmam, conversem ou passeiem. Mas concentrem-se sobre suas tarefas.”

Rhodan tirou o desajeitado traje espacial. Sombras profundas desceram pelo desfiladeiro. Muito acima daquele grupo silencioso, um veículo estranho passou pela fita reluzente que representava a estrada. Seus ocupantes não pararam. Com tantas maravilhas, aquela fresta de rocha não era digna de admiração.

 

— Sua Eminência dos mil olhos, que tudo vê e tudo sabe, Senhor de Árcon e dos mundos da ilha deserta, sua Magnificência Imperial, Orcast, o Vigésimo-Primeiro, divindade da estirpe dos decanos do Universo, houve por bem abrir a dança das águas cantantes.

O Imperador Orcast XXI, um espírito que gostava de zombar do seu tempo, conhecido como um espírito cínico, gentil e um parceiro cativante em qualquer conversação, além de criador de notáveis obras de arte, resolveu levantar a direita e estender a quina da mão para a frente. Em conseqüência disso, o robô de observação individualizada que controlava o jogo automático das águas perdeu parte de sua compostura mecânica.

Numa ironia mesclada de compreensão, o Imperador franziu as sobrancelhas cuidadosamente tratadas, quando o chefe do cerimonial disse em tom de desespero:

— A palma da mão para a frente, Eminência. O dispositivo positrônico de observação precisa de todo o fluxo dos impulsos irradiados pela mão de Vossa Magnificência.

Orcast desistiu; sempre costumava desistir quando alguém investia contra ele com palavras insistentes ou ordens ríspidas. Sua mão direita girou. O trovejar grave do interior da esfera de águas flutuantes modulou-se num zumbido rítmico, que poucos segundos depois se desfez numa série imensa de sons harmônicos.

A esfera aquática de mil metros de diâmetro começou a pulverizar-se sob o influxo das componentes antigravitacionais. Lindos reflexos coloridos surgiram em meio ao elemento flutuante e ondulante, que começou a formar-se semelhante à obra-prima mais recente no campo das figuras geométricas.

A massa de convidados teve sua atenção despertada pela obra de arte. Resolveram mudar de posição, para poderem olhar para cima. O jogo artístico desenrolava-se pouco acima da área interna do palácio de cristal.

— É uma coisa deslumbrante — confessou Orcast diante dos seus hóspedes prediletos. — Mas gostaria realmente de saber por que a tal da divindade da estirpe dos decanos do Universo não tem permissão de estender a mão segundo seus desejos. Tenho a impressão de que não há muita coisa atrás de minha tão propalada divindade.

As observações do soberano foram brindadas com uma série de risos discretos. Com um sorriso irônico, Orcast demonstrou sua satisfação com o embaraço do chefe do cerimonial.

— Seja como for — repetiu — seja como for, meu espírito onisciente não está em condições de reprimir a bárbara sensação de fome do seu organismo evidentemente menos espirituoso, conforme manda a etiqueta. Meus cumprimentos, Offentur. Sua composição deverá ter seu lugar na galeria das obras de arte moderna.

Orcast levantou-se do leito pulsante. Passou os olhos pela amplidão do parque redondo. Bem acima dele, um sol atômico surgido de repente transformou as massas de águas cativas numa nuvem de vapores fosforescentes.

A festa já durava três horas. Os presentes compreenderam que o Imperador gostaria de tomar sua refeição a sós. De qualquer maneira, os filósofos da geração mais jovem eram de opinião que a introdução dos chamados alimentos na boca e sua trituração ofendia a estética e os bons costumes tanto quanto o processo de digestão puramente orgânico. Segundo Epfantrim, o velho, existe uma ligação tão estreita entre as duas formas de atividade que um espírito verdadeiramente puro não pode deixar de estabelecer comparações e extrair suas conclusões durante o cerimonial da refeição.

Orcast era um dos adeptos da nova corrente filosófica. Por isso caminhou discretamente em direção à faixa transportadora do palácio, que o conduziu até uns oitocentos metros para cima, sob as aclamações dos convidados.

O sorriso habitual de Orcast desvaneceu-se. Lançou um olhar preocupado sobre o círculo de 1.500 metros de seu palácio. A vida ainda pulsava no mais belo dos parques de Árcon. Ainda se conversava animadamente sobre as mais insignificantes das insignificâncias. Por quanto tempo?

Orcast sentiu-se exausto. Uma festividade ininterrupta de quatro horas exigia muito do corpo e do intelecto. Para fazer jus à fama que desfrutava, tinha de ser espirituoso e engraçado.

O escravo pessoal dedicado, um membro da raça fiel de ciclopes dos naats, acomodou o soberano em seus braços robustos.

Um campo energético transparente recuou diante dos impulsos orgânicos do homem que se aproximava.

Orcast estava longe de todo aquele movimento. Sem dizer uma palavra, deixou que o titã de três olhos lhe tirasse a roupa e o envolvesse em capas macias e perfumadas.

Com uma sensação agradável, abandonou-se às vibrações ativantes de seu leito.

— Que coisa enfadonha, Tranto! — queixou-se em tom de recriminação. — Você não sabe que uma das suas tarefas consiste em manter afastados de mim compositores diletantes do tipo de Offentur? A dádiva pequena que oferece agride meus sentidos. Aliás, resta saber se, aquilo que apresentou, pode ser considerado uma dádiva. Eu me permitirei algum descanso. Isso deve ser uma das poucas coisas que a Magnificência Imperial ainda tem que permitir. É um fato lamentável que só o indivíduo, que sabe adquirir uma visão irônica de si mesmo, pode superar sem a perda total das energias que lhe restam.

O ciclope retirou-se, andando de quatro. Sabia que Orcast não esperava nenhuma resposta.

Lá fora, diante da parede panorâmica aberta do pequeno aposento de repouso, ouviram-se risos alegres. Robôs que levavam as bebidas mais deliciosas da Galáxia deslizavam de um terraço para outro.

Por um instante, Orcast ficou admirado com a estranha atitude de seu escravo pessoal. Desde quando o ciclope costumava investir que nem um louco contra a porta?

Orcast perdeu-se numa série de idéias preguiçosas sobre o sentido ou a falta de sentido da existência. Só despertou quando o pequeno ser peludo surgiu diante dele. Gucky um ser vindo de um mundo distante, esboçou um sorriso cordial com seu único dente roedor.

— Olá, meu velho! — chiou o rato-castor num intercosmo impecável. — Permita que me apresente. Sou o tenente Guck, membro de um comando especial da Terceira Potência.

Escorregando sobre o largo traseiro, Gucky foi-se aproximando. Seu rosto de rato irradiava felicidade. Orcast possuía bastante autodomínio para exprimir a sensação de surpresa e de pânico que se apossou dele apenas por um ligeiro pigarro.

— Que coisa deliciosa! — disse, colocando no rosto sua costumeira máscara de sorriso. — Até parece que vejo diante de mim o ser mais inteligente de um dos meus planetas.

— Infelizmente está enganado — disse o rato-castor em tom pouco convencional. — Dá licença?

Por uma fração de segundo, seu olhar caiu sobre o painel de controle oculto atrás de um canteiro de lindas plantas. Orcast começou a perceber o perigo que o ameaçava quando a chave que ativa os campos energéticos de defesa desceu num movimento abrupto.

— OK — disse o ser desconhecido, usando uma expressão que lhe era totalmente estranha.

Orcast fez menção de levantar-se. Mas uma força invisível comprimiu seu corpo contra o leito.

— Sou o tenente Guck do exército de mutantes — voltou a salientar o rato-castor. — Nunca ouviu falar nisso, não é? Como vim parar aqui? Não é isto que está pensando? É simples, meu chapa. Acontece que eu sou... é verdade, não devo repetir nada. Bem, além do mais também sou um teleportador. Não me diga que está ficando nervoso! Recebi ordens para não exasperá-lo.

O sorriso de Gucky tornou-se ainda mais gentil. O nariz de rato franziu-se bem para o alto e as delicadas patas dianteiras com suas mãozinhas balançavam no ar.

Orcast lutou para controlar-se. Os conhecimentos que possuía sobre as experiências da ciência parapsicológica bastavam para que compreendesse o surgimento repentino daquele ser. As forças, que estavam atuando aqui, não podiam ser controladas pela aparelhagem de segurança superaperfeiçoada.

Gucky afrouxou a constrição espiritual. Orcast começou a respirar profundamente. Seu espírito despertou de uma hora para outra, fato que o rato-castor dotado de capacidades telepáticas não deixou de perceber.

— Deixe de tolices, meu velho — pediu apressadamente. — Esperamos quase quatro horas para vê-lo a sós. Queremos uma pequena entrevista: só isto. O chefe não pretende agarrá-lo pela gola. Bem... será que esses panos têm gola?

Os grandes olhos de Gucky, aos quais devia seu nome, inspecionaram a vestimenta perfumada.

— Ao que parece não têm — constatou. — O senhor pensa demais, meu chapa. Eu lhe garanto que não conseguirá comprimir o botão embutido na parede atrás de sua cabeça.

Orcast XXI desistiu. Começou a compreender que se via diante de um poder que ainda não podia compreender. Face à sua tendência para o novo, o extravagante e o abstrato, a curiosidade começou a instalar-se em sua mente. Quem seria o ser que se atrevia a proporcionar uma surpresa dessas ao Imperador?

Gucky registrou o impulso mental irradiado pelo homem deitado à sua frente. Orcast voltou a estremecer quando o ar começou a tremular diante de sua vista e um vulto pequeno e amarelo se materializou.

Tako Kakuta, que também era teleportador, inclinou-se com um sorriso. Em sua mãozinha delicada balançava uma pesada arma de impulsos, que logo desapareceu no interior do estojo que trazia a tiracolo. Orcast teve oportunidade de constatar que o desconhecido usava a vestimenta dos servos do palácio. Entre outras idéias que lhe acudiram, o Imperador teve a de que a festa movimentada representara uma boa oportunidade para penetrar no palácio sem ser percebido. A curiosidade voltou a tomar conta dele.

— Sua Excelência, o Presidente Perry Rhodan, chefe da Terceira Potência, pede um pouco de paciência — disse o homem delicado a título de cumprimento. — Sua Excelência tem de vencer algumas dificuldades, provenientes principalmente de eficientíssimo sistema de vigilância robotizada de Vossa Magnificência. Ainda recebi instruções para garantir que não se trata de um assalto. Estamos interessados apenas numa breve entrevista, que pretendemos conduzir segundo às normas de cortesia e de respeito devidos a Vossa Magnificência. Em nome de Sua Excelência peço a compreensão de Vossa Magnificência.

Orcast prestou atenção às palavras. Ainda não sabia quem era essa gente estranha. Não se enquadrava em qualquer esquema. Tinham algo de extraordinário, não apenas quanto às capacidades extra-sensoriais de que pareciam dotados.

— Os senhores me vêem numa atitude de expectativa — disse com um sorriso cortês. — Como é mesmo o nome de seu soberano? Rhodan?

Tako Kakuta sentiu-se feliz ao constatar que o Imperador se dirigia a ele na terceira pessoa, o que afinal não deixava de ser uma certa forma de cortesia.

Confirmou as palavras de Orcast, cuja posição ficou mais descontraída.

Estava esperando!

O campo energético tremeluzente diante da porta de entrada havia desaparecido. Dentro de poucos minutos, um homem de estatura elevada surgiu na luz difusa da iluminação indireta.

Rhodan tirou do ombro a capa vermelha que assinalava um servo não-arcônida, pondo à mostra o uniforme singelo da Terceira Potência.

André Noir, um francês gordo e bonachão dotado de intensas capacidades hipnóticas preferiu não submeter o Imperador à sua constrição mental, pois o mesmo já estava preso ao leito pela força irradiada por Gucky. O homem era mais inofensivo que uma criança, desde que o equipamento de segurança fosse desligado em tempo.

— Fique na ante-sala, Noir — cochichou Rhodan apressadamente. — Mantenha o ciclope sob controle. Preciso de dez minutos. Onde está Kitai Ishibashi?

— Está no grande centro de controle, juntamente com Marshall e Anne Sloane. Estão controlando os guardas.

Rhodan fez um ligeiro sinal com a cabeça. Atrás dele, Thora e Crest mantinham-se em ansiosa expectativa. Fora relativamente fácil penetrar no palácio, depois que os teleportadores haviam verificado a situação. O mecanismo de portaria fora muito mais fácil de enganar que aquele instalado no quinto mundo do sistema de Árcon. No planeta de cristal, não havia conspiradores nem seres hostis pertencentes a outras raças.

Rhodan lançou um olhar perscrutador sobre o Imperador que estava pousado no leito. Orcast era um arcônida não muito velho. Apesar disso sua postura apresentava sinais de decadência. Ao que tudo indicava, sentia-se exausto, e tal informação foi transmitida através de um breve impulso telepático de Gucky.

Tako Kakuta ficou em posição de sentido. Rhodan irradiava certa frieza impessoal, atrás da qual procurava ocultar o nervosismo que começou a apossar-se dele. Então era este o soberano do Grande Império!

Rhodan sentiu que os músculos da face se contraíam. O fluido do desconhecido e do perigo envolvia seu espírito. Apesar da situação um tanto infeliz em que se encontrava, Orcast XXI corporificava o apogeu e a decadência de um povo admirável. Rhodan viu-se obrigado a reprimir um sentimento de repugnância instintiva e de conformismo.

Cumprimentou o Imperador em palavras ligeiras e precisas. Os olhos dos dois homens encontraram-se. Com um único olhar, Orcast examinou aquele homem de estatura elevada. Logo adivinhou que aquele desconhecido possuía tudo aquilo que nunca chegara a adquirir. Uma torrente de energia e determinação pessoal ameaçava subjugar o Imperador. Ergueu-se lentamente sobre o cotovelo, com a permissão de Gucky.

Rhodan foi extremamente lacônico. Seu pedido de desculpas pela entrada não consentida nos aposentos do Imperador não eliminava a infração cometida, mas ao menos Rhodan deixou claro que estava perfeitamente ciente de ter praticado um ato inconveniente. Orcast limitou-se a acenar com a cabeça. Perdera seu sorriso tão conhecido. Numa atitude cada vez mais apressada, examinou os traços do rosto do desconhecido.

— Lamento incomodá-lo a uma hora destas — voltou a dizer Rhodan. — Infelizmente não tive outra alternativa.

— Vocês poderiam ter solicitado uma audiência — disse Orcast com um pigarro, lançando um olhar para Gucky.

— Uma das características da minha raça consiste em não tentar coisas impossíveis, Eminência. Infelizmente não sou nenhum compositor de jogos aquáticos, mas apenas um homem que precisa tratar de um assunto muito importante para o bem-estar do Império de Vossa Magnificência. Nestas condições, teria sido inútil incomodar os funcionários da corte.

A leve ironia de Rhodan foi entendida. Com um suspiro, Rhodan deixou-se cair no leito.

— Ainda isso — gemeu. — Não espalhem sua ironia causticante na sala de repouso de um soberano que fora destas quatro paredes quase não manda mais nada. Acredito que já estou adivinhando a pretensão extraordinária de vocês. O Império está sendo administrado por um autômato. O que pretendem fazer se, mesmo com toda boa-vontade, não estou em condições de ajudá-los?

Rhodan estremeceu interiormente. Sentiu a profunda resignação do Imperador. Gucky irradiou um impulso de pavor.

— É como uma partícula de pó num furacão — foi a informação cochichada em inglês que chegou ao ouvido de Rhodan.

Perry controlou-se. Seu sorriso exprimia compaixão. Quando fez um sinal para que os arcônidas se aproximassem, começou a desconfiar de que o arriscado avanço, que os levara à presença de Orcast XXI, fora totalmente inútil. Esse homem já não tinha o poder de influenciar as decisões do cérebro robotizado.

Thora e Crest entraram na sala. A primeira andava ereta, em atitude orgulhosa, enquanto Crest arrastava ligeiramente os pés. Orcast voltou a sobressaltar-se. Um verdadeiro espanto desenhou-se nos traços de seu jovem rosto, que parecia tão velho.

— Já nos conhecemos, Orcast — disse Thora com a voz fria. — O palácio da minha família passou a pertencer a você. Vim reclamar os meus direitos. É bem verdade que Crest, cientista-chefe do Conselho, achou que isso seria inútil. Peço que decida imediatamente. Não temos tempo a perder.

Rhodan seguiu atentamente a discussão apaixonada que se iniciou. Finalmente, sentiu-se dominado pelo cansaço.

Orcast dizia a verdade, fato que Gucky confirmava a toda hora. Esse soberano aparente do maior dos impérios da história nem sequer sabia que treze anos atrás Thora e Crest haviam sido mandados ao espaço à procura do planeta da vida eterna.

Orcast também não sabia que a nave espacial de Rhodan estava sendo retida em Naat. Lamentou profunda e, ao que parecia, sinceramente que não podia prestar qualquer auxílio, por menor que fosse.

Thora não resistiu. Sem dizer uma palavra, caiu sobre outro leito.

Orcast parecia confuso. As revelações sobre o pouso de emergência de Thora na lua terrana e seu regresso a bordo de uma nave terrana, realizado depois de tanto tempo, representaram uma surpresa excessiva. Antes, nunca o Imperador sentira com tamanha intensidade sua impotência de governo. Era o que se depreendia de suas palavras:

— Teria muito prazer em autorizar seu pouso neste planeta e deixar o tempo de sua permanência ao seu inteiro arbítrio. Mas, na situação em que me encontro não posso fazer outra coisa senão manifestar minha gratidão por terem salvo representantes tão valorosos do meu povo. Não posso fazer nada por vocês, a não ser que queiram ver uma ajuda na garantia de saírem do palácio sem serem molestados. Não tenho poderes de revogar qualquer decisão do cérebro robotizado.

— Pois providencie uma programação sensata do robô — interveio Rhodan em tom um tanto áspero.

Orcast respondeu com um sorriso cansado.

— Vocês são dotados da energia dos seus antepassados. Provavelmente não serão capazes de imaginar o que está acontecendo em Árcon I.

— Convoque o Conselho Galáctico — disse Thora. — O cérebro não poderá deixar de submeter-se a uma decisão unânime do mesmo.

— Não concordará com a introdução da decisão em sua memória — objetou Orcast.

Rhodan olhou para trás. Gucky confirmou a veracidade das palavras de Orcast. A situação parecia irreal. Uma profunda decepção ameaçou perturbar o raciocínio de Rhodan. Apesar de tudo acreditara que o Imperador detivesse certos poderes, ao menos no que dizia respeito à própria existência do Grande Império.

Depois da avaliação fundamental da situação, realizada a bordo da Ganymed, chegara à conclusão de que o soberano ao menos devia ter a possibilidade de receber visitas oficiais e decidir, no âmbito da corte, questões formais de política externa que não se revestisse de importância fundamental. Se não fosse assim, nunca teria decidido voar para o mundo de cristal e forçar uma entrevista. Subitamente viu-se diante de uma muralha alta e intransponível.

— Exijo a convocação do Conselho Supremo — disse Thora em tom enérgico.

— Isso seria inútil e perigoso — observou Rhodan. — Deixemos de lado esses jogos de palavras que não conduzem a nada. Assim que o Conselho souber, que a senhora e Crest se encontram aqui, o cérebro será informado automaticamente de que saímos da Ganymed contra suas instruções. Se isso acontecer, tudo estará perdido.

Virou-se para Orcast:

— Eminência, realmente não existe nenhuma possibilidade de permitir nosso regresso ao quinto planeta? Peço que se coloque em nossa situação.

Orcast abriu os braços, num gesto de impotência.

— Quando vocês se retirarem, e terão de retirar-se, levem com vocês a certeza de que falaram com um soberano fictício que não detém qualquer parcela de poder. Prometo sigilo sobre a visita. Uma vez que sou de opinião que sua pretensão não prejudicará o Império, poderei dar-lhes uma pequena indicação.

Orcast sorriu. O interesse e uma tensão contida brilharam em seus olhos avermelhados. Procurava encontrar o olhar de Thora.

— Ainda existem homens como você. Procure lembrar-se do almirante Kenos, membro do Conselho e vencedor da última batalha do Império. Kenos não aceitou meu convite de comparecer à festa de hoje. É importante que você saiba que os autômatos robotizados fizeram de Kenos o coordenador geral do recrutamento. Cabe-lhe a tarefa de localizar povos auxiliares e arcônidas que ainda são capazes de certo grau de atividade. E, enfim encaminhá-los para Árcon III.

Rhodan aproximou-se lentamente. Tateante e a passos inseguros, chegou perto do soberano. A excitação parecia dominá-lo. Em tom áspero disse:

— Eminência, trata-se de uma dica? De uma informação real? Peço uma resposta sincera.

— Sempre sou sincero quando ninguém me impede de sê-lo — advertiu Orcast em tom suave. — Vá a ele e exponha-lhe a situação. Kenos serviu sob as ordens do Imperador Zoltral. Foi o melhor comandante de frota que o Império já teve. É a única coisa que posso fazer por vocês. Está na hora de irem embora. Meus convidados me aguardam.

Rhodan não perdeu mais tempo. Afastou as objeções de Thora e as indagações aflitas de Crest com um simples gesto. Perplexo, Orcast observou as reações instantâneas do visitante que ali entrara sem convite.

Gucky transmitiu as ordens por via telepática. Após poucos segundos, os membros do comando foram informados de tudo.

— Retirem-se. Encontrar-nos-emos no local combinado — foi a instrução transmitida a todos.

Após isso Rhodan sentiu-se obrigado, a informar Orcast sobre as medidas de segurança que pretendia adotar.

— Peço a compreensão de Vossa Eminência pela cautela que me vejo obrigado a exercer. Em nosso interesse, vejo-me obrigado a colocar um bloqueio hipnótico em sua mente. Qualquer observação irrefletida poderia pôr tudo a perder. Uma permissão oficial de Vossa Eminência tornaria mais fácil minha decisão a este respeito.

Orcast XXI lançou um olhar demorado sobre o rosto estreito e expressivo daquele homem esbelto. Depois de algum tempo, disse com um sorriso melancólico:

— Vocês me privam de um prazer singular, que seria o de refletir sobre sua visita nos dias vazios da minha vida. Assim mesmo concedo-lhes a permissão que acabam de solicitar, desde que se comprometam a permitir que, no caso de alguma modificação profunda, eu os receba com todas as honras.

Rhodan inclinou-se ligeiramente. Esse arcônida, que na hora do pouso ainda era considerado um inimigo, passara a ser seu amigo. O hipno André Noir entrou em ação. Orcast mergulhou no fluido mental superpotente do mutante.

Quando entrou na ante-sala, o Imperador estava mergulhado num cochilo. Ao despertar, não se lembraria de já ter recebido um grupo de estranhos visitantes nos seus aposentos particulares.

Rhodan e seus companheiros chegaram à sala de controle do gigantesco palácio sem serem molestados. A festa aproximava-se do fim. Os hóspedes se retiravam daquele ambiente maravilhoso.

Rhodan passou junto a um dos membros da guarda pessoal dos naats, que estava submetido a um bloqueio sugestivo. Fora ele que lhes entregara os bilhetes luminosos de entrada. Rhodan devolveu-os, pois não havia dúvida de que, mais tarde, seria realizado um controle.

A enorme porta do pé de 1.500 metros de diâmetro, que sustentava o maior dos edifícios-funis de Árcon, estava aberta. Os homens desapareceram na escuridão.

O grande planador do parque público de veículos já os esperava no lugar combinado. Bell e os outros mutantes já haviam chegado. Com um chiado, a porta recuou diante do grupo que se aproximava.

Rhodan encomendara o veículo pelo serviço público de comunicações. Qualquer arcônida tinha o direito de recorrer gratuitamente a esses veículos para seu uso, quantas vezes quisesse.

Por um instante Rhodan contemplou a abertura cintilante do cano de um radiador energético.

— Até que enfim — soou a voz áspera de Bell vinda do interior do veículo. — Daqui a pouco, o dia começará a raiar. O que houve?

— Desçam imediatamente — ordenou Rhodan. — Vamos logo; saiam desse calhambeque. A distância que temos de vencer é muito grande. Nada de perguntas! Marshall, transmita a Betty que o comando chefiado pelo tenente Tifflor deve permanecer no seu esconderijo. Transmita também um relato resumido do fracasso da nossa entrevista. Desçam! Thora, mande o carro de volta à sua base.

Nervosa, Thora acionou os controles. Com um ligeiro zumbido o veículo pôs-se em movimento. Aumentando a velocidade, desapareceu na escuridão.

— Um fracasso? — perguntou Bell, esticando as palavras. — Como?

Crest já caminhava junto aos titânicos muros externos. As faixas das vias elevadas, que se estendiam em curvas graciosas, estavam profusamente iluminadas.

Rhodan explicou o resultado da visita. Concluiu com estas palavras:

— Crest solicitará uma aeronave de maiores dimensões. Existem hangares oficiais que fornecem naves desse tipo. Não temos outra alternativa senão procurar o almirante Kenos antes do raiar do dia. É nosso último trunfo.

Calada, Thora levantou os olhos para o céu estrelado de Árcon. Numerosos sóis próximos uns dos outros encobriam a faixa da Via Láctea. O grupo estelar M-13 parecia ser uma galáxia distinta.

Dali a poucos minutos, Crest chegou com o planador aéreo. Era um veículo de feitio tipicamente arcônida. O grupo de dez pessoas entrou. Crest tomou lugar junto ao leme de botões.

Rhodan orientou-se com um olhar. Desligou o piloto automático.

— Muito bem, vamos embora. Sabe onde fica a casa de Kenos.

— É uma viagem bastante longa. Teremos que dar a volta por metade do planeta. Kenos leva vida de ermitão. Sua casa fica no cume de uma montanha muito alta. Quis se instalar o mais próximo possível das estrelas.

— É um traço simpático do seu caráter. Peço-lhe que me dê algumas informações sobre sua personalidade.

As máquinas zumbiram e o planador subiu ao ar e ganhou velocidade. Mais uma vez puderam lançar um olhar sobre a área das colinas. A profusão de luzes derramadas pelos palácios da sede do governo iluminava a noite de Árcon. Mas, logo penetraram na escuridão. E a noite se tornaria cada vez mais profunda e impenetrável à medida que se deslocassem para o oeste. Fugiam do sol que se aproximava do horizonte.

 

O comando chefiado por Julian Tifflor chegara a dez minutos. Não fora fácil realizar a localização goniométrica do aparelho, já que o grupo se viu obrigado a desistir dos sinais de rádio convencionais. Foi Gucky quem indicou a direção com uma exatidão surpreendente.

Depois, que entrara sozinha no palácio de Kenos, que parecia um velho castelo, Thora desaparecera a quase quatro horas.

Seguindo as instruções de Rhodan, os homens do comando se espalharam pela área. Com as armas engatilhadas, ficavam com os olhos grudados na gigantesca casa-funil, cujo suporte estreito fora acomodado em meio a uma rocha íngreme por um grupo de arquitetos arrojados. Era uma visão estranha, tão irreal como o próprio planeta.

A cadeia de montanhas parecia deserta, desolada e entrecortada. Aqui ninguém se dera ao trabalho de amainar os aspectos selvagens da natureza. Até fizeram questão de aprofundar grandiosidade ao conjunto.

A casa de Kenos ficava por perto de 4.000 metros de altura. A atmosfera de Árcon I, um planeta de tamanho aproximadamente igual ao da Terra, já era bastante rarefeita.

Os telepatas procuraram captar os impulsos mentais de Thora. No entanto, só vez por outra um impulso muito débil chegou a eles. Ela se bloqueava, explicou Marshall muito nervoso.

Depois de quatro horas e meia, surgiu o alarma. Um dos guardas vira o vulto que se aproximava pelo ar através de sua mira infravermelha.

— Não atirem! — foi a ordem que Rhodan mandou transmitir de um homem a outro. — Aguardem.

O aparelho pousou no platô de rocha em que terminava a estrada propriamente dita. Depois de chegar ali, a pessoa que quisesse fazer uma visita ao palácio de Kenos teria que realizar uma viagem aérea.

Uma arcônida de certa idade desceu do aparelho. Rhodan ouviu a voz grave que perguntou por ele.

Um instante depois, colocou a mão no boné a título de cumprimento.

— Sou Perry Rhodan, madame. Podemos entrar?

— Meu marido pede que o façam. Pelo que vejo já chamou seus homens.

— Localizou o aparelho? — perguntou Rhodan.

— Naturalmente — sorriu a mulher de idade. — Queira utilizar minha plataforma. Seja bem-vindo, meu amigo. Jamais um Zoltral baterá em vão à nossa porta.

Crest inclinou o corpo sem dizer uma palavra. Marshall confirmou com um gesto quase imperceptível da cabeça: as intenções eram honestas.

— Tiff, o senhor nos seguirá com a Gazela — ordenou Rhodan em voz baixa. — Ande depressa. Todos a bordo. Também aqui, o dia não demorará a clarear.

O pequeno planador da arcônida subiu verticalmente junto aos enormes paredões de rocha. O palácio-funil aproximou-se. Enquanto passavam, Rhodan viu algumas torres de canhões energéticos escamoteadas. Kenos parecia um remanescente solitário dos tempos áureos do Império.

Sobrevoavam as paredes abauladas para fora e desceram suavemente na grande área interna. Aqui exibia-se o esplendor personalizado dos arcônidas distintos. Apenas, não se recorrera a qualquer tipo de iluminação.

Tifflor fez a Gazela pousar suavemente numa plataforma saliente. Os homens precipitaram-se para fora do aparelho.

— Tenente Tifflor, mande os homens entrarem em forma. Não há nada que possa deleitar o olho de um velho guerreiro como uma tropa disciplinada. Marshall, seus especialistas se formarão em ângulo reto. Tiff, o senhor fará a apresentação.

— Não averiguou nada? — perguntou Ras Tschubai, o teleportador, bastante nervoso.

— Nada. A desconfiança é um péssimo presente para um anfitrião. Bell, venha comigo.

Os homens entraram em forma. Vozes de comando abafadas fizeram-se ouvir. A arcônida acompanhara tudo com a maior atenção. Quando seu olhar encontrou o de Rhodan, acenou com a cabeça.

— Queiram acompanhar-me. Meu marido os espera. Peço-lhes que dispensem as explicações. Thora já nos informou sobre todos os detalhes.

Era o que Rhodan esperava. Suspirando intimamente, seguiu a arcônida. O fato de o almirante ter mandado a esposa ao seu encontro representava um bom sinal.

Quando se aproximaram do largo portal, uma luz forte acendeu-se. Rhodan viu um robusto arcônida que usava o uniforme vistoso da frota imperial. Dificilmente Rhodan já teria visto um rosto que o impressionasse tão profundamente. Era velho, muito velho, e a pele parecia resistente. Uma cabeleira branca descia pela testa, sob a qual um par de olhos enormes chispava um fogo incontido.

Perry Rhodan fez continência. Thora encarregou-se das apresentações. A esposa do velho almirante retirou-se discretamente.

Kenos aproximou-se a passos largos. Parecia uma rocha solitária em meio a uma comunidade vazia e decadente.

Rhodan sentiu o ritmo das pulsações aumentar quando o olhar do velho o atingiu. Era um homem que apesar da idade avançada não apresentava o menor sinal de decadência. O exame silencioso durou quase um minuto. Depois a voz profunda e retumbante se fez ouvir:

— Eu lhe dou as boas-vindas, Excelência. A situação em que se encontram não é nada agradável; por isso não vamos perder muitas palavras. Aqui, por enquanto estão em segurança. Verei o que posso fazer pelos senhores. Gostaria de passar em revista o seu pessoal.

Rhodan suspirou aliviado. Sentiu em si a energia de antes. Como homem pragmático que era, compreendia essa fala muito melhor que as palavras espirituosas do Imperador.

Sem dizer uma palavra, deu um passo para o lado. Kenos caminhou em direção aos homens. Rhodan examinou a formação. Era modelar, conforme era de se esperar numa unidade de elite.

O berro de Tifflor rompeu o silêncio da noite. Mais de cem braços moveram-se. Mais de cinqüenta radiadores pesados brilharam à luz artificial. Logo ficaram imóveis como estátuas diante de um almirante desconhecido, cujo rosto enrugado enrijecera numa máscara impenetrável.

A apresentação de Tifflor foi realizada num arcônida impecável. Quando Kenos começou a caminhar diante das fileiras, Rhodan mal conseguiu reprimir um sorriso. Esse procedimento parecia ser usual em qualquer lugar em que existissem unidades disciplinadas.

Reginald Bell manifestou uma tosse grosseira. Sua postura dizia tudo. Rhodan lançou-lhe um olhar no qual havia uma terrível ameaça. Uma observação menos feliz poderia aborrecer ou mesmo ofender o homem que no momento era o elemento mais importante em Árcon.

Kenos cumprimentou o grupo com uma pancada da mão direita sobre o lado esquerdo do peito. Quando lhes voltou as costas, o berro de Tiff voltou a soar.

Respirando pesadamente, Kenos parou junto ao delicado corrimão do terraço, lançando um olhar vazio para a escuridão de seus jardins.

— Com vinte milhões de homens desse tipo, a revolução no espaço mais amplo da ilha cósmica seria subjugada dentro de três anos — disse em tom exaltado.

— Isso não é nada, almirante — disse Rhodan em tom tranqüilo. — Só o planeta Terra pode mobilizar cem milhões de homens. Basta que me entregue parte de sua frota de guerra e que coloque à minha disposição bases e portos de suprimento intergalácticos. Assim eu lhe provo que a boa impressão que acaba de colher nem chega aos pés da realidade.

Kenos virou-se abruptamente. Seus olhos chispavam fogo.

— Suas palavras são grandiosas, terrano. Quem dominaria o Império se isso acontecesse? Vocês ou nós?

— Nós, evidentemente — confessou Rhodan tranqüilamente.

Seria inútil tentar enganar um tático hábil como o almirante.

Kenos soltou uma gargalhada que Rhodan nunca esperaria de um arcônida.

— Será que prometi demais? — interveio Thora com um olhar irônico para Rhodan. — Querem deixar a Galáxia de pernas para o ar. Acho que esses pequenos bárbaros são insolentes e grosseiros.

— Ei, vamos devagar! — disse Bell. — O que acaba de dizer deve ser interpretado como uma ofensa, ou será que há um certo carinho nas palavras que acaba de proferir?

— O homem começa a ficar melindroso — disse Thora em tom de espanto.

Um sorriso fugaz aflorou em seus lábios. O olhar que lançou sobre Rhodan causou um terrível embaraço no chefe da Terceira Potência.

— Acontece que são honestos — constatou Kenos em tom pensativo. — Sempre que tive pela frente inimigos como estes, eu os admirei, mesmo que me visse obrigado a destruí-los. De qualquer maneira, acho que já passou a hora de brincar de esconder. Só mesmo um idiota ainda se impressionaria com o Grande Império. Qual é sua opinião sobre aquele homem inteligente e sem tutano, que vez por outra ainda é chamado de Imperador?

Rhodan não conseguiu reprimir o riso. Kenos tinha algo de estimulante.

— Diria que é um homem culturalmente devastado. Em hipótese alguma seria capaz de governar um grande império. A mão pesada, que às vezes se torna necessária, falta-lhe tanto quanto o instinto seguro que nos leva a transigir, e que em última instância conduz ao êxito.

Kenos calou-se. Depois de algum tempo disse em tom rancoroso:

— Vocês são perigosos, terranos. São tão perigosos que não devia ajudá-los. Se essa máquina não tivesse assumido o poder, eu os eliminaria como um fator de perigo que ameaça o Império. Mas, na situação em que nos encontramos, espero contar com sua amizade e auxílio. Ainda quero viver para ver os arcônidas partirem para o espaço.

— Afinal, só tem cento e oitenta e sete anos de calendário terrano — disse Thora em tom de recriminação.

Kenos não disse mais nada. Na Terra distante, a contorção de seus lábios poderia ser interpretada como um sorriso condescendente. A seguir, interessou-se pelos homens do exército de mutantes. Pediu provas de suas capacidades singulares.

Gucky apresentou um espetáculo variado. Entre outros, fez o velho almirante empreender uma vertiginosa viagem aérea sobre o abismo da área interna da casa.

No momento em que foi colocado suavemente no solo, mais uma vez não disse nada. Bell exibiu um sorriso largo e benévolo, face ao qual Kenos finalmente dirigiu seus passos para a porta.

— Venham comigo — murmurou. — Seus alojamentos estão preparados. Sabem lidar com um couraçado da classe Império? Conseguem executar uma transição perfeita?

— Sabemos fazer isso até dormindo — afirmou Bell na sua modéstia.

— Ah! Receberam treinamento hipnótico, não é? Amanhã serão passados em revista. Incluirei seu grupo no alistamento na qualidade de povo auxiliar de primeira categoria. O cérebro robotizado faz esforços desesperados para conseguir tripulações inteligentes e dotadas de vida real para as grandes unidades da frota. Afinal, os robôs não sabem fazer tudo.

Um ódio incontido vibrou nas últimas palavras. Rhodan começou a imaginar por que o almirante Kenos aceitava o risco de que, em breve, a longínqua Terra se tornasse mais poderosa do que convinha ao Império.

— Estamos à sua disposição — afirmou Rhodan.

— Muito bem. Deverão alegar que são descendentes de velhos emigrantes de Árcon. Inteligências de outro tipo não podem ser incluídas no nível mental número 1. Acredito que prefiram manter em segredo a verdadeira posição de seu mundo; por isso teremos de escolher um setor do nosso grupo. Em Zeklon V, existem pessoas de aspecto semelhante ao de vocês. Faço de conta que os tirei da guarda pessoal dos Zoltral. Todo mundo sabe que a antiga dinastia ainda mantém excelentes combatentes privados. Estão de acordo, ou acham que meu pedido representa um absurdo?

Rhodan mediu o velho com um olhar, antes de estender-lhe a mão segundo os costumes terranos.

— Ninguém poderá sentir-se ofendido por ser comparado com um arcônida. Não permitam que a decadência de sua raça os faça esquecer seu passado grandioso. Estas palavras não representam nenhuma bajulação.

Kenos limitou-se a acenar com a cabeça.

— Será que a família Zoltral concordará com o projeto? É possível que o cérebro robotizado realize uma verificação.

— Deixe isso por minha conta. Quero que seu pessoal apareça ao raiar do dia para discutirmos a situação. Não podemos perder tempo.

— Até que enfim encontramos alguém em Árcon que não pode perder tempo — murmurou Bell. — Minhas homenagens, minhas profundas homenagens. Não gostaria de encontrar-me com um indivíduo desses durante o apogeu do Império Arconídico. Você gostaria?

— Evitaria o encontro enquanto pudesse — confessou Rhodan. — OK. Dê o fora de forma aos homens. Ainda poderão descansar três horas. Depois as coisas começarão a ficar sérias.

 

— Transportador número dezoito, em forma — berrou a voz não modulada saída do alto-falante embutido na torre de canhões coberta de aço que encimava o grande autômato registrador.

Cinqüenta e três pares de pernas enfiadas em botas de canos indo até o joelho. Os calçados eram feitos de couro vermelho-natural cheio de bordados. O comando começou a deslocar-se ao ritmo da música monótona.

O controle do registro estava concluído. Depois que Kenos lhes entregara os cartões de identificação, os homens foram levados em planadores aéreos ao grande espaçoporto militar do planeta de cristal. Era o único lugar em Árcon I que não se destinava à recreação e às belas artes. Aqui tudo se inspirava num pragmatismo frio. Por isso a residência mais próxima ficava a mais de trezentos quilômetros.

Kenos e os arcônidas do estado-maior encontravam-se atrás da barreira energética. Rhodan não teve permissão para entrar no gigantesco espaçoporto. Só Thora e Crest, aos quais Kenos atribuíra as funções de comandante e engenheiro-chefe, puderam passar pelos controles. Mas o cérebro robotizado nem sequer achou que deveria incorporá-los ao grupo dos 53 homens recrutados no planeta colonial de Zeklon V.

Os dois arcônidas, seres distintos infinitamente superiores aos zeklons, foram transportados num pequeno veículo oficial. Com Rhodan, Bell e Tifflor eram exatamente 53 seres vivos orgânicos que caminhavam sobre o revestimento metálico do espaçoporto.

Ivã Goratchim, um mutante de pele verde e cabeça dupla, capaz de desencadear com a força de sua mente uma mini-reação nuclear nos compostos do cálcio e do carbono, cambaleava sobre as pernas disformes atrás da última fila do grupo. Carregava Gucky nos braços, já que as curtas patas traseiras do rato-castor não conseguiriam acompanhar a velocidade do grupo.

O rato-castor era o único ser que não fora enfiado no uniforme colorido e espalhafatoso da guarda pessoal dos Zoltral. Além disso, Kenos julgara preferível não pendurar no ombro daquela criatura de um metro de altura um radiador energético do mesmo tamanho.

O cérebro registrou Goratchim e Gucky como seres estranhos dotados de qualidades especiais. Tornara-se necessário ressaltar o dom telepático de Gucky. Goratchim era considerado um armazenador de dados, já que as duas cabeças possuíam uma extraordinária capacidade de memorização.

Rhodan marchava à esquerda do grupo. Usava calças verde-garrafa de tecido fino sobre as botas vermelhas; uma blusa larga, segura pelo cinto com o coldre, cujas ombreiras estavam cobertas por símbolos estranhos. As cabeças dos membros do grupo estavam cobertas por grossos capacetes de fibra artificial com equipamentos de radio-comunicação embutidos.

Depois de terem dado dez passos, as primeiras gotas de suor começaram a porejar em sua pele. Depois de cinco minutos de marcha sob o sol causticante de Árcon, estavam completamente molhados.

Ouviram-se duras imprecações. Caminharam cada vez mais zangados e cansados em direção ao pequeno transportador no 18, cuja comporta inferior de passageiros já estava aberta.

— Silêncio no grupo — soou a voz de Rhodan. — Que diabo! Procurem controlar-se. Afinal, não é nenhum prazer andar sobre chapas de metal aquecidas.

— Estas botas de sola fina até parecem uma torradeira de ondas curtas — esbravejou Bell com a voz abafada. — Mais cinco minutos, e começo a dançar.

Um sorriso fugaz surgiu no rosto de Rhodan. Sabia perfeitamente que poderia confiar em seus homens.

Robôs de combate arcônidas surgiram diante da nave. Tratava-se de um veículo espacial auxiliar da classe Good Hope.

A voz de comando de Rhodan soou pela área deserta. A coluna parou pouco antes de atingir a comporta.

Elegante e orgulhosa, Thora desceu do carro. Seu olhar era um tanto malicioso, o que fez Rhodan transpirar ainda mais. Lançou um olhar furioso atrás dela.

— Assim que tiver uma oportunidade eu a farei voar pelos ares — prometeu Anne Sloane, a telecineta. — Será que tudo isso é necessário?

— Silêncio — resmungou Marshall. — Por enquanto não há problema. Mas o futuro me parece um tanto misterioso.

Thora expedira seu aviso. Acompanhada de Crest, desapareceu no interior da nave.

— Entrem um por um, com os cartões de identificação na mão esquerda — soou a voz metálica de um robô.

Um atrás do outro passaram pelo segundo controle. Os impulsos dos cartões de identificação foram apalpados antes que a grade se levantasse para deixar passar um homem de cada vez.

Os músculos do rosto de Rhodan entesaram-se quando chegou a vez de Goratchim. Mas o autômato não hesitou nem um pouco. Para ele o aspecto exterior do homem era totalmente indiferente. Carregava seu cartão, e era quanto bastava. Rhodan foi o último a passar pelo controle.

Lançou um ligeiro olhar para os arcônidas que se mantinham à espera. Entre eles, só o almirante Kenos sabia da fraude que acabara de ser cometida. Provavelmente felicitavam-se por terem arrancado da família de Zoltral esses elementos excelentes de Zeklon V.

Rhodan subiu no elevador antigravitacional. Um robô mandou-os à grande cantina da tripulação, onde teriam que esperar. A decolagem foi realizada em poucos segundos.

— Onde está Thora? — cochichou Rhodan. — Dê uma olhada por aí.

Wuriu Sengu, o espia, perdeu o brilho dos olhos. Fitou rijamente as paredes maciças de aço, que face à capacidade extraordinária de que era dotado não representavam nenhum obstáculo à visão. Quadros nítidos surgiram diante de sua visão mental.

— Está na sala de comando. Crest está ao seu lado. A nave está sendo teleguiada.

— Muito bem. Quero que todos prestem atenção. Quando estivermos a sós, falaremos em inglês. A nave está viajando para Árcon III, o planeta da guerra. Somos ocupantes de primeiro nível de um couraçado. Se conseguirmos passar ilesos pelos novos controles, não haverá maior demora. Reconhecemos o treinamento hipnótico a que fomos submetidos. É a única maneira de explicar nosso elevado quociente intelectual. Provavelmente em parte serão elevados demais. É bem possível que em alguns casos o autômato desconfie. Precisamos contornar esse fator de perigo através de uma série de decisões e respostas individuais.

“Quando estivermos a bordo de uma nave espacial da classe da Stardust, as coisas estarão bem melhores. Uma vez que, em Árcon I, não existem as menores condições para isso, tivemos que dar um jeito de chegar ao número três. Acho que o cérebro está sendo muito gentil ao providenciar nosso transporte. Nossa Gazela estará bem guardada nas mãos do almirante. Oportunamente voltaremos para buscar a nave. Portanto, previnam-se e recapitulem as instruções. Antes de mais nada, não se esqueçam de seus novos nomes. Constam dos cartões de identificação. Exercíamos as funções de guardas palacianos dos Zoltral. Mais alguma dúvida?”

Bell cochichou em tom indiferente:

— Mais uma vez você está sendo muito modesto. Tem que ser justamente uma nave da classe Império? Não podemos guarnecer sequer um dos postos de combate. Por que não pegamos uma nave menor?

Rhodan lançou um olhar aos mutantes. Sengu sacudiu a cabeça. Dali se concluiu que não estavam sendo vigiados por meio de um circuito de televisão.

— Tenho a impressão de que você subestima terrivelmente o planeta Árcon III. Se tivermos uma chance de escapar, isso só poderá ser feito num gigante superforte. Não vejo por que iríamos contentar-nos com um barco menor.

— E a Ganymed? — interveio Marshall em tom objetivo.

Uma expressão sombria surgiu no rosto de Rhodan. O grande problema acabara de ser formulado.

— Aguardemos — decidiu Perry. — Freyt recebeu suas instruções. Se conseguirmos chegar ao número cinco, isso acontecerá de supetão. Qualquer instalação mecânica é prejudicada se, nas suas imediações, uma gigantesca nave sai ruidosamente do hiperespaço. Além disso, Freyt dispõe de um transmissor fictício. As reflexões e os planos prematuros têm uma qualidade desagradável: em noventa e nove por certo dos casos não dão certo. Veremos o que nos confiam no planeta três. Se não conseguirmos entrar pelo menos num cruzador pesado, então...

— ...então desistiremos, não é? — interrompeu Bell.

Rhodan mordeu o lábio inferior. O arrojo e a energia de sempre brilhavam no fundo dos seus olhos.

— ...então veremos o que faremos — completou. — Certa vez um homem muito inteligente disse que não há nada mais fácil que enganar uma máquina, desde que se conheça a mentalidade mecânica do respectivo robô. Daremos uma olhada naquilo.

Uma tela iluminou-se. Thora surgiu na mesma.

— Pousaremos dentro de quinze minutos — disse com a voz fria e reservada de uma comandante arcônida. — Tan’Ro, você se encarregará da saída dos homens pela comporta. Aguardem novas instruções.

Rhodan, que em seu cartão de identificação constava sob o nome de Tan’Ro, fez continência à moda terrana. A essa altura, era altamente provável que estivessem submetidos a alguma forma de tele-observação.

A tela voltou a apagar-se. O silêncio instalou-se na sala. Os olhos de Rhodan examinaram os outros. Viu olhos chamejantes numa tensão febril.

— Pois bem, vamos adiante — disse o comandante. — Viva o Império a cujo serviço nos colocamos. Ivã, não se meta em brigas. Entendido?

As duas cabeças do mutante de dois metros e cinqüenta encararam-se.

— Combinado, irmão — disse Ivanovitch, o mais jovem dos dois, com a voz aguda.

— Esquecerei que foi você que encontrou sua mente meio segundo depois que acordei.

— Chegamos a um acordo no sentido de que foi um terço de segundo — chiou a outra cabeça. — Acontece que consegui outras provas de que, quem acordou em primeiro lugar, fui eu. Está bem, não vamos brigar, mas oportunamente conversaremos a respeito.

O corpo titânico submetido ao controle das duas cabeças permaneceu calmo.

— Gente, que brincadeirinha não vamos ter! — rejubilou-se Gucky com a voz abafada. Sua cauda em forma de colher estalou contra o chão. — Será uma coisa, chefe! Quando chegar a hora, não se esqueça de dar o sinal.

— Seu convencido — cochichou Bell. — Não pense que as coisas serão tão fáceis.

Gucky exibiu seu gigantesco dente roedor.

— Silêncio — interveio a voz nervosa de Rhodan na discussão que se ia formando. — Wuriu, já consegue ver alguma coisa?

— Um planeta em forma de meia-lua está crescendo. Daqui a pouco devemos chegar.

Sem dizer uma palavra, Rhodan segurou o radiador de impulsos. Foram obrigados a deixar para trás as armas leves que traziam nos coldres, já que não pertenciam ao equipamento padronizado. Em compensação receberam os últimos modelos dos artefatos guerreiros dos arcônidas.

— Está fazendo muito calor para um combate corpo a corpo — resmungou Rhodan com um sorriso desagradável. — Ah, está na hora.

O trovejar surdo dos projetores energéticos sacudiu a nave. Ouviu-se um uivo e um chiado agudo. A nave penetrava, ao que tudo indicava, em velocidade bastante elevada, na atmosfera de algum astro.

Poucos segundos depois todas as telas acenderam-se. Os homens viraram-se instintivamente.

— Vocês têm permissão de ver Árcon III — declarou Thora. — Estou em contato com o Grande Coordenador. Ele lhes dá as boas-vindas. Fim.

Só as imagens permaneceram vivas. Os homens encararam-se perplexos. Já sabiam qual era o nome que o cérebro robotizado do mundo da guerra se atribuíra.

— O Grande Coordenador, heim? — repetiu Rhodan em tom seco. — Será que aquilo possui certa ambição? Silêncio, nada de discussões. Santo Deus, abram os olhos...

Rhodan interrompeu-se. Perplexo, olhou para as telas. Por baixo da nave auxiliar que se deslocava em queda livre, deslizavam velozmente as paisagens que não eram verdadeiras paisagens. Uma fábrica encostava-se à outra, as usinas gigantescas sucediam-se em seqüência ininterrupta. Não se via uma única planta, uma elevação que pudesse ser considerada um acidente geográfico.

Era uma superfície totalmente lisa, que parecia ser formada exclusivamente de aço, plástico e outras substâncias artificiais. Só os mares primitivos continuavam intocados.

Pelo que se dizia, só em Árcon III havia mais de 25.000 estaleiros espaciais. Todo esse mundo estava reservado exclusivamente à construção de naves. Uma metrópole ligava-se à outra sem quebra de continuidade.

Os inúmeros espaçoportos com suas gigantescas estações de rádio eram o único fator de dissociação daquele quadro compacto de tecnologia. Além disso, sabia-se que a maior parte de Árcon III fora escavada sob a superfície. Certas unidades muito importantes da indústria espacial, inclusive as destinadas à produção de propulsores, ficavam 5.000 metros abaixo da superfície. Era a indústria militar mais gigantesca da Galáxia.

De parte em parte erguiam-se as abóbadas fluorescentes dos enormes campos energéticos. Árcon III era um pouco maior que a Terra. Sua gravitação média era de 1,3g.

Os espaçoportos formigavam de naves esféricas, desde as pequenas até as grandes gigantes do espaço. Ali estava reunida uma frota cujo poderio chegava ao infinito.

— Já começo a compreender como surge um Império — disse Rhodan, esticando as palavras. — Cavalheiros, diante disso não passamos de miseráveis anões. Será que realmente decolamos com o objetivo de assumir o controle desse conjunto gigantesco?

Olhou em torno, numa atitude quase desolada. Não obteve resposta. Bem adiante deles, surgiu a maior abóbada energética que já haviam visto. Na altura reduzida em que se encontravam, não era possível abranger com a vista toda a área coberta pela usina. A extremidade superior da abóbada protetora avançava até as camadas superiores da atmosfera.

Rhodan sabia que se encontravam próximos à sede do cérebro central que se designava como o Grande Coordenador. Kenos explicara que as instalações ocupavam uma área de aproximadamente dez mil quilômetros quadrados, e isso apesar da conhecida micro tecnologia dos arcônidas.

Pelo que se dizia, as sucessivas gerações de técnicos haviam trabalhado naquela obra por mais de 8.000 anos. Os setores foram sendo ligados progressivamente, até que não havia mais nenhum saber ou conhecimento que ainda pudesse ser armazenado nas células positrônicas. Ninguém saberia dizer até que profundidade o cérebro penetrava no solo. Era inteiramente autônomo. Suas usinas energéticas ainda funcionariam por milhões de anos.

— Não poderemos esperar tanto tempo — murmurou Rhodan para si mesmo.

A nave auxiliar descreveu uma curva bem ampla em torno da abóbada energética. Logo depois outro espaçoporto surgiu diante deles.

Dentro de poucos minutos seguiu-se um pouso exemplar. As máquinas pararam. As escotilhas de segurança da sala da tripulação abriram-se com um chiado.

— Desçam e entrem imediatamente em forma — foi a ordem que o robô transmitiu pelos alto-falantes.

Os homens saíram apressadamente. Não houve outro controle. Perfilaram-se junto a uma das colunas de aterissagem da nave esférica de sessenta metros de diâmetro e aguardaram até que Thora e Crest aparecessem.

Mesmo que aqueles homens tivessem vontade e disposição para uma troca de idéias, nesse ambiente as discussões, os planos e as esperanças perderiam seu sentido.

À frente, ao lado e atrás do lugar em que haviam pousado, as naves formavam filas ininterruptas. Mais adiante, à sua direita, mais de cinqüenta vultos gigantescos subiam ao céu límpido, onde também brilhava o sol branco de Árcon.

Gigantescas esferas de oitocentos metros de diâmetro, da classe Império, estavam dispostas em filas ordenadas. Mas não eram elas que deixavam Rhodan sem fala. Embora essas naves pudessem perfeitamente mergulhar um astronauta humano em complexos de inferioridade.

— Não! — gaguejou Rhodan consigo mesmo. — Oh, não!

Ouviu a respiração pesada da arcônida, que também tinha os olhos fitos no milagre.

Logo após as fileiras de naves da classe Império, mais dois vultos gigantescos, também de formato esférico, erguiam-se para o céu. Se as naves da classe Império podiam ser consideradas muito grandes, essas unidades eram verdadeiros supergigantes.

Seu imenso cinturão, abrigo dos propulsores, e situado exatamente no plano equatorial do corpo esférico, começavam na altura em que terminavam as cúpulas polares superiores das naves da classe Império. Face a isso seu tamanho podia ser avaliado com uma precisão razoável.

Eram duas montanhas, que apesar da distância não podiam ser vistas em toda a altura. Rhodan fechou os olhos, para abri-los com mais força.

— Sempre pensei que os gigantes da classe Império fossem as naves mais poderosas de sua frota — observou com a voz gaguejante. — Pelo amor de Deus, Thora, o que é isso? Esses gigantes devem ter uns mil e quinhentos metros de diâmetro. Quem construiu aquilo?

A arcônida estava muito pálida. Respondeu em tom apressado:

— Foi ainda durante o governo de minha dinastia que surgiu o plano de construir supercouraçados desse tamanho. São as naves da classe Universo, se não me engano. Nunca chegaram a construí-las, ao menos até o tempo da minha partida, treze anos atrás. Mas, nos últimos anos, aconteceu uma infinidade de coisas.

Rhodan não conseguia tirar os olhos dos dois supercouraçados. Nem desconfiava de que seus homens o contemplavam numa terrível tensão nervosa, até que Bell disse com um gemido:

— Ainda acabo enlouquecendo. Já conheço este olhar. Meu amigo, não se deixe dominar pela megalomania. Jamais nos entregarão um barco desses.

— Pelo menos mil e quinhentos metros — sussurrou Rhodan imerso em suas reflexões. — Mil e quinhentos metros, sem contar as colunas de sustentação. Calculo que tem cem vezes o poder de fogo da Stardust-III. É inacreditável. Está bem, não direi mais uma única palavra. Oportunamente conversaremos a respeito.

Thora estava entrando num carrinho que flutuava pouco acima do solo, sustentado por um pequeno campo de repulsão.

O ritmo de uma música súbita e barulhenta arrancou Rhodan de suas reflexões. Seu cérebro trabalhava febrilmente na elaboração de um novo plano. Constantemente, voltava os olhos para as montanhas de aço arcônida. Ao lado delas, as naves da classe Império eram uns veículos bem delicados.

— Dou as boas-vindas de Árcon III aos defensores do Império — disse uma voz retumbante.

A música voltou a soar. Viram o veículo de grandes dimensões que se aproximava. A extensa área da plataforma comportava mais de cinqüenta pessoas.

Desta vez não precisariam marchar sob o sol causticante.

— Falem, conversem — foi a ordem que Rhodan mandou transmitir de homem para homem. — Demonstrem alegria e curiosidade, riam. Isso faz parte do jogo. Afinal, somos seres vivos. Vamos logo! Não façam o papel de gente anestesiada. Afinal, a surpresa não pode durar para sempre.

Um grupo de homens alegres e conversadores subiu à plataforma baixa do veículo. Antes que o mesmo se pusesse em movimento, Rhodan lançou mais um olhar sobre os couraçados da superclasse. Depois pensou no destino longínquo: “o espaçoporto era gigantesco”.

 

O Tempo de rotação em torno do eixo do terceiro planeta sincronizado do sistema interno de Árcon correspondia a 28,4 horas, segundo os padrões terranos.

Se em todos os mundos do Universo, a noite ou o crepúsculo descem vez por outra sobre uma das faces, isso não acontecia nesse astro extraordinário.

Os robôs não precisavam de sono, nem de pausas ou férias. O ruído de milhões de máquinas e linhas de montagem inteiramente automatizadas formava o ritmo de um mundo que não conhecia a escuridão.

No hemisfério em que reinava a noite, os sóis atômicos substituíam o astro natural. Bilhões de instalações fixas de controle e robôs móveis trabalhavam ininterruptamente.

Em Árcon III, onde antes da intervenção do gigantesco cérebro central de controle, reinara o silêncio cadavérico de um império moribundo, hoje havia despertado para uma nova atividade. Há seis anos terranos o silêncio parara.

A maior das máquinas de guerra da Galáxia iniciara a produção em série de naves espaciais com tamanho élan, que até parecia que desejava de arrancar, de um dia para outro, os velhos tempos da política de conquista dos abismos melancólicos do esquecimento.

Rhodan tentara avaliar apenas o problema do abastecimento de matérias-primas. O planeta Árcon III estava totalmente explorado. Nele não seria encontrado nenhum torrão de minério digno de ser extraído do solo.

Uma frota mercante bem dirigida estava a caminho ininterruptamente, para trazer as mercadorias que se tornavam necessárias. Nos espaçoportos dos planetas 5, 6, 7 e 8, onde era permitido o transbordo, eram negociadas mercadorias que muitas vezes teriam de ser transportadas através de enormes distâncias galácticas.

Também em Árcon II, o mundo destinado à produção de artigos industriais úteis ao povo, as fábricas estavam trabalhando. Árcon produzia em benefício do Império.

Rhodan logo desistiu de compreender, com a inteligência, qualquer problema setorial que fosse daquela gigantesca organização. Era impossível!

Todavia, descobrira o motivo lógico para a construção de um cérebro robotizado de tamanhas dimensões. Mesmo os velhos arcônidas, que ainda se mantinham em atividade, já não seriam capazes de controlar os problemas que se apresentavam, e que se contariam pelos milhões. Só mesmo uma máquina seria capaz disso, e essa máquina, face aos inúmeros circuitos específicos, teria que ocupar um enorme espaço.

Faziam 32 horas que o comando se encontrava no mundo da mecanização total. Poucas vezes, haviam visto um arcônida. Em compensação, os seres vindos de todos os setores da Galáxia submetidos ao domínio do Império eram muito numerosos.

O gigante robotizado estava prestes a submeter até mesmo as raças subdesenvolvidas a um treinamento hipnótico intensivo, pois só assim estaria em condições de tripular suas naves.

Praticamente de hora em hora, enormes esquadrilhas rugiam em direção ao espaço. Cada uma tinha um objetivo bem fixado.

Pelas notícias que circulavam, na área do grupo estelar M-13 estavam sendo travadas as batalhas mais terríveis de que se tinha notícia desde a criação do Império.

Os mundos coloniais revoltados, que há mais de quinhentos anos começaram a sacudir o jugo do Império debilitado, subitamente viram-se colocados diante de uma alternativa: a submissão incondicional ou a destruição total. Logicamente o cérebro robotizado não estava interessado em saber quantos seres vivos seriam eliminados, ou se sua atuação resultaria numa injustiça gritante.

Rhodan sentiu-se próximo a um colapso psíquico total sempre que pensava na possibilidade de uma descoberta casual do planeta Terra.

O pavilhão era baixo, amplo e sem qualquer toque pessoal. Seria para abrigar as tripulações recém-recrutadas. A cada raça era destinada uma área específica, da qual só devia sair em caso de necessidade. Os alimentos e as bebidas eram fornecidos com uma rapidez extraordinária sempre que alguém o desejasse.

O local servia principalmente de encontro à raça ciclópica dos naats. A área por eles ocupada era contígua àquela destinada aos homens do grupo de Rhodan.

Os mutantes exerceram uma vigilância extraordinária. Um barulho infernal enchia o recinto. As brigas eram corriqueiras. Eram principalmente os naats que procuravam encrenca a todo instante, já que isso correspondia ao seu gênio.

Num lugar mais distante, vultos de pele azul e cabeça grande estavam agachados no solo. Não havia exemplares de raças não-humanas. Era sabido que mesmo o autômato robotizado funcionava segundo os princípios adotados pelos velhos conquistadores arcônidas.

Os seres não-humanóides, que não respiravam oxigênio, sempre foram os inimigos mais encarniçados do Império. As grandes operações da frota especial visavam principalmente a esses seres.

A área destinada aos humanos estava guarnecida de confortáveis poltronas articuladas. O cérebro fazia tudo que estava ao seu alcance para deixar satisfeitas as tripulações que conseguia recrutar.

Bell lançou um olhar desconfiado para os ciclopes de três olhos. Mais uma vez brigaram, até que os robôs de combate os separassem. Nessa operação, as máquinas não demonstravam a menor delicadeza.

O berreiro dos gigantes de três metros amainou um pouco, sendo substituído por um murmúrio abafado.

— Se há treze anos alguém me dissesse onde estaria a esta hora, eu teria gritado sem parar — observou Bell em tom melancólico. — Já começo a compreender por que fomos recebidos com tamanha gentileza.

Um robusto europeu pertencente ao comando soltou um apito estridente. Com um largo sorriso, contemplou o robô de serviço que se aproximava, anotando solicitamente o pedido que lhe era formulado.

— Não vamos exagerar — advertiu Rhodan em tom nervoso. — Tenho a impressão de que já estamos com a faca na garganta. Tifflor, já se recuperou do exame?

Com um sorriso melancólico Tiff, pôs as mãos no crânio. Nas têmporas, viam-se duas manchas roxas.

— Não agüentaria isso mais uma vez — gemeu. — A máquina quis saber por que todos nós temos um quociente intelectual tão elevado. Sinto dizer isto, mas tenho a impressão de que a máquina está muito desconfiada.

O grupo tornou-se um pouco menos barulhento.

— Vamos chegar mais perto uns dos outros — resmungou Rhodan. — Quando Kakuta voltar, levantem-se imediatamente para dar um brinde. Se preferirem podem dançar. O importante é que ele fique ao abrigo das vistas alheias.

— Chefe, tenho uma forte desconfiança de que o senhor será enfiado mais uma vez nesse detector de vibrações cerebrais — disse o sargento Rous em tom preocupado. — Ninguém escapou disso, mas com o senhor foi muito mais demorado. Perguntaram a cada um de nós como um habitante de Zeklon V pode ter um quociente intelectual que equivale ao dobro do que é encontrado nos cientistas mais importantes de Árcon.

Rhodan apresentava um rosto inexpressivo. Estava desconfiado de que seria submetido mais uma vez à prova de vibrações cerebrais. Evidentemente, o dispositivo automático recorrera às suas instalações especializadas para examinar os dotes mentais dos homens que o almirante Kenos lhe Havia mandado. Isso aconteceu em menos de doze horas após a chegada.

Rhodan sentia as palmas das mãos úmidas quando se lembrava da reluzente sala metálica com os detectores enfileirados. Os olhos de Bell eram grandes e indagadores. Também despertara a atenção do mecanismo por seu quociente intelectual extremamente elevado.

— Vamos aguardar — voltou a dizer Rhodan. — Isso leva algum tempo. Thora fará o que estiver ao seu alcance para que nos confiem uma das naves grandes. O cérebro só pensa em termos lógico-pragmáticos, sem permitir que qualquer tipo de sensibilidade desvie o curso do seu raciocínio. Por isso deve ser mais que evidente que entregará as melhores naves às tripulações mais bem dotadas. Seiko, mantenha-se no grupo. Onde está Tako?

Marshall baixou a cabeça e pôs-se a escutar

— Não estou captando nenhum impulso — disse em voz baixa. — Os inúmeros campos energéticos perturbam a comunicação.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça. Aos poucos sua calma começava a irritar os outros. Os homens estavam atentos como nunca. Havia alguma coisa no ar.

 

Tako Kakuta, o teleportador japonês, voltou com um salto rápido para o luxuoso quarto, no momento em que o robô de serviço entrava na sala.

O autocontrole de Thora foi exemplar. Não dirigiu a palavra à máquina. Sem o menor ruído, aquela imitação sempre sorridente de um arcônida, dirigida por um dispositivo positrônico, retirou-se do recinto.

— Venha — disse em voz baixa.

Tako espremeu-se pela porta entreaberta. O pequeno desintegrador do arsenal da Gazela desapareceu sob a vestimenta em forma de blusa.

— Se pegarem o senhor com isso, nosso jogo estará perdido — disse em tom indiferente. — Salte de volta, mas não se esqueça das instruções. Perry deverá insistir, de qualquer maneira, na afirmação de que eu lhe dei um treinamento hipnótico de primeira classe. Minha qualidade de comandante da dinastia de Zoltral foi reconhecida. A probabilidade de ser identificada como Thora é extremamente remota. Os comprovantes são perfeitos.

Tako despediu-se com um gesto, antes de desaparecer num fugaz fenômeno luminoso.

Recuaram apressadamente da poltrona articulada vazia, que no mesmo instante passou a abrigar um vulto. Rhodan levantou-se de um salto. Sua exclamação fez com que os homens levantassem os braços. Tako estava perfeitamente escondido.

— Você demorou muito — cochichou Rhodan apressadamente. — O que aconteceu? Houve algum problema?

— Thora foi interrogada hoje pela segunda vez. Não compreende o motivo. Seja como for, foi investida no comando da Veast Ark. Amanhã deveremos subir a bordo. O treinamento ficará a cargo de Crest, que no momento está sendo submetido a um processo de aprendizagem hipnótica.

— De que tipo é a nave? — perguntou Rhodan ansiosamente. — É um cruzador? Ou será uma nave da classe Império?

Uma expressão de medo e insegurança surgiu no rostinho infantil de Tako.

— É pior do que isso, chefe! A Veast Ark é um dos novos supergigantes. Aconteceu exatamente aquilo que o senhor previa. Nossos quocientes intelectuais extremamente elevados e o treinamento aprimorado que possuímos levaram o cérebro a nos enviar para a nova máquina.

Rhodan cerrou as pálpebras. Então era isso mesmo!

— Eu sabia! Não poderia ser de outra maneira, a não ser que o cérebro não fosse capaz de extrair dos fatos conseqüências lógicas e coerentes. Só não seríamos colocados a bordo do gigante caso existisse outra tripulação de igual categoria. Por que você acha que isso é ruim?

— Thora parecia muito preocupada. Os novos supercouraçados da classe Universo contêm as conquistas mais recentes da ciência arcônida. Neles existem máquinas que ainda não conhecemos. Além disso, têm um dispositivo automático de segurança inteiramente positronizado, que mantém contato direto com o robô central, seja qual for a distância. Acho que não será possível provocar a decolagem com uma tripulação de apenas cinqüenta homens.

— Se necessário, eu faço isso com trinta homens — disse Rhodan em tom frio. — Basta que haja uma chave direta de emergência como a da Stardust para que eu controle todos os propulsores a partir da sala de comando. Não haverá problema.

Levantou-se abruptamente e pegou o capacete. Os naats lançaram olhares curiosos em sua direção.

De repente, os homens tornaram-se muito silenciosos. Seus olhares diziam tudo. Se não estavam enganados, o “velho” acabara de tomar uma decisão que, de uma hora para outra, traria o êxito ou a destruição.

Andando fora de forma, saíram do pavilhão e dirigiram-se aos alojamentos. Lá fora sentiram-se ofuscados pela luz de um sol atômico que brilhava nas alturas. Um planador antigravitacional teleguiado levava um gigantesco moldador de impulsos à oficina de reparos que se encontrava por perto.

— Descansem e acalmem os nervos! — ordenou Rhodan. — Permaneceremos a bordo enquanto for possível. O tempo não significa coisa alguma, a não ser que surja algum acontecimento que transforme um segundo numa preciosidade insubstituível. Marshall, mantenha sua equipe de prontidão. Para sairmos daqui, o senhor terá que engajar todas as forças.

Um grupo de monstros barulhentos passou perto deles. Eram os gigantescos blindados destinados às operações de terra que rolavam em direção aos couraçados da classe da Stardust.

— As intenções do Grande Coordenador são as melhores possíveis — disse Bell em tom irônico. — Só estou curioso para saber quem ele colocará embaixo de nosso nariz quando estivermos a bordo.

Rhodan lançou um olhar para o quadro gigantesco da abóbada energética. Sob ela ficava uma entidade mecânica que a inteligência humana não podia compreender.

A bolha energética emitia um brilho frio e ameaçador. Nenhum poder da Via Láctea poderia rompê-la — com exceção de um único.

— Veremos, Grande Coordenador — cochichou Rhodan. — Veremos!

 

Um verdadeiro labirinto de milhares de corredores, salas enormes e cubículos apertadíssimos fora instalado pelos engenheiros astronáuticos mais experimentados da Galáxia naquele vulto esférico de 1.500 metros de diâmetro, que parecia de fora formar uma massa compacta.

Não havia nenhum recanto, nenhuma área, por menor que fosse, que não preenchesse alguma finalidade.

O grande elevador central, que atravessava o corpo esférico em linha reta, de pólo a pólo, constituía o único elemento de orientação. Era um couraçado no qual uma tripulação de mil pessoas poderia desaparecer por completo. Os gigantescos salões que abrigavam as usinas geradoras estavam subdivididos em vários planos. Em seu interior, alguém poderia perder-se.

Rhodan viu-se diante de um problema cuja solução necessariamente demandaria um certo tempo. Pela própria natureza das coisas, seria impossível abrangê-lo num relance.

Fazia quatro dias de Árcon que se encontravam a bordo da Veast Ark. Crest, que ali estava sendo identificado por outro nome, fez o que esteve ao seu alcance para instruir os cosmonautas e os técnicos do comando.

As dependências mais importantes já eram conhecidas. Todos procuravam não se afastar muito do elevador central, pois se o fizessem se perderiam irremediavelmente.

O aprendizado hipnótico de Rhodan revelara-se um tanto deficiente. Havia naquela nave pavilhões e salas cujo formato, determinado pela respectiva finalidade, muitas vezes era tão estranho que não se poderia pensar em compreendê-los num curto espaço de tempo.

A idéia de que o cérebro não se deixaria enganar por muito tempo pesava em sua mente. Por isso realizou esforços tremendos para identificar principalmente os postos de controle mais importantes e inspecionar os aparelhos instalados nos mesmos.

O mecanismo de pilotagem era quase idêntico ao da Stardust-III. A central instalada no centro geométrico da nave abrigava um mecanismo sincronizador inteiramente positronizado cuja perfeição era tamanha, que sem a menor dúvida seria capaz de controlar os propulsores, as centrais energéticas e a aparelhagem auxiliar, desde que o aparelho de controle montado no interior da central concordasse com isso.

Abaulado em semicírculo e enfeitado por algumas telas de imagem, o colosso blindado ficava logo atrás das mesas de controle em meia-lua instaladas diante dos assentos dos pilotos.

Tratava-se de uma estação retransmissora do grande robô. Um exame cauteloso realizado pelos mutantes revelara que o pequeno cérebro robotizado fora programado especialmente para as tarefas de controle da nave. A qualquer momento poderia intervir nas operações normais e interromper as mesmas, sendo capaz de paralisar mecanismos potentes e interromper séries de cálculos em pleno processamento.

O Grande Coordenador tomara suas providências para que também aqui o controle não lhe escapasse das mãos. Rhodan já se convencera de que, enquanto existisse esse posto de controle de alta potência, uma decolagem forçada seria totalmente impossível.

No interior do supercouraçado, os homens e as mulheres do comando não passavam de partículas de pó num deserto. Perdiam-se na imensidão. Tornava-se necessário recorrer aos aparelhos de radiocomunicação para localizar alguém que estivesse andando por aí, apontando-lhe o caminho da sala de comando.

Nesse ponto, a gigantesca nave realmente representava uma catástrofe, por mais sedutor que parecesse o poderio que irradiava da mesma.

Há uma hora, Thora solicitara permissão para realizar um ensaio com os dezoito propulsores de gigantescas proporções. A permissão só foi concedida depois que Crest e Rhodan confirmaram que também saberiam manipular os controles.

Naquele momento os dezoito bocais de jato montados no anel equatorial bramiam e cuspiam fogo. Como era usual nas naves arcônidas, toda a aparelhagem de propulsão estava instalada nesse anel.

Quando trabalhavam em ponto morto, as máquinas proporcionavam uma força de empuxo que ficava cinco por cento abaixo daquela que, com a gravitação reinante, elevaria o corpo gigantesco da nave acima do solo.

A conseqüência disso foi que os discos de apoio dos pés de aterissagem, que eram verdadeiras torres, eram arrastados por vários metros sobre o revestimento metálico da pista. Vibrações extremamente fortes foram sentidas no interior da nave.

Concentrado ao máximo, Rhodan estava acomodado no assento do segundo astronauta. Tinha diante de si os mesmos instrumentos de controle que se encontravam ao alcance da mão de Thora.

Tratava-se da ligação de emergência ou de perigo, que apenas por um curto espaço de tempo permitia que o controle fosse exercido por duas pessoas. Era evidente que esse tipo de pilotagem estava acompanhado de tolerâncias extremamente elevadas, que não poderiam ser usadas num vôo de longa distância.

De qualquer maneira, Rhodan descobrira que dessa forma a Veast Ark poderia ser levada ao espaço. Todavia, as indicações dos inúmeros autômatos de correção nunca poderiam ser controlados por duas pessoas. Um vôo realizado com base na ligação de emergência nunca passaria de um tatear incerto, que conduziria a situações cujo domínio exigia uma equipe de comando bem treinada.

Imediatamente após o início do funcionamento dos reatores, Rhodan virou-se abruptamente. Assim que a primeira língua de fogo saiu dos bocais, uma forte luminosidade surgiu atrás dele. O monstro blindado sob o qual se abrigava o autômato auxiliar do grande robô, subitamente se envolvera num campo energético de elevada potência.

Cinco minutos já se haviam passado, desde o momento em que os reatores foram ligados. A chave-mestra do regulador automático sincronizado de potência estava apenas um traço acima da marca zero.

Apesar disso, o colosso continuava a escorregar sob o efeito das vibrações, afastando-se cada vez mais da sua posição primitiva.

Crest guarnecia a sala principal de máquinas juntamente com quinze técnicos. Os resultados das medições fornecidos dali eram impecáveis.

— Um a dezoito em perfeitas condições — soou a voz retumbante de Bell nos alto-falantes. — Boa coordenação, tolerância de mais ou menos 0,001 por cento. Os reguladores de empuxo começam a funcionar com um desvio de 0,002 por cento. Propulsores em boas condições de funcionamento. Fim.

Ao surgir na tela, o rosto de Bell apresentava uma expressão de nervosismo. Rhodan sacudiu a cabeça de forma quase imperceptível. Ainda era cedo para uma fuga forçada para o espaço.

Os lábios de Bell estreitaram-se. Sem dizer uma palavra, desligou.

— Ensaio concluído, posição zero — soou a voz de Thora pela aparelhagem de intercomunicação.

Rhodan desligou. O rumorejar profundo no anel equatorial do supercouraçado morreu. Apesar dos campos de absorção de partículas, o solo tornara-se incandescente a uma distância de setecentos metros dos bocais.

O silêncio passou a reinar na sala de comando. Só os instrumentos de controle continuavam a funcionar. Thora lançou um olhar para Rhodan.

Enquanto ela girava a poltrona e se levantava, Rhodan procurou localizar o mutante Wuriu Sengu, que se encontrava por ali. Ao descobrir o espia, foi agraciado por um ligeiro aceno de cabeça.

O ensaio das máquinas preenchera sua finalidade. Sengu, cujo dom não era afetado por camadas de aço arcônida de um palmo de grossura nem por campos energéticos altamente concentrados, fora encarregado de verificar de que forma os controles da estação de bordo estavam ligados ao cérebro central.

Tanaka Seiko, o mutante positivo que reagia a qualquer tipo de ondas, também estava presente. Ao que parecia, também concluíra suas investigações.

Rhodan voltou a dirigir o olhar inexpressivo para os controles. Subitamente, a voz metálica do Grande Coordenador se fez ouvir:

— Mantenha-se afastada da linha vermelha de perigo, comandante.

Thora estacou. A coisa semi-esférica, de altura superior à de um homem, instalada no centro da sala de comando, ainda não desligara o campo energético. Rhodan notou o impulso diagramático tremulante numa tela pequenina, quase imperceptível. Examinando-o mais detidamente, Rhodan percebeu que, em algum lugar, nas entranhas da nave, funcionava uma usina de força de menos de 80 mil quilowats-hora. O zumbido delicado era quase imperceptível. Perdia-se em meio aos outros ruídos.

Concluía-se que o aparelho funcionava com a energia fornecida pelos mecanismos da nave. Um interesse ansioso surgiu na mente de Rhodan. Memorizou cuidadosamente o pequeno algarismo surgido na parte inferior da tela diagramática. O mesmo só podia referir-se a uma pequena instalação energética secundária. As usinas maiores produziam um potencial muito mais elevado.

Tifflor também havia percebido. Empalideceu ao olhar para Rhodan.

— Ensaio concluído — disse Thora, dirigindo-se ao receptor invisível do autômato. — Daqui a dez dias, poderei arriscar a primeira decolagem. Até aqui as reações dos meus tripulantes foram excelentes. Aliás, nem era de esperar que fosse diferente com zeklons da guarda do velho Imperador submetidos a um aprendizado hipnótico. Gostaria de realizar um ensaio das usinas energéticas.

Aguardou a resposta. Um ligeiro zumbido foi ouvido na cúpula de aço.

— Permissão concedida — decidiu o cérebro no seu estilo lacônico e indiferente.

Thora voltou. Rhodan estabeleceu o contato audiovisual com a segunda equipe técnica que, sob a direção de Rous, guarnecia a central energética principal.

Com isso, os postos mais importantes da nave estavam guarnecidos. O sargento chamou.

— Reatores um a oito em ordem, iniciado o processo de aquecimento — transmitiu.

Poucos segundos depois, os reatores nucleares arcônidas iniciaram seu processo de fissão nuclear, análogo ao do sol, que se realizava com base na catálise do carbono. Estrelas artificiais surgiram no monstro de muitos metros de altura, cuja energia era captada pelos conversores acoplados e conduzida diretamente aos circuitos sem fio, que faziam funcionar as máquinas e instalações da nave.

Os reatores de números um a oito entraram em funcionamento com intervalos de dez segundos. No fim, o supercouraçado era um verdadeiro monstro prenhe de energia.

Rhodan viu confirmado o relato do teleportador, segundo o qual a Veast Ark estava plenamente equipada e pronta para decolar. O que o incomodava era apenas o poderoso comando de robôs de combate, que ingressara na nave juntamente com os tripulantes humanos.

Rhodan trocou um olhar ligeiro com Thora. Esta empalideceu no momento em que ligou o compensador de gravitação. Um rugido terrível penetrou até a sala de comando. Dos instrumentos de medição, concluía-se que o suprimento de energia aos projetores fora regulado pelo mecanismo automático para o valor de 1,3 g.

No mesmo instante, o ruído dos geradores cessou. Uma campainha estridente rompeu o silêncio. Linhas vermelhas surgiram na tela do autômato.

— Não concedemos permissão de usar os compensadores — soou a voz retumbante saída do aparelho.

Não houve outra advertência, e a voz não parecia muito ameaçadora. Mas o simples fato da interrupção abrupta do funcionamento dos geradores demonstrava o grau extraordinário de vigilância daquele cérebro, ocupado simultaneamente numa infinidade de outros problemas.

Thora anunciou o encerramento dos ensaios programados para aquele dia.

— Permissão para o encerramento concedida — soou a frase estereotipada. — Atenção para a interpretação de sua atividade. Face ao excelente desempenho de sua tripulação, convém colocar a bordo as tropas auxiliares já preparadas. Mil e quinhentos naats devidamente instruídos subirão a bordo dentro de quatro horas. Ficarão submetidos ao seu comando. Prossiga na instrução teórica dos seus zeklons. Fim.

Rhodan não conseguiu reprimir uma vigorosa praga. Com o rosto pálido, olhou para o autômato auxiliar que media pelo menos dez metros de diâmetro e executava com tamanha rapidez e precisão as ordens da estação a que estava subordinado.

— Era só o que faltava — cochichou Rhodan para a arcônida. — Não tem um meio de impedir que os naats sejam colocados a bordo?

Thora ergueu os ombros, desolada. Para uma arcônida o gesto era muito humano.

Os comandos vigorosos de Tifflor suplantaram a palestra. As vinte pessoas que se encontravam na sala de comando levantaram-se. Marshall lançou um olhar saudoso para a sala de rádio, que estava separada por uma parede blindada transparente.

Não tinham nada a fazer por lá. Por enquanto o treinamento só abrangia os setores mais importantes.

Thora passou pelos homens que faziam continência. O reluzente campo energético que cercava a estação retransmissora se desfez. Rhodan arriscou um ligeiro olhar para o indicador de potência do pequeno gerador. A curva já se apagara.

As escotilhas de segurança de vários metros de grossura, feitas de aço arcônida, abriram-se diante deles. O ventre mecânico da gigantesca nave escancarou-se diante dos homens que saíam da sala.

Dois guardas robotizados fizeram continência, atirando os braços armados para cima. Wuriu Sengu espremeu-se ao lado de Rhodan. Os outros logo compreenderam. As discussões em torno deste ou daquele acontecimento tornaram-se mais ruidosas e violentas.

— É uma coisa estranha — disse o robusto japonês em tom exaltado. — Olhei aquela coisa de todos os lados e até pelo avesso. Não há nenhum cabo que chegue até lá.

— Não tem nenhuma ligação por cabo? — disse Rhodan, surpreso e perplexo. Seu cérebro infatigável começou a funcionar.

— Será possível? Constatei que o robô recebe seu suprimento de energia de uma fonte instalada no interior da nave.

— Não há nenhum cabo — insistiu o espia. — Mas o aparelho dispõe de suprimento de energia próprio. Vi nitidamente um minigerador.

Rhodan engoliu uma praga. O nervosismo começou a martirizá-lo.

— Conheço a explicação — cochichou Tanaka Seiko, o goniômetro, enquanto se aproximava. — No momento em que o campo energético foi ativado, registrei um fluxo energético sem fio. Veio de baixo. A interrupção no funcionamento das máquinas foi levada a efeito por meio de impulsos de rádio transmitidos pelo intercomunicador numa freqüência absolutamente estranha. Trata-se de ondas hipermoduladas, que saltam a grandes intervalos sobre a escala de freqüências. Não é possível esquematizá-las.

Rhodan parou, perplexo. Então era isso!

— E o reator embutido no aparelho? Entrou em funcionamento? — perguntou com a voz tensa.

— Não senhor, tenho certeza absoluta. Acredito que só será usado numa emergência.

Rhodan e seu grupo entraram no grande corredor circular que contornava a sala de comando numa curva bastante ampla, dali havia conexões radiais com o convés central, cuja área bastava para abrigar todos os alojamentos dos tripulantes.

Passaram pelo poço antigravitacional do elevador central, que emitia uma leve fosforescência, seguindo os que iam à frente. Rhodan viu-se novamente em meio aos seus homens.

— Prestem atenção — disse falando apressadamente e em voz baixa. — Não adiantaria interromper o suprimento de energia. O robô de controle está equipado com gerador próprio. Ivã, logo após o jantar você terá que procurar um esconderijo na sala de comando, que não possa ser captado por qualquer circuito de televisão. Fique por lá. Se alguma coisa não der certo, essa sala provavelmente será a primeira a ser trancada. Leve um microrrádio. Assim que receber a minha ordem, você destruirá aquilo juntamente com a cúpula de aço, procedendo de forma a não demolir todas as instalações.

O mutante de duas cabeças levantou as mãos. Era a única pessoa capaz de destruir o mecanismo de controle numa ação totalmente inesperada.

Antes de entrarem na sala da tripulação com as numerosas telas, os homens estavam devidamente informados. Cada um conhecia o lugar em que devia apresentar-se.

Rhodan penetrou na ampla e confortável sala de refeições. Gucky, que há quatro dias arcônidas não fazia outra coisa senão saltar de um recinto para outro, dedicando uma atenção toda especial aos depósitos de armamentos, estava agachado em atitude melancólica junto a janelinha pela qual era servida a comida. Sem dizer uma palavra, Rhodan pegou o sujeitinho na altura dos quadris e o suspendeu no braço esquerdo. Gucky chiou de prazer.

Em meio a uma conversa tola, cochichou suas informações:

— Está completamente armada, chefe. Bombas arcônidas, radiadores de impulsos e desintegradores. Só os depósitos de mantimentos não estão cheios. Não existe praticamente nenhum lugar ao qual não tenha ido.

— Onde estão os robôs de combate?

— No convés dois, lá embaixo, pouco acima da comporta inferior. Contei trezentos. Ainda há uns vinte e cinco que montam guarda aqui em cima. São máquinas pesadas, chefe!

Rhodan e seus oficiais sentaram em torno de uma mesa grande. Thora e Crest retiraram-se para a sala especial que lhes era destinada. Como arcônidas que eram, não podiam rebaixar-se a ponto de comerem na mesma sala dos zeklons.

Rhodan comia automaticamente. Seus pensamentos estavam longe dali.

— Marshall — soprou para dentro do aparelho implantado em sua garganta, sem mover os lábios. O telepata respondeu. — Preste atenção aos meus pensamentos. Ainda não estou em condições de transmitir livremente. Compreendeu?

Como por acaso, Marshall ergueu a mão. Rhodan continuou a comer como se nada tivesse acontecido.

“Mande seus três teleportadores prepararem desintegradores portáteis. Devemos contar com um ataque dos robôs. Quando a hora tiver chegado, os teleportadores e os telecinetas deverão ser os primeiros a atacar. Reúna seus homens e mantenha desimpedido o convés central até que tenhamos chegado à sala. Acha que conseguirá?” Mais uma vez o telepata respondeu com um ligeiro sinal.

A conversa tornou-se cada vez mais forçada e vazia. Numa e noutra das mesas começaram a soar gargalhadas pouco autênticas. Ninguém deixara de perceber a conversa muda, e todos haviam ouvido que, dentro de quatro horas, 1.500 ciclópicos naats seriam levados a bordo.

Era claro que não poderiam aceitar mais esse tipo de dificuldade.

— Tan’Ro, acabo de ser informada de que em breve deverão chegar cinco mil robôs pesados de combate da última série. O Grande Coordenador julga conveniente avisar os naats, que chegarão logo após, de que qualquer rixa será imediatamente punida. Como lugar-tenente do comandante, você deverá colocar os robôs nos depósitos a eles destinados. Entendido?

— Entendido, Alteza — disse Rhodan com o rosto pálido e a voz débil.

A expressão de desespero nos olhos de Thora era inconfundível.

— Mais uma coisa — disse com a voz entrecortada. — Pedem que, uma vez terminado o carregamento dos robôs, você compareça ao pavilhão de exames. Ordenaram nova investigação no seu cérebro. Não será dolorosa. Você voltará imediatamente. Pretendo realizar mais um ensaio de máquinas. Fim.

A imagem na tela empalideceu. Rhodan sentou lentamente. Por alguns segundos, reinou um silêncio completo no salão, em que cabiam quinhentas pessoas.

— Quer dizer que os robôs chegarão, o mais tardar dentro de três horas. Vamos terminar a refeição e concluir os preparativos.

O sargento Rous foi o primeiro a afastar a louça de plástico. Pigarreando fortemente, convocou os homens de sua equipe técnica. O rosto de Anne Sloane apresentava uma palidez cadavérica. Era evidente que, se não poderiam aguardar a entrada de 1.500 ciclopes, muito menos poderiam esperar a chegada de 5 mil máquinas de guerra pesadas. Se necessário, poderiam enfrentar os primeiros, mas nunca um número tão grande de máquinas que cumpririam prontamente qualquer ordem do cérebro central.

Bell apalpou cuidadosamente o bolso interno de sua blusa colorida. Isso significava que os dados de uma transição ligeira que os levaria ao quinto planeta já haviam sido programados. Isso fora feito com o auxílio do microcalculador que, apesar do perigo que isso representava, fora trazido dos depósitos da Gazela.

Não se poderia correr o risco de utilizar um dos inúmeros instrumentos de bordo. Era um plano desesperado, que se tornava cada vez mais arriscado, à medida que aumentava a dependência temporal.

— Apresse-se! — insistiu Rhodan. — Vamos proporcionar-lhes uma recepção condigna.

 

Mal saíram para o largo corredor que dava para a sala de comando, aconteceu alguma coisa com que nem Rhodan, nem qualquer dos outros homens do grupo contavam, principalmente num momento tão crítico.

O aparelho de minicomunicação guardado sob a blusa de Rhodan emitiu um zumbido estridente. Estava regulado apenas para uma freqüência bem determinada, por isso não poderia tratar-se de uma transmissão ocasional. Ouviram-se três zumbidos; depois houve uma ligeira pausa, seguida de cinco zumbidos.

Os dedos de Rhodan abriram apressadamente a vestimenta. O minúsculo instrumento apareceu.

— É a Terceira Potência que está falando — soou uma voz apressada. Somente o coronel Freyt, comandante da Ganymed, poderia conhecer o sinal convencionado. Recebera instruções para só acionar os potentes transmissores da nave num caso de extrema emergência ou perigo.

O rosto de Freyt surgiu na minúscula tela de imagem.

— Graças a Deus, o senhor ainda está vivo — soou a voz vinda do microalto-falante. — Ocorreu a hipótese Crepúsculo. Um comando de busca chefiado pelo naat Novaal descobriu que o senhor, Crest e Thora não se encontram a bordo. Novaal vai denunciar o fato. Orientei as antenas direcionais exatamente para Árcon I, II e III. Esperava encontrá-lo em algum lugar. Corremos um perigo enorme. Se o cérebro robotizado raciocinar logicamente, tudo estará perdido.

Rhodan contorceu ligeiramente os músculos da face.

— Obrigado — fungou. — Fim. Aguarde-me dentro de trinta minutos. É possível que demore mais um pouco. Chegaremos num super couraçado. Prepare o plano Vesúvio. Teremos de arriscar tudo.

Os homens ficaram em atitude tensa.

De uma hora para outra, surgiram as armas que haviam sido guardadas nos alojamentos e foram passadas de mão em mão.

— Não podemos perder tempo; está na hora — disse Rhodan apressadamente. — Todos a postos. Ivã, saia correndo. Você tem que dar um jeito de entrar na sala de comando. O cérebro só levará poucos segundos para descobrir quem somos. Os elevados quocientes intelectuais pelo menos o levarão a realizar um controle. O fato de que lá desapareceram vinte e cinco homens do nosso tipo logo provocará a desconfiança do robô. Gucky, salte para o depósito de armamentos juntamente com os outros teleportadores. Bell, entregue a fita de programação a Tifflor. Ele se encarregará da transição. Vamos logo, Ivã!

As últimas palavras terminaram num berro. Lá adiante o vulto gigantesco do mutante dobrou por um canto do corredor.

Gucky, Ras Tschubai e Tako Kakuta dissolveram-se no mesmo instante. Sabiam perfeitamente de que armas precisariam para enfrentar um ataque de robôs.

Os outros homens saíram em disparada, num silêncio paradoxal. Era uma corrida contra o tempo. Se o naat já tivesse transmitido seu aviso, o cérebro robotizado agiria com uma coerência implacável. E o estranho ser peludo seria reconhecido imediatamente.

Rhodan correu. Correu com o peito ofegante e as pernas apressadas em direção à sala de comando. Thora e Crest apareceram, vindos de um corredor lateral. Foi nesse momento que soou o alarma. Um apito estridente começou a soar. Outros juntaram-se a ele.

No momento em que Rhodan passava pelo elevador central, as escotilhas blindadas da sala de comando fecharam-se mais à frente. Com um forte estalo abriram-se os campos protetores energéticos destinados a oferecer proteção adicional. Sua luminosidade azulada fez empalidecer as luzes normais.

— Para trás! — gritou Thora apavorada.

No último instante, Rhodan conteve o salto.

— Ivã está lá dentro — gritou Wuriu Sengu, que se encontrava mais atrás. — Eu o vejo.

Respirando pesadamente, Rhodan empurrou os homens para trás, até a altura do elevador. O berreiro das instalações de alarma ainda enchia os recintos amplos do supercouraçado.

Ao fecharem-se, as escotilhas haviam atirado Ivã Goratchim ao solo. As duas cabeças comunicaram-se com um grito. Mais adiante, a uns quarenta metros do lugar em que se encontravam, o campo energético especial do controlador automático se inflamara. O instrumento se regulara para o suprimento energético de emergência.

As cabeças concentravam-se. A expressão dos grandes olhos tornou-se mais intensa. Os impulsos mentais invisíveis de nível superior atravessaram facilmente a estrutura energética do campo protetor.

O primeiro composto de carbono foi descoberto no próprio envoltório blindado. Ivã preferiu não atacar essa concentração de átomos. Isso levaria a uma explosão devastadora.

Na solda de uma das ligações de energia, seus olhos descobriram vestígios de cálcio.

— Isso! — gemeu a cabeça da esquerda. — Não é demais. Tudo preparado?

Um impulso poderoso atravessou a barreira energética e a abóbada blindada. Apenas uns poucos átomos de cálcio foram atingidos pelo processo.

Ivanovitch, o jovem, soltou um grito estridente. Contrariando a vontade do outro cérebro, os dois braços do corpo desengonçado cobriram os olhos ofuscados. O colosso caiu pesadamente para a frente.

Uma ofuscante incandescência branca saiu do autômato. A chama subiu até o teto abaulado, atingindo o parapeito circular e causando graves avarias em alguns instrumentos de interpretação astronômica ali instalados.

A abóbada blindada de aço de Árcon não se desfez nos seus componentes. Mas no centro da mesma, apareceu uma fenda de um palmo em cujo interior fervilhava o material derretido. O campo energético desmanchou-se numa luminescência bruxuleante. O alarma automático de fogo logo passou a desenvolver sua atividade febril.

Os estridentes apitos de alarma deixaram de funcionar. As lâmpadas vermelhas voltaram a acender-se sobre as portas blindadas da sala de comando, que continuavam fechadas. As instalações comuns da nave, que já não estavam sujeitas à influência do controlador automático, imediatamente voltaram a desempenhar suas funções.

Ivanovitch gritou. Seu irmão mal e mal conseguiu arrastar o corpo da trajetória da porta interna que se abria.

Rhodan saltou para o recinto, com a arma engatilhada. Uma vez desaparecida a cortina energética, o mecanismo que abria a porta funcionou sem problemas.

Os lampejos ainda saltavam da abóbada rompida. Uma terrível onda de calor recebeu os homens que se aproximavam apressadamente. O fedor dos isolamentos carbonizados fez com que também a aparelhagem de condicionamento de ar entrasse em estado de alarma.

Rhodan cobriu o rosto com as mãos e saltou para dentro do assento de piloto de encosto alto. Atrás de suas costas, surgiam inofensivos robôs de reparos, controlados exclusivamente pelos mecanismos automáticos da própria nave.

Os bocais do equipamento de incêndio chiaram ao espalharem os produtos químicos que pelo simples contato produziam o congelamento dos pontos atingidos pelo incêndio. Momentaneamente uma temperatura mais amena começou a reinar na sala de comando.

— Thora, controle as usinas energéticas — gritou Rhodan. — Ativar os campos defensivos. Rápido!

Os dedos trêmulos de Thora manipularam os controles.

O sargento Rous avisou que a nave estava pronta para decolar. Fazia algum tempo que chegara ao posto de controle das máquinas. Os alto-falantes de bordo transmitiram os primeiros rugidos dos disparos energéticos de alta potência.

Marshall e Sengu colocaram sobre as pernas o mutante monstro, que gemia deitado no chão. Não podiam prescindir de Ivã.

As enormes telas de visão global iluminaram-se diante de Rhodan. No mesmo instante, os grupos de geradores de números um a quatro começaram a funcionar.

Uivando fortemente, logo desenvolveram a potência máxima.

Quando os projetores de campo superpesados começaram a absorver a energia liberada, o gigantesco espaçoporto transformou-se num fim de mundo.

Um tremendo fluxo de energia espalhou-se vertiginosamente pelo corpo esférico do couraçado.

As placas de aço de vários metros de grossura que serviam de pavimento ao campo de pouso, transformadas em matéria gaseificada, foram atingidas pelo campo de defesa hipermagnético e atiradas violentamente para fora.

O hipercampo que servia à defesa contra objetos materialmente estáveis avançou até alcançar um raio de cinco quilômetros. As naves mais próximas foram agarradas por forças invisíveis e impelidas com tamanho ímpeto que até parecia que estavam decolando mediante o uso de toda a potência dos propulsores.

Uma área de dez quilômetros de diâmetros foi atingida pelos campos defensivos do supercouraçado. Não deixaram nada nos seus lugares. Nos pontos em que as energias tocavam o solo, descargas quilométricas subiam aos céus de Árcon. Os destroços incandescentes choviam, transformados em raios. Longe, um pequeno cruzador explodiu numa incandescência ofuscante. Era uma explosão nuclear espontânea, que só poderia ter sido causada pela reação das armas de bordo.

Um furacão de fogo rugiu sobre a área. Mais e mais construções e veículos espaciais foram atingidos pelas labaredas, e os destroços incandescentes continuavam a subir às camadas superiores da atmosfera.

Os grupos de reatores de números cinco a oito também estavam funcionando. Rous aumentou violentamente o desempenho dos gigantescos geradores. Um mar de lava começou a ferver em tomo da nave, mas esta não foi atingida por qualquer onda de compressão.

Rhodan ouviu seu próprio berro. Não sabia o que estava gritando no seu acesso de entusiasmo. Era a excitação dos últimos dias que encontrara um meio de expandir-se.

Thora anunciou que o campo antigravitacional e os neutralizadores de pressão estavam funcionando. Com isso, poderiam dispor de toda a potência dos reatores.

Os propulsores demoraram muito mais a entrar em funcionamento. Bell e Crest, que se encontravam no posto de controle dos mesmos, transmitiam as informações em tom extremamente nervoso. O propulsor número 16 parecia gaguejar. O processo de fusão nuclear fora iniciado sem que as máquinas estivessem aquecidas.

Dentro de poucos segundos também essa máquina acompanhou o rugido do conjunto que trabalhava em ponto morto.

Num gesto violento, Rhodan baixou a chave de decolagem automática e ligou o dispositivo de emergência destinado à pilotagem manual.

As luzes verdes dos controles de emergência confirmaram que o autômato central entrara em funcionamento. Dali em diante, poderiam contar com o mecanismo de alta potência de compensação positrônica. Pouco importaria a forma de decolagem: a aparelhagem auxiliar seria mantida constantemente na regulagem adequada. Isso acontecia principalmente com o mecanismo destinado à eliminação das forças de inércia desencadeadas durante o processo de decolagem.

— Vamos, decole! — gritou Thora. — O que está esperando? Decole logo!

Olhando para as telas de visão global, Rhodan só viu um mar de fogo branco e ofuscante. Fora uma loucura final ativar os gigantescos campos energéticos no interior de uma atmosfera densa. E era ainda mais louco envolver neles um corpo em repouso.

Um terrível furacão de calor, mais violento e devastador que as ondas de compressão provocadas por uma explosão nuclear, rugiu sobre a área.

Junto aos campos energéticos, o ar entrou em incandescência. O vácuo aumentava de intensidade, enquanto perdurava o aquecimento forçado. Até parecia que Árcon III teria que submergir num inferno.

“E olhe que apenas ativei os campos defensivos”, pensou Rhodan num instante. Logo colocou as chaves conjugadas dos propulsores na posição de decolagem.

Depois de três segundos as ligações sincronizadas passaram ao verde.

Com um rugido surdo, o gigante esférico desprendeu-se do mar de fogo que surgira no lugar em que antes havia chapas de aço.

Liberada do seu peso em virtude do eficientíssimo campo antigravitacional, os propulsores apenas tiveram que movimentar o gigante e vencer a resistência do ar.

O campo de pouso foi recuado. Dentro de dois segundos atingiram uma altitude de cinco mil metros.

— Cuidado! — gritou Tifflor, abrigando-se imediatamente atrás de um aparelho.

Um raio térmico desprendera-se da abóbada energética bem visível do robô gigante. No momento em que a vista o captou, já percorrera a distância até a nave.

Uma luz ofuscante brilhou nos campos energéticos da Veast Ark. Um rugido surdo interrompeu os ruídos dos propulsores. O supercouraçado rechaçara o raio mortal com tamanha facilidade que o impacto mal chegou a ser registrado.

— Que nave formidável! Que nave formidável! — gritou Rhodan. — Tifflor, ligue o autômato da transição. Entraremos na rota de salto.

A nova aceleração que Rhodan imprimiu à nave foi suficiente para transformar esta num vulto fugaz. Começou com a cifra de cem quilômetros por segundo. O intenso deslocamento de ar provocou novo furacão.

O que ficou para trás foi uma paisagem incendiada. A abóbada energética do cérebro, que continuou intacta, era o único vestígio das enormes construções e dos gigantescos estaleiros que antes cobriam a área.

Depois de menos de dois segundos, o brilho ofuscante desapareceu repentinamente diante dos campos defensivos. A Veast Ark acabara de atravessar as camadas superiores da atmosfera e ingressara no espaço vazio.

Imediatamente, Rhodan deu o desempenho máximo aos propulsores. Nunca ouvira um rugido tão violento produzido por uma aparelhagem desse tipo.

A irradiação de impulsos expedidos à velocidade da luz fez com que o supercouraçado avançasse ainda mais rapidamente. Com uma aceleração de 600 Km/seg2 disparou pelo espaço.

Tifflor trabalhou febrilmente na programação, que só agora se tornou possível.

Ao lado dele, Thora introduziu a rota de aproximação, também calculada com antecipação, no dispositivo positrônico de pilotagem automática. Por enquanto, a nave ainda se deslocava ao acaso pelo espaço vazio.

— Onde estão os dados? — gritou Rhodan.

Uma imagem surgiu na tela. O rastreador automático, que logo começou a funcionar, indicou dois couraçados da classe Império.

As naves dispararam todas as peças. Cinco impactos, que teriam significado a destruição imediata de qualquer outra nave, atingiram simultaneamente os campos defensivos. Um ligeiro solavanco do corpo da nave foi o único sinal do ataque mal sucedido.

Após isso desapareceram imediatamente. As naves da classe Império só conseguiram acelerar à razão de 500 Km/seg2, enquanto o gigante do espaço dirigido por Rhodan atingia a marca dos 600 Km/seg2.

Nas telas de imagem, que finalmente começaram a mostrar contornos nítidos, surgiu o negrume infinito do espaço. Só depois de alguns segundos, os olhos ofuscados conseguiram distinguir o brilho formidável dos sóis muito próximos.

— Ligar o piloto automático — gritou Thora. Estava próxima a um esgotamento total. Rhodan aguardou o sinal verde do piloto automático. Quando veio, moveu uma chave que desligou a direção manual.

Um tremendo rugido fez a Veast Ark estremecer. Num movimento que quase chegava a ser brusco demais para os compensadores de pressão, a esfera foi arrancada de sua trajetória.

A manobra de adaptação que foi seguida por uma força de quase 4g atravessou os compensadores. Thora, atingida pela súbita gravitação, caiu ao solo. Tiff ajoelhou-se abruptamente.

— Já passou — gemeu Rhodan com o primeiro riso descontraído de seu rosto. — Já passou.

Seguiu-se um último empuxo de correção. O marcador de rota foi entrando no círculo de programação. Uma vez atingido, parou. O supercouraçado da classe Universo estava na rota correta.

Rhodan ia enxugar a testa quando recebeu a informação vinda de baixo. Bell havia abandonado seu posto.

— Finalmente estamos em cima. Que coisa linda! Resta saber quanto tempo durará isso. Nossos amigos de quatro braços, não reagem bem aos disparos das nossas armas. Atravessam o teto e vêm subindo. A todo instante surge um deles no lugar em que menos se espera. Já paralisei os elevadores antigravitacionais. Ficar-lhe-ei muito grato se você puder dispensar alguns dos seus homens.

Rhodan conhecia essa linguagem intencionalmente relaxada. Sempre que Bell se exprimia dessa forma, estava prestes a sucumbir.

Rhodan mandou que todos os homens que pudessem ser dispensados descessem. Os mutantes já travavam uma luta encarniçada contra os robôs desalmados, que evidentemente não tinham a noção da morte.

Postos de comando dos mais importantes foram desguarnecidos.

— Mande-os vestir trajes espaciais resistentes — acrescentou Bell. — O rosto que aparecia atrás do capacete estava enegrecido. — A temperatura média por aqui, às vezes, chega a trezentos graus, apesar do sistema de condicionamento de ar que está trabalhando a plena carga.

As ordens de Rhodan precipitavam-se. Faltavam uns quatro minutos para o início da transição. Tiff anunciara que estava tudo preparado. A programação elaborada por Bell fora introduzida num autômato encarregado do hipersalto.

— Thora, faça o favor de expedir um impulso condensado pelo hipercomunicador, dirigido ao coronel Freyt. Repita, por quatro vezes, a palavra minhocão. Solicite confirmação.

Depois de ter posto o transmissor a funcionar, repetiu apenas três vezes a palavra convencionada. Freyt confirmou com um pio de um décimo de segundo.

Já sabia que dentro de três minutos, tempo standard, Rhodan efetuaria a transição.

Nos conveses inferiores, rugia a batalha de robôs. Menos de quarenta humanos e um rato-castor lutavam contra máquinas de guerra dotadas de reações instantâneas, cuja única ambição parecia consistir em desmanchar em cinzas qualquer ser orgânico que se encontrasse a bordo.

Era duro, para falar a verdade, duro demais. Até mesmo os velhos combatentes da batalha de Vega reconheceram isso.

Os teleportadores e telecinetas realizaram um trabalho imenso. Ivã Goratchim destruía uma máquina após a outra, fazendo com que se derretessem de dentro para fora. Sabia perfeitamente em que ponto dos cérebros que os dirigiam encontraria vestígios mínimos de carbono. Por sorte cuidara disso em tempo.

— Trinta segundos para a transição — soou a voz de Rhodan pelos alto-falantes embutidos nos capacetes. — Doze, sete, um, vamos...

O campo estrutural formado de um instante para outro envolveu a nave. As naves da frota robotizada, que seguiam à pequena distância, registraram os fortes solavancos de uma alteração estrutural que se iniciava. Mais algumas unidades menores foram danificadas.

A Veast Ark, nova em folha, que apenas realizara alguns vôos de experiência, iria realizar a primeira transição.

Rhodan ainda sentia a dor na nuca. Logo depois disso, começou o sussurro indefinido do hiperespaço, que absorveu a unidade energética totalmente desmaterializada. Neste ponto, cessavam as leis do espaço normal.

Rhodan viu fenômenos luminosos confusos. Os combates travados a bordo do supercouraçado tiveram que ser suspensos, por alguns segundos.

 

O rosto anguloso do coronel Freyt passara por uma estranha transformação. Parecia uma careta de palhaço de segunda categoria.

— Vem com um supercouraçado — repetiu a informação do rádio-telefonista. — Com um supercouraçado?

— Sim senhor! — fungou o homem. Também parecia um tanto abalado.

— Que droga! — exclamou Freyt do fundo da alma, tateando à procura de um lugar para sentar.

Gastou exatamente oito segundos para digerir a notícia surpreendente. Se o chefe disse que viria num supercouraçado depois de ter decolado numa minúscula Gazela, isso levaria qualquer psiquiatra, dotado de senso de objetividade, a comprimir os botões de alarme com os dedos de ambas as mãos.

Freyt não era psiquiatra, embora fosse um bom psicólogo. E, como conhecesse Rhodan, há bastante tempo, admitia a possibilidade daquilo que parecia impossível.

Quando os oito segundos haviam passados, virou-se rapidamente na banqueta giratória.

— Será que essa mensagem pelo hiper-comunicador poderia ser um truque? — perguntou apenas por uma questão de forma.

— Não foi nenhum truque. Foi o chefe em pessoa.

As solas de plástico dos sapatos de Freyt rangeram quando o mesmo atravessou apressadamente a comporta blindada que separava a sala de rádio da sala de comando. Em poucos segundos os homens que cochilavam nos postos de combate ouviram um berreiro. O rosto febril de Freyt surgiu em todas as telas.

— O comandante para todos — soou a voz retumbante dos alto-falantes. — Ficaremos em rigorosa prontidão. Preparar as torres de canhão para serem escamoteadas. Neste instante, entra em vigor o plano Vesúvio. Fechar os trajes espaciais e ligar os rádios de capacete. Partida dentro de aproximadamente trinta minutos, tempo de bordo. Atenção, sala de máquinas: preparar nave para decolagem de emergência. Oficial de armas: apontar canhões para os alvos já identificados. Assim que as torres forem escamoteadas, os canhões deverão ser disparados. Se os projetores dos campos de sucção não forem destruídos no primeiro ataque, nunca conseguiremos sair daqui.

“Atenção, tripulação do transmissor: orientar o aparelho para a grande torre de tele direção situada ao sul do espaçoporto. Uma bomba de fusão de vinte quilotons será suficiente, desde que exploda no interior da torre.

“Central energética: colocar todos os reatores em funcionamento. Quando o chefe chegar, os campos defensivos terão que ser ativados dentro de um segundo. Sairá do hiperespaço depois de uma transição a pequena distância; provavelmente aparecerá a pouca distância do planeta. Sabem perfeitamente o que nos poderá acontecer se nessa oportunidade estivermos sem os campos defensivos.

“Para sua informação: o chefe aludiu à sua chegada num supercouraçado. Face a isso, poderemos esperar ao menos uma nave da classe Império. Portanto, não se assustem se, de repente, avistarem um verdadeiro monstro. Confirmem o recebimento.”

Nunca se vira tamanha correria no interior da Ganymed, desde que a mesma passou a ser tripulada por seres humanos.

Jogos de baralho foram atirados aos cantos, rações comidas pela metade caíam ao chão. Face à prontidão simples já reinante, os postos levaram menos de três minutos para anunciar que tudo estava preparado.

Os canhões de desintegração giraram no interior das torres. Quando fossem escamoteados, não haveria necessidade de fazer pontaria antes de atirar.

O primeiro oficial da artilharia passou as pontas dos dedos pelo “teclado” de fogo. As luzes verdes se acenderam uma atrás da outra.

O funcionamento do transmissor fictício era autônomo. Na tela, aparentemente simples, surgiu a torre de mais de quinhentos metros de altura em que se localizavam as instalações de comunicação e tele direção. No interior da mesma, havia sido localizada a sala de comando dos projetores do campo de tração.

Antes da partida de Rhodan, os mutantes haviam assinalado a localização exata das máquinas subterrâneas. Em meio ao círculo assim traçado, encontrava-se a Ganymed, apoiada sobre as aletas de popa.

Máquinas começaram a zumbir. Dez minutos depois da mensagem de Rhodan, transmitida pelo hipercomunicador, não havia mais nada que pudesse ser corrigido ou melhorado.

Quase mil homens aguardavam ansiosamente o momento decisivo. Os rádios de capacete garantiam a comunicação radiofônica com todos os tripulantes. Freyt mandou que o receptor da nave fosse sintonizado para os transmissores de capacete. Dessa forma, todos ouviriam quando chegasse a grande notícia.

Freyt sabia que, antes do salto, Rhodan ainda forneceria outras indicações. Os segundos transformaram-se em eternidades, que pareciam desdobrar-se. Justamente nesse instante, a ligação especial com o oficial de comunicações do planeta Naat começou a funcionar.

Freyt fugiu apressadamente para um canto e fez um sinal. O tenente Tanner, um tipo moreno e ágil, colocou-se tranqüilamente diante do receptor. Na tela, surgiu o rosto redondo do naat com seus três olhos. Envergava o uniforme de comandante de couraçado.

— O comandante Perry Rhodan já voltou da tal da excursão? — perguntou o ser estranho em tom irônico.

— Deverá voltar daqui a uma hora, aproximadamente — respondeu Tanner com a maior indiferença. — Pode acreditar que o comandante apenas saiu para andar um pouco. Não agüentava mais ficar preso na nave.

— Bem, veremos. Onde está o representante de Rhodan?

— Está tomando um banho.

— Está fazendo o quê?

— Está se limpando. Raspando a sujeira da pele. Entre nós isso costuma ser feito com água e detergentes.

— Que loucura! — exclamou o naat, filho de um mundo ressequido. — A água serve para beber. O senhor pôs em funcionamento as máquinas da nave. Por quê?

— Não queremos que enferrujem. E os tripulantes têm que ficar em movimento. Permite uma pergunta? Onde está o senhor neste instante?

— Na sala de controle. Por quê?

— Perguntei apenas por curiosidade — disse Tanner com um sorriso muito gentil. — Sempre gosto de saber onde se encontra meu interlocutor. Quer que peça ao comandante que procure o senhor?

O naat desligou sem responder.

— Esse sujeito nem desconfia de sua sorte — murmurou Tanner em tom sombrio.

Decorridos três minutos, surgiu outro impulso.

— Três vezes minhocão — berrou o operador de rádio.

Freyt limitou-se a fazer um gesto. Logo começou a contar. Depois de três segundos, os rastreadores estruturais registraram um salto. Meio segundo depois, Freyt comprimiu todos os botões que se encontravam ao alcance de suas mãos. Os geradores da Ganymed começaram a rugir. Com um estalo, surgiu um campo energético muito estreito, mas altamente condensado junto ao envoltório externo da nave.

As torres dos canhões saíram dos abrigos. Antes que o ruído ensurdecedor de uma manobra de imersão realizada nas Imediações da nave atingisse os rastreadores estruturais, o oficial de artilharia abriu fogo.

Os raios de impulsos foram expelidos com um rugido. O solo começou a ferver nos pontos em que era atingido pelo calor tremendo das radiações. Crateras borbulhentas surgiram nos pontos exatos em que os projetores do campo de tração estavam montados no subsolo.

A condensação energética de uma bomba arcônida propagou-se com a velocidade da luz e atingiu uma nave da classe Império pousada no campo. A gigantesca esfera, totalmente desprotegida, desmanchou-se numa luminosidade tremeluzente.

No mesmo instante, uma enorme coluna de fogo saiu da imensa torre de controle. O transmissor fictício não tivera a menor dificuldade em romper o campo defensivo e colocar a bomba no interior da construção.

Destroços incandescentes subiram com o cogumelo típico das explosões nucleares. A Ganymed ignorou o furacão escaldante provocado pela onda de compressão pois, naquela fração de segundo, entraram em ação forças muito mais poderosas que as desencadeadas por uma bomba de vinte quilotons.

Pouco acima do envoltório atmosférico do quinto planeta de Árcon um verdadeiro monstro retornava ao espaço normal.

— Freyt, está preparado? — berrou uma voz conhecida, na qual ainda ressoava o choque da transição. — Decole. Dentro de dez segundos, estarei acima do espaçoporto.

Freyt empurrou para baixo a chave de engate. O inferno desencadeado nas imediações da Ganymed preenchera sua finalidade. Os invencíveis campos de tração não existiam mais.

No momento em que flamejantes jatos de popa ergueram o couraçado e este começou a subir lentamente, nova desgraça desabou sobre a base espacial de Naatral.

Uma gigantesca esfera de fogo aproximou-se velozmente, vinda do leste. A Ganymed, que subitamente acelerou ao máximo e disparou para o alto, mal e mal escapou à onda de compressão antes que um terrível furacão começasse a rugir.

O novo supercouraçado voava a apenas dez quilômetros de altura, provocando uma terrível onda de compressão e de sucção.

O quinto mundo jamais conhecera um furacão como este. Pesadas naves foram arrancadas das suas bases e instalações técnicas caíram como castelos de cartas.

Após um instante, tudo passou. Bem ao longe, um ponto luminoso que parecia insignificante corria para o espaço. Uma vez rompida a atmosfera, cessou a incandescência que tremulara em torno da Veast Ark numa extensão várias vezes superior ao seu diâmetro.

Poucos segundos depois foi localizada a Ganymed. No mesmo instante, o supergigante surgiu nas telas dos rastreadores da nave terrana.

— Santo Deus! — gemeu o comandante. — O que é isso?

As telas iluminaram-se e mostraram o rosto desfigurado de Rhodan.

— Freyt, tenho que pilotar esta nave enorme com uns dez homens, porque os outros estão lutando contra os robôs. Nada de perguntas. Thora fornecerá as coordenadas. Ligue o piloto automático, adapte a rota e acelere ao máximo. Dentro de onze minutos, aproximadamente, realizaremos uma transição de aproximadamente três anos-luz para o interior do grupo de estrelas. Os dados para o salto lhe serão fornecidos depois da adaptação da rota. Apresse-se. Preciso de reforços, não importa como.

Os tripulantes da Ganymed agiram com uma segurança de sonâmbulos. Rhodan não teve de explicar as dificuldades que tinham de ser enfrentadas para pilotar uma nave dessas com os controles de emergência.

Os dados chegaram. Os propulsores da Ganymed rugiram durante a manobra de adaptação de rota. Depois de realizada a última correção, deslocava-se praticamente na esteira dos jatos da outra unidade.

As coordenadas do salto foram introduzidas diretamente no dispositivo automático. Não se realizou nenhuma programação mais precisa.

— Localização no verde trinta e dois graus, cerca de cem naves — soou a informação vinda do posto de rastreamento. — Outra localização no vermelho, cinqüenta unidades pesadas. As transições sucedem-se ininterruptamente.

Freyt pôs a funcionar os compensadores estruturais. Assim que mergulhasse no hiperespaço, não poderia ser localizado. Todavia, a localização da nave de Rhodan seria perfeitamente possível. Freyt começou a transpirar sangue. Mais uma vez, o chefe colocava todas as chances numa única cartada. Provavelmente estaria contando com a confusão tremenda, reinante no setor de Árcon.

— Faltam vinte segundos — soou a voz de Rhodan. Era quase imperceptível. Dez, seis, um, vamos.

Dois corpos imensos desfizeram-se numa luminosidade ofuscante. No mesmo instante surgiu um tremendo rugido na área do quinto planeta. Mais de duzentos couraçados imergiram quase simultaneamente no espaço normal.

A transição de Rhodan foi muito breve. Quando sentiu a dor da rematerialização, mal conseguiu levantar-se.

Bem perto do supercouraçado, a Ganymed penetrou na dimensão normal à mesma velocidade apenas onze por cento inferior à da luz.

— Depressa, Freyt! — gritou Rhodan no microfone. — Mais meia hora, e estamos liquidados. Está registrando alguma transição?

— Ininterruptamente — foi a resposta nervosa. — Tivemos sorte. Posso garantir que nesta confusão tremenda não puderam localizar onde saímos. À nossa frente, está um grande sol vermelho. Não houve nenhuma localização. Será que o senhor podia puxar-me com um ralo de tração?

— Não tenho gente para isso — cochichou Rhodan, exausto. — Vou desligar os campos energéticos. Procure segurar minha nave.

Rhodan acionou pessoalmente os controles necessários. Thora estava pendurada no seu assento de piloto; perdera os sentidos.

Um grupo de reatores deixou de funcionar. Logo depois, outro. Os dezoito propulsores deixaram de trabalhar ao mesmo tempo. Só os geradores pequenos destinados ao suprimento interno da nave continuaram a funcionar.

Indefeso, o supercouraçado deslocava-se vertiginosamente em queda livre, atravessando o espaço vazio em direção ao sol vermelho, ainda distante.

Cambaleante, Rhodan saiu da poltrona e ajudou Tifflor a pôr-se de pé.

— Já estou bem — disse Tiff com um sorriso débil. — Duas transições seguidas foram demais.

— Fique aqui — ordenou Rhodan com uma calma estranha. — Abra as comportas polares superiores assim que os homens de Freyt iniciarem a travessia. Darei uma olhada lá embaixo.

— Não faça isso! — gritou o jovem atrás dele.

Tiff arregalou os olhos de pavor.

Rhodan limitou-se a fazer um gesto. Ao entrar no corredor circular que começava junto à sala de comando, ouviu o ruído dos disparos. As detonações agudas sucederam-se.

“Ivã”, pensou Rhodan, enquanto sentiu suas energias despertarem de novo.

Dois conveses abaixo, encontrou os primeiros combatentes. O sargento Rous se encontrava no comando. Um calor abrasador reinava em toda parte. Rhodan viu-se obrigado a fechar o capacete.

— Tudo bem. Por enquanto conseguimos agüentá-los — soou a voz de Rous no alto-falante do capacete. — Derrubamos uns duzentos e cinqüenta. Na maior parte, devem ser creditados a Ivã e Gucky. A coisa não seria muito grave se essas máquinas não disparassem as armas para abrir furos no teto das salas situadas abaixo de nós para subir mais um pavimento.

— Defenda o elevador central. Bell, onde está você?

De repente Rhodan, sentiu-se dominado pelo medo de que o amigo pudesse estar morto. Soltou um grito mais forte e desesperado para chamar o companheiro.

— No convés trinta e dois, diante da porta de uma sala de máquinas — rangeu a voz áspera de Bell. — Estão atacando que nem uns loucos. Trouxe a Ganymed? A única coisa que percebemos foram os dois saltos.

— Dentro de vinte minutos, no máximo, chegará um reforço de oitocentos homens. Freyt está realizando a manobra de aproximação. Agüentem mais um pouco, rapazes. Este problema também será resolvido.

Rhodan desceu por íngremes escadas de emergência. À medida que penetrava na parte inferior da nave, o calor tornava-se mais insuportável.

Isso não afetava o material de que era feita a nave. Não havia por ali nenhuma porta, nenhuma travessa que não fosse de aço arcônida, um material que suportava perfeitamente temperaturas superiores a trinta mil graus.

Descobriu os homens de Bell atrás de uma coluna de suporte do amplo salão. Eram apenas seis homens equipados com dois canhões de desintegração portáteis e alguns radiadores de impulsos pesados que mantinham a posição-chave extremamente importante.

— Cuidado! — berrou alguém.

Rhodan saltou para o abrigo mais próximo. No lugar em que se encontrara um instante antes, surgiu uma mancha incandescente, da qual o metal derretido pingava ao solo, produzindo um chiado.

Rhodan atirou instintivamente. O feixe de raios ofuscantes de sua arma de impulsos inflamou o campo defensivo do robô. Um segundo impacto derrubou o vulto repentinamente saído de um corredor lateral.

A máquina debatia-se furiosamente no chão. A grande mancha incandescente do peito expelia chamas ofuscantes. Era uma luta irreal e enervante. Ninguém sabia indicar o lugar exato em que se encontravam os cem robôs de combate que ainda restavam. Era de esperar que de repente surgissem pelas costas, desenvolvendo a rapidez que lhes era peculiar. Quando suas pesadas armas começassem a disparar, não haveria nada que pudesse detê-los. O homem teria de provar que sabia compensar a enorme agilidade mecânica das máquinas desalmadas por meio da sua inteligência.

Até agora, havia sido capaz. Mas Rhodan não devia lembrar-se dos homens que apesar de tudo foram surpreendidos.

Gucky apareceu por um instante. Ele e os dois teleportadores eram praticamente os únicos seres inatingíveis. E o rato-castor ainda tinha a vantagem de, além da teleportação, ainda dominar a arte da telecinese.

Antes que os homens de Bell pudessem girar suas armas, o ser peludo descobrira o vulto metálico que se aproximava sorrateiramente.

Rhodan ouviu seu próprio sorriso forte e estridente, quando subitamente o robô voou e foi atirado contra o teto com tamanha força que seu micro cérebro, sensível aos choques, foi prontamente inutilizado. Depois, foi jogado ao solo por duas vezes com um impacto terrível. Por fim, começou a girar loucamente, agitando os membros metálicos.

— Gente, que brincadeira! — disse a voz chilreante de Gucky.

No mesmo instante o rato-castor desapareceu.

Rhodan soltou os últimos sons inarticulados de seu riso histérico no microfone. Depois de uma grave dissonância, calou-se.

— Está bem, minha gente, também tenho nervos — soou sua voz nos alto-falantes dos capacetes. — Assim que puderem, respondam um por um. Onde está Crest?

— Na sala de controle de máquinas, Perry — soou a voz do arcônida. — Estamos num campo de tração muito potente. Parece que...

O disparo de um desintegrador abafou a voz de Crest. O homem agachado atrás do canhão portátil mastigava, automaticamente, um alimento concentrado conduzido à boca.

— Não há nada como as boas maneiras à mesa — disse em tom sarcástico.

 

Ao lado do supercouraçado, a Ganymed com seus 840 metros de comprimento e 220 metros de diâmetro parecia um barco salva-vidas de tamanho um tanto exagerado.

Ao saírem das comportas de ar para num salto vencer a distância de menos de cinqüenta metros que os separava das escotilhas externas do gigante, os homens dos grupos de combate tiveram de usar toda a capacidade de raciocínio para não se impressionarem profundamente com a massa enorme que tinham diante de si.

— Grupo Tanner, segunda comporta da esquerda — disse a voz saída dos alto-falantes de capacete. — Quando penetrarem na atmosfera normal, regulem os campos defensivos dos trajes para a potência máxima. Não os abram. Em alguns setores a temperatura é muito elevada.

Desintegradores superpesados, artefatos que, muito mal, podiam ser carregados e manejados com as duas mãos, foram trazidos a bordo pelos oitocentos homens.

Freyt resolveu utilizar também as comportas da cúpula polar inferior para penetrar na nave. Se os robôs ainda intactos reagissem de acordo com as leis da lógica, teriam de lutar em duas frentes.

Os homens da Ganymed trouxeram equipamentos de que o grupo de Rhodan não dispunha.

Se a bordo da supernave existiam trajes arcônidas com geradores e campos defensivos próprios, estes ainda não haviam sido encontrados.

Parado diante do grande elevador central, Tifflor indicava as posições dos grupos que iam chegando.

Os combatentes, totalmente esgotados, retiravam-se das suas posições, que passavam a ser ocupadas por elementos descansados.

Só os mutantes continuaram a combater. Dentro de meia hora, a ordem estabeleceu-se naquela confusão. Os campos defensivos dos trajes arcônidas eram capazes de resistir a um impacto oblíquo. Mas com um disparo de radiações direto de um robô, a coisa mudava de figura. Nesse caso, os campos defensivos desmoronariam.

Rhodan, Crest e Thora encarregaram-se da distribuição de tarefas nas áreas inferiores. Os oitocentos homens foram avançando implacavelmente para cima, ou para baixo.

Passada uma hora a ação concentrou-se aos recintos do convés 32, interrompido e dividido a cada passo pelos elevados pavilhões de máquinas.

— Atenção, todos os combatentes — soou a voz de Rhodan pelo rádio. — Os robôs que se tiverem abrigado atrás de alguma máquina importante não deverão ser atacados pelos senhores. Sempre que virem um deles ou o localizarem com os rastreadores energéticos portáteis, avisem imediatamente o tenente Marshall, que enviará um mutante. Só atirem quando não houver risco de destruir alguma instalação vital.

Rhodan virou-se abruptamente quando alguns vultos delicados passaram apressadamente. Eram os robôs médicos da Ganymed, cujas células sensoriais descobriam um ferido com maior facilidade que o olho humano.

Quando as primeiras vítimas da luta desigual foram carregadas nas macas, Rhodan mordeu os lábios. Os Drs. Haggard e Manoli também estavam por perto.

Na maior parte das vezes, os ferimentos eram graves.

— Daremos um jeito em tudo isso — gritou Haggard. — Haverá necessidade de algumas amputações, mas para a bioplástica arcônida isso não representa qualquer problema. Preciso de vinte homens descansados para transportar os feridos.

Rhodan expediu imediatamente as respectivas instruções. Os feridos foram transportados com o maior cuidado para a Ganymed, onde poderiam contar com todos os recursos da medicina.

— Foi duro, muito duro! — suspirou Bell. Seus cabelos ruivos cortados à escovinha estavam chamuscados em cima da testa. — Esses robôs devem pertencer a um novo modelo. Reagem mais depressa que os nossos. Se tivéssemos mais cinco mil máquinas desse tipo a bordo, seria a morte.

Mal acabou de proferir estas palavras, adormeceu sentado. Não despertou quando o braço mecânico de um robô o ergueu suavemente e o retirou do lugar.

Demorou mais quatro horas, até que as últimas máquinas de guerra fossem abatidas a tiro ou destruídas pelos mutantes. Rhodan organizou grupos de busca, aos quais coube a tarefa desagradável de limpar os diversos setores da nave.

— Tomem cuidado, mas não se deixem dominar pelo pânico. Pela própria estrutura técnica dos robôs de guerra, estes não costumam esconder-se à maneira humana. Atacam enquanto podem. Por isso, é quase certo que não encontrarão nenhuma dessas máquinas em atividade. Se ainda houvesse alguma, ela se teria precipitado para as linhas de fogo.

Rhodan voltou o rosto cansado. O Dr. Eric Manoli contemplou um par de olhos apagados e inflamados, que retratavam todas as canseiras e preocupações das últimas horas.

— Você precisa descansar imediatamente — preveniu-o Manoli em tom preocupado. — Seu corpo não agüenta isso por muito tempo.

— Em primeiro lugar, vem minha nave e minha gente. Onde está Freyt?

— Lá em cima, na sala de comando. Subiram nos elevadores antigravitacionais que já funcionavam de novo.

Quando Rhodan entrou na sala de comando, os homens ficaram em posição de sentido. Thora dormia profundamente no assento de piloto.

Rhodan parou um instante diante dela e olhou o rosto descontraído. Manoli suspirou aliviado quando viu que os lábios tensos de Rhodan foram afrouxando.

As telas de observação global estavam em funcionamento. Especialistas muito bem treinados, familiarizados com a aparelhagem da Stardust-III, ocupavam os postos mais importantes.

Julian Tifflor, de repente parecia não saber o que era o cansaço, vez por outra dava suas explicações.

A sala de rádio estava guarnecida e uma das grandes unidades energéticas trabalhava com a potência mínima.

Nas cúpulas polares da nave-gigante, giravam as antenas dos rastreadores. A sala de observação e de rádio só se distinguia daquela da Stardust pelo seu tamanho impressionante.

Rhodan ouvia atentamente o trovejar surdo emitido ininterruptamente por um dos rastreadores estruturais.

— Estão loucos à nossa procura — disse Freyt em voz baixa. — Ouça este tráfego de hipercomunicações! O robô gigante deve estar fora de si, se é que isso pode acontecer com um robô.

Rhodan passou pela comporta blindada. Mais uma transição sacudiu os instrumentos. Escutou por alguns segundos e lançou um olhar para as telas vazias dos rastreadores de matéria de velocidade superior à da luz. Finalmente deixou-se cair numa poltrona articulada.

— Era o que eu imaginava! Só mesmo por acaso, em meio a tantos hipersaltos, o cérebro poderia ter fixado justamente a posição do nosso. Por pouco, não perdemos a hora de saltar. Se o fizéssemos agora, dentro de poucos minutos toda a frota estaria em cima de nós.

— Onde estamos neste instante? Rhodan fitou a enorme tela de visão global, que se estendia sem a menor solução de continuidade. O grande sol vermelho destacava-se nitidamente sobre o cintilar irreal do grupo M-13.

— Não tenho a menor idéia. Só sei que percorremos uma distância de três anos-luz. Os cálculos da segunda transição foram realizados por Thora. Deve ter escolhido um lugar relativamente solitário no meio desse entroncamento de tráfego galático. Freyt...

O coronel aproximou-se.

— Pois não.

— Seu aviso chegou bem na hora. Sem ele, ainda teria esperado ao menos duas horas. Qual foi o motivo da investigação?

— De repente, o tal do administrador de Naat quis falar com o senhor. Ao que parece, tratava-se de uma tarefa no espaço que devíamos realizar por ordem do cérebro.

— Ah! — disse Rhodan, acompanhado por uma risada sem graça.

— Novaal, o tal do nativo, veio a bordo. Foi quando começamos a transpirar. Deu pela falta do senhor, e depois de algum tempo também de Thora e Crest. Toda a tripulação teve que entrar em fila fora da nave. Aí a coisa foi descoberta. Logo expedi a mensagem de emergência. Deve ter sido uma questão de minutos, visto que Novaal imediatamente expediu uma mensagem destinada ao cérebro. Nós a captamos.

Rhodan acenou, em atitude pensativa. Enquanto virava a cabeça, seus olhos voltaram a brilhar. Era o momento da compreensão consciente. Naquele momento, deu-se conta de quanto realizara com aquele pequeno grupo de homens e mulheres.

Freyt sorriu consigo mesmo, quando notou a alteração havida no rosto de Rhodan. Essa alteração revelava um traço do caráter de Rhodan, que, quase nunca, o abandonara.

O doutor começou pelo estraçalhamento interno, observado na expressão de Rhodan.

— Não comece a pensar naquilo — observou o médico imediatamente. — Um certo tipo de autodiagnóstico pode ser totalmente aceitável, mas não para o espírito de um homem que a rigor devia estar na clínica. Você devia acabar com esse tipo de autocrítica.

Rhodan dispensou um ligeiro olhar ao amigo dos primórdios da conquista espacial primitiva. Manoli acompanhara o primeiro vôo tripulado à Lua no foguete químico Stardust. Foi naquele dia, em 19 de junho de 1.972, que tudo começou.

— Que dia é hoje? — perguntou Perry com a voz baixa.

— Três de junho de 1.984 — disse Manoli em tom compreensivo.

Rhodan deu uma risadinha distraída. Depois disse:

— Acho que vamos dar a esta nave formidável o nome Titan. Sabem que a Terra já dispõe de um couraçado gigante que provavelmente é o maior e o mais poderoso da Via Láctea?

Lançou os olhos em torno. Os rostos céticos fizeram aflorar um sorriso em seus lábios. A velha ironia ressoou em suas palavras:

— Bem, não é o que pensam. Garanto-lhes que não entregarei esta nave a ninguém. Precisarei de trinta dias para treinar a nova tripulação. Depois veremos como serão embaralhadas as cartas. Nossa excursão a Árcon foi um fracasso moral de primeira ordem. O resultado prático da mesma consiste apenas no conhecimento do que está acontecendo no Grande Império. Esse conhecimento compensa todos os sofrimentos. Meus amigos, se hoje a Terra fosse descoberta por uma frota robotizada, teríamos tempos terríveis diante de nós. Até agora isso não aconteceu, porque ninguém me convencerá de que os mercadores galácticos entregariam a posição de um sistema solar tão valioso a um cérebro robotizado. Se o fizessem, já não teriam nenhuma chance real.

Um novo rugido soou nos rastreadores estruturais. Por alguns instantes, viu-se um pontinho luminoso na tela diagramática do aparelho de observação a longa distância.

O corpo de Rhodan só se descontraiu quando o ponto estranho saiu da tela.

— Estamos num lugar muito movimentado — observou Freyt em tom nervoso. — O que vamos fazer?

Rhodan levantou-se tranqüilamente. Mais uma vez, seus olhos procuraram o sol vermelho.

— Mande setecentos homens para cá. Com trezentos homens, o senhor não terá nenhum problema em controlar a Ganymed. A Titan leva quarenta naves auxiliares da classe Good Hope. Se ainda quisesse tripular as mesmas, precisaria de cerca de mil e quinhentos homens treinados. Procuraremos um meio de nos separarmos rápida e discretamente do grupo estelar M-13. Por enquanto é só.

Quando Freyt ia formular outra pergunta, viu diante de si um homem que dormia com os olhos entreabertos. Sem dizer uma palavra, saiu da sala de comando.

Lá fora, no grande ponto de entroncamento e controle da imensa nave, Julian Tifflor continuava em plena atividade.

— Dirija-se imediatamente à clínica — resmungou Freyt em tom mordaz. — Faça o favor! É uma ordem. Deixe isto aqui por nossa conta. Saberemos lidar com as máquinas. Vamos logo, rapaz, o senhor precisa dormir.

Tifflor mergulhou num oceano de embaraço quando sentiu a mão de Freyt pousada em seu ombro.

— Rapaz, vocês fizeram um trabalho formidável! — disse alguém.

Naquele momento, também Tiff estava de folga.

Bem longe da nave que vagava pelo espaço, o sol desconhecido ocupava seu lugar no firmamento.

Parecia uma lágrima de sangue.

 

                                                                                            K. H. Scheer

 

 

                      

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