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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


PROJETO AÇO ARCÔNIDA / Kurt Brand
PROJETO AÇO ARCÔNIDA / Kurt Brand

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

PROJETO AÇO ARCÔNIDA

 

A Terra serra salva ou destruída?

Os dados armazenados por um cérebro positrônico de bordo São o fator decisivo

A história da Terceira Potência em poucas palavras:

- O foguete Stardust alcança a Lua e Perry Rhodan descobre a nave exploradora dos arcônidas, que realizou um pouso de emergência (vol. 1).

- Instalação da Terceira Potência, contra a resistência das grandes potências terrenas e defesa contra tentativas de invasão extraterrena (vols. 2 a 9).

- Primeira intervenção da Terceira Potência nos acontecimentos galácticos. Perry Rhodan defronta-se com os tópsidas e procura solucionar o enigma galático (vols. 10 a 18).

- A Stardust-III descobre o planeta Peregrino, e Perry Rhodan alcança a imortalidade relativa (vol. 19).

- Perry Rhodan regressa à Terra e luta por Vênus (vols. 20 a 24).

- O Supercrânio ataca (vols. 25 a 27).

- Chegada dos saltadores, que pretendem eliminar a concorrência potencial da Terra no comércio galáctico (vols. 28 a 37).

- Primeiro contato de Perry Rhodan com Árcon e atuação como delegado do cérebro positrônico que exerce o governo no grupo estelar M-13 (vols. 38 a 42).

A missão Aralon, durante a qual Perry Rhodan esteve empenhado em obter o remédio contra a peste dos nonus, está concluída. Com isso, a atuação de Rhodan, sócio do cérebro robotizado de Árcon, deveria ter chegado ao fim, ainda mais que com a descoberta da conspiração e a prisão dos conspiradores não há mais nenhum perigo que ameace o Império.

Assim acredita Perry Rhodan, que pede férias ao Regente. Mas o Projeto Aço Arcônida, realizado por Perry Rhodan, pode ser tudo, menos férias...

 

                                                  

 

Aralon, a “fábrica de venenos” do Império dos Arcônidas, não se deu por vencida.

Só uma catástrofe de dimensões planetárias poderia, de uma hora para outra, imprimir novo rumo a uma evolução milenar. Aralon, o quarto planeta do sol amarelo e luminoso de Kesnar, situado a 38 anos-luz de Árcon, nem pensava em desistir do melhor negócio do Universo pelo simples motivo de que o tal do Perry Rhodan andava por aí.

Os aras, verdadeiros gênios em todos os setores da medicina, eram persistentes como os mercadores galácticos; na verdade, eram mercadores galácticos. Vendiam seus excelentes medicamentos a preços extorsivos, enquanto cuidavam discretamente para que em nenhum planeta desaparecesse qualquer das doenças que ameaçavam a vida de seus habitantes.

Em última análise, queriam ganhar, e a ânsia do lucro caracterizava-os como mercadores galácticos.

De repente viram-se atacados, pela primeira vez, por uma doença que teria de levá-los à ruína financeira, se a “infecção” não pudesse ser detida por meios radicais.

A doença chamava-se Perry Rhodan.

Desde que existiam como negociantes de doenças e medicamentos, ele lhes infligira a primeira derrota. Os aras não estavam dispostos a aceitar outra derrota.

O inspetor-chefe Gegul, responsável pela segurança de Aralon, sobressaltou-se em meio aos seus pensamentos quando sua assistente Arga Tasla entrou praticamente sem fazer nenhum ruído e lhe entregou uma mensagem.

 

Localização realizada pelos rastreadores estruturais:

Tempo 8:75:93 m1; local 105; localização

 combinada 103 e 106.

Às 8:75:03,1 a frota de Perry Rhodan realizou uma transição em direção a Árcon, vinda de 13,64 graus.

 

— Arga! — a voz de Gegul vibrava. Não levantou os olhos. Pensava no nome Perry Rhodan com uma expressão malévola, enquanto aguçava o ouvido para verificar se Arga Tasla parara.

— Pois não! — disse esta da porta.

— Chame Ma-elz e Bro-nud. Quero que estes palermas compareçam dentro de dez minutos.

Ma-elz e Bro-nud, que eram dois homens altos, pararam em atitude de expectativa, depois de terem entrado.

— Sentem! — resmungou o inspetor-chefe Gegul e fez um movimento indiferente em direção às poltronas vazias. Passou diretamente ao assunto: — Rhodan saltou para Árcon. Por enquanto o perigo passou. Andaram buzinando nos nossos ouvidos que Rhodan e o cérebro robotizado trabalham de mãos dadas. Como estão as coisas por aqui? Em Aralon não há mais uma única nave com doentes! E eu lhes garanto que a catástrofe se espalhará aos confins da Galáxia se não conseguirmos destruir o tal do Rhodan.

— Ainda não temos naves de guerra — foi a observação um tanto prematura de Ma-elz.

— Não precisamos delas — exclamou Gegul.

— Vamos usar germes? — balbuciou Bro-nud, erguendo-se da poltrona.

— De que doença? — perguntou Ma-elz, endireitando o corpo.

— Será que não poderiam formular perguntas mais inteligentes? — escarneceu Gegul com um sorriso diabólico. — Vocês só sabem desfiar músicas triviais. Por que será que ninguém se lembra da única idéia acertada? Por quê?

Ma-elz e Bro-nud não lhe fizeram o favor de lembrar-se da idéia acertada. Naquele momento, os dois teriam pago uma boa soma se pudessem ter uma ligeira idéia das intenções do inspetor-chefe.

— É claro — disse Gegul depois de alguns segundos de espera. — A solução mais simples não ocorre a ninguém.

Cheio de arrogância, refestelou-se na grandiosidade de uma idéia e sentiu-se um chefe superinteligente e condescendente. Inclinou-se para a frente, fez sinal para que Ma-elz e Bro-nud se aproximassem e só começou a falar quando os auxiliares se encontravam diante de sua escrivaninha.

— Minha idéia é esta... — principiou, enquanto Ma-elz e Bro-nud ouviam atônitos.

A idéia do inspetor-chefe Gegul era realmente genial.

Já a essa hora a destruição de Perry Rhodan parecia inevitável, e com ela a do planeta do qual viera.

 

Talamon, o superpesado, deu um sorriso gentil para o mensageiro dos mercadores galácticos. Fazia meia hora que o homem subira a bordo da nave capitania, “somente para sondar a opinião de Talamon”.

Os superpesados eram os guerreiros dos mercadores galácticos. Sempre que os saltadores não conseguiam controlar uma estrela, sempre que um mundo se obstinasse em não permitir a escravidão, os superpesados tinham de cuidar do problema, mediante excelente paga.

Desde cedo começaram a distinguir-se dos saltadores, porque no mundo por eles habitado reinava uma gravitação extraordinária. Essa gravitação marcara seu físico. Cada superpesado pesava até quinhentos quilos, e tinha dois metros de altura e um e meio de diâmetro; oferecia um aspecto medonho, embora não pudesse ser considerado disforme.

Os superpesados dispunham das melhores naves de guerra, não comparando com as pertencentes ao Império. Tal qual os saltadores, estavam divididos em clãs, e o chefe de um desses clãs, Talamon, acabara de receber a visita do mensageiro dos mercadores, que pretendia sondá-lo.

O clã de Talamon representava alguma coisa. Dispunha de duzentas naves de guerra. Era só graças a Perry Rhodan que Talamon ainda as possuía e continuava vivo.

E o mensageiro lhe perguntou o que pensava de Perry Rhodan.

— Para mim é muita coisa! — resmungou Talamon sem pestanejar, exibindo uma cara de jogador de pôquer.

O mensageiro poderia ter esperado tudo, menos uma resposta dessas. Mostrou-se chocado.

Talamon mostrou um sorriso bondoso, em que havia um pouco de pena.

— Não é possível que o senhor realmente esteja pensando assim, Talamon.

Talamon moveu seus seiscentos e cinqüenta quilos com uma agilidade de que ninguém o teria julgado capaz. O rosto de jogador de pôquer desapareceu. Assumiu uma expressão ameaçadora e sua voz trovejante gritou para o mensageiro, enchendo a sala de comando:

— Queria que dissesse que Rhodan é uma simples estrela cadente? Sabe que sua pergunta é uma verdadeira ousadia? Já se esqueceu que Rhodan fez a frota robotizada de Árcon trovejar pelo espaço? Eu, Talamon, me vi diante da destruição juntamente com minha frota. Será que isso não é nada? Não venha me dizer que alguém que consegue fazer o que Perry Rhodan fez não é nada.

O mensageiro contorcia-se como um verme.

Talamon viu, mas fez de conta que não estava percebendo nada. Queria cozinhar o sujeito. Fazia questão de que o mesmo se abrisse, contando por que realizara tamanha despesa, entrando em contato pessoal com ele, Talamon, que se encontrava a dois mil anos-luz de Árcon. Uma mensagem pelo hipercomunicador teria saído mais barato.

— Vamos logo, mensageiro! O que desejam? Fale! O que querem que eu faça? E quanto estão dispostos a pagar?

— Quem me mandou foi Siptar — disse o mensageiro.

— Até parece que este camarada quer viver para sempre — resmungou Talamon, numa alusão ao fato de que Siptar era o mais velho dos chefes de clã entre os saltadores.

— Antes disso falei com Vontran. Siptar e Vontran perderam muitos parentes no planeta de Goszul...

— E daí? — a figura quadrática e esverdeada de Talamon sorriu e esperou.

— O boato de que Perry Rhodan esteve envolvido na explosão de bomba ocorrida no planeta de Goszul, quando os patriarcas haviam comparecido à Grande Assembléia, continua a circular insistentemente...

A gargalhada descontraída de Talamon fechou a boca do mensageiro. As lágrimas corriam pela face esverdeada do superpesado.

Quanto mais ria Talamon, mais perturbado se sentia o mensageiro. Aborrecido, finalmente, achou que bastava:

— Qual é a graça?

No mesmo instante, Talamon silenciou.

— É verdade — disse, dando razão ao mensageiro, não sabendo o que pensar de tão surpreso que ficou. — Não há nada de engraçado. A catástrofe do planeta de Goszul foi um caso muito triste, mas dali a culpar Perry Rhodan pelo fato... Mensageiro, quero dizer-lhe uma coisa.

“Há pouco, quando o senhor perguntou o que achava de Rhodan, eu lhe disse que, para mim, ele é muita coisa.

“O senhor não gostou. Mas pouco importa que goste ou deixe de gostar: a resposta só poderia ter sido esta. Perry Rhodan é um fator que não pode ser desprezado por ninguém.

“Agora o senhor me vem com seus boatos. Achei graça. Sabe por que achei graça? Porque com essas histórias tolas o senhor reconhece sem querer que os saltadores também acham que Perry Rhodan é muita coisa. É verdade ou não é?”

— Pois então estamos de acordo — respondeu o mensageiro em tom manhoso.

Talamon encarou-o com uma expressão de perplexidade no rosto.

— Rapaz, está na hora de falar — disse em tom enfático. — Senão eu lhe explico como são as coisas quando me torno desagradável. O senhor veio para engajar-me contra Perry Rhodan. É verdade ou não é?

— É.

— É a primeira resposta clara que o senhor me dá, e é uma resposta muito interessante. Abra-se com o velho Talamon. Sou todo ouvidos.

 

Com um forte estouro, a Titan e a Ganymed emergiram do hiperespaço, retornando ao Universo normal.

O cérebro robotizado de Árcon devia ter calculado a posição com seus rastreadores estruturais supersensíveis, pois Rhodan escolhera de propósito um setor tranqüilo do grupo estelar M-13 como ponto final de sua hiper trajetória.

O choque provocado pela transição desvaneceu-se no organismo de todos os ocupantes das naves. Como sempre, Perry Rhodan e seu amigo Reginald Bell foram os primeiros a ter consciência após os efeitos do salto.

Diante deles os sóis do sistema, captados pela gigantesca tela de visão global da Titan, brilhavam num esplendor indescritível. A luminescência reluzente e cintilante, que se refletia em todas as cores e nuances, constituía a melhor apresentação para quem se aproximasse do Império dos Arcônidas.

— ...quem dera que não fossem tão dorminhocos — suspirou Bell.

— Quieto, gorducho! — disse Perry Rhodan em voz baixa. Atrás dele encontrava-se Crest, o arcônida, e a um passo deste estava Thora, uma arcônida garbosa, inteligente e temperamental. Ambos pertenciam às classes mais elevadas da sociedade do império estelar cujos sóis viam brilhar naquele instante.

Bell era um sujeito honesto, um tanto esquentado. Virou-se para Thora. Em seu rosto havia um sorriso de escárnio.

— Alguma objeção? — perguntou.

— Já está na hora de inventar outra coisa — respondeu Thora com uma serenidade majestática.

Bell soltou um grunhido.

— Você não ia entrar em contato com aquele montão de lata para pedir férias? -perguntou, dirigindo-se a Perry Rhodan.

Chamar o gigantesco cérebro robotizado de Árcon de montão de lata era uma enorme irreverência. Mas nem mesmo os dois arcônidas se zangaram com o lugar-tenente de Rhodan, por ter usado tal expressão.

Gucky, que estava sentado ao lado de Reginald Bell, chilreou baixinho:

— Montão de lata! Você é um grosso formidável.

No mesmo instante, a sala de comando da Titan encheu-se de gostosas gargalhadas. Gucky, o ser em forma de rato-castor que era telepata e mais uma porção de coisas, acabara de chamar Reginald Bell de grosso formidável. As lágrimas corriam pelas faces de algumas das pessoas que se encontravam na sala de comando. Ao todo eram mais de trinta. Thora soltou uma risada cristalina. Crest não conseguiu dominar o riso e colocou a mão diante da boca. Perry Rhodan sacudia-se de tanto rir.

— Seu porcalhão! — rugiu a voz de Bell, superando as risadas.

Num gesto rápido procurou agarrar Gucky, sua mão segurou o vazio. Num instante, o rato-castor se afastara por meio do conhecido salto de teleportação. Chiando em meio ao silêncio que tomara conta do recinto após o grito de Bell, aterrissou nos braços de Thora e perguntou:

— Thora, você vai acariciar meu pêlo? Afinal, chamei esse gorducho de grosso formidável.

Num tom ríspido — que chegava a ser duro demais, porque esmagava um episódio altamente humano — a voz do oficial de rádio chamou:

— A frota robotizada OGG-06 pede o sinal de código.

Estas palavras trouxeram todo inundo de volta à realidade.

Numa velocidade equivalente a 0,8 vezes a da luz, a Titan deslocava-se juntamente com a Ganymed em direção ao anel externo de fortificações, que envolvia Árcon I, II e III, transformando-o numa fortaleza estelar inexpugnável.

Nas entranhas da gigantesca esfera, que era uma obra-prima da construção astronáutica dos arcônidas, vibravam, rugiam e zumbiam os conversores, transformadores, campos magnéticos, máquinas e conjuntos de dimensões inconcebíveis.

Uma tripulação regular de mil e quinhentos homens faria da Titan a nave de guerra mais potente e perigosa da Via Láctea.

O hipercomunicador estava aquecendo.

Chegara a hora em que Perry Rhodan teria de falar com o cérebro robotizado instalado em Árcon.

Depois de emitido o sinal de identificação, o regente robotizado confirmou a recepção. O gigantesco cérebro positrônico, incapaz de qualquer emoção e capaz de reagir apenas à lógica mais fria e objetiva, estava esperando.

Nem mesmo Perry Rhodan, que se dispunha a conquistar o Universo para a Terra, faria esperar o cérebro que ocupava uma área de dez mil quilômetros quadrados.

Perry Rhodan conhecia suas limitações.

Era mais uma qualidade que o destacava em meio aos demais homens.

Rhodan ofereceu seu relatório ao cérebro instalado em Árcon. Foram palavras lacônicas, precisas, seguras. Não disse tudo, mas aquilo que falou devia trazer a marca da realidade para a lógica fria do gigantesco dispositivo positrônico.

Nenhum esclarecimento foi solicitado.

O alto-falante do hipercomunicador apenas zumbia.

O regente robotizado estava esperando; o cérebro dissociou, controlou, examinou e interpretou o relatório de Rhodan e logo descobriu que a palestra ainda não havia chegado ao fim.

Depois de ligeira pausa Rhodan prosseguiu:

— Peço permissão para regressar à Terra a bordo da Titan. Durante o confronto com Talamon, o superpesado, constatamos que a tripulação prevista de mil e quinhentos homens não é suficiente. Nos homens vindos do planeta Terra não podemos esperar o QI com que se costuma contar em Árcon, muito embora uma pequena percentagem dos tripulantes da Titan seja capaz de um desempenho acima da média. Se quisermos fazer desta nave o elemento de força que seus construtores tiveram em vista, o aumento da tripulação torna-se absolutamente indispensável. E no planeta Terra encontrarei os homens de que preciso. Queira examinar meus argumentos.

Durante três minutos ouviu-se o zumbido do hipercomunicador. Finalmente veio a resposta do cérebro robotizado.

— Férias concedidas — soou a voz metálica do alto-falante.

A Titan desligou.

Perry Rhodan virou a cabeça e encarou Bell. Este exibia um sorriso satisfeito.

— Então você conseguiu tapear esse montão de lata — disse em tom satisfeito. — Se ele soubesse... — subitamente estacou. Lançou um olhar indagador para Perry. — Não está satisfeito por vê-lo enganado?

— Não. Não temos nenhum motivo para ficarmos satisfeitos, Bell.

As palavras de Rhodan ressoaram pesadamente pela sala de comando. Bell lançou um olhar pensativo para o amigo. Perry tinha razão. Não havia nenhum motivo para ficarem satisfeitos.

Como uma sombra silenciosa evocada pelos incidentes ocorridos com os aras, a Terra mais uma vez se transformara no centro dos acontecimentos. Os aras também eram mercadores galácticos, e os mercadores galácticos continuavam a representar um perigo para a Terra.

Topthor, o superpesado, conhecia a posição do Sistema Solar; o cérebro gigante de Árcon não a conhecia.

Só no setor do grupo estelar M-13, alguns milhares de naves dos saltadores cruzavam o espaço. Cada uma delas era uma verdadeira fortaleza. O que poderia a Terra contrapor a essa força?

Nada!

Um dos pontos fortes de Perry Rhodan consistia em nunca superestimar a própria força. E o ponto que o preocupava era que dentro em breve os saltadores poderiam partir para um ataque maciço contra a Terra, para transformar o “planeta turbulento” num sol que se consumiria num holocausto nuclear.

Era por isso que pretendia voltar à Terra juntamente com a Ganymed. A alegação apresentada ao cérebro robotizado, de que a tripulação da Titan não era suficiente, desde logo se apresentava com uma fragilidade transparente. O autômato era muito inteligente para cair num golpe tão primário. Estava interessado em acompanhar os saltos da Titan e da Ganymed para descobrir as coordenadas da Terra. Mas havia um fato que o cérebro robotizado não conhecia nem devia conhecer. Tanto a Titan como a Ganymed dispunham do compensador estrutural inventado pelos mercadores galácticos, que tornaria impossível o cálculo das transições realizadas por essas naves.

Bell procurou afastar as preocupações.

— Pois faremos com que esses ciganos espaciais também não tenham nenhum motivo para ficarem satisfeitos — disse com a voz zangada. — Vamos preparar a transição, Perry?

Perry Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça.

 

A figura maciça e esverdeada de Talamon surgiu na tela e sorriu para Perry Rhodan.

Há poucos minutos o chamado havia sido recebido pela freqüência de hipercomunicação do superpesado. Agora a pesada nave de guerra emergia lentamente da escuridão do espaço e adaptou sua velocidade à da Titan.

— Irei até aí, Perry Rhodan — disse Talamon depois do ligeiro cumprimento. Sua imagem desfez-se. Na Tal VI, a comunicação fora interrompida.

— Suspender os preparativos para a transição — disse Rhodan pelo rádio, dirigindo-se à Ganymed. — Todos os dados continuam válidos.

Depois, lançou um olhar para Bell.

— Mande que John Marshall e Gucky venham até aqui.

No mesmo instante, uma luminescência surgiu diante de Rhodan. O rato-castor surgiu. Seu dente roedor solitário sorria com satisfação. Procurou acomodar-se no colo de Rhodan.

— Ora, Gucky! — disse Rhodan numa ligeira recriminação. — Estamos recebendo urna visita oficial.

Gucky planou para o canto mais afastado da sala de comando. Ninguém riu. Devia haver um motivo importante para que o superpesado surgisse pouco antes que a Titan e a Ganymed iniciassem a transição em direção à Terra. Talamon só se tornara amigo de Perry Rhodan depois da missão executada no planeta Aralon. Todavia, ainda faltava dar uma prova dessa amizade.

Será que Talamon vinha como amigo?

Rhodan compreendeu o olhar preocupado de Crest. Estavam pensando a mesma coisa. Era justamente por isso que Gucky e John Marshall deviam estar presentes durante a palestra, a fim de verificar se as intenções de Talamon eram honestas.

— É uma bela nave — disse o superpesado. Depois de dar outra olhada pela sala de comando, acrescentou: — Acontece que dentro de pouco tempo já não será tão bela assim.

Já estava mostrando as cartas.

Perry Rhodan percebeu o sinal de John Marshall. Talamon não estava ocultando nada. Realmente viera na intenção de prevenir Rhodan.

— Um momento, Talamon! — Bell pousou uma das mãos no ombro de Perry, enquanto a outra movia a chave que estabelecia contato com o posto de observação da Titan e da Ganymed. Disse para dentro do microfone: — Exerçam vigilância rigorosa em todos os setores do espaço. Liguem os protetores de localização na potência máxima.

Voltando a dirigir-se ao superpesado, que sorria satisfeito diante das instruções, Reginald Bell disse:

— Mande que sua nave se coloque entre as nossas. Se quisermos evitar que os outros formulem perguntas indiscretas, não devemos dar-lhes a menor oportunidade para isso. Quer fazer o favor de transmitir as instruções para sua nave?

Um sorriso ainda mais largo cobriu o rosto do superpesado.

— Se todos os homens do planeta Terra são tipos tão frios, cautelosos e impetuosos como este, já começo a sentir pena dos saltadores. É claro que mandarei colocar minha nave entre as suas.

As grandes telas de visão global da Titan mostraram que a nave Tal VI, pesadamente armada, descreveu uma curva silenciosa, e, numa manobra elegante, colocou-se numa posição em que estaria a salvo da localização.

— Pois bem — disse Talamon em tom indiferente, contemplando Perry Rhodan numa tensão mal disfarçada. — Os aras do planeta Aralon estão zangados com vocês. Do ponto de vista comercial compreendo essa atitude. Mas desde que fiquei sabendo que esses bandidos da medicina andam fazendo suas feitiçarias para que a gente pegue tudo quanto é peste, a fim de poderem vender seus medicamentos a preços extorsivos, não tenho a menor simpatia por eles. Em resumo:

“Aralon alarmou os clãs dos aras espalhados pelos quatro cantos da Galáxia. Sempre há doenças. Os mercadores galácticos foram submetidos a verdadeira chantagem. Os aras os ameaçaram de não lhes vender mais remédios, e por isso viram-se obrigados a concordar em lançar um ataque à Terra a fim de transformar esse mundo num sol.”

— O ataque já foi iniciado? — perguntou Perry Rhodan em tom tranqüilo, fazendo com que os seiscentos e cinqüenta quilos de Talamon saltassem da poltrona e fitassem o ser terrano.

Perry Rhodan fez pouco caso; Bell estava suando. Era outro dos blefes de Rhodan. Perry não chegara a afirmar que qualquer ataque seria rechaçado, mas deixara Talamon bem menos seguro de si.

— Então, Talamon, os saltadores já iniciaram o ataque? — disse, insistindo na pergunta.

— Não, os saltadores não se entregam tão depressa. E uma ação dessa envergadura nunca é iniciada sem uma reunião dos patriarcas. Mas os aras já conseguiram alguma coisa. Dentro em breve, haverá uma reunião dos patriarcas. Ninguém sabe onde. Nem mesmo o mensageiro que me procurou para saber minha opinião soube dar essa informação.

— Três aproximações — anunciou o oficial do posto de observação. — Uma nave está rastreando o espaço. Distância 0,325 minutos-luz. Velocidade 0,21 abaixo da luz. Irradiando sinais codificados para outra nave. Sinais conhecidos. Trata-se de unidades da frota do superpesado Talamon.

Talamon sorriu por todo o rosto e demonstrou sua admiração indisfarçada para Rhodan e Bell.

— Estou curioso para ver se minhas naves não acabarão me encontrando.

Rhodan estendeu a mão num gesto indiferente:

— Aposto minha Titan contra sua nave capitania de como não nos descobrirão.

O superpesado sacudiu violentamente a cabeça, escondeu as mãos maciças atrás das costas, deu uma risada matreira e disse:

— A história de como o senhor se apoderou da Titan já se espalhou por aí. Não estou com vontade de apostar. Preciso da minha nave — logo voltou a tornar-se sério.

— O plano dos aras não o deixa preocupado? Não preciso ser profeta para garantir que os médicos galácticos obrigarão os saltadores a destruir a Terra. E também não sou nenhum tagarela. Vim para ajudar o senhor e seu mundo.

Perry Rhodan viu John Marshall esfregar os dedos.

— Quanto terei de pagar por sua amizade, Talamon? — perguntou Perry Rhodan com uma risada.

— Ó sublime Via Láctea! — exclamou o superpesado com um aparente entusiasmo.

— Fomos feitos para sermos sócios um do outro. Nem mesmo com os arcônidas, tenho conseguido chegar tão rapidamente ao núcleo do negócio.

— Pois essa gente dorme de pé! — observou Bell.

De repente, os olhos de Talamon começaram a mexer-se. Caminhavam de um lado para outro, fitando os dois homens tão diferentes no aspecto e no caráter.

Perry e Bell exibiram seus rostos de jogador de pôquer. Essa coincidência deu de pensar à raposa de seiscentos e cinqüenta quilos que atendia ao nome de Talamon. Falando em tom pensativo, disse:

— Aos poucos estou compreendendo por que todos nós, que temos alguma coisa a ver com o Império de Árcon, sempre levamos a pior quando lidamos com vocês. Mas vamos conversar sobre o preço. Afinal, de vez em quando tenho de alimentar meu clã. E manter duzentas naves em condições de combate não é nada fácil; custa muito dinheiro. Nem estou calculando o risco que vou assumir...

Perry Rhodan interrompeu-o em tom penetrante:

— Quando dei ordem à frota de guerra robotizada de Árcon para que não transformasse as naves do superpesado Talamon em nuvens de gases, assumi um risco que excedia qualquer grandeza astronômica. E eu lhe pedi que pagasse alguma coisa por isso, Talamon?

— Ora essa, Perry Rhodan! — respondeu Talamon em tom de recriminação. — Não se fala assim com um velho.

— Será que não? — retrucou Rhodan com a mesma voz penetrante. — Nós, os humanos, gostamos de dizer a verdade, mesmo que seja dolorosa. Diga seu preço, Talamon.

John Marshall levantou-se e aproximou-se dos três homens que estavam discutindo. Rhodan olhou para o mais competente dos seus telepatas e perguntou:

— O que houve, Marshall?

O telepata entendia seu chefe.

— O senhor me pediu que lhe lembrasse que pretendia falar com o cérebro robotizado de Árcon.

Essas palavras representavam um código; traduzida em termos normais, o teor da mensagem seria o seguinte: “Até aqui não notei nenhum pensamento traiçoeiro em Talamon.”

Rhodan fez sinal para que Marshall se afastasse.

— Isso não tem pressa. Obrigado. Talamon, que não perdera uma única palavra, logo tirou suas conclusões.

— O senhor quer recorrer ao auxílio do Império, Rhodan? Não se esqueça de que os saltadores também são arcônidas.

— Alguns estão dormindo enquanto outros são salteadores! — interveio Bell em tom mordaz. — Talamon, que raça sem finura é a sua? Realmente, vocês nos deixam preocupados.

O superpesado não teve outra alternativa senão levar a objeção de Bell a sério. Em sua imaginação, a Terra transformou-se num único porto espacial e o poder de Perry Rhodan era imenso.

— Diga seu preço, Talamon! — exigiu Rhodan, felicitando-se porque Bell estava participando da discussão. Era ele que descongelava o superpesado, fazendo-o afastar-se do ponto de vista de que teria de ganhar muito dinheiro.

— Para uma ação sem limite de tempo e com pleno engajamento de toda minha força de combate... são exatamente duzentas e dezoito naves, peço dez milhões.

— Quanto vale uma tonelada de aço Árcon-T? — perguntou Perry.

— Aço Árcon-T? O aço de que são feitas as naves espaciais? — Talamon aguçara os ouvidos.

— Isso mesmo. Tenho umas trezentas ou quatrocentas toneladas para vender.

— Quanto?

Perry Rhodan levantou-se. Por enquanto considerava encerrada a discussão.

— Reflita juntamente com seu clã se minha proposta representa um negócio interessante para os senhores. Depois disso, combinaremos um preço entre amigos. Pagando uma taxa de dez milhões por sua atuação em defesa da Terra, ainda terei de receber algumas dezenas de milhões do senhor. Quando voltaremos a encontrar-nos?

 

O inspetor-chefe Gegul encontrava-se diante do Conselho de Médicos de Aralon, ao qual teria de apresentar seu relatório.

Nos últimos dias, o ara envelhecera alguns anos. Uma enorme responsabilidade pesava sobre seus ombros. Recebera a incumbência de exercer pressão contra todos os clãs dos saltadores, fazendo, sempre que necessário, sua chantagem contra os patriarcas. O ara diria que, em determinadas circunstâncias, os fornecimentos de remédios poderiam ser suspensos.

Gegul teve que recorrer ao Serviço Intergaláctico de Informações. Sua organização não dispunha de recursos para “trabalhar” todos os clãs dos mercadores num espaço de poucos dias.

Apesar dos esforços que o haviam obrigado a passar várias noites sem dormir, assumia uma atitude orgulhosa diante do Conselho, cujos membros ouviam sua exposição com um prazer cada vez maior.

Gegul só falava sobre ações bem sucedidas. Vez por outra, um sorriso cínico surgia em seu rosto, quando contava como certo patriarca fora convertido à causa dos aras com a força do argumento de que nos próximos dias todo o clã poderia contrair uma doença mortal. Neste caso os aras se veriam obrigados a recusar o pedido de cura, pois no futuro só estariam disponíveis para os amigos.

— Quando será realizada a assembléia dos patriarcas, e onde? — perguntou Dumeh, que estava presidindo o Conselho de Médicos.

— Dentro de oito dias, em Laros — respondeu Gegul.

— Em Laros? — interveio Santek em tom de surpresa, lançando um olhar penetrante para Gegul. — Justamente em Laros, onde realizamos nossas experiências biológicas? Gegul, você devia ter sido abandonado por todos os deuses estelares quando lhe deu na cabeça de sugerir a décima oitava lua do sistema de Gonom como ponto de encontro.

Gegul perdeu parte de sua postura orgulhosa.

— Peço licença para expor os motivos que me levaram a sugerir Laros como ponto de encontro dos patriarcas dos saltadores. Parti do fato de que há alguns meses os chefes de clã dos mercadores galácticos realizaram sua assembléia geral no planeta Goszul, situado no sistema 221-Tatlira, a fim de decidir a respeito de Perry Rhodan.

“A assembléia geral terminou numa explosão nuclear.

“Os saltadores realizaram uma tentativa desesperada de voltar a fixar-se em Goszul, mas esta resultou numa doença misteriosa. Só nós, os aras, constatamos que a mesma é inofensiva. Apesar disso o planeta de Goszul continua a ser considerado uma estrela proibida.

“É possível que esses fatos, ainda não esclarecidos, tenham sido encenados por Perry Rhodan, mas não temos prova disso.

“Em Laros dispomos de recursos que nos permitem impedir qualquer influência indevida sobre a assembléia dos patriarcas, protegê-la e mesmo destruir quem pretenda exercer tais influências.

“Foram estas considerações que me levaram a sugerir a décima oitava lua do planeta Gom, situado no sistema de Gonom, como ponto de encontro dos patriarcas e dos superpesados.”

Gegul sentiu-se aliviado ao notar o sorriso diabólico de Santek. Também Dumeh demonstrou uma amável concordância.

— O biólogo-chefe Keklos já foi informado, Gegul? — perguntou Dumeh em tom gentil.

Mais uma vez, o inspetor-chefe inclinou ligeiramente o corpo:

— O biólogo-chefe Keklos foi colocado a par de tudo e está de acordo com as medidas por mim sugeridas.

Uma expressão de triunfo brilhava nos olhos de Gegul.

 

Topthor, amigo de Talamon e inimigo encarniçado de Rhodan, foi arrancado do sono. Tattoll estava de pé junto à sua cama.

— Senhor, o quartel-general dos superpesados quer se comunicar conosco — disse em tom exaltado, continuando a sacudir o braço do chefe do clã.

— E daí? — resmungou Topthor. — Quem quer falar comigo deve saber esperar. Diga ao quartel-general que comparecerei.

Não teve muita pressa em chegar ao aparelho de hipercomunicação. Vestiu-se tranqüilamente. Ficou refletindo sobre o que o órgão central poderia querer. Tinha certeza de que não se tratava de uma missão que pudesse render milhões. Qualquer mensagem desse tipo vem com a nota de maior urgência.

Caminhou devagar em direção à sala de comando. A última escotilha abriu-se automaticamente. De longe viu o tremeluzir da tela: era o sinal típico de transmissão pelo hipercomunicador.

Fungou enquanto se deixava cair na poltrona do piloto.

— Topthor! — gritou com a voz contrariada.

— Quartel-general! — soou a voz metálica do micro-alto-falante. O rosto conhecido de Sirger, segundo patriarca do clã de Darfnur, surgiu na tela.

— Diga logo o que aconteceu, meu filho — insistiu o gigante esverdeado em tom pouco gentil.

— Nossa mensagem está sendo transmitida pelo disjuntor, Topthor!

O patriarca aguçou o ouvido. Se o disjuntor e o hipercomunicador estavam sendo usados ao mesmo tempo, algo de importante devia ter acontecido. O rosto de Topthor mostrou um certo interesse. Este fato significava algo capital.

Mas os músculos de sua face logo se descontraíram. O quartel-general anunciou data e local da assembléia dos patriarcas.

— Teve de acordar-me por isso? — resmungou o velho.

Sirger, que se encontrava no quartel-general dos superpesados, perguntou em tom indiferente:

— Não está mais interessado em Perry Rhodan?

Se havia um inimigo cujo nome Topthor nunca esqueceria, esse inimigo era Perry Rhodan.

— O que houve com Rhodan? — berrou para dentro do microfone com tamanha força que Sirger, que se encontrava a alguns milhares de anos-luz de distância, imediatamente reduziu o volume do micro-alto-falante.

— Será que o senhor não sabe o que aconteceu em Aralon? — perguntou Sirger em tom de espanto. — Na Via Láctea não se fala em outra coisa.

Era um exagero, pois Topthor não sabia de nada.

— Acha que posso saber de tudo, Sirger? Encontrava-me com minha frota nas profundezas da Galáxia, a vinte e oito mil anos-luz de distância, onde tive de liquidar um assunto. E esse assunto me custou seis naves.

Não disse qual foi o assunto que teve de liquidar, mas Sirger soube tirar suas conclusões. Em poucas palavras, contou os maus bocados que Perry Rhodan fizera os aras passar. Mencionou o nome de Talamon.

— O quê? — voltou a berrar Topthor. — Talamon fugiu? Você está mentindo!

Sirger não estava disposto a permitir que o chamassem de mentiroso, motivo por que formulou sua resposta de tal forma que Topthor começou a engolir em seco. Com a voz mais amável deste mundo, perguntou o que teria feito se estivesse no lugar de Talamon e, de repente, se visse cercado pela frota robotizada de Árcon.

— Árcon se meteu nisso? O regente robotizado resolveu intervir? — Topthor não estava acreditando. — Você está me contando isso de maneira muito confusa, Sirger. Fim do contato.

Topthor interrompeu a comunicação, mas não desligou o hipercomunicador.

— Quero uma ligação instantânea com Talamon.

A nave capitania de Talamon, Tal VI, não deu sinal de vida. Apenas uma nave de sua frota respondeu, mas ninguém sabia onde se encontrava o chefe do clã. Topthor desligou de vez.

— É estranho — murmurou. — Talamon não indicou o lugar em que pode ser encontrado e não responde ao chamado expedido na sua freqüência. Alguma coisa não está certa. Isso não é...

Foi nesse instante que seu receptor captou outra mensagem de hipercomunicação. Mais uma vez era o quartel-general; o rosto de Sirger voltou a surgir na tela.

— Será que o senhor pode dizer ao quartel-general onde poderíamos encontrar seu amigo Talamon?

Topthor lançou um olhar idiota para a tela.

Então também não conseguiam encontrar Talamon? Seu nervosismo cresceu. Pensava constantemente em Talamon e em Perry Rhodan.

Estava preocupado com seu amigo Talamon e por causa de Perry Rhodan.

 

Talamon estava voltando depois da terceira conferência com Perry Rhodan. Seu respeito para com esse homem crescera quase ao infinito, e não procurava esconder esse fato diante dos membros de seu clã. Mas nem todos concordavam com ele; era principalmente Oxcal que se opunha a toda e qualquer ligação com Rhodan.

— Se Cekztel descobrir seu jogo, dentro de pouco tempo o clã de Talamon deixará de existir — advertiu.

Talamon respondeu com um sorriso alegre.

— Pois Cekztel não deverá saber — logo se esqueceu desse detalhe. — Mas você não precisa participar do grande negócio que fechei com Rhodan, Oxcal.

Acontece que Oxcal queria participar do grande negócio. Tratava-se de uma quantidade quase inimaginável de sucata de aço Árcon-T. Se o negócio se concretizasse, sobraria uma boa quantia para cada membro do clã.

— Onde deveremos buscar o material? — perguntou Oxcal, demonstrando seu interesse pelo negócio.

Talamon sorriu para cada um dos circunstantes. Estava curioso para ver suas caras idiotas. Também fizera uma cara idiota quando Rhodan, respondendo a pergunta idêntica, lhe dissera:

— Em Honur.

— O quê? Em Honur? — a voz de Cresja vibrava num tom de pavor.

Talamon sorriu e acenou com a cabeça.

— Será que também devemos pegar a doença? Aquela maldita peste da alegria? — perguntou Oxcal em tom incisivo.

— Vocês são uns tolos — respondeu o velho Talamon. — Até hoje sempre fui eu quem trouxe os negócios mais gordos. Vocês vieram depois e embolsaram o dinheiro. Acham que já estou tão esclerosado que não me lembrei da epidemia de Honur? Acontece que Rhodan também não se esqueceu dela. Por isso, não assumiu qualquer risco quando me contou onde está aquela sucata de primeira. Poderemos dar uma olhada no cemitério de naves existente no planeta proibido. Por enquanto isso basta. Faremos um inventário, realizaremos cálculos aproximados e, se entendi as palavras ditas por Rhodan durante a última conferência, não teremos que pagar nada. Apenas devemos manter-nos afastados de cinco naves cargueiras de grande porte e um couraçado arcônida, que Rhodan pretende reservar para si. Não é um bom negócio, meus irmãos de clã?

Talamon sentia-se triunfante.

Oxcal lembrou-se da epidemia que atacara setecentos tripulantes da Titan. Era uma hipereuforia provocada por ursinhos criados como animais domésticos no planeta de Honur.

— Rhodan nos fornecerá o antídoto, Oxcal. Já se esqueceu que esteve em Aralon, e que muitos dos seus tripulantes haviam contraído a doença? Ainda estão doentes?

Oxcal lançou um olhar pensativo para seu patriarca. Não estava gostando do fogo juvenil que brilhava em seus olhos. Devia contê-lo, pois do contrário levaria todo o clã para a desgraça.

— Se Cekztel, chefe de todos os clãs, tiver a mais leve suspeita, ele nos exterminará. E se Topthor tiver a menor idéia do que se passa, esquecerá quem é seu amigo. Odeia Perry Rhodan com toda a força do coração.

O rosto de Talamon assumiu um feitio rígido.

— Não quero que ninguém de vocês pense em dar uma dica a Cekztel e Topthor. Por isso nossos rádios continuarão em silêncio, tanto na emissão como na recepção.

Levantou-se e dirigiu-se ao seu camarote. Pensava menos no grande negócio que em Perry Rhodan.

Talamon compreendia cada vez melhor que em Rhodan conquistara o mais sincero dos amigos, desde que ele mesmo continuasse sincero.

 

A bordo da Ganymed houve um alarma ligeiro.

Há poucos minutos o coronel Freyt, comandante do couraçado de 840 metros de comprimento, regressara depois da conferência com o chefe. Imediatamente quinhentos homens assumiram seus postos. Na popa da nave, os conjuntos e os conversores entraram em funcionamento.

A Ganymed preparava-se para partir.

Só os oficiais da sala de comando conheciam o destino.

O couraçado acelerava lentamente. A distância, que a separava da nave esférica Titan, foi crescendo. O cérebro positrônico de bordo controlava a aceleração.

Numa indiferença quase total, o coronel Freyt, sentado na poltrona do piloto, contemplava a grande tela de visão global. Fazia dez minutos que a Titan, reduzida a um pontinho, desaparecera. A nave Tal VI, comandada por Talamon, estava com todas as luzes apagadas e envolta no campo protetor de localização da gigantesca nave esférica. Naquele instante, transmitia uma mensagem hiperconcentrada pelo super-transmissor da nave de Rhodan.

— Bip! — foi o som que se ouviu quando o receptor da Ganymed captou a transmissão.

O coronel Freyt virou-se para o oficial incumbido do cérebro positrônico. Este limitou-se a acenar com a cabeça. Foi só. Freyt não formulou qualquer pergunta. Sabia que as coordenadas do salto e os dados relativos ao tempo estavam armazenados no cérebro positrônico, aguardando o momento de serem utilizados.

— Bip! — voltou a fazer o micro-alto-falante da sala de comando.

Foi a resposta à mensagem hiperconcentrada da Tal VI. Uma das naves da frota de Talamon acabara de responder.

A tela de comunicação direta com a sala de rádio iluminou-se diante de Freyt. O oficial de rádio transmitiu o texto decodificado da mensagem.

Mais uma vez, o comandante limitou-se a acenar com a cabeça. A imagem na tela desfez-se e o alto-falante acoplado nesta foi desligado.

Pouco depois, o dispositivo de localização automática começou a funcionar. A Ganymed se deslocava a uma velocidade de 0,74 abaixo da luz.

Mais uma vez, Freyt lançou um olhar indagador para o oficial incumbido do cérebro positrônico.

— Mais trinta e três minutos, coronel — disse o oficial.

Depois da primeira operação de localização, a Ganymed modificara o rumo em 8 graus e 32 segundos Pi. Os potentes neutralizadores de pressão devoravam as energias que surgiram no momento em que o couraçado saiu rapidamente do velho rumo, para tomar outro. Só a tela de visão global revelara a alteração. Alguns sóis desapareceram acima da extremidade superior, enquanto outros penetraram pela extremidade inferior.

Nenhum dos homens que se encontravam na sala de comando teve tempo ou vontade de contemplar o espetáculo ímpar da cintilância do grupo estelar M-13. Hoje nada seria capaz de cativar os homens.

Voavam no desempenho de uma missão.

Deslocavam-se exatamente na direção da nave que o dispositivo de localização mantinha sempre ao alcance dos instrumentos de medição.

A velocidade da Ganymed aproximava-se da marca de 0,9 abaixo da luz.

O coronel Freyt fumava. Estava reclinado na poltrona do piloto. Reclinara-se com a mesma tranqüilidade quando, há muitos anos, realizara as missões mais perigosas nos caças de um homem da frota de Rhodan.

Um lampejo fulgurante chamou Freyt de volta para a realidade. O dispositivo automático de localização eliminou a aceleração da Ganymed. O enorme couraçado com as quatro aletas salientes na popa aproximava-se em queda livre da nave que acabara de ser localizada por meio do goniômetro.

Naquele momento, estava sendo captada pelo dispositivo ótico. Vinha do setor de meia nau. Com nitidez formidável, a nave cilíndrica surgiu numa tela adicional, que se encontrava à esquerda de Freyt.

Não demorou a ser identificada. O tenente Feller informou:

— É a Tal CLIII.

O alarma ensurdecedor abafou todos os outros ruídos a bordo da nave.

Enquanto isso, o rastreador estrutural rangia.

Vindas do nada, do hiperespaço, três naves surgiram numa proximidade ameaçadora da Ganymed.

— Era só o que faltava! — disse o coronel Freyt em tom tranqüilo. Mas logo emitiu suas ordens.

— Avisem o chefe!

Estas palavras foram dirigidas à sala de rádio.

— Vamos defender-nos com todas as armas se formos atacados!

Esta ordem ressoou nos postos de combate. No mesmo instante, abriram-se as escotilhas dos canhões.

A Ganymed estava preparada para o combate.

Quem seriam esses veículos espaciais que, vindos da transição, continuavam a aproximar-se do couraçado?

— São naves dos saltadores!

O aviso veio duas vezes, do posto de localização e do setor de observação ótica.

— Digam à Tal CLIII que dê o fora imediatamente — berrou no microfone, dirigindo-se à sala de rádio.

— Transição — rangeu a voz do tenente Dreyfus, que se encontrava no setor de rastreamento estrutural. — A Tal CLIII acaba de saltar.

— Ataque do verde quarenta e cinco — soou a voz tranqüila do oficial de tiro de Dora 8. O setor Dora 8 encontrava-se no ângulo em que a aleta de popa número um se ligava harmonicamente ao envoltório da nave.

Na sala de máquinas do couraçado, as turbinas começaram a uivar. Milhares de ligações eram feitas e desfeitas. Os últimos conversores começaram a rugir. As usinas de força forneceram energia de sobra aos postos de combate.

Dora 8 disparou durante oito segundos.

— Nosso campo de visão é muito bom — disse Freyt, elogiando os homens que se encontravam a meia nau e conseguiram realizar o milagre de colocar simultaneamente três naves cilíndricas nas telas especiais.

Os artilheiros de Dora 8 também mereciam elogios. A parte em que ficavam os propulsores de uma das naves dos saltadores desapareceu. Por menos de meio segundo, ficara sujeita ao impacto direto de um potente raio de desintegração.

— Outra transição — fungou o tenente Dreyfus. Sua surpresa cresceu ainda mais.

— A Tal CLIII voltou...

A mensagem vinda da sala de rádio saiu ruidosamente do alto-falante:

— Mensagem hiperconcentrada vinda da Tal CLIII. O texto decodificado será fornecido em seguida.

O coronel Freyt começou a imaginar o motivo por que a nave de guerra da frota de Talamon voltara e resolvera intervir na luta.

A nave do clã dos superpesados atacou a Ganymed.

Três enormes raios de desintegração precipitaram-se em direção à nave de Freyt, mas todos erraram o alvo. Não chegaram sequer a roçar os campos defensivos do couraçado de 840 metros de comprimento.

Os homens que guarneciam as posições de artilharia esbravejavam de raiva e amargura. Não viam mais nada de bom em Talamon e seu clã.

A voz do coronel Freyt fez-se ouvir:

— Lancem ataques simulados contra a Tal CLIII. Os disparos devem passar raspando. Mas quero que essas canoas dos saltadores sejam transformadas em sucata.

Finalmente a mensagem decodificada da Tal CLIII foi fornecida pela sala de rádio.

— Realizaremos ataques simulados. Só isso.

No mesmo instante, o campo defensivo da Ganymed foi sacudido por oito impactos. Cascatas de luz irromperam em torno da nave e a violência dos raios desintegradores encurvou os campos energéticos, a fim de que estes pudessem absorver o enorme volume de energia.

— Que diabo! — esbravejou o oficial de tiro Bredhus, que se encontrava de serviço em Berta 5, pois a Tal CLIII se colocara diante de uma das naves dos saltadores, protegendo-a e impedindo numa fração de segundo que seus propulsores fossem destruídos.

O coronel Freyt, que acompanhava a batalha com o maior interesse por meio da tela de visão global, exibiu um sorriso quase imperceptível. A Tal CLIII estava desempenhando seu papel com perfeição, tornando a batalha mais difícil para a Ganymed. As duas naves dos saltadores que continuavam em condições de manobrar teriam que acreditar que uma nave dos superpesados se colocara a seu lado na luta contra a Ganymed.

 

Por coincidência, Talamon se encontrava a bordo da Titan, quando a menos de trinta minutos-luz de distância irrompeu a batalha espacial entre a Ganymed e as três naves dos saltadores. A intervenção da Tal CLIII e, antes dela, seu desaparecimento no hiperespaço e seu reaparecimento, haviam sido registrados com toda precisão pelos aparelhos de observação.

— Então? — limitou-se Perry Rhodan a perguntar e lançou um olhar de esguelha para a figura quadrática de Talamon, quando a meio bilhão de quilômetros dali a Tal CLIII disparou três raios de desintegração contra a Ganymed, errando o alvo.

Talamon ergueu-se ligeiramente.

— Em meu clã não existem traidores, Perry Rhodan!

Esta frase lacônica exprimiu o poder que cada patriarca exercia sobre seu clã. Qualquer ordem de comando era uma lei para todos.

— Não acha que o aparecimento das três naves dos mercadores é uma coincidência muito estranha? — perguntou Reginald Bell, sem deixar perceber o menor resquício da jovialidade que tantas vezes gostava de demonstrar.

Naquele instante, também a Titan captou a mensagem hipercondensada da Tal CLIII. No momento em que Talamon se dispunha a dar uma resposta áspera, receberam o texto decodificado:

— Realizaremos ataques simulados. Num gesto impulsivo, Bell estendeu a mão ao patriarca.

— Não leve minhas palavras a mal, Talamon. Uma desconfiança honesta limpa o ambiente.

Talamon pegou a mão e apertou-a cautelosamente. Respirava com dificuldade.

— Eu mesmo não acreditava no que estava vendo quando a Tal CLIII lançou o ataque contra a Ganymed, mas...

— Não há nenhum mas — interveio Rhodan. — Os ataques simulados contra a nave de Freyt são o único meio de enganar os saltadores e evitar que os mesmos desconfiem de que o senhor colabora comigo. Talamon, acho que ainda seremos bons amigos.

 

Enquanto a luta continuava, o coronel Freyt pensava com freqüência cada vez maior na missão que tinha a cumprir. A Tal CLIII realmente tornava muito difícil alcançar o fim da batalha desigual. A cada minuto crescia o perigo de que os saltadores pudessem surgir com outras unidades de sua frota, pois as duas naves cilíndricas que ainda estavam em condições de combate emitiam constantemente seus pedidos de socorro.

Uma ligeira vibração sacudiu a Ganymed. Um abalo percorreu a gigantesca nave. Oito ou nove posições de artilharia haviam disparado suas peças ao mesmo tempo. O espaço escuro transformou-se num plano aberto em leque. Os dedos luminosos precipitaram-se para as profundezas do cosmos e atingiram as duas naves dos saltadores.

Duas nuvens alaranjadas espalharam-se para todos os lados. O metal derretido gotejou, as energias dos conversores explodiram em terríveis relâmpagos, os campos magnéticos entraram em colapso em meio a uma série de curto-circuitos.

As três naves cilíndricas dos saltadores estavam sem a popa. Reduzidas a destroços, deslocavam-se em queda livre descontrolada e seus tripulantes aguardavam o fim.

Era assim que os saltadores costumavam tratar seus inimigos: só se contentavam com a destruição total.

Por cima de tudo isso, a esfera monstruosa aproximou-se em meio a um ribombo, vinda das profundezas do espaço.

A Titan acabara de chegar.

O aparecimento da nave de um quilômetro e meio de diâmetro devia ter provocado um choque na Tal CLIII. Afastou-se com uma tremenda aceleração.

Foi este o quadro e a ação que se apresentaram aos sobreviventes das três naves dos saltadores. Compreendiam a fuga do superpesado e estavam mais do que nunca convencidos de que o fim estava próximo.

Mas a Titan e a Ganymed não demonstraram o menor interesse pelos destroços desgovernados. As naves aceleraram e não tardaram em desaparecer do raio de alcance ótico dos náufragos.

Menos de dez minutos depois, quatorze naves cilíndricas penetraram no setor em que se desenrolara a luta, vindas do hiperespaço. Realizadas em breves intervalos, quatorze transições provocaram um abalo enorme na estrutura espacial.

A Titan, que voltara a acolher a Tal VI em seu campo superpotente de defesa anti-localização, registrou todas as transições.

Os olhos de Rhodan chamejavam. Um sorriso disfarçado brincava em torno de seus lábios. Lançou um olhar para o setor de localização estrutural. O oficial, que se encontrava em atitude tensa na poltrona, fez um gesto rápido com a cabeça.

— Transição dupla! — anunciou, e forneceu as coordenadas e a direção do salto.

Agora Perry Rhodan sorria satisfeito. Estava pensando no cérebro robotizado de Árcon. Ali também fora medido o salto duplo. O robô gigantesco olhava tudo com algumas centenas de milhares de relês arcônidas, aguardando o segundo salto da Titan e da Ganymed. Esperava o momento de, mediante os cálculos da transição, descobrir o ponto exato da Galáxia em que ficava a misteriosa Terra, o mundo de que vinha Perry Rhodan.

E Perry Rhodan conseguira iludir o cérebro positrônico.

Em vez da Titan, a Tal CLIII saltara juntamente com a Ganymed em direção ao centro da Via Láctea. A Titan, aproveitando esse tipo de camuflagem, permanecia no interior do grupo estelar M-13, pois tinha de realizar algumas tarefas importantes antes de regressar à Terra ameaçada.

O regente positrônico esperou em vão pelo segundo hipersalto espacial.

O salto não veio, e o compensador estrutural da Ganymed absorveu o abalo da estrutura espacial. Enquanto a Tal CLIII, desenvolvendo sua velocidade normal, equivalente à da luz, tomava o rumo do seu setor de origem no grupo estelar, a nave do coronel Freyt executou a segunda transição. Mas também esta não se dirigia exatamente para o setor secundário da Via Láctea onde havia um sistema que incluía o planeta Terra.

 

O superpesado Topthor recebeu a notícia irradiada por seu quartel-general: a Titan e a Ganymed, pertencentes à frota de Perry Rhodan, haviam tomado o rumo do centro da Galáxia, provavelmente para dirigir-se ao seu sistema solar.

— Sirger — disse o velho de tez verde com um sorriso feroz — o quartel-general está exalando gentilezas por todos os poros. Será que já posso saber o que há atrás de tudo isso?

Não era tão fácil enganar um homem desconfiado como Topthor.

A figura de Sirger, locutor de comunicações do quartel-general dos superpesados, projetada na tela, não era nada agradável.

— Ainda não conseguimos localizar seu amigo Talamon — disse desanimado.

— Eu também não consegui — resmungou Topthor, ainda mais aborrecido que antes. Começava a preocupar-se realmente com o destino de Talamon e de sua frota. — Ontem não houve uma pequena batalha entre três naves dos saltadores e a Ganymed de Rhodan? Será que as informações que recebi não são corretas? Pelo que soube, a Tal CLIII, que é uma nave de guerra da frota de Talamon, realizou uma ação corajosa, batendo-se com a Ganymed a fim de dar aos mercadores uma chance de escapar, mas esse maldito Rhodan apareceu com a Titan e...

— Tudo isso é verdade, senhor. As informações que tenho diante de mim dizem a mesma coisa. Mas a Tal CLIII viu-se obrigada a fugir quando apareceu a Titan, e desde então não dá mais sinal de vida. Estamos tateando no escuro.

— Rhodan... — exclamou Topthor em tom de ameaça, no qual vibrava um ligeiro desespero. — Onde esse sujeito aparece, sempre há uma porção de acontecimentos inconcebíveis e de problemas. Fim, Sirger. Obrigado pelo chamado e por seu interesse.

 

Numa viagem-relâmpago, a Ganymed acabara de regressar à Terra. Depois de três saltos realizados sob a proteção do compensador estrutural, voltara a ingressar no espaço normal entre as órbitas da Terra e Marte.

Apoiada sobre as quatro aletas de popa, a gigantesca Ganymed estendia o corpo enorme em direção ao céu. A ponta desapareceu nas nuvens densas que pairavam sobre o deserto de Gobi.

Nuvens sobre Terrânia! Para o coronel Freyt isso não prenunciava nada de bom, embora não fosse supersticioso. Terrânia, o minúsculo trampolim situado no deserto de Gobi, de onde Perry Rhodan se pusera a caminho a fim de conquistar o Universo para a Terra, era o pólo de força da Terra. Para os homens, representava uma concentração inconcebível de poder.

O coronel Freyt estava pensando nesse poder enquanto o carro o fazia passar em velocidade vertiginosa junto aos cruzadores pesados e à Stardust-III.

Acontece que a Terra possuía menos cruzadores pesados que os dedos existentes numa única mão de um homem. Os mercadores galácticos e os superpesados poderiam lançar mão de mil vezes esse número. E, se o coronel Freyt ainda se lembrasse do poderio do Império de Árcon, não poderia fazer outra coisa senão sacudir a cabeça.

— Nossa chance é de um contra um milhão — disse com a voz baixa e o desânimo ameaçava apoderar-se de seu espírito. Mas logo lembrou-se das experiências pelas quais havia passado nos últimos anos juntamente com Perry Rhodan, e não pôde deixar de murmurar: — Nossas chances nunca foram melhores. Temos Perry Rhodan, e os outros não o têm.

Alguma coisa começou a vibrar em seu interior, a irradiar força para seu espírito. Essa força vinha de uma distância de 30 mil anos-luz, isto é, do lugar em que Perry Rhodan se encontrava a bordo da Titan.

Meia hora depois da chegada do coronel Freyt, foi realizada a primeira conferência.

— Major Nyssen, quando o compensador estrutural estará instalado na nave Solar System?

Foi assim. Freyt disparou uma pergunta após a outra. Exigia respostas precisas. A comunicação quase chegou a aquecer o ambiente. Indagações formuladas aos estaleiros, laboratórios, estabelecimentos de controle. Mensagens de rádio dirigidas aos estabelecimentos que forneciam os componentes corriam em redor da Terra. No curso dessa conferência, Terrânia chegou a bloquear por meia hora dois terços de todas as comunicações radiofônicas.

Para a Terra este era o primeiro e o único indício de que havia alguma coisa no ar. Terrânia só fazia uso de seus direitos irrestritos quando havia um perigo muito grave.

Em todas as estações montadas em satélite foi instaurado o regime de prontidão rigorosa. A calma reinante nas bases instaladas em planetas e luas chegou ao fim.

O coronel Freyt notou um brilho de entusiasmo nos olhos de seus colaboradores. Não era a favor desse tipo de heroísmo. Por dez minutos, um filme de Árcon interrompeu a conferência.

Durante dez minutos, homens perplexos foram bombardeados pelo poderio de Árcon, que quase chegava a esmagá-los, a aniquilá-los psiquicamente. O filme de Árcon martelava impiedosamente a alma de cada um.

— Na melhor das hipóteses nós e a Terra temos uma chance de um em um milhão — disse o coronel Freyt depois da representação, familiarizando-os com a realidade. — As chances não são melhores nem piores do que sempre foram. Se os aras conseguirem engajar os mercadores galácticos em prol de seus objetivos, fazendo com que os saltadores e os superpesados se lancem num ataque à Terra, e não vejo por que os aras não conseguiriam isso, dentro de pouco tempo o planeta Terra deixará de existir e nosso sistema terá dois sóis em vez de um.

“Não procurem pensar que Árcon com seu poderio irá nos ajudar. Na opinião do chefe, é justamente esse poderio que representa o maior perigo para a Terra. Se o gigantesco cérebro positrônico descobrir nossa posição, nada nos salvará da escravidão, da sujeição a uma máquina. Se não soubermos defender-nos com nossos próprios meios, estaremos perdidos. Aguardo suas sugestões amanhã, à mesma hora.”

 

— Bip! — o receptor de hipercomunicação da Titan emitiu um som.

— Chefe — exclamou o cadete Mengs, que se encontrava de plantão na sala de rádio. — A frota de Talamon entrou em posição de mergulho.

Perry Rhodan fez de conta que não tinha ouvido o título “chefe” com que seu subordinado se dirigira a ele. Sabia perfeitamente que nas conversas não-oficiais todos o chamavam de chefe, mas não era costume iniciar uma mensagem com esta palavra.

Virou a cabeça. Bell estava sentado na poltrona do co-piloto.

— Como está o compensador estrutural, Bell?

— Funcionando.

As engrenagens começaram a girar. A Titan estava preparada para o salto. Todos os preparativos haviam sido completados. A marca zero chegou. O enorme cérebro positrônico encarregou-se de todos os detalhes. Não poderia haver nenhuma falha humana.

A Titan mergulhou no hiperespaço. Mas desta vez não houve o tremendo abalo estrutural que costumava surgir quando um objeto se afastava da estrutura espaço-temporal, e que podia ser medido em qualquer ponto da Galáxia.

A última das grandes invenções dos mercadores galácticos, que eram inimigos encarniçados de Perry Rhodan e da Terra, era o compensador estrutural. Esse aparelho fora instalado no corpo gigantesco da Titan. O compensador estrutural havia sido descoberto a bordo da Ganymed, um couraçado construído pelos saltadores e apresado por Rhodan. Perry introduzira algumas modificações na nave: colocara quatro aletas de popa e acrescentara uma ponta de sessenta metros de comprimento. Lançando mão de todos os recursos de sua tecnologia, a indústria terrana conseguira copiar esse produto de uma civilização desconhecida. Todavia, o compensador que se encontrava a bordo da nave de Rhodan era o único exemplar. Muito tempo se passaria até que a Terra pudesse iniciar a fabricação em série.

Num tempo zero, que só podia ser compreendido em termos matemáticos, a Titan saiu do hiperespaço e passou a flutuar no silêncio demoníaco e no negrume do Universo. Estava a 8 mil anos-luz do Império de Árcon, longe de qualquer grupo estelar, num ponto em que a desolação infinita oferecia proteção contra a descoberta por qualquer nave dos saltadores.

O cadete Mengs avisara que a frota de Talamon se encontrava em posição de mergulho. Num ligeiro impulso concentrado, o patriarca Talamon avisara a execução dessa parte do plano. Sua frota de mais de duzentas naves jazia a mais de oito mil metros de profundidade, no fundo do oceano de amoníaco. Acima dele, borbulhava a atmosfera venenosa do gigantesco planeta que tinha oito vezes o diâmetro de Júpiter e no Império de Árcon era considerado um dos mundos que devia ser evitado: era a peste espacial.

As naves de Talamon mantiveram-se durante 36 horas em posição de mergulho. Era o que havia sido combinado com Rhodan. Com isso, se retiraria a menor justificativa de qualquer suspeita de que Perry Rhodan ainda se encontrasse no interior do grupo estelar M-13, ou de que o superpesado Talamon cooperasse com ele. As instalações de rádio da Titan haviam captado as mensagens de Topthor, e também os chamados ininterruptos expedidos pelo quartel-general dos superpesados, que procuravam localizar Talamon. A mensagem de Talamon passou despercebida, no momento em que estava sendo anunciado tempo e lugar da assembléia dos patriarcas.

Uma explicação plausível foi preparada para justificar a conduta de Talamon, que se mantivera em posição de mergulho. Na mesma mensagem se anunciaria que, dentro em breve, o patriarca poderia oferecer à venda quantidades enormes de aço Árcon-T.

Dali a algumas horas, quando Perry Rhodan, numa ronda pelos postos de sua nave, passou pela sala de rádio, o cadete Mengs entregou-lhe uma pilha de mensagens interceptadas e decifradas. Rhodan passou os olhos por elas sem maior interesse. Subitamente estacou. Bell estava em sua companhia.

— Leia isto, gorducho!

Bell recebeu quatro mensagens para ler. Quando estava na segunda, falou entre os dentes:

— Será que estes fabricantes de venenos já estão fazendo das suas de novo? — quando tinha tomado conhecimento da quarta mensagem, seus olhos começaram a chamejar. — Se eu puser as mãos nesse ara, o Gegul...! — disse em tom ameaçador. — Os aras são uma raça pior que o demônio. Nada é sagrado para estes médicos... Que médicos, que nada! São assassinos. Fazem de conta que curam e aliviam o sofrimento para realizar seus negócios imundos. Perry, você sabe onde fica o planeta Exsar?

O catalogo estelar dos arcônidas forneceu a informação desejada. O cérebro positrônico de bordo calculou a distância do salto. 4.375 anos-luz não representavam nada para a Titan. Perry Rhodan e Reginald Bell sabiam que esse salto representava um grande risco para eles. Porém precisavam certificar-se de que a terrível notícia que haviam recebido era verdadeira.

A dezoito horas-luz da órbita de Exsar, o sexto planeta da série de nove que gravita um torno do pequeno sol geminado, a Titan emergiu do hiperespaço sem ser notada. O tenente Tifflor recebeu ordem para apresentar-se ao chefe.

Perry Rhodan explicou a finalidade da missão.

— ...Não queremos aumentar o risco que corremos, tenente Tifflor. Por isso levaremos o senhor numa Gazela até dez minutos-luz de Exsar. Usaremos o transmissor fictício. O senhor chegara ao planeta pela face oposta ao sol. E um dos poucos mundos dos saltadores. Tem que encontrar um meio de pousar sem ser notado. Só o senhor sairá da nave num traje espacial. No momento, uma doença está surgindo em Exsar, matando diariamente duzentas mil pessoas: mercadores galácticos com suas mulheres e filhos. Esse planeta foi o único que se recusou a mandar um patriarca para participar da assembléia dos saltadores que será realizada em breve. Face a isso, os aras desferiram o golpe. Recorreram a sua arte diabólica para contaminar um planeta inteiro. Quero saber se este relato inconcebível corresponde à realidade. Tifflor, quero que o senhor me traga uma informação segura sobre se estas mensagens de rádio não são exteriorizações de um doente mental.

Bateu com a palma da mão contra as quatro folhas dobradas que segurava entre os dedos.

— O cérebro positrônico lhe fornecerá os dados de que precisa. Não se esqueça de que a Titan está protegida contra a observação. Tudo entendido, tenente Tifflor?

— Tudo entendido.

O tenente Tifflor, o oficial mais jovem e mais bem sucedido da Terceira Potência de Perry Rhodan, fez continência. Era um rapaz que à primeira vista não revelava nem a audácia nem a impetuosidade. Mas, esta sua maneira tinha muita semelhança com a do chefe, Perry Rhodan.

 

Logo após o pouso em Aralon, o inspetor-chefe Gegul dirigiu-se apressadamente ao local em que funcionava o Conselho de Médicos. Já anunciara sua chegada. Quando entrou na ante-sala, decorada com o símbolo médico dos aras, bastante original e um tanto brilhante, sua secretária Arga Tasla já o esperava.

Gegul cumprimentou-a com um ligeiro gesto da cabeça. Seus movimentos exprimiam a pressa e também um certo triunfo. Estava retornando de uma missão pessoal, e queria regalar-se com seu triunfo diante do Conselho de Médicos. Por isso, não parou quando Arga Tasla se aproximou dele. Quase chegava a encarar a presença dela como um incômodo.

— O que houve? — perguntou laconicamente.

— Recebemos notícias vindas do planeta Exsar, e...

— Por favor — interrompeu Gegul em tom áspero. De modo antipático, repeliu-a com um gesto da mão. — Ao menos agora, poderia deixar-me em paz com essas ninharias. Venho de Exsar; sei o que está acontecendo lá. Daqui a oito dias, o planeta Exsar será apenas um mundo empesteado...

— Ora, inspetor-chefe! — interveio Arga Tasla em tom quase suplicante. — Todo mundo sabe disso. Mas duvido que o senhor saiba que sua ação foi observada. Há algumas horas as mensagens de hipercomunicação são expedidas para todos os quadrantes da Galáxia, e todas essas mensagens citam o nome do senhor, dizendo que a peste de Exsar é obra dos aras de Aralon.

O rosto de Gegul, que ainda há pouco era todo triunfo, ficou estarrecido. Os olhos arregalados fitaram a secretária.

— O Conselho de Médicos já tomou conhecimento dessas mensagens de hipercomunicação? — gaguejou.

Antes que Arga Tasla pudesse responder, o ruído trovejante de uma nave espacial que decolava encheu a ante-sala. Gegul encolheu-se sob o ribombar, virou-se apressadamente para a janela e viu bem ao longe uma nave que disparava para o céu. Trazia o sinal de Aralon e estava assinalada como nave-médica.

Num vago pressentimento, perguntou a Tasla:

— Aonde vai?

— Para Exsar, inspetor-chefe. Leva uma carga de oitenta e quatro mil toneladas de soro g/Z 45. Isso representa todo o estoque de que dispomos. Três mil e seiscentos médicos estão a bordo. Há dez minutos todas as emissoras de Aralon transmitem nosso desmentido; as mensagens afirmam que não temos nada a ver com a epidemia surgida em Exsar. Como prova de boa vontade usaremos todo nosso estoque de g/Z 45 em Exsar sem cobrar nada. Há meia hora surgiu uma pergunta do cérebro robotizado de Árcon.

Gegul sabia perfeitamente quanto custava um quilo de soro g/Z 45. Era um dos medicamentos mais caros produzidos por Aralon. A epidemia do ritmo de três horas, que ele mesmo levara para Exsar, possuía o grau mais elevado de contágio.

Três mil e seiscentos médicos foram enviados a Exsar pelo Conselho de Médicos de Aralon.

Eram três mil e seiscentos candidatos à morte. Nem um por cento deles voltariam a ver Aralon. Depois do pouso no planeta contaminado, a nave ficaria sujeita a uma quarentena de cinqüenta anos.

 

Tifflor ouvia no seu receptor a mesma notícia, que era transmitida ininterruptamente pelo pequeno emissor de hipercomunicação. Sempre voltavam a ser citadas as palavras Gegul, Aralon, aras e uma expressão da qual não sabia o significado: epidemia do ritmo das três horas.

Ninguém tomara conhecimento da Gazela. Quem vê a morte diante dos olhos não está interessado nas visitas que possa receber.

Planando menos de quinhentos metros acima da superfície de Exsar, o tenente Tifflor disparava a cem quilômetros por hora no seu traje espacial, orientando as antenas direcionais ininterruptamente na direção do pequeno hiperemissor, cujas transmissões se tornavam cada vez mais fortes.

Tiff não precisava preocupar-se de ser descoberto. O pequenino campo de deflexão que cercava seu traje tornava-o invisível.

O campo antigravitacional levantou-o. Que nem uma folha tangida por uma correnteza de ar, descreveu uma curva ampla por cima das elevações que se estendiam a seus pés e descobriu o pequeno povoado que ficava atrás das mesmas. Era ali que funcionava ininterruptamente um pequeno transmissor, alarmando o Império de Árcon.

Quando penetrou no edifício baixo com a antena típica de hipercomunicação sobre o telhado, ninguém o deteve.

Tiff manteve ativado o campo de deflexão. O saltador que trabalhava no emissor não poderia ver o estranho, pois do contrário a presença de Perry Rhodan no grupo estelar M-13 deixaria de ser um segredo.

A porta estava aberta. Tiff sentiu-se curioso quando penetrou na casa. Era a primeira vez que via como moravam os mercadores galácticos que não viviam em naves espaciais.

Aquela residência estranha surpreendeu-o. Aquela casa, situada numa aldeia, irradiava conforto e bem-estar. Pela primeira vez, Tifflor sentiu certa simpatia por um saltador.

Quando a porta que dava para a sala em que ficava o hipertransmissor foi aberta, o mercador virou-se rapidamente. Por uma questão de precaução, Tiff apontou o projetor mental sobre ele, desprendeu-se do chão por meio do campo antigravitacional e planou em direção ao emissor.

Desligou o microfone. Não havia necessidade de que a conversa entre eles fosse irradiada por toda a Galáxia.

Depois identificou-se como arcônida. Quando o mercador, um homem baixo de cerca de quarenta anos, lançou-lhe um olhar perplexo, repetiu a mesma coisa em intercosmo.

— Um arcônida? — perguntou o homem, e baixou lentamente a mão direita.

Tiff assentiu.

— Por que você se esconde atrás do campo de deflexão? — perguntou o saltador em tom desconfiado.

Tiff foi diretamente ao assunto. Só permitiu que seu interlocutor tomasse a palavra quando havia dito tudo.

— Com essa sua desconfiança você quer que a epidemia mate até o último saltador de Exsar? Será que os mortos espalhados pelas ruas ainda não bastam? Conte o que viu e farei o que estiver ao meu alcance para que ao menos alguns milhões sobrevivam à doença. Depende de você, meu caro.

Dali a duas horas, Tiff encontrava-se na capital do continente.

A vida praticamente se extinguira na cidade. Um hálito pestilento pairava sobre a metrópole. Tiff viu quadros horripilantes, enquanto planava por cima das casas.

Seu objetivo era a grande estação de hipercomunicação.

Ainda funcionava, mas no gigantesco edifício só havia mortos e moribundos. Não havia ninguém que pudesse ajudar Julian Tifflor.

Dentro de uma hora, conseguiu ligar o toca-fitas, cujo feitio lhe era estranho, ao transmissor. Uma fita sem fim começou a correr.

O hipertransmissor repetia ininterruptamente sua transmissão acusadora.

Era uma acusação contra Aralon e os aras.

Era uma acusação pessoal contra o inspetor-chefe, Gegul de Aralon.

Julian Tifflor partira do pressuposto de que o cérebro gigante de Árcon teria de ouvir a mensagem transmitida ininterruptamente pelo hipercomunicador. Sendo um dos elementos de Perry Rhodan, tivera muitas oportunidades de testemunhar o funcionamento lógico e preciso do cérebro positrônico robotizado. Em Aralon, receberiam um pedido de informações expedido em Árcon. Quando isso acontecesse os aras não teriam outra alternativa senão fazer o que estivesse ao seu alcance para deter o avanço mortal da epidemia.

 

Perry Rhodan recebeu um chamado da sala de rádio.

— Permite que lhe transmita uma emissão do arcônida Dugbox, que está sendo transmitida pelo hipertransmissor de Exsar?

— Pode mandar — ordenou Perry Rhodan.

Um sorriso aflorou-lhe aos lábios quando logo de inicio reconheceu a voz de Julian Tifflor. Mas o rosto logo assumiu uma expressão petrificada. Bell. que estava deitado confortavelmente no sofá fitando o teto, saltou e disse entre os dentes:

— Se eu conseguir pôr as mãos no tal do Gegul, esse cara vai ver uma coisa. Dizem que são médicos, mas não passam de monstros Perry, por que não transformou esse mundo infernal de Aralon num sol?

— Porque não sou vingador nem juiz, Bell. Não lemos o direito de julgar, e sinto-me muito feliz por não carregar esta responsabilidade comigo.

 

Mal a Gazela voltou a abrigar-se no hangar da Titan, a imensa nave esférica, recorrendo ao compensador estrutural, afastou-se do sistema solar a que pertencia o planeta Exsar sem que ninguém a visse. Ainda sem ser notada, emergiu do hiperespaço nas proximidades do planeta de Honur, no interior do grupo estelar M 13.

No catálogo estelar dos arcônidas Honur figurava como um mundo proibido Não havia nenhuma outra indicação relativa à proibição. Isso não impediu Perry Rhodan de, há algum tempo, pousar em Honur. Tivera que pagar o desrespeito à proibição com uma doença contraída por todos os tripulantes de sua nave. O fato de que certos ursinhos engraçados, com menos de trinta centímetros de comprimento, soltavam através do pêlo uma toxina que envenenava os nervos de quem os tocasse desavisadamente poderia, quando muito, representar uma catástrofe. Porém esses animaizinhos inocentes que segregavam o veneno eram um produto criado pelos aras. Assim sendo, era um crime.

Os aras de Aralon não pagaram pelo crime da forma que a gravidade de seu ato exigia. Embora o tivessem cometido, eram os médicos mais geniais da Galáxia, e o Império de Árcon ainda não estava em condições de dispensar sua colaboração.

Num pouso vertical, a Titan aproximou-se do cemitério de naves espaciais de Honur. Era um marco terrível deixado pelas naves que não tinham respeitado a proibição, e cujas tripulações acabaram sucumbindo num alegre tumulto.

Para Rhodan e seus subordinados, Honur não era um planeta proibido. Já possuía o antídoto da doença. Os aras de Aralon tiveram de entregá-lo. Até a extinção de sua raça não se esqueceriam do primeiro encontro com o ser vindo do planeta Terra.

Perry Rhodan lançou um olhar pensativo para o amigo.

— Bell, você sabe que para muitas inteligências da Via Láctea meu nome assume um significado idêntico ao que na Terra se atribui à palavra diabo?

Bell olhou-o espantado.

— E daí? — perguntou em tom indiferente, mas logo assumiu um ar sério. — Paciência. É o reverso da medalha. Você nunca poderá evitar isso. Terá de conformar-se. Procure não pensar neste fato e o pior já terá passado.

Perry Rhodan também era apenas um homem. Nesse momento de descanso, sentiu a responsabilidade como uma carga quase insuportável que lhe comprimia os ombros. Saíra a fim de conquistar o Universo para a Terra. Já dera o primeiro passo além do Sistema Solar. Agora temia o segundo, porque sentia que seu poder repousava em bases pouco seguras.

A Terra estava sendo ameaçada pelos mercadores galácticos. Os aras, que eram descendentes dos saltadores, obrigavam-nos, graças ao monopólio de medicamentos que detinham, a atacar a Terra.

O ataque seria desencadeado. Perry Rhodan tinha certeza absoluta. Por isso mandara que o coronel Freyt regressasse à Terra com a Ganymed, a fim de tomar todos os preparativos para uma defesa global. E, além da Titan, a Ganymed era a única nave equipada com um transmissor fictício.

Havia apenas as duas naves, e não era possível construir outras do mesmo tipo.

O que significariam dois transmissores fictícios diante do ataque de duas ou três mil naves de guerra dos saltadores?

Perry Rhodan reconheceu com uma clareza solar os limites do poder que detinha. Sabia que a Terra estaria perdida, se não encontrasse um meio de frustrar o ataque que estava sendo planejado.

No momento, não via como evitar a desgraça.

Bell sentou a seu lado.

— Tomara que não estejamos esperando demais do auxílio de Talamon. Há dias não consigo livrar-me de um terrível pressentimento. Tenho a impressão de que estamos correndo de olhos abertos para um fato que subitamente nos atropelará — disse Perry Rhodan, como se estivesse falando consigo mesmo.

Foi nesse momento que a sala de rádio da Titan transmitiu a mensagem para o camarote de Rhodan:

— O patriarca Talamon decolou com todas as unidades de sua frota em direção ao sistema de Gonom. Em Laros, que é a décima oitava lua do antigo planeta Gom, será realizada daqui a três dias de Árcon a assembléia dos saltadores e dos superpesados. Fim da mensagem hipercondensada... Os dados astronômicos relativos ao sistema de Gonom são os seguintes...

Rhodan desligou. Levantou-se com um movimento ágil. O amigo, mais pesado, levantou-se com um movimento lento.

Com a assembléia que se realizaria dentro de três dias de Árcon na lua Laros, situada no sistema de Gonom, o perigo que ameaçava a Terra entraria num estágio muito mais ameaçador.

Perry Rhodan não estava disposto a permitir que a reunião decorresse tranqüilamente.

 

Santek, que estava presidindo o Conselho de Médicos de Aralon, transmitiu a informação de que a sentença de morte proferida contra o inspetor-chefe Gegul fora executada e logo passou à ordem do dia.

Não perdeu uma única palavra com a epidemia do ritmo de três horas surgida em Exsar. Ele e os outros membros do Conselho não tinham o menor interesse pelo destino de milhões de mercadores galácticos.

— Não enviaremos observadores à assembléia. Este ponto já foi posto em votação ontem. Todos conhecem o resultado.

“Numa exposição lúcida o biólogo-chefe Keklos convenceu-nos de que, a partir dos seus laboratórios, poderá realizar um serviço mais discreto que o mais disfarçado dos observadores não descobrirá. Em três naves dos saltadores, surgirão três doenças diferentes nos sintomas, que provocarão o desassossego de que precisamos para atingir nossos objetivos.

“Keklos providenciará imediatamente uma demonstração de nossa capacidade médica, que eliminará toda e qualquer suspeita de que estamos empenhados num proveito material. Convencerá também os saltadores e os superpesados de que a existência de todos nós só estará garantida no momento em que Perry Rhodan e a Terra tiverem deixado de existir.

“Posso comunicar ao Conselho de Médicos que a posição do planeta Terra já não é nenhum segredo para nós. Pelo contrário, está armazenada na memória do cérebro positrônico instalado a bordo da nave capitania de Topthor.”

A notícia de Santek produziu o efeito de uma bomba.

Todos reconheceram o enorme valor que possuía. Mas a desconfiança logo se manifestou. Nakket indagou por que o superpesado Topthor guardara este conhecimento só para ele por um tempo tão longo.

Mal a indagação atingira o ouvido de Santek, o projetor se iluminou. Numa imagem que correspondia ao quíntuplo do tamanho natural surgiu o rosto quadrado e esverdeado de Topthor.

Santek deixou que falasse. Esperava muita coisa da fala desajeitada do velho.

A voz do superpesado começou a trovejar quando relatou sua luta mais recente com Perry Rhodan. Falava em tom realista, sem exageros e numa crítica sadia. Entre outras coisas, disse o seguinte:

— Minha frota devia ser considerada mais forte que a de Rhodan. Em minha imaginação já o via destruído. Mas, de repente, agradeci aos deuses por terem permitido que escapasse. As outras naves de guerra de minha frota foram destruídas, e isso de maneira misteriosa. De uma hora para outra desapareceram por completo. Rhodan pode ter dez vezes mais inteligência que eu, mas o desaparecimento das minhas naves nada tem a ver com a inteligência. Rhodan possui armas que não têm igual no Universo. Sua força representa uma ameaça para nós. Sua destruição e a de seu mundo, a Terra, garantirá nossa segurança e a do Império de Árcon.

A fala de Topthor ainda ressoava na sala quando a projeção se apagou. Os rostos frios e cínicos dos aras sorriam uns para os outros. O velho era seu porta-voz; era o representante dos seus interesses.

Santek prosseguiu tranqüilamente:

— Faremos um contrato com os mercadores galácticos e com os superpesados. Nós, os aras, nos obrigaremos a prestar ajuda assim que surja qualquer doença perigosa, e a fornecer-lhes todos os medicamentos constantes de uma lista nominal com um desconto de cinqüenta por cento.

— Também os medicamentos da série 08-KL-56? — perguntou Mulxc em tom sagaz.

Santek exibiu um sorriso cínico.

— Poderemos ser culpados se, depois da destruição de Rhodan e da Terra, em todos os pontos surgirem novas epidemias e pestes, e se nós conseguirmos produzir rapidamente, mas não rapidamente demais, os respectivos antídotos? Oficialmente os preparados da série 08-KL-56 só serão fabricados em nossos laboratórios a partir do fim do ano. Até lá não se falará mais em Perry Rhodan e em sua ridícula Terra. Os saltadores e os superpesados só terão uma preocupação: não desejarão contrair qualquer das doenças.

Fez uma pausa e depois concluiu:

— Afinal, devemos recuperar pela forma mais rápida e discreta o prejuízo causado por Gegul.

 

A Titan não provocou o menor ruído ao sair do hiperespaço. Todos superaram rapidamente o choque da transição, que se manifestava através da dor na nuca e do estado de semiconsciência. Na grande tela de visão global, surgiu o sistema solar de Gonom, iluminando a sala de comando.

Os últimos controles do salto foram fornecidos pelos mais diversos setores da nave esférica de 1.500 metros de diâmetro. O último controle, destinado a verificar se o compensador estrutural ocultara a imersão e a saída da Titan no hiperespaço, resultou num “tudo OK” transmitido à sala de comando.

Há vinte horas-luz do pequeno sol vermelho de Gonom, a Titan voltara a materializar-se no interior do grupo estelar M-13.

Gonom ficava a 68 anos-luz de Árcon. O sol-anão, vermelho e muito feio, possuía um único planeta anotado no catálogo estelar dos arcônidas com o nome Gom.

O rosto contrariado de Bell revelava o que pensava de tudo aquilo.

E Bell tinha motivo para não ficar satisfeito com Gom.

O planeta Gom, que era pouco menor que Saturno e possuía um diâmetro de 68.200 quilômetros, apresentava uma gravitação de 1.9 g. O fato de que em sua superfície um objeto que na Terra pesaria cinqüenta quilos quase chegaria a cem quilos não era tão grave. Mas acontecia que seu tempo de rotação era idêntico ao tempo de translação em torno do sol Gonom. E, segundo o catálogo estelar de Árcon, esse tempo de translação era de 2,4 anos terranos. Isso significava que, no grande planeta Gom, o dia durava 1,2 anos terranos e a noite durava outro tanto.

— Pois então, boa noite — disse Bell quando Crest, o arcônida, voltou a lembrar esse fato.

— Ainda há mais, Bell — disse Crest com um sorriso suspeito, que fez com que Reginald Bell o fitasse atentamente. — Em Gom prevalecem temperaturas extremas, furacões terríveis de mais de mil quilômetros por hora correm furiosamente da face superaquecida voltada para o sol em direção à face em que reina a noite. Além disso, Gom ocupa um lugar especial entre os planetas porque, segundo uma lenda que corre há milênios, nele se abriga uma forma de vida terrível.

Até Perry Rhodan aguçou o ouvido. Desde que quase naufragara em Honur, considerava qualquer boato negativo sobre um planeta desconhecido como informação extremamente importante.

Reginald Bell não se sentia muito bem.

— Já sei o bastante desse planeta — disse. — O simples fato de se ter abastecido com dezoito luas o transforma aos meus olhos numa criatura voraz.

Na tela de visão global, brilhava o sol-anão vermelho de Gonom, produzindo uma débil cintilância no planeta do tamanho de Saturno com suas numerosas luas.

Os rastreadores estruturais da Titan registravam constantemente as naves dos saltadores e dos superpesados vindas do hiperespaço. Todas elas se dirigiam à décima oitava lua, denominada Laros.

Laros encontrava-se em oposição ao sol. Rhodan aguardava uma mensagem codificada de Talamon.

 

O biólogo-chefe Keklos chamava a atenção não apenas pelo seu tamanho reduzido ou pelo reluzente jaleco branco de plástico com o distintivo que emitia uma pálida luminosidade, mas principalmente pela maneira de cumprimentar ou despedir-se de qualquer interlocutor.

Não conseguia aproximar-se a menos de três metros das pessoas. Se alguém o fizesse por ignorância ou esquecimento, não deveria admirar-se, pois no mesmo instante a palestra, por mais interessante que fosse, chegaria ao fim. Keklos dava bruscamente as costas e se afastava, calando-se.

Mas esse Keklos, ele mesmo um doente, era o mais genial dos biólogos e o mais desconhecido de todos. Pouco mais de três dezenas de médicos dos aras, com exceção daqueles que trabalhavam na lua de Laros, sabiam quem era Keklos, o que fazia e o que sabia.

Keklos não se preocupava com isso. Não se preocupava com coisa alguma, nem mesmo com as leis divinas.

Muitas vezes suas duras experiências representavam a morte de muitos seres inteligentes. Não se detinha diante dos arcônidas, nem mesmo diante dos aras, dos saltadores ou dos superpesados. Se as experiências por ele realizadas traziam o extermínio de seres inteligentes, isso não o interessava. Só estava interessado em alcançar seu objetivo.

E até hoje sempre o conseguira.

Muito satisfeito, contemplava os três bios que se encontravam diante dele, separados por uma parede invisível de radiações. Representavam os produtos mais recentes e sofisticados das retortas. Eram figuras de três metros de altura, de estatura semelhante à dos homens, mas providos de quatro braços. No lugar da cabeça alongada, traziam um objeto de formato redondo.

O biólogo continuava a examiná-los com muito interesse. Não conhecia a menor emoção. Num movimento lento, pegou a arma de nêutrons, enquanto com a outra mão movia a chave que desligava a parede das radiações, que formava uma barreira invisível entre ele e os bios.

Apontou a arma para o bio que se encontrava no centro. Este sabia o que o aguardava. Um grito inarticulado saiu da boca redonda, que se abriu como um diafragma. Mas o raio já estava saindo da arma portátil, atingindo-o em cheio.

Até então o impacto produzido por esta arma, que funcionava com base em ondas de freqüência extremamente curta, representaria a destruição de qualquer forma de vida orgânica.

Mas o bio não morreu; apenas se sacudiu, até que Keklos suspendeu o terrível bombardeio de radiações.

Num gesto discreto, restabeleceu a barreira de radiações. Ao mesmo tempo chamou seus colaboradores. Uma porta abriu-se atrás dele e três aras entraram. Pararam a três metros de distância e aguardaram as instruções do chefe.

— Vamos realizar o teste de inteligência, a fim de verificar o grau de imunidade dos bios face às radiações hipnóticas e mentais. Não há mais necessidade de verificar a resistência ao fogo. Os resultados já são conhecidos. Controlem o poder de expressão verbal, e também a capacidade de armazenamento de dados. Até amanhã de noite, deverei ter os dados sobre a resistência à tração da estrutura de tendões, as manifestações de fadiga e...

As instruções mais pavorosas foram transmitidas no fim, na presença dos bios.

Um deles começou a balbuciar.

Keklos exaltou-se e ordenou com a voz fria:

— Levem estes caras para fora! Chamem Moders!

Moders chegou assim que os médicos-assistentes haviam desaparecido com os bios.

O gigantesco Moders que chamava a atenção pelos traços grosseiros de seu rosto, parou a três metros do biólogo-chefe.

— Moders — principiou o cientista, caminhando de um lado para outro. — As instruções que ministrei em relação aos bios estão armazenadas. Daqui em diante, o senhor cuidará do assunto. Devo dar certa atenção aos saltadores e superpesados que estão realizando uma assembléia por aqui. Se os resultados do teste, que será realizado amanhã, forem favoráveis, use todos os meios disponíveis e force a produção de bios, que deverá atingir cinco mil unidades por dia. Continuaremos a seguir a orientação de que os bios não devem receber estrutura óssea. Isso só nos faria perder tempo. A estrutura de tendões de Sargon nos deu menos dor de cabeça.

“Cuide para que os suprimentos de matéria-prima sejam remetidos regularmente de Gom. Não preciso lembrar a carreira do inspetor-chefe Gegul, que acabou no conversor.

“É só, Moders. Pode retirar-se.”

Keklos, o biólogo-chefe, era um monstro biológico, um ara que se esquecera de que em todos os recantos da Via Láctea existe uma lei que diz: “Cure os doentes, médico, mas nunca coloque os pacientes em perigo.”

Keklos esperou até que Moders, que se encolhera com suas palavras, lhe desse as costas. Depois disso, saiu por uma porta que só se abria por meio da absorção de seu modelo de vibrações cerebrais.

Uma fita levou-o rapidamente para baixo. Vez por outra uma luz saía da rocha natural. Seu alcance era apenas de alguns metros. Ninguém suspeitaria de que essas fontes de luz isoladas constituíam um sistema de controle altamente sofisticado, que trabalhava com base nas vibrações cerebrais e por isso não poderia ser enganado. Junto a cada fonte de luz ainda havia um conglomerado de mortíferas armas de radiações, que destruiriam qualquer pessoa não credenciada que procurasse usar a fita para transportar-se aos laboratórios mais secretos dos aras.

Uma enorme porta blindada, que também só se abria diante do modelo de vibrações cerebrais de Keklos, dava caminho para os laboratórios III e C1. Com o passo seguinte dado por Keklos, uma camada de ar tremeluzente desfez-se diante dele. Um campo de radiações mortíferas fora automaticamente desativado.

Abriu a porta seguinte, passou por uma comporta onde foi identificado e penetrou na primeira sala do enorme complexo que formava o laboratório III.

Não deu a menor atenção aos aras que trabalhavam por ali. Caminhando pelo amplo corredor central, passou pelas retortas, pelas encubadeiras, por todo o conjunto de complicados aparelhos médicos. Dirigiu-se à sala em cuja porta se via o sinal inconfundível de entrada proibida.

Keklos teve de parar diante dessa porta. Comprimiu as palmas das mãos contra a mesma. Subitamente ela deslizou para dentro da parede. Keklos passou rápido e ficou parado, até que a porta voltasse a fechar-se.

Viu-se numa sala cujas paredes estavam revestidas de plástico azul, inundado por uma luz intensa, também azul, que o obrigou a fechar os olhos durante um instante. Ao contrário das outras salas do conjunto que formava o laboratório III, aqui a temperatura era bastante fresca, quase fria.

O biólogo Keklos estava sozinho.

Nem mesmo Moders, seu colaborador mais chegado, fazia a menor idéia do segredo que se ocultava aqui.

Neste recinto, o prolongamento da vida orgânica já se transformara em realidade.

Em passos apressados, quase precipitados, Keklos dirigiu-se ao lugar em que havia uma cadeira diante de um aparelho de aparência primitiva.

Quando sentou, cada um dos seus movimentos exprimia a tensão e a expectativa. Pegou o microscópio On que se encontrava à sua direita. No momento em que a pequena esfera metálica negra que se encontrava na extremidade do microscópio se dirigia sobre a massa gelatinosa, a luz azul difusa apagou-se e uma escuridão impenetrável passou a reinar na sala.

Imóvel, Keklos esperava. Uma coisa cinzenta apareceu, tornou-se mais luminosa, assumiu contornos definidos e acabou sendo reconhecida como tela de imagem.

Keklos não fez nenhum movimento. O microscópio On não exigia qualquer tipo de regulagem. Regulava-se por si mesmo, mediante sua mini-positrônica. Em redor de Keklos, os campos energéticos formados por feixes de raios zumbiam e crepitavam. Parecia uma tabuada das bruxas, resultante da combinação da medicina e da tecnologia dos aras.

O biólogo-chefe Keklos era o homem que sabia fazer a mistura genial dos dois ingredientes, para atingir seus objetivos.

Conteve a respiração. Mais uma vez o microscópio On desvendava o misterioso processo de envelhecimento das células, mas aqui...

Keklos era um fanático. Esqueceu-se do tempo e da hora. Seus olhos não se cansavam de contemplar a tela do microscópio On para enxergar o milagre da juventude das células que segundo as leis da biologia já deviam ter entrado na fase da atrofia.

Keklos manteve-se num silêncio total. Não proferiu uma palavra, não soltou um suspiro que exprimisse seu triunfo. Diante de seus olhos estava traçado o caminho que lhe permitiria prometer a todos os aras, já amanhã, um prolongamento de trinta por cento em suas vidas.

“Daqui a cem anos”, pensou Keklos, “ainda serei o biólogo-chefe; e daqui a cem anos já terei descoberto o segredo da vida eterna. É uma pena que não consegui ficar com Thora para realizar minhas experiências. Estou muito interessado em sua estrutura celular. Também gostaria de saber por que essa mulher, ao contrário da maioria dos arcônidas, ainda possui certo poder de iniciativa. Para realizar a nossa série de experiências, não poderei dispensar os indivíduos do segmento superior da sociedade arcônida. Amanhã requisitarei dez deles por intermédio de Aralon. Nos hospitais, há material de sobra...”

Recostou-se e passou a mão pelos olhos cansados. A primeira fase da experiência de cento e setenta e oito anos havia chegado ao fim.

Em sua imaginação, o biólogo-chefe Keklos já via os aras como sucessores dos arcônidas, dominando o império do grupo estelar M-13.

Não julgava necessário incluir Perry Rhodan em seus cálculos.

 

O receptor de hipercomunicação da nave capitania de Topthor emitiu o sinal de chamada. Por coincidência, o velho superpesado se encontrava na sala de comando. Virou-se e verificou que a transmissão estava sendo recebida na freqüência de Talamon. Quando o rosto velho e sorridente de Talamon surgiu na tela, berrou:

— Por todos os deuses da Galáxia, Talamon, onde foi que você se meteu com suas naves? Metade da Via Láctea andou à sua procura, inclusive eu. E o quartel-general também o procurou.

O sorriso no rosto de Talamon continuou, mas assumiu um ar matreiro.

— Topthor, vou ligar o deformador. A palavra-chave será obsian.

Topthor logo aguçou o ouvido. Lançou os olhos em torno.

— Dêem o fora — disse aos membros do clã que se encontravam por ali.

Mal o último deles havia saído da sala de comando do couraçado, moveu algumas chaves do acessório do hipercomunicador, baseando-se na palavra-código obsian.

O relatório de Talamon foi recebido em linguagem clara. Topthor parecia muito interessado naquilo que seu melhor amigo tinha a informar. Não ficou zangado com o fato de que, apesar da transmissão deformada, Talamon se exprimia com muita cautela e muitas vezes se limitava a insinuações.

— Será que não posso participar do negócio, Talamon? — disse, sondando a fonte de ouro de que Talamon lhe falara por meio de circunlóquios.

— Pois é por isso que estou chamando, meu velho — disse Talamon, e seu rosto sorria para a sala de comando. — Basta que você disponha de cem milhões em dinheiro para ganhar cinco vezes essa soma no prazo de um mês.

O velho Topthor não teve mais vontade de rir.

— Cem milhões? Você só pode estar brincando. Onde vou arranjar uma soma destas?

Todo mundo conhecia o superpesado Topthor como uma pessoa que podia fazer tudo, menos exagerar seus recursos. Ele e seu clã pertenciam aos nababos do grupo estelar M-13. Bastava-lhe abrir o bolso para tirar cem milhões, mas o velho manhoso gostava de tudo, menos gastar dinheiro.

Talamon não disse uma única palavra sobre o aço Árcon-T que se encontrava em Honur. Recorreu à explicação que inventara:

— Topthor, não foi por simples comodidade que deixei de responder às mensagens. Apesar do deformador, bastaria que alguém tivesse interceptado nossas mensagens. E se eu as tivesse respondido, uma única vez que fosse, o espia poderia saber em poucas horas por onde andei com minha frota. Topthor, tenho em mãos o negócio de minha vida. Reflita, meu velho. Você dispõe de dezoito horas. Fim, Topthor.

A imagem de Talamon apagou-se na tela. Topthor fitou a tela com uma expressão pensativa.

Arriscar cem milhões para receber quinhentos, sem disparar um tiro, sem arriscar uma única nave, deixar de tirar as castanhas do fogo para os saltadores...

Bastante contrariado, Topthor levantou-se e monologou:

— Por que Talamon não me deu cinco minutos para pensar? É claro que participarei do negócio. Que droga! Já não estou gostando nem um pouco desta assembléia. Ganhar quinhentos milhões num mês sem arriscar a pele! Meus queridos aras, durante a última visita vocês foram gentis demais. Terei que decepcioná-los cruelmente. Afinal, não sou seu leão-de-chácara. Vocês mesmos terão de ver como conseguem convencer aquelas cabeças ocas. Eu tenho coisa mais importante a fazer: ganhar a soma insignificante de quinhentos milhões. Planetas proibidos e sóis que se encolhem. Isso até podia fazer com que me esquecesse de Perry Rhodan. Quem dera que eu soubesse no que consiste o grande negócio de Talamon.

 

Perry Rhodan captou a mensagem de hipercomunicação expedida por Talamon. A mesma representava o sinal convencionado de que dentro de uma hora chegaria a menor das naves de Talamon, para recolher os mutantes com uma Gazela.

Bell levantou-se do assento do co-piloto.

— Vou aprontar-me — disse em tom satisfeito. — Os mutantes já foram avisados.

 

Laros, a décima oitava lua do planeta Gom, era um mundo de oxigênio que, pelo diâmetro e gravitação, se aproximava das condições reinantes na Terra.

Dois grandes oceanos separavam os continentes baixos. Em Laros havia apenas oito cidades grandes. Comparados aos padrões arcônidas, eram cidades sem importância. Juntamente com seus conjuntos hospitalares apenas serviam de camuflagem aos centros de pesquisa subterrâneos dos aras. Numa extensão muito maior que em Aralon, a lua Laros fora transformada num só conjunto de cavernas. Mais de três milhões de médicos aras realizavam sob a superfície aparentemente inofensiva experiências que em hipótese alguma poderiam chegar ao conhecimento dos habitantes da Galáxia.

O Conselho Geral, que era a instância suprema da qual os médicos recebiam ordens, emitira uma diretiva destinada a proteger Laros e seus laboratórios secretos. Qualquer ara que pisasse no sistema, ali deveria permanecer até o fim de seus dias.

Apenas o biólogo-chefe Keklos e cinco dos seus colaboradores mais chegados estavam excluídos dos efeitos da diretiva.

Os médicos, que trabalhavam nos conjuntos hospitalares situados na superfície, não tinham a menor idéia de que, sob seus pés, três milhões de colegas estavam reduzidos à escravidão perpétua. Os médicos cativos realizavam experiências cujo objetivo consistia em um dia transformar o Império de Árcon num mundo pertencente aos aras.

O biólogo-chefe Keklos — que oficialmente exercia as funções de dirigente de todos os estabelecimentos hospitalares de Laros, nos quais se tratavam com exclusividade as doenças causadas por perturbações no metabolismo de minerais — recebeu o bioquímico Tragh, um homem de rosto desfigurado.

Os olhos de Tragh tremiam. Há trinta dias fora desterrado para Laros; mal e mal conseguira escapar à pena de morte. Mas ainda tinha razão para temer a ação da justiça. Era culpado por mais três crimes, ainda não esclarecidos. Foi nisso que pensou quando recebeu ordens para apresentar-se ao biólogo-chefe Keklos.

E agora via-se diante daquele homem poderoso e influente, verdadeiro soberano não coroado de Laros.

Keklos não o deixou em dúvida sobre os motivos do chamado. Lançou-lhe à face os crimes que na opinião do bioquímico ainda não haviam sido esclarecidos.

— Não fique tremendo, seu desgraçado! — trovejou Keklos. — Poderia perfeitamente entregá-lo ao conversor, mas resolvi dar-lhe mais uma chance, Tragh.

“Preste atenção!

“As naves dos saltadores e dos superpesados chegam ininterruptamente a Laros. Os tripulantes sabem que com o pouso estão sujeitos a quarentena. Esta só será suspensa no momento em que uma junta médica tiver subido a bordo e constatado que a tripulação está em perfeitas condições de saúde e que a nave não é portadora de qualquer doença. Vimo-nos obrigados a adotar este procedimento em virtude do incidente surgido no planeta Exsar, onde irrompeu a epidemia do ritmo de três horas, cuja causa foi inexplicavelmente atribuída aos aras.

“O senhor participará, na qualidade de bioquímico, do exame das naves que pousarem aqui. Mas sua tarefa principal não consistirá em ajudar a junta nos seus trabalhos, e sim em colocar um destes comprimidos nos aparelhos de ventilação de três naves em cada grupo de oito.

“Se o senhor se desincumbir dessa tarefa de forma a deixar-me satisfeito, estarei em condições de entregar-lhe o indulto do Conselho Geral.

“Assim que eu sair desta sala, o senhor se aproximará de minha escrivaninha, tirará três comprimidos e gravará na memória todos os detalhes registrados neste quadro luminoso.”

Keklos concluiu com uma ameaça desumana.

— Se cometer qualquer erro, por menor que seja, terá uma aventura: será utilizado nas experiências de alguma das divisões de estudos de epidemias.

Perplexo, Tragh seguiu o homem temível com os olhos.

Não acreditava em nada do que o chefe acabara de dizer. Já se considerava um homem destinado à morte. Mas o desespero lhe impôs aquela esperança desarrazoada que faz com que o homem que se afoga procure agarrar-se a um cisco.

Correu para junto da escrivaninha, segurou avidamente os três comprimidos, colocou-os no bolso sem olhá-los e passou a estudar as indicações constantes do quadro luminoso. Só então compreendeu o plano terrível do biólogo-chefe.

 

Bell deu o alarma, embora naquele instante tivesse passado, juntamente com os mutantes, para a menor das naves de Talamon, que os levaria à Tal VI.

— O que houve? — perguntou Perry com a voz tranqüila.

— Pouca coisa — principiou Bell. Quando começava assim, sempre havia alguma coisa grave. — Você sabia que Laros é uma fortaleza dos fabricantes de venenos, Perry? Quem manda lá são exclusivamente os aras. Por acaso estou lendo uma dessas ordens de quarentena...

— Um instante, Bell!

Reginald Bell viu na tela que Perry virava a cabeça. Ouviu a pergunta:

— Crest, o senhor não sabia disso?

Crest, que era um dos líderes científicos do Império de Árcon, sacudiu a cabeça:

— Há trezentos anos Laros era apenas uma base pouco importante de Árcon...

Bell ouviu que o amigo respirava pesadamente.

Perry Rhodan voltou a fitar a tela. Seu rosto exprimia uma tensão mantida sob controle com uma concentração extrema. Seu instinto infalível farejou a desgraça.

Bell também a farejou. Havia algo de errado nessa ordem de quarentena. Bell começou a esbravejar. À medida que lembrava os acontecimentos do planeta Exsar e lia as frases hipócritas dos aras, sua voz tornava-se cada vez mais incisiva.

— Quando foi emitida essa ordem de quarentena, Bell?

Reginald Bell compreendeu a finalidade da pergunta. Perry Rhodan estava desconfiando de Talamon. Por isso apressou-se em responder:

— Esta ordem ainda não tem cinco minutos. Acaba de chegar de Laros por meio do hipercomunicador.

— OK! — Perry acenou com a cabeça. — Você já sabe como deve agir juntamente com os mutantes depois do pouso.

— Muito bem — disse o gorducho com um sorriso. — Não estou preocupado por nossa causa, mas gostaria de saber o que os membros do clã de Talamon vão dizer à comissão dos aras quando se encontrar diante de nossa Gazela.

— Você acha que os aras precisam ver a Gazela, Bell? — perguntou Perry em tom suave e desligou.

O palavrão proferido por Bell não chegou a ser recebido.

 

Laros possuía um espaçoporto de primeira classe, de dimensões espantosas. Media mais de cem quilômetros de lado e oferecia lugar para uma frota de tamanho médio. Sua pavimentação era tão resistente que mesmo as naves arcônidas da classe Universo poderiam pousar ali sem recorrer aos campos antigravitacionais.

Bell encontrava-se ao lado do patriarca Talamon e fitava espantado o enorme espaçoporto. O confidente de Rhodan tinha suas idéias a respeito do mesmo, mas contrariamente ao seu costume não as exprimia.

Quem conhecesse Bell saberia que esse silêncio representava uma ameaça.

O hipercomunicador soou.

Era um chamado de Laros.

“Há ordens para não pousar. Em Laros existe o perigo de contaminação.”

— Por que está rindo, Bell? — perguntou Talamon, que das outras vezes costumara mostrar-se tão desconfiado.

Bell escarneceu:

— Estou rindo desse truque desmoralizado. Não é de admirar que esses misturadores de venenos não tenham tido uma idéia melhor. Os aras andam ocupados demais para espalhar as doenças. Tomara que lá embaixo eu consiga agarrar o Gegul.

Não conseguia esquecer o crime que Gegul cometera contra Exsar, um dos planetas dos saltadores. Pedira ao arquivo da Titan todas as informações relativas à terrível epidemia do ritmo de três horas.

Reginald Bell era uma criatura bonachona. Qualquer pessoa que conhecesse seu lado fraco o enrolava, mas bastava sentir a menor intenção criminosa para que deixasse de lado as brincadeiras. O procedimento de Gegul foi um dos crimes mais repugnantes de que já tivera conhecimento, e o desejo de pôr as mãos no criminoso correspondia à natureza de Bell.

 

Quando os robôs de combate dos aras apareceram diante das enormes comportas da nave dos saltadores Xul II, os mercadores galácticos e os superpesados afastaram-se precipitadamente.

Uma nave do serviço médico dos aras aproximou-se velozmente, pouco acima das naves cilíndricas dos saltadores. Ininterruptamente ouvia-se o alarma de epidemia, um sinal conhecido e temido em todo o grupo estelar M-13.

O alarma, além de ser transmitido por via acústica e ótica, o era também por meio de vibrações.

A pequena nave do serviço médico ainda não havia percorrido metade da extensão do campo espacial quando apareceram cinco naves de grandes dimensões, pararam acima da Xul III e erigiram um campo protetor em torno do corpo cilíndrico dessa nave. Pouco depois, surgiu uma nave gigante dos aras.

Parou exatamente acima da Xul II. Aos poucos, foi-se abrindo a junta da quilha da nave, que media quase trezentos metros de comprimento e mais de sessenta metros de largura. A abertura se parecia com a boca de um monstro que estivesse pronto para engolir a nave contaminada, a Xul II.

A nave gigante desceu lentamente na vertical. Quando se encontrava cinqüenta metros acima da Xul II, a nave cilíndrica desprendeu-se da superfície do campo de pouso, foi erguida por potentes raios de tração e introduzida na abertura da nave gigante.

A junta da quilha voltou a fechar-se silenciosamente. Uma escotilha após a outra foram se fechando. Era um quadro fantasmagórico. Era centenas de naves espalhadas pelo gigantesco espaçoporto, a ação de socorro dos aras foi acompanhada pelas telas de televisão. O comentador evitou qualquer auto-elogio. A imagem foi transferida para um laboratório.

Instrumentos brilhantes, cuja finalidade nem os saltadores nem os superpesados conheciam, apareciam nas telas. O rosto ascético de um ara surgiu no campo de visão. Seu olhar hipnotizava os espectadores. Falava lentamente, às vezes com a voz hesitante. Descreveu a doença que acabara de ser descoberta a bordo da Xul II.

— Já conhecemos essa doença, e dispomos do preparado que nos permite curá-la.

O tom de sua voz permaneceu inalterado. Suas palavras pareciam modestas. Causou enorme impressão nas pessoas que se encontravam diante das telas.

— Infelizmente vejo-me obrigado a informá-los de que descobrimos hoje na Xul II o terceiro caso, que nos obrigou a isolar também esta nave. Mas podemos garantir que restabeleceremos os três patriarcas, que poderão participar da assembléia. Peço licença para despedir-me e garantir-lhes uma feliz estada em Laros.

Foi o fim da transmissão.

Para o bioquímico Tragh, essas palavras também representaram o fim da carreira e da vida. Quando a junta médica se retirou, também procurou sair da Xul II para dirigir-se à nave dos aras que levaria o barco aparentemente contaminado à ilha de isolamento de Merk.

Porém dois aras o impediram de entrar na comporta. No mesmo instante, farejou o perigo. Lançou os olhos pelo amplo convés, à procura de socorro. O corredor da Xul II estava vazio.

Ninguém ouviu o chiado de duas armas de radiações. Os assassinos guardaram os instrumentos do crime nos bolsos e saíram da Xul II com os rostos sorridentes.

Não pertenciam à junta médica.

Eram funcionários do Serviço de Segurança.

Quando entraram no escritório da nave, o maior deles, com um gesto indiferente, entregou a arma.

— Missão cumprida — disse laconicamente.

— Foi o segundo caso deste ano em que um ara vendeu medicamentos, ainda não liberados, aos arcônidas. E esse Tragh o fez quatro vezes. Bem, recebeu a paga por isso.

Estas palavras foram proferidas pelo homem que pegou a folha de plástico.

 

Talamon acabara de pousar em Laros com sua nave capitania Tal VI.

Topthor fizera o necessário para que o amigo pudesse descer junto à sua nave.

Naquele momento, a junta médica dos aras se retirava. Bell e seus mutantes saíram do esconderijo com os rostos sombrios. Passaram menos de meia hora nos mesmos. Aquilo que antes do pouso em Laros parecia um perigo enorme, acabara revelando-se uma simples bagatela.

— Foi uma tapeação — resmungou Bell para Talamon. — Os aras não têm o menor interesse na saúde de vocês. Os misturadores de venenos só querem fazer boa figura, para que o fracasso em Exsar caia no esquecimento. Então, todos vocês foram minuciosamente examinados?

Talamon limitou-se a lançar um olhar perplexo para Bell. O ímpeto com que o ser da misteriosa Terra se apresentava diante dele era demasiado. Aos poucos, começou a compreender por que Perry Rhodan conseguira levar a Titan de Árcon apenas com um punhado de homens. Mas ainda não sabia o que seus hóspedes pretendiam fazer em Laros. Nem Perry Rhodan, nem Bell lhe haviam contado qualquer coisa a este respeito. Os mutantes, que estavam sentados atrás dele, sem dizer uma palavra, não reagiam às suas perguntas.

Talamon compreendia ainda menos o que aquela moça estaria fazendo entre os seres adultos da Terra. Vivia olhando para Betty Toufry, e quando isso acontecia, Talamon, que era pai de mais de uma dezena de filhas, mostrava um brilho de bondade paternal nos olhos.

Já o mutante Ivã Goratchim com suas duas cabeças lhe inspirava certo receio. O mesmo acontecia com o negro Ras Tschubai, que o chocava devido à cor da pele.

— A assembléia será realizada depois de amanhã, Talamon? A que horas? — perguntou Bell, parando por acaso diante de um aparelho cuja finalidade lhe era desconhecida. — O que é isso? — perguntou, apontando para o aparelho.

Talamon moveu sua massa de muitos quilos, aproximando-se sem desconfiar de nada. O vulto largo de Bell encobria o aparelho.

— Isso... — Talamon quase perdeu o fôlego. Com um movimento instantâneo, moveu uma chave. Com um brilho esverdeado no rosto, gaguejou: — Quem ligou o hipercomunicador?

Bell sentiu um calafrio.

Fazia uma hora que conversava abertamente com o patriarca. Mais de uma centena de vezes mencionara o nome de Perry Rhodan. Dissera quantos estranhos o superpesado escondera a bordo da Tal VI, quanto tempo a Gazela levaria para abrigar-se no hangar secreto e qual era seu raio de ação.

Bell lançou um olhar de desespero para John Marshall. Este fez um esforço tremendo para acenar com a cabeça.

Tako Kakuta, o teleportador japonês com rosto de criança, desapareceu sem que ninguém o percebesse.

— Ninguém de nós ligou o hipercomunicador — disse Kitai Ishibashi. Realizara um controle instantâneo no cérebro dos colegas e em nenhum deles encontrara o mais leve resquício de sentimento de culpa.

Com uma rapidez surpreendente, o superpesado recuperou a capacidade de ação.

Com uma ligeireza de que ninguém o julgaria capaz saltou para junto do intercomunicador de bordo:

— Fechar todas as comportas! Ninguém poderá sair!

Bell limitou-se a acenar com a cabeça.

O que estava em jogo não era apenas a vida das pessoas que se encontravam a bordo, mas a de todos os membros do clã.

Mal Talamon desligou o intercomunicador, ouviu-se um chamado vindo da sala de rádio:

— O patriarca Topthor quer fazer-lhe uma visita.

— Não estou a bordo! — berrou o velho, que não parava de fungar.

— Senhor, eu disse ao patriarca que Talamon está presente...

Soltando uma das pragas dos superpesados, Talamon voltou a desligar para soltar um grito.

O ar começou a tremer diante dele. E em meio ao tremor, formou-se um ser. Tako Kakuta voltara a materializar-se diante do superpesado.

Dando todas as mostras de pavor, o velho foi recuando passo a passo até esbarrar na parede. Fitava aquele homem pequeno e franzino, que estava apresentando seu relato a Bell.

“Por onde teria andado ele?”

“Na central do hipertransmissor da lua Laros?”

“Quando? Pois há poucos minutos, eu o vi sentado junto ao negro.”

— Ó deuses estelares, e o hipercomunicador... — Bell gritou em meio aos gemidos desesperados de Talamon:

— Desta vez os deuses estelares não meteram os dedos nisso.

Talamon sempre fora um homem muito cortês. Muitas vezes não compreendia ou custava a compreender a linguagem figurada de Bell, cujas metáforas sempre estavam adaptadas às condições terranas. Nervoso como estava, também desta vez não compreendeu nada. Talamon, o ponderado, o inteligente, o honesto, o superpesado que nunca era abandonado pela presença de espírito. Talamon explodiu e berrou tão furiosamente para Bell que quase chegou a derrubá-lo.

Falou nos deuses, dizendo que os mesmos não tinham dedos, e que não compreendia como alguém podia blasfemar contra eles numa situação como esta. Talamon nem se lembrou que não costumava ser muito religioso, e que muitas vezes a ambição do lucro o fizera esquecer os deuses.

Naqueles segundos, jurou a plenos pulmões que nunca mais se desviaria da senda da virtude e da obediência aos mandamentos dos deuses.

Se não fosse a parede contra a qual se recostava teria fugido da gargalhada de Bell. Parado diante dele, mal e mal conseguiu colocar as mãos nos ombros de Talamon e disse:

— Acalme-se, Talamon!

O ser, que para Talamon era um monstrinho amarelo com olhos de formato estranho, também se encontrava ao lado de Reginald Bell.

As intenções de Tako Kakuta eram as melhores possíveis. Apenas queria mostrar-lhe que a arte de dissolver-se no ar e desaparecer não representava nada de especial.

Mas Kakuta conseguiu exatamente o contrário. Talamon procurou segurar-se em Bell. O tremeluzir do ar quase lhe rouba o juízo.

— Talamon — gritou Bell — a estação de rádio da Titan deve ter deformado nossa transmissão de hipercomunicação. Não há outra explicação. Há uma hora os aras que se encontram na central da grande estação de hipercomunicação andam que nem uns doidos, porque não conseguem transmitir nem receber qualquer mensagem inteligível. Homem, será que você ainda anda tapado?

O velho martirizou-se:

— Bell, quem dera que o senhor pudesse falar numa língua que também eu possa entender. O que significa andar tapado?

 

— Será que esse gorducho enlouqueceu? — berrou Perry Rhodan e no mesmo instante transformou-se no “reator instantâneo”.

Agiu. Enquanto as três dezenas de pessoas que se encontravam a seu lado pareciam ter sofrido um ataque.

O hipercomunicador transmitia a voz de Bell.

E o que não dizia esse sujeito!

Mas não demorou que tudo passasse.

Sem sair do seu assento e sem preocupar-se com a segurança da Titan, Perry Rhodan fez com que a estação de hipercomunicação da nave funcionasse como transmissor de interferência.

De início funcionava apenas na freqüência de Talamon, mas logo os técnicos tiveram de entrar em ação. Rhodan exigiu que fizessem o impossível. Dali a um minuto, participou da operação, causando uma admiração irrestrita no próprio engenheiro-chefe do setor de rádio.

— Nenhuma transmissão de hipercomunicação pode sair de Laros ou ser recebida lá. Quero que os aras tomem conhecimento. Bradger, por que não acopla o 16-cento e quatro ao emissor de freqüência circular? Vamos logo! Deixe o espanto para depois...

A agitação continuou por dez minutos. Rhodan tangia sua equipe com uma velocidade que fazia com que um após o outro fossem ficando pelo caminho.

Quando a interferência do emissor da Titan chiava em todas as freqüências, Rhodan enxugou o suor da testa, com uma calma tremenda acendeu um cigarro e perguntou em voz baixa:

— Estou curioso para ver por quanto tempo Bell nos oferecerá este espetáculo.

Sua voz parecia calma como sempre. Seus olhos não brilhavam, nenhum músculo da face se movia.

Sua calma impôs-se a todos, da mesma maneira que dera aos técnicos de radio uma demonstração prática de seu saber.

O chefe voltou para o assento do piloto e acomodou-se. Na gigantesca sala de comando da Titan, não se ouvia outro ruído. As outras pessoas, que ali se encontravam, respiravam silenciosamente e não se atreviam a fazer o menor movimento.

Gucky, o rato-castor, era o único ser que não conhecia essa forma de reverência. Teleportou-se para o colo de Perry, que não parecia muito satisfeito com a visita. Estava prestes a espantar Gucky com um movimento da mão, quando este começou a chiar:

— Chefe, você não acha que esses vermes devem estar roendo o setor de memória do hipercomunicador de Laros e logo terão passado pelo mesmo?

Era a fala típica de Reginald Bell, e naquele instante Perry Rhodan também não a entendia. Embora não o demonstrasse, estava desgastado por dentro. O espetáculo que Bell lhe oferecera com essa transmissão de hipercomunicação não tinha igual.

— Gucky, você veio para me chatear?

O rato-castor, que era um excelente telepata, lia a mente de Perry como num livro aberto. Cochichou baixinho:

— Perry, os primeiros dez segundos da transmissão de Bell estão armazenados nos aparelhos dos aras. Se arrancarem esse estéreo, nossa ação em Laros entrará pelo cano.

A observação de Gucky expôs o calcanhar de Aquiles da situação em que se encontravam.

— Chefe, deixe-me saltar! Mostrarei uma coisa aos aras! Deixe, sim, Perry?

Esse moleque do Gucky sabia implorar que nem uma criancinha, mas quem dali concluísse as qualidades do rato-castor, estaria cometendo um engano vergonhoso.

Esse ser em forma de animal, mas que não era nenhum animal, era inteligente como um homem e dominava a teleportação, a telecinese, a arte de ler os pensamentos e outras faculdades que jaziam em seu espírito. Era frio, impetuoso, esperto e sabia lidar com qualquer situação.

E encontravam-se diante de uma situação que teria de ser resolvida por Gucky, se não quisessem deixar cair num abismo tudo que Perry Rhodan conseguira realizar.

— Volte são e salvo, Gucky — disse Perry, dando permissão para saltar.

No mesmo instante, o rato-castor desapareceu de seu colo.

Laros ficava a vinte horas-luz da Titan!

 

O biólogo-chefe Keklos ficou satisfeito ao ouvir que a grande nave cargueira, repleta de matérias-primas, decolara de Gom.

“A carga chegou na hora exata para a assembléia dos patriarcas dos saltadores”, pensou muito feliz e transmitiu suas instruções.

 

Bell estremeceu. Um peso de cinqüenta quilos pousara em seus ombros. Antes que compreendesse o que era, ouviu a voz fininha de Gucky:

— Gorducho, você me arranjou um trabalho muito bonito! Os aras já estavam para se atirar em cima da memória do hipercomunicador, e por pouco não ouvem sua voz. Fiz umas brincadeiras com esses fazedores de pílulas. Quando estavam completamente prostrados, na memória do hipercomunicador não havia outra coisa senão os lamentos dos dervixes. O chefe ainda anda preocupado, pois não sabe quem mais pode ter ouvido sua voz por essas estrelas afora. Até logo mais — Bell não sentia mais aquele peso no ombro.

Ninguém riu da brincadeira do rato-castor. Ainda estavam gelados de susto, e foi esta a impressão que Gucky levou à Titan.

O rato-castor voltou a materializar-se no colo de Perry Rhodan.

Perry suspirou aliviado. Gucky fez de conta que não percebia nada, mas no seu íntimo sentiu-se orgulhoso pela preocupação que o chefe sentira por ele.

— Chefe — chiou — no momento não podemos contar com o gordo, nem com os outros. Li os pensamentos de Marshall. Procura desesperadamente descobrir quem lhes pregou a peça com o hipercomunicador.

— A coisa está começando bem — limitou-se Rhodan a responder.

 

Topthor estava sentado diante de Talamon. Examinava atentamente o amigo.

Talamon parecia doente. A maneira de cumprimentar Topthor fora pouco calorosa. Ele não viera para passar algumas horas conversando, mas sim para colher mais algumas informações sobre o grande negócio.

Como bom negociante, procurou antes de mais nada descongelar Talamon.

— Cekztel também deve chegar hoje, meu caro! — revelou.

Cekztel era chefe de todos os clãs dos superpesados.

Talamon não pensava em outra coisa senão nas transmissões de hipercomunicação realizadas a partir de sua nave.

— Ah, é? — disse por uma questão de cortesia.

Topthor tentou a aproximação de outro lado.

— Desta vez Rhodan e a Terra estão perdidos.

— Você acha? — perguntou Talamon.

Topthor esbravejou:

— Será que você só pensa nesse grande negócio?

— Em quê...?

Topthor nunca fora uma pessoa muito bem-humorada, mas agora seu senso de humor era praticamente nulo. Bateu com o punho na mesa.

— Diga logo o que houve com você, meu velho. Nem pensa no seu grande negócio, pouco lhe importa que Cekztel venha e o fato de que dentro em breve já não teremos que temer Rhodan e sua Terra não o interessa nem um pouco. Talamon, será que ainda somos amigos?

— Se não fôssemos, eu lhe teria oferecido participação no meu negócio? — esquivou-se Talamon.

— Você não está respondendo à minha pergunta — trovejou a velha raposa. — Você tem problemas? Pois também tenho. Os aras me dão dor de cabeça.

Finalmente Talamon mostrou-se interessado. Inclinou-se para a frente e, embora estivessem a sós, falou aos cochichos:

— Topthor, em minha nave há um vil traidor. Um indivíduo do meu clã quer me vender. Se conseguir, a nave chamada Tal VI deixará de existir.

— Isso tem algo a ver com seu grande negócio? — indagou Topthor.

— Em parte, Topthor. Por isso no momento não sei se será conveniente para você ser meu sócio.

O superpesado riu a plenos pulmões.

— Sirvo muito bem para o negocio, Talamon. Sou o único superpesado que sabe onde pode ser encontrado o planeta Terra. É isso mesmo, Talamon. Os dados estão no meu cérebro positrônico de bordo, muito bem armazenados e... — sua voz reduziu-se a um cochicho. — Quer saber de uma coisa? Codifiquei o setor de memória de tal maneira que jamais um ara conseguirá os dados sem meu consentimento.

Os olhos de Talamon iluminaram-se. Sabia que Topthor seria incapaz de enganá-lo.

— Quer dizer que você gosta deles tanto quanto eu, Topthor. Ainda prefiro o tal do Perry Rhodan...

O outro logo mordeu a isca, com tamanha força que Talamon teve de esforçar-se ao máximo para não trair sua alegria. O amigo trovejou:

— Eu também! Quase explodi quando ouvi falar no crime que praticaram contra o planeta Exsar. E quando me disseram que Aralon estava lançando uma ação de socorro gratuita, as vendas me caíram dos olhos. Tenho vontade de mandar a assembléia para os ares.

— Será que não foi você quem colocou a bomba no planeta de Goszul? — perguntou Talamon em tom sarcástico e sentiu que sua disposição de espírito melhorava.

— Tolice! — resmungou Topthor. — Mas de repente a idéia de lançar um ataque contra Rhodan não me dá mais o menor prazer. Diga-me uma coisa: você é fá do Rhodan? Você não fala mal dele, e isso não corresponde ao seu gênio.

— Topthor, você acha que a gente deve falar mal de um ser que teve o direito e a possibilidade de nos matar, mas não usou esse direito e essa possibilidade? É só por isso que o clã de Talamon ainda existe, Topthor.

Topthor levantou-se abruptamente.

Lançou um olhar prolongado e pensativo para o amigo. Este sustentou o olhar. Dois seres, cada um com mais de seiscentos quilos, ambos velhos, inteligentes e espertos, endurecidos em muitas batalhas espaciais sangrentas, acenaram com a cabeça.

Topthor disse em tom grave:

— Se não estou enganado, continuo vivo apenas porque em certa batalha Rhodan achou preferível não me transformar numa nuvem de gases. Mas não preciso dormir em cima disso, Talamon. Agora este Rhodan começa a me causar preocupações por um lado do qual nunca esperava qualquer problema. Até amanhã, Talamon, até amanhã.

 

A estranha rigidez desapareceu do rosto de John Marshall. Com um gesto que espelhava o cansaço, passou a mão pela testa, passou os dedos pelos cabelos escuros e esticou o corpo.

Voltara a ser o velho John Marshall, um dos colaboradores mais antigos de Perry Rhodan e um de seus melhores telepatas.

Lançou um olhar eloqüente para Reginald Bell.

— E daí?

John Marshall continuou sentado; um sorriso débil esboçou-se em seus lábios.

— Topthor é o único sobrevivente que conhece a posição de nosso sistema solar e da Terra.

Bell e seu comando de mutantes ainda se encontravam no camarote particular de Talamon. Sabiam que naquele momento aquela raposa sagaz, Topthor, fazia uma visita à nave. Marshall não deixara passar a oportunidade. Graças à sua capacidade telepática, “lera” a conversa travada entre Talamon e Topthor, acoplando sua mente aos pensamentos dos dois interlocutores. Dessa forma, acabara por descobrir o segredo mais precioso de Topthor.

Bell não tirava os olhos de John Marshall. Os mutantes fizeram a mesma coisa. Quase chegaram a esquecer o terrível incidente com o hipercomunicador. Só Marshall pensou no caso, pois ao acompanhar a conversa dos superpesados, sentira a preocupação de Talamon e a indagação de quem poderia ter ligado o aparelho.

Marshall ofereceu outra parte do segredo de Topthor.

— Os dados astronáuticos da Terra estão guardados no setor de memória de sua calculadora positrônica.

O sorriso gostoso de Bell fez com que John Marshall se retirasse, depois de acrescentar apressadamente estas palavras:

— Topthor garantiu-se por todos os lados.

Reginald Bell, que além de Perry Rhodan era o único homem que havia recebido o grau mais elevado de ensinamento arcônida através do processo hipnótico, pediu que John Marshall lhe fornecesse todos os dados.

Escutava com o rosto inexpressivo. Frio, sem deixar impressionar-se por qualquer tipo de emoção. Lógico até as últimas conseqüências, refletiu sobre o problema de como seus mutantes poderiam aproximar-se do cérebro positrônico de bordo da nave de Topthor, contornar as barreiras de segurança e atingir a memória do aparelho.

Em tom lacônico e numa formulação objetiva e inconfundível, dirigiu outras perguntas a John Marshall. O telepata concentrou-se ao máximo.

Quando Topthor revelou ao amigo o grande segredo, os dados sobre a posição da Terra, pensara muito satisfeito nos dispositivos de segurança que mandara colocar para proteger o saber armazenado contra qualquer pessoa que quisesse apoderar-se dele indevidamente.

— Está faltando uma coisa, Marshall — disse Reginald Bell ao telepata australiano. — O último dispositivo de segurança, essa história da ultra barreira, representa uma contradição se não houver algum dispositivo adicional que a cerca com seus pólos. Topthor deve ter pensado nesse dispositivo adicional. Procure lembrar-se, Marshall.

Bell insistia. Os mutantes agiam como se nem estivessem presentes. Kitai Ishibashi, um médico e psicólogo japonês dotado de poder de sugestão inacreditável, só em parte se encontrava presente. Por meio de sua capacidade, colocara-se junto a Topthor, que já saíra da Tal VI e naquele momento caminhava em direção à sua nave capitania. Pensava em Perry Rhodan.

Subitamente John Marshall estremeceu, como se tivesse levado uma tremenda pancada. A mesma coisa aconteceu com Kitai Ishibashi.

Bell notou o que estava acontecendo, mas não sentiu nada. Não se espantou por isso. Afinal, não possuía as mesmas capacidades dos dois mutantes.

Muito perturbado, John Marshall gemeu:

— Meu Deus, o que foi isso?

Bell poucas vezes o vira assim, e quando isso acontecia sempre se encontravam diante de um perigo imenso.

O aspecto de Kitai Ishibashi não era melhor que o de John Marshall. O suor porejava na testa do japonês alto e magro.

— Alguma coisa tentou agarrar-me — disse, explicando o que acabara de sentir. — Mas quando quis me segurar, errou o alvo.

Marshall limitou-se a acenar com a cabeça.

— Terá sido sugestão, hipnose, telepatia?

— Não foi nada disso — respondeu Marshall com a voz pesada. — Foi uma coisa nova, uma coisa que nunca experimentei. Acredito que seja uma coisa que nos persegue.

Bell já tomara muitas decisões graves e nunca errara. Mas o que devia determinar agora, quando ambos os mutantes não conseguiam caracterizar o perigo que os ameaçava?

Raciocinou instantaneamente. A conclusão lógica exprimia-se nesta pergunta:

— Marshall, o senhor já consegue lembrar-se do dispositivo adicional que Topthor usou para inverter a polarização da ultra barreira que protege a memória do cérebro positrônico?

Esse problema tinha precedência sobre qualquer outro. A segurança dos homens que se encontravam na nave não era tão importante. Precisavam aproximar-se do cérebro positrônico de bordo de Topthor, a fim de remover os dados astronáuticos.

O sistema de alarma do cérebro de Bell entrou em ação. Havia um “furo” em seu raciocínio.

A técnica positrônica não permitia que qualquer dado, uma vez armazenado, fosse removido. Era impossível apagar qualquer setor da memória do cérebro. Só havia possibilidade de revisões, mas devia tratar-se realmente de uma revisão, pois do contrário o cérebro não aceitava os novos dados, mantendo os que já se encontravam armazenados.

— Consegui! — exclamou Marshall, arrancando Reginald Bell de suas reflexões.

— O quê? — perguntou Bell, e essa pergunta o diferenciava de Perry Rhodan, o reator instantâneo.

— Já sei em que dispositivo adicional da ultra barreira andou pensando o velho Topthor...

Por mais que Marshall se esmerasse nas explicações, Bell não conseguia acompanhá-las. Lançou um olhar para Wuriu Sengu, o espia. Esse japonês de aspecto despretensioso, filho de um casal que durante o bombardeio atômico ao Japão ficara exposto a uma dose quase mortal de radiações. Agora possuía a capacidade espantosa de, por meio de um processo de concentração espiritual, aumentar o poder de visão a um tal ponto que podia enxergar através dos átomos e das moléculas de matéria compacta, reconhecendo perfeitamente o objetivo visado.

Wuriu Sengu compreendeu o pedido de Reginald Bell.

Concentrou-se e colocou um bloco de papel sobre o joelho, segurando o lápis na mão. Logo viu o esquema da parte do cérebro positrônico de Topthor que Bell não conseguia conceber com a necessária clareza através dos seus esforços mentais.

O processo demorou menos de dez minutos. Sengu, o espia, voltou ao normal. Entregou a Bell o esquema de ligações da ultra barreira e do dispositivo adicional.

Bell esboçou um sorriso feroz, zombando de sua própria lerdeza. Um simples olhar para o desenho bastava para que compreendesse o dispositivo de segurança.

— OK — disse em inglês. — Voltaremos a transferir nosso quartel-general para a Gazela. Irei depois: ainda tenho de falar com a Titan. Marshall, o que acha de Beta?

O australiano deu uma risada silenciosa. Lera os pensamentos de Bell. Sua resposta foi a seguinte:

— Acho que o chefe gostará muito.

 

Três patriarcas viram o biólogo-chefe Keklos sair da sala. Depois disso, dois saltadores e um superpesado trocaram olhares ferozes. Um após o outro sacudiram a cabeça, em sinal de desaprovação.

Cekztel, chefe de todos os clãs dos superpesados, disse depois de ter calculado que esse ara com certeza não conseguiria ouvi-lo mais:

— Se ficar doente um dia, prefiro morrer que ser curado por este biólogo-chefe. Já vi alguns mundos que foram transformados em sóis sob o efeito das nossas bombas, mas nunca senti o menor prazer em vê-los destruídos. É bem verdade que não cheguei a sentir compaixão. Afinal, os seres que destruímos foram nossos inimigos, mas nunca maltratei um ser até a morte. Quer apostar que esse Keklos faz uma coisa dessas?

Siptar, um patriarca muito velho, acenou a cabeça, muito pensativo. O velho Vontran demonstrou sua repugnância sem rebuços.

— Amanhã será realizada a conferência... — o velho Siptar disse mais alguma coisa e lançou um olhar de expectativa para Cekztel.

O rosto carrancudo e enrugado deste tornou-se ainda mais furioso. Seu olhar caminhava entre os dois patriarcas dos saltadores.

— Sem vocês, os mercadores, os superpesados não atacarão a Terra. Se vocês nos acompanharem com todas as naves que estiverem bem armadas, nós os acompanharemos. Do contrário...

Se havia uma voz que pesava, era a de Cekztel. Era o chefe de todos os patriarcas dos superpesados. Ninguém sabia quantas naves de guerra comandava. Era provável que o próprio Cekztel não soubesse. Porém o que se sabia era que um couraçado espacial dos superpesados equivalia, nos armamentos, a cinqüenta naves bem armadas dos saltadores.

Siptar, cujos olhos escuros ainda não haviam sido turvados pela velhice e que era conhecido por sua inteligência e autodomínio, perguntou tranqüilamente:

— Devemos ver nisso uma ameaça, Cekztel?

Cekztel soltou uma estrondosa gargalhada, bateu com o punho na mesa e gritou:

— Vejam nisso uma chantagem, Siptar. Será que os saltadores acham que somos idiotas? Um ser como Perry Rhodan, que consegue roubar o maior couraçado do Império e apesar disso colabora com o cérebro robotizado de Árcon, para mim não pode ser considerado um nada. E, uma vez que ninguém sabe que frota gigantesca Rhodan possui no setor da Terra, nós, os superpesados, só nos lançaremos ao ataque se formos acompanhados pelas frotas dos mercadores galácticos. Então, ainda acham que a condição imposta por mim representa uma chantagem, ou já chegaram à conclusão de que apenas é um produto da lógica aplicada?

— Como você votará amanhã, Cekztel? — perguntou o velho e sagaz Siptar.

Os olhos de Cekztel relampejaram.

— Pouco importa que amanhã eu me manifeste a favor ou contra o ataque à Terra. Tudo depende do que vocês decidirem. Se também estiverem dispostos a arriscar alguma coisa, não terão solicitado nosso auxílio em vão.

Vontran teve a impressão de que estas palavras exprimiam uma exigência pecuniária dos superpesados. Procurou amarrar Cekztel por meio de uma pergunta lacônica.

O superpesado reclinou-se confortavelmente e perguntou com um sorriso matreiro:

— Será que vocês realmente acreditavam que partiríamos para o ataque de graça? Será que os mercadores já venderam alguma coisa sem exigir o respectivo pagamento? Algum de vocês já foi tratado pelos aras e não recebeu a respectiva conta? Meus caros, vocês estão ficando muito engraçados. Nosso auxílio custará algumas centenas de milhões. E, se me lembro de que Topthor é o único que conhece a posição da Terra, e que Topthor também é um superpesado, chego à conclusão de que vocês deveriam pagar o dobro.

— Cekztel! — chiou Siptar. — Você não pode estar falando sério.

Siptar respondeu em tom frio:

— Não costumo brincar quando se trata de dinheiro. Fiquem com o dinheiro. Torçam o pescoço de Perry Rhodan sem recorrer ao nosso auxílio. Muito bem, pedirei a Topthor que lhes forneça os dados. Partam para a Terra e ataquem Rhodan. Desejo-lhes muitas felicidades, suas almas mesquinhas de mercadores.

 

O biólogo-chefe Keklos recebeu o relatório de Moders. Este teve o cuidado de não ultrapassar o limite dos três metros.

— A bioprodução foi iniciada neste momento. Mandei aquecer as primeiras retortas-autoclaves. Hoje de noite, por ocasião da mudança de turno, já poderemos verificar se a produção em massa está correndo sem falhas. Depois disso mandarei que todas as retortas-autoclaves...

— Espere até que a assembléia dos saltadores chegue ao fim, Moders — interveio Keklos em tom áspero e não deu a menor atenção ao espanto de seu colaborador. — A nave cargueira vinda de Gom já foi descarregada?

— Não.

— Pois dê ordens imediatas para que o descarregamento não seja iniciado sem nova ordem. Providencie imediatamente. Porém, antes disso, traga-me um bio.

Moders estava dispensado. Muito confuso, retirou-se do gabinete do chefe. Não compreendia as instruções de Keklos. De repente, a produção em massa dos bios não era mais urgente. Por que a matéria-prima vinda de Gom devia permanecer na nave que a trouxera?

A fantasia de Moders não tinha bastante agilidade para estabelecer uma ligação entre o bio, ao qual deu a ordem de dirigir-se ao gabinete do biólogo-chefe Keklos, e as instruções que acabara de ouvir.

No momento em que o vulto cinza-fosco, o produto da retorta de mais de três metros de altura, entrou no gabinete do chefe, cruzando um par de braços no peito e outro par nas costas e mantendo-se em atitude de expectativa, Keklos acabara de entrar em contato pelo rádio com a nave cargueira que acabara de trazer a matéria-prima de Gom.

Também no cargueiro suas instruções produziram espanto e perplexidade. E, quando o bio de Keklos entrou em cena, os oficiais que se encontravam na sala de comando do cargueiro desistiram dos esforços de encontrar a solução do mistério.

Mas Keklos sabia perfeitamente o que queria.

 

Quatrocentos mil quilômetros acima de Laros, a grande frota de Talamon se mantinha em posição de espera. A menor de suas naves de guerra recebera ordens do patriarca para descer em Laros, passou pelo controle dos médicos aras e uma hora depois voltara a decolar.

Talamon ainda se sentia congelado até a medula dos ossos em virtude do incidente com o hipercomunicador. O que mais o deprimia era o fato de que tinha de ver em qualquer dos membros de seu clã um traidor. Naquele instante encontrava-se a caminho do “quartel-general” de Bell. O gordo instalara o grupo de mutantes na Gazela abrigada no hangar secreto da nave, e que se mantinha preparada para decolar a qualquer momento.

Bell não conseguira acalmá-lo. Talamon não se deixou demover da idéia de que entre seus parentes mais chegados havia um traidor. Não admitiu a possibilidade de que um acaso infeliz tivesse estabelecido a ligação do hipercomunicador. Bell também não acreditava nisso, mas John Marshall, o telepata, afirmava que as coisas se haviam passado sem traições. Tivera o trabalho enorme de examinar um por um os membros da tripulação. O resultado foi nulo.

De qualquer maneira, o pouso da menor das naves de Talamon e seu regresso não haviam sido em vão. Essa ida e vinda não teve outra finalidade senão justificar o tráfego intenso de mensagens de rádio expedidas pela Tal VI. Uma vez que esse tráfego se realizava pela freqüência de Talamon, Perry Rhodan o acompanhava automaticamente e não poderia deixar de espantar-se com o texto das mensagens.

O superpesado exibiu um sorriso matreiro quando entrou na Gazela e entregou a Bell a notícia gravada numa folha de plástico. Segundo esta, a pequena nave de guerra atingira a frota que se mantinha em posição de espera acima de Laros.

Bell não demonstrou o menor interesse pelo texto. Sabia que era obra de Perry e encerrava uma notícia oculta. O cérebro positrônico da Gazela começou a trabalhar com o texto. Bell ligou a chave de decifração; o cérebro transformou a mensagem corriqueira numa série de dados astronáuticos. Por estes, a Terra era um planeta do setor Orion, um dos astros que gravitavam em torno do gigantesco sol Beta. Era o terceiro planeta desse sol monstruoso. Com estes dados, sofreu um deslocamento de 272 anos-luz da sua posição verdadeira. Para quem se encontrasse no grupo estelar M-13, a Terra aproximara-se 272 anos-luz dessa nebulosa.

— Não gostaria de percorrer essa distância a pé — resmungou Bell com um sorriso, sem notar que Talamon já o havia deixado.

John Marshall aproximou-se, vindo da parte dos fundos da pequena sala de comando.

— Talamon não nos avisará de que Topthor conhece a posição da Terra, nem nos trairá junto a ele — informou. — Se continuar fiel à sua opinião, não fará conosco o grande negócio da sucata que se encontra em Honur. De um lado sente-se obrigado a Topthor e de outro, a nós. E ainda há a questão do hipercomunicador.

Bell interrompeu-o com um gesto apressado.

— Deixe-me em paz com isso, Marshall. Insista junto aos seus colegas para que ninguém formule diante dos superpesados a mais leve insinuação do que sabemos. O senhor é capaz de imaginar o que aconteceria se eles soubessem?

— Sim senhor. Talamon nos procurará para dizer que avisará Topthor de que estamos de posse do seu segredo e...

— Vamos providenciar para que isso dê um prazer todo especial a Topthor — interveio Bell com uma risada contrafeita. — Peça a Tako Kakuta e Ras Tschubai que venham até aqui. Quero que transformem o segredo de Topthor numa bolha de sabão.

 

Keklos não se esqueceu da advertência formulada pelo inspetor-chefe Gegul, executado no conversor. E agora só uma noite o separava da assembléia dos patriarcas.

— Biólogo-chefe Keklos — disse Gegul naquela oportunidade. — O perigo começa com a assembléia. Foi o que aconteceu no planeta Goszul, e é o que se repetirá em Laros. Mas saberei impedir a repetição, e aqueles que estão a soldo de Perry Rhodan cairão nas minhas redes. O senhor tem alguma idéia do que me servirá de rede, biólogo-chefe?

Keklos já o imaginara quando Gegul formulou a pergunta e dissera o que estava pensando. Independentemente de Gegul, prosseguira em suas experiências na mesma base, e nunca deixava de admirar a clarividência de Gegul. Aquilo em que este, por intuição e não em virtude de seu saber, via uma arma, realmente era uma terrível arma.

Bem, fazia tempo que Gegul não se encontrava entre os vivos. Esse fato não seria capaz de provocar um simples sacudir de ombros em Keklos, mas o plano de Gegul continuava vivo. Transformara-se em realidade.

— Quero que Moders compareça imediatamente — disse a voz metálica de Keklos no intercomunicador.

Moders não compareceu.

Keklos deu o alarma. Costumava fazê-lo muitas vezes. E, toda vez que isso acontecia, constatava-se o desaparecimento de alguém, às vezes de muitos aras. Ninguém saberia dizer que destino haviam tomado. Ninguém se atreveria a formular uma indagação oficial.

Moders não compareceu.

O grau mais rigoroso de alarma foi desencadeado no gigantesco sistema de galerias subterrâneas da lua Laros. O alarma estendeu-se a toda a lua, em muitos pontos subia à superfície e propagava-se.

Ninguém conseguia encontrar Moders.

Na cabeça do biólogo-chefe Keklos começou a martelar a advertência profética de Gegul: o perigo começa com a assembléia.

Naquela noite, morreram muitos doentes, os cirurgiões largavam seus instrumentos em meio às operações, os enfermeiros abandonavam suas tarefas, grandes extensões dos estabelecimentos hospitalares foram paralisados. Todo mundo procurava Moders, o colaborador mais chegado do biólogo-chefe Keklos.

Moders não foi encontrado.

 

Furioso, Talamon deixou-se cair na poltrona. Ainda furioso, lançou um olhar para seu amigo Topthor.

— Para que serve essa palhaçada com os robôs de combate?

Os robôs haviam detido e revistado Talamon diante da nave de Topthor. Fora detido e revistado antes de entrar na comporta, e novamente no convés principal, e mais uma vez diante da escotilha que dava para a sala de comando. De cada uma dessas vezes, haviam extraído seu modelo de vibrações cerebrais e irradiaram-no para algum lugar, onde seria examinado.

Topthor parecia muito bem-humorado.

— Você examinou bem os robôs? — A ênfase foi colocada na palavra bem.

Talamon começou a imaginar do que se tratava.

— Serão seus?

— São dos aras.

— Como é que você pode concordar com uma coisa dessas? — gritou Talamon e levantou-se de um salto.

— Sente, meu caro. Os robôs dos aras estão de sentinela com meu consentimento. Há duas horas, quando estava escurecendo, foram vistos estranhos no interior da minha nave. Devem ter sido saltadores.

Topthor viu que o amigo voltou a afundar na enorme poltrona e ouviu seu gemido:

— Estranhos?

O que Topthor não poderia imaginar eram os pensamentos que se atropelavam na cabeça de Talamon.

Este acreditava saber quem eram esses estranhos.

— Isso mesmo, Talamon. Estranhos. Estranhos foram vistos na casa de máquinas da minha nave.

No mesmo instante, Talamon sentiu-se aliviado de um peso. Supusera que os estranhos tivessem sido vistos na sala de comando, onde a posição da Terra estava guardada na memória do cérebro positrônico. Que interesse poderiam ter pela casa de força? De consciência tranqüila podia eliminar os homens de Rhodan do grupo dos suspeitos. Realmente deviam ter sido saltadores.

— O que será que alguém poderia encontrar nas nossas casas de máquinas? — perguntou com um espanto genuíno.

— Avisei Cekztel, e este transmitiu o aviso ao biólogo-chefe Keklos. Dali em diante, tropeçamos com os robôs dos aras a cada passo que damos, mas com isso sinto-me um pouco melhor. Apenas, não estou gostando da assembléia de amanhã. Será que esse negócio renderá mesmo quinhentos milhões para mim, Talamon?

— Pelo menos — respondeu Talamon em tom grave e lançou um olhar penetrante para seu interlocutor. — Aconteça o que acontecer, Topthor, você pode e deve confiar em mim. Mas fique com a boca calada. Se acontecer alguma coisa, não me faça perguntas. Não gostaria de ver-me forçado a contar-lhe uma mentira. Posso fazer o negócio sem você. Foi por minha livre e espontânea vontade que lhe cedi uma parte. Quero que, se alguma coisa não der certo, ao menos haja uma pessoa que continue leal para comigo.

— Para isso você não precisaria presentear-me com um lucro de quatrocentos milhões, Talamon. Eu... — teve a impressão de ouvir um ruído estranho às costas. — O que foi isso? — perguntou e virou-se apressadamente.

 

Naquele mesmo instante, Wuriu Sengu que, de olhos fechados, estava sentado ao lado de Reginald Bell, disse:

— Topthor deve ter ouvido alguma coisa. Virou-se abruptamente e está fitando o cérebro positrônico. Agora está de pé. Não, voltou a sentar. Está desconfiando de alguma coisa. Talamon está fazendo uma pergunta. Não responde; em compensação está ligando o intercomunicador e transmite instruções. No momento, não vejo o menor sinal de Tako Kakuta.

Reginald Bell levantou a cabeça e lançou um olhar pensativo para Ras Tschubai. Era o segundo teleportador que, de acordo com os planos, já devia estar na sala de comando de Topthor para, juntamente com Tako Kakuta, introduzir algumas modificações nos dados relativos à Terra armazenados na memória do cérebro positrônico.

Acontece que Tako Kakuta não conseguira penetrar na sala de comando sem ser notado. Bell esteve a ponto de fazer uma pergunta a Sengu, o espia, quando os três — Tschubai, Sengu e ele mesmo — se assustaram com um estrondo.

Com o estrondo, o teleportador pequeno e franzino rematerializou-se. O rosto infantil sob a testa abaulada exprimia contrariedade.

Tako Kakuta caíra durante a rematerialização.

— Foi isso — disse com a voz martirizada. — Foi exatamente isso que aconteceu quando cheguei à sala de comando de Topthor.

Ergueu-se lentamente, sacudindo a cabeça.

Kakuta não soube explicar o que acontecera.

— Ishibashi, o senhor percebeu alguma coisa? — perguntou Bell, dirigindo-se ao sugestor.

— Sim senhor, mas também não sei explicar do que se trata. A coisa apenas roçou em mim de leve. Quase chego a pensar que se tratava de uma coisa enfeixada.

— Wuriu Sengu, o quadro, que o senhor viu, permaneceu nítido durante todo o tempo? — Reginald Bell aguardava ansiosamente a resposta do espia.

— Bastante nítido! — respondeu Sengu em tom decidido.

— Pois nesse caso vou falar com Marshall — decidiu Bell e levantou-se. — A missão “setor de armazenamento” sofrerá um ligeiro adiamento.

Retirou-se para procurar John Marshall, que nas missões dos mutantes costumava dirigir os comandos.

 

O intercomunicador do gabinete de Keklos emitiu o sinal de urgência máxima. O biólogo-chefe levantou os olhos dos documentos que estava examinando e ouviu uma voz nervosa anunciar que Moders havia sido encontrado.

— Quero um relato preciso, imediatamente — disse Keklos, cortando a longa introdução.

Cada vez mais interessado, acompanhava o relato. Viu na tela o estado em que se encontrava Moders. Não ligou a transmissão de sua própria imagem. Os médicos, em redor de Moders, que estava inconsciente, não podiam fazer a menor idéia da satisfação que se espelhava no rosto de Keklos.

Este não comentou o relatório que acabara de ser transmitido.

— Tomem as providências que se fazem necessárias — disse e desligou.

Pouco depois, chamou o bio que Moders lhe enviara há algumas horas. Quando o produto da retorta entrou pela segunda vez naquela noite, estremeceu com a voz enérgica de Keklos. O bio não sabia do pavor que uma aproximação a menos de três metros causava no biólogo-chefe. Não entendendo as censuras ásperas do ara, o ser artificial feito de substância biológica deu dois passos apressados para a frente e colocou-se bem diante de seu criador.

O bio ainda chegou a ouvir o grito de pânico de Keklos. Também viu a mão do biólogo-chefe pegar a arma. Mas entendeu muito tarde os berros desesperados de Keklos:

— Para trás! Para trás!

Quando a arma de impulsos térmicos, que se encontrava na mão do ara, expeliu seu raio mortífero, destruiu uma vida artificial que mal começara a existir.

Com os olhos chamejantes, Keklos fitou os restos fumegantes deixados pelo raio térmico.

Em tom furioso, chiou:

— Agora tenho que arranjar outro transmissor intermediário e posso começar tudo de novo. Quando Moders acordar, não ficará nada satisfeito em saber que pertence ao material de experiências da divisão de doenças aromáticas. Pensei que fosse mais inteligente. Até o momento em que desmaiou, não compreendeu os meus planos. E as indicações que lhe forneci deveriam ter sido suficientes para isso.

Keklos não esqueceu o menor detalhe. Antes de chamar outro bio, avisou o setor experimental de doenças aromáticas de que podia dispor de Moders como material de ensaio.

Dali a dez minutos, outro bio se encontrava em seu gabinete. O biólogo-chefe transformou-o em transmissor intermediário.

Através do bio, entrou em contato com a matéria-prima que a nave cargueira acabara de trazer de Gom, e que em virtude das instruções de Keklos ainda não havia sido descarregada.

Foi diante dessa nave cargueira que encontraram Moders desmaiado.

Keklos sabia por que Moders desmaiara.

 

Wuriu Sengu dera o sinal convencionado a Tako Kakuta e Ras Tschubai. A força de sua mente permitia-lhe enxergar a sala de comando de Topthor.

Estava vazia.

Atrás de Sengu o ar começou a tremeluzir em dois pontos diferentes, e nesse tremeluzir desapareceram os dois teleportadores.

No mesmo instante, Sengu os viu quando se esconderam na sala de comando do superpesado, atrás da cúpula maciça do hipercomunicador.

Os dois teleportadores logo conseguiram orientar-se. Aproveitaram-se do fato de terem estudado a Tal VI de Talamon, inclusive a sala de comando. Depois que, graças à capacidade de Marshall, ficaram sabendo do segredo de Topthor, examinaram o cérebro positrônico com uma atenção toda especial. O dispositivo positrônico, que ocupava quase toda a parede oposta ao assento de pilotagem, era a reprodução fiel do aparelho existente na nave de Talamon.

Apesar disso, não era nada fácil reprogramar determinada área do setor de memória. Graças ao processo hipnótico dos arcônidas, ambos possuíam o saber de um especialista de Árcon. Mas, para dominar os princípios da positrônica na teoria e na prática, precisariam do quociente intelectual de Perry Rhodan ou Reginald Bell.

O gorducho sabia tudo de cor. Seria o homem indicado para o serviço. Mas Bell não era teleportador, e, sem essa faculdade formidável, já teria morrido sob o fogo dos robôs de combate dos aras, que vigiavam a nave de Topthor em fila quádrupla.

Mas Ras Tschubai e Tako Kakuta não dependiam exclusivamente de sua própria capacidade.

Bell, que às vezes assumia grandes riscos, desta vez agira com a cautela de estrategista frio. Não queria deixar o menor detalhe por conta do acaso.

Wuriu Sengu via o que se passava na sala de comando de Topthor e constantemente emitia seus comentários lacônicos.

Diante dele, estavam sentados John Marshall e Kitai Ishibashi. Marshall era o telepata mais eficiente de Perry Rhodan, e Ishibashi era um sugestionador que, por várias vezes, provara que era capaz de impor sua vontade a centenas de pessoas num espaço de tempo extremamente curto. E a impunha de forma tão intensa e duradoura que as pessoas atingidas se convenciam de que agiam por vontade própria.

Como último recurso, Bell mantinha em reserva o telecineta Tama Yokida. A distância entre a Gazela e a sala de comando de Topthor fora medida com toda a precisão. Yokida tinha um croqui sobre as pernas. Nele se via a forma pela qual estava dividida a sala de comando, os aparelhos existentes, e qual era a distância entre as peças mais importantes.

Tama Yokida interviria se surgissem robôs. Recorreria à força de sua vontade e lhes dispensaria um tratamento que os faria voar pelo ar como se fossem balões e, com um impacto violento, os transformaria em sucata.

Subitamente a voz de Wuriu Sengu parecia um tanto nervosa.

— A escotilha está sendo aberta. Topthor está entrando na sala de comando juntamente com dois membros de seu clã.

Sengu ainda não havia acabado de falar quando Marshall e Ishibashi entraram em ação.

Bell se mantinha um tanto afastado. Fumava. Seu olhar era tranqüilo. E não estava excitado por dentro. Examinava cuidadosamente seus comandados. Os que haviam entrado em ação trabalhavam com o máximo de segurança e concentração.

Kitai Ishibashi procurou atingir a vontade de Topthor. Penetrou instantaneamente em sua mente e logo descobriu o ponto de apoio a partir do qual seria mais fácil influenciar o superpesado. Ishibashi batizara o procedimento com o nome de método das camadas. Não inundava a vontade de outra pessoa com a força de uma cachoeira, mas impunha-lhe sua vontade em camadas progressivas.

John Marshall, que era telepata, não poderia dar apoio direto à tarefa de Ishibashi. Em compensação, controlava os pensamentos da vítima e fornecia ao sugestionador indicações preciosas sobre a maneira de aplicar seu dom.

 

Topthor esperou até que a escotilha se fechasse atrás dele. Em seu rosto velho e esverdeado, havia uma expressão de contrariedade.

— Sentem — disse em tom rude aos membros de seu clã.

Os dois jovens superpesados, cuja figura era quadrática como a do velho, deixaram-se cair nas poltronas. Não deviam esperar nada de bom; era o que dizia o rosto zangado de Topthor.

— O tal do Keklos, chefe dos aras em Laros, está ficando louco. Vocês ficarão de sentinela aqui até que eu mande revezá-los. O biólogo-chefe está vendo fantasmas. Quer transformar os estranhos que foram vistos nesta nave e que infelizmente conseguiram escapar em figuras que trabalham para Perry Rhodan. O que eu acredito e o que vocês acreditam é coisa que só diz respeito a nós mesmos. Keklos exerceu certa coação sobre mim. Colocou-me diante da alternativa de vigiar a sala de comando através de meus homens e manter contato audiovisual permanente com ele, ou então vê-lo colocar meia dúzia de robôs de combate dos aras na mesma. É isso. Mostrem suas armas.

Um dos membros do clã praguejou. Parecia muito contrariado. Mas cumpriu a ordem de Topthor, exibindo suas armas tal qual o outro. Os dois fitaram o velho e arregalaram os olhos.

Topthor, o velho ranzinza que vivia resmungando, riu. Piscou animadamente para os dois.

— Instalem-se de modo confortável — disse em tom bonachão. — Se quiserem dormir um pouco, fiquem à vontade. Quanto ao contato com Keklos, falarei com ele da minha cabine. Se continuar a insistir, avisarei.

— Falou, meu senhor — disse o mais alto dos dois com uma risada e deu um soco nas costelas do outro. Subitamente parecia muito bem-humorado e guardou todas as armas no fundo do bolso. — Por todas as estrelas do Universo, estou cansado como quem atravessou uma bebedeira de três dias e três noites.

— Pois comigo está acontecendo a mesma coisa — disse o patriarca e bocejou gostosamente. — Está na hora de ir para a cama.

Com estas palavras retirou-se.

 

Tako Kakuta e Ras Tschubai, que se mantinham escondidos atrás da enorme instalação de rádio da nave de Topthor, piscaram alegremente um para o outro.

Desde o momento em que o velho se dispôs a controlar as armas de seus subordinados, transformara-se de uma hora para outra num ser totalmente diferente. Ele, que a bordo de sua nave costumava escrever a palavra disciplina com letra maiúscula, sugeria que a missão que acabara de confiar aos dois membros de seu clã não fosse levada muito a sério.

Os dois teleportadores sabiam quem tinha suas mãos naquilo, e de onde partia a influência exercida sobre os três superpesados.

Os passos pesados de Topthor afastaram-se depois que este fechou a escotilha.

Mais uma vez, os mutantes que se mantinham agachados atrás das instalações de rádio trocaram um olhar. Aguçaram o ouvido. Aguardavam os roncos dos superpesados que estavam sentados nas poltronas.

Silenciosos que nem duas sombras os dois mutantes saíram de trás das instalações de rádio.

 

A menos de três quilômetros de distância, no interior da pequena cabine da Gazela, Bell deu esta ordem ao telecineta Tama Yokida:

— Providencie para que nos próximos quinze minutos ninguém consiga abrir a escotilha que dá para a sala de comando de Topthor.

Tama Yokida limitou-se a acenar com a cabeça e liberou suas energias telecinéticas, tangeu-as para a nave de Topthor e ali desencadeou forças tremendas. Essas forças atingiram o mecanismo da fechadura da escotilha, interpuseram-se entre os relês arcônidas, fizeram com que potentes campos magnéticos entrassem em colapso e desempenharam o papel de solda indestrutível que ligasse a escotilha e os trilhos pelos quais a mesma devia deslizar.

 

O cérebro positrônico de Topthor estava funcionando. As duas sentinelas estavam deitadas nas poltronas e dormiam. Nem Kakuta nem Ras Tschubai viraram-se uma única vez para eles. Confiavam irrestritamente na capacidade de Ishibashi.

O setor de memória! Tako Kakuta acabara de ligá-lo, mas não tinha muita certeza sobre a ligação que deveria efetuar.

Na sala de comando da Gazela, Marshall dirigiu-se a Reginald Bell e disse:

— Kakuta não quer arriscar-se em ligar o impulso do setor de memória. Ainda está hesitando e...

Bell preparara as medidas a serem adotadas se ocorresse um incidente como este. Kitai Ishibashi teria de suspender temporariamente seu tratamento sugestivo.

— Ocupe-se com Kakuta. Aqui — apontou para a série cronológica de ligações. — Foi aqui que ele encalhou. Ande depressa, Ishibashi!

No momento em que Kakuta ligou o impulso do setor de memória do cérebro positrônico, nem desconfiou que Kitai Ishibashi lhe dera ordem para isso a uma distância de três quilômetros.

— Pronto? — perguntou o africano.

Ras Tschubai já concluíra sua tarefa.

— Um mo...

Naquele instante uma voz berrou atrás deles:

— O que está acontecendo aqui? Uma das sentinelas acordara.

Ras Tschubai desapareceu diante de Kakuta. O africano alto e esbelto assumira o risco de teleportar-se em meio ao chamado. Kakuta preferiu não arriscar-se. Se Tama Yokida, que se encontrava na Gazela, não desse conta de sua tarefa, estaria perdido.

Este não teve tempo de informar a Bell. Libertou a escotilha que dava para a sala de comando das suas energias telecinéticas para brincar com o jovem superpesado.

Este, que acabara de despertar do sono hipnótico mas continuava dominado pela vontade estranha, não viu nada demais em subir de sua poltrona e ficar grudado no teto. Tama Yokida virará o corpo dele de tal maneira que o peito ficou encostado no teto. Assim o jovem superpesado não veria o que se passava embaixo dele.

Apesar do incidente, que poderia assumir uma feição ameaçadora, Wuriu Sengu, o espia, continuou a transmitir seus comentários com a voz tranqüila.

— Kitai! — disse Bell com a voz metálica, mas percebeu pelo gesto do sugestionador que este já havia entrado em ação.

Sengu informou:

— A escotilha está sendo aberta. Topthor...

Naquele instante, uma força invisível sacudiu a sala de comando da Gazela. Bell e seus mutantes foram varridos para um canto. Sengu gemeu. Batera com a cabeça. Marshall segurava a cabeça com ambas as mãos. Ishibashi, que se encontrava ao lado de Reginald Bell, logo ficou em condições de entrar em ação. Comunicaram-se por meio de olhares.

— Marshall! — chamou Bell em tom enérgico. — Marshall e Sengu!

Os dois estavam trabalhando jogados ao chão, tal qual Tama Yokida.

Só agora Bell se deu conta da situação terrível em que se encontravam.

Quem os atirara contra a parede? Que poder os descobrira e atacara?

— O que está fazendo o velho Topthor, Sengu? — perguntou Bell apressadamente.

— Não o vejo — foi a resposta surpreendente e inacreditável.

Bell fitou-o perplexo, mas no mesmo instante formulou a pergunta dirigida a Ishibashi.

— Voltou a submeter Topthor ao seu tratamento?

Ishibashi deu de ombros. Bell compreendeu. Pôs-se a praguejar. Ras Tchubai, o teleportador africano, materializara-se diante dele.

— Topthor, a velha raposa, está jogado no convés C e dorme em cima de bombas arcônidas.

Reginald Bell não demonstrou o menor interesse pela informação.

— Tschubai, o senhor foi atacado nos últimos minutos por uma força desconhecida?

— Atacado? — perguntou o africano.

Sengu exclamou em voz alta:

— Kakuta completou a modificação dos dados de posição. Agora está parado diante do superpesado que caiu do teto. Parece preocupado, pois tudo indica que o rapaz está ferido.

— Era só o que faltava — resmungou Bell. — Ishibashi, sugestione Kakuta para que teleporte o rapaz à enfermaria, mas só se puder fazê-lo sem assumir qualquer risco.

Ishibashi concentrou-se. Bell obteve mais alguns segundos durante os quais pôde refletir tranqüilamente.

Só as pessoas que se encontravam na sala de comando da Gazela haviam sido atiradas ao chão. Ras Tschubai, que se encontrava a três quilômetros de distância, não havia percebido nada. Subitamente lembrou-se de que durante a permanência no camarote particular de Talamon haviam sentido, com um breve intervalo, dois fenômenos inexplicáveis.

— Marshall...

Não conseguiu dizer mais nada. Talamon irrompeu na pequena sala de comando da Gazela, dando mostras de tremenda exaltação. As notícias que trouxe não foram boas.

Há dois minutos mais de cem robôs de combate dos aras passavam pelos compartimentos da Tal VI. Eram acompanhados de quase duzentos aras armados até os dentes, que se mantinham mudos e revistavam sistematicamente sala após sala.

Bell lançou um olhar pensativo para o patriarca. A cada dia que passava gostava mais de Talamon. O velho não sabia o que era medo, mas nesse instante soltou um grito.

Bem à sua frente Tako Kakuta se materializara. Já estava abrindo a boca para avisar que a missão fora cumprida quando viu o superpesado. Controlou-se imediatamente e soltou a pergunta que abalou as pessoas que se encontravam na sala de comando:

— Vocês sabem que três naves de guerra estão paradas em cima da Tal VI?

 

O Biólogo-chefe Keklos tremia de desconfiança. Tinha diante de si dois relatórios, um da estação de hipercomunicação e outro sobre o resultado da busca realizada na última noite a bordo da Tal VI.

Keklos não pensava em nenhum desses relatórios. Refletia sobre a experiência pela qual ele mesmo passara e mais uma vez voltou a formular a mesma pergunta:

— Por que Topthor me chamou ontem de noite? E o que quis conseguir com essa conversa tola?

Ele mesmo fora à nave de Topthor na ultima noite. De repente, passou a desconfiar da transmissão audiovisual realizada a partir da sala de comando. Mas na nave de guerra do superpesado tudo estava em ordem. Numa atitude triunfante, o velho lhe mostrara parte dos dispositivos de segurança que colocara em torno do setor de armazenamento de dados de seu cérebro positrônico.

— Biólogo-chefe Keklos, como vê já tomei todas as providências antes que o senhor determinasse suas medidas de segurança.

Ontem de noite essa demonstração era boa de ver e de ouvir, mas então ainda não dispunha dos relatórios.

A exposição fornecida pela estação de hipercomunicação era inquietante.

De repente quatro técnicos captaram uma estranha transmissão de hipercomunicação, que, após poucos segundos foi abafada por uma interferência. Antes que fosse possível determinar a fonte de interferência, esta se estendera a todas as freqüências. Esse acontecimento inédito impediu os técnicos de se ocuparem imediatamente com a parte inteligível da transmissão. Enquanto procuravam determinar o motivo da interferência, o suprimento de energia foi suspenso por alguns segundos. Pouco depois, por algum motivo inexplicável, a grade Me caiu e o condensador de vácuo explodiu.

Depois de reparadas as avarias, passou-se ao exame da parte inteligível da transmissão de hipercomunicação. Mas em vez daquilo que os técnicos haviam ouvido, o setor de armazenamento reproduziu uma voz chiante, que anunciava o choro dos dervixes e apresentou uma música infernal, insuportável para os ouvidos de um ara.

Keklos logo tropeçou sobre a palavra dervixe. Chegou a consultar Aralon, mas nenhum cientista sabia o que significava essa palavra.

— Devem ser os demônios das estrelas!

Com estas palavras afastou os relatórios. A busca dada na Tal VI também não produzira qualquer resultado.

Subitamente Keklos atirou a cabeça para trás. Num gesto que quase chegava a ser guloso, pegou o relatório sobre a Tal VI. Observou-o e viu que a busca da enorme Tal VI durara pouco mais de uma hora. Face a esse período, extremamente reduzido para uma operação de busca, concluiu que alguma coisa não estava em ordem.

Examinou atentamente as indicações de tempo.

O que acontecera na última noite a bordo da Tal VI?

Uma frase o incomodava em meio às suas reflexões:

— O perigo começa com a assembléia! A assembléia dos patriarcas estava próxima ao encerramento. Já se decidira que Rhodan seria destruído e que seu planeta seria transformado num sol. Apenas se regateava sobre o preço que os superpesados exigiam dos saltadores.

Há meia hora Keklos, bastante contrariado, desligara o aparelho que transmitia os trabalhos da assembléia. Seria preferível que não o tivesse feito, pois naquele instante Cekztel, chefe de todos os patriarcas dos superpesados, levantara-se e, soltando uma praga, dissera:

— Os superpesados não lançarão nenhum ataque contra Rhodan e seu planeta, a Terra. Estou enojado de toda essa choradeira por causa de oitenta milhões.

Nem Cekztel, nem Siptar, Vontran ou qualquer dos outros participantes desconfiavam de que os mutantes de Perry Rhodan estivessem dando tudo de si para transformar a assembléia numa bomba explosiva de desunião.

Ao amanhecer, os teleportadores Tako Kakuta e Ras Tschubai desempenharam o papel de “rebocadores” e, numa série de excelentes saltos de teleportação, haviam colocado Bell, Tama Yokida, John Marshall e mais alguns mutantes em esconderijos seguros no interior do pavilhão de reuniões.

Não puderam exercer nenhuma influência sobre o resultado da votação. Contra todas as expectativas, a deliberação a este respeito foi tomada logo após a abertura dos trabalhos. Os trinta patriarcas, que estavam contra o plano da destruição de Rhodan e da Terra, foram vencidos pela grande maioria.

Porém, no momento em que Cekztel formulou sua exigência pecuniária, as coisas tomaram aspecto diferente.

Ishibashi incumbira-se da maior parte do trabalho. Sugestionava os mercadores galácticos, quase fileira por fileira, para que recusassem a exigência de Cekztel.

Em meio a uma maioria escassa que pretendia pagar o preço pedido pelo superpesado, soavam vozes cada vez mais numerosas que gritavam “vigarice” e pretendiam pôr em dúvida o resultado da votação.

Quando John Marshall e Kitai Ishibashi estavam próximos ao esgotamento, sendo apoiados constantemente por Betty Toufry que, segundo o plano de Bell, só devia intervir no fim com toda a força de sua capacidade telepática, o superpesado Cekztel levantou-se de repente e dispôs-se a abandonar a assembléia.

De seu esconderijo Bell contemplou-o e esfregou as mãos, quando alguma coisa passou, tocando-lhe. Por pouco, não o faz perder o equilíbrio.

No mesmo instante, John Marshall encolheu-se. Reginald Bell viu suas costas encurvadas, e também viu Kitai Ishibashi, que gemia com a voz abafada:

— Ai está de novo!

Reginald Bell compreendeu que ainda faltava muito para que pudessem considerar-se vitoriosos.

Alguma coisa não identificada vinda do desconhecido os atingia.

Subitamente o chefe de todos os superpesados teve seus passos travados em meio ao largo corredor central por vários robôs de combate dos aras, surgidos de repente.

— Chefe — fungou Tama Yokida — os robôs sabem exatamente onde estamos. Mais de trinta estão subindo para cá.

O passo metálico das máquinas de guerra retumbava pelo grande pavilhão, em que subitamente se instalara o silêncio.

 

O produto da retorta, feio e de um cinza-fosco, estava parado diante de Keklos.

— Fale logo! — gritou Keklos.

Acabara de saber que na noite anterior, enquanto estava inspecionando a nave capitania de Topthor, o bio já tentara falar com ele. Esse bio era seu transmissor intermediário.

Com uma voz surpreendentemente humana, o bio limitou-se a dizer:

— Foram encontrados.

— Onde? — perguntou Keklos, gritando ainda mais alto, e, em espírito, condenou à morte os três assistentes aras, que deixaram de avisá-lo de que o bio procurava falar-lhe na última noite.

— No lugar em que há muita gente junta e no lugar onde mais uma vez há muita gente junta.

Só a última parte da resposta não foi muito clara para Keklos. Deu o alarma para o pavilhão de conferências dos patriarcas.

— ...onde mais uma vez há muita gente junta.

O biólogo-chefe refletiu ligeiramente. A segunda alusão só podia dizer respeito à nave capitania de Talamon, a Tal VI. Já ordenara nova busca, mas depois que formulou outra pergunta ao bio e obteve a resposta não teve a menor dúvida.

Alarma para a Tal VI!

Mais uma vez, gritou para o produto da retorta:

— Diga-lhe que deve atacá-los. Destruí-los! Entendeu? Promete dizer imediatamente?

— Sim senhor, deve destruí-los! — respondeu o produto da retorta.

Keklos seguiu o bio com os olhos febris. Por um instantezinho, seus pensamentos vagaram num sonho. Em meio a esse intervalo, deu-se conta de como poderia entrar em contato com a matéria-prima de Gom sem recorrer ao transmissor intermediário.

— Gegul foi parar no conversor algumas semanas antes da hora — admitiu.

 

— São quarenta! — chiou Tama Yokida, o baixote.

Sua voz não tremia.

Quarenta máquinas de guerra dos aras subiam ruidosamente pela rampa que se elevava em arco livre, descrevendo duas curvas. Mais de cem robôs espalharam-se entre os patriarcas, ocuparam imediatamente todas as saídas e, dirigindo as lentes sobre os saltadores espantados, mantiveram-se imóveis.

— Vamos retirar-nos! — ordenou Bell, que geralmente gostava de bancar o impetuoso. Neste momento, uma mudança discreta de posições era preferível à mais retumbante das vitórias.

— Chefe — disse John Marshall — sem...

A força invisível voltou a atingi-los. Bell sentiu-se agarrado e levantado. Perto dele, a pequena Betty Toufry foi erguida mais um tanto. Marshall e Yokida estavam jogados num canto e Ras Tschubai fora forçado a colocar-se de joelhos. Tako Kakuta foi o único que conseguiu manter-se no mesmo lugar.

Bell segurou Betty assim que sentiu o chão sob os pés. A força desconhecida largou-os com uma rapidez igual à violência com que os agarrara.

— Abandonar o terreno! Fugir! — Bell teve dificuldade em proferir estas palavras, mas na situação em que se encontravam qualquer resistência seria uma loucura.

— É tarde — disse Tama Yokida entre os dentes. — Antes de mais nada, duas dúzias de robôs têm de ser atirados da rampa para baixo...

Um ligeiro exame convenceu Bell de que os telecinetas teriam que intervir. Os teleportadores receberam suas instruções:

— Façam o papel de rebocadores. Estas palavras representavam uma enorme injustiça para com a capacidade dos teleportadores. Mas ninguém achou graça.

Tako Kakuta pretendia levar Bell num salto instantâneo até a Gazela. Este fitou-o com os olhos chamejantes. Kakuta virou-se abruptamente, pegou a figura alta e magra de Kitai Ishibashi, concentrou-se, fez o ar tremeluzir em torno de si e desapareceu com o sugestionador.

Yokida, o telecineta, irrompeu com sua energia que nem uma tormenta do mundo primitivo sobre as máquinas de guerra que se aproximavam ruidosamente. Os cinco robôs que vinham na frente ergueram-se do chão, executaram uma rotação no ar e bateram nas pernas metálicas dos cinco robôs que os seguiam.

O impacto das dez máquinas de guerra ressoou na rampa. Os patriarcas ouviram o barulho, mas do lugar em que se encontravam não podiam ver o palco dos acontecimentos.

Dez dos quarenta robôs haviam sido neutralizados por algum tempo. Porém os trinta restantes, dirigidos positronicamente, não conheciam o medo nem a compaixão, obedecendo apenas à sua programação. Passaram por cima da confusão e entraram na última curva da rampa.

— Atirá-los-ei por cima da amurada...

Uma força brutal e imensa atingiu Bell e Tama Yokida, os fez rodopiar loucamente, e soltou-os de repente.

O impacto ruidoso de seus corpos na tribuna foi abafado pelas pisadas dos robôs. O giro do corpo fizera sangrar o nariz de Bell. Por muitos segundos, Tama Yokida não conseguiu enxergar nada. Quando a vista voltou a clarear, percebeu a cintilância dos robôs pela fenda atrás da qual se encontrava.

As missões executadas a serviço da Terceira Potência ensinavam a todo mundo a necessidade de reagir instantaneamente. Yokida jogou Bell ao chão. Pouco acima de suas cabeças, um raio térmico chiou e atingiu a parede, que se gaseificou sob a energia desencadeada.

Bell percebeu o tremeluzir do ar. Fez uma coisa que nunca mais conseguiu realizar. Pôs a mão no meio do tremeluzir e arrastou Ras Tschubai, ao chão, em pleno processo de rematerialização. Uma fração de segundos, depois disso, também Tako Kakuta se encontrava no chão. Acreditava que a tribuna fosse um lugar muito perigoso, então resolvera aterrissar de barriga.

— Segure-se! — berrou a figura grande, esbelta e negra de Ras Tschubai. Sentiu os braços de Bell enlaçarem seu peito e desmaterializou-se com um salto em direção à Gazela.

Mas, no último instante, uma coisa terrível atingiu-o. Tako Kakuta devia sentir a mesma coisa, pois o japonês soltou um grito. Bell teve a impressão de que alguém lhe arrancava os braços.

Mas logo passou. Aterrissaram na sala de comando da Gazela.

— Foi a salvação no último... — disse Reginald Bell, mas logo foi atirado num canto juntamente com as outras pessoas que se encontravam na sala.

Procurou defender-se contra a força invisível, mas não conseguiu. Ouviu o choro de Betty Toufry.

A moça estava em perigo.

A raiva deu-lhe forças tremendas. Subitamente a força invisível e estranguladora cessou. Bell logo se pôs de pé.

— Yokida! Toufry! Abram a escotilha de Talamon! Vamos decolar.

Com um salto, colocou-se no assento de piloto da Gazela, que, desde o momento em que a Tal VI pousara em Laros, se mantinha pronta para decolar do interior do hangar secreto. A Gazela era um veículo em forma de disco que desenvolvia velocidade superior à da luz. Seu diâmetro era de trinta metros e o eixo polar media dezoito metros. O que fazia da nave um veículo respeitável não era o raio de ação de quinhentos anos-luz, mas o armamento incrivelmente pesado.

Bell estava prestes a realizar uma decolagem forçada. De uma hora para outra, a décima oitava lua transformara-se num verdadeiro inferno. Aqui espreitava-os um perigo contra o qual não podiam defender-se.

Na Gazela, todas as energias começaram a trabalhar rapidamente para o desempenho de decolagem. Mas os dois telecinetas ainda não haviam avisado que haviam forçado as grandes escotilhas do hangar por meio de sua energia telecinética.

Subitamente a luz do dia penetrou na sala de comando, derramada pela tela de imagem. Tama Yokida e Betty Toufry obrigaram as escotilhas do hangar a abrir-se.

— Desta vez ainda tivemos sorte — berrou Bell em tom de triunfo. Com uma pancada, colocou o dispositivo automático de decolagem na posição “ligado”.

Com um silvo agudo, a Gazela saiu do esconderijo e precipitou-se para o céu.

 

Talamon fitou os olhos do biólogo-chefe e os membros do seu estado-maior com uma expressão fria e destemida. Dez dos mais velhos dentre os superpesados encontravam-se atrás de seu patriarca. Ameaçavam-no com os olhos e com sua figura quadrática e maciça.

— Quero provas, Keklos — exigiu Talamon em tom tranqüilo e autoritário. — Prove que ofereci ao pequeno veículo espacial um esconderijo a bordo de minha nave. Recomendo-lhe que antes disso dê uma olhada na comporta do hangar.

As escotilhas da comporta teriam de ser reparadas. Forças sobre cuja natureza nem mesmo Talamon conseguia fazer a menor idéia haviam-nas arrombado, e agora elas não se fechavam mais.

— Mandarei submetê-lo à lavagem cerebral — chiou Keklos.

O biólogo-chefe fora de opinião que a presença de Topthor conseguiria dar-lhe certo apoio diante de Talamon.

Ao ouvir falar em lavagem cerebral, Topthor estremeceu por dentro. Na última noite, também acontecera muita coisa a bordo de sua nave capitania que não conseguira compreender. Ele mesmo tirara um cochilo em cima das bombas arcônidas — justamente ele, que podia passar oito dias sem dormir. E seu neto Grugk estava recolhido à enfermaria, com um braço quebrado. Nenhum dos superpesados sabia quando e como Grugk quebrara o braço, e especialmente o próprio Grugk não soube dar a menor informação a este respeito. No meio da noite, viu-se subitamente na enfermaria da nave.

Estas idéias passaram pela cabeça de Topthor. Uma lavagem cerebral transformava a pessoa num aleijado mental. Ele mesmo não correria o risco de ser submetido a esse tipo de lavagem? Pensou no que dissera seu amigo Talamon: “Se alguma coisa não der certo, quero que ao menos uma pessoa continue leal para comigo.”

E ainda havia o grande negócio que continuava no ar.

Keklos virou-se abruptamente. Às suas costas, a mais de três metros de distância, Topthor soltara uma gargalhada. Seus olhares encontraram-se.

Topthor sacudiu energicamente a enorme cabeça e trovejou:

— Keklos, o senhor não vai submeter nenhum superpesado à lavagem cerebral. O senhor não fará nada disso. Antes que aconteça uma coisa dessas, Laros será transformada num sol. Antes de mais nada, apresente uma prova de suas suspeitas.

Keklos era muito inteligente para dar murro em ponta de faca. Não possuía qualquer prova cabal contra Talamon. A única prova consistia num dos maiores segredos dos aras: a matéria-prima de Gom.

Esse fato calou-lhe a boca e acorrentou-lhe as mãos.

Sem dizer uma palavra retirou-se da Tal VI em companhia da comissão e dos robôs de combate.

Topthor e Talamon seguiram-nos com olhares indiferentes. Os membros do clã também se foram afastando. Quando se viram a sós, Topthor colocou a mão pesada sobre o ombro do companheiro, piscou para ele e disse:

— Meu velho, agora temos que fazer o negocinho juntos.

Talamon limitou-se a acenar com a cabeça.

Topthor também acenou.

— Você não quer que eu formule qualquer pergunta, meu caro, e não perguntarei nada. Só faço uma pergunta dirigida a mim mesmo, e esta pergunta é a seguinte: o grande negócio que você pretende realizar não cheira fortemente a Perry Rhodan?

 

— Que diabo, o que está acontecendo agora? — berrou Bell no assento de piloto da Gazela e fitou o painel.

A Gazela perdeu velocidade e saiu da rota, embora devesse acelerar a 0,5 luz. Reginald Bell gritou pelo intercomunicador, dirigindo-se à casa de força. Ali estava de serviço o mutante de duas cabeças, Goratchim, e Wuriu Sengu.

Da casa de força, Bell só ouviu um estertor desarticulado. No mesmo instante, também se sentiu atingido pela força. Mais uma vez estendeu seus tentáculos, vindos do desconhecido, e parecia esmagá-lo no assento de piloto.

Em algum lugar da Gazela, começaram a chiar aparelhos que nunca haviam emitido qualquer som. No assento do co-piloto Tako Kakuta se encolhera. Bell sentiu-se desmaiar, quando de uma hora para outra a força o largou e a bruxaria terminou.

— Paramecânica — fungou Marshall.

Bell só compreendeu pela metade. Seu rosto, geralmente corado, parecia cinzento e envelhecido.

— A telecinese a uma distância destas? — disse em tom incrédulo.

A Gazela, mantendo o curso que lhe fora imposto pelo poder desconhecido, corria vertiginosamente em direção ao planeta gigante de Gom.

— Temos que transmitir um pedido de socorro à Titan e...

Bell não conseguiu dizer mais nada. Sentiu-se agarrado, comprimido e martirizado de dois lados.

“É o fim”, pensou. Numa atitude de desespero reuniu todas as energias e balbuciou para John Marshall:

— Entre em contato com... com... com Gucky.

A inconsciência caiu rapidamente sobre Bell.

Marshall esqueceu o próprio destino. Algo cresceu em seu interior. Concentrou-se apesar do medo de morrer, estabeleceu contato com Gucky, o rato-castor que se encontrava a bordo da Titan. Conseguiu transmitir ao ser peludo alguns fragmentos de idéias:

— Data... Terra... O cérebro positrônico de Topthor... reprogramado para Beta...

Gucky não captou mais nada.

Toda a vida no interior da Gazela entrou na zona crepuscular da inconsciência. A nave de esclarecimento de grande alcance corria ininterruptamente em direção ao planeta Gom, arrastada por forças tremendas, e naquele instante penetrava nas primeiras camadas rarefeitas da atmosfera daquele mundo infernal.

Foi a hora mais dura de Perry Rhodan.

Teve que permanecer inativo enquanto perdia seu melhor amigo, enquanto a Gazela caía com os melhores dentre seus colaboradores sobre o planeta Gom.

Não devia intervir. O espaço cósmico em torno de Gonom era uma selva de raios de localização tateantes. As naves de Laros haviam decolado em enxames para caçar o pequeno veículo espacial que se ocultara na Tal VI.

O alarma rugiu por toda a Titan. Após alguns segundos a gigantesca nave esférica estava preparada para entrar em combate. Perry Rhodan parecia alheio a tudo. Estava lutando consigo mesmo. Bastava que queresse, e a queda da Gazela seria detida.

Não poderia fazê-lo. Não devia pensar em si. O destino da humanidade terrana estava em suas mãos.

Com a voz firme, deu ordem para afastar-se. Apesar da enorme proteção contra a localização atrás da qual se ocultava a nave esférica, não se podia excluir a possibilidade de que uma das inúmeras naves que andavam por esse setor do espaço a localizasse por acaso.

A ordem de Rhodan não fora inspirada pela coragem nem pela covardia. A segurança da Terra exigia que ele a desse.

Um sorriso feroz passou-lhe pelo rosto quando se lembrou da alteração dos dados armazenados no cérebro positrônico de Topthor.

Naquele instante, o rato-castor, que estava agachado a seu lado, chiou:

— Será que o gorducho nunca mais volta, Perry? Ele tem de voltar, pois do contrário não haverá mais ninguém que eu possa chatear de verdade...

 

Naquele mesmo momento, o coronel Klein, representante de Perry Rhodan na Terra, avisou Freyt, que parecia cada vez mais impaciente:

— Amanhã o novo compensador estrutural será instalado na Solar System. Depois, esse barco poderá partir com a equipe especial em direção a Honur.

— Prefiro que o cruzador pesado fique aqui — respondeu Freyt. — Antes de mais nada, gostaria de rever o chefe o quanto antes. Quando voltei com a Ganymed do grupo estelar M-13, o céu de Gobi estava coberto de nuvens. Acho que agora as nuvens se amontoam em torno do nosso sistema solar. Não sou supersticioso, mas não consigo livrar-me de um medo terrível. Em algum lugar do sistema de Árcon, alguma coisa não deu certo. Em algum lugar... Quando seremos atingidos pelas conseqüências?

 

                                                                                            Kurt Brand

 

 

                      

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