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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Ataque do Invisível / Clark Darlton
Ataque do Invisível / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Ataque do Invisível

 

Apesar das hábeis manobras realizadas no espaço galático, o trabalho pelo poder e pelo reconhecimento da Humanidade no seio do Universo, realizado por Perry Rhodan, forçosamente teria de ficar incompleto, pois os recursos de que a Humanidade podia dispor na época eram insuficientes face aos padrões cósmicos.

Cinqüenta e seis anos passaram-se desde a pretensa destruição da Terra, que teria ocorrido no ano de 1984.

Uma nova geração de homens surgiu.

E, da mesma forma que em outros tempos a Terceira Potência evoluiu até transformar-se no governo terrano, esse governo já se ampliou, formando o Império Solar. Marte, Vênus e as luas de Júpiter e Saturno foram colonizados. Os mundos do sistema solar que não se prestam à colonização são utilizados como bases terranas ou jazidas inesgotáveis de substâncias minerais.

No sistema solar não foram descobertas outras inteligências. Dessa forma os terranos são os soberanos incontestes de um pequeno reino planetário, cujo centro é formado pelo planeta Terra.

Esse reino planetário, que alcançou grau elevado de evolução tecnológica e civilizatória, evidentemente possui uma poderosa frota espacial, que devia estar em condições de enfrentar qualquer atacante...

Mas, subitamente, surge um acontecimento que transforma Terra e Árcon em aliados.

O computador-regente precisa de auxílio para defender-se contra o ataque do invisível, que ameaça toda a Via Láctea...

 

                                              

 

Era um homem alto e esbelto, de cabelos escuros. Os olhos, azuis-claros e ligeiramente oblíquos, fato que tinha sua origem na descendência materna japonesa. Mas não era só isso que chamava a atenção em sua pessoa.

Ralf Marten era mutante ou, mais precisamente, um teleótico. Bastava concentrar-se fortemente para eliminar a própria consciência e penetrar na de outro ser, enxergando com os olhos do mesmo. Essa capacidade extraordinária foi um dos motivos de ser ele destacado para trabalhar como agente cósmico do Império Solar no segundo planeta do sol Trebola, situado a quatro mil anos-luz da Terra.

Não era um serviço pesado. Trebola II, um mundo belo e pacato! Mas não era a Terra. Seus habitantes, seres inteligentes em forma de aranha, não sabiam distinguir um ser humano do outro. Por isso, Marten não teve a menor dificuldade em fazer-se passar por um descendente dos arcônidas. Conseguiu convencer o administrador de Árcon, que existia em qualquer mundo habitado do Império Arcônida, de que seus antepassados, que há muito tempo ali realizaram um pouso de emergência, no correr dos séculos modificaram ligeiramente seu aspecto exterior.

Quando fechou a porta de seu pequeno escritório, situado nas proximidades do espaçoporto, Ralf Marten praguejou consigo mesmo. Era ali que se concentrava a vida de Trebola II, ao menos na parte que dizia respeito às relações com outros mundos. Marten mantinha uma pequena agência de viagens e arranjava vôos e excursões turísticas para todas as partes do planeta. Dessa forma mantinha contato com as inteligências vindas de outros mundos, e muitas vezes descobria novidades que se revestiam da maior importância para a Terra.

Foi caminhando pela alameda e aproximou-se da rua principal, que levava ao seu pequeno apartamento. Pelo aspecto exterior sua residência não era diferente das demais do planeta. Ao menos daquelas ocupadas por seres humanóides. Havia, porém, algumas diferenças fundamentais, que muita gente acharia interessante, se soubesse das mesmas.

Marten foi andando mais devagar e olhou discretamente em torno. Esperava ser descoberto a qualquer momento, pois há algumas semanas o regente do Império Estelar de Árcon descobrira que a Terra, falsamente destruída há mais de cinco decênios, ainda existia. Na verdade, esse regente era apenas um gigantesco centro de computação positrônico. Porém esse fato apenas o tornava mais perigoso.

Tranqüilizado, Marten entrou no edifício, tomou o elevador e subiu ao décimo pavimento, parando diante da porta de seu apartamento. Empurrou o polegar para dentro da pequena abertura redonda que ficava junto à fechadura e pôs-se a esperar. Dentro de poucos segundos, a fechadura eletrônica registrou e transmitiu suas impressões digitais e o modelo das vibrações de seu cérebro. A porta abriu-se com um ligeiro zumbido. Marten entrou e voltou a trancá-la.

Assobiou enquanto entrava na cozinha e programava o jantar no fogão robotizado. Enquanto a refeição estava sendo preparada, foi à sala e dedicou-se a uma atividade muito misteriosa. Num dos cantos havia uma caixa metálica pouco vistosa, de cerca de cinqüenta centímetros de altura e largura e um metro de comprimento. Abriu-a por meio de duas chaves estranhas que trazia numa corrente pendurada ao pescoço. Se uma pessoa qualquer tentasse abrir a caixa, faria detonar uma carga explosiva. A explosão, além de destruir o objeto, mataria o intruso.

A tampa abriu-se. O aparelho colocou-se em recepção, enquanto o emissor transmitia o chamado. Tudo era feito automaticamente. Não se tratava de um aparelho de radiotransmissão como qualquer outro, pois numa distância de quatro mil anos-luz de nada serviria. Na caixa havia um hiper-transmissor e receptor, de um modelo especialmente construído para os agentes cósmicos. As ondas emitidas pelo mesmo venciam distâncias enormes numa fração de segundo.

Os impulsos vindos de Trebola II percorreram o hiperespaço, em direção à Terra. A mensagem era codificada; ninguém conseguiria decifrá-la se não intercalasse o respectivo corretor.

— Agente Marten chamando a Terra. Pronto para a recepção. Agente Marten chamando...

A mensagem foi transmitida até que chegasse a confirmação. Quando isso aconteceu, o transmissor desligou-se automaticamente. Marten saberia que não havia novas instruções, e a estação receptora da Terra estava informada de que seu agente Marten continuava vivo.

Uma luz vermelha acendeu-se.

Marten esqueceu o robô de cozinha e deu toda atenção à recepção.

Havia uma mensagem para ele.

Dali a poucos segundos, ouviu-se uma voz humana. Marten estremeceu instintivamente, pois fazia muito tempo que não ouvia a voz de um terrano.

— Central chamando o agente Marten. Instruções de Terrânia: Amanhã pousará uma nave dos mercadores galácticos, comandada pelo chefe de clã Logarop. Suba a bordo. Antes, você deverá destruir seu próprio apartamento, segundo o plano XXB. Favor confirmar. Desligo.

Marten ligou para a transmissão.

— Agente Marten para a central. Entendido. Desligo.

O zumbido cessou.

A tampa foi fechada. Marten levantou-se e foi à cozinha. A comida estava pronta; comeu sem vontade. Não havia nada que o prendesse a Trebola. Mas sempre que há uma mudança surge a pergunta: o futuro será melhor que o presente? Já se adaptara à vida em Trebola e conhecia suas tarefas.

E não tinha a menor certeza sobre o que viria pela frente.

Mas ordens eram ordens.

No dia seguinte sairia do apartamento como se não tivesse acontecido nada. Mas dali a uma hora os ácidos gaseificados apagariam todos os vestígios de sua presença. Se, depois de alguns dias ou meses, alguém tivesse a idéia de penetrar no apartamento abandonado, não encontraria o menor sinal da atuação de Marten. Apenas se depararia com um apartamento vazio.

Marten foi deitar cedo. Não teve vontade de fazer uma última visita ao administrador.

Sua missão em Trebola II estava concluída.

 

Mais ou menos a mesma coisa aconteceu naquele dia com cinco outros agentes do Império Solar. A central de comando situada em Terrânia, capital do planeta Terra, chamou-os de volta. A respectiva ordem provinha diretamente de Perry Rhodan.

Terrânia, a enorme metrópole de mais de 14 milhões de habitantes, ficava numa área que, há pouco mais de meio século, era conhecida pelo nome de deserto de Gobi. Área esta provocadora de sentimentos nada agradáveis. Hoje não havia nada que lembrasse as pedras e a areia que antigamente dominavam a paisagem. Gigantescos arranha-céus, amplas áreas verdes e um enorme espaçoporto constituíam as características principais da cidade de onde se controlavam os destinos do Império Solar.

Todos os fios vinham ter às mãos de um único homem: Perry Rhodan.

Foi ele quem ordenou o regresso de seis agentes cósmicos, e mandou adotar as providências necessárias para isso. Essas providências consumiram alguns dias, pois nem sempre as coisas correram tão bem como no caso de Ralf Marten.

Uma semana depois de iniciada a ação, só faltava John Marshall, o verdadeiro chefe do Exército de Mutantes, que era um excelente telepata.

John Marshall, um australiano de cabelos escuros e rosto estreito, recebera juntamente com Rhodan e mais alguns personagens importantes da antiga Terceira Potência, no planeta artificial Peregrino, a ducha celular que conservava a vida. Embora tivesse cerca de cem anos, apresentava o aspecto de um quarentão bem conservado. Sua missão o levara para Reno 25.

Reno 25 era o vigésimo quinto planeta de um sistema solar. Esse sistema era formado por cerca de sessenta planetas. Todos gravitavam em torno das três estrelas, pouco distantes uma da outra, que constituíam o núcleo desse estranho sistema. Seu centro de gravidade ficava num lugar vazio do espaço. Os três sóis giravam em torno desse lugar.

Sete dos sessenta planetas eram habitados por seres inteligentes. Reno 25 era considerado o mundo principal.

Situado a aproximadamente dez mil anos-luz, o planeta era um importante pólo de comércio do Império Arcônida, e ainda servia de base aos mercadores galácticos e à frota de guerra dos arcônidas.

Não era de admirar que John Marshall tivesse sido enviado justamente para lá, a fim de transmitir os acontecimentos mais importantes para a Terra. Usava um transmissor semelhante ao de Ralf Marten.

Marshall tivera de recorrer às artes dos cirurgiões plásticos terranos, a fim de fazer-se passar por um lurano. Os luranos eram uma raça perfeitamente humanóide. Eram considerados como um clã um tanto “teimoso” dos mercadores galácticos, também conhecidos como saltadores; chamavam-se assim porque viviam em suas gigantescas naves cilíndricas e de certa forma saltavam de uma estrela para outra, a fim de se dedicarem ao comércio.

Marshall usava o nome de Probat e todos o consideravam sócio de um lurano muito influente, que todo mundo conhecia apenas de nome. Ninguém havia visto esse lurano, o que não era de admirar, uma vez que o mesmo só existia na imaginação de Marshall. Mas, como o desconhecido por certo possuía muito dinheiro, ninguém se importou com isso.

O escritório de Probat ficava nas imediações do espaçoporto, onde num dos hangares particulares havia um disco voador achatado. A pequena nave tinha trinta e cinco metros de diâmetro e dezoito metros de altura. Era uma Gazela, tipo de nave de reconhecimento que permitia saltos pelo hiperespaço até a distância de quinhentos anos-luz.

Reno 25 era um mundo pacato, pois no Império dos Arcônidas já não havia guerras. Porém seus habitantes e o administrador local de Árcon deviam ter ficado espantados quando, naquele dia, três naves cilíndricas de quase trezentos metros de comprimento, que se identificaram como veículos espaciais dos saltadores, pousaram de súbito. Mas, mal essas naves tocaram a superfície de Reno 25, uma coisa extraordinária aconteceu.

As escotilhas abriram-se, e delas saíram algumas companhias de robôs de guerra bem equipados. Alarmadas às pressas, as tropas do administrador foram rechaçadas depois de uma luta ligeira, e os robôs ocuparam a cidade.

Só então ficaram sabendo se tratar de um grupo de piratas bem organizados, que viviam das sobras dos diversos mundos, e surgiam inesperadamente nos mais diversos lugares.

No momento do ataque, Marshall encontrava-se no seu escritório, e não teve tempo de transmitir a novidade excitante à Terra através do hiper-rádio. Antes que soubesse o que estava acontecendo, dois robôs de guerra penetraram em seu apartamento, que ficava em cima do escritório, e demoliram as instalações. Infelizmente mexeram no hipertransmissor camuflado.

A única coisa que sobrou foi o escritório, situado no pavimento inferior do edifício.

O resto foi pelos ares, juntamente com os dois robôs.

Marshall viu-se isolado da Terra. Mas sentia-se satisfeito por ter escapado com vida. A primeira idéia que lhe veio à mente foi pegar a Gazela e deixar o planeta pouco hospitaleiro. Porém teve de notar que isso não seria tão simples como imaginara. Os piratas fecharam “hermeticamente” o espaçoporto, impedindo que qualquer pessoa saísse de Reno 25.

Marshall estava preso e nem desconfiava da ordem que há várias horas percorria ininterruptamente o hiperespaço: estavam à procura de seu receptor. Esperava pacientemente por uma chance de atingir sua nave espacial. Tinha certeza de que, uma vez a bordo, conseguiria fugir, e não teria a menor dificuldade em romper o bloqueio em torno de Reno 25.

Na teoria isso poderia dar certo, mas na prática era diferente. Os piratas ocuparam o palácio do administrador, e juntamente com ele o hipertransmissor. As comunicações com Árcon estavam interrompidas, ainda mais que, quase no mesmo instante, entrou em ação um transmissor dos piratas, que emitia sinais de interferência. Assim, todas as naves do espaçoporto ficaram impossibilitadas de emitir qualquer pedido de socorro.

Os piratas não se apressaram em saquear o planeta indefeso. Mas tiveram azar; foi justamente o emissor que realizava as interferências que lhes seria fatal. Cerca de oito dias depois do ataque, o centro de computação de Árcon procurou entrar em contato com o administrador de Reno 25. Isso poderia acontecer mais ou menos de dez em dez anos. Como não obtivesse resposta, o regente robotizado reagiu com a costumeira rapidez. Enviou um grande couraçado para Reno, a fim de verificar o que estava acontecendo.

Marshall estava sentado em seu quartinho, em meio aos destroços, observando os hangares. Tivera sorte, pois não houvera outros ataques dos robôs: fora deixado em paz. Sentia-se despreocupado, muito embora uma inquietação cada vez mais intensa ameaçasse tornar insuportável sua permanência no planeta.

Foi nesse instante que surgiu o couraçado!

Antes que os piratas pudessem organizar a defesa ou reunir-se, a gigantesca esfera espacial pousou. Uma divisão de potentíssimos robôs de combate saiu pelas comportas e entrou em posição. Os robôs dos piratas, que eram um pouco menores, passaram automaticamente ao ataque, e com isso revelaram desde logo o que havia acontecido em Reno 25.

Marshall teve oportunidade de verificar como os métodos de governo de Árcon haviam mudado nos últimos decênios. O computador-regente não admitia qualquer tipo de desobediência.

As máquinas de guerra do regente restabeleceram a ordem, sem colocar em perigo a vida de qualquer ser humanóide. Num ataque concentrado destruíram os robôs inimigos e aprisionaram os piratas em que conseguiram pôr as mãos. As três naves cilíndricas fundiram-se sob o fogo cruzado dos raios energéticos.

Marshall assistiu a tudo sem sair do lugar. Para ele, não havia o menor perigo, pois a qualquer momento poderia identificar-se como habitante de Reno 25. Cinco horas depois do pouso da nave esférica, a ordem havia sido restabelecida, e a reconstrução foi iniciada. Uma companhia de robôs de combate ficou no planeta, enquanto o resto embarcou na nave e voltou para Árcon.

Marshall tinha um único desejo: sair o quanto antes de Reno 25. O que lhe restava fazer ali, se não dispunha de meios de entrar em contato com a central? Sua nave estava guardada num dos hangares. A proibição de decolagem já fora revogada. O que estava esperando?

Uma vez que não possuía mais nada, saiu de mãos vazias, passou pelos robôs que montavam guarda, identificou-se como Probat, um rico negociante, e conseguiu chegar ao hangar onde estava sua Gazela.

O resto foi facílimo.

Penetrou na comporta e entrou na pequena sala de comando, depois de ter transmitido as necessárias instruções aos robôs de trabalho. A cobertura do hangar abriu-se para o lado, deixando à mostra o céu. Marshall fez sua pequena nave subir verticalmente e logo acelerou ao máximo. Um rastro chamejante marcava a trajetória da Gazela que, dentro de poucos segundos, rompeu a atmosfera, aproximando-se da velocidade da luz. Assim, já estava prestes a fazer o primeiro salto que a levaria pelo hiperespaço.

Marshall ligou o compensador estrutural. Foi um ato instintivo, mas o mesmo lhe poupou muitos aborrecimentos, pois nesse exato momento o administrador de Reno 25 recebeu instruções terminantes para realizar um cuidadoso exame sobre a verdadeira identidade do comerciante Probat, já que havia suspeitas fundadas de que o mesmo...

A investigação foi iniciada, e sua fase inicial terminou no hangar. Logo se estendeu ao espaço, onde mais uma vez chegou ao fim.

Desta vez terminou num ponto em que a nave do suspeito havia desaparecido, mergulhando numa dimensão diversa sem deixar a menor pista.

Era claro que Marshall nem desconfiava desses acontecimentos. O chefe do Exército de Mutantes teve trabalho de sobra. Depois de cada salto, sempre havia necessidade de fazer os computadores de navegação calcularem e programarem a rota da Terra. Cada salto fazia a Gazela avançar quinhentos anos-luz. A distância até a Terra era de dez mil anos-luz. Cada salto durava mais ou menos um décimo de segundo. Os preparativos, que no início consumiam meia hora, foram se reduzindo a pouco menos de cinco minutos. Apesar de tudo, quase um dia se passou até que Marshall chegasse ao sistema solar e pudesse pousar no espaçoporto de Terrânia.

Chegou na hora exata para participar da última reunião destinada a discutir a situação.

No momento em que Marshall entrou na pequena sala onde se realizava a reunião, Rhodan levantou a cabeça.

— Ora, veja! O senhor? Já não contava com sua presença, John. A ordem de deixar o planeta foi emitida há mais de dez dias.

— Houve um pequeno incidente — disse o telepata com um sorriso e relatou em termos lacônicos os acontecimentos que se haviam desenrolado em Reno 25. Rhodan só se interessava por um único fato: a reação rápida e precisa do computador positrônico de Árcon. Uma ruga surgiu em sua testa.

— Muita coisa mudou no Império dos Arcônidas — constatou. — Devemos estar preparados para enfrentar um inimigo igual a nós, não um império decadente. O regente aprendeu a impor-se. Receio que nosso jogo não será nada fácil.

— Que nada! — piou enfaticamente uma voz que vinha dos fundos da sala. — Esse montão de latas positrônicas vai tremer que nem um pudim quando souber das nossas condições.

— Nesse caso será preferível que você se mantenha discretamente “nos fundos” — exclamou Ralf Marten em tom zombeteiro.

A criatura que falara em primeiro lugar endireitou o corpo, e chegou a medir um metro de altura. Agachado sobre as pernas traseiras, apoiava-se sobre a larga cauda de castor. A parte anterior do corpo e a cabeça pareciam de um grande rato.

— Manter-me nos fundos? — disse Gucky em voz estridente e em tom indignado. — Afinal, sou telepata, telecineta, teleportador, hipno...

— Só isso? — perguntou Rhodan em tom amável.

Gucky esteve a ponto de responder, mas acabou sacudindo tristemente a cabeça, voltando a sentar. Parecia sentir-se triste como se fosse um mutante em decadência.

Rhodan reprimiu o riso e, dirigindo-se principalmente a Marshall, disse:

— Como sabe, a fim de ganhar tempo, há cinqüenta e seis anos fizemos a Galáxia e o regente acreditarem que a Terra havia sido destruída. Hoje sentimo-nos bastante fortes para formular nossas condições perante o regente, que neste meio tempo também se fortaleceu. A descoberta foi devida a Talamon, um superpesado. Ele me reconheceu há algumas semanas, quando fui buscar Fellmer Lloyd. O regente foi informado imediatamente, e desde então emite uma mensagem de minuto em minuto, para que entre em contato com ele. Os psicólogos de robôs chegaram à conclusão de que deve encontrar-se em situação difícil, pois do contrário sua reação seria bem diferente. Por isso, respondemos ao chamado. Bem, Marshall, a situação é esta.

— E eu mais uma vez terei de ficar aqui — resmungou alguém com a voz contrariada. Todos os olhares voltaram-se para a pessoa que acabara de falar.

Ao que tudo indicava, Reginald Bell, o representante de Rhodan e seu melhor amigo, não estava satisfeito com o papel que lhe estava sendo atribuído.

— Ora, Bell — disse Rhodan em tom contemporizador. — Você terá uma responsabilidade pesada na Terra. Não posso dispensar sua presença em nosso planeta. Durante a missão que vamos executar, preciso ter certeza absoluta de que aqui tudo anda bem. Será que isso não é uma missão de verdade?

Bell exibiu um sorriso forçado e nada alegre.

— Farei com que você obtenha o Prêmio Nobel de melhor consolador, Perry. Está bem, não estou zangado...

— Está é com inveja — interrompeu Gucky, que exibia alegremente seu dente roedor e balançava as orelhas. — Você estouraria se pudesse ver-me em combate. A Galáxia estremecerá e empalidecerá quando souber que o grande Gucky voltou a aparecer...

— Uma Galáxia que empalidece deve ser um panorama notável — disse Rhodan, ameaçando o rato-castor com o dedo em riste. — Mas fiquem quietos, senão amanhã ainda estaremos aqui. Vou fornecer a posição de cada participante. Desta vez, o grosso da tropa será formado pelo Exército de Mutantes, representado pelo telepata John Marshall, pelo telecineta Tama Yokida, pelo telepata e localizador Fellmer Lloyd, pelo teleportador Ras Tschubai, pelo teleótico Ralf Marten e por Gucky. Além disso, os oficiais e tripulantes da Drusus farão parte do contingente.

“Os senhores ainda não conhecem a Drusus. Trata-se de uma nave esférica do tipo da Titan, de um quilômetro e meio de diâmetro, dois mil tripulantes, quarenta Girinos de sessenta metros de diâmetro nos hangares de bordo e uma capacidade de executar hipersaltos de trinta mil anos-luz. Os outros dados são idênticos aos da Titan, que os senhores já conhecem. A Drusus foi construída na Terra; portanto, não é uma presa de guerra. Acredito que com ela conseguiremos impressionar o regente.”

— Hum — fez Bell, mas não disse mais nada.

— Mandei construir esta supernave exclusivamente para fins demonstrativos — prosseguiu Rhodan, sem impressionar-se com a objeção sumamente lacônica. — De qualquer maneira, acha-se equipada com as armas mais eficientes de que dispomos, inclusive o transmissor fictício de matéria. A decolagem já será realizada amanhã de manhã. Os últimos detalhes serão fornecidos a bordo. Mais alguma pergunta?

Ras Tschubai, um africano robusto, fez um sinal violento com a cabeça.

— Sim, chefe. O computador-regente de Árcon já foi informado sobre a visita que lhe pretendemos fazer?

— É claro que não — disse Rhodan com um sorriso. — Amanhã de manhã realizaremos um salto curto pelo espaço adentro, evidentemente com o compensador estrutural ligado. Depois estabeleceremos contato. A seguir, ele poderá realizar a determinação goniométrica do local de transmissão, pois isso já não representará o menor perigo para nós. Sua lógica lhe dirá que jamais enviaríamos uma hipermensagem da Terra.

Não houve outras perguntas. Todos sabiam que Rhodan lhes forneceria em tempo todas as informações que se tornassem necessárias.

— Então, até amanhã — concluiu Rhodan e retirou-se. Bell acompanhou-o, pois tinha mais algumas perguntas.

Os mutantes seguiram os dois homens com os olhos.

Teriam mais uma noite na Terra.

 

Por toda parte, nas proximidades da Via Láctea, ou seja, até uma distância de trinta mil anos-luz, estavam postados os rastreadores estruturais dos arcônidas. Cabia-lhes detectar e registrar qualquer transição realizada por uma nave espacial. Dessa forma, o regente estacionado no centro do Império era mantido constantemente informado sobre toda e qualquer transição e podia tirar suas conclusões.

A primeira transição da Drusus foi realizada sob a proteção dos compensadores estruturais. O salto foi completamente “silencioso”, não tendo deixado o menor vestígio. Pelas profundezas da Via Láctea, ninguém ficou sabendo que em algum lugar uma gigantesca nave deixara o espaço normal para retornar a ele em outro ponto. A posição do planeta Terra manteve-se desconhecida.

Mas, dali a algumas horas, todo o mundo ficaria sabendo que essa nave existia, e quem era seu comandante.

As estrelas voltaram a surgir nas telas da Drusus.

O primeiro-tenente Baldur Sikermann, imediato da nave esférica, um homem baixo e moreno de rosto grosseiro, suspirou aliviado. Sentado ao lado de Rhodan, manipulava os controles. Tentava disfarçar a emoção que sentia diante do fato de que este vôo representava sua primeira tarefa séria.

— Posição ordenada acaba de ser atingida. A distância da Terra é de exatamente trezentos anos-luz, posição de noventa graus em relação ao centro da Galáxia. Velocidade atual 0,98 luz.

— Obrigado, Sikermann. A rota e a velocidade serão mantidas.

Rhodan fez um gesto de estímulo para o imediato, levantou-se, e caminhou em passadas enérgicas em direção à saída da sala de comando semicircular. Sabia que cada passo dado mais o aproximava da decisão. E seria uma decisão dura e difícil.

Alguém o esperava à porta da sala de rádio. De cabelos brancos brilhando, a figura esbelta estava ligeiramente inclinada para a frente. A posição traía-lhe a idade. Dois olhos vermelho-dourados num rosto inteligente revelavam se tratar de um albino. Todos os arcônidas de raça pura eram albinos, e Crest não constituía nenhuma exceção.

— Por enquanto, a mensagem do regente não cessou, Perry — disse Crest com um sorriso um tanto embaraçado. — Já fizemos o computador esperar bastante.

— Ele tem muito tempo, Crest — disse Rhodan, retribuindo o sorriso. — Devemos fazer de conta que também temos.

Entrou juntamente com o amigo na ampla sala de rádio, onde também ficavam as instalações de hipercomunicação. Embora houvesse meios de tornar impossível a determinação goniométrica de uma hiper-transmissão, Rhodan achou preferível não estabelecer contato com Árcon a partir da Terra. Ninguém podia saber que invenções os novos arcônidas poderiam ter feito nesse meio tempo. Crest recomendara que só se entrasse em contato com o regente quando a nave se encontrasse no espaço.

O tenente David Stern, um israelense de cabelos escuros e estatura mediana, fez continência quando o chefe entrou em companhia do arcônida.

— Tudo em ordem na sala de rádio.

— Obrigado, Stern — respondeu Rhodan, apontando para as instalações maciças. — O que está fazendo nosso amigo?

Stern ligou o suprimento de energia.

— Continua a chamar. Parece que o texto sofreu uma pequena modificação; está vazado em termos mais pessoais. Quer ouvi-lo?

— Talvez seria conveniente, Stern. Se estiverem transmitindo uma imagem, também a ligue.

Demorou alguns minutos que pareciam infindáveis até que a tela oval se iluminasse. Nela surgiu a imagem bem conhecida do regente arcônida: uma imensa abóbada de aço. Antenas móveis e instrumentos de medição interrompiam a superfície lisa.

A voz do maior computador positrônico da Via Láctea saiu do alto-falante numa entonação tranqüila, sem revelar a menor emoção.

— Sei que você está vivo, Perry Rhodan da Terra. Por que não corresponde aos meus pedidos de entrar em contato comigo? Garanto-lhe que não falaremos no que passou. O que nos interessa é somente o futuro, Perry Rhodan. Seu futuro e o meu. Responda!

David Stern confirmou com um aceno de cabeça.

— O computador está transmitindo este texto de dois em dois minutos, e isso certamente há alguns dias. Quer que desligue?

— Mantenha-se em recepção, Stern, e ligue o transmissor.

Chegara o grande momento. Crest mantinha-se um pouco afastado e procurava demonstrar a emoção que sentia. Era um arcônida e já pertencera às camadas dirigentes de seu povo. Acontece que atualmente o governo estava sendo exercido pelo computador construído pelos próprios arcônidas. E, pelo que se via, não governava mal.

Rhodan aguardou até que a luz verde se acendesse e o computador fizesse uma pausa nas transmissões.

Depois disse com a voz calma e firme:

— Aqui fala Perry Rhodan do planeta Terra. Recebi sua mensagem, regente. Nós, os terranos, estamos dispostos a entrar em contato com você. Poderia fazer o favor de confirmar?

Desta vez a mensagem que vinha sendo transmitida ininterruptamente não apareceu. De súbito a figura de aço que se via na tela parecia mergulhada numa luz ofuscante, pois a imagem tornou-se mais clara e brilhante. Era claro que Rhodan não havia ligado sua câmara, para que não pudesse ser visto.

— Você está muito longe de Árcon, Rhodan — disse a voz mecânica do regente, sem revelar qualquer admiração ou alegria. — Eu o espero.

Rhodan respondeu com um sorriso frio:

— Não pretendo colocar-me ao alcance de sua frota, regente. Tenho minhas condições. Quer ouvi-las?

— Quero ouvi-las, Rhodan.  Rhodan ainda estava sorrindo.

— Crest, do clã dos Zoltral, sugere o terceiro planeta do sol Mirsal. Segundo os catálogos, trata-se de um mundo habitado, mas primitivo. Pousarei lá e esperarei por você ou seus enviados.

— Jamais poderei sair de Árcon, Rhodan.

— Muito bem; mande um representante. Sugiro o superpesado Talamon, que já conheço. Afinal, foi ele quem primeiro me encontrou.

— Não, Rhodan. Venha para Árcon. Tenho...

Rhodan interrompeu o regente:

— Ou nos encontramos em Mirsal III, ou não nos encontramos de forma alguma, regente. Envie Talamon. Combinado?

— Por que justamente Mirsal?

— Poderia ser outra estrela. Mas por que não Mirsal?

O computador manteve-se em silêncio por alguns segundos. Rhodan sabia que nesse curto espaço de tempo o gigantesco mecanismo podia processar um volume maior de reflexões que um cérebro humano em dez anos.

— Está bem. Concordo com Mirsal, mas também faço uma condição. Cada um de nós virá numa única nave, e essa deverá ter sido construída no respectivo planeta natal: a minha em Árcon, a sua na Terra.

O sorriso de Rhodan tornou-se mais intenso.

— Combinado, regente. Serão apenas duas naves que se encontrarão em Mirsal III. Vai enviar Talamon?

— Enviarei Talamon, que será meu representante.

— Quando? — perguntou Rhodan e lançou um olhar ligeiro para Crest, que ainda se mantinha um pouco afastado. Seu rosto estava completamente indiferente.

— Dentro de dez das suas horas, Rhodan. Fim do contato.

Esse fim era muito abrupto, mas afinal não seria de esperar que um computador se despedisse com fórmulas corteses, conforme costumam fazer os humanos. Fim do contato. Era tudo.

Rhodan fez um gesto e David Stern desligou o aparelho.

Uma vez no corredor, o terrano dirigiu-se ao arcônida.

— Então? — perguntou.

Crest levantou ligeiramente os ombros e disse:

— Uma coisa é certa, Perry: o regente está bastante encalacrado, se me permite usar uma expressão terrana. Se não fosse assim, nunca teria concordado com as condições que você lhe apresentou.

— Realmente — disse Rhodan. — Também não acredito que teria concordado. Mas qual poderia ser o problema. Ao que parece, no Império está tudo em ordem. Nenhum dos nossos agentes cósmicos deu informações sobre qualquer dificuldade.

— Talvez se trate de dificuldades conhecidas apenas ao computador-regente — disse Crest.

Rhodan fitou Crest prolongadamente. Depois fez um gesto afirmativo e saiu andando.

A Drusus continuava a deslocar-se em direção ao centro da Via Láctea, numa velocidade beirando à da luz. Chegaria aproximadamente dentro de trinta mil anos.

Acontece que ninguém poderia esperar tanto, nem mesmo Perry Rhodan.

 

Por seis vezes a Drusus mergulhou no desconhecido do hiperespaço, para voltar a materializar-se em outro ponto. Os saltos levavam a direções diversas. Todos os saltos eram feitos sob a proteção do compensador estrutural. Assim venceram distâncias incomensuráveis.

Apenas o sétimo e último salto foi realizado sem qualquer proteção ou precaução. Este levou a Drusus ao sistema do sol Mirsal. Quem observasse este salto e a materialização que se seguiu, chegaria à conclusão espantosa de que o planeta Terra ficava além do centro da Via Láctea.

Seria um erro perfeitamente compreensível.

O sol Mirsal era igual ao astro que iluminava o planeta Terra.

Ficava a 14.480 anos-luz deste planeta, mais ou menos a meio caminho entre nosso sol e o de Árcon.

Cinco planetas gravitavam em torno de Mirsal. Segundo os catálogos dos arcônidas, só o terceiro desses planetas era habitado. A raça humanóide, que ali habitava, desenvolvera uma cultura primitiva; ainda estava longe da navegação espacial, se bem que tivesse recebido visitas ocasionais vindas do espaço.

Mirsal III parecia o ponto de encontro indicado.

A Drusus materializou-se sete horas antes do momento combinado com o regente. Prosseguiu à velocidade da luz, em direção a Mirsal III. Os tripulantes correram para os postos de combate, mantendo-se preparados para a qualquer momento abrir fogo contra um possível atacante.

Rhodan reuniu os mutantes na sala de comando. As telas enfileiradas reproduziam a imagem do espaço circundante. O primeiro-tenente Sikermann mantinha-se imóvel à frente dos controles.

O ar até parecia crepitar.

— Rastreadores estruturais ligados — anunciou David Stern na sala de rádio.  Sikermann agradeceu.

O espaço estava vazio. Não havia uma única nave no sistema, com exceção da Drusus. Ao menos, não havia qualquer nave de propulsão atômica. E no Império não existiam naves de outro tipo.

— Será que o regente atacará? — perguntou Fellmer Lloyd, que se mantinha um tanto afastado. — Dificilmente encontrará outra oportunidade como esta.

— Não, Lloyd — disse John Marshall, sacudindo a cabeça, quando notou que Rhodan não respondia. — Por que o regente nos atacaria? Tenho certeza de que os psicólogos de robôs estão com a razão. Árcon encontra-se em situação difícil, e quer que nós o livremos da mesma. Tenho a impressão de que querem fazer de nós uma espécie de policiais, tal qual já fizeram em outra oportunidade.

— Acontece que não quero ser policial — piou Gucky em cima do sofá, onde se mantinha sentado. — Sou um rato decente.

— Será que um policial não é uma criatura decente? — perguntou Marshall em tom de recriminação.

Gucky encolheu-se na poltrona quando notou o olhar de censura de Rhodan.

“Teria ido longe demais?”, pensou. Depois disse, baixando os olhos, todo envergonhado:

— Sim, é decente. Acontece que Bell me contou que são humanos, que isso é uma condição para sua admissão. Acontece que não sou nenhum humano. Por isso nunca poderei ser um policial.

Não havia nenhum remédio contra a lógica do rato-castor. Marshall desistiu.

Falaram pouco enquanto os segundos passavam, enfileiravam-se em minutos e por fim se transformaram na primeira hora.

Nada.

— Dez horas, disse o regente — observou Rhodan em tom tranqüilizador e caminhou de um lado para outro. — Ainda temos duas horas, desde que resolva ser pontual. Estou curioso para ver o rosto de Talamon quando tiver oportunidade de contemplar nossa Drusus.

— Foi esse patife quem contou ao regente ter visto o chefe — resmungou Fellmer Lloyd, que carregava indiretamente parte da culpa pelo fato. — Darei um puxão de orelha nele.

— Será preferível crescer alguns centímetros antes de pensar nisso — disse Gucky, que em oportunidades como esta não sabia ficar calado. — Nosso prezado Talamon pesa mais de meia tonelada. Se uma pulga resolver pular em suas orelhas, ele não perceberá nada.

Lloyd contemplou o rato-castor.

— Será que você quer dizer que sou uma pulga?

— Uma pulga também tem direito de existir — falou Gucky em tom contemporizador — Sem as pulgas não existiria o circo de pulgas.

Lloyd pretendia explicar que existem outros tipos de circo, além do de pulgas, mas Marshall o impediu.

— Deixe Gucky falar à vontade, Fellmer. Ninguém pode com ele; e no momento temos coisas mais importantes a fazer.

Gucky amoleceu o corpo, e dali a pouco os roncos exagerados revelavam que queria ser deixado em paz. Tiveram muito prazer em fazer-lhe a vontade.

A segunda hora passou sem que nada acontecesse. Mas depois disso começou a terceira fase do período de espera, que seria a decisiva.

Sessenta segundos pareciam pingos da eternidade que se despejavam no oceano do infinito. Os ponteiros dos rastreadores estruturais mantinham-se imóveis. Pareciam congelados nas escalas. O receptor de hipercomunicação mantinha-se em silêncio.

Faltava meia hora. Dez minutos. Um minuto...

O abalo do contínuo espaço-temporal só podia ser registrado por meio de instrumentos ultra-sensíveis. Tudo parecia quieto quando, subitamente, um corpo materializou-se a menos de dois segundos-luz da Drusus, tornando-se visível nas telas.

Era o mensageiro do regente de Árcon.

Rhodan soltou uma risadinha de satisfação ao reconhecer a outra nave. Era um couraçado esférico do tipo da Titan — e também da Drusus. Deduziu que nos últimos decênios os arcônidas não conseguiram realizar qualquer inovação em suas naves. Dali se podiam tirar certas conclusões sobre a situação em que se encontravam.

O regente pretendia impressionar Rhodan, mas enviara-lhe uma nave de um tipo que já era construído na Terra. Era claro que Árcon não poderia saber disso. Porém, o regente não ficaria na ignorância por muito tempo. Afinal, Talamon possuía olhos...

— Desaceleração, direção Mirsal III, Sikermann.

Os campos antigravitacionais não permitiram que surgisse qualquer pressão. Dali a menos de trinta minutos a Drusus pousou a aproximadamente um quilômetro do gigante de Árcon, que já se encontrava na superfície. Ambas as naves haviam descido num grande planalto.

Sem que a tripulação da outra nave pudesse vê-los, o pessoal de bordo da Drusus ia ocupando os postos de combate. Bastaria uma única palavra para que os canhões energéticos concentrassem seu fogo sobre o inimigo. E o campo defensivo da própria nave poderia ser ativado com um simples movimento de chave.

Mas Rhodan não contava com qualquer ataque.

Examinou a outra nave e viu o nome do veículo espacial enviado por Árcon: Arc-Koor.

— Stern — disse para dentro do intercomunicador. — Estabeleça contato pelo rádio e transfira-o para a sala de comando. Quero um contato audiovisual direto.

Olhou atentamente para a tela retangular que ficava à esquerda dos controles de navegação. O microfone utilizado por Perry servia também de alto-falante para o aparelho de intercomunicação.

A tela iluminou-se lentamente; um rosto surgiu. Rhodan não demorou em reconhecê-lo, embora fizesse — com exceção da fração de segundo em que este o reconhecera em Volat — mais de 50 anos que vira Talamon, o superpesado à sua frente.

— Perry Rhodan, sinto-me satisfeito em ver que está vivo.

Rhodan cumprimentou com um gesto de cabeça e disse em tom ligeiramente irônico:

— Sua alegria foi tamanha que não pôde guardá-la para si. Não teve coisa mais urgente a fazer senão informar o regente.

— Procure compreender — disse Talamon em sua defesa. — Fiquei muito surpreso e temia complicações. No Império reinava a paz, Rhodan. Não sabia...

— ...não sabia se eu iria perturbar essa paz. Não é o que pretendia dizer? Não se preocupe, Talamon. Ninguém se sente mais feliz com a paz do que eu. Se depender de mim, nunca haverá um conflito entre a Terra e Árcon. Fico-lhe muito grato por ter avisado o regente. Assim livrou-me da necessidade de tomar esta decisão. E agora vemo-nos frente a frente, o senhor como representante de Árcon e eu como representante do Império Solar.

— O que vem a ser o Império Solar?

— É formado pela Terra e pelos planetas coloniais — respondeu Rhodan em tom indiferente. — O senhor vai me dizer alguma coisa sobre Árcon? Ou será preferível que nos encontremos pessoalmente?

— A atmosfera deste planeta é respirável — disse Talamon. — Encontrar-nos-emos a meio caminho entre as duas naves. Levarei alguns dos meus oficiais para servirem de testemunhas, além do representante pessoal do regente...

— Você não é o representante?

— Sou, mas apenas o representante humano. O regente achou preferível enviar também um robô, a fim de manter-se informado sobre o andamento das negociações.

— Combinado. Também levarei algumas pessoas. Mas acho que podemos confiar um no outro. Como está sua situação financeira, Talamon?

Esta pergunta tinha sua finalidade. Foi graças a Rhodan que Talamon conseguiu realizar o melhor negócio de sua vida. Provavelmente, ainda estaria vivendo das riquezas então adquiridas. Devia sentir-se grato ao terrano.

— Minha situação financeira está boa, Rhodan. E digo mais: não me esqueci que devo minha prosperidade exclusivamente a você. Deve estar lembrado de que não participei da ação que os saltadores e os aras desencadearam contra a Terra há seis decênios.

— Está bem — disse Rhodan com um sorriso. — Daqui a dez minutos conversaremos pessoalmente.

O contato foi interrompido. Rhodan emitiu mais algumas instruções e fez um sinal para os seis mutantes e para Crest.

— Não vamos levar armas. Mas a Drusus permanecerá de prontidão para entrar em combate. Sikermann, o senhor assumirá o comando da nave. Mantenha-se em contato comigo pelo rádio de pulso. Dessa forma ficará a par dos acontecimentos e, se necessário, poderá tomar as providências adequadas.

A comporta já estava aberta. Enquanto as escotilhas da Arc-Koor deslizavam para dentro do envoltório da nave, Rhodan e seus acompanhantes desceram pela larga rampa e caminharam em direção ao local de encontro. Gucky ia a “passos” ligeiros atrás dos outros, esforçando-se para que a distância entre ele e o grupo não aumentasse demais.

Quando se encontravam a quatrocentos metros da Drusus, Rhodan fez sinal para que parassem. Era mais ou menos a metade do caminho entre as duas naves. Algumas rochas convidavam a sentar. O sol de tom amarelo encontrava-se bem alto no céu. Fazia um calor benfazejo. A oeste, as silhuetas das montanhas destacavam-se contra o firmamento pálido. Nas outras direções, a planície se estendia com suas florestas, vales e estepes. Não se via sinais de nenhuma povoação humana.

Só agora a rampa da Arc-Koor desceu ao solo. Um vulto maciço surgiu na escotilha da comporta e olhou para os oito humanos.

Era Talamon!

Levantou a mão direita e fez um sinal. Depois desceu pela rampa. Foi seguido por quatro ou cinco homens de estatura normal. Dois deles eram saltadores, e os outros certamente arcônidas.

No momento em que os enviados do regente se encontravam embaixo da nave esférica, aconteceu uma coisa bastante estranha. Rhodan alarmou-se. Viu perfeitamente que a escotilha da comporta se abriu ainda mais, transformando-se numa enorme fenda, pela qual poderia sair uma nave auxiliar.

“Será que Talamon pretende desembarcar blindados?”, pensou Rhodan.

Mas antes de transmitir as respectivas instruções a Sikermann, lembrou-se de que Talamon o avisara de que o regente enviaria um representante mecânico.

Observou atentamente a escotilha aumentada, enquanto Marshall lhe cochichava ao ouvido:

— As intenções de Talamon não são más. O pequeno computador positrônico está saindo da nave. Ali está!

Uma semi-esfera desceu lentamente, apoiada nos campos antigravitacionais, e parou a meio metro da superfície do planeta. Rhodan notou que se tratava de uma imitação quase perfeita do regente de Árcon; apenas, as dimensões haviam sido reduzidas aproximadamente à metade. O “bebê” do regente tinha um diâmetro de pouco menos de trinta metros, e, tal qual este, apresentava antenas, além de telas de imagem e uma tela fictícia, no qual poderiam ser exibidos os impulsos positrônicos.

Quando o “bebê” se aproximou, viu numa das telas o verdadeiro computador positrônico de Árcon. Devia estar sendo projetado em virtude de uma transmissão direta pelo hiperespaço, pois Árcon ficava a milhares de anos-luz.

Talamon esforçou-se para manter-se ao lado do espantoso representante do regente. Atingiu as rochas escolhidas por Rhodan como ponto de encontro quase ao mesmo tempo que o computador.

— Fico satisfeito em vê-lo, Rhodan — ressoou sua voz pelo ar límpido. — Realmente, fico muito satisfeito.

Rhodan percebeu que essas palavras eram sinceras.

— Mentiria se eu tivesse de afirmar o contrário — respondeu em tom amável. — O regente não poderia ter enviado um representante melhor — segurou as mãos de Talamon e retribuiu o aperto relativamente suave. — Vejo que não envelheceu nestes decênios.

O superpesado piscou os olhos, quase invisíveis sob as sobrancelhas hirsutas.

— Quem é rico e está disposto a gastar consegue manter boas relações com os aras, e estes conhecem muitos remédios contra a morte. Até por isso tenho de lhe agradecer. Mas observo também que não está nada mal. Onde fica sua fonte da juventude?

Rhodan exibiu um sorriso matreiro.

— Num planeta desconhecido, que costuma ser designado como o mundo da vida eterna. Encontrei-o por acaso.

— Ora essa! — retumbou a voz de Talamon sacudindo-se de tanto rir. — Você não mudou nem um pouco; ainda gosta de brincar com os outros.

Esqueceu-se do tema delicado que os havia trazido para ali e apontou para a Drusus.

— Não venha me dizer que este couraçado foi construído na Terra. Não é do mesmo tipo da Arc-Koor?

— Não há dúvida, meu velho. Mas o fato é que foi construído na Terra. Dispomos de mais alguns desse tipo. Não posso deixar de confessar que a Titan nos serviu de modelo, mas de qualquer maneira estou cumprindo o combinado, pois vim numa nave construída na Terra.

— Está certo — disse Talamon com um sorriso, parecendo concordar com o estratagema de Rhodan. — Permite que cumprimente seus companheiros e lhe apresente os meus?

Seguiu-se uma série de apertos de mão, até que chegou a vez do computador, que se mantinha silencioso e à distância. Ali evidentemente não haveria nenhum aperto de mão. Apenas Gucky quis aproveitar a oportunidade de entrar em contato pessoal com o representante do regente.

Mas antes que pudesse dirigir a palavra aos outros, o que certamente teria dado origem a certas complicações, o regente tomou a iniciativa.

— Cumprimento-o, Perry Rhodan — soou a voz fria e mecânica saída do alto-falante escondido. — Sim, sou eu mesmo que lhe estou falando. Aquilo que vê à sua frente é apenas uma estação retransmissora. Estamos em contato direto. É como se você estivesse em Árcon, ou se eu estivesse aí, perto de você.

— Fico satisfeito em vê-lo depois de tanto tempo — respondeu Rhodan, procurando ocultar o nervosismo.

— Para mim foram apenas alguns segundos — respondeu a voz mecânica sem a menor comoção. — Mas concordo com você; também fico satisfeito em revê-lo. Neste meio tempo aconteceu muita coisa.

Rhodan viu que seus mutantes haviam tomado lugar nas rochas mais próximas, ao lado de Talamon e de seus companheiros. Crest mantinha-se um tanto afastado e conversava animadamente com um arcônida. Mais adiante, a gigantesca Drusus estava pousada no solo, aguardando numa atitude ameaçadora. Do outro lado, estava sua imagem perfeita, em atitude não menos ameaçadora.

— Já sei — respondeu Rhodan.

— Sim, seus agentes descobriram, Rhodan. Mas não acredito que saibam de tudo.

A palestra foi conduzida em voz alta, motivo por que as delegações ouviam cada palavra pronunciada. Marshall e os outros mutantes acompanhavam atentamente tudo que se falava. Talamon também se interessou pelo diálogo.

— O que poderia ter escapado a eles, regente? Sei que você voltou a transformar o Império dos Arcônidas num importante fator de poder no seio da Via Láctea e restabeleceu a paz. Fico realmente satisfeito com isso. Você varreu todos os inimigos. No Império, reina a paz e a ordem. É o que sei, regente. Gostaria de saber o que você sabe sobre mim e sobre o planeta Terra.

— Não sei muita coisa — confessou o computador. — Há certo tempo acreditava-se que a Terra havia sido destruída. Você estava desaparecido. De repente, você ressurge. Isso nos coloca diante de fatos novos, com os quais tenho de me conformar.

— Não está curioso para saber como isso foi possível?

— Por quê? Você está vivo, Rhodan, e é só o que interessa. Talvez quisesse enganar-me de propósito. Se foi assim, você conseguiu. O passado está liquidado, só o presente importa. E, evidentemente, também o futuro. Foi por isso que quis ter um encontro com você.

Rhodan sabia que os psicólogos de robôs que se encontravam na Drusus ouviam cada palavra que se pronunciava ali. A interpretação era automática, e os resultados já estavam disponíveis. Hesitou um pouco, mas acabou vencendo o desejo de solicitar que os mesmos lhe fossem transmitidos. Não queria despertar suspeitas no regente.

— Quer dizer que não está interessado em saber como consegui enganar você e a toda a Galáxia, regente?

— Talvez mais tarde. Por enquanto temos problemas mais importantes. Como sabe, há paz e ordem no Império e, portanto, nos setores conhecidos da Via Láctea. Todas as raças vivem tranqüilas, e já não existem guerras. Apenas vez por outra, certos grupos de piratas procuram conseguir vantagens. Mas logo são localizados e destruídos por minhas tropas. Não conheço qualquer compaixão contra quem deseja a guerra.

— Constato que existe certo paralelismo entre nossas idéias — disse Rhodan com um sorriso, olhando diretamente para a tela, atrás da qual deveria ficar a câmera que transmitia sua imagem para Árcon. — Por isso vivo perguntando a mim mesmo por que não trabalhamos em conjunto.

— Teremos de trabalhar em conjunto, Rhodan, pois do contrário nossa própria existência estará em perigo.

Foi a primeira vez que a voz do regente revelou vida. Parecia que a preocupação vibrava na voz do cérebro mecânico — a preocupação pela conservação da própria existência.

— Conforme as condições, estarei disposto a cooperar, regente. Mas, em hipótese alguma, concordarei em ser seu servo.

— Nem exijo tanto, se bem que numa situação dessas seria preferível isto à morte. E o perigo de morte existe, Rhodan.

Mais uma vez Rhodan sentiu a seriedade da voz. Infelizmente sua reduzida capacidade telepática nessa hora não servia para nada, pois ninguém consegue ler os pensamentos de um cérebro positrônico.

— Que perigo? — limitou-se a perguntar.

— Não posso defini-lo, mas o fato é que já existe há dez anos. Ninguém, a não ser eu, sabe de sua existência, pois sempre que surgiu, não houve ninguém que pudesse contar qualquer coisa. Você entende, Rhodan? Não houve sobreviventes.

Rhodan sentiu uma mão fria que queria agarrar seu coração. Será que a guerra voltava a ameaçar a Via Láctea.

“Teria surgido mais um inimigo imbuído do propósito de destruir implacavelmente as raças humanóides?”, pensou, indagando-se. Depois perguntou, procurando ser objetivo:

— A espécie do armamento usado pelo inimigo não permite alguma conclusão, regente?

— Armas? — perguntou o regente em voz fria. — Até agora o inimigo desconhecido não revelou o tipo de armamento que usa. Talvez não me esteja exprimindo com suficiente clareza, Rhodan. Conforme disse, não há sobreviventes. Para ser mais preciso: depois do ataque do medonho inimigo, todos os seres humanos e os animais somem.

— As criaturas são destruídas, transformadas em radiações?

— Não é isso. Simplesmente desaparecem. Planetas inteiros são despovoados. Esses planetas pertenciam ao nosso Império, possuíam uma civilização avançada, desfrutavam dos benefícios de uma natureza bem desenvolvida, com plantas e animais. Subitamente, desses planetas só restaram as plantas. Os homens e os animais desapareceram como se nunca tivessem existido. Até hoje não consegui encontrar a explicação para o fenômeno. E todas as precauções por mim adotadas revelaram-se inúteis. Não existe qualquer tipo de proteção contra o inimigo.

Rhodan lançou um ligeiro olhar para seus acompanhantes e para os membros da delegação do regente. Pela reação de Talamon concluiu que o superpesado ainda não tivera conhecimento do perigo. O superpesado empalidecera e lançava um olhar quase suplicante para o cérebro robotizado. Os saltadores e os arcônidas mostravam-se confusos e temerosos. Só os mutantes de Rhodan conservavam a calma.

Mais uma vez, Rhodan dirigiu-se ao “bebê”.

— O que pretende fazer, e de que forma poderei cooperar?

A máquina falou sem a menor hesitação:

— Para podermos enfrentar o perigo, devemos unir nossas forças e inteligências. Você é dotado da agilidade que eu não possuo. Confesso que dispõe de forças mais vivas e competentes. Talvez eu tenha mais poder. Acontece que nem uma coisa, nem outra será suficiente, só por si, para enfrentar o inimigo, quanto mais para derrotá-lo. Juntos, poderemos aproveitar a chance. Se é que essa chance existe.

— Se é que existe? — perguntou Rhodan, esticando as palavras. — Será que já está disposto a abandonar as esperanças?

— Há dez anos venho lutando sem o menor resultado contra o perigo invisível. Dez anos é um tempo muito curto, mas suficiente para permitir uma conclusão. Se não conseguirmos ao menos identificar o pavoroso agressor, estaremos perdidos. O inimigo vai despovoar toda a galáxia.

— Você está exagerando! — disse Rhodan em tom áspero.

Simplesmente não poderia haver um perigo tão apavorante como o regente estava contando.

— Estou disposto a ajudar, regente. Mas como amigo e sócio, de igual para igual. Se necessário, exigirei até o poder de comando sobre sua frota de guerra e seus robôs de combate.

— Isso não é possível — recusou o regente em tom frio. — Não posso conferir-lhe qualquer poder sobre os arcônidas.

— Reconheço que você se vê diante de uma decisão difícil. Mas só lhe resta uma alternativa; ou confia em mim, ou então um belo dia o perigo invisível há de corroer todo o Império. Pessoalmente não tem nada a recear, pois é feito de matéria inorgânica.

— Acontece que sou responsável por toda a vida neste setor da Via Láctea...

— Pois aja de acordo com essa responsabilidade! Transfira-me parte de seu poder, pois só assim poderei enfrentar o inimigo.

Surgiu uma ligeira pausa. Baldur Sikermann aproveitou-a para entrar em contato com Rhodan. O laboratório da Drusus chamou. Um dos cientistas cochichou:

— Segundo nossas análises, o computador está dizendo a verdade. Já não consegue dominar o perigo com que se defronta e sente-se satisfeito em encontrar alguém que possa ajudá-lo. Aceitará todas as condições que o senhor fizer; não existe a menor dúvida.

Rhodan respondeu em voz baixa:

— Obrigado, doutor Ali el Jagat — falando mais alto, prosseguiu: — Sikermann, acho conveniente fazer decolar algumas naves auxiliares, a fim de patrulhar o espaço em torno de Mirsal III. Os arcônidas devem agir da mesma forma.

— Perfeitamente.

Talamon fez um sinal com a cabeça e transmitiu instruções idênticas aos oficiais que se encontravam na Arc-Koor. Dali a um minuto, os versáteis girinos subiram verticalmente ao céu, e colocaram-se em órbita.

Rhodan suspirou aliviado. O perigo de um ataque de surpresa havia sido grandemente reduzido. Por um instante perguntou a si mesmo quem poderia atacá-los. Depois voltou a dirigir-se ao computador.

— Já chegou a uma decisão, regente?

— Cooperaremos de igual para igual, Rhodan. Em hipótese alguma poderei conceder mais do que isso sem colocar em perigo a existência do Império.

Rhodan confirmou com um gesto.

— Se quisesse, poderia conseguir mais, mas dou-me por satisfeito com o que você acaba de oferecer. Só aceito o que você quiser dar espontaneamente. Talvez ainda chegue o tempo em que esteja disposto a confiar-me responsabilidades maiores. Peço-lhe que me explique seus planos.

— Não tenho qualquer plano, Rhodan. Aguardamos o próximo ataque; só assim poderá ter uma idéia. Depois você me informará sua opinião a respeito, e conferenciaremos sobre o que se pode fazer.

— Minha opinião?

— Isso mesmo. Tenho minha opinião sobre o inimigo, sobre quem seja ele, sobre seus métodos. Não lhe comunicarei esta opinião, para não influenciar suas idéias. Se você chegar à mesma conclusão que eu, existirá boa probabilidade de termos nos aproximado da verdade. É bem possível que essa verdade vá arrasá-lo. Seu cérebro não a suportará. É uma verdadeira loucura...

Rhodan manteve seu ar de fria superioridade.

— Estou preparado para o pior, regente. Portanto, no terreno psicológico não existe o menor perigo para mim. Nossa palestra está terminada, ou será que tem mais alguma sugestão?

— No momento não. Você poderá conferenciar com Talamon sobre a maneira de cooperarmos. Entrarei em contato com você assim que o inimigo desconhecido volte a atacar. Pela primeira vez faço votos de que isso não demore muito.

A tela da semi-esfera de aço apagou-se. O “bebê” manteve-se imóvel sobre seus campos antigravitacionais. Sem dúvida continuava a manter contato com o regente, mas não interferia mais nos acontecimentos.

— Você ouviu o que o regente acaba de dizer. Não sabia nada sobre esse perigo? — perguntou Rhodan, dirigindo-se a Talamon.

— Não tinha a menor idéia — respondeu o superpesado, e Rhodan percebeu que não estava mentindo. — Que seres serão estes que vêm das profundezas da Via Láctea e despovoam nossos mundos?

— Não tenho a menor idéia, Talamon. De qualquer maneira, parece que podemos esquecer as preocupações que trazíamos na mente e arquivá-las. Surgiu alguma coisa terrível e muito mais perigosa do que tudo que já conhecemos. Não sabemos o que é. Um perigo desconhecido sempre é mais funesto do que qualquer outro.

Talamon esteve a ponto de responder, mas não conseguiu.

O minúsculo receptor de pulso de Rhodan emitiu um zumbido e Sikermann exclamou:

— Atenção Sir! Um dos girinos deu o alarma.

Quase no mesmo instante, o computador — ou seja, a estação retransmissora do regente — começou a deslizar em direção à Arc-Koor. Talamon viu, mas não fez qualquer comentário. Um dos arcônidas que o acompanhava tirou uma caixinha do bolso e comprimiu um botão. Uma voz forte disse:

— Volte à nave! Alarma! O planeta está sendo atacado!

Rhodan sentiu-se totalmente perplexo.

“Teria sido vítima de um estratagema primário?”, pensou atordoado.

Mas logo viu que Talamon empalidecia e compreendeu que, de uma hora para outra, o planeta, onde eles se encontravam, havia se transformado no centro de acontecimentos que ninguém previra.

— Alarma?!

Gritou apressadamente para dentro do rádio de pulso:

— O que houve? Quero os detalhes.

— Nossas naves auxiliares localizaram naves espaciais desconhecidas, mas voltaram a perdê-las. Os comandantes afirmam que essas conseguem tornar-se invisíveis.

— Invisíveis? — repetiu Rhodan e sentiu um terrível choque. — Invisíveis?

John Marshall e Talamon aproximaram-se.

— Preciso voltar à minha nave, para aguardar outras instruções — disse o superpesado. — Ninguém poderia ter previsto este incidente. O que aconteceu mesmo?

— Sei tanto quanto você — respondeu Rhodan, enquanto suas idéias se atropelavam e ele procurava lembrar-se do que o regente lhe dissera sobre o terrível agressor. — Uma coisa é certa: este planeta está sendo visitado por seres desconhecidos.

— Desconhecidos? Talvez sejam aqueles de que o regente nos falou — Talamon ergueu-se e olhou para sua nave esférica. — Por que será que não atacam?

Rhodan fez um sinal para Marshall e seus outros acompanhantes.

— Agora não temos tempo para discutir sobre isso, Talamon. Você ouviu o que o regente disse. Assim eu e ele passamos a ser sócios, de igual para igual. Tomara que desta vez a sociedade seja mais duradoura do que foi há seis decênios. Lutaremos lado a lado nas batalhas que se aproximam. Receio de que já tenha chegado a hora da primeira. Decolaremos e aguardaremos. Manteremos contato permanente pelo rádio. Passe bem, Talamon. Nas próximas horas, descobriremos de que forma poderemos enfrentar juntos os maiores perigos.

— Felicidades, Rhodan — respondeu o superpesado e, sem dizer mais uma palavra, deu as costas a Rhodan e caminhou em direção à Arc-Koor. Os arcônidas e saltadores seguiram-no sem dizer uma palavra. Seus rostos haviam perdido a cor sadia que lhes era costumeira.

Rhodan ficou a sós com seus mutantes.

Gucky já havia saltado para a Drusus. Crest aproximou-se e disse:

— Devemos voltar à nave, Perry. Ao que parece, o alarma é muito sério. A Arc-Koor já se prepara para a decolagem instantânea. Recomendo a maior pressa.

Puseram-se em movimento, sem dizer mais uma palavra. Atrás deles, o “bebê” voltou a entrar em sua escotilha, seguido por Talamon e seus acompanhantes. Depois de mais alguns segundos, o gigantesco veículo espacial subiu silenciosamente em direção ao céu límpido. No momento em que o grupo de Rhodan chegava à Drusus, a nave arcônida já estava reduzida a um pontinho no céu.

Baldur Sikermann aguardava-os na sala de comando.

— Decolar! — ordenou Rhodan e transmitiu mais algumas instruções.

Depois dirigiu-se apressadamente à sala de rádio e pediu que o operador estabelecesse contato com as naves de patrulhamento.

Dali a alguns minutos, quando voltou à sala de comando, seu rosto estava pálido como cera e rígido como uma máscara.

Crest assustou-se e sentou-se na poltrona giratória mais próxima. John Marshall lançou um olhar de súplica aos outros mutantes. Sabia que nunca havia visto Perry Rhodan tão perplexo e assustado.

— A Drusus entrará em órbita a um minuto-luz de Mirsal III — disse Rhodan em voz rouca, dirigindo-se a Sikermann. — Providencie para que a nave auxiliar K-13 seja preparada para a decolagem...

— Sua nave pessoal? — procurou certificar-se o imediato.

Rhodan confirmou com um gesto.

— Isso mesmo. Marshall, Ras Tschubai e Gucky irão comigo, além da tripulação normal de quinze homens. Quero sair da Drusus dentro de cinco minutos.

Nem mesmo o telepata Marshall conseguiu ler os pensamentos de Rhodan.

— O que pretende fazer, chefe? — perguntou Marshall.

Rhodan olhou para além dele.

— Sabe o que aconteceu, John? Os invisíveis atacaram o sistema de Mirsal. O perigo de que o computador-regente acaba de falar está estendendo seus tentáculos em nossa direção. Se não conseguirmos livrar-nos dele...

Calou-se.

Mas Marshall já havia compreendido.

E os outros também...

 

Certa vez alguém, por brincadeira, deu às naves auxiliares o nome de girinos, nome este que conservam até hoje.

Eram naves esféricas, capazes de enfrentar o espaço. Tinham sessenta metros de diâmetro, saltavam por vários anos-luz através do hiperespaço e traziam um armamento adequado.

A K-13 mal se distinguia das outras naves do mesmo tipo. Acontece que estava equipada com um aparelho de hiper-rádio e com um transmissor fictício. Além disso, havia certos detalhes, montados após a construção, que já haviam dado prova de seu valor por diversas vezes.

Na sala de comando, relativamente pequena, não cabiam muitas pessoas. Mas bastava abrir a porta que a ligava à sala de rádio para que se dispusesse de um recinto de dimensões respeitáveis.

Atrás do painel de controle estava sentado Stepan Potkin, um russo baixote e robusto de cabelos louros e curtos. Era tenente e costumava ser considerado um dos melhores pilotos para naves de pequenas dimensões. Por isso não era de admirar que Rhodan o tivesse escolhido como comandante da K-13.

Gucky estava sentado num sofá, e fazia cara de tédio, embora se sentisse radiante diante da perspectiva da aventura. A luta com o invisível excitava-o, embora não conseguisse reprimir certo mal-estar.

Marshall e Tschubai encontravam-se de pé junto à porta, enquanto Rhodan estava sentado ao lado de Potkin e fitava as telas.

Há bastante tempo a Drusus tinha mergulhado no espaço e entrara em órbita. Da Arc-Koor também não se via mais nada. Rhodan voltou a sentir um calafrio na nuca, quando se deu conta do fato singelo:

“Estamos sós, e o perigo nos espreita de algum lugar.”

Mirsal III voltou a crescer à medida que a K-13 se aproximava do planeta, desenvolvendo metade da velocidade da luz. A nave desacelerou, para não entrar em incandescência na atmosfera. Na face noturna, apenas vez por outra, surgia uma cidade profusamente iluminada. Rhodan sentiu-se tranqüilizado diante desse fato.

Mas, de início, teriam que examinar a face diurna.

Rhodan tinha diante de si o catálogo dos astronautas arcônidas. As indicações dele constantes eram exatas e atualizadas; era ao menos o que afirmava Crest. Porém, Rhodan carregava certas dúvidas, especialmente quanto à atualização dos dados.

Segundo esse catálogo, Mirsal III era um mundo habitado por inteligências humanóides. Os habitantes primitivos dificilmente cresciam mais que um metro e meio e viviam numa civilização por eles criada, que correspondia aproximadamente à Idade Média terrana. Não conheciam a navegação espacial, mas vez por outra viam em seu planeta as naves dos arcônidas, venerados por eles como semi-deuses. Em Mirsal III, ainda havia Estados e nações. Isso costumava acontecer em todos os mundos que ainda não haviam atingido o estágio cósmico. Reis e príncipes governavam o cidadão comum, que era oprimido e explorado por meio de exércitos de mercenários. Os governantes viviam muito bem em seus castelos fortificados. O cidadão tinha que trabalhar para ganhar a vida.

Rhodan guardou o catálogo. Em todos os lugares, a evolução tinha aspectos comuns. E Mirsal não constituía nenhuma exceção.

A K-13 desceu e atravessou a atmosfera com um chiado.

— Não compreendo; não aparece ninguém — observou Marshall dali a dois minutos, quando passavam por cima de uma pequena aldeia.

A nave reduzira consideravelmente a velocidade, que já era inferior a duzentos quilômetros por hora.

— Se tivesse havido uma invasão, deveria existir um sinal da mesma — prosseguiu Marshall.

— O senhor se esquece do que o regente acabou de informar. Nunca são encontrados vestígios.

Algumas casas baixas se espremiam em torno de um morro sobre o qual se via uma espécie de castelo. Estradas primitivas atravessavam os campos cultivados, dando mostras de que os meios de transporte eram bastante primitivos. No mercado, ainda se notavam as carretas com os produtos dos lavradores. Porém não se via nenhuma criatura humana ou outro ser vivo.

Estreitando os olhos, Rhodan ordenou:

— Potkin, voe sempre para o oeste e reduza a velocidade assim que nos aproximarmos de uma cidade grande. Quero dar uma boa olhada.

A cidade não demorou em aparecer, iluminada pelo sol da tarde. Os telhados limpos brilhavam como se tivessem sido revestidos de ouro e prata, mas eram apenas as telhas metálicas que costumavam ser usadas. As ruas eram mais largas que nas aldeias, mas nelas também não se via o menor sinal de vida.

Até mesmo vista do alto, a cidade parecia morta.

— Vamos pousar naquela área livre — ordenou Rhodan.

Não sabia por quê, mas uma sensação terrível apossou-se dele. Em seus cem anos de vida, nunca defrontara-se com uma situação igual à que receava encontrar ali. Ao que parecia, as informações do regente não eram exageradas. E quando um computador sente medo...

— Não consigo captar nenhum pensamento — disse Marshall de repente. — Os seres que construíram estas casas devem saber pensar!

Rhodan não respondeu. Acompanhou a manobra de pouso nas telas e esperou até que um ligeiro solavanco abalasse a nave. Depois fez um sinal para Marshall e Tchubai.

— Vocês e Gucky irão comigo. Potkin, o senhor nos dará cobertura com a artilharia da nave, se necessário; não tire os olhos de nós. Confio na sua ação.

— Sim senhor — resmungou o russo e desligou os propulsores. — Pode confiar em mim, chefe. Vai levar armas?

Rhodan fez um gesto afirmativo e saiu da sala de comando juntamente com os mutantes. Antes de chegarem à comporta, tiraram do arsenal alguns radiadores portáteis e várias granadas atômicas. Dali a alguns minutos, pisaram pela segunda vez na superfície de Mirsal III.

A K-13 havia pousado no centro de uma área livre, que mostrava sinais de trabalhos rudimentares. Provavelmente servia a reuniões e feiras. Junto à nave estava um veículo que evidentemente era puxado por um animal. Os arreios estavam soltos, como se o cavalo, ou outro animal que fosse, tivesse escapado dos mesmos.

Rhodan contemplou os arreios com os olhos semicerrados, mas não disse nada. Marshall, que por acaso captara seus pensamentos, também lançou um olhar para as cangas. Uma expressão indagadora surgiu em seu rosto. Mas não teve tempo para resolver o enigma desses arreios, pois, naquele mesmo instante, Gucky chiou muito exaltado:

— Olhe, perto daquele muro!

Viram ao mesmo tempo. Uma sombra passou rapidamente, parou por um instante... e desapareceu.

— Poderia perfeitamente ter sido uma ilu...

— Não — disse Rhodan com a voz segura. — Isso não foi nenhuma ilusão. Alguém passou por ali, e não foi nenhum mirsalense.

— Este alguém sabe tornar-se invisível — disse Gucky em tom exaltado, demonstrando um nervosismo que não era usual nele. — Dissolveu-se diante de nossos olhos.

— E seus impulsos mentais? — perguntou Rhodan com a maior tranqüilidade de que foi capaz. — Será que também se tornaram invisíveis?

Ninguém respondeu, porque não havia como responder!

Entraram na casa mais próxima, de armas em punho, e revistaram-na. Para espanto deles viram que tudo estava disposto de tal forma parecendo que os moradores poderiam voltar a qualquer momento. Nada fora destruído ou desarrumado; tudo continuava no mesmo lugar. O fogo ardia, embora as grossas achas de lenha já estivessem chegando ao fim. Isto vinha provar que há horas ninguém colocara lenha no fogão.

Mas não encontraram nenhuma criatura viva.

— Onde estarão? — indagou Ras Tschubai num sopro; um medo misturado com superstição parecia ter-se apoderado dele. — Não podem ter desaparecido sem mais nem menos.

Gucky, que tanto gostava de zombar, manteve-se em silêncio. Olhava obstinadamente para os objetos abandonados, para as salas e os corredores vazios, para fora das janelas, para as ruas desertas. O pêlo da nuca arrepiou-se, traindo o nervosismo do rato-castor.

Marshall colocou a mão sobre o braço do africano.

— Tudo tem uma explicação natural, Ras. Ainda haveremos de descobrir o que significa isto. Sem dúvida é estranho que não se encontre o menor vestígio de luta, nenhuma indicação sobre o como ou o porquê. Mas eu já disse: haveremos de encontrar a solução.

Rhodan não pôde deixar de reconhecer que era um fraco consolo. Mas não encontrou outro melhor.

Nas outras casas, o quadro não foi diferente. Não acharam vivalma, nenhum animal, nada. Apenas se via uma ordem exemplar em todos os aposentos e a atmosfera de expectativa de breve regresso dos moradores.

Mas o computador-regente lhes dissera que estes nunca mais voltariam...

Rhodan insistiu em que prosseguissem. Atravessaram algumas ruas estreitas e chegaram à periferia da cidade. Ali o aspecto era mais simples e menos citadino. As casas grandes foram substituídas por outras, menores, atrás das quais se viam jardins e campos cultivados, e estábulos Num desses estábulos voltaram a defrontar-se com o mistério.

Havia correntes engastadas nas paredes, que terminavam em argolas. Via-se perfeitamente que essas argolas serviam para cingir os pescoços dos animais domésticos. Mas agora estavam vazias. E continuavam fechadas, e jogadas ao chão, na mesma posição onde deviam ter-se encontrado os animais.

Quem teria libertado os animais sem abrir as argolas de metal?

— Os arreios também continuavam fechados — murmurou Marshall, quando se lembrou da carroça abandonada. — Até parece que os animais se desmaterializaram.

Mais uma vez Rhodan não respondeu. Com uma expressão pensativa saiu para a luz do sol, que já entrara no poente. A seguir, iniciou o caminho de volta para a K-13.

Sabia que tinham uma estrada longa pela frente. E não havia a menor dúvida de que também seria um caminho perigoso.

 

O tenente Marcel Rous comandava a nave auxiliar K-7. Vindo do espaço, aproximou-se da face noturna de Mirsal III.

Marcel, um homem vivaz, de cabelos escuros, cujas paixões muitas vezes ultrapassavam a medida recomendada pela inteligência. Amava a vida, mas era corajoso e arrojado. E esta sua impulsividade já lhe pregara muitas peças.

Sobrevoou o planeta numa altura de apenas quinhentos metros. Os alto-falantes transmitiam ininterruptamente informações vindas dos outros girinos e as instruções expedidas pela Drusus. Alguma coisa estava acontecendo naquele mundo desconhecido, mas ninguém saberia dizer o que era.

Por mais de uma vez os instrumentos de localização da K-7 registraram a presença de corpos sólidos na atmosfera de Mirsal III, mas nunca foram capazes de retê-los por mais de três ou quatro segundos. As telas logo voltavam a ficar vazias, e os impulsos eletrônicos cessavam. Por maior que fosse a aceleração de uma nave, ela não poderia sair tão rapidamente do alcance dos raios rastreadores.

Também era impossível que um objeto, podendo tornar-se invisível por meio de recursos técnicos, escapasse aos raios rastreadores. Uma onda luminosa normal podia ser defletida do seu caminho, mas não os raios especiais de localização. Até mesmo uma nave invisível teria de aparecer nas telas.

Mas não foi o que aconteceu.

Marcel Rous sentiu o ar de mistério e Ignorou as instruções recebidas da Drusus e resolveu realizar investigações por conta própria. Saiu da órbita e precipitou-se sobre a superfície de Mirsal III que nem uma ave de rapina.

Escolheu propositadamente a face noturna do planeta. Pensou que não seria descoberto com tanta facilidade como à luz do sol. Talvez acreditasse que os desconhecidos não o enxergassem no escuro.

Ao primeiro relance de olhos, Rous percebeu que não houvera uma invasão no sentido usual da palavra. Lá embaixo, tudo parecia pacato e normal. Nas grandes cidades, as ruas retilíneas estavam bem iluminadas e perfeitamente nítidas. Concluiu que os habitantes de Mirsal III conheciam a eletricidade, embora ainda vivessem num estágio relativamente primário de sua evolução. Talvez os arcônidas tivessem ajudado, proporcionando-lhes ao menos esta vantagem da civilização. De qualquer maneira, as cidades estavam bem iluminadas, revelando uma vida trepidante.

A impressão continuou inalterada, até que Rous decidisse descer ainda mais e parar acima do centro da cidade. As telas aproximaram as casas ainda mais dos olhos do francês que, de repente, prendeu a respiração.

Demorou quase dez segundos até que se dirigisse ao co-piloto, que se encontrava a seu lado na central.

— Está notando alguma coisa, Becker? O cadete inclinou-se para a frente e examinou atentamente o quadro que via diante de si. Levou algum tempo até que sua vista se acostumasse à claridade e conseguisse enxergar através da luminosidade espalhada pelas lâmpadas. Depois voltou a reclinar-se e respondeu:

— Por que estão iluminando a cidade, se a esta hora todo mundo deve estar dormindo?

Rous acenou lentamente com a cabeça. Era exatamente a pergunta que já havia formulado em sua mente.

— Já passa bastante da meia-noite, hora local. Mas as luzes continuam acesas em quase todas as casas. Até parece que são nove horas da noite. Aliás, mais ao leste também está tudo iluminado, embora lá já devam ser quatro horas da madrugada. É estranho...

Em matéria de arrojo, o cadete Becker não ficava atrás de seu superior.

— Se pousarmos, talvez... Rous se fez de indeciso.

— Não temos permissão para isso, Becker, e não podemos agir por conta própria. Se fizéssemos isso, seríamos responsáveis por toda a tripulação. Se acontecer alguma coisa...

— O que poderia acontecer? — respondeu Becker, fornecendo ao superior o apoio moral que este esperava. — Os habitantes deste planeta nem sequer conhecem as armas energéticas; dificilmente teremos de recear qualquer coisa da parte deles. E quanto à pretensa invasão dos desconhecidos, não vi o menor sinal da mesma.

— Não sei. Talvez seja conveniente entrar em contato com a Drusus e solicitar permissão para pousar.

— É o senhor quem sabe — disse Becker em tom frio; parecia um tanto ofendido. — Tenho certeza de que essa permissão nos será negada. O chefe não costuma assumir qualquer risco desnecessário, e quando tem de fazê-lo, ele mesmo prefere enfrentar o perigo.

— Hum — fez Rous, que já não se sentia tão seguro.

Felizmente foi interrompido em suas reflexões. Do alto-falante veio a voz de David Stern, que se encontrava de serviço na sala de rádio da Drusus.

— K-7, responda. Comunique sua posição.

Rous praguejou baixinho e ligou o transmissor.

— Aqui fala o tenente Rous. Face noturna de Mirsal III.

— Saiu da órbita? — soou a voz espantada.

— Sim. Estamos perseguindo uma nave desconhecida, mas a perdemos de vista; os instrumentos de bordo não conseguem detectá-la. Deve ter pousado na cidade situada abaixo de nós. Podemos persegui-la? Dali a um minuto, veio a resposta.

— Ordem do primeiro-tenente Sikermann: Pousem num lugar em que a visibilidade seja boa e desembarquem dois robôs de guerra e três tripulantes. Você continuará a bordo e decolará ao menor sinal de ataque. Entendido?

— E meus homens? — perguntou Rous. — Não posso deixá-los para trás.

— Em hipótese alguma sua nave deverá cair em poder do inimigo. Saberemos cuidar de seus homens.

— Mais alguma ordem?

— Não, tenente Rous. Permaneça em contato comigo. É só.

Marcel Rous olhou o cadete Becker, cujos olhos se iluminaram.

— Ao que parece, tive azar, Becker. O senhor terá uma excelente oportunidade de obter um mérito. Talvez consiga uma promoção. Pegue dois homens e dois robôs de guerra, e passe umas férias na cidade.

Dali a alguns minutos, pairavam sobre uma praça profusamente iluminada. Num movimento suave o veículo espacial esférico foi descendo e tocou o solo. Rous ligara todas as telas disponíveis, a fim de conseguir uma visão abrangente. Examinou atentamente a praça e as casas contíguas. Nada se movia.

A cidade parecia morta.

Notou que sobre o pavimento irregular havia alguns objetos que não deveriam estar ali. Perto do meio-fio uma espada larga estava encostada a um muro. A seu lado via-se um escudo. Até parecia que a sentinela largara as armas para passear. Pouco adiante, tombada ao chão, Rous viu uma armadura de cavaleiro, sinal de ter havido uma tremenda luta.

Não havia a menor mostra de vida. Os aposentos bem iluminados, que se viam através das janelas, estavam vazios. Nenhuma sombra surgiu nos retângulos luminosos.

— Pronto? — perguntou o tenente.

A resposta, vinda da comporta, foi transmitida pelo rádio:

— Cadete Becker está pronto para entrar em ação com dois homens e dois robôs.

— Boa sorte! — respondeu Rous.  Becker suspirou aliviado, embora de repente não se sentisse muito à vontade. Mas os robôs bem armados representavam uma proteção suficiente. Se necessário, poderiam defendê-lo contra uma companhia inimiga. E os dois cadetes em sua companhia também não poderiam ser chamados de covardes. Seguravam os radiadores de impulsos com as mãos firmes.

Poderia confiar nos seus acompanhantes.

A escotilha externa abriu-se e a rampa tocou o solo. Becker caminhou à frente do grupo, seguido pelos dois robôs. Os outros dois homens iam na retaguarda.

Em torno deles estendia-se o silêncio da cidade adormecida, ou morta. Não se ouvia nada além dos passos pesados dos robôs. Becker sentiu que o medo do inexplicável subia à sua mente e ameaçava dominá-lo. Muito acima das luzes da rua, estendia-se o céu negro daquele mundo estranho. Parecia uma fenda pela qual o inimigo poderia esgueirar-se antes que alguém percebesse.

“Que inimigo? Será que há mesmo um inimigo?”, refletiu o cadete.

Becker ficou bem perto dos robôs.

— Vigiem a retaguarda e os lados — disse aos companheiros, que mantinham as armas em posição de disparar. — Eu cuidarei principalmente daquilo que acontecer à nossa frente e em cima de nós.

A praça não era muito grande, mas levaram quase dois minutos antes de atingirem as casas. Na rua havia muitos buracos, o que não era de admirar, pois em Mirsal III ainda se vivia em plena Idade Média.

Becker olhou em torno. A menos de duzentos metros, a K-7 descansava sobre as colunas de apoio. Sabia que o tenente Rous se encontrava diante da tela, observando cada um de seus movimentos. Sem dúvida suas mãos repousavam sobre os acionadores das pesadas armas de radiações.

Becker sentiu a tranqüilidade benfazeja de não se ver só.

Viu, por acaso, pelo canto dos olhos, uma sombra que se movia. Virou-se abruptamente. Foi no segundo andar de um edifício. A luz que saía de uma das janelas era um pouco menos intensa que as outras. Até mudava de intensidade. Às vezes ficava mais clara, outras vezes mais escura, como se alguém caminhasse diante da fonte de luminosidade, encobrindo-a a intervalos irregulares com seu corpo.

Becker sentiu aumentarem-lhe as batidas do coração. Era uma oportunidade única. Não poderia deixar de aproveitá-la, custasse o que custasse.

— Fiquem aqui embaixo — cochichou para seus camaradas; depois olhou para um dos robôs. — Venha comigo, R-2.

— Não seria preferível... — principiou um dos cadetes, mas Becker cortou-lhe a palavra.

— Irei sozinho. Por que expor todos ao perigo?

— Becker! — disse a voz de Marcel Rous, transmitida pelo rádio. Não soava muito forte pelo receptor de pulso. — Tenha cuidado!

— Não se preocupe, tenente. Saberei cuidar de mim.

Os degraus rangeram horrivelmente sob o peso do robô, mas não havia mais nada que pudesse deter Becker. Vira alguma coisa, e queria saber o que era.

“Quem estaria caminhando de um lado para outro, num quarto que ficava numa cidade abandonada? Seria um habitante que ficara para trás? Por quê?”, pensava, questionando a situação.

Becker resolveu que por enquanto não adiantava nada ficar fazendo perguntas inúteis. Agarrou mais firmemente sua arma e subiu pela escada atrás do robô.

A porta do apartamento do segundo andar estava aberta. O corredor encontrava-se quase completamente às escuras, pois a luz achava-se acesa apenas na escadaria.

Quando R-2 parou e esperou que Becker se aproximasse, não se ouviu nada.

Mas, subitamente, escutou-se o ranger forte de uma porta.

Becker estremeceu e levantou a arma. O ruído vinha do interior do apartamento. Alguém andava por ali. Primeiro vira a intensidade variável da luz, e agora o rangido da porta. Não podia haver nenhum engano.

Becker fez um sinal para R-2 e caminhou à frente. O robô seguiu-o cautelosamente.

A porta possuía uma fechadura rudimentar, que não teria representado qualquer obstáculo para um intruso. Acontece que estava aberta. Becker viu mais atrás haver outra porta aberta. Esta levava a um recinto que dava para a praça. Talvez também para aquele em que vira a sombra caminhar de um lado para outro.

Becker continuou a caminhar sorrateiramente, até que se viu junto à porta. Esperou que R-2 se aproximasse. Depois escancarou-a com um pontapé e entrou no aposento bem iluminado.

Estava vazio.

A janela estava entreaberta. Só agora Becker sentiu a ligeira brisa que passava por ele e movia lentamente a porta atrás do robô, fazendo-a ranger.

Ao mesmo tempo, uma cortina leve executava movimentos fantasmagóricos diante da fonte de luz, que era um abajur de cabeceira. Ao lado deste havia duas camas. Estavam remexidas e ainda mostravam perfeitamente as impressões de dois corpos humanos. Becker quase se sentiu tentado a pôr as mãos a fim de verificar se as impressões ainda estavam quentes.

Movendo-se junto à cama, a cortina fazia com que a luz saísse pela janela com intensidade variável. E o que fazia ranger a porta era o vento. Era esta a solução do mistério.

Um tanto decepcionado, o cadete baixou a arma. Deixara-se enganar por uma cortina.

— O que houve? — disse a voz de Marcel Rous, interrompendo o silêncio repentino.

— Tudo bem — respondeu Becker laconicamente e pôs-se a andar. — Foi o vento. Esta gente esqueceu-se de fechar as janelas antes de sair.

— Não observou nada de extraordinário?

Becker olhou para trás.

— Nada, tenente. Estou no quarto de um casal. Está muito bem instalado. Gostaria de saber onde ficaram os ocupantes. As roupas continuam penduradas por cima das cadeiras. Devem ser uns lunáticos que foram viajar de camisola.

— Mirsal III não possui nenhuma lua — disse Rous em tom indiferente. — Pode voltar, Becker.

— Já vou — respondeu Becker.

No momento em que saiu para a rua e viu os dois companheiros que o esperavam, aconteceu alguma coisa que mais tarde não saberia explicar.

E nem haveria um mais tarde que lhe desse tempo para isso.

Notou em primeiro lugar a nave espacial a duzentos metros, fortemente iluminada pelas numerosas luzes da rua e pela luminosidade saída das janelas próximas. Logo depois, viu os dois companheiros e o robô que o esperavam.

Num instante tudo aquilo começou a desmanchar-se diante de seus olhos.

Ao perceber a modificação, Becker estacou. O robô que o acompanhava não se preocupou com o fenômeno; prosseguiu na sua caminhada, passando por ele. Mas enquanto o robô caminhava, Becker viu-o desmanchar-se no ar.

Becker soltou um grito de pavor, que também foi ouvido por Rous. Mal conseguiu ouvir a voz de seu superior:

— Volte imediatamente. Apresse-se, senão...

Becker não ouviu mais que isso. Fitou os olhos arregalados dos dois companheiros. Um deles hesitou e fez menção de estender o braço em sua direção, mas logo se pôs a fugir. Estava com a boca bem aberta, como se estivesse gritando, mas Becker não ouviu nada.

O mundo, que o cercava, foi mergulhando lentamente na escuridão e no silêncio. Devia ser a impressão sentida por quem vagasse mil metros abaixo da superfície do mar. Apenas, havia uma ausência completa de sensações.

Becker não sentia mais nada.

 

O tenente Marcel Rous viu Becker sair da porta do edifício e esteve a ponto de suspirar aliviado, quando se verificou o terrível fenômeno.

Becker adquiriu certa transparência e acabou desaparecendo por completo. Certamente não chegou a ouvir a ordem de regresso. Porém seus dois companheiros e os robôs deviam tê-la percebido, pois puseram-se em movimento em direção à nave.

E então o cadete Becker deixou de existir. O lugar há pouco ocupado pelo cadete estava vazio.

Os dois robôs não se apressaram. Já os dois homens puseram-se a correr e tentaram atingir o mais rápido possível a nave, onde estariam a salvo.

Mas não foram bastante rápidos, pois o poder misterioso também os atingiu.

Por estranho que parecesse, em primeiro lugar desapareceram as pernas e a parte inferior do corpo. Marcel viu, terrivelmente abalado, apenas as duas cabeças cortarem o espaço, pouco mais de metro e meio acima do solo. Saltitavam numa linha sinuosa, seguindo os movimentos dos corpos, já então invisíveis. Depois também foram se desmanchando...

Marcel Rous observou o fenômeno sem compreendê-lo. Os dois robôs continuaram a caminhar tranqüilamente, em direção à escotilha aberta.

— K-7 à Drusus! Três homens foram atacados pelos invisíveis e também... se tornaram invisíveis! — gritou Rous para dentro do microfone. Como não encontrasse melhor explicação, acrescentou: — Desapareceram...

— Decole imediatamente! — foi a ordem que veio logo em seguida.

— Os dois robôs ainda estão...

— Decole!

Rous assustou-se com o tom da voz de Sikermann. Com uma das mãos empurrou a alavanca de decolagem para a aceleração máxima, enquanto a outra fechava a comporta.

A nave mergulhou nas profundezas do espaço.

O que ficou para trás foram dois robôs, que seguiram a nave fugitiva com olhares indiferentes. Seus cérebros positrônicos compreendiam todos os acontecimentos regidos pela lógica, mas desta vez falharam por completo.

Permaneceram num mundo desabitado e procuraram um inimigo.

Entretanto não o encontraram.

 

— O espaço está cheio de impulsos mentais — disse Fellmer Lloyd, contemplando Rhodan. — Acontece que nenhum deles faz o menor sentido. Até parece que esses desconhecidos só pensam fragmentariamente. O senhor compreende, chefe?

— Não; em absoluto — Rhodan, que se encontrava na K-13, passava pouco acima das cidades despovoadas da face diurna do planeta, à procura de qualquer vestígio de vida. — Tenho a impressão de que os atacantes se encontram no espaço. Aqui embaixo não se nota muito de sua presença. Marshall e Gucky dificilmente conseguem captar um impulso.

— Pois o espaço está cheio deles, mas não têm continuidade. É como já disse: são apenas fragmentos. Uma coisa estranha...

— Procure identificar ao menos um pensamento; com isso já teríamos dado um passo para a frente.

— É impossível. Seria como querer interpretar um livro com base numa única palavra. Existem críticos que gostam de proceder assim, mas pode-se duvidar da autenticidade de um juízo desses. É o que está acontecendo comigo. Estou captando um único fragmento de idéia. O que posso fazer com isso?

— Não desista, Lloyd. E, principalmente, procure identificar a fonte da qual provêm os impulsos. Quem sabe se Marten não consegue avançar até lá?

— Um momento, o senhor pode falar com Marten. Ele mesmo lhe contará.

Seguiu-se uma ligeira pausa.

Rhodan olhou para as outras telas e viu a paisagem de Mirsal III desfilar. Os castelos abandonados erguiam-se em meio às cidades desertas. Nos campos cultivados ainda se viam os arreios dos animais desaparecidos. Os veículos abandonados estavam parados em meio a peças de roupa espalhadas em torno deles. Das fogueiras saíam as últimas nuvens de fumaça.

Ralf Marten surgiu na tela e cumprimentou ligeiramente através de milhões de quilômetros.

Era um teleótico, e por isso conseguia trasladar seu espírito para dentro de outros seres vivos e enxergar com os olhos dos mesmos. Mas, desta vez, seu dom não produzia o menor resultado.

— Lloyd já me explicou o que o senhor deseja, chefe. Fiz o possível. Acontece que a fonte dos impulsos que estamos captando é totalmente indefinida. Nem sequer conseguimos apurar a direção de onde provêm. Efetuei vários saltos, mas todos eles terminaram no vazio. Mesmo das vezes em que acreditava firmemente que conhecia a direção, ia parar no espaço vazio. É inútil, chefe. Não consigo nada.

Rhodan manteve-se tranqüilo.

— Não o culpo, Marten. Defrontamo-nos com um inimigo incorpóreo, invisível. E, ao que parece, sabe camuflar seu espírito. É muito mais do que receávamos. Seremos impotentes enquanto não nos atacar abertamente. Mas, ao que parece, não tem o menor interesse nisso.

— O tenente Becker e mais dois tripulantes da K-7 desmancharam-se no ar, chefe. Será que isso não é um ataque aberto?

— Não tenho certeza sobre se devemos interpretar o fenômeno dessa forma — respondeu Rhodan. — Talvez fosse um descuido dos invisíveis. De qualquer maneira, deveremos agir com a maior cautela quando voltarmos a pisar em Mirsal III. E não poderemos deixar de fazer isso, se quisermos resolver o problema. O regente de Árcon tenta resolvê-lo há dez anos, e não podemos esperar que nós o consigamos em um dia. Continue a esforçar-se, Marten. Chegará a hora em que nossos esforços serão bem sucedidos.

Rhodan esperou até que David Stern transferisse a ligação. Na tela surgiu o rosto de Sikermann.

Nele se notava uma palidez descomunal.

— O que houve, Sikermann? — perguntou Rhodan em tom de espanto, pois nunca vira o oficial tão fora de si. — Encontrou-se com algum fantasma?

— Se fosse só isso, saberia como agir — respondeu o primeiro-tenente, que começava a recuperar um pouco da autoconfiança. — Mas estas localizações indefinidas e verificadas em todas as direções acabam deixando-me doido. A cada segundo, receio que a Drusus esbarre em alguma nave que os instrumentos registram a poucos segundos à nossa frente, mas no fim não é nada.

— Deveria sentir-se feliz com isso.

— Para o senhor é fácil gracejar — disse Sikermann em tom exaltado. — Qual é sua posição?

— Que palhaço! — chiou Gucky, que se encontrava mais afastado, em cima do sofá.  Rhodan lançou-lhe um olhar recriminador.

— Dirigimo-nos à Drusus. Dentro de poucos minutos, entraremos a bordo. Pretendo voltar a pousar em Mirsal III, com uma tripulação reforçada. Talvez pousemos mesmo com a Drusus.

— Caramba! — limitou-se Sikermann a dizer.

Rhodan desligou e cuidou da pilotagem da K-13. O tenente Potkin introduziu a rota ordenada nos controles e acelerou a nave.

Momentos depois, entrava — quase simultaneamente com a K-7, comandada pelo tenente Rous — na comporta aberta e pousava no hangar da Drusus.

— Mantenha-se preparado para decolar, Potkin. Voltarei num instante.

Rhodan aguardou até que Marcel Rous saísse de sua nave e pediu que este relatasse mais uma vez todos os detalhes do acontecido. Mas mesmo o testemunho visual do tenente não adiantou muito. Não havia qualquer explicação lógica e razoável para o fenômeno, a não ser que os atacantes soubessem tornar invisíveis a si mesmos e a outros seres vivos.

E, ao que tudo indicava, era exatamente isso que acontecia.

— Não devemos subestimar o inimigo — disse Rhodan, assim que Marcel concluiu sua exposição. — Para lutarmos contra um inimigo invisível, devemos concentrar-nos ao máximo e lançar mão de todos os meios de que dispomos. Façamos votos de que Becker e seus companheiros possam ser libertados. Mantenha sua nave preparada para entrar em ação. Ainda não sei quais são os recursos que teremos de empregar na batalha.

Marcel seguiu-o com os olhos e voltou a entrar na comporta de seu Girino.

— Gostaria de saber o que Rhodan quer dizer quando fala numa batalha — murmurou. — Será que pretende entrar em guerra contra os invisíveis?

Rhodan saiu do hangar e, passando apressadamente pelos diversos elevadores antigravitacionais, dirigiu-se à sala de comando, onde Sikermann já o aguardava. Todos os mutantes estavam presentes, além de Crest, cujo rosto revelava um nervosismo fora do comum.

— Aqueles desconhecidos devem encontrar-se num estado ininterrupto de transição — disse o arcônida em tom compenetrado assim que viu Rhodan. — Os instrumentos de localização registram sua presença e, dali a um instante, passam a não mais existir. Receio que a teoria da invisibilidade não seja exata.

Rhodan ouviu-o com o rosto sério.

— É o que também receio, embora isso não represente uma explicação aceitável. Como vão as coisas, Marten? Ainda não conseguiu nada?

— Há cinco minutos tentei um salto. Os impulsos mentais vinham de uma direção determinada e mantiveram-se constantes por alguns segundos. Por um momento consegui contato e penetrei num cérebro estranho, mas antes que pudesse enxergar pelos olhos do outro ser fui literalmente jogado para fora. Isso nunca me aconteceu.

— Tem alguma explicação?

Ralf Marten sacudiu a cabeça; parecia desesperado.

— Não senhor. É uma coisa incompreensível. Tenho certeza de que não foi o ser desconhecido que me expulsou de seu cérebro, mas outra coisa, uma força medonha. Essa força notou minha presença e tomou suas providências. Não sei em que consistiram essas providências.

Rhodan estreitou os olhos enquanto fitava Marten.

— Já tentou penetrar no cérebro de outro ser humano, no momento em que este entra em transição com a nave onde se encontra? Será que os efeitos poderiam ser análogos?

Ralf Marten acenou com a cabeça; parecia surpreso.

— Talvez seja isso; é claro que não tenho certeza. Será que o senhor acha?...

— Não tenho uma suposição precisa — disse Rhodan, esquivando-se. — Devemos considerar todas as possibilidades — olhou para as outras pessoas que se encontravam presentes. — Quero pousar em Mirsal III juntamente com os membros do Exército de Mutantes. Decolaremos daqui a dez minutos na K-13. A Drusus nos seguirá exatamente dentro de três minutos e também pousará. Encontrei uma área de pouso favorável, junto às muralhas de uma cidade.

— Por que temos de assumir o risco sozinhos? — indagou Sikermann. — E os arcônidas?

— Está se referindo a Talamon e ao computador-regente?

— Isso mesmo. Rhodan deu de ombros.

— Talamon está submetido ao comando do regente; não obedece às minhas ordens. Por enquanto não tenho o direito de me intrometer.

Sikermann esteve a ponto de dizer mais alguma coisa, mas preferiu ficar calado. Voltou-se para os controles. Por algum tempo Rhodan fitou suas costas largas, finalmente fez um sinal para Crest.

— Fique aqui, Crest. Ajude Sikermann no cumprimento de sua tarefa. Ficaremos em contato.

Pegou os outros mutantes e voltou com eles ao hangar. Dali a mais três minutos, a K-13 disparou espaço afora, em direção a Mirsal III.

A Drusus seguiu a grande distância.

Dez minutos depois, pousou na área livre que ficava às portas de uma cidade na qual não havia vivalma. Conforme o combinado, a Drusus pousou três minutos após.

O planeta parecia deserto. Nada se movia, e as misteriosas localizações também haviam terminado. Marten e Lloyd não conseguiram captar o menor impulso mental. O mesmo aconteceu com Marshall e Gucky.

Será que os invisíveis resolveram suspender o ataque?

Rhodan não confiava naquela calma. Teve um pressentimento de que era a bonança que precedia a tempestade.

Permaneceu na comporta aberta e viu uma companhia de robôs de combate sair dos compartimentos de carga da Drusus e marchar em direção à cidade. De repente Gucky surgiu ao seu lado e disse:

— Sikermann quer falar com você, Rhodan. Diz que é urgente. Talamon entrou em contato com ele.

Rhodan não fez perguntas; entrou apressadamente no elevador e subiu à sala de rádio. O rosto de Sikermann fitou-o de cima da tela.

— Estou em contato com a Arc-Koor. Quer que transfira a ligação?

— Transfira; depressa!

O rosto de Sikermann desapareceu e no mesmo instante a cabeça maciça do superpesado apareceu em seu lugar. Um sorriso fugaz surgiu no rosto de Talamon, quando o mesmo reconheceu Rhodan.

— Queria falar-lhe antes de entrar em transição — disse com certa tristeza na voz retumbante. — Não quero que pense que estou com medo, mas vejo-me obrigado a cumprir as ordens do regente.

— Será que o regente ordenou a retirada? — perguntou Rhodan em tom incrédulo. — É inacreditável. Pois ele mesmo nos pediu que identificássemos o perigo que ameaça nosso cosmos.

— Não quer que a Arc-Koor se exponha a qualquer risco, Rhodan. Levarei a nave para Árcon e voltarei com minha frota. Confie em mim.

— Não posso segurá-lo, Talamon, por mais que eu queira. Temos uma única chance de descobrir os desconhecidos. Quer dizer que terei que agir sozinho. Transmita minhas recomendações ao regente.

— Suas palavras parecem amarguradas — disse Talamon em tom queixoso. — Não sou culpado por ter que bater em retirada. A Arc-Koor já se aproxima do ponto de transição. Dentro de cinco minutos, saltarei. Passe bem, Perry Rhodan. Voltarei ainda hoje.

— Eu o espero — disse Rhodan, concluindo a palestra.

Muito pensativo, voltou à comporta e contemplou a companhia de robôs que passava pelos portões da cidade.

— E agora? — cochichou Marshall. — Não há ninguém na cidade; se houvesse, eu perceberia. Não existe qualquer impulso mental.

— Os invisíveis não pensam — disse Rhodan, falando devagar e com uma estranha ênfase. — Possuem uma “camuflagem” não apenas ótica, mas também mental. Será muito difícil encontrá-los.

Marshall não respondeu. Teve a impressão de que subitamente sentia frio.

 

Aparentemente controlados, mas trêmulos de tensão, quatro homens caminhavam pelas ruas desertas da cidade. Cinco metros atrás deles, o rato-castor Gucky os seguia, balançando o corpo e formando a retaguarda. Uma vez que não sabia caminhar tão depressa, combinava o útil e o necessário.

Rhodan e Fellmer Lloyd caminhavam lado a lado; logo atrás deles John Marshall e Ras Tschubai mantinham as armas prontas para disparar. O africano esforçou-se para disfarçar o medo nato pelo sobrenatural. Mas, apesar do treinamento e da idade, não o conseguiu inteiramente.

Os robôs estavam espalhados pela cidade, e revistavam todos os recantos, à procura de qualquer sinal de vida. Rhodan pôde acompanhar suas informações pelo rádio. Por enquanto não havia nada de novo.

Um edifício alto e maciço prendeu sua atenção.

Parou. Gucky sentiu-se satisfeito, pois pôde ganhar terreno.

— É imponente — disse Rhodan, apontando para o edifício. — Deve ser a Prefeitura ou coisa que o valha. Vamos entrar?

— Por que não? — disse Marshall. — O perigo invisível está em toda parte, mas talvez ali encontremos alguma indicação do que aconteceu com os habitantes da cidade.

Os outros confirmaram com um gesto. Voltaram a colocar-se em movimento.

Ao aproximar-se dos grandes portais, Rhodan voltou a parar.

— Gucky, não quer dar uma olhada?

O rato-castor compreendeu imediatamente.

— Se você pensa que estou com medo, está muito enganado — chiou em tom de recriminação, pois lera os pensamentos de Rhodan. — Afinal, posso desaparecer assim que perceber que alguma coisa não está dando certo.

— Não consigo ouvir a palavra desaparecer sem sentir calafrios — confessou Marshall em voz baixa.

Gucky olhou-o ligeiramente, concentrou-se para efetuar um salto curto, que o levaria ao interior do edifício. Em meio a um torvelinho de ar tremeluzente desapareceu.

Dali a menos de dez segundos, estava de volta.

— Vi um local de reunião — informou, alisando o pêlo. — Estive num grande salão, muito bem iluminado. E olhem que o sol está brilhando! Não há ninguém por lá, mas a impressão que tive foi que aquela gente só fez uma ligeira pausa e deve voltar a qualquer momento.

— Vamos até lá — decidiu Rhodan e começou a subir os largos degraus. — Não podemos desprezar qualquer pista, por mais insignificante que seja. Precisamos descobrir onde estão as pessoas desaparecidas, pois, do contrário, nunca mais descobriremos nossos cadetes.

Atravessaram uma série de corredores e pequenos halls, antes de chegarem à sala de reuniões que Gucky visitara em primeiro lugar.

Pararam junto à porta e, mais uma vez, sentiram que a coisa misteriosa estava próxima, procurando agarrá-los.

Não havia ninguém nas fileiras de assentos que formavam semicírculos e subiam em direção aos fundos do recinto. Diante de cada assento, havia uma mesinha na qual ainda se viam os papéis e canetas-tinteiro. Realmente parecia que os participantes da reunião só haviam saído da sala para fazer uma ligeira pausa. Ninguém deixaria suas anotações sobre a mesa, se não tivesse a intenção de voltar.

— Há alguém por aqui — cochichou Fellmer Lloyd de repente em voz baixa. — Sinto perfeitamente.

Rhodan, que era um telepata muito fraco, não sentiu nada. Mas o mesmo não aconteceu com Gucky.

— Lloyd tem razão. Há alguém neste salão. Eu sinto... sim, é isso mesmo, eu sinto. Seus pensamentos... são muitos pensamentos, mas não fazem o menor sentido, são apenas fragmentos de idéias. Vão e voltam...

Ras Tschubai manteve-se num silêncio obstinado. Suas mãos cingiram firmemente a arma, enquanto os olhos procuravam localizar um alvo. Rhodan tinha certeza de que no íntimo o teleportador se preparava para o salto que o colocaria a salvo.

— Não teleporte-se em hipótese alguma — preveniu Rhodan em voz baixa. — Quando fizer isso, terá de levar dois de nós. Entendido?

O africano confirmou com uma atitude de pecador arrependido.

Naquele salão havia muitos esconderijos. Embaixo de cada mesa ou banco, alguém poderia esconder-se, se tivesse necessidade disso. Uma luz forte enchia o recinto, mas não se via ninguém.

— Talvez sejam nossos nervos — cochichou Rhodan, enquanto sua mente procurava uma explicação. — Quem sabe se não nos tentam pregar uma peça...

— A mim ninguém prega peças — protestou Gucky com a voz fina e pôs as orelhas de pé. — Há alguém por aqui. E são vários indivíduos. Acontece que não consigo vê-los.

De repente, teve a impressão de que vira alguém junto à tribuna. Fora apenas uma sombra que desapareceu com a mesma rapidez com que surgira do nada. Um sopro incrivelmente frio parecia atravessar o salão. Envolveu os quatro homens e Gucky, fazendo-os estremecer. Depois passou.

Mais uma sombra atravessou a sala.

Ras Tschubai levantou a arma. O raio de impulsos energéticos caiu com um chiado sobre o “alvo”, atravessou-o e incendiou a fileira de bancos que havia atrás dele.

A fumaça começou a surgir e as chamas levantaram-se em direção ao teto.

Marshall também disparou desesperadamente sobre outro “alvo” que na verdade não se fazia nítido.

— Vamos embora! — chiou Gucky em tom apavorado. Nunca ninguém vira Gucky desse jeito, nem no planeta de Volat, quando fugiu de um gato-gigante com o qual acabou fazendo amizade. — Não existem armas com as quais possamos combater essas criaturas!

— Silêncio! — cochichou Rhodan. — Se fugirmos agora, nunca descobriremos quem são os seres que temos diante de nós.

Voltando-se na direção das sombras tremeluzentes e dos fenômenos luminosos difusos, gritou em voz alta:

— Sejam vocês quem forem, identifiquem-se. Nossas intenções não são hostis.

Não houve qualquer resposta. Em compensação, uma coisa terrível aconteceu com Fellmer Lloyd.

O localizador começou a desmanchar-se.

Rhodan levou apenas uma fração de segundo para perceber o fenômeno incompreensível e tomar a reação adequada. Foi por puro instinto que gritou:

— Tschubai! Segure Lloyd e Marshall! Salte para fora! — No mesmo instante segurou o braço de Gucky. — Vamos, salte! Rápido!

No mesmo instante, o salão desfez-se diante dos seus olhos e quando voltou a abri-los, viu-se na rua, ao lado de Gucky. A cinqüenta metros de distância do edifício três vultos humanos materializaram-se: eram Ras Tschubai, Marshall, e Fellmer Lloyd, que voltara a surgir por inteiro.

Assim Rhodan ficou sabendo de uma coisa: o salto de um teleportador era a única salvação contra a ação dos invisíveis.

Suspirou aliviado.

Ainda não conhecia o inimigo, mas já descobrira um meio de escapar ao mesmo. Um teleportador poderia fugir com mais alguém, assim que os invisíveis atacassem.

Rhodan teve a impressão de ter ganho o primeiro round da luta desigual.

Era verdade que apenas o ganhara por pontos... e por muito poucos pontos.

 

— Há algo de errado em nossas teorias — disse Baldur Sikermann, lançando um olhar de dúvida para Rhodan. — Conversei demoradamente com o capitão Gorlat.

O capitão Hubert Gorlat era o oficial de segurança da Drusus. Tratava-se de um tipo corriqueiro de cabelos ruivos, estatura mediana e gestos enérgicos. Sua profissão ensinara-lhe a refletir bastante antes de tomar qualquer decisão, a fim de não se arriscar a cometer um erro.

Rhodan olhou para além de Crest e pôs os olhos em Gorlat.

— Tem alguma idéia? — perguntou em tom de curiosidade.

— Talvez não chegue a ser uma idéia, e desde logo quero prevenir contra qualquer conclusão apressada. Constatamos que as naves dos invisíveis nunca foram vistas e só raramente foram localizadas pelos instrumentos. Acho que este fato pode ser admitido como certo.

— Correto — concordou Rhodan.

Disfarçou sua curiosidade, muito embora já desconfiasse do que estava para vir.

— Dali se conclui com segurança — prosseguiu Gorlat — que os desconhecidos também sabem tornar invisível a matéria inorgânica. Fiquei indagando a mim mesmo por que ainda não fizeram isso com nossos robôs. Por enquanto só aprisionaram homens, se é que podemos designar seu ato por esta palavra.

Rhodan acenou lentamente com a cabeça e esteve a ponto de dizer alguma coisa, quando o som estridente das campainhas encheu a nave. Ao mesmo tempo as sereias começaram a uivar do lado de fora.

Alarma!

A reunião de Rhodan com seu grupo acontecia na sala de comando da Drusus. A K-13 estava nas imediações, pronta para decolar. Fazia poucos minutos que Perry e seus acompanhantes haviam retornado da expedição de reconhecimento e procuraram Sikermann e a oficialidade da nave a fim de discutir a situação.

E agora estava soando o alarma!

Rhodan foi o primeiro que atingiu a comporta aberta, pois a forma do alarma revelara que o ataque vinha da superfície, e não do espaço.

Outras três naves auxiliares mantinham-se juntas à K-13. Não se via nenhum dos tripulantes. Os canhões de radiações dirigiram-se ameaçadoramente contra as muralhas da cidade e os portões abertos. Os revestimentos da comporta da Drusus deslizaram para o lado, os canos em espiral das pesadas armas de impulsos saíram e dirigiram-se contra a cidade.

Mas onde estava o inimigo?

Sikermann achava-se ao lado de Rhodan. Ofegante, respirava com dificuldade.

— Onde estão nossos robôs?

— Estão vasculhando a cidade — respondeu Rhodan. — Por enquanto não encontraram vivalma.

Sikermann apontou para a frente.

— Não está ouvindo? Na cidade estão atirando. O alarma foi desencadeado pelos robôs. Devem ter encontrado algum inimigo. A sala de rádio perdeu contato com alguns dos robôs de guerra.

— Ras Tschubai, venha comigo — disse Rhodan, segurando o africano pelo braço. — Não, mais ninguém. Vamos saltar, Ras!

— Para onde?

— Para a praça do mercado, no centro da cidade. Temos de verificar o que aconteceu. Não se esqueça de uma coisa, Ras: ao menor ataque dos invisíveis, salte imediatamente. Não interessa para onde; o importante será darmos o fora, nossa única salvação.

Sikermann disse mais algumas coisas, mas suas palavras foram dirigidas ao ar tremeluzente. Rhodan e o africano já haviam desaparecido.

Materializaram-se na cidade. Por um longo instante viram-se sós e abandonados na ampla praça. As fachadas das habitações pareciam ameaçá-los de todos os lados, mas Rhodan sabia que o terrível inimigo não estava escondido nas residências.

Talvez estivesse bem à sua frente, sem que o vissem. Não poderiam vê-lo, pois era invisível e sabia “camuflar” sua mente.

— Ali, os robôs — gritou Tschubai e segurou o braço de Rhodan para poder saltar assim que a situação o exigisse. — Abriram fogo. Contra quem será? Não vejo nada.

Rhodan lançou um olhar espantado para o lado oposto da praça, onde desembocava uma rua larga. Nela, dez robôs de guerra deslocavam-se para trás, disparando com todas as armas. Os raios energéticos derretiam o calçamento e a fachada dos edifícios. Pingos de pedra liquefeita de tamanho fora do comum caíam ao chão, formavam poças e endureciam. Rhodan chegou a ver uma sombra fugaz que se contorceu sob os efeitos de um raio de impulsos energéticos mas que desapareceu logo em seguida. O inimigo invisível mantinha uma atitude passiva. Não revidava.

— Por que será que os robôs estão fugindo? — perguntou Ras Tschubai, que tremia por todo o corpo.

Rhodan fingiu não perceber.

— Devem ter sido atacados, Ras. Não sei...

Rhodan estacou. Sobressaltou-se quando subitamente teve de reconhecer que a teoria do capitão Gorlat tinha fundamento.

O primeiro dos robôs desmanchou-se no ar.

No princípio desapareceu a parte inferior. Suas armas continuavam a disparar, mas subitamente apagaram-se. Por instantes, a parte superior do corpo flutuou no ar, dois metros acima do solo, aparentemente sem o menor apoio, mas logo se tornou invisível, juntamente com a cabeça.

“Quer dizer que os inimigos sabem levar também os robôs, até aqui considerados invencíveis, ao seu reino fantasmagórico, do qual não se conhece o caminho de volta”, conjecturou Rhodan.

Os robôs que sobravam recuavam, combatendo sempre.

Uma coisa era certa: haviam reconhecido o inimigo e procuravam destruí-lo. Não dispunham de outras armas além dos radiadores. Não tinham culpa se estas não servissem para muita coisa.

Outro colosso de arconita desapareceu.

— Se os invisíveis continuarem a avançar, destruirão todos os nossos robôs; bem, destruir talvez não seja a expressão correta. Eles os levarão ao seu reino invisível — Rhodan falara em tom calmo e objetivo, como se o perigo não os rodeasse. — Gostaria de saber como são as coisas por lá.

— Onde? — perguntou Tschubai, que fitava incessantemente os robôs em marcha, um dos quais se dissolvia naquele exato momento.

Rhodan não respondeu. Tinha outro problema.

— Temos que detê-los. Se atingirem nossas naves, também as levarão. Acontece que não sei como poderíamos parar sua marcha. Vamos voltar à Drusus, Tschubai.

Baldur Sikermann, que ainda se encontrava na comporta aberta, suspirou aliviado quando viu Rhodan.

— A Arc-Koor enviou uma breve mensagem. Talamon ainda não entrou em transição. Continua neste sistema. Fez uma estranha descoberta, e quer informar o regente de Árcon sobre a mesma. Espera que com isso obtenha permissão de ajudar-nos na luta contra os invisíveis.

— Uma descoberta? — perguntou Rhodan. — Não disse do que se tratava?

— Infelizmente não. Oportunamente voltará a entrar em contato conosco. Conseguiu alguma coisa, Sir?

Rhodan deu de ombros.

— Depende de como se queira encarar a coisa, Sikermann. Os invisíveis estão atacando nossos robôs. Receio que tenhamos de ir embora.

— E os robôs? Pretende sacrificar cem máquinas de guerra de primeira qualidade?

— Receio que a maior parte delas já tenha sido sacrificada, Sikermann. Fomos muito otimistas. Se ficarmos aqui por muito tempo, estaremos perdidos juntamente com nossas naves, e nem sei como será o fim que nos espera. Talvez nos desmanchemos pura e simplesmente, ou então nos tornaremos invisíveis e continuaremos a viver como fantasmas. Vamos logo, Sikermann, dê o alarma de decolagem. Mande que os Girinos entrem na Drusus. Quando isso tiver sido feito, decolaremos.

— Para onde?

— Sei lá! — Rhodan começou a aborrecer-se consigo mesmo, por não se controlar. Teria de manter o autocontrole, pois do contrário perderia a capacidade de avaliar a situação. Naquele momento precisava desesperadamente conservar a cabeça fria. — Entraremos numa órbita de Mirsal III. Distância de dois minutos-luz. Manter o hiper-rádio sempre ligado. Informe-me assim que Talamon volte a chamar. Estarei no meu camarote.

Afastou-se sem dizer mais uma única palavra.

Ras Tschubai seguiu-o com os olhos e encontrou o olhar de Sikermann.

O primeiro-tenente pigarreou em tom embaraçado.

— Nunca vi Rhodan assim — disse depois de algum tempo.

O africano concordou com ele.

Os Girinos entraram nos hangares da Drusus que, naquele mesmo instante, fechou as comportas. Os dois últimos robôs se defendiam contra inimigos que saíam pelos portões da cidade. A enorme nave esférica disparou em direção ao céu límpido e logo mergulhou nas profundezas do espaço.

Quando o intercomunicador soou, Sikermann franziu a testa. Ligou com um gesto contrariado.

— O que houve? Tenho que fazer com a pilotagem...

— Aqui fala do hangar. Tenente Worma. Um dos Girinos não está a bordo.

Sikermann quase ficou sem fala.

— O quê? — disse todo esbaforido. — Pois estavam todos.

— A K-7 está faltando. O comandante é o tenente Rous. Acho que havia recebido ordens de ficar do lado de fora, mas fui avisado pelo intercomunicador de controle de decolagem que todos os Girinos estavam a bordo...

— Que porcaria! — gritou Sikermann, esquecendo a boa educação. — Quem vai contar isso ao chefe? Este já tem tantas preocupações...

É claro que o tenente Worma não sabia responder a esta pergunta. Desligou.

Sikermann entrou em contato com a sala de rádio.

— Está em contato com a K-7, Stern?

O israelense demorou alguns segundos, depois respondeu:

— Sinto muito. Não consegui estabelecer comunicação.

Sikermann lançou um olhar obstinado sobre os controles e as telas, enquanto Mirsal III mergulhava cada vez mais profundamente no espaço.

O tenente Rous devia estar em qualquer lugar, lá embaixo. Se é que ainda existia...

 

Marcel Rous sabia perfeitamente que estava infringindo todas as ordens quando empurrou a alavanca de aceleração da K-7 para o máximo e disparou espaço afora, numa trajetória parabólica. Mas também sabia que Rhodan nunca lhe teria dado permissão para procurar os homens desaparecidos. Isso não decorria da insensibilidade de Rhodan, mas apenas do desejo inquebrantável de, em hipótese alguma, revelar a posição da Terra.

Um único prisioneiro que se encontrasse em poder do inimigo acarretava esse perigo. E o inimigo já possuía três prisioneiros. E, se conseguisse apoderar-se da K-7, seriam quinze.

E era bem possível que um dos quinze se dispusesse a falar.

Marcel Rous viu a Drusus desaparecer atrás de si quando seguiu a curvatura da superfície do planeta e voltou a mergulhar na sombra da face noturna.

Todos os campos defensivos haviam sido ativados; a sala de rádio não estava funcionando; a K-7 achava-se isolada do mundo exterior.

Marcel Rous tinha certeza de que seus tripulantes se voltariam contra ele se soubessem que estava contrariando as ordens de Rhodan. O fato de que o tenente apenas pretendia correr em auxílio dos três companheiros desaparecidos não modificaria a situação.

Não foi difícil reencontrar a cidade onde haviam ficado os dois robôs. Estavam intactos na praça do mercado, esperando. Marcel pousou junto a eles e recolheu-os a bordo. Ouviu atentamente seu relato.

— Nada de anormal — disse R-2 em tom indiferente. — Não houve qualquer ataque contra nós. Não encontramos o menor vestígio do cadete Becker e dos outros homens. Revistamos todas as casas dos arredores. A cidade está desabitada.

Marcel perguntou:

— E as sombras? Viram alguma sombra?

— Não senhor. A cidade está desabitada.

Rous praguejou baixinho e mandou os robôs ao hangar. Depois deu ordem para que o pequeno planador fosse preparado.

Os planadores tinham pouco menos de três metros de comprimento. Trabalhavam com base em campos antigravitacionais. Tinham lugar para dois homens e não se prestavam a longos vôos pelo espaço, porque não conseguiam ultrapassar a velocidade da luz. Mas eram os veículos ideais para os vôos de reconhecimento.

Marcel Rous escolheu um patrício, o cadete Debruque, para acompanhá-lo.

De certa forma, Debruque podia ser considerado um esquisitão, embora fosse um companheiro agradável. Dedicava seu tempo livre à arte ainda não extinta da pintura, e sentia um prazer imenso em retratar seus companheiros, se bem que estes afirmassem que não se reconheciam nos quadros. Isso não era de admirar, porque seguia o estilo da pintura abstrata.

Os dois homens mal conseguiram acomodar-se na cabine apertada. Rous pediu ao companheiro que não tocasse no equipamento de rádio. Deu ordem à K-7 para que o aguardasse no solo, e só em caso de emergência decolasse para entrar em órbita. O planador saiu em disparada da escotilha bem aberta e logo desacelerou, para sobrevoar as ruas bem iluminadas da cidade a apenas dois metros de altura.

Marcel Rous sentia-se seguro. Sabia que bastava mover uma alavanca para que disparasse espaço afora. Nenhum invisível conseguiria alcançá-lo tão depressa.

Subiu o suficiente para ver os quartos dos aposentos, que via de regra estavam bem iluminados. Às vezes, quando acreditava ter visto um movimento, parava. Mas todas as vezes acabou decepcionado. Os quartos estavam abandonados.

Durante duas horas percorreram a cidade em todas as direções. Rous convenceu-se de que por ali não havia um único ser vivo, com exceção dele mesmo e de seus companheiros.

Os invisíveis já deviam ter batido em retirada, pois do contrário há muito o teriam atacado e seqüestrado.

Decepcionado por não ter encontrado o menor vestígio dos companheiros, voltou à praça do mercado.

O que viu assustou-o tanto que ficou quase petrificado, não conseguindo fazer outra coisa senão arregalar os olhos em direção ao lugar em que estivera a K-7.

O Girino havia desaparecido.

 

— Rous deve ter enlouquecido! — gritou Sikermann em tom furioso. — Se eu conseguir agarrá-lo, poderá preparar-se para uma boa lição.

Deitado em sua cama, Rhodan olhou para a tela em que aparecia o rosto de Sikermann.

— Não sei se o senhor algum dia tornará a vê-lo, Sikermann — disse em tom tranqüilo. — Conhece os motivos de seu procedimento?

— Não tenho a menor idéia. Deve ter enlouquecido.

— Não acredito. Tenho a impressão de que pretendia libertar os três tripulantes de sua nave, por mais tresloucada que possa parecer essa pretensão. Achou que está apenas cumprindo seu dever, embora esteja desobedecendo às minhas ordens. Aguardemos para ver o que consegue, se é que vai conseguir alguma coisa. Mais novidades?

— Nenhuma — respondeu Sikermann um tanto perplexo. — Atingimos a órbita determinada pelo senhor.

Rhodan levantou-se e fez um gesto para Sikermann.

— Se precisar de mim, estarei no camarote de Marshall.

Não esperou que a tela se apagasse. Saiu para o corredor, deixou que o elevador o levasse a outro pavimento. Dali a alguns minutos, entrou no camarote do telepata, que já registrara mentalmente sua aproximação e por isso não se surpreendeu ao ver Rhodan.

— Tenho de tomar uma decisão — disse Rhodan, assim que se acomodou. — Devo continuar nesta posição desesperada, ou será preferível retornar à Terra? Qual é sua opinião?

Marshall parecia assustar-se.

— Será que o senhor quer desistir, chefe? Logo agora que Rous desapareceu com uma nave...

— Não é isso que torna difícil a decisão — disse Rhodan, corrigindo a idéia de seu mutante. — O cuidado exagerado do regente me fez perder a vontade de tirar as castanhas do fogo a favor de Árcon. Porém receio que um dia os invisíveis poderão descobrir a Terra...

— Com isso a decisão já deve ter sido tomada — disse Marshall.

— É o que acaba de dizer, Marshall. Chame os outros mutantes.

Manteve-se em silêncio até que todos estivessem reunidos no pequeno camarote: o japonês Tama Yokida, que ainda não tivera oportunidade de aproveitar suas faculdades; Ras Tschubai, que o salvara; Ralf Marten, cujas tentativas até então não haviam dado resultado; e Gucky, que parecia ter um respeito tremendo pelo inimigo.

Marshall manteve-se junto à porta.

— O Exército de Mutantes está pronto — disse, fazendo uma constatação supérflua.

Rhodan levantou a cabeça. Em seus olhos havia um brilho amistoso e uma ligeira esperança, quando fitou seus velhos amigos.

— Acho que nunca nos defrontamos com uma crise como esta — principiou; parecia olhar para além dos homens. — Pelo que diz o regente, o inimigo invisível já despovoou sistemas solares inteiros, sem que fosse possível fazer qualquer coisa. Nem quero imaginar o que acontecerá se os desconhecidos descobrirem a Terra. Por isso mesmo não posso realizar meu plano primitivo, que previa nosso regresso para Terrânia.

“É possível que um dos invisíveis se encontre a bordo da Drusus. Não temos a menor possibilidade de verificar se isso é verdade, pois a telepatia está falhando. Portanto, não temos outra alternativa: precisamos ficar aqui, até descobrirmos e desmascararmos o inimigo. Só podemos cogitar do regresso à Terra quando tivermos certeza absoluta de que os invisíveis abandonaram este sistema. Nem me atrevo a acreditar na possibilidade de destruirmos o inimigo.”

Gucky deixou pender o lábio inferior, com o que seu rosto matreiro adquiriu uma expressão muito triste.

— Por que tivemos de encontrar-nos logo com espíritos invisíveis? Bem que poderiam ser monstros, saltadores ou coisa que o valha. Estes eu vejo e posso atirá-los no sol mais próximo. Mas lidar com seres invisíveis... Brrrr....

— Saberemos como lidar com eles — disse Tama Yokida com a voz tranqüila. — Sempre conseguimos livrar-nos de todos os perigos.

— É fácil dizer isso — Rhodan parecia um tanto cético. — Ficar-lhe-ia muito grato se pudesse dar-nos ao menos uma dica de como podemos agir.

— Infelizmente não posso — confessou Tama cabisbaixo.

De uma hora para outra sua confiança parecia ter desaparecido.

— Vamos resumir — prosseguiu Rhodan. — Os invisíveis despovoam planetas e não se interessam pela matéria inorgânica encontrada nos mesmos. Nem chegam a tocar nas plantas; apenas querem saber dos animais e dos humanos. Só depois de terem sido atacados repetidas vezes pelos nossos robôs, passaram a defender-se. Assim provaram que sabem usar seus poderes sobre a matéria inorgânica. Acho que isso torna evidente que esvaziam os planetas para uma finalidade bem definida. Precisam de humanos e animais para alguma coisa. Mas não precisam da matéria inorgânica, pois só a destroem a fim de defender-se.

— E qual é a conclusão final? — perguntou Marshall.

— Ainda é cedo para extrairmos uma conclusão. Por enquanto só podemos registrar os fatos e formular suposições. A única coisa certa é que não podemos enfrentar os invisíveis, a não ser que queiramos expor-nos à derrota. Mas, além disso, temos certeza de que não conseguem pegar nenhum teleportador, se este saltar em tempo.

— Para nós as coisas estão boas — chilreou Gucky, olhando para Ras Tschubai.

O africano não respondeu. Olhava ininterruptamente para Rhodan.

— Se eu fosse você, não me gabaria — disse Rhodan, dirigindo-se a Gucky. — Caso eu resolva enviar um grupo de reconhecimento a Mirsal III, o mesmo seria formado por teleportadores.

Gucky sentou-se em cima da grossa cauda e fungou:

— Então é isso! Bem que deveria ter imaginado. Mas não conte comigo! Não luto contra fantasmas espaciais. É preferível que Ras vá. Quando os invisíveis o virem, seu aspecto bastará para meter-lhes medo.

— Se você for, eles talvez se traiam pelas risadas — contraveio o africano. — Mas é claro que estou disposto a ir, caso seja imprescindível, chefe.

Rhodan sabia que Gucky também não se recusaria a cumprir a ordem. Podia confiar nos seus mutantes.

— Talvez seja necessário, se Rous não voltar. Não quero arriscar a perda de uma nave — ouviu-se um zumbido e Rhodan virou-se para a tela. Sikermann olhou para dentro do camarote. Parecia exaltado. — O que houve?

— Talamon chamou. Quer falar com o senhor.

— Pois transfira a ligação, Sikermann. O imediato confirmou com um gesto de cabeça e desapareceu. Por alguns segundos, pontos e círculos coloridos correram sobre a tela. Aos poucos assumiram contornos definidos, que se transformaram num rosto.

Era o superpesado.

Seu rosto parecia zangado, mas nele se notava uma satisfação inconfundível.

— Rhodan, é o senhor?

— Pode falar, Talamon.

— Não o vejo. Ligue a câmara...

— Não estou na sala de rádio, Talamon. Fale, pois do contrário perderemos segundos preciosos. Por que não voltou a Árcon, conforme ordenou o regente?

— Obtive permissão para ficar mais dez segundos, porque descobri uma coisa estranha. Gostaria de informá-lo a este respeito.

— O que foi que descobriu?

— Uma nave desconhecida, Rhodan. Uma nave muito pequena. É achatada na parte traseira. Afasta-se do sistema a velocidade reduzida. O propulsor chamejante faz supor que se trate de um foguete rudimentar de combustível líquido, do tipo que os arcônidas costumavam usar na fase inicial da astronáutica. Acontece que isso já faz várias dezenas de milênios.

Rhodan manteve-se imóvel em sua cadeira. Fitou Talamon e lamentou que a comunicação visual fosse apenas unilateral. Depois de alguns segundos, indagou em voz fraca:

— Será que se trata de uma nave dos invisíveis?

Talamon hesitou um pouco.

— Foi o que acreditei, no início, mas agora já não posso imaginar que seja assim. Os seres, que sabem tornar-se invisíveis, devem ter desenvolvido uma tecnologia que está ao menos no mesmo nível da nossa. Não posso imaginar que rastejem pelo espaço em foguetes de combustível líquido, para serem alcançados facilmente. Com pouca velocidade nunca conseguiriam atingir outros sistemas.

— É verdade — admitiu Rhodan a contragosto.

No íntimo, preferia que Talamon tivesse descoberto, e com certeza, uma nave dos invisíveis.

— Mas quem poderia ser? Os habitantes de Mirsal III não conhecem a navegação espacial.

— Estou quebrando a cabeça sobre isso e não consigo encontrar nenhuma resposta. Será que você poderia dar um pulo até aqui? Estou seguindo o foguete numa distância adequada e não o perco de vista.

Rhodan hesitou um pouco.

Marcel Rous continuava na superfície de Mirsal III, onde cumpria uma missão desesperada, ou ao menos tentava cumpri-la.

“Poderia deixar para trás o valente oficial?”, pensou Perry.

Sem dúvida, o cadete violara suas ordens, mas os motivos que o fizeram agir assim eram honrados e altruístas. Em casos como este Rhodan costumava ser condescendente. Se estivesse no lugar do francês, dificilmente teria agido de forma diferente.

Tomou sua decisão.

— Estarei aí dentro de pouquíssimo tempo. Comunique sua posição exata a meu piloto. Ainda tenho que resolver um pequeno assunto.

A tela apagou-se e Sikermann entrou na linha.

Rhodan liquidou o “pequeno assunto”.

— Vamos pousar mais uma vez, Sikermann. Apenas por dez segundos. Depois decolaremos e seguiremos o curso que vá ter à posição que lhe for indicada por Talamon. Entendido?

— Mas...

— Nada de objeções, Sikermann. Sei perfeitamente o que estou fazendo. Dê partida e pouse em qualquer lugar da superfície de Mirsal III.

O rosto espantado de Sikermann desapareceu da tela.

— Era só o que faltava! — suspirou Gucky.

Espionara mais uma vez, e sabia quais eram os planos de Rhodan.

Enquanto a Drusus se precipitava em direção ao planeta e preparava um pouso apressado, Rhodan disse:

— Tama Yokida e Gucky saltarão para fora da nave assim que tocarmos o solo. Irei para junto de Talamon com a Drusus e voltaremos quanto antes. Gucky, você sabe perfeitamente que nem você nem Tama correm qualquer perigo. Mantenham ininterruptamente o contato físico, para que possam teleportar-se a qualquer momento. Nada lhes poderá acontecer. Manteremos contato telepático, Gucky. Seu elemento de ligação mental será Marshall. Tudo entendido?

Tama confirmou com um gesto. Gucky resmungou:

— Gostaria de saber por que se fala tanto sobre isso. Uma coisinha desta se liquida sem muito espalhafato.

Acontece que o lábio inferior ainda pendia muito para baixo, o que fazia com que suas palavras não parecessem muito convincentes.

A Drusus pousou e voltou a decolar dentro de dez segundos.

Gucky e Tama Yokida já não se encontravam a bordo.

 

Marcel Rous teve a impressão de que alguém lhe golpeara violentamente a cabeça e chegou a sentir fisicamente a dor.

Teria sua nave decolado sem ele? Era bem verdade que dera ordem para isso, mas nunca acreditara seriamente que o deixariam num aperto destes. Se surgisse algum perigo, deveriam decolar; foi o que disse. Teria havido algum perigo? Não havia o menor vestígio do mesmo. Mas, para um inimigo como aquele que estavam enfrentando, isso não significava nada.

Circulou várias vezes com a nave planadora em torno do lugar em que estivera a K-7. Estava desaparecida sem deixar o menor sinal de sua existência.

Debruque disse em tom tranqüilo:

— Agora estamos a sós neste planeta de fantasmas. O que vamos fazer? Sugiro que saiamos à procura da Drusus.

Isso não seria difícil, pois o planador dispunha de um equipamento de rádio. Se Rhodan permanecesse mais algum tempo no sistema, acabaria captando sua mensagem. Mas...

Marcel Rous sacudiu obstinadamente a cabeça.

— Ainda não atingimos nosso objetivo, Debruque. Vamos desistir sem mais nem menos? E quanto à K-7, essa gente que se encontra na sala de comando nos deve uma explicação. E pretendo obtê-la.

— Onde? — perguntou o cadete com a mesma tranqüilidade de antes.

Marcel Rous não respondeu. Deixou que a nave subisse um pouco, acelerou e dirigiu-se à cidade mais próxima, cujas luzes começaram a varar o crepúsculo dali a alguns minutos.

Quando já tinha descido e passava rente ao calçamento irregular, disse:

— Procuraremos em tudo quanto é lugar, Debruque. Se não os encontrarmos, deveremos dar com uma pista dos desconhecidos. Talvez tenham descoberto um método de desviar os raios de luz, mas devem ter um corpo. E é ali que reside minha última esperança.

— Não compreendo, tenente.

Um sorriso obstinado surgiu no rosto de Rous.

— Não se preocupe. Eu mesmo ainda não compreendi muito bem. Quando chegar o momento, hei de me lembrar de alguma coisa.

— Tomara — resmungou o cadete e passou a dedicar sua atenção às ruas vazias.

Estavam agora firmemente decididos a descobrir a pista que os levaria para junto dos desconhecidos.

Mas os dois homens sofreram uma decepção.

A cidade havia sido abandonada não apenas pelos seres vivos, mas talvez também pelos invisíveis.

Não sofreram um único ataque. Na próxima cidade deram uma volta e saltaram. Mantinham-se sempre preparados para correr à pequenina nave e decolar imediatamente. Talvez não conseguissem, mas a proximidade da nave dava-lhes um sentido de segurança.

Mas também nessa cidade não houve nenhum ataque.

Mergulharam nos raios do sol nascente e iniciaram a busca na face diurna do planeta. Aqui o trabalho foi mais fácil e rápido. O estranho eram as luzes acesas nas ruas abandonadas, e as luzes que não se apagavam nas residências desertas. Não havia ninguém que pudesse desligá-las.

Mas os invisíveis também haviam desaparecido.

Marcel Rous não desistiu. Pousou em todas as cidades, em todas as povoações e até diante de casas isoladas no campo. E o que encontrava era sempre a mesma coisa: residências abandonadas, estábulos vazios, um silêncio infinito e solitário.

Começou a acreditar que os invisíveis haviam abandonado o planeta Mirsal III, depois que nele não havia mais nenhuma criatura viva.

A invasão estava concluída, mas ninguém tomava posse do mundo conquistado.

“Por que foi conquistado?”, perguntou-se mentalmente.

 

Tama Yokida seguiu a Drusus com os olhos. Dentro de alguns segundos, a gigantesca esfera transformou-se num pontinho minúsculo que desapareceu no azul do céu. O japonês ainda segurava a mão de Gucky.

O rato-castor olhou para a Drusus. Preferiu examinar atentamente os arredores. Sabia que o invisível não poderia surpreendê-lo. Certa vez, já sentira sua aproximação e tomara suas precauções. E agora estava firmemente decidido a teleportar-se juntamente com Tama ao menor sinal de perigo. Em hipótese alguma os fantasmas conseguiriam pegá-lo.

Gucky constatou satisfeito que seu medo instintivo face ao misterioso e ao desconhecido estava desaparecendo. Se necessário, saberia como escapar. E essa certeza fez com que o rato-castor recuperasse o ânimo e a coragem que todo mundo estava acostumado a ver nele.

E a mudança de disposição de Gucky transmitiu-se ao japonês.

— Agora tudo depende de nós — cochichou este. — Aqui ninguém poderá fazer nada por nós. Se formos atacados, você terá que agir depressa, Gucky.

— Ninguém sabe ser tão rápido quanto eu — asseverou Gucky bastante orgulhoso. Olhou em torno. — Largaram-nos nestas montanhas, em vez de deixar-nos numa cidade. Mas por que não começar nossas investigações aqui mesmo? Talvez os desconhecidos tenham esquecido algum ermitão que vive nas cavernas. Nesse caso descobriremos o que aconteceu.

O japonês não compartilhava a esperança de Gucky, mas não se esforçou para convencê-lo do contrário, como costumam fazer as pessoas tolas e convencidas. Tama estava convencido de que a origem de todo o ódio e dos problemas da Terra residia no fato de os homens sempre se esforçarem a fim de obrigar aqueles que pensam de forma diferente a adotarem suas idéias.

Para não andar muito, Gucky realizou alguns saltos juntamente com Tama. Deslocavam-se por trechos que podiam ser abrangidos pela vista. Assim conseguiam vencer distâncias consideráveis sem se cansarem.

Já estava escurecendo quando chegaram à beira do planalto e olharam para uma ampla planície, em cujo centro havia uma cidade grande. Notaram perfeitamente que as luzes estavam acesas. Mas nada se movia.

Até então Tama não soltara a mão de Gucky por um instante sequer.

— Vamos dar uma olhada na cidade? — perguntou, já que perdera todo o medo dos desconhecidos. — Talvez encontremos alguma indicação.

— Gostaria de saber onde ficou esse tenente maluco — disse Gucky sem responder ao japonês. — Não pode ter-se dissolvido no ar juntamente com o Girino.

— Pode, sim, Gucky — disse Tama, manifestando um receio. — Já vimos provas de que os invisíveis sabem tornar a matéria invisível.

— Será que conseguem fazer isso com uma nave inteira? — perguntou Gucky em tom de dúvida.

Tama deu de ombros.

— Devemos contar com esta possibilidade.

Naquela hora não imaginavam que estavam chegando muito perto da terrível verdade.

 

Rhodan atingiu com a Drusus a posição que lhe fora indicada por Talamon. A Arc-Koor encontrava-se a pelo menos duas horas-luz de Mirsal III, tendo-se aproximado bastante do sol amarelo. Rhodan registrou o fato sem dizer uma palavra, mas em hipótese alguma ignoraria o mesmo.

Viu o segundo fenômeno estranho ao deparar-se com o misterioso foguete, que procurava afastar-se do sistema solar a uma velocidade que não excedia a quinhentos quilômetros por segundo.

Pretendia sair do sistema; e vinha do sol.

Mal Rhodan estabeleceu o contato, o superpesado apareceu na tela, não se fazendo esperar.

— Ainda bem que chegou, Rhodan. Neste meio tempo tive uma palestra com o regente. Quando o informei sobre o foguete rudimentar e manifestei a suspeita de que poderia tratar-se de uma nave dos desconhecidos, obtive permissão para continuar aqui com a Arc-Koor.

— Será que o regente adotou a mesma opinião que você? — indagou Rhodan num tom de verdadeiro espanto. — Acho impossível.

— Por quê?

— O computador pensa com muita lógica. Nunca admitiria que os desconhecidos correm de estrela para estrela em foguetes movidos a combustível líquido.

Um sorriso largo cobriu o rosto de Talamon.

— Não sei o que acredita o regente. Ele me deu ordem para examinar o foguete, mas proceder com muita cautela. Para isso seu apoio, Rhodan, será extremamente valioso.

Perry lançou um olhar para a outra tela. O pequeno foguete não se deixava perturbar: prosseguia na mesma rota, em direção a um destino desconhecido. Rhodan acreditou ter descoberto uma coisa: esse destino era Mirsal III, o mundo despovoado. O que poderia procurar lá?

— O que vamos fazer, Talamon?

— Vamos deter o foguete por meio de campos magnéticos...

— Sem qualquer advertência?

— Por que não?

Rhodan sacudiu a cabeça.

— Prefiro tentar antes estabelecer contato pelo rádio. Sabe, Talamon, não sou da mesma opinião que você; não acredito que este foguete seja uma nave dos desconhecidos. Minha teoria é totalmente diversa.

— Estou curioso para saber qual é a sua...

— Dentro de poucos minutos, poderei fornecer-lhe os cálculos precisos de rota de meu robô de navegação. Mas basta pensar numa coisa. O foguete está saindo do sistema solar e dirige-se a Mirsal III. Da velocidade reduzida conclui-se que seus ocupantes não podem ficar dando muitas voltas, pois com isso perderiam muito tempo. Portanto o foguete só pode vir do segundo planeta do sistema.

— Isso não é possível! — disse Talamon com uma risada. — O segundo planeta de Mirsal não é habitado.

— Consta que não é habitado — retificou Rhodan em tom tranqüilo. — E isso é uma diferença. Os arcônidas não se deram ao trabalho de revistar todos os planetas de cada sistema, além do que, os catálogos já são antiquados. Não devemos esquecer-nos disso. De qualquer maneira, estou convencido de que essa nave primitiva vem de Mirsal II.

Talamon refletiu por algum tempo e acenou com a cabeça.

— Talvez sua suposição seja correta, Rhodan. O que se concluiria dali?

— Várias coisas, segundo acredito. No mínimo devemos admitir que surgiu mais uma raça que tenta conquistar o espaço. Não sei quem são os habitantes de Mirsal II, mas o certo é que se trata de seres civilizados de categoria superior. Precisam de nosso auxílio, e não deveríamos assustá-los com um campo magnético. Vamos chamá-los pelo rádio; talvez respondam.

Talamon concordou. Mas antes que Rhodan pudesse transmitir as respectivas instruções à sala de rádio, chegaram os dados da sala de navegação.

O computador já havia concluído sem margem de erro que a rota do foguete correspondia à suposição de Rhodan. Vinha do segundo planeta do sol Mirsal e procurava atingir o terceiro planeta. Já devia estar a caminho há alguns dias e só chegaria a Mirsal III dentro de algumas semanas, a não ser que aumentasse a velocidade.

“Seria um foguete explorador, que se dirigia ao planeta vizinho?”, indagou-se Rhodan.

Não encontrou qualquer resposta certa; ficou limitado às suposições. Face a isso, julgou ainda mais importante entrar em contato com os desconhecidos.

Dirigiu-se à sala de rádio e controlou pessoalmente o trabalho dos homens que se encontravam ali. Mas, por mais que estes se esforçassem para obter alguma resposta às indagações irradiadas, os receptores da Drusus permaneceram mudos. Os construtores do foguete nunca haviam inventado as comunicações pelo rádio, ou então não queriam entrar em comunicação com os dois gigantes surgidos de repente do nada.

O objeto de aço prosseguiu obstinadamente na sua trajetória.

— Não adianta — disse Talamon, que já começava a impacientar-se. — Precisamos pará-lo. Quer que eu os recolha a bordo, ou você prefere cuidar disso?

Rhodan hesitou por um momento e voltou a contemplar o misterioso objeto de seus esforços.

A visão recordava aquilo que lhe acontecera há sete decênios, quando ele mesmo venceu num foguete igual a esse a distância, então considerada incomensurável, que separava a Terra da Lua. Aquele objeto prateado que se deslocava a menos de dois quilômetros de distância representava uma recordação. Mas, para os que o haviam construído, representava o início do futuro. Deviam sentir-se mais ou menos da mesma forma que ele, Rhodan, se sentira na época em que vira pela primeira vez a gigantesca nave esférica dos arcônidas, que realizara um pouso de emergência na Lua. Deviam experimentar os mesmos receios que ele experimentara naquela oportunidade.

Seus destinos eram perfeitamente iguais.

— Cuidarei disso — disse, respondendo à pergunta de Talamon.

 

Dali a algumas horas, Marcel Rous e Debruque tiveram cem por cento de certeza: em Mirsal III não havia mais nenhum habitante. O planeta havia sido abandonado tanto pelos antigos habitantes como pelos invasores, cuja tarefa parecia estar concluída.

Não sofreram qualquer ataque e podiam deslocar-se à vontade pelas cidades ou pelo campo. Encontraram um robô de combate da Drusus que vagava ao acaso, continuando a esforçar-se para descobrir o inimigo.

Gucky e Tama fizeram constatação idêntica à de Rous e Debruque. Efetuaram saltos de teleportação ao acaso, e não encontraram ninguém. Nem mesmo se depararam com as terríveis sombras. Nenhum impulso mental havia ainda chegado ao cérebro de Gucky. Mas quando o primeiro aconteceu, a surpresa foi enorme. Porém não houve motivo para pânico.

O último salto levou os dois mutantes ao cume de uma montanha defendida por uma poderosa fortaleza, que lembrava os velhos castelos europeus da Idade Média. Para as condições reinantes nesse planeta, devia representar uma importantíssima fortificação. Sem dúvida, costumava ser habitada pelos soberanos que governavam as terras circundantes. Agora estava abandonada sob os raios dardejantes do sol.

Gucky manteve-se parado e rijo no meio do grande pátio do castelo e levantou o olhar para as ameias. Tama encontrava-se a seu lado. Já não segurava a mão de Gucky.

— Por aqui não há ninguém — murmurou o japonês em tom inseguro. — Não vejo nada.

Gucky não respondeu. Dirigia sua audição para uma direção bem definida, encostando as orelhas à cabeça. Tama teve sua atenção despertada para o fato e lançou os olhos para a ponte movediça, que passava por cima do fosso profundo.

— O que houve, Gucky?

O rato-castor respondeu sem demonstrar a menor comoção:

— Há alguém por aqui. Não tenho certeza de quem seja, mas sei que não se trata de um invisível. Os impulsos do desconhecido são mais confusos, menos precisos. Acredito que seja...

— Olhe! — exclamou Tama e apontou ligeiramente para o lado, onde uma enorme torre formava a peça angular do bloco que constituía o castelo. — O que é isso?

Gucky seguiu a direção do braço. O sol caiu num objeto metálico que produziu reflexos ofuscantes. Gucky fechou os olhos e voltou a abri-los lentamente.

Só se via metade do objeto, já que a outra metade estava sendo encoberta pela torre. Tratava-se de algo metálico de formato cônico, que jazia imóvel no chão.

— Vamos até lá, Tama.

O japonês seguiu-o em atitude hesitante, com a mão sobre a arma.

Antes que atingissem a torre e conseguissem enxergar totalmente o objeto brilhante, Gucky disse:

— É o tenente Marcel Rous. Está revistando o castelo juntamente com outro homem.

Gucky concentrou-se para o salto, que se guiaria pelos impulsos mentais. Subitamente desmaterializou-se juntamente com o japonês.

Naquele instante Marcel Rous e Debruque estavam penetrando num enorme salão, vazio como os demais. As armas e outros pertences estavam encostados às paredes revestidas de madeira. Numa lareira aberta ardiam os restos de uma fogueira. Um resto de água evaporava-se num recipiente de cobre. Ainda há poucas horas deveria haver gente por ali. Mas depois essas pessoas foram levadas para um local indeterminado.

Para onde?

Marcel Rous lançou um olhar pensativo para a mesa comprida, sobre a qual se viam canecos e pratos de madeira. Parecia que um grupo alegre estava celebrando uma festa, no momento em que a desgraça ocorreu.

Marcel Rous estremeceu quando viu a luz tremeluzir entre o lugar em que se encontrava e a extremidade da mesma. Logo notou os dois vultos que se materializavam. Estendeu rapidamente a mão e cingiu o braço de Debruque.

— Não atire! É gente nossa. São mutantes.

Gucky e Tama surgiram diante dele.

— Debruque, o senhor deve estar vendo esse castelo como um filme do faroeste — observou Gucky em tom contrariado, passando os olhos pelo salão vazio. — Onde deixou sua nave, Rous?

O tenente já se recuperara da surpresa.

— O senhor nos encontrou muito depressa — disse para ganhar tempo. — O planeta está deserto. Revistamos tudo e não encontramos vivalma.

— Foi um trabalho muito bonito — elogiou o rato-castor em tom sarcástico. — Para isso não precisaria ter fugido. O que acha que o chefe vai dizer? E a K-7? Ah, o senhor não sabe? As coisas estão ficando cada vez “melhores”.

— Apenas quis ajudar meus companheiros desaparecidos — disse Marcel em tom obstinado. — Rhodan não me pode proibir que faça isto. Bem, a K-7 desapareceu. Seria preferível que vocês me ajudassem a encontrá-la.

— Nestas duas horas revistamos toda a superfície de Mirsal III, mas não vimos o menor sinal de um Girino.

— Será que os invisíveis levaram a nave?

— Devem ter alguma coisa a ver com isso — confirmou Gucky, e arrastou-se em atitude resoluta em direção à saída, que levava para um largo corredor. — Vamos dar uma olhada no castelo. Ainda espero encontrar um mirsalense abandonado. E tenho a impressão de que por aqui há um.

— Aqui no castelo? — perguntou Rous em tom de dúvida. — Andamos por toda parte.

— Será? — perguntou Gucky e ordenou os impulsos mentais que atingiam sua mente, e que se tornavam cada vez mais fortes. Para o rato-castor, parecia que alguém estava despertando de um sono profundo e voltava a pensar.

— Você esteve nos subterrâneos? Uma vez que a parte oficial da palestra havia chegado ao fim, Gucky voltou a usar o você, conforme era usual no grupo.

Rous sacudiu lentamente a cabeça e seguiu Gucky, que já se encontrava no corredor. Desceram pelos largos degraus de pedra. Tama e Debruque iam na retaguarda.

À medida que desciam, a escuridão aumentava. Felizmente Marcel possuía uma lanterna potente. Já deviam encontrar-se sob a superfície de Mirsal III, mas continuavam a descer. Parecia que os degraus levavam ao centro do planeta, ou ao menos penetravam profundamente na montanha sobre a qual fora erguido o castelo.

Finalmente os degraus chegaram ao fim. O corredor avançava em linha reta. O ar era abafado, pois havia grandes dificuldades para ser renovado. Mais adiante ouviu-se um ruído.

Gucky continuou a avançar impassivelmente.

— Não se preocupem; é um prisioneiro. Os invisíveis certamente não o encontraram.

Viram-se diante de uma porta feita de pedra.

— Saltarei para o interior do recinto atrás desta porta — sugeriu Gucky, mas Tama segurou-o pelo braço.

— Por quê, Gucky? Por que não vamos logo? Deixe-me abrir a porta.

O rato-castor desconfiou do verdadeiro motivo daquele pedido e concordou com um gesto.

“Por que não dar uma oportunidade para que Tama se distinga?”, pensou.

O japonês tentou a telecinese, mas não conseguiu arrombar a fechadura metálica. Recorreu a um meio mais rigoroso. Tama adiantou-se ligeiramente e pegou o radiador térmico. Com um raio bem concentrado derreteu a fechadura. O calor liberado com o fenômeno chegou até a ser agradável naquele ambiente frio.

A pesada tranca começou a derreter. Finalmente os restos da mesma caíram ao chão, juntamente com alguns grampos e correntes. O mutante suspirou aliviado; recuou e deixou que os outros passassem.

Gucky conseguiu abrir a porta para dentro. Esta girou pesadamente nos gonzos, e acabou cedendo.

Os três homens olharam tensamente para o calabouço, por cima dos olhos de Gucky.

A princípio, não viram ninguém. As correntes encontravam-se jogadas junto às argolas embutidas na parede, por cima dos solitários leitos de palha. As tigelas de madeira davam mostras de que ali já houvera prisioneiros, que viviam em condições desumanas.

— É lá adiante — cochichou Gucky e foi caminhando à frente dos outros.

Só agora os outros viram.

O calabouço não estava inteiramente vazio. Um prisioneiro ficara para trás. Deitado sobre a palha meia apodrecida, fitou-os com os olhos arregalados, nos quais se lia o pavor. As roupas esfarrapadas davam mostras de que fora preso em condições dramáticas. O braço direito numa tipóia ensangüentada confirmava essa suposição.

— Este homem não sabe de nada — disse Gucky, que perscrutara os pensamentos do prisioneiro. — Está aqui há algumas semanas, e aguarda a sentença. Provavelmente os invisíveis nem chegaram a examinar este subterrâneo. Se não o tivéssemos encontrado, morreria de fome.

Com o auxílio de Tama, as correntes de ferro foram arrebentadas imediatamente. O miralense, que media um metro e meio de altura, ficou petrificado. Talvez acreditasse que sua hora havia soado, e qualquer reação seria inútil. Gaguejou algumas palavras. Gucky compreendeu, mas não respondeu, embora também dispusesse de uma reduzida capacidade hipnótica. Caso o rato-castor quisesse, não teria maiores dificuldades em comunicar-se.

Dali a dez minutos, o grupo estava reunido no pátio do castelo. Espantavam os últimos resquícios do calafrio que lhes sacudia o corpo. De repente, Marcel Rous perguntou:

— O que vamos fazer? A nave planadora é muito pequena para levar todos. Será que devemos separar-nos?

— Por quê? — perguntou Gucky em tom de espanto. — Não existe um transmissor em sua nave? Pois então. Vamos entrar em contato com Rhodan e pedir que venha buscar-nos. Esperaremos aqui no castelo.

O tenente parecia deprimido.

— O que será que o chefe vai dizer quando eu voltar sem a K-7?

O rosto de Gucky não traiu a menor emoção.

— Não demoraremos a descobrir, tenente. Se fosse o senhor, não me alegraria muito por rever Rhodan. Fique pensando numa boa desculpa. Farei o contato com a Drusus.

Tama ficou cuidando do prisioneiro libertado, enquanto Gucky e Debruque entraram na nave auxiliar, a fim de chamar a Drusus.

 

A mão, que se dirigia ao intercomunicador, parou a meio caminho. Rhodan não chegou a executar o movimento.

Seus olhos viram algo que não precisava de explicação.

A bordo da Arc-Koor, Talamon viu a mesma coisa.

A popa do pequeno foguete, que parecia imobilizado entre os dois gigantescos veículos esféricos, começou a desmanchar-se. De início parecia que um tremeluzir quase invisível envolvia a ponta prateada e obtusa. Depois esta começou a desaparecer, como se resvalasse relutantemente para uma outra dimensão. A horrível transformação foi progredindo centímetro após centímetro; mas a progressão foi contínua e ininterrupta.

Mais uma vez os invisíveis estavam atacando.

Rhodan levantou-se de um salto e correu para a sala de rádio.

— Talamon! — gritou e esperou que o rosto largo do superpesado surgisse na tela. — Você viu?

— Vi tão bem quanto você, Rhodan. O que vamos fazer?

Com um movimento apressado, Rhodan afastou os cabelos castanho-escuros da testa.

— Bem que gostaria de saber!

Surgiu uma pequena pausa, durante a qual mais um centímetro do foguete foi devorado pelo poder invisível. Diante do rádio, David Stern subitamente ficou agitando os braços.

Rhodan soltou os fones e disse:

— Um instante, Talamon. O que houve, Stern?

— Estão transmitindo sinais! — exclamou o operador de rádio. — Os ocupantes do foguete estão chamando. Não consigo entender a mensagem, mas não há a menor dúvida de que provém do foguete.

— O senhor ouviu, Talamon — disse Rhodan, voltando a dirigir-se à tela. — E agora? Como poderíamos protegê-los contra o ataque dos invisíveis, se não sabemos como atacá-los?

— Vamos dar-lhes cobertura de fogo — respondeu Talamon em tom lacônico e zangado. — Envolvemos o pequeno foguete com um cinturão de raios energéticos. Só se estivermos lidando com o demônio isso não dará resultado.

— Está certo! — respondeu Rhodan. — Permaneceremos em contato.

Sem aguardar resposta, Rhodan correu para a sala de comando e transmitiu as instruções que se tornavam necessárias. Menos de trinta segundos se haviam passado desde o início do ataque desfechado pelos invisíveis. Quase um metro da popa já havia desaparecido. Rhodan admirou-se de que demorasse tanto, mas ficou apavorado ao notar que o processo começava a entrar num ritmo mais acelerado. Antes que sua ordem de abrir fogo chegasse aos postos de combate, o foguete havia encurtado dois metros.

A distância entre a Arc-Koor e a Drusus era inferior a três quilômetros. Entre as duas naves pairava o pequeno foguete, que estava sendo atacado pelos invisíveis. O inimigo medonho devia encontrar-se entre os dois couraçados. Para não exporem suas naves a qualquer perigo, Talamon e Rhodan subiram um pouco, a fim de que o alvo ficasse embaixo deles.

As baterias abriram fogo e foi um inferno...

Um anel chamejante circulou o pequeno foguete. Este se mantinha imóvel, como que envolto numa auréola criada pela tecnologia moderna, que trazia coisas boas e más. Os raios de impulsos percorriam o trecho desimpedido que os separava do alvo; não havia nada que se interpusesse no seu caminho. Os atacantes não eram apenas invisíveis, mas também imateriais.

Simplesmente não existiam, mas estavam ali.

Com os olhos semicerrados, Rhodan contemplou o estranho fenômeno. Três metros da popa do foguete já se haviam tornado invisíveis.

Rhodan ativou os raios antigravitacionais, formando o respectivo campo, cuja ação atingiria qualquer tipo de matéria. Mas as telas de localização não registraram a presença de partícula nenhuma entre a Drusus e o foguete. Não havia qualquer espécie de matéria entre ambos.

— Voltei a sentir impulsos mentais — cochichou John Marshall, que se mantinha logo atrás de Rhodan, acompanhando o espetáculo em silêncio. — Estes impulsos vão e voltam como as ondas do mar. Às vezes são fortes, mas totalmente incompreensíveis. Poder-se-ia pensar que um aparelho de distorção foi intercalado nos mesmos. Mas isso é impossível.

— Nada é impossível! — murmurou Rhodan e viu mais um metro da popa do foguete sumir. — Estamos impotentes. Não podemos auxiliá-los.

Levantou-se e dirigiu-se a David Stern. Talamon não estava na tela, mas Rhodan viu um arcônida sentado diante do equipamento de rádio da Arc-Koor.

— Chame Talamon! — pediu Rhodan. O arcônida confirmou com um gesto e desapareceu. Dali a cinco segundos, o rosto do superpesado surgiu na tela.

— Sim, Rhodan?

— Não adianta. Não temos nenhuma arma com a qual possamos lutar contra os invisíveis. Não podemos auxiliar a tripulação do foguete.

— Caramba! Que perigo isso não representa! Que seres serão estes, que nem se defendem, mas contra os quais não podemos fazer nada?

Rhodan deu de ombros.

— Pelo que diz o regente de Árcon, já há dez anos o mesmo procura vencer os invisíveis. É claro que nós não poderíamos fazê-lo num dia.

Talamon passou a mão pela barba. Em seus olhos brilhou algo que parecia medo, mas procurou não trair sua fraqueza.

— O senhor tem os mutantes, Rhodan!

Havia nesta afirmação algo que revelava ao mesmo tempo a impotência do superpesado e dos arcônidas. E indiretamente também revelava a impotência do gigantesco centro de computação de Árcon.

— De que servem os mutantes, se os mesmos não conseguem ver, sentir ou imaginar o inimigo? Como é que um teleportador pode atingir certo alvo que nem sequer existe? Ele apenas saltará no vazio. Os invisíveis nem sequer irradiam verdadeiros pensamentos, que permitissem a localização goniométrica. Como é que um telecineta pode agarrar alguma coisa que não existe? Não, Talamon; devemos dar-nos por vencidos.

— Ora, Rhodan! — a voz de Talamon parecia amargurada e desesperada. — Será que vamos desistir? A existência da Via Láctea depende de nós!

Rhodan lançou um olhar de esguelha para a tela da sala de comando. Viu que o inferno chamejante de energia estava fechado. Não havia mais nada que pudesse atingir o pequeno foguete sem ser destruído. Tudo teria de dissolver-se, com a força concentrada dos raios energéticos. E do foguete só restavam vinte metros.

— Não, Talamon, não vamos desistir. Apenas, perdemos a luta pelo foguete. Os valentes astronautas de Mirsal II tiveram de pagar com a vida a tentativa de atingir o planeta vizinho. E nós estamos a seu lado e nada podemos fazer por eles. São capazes de pensar que nós somos os agressores implacáveis.

— Se é que perceberam alguma coisa do ataque! — disse Talamon.

— Se não tivessem percebido, não teriam emitido mensagens de socorro.

— Será que realmente pediram socorro? — perguntou o superpesado em tom de dúvida. — Ninguém soube interpretar os sinais. Aliás, já silenciaram.

Rhodan acenou lentamente com a cabeça.

— Vamos suspender o fogo de barragem. Apenas estamos desperdiçando energia.

Rhodan viu que os invisíveis já estavam atingindo a proa do foguete. Mais alguns segundos, e a vítima foi totalmente devorada.

Nas telas da Drusus, o ponto que representava o foguete ia diminuindo. Enfim desaparecendo por completo.

O pequeno foguete de quarenta metros de comprimento, carregado de esperança de um futuro melhor, deixara de existir.

— Bem, não sabemos o que aconteceu com os seres que se encontravam a bordo do foguete. Será que realmente morreram? Ou apenas se tornaram invisíveis aos nossos olhos e indetectáveis pelos nossos instrumentos. Gostaria de fazer mais uma pergunta importante: Será que este foguete é o único que decolou de Mirsal II?

— Foi justamente por isso que mandaram que eu esperasse.

— Isso mesmo, Talamon. Faremos uma visita a Mirsal II e...

Alguém o interrompeu. A voz exaltada de Sikermann veio da sala de comando.

— Localizações em direção de Mirsal II. Deve ser uma frota inteira.

Rhodan lançou um ligeiro olhar para Talamon.

— Um momento — disse em tom indiferente. Com alguns saltos, pôs-se ao lado de Sikermann. — O que houve? Onde?

E ele mesmo viu.

As telas de localização mostravam ao menos cinqüenta pontos que se moviam lentamente. Seus tamanhos já haviam crescido o suficiente para que pudessem ser registrados nas telas óticas. Alguns movimentos permitiram a transformação. Em vez de uma série de pontos, dali a alguns segundos minúsculos foguetes surgiram na tela abaulada. Rhodan viu ao primeiro relance de olhos se tratar de foguetes do mesmo tipo daquele que acabara de desmaterializar-se diante de seus olhos.

— Ao que parece, estão fugindo — murmurou. — Talvez Mirsal II também esteja sendo atacado pelos invisíveis. Sikermann! Prepare uma transição ligeira em direção a Mirsal III. Precisamos pegar Gucky e Tama. Tentaremos encontrar a K-7. Depois voltaremos para cá. Rápido! Transição dentro de cinco minutos.

Não aguardou a confirmação do imediato; retornou à sala de rádio.

— Espere aqui mesmo, Talamon! — disse; o tom de sua voz soara como uma ordem. — Vou buscar meu pessoal que se encontra em Mirsal III e voltarei para cá. Falaremos em conjunto com o regente.

— Está bem, Rhodan; esperarei.

Rhodan suspirou aliviado. Pela primeira vez seu rosto descontraiu-se um pouco, enquanto dizia:

— Não se preocupe, Talamon; conseguiremos. Não levaremos dez anos para desmascarar os invisíveis. Basta que tenhamos um pequeno ponto de apoio; uma vez obtido este, devemos explorá-lo. Antes de mais nada, precisaremos saber quem são eles e de onde vêm. Acho que este é o problema mais premente. De onde vieram? De que parte da Via Láctea são originários? Quando soubermos disso...

— O que acontecerá se tiverem vindo de outra Via Láctea?

— Será que o senhor realmente acredita nessa possibilidade?

— Será que existe algo que seja impossível? — perguntou de seu turno o superpesado.

Rhodan preferiu não responder. Sabia perfeitamente que não existiam impossibilidades. Estas já haviam deixado de existir.

Despediu-se com um ligeiro movimento de cabeça e voltou para junto de Sikermann.

— Tudo pronto?

— Faltam trinta segundos — respondeu o imediato e falou próximo do intercomunicador, a fim de melhor transmitir suas instruções aos tripulantes. — Dentro de vinte e cinco segundos, realizaremos uma transição de duas horas-luz.

Rhodan sentou e fez um sinal para Marshall.

— Entre imediatamente em contato com Gucky. Não podemos perder tempo.

— Mais dez segundos — disse Sikermann em tom indiferente.

 

Com um nervosismo cada vez mais intenso, Talamon fitou o espaço vazio em que pouco antes se encontrara a imensa Drusus. Dois minutos haviam passado desde a transição.

“Quanto tempo levaria Rhodan para trazer seus homens que se encontravam em Mirsal III?”, pensou o superpesado.

Talamon poderia ser tudo, menos medroso. Durante milênios seu clã comboiara as naves mercantes dos saltadores, e enfrentara muitas dificuldades. Nos últimos decênios, o ambiente no Império tornou-se mais pacato, muito embora a guerra ininterrupta com os piratas nunca chegasse ao fim.

Não; até então Talamon não conhecera o medo. Mas desde ontem sabia o que significava o medo. O encontro com o perigo invisível sacudira e despertara sua mente.

O som estridente das campainhas de alarma arrancou-o de seus pesadelos.

— Setor 18-b-9! Alarma! — gritou uma voz nos seus ouvidos. Vinha do intercomunicador. — O engenheiro-chefe está desaparecendo...

Parecia que o coração de Talamon queria saltar do peito. Seu rosto perdeu a cor.

— Quem esta falando?

— O tenente Rab-Ort, da divisão técnica. Ele só existe da cintura para cima.

— Quem?

— O engenheiro-chefe Morlag. Suas pernas tornaram-se invisíveis.

Talamon empurrou violentamente uma chave e berrou para dentro do microfone:

— Transição a curta distância! Dentro de cinco segundos...

A Arc-Koor desmaterializou-se.

Talamon não se preocupou com a navegação, que ficou a cargo de seus oficiais. Levantou-se de um salto, saiu para o corredor e precipitou-se para o interior do elevador antigravitacional. Trinta segundos depois da transição chegou ao setor 18-b-9 e estacou junto a porta bem aberta.

Não acreditava no que seus olhos viam.

O tenente Rab-Ort estava encostado a um painel de controle, pálido como cera e tremendo que nem vara verde. Os olhos arregalados de pavor daquele arcônida relativamente jovem fitavam o homem deformado e estendido no chão.

Estava morto.

Talamon sabia que um trecho de mais de três horas-luz o separava do local do ataque. Os invisíveis não conseguiriam localizar tão depressa a nova posição da Arc-Koor; era ao menos o que esperava. Portanto, teria tempo.

O homem estendido no chão era o engenheiro-chefe Morlag. A boca e os olhos estavam abertos. Davam mostras do imenso pavor que se apossara dele no último segundo de vida, e da dor cruciante que devia ter atravessado seu corpo.

— O que houve? — perguntou Talamon com a voz débil. — Rab-Ort, procure controlar-se! Todos os detalhes são importantes. Qualquer indicação poderá elucidar nossa situação.

O superpesado sentiu que subitamente se tornava frio e objetivo. O temor havia desaparecido; só restava a vontade férrea de dar uma pequenina indicação a Rhodan.

— Fale logo! Não podemos perder um segundo sequer! O que aconteceu no momento da transição?

O corpo do arcônida descontraiu-se. A calma que irradiava de Talamon estendia-se a ele. Com a voz débil disse:

— Morlag estava de pé ali, quando começou. Olhei por acaso e vi que suas pernas se tornavam invisíveis. Ao que parecia, ele mesmo não percebeu nada, pois continuou tranqüilamente no seu trabalho. Tinha-se a impressão de que estava flutuando no ar, sem pés.

— Continue! — pediu Talamon em tom impaciente. — Fale logo!

— Gritei alguma coisa para ele. Olhou pelo corpo abaixo e soltou um grito de pavor. Foi então que dei o alarma. Dominado pelo pânico, Morlag corria desesperada-mente de um lado para outro. Conseguia correr, embora suas pernas tivessem desaparecido quase por completo. Mas parecia que seus movimentos eram pesados, como se caminhasse numa lama invisível.

— Ah! — exclamou Talamon.

O cérebro do superpesado registrou a primeira indicação.

— Depois veio a transição. Subitamente Morlag soltou um grito de dor. Vi que a parte invisível de seu corpo fez o possível para não soltar a parte visível. Sim, foi isso mesmo. Os invisíveis procuraram segurá-lo, mas a transição foi mais forte. Os invisíveis tiveram de soltá-lo, mas isso só aconteceu dali a um segundo. Nunca me esquecerei do grito de morte de Morlag.

O arcônida cobriu o rosto com as mãos e pôs-se a soluçar. Talamon aguardou pacientemente; sabia que, se estivesse no lugar dele, não agiria de outra forma.

Além disso, aquilo que via lhe dizia bastante. Na verdade, contava o resto da história. Morlag, que antes media dois metros de comprimento, tinha agora dois metros e meio.

Sem dizer mais uma palavra, Talamon retirou-se.

Voltou à sala de comando. Mantendo a mão pousada na alavanca de transição, aguardava impaciente o retorno de Rhodan.

 

David Stern captou as mensagens de socorro de Debruque e, dali a cinco minutos, localizou o castelo. A nave desembarcou um Girino, que recolheu os homens juntamente com Gucky. E o mirsalense libertado — provavelmente o único que restava de seu povo — foi colocado em segurança.

Da K-7 não se via o menor sinal. Rhodan assistira ao desaparecimento do foguete de Mirsal II, e desistiu de toda esperança de reencontrar o Girino. Fora levado pelos invisíveis.

Assim que a manobra de recolhimento do Girino foi concluída, Stern anunciou a nova posição da Arc-Koor. Rhodan modificou a rota de transição e a Drusus efetuou o salto.

Suspirou aliviado quando viu a grande esfera espacial dos arcônidas surgir a menos de um segundo-luz. O rosto do superpesado fitou-o das telas.

Talamon relatou o que havia acontecido. Quando soube da morte cruel do arcônida, o rosto de Rhodan tornou-se duro e fechado. Mas não se esqueceu de nenhum detalhe e procurou tirar suas conclusões. Sua voz parecia embaraçada quando disse:

— Quer dizer que uma transição só resolve a situação se é realizada em tempo. Não devemos esquecer isto. Entre em contato com Árcon, Talamon. Quero falar com o regente.

Talamon fez um gesto afirmativo e transmitiu as ordens necessárias. Quando a semi-esfera de aço surgiu nas telas da Arc-Koor e da Drusus, o rosto de Perry parecia controlado e indiferente. A conversa ficou a cargo de Rhodan.

— Já tivemos o primeiro encontro com os invisíveis, regente. O planeta Mirsal III foi despovoado. Não conseguimos impedi-lo. Dos nossos cálculos cibernético-psicológicos resulta com alguma segurança que o próximo objetivo dos desconhecidos será Mirsal II. Pelos catálogos de Árcon, esse planeta é desabitado. Todavia, temos provas de que o mesmo é povoado por uma raça que se encontra nos estágios iniciais da navegação espacial.

— Não posso proibir que você faça o que entender — disse a voz mecânica do computador. — Mas Talamon levará a Arc-Koor de volta para Árcon.

— Não! — disse Rhodan em tom áspero. — Talamon ficará comigo, para tentarmos juntos vencer os invisíveis. Só assumirei o risco se contar com o apoio do Império. É uma questão de princípio, regente.

— Não podemos arriscar levianamente uma nave como a Arc-Koor...

— Será que você só tem uma nave? — perguntou Rhodan em tom sarcástico. — Será que por causa de uma nave você vai arriscar a existência da Via Láctea?

O computador decidiu numa questão de segundos.

— Está bem, Rhodan. A Arc-Koor ficará com você.

— Assumirei o comando sobre a Arc-Koor, regente. Talamon ficará submetido a mim.

— Não posso...

— Pode, sim, regente! Talamon deseja obedecer a mim. Não é possível que a ação seja dirigida simultaneamente por dois comandantes de igual graduação. Só uma pessoa pode mandar, regente.

Mais uma vez, o computador não levou mais de um segundo para realizar todos os cálculos e anunciar o resultado.

— Sua exigência foi aceita, Rhodan. A Arc-Koor está submetida a seu comando. E atrás de você está todo o poderio de Árcon. Liberte-nos da ameaça dos invisíveis, Rhodan!

— O que acontecerá depois disso, regente?

Desta vez, a resposta foi dada sem a menor hesitação.

— Conversaremos sobre a união de Árcon e da Terra.

Rhodan confirmou com um gesto. Em seus olhos surgiram um brilho quase imperceptível, que revelava o triunfo secreto do terrano. Estava prestes a atingir o objetivo tão ansiado. Mas antes disso seria necessário derrotar os invisíveis.

— Voltaremos a chamar quando deixarmos Mirsal II, regente, seja qual for o resultado. Assim que precisar de auxílio, avisarei.

— Basta ordenar, Rhodan — disse a voz indiferente do computador.

Depois a tela apagou-se.

Por alguns segundos reinou o silêncio; a seguir, Rhodan fitou os olhos de Talamon, nos quais se via uma expressão de expectativa. De repente sorriu, e o superpesado também exibiu um sorriso de alívio.

— Meus parabéns — disse Talamon.

Rhodan ainda estava sorrindo quando respondeu:

— Vamos aguardar para ver se realmente mereço parabéns. De qualquer maneira, nos próximos dias dificilmente teremos motivos para alegrar-nos. Horas difíceis virão, velho amigo. Mas a idéia de podermos contar com o poderio de Árcon facilitará nossa tarefa.

De repente fitou para além de Talamon, encontrando o olhar indagador de Sikermann.

— Siga as instruções que eu der ao meu imediato, Talamon. As coordenadas valem para os dois.

— Iremos diretamente para Mirsal II? — perguntou o superpesado.

— Sim, diretamente. Se conseguirmos tornar visível o perigo invisível, o mesmo já terá perdido seu aspecto apavorante. É o que devemos tentar. Até logo mais, Talamon.

— Até logo mais — respondeu o superpesado.

Sua voz parecia embaraçada, embora os olhos estivessem sorrindo.

Rhodan voltou à sala de comando. Encontrou John Marshall.

— Então, Marshall? Como vai o mirsalense libertado?

John Marshall deu de ombros.

— Não sabe contar nada que nos possa interessar, pois estava encarcerado há muitos dias. Sinto muito, chefe, mas sua história não nos fará avançar um passo.

— Nada sabe contar... — enfatizou Rhodan e transmitiu suas instruções a Sikermann. — Em Mirsal II encontraremos as pistas de que precisamos.

Sikermann retirou do pequeno computador de pilotagem as coordenadas já calculadas. Estas foram transmitidas à Arc-Koor.

Gucky escorregou do sofá e aproximou-se, caminhando com as pernas abertas. Parou à frente de Marshall e Rhodan.

— Esse Talamon está com um medo terrível — chilreou com a voz melosa.

Rhodan viu que a Drusus se aproximava do segundo planeta do sistema. A Arc-Koor seguiu-a, conforme fora combinado. Rhodan baixou a cabeça para fitar Gucky. Seus olhos tremiam ligeiramente.

— Ah, é? — disse, inclinando-se um pouco na direção do rato-castor. — E você?

Gucky espantou-se com a pergunta. Bastante embaraçado, passou a mão nos pêlos marrom-avermelhados. Subitamente uma expressão de triunfo surgiu em seus olhos leais. O dente roedor fez sua aparição, dando mostras do excelente humor de seu dono.

— Eu? — repetiu Gucky, esticando a palavra e deslocando-se em direção ao sofá. — O que poderia estar acontecendo comigo? Afinal, não sou nenhum superpesado.

Dito isto, saltou para o sofá, deitou-se e não quis ver mais nada do mundo que o rodeava.

Marshall sorriu.

Acontece que Rhodan já se havia esquecido de Gucky. Seus olhos estavam pousados na tela, onde Mirsal II ainda não passava de uma estrelinha.

Era uma estrela para a qual os invisíveis estendiam as mãos.

 

                                                                                            Clark Darlton

 

 

                      

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