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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A Morte Não Espera no Semi Espaço / Kurt Mahr
A Morte Não Espera no Semi Espaço / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A Morte Não Espera no Semi Espaço

 

Num planeta situado no semi-espaço, tornavam-se verdadeiros gigantes.

Para dois grandes líderes do Império Solar, o ano 2.042 era uma data decisiva. Era exatamente o ano em que Perry Rhodan e Reginald Bell deviam impreterivelmente se submeter a uma segunda ducha celular, se não quisessem, dentro de poucos dias, ter um fim verdadeiramente lastimável!

Levando em conta o fato de que a trajetória elíptica do planeta da imortalidade já tinha sido bem calculada, e o de que a terapia celular de outros homens de grande merecimento havia sido renovada sem nenhuma complicação, Perry Rhodan não viu razão para antecipar sua partida para o planeta Peregrino...

No entanto, a corrida desenfreada através das dimensões lhe veio mostrar o engano...

Para conseguir chegar ao planeta da imortalidade, dentro do prazo certo, era-lhe necessário passar pelo semi-espaço, ou espaço intermediário, pela região incerta e instável entre a quarta e a quinta dimensão. Mas, no semi-espaço, a morte espreitava...

 

                                                  

 

Olhando para a tela verde-escura do aparelho de rastreamento, Perry Rhodan constatou que, no local onde devia estar um planeta, o espaço achava-se completamente vazio.

Ainda há pouco, o supercouraçado Drusus havia realizado uma transição de alguns anos-luz do local onde estava agora. Esta transição deveria ter terminado num âmbito de dez minutos-luz do local, onde, conforme os cálculos dos matemáticos, se encontraria no momento o misterioso planeta Peregrino. Neste planeta é que existia o fantástico fisiotron, conservador da juventude.

Só no Planeta Peregrino é que havia a tal instalação miraculosa, capaz de injetar nas células do corpo humano uma nova substância para protegê-las contra o envelhecimento. Ele, o senhor do planeta Peregrino, a conscientização acumulada de uma raça há muito extinta, tinha concedido a Rhodan o privilégio de se submeter ao tratamento da ducha celular, pela primeira vez, privilégio este que Rhodan podia outorgar a seus companheiros, caso julgasse conveniente. Isto exatamente há sessenta e dois anos.

Com toda clareza, o Ser lhe explicara sobre a necessidade da renovação do tratamento antes do término destes 62 anos, caso não quisesse envelhecer de uma hora para a outra. Os sessenta e dois anos expirariam dentro de oito dias.

Perry Rhodan perdera um tempo precioso procurando a posição do planeta Peregrino numa dimensão temporal errada. Somente agora, no último minuto, foi que lhe chegou às mãos a indicação da posição galáctica do planeta Peregrino. A espaçonave partira imediatamente.

Estudando-se a situação com calma, chegar-se-ia à conclusão clara de que o planeta Peregrino se encontrava, no máximo, a uma distância de dez minutos-luz, ou seja, a cento e oitenta milhões de quilômetros do supercouraçado Drusus. Assim diziam as informações do robô dos druufs, recentemente capturado, não restando nenhuma dúvida quanto à exatidão dos dados.

No entanto, apesar de Perry Rhodan haver ampliado o raio de alcance do aparelho de rastreamento para vinte e cinco minutos-luz, não via nada. O espaço continuava vazio e morto.

 

A sala de comando da Drusus estava completamente lotada.

Intensa atividade reinava em todos os setores de cujos aparelhos se pudesse esperar qualquer solução para o inquietante mistério do desaparecimento do planeta. Rastreadores, goniômetros de ondas curtas ou de hiper-rádio varriam a imensidão do espaço, mas não havia eco em parte alguma. Continuava o incompreensível desaparecimento do planeta Peregrino.

Entrementes, o setor de astronavegação comunicava que a transição tinha sido perfeita e que o supercouraçado se encontrava, com uma margem desprezível de erro, no local predeterminado. Parecia haver agora uma única explicação para tudo isto: Seriam então falsos os dados fornecidos pelo robô dos druufs, recentemente capturado?

Ou os próprios druufs não sabiam para onde tinha ido o planeta?

O primeiro pálido indicio do destino do mundo artificial veio de um lado de onde ninguém podia esperar.

Enquanto Perry ainda estava ocupado em ampliar para cinqüenta minutos-luz o raio de ação dos aparelhos indicadores dos campos gravitacionais, acendeu-se na tela do intercomunicador, colocada em frente ao piloto, uma luz vermelha. Num movimento quase mecânico da mão direita, Rhodan ligou, meio distraído, ou melhor, abstraído, o videofone. Ainda meio abstraído, olhou para o rosto que aparecia na tela.

— O setor de rastreamento estrutural, sargento Sullivan, Sir — anunciou o homem. — Os aparelhos registram algo que nunca observamos antes. Achei-o tão importante que quero transmitir-lhe diretamente.

Rhodan fez um gesto de anuência. Ainda lhe parecia improvável que exatamente os rastreadores estruturais pudessem descobrir qualquer coisa que tivesse relação com o desaparecimento do planeta Peregrino. Mas, na situação em que estava, não se podia dar ao luxo de deixar de lado qualquer indício, por menor que fosse.

— Descreva-me suas características, sargento, depois ligue o oscilograma cá para o intercomunicador. Ou será que não há oscilograma?

Pela fisionomia desanimada de Sullivan, podia-se supor que sua mensagem não era nada boa.

— O oscilógrafo parece estar quebrado. Rhodan sorriu.

— Mesmo assim, experimente.

O rosto de Sullivan desapareceu. Passaram-se alguns segundos até que o sargento conseguiu restabelecer o contato com o oscilógrafo. A tela iluminou-se de novo. Podia-se ver o emaranhado das coordenadas do painel do oscilógrafo e pela tela notava-se apenas um trançado confuso de linhas sinuosas e irregulares, em constante sobe-e-desce. O sargento Sullivan começou sua explicação.

— Sir, uma determinação normal da posição consiste num único feixe de ondas que ora é mais curto ou mais longo, dependendo da distância e do tamanho do objeto visado e também ainda de acordo com a velocidade residual com a qual o objeto se lança no contínuo quadridimensional. O feixe demonstra a estrutura de uma vibração amortecida: grandes amplitudes no início, depois um declínio exponencial.

“Mas isto não está acontecendo aqui, Sir, como está vendo. Encontramo-nos aqui diante de um processo sem amortecimento. As amplitudes das diversas vibrações estão, pelo menos, cem vezes menores que as da mais fraca onda já registrada. A determinação da posição começou há uns quinze minutos, e, de lá para cá, permanece inalterada. O tempo máximo de uma orientação normal, se posso me exprimir assim, fica em torno de alguns milésimos de segundo.

Rhodan ouviu tudo com atenção, estudando ao mesmo tempo aquele tipo irregular de onda. A explicação do sargento Sullivan foi completa. Rhodan não podia acrescentar mais nada ao quadro descrito.

— Sargento, você tem alguma sugestão, ou digamos, alguma idéia para explicar o surgimento deste fenômeno?

Sullivan hesitou um pouco na resposta:

— Não, senhor, não tenho nenhuma idéia. Apenas...

Rhodan aguardou com paciência até que Sullivan venceu sua hesitação.

— ...dá impressão, senhor, de que há alguma coisa no espaço em volta que deseja sair pelo hiperespaço afora, mas não chegou ainda a se decidir. Quem sabe, suas energias não são suficientes para isto, ou talvez o piloto queira primeiro fazer uma experiência, com muita cautela. Mais não posso dizer, Sir.

— Você tem razão. Poder-se-ia mesmo chegar a esta idéia — disse Rhodan em tom afável. — Sargento, leve as fotografias do oscilograma para os matemáticos e peça para eles fazerem a interpretação.

Dizendo isto, desligou a tela. O trançado confuso e esquisito desapareceu da tela, mas não da cabeça de Rhodan, onde começou a provocar pensamentos absurdos.

Mas, quanto mais refletia, menos absurdos se tornavam os pensamentos, não tinham realmente nada de impossível, principalmente se tomarmos em consideração que se tratava de um fenômeno jamais constatado em outro lugar, ou seja, a passagem de um planeta por uma dimensão temporal completamente diferente.

As idéias pululavam na cabeça de Rhodan. Mas, ao olhar para o calendário automático, percebeu que o tempo não seria suficiente para estudar detalhadamente cada uma delas, a fim de escolher a mais plausível.

Tinha de experimentá-las concretamente.

 

— Tenho receio — disse Rhodan — de que os problemas que surgiram com o desaparecimento do planeta Peregrino sejam um tanto obscuros. E para aqueles que ainda não tiveram a oportunidade de estudar as teorias sobre as diversas dimensões do tempo, os problemas podem tornar-se incompreensíveis. No entanto, a exigüidade do tempo não nos permite entrarmos agora no campo das teorias e longas explicações.

“O planeta Peregrino atravessou uma dimensão temporal estranha. Os druufs conseguiram prendê-lo, mas Ele, o invisível senhor do mundo artificial, foi capaz de pregar uma peça nos druufs, quer dizer: soube enganá-los. Assim, o planeta Peregrino, acompanhado de seu satélite, conseguiu escapar do plano temporal dos druufs, por um outro lado.

“Naturalmente este truque não deu um resultado perfeito e algo de especial deve ter acontecido ao planeta Peregrino, ao deixar o plano temporal que lhe era estranho. Não se encontra por aqui, neste espaço. Talvez tenha carregado um pedaço do plano temporal dos druufs, criando em torno de si uma instabilidade espacial. Não o sabemos ao certo, temos de averiguar.

“Os senhores estão vendo aqui um daqueles conjuntos de lentes, por meio dos quais nos foi sempre possível até hoje penetrar várias vezes em dimensão temporal estranha.”

Rhodan apontou para um pequeno aparelho com o formato de uma caixa retangular, que estava bem em frente, sobre a mesa. Mostrou também dois focos de luz de um brilho leitoso, pairando imóveis no ar, com a orla inferior bem rente ao chão.

— O Tenente Rous — continuou ele — se apresentou voluntariamente para executar esta experiência. Somente podemos desejar que ele seja bem sucedido e consiga atingir o planeta Peregrino desta maneira.

Marcel Rous deu alguns passos à frente. Vestia um conjunto espacial e já estava de capacete aparafusado.

Notava-se que ele não se sentia muito bem. O conjunto de lentes, também conhecido como campo de refração, criava uma espécie de ponte entre duas dimensões de tempo, nos casos em que houvesse um cruzamento de dois planos de tempos diferentes ou tivesse havido anteriormente.

— Se o planeta Peregrino levou uma parcela da dimensão temporal estranha e estiver no espaço adjacente, Rous haverá de desaparecer assim que ultrapassar o primeiro foco de luz e se materializar novamente no planeta. Em caso negativo, pois até hoje nenhum homem fez tal experiência, ninguém poderá dizer como atuará o campo de refração — comentou Rhodan.

Pela última vez, Rous apalpou a arma que trazia do lado direito. Fez uma saudação rápida e atravessou o foco de luz. Por um instante, Rhodan teve a impressão de que Rous havia desaparecido, mas depois viu primeiro uma perna, depois a outra e finalmente o corpo todo do tenente, do outro lado.

A experiência fracassara. A primeira idéia de Rhodan não foi certa. Rous estava perplexo. Via-se, através da viseira do capacete, o susto estampado em seu rosto.

Alguém começou a rir. Mais um se juntou a este até que a terrível tensão nervosa se desfez numa vibrante gargalhada. O próprio Rous começou a rir também, o que se ouvia nitidamente pelo alto-falante externo do capacete.

O único que não acompanhou o riso geral foi Rhodan. Estava olhando para o calendário.

Era o dia 24 de abril, pouco mais de duas horas da madrugada, horário da Terra. Sobravam-lhe ainda cento e noventa horas para descobrir o que estava se passando com o planeta Peregrino e para chegar até o fisiotron, o miraculoso aparelhamento que proporcionava a ducha celular.

Lembrou-se da segunda idéia. O planeta não estaria mais se movendo numa dimensão temporal estranha. Estaria no mesmo plano de tempo da Drusus, como a Terra e bilhões de estrelas que apareciam na tela. Se o planeta Peregrino não pudesse ser atingido por meio do campo de refração, então alguém com suas próprias forças o haveria de alcançar.

Os mutantes deviam entrar em ação.

 

Ras Tschubai sabia muito bem o que Rhodan estava exigindo dele. Até hoje não tremera diante de nenhuma missão, por mais arriscada que fosse.

Hoje, porém, sem que o pudesse explicar, um temor indefinido minava-lhe a força e intrepidez de sempre.

Rhodan deixou-lhe ampla liberdade para recusar a missão, isto é, o salto. Explicou-lhe friamente a situação, que a teoria da teleportação, se é que havia mesmo uma tal teoria, não tinha meios para afirmar ou negar o sucesso do salto intencionado.

Ninguém poderia prever o que aconteceria quando o corpulento e pesado africano mobilizasse suas forças mentais e tentasse atingir o planeta Peregrino num salto de teleportação.

Apesar de tudo, Ras Tschubai estava resolvido a tentar o salto. Já colocara o uniforme espacial e se apresentara na sala de comando. Os oficiais em volta pareciam querer incutir-lhe coragem e otimismo. Mas Ras sabia que isto de nada adiantava na hora do perigo.

Que poderiam fazer por ele?

O que seus dons paramecânicos dominavam, se desenrolava num espaço mais elevado, de cinco dimensões. Se lhe acontecesse alguma coisa por lá, estaria perdido. Continuaria um ser desmaterializado que por toda a eternidade vagaria num universo quase sem luz, onde não haveria nada, fora dele mesmo.

Ras Tschubai cerrou os olhos e se concentrou. Sabia onde tinha de procurar o planeta. Os técnicos dos rastreadores estruturais já haviam identificado de onde vinham os singulares e confusos sinais de instabilidade espacial.

Obrigou seus pensamentos a se dirigirem para lá, para onde devia pular.

Não era mais hora de ter medo e de desperdiçar a força da concentração em sentimentos bobos e negativos. Devia ver alguma coisa, no mínimo os contornos de seu objetivo, para iniciar o salto.

A escuridão diante de seus olhos começou a diminuir. Via círculos coloridos bailando ao longe, nas trevas, e via surgir uma mancha sem cor definida. Esta mancha lhe chamou a atenção, pois, se havia mesmo um objetivo, tinha de ser esta mancha esmaecida.

Impaciente, Ras Tschubai começou a tremer. Sentiu como o suor lhe escorria pela face e como a umidade era absorvida pela instalação de climatização do uniforme, ficando na pele apenas uma delgada camada de sal, que chegava a sentir quando franzia a testa. Com um pequeno afrouxamento da atenção concentrada, a mancha esmaecida desapareceu.

“É inútil”, pensava ele desesperado, “não vou conseguir.”

Por uns instantes concentrou sua atenção nos círculos coloridos que bailavam antes da mancha esmaecida, e que não eram outra coisa senão uma ilusão de ótica, provocada pela compressão dos olhos.

Tentou acompanhar seu bailado naquele palco escuro, tentando calcular seu número. Isto o ocupou de tal maneira que chegou a esquecer o que lhe estava em volta. No momento em que deu de novo com a mancha esmaecida, viu-a mais ampla e mais clara que antes. Mirou-a fixamente e, quando reparou que nada mais o detinha, transmitiu ao cérebro o impulso de largada.

— Agora!

A mancha esmaecida, girando a uma velocidade incrível, veio ao encontro dele.

Ras Tschubai sentiu-se transportado pelo próprio espaço. A escuridão se afastava para as bordas da mancha e depois de uma pequena pausa, que não podia ser medida, o que havia diante dos olhos de Ras era apenas a mancha já bem clara, chegando mesmo a ofuscar.

Tschubai queria se materializar, botar os pés em terra firme e abrir os olhos, como ele sempre fazia ao término de um salto bem sucedido. Sabia que já tinha chegado ao fim, que estava onde pretendia estar, mas... ficou perplexo e não entendia o que estava se passando, pois tudo era tão diferente dos saltos normais...

Procurou “parar” e descer em chão firme. Mas não havia chão onde pudesse apoiar os pés.

Não havia mesmo nada para tocar. Era sempre a mesma mancha reluzente como um sol, para onde ele se precipitava. Levantou as mãos para proteger o rosto, mas não adiantou nada, pois tudo que ele via, continuava vendo mesmo de olhos fechados, através dos dons parapsicológicos de seu cérebro. Tinha vontade de gritar, sem se lembrar que ninguém poderia ouvi-lo no espaço infinito.

Mas, neste exato momento, toda a angústia terminou com uma forte explosão, que atingiu de cheio o corpulento africano, mandando-o para outra direção.

Conseguiu ver ainda que a mancha brilhante diminuía cada vez mais e desaparecia ao longe. Ouviu depois um forte ruído, como o de um impacto de qualquer coisa metálica, e sentiu que os pés se apoiavam em chão firme.

Foi então que desmaiou.

 

Quando voltou a si, ao tentar se levantar, constatou que não o podia fazer. Estava num compartimento que parecia ter sido construído sob medida para ele.

Muitos minutos se passaram até recuperar os sentidos e conseguir concatenar, com grande esforço da memória, os últimos acontecimentos. Lembrou-se da tentativa de atingir o planeta Peregrino por meio de um salto de teleportação. O salto foi bem dado e por algum instante teve a impressão de que estava tudo em ordem.

Depois, veio a tremenda explosão que o atirou para esta câmara estreita, que mais parecia um caixão de defunto.

Que tipo de câmara era esta? Câmara de quê? Estaria mesmo no planeta Peregrino, ou em outro lugar?

Procurou virar para o lado, mas nem isto conseguiu. Chegou a ter a impressão de que as paredes daquele caixão de defunto se estreitavam mais para estrangulá-lo.

O suor lhe escorria do rosto. Começou então a gritar, o que, aparentemente, lhe proporcionava algum alívio. Seus gritos lhe despertaram uma idéia interessante.

Independente do fato de estar no planeta Peregrino ou não, o capacete de seu uniforme abrigava um transmissor em condições de funcionar.

“Se eu falar bem alto, devo ser ouvido na sala de comando da Drusus” pensou.

Tinha a certeza de que o receptor-transmissor estava ligado no momento em que se concentrava para o salto. Lembrou-se de ter ouvido o zunido alto e fino do pequeno aparelho. Ficou imóvel, parando mesmo de respirar para ouvir alguma coisa.

No princípio, pensava ouvir o mesmo zunido de antes. Era um ruído tal qual aquele que surgia quando se fechava o capacete do uniforme espacial. Picou, porém, indeciso. Segurou a respiração por mais tempo, para conseguir ouvir melhor. Mas a pressão do sangue aumentou demais nos ouvidos. Tentou se ajeitar, buscando conforto, se é que se pode falar em conforto naquele verdadeiro esquife, e continuou na escuta.

Depois de uns minutos, chegou à triste conclusão de que seu transmissor não funcionava mais. O zunido não existia mais. Devia ter acontecido alguma coisa com o aparelho transmissor, quando foi catapultado para o caixão de defunto, feito sob encomenda.

Era uma trágica realidade: o mundo exterior lhe estava completamente fechado. Não podia nem levantar o braço para acionar o transmissor de emergência no capacete.

 

Na sala de comando da Drusus, a tensão e a expectativa se transformaram, aos poucos, num cruciante nervosismo.

Ras Tschubai devia, conforme as instruções que recebera, voltar imediatamente, caso o salto fosse bem sucedido. No entanto, fazia mais de trinta minutos desde que Tschubai tinha sido visto pela última vez na cabina de comando e pior do que tudo: não dera nenhum sinal de si.

Reinava, na sala de comando da Drusus, um silêncio angustioso, destes momentos em que qualquer palavra é inútil.

Que aconteceu ao grande teleportador africano? Tinha ou não tinha atingido seu objetivo? Por que não voltara ainda? Teria chegado a um ponto de onde não havia mais retorno? Estes pensamentos deviam ser os mesmos para todos que ali estavam.

A bordo da Drusus não havia ninguém que pudesse fornecer um quadro aproximado da situação de Ras Tschubai. Teria ele realizado apenas uma teleportação só de ida, ou teria seu salto atingido uma zona de instabilidade, de onde não pudesse mais sair?

Eram seis horas da manhã do dia 24 de abril do ano 2.042. Restavam ainda cento e oitenta e seis horas para o término da imortalidade dos dois grandes terranos.

E a única coisa a fazer era esperar... nada mais que esperar.

 

Depois de longos e enlouquecedores segundos de pânico, Ras foi voltando paulatinamente ao trilho bem pisado do raciocínio lógico. Começou a se interessar pelo local onde se encontrava, procurando um caminho para sair do estranho caixão de defunto para onde fora arremessado. Foi só então que percebeu que, onde estava sua cabeça, devia haver um pequeno orifício, por onde entrava um tênue raio de luz. Até então, não tivera o cuidado de perguntar a si mesmo de que maneira chegava ali, naquele caixão fechado, a fraca réstia de luz. Aquela iluminação deficientíssima lhe possibilitou reconhecer que as paredes do diminuto compartimento eram de metal plastificado e, aliás, a composição molecular continha tantos componentes metálicos que o tornavam altamente condutor.

Procurou então se lembrar de todos os instrumentos ou instalações em que se empregava este tipo de metal plastificado azul. Foi então que lhe passou pela cabeça que o ferro plastificado, como era chamado geralmente este material azulado, era um produto de origem terrana, fabricado de acordo com a tecnologia arcônida.

Mas seria possível afirmar que este material estava sendo usado no planeta Peregrino? De maneira alguma.

Partindo deste raciocínio, Ras chegou bem depressa à conclusão de que ele não podia estar nesse planeta, mas sim que, após a explosão da mancha esmaecida, que tinha sido realmente o objetivo de sua teleportação, havia sido projetado de volta para a Drusus.

Esta descoberta o deixou bem mais aliviado.

Começou então a coordenar seus pensamentos, para se lembrar de qual setor da grande cosmonave fazia parte este compartimento que era no momento sua apertada prisão. Agora que seus olhos já se tinham adaptado melhor à escuridão, conseguiu ver na cobertura as estrias distribuídas em intervalos regulares e, ao virar a cabeça para o lado, notou que continuavam também nas paredes laterais.

Este tipo de estrias não lhe era estranho, estava se lembrando de tê-las visto freqüentemente, há muito tempo atrás. Sempre foi de praxe que os mutantes conhecessem bem as instalações técnicas das naves em que passavam grande parte de sua vida.

“As estrias”, lembrou-se ele, “têm uma finalidade específica: subdividem os aposentos em câmaras diminutas, nos assim chamados ressonadores côncavos, cuja função é aparar os impactos e as vibrações de um hipercampo energético, que se abatem contra a espaçonave, e amortecê-los em contínuas reflexões nas paredes divisórias dos múltiplos ressonadores.”

Num verdadeiro estalo cerebral, irrompeu na cabeça de Ras Tschubai uma certeza ululante.

“Encontro-me no interior de um compensador estrutural, aquele aparelho ou instalação importante destinado a absorver os choques energéticos provocados no momento da transição e ao mesmo tempo com a finalidade vital de tornar impossível a determinação de posição ou de direção da espaçonave em salto de transição”, afirmou mentalmente.

Estava, pois, numa destas câmaras de ressonadores, onde se amorteciam milhares de quilowatt-horas, quando a Drusus entrava em transição ou penetrava novamente no espaço normal.

Bastaria que alguém tivesse a idéia de executar um hipersalto com a Drusus, e a vida do pobre Ras Tschubai estaria tão bem protegida como a de um homem atingido cem vezes consecutivas por descargas de raio.

Gemeu de dor, ao tentar virar-se um pouco. Quase perdeu os sentidos de tanta dor, misturada com um tremendo pavor. Sabia que não tinha nenhuma possibilidade de escapar dali por força própria. Nada podia fazer. Mesmo no estado de inatividade, os compensadores estruturais estavam envoltos num campo residual de cinco dimensões e estes campos residuais continuavam uma barreira intransponível, mesmo para o teleportador Ras Tschubai.

 

Perry Rhodan continuava remoendo uma idéia impertinente. Conhecia um dos grandes teoremas da paramecânica, um dos poucos que pairava absoluto acima de qualquer dúvida: “Saltos de teleportação e movimentos telecinéticos não podem alcançar nenhum objetivo que esteja num espaço de dimensão mais elevada do que o de onde partiram estes mesmos saltos ou movimentos.”

Em outras palavras: um teleportador, partindo do espaço normal, não pode jamais atingir um objetivo que esteja num espaço de cinco dimensões. O próprio Ras Tschubai já havia feito esta experiência, há muitos anos atrás, quando, em Ferrol, tentou penetrar no túnel do tempo. Foi cuspido para fora, com tremenda violência.

“Será que o teorema da inatingibilidade dos espaços fora da dimensão conhecida tem alguma relação com a solução do enigma do desaparecimento de Ras Tschubai? Será que o planeta Peregrino teria penetrado no hiperespaço, não permitindo que o africano o alcançasse?”, pensava Rhodan.

A pergunta não tinha base científica, pois se o planeta estivesse no hiperespaço, Ras voltaria imediatamente para o ponto de partida de seu salto. Além disso, não seria possível continuar recebendo do planeta Peregrino aqueles sinais que a estação dos rastreadores estruturais ainda registrava. Portanto, o caso era mais complicado do que se imaginava.

Por outro lado, se o planeta estivesse no espaço normal, Tschubai o teria alcançado com facilidade e já estaria de volta. Sem falar no fato de que os rastreadores, naturalmente, já teriam detectado o planeta do mundo artificial.

Nada fazia sentido. Que enigma desagradável!

As idéias de Perry Rhodan se voltaram novamente para a explicação do sargento Sullivan.

...como se existisse lá uma coisa que gostaria muito de ir para o hiperespaço, mas não conseguia se decidir a respeito... Que havia de certo nisso? Será que entre o espaço normal e o hiperespaço existia uma dimensão contínua que pudesse ser a causa da estranha reação dos rastreadores estruturais e do desaparecimento de Ras Tschubai?

A idéia parecia um mero produto da fantasia. Imaginar-se um quadro onde as proporções fossem de quatro e meio ou de quatro vírgula três dimensões, era não só impossível, como também ridículo, parecia, pelo menos assim, pois sempre fora costume designar a seqüência das dimensões de tempo em números redondos ou inteiros.

Mas, impossível e ridículo ou não, havia a bordo gente que podia quebrar a cabeça com esta questão, utilizando-se da positrônica.

Deu as instruções a respeito, vendo como os matemáticos franziam a testa, como se a simples suposição de um espaço com quatro dimensões e meia lhes causasse dores físicas. Inculcou-lhes a importância do assunto, pedindo-lhes que usassem toda sua técnica para obter um resultado plausível.

Depois disso, pareceu-lhe que um enorme peso tinha-lhe saído dos ombros. E quanto mais Rhodan refletia, menos ridículo tudo lhe parecia. Continuou pensando no que podia fazer ainda para solucionar o mistério do planeta Peregrino...

Caso o planeta do mundo artificial estivesse mesmo numa interdimensão, que aconteceria então se a Drusus realizasse uma transição através dele?

Esta pergunta não tinha uma resposta clara. A única clareza era de que a grande nave passaria incólume se houvesse certeza de que o planeta Peregrino se encontrava ou no espaço normal ou no hiperespaço. O que havia entre estes dois pólos, livres de perigo, devia ser algo também sem perigo, pelo menos conforme as suposições de Rhodan.

Para não se expor a nenhum risco, ordenou ao posto de segurança que desse o máximo de carga ao envoltório de proteção da Drusus. O posto de comando também foi informado de que, neste setor do espaço, as dificuldades da determinação de posição seriam as mesmas que em outros saltos, em conseqüência dos abalos estruturais durante a transição.

Os compensadores estruturais estavam de prontidão para receber e absorver os choques energéticos na passagem do hiperespaço.

 

Ras Tschubai trabalhava agora num quase estado de transe hipnótico. É claro que o medo não diminuíra, mas também não impedia mais o raciocínio, pelo contrário, dava-lhe mais força para realizar coisas que jamais faria em circunstâncias normais. Seu subconsciente esperava para qualquer momento a descarga energética mortal, que, como ele sabia, haveria de penetrar pelo condutor oco, isto é, pelo mesmo orifício por onde lhe vinha a fraca claridade da câmara de ressonância.

Havia apenas um tênue fio de esperança para Ras Tschubai ser percebido pela Drusus e assim ser salvo. Para isso lhe seria indispensável uma coisa praticamente impossível: teria que conseguir levantar o braço esquerdo até que sua mão atingisse o contato de emergência do pequeno transmissor, colocado na metade esquerda do capacete, bem na região da orelha.

Depois de seu salto mal sucedido, Ras Tschubai, quando voltou a si, se viu deitado na diminuta câmara, como um defunto no caixão, isto é, de costas e com os braços esticados e espremidos para frente, no sentido dos pés.

Não tinha, pois, quase nenhuma possibilidade de se mover ali dentro. Ser-lhe-ia totalmente impossível levar a mão até o capacete. Já tentara se virar, mas inutilmente, pois a largura de seu corpo era o dobro da altura da câmara. Com muito cuidado, já havia conseguido trazer a mão direita até a barriga, na altura da fivela do cinto. Passar daí seria impossível porque o cotovelo esbarrava na impiedosa parede do lado direito. No entanto, parecia este o único jeito que lhe sobrava. Expeliu todo o ar do pulmão para fora, esperou até que a instalação automática de aeração o tivesse absorvido e até que o pesado uniforme do espaço cedesse um pouco, tomando a forma do ventre chupado. Fez com que a mão direita pousasse na borda superior do duro cinto plástico.

O suor lhe invadia, inclusive, os olhos, antes de ser absorvido pela instalação. Uma dor lancinante parecia lhe estraçalhar a articulação do cotovelo. Apesar disso, deixou a mão onde estava, depois respirou novamente. A dor no cotovelo aumentava, e os pulmões não tinham espaço suficiente para respirar.

Foi aí que Ras Tschubai teve uma idéia.

Será que ficaria impedido de erguer o braço, caso ele fraturasse o cotovelo ou o antebraço? Segurou a respiração o mais que pôde, depois soltou o ar e esperou novamente com impaciência que a instalação de seu uniforme reagisse e, com a barriga chupada, o espaço aumentasse. Empurrou então a mão mais para frente. Seu corpo estava todo banhado em suor e o zumbido fino do aparelho de aeração, que não conseguia evaporar tão depressa tanto suor, o incomodava como um enxame de abelhas. Não era qualquer um que poderia conseguir, com suas próprias forças e, em estado de plena consciência, quebrar o próprio braço.

Mas Tschubai sabia que não lhe restava outra alternativa.

A dor na articulação do cotovelo quase o fez perder os sentidos. Mas o desmaio veio, quando se ouviu um pequeno estalo de osso e uma onda de dor atroz lhe invadiu o corpo todo.

Porém no subconsciente, falou mais alto o instinto de conservação e logo depois ele voltou a si. Abriu os olhos e se viu num mundo cujos contornos estavam em confuso movimento, como que no meio de densa neblina. Sentia-se mal, mas sabia que ainda podia mover a mão direita, embora, em todo o braço, não sentisse outra coisa do que uma dor única e penetrante, e os dedos estavam dormentes.

Centímetro por centímetro, a mão quase sem tato foi subindo peito acima. Atingiu primeiro o fecho magnético do bolso superior esquerdo e logo depois o ombro esquerdo, continuando pelo pescoço. Era inacreditável com que facilidade a mão podia caminhar enormes distâncias, com o braço fraturado.

Apesar de toda a dor, houve alegria no rosto de Tschubai ao ouvir o ruído metálico da mão atingindo o capacete. Ajudou-o a suportar melhor o momento difícil. Continuou avante com a mão e depois se deteve por um instante, pois já havia passado pelo mais difícil e não queria se arriscar pela pressa a fazer algo errado e ou mesmo, num golpe desastrado, perder de novo os sentidos.

Ouviu de repente um ruído. Começou com um zumbido surdo, foi aumentando e se transformou num assobio claro. Seus olhos se turvaram. Alguém havia ligado o compensador da grande nave.

 

O africano ainda não voltara.

Eram exatamente oito e meia da manhã do dia 24 de abril de 2.042. Atlan, o arcônida, tinha se unido ao grupo dos matemáticos e estava ajudando muito na solução do misterioso acontecimento.

A Drusus estava preparada para o salto. Os dados para uma transição curta de poucos minutos-luz através do espaço já estavam no posto de comando e foram programados para o piloto automático. O envoltório de proteção tinha sido reforçado de tal maneira que não haveria nenhum risco, mesmo que o planeta Peregrino, pairando entre dois espaços diferentes, pudesse causar transtornos.

Já se achavam ligados os compensadores estruturais e prontos, portanto, para absorver o choque duplo e impedir a propagação das vibrações do impacto.

Rhodan estava prestes a dar a ordem de partida, pois todos já encontravam-se em seus postos e, nos alto-falantes, soavam os comandos de prontidão para o arranque imediato. Como sempre, ocorria a nervosa expectativa de todos para o choque que precede à desmaterialização.

Para iniciar o salto bastava apenas que Rhodan comprimisse o botão vermelho, que punha em movimento, ato contínuo, o complicado mecanismo do sistema de regulagem positrônica, enviando milhares de impulsos para os aparelhos de comando.

Rhodan já estava com a mão sobre a tecla que irradiava uma intensa luz vermelha, quando uma voz sumida repetia no alto-falante pouco acima dele:

— Não dê a partida... não dê a partida! Desligue os compensadores. Eu estou num deles. Socorro!

Rhodan retirou a mão, arrepiado, como se tivesse tocado num ferro em brasa. Incrédulo e assustado olhou para o alto-falante a três palmos de sua cabeça. Quem gritou por socorro não deu seu nome e sua voz estava tão desfigurada que não dava para distingui-la. Mas não havia dúvida: era a voz de Ras Tschubai.

Ras, o teleportador, estava preso numa câmara de um compensador estrutural. Rhodan cancelou a ordem de partida e de sua sala de comando desligou a instalação dos compensadores.

 

Desmontaram o compensador e retiraram o africano da câmara de ressonância, com um braço estranhamente deslocado ou até mesmo quebrado.

Provavelmente, o motivo pelo qual não conseguiu sair de sua prisão singular, apesar de seus dons paramecânicos, foi a existência de campos residuais com sua estrutura de cinco dimensões.

Ainda conforme o parecer do médico, Ras Tschubai teve uma crise de nervos. E isto não foi nada extraordinário, tendo-se em vista o quanto ele sofrerá. O pior de tudo era que não se podia saber dele o que lhe havia acontecido. Dr. Sköldson, chefe da divisão médica, se negava a permitir uma entrevista antes de decorridos quatro dias.

— O homem necessita de repouso absoluto, repouso e, mais uma vez, repouso.

Com estas palavras, o médico cortou sumariamente toda a esperança de se ouvir alguma coisa de Ras Tschubai.

Rhodan se conformou. A equipe de matemática foi informada sobre o último acontecimento. Apesar de Rhodan, a princípio, acreditar que a extraordinária aventura de Ras Tschubai nada tinha a ver com os cálculos que faziam os matemáticos, Atlan, também admirado do acontecido, mas de fisionomia mais alegre, mostrou a Rhodan que o mutante africano tinha fornecido uma prova muito importante:

— Isto é uma coisa fantástica, no verdadeiro sentido da palavra, administrador — disse ele entusiasmado. — Um homem dentro do compensador estrutural ajuda a matemática a ficar de pé.

Perry o fitou demoradamente nos olhos.

— Gostaria, finalmente, almirante, que o senhor me dissesse em que pé ela está agora. Já chegaram à conclusão de algo positivo?

Com um leve sorriso no rosto, o arcônida falou:

— Claro que sim, bárbaro. Não lhe quero, porém, dar esperanças vãs. Às onze e meia, eu o procurarei para lhe expor os primeiros resultados. Você ficará boquiaberto, pois o fenômeno é muito singular.

 

A ampliação do campo visual físico tridimensional para a continuidade espaço-tempo de quatro dimensões provocou uma verdadeira reviravolta nas ciências naturais.

A próxima ampliação para a visão pentadimensional, ou seja, de cinco dimensões, foi dada à Humanidade, por assim dizer como um presente, graças ao acaso feliz do encontro com os antiqüíssimos arcônidas.

A descoberta, entre as dimensões, do território de ninguém, descoberta esta que fora provocada por mero acaso, isto é, pelo desaparecimento do planeta Peregrino, foi algo sensacional somente pelo fato de que ninguém supunha a existência de um espaço intermediário. Este foi o nome que Atlan deu ao fenômeno.

— Administrador, você tem conhecimentos científicos suficientes para compreender — começou Atlan — que não me é possível apresentar esclarecimentos mais objetivos. O contínuo de Einstein é uma formação em nada objetiva e o hiperespaço o é ainda em maiores proporções. Como poderia, então, ser diferente o cruzamento entre ambos, isto é, o semi-espaço?

“Vamos dar um exemplo. Imaginemos o hiperespaço como uma formação de um sistema de coordenadas de cinco dimensões. Coloquemos então esta formação em rotação e atribuamos a uma das metades da esfera de cinco dimensões, que surge então como um corpo em rotação, uma característica extremamente singular: Esta metade distorce as coordenadas ou os eixos que nele se encontram. Reduz seu próprio tamanho e esta redução se dá na proporção da velocidade de rotação.

“Ao penetrar no hemisfério distorçor, o eixo ou a coordenada ainda tem seu comprimento primitivo, começando depois a diminuir. No momento em que transpõe a metade do trajeto através do hemisfério distorçor, o eixo desaparece completamente. Começa depois a crescer de novo, sendo que, no segundo em que sai do hemisfério distorçor, atinge novamente seu tamanho inicial. Já que se trata de um hemisfério e o sistema de coordenadas do hiperespaço se compõe de cinco eixos, a cada momento estão sempre em questão dois ou três eixos, nunca mais nem menos. O importante então é averiguar o sentido da rotação do sistema de coordenadas.

“Infelizmente isto é uma operação que não sabemos bem como resolver. Até agora só sabemos de uma coisa: Já que não foi visto em momento algum o planeta Peregrino, por outro lado, porém, julgando pelos sinais recebidos, aliás, constantemente pelos rastreadores estruturais, não pertencendo nunca por completo ao hiperespaço, o quinto eixo, isto é, o eixo j tem que se encontrar num estado de permanente distorção, sem jamais atingir seu tamanho completo e também sem jamais desaparecer de todo.

“Assim, o eixo não atingiria jamais seu comprimento total e o planeta se encontraria completamente no hiperespaço, e os rastreadores não receberiam mais sinais. Se o eixo desaparecesse por completo, então no mesmo momento surgiria na tela o planeta Peregrino, pois o desaparecimento do eixo j significa a volta ao Universo de Einstein.

“Esta é a situação do planeta Peregrino. Naturalmente a situação não é obrigatoriamente estável. Uma pequena circunstância pode fazer desaparecer o efeito do espaço intermediário. Não poderíamos, porém, dizer neste caso se o planeta cairia no hiperespaço ou voltaria ao espaço de Einstein. Talvez isto vá depender da natureza das circunstâncias.”

Acompanhado por grande número de seus oficiais, Perry Rhodan ouvira com atenção a complicada explicação. Rhodan percebia nas fisionomias de seus auxiliares uma sensação de decepção ou de mal-estar. Procurou compreender este sentimento, que ele mesmo sentia e que não podia descrever a não ser como: a reação de um homem que, esperando uma verdadeira elucidação, ouve uma coisa que não é, ou pelo menos não esclarece nem parte, nem toda a questão.

O quadro descrito foi realmente confuso e o exemplo proposto carecia de clareza. Ninguém sabia o que fazer com tudo aquilo. Seria a mesma coisa como querer somar metros com quilowatt-horas. Uma solução impossível, inútil e superconfusa.

Atlan notou o que se passava nele, Rhodan, e nos demais oficiais. Abaixando os olhos, muito sério, começou a falar:

— Sinto muito por tê-lo decepcionado. Mas, que se pode esperar dos matemáticos? Eles produzem uma coleção de fórmulas e não propriamente uma receita. Agora, o que se pode fazer com a coleção de fórmulas? Quem deve descobrir isto, não somos nós, e sim os matemáticos. Isto não é nosso trabalho. Agora chega a vez de vocês, os técnicos, quebrarem um pouco a cabeça. O que nos resta a fazer é lhes continuar fornecendo informações mais detalhadas. Todo o resto é tarefa de vocês.

Ao perceberem que a conversa se tornava mais reservada, os oficiais voltaram a seus lugares. Atlan se levantou e estendeu a mão a Rhodan.

— Gostaria que você soubesse de uma coisa — disse ele com muita calma. — Estou trabalhando o mais depressa que posso. Acho que vou tomar uma injeção para agüentar uns dias sem dormir. Quero ajudá-lo de qualquer maneira. Rhodan, você sabe que sou seu amigo.

Emocionado e sem dizer uma palavra, Rhodan apertou a mão do arcônida, que imediatamente se retirou. Rhodan o acompanhou com o olhar. Sabia que os cuidados que perturbavam o arcônida eram sinceros. O próprio Atlan possuía um ativador celular, que Ele, o desconhecido senhor do planeta Peregrino, lhe havia presenteado há mais de dez séculos, aparelho este que o dispensava do fisiotron do mundo artificial. Portanto, Atlan não tinha nenhuma necessidade de renovar a ducha celular até o dia primeiro de maio. O arcônida compreendia, pois, como era muito natural a suspeita que se podia levantar contra ele. Isto é, de que a solução do grande mistério do desaparecimento do planeta Peregrino fosse adiada de propósito, para que, depois de esgotado o prazo, quando Rhodan em poucas horas se transformasse num velho decrépito e caduco, ele, Atlan, entrasse como seu sucessor.

 

A declaração séria e sincera de Atlan foi o ponto de partida para que Rhodan se voltasse com mais atenção a um pensamento que há muitas semanas rodava por sua cabeça. E sempre procurava deixá-lo de lado, como coisa de menos importância, pois tinha muita coisa para fazer — ou porque tinha medo deste pensamento?

Estaria ele agindo corretamente, gastando semanas e mesmo meses inteiros à procura do fantasma da imortalidade, que, caso encontrasse, somente viria beneficiar a ele e a alguns de seus cooperadores? Teria ele o direito de, nesta procura do planeta Peregrino através do infinito, expor ao perigo não só a supernave Drusus, como os mil homens que nela estavam? Não seria mais racional se ater à ordem natural das coisas, como sempre foi na história da Humanidade, isto é, na sucessão das gerações, na substituição do velho pelo mais moço? Não conseguiria ele arranjar um sucessor, se retirar e terminar a vida como qualquer outro homem?

Estava agora com cento e seis anos. Mais da metade deste tempo fora vivido no comando da Humanidade terrana, criando o Império Solar e transformando a Terra num grande centro de poder — aliás, de localização desconhecida — de toda a Galáxia. Era, realmente, uma obra de que se podia orgulhar.

De uma hora para a outra, teve a impressão de que, até então, não gastara quase nenhum tempo para pensar em si mesmo.

Em que proporções, o vertiginoso progresso do Império Solar estava ligado à sua atuação pessoal? Quanto que ele mesmo representava para a Terra, em que dimensões ele se identificava com os bilhões de habitantes da Terra, que haviam confiado totalmente no seu governo? Que haveria de acontecer, se ele agora se retirasse, transmitisse seu cargo a um outro e morresse dentro de poucos dias?

Lembrou-se de Ele, o ser do planeta Peregrino, que lhe outorgara o privilégio da imortalidade, por assim dizer, num simples gesto de mão, como um mero presente. ; O desconhecido dissera na época que| queria dar aos terranos a mesma oportunidade que, há vinte mil anos atrás, havia concedido aos arcônidas — a possibilidade de conquistar a Galáxia, de penetrar Universo a dentro e fundar um reino poderoso e duradouro. Poder-se-ia admitir que, quando o Ser, no seu longo, ou melhor, infinito descortínio, lhe outorgou tal privilégio, não tinha em mente uma ação importantíssima?

Que aconteceria se Perry Rhodan deixasse seu cargo? Será que seria quebrada a continuidade do desenvolvimento?

Sem pecar por excesso de orgulho, Rhodan podia dizer com justiça que, no momento, não havia ninguém entre seus homens que estivesse em condições de tomar nas mãos as rédeas do Império Solar com a firmeza necessária.

Haveria uma quebra da unidade e o florescente Império Solar seria retalhado. Com isso, se tornaria presa fácil para quem quisesse... e não era poucos os de olho-grande contra o progresso vertiginoso da Terra nos últimos cinqüenta anos.

Rhodan pensava também na tripulação da Drusus.

Houve, em algum tempo, um indício, por menor que fosse, de que alguém desaprovasse ou criticasse os esforços e as tentativas para se atingir o planeta Peregrino, ou os riscos aí contidos? Ou, talvez, o Tenente Tompetch ou o Capitão Gorlat, por acaso, manifestaram alguma crítica a respeito das missões que executaram em Solitude, missões em que poderiam ter perdido a vida?

De maneira alguma.

Todos estavam convencidos da retidão de toda a sua conduta e de que a Terra precisava agora muito mais dele do que antes. Todos estavam dispostos a fazer o maior sacrifício para que ele atingisse, dentro do prazo estipulado, o planeta do mundo artificial. Não apenas porque tinham simpatia e amizade por ele, mas por se sentirem responsáveis perante os bilhões de habitantes do Império Solar.

E assim terminou o importante diálogo consigo mesmo, em que se perguntou, com franqueza e senso objetivo, se não seria melhor para a Terra que ele se retirasse e transmitisse a outro a direção do Império Solar.

 

Depois de pesar com frieza os fatos e depois de ter tomado sua resolução, passou a se preocupar como poderia contribuir para a solução do mistério do planeta Peregrino, antes que os matemáticos chegassem com seus cálculos complicados. O calendário automático apontava para vinte e uma horas e quarenta minutos do dia 24 de abril de 2.042. Sobravam-lhe portanto ainda cento e setenta e uma horas.

Rhodan se lembrou de que, enquanto conversava consigo mesmo sobre seu afastamento do governo do Império Solar, passou-lhe pela cabeça uma idéia furtiva. Fez um grande esforço para trazer esta idéia de volta... Afinal ela apareceu:

A inteligência de Solitude! O Ser de Solitude, o mundo da estranha dimensão de tempo, ser este que possuía o dom parapsicológico de separar o corpo do espírito. Era a inteligência que Reginald Bell dizia parecer-se com uma vaca-marinha da Terra.

Ficou admirado de que estes pensamentos não lhe ocorreram antes. O estranho ser, a quem Reginald Bell dera o nome de Natan, encontrava-se a bordo da Drusus. Tinha preferido abandonar sua terra, ou melhor seu mundo-pátria, e não mais voltar para lá, pelo menos não antes que se botasse um paradeiro no fantasma dos druufs. Estes haviam retalhado as inteligências de Solitude em seis pedaços, colocando-as presas em caixas e utilizando-as como instrumentos de alarme em postos avançados.

Natan, mais do que ninguém, poderia estar em condições de atingir o planeta Peregrino, partindo da Drusus. Naturalmente não com a matéria, mas utilizando-se de seu espírito móvel que podia se separar do corpo, levando uma vida independente.

Armado com um amplificador de telepatia, Perry Rhodan se pôs a caminho do conjunto de cabinas destinadas a Natan.

Foi encontrá-lo, com todo conforto se espojando numa bacia rasa colocada na maior de suas cabinas. Ele, ou melhor, seu corpo era uma espécie de cilindro cinzento.

Não se podia propriamente distinguir membros em seu corpo, não havia braços, nem pernas, nem olho, nem boca, nem nada que se encontra geralmente num ser vivo inteligente. Natan pulou logo para fora da “bacia” e ficou parado no chão coberto de terra e com uma camada de capim. Bem perto de Rhodan.

Perry, por sua vez, se acocorou no chão, colocou de lado o amplificador de telepatia e começou a passar a extremidade metálica sobre o corpo de Natan. Depois emitiu:

— Meu amigo, bom dia! Vim aqui para lhe pedir um grande favor.

Natan compreendeu tudo e Rhodan, de olhos fechados, viu uma figura que se erguia e dizia:

— Fala, meu amigo, terei muita alegria em poder ajudá-lo.

Então, Rhodan começou a expor seu plano a Natan.

 

Natan ainda não tinha passado muitas horas a bordo da supernave Drusus e ficara todo o tempo na cabina. Estava sentindo muita simpatia pelo ser que o chamava de amigo e que o havia libertado das mãos dos druufs.

Dos elevadores e demais meios de transporte, como as esteiras rolantes, Natan tinha muito medo. Este medo podia se tornar tão forte que lhe causava dores físicas. Sua raça era de seres alheios a qualquer tecnologia.

Quando tinham de se locomover, ou usavam as forças do próprio corpo ou transportavam seus espíritos para onde queriam, caso não fosse necessária a presença física. Eram seres sem maiores pretensões, dispondo, no entanto, de um espírito muito vivo e consideravam a função mais importante de sua vida refletir e brincar com os dons de sua mente.

Natan jamais vira coisa tão grande como aquela cosmonave, e seu medo fê-lo considerar a grande nave como seu inimigo. Sua mente, porém, lhe dizia que a espaço-nave era um ser inanimado e assim, não podia ser nem amigo, nem inimigo e que era apenas questão de tempo, pois em breve estaria acostumado com aquele ambiente diferente.

Seu amigo, o estranho, lhe pedira para vir com ele até o grande salão da nave, que ele chamava de sala de comando. Um bom número de outros amigos estavam presentes para verem como um espírito abandona o corpo e vai para onde quiser.

Seu amigo lhe havia explicado que devia procurar atingir um mundo que flutuava invisível em qualquer ponto do espaço diante da espaçonave Drusus. Em circunstâncias normais, Natan teria dito um não a este pedido, pois o mundo invisível não lhe interessava. Por que motivos haveria ele de procurá-lo? Mas o estranho era seu amigo e não se recusa um pedido de amigo.

As enormes placas metálicas com que os terranos fechavam os compartimentos de sua nave se afastaram quando Natan chegou ao posto de comando. Viu seu amigo na outra extremidade da sala, lhe acenando sorridente. Viu ainda um grande número de outros amigos, de pé ao lado de seu maior amigo.

Natan chegou até ao meio da sala e ali ficou deitado.

Já havia combinado tudo com Rhodan, tudo que ele iria fazer no espaço. Não havia mais nada para ser explicado. Natan relaxou seu enorme corpo e começou a desprender o espírito do seu invólucro material.

Ele mesmo não sentia nada, pois afinal, seu espírito era tudo, era com ele que pensava, que sentia, que se exprimia. O corpo participava apenas de processos mecânicos ou químicos. Natan sabia de tudo isto, embora não conhecesse propriamente a Mecânica e a Química.

Este corpo, ele o foi deixando para trás...

Concentrou-se no semblante de seu amigo e, com seu avançado dom de imitação, tomou suas formas físicas. Seu tamanho, de início era pequeno, pouco mais de um pé de altura. Mas bem nítidos eram nele os traços fisionômicos de Perry Rhodan. Depois foi crescendo e, com isso, se tornando transparente. Olhou em volta e ficou contente ao ver a expressão de estupefação no semblante dos circunstantes, quando formou uma cabeça bem semelhante à de seu amigo Rhodan, embora não tivesse o tempo suficiente para caprichar mais nos pequenos detalhes.

Depois, se pôs a caminho daquele mundo invisível que devia estar flutuando lá fora, na escuridão do espaço sem fim.

 

— Uma das mais originais formas de vida! — disse alguém, logo depois que Natan tinha saído, deixando ali seu corpo inerte, bem no meio da sala de comando.

— Nem tão original assim, como talvez se possa imaginar — disse Rhodan. — Extraordinário é, sem dúvida, seu dom de separar o espírito do corpo. Mas o que nos faz voltar tão chocantemente às recordações e ao medo de assombrações de nossa infância tem provavelmente uma explicação bem natural.

Todos olhavam atentos para Rhodan.

— É claro que o espírito é uma formação imaterial — continuou Rhodan. — O que vocês pensam que era uma espécie de névoa, se é que chegaram a este pensamento, não o era, realmente. O espírito não é propriamente outra coisa do que um campo, sobre cuja natureza pouco sabemos, aliás, um campo com inteligência inata. O que nós vimos foi tão-somente o efeito que este campo produziu em volta de si. Parece existirem aí forças que alteram, por exemplo, o índice de refração do ar. Desta maneira, o quadro se torna visível. O trecho da alteração no índice de refração nos aparece então como névoa.

“Chocante, porém, é a propriedade do campo de se refletir nos objetos que lhe estão em volta e mesmo de se identificar com eles. Vocês repararam que Natan tomou minhas formas, procurando formar um rosto igual ao meu. Estou convencido de que ele chegaria a uma perfeição total, caso tivesse mais tempo. Não queiram saber como eu e o Atlan nos assustamos quando vimos pela primeira vez, diante de nós, um espírito de Solitude.”

Ninguém perguntou nada. A explicação de Rhodan fora concisa e clara, mas o fenômeno em si continuava inconcebível. Quase todos continuavam olhando na direção para onde desaparecera o espírito de Natan, para dentro da escuridão do infinito, onde não havia nada que pudesse alterar o índice de refração e assim possibilitar a visão do seu espírito.

 

Foi a primeira vez que Natan se viu no espaço livre, mesmo assim não sentiu nada de extraordinário. No início, naturalmente, experimentou uma certa curiosidade, mas, depois que percebeu que não havia nada de mais em tudo aquilo, perdeu logo a curiosidade inicial. Movimentava-se na direção que lhe fora indicada, esperando que alguma coisa lhe surgisse à frente.

Não podia saber qual a velocidade de seu deslocamento, mas de qualquer forma fazia esforço para ir mais depressa. Depois de um certo tempo, sentiu uma espécie de onda ou correnteza que o atingiu, puxando-o para frente. Estranhou um pouco o fenômeno, pois em toda a sua existência como espírito separado do corpo jamais fora submetido a influências mecânicas.

Afinal de contas, no estado em que se achava, não havia nada de matéria nele, que pudesse ser sugada ou tocada por corrente de ar ou de qualquer outra coisa. Assim, a curiosidade lhe aflorou novamente, abafada logo depois por um vago pavor do que lhe estava à frente, do que o puxava, sem poder ser visto.

De repente, sentiu vontade de voltar para a grande espaçonave que havia desaparecido atrás dele e que parecia apenas mais uma estrela entre as muitas que, com suas luzes calmas, interrompiam o manto negro do espaço.

Agora, porém, seria muito tarde para voltar. A onda ou correnteza estava mais forte. Desistiu de tentar qualquer resistência e se deixou levar.

Viu subitamente emergir alguma coisa à sua frente, parecendo, no começo, uma mancha clara, sem contornos definidos. Natan observou que estava sendo puxado de encontro à mesma.

A mancha ia aumentando de tamanho, deixando ver cada vez mais nítidos seus contornos, parecendo uma coisa hemisférica de grandes proporções. Aproximava-se dela a uma velocidade que lhe incutia medo. Poucos instantes após, o corpo hemisférico estava tão volumoso que não podia ser abrangido com a vista. Em compensação, viu amplas planícies, aparentemente recobertas de capim, grandes florestas, rios, lagos e mares. Viu um conglomerado de formas regulares, que pareciam ser artificiais e, provavelmente, seriam o que seu amigo descrevera como cidades.

Viu também nuvens que passavam abaixo dele, bem lentamente. Mas estava vendo tudo isto como através de um véu. Não tinha uma visão completamente nítida. Devia haver alguma coisa entre ele e o chão lá embaixo.

No último instante ainda viu, mas não teve mais tempo de reagir: uma muralha transparente se abateu contra ele.

Era realmente uma parede, que julgara antes se tratar de um véu, que lhe prejudicava um pouco a visão. Foi tomado por um choque violento, quando encontrou-se com ela, sentindo que estava penetrando em algo resistente e macio ao mesmo tempo.

Tudo isso o deixou muito confuso.

Durante alguns segundos, teve a impressão de estar sendo aprisionado. De repente, porém, não havia mais nada em torno dele, a própria correnteza não existia mais. Natan olhou para o alto vendo bem perto de si o invólucro cintilante que acabara de atravessar.

Não sabia de que era feito aquilo, mas já que não lhe havia causado nenhum mal, não tinha maior importância para ele. Continuou sua descida, rumo ao solo.

Depois de percorrer a metade do trajeto, começou a sentir, inesperadamente, uma sensação de alegria, vinda de longe. Não sabia explicar o fenômeno, até que compreendeu que não era ele quem estava possuído de alegria, mas um outro alguém que lhe transmitia telepaticamente seu contentamento. Natan ouviu os gritos estridentes que ele e seus semelhantes costumavam emitir ao se sentirem possuídos de uma grande alegria. Confuso, procurou se explicar de que maneira teria algum membro de sua raça chegado até este mundo diferente.

Finalmente chegou à conclusão de que sempre que alguém transmitia sua alegria por via telepática — independente da verdadeira ressonância da expressão da alegria ou da gargalhada — seria ouvido constantemente em forma de gritos estridentes. Não havia nenhum ente de sua raça neste planeta. Mas devia existir ali alguém que estava alegre e queria transmitir seu contentamento.

Estava ansioso por saber o que iria acontecer, enquanto “caminhava” em direção ao planeta. Uma voz lhe interrompeu os devaneios.

— Meu pobre amigo — disse-lhe a voz possante — onde você foi cair? Não sabe que não conseguirá mais voltar? Deixou seu corpo para trás e nunca mais haverá de encontrá-lo.

Natan levou um susto, não propriamente pela idéia de ter de continuar sua existência como espírito sem corpo, mas pelo fato de que o estranho o conhecia.

— Como é que você sabe disso? — perguntou perplexo.

— Meu pobre amigo, não percebeu o campo de sucção que o puxou para cá?

Natan não podia saber o que era campo de sucção, mas de qualquer modo, entendeu o pensamento do estranho.

— Sim, percebi sim, mas que importância tem isto?

— Você não estava em condições de reagir?

— Não, era forte demais para mim.

— Está vendo? Como é então que pretende sair daqui? Você devia ter vencido o campo de sucção e voltado para o seu supercouraçado. Mas não conseguiu, não foi?

— Pode ser... Mas isto, no momento, não tem maior importância. Meu amigo me virá buscar, quando chegar a hora Quem é você?

— Sou o senhor deste mundo, não tenho nome.

— Você não pode desligar o campo de sucção?

— Não, não posso. Posso fazer muita coisa, mas o campo de sucção está fora de minha alçada. Pobre amigo, você terá que ficar aqui.

 

Às treze horas do dia 25 de abril, notando que não havia nenhum sinal de Natan, ou melhor, de seu espírito, Perry Rhodan teve um assomo de cólera. Escaldado pela experiência quase desastrosa com Ras Tschubai, mandou inspecionar os compensadores estruturais, procurando saber se em suas câmaras de ressonância estava retida qualquer formação com aparência de névoa. Os compensadores, porém, estavam vazios.

Natan devia ter tido um destino diferente do de Ras Tschubai.

O prazo para renovação da ducha celular tinha baixado para cento e cinqüenta horas. Levando-se em conta os poucos sucessos das últimas trinta e cinco horas, desde que a Drusus havia terminado seu último salto de transição, não sobrava nenhum motivo para otimismo.

Quase sem interrupção, a equipe dos matemáticos trabalhava com afinco, mas tudo que se apurou não passava de resultados parciais e mesmo assim tão reduzidos que não eram suficientes para dar uma idéia clara do conjunto.

Depois de seis longas horas de espera e sem nenhum resultado, Atlan pediu uma outra audiência com Rhodan. Quando o arcônida penetrou na sala de comando, trazia sob o braço uma volumosa pasta, cheia de fórmulas e diagramas.

— Já estamos assim tão adiantados? — foi a primeira pergunta de Rhodan, após haver cumprimentado seu amigo.

Atlan respondeu com um sorriso um tanto forçado.

— Talvez... — disse ele meio reticente. — Pelo menos, podemos apresentar uma série de conclusões úteis.

Sentou-se, colocando a pasta diante de si. Rhodan o observou com atenção. Calculou mentalmente que seu amigo não dormia há quarenta e oito horas. Isto não seria nada de extraordinário tendo-se em vista os modernos medicamentos do posto de saúde de bordo. Mas Rhodan conhecia a abjeção que o arcônida tinha por todos estes reativantes, comprimidos ou injeções. Não havia tomado nada disto, o que provava pelos seus olhos avermelhados de sono.

— Comece — disse Rhodan em tom mais ríspido do que intencionava.

Atlan tirou uma folha de papel da pasta e a colocou na mesa. Os oficiais presentes na sala de comando se agruparam em torno de Rhodan e do arcônida. Não queriam perder uma palavra da explicação.

Atlan apontou para o papel, coberto com elipses confocais, sendo que em cada trajetória elíptica havia uma série de números e fórmulas.

— Isto aqui — começou o arcônida — é a estrutura da parte do espaço em que se localiza o planeta Peregrino. Com outras palavras; é a parte do espaço que está sujeita à distorção do sistema de coordenadas, isto é, o espaço intermediário, como nós o chamamos. O centro de gravidade do planeta coincide com um dos dois centros de gravidade de grupo de elipses. O planeta Peregrino, em toda sua extensão, fica mais ou menos assim.

Desenhou à mão livre, no papel, uma figura que devia ser um círculo, com todas as trajetórias elípticas, mesmo as mais afastadas.

— Este conjunto todo se acha em rotação. Este desenho aqui — dizia ele, apontando para a folha — deve ser considerado como um “apanhado” em determinado momento. Daí se evidencia, ou melhor, as elipses indicam em que proporção se realiza a redução axial em determinados pontos do espaço. Os números nas trajetórias elípticas indicam o fator de redução, que alcança os maiores índices no interior e diminui nas extremidades.

“Durante a rotação, estes índices se alteram, o que, conforme nossa opinião, leva a um fenômeno extremamente curioso: Como se observa, o âmbito da meta-estabilidade não é essencialmente maior do que o próprio planeta Peregrino. De quatro em quatro rotações, acontece uma vez que uma parte da superfície do planeta abandona completamente o setor da meta-estabilidade.

“Mergulha, portanto, no espaço normal, ficando no entanto invisível para nós, pois este fenômeno se dá sempre na face do planeta Peregrino que nos fica oculta. O resto do planeta que ainda continua no espaço intermediário atua como uma espécie de campo de proteção que impede que qualquer irradiação realizada chegue da parte não submersa até nós. A duração desta parte não submersa não pode ser menor do que dez segundos e nem maior do que quinhentos segundos.

“Também não sabemos, por enquanto, qual o tamanho da área do planeta que abandona o setor de meta-estabilidade. Acho, porém, que deve ser pelo menos tão grande que possa permitir a descida de uma gazela” — finalizou o arcônida, sorrindo.

— Quando — perguntou Rhodan — será que este fenômeno vai se repetir outra vez?

— Infelizmente — respondeu Atlan — aconteceu pela última vez há pouco mais de dois minutos. — Consultou o relógio. — Falando mais exatamente, foi há dois minutos e cinco segundos. Pelo menos, foi esta a nossa medição. O tempo de rotação atinge a duração de três horas e 36 minutos. Já que o fenômeno se dá somente de quatro em quatro rotações, teremos de esperar aproximadamente quatorze horas, para podermos presenciá-lo novamente.

— Isto não é nada em comparação com o tempo que já esperamos até agora — disse Rhodan todo entusiasmado. — Se conseguirmos chegar ao planeta com uma gazela, estará tudo salvo.

Atlan olhou-o com um sorriso zombeteiro.

— Sente-se de novo, administrador, minha sabedoria não acabou ainda.

Rhodan mostrou grande interesse em ouvi-lo.

— Você ainda tem mais coisas para explicar?

— Sim, é a respeito de Natan.

Rhodan tornou a sentar-se.

— Imaginemos o espírito de Natan — recomeçou Atlan — como aquilo que ele realmente é: um misto de campos de quatro ou cinco dimensões. Entre um ser deste tipo e o espaço intermediário atuam forças, como demonstraram nossos cálculos. O espaço intermediário é para Natan um pólo que o atrai. Ou, para falar mais concretamente, atua como uma depressão potencial, para onde ele cai, em virtude de sua posição de potencial mais elevado. Portanto, deve ter chegado com muita facilidade ao planeta Peregrino, mas não poderá mais voltar e ficará detido por lá. Este é o motivo por que ainda não está de volta.

Rhodan olhou pensativo para o grande cilindro cinza no chão da grande sala de comando.

— Quer dizer então — começou Rhodan — que devemos levar-lhe o corpo que ficou aqui.

— Exatamente — confirmou Atlan. — E ainda existe mais uma coisa.

Rhodan olhou espantado.

— Não tenha medo, bárbaro — tranqüilizou-o Atlan. — É a última explicação, pois nossos estudos não terminaram ainda. Lembre-se de Ras Tschubai. Uma força gigantesca o projetou de volta, atirando-o para as câmaras de ressonância dos compensadores. Acha que isto é um acaso? Seria possível que ele surgisse, por exemplo, num depósito de mantimentos? Não, de maneira alguma. Não podia, não. A força que o projetou de volta, podia transportá-lo apenas numa determinada rota e esta rota terminava na câmara do compensador. Por quê?

“Exatamente porque o compensador, em estado de repouso, é portador de um campo residual de cinco dimensões, que se torna assim a única entrada para a força atuante proveniente do espaço intermediário, entrada pela qual esta força pode penetrar e atuar em nosso espaço normal. Dando um exemplo figurativo: O espaço intermediário se protege com uma muralha. O único buraco nesta muralha, pelo qual Ras Tschubai podia passar, era o campo residual do compensador.”

O arcônida Atlan estava crente que ainda continuaria a explicar a Rhodan e seus oficiais a conseqüência deste fenômeno. Mal terminara a última palavra, Rhodan se levantou de novo e, desta vez, não o fez apenas para mudar de posição e descansar um pouco. Erguera-se porque tinha uma idéia muito importante, referente ao assunto explicado por Atlan, e onde, naturalmente o arcônida iria chegar.

— Um buraco na muralha! — exclamou Rhodan com entusiasmo. Era um buraco assim que nós queríamos abrir, quando enviamos Rous através do campo de reflexão. Fomos mal sucedidos. Isto porque o campo de reflexão tem uma estrutura diferente da do espaço intermediário, não é?

— Perfeitamente.

— Estávamos, portanto, numa pista errada. Agora já sabemos que o campo residual do compensador equivale a uma abertura ou buraco. Não podemos, propriamente, nos utilizar do compensador mesmo como meio de transporte para o planeta Peregrino, pois o aparelho não dispõe de forças para tal. Temos, porém, um outro instrumento que opera com os mesmos efeitos como o compensador e com ele nós teremos bom resultado. Você está de acordo, Almirante Atlan?

Atlan concordou com muita vivacidade. Seu rosto iluminado pelo entusiasmo não dava mostras das cinqüenta e tantas horas sem dormir, debruçado nos cálculos matemáticos.

— O transmissor fictício — ponderou Rhodan, cuja expressão fisionômica passou da preocupação para o sorriso da segurança. — Admira-me muito termos levado tanto tempo para chegarmos até este ponto.

Uma sensação de alívio e alegria se apoderou de Rhodan e de seus oficiais Sabiam agora de que maneira o planeta poderia ser alcançado.

 

Rhodan achava que era uma verdadeira ironia do destino o fato de que somente aquele instrumento que o próprio Ser coletivo criara há dez mil anos atrás seria capaz de, nesta situação angustiante, lhes abrir caminho para o planeta Peregrino e para o Ser eterno.

O funcionamento do transmissor fictício poderia ser explicado melhor com a comparação já feita por Atlan: o campo de emissão do transmissor abria uma perfuração na muralha que separava o espaço de quatro dimensões do de cinco. O espaço de cinco dimensões, que era para ser perfurado pelo transmissor fictício, era considerado em geral como uma esfera. O transmissor abria um caminho através dele, perfurando-o dos dois lados. Ao sair do lado de lá, entrava de novo no espaço normal.

Agora a situação era diferente: o caminho aberto terminava no espaço intermediário. E já que o semi-espaço não era outra coisa do que um espaço atrofiado de cinco dimensões, bastava neste caso apenas uma perfuração.

Isto incluía, naturalmente, uma alteração no transmissor. Atlan, que entendia bem desta matéria do ponto de vista matemático, explicou:

— Das milhares de maneiras de regular o aparelho, temos que descobrir a mais acertada. É uma tarefa difícil. A matemática não vai mais nos ajudar muito, a não ser que esperemos até que todos os cálculos estejam prontos. Mas não nos sobra tempo para isto, portanto temos de experimentar.

O transmissor fictício, que prestava excelentes serviços a Rhodan, como uma arma de grande valor, estava montado bem solidamente na grande nave. O início do raio transportador, isto é, o local onde devia estar o objeto a ser transportado, para poder ser atingido pela ação da quinta dimensão, podia ser regulado à vontade.

Para simplificar os trabalhos, Rhodan o instalou na sala de comando, de forma que todas as experiências seriam realizadas ali. Rhodan iniciou a série de experiências com pedaços de metal, ali colocados, onde o transmissor começou a funcionar.

Entrementes, fez-se uma ligação no transmissor que impedia que este funcionasse na sua forma normal, isto é, que permitisse ver no espaço normal os pedaços de metal que tinham sido disparados para o local onde se encontrava o planeta. Ou, falando figuradamente: O segundo buraco, que dava saída para fora do espaço de cinco dimensões, estava “entupido”. Se desaparecesse um dos objetos da experiência, era sinal de que tinha sido transportado para o planeta Peregrino.

O início das experiências foi pouco promissor. Ao ligar o transmissor pela primeira vez, o pedaço de metal deformou-se. Uma força invisível o prensou, reduzindo-o a uma chapa, atirando-a ao chão da nave.

Rhodan acabou desligando o transmissor quando percebeu que, de um cubo metálico de dois centímetros de comprimento de aresta, surgiu uma espécie de disco de quase um metro quadrado.

Mudaram um pouco a regulagem do aparelho e veio então a segunda experiência. Fracassou do mesmo modo que a primeira. E mesmo as outras experiências que se seguiram, apesar de regulagens constantes, não chegaram ao resultado pretendido.

Neste meio tempo, Atlan, a pedido de Rhodan, tinha-se deitado para dormir um pouco, o que não fazia há mais de cinqüenta horas. Pedira com insistência que o acordassem assim que se conseguisse alguma coisa.

Estava se aproximando da meia-noite e irrompia o dia 26 de abril. O tempo de que dispunha Perry Rhodan ia pouco além de cento e quarenta horas.

Pelas três horas da madrugada, se deu a primeira experiência bem sucedida. Ao invés de se deformar, como os anteriores, o pedaço de metal desapareceu da sala de comando, sem deixar vestígios.

Conseguira-se enfim, atingir o planeta Peregrino com os meios que estavam à disposição dos tripulantes.

Acordaram Atlan. Dormira somente cinco horas. Mas isto fora suficiente para reaparecer bem descansado e com muita disposição para resolver o problema. Pediu que repetissem a experiência do desaparecimento da peça metálica e depois deu sua opinião:

— Não sabemos ainda que influência pode ter o tamanho do objeto durante o transporte. Poderia ser que acontecesse a um homem, a um objeto voador, por exemplo, a uma gazela, o que se passou com as primeiras duas dúzias de pedaços de metal que foram achatados, apesar das diversas regulagens. Acho que devemos primeiro enviar para o planeta um robô.

Rhodan autorizou a experiência. Um dos robôs de combate, que estava a bordo, foi trazido para a sala de comando. Um monstro, pesando muitas toneladas, equipado com armas que correspondiam ao fogo de um batalhão.

Sem nenhuma objeção, a poderosa máquina chegou até o ponto determinado por Rhodan, que depois passou a instruir o robô sobre o que devia fazer, a missão que tinha a desempenhar.

Completamente imóvel, o robô apenas respondeu:

— Perfeitamente! Estou preparado.

Caminhando de costas, sem perder de vista o robô, Rhodan chegou até ao painel de comandos. Com as lentes brilhando o robô olhava para frente.

Rhodan continuava na contagem regressiva, pausadamente: — ...quatro, três, dois, um... agora!

Um leve estalo no botão de contato... ouvido apenas por Rhodan. Pois para os outros, este estalo foi encoberto pelo estridente estampido de metais em choque. Com olhos arregalados, onde se lia o pânico e a decepção, os homens viram como o poderoso robô ia se transformando. Deu um passo vacilante para frente. Enquanto isto, em frações de segundo, uma força invisível o “apanhou pelos ombros” metálicos e...

O peito se abriu e o material eletrônico produzia ruídos de todos os tipos, como se tudo estivesse caindo aos pedaços. O robô tentou se defender, mas eram poucas as funções de seu corpo que ainda estavam intactas. Acabou caindo e recebendo no chão o impacto daquela força descomunal que havia, antes, reduzido os cubos metálicos em chapas finas.

Do soberbo robô de combate, o que sobrou foi um horrendo amontoado de metal acinzentado. Cessou toda espécie de ruído, ficando na sala de comando apenas o cheiro de cabos elétricos derretidos e de semicondutores incandescentes.

Tudo isto se passara em dois ou três segundos. Quando Rhodan desligou o transmissor, já estava selado o destino do robô CQ-1.238.

Rhodan olhou para Atlan, que estava do outro lado da sala. O arcônida compreendeu o olhar e fez apenas um gesto de resignação.

— Já supunha um desfecho assim — disse ele. — A regulagem está basicamente certa, mas o valor do transporte tem que ser calculado de novo. Talvez seja necessário um valor de transporte especial para cada volume de massa. Temos de calcular o valor certo. Para isso, precisamos de uma série de objetos de experimentação de tamanhos diferentes. Isso vai ser feito agora muito mais depressa, porque a regulagem básica pode ser esta mesma.

Preocupado, Rhodan olhou para o calendário automático.

 

Bem no centro do enorme hangar, Reginald Bell estava ocupado em colocar em estado de partida imediata uma nave de reconhecimento espacial do tipo gazela.

Reginald Bell era o braço direito de Rhodan, o segundo homem do Império Solar. Bell foi um dos primeiros que ficou sabendo do resultado dos cálculos dos matemáticos.

Recebera a incumbência de descer naquela região do planeta Peregrino que em cada 14,4 horas surgiria no espaço normal e ninguém sabia ao certo por quanto tempo ficaria neste espaço, como também se ignorava a extensão exata desta região.

Sabia perfeitamente o tipo de missão que ia enfrentar. Aceitara a incumbência extremamente perigosa porque não somente Rhodan, mas ele também estava na dependência de encontrar o planeta Peregrino e, com isso, o fisiotron da ducha celular.

Bell havia sido o segundo homem a receber o grande privilégio da imortalidade, através da ducha do mundo maravilhoso.

Isto há sessenta e dois anos. Se não conseguisse renovar o tratamento revitalizador dentro do prazo estipulado, passaria de uma hora para outra para o estado de um velho decrépito de mais de cem anos e certamente morreria em dois ou três dias.

Somente isto seria motivo suficiente para que Reginald Bell aceitasse qualquer tipo de empreendimento, por mais arriscado que fosse.

Não aceitou, porém, a proposta de Rhodan de guiar a gazela com sua tripulação completa.

A grande maioria dos comandos da pequena espaçonave eram automatizados. Bell achou que podia cumprir toda a missão com apenas um auxiliar. Perguntou ao Tenente Tompetch se o queria acompanhar na arriscada missão, e o jovem aceitou com imensa alegria, como se não tivesse a mínima idéia dos perigos que ia enfrentar. Bell lhe pormenorizou as dificuldades que iriam encontrar, o enorme risco de vida, etc e etc... Disse claramente tudo, terminando com a declaração de que não consideraria nenhuma desonra ou covardia se ele desistisse.

Mas o Tenente Tompetch teve só uma resposta:

— O senhor quer saber de uma coisa? Já sou segundo-tenente há muito tempo, pelo menos conforme meus conceitos. Se puder fazer alguma coisa para passar para primeiro-tenente, é claro que não vou recusar.

Bell não tinha deixado de perceber o malicioso piscar de olho do tenente, que acompanhou suas palavras entusiasmadas. Declarou-lhe que não se tratava de nenhuma “promoção” para primeiro-tenente, mas ele, Bell, haveria de fazer tudo para que Tompetch fosse rebaixado para cabo, caso a missão fracassasse.

Mesmo assim, o tenente continuava firme, piscando o olho e certo da vitória.

Bell iniciara os preparativos para a partida à meia-noite.

Em circunstâncias normais não seria necessário nenhum preparativo. O piloto pediria autorização para decolagem, chegaria até a comporta do hangar e assim que as escotilhas se abrissem, a nave saltaria para o espaço.

Mas o caso, hoje, era diferente. Tornavam-se necessários instrumentos adicionais que pudessem fornecer o posicionamento da gazela com relação à Drusus, numa exatidão de fração de quilômetro. Tinha-se que instalar um dispositivo eletrônico, para economia de tempo, que fosse capaz de registrar o tempo de ligação de um microssegundo até poucos nanos-segundos, isto é, poucos bilionésimos de segundo. Pois da duração deste tempo de ligação, dependeria, em determinadas circunstâncias, a vida dos dois homens na gazela.

Finalmente havia necessidade de se confeccionar um modelo que contivesse o que o robô do planeta Peregrino havia chamado, há sessenta e dois anos, de “vibrações individuais” de Perry Rhodan. Este modelo estaria em condições de transmitir estas vibrações a um amplificador de telepatia, de maneira que o envoltório de proteção existente no planeta se abriria assim que a gazela se preparasse para descer.

Quando começou a trabalhar na gazela, Bell pensava que terminaria os preparativos em três, no máximo em quatro horas, mas já eram sete horas da manhã e o Tenente Mike Tompetch ainda não tinha completado o modelo, que era a coisa mais importante a ser levada com eles.

Conforme os cálculos dos matemáticos, a face iluminada da superfície do planeta surgiria exatamente às oito horas, 57 minutos e 34 segundos. Ninguém, porém, sabia o tempo de sua duração. Esperava-se que fosse suficientemente longo para possibilitar a descida da gazela. Porém, nada mais que mera suposição.

Pouco depois das sete horas, Tompetch veio com o modelo. Foi colocado no amplificador de telepatia, o que demorou mais meia hora. Bell não tinha mais tempo de fazer experiência. O modelo devia estar em ordem, pois em caso contrário a gazela se incendiaria no choque contra o envoltório de proteção do planeta... juntamente com seus dois ocupantes.

Às sete e quarenta e cinco, a gazela estava pronta para a decolagem. Bell anunciou o fato ao posto de comando e junto com a permissão de decolagem recebeu também o último conselho de Rhodan:

— Preste atenção! Vocês sabem que é um trabalho que depende de “centímetros”. Se vocês não estiverem exatamente no lugar indicado, não chegarão nem a ver a parte da superfície, que dirá então conseguir descer nela. E mesmo quando estiverem no ponto certo, vocês sabem que só dispõem de alguns segundos para penetrar no envoltório de proteção e descer. Assim que conseguir pousar, vá imediatamente para o fisiotron. Você dispõe de todos os mapas. Não espere por mim. Nós aqui continuaremos tentanto pôr em ordem o transmissor fictício. Se não tivermos sucesso dentro de quinze horas, chegaremos ao planeta pelo mesmo caminho que vocês. De qualquer maneira nós nos comunicaremos assim que chegarmos ao planeta Peregrino. Está tudo claro?

— Completamente — respondeu Reginald Bell. — Então, felicidades, meu velho amigo.

— Obrigado, Perry, e... faça tudo para chegar até lá.

— Está bem!

A ligação foi interrompida. Às sete e cinqüenta e cinco, a gazela G-203 começou a deslizar para o lado interno da comporta do hangar. A passagem pela escotilha se realizaria dentro de poucos instantes.

Às sete e cinqüenta e oito, a pequena espaçonave de conformação elíptica saiu do gigantesco bojo da Drusus e penetrou no espaço com velocidade moderada.

Começara a grande aventura. Ninguém saberia dizer como terminaria. O prazo concedido pelo Ser do Peregrino só expiraria daí a cento e trinta e seis horas.

 

A gazela G-203 pairava imóvel no espaço, sendo que esta imobilidade se referia à Drusus e ao planeta. Reginald Bell regulara a pequena nave conforme os dados sugeridos pelos matemáticos. Por falta de outros sistemas de referência, os dados de posicionamento eram transmitidos pelo Sicocen, isto é, Sistema de Coordenadas do Centro da Nave. Portanto, um sistema de coordenadas cuja origem era a própria Drusus, ou melhor, o centro da Drusus.

Depois de algumas manobras, Bell tomou a direção calculada. Eram oito horas e doze minutos. Depois disso, permaneceu sentado na poltrona, bem encostado, observando com exatidão todo o painel e, de vez em quando, também os aparelhos de rastreamento, trocando às vezes uma palavra com o Tenente Tompetch.

— Que horas são? — perguntou por fim.

— Oito e trinta e quatro, senhor.

Bell fez os cálculos. Ainda vinte e três minutos e alguns segundos.

 

— Achamos! — exclamou Atlan. — O valor do transporte está em relação com a massa transportada. Uma relação constante com variação reduzida. Vai nos ser difícil cometer outros erros, agora.

Olhando para o diagrama, Rhodan concordou com o arcônida.

O valor de transporte para uma massa de cem toneladas era apenas três vezes e meia maior do que para uma massa de cem gramas. Para o transmissor fictício isto queria dizer que seriam necessárias apenas cinco regulagens diferentes para cobrir a escala de cem toneladas. Uma regulagem um pouco mais alta teria sido suficiente para salvar o robô CQ-1.238.

Rhodan fez uma experiência com mais um robô. O resultado foi positivo. O robô desapareceu da sala de comando e não restava nenhuma dúvida de que tivesse surgido no mesmo instante no planeta Peregrino.

Isto aconteceu pouco antes das oito e meia. Às oito e quarenta e cinco, Rhodan tentou de novo falar com Reginald Bell e com o Tenente Tompetch pelo rádio. Não teve sucesso, pois a gazela neste momento já se encontrava há muito à sombra do espaço intermediário, que exclui qualquer ligação.

Perry deu ordem para que deixassem de prontidão uma outra gazela e começassem a transportar o transmissor dos raios teleportadores para a comporta externa do grande hangar. Com isto, se evitavam manobras inúteis e difíceis, pois tão logo a gazela deixasse o bojo da Drusus, haveria de incidir no campo de ação do transmissor fictício e assim seria transportada diretamente para o planeta.

Foi o próprio Rhodan quem regulou o valor exato do transporte, embora o fizesse um tanto a contragosto, pois sentia falta da série de testes experimentais, que sempre costumava fazer, para maior segurança.

Consolou-se com o pensamento de que, de fato, não tinha mais tempo para perder e de que o valor de transporte por ele ajustado nada mais era do que o resultado de um cálculo meticuloso e por conseguinte não havia motivos de preocupação.

Eram então oito horas e cinqüenta e dois minutos, quando estes pensamentos lhe passavam pela cabeça.

 

Poucos instantes após oito e cinqüenta e sete, o rastreador de corpos materiais começou a dar sinais, isto é, ouviu-se um zunido fino e bem no centro da tela começou a luzir um ponto minúsculo. Quando Bell o percebeu, já estava aumentando de tamanho.

Automaticamente, a mão direita de Bell fez um movimento para o lado, ligando o amplificador de telepatia, que, por intermédio do modelo de Perry Rhodan nele colocado, irradiava as vibrações individuais. Mesmo antes de poder reconhecer a imagem na tela circular, colocou lentamente a gazela em movimento, de forma que o ponto luminoso na tela do rastreador chegou mais para o centro.

Um tanto excitado, Tompetch exclamou de repente:

— Olhe ali, senhor. Está vendo? Reginald Bell ergueu a cabeça e viu na tela um trecho de claridade esmaecida, que surgia ao lado do ponto luminoso, quase no meio da parte anterior da tela, aumentando a olhos vistos, como se viesse de encontro à gazela com toda a velocidade.

Bell procurou dominar o pavor que aquele quadro singular lhe causava e acelerou os motores de propulsão ao máximo. Então, como que atingida pelo soco de um gigante, a gazela deu um salto para frente, de encontro ao objetivo ainda meio indefinido.

Enquanto Bell concentrava toda sua atenção no controle dos instrumentos, o Tenente Tompetch observava a tela panorâmica. Notou que a mancha de um branco esmaecido ia tomando forma definida e aumentando de tal forma que se podiam ver detalhes. Uma região ampla, de tom esverdeado que supunha ser um mar, com litoral bem recortado, onde havia uma mata virgem bem densa, o curso de um rio bem largo — e além, a escuridão misteriosa do espaço infinito. A imagem era redonda e contínua. Uma ilha no espaço, aparentemente zombando de todas as leis da natureza. O tenente olhava atento, acompanhando o rápido crescimento do mar e da mata virgem e depois, ao atingirem todo o tamanho da tela, começaram a se atrofiar, como se estivessem encolhendo.

Uma das últimas coisas que vira — uma curva dupla no grande rio, desapareceu logo a seguir. Era a muralha impenetrável do espaço intermediário que se abatia de novo sobre a gazela.

— Atingimos o máximo! — disse Tompetch um tanto nervoso. — Não conseguiremos mais do que isto.

Bell nem se moveu. Olhando de lado, o tenente percebeu que aquele rosto de ordinário, sempre aberto e brincalhão, estava agora sério, de semblante muito carregado. Um Reginald Bell bem diferente do que Tompetch tinha na memória. Levado por esta descoberta, o tenente também silenciou.

O trecho visível do planeta continuava se atrofiando. Num reflexo rápido, Tompetch calculou que o período de dilatação tinha durado cerca de setenta segundos, portanto, de 8 horas, 57 minutos e 34 segundos até 8 horas, 58 minutos e 44 segundos. Agora eram exatamente 8 horas, 59 minutos e 5 segundos. Tinham apenas cinqüenta segundos para a aterrissagem.

Ao ultrapassar a muralha invisível, a gazela empinou.

— Isto é o envoltório de proteção — constatou Bell. — Agora podemos dizer que conseguimos o principal.

O pequeno trecho arredondado da superfície do planeta estava agora aos pés deles. Sem poder acreditar no que via, o tenente notou que o círculo se encolhia cada vez mais, e que os detalhes que vira até poucos instantes antes sumiam completamente. Abaixo deles estava o trecho de mata virgem.

Reginald Bell fez uma aterrissagem experimental. Com as válvulas de ar comprimido a toda pressão, arrancando mesmo algumas árvores que impediam a aterrissagem, a pequena nave foi baixando, freada pelo jato de ar das válvulas, em direção do centro da mancha esmaecida, que ainda se podia ver e que não tinha mais de dois quilômetros de diâmetro.

O choque contra o solo pegou o tenente desprevenido. O solavanco o atirou para frente. Fechou os olhos, e, sem poder reagir, teve a sensação de estar num carrossel, girando numa velocidade louca. Estava com receio de se sentir mal e acabaria vomitando. Mas, pouco depois, o carrossel parou de girar.

Ao abrir os olhos, viu, na tela panorâmica, que estava no meio de uma mata virgem e acima das copas das árvores; viu também que alguma coisa de ameaçadora, misteriosa, escura que vinha de todos os lados sobre ele. À sua frente, se ergueu Reginald Bell.

A gazela estava inclinada sobre a ramagem da floresta.

— Conseguimos!? — disse Bell, um tanto incerto. — Não há dúvida de que chegamos ao planeta. Mas, agora a questão é como continuar.

Por cima das copas das árvores se apertava cada vez mais o cerco da muralha da escuridão. Tompetch devia estar possuído totalmente pelo terror. Sem o perceber, seus dedos procuraram a fivela do cinturão de segurança, abriram-na automaticamente, afastando as duas extremidades. Levantou-se e sentiu um desejo irresistível de correr. Bell, que parecia ler seus pensamentos, pousou-lhe a mão no ombro, dizendo:

— Calma, amigo Tompetch, o negócio não pode ser tão feio assim.

O tenente tremia. De olhos arregalados ficou vendo como a parede negra ia encobrindo uma árvore após a outra, aproximando-se rápida da gazela.

— Olhe, olhe — gritou ele fora de si de tanto medo — ela vai nos en...

E a escuridão foi total.

Aparentemente, a parede negra os havia engolido. Não se via mais nada além das árvores. Desanimado, o tenente olhava atônito para as lâmpadas de controle que ainda estavam acesas na cabina de comando, como se nada de anormal tivesse acontecido. Baixou os olhos para si mesmo, olhou para Reginald Bell que a seu lado sorria normalmente e... de repente, teve vergonha de seu procedimento. Bateu com a mão na cabeça, fechou os olhos.

Segundos depois, Bell ouviu suas palavras entrecortadas de soluços:

— Perdão, senhor! Comportei-me como um covarde.

Mais uma vez, Bell lhe botou a mão no ombro, dizendo:

— Não diga bobagem e não seja tão trágico assim. Aconteceu comigo a mesma coisa. Também tive muito medo. Agora desligue toda a luz de bordo. Precisamos ter escuridão completa se quisermos ver alguma coisa.

Tompetch olhou. Não estava compreendendo para que serviria a escuridão ali dentro. Foi caminhando pelo chão inclinado da nave até a cabina de comando, desligando então a chave geral. O zumbido, que até então se ouvia na cabina, cessou totalmente, e todas as lâmpadas, mesmo as de controle dos instrumentos, se apagaram. A escuridão era absoluta.

O tenente voltou para seu lugar. Andando às apalpadelas, chegou até o assento do piloto, onde sentou-se, olhando para as trevas dentro e fora da gazela. Depois de alguns instantes, conseguiu vislumbrar os contornos do espaldar das poltronas e o reflexo fraco no vidro da tela panorâmica, chegando mesmo a perceber, a quatro metros dele, a silhueta confusa da figura de Bell. Esfregou os olhos para afastar qualquer alucinação, pois neste ambiente não podia haver nenhuma claridade, por menor que fosse. Era o espaço intermediário, que, como havia aprendido, fora de qualquer imaginação humana e vazio de qualquer coisa que um ser humano pudesse sentir, como luz, som ou calor.

Mas a imagem ali estava. Ali estava o espaldar da poltrona, o reflexo da tela panorâmica e do outro lado, imóvel, a silhueta de Reginald Bell.

— Você está vendo alguma coisa? — perguntou-lhe Bell.

— Sim — retorquiu Tompetch com alguma hesitação. — Acho que eu o estou vendo...

— É um bom sinal — disse Bell mais alegre. — Comigo se dá a mesma coisa. Mas no começo pensava se tratar de mera imaginação. Portanto, há vestígios de luz neste espaço intermediário.

Subiu um pouco mais para poder olhar melhor para a tela panorâmica. Enquanto isto, o tenente se esforçava para reconhecer qualquer coisa na tela panorâmica. Depois de algum tempo, viu os contornos das árvores, a selva escura que havia sido encoberta há pouco pela muralha de trevas. Tentou reconhecer a cor do céu que pairava por sobre as copas das árvores e se decidiu por um vermelho-escuro.

— Você também está vendo o céu vermelho, como eu? — perguntou neste momento Bell.

O tenente confirmou.

— Temos de comparar todas as impressões — explicou Bell, ao notar a estupefação de seu auxiliar. — Aqui, não podemos ter certeza se duas pessoas vêem as mesmas coisas nos mesmos objetos. Eu não gostaria de cometer algum erro num assunto deste. Você observou bem a tela panorâmica. Através do mapa, você poderia descobrir em que lugar nós descemos?

O tenente se lembrou da curva dupla do grande rio que tinha observado com muita nitidez e se recordava de que a gazela passara, no máximo, a uns cinco quilômetros da margem do rio, antes de aterrissar.

— Acho que posso.

— Então acenda as luzes. Vamos nos orientar.

Tompetch acionou novamente a alavanca da chave geral. Quando o conjunto gerador começou a funcionar, ligou também a luz. Caminhando pelo chão inclinado, Bell chegou até um armário na parede, de onde tirou uma pasta com muitos mapas.

— Você sabe — disse ele subindo na direção de Tompetch — que o planeta Peregrino é um mundo como os homens de antigamente imaginavam: uma mesa lisa, de cujas bordas a gente poderia cair, se não existisse o envoltório de proteção. Nós mapeamos toda a superfície do planeta. Todas as medições são exatas, embora naquela ocasião não tivéssemos muito tempo. Pode ser que nem todas as particularidades deste mundo estejam registradas.

Tompetch pegou o mapa e o desdobrou na mesa, com certa impaciência e curiosidade.

— O envoltório de proteção — continuou Bell — tem um efeito secundário muito proveitoso, como pudemos observar. Produz um campo magnético por meio do qual se pode determinar os pontos cardeais. O mapa foi confeccionado convencionalmente com o norte em cima e o sul embaixo.

O dedo indicador do tenente percorria o mapa. Achou registrados vários rios, mas nenhum deles tinha aquela curva dupla, observada com tanta clareza. Percorrendo a linha do litoral, achou uma desembocadura de rio, que pela sua largura mais parecia uma baía. Dos fundos desta, um traço fino e sinuoso penetrava terra adentro. E, somente depois de uns cinqüenta quilômetros, é que apresentava a largura que Tompetch julgava ter visto.

— Nós tivemos a mesma surpresa que você. Um rio que perto de sua nascente é dez vezes mais largo que em sua desembocadura. E sabe você de onde foi que Ele tirou esta idéia?

Tompetch fez que não, apenas com a cabeça.

— Você conhece o Rio Amazonas? — perguntou-lhe Bell.

— Só no mapa, naturalmente.

— Bem. Então você já ouviu falar no estreitamento do leito do rio na região de Óbidos. Até ali, o Amazonas tem vários quilômetros de largura. Em Óbidos ele se aperta para menos de um quilômetro. Eu vi tudo isto há muitos anos atrás. Não se nota nada de extraordinário em si. Mas, pode-se imaginar a força imensa do rio neste trecho. Ele parece ter ficado encantado com esta imagem imponente e assim criou este rio aqui usando o modelo do Amazonas. E, do estreitamento do leito em Óbidos, ele fez um trecho de cinqüenta quilômetros, onde o rio dispara a uma velocidade incrível.

Tompetch ouvia meio assustado.

— O senhor quer dizer que Ele copiou isto da Terra?

— Você não sabia disto? — perguntou Bell com cara de admirado. — Este mundo é artificial. Não só o mundo em si, mas cada curva do rio, cada montanha, cada mar é artificial. Ele percorreu toda a Galáxia e moldou depois a paisagem, conforme seu gosto.

Um tanto perplexo, o tenente retornou a seu mapa. Continuou seguindo o curso do rio, plasmado à semelhança do grande Amazonas, até encontrar pouco depois a curva dupla, que havia observado antes da aterrissagem. Daquela curva dupla, Tompetch traçou uma reta na direção noroeste, reta esta que cruzava o rio obliquamente e terminava poucos quilômetros para o norte da sua margem, no meio de uma região, onde pela cor do mapa, se podia esperar uma selva tropical com muita precipitação pluvial.

— Aqui, aqui — disse Tompetch — é que devemos ter descido.

Reginald Bell não disse nada. Fechou os olhos, como para se concentrar. Depois, com os dois dedos, saiu daquele ponto onde deviam ter descido, subiu na direção norte, cruzou dois mares, uma ilha-continente e finalmente parou no litoral sul de uma enorme faixa de terra, situada bem ao norte.

— Não poderíamos ter escolhido lugar pior do que este para nossa aterrissagem — dizia Bell mal-humorado. — Toda a extensão desta mesa, que é o planeta do mundo artificial, tem oito mil quilômetros de diâmetro. Daqui até a cidade onde se encontra o fisiotron são quase seis mil.

Olhou desconfiado para a tela panorâmica, mas, agora que as lâmpadas estavam acesas, não se conseguia ver nada. Acabou desligando a tela.

— Vamos prosseguir o caminho; tão logo possamos ver alguma coisa — disse da escuridão para o Tenente Tompetch. Se o radiofarol funcionar, será uma maravilha. Se não funcionar...

Deixou em branco o que então aconteceria. O tenente ouviu quando ele se dirigiu para o posto de comando e tomou seu lugar, soltando um prolongado suspiro.

— Sente-se aqui ao meu lado — ordenou Bell. — Pegue o mapa e dirija o radiofarol. Algumas lâmpadas de controle estão acendendo e isto é suficiente para que você possa fazer seus cálculos.

O tenente fez como ele mandou. Ao procurar seu lugar com o mapa na mão, tropeçou em alguma coisa que estava no seu caminho. Assim que sentou, reparou que os olhos se acostumavam depressa com a escuridão.

Surgiram na tela os primeiros contornos das árvores.

Bell esperou uns quinze minutos. Quando chegou à conclusão de que mais nítido do que agora era impossível, ligou os motores de propulsão. Esperou até que surgisse aquele ruído característico da rotação normal, que lhe dava a certeza de que tudo estava cem por cento. Depois, lentamente, foi soltando a alavanca de partida.

Continuou a observar os menores sinais na tela panorâmica. Julgava que em breve haveria de ver as árvores lá embaixo, cada vez mais se distanciando deles. Pura ilusão, por enquanto tudo estava parado. Já havia soltado a alavanca de partida, pelo menos até o meio, e nada havia acontecido. Em circunstâncias normais, a gazela teria dado um salto para cima, como se fosse atirada por um canhão. Em vez disso, lá estava ela: parada entre as árvores, sem se mexer.

Bell soltou mais ainda a alavanca de decolagem, olhou inquieto para a grande tela panorâmica, sentindo o suor escorrer pela face.

Que aconteceria se os motores de propulsão enguiçassem totalmente?

Estavam encarcerados no âmago de uma mata virgem, cheia de animais desconhecidos. O único trecho mais aberto era o rio, mas distava pelo menos cinco quilômetros. E mesmo que fossem apenas cem metros, Bell seria tão prudente de não sair da pequena espaçonave, pelo menos enquanto não tivesse a certeza de que suas armas funcionariam neste três vezes maldito espaço intermediário.

Num movimento brusco, comandado por um ímpeto de ira, deu um soco na alavanca de decolagem, deixando-a no seu ponto máximo. Não contava realmente com a mínima possibilidade de êxito.

Mas, de repente, as árvores lá embaixo começaram a se afastar lentamente. De olhos arregalados, Bell viu que os galhos surgiam e sumiam e, finalmente, no vidro fosco da tela panorâmica, não se via mais nada, a não ser o vermelho-escuro do céu do planeta Peregrino. Uma onda de pensamentos diversos invadiu a cabeça de Bell.

Pelo ruído típico das turbinas de propulsão, reparou que seu funcionamento correspondia à posição em que estava a alavanca.

A gazela estava regulada para uma velocidade média e, em circunstâncias normais, a espaçonave tinha que acelerar para o alto com uma velocidade X. Se não o fez, não foi certamente por culpa das turbinas de propulsão. O gerador antigravitacional, que fornecia o campo de amortecimento do choque, atuava na dependência da solicitação dos motores. Já que funcionavam normalmente, devia existir agora no interior da nave um anticampo do valor X.

Mas já que a gazela não tinha mais que a aceleração de um metro por segundo, os dois ocupantes da espaçonave seriam esmagados em poucos instantes por este anticampo.

Portanto, não havia na realidade nenhum anticampo. Bell estremeceu todo só em pensar no que teria acontecido se não se manifestassem estes dois efeitos misteriosos: a força que impedia a nave de subir com a velocidade que corresponderia à posição da alavanca, no ponto mais alto da escala, e o desaparecimento do anticampo, ao mesmo tempo, com o primeiro efeito, portanto se neutralizando mutuamente.

Olhou rapidamente para Tompetch, mas o tenente parecia não estar preocupado com nada. Não chegou a compreender o perigo por que passara e Bell evitou de assustá-lo.

Banhado em suor, dirigia a gazela em direção ao norte...

Mike Tompetch estava muito ocupado com o radiofarol. Examinava com freqüência as luzes de controle e se sentia feliz, vendo que todas estavam funcionando e o aparelho, em condições de ser usado.

Fez a primeira experiência.

Com um simples aperto de um botão, um amplo feixe de raios luminosos saltou da gazela, e, a três quilômetros da nave, bateu de encontro à superfície do planeta; refletiu, produzindo na tela panorâmica a imagem da paisagem embaixo.

Maravilhado, o tenente contemplava o grande painel, vendo primeiramente surgir bem nítido os contornos do rio que fluía para o oceano em linha reta. Viu o litoral que começava a aparecer e, mais para o sul, o relevo irregular da mata virgem.

O radiofarol estava funcionando. Com certa emoção, Tompetch comunicou a Bell que a imagem na tela estava de acordo com o mapa.

Assim se passou uma hora — uma longa hora em que o rosto de Bell gotejava de suor e em que o tenente não via outra coisa a não ser a monótona superfície do oceano. Manuseando ainda o mapa, Tompetch descobriu, no litoral sul, uma ilha pequena que a gazela teria que sobrevoar, caso mantivesse o mesmo curso. Com a reduzida velocidade com que avançavam, esta ilha só seria atingida depois de uma hora.

Tompetch se recostou na poltrona e deu largas à sua fantasia. Casualmente, deu com os olhos na tela panorâmica do rastreador. Estremeceu todo e, com um grito meio abafado pela surpresa, esticou o corpo para frente.

— A ilha, senhor! — disse transtornado.

— Que ilha? — perguntou Bell.

— A duzentos quilômetros do litoral há uma ilha pequena, senhor. Estamos nos movendo a cem quilômetros por hora, portanto só chegaríamos a ela daqui a duas horas e no entanto, olhe, lá está ela, bem embaixo de nós.

Cético, Bell olhou para a tela.

— Será que você não se enganou ao consultar o mapa?

— Claro que não — respondeu Tompetch.

— Então o radiofarol não está funcionando, pois está dando a direção errada. Está mostrando como se estivesse aos nossos pés uma coisa que fica a mais de cem quilômetros de nós.

Tompetch começou a calcular. Comparou as dimensões da ilha assinalada no mapa com as que apareciam na tela. Sua surpresa aumentou. Confuso, olhou para Bell e disse um tanto excitado:

— A ilha... devia ter cinqüenta quilômetros de largura, senhor... e trezentos de comprimento. O comprimento está certo, mas a largura, de acordo com a tela, mede apenas vinte e cinco quilômetros.

Bell deu um salto de sua poltrona. Comparou as dimensões da ilha no mapa com os dados de Tompetch e achou que realmente ela tinha cinqüenta quilômetros pelo mapa. Depois examinou a imagem da tela e constatou imediatamente que ali a ilha tinha apenas vinte e cinco de largura.

Começou a comparar os dois dados diferentes ou discrepantes. A ilha estava apenas a cem quilômetros do litoral, embora a distância fosse realmente de duzentos quilômetros, quando o mapa foi confeccionado. A largura era apenas de vinte e cinco quilômetros, quando de fato devia ter cinqüenta.

Só podia haver uma única explicação para tudo isto: O planeta Peregrino havia encolhido na escala de uma para dois!

 

Às nove e quinze do dia 26 de abril de 2.042, estavam terminados todos os preparativos para o salto fictício da gazela.

A bordo da pequena espaçonave, que deslizava lentamente para a comporta do hangar, estavam Perry Rhodan, Atlan, o arcônida, Dr. Ali el Jagat, chefe dos matemáticos da Drusus, John Marshall e André Noir; dois mutantes da tripulação do grande couraçado e o corpo de Natan, o ser de Solitude.

Quando se abriu a escotilha interna e a gazela parou diante da comporta externa de lançamento, o prazo para a renovação da ducha celular ainda era de cento e trinta e cinco horas.

Como de praxe, Rhodan era quem dirigia a pequena espaçonave. Com uma ansiedade que mal conseguia disfarçar, esperou os dispositivos automáticos abrirem totalmente a comporta de fora, para a saída da gazela. Fez com que a nave descesse lentamente a rampa e deslizasse para o espaço, prendendo a respiração para o impacto que viria a seguir, assim que a gazela fosse atingida pelos raios transportadores do transmissor fictício.

Estes raios transportadores tinham início fora do envoltório de proteção da Drusus, isto é, mais ou menos a cento e cinqüenta metros além das paredes externas do grande couraçado espacial. Não se conseguia ver o início deste campo magnético. Na grande tela se via somente a negridão do infinito e, de vez em quando, uma leve cintilação proveniente de partículas cósmicas.

Rhodan sentiu, de repente, como todo este empreendimento era irreal. Tratava-se da imortalidade, algo difícil de se compreender ou de se imaginar. O campo de ação se desenrolava ou se desenrolaria num espaço que estava entre as dimensões e que era, não apenas inimaginável, como principalmente absurdo.

Parados ali fora, diante do envoltório de proteção da Drusus, esperavam pelos raios transportadores que haveriam de lançar a gazela com sua tripulação, sem a menor perda de tempo, para um ponto a mais de muitos milhões de quilômetros de onde estavam. Iriam contradizer todos os princípios científicos que, há menos de cem anos, ainda norteavam a física da Terra.

Rhodan não se sentia bem com isto. Uma onda de terror o invadia — o medo atávico diante do desconhecido, do incompreensível. Tentou reagir contra este instinto, como sempre fazia nas horas difíceis. Teve um ímpeto de ira e fez a gazela disparar de repente para cair no campo magnético, onde os raios transportadores a esperavam. Retesou os músculos para abrandar o choque esperado, mas teve que constatar que o impacto foi muito maior do que supunha.

Atingiu-o com a violência de um martelo hidráulico. Parecia que uma cápsula de metal, feita exatamente de acordo com suas medidas, havia envolvido todo seu corpo num milionésimo de segundo, estrangulando-o. Gritou, mas não pôde ouvir sua voz. Estranhou a escuridão total em volta dele e por toda parte, não podendo ver nem ouvir seus companheiros. Procurou resistir à enorme pressão que se abateu sobre ele. Mas, quanto mais força fazia, tanto mais dores sentia.

Quedou inerte, parou de gritar, tentando suportar o incompreensível.

A dor, porém, foi tão aguda que por uns instantes o deixou inconsciente.

Voltou a si banhado em suor. Diante de seus olhos, dançavam círculos coloridos e seus pulmões arfavam como se tivesse terminado naquele instante uma corrida de dez mil metros. Mas, apesar das dores atrozes, que ainda sentia bastante, percebeu que a gazela se encontrava a poucos quilômetros de uma paisagem diferente, tão estranha que não se recordava de ter visto antes coisa semelhante.

Tomado de incrível perplexidade, constatou que o salto espacial pelos raios transportadores tinha sido bem sucedido. Sorridente, olhou para o sol esfuziante que brilhava num céu de um azul sereno, espargindo uma onda suave de luz e calor num enorme parque.

Estavam no planeta Peregrino.

 

Natan conversou tanto com o estranho, até que este perdeu a vontade de falar e ficou quieto. Mas, nesta conversa toda, Natan tinha recolhido boas informações. Sabia onde estava a cidade que era o objetivo de seu amigo. E como não houvesse ou não soubesse coisa melhor para fazer, pôs-se a caminho dela.

Estava num estado de espírito muito esquisito. A ausência de seu corpo não o incomodava muito, primeiro porque sabia que seu amigo o ajudaria a encontrá-lo e depois, não seria para ele uma perda irreparável se tivesse de continuar sua existência somente como espírito separado do corpo. É claro que haveria de sentir dores, se seu amigo — caso não o conseguisse encontrar mais — deixasse seu corpo tão longe dele, que os reflexos mentais não o pudessem mais atingir e assim ficassem retidos no próprio espírito. Mas mesmo estas dores seriam suportáveis.

Porém não era isso que Natan estava sentindo. O que o atormentava era o mesmo sentimento que tivera antes, quando passou por este espaço escuro, de caminho para o planeta Peregrino: o sentimento da solidão. Nunca o sentira assim. Pois os habitantes de Solitude viviam em grandes grupos e qualquer um que se afastasse por um período mais longo, podia fazê-lo sem susto, pois alguns quilômetros para frente acharia um outro grupo que o receberia de braços abertos. Portanto, em Solitude não havia solidão.

Até que chegaram os druufs, que acabaram pegando e prendendo os seres de Solitude. Natan estava se lembrando que nem nesta época ele se sentira tão só como agora. Na sua existência como espírito, podia se encontrar e se divertir com outros espíritos também presos pelos druufs. Além de tudo, o ódio contra os druufs era tão grande que abafava qualquer outro sentimento Mas neste planeta não havia nada. Estava sozinho num mundo artificial, cujo senhor se acastelava numa cidade longínqua e já se aborrecera de conversar com ele. Não havia mais ninguém com quem pudesse trocar idéias. O que via, ouvia e sentia, tinha que guardar só para si. Mas o característico de sua raça era exatamente a comunicação, conversar com os outros, trocar recordações e experiências, falar sobre vivências próprias, pensamentos coletivos e assim se divertirem.

Por onde quer que se olhasse, era a solidão. Natan tinha chegado a uma planície com muito capim, que se estendia a perder de vista, até a neblina pardacenta. Não havia nada para ver, a não ser capim e muito raramente um ou outro besouro.

Natan estava remoendo estes pensamentos na cabeça, quando percebeu movimento à sua frente. A princípio viu apenas traços escuros que se moviam, bem rente ao capim. Os traços foram aumentando e Natan pôde constatar que se tratava de seres quadrúpedes que ali chegaram a grande velocidade.

Quando ainda estavam a uns cem metros dele, notou a estranha formação de seu corpo. Tinham cabeça e pescoço alongados, quatro patas e cauda volumosa, mas o esquisito era que de seus dorsos crescia um segundo corpo menor, que por sua vez tinha uma cabeça e duas pernas. Natan, mais do que depressa, correu de encontro a eles, do mesmo modo como eles galopavam na sua direção. O primeiro dos dois animais, percebendo a presença de Natan, parou instantaneamente. Com isso o animal de quatro patas se empinou todo no ar, mantendo no chão apenas as patas trazeiras.

Aí foi que Natan notou que o segundo corpo, apoiado sobre o dorso do quadrúpede, também se movimentava com agilidade e que, de repente, apareceu com uma arma na mão, constituída de uma peça recurvada e de outra reta, que se encontravam em suas extremidades.

Cheio de pavor, Natan viu que a peça recurvada se arqueou mais e, de repente, a peça reta avançou para frente, cortando o ar com extrema fúria e penetrando na existência espiritual de Natan.

O ser, que estava apoiado no outro, ficou aterrorizado. Natan, porém, correu para frente deles. Mas viu como a cabeça, que pertencia ao segundo corpo apoiado no corpo maior, virou para trás diversas vezes, numa tentativa de vê-lo de novo.

Aceitou o incidente banal como uma brincadeira agradável e correu no encalço da estranha aparição. Aí aconteceu uma coisa interessante. O segundo corpo, que sobressaía do dorso do primeiro, se desprendeu totalmente e caiu no capim. O quadrúpede continuou correndo. O que rolou no capim se levantou novamente e saiu pulando.

Natan foi compreendendo melhor. Cada um destes dois seres era constituído por duas criaturas. De um quadrúpede, isto é, daquele que agora corria atrás do grupo dos outros e de um outro que estava em seu dorso e agora tinha caído no capim. O que caíra do dorso do quadrúpede era muito semelhante, quanto à construção do corpo, a seu amigo da grande nave. Apenas tinha roupa diferente e um enfeite colorido na cabeça.

Natan então tomou uma nova forma e identificou-se com o ser de duas pernas, que continuava correndo... Natan o ultrapassou e parou na frente dele. Chegou a ver como o ser de duas pernas arregalou os olhos e abriu a boca. Ouviu um grito de horror e, para acalmá-lo, fez um gesto que, para ele. Natan, significava paz.

No entanto, o estranho ser puxou um objeto, feito de um pedaço de madeira e de uma parte metálica, que até então estava metido na cintura, escondido pela roupa que envolvia o corpo do estranho. Levantou o tal objeto na altura dos olhos, deu um passo em direção a Natan, apontando-lhe o objeto.

Natan ouviu um ruído muito forte que provinha do objeto de extremidade metálica e viu que algo, passando através de seu espírito, penetrara no chão. O ser estranho soltou mais um grito angustioso e caiu de costas no chão. Não se movia mais.

No espírito de Natan agora só havia confusão. Era uma mistura de admiração e de horror. Não pretendia de maneira alguma fazer mal ao estranho. Mas, certamente, devia haver algo em sua existência como espírito, que provocava medo nos estranhos. Ele ainda estava vivo, como Natan reparou pelo movimento rítmico da parte superior do corpo. Haveria de levantar logo e correr atrás do animal de quatro patas, que havia caído.

Para não assustar mais os estranhos, Natan se transformou numa névoa amorfa e se afastou dali.

De repente, ouviu novamente os guinchos estridentes que externavam a alegria do invisível senhor do planeta. Ouviu o que estava dizendo:

— Pobre amigo, você o espantou e, ao mesmo tempo, se assustou com ele. Não tenha medo. Ele não tem vida real, é apenas uma sombra.

Natan não estava entendendo nada e o estranho notou sua confusão.

— Você não disse que tinha um amigo, que estava esperando lá fora que acontecesse alguma coisa para ele conseguir penetrar neste mundo, não é verdade? É da terra dele que vem este ser, que você acaba de ver. Lá o chamam de índio.

Natan olhou para trás e ainda viu o ser estranho deitado no capim.

— Dá impressão de ser real — disse o senhor do planeta em tom amigável — embora não passe de uma sombra.

Natan não compreendeu bem o conceito de sombra. Não podia ser a mesma coisa que existência como espírito, pois o ser estranho era real e podia ser tocado. Ele, parecia conhecer um outro tipo de transformação espírito-matéria.

Natan aguardou que Ele continuasse se manifestando. Isto, porém, não aconteceu. Aquela conversa tão curta parecia ter bastado para Ele. Natan olhou para o alto e viu um animal estranho, de duas asas abertas, deslizando pelo ar. Acompanhou-o com os olhos por um tempo e depois continuou sua caminhada.

 

A distância da ilha oceânica até o litoral norte devia ser, conforme o mapa, de mil e oitocentos quilômetros. No entanto, o valor que Tompetch podia deduzir da tela do radiofarol oscilava entre setecentos e oitocentos quilômetros. A incerteza provinha do fato de que a velocidade com que a gazela se deslocava não era bem conhecida.

Reginald Bell, para este fim, confeccionou uma fórmula própria, já que não podia contar muito com a comparação entre o mapa e o quadro apresentado na tela panorâmica.

A atrofia, ou seja, a redução de tamanho, estava cada vez mais acentuada. No início, quando sobrevoaram a estreita ilha do oceano, a escala de redução era de um para dois. Agora, porém, chega a um para dois vírgula três. Bell perguntou a si mesmo se esta atrofia era conseqüência da falta de exatidão na medição ou se era realmente um fenômeno da natureza que se processava no momento.

Fazia mais ou menos dez horas que a gazela estava a caminho, desde que conseguira, com toda força, se desprender do solo da mata virgem, onde parecia colada.

Bell não se afobou em procurar explicações para o encurtamento da superfície do planeta. Lembrou-se do que ouvira, antes de partir do bojo da Drusus e procurou fazer uma relação com o que vira com os próprios olhos na tela do rastreador.

Alguém havia trazido à baila a teoria do espaço intermediário, conforme a qual o planeta Peregrino se encontrava numa região espacial de instabilidade de rotação. A rotação dizia respeito aos fusos do hiperespaço e se alterava, sendo que esta alteração estava em função permanente da velocidade da rotação.

E o que queria dizer mesmo “alteração de um fuso”?

Bell conseguiu se lembrar de que só se falou da atrofia ou do encurtamento. Para um observador, que estivesse fora da rotação do sistema, o encurtamento de um fuso espacial não significava outra coisa do que uma redução nas proporções, ou na escala. Uma região, que, para um observador que estivesse dentro do sistema em rotação, tivesse o comprimento de um quilômetro, teria para um outro de fora apenas quinhentos ou cem metros, de acordo com o índice de atrofia. Com isto, estaria explicado o problema que preocupava tanto a Bell e a Tompetch.

Bell reconhecia, porém, que esta explicação não era nada tranqüilizadora, pois do mesmo modo como os eixos do espaço, também os fusos horários poderiam estar sujeitos a alterações. Isto significava de novo que não havia nenhuma certeza quanto ao valor do tempo no planeta Peregrino, comparado com o do interior da gazela.

Entrementes, a gazela tinha deixado para trás o oceano equatorial e ia iniciar agora a travessia de um continente de uma extensão de cerca de dois mil e quinhentos quilômetros, no sentido norte-sul. Este continente separava o oceano do mar do norte. Pelo menos conforme o mapa, sua largura era de dois mil e quinhentos quilômetros.

Na tela do rastreador, quando Tompetch procedeu à primeira medição, esta largura era de apenas mil quilômetros. O fator de atrofia ou encurtamento tinha aumentado mais uma vez. Estava agora na proporção de um para dois e meio.

Bell percebeu com satisfação que pelo menos este resultado lhes era favorável. Se, por acaso, não soubessem de quanto tempo ainda dispunham, então era realmente muito interessante ter que percorrer dois ou três mil quilômetros, em lugar de seis ou sete mil.

Foi este o último pensamento que lhe passou pela cabeça, antes que os motores deixassem de trabalhar.

De um momento para o outro, cessou o zumbido típico que há mais de dez horas consecutivas enchia a sala de comando. Ouvia-se de vez em quando um grito angustiado. De olhos arregalados, Tompetch fitava a tela, vendo como os contornos do continente se ampliavam com velocidade crescente, parecendo vir, numa carreira desabalada, de encontro à gazela. Os dispositivos antigravitacionais mantinham a gravidade normal dentro da nave. Nem Bell, nem o tenente sentiam os efeitos desagradáveis da queda livre.

No entanto, não havia dúvida alguma de que a gazela despencava e, dentro de alguns segundos, se estatelaria de encontro ao solo.

Bell não perdeu tempo. Com um único aperto de botão, reforçou os campos magnéticos de proteção ou, em outras palavras, o envoltório protetor da gazela, ouvindo no mesmo instante, com imensa satisfação, o bramido que fez estremecer a fuselagem da nave, bramido este provocado pelo atrito com o ar.

Bell bateu com a mão fechada num outro interruptor, dando ao envoltório de proteção um campo gravitacional adicional, que atuava contra a gravitação do planeta Peregrino e assim freava a queda. O tenente Tompetch viu na tela do rastreador que, ao entrar em ação o campo gravitacional, a imagem da tela voltou ao normal. O sibilar do vento produzido pela velocidade excessiva da queda diminuiu e a gazela descia como se estivesse presa a pára-quedas gigantescos.

Por meio do radiofarol, Mike Tompetch calculou a altitude em apenas mil e duzentos metros e a velocidade da queda em seis metros por segundo.

— Não está acreditando que desceremos muito bem nesta velocidade? — perguntou Bell, inesperadamente. — Seis metros por segundo não é demais. Encoste um pouco a cabeça no espaldar e fique bem firme.

O mundo de um vermelho-escuro, para onde caíam, estava muito esquisito. O olhar de Bell percorria a tela, procurando reconhecer qualquer coisa que lhe servisse de ponto de orientação. Viu uma faixa escura, quase horizontal, na tela e supôs tratar-se da linha divisória entre o céu e a terra. No lado de cima, a tela estava avermelhada e no de baixo, preta. Mais do que isto, não conseguiu ver.

Ainda achavam-se a dois ou três mil quilômetros de seu objetivo e Bell sabia que, sem a gazela, jamais chegariam a este objetivo.

 

Perry Rhodan olhou em volta. Atlan sorriu, Marshall e Noir estavam encafuados em suas poltronas, com os olhos arregalados de medo. Ali el Jagat parecia ainda inconsciente, começando neste instante a querer voltar a si. O corpo inerte de Natan foi o único que nada sofreu com a terrível manobra.

— Não sei o que aconteceu — disse Rhodan, tentando fazer com que sua voz acalmasse o ambiente de terror. — Mas de qualquer maneira, conseguimos suportar o pior e aqui estamos.

Atlan, pensativo, soltou o fecho magnético do cinturão de segurança, deixou-o bem frouxo e respondeu:

— É a alternância de um espaço para o outro. Provavelmente, o raio transportador do transmissor fictício é um meio um tanto impróprio para chegarmos a este espaço intermediário. Santo Deus, para mim, a impressão era de que uma bomba iria explodir no momento decisivo.

Perry Rhodan não pôde prestar muita atenção nas palavras de Atlan. A seus pés, estava o planeta tão importante para ele. Era como ele o tinha ainda na cabeça. Ele, ser eterno, já devia ter notado que tinha hóspedes. Rhodan estava esperando que Ele se manifestasse.

Mas a gargalhada borbulhante que finalmente se fez ouvir não deixou tempo a Perry para refletir melhor. Antes que o eco desta gargalhada chegasse ao seu cérebro, sentira uma coisa diferente: as turbinas da gazela pararam.

A reação de Rhodan foi instantânea!

Dois movimentos rapidíssimos: um aperto de botão para reforçar o envoltório de proteção e um empurrão leve na alavanca que provocava um campo de gravitação artificial. Só depois de ter feito isto, ele I passou a pensar nos controles das turbinas. Apertou a chave geral de controle, que acenderia todas as lâminas dos aparelhos que estivessem em funcionamento normal. Num relance de vista, Rhodan constatou que somente uma única lâmpada não acendera.

Toda a aparelhagem estava intacta com exceção apenas de um único setor.

Era o setor de produção de energia para os motores de propulsão. Alguém ou alguma coisa devia ter sugado toda a energia da nave, enquanto ela “lutava” na transição do espaço de Einstein para o espaço intermediário.

Rhodan estava tranqüilo. Ainda havia uma série de geradores a bordo, e, se tivesse um pouco de tempo, haveria de ligar entre si o aparelho de antigravitação e os geradores do envoltório de proteção de tal maneira que, ao invés de fornecerem sua energia para o campo de gravitação ou para o envoltório de proteção, haveriam de encaminhá-la toda para os motores de propulsão. Com os recursos que lhe estavam à disposição, haveria de conseguir isto em três ou quatro dias.

Quanto ainda lhe restava?

Consultou o calendário.

Ao ler os números da data, que eram fosforescentes, teve vontade de dar um salto e de estrangular o relógio, pois estava certo de que alguém havia falsificado a marcação de tempo. Lembrou-se ainda de que, antes de a gazela deixar o bojo da Drusus, ele mesmo havia examinado o funcionamento do relógio. Neste meio tempo, ninguém teria tido a possibilidade de mexer no relógio. O que estava vendo, estava correto, embora não soubesse explicar como isto tinha acontecido.

O calendário indicava 15 horas e 32 minutos. A data era 30 de abril de 2.042.

 

O choque contra o chão do planeta não fora assim tão ruim como Reginald Bell o imaginara. Houve, realmente, um estrondo muito forte. Bell teve a impressão de estar sendo imprensado contra o estofamento de sua poltrona. Foi tomado por uma ligeira sensação de dor.

Bell se levantou resmungando e olhou para a tela. A primeira coisa que observou foi que lá fora ficara mais claro.

Tentou se lembrar de que tamanho era a imagem quando ele olhou para a tela pela última vez. O alcance da vista não tinha mais do que cem metros de extensão. Agora, porém, havia se ampliado pelo menos para um quilômetro. Somente além deste limite é que os contornos começavam a sumir na escuridão. O céu brilhava agora num vermelho muito intenso.

Entrementes, o tenente também já se levantara. Parecia confuso, mas a convicção de que havia acontecido algo que ele realmente compreendia, fê-lo voltar à antiga segurança.

— Podemos fazer uma vistoria nos aparelhos, senhor — disse o Tenente Tompetch. Se soubermos o que está falhando, haveremos de resolver tudo num instante.

— Você é um rapaz inteligente, Tompetch. Mas eu já testei tudo durante a queda. Você não vai acreditar, mas alguém sugou toda a nossa energia de propulsão, como quem suga toda a água de uma esponja. E aproveitando a comparação: a esponja está agora tão seca que não se consegue mais tirar uma gota nem com uma prensa hidráulica.

— Mas o campo antigravitacional e o envoltório de proteção...

— ...estão em ordem, perfeitos. Provavelmente são um tipo de energia que não interessa ao sugador. Estou compreendendo o que você quer dizer: podemos mudar as ligações e assim voar com o campo antigravitacional e o envoltório. E é isto que vamos fazer. Antes, porém, quero examinar alguma coisa por aqui.

Tompetch apontou com o dedo para a tela panorâmica:

— Você quer dizer lá fora? — Bell fez que sim com a cabeça.

— Naturalmente. Temos de descobrir muita coisa ainda. Por exemplo, como está funcionando a instalação do rádio, quanto ao transmissor lá fora e o receptor aqui dentro da nave. Pois, afinal de contas, não é o fisiotron que me deve procurar, mas eu é que preciso encontrá-lo. Mais cedo ou mais tarde, isto tem que acontecer.

Examinou bem seu uniforme de expedição, dando muita atenção ao capacete pressurizado que até então estava dependurado nas costas, como se fosse um equipamento sobressalente. O tenente acompanhava estes preparativos com muita curiosidade.

— Eu pensava que o planeta Peregrino fosse um mundo muito agradável no tocante à gravitação, à composição atmosférica e à pressão do ar. O senhor receia algo de anormal no planeta?

— Você está vendo bem que sua superfície se encontra em estado de atrofia ou encurtamento. Imagine só se todas as moléculas do ar que se aglomeram num centímetro cúbico fossem comprimidas para dentro de um espaço que tivesse apenas a metade deste volume?

— Santo Deus! Não me tinha lembrado disso. Então a gravidade também aumentaria não é verdade?

— Deveria aumentar — explicou Bell — se ela não fosse artificial. O dono deste planeta regula a gravidade a seu bel-prazer.

Resoluto, Bell puxou o capacete para cima da cabeça e esperou até que ele, por si mesmo, se encaixasse na peça do uniforme em volta do pescoço.

— Vou descer agora da gazela — sua voz saía abafada, através do alto-falante externo. — Fique perto do receptor e preste atenção para ver como você me consegue ouvir.

Tompetch fez um gesto de que estava compreendendo tudo. Ficou ali, atento, enquanto Bell desaparecia pela escotilha.

Bell já havia reparado na tela panorâmica do interior da gazela que a aterrissagem de emergência fora realizada numa região que Ele, o senhor do planeta Peregrino, idealizara para imitar uma natureza exótica de qualquer parte do Universo.

Bell nunca vira plantas tão esquisitas assim, como aquelas em volta da nave, sobressaindo do capim rasteiro. Embora estas plantas lhe fossem completamente estranhas, pôde observar nelas as conseqüências da atrofia ou do encurtamento. Este fenômeno se abatera sobre todo o planeta, e o estava transformando suas paisagens em formações grotescas.

Bell deu com uma árvore que tinha muita semelhança com a nossa amoreira comum. Seu tronco que, em circunstâncias normais poderia ser redondo e ter uns trinta centímetros de diâmetro, apresentava agora uma forma elíptica. O eixo da elipse continuava sendo de trinta centímetros, mas seu lado mais estreito não passava de dez centímetros. Seus galhos se dirigiam todos num só sentido, ou para a esquerda ou para a direita. Nos outros dois lados estavam muito encolhidos, não alcançando nem a metade do tamanho normal.

O mesmo fenômeno se repetia em outras coisas. Não muito distante da gazela, Bell viu uma pedra no chão, lisa como um disco de gramofone. Apanhou-a, virando-a num ângulo de noventa graus. Aí aconteceu o seguinte: toda a superfície começou a encolher.

Por conseguinte, podia-se afirmar que o encolhimento obedecia a uma certa direção. Esta direção coincidia, como Bell averiguou logo, com o eixo norte-sul do planeta. Poderia ser um mero acaso. Mas enquanto pensava nisto, veio-lhe à cabeça a idéia de que poderia aproveitar este fenômeno para seus objetivos. Mas ainda preocupado infantilmente com o que aconteceu à pedra em forma de disco, esta idéia tão importante acabou desaparecendo. Passou para os meandros do subconsciente. Quando, cinco minutos depois, tentou se lembrar do que havia pensado, já era tarde, a boa idéia tinha mesmo evaporado.

Fez algumas experiências de comunicação via rádio com seu auxiliar a bordo. Notou de início que as coisas já não eram como antes. Apesar de estar apenas a uns cinqüenta metros da nave, ouvia Tompetch com grande dificuldade e concomitantemente o tenente lhe comunicou que a ligação estava horrível. Bell chegou um pouco mais perto da gazela e o som melhorou. Afastou-se novamente uns metros e o som piorou, chegando mesmo a sumir, quando atingiu cem metros.

Começou então a calcular, pois o assunto lhe interessava muito. Tompetch ia lhe dando informações sobre as condições de recepção, registradas por um medidor de watts. Por meio destes dados, Bell foi constatando uma certa regularidade. Chegou a formular o seguinte teorema: se chamarmos a distância entre o transmissor e o receptor de r, então, em condições normais dos transmissores eletromagnéticos, a potência de irradiação chegada ao receptor era de l/r2.

Se o transmissor estivesse a vinte metros do receptor, então a potência de onda recebida seria apenas de um quarto do que haveria de receber, caso o transmissor estivesse somente a dez metros.

Aqui, porém, a situação era outra. Havia de fato uma relação de funcionamento entre o transmissor e o receptor, no tocante à potência de recepção, mas esta relação era de l/r6.

Se a distância fosse duplicada, a potência de recepção baixaria de um vinte e cinco avôs. Era um fato novo, estarrecedor. Talvez a própria energia irradiada era sugada por alguma, coisa existente no ar. O fenômeno tinha uma estranha semelhança com o desaparecimento da energia de propulsão dos reatores. Bell se deu ao capricho de formular uma hipótese bem fundamentada, que explicasse cabalmente os fatos. Mas não lhe foi possível, pois não dispunha dos informes necessários e rigorosamente calculados. Voltou aborrecido na direção da nave, passando de novo por aquela espécie de amoreira-selvagem, cujo tronco fora reduzido a oito centímetros.

Levantou o braço e olhou para o barômetro, que, juntamente com outros medidores, estava embutido no plástico do uniforme. A pressão do ar atingia no momento a 2,8 atmosferas.

 

Foi a primeira vez que Perry Rhodan se aborreceu com a ruidosa gargalhada. Enquanto a gazela descia numa velocidade reduzida de salto por pára-quedas, a risada enervante do Ser do planeta Peregrino lhe furava os tímpanos, deixando-o vermelho de irritação.

Comprimiu as mãos contra os ouvidos, mas foi inútil. O ruído continuava transmitido por via telepática. Andou de um lado para o outro como se houvesse uma direção determinada de onde provinha o ruído, gritando a todo pulmão, num acesso de ira:

— Pare com isto, estúpido! Não há nenhum motivo para rir.

E a gargalhada cessou de repente. Rhodan não estava bem certo se era esta a maneira adequada de falar com Ele. Mas isto pouco lhe interessava. Não precisava e nem queria ouvir mais esta risada boba.

Percebeu que seus companheiros olhavam-no atônitos. Quase no mesmo momento, “ouviu” uma voz longínqua, mas nítida:

— Um pouco nervoso, meu amigo? — a transmissão soava curiosa e afável ao mesmo tempo. Portanto, Ele não se agastara por ter sido chamado de estúpido. — Eu, no seu lugar, também ficaria nervoso. Você ainda está a quatro mil quilômetros do fisiotron e só tem trinta horas para alcançá-lo. Como é que você vai conseguir chegar até lá?

— Não sei ainda — respondeu Rhodan em voz alta, pois tinha a experiência de que os pensamentos ficavam mais claros quando eram expressos por palavras bem articuladas. — Não tenho a menor idéia. Mas fique tranqüilo, velho amigo, chegarei lá na hora certa.

Mais uma vez, a gargalhada estrondosa invadiu os sentidos de Rhodan.

— Estou me divertindo como um rei — disse Ele. — Nunca presenciei uma situação como esta. Já preguei algum susto em pessoas esquisitas que me queriam prender numa dimensão de tempo diferente da minha. Naturalmente este susto me custou um grande número de “eiris”.

— Um grande número de quê? — perguntou Rhodan.

— De “eiris” — respondeu Ele prontamente. — Chamamos assim a energia de estabilização espaço-tempo.

— Ah! Sim... — disse Rhodan, embora não tivesse compreendido patavina.

— É claro que depois arranjei novas energias — continuou Ele. — Mas já que você e seus amigos aqui estão, não preciso mais delas. Vocês conseguiram tudo que era necessário para colocar a mim e a meu mundo na órbita certa.

Rhodan ainda não estava compreendendo nada e o confessou abertamente.

— Você não precisa compreender nada, meu amigo — disse Ele, todo feliz. — Aconteceu tudo espontaneamente. Foi suficiente vocês chegarem aqui.

Neste exato momento, a gazela pousou em terra firme. O solavanco não foi tão grande, mas alguém deu um grito de dor. A seguir, tudo voltou à calma de há poucos segundos. Rhodan não perdeu sua serenidade, — Temos aqui no planeta uma outra nave — disse ele ao Ser. — Que sabe a respeito desta espaçonave?

— Absolutamente nada — respondeu Ele. — Esta segunda nave não se acha em meu plano de tempo. Deve estar no espaço normal, com seus tripulantes.

— Quer dizer então que não estão neste mundo?

— Não estou dizendo isto. Estão neste mundo sim — Ele começou a rir novamente. — Às vezes sinto vontade de me encolerizar, pelo fato de que não posso me distrair vendo como esta gente se arranja num espaço que lhes é estranho.

— Por tudo que é mais sagrado! — exclamou Rhodan. — Gostaria de poder compreendê-lo.

— Não procure compreender nada, meu amigo. Pense apenas que você tem somente trinta horas de prazo, trinta horas que passam depressa. Faça alguma coisa, se não deseja morrer.

Com isso acabou o diálogo. Rhodan não conseguiu mais falar com Ele. Gostaria muito de perguntar por Natan, que também devia estar em algum lugar do planeta Peregrino.

Deu um giro em sua poltrona, ficando de frente para seu pessoal.

— Sei que não vai ter muito sentido, mas se fizermos um grande esforço, haveremos de comutar os dois transformadores — disse, com um sorriso forçado.

Olhou para John Marshall, o grande telepata, chefe dos mutantes. Marshall correspondeu a seu olhar. Rhodan não parecia muito alegre, mas compreendia que não podia jogar fora toda esperança.

Ouviu-se então a voz fria e pausada de Atlan:

— Creio, meu amigo, que não tem mesmo sentido nos esforçarmos pelos geradores. É tarde demais e não nos sobra tempo para fazermos toda esta mudança. O salto da Drusus para cá nos custou tempo e toda a energia de propulsão. Acho que nós devemos nos preocupar em descobrir primeiramente como foi que isto aconteceu. Se descobrirmos isto, poderemos talvez achar o caminho para refazer o prejuízo mais depressa, do que através da mudança total dos geradores.

Olhou para Rhodan com muita atenção, dando a entender que esperava uma resposta. Estava sério, e seu rosto exprimia preocupação de um modo como nunca se notara antes.

— Talvez... — respondeu Rhodan. — Mas não podemos construir nada sobre um talvez. Temos de agir, mesmo que pareça completamente sem sentido. Quem sabe conseguiremos uma ligação de emergência, que...

— Quem sabe... — interrompeu-o ironicamente Atlan. — Você está repetindo o meu talvez.

Perry Rhodan fez um gesto de ira.

— Com os diabos! Quero arranjar alguma coisa para minhas mãos terem o que fazer, é tudo. Não posso ficar aqui sentado pensando a vida toda. Isto não é comigo. Mas se você acha que poderá encontrar uma solução por este lado, almirante, ninguém o vai impedir.

Neste momento, Ali ei Jagat deu um salto de sua poltrona. Rhodan olhou-o espantado e reparou que estava pálido como cera, com os olhos fixos na tela. Acompanhou o olhar de Jagat e conseguiu ver na grande tela, entre as árvores, uma figura estranha que se tornava cada vez mais nítida. Usava uma couraça da Idade Média e no antebraço esquerdo trazia um escudo de combate, na mão direita, uma longa espada. Esta figura estava montada num cavalo, resguardado com placas de ferro no peito e na cabeça. Parou o cavalo bem diante da comporta da gazela. Pegou uma lança e bateu com toda força a chapa de aço da comporta. Simultaneamente, os microfones externos captaram uma voz encolerizada:

— Quem é que se atreve a penetrar nos domínios do Conde Llandrindod sem ser convidado? Fora com ele! Terá que me dar contas de seu atrevimento.

No mesmo momento, ecoou a gargalhada do Ser de Peregrino, que se divertia com o incidente.

 

Subitamente, Reginald Bell se lembrou da idéia que tivera quando percorrera a vegetação em volta da gazela. Foi tão repentino o salto da memória, que a ferramenta, que tinha na mão para a execução de umas experiências, lhe escapou e caiu no chão. E batendo com a mão na cabeça, Bell exclamou:

— Como sou burro! Não poderia ter esquecido isto.

Olhou depois para Tompetch, dizendo:

— Venha para cá. Tenho uma idéia luminosa!

Tompetch obedeceu meio confuso. Bell subiu pelo aposento estreito do conjunto de propulsão, abriu a escotilha e apontou, ainda antes de o tenente avistar, para aquilo que ele pensava, na tela panorâmica.

— Lá, está vendo? Veja bem, depois me diga o que você pensa. Sei que o caso parece meio doido, mas aposto que neste caminho chegaremos mais cedo ao nosso objetivo.

Mike Tompetch olhou para a tela e procurou descobrir o que Bell tentava explicar.

Ficaram meia hora no compartimento das máquinas de propulsão e neste intervalo a paisagem lá fora se transformou de uma maneira incrível. Aumentara ainda mais a proporção de encolhimento. As árvores e a vegetação rasteira se achataram, diminuindo tanto de tamanho, que pareciam figuras recortadas por crianças. O quadro geral parecia uma fotografia tirada com teleobjetiva muito possante.

Na parte superior da tela, Tompetch viu, bem abaixo do céu avermelhado, uma faixa estreita, também vermelha, que somente podia distinguir-se pela cintilação mais intensa.

O tenente olhava sem compreender.

— Então, o que você me diz de tudo isto? — perguntou Bell com ar de triunfo.

— Só posso dizer que o processo de atrofiamento continua.

E outra coisa ele não podia dizer porque não sabia.

— Está mesmo diminuindo cada vez mais? Cuidado, tenente, que sua inteligência também não diminua. Que é que você está vendo na parte superior da tela?

Tompetch estava hesitante.

— Estou quebrando a cabeça com isto há mais tempo, senhor.

— Desista! — foi o conselho de Bell. — É o mar do norte.

— O mar do norte?

Bell fez que sim com a cabeça.

— Perfeitamente, o mar do norte. Estamos bem próximos do litoral sul deste continente. Qual é a largura assinalada aí no mapa?

O tenente ainda tinha o número na cabeça:

— Dois mil e quinhentos quilômetros.

— Ótimo! E qual é agora a distância entre nós e o litoral norte, poderia me dizer? A julgar, naturalmente, pelo que estamos vendo na tela.

— De dois a três quilômetros, suponho eu, não mais.

— Muito bem, está exato, de dois a três quilômetros. O que me diz então do fator de encurtamento?

— Está entre oitocentos e trinta e mil duzentos e cinqüenta.

Bell concordou também com este cálculo de Tompetch.

— Mas fique prestando atenção na faixa de maior cintilação, enquanto lhe conto uma coisa. Tenho a convicção de que você vai ver como ela se aproxima.

Enquanto Bell estava contando, os olhos de Tompetch estavam firmes na tela.

— Este sistema, como você sabe, se encontra em rotação. Uma semi-esfera do grupo de rotação de cinco dimensões possui a singular propriedade de encurtar os eixos das coordenadas. Uma rotação se dá num espaço pentadimensional, ou seja, de cinco dimensões, portanto, durante a rotação nem todos os eixos sofrem o efeito do encurtamento, ou, se o sofrem, este encurtamento varia então de rotação para rotação.

“Possivelmente, estamos agora numa fase bem favorável. O fator de encurtamento atinge no momento cerca de mil. Isto quer dizer então que mil quilômetros na realidade se transformam em apenas um para nós. Você pode imaginar o que vai acontecer se este fator continuar em crescimento? Se, por exemplo, atingir a dois milhões e meio?”

Tompetch se assustou.

— Aconteceria que... que...

Bell continuou a frase apenas iniciada!

— Aconteceria que este continente não teria mais do que um metro de largura para nós. E a distância daqui até o litoral sul não passaria de dois metros. Bastaria que déssemos três passos. E, com apenas um desses, atravessaríamos, um rio de sessenta centímetros de largura, que na realidade é um mar de mil e quinhentos quilômetros de largura.

O Tenente Tompetch parecia perplexo. Estava-se vendo que acompanhava os cálculos, mas não estava crendo muito no fenômeno. Bell lhe bateu suavemente nos ombros e disse em tom paternal:

— Continue sentado em chão firme. As coisas não são tão simples assim. Nesse tempo todo, a pressão atmosférica deve ter subido por alguns milhares de atmosferas e o ar vai endurecer como uma pasta mole. Temos que nos preparar para isto. Precisamos de um gerador de campo que nos proteja contra a pressão demasiada. Os trajes espaciais somente não vão agüentar. Vamos, que está esperando? Mãos à obra.

 

— Llandrindod! — exclamou Atlan, sorrindo. — O velho espadachim! Eu queria...

E saiu correndo. Perry Rhodan, que naturalmente já sabia que uma das manias do Ser de Peregrino era recolher figuras estranhas e rocambolescas da Terra, principalmente da Antigüidade e da Idade Média, para povoar seu mundo artificial, acompanhou-o calmo e bem-humorado.

O súbito aparecimento de um cavaleiro medieval diante de uma nave espacial de reconhecimento atrapalhou os cálculos da tripulação. No momento, quebravam a cabeça para descobrir como transformar um gerador antigravitacional em fornecedor de energia para propulsão. E aquele não era propriamente o instante ideal para brincadeiras.

Atlan já havia aberto a comporta, quando Rhodan ali chegou. Embora existisse uma proibição de que as duas comportas, a interna e a externa, se abrissem num só movimento, não havia necessidade de tanta cautela aqui neste planeta, onde a atmosfera era mais ou menos idêntica à da Terra.

O Conde Llandrindod, quando a comporta externa se abriu, recuou dois passos com seu cavalo, Atlan ficou parado no degrau de descida. Com voz tonitruante, procurando imitar as palavras e o sotaque arcaico do inglês medieval, assim falou:

— Quem se achega assim da minha casa voadora, para bater desta feita no meu umbral? Quem é este charlatão?

Rhodan tinha certeza de que o Conde Llandrindod jamais ouvira, em toda sua vida, palavra tão ofensiva.

— Vil — gritou ele, levantando o escudo a ajeitando a lança. — Vou lhe mostrar quem é o charlatão. Defenda-se, poltrão!

Estava para esporear o cavalo e se abater sobre Atlan. Mas, neste momento, o arcônida ergueu os braços para o ar e começou a gargalhar bem forte. Llandrindod perdeu sua segurança e deixou cair um pouco o escudo.

— Meu bom rapaz de Llandrindod! — exclamou Atlan, rindo. — Você ficou maluco! Ou será que com o correr dos anos, está ficando cego, a ponto de não conhecer seu melhor amigo?

A viseira foi levantada e se pôde ver os olhos desconfiados e um tanto oblíquos, que examinaram demoradamente o arcônida. Para os moldes da Idade Média, Atlan devia estar vestido bem comicamente. Um sorriso transformou seu rosto sisudo... tinha reconhecido o arcônida.

— Deus me seja benigno! — exclamou o Conde Llandrindod. — Se você for Peyrefitte de Sherwood, meu amigo, então deve estar vestido de cigano, que nosso rei teria o prazer de envenenar ou de tocar para fora do país. Você é mesmo Sherwood?

Atlan desceu os degraus da comporta.

— Sou eu mesmo — afirmou. — Desça de teu corcel e venha me cumprimentar como convém a um bom amigo.

Llandrindod deixou cair lança e escudo, apeou do cavalo e caminhou para o arcônida com passo firme e vagaroso. Quanto mais perto chegava, mais certo estava de realmente ter diante de si o velho amigo de outrora.

Os passos tornaram-se mais rápidos e acabou tropeçando, mas foi cair felizmente nos braços firmes do arcônida.

— Louvado seja Deus, Sherwood — disse admirado. — Não pensava mais encontrá-lo. Onde andou este tempo todo?

— Por toda parte — respondeu Atlan. — Estive entre os franceses, entre os turcos, entre os russos...

— Tão longe assim. Foi de lá que você trouxe isto aí? — perguntou apontando para a gazela.

— Sim. Isto pode se locomover através do ar.

— Através do ar? — repetiu o cavaleiro medieval, não acreditando no que ouvia.

— Perfeitamente. Dentro dele mora uma força que lhe possibilita andar pelo ar como um passarinho. Mas esta força agora desapareceu. Por este motivo, não pode mais se levantar do chão.

Llandrindod começou a rir. Ria a valer, espontaneamente, como se tudo fosse muito interessante e cômico. De repente, parece que lhe veio uma grande idéia. Parou de rir e olhou para Atlan perplexo.

— Uma força misteriosa, não é?

— Perfeitamente, meu amigo. Llandrindod coçou a cabeça pensativo.

— Eu vi sua força, Sherwood.

Atlan não estava compreendendo.

— Você viu a força? Uma força ninguém pode ver.

— Eu também pensava assim — explicou Llandrindod. — É verdade que ela não estava muito nítida, mas que Deus me castigue se eu não vi esta força. Estava flutuando sobre a vegetação. A princípio parecia uma neblina bem fraca. Só se conseguia vê-la, olhando com atenção. Depois, parece que ela me descobriu. Começou a se concentrar e, de repente, ela tomou a forma da minha pessoa. Não perdi tempo. Ergui o escudo, peguei a lança com a mão direita e avancei contra ela.

“Ela não me atingiu, mas eu acertei-lhe uns golpes. Mas não adiantou nada. A lança a atravessou como se atravessasse uma simples camada de ar. Quando parei o cavalo e olhei para trás, não se via mais nada. Foi como se o diabo a tivesse levado. Será mesmo que esta foi a sua força?”

Atlan não respondeu. Podia muito bem ser que Llandrindod tivesse visto e encontrado qualquer outra das muitas criaturas que Ele, o ser do planeta havia trazido para seu mundo artificial. O próprio Conde Llandrindod era uma destas criaturas. Persistia também a hipótese, talvez mais próxima da verdade, de que o ente visto pelo conde fosse Natan.

— Temos que encontrar esta neblina, meu amigo. Onde foi mesmo que você a viu?.

Llandrindod apontou para trás.

— Aqui deste lado, não mais do que uma hora daqui, a meio caminho do castelo Llandrindod.

O conde olhou longamente para Atlan e seu olhar continha desconfiança. Podia-se ver em seu rosto que a história da força misteriosa não lhe agradava muito.

— Diga-me uma coisa, Sherwood — começou ele titubeante — você não está penetrando no terreno da magia negra?

Atlan abanou a cabeça.

— Não, Llandrindod, vou lhe explicar uma coisa: lá com os turcos, persas, russos e outros povos do Oriente há muito mais coisas do que podemos imaginar. Não são coisas do demônio e podemos aproveitá-las para nosso benefício. Você quer me fazer um favor?

O conde parecia mais calmo e fez-lhe um sinal afirmativo.

— Meu amigo Llandrindod, volte para trás, para onde você viu a neblina ou a força. Nós o seguiremos para poder apanhá-la. Você quer esperar um pouco por nós?

Llandrindod concordou mais uma vez. Dirigiu-se a seu cavalo e montou.

— Fico esperando aqui — disse ele ao arcônida — e depois de pegarmos a força, você vai me mostrar sua casa voadora. Faremos uma festa para celebrar nosso encontro, não na sua casa voadora, que me é estranha, mas no meu castelo.

Dizendo isto, virou o cavalo e foi troteando. Atlan voltou pensativo para a comporta da gazela. Encontrou Rhodan de pé junto da comporta interna e levou um susto.

— Era Llandrindod — disse um pouco sem jeito e confuso. — Um velho cavaleiro meio inglês, meio galês. Ajudou o Rei Eduardo I a conquistar o País de Gales. Eu o vi pela última vez no ano mil trezentos e cinco.

Atlan olhou para Rhodan e este notou que o arcônida estava com uma vontade louca de contar toda a história da conquista do País de Gales e seu papel de Conde de Sherwood.

Sentia necessidade de dar expansão à sua memória fotográfica e desenrolar mais um capítulo da história da Humanidade perante os ouvidos atentos da tripulação. Sentia sempre esta força irresistível de falar de seu longo passado, sempre que qualquer imagem forte mexesse com sua memória. Só com muita força de vontade, conseguia dominar sua ânsia de transmitir, o que a memória descobria nas cinzas do passado. Seus relatos se tornavam horas muito agradáveis para os ouvintes.

Mas agora a situação era outra. Não podiam perder nem fração de hora, por mais interessante que fosse a aventura do Conde de Sherwood.

Rhodan pegou o arcônida pelo braço e o levou pelo corredor principal para a sala de comando.

— Este cavaleiro sabia alguma coisa de importante? — perguntou logo, para desviar a atenção de Atlan.

O arcônida conseguiu se controlar.

— Sim — respondeu ele. — Viu uma coisa que pode ser muito bem a existência de Natan como espírito. Aqui na redondeza, a quatro ou cinco quilômetros. Eu pedi que ele fosse caminhando de olhos atentos e lhe disse que nós iríamos atrás.

— Acho que no momento temos que nos preocupar mais com as turbinas de propulsão, do que com Natan — sugeriu Rhodan.

Quando estavam entrando na sala de comando, o telepata John Marshall estava vendo na tela algo muito esquisito. Do lado do sul vinha uma figura, que a princípio parecia um homem. Pelo menos tinha a mesma estatura de um homem. Depois, porém, Marshall notou que se tratava de uma formação alongada que crescia a cada instante. E atingia agora mais de um quilômetro de extensão. Crescia ininterruptamente a uma velocidade de cinco metros por segundo.

O telepata não conseguia ver o que era realmente. Parecia uma enorme barra que alguém empurrava do sul para o norte. Não se podia dizer ao certo o comprimento desta barra. A altura devia ser de um metro e oitenta e a largura de uns oitenta centímetros. Em compensação, o corte transversal não era retangular nem de qualquer outra forma geométrica regular. No entanto, parecia apresentar um conjunto simétrico.

Por algum tempo, Marshall ficou observando o corte transversal, o que lhe era fácil, pois estava vendo a barra quase de frente e chegou a uma conclusão surpreendente: parecia mesmo com a figura de um homem. Delineava-se bem a cabeça, dois braços ligeiramente separados do tronco, de forma a se poder ver um intervalo entre eles. Duas pernas levemente esticadas. A princípio, Marshall julgou ver um homem apenas na face frontal da barra. O que ele pretendia, era muito difícil descobrir, ainda mais que este era o planeta Peregrino, o mundo artificial, às vezes muito “distante” do normal.

Mas, de repente, o telepata começou a perceber pensamentos na barra, muito lentos mas compreensíveis. Eram coisas tão características, que John Marshall logo percebeu de quem podiam vir.

Quando Perry Rhodan e o arcônida pisaram na sala de comando, Marshall se dirigiu a eles.

— Tenho uma comunicação importante para lhe fazer, senhor — disse apontando para a tela. — Bell se aproxima de nós de uma maneira muito esquisita.

 

Reginald Bell teria que constatar muito cedo que a contração de um planeta inteiro não podia deixar de ser perigosa para quem o havia conhecido como um todo invariável. Não sentira isto antes, mas quando viu que a primeira montanha se precipitava contra ele, percebeu então as conseqüências desta contração ou atrofia.

Bell estava de pé diante da espaçonave para ver como as coisas se desenrolavam.

Nos últimos minutos, o fator de encurtamento ou contração havia aumentado muito. Podia-se ver a olho nu como a superfície do planeta se contraía — aliás só numa direção. A largura e a altura das coisas ficavam as mesmas, somente seu comprimento é que se alterava, até níveis grotescos. A pressão do ar não subia, como Bell imaginara, na mesma proporção do fator de distorção. Enquanto este último andava pela escala de um para dez mil, a pressão do ar havia subido apenas vinte vezes. Os pequenos geradores de campo, para proteção contra pressão excessiva, que foram montados pelo Tenente Tompetch, não chegaram ainda a ser usados.

Com a distorção de um para dez mil, o litoral sul do mar do norte distava deles apenas duzentos e cinqüenta metros. O litoral do oceano equatorial, que conforme o mapa, devia estar a vinte quilômetros da gazela, estava ali, a dois metros. Bell sabia agora, que ele próprio haveria de parecer para os habitantes do planeta como um monstro disforme de cinco quilômetros, o que naturalmente o inquietava bastante.

Seu corte transversal estaria certo, mas seu achatamento exagerado lhe daria a forma de uma barra muito alongada. Portando, um homem-barra, como ele mesmo se intitulava. As botas de seu traje espacial, que para seus olhos eram de quarenta centímetros, haveriam de parecer, nas dimensões de contração deste planeta, ter um comprimento de quatro quilômetros. No entanto, a altura, como também a largura, permaneceriam inalteradas.

Quando a escala da distorção atingisse um para cem mil, o mar do norte estaria apenas a vinte e cinco metros deles e as pontas das botas de Bell estariam tocando o litoral do oceano equatorial.

Mas os interesses de Bell não estavam no sul, mas no norte. No primeiro movimento que fez sentiu logo que o ar lhe impedia os movimentos. A pressão era agora de cinqüenta atmosferas. Mas o ar se comportava como se fosse líquido.

Bell tinha que fazer um esforço incrível I somente para se virar. Ele mesmo não chegou a reparar como seu corpo se modificou. As botas que há pouco chegavam até o litoral do oceano, voltaram ao tamanho normal, assim que Bell terminou sua meia-volta e tornaram a crescer desmesuradamente quando completou a volta inteira. Do mesmo modo, seus ombros cresciam e depois se contraíam e caso se deitasse no chão, no sentido norte-sul, teria um comprimento de cento e oitenta quilômetros.

Depois ficou parado, com os olhos fixos no norte, vendo que o mar se transformara numa poça d’água. Viu o litoral do continente do norte que surgia de uma penumbra avermelhada e os edifícios da grande cidade, construída nos rochedos do litoral. Viu também como a água vermelha do rio ia de encontro às margens íngremes e depois fluíam para o mar. O esquisito em tudo isto é que estava vendo uma coisa que, pelo mapa, distava dele quatro mil quilômetros.

Constatou, com um certo mal-estar, que quanto mais olhava para as construções da cidade, mais transparentes elas ficavam. Chegou a recear que fossem desaparecer totalmente, caso a distorção da contração ainda continuasse.

Quando a pressão do ar chegou a cem atmosferas, e a distância até a cidade era de apenas alguns metros, ouviu o alarme interno do traje espacial. Gritou para Tompetch para que ligasse os geradores do campo de proteção.

Exatamente no momento em que o tenente estava respondendo, viu que o morro do litoral sul do mar do norte, cuja aproximação ele já vinha observando, não iria apenas passar a seu lado, mas atropelá-lo...

Certamente o morro não era nenhum monstro, mas seu flanco leste, que corria suavemente para a planície, era suficiente para cortar toda esperança de fuga de Bell e de Tompetch. Ficou parado, fascinado com o fenômeno do morro andante, progredindo em sua direção. Esperou para ver o que ia acontecer. O céu irradiava uma luz avermelhada. Em suas dimensões normais, o morro teria alguns quilômetros de extensão, mas com a distorção de um para um milhão, devia medir correspondentemente também alguns milímetros.

Bell teve um calafrio só ao pensar que a contração, em que o planeta Peregrino se encontrava, pudesse ter influências na constituição molecular da matéria e que, agora, o flanco do morro apesar de reduzido a poucos milímetros, conservasse a mesma força de antes, isto é, continuasse na impossibilidade de ser transposto.

Era, porém, totalmente impossível tentar um desvio. Olhou em torno e viu Tompetch subindo na comporta. Estava com um dos geradores preso na cintura e conseguia se mover com facilidade, graças à proteção de seu campo magnético. Ao invés disso, Bell tinha que se mover como se estivesse dentro de uma lama pegajosa, de tão pesado que o ar ficara. Ainda teve tempo de alertar Tompetch:

— Cuidado com o morro! Ele se aproxima de nós.

Viu ainda como Tompetch olhou com calma para a ameaça inesperada e aguardou firme seu destino, sem desviar os olhos daquilo que iria esmagá-lo. O morro estava quase rente a eles, questão de poucos centímetros. Era uma estrutura lisa de rochedo, porém muito delgada.

Mas não era a montanha que vinha ao seu encontro, mas eles é que eram impelidos contra ela!

Bell se recurvou para frente, a fim de abrandar o impacto com os ombros. Sentiu uma dor imensa no ombro direito. Por um momento, teve a impressão de que seus ossos estavam sendo triturados. Mas, de repente, descobriu triunfante uma fenda que corria de alto a baixo na muralha de pedra.

Recurvou-se para trás e teve vontade de xingar aquele ar horrível, pastoso, que o impedia de caminhar melhor. Lançou-se mais uma vez para frente, mas a dor foi agora menor. Bell ouviu um ruído que lembrava o latido de um cão. No mesmo instante, a fenda se ampliou e a muralha de pedra partiu ao meio, começando a cair. Os pedaços eram finos demais.

E, na montanha, se abriu uma brecha, pelo menos três vezes maior que o corpo .de Bell. Ele ainda ficou olhando para a muralha, que apesar de delgada, tinha mais de duzentos metros de altura.

Bell sorria feliz com o que acontecera. A muralha estava agora cortada em dois trechos. Em circunstâncias normais, ele e seu ajudante seriam atingidos pelos enormes blocos de pedra. Mas, devido ao fenômeno da contração, esses blocos não passavam agora de fragmentos de poucos milímetros de espessura, não podendo feri-los com gravidade.

Preocupado, procurou por Tompetch. Estava parado ali perto, sem correr nenhum perigo. O campo magnético de proteção fez com que ele não precisasse se utilizar dos ombros, como fizera Bell. Na hora do choque, Tompetch se jogou para frente e, no mesmo instante, se abriu uma segunda fenda na muralha.

Minutos depois o morro atingiu a gazela, mas já então Bell não tinha mais receio, pois a espaçonave era um milhão de vezes mais resistente do que ele. Realmente, a delgada parede do morro se partiu em dois ao tocar na gazela.

Bell tentava imaginar o que se passava neste momento no planeta Peregrino, isto é, lá onde os habitantes fantasmagóricos desse mundo artificial estavam sentindo os efeitos da contração, que eles mesmos não percebiam. Veriam três coisas disformes: Barras quilométricas, que eram na realidade dois homens e uma formação de vários quilômetros de extensão, a nave gazela. Estes objetos estavam num crescimento rápido. Destroçavam tudo que lhes estava no caminho: árvores, arbustos, casas e até mesmo morros. Neste momento, o planeta devia estar convertido num verdadeiro caos. Cada movimento daqueles três objetos — verdadeiros monstros em relação com a contração geral — provocava um tufão de enormes proporções. Árvores que ainda estavam de pé, eram arrancadas do chão e levadas pelo planeta afora. Se existissem seres humanos ali, certamente seriam também lançados para longe. O mar começou a se agitar, dando impressão de que suas águas estavam fervendo.

E eles mesmos, os três monstros, não percebiam nada. E não podiam notar mesmo, pois uma árvore de dez metros de copa, parecia para eles com menos de um centésimo de milímetro. Mesmo que as árvores fossem muitas vezes maiores, não lhes seria mais de uma sombra sem valor, cujo contato não podiam sentir.

Por uns instantes, Bell estava ali parado, remoendo estas idéias, tentando medir a desgraça que ele mesmo estava causando. Seu consolo era que os seres do planeta Peregrino eram em geral seres fantasmagóricos, criados ao bel-prazer do senhor supremo deste mundo. Com a mesma facilidade com que eram destruídos, podiam ser criados novamente. Portanto, praticamente, nada se perdia.

E também não havia propriamente uma morte, quando uma rocha ou uma árvore se abatia sobre alguém. Tudo era sombra, até mesmo seus corpos.

A voz tranqüila de Tompetch o veio arrancar destas divagações.

— Ligue seu gerador, senhor, a pressão do ar subiu a cento e vinte atmosferas.

Bell tentou se virar, mas não conseguiu. Tompetch notou seu apuro e aproximou-se. Bell, muito assustado, reparou que alguns minutos mais tarde nem conseguiria mais levantar os braços para pegar o gerador. O ar se havia transformado em algo semipastoso e pesado. Com muito custo afivelou o gerador na cintura do seu traje espacial. Teve então a sensação de que aquela carga de chumbo que comprimia todo o seu corpo havia caído por terra. Experimentou levantar o braço e viu que não sentia mais nenhuma dificuldade.

Por trás do morro, apareceu o mar do norte. A ponta da bota de Bell já estava ultrapassando o litoral. Do outro lado do córrego, pois era esta a impressão que dava o antigo mar, via-se o litoral íngreme do continente norte. A cidade no topo do morro não era mais que uma sombra. Pela contração progressiva, Bell achava que não iria mais identificá-la. Se o mar a norte se havia transformado num regato de poucos centímetros, o que seria então da cidade?

No meio destes pensamentos, ouviu um grito. Olhou para o lado e deu com o semblante tranqüilo de Tompetch, olhando distraído para o mar estrangulado. Além disso, a voz que ouvira era muito diferente da do tenente.

— Puxa vida! — disse ele mal-humorado.

No mesmo instante, a voz voltou a se manifestar:

— Apresente-se, Bell, estou em ligação com você. Quem está falando é John Marshall.

A resposta de Bell foi uma risada. Virou o rosto, como se estivesse vendo o semblante de Marshall em qualquer lugar e respondeu:

— Puxa, já era mesmo tempo de vocês se manifestarem.

 

Ao monstro que se avolumava dos lados do sul, acrescentaram-se ainda, no correr dos próximos minutos, mais dois outros. Um destes dois se assemelhava muito com os pensamentos irradiados por Reginald Bell e, ao se aproximar, Marshall reconheceu que se tratava de Mike Tompetch. A terceira sombra, ou ser fantasmagórico, não irradiava nenhum pensamento. Embora nada tivesse de sua forma primitiva, Marshall não teve dúvida de que era a gazela com que Bell e Tompetch vieram para o planeta.

O que para John Marshall foi uma coisa assustadora, os demais acharam muito natural. O arcônida Atlan, por exemplo, disse friamente:

— Não há motivo de terror, nem mesmo de espanto, meus amigos. Tínhamos que contar com algo semelhante, não é verdade? Este planeta gira numa região de instabilidade, onde os eixos das coordenadas de seu espaço estão sujeitos, alternadamente, à contração e portanto à distorção. Naturalmente quem vive nesta região não nota nada deste fenômeno. Provavelmente, nós nos tornamos parte deste espaço intermediário através dos raios transportadores. Para nós, o planeta Peregrino continua o mesmo. Nem percebemos que ele não está mais em ligação com o resto do Universo.

“Para Bell e Tompetch, o negócio é outro. Desceram numa parte do planeta que estava no espaço normal, na hora da aterrissagem. Continuaram parte do espaço normal e sentem todo o grotesco ou toda a grandeza do fenômeno da contração ou enrugamento. Por sua vez, podemos constatar através de Bell e Tompetch o que se passa no planeta Peregrino.”

Atlan olhou para Rhodan e continuou:

— Seria bom se pudéssemos transmitir umas informações úteis a Bell. Seria de bom alvitre avisá-lo de que em poucos instantes ou, no máximo, em meia hora, vai lhe bastar apenas um passo para chegar à sua cidade, se ele já não estiver lá. Seria necessário, acho eu...

Perry o interrompeu, levado por suas preocupações.

— Como está a ligação? — perguntou ele a Marshall. — Você consegue acompanhar bem seus pensamentos?

— Relativamente bem, chefe. Mas ele está pensando muito lentamente.

— Bem, de qualquer maneira, tente alcançá-lo.

Marshall ligou seu minicomunicador e procurou encontrar a freqüência alterada de Bell. Não notou como as grotescas figuras cresciam sempre mais, como Bell, Tompetch e a gazela passaram deformados ao lado da nave de Rhodan, continuando para o sul. Gritou várias vezes:

— Comunique-se, Bell!

Captou o sentimento de espanto de Bell e finalmente ouviu sua voz:

— Puxa, já era mesmo tempo de vocês se manifestarem.

No mesmo instante, alguém lhe gritou:

— Diga-lhe que deve ter mais cuidado com seus movimentos. Cada vez que ele vira a cabeça, irrompe um tufão por sobre a região.

Marshall transmitiu a mensagem ao pé da letra. Bell prometeu ter mais cuidado daí por diante, em seus movimentos.

Depois disso, Marshall ficou aguardando novas ordens de Rhodan.

 

— Na cidade deve existir — começou Marshall — uma estação de onde o planeta recebe energia sem necessidade de fios. Procurem encontrar esta estação e pô-la em funcionamento. Se esta já estiver em funcionamento, obtenham o fornecimento necessário, para que vocês possam vir para cá onde estamos. Nossa energia de propulsão foi sugada. Encontramo-nos completamente sem possibilidade de nos mover. Se conseguirmos esta estação, está tudo arranjado. A estação está, com toda certeza, nesta cidade. Compreendido?

— Sim, compreendi. Você fala depressa demais, mas consegui acompanhar. Parece que vocês não compreendem minhas dificuldades. Vejam só: como vou conseguir achar uma estação que possa fornecer energia, se o edifício todo não tem um milésimo de um milímetro? E como posso apertar um botão se cada um de meus dedos mede mais de quinze quilômetros?

— Espere um pouco, vou explicar isto aqui ao pessoal técnico, respondeu Marshall.

Após alguns segundos, veio de novo a voz de John Marshall.

— O fenômeno da contração ou de encurtamento em breve atingirá seu ponto máximo e depois regredirá, tomando de novo seu tamanho normal, ou falando em outras palavras, o planeta Peregrino retornará às dimensões que estão no mapa. Aí então tudo voltará ao normal. Lembre-se que no momento seu tempo corre três vezes mais lento do que o tempo deste mundo. O fator não é constante, pode se alterar nos dois sentidos.

— Está tudo certo — respondeu Bell. — Mas me diga só uma coisa: Quanto tempo temos ainda?

— Conforme nossos cálculos, vinte e uma horas — foi a resposta de Marshall. — São agora três horas do dia primeiro de maio.

 

A situação ainda era esta: O mar do norte continuava a ser uma pequena poça d’água, com pouco mais de meio metro de largura. Se Bell desse um passo pequeno, já estaria do outro lado, isto é, no continente do norte.

Mas estava hesitando muito em dar este passo, sabendo que isto causaria grande agitação na atmosfera, movimentando seu corpo de mil quilômetros de comprimento.

Levantou bem devagar o pé direito. Guardara bem na memória o local onde estava a cidade. Não conseguia mais vê-la, pois seus edifícios, de tão microscópicos, haviam desaparecido. Tinha, porém, certeza de que não prejudicaria ninguém, pelo menos não intencionalmente. As conseqüências do pé-de-vento, que sua passada provocaria, não as podia imaginar.

Mike Tompetch faria também os mesmos movimentos que Bell. Seguindo seu chefe, levantou o pé, transpondo todo o peso do corpo para a perna esquerda, inclinou-se em câmara lenta para frente. Depois que o centro de gravidade do corpo atingiu o meio do mar, começou a conduzir o pé direito para frente.

Veio então o momento trágico.

Não estava mais se agüentando sobre o pé esquerdo e tinha que descer com o outro pé, com mais velocidade do que queria. Desesperado, olhou para Bell. Mas a situação de seu chefe não era melhor que a dele. Ambos perderam o equilíbrio no mesmo momento. O tufão que agora varreria o planeta seria muito forte.

Depois, Bell não tendo mais coragem de virar o rosto para trás, olhou apenas com o canto do olho e viu a gazela parada ali mesmo, tão perto que esticando o braço podia tocá-la. Quando acabasse a contração, já estaria a quatro mil quilômetros deles.

— Estamos a cinco quilômetros a oeste da cidade — explicou a Tompetch. — Temos pois que caminhar um pouco. A contração só atua do norte para o sul. Do oeste para o leste, não há alteração nenhuma. Caminhemos com cautela. Não temos tempo de sobra, mas também não queremos transformar o planeta num deserto. Se levarmos duas horas para atingir a cidade, teremos agido com bom senso.

Puseram-se a caminho, com muito cuidado.

 

Uma cena tão grotesca assim, Perry Rhodan jamais tinha visto. As duas barras enormes, que outra coisa não eram senão Bell e seu tenente, apesar de toda cautela, provocavam grande agitação na atmosfera. Rhodan então deu ordem para que o fenômeno fosse filmado. Dispositivos ultra vermelhos proporcionavam uma filmagem normal, embora os olhos dos espectadores quase não conseguissem ver os movimentos feitos sob densa poeira.

Rhodan olhou novamente para o relógio. Tinham ainda dezenove horas.

 

Durante a caminhada para a cidade, se deu o clímax da contração e, daí para frente, seria a lenta volta ao normal. Foi com estupefação que Bell constatou que o movimento de volta ao normal ia bem mais rápido do que o aumento da contração.

Uma hora e meia após o ponto máximo da contração, na região do continente norte, a cidade começou a crescer diante de seus olhos. Os contornos dos edifícios, até então reduzidos a uma espessura inimaginavelmente delgada, dilatavam-se, quebravam a luz do sol, produzindo um lindo efeito de cores para os olhos dos dois viandantes.

Meia hora depois, quando já estavam entrando na cidade, o mar do norte já estava tão amplo, que não conseguiam mais ver sua gazela. E pouco tempo depois, desaparecia também o litoral sul do mar do norte.

Apesar disso, seus ombros ainda estavam largos demais para penetrarem na cidade. As ruas pareciam estreitas para eles. Tiveram que esperar.

 

Natan chegou à cidade, depois de longa “caminhada”. Achou-a impressionante e, ao mesmo tempo, acabrunhadora. A saudade de seu amigo, e dos outros estranhos, a sensação da interminável solidão, quase se transformaram em pânico para ele. Estava crente que se tudo isto não terminasse logo, sua existência como espírito terminaria num curto-circuito.

Deitou na praça central da cidade e esperou. A cidade ainda estava vazia e silenciosa. Não havia nada com que se distrair.

 

Quando a marcha regressiva da contração chegou a um ponto que possibilitava o movimento de Bell e de Tompetch pelas ruas da cidade, eles não sabiam que dia era. Mas estavam cientes de que não tinham tempo a perder. Tinham que achar em breve a estação de fornecimento de energia.

Bell queria entrar em contato com John Marshall para saber em que local da cidade deviam procurar a usina elétrica.

Mas não foi mais possível. Àquela hora, Marshall já estava no espaço intermediário, enquanto ele e Tompetch viviam agora no espaço normal.

De repente, Tompetch apontou para um edifício, cuja torre central rasgava o céu avermelhado e cuja abóbada estava guarnecida com figuras tais que se podia pensar em antenas de radiação dirigida. Bell achou que ele tinha razão. A entrada para a torre era pelo lado oeste. Os ombros de Bell ainda estavam um tanto largos, obrigando-o a virar o corpo para passar pelo portão.

A quantidade de peças elétricas e eletrônicas, de todos os tipos, deixou Bell, a princípio, confuso. Levou uma boa meia hora para reconhecer pelas formas dos aparelhos e pelo tipo de suas ligações, para que fim serviriam. Experimentando muitas instalações, levantou a alavanca de contato de uma delas e viu com satisfação que uma série de lâmpadas se acenderam. Ao mesmo tempo, apareceu numa tela uma imagem que parecia um mapa da região, confeccionado numa espécie de plástico. Começou a mexer em diversos botões e descobriu um que regulava a tela.

Não foi necessário muito exercício para que Bell, girando o mapa plástico chegasse a descobrir o local do pouso da gazela de Rhodan.

— Podemos começar agora — disse ele mais calmo para o Tenente Tompetch.

Depois colocou o capacete espacial para trás, para não ser mais incomodado em seu trabalho. A pressão do ar estava quase normal.

 

Ele, o senhor de Peregrino, se apresentou de novo com sua risada barulhenta.

— Parabéns, meu amigo, mais uma vez você teve sorte.

Rhodan entendeu com isto que o Ser queria dizer que Bell descobrira a usina elétrica e a colocara em funcionamento.

Rhodan não teve mais dúvidas. Satisfeito, deu a partida nas turbinas de propulsão. A gazela subiu para o espaço. Das três figuras fantasmagóricas, não se via mais nada.

— E você ainda terá uma grande surpresa!

Era de novo a voz do Ser do planeta. Rhodan não lhe deu muita importância. Mais importante para ele, era chegar à cidade no litoral do continente do norte. Eram quatorze horas e quarenta e cinco minutos. Sobravam apenas dez horas para salvar a imortalidade.

 

O céu ficara de novo mais claro, quando Bell e Tompetch deixaram a torre e se dirigiram para a praça, onde havia a grande galeria. Caminhavam por ruas desertas da cidade gigantesca, que estava morta e parada — com exceção do vulto que saiu de repente da sombra de uma casa.

Reginald Bell se lembrou dele — o homem de roupas esfarrapadas, com a cartucheira caída na barriga e os dois polegares enganchados nela.

— Alô, onde vão estas duas figuras? — perguntou ele.

Era a mesma voz que ouvira há mais de sessenta anos, no mesmo lugar.

— Para onde estão indo vocês? Conhecem esta cidade? Sabem qual é a distância entre Dodge e Wichita? Queria ir até lá.

Bell fez cara de quem não estava gostando muito daquele encontro e respondeu:

— Trinta e oito milhas, estranho. Você não tem um cavalo?

A figura abanou a cabeça.

— Não. Foi abatido pelos vermelhos. Estou agora procurando outro, mas quem vai achar um cavalo nesta cidade miserável?

Dizendo isto, a figura desapareceu subitamente, como se nunca tivesse estado ali.

A praça ficou vazia de novo e Bell sentou-se no chão. Não sabia que horas eram, nem quando terminaria o prazo. Sabia apenas que não entraria no fisiotron, antes de Perry Rhodan. Era o segundo homem do Império Solar e jamais queria ser mais do que isto.

Mike Tompetch não tinha tantos cuidados assim. Andava de um lado para o outro, contemplando as construções da cidade. Ouviu, de repente, o zunido característico da gazela, que se aproximava da cidade, depois de ter atravessado o mar.

Bell levantou-se e abanou as mãos para saudar os companheiros.

 

Às dezesseis horas do dia primeiro de maio de 2.042, Perry Rhodan entrou no fisiotron. O robô Homunk surgiu dos fundos da galeria e encaminhou Rhodan para as instalações de terapia. Homunk não soube explicar se as condições peculiares do planeta Peregrino podiam influenciar na eficácia da ducha celular. E se o robô não sabia, era sinal de que também Ele, o senhor do planeta, estava diante de um enigma.

Às dezessete horas e vinte e quatro minutos, estava terminado o tratamento de Rhodan.

Homunk ainda levou uns instantes até recarregar os aparelhos e chegou então a vez de Reginald Bell. Bell também se preocupara com as influências do fenômeno da contração sobre os efeitos da ducha celular. Era de opinião, de que, numa situação como esta, a ducha não garantiria, ou melhor, não impediria o desgaste das células do organismo, pelo menos para ele, Bell.

Com Rhodan, o caso era diferente, pois, através do salto pelos raios transportadores, ele pertencia a este espaço, que era o do planeta Peregrino. Ele, Rhodan, não havia passado pelas alterações da contração do planeta.

Bell se sentiu aliviado ao constatar que a reação de seu organismo ao tratamento do fisiotron fora a mesma que há sessenta e dois anos. Rhodan veio ao seu encontro e, em silêncio, lhe apertou a mão. Havia alegria nos seus olhos.

— Como é? Conseguimos, não é? Para mais sessenta e dois anos.

— Será que conseguimos mesmo? — perguntou Bell cético. — Você acha que o efeito será o mesmo da outra vez?

Rhodan procurou o robô, mas Homunk já havia se retirado para os fundos da galeria.

— Não, Bell, não estou bem certo disso. Mas podemos tomar nossas medidas de precaução.

— Precaução, como assim? — perguntou Bell.

— Perfeitamente. O prazo expira dentro de quatro horas e meia. Conforme o que Homunk me explicou, se a ducha não foi valida, o envelhecimento começará à meia-noite. Nós ficaremos aqui, acamparemos ao lado do fisiotron. Assim que notarmos os primeiros sintomas do envelhecimento...

— Ah! Compreendo — Bell sorriu feliz e bateu amigavelmente nos ombros de Rhodan. — É uma idéia excelente, rapaz!

 

Depois de ficar parado na praça muitas horas, sem que nada acontecesse, Natan resolveu andar pela cidade, olhando os enormes edifícios. Não gostou. Sentia saudades da grande espaçonave, que era muito mais agradável do que esta cidade morta.

Em sua desolação, não reparou que a gazela havia descido na praça. Continuava perambulando pelas ruas, quando o sol artificial já estava para se pôr.

Perry e Bell estavam diante da gazela, contemplando o céu avermelhado.

— Esquisito — disse Rhodan — estamos em dois espaços diferentes. Você continuou no Universo de Einstein, enquanto eu me encontro no mesmo espaço intermediário do planeta Peregrino. Você está vendo o céu vermelho e meio escuro, eu o vejo claro e azul. E apesar disso, podemos conversar um com o outro, ver e apalpar as coisas.

Bell não disse nada.

— Parece — disse Rhodan depois de curto intervalo — que a vida orgânica está em condições de superar certos limites da natureza. É um mistério que...

Parou de falar, quando notou que uma sombra saía da rua e entrava na praça. Constatou que aquela névoa indecisa tomava as formas de uma figura humana e vinha flutuando em sua direção.

— Natan! — exclamou Rhodan. — Natan está aqui de novo.

No mesmo instante, reboou a gargalhada do Ser do planeta, sobre toda a grande praça. Veio tão depressa, que Rhodan se assustou.

— Preste atenção. É agora que algo vai acontecer.

Rhodan viu como a existência como espírito de Natan desapareceu pela comporta aberta da gazela. Bell deu um passo rápido para frente e perguntou atônito:

— O que que Ele está dizendo? Que significa...

Não terminou a frase.

O fim do mundo começou inesperadamente. Bell sentiu-se atirado para o lado, como se tivesse recebido um estrondoso pontapé de um gigante. Logo depois, sofreu a mesma dor aguda da desmaterialização, que havia experimentado há pouco no fisiotron. Estava tudo escuro e ele estava morrendo.

Sim, morrendo de medo.

Esperava rebentar-se em pedaços a qualquer momento.

Ao invés disso, porém, a dor cessou de repente. Bell se viu deitado no chão da grande praça, olhando para um céu que agora estava tão azul como o céu do Arizona. E no meio do céu, estava o sol artificial do planeta.

 

— Cheguei a saber alguns segundos antes de acontecer — disse Atlan — não tive, porém, tempo para lhe comunicar, administrador.

Rhodan respondeu apenas com um sinal da cabeça. Estava ainda com os reflexos da dor, a mesma dor que sentiu na transição da gazela com os raios transportadores.

— Eu disse desde o princípio — continuou Atlan — que o espaço de meio tempo, em que se encontra este planeta, era uma formação muito instável. Bastaria um movimento leve para alterá-lo e fazê-lo voltar à estabilidade. Mas, felizmente, isto já aconteceu. O planeta Peregrino está no espaço normal. Sabemos, desde alguns segundos, que temos contato normal com a Drusus. Não está a mais de dez minutos-luz do planeta Peregrino. A volta ao espaço normal nos custou um dia e meio. Estamos agora no dia três de maio, nove horas da manhã.

“A energia de que o planeta Peregrino necessitava para sair da instabilidade do espaço intermediário não era pequena. Tirou-a dos mecanismos de propulsão das duas gazelas. Mais ainda: a energia sugada das naves não foi suficiente para provocar a reviravolta no ambiente do planeta. Quem forneceu a energia faltante foi a instalação que Bell e Tompetch descobriram e ativaram na cidade.

“E finalizando: Quando a energia necessária para a inversão do espaço intermediário estava quase toda reunida, faltava ainda um nadazinho para provocar o transbordamento. E quem o forneceu? Foi Natan, quando, cansado e desolado, voltou a seu corpo, deixando neste mundo a energia que trazia consigo para manter sua existência como espírito.

“Isto é um resumo de toda história. Haveremos de calcular tudo com exatidão e dureza, quando desvendarmos a teoria do espaço intermediário.”

Virou-se para o lado e sorriu para Ali el Jagat. Este correspondeu ao sorriso.

— E também iremos dar toda atenção, teórica e prática à dimensão do tempo relativo dos druufs.

Rhodan levantou-se, deu um passo à frente, tropeçando no corpo de Natan, que mais parecia uma vaca-marinha. Natan não escondia sua alegria de estar de volta. Rolava feliz no chão, soltando guinchos de alegria, que não eram ouvidos, por serem emitidos em vibrações de ultra-som.

Rhodan olhava para a tela panorâmica. A vinte metros da comporta da gazela, via-se o grande portão que dava para a galeria do fisiotron.

“Que mundo extraordinário é este!”, pensou Rhodan, o administrador.

 

                                                                                            Kurt Mahr

 

 

                      

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